f^<òK%^lG
K^o\
Presented to the
LIBRARYo/í/i^
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
OBRAS COMPLETAS
DO
VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT
PROPKIEUADK DA
EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL
ROMANCEIRO
ROMANCES CAYALHERESCOS ANTIGOS
3.* edição
LISBOA
Empreza da Historia de Portugal
Sociedade editora
,1VRARIA MODERNA || TYPOGRAPHIA
R. Augusta QS " 3S, ^- lvens,37
1901
■■
Digitized by the Internet Archive
in 2009 with funding from
University of Toronto
http://www.archive.org/details/romanceiro02alme
OBRAS COMPLETAS
DO
\1SC0NDE DE ALMEIDA GARRETT
TOMO XIV
OBRAS COMPLETAS
DO
TISCOIM DE ALMEIDA GARRETT
PROI'RIKDADE DA
EMPREZA DA HISTOUIA DE POUTIT.AL
Tomo I — Camões.
» II — Catão.
» III — Merope — Gil Vicente.
B IV — Romanceiro — i.° volume.
» V — Frei Luiz de Souza.
» VI — Flores sem fructo.
» VII — D. Filippa de Vilhena— Tio Simplício—
Fallar verdade a mentir.
» VIII — Viagens na minha terra — i.° volume.
» IX — » >) » — 2." »
D X — A Sobrinha do Marquez — As prophecias
do Bandarra. — Um noivado no Da-
fundo.
» XI — Arco de SancfAnna — i." volume.
B XII — • » — 2.0 «
» XIII— D. Branca.
» XIV — Romanceiro — 2.» volume.
» XV — » — 3.0 »
u XVI — Lyrica.
» XVII — Fabulas — Folhas cahidas.
» XVIII — O Alfageme de Santarém.
» XIX — Portugal na balança da Europa.
» XX — Da Educação.
» XXI — O Retrato de Vénus, precedido de um
Ensaio sobre a historia da língua e
da poesia portugueza.
» XXII — Helena.
» XXIII — Discursos parlamentares — Memorias
biographicas.
• XXIV — Escriptos diversos.
OBRAS COMPLETAS
DO
VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT
PROPRIEDADE DA
EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL
ROMANCEIRO
^v^OILiTJlivdCEJ II
ROMANCES CAYALHERESCOS ANTIGOS
3.' edi^sio
LISBOA
Empreza da Historia de Portugal
Sociedade tditora
LIVRARIA MODERNA 11 TYPOGRAPHIA
K. Augusta çj 11 SS> ^' lvefit,S7
1901
IMRODlXaO
- Pretendo supprir uma grande falta na nossa
litleratura com o trabalho que iatentei n'esta
collecção. Não quero compor uma obra eru-
dita para me coUocar entre os philologos e
antiquários, e pôr mais um volume na es-
tante de seus gabinetes. Desejo fazer uma
coisa útil, um livro popular; e para que o
seja, torná-lo agradável quanto eu saiba e
possa. As academias que elaborem disserta-
ções chronologicas e criticas para uso dos sá-
bios. O meu oííicio é outro: é popularizar o es-
tudo da nossa litteralura primitiva, dos seus
documentos mais antigos e mais originaes,
para dirigir a revolução litteraria que se de-
clarou no paiz, mostrando aos novos inge-
nhos que estão em suas fileiras os typos ver-
dadeiros da nacionalidade que procuram, e
que em nós mesmos, uão entre os modelos
extrangeiros, se devem incontrar.
É obrigação de consciência para quem le-
vanta o grilo de liberdade n'um povo, achar
as regras, indicar os fins, apparelhar os meios
d'essa liberdade, para que ella se não preci-
pite na anarchia. Não basta concitar os âni-
mos contra a usurpação e o despotismo; des-
truído elle, é preciso pôr a lei no seu logar.
E a lei não hade vir de fora : das crenças,
das recordações e das necessidades do paiz
deve sahir para ser a sua lei natural, e não
substituir uma usurpação a outra.
Eu, que ousei levantar o pendão da refor-
ma litteraria n'esta terra, soltar o primeiro
grito de liberdade contra o dominio oppres-
sivo e antinacional da falsa 'itteratura, doe-
me a consciência de ver a anarchia em que
andamos depois que elle foi aniquilado; pê-
za-me ver o bom instincto dos jovens talen-
tos, desvairado em suas melhores tendências,
procurar na imitação extrangeira o que só
pôde, o que só deve achar em casa.
A revolução não está completa nem conso-
lidada. É preciso indicar-lhe o caminho na-
tural e legal, pô-la em marcha para os pon-
tos a que lhe convém chegar; e ella se aper-
feiçoará a si mesma no progresso regular
que assim hade seguir para um norte Gxo.
Fiz para isto esta collecção de exempla-
res, de documentos, de estudos e observa-
ções. Não respondo nem por sua exacta clas-
siQcação, nem por uma certeza em todos el-
les acima dos escrúpulos austeros da critica,
e das desapiedadas negações da chronolo-
gia. Respondo pelo espirito, pela tendência,
pela verdade moral do trabalho. Sente-se
muitas vezes, vè-se clara a verdade e exa-
rção moral de uma coisa cuja exacção ma-
terial não pôde provar-se por falta de do-
cumentos de indisputável authenticidade.
Eu reuni, junctei, puz em alguma ordem
muitos elementos preciosos. Trabalhadores
mais felizes, e sobretudo mais repousados
que eu de outras fadigas, virão depois, e
emendarão e aperfeiçoarão as minhas ten-
tativas. Tomára-os eu já ver n'esseimpenho.
VIU
Então intenderei deveras que flz um gran-
de serviço á minha terra e á minha gente.
Sem vagar de tempo nem de cuidados para
coisas tanto de meu gosto e tão fora de mi-
nha possibilidade, vou lançando no papel
as observações que me lembram, as refle-
xões que me occorrem, sem curar às vezes
nem do fio que levam, nem do logar em que
as ponho. Quizera poder fazer á liogua e á lit-
teralura portugueza serviço egual ao que fez
M. ílaynouard á dos seus provençaes. Mas
nem posso eu, nem o resultado seria tam
prompto como elle hoje se precisa.
Tomara que óslas paginas se fizessem lêr
de toda a classe de leitores; não me importa
que os sábios façam pouco cabedal d'ellas,
comtanto que agradem á mocidade, que as
mulheres se não infadem absolutamente de
as ler, e os rapazes lhes não tomem medo
e tédio como a um livro professional. Eis-
aqui o que eu desejo, o em que puz fito, e o
porque intersachei a prosa com o verso, a fá-
bula com a bisloria, os raciocínios da critica
com as inspirações da imaginação.
Tenho alguma esperança no methodo.
A primeira parte e volume do presente
ROMANCEIRO deve ser considerada como a
introducção d'esta segunda e das que se
lhe seguirem.
Alli dei a traducção em língua e stylo
moderno de alguns dos nossos romances
populares; aqui vão os próprios textos d'es-
ses e de muitos outros romances.
Horácio, cuja arte poética hade sempre ser
para a poesia de todas as edades, de todas
as escholas e de todas as nações, o que são
para a moral os 'Versos de oiro' de Pythago-
ras, um código eterno de regras inalteráveis
— Horácio louva, sobre todos, aos poetas ro-
manos que ousaram desviar-se do trilho ba-
tido dos gregos, e celebrar emfim as acções
da sua própria gente, deixando em paz as
Medeas e Jasons, a interminável guerra de
Tróia e essa perpétua familia dos Attridas.
Os nossos primeiros trovadores e poetas,
que mal sabiam talvez, se tanto, o latim mii-
sàrabe dos bons monges de Lorvão ou de
Cucujães, e que decerto nunca tinham lido
Horácio — nem o intenderiam — seguiram
comtudo melhor, por mero instincto do co-
ração, as doutrinas do grande mestre que
não conheciam, do que depois o Qzeram os
poetas doutos e sabidos que no século xvi
nos transmudaram e corromperam todas as
feições de nossa poesia.
Longe de mim a ingrata e presumpçosa
vaidade de desacatar as venerandas barbas
dos nossos dois Boileaus de Quinhentos, Fer-
reira e Sá-de-Miranda! E quem ousará pôr os
olhos fittos no sol de Camões para lhe rastrear
alguma leve mancha, se atem?Todavia esses
Ires grandes poetas, grandes homens, gran-
des cidadãos e grandes philologos, são os
que, cheios de Yirgilio, de Ariosto e de Pe-
trarcha, com os olhos cravados no antigo ba-
cio e na moderna Itália, de todo esquece-
ram e fizeram esquecer os tons e os mo-
dos da genuina poesia da nossa terra.
Os nossos vizinhos de Castella nunca che-
garam, no século xvi, á perfeição clássica da
htteratura portugueza; mas porisso ficaram
mais nacionaes, mais originaes^ e por conse-
quencia, maior e mais perdurável e mais ge-
ral Dome obtiveram e conservaram no mundo.
Toda a Europa lê hoje os lusíadas: é ver-
dade, E porque? Será pelas formas virgilia-
nas do poema, pelos deuses homéricos do
seu maravilhoso, pela belleza dos modos
que só nós sentimos bem? Não, é pelo que alli
ha de poesia origiíial, própria, primitiva :
porquanto, era o Camões poeta tam portu-
guez n'alma. que as mesmas harmonias ho-
méricas e virgilianas, os mesmos sons clás-
sicos se lhe repassavam debaixo dos dedos
n'aquella sincera e maviosa melodia popular
que respira das nossas crenças nacionaes, da
nossa fé religiosa, do nosso fanático— e in-
da bem que fanático! — patriotismo, da nossa
historia, meio historia, meio fábula dos tem-
pos heróicos. Dominou-o, mas não pôde per-
vertê-lo a eschola do seu tempo.
A poesia e a litteratura portugueza pre-
cisavam retemperadas nos princípios do sé-
culo passado; que estavam uma coisa infor-
me e laxa: eram cordas castelhanas em se-
gunda mão, cordas italianas de má fabrica,
as únicas da lyra portugueza. Veio o Garção,
o Diniz, Francisco-iManuel, depois o Bocage,
com todos os satelliles d'estes quatro gran-
des planetas, e restauraram a lingua e a
poesia— a prosa não— mas nos aniigos mo-
dos clássicos, agora deduzidos pela refle-
xão franceza, bem como no século xvi o ti-
nham sido pela reflexão italiana.
Fallou portuguez e fallou bem, cantou
alto e sublime a nossa poesia; mas ainda
não era portugueza.
Estava corrido o primeiro quarto d'este
século, quando a reacção do que se cha-
mou romantismo, por falta de melhor pa-
lavra, chegou a Portugal.
Vamos a ser nós mesmos, vamos a ver
por nós, a tirar de nós, a copiar de nossa
natureza, e deixemos em paz
'Gregos, romãos e toda a oatia geute.'
Que se hade fazer para isto? Substituir
Goethe a Horácio, Schiller a Pelrarcha, Shaks-
peare a Racine, Byron a Virgílio, Walter-
Scott a Uelille?
Não sei que se ganhe n'isso, senão dizer
mais semsaborias com menos regra.
O que é preciso é estudaras nossas primi-
tivas fontes poéticas, os romances em verso
e as legendas em prosa, as fábulas e crenças
velhas, as costumeiras e as superstições an-
tigas: le-las no mau latim musárabe meio
suevo ou meio godo dos documentos obso-
letos, no mau portuguez dos foraes, das leis
antigas e no castelhano do mesmo tempo —
que até bem tarde a litteratura das Hespa-
nhas foi quasi toda uma. O tom e o espirito
verdadeiro portuguez esse é forçoso estudá-lo
no grande livro nacional, que é o povo e as
suas tradições e as suas virtudes e os seus
vicios, e as suas crenças e os seus erros.
E por tudo isso é que a poesia nacional ha-
de resuscitar verdadeira e legitima, despi-
do, no contacto clássico, o sudário da bar-
baridade, em que foi amortalhada quando
morreu, e com que se vestia quando era viva.
Reunir e restaurar, com este intuito, as
canções populares, xácaras, romances ou
rimances, soláos, ou como lhe queiram cha-
mar, é um dos primeiros trabalhos, que
precisávamos. É o que eu fiz — é o que eu
quiz, fazer ao menos.
Para entrar com alguma ordem, e com al-
gum nexo, ainda que seja apenas hypotheti-
co. no ajunctar e examinar dos documentos,
vejamos e resummamos em poucas palavras
como, da litteralura da civilização velha se
fez, na chamada meia edade, a transição para
a nova e imperfeita, mas muito mais original,
muito mais creadora litteratura da sociedade
christan, d'e?ta civilização que é tam outra
e tam distincta d'aquella, e, por forçosa ne-
cessidade, tam diversamente tem de formu-
lar-se em suamais natural expressão, a poesia.
Roma e Grécia tinham cahido na segunda
meninice, os bárbaros do norte entravam em
vigorosa juventude de intendimento. Cha-
mou-se a este periodo, tam notável e interes-
sante na historia do espirito humano a Edade-
media. Mas não foi elle, como ha Ires séculos
se escrevia, e se cria sem mais exame, não
foi uma epocha de trevas em que toda a arte
6 sciencia pereceram, foi uma crise de trans-
XV
formação e regeneração em que os elemento?
da sociedade, puriQcados no fogo de um gran-
de incêndio, começaram a tender para ordem
nova, para uma organização que era extra-
nha a todas as ideas e concepções antigas.
Observa um elegante escriptor contempo-
râneo que naturalmente são objecto da nossa
curiosidade e nos excitam vivo interesse
os costumes, os sentimentos, a litteratura
d'aquella epocha singular em que, passo a
passo, vemos o progresso do intendimento
humano caminhando para a civilização chris-
tan, essa que depois havia de confundir-se
com as reminiscências da antiga, desvairar-
se em seu caminho, retrogradar, perder-se
tantas vezes na senda, chegar a ser desco-
nhecida e desconhecer-se ella a si mesma.
Abstractamente consideradas as maneiras
e as instituições d'aquella edade, pouco ha
n'ellas de louvar, muito que reprovar: e to-
davia as que mais pareciam deformidades na
infância dos povos, vieram a produzir resul-
tados tam beneGcos, a amadurecer em fru-
ctos de tanta bençam, que hoje nos deleita e
XVI
interessa contemplar e examinar essas mes-
mas aberrações.
Saudável ereanimadora foia influencia das
tribus golhicas na politica e na lilteratura da
Europa. A antiga luz da civilização velha ardia
ainda na caliginosa atmo?phera de Constanti-
nopla; e a ascendência que, de tempos a tem-
pos, readquiria na Europa o crapuloso impé-
rio do Oriente, por vezes fez sumir a luz no-
va e verdadeira que, sob o reinado de Theo-
dorico, se tinha accendido na Itália, que de-
pois, resurgindo de novo nas remotasregiues
do norte, d'esses claustros da Islândia onde
jazera latente, veio propagando-se até nós.
Um soberano theutonico, Carlos-Magno, sus-
citou o génio nacional que deu existência,
forma e cultura á lingua vernácula no centro
da Europa para substituir a corrupta algaravia
das fezes latinas, em que mal se pôde dizer
que já fallava, senão que gaguejava a nossa
decrepitude. Um rei saxonio, Alfredo, formu-
lou, com os primeiros elementos da lingua, a
primeira civilização ingleza. Os nossos reis
godos, visigodos e asturianos crearam nas
Flespanhas estas línguas e estas litteratu-
ras, -hoje resumidas em duas irmans gé-
meas—tamcharacterizadaseoriginaes ainda,
apezar dos longos e teimosos esforços de
uma reacção de cinco séculos que por todos
os modos as quiz desnaturalizar e fazer re-
negar sua nobre e legitima ascendência, para
somente as reconhecer bastardas e adulte-
rjnas de corrupção romana, quando ellas são
egitimas filhas, havidas em um matrimonio,
sim forçado pela conquista mas útil e vanta-
loso aos contrahentes e á progénie que d'el-
les veio.
Durante todo o undécimo, duodécimo e dé-
cimo-terceiro século os elementos de civiliza-
ção da Europa estiveram fermentando, sepa-
rando-se e moldando-se para receber nova
forma : os princípios eram ainda crus e indi-
gestos, mas os sentimentos fortes e vivazes.
O fervor do zelo religioso transviava a miúdo
o espirito e inllammava as paixões; mas essa
religião era também o symbolo, e era o meio,
o instrumento mesmo da civilização; era o
anjo Custodio que velava nos sanctuarios da
sciencia, que os protegia contra o poder igno-
rante e desinfreado.
Offendern o sensocominumaquellessonhos
dacavalleriaandante;mas onde não ha via mais
lei que a força, n'ella só podiam os desvalidos
achar protecção, só ella podia conter os que
outra lei não conheciam. D'essa instituição
phantastica derivou todavia, modificado pelo
tempo, este principio de cortezia, de honra
e de civilidade, que é a base e o fundamen-
to da sociedade moderna
Aquelles rendimentos de adoração para com
o bello-sexo, a solemnidade com que se lhe
prostrava todo o intendimento e vontade faz-
nos hoje surrir desdenhosamente; mas d'ahi
nasceu aimportante revolução social que veio
afixar, nas firmes bases de uma religiosa jus-
tiça, os destinos de ametade da raça humana.
Hoje, certo, nos parece ridículo ver de-
repente transformar a mulher,de escrava ab-
jecta, em divindade sublime, poderosa para
salvar, omnipotente para destruir... E ainda
assim as cadeas voluntárias, com que d'este
modo se prendiam reis, imperadores e guer*
reiros, não os traziam em desagradável ca-
ptiveiro. Sentiram-se amansar e humanizar
aquelles meio-selvagens;e sem saberem por-
quê nem como, apprenderam a respeitar-se
uns aos outros; gradualmente vieram a aca-
bar por se respeitar a si próprios.
Então começou a ter valor e importância a
opinião pública; até as 'cortes d'amor' con-
correram para este grande Gm, ajudando a
curvar a prepotência dos grandes e a sub-
melteraanarchia dos poderosos aos regula-
mentos da disciplina social. Quando a poesia
tinha lammanha influencia, que poderoso in-
strumento de civilização não devia de ser o
enérgico escriplor áeSirventes que honesta e
despejadamente seguia sem medo as lições e
o exemplo do famoso trovador Pons Barba I
Sirventes no es leiais,
S'om no i ausa dir Pos mils
Deis menore e dele crmmunals,
£ maiorinent deis niaiorals,
A Sirvente não é leal
Se Dão ousa borne fxpor o mal
Dos inenore« do communa)
£ morme ute do Biaiora),
Vê-se quanto era o poder de tal influericia
pelo modo com que a auimavara os políticos
imperadores da Allemanha,oppondo-a de bar-
reira á superstição dos ignorantes e ás pre-
lençues da cúria romana. A força com que ella
operava pôde avaliar-se pela resistência de
opinião pública que tantas vezes excitou.
Todo? os elementos da sociedade, unidos
assim por sympalhias communs, tendiam si-
multaneamente a apperfeiçoar-se,temperan-
do-seunsaosoutrospelapropriaacçãoe reac-
ção de suas forças. Príncipes, senbores e povo
rivalizavamno campodas contendas poéticas;
asdesigualdades de condicção eram mitigadas
pela valia que se dava ao talento onde quer
que elle apparecia. Então o Oriente patenteou
as suas maravilhas, o mundo foi incantado e
a historia se fez romance. Foi a primavera
do espirito, a estação da florescência d'alma.
O coração do homem era mais arrojado, o seu
braço mais flrme do que nos dias da prosaica
realidade. O espirito da aventurosa cavallaria
abrandou-se em heróica gentileza e amoroso
galanteio. A belleza da mulher foi estimada
como Ihesoiro, exaltada como triumpho, ado-
rada como divindade. Chegou a hora própria
de despontar a flor mais bella de toda a gri-
nalda, a rosa que as coroa e domina a todas,
aquelle espirito de poesia que desenferrujou
e puliu o barbarismo accumulado das edades,
que suscitou o espirito da emulação, que o
preparou para as melhores cousas. Está
aberto emOm o manancial dos sentimentos
generosos e elevados, d'onde hade correr
a civilização pelo mundo.
A cavallaria e a poesia d'esses tempos fo-
ram pois inseparavelmente ligadas, são fru-
ctos de uma grande revolução moral, nasce-
ram junctas, mutuamente se explicam e de-
fmem, os mesmos senões as maream, qua-
lidades iguaes as illustram.
Mas, tendo se discorri Jo tanto sobre uma,
não se estudou ainda bastante a outra: e to-
davia n'essa poesiada edade-media estáa me-
lhor explicação do estado da sociedade que a
creou,d'essa pasmosà mistura dos sentimen-
tos fortes, das associações religiosas, e do ga-
lanteio melaphysicoque revestia de uma fór-
XXII
ma angélica o objecto da adoração do poeta,
e em seus olhos punha as estrellas em que o
homem lia o seu destino, que abria o ceo aos
amantes felizes, e fazia os bosques e os prados
testimunhas e participantes de sua alegria.
Com que expressão de terno contentamen-
to começa aquella gentil canção do trova-
dor Arnaldo de Merveil:
Oh que doce abril respira
Quando maio ve chegar!
Pelas noites socegadaii
Se escuta o doce cantar;
£ nas frescas maobaus puraa
Brandas aves gorgeiar.
Tudo emtorn3 alegre folga,
Tudo ri, tudo suspira :
Como heidc eu conter no peito
Afectos que amur me inspira !
Que festivas alegrias não folgam n'essa
outra canção do velho minnesinger, o conde
Conrado de Kirckberg quando, ao voltar de
maio, chama pelas festivas choreas que
saiam ao campo.
Seus thesoiros de alegria
Todos maio derramou,
Pelas seves que florece,
Pelas sombras que copou
Onde rouxinol amante.
Em cada ramo que' pende,
Em cada flor que recende,
Sua doce mellodia
Faz soar pela espessura.
Vinde, maio é o mez d'amor,
Da belleza e da tern-jra ;
Cantemos, vinde, cantae-o:
Deus te salve, tindo maio !
A coincidência de tom entre a sociedade e
a poesia do tempo oÍ3serva-se também nas
phantasticas instituições a que deu nascença
a paixão reinante da galanteria. Aprazia-se,
diz outro escriptor moderno, a sociedade,
nova ainda, em formalidades ceremoniosas
que então eram signal de civilização e que
hoje mattariam de infado : é omesmochara-
cler que se acha na lingua provençal, nadif-
ficuldade e no inrevezado das suas rhymas,
nas suas palavras femininas e masculinas pa-
ra expressar o mesmo objecto, até no infi-
nito número de seus poetas. Tudo o que era
formalidade e aliiihamento, coisa hoje tam
insípida, linha então Ioda a frescura e sa-
bor da novidade.
Veja e examine com paciência os exempla-
res que nos restam d 'essa eschola entre nós,
o CANCIONEIRO dilto do CoUegio dos Nobres,
o de Dora Diniz, o de Rezende, e conhece,
rá quanto é exacta a observação.
Neste período se observa também o fun-
damento de uma das mais characterislicas
distincções que separara a poesia moderna
da antiga, a que vulgarmente se diz român-
tica, da que tambera vulgarmente se chama
clássica. Essa, a poesia grega e latina tinha
um character essencialmente masculino, a
todos os respeitos: em seus mais ternos de.
safogos 'a mulher somente apparece como
subserviente aos caprichos e aos prazeres do
'sexo raais nobre'. A nossa poesia, ao con.
trario,deve os mais de seus incantos ao suave
character que lhe infundiu a diíTereníe posi-
ção da mulher na sociedade. Nos primeiros
tempos este novo sentimento trasbordava ex-
travagante e inculto; mas depois abrandan-
do-se e cultivando-se,veio a aquietar-se n'es-
sas tranquillas pinturas de aíTeição social, de
felicidade domestica, de gôso ora sereno ora
apaixonado, de que pouco ou nada appare-
ce na litteratura chamada clássica.
A poesia dos trovadores ainda não foi im-
parcialmente avaliada nemsiquer por aquelles
(e poucos são) que a foram examinar nos pró-
prios originaes. Os mesmos que se extasiam
com as rhymas de Petrarcha e de seus imita-
dores, esses mesmos a tractaram de resto.
Os minnesingers d'AlIemanha, contemporâ-
neos dos trovadores, apenas, se tanto, serão
conhecidos de nome entre nós. De nossos vi-
zinhos castelhanos, aragonezes egallegos ha
muito que se apagou a memoria.já Iam fami-
liar á gente portugueza. Aos nossos próprios
cantores e juglares só Qcou Qel a saudosa re-
cordação do vulgo, da plebe que, de gera-
ção em geração, foi transmiltindo, mas cor-
rompendo lambem suas composições, deli-
cias oulr'ora de damas beilas e de cortezãos
cavalheiros, hoje entretenimento de alguma
pobre velha d'aldea que as cauta ao serão
aos esfarrapados netos.
O maior senão de todas estas poesias
primitivas é a sua uniformidade e monoto-
nia. Responde a esta accusação, por parte
dos seus minnesingers, o erudito e ele-
XXVI
gante F. Schiegel : a defeza serve para to-
dos.
Aaccusação de uniformidade, diz elle, pa-
rece-me singular: é o mesnio que desdenhar
da primavera pela multidão de suas flores.
Certo é que em muita espécie de ornatos,
elles agradam mais separados do que an^on-
toados em massas. A própria Laura iião era
capaz de ler, sem fadiga e fastio, todos os
seus louvores selheappresentassem de uma
vez quantos versos inspirou a Petrarcha no
decurso de sua vida. — A impressão de uni-
formidadenasce de vermos estes poemas re-
unidos em volumosas colecções que tal vez não
pensaram nem desejaram fazer seus auctores.
Mas em verdade não é só canções d'amor,
todo o poema lyrico, se elle realmente for fiel
á natureza e não pretender mais do que ex-
pressar sentimentos individuaes, hadecircun-
screver-se a muito estreitos limites tanto de
sentir como de pensar. A prova e exemplo
está nos mais altos géneros da poesia lyrica
de todos os povos. O sentimento hadeoccupar
o primeiro logar parapcdêr expressar se com.
poesia e força: e onde o sentimento predo-
niiDa,variedadee riquezas depensamento são
de importância muito secundaria. Grandes
variedades em poesia lyrica nãu se acham
senão nas epochas de imitação em que se
capriciía de tratlar toda a casta de assum-
ptos em toda a sorte de formas.
Os trovadores do sul da França foram de-
certo os primeiros inventores da nova arte e
novalinguapoeticaqueeml)reve sedilfundiu
por toda a Europa e se popularizou de tal
modo que o seu alahude fez callar as harpas
dos bardos Iheutonicos e quebrar a última
desafinada corda da lyra romana. Da brutal
idolatria do norte, do proíligado paganismo
do meio-dia, a sociedade europea fugia para
o spiritualismo christão. Exagerados e falsos
muitas vezes, os trovadores eramcomtudoos
poetas d'este culto, os formuladores d'essa
ideia; d'aqui sua popularidade e supremacia.
De nehum ponto na historia litteraria do
mundo se falou eescreveumaisdoqued'este.
E todavia os documentos necessários para
julgar do verdadeiro mérito e character da
poesia dos trovadores eram, até ha'pouco,
Iam mesquinhos que justamente observou
Schlegel: 'todo o mundo fallava dos trova-
dores e ninguém os conhecia.' Os criticos
francezes, e Millot specialmente, occullaram
com imponho os poucos originaesque tinham
consultado, manifestamente para que nin-
guém podesse ajuizar da fidehdade de suas
Iraducções e da justiça de seus conceitos.
Guinguené contentou se com o trabalhoque
achou feito por Millot; rara vez se aventurou á
traduzir por si, e algum fragmento original
que por accaso app/esenta, não o escolheu
com o fim de mostrar o talento, o stylo ou
o gosto da eschola poética que examinava;
foram tomados á sorte e oirerecidos como
simples exemplos de linguagem e de forma
métrica: certamente não conheceu, não ava-
liou nem a força nem a belleza d'aquella lín-
gua, que, se a não julgarmos, como inten-
deu M. Raynouard, continuada e revivente
na lingua porlugueza, se pôde considerar
uma lingua hoje morta.
Seria absurdo e injusto assentar iuizo sobre
os trabalhos d'um auctor que pouco ou nada
leu das obras que se metteu a julgar, e que
confessa, como esle confessou, e Sismondi
lambem, que nos manuscriptos em que se
achavam as poesias dos trovadores não es-
tava para as ir ler, e se fiava descançada-
mente nos extractos e traducçõesde Millot.
Sismondi comtudo já na segunda edição da
sua obra é mais extenso, e mudou de tom a
respeito dos trovadores, porque tinha appa-
recido o primeiro volume dos trabalhos de
M.Raynouard.que porfim veio esclarecer esta
Iam obscurecida parte da historia litteraria.
Com eífeitoRaycouard* fixou o vago d'estes
exames, reformou os antigos erros, suppriu
as deficiências de seus predecessores, formou
a grammalica da lingua, imprimiu correcta-
mente os originaes e reuniu os principaes
monumentos da lingua e da poesia proven-
çal com diligencia, gosto e critica.
Pòde-se dizer que só depois de apparecer
1 Jlecueil ckspoéilendestrouladours, por M. Rayiiouard.
2 Oprímeiro conhecido d'eBteH poetas é Gullherme,nonocon3e
de Poitiersnaeciílo em 1070 e moito em 1126.0 elaborado de seu
o seu livro é que verdadeiramente começá-
mos a conhecer a litteratura dos trovadores
d'oude a nossa descende, ou com a qual
se ligou estreitameate quasi desde o princi-
pio da raonarchia e pouco menos que o co-
meço da lingua.
E viesse ella por Catalunha e Aragão, e,
atravessando d'aht a Castella, a Gaia-sciencia
nos chegasse por Galliza, ou directamente
no'la trouxesse o conde D. Henrique, o certo
é que nos primeiros reinados da monarchia
nós trovávamos já à provençal; e ahi está
a carta do raarquez de Santilhana para fa-
zer fé, que primeiro e melhor que ninguém
o fizemos em todas as Hespanhas, e que na
mesma corte de Castella o portuguez era a
lingua da poesia culta.
Mas não acharia essa poesia provençal quan-
do cá chegou e se aclimatizou Iam depressa
como em chão seu próprio, não acharia ne-
nhuns restos da poesia indígena que já os
stylo e a («ymetria métrica de suas canções mostram claramen-
te que muito antes se devia ter formado e cultivado a lingua
p»ra chegar a tal eitado.
romanos aqui acharam, que sempre foi vi-
vendo com elles e adoptou a sua lingua,que
não consta que morresse, assim como não
morreu a nova lingua com o senhorio go-
do, nem era para acabar sob os árabes, —
que antes esses lhe dariam da sua côr orien-
tal e phantastica, segundo em tudo o mais
nos fizeram?
Estou convencido que sim; e que os vestí-
gios d'essapoesiaindigena ainda duram, des-
figurados e alterados pelo contacto de tantas
invasões sociaes e lilterarias, nos singelos
poemas narrativos que o nosso povo conserva
queama com tanto afrmco,e que não são nem
mais queridos nem mais vulgares em ne-
nhuma outra parte das Hespanhas.
Como porém no século xui começa a ap-
parecer a lingua portugueza propriamente
di(ta, e nesse tempo ja o stylo provençal
tem o predomonio, as duas litteraturas da
corte e do povo vistas hoje d'esta distancia
se confundem aos olhos inexpertos: mas o
observador illustrado bem depressa as es-
trema logo.
Ás apaipadellas quanto aos períodos mais
remolos,eu parece-me achar que a poesia ori-
gioal porlugueza — compreliendendo n'esta
designação a aborígene, a provençal e a mixia
— tem passado por oito phases differentes,
cujas transições e duração constituem setle
epochas naturaes.
Na primeira collocarei tudo o que, mais ou
menos authêntico,tem parecido ser anterior á
predominaçãodaeschola provençal, quasi ab-
soluta no reinado de Afíonso III e D. Diniz; e
comprehende portanto as poucas e incertasre-
liquias que se dizem existir dos séculos XI e XII.
Na segunda época já pisámos terreno histori-
co,e somos alumiados por um grande e inques-
tionável documento, o cancioneiho dilto do
Collegio dos Nobres, e o chamado de D.Diniz
que ultimamente se imprimiu em Paris pelo
manuscripto do Vaticano. Dura esta epocha
até D. Pedro I. E alguma cousa portanto po-
deremos também já haver do cancioneiro de
Rezende. Mas certo e fixo tudo é lyrico, são
canções ou cantares. O pouco de épico ou
(le romance narrativo que se atlribue a esta
XXXIII
epocha é a puro adivinhar, porque tudo é
havido da tradição oral, cada escripto.
Começa a terceira epocha em D. Fernando
com a introducção do gosto ÍDglez,isto é, nor-
mando; e por consequência com uma cer-
ta reacção a favor do género narrativo.
Aqui triumpha a moda dos romances da
Tavola-redonda; elrei Arthuréotypo de toda
a cavaliaria e de toda a poesia; o condestavei
o Mecenas d'esta eschola, e D. João Io seu
Augusto. Já na tradição oral apparecem mui-
tos romances que, sem grande risco de er-
rar, se podem attribuir a este periodo. Da
rainha D. Philippa, de seu filho D. Duarte
lemos versos escriptos e authenticos ; de
seu neto, o outro famoso condestavei, um*
CANCIONEIRO inteiro.
iNos reinados de D. Affonso V e D. João II
predomina o género germânico. No cancio-
neiro de Rezende e em outras collecções
temos exemplares bastantes no género ly-
rico, algum raro porém do narrativo.
Reputo fechada a epocha com a terminação
daedade-média, que todos collocam por esta
data, pouco mais ou menos, e que nós por_
tuguezes positivamente devemos pôr no fim
do reinado de D. João II.
A quarta epocha é aberta por Bernardim
Ribeiro e Gil-Vicente. Agora o Palmeirim e a
litteratura normando-bizantina triumpliam.
Pouco depois já é menor o sabor normando
nos nossos romances; e já começam a ganhar
influencia os romancistas italianos. Parte do
CANCIONEIRO dc Rezendc pertence também a
esta epocha: é todo d'ella o mesmo Garcia.
Logo após vem a renascença da litteratura
clássica, A poesia culta e da corte perpetua-
mente se separa da popular, toma as formas
italianas e triumpha com António Ferreira.
Sà-de-.Miranda fica no meio das duas escholas;
Camões populariza o género clássico repas-
sando-o, quanto era possível, do gosto na-
cional. Temos muitos romances, lendas e
canções d'esta epocha, tanto escriptos como
conservados pela tradição oral. Mas no rei-
nado de D. João 111 a alTectação bucólica in-
vade o próprio romance, que despe a malha
e depõe a lança para vestir o surrão e impu-
sxxv
Dhar o cajado de pastor. O gosto popular,
mal satisfeito com a eschola clássica, do-
minante, lança-se no romance castelhano,
cuja sinceridade e rudeza épica lhe agrada
mais. Muitos romances castelhanos se na-
cionalizam entre nós.
O génio cavalheresco de D. Sebastião, a ca-
lamidade nacional da sua perda dão outra vez
tom e vida ao romance histórico e aventurei-
ro. Conclue-se a quarta epocha com o flm do
século XVI e da independência nacional.
O domínio castelhano e a mais forte influen-
cia da sualitteraturaformama quinta epocha.
O género moirisco tinha tomado posse da
poesia popular de Castella, e agora invade a
de Portugal. Apparecem ainda hoje na tra-
dição oral imitações e IraducçÕes dos roman-
ces granadinos. Francisco Rodrigues Lobo e
depois D. Francisco Ahnuel de Mello estão á
frente desta eschola. A Arcádia é comtudo
mais forte do que Granada, os moiros são ex-
pulsos do romance e da canção popular, e
o género pastoril triumpha. O povo fica es-
pectador desinteressado n'estas luctas: nem
chorou pelos vencidos, nem saoccionou a vi-
ctoria dos triumphadores. Nem uns nem ou-
tros fallavam ao seu coração, ás suas paixões,
nem o consolavam em suas desgraç.is, nem
llie animavam as esperanças. .Mas como ne-
nhum povo vive sem poesia, o nosso povo foi
achá-la onde nem os grandes nem os sabe-
dores do lempo^decerto imaginavam que ella
estivesse, mas estava, a verdadeira, a única
nacional d'então, a das trovas e prophecias
que lhe fallavam de um libertador, de um
vingador, de ura salvador que a Providencia
linha reservado à nação portugueza,e no qual
se haviam de cumprir as imaginadas e sus-
piradas promessas do Campo de Ourique.
São d'este tempo as prophecias do Ban-
darra e outras que em si resumem quasi to-
da a poesia popular da epocha, se exce-
ptuarmos as lendas de milagres e as can-
ções ao divino de que agora apparecem
mais exemplares do que nunca.
O romance porém não estava morto, só des-
considerado e sempopularidade. Na insipidez
da vida pastoril, o povo desprezou o, a corte
moslroii-lhe, ao principio, agrado e protecção,
mas iofastiou se d'elle e abandonoií-o. O in-
feliz recorreu ao expediente commum dos
baixos parvenus e dos nobres degenerados
fez-setruãoe bobo; os gracejos, osequivocos,
as facécias burlescas foram as suas armas, e
á força de ridiculo conseguiu reconquistar al-
guma attenção do público. Tal o achámos no
fim d'esla epocha,tal apparece nas volumosas
collecções do tempo, de que na 'Phenix re-
nascida' ha alguns exemplares curiosos.
Sem melhorar ou talvez empeiorando de
stylo, mas muitc alterado o tom, torna o ro-
mance a rehabilitar-se na opinião nacional,
volta a ser quasi popular, porque se inspira
dogenío redivivo da nação para cantar os seus
Iriumphos e a sua glória na expulsão dos cas-
telhanos e nas continuas victorias que sobre
elles alcança. O seu enthusiasmo porèmé sem
dignidade, sem nobreza; não é o povo que
conta as suas victorias, são os poetas que
querem cortejar o povo no dia da sua glória
e que o não sabem fazer senão com gros-
seiros motejos aos inimigos vencidos.
As propbecias e as legendas continuam a
ser a verdadeira poesia nacional.Tudo o nnais
é corrompido pelo mau gosto dos cWíoí, que,
arregimentados em uma inQnidade de aca-
demias dos nomes mais extravagantes e in-
críveis, conseguem tirar toda a côr á littera-
lura portugueza de lodos os géneros e fazer
da lingua uma algaravia aííectada e ridí-
cula, van de toda a expressão, assoprada
em piírases tamdescommunaes, em concei-
tos tam oucos, que nenhum sentido se lhe
acha, se algum tiveram os que tam absur-
das coisas escreviam.
E todavia ainda resurge, ainda brota,aqui
alli, por entre estes matagaes, o antigo génio
do romance peninsular inspirando algumarara
composição menos desnaturai. Mas o gongo-
rismo, a affectação, os conceitos presumidos
incham, assopram, desfiguram tudo. Porfim
até a metrificação natural e privativa é aban-
donada, o romance faz-se a gralha da fábula
para vestir as pennas do pavão da forma hen-
decassyllaba; e com este esforço de vaidade se
torna absurdo, desprezível, é apupado por
todo-j os partidos litterarios, e morre es-
quecido e miserável.
O triurapho clássico foi completo: reina a
Arcádia; o seu dominio académico obtém o
consenso e o concurso geral: tammanho era
o cansaço e fastio que os desvarios d'aquel-
la anarchia sem sabor tinham causado. Po-
pularizam-se de novo as formas latinas e
italianas, o stylo e o pensamento francez
por tal modo, que ninguém se lembrava já
siquer de que tivesse havido ou podesse
haver outra coisa.
Só o povo-povo,o povo dos campos, as clas-
ses menos illustradas da sociedade protesta-
ram em silencio contra este injusto abuso de
uma justa vic toria, guardando na lembrança,
e repettindoentre si, como os hymnosde uma
religião proscripta, aquelles primitivos canta-
res das antigas eras que os doutos despreza-
vam e perseguiam, confundindo-os no ana-
thema geral que só tinham merecido seus
degenerados imitadores e corruptores.
No resto de ilespanha succedia o mesmo.
Madrid e Lisboa rivalizavam a qual havia de
XL
proscrever e escarnecer mais a suaverdadeira
poesia nacioLal. A falsa e ridícula imitação da
antiguidade clássica, amaneirada pelas regras
francezas, dominava tudo. Os escriptores do
grande rei e os seus alumnos reinavam abso-
lutos. E não só á península ibérica se extendia
a sua auctoridade: a Itália, a Allemanha, a
própria tam ciosa Ciran'Bretanha se deixaram
avassallar d'estes novos Roldans e Oliveiros
que, em singular mas pouco leal batalha,
pareciam ter vencido a todos os paladins
trovadores do mundo, juglares, menestréis,
bardos, minnesingers e tutti quanti. A pró-
pria religião de Camões esfriava em Portugal;
um mau Luthero— frade e graciano como o
outro — chegou a ter a ousadia de proclamar
o protestantismo contra a sua catholica aucto-
ridade! Calderon era quasi esquecido, quasi
desprezado ás margens do Mançanares; ao
Dante não o intendiam já nem juravam por
elle os seus; o próprio Shakspeare esteve a
ponto de succumbir ás traições de Dryden, e
de ver Covent-Garden e Drurylane occupados
exclusivamente pelas traducções e imitações
dos clássicos de Luiz XIV; Goélhe nem Schil-
ler não tinham erguido ainda bera desfral-
dado o estandarte da reacção; toda a litte-
ratura da Europa era franceza, amaneirada,
monótona, servil, e reduzida a uma estéril
unidade rotineira que nada creava, nada
sentia, e nada ousava dizer senão por aquel-
las fófmas pautadas que lhe impunha o fa-
tal regimen da centralização absoluta.
Senão quando, a revolução se levantou no
Norte; a Allemanha foi a primeira a sacudir
o jugo; quasi ao mesmo tempo a Inglaterra;
porfim a Itália; e até na própria França se
levantou um grande partido centra esse des-
potismo que a não avassalava menos a ella
do que às nações exlrangeiras.
Nós luctavamos então contra a usurpação
franceza e a tutella ingleza que, insinando-
nos a combater mais regularmente e com
mais certa fortuna, ao mesmo tempo com-
primia o impulso popular em seus bons e
maus eíTeitos; apagou o incêndio que não
queimasse, mas também o impediu de pu-
rificar e allumiar. A Arcádia já não existia,
XLIl
mas a sua sombra e o seu nome ainda reina-
vam. Bocage teria sido o poeta mais popular
de Portuga], o verdadeiro restaurador da nos-
sa poesia, se elle e os seus discípulos, que
poética e litterariamente reinaram na segun-
da metade d'esta epocha, não fossem domina-
dos d'aquelle temor, d'aquelle respeito, d'a-
quella deferência com que se inclinavam dean-
le dos preceitos e exemplos da Arcádia em que
reconheciam a infallibilidade ecuménica.
Quasi se podia dizer destruída toda a na-
cionalidade, apagados os últimos vestígios
originaes da nossa poesia, quando no fim do
primeiro quartel d'este século essa influen-
cia da renascença alleman e ingleza £e co-
meçou a fazer sentir.
Não quero, por muitos motivos, e alguns
d'elles personalíssimos, não quero entrar
aqui em disputas de preferencia, e priorida-
de com os nossos vizinhos e parentes mais
próximos: direi somente que em Hespanha
portuguezes e castelhanos despertaram qua-
si ao mesmo tempo, e começaram a abrir os
olhos sobre a triste figura que estavam fazen-
XLUl
do na Europa em renegar da fidalga origem
de suas bellas linguas e litteraturas, prosli-
luindo-as em tam humilhante servidão fran-
ceza que por fins Unham chegado a nem ja
quasi ousar imitar os seus modelos: tradu-
ziam só, traduziam palavra a palavra; e da
própria phrase, do génio de seu idioma ?e
invergonhavam.
Despertámos porem; e commum nos foi o
pensamento, quasi simultâneo o esforço, a
castelhanos e a porluguezes; foi uma verda-
deira reacção ibérica; as duas linguas cultas
da península appareceram unidas por um tá-
cito pacto de família, animadas do espírito
redivivo de seus avós communs na causa
da restauração commum.
Pede todavia a verdade histórica, a jus-
tiça manda que se faça uma grande e notá-
vel distincção no appreciar do respectivo
contingente de esforços com que cadauma
d'ellas contribuiu para ésla guerra de inde-
pendência.
Assim como na resistência ao domínio da
espada franceza, os portuguezes foram mais
XLIV
ajudados pelos seus anligos alliados os ingle-
zes, e o resto dllespanhaluctou mais de pró-
prio marle 6 por singular esforço seu; tam-
bém no sacudir o jugo académico exlrangeiro
e em proclamar a independência da liltera-
lura pátria, os castelhanos foram poderosa-
mente auxiliados pelos inglezes e allemães,
especialmente e largamente pelos últimos:
a nós ninguém nos ajudou, ninguém comba-
teu a nosso lado, ninguém nos ministrou ar-
mas, munições, soccòrro o mais minimo.
Seja-me permittido tomar aqui, n'este pon-
to de historia litlerariaja contemporânea, a
mesma liberdade de que para si usou, na
historia politica, o illustre conde de Toreno.
Historiador coevo, elle teve de fallar de si e
de seus feitos como soldado e como homem
público n'essas honrosas lides da guerra pe-
ninsular: ou forçosamente tenho de fallar de
meus pobres trabalhos de escriptor, traba-
lhos quasi infantis, é verdade, mas com os
quaes e por cuja voz tímida e balbuciante,
rompeu todavia a primeira acclamação da
nossa independência lilteraria.
xtv
Desde 1825-26, que foi publicada a dona
BRANCA e o CAMÕES, dalaoi as primeiras ten-
tativas da revolução; em 1828 com a 'Ado-
zinda' e o 'Bernal-Fraccez' se firmou o es-
lendarle da restauração. Separado logo de-
pois e por mais de dez annos, pelos cuida-
dos e lidas politicas, de quasi todo o traba-
lho litterario, tive comtudo a satisfação de
applaudir aos muilos e illustres combaten-
tes que foram entrando na lice; vi lavrar
milagrosamente o fogo sancto, e junctei o
meu retirado clamor aos hymnos da victo-
ria que derrotou para sempre os pretendi-
dos clássicos, os zangãos académicos, os
extrangeiros de todas as cores e feitios.
Antes que, excitado pelo que via e lia em
Inglaterra e Allemanha, eu começasse a im.
prehender n'este sentido a rehabilitaçãodo
romance nacional, ja Grimm, Rodd, Depping,
Mulier e outros vários tinham pubh'cado im-
portantes trabalhos sobre as tam preciosas
quanto mal-estimadas antigas collecções
castelhanas: ja M.""** de Stael e Sismondi ti-
nham exaltado sua grande importância lit-
teraria. E todavia só muito depois d'islo pu-
blicou em França o Sr. duque de Rivas o
seu 'Moro exposito' que foi o primeiro signal
da reacção castelh.ina, e emfim em 1 83 2 o Sr.
Duran o seu romanceiro que a completou.
LVaqui por deaote é geral e unanime em
toda a peninsula o movimento litterario.
Buscam-se os códigos antigos, comparam-
se, estudam-se, reimprimem-se.
O nosso cancioneiro passou sempre por
ser o mais ricco; e é decerto o mais antigo,
porque as citadas collecções de Rezende, do
CoUegio dos Nobres, e de D. Diniz vão até
o século x[íi e xiv. Romanceiro, torno a di-
zer, não o colligimos nunca; mas na tradi-
ção oral do povo, e dispersos pelos livros
de vários auctores e por alguns raros ma-
nuscriptos, anda uma grande riqueza que
ainda se não trattou de ajuntar e apurar
como ella merece e como tanto precisamos.
Sobre isto trabalho ha muitos annos, con-
forme ja o disse no primeiro livro d'esta
collecção, o qual todavia, repitto, só deve
considerar-se como introducção a este que
xi.vn
agora chamo segundo, mas que em reali-
dade vem a ser o primeiro do romanceiro.
Não pude seguir a ordem chronologica,
como era tanto para desejar, na collocafão
(Festas antigas e preciosas relíquias; porque
havidas, na maior parte, da tradição oral dos
povos, tudo quanto de suas datas se possa
dizer é meramente conjectural. Tampouco
não julguei dever adoptar inteiramente a
classificação por assumptos do Sr. Duran,
que á força de systematica lhe dá em falso
muita vez, e o obriga a subdivisões tam
minuciosas que, por muitas demais, con-
fundem em logar de elucidarem.
Depois de muitns e variadas combinações
que successivameute tentei e abandonei, re-
solvi por fim limitar-me a uma divisão me-
nos severa que a do sr. Duran, mas que me
parece mais natural porque é mais simples.
Posta de parte poragora toda a idea de
cancioneiro, não contemplei senão o que é
strictamente matéria de romanceiro, e as-
sim distribui porfim a minha collecção em
cinco livros; a saber:
XLVIII
Livro I. Romances da renascença, imita-
ções, reconslrucfões e estudos
meus sobre o antigo;
Livro II. Romances cavalherescos antigos
de aventuras, e que ou não
lêem referencia á historia, ou
não a teem conhecida;
Livro ilL Lendas e prophecias;
Livro IV. Romances históricos compostos
sobre fados ou mythos da his-
toria portugueza e de outras.
Livro V. Romances vários, comprehen-
dendo lodos os que não são
épicos ou narrativos.
Por de leve esbocei as delineaçoes d'eslas
epochas. Nem os perfeitos limites d'ellas,
nem a exacta classificação de todos os docu-
mentos e exemplares que ajuntei, pretendo
defender com certeza, porque é impossível
tê-la em taes matérias quem está de boa fe-
Tal é o methodo que segui. E taes são os
princípios, taes foram os sentimentos que me
fizeram imprehender éstadilTicil tarefa, per-
XLIX
severar n'ella tantos annos apesar de tan-
tas difficuldades, abhorrecimentos e nontra-
riedades sem número.
Tenho, outra vez o digo, tenho a con-
sciência de fazer um grande serviço ao
meu paiz, e de contribuir com um conti-
gente não desprezível para a illuslração da
historia das línguas e das litteraturas da
Europa.
ROMANCEIRO
LIVRO SEGUNDO
PMTE SEGIJNDA
BELLA INFANTA
És(a é sem questão a mais geralmente
sabida e cantada de nossas xácaras popu-
lares, a 'Bella Infanta.'
Os crilicos e collectores da nação vizinha
e parente collocam alguns romances, que
são visíveis fragmentos d'este, entre os
seus mais antigos e mais populares, d'a-
quelles cuja veluslade se perde talvez nas
trevas do décimo-terceiro século. É sabido
que os romances mais antigos e queridos
do povo davam Ihema aos poetas para tro-
varem sobre elles, ou os applicarem aos
factos do seu tempo. É o que se vê nos
referidos fragmentos * que se incontram
entre os primeiros das vastas collecções de
Duran e de Ochoa.
Digo que esta é uma verdadeira xácara,
1 Tuoro ih nimancerni, ed. de Ochoa, P»ri8 1838, p»g. 2 e 9.
4 ROMANCEIRO
porque, feita a introducção, o poeta retira-
se e deixa aos seus interlocutores contar a
historia toda.
No quinto acto do 'Alfageme' introduzi,
com algumas alterações indispensáveis, esta
xácara, fazendo-a cantar por ura coro de mu-
lheres do povo, á hora do trabalho; e obser-
vei o sensível prazer que linha o publico em
ver recordar as suas antiguidades populares,
que nem ainda agora deixaram de lhe ser ca-
ras. Mas por mais que fizesse, não consegui
que as cantassem a uma toada própria e imi-
tante, quanto hoje pôde ser, da melopea an-
tiga com que ha séculos andam casadas essas
trovas. Ainda em cima, os cantores desaífi-
navam e iam fora de tempo na musica ita-
liana e complicada que lhes pozeram. Ape-
zar de tudo, os espectadores avaliaram a
intenção e a applaudiram.
Não sei de outra alguma d'eslas compo-
sições populares que tenha por assumpto
um successo ligado com a guerra das cru-
zadas: até por isso é interessante.
No corrigir do texto segui, como faço
BELLA INFANTA O
quasi sempre, a licção da Beirabaixa, que
é a mais segura. As poucas licções várias
dignas de se oolar vão apontadas.
Uma variante completa, que me enviou ha
pouco uma senhora do Minho, merece com-
tudo ser Iranscripta por extenso: aqui a po-
nho junctamente com os fragmentos caste-
lhanos, no appendice que vai no flm.
Na estimada coUecção de antigas trovas e
romances inglezes, pelo bispo Percy, vem
uma bailada, que elle considera dos princí-
pios do século décimosexto, em que ha vi-
sível imitação d'esta. Sabe-se muito bem
quanto a poesia ingleza, desde Chaucer até
Shakspeare, andou correndo aventuras pela
romântica e incantada terra das Hefcpanhas.
A bailada ingleza é um dialogo entre um
viajante e um romeiro; começa assim:
— 'As ye carne from the holy land
Of bleised Walsingham,
O met you not my true love
As by the >vay ye came?'
— 'Hew Bhould I know your tiua love
Tbat bave met maoy a ooe?. .* 1
1 Percy'» Jíeliquen of Ancitnt English Pottry, Londres 18*3,
tect. II, buok I, pag. 861.
b ROMANCEJRO
D'esta preciosa collecfão, disse um gran-
de intendedor*: — O gôslo cora que foram
escolhidos os materiaes, a extrema felici-
dade com que foram illuslrados, a riqueza
de conhecimentos archeologicos, e de licpão
clássica em que abunda a collecção, torna
difficil imitar, impossível exceder, uma obra
que para sempre ha de ser tida como a
primeira da sua classe em merecimento.
1 W. Scott, Hinítrehy o/the Scotlih Borãtri.
BEL.L.A li\F A:\TA
Estava a bella infanta
No seu jardina assentada,
Com o pente d'oiro fino
Seus cabellos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que n'ella vinha,
Muito bem que a governava. *
— 'Dize-me, ó capitão 2
D'essa tua nobre armada,
Se incontraste meu marido
Na terra que Deus pisava.
1 Que a guiava — Lisboa.
t Dize-ine ú cavalleiro,
Oí lignaca ... — Ribatejo.
8 ROMANCEIRO
— 'Anda tanto cavalleiro
N'aquella terra sagrada. ..
Dize-me tu, ó senhora,
As senhas que elle levava.'
—'Levava cavallo branco,
Sellim de prata doirada;
Na ponta da sua lança'
A cruz de Christo levava."
— 'Pelos signaes que me deste ''
La o vi n'uma estacada
Morrer morte de valente :
Eu sua morte vingava.'
— 'Ai triste de mim viuva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada ! . . .
— 'Que darias tu, senhora,
A quem n'o trouxera aqui?'
— Dera-lhe oiro e prata fina,
3 Nos punhos da sua espada. — E.Hrtmaãura,
4 Pelos signaes que me deste,
Lá o vi morto ás lançadas,
Que a mais pequena que tinha
Era a cabeça passada. — Várias.
Pelos dgnaes que me deste.
Lá morreu ás cutilladas,
Que a mais pequena que tinha
Era a cabeça cortada. — Várias.
Estas variantes são ambas muito geraes, e talvez sejam
melhores do que o texto que adoptei.
BELLÀ INFANTA 9
Quanta riqueza ha por hi.'
— 'Não quero oiro nem prata,
Não n'os quero para mi :
Que darias mais, senhora,
A quem n'o trouxera aqui ?
—'De três moinhos que tenho,
Todos três t'os dera a ti;
Um moe o cravo e a canella ^,
Outro moe do gerzeli * :
Ricca farinha que fazem !
Tomára-os elrei pVa si.'
— 'Os teus moinhos não quero,
Não n'os quero para mi :
Que darias mais, senhora,
A quem t'o trouxera aqui?'
— 'As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.'
— 'As telhas do teu telhado
Não n'as quero para mi :
Que darias mais, senhora,
A quem n'o trouxera aqui?'
— 'De três filhas que eu tenho ",
5 Este verso pelas suas allusões se vó que é moderno pcm-
paralivamente ; foi introduzido decerto por lição muito pcsle-
rior ao romance ; o que se incontra a miúdo.
6 Gerzelini, cm aiabico Jolzelim, semente redonda e oleosa
ou uma planta de que se laz doce, e d'ella molda também óleo
que serve para o comer.
7 De três filba» que ea tenho
Todas lies te hei de dar ;
10 ROMANCEIRO
Todas três te dera a ti :
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para comtigo dormir.'
— 'As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Da-me outra coisa, senhora.
Se queres que o traga aqui.
— 'Não tenho mais que te dar.
Nem tu mais que me pedir*.'
— 'Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.'
— ^"Cavalleiro que tal pede,
Que tão villão é de si ^
Por meus villões arrastado
O farei andar ahi
Ao rabo do meu cavallo "'.
A volta do meu jardim.
Vassallos, os meus vassallos,
Uma para te vestir,
Outra para te calçar ;
A mais formosa de todas
Para comtigo casar. — E.ctiemadura.
Esta variante assas vulgariaada é comtudo uma. priiâfrit
moderna de linguagem que se introduziu visivelmente quando
a hypocrisia pediu a decência na falia que faltava nos costumes.
8 Quanto tinha ofifereci. — Beiraálta,
9 Que pede e torna a pedir. — Extiemadura.
10 Ao rabo do meu cavallo.— Ribatejo.
BELLÀ INFANTA 11
Acudi-me agora aqui!'
— 'Elste annel de sette pedras
Que eu comtigo reparti...
Que é d'ella a outra metade ?
Pois a minha, vê-la ahi!'
— 'Tantos annos que chorei ",
Tantos sustos que tremi! . . .
Deus te perdoe, marido,
Que me ias mattando aqui.'
11 Cl últimos qa»tro versos faltam na m«ior parte dat co-
piai, e talrez sejam postiços ; precises não são.
12 ROMANCEIRO
YABI.%:VTE PORTEUtEae.l
Que partcc uma rersão mais moderna do origioa! antigo
Dona Clara, dona infante 1
Estava uo seu jardim,
Penteando tranças de oiro
Com seu pente de marâm,
Sentada n'uma almofada
De veludo cramezim.
liotou OB olhos ao mar
E avistou formosa armada ;
Capitão que a governava
Que bem a traz preparada !
Saltou em terra elle só
Com a vizeira callada.
Vem saudar a d>:na infante
Que assim triste lhe fallou :
— 'Viste tu o meu marido
Que ha tempo que me deixou ?
— 'Teu marido não conheço,
Diz-me que signaes levoa.'
— 'Levou seu cavallo branco
Com sua sella dourada.
Na ponta da sua lanfa
Uma fita encarnada ;
Um cordão do meu cabello
Que lhe prendia a espada.
Se porém tu não viste,
Cavalleiro da cruzada,
1 Infante no femeuino é um latinismo dos séculos XV e
XVI que nunca foi popular, me persuado.
BELLA INFANTA 13
O triste de mim viuva,
O triste de mim coitada I
De três filhas qn« eu teoho
K nenhuma enr casada.'
— 'Sou súldndo, ando na guerra,
NoDca teu marido vi :
Mas quanto deras, senhora,
A quem o trouxera aqui ?'
— 'Dera-te tanto dinheiro
Que não tem couto nem fim ;
K as telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.'
— 'Não quero oiro ou dinheiro,
Que me não pertence a mi:
Sou soldado, ando na guerra,
Nunca teu marido vi.
Quanto deras mais, senhora,
A quem o trouxera aqui ?'
— 'Dera-te as minhas jóias
Que não teem pêzo e medida ;
Dera-te o meo tear de oiro.
Roca de prata pnlida.'
— 'Xão quero oiro nem prata :
Com ferro minha mão lida.
.Sou soldado, ando na guerra.
Nunca teu marido vi :
Mas quanto deras, senhora,
A quem n'o trouxera aqui ?'
— 'De três filhas que eu teulio,
Ea t'as dera a escolher,
.São formosas como a lua,
Como o sol a amanhecer.'
— 'Eu não quero toas filhas.
Não me podem pertencer.
Sou soldado, ando na guerra*
Nunca teu uiarid* vi :
14 ROMÀMCEIRO
Mas quanto deras, senhora,
A quem n'o trouxera aqui ?'
— 'Nâo tenho raais que te dar
Kem tu mais que me pedir.'
— 'Inda tens mais que me dar,
Não estejas a mentir ;
Tens teu leito de oiro fino
Onde «u quizera dormir.''
— 'Cavalleiro que tal diz
Merece ser arrastado
Em roda do meu jardini|
Aos pés de um cavallo atado.
Vinde cá, criados meus,
Castigae este soldado.'
— 'K&o chames os teus criados
Qae criados são de mi.'
— 'Se tu és o meu marido
Forque me falias assim ?'
— 'Por ver se me eras leal
E' que disfarçado vim.
Lembras-te, ó dona infante,
Quando eu d'aqui sabi,
O annel de sette pedras
Que eomtigo reparti ?
Se as tuas nâo perdeste,
As minhas ei-las aqui.'
— 'Vinde cá, ó minhas filhas.
Vosso pac é já chegado.
Abri-vos, portão de jaspe
Ha tanto tempo fechado !
Folgae, folgae, meus vassallos,
Que é dom infante a meu lado.'
BELLA INFANTA 15
FR.4GMEXTeS DE MCAO ( ASTELHAIVA
Estaba la linda infanta
A la sombra de una oliva,
Peine d'oro en las sus manos,
Los sus cabellos bien cria,
Alzó sus ojo8 ai cielo
En contra do el sol salia,
Vió venir un foste armado
Por Guadalquivir arriba :
Dentro vénia Alfonso Ramos,
Almirante de Oastilla.
— 'Bien vengais, Alfonso Ramos,
Buena sea tu venida,
Y i qué nuevas me traedes
De mi flota biun guamida ?
— 'Nuevas te tralgo, seiiora.
Si me aseguras la vida.'
— 'Decildas, Alfonso Ramos,
Que segura te leria.'
— 'Allá á Castilla la Uevan
Los moros de Berbéria.'
— 'Si no me fuese porque,
La cabeza te cortaria.'
^ — 'Si la mia me cortases,
La tuy te costaria 1.'
1 Romcmeàro, Ocboa, pag. 3.
VOL. II
16 ROMANCBIRO
'Caballero de lejas lierras,
Llegaos a cá, y pareis
Iliiuiuedes la lanza ej ti erra,
Viiestro caballo arrendeis,
PreguntaroK lie por nuevaa
Si mi esposo conoeeia.'
— 'Voestro marido, sefiora.
Decid i de que senaa ea ?'
— 'Mi marido es mozo y blanco
Gentil hombre y bien cortês,
Muy gran jugador de tablas,
Y tarnbien dei ajedrez,
Eu el pomo de su espada
Armas trae de lui maniuc-s 1.'
1 línmancfito, Oc'.ioa, pag. 9.
11
o CACADCE
Os críticos d'Allemanha e de Ilespanha
contam entre os mais antigos romances da
Península este que os nossos vlsinhos cha-
mam da 'Infantina' e nós do 'Caçador.' Tam-
bém me parece o mesmo. Lockhart, o ele-
gante traductor inglez *, exlasia-se na ad-
mirável belleza de sua poesia Iam original
e tam simples. Mais pasmara se o visse no
texto portuguez como no'-lo conservou a
memoria do povo, muito mais bello e mui-
to mais original do que anda nas coUecções
castelhanas d'onde elle Lockhart o traduziu.
E todavia essas são dos meados do século
dezeseis. Três séculos depois, ainda a tra-
dição portugueza o tem n'esta perfeição.
Forçosamente ou foi escripto no nosso dia-
lecto que, segundo o tantas vezes citado e
1 Ancient sijanish hatlwU, bistorical and roniantie, transia -
ted wiih notes, by J. G. Lockbait Eeq. London, J8õl.
20 hOMANCEIRO
não suspeito testimunho do marquez de Sau-
tillanaS era o preferido para se trovar na
mesma corte de Castella, e fora o primeiro
em que se fizeram versos; — ou, o que me
parece mais provável, foi composto na lin-
guagem ainda commum e pouco discrimina-
da que prevalecia, ao princip'0 da recon-
quista, na povoação christan das Hespanhas.
Accresce que o romance castelhano, pro-
priamente dito, nunca se lançou no maravi-
lhoso das fadas e incantamentos que a es-
chola céltica de França e Inglaterra, e mais
ainda a neo-grega de ítalia fizeram depois
iam familiar na Europa: Os severos descen-
dentes de Pelaio não tinham mythologia nos
seus poemas, cantados ao som da lança no
escudo e a compasso das cutilladas. O sobre-
natural d'esta historia parece-se mais com as
crenças, e superstições, ainda hoje existen-
tes no nosso povo, das moiras incantadas,
das apparições da manhã de San'João, e de
outros mythos nacionaes, tam bellos, Iam
queridos da gente portugueza, e Iam despre-
1 Xa coIlec^So de Sanclies. Jladrid, ,779.
o CAÇADOR 21
zados— ainda mal! — aleajj^ora pelos nossos
poetas.
Seja porém como for, o romance do 'Ca-
fador' pertence á poesia popular portugue-
za. é de immemorial antiguidade; e como
a lai lhe dou aqui logar entre as relíquias
mais orlginaes da nossa primitiva liltera-
tura.
Ponho, além das variantes, a versão ou
licçào dos romanceiros castelhanos, e a tra-
ducção ingleza, que é mais paraph-ase ou
imitação que traducção.
A moralidade da fábula — se permittem
a palavra os escrupulosos — é a mesma que
a da 'Maré do carvoeiro'; occasião perdida,
occasião que não volta. A historia do 'Ca-
pote novo' e outras muitas do 'Decameron
popular,' que é pena serem tam soltas e
verdes que se não podem escrever, illus-
Iram a mesma sentença e rifão. I3ocacio e
Lafontaine achariam nos contos tradicionaes
do novo povo com que enriquecer muito as
'Cem novellas novas' de suas gaiatas col-
lecções.
o CAÇADOR
O caçador foi á caça,
A caça, como sohia i
Os cães ja leva cançados,
O falcão perdido havia.
Andando se lhe fez noite 2
Por ua mata sombria,
Arrimou-se a uma azinheira,
A mais alta que alli via.
Foi a levantar os olhos,
Viu coisa de maravilha:
No mais alto da ramada '
Uma donzella tam linda 1
1 A caça de montaria — Âlemtejo.
A caça (lo altanaria — Tias-oa-Monlts.
2 Fcz-se noite no caminho — Btirálta.
3 lianiuila pelo ajuntamento de ramos njituracs na mesma
árvore.
24 ROMANCEIRO
Dos cabellos da cabeça
A mesma árvore vestia,
Da luz dos olhos tam viva
Todo o bosque se allumia.
Alli íallou a donzella,
Ja vereis o que dizi.i:
— 'Não te as5usies, cavalleiro,
Não tenhas tammanha frima.
Sou filha de um rei cVoado,
De uma bemditta rainha.
.- ette fadas me fadaram,
Nos braços de mi' madrinha,
Que estivesse aqui sette annos,
Sette annos e mais um dia;
Hoje se acabam n'os annos,
A'manhan se conta o dia;
Leva-me, por Deus t'o peço,
Leva em tua companhia.
— 'Espera me aqui, donzella,
Té ámanhan, que é o dia;
Que eu vou a tomar conselho,
Conselho com minha tia.
Responde agora a donzella,
Que bem que lhe respondia!
fazendo sombra e abrigo, é a signiQcação clássica e naturil. No
Minho chamam ramada aos parreiraes e latadas de vinha feitos
com ramos, varas cannas, etc.
o CAÇAtOR 25
— 'Oh, mal haja o cavalleiro,
Que não teve cortezia:
Deixa a menina no souto '
Sem lhe fazer companhia!'
EUa ficou no seu ramo,
Elle foi-se a ttr co'a tia. . .
Ja voltava o cavalleiro
Apenas que rompe o dia,
Corre por toda essa mata,
A enzina não descubria.
Vai correndo e vai chamando
Donzella não respondia;
Deitcu os olhos ao longe.
Viu tanta cavallaria,
De senhores e fidalgos
Muito grande tropelia ^-
Levavam n'a linda infanta,
Que era ja contado o dia.
O triste do cavalleiro
Por mono no chão cahia;
■1 Deixn a menina uo monte — Ileimhaixa.
Souí I parece mais minhoto ; mas assim vem n'uma cópia
da Exlremadura.
õ Tiopelia, em portuguez casto e clássico, ú o tumulto (jue
se faz em tropel ; e lambera a injúria que se faz a alguém, a
alguma coisa, atropelando direitos, posses, pessoas, razões ou
eonveniencias. Aqui eslii o derivado pelo original ou primitivo,
e para mim o povo c também um clássico.
26 bomanceiro
Mas ja tornava aos sentidos
E a mão á espada mettia:
— '^Oh. quem perdeu o que eu perco
Grande penar merecia!
Justiça faço em mim mesmo
E aqui me acabo co'a vida.'
o CAÇADOR 27
4 cazar va cl caballero,
A cazar ccmo Bolia;
Los perros Ueva cansados,
El falcon perdido habia,
Arrimárase á un roble,
Altos es á raaravilla.
En UDa rama mas alta,
Viera estar una infantina,
Cabpllos de sa cabeza
Todo aquel roble cubrian.
— 'No te espantes caballero,
Ni tengas tamana grima,
Hija soy yo dei buen rey
Y la reina de Castilla :
Siete fadas me fadaron
£n brazos de un ama mia,
Que aodaee los siete anos
Sola en esta montitia.
Hoy se cumplian los siete aiJos.
O mailana en aquel dia:
Per Dios te ruego, caballero,
Llévesme en tu compania.
Si qaisieres por inuger,
Si no, sea por amiga.'
— 'Eaperaiime vos, seiiora,
Hasta maiiana aquel dia,
Iré yo a tomar consejo
De nna madre que tenia.
La nliia le respondiera
Y estas palabras decla :
— ' ; O mal Iiay el caballero
Que sola deja la niiia '.'
28 ROMANCEIRO
El se va á tornar consejo
Y cila queda en la montina. —
Aconaejóle su madre
Que la tome por amiga.
Guando volvió el caballero
No hallára la infaulina,
Viiola que la llevaban
Oon muy gran cabelleria.
El caballero que Ia vido
En cl guelo se caia:
Desqueen si hubo tornado
Estas palabras decia:
— 'Caballero que tal pierde,
Muy grau peua merescia :
Yo mismo seré el alcaide,
Yo me «cré la justicia:
Que me corten pies y manos
Y me arraatren por la villa. 1
1 Ocboa Tesoro rle Romanctrns.
o CAÇADOR 29
TRADt CC.40 I^GI^KZ.%
Tlit! knierbt Ind huntetl long, and twilip^ht closed lhe day,
IIis lioundB were weak and \veary, bis hawk had flown away;
lie stopped benoath an oak, an old and mighty irec,
Then out tlic maiden spoke, aud a comely maid was sbe.
Tlie kniglit had lift his eye fhe sbady boughs between ;
.She had her seat oa high, araong lhe oak-lcaves green :
Her golden curls lay cluateiing above her breasts of snow,
But when the breese was x\ estering, upon it they did flow,
— 'Oh, fear nct, gentie knightl there is no canse for fear;
I am a good king'8 daugther, long years encbauted bere;
Seven cruel fairies found me, — they charraed a sleeping cbild;
•Seven years tbeir charm hath bound me, a damsel undefiled.
'Seven weary years are gone since o'er me cbarms they threw;
I have dwelt bere alone, — I bave seon none butyou.
M}' seven ead years are Bpent; — for Christ that died on rood,
Thou uoble knight consent, and lead me from lhe ^vood !
'Ob, bring me forth again fiom cut this darksorae place !
I dare not sleep for terror of the unholy race.
Oh, tako me, gentie sir ! I'll be a wife to thee.' —
ril be thy lowly leinau, if wife I may not be '.'
— 'Till da-A-ns the morniu^', wiit, thou lovelyMady, thcre ;
IMl ask molher cfaight, for her reproof I fear.'
— 'Ob, ill beseems thee, knight 1' said slis, that maid forlorn,
'The blood of kings to slight, a lady's tears to scorn !'
30 ROMANCEIRO
He carne uhcu luorning broke, to fetch the maid awar.
But could iiot find the oak wherein she made her stay :
AU through the wilderness he sought in bower and tree
Fair lordlings, well ye guea» what weary heart had he !
There carne n sound of voices from up the forest glen,
The King had come to find her with ali hir geetlemeii,
They rode iu mickle glee — a joyous cavalcade —
Fair in the midst rode she, bnt never word she said.
Though on the green he kneit, no look on him she cast -
Hií hand was on the train vvere past :
— 'Oh, shame to knightly blood ! f)h, scorn to chivalry
1'11 die within the wood : no eye my death 1 shall Bee !'
1 Lockhart, Ãnc span span hulhhU,
Ill
A INFEITIÇADA
VOU
É claramente de origem franceza, e vir-
nos-hia porventura com os cavalleiros e os
íroveiros do conde D. Henrique, o lindo ro-
mance da 'Donzella infeitifada.' Foi talvez
um fabliait na sua terra? Quem sabe?
Aqui é elle muito antigo; castellianos e
portuguezes o disputam por seu, e acaso
nem uns nem outros terão razão. Em al-
gumas das nossas províncias anda confun-
dido, na versão oral, com o romance pre-
cedente do •Caçador' e custa a desinvenci-
Ihà-los.
Col!acionando-o com a cópia castelhana
que adeante vae, notar-se-ha quanto é mais
gracioso e mais chistoso o texto portuguez:
conhece-se muito mais n'elle o tom e o
34 ROMANCEIBO
sainete sempre picante do génio francez,
que do principio foi o que ó e hade ser,
leve, fácil e ingrapado com donaire e agu-
deza.
Chamam-lhe em Castella 'Romance de la
infanta de Francia.'
A anecdota não está nos nossos costumes
nem nos de nossos vizinhos, nem siquer
nos costumes das eras cavalherescas. Tam-
bém não é ainda do cyclo da Tavola-redon-
da, de quando os noíssos mesmos roman-
cistas punham todas as suas scenas no paiz
dos Arthnres e Amadizes. Essa eschola pre-
valeceu aqui mais tarde, e começou talvez
a preponderar em tempos d'el-rei D. Fer-
nando em cuja corte dominavam já muito
as modas e gosto inglez que depois trium-
pharam absolutamente no reinado de seu
irmão e successor.
O ar d'esta pequena peça é muito mais
antigo; e por tal a teem os críticos e col-
lectores castelhanos.
A l^FEITIÇADA
Vai correndo o cavalleiro,
A Paris levava a guia,
Viu estar uma donzella
Sentada na penha fria:
— 'Que fazeis aqui donzella ?'
Que fazeis ó donzellinha?'
— 'Vou-me á corte de Paris i
Donde padre e madre tinha;
Perdi-me no meu caminho,
Pus me a esperar companhia;
Cançada estou de esperar
Sentada na penha fiia,
1 Vou me á côrte de Fta.n(;si,~ Extremadura.
36 ROMANCEIRO
Se te praz, ó cavalleiro 2,
I.eva me em tua companhia.'
Respondeu-lhe o cavalleiro:
— 'Pois que me praz, vida minha,'
Lá no meio do caminho
De amores a requeria;
A donzella muito inchuta^
Lhe disse com ousadia:
— 'Tem-te, tem-te, cavalleiro,
Não faças tal villania;
Que, antes que me baptisassem
Me deram feitiçaria:
Sette bruxas me imbrucharam
Antes que eu fosse á pia;
O homem que a mim se chegasse,
Malato * se tornaria.'
Não responde o cavalleiro ^,
Todo na sella tremia.
2 Quereis vós, ó cavalleiro,
Que eu va em vossa companhia?'
Respoiídeu-lhe o cavalleiro:
— 'Pois não quero minha vida! — Ribatejo.
3 A don;ella mui sisuda,
Sem ter medo, lhe à\7Ã&—BtiraUa.
4 Malato era o homem livre que descia á condição quasi de
servo e villão. No sentido figurado — que parece ser o que do-
mina—homem perdido, tolhido, invallicido?
5 O cavalleiro com medo
Tremendo lhe respondia— ^/em/e/o.
A INFEITIÇADA 37
Lá para o fim do caminho *
A donzella que surria.
— 'De que vos rides, donzella,
De que rides, donzellinha í"
- 'Não me rio do cavallo
Nem da sua fitaria,
Rio-me do cavalleiro.
Mais da sua covardia;
Com a donzella á gai^upa
E catou-lhe cortezia;
Soube guardar-se das moças
E bruchas velhas temia.
— 'Atraz, atraz, ó donzella,
Atraz, atraz, donzellinha,
Que na fonte onde bebemos
Deixo uma espora perdida.'
— 'Cavalleiro, adeante, adeante,
Que eu atraz não tornaria.
Se a sua espora é de prata,
Meu pae de oiro lh'a daria;
Que ás portas de meu pae "
Se mede oiro cada dia.'
— *Dizei-me vós ó donzela,
Dizei-me de quem sois filha'
— 'Sou filha d'elrei de França
E da rainha Constantina.'
6 Passado largo caminbo — lleiralta,
1 Que ás portas do meu palácio — Extremaãiira.
38 ROMANCEIRO
— 'Arrenego eu de mulheres
Mais de quem n'ellas se fia !
Cuidei de levar amante,
Levo uma irman minha •*.'
8 Depois d'eBtes versos a licçâo do llinlio accrescenta, em
forma de moralidade que faz o trovador, o (lue aqui está na
bôaca do ca^ alheiro:
Arrenego eu de mulheres,
Mai« de quem n'ella8 se Ha!
A WFEITIÇADA
De Fiancia partió la nifu,
De Francia la bien guarnida;
Ibase para Paris,
De padre y madre tenia:
Errado Ueva el camino,
Errada Ueva la via:
Arrimarase a un roble
Por esperar coinpafiia.
Viú venir uu caliallero,
Que à Paris Ueva la guia.
La nifui desque lo vido
Desta suerta le decia:
— 'Si te place, caballero
Llévesme cn tii corapauia.'
— 'Placeme, dijo, seuira,
Placeme, dijo, mi vida.'
Apeóse dei cuballo
Por hacerle cortesia;
Pugo la nini eii las ancas
y subiérase en la silla:
En el médio dal camião
De amores la requeria,
La nini desque lo oyera
Díjole con osadia:
— 'Tale, tate, caballero,
Ko hajas tal villania:
H ja soy yo de uu malato
V de una malatia.
Kl bocibre que ú mi llegaae
Malato se tornaria.
Ccn temor el caballer >
Palabra no respondia.
8,9
40 ROMANCEIRO
yá a la entrada de Paris
La niúa se sonreia.
— 'De que 08 reis, mi senora,
De que 08 rei6, vida mia?'
— 'Riome dei eaballero
y de sn grau cobardia.
Tener Ia nina en el campo
E catarle cortefia!'
Con verpruenza el eaballero
Estas jialabras decia:
— 'Yuelta, vuelta, mi sefiora,
Que una cosa se me olvida.'
La nina. como discreta,
Dijo: — 'yo no volveria,
Ni persona, aunque volviese,
En mi cuerpo tocaria:
Hija soy dei rey de Franeia
y la reina Constantina,
Kl hombre que :i mi Uegase
Muy caro le cestaria'.'
Duran, tomo IV, parte, L Ocboa, Tetoro de Eomaneeros
IV
CONDE YANNO
Sir Waller Scolt diz, em alguma parle do
'Cancioneiro das fronteiras da Scocia', que os
romances populares foram quasi todos em sua
origempoemas mais longosemais completos,
que os menestréis depois incurtavam e trun-
cavam paraos poderem cantarem dous ou três
lajjs quando muito, como quem diz, em duas
ou três cantigas: o que na integra era impos-
sível. Que d'ahi ficaram assim pela memo-,
ria do povo, e assim vieram até nós.
Se tal é — e eu não defendo nem impu-
gno agora a Iheoria — digo que este bello
romance do 'Conde Yanno' algum menes-
trel portuguezo accommodou ao gosto popu-
lar contrahindo-o do poemeto castelhano que
alli se chama do 'Conde Alarcos e da infan.
la Sohsa'.
44 komámckiro
Era algumas provindas nossas lambem lhe
chamam 'Conde Marcos', n'oulras 'Conde
Anardos'; e até n'outras, por muito visivel
rebaptisação herética, 'Dom Duarte, e Conde
Alherlo',Tamsomente nos districtos mais ser-
tanejos do reino e menos próximos do con-
tacto castelhano apparece 'Conde Yanno.'
Yannoé amais antigadegeneraçãodogrego
e latino loxyjr.;, Joannes, — dos quaes tanto
mais proximo'esta do que os modernos Juan,
João dosdous dialectos cultos das liespanhas.
Assim o nome como o modo de dizer 'Con-
de Yanno' (Conde João) em vez de 'Conde
de tal" indicam jà grande antiguidade. E
tanta, que eu mais me inclino a que o tro-
vador castelhano alargasse a obra do me-
nestrel portuguez do que vice-versa. E ou
esta é uma excepção das muitas que tem a
regra de Sir Walter, ou ella não é regra,
absoluta pelo menos.
A verdade hade estar no meio, que é o
costume.
Juncto a composição castelhana, e a linda
versão ingleza de Lockharl: ambas illustram
CONDE Vanno 45
o texto e a questão. Comparandoas com o
romance portuguez, facilmente se dará a
palma a este, assim no stylo como na inven-
ção. Tem mais drama e mais peripécias, res-
pira mais suave melancholia e mais casto,
e porfim termina com um inesperado suc-
cesso que dá prazer,
Lembra-me, em pequeno, a immensa ale-
gria que eu linha quando a minha Brigida^
velha, criada que nos contava e cantava estas
historias, chegando ao passo em que a con-
dessa ia morrer ás mãos do seu ambicioso
e indigno marido, mudava derepente de tom
na sua sentida melopea, e exclamava:
•Tocam u'os sinos na sé...
Ai Jesus, quem morreria? ..
Morria a má infanta que descasava os bem
casados, e a pobre condessa escapava. Que
fortuna! Tirava-se um peso do coração á gen-
te, e a historia acabava como devia de ser.
As despedidas da condessa moribunda 'a
tudo que mais queria', ás suas flores, ao seu
1 Étta crla<la iJilgidaja loi i;iiilaiia na DONA HKANCA.
46 ROMANCEIRO
filhinho, são admiráveis aqui lambem e
ommissas na licção castelhana.
Emfim, nascesse elle dentro das nossas
fronteiras, ou viesse alem d'ellas, cá se fez
mais lindo o romance, muito mais.
Sismondi e Madame de Stael exaltam ésla
composição acima de todas as do roman-
ceiro castelhano. Que faria se conhecessem
a licção portugueza?
É geralmente sabida por todo o reino,
muito popular, e as variantes numerosas.
Quasi todas as que valiam a pena as incor-
porei no texto, porque algumas eram com-
plementares de outras, e muitas acclaravam
o sentido e atavam o fio da narrativa. Das
poucas que ficaram, se apponta à margem
alguma que o merece.
CO^OE VA>xa
Chorava a infanta, chorava ^^
Chorava e razão havia,
Vivendo tam descontente;
Seu pae por casar a tinha.
Acordou elrei da cama ^
Com o pranto que fazia:
— 'Que tens tu. querida infanta,
Que tens tu, ó filha minha
— 'Senhor pae, o que heide eu ter
Senão que me pesa a vida?
De três irmans que nós éramos.
Solteira eu só ficaria.'
1 Chorava a"ÍDl'anta Solisa,
Ka/.ão de chorar havia. — AUinteJo.
r Chorava Dona Sylvana — Extremadnia.
2 Despertou elrei seu pae — Beiralta.
4^3 ROMANCEIRO
— *Que queres tu que te eu faça ?
Mas a culpa não é minha.
Ca vieram embaixadas
De Guitaina e Normandia ';
Nem ouvi-las não quizeste,
Nem fazer-lhes coriezia. . .
Na minha corte não vejo
Marido que te daria. . .
Só se fosse o conde Yanno *,
É esse ja mulher havia '.'
— 'Ai ! ricco pae da minha alma,
Pois esse é que eu queria.
Se elle tem mulher e filhos,
A mim muito mais devia,
Que me não soube guardar
A fé que me promettia.'
Manda elrei chamar o con Je,
Sem saber o que faria:
Que lhe viesse fallar . .
Sem saber que lhe diria.
— 'Inda agora vim do paço,
Ja elrei lá me queria 1
3 De Leão e de Caslilha — Tras-r>t-MonU*.
Ouitaina é Aquitania, bem claramente.
4 Só se fosee o conde Albano — Minho.
Só se fosse o conde Alarcoa — BeiraJbaira.
i K esBe tem nitilhere filhas — Btiialia, LixVna,
CONDE YANNO 4'J
Ai! será para meu bem ?
Ai ! para meu mal seria ?'
Conde Yanno que chegava,
EIrei que a buscar o vinha:
— 'Beijo a mão a vossa alteza;
Que quer vossa senhoria í'
Responde-lhe agora o rei
Com grande merencória:
— 'Beijae, que mercê vos faço;
Casareis com minha fiiha.'
Cuidou de cahir por morto
O conde que tal ouvia:
— 'Senhor rei, que sou casado
Ja passa mais de anno e dia !'
— 'Mattareis vossa mulher,
Casareis com minha filha.'
--*Senhor, como hei de mattá-la
Se a morte me não mer'cia ; '
— 'Gallae-vos conde, callae-vos.
Não vos quero demazia;
Filhas de reis não se inganam
Como uma mulher captiva.'
— 'Senhor, que é muita razão,
Mais razão que ser devia,
l'ara me mattar a mim
Que tanto vos oftendia;
Mas mattar uma innocente
Com tamanha aleivozial
50 BOMaNCEIBO
N'esta vida nem na outra
Deus m'o não perdoaria.'
—'A condessa hade morrer
Pelo mal que ca fazia.
Quero ver sua cabeça
N'essa doirada bacia.'
Foi-se embora o conde Yanno,
Muito triste que elle ia,
Adeante um pagem d'elrei
Levava a negra bacia.
O pagem ia de lutto,
De lutto o conde vestia:
Mais dó levava no peito
Cos appertos da agonia.
A condessa, que o esperava,
De muito longe que o via,
Com o filhinho nos braços
Para abraçá-lo corria.
— 'Bem vindo sejais, meu conde,
Bem vmda minha alegria !'
Elle sem dizer palavra
Pelas escadas subia.
Mandou fechar seu palácio,
Coisa que nunca fazia ^;
Mandou logo pôr a cea
Como quem lhe appetecia. '
C o que d'antes não fazia— líínAo.
7 C'iino qnem comer queria — lAíhoa.
CONDE YANNO 51
Sentaram-se ambos á mesa,
Nem um nem outro comia;
As lagrymas era um rio *
Que pela mesa corria.
Foi a beijar o filhmho
Que a mãe aos peitos trazia,
Largou o seio o innocente,
Como um anjo lhe surria.
Quando tal viu a condessa,
O coração lhe partia;
Desata em tammanho choro
Que em toda a casa se ouvia:
— 'Que tens tu, querido conde,
Que tens tu, ó vida minha ?
Tira-me ja d'estas àocias,
Elrei o que te queria ?'
Elle affogava em soluços,
Responder-lhe não podia;
EUa, apertando-o nos braços,
Com muito amor lhe dizia:
— 'Abre-me o teu coração,
Desafloga essa agonia,
Da-me da tua tristesa,
Dar-te-hei da minha alegria.'
8 As lagryma* eram tantas
Que pela meta corriam. — Vária»,
Todas as versões lem aesim : só a de Lisboa ccmo vai no
texto.
ROMANCEIBO
Le^'antou-se o conde Yanno,
A condessa que o seguia.
Deitaram-se ambos no leito;
Nem um nem outro dormia.
Ouvireis s desgraçada,
Ouvide ora o que dizia:
— 'Peço-te por Deus do ceo
E pela Virgem Maria,
Antes me mattes, meu conde,
Que eu ver-te n'essa agonia.'
— 'Morto seja quem tal manda,
Mais a sua tyrannia!'
--*Ai I não te entendo, meu conde,
Dize-me, por tua vida,
Que negra ventura é esta.
Que entre nós está mettida ;"'
— 'Ventura da sem ventura,
Grande foi tua mofina ^ !
Manda-me elrei que te matte.
Que case com sua filha.*
Palavras não eram dittas,
Inda mal lh'as ouviria,
A desgraçada condessa
Por morta no chão cahia.
9 Mojina, substantivo, talvez por mofina soite, ó usftdo doa
tlaicicoe alguma vez j e commum lioje ao povo diM proríncia*
qnaai todai.
CONDE YANNO 53
Não quiz Deus que alli morresse . . .
Triste que alh não morria 1
Maior dor do que a da morte
A torna a chamar á vida.
— 'Calla, calla, conde Yanno,
Que inda remédio haveria;
Ai ! não me mattes, meu conde,
E um alvitre te daria '":
A meu pae me mandarás,
Pae que tanto me queria I
Ter-me-hão por filha donzella
E eu a fe te guardaria.
Criarei este innocente
Que a outra não criaria ;
Manter-te-hei castidade
Como sempre t'a mantia.'
— -'Ai como pôde isso ser,
Condessa minha querida,
Se elrei quer tua cabeça
N'esta doirada bacia ?
^*Galla, calla, conde Yanno,
Que inda remédio teria,
Metter-me has n'um convento
Dti ordem da freiraria;
Dar-me-hão o pão por onça
E a agua por medida:
Eu lá morrerei de pena,
10 Um conielbu te il&risi— Uriraioita,
õ4 BOMANCBIRO
E a infanta o não saberia.'
— 'Ai! como pôde isso ser,
Condessa minha querida,
Se quer ver tua cabeça
N'esta malditta bacia ?'
— 'Fecháras-me n'uma torre,
Nem sol, nem lua veria,
As horas de minha vida
Por meus ais as contaria.'
— 'Ai ! como pôde isso ser,
Condessa minha querida,
Se elrei quer tua cabeça
N esta doirada bacia ?'
Palavras não eram dittas,
Elrei que á porta batia :
• — 'Se a condessa não é morta,
Que então elle a mattaria.'
— 'A condessa não é morta
Mas está na agonia.'
— 'Deixa-me dizer, meu conde.
Uma oração que eu sabia.'
— 'Dizei depressa, condessa,
Antes que amanheça o dia.'
— 'Ai ! quem poderá rezar *',
O virgem sancta Maria !
11 No poemeto castelhano a condessa reza — e não ó feia a
«um preghiera: mais bonito e mais poético é o peusameuto do
autor portoguez, rjne Ibe nâo dá nem animo para rezar.
CONDE YANNO 55
Que eu não me pêza da morte,
Pêza-me da aleivozia:
Mais me pêza de ti, conde,
E da tua covardia.
Mattas-me por tuas mãos,
Só porque elrei o querial
Ai! Deus te perdoe, conde,
Lá na hora da contia '2.
Deixar-me dizer adeus
A tudo o que eu mais queria;
ÁsHores d'este jardim.
Ás aguas da fonte fria.
Adeus cravos, adeus rosas,
Adeus flor da Alexandria!
Guardae-me vós meus amores
Que outrem me não guardaria.
Deemme cá esse menino,
Iniranhas de minha vida;
D'este sangue de meu peito
Mamará por despedida.
Mama, meu filhinho, mama
D'esse leite da agonia;
Que atégora tinhas mãe.
Mãe que tanto te queria,
Ámanhan terás madrasta
De mais alta senhoria. . .'
19 N* hora em qae contar comtigo, em que ta tomar cos-
tas. É a pbraae exprcasÍTa dou iuglezes: /u the how ofrtc}cmxi\in$.
56 ROMANCEIKO
Tocam n'os sinos na sé —
Ai Jesus ! quem morreria ?
Responde o filhinho ao peito ",
Respondeu — que maravilha!
— *Morreu, foi a nossa inlanta
Pelos males que fazia ;
Descasar os bem casados :
Coisa que Deus não queria.
13 (^uasi todas as licçúes provinciaea oiumit«io os dous ver.
BOI idtimos d*é8ta copla, e o pensamento que ellcs lacerram. Só
uma lieção da borda-d'agiia os traz, e julguei que mereciam ser
incorporados no texto. Kstc prodígio de fallarem os ianocentes
ao peito das mães, nas grandes ciicunistancias públicas ou nas
grandes crises domésticas, era mui l^ivorito dos nossos. Na ac-
elamação de D. João I bem sabido é que uma criança tirou to-
daa as dúvidas bradando do collu da m<ãe: 'lieal Real, pelo mes-
tre d'ATÍz rei de Portugal.' N 'outro romance d 'esta collecçâo,
• â« 'Dom Beltrão' veremos lai .'ar o cavallo de ura morto ca*
Talleiro.
CONDE YANNO 57
E.ICÇAO C.%Í»TI!:LH.4X A
Ketraida está la iufanta,
Bien aii como solia,
Vivieudo muy descontenta
De 1& vida que teiiia,
Viendo que ya se pasaba
Toda la flor de su vida,
Y que cl rey uo la casaba,
Ni tal cuidado teuía,
Entre si e&taba pensando
A quien se descobriria,
Y aconió llamar ai rey
Conio olras vetes snlia.
Por decirle bu secreto
Y la intoncicn que t6u<a.
Vino vi rey siemlo llamado,
Que no tardo su vcnida:
Vidola estar apartada,
Sola está sin compauta,
Su lindo gesto inosiraba
Ser mais triste que solia.
Couocierft luego el rey
El enojo que teiiia.
— jQué es aquestp, In infanta?
^Qué es aquesio, liija mia?
Contadme vuestros eiicjo»,
No torneis nialenconía,
Que sabieudo la verdad
Todo se remediaria.
— 'Menesicr será, buen rey,
Remediar la vida mia,
Que á vós qucdé eiicommeudaãa
De la madre (jue lenia.
Õ8 ROMANCEIRO
'ou verguenza os lo deuaiidu,
No con gana que tenia,
Que aqaestos cuidados tale.-
A vos, rey, pertenecian.'
Escuchada su demanda,
£1 buen rey la respondia:
— 'Esa culpa, la infanta,
VueGtra era, que no niia,
Que ya fucrades casada
Con el príncipe de Hungria;
N« quisistee escuchar
L>a enibajada que vénia,
Pues acá en la nnestras còries.
Hija, mal recaudo habia.
Sino era el conde Alarcos
Que liijod y muger tenia.
— 'Convidaldo tos, el rey,
Al conde Alarcos un dia,
Y deepues que hagais comidr
Decilrie de parte mia,
Decilde que si ee acuerde
De Ia t'6 que dei teuia,
La qual él me prometiú,
Que yo no se la pedia,
De ser siempre mi marido
Y yo que su muger seria.
Ya fui dello muy contenta
Y que no me arrepentia.
Hi casú con la condesa,
Que mirara lo que bacia,
Que por él no me case
CoD el princi) e de Hungria:
Si caso con la condesa
Dél es culpa, que no mia.'
Perdiera el rey eu la oir
B) sentido que tenia,
CONDE YANNO
Mas despues en bí tomado
Con enojo respondia:
— 'No íon estos los conspjog
Qne vuestra madre os decia:
Mny mal mirastes, infanta,
Uo estaba la honra mia.
Si verdad es todo eao,
Vuestra honra ya es perdida:
No podeis V08 ser casada
Mientrus la coudesa viva.
Si se hace el casamient'»
Vor razon 6 por justicia,
Kn el decir de las gentes
Por mala sereis tenida.
Dadme vos, hija, consejo,
Que el mio no bastaria;
Que ya es mueita vuestra madre
A quien consejo pedia.'
— 'Pues yo 08 lo daré, buen rey.
Deste poço que lenia:
Mate el conde á la coudesa.
Qne nadie no lo sabria;
Y eche fama que elle es muerta
De un cierto U)al que tenia,
Y tratarseba « I casamiento
Como cosa no sabida.
Desta manéra, buen rey.
Mi honra sa guardaria.'
De ali] te salia el rey,
No con plftcer (lue tenia;
Lleno va de pensamientos
Con \n nueva que sabia;
Vido estar ai confie Alarcos
Kntre much»» que decia:
— í'Que aprovpiha, caballeros.
Amar y seivir aroti^a,
Õ9
60
ROMANCEIRO
Siendo servicios peniiijo»
Donde Arnieza no habia?
No piieden por mi decir
Aqueslo que yo decia.
Que en pI tienipo que servi
Una qii« tanto queria,
Si bieu Ia quise ontotuea,
Agora mas Ia queria;
Ma» por mi pueden decir:
iiaien bieii ama tsrde olvida.'
Estas palavras díciendo,
Vido ai bueii tey que vénia,
Y bablaudo cou el rey,
De entre todos se salia:
Dijole el buen ley ai conde
Hablando eon cortebia;
— 'Couvidaros quiero, conde,
Por uiaflana en aquel dia,
Qne querais comer comigo
Por teueinie compania. '
— 'Que se baga de buen grado
T<o que su altez.a decia:
Heeo íUA manos rcales
Por la buena cortesia:
Detenernie he squi man.iu«j
Auuque estaba d« partida.
Que la condesa me espera
Segun carta qne me envia.'
Otro dia de manaiia
Kl rey de misa salia,
I/Oego se asentó á comer.
No por gana que tenía.
Sino por bablar ai condo
Lo que tiablaile queria.
Alli fuerou bieu servidos
Como á rey pertenccia:
CUNOK YANNU 61
Def pues que bubieroii coiuiiio,
Toda la gente saliila,
Qnedóse el rey oou el coudo
£n Ia tabU do comia.
Enipezó el rey a bablar
La embajada que traía:
— 'Unas uuevas traigo, conde,
Que delias no me plaeia,
Por las cuales yo me quejo
De vnestra descortesia:
Prometistes á la infanta
IjO que ella no os pedia,
De sieinpre ser su marido,
V á ella que Io plaeia.
Si á otrag ccbsb pasaste
Ko entro en esa profía.
Otra cosa os digo, conde,
De que mas os pesaria:
Que mateis á la condesa,
Qne asi cumple á la honra mia.
Echeis fama de que es muerta
De oierto mal que tenia,
V tratarse ba el casamiento
Como cosa no sabida,
Porque no sea deshonrada
Hija que tanto queria.'
Oidas estas razones,
Kl liuen conde res ondia:
— 'No puedo negar, el rey,
Lo que la infanta decia,
Sino que es nuiy gran vcrdad
Todo cuanto me pedia.
Por miedo de vós el rey.
No easé con q''ien debia.
Ni pense que vueMtra alteza
En ello conaentliia,
62 F0MANCB1R0
De casar con Ia iufanta
To, scnor, bien casaria;
Maa matar á la condesa,
S úor rey, no lo baria
Porque no debe morir
I^a que mal no merecia.'
— 'De morir tiene, bueu conde,
Por salvar la bonra mia,
Puee no miráetc primero
TjO que mirar se debia:
lêi no muere la condesa,
A TOS cottará la vida.
Por la honra de los reyes
Mucbos sin culpa morian.
Que muera pues la condesa
>So es mucha maravilla.'
— 'Yo la mataré, buen rey,
Mas no sea la culpa mia,
Vós os avendreie con Dios
£n el lin de vuestra vida,
Y prometo á vuestra alteza,
A fé de caballeria.
Que me tcngan (lor traidor
Si lo dicho no cumplia.
De matar á la condesa
Aunque mal no merecia.
))aen rey, si ms daes liceucla
líUego yo me partiria.'
— 'Vayais con Dios, el buen conde,
Ordenad vuestra partida,'
I>lorando se parte el conde,
J.lorando tiu alegria;
I.loraba tambieu el conde
Por trcs hijos que tenia,
El uno era de teta,
Que la condesa lo cria.
C.ONUE YANNO 6^
Que no queria mamar
De treg amai> que tenla,
Si no era de tu madre
Porque bien Ia conocia;
Los otros eran pequenos,
Poço sentido tenian.
Antes que ti coucie llegase,
£staã razones decia:
— 5'Qiuén podrá mirar, condeaa,
Vuestra cara de alegria
Que saldreis á recibirme
A la fin de vuostra vida?
Yo Boy cl triste culpndo.
Esta culpa toda ea mia.'
lín diciendo estas palabrae
Ya la coudesii salia.
Que uu page le huvia dicbo
Oomo el conde ya vénia.
Vido la eondesa ai conde
I^a tristeza que tenia,
Viúle los (jos lloroios
Que hinchados los tenia,
De Uorar por el camiuo
Mirando el bien que peidia.
Dijo la condeaa ai conde:
— 'liien vengais, bieu de mi vida!
,-Que babeis^ el conde Alareoe?
jPorque Uoiais, vida mia?
Que venis tan deraudado
Que tierto no os conocia,
Xo j arece vuestra cara
Ni el gesto que ser solia;
Dadme parte dei enojo
Como dais deralegría.
Uecidmelo luege, conde,
No mateis Ia vidn mia.'
64 ROIklANCEIBO
— 'Yo \o diré l ien, condeaa,
Coando la hora seria.'
— 'fcsi no mu lo dei Í3, conde,
Cier:o yo reventaiia.'
— 'No me fatigueis, seiíora,
Que no es la hora vtnida.
Cenemos Incgo, coudesa,
D'aqueao que en casa habia.
— 'Aparejudo está, conde.
Como otras veces solia.'
bentóse el corde á la mesa,
No cenaba ni podia,
Con !-us hijos ai co-<tado,
QjB muy iiiucho los queria.
Ecbóse 8obre los hombros,
Ilizo como que dormia.
De láçrymas de sus ojog
Toda la mesa ciibria:
Mirandole la condesa
Que Ia cau.sa no sabia,
No le preguntaba nai'a,
Que uo osa^-a iii podia.
I.evanlóse luego el conde,
I))jo que dormir queria,
Dijo lambien la condesa
Que ella tambien dormiria,
Mas entre ellos no habia sueno,
Si Ia verdad se decia.
Vanse el conde y Ia conJtsa,
A dormir donde sclian;
Dejan los ninos de luera,
Que el conde uo los (jueria:
I>leváronse el mas cliiquito,
El que la condesa cria:
Kl conde cierra la puerta,
Lo que haeer solia.
CONDE yanno 65
'Empezó de bablar el condo
<Jon di/Ior y con mancilla:
— !'0 desdichada eocdesa,
Grande fue la tu desdiclia!'
^'No Bcy desdichada. condo,
Por dichoea me tema
Solo en ter vuestra miiger:
Esta fué gran dicha mia.'
— 'Si bien lo mirais, Condeixa.
Esa fuú vueslra desdiíha.
Sabed que en liempo pasado
Yo amé á quien servia,
La cual era la infanta.
Por desflicba vuestra y mia
Prometi casar ton ella,
Y á el!a q re le plaeia.
Deraániame por marido
Por la fé que ii e lenia.
Puédelo muy bien haier
Porrazon y por juslicia:
Dijomelo ti rey su padre
Porque delia lo sabia.
Otra cosa manda <;1 rey
Que toca en el alma raia:
Mandi que muerais, condosa.
A la fin de vuestra vida,
44ue D > puede tener honra
•Siendo vós, condesa, viva.'
De qu'esto oyo )a condesa,
Cayó e:i tierra raoriecida;
Mas dtrpae» en si tornada
Estas palabras decia:
— 'Pagados sou mis servidos,
Conde, con ijue yo os servia!
Si no me matai':, el conde,
Yo bicu os consejaria:
(5G ROMANCEIRO
Kiiviedesme á mi8 tierras.
Que mi padre me ternia;
Yo criaré vueslros bijos
Mejor que Ia que vernia,
Y os mautendié caslidad
Como siempre os mautenia.'
— 'De niorir babeis, coudesa,
Antes (jue amanezca el dia.'
— 'Bieu parece, coii Ic Alarcoa,
Yo ser sola en esta vida,
Porque tengo ti ^adre viejo,
Mi raadre ya es tallecida,
Y mataroii á mi bermauo
El bueu conde Dju Garcia,
Que el rey lo mando malar
Tor niiedo que dél lenia.
No me pesa de mi muerle,
Poique yo de niorir tenia,
Jlaâ púsame de mis hijos
Qae pierden mi compaiiia:
llacémelos veiiir, conde,
Y veran mi despedida.'
— 'No los vereis, más, condesa,
Eu dias de vuestra vida:
Abrazad eie chiqjito
Que aqaesle es el que 03 perJii.
l'ósame de vos, coadesa,
Cuauto pesar me podia.
Xo os puedo valer, seiiora,
Qae mas me va que la vidaf
Eu;omendaos á Dios
Qj'eòto de bacerse teaia.'
— 'Dejéísme dccii-, bueu coud»,
Una oracion que sabia.'
— 'Decilda presto, condesa,
Autes que amanezca el dia.
CONDE YANNO 67
— 'Presto Ia habré diclio. coiiJe,
No estai é iiQ Ave Maria.'
Afinojóse en Ia ticrra
Y esta orac'on dec'a:
tEn las tus manrs, Scuor,
•«Encomíendo el alma mia:
«No me juzgues mis pecados
«Segjn que yo merecia,
«Mas ecgun tu gran piedad
<Y Ia lu gracia infinita »
'Acabada eg ya, l uen coude,
La oraciou que yo sabia;
Encomiendoos es;.» bijos
Que entre vos y mi habia;
Y rogad á Dios por mi
Mientras tuviésedes vida;
Que á filo sois obligado,
Pnes que sin culra moria.
Dédesme acá e^e hi.jo,
Mamarii yor despedida.'
— 'No Io desperteis, condesa,
Dpjaldo estar que dormia,
Sino que os pido perdoa
Porque ya Ilegaba el dia.'
— 'A vf s yo perdiuo, conde,
Por araor que 'os tenia;
Mas yo no perdono ai rey,
Ni il Ia infanta tu Iiija,
.Sino iiue queden citados
Delanie la alta juslicia,
Que alia vayan á juicio
Dentro de los treiíita dias.'
Estas palabras deciendo,
El conde f>e apercebia:
Etlióle por la garganta
Una toca que tonia,
68
ROMANCelRO
Apreló eon las dos mauo^
Con la fiierza que podia,
No le aflojó la garganta
Mieiílras que vida tenia.
Guando ya la vido cl ronde-
Trespasada y fallecida,
Desnndóle los vestidos
Y las repus que tenia,
Hcliúla enjiraa la cama,
Cubrióla corao solia;
Desuudose a su costado
Obra de un Ave Jlaria;
L<>vanl<')se danio vocês
A la genle que leuia:
— 'Sojorro, mis escuderos,
Que la coudesa se finn.'
Ilallan Ia condesa nuierta
Los que á socorrer venian.
Asi murió la condes i,
Sin razon j sin Juslioia;
Jlas tambícn todos murierom
Dontro de los treinia dids.
Los doce dias pasados
La infanta ya se moria,
El rey á los veiate y cinco,
El eonde ál treinteuo dia.
Alhi fueron á dar cuenta
A la justicia divina:
Acá nos dé DIos su gracia,
Y allá la gloria cumplida ],
. í Ochoa, Teso)o iJe líoniancn-os, pag. 26,
CONUE YANNO
TUAUI COÃO i.\oi.í:%a
69
Mone, as was her wont, she sate, — wilhin lier bower alone,
iMone and very desolate Solisa uiade lier moaii,
i^stmeulÍDg for the flower oí life, that it should pass away,
\nd fhe be never wooed to wife, nor see a bridai day.
ifhns said the sad Infanta: — 'i will not hide my grief,
i'i'll tell my father of my wrong, and he will yield relief :
The king, «hen he beheid her near: — 'Alas ! my child' said he,
i What means this melancholy cheer? Ucveal thy grief to me.'
-'Good king.' she said, 'my mother was buried long ago,
She left me to thy keeping, none else my grief should know ;
H fain would have a liusbaud, 't is tinii; that 1 should weJ ;
Forgive the xvords I uttei-, with wide shame they 're said.'
It was thuB the king niad answer : — 'This fault is none of mine,
You to the prince of Hungary your ear would uot incline,
Yet round ue here where lives your peer? Nây, name him if you cau,
Except the count Alarcos, and he is a maried mau.'
— 'Ask count Alarvos if of yore hk word he did not plight
To be my husband evennore, and love uie day and niglit;
If he has bound him in new vows, old oaths he oannot forsake.
Alas! l^ve lost a loyal spouse for a false lover's sake.'
The good king sate confounded In silenee for some space,
At length he made his answer, with very troubled face:
— 'U waa not thus your mother gave counsel you should do ;
You've done rauch wrong, my daughter; we're sharaed, both I anl yon.
'If it be true that you have Eaid, our honour'8 lost and gone ;
And while the countess is in life, remeed for us is none ;
Tbough justice were upon our siile, ill-talkers would not spare.
Speak, daughter, fjr your motlier'B dead, whose counsel eased my crae'
70
ROMANCEIRO
— 'How cau I give you counsel? — but little wit have I;
But certes ccunt Alarcos may rnake his couutess die :
Let it be noised that sicknesa cut sliort ber tender life,
And tben let count Alarcos come aud ask me for bia \vife.
What paesed between us long ago, of that benolhiiig gaid ;
Thus noue sbould oiir dishonour know, in bonour sball I wed.'
Tbe coimt was sfanding with bis friends — thus in the nidst he spake!
— '■\Vhat lools hc meu! — wbat boots our pain for comelj' woman's sake •
I loved a fair one loug ago; — tbougb 1 am a raaried man,
Sad memory I kan nc'er forego, how lifo and love began.'
Wbile yet the count was speaking, the good king came full thcre ;
He made his galutation with very cuiteous cheer.
— 'Come iiilter, connt Alarcos, and dine with me this day:
For I have soiuelbiug seeret, I in your ear nnist tay.'
Tbe king came from the chaiel, when hc liad heard the mass;
With him the count Alarcos did to his chaniber pass;
Full nobly Avere they aerved there, by pages many a one ;
■\Vhen ali were gone, and they alone, 'l was thus the king bcgun.
— 'AVhat news be there, Alarcos, that you your word did plight,
To be a husband to niy child, and love hcr day and night?
If more between you there did pass, yourself mny know the Irutli.
But shamed is my grt-y head — alas ! — and scorned .Solisa's youlh.
' I have a beavy \vord to speak, — a lady fair do the lie
AVithin niy daugbter"s righlfiill place, and ceite! she must dic.
Let it be noised that sickness cut fhort her tender liíe;
Then come and woo my daughter, nnd shc that be your wKc.
What passed between you long ago, of that be nsthing said,
Thus none sLall niy dishonour kn( w— in bonour you sball wed.'
Thus spake tlie couiit Alarcos.- 'The Irulh Dl not deny,
to the infanta gave my word, anl brckc it shamefuUy:
I feared my king would never consent to give me his fair daughter;
But oh! spare her thafs innocent— avoid that sinful slaughter.'
CONDE YANNO
71
— 'She dies ! she diea ! the king repliea ; — -frorr (bine twii sin it springs';
If guiltlees blood miiBt wash the blot whicbstains tlie blood of kings,
Ere morning dawn, her life mnst end, and thine muet be tlie deed.
Else thou on shamefull blook must bcnd : tbereof is no remoed.
— 'Good king, my hand thou icay'st uommand, else treasoa blots niy nsme !
I'll take the líle of my dear wife— (God! mine be not the blame).
Alas ! that young and siniess heart for othei''3 sin should bleed !
Good king in sorow I depart.' — 'May God your crrtnd speed !
In sorrow be departíd, dejectedly he rode
The weary journey from palace unto bis oun abode :
He grieved for bis fair countess, dear as bis life was she;
Sore grieved he for that lady, and for his children three.
The one was yet an infant upon bis mother's breast,
For though it had three nurses, it liked ber milk lhe beft :
The otbers were young thillren, that had but li tile wit,
Hangiiig about their mother's knee whilu nursing she did sit.
— 'Alas !' he said, vvhen he had come within a little space.
'How shall I brook the cheerful look of my kind Iady's face?
To see her coming forth in glee to meet me in my hall,
When she so soou a corpse must be, and I the cause of ali !'
Jus then be saw herat the door witb ali her babes appear,
The little page had run before to tell his lord was near):
— 'Now welcome home, my lord, my life I — Alas ! y«n droop yonr head :
Tell, count Alarcos, tell your \\ife, what makes your eyes to red?
— 'I'll tell you ali. TH tell you ali : it is not yt t the bour ;
VreMl Bup togetber in the hall. . . Til tell it you in your bower.
The lady brougbt forth what she Iiad, and down beside hira sate:
He sate beside her pale and rad, but neither drank nor ate,
The children to his side were led (he loved to have them so),
Then on the board he laid bis head, and out his teara did liow:
— 'I fain would sleep.. . I fain would sleep,' the oouut Alarcos said.
Alas! be sure, that sleep was none that night with!n their bed.
72 ROMANCEIRO
They caiue together to the bower nheie thej' v/eve used to rest,
None with iliem Imt the litile babe tliat was «pon the breast :
The couut Lati baried the cliamberdoors— They ne'er were barred till theit;
— 'Uiihappy lady, he bi-gau, 'and 1 most lost of inen !'
— 'Now, epeak iiot so, iny noble lord, my busband and iny life !
Unha|ipy never i-an she be that is Alarcos wife.'
— 'Alas uuhappy lady, 't ia but little ihat you kuow,
Kor in that very word you' ve said, is gathere.i ali yoiir woe.
'I.ong siucH 1 loved a lady,— long sinoe I oallis did i lighl,
To be that lady's husband, to love her day aiid night :
Her father is our l<>rd the king, to him the thing is kuown,
And now, that I the news should briuic ! she claims me for her own.
'Alas I my lovc ;. . alas I my life ! . th; right is ou iheir si de ;
Ere I had seeii your face, sweet wife, she was belrothed my bride ;
Kut, oh! that I sbould speak the word ! sincc lu lier place you lie,
It is the bidding ol our lord, ihatyou this night niust die.
— 'Are these the wages of my love, eo lowly aud so leal?
Oh, kiU me uot, thou uoble count, when at thy foot I kneei !
But send me to my father'8 liouse, where once I dwelt in glec.
Ttere will I live aloue chaste life, and rear my children ihree !'
— 'It may not be : miue oath is stroag; ere da\vn of diy you die !
— 'Oh well 't is seen how ali alone jpon the earili am I ;
My father is an ola frail man, my moilier'8 in her grave,
And dead is stout Don Garci. . . Alas ! my broder brave !
'Twas at this coward king's :ommand they slew my brother dear,
And now I'm hclpless iu the land. Ii is uot deatb 1 fear,
But loath am 1 to depart, aud leave may chíldrea so.
New let me lay tUem to my hearl, and kiss them ere I go.'
— 'Kiss him that lies upon thy breast ; the rest thou mayst not soe.'
— '1 faia would say an Avé.' — 'Theu say it speedly.'
She kueit her down Hpon her Uuee : — 'Oh, Lord ! behold my case ;
Judge not my deeds, but look ou ine in pity and grcat grace.'
CONDE YANNO
When she had made lier orison, up frora her knees slie rose;
— 'Bekind, Alarcos, to our babes, and pray for my repose;
And now give me my boy once more upon iiiy breast to liold,
That the may drink one farewell drink, before my breast be cold."
— ' Wby would yon waken tbe poor cbild? you see he is asleep
Prepare, dear wife; there is no time, the dawn boffins to peep.'
— ' Now hear me, couat Alarcos! I give thee pardon fiee;
I pardon thee for the Iove'8 sake wherew ith 1' ve loved thee.
'But they have not my pardon, the kiug and his proud daughter!
The curse of Godbe on them, for this vmchristian slaughter!
í charge them with my dying breath, ere thirty dnys be gone.
To aeet me iu the realra of dealh, and at God'8 awful throne!
He drew a kerchief round her neck, he drew it tight and sUong,
Until she lay quite stitf and cold her chamber fioor along;
He laid her ihen within the sheets, and, kneeling by her side.
To God and Mary Molher inmisery he cried.
Then called he for his esquires:— oh! deep was Iheir disraay,
When they into the chamber came, and saw Iier hOw she lay.
Thus died she in her innocence, a lady void of wrong. . .
But God took heed of her offence, his vengeance stayed not long.
Within twelve days, in pain and dole, the Infanta passed away;
The cruel king gave up his soul upon lhe twentietli day;
Alarcos foUowed ere lhe moon had made her round complete;
Thrce gullty spirits stood right 800n beíore God'gjudgmpnt-seat 1.
73
1 I.ockliart, ancient stan. isallads.
V
o CONDE D'ALLEaiANHA.
o romance-xàcara cio 'Conde d'Allemanha'
tem um pensamento bello e moral; eostylo
d'aquella simplicidade sublime e verdadei-
ramente antiga, que é o sèllo dss composi-
ções originaes e primitivas, de quando a
arle, espelho ainda rudo porém ainda ingé-
nuo, não faz mais do que reflectir a natu-
reza, mas reflecte- a com toda a verdade.
Uma Olha— uma infanta, pois quasi todos
estes contos de 'era uma vez ha muito' são
de infantas eprincezas — uma (ilha tem a des-
graça de vir a descobrir a 'criminal conver-
sação'desuamãecom um cavalleiro mancebo
e exlrangeiro, um certo 'conde d'Allemanha'
— Allamanha, ou lambem Ararnenlia, como
em algumas partes diz a licção do povo. Kl-rei
78 BOMANCEIRC
anda à caça, segundo é de uso usado n'es-
tes reinos antigos— ao menos occupavam-se
n'isso! — e a filha prolesladizer-lhe tudo em
elle chegando, apesar dos rogos e peitas com
que a mãe a procura fazer callar. Chega o
pae, a infanta vai resoluta a elle... Horroroso
spectaculo! A tremenda accusação d'adulte-
rio proferida pela filha contra a mãef O ter-
ror chega ao seu auge, a peripécia é grande
e sublime... A filha accusa o seductor, mas
salva a mãe; accusa-o de um grande altentado
que lhe deve custar a vida, mas outro, mas
diíTerente; o de lhe lançar mãos violentas,
o de attentar contra a honra d'ella infanta!
A falsa querella leva o conde ao cadafal-
so; mas o crime verdadeiro fica punido e
a honra do pae desaggravada sem se re-
vellar a infâmia da mãe.
Ê visível que este romance foi composto
para celebrar um facto real e histórico, algu-
mad'essas negras e sanguinolentas tragedias,
que tam frequentes se representavam nas es-
curas camarás de nossos antigos paços e sola-
res. Nenhumajusliça ousava intender n'esses
o CONDE DALLEMANHA 79
crimes dos grandes, nenhuma voz os denun-
ciava; e apenas o trovador ou o jogral em
sua ronda de terra em terra, de lôrre em
torre, ia repettír, longe n'uma, o que muito
longe d'alli tinha ouvido n'outra: — ecchos va-
gos e confusos da historia verdadeira que
nem elle saberia nem ousaria contar toda, e
que mais desfigurados e confusos ficavam no
monótono trovar de suas cantadas coplas,
cantadas ao som uniforme d'aquella triste
melopea que ainda hoje dura na memoria dos
povos, d'onde toda se oblillerou, se alguma
houve nunca, a lembrança dos factos e nomes
verdadeiros d'ésta e de eguaes tradições.
Facto conhecido na historia de Portugal ou
de outra parle deIIespanha,não sei que ome-
more este romance; mas inclino-me a crê-lo
de origem portugueza, — isto é, que original-
mente fosse composto no dialecto portuguez,
ou legio-lusitano, porque ainda agora ha mais
simplicidade e mais natural na ^tf/aío (tam-
bém mais completa) que d'elle nos dá a tra-
dição oral do nosso povo, do que na licção
escripta e impressa em que o conservaram
VOL. II 9
80 ' ROMANCEIRO
oscolleclores castelhanos desde 1511 que se
publicou o seu primeiro romanceiro geral.
Ainda no anno em que isto se escreve,
1841, é esta uma das xácaras mais validas,
mais cantadas, e mais sabidas da gente dos
campos. Assim de todas as províncias, até
das de além mar, obtive cópias d'ella; algu-
mas visivelmente ailulteradas com grossei-
ros rifacimentos modernos, addiçues e 'me-
lhoramentos' de algum presumido cantor.
d'aldea que pretendeu corrigir estas anli-
gualhas como os nossos architectos de Lis-
boa corrigiram o convento de Belém, e apper-
feipoaram o frontispício da Conceição-velha.
Collacionando umas cópias com outras e
com a licpão castelhana segundo Depping e
Angustio Duran, appurei o que me parece
o texto mais legítimo e verosímil.
Juntei no fim alguma variante mais no-
tável e que apparecia mais repettida,e lam-
bem a versão castelhana.
o CO^DC »*Ar^I^E.«IA;\U.4
Ja lá vem o sol na serra ',
Ja lá vem o claro dia,
E inda o conde d'Allemanha
Com a rainha dormia.
Não o sabe homem nascido
De quantos na corte havia;
Só o sabia a infanta ',
A infanta sua filha.
1 Ja o fol ilá na vidraça — Uihatejo.
2 Sabia-o dona Silvaiia — Minho.
Saliia-o dona Uernarda — Beiralta
82 ROMANCEiaO
— 'Não n as chegue eu a romper ^
Mangas da minha camiza,
Se em vindo meu pae da caça
Eu logo lh'o não diria.'
— -Cair-te, cair-te, lá infanta,
Não digas tal, minha filha.
Que o conde d'AIlemanha
De oiro te vestiria.'
— 'Não quero vestidos d'oiro'';
Mau fogo em quem n'os vestira!
Padrasto com meu pae vivo,
Nunca o eu consentiria.'
Palavras não eram ditas,
Elrei que á porta batia.
— 'Deus venha c'o senhor pae
E o traga na sua guia!
Tenho para lhe contar
Um conto de maravilha.
3 Mangas da miuba camiza,
Não n'as chegue eu a romper,
Se em vindo meu pae da iiiissa
Logo lh'o não for dizer;— Minho,
4 Não quero vestidos de oiro,
Pois 08 tenho de damasco:
Inda lenho meu pae vivo,
Ja me querem dar padrasto —iiií/tí/fjo, Trasos nioutes,
Behalta.
o CONDE bALLEJlAiNHA 83
Estando eu no meu tear =
Seda amareUa tecia,
Veio o conde d'AIlemanha
Três fios d'ella me tira. . .'
— 'Cair-te, d'ahi, minha filha,
Ninguém te oiça dizer tal:
Que o conde d'AlIemanha
E menino, quer brincar.'
— 'Arrenego dos seus brincos •>
Mais do seu negro folgar 1
Que me tomou nos seus braços,
A' cama me quiz levar.'
- -'Calla-te ja, minha filha,
Ninguém te oiça mais fallar;
Que em antes que o sol se ponha
Vai o conde a degoilar.'
Veis-lo conde d'Allemanha,
Veis-lo vai a degoliar;
Ao rabo do seu cavallo
Lá o levam a arrastar.
5 Estanio eu no meu toar
Tecendo geda amartUla,
Veio o conde d'Alleinanba
Três fios me tirou d'ella. — Porto, e outras.
6 Arrenego de tal condo— Beicn&aíxa.
S4 ROMANCEIRO
— 'Venha ca, senhora mãe '',
Venha ao mirante folgar.
Veja um conde tão formoso
Que ahi vai a degoUar.'
— 'Mal haja, filha, o meu leite,
Mais quem t'o deu de mamar,
Que a um conde tam bonito
A morte foste causar.'
Âq\ii u Turlantes são infinitai: é a passagem que todos os
ingenhoB d'aldea se comprazeram mais a paraphrasear e a fa-
zer thema de seus floreados e variações, moderuizando-a sem
obedecer á rliyma certa do romance e quando menos ao seu
tosBte ou assoante obrigado, cujas severas leis não permittein
que ee mude senão em espaços regulares, e nunca mais de duas
ou três vezes em todo o decurso do mais exteuso d'elles.
Ponho aqui uma amostra d'estas que não são variantes,
mas variações roodernasi.
Venba ca, senhora mãe,
Para a Janella do meio,
Ver o conde d'Allemauha
Infeitado de vermelho,
Venba ca senhora mãe,
A janella do quintal,
Ver o conde d'Allemanha
Como vai a degollar.
Venha ca, 6 minha mãe.
Venha á janella do cauto,
Venha ver o senhor conde
Como lhe parece o branco.
Venha ver, ó minha mãe,
A' janellinba do poço.
Venha ver o senhor conde
Com uma corda ao pescoço.
o CONDE D'ALLHkIANHA 85
— Cair-se d'ahi, minha mãe,
Ninguém lhe oiça dizer tal.
Que a morte que o conde leva
Não lh'a faça eu levar *.'
8 AlgumaB cúpiae, especialmente as da Beiralta e Ribatejo,
trazem no fim uma eg| ecie de conclusão ou rabo-lova; o que G.
<ie Rezende chamaria ca^o o\ fym (vej. Caiiç. de Rez.): remate
que todavia se incontra quasi pelas mesmas palavras cm muitas
outras xácaras e romances.
N^uraa campa raza e triste
Ja o deixam iuterrado ;
Pozeram-Ihe á cabeceira
Um letreiro tem lavrado,
Para quem passar que diga :
— 'Aqui jaz o malfadado,
Que morreu de mal d'aniores.
Que é mal d«éesperado.'
86 ROMANCEIRO
MCÇAO C.4STKI.H.%.%A
A tau alta va la luna
Como p1 gol á médio dia,
Guando el buen conde AUeraan
Con esa dama yaeía.
No lo sabe hombre nacido
De cuant03 en corte habia,
Sino solo la condesa,
Esa condesa su hija
Asi la duena la hablára,
De eita manera decia :
— 'i uanto viéredes, condesa,
Cuanto viéredes encobrildo.
Dares ba el conde Alleman
Un manto de oro fino.'
— 'Mal fuego le queme, madre,
Kl manto de oro fino.
Guando en vida de mi padre
Tuviese padrasto vivo.'
De alli se fuera llorando.
Al conde su padre ha visto.
— V; Porque llorais, la condesa?
Decid ^quien llorar os liizo?
— ' Yo me estaba aqui coraiendo,
Comiendo sopas en vino,
Entro el conde Allemau
Y echólas por el vestido.'
— 'Calleis, mi hija, calleis,
No tomeis deso pesar,
Que el conde es nino y muchacbo,
Hacerlo ha por burlar.'
o CONDE d'ai.lkmanha 87
— 'Ctiando me tonió tn sue brazos,
No me quizo respetar.'
— 'Si el os tomo en 3us brazos'
Y cou vos quizo liolgar
Eu antes que el sol saliese
Yo lo mandaré matar 1.'
1 Ko-nauccro de D. Aug. Diiran, tom. iv, p. I. Oclioa, Te-
a oro. p. £.
VI
COM à-LEIXO
Tem este romance um viço, um frescor de
originalidade que recende. Todo elle respira
a graça desaffeitada da poesia primiliva. E to-
davia é flno, elegante, cheira a um salão de
castello da meia edade, aos perfumes do bou-
doír de uma nobre donzellado tempoda 'Ma-
dre-silva' ou da 'Ala-dos-naraorados'. Se o
cantaria o condestabre à sua dama ? Ou o Ma-
griço áquellas misses de olhos azues que foi
defender a Inglaterra? Ou se o traria de Nor-
mandia o conde de Abranches?
Sabemos que estas coisas eram já mais
moda então do que as inrevezadas trovas tro-
vadas d'el-rei Dom Diniz e de seus donzeis e
discípulos, pois temos noschronistasaauctori-
dade de Nun'alvares Pereira,que era o grande
92 ROMANCEIBO
modelo de seu tempo, e preferia os romances
d'elrei Arthur e de sua TavoUa, a todas as
pieguices alambicadas da eschola provençal.
Não quero dizer que seja 'Dom AAleixoHam
antigo como 'Amadii' em sua linguagem e
composição. Digo que a historia e o modo de
a contar sabem a esses primitivo tempos.
Vasco de Lobeira pôde ser mais velho um
século ou dous; mas o menestrel que disse
este cantar, não o fez mais moderno, talvez
menos. Na mesma montanha e na mesma es-
tação do anno varia a temperatura, o clima e
a vegetação por tal modo, que o viajante pôde
imaginar-se estarno mesmodia.naprimavera
enohynverno, no estio e no outomno, segun-
do sobe para a cumiada ou desce para a falda
da serra. Ainda no mesmo ponto e no mesmo
jardim llorece em janeiro a plantaque está no
abrigo, exposta ao sol, livre da geada; em
quanto sua egual e sua irman gela sem flor
nem folha ao desabrido sopro do nordeste.
Será mais dobrada e mais brilhante a flor
d'aquella; mas quando estoutra rebentar
aos bafejos da primavera natural, o seu viço
DOM ALEIXO 93
e perfume hãode ser mais vivos e de mais
força.
Assim é com a poesia : na mesma geração
o poeta lido e letlrado produzirá odes e so-
netos que pareçam dous séculos mais mo-
dernos do que as incultas coplas do seu con-
temporâneo. N'aquelles a moda, a imitação
dos modelos estimados do tempo, lhe es-
tampará com todas as lettras o anno de sua
composição: a originalidade d'estes não
traz (lata, nem a tem, porque a natureza
não varia com os séculos.
Não vemos nós também a gente dos cam-
pos em muitas províncias da Europa trajar
ainia hoje ás modas de ha seis ou sette
centos annos, e de mais? As populações do
Oriente, os povos pastores com especiali-
dade, não vestem ainda hoje como nos mais
remotos tempos de que saibamos?
Faço e escrevo estas considerações, por-
que ellas são precisas para avaliar conje-
cturalmente o que não tem livros nem mo-
numentos nem documento outro algum por
onde se estude ou se aífira.
94 KOMANCEIUO
*Dom Aleixo' é dos nossos romances po-
pulares o que me chegou mais corrupto,
interpolado, e de que menos licções provin-
ciaes pude obter; só uns fragmentos da
Beiralta e outros de Lisboa. Se não (ora a
copia do cavalheiro de Oliveira --de que me
não valho senão em extremos, porque lhe
dou menos fé que ás tradifões oraes do po-
vo— tinha-me sido impossível restitui-lo.
Ainda assim algumas raras palavras foram
por mim conjecturalmente substituídas. Taes
são na copla que diz:
Ou se es alma qiu; an(Ja em penas,
Te furei tiicommendar.
A tradição oral de Lisboa diz:
Eu por ti meuos daria
O que não faz sentido' algum;,'e devia de ser:
Eu te incommendaria.
sendo alli a rhyma em ia, não em ar como
na nossa.
Oargiimenlodo romance é gracioso e lindo
pôstoque remate bem tragicamente. De três
irmans que viviam junctas, a mais pequena
era tam amiga de saltar e folgar, que uma
DOM ALEIXO
93
noite se vestiu de pagem, e passeiando.rua
abaixo rua acima ao pó de sua casa, G'ngia
querer cortejar alguma das três irmans que
alli moravam, e que Iam parecidas eram,
tam de eyualhar, que ella dizia, em des-
prendido stylo leonino— e esse sim que é o
mesmo em todos os tempos :
Das três irmãs que aqui moram
A qual heide cu namorai?
Dom Aleixo. seu apaixonado d'eila, sentado
no poial aopé da porta, e disfarçado em ermi-
tãOjViucom despeito as fanfarronicesd'aquelle
atrevido pagem que não reconheceu, e lhe
(•uiz metter medo com uma supposta espera
que Uie estavam fazendo. Mas a dama-pagem
tinha ânimos de cavalleiro,aírrontou o perigo
em vez de fugir. E quando Dom Aleixo reco-
nhece a sua amuda e lhe vai a deitar os bra-
ços, ella o fere mortalmente com um punhal.
É singela a historia, mas verosímil e inte-
ressante, como são todas éslas que os nos-
sos menetreis cantavam.
Não apparece vestígio algum d'esle ro-
mance nas collecções castelhanas.
VOL. II ^^
DOM AL.EIXO
Nós éramos três irmans ',
Todas três de um egualhar;
Uma insinava á outra
A cozer e a bordar.
A mais pequena de todas
Se foi, por noite, a folgar 2
Com duas tochas accesas
A porta do laranjal -^
1 E vigivel o ên-o e corrupção das licçõos que, faltando â
rliyma obrigada, lèem n"e8ta;
Nós éramos troe irinaus,
Todas três de um paretcr;
Uma ensinava ;i outra
A bordar e a cozer — líeiralta.
2 Andava pelo pomar — Lisboa.
ò Ao redor do laranjal— ^eiraUti.
98 ROMANCEIRO
Vestiu vestido de pagem,
Que lhe ficava a mattar,
Seu punhal de oiro na cinta,
Seu borzeguim de alamar.
Foi-se pela rua abaixo,
Tornou acima a voltar:
— 'Das três irmaris que aqui moram,
A qual heide eunamorar ?'
Nós de dentro do balcão,
A rirmos de seu brincar"*.
As tochas tinha apagado,
Vinha sahindo o luar,
Passando junto da porta,
Que os olhos foi a baixar,
Viu estar um ermitão
Assentado no poial.
— 'Que fazeis aqui, meu padre,
Que fazeis n'este logar ?'
O erm.itão, sem responder,
Começou-se a levantar. . .
Tam alto em demazia,
Alto, alto de pasmar^
— *Se tu se a coisa má,
Eu te quero esconjurar,
Ou se es alma que anda em penas,
Te farei incommendar 6.'
4 Vu\e&T—neiralla. :> Que era coisa de ji:isu\&r— Lishoa.
C Farei incommendar a tua alma, rezar por ti, «lizer mu-
sas, etc.
DOM ALeiXO 99
— 'Eu não sou a coisa má
Que tenhas de esconjurar;
Também não sou alma em penas
Para tu me incommendar:
Sou a alma de Dom Aleixo,
Que aviso que venho dar ''i
Sette te estão esperando
Na esquina, áquelle portal,
E jurara por Deus sagrado
Que a vida te hãode tirar.'
— 'Pois eu por esse lhe juro ",
E pela Virgem Maria,
Que outros sette que elles foram,
Eu atraz não tornaria.
Oh lá, oh lá, cavalleiros,
Não levem de covardia,
Puchem por suas espadas.
Que eu pucharei pela minha.
O que não trouxer espada,
Eu esta lhe imprestaria,
Que eu cá com meu punhal de oiro
Defenderei minha vida.'
Palavras não eram dittas,
O ermitão se descubria,
7 Que te venho avisar— iíítoa.
8 Pois polo ineamo lhe juro — Biiralta.
100 ROMANCEIRO
Foi a tomá-la nos braços
Com sobeja demazia. . .
EUa com seu punhal de oiro,
Que na cintura trazia.
Tal golpe lhe deu nos peitos,
Que alli por morto cahia.
— 'Quem te raattou, Dom Aleixo.
Quem te maitou minha vida?'
— 'Mattaste-me tu, senhora,
Que outro ninguém não podia.'
Ergue-te, Dona Maria,
Bem calçada e mal vestida,
Agora, por mais que chores
Tua alma fica perdida ■'.
9 Ksta ultima copla, que em toclas as licções apparece,
pertencerá com effeito ao romance? ou será fragmento de cutro
que se llie cozeu pela ignorância Jo vulgo? As minbas conjeelu-
raa inclinam-se á seguuda (i'er;tas opiniões; mas conservei a co-
pia no texto por nãc encontrar uma só licção em qae ella não
venha. Certo é porém que as licções aqui são todas fragmentos.
VII
8YL.VANINHA
A rudeza da linguagem, a descompostura do
stylo, e a nudez, posto que innocente, de al-
gumas expressões e imagens characterizam
o romance popular da 'Sylvaninha' por uma
das mais antigas composições que a tradição
dos povos tem conservado, de tempo imme-
morial, na nossa península. Não dei com elle
em nenhum romanceiro ou cancioneiro cas-
telhano; mas não ha província de Portugal
onde, mais ou menos completo, se não cante.
A cópia de que me servi quando pela pri-
meira vez o publiquei em 1 828, como funda-
mento e illustração da 'Adozinda^' tinha sido
obtida em Lisboa pelo paciente zelo de uma
menina da minha amizade, que ia escrevendo
no papel o que ora lhe cantava ora lhe rezava
1 Veja prefacio e noias do 1." vol. do Romanceiro, segunda
edição (da Adoziudu), Lisboa 1843.
10* BOMANCEIRC
uma criada velha da província do Minho, ha
muito anno aqui residente. Vai agora melhor
restituído o texto com o auxilio de outras có-
pias que memandaramdaBeiraedoRibatejo.
O assumpto d'este romance é feio e des-
naturai; mas são os que mais interessam o
vulgo em toda a parte, e que preferiram
sempre os poetas nas primitivas edades das
nações. O coração áspero e cru, os senti-
mentos duros dos povos semibarbaros pre-
cisam d'esses violentos slimulos para vibrar
— diz Sir Walter Scott * — o espirito ainda
não está puriQcado bastante para fugir, co-
mo em tempos mais civilisados, de tam as-
querosos meios de excitar interesse.
A vaidade de poeta moço fez-me escolher
esta xácara para provar n'ella a mão quan-
do me insaiava a traduzir para a lingua e
poesia de hoje, alguns dos antigos vestígios
dos nossos obscuros Enios da meia edade,
porque me irritavam essas mesmas difficul-
dades e me lisongeava de as vencer. Da
Sylvana nasceu pois a Adozinda, e em tam
1 òltHitrelsy o/ tlie scottUh horderi.
SYLVANiNHA 105
boa hora que d"ahi data o gosto da poesia
popular entre nós: por onde não fui tam in-
feliz, apesar dos escrúpulos com que fiquei,
assim da perigosa trama que escolhera, co-
mo da timida ordidura com que a cubri.
Hoje seria aífectação ridícula omiltir aqui
aquelle texto em toda a sua crua nudez. Boa
é a máxima dos romanos: Far.inora ostendi
dum punia ntur, floijitia autem abscondi de-
hent. Mas não será da publicação pela im-
prensa de uma xácara velha, que anda na
memoria dos povos, que ha de vir a pollu-
ção do espirito, e menos ainda o derran-
car do coração, que é a verdeira doença-
mãe de todas as doenças moraes.
Quanto se pôde julgar de uma coisa tam
desbotada do tempo e das mãos por que
tem passado, inclino-me a crer que esta
singela rhapsodia popular é anterior ou, se
contemporânea, extranha á polida e estu-
dada litteralura provençal do século xiir.
Que ja no tempo de D. Francisco Manuel
de Mello ella era havida por coisa muito an-
tiga, e de nenhum modo castelhana, temos
106 ROMANCEIRO
bom documento no seu 'Fidalgo aprendiz,'
jornada segunda*:
Entoay, por meu prazer.
Qualquer coisa.
GU
Sein guitarra ?
Brites
Eylla ; tomay.
Gil
'Passeara-Be Sylvana
Por um corredor um dia . . .
Brites
Ay senhor ! eu não queria
Senão lettra castelliana.
Gil
Cantarey algaraviv.
Se mandays ; pois que quereis?
Brites
Uina letra nova quero, . .
0 pensamento, o fundo das ideas, o pri-
meiro desenho e, quando muito, o tom do co-
lorido geral, é o que se deve examinar e con-
siderar n'estesesbocetos antigos, tantas vezes
pintados e repintados por pinceià de cada vez
mais grosseiros e ignorantes, e sobre tudo im-
penhados sempre em modernizar, pôr á moda
e fazer bonito o que lhes parecia tosco e
1 Ed. de Leão de França, 1665, pag. 247.
STtVAMNHA 107
grosseiro, só porque era simples e original.
O stylo, as palavras, a forma toda exterior
de um d'esles romances parecerá muitas ve-
zes, à primeira vista, de um século, e d'es-
se é com verdade, porque n^elle foi refeito
ja na sexta ou septima traducção oral;
quando originalmente elle foi composto ou-
tros tantos séculos antes.
Não ponho senão as variantes mais notá-
veis; tem muitas outras, e infinitas quasi,
este romance, por ser dos mais populares e
e&palhados era todas as províncias. N'um
curioso exemplar da Beiralta, em vez de
começar como aqui começa e geralmente se
diz, o principio é estoutro, accrescentado
decerto por mão ignorante e sem tacto:
o conde de Villa-Flor,
Com ser o conde maior,
Com ter ja três filhos homens,
Lindos como o mesmo sol,
A sua filha Sylvana
De amores accommettia:
— 'Bem poderás tn, Sylv.iua,
Commigo fallar um dia.'
No resto diífere pouco da licção geral.
\ 'Adozinda' feita sobre a 'Sylvana' e em
108 ROMANCEIBO
geral a poesia popular portugueza deram
motivo a um interessante artigo que se pu-
blicou no num. xx do Foreign Quarlcrleij
Review de Londres, outubro de l832. Co-
pia-se aqui a parle respectiva, não só pelas
curiosas observações do escriplor inglez,
mas pelos tractos da traducção ingleza mais
curiosos ainda.
AVe havc already iulimated thal tbe long slighted xacara ha*
at Icngtli íound a cultivated adinirer; and tbis adniirer is the
ÍSeuhor Almeida Garrett, whose attentiou seems to bave been
fCcalIed to wbat formed the delight of bis infancy, by the uni-
versal niodern rage for old uatioual legenda and songg. He has
ocUected tbe fraginents of maiiy mutilated xacaras, and in tbe
introduction to Adozinda Bpeaks of publishiiig theni, with ver-
sions 60 far moderniziug tbem as to render tbe language aud sto-
ries iutelligible. AVe are great lovers of sucb lore ; and the Por-
tugueze nature is so essentialy poetical, tbat \ve are satisfied
Ijusitanian lispings in numbere ninst be amongst the sweetest
of earlj- remains.
Adozinda is not exactly a epecimen of wbat tbis work wculd
be; in it tbe xacara fragmenta baving grown into a poetical ro-
inance in four short cantos, and being altered, as well as dila-
ted and completed. They could not el'e Iiave appeared in tbese
days of refinemcnt ; for tbe tale is foundeil on a passion revol-
ting to buman natuie, and requires tbe utmost delicacy cf ma-
nagemeiít to render it endurable. Our autbcr has done mueh to
Boften itg offeueiveness; indeed, as muih as in mosl parts of the
cositincnt will, we conctive, ho tboi\çht siitíicient. Euglish roa-
ders areJ, bowever, more fastidious ; and ibere are parts ofthis
1 Esta vaidade da pruderie ingleza pavoneia-se aqui muito
SYLVAMNHA
109
põem wbich we coiild ueither trauslate uor even insinuate con-
fortably, We iiiust theiefore tell the story briefly in our owu
way; first giving the description of Don SÍ6naiido'a return home
*ioin the moorish wars, and contludiíig with eztracts from the
catastrophe. As uEual we imitate the metre of the oiigiual, to
whiih belongs the intermixture of unrhymod Unes.
Lo! wtat crowds seck Landim palace
Where it towers aliove the riverl
Sounds of war and sounds of rainh
Through its lofiy walls are ringingi
Sbakes the diawbridge, groans the carth
Uuder troops in armour bright;
Steeds, caparisoned for tigUt,
Ouvvard tramp:— o'erhead high flinging
líaniiers, where the red croBs glows,
Standard- bearers hurry uear, —
Don Sisnando's self is here:
From his breastplate flashes light;
Plumes that soem cf mountaiu snow
0'er his dazzUng helmet wate;
'Tis Sisnando, great and bravel
'Open, open, castie portais!
Pages, damsels, swiftly move!
Lo! from Paynim lands rctjrniug
Gomes my husband, lord, and lovel
Thus tbe fond Auzenda cries
Tow'ids tbe portal as sho flie=.
Gates are opened, bhouts ring round;
An the ancient castle"8 echo
Wakens to the fe&tive sound;
fora de propósito. Nas collecções de Percy e de W. Scottha coi-
sas tara pouco coufortaveis como esta, ou menos talvez. Myrrha
e Cannace, não a lêem ellcs em Ovidio, sem fazer estes tregei»
tos de hypocritueg que são, os noESOs alliados?
lio BOMANCEIRO
Welcome! welcome, Don StBnanrlo!'
*****
Wceps her joy Auxencla rneck,
Streaus of rapture ewcetly flow;
Down the never-changiug cheek
Of Ibe warrior stout and atem,
SteaU a lear-drop ali unheeded —
Stronger far is joy thau woel
Recovering from bis conjugal transports, Don Sisnando aska
'^or bis daugbter:
At big side bis daugbter fair
Trembling stands with downcast air.
Lik« aorae modest star 8bn scems,
In tbe boi and vivid beanis
Of !he 8un, uprising brigbt,
Seen as beautiful as cvor
But pale, dim, bereft ef ligbt.
Thrce long 3'earB liad Don Sisnando
Fougbt against tbe Moorisb erew;
And uiiknown in tbis fair dame
'Now bis daugbter met bis view —
'ííee her berel' the ruulber cries,
Rouod her waist and arm entwiniug;
'See her bere, my Lord!' — What flanie
Bla^es in tbe fatlitT's eyes
Kixed upon his lovely daugbter;
Wonder with deligbt combining,
hong he stands in rapture mute.
Adozmda sigbs and bUisboE,
AVhispers 'Fatbcr!' tremblingly,
Bends in languid gui«e her kuee,
And, on tbe paternal hand
Bieathes with icy lips a kiss.
Whilst of tears a torrent gushes,
Tears sbe may uo more command.
S^T-VAXníHA 111
Our hint «s to the revolting char«cter of the story may, j^er-
baps, have prepared the rcader to perceive tbat the faiher has
fallen in love wiih his own daughter. Alozinda had been {> re-
wamed of ibe honors awaiiing her by a bcrruit, to whora she
as a cbild, had persuaded ber ungentle father to grant bosnita'
lity, and sbe has ever since babilnally paesed her nigbts in sr>
litary prayer in a haunted grotto. Here hi-r faiber surpri.-cs her_
and sbe only escapei fhe impetuosity ofhie loathsome paBsion
by promizing to admit hira to her i bamber the foUowiog nigbt.
Her Etill beautiful mother tak.es her place; nnd tbe fatber, enra-
o^ed at diseovering lhe holy traud, ehate up Adozirda, wlthout
clolhes or drink, for seven years and a day, in a rooflesR tower,
where a Moorish king had so imprisoned a faithless wife. He
thíi) retires to his cbamber wbere none may intriide: —
And the father is alone.
He alone? With hitn remain
They that ne'er deaert their o\vn: —
Sin, remorse and gnawing paln
* * * * -s
Dawns at length th' appointed day;
Adozinda's years of doom,
Years and day, at eve expire.
Scorobed i' tb' sun'» meridian ray
Seems the solld earth on fire.
From j'ou prison'» BuUen woicb
Hark! wbat afientn force their way?
Aecents seveu long year« unbeard.
■ Ti» a voife tbat at ks eompassion; —
Heaiken to each piteous word —
• Oite, Oh give a draught of water!
One «ole dranght for mercy s §ake;
Here nnaheltered I am bnrntnt
And my very heart ivill break.'
That was Adozinda fair,
AU her aecentn refognize ;
VOL. n 11
112 ROMANCEIRO
To hcr prisoa tbrongs repair,
Ou tbe loop-bule ãx tbeir eyus,
Aiid 'nhe livet! she liveí'.' they slioiít,
'Lives the iiinocent oppressed!'
Theii auiidiít tbe vvoniJ'ring roíit
St.ries 01' hpr patieiíce spreail;
AM the viriucs are coufesstd,
Oflbe Ani,'fl iiiounitíd as dead. —
Ilnrk! ;i^'ai'i tliose sounas are heard!
Ilark! agaiii eacb piteoa» word
Seetn." tbe priaon walle to «bnke.
'Give, Oh give a drautrbt uf waterl
One sole draiigbt for ini!rev's sak«;
llere unsbeliered 1 am buroing
Aiid niy very heart will break.'
Kveiy breaet was iiioved ic grieC,
llut ber latber wbo migbt brave?
Weepiug Ihvy Ibia auswer gav* -
iADgul,yet a wbilu endure,
Switc deliverance is «are,
He, tby Sire, iiiusl briug rellel'.
Now tbe Beveu long years are gooH,
Aiid the day is uell nigb done;
Yet au bour ' gaiuiit death coutuud,
'l'lieu tby Biitteriíi;! luust ciid.'
Adozíuda answei^ tbat she cauuot hold out auotber bour.
Sbe tella bow sbe hm beeu supported agaiust tbirat, beat and
cold, tbrough tbe sevea yeare by a eoudnued oiiiaele, but tbat
tbe bacd otOod bas beeu withdrawa from ber for tbe lasttbtee
'tavi, aud sbe can endure uo more. Sbs conflade» by aga n re-
peatiug ber staBía of eupplioation. Tbe tidiug» reacb Don Si«"
naudo : —
And vvitbin bis Ktony breait
Cruelty bas diod away,
8YLVANINHA ll-T
DiiwnB of pily a faint ray ;
rrom blij parcbed, «epulubrul eyus,
Terror, that ou ali impreesed,
By tbe bani tbat will chaetise
Toucbed, burst tears of biiman auguish.
» • « i» *
To tbe towT be rashes, shonting
'Water! qaiik, briíig water here!
llaeieo, basten ali to aid
Tb' innocent ill fated maid,
Murdereíl by hcr father's Landt '.'
Sbouting ihus he burries near ;
And beneaih tbe prisoa stands,
Wbere ead Adoziada moans,
'Daugbter! yet 'tis time — Ob livel
Daugbter, daughtei-, Oh ! forglve
Tbis vile mard'rer!' — Pas>ion'8 íoi-ce
Cboaks bici acceats, cboaks bis groaus ;
Voiee, strengbt, breatb, have suddeu fiiiled bina —
Ou tbe earlb he lies a corse.
Tbese events raise Aczeu la from u Uat wa» ihought ber death-
bpd. 8be tottcra to tba f'>ot of the fower, and orders bev dau-
gbter to be released. Biit uo excrtions can biirst tbe prisoa doors,
till tbe Hsrmit wbo bad forcwaraed Adoziuda arrivuâ At bíB
word tbo tovveropeas. — Adiziuda i« dead — aod dead be leavei>
b"r. Bat Dan Sisuau lo be recaU lo life, that lhe «inuer may,
l»y long and paiaí°al penitenec, atoue bis crime. The guilty íatbcr
dt^parts with Ibs hermit. an 1 ia íccn in more; bui. eveu to tbf
liiescnt day,
.Still at uiidaigiit°d soleu)ii boiír
Uuderueatb that rniii'd tow'r,
Tbroufth tb' adjoiuiusr chapei, loa.id
Voices roiagling words and groans —
«Pardon! pardon ! ecboea rouod. —
Tboi« are Don ^isnaDd y* t )nei .
í!>vi^va:m.^ií.4
Fasseiava-se a Sylvana
Pelo corredor acima*;
Violla de oiro levava,
Oh! que tam bem a tangia!
E se ella bem a tangia,
Melhor romance fazia.
A cada passo que dava,
Seu padre a comraettia:
—'Attreves-te tu, Sylvana,
L'ma noite a seres minha?'
--'Fora uma, íôra duas,
Fora, meu pae, cada dia;
Ma' las penas do inferno
(^uem por mim las penaria?"
l l*oi teu corredor «cima -iíinfio.
1 16 RI. MÀNCEÍtSO
— 'Pena las-hei eu, Sylvana.
Que las peno cada dia.'
Foi se d'alli a Sylvana,
Mui agastada que ia;
Foi se incontrar com sua madre
Lá no adro da ermida^:
— 'Que tens tu, minha Sylvana,
Que tens tu, ó filha minha?'
— 'Ohl quem tal pae não tiverai
Quem não fora sua filha!
Que me accommette de amores,
O' minha mie, cada dia.'
— 'Vai, filha, vai para casa,
Veste uma alva camisa,
Que o cabeção seja de oiro ',
As mangas de prata fina:
Deitar-te-has no meu leito,
Eu no teu me deitaria. . .
E hade valer-nos a Virgem,
A Virgem Sancta-Maria.'
Lá junto da meia-noite
Seu padre que a accom.mettia . . .
1 tntrc a. sala, e a coiioha— Jfíti/ío, Sxtremadura,
9 Ar camiaaB bordadas de oiro e prata eram ama dait ab-
Rurdai elegâncias do luxo da edade-niúdia em rjue nada cecara
aos commodci e tudo á citeotação.
SYLVASIMHA 117
— ^Se eu soubera Sylvana,
Que estavas tara corrompida.
Oh! las penas do inferno
Por ti las não penaria. . .
— *Ésta não é a Sylvana,
E a mãe que a paria;
Também pariu Dom Alardos,
Senhor de cavalleria,
Também pariu a Dom Pedro,
Príncipe da infantaria'.
Também pariu a Sylvana
Que seu pae accommettia -'.'
_-'Ohl mal haja que haja a filha
Que seu padre descubria!'
— 'Oh! mal haja que haja o padre
Que sua filha commettia!
Manda-a metter numa torre
Que nem sol nem lua via;
Dão-lhe a comida por onça
C a agua por medida.
Ao cabo de seite annos
Veis a torre que se abria . .
Assomou-se a Sylvana
A uma ventana mui alta,
i Príncipe ua siguiãcaçâo do clit.-l> ú cumnmoi na língua-
gem doi Becoloi xi. xii e xiii.
6 Qnc d« ti foi tommeWiàa— Bdrahaixa.
líi ROMANCEIRO
Foi -se incontrar com sua madre
Lavrando n'uma almofada *•:
--'Estejais embora, madre,
O madre já da minha alma:
Peço-vos por Deus do ceo
Que me deis um jarro d'agua;
Que se me aparta a vida,
Que se me arranca a alma.
— 'Dcra-t'a eu, filha minha,
Se a tivera salgada,
Que ha sette para oito annos
Que por ti sou mal casada.
Se teu padre tem jurado
Pela cruz de sua espada,
Quem primeiro te desse agua
Tinha a cabeça cortada!'
Assomou-se a Sylvana
A outra ventana mais alta,
Foi se incontrar c'os irmãos
Que estavam jogando as cannas:
— 'Estejais embora irmãos,
Meus irmãos ja da minha alma:
Peço-vos por Deus do ceo
Que me deis um jarro d'agua,
Que se me aparta a vida,
Que se me arranca a alma!'
t Cozeudu a' uma lilmoUáA—E^rcmaduiii .
SYLVAMKHA
— Dera t'a eu irman minha,
Se a tivera impeçonhada ':
Que nosso pae tem jurado
Pela cruz da sua espada *
Quem prmieiro te desse agua
Tinha a cabeça cortada.'
Assomou-se a Sylvana
A outra ventana mais alta,
Foi-se incontrar com seu padre
A jogar a imbocada:
— Estejais embora, padre,
Padre meu ja da minha alma:
Peço-vos por Deus do ceo
Que me deis um jarro d'agua,
Que se me aparta a vida.
Que se me arranca a alma...
E de hoje por deante
Serei vossa namorada '
— 'Alevantem se, meus pagens ■',
Criados da minha casa,
Uns venham com jarros de oiro,
Outros com jarros de prata:
O primeiro que chegar
Tem a coramenda ganhada.
O segundo que chegar
Tem a cabeça cortada.
7 6e a tive; a salgada— Liitsa.
a Pelos cuuUos da e»pada — AUmUJa.
U Alevi-utcm ae, meus uitçoii- J/í/íAo
119
130 RuHÀnCKfRO
Os criados que chegavam,
Sylvaninha que finava
Nos braços da Virgem sancta,
Dos anjos amortalhada ^^ !
Vai-te embora, Sylvaninha,
Sylvaninha da minha alma:
Tua alma vai para o ceo,
A minha fica culpada.
10 Dos «njo» a«omp&nhad*— iíflnííjo.
VUI
BEBNAL-FKANCJíZ
Desde que cm 1828 publiquei em Lon-
dre? pela primeira vez a interessante rha-
psodia de poesia popular que leva este titulo,
ejla !em feito a volta da Europa, sondo tra-
duzida em diversas linguas, já no próprio
fragmento, já na reconstrucção ou imilação
delle que ao mesmo tempo dei à luz.
Ultimamente recebi de Inglaterra, do meu
amigo o cavalheiro João A dam soa ^ uma
nova traducção ingleza, diflerenle e mais
acabada do que essoutra que dei no primei-
ro volume do ROMASCEmo*; de Hespanha
1 NV Lusitânia lUiislifila , Fart. II, ypwvjgtlfl a-on tlnf \Mt,
■e publicou ósta nov« tradu^cSo.
! Hnmanreiro geral, 1. T^llboa 1843.
124 ROMAMCEIBO
chegou também ha pouco uma bella e ele-
gante versão em castelhano.
.lunctareiaqui uma e outra para satisfacção
do piiblico portuguez, e em demonstração
também d'um grande e importante theorema
que ainda me parece não ser iam geralmente
demonstrado quanto precisa sê-lo entre nós;
vem a ser; Que quanto mais nacional, mais
estreme e puramente nacional é uma obra,
mais agrada aos próprios exirangeiros,mais
segura eslà de se generalizar e ser conhe-
cida no mundo litlerario. O que não tem côr
nacional, o que pôde ser para todos, é o de
que todos fazem menos caso.
Mas liào só como obra lilteraria, ou como
coisa de imaginação e objecto de curiosida-
de são interessantes estas relíquias. Eu creio
n'ellas como coisa histórica. E tenho maisfe
n'esses documentos que nos conserva o po-
vo com toda a sua ignorância, do que n'es-
soutros que dei.xou escriptos a sapiência
dos lettrados. O povo altera, traduz, corrom-
pe, mas não inventa.
Vou pôr aqui, restituído e apurado por
BERNAL-FIÍAKCEZ 125
lougo trabalho de meditação e comparação
de muitos exemplares, o texto original do
'Bernal Francez' segundo o conservou essa
tradição.
É este um dos mais bellos e seguramente
mais antigos romances da nossa península.
Não apparece, como ja noutra parte disse *,
em nenhumdosromam:eiros casteihanosoem
iia vasta collecçào de Ochoa; e denota lodo
elle mais antiguidade queos mais antigos que
iraquelies códices se acham. Os neologismos
da dicção devem-se as causasjáreferidas tan-
tas vezes, que todas estão no variável e pouco
seguro cofre da memoria popular em que têem
andado guardadas estas relíquias, sem mais
aulhèntica do que essa mesma recordação
imiiemorial, bastante em direito para ou-
tras posses; porque o não será para esta?
Além de não andar nas collecções da na-
ção vizinha e irmau, nenhum vestígio de
idiotismo seu, nenhum resaibo castelhano se
nota n'esla composição toda portugueza. As
agudezas e artificio dos trovadores da corte
1 Tom. I '1f> liomanceiro I paj». 01.
126 BOMAKCEIRO
(le I). Diniz e de Affonso IH também aqui
são extranhas; é mais antiga e menos po-
lida a civilização que a produziu.
Quando sobre esta simples tela bordei o pe-
queno poema que se publicou em 1838 com
a Adozinda, o original de que me servi era
muito mais imperfeito e cheio de lacunas, c
unicamente fora copiado da licção vulgar da
Extremadura. A que dou agora, além de re-
vista pelos manuscriptos do cavalheiro deOli-
veira, foi apperfeiçoada ainda pela collacào
com as diversas cópias das províncias do
Norte, especialmente da Heirabaixa, que
são, em meu intender, as mais seguras,
segundo já observei também *.
Chamei-lhe então xácara: duvido agora se
a classificação foi bem feita; duvido ;iié da
mesma theoria da classificação que tenho pro •
curadoestabelecerásapalpadellas.Acham-se,
(' verdade, estas variadas designações: ro-
mance ou rimance, vacara, solno, que pare-
cem indicar especiaes;e ainda as que parecem
I Vfja o vel, PÍt. I (lo Romanceiro.
BtRNÀL-ri'ÀNCLZ 127
ser mais geuericas,de trova, cantiga, canlar,
tançào; mas o que ellas sempre designem ou
quizeram designar não é fácil determiná-lo
com segurança.Mais modernas cuido que são
as denominações de loa, barca, tenção, cha-
tx)ít2;e lambem éslas não estão bem appuradas
em suas distincções characteristicas. Umas
eram talvezdeterminadaspela forma exterior
métrica, outras pelo slylo ou tom, outras pelo
objecto e assumpto, outras íinalmente pelo
uso, pela solemnidade a que eram consagra-
das, pela occasião para que eram compostas.
Ja disse que o romance me parecia ser em
sua origem um canto épico, isto é, todo nar-
rjtivo, pouco ornado, pouco lyrico. Os ro-
mances pastoris, os satyricos, os facetos, os
eróticos, os mesmos mouriscos do século xvji.
são já aberrações visíveis, ou, pelo menos,
novas espécies produzidas pela cultura ar-
tificial da planta primitiva.
A xácara é toda dramática; o poeta falia
pouco ou nada, não narra elle, senão os
seus interlocutores que apenas indica, e.
nem sempre claramente.
128 ROMANCEIRO
Mas éslas duas espécies, se o são, juQCla-
ram-se muitas vezes e produziram, ora o ro-
mance-xdcara em que predomina a narrativa
épica sem exclusão do drama; ora a xàcara-
romance em que o dialogo é auxiliado de bre-
ves, brevíssimas indicafões, quasi rubricas
ou direcções de scena, que faz o poeta a ra-
ros inlervallos. O povo, em muitas das coi-
sas que recita d'esle género, diz as falias em
verso e cantando, eas indicações narrativa.-^
em prosa, sem restricçâo a texto positivo,
e mais ou menos diflusamente segundo u
talento ou a verbosidade do recitador.
O romance e a xàcara têem era gerai a
mesma lei métrica, do consoante ou assoantc
fixo e do número octosyllabo * dos versos.
O chamado romance hendecasyllabo dos fins
do século XVII é degeneração completa; e
assim foi que precedeu logo a morte d'elle.
O soldo será sempre cantar triste como in-
dica Bernardim-Ribeiro? Narrati\ oé elle lam-
1 Apparejem, por^exoepção, alguu:i romauces que os uj;<sos
chamam em endexai , compo-los, segundo uns, em versos alexaii*
'iriaoa oe dòie svllabas, su-guudo outros, em veisob â>- aei."»^!-
ab«8, tomanio o h )iiiy 'lici i por unida?!''.
BEHÍÍAL-FKANCEZ 12^
bem pelo que tam claro dos diz Sa-de-Mi-
r nda. Mas uma coisa nào cxclue a outra.
Eu iDclJno-me a crer que o solão 6 um cau-
to epico ornado, em que as eflusões iyricas
accompanbam a narrativa de tristes succes-
sos, mais para gemer e chorar sobre elle.-,
do que para os contar ponto por ponto.
Cantiija deve de ser a expressão lyricu
e improvisada de um sentimento.
Cantar é talvez o género de todas estas
espécies.
A trova mais arliíicial, mais elaborada.
achou-a o poeta com estudo, cingindo se a
regras mais severas de metro ou de slylo:
trovar (Irouver, Irovare) d achar; e para
achar, procura-se, irabalha-se.
Canção também t' termo genérico, mas in-
culca mais artificio do que a cantiga eocan-
««/venlre nós designa mais slrictaracnte a ode
romântica da mcia-edade com certas formu-
las de metro e divisões regulares de slrophes.
Loa virá do latim laus^ l'óde ser; c um
canto de louvor mas por certo modo c regra.
A loa delfo-se ainda ho|> nos círios das provin-
130 R05UNCEIR0
cias do Sul, recita-se nos presepes do Natal
das províncias do Norte do reino. É um cantar
de anjos, de génios, de espíritos; roas dra-
mático, dialogado: é um coro byeralico que
se inloa, que se deita do ceo para a terra,
que entes superiores cantam para ouvirem
homens e deuses. Os Thespis do nosso ihealro
começaram talvez por aqui, antes que Gil-
Vicente e João da Enciíia subissem ao seu
tablado de novos Eschylos. Na descripção das
testas do casamento do príncipe D. Affonso,
chronica de D. João I!, acho que algum tanto
no-lo indicam as expressões de Garcia de
Rezende; e mais claramente ainda o romance
de Ayres Telles de Menezes— que n'estacol-
lecfão achará o seu logar respectivo. Ahi
diz, descrevendo aquellas mesmas festas :
Depois Icloá tangedores,
Aa viada da prioceza,
Fizeram fortes rainoreí,
Bspauto da uatareza;
Uatvas e loat â^.eram,
R outras reprtcmtaçõfs
Qa<; a todos gran' prazer deram,
Conforme saa« tenções.
A barca (alguma coisa de barcarolla vene-
BFíUXAL-FRANCEÍ 131
ziana? 1 era. creio eu, cantiga alternada tain-
beni, e outra vez a vozes e coro, que o mar
mandava á terra para tomar parte em seus
regosijos. Navegantes, tritões, sereias, os ha-
bitantes reaes e os imaginários do outro ele-.
mento,vinhamaeste,cantare deitar suas loas,
que appropriadamente tomavam n'este caso
o nome de barcas.Tambem se acham vestígios
de barcas ao í/ii-mo, compostas sobre assum-
ptos religiosos. Ao deante juntarei, era seu
devido logar, um documento positivo e mui
curioso exemplar d'esta gallante variedade,
Iam natural de nascer em um povo nave-
gante e marinheiro como o nosso foi sempre.
Tencâo é o tencnu dos provençaes. dístico
breve, em metaphora ou dilto ingenhoso,
ja aecompanhando e explicando o symbolo
heráldico de uma empreza, no escudo, na
bandeira— ja expressando, em mais pacífi-
co ensejo, os sentimentos íntimos e reca-
tados do poeta que quer que o adivinhem
sem elle se explicar de todo. A tenção é
originariamente cortezao, e só tarde e de-
generada se relaxou ao braço popular.
\'Ò2 ROMANr.ilRO
Da chacota, do que elle era pelo menos
no século xv e xvr, nos dá muitos exemplos
("■ claro conhecimento o theatro de Gil-Vicente,
precioso thesoiro de coisas populares, o mais
ricco e variado que temos e. em minha opi-
nião,mais ainda que os próprios cancioneiros,
cujos colleclores, homens só de corte, des-
prezaram tudo o que não era alambicado pe-
las modas e polida affectação dos trovadores
cortezãos; em quanto fiil-Vicenle, homem do
povo no meio do palácio, divertia seus amos
com os dizeres, os gracejos, os modos origi-
iiaes,as supersfifões antigas, as tradições im-
memoriaes, os cantares rústicos mas cheios
d'almi. tinctos na côr fechada e Corte que
só o povo sabe dar e que não desbota.
A chacota era uma cantiga de rir e brin-
car, mas que mordia nos vicios, e nos ri-
dículos dos homens e dos tempos; uma es-
pécie de sirvente menos áspera e severa,
nunca séria e grave como ella, e mais popu-
lar: cantava-se a vozes; muita vez era o rema-
te, o coro final dos entremezes e das farças.
A mesma palavra m^vente ou servente, e
DERNAL-FRAXCrZ 133
a designação de versos sirventesios, não foi
extraniia aos nossos antigos, que houveram a
palavra, e talvez confundiram a idea dos pro-
vençaes. Sabe-se que a sirvente do trovador
era amarga, satyrica; por vezes foi o grilo de
guerra, o iiymno revolucionário dos Alceus
da meia-edade contra a tyrannia real e sacer-
dotal: a sirvente nossa creio que era toda
ascética e religiosa, senão é que mystica.
Mas repitto com sinceridade, que sim te-
nho consciência de navegar para a verdadei-
ra latitude, não tenho certeza da longitude:
as observações são imperfeitas, e quasi lo-
dos estes cálculos fundados em hypolhese.s
vagas. Os nossos philologos, que elucidaram
tanta coisa insignificante, desprezaram sem-
pre a litteratura popular como indigna de
seus clássicos estudos. Faria-e-Sousa, e al-
guns poucos mais, que tinham o instincto da
sna importância, sacrificaram aos prejuízos
do tempo: e, ou por credulidade ou por pouco
escrúpulo, fizeramlhe fracos serviços, por-
que os fizeram sem verdadeira fe e lisura.
Bfi:H>4L.-FN%:NCKy:
—'Quem bate á minha porta,
Quem bate, oh! quem 'stá ahi?'
— 'Sou Bernal Francez, senhora;
Vossa porta, amor, abri."
— 'Ai! se é Bernal-Francez,
A porta lhe vou abri;
Mas se é outro cavalleiro,
Bem se pôde d'ahi ir.'
Ao saltar de minha cama
Eu rompi o meu frandil i
1 FiaiuUI, ainda hoje URarlo rm Traz-os-montr;, si>;nlAca
raida no sentido raetonvmlco antigo, por camíza ou Ribio brau*
00 de. fralda
13H M03UANCBIRO
Ao descer da minha escada
Me cahiu o meu chapim 2,
Ao abrir a minha porta
Me apagaram o meu candil. . J
Pegára-lhe pela mão
E o levei ao meu jardim,
Kiz-lhe uma cama de rosas,
Travesseiro de jasmins,
l.avei-o em agua de flores
E o deitei a par de mim. . .
— 'Meia noite ja é dada
Sem te voltares p'ra mim;
Que tens tu, amor querido,
Que nunca te vi assim?
Se téme-los meus criados,
Não virão agora ahi;
Se teme-los meus irmãos,
Elles não moram aqui;
Se de meu marido temes,
l.onges terras foi d'aqui,
Por má traça o mattem moiros ',
E a nova me venha a mim!. . '
— 'Não Temo de tous irmãos
2 Sapato, chinela.
3 Candeia, vela.
.f Má traçai raoirns o niattcin.
Kovas rae venham a mim — Fíihotejo.
Más cutila.^ss o mtttein — Bciralta.
BEKKAL PRâNCEZ IH7
Que bem sei que são por mim ^,
Não temo dos teus criados
Que mais me querem que a ti;
A teu marido não temo,
E d'elle nunca temi. . .
Teme tu, falsa traidora.
Pois o tens a par de ti!'
— 'Ai! se tu es meu marido,
Quero-te mais do que a mim. . .
Oh que sonho, tam mau sonho,
Que eu tive agora aqui!
Ergamo'-nos Ja, marido,
Deixa-me vestir d'ahi.'
— ^Caliate, falsa traidora,
Que não me inganas assim.
Deixa tu vir a'.manh3n,
Que eu é que te heide vestir:
Dar-te-hei saia de grani. ••
E gibão de cramezim,
Gargantilha de cutello,
Pois tu o quizeste assm.'
j PoU cunhados são de mim— AteraJíJo.
(1 Oar-te-hei saia de jiiarí ne— Ejc^ríTnai/í/j-a, DeUaltat !'«•
Se nlo k eorrapção i<\ f/iunon grâa estofo, loupa tinta de
gran, vemifilha, só »8 for derivação do fiancez antigi r/vari' (Je
ilua; coreu)— o fjaranio-ãa:S nossas antigas leis sum] tuariaa. Bm
fiuael toda» as cópia» vem guaranc c não (ir-ina: d'ondc me in-
clioo a cíer que talvez a verdadeira lirção originei ijja gnarc-
n*. 13x1 adoptei f^rena por fioar raai» óbvio o fienti''«.
138 ROMANCEIR")
— *Deixa-me ir porqui abdiso ''
Co 'a rainha capa a cahir,
Vou -me ver a minha dama
Se ainda se kmbra de mim.'
— 'Tua amada, meu senhor,
E' morta, que eu bem a vi:
Os signaes que ella levava;
Eu t os digo agora aqui:
Levava saia de grana*
E gibão de cramezim,
Gargantilha de cutello,
Tudo por í.mor de ti.
Os sinos que lhe correram
Por minhas mãos os corri;
As andas em que a levaram
Eu de negro lh'as cobri;
Oaixão em que a amortalharam
Era de oiro e marfim;
Os frades que a accompanhavam
Não tinham conto nem fim;
Sahiram-Ihe sette condes^,
Cavalleiros mais de mi!:
As donzellas a chorar,
7 Dc-lxa-we ir ponjui abaixo
Cu's lainha cap» rnliida,
(Jiiero Ter » niinba aman.i
.Se é mortii ou «a ind« i v\v» ~ JínJ,'-. híhafrjn.
H Veja noia e variante 6.
9 Foram ao seu sahimento ou inièrro.
BERNAL- rHANCEZ 1 39
Os pagens iam a rir
Levaram na a interrar
A igreja de S3n'Gil.'
Páiavras náo eram dittas,
Por morto no chão. cahi;
Passaram-se horas e horas
Quando me tornei a mim.
Fui-rne áquella sepuhura.
Queria morrer alli;
— *Abre-te, ó campa sagraJ.i
Esconde-me a par de til'
Do fundo da cova triste
Ouvi uma voz sahir i^:
— 'Vi' e, vive, cavalleiro.
Vive tu que eu já morri:
Os olhos com que te olhava
De terra já os cobri,
Bócca com que te beijava
Ja não tem sabor em si,
O cabello que intrançavas "
Jaz cahido a par de mim,
Dos braços que te abraçavam
As cannas vê ias aqui!
Vive, vive, cavalleiro,
Vive tu, que eu ja vivi:
)<) Uiiift triãU: vui. ouvi — BxtrvtiiaduKf,
140 ROMANCEiBO
A mulher com quem casares
Chamem-Ihe Atina como a min)
Quando chamares por ella
Hasde-te lembrar de mim,
CoiUa-lhe os nossos amores,
Que apprenda na minha fim '^.
Filhas que delia tiveres
Insjna-as melhor que a mim,
<)ue se não percam por homens,
Gomo eu me perdi por li.'
If o povo, à. Diinjeiía doe nooaoe «Litigue fjcriplor^í, aiuda
hojtí íAtJim. o)« tuascaliuo, ora feminino, mas uão indiôereutc-
tnente nem a toa. Fin como alvu,objucto, ctc. í sempre mascu-
lino,* cotno teriuo, acabameiíio da vila, ou 4c «atro e»^%<\o quiil-
i}ii*p, aempre feroiniDO, par» í-Ilf».
BEHNAL-FBANCEZ 141
TR%»LXC;AO i:\CiLiEKA
Mas para íazer acceiío ao commum dos lei-
tores um estudo t- um gosto que iníallivelmenic
hade regenerar a nossa poesia c com ella a nossa
língua e Iitteratura toda, revertendo-a á biinpli-
cidade bella de sua origem natural, de que tam
affastridas andam pela imitação pesada e contra-
feita dos extrangeiros, mais para esse do que para
nenhum outro fim litterario, traduzi em lingua-
gem e modos menos rudos o Bernal-France^ pela
forma que appareceu na primeií-a edição em Lon-
dres e depois com pouca diiíerença, na de Lis-
boa \
D'essa que talvez possi chamar-se com pro-
priedade a 'traducção liiteraria do romance pri-
mitivo', ou mais exactamente ainda a 'traducção
de sala' é que se fez a primeira versão ingleza
publicada na segunda edição do Bernal-Francez
em Lisboa *.
Era essa traducção do rneu amigo o sr. John
Adamson que, não contente assim com ella, me
enviou outra idoís apurada e perfeita, da qual
não devo privar os leitores: cila aqui:
1 Kouan<;kiuo, tciij. i. l.=nlioa, l^lll,
•i \\M.
I i2 nOMANCElKO
BKR.V «L^TUOI^n K?«€H
T« iLe ae& weut Don Haiairo,
Cialify lair tbc warrior b' rc,
)"i'oin tbe poop hi« conqueriog p*?>iu«i)
Wavefl deíiauie to tbe M«or.
Sad tb' adieiis at bis departing,
PaDgs ot' acguidb iac-k\l bis bre&st ;
Many a year ao aDZÍ<.n3 lover —
Scarce twcive iiioouc a busband bler>-
You luay iiot find a Spauisb luaidvn
As Violante fair to vitw —
Peedesa abe amoug «artb'8 daugbtcrit.
Ilad tbe beart been )ea! and true !
Loud beatB tbn sea aj^àiusl tbe baseincut
Oí tbe cadtle')) towering uteop,
One only eye iii tbat ione turret
Kcepe tkc watcb tbst kiiowa doI steep.
AH is dccp itpose aiid .-"luiubeí- —
Ali Í8 sileuce — cluse lhe ivard
Ot' jealone gate and stoat portcalb*
Wbile Rway tbe wariior Lord :
>íti!l, at witebiui; liuur of uiidui^bi^
Gleams on bigb a lioy ^park ;
Aud ever ailent ludernealh It
PIoat* a íwift and veBt'ron8 bark -^
BERNAL-FRAKCEZ 143
And as Dig\t to nigljt succeeded,
Smootb or rou»h migbt be tbe s^a —
Still above tbe ligbt would tremble
Slill beneatb tbe bark would be.
Kiiew'st tbou tbls, good Roderigo ?
Had'8t forgot th 3 sacred word?
Witb maiiy a sol-mn pledge and promise
Pligbted to tbine absent Lord ?
Aye ! or nay ! no man may answer —
Yet tbe venfrous caraval
Still rocked beneatb tbaí guarded tower,
Silent etill tbe warder's call ! —
One nigb at lengtb fuU dark and drear, it
Parted from tbe wonted shore —
Wbot it bore no man can tell us —
But it carne again no more.
As retumed tbe hour of trysting
Soft tbe ligb began to gleam —
Biit no Bwlft advenfroas pinnace
AnswerM to tbe luring beam !
Where tbe roclt rebuts tbe billow
Ope'd a-secret poetem gate —
Known alnne to Dcn Ramiro,
Warder tried and loving male.
Bat, at deadly bour of midnigbt,
Tbro' tbat portal one batb gouc ;
WUe ere wbile stands gently knocking
At tbe Lady'B Bower - aloue !
VOL II 1^
14 í BUMANCEIRO
— 'Who vrithuut bo rudely knoclting
Slumber from mine eycs would move?
— 'Berual am I of France, fair Lady !
Open to your Kuight an-l love !'
Krom lier bed of gnld deBcending,
líobe of tlowing silk she tore —
And tbe gust ber lamp extioguisb'd
Qcntly ibo' she ope'd tbe door.
By the trembling band sbe led bim
To ber bower, Ibis Leman bold:
— 'How trerables allmy bosoni'Rtrea»ure!
And tbis band how cbill and cold !
Tbcn, witb sighs aud burning kissos,
In bcr palpitating breast
By tbe faítbless Violante
Were tbose chilly bands caresuM.
— 'Hactlbou come from far'-'Aye marry.'
— 'Uougb the sea?'— 'As roe^ks above."
— 'Com'stlhou arm"d?' Not waiting aniwer
.Straigbt to loose eacb clasps sbí strove.
In essence puré of Arab roses
Quick the welcome forra she batb'd,
And on her dainty couob sbe laid bim.
AU in folds of fragance «wathed.
— 'Kant tbe weaiy night is waiting,
Wbisper none dost tbou impart ?
What ails my Love? let Violante
Sbare the woes of tbat IoT'd heart ?
BKRIfAL-rRANCEZ 145
,l»'t thou fear'st my uoble brothers ?
Here their foot shall never fali.
Or doth Ramiro'« kiiisman daunt thee ?
Feeble he to matcb Bernal. —
'UnconsciouB ali my sottish yassals
Soundly sleep in cell aad tower —
Safe oar love, eye of mortal
Ne'er shall pierce tbis hidden bower?
'Feai'8t Ramiro ? — well thou kao\v'it him
Gone o'er fieids of fame to roam ;
Long, O lusty Moor, detain him!
No regret shall haste him home.'
— 'Fear 1 not thy aleeping vassals —
Since mine own these vassals be,
Fear I not or frere or kinsman —
Frere and kinsman both to me !
'Fear I never Don Ramiro
Injur'd Lord — behold him here !
Here beside thee— faithless Lemau !
Thine the heart may quail witli feai !
Fair the rosy sun new ris'u
Tips with gold eacbrock and tower —
Fairer still — to meet the Headsman
Violante leaves her bower.
Coarse and harsh the Sackcloth mantie
That those gentle limbs have on ;
Rough and rude the rope hat biuds her —
Rope in place of jewerd zone.
14G ROMANCEIRO
Wcep the pagea — weep the maidens —
Pity bids forget the crime —
Down the beard of iijured Huaband
Rain the teara like inelling rhirae.
Deep anl dull the death-bell tolliiig
S'gnal gives lhe axe to raiie ;
— 'Welcome death, the death I merit :'
(TLu9 that erriíig Lady prays) —
*Low befcre thee, Don Ramiro,
In the du5t a boon I crave —
Pardon for the sake of pity,
Pardon— not that life ahall lave —
'But for th 1 dcadly vvrong I've ione thee!
Wronj that made thy b^som bleed,
AsBoil rae as I cower before thee
In this my hour of bitter need.—
'FaithleBs— I alonr' am guilty —
Never let thy vengcance fali
On him my baneful charmg deluded,
Spare the wretched Kuigbt Bernal !'
Quick the husband'» love was kiudling,
Pardon trembled on Iiis tongue —
But «t name of hated Bernal
Ru*h and plty ÍAr be fluiig —
PIusb'd hi8 fa:e with veTigeful aiiger,
As from herha fain would save,
lie tore hi» glance — and ann uplifting
Mad the fatal sign-1 gave —
BERNAL FKANLIEZ 147
On tbal netk se clear and crystal,
Bcauteous yet, though deadly whitc —
Wiih a vigour fierce aud fatal
Did the Henfhman'8 axe aligbt.
Oh wliat dense and long procesaion
Fiom the ancient gate departs !
Gatheiing crcwds in silence tee it —
Gathering crowd» with aching beart3.
Torches and pale waxen tapers
Thfo' the darkness and the gloom
Cast a dim and mournfui glimmer —
Glimmer guidiug to the Tomb.
Cloied, within their hooded mautlès,
Friars a reqiiiein chaunt around ;
Throb ali hearts with aweful terror
At the beir» appalliiig sound.
Twicc the mooD her course halb wauder"d ._
In ihat loopbcle ali is daik —
Tet o'er tLe channcl, swifi.y passiiig,
Plies the iwifl advenlVous baik. —
Píctty bark so ligbt and buoyant —
Baik each billowy sea could brave —
The beam, that erst was wont to guid tl'cc,
Kecr agaiu fchall tinge he wave!
Lo, thy gentle Violante,
Queen of eve y wiichiug chariu,
For thee a diimal dealh halh suffured,
Fairn bencath the Headsmau^s ariu.
148 BOMANCEIRO
Froin tower of St. Gil resounding
Hear'st thoii not the knelling boom
See'8t thou not the tordies glimraer
SIow they bear her to the Tomb.
And novv the fuueral ritcs are over
Fix'd the cold sepulchral stone —
In those aisles, »o lately crowded,
A cavalier is seen alone !
Ali of black ie mournful raiment —
Blacker still bis bo»om'8 wound —
As bj- the new raade grave despairing,
Fiat he cast him on the ground.
— 'Open, holy Tomb, tby portais —
Ope a broken beart to liide —
Ope and fii in death tliat union,
Life to haplees love dcnied !
'Open, holy Tomb, lliy portais ! —
Hlding charms so passing bright —
My dark crime, with her ill-fortune,
Bury ia eternal night.
'Open, holy Tomb, tby portais ! —
Take a gift that I disown —
Let me yield for Violante
Life tbat lived on her alone !'
Fell bis tears — fell fast and freely—
Groans of anguisb heav'd bis breast-
Firm be graspM his trusty faulcbion.
So to give his sorrows rest.
BERNAL FRANCEÍ 149
But 00 the bilt bis hand was frozen!
From th: dark 8epa'cbral mould
Arose a voice, slill sweet and tender,
But 80 fearful and so cold...
Cold as tbe clay from vvhich it soanded,
Tenor through each nerve it epoka;
The pulse of life was ali suspended,
Cramp'd as tho' by palsy iiroke!
— 'Live, Sir Kuight, O live belovM!
Live lho' i no longer live —
Mine. alone, who have deseiv'd it,
Be tbe dealh our crime sbould giv«.
'Alaa, beneath this frozen marbie
Wheie cold horror laps my corse,
AU tbat seems to bint existence
Is my love and my remorsel
'Arma with wbich I once embrac'd thee,
Fix'd and rigid lie composM —
Eyes, wbich fondly gaz'd upon thee,
Clods of callous eartb bave closM:
'Tbe mcutb forswora wiib whicli 1 kissM tbee,
Boasts no more its bunied dew —
Tbe treacb'rous hearth with wbich I lov'd theel
Oh! would tbat tbat were sensclees tool
Live, Sir Knight— O live belov'd!
l^ive and may'!e tbou blessed be!
And oh, tby life as huiibaud — latber
Cnide by warning tbought of me.
lOG ROMANCEIRO^
'The happy maiden whom thou choa chooscth
Givc her Violaut'8 name —
Be she in love a Violante —
Jn love— but uought beeidee tbe same.
'The trea8ur'd cbildron she may bear thee,
Purer Ihan mine their culiure be,
Tbat ne'er, they lose ihemselves in passion,
As I have lost niyself for ihee 1.'
1 D 'este e dos oulros romances que formam o primeiro
rol. do meu romancbiro, impresso em Lisboa, lf<43, fez o Sr*
Adamson o segundo vol. da sua 'Lcsitasia Illustrada' que
me dedicou e foi publicada em Nevvcaslle, 1846. Também deu
depois outra edição das versões iiigleza» sem o texto portuguez
com o titulo OALADS FROM TllE PORTUGUEZE, TRANSI.ATBU ASO
VBKSiFiKD BT J A. aud R. C. C.
BBKNAL-FRANCEZ 151
TR4Dt€Ç%0 €.49)TELH.%1Í %
A traducção castelhana do Sr. Isidoro Gil, ulti-
mamente addidoá legação d'Hespanha em Lisboa,
pessoa de muita intelligencia e gosto, foi publica-
da no jornal de Madrid, El Laberinto *.
BERNâL francez
Al mar se fué don namiro,
Rica gale: a llevaba ;
Su pendon, terror dei moro,
En la alta popa ondeaba.
Tierna fué la despedida !
Vá en sus recuerdos sumido ;
Con tantos afioa de amores
Ni uno cuenta de marido.
Que no liay dama en toda Espana
Tan bella cual Violante;
Ni igual la hiibiera en el muade
Si ella fuese mas constante.
Bate el mar la bMrbacaua
Del alto muro alnienado,
Solo en su tone el vijia
No cede ai suciío pesado.
Todo oallu y duerme en torno,
Todo es silencio é pavor ;
Redobla el ceio en las puortas
Coa la ausência dji scãur.
Timo II, n.* 3, março de JS44.
152 ROMANCEIRO
Mas, allá entrada la noehe,
Luz se vé en una tronera,
Y en la sombra deslizarie
Leve barca aventurera.
Y vuelve á verse otras noches,
Ta eslé en calma ó recio el mar,
La mismn luz á igual hora,
La misma barca pasar.
^Ignora esto el buen Rodrigo,
Que a 8u seuor protnetió
Cumplir fiel el juramento
Que entre sus manos presto ?
Ignóralo, ó no lo ignora ;
Mas Ia barquilla ligera
Que ai pié de la torre immóvil
Yacia allá en la ribera,
En noclie triste y oscura
Del mar desaparecia ;
Que lué de ella no ae sabs,
Mas si se fué, no volvió.
Y la luz dei torreon
Vióse á igual hora brillar. . .
Mas la barca aventurera
No Uegó a virse pasar.
De la roca el pie escarprdo
Receia oculto postigo,
Solo le sabe Violante,
Su esposo, y el fiel Rodrigo.
BERNAL-FRANCEZ 153
Y nn negro bulto en Ia noche
El postigo traspasava,
Y á 1« puerta de Violante
JJlando llamar se escucbaba:
— 'Quien asi llama a mi estancia?
Quien llama? Oh! quiéo es ? deeid.'
— 'Soy Bemal-francés, aeuora,
Al amor Ia puerta abrid.'
Al bajardel lecho de oro
La âna holanda rasgo,
Al abrir quedo Ia puerta,
La luz el viento apago.
Cou trémula mano asiendole
A su aposento lo guia :
— 'Cuál tiemblas, amor querido,
Cuál siento tu mano fria 1'
Y con óscnlos ardientes,
En el seno palpitante
.Sus yertas manos calienta
La enamorada Violante.
— 'De lej ?s vienes ? — 'De If jo».
— 'Bravo estava el mar!' — 'Tremendo.'
— 'Testas armas!' — No responde.
Ella las va desciueado.
En pura esencia de ro;a*
Al tierno amante bano,
Y en su lecho regalado
A par de si le acosto.
154 RCMANCEIBO
— 'Media noche es ya patada
Sin que hácia mi te tornares,
Que lienes, querido amante,
Que uie encubres tus pesares !
Si temes de mis hermanos,
No ban de veuir ba^ta aqui ;
Si de mi cunado temes,
El no es hombre i;aia ti.
'Mis criados é vasalloa
A hora tal han de dormir,
Ni de nuesiro amor sospe.lian,
Ni lo pueden descubrir.
'Si de mi marido temes,
A luengas terras marcho,
Allá lo detcngan moros,
Ningua recuerdo dejó.'
— 'Yo ne temo a tus criados.
Jurar», nme sumision ;
Cuuido ni hermanos temo.
Mi hermano y cuiiados sou.
'De tu marido no temo,
Ni tengo porquê t^mer. . .
Juuto á ti eu el lecho se halla
Tu la que tiumble has de ser.'
Y alto el sol eu el Oritnle
La torre á medias doraba;
Violante mas que él Lermo.a.
A lamnerte camitaba.
BERNAL-FBAN.^EZ 155
Alba tela, áspera y dura
Cubre el cueipo delicado ,
Rpcio espa:to ciiie el lalle,
E:i grosero lazo atado.
Lioran pajcs y doncellas
Que el crimen piedad aierece;
£1 mismo ofendido esposo
Ccn tal vista se enternece.
Ya el tenir de la campana
La sena ai verdugo envia. . .
— 'Sen'ir, merezco la muerte.'
La siu ventura decia :
'De rodillas, don Ramirr,
Humilde perdon os pido;
No pido la vida, no,
Que la muerte he merecido.
'La afren!a que deslumbrada,
For mi dcsdicba os biciera,
Pido, sofior que olvideis
£n mi bora postrímera.
'Mas aoloyo soy culpable
Del agravio que vos fi^.
No tomeis, sefior, veng.inza
De ese mísero infeliz'.'
Talvez Iba a perdonarla
Compadecido el esposo ;
Eli nucvas iras lo enciende
Aqnel recuerdo enojoso.
156
BOMANCEiaO
Rojo el semblante de cóleia
Para no veria aparto,
Y su izquierda mano alzada
La fatal eeua trazó.
Sobre el desmayaío cuello
De transparente cristal,
Con golpe tremendo y súbito
Cayó el terrible puúal.
1 Oh ! que proceeion que sale
Por las puertas de la torre !
Que de gente açude á veria,
Qué triste que el pueblo coirc
Teas de pálida cera,
En médio la nocho oscura,
Despideu luz vaga y triste,
Luz que v* á la sepultura.
Cublertog con sus capuceB,
Rezan monges en redor ;
E! doblar de las campanas
Iliela el alma de terror.
Dos notlies son ya pasadas,
Ya no liay luz en la tronera.
Mas pasaudo y repasando
Va la barca avenlurera.
Linda barca tau ligara
Que en ningun mar Eosobró,
El fanal que te guiaba
Xo luce, ya »e apago.
BEBNAL-FBANr.EZ 157
[Ay! tu qutrida Violante,
Tu gloria, tu encauto bello.
Por ti sufríó horrible muerte...
iUn sayon sego bu ciiello !
,;De la iglesia de San Gil
La campana oyes doblar?
Ves las hachas ã los lejos?
Alli la van a enterrar. —
Ya se concluyó el entierro,
Ya cnyó la losa fria;
En la iglesia solitária
Un caballoro se Tia.
Vestido de negro luto,
y mas negro cl corazon,
Sobre la tumba de binojos
Asi esolama en su afliceion:
— 'AbKíte, tumba sagrada,
Abrete a este desdichado.
Ahi nos unirá la muerte,
Si en vida nos fiie vedado.
'Abrete, tambn sagrada
Que escondes tal bcrmosura.
Esconde tambienmi crinien
Al par de su desventura.
'Vivir no quiera esta vida
Que solo amaba por ella^
Vida que sutrir no puedo
8in mi Violante bella.'
158 RIMANCEiaO
y alli el llanto de correr,
Los sollozos de estállar,
Y ciego erapuiiar la espada
Para alli se íraspasar.
Heló Ia mano en cl puSo
Voz que de tierra salia;
Voz aiin suave y dulce,
Mas tan medrosa y tan fiia.
D(>\ Kíj^ultro tan ahogada
Que su eco estremecia,
Dejando la sargre belada.
— 'Vive, vive, caballei-o,
Vive, que yo ya vivi;
El castigo de mi crimen
Yo eola le mereci
'En el fondo, ay ! do esta tumba
Otcura mausion de horror,
Solo de vivir conservo
Remordi mentos y. . . amor!
'Urazos con que to abrazaba
N< tieuen vigor ya en si;
Cúbre tierra búmeda y dura
Log ojos con q".e te vi.
'Boca con que te bssaba
Perdió su perfume aqui;
Corazon cnn que te amaba. . .
Eèe £iemi)re; ayl vive en mi!
'Vive. vive, caballero.
Vive, vive y sé dichoso:
Y aprende en mi triste historia
A ser padre y ser esposo.
BKRNAL-FRANCEZ 159
'Si cou doncella caaáres,
Llámale tambien Tiolautc:
Nunca su amor será el mio. . .
Mas — que sea mas cocstant*.
'Hijas que cn ella tuvierdcs
Crialas mejor que á mi,
Que uo se piurdan por hombre»,
Cual yo me i-eidi por ti 1.'
1 K interessante e digno de lêr-se o artigo que servi» d*
prefacio a cata publicação cm Madrid, escripto pelo sr. Cuolo,
secretario que aqui foi e depois encarregado de negócios d»
sua curte junto á nossa.
VOL. n 1*
IX
REGINALDJ
Será este Regina]cIo,ou Eginaldo,o gallante
Eginard francez que os nossos traduziram
assim, bem como de Bevaard fizeram Bernal e
Bernaldo, de Gerard Giraldo? Eé este o cele-
brado secretario do imperador Carlos-magno
de cujos muito românticos. porém mui pouco
platónicos, amores com a filha de seu augusto
amo, estão cheias as historias da meia-edade?
Thema constante de trovadores e poetas até
quasi aos nossos dias em que a suave e me-
lancholica musa de Millevoye ultimamente
o remoçou no seu mais admirado poema.
Se d'este é que aqui se trata— e eu creio
que sim -vemos que oromance popularcon-
la o caso mui differente do que os poetas e
escriplores do norte o referem. É bem sabi-
164 ROMANCEIRO
do que, segundo esses,a uamorada princeza,
quando o feliz Eginaldosahia da sua camará,
um dia de madrugada de hynverno e com a
neve alia e recemgeada pelos átrios e jar-
dins do palácio, o tomara ella aos hombros
paraque não ficassem impressas na neve as
delatoras pegadas do amante. O que descu-
brindo por acaso o imperador, que se levan-
tara antes do sol, por tal modo se internecêra
com aquella prova de generosa dedicação,
que logo lhes perdoara a ambos, casando o
ditoso secretario com a namorada princeza.
Talvez o que primeiro contou a historia ao
nosso povo e lh"a rhymou para seus cantares,
ommitliu a scena da neve por menos familiar
e commum n'esles climas do sul; ou talvez a
ignorasse, ou porventura não era ainda Iam
popular por lá como depois veio a ser. Fosse
como fosse, este Reginaldo parece seroEgi-
nard de Carlos-magno, esta infanta a prince-
za sua filha, este rei o imperador seu pae.
A troco da bella scena da neve que nos falta,
temos a visita da mãe de Reginaldo á prisão,
e o lindíssimo solào aue lhe elle canta. O que
REGINAI.DO 165
tudo parece composto nos mais ternos e
desgarrados modos de Bernardim Ribeiro,
ou de Crysfal. E temos porfim o rei cha-
mando a filha ao balcão para ouvir cantar
o preso : scena verdadeiramente homérica
e de uma graça tam simples e tocante co-
mo não ha outra que o seja mais.
Estou que nos veio de França este ro-
mance: não se inconlra nas collecções cas-
telhanas ; e entre nós é dos que andam
mais desfigurados e corruptos. Eu tive de
reunir vários fragmentos para o restituir.
No Alemtejo chamam-lhe Generaldo, no Mi-
nho Girinaldo ; Eginaldo diz uma cópia da
Beira; e outra que me veio do Porto trazia
por titulo —G/rmaWo o atrevido.
As variantes não são muitas, porque não
pudeconsiderar como taesas ligaturasabsur-
das com que parles do romance andavam
cozidas a parles egualmente desconjuncta-
das de outros, dos quaes tive de o estre-
mar para reunir o que felizmente achei que
acertava e quadrava u'um todo completo.
São infinitas e mui disparatadas as va-
186 ROMANCEIKO
riantes que desprezei na maior parte ao
emendar conjecturalmente o romance. Tam-
bém não valia a pena de as mencionar em
nota. Fiz somente excepção a favor de al-
gumas que junctei por mais consideráveis.
Na citada colleccão do bispo Percy *■ vem
uma bailada ingleza que tem por titulo 'Little
Musgrave and Lady Barnard,' historia bas-
tante differenle d'esla; mas ha no principio
uns dizeres tão semelhantes aos nossos,
que mais me confirmam n'esta crença em
que estou de que o verdadeiro romance an-
tigo era de todos os paizes, como a todos
pertencia o menestrel, o trovador, o caval-
leiro andante, cuja pátria era o mundo. Fos-
se onde fô>se, era sua a terra ou o castello
onde havia façanhas que fazer ou celebrar
— aventuras para correr ou cantar. O ro-
mance inglez é dos que reconhecem por
mais antigos os collectores d'aquella nação.
1 P*rtg'» miquei, XI aeca. III. boock tbe firat.
[iii^:<.ii:%4L.i>o
— 'Reginaldo, Reginaldo,
Pagem d'el rei tam querido.
Não sei porquê, Reginaldo '
7 e cliamam o atrevido.'
— 'Porque me atrevi, senhora,
A querer o defendido.'
— 'Não foras tu tam covarde
Que ja dormiras commigo '
— 'Senhora zombais de mim
Porque sou vosso captivo.'
1 A lieção da Exfroinadnra o muitns outra» omittim «nti-s
beis verso^, e completam a primoira cipla com fafoutrcn ilois:
lípra poderás, Rc"o'inaldo.
Dormir um dia commigo.
A adoptada no texto é do Alemtojo.
J68 ROMANCEIBO
— 'Eu não n'o digo zombando,
Que deveras te lo digo.'
— 'Pois quando quereis, infanta,
Que va pelo promeltido í'
— 'Entre las dez e las onze'
Que elrei não seja sentido.'
Inda não era sol posto,
Reginaldo adormecido;
As dez não eram bem dadas,
Reginaldo ja erguido.
Calçou çapato de panno,
Que d'el-rei não fosse ouvido.
Foi -se á camará da infanta,
Deu lhe um ai, deulhe um gemido.
— 'Quem suspira a essa porta^
Quem será o atrevido.'*'
— 'É Reginaldo, senhora.
Que vem pelo promettido.'
— 'Levantae-vos minhas aias.
Que assim Deus vos dê marido!
E ide abrir mansinho a porta
Que elrei não seja sentido.'
Vela o pagem toda a noite. . .
Por manhan é adormecido;
1 Kutre la uma r as duas
Quando elrei esteja dormindo.— ^/í«íí'«.
REGINA LDO 169
Chamava o rei que chamava ^
Que lhe desse o seu vestido:
— 'Reginaldo não responde,
Alguma tem succedido!
Ou está morto o meu pagem
Ou grande traição ha sido*'
Responderam os vassallos '
Que tudo tinham sentido:
— 'Morto não é Reginaldo,
De somno estará perdido.'
Vestiu se elrei muito á pressa,
E leva um punh&l comsigo^
Vai correndo sala e sala,
Abrindo porta e postigo,
Chega ao camarim da infanta.
Dormiam tam socegados
Como mulher e marido.
3 Lá por sobre a ruadiugada
rede elrei o sou vestido. — AUmítjo.
i Ou traição t('\u conimoitido. — Extrcmailura.
Ou traição me lia (ommettido. — Deiralta.
5 Accode d'alli um pagem
i-iui' é de Reginaldo amigo :
— 'Não é moito Keginaldo
NeiTi traição lera comiiuttido.
— 'Então C8tá Kotciualdo
Com a princeza dormindo.' — F.tirataixa.
6 I^eva um traçado comsigo.— Exiremadura.
170 KOMANCEÍRO
De nada do que se passava
De nada davam sentido.
Accudiram os vassallos.
Que viram a elrei perdido:
— 'Nunca vossa magestade
Matte um home' adormecido ".'
1 ira elrei seu punhal de oiro,
Deixa-o entre os dois mettido,
O cabo para a princeza,
Para Reginaldo o bico.
la-se a virar o pagem,
Sentiu cortar-se no fio:
— 'Acorda ja, bella infanta,
Triste somno tens dormido!
Olha o punhal de teu pae
Que entre nós está metfido.'
- 'Cairte d'ahi, Reginaldo •,
Não sejas tão dolorido;
Vai já deitar-te a seus pés,
Que elrei é bom e soffrido.
Para o mal que temos feito
Não ha senão um castigo;
Mas se elrei mandar mattar-te,
Eu heide morrer comtigo.'
7 Dí n'jni home' adornie'*it1o — Minho,
8 Vai-te doitar, Roginaldo.
A seus pés muito roudido;
Que elrei tem bom coração
K te'hade casar coramigo. —Bdrahaixa, Exti email ura.
BEGlNALDO 171
— 'D'onde vens, ó Reginaldo^?'
— 'Senhor, de caçar sou vindo.
— *Que é da caça que caçaste,
Reginaldo o atrevido?'
— 'Senhor rei, da caça venho,
Mas não a trago commigo;
Que o trazer caça real
A vassallo é defendido.
So vos trago uma cabeça,
A minha: dae-lhe o castigo.'
—'Tua sentença está dada.
Morrerás por atrevido.'
Vedes ora o bom do rei
Dando voltas ao sentido:
— 'Se matto a bella infanta,
Fica o meu reino perdido. . .
Para mattar Reginaldo.
Criei-o de pequenino. . .
iMettê-lo-hei n'uma torre ^**
Por princípio de castigo.
9 EbtLS trcs coplas bão umtniiísag em todas as Iiei,úe6, salvo
n\ do Alemfejo, f em uma das do Forto.
iO A licçiio do Alomtcjo tenuiua o romauce aqui com úsla
eopla :
— 'Lpvauta-te, ó liegiualdo,
r.cgiaaldo atrevido,
O castigo que te dou
E que 8<jas kcu mariio.'
Quereria o pérfido menestrel põr um epigr.an.ma u.^ bóeca
de sua real mAjeatade ?
172 ROMANCBIRG
— 'Dizei-me vós, meus vassallos,
Pois tudo tendes ouvido,
Que mais justiça faremos
N'este pagem atrevido?'
Respondem os condes todos,
E muito bem respondido:
— 'Pagem de rei que tal faz,
Tem a cabeça perdido.'
Ja o mettem n'uma torre ^\
Ja o vão incarcerar.
Mas anno e dia é passado,
E a sentença por dar.
Veio a mãe de Reginaldo
O seu filho a visitar:
— 'Filho, quando te pari
Com tanta dor e pezar,
Era um dia como este,
Teu pae estava a expirar.
Eu co'as lagrymas dos olhos,
Filho, te estava a lavar;
Outra licçâo da mesma piovincia coatiuúa ainda depois :
RcBpondersm os vassallos,
Que tudo tinbam sentido :
— 'Oh I quem teria a fortuna
Que Reginaldo tem tido !
Atéqni pagem d'e!rei,
Agora filho querido !' — Alemtejo.
11 Só as verEÕes do Ribatejo trazem eite epiaódio da tôrr«.
BESIVALDO n*-^
Cabellos d'esta cabeça
Com elles te fui limpar *^
E teu pae ja na agonia,
Que me estava aincommendar:
Emquanto fosses piqueno
De bom insino te dar,
E depois que fosses grande
A bom senhor te intregar.
Ai de mim, triste viuva,
Que te não soube criar '^í
A elrei te dei por amo,
Que melhor não pude achar:
1 u vais dormir co'a infanta,
De teu senhor natural!
Perdeste a cabeça, filho,
Que elrei t'a manda cortar! . . .
Ai! meu filho, antes que morras,
Quero ouvir o teu cantar.'
—'Como heide eu cantar, mi madre
Se me sinto já finar?'
— 'Canta, meu filhinho, canta,
Para haver minha benção,
Que me estou lembrando agora
De teu pae n'esta prisão.
IS Ponsaroento favorito (lo8 iceuestreia popularca, que se
incontra rcpottido cm muito» dos nog;os romances e xácar«B.
13 liminar — Rihattjo.
H Mãe minha — Rihalejo.
174 ROMANCEIRO
Ganta-me o que elle cantava
Na noite de San'João;
Que tantas vezes m'o ouviste
Cantar c'o meu coração.'
— 'Um dia antes do dia
Que é dia de San' João,
Me incerraram n'estas grades
Para fazer penação.
E aqui estou, pobre coitado,
Meiíido n'esta prisão,
Que não sei quando o sol nasce,
Quando a lua faz serão ^'
De suas varandas altas
Eirei estava a escutar;
Ja se vai onde a princeza,
Pela mão a foi buscar:
15 Ein uma licção ultimameatc vinda da Beiralta vem o
episódio da piisão com mais uma copla n'e8t(; cantar do prúgo.
Aqui pouUo a dita copla por tiua siagularilade, apczar de ae
conhecer n'ellaivisivel interpolação, e deebarmonia de stylo e
sentido. Imagino que será fragmento de outra xácara ou cantiga
segundo tantos se iiictntram em muitas d'ella8 :
Tenbo aqui dons pass:.rinhoB
Que mo trazem alcanfòres 4
EUes vão e elles vêem
Cum novai dos muus amores.
Alcanfôies ? e trazer alcanfòres ? quid f
REGINALDO 175
— 'Anda ouvir, ó minha filha,
Este tão hndo cantar,
Que ou são os anjos no ceo,
Ou as sereias no mar.'
— 'Não são os anjos no ceo.
Nem as sereias no mar,
Mas o triste sem ventura
A quem mandais degollar.
— 'Pois ja revogo a sentença
E ja o mando soltar;
Prende-o tu, infanta, agora,
Pois comtigo hade casar.'
\0L. II
X
DONA AUSENDA
A tradição visivelmente corrupta dá por
titulo a este bello romauce 'Dona Ausência.'
Extremeuhos e Alemtejanos estão concor-
des; mas nem assim me conformo com seu
dizer, porque 'Ausência' não é nome pró-
prio que jamais se usasse em nenhuma
parte de Hespanha. 'Ausenda' hade ser que
por séculos se incontra em todos os docu-
mentos nossos da meia-edade, e era dos
mais geralmente usados e conhecidos.
Com ser tão graciosa ésla xácara, é das
que menos se vulgarizaram: duas provín-
cias apenas a conservam em Portugal; e no
resto da península não consta que haja
vesligiòs d'ella. Antiga é, e das mais anti-
gas, porque esta Dona Ausenda e este Con-
180 ROMANCEIRO
de Dom Ramiro lêem um sabor musarabe
que não ingana. Mas a ponte da AUiviada
de que aqui se falia é no Minho. Como é
que a historia de seu ermitão se não co-
nhece alli, e veio ter e íicar-se nas duas
provincias circa-tejanas? Caprichos e myste-
rios da migração das tradições humanas,
mais diíhceis de explicar que os de suas
raças.
Incontram-se aqui várias reminiscências
— por me expressar na língua musical da
moda— de outros romances mais sabidos e
populares. Indicará isto analogia na data.'
no:\A ai;nem>a
Á porta de Dona Ausenda
Está uma herva fadada ';
Mulher que ponha a mão n'ella
Logo se sente pejada.
Foi pôr-lhe a mão Dona Ausenda
Em má hora desgraçada;
Assim que pôs a mão n'ella.
Logo se sentiu pejada 2.
Vinha seu pae para a mesa,
Veio ella muito appressada
Para lhe dar agua ás mãos,
Como filha bem criada.
Pôs-lhe elle os olhos direitos,
Ella fcz-se mui corada.
—'Que é isso, Dona Ausenda í
Voto a Deus que estás pejada.'
1 Croa"*^ uma borva fad.ida — AlemUjo.
a iSentiu-8C logo prcnhada — AlemUjo.
182 ROMANCEIRO
— 'Não diga tal, senhor pae,
L da saia mal talhada 3;
Que eu nunca tive amores
Nem homem me deve nada.'
Mandou chamar os dois xastres*
Que tinham mais nomeada:
— 'Vejam-me esta saia, mestres;
Adonde está ella errada?'
Olharam um para o outro ^:
— 'Elsta saia não tem nada ;
O erro que ella tem
É a menina estar pejada.'
— 'Confessa-te, Dona Ausenda,
Que ámanhan serás queimada.'
— 'Ai triste da minha vida,
Ai triste de mim coitada!
Sem nunca ter tido amores^,
Vou a morrer deshonradal'
Foram chamar o ermitão''
Da ponte da Alliviada ;
3 Rcmiuieceatia do romance do Dom Claros d'Alem insr,
ou vice-versa. Veja adeante nVste volume, pag. 207.
4 Alfaiates.
5 Veja nota 3.
6 Sem nunca saber de amores— Êxí)e'íiar7u)-«.
7 Foram buscar confessor
Á ermida da Alliviada — Exttemaiiura.
DUNA AUSENDA 183
Era um fradinho velho
Que o incontraram na estrada.
Mal o frade chega á porta,
Deitou-se á herva fadada,
Cortou-a pela raiz **,
Na manga a leva guardada-
— 'Ajoelhae, Dona Ausenda,
Que a vossa hora é chegada:
Confessae vosso peco ido
A Deus e á Virgem sagradcí.'
— 'Padre, eu nunca tive amores,
Nem homem me deve nada;
•Más artes são do demónio
Ver-rae eu donzella — e pejada -M
— ^Ha quanto tempo, senhora,
Vos sentis imbaraçada?'
— 'Os nove mezes faz hoje
Que alli n'aquella ramada
Na noite de San' João
Adormeci descuidada;
Sentia o cheiro das flores
E da herva rociada,
Sentia-me eu tam ditosa,
Tam feliz e regalada,
Que o despertar me deu pena
Quando veio a madrugada.'
8 Arranca raiz e tudo — Akn'*'o.
9 K prouhada — Alemtejo-
184 ROMANCEIRO
— 'Tomae agora esta herva,
Que é uma herva fadada:
Com a benção que lhe eu deito '"
Ficará herva sagrada.'
— 'Ai! este cheiro, meu padre,
E o que eu senti na ramada.'
Não disse mais Dona Ausenda,
Do somno ficou tomada.
Virtude tinha aquella herva,
Outra virtude fadada:
Mulher pejada que a toque '^
Logo fica despejada.
Alli, sem mais dor nem pena,
Em boa hora abençoada,
Pare uma linda criança
Bem nascida e bem medrada.
Metteu-a o frade na manga,
Foi-se sem dizer mais nada.
Ja desperta Dona Ausenda,
Ja se sente alliviada;
De tjdo quanto passou
Apenas está lembrada:
Um mau sonho lhe parece
Que a deixou perturbada.
Chamou por suas donzellas,
30 Com a8 rezas qun lhe eu rezo— E.~ trem aiJiir a.
11 Mulher que ponha a mão n'ella.
Se está prenhe, é àospreubaú%—Alcmtejo,
UONA AUSENDA 185
Chamou por sua criada,
Vestiu suas galas mais riccas,
Sua saia mais bem talhada,
Foi-se incontrar com seu pae
Que estava na alpendorada '2^
Vendo arm.ar a fogueira
Em que a queria queimada:
— 'Senhor pae, aqui me tendes
Ja disposta e confessada;
Agora a vossa vontade
Seja em mim executada.'
O pae que a mira e remira
Tam esbelta e bem pregada,
O seu corpo tam gentil.
Sua saia iam bem talhada:
— 'Que feitiço era este, filha,
Com que estavas in.bruxada?
Como se desfez o incanto,
Que te vejo tão mudada?'
— 'Fosse elle poder de incanto,
Ou condão de herva fadada,
Quebrou-o aquelle fradinho
Da ponte da Alliviada."
— 'Metade de quanto eu tenho,
Ametade bem contada,
12 Alpendre cubcito. á entrada da rasa.
186 ROMANCEIRO
A esse bom ermitão
D'esta hora lhe fica dada.
Palavras não eram dittas
O ermitão que chegava '•':
— 'Acceito a ofierta, bom conde,
Se a metade é bem contada,
Se entra n'ella Dona Ausenda,
E m'a dais por desposada.'
Riram-se todos do frade;
Elle sem dizer mais nada,
Despe o hábito e o capuz.
Ergue a cabeça curvada;
Ficou um gentil mancebo,
Senhor de capa e de espada i''
Era o conde Dom Ramiro,
Que d "alli perto morava.
Em boa hora Dona Ausenda
Pôs a mão na herva fadada!
13 Assomava — Alemtejo.
14 Vo8tido de capa e espada — Extitmadura.
XI
A RAINHA E CAPTIVA
Nem os romanceiros castelhanos uemescri-
plor algum faz menção do bello romance da
'Rainha e capliva'. Anda, como os preceden-
tes,na tradição oral do povo, e parece não ser
dos que mais alterações lêem padecido, quer
na forma, quer no estylo,apezar da renovação
de palavaas por que deve de ter passado
na insensível mudança de lingua, para se
incontrar^hoje em phrase tam corrente.
É geralmente sabido, e com poucas va-
riantes se reppetle desde a Extremadura a
Tras-os-Monles; sê-lo-ha também nas pro-
víncias transtaganas, mas não me veio de
lá cópia d'elle.
Pelas referencias a (ialliza, a senhorio de'
moiros ainda perlo eá *Terrra de Saneia Maria,
190 ROMANCEIRO
que, como todos sabem, é o dislriclo d'enlre
Douro e Vouga que hoje se chama 'Terra da
Feira,' ve-se que a historia e epopeia.ambas
são dos primeiros tempos da monarchia. E a
circumstancia de 'salto' por mar e 'correria'
por terra lhe dá uma forte còr do século xir.
Os poetas populares não compunham em
geral as suas rhapsodias seoão sobre fados
recentes. O que passou da historia escri-
pta para os versos é já feito pelos poetas
leltrados de uma civilização— superior não
sei, porém mais adeanlada.
O conto conta-se bem no romance, e ex-
cusa explicado por argumento do compilado»-,
li dos mais romanescos, cheio de situações
interessantes, de lances e de aventuras. Esta
volta de captivos e renegados christãos para
as suas terras, fugidos com as jóias de seus
senhores infiéis, é uma feição muito sabi-
da, e commum nas lendas populares.
N'esta ha toda a singeleza homérica, todo
aquelle tom;até a repettição das mesmas pa-
lavras e dos mesmos versosquando occorrem
as mesmas ideas: é a Aurora da lliada que
RA>NHA E CAPTIVA Uíl
sempre abre o ceo com os mesmos 'dedos
de rosa', os reis que são sempre 'pastores
de povos'; é Menelaii com a mesma 'cabel-
leira loira/ Juno com as mesmas 'coxas
pulchras," os mesmos 'olhos de louro' sem-
pre. A poesia primitiva é uma sempre, às
ribeiras do Pamyso ou ás do Douro.
A pintura da mãe baptizando a filha com
as lagrymas de seus olhos, tem já por si só
mais poesia grande e sublime do que poe-
mas inteiros de grandes poetas.
R/%i:%HA K €APTI% A
— 'Á guerra, a guerra moirinhos,
Quero uma christan captiva!
Uns vão pelo mar abaixo,
Outros pela terra acima:
Tragam-m'a christan captiva,
Que é para a nossa rainha.
Uns vão pelo mar abaixo,
Outros pela terra acima :
Os que foram mar abaixo
Não incontraram captiva ;
Os que foram terra acima:
Tiveram melhor atina •,
1 Melbor fortuna, atinaram melbor. Algumas licvlcs rli/.era
alima; palavra qijc não sei interpretar. K opÍDiào do mru ami-
go o 8r. ITerenlauo que poderá ser acima, uto é, a vrlba pala-
Tia cima — complomento. conclusão, acabamento, resultado —
com a eipirtiva a por cauaa do metro.
IM ROMANCEIRO
Deram com o conde Flores
Que vinha de romaria :
Vinha lá de Sanctiago,
Sanctiago de Galliza;
Mattaram o conde Flores,
A condessa vai captiva.
Mal que o soube a rainha,
Ao caminho lhe sahia :
— 'Venha embora a minha escrava,
Boa seja a sua vinda !
Aqui lhe entrego estas chaves
Da dispensa e da cozinha;
Que me não fio de moiras
Não me dem feitiçaria 2.
— 'Acceito as chaves, senhora,
Por grande desdita minha. . .
Hontem condessa jurada^,
Hoje moça da cozinha!'
A rainha está pejada,
A escrava também o vinha:
Quiz a boa ou má fortuna
Que ambas parissem n'um dia.
Filho varão teve h escrava,
E uma filha a rainha;
Mas as perras das commadres.
Para ganharem alviçaras *
2 Qu« me não dera bruxaria — Exlrtmaihira,
'A Hoiitiíni eontlessa <lc Flore» — Ribatejo.
4 Troc."»iam-n'aB á nascida — Beirubaixa
BAmUA E CAPTIVA 195
])eram á rainha o filho,
A escrava deram a filha.
— 'Filha minha da minha alma,
Com que te baptizaria?
As lagrymas de meus olhos
Te sirvam de agua hemditta.
Chamar-te hei Branca Rosa,
Branca ilor d'Alexandna ',
Que assim se chamava dantes
Uma irman que eu tinha:
Captivaram-n'a os moiros
Dia de Paschoa florida,
Andando apanhando rosas*
N'um rosal que meu pae tinha.'
Estas lástimas choradas
Veis-la rainha que ouvia,
E co'as lagrymas nos olhos
Muito depressa acudia:
— 'Criadas, minhas criadas,
Regalem-me esta captva;
Que se eu não fora de cama,
Eu é que a serviria l '
Mal se levanta a rainha
Vai-se ter com a captiva:
f» Rosa llor d'Alexandiia — Míulto.
H Quando andava a apanliar lom— Extitmadurc.
1 Ku é que a Te\;»\an!L~Extvnna<lnnt.
lyy ROMANCEIBO
--'Como estás, ó minha escrava,
Como eslá a tua filha?'
— 'A filha boa, senhora,
Eu como mulher parida.'
— 'Se estiveras em tua terra,
Que nome lhe chamarias?'
— Chamara- lhe Branca Rosa,
Branca flor da Alexandria *;
Que assim se chamava d'antes
Uma irman que eu tinha:
Captivaram-n'a os moiros
Dia de Paschoa florida.
Andando apanhando rosas ''
N'um rosai que meu pae tinha.'
—'Se vira'la tua irman,
Se tu a conhecerias?'
— 'Assim eu a vira nua
Da cintura para cima;
Debaixo do peito esquerdo
Um signal preto ella tinha lo-'
— 'Ai triste de mim coitada,
Ai triste de mim mofina nV
Mandei buscar uma escrava.
Trazem uma irmã minha!'
8 Rosa flor d'Alexaudria — Minho.
9 Quando an lava a apanhar rosag — Extremadura
10 Um lunar preto ella tiahíí—ExtremaduTa,
11 Triíte de uiiaba mofina — Beiralta.
BAINHA K CAPTIVA 197
Não são passados três dias,
Morre a filha da rainha:
Chorava a condessa Flores
Gomo quem por sua a tinha;
Porem mais chorava a mãe,
Que o coração lh'o dizia i-,.'
Deram á língua as criadas,
Soube-se o que succedia:
A mãe, c'o filho nos braços,
Cuidou morrer de alegria.
Não são passadas três horas,
Uma á outra se dizia:
— 'Quem se vira em Portugal,
Terra que Deus bemdizia!'
Junctaram muita riqueza
De oiro e de pedraria;
Uma noite abençoada
Fugiram da moiraria.
Foram ter á sua terra,
Terra de Sancta-Maria;
Metteram-se n'um mosteiro
Ambas professam n'um dia.
12 Que o cora\-5o riio pedia — lilUit Jo.
XII
DOM CLAROS D'ALEM-MAR
'Dom Claros crAlem-mar', que em muitas
parles o povo corrupiamente diz 'Don Car-
los', não sei se nasceu porluguez ou caste-
lhano! propenda para a última origem, ape-
zar de que, impresso nas antigas collecções
dos nossos vizinhos, o povo de Portugal toda-
via o canta bastante diverso, mas não peiora-
do decerto.
Do modo por que assim anda na tradição
oral portugueza, faz lembrar no seu princi-
pio o romance francez do 'Conde Ory.'
Creio que é das mais antigas composições
d'esle género que temos em Hespauha: nas
províncias portuguezas é muito vulgar e sa-
bido, e portanto abunda em variantes.
Observa-se aqui ser indubitavelque certos
202 «OMANCEIRC
versos e coplas de alguns primeiros romau-
ces, cerlos dizeres d'elles cahirarn em graça
geral, e ficaram seodo como bordões poéticos
em Iodas as línguas.
D'isto apparecem continuas provas e exem-
plos, não só entre provençaes, portuguezes,
catalães e castelhanos, não só entre dina-
marquezes, normandos, escocezes, ullemães
e inglezes, mas ainda de uma d'estas gran-
des famílias para a outra,
Compare, no presente romance, os versos
onde diz :
Haverá por lii um pagem
Que o meu pão quiira comer ?. . .
com estoutros do escessez prince robert,
nu coUecfão de'Sir W. Scott ja citada :
'O wheie vvill I get a littlf boy,
Thãt \vill win liose and shoon,
To riu sac last to Darliagtou
Anfl bid fair Eleanor carne ?'
Then up and spake a little boy,
That wad win hose and sbooii :
'O ril away to Datliugtou,
And bid fair Klnanor canie 1.'
1 MinUtrelsy of tht ScollUh Bortleit, ete. tom. il, pag. 124,
ej. Paris 1838.
DOU CL.AUOS WAL.KM-1IAR
— 'Quero fazer uma aposta,
Ou eu não sei apostar:
Claralinda hade ser minha ^
Antes d'o gallo cantar.'
— *Appostar, appostareis 2,
Mas não haveis de ganhar;
Que é discreta a Claralinda,
Ninguém n'a pôde inganar,'
1 De doimiruom Mari<inua — BeiruHa,
2 — 'Tal coisa não faças, filho,
Qoe a não liasdi- ganhar :
Marianna ú mui sisiKla,
K não 80 Jtíixa inganai.' — Beiroíía,
— 'Não appostcs, ó mou filho,
Não te mettHK a appoetar ;
Que Marianna é dÍBcrota,
Não a iMiilee in(.';>nai.' — Beiraliiixa.
201 ROMANCEIRO
Não quiz alli dizer nada,
Não quiz alli mais fallar;
Vestiu trajos de donzella
E se pôs a caminhar-'.
La estava a Claralinda
De seu balcão a mirar:
— *Que donzella tam bonita M
Quem é, e o que vem buscar?'
— 'É a tecedeira, senhora \
Que vem das^ praias do mar;
J em a sua teia urdida.
E a falta ^ vem n'a buscar.'
— 'Ahi tenho a falta, donzella,
Mas inda está por dobar ".'
3 Vestiu trajos de douzella,
Ao jardim foi passear. — Beiralta.
4 — 'Qucin é aijuella donzella
Que alem anda a passeiar ?' —BdraUa,
— 'Quem bate á miuba porta,
Quem me véin importunar ?' — Minho.
— 'Tecedeira, soo, senhora,
De las areias do mar ;
A teia tenho-a urdida,
A seda venlio-a buscar !' — Ihason-moHtcn.
5 Falta de teia c o que apparecc de menos ua tecedura cm
desproporção com a urdidura.
7 'Essa falta eu a tenho,
Mas não a possoídobar.'
— 'Dubf>a ja, miaha senhora,
Trate de a mandar dobar.'— Beiralla.
DOM CLAROS d'alem-mar 205
— 'Senhora, que se faz tarde
E eu não posso esperar:
De noite pelos caminhos**
Donzellas não hãode andar.'
— Para honra da donzella,
Aqui hoje hade poisar.'
— 'Tendes criados tam moços,
Tam atrevidos do olhar. . .'
— 'Para honra da donzella
No meu quarto hade ficar.'
A donzella, de contente,
A' noite não quiz ceiar;
Tinha somno, tanto somno,
Que se quiz logo deitar.
Lá por essa noite adiante ^
Clarinha de gritar. . .
— 'Calla-te, ó Claralindá,
Não te queiras difTamar,
Que eu sou de nobre gente
E comtigo hei de casar :
S — "Dilate SC, ó miiiina,
(jui' ainda está por dcbar :
Douz<'IIas pelo caujiuho
De noite paiecom mal ' — Beirahaixa.
9 I>á por essa noitcjvclha
Ma'ianna de queixar. — Minho.
206 HOMANCKIRO
Fia-ie n'esta palavra
De Dom Claros d'Alem-mar '".'
Passados são tantos dias,
Tam compridos de esperar:
Não voltou a tecedeira,
Mas a teia ia a dobrar
Aos seite para oito mezes
O pae á mesa a jantar ":
— 'Claralinda, Claralinda,
Que feio é o teu trajar J '
— 'Não diga tal, senhor pae;
Ninguém lhe oiça tal fallar:
Não sou eu, é da vasquinha
Que é mal feita e dá mau ar.'
1(1 — 'Aos 9«'t<' para oito nio7,<'s
Si' teu par ja reparar,
]SIandarás uma cartiulja
A Dom Carlos á'A\om-\imT.' — Bei>aUa
11 Si'u pae (lue a estava a mirar.
— -O ijue mira, senhor pae, ,
O que é que está a olhar ?'
— 'En rairo-te, minha filha,
E olho no teu de>.ar.'
— 'Este euchume, senhor pae,
É da saia mal trajar.' — Coimbra
— 'Que é isso, Jfarianna,
Que te faz aseim estar ?'
— 'Não é na'la, senhor pae.
E" a vasquinha mal talhaiia ' - Porto.
EOU CLAROS d'alem-mar 207
Mandou chamar alfaiates '2
Para se desinganar:
Disseram uns para os outros:
— 'Não tem falta a saia tal.'
Não ha alli mais que dizer '^,
Não ha mais que perguntar:
— 'Prepára-te ó Claralinda,
Que ámanhan vais a queimar.'
— 'Não se me dá que me mattem *'*,
Que me levem a queimar,
Dá-se-me d'este meu ventre
Que é de sangue real ! . . .
18 Mandou logo vir dois xaetre s
Cada um de sua caea :
Digseratn um para o outro :
— 'A vasquiuha não tem nada,
E a menina está pejada.' — Porto.
— 'Esta saia^não tem nada ;
Ao fim de nove mezes
Ella será abaixada.' — Coimbra.
13 — 'Oh lá, oh lá, meus criados,
A lenha ao monte apanhar,
Que ámanhan por estas horas
Vai Claralinda a queimar.'— 5ci)aí/uia:a.
'Confessa-te, ó Murianna,
Tratta de te confessar,
Que hoje te ajuntam a lenha,
Ámanhan te hãode queimar.' — Beiralta.
14 — 'Não ee me dá que me queimem,
Que mo tornem a queimar.'— Coimfcra.
VOL. II
208 hOMANCKiRO
Haverá por ahi um pagem ^='
Que o meu pão queira ganhar,
E que me leve esta carta
A Dom Claros d'Alem-mar ?'
Apparece um pagemsito
Discreto no seu fallar:
— 'Aqui está um mensageiro
Que o recade quer lever.'
— 'Se o meu pão queres comer,
A toda a pressa hasde andar,
E intregarás esta carta
A Dom Claros d'Alem-mar ''^.
IS — 'Não ha por ahi um pagem
Que t,e doia rio meu miíl. — Po)UK-de-Lima.
Quem ue dera aqui um pagpm.
Que me túra ao meu mandar.
Quem me levara esta cai ta,
A IJom ClaroB, de pezar.' — Minho.
Iti — 'Se elle estiver a dormir,
Façam-n'o logo acordar,
Se elle estiver a comer,
Não o deixem acabar.'— /íeíVabaiVa.
— 'Se o achares a passear,
Deixá-lo-haâ assentar;
Se o achares a dormir,
Deixá-Io-has acordar ;
Se o achares a jantar,
Deixa lo-has alevantar.' — .i4çyre,v.
— 'Se o achares a dormir,
Deixá-lo-has aco dar.
Se o achares acordado,
A carta lhe hasde iatreg&T.'— Deiraltu.
DOM CLAROS DALEM-MAR 209
— 'Que quereis, ó pagemsito.
Que vindes aqui buscar ?'
— 'Trago uma carta, senhor,
Novas de muito pezar;
Novas lhe trago, más novas *'
Da sua amigaUeal:
Hoje se lhe ajunta a lenha,
A'manhan vai a queimar.'
EUe pôs-se a ler a carta,
Não a podia acabar;
As lagrymas eram tantas
Que o faziam cegar '*:
— 'Oh lá, oh lá, escudeiros,
Os cavallos a ferrar;
17 — 'Novas lhe trago, senhor,
Da sua amiga leal :
Dos sette para oito mezes
Seu pae a manda queimar.' — Beiralta.
— 'A sua amada menina
Amanbau vai a queimar.' — Âqôits,
— 'Menina'com quem dormiu
Vai ámanhan a queimar.' — Beirahaixa.
18 Desgrfçada Mariauna
Que te levam a'queimar !
Malstreado do teu ventre
<i«e leva sangue real !— 7.Viiaí<a.
Pouco me dá que a queimem
Qae a tornem a queimar ;
Dá-se-me, é do seu ventre
Que é d« sangue vea.\.—AhmUjo.
210 ROMANCEIRO
Jornada de quatro dias
Esta noite se hade andar.'
Chega a um convento de frades,
Estava o sino a dobrar:
— 'Por quem dobra o sino, padre,
Por quem está a tocar ?'
— 'E' a infanta Claralinda
Que se está a agonizar:
Hontem juntaram-lhe a lenha,
Hoje a levam a queimar.'
Era quasi manhan clara,
Mandou seus pagens deitar,
Vestiu-se em trajos de frade '9,
Foi ao caminho esperar:
— 'Parem lá os da justiça 2",
Justiça de mau pezar,
19 Vestiu-se em trajos de frade,
Ao caminho a foi esperar :
Em chegando ao pé d'ella
Aos criado» foi fallar.'— i?«iVai/a.
20 Parem li com a liteira,
E façam-n'a já parar,
Que a menina que ahi levam
Ainda vai por ccnfessar.' — Beiralaira.
— 'Oh da justiça d'clrei,
Alto lá, façam parar.' — Coimira.
A menina que ahi levais
Ainda vai por confessar.— JBeíraZto.
— 'Diga-me, minha menina,
O porque vai a queimar ?'
DOlf CLAROS D'ALfcM-MAR 211
Que a menina que ahi levam
Inda vai por confessar.'
Deixaram-n'o ao bom do frade
Para a infanta confessar.
Mal se elle viu só com ella,
De amores lhe foi fallar:
— 'Venha cá, minha menina ^i,
Que a quero confessar;
No primeiro mandamento
Um beijinho me hade dar.'
— 'Não permitta Deus do ceo
Nem os sanctos do altar!
Onde Claros pôs a bôcca^z
Não me hade um frade beijar.'
— 'Porque dormi uma noite
Com Dom Carlos d'Alem-m»r.' — Beiralia
81 Diga-me, minha meiuDa,
Verdade me Iiade tallar;
Se teve amores com clerig.s
Ou com frades, mal pezar.'
— 'Não tive amores com clengos
Nem frades de mal pezar :
Tive amores com Dom Carlos,
Por isso vou a queimar.'
— 'Pois Dom Carlos sou eu mesmo,
E comtigo heide casar.' — Coimbra.
•Segundo esta licção d« Coimbra acaba o romance aqui.
22 Que onde Claros pós a bòcca
Não bade pôr nenhum frade — Beiralta,
212 ROMANCEIRO
— 'Venha cá, minha menina,
Que a quero confessar;
No segundo mandamento.
Um abraço me hade dar.'
— '■Vai-te na má hora, frade,
Que a mim não hasde chegar;
Que a mim nunca chegou homem,
Se não— inda mal pezar!
Senão só esse Dom Claros,
Dom Claros o d'Alem-mar,
Que, por meus grandes peccados,
Por elle vou a queimar!'
Dom Claros que tal ouviu,
Não pôde o riso occultar.
— 'Por esse riso que dais^J,
Sois Dom Claros d'Alem-mar...'
— 'Calla-te, ó Claralinda^'',
Que te venho libertar;
Que onde o meu bein pôs a bôcca — Évora
Não me bade um frade beijar — Ponle-de-Lima.
Vnnha um frade bafejar — Porto.
24 Pelo sorriso que à&\%— Rtirábaixa.
23 — 'Sim, senhora, sou Dom Carlos
Que vos vem libertar.'
Tomou-a logo nos braços
Poieram-se a caminhar.
Correm d'alem os criados
E poseram-se a gritar :
lO.M CLAROS DALEMMAR 213
Já está tecida a teia,
Vamo-Ta agora a curar.''
Tomou a logo nos braços
,Poseram-se a caminhar:
Estava perto o convento,
Viram-no os pagens chegar.
Chegavam, não chegariam. , .
A justiça de bradar.
— 'Nas ancas de meu cavallo,
Menina, haveis de montar.'
Assim foi livre a infanta
Por Dom Claros d'Alem-mar.
— 'Seuhor padre, deixe a moça,
Que a mauda sou ptie queimar.'
— 'Pois vão dizer a seu pae
Qne a venha cá buacar.'
Que eu co'e8tf' faitu do prata
A alma lho heido atravessar.' — Beiralta
— 'Eu Dom Claros, 'sou menina,
.Sou Dora Claros d'Alem-mar :
Nas aaoas do meu cavallo,
Menina haveis de montar.
Senhora das minhas quintas,
Rainha do meu caudal . . .
Agora dize a teu pac^
Qu« teVonha cá buscar ' — Ivaz-os -montes.
N'eâta8 duas li ções da Ueiralta e do Traz-os-roonte», acaba
re8i)eetfvamente as.sím o romance.
214 ROMANClilRO
A caza va el emperud r,
A Ban Juan de Ia montina,
Oou el iba el conde Claros
Por le tener compafiia.
Oontandole iba contando
Kl menester que tenia.
— 'No me lo digais, el conde,
Hasta despues la veuida.'
— 'Mis arma? tengo empenadas
Por mil marcos de oro y mas,
Y oiros tantos debo en Francia
•Sobre mi buena verdad.'
— 'Llámedme mi camarero
De mi camará real;
Dad mil marcos de oro ai conde
Para sus armas quitar;
Dad mil marcos de oro ai conde
Para mautener verdad;
Dadle otros tantos ai conde
Para vestir e calzar;
Dadle otros tantos aKccnde
Para las tablas jugar;
Dadle otros tantos ai conde
Para torneioí armar;
Dadle otros tantos ai conde
Para con damas holgar.'
— 'Muthas^mercedes, sefior,
Por esto y por mucho mas.
A la infanta Claranifia
Vós por ranger me Ia dad.
1 Esta variante tem entre os castelhanos o titulo do 'DoQ
Claros de Montalvan.'
DOM CLAR' S D ALEM MAR 215
— 'Tarde acordaste, el conde,
Jlandada Ia tengo 7a.'
— 'Vós me la dareis senor,
A cabo que no querais,
Porque preSada la tengo
De los seis meses ó mas.'
El emperador que esto oyera
Tomo de ello grau pesar,
Vnelve riendas ai caballo
Y toruose á la ciudad:
Mando llamar las parteras
Para la infanta mirar.
AUi habló la partera,
Bien oireis Io que dirá:
— 'Preiiadaestà Ia infanta
De los seis meses ó mas.'
Mandcla prender su padre
Y meter en esciiridad,
El agua basta la cintura
Porque pudriese Ia carne.
Caballeros de su casa
Se Ia ibau á mirar:
— 'PèsanoB de vós, seiáora,
Quanto ncs puede pesar,
Que de boy eu qnince dias
El rey os manda qaemar.'
— 'No me pesa de mi muerte
Porque es cosa natural,
Pésame de la criatura.
Porque es bijo de buen padre ;
Mas se bay aqui alguno
Que^baya comido mi pan.
Que me llcvase una carta
A don Claros de Montalvan 7
Alli babló um page nuyo,
Tal respuesta le fue a dar:
216 ROMANCEIKO
— 'Escribidiajvós, senora
Que yo .se !a iré á 1 levar.'
Ya las cíitas soa escritas,
El page las va a Uevar;
Jornada de quincc dias,
En ocho la fi'era a nudar.
I>legado babia a los iialacios
A donde el bu.ii conde está.
— 'Bien vengair, cl pageciío,
De Franc a la natural
iPues que nuevas rce traeis
De la infanta? como estai"
— 'LeeU las cartas, seiior,
Que en cilas os lo dirá '
De que 1 i s hube leeidn
'J'al respuefta le fue a dar:
— 'Uuo rae da que la queraen,
Oiro me da que la mateu.'
Ya se partia el buen londo,
Ya se parte, ya se va,
Jornada de quince dias
En ocho la luera à andar,
Fuérase a un monasterio
Donde los frailesestau;
Quilóse panos Ce seda,
Vistió hábitos de frailc,
Euúraseià Ins ) alados
De Carlos el fniperaiile. •pi
— 'Mjftedes, si n r, jiicircdis,
Queráisuielas otorgar,
Que à mi stnora la infanta
Vos me dejeis ccnfesar.'
Ya lo Uevaban ai fraile
A la infanta a confesar.
El cuando se vió con ella
De amores le fue a hablar.
DOM CLAKUS DALEld-MAR 217
— 'Tatc, tate,' dijo, 'fraile,
Que á mi tu no basde Uegar;
Que nnnca llegó a mi hombre
Que fueee vivo en carne,
Sino solo aqnel donClaros
Don Claros de Montalvau,
Que por mis grandes pecados
Por él me quieren quemsr.
No doy nada por'mi muerfe,
Porque 88 cosa natural,
Pésame de la criatura
Porque es hijo de buen padre.'
Ya se iba el confesor
Al emperador a bablar:
— 'Mercedos, seuor, mercedef,
Quieràismelís otorgar,
Qui mi sefiora la infanta
Sin uinguú pecado está.'
AUi habló el eaballero
Que con ella queria casar:
— 'Mentide9, fraile, mentides,
Que uó decis la ver<lad.'
DesatíacEC los dos,
Al campo van a lidiar.
Al aprctar de las cincbas
Conociólo el empcrantc;
Díjo que el fraile es don Ciares,
Don Claros de Moutalvan.
Mato ol fraile ai cabilloro,
La infanta librado ha,
Kn ancas de eu oaballo
Consigo la fue it llevar 1.
1 Dnran, KOMAXCBiito. Não vem no tesoro db rouanck-
Kos de Ochoa.
XIII
CLARA LINDA
Ao revez do romance precedente, nós cha-
mânnos 'Clarinda' a este, que os castelhanos
teem muito mais extenso em suas collec-
ções com o titulo de 'Conde Claros.'
O tal Dom Claros, ou Conde Claros, de-
via de ser o Don Juan d'aquelles tempos, á
immensidade de aventuras e conquistas
amorosas que os romanceiros lhe attribuem.
R talvez é um myto em que os trovadores
moralistas resumiram todos os Lovelaces
da meia-edade.
O presente romance mui similhante, na
licção portugueza, ao que leva por titulo 'Ro-
salinda' na primeira parte d'esta collecção^
diíFere todavia essencialmente d'elle na côr
1 liomaiíeeiro, tom i. Lisboa 184?, pag. 177.
222 ROMANCEIRO
local, e, para assim dizer, nas decorações
da scena. O desfecho da aventura é intei-
ramente outro. E alem d'isso,aquelle foi cons-
truído de três fragmentos diversos: era es-
te um ci'elles.
Depois de publicado este primeiro tomo,
obtive uma melhor e mais completa cópia;
ja lhe não cabe o nome de fragmento: é a
que aqui dou com suas variantes, e com
a mais ampla licção castelhana.
Seriam os menestréis os que, segundo a
theoria de Sir Walter Scott, que ja n'outra
parte mencionei', contrahiram o romance
escripto na xácara para contar? Ou seriam
os poetas ou os collectores lettrados que da
xácara popular fizeram o romance mais
longo ?
N'este caso especial não sei decidir; mas
estou fortemente capacitado de que ora uma
ora outra coisa succedia, e que é diíficil di-
zer quando esta ou quando aquella se fez.
0 saio de seda, a cintura de oiro e firmai,
1 Romance do Conde Yan0, pag. 43 d'eite volume.
claralinda 223
indicam auliguidade na licção portugueza
que não desce do décimo-quinto século.
Em appendice ponho a licção castelliana.
Que estudo na comparação dos dois textos!
Como resalta o character das duas famílias
e das duas línguas, iam parentes e tam dis-
liuctas uma da outra! Como é reservado,
como é natural o /inchado portuguez! Como
se exaggera e intumesce o castelhano! Mas
é innegavel todavia que ha mais pompa e
luxo de poesia n'este; assim como ha mais
verdade e mais sentimento n'aquelle.
V*l:. U 18
CL(JiRAL.II%l>A
Meia-noite ja é dada,
Os gallos querem cantar,
O conde Claros na cama *
Não podia repousar.
Chamou pagens e escudeiros,
Que se quer ja levantar;
Que lhe tragam de vestir.
Que lhe tragam de calçar.
Deram-lhe uma alva camiza.
Que elrei a não tinha tal ^;
Deram-lhe saio de seda,
Cintura de oiro e firmai.
1 Uonde Claros em eoii Uiiio—Alemtejo.
i Que elrei a náu tiuha egail—Minlio,
226 ROMANCEIRO
Trazem-lhe esporas douradas
Para com ellas montar;
Cavalgou no seu cavallo,
Pôs-se logo a caminhar.
— 'Deus te salve, Claralinda,
Tam cedo estás a bordar ?'
— 'Salve-te Deus, conde Claros!
Donde vais a caminhar^ ?'
— 'Aos moiros me vou, senhora,
Grandes guerras guerrear.'
— 'Que bello corpo que tendes
Para com elles brigar!'
— 'Melhor o tenho, senhora,
Para comvosco folgar. . . *'
Palavras não eram dittas
Um pagem que ia a passar;
—'As palavras que são dittas,
A elrei vou i^á contar.'
— 'Palavras que dittas são,
A elrei não vás levar:
Dar-te hei de oiro e de prata
Quanto possas carregar.'
— 'Não quero oiro nem prata,
Se oiro e prata me heisde dar;
3 Tam cedo a caminhar — Lishoa,
3 Para com damas folgar — Btirábaixu.
CLARALIKDA 227
Quero guardar lealmente
A quem n'a devo guardar:
As palavras que são dittas,
A elrei as vou contar.'
Foi d"alli o bom do pagem ^
Andando de bom andar
A casa da estudaria,
Onde elrei estava a estudar:
— 'Deus vos salve, senhor rei,
E a vossa c'roa real!
Lá Deixei o conde Claros
Com a princeza a folgar.'
— 'Se á puridade o dissesses,
Tença te havia de dar;
Mas pois tam alto fallaste,
Alto hasde ir a inforcar.'
Castigar os chocalheiros
Boa justiça real:
Mas o pobre conde Claros
Também vai a degollar !
— 'Vinde, vinde, Claralinda. . .
Como estais a descançar!
Vinde ver o conde Claros
Que elrei o manda mattar.'
5 Foi d'alli o pagemy.ito— jâleniííyo.
228 ROMANCEIRO
— 'Accudi, minhas donzellas
Vinde-me acompanhar:
Que se elrei lhe não perdoa,
Com elle quero acabar*.'
— 'Deus vos salve, senhor rei,
E a vossa cVoa real !
Que vos fez o conde Claros
Para o mandardes mattar?'
— 'Se eu tivera outra filha
Para em meu reino reinar,
Juro-te, ó Claralinda,
Que o ias accompanhar.
Mas toma-o tu por marido,
Por genro o quero eu tomar;
E ninguém mais n*esta corte
Se atreva a mexericar'.'
6 Com elle me hãode mattar. — Minho.
7 A licção da Extremadure accresoenta aqui
— 'Ganhaste, mexeriqueiro,
Com o teu mexericar !'
— 'Ganhui a morto, senhora;
E a vida me podeis df r.'
— 'Sc cila está na minha mão.
A vida não te heide dar.
Para outra não fazeres
Ja irás a degollar,
B ao rabo do meu cavallo
Te mandarei arrastar.'
OLARALINDA 229
IieÇAO €i%STeLU.%X.%
Media ncche era por hi!o,
Los galloB querian cantar,
CLnce Claros por amores
No podia reposar:
Dando muy grandes sospiros
Que el amor le bacia dar,
Porque amor de Claraniiia
No le deja sosegar,
Cuando vino la manana
Que queria alborear,
Salto diera de la cama
Que parece un gavilan.
Vocês dá por el palácio
Y empezára de llamar:
'Levantaos, mi camar^ro,
Dadme vestir y calzar.'
Presto estaba el camarero
Para habèrselo de dar.
Diérale calzas de grana,
Borceguis de cordeban,
iJiérale jubon de seda
Atiorrado en zarzanar.
Diérale un mauto inuy rico
Que no se paede apreciar,
Trescientas piedras preciosas
Al rededor dei collar,
Tráele un rico caballo
Que en la corte no hay supar.
Quo la silla con el freno
Bien valia una cludad,
Con trecientos caecabeles
Al rededor dei petral;
230 HOMANCEIRO
Los ciento cran de oro,
Y los ciento de metal,
Y loB ciento son de plata
Por 'os sones concordar.
Ibase para el palácio,
Para el palácio real,
Y á la infanta Clarauiiía
AUí la fuera a hablar:
Trecientas damas con ella
La ibRU a aconipanar;
Tan linda va Claranina,
Que a todos liace penar.
Conde Claros que la vido
Luego va á deacabalgar,
De rodillas en el suelo
Le comeiízó de hablar:
— 'Mantenga IJios á tua altiza.'
— 'Conde Claros bieu vengais.'
Las palabras que prosigue
Eran para enamorar:
— 'Conde Claros, conde Claros,
El sefior de Montalvan:
iComo hábeis hermosa cuerpo.
Para con moros lidiar!'
Respondiera el conde Claros,
Tal respuesta le fue á dar:
— 'Mcjor le lengo, seuora.
Para con damas holgar.
Si yo os tuviera esta nocbe,
Mi sernra, á mi mandar.
Quereria la otra mauana
Con cieut moros pelear,
Y si à todos no venciese
Que me mandasen matar,'
— 'Calledes, coude, calledes,
Y no os querais alabar.
CLARA LINDA 231
Kl que qiiiere servir damas
Asi lo suelc hablar,
Y ai eutrar eu Ias batallas
Bien se saben escusar.'
— 'Si no lo creeiB; senora,
Por las obras se verá:
Siete afios sou pasados
Que os empezc de amar,
Que de noche yo no duermo,
Ni de dia puedo liolgar.'
— 'Siempre os preciastes, conde,
De Ias damas os burlar:
Mas dé.jadmt ir a los baiios,
A los banos a baiiar;
Cuando yo sea bafiada
Estoy á vuestro mandar.'
1 espondiérale el buea conde,
Tal re,5puesta le fue ú dar:
— 'Bien sabedes vós, senoia,
Que soy cazador real;
Caza que teugo en Ia mano.
Nunca la puedo dejar.'
Tomárala por la mano,
Y para un vergel se van,
A la sombra de un ciprés
Y debajo de un rosal
Mas fortuna que es adversa
A placeres y a pesar
Triijo alli un eazador,
Que no debia pasar,
Detraz de una pijdenca
Que rabia debiò matar;
Vido estar ai ponde Claros
Con U infanta á lindo liolgar:
El conde cuando Io vido.
232 ROMANCEIRO
Empezóle de llamar:
— 'Ven acá tú. el cazador,
Y Dio8 te 'guarde de mal:
De todo lo que as visto
Que n08 guardes purídad;
Daréte mil marcos de oro,
Y Bi mas quisiereF, mas;
Casaite he con una doncella
Que era mi prima carnal;
Darlc he eu arras y en dote
La villa de Montalvan.
De otra parte Ia infanta
Mucho ma« te puede dar.
El cayador siu ventura
No les quiso escnchar,
Vasc para los palácios
«• Adonde el buen rey está:
— 'Mantégate Dios, el rey,
Y á tu eirona real:
Una nueva yo tetraigo
Dolorosa e de pesar:
No te cumjle traer corona
Ni f 1 caballo cabalgar;
La corona de la cabeza
Bien le la puedes quitar.
Si tal deslionra c<'mo ésía
La hiibiesfs de comportar,
Que he bailado la infanta
Con Claros de Montalvan,
Kesándola y abrazándola
En vueBtrobuer;o real.'
El rey con muy grande enojo
Mando ai cazador matar,
Porque habia sido osado
De tales nuevas Uovar.
clakalindA 233
Mando llevar aguaciles
A priesa, uo de vagar;
Maadó armar quinientos bombrca
Que lo hayan de acompanar
Para que prendan ai conde,
Y lo hayan de tomar :
Y mando cerrar las puerías,
Las puertas de la ciudad.
A las pucitas de palácio
AUi le tiiaran à bailar:
Preso lleva 1 ai buen conde
Com mucba riguridad,
Unos grillo3 á los pies
Que bien pesan un quintal,
Las esposas á las manos,
Que era dolor de mirar,
Una Caiena á su cuello,
Que de hierro era ol coUar ;
Cabalganle eu una mula
Por mas deshoura le dar:
Matiéronle ea una torre
De muy gran escuridad :
Las Uaves de la prision
El rey las quiso llevar,
Porque sin licencia suya
Nadie le pudiese hablar.
Por él rogaban los grandes
Cuantos on la corte estan
Por el rogaba Oliveros,
Por él rogaba Roldaii,
Y racgan los doce pares
Ue Frangia la natural.
y lua monjas de Sant'Ana
Cou luj de la Trinidad
Llcvuban un cruciãjo
Para el rey poder rogar :
234 ROMANCEIRO
Cou oUas va el arzobispo
Y uu prelado y cardenal,
Mas el rey roa grande enojo
A nadie quiso escuchar;
Autes de muy enojado,
Sus grandes mando llamar:
Cuando ya los tubo juntos
Enipezóles de liablar:
— 'Amigos é hijos mios,
A lo que os liice llamar,
Ya sabeis que el coude-Claros,
El senor de Montai van,
Do nino yo le he criado
Uasta pouello en cdad,
Y le he guardado su tieri'a,
Que su padre le fueia dar,
El que raorir no debiera,
Keynaldos de Montalvan;
Y por baeello mas grande,
De lo mio le quiso dar.
Hicele goberuador
De mi reino natural:
El por darme galardon
ilirad en que fué a tocar,
Que quizo forzai la infanta,
Hija mia natural.
Hombie que lo tal comete
l Que senti-ncia le lian de dar ?
ludos dicen á una voz
Que lo hayan de degollar;
Y asi la seutencia dada,
El buen rty la fiie á firmar.
L'arzobispo qu'esto viera
Al buen rey fue á hablar,
Pidiéndole por merced
Licencia le quiera dar
CLARA LINDA 235
Para ir A ver ai coudfi
Y su muerte dcnuiiciRr:
— 'Pláceme, dijo el biicn rey,
'Piáceme de voluutad ;
Mas con esta coudicion,
Qui^ 80I0 babeis de andar
Con aqurste pagccico
Que Ip va á acompaúar.'
Cnando vido talar ai conde
Ed 3u prision y pesar,
Las palabras qiir le dice
Dolor trau de i-scucLar :
— 'Pésame de vós, el conde,
Cuanto me piiede pesar.
Que los yerros por amores
Dignos son de perdouar.
La desastrada caida
De vuestra suei te y teutura,
Y la nueva á mi venida,
Sabed que bace mi vida
Mas trisic que la tristura:
De forma que no sé donde
Pueda yo placer cobrar,
Y como á vos no se esconde.
De vos me pesa, buen conde,
Porque asi os quioreu matar.
Los como vós esforzados,
Para las adversidades
Ilau de estar apaiejados.
Tanto á sufrir los cuidados,
Como las prosperidades ;
Pue» el primero no fuistes
Vencido por buen amar
No temais angustias tristes,
Que loB yerros que; hccistes
iJignos sou de perdonar.
235 RUMANCEIAO
Por TÓB he rogado ai rey,
Nunca me quiso escucbar,
ÁDtes ba dado seDtencia
Qoe 08 bayan de degollar;
y 08 lo dije bien, sobrino,
Que 08 dejáeedes de amar,
Que el que las mugeree ama
A tal galardoD le dan,
Que haya de morir por ellas
Y eu los cárceles penar.'
Kcspundió presto el buen conde
Cou esfuerzo singular:
— 'Calledes por Dios, ml tio,
No me quèrais enojar,
Quien no ama las mugeree
No se puede bombre llamar;
Mas la vida que yo tengo
Por ellas quiero gastar.'
Respondióle el pagecieo.
Tal rcspuesla le ine á dar:
— 'Conde, bien aventurado
Siempre ob deben de llamar,
Porque muerte t*n honrada
Por vós liabia de pasar:
Mas envidia é de vos, conde,
Que mancilla ni pesar:
Nas qnisiera ser vós, conde.
Que el rey os manda matar,
Porque muerte tan bonrada
Por mi bubiesse de paear.
Llama yerro la fortuna
Quien no la sabe gozar,
Que la piiesa dei cadabalso
Vós, conde, la débeis dar;
Si no e( dada Ia sentencia
Vós la débeis de firmar.
CLARALINDA 237 ,
El coude cuando esto oyera
Tal respuesta le fae á dar:
— 'Por Dios te ruego, page,
En amor de caridad,
Que vaias á Ia princesa
De mi parte á le rogar
Que suplico á su alteza
Que ella me salga :'i mirar,
Que eu la hora de mi muerte
Yo la pueda contemplar:
Que si mis hojos la veu
Mi alma no ba de penar.'
Ya .«e parte el pagecico,
Ya se parte, ya se va,
Lloraudo de los sus ojos
Que queria reveutar.
Topara cou la princesa,
Hien oireis lo que dirá:
— 'Agora es tiempo, seãora,
Que bayais de remediar,
Que á vuestro querido el conde
Lo Uevan á degollar.'
La infanta que esto oyera
Kn tierra muerta se cae;
Damas, dueuas y doncellas
ÍTo Ia nueden retornar,
Hasta que Uegú su aya
La que la fue á criar:
— 'jQtie es aquesto, la infanta?
Aquesto iqué puede estai?'
— '!Ay de mi triste mezquina,
Que no sé qué puede estar.
Que le ai conde me matan
Yo Iiabré de desesperar.'
— 'Saliésedes vós, mi liija,
•Saliéaedeslo ú quitar.'
238 ROMANCEIRO
Va se parte la infanta,
Ya SC parte, ya se va:
Fiiese para el mercado
Donde lo ban de sacar:
Vido estar el cadaba^so
En que lo bau de degoUar;
Damas, dueuas y doncellas
Que lo salen á mirar.
Vió venir la gente d"arma8
Cjiie lo traen á matar,
Los pregou eros delante
Por su yi-rro publicar.
Uou el poder de la gente
Klla no podia pasar.
— 'Apartaos, gente d^armas,
Todos me baced lugar,
Si no. . . por vida dei rey
A todos mando matar.'
Ju.a gente que la conoce
Luego le bacen lugar.
Hasta que Uegó a! conde
Y le empczára de bablar:
— 'KsfOrzá, esforzá, ei bnen coudc
Y no querais desmayar.
Que aunque yo picrda la vida,
I>a vucstra se ba de salvar.
El alguacil que esto oyera
Coraenzó de camiuar;
Váse para los palácios
Adonde el buen rey está:
— 'Cabalgue la vuestra alteia
A priesa, no de vagar.
Que salida es la infanta
Para el conde nos quitar:
Los UDoa manda que maten,
Y los otros aborcar;
CLARALINDA 239
Si Tuestra alteza no acorre'
Yo no puiido remediar.'
El buen rey, de que esto oyera,
Comenzó de caminar,
Y fuese para el mercado
Adonde el conde fue á liallar:
— 'iQué ea aquesto la itfanta?
Aque8t»i qné puede estar?
itiS. sentencia que yo he dado
Vós la quereis revocar?
Yo juro por mi corona,
Por mi coroua real,
Que si heròdero tuviese
Que me hubiese de heredar,
Que á vós y ai conde Claros
Vivos 08 haria quemar.'
— 'Que vós me mateis, mi padre,
Muy bien me podeis matar;
Mas suplico á vuestra altesia
Que se quiera él acordar
De los servioios pasados
De Reynaldos de Montalvan,
Que morió en las batallas
Por tu coroua eusalz.ar:
Por los servicios dei padre
Lo debes galardonar;
Por mal querer de traidores
Vós no lo débeis matar,
Que 8U muerte será cansa
Que me hayais de disfamar.
Mas suplico á vuestra alteza
Que se quiera consejar,
Que los reys con furor
No debcu de sentenciar;
Porque el conde es de linage
Del reino mas princip.il,
VOL. U W
210 BOMANCEIRO
P irque él era de los dorc
Que á tu mesa comen pau;
Sus amigos y parieiítes
Todos te querian raal:
Kevolveros han en guerra,
I^os reynos se perderán.'
El bnen rey, cuando esto oyora,
(yomenzara á demandar:
— 'Consejo ts piio, los mios,
Que me querais cocsejar.'
Luego todos se apartarei»
Por EU consejo tomar:
El conspjo que le dicron
Que lo haya de perdonar,
Por quitar males y bregas,
Y la princesa afamar.
Todos íirman el perdon,
El buen rey lo fue á firmar;
Tainbien lo aconsejaron,
Kneronle consejo á dar,
Piies la iuf.^nta queria ai conde,
Con él baya de casar.
Ya dee6erraQ ai buen conde,
Ya Ic mandan desferrar.
Descabalga do la mula
Kl ai'zobispo á desposar;
El toraúlos de las manos,
Asi los hubo Je juntar.
Loa enojos y pesares
Placeies se han de tornar 1.
1 O^hoa, Texoro âe Fomanceros, pag 24: Duran, Bnmancern
General. i849-18ói, ttm i, pag Zl8. N'esta ultima expleiídida
coilecção, que só agora me chpga de Madrid quando eetou cor-
rigindo as provas da presente obra, vem mais corre; to o texto
por um fragmento tirado do fancioneio General <ie lôll. Este é
um dos romances que ficaram immurtalisados pelaa citaçõeg e
allusões de Cervantes, D. Quijote, cap. t>, part. 2.
XIV
DOM BELTRÃO
Não é das menos interessantes para a his-
toria da poesia popular na Per.insuia, esta
licção portugueza do romance de 'Dom Bel-
trão', que na castelhana se diz 'De la Ba-
talla de Uoncesvalles.'
A sua origem parece ter sido proven^^al ou
navarra; nós decerto o houvemos pelos nos-
sos maií próximos vizinhos, os castelhanos.
Em Portugal é elle arraiano, e não anda senão
pelos extremos da Beira e Trás os-montes.
Com ser este um dos mais bellos que tem
o romanceiro de Castella, eu acho-o mais bo-
nito em portuguez, mais repassado d'aquella
melancholia e sensibilidade que faz o chara-
cter da poesia do nosso dialecto, e que prin-
244 ROMANCEiaO
cipalmenle o distingue dos outros todos de
llespanha.
O cavallo moribundo que se levanta deante
do pae do seu senhor, para se justificar de
seu procedimento na batalha, de como fez
tudo para o salvar — é digno da lliada e
não desdiz domais grandioso de nenhuma
poesia primitiva.
l»ara que melhor se julgue, ponho em
appendice a licção castelhana.
Variantes portuguezas não chegaram á
minha mão, e este único texto me veio de
Trás os-montes.
A novíssima edição do 'romanceiro gene-
ral' do Sr. Duran ', obra de summo gosto
e trabalho, julga pertencer este romance ao
último terço do século xv.
1 Eiu dois u ol. grandes, Madrid, ISJ 3-1851.
»OM fiSi:L.TRAí>
— 'Quedos, quedos, cavalleiros,
Que elrei os manda contar!'
Contaram e recontaram.
Só um lhe vinha a faltar:
Era esse Dom Beltrão,
Tam forte no batalhar;
Nunca o acharam de menos
Senão n'aquelle contar,
Senão ao passar do rio
Nos portos * do mal passar.
Deitam sortes á ventura
A qual o havia de ir buscar:
1 Porlos ou [laRtagens doa Py.cneus, e em ti'"»' '"''* *
passagoiTi cntip alias cordilheiras.
246 ROMANCEIRO
Que ao partir fizeram todos
Preito homenagem no altar,
O que na guerra morresse
Dentro em França se interrar.
Sette vezes deitam sortes
A quem n'o hade ir buscar;
Todas sette lhe cahiram
Ao bom velho de seu pae.
Volta rédeas ao cavallo,
Sem mais dizer nem fallar. . .
Que lh'a sorte não cahíra,
Nunca elle havia ficar.
Triste e só se foi andando,
Não cessava de chorar;
De dia vae pelos montes,
De noite vai pelo vai;
Aos pastores perguntando
Se viram alli passar
Cavalleiro de armas brancas.
Seu cavallo tremedal '.
—'Cavalleiro de armas brancas,
Seu cavallo tremedal,
Por esta ribeira fora
Ninguém não n'o viu passar.'
Vai andando, vai andando,
Sem nunca desanimar,
Chega áquella mortandade
2 Cavallo tremedal, o que?
DOM BELTflAO 247
Donde fora Roncesval:
Os braços ja tem cançados
De tanto morto virar;
Viu a todos os francezes,
Dom Beltrão não pôde achar.
Volta atraz o velho triste,
Voltou por um areal,
Viu estar um perro moiro
Em um adarve a velar:
— 'Per Deus te rogo, bom moiro,
Me digas sem me inganar,
Cavalleiro de armas brancas
Se o viste porqui pessar.
Hontem á noite seria,
Horas de o gallo cantar.
Se entre vós está captivo,
A oiro o hei de pesar.'
— 'Esse cavalleiro, amigo,
Diz-me tu que signaes traz.'
— 'Brancas são as suas armas,
O cavallo tremedal.
Na ponta de sua lança
Levava um branco sendal,
Que lh'o bordou sua dama
Bordado a ponto real.'
— 'Esse cavalleiro, amigo,
Morto está n'esse pragal,
Com as pernas dentro d agua,
O corpo no areal.
248 BOMANCEIRO
Sette feridas no peito
A qual será^mais mortal:
Por uma lhe entra o sol,
Por outra lhe entra o luar,
Pela mais pequena d'ellas
Um gavião a voar.'
— 'Não torno culpa a meu filho,
Nem aos moiros de o mattar;
Torno a culpa ao seu cavallo
De o não saber retirar.'
Milagre ! quem tal diria,
Quem tal poderá contar 1
O cavallo meio morto
AUi se pôs a fallar:
— 'Não me tornes essa culpa,
Que m'a não podes tornar:
Três vezes o retirei,
Três vezes para o salvar;
Três me deu de espora e rédea
Co'a sanha da pelejar.
Três vezes me apertou cilhas,
Me alargou o peitoral. . .
A' terceira fui a terra
Desta ferida mortal.'
DL M BELTRÃO 249
En los campos de AlvectoEa
Mataran á Dou Belírau,
Nunca lo echaron menos
Hasta los puertos pasar.
Siete veces eclian suertes
Qiiien lo volverá ú buscar,
Todas sii-le le cupieron
Al bucu viejo de su padre,
Las Ires íueron por malicia,
Y las cualro con inaldad.
Vuèlve riandas ai caballo,
Y vuèlvesf Io á buscar,
De noche por el caoiiii:^,
De dia por el jaral:
Por la matauza va cl viejo.
Por Ia matauza adelautc-,
I.os brazos lluva cansados
De I08 muertos rodear:
Xo hallaba aí 'lue buscaba,
Ni monos la tu scnal.
Vido todos los franceses
Y Bo vido á Don Beltran:
Maldiíiendo iba el vino,
Maldiciendoiba el pan
(El (|ue coinian Ics inoros,
Que no el de la cristiaodadl:
Maldicieudo iba el áibol
Qno Kolo en el campo nasce,
Que todas Ias av(-s dei cielo
Allí SB vienen á aseatar;
(Jne de rama ui de lioja
No lo dejaban gozar:
ilaldicicndo iba el caballero
250 ROMANCEIRO
Que cabalgaba siu page,
8i se le cae la 'aiiza
No tiene quien se la alce
Y si se le cae la espuela
No tiene quieu se la calce:
Waldiciendo iba lamuger
Que tan solu un bijo pare,
Si enemigos se lo matau
No tiene quieu lo vengar.
A la entrada de un puerlo
Saliendo de un aienal,
Vido en esto estar un moro
Que velaba eu uu adarve;
Hablóle eu algarabla,
Como aquel que bieu la sabe:
— 'Porl>ios te ruego, el moro,
We digas una vetdad,
Caballero de armas blaucas
Si lo viste acá pasar,
Y ai tu lo tieues jireso
A oro lo pesarún;
Y si tu lo tier.es muerto,
Désraelo paia enterrar,
Pues que el cuerpo siu el aluia
Solo un dinero no vale.'
— 'Ksse caballero, amigo,
Diine tú que seuas trae.'
— 'Blancas armas sou las siiyas
Y ti caballo es alazan.
Kn el carrillo derecbo
Kl teuia una seual,
Que bicudo nino pcqueão
Se la hizo uu gavilan.'
— 'Este caballero, amigo,
Mueito está en aquel pradal,
Las pieroas tiene en el ag^ua
DOM BELTBÃO 251
Y el cuerpo en el &reual,
Siete lanzadas tenia
Desde el hombro ai caloaual,
Y otras tantas su oaballo
Desde la cincha ai pretal.
No le desi nlpa ai raballo
Que no 88 la pued<»9 dar;
Siete veces lo eacó
Sin herida y 8in senal,
Y ctras tantas lo volvió
Com gana de pelear 1.'
1 Duran, bouakcbiro gembeal, 1849-51, tom. 1, pag.
263.— Não citarei mais outra collecção castelhana desde i|iio
pojaiio ósla, a mais completa e ordenada de Iodai.
XV
DOM GAIFE1R03
Eisaqui uma verdadeira preciosidade lil-
teraria, a edição ou licção portugueza de
um dos mais celebrados romances da nossa
península, 'Dom tiaireiros,'
Tinha o inconlrado na coliecção manus-
cripla do cavalheiro de Oliveira, mas con-
fesso que fiz injúria á sua memoria, sup-
pondo, sem mais exame, que era pia frau-
de do jjom do cavalheiro, e que elle não
linha feilo mais do que traduzir dos ro-
manceiros castelhanos o que la tinha acha-
do em muilo Loa leltra redonda. Não é as-
sim; julguei de le\e e julguei falso; o ro-
mance é corrente na tradição de Trazos-
monles. Tenho em minlui mão cópias au-
lliènlicas do cantar do povo feitas por pes-
VOL U 20
2Õ6 ROMANCEIRO
soas fidedignas e inlellij^enles d'aquella pro-
víncia. As cópias não diííerera no essencial;
Iodas são mais curtas do que as licções
castelhanas dos romanceiros, mas nenhu-
ma as segue lilleralmenle; e o mesmo faz
a do cavalheiro de Oliveira, que é todavia
a mais completa das portuguezas.
Appurei por todas elias o texto como aqui
o. dou, recorrendo, nas frequentes diílicul.
dades e dúvidas em que me achei, á licção
castelhana tal como a dá Duran, que asse-
vera tê Ia copiado, não do 'Cancioneiro do
Ambers', nem da 'l'1ore>Ma de vários', se-
não de um códice muito antigo que tinha
â vista. Ésla cópia ', diz eile e é certo, c a
que mais quadra com a descripçâo de mes-
tre Pedro no 'Dom Quixote', n'aquelle ce-
lebrado capitulo- da segunda parte que
para sempre deixou immorlal este romance.
Thomaz Rodd, o traductor inglez dos ro-
mances liespanhoes sobre Carlos-.Magno^,
i Duran, líomancero General, 1849-51, tom. i, paff 218.
2 1 011 Qttijoie, parte i, cap. 26.
3 Ilistory of Cliarles Vtt Great o"'i Oilawlo ctc. ,. AVitli lhe
lunst celobrateJ spaniah ballanris, ptc. ., L'jn'lon I5l2, 2 vol,
DOM GAIFEIROS 257
diz a este respeito que não é capiluio aquel-
le que se cite, setião que se deve ler e
estudar na sua integra. E comefTeito elle é
o melhor argumento e o melhor commen-
tario do romance que pôde fazer-se. Trans-
crevê-Io-hei todo n"esía parte.
Miren vuesRs mcrcedes tambien como el einpersdor vuelvc
las Cípalrias, y dfjs despechado á Don GaitVros, cl cual ya veii
como arroja irapacitiite de la cólera lejos de si ti lablero y las
lablae, y pide auriesa 1 >s aimas, y á Uon Koldan su primo pide
prestada su esjada durindana; y ctmo Dou Pioldau no se la
(luiere prestar, ofreiiándoíe su comiisuia ea la dilícil empresa
en que :>e pone; pêro el valeroso enojado no la quiere accptai'
antes díce que é! solo es bastante para sarar á su esposa, si bien
esiuvief e luetida en cl mas bondo teatro de la tierra, y con esto
SP eutra á armar para pcnerse laego eu camino. Vuelvan vuesas
mercedes Ics ojos á squrila torre «jue alli parJte, que sepresu-
pone que es una de las torres delalcázat deZaragoza, que aho-
ra liauian la Aljafe;ia_. y aquella dama que en aquel balcon pa-
reve vcttidu á lo moio es la sin par Melisendra, que de^de allí
muclias vezes se poiíia á mirar el camino de Franeia, y puesta
la iniajinacion en Paris y on su espotu, e,e consolaba en eu tau-
tiverio. Miren tambien un.nucvo easo que ahora sucede, quizá
no viiio jamás .jXo vcn aquelle moio, que caljandico y panto á
paso, piie.to ei tíedo en la bota ;fc llcg^ pi r Ias espi,Id.-.s ce lie"
liseudia? Pues uiiren tomo Ia dá un bcso ou mitad de los lábios,
y la priesa que ella se da á escupir y ;» linipiárselos con la blau -
ca inauga de sit tamisa, y ccmo se lainenta, y se arrauca de pe
ear sus herraosos cabellos, como si ellos tuvieran la culpa de
lualcãcio. Aliren tambien como aquel grave nii.ro que está eu
aqucUcs i-oritdores, ee él rey Marsllio de Sansutua, <1 eualior
babei \iblo la iusilercia dei more, juesto que era un paiieule
258 ROMANGEISO
y grau privado fiuyo, le maudó luego prenier, y que le dcn do-
eientos azotes, llevándole por las calles acosturubradas de la
ciudad con ebilladores delaute y envaramiento detrás: y ves
aqui doude salen ;i cjecutar la senteucia, aun bieii apenas no
liabieudo sido puesta en cjecuciou la culpa, ponjue ent:e inoros
110 liay traslado ú hi parte, ui á jirucba y estése, como entre
uosotros.
Nino, iiiíio, dijo cou voz alta á esta sazon Don Quijote, se-
guid vuestra Listo, ia linea recta, y no os metais eu Ias curva» ó
trasversales, que para i aoar una verdad en liuipio, mencster sou
niuclias prucbas y repruebas. Tambien d'jo mansc Tedro desde
dentro: uuichacbo, uo te metas cu cibujos, sino lias lo que cse
seúor te manda, que será lo mas acertado: sigiie tu canto llano,
y uo te metas eu coiitrapuutos, quo se suelen quebrar de sotiles.
Yo Io baré asi, respondió el mucliacho, y prosiguió diciendo:
Ésla figura que aqui parece ú caballo, cubieita cou auacapa
gascoiia, CS Id roisnia de Doa Gaiferon, á quieu su esposa espe-
raba, y ya vengada dei a'revimicato dei enamorado moro, cou
uiejor y mas soccgado Hemblante ec ha puepío á los u.iradoiea
de la torre, y babla cou .-u esposo, treycudo que es alguu pass-
jero, con quieu pasó todas aqucUas razuufs y colóquios de aqiiel
romauce, quo dioe:
Caballero, si i Fíâueia ides,
Por Gaileros proguuiad.
Las cualcs no digo yo ahoia, porqric de la prolijicad se suelc
eujendrar el lastidio: basta ver como Don Oaiteros se dlscubre,
y ijue por los ademanes aley:res que Melieeiídra hace, se uos da
:i entenier que ella le ba conoeido, y mas ahora que vemos se
descuelga dei baleou para iionersc eu las ancas dei caballo de
su bueu espofo, Mas ; f.y óiin ventura! que se le ba asido una
ponta dcl laldellin, de uno de los bieiros dcl baKou, y está pen-
dientc'^en el aiie eia podet llegar ai euelo. Pêro veia como el
Piadaso cielo sccorre en Ias mayores necesidades, pues llega
Don Ga'fei'08, y siu mirar si te tangará ó no el rico faldellin
LiOM G AI FEIRO S 259
aso du ella, y mal su grado la Iiace bajar ai sucio, y lueyo deun
briucn Ia por.c sobre las ancas de su cahallo á horcajadas ccmo
h mbre y la mauiia que se lenga fuertemeiíte y le cche los bra-
zos por las espaldas, do modo que los cruzo en el pecho, por
que no se caiga, á cauea que no cstaba la seííora Molisendra
acostumbrada á tcniejantes caballerias. Veis tauibien coroo los
relinches dcl caballo dan senalcs que va contento cou Ia va-
lioatey herm^isa carga quellevaensu scfior y ciisu sefiora. Veis
como vuelven las espaldas y salea de la ciudad, y alegres y
regocijados toman de Paris la via. Vais cu paz, ó par sin par
de verdaderos amantes; liegueisa salvamiento á vuesa deseada
pat.ia sin que Ia foriuua po>jga estorbo eu vuestro feliz viage:
los cjos de vuestros amigos y paricnfes os vean gozar cn paz
tranquila los dias (que los de Nestor sean) que os quedan de la
vida.
Aqui alzó otra vez la voz maesePei:o, y dijo: llane/a, mu-
chaclio, no to eneumbre», que toda afectacion es mala. No res-
pondiõ nada el intérprete, autes prosiguió diciendo: no íaltaron
algunos o.iosos ojos, que le suelen ver todo, que no viesen Ia
bajada y la subida de Melisendra, de quieu diercn noti-.-ia á el
rey MarÈílio, el cual mando luego tocar si anua; y niiren con
que priesa, que ya Ia ciuilad se hunde cou el soo de las campa-
na», que en todas las torres de Ias mezquitas suenan.
Eso nó, dijo á esta sazon Don Qiiijote; cn esto <Ie las cam-
paua-i anda muy impróprio niaese Tedro, porcjuc entre moros
no «e usau campanas, lina atabalea, yunJLUcro de dulzaiuas
que parecen nucstras cbirimias; y esto de sonar campanas eu
.SansBena, siu diida que es un grau disparate. Ijo cual eido por
niaese Pedro, resó el tocar, y dijo; no mire vuesa merced en ni-
narias, scnor Don Qiiijote, ui quiera Uevar las cosas tan por el
cabo, que no se le halle ? Xo se represcntan por ahi casi de or-
dinário mil comedias llenas de mil impropriedades y disparates
y con todo eso, corren felizissimamente su carrera, y se escu-
chan no solo cou aplauso, sino con admiracion y todo ? Prosi-
gue, rauchacbo, y deja decir, que como yo llenc mi talogo, si,
quiera represente mas impropiiedades quo tieue iitcjmos cl «ol.
2(J0 ROMANO EIR)
Asi e^ hl vcrdid, rojilicó Doa (iiijote; y cl michaclio di.jo: —
Mirea cuaiita y cuái; hizida caballcria sale de Ia ciudad eu
seguimiento de Ijs dos católicos amantes, cuantas trompetns
ijiie sueiian, cuantas dul/.ainas qii3 toi-an y cuantos atabales y
tambores que returabau: témonie que ios ban alnanzar, y los
hau de volver atadas a la cola de su mismo cabalio, que Scria
uti horiendo es;'CiMácu'.o. Viendo y oyendo pues tanta morisina
y tanto rstiuendo Don Qaijotc, parecióle ser bico dar ayuda á
'ooi que buian, y levantandose on pie, en voz nlta dijo: iio con-
fciiliió yo que cu mis dias y en mi presencia se le baga super-
cheria ;i tan famoso caballcro y ;i tan atrevido enamorado como
Dcn Gaiferos; detpueos, malnacida canalln, no le sigais ni i>er-
tigais: si no, eoumigo sois en la batalla; y dic iendo y haciendi,
di-tenvainó la espada, y dn un brinco se puso junto ai retablo y
con acelerada y nunca vista fúria comenzó á llover cucliilladas
sobro la tilciera raorisma, derribando á unos, descabelando :'i
otros, ostropeando á C3te, d.strozando ú quel, y entre otros
mucbos tiro uu allibajo tal, que si maese l'edro no se abaja, fe
cncojc y agazapa, le ceroenara la c:)beza con mas faiilidad que
si fuera becha de masa demazapsn.
A nossa licçào porliigurza tem lodos os
cliaracleres de ser do seeulo xvi.
noil CiAIFEIROS
Sentado está Dom Gaifeiros
Lá^em palácio' real,
Assentado ao taboleiro
Para ?.s tabolas jogar.
Os dados tinha na mão,
Que ja CS ia deitar,
Senão quando vem seu tio
Que lhe entra a pelejar:
— 'Para isso es, Gaifeiros,
Para os dados arrojar;
Não para ir tomar damas,
Com a moirisma jogar.
Tua esposa la teem moiros,
Não sabesjr buscar ' :
Outrem fora seu marido,
Ja lá não havia estar.'
I .Não es para a Ir buscar — Trás os-monU»
2<32 BOMANGEIRO
Palavras não eram dittas,
Os dados vão pelo ar. . .
A que não fôra'o respeito ''
Da pessoa e do logir,
Tavolas e tavoleiro
Tudo fora espediiçcir,
A seu tio. Dom R<.ldão,
Tal resposta lhe foi dar:
— 'Sette annos a busquei, sette,
Sem a poder incontrar;
Os quatro por terra firme,
Ós três sobre aguas do mar ^.
Andei por montes e valles,
Sem dormir, nem descançar;
O comer, da carne crua,
No sangue a sede raatiar.
Sangue vcitiam meus pés
Cançados de tanto andar;
E os sette annos cumpridos
Sem a poder incontrar.
Agora a saber sou vindo *
Que a Sanson^a foi parar;
E eu sem armas nem cavaJlo
Com que a possa ir buscar:
8 Se alli não fora o respeito- J/5', de Oliveira,
'd Os.'tres por cima domar — Tras-os-montes
4 Ella eslava em Salsoaba,
Lá em paLicio tea\—Ti-as-o»-monles
BOM OAIFEIROS 263
Que a meu primo Montezinhos
Ha pouco os fui emprestar
Para essa festa de Hungria
Onde se foi a justar '=>.
Mercê vos peço, meu tio,
Se m'a vós quizereis dar,
Vossas armas e cavallo
Que m'as queiraes imprestar^.'
— 'Sette annos são cumpridos,
Bem n'os deves de contar.
Que Melisendra é captiva
E a vida leva a chorar.
E sempre te vi com armas,
Com cavallos a adestrar;
Agora que estás sem elles
E que a queres ir buscar?
Minhas armas não te impresto
Que as não posso desarmar;
Meu cavallo bem vezeiro *,
Não o quero mal vezar,'
— 'As vossas armas, meu tio.
Que m'as não queirais negfr
A minha esposa captiva
Como a heide eu ir buscar P'
5 Ouile ÍÁ a tornear — MS. de Oliveira.
C A iiiiaba espusa eutre nioircs,
Eu a (HiCro ir bua: ar — Traa-ne-vwntea.
1 Bem vezado— J/5. Je Oliíeira,
264 ROMANCEinO
— 'Em San' João de Latrão
Fiz juramento no altar,
De a ninguém não prestar armas
Que m'as faça accovardar^.'
Dom Gaifeiros, que isto ouviu*
A espadi foi a tirar;
Saltam-lhe os olhos da cara
De merencório a fallar;
— 'Bem parece, Dom Roldão,
Bem parece, mal pezar !
O muito amor que me tendes
Para assim me affrontar.
Mandae me dizer por outrem
Que me las possa pagar.
Essas palavras, meu tio.
Que vos não quero tragar.'
Accode alli Dom Guarino,
O almirante do mar,
Durandarte c Oliveiros
Que os vêem a separar;
Com outros muitos dos doze
Que alli succedeu de estar.
Dom Roldão muito sereno
Assim lhe foi a fdllar:
— 'Bem parece, Dom Gaifeiros,
Bem se deixa de mostrar,
8 Por nras uão incovardar — .V S. de Oliveira-
DOM QAlFfilKOS 2'5
Que a falta de annos, sobrinho,
Em tuJo vos faz faltar.
Aquelle que mais te quer,
Esse te hade castigar:
Fôras tu mau cavalleiro,
Nunca te eu dissera tal,
Porque sei que es bom, t'o disse...-'
E agora, armar e sellar!
Meu cavallo e minhas armas
Ahi estão a teu mandar
E mais, terás o meu corpo ■*'
Para te ir accomp?nhar.'
— 'Mercês, meu tio, heide ir só ",
Só, tenho de a ir buscar.
Venham armas e cavallo
Que ja me quero marchar.
De covarde a mim ! ninguém
Nunca me hade appellidar.'
Dom Roldão a sua espada
Alli lhe foi intregar:
— 'i^ois só queres ir, sobrinho,
Esta te hade accompanhar.
Meu cavallo é generoso,
Não o queiras sopear;
9 Por tu sores bom, t'o di.sse — MS. ih Oliveira.
IC K aqui lesiiles o meu corpo.
Para vos acorapanliar — 2'raíi-oi-monleí.
1 1 Si') quero ir, meu lio, só,
l'ar.i mclIiDr .i tir.ir — Trás ot-monUs.
266 KOMANCEiRO
Dá-lhe mais rédea que espora,
N'elle te podes fiar.'
Andando vai Dom Gaifeiros,
Andando de bom andar.
Por essas terras de Christo,
Té a moirama chegar.
Ia triste e pensativo,
Cheio de grande pezar:
Mciifendra em mãos de moiros,
Como lh'a hade saccar ?. .'
Pára ás portas de Sansonha '2
Sem saber como hade entrar:
Estando n'este cuidado
As portas se abrem de par.
Elrei com seus cavalieiros
Sahia ao campo a folgar;
Mui gallans iam de fest>i,
Mui ledos a cavalgar ''^.
Furtou-lhe as voltas Gaifeiros,
Pelas portas foi entrar;
Deu com uni christão captivo
Que alii andava a trabalhar:
— 'Por Deus te peço, captivo,
E elle te venha livrar !
12 SaUouha diz seniire a licção de — T/aí Oi-jnojito.
H Mui guapos— líS '^i Oliveiía,
DOM GAIFEIROS 267
Assim me digas se ouviste
N'esta terra anomear
A uma dama christan,
Senhora de alto solar,
Que anda captiva entre moiros
E a vida leva a chorar.'
— 'Deus te salve, cavalleiro,
Elle te venha ajudar !
E assim me dê outra vida,
Que esta se vai a chorar.
Pelos signaes que me deste,
Ja bem te posso affirmar
Que a dama que andas buscando
Em palácio deve estar.
Toma essa rua direita
Que leva ao paço real;
Lá verás pelas janellas'^
Muitas christans a folgar.'
Tomou a rua direita
Que no palácio vai dar.
Alçou os olhos ao alto,
Melisendra viu estar,
Sentada áquella janella
Tam intregue a seu pensar^
Que as outras em redor d'ella
Não nas sentia folgar.
14 IVl.-B balo')^) -iíS.h OUceira,
268 ROMANCEIRO
— 'Rua abaixo, rua acima
Gaifeiros a passeiar,
— 'Oh que lindo cavalleiro,
De tam gentil cavalgar '■''1'
— 'Melhor sou jogando ás damas,
Com moiros a batalhar!'
Melisendra que isto ouviu
Começava a chorar:
Não ja que ella o conhecesse..
Nem tal se podia azar,
Tam cuberto de armas brancas,
Tam diffVente no trajar;
Mas por ver um cavalleiro
Que lhe fazia lembrar
Aquelles doze de França,
Aquella terra sem par,
As justas e os torneios
Que alli sohiam de armar
Quando por sua belleza
Andavam a disputar.
Com voz chorosa e sentida
Começou de o chamar:
— 'Cavalleiros, se a França ides '^
li— 'D'ondc (j o cavalleiro
De tam lindo passeiar?
r— 'O cavalleiro i: christão
Das bauilas d'air;m do mar ' — Tias os-Montes.
IC — 'Se Chrislão sois, cavalleiro,
Bec$(do inc Iiuveia levar.' — Tiuí os-Moulçn.
DOM GAiFEIROê 269
Recado me heis levar ''',
Que digais a Dom Gaifeifos
Porque me não vem buscar.
Se não é medo de moiros,
De com elles pelejar,
Ja serão outros amores
Que o fizeram olvidar. . .
Emquanto eu presa e captiva
A vida levo a chorar
E mais se este meu recado,
O não quiz acceitar.
Dá-lo heis a Cliveiros,
A Dom Beltrão o heisde dar.
Ea meu pae o imperador
Que já me mande buscar,
Pois me querem fazer moira
E de Christo renegar.
Com um rei moiro me' casam
De além das bandas do mar,
Dos sette reis de moirama
Rainha me hãode coroar.'
— 'Esse recado, senhora,
Vós mesmo lh'o haveis de dar 8-
17 K'sla éa mem<iravel copla citada por Cervantes no Dom
Quijote c que d'ahi obteve sua celebridade euiopca.
18 Ku niL>siuo lli'o licide dar;
Pois Diiin Gf.ifclrcs sou eu
CJue voe Tciln a busfar. — Tias-oi-MonUs.
270 ROMANCEIRO
Dom Gaifeiros aqui o tendes
Que vos vem a libertar.'
Palavras não eram dittas ^'',
Os braços lhe foi a dar,
Ella do balcão abaixo
Se deitou sem mais fallar.
Maiditto perro de moiro
Que alli andava a rondar!
Em altos gritos o moiro
Começava de bradar:
— 'Accudam á Melisendra,
Que a vêem os christãos roubarão.
— 'Melisendra, minha esposa,
Como havemos de escapar ?'
— 'Com Deus e a Virgem Maria
Que nos hãode acompanhar.'
— 'Melisendra, Melisendra,
Agora é o esforçar!'
Aperta a cilha ao cavallo,
Affrouxa-lhe o peitoral,
Saltou-lhe em cima de um pulo
Sem pé no estribo poisar.
Tomou-a pela cintura,
19 A íalla n.ío era diita,
Pnsoramse a caminhar;
Tirou-a pelo baicRo
Por não haver mais legar. - Tias osMonits
20 Que se vae para alóiu-mar.— 'Trasoa-MonUi,
DOM GAIFEIKOS 27 l
Que o corpo ergueu por lha dar;
Assenta a esposa á garupa
Para que o possa abraçar'',
Finca esporas ao cavallo,
Que o sangue lhe fez saltar.
Aqui vai, acolá voa, . .
Ninguém n'o pode alcançar.
Os moiros pela cidade
A correr e a gritar;
Quantas portas ella linha
Todas as foram cerrar.
Sette vezes deu a volta
Da cerca sem a passar,
O cavallo ás oito vezes
De um salto a foi saltar.
Ja os moiros da cidade
O não podem avistar:
Acode o rei Almançor
Que vinha de montear,
Com todos seus cavalleiros
Lá deitam a desfillar.
Sentiu logo Dom Gaifeiros
Como o iam alcançar:
— 'Não te assustes, Meiisendr.i,
Que é força aqui apear.
Entre estas árvores verdes
Um pouco me hasde aguardar.
2Í Klla o loi abraçar -,l/í> rU Olintira.
VOL. I «I
272 ROMANCEIRO
Em quanto eu volto a esses cães 22
Que os heide afFugentar.
As boas armas que trago
Agora as vou a provar.'
Apeou-se Melisendra,
Alli ficava a rezar.
O cavallo, sem mais rédea,
Aos moiros se foi voltar:
Cançado ia de fugir
Que ja mal podia andar,
Cheirou-lhe ao sangue malditto.
Iodo é fogo de abrazar.
Se bem peleja Gaifeiros,
Melhor é seu pelejar;
A qual dos dois anda a lida
Mais moiros hade mattar.
Ja cahem tantos e tantos
Que não têem conto nem par;
Com o sangue que corria
O campo se ia a alagar.
Rei Almançor que isto via,
Começava de bradar
Por Alá e Mafamede
Que o viessem amparar:
— 'Renego de ti, christão,
E mais do teu pelejar!
22 A «sseí pÈvroí. ~ Tiat-on-montes.
DOM GAIFKIROS 273
Não ha outro cavalleiro
Que se te possa egualar,
Será este Urgel de Nantes,
Oliveiros singular,
Ou o infante Dom Guarim
Esse aimirante do mar P
Não ha nenhum d'entre os doze
Que bastasse para tal. . .
Í5Ó se fosse Dom Roldão
O incantsdo sem par 23 1'
Dom Gaifeiros que o ouvia,
Tal resposta lhe foi dar:
— 'Calla-te d'ahi," rei moiro,
Calla te, não digas tal.
Muito cavalleiro em França
Tanto como esses vai.
Eu nenhum d'elles não sou,
E me quero nomear:
Sou o infante Dom Gaifeiroí,
Roldão meu tio carnal,
Alcaide-mor de Paris
Minha terra natural.'
Não quiz o rei n:ais ouvir
E não quiz mais porfiar.
Si Sam Círual —MS. de Olueira.
274 noMA^•l;KIRO
Voliou rédeas ao cavallo,
Foi-sc em Sansonha incerrar.
Gaifeiros, senhor do campo,
Não tem com quem pelejar;
Cheio de grande alegria
Melisendra foi buscar.
— 'Ai! se vens ferido, esposo?
E que ferido hasde estar!
Eram tantos esses moiros,
E tu só a batalhar.
Mangas de minha camiza,
Com ellas te heide pençar;
Toucas de minha cabeça
Faxas para te appertar 2'.
— 'Calla-ie d'ahi, infanta,
E não queiras dizer tal;
Por mais que foram n'os moiros,
Não me haviam fazer mal:
São de meu tio Roldão
Estas armas de provar;
Cavalleiros que as trouxesse,
Nunca pôde perigar.'
Cavalgam, vão caminhando,
Não cessam de caminhar,
Por essa moirama fora
Sem mais temor nem pezar;
'24 Serão paia (t- appfiitar — V,S </<• Oliifira.
DOM GAIFEIHOS 275
Paliando de seus amores
Sem dí mais nada pensarei.
Em terras de christandade
Por fim vieram a entrar.
A Paris ja são chegado?,
Ja saem para os incontrar ^'',
Sette léguas da cidade
A corte os vai esperar.
Sahia o imperador
A sua filha a abraçar;
Palavras que lhe dizia,
As pedras fazem chorar.
Sahiu toda a fidalguia,
Clerezia e secular.
Os doze pares de França,
Damas ?em conto nem par.
Dona Alda com Dom Roldão
E o almirante do mar,
O arcebispo Turpim
E Dom Julião de além-mar,
E o bom velho Dom Beltrão,
E quantos sohem de estar
Ao redor do imperador *''
Em sua mesa a jantar
25 S<'iii dl' outro ai nã. > lonar - MS. <lt Olivvira.
2fi A Parií a natnrsl ~^fS de OUvcita.
27 l'; «emprp a i.lca fixa da mesa rrdonila, do rírculo for'
r.iado [lelos parfri, c uitórno do impcraiile.
276 ROMANCEIRO
Grande honra a Dom Gaifeiros
Os parabéns lhe vão dar;
Por sui muita bondade^**
iodos o estão a louvar,
Pois libertou sua esposa
Com valor tam singular.
As festas que se fizeram
Não têem conto nem par.
28 Bomhnh é v.ilor, « Bum valenlo cm stylo lio tempo.
DOM GAUEÍhOS 277
t l€Ç'%0 C\%«>Tei,H.%.\ A
Aseutailo <'Stá Gaiteros
En el palácio realf,
Asentado está ai tablero
Para las tablas jugare.
I-og (Jaflo3 tione en Ia mano
Que los quiero arrcjare,
Cuando entro por la sala
Don Carln el emperanie:
I>e rjue a«i luçaro lo vido
Kmpezcjie de niirarc;
Hablándole está, hablaiido
Palabrag de gran pesare:
— 'Si aíi fuésedes, Gaiteros,
Para las armas tomare,
Como 80Í8 para los dados
Y para tablas Jiigare,
Vuestra esposa tiecen moros,
Iriadesla á buecar.
Púsame á mi por ello,
Porqup es ini hi.ja carnale.
IJe miicbos tuó demandada
y á uadie qiiiso tomare:
I*ucs con vós caBÓ por amores,
Amores Ia lian de sacar»-;
Si coa otro fiiora casada
No esluviera en captlvidado.
Oaifercs cuando esto vido,
Movido de gran pesare
I.evantóse dei tablero
No queriendo mas jugare,
Y tomáralo en las manos
Para babcrlo de arrojare.
278 aoM\NCEiRo
Sitio por í|uien con èl juega
Que era hombre de linage:
Jugaba con él G'.iarino8,
Almirante du la maré.
Vocês (lá [)or el palácio
Que ai cielo quicrou llegaro,
I'reguntando va, preguntando
Poi- BU lio Don Ilsldane.
Halláralr en el patin,
Que queria cabalgare.
Con él ora Oliveros
Y Durandarte el galanc,
Çoa úl mucbos caballeron
l)tí los de los doce Pares.
Gaiferos desque lo vido
Empezúle de bablarc:
— 'Por DioB 08 ruego, mi tio,
Por Dios os quiero rogare,
Vuestras armas y caballo
Vós me lo querais prestare,
Que mi tio el emperante
Tan mal me quiso tratare,
Diciondo que soy para juúgt)
Y no para armas tomare.
Hien lo gabeis vós, mi tio,
llien sabois vós la verdad,
<iue pues butiqui: á mi espoja
<Viilpa no me deben darc.
Tros anos andiivc triste
]'or los inOQtes y los vallon
Coniiendo la carne cruda,
Itcbicurto la roja sangie,
Trayendo Ins pies descalços,
l.as unis corriondo sangre.
Nunca yo hsUarli pude
Kn cuanto piidr buscarc,
rOM GAiKKiHOs 279
Aliora 6i!' que eptá eii Saiisiiefia,
Kii .Saiisuína csaciíidad.
Sabcie que estoy siu caballo,
Sin armag otro que tale,
Que las tiene Monteuioos,
Que es ido á fjstejare
AUá ii ios reinos de Huugria
Para torneios armare,
Y yo 8iii raballo y armas
Mal la pod.é libertare;
Por es'o I g ruego, mi tio,
I-as vueistras me qiierais daro.
Don Koldan de que esto oy''i
Tal resimesta le ftié á daro:
— 'Callad, sobri o Gaifero»,
Ko qiieradss liablar tale.';.
.Sietc aíios vnestra esposa
Ha que está eii captividade;
Siempre os he vistr» con armas
Y caballo otro qne tale,
Ah ira que no las leneis
I,a quereis ir á buscam.
Sacramento tengo heolu)
AUá eii Sai] Juan de Latrsne
A ninçuno prestar arma^
Xo me las liagan cobanles:
Mi cabano está bien ve/.ado,
No lo i|Uf rria mal vezarc.'
(íaileron que esto oyõ
La espada luera á saciar
(lon una voz mny safiona
F.inp^zára de hablare:
— 'Bien parece, Don RoMan,
Siempre me qnisíRtc maio.
Si otro me lo dij-ira
Mostrara si soy cobarilc,
280 ROMANCEIRO
Mag iiuJcn á iiii lia injuiiailo
No lo vais por mi á vcngarc;
Si vós tio no mi luúiicJeg.
Con vÓB quenia poleare.'
I-o» graiiiles que alli se ballan
Entr(> loa fios puestog se liane;
Hablado le ha Dou Roldan,
Kmpezóle de hablarc:
--'Bien parece, Doti G»il>ros,
Que Boig do muy porá eJade,
Hien oigies un pjemplo,
Que ooncceií ger verdad,
Que áqufl que bifn oí quiere
Kse og quitre cagligare.
Si fuerades mal caballero,
No og dijera yo esto taiu,
Mao porque sé que goi» bueuo,
ror eso 08 quisc asi bablare,
Que mis jirmag y caballn
A vóg uo ge han de neg-are,
Y «i quoreia compania,
To 08 querria acompaíiare.'
— 'iMercedes, dijo Gaifercs,
De la buciia voluiitade;
Solo me quicro ir, golo,
Para jiabrrla de iiacnre:
Ninica me diiá uinguno
Que n:i- vido ser eobgrdc
Luogo mando Uon Uoldan,
Siig armag aparcjare;
Kl enfubierfa cl caballo
Por mejor lo eníobcrlare.
Kl mismo poue las armas
Y Ic ayudaba à armare,
Luego cabalgó Gaiferos
Cou tnTjo y con lesare.
DO.V GAIKÉ.IROS 281
l'ésal« á Uoii Roldan,
Tambieii ;i los doce Pares,
Y mas ai eaiperador
De que solo lo vió andare,
Y des que ya se falia
Del gran palácio loale,
Con uua voz amoroBa
I.lamãralo Don Iloldaiic:
— 'Espera iin peco, sobrino;
1'ueg solo quereis anrtarc,
Dtjédesraf vuesa ispada,
I-a mia qucrais toiuare,
Y auuqne vcngan dou mil inoros
Niiuca 1< s volvais la liaze:
Al caballo dadlc rienda
Y haja á su voluntade,
Que si el vc la suya
Bien os saberá ayudare,
Y si ve demasia
Dslla 08 sabrá sacare.'
Ya le daba su cgpada
Y toma Ia de Koldane
l>a de espuelas ai cabullo,
Sálcse de la ciudad.
Don Iteltran des «lur ir lo vido
Empfzóle de habl.iie:
— 'Tomad acá, hijo Gaifrrua,
l'u<'8 (|uo me tciicis por padri-,
Tau solanieutc íjih: os voa
La condesa vuestra uiadrc,
Tomará cou vós tousuelo,
CJue tan tiistes llantos liaco,
Y dáraos caballeros
Los que hayaie necesidade.'
— 'Ciiiíoladla vós, ml tio.
Vót Ia querâis coiisolare.
282 ROMANCEIRO
AcunOcse que lue perdió
Cliiqiiito T de poça edadp,
Haja cueuta que de entoncos
Ko me ha visto jamaso,
Qtic ya sabfis que eu )<>« dooe
Correu malas volimtadeg,
y Bo diraii, vuelvo por meço,
Ma? que vuelvo por cobiide,
Qnt! yono volveré en Franria
Sin JlelinaciHra tornare.'
I)on Bf>ltraD, de que lo oyera
Tan enojado liablare,
Vuelve ricndas ai caball >
Y eutroEo en la ciudad.
Gaifercs cn tierra de moros
Empieza de csminare,
Jornada de quinee dias
Kq ocho lá fuO á andarc.
For las sicrras de Sangucua
Gaiferos mal airado vao,
I^RS voces que iba dando
A) cielo quieren lleçare.
Maldií^ieudo iba el vino,
Maldieiendo iba el pane
(Kl pan que comian los moros,
Mas no de la cristandade),
Mal lioieudo iba la duena
Que tan so!o un liijo pare
(Si eueuiigos se lo loatan,
Ne lieiíe qnieii Io vengarr\
Maldiciendo iba ai oaballero
Q'.ic cabalga «ia un pape
(Si SC le eae la espucla.
No tiene quien se la calce),
Maliicií-ndo iba e! árbol
Que solo cn el cnmpo na'(c,
DOM GAIFEIROS 283
Que todas las aves dei luuudo
Eu él vau á quebrautarr,
Que de rama ni de hoja
Al tiiste dejan gozare.
U&udo ettas roíes y utraa,
A Sansueua lué á Uegaie:
Viétiíeí era, eu aqael dia
L08 moros su tiesta baveii:
El ri^y iba a la mezquita
Vara la zala rezare,
Con todos sus caballetos
Cuactoi él pudo llevarc
Cuaodo ellegô Galfeios
A saueueúa, eea ciudade,
Miraba si veiia alguao
A quien poder demandare:
Vido uu cativo cnstiauo
Que andaba por los adarbes;
Deaque lo vido Oaiferos,
Kujpezóle de hablaie:
— 'Dios te salve, elcri&tiano,
Y te torue eu liberfade:
Nuevasque pediíte quiero,
No me laa quieras negare.
'i'ú que andas con los moros
Dime si ointes bablare
Si ay aqui alguna cristiaua
Que sea de alio liiiape.'
El calivo ([ue lo oyera
Empezára de llorare:
— 'ITautos (en^o de mií iliirlos,
Ue otroii no puedo curau-:
Que todo el dia caballos
Uel rcy mo bareu pensate,
Y de novbe ea honda sima
Mti baceu ai|ai apriíioiíuie.
284 ROMANCEIRO
liieii fií ijiie bay imichas cativa»
(Jiiotiauas de gi;;n lluagc,
llspreialuaeute Lxy una
Qu'es de Francia iiatuiali',
Kl rey Almanzor la trata
Como a sua bija caruak-;
Sé que muclios reyes moioj
< on ella quiercu casare.
Por eso idos. cabaUcto,
]'or esa calle adelaute,
Vereislag á las veiilanaa
Del çrao palácio reale.'
Dereclio se va a la plaza,
A la plaza la mas gramle.
Alli estabau los palácio.»
Donde el rey solia cstare :
AIzó loa ojos en alto
Por lo3 palácios niirare,
Vido ebtar á Meliseadra
Eh unia veiitana grande
(.'on otras damaii crístisnae
Qu' cstan cn captividade.
Meliiiseudra que lo vido
Kmpczára de Ilorare,
No porque lo conocieae
Kn el jesto iii en cl traje,
Ma» eii verlo con armas blaucas
Acordóse de los pari>«,
Acordóse de los palácios
Del ompcrador su padre.
Dl! Justas, galas, torncos
Que por rlla golian armire.
Con voz triste y miiy llorosa
I,e empezára de Uaniarc :
— 'Por Oios 08 ruego, caballero,
QuenVi.^íOs á n)i llegare ;
nuM BAIFEIKOS 285
Si kuig (;rÍBtiauo ó moro.
No me lo qmTai.s uogare
Darog be nuas encoiiiieudas,
liien pagadas os seraue :
Caballtro, si á Fraiicia ides
Por Gaiteros pregimtado,
Decidie que Ia BU esposa
Se le euvia á cn^omeiídarc,
Que ya me parece titmpo
Que la debia s acare.
Si 110 me deja por miedo
De cou los moros peleare,
Debe Icner otroe aiuoiea,
De mi no lo dejan acordare :
i Los ausentes por los presentes
I>igeros son de clvidare !
Aun le direis, oaballero,
Por darle mayor senale,
Que sus Justas y tónicos
liieu las supiraos acae.
y 8i eí^ti» enjomiendas
Xo recibe eon solace,
Daréislas á Oliveros,
Daréislas á Don Roldane,
Daréislas á mi «euor
Kl emperador mi padre :
Direis como esló eu Saudurfia,
Eu Sansuefia, esa cíudade,
Que si presto no me sacan
Mora me i|uieren t»niare,
(; 1 sarin» lian eon el rey moro
Que está allende la inare,
De 8iet<' reyes de moros
Ueina me lincen eoronare ;
Seguu los reyeg me acuitan ,
-Mora me harán tnrnare ;
26G HOMANCEIhO
Mh» tuores de Uaiteros
No los puedo yo olvidare.'
Gaiiei'08 que ette oyera
Tal le^puesta le fué á daie :
— ' Xo lloreis VÓ8, mi sulora,
Xo queraig asi llorarc,
Porquo esas encoiaieiídaii
Vós mesma Ia poJcig dare,
Que á mi allá deutro cn Fiauiia
llâiferos sueitu uombrare.
Scy p1 iufaule Gaiferos,
JSeíior de Paris Ia grande,
Primo bcimauo de Oliveros,
.Sobriuo de Don Roldane :
A 111 .11 es de Meliseudra
.Soii los que acá me traen.'
Ideliseudra qu'e6to vido
CouoÂciólo en cl liitlare,
Tirijse ie la veotaiia,
La escalera lué á tomate,
•Saliúse para Ia plaza
Donde lo vido estaro.
Gaifcrcs cuacdo la vido
1'iebto la luú á tomaro,
Abrázala cou hu« br/aos
Paia liaberla de beaare.
Alli ebtaba uu perro moro
Por los crÍHtiauos guardare,
l.ag vocês daba tau altas
(^ue ai cielo quieren Ucirani,
Al alarido dei moro
La eiudad maiulaii ceiraie.
iSiete vtícea la rodt^au,
No liallan por do i^scapare.
Presto «ale 1 rey Almauzor
De la iiift/iiuita re/.are :
DOM GAiFsinos 387
Vereis focar U Irotupet»
A (iricsa y no de vagare,
Vereis armar caballerns
Y en cabailoã cabalfarc:
Tantos BO arman de los luoroi;
tjue gran cosa es de mirai«>.
Meltgendra que Io vido
F,n «na priesa laii graude,
Con una voz delicada
Le empezára de bablare:
^'Eslorzado Don Qaiferos,
Xo querades desmíiyarf,
<«iue los bueno8 cabalíerot
Son para necetidade:
;SidéFla escapais, Gaiferos,
Hasta teneis que contarei
; Ya quisiera Dlos dei cielo
Y iSanta Slaria su madre
Fuese tal viicstio caballo
Coino el de Don Roldaiie.
Mnchas veces le oi decir
l'Ui el palácio imperiale
Que si se ballaba cercado
]»e moroE en ulguno lugarc,
Al caballo aprieta la cindia
Y ktlojábale el pretale,
Hincábale las espuelas
iixn ninguna piedade!
El caballo es oslbrzado,
De otra paiie va a saltare.'
Oaíi>roB de qu'esto oyó
Presto se fuera á a^eare,
Al caballo aprieta la cincha,
Y aflojábale el prefale;
Sin poncr pié en el estrilio
Kncima lué á cabal^rare,
288 HOKANCEinO
V JMcliEendra álasauca»,
C>!«e presto Ias fné totnarr.
Kl currpo la da y cintura
Porfiuc lo pupda alira/aio:
Al caballo liinca la ecinipla
Sin ningur.a piedade,
('orricndo vcnian los nioros
A prieca y no de va;rarr;
I.ae prraiidee vocês que dabaii
Al oaballo Uacen i>allare;
Ciisiido fdcvDii cerca los inoros
I,a rioiída Ic lué á largare;
l'.I caballo era li;;ero,
1'i'iRoIo de Ia oira )>arte.
El rey niaro rin'e8to vida
Mando abrir la eiadaiic;
Sirte batallae de moros
Todos de zaga le v.me.
Volvicndose iha Oaiferos,
No cesaba de tnirare;
l>p que vido que los nioros
I.e erorczaban de cercare,
Volviósc á Melisendra,
Kmpér.ole de bablarc;
— 'Xo oi? enojeis, mi «eilora,
Seráos luerza aqui apcare,
Y eii eita grande Cfpcsura
Podeis, souora, apaardaro,
<};ic lo<! moros son tau cerca,
!>e fcierza n-e ban de aleaazare.
\'o?, f Ignora, no traeis armas
Para Iiaber de peleare,
Vo pucs que las traigo buanas,
Qirérolas ejercitase.'
Apeóse Melisendra
No cesando de r2!'are,
ItOM CAIFEIROS 289
1-at rodillas puso eu lierra,
J^ag mauos fué ú levaularc,
];0R ojos pucstos ai cieo
No cesanclo de rezare: '
Sin qvie Gaifcros vclvií-fo,
Kl caballo fué á~agaijare.
Cuaudo hiiia de los iiioros
Parece que no p;iede anlarp,
y ruando iba bacia cllos
Hia con furor tau grande,
Que dei rigor (jue ilebava
I,a típrra bacia fembíare:
Doude vido Ia morifma
Eli Ire ellos fuera á eiilrare;
M bieu pelea Gaifcros,
El caballo mucbo masr;
'I'ai)t08 inata de los mores
Que no hay cuento ni pare;
De la sangre qne falia
Kl campo cabierto se bac.
KIrey Alinanzor qu'csio vido.
Kmpezãra de liablare;
— ':0b válaFDio In, Alá:
f.Relo qué podia cstarc?
Que ta) fuerza de caballero
Kn poros fc piiede ballare:
Dcbe str cl f ncaníado
K«»' paladiu riokiaao,
O dcbe fcr el esforzado
Rciialdos d<- MoulaUaiie,
O es Urgel de Ia Marcba
Kéforzado y siiigulare:
No Iiay ninsuno de Ics doce
Qur. bartante liacer lu tale,'
(íaiferos qu'c.sto oyó,
Tal rcspneeta Ic fué ;i dare;
290 BOMAKCEÍÃO
--■C«Ilv t-, calles, ri rc.y moro,
Calles y iio iligas tale,
Iiíiichos otros bay cu Franria
Que tanto oiuo obIor valeu:
Yo no -oy iiiti^-uiio d"; cllt",
Miis yo me quicro ncniViraro:
.''oy cl intauic Gaifcros,
Stfior <le Paris la írranJc,
Prioio beiuiano de Oiivcnis,
Sobriíio lie Dou Koiíianc'
K) rr.y Almansil- <jue Io uycra
Coij tal c8l':ier>.o liablaie,
Con Jos mas mores riuc piuio
.Se entrara cu la ciudado.
.Solo quodaba Gailcroí
Noballó con fiuien pidoare,
Volvió ricndas ai cabnllo
l'or Meliiendra buscara:
JUdifcudia ([ue lo vido,
A recibir se lo mU;
Vidolc las arma* blauc.ns,
Tintas en color de sangre.
Cou voz luni triste y llorosa
Le empczó de perguiitare:
— 'Por Dios 08 ruego, Goifero»,
Por Dios OB quicro ro^are,
Si tracis alguna herida
Qu(Tai.<.ineIa vós laoetrarc,
Que los MOros eran tantos
Quirá OS babrán Uecbo uiale;
Cou Ias uiaugas de mi camisa
Os Ia quiero yo apretare,
y cou la iDÍ ricn toca
, Yo 03 ia cntiendo sanarn.'
— 'Calledea. di.jo Gaifcro»,
Jutanta no digais tale,
DOM GAIFEROS 291
Tor uns que lucrou los uioros,
Xo lue podi»u baccr uialc ,
Qu'estas armas y caballo
Sou de mi tio Don Roldane:
Cahallero que las tiiijeio.
No podia peligrare.
(íabalgad presto, scfiora,
iític no es tempo de aqui eslarr;
Antes que los mores torneu,
Los pueitos hemos pasave.'
Va cabulg» Melisen:Jra
Ku un caballo alazanc,
Kazouando vau de amoios,
De amores, que no de ai.
Ni de log moros ban micdo,
Xi dellos uada se dane:
<>on el placer de ambosjuntng
No cesan de camiuare,
Ue noche porbs oamiuos
De dia por los jarales,
Comiendo las yeibas verdes
V agua si pueden ballare,
Hasta qué eutraron en Francis
Yen tierra de cristandade:
Si lias a alli alegres luúron,
Muclio mas de alli udelante.
A la entrada de un monte,
Y à la salida de un valle, '
Caballero de annag blaiieaji
I>e lójos vieroii asoinare:
Gaifcros desque lo vido
La sangre xuelto se le bae,
Di<-ietido :i su senora:
— 'Esto e» mas de rccelare,
(v>ue aquel caballero qu« asoma
(Iran c«luerzo o» el que tiae:
292 ROMANCEIRO
(iuo 9ca orietiano ó moro,
[•'uorzascrá pclearo:
Apúaos vós, mi 8< Tiors,
Y voni (Ic mi á la pare.'
De la mauo le traia
No cesando de Uorare.
Llégause los caballero.!,
(^omieczau aparejar*!
I.as lanzas y los escudos
Eu sou áe. bien peloaru.
Los caballos ya de cerca
Comienzau de relinthare;
Ma» conocióle Gaileros
Y empezilra de Iiablaie:
— 'Perded cuidado scãora,
Y toinad a cabal^arc,
(Jue cl caballo que alli vieue
Mio t'i en la verdade.
Yo le di raucba ccbada
Y mas 1(- entieuilo le dare;
Las ai luae, segun que veo,
Mias son otro que tale,
Y aun ncjuel es Montesinos
Que á mi me vienen á buêcare,
<iue cuamlo yo me parti
No estaba eu la ciudaile."
Plugo mucho á Mel'sendra
• v<uc aciuello luojo verdade.
Ya que se vau aceroando
Ouasi juntes á Ia pare,
Cou voz alta y cretida
Euipiúzause de inlerroiare.
Conúseense los dos primos
Kntouces en el bablaie,
Apeáronse á grau priesa,
Muy grandes fiestas se bacea:
l'OM GA1FE1U03 293
1)0 nuc bubicron Uablmio
Turuarou ;i cabalgaru :
liazouaudo vaa de. amores.
De otro uo quiereu bablure,
Audaudo por dus jornadaa
Eli lierra de criataiidalt:,
Cuautos caballeros hallau
Todos los ?an compaiiare,
Y dueuaa á Jlelineinlra,
I>ou:eUas oiro nue tale.
Al cabo de pecos dias
A Paris vati a Uegare ;
Sieto léguas de la tiudade
Kl emperador les sale,
Cou é! sale Oliveroá,
Cou él sale Dou Roldaue,
Cou úl el inlauto Guaiiaos
Almirante de la maro,
Cou el sale Dou lienuuiiez
Y el bueii »ÍPJo Doa 15elir:ii;ri.
(Jon él luuebos de Ics doce
Qje á su mena comeu pane,
y ccu éliba Dyiia Alda,
I.u ei>po8Ípa de Uoldaue.
Cou ú! iba Julianeiia,
La iiija dei rey Juliane;
Duefias, damas y doiii.clla.s
Las mas altas de lluagu.
El emperador abraza au hija
No cesaiido de llorare ;
falabras que le decia
Dolor eran de estucbare.
Los doce á Uoii Caiferos
Gran acalamleoto le huceii,
Tieueulo por esforzado
Mucho mas de alll adelauu.
'i94 ROMANCEIRO
Tucs (Ide Baco á su csiiosa
lio muy ^rau captividad* :
Las tiestas que le baciaii
No tienen ciiento ni pare 1 .
1 Duran l^ouxtncíio Gcntxd, 1848-1')!, pií?;. 218, tom.
XVI
JUSTIÇA DE DEUS
A licfão que priíicipalinenle aqui segui é
a da Beiralla, por ser ii'elia inuilo mais com-
pleto o romance. A de Tras-os-monlescha-
ma-lhe 'O conde preso.'
Poucas coisas mais bonitas tem o roman-
ceiro popular da nossa peninsula. Onde nas-
ceu não sei; mas as collecçòes castelhanas
não o trazem. A questão porém de se uma
composição d 'estas foi feita n'esse ou n'a-
quelle reino dllespauha, alòiii de ser mui
difncil de resolver, 6 de Ijem pouca impor-
taiicia. O que é verdadeiramente antigo e
popular, o que foi obra do trovador ou do
menestrel, nasceu talvez em Catalunlia ou
em Valença, talvez em Portugal ou em
França, ou em Leão ou em Castella: ([uem
29S ROMANfiEIRO
sabe? Viajou c perigriíiou cuiii a harpa uu
com a viola docaolor que o compoz ou que
somente o apprendeu de cór: espalhou-se
por essas terras de dilTerentes dialectos que
mais ou menos tiveram de o traduzir para
o conservar na tradição de seus povos. E
hoje, ha muitos séculos a esta parte, quem
pôde dizer onde foi composto o romance
que n'esta ou n'aquella província se incon-
tra? É d'aquella onde foi achado.
Ja se vè que não applico esta Iheoria ao
que traz visivel e marcado o sêllo de sua na-
cionalidade, como são os romances propria-
mente moiriscos ou granadinos, os que á
imitação d estes se fizeram em tammanha
cópia nos séculos xvi e xvii, uem tampou-
co aos históricos slrictamente dittos.
Advertirei também, ao leitor pouco ver-
sado em nossas coisas, que lhe não faça
peso, para julgar este romance castelhano
por força, o ver que nelle se tralta de San'
Thiago e de suas romarias e romeiros. De-
pois de Galliza, nenhum reino de Hespanha
leve jamais tanto que fazer com o apostolo
■ Jr>»TiÇA PE DIUS 25)9
de Compostellcij como o nosso l'orlugai, es-
pecialmente nas duas províncias do extre-
mo Norle. Ainda la vamos de romaria, e o
lemos por nosso em ludo. . . menos se for-
mos a brigar, porque então vem ^Sun' Jor-
ge e avante," San' Jorge e o seu dragão,
(|ue são dois terríveis matla-castelhinos,
apezar de todos os pezares, e das hetero-
iloxas doutrinas de desequilíbrio europeu
com que nos tèem obsequiado ultimamente.
ai siTiçA iii: Di:t>t
Preso vai o conde, preso,
I'rcso vai a bom recado;
Não vai preso por ladrão.
Nem por homem ter mattado ',
Miís por violar a donzclla
Que vinha de San*ThÍ3go:
Não liastou dormir com- eila,
Senão dá-la ao seu criado !
Accommetteu a na serra,
Mui longe do povoado ^:
Por morta alli a deixara
Sem mais dó sem mais cuidado.
1 Np"1 per liOme liav.r inaltado — Tias-ns-vmuh
i Y,m lop.ir (Ie«j'ovoa'lo — nfirnUn.
302 ROMANCEIRO
Chorou trcs dias, três noites,
E mais teria chorado,
Senão que Deus sempre iicode
A amparar o desgraçado.
Passou por .ilh um velho,
Um pobre velho soldado»
Suas barbas brancas de neve,
Em sua espada abordoado^;
Vieiras traz na esclavina,
O chapéu d'ellcis cercado;
Chegou-se á pobre romeira
Com muito amor, muito agrado:
— 'Não chores mais, filha minha *,
Filha, demais tens chorado;
Que esse villão cavalleiro ^
Preso vai a bom recado.'
Levou comsigo a donzella
O bom velho do soldado;
Vão á presença d'elrei,
Onde o conde era levado:
— 'Eu te requeiro, bom rei,
Pelo apostolo sagrado,
Que n'esta sua romeira
O foro seja guardado
3 Ao seu bordão incostado-- £via/<«.
4 Donzella, uão cliores inaiii -jBei/afítc.
â '.^u« preso vai case tonãe— Beiral/a.
JDSnÇA DE lEUS
Da lei divina é casar se,
Da humana ser degollado:
Que não valem fidalguias *•
Onde Deus é o aggravado.'
Disse elrei aos do conselho
Com semblante carregado:
— 'Sem mais detença, este feito
Quero ja desimbargado.'
— 'Visto está o feito, visto,
Julgado está, bem julgado:
Ou hade casar com ella,
Ou se não. . .ser degollado.'
— 'Pois que me praz' disse o rei:
'O algoz que seja chamado:
Ou ja casar co'a romeira
Ou aqui ser degollado.'
— 'Venham algoz e cutello.'
Respondeu o accusado:
*Mas antes morrer mil vezes "
Que viver invergonhado.'
Agora ouvireis o velho,
O bom velho do soldado:
6 Não ha foro ou privilegio— ScVo/ía.
7 A: t'8 morrerei mil ve-iea — Tioi-os-yfonttê.
VOLII
30o
S3
304 ROMANCEIRO
— 'Fazeis, bom rei, má justiça,
Mau feito tendes julgado:
Primeiro casar com ella,
E depois ser degollado.
Lava-se a honra com sangue,
Mas não se lava o peccado.'
Palavras não eram dittas,
A espada tinha arrojado,
Despe insignias de romeiro ".
Despe as armas de soldado,
Nos trajos de um sancto bispo
Apparece transformado;
Sua mitra de pedras finas,
De oiro puro o seu cajado:
Tomou a mão dn romeira,
A mão do conde ha tomado.
Por palavras de presente
Alli os tem desposado.
Choravam todos que o viam.
Chorava mais o culpado;
Chorando, pedia a morte
Por não ficar deshonrado ^.
O sancto bispo o absolvia
Contricto de seu peccado:
8 Tira o gaivão de romeiro— Beir alia.
9 Antes que ser desbonralo — Trasoí-ilonUa,
jrSTlÇ* LiK DEIS 305
D'alli o levam por morto,
Que nem o algoz foi chamado.
Justiça de Deus foi n'elle,
Antes de uma hora é finado 1
Mas acudiu áquella alma
O apostolo sagrado,
Que outro não era o romeiro,
O bispo nem o soldado •'^.
10 A licção de Tras-os-Montes mpprime a intervenção de
San' Tliiapo, e também o casamento do conde que alli vai
simplesmente a degollar, doplarand<j a euaíiltimavontado ii"es-
tas coplas:
— 'Não me intorrem na egrcja,
Nem tampouco em sagrado:
N'aqticlle prado me interrem
Onde se faz o mercado.
Cabeça me deixem fora,
O meu cabcllo intraiiçado,
De cabeceira me ponham
A sella do meu cavallo.
Que d'gam os passaRoirofl:
— 'Triste de ti, desçraçado!
Morreste de mal d'amores,
Que é um mal deseuperado ^ — Trai-ct Montei
!VOTAS(
NOTAS
Nota A
Infante no feminino í. ura latinisrao dos séculos
e XVI pag. li.
Não é d'esta opinião um amigo meu cujo voto
litterario tem muito peso. Diz el!e que as termi-
nações ante,, ente e inte sempre foram invariáveis
para ambos os géneros; que sempre se disse
•amante, enchente, pedinte; que infanta portan-
to é uma excepção da regra geral, excepção só
usada por alguns,
NorA B
Fôra o primeiro em que se fizeram verios. . . pag. 20,
Ésta é a opinião de Sarmiento: Snnche/, nis
notas á citada carta do marquez de SjntilLuia, a
combate.
310 NOTAS
Nota C
Mala!o se tornaria pag. cG.
0 que, a este respeito, fica apontado na nota
marginal é a opinião do Sr. Alexandre Hercula-
no. Sancta Rosa no 'glossário' lhe attribue quasi
a mesma significação. No sentido porem de gafo,
doente, etc, a usa Berceo muitas veses no pok-
MA nt: ALiXANDhE. Na nova edição do pomanceieo
de Duran i ha uma variante d'este romance, que
elle attribue a Rodrigo de Reinosa, porque as-
sim se diz em um folheto solto d'onde a trans-
creve, cuja Imguagem parece mais velha, porem
que é decerto menos singela que as outras, e
sabe mais ao inrevezado das coplas dos proven-
çaes. N'esta indisputavelmente se põe tnalato por
gafo, leproso, i.ifecto de mal contagioso.
Eisaqui o logar parallelo :
Eetá quedo caballero,
Non fagas tal villania,
Figa eoy de un malato
Que tiene la malatia,
Y qiiien a mi Uegare
Luego se le pegaria.
E notável que n'esta variante se acha o ro-
mance da 'Infeitiçada' confundido com o do
1 Madrid, 18)9-51, tom. i, a.» 285, pag. 15?.
NOTAS 311
'Caçador' do mesmo modo que o eu incontrei
confundido na Tradição oral de algumas de nos-
sas provincias.
Nota d
Alêm de não aatlar nas collecções da nação vizi-
nha pag. 125.
No ROMANCSRO de Duran, nova edição *, ha um
fragmento com o titulo 'El Palmero,' tirado da
coUecção de Sepúlveda em que apparecem al-
guns eguaes aos do Bernal. Duran o julga semia-
legorico, e d'aquelles que na nossa península ja
começavam a imitar os provençaes no século xv.
Não sou d'esta opinião.
Nota E
A xàcara e :oda dramática pag. 127.
Esta qualificação é exclusivamente portugue-
za : os nossos parentes castelhanos intendem por
jacara um romance truanesco em stylo picaro e
mais próximo do que nós chamamos ou chamá-
vamos chacota.
Nota F
Loa virá da latim laué pag. li 9.
Os castelhanos dizem hoje loor e loar por laus
1 Madrid 1819 51, tom. i, pag. 15S, u." 202.
31.^ NGTAS
e lavdare. No 'Cancioneiro do Cohegio dos No-
bres' foi. 58 V. acha se locdo per louvado A di-
versidade que hoje se incontra, n'estas deriva-
ções, entre o portuguez e castelhano, é comps-
raiivamente moderna.
Nota G
Não se iucoDtia nas collecções ca?lelLaiias, (ag. 16.^.
Na nova edição de Duran, tantas vezes e inda
agora citada ', apparecem dois fragmentos, o
primeiro até hoje conservado na tradição orai
das Astúrias, o segundo correndo impresso nos
folhetos dos cegos ambulantes: ambos são in-
questionavelmente reliquiss dispersas do nosso
rcmance. Alli chamam-lhe 'Gerinaldo.' E o mes-
mo nome lhe dão em Andaluzia, onde o conser-
va de memoria a gente do campo nos seus cor-
rias^ corrillos ou carrellilas ; que todas estas ap-
pellações teem as cantigas que o povo d'cquella
provincia canta ou recita de immemorial tradi-
ção
FIM DO VOLUME SEGUNDO
ITom. I, pag H5, I7tí, n." 320 e 321.
iivDacii:
Inteoducçâo , V
Romanceiro, uvro ii, parte t i
I Bela Infanta 3
II O Caçador 17
III A Infeitiçada 3i
IV Conde Yanao 41
V Conde d'Al!emanha ; 75
VI Dom Aleixo 89
VII Sylvaninha 10 1
VIII Bernal Francez 121
IX Reginaldo 161
X Dona Ausenda 177
XI Rainha e Captiva.. 187
XII Dom Claros d'Alêm -mar 199
XIII Claralinda , 219
XIV Dom Beltrão 241
XV Dom Gaiteiros 253
XVI Justiça de Deus 295
Nota s 307
OBRAS COMPLETAS
DO
nSCOPB DE ALMEIDA GAERETT
PROPRIEDADE DA
KM PREZA DA HISTORIA 1)E PORJCGAL
Tomo I — Camões.
11 — Catão. ^
» III — Merope— Gil Vicente.
» IV — Romanceiro — i." volume.
» V— Frei Luiz de Souza.
» VI — Flores sem fruoto.
» VII — D. Filippa de Vilhena— Tio Simplício—
Fallar verdade a mentir.
» VIII — Viagens na minha terra — i." volume
» IX u » « 2." »
» X — A Sobrinha do Marquez — As prophecias
do Bandarra. — Um noivado no Da-
fundo.
» XI — Arco de SanofAnna — i.° volume.
» XII— . » —2.°
» XIII— D. Branca.
» XIV — Romanceiro — 2.» volume.
» XV — »> — 3." »
» XVI — Lyrica.
» XVII -^ Fabulas — Folhas cabidas.
» XVIII — O Alfageme de Santarém.
» XIX — Portugal na balança da Europa.
» XX — Da Educação.
» XXI — O Retrato de Vénus, precedido de um
Ensaio sobre a historia da lingua t
da poesia portugueza.
» XXII — Helena.
» XXIII — Discursos parlamentares ~ Memorias
biographicas.
» XXIV — Escriptos diversos.
3^'
' .'"V- ^ - ^ ■ _,' -
'■Í=^T^
<is4^í:
i*
'M