Skip to main content

Full text of "Romanceiro"

See other formats


f^<òK%^lG 


K^o\ 


Presented  to  the 

LIBRARYo/í/i^ 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


OBRAS   COMPLETAS 

DO 

VISCONDE  DE  ALMEIDA  GARRETT 

PROPKIEUADK    DA 

EMPREZA  DA  HISTORIA  DE  PORTUGAL 


ROMANCEIRO 

ROMANCES  CAYALHERESCOS  ANTIGOS 


3.*  edição 


LISBOA 
Empreza  da  Historia  de  Portugal 

Sociedade  editora 
,1VRARIA    MODERNA     ||        TYPOGRAPHIA 
R.  Augusta  QS  "  3S,  ^-  lvens,37 
1901 


■■ 


Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2009  with  funding  from 

University  of  Toronto 


http://www.archive.org/details/romanceiro02alme 


OBRAS  COMPLETAS 


DO 


\1SC0NDE  DE  ALMEIDA  GARRETT 


TOMO    XIV 


OBRAS    COMPLETAS 

DO 

TISCOIM  DE  ALMEIDA  GARRETT 

PROI'RIKDADE    DA 

EMPREZA  DA  HISTOUIA  DE  POUTIT.AL 


Tomo  I  —  Camões. 

»  II  —  Catão. 

»  III  —  Merope  — Gil  Vicente. 

B  IV  —  Romanceiro  —  i.°  volume. 

»  V —  Frei  Luiz  de  Souza. 

»  VI  —  Flores  sem  fructo. 

»  VII  —  D.  Filippa  de  Vilhena— Tio  Simplício— 

Fallar  verdade  a  mentir. 

»  VIII  —  Viagens  na  minha  terra  —  i.°  volume. 

»  IX —  »  >)  »  —  2."  » 

D  X  —  A  Sobrinha  do  Marquez — As  prophecias 

do  Bandarra. —  Um  noivado  no  Da- 
fundo. 

»         XI  —  Arco  de  SancfAnna  —  i."  volume. 

B  XII  —       •  »  —  2.0  « 

»       XIII— D.  Branca. 

»       XIV  —  Romanceiro  —  2.»  volume. 

»       XV  —  »        —  3.0       » 

u       XVI  —  Lyrica. 

»      XVII  —  Fabulas  — Folhas  cahidas. 

»    XVIII  —  O  Alfageme  de  Santarém. 

»      XIX  —  Portugal  na  balança  da  Europa. 

»       XX  —  Da  Educação. 

»      XXI  —  O  Retrato  de  Vénus,  precedido  de  um 

Ensaio  sobre  a  historia  da  língua  e 

da  poesia  portugueza. 
»      XXII  — Helena. 
»    XXIII  —  Discursos    parlamentares  —  Memorias 

biographicas. 
•   XXIV  —  Escriptos  diversos. 


OBRAS  COMPLETAS 

DO 

VISCONDE  DE  ALMEIDA  GARRETT 

PROPRIEDADE    DA 

EMPREZA  DA  HISTORIA  DE  PORTUGAL 


ROMANCEIRO 


^v^OILiTJlivdCEJ    II 

ROMANCES  CAYALHERESCOS  ANTIGOS 


3.'  edi^sio 


LISBOA 
Empreza  da  Historia  de  Portugal 

Sociedade  tditora 

LIVRARIA    MODERNA     11        TYPOGRAPHIA 

K.  Augusta  çj   11  SS>  ^'  lvefit,S7 

1901 


IMRODlXaO 


-  Pretendo  supprir  uma  grande  falta  na  nossa 
litleratura  com  o  trabalho  que  iatentei  n'esta 
collecção.  Não  quero  compor  uma  obra  eru- 
dita para  me  coUocar  entre  os  philologos  e 
antiquários,  e  pôr  mais  um  volume  na  es- 
tante de  seus  gabinetes.  Desejo  fazer  uma 
coisa  útil,  um  livro  popular;  e  para  que  o 
seja,  torná-lo  agradável  quanto  eu  saiba  e 
possa.  As  academias  que  elaborem  disserta- 
ções chronologicas  e  criticas  para  uso  dos  sá- 
bios. O  meu  oííicio  é  outro:  é  popularizar  o  es- 
tudo da  nossa  litteralura  primitiva,  dos  seus 
documentos  mais  antigos  e  mais  originaes, 
para  dirigir  a  revolução  litteraria  que  se  de- 
clarou no  paiz,  mostrando  aos  novos  inge- 
nhos  que  estão  em  suas  fileiras  os  typos  ver- 


dadeiros  da  nacionalidade  que  procuram,  e 
que  em  nós  mesmos,  uão  entre  os  modelos 
extrangeiros,  se  devem  incontrar. 

É  obrigação  de  consciência  para  quem  le- 
vanta o  grilo  de  liberdade  n'um  povo,  achar 
as  regras,  indicar  os  fins,  apparelhar  os  meios 
d'essa  liberdade,  para  que  ella  se  não  preci- 
pite na  anarchia.  Não  basta  concitar  os  âni- 
mos contra  a  usurpação  e  o  despotismo;  des- 
truído elle,  é  preciso  pôr  a  lei  no  seu  logar. 
E  a  lei  não  hade  vir  de  fora :  das  crenças, 
das  recordações  e  das  necessidades  do  paiz 
deve  sahir  para  ser  a  sua  lei  natural,  e  não 
substituir  uma  usurpação  a  outra. 

Eu,  que  ousei  levantar  o  pendão  da  refor- 
ma litteraria  n'esta  terra,  soltar  o  primeiro 
grito  de  liberdade  contra  o  dominio  oppres- 
sivo  e  antinacional  da  falsa  'itteratura,  doe- 
me  a  consciência  de  ver  a  anarchia  em  que 
andamos  depois  que  elle  foi  aniquilado;  pê- 
za-me  ver  o  bom  instincto  dos  jovens  talen- 
tos, desvairado  em  suas  melhores  tendências, 
procurar  na  imitação  extrangeira  o  que  só 
pôde,  o  que  só  deve  achar  em  casa. 


A  revolução  não  está  completa  nem  conso- 
lidada. É  preciso  indicar-lhe  o  caminho  na- 
tural e  legal,  pô-la  em  marcha  para  os  pon- 
tos a  que  lhe  convém  chegar;  e  ella  se  aper- 
feiçoará a  si  mesma  no  progresso  regular 
que  assim  hade  seguir  para  um  norte  Gxo. 

Fiz  para  isto  esta  collecção  de  exempla- 
res, de  documentos,  de  estudos  e  observa- 
ções. Não  respondo  nem  por  sua  exacta  clas- 
siQcação,  nem  por  uma  certeza  em  todos  el- 
les  acima  dos  escrúpulos  austeros  da  critica, 
e  das  desapiedadas  negações  da  chronolo- 
gia.  Respondo  pelo  espirito,  pela  tendência, 
pela  verdade  moral  do  trabalho.  Sente-se 
muitas  vezes,  vè-se  clara  a  verdade  e  exa- 
rção  moral  de  uma  coisa  cuja  exacção  ma- 
terial não  pôde  provar-se  por  falta  de  do- 
cumentos  de   indisputável  authenticidade. 

Eu  reuni,  junctei,  puz  em  alguma  ordem 
muitos  elementos  preciosos.  Trabalhadores 
mais  felizes,  e  sobretudo  mais  repousados 
que  eu  de  outras  fadigas,  virão  depois,  e 
emendarão  e  aperfeiçoarão  as  minhas  ten- 
tativas. Tomára-os  eu  já  ver  n'esseimpenho. 


VIU 


Então  intenderei  deveras  que  flz  um  gran- 
de serviço  á  minha  terra  e  á  minha  gente. 
Sem  vagar  de  tempo  nem  de  cuidados  para 
coisas  tanto  de  meu  gosto  e  tão  fora  de  mi- 
nha possibilidade,  vou  lançando  no  papel 
as  observações  que  me  lembram,  as  refle- 
xões que  me  occorrem,  sem  curar  às  vezes 
nem  do  fio  que  levam,  nem  do  logar  em  que 
as  ponho.  Quizera  poder  fazer  á  liogua  e  á  lit- 
teralura  portugueza  serviço  egual  ao  que  fez 
M.  ílaynouard  á  dos  seus  provençaes.  Mas 
nem  posso  eu,  nem  o  resultado  seria  tam 
prompto  como  elle  hoje  se  precisa. 

Tomara  que  óslas  paginas  se  fizessem  lêr 
de  toda  a  classe  de  leitores;  não  me  importa 
que  os  sábios  façam  pouco  cabedal  d'ellas, 
comtanto  que  agradem  á  mocidade,  que  as 
mulheres  se  não  infadem  absolutamente  de 
as  ler,  e  os  rapazes  lhes  não  tomem  medo 
e  tédio  como  a  um  livro  professional.  Eis- 
aqui  o  que  eu  desejo,  o  em  que  puz  fito,  e  o 
porque  intersachei  a  prosa  com  o  verso,  a  fá- 
bula com  a  bisloria,  os  raciocínios  da  critica 
com  as  inspirações  da  imaginação. 


Tenho  alguma  esperança  no  methodo. 

A  primeira  parte  e  volume  do  presente 
ROMANCEIRO  deve  ser  considerada  como  a 
introducção  d'esta  segunda  e  das  que  se 
lhe  seguirem. 

Alli  dei  a  traducção  em  língua  e  stylo 
moderno  de  alguns  dos  nossos  romances 
populares;  aqui  vão  os  próprios  textos  d'es- 
ses  e  de  muitos  outros  romances. 

Horácio,  cuja  arte  poética  hade  sempre  ser 
para  a  poesia  de  todas  as  edades,  de  todas 
as  escholas  e  de  todas  as  nações,  o  que  são 
para  a  moral  os  'Versos  de  oiro'  de  Pythago- 
ras,  um  código  eterno  de  regras  inalteráveis 
— Horácio  louva,  sobre  todos,  aos  poetas  ro- 
manos que  ousaram  desviar-se  do  trilho  ba- 
tido dos  gregos,  e  celebrar  emfim  as  acções 
da  sua  própria  gente,  deixando  em  paz  as 
Medeas  e  Jasons,  a  interminável  guerra  de 
Tróia  e  essa  perpétua  familia  dos  Attridas. 

Os  nossos  primeiros  trovadores  e  poetas, 
que  mal  sabiam  talvez,  se  tanto,  o  latim  mii- 
sàrabe  dos  bons  monges  de  Lorvão  ou  de 
Cucujães,  e  que  decerto  nunca  tinham  lido 


Horácio  — nem  o  intenderiam  —  seguiram 
comtudo  melhor,  por  mero  instincto  do  co- 
ração, as  doutrinas  do  grande  mestre  que 
não  conheciam,  do  que  depois  o  Qzeram  os 
poetas  doutos  e  sabidos  que  no  século  xvi 
nos  transmudaram  e  corromperam  todas  as 
feições  de  nossa  poesia. 

Longe  de  mim  a  ingrata  e  presumpçosa 
vaidade  de  desacatar  as  venerandas  barbas 
dos  nossos  dois  Boileaus  de  Quinhentos,  Fer- 
reira e  Sá-de-Miranda!  E  quem  ousará  pôr  os 
olhos  fittos  no  sol  de  Camões  para  lhe  rastrear 
alguma  leve  mancha,  se  atem?Todavia  esses 
Ires  grandes  poetas,  grandes  homens,  gran- 
des cidadãos  e  grandes  philologos,  são  os 
que,  cheios  de  Yirgilio,  de  Ariosto  e  de  Pe- 
trarcha,  com  os  olhos  cravados  no  antigo  ba- 
cio e  na  moderna  Itália,  de  todo  esquece- 
ram e  fizeram  esquecer  os  tons  e  os  mo- 
dos da  genuina  poesia  da  nossa  terra. 

Os  nossos  vizinhos  de  Castella  nunca  che- 
garam, no  século  xvi,  á  perfeição  clássica  da 
htteratura  portugueza;  mas  porisso  ficaram 
mais  nacionaes,  mais  originaes^  e  por  conse- 


quencia,  maior  e  mais  perdurável  e  mais  ge- 
ral Dome  obtiveram  e  conservaram  no  mundo. 

Toda  a  Europa  lê  hoje  os  lusíadas:  é  ver- 
dade, E  porque?  Será  pelas  formas  virgilia- 
nas  do  poema,  pelos  deuses  homéricos  do 
seu  maravilhoso,  pela  belleza  dos  modos 
que  só  nós  sentimos  bem?  Não,  é  pelo  que  alli 
ha  de  poesia  origiíial,  própria,  primitiva  : 
porquanto,  era  o  Camões  poeta  tam  portu- 
guez  n'alma.  que  as  mesmas  harmonias  ho- 
méricas e  virgilianas,  os  mesmos  sons  clás- 
sicos se  lhe  repassavam  debaixo  dos  dedos 
n'aquella  sincera  e  maviosa  melodia  popular 
que  respira  das  nossas  crenças  nacionaes,  da 
nossa  fé  religiosa,  do  nosso  fanático— e  in- 
da  bem  que  fanático!  — patriotismo,  da  nossa 
historia,  meio  historia,  meio  fábula  dos  tem- 
pos heróicos.  Dominou-o,  mas  não  pôde  per- 
vertê-lo a  eschola  do  seu  tempo. 

A  poesia  e  a  litteratura  portugueza  pre- 
cisavam retemperadas  nos  princípios  do  sé- 
culo passado;  que  estavam  uma  coisa  infor- 
me e  laxa:  eram  cordas  castelhanas  em  se- 
gunda mão,  cordas  italianas  de  má  fabrica, 


as  únicas  da  lyra  portugueza.  Veio  o  Garção, 
o  Diniz,  Francisco-iManuel,  depois  o  Bocage, 
com  todos  os  satelliles  d'estes  quatro  gran- 
des planetas,  e  restauraram  a  lingua  e  a 
poesia— a  prosa  não— mas  nos  aniigos  mo- 
dos clássicos,  agora  deduzidos  pela  refle- 
xão franceza,  bem  como  no  século  xvi  o  ti- 
nham sido  pela  reflexão  italiana. 

Fallou  portuguez  e  fallou  bem,  cantou 
alto  e  sublime  a  nossa  poesia;  mas  ainda 
não  era  portugueza. 

Estava  corrido  o  primeiro  quarto  d'este 
século,  quando  a  reacção  do  que  se  cha- 
mou romantismo,  por  falta  de  melhor  pa- 
lavra, chegou  a  Portugal. 

Vamos  a  ser  nós  mesmos,  vamos  a  ver 
por  nós,  a  tirar  de  nós,  a  copiar  de  nossa 
natureza,  e  deixemos  em  paz 

'Gregos,  romãos  e  toda  a  oatia  geute.' 

Que  se  hade  fazer  para  isto?  Substituir 
Goethe  a  Horácio,  Schiller  a  Pelrarcha,  Shaks- 
peare  a  Racine,  Byron  a  Virgílio,  Walter- 
Scott  a  Uelille? 


Não  sei  que  se  ganhe  n'isso,  senão  dizer 
mais  semsaborias  com  menos  regra. 

O  que  é  preciso  é  estudaras  nossas  primi- 
tivas fontes  poéticas,  os  romances  em  verso 
e  as  legendas  em  prosa,  as  fábulas  e  crenças 
velhas,  as  costumeiras  e  as  superstições  an- 
tigas: le-las  no  mau  latim  musárabe  meio 
suevo  ou  meio  godo  dos  documentos  obso- 
letos, no  mau  portuguez  dos  foraes,  das  leis 
antigas  e  no  castelhano  do  mesmo  tempo — 
que  até  bem  tarde  a  litteratura  das  Hespa- 
nhas  foi  quasi  toda  uma.  O  tom  e  o  espirito 
verdadeiro  portuguez  esse  é  forçoso  estudá-lo 
no  grande  livro  nacional,  que  é  o  povo  e  as 
suas  tradições  e  as  suas  virtudes  e  os  seus 
vicios,   e  as  suas  crenças  e  os  seus  erros. 
E  por  tudo  isso  é  que  a  poesia  nacional  ha- 
de  resuscitar  verdadeira  e  legitima,  despi- 
do, no  contacto  clássico,  o  sudário  da  bar- 
baridade,  em  que  foi  amortalhada  quando 
morreu,  e  com  que  se  vestia  quando  era  viva. 
Reunir  e  restaurar,  com  este  intuito,  as 
canções  populares,  xácaras,  romances  ou 
rimances,  soláos,  ou  como  lhe  queiram  cha- 


mar,  é  um  dos  primeiros  trabalhos,  que 
precisávamos.  É  o  que  eu  fiz  — é  o  que  eu 
quiz,  fazer  ao  menos. 

Para  entrar  com  alguma  ordem,  e  com  al- 
gum nexo,  ainda  que  seja  apenas  hypotheti- 
co.  no  ajunctar  e  examinar  dos  documentos, 
vejamos  e  resummamos  em  poucas  palavras 
como,  da  litteralura  da  civilização  velha  se 
fez,  na  chamada  meia  edade,  a  transição  para 
a  nova  e  imperfeita,  mas  muito  mais  original, 
muito  mais  creadora  litteratura  da  sociedade 
christan,  d'e?ta  civilização  que  é  tam  outra 
e  tam  distincta  d'aquella,  e,  por  forçosa  ne- 
cessidade, tam  diversamente  tem  de  formu- 
lar-se  em  suamais  natural  expressão,  a  poesia. 

Roma  e  Grécia  tinham  cahido  na  segunda 
meninice,  os  bárbaros  do  norte  entravam  em 
vigorosa  juventude  de  intendimento.  Cha- 
mou-se  a  este  periodo,  tam  notável  e  interes- 
sante na  historia  do  espirito  humano  a  Edade- 
media.  Mas  não  foi  elle,  como  ha  Ires  séculos 
se  escrevia,  e  se  cria  sem  mais  exame,  não 
foi  uma  epocha  de  trevas  em  que  toda  a  arte 
6  sciencia  pereceram,  foi  uma  crise  de  trans- 


XV 

formação  e  regeneração  em  que  os  elemento? 
da  sociedade,  puriQcados  no  fogo  de  um  gran- 
de incêndio,  começaram  a  tender  para  ordem 
nova,  para  uma  organização  que  era  extra- 
nha  a  todas  as  ideas  e  concepções  antigas. 

Observa  um  elegante  escriptor  contempo- 
râneo que  naturalmente  são  objecto  da  nossa 
curiosidade  e  nos  excitam  vivo  interesse 
os  costumes,  os  sentimentos,  a  litteratura 
d'aquella  epocha  singular  em  que,  passo  a 
passo,  vemos  o  progresso  do  intendimento 
humano  caminhando  para  a  civilização  chris- 
tan,  essa  que  depois  havia  de  confundir-se 
com  as  reminiscências  da  antiga,  desvairar- 
se  em  seu  caminho,  retrogradar,  perder-se 
tantas  vezes  na  senda,  chegar  a  ser  desco- 
nhecida e  desconhecer-se  ella  a  si  mesma. 

Abstractamente  consideradas  as  maneiras 
e  as  instituições  d'aquella  edade,  pouco  ha 
n'ellas  de  louvar,  muito  que  reprovar:  e  to- 
davia as  que  mais  pareciam  deformidades  na 
infância  dos  povos,  vieram  a  produzir  resul- 
tados tam  beneGcos,  a  amadurecer  em  fru- 
ctos  de  tanta  bençam,  que  hoje  nos  deleita  e 


XVI 

interessa  contemplar  e  examinar  essas  mes- 
mas aberrações. 

Saudável  ereanimadora  foia  influencia  das 
tribus  golhicas  na  politica  e  na  lilteratura  da 
Europa.  A  antiga  luz  da  civilização  velha  ardia 
ainda  na  caliginosa  atmo?phera  de  Constanti- 
nopla; e  a  ascendência  que,  de  tempos  a  tem- 
pos, readquiria  na  Europa  o  crapuloso  impé- 
rio do  Oriente,  por  vezes  fez  sumir  a  luz  no- 
va e  verdadeira  que,  sob  o  reinado  de  Theo- 
dorico,  se  tinha  accendido  na  Itália,  que  de- 
pois, resurgindo  de  novo  nas  remotasregiues 
do  norte,  d'esses  claustros  da  Islândia  onde 
jazera  latente,  veio  propagando-se  até  nós. 
Um  soberano  theutonico,  Carlos-Magno,  sus- 
citou o  génio  nacional  que  deu  existência, 
forma  e  cultura  á  lingua  vernácula  no  centro 
da  Europa  para  substituir  a  corrupta  algaravia 
das  fezes  latinas,  em  que  mal  se  pôde  dizer 
que  já  fallava,  senão  que  gaguejava  a  nossa 
decrepitude.  Um  rei  saxonio,  Alfredo,  formu- 
lou, com  os  primeiros  elementos  da  lingua,  a 
primeira  civilização  ingleza.  Os  nossos  reis 
godos,  visigodos  e  asturianos  crearam  nas 


Flespanhas  estas  línguas  e  estas  litteratu- 
ras, -hoje  resumidas  em  duas  irmans  gé- 
meas—tamcharacterizadaseoriginaes  ainda, 
apezar  dos  longos  e  teimosos  esforços  de 
uma  reacção  de  cinco  séculos  que  por  todos 
os  modos  as  quiz  desnaturalizar  e  fazer  re- 
negar sua  nobre  e  legitima  ascendência,  para 
somente  as  reconhecer  bastardas  e  adulte- 
rjnas  de  corrupção  romana,  quando  ellas  são 
egitimas  filhas,  havidas  em  um  matrimonio, 
sim  forçado  pela  conquista  mas  útil  e  vanta- 
loso  aos  contrahentes  e  á  progénie  que  d'el- 
les  veio. 

Durante  todo  o  undécimo, duodécimo  e  dé- 
cimo-terceiro  século  os  elementos  de  civiliza- 
ção da  Europa  estiveram  fermentando,  sepa- 
rando-se  e  moldando-se  para  receber  nova 
forma :  os  princípios  eram  ainda  crus  e  indi- 
gestos, mas  os  sentimentos  fortes  e  vivazes. 
O  fervor  do  zelo  religioso  transviava  a  miúdo 
o  espirito  e  inllammava  as  paixões;  mas  essa 
religião  era  também  o  symbolo,  e  era  o  meio, 
o  instrumento  mesmo  da  civilização;  era  o 
anjo  Custodio  que  velava  nos  sanctuarios  da 


sciencia,  que  os  protegia  contra  o  poder  igno- 
rante e  desinfreado. 

Offendern  o  sensocominumaquellessonhos 
dacavalleriaandante;mas  onde  não  ha  via  mais 
lei  que  a  força,  n'ella  só  podiam  os  desvalidos 
achar  protecção,  só  ella  podia  conter  os  que 
outra  lei  não  conheciam.  D'essa  instituição 
phantastica  derivou  todavia,  modificado  pelo 
tempo,  este  principio  de  cortezia,  de  honra 
e  de  civilidade,  que  é  a  base  e  o  fundamen- 
to da  sociedade  moderna 

Aquelles  rendimentos  de  adoração  para  com 
o  bello-sexo,  a  solemnidade  com  que  se  lhe 
prostrava  todo  o  intendimento  e  vontade  faz- 
nos  hoje  surrir  desdenhosamente;  mas  d'ahi 
nasceu  aimportante  revolução  social  que  veio 
afixar,  nas  firmes  bases  de  uma  religiosa  jus- 
tiça, os  destinos  de  ametade  da  raça  humana. 
Hoje,  certo,  nos  parece  ridículo  ver  de- 
repente  transformar  a  mulher,de  escrava  ab- 
jecta, em  divindade  sublime,  poderosa  para 
salvar,  omnipotente  para  destruir...  E  ainda 
assim  as  cadeas  voluntárias,  com  que  d'este 
modo  se  prendiam  reis,  imperadores  e  guer* 


reiros,  não  os  traziam  em  desagradável  ca- 
ptiveiro.  Sentiram-se  amansar  e  humanizar 
aquelles  meio-selvagens;e  sem  saberem  por- 
quê nem  como,  apprenderam  a  respeitar-se 
uns  aos  outros;  gradualmente  vieram  a  aca- 
bar por  se  respeitar  a  si  próprios. 

Então  começou  a  ter  valor  e  importância  a 
opinião  pública;  até  as  'cortes  d'amor'  con- 
correram para  este  grande  Gm,  ajudando  a 
curvar  a  prepotência  dos  grandes  e  a  sub- 
melteraanarchia  dos  poderosos  aos  regula- 
mentos da  disciplina  social.  Quando  a  poesia 
tinha  lammanha  influencia,  que  poderoso  in- 
strumento de  civilização  não  devia  de  ser  o 
enérgico  escriplor  áeSirventes  que  honesta  e 
despejadamente  seguia  sem  medo  as  lições  e 
o  exemplo  do  famoso  trovador  Pons  Barba  I 

Sirventes  no  es  leiais, 
S'om  no  i  ausa  dir  Pos  mils 
Deis  menore  e  dele  crmmunals, 
£  maiorinent  deis  niaiorals, 

A  Sirvente  não  é  leal 
Se  Dão  ousa  borne  fxpor  o  mal 
Dos  inenore«  do  communa) 
£  morme ute  do  Biaiora), 


Vê-se  quanto  era  o  poder  de  tal  influericia 
pelo  modo  com  que  a  auimavara  os  políticos 
imperadores  da  Allemanha,oppondo-a  de  bar- 
reira á  superstição  dos  ignorantes  e  ás  pre- 
lençues  da  cúria  romana.  A  força  com  que  ella 
operava  pôde  avaliar-se  pela  resistência  de 
opinião  pública  que  tantas  vezes  excitou. 

Todo?  os  elementos  da  sociedade,  unidos 
assim  por  sympalhias  communs,  tendiam  si- 
multaneamente a  apperfeiçoar-se,temperan- 
do-seunsaosoutrospelapropriaacçãoe  reac- 
ção de  suas  forças.  Príncipes, senbores  e  povo 
rivalizavamno  campodas  contendas  poéticas; 
asdesigualdades  de condicção  eram  mitigadas 
pela  valia  que  se  dava  ao  talento  onde  quer 
que  elle  apparecia. Então  o  Oriente  patenteou 
as  suas  maravilhas,  o  mundo  foi  incantado  e 
a  historia  se  fez  romance.  Foi  a  primavera 
do  espirito,  a  estação  da  florescência  d'alma. 
O  coração  do  homem  era  mais  arrojado, o  seu 
braço  mais  flrme  do  que  nos  dias  da  prosaica 
realidade.  O  espirito  da  aventurosa  cavallaria 
abrandou-se  em  heróica  gentileza  e  amoroso 
galanteio.  A  belleza  da  mulher  foi  estimada 


como  Ihesoiro,  exaltada  como  triumpho,  ado- 
rada como  divindade.  Chegou  a  hora  própria 
de  despontar  a  flor  mais  bella  de  toda  a  gri- 
nalda, a  rosa  que  as  coroa  e  domina  a  todas, 
aquelle  espirito  de  poesia  que  desenferrujou 
e  puliu  o  barbarismo  accumulado  das  edades, 
que  suscitou  o  espirito  da  emulação,  que  o 
preparou  para  as  melhores  cousas.  Está 
aberto  emOm  o  manancial  dos  sentimentos 
generosos  e  elevados,  d'onde  hade  correr 
a  civilização  pelo  mundo. 

A  cavallaria  e  a  poesia  d'esses  tempos  fo- 
ram pois  inseparavelmente  ligadas,  são  fru- 
ctos  de  uma  grande  revolução  moral,  nasce- 
ram junctas,  mutuamente  se  explicam  e  de- 
fmem,  os  mesmos  senões  as  maream,  qua- 
lidades iguaes  as  illustram. 

Mas,  tendo  se  discorri  Jo  tanto  sobre  uma, 
não  se  estudou  ainda  bastante  a  outra:  e  to- 
davia n'essa  poesiada  edade-media  estáa  me- 
lhor explicação  do  estado  da  sociedade  que  a 
creou,d'essa  pasmosà  mistura  dos  sentimen- 
tos fortes,  das  associações  religiosas, e  do  ga- 
lanteio melaphysicoque  revestia  de  uma  fór- 


XXII 

ma  angélica  o  objecto  da  adoração  do  poeta, 
e  em  seus  olhos  punha  as  estrellas  em  que  o 
homem  lia  o  seu  destino,  que  abria  o  ceo  aos 
amantes  felizes, e  fazia  os  bosques  e  os  prados 
testimunhas  e  participantes  de  sua  alegria. 
Com  que  expressão  de  terno  contentamen- 
to começa  aquella  gentil  canção  do  trova- 
dor Arnaldo  de  Merveil: 

Oh  que  doce  abril  respira 

Quando  maio  ve  chegar! 

Pelas  noites  socegadaii 

Se  escuta  o  doce  cantar; 

£  nas  frescas  maobaus  puraa 

Brandas  aves  gorgeiar. 

Tudo  emtorn3  alegre  folga, 

Tudo  ri,  tudo  suspira  : 

Como  heidc  eu  conter  no  peito 

Afectos  que  amur  me  inspira  ! 

Que  festivas  alegrias  não  folgam  n'essa 
outra  canção  do  velho  minnesinger,  o  conde 
Conrado  de  Kirckberg  quando,  ao  voltar  de 
maio,  chama  pelas  festivas  choreas  que 
saiam  ao  campo. 

Seus  thesoiros  de  alegria 
Todos  maio  derramou, 
Pelas  seves  que  florece, 
Pelas  sombras  que  copou 
Onde  rouxinol  amante. 


Em  cada  ramo  que'  pende, 
Em  cada  flor  que  recende, 
Sua  doce  mellodia 
Faz  soar  pela  espessura. 
Vinde,  maio  é  o  mez  d'amor, 
Da  belleza  e  da  tern-jra  ; 
Cantemos,  vinde,  cantae-o: 
Deus  te  salve,  tindo  maio  ! 

A  coincidência  de  tom  entre  a  sociedade  e 
a  poesia  do  tempo  oÍ3serva-se  também  nas 
phantasticas  instituições  a  que  deu  nascença 
a  paixão  reinante  da  galanteria.  Aprazia-se, 
diz  outro  escriptor  moderno,  a  sociedade, 
nova  ainda,  em  formalidades  ceremoniosas 
que  então  eram  signal  de  civilização  e  que 
hoje  mattariam  de  infado  :  é  omesmochara- 
cler  que  se  acha  na  lingua  provençal,  nadif- 
ficuldade  e  no  inrevezado  das  suas  rhymas, 
nas  suas  palavras  femininas  e  masculinas  pa- 
ra expressar  o  mesmo  objecto,  até  no  infi- 
nito número  de  seus  poetas.  Tudo  o  que  era 
formalidade  e  aliiihamento,  coisa  hoje  tam 
insípida,  linha  então  Ioda  a  frescura  e  sa- 
bor da  novidade. 

Veja  e  examine  com  paciência  os  exempla- 
res que  nos  restam  d 'essa  eschola  entre  nós, 


o  CANCIONEIRO  dilto  do  CoUegio  dos  Nobres, 
o  de  Dora  Diniz,  o  de  Rezende,  e  conhece, 
rá  quanto  é  exacta  a  observação. 

Neste  período  se  observa  também  o  fun- 
damento de  uma  das  mais  characterislicas 
distincções  que  separara  a  poesia  moderna 
da  antiga,  a  que  vulgarmente  se  diz  român- 
tica, da  que  tambera  vulgarmente  se  chama 
clássica.  Essa,  a  poesia  grega  e  latina  tinha 
um  character  essencialmente  masculino,  a 
todos  os  respeitos:  em  seus  mais  ternos  de. 
safogos  'a  mulher  somente  apparece  como 
subserviente  aos  caprichos  e  aos  prazeres  do 
'sexo  raais  nobre'.  A  nossa  poesia,  ao  con. 
trario,deve  os  mais  de  seus  incantos  ao  suave 
character  que  lhe  infundiu  a  diíTereníe  posi- 
ção da  mulher  na  sociedade.  Nos  primeiros 
tempos  este  novo  sentimento  trasbordava  ex- 
travagante e  inculto;  mas  depois  abrandan- 
do-se  e  cultivando-se,veio  a  aquietar-se  n'es- 
sas  tranquillas  pinturas  de  aíTeição  social,  de 
felicidade  domestica,  de  gôso  ora  sereno  ora 
apaixonado,  de  que  pouco  ou  nada  appare- 
ce na  litteratura  chamada  clássica. 


A  poesia  dos  trovadores  ainda  não  foi  im- 
parcialmente avaliada  nemsiquer  por  aquelles 
(e  poucos  são)  que  a  foram  examinar  nos  pró- 
prios originaes.  Os  mesmos  que  se  extasiam 
com  as  rhymas  de  Petrarcha  e  de  seus  imita- 
dores, esses  mesmos  a  tractaram  de  resto. 
Os  minnesingers  d'AlIemanha,  contemporâ- 
neos dos  trovadores,  apenas,  se  tanto,  serão 
conhecidos  de  nome  entre  nós.  De  nossos  vi- 
zinhos castelhanos,  aragonezes  egallegos  ha 
muito  que  se  apagou  a  memoria.já  Iam  fami- 
liar á  gente  portugueza.  Aos  nossos  próprios 
cantores  e  juglares  só  Qcou  Qel  a  saudosa  re- 
cordação do  vulgo,  da  plebe  que,  de  gera- 
ção em  geração,  foi  transmiltindo,  mas  cor- 
rompendo lambem  suas  composições,  deli- 
cias oulr'ora  de  damas  beilas  e  de  cortezãos 
cavalheiros,  hoje  entretenimento  de  alguma 
pobre  velha  d'aldea  que  as  cauta  ao  serão 
aos  esfarrapados  netos. 

O  maior  senão  de  todas  estas  poesias 
primitivas  é  a  sua  uniformidade  e  monoto- 
nia. Responde  a  esta  accusação,  por  parte 
dos   seus   minnesingers,  o  erudito  e  ele- 


XXVI 

gante  F.  Schiegel :  a  defeza  serve  para  to- 
dos. 

Aaccusação  de  uniformidade,  diz  elle,  pa- 
rece-me  singular:  é  o  mesnio  que  desdenhar 
da  primavera  pela  multidão  de  suas  flores. 
Certo  é  que  em  muita  espécie  de  ornatos, 
elles  agradam  mais  separados  do  que  an^on- 
toados  em  massas.  A  própria  Laura  iião  era 
capaz  de  ler,  sem  fadiga  e  fastio,  todos  os 
seus  louvores  selheappresentassem  de  uma 
vez  quantos  versos  inspirou  a  Petrarcha  no 
decurso  de  sua  vida.  — A  impressão  de  uni- 
formidadenasce  de  vermos  estes  poemas  re- 
unidos em  volumosas  colecções  que  tal  vez  não 
pensaram  nem  desejaram  fazer  seus  auctores. 
Mas  em  verdade  não  é  só  canções  d'amor, 
todo  o  poema  lyrico,  se  elle  realmente  for  fiel 
á  natureza  e  não  pretender  mais  do  que  ex- 
pressar  sentimentos  individuaes, hadecircun- 
screver-se  a  muito  estreitos  limites  tanto  de 
sentir  como  de  pensar.  A  prova  e  exemplo 
está  nos  mais  altos  géneros  da  poesia  lyrica 
de  todos  os  povos. O  sentimento  hadeoccupar 
o  primeiro  logar  parapcdêr  expressar  se  com. 


poesia  e  força:  e  onde  o  sentimento  predo- 
niiDa,variedadee  riquezas  depensamento  são 
de  importância  muito  secundaria.  Grandes 
variedades  em  poesia  lyrica  nãu  se  acham 
senão  nas  epochas  de  imitação  em  que  se 
capriciía  de  tratlar  toda  a  casta  de  assum- 
ptos em  toda  a  sorte  de  formas. 

Os  trovadores  do  sul  da  França  foram  de- 
certo os  primeiros  inventores  da  nova  arte  e 
novalinguapoeticaqueeml)reve  sedilfundiu 
por  toda  a  Europa  e  se  popularizou  de  tal 
modo  que  o  seu  alahude  fez  callar  as  harpas 
dos  bardos  Iheutonicos  e  quebrar  a  última 
desafinada  corda  da  lyra  romana.  Da  brutal 
idolatria  do  norte,  do  proíligado  paganismo 
do  meio-dia,  a  sociedade  europea  fugia  para 
o  spiritualismo  christão.  Exagerados  e  falsos 
muitas  vezes,  os  trovadores  eramcomtudoos 
poetas  d'este  culto,  os  formuladores  d'essa 
ideia;  d'aqui  sua  popularidade  e  supremacia. 

De  nehum  ponto  na  historia  litteraria  do 
mundo  se  falou  eescreveumaisdoqued'este. 
E  todavia  os  documentos  necessários  para 
julgar  do  verdadeiro  mérito  e  character  da 


poesia  dos  trovadores  eram,  até  ha'pouco, 
Iam  mesquinhos  que  justamente  observou 
Schlegel:  'todo  o  mundo  fallava  dos  trova- 
dores e  ninguém  os  conhecia.'  Os  criticos 
francezes,  e  Millot  specialmente,  occullaram 
com  imponho  os  poucos  originaesque  tinham 
consultado,  manifestamente  para  que  nin- 
guém podesse  ajuizar  da  fidehdade  de  suas 
Iraducções  e  da  justiça  de  seus  conceitos. 

Guinguené  contentou  se  com  o  trabalhoque 
achou  feito  por  Millot;  rara  vez  se  aventurou  á 
traduzir  por  si,  e  algum  fragmento  original 
que  por  accaso  app/esenta,  não  o  escolheu 
com  o  fim  de  mostrar  o  talento,  o  stylo  ou 
o  gosto  da  eschola  poética  que  examinava; 
foram  tomados  á  sorte  e  oirerecidos  como 
simples  exemplos  de  linguagem  e  de  forma 
métrica:  certamente  não  conheceu,  não  ava- 
liou nem  a  força  nem  a  belleza  d'aquella  lín- 
gua, que,  se  a  não  julgarmos,  como  inten- 
deu M.  Raynouard,  continuada  e  revivente 
na  lingua  porlugueza,  se  pôde  considerar 
uma  lingua  hoje  morta. 

Seria  absurdo  e  injusto  assentar  iuizo  sobre 


os  trabalhos  d'um  auctor  que  pouco  ou  nada 
leu  das  obras  que  se  metteu  a  julgar,  e  que 
confessa,  como  esle  confessou,  e  Sismondi 
lambem,  que  nos  manuscriptos  em  que  se 
achavam  as  poesias  dos  trovadores  não  es- 
tava para  as  ir  ler,  e  se  fiava  descançada- 
mente  nos  extractos  e  traducçõesde  Millot. 

Sismondi  comtudo  já  na  segunda  edição  da 
sua  obra  é  mais  extenso,  e  mudou  de  tom  a 
respeito  dos  trovadores,  porque  tinha  appa- 
recido  o  primeiro  volume  dos  trabalhos  de 
M.Raynouard.que  porfim  veio  esclarecer  esta 
Iam  obscurecida  parte  da  historia  litteraria. 

Com  eífeitoRaycouard* fixou  o  vago  d'estes 
exames,  reformou  os  antigos  erros,  suppriu 
as  deficiências  de  seus  predecessores, formou 
a  grammalica  da  lingua,  imprimiu  correcta- 
mente os  originaes  e  reuniu  os  principaes 
monumentos  da  lingua  e  da  poesia  proven- 
çal com  diligencia,  gosto  e  critica. 

Pòde-se  dizer  que  só  depois  de  apparecer 

1  Jlecueil  ckspoéilendestrouladours,  por  M.  Rayiiouard. 

2  Oprímeiro  conhecido  d'eBteH  poetas  é  Gullherme,nonocon3e 
de  Poitiersnaeciílo  em  1070  e  moito  em  1126.0  elaborado  de  seu 


o  seu  livro  é  que  verdadeiramente  começá- 
mos a  conhecer  a  litteratura  dos  trovadores 
d'oude  a  nossa  descende,  ou  com  a  qual 
se  ligou  estreitameate  quasi  desde  o  princi- 
pio da  raonarchia  e  pouco  menos  que  o  co- 
meço da  lingua. 

E  viesse  ella  por  Catalunha  e  Aragão,  e, 
atravessando  d'aht  a  Castella,  a  Gaia-sciencia 
nos  chegasse  por  Galliza,  ou  directamente 
no'la  trouxesse  o  conde  D.  Henrique,  o  certo 
é  que  nos  primeiros  reinados  da  monarchia 
nós  trovávamos  já  à  provençal;  e  ahi  está 
a  carta  do  raarquez  de  Santilhana  para  fa- 
zer fé,  que  primeiro  e  melhor  que  ninguém 
o  fizemos  em  todas  as  Hespanhas,  e  que  na 
mesma  corte  de  Castella  o  portuguez  era  a 
lingua  da  poesia  culta. 

Mas  não  acharia  essa  poesia  provençal  quan- 
do cá  chegou  e  se  aclimatizou  Iam  depressa 
como  em  chão  seu  próprio,  não  acharia  ne- 
nhuns restos  da  poesia  indígena  que  já  os 

stylo  e  a  («ymetria  métrica  de  suas  canções  mostram  claramen- 
te que  muito  antes  se  devia  ter  formado  e  cultivado  a  lingua 
p»ra  chegar  a  tal  eitado. 


romanos  aqui  acharam,  que  sempre  foi  vi- 
vendo com  elles  e  adoptou  a  sua  lingua,que 
não  consta  que  morresse,  assim  como  não 
morreu  a  nova  lingua  com  o  senhorio  go- 
do, nem  era  para  acabar  sob  os  árabes, — 
que  antes  esses  lhe  dariam  da  sua  côr  orien- 
tal e  phantastica,  segundo  em  tudo  o  mais 
nos  fizeram? 

Estou  convencido  que  sim;  e  que  os  vestí- 
gios d'essapoesiaindigena  ainda  duram,  des- 
figurados e  alterados  pelo  contacto  de  tantas 
invasões  sociaes  e  lilterarias,  nos  singelos 
poemas  narrativos  que  o  nosso  povo  conserva 
queama  com  tanto  afrmco,e  que  não  são  nem 
mais  queridos  nem  mais  vulgares  em  ne- 
nhuma outra  parte  das  Hespanhas. 

Como  porém  no  século  xui  começa  a  ap- 
parecer  a  lingua  portugueza  propriamente 
di(ta,  e  nesse  tempo  ja  o  stylo  provençal 
tem  o  predomonio,  as  duas  litteraturas  da 
corte  e  do  povo  vistas  hoje  d'esta  distancia 
se  confundem  aos  olhos  inexpertos:  mas  o 
observador  illustrado  bem  depressa  as  es- 
trema logo. 


Ás  apaipadellas  quanto  aos  períodos  mais 
remolos,eu  parece-me  achar  que  a  poesia  ori- 
gioal  porlugueza  —  compreliendendo  n'esta 
designação  a  aborígene, a  provençal  e  a  mixia 
—  tem  passado  por  oito  phases  differentes, 
cujas  transições  e  duração  constituem  setle 
epochas  naturaes. 

Na  primeira  collocarei  tudo  o  que, mais  ou 
menos  authêntico,tem  parecido  ser  anterior  á 
predominaçãodaeschola provençal,  quasi  ab- 
soluta no  reinado  de  Afíonso  III  e  D.  Diniz;  e 
comprehende  portanto  as  poucas  e  incertasre- 
liquias  que  se  dizem  existir  dos  séculos  XI  e  XII. 
Na  segunda  época  já  pisámos  terreno  histori- 
co,e  somos  alumiados  por  um  grande  e inques- 
tionável documento,  o  cancioneiho  dilto  do 
Collegio  dos  Nobres,  e  o  chamado  de  D.Diniz 
que  ultimamente  se  imprimiu  em  Paris  pelo 
manuscripto  do  Vaticano.  Dura  esta  epocha 
até  D.  Pedro  I.  E  alguma  cousa  portanto  po- 
deremos também  já  haver  do  cancioneiro  de 
Rezende.  Mas  certo  e  fixo  tudo  é  lyrico,  são 
canções  ou  cantares.  O  pouco  de  épico  ou 
(le  romance  narrativo  que  se  atlribue  a  esta 


XXXIII 

epocha  é  a  puro  adivinhar,  porque  tudo  é 
havido  da  tradição  oral,  cada  escripto. 

Começa  a  terceira  epocha  em  D.  Fernando 
com  a  introducção  do  gosto  ÍDglez,isto  é,  nor- 
mando; e  por  consequência  com  uma  cer- 
ta reacção  a  favor  do  género  narrativo. 

Aqui  triumpha  a  moda  dos  romances  da 
Tavola-redonda;  elrei  Arthuréotypo  de  toda 
a  cavaliaria  e  de  toda  a  poesia;  o  condestavei 
o  Mecenas  d'esta  eschola,  e  D.  João  Io  seu 
Augusto.  Já  na  tradição  oral  apparecem  mui- 
tos romances  que,  sem  grande  risco  de  er- 
rar, se  podem  attribuir  a  este  periodo.  Da 
rainha  D.  Philippa,  de  seu  filho  D.  Duarte 
lemos  versos  escriptos  e  authenticos ;  de 
seu  neto,  o  outro  famoso  condestavei,  um* 
CANCIONEIRO  inteiro. 

iNos  reinados  de  D.  Affonso  V  e  D.  João  II 
predomina  o  género  germânico.  No  cancio- 
neiro de  Rezende  e  em  outras  collecções 
temos  exemplares  bastantes  no  género  ly- 
rico,  algum  raro  porém  do  narrativo. 

Reputo  fechada  a  epocha  com  a  terminação 
daedade-média,  que  todos  collocam  por  esta 


data,  pouco  mais  ou  menos,  e  que  nós  por_ 
tuguezes  positivamente  devemos  pôr  no  fim 
do  reinado  de  D.  João  II. 

A  quarta  epocha  é  aberta  por  Bernardim 
Ribeiro  e  Gil-Vicente.  Agora  o  Palmeirim  e  a 
litteratura  normando-bizantina  triumpliam. 
Pouco  depois  já  é  menor  o  sabor  normando 
nos  nossos  romances;  e  já  começam  a  ganhar 
influencia  os  romancistas  italianos.  Parte  do 
CANCIONEIRO  dc  Rezendc  pertence  também  a 
esta  epocha:  é  todo  d'ella  o  mesmo  Garcia. 

Logo  após  vem  a  renascença  da  litteratura 
clássica,  A  poesia  culta  e  da  corte  perpetua- 
mente se  separa  da  popular,  toma  as  formas 
italianas  e  triumpha  com  António  Ferreira. 
Sà-de-.Miranda  fica  no  meio  das  duas  escholas; 
Camões  populariza  o  género  clássico  repas- 
sando-o,  quanto  era  possível,  do  gosto  na- 
cional. Temos  muitos  romances,  lendas  e 
canções  d'esta  epocha,  tanto  escriptos  como 
conservados  pela  tradição  oral.  Mas  no  rei- 
nado de  D.  João  111  a  alTectação  bucólica  in- 
vade o  próprio  romance,  que  despe  a  malha 
e  depõe  a  lança  para  vestir  o  surrão  e  impu- 


sxxv 

Dhar  o  cajado  de  pastor.  O  gosto  popular, 
mal  satisfeito  com  a  eschola  clássica,  do- 
minante, lança-se  no  romance  castelhano, 
cuja  sinceridade  e  rudeza  épica  lhe  agrada 
mais.  Muitos  romances  castelhanos  se  na- 
cionalizam entre  nós. 

O  génio  cavalheresco  de  D.  Sebastião,  a  ca- 
lamidade nacional  da  sua  perda  dão  outra  vez 
tom  e  vida  ao  romance  histórico  e  aventurei- 
ro. Conclue-se  a  quarta  epocha  com  o  flm  do 
século  XVI  e  da  independência  nacional. 

O  domínio  castelhano  e  a  mais  forte  influen- 
cia da  sualitteraturaformama  quinta  epocha. 
O  género  moirisco  tinha  tomado  posse  da 
poesia  popular  de  Castella,  e  agora  invade  a 
de  Portugal.  Apparecem  ainda  hoje  na  tra- 
dição oral  imitações  e  IraducçÕes  dos  roman- 
ces granadinos.  Francisco  Rodrigues  Lobo  e 
depois  D.  Francisco  Ahnuel  de  Mello  estão  á 
frente  desta  eschola.  A  Arcádia  é  comtudo 
mais  forte  do  que  Granada,  os  moiros  são  ex- 
pulsos do  romance  e  da  canção  popular,  e 
o  género  pastoril  triumpha.  O  povo  fica  es- 
pectador desinteressado  n'estas  luctas:  nem 


chorou  pelos  vencidos,  nem  saoccionou  a  vi- 
ctoria  dos  triumphadores.  Nem  uns  nem  ou- 
tros fallavam  ao  seu  coração, ás  suas  paixões, 
nem  o  consolavam  em  suas  desgraç.is,  nem 
llie  animavam  as  esperanças.  .Mas  como  ne- 
nhum povo  vive  sem  poesia,  o  nosso  povo  foi 
achá-la  onde  nem  os  grandes  nem  os  sabe- 
dores do  lempo^decerto  imaginavam  que  ella 
estivesse,  mas  estava,  a  verdadeira,  a  única 
nacional  d'então,  a  das  trovas  e  prophecias 
que  lhe  fallavam  de  um  libertador,  de  um 
vingador,  de  ura  salvador  que  a  Providencia 
linha  reservado  à  nação  portugueza,e  no  qual 
se  haviam  de  cumprir  as  imaginadas  e  sus- 
piradas promessas  do  Campo  de  Ourique. 

São  d'este  tempo  as  prophecias  do  Ban- 
darra e  outras  que  em  si  resumem  quasi  to- 
da a  poesia  popular  da  epocha,  se  exce- 
ptuarmos as  lendas  de  milagres  e  as  can- 
ções ao  divino  de  que  agora  apparecem 
mais  exemplares  do  que  nunca. 

O  romance  porém  não  estava  morto, só  des- 
considerado e  sempopularidade.  Na  insipidez 
da  vida  pastoril,  o  povo  desprezou  o,  a  corte 


moslroii-lhe, ao  principio,  agrado  e  protecção, 
mas  iofastiou  se  d'elle  e  abandonoií-o.  O  in- 
feliz recorreu  ao  expediente  commum  dos 
baixos  parvenus  e  dos  nobres  degenerados 
fez-setruãoe  bobo;  os  gracejos,  osequivocos, 
as  facécias  burlescas  foram  as  suas  armas,  e 
á  força  de  ridiculo  conseguiu  reconquistar  al- 
guma attenção  do  público.  Tal  o  achámos  no 
fim  d'esla  epocha,tal  apparece  nas  volumosas 
collecções  do  tempo,  de  que  na  'Phenix  re- 
nascida' ha  alguns  exemplares  curiosos. 

Sem  melhorar  ou  talvez  empeiorando  de 
stylo,  mas  muitc  alterado  o  tom,  torna  o  ro- 
mance a  rehabilitar-se  na  opinião  nacional, 
volta  a  ser  quasi  popular,  porque  se  inspira 
dogenío  redivivo  da  nação  para  cantar  os  seus 
Iriumphos  e  a  sua  glória  na  expulsão  dos  cas- 
telhanos e  nas  continuas  victorias  que  sobre 
elles  alcança. O  seu  enthusiasmo  porèmé  sem 
dignidade,  sem  nobreza;  não  é  o  povo  que 
conta  as  suas  victorias,  são  os  poetas  que 
querem  cortejar  o  povo  no  dia  da  sua  glória 
e  que  o  não  sabem  fazer  senão  com  gros- 
seiros motejos  aos  inimigos  vencidos. 


As  propbecias  e  as  legendas  continuam  a 
ser  a  verdadeira  poesia  nacional.Tudo  o  nnais 
é  corrompido  pelo  mau  gosto  dos  cWíoí,  que, 
arregimentados  em  uma  inQnidade  de  aca- 
demias dos  nomes  mais  extravagantes  e  in- 
críveis, conseguem  tirar  toda  a  côr  á  littera- 
lura  portugueza  de  lodos  os  géneros  e  fazer 
da  lingua  uma  algaravia  aííectada  e  ridí- 
cula, van  de  toda  a  expressão,  assoprada 
em  piírases  tamdescommunaes,  em  concei- 
tos tam  oucos,  que  nenhum  sentido  se  lhe 
acha,  se  algum  tiveram  os  que  tam  absur- 
das coisas  escreviam. 

E  todavia  ainda  resurge,  ainda  brota,aqui 
alli,  por  entre  estes  matagaes,  o  antigo  génio 
do  romance  peninsular  inspirando  algumarara 
composição  menos  desnaturai.  Mas  o  gongo- 
rismo,  a  affectação,  os  conceitos  presumidos 
incham,  assopram,  desfiguram  tudo.  Porfim 
até  a  metrificação  natural  e  privativa  é  aban- 
donada, o  romance  faz-se  a  gralha  da  fábula 
para  vestir  as  pennas  do  pavão  da  forma  hen- 
decassyllaba;  e  com  este  esforço  de  vaidade  se 
torna  absurdo,  desprezível,  é  apupado  por 


todo-j  os  partidos  litterarios,  e  morre  es- 
quecido e  miserável. 

O  triurapho  clássico  foi  completo:  reina  a 
Arcádia;  o  seu  dominio  académico  obtém  o 
consenso  e  o  concurso  geral:  tammanho  era 
o  cansaço  e  fastio  que  os  desvarios  d'aquel- 
la  anarchia  sem  sabor  tinham  causado.  Po- 
pularizam-se  de  novo  as  formas  latinas  e 
italianas,  o  stylo  e  o  pensamento  francez 
por  tal  modo,  que  ninguém  se  lembrava  já 
siquer  de  que  tivesse  havido  ou  podesse 
haver  outra  coisa. 

Só  o  povo-povo,o  povo  dos  campos, as  clas- 
ses menos  illustradas  da  sociedade  protesta- 
ram em  silencio  contra  este  injusto  abuso  de 
uma  justa  vic  toria,  guardando  na  lembrança, 
e  repettindoentre  si, como  os  hymnosde  uma 
religião  proscripta,  aquelles  primitivos  canta- 
res das  antigas  eras  que  os  doutos  despreza- 
vam e  perseguiam,  confundindo-os  no  ana- 
thema  geral  que  só  tinham  merecido  seus 
degenerados  imitadores  e  corruptores. 

No  resto  de  ilespanha  succedia  o  mesmo. 
Madrid  e  Lisboa  rivalizavam  a  qual  havia  de 


XL 


proscrever  e  escarnecer  mais  a  suaverdadeira 
poesia  nacioLal.  A  falsa  e  ridícula  imitação  da 
antiguidade  clássica, amaneirada  pelas  regras 
francezas,  dominava  tudo.  Os  escriptores  do 
grande  rei  e  os  seus  alumnos  reinavam  abso- 
lutos. E  não  só  á  península  ibérica  se  extendia 
a  sua  auctoridade:  a  Itália,  a  Allemanha,  a 
própria  tam  ciosa  Ciran'Bretanha  se  deixaram 
avassallar  d'estes  novos  Roldans  e  Oliveiros 
que,  em  singular  mas  pouco  leal  batalha, 
pareciam  ter  vencido  a  todos  os  paladins 
trovadores  do  mundo,  juglares,  menestréis, 
bardos,  minnesingers  e  tutti  quanti.  A  pró- 
pria religião  de  Camões  esfriava  em  Portugal; 
um  mau  Luthero— frade  e  graciano  como  o 
outro — chegou  a  ter  a  ousadia  de  proclamar 
o  protestantismo  contra  a  sua  catholica  aucto- 
ridade! Calderon  era  quasi  esquecido,  quasi 
desprezado  ás  margens  do  Mançanares;  ao 
Dante  não  o  intendiam  já  nem  juravam  por 
elle  os  seus;  o  próprio  Shakspeare  esteve  a 
ponto  de  succumbir  ás  traições  de  Dryden,  e 
de  ver  Covent-Garden  e  Drurylane  occupados 
exclusivamente  pelas  traducções  e  imitações 


dos  clássicos  de  Luiz  XIV;  Goélhe  nem  Schil- 
ler  não  tinham  erguido  ainda  bera  desfral- 
dado o  estandarte  da  reacção;  toda  a  litte- 
ratura  da  Europa  era  franceza,  amaneirada, 
monótona,  servil,  e  reduzida  a  uma  estéril 
unidade  rotineira  que  nada  creava,  nada 
sentia,  e  nada  ousava  dizer  senão  por  aquel- 
las  fófmas  pautadas  que  lhe  impunha  o  fa- 
tal regimen  da  centralização  absoluta. 

Senão  quando,  a  revolução  se  levantou  no 
Norte;  a  Allemanha  foi  a  primeira  a  sacudir 
o  jugo;  quasi  ao  mesmo  tempo  a  Inglaterra; 
porfim  a  Itália;  e  até  na  própria  França  se 
levantou  um  grande  partido  centra  esse  des- 
potismo que  a  não  avassalava  menos  a  ella 
do  que  às  nações  exlrangeiras. 

Nós  luctavamos  então  contra  a  usurpação 
franceza  e  a  tutella  ingleza  que,  insinando- 
nos  a  combater  mais  regularmente  e  com 
mais  certa  fortuna,  ao  mesmo  tempo  com- 
primia o  impulso  popular  em  seus  bons  e 
maus  eíTeitos;  apagou  o  incêndio  que  não 
queimasse,  mas  também  o  impediu  de  pu- 
rificar e  allumiar.  A  Arcádia  já  não  existia, 


XLIl 

mas  a  sua  sombra  e  o  seu  nome  ainda  reina- 
vam. Bocage  teria  sido  o  poeta  mais  popular 
de  Portuga],  o  verdadeiro  restaurador  da  nos- 
sa poesia,  se  elle  e  os  seus  discípulos,  que 
poética  e  litterariamente  reinaram  na  segun- 
da metade  d'esta  epocha,  não  fossem  domina- 
dos d'aquelle  temor,  d'aquelle  respeito,  d'a- 
quella  deferência  com  que  se  inclinavam  dean- 
le  dos  preceitos  e  exemplos  da  Arcádia  em  que 
reconheciam  a  infallibilidade  ecuménica. 

Quasi  se  podia  dizer  destruída  toda  a  na- 
cionalidade, apagados  os  últimos  vestígios 
originaes  da  nossa  poesia,  quando  no  fim  do 
primeiro  quartel  d'este  século  essa  influen- 
cia da  renascença  alleman  e  ingleza  £e  co- 
meçou a  fazer  sentir. 

Não  quero,  por  muitos  motivos,  e  alguns 
d'elles  personalíssimos,  não  quero  entrar 
aqui  em  disputas  de  preferencia,  e  priorida- 
de com  os  nossos  vizinhos  e  parentes  mais 
próximos:  direi  somente  que  em  Hespanha 
portuguezes  e  castelhanos  despertaram  qua- 
si  ao  mesmo  tempo,  e  começaram  a  abrir  os 
olhos  sobre  a  triste  figura  que  estavam  fazen- 


XLUl 

do  na  Europa  em  renegar  da  fidalga  origem 
de  suas  bellas  linguas  e  litteraturas,  prosli- 
luindo-as  em  tam  humilhante  servidão  fran- 
ceza  que  por  fins  Unham  chegado  a  nem  ja 
quasi  ousar  imitar  os  seus  modelos:  tradu- 
ziam só,  traduziam  palavra  a  palavra;  e  da 
própria  phrase,  do  génio  de  seu  idioma  ?e 
invergonhavam. 

Despertámos  porem;  e  commum  nos  foi  o 
pensamento,  quasi  simultâneo  o  esforço,  a 
castelhanos  e  a  porluguezes;  foi  uma  verda- 
deira reacção  ibérica;  as  duas  linguas  cultas 
da  península  appareceram  unidas  por  um  tá- 
cito pacto  de  família,  animadas  do  espírito 
redivivo  de  seus  avós  communs  na  causa 
da  restauração  commum. 

Pede  todavia  a  verdade  histórica,  a  jus- 
tiça manda  que  se  faça  uma  grande  e  notá- 
vel distincção  no  appreciar  do  respectivo 
contingente  de  esforços  com  que  cadauma 
d'ellas  contribuiu  para  ésla  guerra  de  inde- 
pendência. 

Assim  como  na  resistência  ao  domínio  da 
espada  franceza,  os  portuguezes  foram  mais 


XLIV 


ajudados  pelos  seus  anligos  alliados  os  ingle- 
zes,  e  o  resto  dllespanhaluctou  mais  de  pró- 
prio marle  6  por  singular  esforço  seu;  tam- 
bém no  sacudir  o  jugo  académico  exlrangeiro 
e  em  proclamar  a  independência  da  liltera- 
lura  pátria,  os  castelhanos  foram  poderosa- 
mente auxiliados  pelos  inglezes  e  allemães, 
especialmente  e  largamente  pelos  últimos: 
a  nós  ninguém  nos  ajudou,  ninguém  comba- 
teu a  nosso  lado,  ninguém  nos  ministrou  ar- 
mas, munições,  soccòrro  o  mais  minimo. 

Seja-me  permittido  tomar  aqui,  n'este  pon- 
to de  historia  litlerariaja  contemporânea,  a 
mesma  liberdade  de  que  para  si  usou,  na 
historia  politica,  o  illustre  conde  de  Toreno. 
Historiador  coevo,  elle  teve  de  fallar  de  si  e 
de  seus  feitos  como  soldado  e  como  homem 
público  n'essas  honrosas  lides  da  guerra  pe- 
ninsular: ou  forçosamente  tenho  de  fallar  de 
meus  pobres  trabalhos  de  escriptor,  traba- 
lhos quasi  infantis,  é  verdade,  mas  com  os 
quaes  e  por  cuja  voz  tímida  e  balbuciante, 
rompeu  todavia  a  primeira  acclamação  da 
nossa  independência  lilteraria. 


xtv 

Desde  1825-26,  que  foi  publicada  a  dona 
BRANCA  e  o  CAMÕES,  dalaoi  as  primeiras  ten- 
tativas da  revolução;  em  1828  com  a  'Ado- 
zinda'  e  o  'Bernal-Fraccez'  se  firmou  o  es- 
lendarle  da  restauração.  Separado  logo  de- 
pois e  por  mais  de  dez  annos,  pelos  cuida- 
dos e  lidas  politicas,  de  quasi  todo  o  traba- 
lho litterario,  tive  comtudo  a  satisfação  de 
applaudir  aos  muilos  e  illustres  combaten- 
tes que  foram  entrando  na  lice;  vi  lavrar 
milagrosamente  o  fogo  sancto,  e  junctei  o 
meu  retirado  clamor  aos  hymnos  da  victo- 
ria  que  derrotou  para  sempre  os  pretendi- 
dos clássicos,  os  zangãos  académicos,  os 
extrangeiros  de  todas  as  cores  e  feitios. 

Antes  que,  excitado  pelo  que  via  e  lia  em 
Inglaterra  e  Allemanha,  eu  começasse  a  im. 
prehender  n'este  sentido  a  rehabilitaçãodo 
romance  nacional,  ja  Grimm,  Rodd,  Depping, 
Mulier  e  outros  vários  tinham  pubh'cado  im- 
portantes trabalhos  sobre  as  tam  preciosas 
quanto  mal-estimadas  antigas  collecções 
castelhanas:  ja  M.""**  de  Stael  e  Sismondi  ti- 
nham exaltado  sua  grande  importância  lit- 


teraria.  E  todavia  só  muito  depois  d'islo  pu- 
blicou em  França  o  Sr.  duque  de  Rivas  o 
seu  'Moro  exposito'  que  foi  o  primeiro  signal 
da  reacção  castelh.ina,  e  emfim  em  1 83  2  o  Sr. 
Duran  o  seu  romanceiro  que  a  completou. 

LVaqui  por  deaote  é  geral  e  unanime  em 
toda  a  peninsula  o  movimento  litterario. 
Buscam-se  os  códigos  antigos,  comparam- 
se,  estudam-se,  reimprimem-se. 

O  nosso  cancioneiro  passou  sempre  por 
ser  o  mais  ricco;  e  é  decerto  o  mais  antigo, 
porque  as  citadas  collecções  de  Rezende,  do 
CoUegio  dos  Nobres,  e  de  D.  Diniz  vão  até 
o  século  x[íi  e  xiv.  Romanceiro,  torno  a  di- 
zer, não  o  colligimos  nunca;  mas  na  tradi- 
ção oral  do  povo,  e  dispersos  pelos  livros 
de  vários  auctores  e  por  alguns  raros  ma- 
nuscriptos,  anda  uma  grande  riqueza  que 
ainda  se  não  trattou  de  ajuntar  e  apurar 
como  ella  merece  e  como  tanto  precisamos. 

Sobre  isto  trabalho  ha  muitos  annos,  con- 
forme ja  o  disse  no  primeiro  livro  d'esta 
collecção,  o  qual  todavia,  repitto,  só  deve 
considerar-se  como  introducção  a  este  que 


xi.vn 

agora  chamo  segundo,  mas  que  em  reali- 
dade vem  a  ser  o  primeiro  do  romanceiro. 

Não  pude  seguir  a  ordem  chronologica, 
como  era  tanto  para  desejar,  na  collocafão 
(Festas  antigas  e  preciosas  relíquias;  porque 
havidas,  na  maior  parte,  da  tradição  oral  dos 
povos,  tudo  quanto  de  suas  datas  se  possa 
dizer  é  meramente  conjectural.  Tampouco 
não  julguei  dever  adoptar  inteiramente  a 
classificação  por  assumptos  do  Sr.  Duran, 
que  á  força  de  systematica  lhe  dá  em  falso 
muita  vez,  e  o  obriga  a  subdivisões  tam 
minuciosas  que,  por  muitas  demais,  con- 
fundem em  logar  de  elucidarem. 

Depois  de  muitns  e  variadas  combinações 
que  successivameute  tentei  e  abandonei,  re- 
solvi por  fim  limitar-me  a  uma  divisão  me- 
nos severa  que  a  do  sr.  Duran,  mas  que  me 
parece  mais  natural  porque  é  mais  simples. 

Posta  de  parte  poragora  toda  a  idea  de 
cancioneiro,  não  contemplei  senão  o  que  é 
strictamente  matéria  de  romanceiro,  e  as- 
sim distribui  porfim  a  minha  collecção  em 
cinco  livros;  a  saber: 


XLVIII 


Livro  I.  Romances  da  renascença,  imita- 
ções, reconslrucfões  e  estudos 
meus  sobre  o  antigo; 

Livro  II.  Romances  cavalherescos  antigos 
de  aventuras,  e  que  ou  não 
lêem  referencia  á  historia,  ou 
não  a  teem  conhecida; 

Livro  ilL    Lendas  e  prophecias; 

Livro  IV.  Romances  históricos  compostos 
sobre  fados  ou  mythos  da  his- 
toria portugueza  e  de  outras. 

Livro  V.  Romances  vários,  comprehen- 
dendo  lodos  os  que  não  são 
épicos  ou  narrativos. 

Por  de  leve  esbocei  as  delineaçoes  d'eslas 
epochas.  Nem  os  perfeitos  limites  d'ellas, 
nem  a  exacta  classificação  de  todos  os  docu- 
mentos e  exemplares  que  ajuntei,  pretendo 
defender  com  certeza,  porque  é  impossível 
tê-la  em  taes  matérias  quem  está  de  boa  fe- 

Tal  é  o  methodo  que  segui.  E  taes  são  os 
princípios,  taes  foram  os  sentimentos  que  me 
fizeram  imprehender  éstadilTicil  tarefa,  per- 


XLIX 

severar  n'ella  tantos  annos  apesar  de  tan- 
tas difficuldades,  abhorrecimentos  e  nontra- 
riedades  sem  número. 

Tenho,  outra  vez  o  digo,  tenho  a  con- 
sciência de  fazer  um  grande  serviço  ao 
meu  paiz,  e  de  contribuir  com  um  conti- 
gente não  desprezível  para  a  illuslração  da 
historia  das  línguas  e  das  litteraturas  da 
Europa. 


ROMANCEIRO 


LIVRO   SEGUNDO 


PMTE  SEGIJNDA 


BELLA  INFANTA 


És(a  é  sem  questão  a  mais  geralmente 
sabida  e  cantada  de  nossas  xácaras  popu- 
lares, a  'Bella  Infanta.' 

Os  crilicos  e  collectores  da  nação  vizinha 
e  parente  collocam  alguns  romances,  que 
são  visíveis  fragmentos  d'este,  entre  os 
seus  mais  antigos  e  mais  populares,  d'a- 
quelles  cuja  veluslade  se  perde  talvez  nas 
trevas  do  décimo-terceiro  século.  É  sabido 
que  os  romances  mais  antigos  e  queridos 
do  povo  davam  Ihema  aos  poetas  para  tro- 
varem sobre  elles,  ou  os  applicarem  aos 
factos  do  seu  tempo.  É  o  que  se  vê  nos 
referidos  fragmentos  *  que  se  incontram 
entre  os  primeiros  das  vastas  collecções  de 
Duran  e  de  Ochoa. 

Digo  que  esta  é  uma  verdadeira  xácara, 

1  Tuoro  ih  nimancerni,  ed.  de  Ochoa,  P»ri8  1838,  p»g.  2  e  9. 


4  ROMANCEIRO 

porque,  feita  a  introducção,  o  poeta  retira- 
se  e  deixa  aos  seus  interlocutores  contar  a 
historia  toda. 

No  quinto  acto  do  'Alfageme'  introduzi, 
com  algumas  alterações  indispensáveis,  esta 
xácara,  fazendo-a  cantar  por  ura  coro  de  mu- 
lheres do  povo,  á  hora  do  trabalho;  e  obser- 
vei o  sensível  prazer  que  linha  o  publico  em 
ver  recordar  as  suas  antiguidades  populares, 
que  nem  ainda  agora  deixaram  de  lhe  ser  ca- 
ras. Mas  por  mais  que  fizesse,  não  consegui 
que  as  cantassem  a  uma  toada  própria  e  imi- 
tante,  quanto  hoje  pôde  ser,  da  melopea  an- 
tiga com  que  ha  séculos  andam  casadas  essas 
trovas.  Ainda  em  cima,  os  cantores  desaífi- 
navam  e  iam  fora  de  tempo  na  musica  ita- 
liana e  complicada  que  lhes  pozeram.  Ape- 
zar  de  tudo,  os  espectadores  avaliaram  a 
intenção  e  a  applaudiram. 

Não  sei  de  outra  alguma  d'eslas  compo- 
sições populares  que  tenha  por  assumpto 
um  successo  ligado  com  a  guerra  das  cru- 
zadas: até  por  isso  é  interessante. 

No  corrigir  do  texto  segui,   como  faço 


BELLA    INFANTA  O 

quasi  sempre,  a  licção  da  Beirabaixa,  que 
é  a  mais  segura.  As  poucas  licções  várias 
dignas  de  se  oolar  vão  apontadas. 

Uma  variante  completa,  que  me  enviou  ha 
pouco  uma  senhora  do  Minho,  merece  com- 
tudo  ser  Iranscripta  por  extenso:  aqui  a  po- 
nho junctamente  com  os  fragmentos  caste- 
lhanos, no  appendice  que  vai  no  flm. 

Na  estimada  coUecção  de  antigas  trovas  e 
romances  inglezes,  pelo  bispo  Percy,  vem 
uma  bailada,  que  elle  considera  dos  princí- 
pios do  século  décimosexto,  em  que  ha  vi- 
sível imitação  d'esta.  Sabe-se  muito  bem 
quanto  a  poesia  ingleza,  desde  Chaucer  até 
Shakspeare,  andou  correndo  aventuras  pela 
romântica  e  incantada  terra  das  Hefcpanhas. 
A  bailada  ingleza  é  um  dialogo  entre  um 
viajante  e  um  romeiro;  começa  assim: 

— 'As  ye  carne  from  the  holy  land 

Of  bleised  Walsingham, 
O  met  you  not  my  true  love 

As  by  the  >vay  ye  came?' 
— 'Hew  Bhould  I  know  your  tiua  love 

Tbat  bave  met  maoy  a  ooe?.  .*  1 

1  Percy'»  Jíeliquen  of  Ancitnt  English  Pottry,  Londres  18*3, 
tect.  II,  buok  I,  pag.  861. 


b  ROMANCEJRO 

D'esta  preciosa  collecfão,  disse  um  gran- 
de intendedor*: — O  gôslo  cora  que  foram 
escolhidos  os  materiaes,  a  extrema  felici- 
dade com  que  foram  illuslrados,  a  riqueza 
de  conhecimentos  archeologicos,  e  de  licpão 
clássica  em  que  abunda  a  collecção,  torna 
difficil  imitar,  impossível  exceder,  uma  obra 
que  para  sempre  ha  de  ser  tida  como  a 
primeira  da  sua  classe  em  merecimento. 


1  W.  Scott,  Hinítrehy  o/the  Scotlih  Borãtri. 


BEL.L.A   li\F A:\TA 


Estava  a  bella  infanta 
No  seu  jardina  assentada, 
Com  o  pente  d'oiro  fino 
Seus  cabellos  penteava. 
Deitou  os  olhos  ao  mar 
Viu  vir  uma  nobre  armada; 
Capitão  que  n'ella  vinha, 
Muito  bem  que  a  governava.  * 
—  'Dize-me,  ó  capitão  2 
D'essa  tua  nobre  armada, 
Se  incontraste  meu  marido 
Na  terra  que  Deus  pisava. 

1  Que  a  guiava  —  Lisboa. 
t  Dize-ine  ú  cavalleiro, 
Oí  lignaca ...  —  Ribatejo. 


8  ROMANCEIRO 

— 'Anda  tanto  cavalleiro 
N'aquella  terra  sagrada. .. 
Dize-me  tu,  ó  senhora, 
As  senhas  que  elle  levava.' 
—'Levava  cavallo  branco, 
Sellim  de  prata  doirada; 
Na  ponta  da  sua  lança' 
A  cruz  de  Christo  levava." 
— 'Pelos  signaes  que  me  deste  '' 
La  o  vi  n'uma  estacada 
Morrer  morte  de  valente : 
Eu  sua  morte  vingava.' 
— 'Ai  triste  de  mim  viuva, 
Ai  triste  de  mim  coitada! 
De  três  filhinhas  que  tenho, 
Sem  nenhuma  ser  casada ! . . . 
— 'Que  darias  tu,  senhora, 
A  quem  n'o  trouxera  aqui?' 
—  Dera-lhe  oiro  e  prata  fina, 

3  Nos  punhos  da  sua  espada. —  E.Hrtmaãura, 

4  Pelos  signaes  que  me  deste, 
Lá  o  vi  morto  ás  lançadas, 
Que  a  mais  pequena  que  tinha 
Era  a  cabeça  passada. —  Várias. 
Pelos  dgnaes  que  me  deste. 

Lá  morreu  ás  cutilladas, 
Que  a  mais  pequena  que  tinha 
Era  a  cabeça  cortada. —  Várias. 

Estas  variantes  são  ambas  muito  geraes,  e  talvez  sejam 
melhores  do  que  o  texto  que  adoptei. 


BELLÀ   INFANTA  9 

Quanta  riqueza  ha  por  hi.' 
— 'Não  quero  oiro  nem  prata, 
Não  n'os  quero  para  mi : 
Que  darias  mais,  senhora, 
A  quem  n'o  trouxera  aqui  ? 
—'De  três  moinhos  que  tenho, 
Todos  três  t'os  dera  a  ti; 
Um  moe  o  cravo  e  a  canella  ^, 
Outro  moe  do  gerzeli  * : 
Ricca  farinha  que  fazem ! 
Tomára-os  elrei  pVa  si.' 
— 'Os  teus  moinhos  não  quero, 
Não  n'os  quero  para  mi : 
Que  darias  mais,  senhora, 
A  quem  t'o  trouxera  aqui?' 
— 'As  telhas  do  meu  telhado 
Que  são  de  oiro  e  marfim.' 
— 'As  telhas  do  teu  telhado 
Não  n'as  quero  para  mi : 
Que  darias  mais,  senhora, 
A  quem  n'o  trouxera  aqui?' 
— 'De  três  filhas  que  eu  tenho ", 

5  Este  verso  pelas  suas  allusões  se  vó  que  é  moderno  pcm- 
paralivamente ;  foi  introduzido  decerto  por  lição  muito  pcsle- 
rior  ao  romance  ;  o  que  se  incontra  a  miúdo. 

6  Gerzelini,  cm  aiabico  Jolzelim,  semente  redonda  e  oleosa 
ou  uma  planta  de  que  se  laz  doce,  e  d'ella  molda  também  óleo 
que  serve  para  o  comer. 

7  De  três  filba»  que  ea  tenho 
Todas  lies  te  hei  de  dar  ; 


10  ROMANCEIRO 

Todas  três  te  dera  a  ti : 
Uma  para  te  calçar, 
Outra  para  te  vestir, 
A  mais  formosa  de  todas 
Para  comtigo  dormir.' 
— 'As  tuas  filhas,  infanta, 
Não  são  damas  para  mi: 
Da-me  outra  coisa,  senhora. 
Se  queres  que  o  traga  aqui. 
— 'Não  tenho  mais  que  te  dar. 
Nem  tu  mais  que  me  pedir*.' 
— 'Tudo,  não,  senhora  minha, 
Que  inda  te  não  deste  a  ti.' 
— ^"Cavalleiro  que  tal  pede, 
Que  tão  villão  é  de  si  ^ 
Por  meus  villões  arrastado 
O  farei  andar  ahi 
Ao  rabo  do  meu  cavallo  "'. 
A  volta  do  meu  jardim. 
Vassallos,  os  meus  vassallos, 

Uma  para  te  vestir, 

Outra  para  te  calçar  ; 

A  mais  formosa  de  todas 

Para  comtigo  casar. —  E.ctiemadura. 

Esta  variante  assas  vulgariaada  é  comtudo  uma.  priiâfrit 
moderna  de  linguagem  que  se  introduziu  visivelmente  quando 
a  hypocrisia  pediu  a  decência  na  falia  que  faltava  nos  costumes. 

8  Quanto  tinha  ofifereci. —  Beiraálta, 

9  Que  pede  e  torna  a  pedir. —  Extiemadura. 
10  Ao  rabo  do  meu  cavallo.—  Ribatejo. 


BELLÀ   INFANTA  11 

Acudi-me  agora  aqui!' 
— 'Elste  annel  de  sette  pedras 
Que  eu  comtigo  reparti... 
Que  é  d'ella  a  outra  metade  ? 
Pois  a  minha,  vê-la  ahi!' 
— 'Tantos  annos  que  chorei  ", 
Tantos  sustos  que  tremi! . . . 
Deus  te  perdoe,  marido, 
Que  me  ias  mattando  aqui.' 


11  Cl  últimos  qa»tro  versos  faltam  na  m«ior  parte  dat  co- 
piai, e  talrez  sejam  postiços  ;  precises  não  são. 


12  ROMANCEIRO 

YABI.%:VTE  PORTEUtEae.l 

Que  partcc  uma  rersão  mais  moderna  do  origioa!  antigo 


Dona  Clara,  dona  infante  1 
Estava  uo  seu  jardim, 
Penteando  tranças  de  oiro 
Com  seu  pente  de  marâm, 
Sentada  n'uma  almofada 
De  veludo  cramezim. 
liotou  OB  olhos  ao  mar 
E  avistou  formosa  armada  ; 
Capitão  que  a  governava 
Que  bem  a  traz  preparada  ! 
Saltou  em  terra  elle  só 
Com  a  vizeira  callada. 
Vem  saudar  a  d>:na  infante 
Que  assim  triste  lhe  fallou  : 
— 'Viste  tu  o  meu  marido 
Que  ha  tempo  que  me  deixou  ? 
— 'Teu  marido  não  conheço, 
Diz-me  que  signaes  levoa.' 
— 'Levou  seu  cavallo  branco 
Com  sua  sella  dourada. 
Na  ponta  da  sua  lanfa 
Uma  fita  encarnada ; 
Um  cordão  do  meu  cabello 
Que  lhe  prendia  a  espada. 
Se  porém  tu  não  viste, 
Cavalleiro  da  cruzada, 

1  Infante   no  femeuino  é  um  latinismo  dos  séculos  XV  e 
XVI  que  nunca  foi  popular,  me  persuado. 


BELLA    INFANTA  13 

O  triste  de  mim  viuva, 
O  triste  de  mim  coitada  I 
De  três  filhas  qn«  eu  teoho 
K  nenhuma  enr  casada.' 
—  'Sou  súldndo,  ando  na  guerra, 
NoDca  teu  marido  vi  : 
Mas  quanto  deras,  senhora, 
A  quem  o  trouxera  aqui  ?' 
— 'Dera-te  tanto  dinheiro 
Que  não  tem  couto  nem  fim  ; 
K  as  telhas  do  meu  telhado 
Que  são  de  oiro  e  marfim.' 
— 'Não  quero  oiro  ou  dinheiro, 
Que  me  não  pertence  a  mi: 
Sou  soldado,  ando  na  guerra, 
Nunca  teu  marido  vi. 
Quanto  deras  mais,  senhora, 
A  quem  o  trouxera  aqui  ?' 
— 'Dera-te  as  minhas  jóias 
Que  não  teem  pêzo  e  medida  ; 
Dera-te  o  meo  tear  de  oiro. 
Roca  de  prata  pnlida.' 
— 'Xão  quero  oiro  nem  prata  : 
Com  ferro  minha  mão  lida. 
.Sou  soldado,  ando  na  guerra. 
Nunca  teu  marido  vi  : 
Mas  quanto  deras,  senhora, 
A  quem  n'o  trouxera  aqui  ?' 
— 'De  três  filhas  que  eu  teulio, 
Ea  t'as  dera  a  escolher, 
.São  formosas  como  a  lua, 
Como  o  sol  a  amanhecer.' 
— 'Eu  não  quero  toas  filhas. 
Não  me  podem  pertencer. 
Sou  soldado,  ando  na  guerra* 
Nunca  teu  uiarid*  vi : 


14  ROMÀMCEIRO 

Mas  quanto  deras,  senhora, 
A  quem  n'o  trouxera  aqui  ?' 
— 'Nâo  tenho  raais  que  te  dar 
Kem  tu  mais  que  me  pedir.' 
— 'Inda  tens  mais  que  me  dar, 
Não  estejas  a  mentir  ; 
Tens  teu  leito  de  oiro  fino 
Onde  «u  quizera  dormir.'' 
— 'Cavalleiro  que  tal  diz 
Merece  ser  arrastado 
Em  roda  do  meu  jardini| 
Aos  pés  de  um  cavallo  atado. 
Vinde  cá,  criados  meus, 
Castigae  este  soldado.' 
— 'K&o  chames  os  teus  criados 
Qae  criados  são  de  mi.' 
— 'Se  tu  és  o  meu  marido 
Forque  me  falias  assim  ?' 
— 'Por  ver  se  me  eras  leal 
E'  que  disfarçado  vim. 
Lembras-te,  ó  dona  infante, 
Quando  eu  d'aqui  sabi, 
O  annel  de  sette  pedras 
Que  eomtigo  reparti  ? 
Se  as  tuas  nâo  perdeste, 
As  minhas  ei-las  aqui.' 
— 'Vinde  cá,  ó  minhas  filhas. 
Vosso  pac  é  já  chegado. 
Abri-vos,  portão  de  jaspe 
Ha  tanto  tempo  fechado  ! 
Folgae,  folgae,  meus  vassallos, 
Que  é  dom  infante  a  meu  lado.' 


BELLA   INFANTA  15 


FR.4GMEXTeS  DE  MCAO  (  ASTELHAIVA 


Estaba  la  linda  infanta 
A  la  sombra  de  una  oliva, 
Peine  d'oro  en  las  sus  manos, 
Los  sus  cabellos  bien  cria, 
Alzó  sus  ojo8  ai  cielo 
En  contra  do  el  sol  salia, 
Vió  venir  un  foste  armado 
Por  Guadalquivir  arriba  : 
Dentro  vénia  Alfonso  Ramos, 
Almirante  de  Oastilla. 
— 'Bien  vengais,  Alfonso  Ramos, 
Buena  sea  tu  venida, 
Y  i  qué  nuevas  me  traedes 
De  mi  flota  biun  guamida  ? 
— 'Nuevas  te  tralgo,  seiiora. 
Si  me  aseguras  la  vida.' 
— 'Decildas,  Alfonso  Ramos, 
Que  segura  te  leria.' 
— 'Allá  á  Castilla  la  Uevan 
Los  moros  de  Berbéria.' 
— 'Si  no  me  fuese  porque, 
La  cabeza  te  cortaria.' 
^    — 'Si  la  mia  me  cortases, 
La  tuy  te  costaria  1.' 


1  Romcmeàro,  Ocboa,  pag.  3. 
VOL.  II 


16  ROMANCBIRO 


'Caballero  de  lejas  lierras, 
Llegaos  a  cá,  y  pareis 
Iliiuiuedes  la  lanza  ej  ti  erra, 
Viiestro  caballo  arrendeis, 
PreguntaroK  lie  por  nuevaa 
Si  mi  esposo  conoeeia.' 
— 'Voestro  marido,  sefiora. 
Decid  i  de  que  senaa  ea  ?' 
—  'Mi  marido  es  mozo  y  blanco 
Gentil  hombre  y  bien  cortês, 
Muy  gran  jugador  de  tablas, 
Y  tarnbien  dei  ajedrez, 
Eu  el  pomo  de  su  espada 
Armas  trae  de  lui  maniuc-s  1.' 


1  línmancfito,  Oc'.ioa,  pag.  9. 


11 

o  CACADCE 


Os  críticos  d'Allemanha  e  de  Ilespanha 
contam  entre  os  mais  antigos  romances  da 
Península  este  que  os  nossos  vlsinhos  cha- 
mam da  'Infantina'  e  nós  do  'Caçador.'  Tam- 
bém me  parece  o  mesmo.  Lockhart,  o  ele- 
gante traductor  inglez  *,  exlasia-se  na  ad- 
mirável belleza  de  sua  poesia  Iam  original 
e  tam  simples.  Mais  pasmara  se  o  visse  no 
texto  portuguez  como  no'-lo  conservou  a 
memoria  do  povo,  muito  mais  bello  e  mui- 
to mais  original  do  que  anda  nas  coUecções 
castelhanas  d'onde  elle  Lockhart  o  traduziu. 

E  todavia  essas  são  dos  meados  do  século 
dezeseis.  Três  séculos  depois,  ainda  a  tra- 
dição portugueza  o  tem  n'esta  perfeição. 
Forçosamente  ou  foi  escripto  no  nosso  dia- 
lecto que,  segundo  o  tantas  vezes  citado  e 

1  Ancient  sijanish  hatlwU,  bistorical  and  roniantie,  transia - 
ted  wiih  notes,  by  J.  G.  Lockbait  Eeq.  London,  J8õl. 


20  hOMANCEIRO 

não  suspeito  testimunho  do  marquez  de  Sau- 
tillanaS  era  o  preferido  para  se  trovar  na 
mesma  corte  de  Castella,  e  fora  o  primeiro 
em  que  se  fizeram  versos;  — ou,  o  que  me 
parece  mais  provável,  foi  composto  na  lin- 
guagem ainda  commum  e  pouco  discrimina- 
da que  prevalecia,  ao  princip'0  da  recon- 
quista, na  povoação  christan  das  Hespanhas. 
Accresce  que  o  romance  castelhano,  pro- 
priamente dito,  nunca  se  lançou  no  maravi- 
lhoso das  fadas  e  incantamentos  que  a  es- 
chola  céltica  de  França  e  Inglaterra,  e  mais 
ainda  a  neo-grega  de  ítalia  fizeram  depois 
iam  familiar  na  Europa:  Os  severos  descen- 
dentes de  Pelaio  não  tinham  mythologia  nos 
seus  poemas,  cantados  ao  som  da  lança  no 
escudo  e  a  compasso  das  cutilladas.  O  sobre- 
natural d'esta  historia  parece-se  mais  com  as 
crenças,  e  superstições,  ainda  hoje  existen- 
tes no  nosso  povo,  das  moiras  incantadas, 
das  apparições  da  manhã  de  San'João,  e  de 
outros  mythos  nacionaes,  tam  bellos,  Iam 
queridos  da  gente  portugueza,  e  Iam  despre- 

1  Xa  coIlec^So  de  Sanclies.  Jladrid,  ,779. 


o  CAÇADOR  21 

zados— ainda  mal!  — aleajj^ora  pelos  nossos 
poetas. 

Seja  porém  como  for,  o  romance  do  'Ca- 
fador'  pertence  á  poesia  popular  portugue- 
za.  é  de  immemorial  antiguidade;  e  como 
a  lai  lhe  dou  aqui  logar  entre  as  relíquias 
mais  orlginaes  da  nossa  primitiva  liltera- 
tura. 

Ponho,  além  das  variantes,  a  versão  ou 
licçào  dos  romanceiros  castelhanos,  e  a  tra- 
ducção  ingleza,  que  é  mais  paraph-ase  ou 
imitação  que  traducção. 

A  moralidade  da  fábula  —  se  permittem 
a  palavra  os  escrupulosos  —  é  a  mesma  que 
a  da  'Maré  do  carvoeiro';  occasião  perdida, 
occasião  que  não  volta.  A  historia  do  'Ca- 
pote novo'  e  outras  muitas  do  'Decameron 
popular,'  que  é  pena  serem  tam  soltas  e 
verdes  que  se  não  podem  escrever,  illus- 
Iram  a  mesma  sentença  e  rifão.  I3ocacio  e 
Lafontaine  achariam  nos  contos  tradicionaes 
do  novo  povo  com  que  enriquecer  muito  as 
'Cem  novellas  novas'  de  suas  gaiatas  col- 
lecções. 


o  CAÇADOR 


O  caçador  foi  á  caça, 
A  caça,  como  sohia  i 
Os  cães  ja  leva  cançados, 
O  falcão  perdido  havia. 
Andando  se  lhe  fez  noite  2 
Por  ua  mata  sombria, 
Arrimou-se  a  uma  azinheira, 
A  mais  alta  que  alli  via. 
Foi  a  levantar  os  olhos, 
Viu  coisa  de  maravilha: 
No  mais    alto  da  ramada  ' 
Uma  donzella  tam  linda  1 


1  A  caça  de  montaria  —  Âlemtejo. 

A  caça  (lo  altanaria  —  Tias-oa-Monlts. 

2  Fcz-se  noite  no  caminho  —  Btirálta. 

3  lianiuila  pelo  ajuntamento  de  ramos  njituracs  na  mesma 
árvore. 


24  ROMANCEIRO 

Dos  cabellos  da  cabeça 
A  mesma  árvore  vestia, 
Da  luz  dos  olhos  tam  viva 
Todo  o  bosque  se  allumia. 

Alli  íallou  a  donzella, 
Ja  vereis  o  que  dizi.i: 
— 'Não  te  as5usies,  cavalleiro, 
Não  tenhas  tammanha  frima. 
Sou  filha  de  um  rei  cVoado, 
De  uma  bemditta  rainha. 
.- ette  fadas  me  fadaram, 
Nos  braços  de  mi'  madrinha, 
Que  estivesse  aqui  sette  annos, 
Sette  annos  e  mais  um  dia; 
Hoje  se  acabam  n'os  annos, 
A'manhan  se  conta  o  dia; 
Leva-me,  por  Deus  t'o  peço, 
Leva  em  tua  companhia. 
— 'Espera  me  aqui,  donzella, 
Té  ámanhan,  que  é  o  dia; 
Que  eu  vou  a  tomar  conselho, 
Conselho  com  minha  tia. 
Responde  agora  a  donzella, 
Que  bem  que  lhe  respondia! 


fazendo  sombra  e  abrigo,  é  a  signiQcação  clássica  e  naturil.  No 
Minho  chamam  ramada  aos  parreiraes  e  latadas  de  vinha  feitos 
com  ramos,  varas  cannas,  etc. 


o   CAÇAtOR  25 

— 'Oh,  mal  haja  o  cavalleiro, 
Que  não  teve  cortezia: 
Deixa  a  menina  no  souto  ' 
Sem  lhe  fazer  companhia!' 

EUa  ficou  no  seu  ramo, 
Elle  foi-se  a  ttr  co'a  tia. . . 
Ja  voltava  o  cavalleiro 
Apenas  que  rompe  o  dia, 
Corre  por  toda  essa  mata, 
A  enzina  não  descubria. 
Vai  correndo  e  vai  chamando 
Donzella  não  respondia; 
Deitcu  os  olhos  ao  longe. 
Viu  tanta  cavallaria, 
De  senhores  e  fidalgos 
Muito  grande  tropelia  ^- 
Levavam  n'a  linda  infanta, 
Que  era  ja  contado  o  dia. 
O  triste  do  cavalleiro 
Por  mono  no  chão  cahia; 


■1  Deixn  a  menina  uo  monte  —  Ileimhaixa. 

Souí  I  parece  mais  minhoto  ;  mas  assim  vem  n'uma  cópia 
da  Exlremadura. 

õ  Tiopelia,  em  portuguez  casto  e  clássico,  ú  o  tumulto  (jue 
se  faz  em  tropel ;  e  lambera  a  injúria  que  se  faz  a  alguém,  a 
alguma  coisa,  atropelando  direitos,  posses,  pessoas,  razões  ou 
eonveniencias.  Aqui  eslii  o  derivado  pelo  original  ou  primitivo, 
e  para  mim  o  povo  c  também  um  clássico. 


26  bomanceiro 

Mas  ja  tornava  aos  sentidos 

E  a  mão  á  espada  mettia: 

— '^Oh.  quem  perdeu  o  que  eu  perco 

Grande  penar  merecia! 

Justiça  faço  em  mim  mesmo 

E  aqui  me  acabo  co'a  vida.' 


o  CAÇADOR  27 


4  cazar  va  cl  caballero, 
A  cazar  ccmo  Bolia; 
Los  perros  Ueva  cansados, 
El  falcon  perdido  habia, 
Arrimárase  á  un  roble, 
Altos  es  á  raaravilla. 
En  UDa  rama  mas  alta, 
Viera  estar  una  infantina, 
Cabpllos  de  sa  cabeza 
Todo  aquel  roble  cubrian. 
— 'No  te  espantes  caballero, 
Ni  tengas  tamana  grima, 
Hija  soy  yo  dei  buen  rey 
Y  la  reina  de  Castilla  : 
Siete  fadas  me  fadaron 
£n  brazos  de  un  ama  mia, 
Que  aodaee  los  siete  anos 
Sola  en  esta  montitia. 
Hoy  se  cumplian  los  siete  aiJos. 
O  mailana  en  aquel  dia: 
Per  Dios  te  ruego,  caballero, 
Llévesme  en  tu  compania. 
Si  qaisieres  por  inuger, 
Si  no,  sea  por  amiga.' 
— 'Eaperaiime  vos,  seiiora, 
Hasta  maiiana  aquel  dia, 
Iré  yo  a  tomar  consejo 
De  nna  madre  que  tenia. 
La  nliia  le  respondiera 
Y  estas  palabras  decla  : 
— ' ;  O  mal  Iiay  el  caballero 
Que  sola  deja  la  niiia  '.' 


28  ROMANCEIRO 

El  se  va  á  tornar  consejo 
Y  cila  queda  en  la  montina. — 
Aconaejóle  su  madre 
Que  la  tome  por  amiga. 
Guando  volvió  el  caballero 
No  hallára  la  infaulina, 
Viiola  que  la  llevaban 
Oon  muy  gran  cabelleria. 
El  caballero  que  Ia  vido 
En  cl  guelo  se  caia: 
Desqueen  si  hubo  tornado 
Estas  palabras  decia: 
— 'Caballero  que  tal  pierde, 
Muy  grau  peua  merescia  : 
Yo  mismo  seré  el  alcaide, 
Yo  me  «cré  la  justicia: 
Que  me  corten  pies  y  manos 
Y  me  arraatren  por  la  villa.  1 


1  Ocboa  Tesoro  rle  Romanctrns. 


o    CAÇADOR  29 


TRADt  CC.40  I^GI^KZ.% 


Tlit!  knierbt  Ind  huntetl  long,  and  twilip^ht  closed  lhe  day, 
IIis  lioundB  were  weak  and  \veary,  bis  hawk  had  flown  away; 
lie  stopped  benoath  an  oak,  an  old  and  mighty  irec, 
Then  out  tlic  maiden  spoke,  aud  a  comely  maid  was  sbe. 

Tlie  kniglit  had  lift  his  eye  fhe  sbady  boughs  between ; 
.She  had  her  seat  oa  high,  araong  lhe  oak-lcaves  green : 
Her  golden  curls  lay  cluateiing  above  her  breasts  of  snow, 
But  when  the  breese  was  x\  estering,  upon  it  they  did  flow, 

— 'Oh,  fear  nct,  gentie  knightl  there  is  no  canse  for  fear; 
I  am  a  good  king'8  daugther,  long  years  encbauted  bere; 
Seven  cruel  fairies  found  me, —  they  charraed  a  sleeping  cbild; 
•Seven  years  tbeir  charm  hath  bound  me,  a  damsel  undefiled. 

'Seven  weary  years  are  gone  since  o'er  me  cbarms  they  threw; 
I  have  dwelt  bere  alone,  —  I  bave  seon  none  butyou. 
M}'  seven  ead  years  are  Bpent;  — for  Christ  that  died  on  rood, 
Thou  uoble  knight  consent,  and  lead  me  from  lhe  ^vood  ! 

'Ob,  bring  me  forth  again  fiom  cut  this  darksorae  place  ! 
I  dare  not  sleep  for  terror  of  the  unholy  race. 
Oh,  tako  me,  gentie  sir !  I'll  be  a  wife  to  thee.' — 
ril  be  thy  lowly  leinau,  if  wife  I  may  not  be  '.' 

— 'Till  da-A-ns  the  morniu^',  wiit,  thou  lovelyMady,  thcre  ; 
IMl  ask  molher  cfaight,  for  her  reproof  I  fear.' 
— 'Ob,  ill  beseems  thee,  knight  1'  said  slis,  that  maid  forlorn, 
'The  blood  of  kings  to  slight,  a  lady's  tears  to  scorn  !' 


30  ROMANCEIRO 

He  carne  uhcu  luorning  broke,  to  fetch  the  maid  awar. 
But  could  iiot  find  the  oak  wherein  she  made  her  stay  : 
AU  through  the  wilderness  he  sought  in  bower  and  tree 
Fair  lordlings,  well  ye  guea»  what  weary  heart  had  he  ! 

There  carne  n  sound  of  voices  from  up  the  forest  glen, 
The  King  had  come  to  find  her  with  ali  hir  geetlemeii, 
They  rode  iu  mickle  glee  —  a  joyous  cavalcade  — 
Fair  in  the  midst  rode  she,  bnt  never  word  she  said. 

Though  on  the  green  he  kneit,  no  look  on  him  she  cast  - 
Hií  hand  was  on  the  train  vvere  past : 
— 'Oh,  shame  to  knightly  blood  !  f)h,  scorn  to  chivalry 
1'11  die  within  the  wood  :  no  eye  my  death  1  shall  Bee  !' 


1  Lockhart,  Ãnc  span  span  hulhhU, 


Ill 

A  INFEITIÇADA 


VOU 


É  claramente  de  origem  franceza,  e  vir- 
nos-hia  porventura  com  os  cavalleiros  e  os 
íroveiros  do  conde  D.  Henrique,  o  lindo  ro- 
mance da  'Donzella  infeitifada.'  Foi  talvez 
um  fabliait  na  sua  terra?  Quem  sabe? 

Aqui  é  elle  muito  antigo;  castellianos  e 
portuguezes  o  disputam  por  seu,  e  acaso 
nem  uns  nem  outros  terão  razão.  Em  al- 
gumas das  nossas  províncias  anda  confun- 
dido, na  versão  oral,  com  o  romance  pre- 
cedente do  •Caçador'  e  custa  a  desinvenci- 
Ihà-los. 

Col!acionando-o  com  a  cópia  castelhana 
que  adeante  vae,  notar-se-ha  quanto  é  mais 
gracioso  e  mais  chistoso  o  texto  portuguez: 
conhece-se  muito  mais  n'elle  o   tom  e  o 


34  ROMANCEIBO 

sainete  sempre  picante  do  génio  francez, 
que  do  principio  foi  o  que  ó  e  hade  ser, 
leve,  fácil  e  ingrapado  com  donaire  e  agu- 
deza. 

Chamam-lhe  em  Castella  'Romance  de  la 
infanta  de  Francia.' 

A  anecdota  não  está  nos  nossos  costumes 
nem  nos  de  nossos  vizinhos,  nem  siquer 
nos  costumes  das  eras  cavalherescas.  Tam- 
bém não  é  ainda  do  cyclo  da  Tavola-redon- 
da,  de  quando  os  noíssos  mesmos  roman- 
cistas punham  todas  as  suas  scenas  no  paiz 
dos  Arthnres  e  Amadizes.  Essa  eschola  pre- 
valeceu aqui  mais  tarde,  e  começou  talvez 
a  preponderar  em  tempos  d'el-rei  D.  Fer- 
nando em  cuja  corte  dominavam  já  muito 
as  modas  e  gosto  inglez  que  depois  trium- 
pharam  absolutamente  no  reinado  de  seu 
irmão  e  successor. 

O  ar  d'esta  pequena  peça  é  muito  mais 
antigo;  e  por  tal  a  teem  os  críticos  e  col- 
lectores  castelhanos. 


A  l^FEITIÇADA 


Vai  correndo  o  cavalleiro, 
A  Paris  levava  a  guia, 
Viu  estar  uma  donzella 
Sentada  na  penha  fria: 
— 'Que  fazeis  aqui  donzella  ?' 
Que  fazeis  ó  donzellinha?' 
— 'Vou-me  á  corte  de  Paris  i 
Donde  padre  e  madre  tinha; 
Perdi-me  no  meu  caminho, 
Pus  me  a  esperar  companhia; 
Cançada  estou  de  esperar 
Sentada  na  penha  fiia, 

1  Vou  me  á  côrte  de  Fta.n(;si,~  Extremadura. 


36  ROMANCEIRO 

Se  te  praz,  ó  cavalleiro  2, 

I.eva  me  em  tua  companhia.' 

Respondeu-lhe  o  cavalleiro: 

— 'Pois  que  me  praz,  vida  minha,' 

Lá  no  meio  do  caminho 

De  amores  a  requeria; 

A  donzella  muito  inchuta^ 

Lhe  disse  com  ousadia: 

— 'Tem-te,  tem-te,  cavalleiro, 

Não  faças  tal  villania; 

Que,  antes  que  me  baptisassem 

Me  deram  feitiçaria: 

Sette  bruxas  me  imbrucharam 

Antes  que  eu  fosse  á  pia; 

O  homem  que  a  mim  se  chegasse, 

Malato  *  se  tornaria.' 

Não  responde  o  cavalleiro  ^, 

Todo  na  sella  tremia. 


2  Quereis  vós,  ó  cavalleiro, 

Que  eu  va  em  vossa  companhia?' 

Respoiídeu-lhe  o  cavalleiro: 

— 'Pois  não  quero  minha  vida! — Ribatejo. 

3  A  don;ella  mui  sisuda, 

Sem  ter  medo,  lhe  à\7Ã&—BtiraUa. 

4  Malato  era  o  homem  livre  que  descia  á  condição  quasi  de 
servo  e  villão.  No  sentido  figurado — que  parece  ser  o  que  do- 
mina—homem perdido,  tolhido,  invallicido? 

5  O  cavalleiro  com  medo 
Tremendo  lhe  respondia— ^/em/e/o. 


A  INFEITIÇADA  37 

Lá  para  o  fim  do  caminho  * 
A  donzella  que  surria. 
— 'De  que  vos  rides,  donzella, 
De  que  rides,  donzellinha  í" 
-  'Não  me  rio  do  cavallo 
Nem  da  sua  fitaria, 
Rio-me  do  cavalleiro. 
Mais  da  sua  covardia; 
Com  a  donzella  á  gai^upa 
E  catou-lhe  cortezia; 
Soube  guardar-se  das  moças 
E  bruchas  velhas  temia. 
— 'Atraz,  atraz,  ó  donzella, 
Atraz,  atraz,  donzellinha, 
Que  na  fonte  onde  bebemos 
Deixo  uma  espora  perdida.' 
— 'Cavalleiro,  adeante,  adeante, 
Que  eu  atraz  não  tornaria. 
Se  a  sua  espora  é  de  prata, 
Meu  pae  de  oiro  lh'a  daria; 
Que  ás  portas  de  meu  pae  " 
Se  mede  oiro  cada  dia.' 
— *Dizei-me  vós  ó  donzela, 
Dizei-me  de  quem  sois  filha' 
— 'Sou  filha  d'elrei  de  França 
E  da  rainha  Constantina.' 


6  Passado  largo  caminbo — lleiralta, 
1  Que  ás  portas  do  meu  palácio — Extremaãiira. 


38  ROMANCEIRO 

— 'Arrenego  eu  de  mulheres 
Mais  de  quem  n'ellas  se  fia ! 
Cuidei  de  levar  amante, 
Levo  uma  irman  minha  •*.' 


8  Depois  d'eBtes  versos  a  licçâo  do  llinlio  accrescenta,  em 
forma  de  moralidade  que  faz  o  trovador,  o  (lue  aqui  está  na 
bôaca  do  ca^  alheiro: 

Arrenego  eu  de  mulheres, 

Mai«  de  quem  n'ella8  se  Ha! 


A   WFEITIÇADA 


De  Fiancia  partió  la  nifu, 
De  Francia  la  bien  guarnida; 
Ibase  para  Paris, 
De  padre  y  madre  tenia: 
Errado  Ueva  el  camino, 
Errada  Ueva  la  via: 
Arrimarase  a  un  roble 
Por  esperar  coinpafiia. 
Viú  venir  uu  caliallero, 
Que  à  Paris  Ueva  la  guia. 
La  nifui  desque  lo  vido 
Desta  suerta  le  decia: 
— 'Si  te  place,  caballero 
Llévesme  cn  tii  corapauia.' 
— 'Placeme,  dijo,  seuira, 
Placeme,  dijo,  mi  vida.' 
Apeóse  dei  cuballo 
Por  hacerle  cortesia; 
Pugo  la  nini  eii  las  ancas 
y  subiérase  en  la  silla: 
En  el  médio  dal  camião 
De  amores  la  requeria, 
La  nini  desque  lo  oyera 
Díjole  con  osadia: 

— 'Tale,  tate,  caballero, 
Ko  hajas  tal  villania: 
H  ja  soy  yo  de  uu  malato 
V  de  una  malatia. 

Kl  bocibre  que  ú  mi  llegaae 

Malato  se  tornaria. 

Ccn  temor  el  caballer  > 

Palabra  no  respondia. 


8,9 


40  ROMANCEIRO 

yá  a  la  entrada  de  Paris 

La  niúa  se  sonreia. 

— 'De  que  08  reis,  mi  senora, 

De  que  08  rei6,  vida  mia?' 

— 'Riome  dei  eaballero 

y  de  sn  grau  cobardia. 

Tener  Ia  nina  en  el  campo 

E  catarle  cortefia!' 

Con  verpruenza  el  eaballero 

Estas  jialabras  decia: 

— 'Yuelta,  vuelta,  mi  sefiora, 

Que  una  cosa  se  me  olvida.' 

La  nina.  como  discreta, 

Dijo:  — 'yo  no  volveria, 

Ni  persona,  aunque  volviese, 

En  mi  cuerpo  tocaria: 

Hija  soy  dei  rey  de  Franeia 

y  la  reina  Constantina, 

Kl  hombre  que  :i  mi  Uegase 

Muy  caro  le  cestaria'.' 


Duran,  tomo  IV,  parte,  L  Ocboa,  Tetoro  de  Eomaneeros 


IV 

CONDE  YANNO 


Sir  Waller  Scolt  diz,  em  alguma  parle  do 
'Cancioneiro  das  fronteiras  da  Scocia',  que  os 
romances  populares  foram  quasi  todos  em  sua 
origempoemas  mais  longosemais  completos, 
que  os  menestréis  depois  incurtavam  e  trun- 
cavam paraos  poderem  cantarem  dous  ou  três 
lajjs  quando  muito, como  quem  diz,  em  duas 
ou  três  cantigas:  o  que  na  integra  era  impos- 
sível. Que  d'ahi  ficaram  assim  pela  memo-, 
ria  do  povo,  e  assim  vieram  até  nós. 

Se  tal  é  —  e  eu  não  defendo  nem  impu- 
gno agora  a  Iheoria — digo  que  este  bello 
romance  do  'Conde  Yanno'  algum  menes- 
trel portuguezo  accommodou  ao  gosto  popu- 
lar contrahindo-o  do  poemeto  castelhano  que 
alli  se  chama  do  'Conde  Alarcos  e  da  infan. 
la  Sohsa'. 


44  komámckiro 

Era  algumas  provindas  nossas  lambem  lhe 
chamam  'Conde  Marcos',  n'oulras  'Conde 
Anardos';  e  até  n'outras,  por  muito  visivel 
rebaptisação  herética, 'Dom  Duarte,  e  Conde 
Alherlo',Tamsomente  nos  districtos  mais  ser- 
tanejos do  reino  e  menos  próximos  do  con- 
tacto  castelhano  apparece  'Conde  Yanno.' 

Yannoé  amais  antigadegeneraçãodogrego 
e  latino  loxyjr.;,  Joannes,  —  dos  quaes  tanto 
mais  proximo'esta  do  que  os  modernos  Juan, 
João  dosdous  dialectos  cultos  das  liespanhas. 

Assim  o  nome  como  o  modo  de  dizer  'Con- 
de Yanno'  (Conde  João)  em  vez  de  'Conde 
de  tal"  indicam  jà  grande  antiguidade.  E 
tanta,  que  eu  mais  me  inclino  a  que  o  tro- 
vador castelhano  alargasse  a  obra  do  me- 
nestrel portuguez  do  que  vice-versa.  E  ou 
esta  é  uma  excepção  das  muitas  que  tem  a 
regra  de  Sir  Walter,  ou  ella  não  é  regra, 
absoluta  pelo  menos. 

A  verdade  hade  estar  no  meio,  que  é  o 
costume. 

Juncto  a  composição  castelhana,  e  a  linda 
versão  ingleza  de  Lockharl:  ambas  illustram 


CONDE  Vanno  45 

o  texto  e  a  questão.  Comparandoas  com  o 
romance  portuguez,  facilmente  se  dará  a 
palma  a  este,  assim  no  stylo  como  na  inven- 
ção. Tem  mais  drama  e  mais  peripécias,  res- 
pira mais  suave  melancholia  e  mais  casto, 
e  porfim  termina  com  um  inesperado  suc- 
cesso  que  dá  prazer, 

Lembra-me,  em  pequeno,  a  immensa  ale- 
gria que  eu  linha  quando  a  minha  Brigida^ 
velha, criada  que  nos  contava  e  cantava  estas 
historias,  chegando  ao  passo  em  que  a  con- 
dessa ia  morrer  ás  mãos  do  seu  ambicioso 
e  indigno  marido,  mudava  derepente  de  tom 
na  sua  sentida  melopea,  e  exclamava: 

•Tocam  u'os  sinos  na  sé... 
Ai  Jesus,  quem  morreria?  .. 

Morria  a  má  infanta  que  descasava  os  bem 
casados,  e  a  pobre  condessa  escapava.  Que 
fortuna!  Tirava-se  um  peso  do  coração á  gen- 
te, e  a  historia  acabava  como  devia  de  ser. 
As  despedidas  da  condessa  moribunda  'a 
tudo  que  mais  queria',  ás  suas  flores,  ao  seu 

1  Étta  crla<la  iJilgidaja  loi  i;iiilaiia  na  DONA  HKANCA. 


46  ROMANCEIRO 

filhinho,  são  admiráveis  aqui  lambem  e 
ommissas  na  licção  castelhana. 

Emfim,  nascesse  elle  dentro  das  nossas 
fronteiras,  ou  viesse  alem  d'ellas,  cá  se  fez 
mais  lindo  o  romance,  muito  mais. 

Sismondi  e  Madame  de  Stael  exaltam  ésla 
composição  acima  de  todas  as  do  roman- 
ceiro castelhano.  Que  faria  se  conhecessem 
a  licção  portugueza? 

É  geralmente  sabida  por  todo  o  reino, 
muito  popular,  e  as  variantes  numerosas. 

Quasi  todas  as  que  valiam  a  pena  as  incor- 
porei no  texto,  porque  algumas  eram  com- 
plementares de  outras,  e  muitas  acclaravam 
o  sentido  e  atavam  o  fio  da  narrativa.  Das 
poucas  que  ficaram,  se  apponta  à  margem 
alguma  que  o  merece. 


CO^OE  VA>xa 


Chorava  a  infanta,  chorava  ^^ 

Chorava  e  razão  havia, 

Vivendo  tam  descontente; 

Seu  pae  por  casar  a  tinha. 

Acordou  elrei  da  cama  ^ 

Com  o  pranto  que  fazia: 

— 'Que  tens  tu.  querida  infanta, 

Que  tens  tu,  ó  filha  minha 

— 'Senhor  pae,  o  que  heide  eu  ter 

Senão  que  me  pesa  a  vida? 

De  três  irmans  que  nós  éramos. 

Solteira  eu  só  ficaria.' 

1  Chorava  a"ÍDl'anta  Solisa, 
Ka/.ão  de  chorar  havia. — AUinteJo. 

r  Chorava  Dona  Sylvana — Extremadnia. 

2  Despertou  elrei  seu  pae — Beiralta. 


4^3  ROMANCEIRO 

— *Que  queres  tu  que  te  eu  faça  ? 

Mas  a  culpa  não  é  minha. 

Ca  vieram  embaixadas 

De  Guitaina  e  Normandia  '; 

Nem  ouvi-las  não  quizeste, 

Nem  fazer-lhes  coriezia. .  . 

Na  minha  corte  não  vejo 

Marido  que  te  daria. . . 

Só  se  fosse  o  conde  Yanno  *, 

É  esse  ja  mulher  havia  '.' 

— 'Ai !  ricco  pae  da  minha  alma, 

Pois  esse  é  que  eu  queria. 

Se  elle  tem  mulher  e  filhos, 

A  mim  muito  mais  devia, 

Que  me  não  soube  guardar 

A  fé  que  me  promettia.' 

Manda  elrei  chamar  o  con  Je, 
Sem  saber  o  que  faria: 
Que  lhe  viesse  fallar   . . 
Sem  saber  que  lhe  diria. 
— 'Inda  agora  vim  do  paço, 
Ja  elrei  lá  me  queria  1 


3  De  Leão  e  de  Caslilha — Tras-r>t-MonU*. 
Ouitaina  é  Aquitania,  bem  claramente. 

4  Só  se  fosee  o  conde  Albano — Minho. 

Só  se  fosse  o  conde  Alarcoa — BeiraJbaira. 
i  K  esBe  tem  nitilhere  filhas — Btiialia,  LixVna, 


CONDE  YANNO  4'J 

Ai!  será  para  meu  bem  ? 
Ai !  para  meu  mal  seria  ?' 

Conde  Yanno  que  chegava, 
EIrei  que  a  buscar  o  vinha: 
— 'Beijo  a  mão  a  vossa  alteza; 
Que  quer  vossa  senhoria  í' 
Responde-lhe  agora  o  rei 
Com  grande  merencória: 
— 'Beijae,  que  mercê  vos  faço; 
Casareis  com  minha  fiiha.' 
Cuidou  de  cahir  por  morto 
O  conde  que  tal  ouvia: 
— 'Senhor  rei,  que  sou  casado 
Ja  passa  mais  de  anno  e  dia  !' 
— 'Mattareis  vossa  mulher, 
Casareis  com  minha  filha.' 
--*Senhor,  como  hei  de  mattá-la 
Se  a  morte  me  não  mer'cia  ; ' 
— 'Gallae-vos  conde,  callae-vos. 
Não  vos  quero  demazia; 
Filhas  de  reis  não  se  inganam 
Como  uma  mulher  captiva.' 
— 'Senhor,  que  é  muita  razão, 
Mais  razão  que  ser  devia, 
l'ara  me  mattar  a  mim 
Que  tanto  vos  oftendia; 
Mas  mattar  uma  innocente 
Com  tamanha  aleivozial 


50  BOMaNCEIBO 

N'esta  vida  nem  na  outra 
Deus  m'o  não  perdoaria.' 

—'A  condessa  hade  morrer 

Pelo  mal  que  ca  fazia. 

Quero  ver  sua  cabeça 

N'essa  doirada  bacia.' 

Foi-se  embora  o  conde  Yanno, 
Muito  triste  que  elle  ia, 
Adeante  um  pagem  d'elrei 
Levava  a  negra  bacia. 
O  pagem  ia  de  lutto, 
De  lutto  o  conde  vestia: 
Mais  dó  levava  no  peito 
Cos  appertos  da  agonia. 
A  condessa,  que  o  esperava, 
De  muito  longe  que  o  via, 
Com  o  filhinho  nos  braços 
Para  abraçá-lo  corria. 
— 'Bem  vindo  sejais,  meu  conde, 
Bem  vmda  minha  alegria  !' 
Elle  sem  dizer  palavra 
Pelas  escadas  subia. 
Mandou  fechar  seu  palácio, 
Coisa  que  nunca  fazia  ^; 
Mandou  logo  pôr  a  cea 
Como  quem  lhe  appetecia.  ' 

C  o  que  d'antes  não  fazia— líínAo. 
7  C'iino  qnem  comer  queria — lAíhoa. 


CONDE  YANNO  51 

Sentaram-se  ambos  á  mesa, 
Nem  um  nem  outro  comia; 
As  lagrymas  era  um  rio  * 
Que  pela  mesa  corria. 
Foi  a  beijar  o  filhmho 
Que  a  mãe  aos  peitos  trazia, 
Largou  o  seio  o  innocente, 
Como  um  anjo  lhe  surria. 

Quando  tal  viu  a  condessa, 
O  coração  lhe  partia; 
Desata  em  tammanho  choro 
Que  em  toda  a  casa  se  ouvia: 
— 'Que  tens  tu,  querido  conde, 
Que  tens  tu,  ó  vida  minha  ? 
Tira-me  ja  d'estas  àocias, 
Elrei  o  que  te  queria  ?' 
Elle  affogava  em  soluços, 
Responder-lhe  não  podia; 
EUa,  apertando-o  nos  braços, 
Com  muito  amor  lhe  dizia: 
— 'Abre-me  o  teu  coração, 
Desafloga  essa  agonia, 
Da-me  da  tua  tristesa, 
Dar-te-hei  da  minha  alegria.' 

8  As  lagryma*  eram  tantas 

Que  pela  meta  corriam. —  Vária», 
Todas  as  versões  lem  aesim  :  só  a  de  Lisboa  ccmo  vai  no 
texto. 


ROMANCEIBO 

Le^'antou-se  o  conde  Yanno, 

A  condessa  que  o  seguia. 

Deitaram-se  ambos  no  leito; 

Nem  um  nem  outro  dormia. 

Ouvireis  s  desgraçada, 

Ouvide  ora  o  que  dizia: 

— 'Peço-te  por  Deus  do  ceo 

E  pela  Virgem  Maria, 

Antes  me  mattes,  meu  conde, 

Que  eu  ver-te  n'essa  agonia.' 

— 'Morto  seja  quem  tal  manda, 

Mais  a  sua  tyrannia!' 

--*Ai  I  não  te  entendo,  meu  conde, 

Dize-me,  por  tua  vida, 

Que  negra  ventura  é  esta. 

Que  entre  nós  está  mettida ;"' 

— 'Ventura  da  sem  ventura, 

Grande  foi  tua  mofina  ^ ! 

Manda-me  elrei  que  te  matte. 

Que  case  com  sua  filha.* 

Palavras  não  eram  dittas, 
Inda  mal  lh'as  ouviria, 
A  desgraçada  condessa 
Por  morta  no  chão  cahia. 


9  Mojina,  substantivo,  talvez  por  mofina  soite,  ó  usftdo  doa 
tlaicicoe  alguma  vez  j  e  commum  lioje  ao  povo  diM  proríncia* 
qnaai  todai. 


CONDE  YANNO  53 

Não  quiz  Deus  que  alli  morresse  . . . 

Triste  que  alh  não  morria  1 

Maior  dor  do  que  a  da  morte 

A  torna  a  chamar  á  vida. 

— 'Calla,  calla,  conde  Yanno, 

Que  inda  remédio  haveria; 

Ai !  não  me  mattes,  meu  conde, 

E  um  alvitre  te  daria  '": 

A  meu  pae  me  mandarás, 

Pae  que  tanto  me  queria  I 

Ter-me-hão  por  filha  donzella 

E  eu  a  fe  te  guardaria. 

Criarei  este  innocente 

Que  a  outra  não  criaria  ; 

Manter-te-hei  castidade 

Como  sempre  t'a  mantia.' 

— -'Ai  como  pôde  isso  ser, 

Condessa  minha  querida, 

Se  elrei  quer  tua  cabeça 

N'esta  doirada  bacia  ? 

^*Galla,  calla,  conde  Yanno, 

Que  inda  remédio  teria, 

Metter-me  has  n'um  convento 

Dti  ordem  da  freiraria; 

Dar-me-hão  o  pão  por  onça 

E  a  agua  por  medida: 

Eu  lá  morrerei  de  pena, 

10  Um  conielbu  te  il&risi—  Uriraioita, 


õ4  BOMANCBIRO 

E  a  infanta  o  não  saberia.' 
— 'Ai!  como  pôde  isso  ser, 
Condessa  minha  querida, 
Se  quer  ver  tua  cabeça 
N'esta  malditta  bacia  ?' 
— 'Fecháras-me  n'uma  torre, 
Nem  sol,  nem  lua  veria, 
As  horas  de  minha  vida 
Por  meus  ais  as  contaria.' 
— 'Ai !  como  pôde  isso  ser, 
Condessa  minha  querida, 
Se  elrei  quer  tua  cabeça 
N  esta  doirada  bacia  ?' 

Palavras  não  eram  dittas, 
Elrei  que  á  porta  batia : 
• — 'Se  a  condessa  não  é  morta, 
Que  então  elle  a  mattaria.' 
— 'A  condessa  não  é  morta 
Mas  está  na  agonia.' 
— 'Deixa-me  dizer,  meu  conde. 
Uma  oração  que  eu  sabia.' 
— 'Dizei  depressa,  condessa, 
Antes  que  amanheça  o  dia.' 
— 'Ai !  quem  poderá  rezar  *', 
O  virgem  sancta  Maria  ! 

11  No  poemeto  castelhano  a  condessa  reza — e  não  ó  feia  a 
«um  preghiera:  mais  bonito  e  mais  poético  é  o  peusameuto  do 
autor  portoguez,  rjne  Ibe  nâo  dá  nem  animo  para  rezar. 


CONDE   YANNO  55 

Que  eu  não  me  pêza  da  morte, 
Pêza-me  da  aleivozia: 
Mais  me  pêza  de  ti,  conde, 
E  da  tua  covardia. 
Mattas-me  por  tuas  mãos, 
Só  porque  elrei  o  querial 
Ai!  Deus  te  perdoe,  conde, 
Lá  na  hora  da  contia  '2. 
Deixar-me  dizer  adeus 
A  tudo  o  que  eu  mais  queria; 
ÁsHores  d'este  jardim. 
Ás  aguas  da  fonte  fria. 
Adeus  cravos,  adeus  rosas, 
Adeus  flor  da  Alexandria! 
Guardae-me  vós  meus  amores 
Que  outrem  me  não  guardaria. 
Deemme  cá  esse  menino, 
Iniranhas  de  minha  vida; 
D'este  sangue  de  meu  peito 
Mamará  por  despedida. 
Mama,  meu  filhinho,  mama 
D'esse  leite  da  agonia; 
Que  atégora  tinhas  mãe. 
Mãe  que  tanto  te  queria, 
Ámanhan  terás  madrasta 
De  mais  alta  senhoria. . .' 


19  N*  hora  em  qae  contar  comtigo,  em  que  ta  tomar  cos- 
tas. É  a  pbraae  exprcasÍTa  dou  iuglezes:  /u  the  how  ofrtc}cmxi\in$. 


56  ROMANCEIKO 

Tocam  n'os  sinos  na  sé  — 
Ai  Jesus  !  quem  morreria  ? 
Responde  o  filhinho  ao  peito  ", 
Respondeu  —  que  maravilha! 
— *Morreu,  foi  a  nossa  inlanta 
Pelos  males  que  fazia  ; 
Descasar  os  bem  casados  : 
Coisa  que  Deus  não  queria. 


13  (^uasi  todas  as  licçúes  provinciaea  oiumit«io  os  dous  ver. 
BOI  idtimos  d*é8ta  copla,  e  o  pensamento  que  ellcs  lacerram.  Só 
uma  lieção  da  borda-d'agiia  os  traz,  e  julguei  que  mereciam  ser 
incorporados  no  texto.  Kstc  prodígio  de  fallarem  os  ianocentes 
ao  peito  das  mães,  nas  grandes  ciicunistancias  públicas  ou  nas 
grandes  crises  domésticas,  era  mui  l^ivorito  dos  nossos.  Na  ac- 
elamação  de  D.  João  I  bem  sabido  é  que  uma  criança  tirou  to- 
daa  as  dúvidas  bradando  do  collu  da  m<ãe:  'lieal  Real,  pelo  mes- 
tre d'ATÍz  rei  de  Portugal.'  N 'outro  romance  d 'esta  collecçâo, 
•  â«  'Dom  Beltrão'  veremos  lai  .'ar  o  cavallo  de  ura  morto  ca* 
Talleiro. 


CONDE  YANNO  57 


E.ICÇAO  C.%Í»TI!:LH.4X A 

Ketraida  está  la  iufanta, 
Bien  aii  como  solia, 
Vivieudo  muy  descontenta 
De  1&  vida  que  teiiia, 
Viendo  que  ya  se  pasaba 
Toda  la  flor  de  su  vida, 

Y  que  cl  rey  uo  la  casaba, 
Ni  tal  cuidado  teuía, 
Entre  si  e&taba  pensando 
A  quien  se  descobriria, 

Y  aconió  llamar  ai  rey 
Conio  olras  vetes  snlia. 
Por  decirle  bu  secreto 

Y  la  intoncicn  que  t6u<a. 
Vino  vi  rey  siemlo  llamado, 
Que  no  tardo  su  vcnida: 
Vidola  estar  apartada, 
Sola  está  sin  compauta, 
Su  lindo  gesto  inosiraba 
Ser  mais  triste  que  solia. 
Couocierft  luego  el  rey 

El  enojo  que  teiiia. 

— jQué  es  aquestp,  In  infanta? 

^Qué  es  aquesio,  liija  mia? 

Contadme  vuestros  eiicjo», 

No  torneis  nialenconía, 

Que  sabieudo  la  verdad 

Todo  se  remediaria. 

— 'Menesicr  será,  buen  rey, 

Remediar  la  vida  mia, 

Que  á  vós  qucdé  eiicommeudaãa 

De  la  madre  (jue  lenia. 


Õ8  ROMANCEIRO 

'ou  verguenza  os  lo  deuaiidu, 
No  con  gana  que  tenia, 
Que  aqaestos  cuidados  tale.- 
A  vos,  rey,  pertenecian.' 
Escuchada  su  demanda, 
£1  buen  rey  la  respondia: 
— 'Esa  culpa,  la  infanta, 
VueGtra  era,  que  no  niia, 
Que  ya  fucrades  casada 
Con  el  príncipe  de  Hungria; 
N«  quisistee  escuchar 
L>a  enibajada  que  vénia, 
Pues  acá  en  la  nnestras  còries. 
Hija,  mal  recaudo  habia. 
Sino  era  el  conde  Alarcos 
Que  liijod  y  muger  tenia. 
— 'Convidaldo  tos,  el  rey, 
Al  conde  Alarcos  un  dia, 

Y  deepues  que  hagais  comidr 
Decilrie  de  parte  mia, 
Decilde  que  si  ee  acuerde 
De  Ia  t'6  que  dei  teuia, 

La  qual  él  me  prometiú, 
Que  yo  no  se  la  pedia, 
De  ser  siempre  mi  marido 

Y  yo  que  su  muger  seria. 
Ya  fui  dello  muy  contenta 

Y  que  no  me  arrepentia. 
Hi  casú  con  la  condesa, 
Que  mirara  lo  que  bacia, 
Que  por  él  no  me  case 
CoD  el  princi)  e  de  Hungria: 
Si  caso  con  la  condesa 

Dél  es  culpa,  que  no  mia.' 
Perdiera  el  rey  eu  la  oir 
B)  sentido  que  tenia, 


CONDE   YANNO 

Mas  despues  en  bí  tomado 

Con  enojo  respondia: 

— 'No  íon  estos  los  conspjog 

Qne  vuestra  madre  os  decia: 

Mny  mal  mirastes,  infanta, 

Uo  estaba  la  honra  mia. 

Si  verdad  es  todo  eao, 

Vuestra  honra  ya  es  perdida: 

No  podeis  V08  ser  casada 

Mientrus  la  coudesa  viva. 

Si  se  hace  el  casamient'» 

Vor  razon  6  por  justicia, 

Kn  el  decir  de  las  gentes 

Por  mala  sereis  tenida. 

Dadme  vos,  hija,  consejo, 

Que  el  mio  no  bastaria; 

Que  ya  es  mueita  vuestra  madre 

A  quien  consejo  pedia.' 

—  'Pues  yo  08  lo  daré,  buen  rey. 

Deste  poço  que  lenia: 

Mate  el  conde  á  la  coudesa. 

Qne  nadie  no  lo  sabria; 

Y  eche  fama  que  elle  es  muerta 
De  un  cierto  U)al  que  tenia, 

Y  tratarseba  «  I  casamiento 
Como  cosa  no  sabida. 
Desta  manéra,  buen  rey. 
Mi  honra  sa  guardaria.' 

De  ali]  te  salia  el  rey, 
No  con  plftcer  (lue  tenia; 
Lleno  va  de  pensamientos 
Con  \n  nueva  que  sabia; 
Vido  estar  ai  confie  Alarcos 
Kntre  much»»  que  decia: 
— í'Que  aprovpiha,  caballeros. 
Amar  y  seivir  aroti^a, 


Õ9 


60 


ROMANCEIRO 

Siendo  servicios  peniiijo» 
Donde  Arnieza  no  habia? 
No  piieden  por  mi  decir 
Aqueslo  que  yo  decia. 
Que  en  pI  tienipo  que  servi 
Una  qii«  tanto  queria, 
Si  bieu  Ia  quise  ontotuea, 
Agora  mas  Ia  queria; 
Ma»  por  mi  pueden  decir: 
iiaien  bieii  ama  tsrde  olvida.' 
Estas  palavras  díciendo, 
Vido  ai  bueii  tey  que  vénia, 
Y  bablaudo  cou  el  rey, 
De  entre  todos  se  salia: 
Dijole  el  buen  ley  ai  conde 
Hablando  eon  cortebia; 
— 'Couvidaros  quiero,  conde, 
Por  uiaflana  en  aquel  dia, 
Qne  querais  comer  comigo 
Por  teueinie  compania. ' 
— 'Que  se  baga  de  buen  grado 
T<o  que  su  altez.a  decia: 
Heeo  íUA  manos  rcales 
Por  la  buena  cortesia: 
Detenernie  he  squi  man.iu«j 
Auuque  estaba  d«  partida. 
Que  la  condesa  me  espera 
Segun  carta  qne  me  envia.' 
Otro  dia  de  manaiia 
Kl  rey  de  misa  salia, 
I/Oego  se  asentó  á  comer. 
No  por  gana  que  tenía. 
Sino  por  bablar  ai  condo 
Lo  que  tiablaile  queria. 
Alli  fuerou  bieu  servidos 
Como  á  rey  pertenccia: 


CUNOK    YANNU  61 

Def  pues  que  bubieroii  coiuiiio, 
Toda  la  gente  saliila, 
Qnedóse  el  rey  oou  el  coudo 
£n  Ia  tabU  do  comia. 
Enipezó  el  rey  a  bablar 
La  embajada  que  traía: 
— 'Unas  uuevas  traigo,  conde, 
Que  delias  no  me  plaeia, 
Por  las  cuales  yo  me  quejo 
De  vnestra  descortesia: 
Prometistes  á  la  infanta 
IjO  que  ella  no  os  pedia, 
De  sieinpre  ser  su  marido, 

V  á  ella  que  Io  plaeia. 
Si  á  otrag  ccbsb  pasaste 
Ko  entro  en  esa  profía. 
Otra  cosa  os  digo,  conde, 
De  que  mas  os  pesaria: 
Que  mateis  á  la  condesa, 

Qne  asi  cumple  á  la  honra  mia. 
Echeis  fama  de  que  es  muerta 
De  oierto  mal  que  tenia, 

V  tratarse  ba  el  casamiento 
Como  cosa  no  sabida, 
Porque  no  sea  deshonrada 
Hija  que  tanto  queria.' 
Oidas  estas  razones, 

Kl  liuen  conde  res  ondia: 
—  'No  puedo  negar,  el  rey, 
Lo  que  la  infanta  decia, 
Sino  que  es  nuiy  gran  vcrdad 
Todo  cuanto  me  pedia. 
Por  miedo  de  vós  el  rey. 
No  easé  con  q''ien  debia. 
Ni  pense  que  vueMtra  alteza 
En  ello  conaentliia, 


62  F0MANCB1R0 

De  casar  con  Ia  iufanta 

To,  scnor,  bien  casaria; 

Maa  matar  á  la  condesa, 

S  úor  rey,  no  lo  baria 

Porque  no  debe  morir 

I^a  que  mal  no  merecia.' 

— 'De  morir  tiene,  bueu  conde, 

Por  salvar  la  bonra  mia, 

Puee  no  miráetc  primero 

TjO  que  mirar  se  debia: 

lêi  no  muere  la  condesa, 

A  TOS  cottará  la  vida. 

Por  la  honra  de  los  reyes 

Mucbos  sin  culpa  morian. 

Que  muera  pues  la  condesa 

>So  es  mucha  maravilla.' 

— 'Yo  la  mataré,  buen  rey, 

Mas  no  sea  la  culpa  mia, 

Vós  os  avendreie  con  Dios 

£n  el  lin  de  vuestra  vida, 

Y  prometo  á  vuestra  alteza, 

A  fé  de  caballeria. 

Que  me  tcngan  (lor  traidor 

Si  lo  dicho  no  cumplia. 

De  matar  á  la  condesa 

Aunque  mal  no  merecia. 

))aen  rey,  si  ms  daes  liceucla 

líUego  yo  me  partiria.' 

— 'Vayais  con  Dios,  el  buen  conde, 

Ordenad  vuestra  partida,' 

I>lorando  se  parte  el  conde, 

J.lorando  tiu  alegria; 

I.loraba  tambieu  el  conde 

Por  trcs  hijos  que  tenia, 

El  uno  era  de  teta, 

Que  la  condesa  lo  cria. 


C.ONUE   YANNO  6^ 

Que  no  queria  mamar 
De  treg  amai>  que  tenla, 
Si  no  era  de  tu  madre 
Porque  bien  Ia  conocia; 
Los  otros  eran  pequenos, 
Poço  sentido  tenian. 
Antes  que  ti  coucie  llegase, 
£staã  razones  decia: 

—  5'Qiuén  podrá  mirar,  condeaa, 
Vuestra  cara  de  alegria 

Que  saldreis  á  recibirme 
A  la  fin  de  vuostra  vida? 
Yo  Boy  cl  triste  culpndo. 
Esta  culpa  toda  ea  mia.' 
lín  diciendo  estas  palabrae 
Ya  la  coudesii  salia. 
Que  uu  page  le  huvia  dicbo 
Oomo  el  conde  ya  vénia. 
Vido  la  eondesa  ai  conde 
I^a  tristeza  que  tenia, 
Viúle  los  (jos  lloroios 
Que  hinchados  los  tenia, 
De  Uorar  por  el  camiuo 
Mirando  el  bien  que  peidia. 
Dijo  la  condeaa  ai  conde: 

—  'liien  vengais,  bieu  de  mi  vida! 
,-Que  babeis^  el  conde  Alareoe? 
jPorque  Uoiais,  vida  mia? 

Que  venis  tan  deraudado 
Que  tierto  no  os  conocia, 
Xo  j  arece  vuestra  cara 
Ni  el  gesto  que  ser  solia; 
Dadme  parte  dei  enojo 
Como  dais  deralegría. 
Uecidmelo  luege,  conde, 
No  mateis  Ia  vidn  mia.' 


64  ROIklANCEIBO 

— 'Yo  \o  diré  l  ien,  condeaa, 
Coando  la  hora  seria.' 
— 'fcsi  no  mu  lo  dei  Í3,  conde, 
Cier:o  yo  reventaiia.' 
— 'No  me  fatigueis,  seiíora, 
Que  no  es  la  hora  vtnida. 
Cenemos  Incgo,  coudesa, 
D'aqueao  que  en  casa  habia. 
— 'Aparejudo  está,  conde. 
Como  otras  veces  solia.' 
bentóse  el  corde  á  la  mesa, 
No  cenaba  ni  podia, 
Con  !-us  hijos  ai  co-<tado, 
QjB  muy  iiiucho  los  queria. 
Ecbóse  8obre  los  hombros, 
Ilizo  como  que  dormia. 
De  láçrymas  de  sus  ojog 
Toda  la  mesa  ciibria: 
Mirandole  la  condesa 
Que  Ia  cau.sa  no  sabia, 
No  le  preguntaba  nai'a, 
Que  uo  osa^-a  iii  podia. 
I.evanlóse  luego  el  conde, 
I))jo  que  dormir  queria, 
Dijo  lambien  la  condesa 
Que  ella  tambien  dormiria, 
Mas  entre  ellos  no  habia  sueno, 
Si  Ia  verdad  se  decia. 
Vanse  el  conde  y  Ia  conJtsa, 
A  dormir  donde  sclian; 
Dejan  los  ninos  de  luera, 
Que  el  conde  uo  los  (jueria: 
I>leváronse  el  mas  cliiquito, 
El  que  la  condesa  cria: 
Kl  conde  cierra  la  puerta, 
Lo  que  haeer  solia. 


CONDE  yanno  65 

'Empezó  de  bablar  el  condo 
<Jon  di/Ior  y  con  mancilla: 
— !'0  desdichada  eocdesa, 
Grande  fue  la  tu  desdiclia!' 
^'No  Bcy  desdichada.  condo, 
Por  dichoea  me  tema 
Solo  en  ter  vuestra  miiger: 
Esta  fué  gran  dicha  mia.' 
— 'Si  bien  lo  mirais,  Condeixa. 
Esa  fuú  vueslra  desdiíha. 
Sabed  que  en  liempo  pasado 
Yo  amé  á  quien  servia, 
La  cual  era  la  infanta. 
Por  desflicba  vuestra  y  mia 
Prometi  casar  ton  ella, 
Y  á  el!a  q re  le  plaeia. 
Deraániame  por  marido 
Por  la  fé  que  ii  e  lenia. 
Puédelo  muy  bien  haier 
Porrazon  y  por  juslicia: 
Dijomelo  ti  rey  su  padre 
Porque  delia  lo  sabia. 
Otra  cosa  manda  <;1  rey 
Que  toca  en  el  alma  raia: 
Mandi  que  muerais,  condosa. 
A  la  fin  de  vuestra  vida, 
44ue  D  >  puede  tener  honra 
•Siendo  vós,  condesa,  viva.' 
De  qu'esto  oyo  )a  condesa, 
Cayó  e:i  tierra  raoriecida; 
Mas  dtrpae»  en  si  tornada 
Estas  palabras  decia: 
— 'Pagados  sou  mis  servidos, 
Conde,  con  ijue  yo  os  servia! 
Si  no  me  matai':,  el  conde, 
Yo  bicu  os  consejaria: 


(5G  ROMANCEIRO 

Kiiviedesme  á  mi8  tierras. 
Que  mi  padre  me  ternia; 
Yo  criaré  vueslros  bijos 
Mejor  que  Ia  que  vernia, 

Y  os  mautendié  caslidad 
Como  siempre  os  mautenia.' 
— 'De  niorir  babeis,  coudesa, 
Antes  (jue  amanezca  el  dia.' 

— 'Bieu  parece,  coii  Ic  Alarcoa, 
Yo  ser  sola  en  esta  vida, 
Porque  tengo  ti  ^adre  viejo, 
Mi  raadre  ya  es  tallecida, 

Y  mataroii  á  mi  bermauo 
El  bueu  conde  Dju  Garcia, 
Que  el  rey  lo  mando  malar 
Tor  niiedo  que  dél  lenia. 
No  me  pesa  de  mi  muerle, 
Poique  yo  de  niorir  tenia, 
Jlaâ  púsame  de  mis  hijos 
Qae  pierden  mi  compaiiia: 
llacémelos  veiiir,  conde, 

Y  veran  mi  despedida.' 

—  'No  los  vereis,  más,  condesa, 

Eu  dias  de  vuestra  vida: 

Abrazad  eie  chiqjito 

Que  aqaesle  es  el  que  03  perJii. 

l'ósame  de  vos,  coadesa, 

Cuauto  pesar  me  podia. 

Xo  os  puedo  valer,  seiiora, 

Qae  mas  me  va  que  la  vidaf 

Eu;omendaos  á  Dios 

Qj'eòto  de  bacerse  teaia.' 

— 'Dejéísme  dccii-,  bueu  coud», 

Una  oracion  que  sabia.' 

— 'Decilda  presto,  condesa, 

Autes  que  amanezca  el  dia. 


CONDE   YANNO  67 

— 'Presto  Ia  habré  diclio.  coiiJe, 
No  estai é  iiQ  Ave  Maria.' 
Afinojóse  en  Ia  ticrra 

Y  esta  orac'on  dec'a: 
tEn  las  tus  manrs,  Scuor, 
•«Encomíendo  el  alma  mia: 
«No  me  juzgues  mis  pecados 
«Segjn  que  yo  merecia, 
«Mas  ecgun  tu  gran  piedad 
<Y  Ia  lu  gracia  infinita  » 
'Acabada  eg  ya,  l  uen  coude, 
La  oraciou  que  yo  sabia; 
Encomiendoos  es;.»  bijos 
Que  entre  vos  y  mi  habia; 

Y  rogad  á  Dios  por  mi 
Mientras  tuviésedes  vida; 
Que  á  filo  sois  obligado, 
Pnes  que  sin  culra  moria. 
Dédesme  acá  e^e  hi.jo, 
Mamarii  yor  despedida.' 

— 'No  Io  desperteis,  condesa, 
Dpjaldo  estar  que  dormia, 
Sino  que  os  pido  perdoa 
Porque  ya  Ilegaba  el  dia.' 
— 'A  vf  s  yo  perdiuo,  conde, 
Por  araor  que  'os  tenia; 
Mas  yo  no  perdono  ai  rey, 
Ni  il  Ia  infanta  tu  Iiija, 
.Sino  iiue  queden  citados 
Delanie  la  alta  juslicia, 
Que  alia  vayan  á  juicio 
Dentro  de  los  treiíita  dias.' 
Estas  palabras  deciendo, 
El  conde  f>e  apercebia: 
Etlióle  por  la  garganta 
Una  toca  que  tonia, 


68 


ROMANCelRO 

Apreló  eon  las  dos  mauo^ 
Con  la  fiierza  que  podia, 
No  le  aflojó  la  garganta 
Mieiílras  que  vida  tenia. 
Guando  ya  la  vido  cl  ronde- 
Trespasada  y  fallecida, 
Desnndóle  los  vestidos 
Y  las  repus  que  tenia, 
Hcliúla  enjiraa  la  cama, 
Cubrióla  corao  solia; 
Desuudose  a  su  costado 
Obra  de  un  Ave  Jlaria; 
L<>vanl<')se  danio  vocês 
A  la  genle  que  leuia: 
—  'Sojorro,  mis  escuderos, 
Que  la  coudesa  se  finn.' 
Ilallan  Ia  condesa  nuierta 
Los  que  á  socorrer  venian. 
Asi  murió  la  condes  i, 
Sin  razon  j  sin  Juslioia; 
Jlas  tambícn  todos  murierom 
Dontro  de  los  treinia  dids. 
Los  doce  dias  pasados 
La  infanta  ya  se  moria, 
El  rey  á  los  veiate  y  cinco, 
El  eonde  ál  treinteuo  dia. 
Alhi  fueron  á  dar  cuenta 
A  la  justicia  divina: 
Acá  nos  dé  DIos  su  gracia, 
Y  allá  la  gloria  cumplida  ], 


.  í  Ochoa,  Teso)o  iJe  líoniancn-os,  pag.  26, 


CONUE    YANNO 


TUAUI  COÃO  i.\oi.í:%a 


69 


Mone,  as  was  her  wont,  she  sate,  — wilhin  lier  bower  alone, 
iMone  and  very  desolate  Solisa  uiade  lier  moaii, 
i^stmeulÍDg  for  the  flower  oí  life,  that  it  should  pass  away, 
\nd  fhe  be  never  wooed  to  wife,  nor  see  a  bridai  day. 

ifhns  said  the  sad  Infanta:  — 'i  will  not  hide  my  grief, 

i'i'll  tell  my  father  of  my  wrong,  and  he  will  yield  relief : 

The  king,  «hen  he  beheid  her  near:  — 'Alas  !  my  child'  said  he, 

i  What  means  this  melancholy  cheer?  Ucveal  thy  grief  to  me.' 

-'Good  king.'  she  said,  'my  mother  was  buried  long  ago, 
She  left  me  to  thy  keeping,  none  else  my  grief  should  know  ; 
H  fain  would  have  a  liusbaud,  't  is  tinii;  that  1  should  weJ  ; 
Forgive  the  xvords  I  uttei-,  with  wide  shame  they  're  said.' 

It  was  thuB  the  king  niad  answer :  — 'This  fault  is  none  of  mine, 
You  to  the  prince  of  Hungary  your  ear  would  uot  incline, 
Yet  round  ue  here  where  lives  your  peer?  Nây,  name  him  if  you  cau, 
Except  the  count  Alarcos,  and  he  is  a  maried  mau.' 

— 'Ask  count  Alarvos  if  of  yore  hk  word  he  did  not  plight 
To  be  my  husband  evennore,  and  love  uie  day  and  niglit; 
If  he  has  bound  him  in  new  vows,  old  oaths  he  oannot  forsake. 
Alas!  l^ve  lost  a  loyal  spouse  for  a  false  lover's  sake.' 

The  good  king  sate  confounded  In  silenee  for  some  space, 

At  length  he  made  his  answer,  with  very  troubled  face: 

— 'U  waa  not  thus  your  mother  gave  counsel  you  should  do ; 

You've  done  rauch  wrong,  my  daughter;  we're  sharaed,  both  I  anl  yon. 

'If  it  be  true  that  you  have  Eaid,  our  honour'8  lost  and  gone  ; 

And  while  the  countess  is  in  life,  remeed  for  us  is  none  ; 

Tbough  justice  were  upon  our  siile,  ill-talkers  would  not  spare. 

Speak,  daughter,  fjr  your  motlier'B  dead,  whose  counsel  eased  my  crae' 


70 


ROMANCEIRO 


— 'How  cau  I  give  you  counsel?  — but  little  wit  have  I; 
But  certes  ccunt  Alarcos  may  rnake  his  couutess  die  : 
Let  it  be  noised  that  sicknesa  cut  sliort  ber  tender  life, 
And  tben  let  count  Alarcos  come  aud  ask  me  for  bia  \vife. 
What  paesed  between  us  long  ago,  of  that  benolhiiig  gaid ; 
Thus  noue  sbould  oiir  dishonour  know,  in  bonour  sball  I  wed.' 

Tbe  coimt  was  sfanding  with  bis  friends  — thus  in  the  nidst  he  spake! 
— '■\Vhat  lools  hc  meu!  — wbat  boots  our  pain  for  comelj'  woman's  sake  • 
I  loved  a  fair  one  loug  ago;  — tbougb  1  am  a  raaried  man, 
Sad  memory  I  kan  nc'er  forego,  how  lifo  and  love  began.' 

Wbile  yet  the  count  was  speaking,  the  good  king  came  full  thcre  ; 
He  made  his  galutation  with  very  cuiteous  cheer. 
—  'Come  iiilter,  connt  Alarcos,  and  dine  with  me  this  day: 
For  I  have  soiuelbiug  seeret,  I  in  your  ear  nnist  tay.' 

Tbe  king  came  from  the  chaiel,  when  hc  liad  heard  the  mass; 
With  him  the  count  Alarcos  did  to  his  chaniber  pass; 
Full  nobly  Avere  they  aerved  there,  by  pages  many  a  one ; 
■\Vhen  ali  were  gone,  and  they  alone,  'l  was  thus  the  king  bcgun. 

— 'AVhat  news  be  there,  Alarcos,  that  you  your  word  did  plight, 
To  be  a  husband  to  niy  child,  and  love  hcr  day  and  night? 
If  more  between  you  there  did  pass,  yourself  mny  know  the  Irutli. 
But  shamed  is  my  grt-y  head  — alas  !  — and  scorned  .Solisa's  youlh. 

'  I  have  a  beavy  \vord  to  speak,  — a  lady  fair  do  the  lie 
AVithin  niy  daugbter"s  righlfiill  place,  and  ceite!  she  must  dic. 
Let  it  be  noised  that  sickness  cut  fhort  her  tender  liíe; 
Then  come  and  woo  my  daughter,  nnd  shc  that  be  your  wKc. 
What  passed  between  you  long  ago,  of  that  be  nsthing  said, 
Thus  none  sLall  niy  dishonour  kn(  w— in  bonour  you  sball  wed.' 

Thus  spake  tlie  couiit  Alarcos.- 'The  Irulh  Dl  not  deny, 
to  the  infanta  gave  my  word,  anl  brckc  it  shamefuUy: 
I  feared  my  king  would  never  consent  to  give  me  his  fair  daughter; 
But  oh!  spare  her  thafs  innocent— avoid  that  sinful  slaughter.' 


CONDE   YANNO 


71 


— 'She  dies  !  she  diea  !  the  king  repliea ;  — -frorr  (bine  twii  sin  it  springs'; 
If  guiltlees  blood  miiBt  wash  the  blot  whicbstains  tlie  blood  of  kings, 
Ere  morning  dawn,  her  life  mnst  end,  and  thine  muet  be  tlie  deed. 
Else  thou  on  shamefull  blook  must  bcnd  :  tbereof  is  no  remoed. 

— 'Good  king,  my  hand  thou  icay'st  uommand,  else  treasoa  blots  niy  nsme  ! 
I'll  take  the  líle  of  my  dear  wife— (God!  mine  be  not  the  blame). 
Alas  !  that  young  and  siniess  heart  for  othei''3  sin  should  bleed  ! 
Good  king  in  sorow  I  depart.' — 'May  God  your  crrtnd  speed  ! 

In  sorrow  be  departíd,  dejectedly  he  rode 

The  weary  journey  from  palace  unto  bis  oun  abode  : 

He  grieved  for  bis  fair  countess,  dear  as  bis  life  was  she; 

Sore  grieved  he  for  that  lady,  and  for  his  children  three. 

The  one  was  yet  an  infant  upon  bis  mother's  breast, 
For  though  it  had  three  nurses,  it  liked  ber  milk  lhe  beft : 
The  otbers  were  young  thillren,  that  had  but  li  tile  wit, 
Hangiiig  about  their  mother's  knee  whilu  nursing  she  did  sit. 

— 'Alas  !'  he  said,  vvhen  he  had  come  within  a  little  space. 
'How  shall  I  brook  the  cheerful  look  of  my  kind  Iady's  face? 
To  see  her  coming  forth  in  glee  to  meet  me  in  my  hall, 
When  she  so  soou  a  corpse  must  be,  and  I  the  cause  of  ali !' 

Jus  then  be  saw  herat  the  door  witb  ali  her  babes  appear, 
The  little  page  had  run  before  to  tell  his  lord  was  near): 
— 'Now  welcome  home,  my  lord,  my  life  I — Alas  !  y«n  droop  yonr  head  : 
Tell,  count  Alarcos,  tell  your  \\ife,  what  makes  your  eyes  to  red? 

— 'I'll  tell  you  ali.  TH  tell  you  ali :  it  is  not  yt  t  the  bour  ; 
VreMl  Bup  togetber  in  the  hall. . .  Til  tell  it  you  in  your  bower. 
The  lady  brougbt  forth  what  she  Iiad,  and  down  beside  hira  sate: 
He  sate  beside  her  pale  and  rad,  but  neither  drank  nor  ate, 

The  children  to  his  side  were  led  (he  loved  to  have  them  so), 
Then  on  the  board  he  laid  bis  head,  and  out  his  teara  did  liow: 
— 'I  fain  would  sleep.. .  I  fain  would  sleep,'  the  oouut  Alarcos  said. 
Alas!  be  sure,  that  sleep  was  none  that  night  with!n  their  bed. 


72  ROMANCEIRO 

They  caiue  together  to  the  bower  nheie  thej'  v/eve  used  to  rest, 

None  with  iliem  Imt  the  litile  babe  tliat  was  «pon  the  breast : 

The  couut  Lati  baried  the  cliamberdoors— They  ne'er  were  barred  till  theit; 

— 'Uiihappy  lady,  he  bi-gau,  'and  1  most  lost  of  inen  !' 

— 'Now,  epeak  iiot  so,  iny  noble  lord,  my  busband  and  iny  life  ! 

Unha|ipy  never  i-an  she  be  that  is  Alarcos  wife.' 

— 'Alas  uuhappy  lady,  't  ia  but  little  ihat  you  kuow, 

Kor  in  that  very  word  you'  ve  said,  is  gathere.i  ali  yoiir  woe. 

'I.ong  siucH  1  loved  a  lady,— long  sinoe  I  oallis  did  i  lighl, 

To  be  that  lady's  husband,  to  love  her  day  aiid  night  : 

Her  father  is  our  l<>rd  the  king,  to  him  the  thing  is  kuown, 

And  now,  that  I  the  news  should  briuic !  she  claims  me  for  her  own. 

'Alas  I  my  lovc  ;. .  alas  I  my  life  !   .  th;  right  is  ou  iheir  si  de  ; 
Ere  I  had  seeii  your  face,  sweet  wife,  she  was  belrothed  my  bride  ; 
Kut,  oh!  that  I  sbould  speak  the  word  !  sincc  lu  lier  place  you  lie, 
It  is  the  bidding  ol  our  lord,  ihatyou  this  night  niust  die. 

— 'Are  these  the  wages  of  my  love,  eo  lowly  aud  so  leal? 
Oh,  kiU  me  uot,  thou  uoble  count,  when  at  thy  foot  I  kneei  ! 
But  send  me  to  my  father'8  liouse,  where  once  I  dwelt  in  glec. 
Ttere  will  I  live  aloue  chaste  life,  and  rear  my  children  ihree   !' 

— 'It  may  not  be  :  miue  oath  is  stroag;  ere  da\vn  of  diy  you  die  ! 

—  'Oh  well  't  is  seen  how  ali  alone  jpon  the  earili  am  I  ; 
My  father  is  an  ola  frail  man,  my  moilier'8  in  her  grave, 
And  dead  is  stout  Don  Garci. . .  Alas  !  my  broder  brave  ! 

'Twas  at  this  coward  king's  :ommand  they  slew  my  brother  dear, 
And  now  I'm  hclpless  iu  the  land.  Ii  is  uot  deatb  1  fear, 
But  loath  am  1  to  depart,  aud  leave  may  chíldrea  so. 
New  let  me  lay  tUem  to  my  hearl,  and  kiss  them  ere  I  go.' 

—  'Kiss  him  that  lies  upon  thy  breast ;  the  rest  thou  mayst  not  soe.' 

—  '1  faia  would  say  an  Avé.' — 'Theu  say  it  speedly.' 

She  kueit  her  down  Hpon  her  Uuee  : — 'Oh,  Lord  !  behold  my  case  ; 
Judge  not  my  deeds,  but  look  ou  ine  in  pity  and  grcat  grace.' 


CONDE   YANNO 

When  she  had  made  lier  orison,  up  frora  her  knees  slie  rose; 
— 'Bekind,  Alarcos,  to  our  babes,  and  pray  for  my  repose; 
And  now  give  me  my  boy  once  more  upon  iiiy  breast  to  liold, 
That  the  may  drink  one  farewell  drink,  before  my  breast  be  cold." 

— '  Wby  would  yon  waken  tbe  poor  cbild?  you  see  he  is  asleep 
Prepare,  dear  wife;  there  is  no  time,  the  dawn  boffins  to  peep.' 
— '  Now  hear  me,  couat  Alarcos!  I  give  thee  pardon  fiee; 
I  pardon  thee  for  the  Iove'8  sake  wherew  ith  1'  ve  loved  thee. 

'But  they  have  not  my  pardon,  the  kiug  and  his  proud  daughter! 
The  curse  of  Godbe  on  them,  for  this  vmchristian  slaughter! 
í  charge  them  with  my  dying  breath,  ere  thirty  dnys  be  gone. 
To  aeet  me  iu  the  realra  of  dealh,  and  at  God'8  awful  throne! 

He  drew  a  kerchief  round  her  neck,  he  drew  it  tight  and  sUong, 
Until  she  lay  quite  stitf  and  cold  her  chamber  fioor  along; 
He  laid  her  ihen  within  the  sheets,  and,  kneeling  by  her  side. 
To  God  and  Mary  Molher  inmisery  he  cried. 

Then  called  he  for  his  esquires:— oh!  deep  was  Iheir  disraay, 
When  they  into  the  chamber  came,  and  saw  Iier  hOw  she  lay. 
Thus  died  she  in  her  innocence,  a  lady  void  of  wrong. . . 
But  God  took  heed  of  her  offence,  his  vengeance  stayed  not  long. 

Within  twelve  days,  in  pain  and  dole,  the  Infanta  passed  away; 
The  cruel  king  gave  up  his  soul  upon  lhe  twentietli  day; 
Alarcos  foUowed  ere  lhe  moon  had  made  her  round  complete; 
Thrce  gullty  spirits  stood  right  800n  beíore  God'gjudgmpnt-seat  1. 


73 


1  I.ockliart,  ancient  stan.  isallads. 


V 

o  CONDE  D'ALLEaiANHA. 


o  romance-xàcara  cio  'Conde  d'Allemanha' 
tem  um  pensamento  bello  e  moral;  eostylo 
d'aquella  simplicidade  sublime  e  verdadei- 
ramente antiga,  que  é  o  sèllo  dss  composi- 
ções originaes  e  primitivas,  de  quando  a 
arle,  espelho  ainda  rudo  porém  ainda  ingé- 
nuo, não  faz  mais  do  que  reflectir  a  natu- 
reza, mas  reflecte- a  com  toda  a  verdade. 

Uma  Olha— uma  infanta,  pois  quasi  todos 
estes  contos  de  'era  uma  vez  ha  muito' são 
de  infantas  eprincezas  —  uma  (ilha  tem  a  des- 
graça de  vir  a  descobrir  a 'criminal  conver- 
sação'desuamãecom  um  cavalleiro mancebo 
e  exlrangeiro,  um  certo  'conde  d'Allemanha' 
— Allamanha,  ou  lambem  Ararnenlia,  como 
em  algumas  partes  diz  a  licção  do  povo.  Kl-rei 


78  BOMANCEIRC 

anda  à  caça,  segundo  é  de  uso  usado  n'es- 
tes  reinos  antigos— ao  menos  occupavam-se 
n'isso! — e  a  filha  prolesladizer-lhe  tudo  em 
elle  chegando,  apesar  dos  rogos  e  peitas  com 
que  a  mãe  a  procura  fazer  callar.  Chega  o 
pae,  a  infanta  vai  resoluta  a  elle...  Horroroso 
spectaculo!  A  tremenda  accusação  d'adulte- 
rio  proferida  pela  filha  contra  a  mãef  O  ter- 
ror chega  ao  seu  auge,  a  peripécia  é  grande 
e  sublime...  A  filha  accusa  o  seductor,  mas 
salva  a  mãe;  accusa-o  de  um  grande  altentado 
que  lhe  deve  custar  a  vida,  mas  outro,  mas 
diíTerente;  o  de  lhe  lançar  mãos  violentas, 
o  de  attentar  contra  a  honra  d'ella  infanta! 

A  falsa  querella  leva  o  conde  ao  cadafal- 
so; mas  o  crime  verdadeiro  fica  punido  e 
a  honra  do  pae  desaggravada  sem  se  re- 
vellar  a  infâmia  da  mãe. 

Ê  visível  que  este  romance  foi  composto 
para  celebrar  um  facto  real  e  histórico,  algu- 
mad'essas  negras  e  sanguinolentas  tragedias, 
que  tam  frequentes  se  representavam  nas  es- 
curas camarás  de  nossos  antigos  paços  e  sola- 
res. Nenhumajusliça  ousava  intender  n'esses 


o  CONDE  DALLEMANHA  79 

crimes  dos  grandes,  nenhuma  voz  os  denun- 
ciava; e  apenas  o  trovador  ou  o  jogral  em 
sua  ronda  de  terra  em  terra,  de  lôrre  em 
torre,  ia  repettír,  longe  n'uma,  o  que  muito 
longe  d'alli  tinha  ouvido  n'outra:  — ecchos  va- 
gos e  confusos  da  historia  verdadeira  que 
nem  elle  saberia  nem  ousaria  contar  toda,  e 
que  mais  desfigurados  e  confusos  ficavam  no 
monótono  trovar  de  suas  cantadas  coplas, 
cantadas  ao  som  uniforme  d'aquella  triste 
melopea  que  ainda  hoje  dura  na  memoria  dos 
povos,  d'onde  toda  se  oblillerou,  se  alguma 
houve  nunca,  a  lembrança  dos  factos  e  nomes 
verdadeiros  d'ésta  e  de  eguaes  tradições. 

Facto  conhecido  na  historia  de  Portugal  ou 
de  outra  parle  deIIespanha,não  sei  que  ome- 
more  este  romance;  mas  inclino-me  a  crê-lo 
de  origem  portugueza, — isto  é,  que  original- 
mente fosse  composto  no  dialecto  portuguez, 
ou  legio-lusitano,  porque  ainda  agora  ha  mais 
simplicidade  e  mais  natural  na  ^tf/aío  (tam- 
bém mais  completa)  que  d'elle  nos  dá  a  tra- 
dição oral  do  nosso  povo,  do  que  na  licção 
escripta  e  impressa  em  que  o  conservaram 

VOL.  II  9 


80         '  ROMANCEIRO 

oscolleclores  castelhanos  desde  1511  que  se 
publicou  o  seu  primeiro  romanceiro  geral. 

Ainda  no  anno  em  que  isto  se  escreve, 
1841,  é  esta  uma  das  xácaras  mais  validas, 
mais  cantadas,  e  mais  sabidas  da  gente  dos 
campos.  Assim  de  todas  as  províncias,  até 
das  de  além  mar,  obtive  cópias  d'ella;  algu- 
mas visivelmente  ailulteradas  com  grossei- 
ros rifacimentos  modernos,  addiçues  e  'me- 
lhoramentos' de  algum  presumido  cantor. 
d'aldea  que  pretendeu  corrigir  estas  anli- 
gualhas  como  os  nossos  architectos  de  Lis- 
boa corrigiram  o  convento  de  Belém, e  apper- 
feipoaram  o  frontispício  da  Conceição-velha. 

Collacionando  umas  cópias  com  outras  e 
com  a  licpão  castelhana  segundo  Depping  e 
Angustio  Duran,  appurei  o  que  me  parece 
o  texto  mais  legítimo  e  verosímil. 

Juntei  no  fim  alguma  variante  mais  no- 
tável e  que  apparecia  mais  repettida,e  lam- 
bem a  versão  castelhana. 


o  CO^DC  »*Ar^I^E.«IA;\U.4 


Ja  lá  vem  o  sol  na  serra  ', 
Ja  lá  vem  o  claro  dia, 
E  inda  o  conde  d'Allemanha 
Com  a  rainha  dormia. 
Não  o  sabe  homem  nascido 
De  quantos  na  corte  havia; 
Só  o  sabia  a  infanta ', 
A  infanta  sua  filha. 


1  Ja  o  fol  ilá  na  vidraça — Uihatejo. 

2  Sabia-o  dona  Silvaiia — Minho. 
Saliia-o  dona  Uernarda  —  Beiralta 


82  ROMANCEiaO 

— 'Não  n  as  chegue  eu  a  romper  ^ 

Mangas  da  minha  camiza, 

Se  em  vindo  meu  pae  da  caça 

Eu  logo  lh'o  não  diria.' 

— -Cair-te,  cair-te,  lá  infanta, 

Não  digas  tal,  minha  filha. 

Que  o  conde  d'AIlemanha 

De  oiro  te  vestiria.' 

— 'Não  quero  vestidos  d'oiro''; 

Mau  fogo  em  quem  n'os  vestira! 

Padrasto  com  meu  pae  vivo, 

Nunca  o  eu  consentiria.' 

Palavras  não  eram  ditas, 
Elrei  que  á  porta  batia. 
— 'Deus  venha  c'o  senhor  pae 
E  o  traga  na  sua  guia! 
Tenho  para  lhe  contar 
Um  conto  de  maravilha. 


3  Mangas  da  miuba  camiza, 
Não  n'as  chegue  eu  a  romper, 
Se  em  vindo  meu  pae  da  iiiissa 
Logo  lh'o  não  for  dizer;—  Minho, 

4  Não  quero  vestidos  de  oiro, 
Pois  08  tenho  de  damasco: 
Inda  lenho  meu  pae  vivo, 

Ja  me  querem  dar    padrasto  —iiií/tí/fjo,    Trasos  nioutes, 
Behalta. 


o    CONDE   bALLEJlAiNHA  83 

Estando  eu  no  meu  tear  = 
Seda  amareUa  tecia, 
Veio  o  conde  d'AIlemanha 
Três  fios  d'ella  me  tira. . .' 

— 'Cair-te,  d'ahi,  minha  filha, 
Ninguém  te  oiça  dizer  tal: 
Que  o  conde  d'AlIemanha 
E  menino,  quer  brincar.' 
— 'Arrenego  dos  seus  brincos  •> 
Mais  do  seu  negro  folgar  1 
Que  me  tomou  nos  seus  braços, 
A'  cama  me  quiz  levar.' 
-  -'Calla-te  ja,  minha  filha, 
Ninguém  te  oiça  mais  fallar; 
Que  em  antes  que  o  sol  se  ponha 
Vai  o  conde  a  degoilar.' 

Veis-lo  conde  d'Allemanha, 
Veis-lo  vai  a  degoliar; 
Ao  rabo  do  seu  cavallo 
Lá  o  levam  a  arrastar. 


5  Estanio  eu  no  meu  toar 
Tecendo  geda  amartUla, 
Veio  o  conde  d'Alleinanba 

Três  fios  me  tirou  d'ella. — Porto,  e  outras. 

6  Arrenego  de  tal  condo— Beicn&aíxa. 


S4  ROMANCEIRO 

— 'Venha  ca,  senhora  mãe  '', 
Venha  ao  mirante  folgar. 
Veja  um  conde  tão  formoso 
Que  ahi  vai  a  degoUar.' 
— 'Mal  haja,  filha,  o  meu  leite, 
Mais  quem  t'o  deu  de  mamar, 
Que  a  um  conde  tam  bonito 
A  morte  foste  causar.' 

Âq\ii  u  Turlantes  são  infinitai:  é  a  passagem  que  todos  os 
ingenhoB  d'aldea  se  comprazeram  mais  a  paraphrasear  e  a  fa- 
zer thema  de  seus  floreados  e  variações,  moderuizando-a  sem 
obedecer  á  rliyma  certa  do  romance  e  quando  menos  ao  seu 
tosBte  ou  assoante  obrigado,  cujas  severas  leis  não  permittein 
que  ee  mude  senão  em  espaços  regulares,  e  nunca  mais  de  duas 
ou  três  vezes  em  todo  o  decurso  do  mais  exteuso  d'elles. 

Ponho  aqui  uma  amostra  d'estas  que  não  são  variantes, 
mas  variações  roodernasi. 

Venba  ca,  senhora  mãe, 

Para  a  Janella  do  meio, 

Ver  o  conde  d'Allemauha 

Infeitado  de  vermelho, 

Venba  ca  senhora  mãe, 

A  janella  do  quintal, 

Ver  o  conde  d'Allemanha 

Como  vai  a  degollar. 

Venha  ca,  6  minha  mãe. 

Venha  á  janella  do  cauto, 

Venha  ver  o  senhor  conde 

Como  lhe  parece  o  branco. 

Venha  ver,  ó  minha  mãe, 

A' janellinba  do  poço. 

Venha  ver  o  senhor  conde 

Com  uma  corda  ao  pescoço. 


o  CONDE  D'ALLHkIANHA  85 

—  Cair-se  d'ahi,  minha  mãe, 
Ninguém  lhe  oiça  dizer  tal. 
Que  a  morte  que  o  conde  leva 
Não  lh'a  faça  eu  levar  *.' 


8  AlgumaB  cúpiae,  especialmente  as  da  Beiralta  e  Ribatejo, 
trazem  no  fim  uma  eg|  ecie  de  conclusão  ou  rabo-lova;  o  que  G. 
<ie  Rezende  chamaria  ca^o  o\  fym  (vej.  Caiiç.  de  Rez.):  remate 
que  todavia  se  incontra  quasi  pelas  mesmas  palavras  cm  muitas 
outras  xácaras  e  romances. 

N^uraa  campa  raza  e  triste 
Ja  o  deixam  iuterrado  ; 
Pozeram-Ihe  á  cabeceira 
Um  letreiro  tem  lavrado, 
Para  quem  passar  que  diga  : 
—  'Aqui  jaz  o  malfadado, 
Que  morreu  de  mal  d'aniores. 
Que  é  mal  d«éesperado.' 


86  ROMANCEIRO 


MCÇAO  C.4STKI.H.%.%A 


A  tau  alta  va  la  luna 

Como  p1  gol  á  médio  dia, 

Guando  el  buen  conde  AUeraan 

Con  esa  dama  yaeía. 

No  lo  sabe  hombre  nacido 

De  cuant03  en  corte  habia, 

Sino  solo  la  condesa, 

Esa  condesa  su  hija 

Asi  la  duena  la  hablára, 

De  eita  manera  decia  : 

— 'i  uanto  viéredes,  condesa, 

Cuanto  viéredes  encobrildo. 

Dares  ba  el  conde  Alleman 

Un  manto  de  oro  fino.' 

—  'Mal  fuego  le  queme,  madre, 
Kl  manto  de  oro  fino. 
Guando  en  vida  de  mi  padre 
Tuviese  padrasto  vivo.' 

De  alli  se  fuera  llorando. 
Al  conde  su  padre  ha  visto. 

—  V;  Porque  llorais,  la  condesa? 
Decid  ^quien  llorar  os  liizo? 

—  '  Yo  me  estaba  aqui  coraiendo, 
Comiendo  sopas  en  vino, 
Entro  el  conde  Allemau 

Y  echólas  por  el  vestido.' 

— 'Calleis,  mi  hija,  calleis, 

No  tomeis  deso  pesar, 

Que  el  conde  es  nino  y  muchacbo, 

Hacerlo  ha  por  burlar.' 


o  CONDE  d'ai.lkmanha  87 

— 'Ctiando  me  tonió  tn  sue  brazos, 

No  me  quizo  respetar.' 

— 'Si  el  os  tomo  en  3us  brazos' 

Y  cou  vos  quizo  liolgar 

Eu  antes  que  el  sol  saliese 

Yo  lo  mandaré  matar  1.' 


1  Ko-nauccro  de  D.  Aug.    Diiran,  tom.  iv,  p.   I.  Oclioa,  Te- 
a  oro.  p.  £. 


VI 

COM    à-LEIXO 


Tem  este  romance  um  viço,  um  frescor  de 
originalidade  que  recende.  Todo  elle  respira 
a  graça  desaffeitada  da  poesia  primiliva.  E  to- 
davia é  flno,  elegante,  cheira  a  um  salão  de 
castello  da  meia  edade,  aos  perfumes  do  bou- 
doír  de  uma  nobre  donzellado  tempoda 'Ma- 
dre-silva'  ou  da  'Ala-dos-naraorados'.  Se  o 
cantaria  o  condestabre  à  sua  dama  ?  Ou  o  Ma- 
griço áquellas  misses  de  olhos  azues  que  foi 
defender  a  Inglaterra?  Ou  se  o  traria  de  Nor- 
mandia o  conde  de  Abranches? 

Sabemos  que  estas  coisas  eram  já  mais 
moda  então  do  que  as  inrevezadas  trovas  tro- 
vadas d'el-rei  Dom  Diniz  e  de  seus  donzeis  e 
discípulos, pois  temos  noschronistasaauctori- 
dade  de  Nun'alvares  Pereira,que  era  o  grande 


92  ROMANCEIBO 

modelo  de  seu  tempo,  e  preferia  os  romances 
d'elrei  Arthur  e  de  sua  TavoUa,  a  todas  as 
pieguices  alambicadas  da  eschola  provençal. 
Não  quero  dizer  que  seja  'Dom  AAleixoHam 
antigo  como  'Amadii'  em  sua  linguagem  e 
composição.  Digo  que  a  historia  e  o  modo  de 
a  contar  sabem  a  esses  primitivo  tempos. 
Vasco  de  Lobeira  pôde  ser  mais  velho  um 
século  ou  dous;  mas  o  menestrel  que  disse 
este  cantar,  não  o  fez  mais  moderno,  talvez 
menos.  Na  mesma  montanha  e  na  mesma  es- 
tação do  anno  varia  a  temperatura,  o  clima  e 
a  vegetação  por  tal  modo,  que  o  viajante  pôde 
imaginar-se  estarno  mesmodia.naprimavera 
enohynverno,  no  estio  e  no  outomno,  segun- 
do sobe  para  a  cumiada  ou  desce  para  a  falda 
da  serra.  Ainda  no  mesmo  ponto  e  no  mesmo 
jardim  llorece  em  janeiro  a  plantaque  está  no 
abrigo,  exposta  ao  sol,  livre  da  geada;  em 
quanto  sua  egual  e  sua  irman  gela  sem  flor 
nem  folha  ao  desabrido  sopro  do  nordeste. 
Será  mais  dobrada  e  mais  brilhante  a  flor 
d'aquella;  mas  quando  estoutra  rebentar 
aos  bafejos  da  primavera  natural,  o  seu  viço 


DOM  ALEIXO  93 

e  perfume  hãode  ser  mais  vivos  e  de  mais 
força. 

Assim  é  com  a  poesia :  na  mesma  geração 
o  poeta  lido  e  letlrado  produzirá  odes  e  so- 
netos que  pareçam  dous  séculos  mais  mo- 
dernos do  que  as  incultas  coplas  do  seu  con- 
temporâneo. N'aquelles  a  moda,  a  imitação 
dos  modelos  estimados  do  tempo,  lhe  es- 
tampará com  todas  as  lettras  o  anno  de  sua 
composição:  a  originalidade  d'estes  não 
traz  (lata,  nem  a  tem,  porque  a  natureza 
não  varia  com  os  séculos. 

Não  vemos  nós  também  a  gente  dos  cam- 
pos em  muitas  províncias  da  Europa  trajar 
ainia  hoje  ás  modas  de  ha  seis  ou  sette 
centos  annos,  e  de  mais?  As  populações  do 
Oriente,  os  povos  pastores  com  especiali- 
dade, não  vestem  ainda  hoje  como  nos  mais 
remotos  tempos  de  que  saibamos? 

Faço  e  escrevo  estas  considerações,  por- 
que ellas  são  precisas  para  avaliar  conje- 
cturalmente  o  que  não  tem  livros  nem  mo- 
numentos nem  documento  outro  algum  por 
onde  se  estude  ou  se  aífira. 


94  KOMANCEIUO 

*Dom  Aleixo'  é  dos  nossos  romances  po- 
pulares o  que  me  chegou  mais  corrupto, 
interpolado,  e  de  que  menos  licções  provin- 
ciaes  pude  obter;  só  uns  fragmentos  da 
Beiralta  e  outros  de  Lisboa.  Se  não  (ora  a 
copia  do  cavalheiro  de  Oliveira --de  que  me 
não  valho  senão  em  extremos,  porque  lhe 
dou  menos  fé  que  ás  tradifões  oraes  do  po- 
vo— tinha-me  sido  impossível  restitui-lo. 
Ainda  assim  algumas  raras  palavras  foram 
por  mim  conjecturalmente  substituídas. Taes 
são  na  copla  que  diz: 

Ou  se  es  alma  qiu;  an(Ja  em  penas, 
Te  furei  tiicommendar. 

A  tradição  oral  de  Lisboa  diz: 

Eu  por  ti  meuos  daria 

O  que  não  faz  sentido' algum;,'e  devia  de  ser: 

Eu  te  incommendaria. 

sendo  alli  a  rhyma  em  ia,  não  em  ar  como 
na  nossa. 

Oargiimenlodo  romance  é  gracioso  e  lindo 
pôstoque  remate  bem  tragicamente.  De  três 
irmans  que  viviam  junctas,  a  mais  pequena 
era  tam  amiga  de  saltar  e  folgar,  que  uma 


DOM  ALEIXO 


93 


noite  se  vestiu  de  pagem,  e  passeiando.rua 
abaixo  rua  acima  ao  pó  de  sua  casa,  G'ngia 
querer  cortejar  alguma  das  três  irmans  que 
alli  moravam,  e  que  Iam  parecidas  eram, 
tam  de  eyualhar,  que  ella  dizia,  em  des- 
prendido stylo  leonino— e  esse  sim  que  é  o 
mesmo  em  todos  os  tempos : 

Das  três  irmãs  que  aqui  moram 
A  qual  heide  cu  namorai? 

Dom  Aleixo. seu  apaixonado  d'eila,  sentado 
no  poial  aopé  da  porta,  e  disfarçado  em  ermi- 
tãOjViucom despeito  as  fanfarronicesd'aquelle 
atrevido  pagem  que  não  reconheceu,  e  lhe 
(•uiz  metter  medo  com  uma  supposta  espera 
que  Uie  estavam  fazendo.  Mas  a  dama-pagem 
tinha  ânimos  de  cavalleiro,aírrontou  o  perigo 
em  vez  de  fugir.  E  quando  Dom  Aleixo  reco- 
nhece a  sua  amuda  e  lhe  vai  a  deitar  os  bra- 
ços, ella  o  fere  mortalmente  com  um  punhal. 
É  singela  a  historia,  mas  verosímil  e  inte- 
ressante, como  são  todas  éslas  que  os  nos- 
sos menetreis  cantavam. 

Não  apparece  vestígio  algum  d'esle  ro- 
mance nas  collecções  castelhanas. 

VOL.  II  ^^ 


DOM  AL.EIXO 


Nós  éramos  três  irmans  ', 
Todas  três  de  um  egualhar; 
Uma  insinava  á  outra 
A  cozer  e  a  bordar. 
A  mais  pequena  de  todas 
Se  foi,  por  noite,  a  folgar  2 
Com  duas  tochas  accesas 
A  porta  do  laranjal  -^ 

1  E  vigivel  o  ên-o  e  corrupção  das  licçõos  que,  faltando  â 
rliyma  obrigada,  lèem  n"e8ta; 

Nós  éramos  troe  irinaus, 
Todas  três  de  um  paretcr; 
Uma  ensinava  ;i  outra 
A  bordar  e  a  cozer — líeiralta. 

2  Andava  pelo  pomar — Lisboa. 

ò  Ao  redor  do  laranjal— ^eiraUti. 


98  ROMANCEIRO 

Vestiu  vestido  de  pagem, 

Que  lhe  ficava  a  mattar, 

Seu  punhal  de  oiro  na  cinta, 

Seu  borzeguim  de  alamar. 

Foi-se  pela  rua  abaixo, 

Tornou  acima  a  voltar: 

— 'Das  três  irmaris  que  aqui  moram, 

A  qual  heide  eunamorar  ?' 

Nós  de  dentro  do  balcão, 

A  rirmos  de  seu  brincar"*. 

As  tochas  tinha  apagado, 

Vinha  sahindo  o  luar, 

Passando  junto  da  porta, 

Que  os  olhos  foi  a  baixar, 

Viu  estar  um  ermitão 

Assentado  no  poial. 

— 'Que  fazeis  aqui,  meu  padre, 

Que  fazeis  n'este  logar  ?' 

O  erm.itão,  sem  responder, 

Começou-se  a  levantar. . . 

Tam  alto  em  demazia, 

Alto,  alto  de  pasmar^ 

— *Se  tu  se  a  coisa  má, 

Eu  te  quero  esconjurar, 

Ou  se  es  alma  que  anda  em  penas, 

Te  farei  incommendar  6.' 

4  Vu\e&T—neiralla.        :>  Que  era  coisa  de  ji:isu\&r—  Lishoa. 
C  Farei  incommendar  a  tua  alma,  rezar  por  ti,  «lizer  mu- 
sas, etc. 


DOM  ALeiXO  99 

— 'Eu  não  sou  a  coisa  má 
Que  tenhas  de  esconjurar; 
Também  não  sou  alma  em  penas 
Para  tu  me  incommendar: 
Sou  a  alma  de  Dom  Aleixo, 
Que  aviso  que  venho  dar  ''i 
Sette  te  estão  esperando 
Na  esquina,  áquelle  portal, 
E  jurara  por  Deus  sagrado 
Que  a  vida  te  hãode  tirar.' 

— 'Pois  eu  por  esse  lhe  juro  ", 

E  pela  Virgem  Maria, 

Que  outros  sette  que  elles  foram, 

Eu  atraz  não  tornaria. 

Oh  lá,  oh  lá,  cavalleiros, 

Não  levem  de  covardia, 

Puchem  por  suas  espadas. 

Que  eu  pucharei  pela  minha. 

O  que  não  trouxer  espada, 

Eu  esta  lhe  imprestaria, 

Que  eu  cá  com  meu  punhal  de  oiro 

Defenderei  minha  vida.' 

Palavras  não  eram  dittas, 
O  ermitão  se  descubria, 

7  Que  te  venho  avisar— iíítoa. 

8  Pois  polo  ineamo  lhe  juro — Biiralta. 


100  ROMANCEIRO 

Foi  a  tomá-la  nos  braços 

Com  sobeja  demazia. .  . 

EUa  com  seu  punhal  de  oiro, 

Que  na  cintura  trazia. 

Tal  golpe  lhe  deu  nos  peitos, 

Que  alli  por  morto  cahia. 

— 'Quem  te  raattou,  Dom  Aleixo. 

Quem  te  maitou  minha  vida?' 

— 'Mattaste-me  tu,  senhora, 

Que  outro  ninguém  não  podia.' 

Ergue-te,  Dona  Maria, 

Bem  calçada  e  mal  vestida, 

Agora,  por  mais  que  chores 

Tua  alma  fica  perdida  ■'. 


9  Ksta  ultima  copla,  que  em  toclas  as  licções  apparece, 
pertencerá  com  effeito  ao  romance?  ou  será  fragmento  de  cutro 
que  se  llie  cozeu  pela  ignorância  Jo  vulgo?  As  minbas  conjeelu- 
raa  inclinam-se  á  seguuda  (i'er;tas  opiniões;  mas  conservei  a  co- 
pia  no  texto  por  nãc  encontrar  uma  só  licção  em  qae  ella  não 
venha.  Certo  é  porém  que  as  licções  aqui  são  todas  fragmentos. 


VII 

8YL.VANINHA 


A  rudeza  da  linguagem, a  descompostura  do 
stylo,  e  a  nudez,  posto  que  innocente,  de  al- 
gumas expressões  e  imagens  characterizam 
o  romance  popular  da  'Sylvaninha'  por  uma 
das  mais  antigas  composições  que  a  tradição 
dos  povos  tem  conservado,  de  tempo  imme- 
morial,  na  nossa  península.  Não  dei  com  elle 
em  nenhum  romanceiro  ou  cancioneiro  cas- 
telhano; mas  não  ha  província  de  Portugal 
onde,  mais  ou  menos  completo,  se  não  cante. 

A  cópia  de  que  me  servi  quando  pela  pri- 
meira vez  o  publiquei  em  1 828,  como  funda- 
mento e  illustração  da  'Adozinda^'  tinha  sido 
obtida  em  Lisboa  pelo  paciente  zelo  de  uma 
menina  da  minha  amizade,  que  ia  escrevendo 
no  papel  o  que  ora  lhe  cantava  ora  lhe  rezava 

1  Veja  prefacio  e  noias  do  1."  vol.  do  Romanceiro,  segunda 
edição  (da  Adoziudu),  Lisboa  1843. 


10*  BOMANCEIRC 

uma  criada  velha  da  província  do  Minho,  ha 
muito  anno  aqui  residente.  Vai  agora  melhor 
restituído  o  texto  com  o  auxilio  de  outras  có- 
pias que  memandaramdaBeiraedoRibatejo. 

O  assumpto  d'este  romance  é  feio  e  des- 
naturai; mas  são  os  que  mais  interessam  o 
vulgo  em  toda  a  parte,  e  que  preferiram 
sempre  os  poetas  nas  primitivas  edades  das 
nações.  O  coração  áspero  e  cru,  os  senti- 
mentos duros  dos  povos  semibarbaros  pre- 
cisam d'esses  violentos  slimulos  para  vibrar 
—  diz  Sir  Walter  Scott  *  —  o  espirito  ainda 
não  está  puriQcado  bastante  para  fugir,  co- 
mo em  tempos  mais  civilisados,  de  tam  as- 
querosos meios  de  excitar  interesse. 

A  vaidade  de  poeta  moço  fez-me  escolher 
esta  xácara  para  provar  n'ella  a  mão  quan- 
do me  insaiava  a  traduzir  para  a  lingua  e 
poesia  de  hoje,  alguns  dos  antigos  vestígios 
dos  nossos  obscuros  Enios  da  meia  edade, 
porque  me  irritavam  essas  mesmas  difficul- 
dades  e  me  lisongeava  de  as  vencer.  Da 
Sylvana  nasceu  pois  a  Adozinda,  e  em  tam 

1  òltHitrelsy  o/  tlie  scottUh  horderi. 


SYLVANiNHA  105 

boa  hora  que  d"ahi  data  o  gosto  da  poesia 
popular  entre  nós:  por  onde  não  fui  tam  in- 
feliz, apesar  dos  escrúpulos  com  que  fiquei, 
assim  da  perigosa  trama  que  escolhera,  co- 
mo da  timida  ordidura  com  que  a  cubri. 

Hoje  seria  aífectação  ridícula  omiltir  aqui 
aquelle  texto  em  toda  a  sua  crua  nudez.  Boa 
é  a  máxima  dos  romanos:  Far.inora  ostendi 
dum  punia ntur,  floijitia  autem  abscondi  de- 
hent.  Mas  não  será  da  publicação  pela  im- 
prensa de  uma  xácara  velha,  que  anda  na 
memoria  dos  povos,  que  ha  de  vir  a  pollu- 
ção  do  espirito,  e  menos  ainda  o  derran- 
car  do  coração,  que  é  a  verdeira  doença- 
mãe  de  todas  as  doenças  moraes. 

Quanto  se  pôde  julgar  de  uma  coisa  tam 
desbotada  do  tempo  e  das  mãos  por  que 
tem  passado,  inclino-me  a  crer  que  esta 
singela  rhapsodia  popular  é  anterior  ou,  se 
contemporânea,  extranha  á  polida  e  estu- 
dada litteralura  provençal  do  século  xiir. 

Que  ja  no  tempo  de  D.  Francisco  Manuel 
de  Mello  ella  era  havida  por  coisa  muito  an- 
tiga, e  de  nenhum  modo  castelhana,  temos 


106  ROMANCEIRO 

bom  documento  no  seu  'Fidalgo  aprendiz,' 
jornada  segunda*: 

Entoay,  por  meu  prazer. 
Qualquer  coisa. 

GU 

Sein  guitarra  ? 

Brites 
Eylla ;  tomay. 

Gil 
'Passeara-Be  Sylvana 
Por  um  corredor  um  dia . . . 

Brites 
Ay  senhor  !  eu  não  queria 
Senão  lettra  castelliana. 

Gil 
Cantarey  algaraviv. 
Se  mandays  ;  pois  que  quereis? 

Brites 
Uina  letra  nova  quero, . . 

0  pensamento,  o  fundo  das  ideas,  o  pri- 
meiro desenho  e,  quando  muito,  o  tom  do  co- 
lorido geral,  é  o  que  se  deve  examinar  e  con- 
siderar n'estesesbocetos  antigos, tantas  vezes 
pintados  e  repintados  por  pinceià  de  cada  vez 
mais  grosseiros  e  ignorantes, e  sobre  tudo  im- 
penhados  sempre  em  modernizar,  pôr  á  moda 
e  fazer  bonito  o  que  lhes  parecia  tosco  e 

1  Ed.  de  Leão  de  França,  1665,  pag.  247. 


STtVAMNHA  107 

grosseiro,  só  porque  era  simples  e  original. 

O  stylo,  as  palavras,  a  forma  toda  exterior 
de  um  d'esles  romances  parecerá  muitas  ve- 
zes, à  primeira  vista,  de  um  século,  e  d'es- 
se  é  com  verdade,  porque  n^elle  foi  refeito 
ja  na  sexta  ou  septima  traducção  oral; 
quando  originalmente  elle  foi  composto  ou- 
tros tantos  séculos  antes. 

Não  ponho  senão  as  variantes  mais  notá- 
veis; tem  muitas  outras,  e  infinitas  quasi, 
este  romance,  por  ser  dos  mais  populares  e 
e&palhados  era  todas  as  províncias.  N'um 
curioso  exemplar  da  Beiralta,  em  vez  de 
começar  como  aqui  começa  e  geralmente  se 
diz,  o  principio  é  estoutro,  accrescentado 
decerto  por  mão  ignorante  e  sem  tacto: 

o  conde  de  Villa-Flor, 
Com  ser  o  conde  maior, 
Com  ter  ja  três  filhos  homens, 
Lindos  como  o  mesmo  sol, 
A  sua  filha  Sylvana 
De  amores  accommettia: 
— 'Bem  poderás  tn,  Sylv.iua, 
Commigo  fallar  um  dia.' 

No  resto  diífere  pouco  da  licção  geral. 
\  'Adozinda'  feita  sobre  a  'Sylvana'  e  em 


108  ROMANCEIBO 

geral  a  poesia  popular  portugueza  deram 
motivo  a  um  interessante  artigo  que  se  pu- 
blicou no  num.  xx  do  Foreign  Quarlcrleij 
Review  de  Londres,  outubro  de  l832.  Co- 
pia-se  aqui  a  parle  respectiva,  não  só  pelas 
curiosas  observações  do  escriplor  inglez, 
mas  pelos  tractos  da  traducção  ingleza  mais 
curiosos  ainda. 

AVe  havc  already  iulimated  thal  tbe  long  slighted  xacara  ha* 
at  Icngtli  íound  a  cultivated  adinirer;  and  tbis  adniirer  is  the 
ÍSeuhor  Almeida  Garrett,  whose  attentiou  seems  to  bave  been 
fCcalIed  to  wbat  formed  the  delight  of  bis  infancy,  by  the  uni- 
versal niodern  rage  for  old  uatioual  legenda  and  songg.  He  has 
ocUected  tbe  fraginents  of  maiiy  mutilated  xacaras,  and  in  tbe 
introduction  to  Adozinda  Bpeaks  of  publishiiig  theni,  with  ver- 
sions  60  far  moderniziug  tbem  as  to  render  tbe  language  aud  sto- 
ries  iutelligible.  AVe  are  great  lovers  of  sucb  lore ;  and  the  Por- 
tugueze  nature  is  so  essentialy  poetical,  tbat  \ve  are  satisfied 
Ijusitanian  lispings  in  numbere  ninst  be  amongst  the  sweetest 
of  earlj-  remains. 

Adozinda  is  not  exactly  a  epecimen  of  wbat  tbis  work  wculd 
be;  in  it  tbe  xacara  fragmenta  baving  grown  into  a  poetical  ro- 
inance  in  four  short  cantos,  and  being  altered,  as  well  as  dila- 
ted  and  completed.  They  could  not  el'e  Iiave  appeared  in  tbese 
days  of  refinemcnt ;  for  tbe  tale  is  foundeil  on  a  passion  revol- 
ting  to  buman  natuie,  and  requires  tbe  utmost  delicacy  cf  ma- 
nagemeiít  to  render  it  endurable.  Our  autbcr  has  done  mueh  to 
Boften  itg  offeueiveness;  indeed,  as  muih  as  in  mosl  parts  of  the 
cositincnt  will,  we  conctive,  ho  tboi\çht  siitíicient.  Euglish  roa- 
ders  areJ,  bowever,  more  fastidious  ;  and  ibere  are  parts  ofthis 

1  Esta  vaidade  da  pruderie  ingleza  pavoneia-se  aqui  muito 


SYLVAMNHA 


109 


põem  wbich  we  coiild  ueither  trauslate  uor  even  insinuate  con- 
fortably,  We  iiiust  theiefore  tell  the  story  briefly  in  our  owu 
way;  first  giving  the  description  of  Don  SÍ6naiido'a  return  home 
*ioin  the  moorish  wars,  and  contludiíig  with  eztracts  from  the 
catastrophe.  As  uEual  we  imitate  the  metre  of  the  oiigiual,  to 
whiih  belongs  the  intermixture  of  unrhymod  Unes. 

Lo!  wtat  crowds  seck  Landim  palace 
Where  it  towers  aliove  the  riverl 
Sounds  of  war  and  sounds  of  rainh 
Through  its  lofiy  walls  are  ringingi 
Sbakes  the  diawbridge,  groans  the  carth 
Uuder  troops  in  armour  bright; 
Steeds,  caparisoned  for  tigUt, 
Ouvvard  tramp:— o'erhead  high  flinging 
líaniiers,  where  the  red  croBs  glows, 
Standard- bearers  hurry  uear, — 
Don  Sisnando's  self  is  here: 
From  his  breastplate  flashes  light; 
Plumes  that  soem  cf  mountaiu  snow 
0'er  his  dazzUng  helmet  wate; 
'Tis  Sisnando,  great  and  bravel 

'Open,  open,  castie  portais! 
Pages,  damsels,  swiftly  move! 
Lo!  from  Paynim  lands  rctjrniug 
Gomes  my  husband,  lord,  and  lovel 
Thus  tbe  fond  Auzenda  cries 
Tow'ids  tbe  portal  as  sho  flie=. 
Gates  are  opened,  bhouts  ring  round; 
An  the  ancient  castle"8  echo 
Wakens  to  the  fe&tive  sound; 

fora  de  propósito.  Nas  collecções  de  Percy  e  de  W.  Scottha  coi- 
sas tara  pouco  coufortaveis  como  esta,  ou  menos  talvez.  Myrrha 
e  Cannace,  não  a  lêem  ellcs  em  Ovidio,  sem  fazer  estes  tregei» 
tos  de  hypocritueg  que  são,  os  noESOs  alliados? 


lio  BOMANCEIRO 

Welcome!  welcome,  Don  StBnanrlo!' 
***** 

Wceps  her  joy  Auxencla  rneck, 
Streaus  of  rapture  ewcetly  flow; 
Down  the  never-changiug  cheek 
Of  Ibe  warrior  stout  and  atem, 
SteaU  a  lear-drop  ali  unheeded  — 
Stronger  far  is  joy  thau  woel 

Recovering  from  bis  conjugal  transports,  Don  Sisnando  aska 
'^or  bis  daugbter: 

At  big  side  bis  daugbter  fair 
Trembling  stands  with  downcast  air. 
Lik«  aorae  modest  star  8bn  scems, 
In  tbe  boi  and  vivid  beanis 
Of  !he  8un,  uprising  brigbt, 
Seen  as  beautiful  as  cvor 
But  pale,  dim,  bereft  ef  ligbt. 

Thrce  long  3'earB  liad  Don  Sisnando 
Fougbt  against  tbe  Moorisb  erew; 
And  uiiknown  in  tbis  fair  dame 
'Now  bis  daugbter  met  bis  view  — 
'ííee  her  berel'  the  ruulber  cries, 
Rouod  her  waist  and  arm  entwiniug; 
'See  her  bere,  my  Lord!' — What  flanie 
Bla^es  in  tbe  fatlitT's  eyes 
Kixed  upon  his  lovely  daugbter; 
Wonder  with  deligbt  combining, 
hong  he  stands  in  rapture  mute. 
Adozmda  sigbs  and  bUisboE, 
AVhispers  'Fatbcr!'  tremblingly, 
Bends  in  languid  gui«e  her  kuee, 
And,  on  tbe  paternal  hand 
Bieathes  with  icy  lips  a  kiss. 
Whilst  of  tears  a  torrent  gushes, 
Tears  sbe  may  uo  more  command. 


S^T-VAXníHA  111 

Our  hint  «s  to  the  revolting  char«cter  of  the  story  may,  j^er- 
baps,  have  prepared  the  rcader  to  perceive  tbat  the  faiher  has 
fallen  in  love  wiih  his  own  daughter.  Alozinda  had  been  {>  re- 
wamed  of  ibe  honors  awaiiing  her  by  a  bcrruit,  to  whora  she 
as  a  cbild,  had  persuaded  ber  ungentle  father  to  grant  bosnita' 
lity,  and  sbe  has  ever  since  babilnally  paesed  her  nigbts  in  sr> 
litary  prayer  in  a  haunted  grotto.  Here  hi-r  faiber  surpri.-cs  her_ 
and  sbe  only  escapei  fhe  impetuosity  ofhie  loathsome  paBsion 
by  promizing  to  admit  hira  to  her  i  bamber  the  foUowiog  nigbt. 
Her  Etill  beautiful  mother  tak.es  her  place;  nnd  tbe  fatber,  enra- 
o^ed  at  diseovering  lhe  holy  traud,  ehate  up  Adozirda,  wlthout 
clolhes  or  drink,  for  seven  years  and  a  day,  in  a  rooflesR  tower, 
where  a  Moorish  king  had  so  imprisoned  a  faithless  wife.  He 
thíi)  retires  to  his  cbamber  wbere  none  may  intriide: — 

And  the  father  is  alone. 
He  alone?  With  hitn  remain 
They  that  ne'er  deaert  their  o\vn:  — 
Sin,  remorse  and  gnawing  paln 

*  *  *  *  -s 
Dawns  at  length  th'  appointed  day; 

Adozinda's  years  of  doom, 
Years  and  day,  at  eve  expire. 
Scorobed  i'  tb'  sun'»  meridian  ray 
Seems  the  solld  earth  on  fire. 
From  j'ou  prison'»  BuUen  woicb 
Hark!  wbat  afientn  force  their  way? 
Aecents  seveu  long  year«  unbeard. 
■  Ti»  a  voife  tbat  at ks  eompassion; — 
Heaiken  to  each  piteous  word — 

•  Oite,  Oh  give  a  draught  of  water! 
One  «ole  dranght  for  mercy  s  §ake; 
Here  nnaheltered  I  am  bnrntnt 
And  my  very  heart  ivill  break.' 

That  was  Adozinda  fair, 
AU  her  aecentn  refognize  ; 

VOL.  n  11 


112  ROMANCEIRO 

To  hcr  prisoa  tbrongs  repair, 
Ou  tbe  loop-bule  ãx  tbeir  eyus, 
Aiid  'nhe  livet!  she  liveí'.'  they  slioiít, 
'Lives  the  iiinocent  oppressed!' 
Theii  auiidiít  tbe  vvoniJ'ring  roíit 
St.ries  01'  hpr  patieiíce  spreail; 
AM  the  viriucs  are  coufesstd, 
Oflbe  Ani,'fl  iiiounitíd  as  dead. — 
Ilnrk!  ;i^'ai'i  tliose  sounas  are  heard! 
Ilark!  agaiii  eacb  piteoa»  word 
Seetn."  tbe  priaon  walle  to  «bnke. 
'Give,  Oh  give  a  drautrbt  uf  waterl 
One  sole  draiigbt  for  ini!rev's  sak«; 
llere  unsbeliered  1  am  buroing 
Aiid  niy  very  heart  will  break.' 

Kveiy  breaet  was  iiioved  ic  grieC, 
llut  ber  latber  wbo  migbt  brave? 
Weepiug  Ihvy  Ibia  auswer  gav*  - 
iADgul,yet  a  wbilu  endure, 
Switc  deliverance  is  «are, 
He,  tby  Sire,  iiiusl  briug  rellel'. 
Now  tbe  Beveu  long  years  are  gooH, 
Aiid  the  day  is  uell  nigb  done; 
Yet  au  bour  '  gaiuiit  death  coutuud, 
'l'lieu  tby  Biitteriíi;!  luust  ciid.' 

Adozíuda  answei^  tbat  she  cauuot  hold  out  auotber  bour. 
Sbe  tella  bow  sbe  hm  beeu  supported  agaiust  tbirat,  beat  and 
cold,  tbrough  tbe  sevea  yeare  by  a  eoudnued  oiiiaele,  but  tbat 
tbe  bacd  otOod  bas  beeu  withdrawa  from  ber  for  tbe  lasttbtee 
'tavi,  aud  sbe  can  endure  uo  more.  Sbs  conflade»  by  aga  n  re- 
peatiug  ber  staBía  of  eupplioation.  Tbe  tidiug»  reacb  Don  Si«" 
naudo  :  — 

And  vvitbin  bis  Ktony  breait 
Cruelty  bas  diod  away, 


8YLVANINHA  ll-T 

DiiwnB  of  pily  a  faint  ray ; 

rrom  blij  parcbed,  «epulubrul  eyus, 

Terror,  that  ou  ali  impreesed, 

By  tbe  bani  tbat  will  chaetise 

Toucbed,  burst  tears  of  biiman  auguish. 

»  •  «  i»  * 

To  tbe  towT  be  rashes,  shonting 

'Water!  qaiik,  briíig  water  here! 

llaeieo,  basten  ali  to  aid 

Tb'  innocent  ill  fated  maid, 

Murdereíl  by  hcr  father's  Landt  '.' 

Sbouting  ihus  he  burries  near ; 

And  beneaih  tbe  prisoa  stands, 

Wbere  ead  Adoziada  moans, 

'Daugbter!  yet  'tis  time  —  Ob  livel 

Daugbter,  daughtei-,  Oh  !  forglve 

Tbis  vile  mard'rer!'  —  Pas>ion'8  íoi-ce 

Cboaks  bici  acceats,  cboaks  bis  groaus  ; 

Voiee,  strengbt,  breatb,  have  suddeu  fiiiled  bina  — 

Ou  tbe  earlb  he  lies  a  corse. 

Tbese  events  raise  Aczeu  la  from  u  Uat  wa»  ihought  ber  death- 
bpd.  8be  tottcra  to  tba  f'>ot  of  the  fower,  and  orders  bev  dau- 
gbter to  be  released.  Biit  uo  excrtions  can  biirst  tbe  prisoa  doors, 
till  tbe  Hsrmit  wbo  bad  forcwaraed  Adoziuda  arrivuâ  At  bíB 
word  tbo  tovveropeas. — Adiziuda  i«  dead — aod  dead  be  leavei> 
b"r.  Bat  Dan  Sisuau  lo  be  recaU  lo  life,  that  lhe  «inuer  may, 
l»y  long  and  paiaí°al  penitenec,  atoue  bis  crime.  The  guilty  íatbcr 
dt^parts  with  Ibs  hermit.  an  1  ia  íccn  in  more;  bui.  eveu  to  tbf 
liiescnt  day, 

.Still  at  uiidaigiit°d  soleu)ii  boiír 
Uuderueatb  that  rniii'd  tow'r, 
Tbroufth  tb'  adjoiuiusr  chapei,  loa.id 
Voices  roiagling  words  and  groans  — 
«Pardon!  pardon  !  ecboea  rouod. — 
Tboi«  are  Don  ^isnaDd  y*  t  )nei . 


í!>vi^va:m.^ií.4 


Fasseiava-se  a  Sylvana 
Pelo  corredor  acima*; 
Violla  de  oiro  levava, 
Oh!  que  tam  bem  a  tangia! 
E  se  ella  bem  a  tangia, 
Melhor  romance  fazia. 
A  cada  passo  que  dava, 
Seu  padre  a  comraettia: 
—'Attreves-te  tu,  Sylvana, 
L'ma  noite  a  seres  minha?' 
--'Fora  uma,  íôra  duas, 
Fora,  meu  pae,  cada  dia; 
Ma'  las  penas  do  inferno 
(^uem  por  mim  las  penaria?" 

l  l*oi  teu  corredor  «cima  -iíinfio. 


1 16  RI.  MÀNCEÍtSO 

— 'Pena  las-hei  eu,  Sylvana. 
Que  las  peno  cada  dia.' 

Foi  se  d'alli  a  Sylvana, 

Mui  agastada  que  ia; 

Foi  se  incontrar  com  sua  madre 

Lá  no  adro  da  ermida^: 

— 'Que  tens  tu,  minha  Sylvana, 

Que  tens  tu,  ó  filha  minha?' 

— 'Ohl  quem  tal  pae  não  tiverai 

Quem  não  fora  sua  filha! 

Que  me  accommette  de  amores, 

O'  minha  mie,  cada  dia.' 

— 'Vai,  filha,  vai  para  casa, 

Veste  uma  alva  camisa, 

Que  o  cabeção  seja  de  oiro ', 

As  mangas  de  prata  fina: 

Deitar-te-has  no  meu  leito, 

Eu  no  teu  me  deitaria. . . 

E  hade  valer-nos  a  Virgem, 

A  Virgem  Sancta-Maria.' 

Lá  junto  da  meia-noite 

Seu  padre  que  a  accom.mettia . . . 


1  tntrc  a.  sala,  e  a  coiioha— Jfíti/ío,  Sxtremadura, 

9  Ar  camiaaB  bordadas  de  oiro  e  prata  eram  ama  dait  ab- 

Rurdai  elegâncias  do  luxo  da  edade-niúdia  em  rjue  nada  cecara 

aos  commodci  e  tudo  á  citeotação. 


SYLVASIMHA  117 

— ^Se  eu  soubera  Sylvana, 

Que  estavas  tara  corrompida. 

Oh!  las  penas  do  inferno 

Por  ti  las  não  penaria. . . 

— *Ésta  não  é  a  Sylvana, 

E  a  mãe  que  a  paria; 

Também  pariu  Dom  Alardos, 

Senhor  de  cavalleria, 

Também  pariu  a  Dom  Pedro, 

Príncipe  da  infantaria'. 

Também  pariu  a  Sylvana 

Que  seu  pae  accommettia  -'.' 

_-'Ohl  mal  haja  que  haja  a  filha 

Que  seu  padre  descubria!' 

— 'Oh!  mal  haja  que  haja  o  padre 

Que  sua  filha  commettia! 

Manda-a  metter  numa  torre 

Que  nem  sol  nem  lua  via; 

Dão-lhe  a  comida  por  onça 

C  a  agua  por  medida. 

Ao  cabo  de  seite  annos 

Veis  a  torre  que  se  abria .    . 

Assomou-se  a  Sylvana 
A  uma  ventana  mui  alta, 


i  Príncipe  ua   siguiãcaçâo  do  clit.-l>  ú  cumnmoi  na  língua- 
gem  doi  Becoloi  xi.  xii  e  xiii. 

6  Qnc  d«  ti  foi  tommeWiàa—  Bdrahaixa. 


líi  ROMANCEIRO 

Foi -se  incontrar  com  sua  madre 
Lavrando  n'uma  almofada  *•: 
--'Estejais  embora,  madre, 
O  madre  já  da  minha  alma: 
Peço-vos  por  Deus  do  ceo 
Que  me  deis  um  jarro  d'agua; 
Que  se  me  aparta  a  vida, 
Que  se  me  arranca  a  alma. 
— 'Dcra-t'a  eu,  filha  minha, 
Se  a  tivera  salgada, 
Que  ha  sette  para  oito  annos 
Que  por  ti  sou  mal  casada. 
Se  teu  padre  tem  jurado 
Pela  cruz  de  sua  espada, 
Quem  primeiro  te  desse  agua 
Tinha  a  cabeça  cortada!' 
Assomou-se  a  Sylvana 
A  outra  ventana  mais  alta, 
Foi  se  incontrar  c'os  irmãos 
Que  estavam  jogando  as  cannas: 
— 'Estejais  embora  irmãos, 
Meus  irmãos  ja  da  minha  alma: 
Peço-vos  por  Deus  do  ceo 
Que  me  deis  um  jarro  d'agua, 
Que  se  me  aparta  a  vida, 
Que  se  me  arranca  a  alma!' 


t  Cozeudu  a'  uma  lilmoUáA—E^rcmaduiii . 


SYLVAMKHA 

—  Dera  t'a  eu  irman  minha, 
Se  a  tivera  impeçonhada ': 
Que  nosso  pae  tem  jurado 
Pela  cruz  da  sua  espada  * 
Quem  prmieiro  te  desse  agua 
Tinha  a  cabeça  cortada.' 
Assomou-se  a  Sylvana 

A  outra  ventana  mais  alta, 
Foi-se  incontrar  com  seu  padre 
A  jogar  a  imbocada: 

—  Estejais  embora,  padre, 
Padre  meu  ja  da  minha  alma: 
Peço-vos  por  Deus  do  ceo 
Que  me  deis  um  jarro  d'agua, 
Que  se  me  aparta  a  vida. 
Que  se  me  arranca  a  alma... 
E  de  hoje  por  deante 

Serei  vossa  namorada  ' 

— 'Alevantem  se,  meus  pagens  ■', 

Criados  da  minha  casa, 

Uns  venham  com  jarros  de  oiro, 

Outros  com  jarros  de  prata: 

O  primeiro  que  chegar 

Tem  a  coramenda  ganhada. 

O  segundo  que  chegar 

Tem  a  cabeça  cortada. 

7  6e  a  tive;  a  salgada— Liitsa. 

a  Pelos  cuuUos  da  e»pada — AUmUJa. 

U  Alevi-utcm  ae,  meus  uitçoii- J/í/íAo 


119 


130  RuHÀnCKfRO 

Os  criados  que  chegavam, 
Sylvaninha  que  finava 
Nos  braços  da  Virgem  sancta, 
Dos  anjos  amortalhada  ^^ ! 
Vai-te  embora,  Sylvaninha, 
Sylvaninha  da  minha  alma: 
Tua  alma  vai  para  o  ceo, 
A  minha  fica  culpada. 


10  Dos  «njo»  a«omp&nhad*— iíflnííjo. 


VUI 

BEBNAL-FKANCJíZ 


Desde  que  cm  1828  publiquei  em  Lon- 
dre?  pela  primeira  vez  a  interessante  rha- 
psodia  de  poesia  popular  que  leva  este  titulo, 
ejla  !em  feito  a  volta  da  Europa,  sondo  tra- 
duzida em  diversas  linguas,  já  no  próprio 
fragmento,  já  na  reconstrucção  ou  imilação 
delle  que  ao  mesmo  tempo  dei  à  luz. 

Ultimamente  recebi  de  Inglaterra,  do  meu 
amigo  o  cavalheiro  João  A  dam  soa  ^  uma 
nova  traducção  ingleza,  diflerenle  e  mais 
acabada  do  que  essoutra  que  dei  no  primei- 
ro volume  do   ROMASCEmo*;  de  Hespanha 


1  NV  Lusitânia  lUiislifila ,  Fart.  II,  ypwvjgtlfl  a-on  tlnf  \Mt, 
■e  publicou  ósta  nov«  tradu^cSo. 
!  Hnmanreiro  geral,  1.  T^llboa  1843. 


124  ROMAMCEIBO 

chegou  também  ha  pouco  uma  bella  e  ele- 
gante versão  em  castelhano. 

.lunctareiaqui  uma  e  outra  para  satisfacção 
do  piiblico  portuguez,  e  em  demonstração 
também d'um  grande  e  importante  theorema 
que  ainda  me  parece  não  ser  iam  geralmente 
demonstrado  quanto  precisa  sê-lo  entre  nós; 
vem  a  ser;  Que  quanto  mais  nacional,  mais 
estreme  e  puramente  nacional  é  uma  obra, 
mais  agrada  aos  próprios  exirangeiros,mais 
segura  eslà  de  se  generalizar  e  ser  conhe- 
cida no  mundo  litlerario.  O  que  não  tem  côr 
nacional,  o  que  pôde  ser  para  todos,  é  o  de 
que  todos  fazem  menos  caso. 

Mas  liào  só  como  obra  lilteraria,  ou  como 
coisa  de  imaginação  e  objecto  de  curiosida- 
de são  interessantes  estas  relíquias.  Eu  creio 
n'ellas  como  coisa  histórica.  E  tenho  maisfe 
n'esses  documentos  que  nos  conserva  o  po- 
vo com  toda  a  sua  ignorância,  do  que  n'es- 
soutros  que  dei.xou  escriptos  a  sapiência 
dos  lettrados.  O  povo  altera,  traduz,  corrom- 
pe, mas  não  inventa. 

Vou  pôr  aqui,   restituído  e  apurado  por 


BERNAL-FIÍAKCEZ  125 

lougo  trabalho  de  meditação  e  comparação 
de  muitos  exemplares,  o  texto  original  do 
'Bernal  Francez'  segundo  o  conservou  essa 
tradição. 

É  este  um  dos  mais  bellos  e  seguramente 
mais  antigos  romances  da  nossa  península. 
Não  apparece,  como  ja noutra  parte  disse  *, 
em  nenhumdosromam:eiros  casteihanosoem 
iia  vasta  collecçào  de  Ochoa;  e  denota  lodo 
elle  mais  antiguidade  queos  mais  antigos  que 
iraquelies  códices  se  acham.  Os  neologismos 
da  dicção  devem-se  as  causasjáreferidas  tan- 
tas vezes,  que  todas  estão  no  variável e  pouco 
seguro  cofre  da  memoria  popular  em  que  têem 
andado  guardadas  estas  relíquias,  sem  mais 
aulhèntica  do  que  essa  mesma  recordação 
imiiemorial,  bastante  em  direito  para  ou- 
tras posses;  porque  o  não  será  para  esta? 

Além  de  não  andar  nas  collecções  da  na- 
ção vizinha  e  irmau,  nenhum  vestígio  de 
idiotismo  seu,  nenhum  resaibo  castelhano  se 
nota  n'esla  composição  toda  portugueza.  As 
agudezas  e  artificio  dos  trovadores  da  corte 

1  Tom.  I  '1f>  liomanceiro I  paj».  01. 


126  BOMAKCEIRO 

(le  I).  Diniz  e  de  Affonso  IH  também  aqui 
são  extranhas;  é  mais  antiga  e  menos  po- 
lida a  civilização  que  a  produziu. 

Quando  sobre  esta  simples  tela  bordei  o  pe- 
queno poema  que  se  publicou  em  1838  com 
a  Adozinda,  o  original  de  que  me  servi  era 
muito  mais  imperfeito  e  cheio  de  lacunas,  c 
unicamente  fora  copiado  da  licção  vulgar  da 
Extremadura.  A  que  dou  agora,  além  de  re- 
vista pelos  manuscriptos  do  cavalheiro  deOli- 
veira,  foi  apperfeiçoada  ainda  pela  collacào 
com  as  diversas  cópias  das  províncias  do 
Norte,  especialmente  da  Heirabaixa,  que 
são,  em  meu  intender,  as  mais  seguras, 
segundo  já  observei  também  *. 

Chamei-lhe  então  xácara:  duvido  agora  se 
a  classificação  foi  bem  feita;  duvido  ;iié  da 
mesma  theoria  da  classificação  que  tenho  pro  • 
curadoestabelecerásapalpadellas.Acham-se, 
('  verdade,  estas  variadas  designações:  ro- 
mance  ou  rimance,  vacara,  solno,  que  pare- 
cem indicar  especiaes;e  ainda  as  que  parecem 

I  Vfja  o  vel,  PÍt.  I  (lo  Romanceiro. 


BtRNÀL-ri'ÀNCLZ  127 

ser  mais  geuericas,de  trova,  cantiga,  canlar, 
tançào;  mas  o  que  ellas sempre  designem  ou 
quizeram  designar  não  é  fácil  determiná-lo 
com  segurança.Mais  modernas  cuido  que  são 
as  denominações  de  loa,  barca,  tenção,  cha- 
tx)ít2;e  lambem  éslas  não  estão  bem  appuradas 
em  suas  distincções  characteristicas.  Umas 
eram  talvezdeterminadaspela  forma  exterior 
métrica,  outras  pelo  slylo  ou  tom, outras  pelo 
objecto  e  assumpto,  outras  íinalmente  pelo 
uso,  pela  solemnidade  a  que  eram  consagra- 
das, pela  occasião  para  que  eram  compostas. 

Ja  disse  que  o  romance  me  parecia  ser  em 
sua  origem  um  canto  épico,  isto  é,  todo  nar- 
rjtivo,  pouco  ornado,  pouco  lyrico.  Os  ro- 
mances pastoris,  os  satyricos,  os  facetos,  os 
eróticos, os  mesmos  mouriscos  do  século  xvji. 
são  já  aberrações  visíveis,  ou,  pelo  menos, 
novas  espécies  produzidas  pela  cultura  ar- 
tificial da  planta  primitiva. 

A  xácara  é  toda  dramática;  o  poeta  falia 
pouco  ou  nada,  não  narra  elle,  senão  os 
seus  interlocutores  que  apenas  indica,  e. 
nem  sempre  claramente. 


128  ROMANCEIRO 

Mas  éslas  duas  espécies,  se  o  são,  juQCla- 
ram-se  muitas  vezes  e  produziram,  ora  o  ro- 
mance-xdcara  em  que  predomina  a  narrativa 
épica  sem  exclusão  do  drama;  ora  a  xàcara- 
romance  em  que  o  dialogo  é  auxiliado  de  bre- 
ves, brevíssimas  indicafões,  quasi  rubricas 
ou  direcções  de  scena,  que  faz  o  poeta  a  ra- 
ros inlervallos.  O  povo,  em  muitas  das  coi- 
sas que  recita  d'esle  género,  diz  as  falias  em 
verso  e  cantando,  eas  indicações  narrativa.-^ 
em  prosa,  sem  restricçâo  a  texto  positivo, 
e  mais  ou  menos  diflusamente  segundo  u 
talento  ou  a  verbosidade  do  recitador. 

O  romance  e  a  xàcara  têem  era  gerai  a 
mesma  lei  métrica,  do  consoante  ou  assoantc 
fixo  e  do  número  octosyllabo  *  dos  versos. 
O  chamado  romance  hendecasyllabo  dos  fins 
do  século  XVII  é  degeneração  completa;  e 
assim  foi  que  precedeu  logo  a  morte  d'elle. 

O  soldo  será  sempre  cantar  triste  como  in- 
dica Bernardim-Ribeiro?  Narrati\  oé  elle  lam- 

1  Apparejem,  por^exoepção,  alguu:i  romauces  que  os  uj;<sos 
chamam  em  endexai ,  compo-los,  segundo  uns,  em  versos  alexaii* 
'iriaoa  oe  dòie  svllabas,  su-guudo  outros,  em  veisob  â>-  aei."»^!- 
ab«8,  tomanio  o  h  )iiiy  'lici  i     por  unida?!''. 


BEHÍÍAL-FKANCEZ  12^ 

bem  pelo  que  tam  claro  dos  diz  Sa-de-Mi- 
r  nda.  Mas  uma  coisa  nào  cxclue  a  outra. 
Eu  iDclJno-me  a  crer  que  o  solão  6  um  cau- 
to epico  ornado,  em  que  as  eflusões  iyricas 
accompanbam  a  narrativa  de  tristes  succes- 
sos,  mais  para  gemer  e  chorar  sobre  elle.-, 
do  que  para  os  contar  ponto  por  ponto. 

Cantiija  deve  de  ser  a  expressão  lyricu 
e  improvisada  de  um  sentimento. 

Cantar  é  talvez  o  género  de  todas  estas 
espécies. 

A  trova  mais  arliíicial,  mais  elaborada. 
achou-a  o  poeta  com  estudo,  cingindo  se  a 
regras  mais  severas  de  metro  ou  de  slylo: 
trovar  (Irouver,  Irovare)  d  achar;  e  para 
achar,  procura-se,  irabalha-se. 

Canção  também  t'  termo  genérico,  mas  in- 
culca mais  artificio  do  que  a  cantiga  eocan- 
««/venlre  nós  designa  mais  slrictaracnte  a  ode 
romântica  da  mcia-edade  com  certas  formu- 
las de  metro  e  divisões  regulares  de  slrophes. 

Loa  virá  do  latim  laus^  l'óde  ser;  c  um 
canto  de  louvor  mas  por  certo  modo  c  regra. 
A  loa  delfo-se  ainda  ho|>  nos  círios  das  provin- 


130  R05UNCEIR0 

cias  do  Sul,  recita-se  nos  presepes  do  Natal 
das  províncias  do  Norte  do  reino.  É  um  cantar 
de  anjos,  de  génios,  de  espíritos;  roas  dra- 
mático, dialogado:  é  um  coro  byeralico  que 
se  inloa,  que  se  deita  do  ceo  para  a  terra, 
que  entes  superiores  cantam  para  ouvirem 
homens  e  deuses.  Os  Thespis  do  nosso  ihealro 
começaram  talvez  por  aqui,  antes  que  Gil- 
Vicente  e  João  da  Enciíia  subissem  ao  seu 
tablado  de  novos  Eschylos.  Na  descripção  das 
testas  do  casamento  do  príncipe  D.  Affonso, 
chronica  de  D.  João  I!,  acho  que  algum  tanto 
no-lo  indicam  as  expressões  de  Garcia  de 
Rezende;  e  mais  claramente  ainda  o  romance 
de  Ayres  Telles  de  Menezes— que  n'estacol- 
lecfão  achará  o  seu  logar  respectivo.  Ahi 
diz,  descrevendo  aquellas  mesmas  festas : 

Depois  Icloá  tangedores, 

Aa  viada  da  prioceza, 
Fizeram  fortes  rainoreí, 

Bspauto  da  uatareza; 
Uatvas  e  loat  â^.eram, 

R  outras  reprtcmtaçõfs 
Qa<;  a  todos  gran'  prazer  deram, 

Conforme  saa«  tenções. 

A  barca  (alguma  coisa  de  barcarolla  vene- 


BFíUXAL-FRANCEÍ  131 

ziana?  1  era.  creio  eu,  cantiga  alternada  tain- 
beni,  e  outra  vez  a  vozes  e  coro,  que  o  mar 
mandava  á  terra  para  tomar  parte  em  seus 
regosijos.  Navegantes,  tritões,  sereias,  os  ha- 
bitantes reaes  e  os  imaginários  do  outro  ele-. 
mento,vinhamaeste,cantare  deitar  suas  loas, 
que  appropriadamente  tomavam  n'este  caso 
o  nome  de  barcas.Tambem  se  acham  vestígios 
de  barcas  ao  í/ii-mo,  compostas  sobre  assum- 
ptos religiosos.  Ao  deante  juntarei,  era  seu 
devido  logar,  um  documento  positivo  e  mui 
curioso  exemplar  d'esta  gallante  variedade, 
Iam  natural  de  nascer  em  um  povo  nave- 
gante e  marinheiro  como  o  nosso  foi  sempre. 
Tencâo  é  o  tencnu  dos  provençaes.  dístico 
breve,  em  metaphora  ou  dilto  ingenhoso, 
ja  aecompanhando  e  explicando  o  symbolo 
heráldico  de  uma  empreza,  no  escudo,  na 
bandeira— ja  expressando,  em  mais  pacífi- 
co ensejo,  os  sentimentos  íntimos  e  reca- 
tados do  poeta  que  quer  que  o  adivinhem 
sem  elle  se  explicar  de  todo.  A  tenção  é 
originariamente  cortezao,  e  só  tarde  e  de- 
generada se  relaxou  ao  braço  popular. 


\'Ò2  ROMANr.ilRO 

Da  chacota,  do  que  elle  era  pelo  menos 
no  século  xv  e  xvr,  nos  dá  muitos  exemplos 
("■  claro  conhecimento  o  theatro  de  Gil-Vicente, 
precioso  thesoiro  de  coisas  populares,  o  mais 
ricco  e  variado  que  temos  e.  em  minha  opi- 
nião,mais  ainda  que  os  próprios  cancioneiros, 
cujos  colleclores,  homens  só  de  corte,  des- 
prezaram tudo  o  que  não  era  alambicado  pe- 
las modas  e  polida  affectação  dos  trovadores 
cortezãos;  em  quanto  fiil-Vicenle,  homem  do 
povo  no  meio  do  palácio,  divertia  seus  amos 
com  os  dizeres,  os  gracejos,  os  modos  origi- 
iiaes,as  supersfifões  antigas, as  tradições  im- 
memoriaes,  os  cantares  rústicos  mas  cheios 
d'almi.  tinctos  na  côr  fechada  e  Corte  que 
só  o  povo  sabe  dar  e  que  não  desbota. 

A  chacota  era  uma  cantiga  de  rir  e  brin- 
car, mas  que  mordia  nos  vicios,  e  nos  ri- 
dículos dos  homens  e  dos  tempos;  uma  es- 
pécie de  sirvente  menos  áspera  e  severa, 
nunca  séria  e  grave  como  ella,  e  mais  popu- 
lar: cantava-se  a  vozes;  muita  vez  era  o  rema- 
te, o  coro  final  dos  entremezes  e  das  farças. 

A  mesma  palavra  m^vente  ou  servente,  e 


DERNAL-FRAXCrZ  133 

a  designação  de  versos  sirventesios,  não  foi 
extraniia  aos  nossos  antigos,  que  houveram  a 
palavra,  e  talvez  confundiram  a  idea  dos  pro- 
vençaes.  Sabe-se  que  a  sirvente  do  trovador 
era  amarga,  satyrica;  por  vezes  foi  o  grilo  de 
guerra,  o  iiymno  revolucionário  dos  Alceus 
da  meia-edade  contra  a  tyrannia  real  e  sacer- 
dotal:  a  sirvente  nossa  creio  que  era  toda 
ascética  e  religiosa,  senão  é  que  mystica. 
Mas  repitto  com  sinceridade,  que  sim  te- 
nho consciência  de  navegar  para  a  verdadei- 
ra latitude,  não  tenho  certeza  da  longitude: 
as  observações  são  imperfeitas,  e  quasi  lo- 
dos estes  cálculos  fundados  em  hypolhese.s 
vagas.  Os  nossos  philologos,  que  elucidaram 
tanta  coisa  insignificante,  desprezaram  sem- 
pre a  litteratura  popular  como  indigna  de 
seus  clássicos  estudos.  Faria-e-Sousa,  e  al- 
guns poucos  mais,  que  tinham  o  instincto  da 
sna  importância,  sacrificaram  aos  prejuízos 
do  tempo:  e,  ou  por  credulidade  ou  por  pouco 
escrúpulo,  fizeramlhe  fracos  serviços,  por- 
que os  fizeram  sem  verdadeira  fe  e  lisura. 


Bfi:H>4L.-FN%:NCKy: 


—'Quem  bate  á  minha  porta, 
Quem  bate,  oh!  quem  'stá  ahi?' 
— 'Sou  Bernal  Francez,  senhora; 
Vossa  porta,  amor,  abri." 
— 'Ai!  se  é  Bernal-Francez, 
A  porta  lhe  vou  abri; 
Mas  se  é  outro  cavalleiro, 
Bem  se  pôde  d'ahi  ir.' 

Ao  saltar  de  minha  cama 
Eu  rompi  o   meu  frandil  i 


1  FiaiuUI,  ainda  hoje  URarlo  rm  Traz-os-montr;,  si>;nlAca 
raida  no  sentido  raetonvmlco  antigo,  por  camíza  ou  Ribio  brau* 
00  de.  fralda 


13H  M03UANCBIRO 

Ao  descer  da  minha  escada 

Me  cahiu  o  meu  chapim  2, 

Ao  abrir  a  minha  porta 

Me  apagaram  o  meu  candil. .  J 

Pegára-lhe  pela  mão 

E  o  levei  ao  meu  jardim, 

Kiz-lhe  uma  cama  de  rosas, 

Travesseiro  de  jasmins, 

l.avei-o  em  agua  de  flores 

E  o  deitei  a  par  de  mim. . . 

— 'Meia  noite  ja  é  dada 

Sem  te  voltares  p'ra  mim; 

Que  tens  tu,  amor  querido, 

Que  nunca  te  vi  assim? 

Se  téme-los  meus  criados, 

Não  virão  agora  ahi; 

Se  teme-los  meus  irmãos, 

Elles  não  moram  aqui; 

Se  de  meu  marido  temes, 

l.onges  terras  foi  d'aqui, 

Por  má  traça  o   mattem  moiros  ', 

E  a  nova  me  venha  a  mim!. .   ' 

— 'Não  Temo  de  tous  irmãos 

2  Sapato,  chinela. 

3  Candeia,  vela. 

.f   Má  traçai  raoirns  o  niattcin. 

Kovas  rae  venham  a  mim — Fíihotejo. 
Más  cutila.^ss  o  mtttein — Bciralta. 


BEKKAL  PRâNCEZ  IH7 

Que  bem  sei  que  são  por  mim  ^, 
Não  temo  dos  teus  criados 
Que  mais  me  querem  que  a  ti; 
A  teu  marido  não  temo, 
E  d'elle  nunca  temi. . . 
Teme  tu,  falsa  traidora. 
Pois  o  tens  a  par  de  ti!' 
—  'Ai!  se  tu  es  meu  marido, 
Quero-te  mais  do  que  a  mim. . . 
Oh  que  sonho,  tam  mau  sonho, 
Que  eu  tive  agora  aqui! 
Ergamo'-nos  Ja,  marido, 
Deixa-me  vestir  d'ahi.' 
— ^Caliate,  falsa  traidora, 
Que  não  me  inganas  assim. 
Deixa  tu  vir  a'.manh3n, 
Que  eu  é  que  te  heide  vestir: 
Dar-te-hei  saia  de  grani.  •• 
E  gibão  de  cramezim, 
Gargantilha  de  cutello, 
Pois  tu  o  quizeste  assm.' 

j  PoU  cunhados  são  de  mim—  AteraJíJo. 

(1  Oar-te-hei  saia  de  jiiarí  ne— Ejc^ríTnai/í/j-a,  DeUaltat  !'«• 

Se  nlo  k  eorrapção  i<\  f/iunon  grâa  estofo,  loupa  tinta  de 
gran,  vemifilha,  só  »8  for  derivação  do  fiancez  antigi  r/vari'  (Je 
ilua;  coreu)— o  fjaranio-ãa:S  nossas  antigas  leis  sum]  tuariaa.  Bm 
fiuael  toda»  as  cópia»  vem  guaranc  c  não  (ir-ina:  d'ondc  me  in- 
clioo  a  cíer  que  talvez  a  verdadeira  lirção  originei  ijja  gnarc- 
n*.  13x1  adoptei  f^rena  por  fioar  raai»  óbvio  o  fienti''«. 


138  ROMANCEIR") 

— *Deixa-me  ir  porqui  abdiso  '' 
Co 'a  rainha  capa  a  cahir, 
Vou -me  ver  a  minha  dama 
Se  ainda  se  kmbra  de  mim.' 
— 'Tua  amada,  meu  senhor, 
E'  morta,  que  eu  bem  a  vi: 
Os  signaes  que  ella  levava; 
Eu  t  os  digo  agora  aqui: 
Levava  saia  de  grana* 
E  gibão  de  cramezim, 
Gargantilha  de  cutello, 
Tudo  por  í.mor  de  ti. 
Os  sinos  que  lhe  correram 
Por  minhas  mãos  os  corri; 
As  andas  em  que  a  levaram 
Eu  de  negro  lh'as  cobri; 
Oaixão  em  que  a  amortalharam 
Era  de  oiro  e  marfim; 
Os  frades  que  a  accompanhavam 
Não  tinham  conto  nem  fim; 
Sahiram-Ihe  sette  condes^, 
Cavalleiros  mais  de  mi!: 
As  donzellas  a  chorar, 


7  Dc-lxa-we  ir  ponjui  abaixo 

Cu's  lainha  cap»  rnliida, 

(Jiiero  Ter  »  niinba  aman.i 

.Se  é  mortii  ou  «a  ind«  i  v\v»  ~  JínJ,'-.  híhafrjn. 
H  Veja  noia  e  variante  6. 
9  Foram  ao  seu  sahimento  ou  inièrro. 


BERNAL-  rHANCEZ  1 39 

Os  pagens  iam  a  rir 
Levaram  na  a  interrar 
A  igreja  de  S3n'Gil.' 

Páiavras  náo  eram  dittas, 
Por  morto  no  chão.  cahi; 
Passaram-se  horas  e  horas 
Quando  me  tornei  a  mim. 
Fui-rne  áquella  sepuhura. 
Queria  morrer  alli; 
— *Abre-te,  ó  campa  sagraJ.i 
Esconde-me  a  par  de  til' 
Do  fundo  da  cova  triste 
Ouvi  uma  voz  sahir  i^: 
— 'Vi'  e,  vive,  cavalleiro. 
Vive  tu  que  eu  já  morri: 
Os  olhos  com  que  te  olhava 
De  terra  já  os  cobri, 
Bócca  com  que  te  beijava 
Ja  não  tem  sabor  em  si, 
O  cabello  que  intrançavas  " 
Jaz  cahido  a  par  de  mim, 
Dos  braços  que  te  abraçavam 
As  cannas  vê  ias  aqui! 
Vive,  vive,  cavalleiro, 
Vive  tu,  que  eu  ja  vivi: 

)<)  Uiiift  triãU:  vui.  ouvi — BxtrvtiiaduKf, 


140  ROMANCEiBO 

A  mulher  com  quem  casares 
Chamem-Ihe  Atina  como  a  min) 
Quando  chamares  por  ella 
Hasde-te  lembrar  de  mim, 
CoiUa-lhe  os  nossos  amores, 
Que  apprenda  na  minha  fim  '^. 
Filhas  que  delia  tiveres 
Insjna-as  melhor  que  a  mim, 
<)ue  se  não  percam  por  homens, 
Gomo  eu  me  perdi  por  li.' 


If  o  povo,  à.  Diinjeiía  doe  nooaoe  «Litigue  fjcriplor^í,  aiuda 
hojtí  íAtJim.  o)«  tuascaliuo,  ora  feminino,  mas  uão  indiôereutc- 
tnente  nem  a  toa.  Fin  como  alvu,objucto,  ctc.  í  sempre  mascu- 
lino,* cotno  teriuo,  acabameiíio  da  vila,  ou  4c  «atro  e»^%<\o  quiil- 
i}ii*p,  aempre  feroiniDO,  par»  í-Ilf». 


BEHNAL-FBANCEZ  141 


TR%»LXC;AO  i:\CiLiEKA 

Mas  para  íazer  acceiío  ao  commum  dos  lei- 
tores um  estudo  t-  um  gosto  que  iníallivelmenic 
hade  regenerar  a  nossa  poesia  c  com  ella  a  nossa 
língua  e  Iitteratura  toda,  revertendo-a  á  biinpli- 
cidade  bella  de  sua  origem  natural,  de  que  tam 
affastridas  andam  pela  imitação  pesada  e  contra- 
feita dos  extrangeiros,  mais  para  esse  do  que  para 
nenhum  outro  fim  litterario,  traduzi  em  lingua- 
gem e  modos  menos  rudos  o  Bernal-France^  pela 
forma  que  appareceu  na  primeií-a  edição  em  Lon- 
dres e  depois  com  pouca  diiíerença,  na  de  Lis- 
boa \ 

D'essa  que  talvez  possi  chamar-se  com  pro- 
priedade a  'traducção  liiteraria  do  romance  pri- 
mitivo', ou  mais  exactamente  ainda  a  'traducção 
de  sala'  é  que  se  fez  a  primeira  versão  ingleza 
publicada  na  segunda  edição  do  Bernal-Francez 
em  Lisboa  *. 

Era  essa  traducção  do  rneu  amigo  o  sr.  John 
Adamson  que,  não  contente  assim  com  ella,  me 
enviou  outra  idoís  apurada  e  perfeita,  da  qual 
não  devo  privar  os  leitores:  cila  aqui: 


1   Kouan<;kiuo,  tciij.  i.  l.=nlioa,  l^lll, 
•i  \\M. 


I  i2  nOMANCElKO 


BKR.V  «L^TUOI^n  K?«€H 


T«  iLe  ae&  weut  Don  Haiairo, 
Cialify  lair  tbc  warrior  b'  rc, 

)"i'oin  tbe  poop  hi«  conqueriog  p*?>iu«i) 
Wavefl  deíiauie  to  tbe  M«or. 

Sad  tb'  adieiis  at  bis  departing, 
PaDgs  ot'  acguidb  iac-k\l  bis  bre&st ; 

Many  a  year  ao  aDZÍ<.n3  lover  — 

Scarce  twcive  iiioouc  a  busband  bler>- 

You  luay  iiot  find  a  Spauisb  luaidvn 

As  Violante  fair  to  vitw  — 
Peedesa  abe  amoug  «artb'8  daugbtcrit. 
Ilad  tbe  beart  been  )ea!  and  true  ! 


Loud  beatB  tbn  sea  aj^àiusl  tbe  baseincut 
Oí  tbe  cadtle'))  towering  uteop, 

One  only  eye  iii  tbat  ione  turret 

Kcepe  tkc  watcb  tbst  kiiowa  doI  steep. 

AH  is  dccp  itpose  aiid  .-"luiubeí-  — 
Ali  Í8  sileuce  — cluse  lhe  ivard 

Ot' jealone  gate  and  stoat  portcalb* 
Wbile  Rway  tbe  wariior  Lord  : 

>íti!l,  at  witebiui;  liuur  of  uiidui^bi^ 
Gleams  on  bigb  a  lioy  ^park  ; 

Aud  ever  ailent  ludernealh  It 
PIoat*  a  íwift  and  veBt'ron8  bark  -^ 


BERNAL-FRAKCEZ  143 

And  as  Dig\t  to  nigljt  succeeded, 
Smootb  or  rou»h  migbt  be  tbe  s^a  — 

Still  above  tbe  ligbt  would  tremble 
Slill  beneatb  tbe  bark  would  be. 

Kiiew'st  tbou  tbls,  good  Roderigo  ? 

Had'8t  forgot  th  3  sacred  word? 
Witb  maiiy  a  sol-mn  pledge  and  promise 

Pligbted  to  tbine  absent  Lord  ? 

Aye  !  or  nay  !  no  man  may  answer  — 

Yet  tbe  venfrous  caraval 
Still  rocked  beneatb  tbaí  guarded  tower, 

Silent  etill  tbe  warder's  call  !  — 

One  nigb  at  lengtb  fuU  dark  and  drear,  it 

Parted  from  tbe  wonted  shore  — 
Wbot  it  bore  no  man  can  tell  us  — 

But  it  carne  again  no  more. 

As  retumed  tbe  hour  of  trysting 

Soft  tbe  ligb  began  to  gleam  — 
Biit  no  Bwlft  advenfroas  pinnace 

AnswerM  to  tbe  luring  beam  ! 

Where  tbe  roclt  rebuts  tbe  billow 

Ope'd  a-secret  poetem  gate  — 
Known  alnne  to  Dcn  Ramiro, 

Warder  tried  and  loving  male. 

Bat,  at  deadly  bour  of  midnigbt, 

Tbro'  tbat  portal  one  batb  gouc  ; 
WUe  ere  wbile  stands  gently  knocking 

At  tbe  Lady'B  Bower  -  aloue  ! 
VOL    II  1^ 


14  í  BUMANCEIRO 

—  'Who  vrithuut  bo  rudely  knoclting 
Slumber  from  mine  eycs  would  move? 

— 'Berual  am  I  of  France,  fair  Lady ! 
Open  to  your  Kuight  an-l  love  !' 


Krom  lier  bed  of  gnld  deBcending, 
líobe  of  tlowing  silk  she  tore  — 

And  tbe  gust  ber  lamp  extioguisb'd 
Qcntly  ibo'  she  ope'd  tbe  door. 

By  the  trembling  band  sbe  led  bim 
To  ber  bower,  Ibis  Leman  bold: 

— 'How  trerables  allmy  bosoni'Rtrea»ure! 
And  tbis  band  how  cbill  and  cold ! 

Tbcn,  witb  sighs  aud  burning  kissos, 

In  bcr  palpitating  breast 
By  tbe  faítbless  Violante 

Were  tbose  chilly  bands  caresuM. 

— 'Hactlbou  come  from  far'-'Aye  marry.' 
— 'Uougb  the  sea?'— 'As  roe^ks  above." 
— 'Com'stlhou  arm"d?'  Not  waiting  aniwer 
.Straigbt  to  loose  eacb  clasps  sbí  strove. 

In  essence  puré  of  Arab  roses 

Quick  the  welcome  forra  she  batb'd, 
And  on  her  dainty  couob  sbe  laid  bim. 
AU  in  folds  of  fragance  «wathed. 

— 'Kant  tbe  weaiy  night  is  waiting, 
Wbisper  none  dost  tbou  impart  ? 

What  ails  my  Love?  let  Violante 
Sbare  the  woes  of  tbat  IoT'd  heart  ? 


BKRIfAL-rRANCEZ  145 

,l»'t  thou  fear'st  my  uoble  brothers  ? 

Here  their  foot  shall  never  fali. 
Or  doth  Ramiro'«  kiiisman  daunt  thee  ? 

Feeble  he  to  matcb  Bernal. — 

'UnconsciouB  ali  my  sottish  yassals 

Soundly  sleep  in  cell  aad  tower  — 
Safe  oar  love,  eye  of  mortal 

Ne'er  shall  pierce  tbis  hidden  bower? 

'Feai'8t  Ramiro  ? — well  thou  kao\v'it  him 

Gone  o'er  fieids  of  fame  to  roam  ; 
Long,  O  lusty  Moor,  detain  him! 

No  regret  shall  haste  him  home.' 

— 'Fear  1  not  thy  aleeping  vassals  — 

Since  mine  own  these  vassals  be, 
Fear  I  not  or  frere  or  kinsman  — 

Frere  and  kinsman  both  to  me  ! 

'Fear  I  never  Don  Ramiro 

Injur'd  Lord — behold  him  here  ! 
Here  beside  thee— faithless  Lemau  ! 

Thine  the  heart  may  quail  witli  feai  ! 

Fair  the  rosy  sun  new  ris'u 
Tips  with  gold  eacbrock  and  tower  — 

Fairer  still — to  meet  the  Headsman 
Violante  leaves  her  bower. 

Coarse  and  harsh  the  Sackcloth  mantie 

That  those  gentle  limbs  have  on  ; 
Rough  and  rude  the  rope  hat  biuds  her — 

Rope  in  place  of  jewerd  zone. 


14G  ROMANCEIRO 

Wcep  the  pagea  —  weep  the  maidens  — 
Pity  bids  forget  the  crime  — 

Down  the  beard  of  iijured  Huaband 
Rain  the  teara  like  inelling  rhirae. 

Deep  anl  dull  the  death-bell  tolliiig 
S'gnal  gives  lhe  axe  to  raiie  ; 

— 'Welcome  death,  the  death  I  merit :' 
(TLu9  that  erriíig  Lady  prays)  — 

*Low  befcre  thee,  Don  Ramiro, 
In  the  du5t  a  boon  I  crave — 

Pardon  for  the  sake  of  pity, 

Pardon— not  that  life  ahall  lave — 

'But  for  th  1  dcadly  vvrong  I've  ione  thee! 

Wronj  that  made  thy  b^som  bleed, 
AsBoil  rae  as  I  cower  before  thee 

In  this  my  hour  of  bitter  need.— 

'FaithleBs— I  alonr'  am  guilty  — 
Never  let  thy  vengcance  fali 

On  him  my  baneful  charmg  deluded, 
Spare  the  wretched  Kuigbt  Bernal !' 

Quick  the  husband'»  love  was  kiudling, 
Pardon  trembled  on  Iiis  tongue  — 

But  «t  name  of  hated  Bernal 
Ru*h  and  plty  ÍAr  be  fluiig  — 

PIusb'd  hi8  fa:e  with  veTigeful  aiiger, 
As  from  herha  fain  would  save, 

lie  tore  hi»  glance — and  ann  uplifting 
Mad  the  fatal  sign-1  gave  — 


BERNAL  FKANLIEZ  147 

On  tbal  netk  se  clear  and  crystal, 
Bcauteous  yet,  though  deadly  whitc — 

Wiih  a  vigour  fierce  aud  fatal 
Did  the  Henfhman'8  axe  aligbt. 

Oh  wliat  dense  and  long  procesaion 

Fiom  the  ancient  gate  departs  ! 
Gatheiing  crcwds  in  silence  tee  it  — 

Gathering  crowd»  with  aching  beart3. 

Torches  and  pale  waxen  tapers 

Thfo'  the  darkness  and  the  gloom 
Cast  a  dim  and  mournfui  glimmer  — 

Glimmer  guidiug  to  the  Tomb. 

Cloied,  within  their  hooded  mautlès, 

Friars  a  reqiiiein  chaunt  around  ; 
Throb  ali  hearts  with  aweful  terror 

At  the  beir»  appalliiig  sound. 

Twicc  the  mooD  her  course  halb  wauder"d  ._ 

In  ihat  loopbcle  ali  is  daik — 
Tet  o'er  tLe  channcl,  swifi.y  passiiig, 

Plies  the  iwifl  advenlVous  baik. — 

Píctty  bark  so  ligbt  and  buoyant  — 
Baik  each  billowy  sea  could  brave  — 

The  beam,  that  erst  was  wont  to  guid  tl'cc, 
Kecr  agaiu  fchall  tinge   he  wave! 

Lo,  thy  gentle  Violante, 

Queen  of  eve  y  wiichiug  chariu, 
For  thee  a  diimal  dealh  halh  suffured, 

Fairn  bencath  the  Headsmau^s  ariu. 


148  BOMANCEIRO 

Froin  tower  of  St.  Gil  resounding 
Hear'st  thoii  not  the  knelling  boom 

See'8t  thou  not  the  tordies  glimraer 
SIow  they  bear  her  to  the  Tomb. 

And  novv  the  fuueral  ritcs  are  over 
Fix'd  the  cold  sepulchral  stone  — 

In  those  aisles,  »o  lately  crowded, 
A  cavalier  is  seen  alone  ! 

Ali  of  black  ie  mournful  raiment  — 
Blacker  still  bis  bo»om'8  wound  — 

As  bj-  the  new  raade  grave  despairing, 
Fiat  he  cast  him  on  the  ground. 

— 'Open,  holy  Tomb,  tby  portais  — 
Ope  a  broken  beart  to  liide  — 

Ope  and  fii  in  death  tliat  union, 
Life  to  haplees  love  dcnied  ! 

'Open,  holy  Tomb,  lliy  portais ! — 
Hlding  charms  so  passing  bright  — 

My  dark  crime,  with  her  ill-fortune, 
Bury  ia  eternal  night. 

'Open,  holy  Tomb,  tby  portais  !  — 
Take  a  gift  that  I  disown — 

Let  me  yield  for  Violante 
Life  tbat  lived  on  her  alone  !' 

Fell  bis  tears  — fell  fast  and  freely— 
Groans  of  anguisb  heav'd  bis  breast- 

Firm  be  graspM  his  trusty  faulcbion. 
So  to  give  his  sorrows  rest. 


BERNAL  FRANCEÍ  149 

But  00  the  bilt  bis  hand  was  frozen! 

From  th:  dark  8epa'cbral  mould 
Arose  a  voice,  slill  sweet  and  tender, 

But  80  fearful  and  so  cold... 

Cold  as  tbe  clay  from  vvhich  it  soanded, 

Tenor  through  each  nerve  it  epoka; 
The  pulse  of  life  was  ali  suspended, 
Cramp'd  as  tho'  by  palsy  iiroke! 

— 'Live,  Sir  Kuight,  O  live  belovM! 

Live  lho'  i  no  longer  live  — 
Mine.  alone,  who  have  deseiv'd  it, 
Be  tbe  dealh  our  crime  sbould  giv«. 

'Alaa,  beneath  this  frozen  marbie 
Wheie  cold  horror  laps  my  corse, 
AU  tbat  seems  to  bint  existence 
Is  my  love  and  my  remorsel 

'Arma  with  wbich  I  once  embrac'd  thee, 

Fix'd  and  rigid  lie  composM — 
Eyes,  wbich  fondly  gaz'd  upon  thee, 
Clods  of  callous  eartb  bave  closM: 

'Tbe  mcutb  forswora  wiib  whicli  1  kissM  tbee, 

Boasts  no  more  its  bunied  dew  — 
Tbe  treacb'rous  hearth  with  wbich  I  lov'd  theel 

Oh!  would  tbat  tbat  were  sensclees  tool 

Live,  Sir  Knight— O  live  belov'd! 

l^ive  and  may'!e  tbou  blessed  be! 
And  oh,  tby  life  as  huiibaud — latber 

Cnide  by  warning  tbought  of  me. 


lOG  ROMANCEIRO^ 

'The  happy  maiden  whom  thou  choa  chooscth 

Givc  her  Violaut'8  name  — 
Be  she  in  love  a  Violante  — 

Jn  love— but  uought  beeidee  tbe  same. 

'The  trea8ur'd  cbildron  she  may  bear  thee, 
Purer  Ihan  mine  their  culiure  be, 

Tbat  ne'er,  they  lose  ihemselves  in  passion, 
As  I  have  lost  niyself  for  ihee  1.' 


1  D 'este  e  dos  oulros  romances  que  formam  o  primeiro 
rol.  do  meu  romancbiro,  impresso  em  Lisboa,  lf<43,  fez  o  Sr* 
Adamson  o  segundo  vol.  da  sua  'Lcsitasia  Illustrada'  que 
me  dedicou  e  foi  publicada  em  Nevvcaslle,  1846.  Também  deu 
depois  outra  edição  das  versões  iiigleza»  sem  o  texto  portuguez 

com   o  titulo  OALADS    FROM    TllE  PORTUGUEZE,  TRANSI.ATBU  ASO 

VBKSiFiKD  BT  J   A.  aud  R.  C.  C. 


BBKNAL-FRANCEZ  151 


TR4Dt€Ç%0  €.49)TELH.%1Í % 

A  traducção  castelhana  do  Sr.  Isidoro  Gil,  ulti- 
mamente addidoá  legação  d'Hespanha  em  Lisboa, 
pessoa  de  muita  intelligencia  e  gosto,  foi  publica- 
da no  jornal  de  Madrid,  El  Laberinto  *. 

BERNâL  francez 

Al  mar  se  fué  don  namiro, 
Rica  gale: a  llevaba  ; 
Su  pendon,  terror  dei  moro, 
En  la  alta  popa  ondeaba. 

Tierna  fué  la  despedida  ! 
Vá  en  sus  recuerdos  sumido  ; 
Con  tantos  afioa  de  amores 
Ni  uno  cuenta  de  marido. 

Que  no  liay  dama  en  toda  Espana 
Tan  bella  cual  Violante; 
Ni  igual  la  hiibiera  en  el  muade 
Si  ella  fuese  mas  constante. 

Bate  el  mar  la  bMrbacaua 
Del  alto  muro  alnienado, 
Solo  en  su  tone  el  vijia 
No  cede  ai  suciío  pesado. 

Todo  oallu  y  duerme  en  torno, 
Todo  es  silencio  é  pavor  ; 
Redobla  el  ceio  en  las  puortas 
Coa  la  ausência  dji  scãur. 

Timo  II,  n.*  3,  março  de  JS44. 


152  ROMANCEIRO 

Mas,  allá  entrada  la  noehe, 
Luz  se  vé  en  una  tronera, 

Y  en  la  sombra  deslizarie 
Leve  barca  aventurera. 

Y  vuelve  á  verse  otras  noches, 
Ta  eslé  en  calma  ó  recio  el  mar, 
La  mismn  luz  á  igual  hora, 

La  misma  barca  pasar. 

^Ignora  esto  el  buen  Rodrigo, 
Que  a  8u  seuor  protnetió 
Cumplir  fiel  el  juramento 
Que  entre  sus  manos  presto  ? 

Ignóralo,  ó  no  lo  ignora  ; 
Mas  Ia  barquilla  ligera 
Que  ai  pié  de  la  torre  immóvil 
Yacia  allá  en  la  ribera, 

En  noclie  triste  y  oscura 
Del  mar  desaparecia  ; 
Que  lué  de  ella  no  ae  sabs, 
Mas  si  se  fué,  no  volvió. 

Y  la  luz  dei  torreon 

Vióse  á  igual  hora  brillar. .  . 
Mas  la  barca  aventurera 
No  Uegó  a  virse  pasar. 

De  la  roca  el  pie  escarprdo 
Receia  oculto  postigo, 
Solo  le  sabe  Violante, 
Su  esposo,  y  el  fiel  Rodrigo. 


BERNAL-FRANCEZ  153 

Y  nn  negro  bulto  en  Ia  noche 
El  postigo  traspasava, 

Y  á  1«  puerta  de  Violante 
JJlando  llamar  se  escucbaba: 

— 'Quien  asi  llama  a  mi  estancia? 
Quien  llama?  Oh!  quiéo  es  ?  deeid.' 
— 'Soy  Bemal-francés,  aeuora, 
Al  amor  Ia  puerta  abrid.' 

Al  bajardel  lecho  de  oro 
La  âna  holanda  rasgo, 
Al  abrir  quedo  Ia  puerta, 
La  luz  el  viento  apago. 

Cou  trémula  mano  asiendole 
A  su  aposento  lo  guia  : 
— 'Cuál  tiemblas,  amor  querido, 
Cuál  siento  tu  mano  fria  1' 

Y  con  óscnlos  ardientes, 
En  el  seno  palpitante 
.Sus  yertas  manos  calienta 
La  enamorada  Violante. 

— 'De  lej  ?s  vienes  ? — 'De  If  jo». 
— 'Bravo  estava  el  mar!' — 'Tremendo.' 
— 'Testas  armas!' — No  responde. 
Ella  las  va  desciueado. 

En  pura  esencia  de  ro;a* 
Al  tierno  amante  bano, 

Y  en  su  lecho  regalado 
A  par  de  si  le  acosto. 


154  RCMANCEIBO 

— 'Media  noche  es  ya  patada 
Sin  que  hácia  mi  te  tornares, 
Que  lienes,  querido  amante, 
Que  uie  encubres  tus  pesares  ! 

Si  temes  de  mis  hermanos, 
No  ban  de  veuir  ba^ta  aqui ; 
Si  de  mi  cunado  temes, 
El  no  es  hombre  i;aia  ti. 

'Mis  criados  é  vasalloa 
A  hora  tal  han  de  dormir, 
Ni  de  nuesiro  amor  sospe.lian, 
Ni  lo  pueden  descubrir. 

'Si  de  mi  marido  temes, 
A  luengas  terras  marcho, 
Allá  lo  detcngan  moros, 
Ningua  recuerdo  dejó.' 

— 'Yo  ne  temo  a  tus  criados. 
Jurar»,  nme  sumision  ; 
Cuuido  ni  hermanos  temo. 
Mi  hermano  y  cuiiados  sou. 

'De  tu  marido  no  temo, 
Ni  tengo  porquê  t^mer. . . 
Juuto  á  ti  eu  el  lecho  se  halla 
Tu  la  que  tiumble  has  de  ser.' 

Y  alto  el  sol  eu  el  Oritnle 
La  torre  á  medias  doraba; 
Violante  mas  que  él  Lermo.a. 
A  lamnerte  camitaba. 


BERNAL-FBAN.^EZ  155 

Alba  tela,  áspera  y  dura 
Cubre  el  cueipo  delicado  , 
Rpcio  espa:to  ciiie  el  lalle, 
E:i  grosero  lazo  atado. 

Lioran  pajcs  y  doncellas 
Que  el  crimen  piedad  aierece; 
£1  mismo  ofendido  esposo 
Ccn  tal  vista  se  enternece. 

Ya  el  tenir  de  la  campana 
La  sena  ai  verdugo  envia. . . 
— 'Sen'ir,  merezco  la  muerte.' 
La  siu  ventura  decia  : 

'De  rodillas,  don  Ramirr, 
Humilde  perdon  os  pido; 
No  pido  la  vida,  no, 
Que  la  muerte  he  merecido. 

'La  afren!a  que  deslumbrada, 
For  mi  dcsdicba  os  biciera, 
Pido,  sofior  que  olvideis 
£n  mi  bora  postrímera. 

'Mas  aoloyo  soy  culpable 
Del  agravio  que  vos  fi^. 
No  tomeis,  sefior,  veng.inza 
De  ese  mísero  infeliz'.' 

Talvez  Iba  a  perdonarla 
Compadecido  el  esposo  ; 
Eli  nucvas  iras  lo  enciende 
Aqnel  recuerdo  enojoso. 


156 


BOMANCEiaO 

Rojo  el  semblante  de  cóleia 
Para  no  veria  aparto, 
Y  su  izquierda  mano  alzada 
La  fatal  eeua  trazó. 

Sobre  el  desmayaío  cuello 
De  transparente  cristal, 
Con  golpe  tremendo  y  súbito 
Cayó  el  terrible  puúal. 

1  Oh  !  que  proceeion  que  sale 
Por  las  puertas  de  la  torre  ! 
Que  de  gente  açude  á  veria, 
Qué  triste  que  el  pueblo  coirc 

Teas  de  pálida  cera, 
En  médio  la  nocho  oscura, 
Despideu  luz  vaga  y  triste, 
Luz  que  v*  á  la  sepultura. 

Cublertog  con  sus  capuceB, 
Rezan  monges  en  redor  ; 
E!  doblar  de  las  campanas 
Iliela  el  alma  de  terror. 

Dos  notlies  son  ya  pasadas, 
Ya  no  liay  luz  en  la  tronera. 
Mas  pasaudo  y  repasando 
Va  la  barca  avenlurera. 

Linda  barca  tau  ligara 
Que  en  ningun  mar  Eosobró, 
El  fanal  que  te  guiaba 
Xo  luce,  ya  »e  apago. 


BEBNAL-FBANr.EZ  157 

[Ay!  tu  qutrida  Violante, 
Tu  gloria,  tu  encauto  bello. 
Por  ti  sufríó  horrible  muerte... 
iUn  sayon  sego  bu  ciiello  ! 

,;De  la  iglesia  de  San  Gil 
La  campana  oyes  doblar? 
Ves  las  hachas  ã  los  lejos? 
Alli  la  van  a  enterrar. — 

Ya  se  concluyó  el  entierro, 
Ya  cnyó  la  losa  fria; 
En  la  iglesia  solitária 
Un  caballoro  se  Tia. 

Vestido  de  negro  luto, 
y  mas  negro  cl  corazon, 
Sobre  la  tumba  de  binojos 
Asi  esolama  en  su  afliceion: 

— 'AbKíte,  tumba  sagrada, 
Abrete  a  este  desdichado. 
Ahi  nos  unirá  la  muerte, 
Si  en  vida  nos  fiie  vedado. 

'Abrete,  tambn  sagrada 
Que  escondes  tal  bcrmosura. 
Esconde  tambienmi  crinien 
Al  par  de  su  desventura. 

'Vivir  no  quiera  esta  vida 
Que  solo  amaba  por  ella^ 
Vida  que  sutrir  no  puedo 
8in  mi  Violante  bella.' 


158  RIMANCEiaO 

y  alli  el  llanto  de  correr, 
Los  sollozos  de  estállar, 

Y  ciego  erapuiiar  la  espada 
Para  alli  se  íraspasar. 

Heló  Ia  mano  en  cl  puSo 
Voz  que  de  tierra  salia; 
Voz  aiin  suave  y  dulce, 
Mas  tan  medrosa  y  tan  fiia. 
D(>\  Kíj^ultro  tan  ahogada 
Que  su  eco  estremecia, 
Dejando  la  sargre  belada. 

— 'Vive,  vive,   caballei-o, 
Vive,  que  yo  ya  vivi; 
El  castigo  de  mi  crimen 
Yo  eola  le  mereci 

'En  el  fondo,  ay !  do  esta  tumba 
Otcura  mausion  de  horror, 
Solo  de  vivir  conservo 
Remordi  mentos  y. . .  amor! 

'Urazos  con  que  to  abrazaba 
N<  tieuen  vigor  ya  en  si; 
Cúbre  tierra  búmeda  y  dura 
Log  ojos  con  q".e  te  vi. 

'Boca  con  que  te  bssaba 
Perdió  su  perfume  aqui; 
Corazon  cnn  que  te  amaba. . . 
Eèe  £iemi)re;  ayl  vive  en  mi! 

'Vive.  vive,  caballero. 
Vive,  vive  y  sé  dichoso: 

Y  aprende  en  mi  triste  historia 
A  ser  padre  y  ser  esposo. 


BKRNAL-FRANCEZ  159 

'Si  cou  doncella  caaáres, 
Llámale  tambien  Tiolautc: 
Nunca  su  amor  será  el  mio. . . 
Mas — que  sea  mas  cocstant*. 

'Hijas  que  cn  ella  tuvierdcs 
Crialas  mejor  que  á  mi, 
Que  uo  se  piurdan  por  hombre», 
Cual  yo  me  i-eidi  por  ti  1.' 


1  K  interessante  e  digno  de  lêr-se  o  artigo  que  servi»  d* 
prefacio  a  cata  publicação  cm  Madrid,  escripto  pelo  sr.  Cuolo, 
secretario  que  aqui  foi  e  depois  encarregado  de  negócios  d» 
sua  curte  junto  á  nossa. 

VOL.  n  1* 


IX 

REGINALDJ 


Será  este  Regina]cIo,ou  Eginaldo,o  gallante 
Eginard  francez  que  os  nossos  traduziram 
assim, bem  como  de  Bevaard  fizeram  Bernal  e 
Bernaldo,  de  Gerard  Giraldo?  Eé  este  o  cele- 
brado secretario  do  imperador  Carlos-magno 
de  cujos  muito  românticos. porém  mui  pouco 
platónicos,  amores  com  a  filha  de  seu  augusto 
amo,  estão  cheias  as  historias  da  meia-edade? 
Thema  constante  de  trovadores  e  poetas  até 
quasi  aos  nossos  dias  em  que  a  suave  e  me- 
lancholica  musa  de  Millevoye  ultimamente 
o  remoçou  no  seu  mais  admirado  poema. 

Se  d'este  é  que  aqui  se  trata— e  eu  creio 
que  sim  -vemos  que  oromance  popularcon- 
la  o  caso  mui  differente  do  que  os  poetas  e 
escriplores  do  norte  o  referem.  É  bem  sabi- 


164  ROMANCEIRO 

do  que,  segundo  esses,a  uamorada  princeza, 
quando  o  feliz  Eginaldosahia  da  sua  camará, 
um  dia  de  madrugada  de  hynverno  e  com  a 
neve  alia  e  recemgeada  pelos  átrios  e  jar- 
dins do  palácio,  o  tomara  ella  aos  hombros 
paraque  não  ficassem  impressas  na  neve  as 
delatoras  pegadas  do  amante.  O  que  descu- 
brindo  por  acaso  o  imperador,  que  se  levan- 
tara antes  do  sol,  por  tal  modo  se  internecêra 
com  aquella  prova  de  generosa  dedicação, 
que  logo  lhes  perdoara  a  ambos,  casando  o 
ditoso  secretario  com  a  namorada  princeza. 
Talvez  o  que  primeiro  contou  a  historia  ao 
nosso  povo  e  lh"a  rhymou  para  seus  cantares, 
ommitliu  a  scena  da  neve  por  menos  familiar 
e  commum  n'esles  climas  do  sul;  ou  talvez  a 
ignorasse,  ou  porventura  não  era  ainda  Iam 
popular  por  lá  como  depois  veio  a  ser.  Fosse 
como  fosse,  este  Reginaldo  parece  seroEgi- 
nard  de  Carlos-magno,  esta  infanta  a  prince- 
za sua  filha,  este  rei  o  imperador  seu  pae. 
A  troco  da  bella  scena  da  neve  que  nos  falta, 
temos  a  visita  da  mãe  de  Reginaldo  á  prisão, 
e  o  lindíssimo  solào  aue  lhe  elle  canta.  O  que 


REGINAI.DO  165 

tudo  parece  composto  nos  mais  ternos  e 
desgarrados  modos  de  Bernardim  Ribeiro, 
ou  de  Crysfal.  E  temos  porfim  o  rei  cha- 
mando a  filha  ao  balcão  para  ouvir  cantar 
o  preso  :  scena  verdadeiramente  homérica 
e  de  uma  graça  tam  simples  e  tocante  co- 
mo não  ha  outra  que  o  seja  mais. 

Estou  que  nos  veio  de  França  este  ro- 
mance: não  se  inconlra  nas  collecções  cas- 
telhanas ;  e  entre  nós  é  dos  que  andam 
mais  desfigurados  e  corruptos.  Eu  tive  de 
reunir  vários  fragmentos  para  o  restituir. 
No  Alemtejo  chamam-lhe  Generaldo,  no  Mi- 
nho Girinaldo  ;  Eginaldo  diz  uma  cópia  da 
Beira;  e  outra  que  me  veio  do  Porto  trazia 
por  titulo —G/rmaWo  o  atrevido. 

As  variantes  não  são  muitas,  porque  não 
pudeconsiderar  como  taesas  ligaturasabsur- 
das  com  que  parles  do  romance  andavam 
cozidas  a  parles  egualmente  desconjuncta- 
das  de  outros,  dos  quaes  tive  de  o  estre- 
mar para  reunir  o  que  felizmente  achei  que 
acertava  e  quadrava  u'um  todo  completo. 

São  infinitas  e  mui  disparatadas  as  va- 


186  ROMANCEIKO 

riantes  que  desprezei  na  maior  parte  ao 
emendar  conjecturalmente  o  romance.  Tam- 
bém não  valia  a  pena  de  as  mencionar  em 
nota.  Fiz  somente  excepção  a  favor  de  al- 
gumas que  junctei  por  mais  consideráveis. 
Na  citada  colleccão  do  bispo  Percy  *■  vem 
uma  bailada  ingleza  que  tem  por  titulo  'Little 
Musgrave  and  Lady  Barnard,'  historia  bas- 
tante differenle  d'esla;  mas  ha  no  principio 
uns  dizeres  tão  semelhantes  aos  nossos, 
que  mais  me  confirmam  n'esta  crença  em 
que  estou  de  que  o  verdadeiro  romance  an- 
tigo era  de  todos  os  paizes,  como  a  todos 
pertencia  o  menestrel,  o  trovador,  o  caval- 
leiro  andante,  cuja  pátria  era  o  mundo.  Fos- 
se onde  fô>se,  era  sua  a  terra  ou  o  castello 
onde  havia  façanhas  que  fazer  ou  celebrar 
—  aventuras  para  correr  ou  cantar.  O  ro- 
mance inglez  é  dos  que  reconhecem  por 
mais  antigos  os  collectores  d'aquella  nação. 


1  P*rtg'»  miquei,  XI  aeca.  III.  boock  tbe  firat. 


[iii^:<.ii:%4L.i>o 


— 'Reginaldo,  Reginaldo, 

Pagem  d'el  rei  tam  querido. 

Não  sei  porquê,  Reginaldo  ' 

7  e  cliamam  o  atrevido.' 

— 'Porque  me  atrevi,  senhora, 

A  querer  o  defendido.' 

— 'Não  foras  tu  tam  covarde 

Que  ja  dormiras  commigo  ' 

—  'Senhora  zombais  de  mim 

Porque  sou  vosso  captivo.' 

1  A  lieção  da  Exfroinadnra  o  muitns  outra»  omittim  «nti-s 
beis  verso^,  e  completam  a  primoira  cipla  com  fafoutrcn  ilois: 

lípra  poderás,  Rc"o'inaldo. 

Dormir  um  dia  commigo. 
A  adoptada  no  texto  é  do  Alemtojo. 


J68  ROMANCEIBO 

— 'Eu  não  n'o  digo  zombando, 
Que  deveras  te  lo  digo.' 
— 'Pois  quando  quereis,  infanta, 
Que  va  pelo  promeltido  í' 
— 'Entre  las  dez  e  las  onze' 
Que  elrei  não  seja  sentido.' 

Inda  não  era  sol  posto, 

Reginaldo  adormecido; 

As  dez  não  eram  bem  dadas, 

Reginaldo  ja  erguido. 

Calçou  çapato  de  panno, 

Que  d'el-rei  não  fosse  ouvido. 

Foi -se  á  camará  da  infanta, 

Deu  lhe  um  ai,  deulhe  um  gemido. 

— 'Quem  suspira  a  essa  porta^ 

Quem  será  o  atrevido.'*' 

— 'É  Reginaldo,  senhora. 

Que  vem  pelo  promettido.' 

— 'Levantae-vos  minhas  aias. 

Que  assim  Deus  vos  dê  marido! 

E  ide  abrir  mansinho  a  porta 

Que  elrei  não  seja  sentido.' 

Vela  o  pagem  toda  a  noite. . . 

Por  manhan  é  adormecido; 


1  Kutre  la  uma  r  as  duas 

Quando  elrei  esteja  dormindo.— ^/í«íí'«. 


REGINA  LDO  169 

Chamava  o  rei  que  chamava  ^ 
Que  lhe  desse  o  seu  vestido: 
— 'Reginaldo  não  responde, 
Alguma  tem  succedido! 
Ou  está  morto  o  meu  pagem 
Ou  grande  traição  ha  sido*' 
Responderam  os  vassallos  ' 
Que  tudo  tinham  sentido: 
— 'Morto  não  é  Reginaldo, 
De  somno  estará  perdido.' 

Vestiu  se  elrei  muito  á  pressa, 
E  leva  um  punh&l  comsigo^ 
Vai  correndo  sala  e  sala, 
Abrindo  porta  e  postigo, 
Chega  ao  camarim  da  infanta. 
Dormiam  tam  socegados 
Como  mulher  e  marido. 


3  Lá  por  sobre  a  ruadiugada 

rede  elrei  o  sou  vestido. — AUmítjo. 

i  Ou  traição  t('\u  conimoitido. — Extrcmailura. 
Ou  traição  me  lia  (ommettido.  —  Deiralta. 

5  Accode  d'alli  um  pagem 
i-iui'  é  de  Reginaldo  amigo  : 
— 'Não  é  moito  Keginaldo 
NeiTi  traição  lera  comiiuttido. 
— 'Então  C8tá  Kotciualdo 

Com  a  princeza  dormindo.' — F.tirataixa. 

6  I^eva  um  traçado  comsigo.—  Exiremadura. 


170  KOMANCEÍRO 

De  nada  do  que  se  passava 
De  nada  davam  sentido. 
Accudiram  os  vassallos. 
Que  viram  a  elrei  perdido: 
— 'Nunca  vossa  magestade 
Matte  um  home'  adormecido  ".' 
1  ira  elrei  seu  punhal  de  oiro, 
Deixa-o  entre  os  dois  mettido, 
O  cabo  para  a  princeza, 
Para  Reginaldo  o  bico. 
la-se  a  virar  o  pagem, 
Sentiu  cortar-se  no  fio: 
— 'Acorda  ja,  bella  infanta, 
Triste  somno  tens  dormido! 
Olha  o  punhal  de  teu  pae 
Que  entre  nós  está  metfido.' 
-  'Cairte  d'ahi,  Reginaldo  •, 
Não  sejas  tão  dolorido; 
Vai  já  deitar-te  a  seus  pés, 
Que  elrei  é  bom  e  soffrido. 
Para  o  mal  que  temos  feito 
Não  ha  senão  um  castigo; 
Mas  se  elrei  mandar  mattar-te, 
Eu  heide  morrer  comtigo.' 

7  Dí  n'jni  home'  adornie'*it1o — Minho, 

8  Vai-te  doitar,  Roginaldo. 
A  seus  pés  muito  roudido; 
Que  elrei  tem  bom  coração 

K  te'hade  casar  coramigo.  —Bdrahaixa,  Exti  email  ura. 


BEGlNALDO  171 

— 'D'onde  vens,  ó  Reginaldo^?' 
— 'Senhor,  de  caçar  sou  vindo. 
— *Que  é  da  caça  que  caçaste, 
Reginaldo  o  atrevido?' 
— 'Senhor  rei,  da  caça  venho, 
Mas  não  a  trago  commigo; 
Que  o  trazer  caça  real 
A  vassallo  é  defendido. 
So  vos  trago  uma  cabeça, 
A  minha:  dae-lhe  o  castigo.' 
—'Tua  sentença  está  dada. 
Morrerás  por  atrevido.' 
Vedes  ora  o  bom  do  rei 
Dando  voltas  ao  sentido: 
— 'Se  matto  a  bella  infanta, 
Fica  o  meu  reino  perdido. . . 
Para  mattar  Reginaldo. 
Criei-o  de  pequenino. . . 
iMettê-lo-hei  n'uma  torre  ^** 
Por  princípio  de  castigo. 


9  EbtLS  trcs  coplas  bão  umtniiísag  em  todas  as  Iiei,úe6,  salvo 

n\  do  Alemfejo,  f  em  uma  das  do  Forto. 

iO  A  licçiio  do  Alomtcjo  tenuiua  o  romauce  aqui  com  úsla 

eopla  : 

— 'Lpvauta-te,  ó  liegiualdo, 

r.cgiaaldo  atrevido, 
O  castigo  que  te  dou 
E  que  8<jas  kcu  mariio.' 
Quereria  o  pérfido  menestrel  põr  um  epigr.an.ma  u.^  bóeca 
de  sua  real  mAjeatade  ? 


172  ROMANCBIRG 

— 'Dizei-me  vós,  meus  vassallos, 
Pois  tudo  tendes  ouvido, 
Que  mais  justiça  faremos 
N'este  pagem  atrevido?' 
Respondem  os  condes  todos, 
E  muito  bem  respondido: 
— 'Pagem  de  rei  que  tal  faz, 
Tem  a  cabeça  perdido.' 

Ja  o  mettem  n'uma  torre  ^\ 
Ja  o  vão  incarcerar. 
Mas  anno  e  dia  é  passado, 
E  a  sentença  por  dar. 
Veio  a  mãe  de  Reginaldo 
O  seu  filho  a  visitar: 
— 'Filho,  quando  te  pari 
Com  tanta  dor  e  pezar, 
Era  um  dia  como  este, 
Teu  pae  estava  a  expirar. 
Eu  co'as  lagrymas  dos  olhos, 
Filho,  te  estava  a  lavar; 


Outra  licçâo  da  mesma  piovincia  coatiuúa  ainda  depois  : 

RcBpondersm  os  vassallos, 

Que  tudo  tinbam  sentido  : 

—  'Oh  I  quem  teria  a  fortuna 

Que  Reginaldo  tem  tido  ! 

Atéqni  pagem  d'e!rei, 

Agora  filho  querido  !' — Alemtejo. 
11  Só  as  verEÕes  do  Ribatejo  trazem  eite  epiaódio  da  tôrr«. 


BESIVALDO  n*-^ 

Cabellos  d'esta  cabeça 

Com  elles  te  fui  limpar  *^ 

E  teu  pae  ja  na  agonia, 

Que  me  estava  aincommendar: 

Emquanto  fosses  piqueno 

De  bom  insino  te  dar, 

E  depois  que  fosses  grande 

A  bom  senhor  te  intregar. 

Ai  de  mim,  triste  viuva, 

Que  te  não  soube  criar  '^í 

A  elrei  te  dei  por  amo, 

Que  melhor  não  pude  achar: 

1  u  vais  dormir  co'a  infanta, 

De  teu  senhor  natural! 

Perdeste  a  cabeça,  filho, 

Que  elrei  t'a  manda  cortar! . . . 

Ai!  meu  filho,  antes  que  morras, 

Quero  ouvir  o  teu  cantar.' 

—'Como  heide  eu  cantar,  mi  madre 

Se  me  sinto  já  finar?' 

— 'Canta,   meu  filhinho,  canta, 

Para  haver  minha  benção, 

Que  me  estou  lembrando  agora 

De  teu  pae  n'esta  prisão. 


IS  Ponsaroento  favorito  (lo8  iceuestreia  popularca,  que  se 
incontra  rcpottido  cm  muito»  dos  nog;os  romances  e  xácar«B. 
13  liminar — Rihattjo. 
H  Mãe  minha — Rihalejo. 


174  ROMANCEIRO 

Ganta-me  o  que  elle  cantava 
Na  noite  de  San'João; 
Que  tantas  vezes  m'o  ouviste 
Cantar  c'o  meu  coração.' 

— 'Um  dia  antes  do  dia 

Que  é  dia  de  San'  João, 

Me  incerraram  n'estas  grades 

Para  fazer  penação. 

E  aqui  estou,  pobre  coitado, 

Meiíido  n'esta  prisão, 

Que  não  sei  quando  o  sol  nasce, 

Quando  a  lua  faz  serão  ^' 

De  suas  varandas  altas 
Eirei  estava  a  escutar; 
Ja  se  vai  onde  a  princeza, 
Pela  mão  a  foi  buscar: 


15  Ein  uma  licção  ultimameatc  vinda  da  Beiralta  vem  o 
episódio  da  piisão  com  mais  uma  copla  n'e8t(;  cantar  do  prúgo. 
Aqui  pouUo  a  dita  copla  por  tiua  siagularilade,  apczar  de  ae 
conhecer  n'ellaivisivel  interpolação,  e  deebarmonia  de  stylo  e 
sentido.  Imagino  que  será  fragmento  de  outra  xácara  ou  cantiga 
segundo  tantos  se  iiictntram  em  muitas  d'ella8  : 

Tenbo  aqui  dons  pass:.rinhoB 

Que  mo  trazem  alcanfòres  4 

EUes  vão  e  elles  vêem 

Cum  novai  dos  muus  amores. 
Alcanfôies  ?  e  trazer  alcanfòres  ?  quid  f 


REGINALDO  175 


— 'Anda  ouvir,  ó  minha  filha, 
Este  tão  hndo  cantar, 
Que  ou  são  os  anjos  no  ceo, 
Ou  as  sereias  no  mar.' 
— 'Não  são  os  anjos  no  ceo. 
Nem  as  sereias  no  mar, 
Mas  o  triste  sem  ventura 
A  quem  mandais  degollar. 
— 'Pois  ja  revogo  a  sentença 
E  ja  o  mando  soltar; 
Prende-o  tu,  infanta,  agora, 
Pois  comtigo  hade  casar.' 


\0L.  II 


X 

DONA  AUSENDA 


A  tradição  visivelmente  corrupta  dá  por 
titulo  a  este  bello  romauce  'Dona  Ausência.' 
Extremeuhos  e  Alemtejanos  estão  concor- 
des; mas  nem  assim  me  conformo  com  seu 
dizer,  porque  'Ausência'  não  é  nome  pró- 
prio que  jamais  se  usasse  em  nenhuma 
parte  de  Hespanha.  'Ausenda'  hade  ser  que 
por  séculos  se  incontra  em  todos  os  docu- 
mentos nossos  da  meia-edade,  e  era  dos 
mais  geralmente  usados  e  conhecidos. 

Com  ser  tão  graciosa  ésla  xácara,  é  das 
que  menos  se  vulgarizaram:  duas  provín- 
cias apenas  a  conservam  em  Portugal;  e  no 
resto  da  península  não  consta  que  haja 
vesligiòs  d'ella.  Antiga  é,  e  das  mais  anti- 
gas, porque  esta  Dona  Ausenda  e  este  Con- 


180  ROMANCEIRO 

de  Dom  Ramiro  lêem  um  sabor  musarabe 
que  não  ingana.  Mas  a  ponte  da  AUiviada 
de  que  aqui  se  falia  é  no  Minho.  Como  é 
que  a  historia  de  seu  ermitão  se  não  co- 
nhece alli,  e  veio  ter  e  íicar-se  nas  duas 
provincias  circa-tejanas?  Caprichos  e  myste- 
rios  da  migração  das  tradições  humanas, 
mais  diíhceis  de  explicar  que  os  de  suas 
raças. 

Incontram-se  aqui  várias  reminiscências 
—  por  me  expressar  na  língua  musical  da 
moda— de  outros  romances  mais  sabidos  e 
populares.  Indicará  isto  analogia  na  data.' 


no:\A  ai;nem>a 


Á  porta  de  Dona  Ausenda 
Está  uma  herva  fadada  '; 
Mulher  que  ponha  a  mão  n'ella 
Logo  se  sente  pejada. 
Foi  pôr-lhe  a  mão  Dona  Ausenda 
Em  má  hora  desgraçada; 
Assim  que  pôs  a  mão  n'ella. 
Logo  se  sentiu  pejada  2. 
Vinha  seu  pae  para  a  mesa, 
Veio  ella  muito  appressada 
Para  lhe  dar  agua  ás  mãos, 
Como  filha  bem  criada. 
Pôs-lhe  elle  os  olhos  direitos, 
Ella  fcz-se  mui  corada. 
—'Que  é  isso,  Dona  Ausenda  í 
Voto  a  Deus  que  estás  pejada.' 


1  Croa"*^  uma  borva  fad.ida — AlemUjo. 
a  iSentiu-8C  logo  prcnhada — AlemUjo. 


182  ROMANCEIRO 

—  'Não  diga  tal,  senhor  pae, 
L  da  saia  mal  talhada  3; 
Que  eu  nunca  tive  amores 
Nem  homem  me  deve  nada.' 

Mandou  chamar  os  dois  xastres* 
Que  tinham  mais  nomeada: 
— 'Vejam-me  esta  saia,  mestres; 
Adonde  está  ella  errada?' 
Olharam  um  para  o  outro  ^: 

—  'Elsta  saia  não  tem  nada  ; 
O  erro  que  ella  tem 

É  a  menina  estar  pejada.' 
— 'Confessa-te,  Dona  Ausenda, 
Que  ámanhan  serás  queimada.' 
— 'Ai  triste  da  minha  vida, 
Ai  triste  de  mim  coitada! 
Sem  nunca  ter  tido  amores^, 
Vou  a  morrer  deshonradal' 

Foram  chamar  o  ermitão'' 
Da  ponte  da  Alliviada  ; 


3  Rcmiuieceatia  do  romance  do  Dom  Claros  d'Alem  insr, 
ou  vice-versa.  Veja  adeante  nVste  volume,  pag.  207. 

4  Alfaiates. 

5  Veja  nota  3. 

6  Sem  nunca  saber  de  amores— Êxí)e'íiar7u)-«. 

7  Foram  buscar  confessor 

Á  ermida  da  Alliviada — Exttemaiiura. 


DUNA    AUSENDA  183 

Era  um  fradinho  velho 
Que  o  incontraram  na  estrada. 
Mal  o  frade  chega  á  porta, 
Deitou-se  á  herva  fadada, 
Cortou-a  pela  raiz  **, 
Na  manga  a  leva  guardada- 
— 'Ajoelhae,  Dona  Ausenda, 
Que  a  vossa  hora  é  chegada: 
Confessae  vosso  peco  ido 
A  Deus  e  á  Virgem  sagradcí.' 
— 'Padre,  eu  nunca  tive  amores, 
Nem  homem  me  deve  nada; 
•Más  artes  são  do  demónio 
Ver-rae  eu  donzella  —  e  pejada  -M 
— ^Ha  quanto  tempo,  senhora, 
Vos  sentis  imbaraçada?' 
— 'Os  nove  mezes  faz  hoje 
Que  alli  n'aquella  ramada 
Na  noite  de  San'  João 
Adormeci  descuidada; 
Sentia  o  cheiro  das  flores 
E  da  herva  rociada, 
Sentia-me  eu  tam  ditosa, 
Tam  feliz  e  regalada, 
Que  o  despertar  me  deu  pena 
Quando  veio  a  madrugada.' 


8  Arranca  raiz  e  tudo — Akn'*'o. 

9  K  prouhada — Alemtejo- 


184  ROMANCEIRO 

— 'Tomae  agora  esta  herva, 

Que  é  uma  herva  fadada: 

Com  a  benção  que  lhe  eu  deito  '" 

Ficará  herva  sagrada.' 

— 'Ai!  este  cheiro,  meu  padre, 

E  o  que  eu  senti  na  ramada.' 

Não  disse  mais  Dona  Ausenda, 

Do  somno  ficou  tomada. 

Virtude  tinha  aquella  herva, 

Outra  virtude  fadada: 

Mulher  pejada  que  a  toque  '^ 

Logo  fica  despejada. 

Alli,  sem  mais  dor  nem  pena, 

Em  boa  hora  abençoada, 

Pare  uma  linda  criança 

Bem  nascida  e  bem  medrada. 

Metteu-a  o  frade  na  manga, 

Foi-se  sem  dizer  mais  nada. 

Ja  desperta  Dona  Ausenda, 

Ja  se  sente  alliviada; 

De  tjdo  quanto  passou 

Apenas  está  lembrada: 

Um  mau  sonho  lhe  parece 

Que  a  deixou  perturbada. 

Chamou  por  suas  donzellas, 


30  Com  a8  rezas  qun  lhe  eu  rezo— E.~ trem aiJiir a. 
11  Mulher  que  ponha  a  mão  n'ella. 

Se  está  prenhe,  é  àospreubaú%—Alcmtejo, 


UONA   AUSENDA  185 

Chamou  por  sua  criada, 
Vestiu  suas  galas  mais  riccas, 
Sua  saia  mais  bem  talhada, 
Foi-se  incontrar  com  seu  pae 
Que  estava  na  alpendorada  '2^ 
Vendo  arm.ar  a  fogueira 
Em  que  a  queria  queimada: 
—  'Senhor  pae,  aqui  me  tendes 
Ja  disposta  e  confessada; 
Agora  a  vossa  vontade 
Seja  em  mim  executada.' 

O  pae  que  a  mira  e  remira 
Tam  esbelta  e  bem  pregada, 
O  seu  corpo  tam  gentil. 
Sua  saia  iam  bem  talhada: 
— 'Que  feitiço  era  este,  filha, 
Com  que  estavas  in.bruxada? 
Como  se  desfez  o  incanto, 
Que  te  vejo  tão  mudada?' 
— 'Fosse  elle  poder  de  incanto, 
Ou  condão  de  herva  fadada, 
Quebrou-o  aquelle  fradinho 
Da  ponte  da  Alliviada." 
— 'Metade  de  quanto  eu  tenho, 
Ametade  bem  contada, 


12  Alpendre  cubcito.  á  entrada  da  rasa. 


186  ROMANCEIRO 

A  esse  bom  ermitão 
D'esta  hora  lhe  fica  dada. 
Palavras  não  eram  dittas 
O  ermitão  que  chegava  '•': 
— 'Acceito  a  ofierta,  bom  conde, 
Se  a  metade  é  bem  contada, 
Se  entra  n'ella  Dona  Ausenda, 
E  m'a  dais  por  desposada.' 
Riram-se  todos  do  frade; 
Elle  sem  dizer  mais  nada, 
Despe  o  hábito  e  o  capuz. 
Ergue  a  cabeça  curvada; 
Ficou  um  gentil  mancebo, 
Senhor  de    capa  e  de  espada  i'' 
Era  o  conde  Dom  Ramiro, 
Que  d "alli  perto  morava. 
Em  boa  hora  Dona  Ausenda 
Pôs  a  mão  na  herva  fadada! 


13  Assomava — Alemtejo. 

14  Vo8tido  de  capa  e  espada — Extitmadura. 


XI 

A  RAINHA  E  CAPTIVA 


Nem  os  romanceiros  castelhanos  uemescri- 
plor  algum  faz  menção  do  bello  romance  da 
'Rainha  e  capliva'.  Anda,  como  os  preceden- 
tes,na  tradição  oral  do  povo, e  parece  não  ser 
dos  que  mais  alterações  lêem  padecido,  quer 
na  forma, quer  no  estylo,apezar  da  renovação 
de  palavaas  por  que  deve  de  ter  passado 
na  insensível  mudança  de  lingua,  para  se 
incontrar^hoje  em  phrase  tam  corrente. 

É  geralmente  sabido,  e  com  poucas  va- 
riantes se  reppetle  desde  a  Extremadura  a 
Tras-os-Monles;  sê-lo-ha  também  nas  pro- 
víncias transtaganas,  mas  não  me  veio  de 
lá  cópia  d'elle. 

Pelas  referencias  a  (ialliza,  a  senhorio  de' 
moiros  ainda  perlo  eá  *Terrra  de  Saneia  Maria, 


190  ROMANCEIRO 

que,  como  todos  sabem,  é  o  dislriclo  d'enlre 
Douro  e  Vouga  que  hoje  se  chama  'Terra  da 
Feira,'  ve-se  que  a  historia  e  epopeia.ambas 
são  dos  primeiros  tempos  da  monarchia.  E  a 
circumstancia  de  'salto'  por  mar  e  'correria' 
por  terra  lhe  dá  uma  forte  còr  do  século  xir. 

Os  poetas  populares  não  compunham  em 
geral  as  suas  rhapsodias  seoão  sobre  fados 
recentes.  O  que  passou  da  historia  escri- 
pta  para  os  versos  é  já  feito  pelos  poetas 
leltrados  de  uma  civilização— superior  não 
sei,  porém  mais  adeanlada. 

O  conto  conta-se  bem  no  romance,  e  ex- 
cusa  explicado  por  argumento  do  compilado»-, 
li  dos  mais  romanescos,  cheio  de  situações 
interessantes,  de  lances  e  de  aventuras. Esta 
volta  de  captivos  e  renegados  christãos  para 
as  suas  terras,  fugidos  com  as  jóias  de  seus 
senhores  infiéis,  é  uma  feição  muito  sabi- 
da, e  commum  nas  lendas  populares. 

N'esta  ha  toda  a  singeleza  homérica,  todo 
aquelle  tom;até  a  repettição  das  mesmas  pa- 
lavras e  dos  mesmos  versosquando  occorrem 
as  mesmas  ideas:  é  a  Aurora  da  lliada  que 


RA>NHA  E  CAPTIVA  Uíl 

sempre  abre  o  ceo  com  os  mesmos  'dedos 
de  rosa',  os  reis  que  são  sempre  'pastores 
de  povos';  é  Menelaii  com  a  mesma  'cabel- 
leira  loira/  Juno  com  as  mesmas  'coxas 
pulchras,"  os  mesmos  'olhos  de  louro'  sem- 
pre. A  poesia  primitiva  é  uma  sempre,  às 
ribeiras  do  Pamyso  ou  ás  do  Douro. 

A  pintura  da  mãe  baptizando  a  filha  com 
as  lagrymas  de  seus  olhos,  tem  já  por  si  só 
mais  poesia  grande  e  sublime  do  que  poe- 
mas inteiros  de  grandes  poetas. 


R/%i:%HA  K  €APTI%  A 


— 'Á  guerra,  a  guerra  moirinhos, 
Quero  uma  christan  captiva! 
Uns  vão  pelo  mar  abaixo, 
Outros  pela  terra  acima: 
Tragam-m'a  christan  captiva, 
Que  é  para  a  nossa  rainha. 
Uns  vão  pelo  mar  abaixo, 
Outros  pela  terra  acima  : 
Os  que  foram  mar  abaixo 
Não  incontraram  captiva  ; 
Os  que  foram  terra  acima: 
Tiveram  melhor  atina  •, 


1  Melbor  fortuna,  atinaram  melbor.  Algumas  licvlcs  rli/.era 
alima;  palavra  qijc  não  sei  interpretar.  K  opÍDiào  do  mru  ami- 
go o  8r.  ITerenlauo  que  poderá  ser  acima,  uto  é,  a  vrlba  pala- 
Tia  cima  —  complomento.  conclusão,  acabamento,  resultado  — 
com  a  eipirtiva  a  por  cauaa  do  metro. 


IM  ROMANCEIRO 

Deram  com  o  conde  Flores 

Que  vinha  de  romaria : 

Vinha  lá  de  Sanctiago, 

Sanctiago  de  Galliza; 

Mattaram  o  conde  Flores, 

A  condessa  vai  captiva. 

Mal  que  o  soube  a  rainha, 

Ao  caminho  lhe  sahia  : 

— 'Venha  embora  a  minha  escrava, 

Boa  seja  a  sua  vinda  ! 

Aqui  lhe  entrego  estas  chaves 

Da  dispensa  e  da  cozinha; 

Que  me  não  fio  de  moiras 

Não  me  dem  feitiçaria  2. 

— 'Acceito  as  chaves,  senhora, 

Por  grande  desdita  minha. . . 

Hontem  condessa  jurada^, 

Hoje  moça  da  cozinha!' 

A  rainha  está  pejada, 

A  escrava  também  o  vinha: 

Quiz  a  boa  ou  má  fortuna 

Que  ambas  parissem  n'um  dia. 

Filho  varão  teve  h  escrava, 

E  uma  filha  a  rainha; 

Mas  as  perras  das  commadres. 

Para  ganharem  alviçaras  * 

2   Qu«  me  não  dera  bruxaria — Exlrtmaihira, 
'A  Hoiitiíni  eontlessa  <lc  Flore»  — Ribatejo. 
4  Troc."»iam-n'aB  á  nascida — Beirubaixa 


BAmUA   E   CAPTIVA  195 

])eram  á  rainha  o  filho, 
A  escrava  deram  a  filha. 

— 'Filha  minha  da  minha  alma, 
Com  que  te  baptizaria? 
As  lagrymas  de  meus  olhos 
Te  sirvam  de  agua  hemditta. 
Chamar-te  hei  Branca  Rosa, 
Branca  ilor  d'Alexandna  ', 
Que  assim  se  chamava  dantes 
Uma  irman  que  eu  tinha: 
Captivaram-n'a  os  moiros 
Dia  de  Paschoa  florida, 
Andando  apanhando  rosas* 
N'um  rosal  que  meu  pae  tinha.' 
Estas  lástimas  choradas 
Veis-la  rainha  que  ouvia, 
E  co'as  lagrymas  nos  olhos 
Muito  depressa  acudia: 
— 'Criadas,  minhas  criadas, 
Regalem-me  esta  captva; 
Que  se  eu  não  fora  de  cama, 
Eu  é  que  a  serviria  l ' 
Mal  se  levanta  a  rainha 
Vai-se  ter  com  a  captiva: 


f»  Rosa  llor  d'Alexandiia — Míulto. 

H  Quando  andava  a  apanliar  lom— Extitmadurc. 

1  Ku  é  que  a  Te\;»\an!L~Extvnna<lnnt. 


lyy  ROMANCEIBO 

--'Como  estás,  ó  minha  escrava, 
Como  eslá  a  tua  filha?' 
— 'A  filha  boa,  senhora, 
Eu  como  mulher  parida.' 
— 'Se  estiveras  em  tua  terra, 
Que  nome  lhe  chamarias?' 
— Chamara- lhe  Branca  Rosa, 
Branca  flor  da  Alexandria  *; 
Que  assim  se  chamava  d'antes 
Uma  irman  que  eu  tinha: 
Captivaram-n'a  os  moiros 
Dia  de  Paschoa  florida. 
Andando  apanhando  rosas '' 
N'um  rosai  que  meu  pae  tinha.' 
—'Se  vira'la  tua  irman, 
Se  tu  a  conhecerias?' 
— 'Assim  eu  a  vira  nua 
Da  cintura  para  cima; 
Debaixo  do  peito  esquerdo 
Um  signal  preto  ella  tinha  lo-' 
— 'Ai  triste  de  mim  coitada, 
Ai  triste  de  mim  mofina  nV 
Mandei  buscar  uma  escrava. 
Trazem  uma  irmã  minha!' 


8  Rosa  flor  d'Alexaudria — Minho. 

9  Quando  an  lava  a  apanhar  rosag — Extremadura 

10  Um  lunar  preto  ella  tiahíí—ExtremaduTa, 

11  Triíte  de  uiiaba  mofina — Beiralta. 


BAINHA    K    CAPTIVA  197 

Não  são  passados  três  dias, 
Morre  a  filha  da  rainha: 
Chorava  a  condessa  Flores 
Gomo  quem  por  sua  a  tinha; 
Porem  mais  chorava  a  mãe, 
Que  o  coração  lh'o  dizia  i-,.' 
Deram  á  língua  as  criadas, 
Soube-se  o  que  succedia: 
A  mãe,  c'o  filho  nos  braços, 
Cuidou  morrer  de  alegria. 
Não  são  passadas  três  horas, 
Uma  á  outra  se  dizia: 
— 'Quem  se  vira  em  Portugal, 
Terra  que  Deus  bemdizia!' 
Junctaram  muita  riqueza 
De  oiro  e  de  pedraria; 
Uma  noite  abençoada 
Fugiram  da  moiraria. 
Foram  ter  á  sua  terra, 
Terra  de  Sancta-Maria; 
Metteram-se  n'um  mosteiro 
Ambas  professam  n'um  dia. 


12  Que  o  cora\-5o  riio  pedia — lilUit  Jo. 


XII 


DOM  CLAROS  D'ALEM-MAR 


'Dom  Claros  crAlem-mar',  que  em  muitas 
parles  o  povo  corrupiamente  diz  'Don  Car- 
los', não  sei  se  nasceu  porluguez  ou  caste- 
lhano! propenda  para  a  última  origem,  ape- 
zar  de  que,  impresso  nas  antigas  collecções 
dos  nossos  vizinhos,  o  povo  de  Portugal  toda- 
via o  canta  bastante  diverso,  mas  não  peiora- 
do  decerto. 

Do  modo  por  que  assim  anda  na  tradição 
oral  portugueza,  faz  lembrar  no  seu  princi- 
pio o  romance  francez  do  'Conde  Ory.' 

Creio  que  é  das  mais  antigas  composições 
d'esle  género  que  temos  em  Hespauha:  nas 
províncias  portuguezas  é  muito  vulgar  e  sa- 
bido, e  portanto  abunda  em  variantes. 

Observa-se  aqui  ser  indubitavelque  certos 


202  «OMANCEIRC 

versos  e  coplas  de  alguns  primeiros  romau- 
ces,  cerlos  dizeres  d'elles  cahirarn  em  graça 
geral,  e  ficaram  seodo  como  bordões  poéticos 
em  Iodas  as  línguas. 

D'isto  apparecem  continuas  provas  e exem- 
plos, não  só  entre  provençaes,  portuguezes, 
catalães  e  castelhanos,  não  só  entre  dina- 
marquezes,  normandos,  escocezes,  ullemães 
e  inglezes,  mas  ainda  de  uma  d'estas  gran- 
des famílias  para  a  outra, 

Compare,  no  presente  romance,  os  versos 
onde  diz : 

Haverá  por  lii  um  pagem 

Que  o  meu  pão  quiira  comer  ?. . . 

com  estoutros  do  escessez  prince  robert, 
nu  coUecfão  de'Sir  W.  Scott  ja  citada  : 

'O  wheie  vvill  I  get  a  littlf  boy, 

Thãt  \vill  win  liose  and  shoon, 
To  riu  sac  last  to  Darliagtou 

Anfl  bid  fair  Eleanor  carne  ?' 
Then  up  and  spake  a  little  boy, 

That  wad  win  hose  and  sbooii : 
'O  ril  away  to  Datliugtou, 

And  bid  fair  Klnanor  canie  1.' 

1   MinUtrelsy  of  tht  ScollUh  Bortleit,  ete.   tom.  il,  pag.  124, 
ej.  Paris  1838. 


DOU  CL.AUOS  WAL.KM-1IAR 


— 'Quero  fazer  uma  aposta, 
Ou  eu  não  sei  apostar: 
Claralinda  hade  ser  minha  ^ 
Antes  d'o  gallo  cantar.' 
— *Appostar,  appostareis  2, 
Mas  não  haveis  de  ganhar; 
Que  é  discreta  a  Claralinda, 
Ninguém  n'a  pôde  inganar,' 

1  De  doimiruom  Mari<inua — BeiruHa, 

2  — 'Tal  coisa  não  faças,  filho, 
Qoe  a  não  liasdi-  ganhar  : 
Marianna  ú  mui  sisiKla, 

K  não  80  Jtíixa  inganai.'  — Beiroíía, 

— 'Não  appostcs,  ó  mou  filho, 

Não  te  mettHK  a  appoetar  ; 

Que  Marianna  é  dÍBcrota, 

Não  a  iMiilee  in(.';>nai.' — Beiraliiixa. 


201  ROMANCEIRO 

Não  quiz  alli  dizer  nada, 
Não  quiz  alli  mais  fallar; 
Vestiu  trajos  de  donzella 
E  se  pôs  a  caminhar-'. 
La  estava  a  Claralinda 
De  seu  balcão  a  mirar: 
— *Que  donzella  tam  bonita  M 
Quem  é,  e  o  que  vem  buscar?' 
— 'É  a  tecedeira,  senhora  \ 
Que  vem  das^  praias  do  mar; 
J  em  a  sua  teia  urdida. 
E  a  falta  ^  vem  n'a  buscar.' 
— 'Ahi  tenho  a  falta,  donzella, 
Mas  inda  está  por  dobar  ".' 


3  Vestiu  trajos  de  douzella, 

Ao  jardim  foi  passear. — Beiralta. 

4  — 'Qucin  é  aijuella  donzella 

Que  alem  anda  a  passeiar  ?'  —BdraUa, 

— 'Quem  bate  á  miuba  porta, 

Quem  me  véin  importunar  ?' — Minho. 

— 'Tecedeira,  soo,  senhora, 

De  las  areias  do  mar  ; 

A  teia  tenho-a  urdida, 

A  seda  venlio-a  buscar  !'  —  Ihason-moHtcn. 

5  Falta  de  teia  c  o  que  apparecc  de  menos  ua  tecedura  cm 
desproporção  com  a  urdidura. 

7  'Essa  falta  eu  a  tenho, 
Mas  não  a  possoídobar.' 
— 'Dubf>a  ja,  miaha  senhora, 
Trate  de  a  mandar  dobar.'—  Beiralla. 


DOM  CLAROS  d'alem-mar  205 

— 'Senhora,  que  se  faz  tarde 
E  eu  não  posso  esperar: 
De  noite  pelos  caminhos** 
Donzellas  não  hãode  andar.' 
— Para  honra  da  donzella, 
Aqui  hoje  hade  poisar.' 
— 'Tendes  criados  tam  moços, 
Tam  atrevidos  do  olhar. . .' 
— 'Para  honra  da  donzella 
No  meu  quarto  hade  ficar.' 

A  donzella,  de  contente, 
A'  noite  não  quiz  ceiar; 
Tinha  somno,  tanto  somno, 
Que  se  quiz  logo  deitar. 
Lá  por  essa  noite  adiante  ^ 
Clarinha  de  gritar. . . 
— 'Calla-te,  ó  Claralindá, 
Não  te  queiras  difTamar, 
Que  eu  sou  de  nobre  gente 
E  comtigo  hei  de  casar  : 


S  — "Dilate  SC,  ó  miiiina, 

(jui'  ainda  está  por  dcbar  : 

Douz<'IIas  pelo  caujiuho 

De  noite  paiecom  mal  '  —  Beirahaixa. 
9  I>á  por  essa  noitcjvclha 

Ma'ianna  de  queixar. — Minho. 


206  HOMANCKIRO 

Fia-ie  n'esta  palavra 

De  Dom  Claros  d'Alem-mar  '".' 

Passados  são  tantos  dias, 
Tam  compridos  de  esperar: 
Não  voltou  a  tecedeira, 
Mas  a  teia  ia  a  dobrar 
Aos  seite  para  oito  mezes 
O  pae  á  mesa  a  jantar  ": 
— 'Claralinda,  Claralinda, 
Que  feio  é  o  teu  trajar  J ' 
— 'Não  diga  tal,  senhor  pae; 
Ninguém  lhe  oiça  tal  fallar: 
Não  sou  eu,  é  da  vasquinha 
Que  é  mal  feita  e  dá  mau  ar.' 


1(1  — 'Aos  9«'t<'  para  oito  nio7,<'s 

Si'  teu  par  ja  reparar, 

]SIandarás  uma  cartiulja 

A  Dom  Carlos  á'A\om-\imT.'  —  Bei>aUa 
11  Si'u  pae  (lue  a  estava  a  mirar. 

— -O  ijue  mira,  senhor  pae,      , 

O  que  é  que  está  a  olhar  ?' 

—  'En  rairo-te,  minha  filha, 
E  olho  no  teu  de>.ar.' 

—  'Este  euchume,  senhor  pae, 
É  da  saia  mal  trajar.' — Coimbra 
— 'Que  é  isso,  Jfarianna, 

Que  te  faz  aseim  estar  ?' 

— 'Não  é  na'la,  senhor  pae. 

E"  a  vasquinha  mal  talhaiia  '  -  Porto. 


EOU  CLAROS  d'alem-mar  207 

Mandou  chamar  alfaiates  '2 
Para  se  desinganar: 
Disseram  uns  para  os  outros: 
— 'Não  tem  falta  a  saia  tal.' 

Não  ha  alli  mais  que  dizer  '^, 
Não  ha  mais  que  perguntar: 
— 'Prepára-te  ó  Claralinda, 
Que  ámanhan  vais  a  queimar.' 
— 'Não  se  me  dá  que  me  mattem  *'*, 
Que  me  levem  a  queimar, 
Dá-se-me  d'este  meu  ventre 
Que  é  de  sangue  real ! . . . 


18  Mandou  logo  vir  dois  xaetre s 
Cada  um  de  sua  caea  : 
Digseratn  um  para  o  outro  : 
— 'A  vasquiuha  não  tem  nada, 
E  a  menina  está  pejada.' — Porto. 
— 'Esta  saia^não  tem  nada ; 
Ao  fim  de  nove  mezes 
Ella  será  abaixada.' — Coimbra. 

13  — 'Oh  lá,  oh  lá,  meus  criados, 
A  lenha  ao  monte  apanhar, 
Que  ámanhan  por  estas  horas 

Vai  Claralinda  a  queimar.'— 5ci)aí/uia:a. 

'Confessa-te,  ó  Murianna, 

Tratta  de  te  confessar, 

Que  hoje  te  ajuntam  a  lenha, 

Ámanhan  te  hãode  queimar.' — Beiralta. 

14  — 'Não  ee  me  dá  que  me  queimem, 
Que  mo  tornem  a  queimar.'— Coimfcra. 

VOL.  II 


208  hOMANCKiRO 

Haverá  por  ahi  um  pagem  ^=' 

Que  o  meu  pão  queira  ganhar, 

E  que  me  leve  esta  carta 

A  Dom  Claros  d'Alem-mar  ?' 

Apparece  um  pagemsito 

Discreto  no  seu  fallar: 

— 'Aqui  está  um  mensageiro 

Que  o  recade  quer  lever.' 

— 'Se  o  meu  pão  queres  comer, 

A  toda  a  pressa  hasde  andar, 

E  intregarás  esta  carta 

A  Dom  Claros  d'Alem-mar  ''^. 

IS  — 'Não  ha  por  ahi  um  pagem 

Que  t,e  doia  rio  meu  miíl.  —  Po)UK-de-Lima. 

Quem  ue  dera  aqui  um  pagpm. 

Que  me  túra  ao  meu  mandar. 

Quem  me  levara  esta  cai  ta, 

A  IJom  ClaroB,  de  pezar.' — Minho. 
Iti  — 'Se  elle  estiver  a  dormir, 

Façam-n'o  logo  acordar, 

Se  elle  estiver  a  comer, 

Não  o  deixem  acabar.'— /íeíVabaiVa. 

— 'Se  o  achares  a  passear, 

Deixá-lo-haâ  assentar; 

Se  o  achares  a  dormir, 

Deixá-Io-has  acordar  ; 

Se  o  achares  a  jantar, 

Deixa  lo-has  alevantar.'  — .i4çyre,v. 

— 'Se  o  achares  a  dormir, 

Deixá-lo-has  aco  dar. 

Se  o  achares  acordado, 

A  carta  lhe  hasde  iatreg&T.'— Deiraltu. 


DOM  CLAROS  DALEM-MAR  209 

— 'Que  quereis,  ó  pagemsito. 

Que  vindes  aqui  buscar  ?' 

— 'Trago  uma  carta,  senhor, 

Novas  de  muito  pezar; 

Novas  lhe  trago,  más  novas  *' 

Da  sua  amigaUeal: 

Hoje  se  lhe  ajunta  a  lenha, 

A'manhan  vai  a  queimar.' 

EUe  pôs-se  a  ler  a  carta, 

Não  a  podia  acabar; 

As  lagrymas  eram  tantas 

Que  o  faziam  cegar '*: 

— 'Oh  lá,  oh  lá,  escudeiros, 

Os  cavallos  a  ferrar; 


17  — 'Novas  lhe  trago,  senhor, 
Da  sua  amiga  leal  : 

Dos  sette  para  oito  mezes 

Seu  pae  a  manda  queimar.' — Beiralta. 

— 'A  sua  amada  menina 

Amanbau  vai  a  queimar.' — Âqôits, 

— 'Menina'com  quem  dormiu 

Vai  ámanhan  a  queimar.' — Beirahaixa. 

18  Desgrfçada  Mariauna 
Que  te  levam  a'queimar  ! 
Malstreado  do  teu  ventre 

<i«e  leva  sangue  real !— 7.Viiaí<a. 
Pouco  me  dá  que  a  queimem 
Qae  a  tornem  a  queimar  ; 
Dá-se-me,  é  do  seu  ventre 
Que  é  d«  sangue  vea.\.—AhmUjo. 


210  ROMANCEIRO 

Jornada  de  quatro  dias 
Esta  noite  se  hade  andar.' 

Chega  a  um  convento  de  frades, 
Estava  o  sino  a  dobrar: 
— 'Por  quem  dobra  o  sino,  padre, 
Por  quem  está  a  tocar  ?' 
— 'E'  a  infanta  Claralinda 
Que  se  está  a  agonizar: 
Hontem  juntaram-lhe  a  lenha, 
Hoje  a  levam  a  queimar.' 
Era  quasi  manhan  clara, 
Mandou  seus  pagens  deitar, 
Vestiu-se  em  trajos  de  frade  '9, 
Foi  ao  caminho  esperar: 
— 'Parem  lá  os  da  justiça  2", 
Justiça  de  mau  pezar, 

19  Vestiu-se  em  trajos  de  frade, 
Ao  caminho  a  foi  esperar : 
Em  chegando  ao  pé  d'ella 

Aos  criado»  foi  fallar.'— i?«iVai/a. 

20  Parem  li  com  a  liteira, 
E  façam-n'a  já  parar, 

Que  a  menina  que  ahi  levam 

Ainda  vai  por  ccnfessar.' — Beiralaira. 

— 'Oh  da  justiça  d'clrei, 

Alto  lá,  façam  parar.' — Coimira. 

A  menina  que  ahi  levais 

Ainda  vai  por  confessar.— JBeíraZto. 

— 'Diga-me,  minha  menina, 

O  porque  vai  a  queimar  ?' 


DOlf  CLAROS  D'ALfcM-MAR  211 

Que  a  menina  que  ahi  levam 
Inda  vai  por  confessar.' 

Deixaram-n'o  ao  bom  do  frade 
Para  a  infanta  confessar. 
Mal  se  elle  viu  só  com  ella, 
De  amores  lhe  foi  fallar: 
— 'Venha  cá,  minha  menina  ^i, 
Que  a  quero  confessar; 
No  primeiro  mandamento 
Um  beijinho  me  hade  dar.' 
— 'Não  permitta  Deus  do  ceo 
Nem  os  sanctos  do  altar! 
Onde  Claros  pôs  a  bôcca^z 
Não  me  hade  um  frade  beijar.' 


— 'Porque  dormi  uma  noite 

Com  Dom  Carlos  d'Alem-m»r.' — Beiralia 
81  Diga-me,  minha  meiuDa, 

Verdade  me  Iiade  tallar; 

Se  teve  amores  com  clerig.s 

Ou  com  frades,  mal  pezar.' 

— 'Não  tive  amores  com  clengos 

Nem  frades  de  mal  pezar  : 

Tive  amores  com  Dom  Carlos, 

Por  isso  vou  a  queimar.' 

— 'Pois  Dom  Carlos  sou  eu  mesmo, 

E  comtigo  heide  casar.' — Coimbra. 
•Segundo  esta  licção  d«  Coimbra  acaba  o  romance  aqui. 
22  Que  onde  Claros  pós  a  bòcca 

Não  bade  pôr  nenhum  frade — Beiralta, 


212  ROMANCEIRO 

—  'Venha  cá,  minha  menina, 
Que  a  quero  confessar; 
No  segundo  mandamento. 
Um  abraço  me  hade  dar.' 
— '■Vai-te  na  má  hora,  frade, 
Que  a  mim  não  hasde  chegar; 
Que  a  mim  nunca  chegou  homem, 
Se  não— inda  mal  pezar! 
Senão  só  esse  Dom  Claros, 
Dom  Claros  o  d'Alem-mar, 
Que,  por  meus  grandes  peccados, 
Por  elle  vou  a  queimar!' 

Dom  Claros  que  tal  ouviu, 
Não  pôde  o  riso  occultar. 
— 'Por  esse  riso  que  dais^J, 
Sois  Dom  Claros  d'Alem-mar...' 
— 'Calla-te,  ó  Claralinda^'', 
Que  te  venho  libertar; 


Que  onde  o  meu  bein  pôs  a  bôcca — Évora 

Não  me  bade  um  frade  beijar — Ponle-de-Lima. 

Vnnha  um  frade  bafejar — Porto. 
24  Pelo  sorriso  que  à&\%— Rtirábaixa. 
23  — 'Sim,  senhora,  sou  Dom  Carlos 

Que  vos  vem  libertar.' 

Tomou-a  logo  nos  braços 

Poieram-se  a  caminhar. 

Correm  d'alem  os  criados 

E  poseram-se  a  gritar  : 


lO.M  CLAROS  DALEMMAR  213 

Já  está  tecida  a  teia, 
Vamo-Ta  agora  a  curar.'' 

Tomou  a  logo  nos  braços 
,Poseram-se  a  caminhar: 
Estava  perto  o  convento, 
Viram-no  os  pagens  chegar. 
Chegavam,  não  chegariam. , . 
A  justiça  de  bradar. 
— 'Nas  ancas  de  meu  cavallo, 
Menina,  haveis  de  montar.' 
Assim  foi  livre  a  infanta 
Por  Dom  Claros  d'Alem-mar. 


— 'Seuhor  padre,  deixe  a  moça, 
Que  a  mauda  sou  ptie  queimar.' 
— 'Pois  vão  dizer  a  seu  pae 
Qne  a  venha  cá  buacar.' 
Que  eu  co'e8tf'  faitu  do  prata 
A  alma  lho  heido  atravessar.' — Beiralta 
—  'Eu  Dom  Claros, 'sou  menina, 
.Sou  Dora  Claros  d'Alem-mar  : 
Nas  aaoas  do  meu  cavallo, 
Menina   haveis  de  montar. 
Senhora  das  minhas  quintas, 
Rainha  do  meu  caudal . . . 
Agora  dize  a  teu  pac^ 

Qu«  teVonha  cá  buscar  ' — Ivaz-os -montes. 
N'eâta8  duas  li  ções  da  Ueiralta  e  do  Traz-os-roonte»,  acaba 
re8i)eetfvamente  as.sím  o  romance. 


214  ROMANClilRO 


A  caza  va  el  emperud  r, 

A  Ban  Juan  de  Ia  montina, 

Oou  el  iba  el  conde  Claros 

Por  le  tener  compafiia. 

Oontandole  iba  contando 

Kl  menester  que  tenia. 

— 'No  me  lo  digais,  el  conde, 

Hasta  despues  la  veuida.' 

— 'Mis  arma?  tengo  empenadas 

Por  mil  marcos  de  oro  y  mas, 

Y  oiros  tantos  debo  en  Francia 

•Sobre  mi  buena  verdad.' 

—  'Llámedme  mi  camarero 

De  mi  camará  real; 

Dad  mil   marcos  de  oro  ai  conde 

Para  sus  armas  quitar; 

Dad   mil  marcos  de  oro  ai  conde 

Para  mautener  verdad; 

Dadle  otros  tantos  ai  conde 

Para  vestir  e  calzar; 

Dadle  otros  tantos  aKccnde 

Para  las  tablas  jugar; 

Dadle  otros  tantos  ai  conde 

Para  torneioí  armar; 

Dadle  otros  tantos  ai  conde 

Para  con  damas  holgar.' 

— 'Muthas^mercedes,  sefior, 

Por  esto  y  por  mucho  mas. 

A  la  infanta  Claranifia 

Vós  por  ranger  me  Ia  dad. 

1  Esta  variante  tem  entre  os  castelhanos  o  titulo  do  'DoQ 
Claros  de  Montalvan.' 


DOM  CLAR'  S  D  ALEM  MAR  215 

— 'Tarde  acordaste,  el  conde, 
Jlandada  Ia  tengo  7a.' 

—  'Vós  me  la  dareis  senor, 
A  cabo  que  no  querais, 
Porque  preSada  la  tengo 
De  los  seis  meses  ó  mas.' 

El  emperador  que  esto  oyera 
Tomo  de  ello  grau  pesar, 
Vnelve  riendas  ai  caballo 

Y  toruose  á  la  ciudad: 
Mando  llamar  las  parteras 
Para  la  infanta  mirar. 
AUi  habló  la  partera, 
Bien  oireis  Io  que  dirá: 

—  'Preiiadaestà  Ia  infanta 
De  los  seis  meses  ó  mas.' 
Mandcla  prender  su  padre 

Y  meter  en  esciiridad, 
El  agua  basta  la  cintura 
Porque  pudriese  Ia  carne. 
Caballeros  de  su  casa 

Se  Ia  ibau  á  mirar: 

—  'PèsanoB  de  vós,  seiáora, 
Quanto  ncs  puede  pesar, 
Que  de  boy  eu  qnince  dias 
El  rey  os  manda  qaemar.' 
— 'No  me  pesa  de  mi  muerte 
Porque  es  cosa  natural, 
Pésame  de  la  criatura. 
Porque  es  bijo  de  buen  padre  ; 
Mas  se  bay  aqui  alguno 
Que^baya  comido  mi  pan. 

Que  me  llcvase  una  carta 
A  don  Claros  de  Montalvan  7 
Alli  babló  um  page  nuyo, 
Tal  respuesta  le  fue  a  dar: 


216  ROMANCEIKO 

— 'Escribidiajvós,  senora 
Que  yo  .se  !a  iré  á  1  levar.' 
Ya  las  cíitas  soa  escritas, 
El  page  las  va  a  Uevar; 
Jornada  de  quincc  dias, 
En  ocho  la  fi'era  a  nudar. 
I>legado  babia  a  los  iialacios 
A  donde  el  bu.ii  conde  está. 

—  'Bien  vengair,  cl  pageciío, 
De  Franc  a  la  natural 
iPues  que  nuevas  rce  traeis 
De  la  infanta?  como  estai" 
— 'LeeU  las  cartas,  seiior, 
Que  en  cilas  os  lo  dirá  ' 

De  que  1  i  s  hube  leeidn 
'J'al  respuefta  le  fue  a  dar: 
— 'Uuo  rae  da  que  la  queraen, 
Oiro  me  da  que  la  mateu.' 
Ya  se  partia  el  buen  londo, 
Ya  se  parte,  ya  se  va, 
Jornada  de  quince  dias 
En  ocho  la  luera  à  andar, 
Fuérase  a  un  monasterio 
Donde  los  frailesestau; 
Quilóse  panos  Ce  seda, 
Vistió  hábitos  de  frailc, 
Euúraseià  Ins  )  alados 
De  Carlos  el  fniperaiile.  •pi 

—  'Mjftedes,  si  n  r,  jiicircdis, 
Queráisuielas  otorgar, 

Que  à  mi  stnora  la  infanta 
Vos  me  dejeis  ccnfesar.' 
Ya  lo  Uevaban  ai  fraile 
A  la  infanta  a  confesar. 
El  cuando  se  vió  con  ella 
De  amores  le  fue  a  hablar. 


DOM  CLAKUS  DALEld-MAR  217 

— 'Tatc,  tate,'  dijo,  'fraile, 
Que  á  mi  tu  no  basde  Uegar; 
Que  nnnca  llegó  a  mi  hombre 
Que  fueee  vivo  en  carne, 
Sino  solo  aqnel  donClaros 
Don  Claros  de  Montalvau, 
Que  por  mis  grandes  pecados 
Por  él  me  quieren  quemsr. 
No  doy  nada  por'mi  muerfe, 
Porque  88  cosa  natural, 
Pésame  de  la  criatura 
Porque  es  hijo  de  buen  padre.' 
Ya  se  iba  el  confesor 
Al  emperador  a  bablar: 
— 'Mercedos,  seuor,  mercedef, 
Quieràismelís  otorgar, 
Qui  mi  sefiora  la  infanta 
Sin  uinguú  pecado  está.' 
AUi  habló  el  eaballero 
Que  con  ella  queria  casar: 
— 'Mentide9,  fraile,  mentides, 
Que  uó  decis  la  ver<lad.' 
DesatíacEC  los  dos, 
Al  campo  van  a  lidiar. 
Al  aprctar  de  las  cincbas 
Conociólo  el  empcrantc; 
Díjo  que  el  fraile  es  don  Ciares, 
Don  Claros  de  Moutalvan. 
Mato  ol  fraile  ai  cabilloro, 
La  infanta  librado  ha, 
Kn  ancas  de  eu  oaballo 
Consigo  la  fue  it  llevar  1. 


1  Dnran,  KOMAXCBiito.  Não  vem  no  tesoro  db  rouanck- 
Kos  de  Ochoa. 


XIII 

CLARA  LINDA 


Ao  revez  do  romance  precedente,  nós  cha- 
mânnos  'Clarinda'  a  este,  que  os  castelhanos 
teem  muito  mais  extenso  em  suas  collec- 
ções  com  o  titulo  de  'Conde  Claros.' 

O  tal  Dom  Claros,  ou  Conde  Claros,  de- 
via de  ser  o  Don  Juan  d'aquelles  tempos,  á 
immensidade  de  aventuras  e  conquistas 
amorosas  que  os  romanceiros  lhe  attribuem. 
R  talvez  é  um  myto  em  que  os  trovadores 
moralistas  resumiram  todos  os  Lovelaces 
da  meia-edade. 

O  presente  romance  mui  similhante,  na 
licção  portugueza,  ao  que  leva  por  titulo  'Ro- 
salinda'  na  primeira  parte  d'esta  collecção^ 
diíFere  todavia  essencialmente  d'elle  na  côr 


1   liomaiíeeiro,  tom  i.  Lisboa  184?,  pag.  177. 


222  ROMANCEIRO 

local,  e,  para  assim  dizer,  nas  decorações 
da  scena.  O  desfecho  da  aventura  é  intei- 
ramente outro. E  alem  d'isso,aquelle  foi  cons- 
truído de  três  fragmentos  diversos:  era  es- 
te um  ci'elles. 

Depois  de  publicado  este  primeiro  tomo, 
obtive  uma  melhor  e  mais  completa  cópia; 
ja  lhe  não  cabe  o  nome  de  fragmento:  é  a 
que  aqui  dou  com  suas  variantes,  e  com 
a  mais  ampla  licção  castelhana. 

Seriam  os  menestréis  os  que,  segundo  a 
theoria  de  Sir  Walter  Scott,  que  ja  n'outra 
parte  mencionei',  contrahiram  o  romance 
escripto  na  xácara  para  contar?  Ou  seriam 
os  poetas  ou  os  collectores  lettrados  que  da 
xácara  popular  fizeram  o  romance  mais 
longo  ? 

N'este  caso  especial  não  sei  decidir;  mas 
estou  fortemente  capacitado  de  que  ora  uma 
ora  outra  coisa  succedia,  e  que  é  diíficil  di- 
zer quando  esta  ou  quando  aquella  se  fez. 

0  saio  de  seda,  a  cintura  de  oiro  e  firmai, 

1  Romance  do  Conde  Yan0,  pag.  43  d'eite  volume. 


claralinda  223 

indicam  auliguidade  na  licção  portugueza 
que  não  desce  do  décimo-quinto  século. 

Em  appendice  ponho  a  licção  castelliana. 
Que  estudo  na  comparação  dos  dois  textos! 
Como  resalta  o  character  das  duas  famílias 
e  das  duas  línguas,  iam  parentes  e  tam  dis- 
liuctas  uma  da  outra!  Como  é  reservado, 
como  é  natural  o  /inchado  portuguez!  Como 
se  exaggera  e  intumesce  o  castelhano!  Mas 
é  innegavel  todavia  que  ha  mais  pompa  e 
luxo  de  poesia  n'este;  assim  como  ha  mais 
verdade  e  mais  sentimento  n'aquelle. 


V*l:.   U  18 


CL(JiRAL.II%l>A 


Meia-noite  ja  é  dada, 
Os  gallos  querem  cantar, 
O  conde  Claros  na  cama  * 
Não  podia  repousar. 
Chamou  pagens  e  escudeiros, 
Que  se  quer  ja  levantar; 
Que  lhe  tragam  de  vestir. 
Que  lhe  tragam  de  calçar. 
Deram-lhe  uma  alva  camiza. 
Que  elrei  a  não  tinha  tal  ^; 
Deram-lhe  saio  de  seda, 
Cintura  de  oiro  e  firmai. 


1  Uonde  Claros  em  eoii  Uiiio—Alemtejo. 
i  Que  elrei  a  náu  tiuha  egail—Minlio, 


226  ROMANCEIRO 

Trazem-lhe  esporas  douradas 
Para  com  ellas  montar; 
Cavalgou  no  seu  cavallo, 
Pôs-se  logo  a  caminhar. 

— 'Deus  te  salve,  Claralinda, 

Tam  cedo  estás  a  bordar  ?' 

— 'Salve-te  Deus,  conde  Claros! 

Donde  vais  a  caminhar^  ?' 

— 'Aos  moiros  me  vou,  senhora, 

Grandes  guerras  guerrear.' 

— 'Que  bello  corpo  que  tendes 

Para  com  elles  brigar!' 

— 'Melhor  o  tenho,  senhora, 

Para  comvosco  folgar. . .  *' 

Palavras  não  eram  dittas 

Um  pagem  que  ia  a  passar; 

—'As  palavras  que  são  dittas, 

A  elrei  vou  i^á  contar.' 

— 'Palavras  que  dittas  são, 

A  elrei  não  vás  levar: 

Dar-te  hei  de  oiro  e  de  prata 

Quanto  possas  carregar.' 

— 'Não  quero  oiro  nem  prata, 

Se  oiro  e  prata  me  heisde  dar; 


3  Tam  cedo  a  caminhar — Lishoa, 

3  Para  com  damas  folgar — Btirábaixu. 


CLARALIKDA  227 


Quero  guardar  lealmente 
A  quem  n'a  devo  guardar: 
As  palavras  que  são  dittas, 
A  elrei  as  vou  contar.' 

Foi  d"alli  o  bom  do  pagem  ^ 
Andando  de  bom  andar 
A  casa  da  estudaria, 
Onde  elrei  estava  a  estudar: 
— 'Deus  vos  salve,  senhor  rei, 
E  a  vossa  c'roa  real! 
Lá  Deixei  o  conde  Claros 
Com  a  princeza  a  folgar.' 
— 'Se  á  puridade  o  dissesses, 
Tença  te  havia  de  dar; 
Mas  pois  tam  alto  fallaste, 
Alto  hasde  ir  a  inforcar.' 

Castigar  os  chocalheiros 
Boa  justiça  real: 
Mas  o  pobre  conde  Claros 
Também  vai  a  degollar  ! 
— 'Vinde,  vinde,  Claralinda. . . 
Como  estais  a  descançar! 
Vinde  ver  o  conde  Claros 
Que  elrei  o  manda  mattar.' 


5  Foi  d'alli  o  pagemy.ito— jâleniííyo. 


228  ROMANCEIRO 

— 'Accudi,  minhas  donzellas 
Vinde-me  acompanhar: 
Que  se  elrei  lhe  não  perdoa, 
Com  elle  quero  acabar*.' 

— 'Deus  vos  salve,  senhor  rei, 
E  a  vossa  cVoa  real ! 
Que  vos  fez  o  conde  Claros 
Para  o  mandardes  mattar?' 
— 'Se  eu  tivera  outra  filha 
Para  em  meu  reino  reinar, 
Juro-te,  ó  Claralinda, 
Que  o  ias  accompanhar. 
Mas  toma-o  tu  por  marido, 
Por  genro  o  quero  eu  tomar; 
E  ninguém  mais  n*esta  corte 
Se  atreva  a  mexericar'.' 


6  Com  elle  me  hãode  mattar. — Minho. 

7  A  licção  da  Extremadure  accresoenta  aqui 
— 'Ganhaste,  mexeriqueiro, 

Com  o  teu  mexericar  !' 

— 'Ganhui  a  morto,  senhora; 

E  a  vida  me  podeis  df  r.' 

— 'Sc  cila  está  na  minha  mão. 

A  vida  não  te  heide  dar. 

Para  outra  não  fazeres 

Ja  irás  a  degollar, 

B  ao  rabo  do  meu  cavallo 

Te  mandarei  arrastar.' 


OLARALINDA  229 


IieÇAO  €i%STeLU.%X.% 

Media  ncche  era  por  hi!o, 
Los  galloB  querian  cantar, 
CLnce  Claros  por  amores 
No  podia  reposar: 
Dando  muy  grandes  sospiros 
Que  el  amor  le  bacia  dar, 
Porque  amor  de  Claraniiia 
No  le  deja  sosegar, 
Cuando  vino  la  manana 
Que  queria  alborear, 
Salto  diera  de  la  cama 
Que  parece  un  gavilan. 
Vocês  dá  por  el  palácio 
Y  empezára  de  llamar: 
'Levantaos,  mi  camar^ro, 
Dadme  vestir  y  calzar.' 
Presto  estaba  el  camarero 
Para  habèrselo  de  dar. 
Diérale  calzas  de  grana, 
Borceguis  de  cordeban, 
iJiérale  jubon  de  seda 
Atiorrado  en  zarzanar. 
Diérale  un  mauto  inuy  rico 
Que  no  se  paede  apreciar, 
Trescientas  piedras  preciosas 
Al  rededor  dei  collar, 
Tráele  un  rico  caballo 
Que  en  la  corte  no  hay  supar. 
Quo  la  silla  con  el  freno 
Bien  valia  una  cludad, 
Con  trecientos  caecabeles 
Al  rededor  dei  petral; 


230  HOMANCEIRO 

Los  ciento  cran  de  oro, 

Y  los  ciento  de  metal, 

Y  loB  ciento  son  de  plata 
Por  'os  sones  concordar. 
Ibase  para  el  palácio, 
Para  el  palácio  real, 

Y  á  la  infanta  Clarauiiía 
AUí  la  fuera  a  hablar: 
Trecientas  damas  con  ella 
La  ibRU  a  aconipanar; 
Tan  linda  va  Claranina, 
Que  a  todos  liace  penar. 
Conde  Claros  que  la  vido 
Luego  va  á  deacabalgar, 
De  rodillas  en  el  suelo 
Le  comeiízó  de  hablar: 

— 'Mantenga  IJios  á  tua  altiza.' 
— 'Conde  Claros  bieu  vengais.' 
Las  palabras  que  prosigue 
Eran  para  enamorar: 
— 'Conde  Claros,  conde  Claros, 
El  sefior  de  Montalvan: 
iComo  hábeis  hermosa  cuerpo. 
Para  con  moros  lidiar!' 
Respondiera  el  conde  Claros, 
Tal  respuesta  le  fue  á  dar: 
—  'Mcjor  le  lengo,  seuora. 
Para  con  damas  holgar. 
Si  yo  os  tuviera  esta  nocbe, 
Mi  sernra,  á  mi  mandar. 
Quereria  la  otra  mauana 
Con  cieut  moros  pelear, 

Y  si  à  todos  no  venciese 
Que  me  mandasen  matar,' 
— 'Calledes,  coude,  calledes, 

Y  no  os  querais  alabar. 


CLARA  LINDA  231 

Kl  que  qiiiere  servir  damas 

Asi  lo  suelc  hablar, 

Y  ai  eutrar  eu  Ias  batallas 

Bien  se  saben  escusar.' 

—  'Si  no  lo  creeiB;  senora, 

Por  las  obras  se  verá: 

Siete  afios  sou  pasados 

Que  os  empezc  de  amar, 

Que  de  noche  yo  no  duermo, 

Ni  de  dia  puedo  liolgar.' 

— 'Siempre  os  preciastes,  conde, 

De  Ias  damas  os  burlar: 

Mas  dé.jadmt  ir  a  los  baiios, 

A  los  banos  a  baiiar; 

Cuando  yo  sea  bafiada 

Estoy  á  vuestro  mandar.' 

1  espondiérale  el  buea  conde, 

Tal  re,5puesta  le  fue  ú  dar: 

— 'Bien  sabedes  vós,  senoia, 

Que  soy  cazador  real; 

Caza  que  teugo  en  Ia  mano. 

Nunca  la  puedo  dejar.' 

Tomárala  por  la   mano, 

Y  para  un  vergel  se  van, 
A  la  sombra  de  un  ciprés 

Y  debajo  de  un  rosal 


Mas  fortuna  que  es  adversa 
A  placeres  y  a  pesar 
Triijo  alli  un  eazador, 
Que  no  debia  pasar, 
Detraz  de  una  pijdenca 
Que  rabia  debiò  matar; 
Vido  estar  ai  ponde  Claros 
Con  U  infanta  á  lindo  liolgar: 
El  conde  cuando  Io  vido. 


232  ROMANCEIRO 

Empezóle  de  llamar: 

— 'Ven  acá  tú.  el  cazador, 

Y  Dio8  te 'guarde  de  mal: 
De  todo  lo  que  as  visto 
Que  n08  guardes  purídad; 
Daréte  mil  marcos  de  oro, 

Y  Bi  mas  quisiereF,  mas; 
Casaite  he  con  una  doncella 
Que  era  mi  prima  carnal; 
Darlc  he  eu  arras  y  en  dote 
La  villa  de  Montalvan. 

De  otra  parte  Ia  infanta 
Mucho  ma«  te  puede  dar. 
El  cayador  siu  ventura 
No  les  quiso  escnchar, 
Vasc  para  los  palácios 
«•  Adonde  el  buen  rey  está: 

— 'Mantégate  Dios,  el  rey, 

Y  á  tu  eirona  real: 
Una  nueva  yo  tetraigo 
Dolorosa  e  de  pesar: 

No  te  cumjle  traer  corona 
Ni  f  1  caballo  cabalgar; 
La  corona  de  la  cabeza 
Bien  le  la  puedes  quitar. 
Si  tal  deslionra  c<'mo  ésía 
La  hiibiesfs  de  comportar, 
Que  he  bailado  la  infanta 
Con  Claros  de  Montalvan, 
Kesándola  y  abrazándola 
En  vueBtrobuer;o  real.' 


El  rey  con  muy  grande  enojo 
Mando  ai  cazador  matar, 
Porque  habia  sido  osado 
De  tales  nuevas  Uovar. 


clakalindA  233 

Mando  llevar  aguaciles 

A  priesa,  uo  de  vagar; 

Maadó  armar  quinientos  bombrca 

Que  lo  hayan  de  acompanar 

Para  que  prendan  ai  conde, 

Y  lo  hayan  de  tomar : 

Y  mando  cerrar  las  puerías, 
Las  puertas  de  la  ciudad. 

A  las  pucitas  de  palácio 
AUi  le  tiiaran  à  bailar: 
Preso  lleva  1  ai  buen  conde 
Com  mucba  riguridad, 
Unos  grillo3  á  los  pies 
Que  bien  pesan  un  quintal, 
Las  esposas  á  las  manos, 
Que  era  dolor  de  mirar, 
Una  Caiena  á  su  cuello, 
Que  de  hierro  era  ol  coUar ; 
Cabalganle  eu  una  mula 
Por  mas  deshoura  le  dar: 
Matiéronle  ea  una  torre 
De  muy  gran  escuridad  : 
Las  Uaves  de  la  prision 
El  rey  las  quiso  llevar, 
Porque  sin  licencia  suya 
Nadie  le  pudiese  hablar. 
Por  él  rogaban  los  grandes 
Cuantos  on  la  corte  estan 
Por  el  rogaba  Oliveros, 
Por  él  rogaba  Roldaii, 

Y  racgan  los  doce  pares 
Ue  Frangia  la  natural. 

y  lua  monjas  de  Sant'Ana 
Cou  luj  de  la  Trinidad 
Llcvuban  un  cruciãjo 
Para  el  rey  poder  rogar  : 


234  ROMANCEIRO 

Cou  oUas  va  el  arzobispo 

Y  uu  prelado  y  cardenal, 
Mas  el  rey  roa  grande  enojo 
A  nadie  quiso  escuchar; 
Autes  de  muy  enojado, 

Sus  grandes  mando  llamar: 
Cuando  ya  los  tubo  juntos 
Enipezóles  de  liablar: 
— 'Amigos  é  hijos  mios, 
A  lo  que  os  liice  llamar, 
Ya  sabeis  que  el  coude-Claros, 
El  senor  de  Montai van, 
Do  nino  yo  le  he  criado 
Uasta  pouello  en  cdad, 

Y  le  he  guardado  su  tieri'a, 
Que  su  padre  le  fueia  dar, 
El  que  raorir  no  debiera, 
Keynaldos  de  Montalvan; 

Y  por  baeello  mas  grande, 
De  lo  mio  le  quiso  dar. 
Hicele  goberuador 

De  mi  reino  natural: 
El  por  darme  galardon 
ilirad  en  que  fué  a  tocar, 
Que  quizo  forzai  la  infanta, 
Hija  mia  natural. 
Hombie  que  lo  tal  comete 
l  Que  senti-ncia  le  lian  de  dar  ? 
ludos  dicen  á  una  voz 
Que  lo  hayan  de  degollar; 

Y  asi  la  seutencia  dada, 

El  buen  rty  la  fiie  á  firmar. 
L'arzobispo  qu'esto  viera 
Al  buen  rey  fue  á  hablar, 
Pidiéndole  por  merced 
Licencia  le  quiera  dar 


CLARA  LINDA  235 


Para  ir  A  ver  ai  coudfi 

Y  su  muerte  dcnuiiciRr: 

—  'Pláceme,  dijo  el  biicn  rey, 
'Piáceme  de  voluutad ; 
Mas  con  esta  coudicion, 
Qui^  80I0  babeis  de  andar 
Con  aqurste  pagccico 
Que  Ip  va  á  acompaúar.' 
Cnando  vido  talar  ai  conde 
Ed  3u  prision  y  pesar, 
Las  palabras  qiir  le  dice 
Dolor  trau  de  i-scucLar  : 
— 'Pésame  de  vós,  el  conde, 
Cuanto  me  piiede  pesar. 
Que  los  yerros  por  amores 
Dignos  son  de  perdouar. 
La  desastrada  caida 
De  vuestra  suei  te  y  teutura, 

Y  la  nueva  á  mi  venida, 
Sabed  que  bace  mi  vida 
Mas  trisic  que  la  tristura: 
De  forma  que  no  sé  donde 
Pueda  yo  placer  cobrar, 

Y  como  á  vos  no  se  esconde. 
De  vos  me  pesa,  buen  conde, 
Porque  asi  os  quioreu  matar. 
Los  como  vós  esforzados, 
Para  las  adversidades 

Ilau  de  estar  apaiejados. 
Tanto  á  sufrir  los  cuidados, 
Como  las  prosperidades  ; 
Pue»  el  primero  no  fuistes 
Vencido  por  buen  amar 
No  temais  angustias  tristes, 
Que  loB  yerros  que;  hccistes 
iJignos  sou  de  perdonar. 


235  RUMANCEIAO 

Por  TÓB  he  rogado  ai  rey, 
Nunca  me  quiso  escucbar, 
ÁDtes  ba  dado  seDtencia 
Qoe  08  bayan  de  degollar; 
y  08  lo  dije  bien,  sobrino, 
Que  08  dejáeedes  de  amar, 
Que  el  que  las  mugeree  ama 
A  tal  galardoD  le  dan, 
Que  haya  de  morir  por  ellas 
Y  eu  los  cárceles  penar.' 
Kcspundió  presto  el  buen  conde 
Cou  esfuerzo  singular: 
— 'Calledes  por  Dios,  ml  tio, 
No  me  quèrais  enojar, 
Quien  no  ama  las  mugeree 
No  se  puede  bombre  llamar; 
Mas  la  vida  que  yo  tengo 
Por  ellas  quiero  gastar.' 
Respondióle  el  pagecieo. 
Tal  rcspuesla  le  ine  á  dar: 
— 'Conde,  bien  aventurado 
Siempre  ob  deben  de  llamar, 
Porque  muerte  t*n  honrada 
Por  vós  liabia  de  pasar: 
Mas  envidia  é  de  vos,  conde, 
Que  mancilla  ni  pesar: 
Nas  qnisiera  ser  vós,  conde. 
Que  el  rey  os  manda  matar, 
Porque  muerte  tan  bonrada 
Por  mi  bubiesse  de  paear. 
Llama  yerro  la  fortuna 
Quien  no  la  sabe  gozar, 
Que  la  piiesa  dei  cadabalso 
Vós,  conde,  la  débeis  dar; 
Si  no  e(  dada  Ia  sentencia 
Vós  la  débeis  de  firmar. 


CLARALINDA  237 , 


El  coude  cuando  esto  oyera 
Tal  respuesta  le  fae  á  dar: 
— 'Por  Dios  te  ruego,  page, 
En  amor  de  caridad, 
Que  vaias  á  Ia  princesa 
De  mi  parte  á  le  rogar 
Que  suplico  á  su  alteza 
Que  ella  me  salga  :'i  mirar, 
Que  eu  la  hora  de  mi  muerte 
Yo  la  pueda  contemplar: 
Que  si  mis  hojos  la  veu 
Mi  alma  no  ba  de  penar.' 
Ya  .«e  parte  el  pagecico, 
Ya  se  parte,  ya  se  va, 
Lloraudo  de  los  sus  ojos 
Que  queria  reveutar. 
Topara  cou  la  princesa, 
Hien  oireis  lo  que  dirá: 
— 'Agora  es  tiempo,  seãora, 
Que  bayais  de  remediar, 
Que  á  vuestro  querido  el  conde 
Lo  Uevan  á  degollar.' 
La  infanta  que  esto  oyera 
Kn  tierra  muerta  se  cae; 
Damas,  dueuas  y  doncellas 
ÍTo  Ia  nueden  retornar, 
Hasta  que  Uegú  su  aya 
La  que  la  fue  á  criar: 
— 'jQtie  es  aquesto,  la  infanta? 
Aquesto  iqué  puede  estai?' 
— '!Ay  de  mi  triste  mezquina, 
Que  no  sé  qué  puede  estar. 
Que  le  ai  conde  me  matan 
Yo  Iiabré  de  desesperar.' 
— 'Saliésedes  vós,  mi  liija, 
•Saliéaedeslo  ú  quitar.' 


238  ROMANCEIRO 

Va  se  parte  la  infanta, 
Ya  SC  parte,  ya  se  va: 
Fiiese  para  el  mercado 
Donde  lo  ban  de  sacar: 
Vido  estar  el  cadaba^so 
En  que  lo  bau  de  degoUar; 
Damas,  dueuas  y  doncellas 
Que  lo  salen  á  mirar. 
Vió  venir  la  gente  d"arma8 
Cjiie  lo  traen  á  matar, 
Los  pregou  eros  delante 
Por  su  yi-rro  publicar. 
Uou  el  poder  de  la  gente 
Klla  no  podia  pasar. 
— 'Apartaos,  gente  d^armas, 
Todos  me  baced  lugar, 
Si  no. . .  por  vida  dei  rey 
A  todos  mando  matar.' 
Ju.a  gente  que  la  conoce 
Luego  le  bacen  lugar. 
Hasta  que  Uegó  a!  conde 

Y  le  empczára  de  bablar: 

— 'KsfOrzá,  esforzá,  ei  bnen  coudc 

Y  no  querais  desmayar. 

Que  aunque  yo  picrda  la  vida, 
I>a  vucstra  se  ba  de  salvar. 
El  alguacil  que  esto  oyera 
Coraenzó  de  camiuar; 
Váse  para  los  palácios 
Adonde  el  buen  rey  está: 
— 'Cabalgue  la  vuestra  alteia 
A  priesa,  no  de  vagar. 
Que  salida  es  la  infanta 
Para  el  conde  nos  quitar: 
Los  UDoa  manda  que  maten, 

Y  los  otros  aborcar; 


CLARALINDA  239 

Si  Tuestra  alteza  no  acorre' 
Yo  no  puiido  remediar.' 
El  buen  rey,  de  que  esto  oyera, 
Comenzó  de  caminar, 
Y  fuese  para  el  mercado 
Adonde  el  conde  fue  á  liallar: 
— 'iQué  ea  aquesto  la  itfanta? 
Aque8t»i  qné  puede  estar? 
itiS.  sentencia  que  yo  he  dado 
Vós  la  quereis  revocar? 
Yo  juro  por  mi  corona, 
Por  mi  coroua  real, 
Que  si  heròdero  tuviese 
Que  me  hubiese  de  heredar, 
Que  á  vós  y  ai  conde  Claros 
Vivos  08  haria  quemar.' 
— 'Que  vós  me  mateis,  mi  padre, 
Muy  bien  me  podeis  matar; 
Mas  suplico  á  vuestra  altesia 
Que  se  quiera  él  acordar 
De  los  servioios  pasados 
De  Reynaldos  de  Montalvan, 
Que  morió  en  las  batallas 
Por  tu  coroua  eusalz.ar: 
Por  los  servicios  dei  padre 
Lo  debes  galardonar; 
Por  mal  querer  de  traidores 
Vós  no  lo  débeis  matar, 
Que  8U  muerte  será  cansa 
Que  me  hayais  de  disfamar. 
Mas  suplico  á  vuestra  alteza 
Que  se  quiera  consejar, 
Que  los  reys  con  furor 
No  debcu  de  sentenciar; 
Porque  el  conde  es  de  linage 
Del  reino  mas  princip.il, 
VOL.  U  W 


210  BOMANCEIRO 

P  irque  él  era  de  los  dorc 

Que  á  tu  mesa  comen  pau; 

Sus  amigos  y  parieiítes 

Todos  te  querian  raal: 

Kevolveros  han  en  guerra, 

I^os  reynos  se  perderán.' 

El  bnen  rey,  cuando  esto  oyora, 

(yomenzara  á  demandar: 

—  'Consejo  ts  piio,  los  mios, 

Que  me  querais  cocsejar.' 

Luego  todos  se  apartarei» 

Por  EU  consejo  tomar: 

El  conspjo  que  le  dicron 

Que  lo  haya  de  perdonar, 

Por  quitar  males  y  bregas, 

Y  la  princesa  afamar. 

Todos  íirman  el  perdon, 

El  buen  rey  lo  fue  á  firmar; 

Tainbien  lo  aconsejaron, 

Kneronle  consejo  á  dar, 

Piies  la  iuf.^nta  queria  ai  conde, 

Con  él  baya  de  casar. 

Ya  dee6erraQ  ai  buen  conde, 

Ya  Ic  mandan  desferrar. 

Descabalga  do  la  mula 

Kl  ai'zobispo  á  desposar; 

El  toraúlos  de  las  manos, 

Asi  los  hubo  Je  juntar. 

Loa  enojos  y  pesares 

Placeies  se  han  de  tornar  1. 

1  O^hoa,  Texoro  âe  Fomanceros,  pag  24:  Duran,  Bnmancern 
General.  i849-18ói,  ttm  i,  pag  Zl8.  N'esta  ultima  expleiídida 
coilecção,  que  só  agora  me  chpga  de  Madrid  quando  eetou  cor- 
rigindo as  provas  da  presente  obra,  vem  mais  corre;  to  o  texto 
por  um  fragmento  tirado  do  fancioneio  General  <ie  lôll.  Este  é 
um  dos  romances  que  ficaram  immurtalisados  pelaa  citaçõeg  e 
allusões  de  Cervantes,  D.  Quijote,  cap.  t>,  part.  2. 


XIV 

DOM  BELTRÃO 


Não  é  das  menos  interessantes  para  a  his- 
toria da  poesia  popular  na  Per.insuia,  esta 
licção  portugueza  do  romance  de  'Dom  Bel- 
trão', que  na  castelhana  se  diz  'De  la  Ba- 
talla  de  Uoncesvalles.' 

A  sua  origem  parece  ter  sido  proven^^al  ou 
navarra;  nós  decerto  o  houvemos  pelos  nos- 
sos maií  próximos  vizinhos,  os  castelhanos. 
Em  Portugal  é  elle  arraiano,  e  não  anda  senão 
pelos  extremos  da  Beira  e  Trás  os-montes. 

Com  ser  este  um  dos  mais  bellos  que  tem 
o  romanceiro  de  Castella,  eu  acho-o  mais  bo- 
nito em  portuguez,  mais  repassado  d'aquella 
melancholia  e  sensibilidade  que  faz  o  chara- 
cter  da  poesia  do  nosso  dialecto,  e  que  prin- 


244  ROMANCEiaO 

cipalmenle  o  distingue  dos  outros  todos  de 
llespanha. 

O  cavallo moribundo  que  se  levanta  deante 
do  pae  do  seu  senhor,  para  se  justificar  de 
seu  procedimento  na  batalha,  de  como  fez 
tudo  para  o  salvar  —  é  digno  da  lliada  e 
não  desdiz  domais  grandioso  de  nenhuma 
poesia  primitiva. 

l»ara  que  melhor  se  julgue,  ponho  em 
appendice  a  licção  castelhana. 

Variantes  portuguezas  não  chegaram  á 
minha  mão,  e  este  único  texto  me  veio  de 
Trás  os-montes. 

A  novíssima  edição  do  'romanceiro  gene- 
ral' do  Sr.  Duran  ',  obra  de  summo  gosto 
e  trabalho,  julga  pertencer  este  romance  ao 
último  terço  do  século  xv. 


1  Eiu  dois  u  ol.  grandes,  Madrid,  ISJ 3-1851. 


»OM  fiSi:L.TRAí> 


— 'Quedos,  quedos,  cavalleiros, 
Que  elrei  os  manda  contar!' 
Contaram  e  recontaram. 
Só  um  lhe  vinha  a  faltar: 
Era  esse  Dom  Beltrão, 
Tam  forte  no  batalhar; 
Nunca  o  acharam  de  menos 
Senão  n'aquelle  contar, 
Senão  ao  passar  do  rio 
Nos  portos  *  do  mal  passar. 
Deitam  sortes  á  ventura 
A  qual  o  havia  de  ir  buscar: 


1  Porlos  ou  [laRtagens  doa  Py.cneus,  e  em    ti'"»'  '"''*  * 
passagoiTi  cntip  alias  cordilheiras. 


246  ROMANCEIRO 

Que  ao  partir  fizeram  todos 
Preito  homenagem  no  altar, 
O  que  na  guerra  morresse 
Dentro  em  França  se  interrar. 
Sette  vezes  deitam  sortes 
A  quem  n'o  hade  ir  buscar; 
Todas  sette  lhe  cahiram 
Ao  bom  velho  de  seu  pae. 
Volta  rédeas  ao  cavallo, 
Sem  mais  dizer  nem  fallar. . . 
Que  lh'a  sorte  não  cahíra, 
Nunca  elle  havia  ficar. 
Triste  e  só  se  foi  andando, 
Não  cessava  de  chorar; 
De  dia  vae  pelos  montes, 
De  noite  vai  pelo  vai; 
Aos  pastores  perguntando 
Se  viram  alli  passar 
Cavalleiro  de  armas  brancas. 
Seu  cavallo  tremedal  '. 
—'Cavalleiro  de  armas  brancas, 
Seu  cavallo  tremedal, 
Por  esta  ribeira  fora 
Ninguém  não  n'o  viu  passar.' 
Vai  andando,  vai  andando, 
Sem  nunca  desanimar, 
Chega  áquella  mortandade 

2  Cavallo  tremedal,  o  que? 


DOM  BELTflAO  247 

Donde  fora  Roncesval: 
Os  braços  ja  tem  cançados 
De  tanto  morto  virar; 
Viu  a  todos  os  francezes, 
Dom  Beltrão  não  pôde  achar. 
Volta  atraz  o  velho  triste, 
Voltou  por  um  areal, 
Viu  estar  um  perro  moiro 
Em  um  adarve  a  velar: 
— 'Per  Deus  te  rogo,  bom  moiro, 
Me  digas  sem  me  inganar, 
Cavalleiro  de  armas  brancas 
Se  o  viste  porqui  pessar. 
Hontem  á  noite  seria, 
Horas  de  o  gallo  cantar. 
Se  entre  vós  está  captivo, 
A  oiro  o  hei  de  pesar.' 
— 'Esse  cavalleiro,  amigo, 
Diz-me  tu  que  signaes  traz.' 
— 'Brancas  são  as  suas  armas, 
O  cavallo  tremedal. 
Na  ponta  de  sua  lança 
Levava  um  branco  sendal, 
Que  lh'o  bordou  sua  dama 
Bordado  a  ponto  real.' 
— 'Esse  cavalleiro,  amigo, 
Morto  está  n'esse  pragal, 
Com  as  pernas  dentro  d  agua, 
O  corpo  no  areal. 


248  BOMANCEIRO 

Sette  feridas  no  peito 

A  qual  será^mais  mortal: 

Por  uma  lhe  entra  o  sol, 

Por  outra  lhe  entra  o  luar, 

Pela  mais  pequena  d'ellas 

Um  gavião  a  voar.' 

—  'Não  torno  culpa  a  meu  filho, 

Nem  aos  moiros  de  o  mattar; 

Torno  a  culpa  ao  seu  cavallo 

De  o  não  saber  retirar.' 

Milagre  !  quem  tal  diria, 

Quem  tal  poderá  contar  1 

O  cavallo  meio  morto 

AUi  se  pôs  a  fallar: 

— 'Não  me  tornes  essa  culpa, 

Que  m'a  não  podes  tornar: 

Três  vezes  o  retirei, 

Três  vezes  para  o  salvar; 

Três  me  deu  de  espora  e  rédea 

Co'a  sanha  da  pelejar. 

Três  vezes  me  apertou  cilhas, 

Me  alargou  o  peitoral. . . 

A'  terceira  fui  a  terra 

Desta  ferida  mortal.' 


DL  M  BELTRÃO  249 

En  los  campos  de  AlvectoEa 
Mataran  á  Dou  Belírau, 
Nunca  lo  echaron  menos 
Hasta  los  puertos  pasar. 
Siete  veces  eclian  suertes 
Qiiien  lo  volverá  ú  buscar, 
Todas  sii-le  le  cupieron 
Al  bucu  viejo  de  su  padre, 
Las  Ires  íueron  por  malicia, 

Y  las  cualro  con  inaldad. 
Vuèlve  riandas  ai  caballo, 

Y  vuèlvesf  Io  á  buscar, 
De  noche  por  el  caoiiii:^, 
De  dia  por  el  jaral: 

Por  la  matauza  va  cl  viejo. 
Por  Ia  matauza  adelautc-, 
I.os  brazos  lluva  cansados 
De  I08  muertos  rodear: 
Xo  hallaba  aí  'lue  buscaba, 
Ni  monos  la  tu  scnal. 
Vido  todos  los  franceses 

Y  Bo  vido  á  Don  Beltran: 
Maldiíiendo  iba  el  vino, 
Maldiciendoiba  el  pan 
(El  (|ue  coinian  Ics  inoros, 
Que  no  el  de  la  cristiaodadl: 
Maldicieudo  iba  el  áibol 
Qno  Kolo  en  el  campo  nasce, 
Que  todas  Ias  av(-s  dei  cielo 
Allí  SB  vienen  á  aseatar; 
(Jne  de  rama  ui  de  lioja 

No  lo  dejaban  gozar: 
ilaldicicndo  iba  el  caballero 


250  ROMANCEIRO 

Que  cabalgaba  siu  page, 
8i  se  le  cae  la  'aiiza 
No  tiene  quien  se  la  alce 

Y  si  se  le  cae  la  espuela 
No  tiene  quieu  se  la  calce: 
Waldiciendo  iba  lamuger 
Que  tan  solu  un  bijo  pare, 
Si  enemigos  se  lo  matau 
No  tiene  quieu  lo  vengar. 
A  la  entrada  de  un  puerlo 
Saliendo  de  un  aienal, 
Vido  en  esto  estar  un  moro 
Que  velaba  eu  uu  adarve; 
Hablóle  eu  algarabla, 
Como  aquel  que  bieu  la  sabe: 
— 'Porl>ios  te  ruego,  el  moro, 
We  digas  una  vetdad, 
Caballero  de  armas  blaucas 

Si  lo  viste  acá  pasar, 

Y  ai  tu  lo  tieues  jireso 
A  oro  lo  pesarún; 

Y  si  tu  lo  tier.es  muerto, 
Désraelo  paia  enterrar, 

Pues  que  el  cuerpo  siu  el  aluia 

Solo  un  dinero  no  vale.' 

— 'Ksse  caballero,  amigo, 

Diine  tú  que  seuas  trae.' 

— 'Blancas  armas  sou  las  siiyas 

Y  ti  caballo  es  alazan. 
Kn  el  carrillo  derecbo 
Kl  teuia  una  seual, 
Que  bicudo  nino  pcqueão 
Se  la  hizo  uu  gavilan.' 

— 'Este  caballero,  amigo, 
Mueito  está  en  aquel  pradal, 
Las  pieroas  tiene  en  el  ag^ua 


DOM  BELTBÃO  251 

Y  el  cuerpo  en  el  &reual, 

Siete  lanzadas  tenia 

Desde  el  hombro  ai  caloaual, 

Y  otras  tantas  su  oaballo 
Desde  la  cincha  ai  pretal. 
No  le  desi  nlpa  ai  raballo 
Que  no  88  la  pued<»9  dar; 
Siete  veces  lo  eacó 

Sin  herida  y  8in  senal, 

Y  ctras  tantas  lo  volvió 
Com  gana  de  pelear  1.' 


1  Duran,  bouakcbiro  gembeal,  1849-51,  tom.  1,  pag. 
263.— Não  citarei  mais  outra  collecção  castelhana  desde  i|iio 
pojaiio  ósla,  a  mais  completa  e  ordenada  de  Iodai. 


XV 

DOM  GAIFE1R03 


Eisaqui  uma  verdadeira  preciosidade  lil- 
teraria,  a  edição  ou  licção  portugueza  de 
um  dos  mais  celebrados  romances  da  nossa 
península,  'Dom  tiaireiros,' 

Tinha  o  inconlrado  na  coliecção  manus- 
cripla  do  cavalheiro  de  Oliveira,  mas  con- 
fesso que  fiz  injúria  á  sua  memoria,  sup- 
pondo,  sem  mais  exame,  que  era  pia  frau- 
de do  jjom  do  cavalheiro,  e  que  elle  não 
linha  feilo  mais  do  que  traduzir  dos  ro- 
manceiros castelhanos  o  que  la  tinha  acha- 
do em  muilo  Loa  leltra  redonda.  Não  é  as- 
sim; julguei  de  le\e  e  julguei  falso;  o  ro- 
mance é  corrente  na  tradição  de  Trazos- 
monles.  Tenho  em  minlui  mão  cópias  au- 
lliènlicas  do  cantar  do  povo  feitas  por  pes- 

VOL  U  20 


2Õ6  ROMANCEIRO 

soas  fidedignas  e  inlellij^enles  d'aquella  pro- 
víncia. As  cópias  não  diííerera  no  essencial; 
Iodas  são  mais  curtas  do  que  as  licções 
castelhanas  dos  romanceiros,  mas  nenhu- 
ma as  segue  lilleralmenle;  e  o  mesmo  faz 
a  do  cavalheiro  de  Oliveira,  que  é  todavia 
a  mais  completa  das  portuguezas. 

Appurei  por  todas  elias  o  texto  como  aqui 
o. dou,  recorrendo,  nas  frequentes  diílicul. 
dades  e  dúvidas  em  que  me  achei,  á  licção 
castelhana  tal  como  a  dá  Duran,  que  asse- 
vera tê  Ia  copiado,  não  do  'Cancioneiro  do 
Ambers',  nem  da  'l'1ore>Ma  de  vários',  se- 
não de  um  códice  muito  antigo  que  tinha 
â  vista.  Ésla  cópia  ',  diz  eile  e  é  certo,  c  a 
que  mais  quadra  com  a  descripçâo  de  mes- 
tre Pedro  no  'Dom  Quixote',  n'aquelle  ce- 
lebrado capitulo-  da  segunda  parte  que 
para  sempre  deixou  immorlal  este  romance. 

Thomaz  Rodd,  o  traductor  inglez  dos  ro- 
mances  liespanhoes  sobre   Carlos-.Magno^, 

i  Duran,  líomancero  General,  1849-51,  tom.  i,  paff  218. 

2  1  011  Qttijoie,  parte  i,  cap.  26. 

3  Ilistory  of  Cliarles  Vtt  Great  o"'i  Oilawlo  ctc.  ,.  AVitli  lhe 
lunst  celobrateJ  spaniah  ballanris,  ptc. .,  L'jn'lon  I5l2,  2  vol, 


DOM  GAIFEIROS  257 

diz  a  este  respeito  que  não  é  capiluio  aquel- 
le  que  se  cite,  setião  que  se  deve  ler  e 
estudar  na  sua  integra.  E  comefTeito  elle  é 
o  melhor  argumento  e  o  melhor  commen- 
tario  do  romance  que  pôde  fazer-se.  Trans- 
crevê-Io-hei  todo  n"esía  parte. 

Miren  vuesRs  mcrcedes  tambien  como  el  einpersdor  vuelvc 
las  Cípalrias,  y  dfjs  despechado  á  Don  GaitVros,  cl  cual  ya  veii 
como  arroja  irapacitiite  de  la  cólera  lejos  de  si  ti  lablero  y  las 
lablae,  y  pide  auriesa  1  >s  aimas,  y  á  Uon  Koldan  su  primo  pide 
prestada  su  esjada  durindana;  y  ctmo  Dou  Pioldau  no  se  la 
(luiere  prestar,  ofreiiándoíe  su  comiisuia  ea  la  dilícil  empresa 
en  que  :>e  pone;  pêro  el  valeroso  enojado  no  la  quiere  accptai' 
antes  díce  que  é!  solo  es  bastante  para  sarar  á  su  esposa,  si  bien 
esiuvief  e  luetida  en  cl  mas  bondo  teatro  de  la  tierra,  y  con  esto 
SP  eutra  á  armar  para  pcnerse  laego  eu  camino.  Vuelvan  vuesas 
mercedes  Ics  ojos  á  squrila  torre  «jue  alli  parJte,  que  sepresu- 
pone  que  es  una  de  las  torres  delalcázat  deZaragoza,  que  aho- 
ra  liauian  la  Aljafe;ia_.  y  aquella  dama  que  en  aquel  balcon  pa- 
reve  vcttidu  á  lo  moio  es  la  sin  par  Melisendra,  que  de^de  allí 
muclias  vezes  se  poiíia  á  mirar  el  camino  de  Franeia,  y  puesta 
la  iniajinacion  en  Paris  y  on  su  espotu,  e,e  consolaba  en  eu  tau- 
tiverio.  Miren  tambien  un.nucvo  easo  que  ahora  sucede,  quizá 
no  viiio  jamás  .jXo  vcn  aquelle  moio,  que  caljandico  y  panto  á 
paso,  piie.to  ei  tíedo  en  la  bota  ;fc  llcg^  pi  r  Ias  espi,Id.-.s  ce  lie" 
liseudia?  Pues  uiiren  tomo  Ia  dá  un  bcso  ou  mitad  de  los  lábios, 
y  la  priesa  que  ella  se  da  á  escupir  y  ;» linipiárselos  con  la  blau  - 
ca  inauga  de  sit  tamisa,  y  ccmo  se  lainenta,  y  se  arrauca  de  pe 
ear  sus  herraosos  cabellos,  como  si  ellos  tuvieran  la  culpa  de 
lualcãcio.  Aliren  tambien  como  aquel  grave  nii.ro  que  está  eu 
aqucUcs  i-oritdores,  ee  él  rey  Marsllio  de  Sansutua,  <1  eualior 
babei  \iblo  la  iusilercia  dei  more,  juesto  que  era  un  paiieule 


258  ROMANGEISO 

y  grau  privado  fiuyo,  le  maudó  luego  prenier,  y  que  le  dcn  do- 
eientos  azotes,  llevándole  por  las  calles  acosturubradas  de  la 
ciudad  con  ebilladores  delaute  y  envaramiento  detrás:  y  ves 
aqui  doude  salen  ;i  cjecutar  la  senteucia,  aun  bieii  apenas  no 
liabieudo  sido  puesta  en  cjecuciou  la  culpa,  ponjue  ent:e  inoros 
110  liay  traslado  ú  hi  parte,  ui  á  jirucba  y  estése,  como  entre 
uosotros. 

Nino,  iiiíio,  dijo  cou  voz  alta  á  esta  sazon  Don  Quijote,  se- 
guid  vuestra  Listo,  ia  linea  recta,  y  no  os  metais  eu  Ias  curva»  ó 
trasversales,  que  para  i  aoar  una  verdad  en  liuipio,  mencster  sou 
niuclias  prucbas  y  repruebas.  Tambien  d'jo  mansc  Tedro  desde 
dentro:  uuichacbo,  uo  te  metas  cu  cibujos,  sino  lias  lo  que  cse 
seúor  te  manda,  que  será  lo  mas  acertado:  sigiie  tu  canto  llano, 
y  uo  te  metas  eu  coiitrapuutos,  quo  se  suelen  quebrar  de  sotiles. 
Yo  Io  baré  asi,  respondió  el  mucliacho,  y  prosiguió  diciendo: 
Ésla  figura  que  aqui  parece  ú  caballo,  cubieita  cou  auacapa 
gascoiia,  CS  Id  roisnia  de  Doa  Gaiferon,  á  quieu  su  esposa  espe- 
raba,  y  ya  vengada  dei  a'revimicato  dei  enamorado  moro,  cou 
uiejor  y  mas  soccgado  Hemblante  ec  ha  puepío  á  los  u.iradoiea 
de  la  torre,  y  babla  cou  .-u  esposo,  treycudo  que  es  alguu  pass- 
jero,  con  quieu  pasó  todas  aqucUas  razuufs  y  colóquios  de  aqiiel 
romauce,  quo  dioe: 

Caballero,  si  i  Fíâueia  ides, 
Por  Gaileros  proguuiad. 

Las  cualcs  no  digo  yo  ahoia,  porqric  de  la  prolijicad  se  suelc 
eujendrar  el  lastidio:  basta  ver  como  Don  Oaiteros  se  dlscubre, 
y  ijue  por  los  ademanes  aley:res  que  Melieeiídra  hace,  se  uos  da 
:i  entenier  que  ella  le  ba  conoeido,  y  mas  ahora  que  vemos  se 
descuelga  dei  baleou  para  iionersc  eu  las  ancas  dei  caballo  de 
su  bueu  espofo,  Mas  ;  f.y  óiin  ventura!  que  se  le  ba  asido  una 
ponta  dcl  laldellin,  de  uno  de  los  bieiros  dcl  baKou,  y  está  pen- 
dientc'^en  el  aiie  eia  podet  llegar  ai  euelo.  Pêro  veia  como  el 
Piadaso  cielo  sccorre  en  Ias  mayores  necesidades,  pues  llega 
Don  Ga'fei'08,  y  siu  mirar  si  te  tangará    ó  no  el  rico  faldellin 


LiOM  G  AI  FEIRO  S  259 

aso  du  ella,  y  mal  su  grado  la  Iiace  bajar  ai  sucio,  y  lueyo  deun 
briucn  Ia  por.c  sobre  las  ancas  de  su  cahallo  á  horcajadas  ccmo 
h  mbre  y  la  mauiia  que  se  lenga  fuertemeiíte  y  le  cche  los  bra- 
zos  por  las  espaldas,  do  modo  que  los  cruzo  en  el  pecho,  por 
que  no  se  caiga,  á  cauea  que  no  cstaba  la  seííora  Molisendra 
acostumbrada  á  tcniejantes  caballerias.  Veis  tauibien  coroo  los 
relinches  dcl  caballo  dan  senalcs  que  va  contento  cou  Ia  va- 
lioatey  herm^isa  carga  quellevaensu  scfior  y  ciisu  sefiora.  Veis 
como  vuelven  las  espaldas  y  salea  de  la  ciudad,  y  alegres  y 
regocijados  toman  de  Paris  la  via.  Vais  cu  paz,  ó  par  sin  par 
de  verdaderos  amantes;  liegueisa  salvamiento  á  vuesa  deseada 
pat.ia  sin  que  Ia  foriuua  po>jga  estorbo  eu  vuestro  feliz  viage: 
los  cjos  de  vuestros  amigos  y  paricnfes  os  vean  gozar  cn  paz 
tranquila  los  dias  (que  los  de  Nestor  sean)  que  os  quedan  de  la 
vida. 

Aqui  alzó  otra  vez  la  voz  maesePei:o,  y  dijo:  llane/a,  mu- 
chaclio,  no  to  eneumbre»,  que  toda  afectacion  es  mala.  No  res- 
pondiõ  nada  el  intérprete,  autes  prosiguió  diciendo:  no  íaltaron 
algunos  o.iosos  ojos,  que  le  suelen  ver  todo,  que  no  viesen  Ia 
bajada  y  la  subida  de  Melisendra,  de  quieu  diercn  noti-.-ia  á  el 
rey  MarÈílio,  el  cual  mando  luego  tocar  si  anua;  y  niiren  con 
que  priesa,  que  ya  Ia  ciuilad  se  hunde  cou  el  soo  de  las  campa- 
na», que  en  todas  las  torres  de  Ias  mezquitas  suenan. 

Eso  nó,  dijo  á  esta  sazon  Don  Qiiijote;  cn  esto  <Ie  las  cam- 
paua-i  anda  muy  impróprio  niaese  Tedro,  porcjuc  entre  moros 
no  «e  usau  campanas,  lina  atabalea,  yunJLUcro  de  dulzaiuas 
que  parecen  nucstras  cbirimias;  y  esto  de  sonar  campanas  eu 
.SansBena,  siu  diida  que  es  un  grau  disparate.  Ijo  cual  eido  por 
niaese  Pedro,  resó  el  tocar,  y  dijo;  no  mire  vuesa  merced  en  ni- 
narias, scnor  Don  Qiiijote,  ui  quiera  Uevar  las  cosas  tan  por  el 
cabo,  que  no  se  le  halle  ?  Xo  se  represcntan  por  ahi  casi  de  or- 
dinário mil  comedias  llenas  de  mil  impropriedades  y  disparates 
y  con  todo  eso,  corren  felizissimamente  su  carrera,  y  se  escu- 
chan  no  solo  cou  aplauso,  sino  con  admiracion  y  todo  ?  Prosi- 
gue,  rauchacbo,  y  deja  decir,  que  como  yo  llenc  mi  talogo,  si, 
quiera  represente  mas  impropiiedades  quo  tieue  iitcjmos  cl  «ol. 


2(J0  ROMANO  EIR) 

Asi  e^  hl  vcrdid,  rojilicó  Doa  (iiijote;  y  cl  michaclio  di.jo:  — 
Mirea  cuaiita  y  cuái;  hizida  caballcria  sale  de  Ia  ciudad  eu 
seguimiento  de  Ijs  dos  católicos  amantes,  cuantas  trompetns 
ijiie  sueiian,  cuantas  dul/.ainas  qii3  toi-an  y  cuantos  atabales  y 
tambores  que  returabau:  témonie  que  ios  ban  alnanzar,  y  los 
hau  de  volver  atadas  a  la  cola  de  su  mismo  cabalio,  que  Scria 
uti  horiendo  es;'CiMácu'.o.  Viendo  y  oyendo  pues  tanta  morisina 
y  tanto  rstiuendo  Don  Qaijotc,  parecióle  ser  bico  dar  ayuda  á 
'ooi  que  buian,  y  levantandose  on  pie,  en  voz  nlta  dijo:  iio  con- 
fciiliió  yo  que  cu  mis  dias  y  en  mi  presencia  se  le  baga  super- 
cheria  ;i  tan  famoso  caballcro  y  ;i  tan  atrevido  enamorado  como 
Dcn  Gaiferos;  detpueos,  malnacida  canalln,  no  le  sigais  ni  i>er- 
tigais:  si  no,  eoumigo  sois  en  la  batalla;  y  dic iendo  y  haciendi, 
di-tenvainó  la  espada,  y  dn  un  brinco  se  puso  junto  ai  retablo  y 
con  acelerada  y  nunca  vista  fúria  comenzó  á  llover  cucliilladas 
sobro  la  tilciera  raorisma,  derribando  á  unos,  descabelando  :'i 
otros,  ostropeando  á  C3te,  d.strozando  ú  quel,  y  entre  otros 
mucbos  tiro  uu  allibajo  tal,  que  si  maese  l'edro  no  se  abaja,  fe 
cncojc  y  agazapa,  le  ceroenara  la  c:)beza  con  mas  faiilidad  que 
si  fuera  becha  de  masa  demazapsn. 

A  nossa  licçào  porliigurza  tem  lodos  os 
cliaracleres  de  ser  do  seeulo  xvi. 


noil   CiAIFEIROS 


Sentado  está  Dom  Gaifeiros 
Lá^em  palácio'  real, 
Assentado  ao  taboleiro 
Para  ?.s  tabolas  jogar. 
Os  dados  tinha  na  mão, 
Que  ja  CS  ia  deitar, 
Senão  quando  vem  seu  tio 
Que  lhe  entra  a  pelejar: 
—  'Para  isso  es,  Gaifeiros, 
Para  os  dados  arrojar; 
Não  para  ir  tomar  damas, 
Com  a  moirisma  jogar. 
Tua  esposa  la  teem  moiros, 
Não  sabesjr  buscar ' : 
Outrem  fora  seu  marido, 
Ja  lá  não  havia  estar.' 

I  .Não  es  para  a  Ir  buscar — Trás  os-monU» 


2<32  BOMANGEIRO 

Palavras  não  eram  dittas, 
Os  dados  vão  pelo  ar.  . . 
A  que  não  fôra'o  respeito  '' 
Da  pessoa  e  do  logir, 
Tavolas  e  tavoleiro 
Tudo  fora  espediiçcir, 
A  seu  tio.  Dom  R<.ldão, 
Tal  resposta  lhe  foi  dar: 
— 'Sette  annos  a  busquei,  sette, 
Sem  a  poder  incontrar; 
Os  quatro  por  terra  firme, 
Ós  três  sobre  aguas  do  mar  ^. 
Andei  por  montes  e  valles, 
Sem  dormir,  nem  descançar; 
O  comer,  da  carne  crua, 
No  sangue  a  sede  raatiar. 
Sangue  vcitiam  meus  pés 
Cançados  de  tanto  andar; 
E  os  sette  annos  cumpridos 
Sem  a  poder  incontrar. 
Agora  a  saber  sou  vindo  * 
Que  a  Sanson^a  foi  parar; 
E  eu  sem  armas  nem  cavaJlo 
Com  que  a  possa  ir  buscar: 


8  Se  alli  não  fora  o  respeito- J/5',  de  Oliveira, 
'd  Os.'tres  por  cima  domar — Tras-os-montes 
4  Ella  eslava  em  Salsoaba, 

Lá  em  paLicio  tea\—Ti-as-o»-monles 


BOM   OAIFEIROS  263 

Que  a  meu  primo  Montezinhos 
Ha  pouco  os  fui  emprestar 
Para  essa  festa  de  Hungria 
Onde  se  foi  a  justar  '=>. 
Mercê  vos  peço,  meu  tio, 
Se  m'a  vós  quizereis  dar, 
Vossas  armas  e  cavallo 
Que  m'as  queiraes  imprestar^.' 
— 'Sette  annos  são  cumpridos, 
Bem  n'os  deves  de  contar. 
Que  Melisendra  é  captiva 
E  a  vida  leva  a  chorar. 
E  sempre  te  vi  com  armas, 
Com  cavallos  a  adestrar; 
Agora  que  estás  sem  elles 
E  que  a  queres  ir  buscar? 
Minhas  armas  não  te  impresto 
Que  as  não  posso  desarmar; 
Meu  cavallo  bem  vezeiro  *, 
Não  o  quero  mal  vezar,' 
— 'As  vossas  armas,  meu  tio. 
Que  m'as  não  queirais  negfr 
A  minha  esposa  captiva 
Como  a  heide  eu  ir  buscar  P' 


5  Ouile  ÍÁ  a  tornear — MS.  de  Oliveira. 
C  A  iiiiaba  espusa  eutre  nioircs, 

Eu  a  (HiCro  ir  bua: ar —  Traa-ne-vwntea. 
1  Bem  vezado— J/5.  Je  Oliíeira, 


264  ROMANCEinO 

— 'Em  San'  João  de  Latrão 
Fiz  juramento  no  altar, 
De  a  ninguém  não  prestar  armas 
Que  m'as  faça  accovardar^.' 

Dom  Gaifeiros,  que  isto  ouviu* 
A  espadi  foi  a  tirar; 
Saltam-lhe  os  olhos  da  cara 
De  merencório  a  fallar; 
— 'Bem  parece,  Dom  Roldão, 
Bem  parece,  mal  pezar ! 
O  muito  amor  que  me  tendes 
Para  assim  me  affrontar. 
Mandae  me  dizer  por  outrem 
Que  me  las  possa  pagar. 
Essas  palavras,  meu  tio. 
Que  vos  não  quero  tragar.' 
Accode  alli  Dom  Guarino, 
O  almirante  do  mar, 
Durandarte  c  Oliveiros 
Que  os  vêem  a  separar; 
Com  outros  muitos  dos  doze 
Que  alli  succedeu  de  estar. 
Dom  Roldão  muito  sereno 
Assim  lhe  foi  a  fdllar: 
—  'Bem  parece,  Dom  Gaifeiros, 
Bem  se  deixa  de  mostrar, 

8  Por  nras  uão  incovardar — .V  S.  de  Oliveira- 


DOM   QAlFfilKOS  2'5 

Que  a  falta  de  annos,  sobrinho, 

Em  tuJo  vos  faz  faltar. 

Aquelle  que  mais  te  quer, 

Esse  te  hade  castigar: 

Fôras  tu  mau  cavalleiro, 

Nunca  te  eu  dissera  tal, 

Porque  sei  que  es  bom,  t'o  disse...-' 

E  agora,  armar  e  sellar! 

Meu  cavallo  e  minhas  armas 

Ahi  estão  a  teu  mandar 

E  mais,  terás  o  meu  corpo  ■*' 

Para  te  ir  accomp?nhar.' 

— 'Mercês,  meu  tio,  heide  ir  só  ", 

Só,  tenho  de  a  ir  buscar. 

Venham  armas  e  cavallo 

Que  ja  me  quero  marchar. 

De  covarde  a  mim  !  ninguém 

Nunca  me  hade  appellidar.' 

Dom  Roldão  a  sua  espada 

Alli  lhe  foi  intregar: 

— 'i^ois  só  queres  ir,  sobrinho, 

Esta  te  hade  accompanhar. 

Meu  cavallo  é  generoso, 

Não  o  queiras  sopear; 

9  Por  tu  sores  bom,  t'o  di.sse — MS.  ih  Oliveira. 
IC  K  aqui  lesiiles  o  meu  corpo. 

Para  vos  acorapanliar — 2'raíi-oi-monleí. 
1 1  Si')  quero  ir,  meu  lio,  só, 

l'ar.i  mclIiDr  .i  tir.ir — Trás  ot-monUs. 


266  KOMANCEiRO 

Dá-lhe  mais  rédea  que  espora, 
N'elle  te  podes  fiar.' 

Andando  vai  Dom  Gaifeiros, 
Andando  de  bom  andar. 
Por  essas  terras  de  Christo, 
Té  a  moirama  chegar. 
Ia  triste  e  pensativo, 
Cheio  de  grande  pezar: 
Mciifendra  em  mãos  de  moiros, 
Como  lh'a  hade  saccar  ?. .' 
Pára  ás  portas  de  Sansonha  '2 
Sem  saber  como  hade  entrar: 
Estando  n'este  cuidado 
As  portas  se  abrem  de  par. 
Elrei  com  seus  cavalieiros 
Sahia  ao  campo  a  folgar; 
Mui  gallans  iam  de  fest>i, 
Mui  ledos  a  cavalgar  ''^. 
Furtou-lhe  as  voltas  Gaifeiros, 
Pelas  portas  foi  entrar; 
Deu  com  uni  christão  captivo 
Que  alii  andava  a  trabalhar: 

— 'Por  Deus  te  peço,  captivo, 
E  elle  te  venha  livrar ! 


12  SaUouha  diz  seniire  a  licção  de  — T/aí  Oi-jnojito. 
H  Mui  guapos— líS    '^i  Oliveiía, 


DOM  GAIFEIROS  267 

Assim  me  digas  se  ouviste 

N'esta  terra  anomear 

A  uma  dama  christan, 

Senhora  de  alto  solar, 

Que  anda  captiva  entre  moiros 

E  a  vida  leva  a  chorar.' 

— 'Deus  te  salve,  cavalleiro, 

Elle  te  venha  ajudar  ! 

E  assim  me  dê  outra  vida, 

Que  esta  se  vai  a  chorar. 

Pelos  signaes  que  me  deste, 

Ja  bem  te  posso  affirmar 

Que  a  dama  que  andas  buscando 

Em  palácio  deve  estar. 

Toma  essa  rua  direita 

Que  leva  ao  paço  real; 

Lá  verás  pelas  janellas'^ 

Muitas  christans  a  folgar.' 

Tomou  a  rua  direita 

Que  no  palácio  vai  dar. 

Alçou  os  olhos  ao  alto, 

Melisendra  viu  estar, 

Sentada  áquella  janella 

Tam  intregue  a  seu  pensar^ 

Que  as  outras  em  redor  d'ella 

Não  nas  sentia  folgar. 


14  IVl.-B  balo')^)  -iíS.h  OUceira, 


268  ROMANCEIRO 

— 'Rua  abaixo,  rua  acima 

Gaifeiros  a  passeiar, 

— 'Oh  que  lindo  cavalleiro, 

De  tam  gentil  cavalgar '■''1' 

— 'Melhor  sou  jogando  ás  damas, 

Com  moiros  a  batalhar!' 

Melisendra  que  isto  ouviu 

Começava  a  chorar: 

Não  ja  que  ella  o  conhecesse.. 

Nem  tal  se  podia  azar, 

Tam  cuberto  de  armas  brancas, 

Tam  diffVente  no  trajar; 

Mas  por  ver  um  cavalleiro 

Que  lhe  fazia  lembrar 

Aquelles  doze  de  França, 

Aquella  terra  sem  par, 

As  justas  e  os  torneios 

Que  alli  sohiam  de  armar 

Quando  por  sua  belleza 

Andavam  a  disputar. 

Com  voz  chorosa  e  sentida 

Começou  de  o  chamar: 

—  'Cavalleiros,  se  a  França  ides  '^ 

li— 'D'ondc  (j  o  cavalleiro 

De  tam  lindo  passeiar? 

r— 'O  cavalleiro  i:  christão 

Das  bauilas  d'air;m  do  mar  ' — Tias  os-Montes. 
IC — 'Se  Chrislão  sois,  cavalleiro, 

Bec$(do  inc  Iiuveia  levar.'  —  Tiuí  os-Moulçn. 


DOM  GAiFEIROê  269 

Recado  me  heis  levar  ''', 

Que  digais  a  Dom  Gaifeifos 

Porque  me  não  vem  buscar. 

Se  não  é  medo  de  moiros, 

De  com  elles  pelejar, 

Ja  serão  outros  amores 

Que  o  fizeram  olvidar. . . 

Emquanto  eu  presa  e  captiva 

A  vida  levo  a  chorar 

E  mais  se  este  meu  recado, 

O  não  quiz  acceitar. 

Dá-lo  heis  a  Cliveiros, 

A  Dom  Beltrão  o  heisde  dar. 

Ea  meu  pae  o  imperador 

Que  já  me  mande  buscar, 

Pois  me  querem  fazer  moira 

E  de  Christo  renegar. 

Com  um  rei  moiro  me' casam 

De  além  das  bandas  do  mar, 

Dos  sette  reis  de  moirama 

Rainha  me  hãode  coroar.' 

—  'Esse  recado,  senhora, 

Vós  mesmo  lh'o   haveis  de  dar    8- 


17  K'sla  éa  mem<iravel  copla  citada  por  Cervantes  no  Dom 
Quijote  c  que  d'ahi  obteve  sua  celebridade  euiopca. 

18  Ku  niL>siuo  lli'o  licide  dar; 
Pois  Diiin  Gf.ifclrcs  sou  eu 

CJue  voe  Tciln  a  busfar. —  Tias-oi-MonUs. 


270  ROMANCEIRO 

Dom  Gaifeiros  aqui  o  tendes 
Que  vos  vem  a  libertar.' 

Palavras  não  eram  dittas  ^'', 

Os  braços  lhe  foi  a  dar, 

Ella  do  balcão  abaixo 

Se  deitou  sem  mais  fallar. 

Maiditto  perro  de  moiro 

Que  alli  andava  a  rondar! 

Em  altos  gritos  o  moiro 

Começava  de  bradar: 

— 'Accudam  á  Melisendra, 

Que  a  vêem  os  christãos  roubarão. 

— 'Melisendra,  minha  esposa, 

Como  havemos  de  escapar  ?' 

— 'Com  Deus  e  a  Virgem  Maria 

Que  nos  hãode  acompanhar.' 

— 'Melisendra,  Melisendra, 

Agora  é  o  esforçar!' 

Aperta  a  cilha  ao  cavallo, 

Affrouxa-lhe  o  peitoral, 

Saltou-lhe  em  cima  de  um  pulo 

Sem  pé  no  estribo  poisar. 

Tomou-a  pela  cintura, 

19  A  íalla  n.ío  era  diita, 
Pnsoramse  a  caminhar; 
Tirou-a  pelo  baicRo 

Por  não  haver  mais  legar.  -  Tias  osMonits 

20  Que  se  vae  para  alóiu-mar.—  'Trasoa-MonUi, 


DOM    GAIFEIKOS  27  l 

Que  o  corpo  ergueu  por  lha  dar; 

Assenta  a  esposa  á  garupa 

Para  que  o  possa  abraçar'', 

Finca  esporas  ao  cavallo, 

Que  o  sangue  lhe  fez  saltar. 

Aqui  vai,  acolá  voa,  . . 

Ninguém  n'o  pode  alcançar. 

Os  moiros  pela  cidade 

A  correr  e  a  gritar; 

Quantas  portas  ella  linha 

Todas  as  foram  cerrar. 

Sette  vezes  deu  a  volta 

Da  cerca  sem  a  passar, 

O  cavallo  ás  oito  vezes 

De  um  salto  a  foi  saltar. 

Ja  os  moiros  da  cidade 

O  não  podem  avistar: 

Acode  o  rei  Almançor 

Que  vinha  de  montear, 

Com  todos  seus  cavalleiros 

Lá  deitam  a  desfillar. 

Sentiu  logo  Dom  Gaifeiros 

Como  o  iam  alcançar: 

— 'Não  te  assustes,  Meiisendr.i, 

Que  é  força  aqui  apear. 

Entre  estas  árvores  verdes 

Um  pouco  me  hasde  aguardar. 

2Í    Klla  o  loi  abraçar -,l/í>    rU    Olintira. 

VOL.    I  «I 


272  ROMANCEIRO 

Em  quanto  eu  volto  a  esses  cães  22 
Que  os  heide  afFugentar. 
As  boas  armas  que  trago 
Agora  as  vou  a  provar.' 
Apeou-se  Melisendra, 
Alli  ficava  a  rezar. 
O  cavallo,  sem  mais  rédea, 
Aos  moiros  se  foi  voltar: 
Cançado  ia  de  fugir 
Que  ja  mal  podia  andar, 
Cheirou-lhe  ao  sangue  malditto. 
Iodo  é  fogo  de  abrazar. 
Se  bem  peleja  Gaifeiros, 
Melhor  é  seu  pelejar; 
A  qual  dos  dois  anda  a  lida 
Mais  moiros  hade  mattar. 
Ja  cahem  tantos  e  tantos 
Que  não  têem  conto  nem  par; 
Com  o  sangue  que  corria 
O  campo  se  ia  a  alagar. 
Rei  Almançor  que  isto  via, 
Começava  de  bradar 
Por  Alá  e  Mafamede 
Que  o  viessem  amparar: 
— 'Renego  de  ti,  christão, 
E  mais  do  teu  pelejar! 


22  A  «sseí  pÈvroí.  ~  Tiat-on-montes. 


DOM   GAIFKIROS  273 

Não  ha  outro  cavalleiro 

Que  se  te  possa  egualar, 

Será  este  Urgel  de  Nantes, 

Oliveiros  singular, 

Ou  o  infante  Dom  Guarim 

Esse  aimirante  do  mar  P 

Não  ha  nenhum  d'entre  os  doze 

Que  bastasse  para  tal.  . . 

Í5Ó  se  fosse  Dom  Roldão 

O  incantsdo  sem  par  23  1' 

Dom  Gaifeiros  que  o  ouvia, 
Tal  resposta  lhe  foi  dar: 
— 'Calla-te  d'ahi,"  rei  moiro, 
Calla  te,  não  digas  tal. 
Muito  cavalleiro  em  França 
Tanto  como  esses  vai. 
Eu  nenhum  d'elles  não  sou, 
E  me  quero  nomear: 
Sou  o  infante  Dom  Gaifeiroí, 
Roldão  meu  tio  carnal, 
Alcaide-mor  de  Paris 
Minha  terra  natural.' 

Não  quiz  o  rei  n:ais  ouvir 
E  não  quiz  mais  porfiar. 


Si  Sam  Círual  —MS.  de  Olueira. 


274  noMA^•l;KIRO 

Voliou  rédeas  ao  cavallo, 
Foi-sc  em  Sansonha  incerrar. 
Gaifeiros,  senhor  do  campo, 
Não  tem  com  quem  pelejar; 
Cheio  de  grande  alegria 
Melisendra  foi  buscar. 
— 'Ai!  se  vens  ferido,  esposo? 
E  que  ferido  hasde  estar! 
Eram  tantos  esses  moiros, 
E  tu  só  a  batalhar. 
Mangas  de  minha  camiza, 
Com  ellas  te  heide  pençar; 
Toucas  de  minha  cabeça 
Faxas  para  te  appertar  2'. 
— 'Calla-ie  d'ahi,  infanta, 
E  não  queiras  dizer  tal; 
Por  mais  que  foram  n'os  moiros, 
Não  me  haviam  fazer  mal: 
São  de  meu  tio  Roldão 
Estas  armas  de  provar; 
Cavalleiros  que  as  trouxesse, 
Nunca  pôde  perigar.' 

Cavalgam,  vão  caminhando, 
Não  cessam  de  caminhar, 
Por  essa  moirama  fora 
Sem  mais  temor  nem  pezar; 

'24  Serão  paia  (t-  appfiitar — V,S   </<•  Oliifira. 


DOM  GAIFEIHOS  275 

Paliando  de  seus  amores 
Sem  dí  mais  nada  pensarei. 
Em  terras  de  christandade 
Por  fim  vieram  a  entrar. 
A  Paris  ja  são  chegado?, 
Ja  saem  para  os  incontrar  ^'', 
Sette  léguas  da  cidade 
A  corte  os  vai  esperar. 
Sahia  o  imperador 
A  sua  filha  a  abraçar; 
Palavras  que  lhe  dizia, 
As  pedras  fazem  chorar. 
Sahiu  toda  a  fidalguia, 
Clerezia  e  secular. 
Os  doze  pares  de  França, 
Damas  ?em  conto  nem  par. 
Dona  Alda  com  Dom  Roldão 
E  o  almirante  do  mar, 
O  arcebispo  Turpim 
E  Dom  Julião  de  além-mar, 
E  o  bom  velho  Dom  Beltrão, 
E  quantos  sohem  de  estar 
Ao  redor  do  imperador  *'' 
Em  sua  mesa  a  jantar 


25  S<'iii  dl'  outro  ai  nã.  >  lonar  -  MS.  <lt    Olivvira. 
2fi  A  Parií  a  natnrsl  ~^fS   de  OUvcita. 
27   l';  «emprp  a  i.lca  fixa  da  mesa  rrdonila,  do  rírculo  for' 
r.iado  [lelos  parfri,  c  uitórno  do  impcraiile. 


276  ROMANCEIRO 

Grande  honra  a  Dom  Gaifeiros 
Os  parabéns  lhe  vão  dar; 
Por  sui  muita  bondade^** 
iodos  o  estão  a  louvar, 
Pois  libertou  sua  esposa 
Com  valor  tam  singular. 
As  festas  que  se  fizeram 
Não  têem  conto  nem  par. 


28  Bomhnh  é  v.ilor,  «  Bum  valenlo  cm  stylo  lio  tempo. 


DOM  GAUEÍhOS  277 


t  l€Ç'%0  C\%«>Tei,H.%.\ A 

Aseutailo  <'Stá  Gaiteros 
En  el  palácio  realf, 
Asentado  está  ai  tablero 
Para  las  tablas  jugare. 
I-og  (Jaflo3  tione  en  Ia  mano 
Que  los  quiero  arrcjare, 
Cuando  entro  por  la  sala 
Don  Carln  el  emperanie: 
I>e  rjue  a«i  luçaro  lo  vido 
Kmpezcjie  de  niirarc; 
Hablándole  está,  hablaiido 
Palabrag  de  gran  pesare: 
—  'Si  aíi  fuésedes,  Gaiteros, 
Para  las  armas  tomare, 
Como  80Í8  para  los  dados 

Y  para  tablas  Jiigare, 
Vuestra  esposa  tiecen  moros, 
Iriadesla  á  buecar. 
Púsame  á  mi  por  ello, 
Porqup  es  ini  hi.ja  carnale. 
IJe  miicbos  tuó  demandada 

y  á  uadie  qiiiso  tomare: 
I*ucs  con  vós  caBÓ  por  amores, 
Amores  Ia  lian  de  sacar»-; 
Si  coa  otro  fiiora  casada 
No  esluviera  en  captlvidado. 
Oaifercs  cuando  esto  vido, 
Movido  de  gran  pesare 
I.evantóse  dei  tablero 
No  queriendo  mas  jugare, 

Y  tomáralo  en  las  manos 
Para  babcrlo  de  arrojare. 


278  aoM\NCEiRo 

Sitio  por  í|uien  con  èl  juega 
Que  era  hombre  de  linage: 
Jugaba  con  él  G'.iarino8, 
Almirante  du  la  maré. 
Vocês  (lá  [)or  el  palácio 
Que  ai  cielo  quicrou  llegaro, 
I'reguntando  va,  preguntando 
Poi-  BU  lio  Don  Ilsldane. 
Halláralr  en  el  patin, 
Que  queria  cabalgare. 
Con  él  ora  Oliveros 

Y  Durandarte  el  galanc, 
Çoa  úl  mucbos  caballeron 
l)tí  los  de  los  doce  Pares. 
Gaiferos  desque  lo  vido 
Empezúle  de  bablarc: 

—  'Por  DioB  08  ruego,  mi  tio, 
Por  Dios  os  quiero  rogare, 
Vuestras  armas  y  caballo 
Vós  me  lo  querais  prestare, 
Que  mi  tio  el  emperante 
Tan  mal  me  quiso  tratare, 
Diciondo  que  soy  para  juúgt) 

Y  no  para  armas  tomare. 
Hien  lo  gabeis  vós,  mi  tio, 
llien  sabois  vós  la  verdad, 
<iue  pues  butiqui:  á  mi  espoja 
<Viilpa  no  me  deben  darc. 

Tros  anos  andiivc  triste 
]'or  los  inOQtes  y  los  vallon 
Coniiendo  la  carne  cruda, 
Itcbicurto  la  roja  sangie, 
Trayendo  Ins  pies  descalços, 
l.as  unis  corriondo  sangre. 
Nunca  yo  hsUarli  pude 
Kn  cuanto  piidr  buscarc, 


rOM  GAiKKiHOs  279 

Aliora  6i!'  que  eptá  eii  Saiisiiefia, 
Kii  .Saiisuína  csaciíidad. 
Sabcie  que  estoy  siu  caballo, 
Sin  armag  otro  que  tale, 
Que  las  tiene  Monteuioos, 
Que  es  ido  á  fjstejare 
AUá  ii  ios  reinos  de  Huugria 
Para  torneios  armare, 

Y  yo  8iii  raballo  y  armas 
Mal  la  pod.é  libertare; 
Por  es'o  I  g  ruego,  mi  tio, 
I-as  vueistras  me  qiierais  daro. 
Don  Koldan  de  que  esto  oy''i 
Tal  resimesta  le  ftié  á  daro: 
— 'Callad,  sobri  o  Gaifero», 
Ko  qiieradss  liablar  tale.';. 
.Sietc  aíios  vnestra  esposa 

Ha  que  está  eii  captividade; 
Siempre  os  he  vistr»  con  armas 

Y  caballo  otro  qne  tale, 
Ah  ira  que  no  las  leneis 
I,a  quereis  ir  á  buscam. 
Sacramento  tengo  heolu) 
AUá  eii  Sai]  Juan  de  Latrsne 
A  ninçuno  prestar  arma^ 
Xo  me  las  liagan  cobanles: 
Mi  cabano  está  bien  ve/.ado, 
No  lo  i|Uf  rria  mal  vezarc.' 
(íaileron  que  esto  oyõ 

La  espada  luera  á  saciar 
(lon  una  voz  mny  safiona 
F.inp^zára  de  hablare: 
— 'Bien  parece,  Don  RoMan, 
Siempre  me  qnisíRtc  maio. 
Si  otro  me  lo  dij-ira 
Mostrara  si  soy  cobarilc, 


280  ROMANCEIRO 

Mag  iiuJcn  á  iiii  lia  injuiiailo 
No  lo  vais  por  mi  á  vcngarc; 
Si  vós  tio  no  mi  luúiicJeg. 
Con  vÓB  quenia  poleare.' 
I-o»  graiiiles  que  alli  se  ballan 
Entr(>  loa  fios  puestog  se  liane; 
Hablado  le  ha  Dou  Roldan, 
Kmpezóle  de  hablarc: 
--'Bien  parece,  Doti  G»il>ros, 
Que  Boig  do  muy  porá  eJade, 
Hien  oigies  un  pjemplo, 
Que  ooncceií  ger  verdad, 
Que  áqufl  que  bifn  oí  quiere 
Kse  og  quitre  cagligare. 
Si  fuerades  mal  caballero, 
No  og  dijera  yo  esto  taiu, 
Mao  porque  sé  que  goi»  bueuo, 
ror  eso  08  quisc  asi  bablare, 
Que  mis  jirmag  y  caballn 
A  vóg  uo  ge  han  de  neg-are, 

Y  «i  quoreia  compania, 

To  08  querria  acompaíiare.' 
— 'iMercedes,  dijo  Gaifercs, 
De  la  buciia  voluiitade; 
Solo  me  quicro  ir,  golo, 
Para  jiabrrla  de  iiacnre: 
Ninica  me  diiá  uinguno 
Que  n:i-  vido  ser  eobgrdc 
Luogo  mando  Uon  Uoldan, 
Siig  armag  aparcjare; 
Kl  enfubierfa  cl  caballo 
Por  mejor  lo  eníobcrlare. 
Kl  mismo  poue  las  armas 

Y  Ic  ayudaba  à  armare, 
Luego  cabalgó  Gaiferos 
Cou  tnTjo  y  con  lesare. 


DO.V  GAIKÉ.IROS  281 

l'ésal«  á  Uoii  Roldan, 
Tambieii  ;i  los  doce  Pares, 

Y  mas  ai  eaiperador 

De  que  solo  lo  vió  andare, 

Y  des  que  ya  se  falia 
Del  gran  palácio  loale, 
Con  uua  voz  amoroBa 
I.lamãralo  Don  Iloldaiic: 

—  'Espera  iin  peco,  sobrino; 
1'ueg  solo  quereis  anrtarc, 
Dtjédesraf  vuesa  ispada, 
I-a  mia  qucrais  toiuare, 

Y  auuqne  vcngan  dou  mil  inoros 
Niiuca  1<  s  volvais  la  liaze: 

Al  caballo  dadlc  rienda 

Y  haja  á  su  voluntade, 
Que  si  el  vc  la  suya 
Bien  os  saberá  ayudare, 

Y  si  ve  demasia 
Dslla  08  sabrá  sacare.' 
Ya  le  daba  su  cgpada 

Y  toma  Ia  de  Koldane 

l>a  de  espuelas  ai  cabullo, 

Sálcse  de  la  ciudad. 

Don  Iteltran  des  «lur  ir  lo  vido 

Empfzóle  de  habl.iie: 

— 'Tomad  acá,  hijo  Gaifrrua, 

l'u<'8  (|uo  me  tciicis  por  padri-, 

Tau  solanieutc  íjih:  os  voa 

La  condesa  vuestra  uiadrc, 

Tomará  cou  vós  tousuelo, 

CJue  tan  tiistes  llantos  liaco, 

Y  dáraos  caballeros 

Los  que  hayaie  necesidade.' 
— 'Ciiiíoladla  vós,  ml  tio. 
Vót  Ia  querâis  coiisolare. 


282  ROMANCEIRO 

AcunOcse  que  lue  perdió 
Cliiqiiito  T  de  poça  edadp, 
Haja  cueuta  que  de  entoncos 
Ko  me  ha  visto  jamaso, 
Qtic  ya  sabfis  que  eu  )<>«  dooe 
Correu  malas  volimtadeg, 
y  Bo  diraii,  vuelvo  por  meço, 
Ma?  que  vuelvo  por  cobiide, 
Qnt!  yono  volveré  en  Franria 
Sin  JlelinaciHra  tornare.' 
I)on  Bf>ltraD,  de  que  lo  oyera 
Tan  enojado  liablare, 
Vuelve  ricndas  ai  caball  > 
Y  eutroEo  en  la  ciudad. 
Gaifercs  cn  tierra  de  moros 
Empieza  de  csminare, 
Jornada  de  quinee  dias 
Kq  ocho  lá  fuO  á  andarc. 
For  las  sicrras  de  Sangucua 
Gaiferos  mal  airado  vao, 
I^RS  voces  que  iba  dando 
A)  cielo  quieren  lleçare. 
Maldií^ieudo  iba  el  vino, 
Maldieiendo  iba  el  pane 
(Kl  pan  que  comian  los  moros, 
Mas  no  de  la  cristandade), 
Mal  lioieudo  iba  la  duena 
Que  tan  so!o  un  liijo  pare 
(Si  eueuiigos  se  lo  loatan, 
Ne  lieiíe  qnieii  Io  vengarr\ 
Maldiciendo  iba  ai  oaballero 
Q'.ic  cabalga  «ia  un  pape 
(Si  SC  le  eae  la  espucla. 
No  tiene  quien  se  la  calce), 
Maliicií-ndo  iba  e!  árbol 
Que  solo  cn  el  cnmpo  na'(c, 


DOM  GAIFEIROS  283 

Que  todas  las  aves  dei  luuudo 
Eu  él  vau  á  quebrautarr, 
Que  de  rama  ni  de  hoja 
Al  tiiste  dejan  gozare. 
U&udo  ettas  roíes  y  utraa, 
A  Sansueua  lué  á    Uegaie: 
Viétiíeí  era,  eu  aqael  dia 
L08  moros  su  tiesta  baveii: 
El  ri^y  iba  a  la  mezquita 
Vara  la  zala  rezare, 
Con  todos  sus  caballetos 
Cuactoi  él  pudo  llevarc 
Cuaodo  ellegô  Galfeios 
A  saueueúa,  eea  ciudade, 
Miraba  si  veiia  alguao 
A  quien  poder  demandare: 
Vido  uu  cativo  cnstiauo 
Que  andaba  por  los  adarbes; 
Deaque  lo  vido  Oaiferos, 
Kujpezóle  de  hablaie: 
— 'Dios  te  salve,  elcri&tiano, 

Y  te  torue  eu  liberfade: 
Nuevasque  pediíte  quiero, 
No  me  laa  quieras  negare. 
'i'ú  que  andas  con  los  moros 
Dime  si  ointes  bablare 

Si  ay  aqui  alguna  cristiaua 
Que  sea  de  alio  liiiape.' 
El  calivo  ([ue  lo  oyera 
Empezára  de  llorare: 
— 'ITautos  (en^o  de  mií  iliirlos, 
Ue  otroii  no  puedo  curau-: 
Que  todo  el  dia  caballos 
Uel  rcy  mo  bareu  pensate, 

Y  de  novbe  ea  honda  sima 
Mti  baceu  ai|ai  apriíioiíuie. 


284  ROMANCEIRO 

liieii  fií  ijiie  bay  imichas  cativa» 
(Jiiotiauas  de  gi;;n  lluagc, 
llspreialuaeute  Lxy  una 
Qu'es  de  Francia  iiatuiali', 
Kl  rey  Almanzor  la  trata 
Como  a  sua  bija  caruak-; 
Sé  que  muclios  reyes  moioj 
<  on  ella  quiercu  casare. 
Por  eso  idos.  cabaUcto, 
]'or  esa  calle  adelaute, 
Vereislag  á  las  veiilanaa 
Del  çrao  palácio  reale.' 
Dereclio  se  va  a  la  plaza, 
A  la  plaza  la  mas  gramle. 
Alli  estabau  los  palácio.» 
Donde  el  rey  solia  cstare  : 
AIzó  loa  ojos  en  alto 
Por  lo3  palácios  niirare, 
Vido  ebtar  á  Meliseadra 
Eh  unia  veiitana  grande 
(.'on  otras  damaii  crístisnae 
Qu'  cstan  cn  captividade. 
Meliiiseudra  que  lo  vido 
Kmpczára  de  Ilorare, 
No  porque  lo  conocieae 
Kn  el  jesto  iii  en  cl  traje, 
Ma»  eii  verlo  con  armas  blaucas 
Acordóse  de  los  pari>«, 
Acordóse  de  los  palácios 
Del  ompcrador  su  padre. 
Dl!  Justas,  galas,  torncos 
Que  por  rlla  golian  armire. 
Con  voz  triste  y  miiy  llorosa 
I,e  empezára  de  Uaniarc  : 
—  'Por  Oios  08  ruego,  caballero, 
QuenVi.^íOs  á  n)i  llegare  ; 


nuM    BAIFEIKOS  285 

Si  kuig  (;rÍBtiauo  ó  moro. 
No  me  lo  qmTai.s  uogare 
Darog  be  nuas  encoiiiieudas, 
liien  pagadas  os  seraue  : 
Caballtro,  si  á  Fraiicia  ides 
Por  Gaiteros  pregimtado, 
Decidie  que  Ia  BU  esposa 
Se  le  euvia  á  cn^omeiídarc, 
Que  ya  me  parece  titmpo 
Que  la  debia  s acare. 
Si  110  me  deja  por  miedo 
De  cou  los  moros  peleare, 
Debe  Icner  otroe  aiuoiea, 
De  mi  no  lo  dejan  acordare : 
i  Los  ausentes  por  los  presentes 
I>igeros  son  de  clvidare  ! 
Aun  le  direis,  oaballero, 
Por  darle  mayor  senale, 
Que  sus  Justas  y  tónicos 
liieu  las  supiraos  acae. 
y  8i  eí^ti»  enjomiendas 
Xo  recibe  eon  solace, 
Daréislas  á  Oliveros, 
Daréislas  á  Don  Roldane, 
Daréislas   á  mi  «euor 
Kl  emperador  mi  padre  : 
Direis  como  esló  eu  Saudurfia, 
Eu  Sansuefia,  esa  cíudade, 
Que  si  presto  no  me  sacan 
Mora  me  i|uieren  t»niare, 
(;  1  sarin»  lian  eon  el  rey  moro 
Que  está  allende  la  inare, 
De  8iet<'  reyes  de  moros 
Ueina  me  lincen  eoronare  ; 
Seguu  los  reyeg  me  acuitan  , 
-Mora  me  harán  tnrnare  ; 


26G  HOMANCEIhO 

Mh»  tuores  de  Uaiteros 
No  los  puedo  yo  olvidare.' 
Gaiiei'08  que  ette  oyera 
Tal  le^puesta  le  fué  á  daie  : 
— '  Xo  lloreis  VÓ8,  mi  sulora, 
Xo  queraig  asi  llorarc, 
Porquo  esas  encoiaieiídaii 
Vós  mesma  Ia  poJcig  dare, 
Que  á  mi  allá  deutro  cn  Fiauiia 
llâiferos  sueitu  uombrare. 
Scy  p1  iufaule  Gaiferos, 
JSeíior  de  Paris  Ia  grande, 
Primo  bcimauo  de  Oliveros, 
.Sobriuo  de  Don  Roldane  : 
A 111 .11  es  de  Meliseudra 
.Soii  los  que  acá  me  traen.' 
Ideliseudra  qu'e6to  vido 
CouoÂciólo  en  cl  liitlare, 
Tirijse  ie  la  veotaiia, 
La  escalera  lué  á  tomate, 
•Saliúse  para  Ia  plaza 
Donde  lo  vido  estaro. 
Gaifcrcs  cuacdo  la  vido 
1'iebto  la  luú  á  tomaro, 
Abrázala  cou  hu«  br/aos 
Paia  liaberla  de  beaare. 
Alli  ebtaba  uu  perro  moro 
Por  los  crÍHtiauos  guardare, 
l.ag  vocês  daba  tau  altas 
(^ue  ai  cielo  quieren  Ucirani, 
Al  alarido  dei  moro 
La  eiudad  maiulaii  ceiraie. 
iSiete  vtícea  la  rodt^au, 
No  liallan  por  do  i^scapare. 
Presto  «ale     1  rey  Almauzor 
De  la  iiift/iiuita  re/.are  : 


DOM  GAiFsinos  387 

Vereis  focar  U  Irotupet» 
A  (iricsa  y  no  de  vagare, 
Vereis  armar  caballerns 

Y  en  cabailoã  cabalfarc: 
Tantos  BO  arman  de  los  luoroi; 
tjue  gran  cosa  es  de  mirai«>. 
Meltgendra  que  Io  vido 

F,n  «na  priesa  laii  graude, 
Con  una  voz  delicada 
Le  empezára  de  bablare: 
^'Eslorzado  Don  Qaiferos, 
Xo  querades  desmíiyarf, 
<«iue  los  bueno8  cabalíerot 
Son  para  necetidade: 
;SidéFla  escapais,  Gaiferos, 
Hasta  teneis  que  contarei 
;  Ya  quisiera  Dlos  dei  cielo 

Y  iSanta  Slaria  su  madre 
Fuese  tal  viicstio  caballo 
Coino  el  de  Don  Roldaiie. 
Mnchas  veces  le  oi  decir 
l'Ui  el  palácio  imperiale 
Que  si  se  ballaba  cercado 
]»e  moroE  en  ulguno  lugarc, 
Al  caballo  aprieta  la  cindia 

Y  ktlojábale  el  pretale, 
Hincábale  las  espuelas 
iixn  ninguna  piedade! 
El  caballo  es  oslbrzado, 
De  otra  paiie  va  a  saltare.' 
Oaíi>roB  de  qu'esto  oyó 
Presto  se  fuera  á  a^eare, 

Al  caballo  aprieta  la  cincha, 

Y  aflojábale  el  prefale; 
Sin  poncr  pié  en  el  estrilio 
Kncima  lué  á  cabal^rare, 


288  HOKANCEinO 

V  JMcliEendra  álasauca», 
C>!«e  presto  Ias  fné  totnarr. 
Kl  currpo  la  da  y  cintura 
Porfiuc  lo  pupda  alira/aio: 
Al  caballo  liinca  la  ecinipla 
Sin  ningur.a  piedade, 
('orricndo  vcnian  los  nioros 
A  prieca  y  no  de  va;rarr; 
I.ae  prraiidee  vocês  que  dabaii 
Al  oaballo  Uacen  i>allare; 
Ciisiido  fdcvDii  cerca  los   inoros 
I,a  rioiída  Ic  lué  á  largare; 

l'.I  caballo  era  li;;ero, 
1'i'iRoIo  de  Ia  oira  )>arte. 
El  rey  niaro  rin'e8to  vida 
Mando  abrir  la  eiadaiic; 
Sirte  batallae  de  moros 
Todos  de  zaga  le  v.me. 
Volvicndose  iha  Oaiferos, 
No  cesaba  de  tnirare; 
l>p  que  vido  que  los  nioros 
I.e  erorczaban  de  cercare, 
Volviósc  á  Melisendra, 
Kmpér.ole  de  bablarc; 
—  'Xo  oi?  enojeis,  mi  «eilora, 
Seráos  luerza  aqui  apcare, 

Y  eii  eita  grande  Cfpcsura 
Podeis,  souora,  apaardaro, 
<};ic  lo<!  moros  son  tau  cerca, 
!>e  fcierza  n-e  ban  de  aleaazare. 
\'o?,  f  Ignora,  no  traeis  armas 
Para  Iiaber  de  peleare, 

Vo  pucs  que  las  traigo  buanas, 
Qirérolas  ejercitase.' 
Apeóse  Melisendra 
No  cesando  de  r2!'are, 


ItOM  CAIFEIROS  289 

1-at  rodillas  puso  eu  lierra, 
J^ag  mauos  fué  ú  levaularc, 
];0R  ojos  pucstos  ai  cieo 
No  cesanclo  de  rezare: ' 
Sin  qvie  Gaifcros  vclvií-fo, 
Kl  caballo  fué  á~agaijare. 
Cuaudo  hiiia  de  los  iiioros 
Parece  que  no  p;iede  anlarp, 
y  ruando  iba  bacia  cllos 
Hia  con  furor  tau  grande, 
Que  dei  rigor  (jue  ilebava 
I,a  típrra  bacia  fembíare: 
Doude  vido  Ia  morifma 
Eli  Ire  ellos  fuera  á  eiilrare; 
M  bieu  pelea  Gaifcros, 
El  caballo  mucbo  masr; 
'I'ai)t08  inata  de  los  mores 
Que  no  hay  cuento  ni  pare; 
De  la  sangre  qne  falia 
Kl  campo  cabierto  se  bac. 
KIrey  Alinanzor  qu'csio  vido. 
Kmpezãra  de  liablare; 
— ':0b  válaFDio  In,  Alá: 
f.Relo  qué  podia  cstarc? 
Que  ta)  fuerza  de  caballero 
Kn  poros  fc  piiede  ballare: 
Dcbe  str  cl  f  ncaníado 
K«»'  paladiu  riokiaao, 
O  dcbe  fcr  el  esforzado 
Rciialdos  d<-  MoulaUaiie, 
O  es  Urgel  de  Ia  Marcba 
Kéforzado  y  siiigulare: 
No  Iiay  ninsuno  de  Ics  doce 
Qur.  bartante  liacer  lu  tale,' 
(íaiferos  qu'c.sto  oyó, 
Tal  rcspneeta  Ic  fué  ;i  dare; 


290  BOMAKCEÍÃO 

--■C«Ilv  t-,  calles,  ri  rc.y  moro, 
Calles  y  iio  iligas  tale, 
Iiíiichos  otros  bay  cu  Franria 
Que  tanto  oiuo  obIor  valeu: 
Yo  no  -oy  iiiti^-uiio  d";  cllt", 
Miis  yo  me  quicro  ncniViraro: 
.''oy  cl  intauic  Gaifcros, 
Stfior  <le  Paris  la  írranJc, 
Prioio  beiuiano  de  Oiivcnis, 
Sobriíio  lie  Dou  Koiíianc' 
K)  rr.y  Almansil- <jue  Io  uycra 
Coij  tal  c8l':ier>.o  liablaie, 
Con  Jos  mas  mores  riuc  piuio 
.Se  entrara  cu  la  ciudado. 
.Solo  quodaba  Gailcroí 
Noballó  con  fiuien  pidoare, 
Volvió  ricndas  ai  cabnllo 
l'or  Meliiendra  buscara: 
JUdifcudia  ([ue  lo  vido, 
A  recibir  se  lo  mU; 
Vidolc  las  arma*  blauc.ns, 
Tintas  en  color  de  sangre. 
Cou  voz  luni  triste  y  llorosa 
Le  empczó  de  perguiitare: 
—  'Por  Dios  08  ruego,  Goifero», 
Por  Dios  OB  quicro  ro^are, 
Si  tracis  alguna  herida 
Qu(Tai.<.ineIa  vós  laoetrarc, 
Que  los  MOros  eran  tantos 
Quirá  OS  babrán  Uecbo  uiale; 
Cou  Ias  uiaugas  de  mi  camisa 
Os  Ia  quiero  yo  apretare, 
y  cou  la  iDÍ  ricn  toca 
,  Yo  03  ia  cntiendo  sanarn.' 

— 'Calledea.  di.jo  Gaifcro», 
Jutanta  no  digais  tale, 


DOM  GAIFEROS  291 

Tor  uns  que  lucrou  los  uioros, 
Xo  lue  podi»u  baccr  uialc , 
Qu'estas  armas  y  caballo 
Sou  de  mi  tio  Don  Roldane: 
Cahallero  que  las  tiiijeio. 
No  podia  peligrare. 
(íabalgad  presto,  scfiora, 
iític  no  es  tempo  de  aqui  eslarr; 
Antes  que  los  mores  torneu, 
Los  pueitos  hemos  pasave.' 
Va  cabulg»  Melisen:Jra 
Ku  un  caballo  alazanc, 
Kazouando  vau  de  amoios, 
De  amores,  que  no  de  ai. 
Ni  de  log  moros  ban  micdo, 
Xi  dellos  uada  se  dane: 
<>on  el  placer  de  ambosjuntng 
No  cesan  de  camiuare, 
Ue  noche  porbs  oamiuos 
De  dia  por  los  jarales, 
Comiendo  las  yeibas  verdes 

V  agua  si  pueden  ballare, 
Hasta  qué  eutraron  en  Francis 
Yen  tierra  de  cristandade: 

Si  lias  a  alli  alegres  luúron, 
Muclio  mas  de  alli  udelante. 
A  la  entrada  de  un  monte, 

Y  à  la  salida  de  un  valle,  ' 
Caballero  de  annag  blaiieaji 

I>e  lójos  vieroii  asoinare: 
Gaifcros  desque  lo  vido 
La  sangre  xuelto  se  le  bae, 
Di<-ietido  :i  su  senora: 
—  'Esto  e»  mas  de  rccelare, 
(v>ue  aquel  caballero  qu«  asoma 
(Iran  c«luerzo  o»  el  que  tiae: 


292  ROMANCEIRO 

(iuo  9ca  orietiano  ó  moro, 
[•'uorzascrá  pclearo: 
Apúaos  vós,  mi  8<  Tiors, 

Y  voni  (Ic  mi  á  la  pare.' 
De  la  mauo  le  traia 

No  cesando  de  Uorare. 
Llégause  los  caballero.!, 
(^omieczau  aparejar*! 
I.as  lanzas  y  los  escudos 
Eu  sou  áe.  bien  peloaru. 
Los  caballos  ya  de  cerca 
Comienzau  de  relinthare; 
Ma»  conocióle  Gaileros 

Y  empezilra  de  Iiablaie: 
— 'Perded  cuidado  scãora, 

Y  toinad  a  cabal^arc, 

(Jue  cl  caballo  que  alli  vieue 
Mio  t'i  en  la  verdade. 
Yo  le  di  raucba  ccbada 

Y  mas  1(-  entieuilo  le  dare; 
Las  ai  luae,  segun  que  veo, 
Mias  son  otro  que  tale, 

Y  aun  ncjuel  es  Montesinos 
Que  á  mi  me  vienen  á  buêcare, 
<iue  cuamlo  yo  me  parti 

No  estaba  eu  la  ciudaile." 
Plugo  mucho  á  Mel'sendra 
•  v<uc  aciuello  luojo  verdade. 
Ya  que  se  vau  aceroando 
Ouasi  juntes  á  Ia  pare, 
Cou  voz  alta  y  cretida 
Euipiúzause  de  inlerroiare. 
Conúseense  los  dos  primos 
Kntouces  en  el  bablaie, 
Apeáronse  á  grau  priesa, 
Muy  grandes  fiestas  se  bacea: 


l'OM  GA1FE1U03  293 

1)0  nuc  bubicron  Uablmio 
Turuarou  ;i  cabalgaru  : 
liazouaudo  vaa  de.  amores. 
De  otro  uo  quiereu  bablure, 
Audaudo  por  dus  jornadaa 
Eli  lierra  de  criataiidalt:, 
Cuautos  caballeros  hallau 
Todos  los  ?an  compaiiare, 

Y  dueuaa  á  Jlelineinlra, 
I>ou:eUas  oiro  nue  tale. 
Al  cabo  de  pecos  dias 

A  Paris  vati  a  Uegare  ; 
Sieto  léguas  de  la  tiudade 
Kl  emperador  les  sale, 
Cou  é!  sale  Oliveroá, 
Cou  él  sale  Dou  Roldaue, 
Cou  úl  el  inlauto  Guaiiaos 
Almirante  de  la  maro, 
Cou  el  sale  Dou  lienuuiiez 

Y  el  bueii  »ÍPJo  Doa  15elir:ii;ri. 
(Jon  él  luuebos  de  Ics  doce 
Qje  á  su  mena  comeu  pane, 

y  ccu  éliba  Dyiia  Alda, 
I.u  ei>po8Ípa  de  Uoldaue. 
Cou  ú!  iba  Julianeiia, 
La  iiija  dei  rey  Juliane; 
Duefias,  damas  y  doiii.clla.s 
Las  mas  altas  de  lluagu. 
El  emperador  abraza  au  hija 
No  cesaiido  de  llorare  ; 
falabras  que  le  decia 
Dolor  eran  de  estucbare. 
Los  doce  á  Uoii  Caiferos 
Gran  acalamleoto  le  huceii, 
Tieueulo  por  esforzado 
Mucho  mas  de  alll  adelauu. 


'i94  ROMANCEIRO 

Tucs  (Ide  Baco  á  su  csiiosa 
lio   muy  ^rau  captividad*  : 
Las  tiestas  que  le  baciaii 
No  tienen  ciiento  ni  pare  1 . 


1  Duran   l^ouxtncíio  Gcntxd,  1848-1')!,  pií?;.  218,  tom. 


XVI 

JUSTIÇA  DE  DEUS 


A  licfão  que  priíicipalinenle  aqui  segui  é 
a  da  Beiralla,  por  ser  ii'elia  inuilo  mais  com- 
pleto o  romance.  A  de  Tras-os-monlescha- 
ma-lhe  'O  conde  preso.' 

Poucas  coisas  mais  bonitas  tem  o  roman- 
ceiro popular  da  nossa  peninsula.  Onde  nas- 
ceu não  sei;  mas  as  collecçòes  castelhanas 
não  o  trazem.  A  questão  porém  de  se  uma 
composição  d 'estas  foi  feita  n'esse  ou  n'a- 
quelle  reino  dllespauha,  alòiii  de  ser  mui 
difncil  de  resolver,  6  de  Ijem  pouca  impor- 
taiicia.  O  que  é  verdadeiramente  antigo  e 
popular,  o  que  foi  obra  do  trovador  ou  do 
menestrel,  nasceu  talvez  em  Catalunlia  ou 
em  Valença,  talvez  em  Portugal  ou  em 
França,  ou  em  Leão  ou  em  Castella:  ([uem 


29S  ROMANfiEIRO 

sabe?  Viajou  c  perigriíiou  cuiii  a  harpa  uu 
com  a  viola  docaolor  que  o  compoz  ou  que 
somente  o  apprendeu  de  cór:  espalhou-se 
por  essas  terras  de  dilTerentes  dialectos  que 
mais  ou  menos  tiveram  de  o  traduzir  para 
o  conservar  na  tradição  de  seus  povos.  E 
hoje,  ha  muitos  séculos  a  esta  parte,  quem 
pôde  dizer  onde  foi  composto  o  romance 
que  n'esta  ou  n'aquella  província  se  incon- 
tra?  É  d'aquella  onde  foi  achado. 

Ja  se  vè  que  não  applico  esta  Iheoria  ao 
que  traz  visivel  e  marcado  o  sêllo  de  sua  na- 
cionalidade, como  são  os  romances  propria- 
mente moiriscos  ou  granadinos,  os  que  á 
imitação  d  estes  se  fizeram  em  tammanha 
cópia  nos  séculos  xvi  e  xvii,  uem  tampou- 
co aos  históricos  slrictamente  dittos. 

Advertirei  também,  ao  leitor  pouco  ver- 
sado em  nossas  coisas,  que  lhe  não  faça 
peso,  para  julgar  este  romance  castelhano 
por  força,  o  ver  que  nelle  se  tralta  de  San' 
Thiago  e  de  suas  romarias  e  romeiros.  De- 
pois de  Galliza,  nenhum  reino  de  Hespanha 
leve  jamais  tanto  que  fazer  com  o  apostolo 


■  Jr>»TiÇA    PE   DIUS  25)9 

de  Compostellcij  como  o  nosso  l'orlugai,  es- 
pecialmente nas  duas  províncias  do  extre- 
mo Norle.  Ainda  la  vamos  de  romaria,  e  o 
lemos  por  nosso  em  ludo. . .  menos  se  for- 
mos a  brigar,  porque  então  vem  ^Sun'  Jor- 
ge e  avante,"  San'  Jorge  e  o  seu  dragão, 
(|ue  são  dois  terríveis  matla-castelhinos, 
apezar  de  todos  os  pezares,  e  das  hetero- 
iloxas  doutrinas  de  desequilíbrio  europeu 
com  que  nos  tèem  obsequiado  ultimamente. 


ai  siTiçA  iii:  Di:t>t 


Preso  vai  o  conde,  preso, 
I'rcso  vai  a  bom  recado; 
Não  vai  preso  por  ladrão. 
Nem  por  homem  ter  mattado  ', 
Miís  por  violar  a  donzclla 
Que  vinha  de  San*ThÍ3go: 
Não  liastou  dormir  com-  eila, 
Senão  dá-la  ao  seu  criado  ! 
Accommetteu  a  na  serra, 
Mui  longe  do  povoado  ^: 
Por  morta  alli  a  deixara 
Sem  mais  dó   sem  mais  cuidado. 


1  Np"1  per  liOme  liav.r  inaltado — Tias-ns-vmuh 
i  Y,m  lop.ir  (Ie«j'ovoa'lo — nfirnUn. 


302  ROMANCEIRO 

Chorou  trcs  dias,  três  noites, 
E  mais  teria  chorado, 
Senão  que  Deus  sempre  iicode 
A  amparar  o  desgraçado. 
Passou  por  .ilh  um  velho, 
Um  pobre  velho  soldado» 
Suas  barbas  brancas  de  neve, 
Em  sua  espada  abordoado^; 
Vieiras  traz  na  esclavina, 
O  chapéu  d'ellcis  cercado; 
Chegou-se  á  pobre  romeira 
Com  muito  amor,  muito  agrado: 
— 'Não  chores  mais,   filha  minha  *, 
Filha,  demais  tens  chorado; 
Que  esse  villão  cavalleiro  ^ 
Preso  vai  a  bom  recado.' 
Levou  comsigo  a  donzella 
O  bom  velho  do  soldado; 
Vão  á  presença  d'elrei, 
Onde  o  conde  era  levado: 
— 'Eu  te  requeiro,  bom  rei, 
Pelo  apostolo  sagrado, 
Que  n'esta  sua  romeira 
O  foro  seja  guardado 


3  Ao  seu  bordão  incostado-- £via/<«. 

4  Donzella,  uão  cliores  inaiii -jBei/afítc. 
â  '.^u«  preso  vai  case  tonãe— Beiral/a. 


JDSnÇA    DE    lEUS 

Da  lei  divina  é  casar  se, 
Da  humana  ser  degollado: 
Que  não  valem  fidalguias  *• 
Onde  Deus  é  o  aggravado.' 

Disse  elrei  aos  do  conselho 
Com  semblante  carregado: 
— 'Sem  mais  detença,  este  feito 
Quero  ja  desimbargado.' 
— 'Visto  está  o  feito,  visto, 
Julgado  está,  bem  julgado: 
Ou  hade  casar  com  ella, 
Ou  se  não. .  .ser  degollado.' 
— 'Pois  que  me  praz'  disse  o  rei: 
'O  algoz  que  seja  chamado: 
Ou  ja  casar  co'a  romeira 
Ou  aqui  ser  degollado.' 

— 'Venham  algoz  e  cutello.' 
Respondeu  o  accusado: 
*Mas  antes  morrer  mil  vezes  " 
Que  viver  invergonhado.' 

Agora  ouvireis  o  velho, 
O  bom  velho  do  soldado: 


6  Não  ha  foro  ou  privilegio— ScVo/ía. 

7  A:  t'8  morrerei  mil  ve-iea  —  Tioi-os-yfonttê. 
VOLII 


30o 


S3 


304  ROMANCEIRO 

— 'Fazeis,  bom  rei,  má  justiça, 
Mau  feito  tendes  julgado: 
Primeiro  casar  com  ella, 
E  depois  ser  degollado. 
Lava-se  a  honra  com  sangue, 
Mas  não  se  lava  o  peccado.' 

Palavras  não  eram  dittas, 
A  espada  tinha  arrojado, 
Despe  insignias  de  romeiro  ". 
Despe  as  armas  de  soldado, 
Nos  trajos  de  um  sancto  bispo 
Apparece  transformado; 
Sua  mitra  de  pedras  finas, 
De  oiro  puro  o  seu  cajado: 
Tomou  a  mão  dn  romeira, 
A  mão  do  conde  ha  tomado. 
Por  palavras  de  presente 
Alli  os  tem  desposado. 
Choravam  todos  que  o  viam. 
Chorava  mais  o  culpado; 
Chorando,  pedia  a  morte 
Por  não  ficar  deshonrado  ^. 
O  sancto  bispo  o  absolvia 
Contricto  de  seu  peccado: 


8  Tira  o  gaivão  de  romeiro— Beir alia. 

9  Antes  que  ser  desbonralo — Trasoí-ilonUa, 


jrSTlÇ*    LiK    DEIS  305 

D'alli  o  levam  por  morto, 
Que  nem  o  algoz  foi  chamado. 
Justiça  de  Deus  foi  n'elle, 
Antes  de  uma  hora  é  finado  1 
Mas  acudiu  áquella  alma 
O  apostolo  sagrado, 
Que  outro  não  era  o  romeiro, 
O  bispo  nem  o  soldado  •'^. 


10  A  licção  de  Tras-os-Montes  mpprime  a  intervenção  de 
San'  Tliiapo,  e  também  o  casamento  do  conde  que  alli  vai 
simplesmente  a  degollar,  doplarand<j  a  euaíiltimavontado  ii"es- 
tas  coplas: 

— 'Não  me  intorrem  na  egrcja, 

Nem  tampouco  em  sagrado: 

N'aqticlle  prado  me  interrem 

Onde  se  faz  o  mercado. 

Cabeça  me  deixem  fora, 

O  meu  cabcllo  intraiiçado, 

De  cabeceira  me  ponham 

A  sella  do  meu  cavallo. 

Que  d'gam  os  passaRoirofl: 

— 'Triste  de  ti,  desçraçado! 

Morreste  de  mal  d'amores, 

Que  é  um  mal  deseuperado  ^  —  Trai-ct  Montei 


!VOTAS( 


NOTAS 


Nota  A 

Infante  no  feminino  í.  ura  latinisrao  dos  séculos 
e  XVI pag.  li. 

Não  é  d'esta  opinião  um  amigo  meu  cujo  voto 
litterario  tem  muito  peso.  Diz  el!e  que  as  termi- 
nações ante,,  ente  e  inte  sempre  foram  invariáveis 
para  ambos  os  géneros;  que  sempre  se  disse 
•amante,  enchente,  pedinte;  que  infanta  portan- 
to é  uma  excepção  da  regra  geral,  excepção  só 
usada  por  alguns, 

NorA  B 

Fôra  o  primeiro  em  que  se  fizeram  verios. . .  pag.  20, 

Ésta  é  a  opinião  de  Sarmiento:  Snnche/,  nis 
notas  á  citada  carta  do  marquez  de  SjntilLuia,  a 
combate. 


310  NOTAS 

Nota  C 

Mala!o  se  tornaria pag.  cG. 

0  que,  a  este  respeito,  fica  apontado  na  nota 
marginal  é  a  opinião  do  Sr.  Alexandre  Hercula- 
no. Sancta  Rosa  no  'glossário'  lhe  attribue  quasi 
a  mesma  significação.  No  sentido  porem  de  gafo, 
doente,  etc,  a  usa  Berceo  muitas  veses  no  pok- 
MA  nt:  ALiXANDhE.  Na  nova  edição  do  pomanceieo 
de  Duran  i  ha  uma  variante  d'este  romance,  que 
elle  attribue  a  Rodrigo  de  Reinosa,  porque  as- 
sim se  diz  em  um  folheto  solto  d'onde  a  trans- 
creve, cuja  Imguagem  parece  mais  velha,  porem 
que  é  decerto  menos  singela  que  as  outras,  e 
sabe  mais  ao  inrevezado  das  coplas  dos  proven- 
çaes.  N'esta  indisputavelmente  se  põe  tnalato  por 
gafo,  leproso,  i.ifecto  de  mal  contagioso. 

Eisaqui  o  logar  parallelo : 

Eetá  quedo  caballero, 
Non  fagas  tal  villania, 
Figa  eoy  de  un  malato 
Que  tiene  la  malatia, 
Y  qiiien  a  mi  Uegare 
Luego  se  le  pegaria. 

E  notável  que  n'esta  variante  se  acha  o  ro- 
mance  da   'Infeitiçada'   confundido    com    o   do 

1  Madrid,  18)9-51,  tom.  i,  a.»  285,  pag.  15?. 


NOTAS  311 

'Caçador'  do  mesmo  modo  que  o  eu  incontrei 
confundido  na  Tradição  oral  de  algumas  de  nos- 
sas provincias. 

Nota  d 

Alêm  de  não  aatlar  nas  collecções  da  nação  vizi- 
nha  pag.  125. 

No  ROMANCSRO  de  Duran,  nova  edição  *,  ha  um 
fragmento  com  o  titulo  'El  Palmero,'  tirado  da 
coUecção  de  Sepúlveda  em  que  apparecem  al- 
guns eguaes  aos  do  Bernal.  Duran  o  julga  semia- 
legorico,  e  d'aquelles  que  na  nossa  península  ja 
começavam  a  imitar  os  provençaes  no  século  xv. 
Não  sou  d'esta  opinião. 

Nota  E 

A  xàcara  e  :oda  dramática pag.  127. 

Esta  qualificação  é  exclusivamente  portugue- 
za  :  os  nossos  parentes  castelhanos  intendem  por 
jacara  um  romance  truanesco  em  stylo  picaro  e 
mais  próximo  do  que  nós  chamamos  ou  chamá- 
vamos chacota. 

Nota  F 

Loa  virá  da  latim  laué pag.  li 9. 

Os  castelhanos  dizem  hoje  loor  e  loar  por  laus 

1  Madrid   1819  51,  tom.  i,  pag.  15S,  u."  202. 


31.^  NGTAS 

e  lavdare.  No  'Cancioneiro  do  Cohegio  dos  No- 
bres' foi.  58  V.  acha  se  locdo  per  louvado  A  di- 
versidade que  hoje  se  incontra,  n'estas  deriva- 
ções, entre  o  portuguez  e  castelhano,  é  comps- 
raiivamente  moderna. 

Nota  G 

Não  se  iucoDtia  nas  collecções  ca?lelLaiias,  (ag.  16.^. 

Na  nova  edição  de  Duran,  tantas  vezes  e  inda 
agora  citada  ',  apparecem  dois  fragmentos,  o 
primeiro  até  hoje  conservado  na  tradição  orai 
das  Astúrias,  o  segundo  correndo  impresso  nos 
folhetos  dos  cegos  ambulantes:  ambos  são  in- 
questionavelmente reliquiss  dispersas  do  nosso 
rcmance.  Alli  chamam-lhe  'Gerinaldo.'  E  o  mes- 
mo nome  lhe  dão  em  Andaluzia,  onde  o  conser- 
va de  memoria  a  gente  do  campo  nos  seus  cor- 
rias^ corrillos  ou  carrellilas ;  que  todas  estas  ap- 
pellações  teem  as  cantigas  que  o  povo  d'cquella 
provincia  canta  ou  recita  de  immemorial  tradi- 
ção 

FIM  DO  VOLUME  SEGUNDO 


ITom.  I,  pag    H5,  I7tí,  n."  320  e  321. 


iivDacii: 


Inteoducçâo ,        V 

Romanceiro,  uvro  ii,  parte  t i 

I  Bela  Infanta 3 

II  O  Caçador 17 

III  A  Infeitiçada 3i 

IV  Conde  Yanao 41 

V  Conde  d'Al!emanha ;     75 

VI  Dom  Aleixo 89 

VII  Sylvaninha 10 1 

VIII  Bernal  Francez 121 

IX  Reginaldo 161 

X  Dona  Ausenda 177 

XI  Rainha  e  Captiva.. 187 

XII  Dom  Claros  d'Alêm -mar 199 

XIII  Claralinda , 219 

XIV  Dom  Beltrão 241 

XV  Dom  Gaiteiros 253 

XVI  Justiça  de  Deus 295 

Nota  s 307 


OBRAS    COMPLETAS 

DO 

nSCOPB  DE  ALMEIDA  GAERETT 

PROPRIEDADE    DA 

KM  PREZA  DA  HISTORIA  1)E  PORJCGAL 


Tomo  I  —  Camões. 

11  — Catão.  ^ 

»  III  — Merope— Gil  Vicente. 

»  IV  —  Romanceiro — i."  volume. 

»  V— Frei  Luiz  de  Souza. 

»  VI  —  Flores  sem  fruoto. 

»         VII  —  D.  Filippa  de  Vilhena— Tio  Simplício— 

Fallar  verdade  a  mentir. 
»        VIII  —  Viagens  na  minha  terra  —  i."  volume 

»  IX u  »  «  2."  » 

»  X  —  A  Sobrinha  do  Marquez — As  prophecias 

do  Bandarra.  — Um  noivado  no  Da- 
fundo. 

»  XI  —  Arco  de  SanofAnna — i.°  volume. 

»         XII—     .  »  —2.° 

»       XIII— D.  Branca. 

»       XIV —  Romanceiro —  2.»  volume. 

»         XV  —  »>         —  3."         » 

»      XVI  —  Lyrica. 

»     XVII  -^  Fabulas — Folhas  cabidas. 

»    XVIII  —  O  Alfageme  de  Santarém. 

»      XIX  —  Portugal  na  balança  da  Europa. 

»        XX  —  Da  Educação. 

»  XXI  —  O  Retrato  de  Vénus,  precedido  de  um 
Ensaio  sobre  a  historia  da  lingua  t 
da  poesia  portugueza. 

»      XXII  — Helena. 

»  XXIII  —  Discursos  parlamentares  ~  Memorias 
biographicas. 

»    XXIV  —  Escriptos  diversos. 


3^' 


'  .'"V-    ^  -  ^  ■     _,'  - 


'■Í=^T^ 


<is4^í: 


i* 


'M