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L 3
A. «
Nau poriugueza copiada cie mu 1'ortulano do xvi srculo
ROTEIRO
DE
LISBOA A GOA
POR
D. JOÃO DE CASTRO
ANNOTADO
POR
Joào de Andrade Corvo
Sucio cffecli\Q da Academia Keal das Scicncias de Lisboa
\.Y^
LISBOA
POR ORDEM E NA TYPOGRAPHIA
DA ACADEMIA REAL DAS SClENCIAS
1882
Nas breves palavras com que o clr. Nunes do
Carvalho precedeu a publicação do celebre Roteiro
do Mar Roxo, o zeloso editor promctlia publicar os
outros dois Roteiros do mesmo auctor; um dos quaes
ó o que boje sae á luz sob os auspícios da Acade-
mia Real das Sciencias de Lisboa.
O dr. Nunes de Carvalho encontrou o manuscri-
pto do Roteiro do Mar Roxo, na denominada col-
lecção Coltoniana da Bibliotheca do Museu Britan-
nico, um tanto deteriorado pelo incêndio que sofírou
aquella preciosa collecção.
As cartas jnaritimas, obra do grande D. Joíío do
Castro, o complemento do Roteiro a que o dr. Nu-
nes do Carvalho dou publicidade, foram por olle
VI
encontrados em Paris nos archivos do ministério dos
negócios estrangeiros. Buscava o illustrado profes-
sor alcançar os outros manuscriptos de Castro ; das
suas palavras, porém, deprehende-se que ainda os
não possuía no tempo em que se imprimiu o Ro-
teiro do Mar Roxo.
«E nossa tenção, escreve elle, publicar também
os outros dois Roteiros, que o auetor compoz, das
suas viagens de Lisboa até Goa, e de Goa até Dio;
assim como todas as demais obras d'elle, que po-
dermos alcançar, para o que não cessamos de fazer
por toda a parte repetidas indagações » .
E mais adiante acerescenta:
tCom a esperança de descobrir alguns d'estes
preciosos monumentos da sciencia e patriotismo de
D. João de Castro, não nos esquecemos de procurar
saber por boas vias, se a família, que hoje (1833)
possue a quinta da Penha Verde, porventura pos-
suiria também algum d'elles-, porém as respostas
mysteriosas e evasivas, que obtivemos, além de ou-
tras fortes razões, nos fazem persuadir que esta fa-
mília nenhuns papeis d' elle conserva » .
Dez annos depois publicou Diogo Kòpke, lente
da Academia Polytechnica do Porto, o Roteiro da
costa da índia de Goa a Dio, e no prefacio promelleu
vn
cgualmente publicar o Roteiro de Lisboa a Goa; mas
também não pôde realisar o seu intento. As razoes
que levaram Diogo Kopke a publicar primeiro o Ro-
teiro de Goa a Dio, dil-as elle, e foram as seguin-
tes:
t Existem d'estc Roteiro (o de Lisboa a Goa) duas
copias, uma incompleta, e ambas de pouca auclori-
dade, i)a Bibliotheca Publica Eborense. O bibliolhe-
cario da mesma, o sr. dr. Joaquim Heliodoro da
Cunha Rivara, deu d'ellas noticia no Panorama. O
pouco conceito (mesmo em quanto a exactidão) que
nos merecem estes dois códices, foi a causa porque,
contra a ordem chronologica, começamos na publi-
cação das obras de D. João de Castro por outro
Roteiro escripto subsequentemente a este, embora
d'elle tivéssemos copia, segundo os manuscriplos
eborenses, feita com summo cuidado pelo sr. con-
selheiro dr. António Nunes de Carvalho. »
De uma copia do Roteiro do Mar Roxo que exis-
tira em Évora, tinha noticia o dr. Nunes de Carva-
lho ao tempo em que fez a publicação de que acima
falíamos; porque no prefacio d'essa obra diz:
«Sabia-se que na livraria da Universidade de
Évora existira por muitos annos a copia que o au-
ctor offereccu ao infante D. Luiz; porém depois da
VIII
extincção dos jesuítas nunca mais se soube da sorte
que tiveram este e outros manuscriplos preciosos e
únicos, que n'aquella livraria se guardavam » .
O original do Roteiro do mar Roxo encontrou-o
o dr. Nunes de Carvalho em Londres, como acima
se disse. Ve-sc que, depois, proseguiu nas suas in-
dagações sobre as obras de D. João de Castro, o
cnconlrou e trasladou a copia do Roteiro de Lisboa
a Goa, que fora dada á bibliolheca de Évora, como
lhe linha sido dada a copia do outro Roteiro.
Alguns escriptores antigos faliam da existência
do Roteiro de Lisboa a Goa na bibliolheca dos je-
suítas de Évora; e é de certo á copia que nos ser-
viu para a presente publicação que esses escripto-
res se referem Um dos mais antigos e dos melhor
informados, que a este assumpto allude em lermos
claros, ó o padre Maffeius na sua Hist. hidicarum,
o qual diz:
«Ab Olisipone Goam usque, singulorum dierum
iler, locorum aspectus ac situm, allitudinem solis ac
poli diligenlissime persecutus est. ldipsum rursus
praeslitif oram legens ab Goa Dium usque, et ex par-
lium dimensione, -multis oppidis vicisque vocabula
antiqua resliluit. li commenlarii, Ludovico dicali, iu
Academia Eborensi adwrvtwlur. »
IX
Os Roteiros de Lisboa a Goa e de Goa a Diu,
existiam um em Évora, segundo assegura Maffeius.
Outro escriptor, fr. Ànt. de San Roman, dá noticia
de que ali existia também, no seu tempo (1603), o
Roteiro do Mar Roxo. Escreveu San Roman na sua
Hist. Gener. de la Yndia Oii:
tHizo un Rotero de lodos los portos, bahias y
poblasiones de la costa dei mar Bermejo, con las
alturas, costumbres, y animales de toda aquella
tierra, ... El original destos commentarios, com-
mentado á las margens de su própria letra, tiene
en su poder su nieto D. Fernando Alvares de Cas-
tro: un traslado dei qual (que fué el que dedico ai
Infante D. Luiz) le tiene oy en dia los padres de la
compafria dei Colégio de Évora, donde le dexò el
Cardenal don Henrique. »
Possuíam pois, os jesuítas de Évora, copias dos
Ires roteiros de D. João de Castro, dadivas do car-
deal D. Henrique, protector d'aquelle collegio. Duas
d*essas interessantes obras estão ha muitos annos
publicadas; faltava uma, talvez a mais interessante
sob o ponto de vista da arte de navegar, da cosmo-
graphia e da historia do século xvi, c que melhor
serve para se poder avaliar o saber o espirito de ob-
servação do illuslrc navegador.
Informado da existência na bibliotheca de Évora
dos dois exemplares manuscriptos do Roteiro de
Lisboa a Goa, procurei obtcl-os para d^lles man-
dar tirar uma copia correcta; o que assim fiz com a
coadjuvação conscienciosa do sr. José Gomes Góes,
paleographo de muito préstimo e instrucção, que a
isso se prestou.
As duvidas porém que Diogo Kíipke manifesta
acerca das duas copias do Roteiro de Lisboa a Goa
que se encontram na bibliotheca de Évora, obriga-
ram-me a fazer um minucioso estudo d'ellas antes
de tentar a publicação do Roteiro.
O eslylo, o uso de termos náuticos, a orthogra-
phia e numerosas allusões que ali se encontram, a
factos que interessavam n'aquelle tempo os nave-
gadores, cujo estudo D. João de Castro buscou es-
clarecer pela observação e pela experiência, tudo me
convenceu de que aquellas copias do Roteiro de
Castro, mereciam confiança.
Uma das copias, contendo pouco mais do que a
inlroducção que falta na outra, é evidentemente
moderna: a outra copia, em que se contém o Ro-
teiro completo dia a dia. é antiga e merece maior
confiança.
Acerca d'ella consultei o sr. Baslo, habilissimo
XI
ofiicial maior da Torre do Tombo, cuja competên-
cia se não pode pôr em duvida, e á sua benévola
condescendência devo a opinião que em seguida
se lê:
Ill. rao e Ex. rao Sr.
D. João de Castro escrevendo ao Infante D. Luiz.
cm 5 de agosto de 1538, de bordo da nauun/b,
ancorada no porto de Moçambique, dando-lhe conta
dos estudos que fizera, e se propunha de fazer, so-
bre a variação das agulhas, differenças dos instru-
mentos, monções, etc, accrescenta o seguinte:
t ... De todo isto tenho feito um Roteiro que po-
derá acupar duas mãos de papell mandai o ei a V.
A. nas primeiras nãos que partirão da Imdia levan-
do me noso Senhor Ha e não o mando agora por es-
tar csprito de ruim letra e a viagem não ser imda
acabada. >
Quando pela segunda vez passou á índia, em
1545, quer tivesse já, quer não, dado a copia que
promettera, foi annotando e corrigindo o seu pri-
meiro trabalho, o qual só mais tarde poderia remet-
ter para o reino, se é que não ficou entre os seus
XII
manuscriptos que, segundo Gaspar Corrêa, o vicc-
rei, poucos dias antes de fallecer, entregou a D. Ál-
varo de Castro, mettidos num cofre, tendo rasgado
muitos outros.
E, pois, d'este segundo trabalho do vicc-rei que
foi tirada a copia pertencente á Bibliotheca Publica
de Évora, onde tem a marcação ^zw
No estado em que chegou até nós, o ms. consla
de 106 folhas de papel ordinário, de vinte e nove
centímetros de alto por vinte e meio de largo, com a
mesma tinta e lettra do texto numeradas de 4 a
102; tendo repetida a numeração das foi. 27, 28,
29; havendo entre as foi. 58 e 60 duas com dese-
nhos e escripta, mas sem numeração, bem como uma
outra entre as foi. 75 e 76; e estando novamente
copiada, e em parle corrigida, a foi. 65. O verso da
foi. 102 está preenchido por um desenho, que se
estende para a foi. que deveria ser 103, no verso
da qual finalisa o ms.
As três folhas que no principio lhe faltam conti-
nham, de certo, o Prologo, dirigido a D. João m, e que
se lê n'outra copia (códice i J J, 85 ) aliás incompleta.
Este trabalho é ornado com dez desenhos feitos
á penna, sendo alguns d'elles as mostras das terras,
qnasi lodos grosseiramente illuininados*.
Na capa, de; pergaminho singelo, tem, em lellra
coeva, a seguinte declaração:
XIII
Rolciro do Dom Joam
de (jiislro. do Collcgio da
Comp. a de Jesus em
Évora
Foi dom delRcy Dom Henrique
de Gloriosa memoria
seu fundador.
<• 110 alio da primeira folha essoutra, lambem cm
Icllra coetânea:
DclRei D, Henrique, dado
ao Coll. do Spu S t0 d'Evora.
sendo ainda Cardeal.
A lellra d'cste ros. parece, á primeira visla, ser
do xvu século, porque, efectivamente, foi durante
elle que se generalisou o seu uso; ha, porém, nu-
merosos exemplos do seu emprego no século ante-
rior, sobretudo na segunda metade d'elle.
Nâo ha, portanto, a meu ver, motivo algum para
pôr em duvida as duas notas (pie transcrevo, as
quaes, embora feitas depois da morte do cardcal-rci
(de gloriosa incmoria), servem para provar que a
copia ó anterior a 1578, visto ter sido dada ao Col-
lcgio dos Jesuítas por D. Henrique ainda infante.
As correcções que apparccem em vários logares
do ms. indicam, nâo só que ó traslado de outro mais
XIV
antigo, provavelmente o original, mas ainda que a co-
pia foi feita com cuidado, e allenlamente conferida.
Pedindo desculpa da minha insuificicncia sou, co-
mo devo,
De V. Ex. a
Ven. aor c obrig. u, ° cr.
José M. C. Basto.
Torre do Tombo, 4 de janeiro de 1882.
Dando publicidade ao interessante Roteiro de D.
João de Castro, creiu prestar um bom serviço aos
estudiosos. O Roteiro de Lisboa a Goa foi o pri-
meiro que escreveu o illuslre navegador; depois es-
creveu o Roteiro de Goa a Dio e posteriormente o
Roteiro do Mar Roxo, ambos já publicados, como
acima disse: com a publicarão pois doeste Roteiro
acha-se completa a obra de Castro sobre a navega-
ção; exceptuando, porém, um segundo Roteiro das
Costas da índia, a que o mesmo Castro allude nos
seus eseriptos, e que, por ora, se deve reputar per-
dido, se é que chegou a escrever-se, o que para
mim é duvidoso.
XV
Tencionava acomp anha ra publica ção (festo livro
por um largo estudo sobre D. João de Castro e o
seu tempo ; p arece u-me porém melhor publicar esse
estudo em v olum e á parte, o que em breve conto
fazer. ~~
O Roteiro de Lisboa, a Goa vae acompanhado de
numerosas notas e commentarios, com o fim de es-
clarecer os assumplos a que o texto se refere. Para
a imperfeição do trabalho peço a benevolência do
leitor, e espero que me nao faltará, ein vista, das dif-
ficuldades com que tive de luctar.
PROLOGO
Por me parecer que vossa alteza receberia em ser-
uiço darlhe eu conta meudamente da nauegação que
fez esta sua grande e poderosa armada 1 , me.quis.dis-
1 Teve el-rei D. João w novas de que os turcos dispunham
unia grande armada para mandar á índia, a fim de expulsar
d'ella os portuguezes, então senhores de todo o commercio das
especiarias, que antes se tratava coro a Europa por via do mar
Vermelho. «Isto, como diz Diogo do Couto (Dec. v, liv. m,
cap. viu), metteo grande alvoroço em todo o Reyno, e algum
temor em El-Rcy.» Postas estas coisas em conselho, resolveu
el-rei que se fizesse uma armada de quarenta naus e oito mil
homens, c fosse o governo d'ella dado ao infante D. Luiz, seu
irmão. Muitos fidalgos se escusaram de ir á índia: insistiu el-
rei em que fossem. Aggravaram elles para a Mesa da Consciên-
cia, e esta pronunciou «que El-Rei não podia obrigar os mor-
gados a ir á índia; porque como aquella terra fora descuberta
pêra commercio e trato, não tinham os morgados obrigação de
acudir a ella; e que só aos lugares de Africa, por serem fron-
B. 1
pôr a esçreuer estes comentários ou, para fallar mães
próprio, este Roteiro, ogual, posto £ue o estUodelle
teiros, os poderia obrigar. {Couto. Dec. v, liv. ui, cap. vm.)»
Disistiu el-rei da ida do infante; e resolveu-se que a armada
fosse de doze naus, com quatro mil homens d armas; e que
fosse com o titulo de vice -rei, provido para a índia D. Garcia
de Noronha, «porque era hum dos maiores homeens do Reyno,
e por ser muyto cheio de cans, que sam muito respeitadas.»
Joào de Barros diz, que D. João escolheu D. Garcia de Noro-
nha para vice-rei «assi polas partes, e qualidades de sua pes-
soa, como per sua prudência, e esforço, mostrado em todas
as occasiões, em que se na índia achou em companhia do
grande Affonso d*Alboquerque, seu tio. (Barros. Dec. iv, liv.
x, cap. xix.) Segundo Barros, compunha-se a armada «de doze
nãos com trez mil homeens d armas, em que entravam muitos
fidalgos, e moradores da casa d 'El -Rei, e outra gente limpa e
honrada.» Âs naus que chegaram em ii de setembro á barra
de Goa, segundo Gaspar Corroa (Lendas da índia, tom. iv,
part. i, cap. i), foram dez, porque a nau de João de Sepúlve-
da c andou mal e chegou tarde a Moçambique, e nom passou á
índia, e correo pêra Ormuz onde enuecnou, e veo no outro
setembro. 9 Trazia a armada, segundo diz Corrêa, cdois mil
homens d'armas, em que auia passante de oitocentos fidalgos,
e caualleiros e homens de criação de casas reacs; mas toda
a outra mais gente era de quinhentos réis de soldo, e muy po-
bres e esfarrapados, e moços sem barba; gente que pêra nada
nom prestaua.»
Não concordam inteiramente os escriptores no tocante aos
capitães das naus e no numero d'estes. seguinte quadro
mostra as differenças que sobre isso se encontram, nas Len-
das da Índia, nas Décadas de Barros e de Couto, no Livro
em que se contém toda a fazenda, etc., de Figueiredo Falcão,
e n um litro manuscripto que pertenceu á casa de Niza, e
seja .barb^e^roseiro, e a maleria de que Irata
mães que todas estéril e sequa, dado que prouci-
se acha na Torre do Tombo; livro em que se encontram roes
dos capitães que passaram á índia nas armadas que em cada
anno partiam de Lisboa.
Relação dos capitães da armada que partiu para a índia
no anno de 1538
Lendas da índia
Capitães Nãos
D. Garcia de Noronha . . . Santisprito.
João d*Eça Sam Bertolameu.
Ruy Lourenço de Távora. Samta Crara.
D. Chrisfovão da Gama . . Santo António.
Luiz Falcão Santa Maria da Graça.
Francisco Pereira de Ber-
redo Cyrno.
D. Gracia de Crasto Fyes de Deus.
João de Sepúlveda Junqo.
D. João de Crasto Gryfo.
D. Francisco de Menezes . Burgaleza.
Aleixo de Souza Cyça.
Bernaldym da Silveira. . . A nau fez agua e arribou
ao reyno.
Décadas de Barros
Capitães
D. Garcia.
D. João d'Eça.
Ruy Lourenço de Távora.
1*
tosa, posso affirmar a vossa alteza que me custou
grande trabalho, e que o tempo que nelle gastey não
Christovam da Gama.
Luiz Falcão.
Francisco Pereira de Berredo.
Garcia de Castro.
João de Sepúlveda.
D. João de Castro.
D. Francisco de Menezes.
Bernardim da Silveira.
Deoadaa de Oouto
Capitães
D. Garcia.
D. João Deça.
Ruy Lourenço de Távora.
D. Christovão da Gama.
Luiz Falcão.
Francisco Pereira de Berredo.
D. Garcia de Castro.
João de Sepúlveda.
D. João de Castro.
D. Francisco de Menezes.
Bernardim da Silveira, o Drago.
Livro manusoripto da Torre do Tombo
Capitães
D. Garcia.
D. João Deça.
Ruy Lourenço de Távora.
5
foy outro saluo furtado daquelle que he obrigatório
ao sono e Repouso da carne, porque doutra maneira
D. Christovão da Gama.
Luiz Falcão.
Francisco Pereira de Berredo.
D. Garcia de Castro.
João de Sepúlveda.
D. João de Castro.
D. Francisco de Menezes.
Bernardim da Silveira, que se perdeu.
Livro de toda a Fazenda
Capitães Nãos
D. Garcia O Sprito Santo.
D. João de Saa São Bertolameu.
D. Christovão da Gama . . S. António.
Luiz Falcão N. S. da Graça.
Francisco Pereira de Ber-
redo Cirne.
João de Sepúlveda São Lourenço.
D. João de Crasto A Gripho.
D. Francisco de Menezes . Samta Cruz.
Bernaldim da Silveira ... A Gallega.
Diogo Lopez de Souza ... S. Paulo.'
Fernão de Crasto São João.
Fernão de Moraes. ...... São Diniz.
Aluaro de Sousa Santa Catharina.
Anrique de Souza Chichor-
ro Sicião.
Entre o que se diz nas Lendas da Índia, nas Décadas de Bar-
6
Dão ousara eu de consumir nisto nem em outra cousa
algua o tempo deste cargo e capitania de que me
yossa alteza fez meccê, mas sem embargo que o in-
terese desta escritura foy alumiar esta carreira aos
simplices, e darlhe aviso e Regras pêra que mães
seguramente a possão passar *. Verdadeiramente, so-
ros e nas de Couto, assim como no manuscripto que so encon-
tra na Torre do Tombo, a differença ó vir citado. unicamente
nas Lendas o nome do capitão Aleixo de Sousa. As discordân-
cias sâo muito maiores entre as Lendas e o Livro de toda a
Fazenda. Este não falia de Lourenço de Távora, D. Garcia de
Castro e Aleixo de Sousa, nem das naus de que elles eram ca-
pitães: mas falia de mais cinco naus e cinco capitães a que
todos os outros se não referem. A equi vocação é fácil de ex-
plicar. Antes da armada em que ia D. João de Castro, man-
dou D. João ni, por ter aviso «das cousas que passaram na
corte do Turco, pelas muitas intelligencias quo nella traziai,
cinco naus á índia (Couto. Dec. v, liv. n, cap. viu). Estas naus
partiram em outubro de 1537 (Barros diz quo partiram em
novembro), sendo capitães d'ellas, Diogo Lopez de Sousa, Fer-
não de Castro, Fernão de Moraes, Aleixo de Sousa e Henri-
que de Sousa Chichorro: estes dois últimos eram irmãos, sendo
o Aleixo de Sousa de que falia Couto e o Álvaro de Sousa ci-
tado no Livro de toda a Fazenda, a mesma pessoa. No mesmo
Livro da Fazenda dão-se como partidas em 1538, na armada
que levou á índia o viso-rei D. Garcia de Noronha, as cinco
naus que saíram de Lisboa no fim do anno anterior: d'aqui
proveiu a equivocação.
1 Para melhor se entender o que diz D. João de Castro, é op-
portuno transcrever-mos aqui a carta que clle, de Moçambi-
que, escreveu a D. João m.
«Senhor. — Como quer que eu não traga outra obrigação de
nhor,que muytas vezes me enuergonho comigo, quan-
do cuido na grandeza de seu estado e no baixo ser-
uiço que lhe apresento com esta obra, a qual não
digo eu ser capaz de se pôr em suas altas e Reaes
mãos, mas em outras alguas de marinheiros Rústi-
cos, como não somente carece e he falta de feitos
heroycos e he falta de matérias nobres e illustres,
mas ainda de vocábulos conhecidos e termos husa-
que possa dar conta a Vossa Alteza senão das cousas que to-
quão ao seo, mar e ar, que as do carto elemento ou terra me
não pertemee não aja Vossa Alteza por estranho espreverlhe
sobre matérias pouquo importantes-e sertamente senhor que
eu me achara muito envergonhado se o tempo muitas vezes
me não amostrara gramdes reis e primeipes leyxarem famo-
sas e soberbas cidades e porem se em proves e omildes aldeãs
e ás vezes gostarem de fruitas que não recebem cultura orde-
nadas da natureza pêra as aves e gemtes sylvestres avorreci-
dos daquellas que cai se trazem amiração aos omens. E por-
quanto esta rezão pode ser que não satisfaça a deversidade de
tamtos juízos como se achão pêra cousas que merecem repren-
são habrasarmei com as palavras da sagrada espretura que
dizem que a fieira (sic) mall poderá dar espynhos nem os figos
nacerem dos abrolhos e tãobem senhor eu são serto que não
faltarão espritores que facão saber a Vossa Alteza os acomte-
cimentos que vãapor estas suas lomgase estranhas terras asy
porque seus carreguos e ofícios os obrige como pela matéria
ser aprazivell e gostosa e aquela que eu trago entre as mãos
esterill e sequa posto que proveitosa e o reall nome de Vossa
Alteza a faça ylustre.
«Primeiramente pode crer Vossa Alteza: que esta foy a mais
8
dos antre cortesãos e gente polida; porque jamaes
se faz festa doutra cousa que de nomes de ventos
e de fortunas e mudanças do mar, de alterações do
ar, de aparências do ceo, de caminhos e Rodeos que
faz a nao, de aves marinhas e pouco nobres, e isto
ainda com ordem asaz comprida e embaraçada; e
pois os que escreuêrão da imagem do mundo e his-
toria de cosmographia, tratando de gentes, terras,
mares, montes, Rios, promontórios e cidades, espan-
bem avemturada viage que foy vista asy de vemtos prósperos
e piares bonançosos como de saúde e boas desposyções que
noso Senhor deu a todollos soldados que o ymos servir nesta
samta gerra que não he cousa pêra o Vossa Alteza estimar pou-
quo e nisto me não lialargarey mais porque hirey fora de meus
lymites.
«Eu senhor tenho trabalhado neste caminho quanto pude por
entemder meudamente a variação das agulhas de que os pilo-
tos tamto se aqueixão e soribea perfeitamente e afyrmo a Vos-
sa Alteza que até ora nem foi sabido nem maginado algum sa-
gredo que nesta parte alcamsei o que faz muito ao caso pêra
as deferemças que ouve entre Vossa Alteza e o emperador e
pode aver sobre a repartição do mumdo
«E asy me sertefiquei da lomgura que ha do brazill ao caho
da boa esperamça e nisto estou tão costamte que me atreverey
a o fazer confesar a omens barboros e a outros de gramde en-
genho.
«E tãobem foy per mym muito enxercitada a levação do
polo a toda ora do dia e nesta operação achey muitos avisos
notaves.
«Não fui remiso de fazer muitas notações sobre o correr das
r
9
lados de se verem entrar em matéria tão árdua e
dificultosa, chamão muitas vezes as musas em seu
fauor, e não acabam de se desculpar, dizendo não
auer nesta matéria elloquencia nem graça algfia,
agoas e nisto achey muitas deferemças e cousas rauy remotas
da notycia dos seus pilotos.
tComtemprey a ordem dos vemtos e se darião lugar a pa-
sarem nãos á Imdía todo anno e este nome de monções se he
asy como dizem ou não e do qúe disto soube estou satisfeito.
«Do mar tirey quamto pude asy per aves e peyxes e ervas
pêra conhecimentos das terras.
«E asy achey lugares onde os pilotos soo emganados na al-
tura e foy per mym emvistiada a causa e sabida e todas aquel-
las terras per omde pasey asemtey em verdadeiras alturas e
derrotas.
•E aquelas que me pareceo proveytoso debuxey pêra avyso
e resgardo de seus pilotos.
cHos yclyses da lua tenho muito a carregoÍDe tudo isto te^V- vck *
nho feito hum roteiro que poderá acupar duas mãos de papell \ \?<k.
mandai o ey a Vossa Alteza nas primeiras nãos que partirão \1H\^
da imdia levando me noso Senhor Ha e não o mando agora por / co
estar esprito de ruim letra e a viagem não ser imda aca- ) ^v^&uo
badaj) ' x
«Da doutrina vida custumes e justiça do Viso Rei não es*
preverei a Vossa Alteza porque são parte creo que ho farão
todos aqueles que nestas partes se acharem. Noso senhor acre-
sente a vida e reall estado de Vossa* Alteza, escrita a 5 dias
d agosto nesta nao grifo que noso Senhor trouve a salvamento
a este porto de moçãobique de 1538. (Arch. Nac, Mss. de S.
Lourenço, tom. 4.°, fl. 253.) Nas costas: Carta que escrivi a
il Rei de moçambique ha 5 d agosto de 1538.
10
com quanta mães Rezão posso eu tomar todas estas
saluas, mayormente sendo notório que não escreuo
este liuro pêra se ler a damas e a galantes, e se
aproueitarem delle nas cortes e paços Reaes, mas
os de Leça e Matosinhos *. Ora, considerando eu como
vossa alteza seja tam grande que nenhum seruiço se
lhe pôde fazer que seja porporcionado a sua gran-
deza, tomey attreuimento pêra lhe queimar este ale-
crim e diffumadouros de villa, por ser bem certo que
as não receberá em menos valia e preço que o muito
estimado encenso de Arábia; e também não sey como
se me foy metendo em cabeça que vossa alteza no
tempo passado fauoreceo alguas obras pequenas, que
sahírão de minha mão, pello qual não somente se
contentarão os homens de lhe comerem a carne, e
Roerem os ossos, mas ainda de lhe tirarem os tuta-
nos : e portanto serme ha necessário, ó bemaventu-
rado Rey, que ou vossa alteza não queira ouuir juí-
zos contra esta obra de pessoas que sem nenhum
Respeito reprehendem o que não entendem, e con-
denão o que em verdade não sabem, o que sem nc-
nhua duuida em presença das partes não farião, ou
1 Logares onde viuem mareantes. Nota do auetor.
me dê licença pêra lha dedicar, porque então quem
averá no mundo tão ousado que, sabendo ser vossa
alteza o defensor, não fique espantado, e que freo
pode auer, se este não, contra os maldizentes e Roe-
dores *, os quaes averão por premio encorrerem na
infâmia daquclles que combatem com os mortos,
comtanto que com seus sophismas e malícias pos-
são anichelar meu trabalho e escurecer minha em-
presa. Porque como neste roteiro vão escritas mui-
tas cousas que parecem estranhas e impossiueis, as
quaes escreui medrosamente, não porque delias não
fosse muy certeficado, mas por receo que tiue de sa-
1 É costume antigo do portuguczes a maledicência e a in-
veja. Sem citarmos as innumeras queixas que os nossos escri-
ptores fizeram, com razão, d'essas ruins inclinações, que de-
primem o caracter e esterilisam a intelligencia, não só de quem
as tem, mas de quem não é dotado de energia para as despre-
sar, parece-nos curioso recordar aqui o que Duarte Pacheco, ou-
tro grande navegador portuguez, escreveu acerca dos murmura-
dores e maldizentes. «Pois tomamos, diz' Duarte Pacheco (Es-
meraldo, liv. 2, cap. 9, fl. 61 vers. Mss. da Bibliotheca Nac.),
tão pesado carguo em escreuermos q. to * benefícios os prínci-
pes passados tem feyto aos regnos de Portugal no descobri-
mento desta Ethiopia que dantes ha nós era de todo incogny ta,
esta mesma rasam nos hobrigua darmos fim ha obra comesada
aimda que os murmuradores, mordedores e maldizentes nom
cesem seguir seus dapnados costumes, os quaes som prasma-
dores do bem feyto e nenhuma cousa booa sabem fazer. »
£i\ i o u i L a r- f
12
hir fora da openião comum ; uendo de hua parte que,
escreuendoas, poria espanto nos que as leessem, e
doutra que, dissimulandoas, caberia em culpa e ne-
gligencia, terão ousadia pêra me responderem, e mães
sabendo quam mal se guarda justiça aos absentes.
Já me contentaria de ser julgado por juizes sospei-
los, comtanto que fossem officiaes .desta arte e of-
ficio do mar ; mas receo que aconteça nisto o que
ordinariamente vemos por experiência, que na scien-
cia de que os homens menos sabem, e na arte em
que são menos exercitados, naquellas querem pra-
ticar mães soltos e mostrarem que são sufficientes
mestres. Apelez não somente sofreo que hum çapa-
teiro lhe tachasse hum não sey que que faltaua a
hum çapato, que logo emendou, mas tornando o ça-
pateiro ver a pintura, soberbo do juizõ que tinha feito,
querendo reprender falta na perna da imagem, sa-
hio Apelex a elle dizendolhe: não conuem a çapa-
teiro julgar doutra cousa que não são çapatos 4 . Este
mesmo Apelex teue ousadia de dizer ao grande Ale-
xandre, que vinha muitas vezes folgar á sua officina
onde trabalhaua (querendo aporfiar com elle em cou-
1 Plínio no livro 35, cap. 10 da sua Historia Natural, falia
de Apelex. Nota do auctor.
<3
sas da pintura) que se callasse, que os meninos que
estauão moendo as tintas se Rerião delle. E porque
neste tempo mães asinha se acharão muitos Apelei
no primor e arteficio da arte, que hum só na liber-
dade e franqueza de fallar e responder, que deuo
eu fazer, senão pedir socorro a V. A., e vossa alteza
que menos pôde fazer que tocarme com hua som-
bra e mostra de seu fauor 1 ? Quem ha no mundo que
1 Esse desejado favor não faltou a D. João de Castro, não
só do rei, mas do infante D. Luiz, com quem estudara e de quem
era amigo. N'uma carta que da índia escreveu ao infante, em
29 de outubro de 1539, dizia elle: • Senhor. Por Álvaro Bar-
radas receby huma carta de Vossa Alteza e nela tamanhas
omrras e mercês que sendo caso que a mantença e sustancia
do pryncipio de minha vida não fora esta certamente que de
todo me comprira sair fora de meu natural juizo. Abastava so-
mente alembrarse Yossa Alteza de mim e com isto fycava eu
posto em mayor autoridade e preço de todos; e não com tão
particulares fauores que dem ocasyam aos que pouco sabem
de parecer que pode ser necessário a Yossa Alteza algum ca-
bedal e ajuda pêra alevantar sobre as estrelas o mais derri-
bado e abatido omen do mundo, pois que verdadeiramente
omrras e mercês se não podem chamar outras algumas salvo
aquellas que decemdem de seu alto o imvemcivel animo, e
nestas taes estee o grão até omde pode cheguar o desejo e co-
biça dos mortaes: quysera eu saber responder a sua carta jaa
que o nom posso servir, e com isto contentar me, mas vejo
tam difícil huma coisa como a outra., de sorte que me convém
per huma parte apreguoar suas grandesas, e por outra dese-
mulalas, nom avendo em mim capacidade pêra executar ne-
<4
possa fazer hua sobeja beniuolencia senão elle? Pe-
dila eu he muito, mas dala V. A. he pouco, mor-
mente todas as vezes que lhe lembrar como tem con-
quistado as duas mauritanias ; como os seus esten-
dartes despregados e por caminhos públicos se fo-
rão assentar no cume do monte atlântico 1 ; como os
ardentes mares das suas Ethiopias são laurados e
sojugados das duas armadas; como as prayas do
oriente estão sobmetidas e soieitas a seu império; co-
mo os moradores dos famosos Rios Euphrates, Indo*
e Ganges lhe são obedientes e tributários; como Ta-
probana 3 , que os antigos criâo ser outro mundo nouo,
reconhece seu alio nome e lhe paga páreas 4 . Quem
nhuma delias. Dame Vossa Alteza em sua carta muitos agra-
decimentos por algumas consyderações que tenho obrado : creo
eu, senhor, que isto devo de emtemdcr pelo que de mim sey
ser huum favorável perdam de meu pouquo cuydado e maao
emgenho; pois lozio tam pouco em mim a doutrina e exempro
que em seu reall paço se pratica: mas pois Vossa Alteza quiz
usar de tamta benevolência comigo resam será que isto me en-
uergonhe muy to mais que huum áspero castigo e forte repreem-
são que eu tenho bem merecido; e daqui por diamte lamce eu
de mim a preguiça e descuydo e ponha em obra a execuçam
e exercício de seus altos e maravilhosos instrumentos.» Arch.
Nac, M$$* de S. Lourenço, tom. 8.°, fl. 113.
1 Monte Atlântico, s. s. Montes Claros. Nota do auetor.
2 Indo é agora chamado de Diul oo Cinde. Nota do auetor.
3 Tapobrana é agora chamada Samatra. Nota do auetor.
4 O grão Pacheco, Achilles Lusitano, como lhe chamou Ca-
15
nesta machina e Redondeza onde o Iinmenso Deus
deu o império aos mortaes, gozou de tão gloriosos
triunphos, logo rezão será, que derribado a seus
mões, não foi só um grande capitão* foi também um distincto
cosmographo, e illustradissimo escriptor. Conserva-se ainda
manuscripto o interessante livro que elle intitulou Esmeraldo
de Situ orbis : espero porém, com o auxilio da Academia Real
das Sciencias e com a collaboração do meu collega e amigo o
sr. conde de Ficalho, enriquecer em breve a litteratura pátria
com este precioso thesouro de informações históricas e geogra-
phicas. Foi o Esmeraldo escripto em 1503, segundo a opi-
nião auctorisada de Innocencio Francisco da Silva. Dirigin-
do-se a el-rei D. Manuel, no prologo da sua obra, depois de
narrar summariamente os grandes descobrimentos do infante
D. Henrique e dos reis predecessores do feliz monarcha, Duarte
Pacheco, diz: «Estas cousas. sam verdade, e muitas delias em
nossos dias praticamos. Mas que direy de Vossa Alteza e da
graça divinal que o Sumo Creador em Vosso animo derramou,
dotandovos de tam excilente engenho, saber, e fortaleza que
todos Vosos antecessores, asy antiguos como modernos, por
quanto no segundo anno de Vosso Reynado da era de nosso
Senhor de 1497, e 28 de vossa idade, Vossa Alteza mandou
descubrir esta costa do Ilheo da Cruz donde El-Rei Dom Joam
hacabou em diante, e nom sentindo nem estimando as gran-
des e grossas despesas, que se nesto fazeram se descobriu e
nauegou alguma parte daquella ethiopia subgipta, que das
primeiras ydades ha nós sempre foy de todo incógnita, honde
per Vossos Capitães foy descuberta e nouamente hachada ha
grande mina, que algums cuidam ser do Ophir, que agora
por nome novo Çofala he chamada, donde ho sapientissimo
Rey SalomÕ houve 420 talentos de ouro. £ mais adiante por
Vosso mandado foy descuberto tam grande caminHò e mar
46
pees me atreua a lhe offerecer esta obra, da ma-
neyra que hum laurador apresentou ao grande Rey
Artaxerses hum vaso de agoa clara, por não ler ou-
atee se saber a grande província de Mabaar que índia baixa
se chama, honde som sabidas moitas e grandes cidades e no-
véis pouoações; ante as qnaes huma delias he a destroyda ci-
dade Malipor, na qual cremos que está ha santa sepultura do
bemaventurado apostolo S. Thomé. E como em tam pouco
tempo V. A. descubriu quazi i.500 léguas alem de todolos
antiguos e modernos, as quaes nunca foram sabidas nem na-
vegadas de nenhuma nação deste nosso Occidente, aguora por
moor segurança convém que Y. A. mande tornar a descubrir
e hapurar esta costa do Ilheo da Cruz em diante; porque he
certo que no seu primeiro descubrimento se soube em soma
e nom pelo meudo, como a tal caso convinha; e porque V. A.
me disse que se queria nisto Gar de mim, portanto preparei
fazer hum livro de CosmograGa e Marinharia.» (Esmeraldo,
por Duarte Pacheco. Prologo, fl. 2 verso. Mss. da Bibl. Nac.)
Este é um breve quadro dos descobrimentos e conquistas que
os portuguezes Gzeram até 1505. Em 1537 o celebre dr. Pcro
Nuqes, cosmographo d'el-rei, publicou um Tratado em defen-
sam da carta de marear, cõ o regimento da altura, e n'elle
logo na primeira pagina, lé-se o seguinte: tNam ha duuida
que as navegações deste reyno, de cem anos a esta parte: sam
as mayores: mais marauilhosas: de mais altas e mais discre-
tas conjeyturas : que as de nenhQa outra gente do mundo. Os
portuguezes ousaram cometer o grande mar Oceano. Entrara
per elle sem nenhu receo. Descobriram nouas ylhas, nouas
terras, nouos mares, nouos pouos; e o que mays he: nouo
ceo : e nouas estreitas. E perderamlhe tanto o medo : que nem
ha grande quentura da torrada zona: nem o descon passado
frio da extrema parte do sul : com que os antigos scriptores nos
tra cousa com que o seruir e lhe mostrar guasa-
Ihado. Porque na verdade parece cousa fermosa e
justa e somente digna de grandes e poderosos prin-
cepes, que ós dõcs e seruiços que lhe fazem, seja
posto o preço segundo a possibilidade e animo daquelle
que os apresenta, e não pella valia e Reputação em
que são tidos do mundo.
ÍHSMl
ameaçauam lhes pode estoruar: que perdendo a estreitado
norte: e torna n doa a cobrar: descobrindo e passando ho teme-
roso cabo de Boa esperança: ho mar de Ethiopia: de Arábia:
de Pérsia: poderam chegar a índia. Passaram o rio Ganges
tam nomeado, a grade Trapobana: e as ilhas mais orientaes.
Tirara nos muitas ignorâncias: e amostrarãnos ser a terra mór
que o mar: e auer hi antípodas: que ate os Sanctos duuida-
ram : e que nam ha regiam : que nem per quente nem per fria
se deyxe de abitar. E que em hum mesmo clima e igual dis-
tancia da equinocial : ha homens brancos e pretos e de muy
diferentes calidades. E fezeram o mar tam chão que liam ha
quem oje ouse dizer que achasse nouamente algua pequena
ylba: algíís baxos: ou se quer algO penedo: que per nossas
nauegaçòes nam seja ja descuberto.» (Tratado que o Doutor
Pêro Nunes, cosmographo dei fíey nosto senhor fez em defensão
da carta de marear: cõ o regimento da altura. Lisboa, por
Germão Galharde. 1837.)
n. 2
COMEÇA O ROTEIRO DE 1538 ANNOS.
Sabbado seis dias do mês dabril de 1538 nos
fizemos á vella de Betlem '; o vento era de todo cal-
ma, mas aiudandonos a maré e alguns bateis que
1 De Belém partiam as armadas que annualmente iam i
índia. O infante D. Henrique, havendo tomado a empresa de
descobrir novas terras, mandou fazer no Restello, a uma légua
de Lisboa, uma casa da invocação de Nossa Senhora de Be-
thlem, em que tinha certos freires da Ordem de Christo, para
que os sacerdotes «que ali residissem, ministrassem os sacra-
mentos da confissão e comunhão aos mareantes, que partiam
para fora: e em quanto esperavam tempo (por ser quasi uma
légua da cidade) tivessem onde ouvir missa. • (Barros Dec. i,
liv. iy, cap. xn.) Depois do descobrimento da índia, D. Manuel
levantou, em logar da ermida, o sumptuoso templo de Belém,
que deu aos religiosos da Ordem de S. Jeronymo. (Idem, idem.)
A armada de Vasco da Gama partiu do Restello «huum sába-
do, que eram oyto dias do mes de julho da dita era de 1407.»
(Rot. da Viag. de Vasco da Gama, pag. i.) Ali em Belém se
fazia alardo da gente que nas naus havia de partir para a In-
20
nos hião reuocando, fomos surgir antre são gião e san-
eia Catherina, e logo depois de nico dia começou a
uenlar o vcnlo noroeste, c cada vez hia refrescando
e fazendose mães largo; duas oras anle sol posto ti-
rou a capitania hum tiro e se fez á vella, e todos fi-
zemos o mesmo: quando nos ouuemos fora da car-
reira dalcaçoua 1 era noite de todo, e a este lempo
dia. Este alardo era necessário, não só para se saber a gente
com que na guerra se podia contar, mas tambem para evitar
abusos que frequentemente se davam, sobretudo desde que em
1505 foram na armada do primeiro viso-rey, D. Francisco
d' Almeida tmuytos degradados, que todos folgarão hir nesta
armada. 9 (Lendas da índia, tom. 1, part. u, pag. 331.) Na re-
lação que D. João de Castro mandou de Moçambique a cl-rci
D. João, quando em 1545 ia para a índia, como governador,
diz elle: cobra de cincoenta léguas, avante das Canareas co-
meçou aparecer na mynha não muyta gente que bya escondi-
da, parecendo lhes que já estavão seguros de os não lançarem
fora; e foy tanta e tam demasyada que me poz em muyto cuy-
dado e estive muy perto de tomar as ilhas do Cabo Verde pêra
deyxar hy toda a que se não podia levar sem muyto risquo;
mas lembramdome que nesta comjumção emtrava o verão nas
ilhas, onde por a destemperança do ar estava certo morerem
todos ou a mayor parte dos que ahy fj casem, determyney fa-
zer mynha viage e pasar por diante, pomdo o remédio nas
mãos de deus: e não quys em tão saber o numero da gente que
nesta náo hya,' porque não espantase e fizese mao sabor a to-
dos.» (Mss. de S. Lourenço. — Cart. de D. /. de Castro a el-
rei D. João ih, tom. v, foi. 103).
1 No fim do Regimento de Pilotos de 1655 vem as Estam-
pas e demarcações da Costa de Espanha, etc, pelo dr. Antó-
nio de Mariz Carneiro, cosmographo dos reinos de Portugal.
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21
ouuimos ires liros, mas não vimos nem soubemos
ao presente de que naao se lirárão.
De noite foi o venlo nornoroeste fresco; gouerna-
mos ao sudueste e quarta daloeste atee amanhecer.
Entre essas estampas encontra-se uma que representa o Tejo
e o Sado com suas sondas, a qual, por ser bojo raro o livro, nos
pareceu conveniente reproduzir. Faltando da navegação da
barra de Lisboa, em nota abreviada que serve de explicação
á estampa, o dr. Mariz diz o seguinte : «E querêdo êtrar ê
Lisboa pella carreira de S. Gião metereis a Igreja de Nossa
Senhora da Guia pella Igreja de Santa Marta, que he liua caza
que esta ao longo do mar, não à do meo senão outra, e ireis
para dentro, e como fores cm S. Gião metei a forteleza pello
eastello Dalmada, e desta maneira entrareis para dentro, dan-
do resguardo ao cachopo. E querendo entrar pella carreira de
Alcasere desmbrireis à Cidade e hua barreira de área, que se
chama Oejras pella ponta de S. Giãm, e como vos demorar
esta barreira ao Nordeste poreis a proa nella, e ireis entrando
para dentro, c **cndo maré chea achegai uos antes ao cachopo
com avizo da cabeça sequa, c o canal desta barra corre de
Nordeste á Sudueste, e se não virdes a Cidade, ou por noite,
ou com sarração vereis' a Igreja de Santa Catherina de Riba-
mar, c a Nordeste delia está o canal, e também vereis 2 mon-
tesinhos de terra redondos, que chamão as mamas, metâose
por entre cilas, e desta maneira se entra para dentro sem risco.
E querendo sal) ir da Cidade de Lisboa pella barra fora pella
carreira Dalcasere tanto que estiverdes com S. Giam, loguo
vereis da banda do Nordeste da fortaleza a barreira darea
branca que atras fiqua declarado, poreis a popa nella, e go-
uernai ao Sudoeste, e ireis sem temer. »
22
CAMINHO.
Domingo sete de Abril de 1538 atee o meo dia
foi o vento nornoroeste, e dahi por diante se fez norte,
ventando fresco atee anoitecer; gouernamos todo o dia
ao sudueste quarta daloesle: este dia pella menhãa
não vimos duas naaos da nossa companhia, o que a
todos pôs em muito cuidado, crendo que algum in-
fortúnio lhes era acontecido, e que esta fora a occa-
sião de se tirarem os tiros que ouuimos a noite pas-
sada, porque o lugar onde se tirarão era tal, que com
muita rezão se podião lançar estes e outros seme-
lhantes juízos.
De noite foi o vento norte muito fresco ; guouer-
namos ao sudueste quarta daloeste atee amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira oito dabril de 1538 todo o dia
ventou o vento norte galerno ; gouernamos ao su-
dueste, e ginauão pêra a quarta daloeste.
De noite toda a noite foi o vento norte fresco ;
gouernamos sempre ao sudueste.
23
CAMINHO.
Terça feira noue dabril de i 538 todo o dia ven-
tou o vento norte muito rijo; gouernamos ao su-
dueste, e ginavao pêra a quarta daloeste ; manoel
alvarez piloto da minha naao se espantaua muito de
Bernaldo pirez Piloto mor fazer tanto tempo o ca-
minho por esta quarta, e afirmaua que a Ilha da ma-
deira nos áíiia de ficar muito a balrravento 1 .
1 Estas duvidas sobre o verdadeiro rumo que á navegação
se devia dar, resultavam não só da imperfeição das agulhas de
marear geralmente usadas, mas ainda de uma notável circum-
staneia na construcçao de algtunas d'ellas. Guilherme Gilberto,
no seu tratado De Magneto, magneticisque corporibus, etc., pu-
blicado em Londres em 1600, diz no liv. iv, eap. xm, pag. 177,
o seguinte: cHinc in longis nauigationibus, prsésertim ad In-
dos orientales, Lusitanorum inartificiosa spectantur monumenta
deuiantes pyxidulae: Nam qui eorum scrípta legit, facilô intel-
liget, in plurimis illos errare, nec recto pyxidulae nautic» Lu-
sitanics (cuius lilium dimidio rumbi à ferramentis versus occi*
dentem inclinai) compositionem et usum in variatione capiendi
intelligere. Quare variationem pyxidis varijs in locis dum os-
tendunt, incertum est num meridionáli vero compasso, an alio
quovis cuius ferramenta i lilio disiuncta sunt, deuiationem
metiantur. Lusitani (ut in eorum scriptis patet) Lusitanicft
ntuntur pyxidulâ cuius ferramenta magnética, seposita sunt i
lilio versus orientem dimidio vnius rumbi. Magnae etiam dif-
ficultatis est observatio varíationis in mari ; propter motus
nauis et inelinationes incertas, vel peritioribus etiam, si per-
24
De noite atee amanhecer foi o vento norle mães
bonança; gouernamos toda a noite ao suduesle, e gi-
nauão pêra a quarta daloeste.
fectis vsi sunt instrumentis illis, adhuc notis, et vsitatis. Hinc
varias oriuntur sententiae de deuiationc magnética: veluti iuxta
Helenao insulam, Lusitanus Roderiges de Lagos, dimidium
rumbi mensurai. In diário náutico Bataui integru rumbumsta-
tuunt. Kendallus expertus Ànglus sextam tantum partem rumbi
admittit, cum vero compasso meridionali. Paululum versus
Eurum à capite das Agulhas Diego Alfonso nullam facit varia-
tionem et per Astrolabium indicat manerc pyxidem in vero
meridiano. Roderiges ostendit quod pyxis ad caput das Agulhas
directa est si pyxis compositionis sit Lusitanicae, vbi ferramenta
declinant dimidio rumbi versus Eurum. Eadem etiam estcon-
fusio, negligentia, et vanitas in alijs plurimis.» No Regimento
de Pilotas pela quinta vez [impresso em 1655, achamos o se-
guinte a fl. 22 v.: cOs Pilotos Portuguezes usão de duas agu-
lhas em suas navegações, hua com os ferros aos 2 terços de
quarta de nordestear, e desta he a de que ategora vsarão, e
ainda hoje vsão a qual agulha lhe não podia seruir, e mostrar
o verdadeiro caminho, senão pela Costa de Espanha de Norte
a Sul, e até a Ilha das Canárias, e Cabo Verde, e Costa de
Guiné de Norte Sul, até os bayxos de S. Anna, porque em
toda esta derrota se corre toda quasi Norte Sul, mas como se
apartão deste Meridiano, logo as agulhas ferradas aos dous
terços de quarta não seruem, por quanto fazem mais, ou me-
nos variação, e muy descompassada, e se nauega com ellas
com muito erro, e pouca certeza : e por tanto he necessário a
todo Piloto vsar em suas derrotas das Agulhas que tenhão os as-
seiros no Norte da Roza, como temos ensinado muy largamente
nos capitolos passados, e os Roteiros da índia.» Deixando de
parte o erro do Roteiro sobre a egual declinação da agulha no
23
CAMINHO.
Quarta feira dez de Abril de 1538 ás oito oras
de pella menbã vimos a Ilha do Porto saneio, a qual
nos demoraua ao sul; seriamos delia oito legoas.
mesmo meridiano terrestre, vemos pelo que fica citado, que ef-
fectivamente por muitos annos as agulhas de marear portu-
guesas tiveram o grave erro de construcção que lhe notou Gil-
berto. A viagem de D. João de Castro, a que o Roteiro se re-
fere, tinha por fim experimentar novos instrumentos náuticos,
• novos systemas para determinar a latitude, assim como ob-
servar os phenomenos naturaes que podessem ser úteis á na-
vegação; por isso os seus instrumentos eram dos mais perfei-
tos d'aquelle tempo, c as suas agulhas de marear marcavam
a verdadeira direcção, e não uma direcção falsa, como aquel-
las a que se referia Gilberto e o Regimento de Pilotos, acima
citado. No sen Roteiro do Mar Roxo diz elle, fali and o da agu-
lha de que usava em suas observações. • Porem nam podemos
culpar agulha, por onde fazemos nossos caminhos; pois he a
de que me tenho aproucitado na costa da índia, com a qual
puz em or.lem todas aqucllas prayas, e barras, que dentro del-
ias se contem, como se mostra pollos commentarios, que daquella
costa tenho feitos. Porque esta agulha achei, entre todas quan-
tas tenho visto, que fere iustamente nos verdadeiros pollos do
mundo.* (ítoteiro do Mar Roxo, pag. 28.) A direcção das cor-
rentes também levava o piloto mór a seguir aquelles rumos. A
corrente que segue a costa de Portugal, caminha para o SSE.
e SE., torneia o Cabo de S. Vicente e une-se ás aguas que cor-
rem para o estreito de Gibraltar. Ao sul do estreito estão os
navios sujeitos á influencia das correntes que se juntam para
26
DBSCRIÇlO DA ILHA DO PORTO SANCTO 1 .
De noite toda a noite foi o vento norte ; parte
delia gouernamos ao susueste e outra ao sueste, e
por esta maneira passamos por antre as ilhas do
porto sancto e a madeira e por fora da deserta.
CAMINHO.
Quinta feira onze dias dabril todo o dia foi o
yento noroeste fresco ; gouernamos ao susudueste.
De noite toda a noite foi o vento noroeste; gouer-
namos ao susudueste atee amanhecer.
formar a corrente equatorial. Perto da Madeira a direcção ge-
ral das correntes é SSE. o SE. No livro intitulado The West
coast of Africa recentemente publicado pelo Hydrographicoffice
dos Estados-Unidos lê-se : «As soon as the parallel of Cape St.
Vincefct is reached, allowance must be made lor the easterly
set loward the Straits of Gibraltar; and if the vessel is without
chronometers, it would be prudent to add 10 miles easting to
each day's work, in order to correct the probable effect of these
currents. » .
1 Falta a descripçao da ilha no Mss.
27
CAMINHO.
Sesta feira doze de abril todo o dia andamos em
*
calma sem as naaos gouernarem.
De noite todo o quarlo da prima foi o vento cal-
ma, mas á madorra e alua ventou como noroeste
bonança; gouernamos sempre ao susudueste.
CAMINHO.
Sabbado treze de abril, amanhecendo, vimos a
palma, que he hua das Ilhas das canareas', e logo
fiz prestes a lamina e estormento de sombras, de que
o muito excelente princepe o Iffanle dom Luis me
fez mercê 1 , com grande dèseio de verificar duas cou-
• * Humboldt attribue aos povos orientaes da Ásia o uso da
agulha magnética. Em remotíssimas eras os chinezes empre-
gavam agulhas nadando em agua, para se orientarem . nas
suas longas vaigens por terra. Só mais tarde foi a agulha ma-
gnética applicada á navegação ; e quando o seu emprego se
tornou geral em todo o Oceano Indico, e nas costas da Pérsia
e da Arábia, isto é: no século xn, foi ella introduzida na Eu-
ropa, não podendo dizer-se se foram os árabes ou os cruzados
que primeiro usaram d'ella no Mediterrâneo (Humboldt. Cos-
mos, tom. iv, pag. 58 e seguintes.) Guilherme Gilberto attri-
bue a Marco Paulo a introducção na Itália da agulha de ma-
rear. «Scientia náutica pyxidul» traducta videtur in Italiam,
28
sas: a primeira, se nesta Ilha variauam as agulhas,
ou não, por ser pratica de muitos pilotos que neste
lugar e merediano feria o norte de suas agulhas no
per Paulum Venetum, qui circa annam mcclx apud Chinas ar-
tem pyxidis didicit.» (Gilberto. De Magnete, etc, liv. i, pag.
4.) Esta asserção é evidentemente inexacta. Como prova de que
é anterior á viagem do Marco Paulo o uso do magnete na na-
vegação, cita-se uma trova de Gouyot de Provins, de 1180, na
qual se diz :
«Un art font qui mentir ne puet
Par vertu de la manelte,
Une picrre laide et brunettc,
Ou li fers volontiers se joint.»
Como se vê, esta indicação c vaga e confusa; c nada leva a
crer que n aquclle tempo se fizesse uso da agulha de marear,
propriamente dita; mas apenas se pode suppor que se empre-
gava a pedra magnética, provavelmente suspensa por um fio
ou boiando na agua, para indicar o norte. Não suecede porém
o mesmo a um trecho que se lô na Historia Damiatina de Ja-
copo di Vitry . Ahi falla-se claramente da agulha de marear, ar-
tificialmente obtida pelo contacto com o magnete natural, e
applicada á navegação, para indicar o norte. «Açus férrea, diz
Vitry, po>tquam adamantem contingerit, ad stcllam septem-
trionalem. . . axis lirmamenti. . . semper convertitur: unde
valde necessarius est navigantibus in mari.» (Yitrianus. Histo-
ria Damiatina, ap. Bongars, n, 110(3.) Esta informação refe-
re-sc ao anno de 1219. Nas leis das Partidas do meiado do sé-
culo xiii encontra-se uma referencia notável á agulha de ma-
rear, o que prova ser o seu uso vulgar em Hespanha naquello
tempo. Diz assim: «Et bien asi como los marineros se guiam
en la noche oscura por el aguja que le es medianera entre ia
estrella et la piedra, et les muestra por do vayan tambien en
29
verdadeiro polo do mundo; e a segunda, se era ver-
dadeira e punctual a regra que nos deu o doctor
Pcro nunez, pêra em toda a ora do dia em que fizer
los maios tiempos como en los buenos; otrosi los que han de
ayudar et de concejar ai Rey se deben siempre guiar por la
justicia. > (Part. 2, tit. 0, Icg. 28, tom. u, pag. 84 de la edi-
cion de la Academia.) Pela mesma época (1272) Raymundo de
Lulio escrevia na obra intitulada Contemplatione (cap. 129,
num. 19, e cap. 291, num. 17): «Sicut açus per naturam ver-
ti tur ad septentrionem dum sit tacta á magnete, ita etc. »: e
tQuia sicut açus náutica dirigit marinarios in sua navigatione,
ita discretio dirigit hominem in adquisilionc sapientiíe. » O pa-
dre Kirchcr no amplo tratado quo intitulou Magnes sive de arte
Magnética, c publicou cm Colónia em 1GW, affirma que a agu-
lha de marear nào foi trazida da China por Marco Paulo, nem
nos Annaes da China se encontram indícios de ser ali conhe-
cida a agulha em remotas eras. Diz o P. Kircher: «Preterea
non desunt, qui velint, cx China per Paul um Marcum Venc-
tum verticitatem Magnctis anno 1260 Europa? primum inno-
tuisse; at quamuis ego singular! diligentia rem exquisiuerim,
ex iis tamen, qui in China fuerunt, quique Annales Chinensium
optimé norunt, uihil de rei veritate certi cognoscere liquit. In
Gcographia tamen Arábica Yaticana, vti et Nubiana qux satis
antiqua? sunt, Magnctis in navigatione usitati haud obscura in-
dicia, vti et apud R. Salomonem Cretensem in Horis monstran-
disferream usurpatamlanceolam rcperio.»(Kircher. Magnes sive
de arte Magnética, liv. i, part. i, cap. in, pag. 28.) Mais adiante
(Idem, Idem, pag. 29) acrescenta, depois de se referir ás na-
ções que se attribuem a gloria da invenção da agulha: «Quid-
quid sit, grauiores Authores ítalo cuidam A malphitano Joanni
Goi&j vel, ut quidam volunt, girse inventionem adscribunt,
quibus et assentior ego.» Gilberto também, fallando de Gioja
30
sombra sabermos a leuaçao do polo ; com o qual es-
tromento fez as seguintes considerações, sendo todo
este dia o vento calma, que a naao não gouernaua.
d'AmalB, diz : iln regno Neapolitano Melphitani omnium primi
(uti ferunt)pyzidem instruebant nauticam : ulque Flavius Blon-
dus Melphitano8 haud perperam gloriari prodit, edocti á eive
quodam Johanne Goia, anno post natum Christum millesimo,
trecentesimo.» É evidente que a propriedade de uma agulha
ou lamina de (erro, magnetisada pelo iman, se dirigir para o
pólo, servindo assim á navegação, era conhecida antes de 1302,
época a que se attribue a Gioja a invenção de que a cidade de
Amlafí se gloria. Em que consistiu pois a invenção de que se
trata? Em substituir, ao que parece, á agulha sobrenadando
na agua, a agulha suspensa sobre um eixo perpendicular, em
que podesse livremente girar em posição horisontal. (Navar-
rete. Dissertacion sobre la Historia de la Náutica, pag, 66.)
Era conhecido o phenomeno da agulha se dirigir para o pólo
norte; mas não o era egualmente, que a agulha se desviava
d'essa direcção, nuns logares da terra para leste e n*outros
para oeste, havendo apenas alguns em que ella se dirigia
exactamente para o pólo % A declinação magnética não era co-
nhecida. Gilberto e Kircher attribuem a Sebastião Cabot o
conhecimento d'este phenomeno. cSebastianus Cabottus (diz
Gilberto, cit., liv. i, pag. 4), primus invenit quod magneticum
ferrum variaret. Gonzales Oviettus primus. scribit in sua his-
toria in meridiano Azorum ferrum non variare. • P. Kir-
cher (cit. pag. 30) diz o seguinte : cHinc Sébastianus Cabottus,
et Gonzalus Oviedus ambo Navarchi celeberrimi duarum prae-
clarissimarum observationum authores fuere, hic àvliziaç.
Magnética in meridiano Azorico, ille sTep3xaXu(39xXw;e:, seu
magnetis, variaB á polari linea deviationis.» A viagem de Ca-
bot, teve logar em 1497. celebre navegador partiu de Bris-
31
Primeira consideração antes do meo dia.
Estando o sol em altura de 57 grãos
ho estilo lançou a sombra 71 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
tol, em direcção ao noroeste, a demandar a America, a fim de
chegar por um novo caminho á cubicada terra onde nascem as
especiarias. Alguns escriptores suppõem que a primeira via-
gem de Sebastião Cabot teve lugar em 1494, e essa opinião é
corroborada por um mappa attribuido a Cabot, de que J. F.
Nicholls publicou o fac-simile no seu livro sobre a vida e des-
cobrimentos do illustre navegador {The remarkable life 9 adven-
tures and discoveries of Sebastiam Cabot. London, 1869). A
observação de declinação da agulha por Cabot, data pois de
1494, ou, mais seguramente, de 1497, época da viagem feita
por ordem do rei Henrique vn de Inglaterra. A primeira via-
gem de Christovão Colombo teve logar em 1492. Na sua der-
rota para oeste, a duzentas léguas do meridiano da ilha do
Ferro, Colombo observou uma. alteração na agulha, a qual,
em vez de apontar ao norte mostrava sensível declinação para
oeste. Este phenomeno tornou-se manifesto no dia 13 de se-
tembro de 1492, e causou grande pasmo no almirante, e muita
consternação nos pilotos e mareantes. (Navarrete, Historia de
la Náutica, pag. 114, e Coleccion de los viajes y descubrimien-
tos 9 tom. i, pag. 160.) Na narrativa da sua terceira viagem,
que aos reis de Hespanha fez Colombo, diz elle: «Cuando yo
navegue de Espana i las Índias fallo luego en pasando cien
léguas à Poniente de los Azores grandisimo mudamiento en
el cielo é en las estreitas, y en la temperancia dei aire, y en
las aguas de la mar, y en esto he tenido mucha diligencia en
32
Segunda consideração antes do meo dia.
Estando o sol em altura de 61 grãos
ho estilo lançou a sombra 64 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
Ia esperiencia. Fallo que de septentrion en Austro, pasando
las dicbas cien léguas de las dichas islãs, que luego en las
agujas de marear, que hasta entonces nordesteaban, norues-
tean una cu «ir ta de viento todo entcro, y esto es en ailegando
alli á aquella linca, como quien transpone una cuesla, asi
mismo fallo la mar toda llena de ycrba de una calidad que
parece ramitos de pino y muy cargada de fruta como lantisco,
etc.» (Select letters of Christopher Colombns. Works issucd hy
the Hakluyt Society, pag. 131.) Vô-se pois que Colombo des-
cobriu a variação da agulha antes de Cnbot. O phenomeno
chamou logo a allcnção não só dos navegantes mas dos philo-
sophos; e em breve adquiriu grande importância, porque se
julgou que a variação da agulha magnética tinha relação com
os meridianos terrestres, c que por ella poderia vir a deter-
minar- se a longitude, assim corno com o astrolábio se deter-
minava a latitude. Sebastião Cabot morreu com a convicção
de haver achado um methodo novo e infallivel de determinar
a longitude: o esse methodo, que elle não quiz revelar, não
podia ser outro senão a declinação da agulha. Determinar
a variação que a agulha apresentava nos diversos logares da
terra e sobretudo do mar, e achar onde era nulla e a agulha
apontava os verdadeiros pólos do mundo, coisas eram que
chamavam muito particularmente a atlenção dos navegado-
res c dos cosmographos. Segundo Cabot, esse meridiano sem
declinação caía a 110 milhas a oeste das Flores. N'um map-
33
Tomadas estas duas operações, mandey ao Piloto
que ao meo dia tomasse o sol, e eu, passandome á
pa-mundo que se acha na edição de Ptolomeu, publicada em
Roma em 1808, lê-se a seguinte inscripção entre a Terra Nova
e a Insula Bacalaurus: cHic compassus naviura non tenet nec
naves quae ferrum tenent revertere valent». Sobre este assum-
pto diz Pedro Nunes na obra já citada: t Acerca do nordestear
e norocstear das agulhas tenho por certo que ellas nam de-
mandam ho polo: porque nam vi agulha que nesta terra não
nordestease: na quantidade do nordestear posto que os pilo-
tos ho afirmao muito não lhes dou credito: porque bus dizem
que nordestea muito; e outros que pouco: em hus mesmos
lugares. Bem pode ser que huas façam mais deferença que as
outras: mas elles nam podem saber a verdade disto: pela arte
que dizem: que pêra isto tem: a qual he bornearem com a
vista a agulha com a estrela: porque alem da estrela andar
lio mais do tempo fora do meridiano: no bornear cabe muito
engano: d não se pode isto verificar bem por estrela se não
pelo sol. * Indicada a difficuldade e incerteza das observações,
pelo melhodo comummente usado, o dr. Pedro Nunes des-
creve o instrumento que inventou para fazer mais exactas
observações da variação da agulha de dia, e em qualquer lo-
gar da terra. É o seguinte: «Poder ião os pilotos lcuar hum
circulo de pau ou metal: com hum estilo perpendicular no
centro: e a roda do circulo graduado como astrolábio: e so-
bre hum ponto do diâmetro fora do centro: em que esta o es-
tilo se fará hum circulo pouco mayor que ha rosa da agulha:
o qual se cauara nelle se meter e andar liure como conuem
e pendurarsea este estromento: per cordeys ou per outra arte:
que se pode dar; pêra ficar ao livel. E querendo saber no
mar quanto a agulha nordestea: tomaremos o sol no astrolá-
bio : e veremos logo no mesmo tempo per qntos grãos se aparta
a sombra do estilo pela roda do estromento do diâmetro : tendo
3
34
poma pêra vereficar a leuação do polo deste dia,
obrei nesta maneira.
Primeiramente * no orizonte graduado da poma
asentei a variação que fez a sombra do estilo dês a
primeira altura até á segunda, a qual variação foi
sete grãos, e logo do principio destes sete grãos iá
postos no orizonte asentei a primeira altura; e foi
cinquoenta e sete grãos per hum merediano gra-
nelle ho ferro da agulha justo: e teremos isto em lêbrança : e
o astrolábio guardaremos assi: sem tirar ho mediclinio donde
esta; até que despojs do meyo dia nos torne ho sol a entrar
pelos buracos: q he a mesma altura do sol pontualmente: e
por isso guardaremos assi ho astrolábio: porq soo meo grau
daltura faz muita deferença no correr da sombra pela roda do
estromento em alguas oras do dia: e veremos então per qntos
grãos se aparta a sombra do estilo do diâmetro: porque se as
distancias forem iguaes: saberemos q a agulha vay justa ao
polo: e se forem desiguaes: nord esteara ou noresleara pela
metade da deferença das duas distancias: conuem a saber se
antes do meyo dia auia doze graus: e despois vinte a defe-
rença he oylo: e ho meyo quatro: estes quatro grãos sam os
que nordestea ou norestea: porque ho meyo dia foy nos des-
aseys; e não se pode isto alcançar no mar: verificando quamdo
he meyo dia pela mayor altura porq per ella não se sabe quan-
do he: e a experiência nos amostra que esta ho sol tempo no-
tauel em que nos estrolabios que todos sam pequenos: não
sentimos deferença na altura: e pelo orizonte sentimdo crara-
mente andar. • Esta era a lamina e instrumento de sombras
que o infante D. Luiz deu a D. João de Castro, para fazer as
observações de que falia o Roteiro.
1 Altura a toda a hora do dia. Nota do auctor.
38
duado acima, e no lugar onde se acabou o numero
destes 57 grãos pus hum ponto; e tornando a pas-
sar o mesmo merediano na outra extremidade da
variação da sombra que assentey no orizonte, contey
pello merediano acima a segunda altura, que foy 61
grãos ;, e no lugar onde se acabarão pus outro ponto :
feito isto, oulhei a declinação de 90, e tomando o
que ficaua, que era 77 grãos £, com hum compaso
curuo, pondo hua ponta do compaso no ponto onde
se acabou a primeira altura, fiz com outra ponta hua
porção de circulo, e tornando a mesma ponta do
compaso ao segundo ponto onde se acabou a se-
gunda altura, fiz outra porção de circulo, que em
termos de giometria se chama de cusação, e onde
se estas duas porções encontrarão pus hum ponto,
o qual ponto trazendo ao merediano graduado, achei
que se apartaua do orizonte 29 grãos ~, que era a
leuação do polo do lugar onde me achaua 1 ; e logo
1 Os methodos de determinar a latitude e longitude d<? lo-
gar em que o navio se encontrava, eram, nos séculos xv exvi,
buscados com ardor, não só pelos que de navegação se occupa-
vam, senão d'aquelles que se davam ao estudo das mathema-
ticas. Principalmente em Portugal e na Hespanha eram os as-
sumptos que se referem á navegação estudados com affinco,
sob os auspicios e immediata protecção dos monarchas e prín-
cipes. Como diz Azurara {Chronica de Guiné, cap. iv, pag. 20)
a casa do infante D. Henrique «foehfiu geeral acolhimento de
lodollos boõs do reyno, e muyto mais dos estrangeiros, cuja
3«
36
mandei esta altura ao Piloto em hum escrito çarrado,
pêra que depois que elle tomasse o sol ao meo dia
víssemos juntamente ambos sem sospeita podermos
grande fama fasia acrescentar muyto em suas despesas; ca co-
munalmente se achavam em sua presença desvairadas naçoões
de gentes tam afastadas de nosso huso, que casy todos o avyam
por maravilha». O paço do infante em Sagres era «uma es-
cola de estudos e applicações mathematicas, e hum Seminário
de Geographos, de. Astrónomos, e de Náuticos, que davão luz
aquelles tempos». (Memorias Históricas sobre alguns mathema-
ticos, etc., por António Ribeiro dos Santos. Memorias de litte-
ratura portugueza, tom. vin, pag. 155.) Em 1431 o infante D.
Henrique fez doação á universidade, então estabelecida em Lis-
boa, de umas casas para ahi se lerem as sciencias que então
eram approvadas. Destinou o infante as casas para a lição das
artes liberaes que eram sete: grammatica, lógica, rhelorica,
arithmetica, musica, geometria e astrologia (Historia dos Es-
tabelecimentos scientificos, etc, por José Silvestre Ribeiro, tom.
i, pag. 444). Por este tempo já eram de uso geral na navega-
ção, a agulha e a carta de marear, pois que o infante, que-
rendo mandar Gil Eannes em 1433 a descobrir terras além
do cabo Bojador, dizia-lhe: cem verdade eu me maravilho,
qua maginaçom foe aquesta que todos tilhaaes, de hfia cousa
de tam pequena certidom, ca se ainda estas cousas que se di-
zem tevessem algua autoridade, por pouca que fosse, nom vos
darya tamanha culpa, mas queroesme dizer que por openyom
de quatro mareantes, os quaaes como som tirados da carreira
de Frandes, ou de alguus outros portos pêra que comuu mente
navegam, nom sabem mais teer agulha nem carta pêra marear,
etc. (Chronica de Guiné, cap. ix, pag. 57.) Apesar porém da
agulha de marear ser usada geralmente pelos navegautes era
comtudo certo que estes não ousavam senão difficilmente afãs-
37
detreminar quanto discrepaua a minha, tomada pella
menhã, da sua, tomada ao meo dia: ora, acabado o
Piloto de tomar sua altura, veome dizer que estaua-
tar-se das costas, e engolfar-se no oceano. A viagem de João
de Bethencourt, partindo da Rochella em 1402 em busca das
Canárias, mostra bem qual era o modo de navegar d'aquella
época. Partiu Bethencourt cavecques três bon nauire, et suf-
fisamment garny de gens et de vi trai lies, et de toutes les cho-
ses qui leur estoient necessaires pour leur voiage. Etdevoient
tenir le cherain de Belle Isle, mais au passer de Filie de Ré,
ils curent vent contnirc, et addresserent leur voye en Es-
paigne, et arriuerent au port de Yiuieres (Vi vero) • . . . «Adonc
se parti de lá led. Bethencourt, auecques lui mess e Gadif-
fer de h Salle, et autres gentilz homes, et vindrent à la Cou-
longne (Corunha)». . . cEt mons. r de Bethencourt et sa com-
pagnie prindrent leur chemin, et quant ils eurent doublé le
cap de Finiterre, ils suiuirent la cotiere de Portugal iusques
au cap de Saint Yicent, puis reployerent, et tindrent le che-
min de Siuille, et arriuerent au port de Calis (Cadix)». . .
c Et a prés se partirentdu port de Calyx, et se myrenten haute
mer, et furènt trois iours en bonnasse, sans aduancer leur che-
min se pou non, et puis s'addressa le temps, et furent en chincq
iours au port de 1'isle Gracieuse». (Le Canarien, etc. publié
d'après le manuscrit original, par Gabriel Gravier. Rouen,
1874, pag. 5, 7 e 9.) Doutras navegações falia Navarrete na
sua Historia da Navegação, taes como a do conde de Buelna,
D. Pedro Nino de Cartagena, para Sevilha em 1403 csin em-
bargo de que ya usaba de la aguja y cartas náuticas» e a dos
embaixadores de Henrique iu de Castella ao Gran Tamerlão,
nas quaes se seguiram timidamente as costas, sem nunca del-
ias se afastarem. [Disertacion sobre la Historia de la Navega-
cion de Navarrete, pag. 71.) As cartas de marear eram tam-
38
mos em altura de 29 grãos g, e em continente abrío
o escrito e vio a minha, de que ficou muito espan-
tado.
Tendo por esta maneira vereficado a altura do
bem usadas n'este tempo, ainda que fosse grande a sua im-
perfeição, por nao estarem determinadas convenientemente as
posições geographicas dos logares n'e)las marcados. Depois do
que acerca da invenção das cartas de marear, attribuida por al-
guns escri piores ao infante D. Henrique, escreveu na sua im-
portante obra mr. R. Henry Major, e do que anteriormente
escrevera Navarrete (Major. The life of Prince Henry, pag.
53 e seguintes: Navarrete, ob. cit., pag. 85 e sog.), não pode
ficar duvida de que nao é do illustre príncipe essa invenção.
Diz Barros, fallando da industria e prudência que o infante
teve nos descobrimentos t pêra este descubrimento mandou vir
da Ilha de Malhorca hum Mestre Jacome, homem mui docto
na arte de navegar, que fasia cartas, e instrumentos, o qual
lhe custou muito pelo trazer a este Reyno pêra ensinar sua
sciencia aos officiaes Portuguczes daquelle mester. » Vê-se pois
que a arte de traçar cartas de marear estava já mui lo adian-
tada em Malhorca, e se praticava em Portugal antes das ex-
pedições mandadas pelo infante a descobrir a costa d 'Africa.
O infante t mandou acrecentar na carta de marear» os novos
descobrimentos, diz Azurara; e ajunta: *E he de saber que
o que se sabya em certo da costa do mar grande eram vj* lé-
guas, e som acresentadas sobre ellas estas iiij e L; e o que se
mostrava no mapamundy, quanto ao doesta costa, nom era
verdade, ca o nom pintavam senon a aventura; mas esto que
agora he posto nas cartas, foe cousa vista por olho, segundo
ja tendes ouvido.» Este foi o aperfeiçoamento que o infante
fez nas cartas de marear. Já no século xni Raymundo Lul-
lio tratando da arte de navegar diz « Videmos marinados se
39
sol a toda a ora, esperei que depois de meo dia tor-
nasse o sol ás duas alturas em que o tomei pela
menhãa, pêra me certificar do que fazião as agulhas
no merediano destas ilhas, e passou desta maneira.
dirigere per slellam polarem. • (Lullio De contemplatione, cap.
117, num. 13) e n'outra obra falia claramente da carta, do
compasso, da agulha, da estrella do mar (Navarrete, ob. cit.,
pag. 70). As necessidades da navegação crescendo cada dia
coro a extensão dos novos descobrimentos, tornavam cada vez
mais necessário determinar no alto mar o ponto em que se en-
contravam os navegantes, para poderem com menos risco di-
rigir a sua derrota. A esto respeito diz Barros (Dec. i, liv. iv,
cap. n). «Poro depois que elles (os mareantes) quizeram na-
vegar o descoberto, perdendo a vista da costa, e engolfando -se
no pego do mar, conheceram quantos enganos recebiam na es-
timativa e juizo das sangraduras, que segundo seu modo em
vinte e quatro horas davam de caminho ao navio, assi por ra-
zão das correntes, como d'outros segredos, que o mar tem, da
qual verdade de caminho a altura he mui certo mostrador, u
Era preciso determinar a altura ou latitude no mar, e care-
ciam-se para isso de instrumentos fáceis de manusear, e de
taboas de declinação do sol. Regiomontano, guiado pelos es-
criptos de Ptolomeu e querendo aperfeiçoar as observações as-
tronómicas, construiu um Meteoroskopio semelhante ao de que
usara o astrónomo de Alexandria. Da forma e uso do seu Me-
teoroskopio falia Regiomontano n'uma epistola dirigida ao car-
deal Bessarião, patriarcha de Gonslantinopola, a qual se lé no
fim da edição de 1833 da Introductio geographica de Ped.
Apiano. Regiomontano aperfeiçoou também o astrolábio, con-
struindo-o de metal, de modo a poder suspender-se e conser-
var a posição vertical. Na bibliotneca da cidade de Nuremberg
existem astrolábios da própria oflicina de Regiomontano. Na
40
Primeira consideração depois do meo dia.
Estando o sol em altura de 61 grãos ^
ho estilo lançou a sombra . 53 grãos
contando do norte pêra a banda de leste:
memoria sobre Martin Behain(Marlim de Bohemía dos escri-
ptores portuguezes) pelo dr. F. W. Ghillany, encontra-se a
pag. 40, copia d'um d'esses curiosos astrolábios datado de
1468. Raymundo Lullio já nos fins do século xin, descreve
na sua arte de navegar um instrumento (astrolábio) com o
qual se podia no mar alto determinar as horas da noite ob-
servando as estrellas. Quando Vasco da Gama dobrou o cabo
de Boa Esperança encontrou naus de árabes em que havia
agulhas de marear a que o auctor do Roteiro {Rot. da Viag. de
Vasco da Gama, pag. 28) chama genoiscas (genovezas) e qua-
drantes e cartas de marear. A verdade porém é que o astrolá-
bio construído por forma que nas observações dos navegantes
se podesse usar é devido ao zelo com que D. João n promoveu
os progressos da navegação. Este príncipe, para alcançar a
simplificação ou invenção de instrumentos e methodos desti-
nados ás observações cosmographicas, formou um conselho ou
sociedade de sábios, entre os quaes se encontravam o bispo de
Ceuta Diogo Ortiz, o bispo de Viseu Calçadilha, os médicos
José e Rodrigo, e Martin Bebain, estrangeiro celebre, natu-
ral de Nuremberg, que conhecia os trabalhos scientificos e os
novos instrumentos de Regiomontano, de quem, ao que pa-
rece, fora discípulo. Foram Martin Behain e os dois médicos
d'el-rei, José e Rodrigo, os encarregados de construir um as-
trolábio para os navegadores. Martim Behain, como discípulo
de Regiomontano, e conhecedor do astrolábio de metal por este
41
foi logo b arquo dante o meo dia maior que o de
depois de meo dia per esta operação i i grãos, os
quaes partidos pello meo, ficâo 5 grãos i, que he a
quantidade que neste lugar a agulha nordestea.
inventado, mais do que os outros dois contribuiu para facili-
tar e tornar commum o emprego do astrolábio para determi-
nar a latitude no mar. Barros diz acerca do astrolábio o se-
guinte: «E porque em este Reyno de Portugal se achou o pri-
meiro delle em a navegação nâo será estranho deste logar di-
zermos quando, e per quem foi achado. . .1 cem tempo dei-
Rey D. João o Segundo foi por elle encomendado este negocio
a Mestre Rodrigo, e a Mestre Josepe Judeo, ambos seus mé-
dicos, e a um Martim de Boémia natural daquellas partes, o
qual se gloreava ser discípulo de Joanne de Monte Régio, af-
famado Astrónomo entre os professores d 'esta sciencia, os quaes
acharam esta maneira de navegar per altura do Sol, de que
fizeram suas taboadas pêra declinação delle, como se ora usa
entre os navegantes, já mais apuradamenle do que começou,
em que serviam estes grandes astrolábios de paoo (Barros, dec.
1, liv. ív, cap. u). E fallando da viagem de Vasco da Gama no
mesmo capitulo citado. Barros diz: cE a primeira terra que
tomou, antes de chegar ao Cabo de Boa Esperança, foi a haia,
a que ora chamam de Sancta Helena, havendo cinco mezes que
era partido de Lisboa, onde sahio em terra por fazer aguada,
e assi tomar a altura do sol ; porque como do uso do astrolábio,
pêra aquelle mister da navegação, havia pouca tempo que os ma-
reantes deste Reyno se aproveitavam, e os navios eram peque-
nos, nâo confiava muito de a tomar dentro nelles por causa
do seu arfar. Principalmente com um astrolábio de páo de três
palmos de diâmetro, o qual armavam em três páos á maneira
de cábrea por melhor segurar a linha Solar, e mais verificada
e destinctamente poderem saber a verdadeira altura d'aquelle
42
Segunda consideração depois do meo dia.
Estando o sol em altura de 57 grãos
ho estilo lançou a sombra 60 grãos
contando do norte pêra leste :
lugar; posto que levassem outros de latão mais pequenos^ tão
rusticamente começou esta arte, que tanto fruoto tem dado ao
navegar.i Em 1473 appareceram em Nuremberg as famosas
ephemerides de Regiomontano, muito procuradas pelos nave-
gadores, e onde se encontrava calculado o logar do sol c dos
outros corpos celestes do anno da 1474 até 1506. Para a de-
terminação da altura do sol pelo astrolábio e uso das taboas
de declinação, era preciso fazer a observarão com o astrolábio
ao meio dia exacto; e era fácil prever os contratempos que cada
dia podiam surgir, e tornar dilUcil senão impossível a obser-
vação; além da difficuldade de determinar a máxima altura
do sol sobre o borisonte, pela difficuldade de ter a hora verda-
deira. Sobre isto diz o dr. Pedro Nunes no seu tratado já ante-
riormente citado (Tratado que o Dr. Pêro Nunez, cosmographo
del-Rei nos. sr. fez em defemam da carta etc): «Porque a cousa
mais necessária e mais proueilosa pâ a nauegação: e o prin-
cipal fundamêto delia: he o conhecimento da altura do polo
sobre o horizonte: ou distancia do circulo equinosial que he
o mesmo: e os antigos autores não nos deixarão escripto como
se isto podese alcançar somente ao meo dia que he conta muy
certa e sem falência: mas que não basta principalmente pêra
as viagês compridas: nas qes muitas vezes acõtece encobrir se
o sol ao meo dia: e dahi a poucas oras amostrarsenos muito
craro. Deterrainey eu despoys de ter e3tudado nas sciencias
mathematicas e cosmographia : inquerir modo p que podese-
43
foi logo nesta operação o arco de depois de meo dia
i i grãos, os quaes partidos pello meo, virão á parte
5 grãos £, que he a quantidade que neste lugar a
agulha nordestea.
mos em todo lêpo que ouuer sol : assi no mar como na terra :
saber em que altura do polo estamos: e medi ate a diuina bõ-
dade per muy fasiles princípios o alcancey. E vindo ao serviço
do muito escrarecido e muito excelête príncipe o Infante Dõ
Anrique: pêra o instruir nas sciencias mathematicas: lhe fiz
disso figura e demonstração em plano. E despois no anno de
1833 em Euora: dey a el Rey nosso senhor o regimento escri-
pto em hfia folha de papel : e per ante sua alteza tomey a al-
tura do polo da dita cidade ja tarde: pouco têpo antes do sol
posto: e achey q era 38 grãos e quasi ha terço.» Eis como Pe-
dro Nunes descreve os instrumentos e modo de observação.
•E porque nenhQa cousa se pode alcançar em Astrologia e cos-
mographia: se não prosupondo a noticia doutras cousas ja sa-
bidas que se tomão por fundamento: as quaes se ainda qui-
seseinos resoluer nos princípios donde nacerão: necessaria-
mente j riamos parar em ostromenlos. Por tanto se queremos
saber a altura do pollo assi no mar como na terra: em todo
tempo que ouuer sol: necessário nos será fazer outro tanto.
E porq não vejo cousa que no mar possamos leuar : que sendo
indiferente a todalas alturas do polo: nos possamos delia mais
aproueitar cj da agulha q representa ho horizõte em toda parte :
e estrolabio e globo que representa o vniuerso e ho regimento
da declinação do sol que he comu a todallas as alturas. Por
tanto ajudandome destas cousas per fundamento juntamente cô
a demonstração mathematica darey dous modos p que a al-
tura do polo se poàsa alcançar. E será o primeiro prés u podo
que a agulha vay justa ao polo sem nordestear nê norestear.
Mas o segundo será ajudãdome toda via da agulha se estamos
44
NOTAÇÃO.
Quando fiz estas operações, estaua sete ou oito
legoas da ilha da palma pêra o norte, e andauamos
no mar. E isto quer ella nordestee quer norestee: e posto que
não saibamos se faz mudança: ou se lia non faz q he não ter
meridiano: antes p esta arte que darey poderemos saber se
nordestea quer norestea: e per quãtos grãos se aparta do ver-
dadeiro meridiano. Pêra as quaes cousas teremos hua lamina
circular de algua matéria solida e de conforme grossura q com
ho tempo nã faça mudança: e será boa de latão como sam as
do estrolabio assi planas: mas mais grossas graduaremos o cir-
culo em 360 partes e lançarlheemos sous diâmetros q ho re-
partão em quartas: e no centro poremos lul estilo perpêdi-
cular sobre a mesma lamina pa nos amostrar pêra q parte vão
as sombras: e em qualquer dos semidiametros em igual dis-
tãcia do centro e da circuferencia: faremos sobre hu põto hu
pequeno circulo que se cauara quanto baste: pêra que em-
baixo em outro centro q responde ao de cima : sobre q se fez
o peqêno circulo q se cauou possa andar liuremente bua agu-
lha como a dos relógios acustumados e pela mesma arte será
feito este peqêno circulo e acabado com seu espelho encima:
mas a agulha será mais comprida e mais sotil e per baixo
delia jra a linha q responde ao diâmetro do circulo grade que
se graduou: per modo que delle não discrepe cousa algua: e
porque nos ha de ser necessário enderençar esta agulha sobre
a dita linha justamente: pêra maisjustificaçani poremos dous
potos pretos nas paredes desta caixa da agulha cm dereito do
seu diâmetro pêra que tendo endereçado a agulha a estes põ-
tos saibamos de certo que esta dereita com os diâmetros do
circulo peqêno e do grade q ambos vã per dereito. Nas cos-
45
em calma; a naao bollia muito pouco, de sorte que
não fazia perjuizo ao tomar da sombra do estillo.
A noite de sabbado todo o quarto da prima e
modorra foy o vento calma, que a naao não gouer-
tas desta lamina defronte do centro encastoaremos hum pião
grande e pesado laurado a torno : pêra que metendo a dita la-
mina nas balanças e caxa da agulha acostumada: fique soju-
gada por causa do peso e não saya do ouliuel : e as balãças se-
ram torneadas e de eyxos dobrados e muy liures: e se sem
embargo de ho assi fazermos: acharmos que a lamina não fica
ao ouliuel acrecentarlheemos pella parte de dentro algum peso
onde com prir para que finalmente nos fique perfeitamente ou-
liuelada: porque nam sendo assi não nos serue. E por tanto
se parecer milhor que esta lamina se pendure per algua arte
que fique dereita he a mesma tenção: posto qtre a que se fez
pêra sua Alteza de Marfil : com as balanças torneadas e de ey-
xos dobrados: era tain prima que nenhua cousa discrepava
tendo mais de hum palmo de diâmetro. Teremos mais hum
globo perfeitamente redondo e de tal grandeza que os grãos
sejam manifestos e quanto mayor tanto milhor/ Nã he neces-
sário auer nelle mais que hu circulo grade graduado que re-
presentara ho horÍ2õte: e outro que represente ao meridiano:
terá seus eyxos nos poios do horizonte: e auera hum meri-
diano de latão: dentro do qual terá o globo mouimento sobre
os poios do horizõte. E porque ho vso destes estromêtos he
pêra situarmos ho sol neste globo em respeito de nosso zenit
como elle esta no ceo: ao têpo que queremos tomar a altura
do polo: faremos isto per esta arte. Poremos ho estromento da
agulha ao sol: e andaremos com ella ate que a agulha fique
dereita com os pontos que estam sobre ho seu diâmetro : e no-
taremos por quãtos grãos se aparta a sombra da linha do meyo
dia: e pello estrolabio saberemos per quantos grãos esta o sol
46
naua, mas no quarto da lua começou a ventar o vento
como noroeste bonança ; gouernauamos ao sul quarta
do sudueste.
alçado sobre ho horizonte. Tomaremos entam bo globo que
não he necessário que seja ao sol: e contaremos pello hori-
zonte: começando do encontro do meridiano os grãos da som-
bra: e moueremos ho globo ate pormos ho fim da conta no
meridiano sobre que se faz ho movimento pello qual meri-
diano assi situado começado do encdtro do horizonte q he o
põto onde acabou a cota dos grãos da sombra: cotaremos os
grãos da altura do sol q achamos no estrolabio e no fim pore-
mos põto : o ql representara o sol : e assi ficara situado ê res-
peito de nosso zenit no globo como no ceo. C querêdo saber
qnta seja a altura do polo pa mais craramct geedermos: po-
rey todalas cõtingencias: e será a primeira estado o sol na
banda do norte que he ter declinação setentrional: e nos ru-
mos do sul e seguirseham as outras. Esta ho sol nos rumos da
bãda do sul: seguese pello septimo documento (corollario de
princípios geométricos que o auetor anteriormente estabele-
ceu) que estamos anlre ho sol e o polo do norte: tomaremos
com o compaso lio que ha do sol ao polo: que he o que fica
de nouêta: tirando a declinação : e tèdo situado ho sol no globo
pello modo sobredito: farei circulo sobre o ponto do sol : pêra
a parte onde o angulo que se faz no zenit he obtuso: a qual
he pêra ho norte : e o põto onde cortar ao meridiano do globo :
será ho lugar do polo: o tirando este arco que ha cnlre o ze-
nit e ho polo de nouenta: ficara a altura sobre ho horizonte.»
Este é o roethodo proposto por Pedro Nunes, e que D. João
de Castro fora encarregado de experimentar.
47
CAMINHO
Domingo i 4 *, amanhecendo, éramos antre as ilhas
da palma e gomeira; o vento era de todo calma, que
a naao não gouernaua: oras de meo dia tomei o sol,
e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 74
grãos j, pello que parece estarmos em 28 grãos i; a
este tempo estauamos no meo do canal que se faz
antre estas ilhas da palma e gomeira: a oras de bes-
pora começou a ventar o vento como oesnoroeste bo-
nança; gouernamos ao sul quarta do soduSste até
anoitecer.
NOTAÇÃO
Oulhando com muita deligcncia o sitio destas
ilhas, do que os antigos fizerão tamanhas memorias,
tendo a agulha diante, vi que, estando no meo deste
canal em altura de 28 grãos £, o meo da palma com
o meo da gomeira se corria noroeste sueste; e logo
lançando os olhos á ponta de tanarife que está da
banda do norte, demorauame dereitamente em les-
te, e pêra loeste não hia terra nenhua; mas viran-
dome ao sudueste quarta do sul via o meo da ilha
do ferro, poderia haver na rota 15 legoas; estaua
Oposição oras ii menu tos 23. Nota do auctor.
48
maes a ponta da gomeira, que está da parte do norte,
com a ponta de Tanarife, que está da banda do sul,
lessueste e oesnoroeste; e quando quer que estas
pontas se correrem desta maneira, o piquo de tana-
rife nos demorará a leste.
Correlario.
Destas cousas se segue estarem estas ilhas mal
situadas nas cartas, assi em altura como nas rotas,
o que facilmente alcançarão os coriosos, se quiserem
conferir o que lenho ditto com o que se acha nas
cartas ! .
1 As cartas usadas na primeira metade do xvi século, c mes-
mo posteriormente eram muito inexactas. Não só na determi-
nação da longitude mas ainda na da latitude, os observadores
careciam de methodos e instrumentos para alcançarem sufli-
ciente exactidão. Se compararmos com as cartas modernas,
as cartas, de Jaques de Vaulx de 1533, de Jean Martines de
1567, de Guillaume Levasser de 1601, e de Joan Dupont de
Diuppe de 1625, que se encontram no Atlas do visconde de
Santarém, assim como a carta de Africa do Atlas de Vaz Dou-
rado, conservada no Archivo Nacional, e a de António San-
ches de 1623, publicada pelo conde do Lavradio, reconhece-
remos a verdade da observação de D. João de Castro. O que,
porém, merece especial attenção é o Portulano do piloto por-
tuguez Francisco Rodrigues, traçado entre os annos de 1524-
1530 e também publicado no Atlas do visconde de Santarém;
porque ali se encontram os conhecimentos que da costa de
Africa e ilhas adjacentes tinham os navegadores do tempo de
D. João de Castro.
49
DESCRIPÇÃO DAS ILHAS DAS CANAREAS.
Chamamos Canareas a huas ilhas postas no mar
atlântico em altura de 26 grãos àtee 28 grãos 1 ; cor-
rensse as quatro delias mães chegadas a terra les-
nordeste e oessudueste, e as três mães ao mar iazem
em triangulo; a mães próxima a terra apartarse ha
do cabo de são Vicente, em outro tempo chamado
sacro promontório, obra de 160 legoas, e esta se
chama oje lançarote, e a mais do mar dista do
mesmo promontório per espaço de 240 legoas, e per
ilha do ferro oie este dia dos mareantes e peregri-
nos he conhecida. A estas ilhas antigamente chama-
rão bemauenturadas e morada dos Deoses, como
parece em Ptolomeo, Plinio, Pomponio mella e ou-
tros grauissimos autores, mas todos elles escre-
uérão mui confusamente ho sitio, confrontação e al-
tura delias*. Esta foy a terra mães Occidental que
1 27° 39' a 29° 3C lat. Nota do auctor. m
2 Com razão diz D. João de Castro que os auctores antigos
pouco sabiam acerca das Canárias. A estas ilhas chamavam
elles as Afortunadas, e por muito tempo as tiveram como a
mansão dos bemaventurados, sem bem saberem onde estavam
situadas. Da incerteza que nisto havia entre os antigos temos
uma prova no modo porque Plinio falia das ilhas do mar Atlân-
tico (Gorgonas, Hesperidas, Purpurarias etc): Adeoque çmnia
circa haec incerta sunt, ut Statius Sebosus a Gorgonun insu-
i
50
chegou á noticia dos antigos, e por ella lançou Pto-
lomeo o meridiano a que chama vero, do que me
lis praenavigatione Atlantis dierum XL ad Hispertdum insulas
cur&um prodiderit, ab tis ad Hesperu ceras unius. Nec Mauri*
taniw insularum certior fama est. Pancas modo constai esse ex
adverso Autololum, a Juba repertas in quibus Getulicam pur-
puram tingere institutrat. (Hist. Nat. de Plínio, tora. i, liv. ti,
cap. 36, pag. 348 da ediç. de Paris. 1741.) Para os escri pio-
res gregos e romanos as Afortunadas não eram um paiz conhe-
cido, onde se podia ir, mas apenas um paiz mystico, que en-
trava no seu systema theologico, e onde ninguém tinha ainda
chegado. (Mem. de Costa de Macedo: Em que se pertende provar
que os Árabes não conheceram as Canárias antes dos portugue-
zes. Mem. da Acad. das Scienc. de Lisboa. 2.* ser. vol. i, par.
2.* pag. 37 e seguintes.) primeiro conhecimento positivo
das Afortunadas foi devido a Juba, que as mandou explorar.
Juba de Fortunatis ita inquisivit, diz Plínio (Hist. Nat. liv. vi,
cap. 37, pag. 348.) Que os árabes não conheceram as Caná-
rias senão pelo que d'ellas diziam os auctores antigos, parece*
nos cabalmente provado na Memoria de Costa de Macedo, acima
citada. Se a viagem dos Maghrurinos, que Edrisi conta que
partiram de Lisboa para saberem o que continha o Oceano,
existiu, o que parece fora de duvida 6 que não foram às Ca-
nárias. Ponderando as particularidades da viagem, Costa de
Macedo põe em duvida, ou antes nega, que ella existisse. Mr.
d'Avezac ó de uma opinião contraria. Edrisi conta que uns
certos Maghrurinos, todos parentes, equiparam um navio em
Lisboa, e partiram com vento leste, navegando assim por
onze dias. Encontrando um mar, encapellado, cheio de reci-
fes e de monstros, mal alumiado do sol e exhalando um cheiro
fétido, mudaram de rumo e caminharam para o sul, até que,
ao cabo de doze dias, deram com uma ilha a que chamaram
dos Carneiros, pelos muitos que ali havia, mas cuja carne por
51
parece que naceo o engano de alguns Pilotos cui-
darem que na parajem destas ilhas não varião as
agulhas cousa algua 1 ; e posto que seja cousa com-
mum a todos serem estas ilhas das Canareas as bem-
auenturadas, o meu parecer he que Ptolomeo sen-
tio outra cousa, e chamou bemauenturadas as seis
ilhas do cabo verde, que estão mães orientaes de to-
das : a rezao disto he que pôs seis ilhas bemauentu-
radas, que he o numero destas que vio, e na leua-
amarga não se podia comer. Navegaram mais doze dias com
vento sul e abordaram a uma ilha povoada, e cultivada. Ahi
foram feitos prisioneiros e levados a uma cidade á beira mar.
Da prisão foram os Maghrurinos mettidos numa barca, com
os olhos vendados; e depois de três dias de viagem lançados
n'uraa terra de Berberes, d'onde voltaram a Lisboa. Acerca
d'esta viagem diz mr. d'Avezac: que onze dias para oeste de
Lisboa, e d 'ali doze dias para o sul devia leval-os á Madeira,
que deve ser a ilha de El-Ghanam ou El-Aghnam, sendo esta
ultima palavra o plural da primeira que significa tgado miú-
do. i O nome El-Aghnam tem uma notável parecença no som
com o nome italiano da ilha Legname, que se encontra, como
se pode ver, sobre os mappas anterioreAos descobrimentos
portuguezes, e de que o nome de Madeira é simples traducção.
E accrescenta mr. d'Avezac que o nome Ghanam ou Aghanam
pode n'este caso significar «rebanhos de cabras i (Citado por
mr. Major no seu excel lente livro The life of Prince Henry,
cap. viu, pag. 149, edição de 1868.)
1 A verdadeira causa do erro dos pilotos devia ser a defei-
tuosa construcção das agulhas de marear, a que anteriormente
nos referimos. (Veja-se a nota de paginas 23 e seg.)
4«
52
ção do polo guardão muito a conformidade e seme-
lhança, porque a mães septentrional de todas as que
chama a proposy to, põem em altura de i 6 grãos, na
qual altura está a ilha do sal, e a mães austral das
bemauenturadas põem em dez grãos, e chamalhe
punctuaria, que per rézão da altura parece ser a ilha
do fogo, posto que as alturas variem três grãos ; e assi
mesmo põem Ptolomeo estas ilhas bemauenturadas
debaixo de hum merediano, como iazem parte des-
tas seis ilhas do cabo verde l : e se esta não foy a ten-
1 Ptolomeu não descreve senão seis ilhas Afortunadas. Pouco
sabia elle d'estas ilhas. Pelos nomes que lhes dá e pela posição
relativa que occupam na sua geographia, pode julgar- se que não
conhecia o que Plínio dissera do itinerário seguido pelos en-
viados de Juba. Quamto á inexactidão de Ptolomeu na deter-
minação da latitude, ninguém d'ella se pode admirar dada a
circumstancia que fica notada. Já Pedro Nunes disse, fallando
das cartas de marear cPtolomeu vevia em Alexandria, traba-
lhava por ter verdadeyras enformações: ao menos do Levante
e das partes mais vezinhas : ho que em seu tempo era descu-
berto da costa de Guiné: era pouco : e ysso muyto falsamente :
porqne tinha maisiloticia do Sartão: que das costas: porque
se nauegava pouco pelo mar Oceano.» (P. Nunes Tratado em
defensão da carta de marear, etc.) Num notável commentario
ao périplo de Hannon, feito em Veneza por um piloto portu-
guez, do qual dá noticia Ramusio (Ram. Delle Navigationi, etc.
Yol. i, fl. 123 ver., edição de 1550), lé-se o seguinte: c. ..et
anchor che 1'isola Cerne (segundo o piloto portuguez/ilha\TAr-
gim»), sia posta da Ptolomeo in 25 gradi, et Argin sia in 20. si
conosce manifestamente, che li gradi di detto auttore sono staii
53
ção de Ptolomeo, as suas tauoas nesta parte vão de
todo o ponto fora por razão, porque as canareas e
as ilhas que elle chama fortunadas, se bem oulhar-
mos o sitio, altura, rota e longura de huas e outras,
veremos claro não poderem as bemauenturadas ser
as que agora chamamos canareas ; e porém de todas
as outras escrituras dos cosmographos se pôde fa-
cilmente tirar serem as canareas as ilhas bemauen-
turadas, e somente Ptolomeo se embaraçar no co-
nhecimento delias. Estas ilhas das Canareas forão
variati da coloro, che trascrissero il libro, come ne gli gradi
deUe iscle fortunate : le quali si sa certo esser le Canarie, con-
ciosia cosa che tutti gli scritlori le mettano vicine alia Mauri-
tânia, et sono in 27. et 28 gradi. » Esta opinião do piloto a que
Ramusio se refere, deve ser da mesma época proximamente que
o roteiro de D. João de Castro. Quanto a pôr Ptolomeu «es-
tas ilhas bemaventuradas debaixo de um meridiano» , isso prova
ainda o quanto elle as conhecia pouco. Quanto a jazerem parte
das seis ilhas de Cabo Verde debaixo de um meridiano, é isso
um engano do auctor do Roteiro. Acerca da longitude das Ca-
nárias indicada por Ptolomeu, diz Gosselin (Recher. sur la géo-
gr. des anciens, tom. i, pag. 158): «Les fies Fortunóes sont,
dans toutes nos éditions latines, et dans la plupart des manu-
scrits grecs ou latins, sous un méme méridien à un degré de
longitude. Nous pensons que cest une erreur que les copistes
ont introduite dans le texte de Ptolémée. Cet auteur plaçait
les Fortunées au terme le plus occidental de la terre connue;
il fallait donc que les plus reculées dans Touest fussent, selon
lui, sous le premier méridien; sans quoi toutes les longitudes
de ses tables seraient fausses. Nous avons d'ailleurs à Pappui
54
descubertas e conquistadas no tempo dclRey dom
Fernando o quinto de Castella na era de ': he
de notre opinion le texte grec des editions, qui fixe quatre de
ces iles à zero de longitude, c'est-à-dire sous le premier mé-
ridien, et deux seulement à un degré moins à 1'ouest.»
1 D. João de Castro era um homem de notável illustração,
e comtudo ignorava a historia do novo descobrimento e da con-
quista das Canárias. Desde o tempo de Juba nenhuma noticia
certa houve das Canárias, até que teve logar a expedição man-
dada áquellas ilhas por D. Affonsoiv em 1341. Verdade é, que
de uma expedição de genovezes em 1291 faliam os auctores,
Pedro d' Abano, Foglietta e Petrarca; mas d'essa expedição
não houve mais noticia. Pelos documentos publicados nos an-
nali di geogr. e di statist., tom. u, pag. 296, por Grabert de
Hamso, parece ter havido outra expedição genoveza dez annos
antes daquella, que egualmente se perdeu. Da viagem ás Ca-
nárias mandada fazer por D. Affonso nr existem incontestáveis
documentos. Uma carta de el-rei ao papa Clemente vi, quando
este lhe pedia soccorresse o príncipe D. Luiz de Hespanha, co-
nhecido pelo nome de D. Luiz de la Cerda, a quem dera o se-
nhorio das ilhas Afortunadas com o titulo de Príncipe da For-
tuna, diz: c . . .cumreverentiarespondemus, quod praedictarum
insularum fuerunt prius nostri regnicolae inventores.» E mais
adiante accrescenta: t . . .gentes nostras et naves aliquas illuc
missimus, ad illius patriae conditionem explorandum : quae ai
dietas insulas accedentes, tum homines quam animalia et res
alias per violentiam oceuparunt, et ad nostra regna cum ingenti
gáudio apportarunt.w A verdade da allegação de Affonso iv
ao papa na carta que lhe dirigiu em 1345, acha-se completa-
mente provada por um documento publicado por Sebastião
Ciampi em Florença no anno de 1827. Este documento é um
apontamento autographo de Bocaccio, que tem por titulo De
Canária et de insulis reliquis ultra Hispaniam in oceano novi-
r
%
55
cousa muito pêra notar que sendo estas ilhas tão
vezinhas, os moradores de hua não tinhão conheci-
mento dos que viuião na outra: os canários viuião
ter repertis. Conta-se ali a historia de uma exploração feita em
1341 ás Canárias por mandado de D. Affonso ív, e cuja noti-
cia chegou a Bocaccio por cartas de mercadores florentinos es-
tabelecidos em Sevilha. A expedição compunha-se de dois na-
vios com os necessários viveres, e uma embarcação pequena
bem armada : commandava-a Angiolino dei Teggia de Corbizzi,
florentino, e era piloto Niccoloso da Reco, genovez. (Hisl. Nai.
des lies Canaries, par Webb et Berthelot, tom. i. part. i, pag.
%\.) Depois da expedição mandada pelo rei de Portugal, alguns
navios, levados pelos acasos da navegação ou por intuitos de
rapina, foram ás Canárias. D'a)gumas d'essas incursões se con-
servou memoria. Nos primeiros tempos do reinado de D. João
i, foi ás Canárias um navio portuguez, acossado pelo tempo,
segundo conta Diogo Gomez, um dos navegadores que foram
ao descobrimento d'Africa mandados pelo infante D. Henrique.
Diz elle, fallando do descobrimento das Canárias: «Audi vi ego
Dioguo Gomez de Sintria, quod quaedam caravelae de armata
regis Johannis Portugal iíe, quae iverant contra Seracenos ad
Africam cum vento contrario, quae tormento non potuerunt re-
sistere, cucurrerunt et viderunt quasdam insulas. Qui gavisi
sunt de terra, et putantes illic invenire aliquod refrigerium
de illo tormento iverunt ad insulam unam, quae nunc vocatur
Lançarote, et invenerunt eam non populatam. Et putabant
omnes alias insulas esse non populatas, cessante vero tormento
venerunt Portugaliam narrantes haec regi, et sic fama magna
exivít per totam Hispaniam de insulis inventis in mari oceano
occidentis ultra Gades insulam, quae est in mari atlântico.»
(De insulis et peregrinatione Lusitanorum, copia do mss. de
Valentim Fernandes Alemão da bibliotheca de Munich, per-
56
sem casas, mas em couas e choupanas passauão sua
vida; adorauão hum só Deos, tinhão lingoagem que
elles só entendião, por armas usauão huns paaos
tencente á livraria d'el-rei o sr. D. Luiz.) Em 1402 João de
Bethencourt, nobre normando, deixa a sua pátria, e com uma
expedição pouco numerosa, parte num navio para as Caná-
rias, a fim de as conquistar. Que motivos levaram o nobre fi-
dalgo da Normandia a emprehender a conquista das Canárias?
Os capellães de Bethencourt, na sua chronica da expedição di-
zem: «Jean de Bethencourt, cheuallier, né du royaume de
France, eut entreprins ce voyage à 1'honeur de Dieu, et au
soustenement et accroissement de nostre foy, es parties meri-
diennes, en certaines Isles qui sont sur celle bande, qui se
dient les Isles de Canare, habitées de gens mescreans de diuer-
ses loix et de diuers langages, dont la grand'Canare est vne
des milleures et des plus principales et mieux peuplées de
gens et de uiures, et de toutes autres choses. » (Le Canarien.
Works issued by The Hakluyt Society, pag. 1.) Quando, depois
de sair a ultima vez das Canárias, o senhor de Bethencourt foi,
com carta do rei de Hespanha, a Roma pedir um bispo para
as ilhas que conquistara, o papa perguntou-lhe «comment son
courage luy mouvoit d'aller si loing come du pays de France ?
Ledit Seigneur luy respondit tellement que le Pape estoit si
content, que tant plus il 1'oyoit et plus ayse estoit.» Segundo
mr. d'Avezac diz no seu estudo importante e erudito sobre as
ilhas da Africa, publicado no Univers Pittoresque n'uma in-
querição a que mandara proceder em 1476 a rainha Isabel
de Castella acerca dos direitos dos vários pretendentes á posse
das Canárias, formalmente se declara que João de Bethen-
court tinha em Normandia tido informações a respeito des-
tas ilhas, dadas por dois aventureiros francezes, que tomaram
parte nas incursões n ellas feitas por um hespanhol chamado
57
agudos; he gente bellicosa e sofredora de muito
trabalho; correm e saltão pelas montanhas e lugares
ásperos, como a outra gente o pôde fazer por terra
Álvaro Becerra. Diogo Gomez, acima citado, diz, fallando do
cavalheiro de Bethencourt, o seguinte: «Nobilis quidam ex re-
gno Franciae magnae progeniei nomine Misser Johan de Be-
tingkor leprosas propter verecundiam suorum nobilium ven-
didit omnia bona sua, accipiensque uxorem et familiam suam
venit ad regnum Castelíae ad civitatem Hitpalim seu Sevilla,
et remansit ibi per aliquod tempus. Et audiens famam istanim
insularam, quod essent dispopalatae, dicebat inter se, quod in
nalla parte mondi posset melius et raagis sine veracundia vi-
vere quam in insullis illis, quod non essent populatae. » Pela
chronica da conquista escripta pelos capellães de Bethencourt,
vé-se que o nobre normando trouxe comsigo até Cadix sua
mulher, a dama de Bethencourt, mas nunca a levou ás Caná-
rias. «Quand ledit sieur de Bethencourt partit de 1'Isle Lan-
celot (para fazer menagem das ilhas e pedir socorro ao rei de
Castella), cestoit son intention d'aller iusqueen Franceetra-
mener Madame de Bethencourt, car il Vavoit fait venir auec
luy iusques au port de Cálix, et elle ne passa point ledit port
de Cálix et incontinent quil eust fait hommage au Roy il fit ra-
mener madite Dame sa femme en Normandie. » (Canarien, cap.
xxvn, pag. 48.) Que as ilhas Canárias eram boa presa para um
aventureiro ambicioso, sabia-o necessariamente João de Be-
thencourt, porque ao sair de França já trazia comsigo um in-
terprete (truchement) natural das Canárias, e sobrinho de certo
homem poderoso chamado Asche, que ambicionava ser rei da
ilha de Lançerote. (Canarien, cap. xxx, pag. 51.) A mesma
chronica falia de um chamado Augeron, da Gomeira, que o rei
de Hespanha D. Henrique, marido da rainha D. Catherina, deu
ao senhor de Bethencourt em Aragão «dés deuant qu f il vint à
58
chãâ, e assi trepam por as rochas como cabras: es-
tas ilhas, postoque cada hua delias tenha nome pro-
la conqueste» e que lhe servia de interprete. Este interprete
era irmão do rei da ilha de Ferro: «et estòit iceluy Àugeron
frere da roy de ceste isle.» (Canarien, cap. lxxxvi, pag. !8i.)
Quando João de Bethencourt emprehendeu a sua viagem ás
Canárias não podia haver esquecido em França a bulia pela
qual o papa Clemente vi, concedera o reino das Canárias a D.
Luiz de Hespanha, conde de Talmond, nem as infructuosas
tentativas do infeliz Príncipe da Fortuna. A expedição com
que João de Bethencourt partiu de França para ir conquistar
as Canárias era composta de gente collecticia, gascões e nor-
mandos. Logo em Cadix o descontentamento de uns, os receios
e as intrigas de outros, foram causa de que muitos não quizes-
sem acompanhar o senhor de Bethencourt até ao termo da sua
viagem. Chegada a expedição á ilha de Lançerote, subiu de
ponto a desordem que lavrava entre os companheiros de João
de Bethencourt, e este resolveu ir a Hespanha pedir soccorro
e dar obediência ao rei. Merece notar-se o que, segundo a
chronica da conquista, o rei disse ao cavai leiro normando
quande este se lhe apresentou: «Le roy que 1'ouyt parler fut
fort ioyeux, et dit qu'il fust le bien venu, et le prisa fort d'auoir
si bon et hon neste vouloir de venir de si loin, comme le Royaune
de France, conquerir et aquerir honeur. Et disoit ainsi le Roy:
II luy vient d'vn bon courage, de vouloir venir me faire hõmage
d! une chose qui est, ainsi que iepeux entendre, plus de deux cens
lieues d'icy f et de quoy ie riouys oncques parler. 1 D'estas pala-
vras do rei de Hespanha, e dos factos que as precederam, pode,
me parece, concluir- se que a primeira intenção de Bethencourt
não foi dar preito e homenagem das ilhas nem ao rei de Hes-
panha nem ao rei de França; mas que as circumstancias a isso
o forçaram. Confirma-se ainda esta opinião pelo desgosto que
Gadifer de la Salle mostrou ao saber que Bethencourt prestara
59
prio, todas em geral são chamadas as Canareas, por
rezão de em hua delias nascerem grandes e pode-
obediencia ao rei de Hespanha; desgosto que terminou por
Gadifer abandonar as Canárias e voltar para França. Quando
João de Bethencourt deixou em 1405 as Canárias, para nunca
mais voltar, entregou o governo das já conquistadas e confiou
o emprehendimento de novas conquistas a seu sobrinho Maciot
de Bethencourt. É longa para uma nota a historia de todas as
peripécias por que passou o governo e conquista das Canárias;
basta-nos dizer que, entre as coroas de Portugal e de Hespa-
nha, por muitos annos se debateu a qual d'ellas cabia o direito
de acabar a conquista e exercer soberania sobre essas ilhas.
Segundo diz Azurara, em 142 4 mandou o infante D. Henrique
uma c frota, em que levava dous mil e quinhentos homêes, e
cxx ca vali os» commandada por D. Fernando de Castro, a fim
de conquistar as ilhas de Palma, Grã-Canaria e Teneriffe, as
quaes, segundo o auctor da Ckronica de Guiné «des do começo
do mundo nun«a forom conquistadas.» Mas o receio de que
faltassem os mantimentos fez com que a conquista se nào rea-
lisasse. (Azur. Chr. de G., cap. lxxix.) As reclamações doi-
rei de Castella obrigaram o infante a não proseguir no seu
intento de conquistar as Canárias, até que, em 1447, alcan-
çada do infante D. Pedro, então regente do reino, uma carta
prohibindo ca todollos naturaaes destes reynos que nhuu to-
masse atrevimento de ir a as ilhas de Canarea fazer guerra,
nem trautar de mercadarya, sem mandado do dicto infante»
D. Henrique mandou a Luiçerote aaquelle nobre cavalleiro
Antam Gonsalvez, e qual em seu nome foe tomar a posse da
dieta ilha, onde esteve por alguús tempos.» (Azur. Ob. cit.,
cap. lrv°.) Pelo tratado entre Portugal e Hespanha de 1479,
assentou-se que as Canárias ficariam pertencendo á coroa de
Castella: e desde então os castelhanos enviaram suecessivas
expedições com o fim de levar a cabo a conquista e assegurar
60
rosos cães, como se parece em Plínio, livro 6,° de
sua cosmographia 1 : a terra destas ilhas he muy abas-
tada de toda a sorte de mantimentos e gados ; os
ares muy sãos e grandemente temperados.
Á noyte de domingo 1 4 dabril toda a gouerna-
mos ao sul quarta do sudueste atee amanhecer.
de vez a posse d'aquellas férteis ilhas: o que por fim se reali-
sou com a submissão de Teneriffe em 1496. A era que falta no
manuscripto do Roteiro é pois a de 1496. (Sobre a conquista
das Canárias, veja-se: Noticias de la Historia general de las Is*
las de Canarea, por Viera y Clavijo. Tom. n., liv. 7.°, 8.° e
9.')
1 Depois de fallar da Nivaria, nome com que designava a
ilha de Teneriffe, Plinio diz: «Proximum ei Canáriam vocari
a multltudine canum ingentis magnitudinis, ex quibus perducti
sunt Jubae duo.» (PI., tom. i, liv. 6.°, pag. 349.) Os chronistas
da conquista das Canárias por João de Bethencourt faliam dos
cães da Grã-Canaria «chiens sauuages qui semblent loups, mais
ils sont petitsi: o que não concorda com o que diz Plinio. Dis-
cutindo este assumpto, os auctores da Histoire Naturelle des
lies Canaries Webb e Barthelot dizem: «Cependant cette dé-
nomination pourrait bien avoir aussi une autre origine, et se
référer à la Canária extrema de Ptolomeu, le cap Bojador des
géographes modernes, promontoire qu on savait voisin des iles
Fortunées. Canária serait dès lors un mot de la langue numide-
dont la vraie signification resterait inconnue. Les anciens ap,
pellaient Canarii les peuples qui habitaient la partie occiden-
tale de F Atlas, et les nègres des bords du Senegal désignent en-
core sous le nom de Canar ou Ganar, le pays situe entre le
fleuve et les montagnes de la Mauritanie.» (Obr. cit. Tom. u,
part. prim., pag. 98.)
61
CAMINHO.
Segunda feira 15 dabril, todo o dia foy o vento
oesnoroeste fresco; gouernamos ao sul quarta do
sudueste. Este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação dante o meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos
ho estilo lançou a sombra 80 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
Segunda operação dante o meo dia.
Estando o sol em altura de. 67 grãos
ho estilo lançou a sombra 65 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois do meo dia.
Estando o sol em altura de 67 grãos
ho estilo lançou a sombra 53 grãos
contando do norte pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação o arquo dante o meo dia
maior que o de depois de meo dia 12 grãos, e a sua
ametade 6, que he a quantidade que neste lugar
agulha nordestea.
62
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol cm altura de 56 grãos
ho estilo lançou a sombra 68 grãos
contando do norte pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação o arquo dante o meo dia
maior que o de depois de meo dia 12 grãos, os quaes
partidos pollo meo, virão 6, que he a quantidade
que ha agulha nordestea.
4 Este dia obrando na poma com a variação que
fez a sombra do estilo nas duas alturas de pola me-
nhãa, achei estarmos em altura de dous grãos ; e to-
mando o sol ao meo dia eu e o Piloto, achamonos
em 26 grãos largos ; assi que antre a poma e estro-
labio ouue de deferença quasi meo grão 2 .
NOTAÇÃO.
3 Posto que as operações deste dia viessem tão con-
formes e igoaes, nem por isso dcuemos julgar facil-
mente o mistério do nordestear das agulhas, nem
1 Altura a toda hora. Nota do auctor.
2 Ha no que se diz neste período um erro manifesto de copia.
3 Porq rezão se não podem verificar as sombras do estillo.
Nota do auctor.
63
menos fazer regra certa que na longura do caminho
que se contbeem do ponto onde sabbado, que forão
treze dias deste mês, fiz as outras operações, atee
onde me acho oie segunda feira 15 do ditto mês, aia
agulha necessariamente de fazer mudapça de £ grão â .
Como quer que a sombra do estilo tenha pouco re-
pouso por a circunferência do circulo graduado, ao
que dá occasião o muito bullir da naao, e também
como venta hum pouco rijo, a lamina perde a per-
feição e iusto oliuel, por se distemperarem as ballan-
ças, o que tudo iuntamente faz muito embaraço ao
sentido, pêra detreminadamente auer de aueriguar o
verdadeiro lugar onde delire a sombra, de sorte que,
balanceando muito a naao, podemos facilmente errar
atee dous grãos, mas hindo queda e as os sega da,
quem tiuer honesta extimatiua não poderá errar pas-
sante de meo grão 2 . E porque estas duas operações
1 No dia 13 estava a nau á vista da ilha de Palma, e fazia-se
o auetor a sete ou oito léguas da ilha, para o norte, em lat.
de 29° 3CK, sendo a variação da agulha de S° l / 2 para leste.
N'este dia (15) a lat. era de 26°; o navio ficava ao sul das Ca-
nareas: a var. da agulha era de 6 o . Houve pois mudança na
variação, e provavelmente o navio passou a oeste do meridiano
em que se fizeram as primeiras observações; em todo o caso
D. João de Castro pôde assegurar-se de que nas Canárias a
agulha nordesteava de 5 o até 6 o .
2 Esta critica do instrumento e do processo de Pedro Nunes
para determinar a latitude a toda a hora, pelas sombras e pela
esphera, é perfeitamente exacta.
64
de que acima fallo, forão feitas no merediano das
Canareas, a saber, hua delias estando da banda do
norte das ilhas, e a segunda achandome já da banda
do sul, em ambas se vereficou nordestearem as agu-
lhas cinquo grãos e { atee 6, fica falsa a opinião
dos que dizem que no merediano destas ilhas fere
a agulha nos verdadeiros pollos do mundo.
A noite de segunda feira toda foy o vento nornor-
oeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste atee
amanhecer.
CAMINHO.
Terça feira 16 dabril todo o dia foy o vento nor-
noroeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste:
este dia tomou o Piloto o sol só em 24 grãos \ ; posse
o sol a loeste quarta de noroeste ! . Este mesmo dia se
ajuntarão todos os Pilotos da armada pêra darem seu
parecer acerqua de quantas legoas hiriamos arre-
dados do Rio grande, no que ouue muitas opiniões
diuerssas. Bernaldo Pirez dezia que 30 atee 40 le-
goas, Manoel Àlvez 60. Por derradeiro todos assen-
tarão em 50*. Também se tomou seu parecer sobre
1 Parecer dos pilotos. Nota do auctor.
1 Determinar a que rio o auctor se refere, e a que dá o nome
de Rio Grande, não é fácil. Se seguirmos o roteiro da costa
occidental da Africa, escripto nos primeiros annos do xvi se-
65
o tempo que as naaos esperaríão em Moçambique
calo por Duarte Pacheco, acharemos que tinha o nome de Rio
Grande um rio que fica ao sul do Cabo Roxo, para além do
rio de S. Domingos, e que dista 7 léguas do dito cabo. «Nom
lhe foi posto este nome (de Rio Grande) por ser mayor nem
tamanho como os Rios de Canagua e Gambia, mas porque tem
a boca muito grande de sete ou oito léguas de largura, com 3
ou 6 ilhas na dita boca.» (Esmeraldo, cap. 30, fl. 44.) Estas
ilhas chamam-se de Buam (Idem). Ao Cabo Roxo dá o livro
de Duarte Pacheco 12° de lat. No mappa de Juan de la Cosa
de 1500, acha-se o Rio Grande ao sul do Cabo Roxo, proxima-
. mente na situação que lhe dá o Esmeraldo. No globo de Mar-
tim Behaim, que parece datar de 4492 (Murr. Histoire de Mart.
Beh. Paris, 1802, pag. 103) acha-se já o Rio Grande situado
do mesmo modo e na mesma posição geographica. No Portu-
lano do piloto portuguez Francisco Rodrigues, que é proxima-
mente da época em que teve logar a viagem de D. João de Cas-
tro, encontramos egualmente o Rio Grande ao sul do Cabo
Roxo, e á sua embocadura desenhadas as ilhas de que no Es-
meraldo se (alia (Atlas do visconde de Santarém). Não é pois
do que ainda hoje se chama Rio Grande na costa da Sengam-
bia, por 11° 30 7 de lat., que o roteiro falia. A posição do na-
vio quando se fez a consulta dos pilotos, era ao sul das Caná-
rias por 24° '/ 2 de lat. e n'esta situação o riò mais próximo
na costa d* Africa é o chamado Rio do Ouro; este porém não
teve nunca, nem lhe cabe o nome de Rio Grande, c The River
Ouro is very shallow, and has only a short course in the midst of
the sands of the desert. It is properly an inlet of the sea. » (The
West coast of Africa. Hydrographic Office. Washington, 1873,
part. í, pag. 58.) O Esmeraldo, que é a melhor descripção da
costa occidentald* Africa que nos princípios do século xvi se es-
creveu, dá ao Rio do Ouro 24° de lat., e acrescenta que a terra
do cabo Bojador até ali, e ainda 100 léguas mais além, é sem ar-
5
66
por toda a companhia, e assentarão que se deuia
voredo nem herva, deserta, salvo em alguns logares. Quem qui-
zer entrar no Rio do Ouro, diz Duarte Pacheco, poderá ir em
E. quarta de SE. ao longo da terra de barlavento, que fica á
mão esquerda e achará três e meia a quatro braças de preamar
e a maré de NE. e SO.: guarde-se da parte do S.k mão direita
á entrada, porque tudo é baixo; e tanto que for por elle acima
quazi uma légua até junto com uma ilha que está no meio
pode pousar em três e meia braças, em bom fundo limpo.
Este rio corre por dentro da terra quatro a cinco léguas, e não
se encontra agua doce, salvo em agosto e setembro quando
chove de trovoada. Este rio foi descoberto por Afonso Gonçal-
ves Baldaya e por Gil Eannes: ali «fizeram um salto e capti-
varam seis alarves, homens honrados, os quaes se resgataram
por dez escravos negros, e por um pouco de ouro em pó, os quaes
negros e ouro foi o primeiro que daquellas partes ao infante trou-
veram, e por isto poseram nome a este rio o Rio do Ouro (Es-
meraldo, cap. 23, fl. 34. Mss. da Bibl. Nac.) A narração de
Azurara não concorda com a de Duarte Pacheco, pois que Azu-
rara conta que Affonso Gonçalves não voltara contente da sua
viagem «porque nom filhara alguu daquelles Mouros» e ape-
zar de ir mais adiante até ao porto da Gallee, tornou para
Portugal «sem poder aver certo conhecimento se aquelles ho-
mêes eram Mouros, ou gentios, nem que vida tratavam, ou
maneira de viver tinham» (Chr. de Gui., cap. 10, pag. 65).
Só cinco annos mais tarde, em 1441, é que o infante D. Hen-
rique mandou Antam Gonçalves a «carregar de coirama e azei-
te, daquelles lobos marinhos de que já falíamos» (Idem, cap.
xii, pag. 70). Foi n'esta viagem que os portuguezes fizeram al-
guns captivos, entre os quaes havia três que, depois de esta-
rem em Portugal, instantemente pediam para ie resgatarem.
Levados por Antam Gonçalves ao Rio do Ouro, este recebeu
«dez negros antre Mouros e Mouras, de terras desvairadas,
67
esperar atee 15 dagosto. Quisse mães saber delles,
seendo trautador antre elles huii Martym Fernandes, que era
Alfaqueque do Infante. . . . E a aliem dos negros que Antam
Gllz recebeo daquella rendiçom, ouve ouro em poo, ainda que
pouco fosse, ele.» (Idem» cap. xvi, pag. 97). Fallando d'este
rio, e narrando a historia do seu descobrimento e do resgate
que n'elle teve logar, Diogo Gomez diz: «Etiam narraverunt
illi quod cum barca intraverunt fluvium, qui vocatur nunc Ryo
Douro, etc.D (Mss. de Valentim Fernandez já cit.)Era pois este
rio ou antes este golfo conhecido e estudado pelos pilotos por-
tuguezes; o seu nome de Rio do Ouro fora-lhe dado logo pelos
primeiros descobridores, e nunca foi conhecido, que saibamos,
pelo nome de Rio Grande. Não pode pois explicar-se o erro de
D. João de Castro senão pela confusão que por muito tempo rei-
nou entre o rio, a que os portuguezes pozeram o nome de Rio
do Ouro e outro rio que se suppunha ser um braço do Nilo que
vinha desembocar no mar Atlântico, o qual em tempo anterior
aos descobrimentos portuguezes se designou também com iden*
tico nome. A opinião dos antigos geographos dava ao Nilo dois
braços, um que corria para o Mediterrâneo, atravessando o
Egypto, outro que, transpondo vastíssimos desertos arenosos,
lançava as aguas no Atlântico a oeste da Africa. Aristóteles já
falia do rio Chremetes como de um dos mais importantes da
Africa^ cujas nascentes eram na mesma serra de onde saía o
Nilo. Plínio também assegura que um braço do Nilo busca a
costa occidental da Africa. Esta asserção dos antigos escripto-
res passou para os livros dos geographos árabes, os quaes por
longos annos reproduziram nos seus mappas, e repetiram nos
seus escriptos a opinião dos antigos. Ao Nilo de oeste, ou Nilo
dos Negros chamavam também Nilo Gana ou Ganah.
O visconde de Santarém observa que a theoriados antigos,
da existência de uma corrente do Nilo de leste a oeste, sobre-
viveu aos descobrimentos e observações dos portuguezes : assim,
5*
68
se as naaos que dobrassem tarde o cabo de bSa es-
em cartas publicadas durante os primeiros trinta annos do século
xvi apparece ainda um extenso rio, que a partir do centro da
Africa vem até á costa occidental, e é considerado como um
braço do Nilo (visconde de Santarém. Es. sur VHist. de la
Cosm., tom. i, pag. 205 c 275 e Atlas). No século anterior en-
contrasse geralmente traçado nos mappas esse rio, e n'alguns
com a denominação de Niger e n'outros de Palolus, Rio dX)ro
e Vadamel. No mappa-mundo de Ricardo de Haldington, con-
servado na cathedral de Herefort, o qual representa bem as
idéas geographicas no fim do século xm, vé-se traçado paral-
elamente á costa da Africa e sem communicação com o ocea-
no, um largo rio terminado por dois lagos, com o nome de Ni-
lus Fluvius : próximo do lago occidental que termina o Nilus
lé-se ti lie grandes formice auream sericam arenas.» (Possuí-
mos uma copia photographica d'este mappa). No mappa de Ma-
rino Sanuto de 1320 reproduzido no Atlas do visconde de San-
tarém, um grande rio vem do centro do continente africano
terminar ao occidente no Atlântico; este rio não tem nome,
mas é claramente o Nigris de Ptolomeu, ou Nilo occidental dos
geographos. O portulano da bibliotheca Laurenciana de Flo-
rença, de 1351, tem também dois rios immensos, que parece
nascerem da mesma serrania, um que caminha para leste e
depois se curva para o norte, indo lançar as suas aguas no Me-
diterrâneo, outro que- toma a direcção de leste a oeste e vem
ao mar Atlântico: ao lado (Teste lé-se no mappa: «Ilic coligi-
tur aureum. » No portulano dos irmãos Pizzigani de Veneza
vé-se, um pouco ao sul das Canárias, um rio, com o nome de
Palolus, que nasce de um grande lago e atravessa depois de-
sertos arenosos; no meio do seu curso o rio bifurca-se formando
uma ilha onde se diz que se colhe oiro (R. H. Major. Lif. of
Pr. ífen., copia do Portulano Laurenciano, pag. 107 e 112).
Na famosa carta Catalã de 1375 acha-se desenhada uma barca
69
perança deuião de hir por fóra da ilha de são Lou-
um pouco ao sol do cabo Bojador, acompanhada de uma in-
scripção em catalão, em que se diz que em 1346 um certo Jay-
me Ferrer íôra em busca do Rio do Ouro: aPartich luxer dn.
Jac. Ferer, per anar ai riu de Fort: um documento encon-
trado nos archivos de Génova por Hemso confirma o facto e a
data. É pois evidente, como muito bem diz o sr. Major (The
Canarian, pag. 104 nota), que em 1346 foi uma expedição em
busca do Rio do Ouro cuja posição não era conhecida, mas de
cuja existência a população mercantil do Mediterrâneo estava
informada. Esse rio. segundo o documento descoberto por Hem-
so, não só se chamava Rio do Ouro, mas também era denomi-
nado, pela sua grande extensão, Vedamel, ou na opinião do
sr. Major Vedanill., o que significa crio Nilo.» (Vide a Carta
Catalã, no Atlas do visconde de Santarém). Um mappa-mundi
anterior a 1410, que existe no Museu Borgia e que o visconde
de Santarém reproduziu no seu Atlas, mostra a Lybia interior
cortada por um grande rio de leste a oeste, no extremo do qual,
junto do mar, se lé «Fluvius aureus hic habet viu leucas latitu-
dine.» Na carta de Mecia de Yiladestes que se encontrou na
Cartuxa de Yal de Christo perto de Segóvia, e que tem a data
de 1413, também está traçado um rio do ouro. Esta carta é
evidentemente tirada do mappa catalão de que acima falíamos,
com algumas alterações relativamente pouco importantes: ha
porém a notar que se estende a carta de Yiladestes mais para
o sul do cabo Bojador do que a carta catalã, e que a uma dis-
tancia proximamente egual a metade da que vae do mesmo
cabo ao estreito de Gibraltar é a foz do «Riu de lor» que se es-
tende para o interior d 'Africa em linha recta. (Comparar a Carta
Catalã com a Carta de Mecia de Viladeste reproduzida na nova
edição do Canarien publicado por G. Gravier, Rouen, 1874).
Também quasi seguindo uma linha recta de leste a oeste
atravessa a Africa, para se lançar no Atlântico em frente das
70
renço; a todos pareceo que não, e assinarão a causa,
Canárias, um rio que, segundo as idéas geographicas de An-
drea Bianco, traçadas num portulano em 1436, nasce nos re-
motos estados do Preste João. monumento geographico mais
notável que se conhece do século xv é o mappa-mundi de Fra
Mauro, o cosmographus incomparabilis, como n'uma medalha,
cunhada em sua honra, lhe chamavam os seus contemporâneos.
N'este mappa-mundo, de que por ordem de Affonso v veiu de
Veneza para Portugal um exemplar em 1459, estão desenha-
dos alguns rios que, partindo de nascentes mais ou menos re-
motas, vem lançar as suas aguas n'um grande lago. D*este lago
saem dois rios, os quaes em linhas ligeiramente ondulosas e
proximamente parallelas, caminham de leste a oeste atò ao
mar: um se chama o rio Mas, outro o Canal daloro: entre am-
bos está escripto clnne larena de questi do fiume se trova oro
de paiola»; mais próximo do mar lé-se ainda «Qui se racoce
oro»: finalmente junto do mar uma inscripção diz • Terra de
Palmear.» Para fazer uma apreciação justa das idéas cosmo-
graphicas com que foi traçada esta parte do mappa de Fra
Mauro, deve attender-se a que elle diz numa inscripção, em que
trata das nascentes d'estes rios, ou antes d'este grande rio com
dois braços., o seguinte: cche questo rio sia uno ramo delnilo
io affermo, perche se trova queli simili animali che se trova
nel nilo.» Para Fra Mauro o grande rio que na direcção de
leste a oeste vinha dar ao Atlântico era um ramb do Nilo, e
n elle sé colhia ouro; por isso dava a um dos seus braços o
nome de canal dei oro. A mesma opinião tinha o infante D.
Henrique e os portuguezes que descobriram o rio Senegal ou
Çanaga. Na chronica de Azurara conta-se que o infante dis-
sera aos que foram na expedição que descobriu o rio Senegal
«que despois da vista daquellas arvores (arvores altas, principal-
mente duas palmeiras que anteriormente havia observado Dinis
Dyaz passado o Sahará «terra de Zaara»), pouco mais de xx le-
71
dizendo que as naaos leuauão muita gente e pouca
agoa, pelo que tinhão o perigo de morrerem á sede
muito certo 1 .
goas, esguardassera pollo dicto ryo, porque assy o aprendera elle
per alguus daquelles Azenegues que tiinha cativosi: eeste rio,
a que os nossos chamavam Çanaga era o ryo Nillo, como pelos
signaes, por elles observados, se conhecia. A existência das
palmeiras, como signal da proximidade do rio, palmeiras mar-
cadas nas antigas cartas, deu provavelmente origem á designa-
ção de «Terra de Palmear» que se lé no mappa de Fra Mauro.
Acerca d'este ryo Nillo faz Azurara uma dissertação, para pro-
var que é o próprio Nilo de que faliam os antigos auctores.
Bem se vé do que temos dito, que as antigas tradições geogra-
phieas foram conservadas pelos geographos da Edade média; e
que o antigo Nilo de oeste pouco a pouco passou a chamar-se
Rio do Ouro, sem que ao certo se podesse saber qual era a sua
verdadeira posição. O Rio do Ouro dos mappas a que nos re-
ferimos, anteriores ao meado do século xv, não é o braço de
mar a que os nossos navegadores deram o nome de Rio do
Ouro, pelo motivo que dissemos. Fra Mauro, que conhecia os
descobrimentos dos portuguezes, distingue no seu mappa-munr
do o Rio do Ouro (Reodor), do grande rio, a um dos braços do
qual chamou Canal dei Oro. A confusão, porém, entre o Rio do
Ouro dos portuguezes e o rio dos cosmographos da Edade mé-
dia, braço do Nilo em que se achava o ouro e que atravessava
a Africa de leste a oeste, por muito tempo persistiu, e ainda
nos primeiros annos do século xvi esta confusão era manifesta
nalgumas cartas da Africa, como faz notar o visconde de San-
tarém. Como a idéa da existência do Rio do Ouro veiu aos
geographos, antes da descoberta dos portuguezes explica-o cla-
ramente mr. R. H. Major no seu livro sobre o infante D. Hen-
rique (The Life ofPrince Henry, cap. vn, pag. 114).
1 Sobre dois pontos foram os pilotos chamados a dar o seu
72
A noite de terça feira em toda foy o vento norte
fresco; gouernamos ao sul quarta do sudueste atee
amanhecer.
parecer, ambos de grande importância nas viagens que n'aquelle
tempo se faziam de Lisboa para a índia. Todos os roteiros es-
criptos no século xvi e na primeira metade do século xvn tra-
tam d'estes dois assumptos e opinam como os pilotos da ar-
mada em que ia D. João de Castro. No Roteiro da carreira da
índia do piloto mór Vicente Rodriguez, um dos mais citados
d'aquelle tempo, diz-se, faltando da melhor época para ir de Mo-
çambique a Goa ou a Cochim : «Daqui he bom partir para a
Yndia ate dez de agosto, seguindo a derrota da ilha do Combaro
(Cômoro), governando ao nordeste he bom hir vela de dia, etc. »
(Livro Universal de Derrotas de Manuel Gaspar. Mss. de Évo-
ra). Gaspar Reimao no seu Roteiro diz também: «Da forteleza
de Moçambique pêra ha índia he bõ partir até 10. 15. dias
domes dagosto, etc.» (Rot. da Car. da Ind. Mss. da Univ., vol.
136). Quanto ao outro assumpto, o da viagem do Cabo da Boa
Esperança por fora da ilha de S. Lourenço, ou ilha de Mada-
gáscar, a opinião dos roteiros é como se segue: «Vindo aqui
(ao C. da Boa Esperança) até 20 de julho he bom camynhar
por dentro, derrota de Moçambique, e vindo mais tarde he bom
e mais seguro a viagem q se faz por fora da ilha. » O outro ro-
teiro que citámos acima, é mais explicito; e faltando da che-
gada ao Cabo da Boa Esperança, diz: «Aqui entrão duas na-
veguações as quaes seguireis conforme ao tempo em que vos
achardes neste cabo, e sendo até 20 e 25 de julho se fará a
viagê por dentro, e se passasse hu só dia deste tno q digo se
fará a viagê por fora de S. Lourenço como fazião os antigos, e
passavão a índia m. t0 bê sê os receos e incõviniêtes q os ho-
mens deste tempo quere oje tomar, dizendo que por fora que
vão a morrer e que antes querê ir inuernar a Moçambique q
73
CAMINHO.
Quarta feira 1 7 dabril atee meo dia foy o vento
norte; gouuernamos ao sul, e atee á noite tomamos
as vellas pêra esperar hua naao que vinha muito
longe, que pareceo ser a galega: chegando a nós,
tornamos dar as vellas e fazer nosso caminho. Este
dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante de meo dia.
Estando o sol em altura de 21 grãos
ho estilo lançou a sombra iOi grãos £
contando do norte pêra a banda daloeste.
acabarê por fora, não considerado o grade risco a que se põem
ê cometer a viagê por dêtro faltandolhe a moção, como cada dia
vemos, q buas se uão perder na costa de Moçambique, outras
inuernão nella, donde os mais dos homens morrem como uemos
cada dia, e a fazd. a de S. Mag. de perdesse e elles se uão ali cõsu-
mir cõ suas fazendas e vidas, o que por fora não ha q temer q
posto q aja doêças não morre a seista parte dos q morrem em
Moçambique.»
74
Segunda operação antes do meo dia
Estando o sol em altura de 63 grãos
ho estilo lançou a sombra 78 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste. ,
Isto assi feito, passeime logo á poma, assentando
as duas alturas do sol e a variação da sombra ; e
obrando pella maneira acostumada ', achei que esla-
uamos em 24 grãos, o que me fez muito triste, cui-
dando que esta regra de saber a leuação do polo a
toda a ora não he geral/ considerando que o dia
dantes me dissera o piloto que ficara em 24 grãos {,
e de então pêra quá corremos sempre ao sul com
vento á popa e fresquo, pello que era justo que oie
nos achássemos em 22 grãos, pouco mães ou menos ;
e ora desconfiando nos estromentos, ora das regras,
ora de eu saber mal obrar e entender a demostra-
ção, mandey ao doctor Luis nunez que conforme as
operações que tomey pela menhãa, obrase na poma,
e visse que altura lhe daua, o qual, íazendoho assy,
achou estarmos nos mesmos 24 grãos. Pello que me
fiz logo em outra volta, e lancey o erro ás costas do
Piloto, parecendome que elle tomara mal o sol o dia
passado; e sendo oras de meo dia, tomey o sol, e na
* Altura a toda a ora. Nota do auctor.
75
mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 80 grãos ;
a declinação deste dia era 1 3 grãos \, do que se se-
gue estarmos em 23 grãos f ; e por esta maneira não
ouue mães differença antre a poma e estrolabio de
hum £ de grão, e inda se deue contar menos, se con-
siderarmos o que a naao podia andar dés polia me-
nhãa atee oras de meo dia.
A noite de quarta feira toda foy o vento norte; go-
uernamos ao sul atee amanhecer.
CAMINHO.
Quinta feira 18 dabril todo o dia foi o vento
norte; gouernamos sempre ao sul: ao meo dia tomey
o sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori-
zonte 81 grãos £; a declinação deste dia era 1 4 grãos
^, do que se segue estarmos em 22 grãos {: o mes-
tre achou-se em 23 grãos ],eo Piloto em 22, de
sorte que antre o mestre e piloto ouue differença, na
altura, de 1 grão £, que he cousa incomportauel :
hum marinheiro tomou a altura conforme a minha 1 .
De noite foi o vento norte fresco e nornordeste ;
gouernauamos sempre ao sul atee amanhecer.
1 Diversas alturas em hO mesmo dia. Nota do auctor.
76
CAMINHO.
Sesta feira 19 dabril todo o dia foi o vento nor-
te; gouernauamos ao sul: ao meo dia tomei o sol, e
na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 84
grãos; a declinação deste dia era 14 grãos £, de que
se segue estarmos em 20 grãos ;.
De noite toda a noite ventou o vento norte e nor-
nordeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste
atee amanhecer.
CAMINHO.
Sabbado 20 dabril todo o dia ventou o vento
norte e nornordeste ; gouernamos ao sul e quarta do
sudueste. De noite toda a noite foi o vento norte e
nornordeste ; gouuernamos ao sul e quarta do su-
dueste atee amanhecer.
CAMINHO.
Domingo 21 dabril todo o dia ventou vento nor-
te ; a mayor parte do dia gouernamos ao sul e quarta
do sudueste, e a menor ao sul. Ao meo dia tomey o
•
sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte
89 grãos; a declinação deste dia era 15 grãos, dous
minutos, do que se sege estaremos em 16 grãos:
77
esle dia se achou o contramestre em 1 7 grãos £, e
hum marinheiro em 17 |,e hum Calafate, homem pra-
ctico experimentado, em 16 grãos e \ l : atee quy fiz
a conta aiuntando a declinação aos grãos que auia
do sol a meu zinith, por caso que a meo dia o estilo
me lançaua a sombra pêra a parte do norte, e o sol
andaua da mesma parte do norte: este dia chegou
a nós o Junco e a Galega.
NOTAÇiO.
•
'Porque eu faço menção muitas vezes da altura
que se toma por muitas pessoas t e espero ao diante
de o fazer, já pode ser que os que lerem este Ro-
teiro, achando tamanha differença de huas alturas a
outras, possão crer que esta diuersidade naceria de
auer tauoas de declinações diíferentes, ou de erarem
ao fazer da conta; portanto farey sempre menção
do que tomão do sol ao orizonte, e assi declaro que
de todas as alturas que aquy escreuer, se fará a conta
pello liuro e tauoas de declinações do Doctor Pêro
nunez 3 , assi que a differença somente nascerá do
1 Diversas alturas em hu mesmo dia. Nota do auetor.
2 Da rezao por que faz menção da altura q se toma na naao
por muitas pessoas. Nota do auetor.
3 Tábuas que se encontram no Tratado em defensão da carta
de marear, cô o regimento da altura, calculadas para os quatro
annos de 1537 a 1540.
78
juizo de cada hum, ou do defecto dos estrolabios :
e porque esta arte achada pêra remédio dos naue-
gantes não venha em algum discredito por esta di-
uerssidade de alturas, deuemos de considerar quanto
lhe deuemos, por nos ensinar como não ignoremos o
chegado á verdade, como são as cousas humanas
que os homens podem saber. Porque, como diz mon-
te Régio ' nos seus triângulos de toda a sorte milhor
1 João Muller, natural de Koenigsberg, e por essa razão co-
gnominado Regiomontanus ou de Monte Régio, foi um dos
mais celebres mathematicos do xv século. N'aquelle tempo em
que a sciencia mais se communicava pela palavra, pelo ensino
individual e directo, do que pelos livros, era honra grande e
seguro penhor de sciencia, o receber as lições de um mestre cuja
reputação toda a Europa era conforme em celebrar. Monte Ré-
gio foi o discípulo dilecto do celebre Purbach, o qual profes-
sou em Yienna as mathematicas e a astronomia, sciencias que
lhe deveram verdadeiros progressos. Nascido em 1436, Monte
Régio acompanhou a Itália o cardeal Bessarion, onde profes-
sou a astronomia na cidade de Pádua em 1463, e fez, sobre
o texto original, a traducção do Almagestoáe Ptolomeu. Vol-
tando para a Allemanha, onde continuou os seus numerosos
e notáveis trabalhos, residiu em Nuremberg e ahi estabeleceu
uma imprensa e publicou algumas das suas obras; até que o
papa Sixto iv o chamou a Roma para trabalhar na reformado
kalendario, e ahi morreu na edade de 40 annos. Uma das suas
obras mais importantes foi o tratado De triangulis planis et
sphericis, a que D. João de Castro se refere. D'este tratado diz
Montucla: t Salvo a invenção dos logarithmos e de alguns theo-
remas propostos por Neper, a trignometria de Regiomontanus
em nada cede á nossa; pelo menos tal como ella era no prin-
79
he saber o chegado á verdade, que de todo o ponto
ignorar a mesma verdade, e que não somente se
deue contar per virtude dar no fito, mas também
chegar perto delle ; e assi estes erros e enganos de
tomar o sol ficarão em proueito dos nauegantes, pêra
que confiados demasiadamente em sua altura não
deixe de dar grandes resguardos no demandar da
terra.
De noite toda foi o vento norte fresco; gouerna-
mos ao sul atee amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira 22 dabril, amanhecendo, acalmou
o vento, mas na grossa do dia tornou a refrescar, e
ventou como norte galerno ; todo o dia gouernamos
ao sul, e nos fizemos antre as ilhas do cabo verde
e o mesmo cabo.
DESCRIPÇÃO DAS ILHAS DO CABO VERDE.
O cabo verde, ao que posso comprehender, he o
Promontório a que Plínio e Pomponio chamão hes-
cipio (Teste século.» (Montuc. Hist. des Mathem., tom. i, pag.
344). Monte Régio foi mestre de Marti m Behaim, como em
outra nota dissemos. O dr. Pedro Nunes varias vezes cita Monte
Régio nas suas obras de astronomia e navegação.
80
peru serás : estas ilhas são as insulas gorgonas, mo-
rada das meduseas, e o mar que laua estas terras,
o golfão hesperio ; a causa de isto assi auer de ser
são as pallauras de Plínio 1 , que dizem desta maneyra :
deste Promontório se começa a frontaria das terras
a virar ao occidente e mar Atlântico, e direito delle
estão as ilhas gorgonas espaço de duas jornadas na-
uegando, que quer dizer duas singraduras; e por-
quanto as seis ilhas do cabo verde, que estão mães
orientaes das outras, distão do mesmo cabo per 70,
80 legoas, que são duas singraduras de vento galer-
no, a que Plínio chama jornadas, parece que fica
claro o cabo verde ser o promontório hesperu serás,
e as ilhas que se lhe opõem, a saber, que se cha-
mão do cabo verde, insolas gorgonas, morada das me-
duseas 3 : e faz muito a este propósito sabermos que
1 Plínio, liv. 6, cap. 31. Nota do auctor.
2 O conhecimento que os navegadores portuguezes tinham
dos auctores antigos, especialmente de Ptolomeu e de Plínio,
em todos os seus escriptos se revela. Buscavam elles pôr de
accordo o que os antigos escreveram da Costa d\Africacom os
modernos descobrimentos; vemos (Visto provas no que D. João
de Castro diz aqui acerca de Cabo Yerde e das ilhas que d 'este
cabo tiraram o nome, e anteriormente disse acerca das Ilhas
Canárias. A opinião emittida pelo auctor do Roteiro, não pa-
rece estar de accordo com a que se encontra no Esmeraldo de
Duarte Pacheco, escripto nos primeiros annos do século xvi.
Antigamente, diz Duarte Pacheco, o Cabo Yerde chamava-se
Asperido Promontório, e as ilhas cque 100 léguas em mar
81
das cauareas ou ilhas bemauenturadas pêra o sul
delle eslam, também naquella antiguidade foram denomina-
das as pendas » e cita,, para o provar, Plinio, liv. vi, cap. 31,
(Esmeraldo, cap. 28, fl. 48, mss. cit.) O que os antigos sa-
biam da costa Occidental da Africa é por tal modo vago e in-
certo, que poucas noções geographicas seguras se podem co-
lher nos auctores, ainda nos que mais particularmente se oc-
cuparam do assumpto. Qual fosse a situação do Hesperion ce-
ras ou Hesperíum cornu, ou Cornu extrema, que parece ser tudo
proximamente o mesmo, não se pode bem determinar; longe
d'isso. Plinio diz: «Sita est Aethiopia ab oriente hiberno ad
occidentem hibernum. Meridiano cardine silvae ebeno maxi-
me virent; a media ejus parte imminens mari mons excelsus,
aeternis ardet ignibus, Theon ochema dictus Graecis : a quo na-
vigatio quatridui ad promontorium, quod Hesperion ceras vo-
catur, confine Africae juxta Aethiopas Hesperios. » (Hist. Nat.,
liv. vi, sec. xxxv). No capitulo xxxi, sec. xxxvi, o mesmo Pli-
nio diz: «Polibius in extrema Mauritânia contra montem Atlan-
tem a terra stadia octo abesse prodidit Cernem. Nepos Corne-
lius ex adverso maxime Carthaginis a continente passus mille :
non ampliorem circuitu duobus millibus. Traditur et alia in-
sula contra montem Atlantem, et ipsa Atlantis appellata. Ab
ea quinque dierum navigatione solitudines ad Aethiopas Hes-
perios, et promontorium, quod vocavimus Hesperion ceras, inde
prímum circumagente se terrarum fronte in occasum, ac maré
Atlanticum contra hoc quoque promontorium Gorgades insu-
lae narrantur, Gorgonum quondam domus bidui navigatione
distantes a continente, ut traditXenoplion Lampsacenus. » D'es-
tas indicações de Plinio, acerca da posição do promontório que
os antigos denominavam Hesperion jceras, nada se pode con-
cluir senão que o próprio Plinio estava longe de ter ideas cla-
ras a tal respeito. Dois são os logares geographicos tomados
como pontos de referencia para se determinar a posição do
a. 6
82
não ha outras ilhas senão estas, pêra que digamos
Hesperion ceras na costa occidental d' Africa: o monte deno-
minado cTheon ochema» ou t Carro dos Deuses» e a ilha Cerne.
No celebre périplo da viagem que Hannon fez na era de 570
ant. de Christo, — viagem que foi por séculos o fundamento dos
conhecimentos que, gregos e romanos, possuíam acerca da
costa occidental da Africa, — encontram-se sobre a ilha Cerne e
o monte «Theon ochema» informações que teem dado origem
a ritimerosos commentarios. Depois de transpor as Columnas
de Hercules e estabelecer na costa d' Africa diversas colónias,
Hannon chegou ao rio Lixos. Qual seja este rio, é um dos pon-
tos em que os commentadores não estão de accordo. Uns que-
rem que seja o rio de Larache; outros o rio de Marrocos, o
Tensift; outros, emfim, pensam, e é esta a opinião hoje mais
seguida e a mesma que se encontra no commentario do piloto
portuguez, citado no primeiro volume de Ramusio, que o rio
de que falia o périplo; é o rio Suse, ao sul do cabo de Gué.
(Gosselin. Rech. sur la Geog. des Anc, vol. i, pag. 75. — Hee-
ren. Hist. Resear, vol. i, appendix, pag. 494. — Ra m., vol. i,
0. Í23, ed. de 1550.— Major. The Lif. ofPr. Henr., pag. 91).
Passado o rio Lixos, navegou Hannon ao sul por uma costa
deserta ; depois a leste. Ao fundo de uma bahia, encontrou uma
ilha pequena a que poz o nome de Cerne (in qua habitatores
reliquimus et Cernem nominavimus). Onde era esta ilha Cer-
ne, situada ao sul do rio Lixos, próximo de terra, no fundo
de uma bahia, com um circuito apenas de cinco estádios, e onde
Hannon estabeleceu a ultima colónia de carthaginezes?N'este
ponto levantaram-se entre os geographos difficuldades não me-
nos graves do que em relação ao Lixos. Gosselin suppõe que
ilha Cerne é a que actualmente se chama Fidalla, a 33° l / 2
de lat. N. Heeren põe a ilha em 31° l / 2 ou 30° l / 2 , isto é, pró-
ximo do Mogadoiro ou de Santa Cruz. Vivien de St. Martin,
citado por Major, julga que o nome de Cerne foi posto i actual
83
que possão ser as gorgonas, nem outro promontório
ilha de Herne, que se encontra na bacia marítima que os na-
vegadores portuguezes chamaram o Rio do Ouro. O piloto por-i
tuguez de que falia Ramusio, pensa que Cerne era uma das
ilhas de Arguin, onde a costa faz uma curva para o levante:
e esta é também, com pequena differença, a opinião de Ren-
nel, o qual situa Cerne a 20° de lat. N. De todas estas, a opi-
nião mais plausível e a que melhor condiz com as indicações
que se encontram no périplo, é a que identifica a ilha Cerne
com a moderna Herne. D'esta ilha, como observa Heeren, co-
meçaram as viagens de exploração propriamente ditas; pois
que até ali Hannon foi estabelecendo colónias em diversos to-
gares da costa,, sendo a ultima colónia a que fundou na ilha
de Cerne. Duas foram as viagens de Hannon da ilha de Cerne
para o sul : uma que se alongou até um largo rio que parece
haver sido o Senegal : a segunda que desceu muito mais ao
sul, e que especialmente merece a nossa at tenção. Depois de
doze dias de viagem para o sul de Cerne, Hannon encontrou
um monte coberto de arvores que exhalavam suave perfume;
concordando os commentadores, e com razão, em que esse
monte não podia ser senão o Cabo Verde. Transposto o cabo,
abriu -se diante do ousado navegador uma immensa bacia for-
mada pela costa; a breve indicação que se encontra no péri-
plo, deixa-nos na convicção de que se refere ao vasto braço
de mar, onde vem lançar as suas aguas o rio Gambia. Depois
de mais alguns dias de viagem chegaram á grande babia que
os interpretes disseram ser o «Hesperion Ceras.» Aqui se en-
contra uma ilha grande na qual ha um lago de agua salgada.
Navegando ainda por um paiz onde o calor era incomportável,
e em que tudo lhe parecia estar ardendo, descobriu Hannon
um monte coroado de fogo que se erguia até ao ceo: era o
Carro dos Deuses, o «Theon ochema.» Três dias depois de sul-
car torrentes de fogo, chegou ao cNotu ceras» bahia ao fundo
6«
84
mães illustre que este do cabo verde, e que com
tanta Rezão possa ser o hesperu serás. Porém se ou-
da qual havia uma ilha na forma semelhante á anterior, e ha-
bitada por selvagens, a maior parte mulheres, com o corpo co-
berto de hirtos cabellos. Fallando das Gorgonas, e alludindo a
esta parte da viagem de Hannon, diz Plinio: cPenetravit in
eas Hanno Poenorum Imperator, prodidit que hirta femina-
rum corpora, viros pernicitate evasisse: duarunque Gorgonum
cutes argumenti et mirandi gratia in Junonis templo posuit,
spectatas usque ad Carthaginem captam.» O Carro dos Deu-
ses, deve, segundo os commentadores, estar situado mais ou
menos perto do Equador, o que é consequência da maneira
porque elles apreciam a extensão da viagem do navegador car-
thaginez. Em quanto Gosselin vô o limite d'essa viagem no
cabo de Não, Rennel alonga-a até á Serra Leoa. O piloto por-
tuguez já citado, formulou primeiro a opinião de que o cele-
bre «Theon ochema» era a Serra Leoa: os commentadores
modernos, pela sua maior parte, concordam com esta maneira
de vêr. Sobre qual fosse a ilha d 'onde Hunno trouxe as duas
peites de Gorgonas ou gorilhas, ha também desacordo entre
os commentadores do périplo. Esta ilha no parecer do piloto
portuguez é a de Fernando Pó: o sr. Major adopta a opinião
de que é a ilha hoje chamada Scherborough. O que fica dito
basta para mostrar que o Cabo Verde não é, como opina o
Roteiro, o hesperu serás de Plinio, nem as ilhas de Cabo Verde
são as Gorgonas. Verdade é, que o Roteiro diz também que o
hesperu serás poderia ser a ponta da Serra Leoa; mas não lhe
parece acceitavel esta opinião, por causa da situação geogra-
phica das Gorgonas relativamente ás Fortunadas. Lançando,
porém, os olhos para o que escreve Plinio, todas as dificul-
dades desapparecem; pois se reconhece que elle, como os an-
tigos geographos, nada sabia de positivo acerta das ilhas Hes-
88
uermos de conieclurar estas conferencias polias ta*
uoas de Ptolomeo 1 , oulhando a altura, a longura do
Promontório hesperu serás, parecemos ha auello en-
tão de ser a ponta da serra lioa, comtanto que as
ilhas do cabo verde, ou gorgonas, sejão as fortuna-
das, o que não he rezão, porque em tal caso as nos-
sas alturas e longuras se conformão com as de Pto-
lomeo, as quaes altura s e. longuras ficão muy diffe-
rente s, fazendo das Canareas as ilhas bemauentura -
das, como he justo e opinião comum ; assi que nesta
parte não d euemo s estar por Pt olome o, nem heho-
nesto p odersse cuydar que estas ilhas do cabqjerde
peridas, das Gorgonas, e, em geral, das ilhas do Atlântico. De-
pois de dizer das Gorgonas o que acima citamos, Plinio pro-
segue: cAdeoque omnia circa haec incerta sunt, ut Statius Se-
bosus a Gorgonum insulis praenavigatione Atlantis dierum
xl, àd Hesperidum insulas cursum prodiderit, ab iis ad Hes-
peru ceras unius. Nec Mauritaniae insularum certior fama est.
Paucas modo constai esse ex adverso Autololum, a Juba re-
pertas, in quibus Gaetulicam purpuram tingere instituerat.»
O que fica dito mostra bem que o Hesperion Ceras de Plinio
não era o Cabo Verde, e que das Gorgonas nada se sabia. O
estudo comparado dos mappas e dos escriptos dos cosmogra-
phos, anteriores ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde
pelos portuguezes, mostra evidentemente que d 'estas ilhas nada
se sabia, até então, e que os cosmographos não faziam mais
do que conservar, mal definidas e vagas, as tradições da anti-
guidade.
1 Ptolomeo tauoa 3 de Africa. Nota do auctor.
86
sejao as fortunadas, como quer que a^esterillidade
delias e destemp erança de ar sejao de todo j> ponto
contrairos ao qu e se es çreue da fertelidade esuauis-
simos ventos e arçs d^fortunadas, as quaes quali-
dades se achão nas canareas. Destas ilhas de cabo
verde 370 legoas a loeste 1 passa o merediano que
detremina a conquista e nauegação de todo o vni-
uerso entre os Reys de Portugal e Castella, a saber,
180 grãos deste merediano pêra o oriente é dos
Reys de Portugal, e outros 180 pêra a parte do oc-
cy dente, dos Reys de Castella: esta contia de grãos
e caminho que pertence a Portugual, atee o dia de
oie não são acabados de nauegar. Porque as armas
dos Portugueses somente são mostradas aos Pouos
da chyna e maluco, ficaiidolhe ainda muitos cami-
nhos pêra fazer pello oriente dentro atee chegarem
ao fim e termo dos 1 80 grãos, que per dereito lhes
pertence *.
1 Demarcação dos Reys de Portugal e Castella. Nota do au-
ctor.
2 É uma curiosa historia a da repartição do mundo entre
Portugal e Hespanha, por um meridiano traçado a 370 léguas
a oeste das ilhas de Cabo Verde. Quando em 1436 a navega-
ção dos portuguezes chegara já ao Rio do Ouro, uma bulia de
Eugénio iv dizia que, para satisfazer ao que por el-rei D. Duarte
lhe fora pedido, o pontifico concedera lettras apostólicas d'aqucl-
las cquae cruciata vulgariter nuncupantur, et similiter certas
insulas Canariae, quas ab infidelibus possideri, et in quibus
87
Nota que daqui em diante aiunlo a declinação aos
grãos que ha do sol ao orizonte, porquanto as som-
nullun Principem Christianum jus habere aut praetendere
asserebas, libi per alias nostras iitteras dedimus in conquestam,
prout in ipsis litieris latius continetur:» mas como depois D.
João, rei de Castella e Leão, se queixasse de que os seus in-
teresses haviam sido prejudicados, pois que esperava fazer a
conquista das terras d'Africa e das ditas ilhas, o papa, não
querendo oflender os interesses, quer do rei de Portugal, quer
do rei de Castella «sed conquestam dumtaxat ti bi concedere,
et prohibitionem tolerare, si et in quantum nemo alter et in
pracfatis insulis aliquod jus com peie re praetenderet» exhorta
D. Duarte a que examine, com prudente deliberação e ma-
duro conselho, as lettras apostólicas, e nada intente que re-
dunde em prejuízo dos direitos do rei de Castella, e possa le-
vantar futuros conflictos. (Lcvy, Btãlarium, tom. i, pag. 19).
Esta, que saibamos, foi a pnmeira vez em que o papa in-
terveiu nas questões entre os reis de Portugal e os de Cas-
tella, a respeito dos descobrimentos e conquistas das duas co-
roas. A intervenção do papa concedendo e tirando terras e po-
vos aos soberanos independentes, resultava de principios que
n'aquelles tempos eram geralmente reconhecidos, embora na
sua applicação encontrassem muitas vezes tenaz resistência. O
papa Urbano n, já em 1092, concedia de sua própria auctori-
dade a Córsega ao bispo de Piza. Em 1156, concedia Adriano
iv a Hibernia ao rei de Inglaterra, e na bulia de concessão
dizia: cSane Hiberniam, et omnes insulas, quae documenta
christianae fidei ceperunt, ad jus B. Petri, et Ecclesiae Roma-
nae, quod tua regia nobilitas ipsa cognoscit, non este dubium
perlinere.» A theoria em que se fundava esta doutrina, en-
contra-se exposta n'um escripto dirigido ao imperador Carlos
v, pelo bacharel Enciso, o auctor da Suma de geografia que
88
bras do estilo ao meo dia vão pêra a parte do sul, e
o sol anda nos sy nos da banda do norte ; e os grãos
em Sevilha se publicou em 1520. Enciso recorda ao impera-
dor, que em 1512 se haviam reunido em Burgos muitos mes-
tres theologos dominicanos e franciscanos, e com elles muitos
bispos e lettrados, para resolverem acerca do direito dos chris-
tãos a possuir indios, direito que os dominicanos da ilhaHes-
panhola contestavam em suas pregações. À douta congrega-
ção resolveu que se podia proseguir na conquista das terras
novamente descobertas reduzindo i escravidão os idolatras que
as occupavam. Em 1513, estando uma armada a partir para
a terra firme, vieram de novo os frades dominicanos «a es-
torval-o, dizendo que o rei não podia mandar conquistar os
indios. i Houve nova conferencia de theologos em Valladolid,
e ahi Enciso defendeu o que elle chama os direitos de Sua Al-
teza. Eis em resumo a argumentação de Enciso. A Abraham
e a seus descendentes deu Deus a terra de Promissão, habi-
tada e possuída por idolatras, que adoravam o diabo e blas-
phemavam de Deus. N'esta terra viveram Abraham, Isaac seu
filho, e seu neto Jacob; até Jacob, suas mulheres, e seus doze
filhos e seus netos irem para o Egypto. Estiveram os descen-
dentes de Jacob setenta annos no Egypto, d'onde os tirou Moy-
sés, conduzindo-os á terra da Promissão, que conquistaram a
ferro e fogo, lançando no captiveiro quantos escaparam á morte .
t E tudo isto se fez pela vontade de Deus, porque eram idola -
trás. » Exposta esta ai legação, prosegue Enciso, direi que aten-
do nós o papa em logar de Deus, e elle, como Senhor univer-
sal, havendo dado as terras das índias que possuiam idola-
tras, ao rei catholico, para que plantasse n'ellas o nome de
Deus e a nossa fé, o rei muito justamente podia mandar re-
querer a estes indios idolatras que lhe entregassem a terra,
pois o papa lh'a dera, e se a não quizessam dar, lhes podia fa-
89
que sobejão de 90, estarey da parte do norte, e os
que faltarem, ficarey da banda do sul.
zer a guerra, e tomar-lh'a á força e ainda por cima matal-os
e prendel-os, e dar como escravos os que fossem presos, como
Jusué fizera aos da terra da Promissão.» Depois de muito al-
tercar, e em vista da argumentação de Enciso, vieram n'isto
que elle dizia os theologos todos que compunham a catholica
assembléa. O bispo de Osma, porém, não concordava com esta
doutrina, e allegava em favor dos índios o ser o dominio e
posse que elles tinham de suas terras áejure gentium; mas a
sua opinião foi tida «por leviana e sem fundamento. t (CM.
de Docum. Inei. dei Ar eh. de Jnd., tom. i, pag. 441). A bulia
de Eugénio iv a D. Duarte, de 1436, recebeu definitiva con-
firmação nos capítulos addicionaes ao tratado de 1431, assi.
gnados em Toledo no anno de 1480. Estipula-se ahi por parte
dos reis de Castella, não perturbarem de nenhum modo os
reis de Portugal «na posse ou quasi posse em que estão em to-
dos os tratos, terras, resgates da Guiné com suas minas de
oiro, e quaesquer outras ilhas, costas, terras, descobertas, ou
por descobrir, achadas ou por achar, ilhas da Madeira, Porto-
Santo e Deserta, e todas as ilhas dos Açores, e ilhas das Flo-
res, e assim as ilhas de Cabo Verde, e todas as ilhas que agora
tem descobertas, e quaesquer outras ilhas que se acharem ou
concorrerem das ilhas de Canária para baixo contra Guiné,
porque tudo o que está achado, e se achar, conquistar ou des-
cobrir nos ditos termos, além do que já é achado, oceupado,
e descoberto, fica aos ditos reis, e príncipe de Portugal, e seus
reinos, tirando só as ilhas de Canária, Lançarote, Palma, For-
teventura, a Gomera, o Ferro, a Graciosa, a Gran-Canaria,
Teneriffe e todas as outras ilhas da Canária, ganhadas ou por
ganhar, as quaes ficam aos reinos de Castella.» O rei de Por-
tugal e o príncipe seu filho proroetteram não perturbar a posse
90
À noite de segunda feira toda a noite foy o vento
norte e nornoròeste; gouernamos ao* sul, e ginauão
pêra a quarta do sueste.
ou quasi posse que os reis de Castella tinham nas ilhas de Ca-
nária, acima citadas. (Soares da Silva, Mem. de D. João /, tom.
iv, pag. 330 a 336). Tinham então os portuguezes estendido as
suas navegações até ao cabo de Santa Catharina. O pensamento
de demandar as terras do oriente, d'onde vinham as especia-
rias, dominava sempre o espirito dos navegadores portugue-
zes, como o prova bem a bulia de 8 de janeiro de 1454, dada
pelo papa Nicolau v. Diz o papa que lhe chegara a noticiados
esforços feitos pelo infante D. Henrique para a propagação da
fé, e destruição dos pérfidos sarracenos, e de que ecum olim
ad ipsius Infantis pervenisset notitiam, quod nunquam vel
saltem a memoria hominum non consuevisset per hujusmodi
Oceanum maré versus meridionales, et orieniales plagas na-
vigari, illudque nobis occiduis adeo foret iocognitum, ut nul-
lam de partium illarum gentibuscertam notitiam haberemus,
credens se maximum in hoc Deo praestare obsequium, si ejus
opera, et industria maré ipsutn usque ad Indos, qui Christi no-
men colere dicuntur, navigabile fieret. . . regia tamen sem per
auetoritate munitus, a viginti quinque annis citra, exerci tu m
exdictorum regnorum gentibus, maximis cum laboribus, pe-
riculis, et expensis, in velocissimis navibus, caravellas nuncu-
patis, ad perquirendum maré, et provincias marítimas versus
meridionales partes, etPolum Antarcticum, annis singulis fere
mittere nom cessavir.» concede o papa ao rei de Portugal o já
conquistado «ipsum que conquestam, quam a capitibus de Bo-
jador et de Nam, usque per totam Guineam, et ultra versus
illam meridionalem plagam ex tendi harum serie declaramus,
etiam ad ipsos Alfonsum Regem, et suecessores suos, ac Infan-
tem, et non ad aliquos alios spectasse, et pertinuisse, ac in
91
CAMINHO.
Terça feira 23 dabril todo o dia foy o vento nor-
te; gouernamos ao sul, e ginauão pêra a quarta do
sueste : este dia fiz as operações que se seguem.
perpetuum spectare et pertinere de jure.» (Levy, Bullarium,
tom. i, pag. 31). Poucos annos depois de approvados os ca-
pítulos addicionaes ao tratado de paz, e confirmados por bulia
do papa Sixto iv em 1481 (Buli tom. i, pag. 47), chegava a
Lisboa, de volta da sua primeira viagem ás índias occidentaes,
Christovào Colombo. Este successo fez com que D. João u jul-
gasse em risco o descobrimento e conquista da Índia pelos por-
tuguezes, para o qual havia largo tempo se andava preparando.
Seis annos antes, em 1486, Barlholomeu Dias dobrara o cabo
Tormentoso, ao qual D. João u pozera, na esperança de poder
brevemente navegar até ás opulentas regiões do Oriente, o
nome de Cabo da Boa Esperança. No anno seguinte de 1487,
quasi seguro já de que a índia não ficava longe do termo da
navegação dos portuguezes, mandara por terra a percorrer a
índia e a Ethiopia a Pedro da Covilhã e Aflbnso de Paiva, ho-
mens ambos muito sabedores dos costumes e linguas do orien-
te: e emquanto por esta e por outras vias esperava alcançar
certas informações do que tanto desejava saber, dispunha a
armada que havia de ir ao descobrimento da índia pelo Cabo
da Boa Esperança. Foi nestáconjunctura que Colombo aportou
a Lisboa, acossado por um temporal. (António. Galvão, Tra-
tado, ed. da Hack. Soe, pag. 77 e 83.— Barros, Dec. i, liv.
tu, cap. iv, v e xi. — Rezende, Ghron. de D. João n, cap. cevi).
Antes de entrar ao serviço de Castella, tinha Colombo pro-
posto a D. João n ir em busca do caminho da índia pelo oeste :
92
Primeira operação ante ç meo dia.
Estando o sol em altura de 42 grãos
ho estilo lançou a sombra 78 grãos
contando do norte pêra a banda do loeste.
os estados cosmographicos que fizera durante os seus primei-
ros annos, e os conhecimentos que adquiriu e observações que
teve occasião de fazer, desde 1470 até 1484, em Portugal, onde
casou, e na ilha do Por to- San to, firmaram-lhe no espirito a
convicção de que navegando a oeste, se poderia chegar em
pouco tempo â ilha de Cypango, ao Cathayo, ás ilhas das es-
peciarias, ao paiz, em fim, das maravilhas que descreveu Marco
Paulo. cE vendo elle (Colombo), diz João de Barros (Dec. i,
liv. m, cap. xi), que el-rei D. João ordinariamente mandava
descobrir a costa de Africa com intenção de per ella ir ter á ín-
dia, como era homem Latino, e curioso em as cousas da Geo-
grafia, e lia per Marco Paulo, que fallava moderadamente das
cousas orientaes do reino Cathayo, e assi da grande ilha Ci-
pango, veio a fantaziar que per este mar oceano occidental se
podia navegar tanto, té que fossem dar nesta ilha Cypango, e
em outras terras incógnitas. » O próprio Colombo, no prologo
ou carta dirigida aos reis catholicos, que precede a relação da
sua primeira viagem ás índias occidentaes, diz o seguinte:
«... por la informacion queyo habia dado a vuestras Altezas
de las tierras de índia, y de un Príncipe que es llamado Gran
Can. . . vuestras Altezas. . . pensaron de enviarme á mi Gris-
tobal Cólon á las dichas partidas de índia para ver los dichos
príncipes, y los pueblos y tierras. . . » CM. de los viaj. y des-
cub. Fer. Navarrete, tom. i, pag. 153 e 184). Em carta quede
Lisboa escrevia a Luiz de San tangei, por occasião da sua ar-
93
Segunda operação ante meo dia
Estando o sol em altura de 60 grãos £
ho estilo lançou a sombra 77 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
ribada, dizia elle: t Quando yo llegue a la Juana segui yo la
costa delia ai ponieilte y la falle tan grande que pense que se-
ria tierra 6rma la prouincia de Catayo.» (Leters of Chris. Co-
lombo. Hack. Soei., pag. 2). Esta illusão que Colombtf conser-
vou por largos annos, provinha das opiniões que vogavam en-
tre os geographos antes de conhecido o novo mundo. Lançando
os olhos para o Globo de Behaim, reproduzido pelo dr. Ghil-
lany, na sua memoria sobre este notável cosmographo, vè-se
que 1492, data inscripta sobre o globo e que é também a da
primeira viagem de Colombo, se julgava existirem no hemis-
pberío norte, e a oeste da Europa e Africa, além dos Açores,
Canárias e ilhas de Cabo Verde, as tradicionaes ilhas Antillia
e de São Brandão, assim como a grande ilha de cCipango»
descripla por Marco Paulo. Mais a oeste da ilha de Cypango
estão traçadas as numerosas ilhas onde, segundo Marco Paulo,
se produzem as especiarias e abundam pedras preciosas e mi-
nas de oiro. Passadas estas ilhas chega-se logo ao Cathayo e
is regiões das maravilhas que no seu livro descreve o celebre
viajante veneziano. (Dr. Ghillany. Geschichte des Seefahrers rit-
terM. Behaim. — Murr. Hist. dipl. du chev.port. M. Behaim. —
The book of ser Marco Paulo, by Henr. Yule, vol. n, liv. m,
cap. u, pag. 199 e cap. iv, pag. 209, ed. de 1871). As opi-
niões geographicas de Behaim, que representa um eminente
papel na historia dos progressos da navegação em Portugal,
onde viveu alguns annos ao mesmo tempo que Colombo, não
04
Primeira operação depois do meo dia
Estando o sol em altura de 60 grãos {
ho estilo lançou a sombra 88 grãos
contando do norte pêra a banda de leste:
podiam deixar de influir na empresa a que este, com tão
grande risco, se aventurou. Behaim contribuiu para a con-
strucção do astrolábio adaptado á navegação, proximamente
por 1480, e pouco depois Colombo propoz a D. João n o seu
projecto de descobrimento da ilha Cypango e reino Catayo na-
vegando pelo oeste. Segundo a historia que Fernando Colombo
escreveu do almirante seu pae, este occupou-se algum tempo
em Lisboa a traçar cartas que vendia ; e entre os livros que espe-
cialmente estudava contam-se os de Marco Paulo e João de Man-
deville (Wash. Irving. Vie de Colombo, tom. i, pag. 39, ed. [de
Par. 1864) : ora sobre o Globo de Behaim de 1492, lê-se que,
além da parte d'elle traçada, segundo Ptolomeu, ha uma parte
traçada segando «Marco Paulo que, de Veneza, viajou no
Oriente, no anno de 1250, assim como segundo o que o res-
peitável doutore cavalheiro JoãodeMandevilledisse,em 1322.»
Assim pois a conformidade de opiniões e de estudos entre Co-
lombo e Behaim é evidente. Estas eram também as idéas que
actuavam no animo de D. João n quando, ao ter noticia da
chegada de Colombo a Lisboa c próceres in consilium vocat,
quid in praesentia decernendum foret, agitaturos.i (Telles da
Silva. De rebm ge&tis Joan. n, pag. 364). Já em 1474 o rei de
Portugal mandara consultar Paulo Toscanelli, um astrónomo
e cosmographo florentino, celebre n'aquelle tempo, sobre via-
gem ás índias pelo oeste; como se vé da copia da carta d'este
ao cónego de Lisboa Fernando Martins, que se acha n'uma
95
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia i i grãos, cuja ame-
carta que posteriormente escreveu a Colombo, cônsul tando-o
este sobre a sua ousada empresa. (Fero. Colombo. Historiado
Almirante, cap. vu). Não é pois para admirar que a nova da
viagem do almirante de Castella causasse grande magua a D.
João h, e grande regosijo aos reis catholicos. Nem um nem
outros pensavam que Colombo acabava de descobrir um novo
mundo, mas sim que havia devassado pelo oeste o caminho
das índias, que os portuguezes trabalhavam havia muitos an-
nos para achar, circumnavegando a Africa. Para levantar uma
barreira aos navegadores portuguezes e aos das outras nações,
que os não deixasse penetrar nos mares e ilhas por Colombo
descobertas, os reis catholicos recorreram ao papa Alexandre
vi). Prescotl. Hist. de Fern. et tflsab., tom. 11, pag. 280, ed.
de 1862, Haris). Por duas bulias de 4 de maio de 1493, cin-
coenta dias depois de entrar o almirante no porto de Saltes, o
papa satisfazia os desejos dos reis de Castella e Leão. Uma das
bulias concede, a estes e seus descendentes, as terras firmes,
ilhas remotas e incógnitas, descobertas e por descobrir, para
as partes occidenlaes e mar oceano, com os mesmos privilé-
gios, immunidades, graças e liberdades anteriormente conce-
didas aos reis de Portugal nas partes d'Africa, Guiné e Mina
de Oiro. A outra bulia da mesma data confirma a concessão,
e manda traçar uma linha <a polo Árctico, scilicet Septen-
trione ad polum antarctium, scilicet Meridiem sive terrae fir-
mae et insulae inventae et inveniendae sint versus lndiam,
aut versus aliam quamcunque partem, quae linea distet a
qualibet insularum, quae vulgariter nuncupatur de los Azo-
tes et Cabo Verde, centum leucis versus occidentem et Me-
ridiem.» (Levy, Bullarium, tom. i, pag. 270 a 273). D. João
n tratou logo de preparar uma armada para ir contra aquel-
96
tade he 5 J, que he a quantidade que agulha neste
lugar nordestea.
las partes do occidente, a tomar o passo aos castelhanos; mas,
com negociações e delongas, os reis catholicos o impediram alé
Ch ris to vão Colombo partir segunda vez para proseguir nos
seus descobrimentos.
Para dar ás concessões de Roma uma forma mais definida,
de accctrdo com os interesses das duas nações, reuniram-se a
7 de junho de 1494 em Tordesillas os delegados do rei de
Portugal com os dos soberanos de Castella e Leão, a fim de
lançarem as bases de um tratado que as circumstancias torna-
vam necessário para se não quebrar a paz. No celebre tratado
de Tordesillas estabeleceu-se que t se haga, e senale por el di-
cho mar Oceano una raya, ó lioea derecha de polo a polo;
convien a saber, dei polo artico, ai polo antartico, que es de
Norte a Sul, la qual raya, ó linea se aya de dar, e de derecha,
como dicho es, a trecientas e setenta legoas de las yslas dei Cabo-
Verde, hasia la parte dei Poniente, por grados ó por otra ma~
nera, como mejor y mas presto se pueda dar, de manera que
no sean más. . . », e todas as terras firmes ou ilhas, descober-
tas ou por descobrir que ficarem a levante da raia fiquem ao
rei de Portugal e seus successores, e tudo mais ao rei e rai-
nha de Castella, Aragão, etc. Para mais seguramente se lan-
çar a linha de demarcação, concordaram os negociadores em
que dentro de dez mezes os seus constituintes mandassem cdós
ó quatro caravelas, convien a saber, una ó dós de cada parte,
ó mas ó menos, ?egund se acordarem por las dichas partes
que son necessárias, las quales parael dicho tiempo sean jun-
tas en la ysla de la Gran Canária; y enbien en ellas cada
una de las dichas partes, personas, asy pilotos como astrólo-
gos, e mariueros, e qualesquier otras personas, que conven-
gan, poro que sean tantos de una parte como de otra. ... los
97
Segunda operação de depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 42 grãos
ho estilo lançou a sombra 87 grãos
contando do norte pêra a banda de leste:
quales dicbos navios, todos juntamente continuen su camino
a las dichas yslas dei Cabo.-Verde, e desde alli tom ara n su
rota derecha ai Poniente hasta las dicbas trecientas c setenta
léguas, medidas como las dichas personas, que asy fueren, açor»
daren que se devrn medir, sin prejuicio de las dichas partes, y
alli donde se acabar en, se haga el punto, e senal queconvenga,
por grados de Solo de Norte, epor singradura de legoas, 6 como
méjor se podieren concordar. La qual dicha raya senalen, desde
el dicho polo artico ai d icbo polo antartico, que es de Norte a Sul,
como dicho es, y aquello que senalaren lo escrivan, e fírmen de
sus nombres las dichas personas», e se a raia encontrar alguma
ilha ou terra firme, acrescenta o tratado, ali se levante um si-
gnal ou torre, e assim por diante outros signaes ou torres ao
longo da dita raia. A pedido de D. Manuel o papa Júlio n san-
cionou com a sua auctoridade o tratado de Tordesillas, por
uma bulia de 24 de janeiro de 1506; isto prova só por si que
as infracções ao tratado eram frequentes, porque de outro
modo a bulia de Júlio ii, doze annos depois do tratado, seria
desnecessária. A linha de demarcação nunca fora traçada, não
só por que o não desejavam nem hespanhoes nem portuguezes,
mas porque os meios de que dispunha a sciencia de então,
não permittiam determinar precisamente as distancias em lon-
gitude, e as medidas, e grande parte das regiões da terra, eram
ainda desconhecidas. Ainda no tratado de limites entre as pos-
sessões de Portuga] e de Hespanha na America, assignado
b. 7
98
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia li grãos, e meo
em Madrid em 1750, se diz que o referido tratado se nego-
ciou no intento cde tirar todos os pretextos e albanar os em-
baraços, que possão ao diante alterar (a amisade entre as doas
nações), e particularmente os que se podem ofierecer com o
motivo dos limites das duas coroas, cujas conquistas se tem
adiantado com incerteza e duvida por se não haverem averi-
guado até gora os verdadeiros limites daquelles domínios, ou
a paragem donde se ha de imaginar a linha divisória, que havia
de ser o principio inalterável da demarcação de cada coroa, »
Depois do tratado de Tordesillas as expedições, tanto portu-
guezas como castelhanas, em transgressão d'este, tiveram lo-
gar com frequência. O Esmeraldo de Duarte Pacheco, dá-nos
noticia da que suppomos ser a mais antiga d'essas viagens.
nobre caracter de Duarte Pacheco, e o facto de ser o seu li-
vro dirigido a D. Manuel, que ordenara a expedição, não nos
deixa duvida sobre a verdade do facto, apesar dos auctores
até hoje, que saibamos, a elle se não referirem. Eis o trecho
do Esmeraldo, a que nos referimos: «bem abenturadò Prín-
cipe (falia a el-rei D. Manuel), temos sabido e visto como no
terceiro anno de vosso reynado do hano de nosso Senhor de
mil e quatro centos e noventa e oito, donde nos vossa alteza
mandou descobrir ha parte oucidental passando alem ha gran-
deza do mar ociano honde ha hachada e navegada huma tam
grande terra firme com muitas e grandes ilhas ajacentes a
ella, que se estende a setenta graaos de ladeza da linha equi-
nocial contra o polo artico, e posto que seja asaz fora (fria?)
he grandemente pouorada, e do mesmo circulo equinocial torna
outra vez e vay alem de vinte e oito graaos e meo de ladeza
contra ho pollo antartico e tanto se dilata sua grandeza e corre
com muita longura que de huma parte nem da outra nom foi
90
delles será 5 {, que he a quantidade que agulha
neste lugar Dordestea.
visto nem sabido ho fim e cabo delia, pello qual segundo ha
bordem que leua he certo que vay em circoyto per toda a re-
dondeza, assim que temos sabido que das prayas e costa do
mar destes reynos de Portugal e do promontório de finis terra
e de qualquer outro lugar da Europa e d' Africa e d'Asia, atra-
vcsando alem todo o oceano direitamente ha oucidente ou ha
loest segundo hordem de marinharia por trinta e seis graaos
de longura que serom seis centas e quarenta e oito léguas de
caminho, contando ha dezouto léguas por graao e ha lugaares
algum tanto mais longe ho hachada esta terra nom naucgada
pellos nauios de Vossa Alteza e por vosso mandado e licença
os dos vossos vassalos e natura es, i findo por esta costa sobre-
dita do mesmo circulo equinosial em diante per vinte e oyto
graaos de ladeza contra o pollo antratico he hachado nella
muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os nauios
nestes reynos vem grandemente carregados.» (Duarte Pacheco,
Esmeraldo, liv, i, cap. x, fl. 6. Mss. da B. N.) Com risco
mesmo de alongar demasiadamente esta nota, parece-nos con-
veniente publicar na intrega o curioso trecho do Esmeraldo,
que prova ter tido logar em 1498 a primeira expedição dos
portuguezes á America, e haver-se annos depois estabelecido
um commercio irregular para as regiões do Brasil. Em 1500
partiu Pedro Alvares Cabral para a índia, indo primeiro ás
ilhas Canárias, e navegando depois a loeste até ver terra da
America e ancorar em Porto Seguro (Dam. de Góes, Chr. de
D. Manuel, part. i, cap. 55); e logo no anno seguinte mandava
D. Manuel um mensageiro a Sevilha para solicitar Américo
Vespucio a acompanhar a expedição portugueza que ia a des-
cobrir as terras do Brasil (Navarreto, Col. de los Vinj. tom. in,
pag. 264). Ao passo que se emprehendiam estas viagens, par-
7.
100
Este dia torney a experimentar a altura do sol a
toda a ora do dia, e tomando as duas alturas de
tia de Lisboa do come ço do verão de 1500, João Yaz Corte Real
a cdescubrir terras pêra ban da do norte, porque pêra do Sul
tinham já outros descuberto muitas» e descobriu «huma terra
que por ser muito fresca e de grandes arvoredos, como o sam
todas as que jazem pêra quella banda, lhe pos nome terra
verde.* (Dam. de Góes, Chr. de D. Manuel, part. i, cap. 76).
O respeito pela bulia de Alexandre vi e pelo tratado de Tor-
desillas não era maior em Castella do que em Portugal. PTuma
exposição mandada pelo rei de Castella ao de Portugal em
1513, queixa-se aquelle das infracções praticadas pelos por-
tuguezes contra a demarcação, e de que, sob color de ir ao
Brasil, alguns navios saidos de Portugal, iam á então chamada
Castella do Ouro, fórà da demarcação portuguezae ao mesmo
tempo, diz a referida exposição, que alguns súbditos do rei
de Castella haviam sido justiçados por mandado de D. João u,
em consequência de haverem tocado no que ao dito rei per-
tencia, e egualmente se mandou fazer justiça em Portugal de
Diogo de Lepe eseus companheiros de que muitos morreram
no cárcere. (Hss. do Arch. Nac. Corp. Chron., part. m, Maç.
5, doe. 24). A 10 d 'agosto de 1519 partiu Fernão de Maga-
lhães para a sua ousada viagem em busca da passagem para
o paiz das especiarias pelo sul, encontrando o estreito que já
vira traçado n'uma carta que possuia D. Manuel: e ainda que
este facto tem sido contestado, o que é certo é que elle é af-
firmado por A. PigafFela que acompanhou Magalhães na sua
viagem, atlribuindo a carta aBehaim, que elle chama como
os portuguezes Marlim de Bohemia (Pigaffeta, Primo viag.
etc., pag. 36, ed. de Milão, 1530), assim como é certo tam-
bém que o estreito a que se deu o nome de Magalhães, está
traçado no Globo de Schoener de Nuremberg, datado de 1520.
101
polia merihãa com a variação da sombra do estilo,
que foy hum grão, passandome á poma, obrando pella
(Murr. Hist. de M. Behaim, pag. 47.— Ghillany, ob. c, copia
do 61. de Schoener). O compatriota de Behaim não podia co-
nhecer os resultados da viagem de Magalhães, que só em 28
de novembro de 1520 passou o estreito (Pig. ob. c, liv. n,
pag. 43). Em 6 de setembro de 1522 entrou cm S. Lucar a
nau Victoria, resto destroçado da expedição de Fernão de Ma-
galhães, e um anno depois, Pedro Corrêa e o dr. João de Fa-
ria, expunham em Burgos a Carlos v as queixas de D. João
m, defendendo o direito de propriedade e a posse dos por tu-
guezes nas ilhas de Maluco. Em resultado d'esta negociação,
chegou-se ao accordo de nomear cada um dos soberanos três
lettrados, três astrólogos, três pilotos e marinheiros, os quaes-
juntando- se na raia de Portugal e Hespanha, decidiriam «cujo
é o dito Maluco, e em cuja demarcação cáe e assi sobre a pos-
sissom dellc.» Pondo de parte o que respeita á disputa en-
tre os lettrados, que não chegaram a accordo algum, dare-
mos apenas ligeira noticia acerca da questão que immediata-
mente interessa a demarcação. Tratava-se de determinar por
onde devia ser lançado o meridiano posto como limite en-
tre os denominados direitos de Portugal e,de Hespanha: era
uma questão grave que os cosmographos não sabiam resolver,
e em que ás difliculdades da seiencia se juntavam as que cada
uma das partes levantava voluntariamente, a fim de alargar
o limite dos seus descobrimentos e conquistas, e ficar senhor
das ilhas das especiarias. Todos os documentos d'aquelle tempo
provam quanto era vago e incompleto o conhecimento da terra.
Muitos homens mais ou menos notáveis se oceupavam em de-
senhar cartas, c cm traçar espheras terrestres ou pomas; os
viajantes tratavam de acrescentar ou corrigir as cartas de ma-
rear existentes com o frueto dos seus descobrimentos : a exa-
1C2
maneira acostumada, achey que estauamòs em 12
grãos e |: esta altura mandey em hum escrito cer-
rado ao Piloto, e sendo oras de meo dia, tomamos
c ti dão porém, estava longe de se poder alcançar, e muitas ve-
zes interesses políticos faziam alterar a verdade. Em 1518 o
licenciado Âlonso de Cuaco escrevia de Santo Domingo ao im-
perador, fallando da demarcação, feita «por certas linhas ima-
ginarias que se não tiraram, por que ainda que enviaram cer-
tos pilotos para fazer uma demarcação, e assentar estas linhas
e pontos donde haviam de estar, como esta seja divisão de lon-
gitudes em que os pilotos não sabem coisa alguma nen intendem
não poderam nem souberam fazer coisa certa, e aoi voltaram
sem fazer nada* . (Coll. de Docum. d*arch. d^ índias, vol. i, pag.
296). Sobre o negocio da demarcação mandou o duque de
Bragança, que muito se occupava de cosmographia, seus apon-
tamentos a D. João iii. N'esses apontamentos affirma o duque
que se não pode a demarcação fazer pelas cartas, porque es-
tas t tem falcidades por mil maneiras; a huma he falcidade,
que nellas se nom pode emendar por ninhua maneira, nem
ainda polia que Symon Fernandez diz que achou, a meu ver,
por a differença que ha hi de plano a espcrico, donde nom so-
mente ha hi falcidade nos circullos menores, mas desta falei-
dade dos circullos menores resulta gram falsidade no circullo
mayor, como se mostra por experiência na Poma, pello papel
da Costa, que o duque fez dês do Estreito até o Cabo de Guarda
fui, donde resulta emfim da falsidade no circullo mayorasen-
tada a Costa na Poma.» A estas falsidades acrescem muitas
outras, de modo cque cilas mesmas antre si são diformes as
mais delias» e não pode ser menos «que o que se faz por es-
timativa de muitos, cada um julga segundo a sua, assenta, e
emenda, e correge como lhe apraz»: e mais adiante diz «e
como nisto da longura nom se possa dar nenhua regra certa
103
todos o sol, e eu me achey em 12 grãos [ e o Pi-
loto em 12 grãos \, o mestre em 13 grãos, o cala-
fate em 12 grãos e |.
por estimativa, deixão-no estar assy, como está até que as cou-
zas se determinem por arie do Ceo, e dos Eclipsis e conjucção,
que nom se podem negar.» cPolas Pomas não se pode fazer
demarcação, porque as Pomas são feitas a beneplácito, accres-
centa o duque, e nom por esperiencia e saem de fonte turba.»
Quanto ao modo de medir, e determinar a linha de demarca-
ção, opina o duque o seguinte: «Quando se houvesse de me-
dir o mundo, e polas léguas, o qual está provado ser falço,
avia-se de medir todo ao redor, e nom por huua só parte, a
saber, navegando-se pola nossa navegação certos navios, e pola
navegação, que o Emperador agora achou do seu Estreito, por
honde foy Magalhães, outros certos navios: então ajuntando-se
huus com outros lá no cabo, estimarião o que cada hufi tivesse
andado, e assy se poderia partir, postoque, como acima dito
he, a estimação he cousa tão enganosa, e se deve de insistir
nás cousas de demonstração, que não tem contradição.»
Em quanto ao traçado completo do meridiano da partilha,
por um e outro hemispherio, concluem os apontamentos do
duque, assim: «E ainda se nom pode fazer a demarcação ver-
dadeiramente indo ao Levante, sem primeiro se fazer a de-
marcação do Ponente, que nas Capitulações faz menção, e feita
aly polas esperiencias, com que se deve fazer, daly resulta a
se fazer a do Levante, porque mal se poderá fazer a do Le-
vante sem seer verificado o ponto da do Ponente, segundo se
ha de partir pola metade.» (Mss. do Arch. Nac. Apontamentos,
etc. Gav. 18, maç. 5, num. 3). Em resultado d'estas e dou-
tras prévias consultas, D. João m, no regimento que em 24
de março de 1524 deu aos seus delegados na raia, diz: «Os
astrólogos e marinheiros, que enviamos para o caso da pro-
101
NOTAÇÃO FAMOSA.
Porque yá pôde ser eifi alguas pessoas que se
quiserem aiudar deste eslromento, pêra por elle vi-
rem em conhecimento do nordestear das agulhas,
priedade e juizo dela, e da demarcação pelo que está capitu-
lado pelas primeiras capitulações, e pela verdade, segundo
suas sciencias e consciências estan assentados que por nenhum
modo se pode fazer a demarcação, salvo tomados lá e cá os
eclipses da lua, e posto que hajam de praticar no modo, asi
pellas cartas de marear, como pelas pomas, esta é a verda-
deira e final determinação em queam d'assentar, e asi parece
que de necessário se ham de assentar os de lá, se com malicia
outra cousa nom fizerem.» (Mss. do Arch. Nac, Lembranças
sobre o que praticariam, etc. Gav. 18, maç. ti, num. 7). Nas
conferencias em Badajoz e Elvas levantaram-se grandes dissi-
dências. As cartas por uns e outros apresentadas continham
grandes divergências na longitude e latitude das terras. As
ilhas de Cabo Verde, logar d'onde devia partir a medição das
370 léguas até á linha de demarcação, não estavam assentes
na carta que primeiro apresentaram os castelhanos, e acerca
da ilha que havia de ser tomada como ponto de partida da
medição, mostrou-se o mais completo desaccordo. Os delega-
dos de cada paiz queriam, em conformidade com as suas opi-
niões geographicas, lançar a linha divisória de modo que as
Malucas ficassem comprehendidas no hemispherio que per-
tencesse ao seu soberano. Á vista d'isto os delegados de Por-
tugal declararam: t Cartas de marear nom serem estrumento
pêra se por ellas setuarem as terras, porque cada uma parle
que as manda fazer as ordena a seu prazer, e asy fezeram vos-
405
se embarasem, achando em huns lugares o arco
dante o meo dia maior que o de depois de meo dia,
em outros como de depois de meo dia he maior que
sas mercês (os delegados de Castella) que ontem trouxeram
peila manhãa huma carta sem teer as ylbas do cabo verde e a
tarde a trouxeram com as ditas ylhas mais ocidentaes de que
hara de estar.» Com eíTeito na carta dos delegados a ilha de
Santantam «demorava com o dito cabo (Cabo de Santo Agos-
tinho) norte sul menos um graao que esta mais oriental a dita
ylha, e dista o cabo verde do cabo de S. Agostinho vinte cinco
graaos por rota direita.» Nâo havia mais concordância nas Po-
mas que de um e outro lado se apresentaram, nem a situação
das terras, tanto em longitude como em latitude era menos
cheia de erros. Os deputados portuguezes, em consequência
d'isto, requereram que buscassem uns e outros processo mais
seguro e verdadeiro para fazer a demarcação, propondo os
portuguezes quatro maneiras de fazer a medição. cA primeira
em terra per distancias de lua, com alguma estrella fixa co-
nhecida; c a segunda per tomar per distancias de sol e de lua
em seus certos ocasos, e esta mesma em terra, que tever seu
orizonte -sobre a agua; e a terceira per algum grado sem ai-
guum signal do ceo pêra mar e terra. Item: a quarta pêra
Eclipsis lunares.» Os delegados do imperador não acceitaram
estas propostas nem a prorogação do praso para a resolução
da pendência porque, diziam elles, seria «buscar maneiras de
gastar tempo em balde.» E a conferencia na raia dissolveu-se
sem nada resolver. (Mss. do Arch. Nac. Gav. 18, diversos ma-
ços). Repetiram-se as expedições de Portugal e Castella para
as terras que, segundo a demarcação, pertenciam á outra po-
tencia, e d 'ali nasceram condidos e queixas, que levaram D.
João ni a comprar ao imperador o direito que este dizia ter so-
bre Maluco, por 350:000 ducados de oiro, lançando-se uma
106
o dante meo dia, fazendo agulha ho mesmo defecto
de nordestear 1 , no que ha primeira face parece con-
tradição, me pareceo necessário dizer aquy a ma-
neira e causa por onde isto assy acontecerá a todos
aquelles a que o estilo perpendicular lançar duas
sombras em contrairo; portanto, quando quer que
agulha nos nordestear, e as sombras do estillo cahi-
rem pêra a parte do norte, de necessidade ha de ser
o arqo de pella menhãa maior que o arco da tarde ;
e isto acontecerá, tomando duas alturas em hum
mesmo dia onde o sol estee duas vezes, quero dizer
por exemplo, que tomando pella menhãa o sol em
30 grãos, á tarde o hey de tomar quando tornar a
estar na mesma altura dos 30 grãos: em cada hua
linha do norte ao sul, distante de Maluco 17° equinociaes, ou
297 y 2 léguas, dando 17 1 / 2 léguas ao, grau equinocial; pas-
sando a linha pelas ilhas das Velas e S. Thomé, que os portu-
guczes diziam haver descoberto havia pouco n'aquelles mares,
a nordeste quarta de leste das Mulucas. A raia para a demar-
cação não foi traçada, nem medida a distancia das 370 léguas
a oeste das ilhas de Cabo Verde, porque, como D. João m di-
zia ao seu embaixador António de Azevedo, tratando da nego-
ciação para a compra de Maluco cainda que houvesse concerto
no numero dos gráos, sempre averia duvida onde caya a dita
numeração de graaos, por ser a medida de Leste a Oeste, como
acima se cqntem, que foi a dificuldade de Maluco.* (Mss. do
Arch. Nac. Carta de D. João m a António d' Azevedo em 15 de
sept. de 1528. Gav. 18).
1 A maneira de nordestear as agulhas. Nota do auctor.
107
destas alturas notarey onde a sombra do estilo corta
o circulo agraduado, contando do tal ponto os grãos
do circulo que iaz antre elle e a linha de norte a sul ;
porque nordestear agulha não he outra cousa saluo
cruzarsse a linha de norte sul dagulha com o verda-
deiro merediano que passa por nossas cabeças so-
bre o centro do orizonte, ou nosso zenith; e daquy
vem fazerem as agulhas e relógios em huns lugares
o meo dia mães tarde do que he, e em outros ante-
ciparensse, e mostraremno mães cedo, segundo nos
cahirem as sombras do estilo; pêra declaração do
qual acontecimento porei aqui dous exemplos.
Porsopondo que me nordestea a agulha em parte
que o estilo lança as sombras pêra a parte do nor-
te, então de necessidade o arco de pella menhãa vi-
rá maior que o arco da tarde; e quando quer que
as agulhas e relógios fizerem ou mostrarem o meo
dia, sem duuida será yá passado, o que prouo assy:
pois que a linha de norte sul da agulha se cruza
com o verdadeiro merediano, como yá está soposto,
será forçado hir hua das pontas da tal linha, que he
o norte, desviada do vero merediano pêra a banda
do nordeste, e a outra sua contrairá, que he o sul,
fugirá outro tanto espaço do mesmo merediano pêra
a parte do sudueste: logo, correndo o sol pellos ru-
mos que estão da banda do sul, e chegando ao ver-
dadeiro lugar do meo dia, como quer que o sul da
agulha este arredada do tal lugar pêra o sudueste,
108
ficará o sol ao tal tempo ou á quarta do sueste,, ou
á mea partida do susueste, segundo a agulha nor-
destear pouco ou muito ; e assi mesmo passando o
sol do verdadeiro morediano, e caminhando pellos
rumos da agulha atee chegar ao lugar do seu sul,
cuidando nós que então he o ponto do meo dia, auerá
yá muito espaço que seia passado, e o sol ao tal
tempo estará verdadeiramente á quarta do sudueste
que está a par do sul, ou á mea partida do susu-
dueste; e com este exemplo ficará claro auernos de
acontecer ambas as cousas que acima digo, quando
quer que nos nordestear a agulha, e o estillo lan-
çar as sombras ao meo dia pêra a parte do norte, a
saber, que o arco que faz o sol da ponta do orizonte
onde nace atee o meo dia, ser mayor que o outro
que se conthém da linha do meo dia atee o lugar do
orizonte onde se põem, e assi mesmo como o meo
dia que faz o relógio e mostrão as agulhas, he de-
pois de ser yá passado.
E porém, quando quer que a agulha nordestear,
e o estilo lançar as sombras ao meo dia pêra o sul,
acontecerão estas duas cousas ao contrairo, porque
será o arco dante meo dia mães pequeno, e o de de-
pois de meo dia, mayor; a rezão he esta: Pois o sol
anda pellos rumos que estão da banda do norte, e
o norte dagulha se furta ou desvia do verdadeiro
merediano pêra a banda do nordeste, pois se sopoem
que nordestea, claro está que o sol não poderá hir
109
ter ao verdadeiro merediano onde he o lugar do meo
dia, sem primeiro estar no norte e frol de lis dagu-
lha, onde pella denominação do rumo e amostra do
relógio cuidamos ser meo dia ; e a verdade he que
ao tal tempo estará o sol á quarta de nordeste que
está a par do norte, ou á mea partida do nornor-
deste; mas caminhando o sol deste ponto pêra
diante e chegando ao verdadeiro merediano, ficará
em nossa agulha demorando á quarta do noroeste
que está a par do norte, ou á mea partida do nor-
noroeste ; e assi fica prouado que, nordesteando agu-
lha em lugar que o estilo lança as sombras ao meo
dia pêra a parte do sul, acontece que o arco que faz
o sol, tomado do ponto de seu nascimento atee o lu-
gar do meo dia que mostrão nossas agulhas, he mães
pequeno que o outro, contando do meo dia atee o
ponto do orizonte onde se põem, e assi mesmo como
as agulhas fazem em tal caso o meo dia muito pri-
meiro que o seja.
Mas teremos tal aviso que, lançando o estilo as
sombras como as sombras como acima digo, se vir-
mos que os arqos ficão desigoaes ao contrairo do
que tenho dilto, saberemos então que nos norestea
agulha 1 , quero dizer, que quando quer que as som-
bras do estilo ao meo dia cahirem pêra o sul, e
1 O q acontecerá quãdo agulha norestear. Nota do auctor.
440
acontecer que o arco dante o meo dia he maior que
o de depois de meo dia, terey por certo que agulha
norestea; mas quando as sombras do estilo forem
lançadas pêra a parte do norte, e acontecer que o
arco da menhãa ou dante o meo dia, que he ho
mesmo, fôr maior que ho da tarde ou de depois de
meo dia, saberei que a agulha norestea: a causa disto
ser assy, he cruzarse neste caso ha linha de norte
sul da nossa agulha com o merediano fixo, ao con-
trairo do que se cruzaua quando agulha nordesteaua;
porque no lugar onde agulha norestea, a ponta do
seu norte e frol de lis se achega pêra a banda do
noroeste, desviandose do verdadeiro merediano, c a
outra ponta contraria, que he o sul, vay fogindo
da mesma maneira outra tanta quantidade pêra a
parte do sueste: logo, lançando o estilo as sombras
pêra ho sul, ficará claro andar o sol nos rumos que
estão da banda do norte ; então de necessidade será
o arco dante meo dia maior que o de depois de meo
dia, porque quando o sol chega á linha de norte sul,
terá passado pello lugar do verdadeiro merediano,
e segundo a quantidade fôr da variação ou noroes-
tear da agulha, assi fará o seu meo dia; porque se
norestear hua quarta, será o tal meo dia á quarta do
noroeste que está a par do norte; se duas, á mea
partida do nornoroeste; e assi mesmo acontecerá
que, quando as sombras do estilo cahirem pêra a
parte do norte, andará o sol nos rumos que estão
4U
da banda do sul, e caminhando por elles ante de
meo dia, primeiro chegará ao sul de nossa agulha
que ao verdadeiro lugar do merediano ; porque, como
acima tenho ditto, o sul da tal agulha está desuiado
do merediano fixo pêra o sueste : logo será necessá-
rio que o arco dante meo dia seja menor, e o depois
de meo dia maior, e que agulha norestee, que he o
nosso intento.
NOTAÇiO SOBRE O TOMAR A ALTURA A TODA A ORA.
Das operações que fiz oie pêra alcançar a varia-
ção das agulhas, se pôde tirar muito proueito pêra
o tomar do sol a toda a ora, especialmente quando
quer que andar perto do nosso zenith, porque então
a sombra do estilo escasamente faz variação notauel
pela circunferência do circulo graduado, como nas
operações doje de pella menhãa veremos, que an-
dando o sol pello estrolabio 18 grãos {, a sombra do
estilo não variou pello circulo hum grão acabado, e
ha mister que esperemos tanto tempo pêra a som-
bra do estilo nos dar variação notauel, e capaz de
com ella obrarmos na poma, que nos cheguemos mui
perto do meo dia, onde então o estrolabio escusa a
poma; isto acontece ao contrairo, quando quer que
nos achamos afastados do pararelo onde anda o sol,
porque então, andando o sol pelo estarlabeo poucos
112
grãos, â sombra do estilo varia muitos do circolo
graduado.
Á noite de terça feira todo o quarto da prima foi
o vento norte bonança; gouernamos ao sul; mas o
quarto da madorra e alua acalmou o vento, de sorte
que a nao não gouemaua.
CAMINHO.
Quarta feira 24 dabril todo o dia foi o vento
norte bonança; gouernamos ao sul, e ginauão pêra a
quarta do sueste: o meu piloto se fazia 90 legoas da
terra *.
De noite toda foi o vento nornordeste muito bo-
nança ; o quarto da prima e madora gouernamos ao
sul, e o quarto dalua ao sul e quarta do sueste: esta
noite no quarto da prima vimos muitas malhas bran-
quas pello mar, que parecião de leite, e tomauão
grande espaço, o que punha muito espanto a todos
1 Podemos aproximadamente marcar o ponto em que se
achava a nau n'este dia. No dia anterior a latitude era 13° ou
pouco menos; no dia 25 de abril lat. 10° 10'; assim a nau es-
taria na latitude aproximada de 11° 30' no dia 24 de abril,
quando o piloto calculava estar a 90 léguas da terra. Sendo o
grau de 17 léguas e meia, podemos sem grande erro calcular
que estava a 5 o da costa, o que n'esta latitude corresponde á
long. de 21° de Greenwich. Assim a posição do navio seria
lat. 11° 3W, long. 21° do meridiano de Gree.
143
aquelles que não tinhão experiência do que era ; en-
tão lhes disse o Piloto, que era manga de pexe que
auia pouco desouara 1 .
1 Em 22 estava a nau de D. João de Castro entre o Cabo
Verde e as ilhas; em 23 estava a 13° de latitude proximamen-
te; e na occasião em que foi observado o phenomeno a que
o auctor se refere devia a nau estar em 11°, 11° e meio de la-
titude, e, segundo a indicação do piloto, aproximada a 20° de
longitude do meridiano de Greenwich. Pelas mesmas latitude
e longitude observaram um phenomeno de phosphorescencia
inteiramente análogo os distinctos naturalistas, que real i saram
de 4872 a 1876, uma importante viagem de exploração a bordo
da corveta ingleza cChallenger.» A 9 de agosto saiu o cChal-
lenger» de S Thiago de Cabo Verde no rumo de sudoeste, e
a 14, como observa lord George Campbell no seu livro inti-
tulado Log Letters, o' mar se mostrava phosphorescente em grau
extremo. A phosphorescencia do mar já nos dias anteriores
era muito considerável, mas apresentava differente caracter,
como nota sir C. Wyville Thomson no seu livro Tk$ Atlantic.
Desde o momento em que o «Ghallenger» entrou na corrente,
conta sir C. W. Thomson, logo depois de sair das ilhas de
Cabo Verde o mar mostrou-se brilhantemente phosphorescen-
te. Não havia luar, e ainda que a noite estava clara e as es-
treitas scintilavam com esplendor, a claridade do ceo era ecli-
psada pela claridade do mar. Onde a superBciedo mar estava
tranquilla conservava-se esta negra como breu, mas onde se
fazia a minima ruga ahi se traçava uma crista de luz branca.
Junto do navio predominavam os espaços negros, mas a dis-
tancia e por todo o horizonte os traços luminosos pareciam
unir-se uns aos outros e formar um continuado mar de luz.
A esteira do navio era uma estrada de intenso brilho, e era fá-
cil ler ainda os mais pequenos caracteres de imprensa á luz
8
114
CAMINHO.
Quinta feira 25 dabril todo o dia foi o vento nor-
te; gouernamos ao sul: ao meo dia tomei o sol, e na
maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 84 grãos ;
que vinha do mar. Mais ao sul o caracter da phosphoresceo-
cia mudou : a luz emittida pela agua, ainda que mais viva do
que d'antes, tornou-se mais diffusa, de modo que a agua posia
n'um vaso, lançava de si a doce claridade de um globo de vi-
dro fosco illuminado interiormente por uma chamma branca.
A descri pção de lord G. Campbell no seu texto original ó a se-
guinte: «On the night of the 14 th the sea was most glorious
ly phosphorescent, to a degree unequalled in our experiences.
A fresh breeza was blowing, and every wave and wavelet as
far as one could see from the ship on ali sides to the distam
horizon flashed brightly as they broke, while above the hori-
zon hung a faint but visible white light. Astern of the ship,
deep down the keel cut the water, glowed a broad band of
blue, emerald green light, from which carne streaming up, or
floated on the surface, myriads of yellow sparks, which glit-
tered and sparkled against the brilliant cloud-light below, un-
til both mingled and died out astern far away in our wake.
Ahead of the ship, where the old bluff bows of the Challen-
ger went ploughing and churning through the sea, there was
light enough to read the smallest print with ease. It was as if
the «milky way» asseen through a telescopc tscattered in mil-
lions like glittering dusti had dropped down on the ocean,
and we were sailing through it.* Esta brilhante nuvem lumi-
nosa abaixo da superfície das aguas achamos que era produ-
zida, accrescenta lord Campbell, pelas ovas dos peixes sobre
115
a declinação deste dia era i 6 grãos, 20 minutos, do
que se segue estarmos em dez grãos e £ ; esta mesma
uma manga dos quaes passámos durante dois ou três dias.
(Lord 6. Campbell. Log. ktters from the Challenger, cap. i,
pag. 35). Esta era também a opinião do piloto da nau de D.
João de Castro acerca da causa da ardentía que n 'estas para-
gens observou. A verdadeira causa do phenomeno acha-se des-
cri pta no Atlantic do professor Thomson acima citado. Diz
este naturalista, cujos trabalhos de historia natural a bordo
do tChallenger» são muito notáveis, que a ardentía das pri-
meiras noites era devida ao Pyrosoma, espécie de ascidios for-
mando uma immensa colónia fluctuante, de mistura com nu-
merosos crustáceos que cmittiam chispas de luz vivíssima na
agua agitada. Mais para o sul os naturalistas observaram uma
modificação na phosphorescencia do mar: a luz emittida pela
agua, ainda que mais viva do que antes, tornou-se mais di-
fusa, como acima dissemos, e de um branco algum tanto lei-
toso. Os anima'culos anteriormente observados pouco a pouco
diminuíram, substituindo-os outras organisações microscópi-
cas, transparentes, luminosas, e de singelíssima contextura.
A que mais abundava entre estas era a quo mr. Murray de-
nominou Pyrocystis nocticula, ecpherica, com o diâmetro de
um milli metro; externamente coberta por uma pellicula mal
definida, na apparencia siliciosa; internamente formada por
um liquido claro e transparente, tendo, com probabilidade
presas á parede interna, mal definidas massas de côr amarel-
la-cscura. Outra espécie menos abundante, era a Pyrocystis
fusiformis: fusi forme, e ás vezes como um cylindro trunca-
do, e que parece ser uma Diatomaeea. São estes os organis-
mos a que principalmente é devida a phosphorescencia leitosa
I* difusa do mar, que foi observada a bordo do f Challengen
e por D. João de Castro proximamente nas mesmas paragens.
8«
»6
altura tomou o Piloto, mas o mestre tomou mães §
de grão do sol ao orizonte.
De noite toda foi o vento norte bonança ; o quarto
da prima e modorra gouernamos ao sul, e o dalua
à mea partida do susueste.
CAMINHO.
Sexta feira 26 dabril todo o dia foi o vento norte
calmão, quanto a nao gouernaua; fizemos o caminho
do susueste: a meo dia tomei o sol, e na maior al-
tura se aleuantaua sobre o orisonte 82 grãos £; a
declinação deste dia era 16 grãos 27 minutos, do
que se segue estarmos em 9 grãos : * o Piloto se achou
em 8 |, e o mestre em 8 |.
1 N'este dia entrou a nau na zona das calmarias, que fica
ao norte do equador do mesmo lado onde passa a isotherma
máxima. Esta zona muda de posição com as estações, subindo
ou baixando em latitude. O grande motor dos mares e da
atmosphera é o calor: d*elle e do movimento de rotação da
terra provêem os phenomenos meteorológicos mais importan-
tes que nas diversas regiões do globo conhece e estuda a geo-
graphia physica. Os ventos podem considerar-se como corren-
tes de ar, ou aspiradas pelos logares aquecidos pelos raios do
sol, ou impellidas para esses logares em resultado da sua maior
densidade, consequência de uma temperatura relativamente
pouco elevada : mas em todo o caso o facto é o mesmo, e a sua
causa é o calor. O aquecimento da atmosphera faz-se pelo con-
tacto com uma superficie aquecida pelos raios do sol; conse-
117
De noite toda foi o vento norte calmão, quanto a
nao gouernava; fizemos o caminho do susueste.
guintemente a aspiração de ar frio, pelos espaços mais ou me-
nos extensos occu pados por ar quente, tem logar nas regiões
inferiores da atmosphera. Os «ventos geraes inferiores» , e as
«monções» manifestam-se nas camadas menos elevadas do ar.
A parle mais quente da terra é aquella em que os raios do sol
por mais tempo dardejam vertical ou quasi verticalmente; e
esta é sem duvida a zona equatorial. Mostra porém a observa-
ção que a isotherma de temperatura mais elevada, que é apro-
ximadamente o centro do que alguns chamam equador ther-
inal, não coincide com a linha equinocial, mas fica ao norte
d'esta linha, em consequência principalmente da menor tem-
peratura e maior extensão das aguas no hemispherio antár-
ctico do que no hemispherio árctico. ar aquecido na zona
equatorial torna-se menos denso, e eleva-se em corrente ascen-
dente ; e o logar deixado pelo ar que sobe é oceupado pelo
que vem dos dois hemispherios e formam as duas correntes
dos ventos geraes, de nordeste ao norte, do sudueste ao sul
da zona das calmas. O elevado calor que produz a corrente
de ar ascendente produz também uma grande evaporação: o
ar saturado eleva-se, dilata-se c esfria; o vapor condensa-se
em nuvens carregadas de electricidade, porque uma parte do
calor n'ella se transforma. Os ventos geraes antes de chega-
rem a esta zona das calmas, para encher o vasio deixado pelo
ar que ascende em virtude do aquecimento, atravessam os ma-
res e vêem carregados de humidade que se junta á evapora-
ção própria das regiões equatoriaes; o que ainda augmenla a
quantidade de humidade e os seus consequentes phenomenos.
O ar aquecido e saturado de humidade deixa uma parte d 'esta
na altura em que se condensam as nuvens; mas continua a
subir, até se derramar para o norte e para o sul por cima dos
118
CAMINHO.
Sabbado 27 dabril 1 todo o dia foi o vento como
nordeste ; gouernamos ao susueste ; o vento era muito
bonança: não tomey o sol, por andar encuberto.
De noite foi o vento de todo calma, que a nao não
gouernaua; toda a noite afusilou muito, que ouuimos
muitos trouões que passauão longe de nós.
Domingo 28 dabril todo o dia foi o vento calma,
que a naao não gouernaua: não se tomou o sol, por
não aparecer.
De noite toda foi o vento calma, que a naao não
gouernaua.
ventos geraes, para descer, em latitude mais ou menos eleva-
da, ao nivel da terra e produzir as chuvas, que, podemos cha-
mar regulares, por corresponderem melhoras estações do que
as chuvas devidas a causas mais ou menos accidentaes em es-
paços limitados. Na zona das calmarias, a obscuridade da atino-
sphera carregada de espessas nuvens, o calor de abafar, a ap-
parente estagnação do mar, as trovoadas quotidianas, o tor-
por da natureza, as chuvas torrenciaes, e por vezes os terrí-
veis tomados, fazem penosa a navegação. Estas rápidas indi-
cações farão comprehender os factos que no seu roteiro expõe
D. João de Castro desde este dia até ao dia 10 de maio.
1 Tornando a segunda vez á índia, me achei a este tempo,
a saber, a 27 dabril, em altura de 5 grãos pêra a banda do
norte; e ahi me derão os ventos geraes, a saber, suestes, com
os quaes virámos na volta do sudueste. Nota do auctor.
119
CAMINHO.
Segunda feira 29 dabril atee oras de vesporas foi
o vento nordeste bonança, quanto a naao gouerna-
ua; mas logo nos deu hua trouoada do sueste, e
corremos com ella ao sudueste e quarta do sul atee
noite.
De noite todo o quarto da prima foi o vento sues-
te ; gouernamos ao sudueste e quarta do sul ; mas o
quarto da madora e alua acalmou o vento de todo,
que a naao não gouernaua.
Terça feira 30 dabril todo o dia foi vento calma,
que a naao não gouernaua; derãonos muitas tre-
uoadas de chuua, sem trazerem nenhum vento.
De noite toda foi o vento calma, que a naao não
gouernaua; derannos muitas trauoadas de chuyua.
CAMINHO.
Quarta feira primeiro dia de mayo atee o meo
dia foi o vento calma, mas passado o meo dia co-
meçou a ventar vento nordeste bonança, quanto a
naao gouernaua; gouernamos ao susueste atee anoi-
tecer.
De noite toda foi o vento como nordeste bonança,
quanto a naao gouernaua; fizemos o caminho ao su-
sueste.
120
Quinta feira dons dias de mayo atee o meo dia
foi o vento como nordeste bonança, quanto a naao
gouernaua; fizemos o caminho ao susueste; mas
passado o meo dia saltou o vento ao susudueste, e
ventou muito rijo ; gouernamos ao sueste quarta de
leste atee anoitecer: este dia se não tomou o sol, por
não aparecer,
De noite todo o quarto da prima foi o vento su-
sudueste; gouernamos ao sueste quarta de leste;
mas o quarto da madora e alua alargou mães o ven-
to, e fez sse todo sudueste ; gouernamos ao sueste e
quarta do sul atee amanhecer.
CAMINHO.
Sesta feira três dias de mayo menhãa clara escar-
ceou o venlo; gouernamos em lessueste, c não tar-
dou muito que logo nos deu li fia trauoada rija, que
vinha da banda de leste; gouernamos ao sul, e ao
sul e quarta do sueste, todo o tempo que durou, que
seria obra de duas oras e mea, e ficou o vento de
todo calma; mas a oras de completas nos deu outra
trauoada mui mães rija da banda daloessudueste ;
gouernamos á mea partida do susueste atee anoi-
tecer.
De noite todo o quarto da prima e madora foi o
vento oessudueste rijo; gouernamos ao susueste; mas
entrando o quarto dalua, nos deu hua trouoada su-
pitamente muito maior que as duas passadas, e se-
ria o vento como oesnoroeste, de sorte que com
grão trabalho e muita reuolta e embaraço pudemos
tomar a mezena, traquetes e ceuadeira, e com a
vella grande fomos correndo ao susueste.
CAMINHO.
Sabbado 4 de mayo menhâa clara escarceou o
vento, e fezsse como susudueste atee meo dia; go-
uernamos ao sueste e quarta de leste; mas de meo
dia atee noite nos derão quatro trauoadas, todas
da banda daloessudueste, e trazião muito vento; go-
uernamos sempre ao sueste e quarta do sul atee
anoitecer: este dia, por não parecer o sol, se não to-
mou a altura.
De noite toda foi o vento sudueste e oessudueste,
e ventou muito rijo; o quarto da prima e madora
gouernamos ao sueste e quarta do sul, mas o quarto
dalua fizemos caminho ao susueste.
CAMINHO.
Domingo 5 de mayo atee o meo dia foi o vento
sudueste bonança; gouernamos ao sueste; passado
meo dia fez-se o vento de todo calma, que a naao
não gouernaua: todo este dia não apareceo o sol.
«2
De noite todo o quarto da prima foi o vento como
susudueste escaso e bonança; gouernamos ao sueste
e quarta de leste ; mas no quarto da madora e alua
alargou algua cousa, e gouernamos ao sueste e quarta
do sul, e ás vezes á mea partida do susueste.
CAMINHO.
Segunda feira 6 de mayo todo o dia foi ô vento
calma, e por o sol andar mal visto o não tomey
nem o piloto, porém o mestre e o calafate o toma-
rão o milhor que pudérão; hum delles ficou em al-
tura de 2 grãos |, e o outro em 3 grãos pêra ha
banda do norte ; e vindo o sol a descobrir a oras de
completa, fiz as seguintes operações 1 .
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 37 grãos
ho estilo lançou a sombra 75 grãos £
contando do norte pêra a banda de leste.
1 Altura a toda a óra. Nota do andor.
I
123
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 18 grãos
ho estilo lançou a sombra 78 grãos
contando do norte pêra a banda de leste.
Ássi que correndo o sol pello estarlabeo 1 9 grãos,
a sombra do estilo variou somente pella circunfe-
rência do circulo graduado 3 grãos l ; e passandome
á poma com estas duas alturas e variação da som-
bra, obrando pella maneira acostumada, achey que
estauamos em altura de 2 grãos g.
De noite toda foi o vento oessudueste bonança,
quanto a naao gouernaua; fizemos o caminho á mea
partida do susueste.
CAMINHO.
Terça feira 7 de mayo atee o meo dia foi o vento
todo calma, mas dahi até oras de vespora começou
a ventar noroeste galerno e nornoroeste, mas da
vespora até noite foy o vento todo oeste galerno;
1 Esta observação mostra que o methodo do dr. Pedro Nu-
nes para determinar a altura do sol a toda a hora não podia
ser útil, todas as vezes que as sombras não tinham um movi-
mento bem visível sobre a lamina graduada do instrumento
inventado pelo distincto geometra.
Í24
gouernamos este meo dia ao sul e quarta do sueste
e á mea partida do susueste : este dia não se tomou
a altura, por não parecer o sol.
De noite todo. o quarto da prima e madora foi o
vento oeste e oessudueste; gouernamos ao sul e
quarta de sueste e ao susueste ; mas o quarto dalua
escarseou o vento, e gouernamos á quarta de leste.
CAMINHO.
Quarta feira 8 de mayo todo o dia foi o vento
calma; a capitaina tirou dous tiros, que denotauão
querer falia de nós; e porquanto eu eslava longe, e
vi que se armaua hua treuoada da banda do nor-
deste, não quis tirar o batel fora; as naaos que es-
tauão iunlo delia o fízerão: este dia, poste que o sol
pella menhãa andasse nuuradô, ao meo dia apare-
ceo, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori-
zonte 73 grãos {\ a declinação deste dia era 19
grãos \, do. que se segue estarmos em 3 grãos { pêra
a parte do norte: o mestre e o doctor tomarão na
mayor altura do sol ao orizonte 74 grãos 1 , e por
esta maneira ficarão em 3 grãos 5, ena mesma al-
tura ficarão outras pessoas que tomauão o sol: este
acontecimento nos enleou muito, porque o piloto e
1 Estranho acontecimento. Nota do auetor.
quantos tomauamos o sol e carteauamos, nos fazía-
mos hum grão da linha/ considerando como segunda
feira tomarão o mestre e calafate o sol, e se acharão
em altura de dous grãos \, e eu pella operação da
poma achey estauamos em 2 grãos \: ora, sendo isto
assi, como se pôde crer que caminhando dous dias,
e fazendo o mayor tempo delles o caminho do sul e
quarta do sueste, e assi mesmo ao susueste e sueste
e quarta do sul, e somente nestes dous dias gouer-
namos hum só quarto da prima ao sueste e quarta
de leste com vento bonança, quanto a naao gouer-
naua, que nos não achássemos avante, ou muito
perto da linha? o que não somente nos soccedeo,
mas se bem oulharmos, acharemos que tornámos
atrás, que foi cousa mui notável : a este caso não se
nos pôde arguir que, quando tomamos o sol, podia
ser que dicia já 1 ; porque, se assi fora, de necessi-
dade nos acháramos em maior altura, que faz a
nosso propósito. Pôde ser que nos argumentem de
tomar mal o sol; a isto respondo, que por tamanho
mistério averia ser este sol mal tomado, como de
tornarmos atrás, tendo vento e proa pêra hir por
diante, como quer que cinquo pessoas tomássemos
este dia a altura, e todos nos achássemos mui con-
1 O que nos podem arguir a este acontecimento. Nota do'
auctor.
126
formes do sol 1 . O que me disto parece, be que deu
em nós algum rolheiro dagóa*, que nos fez tornar
atraz, e se isto não foi, fique a detreminaçao disto
á Polo 3 : este dia, passada a mayor altura, e vendo eu
1 Não he marauilha sendo o homem humano, não alcançar
todas as cousas humanas. Nota do auctor.
2 A corrente equatorial do Atlântico fazia n'esta latitude
descair o navio para oeste, impedindo-o de seguir no seu ru-
mo, em consequência da escassez do vento. Esta grande cor-
rente marítima tira a sua origem do golpho de Guiné, e na
altura do cabo das Palmas (V o 22* lat. N.) apresenta a largura
de 300 milhas. Caminhando para oeste chega a corrente equa-
torial até pequena distancia da costada America, na altura do
cabo de S. Roque (5 o 20* lat. S.j, onde se divide, seguindo a
porção mais importante para ONO. e a menor para o S. afas-
tada da costa do Brasil 250 a 300 milhas, ecom uma largura
de 6 o a 7 o proximamente (Mr. Gh. Ploix et Mr. Caspa ri. Mé-
téorologie Naut. Vents et courants, cap. v, pag. 52, ediç. de
1874.— Mr. Will. Desborough Cooley, Physical Geogr. y etc,
cap. xx, pag. 303 e 311). A idéa pois de atlribuir este estra-
nho acontecimento a um rolheiro d* agua honra a perspicácia do
illustre navegador. Fallando da estação do cChallengen nos
rochedos de S. Paulo situados quasi sobre a linha, lord 6.
Campbell diz: cFor lhese rocks lie right in the cequatorial
current,» which rushes past at the rale of three knols an hour;
against this and the SE. trade-wrnd our boats could make no
headway.» (Lord. 6. Campb. Log Letters, rap. i, pag. 37).
3 Diogo Kõpke nas suas notas ao Primeiro roteiro da costa
da Índia desde Goa a Dio prova que por Polo se deve ler Apollo.
Encontrando no manuscriploaque pela primeira vez deu pu-
blicidade a phrase cA duvida fique a polo», e n 'outros log.i-
res do mesmo manuscripto a phrase t Solva da polo:» recor-
127
a confusão em que todos estauamos, quis ver o sol
que me dava a poma, e fiz as operações que se se-
guem.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 05 grãos
ho estilo lançou a sombra 52 grãos
contando do norte pêra a banda do leste.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 07 grãos £
contando do norte pêra a banda de leste.
Àssi que, andando o sol 15 grãos pello estarla-
beo, variou a sombra do estilo pello circulo gra-
duado 15 grãos ?: isto assi feito, passeime á poma,
e em presença do doclor, obrando pella maneira
acostumada, achei estarmos em altura de dous grãos
dando-se do Sis miht magnus Apollo de Virgílio, e vendo que
as palavras de D. João de Castro não eram mais do que um
erro orthographico fácil de corrigir, ficando depois de correio
cSolvat Apollo:» concluiu Kõpke, com razão, que polo se de-
via ler Apollo, sendo por esta forma esclarecida a duvida que
o erro do manuscriplo podia suscitar. (D. Kôpke, Primeiro ro-
teiro, etc. 9 nota 15, pag. 261).
m
g largos, o que nos acabou de certificar que o sol
estava bem tomado.
NOTAÇÃO.
'Não he cousa pêra deixar passar, ver as differen-
ças da sombra do estilo, porque segunda feira, quando
fiz as operações, sendo duas oras e mea ante sol
posto, achei que, correndo o sol pello estarlabeo 19
grãos, a sombra do estilo variou somente pello cir-
culo graduado 3 grãos; e oie quarta feira, andando
o sol 15 grãos pello estralabeo, a sombra do estilo
variou 15 grãos £; verdade he que esta derradeira
operação se fez mães perto do meo dia.
A noite de quarta feira toda foi o vento calmão
como susudueste; gouernamos ao sueste quarta de
leste, e escarseando mães, gouernamos em lessues-
le; mas á madora e alua, alargando o vento, gouer-
namos ao sueste até amanhecer.
CAMINHO.
Quinta feira 9 de mayo até o meo dia foi o vento
calma de todo, e dahi em diante começou a ventar
da banda do sul, e gouernamos hum pouco a leste;
1 Do variar da sobra do estilo. Nota do auctor.
429
m
começou logo o vento alargar, de sorte que até noite
gouernamos ao sueste quarta do sul: este dia tomou
o piloto o sol, e achouse em altura de dous grãos \ 9
o calafate em 2 \, o doctor se achou em 2 grãos;
eu não tomei o sol.
De noite todo o quarto da prima foi o vento cal-
ma; mas entrando a madora, começou a ventar
como sudueste, e logo gouernamos aò sueste até
tempo de meo quarto ; saltou o vento ao norte e nor-
noroeste, gouernamos ao sul e quarta do sueste e á
mea partida do susueste até amanhecer : esta noite
abrio a naao hua agoa grande antre ambas as cu-
bertas de cima a mea naao da banda de bombordo,
pello que ordeney que de meo dia até meo dia des-
sem doze vezes á bomba, até a naao se fazer nou-
tra volta e marear da banda de bombordo, pêra en-
tão podermos tomar esta agoa, a qual já tínhamos
sabido por onde vinha.
*
CAMINHO.
Sesta feira 10 de Mayo todo o dia foi o vento
calma, e não apareceo o sol ; a oras de completas to-
mamos agoa: este 1 dia quando amanheceo, não vi-
mos a armada, a qual o dia dantes nos ficou á banda
Quando desapareçeo armada. Nota do auctor.
9
«30
do sudueste, e por a grosa do dia vimos hua naao
a iulauento muito longe, e sol posto disse o gageiro
que via outra naao pella proa.
De noite meo quarto da prima foi o vento su-
dueste escaso ; gouernamos ao sueste ; e logo o vento
saltou ao sueste, e gouernamos ao sudueste e su-
dueste e quarta do sul, è esta proa leuamos até ama-
nhecer.
CAMINHO.
Sabbado 1 i de mayo todo o dia foi o vento sues-
te; gouernamos ao sudueste quarta daloeste, e fiz
as operações que se seguem.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 41 grãos ;
ho estilo lançou a sombra 32 grãos ;
contando do norte pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 59 grãos
ho estilo lançou a sombra 46 grãos
contando do norte pêra a banda daloeste.
134
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 59 grãos
ho estilo lançou a sombra 58 grãos
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia i i grãos ; ; he a sua
metade 5 f , que he a quantidade que a agulha nor-
destea.
Fiz estas operações, faziasse o Piloto 3 grãos do
merediano de lisboa pêra a banda daloeste ! ; e to-
mando as duas alturas de pella menhãa com a va-
riação da sombra do estilo, obrando na poma pella
maneira acostumada, achey que estauamos em al-
tura de \ de grão da parte do norte : vindo oras de
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 71 grãos; a declinação deste
dia era 20 grãos, 7 menutos, donde se segue estar-
mos em altura de 1 grão i pêra a parte do norte:
1 Seria esta aproximadamente a longitude de 12° Green., o
que devia ser uma errada estimativa do piloto, em vista do
que anteriormente observámos, na nota a pag. 112, relativa ao
dia 24 de abril e na nota a pag. 126 acerca da acção da cor-
rente equatorial. As duvidas a este respeito eram grandes em
todos os que carteavam a bordo; como se vé pelo resultado
da consulta que no dia immediato D. João de Castro fez sobre
o meridiano, e o ponto em que nesse dia suppunham estar a
nau.
9«
132
es la mesma altura tomou o doctor e o calafate; o
piloto se achou em altura de £ grão ; assi que a ope-
ração da poma ficou no meo de todos: este dia á
noite disse o gageiro que via hua naao por proa.
De noite toda foi o vento sueste; gouernamos ao
sudueste quarta do sul e ás vezes á mea partida do
susudueste até amanhecer.
CAMINHO
Domingo 12 de mayo todo o dia foi o vento
sueste largo ; gouernamos ao sudueste e quarta do
sul : a oras de meo dia tomei o sol, e na maior al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 70 grãos; a de-
clinação deste dia era 20 grãos £, do que se segue
estarmos em { de grão pêra a parte do norte : o do-
ctor e o calafate tomarão o mesmo sol, sem discre-
parem cousa algua ; o Piloto na mayor altura tomou
do sol ao orizonte 69 grãos, e assi ouue antre nós
e elle hum grão de diíferença, e assi fiquòu hum
terço de grão alem da linha. O mestre tomou na
mayor altura do sol ao orizonte 69 grãos ;, do que
se segue ficar debaixo da linha; dous marinheiros
tomarão do sol ao orizonte 69 grãos £, e outro to-
mou 70 : isto assi feito, porque a noite que vinha tí-
nhamos hum eclipse da lua, mandei a todas as pes-
soas que carteauão, que me mostrasem o seu ponto,
pêra saber em que merediano se fazião, e huns o ti-
433
nhão posto hum grão do merediano que passa pello
cabo de são Vicente pêra a banda daloeste, outros
5, outros 7, e neste meo andauão todos 1 .
De noite todo o quarto da prima e madora foi o
vento como lessueste largo; gouernamos ao susu-
dueste, e ás vezes chegauamos com a proa ao sul e
quarta do su d neste; mas no quarto dalua escarseou
o vento e fezse sueste; gouernamos ao sudueste até
amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira i 3 de mayo todo o dia foi o vento
lessueste 2 ; gouernamos ao susudueste até anoitecer,
e em todo o dia nâo apareceo o sol.
De noite todo o quarto da prima e modora foi o
vento como sueste; gouernamos ao sudueste e quarta
do sul; e no fim do quarto da prima nos deu hua
trouoada Rija do mesmo vento sueste, mas no quarto
dalua alargou o vento algua cousa, e gouernamos
ao susuduesle até amanhecer: esta noite não vimos
o eclipse, por andar o cee muito escuro e toldado.
1 As sup postas longitudes correspondem proximamente a
10°, 14°, 16° de Green,; e, pelas razões anteriormente expos-
tas nos parecem todas o resultado de uma errada estimativa.
2 Oposição oras 2 l / z depois do meo dia. Nota do auetor.
434
CAMINHO.
Terça feira 1 4 de mayo todo o dia foi o vento les-
sueste; gouernamos ao susudueste até anoitecer, e
por andar occupado em mandar abater a artelha-
ria, não tomei o sol; o Piloto só o tomou, e disse
que ficaua em 3 grãos da banda do sul.
De noite toda foi o vento lessueste largo; go-
uernamos ao sul quarta do sudueste até amanhecer.
CAMINHO.
Quarta feira i 5 de mayo todo o dia foi o vento
lessueste; gouernamos ao sul quarta do sudueste e
á mea partida do susudueste até anoitecer: a oras
de meo dia tomei o sol, e na maior altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 66 grãos j ; a declinação deste
dia era 20 grãos, 5 \ mcnutos 1 , do que se segue es-
tarmos em 2 grãos, 44 menutos, pêra a banda do
sul: o doctor e o mestre na* maior altura tomarão do
sol ao orizonte 66 grãos; o piloto tomou 65, e fi-
caua per esta maneira em altura de 4 grãos, 4 me-
nutos 8 ; e assi a mesma altura tomou hum marinhei-
1 A declinação devia ser 20° 56' : o ms. está errado.
1 Diversas alturas. Nota do auctor.
435
ro, e outro tomou do sol ao orízonte 66 grãos: ver-
dadeiramente que he cousa muito forte considerar
donde pôde nacer tamanha differença, maiormente
oie que a naao e o vento nos não dauão impedi-
mento, porque a naao hia muito sossegada, e o vento
asopraua mui temperadamente, e com tudo isto nos
achamos tão desvairados, como nas alturas de cima
se poderá ver ; nem me parece rezão lançar de todo
a culpa aos estarlabeos, porque vejo outros dias con-
certarmos todos, e tomarmos hum mesmo sol 1 : este
dia ás noue oras vimos três naaos a balrauento de
nós, e dahi a hum pouco vimos outra, todas muito
longe.
De noite todo o quarto da prima foi o vento les-
sueste escaso ; gouernamos ao sul quarta do sudues-
te ; mas no quarto da modora escarseou o vento, e
gouernamos ao sudueste; e logo no quarto dalua
tornou alargar, e fizemos o caminho do sul e quarta
do sudueste até amanhecer.
1 N'outros Jogares do Roteiro explica o auctor cabalmente este
facto. Não só os astrolábios davam dificilmente exactidão nas
observações, mas além d'isto havia, por falta de rigor na me-
dida do tempo, quasi impossibilidade de determinar a altura
do sol justamente ao meio dia.
136
CAMINHO
Quinta feira 16 de mayo todo o dia foi o vento
como lessueste; gouernamos ao sul quarta do su-
dueste até anoitecer 1 : a oras de meo dia tomei o sol,
e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 64
grãos {; a declinação deste dia era 21 grão, 4 me-
nutos, do que se segue estarmos cm 4 grãos \ ; esta
mesma altura tomou o calafate e dous marinheiros,
sem discreparem nada; o doctor tomou na maior
altura do sol ao orizonte 63 grãos |, o Piloto 63 ^,
o mestre 64 J, hum marinheiro 63 J, outra pessoa
que tomaua o sol e carteaua, 63 {: este dia, em
amanhecendo, éramos com as naaos hum pouco a
julauento delias 3 , e logo a Capitaina arribou a nós, «
tornamos a caminhar todos em conserua; vimos
todo o dia muitas aues, a saber, rabiforcados, gra-
yaos, e outras a que os marinheiros chamão tinho-
sas 9 .
1 Diversas alturas. Nota do auctor.
2 Tornou achar a armada. Nota do auctor.
3 A difficuldade, ou antes a impossibilidade de determinar,
pelo conhecimento exacto da latitude e longitude, o pouto em
que se achava o navio, o perigo de naufrágio nas costas por
falta de conhecimentos, ou antes de instrumentos náuticos per*
feitos, levava os navegadores a estudar todos os phenomenos
naturaes com o mais vivo interesse, e a procurar sobretudo as
137
De noite toda foi o vento sueste, e ora largaua,
ora tornaua a escarcear ; gouernauamos ás vezes ao
relações dos animaes e plantas marinhas com as regiões por
onde se alongava a navegação. Era um estudo, por assim di-
zer, da geographia animal e vegetal, determinado pelas ne-
cessidades da navegação; inconsciente e incompleto mas de in-
contestável utilidade pratica. Ás aves davam os marinheiros à
preferencia nas suas observações; e os roteiros do século xvi
estão cheios de indicações mal definidas das aves que se encon-
tram perto da costa, nas differenles regiões do globo. Quando
no roteiro se falia de rabifurcados, grajáos e tinhosas estava
a nau de D. João de Castro, aproximadamente pelas alturas
da ilha da Ascensão, cuja posição nas cartas era, n*aquelle
tempo, das menos exactamente determinadas; pois que no Ro-
teiro de Gaspar Rei mão, que resume todos os anteriores, se diz :
cE n'esta volta (a do Brasil) uy m. tM vezes a Ilha da-Censão,
que esta em 20 grãos.» (Mss. da Univ., vol. 136, foi. 3 v.)No
Roteiro de Aleixo da Motta, de 1623, que se encontra na Biblio-
theca Nacional de Lisboa, positivamente diz o auctor, homem
experimentado na navegação do Atlântico, que duvida da arru-
mação € estas ilhas nas cartas (as ilhas da Ascensão e Trindade).
Com estas indicações consultei o dislincto naturalista c meu
amigo, o sr, dr. Bocage, e este fez-me o favor de responder o
seguinte: cO problema tem grandes difficuldades. Vejo-me em
presença de nomes dados pelos nossos antigos navegadores ás
aves que encontravam no ai to mar, vindo esses nomes quasi sem-
pre desacompanhados de quaesquer noticias acerca do tama-
nho, cores é caracteres mais salientes d'ellas, e devo procurar
descobrir que aves eram essas. Soccorrendo-me ao que se sabe
hoje das aves que habitualmente frequentam as paragens a que
se refere o Roteiro, ainda me atrevo a apresentar as seguintes
conjecturas, que assentam apenas em mui ténues probabili-
138
sul e quarta do sudueste, e outras á mea partida, e
também ao sudueste e quarta do sul e ao mesmo
rumo do sudueste, segundo o vento o fazia cora-
nosco.
dades. — Garajau é nome usado desde tempos immemoriaes
oa Madeira e nos Açores para designar a Sterna fluvi tais,
Naum. (St. hirundo, auct. nec Linn.) e porventura outras es-
pécies. È provável que os nossos marinheiros o dessem a al-
guma ou algumas espécies do mesmo género Sterna, que en-
contrassem nas paragens a que se refere D. João de Castro.
Ora sabe-se pelos naturalistas do Cballenger que a Sttmn fu-
liginosa abunda muito na ilha da Ascenção, da qual deviam
estar relativamente próximos os nossos navegadores na occa-
sião alludida. Com tudo não affirmo que seja essa a espécie
exclusivamente designada por aquelle nome, antes me parece
que o applicariam a outras, e citarei especialmente a Sterna
galericulata, Licht , que frequenta habitualmente as duas cos-
tas do Atlântico. — Rabifurcado ê termo que poderia ter sido ap-
plicado a qualquer de duas espécies, também muito communs
na ilha da Ascenção e em geral no Atlântico inter-tropical:
uma é maior, preta e com a cauda profundamente furcada ;
outra branca, mais pequena e com duas pennas compridíssi-
mas na cauda. A l. 1 é a Tachypetes aquila (Linn.), a 2. â a
Phaeton actherius, Linn. Ambas lhes deviam attrair a attenção;
a qual d'ellas applicariam aquelle nome? Pela mesma occa-
sião vem citados com o nome de Tinhosas umas aves de quem
se diz n 'outro ponto do Roteiro que — são pretas, do tamanho
de gralhas, mas de azas muito maiores. Ora este carecteristico
assas conciso compete melhor ao Tachypetes aquila, do que a
qualquer outra ave cuja presença n'aquellas paragens possa
ter-se por provável; e sendo assim, parece que por exclusão
seria o Phaeton aetherius o Rabifurcado. Se, acerca d'este, ap-
43»
CAMINHO.
Sesta feira 17 de mayo todo o dia foi o vento
sueste ', e assi como de noite alargaua e escaceaua,
parecesse a indicação de ser branco, augmentariam as proba-
bilidades em favor d'esta interpretação. Quiz a principio pa-
reeer-me que as Tinhosas podessem ser algumas das espécies
de Spla, que a p parecem por aquelles mares, porque eu que-
ria achar a etymologia do termo -no aspecto da ave, e buscava
uma ave com malhas claras, cujo aspecto recordasse o dos Ti-
nhosos: desde porém que D. João de Castro nos diz que as Ti-
nhosas são pretas, é forçoso abandonar aquella idéa.»
1 Tinha a nau passado a linha, e entrado na região dos ven-
tos geraes de sueste, do hemispherio austral. Segundo se vê
pelos roteiros do século xvi, a derrota que as naus levavam indo
para a índia era a mesma que seguia D. João de Castro. Eis
o que acerca do caminho a fazer até passar a região das cal-
marias, e entrar nos ventos geraes ao sul do equador, diz no
seu Roteiro da Carreira da Índia o piloto mór Gaspar Reimão.
i Da altura dos doze grãos se deue de gouernar a les-sueste e
ao sueste e quarta do sul de maneyra que uão da costa 70 a
80 legoas; daqui ate sinco grãos senão deue de dar ho abati-
mento dagulha porque a costa se uay metendo ao sueste, e su-
sueste e f az a hagoa reuessa pêra a terra, e ficará ho nordes-
tear d'agulha em recompenção da agua q vay pêra terra, dar-
selhehá o caminho à nao cõforme a proa que leuar. Por aqui
nordestea a hagulha 5 grãos: é bom andar da terra 70. 80.
Legoas: e se vos derem as trouoadas em 5 gràos ou em 4, que
darão em todo mayo de lestes, e les-suestes, e suestes, não dei-
xeis de correr cõ ellas ao sul e sudueste, porq como passa se
vay o vento ao sul e ao sudueste, pêra tornar a emmêdar o q
140
gouernamos ao sudueste quarta do sul e á mea par-
tida do susudueste e ao rumo do sudueste, leuando
sempre grandes chuueiros : este dia a oras de maior
altura tomei o sol, e leuantaua-se sobre o orizonte
a trauoada vos leuou pêra o mar, porq se deue trabalhar sem-
pre co muito cuidado andar da costa 70. 80. Legoas, ate uos
darem os gerais q em todo abril vos* darão- em 2 grãos e meio,
e em 3. Sendo caso q andem da cosia çen Legoas ou mais,
pellos ventos uos não deixarem chegar mais ha terra, em tal
cazo uos darão os gerais mais sedo, porq descobre mais a terra,
• Pássaros por aqui, algus alcatrazes, e grajaos e rabosforqua-
dos. Dando ho vento geral, q será de 4. grãos ate 3. e ainda
tarde darão em mais altura, e uindo em abril darão em me-
nos, como em dous. 3. gráos, dando sueste é bom ir na uolta
do brasil. Estando da costa arcdor de 80 legoas, indo assy
nesta uolta como digo, sendo na linha cem legoas ha balrra-
uento do penedo de S. Pedro, nordestea agulha 8 gráos (se-
gundo Vi * Roiz), posto que nossegudo Roteiro que fez diz, que
passado a linha, nordestea agulha m.* quarta larga, q são 6
grãos.» (Gaspar Fr.* Reimão, Rot. da Car. da lnd. etc. Mss.
da Univ., vol. 436, fl. 2.) Os estudos importantes de Maury,
e as observações constantes dos navegadores teem modificado
profundamente o caminho a seguir pelos navios, no atraves-
sar a região das calmas e no passar do norte para o sul do
equador, aproveitando o mais possível os ventos alizados e o
conhecimento das correntes do Atlântico. Atravessar a zona
das calmas onde ella é mais estreita, eis um dos pontos im-
portantes da navegação. A posição (Testa zona varia com a po-
sição do sol: no inverno aproximasse do equador, no verão
afasta-se d'elle: e como não tem ern todo o anno uma largura
egual, co q vem aproveitar a estação em que a zona se conserva
mais estreita. A época do anno em que ella occupa a posição
141
03 grãos; a declinação deste dia era 21 grãos ;, do
que se segue estarmos em altura de 5 grãos \ pêra
a parte do sul ; este mesmo sol tomou o mestre e o
calafate e dous marinheiros, sem desviarem cousa
média é a mais conveniente. A zona atravessa o Atlântico de
leste a oeste e ao norte da linha equinocial, mas não tem, como
dissemos, a mesma largura em toda a sua extensão. Segundo a
expressão adoptada na Mètéorologle Nautique, de Mr. Ch. Ploix
e H. Caspari, part. i, cap. vi, pag. 68, a zona das calmas:
cEstbeaucoup plus large du cote oriental de PAtlantique que
du cote occidentel: elle se presente sous le forme d'un coin
dont la base serait du cote de FAfrique, et le trancham du
cote de TAmerique, oú l'on passe souvent sans transitions d'un
alizé à Fautre.» Este motivo, — a direcção da corrente equato-
rial ao norte do equador, e a direcção e a constância do vento
geral de nordeste, determinam a derrota geralmente indicada
hoje. A este respeito a opinião de Maury é a seguinte: 1.° cO
parallelo 35 N. deve cortar-se por 24° Long. 0.; o parai leio
30 N. por 26° a 27° O, e vir cTahi buscar o equador entre 30°
e 33° O. 2.° Para ir da Europa ao mar das índias ha vanta-
gem em cortar a linha mais a oeste do que hoje se faz. 3.° É
melhor, conseguintemente, passar ao mar do que á terra das
ilhas de Cabo Verde. 4.° inverno e a primavera são as esta-
ções mais favoráveis para fizer viagens curtas. A respeito des-
tes indicações de Maury dizMr. deChabannes, vice-almirante
da marinha franceza: «La crainte de tomber sous le vent du
cap San-Roque est chimérique. L'expérience prouve chaque
jour que les indications données par Maury, relalivement au
point oú Ton doit couper la ligne, pouvent être suivies sans
qu'il en resulte aucun inconvenient. Ce qui arrive quelque-
fois, c'est qu'un navire, passant tròs-franchement au vent du
cap San-Roque, ne double pas le cap Saint-Augustin. II est
J42_
algua; o Piloto na maior altura tomou do sol ao ori-
zonte 61 grãos, assi que dous grãos foi differente
de nós, que he cousa forte e pêra não crer ; o doctor
na mayor altura tomou do sol ao orizonte 62 grãos
;, outra pessoa tomou o mesmo sol.
De noite todo o quarto da prima e modorra foi o
vento como sueste, e ora largaua, ora escaseaua;
gouernamos ao sudueste e sudueste e quarta do sul ;
mas o quarto dalua alargou algua cousa o vento, e
gouernamos á mea partida de susudueste.
alors obligé de prendre tribord au mures et de s'élever dans
]'Est de la quantité necessaire pour franchir sur 1'autre bord
les térrea les plus Est de cette partie de la cote du Brésil.» Os
nossos navegadores do xvi século atravessavam a zona das cal-
marias, seguindo a costa d'Africa a 70 léguas proximamente
d'esta. Abi sopram muitas vezes brizas de oeste produzidas pelo.
aquecimento da terra, e estas brizas fazem-se sentir a 100 ou
150 milhas da Costa d* Africa. (W. Desborough, Cooley Pkysi-
cal Geography, cap. xn, pag. 173) fim principal dos nave-
gadores, passado o equador, era tomar o caminho do Brasil,
dobrando o cabo de S. to Agostinho; por isso o piloto annuncia
com jubilo no dia 18 que «estava em 9 gráos e tinha dobrado
o cabo de Santo Agostinho»; isto é, tinha chegado, suppunha
elle, á latitude sul superior á do cabo de St. Agostinho, que
<58°20'S. .
143
CAMINHO.
Sabbado 1 8 de Mayo todo o dia foi o vento sues-
te; gouernamos ao sudueste: ao meo dia tomou o
mestre e hum marinheiro o sol, e acharanse em al-
tura de 7 grãos j : o Piloto disse que estava em 9
grãos e tinha dobrado o cabo de sancto agostinho,
o que a todos pareceo impossiuel.
De noite todo o quarto da prima e madorra foi o
vento sueste; gouernamos ao sudueste e sudueste e
quarta do sul; no quarto dalua alargou algua cousa
o vento, e fizemos o caminho da mea partida do su-
sudueste.
Domingo 19 de mayo todo o dia foi o vento sues-
te; gouernamos ao sudueste e sudueste quarta do
sul : este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia
Estando o sol em altura de 37 grãos
ho estilo lançou a sombra 43 grãos ;
contando do sul pêra a banda daloeste.
144
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 46 grãos
ho estilo lançou a sombra 35 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 46 grãos
ho estilo lançou a sombra 56 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 21 grãos, cuja me-
tade será 10 {, que he a quantidade que a agulha
neste lugar nordestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 37 grãos
ho estilo lançou a sombra 65 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 2i grãos ) f ea sua
metade 10 f, que he a quantidade que neste lugar
a agulha nordestea.
Este dia, tomando as duas alturas de pella me-
nhãa e a variação da sombra do estilo, me passei á
145
poma, e vsando pella maneira acostumada, achey
que estauamos em altura de 8 grãos J: ao meo dia
tomey o sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre
o orizonte 60 grãos; a declinação deste dia era 21
grãos, 34 menutos, do que se segue estarmos em
8 grãos ;; o calafale 8 grãos - v hum marinheiro ficou
cm grãos escasos, outra pessoa ficou em 8 grãos
; ! . Estando o sol pêra se pôr no triangulo que fazia
o ponto do orizonte onde se punha, com o nosso me-
rediano, a sombra do estilo cortou o circulo gra-
duado I i grãos, contando de leeste pêra o sul * ; e
sendo isto assy, era necessário que o sol estiuesse
1 1 grãos, contando daloeste pêra o norte. Pello que
ti ca manifesto, que se pôs o sol a loeste quarta do
noroeste, porque todo o luminoso lança a sombra na
opposita parte; é porque todas estas obseruações
Irabalhaua do vereficar por muitas testemunhas, bor-
neey com a agulha de marear do Piloto o tal poi-
mento, e julguei que se pôs o sol a loeste quarta de
noroeste 3 .
1 Alturas conformes. Nota do auctor.
2 Observação do poimento do sol. Nota do auctor.
3 N'uin escripto que o dr. Pedro Nunes intitula Tratado
que o d r. Pedro Nunes fez sobre certas duvidas da navegação,
occupa-se o insigne mathemalico de dois assumptos que cha-
maram a atlençao de Martim AíTonso de Sousa, navegando
«per as partes do sul», a primeira era cque estando ho sol na
linha em todos os logares em que se achou lhe nacia em leste,
r. 10*
146
De noite toda ventou da banda do sueste, e ora
alargaua, ora escaseaua; todo o quarto da prima
gouernamos ao sudueste quarta do sul: mas á ma-
dorra alargou mães o vento; gouernamos ao susu-
dueste e ao sul quarta do sudueste; o quarto dalua
todo o gouernamos ao susudueste, e escaseando con-
e se lhe punha no mesmo dia em oeste: isto egualmente sem
nenhua deferença ora se achase da banda do norte ora da banda
do sul. . . » a segunda era «que elle se achara em xxxv gráos
da outra banda da linha, no tempo que o sol estauano trópico
do capricorno, e lhe nacia ao sueste e quarta de leste, e se lhe
punha no mesmo dia ao sudueste quarta de loeste, como aos
que viuem na mesma altura desta parte do norte: e que nam
via como podia isto ser: porque per rasam : assi auiade nacer
aos que viuem da outra banda do sul quãdo ho sol anda per
os signos da mesma parte : como nasce a nos quando anda desta
nossa banda i N'uma interessante dissertação, Pedro Nunes ex-
plica geometricamente as causas dos phenomenos observados
pelo navegador Affonso de Sousa nos mares do sul ; e depois,
referindo-seà segunda duvida eá demonstração que deu para
a resolver, acrescenta: «E daqui se tirará ligeiramente onde
se porá no mesmo dia. e onde nacera e se porá estando no
outro trópico: como parece na figura. E tudo isto se demos-
tra ser assi porque a proporção que tê o sino do com pri meto
da altura em qualquer região: cõosino vniuersal do circulo:
essa mesma ha do sino da declinação q tem o sol em qualquer
dia: ao sino do rumo em q nace: o que crarainctc s<> proua
per Tolomeo: no segúdo do ai m ages to. Do qual se segue quam
fácil cousa seja: resguardando pella menhã o sol no seu na-
cimento: com a agulha bem verificada: ou com linha meri-
diana: se for na terra: saber per conta sem mais instrumento
147
tra a menhãa, pusemos a proa ao sudueste e quarta
do sul.
CAMINHO.
Segunda feira 20 de mayo todo o dia ventou da
banda do sueste ; gouernamos ao sudueste quarta do
sul até anoitecer: este dia fiz as operações que se
seguem.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 13 grãos
bo estilo lançou a sombra 54 grãos
a altura do polo em q dos achamos: o que eu em todo tempo
sem saber a hora q he nem ter linha meridiana : cõ instrumêtos
faço. Mas os pilotos sabe tam pouco que podendoseaproueitar
de muitas cousas: pêra per muitas vias buscarem o que de-
sejam saber: não sabem fazer mais que esperar o meo dia: e
se entã se lhes encobrir o sol: como muitas vezes acontece:
não podem saber onde estão: se não per sua estimação quehe
bem fraca: pois ouue antre elles quem foy. xn vezes a índia
e a cabo deste tempo fez a cota do meo dia as vessas. » D. João
de Castro, indo á índia para expe.imentar os methodos e in-
strumentos propostos para melhorar a navegação no seu tempo,'
especialmente os propostos pelo dr. Pedro Nunes, não podia
deixar de observar, quando passou para o sul da linha, o nasci-
mento epoimento do sol, objecto de um dos trabalhos d'aquelle
mathematico, e um dos processos de determinar a altura do
polo.
i0.
448
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo per hum Relógio de sol erão 8 oras £.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em ai [ura de 40 graus
ho estilo lançou a sombra 41 grãos j
contando do sul pêra a banda daloeste 1 .
Terceira operação ante o meo dia.
Estando d sol em altura de 43 grãos \
ho estilo lançou a sombra 38 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste 2 .
Quarta operação ante o meo dia hua ora.
Estando o sol em altura de . *. 53 grãos {
ho estilo lançou a sombra v 22 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste 3 .
1 Aqui andou o sol rnaes q a sombra 14 gráos. Nota do an-
dor.
2 Aqui andou o sol mães q a sobra l /* gráos. Nota do auctor.
1 Aqui andou a sobra mães que o sol 6 gr. â /r Nota do au-
ctor.
449
Quinta operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 57 grãos £
ho estilo lançou a sombra 7 grãos ;
contando do sul pêra a banda daloeste ! .
m
Primeira operação depois do meo dia.
Estando o sol em altura de 57 grãos \
ho estilo lançou a sombra 29 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o danle meo dia 21 grãos {, os quaes
partidos pello meo, será ametade 10 f, que he a
quantidade que a agulha neste lugar nordestea.
Segunda operação de depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 53 grãos
ho estilo lançou a sombra 42 grãos
contando do sul pêra a banda de leste : a este tempo
era pello Relógio do sol hua ora e mea.
Foi logo nesta operação o arco depois de meo dia
1 Aqui andou a sobra mães que o sol 14 gráos l / t . Nota do
auctor.
150
maior que o dante meo dia 20 grãos; he a sua ame*
tade 1 0, que he a quantidade que a agulha neste
lugar nordestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de i 3 grãos
ho estilo lançou a sombra 77 grãos
contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo
erão 6 oras ; ! .
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 22 grãos ;, os quaes
partidos pello meo, vem á parte i i grãos \, que he
a quantidade que neste lugar por esta operação agu-
lha nordestea.
Quando fiz estas operações, eu me fazia 10 grãos
| do merediano que passa pello cabo de são Vicente
pêra a banda do occidente', e o Piloto se fazia 1 2,
e o calafate outros 1 2, que era norte sul com a ilha
de sancta Maria, hua das ilhas terceiras; e neste
merediano vinha dizendo o Piloto que as agulhas
Julgauão verdadeiramente, e ferião o seu norte no
1 Nesta ultima operação e na primeira se mostra como an-
dando o sot igoaes arcos pio estorlabio, o relógio de sol gastou
mães tpo no arco da tarde que no da menhà quasi três oras.
Nota do auctor.
1 O meridiano das operações. Nota do auctor.
151
verdadeiro polo do mundo 1 : este dia ao meo dia to-
mei o sol, e na maior altura 8 se aleuantaua sobre o
orizonte 59 grãos; a declinação deste dia era 21
grãos, 44 menutos, do que se segue estarmos em 9
grãos, 16 menutos; o calafate tomou o mesmo sol,
e hum marinheiro ficou em altura de 9 grãos {: e
porque tinha grande aviso sobre os ecclipses do sol
e da lua 3 , quis experimentar os Relógios do sol e
1 A incerteza na determinação das longitudes, claramente se
deixa ver pelo encontrado doestas e d'outras avaliações por es-
timativa, que no Roteiro se acham: e não só eram incertos
os cálculos de longitude feitos pelos navegadores, mas a si-
tuação das terras e ilhas nas cartas era geralmente errada,
como se \ê pelo que D. João de Castro diz aqui da ilha de
Santa Maria. Fira geral n'aquelle tempo, e ainda um século
depois se nâo achava resolvida a questão, a opinião de que
aos meridianos terrestres correspondiam os meridianos ma-
gnéticos, e por isso se procurava tirar da declinação da agu-
lha a determinação das longitudes. Alonso de Santa Cruz, cos-
mographo de Carlos v, traçou em 1530, segundo afirma Hum-
boldt, uma carta geral das variações da agulha (Humboldt. Cos-
mos, tom. rv, pag. 64). Em resultado das observações deChris-
tovam Colombo, e de Caboto n'um meridiano que passava
pelos Açores, não tinha variação a agulha. In meridiano Azo-
rum femim non variare, como afirma Gonzales de Ovietto (vide
not. pag. 30). Ali «as agulhas, como dizia o piloto, julgauã
verdadeiramente, e ferião o seu norte no verdadeiro polo do
mundo, t As observações feitas por D. João de Castro mostram
o contrario do que o piloto soppunha.
2 Altura. Nota do auetor.
3 O mais rigoroso processo para determinar a longitude é
152
darêa, pêra ver se concertauão; e oliuelando hua
mesa o milhor que foi possiuel, achey que os Reló-
gios do sol gastauão muito mães tempo em espaço
de hua ora que os darêa; desta maneira, em tempo
que o do sol andaua hua ora, o darêa corria ora e
a observação dos eclipses do sol e da lua, segundo a opinião dos
co>mographos do tempo. N'uma nota anterior transcrevemos
os parecessem que se fundavam as propostas dos astrónomos
e pilotos poriuguezes, para se traçar a raia de demarcação en-
tre os domínios de Portugal e de Castella. N'um livro ita-
liano solire goographia de 1561 lê-se: tVè pcrò una uia tra
le molte, d^osservare la lunghezza delle rcgioni, laquale, cosi
come è facilissima, cosi per conseguente è piena di impedi-
menti: Qucsta è la uia de gli eclissi, d'essi quell delia luna.
Percioche mentre che per gli eclissi si può nsscruare la lun-
guezza delia regione, quella senza dubbio snrà certíssima »
Depois de explicar como a observação dos eclipses pode dar
a longitude, acrescenta: tSe alie cose, cbe si son deite lin qui,
s'é auuertito, si vede quanto facilmente se può trova re por
rEclisse delia luna la lunguezza delia regione; ó luogo pro-
posto. Percioche s'ha prima da vedor se será Ectisse alcuna fu-
tura, ehauer il tempo di quella, con il longo <loue lai Eclisse
è radical mete supputata, con la vera lunguezza di tal luogo.
appresso ha da osseruarsi con gràdissima diligenza nel luogo
proposto, ò regione, di cui si vuol sapere la lunguezza, Tbora,
ò dei principio, ò dei mezo, ò delia fine di tal Eclisse, cio é
mentre la luna cominei a ad oscurarsi, ò nel mezo, ò nella fino
delia sua scuratione, comparar poi se Phore osservaie in questo
luogo son tanto lontane dalTOcaso dei sole, quanto son quelle
dei luogo radicale doue è supputata rEclisse, ò se sono piú õ
meno,i (G. Moleto, D is corso Universale &. Venesia, 1501, pag.
31 o 33).
153
mea, e o que mães se chegaua ao do sol corria ora
e quarta: estes Relógios do sol erão todos feitos em
fraudes e Alemanha, e com elles julgaua as oras,
porque ao tempo presente me achei sem Relógio vni-
uersal 1 .
1 O uso dos relógios do sol e de ampulhetas para medir o
tempo éra commum a bordo dos navios, antes dos ensaios
de applicação do pêndulo á construcção dos relógios marí-
timos, feitos por Huygens, o inventor da pêndula astronó-
mica. (Montucla. Hist. des Math., tom. iv, pag. 549). Aquelles
ensaios não deram o resullado que d 'elles se esperava. Mas a
invenção da mola espiral para regular os relógios, a qual se
deve considerar lambem devida a Huygens em 1674, deu á
construcção de relógios marítimos um meio seguro de attin-
girem a perfeição a que Harrison os levou em 1735; época
em que se experimentou a exactidão das suas indicações no
mar, em uma viagem de Portsmouth a Lisboa (Idem. idem,
pag. 555). Fácil é de conceber a falta que aos navegadores de-
via fazer o conhecimento exacto da hora das observações, ede
um meio rigoroso de medir o lempo. A observação dos ecli-
pses sobre os quaes D. João de Castro tinha grande aviso, era
um dos modos de determinara longitude mais recommendado
aos navegadores, como mostrámos na nota anterior; mas para
serem rigorosos os resultados de tal observação era necessário
o conhecimento exacto da hora da observação tSupposons, diz
Montucla, que, (]'aprês<lcs éphémérides oualmanachs, telsque
les astronomes en puhlièrent dès avant le it>. e siécle, on con-
nut Iheure d*une eclipse de lime pour un lieu determine, on
pouvoit observer celte eclipse en mer, etcomme on peutavoir
rheureoii PonafailTobservationsurlevaisseau parla hauteur
du soleil ou d*une. étoile, com me on le verraci apres, ou pouvoit
déterminer 1'heure ou le phénomène éloit arriué, et la diffé-
154
De noite toda foi o vento da banda do sueste ; o
quarto da prima gouernamos ao sudueste quarta do
sul, e ás vezes ao sudueste quarta daloeste ; mas o
rence des heures devoit donner la différence de 'longitude.
Tel étoit le raisonnement qu'on faisoit, mais il n'y a que ra-
rement des eclipses de lune, et l'on a besoin de connaitre sa
longitude chaquejour. D'ailleurs, ces ca1culsd'éclipsesétoient
alors bien loin de Pexactitude nécessaire. II n'étoit pas rare
qu'on s'y trompat d'un quart-d'heure: ainsi ce moyen étoit
tout-à-fait insuffisant, et divers astronomes en sentirent fort
bien Tinsuffisance, et en cherchèrent un autre.» (Mont. Hist.
des Math. tom. iv, pag. 539). Importantes erros no calculo dos
eclipses, inevitáveis inexactidões na determinação do tompo
tornavam ineficaz este meio de determinar a longitude pelos
eclipses. Para conhecer a hora do eclipse. íjue esperava, D.
João de Castro buscava determinar a duração dos seus reló-
gios de arfta; e para isso comparava a sua* marcha com a dos
relógios de sol. O resultado mostrava os enormes defeitos dos
relógios, e a impossibilidade de conhecer porellcs o tempo em
que tivesse logafo eclipse. Além do relógio de sol e de arèa
havia já n'aquelle tempo o relógio de rodas, a que o auctor
chamava provavelmente relógio universal. Esses relógios de ro-
das eram de grande inexactidão e irregularidade em seu movi-
mento, e de mais desarranjavam-se com surnma facilidade, so-
bretudo a bordo. Faltavam aos relógios todas as condições in-
dispensáveis para poderem servir á* observações astronómicas
eá navegação. Galileu ainda não havia estulado as propriedades
do pêndulo, nem a relojoaria de precisão havia ainda iniciado
os seus primeiros passos. A possibilidade de conhecer a dife-
rença de longitude pela differença da hora era justamente apre-
ciada pelos astrónomos; faltavam os meios de observação. Mo-
leto, na obra citada na nota anterior, e que se encontra ap pensa
Í55
quarto da madorra e alua alargou algfla cousa o
vento, e gouemamos ao sudueste quarta do sul até
amanhecer.
i edição de Ptolomeo publicada em Veneza em 1861, diz a este
respeito (pag. 34): cVna di molte uie, che intorno à questa
matéria d'osservare la lunguezza sono state ritrouate da Ma-
lematici, è per vno horologio, ò di sabbione, è da mote, che
dure, ò 24 hore, ò 36, ò 48, ò piú, ôc quanto piú durerà tanto
sara megliore. ma qual d'essi si pigli, ha da essere in tu tia per-
fettione buono &.» Fallando depois dos relógios, diz: cQuesto
modo cosi come è facilissimo, & si può oprare se ben s'andasso
per tutto il circuilo delia terra, cosi ancora si può in esso cõ-
metlere grandíssimo errore; percioche il primo errore puòca-
gionarsi dairhorologii, perche se quelli non saranno piú che
perfetti, sara fácil cosa, che paliscano alteratione. il secondo
può nascere da colui che ha cura di incordare 1'horologio da
mote, o di uoltare quel di sabbione; percioche se quel tale
non sara in tal uffilio piú che diligente, si potra fare errore ò
di vna, ò di meza hora, ò di piú, secondo la negligenza di quel
tale; per questo adunque, quel che di questo modo si vuol ser-
uirç veda di non mancare, ne nella bontà degli horologii, ne
nella diligenza, ò di voltarli, ò d'incordarli. Sono però hoggi
alcuni horologii, como è quel da mote, che non per corda si
tira, ma per alcune lame d'acciaie tem prato, & questi sareb-
bon buoni. Di sabbione. poi per quanto m'ha detto il Signor
Dionigi Atanagi, huomo raro nelle lettere, & massime delia
poesia, & delia belíssima língua nostra, se ne sono fatti al-
cuni, i quali si voltan da loro stessi. deppo che é finito di an-
dare giú il sabbione, cosa certo rara ór ingenioza. Di questi
quando se ne potesse hauere vno, non è dubbio, che sarebbe
la piú perfeita cosa, che in caso lale si sapesse desiderare;
percioche non ui bisognerebbe la diligêza di niuno per uol-
156
CAMINHO. i
i
Terça feira 21 de mayo todo o dia foi o vento
como sueste; gouemamos ao sudueste quarta da-
loeste, e ás vezes ao sudueste quarta do sul, e ou-
tras ao sudueste: este dia fiz as operações seguin-
tes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol era altura de 21 grãos
ho estilo lançou a sombra 50 grãos
contando do sul porá a banda dalneste.
tarlo, voltandosi da se, saluo chenumerare Phorecheson pas-
sate, il ehe si potrubbeTar íare alio stesso horologio.» (Mon.
Disc. Univ. &. pg. 35). Nada pode mostrar com maior evi-
dencia o estado de atrazo em que se adiava no xvi século a
construcção dos relógios. Ainda um século depois (em 1628)
o P. Mestre Christovão Bruno, na sua arte de navegar, diz,
faltando da determinação do caminho de leste a oeste pelo re-
lógio, e da construcção d'este: tNào faltarão entre os antigos
e modernos quem (cuidasse) na invenção, porem como quer
que sempre lhe deixavão faltar algua cousa necessária pêra a
serteza que niso se pretende, por iso ateara serviu o mais pêra
spiculaçâo.i E pouco depois acrescenta: • . . . outros disserao
que o relógio auia de ser de rodas com o seu mostrador. . . .
porem este modo tãobem cada hum pode uer quam uariauel
fica, asi pellas rodas do relógio serem sugeilas a cada passo a
mudança &. . . » (P. M. Chris. Bruno, Arte de navegar, Coll.
da Univ., vol. 44, fl. 34).
45
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 21 grãos
ho estilo lançou a sombra 50 l grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesla operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 21 grãos l -, os quaes
partidos pello meo, vem á parte 10 grãos |, que he
a quantidade que a agulha neste lugar nordestea.
Esla operação fiz mães á minha vontade que to-
das as outras de que faço menção. Porque a naao
estaua muito assossegada, e a sombra do estilo Re-
pousaua na circunferência do circulo graduado
quanto convinha, pêra verdadeiramente se detremi-
nar o ponto onde o cortaua 2 : querendose pôr o sol,
armando ho meu estromento, o estilo lançou a som-
bra 1 1 grãos, contando do leste pêra o sul, do que
se segue que se pôs outros 1 1 grãos contando da-
loeste pêra o norte, que em termos de marinharia
dizemos que se pôs aloeste quarta do noroeste 3 : este
dia nos leixárão os chuueiros, e tiuemos já o dia cla-
1 O manuscriplo do Roteiro eslà evidentemente errado, pois
que em seguida se diz que este arco foi maior do que pela ma-
nhã 21 grãos Vi-
2 Obseruação do poimento do sol. Nota do auetor.
3 Onde nos deixarão os chuveiros. Nota do auetor.
158
ro, porque depois que passámos a linha até quy ti-
uemos mães chuuas e treuoadas que na costa de
Guiné.
De noite toda foi o vento como sueste; o quarto
da prima gouernamos ao sudueste quarta do sul, e
alguas vezes chegauão á mea partida ; mas o quarto
da modorra e alua gouernamos á mea partida do su-
sudeste e algum tempo ao sudueste e quarta do sul.
CAMINHO.
Quarta feira 22 de Mayo todo o dia ventou sues-
te; gouernamos ao sudueste quarta do sul: este dia
fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Aparecendo o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 57 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste 1 .
1 Segue-se logo que naçeo o sol ao nordeste quarta de leste.
Nota do auctor.
189
Primeira operação depois de meo dia.
•
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 79 grãos
contando do sul pêra a banda de leste 1 :
Foi logo nesta operação o arco depois de meo dia
maior que o dante meo dia 22 grãos ; ametade será
1 1 , que he a quantidade que per esta operação a
agulha nordestea.
Este dia ao meo dia tomarão o sol, e o doctor se
fez em altura de 12 grãos, e o mestre em outros 12,
e assi dous marinheiros 2 ; o calafate ficou em 1 1 grãos
\: eu não tomei o sol este dia.
De noite todo o quarto da prima foy o vento
sueste; gouernamos ao sudueste quarta do sul; mas
no quarto da madorra alargou mães o vento, e go-
uernamos ao sul e quarta do sudueste; no quarto
dalua tornou o vento escasear, e gouernamos ao su-
dueste quarta do sul até amanhecer.
1 Do que fica claro q se poz o sol a lóeste quarta do nordeste.
E também pois que o sol naceo a nordeste quarta de leste e se
pus a loeste quarta de noroeste fica notório, que o arco do ponto
do nacimento ate meo dia foi maior q o do meo dia ate o lu-
gar do poimento duas quartas, q he o mesmo falando por ter-
mos mães claros. Nota do auctor.
2 Alturas conformes. Nota do auctor.
460
CAMINHO.
•
Quinta feira 23 de raayo todo o di$ foi o vento
sueste; gouernamos ao sudueste quarta do sul: não
se tomou o sol, por andar encuberto.
De noite toda foi o vento sueste, e ás vezes esca-
seaua, e outras tornaua alargar ; ao quarto da prima
gouernamos ao susudueste, e assi o da modorra;
mas ho quarto dalua escaseou o vento, e gouerna-
mos ao sudueste e ao sudueste e quarta do sul até
amanhecer.
CAMINHO.
Sesta feira 24 de mayo todo o dia foi o vento
sueste; gouernamos ao suduesle quarta do sul: a
oras de meo dia tomamos o sol, e na maior altura
se aleuantaua sobre o orizonte 5t grãos; a declina-
ção deste dia era 22 grãos, 17 minutos, do que se
segue estarmos em 13 grãos *; esta mesma altura
tomou o doctor e dous marinheiros; o Calafate
achouse em 13 grãos ^.
De noite todo o quarto da prima foi o vento sues-
te; gouernamos ao sudueste: mas no quarto da mo-
dorra e alua alargou mães o vento; gouernamos ao
sul quarta do sueste até amanhecer.
161
CAMINHO
Sabbado 25 de maio todo o dia foi o vento les-
nordeste calmão ; quanto a naao gouernaua, gouer-
namos ao susueste e ao sul quarta do sueste.
De noite foi o vento lesnordeste muito bonança;
gouernamos ao sul e quarta do sueste.
CAMINHO.
V
Domingo 26 de maio todo o dia foi o vento
como lesnordeste muito bonança; quanto a naao go-
uernava, fizemos o caminho ao sul e quarta do sues-
te: o mestre tomou o sol e outra pessoa com elle,
e ambos se acharão em altura de 1 5 grãos {.
De noite todo o quarto da prima foi o vento como
lesnordeste muito bonança e algua cousa mães es-
caso; gouernamos ao sul; mas no quarto da mo-
dorra refrescou o vento, e fizemos o mesmo caminho
do sul e quarta do sudueste até amanhecer.
CAMINHO
Segunda feira 27 de maio todo o dia foi o vento
como leste; até meo dia gouernamos ao susudueste,
e dahi até noite ao sul : a oras de meo dia tomei o
sol, e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte
a. 11
168
50 grãos |; a declinação deste dia era 22 grãos, 23
menutos, do que se segue estarmos era 17 grãos
menos hum seismo l : dous marinheiros tomarão na
maior altura do sol ao orizonte 50 grãos ^: este dia
vimos muitas aves a que chamão pardellas, as quaes
não vimos noutra parajem, somente nesta e nas Ca-
nareas ; tem estas aves as barrigas brancas e as cos-
tas pardas, donde parece que tomarão ho nome ? . O
1 Alturas conformes.
2 «Das Pardellas , com barrigas brancas e costas pardas, en-
contradas proximamente a 60 legoas das costas do Brasil, diz
também o Roteiro que não foram vistas n 'outras paragens, so-
mente n'esta e nas Canárias. Aquella vaga indicação de cores
applica-se com egual propriedade a tantas aves do mar, que
pouco ou nada nos aproveita. De varias espécies de Diomedea,
e citarei as D. chlrorhyncha e Diomedea melanopkrys, que Wy-
wille Thomson e Zelebor encontraram entre a costa do Brasil
e Tristão da Cunha, se pode dizer que lêem as costas pardas e
a barriga branca; os mesmos signaes quadram bem a aves
aquáticas mais pequenas do que aquellas, taes são: Pelagro-.
droma narina e /Estreleta mollis, que os naturalistas do Chal-
lenger trouxeram de Tristão da Cunha, Puffinus KMi, Puffinus
conspicillatus e outras espécies da mesma familia que vêem ci-
tadas n:i viagem da fragata Novara como tendo sido observa-
das durante o trajecto do Rio de Janeiro ao Cabo da Boa Es-
perança. Comtudo aquella referencia do Roteiro a umas certas
aves que havia encontrado nas Canárias, eguaes a essas que
chamavam Pardellas, inspira-me uma certa audácia permil-
indo-me que d'entre as muitas aves a que poderia applicar-se
esta denominação, eleja como mais provável — o Puffinus Kuhli,
que effectivamente frequenta as Canárias, e se mostra muitas
463
mestre tomou o sol ao meo dia, e ficou em altura de
17 grãos; e assi elle como todos os marinheiros que
carteauão, se faziâo, avia já três dias, com terra;
somente eu e hum marinheiro estaua 60 legoas delia:
este dia me disse o Piloto que as agoas corria o
muito pêra o sul, que avia muitos dias que o tinha
experimentado, e querendomo mostrar, ora fosse
por mo saher mal declarar, ora por o eu não saber
entender, mo nao pôde parecer ' : e querendose pôr
o sol, vimos hum Rabiforcado só, e avia já dez dias
que nos desaparecerão estas aves.
De noite o quarto da prima foi o vento como
sueste, tomaua algua cousa pcra leste ; gouernamos
á mea partida do susudueste ; mas no quarto da mo-
dorra e alua alargou o vento duas quartas, e gouer-
namos ao sul até amanhecer.
vezes em bandos mais ou menos numerosos. Tenho apenas por
provável que as Pardellas fossem principalmente aves doesta
espécie, á qual dão nos Açores e Madeira o nome de Caí/arras.
(Informação que devemos ao nosso collega o sr. dr. Bocage).»
1 No cabo de S. Roque, um ramo da grande corrente equa-
torial corre para o sul e forma a corrente do Brasil, que*ca-
nunha parallela á costa, a distancia de 250 a 300 milhas. Gra-
dualmente esta corrente se vae alargando, se vae tornando me-
nos definida e curvando para leste, até que em lai. de 33",
cruza o oceano e vae confundir-se com a grande corrente do
mar do sul. Esta era a corrente que o piloto mostrava a D. João
de Castro, e este não sabia entender, como elle próprio con-
fessa.
164
CAMINHO.
Terça feira 28 de maio até o meo dia 1 foi o vento
leste ; gouernamos ao sul : mas a oras de vespora nos
deu hum chuueiro da banda do sueste ; gouernamos
ao sudueste obra de duas oras: e dahi tornou alar-
gar e ventar de leste ; gouernamos ao sul quarta do
sudueste atee anoitecer: este dia fiz as operações
seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 6 grãos
ho estilo lançou a sombra 52 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste. E a este
tempo por dous Relógios de sol erão 8 oras \.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos
ho estilo lançou a sombra 42 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste. E a este
tempo erão 9 oras \.
1 Coniunção, oras, 5, ate m.° dia, minutos 33. Nota do au-
ctor.
165
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos
ho estilo lançou a sombra 65 grãos
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo erão três oras \ depois de meo dia.
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 23 grãos, os quaes
partidos, vem á parte i 1 grãos \, que he a quanti-
dade que agulha neste lugar nordestea.
De que fica notório que, andando o sol igoaes ar-
cos, o Relógio gastou mães tempo no arco da tarde
que no de pella menhãa | dora: este dia ao meo dia
tomou o Piloto o sol, e achouse em i 8 grãos largos,
o mestre em 18 £, o calafate em outros 18 \ 9 hum
marinheiro em 18 ".
De noite obra de duas oras do quarto da Prima
escaseou o vento e foise a lessueste ; gouernamos ao
susudueste: mas deste tempo até fim do quarto tor-
nou alargar; fizemos o caminho do sul e quarta do
suduestè : entrando a modorra, alargou mães o ven-
to; gouernamos ao sul franco; mas querendose aca-
bar o quarto, nos deu hum chuueiro do sueste, e
1 Este dia tomando as duas alturas de pia menhâ e a varia-
ção da sombra obrando na poma achei estarmos em altura de
18 gráos l / t . Nota do auctor.
166
tomando o traquete, gouernamos ao sudueste obra
de hua ora e mea: mas entrando alua, tornou o
vento alargar, ventando como lesnordeste; gouerna-
mos ao sul e quarta do sueste até amanhecer.
Quarta feira 29 de maio, sahindo o sol, nos deu
hum chuueiro do sueste; gouernamos obra de hua
ora ao sudueste: mas logo o vento tornou alargar e
ventar da banda de leste; gouernamos ao sul até dez
oras de dia; e dahi avante largando mães o vento,
gouernamos ao sul quarta do sueste e á mea par-
tida do susueste até anoitecer: este dia fiz as ope-
rações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
•
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 31 grãos \
contando do sul pêra a banda daloestc. E a este
tempo por dous Relógios de sol erâo 8 oras \.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 40 grãos
ho estilo lançou a sombra 20 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erâo 10 oras .].
467
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 64 grãos
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo erão pouco mães de 3 oras.
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 32 grãos \ l ; vem á
parte 16 {, que he amelade, que por esta operação
agulha nordestea, que he impossível 2 .
Este dia tomando as duas alturas de pella me-
nhã e a variação da sombra, que foi 11 grãos \,
1 Erro na operação no variar das agulhas. Nota do auctor.
2 A observação que o auctor faz é justa; mas o facto expli-
casse porque as agulhas, no instrumento das sombras, estavam
desarranjadas, como elte próprio diz mais adiante. Ha a ac-
crescentar que só a 29 de julho o observador reconheceu a
influencia de massas de ferro sobre as agulhas, pois diz ahi,
em vista das irregularidades que lhe davam as observações no
porto de Moçambique e que o traziam muito suspenso: cfoi
hum berço que estava no mesmo lugar, onde eu queria fazer
as operações, o ferro do qual berço chamaua assy as agulhas,
e as fazia desvariar desta maneira, do que tirey q hua opera-
ção que fiz a 30 dias de junho no meridiano que está para
leste do cabo das agulhas. 5 grãos */ 2 a qual achey que me vi-
nha muito descõcertada, e assy algíías outras q fiz na paragê
do Brasil, onde achey notauês differenças que foy por as fa-
zer perto donde eslaua algQa peça de artilharia, anchoras, ou
qualquer outro ferro, como me passaua a todas as partes da
mo buscando lugar conueniente a esta obra.»
168
obrando na poma pella maneira acostumada, achei
que me daua 1 6 grãos da altura, o que me espan-
tou muito, porque o dia dantes nos achamos em 18
grãos \; pello que, parecendome que naceria este
erro de obrar mal na poma a demostração, á tarde
fiz outra obseruação, e tomando o sol em altura de
35 grãos ~ \ o estilo lançou a sombra 53 grãos, con-
tando do norte pêra a banda de leste; e logo tor-
nando tomar o sol em altura de 28 grãos, o estilo
lançou a sombra 64 grãos, contando do sul pêra a
banda de leste; e asentando esta variação no ori-
sonte da poma, a qual variação foi 1 i grãos, e assi
as duas alturas, cada hua do cabo da tal variação,
tirando de 90 a declinação deste dia e tomando os
grãos que me sobejauão, que erão 67 \, fazendo a
declinação com o compasso curuo, achei 23 grãos ;
daltura, que era imposiuel 2 : este dia na maior altura
tomou o sol o Piloto e mestre, e ambos se acharão
em 19 grãos L A : a causa do desconcerto que me oje
fizerão as operações, não pude alcançar, nem a que
o attrebuir, saluo que o dia dantes mandei enderei-
tar agulhinha do estormento, e que neste bullir se
podia destemperar 3 .
1 Outra operação pela altura a toda a 6ra. Nota do auctor.
2 Altura ao meio dia. Nota do auctor.
3 Já api outra nota tivemos occasião de mostrar quanto eram
pouoo seguras a* observações da agulha, em consequência da
169
De noite toda foi o vento norte e nornordeste cal-
mão, quanto a naao gouernaua; o quarto da prima-
sua defeituosa construcçao; agora daremos noticia d'essa con
strucção a fim de melhor se avaliar a incerteza com que no
século xvi se determinava no mar a linha norte-sul, e mais
ainda a grandeza da declinação magnética nos diversos Joga-
res da terra. Marti m Cortez no seu Compendio de la sphera e
de la arte de navegar > 3 publicado em Sevilha no anno de 1551,
descreve do seguinte modo a fabricação da bússola: fTomese
un papel como d'naypes, y dese enel vn circulo de quantidad
d'vna mano poço mas o menos, è el ql se han de pintar los
32 vientos con las colores y en la orden q dimos en el primero
y segundo cap. delos vientos y dela carta: no oluidando* de
senalar el norte com vna flor de lys, y el leuante con vna
cruz : y d'mas d'sto cada vno segu su phantasia los hermo-
seara y agraciara: despues por la fte baxa d'ste papeio se ha
d'dar vna linea qste dVechamète baxo de la d'I norte sur, la
qual será senal para el asêtar los fierros o azeros : y despues
se ha de tomar vn d'filo hierro, ou azero ta gruesso como vn
alfiler gordo o segu el tamano d'l redõdo d*l papel, rosa, ayuja
o bruxola que ya se puede llamar : Este fierro se ha de doblar,
y q cada vna d' las ptes ygualmète sea tan luenga como el diâ-
metro d' la bruxola y mas la qrta parte. Los cabos ò puntas d *-
tes fierros, ô azeros sé han dapretax y ajustar; y en los mé-
dios se ha d'abrir o aptar uno d'otro hasta q los cabos vêgan
a ygualar con las extremidades dei diâmetro de la bruxola : y
asi quedara los azeros quasi.en figura oual. Estes fierros se
ha de apegar por la pte baxa de la bruxola d'manera q sus ex-
tremidades, o puntas vengan precisamête por la linea d'l nor-
tesur: y para fixar los asi se ha d 'cobrir con un papel delgado
engradado, d'xando las putas o extremidades d'l fierro d'scu-
biertas. Y estas extremidades se hã d 1 tocar en Ia piedra yman
en esta manera, la pte q esta abaxo de la flor d'lys se ha d're-
170
gouernámos ao susueste, mas o da modorra e alua
ao sueste e sueste quarta do sul.
fregar en aqlla pte de la piedra q correspõde ai norte (segu se
dixe enl capitulo pasado) y esto basta ua para la pfection dl
aguja: pêro algunas qeren para superabQdancia tocar la otra
parte dei fierro con aquella pte de la piedra que corresponde
ai sur: y tambiê bastaua tocar cõ sola esta parte. Este toca-
mtèto dl fierro cõ la piedra pa q la virtud d'inÕstratiua sea
engêdrada se ha d'hacer dando cõ vn martillo aigQos golpes
en aqlla pte dia piedra q se ha d 'tocar: es a saber enl norte,
o enl sur: y alli le saldrã vnas barbas dõde se ha d 'se fregar
la pQta d'l íiero, como qen lo amolase: y qdar le ha apegadas
alguas dias dichas i>arbas dia piedra : y asi tocados y pega-
dos los Berros ha se dlomar una pfttadlatõ, dTigura pirami-
dal q es baxo ancha y arriba haze punta: esta se haze redõda,
o ochavada como mejor paresce, y por lo baxo, o ancho se ha
de barrenar con vn taladro, y el barreno ha de ser de forma
piramidal y ha de entrar enl pirâmide hasta médio, o algun
poço mas. Esta pirâmide a que los marineros por la mayor
parte dizem chapitel ha d'tener de alto un dedo de traues, o
segun el aguja fuere: y ha se de encaxar por el centro de la
buxola, como la punta salga por la parte alta: y alli se ha de
pegar y bien fixar: despues se lia de tomar vna caxa redonda
de madera hecha entorno donde el aguja pueda estar sin to-
car en las paredes de la caxa, y ha d'ser tam alta como el se-
midiametro dei aguja: el suelo desta caxa ha d'star postizo,
porque se pueda qtar y tornar a poner para tornar a tocar cõ
la piedra los azeros (a q dizen ceuar) quando sea menester:
porq no le falte a la aguja la virtud. Enel médio dei suelo desta
caxa se ha de poner vna punta de hilo de lalon aguda, y de-
recha hazia arriba : y sobre esta puta ha d'andar la rosa o bru-
xola asentando sobre la punta el agujero dl chapitel: y poi-
que no le entre viento por la parte d'arriba se ha de cobrir esta
171
CAMINHO.
Quinta feira 30 de maio todo o dia foi o vento
calma; quanto a naao gouernaua, leuamos a proa
caia con vn vidrio: y asi tocada de la piedra y puesta sobre
la puta, senalara la parte dei norte y por conseguinte todos
los otros vientos. Es bien notar q despues de tocada el aguja
cn qualquier d'stas maneras, si allegan la parte dei norte d'la
piedra ai norte dei aguja, el norte dl aguja se allegaraaella:
y slla allegan ala parte d'l sur de aguja hujra delia, y por él
cõtrario si allegan el sur d'la piedra ai sur dei aguja se alle-
gara a ella: y si ai norte huyra. Esto se entfède estando la
aguja libre como se ha d'asêtar: y es tabien esta buena senal
para conoscer ql sea el norte y el sur de la piedra. Allende
d'slo ha se de poner esta caxa en otra sobre los círculos ene-
xados vno en otro: q sirvan para que no pede el aguja, aun
que penda la nao: y tanbien esta cana ha de tener su cubierta
de madera para q guarde la otra : y ha se d'aduertir q la punia
d'la pirâmide o cha pitei y su agujero y la puta sobre q ãda
estan derechos, y tâbié la rosa q no d'cline a una ni a otra
parte: y si fuere mas ligera d'lo que es menester, hagan
la punta sobre que anda algo mas bota. > (Martin Coriez,
Breue Comp. de la sphee. y dela art. **naue. Sevilha, 1551,
Part. m, cap. im, fl. 1 xix ver.) Citamos longamente o tra-
tado ^hespanhol, porque elle nos dá perfeita idéa das agulhas
de marear no meado do século xvi, e nos deixa ver a sua im-
perfeição, e os numerosos erros que deviam necessariamente
resultar dos numerosos desarranjos a que estavam sujeitas.
As leis do magnetismo eram mal conhecidas ; o modo pratico
de magnetisar dos mais imperfeitos, e nem sequer se conhe-
cia que o ferro em diversos estados, e o aço segundo a sua
472
ao susueste, ora ao sueste quarta do sul: este dia
fiz as operações seguintes.
tempera, tomam differente força magnética, e a podem con-
servar por mais "ou menos tempo. Que era muito variável a
força coercitiva das agulhas prova-o a necessidade de as magne-
tisar para que se não perdesse a virtude á agulha. A forma das
agulhas, constituídas por um fio de ferro ou de aço, grosso
como um alfinete grande, e dobrado ao meio, e com as duas
pontas unidas apenas, não podia ser mais inconveniente; tudo
parecia assegurar a não efficacia da bússolas. No livro de Gui-
lherme Gilberto, publicado em 1600, diz-se, descrevendo a
agulha de marear: t Ferramenta aut sunt bina (coéuntibus
ter di in is) aut unum ouali fere forma prominentibus termi-
nis, quod certius et celerius suu officium facit.» (Guil. Gilb.
De Magn. Lond. 1600, liv. iv, cap. vni, pag. 165.) Ainda no
Roteiro de Aleixo da Motta, de 1623, se diz fallando da cons-
trucção da agulha: «As agulhas que se costumavam até o anno
de 1614 todas tinham duas pontas nos ferros d'onde se sevam
da parte do norte, e outras duas pontas da parte do sul, e eu
vendo no mar o erro q causavão as ditas agulhas terem as
ditas duas pontas mandei fazer os ditos ferros de húa só ponta
p. a o norte e outra p. a o sul, porque sendo duas para se ajus-
tarem na rosa lhe grudam um papel por cima d'ellas para as
sustentarem que se não apartem; mas no mar com a quentura
as agulhas q estão na bitacula algumas vezes amolesse o grude
e alargam-se os ditos ferro3 huma ponta da outra alguma cousa
o ficam divididos os ditos pontos onde estão sevadas, e assi
fica a agulha fazendo mais variação para a parte do ferro q
tomou mais seva na pedra, e como os ditos ferros não forem
muito eguaes e fôr um mais groço qualquer coisa que o outro,
este tal tomará a seva mais que o mais delgado, apartando-se
o que tomou mais seva para a parte do nordeste fará nor-
destear mais a agulha, e o mesmo fará apartando-se para a
173
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 5 grãos
ho estilo lançou a sombra 52 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo era pouco mães de 8 e oras.
parte do noroeste. Isto vi eu muito bem por vezes no mar e
me serviu para mandar fazer os ditos ferros de hua só ponta
e de aço fino, o qual toma melhor a seva e a sustenta melhor,
pelo que aconselho que se uze das agulhas de hfia só ponta
p.* a parte do norte e outra para a parte sul, para as obser-
vações que fizerem sairem mais ao certo. • Rot. da Nav. da
carr. da lnd. por Aleixo da Motta, Mss. da Bibl. Nac.) Do
que fica indicado pode concluir-se quanto seriam imperfeitas
as agulhas de que se usava, e quão erradas seriam as observa-
ções que com ellas se faziam no século xvi. Não é pois para
admirar que no roteiro da costa da índia, D. João de Castro,
depois de notara irregularidade das suas observações com di-
versas agulhas, diga: «Doestas cousas se segue que as agu-
lhas são differentes entre si, variando humas mais que outras,
e assi mesmo que os relógios discrepam do sentido das agu-
lhas; de modo que cada estromento tira para sua parte. Se
isto nace da pouca pontualidade de nossos estrumentos, se dou-
tra cousa que a natureza tenha ençarrada em sua oficina, sol-
vat Apollo.* (Rot. da Cost. da lnd., por D. João de Castro,
pag. 92.)
174
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos
ho estilo lançou a sombra 42 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 38 grãos ^
contando do sul pêra a banda daloeste.
Qmrta operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 40 grãos
ho estilo lançou a sombra 20 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 40 grãos
ho estilo lançou a sombra 45 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
'Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
1 Tornou a concertar a observação do variar das agulhas.
Nota do auctor.
175
dia maior que o dante meo dia 24 grãos {, e he a
sua metade 12 grãos \, que be a quantidade que
neste lugar agulha nordestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 61 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 23 grãos, os quaes
partidos pello meo, vem á parte 1 1 grãos {, que he
a quantidade que neste lugar agulha nordestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos .
ho estilo lançou a sombra 65 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 23 grãos \\ he a
sua ametade 11 J, que he a quantidade que neste
lugar agulha nordestea.
176
Quarta operação depois de meojdia.
Estando o sol em altura de 5 grãos
ho estilo lançou a sombra 77 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foi logo o arco de depois de meo dia maior que
o dante meo dia 25 grãos £; he a sua ametade i2
grãos \, que he a quantidade que agulha neste lu-
gar nordestea.
Corrolario.
Destas cousas se segue que a agulha do estor-
mento estaria bem concertada, pois por tantas obser-
uações se vereficou o variar das agulhas, e em to-
das vierão os arcos muy conformes, e assi mesmo
se proua pellas operações doje e de terça feira o mes-
mo; porque tomando eu terça feir$ o sol em altura
de 6 grãos escasos, o estilo lançou a sombra 52
grãos, contando, do sul pêra a banda daloeste, e a
este tempo erão 8 oras \ ; e dahi a pouco tornando
tomar o sol em altura de 24 grãos, ho estilo lançou
a sombra 42 grãos, contando do sul pêra a banda
daloeste, e a este tempo erão 9 oras \: ora oje
quinta feira, tomando o sol em altura de 5 grãos,
ho estilo lançou a sombra 52 grãos, contando do
sul pêra a banda daloeste, e erão a este tempo
177
pouco mães de 8 oras; e tornando a tomar o sol em
altura de 24 grãos, ho estilo lançou a sombra 42
grãos, contando do sul pêra a banda daloeste, do
que fica manifesto, que se a agulha e estormento es-
tiuerão oje desconcertados, que não vierão estas
operações tão conformes com as de terça feira,
onde agulha e estormento estauão em sua perfeição.
Contra este argumento não vai dizerem, que terça
feira tomey 6 grãos daltura pella menhãa, e oje 5 ;
porque, como já tenho ditto, quando o sol está perto
do orizonte, em mudança de hum grão não varia a
sombra pello circulo cousa sensível 1 . Este dia obrando
na poma com a primeira altura de pella menhãa, que
foi 5 grãos, e com a segunda, que foy 24, em que
ouue i grãos de variação de sombra, açhey que es-
tauamos em 1 8 grãos ; e logo obrando outra vez com
a segunda altura, que foy 24 grãos, e com a terceira,
que foy 28, em que ouue 3 grãos { de variação de
sombra, achei que me daua 22 grãos daltura; e tor-
nando a obrar com a terceira e quarta altura, veo a
leuação do polo muito mães falsa 2 : este dia na maior
altura tomou o Piloto e mestre o sol, e ficarão em
20 grãos 3 , e a mesma altura achou o calafate e ou-
tras pessoas.
1 Desconcertou a altura a toda a ora em três observações.
Nota do auctor.
2 Altura do meo dia muy conforme. Nota do auctor.
3 Esta altura tomada pelo piloto é justamente a média das
alturas que encontrou D. João de Castro.
a. 12
178
De noite toda foi o vento coroo nordeste muito
calmão ; quanto a naao gouernaua, fizemos o cami-
nho á mea partida do susueste e ao sueste quarta
do sul até amanhecer.
CAMINHO.
Sesta feira 31 de maio todo dia foi o vento cal-
ma; quanto a naao gouernaua, fizemos o caminho
ao susueste e ao sul quarta de sueste 1 : o Piloto e
mestre tomarão o sol, e acháranse em 20 grãos \:
este dia vimos muitos 1 grajaos e Rabiforcados.
De noite toda foi o vento nordeste e lesnordeste
muito bonança; ao quarto da prima gouernamos ao
sul quarta do sueste e ao susueste ; mas a modorra
e alua gouernamos ao susueste e ao sueste quarta do
sul.
CAMINHO.
Sabbado primeiro de Junho até o meo dia foi o
vento como leste muito bonança, e dahi avante alar-
gou, e gouernamos ao sueste até anoitecer: e na
mayor altura tomou o Piloto o sol, e achouse em 22
1 Altura do meo dia. Nota do auctor.
1 Aves aparecerão. Nota do auctor.
179
grãos e|,eo mestte em 22 grãos: este dia vimos
muitos grajaos, rabiforcados e pardelas.
De noite toda foi o vento como nordeste galerno ;
gouernamos ao sueste até amanhecer.
CAMINHO.
Domingo 2 de Junho foi p vento como lesnor-
deste bonança até o meo dia; gouernamos em les-
sneste ; mas tornando a escasear o vento, fizemos o
caminho do sueste até anoitecer: e este dia fiz as
seguintes operações.
. Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 7 grãos
ho estilo lançou a sombra 47 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo
erão 8 oras {.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 35 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste : a este tempo
erão 9 oras ;.
12
180
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos {
ho estilo lançou a sombra 35 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste ; e a este tempo
erão ii oras.
Primeira operação depois de meo dia
1 Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estilo lançou a sombra 55 grãos
contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo
erão três oras depois de meo dia.
Foi logo o arco depois de meo dia maior que o
dante meo dia 41 grãos | 2 ,ea sua ametade 20 grãos
~, que he a quantidade que por esta operação agu-
lha nordestea, o que he impossível.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 66 grãos
1 Nesta operação parece que gastou ho relógio mães 2 ho-
ras q ua altura dos 32 grãos í / 2 desta menljãa. Notadoauctor.
2 Aqui faltou a operação sem se poder sêtir a causa donde
procedia. Nota do auctor.
181
contando do sul pêra a banda de leste: neste tempo
erão 4 oras.
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 30 grãos £ \ e a sua
metade 15 \, que he a quantidade que por esta ope-
ração agulha nordestea, o que he impossiuel.
Este dia, querendo tornar a experimentar a al-
tura a toda a ora, tomei a altura de 7 grãos e a de
23, em que o sol esteue pella menhãa, com a va-
riação da sombra do estilo, que foi 12 grãos, e
obrando na poma pella maneira acostumada, achey
que me daua daltura 24 grãos ±, o que he impossi-
uel ; e fazendo logo outra operação com a altura de
23 gratos e a de 32 \ de pella menhãa, em que ouue
22 grãos de variação de sombra, achey que me
daua 34 grãos { de leuação do polo, que foy cousa
insofriuel : a oras de meo dia tomamos o sol, e es-
tando cada hum vereficando a sua altura, disse ho
Piloto que já decia; logo sem mães considerar o cre-
rão todos, e hindosse com o sol que a tal tempo
acharão em seus estarlabeos, fiquei eu e o doctor e
o Calafate, que sabíamos o contrairo, e oulhando o
sol que leuauão nos estarlabeos, achei que o Piloto
tomara do sol ao orizonte 43 grãos, e o mestre mães
í, hum marinheiro 42 £, e outro 43; eu tinha a este
Aqui faltou tarabS a operação. Nota do auctor.
482
tempo tomado 43 \, e o calafate 42 J: ora ficando
eu assi, juro que dahi a hua ora me foi sobindo o
sol até se pôr em altura de 44 grãos, o que sen-
tindo o calafate em seu estarlabeo, começou a dizer
que o sol lhe tinha sobido até mães de 44 grãos,
pello que tornando os dous marinheiros a to-
mar o sol, acharão daltura 44 grãos; o doctor a
este tempo se foi ao mestre e lhe fez tornar a to-
mar o sol, e achou os mesmos 44 grãos, o que vendo
o Piloto, o tornou a tomar outra vez, e achou os
mesmos 44 grãos folgados 1 : a causa de tamanho erro
vem de os Pilotos e homens do mar crerem que to-
mão o sol na maior altura, quando os seus Relógios
lhe fazem meo dia, e com os grãos que ao tal tempo
acham, se erguem e vão fazer sua oonta*, não con-
1 Prova a causa de tomar mal a altura. Nota do auctor.
1 Eram os pilotos do século xvi homens rudes do mar, com
pouca ou quasi nenhuma instrucçào. Não conhecendo a maior
parte das vezes o uso dos defeituosíssimos instrumentos de
que se serviam senão pela rotina, não podiam, por isso, nem
oorregir4ties os defeitos nem ponderar devidamente os erros
de observação. Tinham comtudo grande vaidade, e como as
viagens, por mares pouco navegados, dependiam dos pilotos,
estes envolviam os seus actos em certo mysterio, e escondiam
a sua ignorância em exterioridades, que podessem impressio-
nar o vulgo. As dissidências entre os homens theoricos e os
homens práticos já n'aquelle tempo andavam accesas, como o
provam as palavras de D. João de Castro no prologo do Ro-
teiro do Mar Roxo. Depois de accusar os homens do mar do
483
siderando como os Relógios por onde se regem são
feitos em differentes Regiões, e cada hum serue á
leuação do pollo do lugar donde he feito, o que oje
muy conhecidamente se mostrou ao meo dia; por-
sen tempo de se darem por inventores do que outros inventar
ram antes d*elles, acrescenta: «E assi como se nelles estiues-
sem todas estas graças, sam priuilegiados de todolos os ho-
mens, e tidos como soberanos. Porque elles somente podem
matar sem pena, como diz Plínio dos físicos, e destruírem as
fazendas e a substancia de. todos. Pois cada hora hemos, que
dando com as Naaos a traués per suas culpas, nam ha quem
lhe peça conta dos mortos; mas he lhes muito agradecido, e
tido por humanidade quererem dar rezam de si, e a desculpa
do infortúnio, pondo mil aleiues ao Ceo, Ventos, Mar, com
outros achaques infinitos. Ora, dizendo que a naao lhe leuaua
furtado tantas legoas: ora, queasagoas com suas correntes os
lançaram fora do caminho. De sorte que, nam digo ja per suas
ignorâncias, e contumasias lhe ser dado pena, e reprehensam
de seus erros: antes em este lugar negoceam modos de os apa»
zigoar, e busca muitas rezões pêra lhes absoluerem o naufrá-
gio, atribuindo suas culpas, e males a fortuna, como que o
mundo seria perdido, se nelle nam ouuesse Pillotos.» (Castro,
Rot. do M. Roxo, pag. iv.) Pedro Nunes no seu Tratado em
defensão da Carta de Marear, diz dos pilotos d'aquelle tempo
o seguinte: cBem sey quam mal sofrem os pilotos que fale na
índia quem nunca foy nella: e pratique no mar quem nelle
não entrou: mas jus ti ficam- se mal: poys lhes nos sofremos
a elles: que cõ sua maa linguagem e tam bárbaros nomes: fa-
lem no sol, e na lua, nas estrelas, nos seus círculos, movimen-
tos, e declinações: como nacem, e como se põem: e a que
parte do orizonte estam inclinados: nas alturas e Jonguras dos
lugares do orbe: nos astrolábios: quadrantes balhestilbas e re-
184
que, vereflcando as oras por quatro Relógios, achei
que dous delles me fazião meo dia, e o terceiro i 1
oras i, e o quarto 1 i oras \ : alem disto faz miotir
muitas vezes muito os taes Relógios o variar de suas
agulhas, porque, como quer que são ceuadas com
differentes pedras, e os mesmos ferrinhos seião mais
aceiros huns que outros, faz que variem ou nordes-
teem huns muy diíferente dos outros, e daquy vem
mostrarem o lugar de meo dia com tanta falsidade ' :
logios: em annos comtís e bisextos: equinociaes e solsticios:
nam sabendo nada nisso: e posto que elles nos digam que o
navegar he outra cousa per si: sabemos certo que se aprouei-
tam muito disto: e que se algum delles vem a ter presunçam
de saber na esphera: quer logo triunfar dos outros que a Dam
sabem.» (P. Nunes, T. em def. da Car. de Marear.)
1 Era opinião no tempo de D. João de Castro, que a diversa
procedência das pedras, com que as agulhas magnéticas eram
cevadas, influía na declinação das mesmas agulhas. Este erro
manifesta-se de um modo claro e explicito no que elle diz em
vários togares dos seus roteiros. Faltando, por exemplo, de
uma agulha tirada de um relógio de Allemanha, que mandou
magnelisar pelo piloto antes de a adaptar a um instrumento,
e notando que depois d'esta operação a agulha indicava a mes-
ma declinação que dantes tinha, diz o auctor: «Desto fiquei
muito pensativo, porque o relógio d*onde tirei esta agulha foi
feito em Alemanha e lá avia de ser cevada a agulha, com suas
pedras de manhete: ora a pedra com que ao presente a loquou
o piloto de novo, hera desta costa da índia, e sem embargo das
regiões serem tam diferentes a propriedade das pedras parece
ser huma mesmo.» (Rot. da costa da Índia, pag. 87.) No mes-
mo Roteiro (idem, pag. 102) encontra-se uma notação acerca
185
e pêra mães certeza de sobir o sol, quando oje o Pi-
loto tomou 43 grãos e disse que decia, podemos con-
siderar como ontem ficou em altura de 22 grãos \\
e toda esta singradura foy o vento muito bonança,
quanto a vella não tocaua o masto, e gouernamos
toda ao sueste, sendo o vento pêra poder hir á quarta
de leste, e ás vezes mais largos: logo, se oje o Pi-
loto tomara bem o sol na altura de 43 grãos, era
necessário que de bontem pêra oje andássemos bum
grão e hum terço, que por este Rumo do sueste va-
da diversidade que entre si apresentavam três agulhas ma-
gnéticas: e essa notação é muito curiosa para que a não tran-
screvamos aqui. Diz a notação: c Vendo tamanhas diversidades
nestas três agulhas imaginei que estas diferenças podiam na-
cer dos ferros das agulhas estarem desviados do norte e frol
de lis, corno muitas vezes se costuma a fazer pêra -se emendar
a variação que fazem (vide nota 1, pag. 23); polo que abri to-
das três e lhes vi muito bem os ferros os quaes estavam direi-
tos e muito justos com o Norte e frol de lis das agulhas. Fora
desta duvida entrei noutra, e foi parecer me que estas agulhas
seriam cevadas com desvairadas pedras e por tanto cada um
tiraria pêra a parte onde a vertude e propriedade da pedra ha
enderençam, mas inquirindo deste caso o piloto, jurou-me
que todas três eram tocadas com huma soo pedra, e loguo em
minha prezensa as cevou todas três, as quaes tornaram a jul-
gar como dantes, o que me deu a entender qu'a variação que
fazem as agulhas he causada da matéria do ferro, e nam da
natureza do manhete, e que segundo o ferro for mais ou me-
nos aceiro, assi fará incrinar a frol de lis da agulha para
aquele lugar onde tem sua natural incrinação.»
486
lem 42 legoas, o que he impossiuel, pello pouco
vento que trazíamos na vella.
De noite toda foy o vento como nornoroeste; go-
oernamos a lessueste, e ginauão pêra a banda de
leste.
CAMNHO.
Segunda feira 3 de Junho todo o dia foy o vento
norte e ventaua fresco; gouernamos em leste quarta
de sueste: este dia ao meo dia tomamos o sol, e o
Piloto tomou do sol ao orizonte 42 grãos J,eo mes*
tre 42 \; e eu, deixandome estar mães, me sobio o
sol até 43 grãos; a declinação deste dia era 23 grãos,
13 menutos, do que se segue estarmos em 23 grãos
47 minutos: este dia desaparecerão as aves.
De noite todo o quarto da prima e modorra go-
uernamos a leste quarta de nordeste ; mas o quarto
dalua gouernamos em lessueste, pêra arribar á ca-
pitaina, que nos fícaua muito a julauento : toda noite
foy o vento norte.
CAMINHO.
Terga feira 4 de Junho todo o dia foy o vento no-
roeste Rijo; gouernamos em lessueste, e foy o pri-
meiro dia que vimos o mar groso e andar aleuan-
tado, e vimos muitas par delas: não se tomou o sol,
por não aparecer.
187
De noite o quarto da prima foy o vento noroes-
te; gouernamos a lessueste; e querendose Render
ho quarto, nos deu hum chuueiro do sudueste, que
nos fez tomar os traquetes e amainar a vella grande
até meo mas to; duraria duas oras, chouendo muito,
e no fim deste tempo tornou o vento ao noroeste;
gouernamos a lessueste até amanhecer.
CAMINHO.
Quarta feira 5 de Junho todo o dia foy o vento
noroeste galerno; gouernamos ao sueste quarta de
leste: ao meo dia tomamos o sol, e tomarão o Pi-
loto e mestre do sol ao orizonte 40 grãos, e eu a
este tempo tomey outros 40, -e logo se forão ambos,
dizendo que decia já o sol; mas eu deixandome es-
tar, dahy a hua ora me sobio o sol mães de { de
grão, e tardou tanto em decer, que me ergui de en-
fadado; a declinação deste dia era 23 grãos, 20 me-
nutos, do que se segue estarmos em 26 grãos £:
este dia vimos muitas baleas 1 por bordo e nenhuas
das aves.
1 Os estudos de Maury acerca da distribuição geograpbica
das balêas, nos mares do norte e do sul, levaram-n'o á convic-
ção «that the tropical regions of the ocean are to the right
whale as a sea of fire, through which he cannot pass, and
inlo which ha never enters. The fact was also brought out that
the same kind of whale that is found off the shoies of Green-
188
De noite toda foy o vento noroeste; gouernamos
a lessueste até amanhecer; o quarto da modorra e
alua foy o vento mães fresco que no da prima.
CAMINHO.
•
Quinta feira 6 de Junho todo o dia foy o vento
noroeste ; até meo dia gouernamos ao sueste quarta
de leste, e do meo dia até noite á mea partida de
lessueste: este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 22 grãos
ho estilo lançou a sombra 30 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste : a este tempo
erão 10 oras.
land, in Baffiifs Bay &, is found also in the North Pacific, and
about Behring's Strait, and that the right whale of the northern
bemisphere is a different animal from that of the southern.»
(Maury, The Phys. Geogr. of the Sea., cap. viu). A linha que
no hemispherio sul, marca o limite equatorial da baleia, se-
gundo Maury, sobe pela longitude aproximadamente em que
navegava D. João de Castro, até quasi a 15° de latitude. Isto
mostra bem a exactidão e a perspicácia com que o illustre na-
vegador fazia as suas observações.
489
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 30 grãos |
ho estilo lançou a sombra 17 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo
erão 10 oras \.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altnra de 33 grãos \
ho estilo lançou á sombra 11 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo
eram 11 oras \.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 33 grãos - 1
ho estilo lançou a sombra * 44 grãos
contando do sul pêra a banda de leste.
Foi logo nesta operação ho arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 32 grãos { , ametade
dos quaes são 1 6 grãos 1 , que he a quantidade que
a agulha neste logar nordestea.
Não tomei o sol nas outras duas alturas de polia
menhã, porque, acabando de fazer esta operação,
veo hua cerração, com que não pareceo mães até
noite: este dia tomando a primeira altura de pella
190
menhãa, que foi 22 grãos, e a 2/, que foi de 30
grãos £, com a variação da sombra do estilo, que
foi 12 grãos \, obrando na poma pella maneira acos-
tumada, achei que estauamos em altura de 28 grãos 1 ;
e fazendo outra operação com a 2. A altura de 30
grãos \ e terceira altura de 33 grãos \ com a varia*
ção da sombra do estilo, que foi i i grãos \, acha
que estauamos em altura de 27 grãos '-: a oras de
meo dia tomou o Piloto o sol, e achousse em 27
grãos |; e depois do Piloto ter acabado, dahi a mea
ora me sobio ainda o sol', e na maior altura se ale-
uantou sobre o orisonte 39 grãos £; a declinação
deste dia erão 23 grãos, 22 menutos, de que se se-
gue estarmos na altura de 27 grãos J: quando fiz
estas operaçOes, me fazia no merediano que passa
pella grão Ganarea, e o Piloto neste mesmo lugar,
pouco mães ou menos 3 ; e he cousa pêra notar, que,
estando oie o sol na mayor altura, dahi a espaço de
húa ora e hum terço não senti no estarlabeo que de-
ceo cousa algua.
De noite, em anoitecendo, nos deu hum chuueiro
do sudueste; gouernamos hum pouco a lessueste: e
1 Tornou a concertar a altura a toda a ora por duas opera-
ções. Nota do auctor.
1 Sobio o sol depois do meo dia do relógio e terem tomado
a altura. Nota do auctor.
3 Meridiano em que forão feitas estas operações. Nota do
auctor.
491
o vento tomou logo ao noroeste, e ventou todo o
quarto da prima e modorra ; fizemos o caminho de
lessueste; mas o quarto dalua saltou o vento ao su-
dueste, e gouernamos á mesma mea partida até ama-
nhecer.
CAMINHO.
Sesta feira 7 de Junho até oras de vespora foy o
vento como oeste; gouernamos a lessueste ; mas dahi
até noite fezse o vento sudueste, e fizemos o mesmo
caminho: este dia, amanhecendo, não vi a capitaina.
De noite todo o quarto da prima foy o vento sul;
gouernamos a leste quarta do sueste ; mas entrando
a modorra, saltou o vento ao sueste e ventou com
grande tormenta, e logo amainando as vellas, fica-
mos de mar em traués até amanhecer.
CAMINHO.
Sabbado 8 de Junho todo o dia foi o vento leste
e lessueste; andamos de mar em traués até anoite-
cer.
De noite toda foi lessueste; andamos de mar em
traués até amanhecer.
192
CAMINHO.
Domingo 9 de Junho todo o dia foi o vento nor-
deste e nornordeste; gouernamos ao sueste quarta
de leste até ás 10 oras, e dahi até noite a lessues-
te: este dia vimos alguns freijões 1 e pardellas*.
De noite toda foi o vento nornordeste; gouerna-
mos a lessueste atee amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira 10 de Junho pella menhã saltou
ho vento ao norte; gouernamos a lessueste; da bes-
pora por diante largou o vento até se fazer noroes-
te, leuamos a mesma proa até anoitecer: este dia fiz
as operações que se seguem, e por me tirar de du-
uida ácerqua da agulhinha do meu estormento, to-
mey outra de hum Relógio, ceuandoa primeiro,
obrando ora com hua, ora com outra: vimme desen-
1 São estes pássaros, segundo o já citado roteiro de Aleixo
da Motta, «do tamanho de pombos, e arrayados de preto pelas
azas». Tem estes pássaros, que se encontram entre Tristão da
Cunha e o Cabo da Boa Esperança o cpé patudo» e fortes azas,
com que podem voar a grandes distancias da terra. Provavel-
mente seriam estas aves uma espécie do género stercorarius
que habita as regiões antárcticas.
2 Aves q aparecerão. Nota 4o auctor.
493
ganar e crer que os erros que achaua na leuação do
pollo a toda a ora, não vinhão da parte do estor-
mento, como se logo verá.
Primeira operação ante meo dia, que foi feita
com a agulha do Relógio.
Estando o sol em altura de 10 grãos
ho estilo lançou a sombra 33 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão pouco mães de 9 oras.
Segunda operação ante meo dia feita com
a própria agulha do estormento.
Estando o sol em altura de 19 grãos \
ho estilo lançou a sombra 26 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão pouco mais de 10 oras.
Terceira operação ante meo dia feita com agulha
do estormento.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 22 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
r. 13
194
Quarta operação ante meo dia feita coma- agulha
do Relógio.
Estando o sol em altura de 28 grãos {
ho estilo lançou a sombra 17 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação de depois de meo dia feita
com agulha do Relógio.
Estando o sol em altura de • 28 grãos \
ho estilo lançou a sombra 56 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 38 grãos \ cuja ame-
tade são 19 grãos £, que he a quantidade que nesle
lugar agulha nordestea.
Segunda operação depois do meo dia com agulha
do stormento.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 62 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
195
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 40 grãos, que he a
quantidade, digo, a sua metade, que são 20 grãos,
que neste lugar a agulha nordestea.
Terceira operação de depois de meo dia
com agulha do estormento.
Estando o sol em altura de 19 grãos \
ho estilo lançou a sombra 65 grãos
contando do sul pêra a banda de leeste.
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 39 grãos, e ametade
são 19 ^ que he a quantidade que a agulha neste
lugar nordestea.
Quarta operação depois de meo dia
com agulha do estormento, que responde â primeira
de pella menhã feita com a agulha
do relógio.
Estando o sol em altura de 10 grãos
ho estilo lançou a sombra 72 grãos *-
contando do sul pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 39 grãos £, e ame-
I3«
196
tade são 19 J, que he a quantidade que agulha
neste logar nordestea.
Com todas estas alturas e variações de sombras
obrei na poma, e sempre me deu a leuaçao do Polo
muy errada, do que o grande concerto que estas
operações liuerão desculpão o estormento, e parece
ficar o defeito com a poma ou demostração 1 ; e por-
que ao presente eu não sey determinar, fique a du-
uida pêra o doctor Pêro nunez: este dia querendo
tomar o sol, disse o Piloto que não era já tempo, por
ser passado o meo dia, e a esta sazão estaua o sol
aleuantado sobre o òiizonle 35 grãos: ora deixan-
dome estar e comigo o mestre, dahi a mea ora so-
bio o sol mães 1 grão ~, de sorte que na maior al-
tura estaua o sol aleuantado sobre o orizonte 36
grãos -3, e o mestre achou que se leuantaua 36
grãos {, onde acabou de crer que até quy elle e o
Tiloto hião errados na altura, por se aleuantarem
quando os Relógios lhe moslrauão meo dia: o Pilo-
to, quando nos vio estar tanto tempo, tornou ha to-
mar o sol, e achou que lhe sobia o mesmo, a saber,
1 grão ^; assi que cu podia ficar em altura de 30
grãos j- e o mestre em 30 : estas operações forão fei-
tas por meu ponto e o do Piloto hum grão do me-
rediano que passa pello cabo de são Vicente pêra a
banda de oeste ; e pello ponto do Calafate estauamos
1 Faltou a altura a toda a ora. Nota do auetor.
197
algua cousa mães arredados deste merediano pêra
a banda daloeste 1 .
Correlario.
Destas operações fica claro que a variação que
fazem as agulhas não he per differença de meredia-
nos, pois na cidade de Lisboa nordesteão 7 grãos \,
e estando agora em seu merediano, nordesleão 19 ou
20 grãos; mas parece que tem outro respeito, ho
qual até o dia de oje não he chegado a minha no-
ticia 2 .
1 Meridiano das operações. Nota do auctor.
2 O angulo, que faz, n'um logar qualquer da terra, a di-
recção da agulha magnética com o meridiano d'esse logar,
chama-se a declinação da agulha ou a sua variação : quando
a agulha se afasta do meridiano para oeste, diz-se que a de-
clinação é occidental; quando se desvia para leste, temos a
declinação oriental. Os antigos pilotos diziam neste caso que
a agulha nordesteava, e no caso da variação ser occidental, que
a agulha noroesteuva. No tempo de D. João de Castro a decli-
nação era oriental na Europa e por todo o Atlântico; a agulha
nordesteaia. Passado o cabo das Agulhas e por todo o oceano
indico, a declinação era occidental; a agulha noroesteava.
Pouco a pouco as linhas de egual declinação, isto é, as linhas
que passam por todos os logares da terra em que o angulo de
declinação é o mesmo, como que caminharam de leste para
oeste, por forma que hoje ó no Atlântico e por toda a Europa
a declinação occidental; e é oriental, em grande parte, a dos
mares e regiões do oriente. Quando a principio se observou a
198
De noite toda foi o vento norte fresco; gouerna-
mos a lessueste até amanhecer; e vigiando o quarto
dalua, vi o arco das velhas muito bem feito, o qual
fazia a lua. que o dia seguinte avia de ser chca: era
este arco brancaso, e tinha hua listra branca e outra
roxa, cousa fermosa pêra ver ; e averá vinte annos
que o vi outra noite, sendo a lua chea, em a cidade
de lisboa, de que parecia claro enganarse Plínio, di-
zendo que este arco, que chamamos das velhas, nunca
aparecia de noite *.
Variação das agulhas, suppoz-se que esta era idêntica em toda
a extensão do mesmo meridiano terrestre; e de mais, que a
variação ia mudando com os meridianos, á medida que estes
estavam mais ou menos afastados d'aquelle ou d'aquelles em
que as agulhas não apresentavam variação; depois reconhe-
ceu-se que, na maior parte dos casos, não havia relação entre
as linhas de egual declinação, ou linhas isogonicas, e os meri-
dianos terrestres. Posteriormente descobriu-se que a variação
ia mudando de anno para anno em cada logar da terra, isto
é, que a declinação estava sujeita a variar continuadamente,
e a observação mostrou o sentido em que variava. O que a D.
João de Castro causou surpresa n'este ponlo da sua viagem,
foi que as linhas de egual declinação não correspondiam aos
meridianos terrestres. (Vide no fim do Roteiro: Estudo sobre
as linhas de egual variação no ivi século.)
1 Este phenomeno luminoso de que falia o Roteiro deu-se
no plenilúnio; e, provavelmente, não era o que D. João de Cas-
tro chamava o arco da velha, mas um halos imperfeito. Do Arco
Íris ou do Arcus ccelestis não diz Plínio que de noite não se
pode ver, mas, antes parece apenas indicar que o não viu elle.
400
CAMINHO.
Terça feira onze de Junho todo o dia foy o vento
No liv. ii, cap. lix, diz o antigo naturalista que o que elle
chama o Àrcus: certenisi Sole adverso nonjiunt: nec unquam,
nisi dimidia circuh forma: nec noctu, quamvis Aristóteles
prodat aliquando visum. Para se mostrar com vivas, cores o
arco- i ris carece de uma luz que fira, com grande intensidade,
as gotas de agua que formam nuvens na região do ceo opposta
á que o sol occupa, em relação ao observador: cos arcos iris
lunares, diz Kaemtz, raras vezes apresentam as cores do pris-
ma, são apenas brancos ou amarcllados.* O arco que D. João
de Castro observou era • cousa fermosa para ver» e tinha chua
listra branca e outra roxa». halos, phenomeno complexo e
de apparencia formosíssima, forma-se não nas gotas visiculo-
sas do vapor das nuvens, mas nos crystaes de neve que dão
origem ás nuvens ligeiras e altas que os meteorologistas cha-
mam drrhvs. Os halos são um effeito da refracção. Mariotte
suppunha que a luz se refrangia nos crystaesinhos de neve, o
todas as observações confirmam esta opinião. Em determina-*
das circumstancias pode succeder o que diz Kaemtz na sua
Meteorologia: «ver-se em torno do sol e da lua um circulo bri-
lhante, internamente roxo e externamente azul pallido ou
branco brilhante (bramasso) que se confunde com o azul do
ceo exterior.» Não seria este o phenomeno observado pelo au-
ctor do Jloteiro? A confusão entre halo, corda e arco-iris é
ainda muito commum, e a esse propósito diz o meteorologista
que temos citado: «Os halos lunares e solares são menos ra-
ros do que se julga; (Telles se falia muitas vezes nas folhas
publicas, onde observadores pouco instruídos os descrevem
200
noroeste fresco; gouernamos a lessueste até anoite-
cer: este dia fiz as operações seguintes.
Primara operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 20 grãos \
bo estilo lançou a sombra 26 grãos |
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos
ho estilo lançou a sombra 18 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 30 grãos
bo estilo lançou a sombra 10 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
sob o nome de arco-iris.» Plinio distingue os dois phenome-
nos, pois que no cap. xxviu do liv. u diz: «Exsistunt eadem
coronae circa lunam, et circa nobilia astra, ccelo quòque in-
hturentia* e mais adiante «Circa solem arcus apparuit. . . cir-
culas rubri coloris*. E Plinio distingue perfeitamente este phe*
nomeno de Arcus, que descreve no cap. lix do mesmo li-
vro ii.
201
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos
ho estilo lançou a sombra 57 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação f o arco de depois de meo
dia maior que o dante meo dia 39 grãos, e ametade
são 19 £, que he a quantidade que a agulha neste
lugar nordestea.
Este dia na mayor altura tomey o sol, e aleuan-
tauasse sobre o orizonte 35 grãos; a declinação
deste dia erão 23 grãos £, do que se segue estarmos
em 31 grãos £: acabado de tomar a altura, me pas-
sey á poma, e tomando a primeira altura e segunda
de polia menhãa com a variação da sombra do es-
tilo, que foy 8 grãos, obrando pella maneira acos-
tumada, achey de leuação do polo 33 grãos 9 . E por
me parecer que este erro podia vir da sombra do es-
tilo se não poder tomar punctualmente, e assy da
lamina não guardar quanto conuinha o oliuel, e por
estas causas não se poderem tomar estas sombras e
1 Esta operação foi feila no meridiano qoe se aparta do cabo
de São Vicente 1 grão e \ para leste. Nota do auctor.
1 Altura a toda a hora errada e como veo a concertar. Nota
do auctor.
208
variações na verdade, torney a fazer esta demonstra-
ção na poma, dando á variação da sombra 7 grãos,
e sahiome a levação do polo em 31 grãos ; como ao
meo dia; e logo tornando a obrar com a segunda al-
tura e terceira de pella menhãa, em que ouue de va-
riação de sombra 8 grãos ;, achey que me daua 29
grãos £ daltura; pello que acrecentando hum grão e
meo a ditta variação, e fazendoa de dez grãos, tor-
nando a obrar na poma, achey de leuação do polo
31 grãos 4 : agora pôde cada hum dar a rezão que lhe
milhor parecer sobre esta operação 2 : este dia nos
1 Este modo, pura menta arbitrário, de corrigir as observa-
ções não podia dar senão resultados incertíssimos: mas incer-
tos eram todos os modos de determinar latitudes e longitudes.
Não havia maneira segura de conhecer o tempo; os instru-
mentos de observação nada tinham de rigoroso; sobre a deter-
minação da altura do sol davam-se todas as dificuldades que
D. João de Castro faz notar; e de mais o novo processo de ob-
servar a toda a hora a altura do sol, e de determinar por essa
forma a latitude, além de todos os defeitos próprios, apre-
sentava ainda os que resultavam de se não podor exactamente
fixar o ponto em que caía a sombra do estylete, e de ser irre-
gularmente construída a poma ou esphera; além de que, um
nivelamento perfeito da lamina graduada era impossível. Em
taes casos o processo mais simples era o melhor: o astrolábio,
sem ser seguro, era o instrumento menos sujeito a erros na
mão de um observador hábil; e por isso se comprehende a
grande utilidade que o seu uso teve na navegação.
2 Aves que apareceram. Nota do auetor.
203
aparecerão grande numero de feijões e pardelas e
outras aues grandes.
De noyte no quarto da prima nos acalmou o vento,
e deramnos dous chuueiros pequenos da banda do
noroeste, e até menhãa foy o vento calma, que a nao
nao gouernaua.
CAMINHO.
Quarta feira 12 de Junho ~atee ás noue oras foy
o vento calma, quanto a nao gouernaua; dahy até
bespera nos ventou o vento fresco da banda do nor-
te, e da bespora até noyte alargou o vento até se
fazer noroeste; todo este dia guouernamos a les-
sueste, e apareceramnos muitas aves, feijões, parde-
las e huas coruas de bicos vermelhos e alguns ente-
nacs: a meo dia não tomey <5 sol, por andar hum
pouco encuberlo, e porém o mestre o tomou o me-
lhor que pôde, mas por lhe eu dar pouca auctori-
dade, o não ponho aquy.
De noite, rendido o quarto da prima, escaseou o
vento e fezse norte, ventando muito Rijo; goucrna^
mos a lessueste até amanhecer.
204
CAMINHO.
Quinta feira 13 de Junho até meo dia foy o vento
norte muito Rijo, e dahy até á bespora saltou ao no-
roeste mães bonança, e logo mães tarde se fez vest-
sudueste bonança ; todo este dia gouernamos a les-
sueste e mostráransenos grande numero de aves, a
saber, feijões, Pardelas, antenaes e huas aues pre-
tas do tamanho de gralhas, mas de asas muito mayo-
res, a que os marinheiros chamão tinhosas 1 .
De noite no quarto da prima fezse o vento sul, e
tomaua algua cousa do sueste; todo este quarto go-
uernamos a leste quarta de nordeste ; mas, como foy
rendido, carregou muito vento, pello que tomamos
os traquetes da gauea, mezena e ceuadeira, e ti-
rando a moneta fora, com o papafigo baixo corre-
mos a leste quarta de nordeste e ás vezes a leste
até amanhecer.
CAMINHO.
Sexta feira 14 de Junho todo o dia foy o vento
sul e tomaua algua cousa do sueste, ventou sempre
muito Rijo ; gouernamos a leste quarta de noroeste
1 Aves que apareceram. Nota do auctor.
805
até anoitecer: a oras de meo dia tomou o Piloto e
Mestre o sol, e depois de se aleuantarem a perto de
de hfla ora 1 , veo o Doctor, e na mayor altura tomou
do sol ao orizonte 32 grãos ; e eu tomando o estar-
labeo, achey o mesmo; e o Piloto e mestre vendo
isto, tornarão a tomar sua altura, e cada hum dei-
tes ficou em 32 grãos do sol ao orizonte 1 ; a declina-
ção deste dia era 23 grãos \ , do que se segue es-
tarmos em 34 grãos \ 3 : este dia nos aparecerão as
aves acostumadas, e alguns marinheiros disserão
que virão gaiuotas 4 .
De noite toda foy o vento calma, quanto a nao
gouernaua; leuamos a proa a leste quarta de nor-
deste e ás vezes a lesnordeste.
CAMINHO.
Sabbado 15 de Junho até meo dia foy o vento de
todo calma, e dahy por diante começou a ventar do
1 Subiu o sol depois do meo dia do relógio, e terem tomado
a altura. Nota do auctor.
2 Alturas do meo dia conformes. Nota do auctor.
3 Este facto merece a importância que o auctor lhe dá; pois
mostra quanto eram incertas as observações, e a grande falta
que faziam, mesmo para a determinação das latitudes, reló-
gios que dessem uma indicação da hora ao menos aproxima-
damente.
4 Aves que apareceram. Nota do auctor.
206
■
norte muito bonança; gouernamos a leste até anoi-
tecer. Este dia nos aparecerão as aues acostumadas,
e alem destas huas aves pouquo mayores que an-
dorinhas, que tem as costas cinzentas e as barrigas
branquas; chamanlhe os marinheiros frades.
De noite no quarto da prima começou a ventar o
vento norte fresco, durou atee amanhecer, alargando
até o nortnoroeste ; toda a noite gouernamos a leste
quarta de nordeste.
CAMINHO.
Domingo i 6 de Junho até meo dia foy o vento
nortnoroeste ; gouernamos a leste quarta de nordes-
te; mas do meo dia avante nos deu hum chuueiro
pequeno, e fezse logo o vento oeste bonança; fize-
mos o mesmo caminho de leste quarta de nordeste
até anoitecer. Este dia tomou o Piloto o sol, e achou-se
em 34 grãos \, e sendo assy, podesse prouar sufi-
cientemente o nordestear das agulhas*. Pois sesta
feira, que forão 14 do mês, nos achámos em altura
de 34 grãos J, e oje, que são 16, noutros 34 £, go-
uernando todo este tempo em leste quarta de nor-
deste, e á mea partida de lesnordeste, pello qual
caminho, se as agulhas não nordesteasem, era nc-
1 Prova nord estearem as agulhas. Nota do auetor.
207
cessario que diminuíssemos na altura; e pois que
achamos não diminuir, seguesse que fazíamos o ca-
minho de leste, pello que se prova nordestearnos
agulha quasi duas quartas 3 .
De noite toda foy o vento oeste fresco*; no quarto
dalua nos derão dous chuueiros, que refrescarão
ainda mães o vento: o quarto .da prima e modorra
gouernamos a leste quarta de nordeste,, mas todo o
dalua a leste.
CAMINHO.
Segunda feira 17 de Junho até meo dia foy o
vento oesnoroeste fresco ; gouernamos a leste quarta
de nordeste, e deramnos dous chuueyros; de meo
dia até noite fezse o vento oeste, e leuamos a mesma
proa; a oras de completas nos deu outro chuueiro:
este dia fiz as operações seguintes.
2 Para explicar este facto, ha ainda a ter em conta a corrente
que na costa occidental d' Africa e no hemispherio sul parece
vir da costa; ou antes, na altura em que estava D. João de
Castro, caminhar de nordeste para sudoeste, aproximadamente.
O embate da corrente da agua quente, vinda de Madagáscar,
que passa ao longo do Cabo da Boa Esperança, e da corrente
de agua fria que vem do polo, explica o movimento da cor-
rente resultante, a que nos referimos. Ás interessantes obser-
vações do sr. Andrau, da marinha hollandeza, dão idéa clara
d 'estas correntes diversas, que se encontram na proxidade do
Cabo da Boa Esperança.
sol
nço
lo s
30l
nço
lo s
nçc
lo s
o r
íayi
idoí
de
rol
ido
209
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 19 grãos
ho estilo lançou a sombra 58 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que dante meo dia 31 grãos {, e
ametade são 15 - A , que he a quantidade que neste
lugar a agulha nordestea.
Este dia depois de todos terem acabado de to-
mar o sol, o comecey a tomar, e logo o tornarão a
tomar todos, e acharão que dahy a perto de híia ora
lhe sobio 1 , e na mayor altura se aleuantaua sobre o
orizonte 31 grãos \. A declinação deste dia era 23
grãos 25 minutos, de que se segue estarmos em 35
grãos £: o mestre na mayor altura tomou do so! ao
orizonte 32 grãos, e hum marinheiro 31 \. Isto a'ssi
feito, passeime á poma, e asentandome as duas al-
turas de pella menhãa com a variação da sombra
do estilo, que foy 13 grãos, achei que me daua 36
grãos daltura 1 . Pello que, tornando a obrar nella
1 Subiu o sol depois do meo dia do relógio, e terem tomado
a altura. Nota do auctor.
2 Altura a toda hora errada, como veo a concertar. Nota
do auctor.
b. 14
210
com as mesmas alturas, dandolhe 12 grãos de va-
riação de sombra, achey 35 grãos de leuaçâo do
polo, conforme ao estarlabeo, do que parece que no
tomar das sombras do estilo hiria de erro esle grão
no julgar da variação; e também encontra muyto a
punctualidade desta demonstração 1 ser a poma não
tâo redonda como conuem, e os meredianos de la-
tão serem mal graduados, e o orizonte não andar
justo com a poma, mas todas estas cousas serem
feitas de fancaria e sem primor 2 . E porém com to-
dos estes defectos mostrou verdade muito tempo,
como atrás se poderá ver. Também avemos de no-
tar, que pella singradura que andamos dontem pêra
oje, se proua que a agulha nordestea, pois ontem,
Domingo, estauamos em altura de 34 grãos J, e oje,
1 Dã alguãs causas por onde lhe falta a altura a toda a ora.
Nofa do auctor.
2 Estas considerações acerca dos defeitos do instrumento,
não condizem com o que, mais adiante, observa o auctor. Dii
elle na notação famosa do dia 27 de junho: co estromento de
sombras (foi) inventado pello doctor Pêro Nunes, famoso ma-
thematico entre os que vivem em nossos tempos, e feito por
mãos de João Gonçalves, cujo engenho triumpha o dia a" hoje em
toda a Europa; e sobre tudo approvado pelo muito excelente
príncipe o infante D. Luiz, o qual entre outras muitas mer-
cês que de Sua Alteza recebi pêra esta jornada foi este estor-
mento, com o ql vimos a alcançar a levação do polo a toda a
óra do dia, c assi a verdadeira variação que fazem as agulhas,
e pela tal variação a longura das terras, e differença de meri-
2(1
segunda feira, estamos em 35, gouernando de moo
dia a meo dia a leste quarta de nordeste com ven-
tos á popa 1 ; pois não diminuímos por este caminho,
como estaua em rezão, antes crescemos \ grão, se-
guesse que corremos em leste a quarta do sueste,
pouco mães ou menos: estas operações forão feitas
estando apartado do merediano que passa pello cabo
de são vicente 13 grãos ^, que he norle sul com as
Ilhas de tristão da cunha 2 : o Piloto estaua mães pêra
leste 2 grãos ; , e assi todos os marinheiros que car-
teauão 3 .
dianos.» Esta ultima consideração dá-nos a entender que I).
João de Castro, suppunha que as mudanças de declinarão,
correspondiam ás mudanças dos meridianos, e podiam servir
para. determinar as longitudes; coisa queelle n'outros logares
parece, justamente, contradizer. No Primeiro Roteiro da Costa
da Índia (pag. 86) falia D. João de Castro com muito louvor do
construetor João Gonçalvez, n'cstes termos: ca qual (agulha)
foi feita pelo grande Joliam Gonçalvez* Os defeitos de um ins-
trumento inventado por Pedro Nunez e fabricado pelo grande
João Gonçalvez, deixa ver bem quanto eram imperfeitos os
meios de que usavam os navegadores, para determinarem a
posição do navio e a variação da agulha.
1 Prova pelo caminho que fizeram, nordestearem as agulhas.
Nota do auetor.
2 Meridiano em que foram feitas estas operações. Nota do
auetor.
3 Esta incerteza acerca da longitude era geral nos pilotos
d'aquelle tempo; e muito principalmente n'eslas paragens.
tio Roteiro de Gaspar Reimão, que temos citado, lê-se o sc-
i4«
212
De noite todo o quarto da prima e modorra an-
dou o vento em saltos, ora ventando do susudueste,
ora daloesnoroeste, mas o quarto dalua ventou todo
do susudueste ; gouernamos toda a noite em leste, e
ginauâo pêra a quarta do nordeste.
CAMINHO.
Terça feira 18 de Junho todo o dia foy o vento
sul; gouernamos em leste quarta de nordeste; o
vento foy muito Rijo e trouxe dous chuueiros de
pouquas gotas dagoa e muito vento: este dia fiz as
operações seguintes.
guinte: «Já atras digo como este caminho do Brasil pêra o
Cabo de Boa Esperança he mais curto do q o situão nas car-
tas, e a razão disto é a differença que a agulha nesta derota
faz de nordestear, por hõde muitas vezes a náo he no Cabo de
Boa esperança, e os pontos ficam muito atraz; e sabendo mar-
car agulha ajuda muito a saber aõde a náo está» padre Chris-
tovam Bruno, n'uma instrucção aos pilotos, que n'outro lo-
gar d'este livro citamos, diz faltando do Cabo da Boa Espe-
rança. «O que acrescentamos na nossa carta he no que toca a
maior longura (longitude) ou comprimento que de leste a
oeste tem as terras, e costa do mar do Cabo de Boa Esperança,
do que nas cartas ordinárias se costuma pôr; o que achamos
ser assi primeiro por experiência, que eu fiz na ida e vinda
da índia, e os mais que comigo vinham, detendo-nos n'aquel-
la paragem, á vista da terra bem de espaço e correndo-a mui
de vagar.» (Inst. do P. Chr. Bruno, Mss. da Acad. das Sc.)
213
Primeira operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 18 grãos {
ho estilo lançou a sombra 27 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste.
2. a operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 20 grãos 4
ho estilo lançou a sombra 24 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste.
Terceira operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos 2
ho estilo lançou a sombra 15 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
1 Da primeira operação a esta 2.* andou o sol 1 grão {ea
sombra do estilo 3 o . Nota do auctor.
2 Da 2/ operação a esta 3.* andou o sol 5 grãos e a sombra
do estilo 9 o J-. Nota do auctor.
214
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos
ho estilo lançou a sombra 45 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 30 grãos ;, e são a-
metadc 15 ^, que he a quantidade que a agulha
neste lugar nordestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 20 grãos
lio estilo lançou a sombra 56 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que o dante meo dia 31 grãos £, o
meo são 15 *, que he a quantidade que a agulha
neste lugar nordestea.
Este dia na maior altura tomei o sol e leuanta-
uase sobre o orizonte 31 grãos {; a declinação deste
dia era 23 grãos, 23 minutos, do que se segue es-
tarmos em 35 grãos, 7 minutos: o mestre tomou na
mavor altura do sol ao orizonte 31 grãos l, e hum
215
marinheiro outros tantos 1 ; e logo passandome á poma
com a primeira e segunda altura, em que ouue 3
grãos de variação de sombra do estilo, e obrando
pella maneira acostumada, achey de leuação do polo
36 grãos*; e assy tornando a obrar com a segunda e
3.' altura, em que variou a sombra do estilo 9
grãos £, achey de leuação do polo 35 grãos 3 . Desta
operação e.de alguas que vão atrás, parece que pêra
o sentido do nordestear das agulhas estorua pouco
hum grão mães ou menos na quantidade dos ar-
quos, mas pela demostração da poma virmos a al-
cançar a aleuação do polo, he erro muy notauel; e
isto he de tal maneira que, quando a variação da
sombra he pequena, a saber, 3 ou 4 grãos, qual-
quer cousa de mães ou de menos causa grande mu-
dança na altura; e pello contrario sahindo a varia-
ção grande, a saber, 14 ou i 5 grãos e mães, inda
que no obseruar da sombra erremos até hum grão,
nem por isso a altura sabe fora dos termos da Rezão.
De noite, em anoitecendo, deu hum fuzil, e supi-
lamente deu em nós hum pé de vento muy grande 4 ,
1 Alturas do meo dia conformes. Nota do andor.
2 Altura a toda óra conforme a do meo dia. Nota do auctor.
3 Nota como hum grão de erro na demonstração da poma
pode fazer pequena difTerença na altura; e como outras vezes
a pode causar grande. Nota do auctor.
4 A este pd de vento chama Aristóteles, no livro do céo o
mundo, procela. Nota do auctor.
216
de maneira que com muyto trabalho ouuemos de
amainar; duraria obra de três credos 1 , e logo torna-
mos dar a vella; o vento era como sul e ventaua
Rijo, mas no quarto dalua fezse susudueste ; toda a
noite gouernamos em leste até amanhecer.
1 Este pé de vento, que sofreu D. João de Castro, não é senão
o bem conhecido phenomeno, que fez com que os primeiros
navegadores portuguezes dessem o nome de Tormentoso ao
Cabo, a que D. João u mudou o nome em Cabo da Boa Espe-
rança O marquez de Alegrete na sua chronica de D. João n,
diz, fatiando de Bartholomeu Dias: «qui post muitos exhaus-
tos labores, et adversas tempestates, promontoríum invenit,
quod propter nimias procellas, qui bus hoc in mari navigiajao
tantur, Tormentorium appellatum est; tormenta enim Lusi-
tano sermone tempestatem significai. Quinimò Rex, hoc formi-
dabili promontório detecto, in spem orientalium rerum potiundi
erectus, illud Bonee-Spei Caput appellari voluit. > (De rebus ges-
tis Jtannis u, Auct. Emm. Tellesius, Uly. 1689, pag. 225.)
O encontro da corrente marítima quente, que vem do canal
de Moçambique, e da corrente fria que procede do polo, ex-
plica estes terríveis phenomenosatmosphericos, que os hollan-
dezes estudaram minuciosamente nos últimos tempos. Con-
forme as observações de M. Andrau, citado por nós anterior-
mente, um facto geral se nota nas bem conhecidas tempesta-
des do Cabo da Boa Esperança, é a sua marcha progressiva
de oeste para leste, sendo menos violentas perto da costa do
que mais ao sul. Vasco da Gama, tendo seguido a sua derrota
pelo Cabo Tormentoso tao hngo da costa com vento á popa»
como se diz no Roteiro de sua viagem, pôde vencer o terrí-
vel promontório sem difficuldade, pois:
Tão brandamente os ventos os levarão,
Como quem o ceo tinha por amigo,
217
CAMINHO.
Quarta feira 19 de Junho até o meo dia foy o vento
susudueste; gouernamos a leste: mas do meo dia
atee noite fezse o vento sul; gouernamos ora a leste
ora a leste quarta de nordeste : na mayor altura to-
mey o sol, e leuantauase sobre o orizonte 31 grãos
^; a declinação deste dia era 23 grãos 20', de que se
segue estarmos em 35 grãos £: este dia pella menhãa
vimos muitos limos do mar dos que nascem pellos
penedo?, mas estes tem a folha mães larga e ama-
rela; chamãolhe os marinheiros cama de bretão 1 .
Sereno o ar, e os tempos se mostravâo
Sem nuvens, sem receio de perigo.
Cam. Lus. Gani i, Est. xxin.
A zona tempestuosa é perfeitamente limitada, sendo a sua
maior intensidade no centro de uma espécie de cyclone in-
completo, que se alonga em ponta para leste, e se dirige para
a parte mais quente da corrente do Cabo das Agulhas. Estas
tempestades percorrem paragens, geralmente, bem circums-
criptas; c a sua passagem é rápida quasi sempre.
1 Cama de bretão ou bertão chamavam os antigos navega-
dores a umas malhas cobertas de algas, provavelmente Ma~
crocystis Priifera, descripta por Hooker na Flora Atlântica,
que se encontram indo das ilhas de Tristão da Cunha para
o Cabo da Boa Esperança. Esse mar de sargaço no hemis-
218
De noite no quarto da prima se fez o vento oes-
sudueste e ventou muito Rijo; toda a noite gouer-
namos a leste quarta de nordeste.
CAMINHO.
Quinta feira 20 de Junho todo o dia foy o vento
oessudueste e ventou muito Rijo até o meo dia; go-
uernamos a leste quarta de nordeste e dahy até noite
pherio sul, ainda hoje se acha nas cartas desenhado no
mesmo logar do globo. Chamam-se trombas, segundo pa-
rece, a plantas trazidas pelas correntes do mar, e natural-
mente arrancadas pelas torrentes da costa do Cabo da Boa
Esperança (vid. nota do auctor do dia 24 de junho): assim
no Roteiro de Aleixo da Mota lé-se que, junto ao cabo e á
costa se encontram tromba*, que elle viu mesmo ao longo da
costa de Angola, e nas enseadas do Cabo para a Aguada de S.
Braz ccom as raízes frescas e sem craga, que é signa) de se
haverem arrancado ha pouco da costa. » As encontradas muito
ao mar, acrescenta elle, estão cheias de craga e peneves «o que
prova saírem da costa com enxurradas que saem das ensea-
das.! (Mss. da Bib. Nac.) O illustre botânico sir J. Hooker
escreveu o seguinte, nas suas Observalions on lhe Botany of
Kerguelens' Land: «A flora das ilhas de Tristão da Cunha,
Nightingale e Inaccessivel, é essencialmente análoga á tia Terra
de Fogo, com uma mistura dos géneros do Cabo, mas sem
nenhum dos característicos da ilha de Kergueland.» Isto pa-
rece ser o resultado das correntes dos ventos e do mar n'aquel-
las regiões, e está de accordo com as imperfeitas observações
dos antigos navegadores.
219
a leste: a meo dia tomey o sol, e na mayor altura
se aleuantaua sobre o orízonte 3 i grãos \ ; a decli-
nação deste dia era 23 grãos, 18 minutos, de que se
segue estarmos em 35 grãos £.
De noite todo o quarto da prima foy o vento su-
duests, muito claro; querendose Render o quarto,
nos deu hum pé de vento grande, que parecia que-
rer soruer a nao, pello que com muito trabalho po-
demos amainar, e tirando fora as monetas, com os
traquetes muito baixos corremos a leste quarta do
sueste até amanhecer; quando nos deu este pé de
vento, estaua a noite muito clara e o ceo esgazea-
do; duraria o impeto delle obra de hua ora e mea.
CAMINHO.
Sesta feira 21 de Junho até oras de vespora foi
o vento susudueste; gouernamos a leste quarta de
sueste: mas dahi até noite fezse o vento oessudues-
te ; fizemos o mesmo caminho até anoitecer.
De noite foi toda o vento oeste bonança ; até mea
noite gouernamos a leste quarta do sueste, e dahi
por diante fizemos o caminho de leste até amanhe-
cer.
220
CAMINHO.
Sabbado 22 de Junho todo o dia foi o vento
oeste bonança; gouernamos a leste até anoitecer:
fiz esta operagao.
Primeira operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 27 grãos
ho estilo lançou a sombra 17 grãos £
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 27 grãos
ho estilo lançou a sombra 37 grãos j-
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arqo depois de meo
dia maior que o dante meo dia 20 grãos, ametade
dos quaes são 10, que lie a quantidade que a agu-
lha neste lugar nordestea,
A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor altura
se aleuantaua sobre o orizonte 32 grãos; a declina-
ção deste dia era 23 grãos, 10 minutos, do que se
221
segue estarmos em 34 grãos, 50 minutos 4 : o mestre
tomou do sol ao orizonte e na mayor altura 32
grãos £, o calafate outro tanto, o doctor 32 £: ao
tempo que se fizerão estas operações eu me fazia 26
grãos { apartado pêra leste do merediano que passa
pello cabo de são vicente, e o Calafate 22 |, hum
marinheiro 28 *: não he pêra deixar passar, ver como
de dous dias a esta parte diminuímos na altura £ de
grão, auendo de crecer por Razão do caminho que
fizemos e variação das agulhas 3 , o que verá clara-
mente qualquer curioso que notar as singraduras
passadas e os ventos que trouxemos, e a quantidade
que agulha nordestea; a Rezão que pêra isto acho,
não he outra saluo tomarmos mal a altura estes
dous dias, ou darem em nós alguns Rilheiros dagoa 4
que nos abatessem, ou que nos leuassem pêra a
banda do norte.
De noite toda foi o vento calma, quanto a nao
gouernaua; leuamos a proa em leste quarta do sueste
e ás vezes a lessueste.
1 Alturas. Nota do auctor.
* Logar da operação. Nota do auctor.
3 Aqui se acha que diminuirão na altura auendo de crecer.
Nota do auctor.
4 São os rilheiros a que o auctor allude as correntes que
vêem do polo sul e do Gabo da Boa Esperança.
222
CAMINHO.
Domingo 23 de Junho todo o dia foi o vento cal-
ma, quanto a nao gouernaua; leuamos a proa a
leste até a noite: este dia foi o Primeiro que nos
desaparecerão as aves que tínhamos visto: o Pi-
loto disse que tomara o sol, e que se achara em 35
grãos daltura.
De noite até mea noite foy o vento calma, quanto
a nao gouernava, mas dahi por diante começou ven-
tar como nornor deste, e logo foi alargando até se fa-
zer norte ; toda a noite gouernamos em leste quarta
do sueste.
CAMINHO.
Segunda feira 24 de Junho até meo dia foy o
vento norte; gouernamos a leste: mas dahi até noite
se fez o vento oeste bonança; gouernamos a leste
quarta do sueste até anoitecer 1 : este dia fiz as ope-
rações seguintes.
1 Este dia vimos trombas, que são umas hervas como cali-
na frechas, e tem muitas raízes; e assi virão hum lobo mari-
nho e hfia balea, e hQas axes pretas da feição de gralhas. Nota
do auctor.
223
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 13 grãos £
ho estilo lançou a sombra 38 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão 9 oras.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos \
ho estilo lançou a sombra 38 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão 10 oras {.
Terceira operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 30 grãos
ho estilo lançou a sombra 7 grãos {
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão 1 1 oras \.
224
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 30 grãos
ho estilo lançou a sombra. 27 grãos J
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo erão i ora { .
Foi logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia maior que o dante o meo dia 20 grãos, ametade
dos quaes são 10, que he a quantidade que a agu-
lha neste lugar nordestea.
Quando fiz esta operação estaua 7 grãos do me-
rediano que passa pello cabo das agulhas pêra a
banda daloesteS e isto se proua, porque dahy a três
dias me achey tanto avante como o cabo, ventando
os ventos de maneira que as singraduras responde-
rão a este preposito: este dia na mayor altura to-
mey o sol, e leuantaua-se sobre o orizonte 32 grãos
\] a declinação deste dia era 23 grãos, do que se
segue estarmos em 34 grãos | 2 : o doctor e o mestre
tomarão a mesma altura, e quatro pessoas tomarão
na mayor altura do sol ao orizonte 32 grãos ~ 3 : desta
1 Meridiano da operação. Nota do auctor.
a Aluíras conformes. Nota do auctor.
3 Onde diminuyo a altura devendo de crecer. Nota do au-
ctor.'
225
altura se segue que de sabbado pêra quá corremos
duas singraduras a leste e a leste quarta do sueste.
Deminuimos na altura, deuendo multiplicar, per
Rezão da Rota, variação das agulhas, e ventos que
nos ventárão, o que dos marinheiros foi muito no-
tado: as causas pêra isto ayer de ser, sejão as que
já tenho apresentado.
De noite todo o quarto da prima e parte da mo-
dorra foi o vento oesnoroeste bonança, e daln todo
o Resto da noite ventou de noroeste muito Rijo; toda
a noite gouernamos a leste quarta do sueste: no quarto
da modorra virão tinhosas.
CAMINHO.
Terça feira 25 de Junho até meo dia foi o vento
noroeste Rijo, e dahi até noite ventou muito mães
Rijo da banda daloeste; todo o dia gouernamos a
leste 1 : este dia vimos muitas aues, antenaes, gralhas,
fradinhos, e aparecerão trombas.
De noite, anoitecendo, saltou o vento ao suduesle,
e dahy a pouco espaço se fez sul e ventou Rijo todo
o quarto da prima: mas entrando a modorra, acal-
mou, e ventou da banda daloeste muito bonança;
toda a noite gouernamos a leste e quarta do sueste.
■ m i ■_i_m__m_ . i ~ —* — " ~ I > ■ ■ M I I. I I ■ I I
1 Aves e sinaes q apareceram. Nota do auctor.
a. 15
226
CAMINHO.
Quarta feira 26 de Junho até meo dia foy o vento
norte bonança, dahy por diante se fez noroeste ga-
lerno ; todo o dia gouernamos a leste : pella menhãa
se nos mostrarão muitas aues, feijões e outras acos-
tumadas e huns gaiuotões grandes: a oras de meo
dia tomey o sol, e na maior altura se aleuantaua so-
bre o Orizonte 3i grãos £; a declinação deste dia
era 23 grãos, do que se segue estarmos em 35 grãos
~ { : esta mesma altura tomou o doctor e o mestre e
três pessoas outras; o Piloto e o marinheiro na maior
altura tomarão do sol ao Orizonte 3i grãos ~: este
dia a oras de bespora vimos a bordo muitas toninhas.
De noite toda foy o vento norte, e ventou Rijo;
gouernamos a lesle até amanhecer.
CAMINHO.
Quinta feira 27 de Junho todo o dia andou o
vento muito desasossegado, sem ter repouso em ne-
nhua parte, ventando do norte até oeste, e sempre
1 Aliaras conformes. Nota do auctor.
227
Rijo e com chuua; amanhecendo, derão dous fu-
zis do noroeste, e vimos vir hum bulcão muito me-
donho, que nos obrigou a amainar, mas chegando
a nós, trazia pouco vento, e logo tornamos dar a
vela, e gouernamos em leste todo dia: este dia pella
menhãa vimos alcatrazes e garjaos 1 , que he o sinal
mães aprouado pêra sermos perto de terra, e a oras
de meo dia vimos lobos marinhos; contra a tarde
apareceo hua nao ao sudueste, e arribando a ella,
não pudemos tomar falia senão de noite ; este dia á
tarde me pareceo que via terra 2 , mas o piloto e mes-
tre me contrariarão, dizendo que não podia ser por
sermos inda muito a Ré 3 ; porém não tardou mea ora
que o Piloto disse que via terra e lhe parecia o cabo
das agulhas, e logo lançou o prumo ao mar, mas não
tomou fundo, a parecer de todos, posto que elle o
afirmasse muito: este cabo das agulhas he o lugar
onde os Pilotos tem por máxima que as suas agu-
lhas lhe não varião cousa algua, mas ferem d ire et a-
1 Aves que apareceram. Nota do auetor.
* Vista de terra. Nota do auetor.
3 A determinação das longitudes pela estimativa, e pela de-
clinação da agulha, que os pilotos suppunham ser invariavel-
mente a mesma nos mesmos logaresda terra, estando o o da
agulha proximamente no Cabo das Agulhas, — quando D. João
de Castro o encontrou muito mais a leste— tudo contribuía para
estes enganos, e para se suppor maior do que na realidade é a
distancia entre a costa da Amorica do sul e a costa d'Africa.
i5.
228
mente nos verdadeiros poios do mundo, e daqui veo
chamarem a este promontório cabo das agulhas 1 , si-
gnificando não fazerem já aqui nenhua differença:
ao tempo que vimos a terra, eu me fazia á Ré delia
120 legoas, e o Piloto HO.
Notação famosa e muito proveitosa.
Acharme já nestas prayas tão deseiadas dos na-
ucganles, e com ter passados tantos Receos, tantos
sobresaltos, tantas fortunas de tamanho e tão tem
pestuoso gólfão, me dá lugar e occasião de dizer al-
gua cousa da longura deste caminho, matéria cer-
tamente não menos fermosa e grande que prouei-
tosa, a qual até qui mais se pôde dizer ser profiada
que sabida; e Porque pêra a determinação e sen-
tença desta duuida se requere concorrerem assi de-
mostrações dos mathematicos, como a pratica e ope-
nião dos pilotos e homens do mar, que de muitos
annos a esta parte laurão por este occeano, grande
e infinito mar, trarey aqui as Rezões que de hua
parte e outra tenho comprehendido e alcançado com
estormento de sombras inuentado pello doctor Pêro
nunez, famoso mathematico entre os que vivem em
1 Porque chamam a este promontório Cabo das Agulhas.
Nota do auctor.
229
nossos tempos, e feito por mãos de Johão gonçaluez,
cujo engenho triumpha o dia doje em toda a euro-
pa, e sobretudo aprouado pelo muito excelente Prín-
cipe o IfTante dom Luis, o qual antre outras muitas
mercfis que de sua alteza recebi pêra esta Jornada,
foy este estormento com o qual vimos a alcançar a
leuação do polo a toda a ora do dia, e assi a ver-
dadeira variação que fazem as agulhas, e pella tal
variação a longura das terras e differença de mere-
dianos; Pelo que será justo darmos fé a estormento
de tamanha auctoridade, e o que por elle se achar
auer de ser o certo.
Começa a pi % om.
Na cidade de lisboa, assi como muitas vezes te-
nho experimentado, nordesteão as agulhas 7 grãos,
e dahi nauegando caminho do brasil, como somos
com as Ilhas das Canareas endireitão as agulhas i
grão 7, de maneira que nestas ilhas nordesteão 5
grãos *-, e deste lugar até á linha aeqninoctial não
fazem algua mudança ou differença. Porém, pas-
sando daquy e correndo na volta do Brasil, começa
a variação hir crecendo pouco a pouco, de sorte que,
achandonos 130 legoas pêra leste do cabo de san-
cto Agostinho e em altura de 9 grãos, as agulhas
nordesteão 10 grãos inteiros, e dês dahi vão fazendo
230
maiores mudanças sempre pêra a parte do nordeste,
até sermos obra de 230 legoas á Ré das Ilhas de
Tristão da Cunha e em altura de 3i grãos *-, que
será no merediano que se aparta 2 grãos pêra o
oriente do merediano que passa pello cabo de são
vicente 1 , onde he o termo de toda a variação das
agulhas, a qual chega até 19 grãos £ ou 20 : e logo
passando este merediano por diante, caminho do
cabo de bõa esperança, vão as agulhas endireitando
pouco a pouco, e desandando os grãos que até qui
tinhão andado ou variado, o qual effecto fazem até
sermos tanto auante como a ponta primeira da terra
do natal, que está em altura de 32 grãos, onde as
agulhas punctualmente com o seu norte e frol de
lis ferem no verdadeiro polo do mundo; mas cami-
nhando deste lugar pêra a índia, fazem as agu-
lhas esta variação ao contrairo, furlandose o seu
norte ou frol de lis pêra a banda do noroeste, e
quanto mães himos andando, tanto vay crecendo a
variação, até chegarmos ás prayas da índia, onde
4 Esta indicação aproximada da posição do meridiano, é mais
uma prova da vaga determinação das longitudes no século dos
descobrimentos. A longitude da ilha de Tristão da Cunha é,
segundo se vê das observações da viagem do Challenger (No-
tes by a naturalist. pag 108), 12° 18' 20" 0; o que não corres-
ponde ás indicações de D. João de Castro em relação ao Cabo
de S. Vicente.
831
o norte das agulhas se desuia do Polo do mnndo
pêra a banda de noroeste H grãos, que valera J-.
Destas cousas se segue que a Ilha da madeira,
Ganareas, Ilhas do cabo verde, e assi mesmo as
prayas do Brasil que se opõem ao vento leste, es-
tão mães apartados do merediano de lisboa pêra a
banda do occidente do que jazem situadas nas car-
tas de marear e das enformaçCes dos caminhantes
se tira; e também que as Ilhas de tristão da cunha,
cabo de bõa esperança, com toda a terra e maar que
se contém até á costa da índia e a mesma costa,
jazem mães chegados ao merediano de lisboa por
muitos grãos do que nas cartas e pomas se mostra,
e he openião de muitos; do que fica muito mani-
festo ser este caminho que andamos de Portugal pêra
a índia muito mães pequeno do que os nauegantes
leuão imaginado, pêra a declaração do que a de-
monstração he esta. Pois que notoriamente temos
sabido que, partindo de lisboa caminho da índia, as
agulhas nos nordesteão atee 31 grãos da banda do
sul no merediano que se aparta de lisboa e cabo de
são vicente pêra a banda de leste, que he á Ré das
Ilhas de tristão da cunha 230 legoas, e assi mesmo
que o segredo ou effecto deste nordestear das agu-
lhas não he outra cousa saluo desuiarse o seu norte
e frol de lis do verdadeiro pollo do mundo pêra a
parte do nordeste, e com esta tal mudança amos-
tramos com grande engano dos caminhantes o Ru-
232
mo por onde a proa vay enderençada fora de sen
próprio e detreminado lugar, necessariamente nos
acontecerão duas cousas em contrairo: a primeira
he que, fazendo nosso caminho pêra aquella quarta
parte de circunferência da agulha que jaz encer-
rada dês o Rumo do norte até á linha de leste, e
assi mesmo pella outra quarta parte da circunferên-
cia da agulha que se opõem a esta, a qual compre-
hende todos os Rumos conteúdos do sul até á linha
daloeste, acharemos que em mudança de hum grão
que andarmos por cada hum dos Rumos que são or-
denados e próprios a estas duas quartas partes de
toda a circunferência da agulha, teremos verdadei-
ramente feito mayores caminhos do que as Regras
e regimentos nos ensinão; assi que andando hum
grão pello Rumo do nordeste ou sudueste na para-
gem que as agulhas nordesteão hua quarta, o qual
grão por este caminho vai em boa gyometría 24 lé-
guas j, em tal caso teremos feito mayor caminho e
andado 31 legoas £-, e estaremos mães apartados,
per differença de meredianos, do lugar donde par-
timos, por rezão que pella variação de hua quarta
que faz a nossa agulha nesta parte onde nordestea,
causa que o verdadeiro Rumo de nordeste ou su-
dueste deixem seu próprio asento e casa, e tomem
outro, que comprehende tamanho arquo da circun-
ferência da agulha pêra a parte de leste, camanho
jaz antre o norte da agulha e o verdadeiro Polo do
233
mondo. Logo» desta maneira estará o Rumo de nor-
deste sudoeste no lugar da quarta de leste oeste sua
vezinha, por onde o grão vai 31 léguas 7, e esta or-
dem hirão guardando todos os Rumos que se con-
tém nestas duas quartas, pois os caminhos e linhas
que nos vay mostrando a nossa agulha, são outras
fora do que cuidamos, as quaes mães propinquas á
linha de leste oeste tem vsurpado seus lugares, do
que vimos a ter conhecimento, alcançando a varia-
ção ou nordestear das agulhas; assi que, leuando a
proa ao sul, fazemos o caminho pella quarta do su-
dueste, e gouernando por esta quarta do sudueste,
fazemos caminho pella mea partida do susudueste,
e leuando a proa ao susudueste, caminhamos pella
quarta do sul, e gouernando por esta quarta do sul,
fazemos o caminho pello Rumo do sudueste ; e pro-
cedendo por esta maneira até á linha daloeste, sem-
pre nos acontecerá caminharmos por hua quarta que
está alem do Rumo que nos vay mostrando a agu-
lha; e com este exemplo fica claro, como, cami-
nhando pellos Rumos que jazem dentro das duas
quartas de toda a circunferência da agulha acima
ditlas, andaremos mães legoas do que se nos vay
representando, e seremos mães afastados do mere-
diano de lisboa, ou de qualquer lugar donde partir-
mos, do que o Rumo, altura e as Regras nos vão
manifestando.
Mas todas estas cousas que tenho ditlo, nos acon-
234
tecerão ao contrairo, caminhando pellas outras duas
quartas partes de toda a circunferência da agulha,
as quaes se contheem, hua do principio da linha do
leste até o Rumo do sul, e outra será a sua oppo-
sita, que começa da linha daloeste, e vaisse acabar
e detreminar no Rumo do norte, porque, pello des-
uairo que fazem nossas agulhas, nordesteando hua
quarta pello exemplo que tenho posto, o leste da
nossa agulha se desuia e arreda de seu natural si-
tio e lugar outro tanto espaço pêra a parte do sues-
te, e o mesmo fazem todos os Rumos desta quarta
parte de toda a circunferência da agulha, deixando
seus próprios lugares, e tornando a outros mães che-
gados ao verdadeiro Polo do sul; e como quer que
os Rumos dagulha por onde fazemos o caminho,
quanto menor angulo fazem com o nosso meredia-
no, tanto em differença de hum grão teremos an-
dado menos legoas, seguirse ha que, nordesteando
as agulhas, e correndo por dentro destas duas quar-
tas, que em mudança de hum grão tinhamos feito
menor singradura do que a denominação do Rumo
nos vay amostrando, Porquanto os Regimentos por
onde nos gouernamos, sopoem que auemos de an-
dar por verdadeiros Rumos: e pêra que isto milhor
se possa entender, porey aquy alguns exemplos, sem
me apartar da rota que leuamos partindo de lixboa
pêra a índia, como quer que esta escritura se não
faça pêra o doctor Pêro nunez, mas pêra aquelles
238
qae não sentem nada das mathematicas, nem tem
experiência do mar.
A todos lie mui notório que, partindo de lisboa
caminho do Brasil, sempre leuamos a proa naquel-
les Rumos que jazem encerrados na quarta parte
de toda a circunferência da agulha que se contém
do Rumo do sul até á linha daloeste, pois que até á
ilha da madeira gouernamos ao sudueste, e dahi por
diante, até sermos nas Ilhas das Canareas, fazemos
o caminho a susudueste; mas passando por diante,
até nos pormos avante do cabo verde, leuamos a
proa ao sul quarta do sudueste, e passando mães
alem, hindo nauegando ná volta do Brasil, jamaes
deixamos de gouernar pellos Rumos que estão do
sul até á linha daloeste, por caso dos ventos que
nestes tempos cursão: logo* claro parece, que, em-
quanto fizermos o caminho pelos taes Rumos, an-
daremos muitas mães legoas do que a denominação
dos mesmos Rumos nos significão, e cada vez nos
hiremos mães apartando do merediano de lisboa do
que por Razão do caminho e altura se demostra,
pois que, por Respeito desta variação que vão fa-
zendo nossas agulhas por este caminho, não deue-
mos contar as singraduras e apartamento do mere-
diano pellos Rumos por onde a proa da nao vay en-
derençada, mas antes por outros, os quaes estão mães
chegados pêra a linha daloeste tantos grãos, quan-
tos temos sabido que as agulhas nordesteão nos taes
236
lugares e parajens ; porque, se a nao vai fazendo seu
caminho pello Rumo do sueste, que mostra nossa
agulha, diz o Regimento que em mudança de hum
grão teremos andado 24 legoas j, e assi estaremos
apartados do merediano donde partimos i 7 legoas \,
o que seria verdade, se o norte das nossas agulhas
ferisse no verdadeiro Polo do mundo, mas não fe-
rindo nelle, ante em outro ponto mui apartado do
verdadeiro Polo, que jaz antre elle e o Rumo do
.nordeste, donde a variação tomou o nome, como
será possivel termos feito o caminho do sudueste,
senão por outra linha ou Rumo, que tanto este apar-
tado delle pêra a banda daloeste, quanto o norte da
nossa agulha se desuia do verdadeiro pollo pêra a
parte do nordeste? e se por caso esta variação ou
apartamento fôr quantidade de i i grãos, necessa-
riamente se seguirá que o tal caminho que se acharia
ter feito a nao, ser todo pello sudueste quarta daloeste,
pella qual quarta, na mudança de hum grão, teremos
andado 3 i legoas ; , e estaremos apartado do mere-
diano donde partimos 26 legoas: e como quer que
da cidade de lisboa até á linha equinocial o numero
dos grãos que nordesteão as agulhas não passa de
7, nem abaixa de 5 j, que pouco mães ou menos,
descontando hfla cousa por outra, poderá importar
mea quarta* em todos estes espaços; pêra justamente
sabermos o que temos andado, e o Rumo por onde
a nao vae caminhando, darlhe hemos o caminho desta
237
maneira: se leuamos a proa pella quarta do su-
dueste que está a par do sul, então fazemos o cami-
nho per 5 grãos *- mães adiante escontra a mea par-
tida, a saber, pelo meo do espaço que jaz antre esta
quarta e a mea partida do susudueste; e leuando a
proa ao susudueste, fazemos o caminho per meo do
espaço que jaz antre esta mea partida e a quarta do
sul que está a par daloeste, que he outros 5 grãos £-
alem desta mea partida pêra a quarta do sul, e o
mesmo nos acontecerá gouernando por todos os Ru-
mos que jazem encerrados ou postos dentro desta,
quarta parte da circunferência da agulha, e daqui
fica notório que, tendo andado hum grão por cada
hum destes Rumos, e per exemplo seja pello do su-
dueste, teremos feito mayor caminho de 24 legoas \,
e estaremos mães apartados do lugar donde parti-
mos, per differença de meredianos, tanto espaço,
quanto se achar em verdade que se monta nesta mea
quarta, ou 5 grãos *-, Por onde himos directamente
caminhando: logo os lugares, terras, Ilhas, prayas,
que acharmos por esta paragem, gouernando pellos
dittos Rumos, sem nenhua duuida que serão mães
occidentaes a comparação do merediano de lisboa
do que até agora se pratica e tem por averiguado.
Porém, dobrado o cabo de sancto Agostinho, e
começandonos o vento de hir alargando até ventar
da banda do Ponente, cousa he muito manifesta que
atee sermos com terra do cabo de bõa esperança
238
jamaes a proa de nossas naus vai fora daquelles Ru-
mos que jazem do leste das agulhas até o Rumo do
sul ; por onde, caminhando com ventos frios e ten-
dentes, e o norte de nossas agulhas hindo cada vez
fazendo mayores mudanças pêra a parte do nordeste
até quantidade de 20 grãos, que valem pouco me-
nos de duas quartas, e dês dahi tornando dar a
volta, e desandar o caminho pella mesma maneira
e grãos que até qui forão sobindo, quando chega-
mos á ponta primeira da terra do Natal ficão de todo
fixas e ferindo directamente nos verdadeiros poios
do mundo. Ora pois, todo o tempo que caminhar-
mos per esta quarta parte de toda a circunferência
da agulha, a qual comprehende os Rumos sobredit-
tos, Partindo da costa do Brasil pêra o cabo de bõa
esperança, quem duuidará os pontos que os Pilotos
vão pondo em suas cartas serem todos muito mães
dianteiros e orientaes per muitas legoas, do que em
verdade se deue fazer, por Razão do caminho que
himos fazendo? pois que, gouernando a lessueste,na
parajem que as agulhas nordesteão 15 e 20 grãos,
achando hum grão na mudança da altura, contamos
46 legoas a ssingradura e 42 na differença dos me-
redianos, sendo notório que o tal caminho foi quasi
ao sueste, por onde o grão vai 24 legoas \, e a dif-
ferença dos meredianos 1 7 £ ; e assi mesmo leuando
a proa em leste quarta do sueste, multiplicando na
altura hum grão, contamos na singradura 90 legoas,
239
e 88 na distancia dos meredianos, não nos recatando
que o tal caminho que fizemos, foy por antre a mea
partida de lessueste e a quarta de leste que está a
par do sul, por onde o grão vai muito menos de 46
legoas, e o apartamento dos meredianos não chega
a 40, e estes enganos nos acompanhão todo o tempo
que caminhamos por dentro desta quarta parte da
circunferência da agulha ; por onde, nauegando tan-
tos dias, tantas noites, leuando em cada singradura
erro tão notáuel, causado da sobeja e não conhe-
cida variação das agulhas, faz que, quando se vem
asentar estas terras no plano pellas relações e Ro-
teiros dos Pilotos e nauegantes, he necessário meter
a costa do cabo de boa esperança grandes espaços
pello oriente acima, e ficar antre ella e a costa do
Brasil tão comprida e disforme distancia, como ao
presente se mostra em todos os planos. E daqui vem
que, fazendo as cartas este caminho tão comprido,
considerando os Pilotos como hindo com suas jor-
nadas contadas fazendose muito á Ré do cabo, se
acham com elle, ou avante, não atinando a causa
donde lhe procede, fazem Regra geral, em a qual
dão a cada hua das singraduras muitas mães legoas
do que o sol e Rumo lhes ensina.
Esta operação, ou nordestear que fazem as agu-
lhas partindo de lisboa, acaba nesta ponta primeira
da terra do natal, como já tenho ditto, mas pas-
sando por diante, caminhando pêra onde nace o sol,
240
começa assi hir fazendo outra, que faz os effectos
em contrairo, como quer que passando daqui, hindo
Rota batida caminho da índia, as agulhas que neste
lugar erão fixas, começam pouco a pouco a desuia-
rem o seu norte e frol de lis do verdadeiro polo
pêra a banda do noroeste, até chegarmos á costa da
índia, onde varião, ou noroesteão, il grãos, que
valem hua quarta ; e como em todo este caminho o
tempo que na viagem gastamos, leuamos a proa da
nao naquelles Rumos que se contém dentro da quarta
parte de toda a circunferência da agulha que co-
meça do norte e acaba na linha de leste, he neces-
sário que em mudança de hum grão por qualquer
destes Rumos que seja, por onde gouernamos, te-
nhamos andado menos caminho do que o Rumo pêra
onde a proa da nossa nao vay aviada demostra;
Porque, assi como quando agulha nos nordesteaua,
os Rumos ordenados a esta ditta quarta, forçados
da tal variação, erão lançados fora de seus próprios
lugares, e hião oceupar outros estranhos mães che-
gados ao verdadeiro leste, assi agora que esta varia-
ção he ao contrairo e totalmente contraposta á ou-
tra, os mesmos Rumos são tirados fora de suas ca-
sas e lugares constituídos, por caso de tal variação
e mudança, e vão tomar outros mães chegados ao
Polo do mundo tanto espaço, quanto he a quanti-
dade que nas taes partes achamos que as agulhas
noresteão: logo, gouernando ao nordeste na parajem
241
que esta variação valer li grãos ou hua quarta, que
he o mesmo, sem nenhua duuida faremos o cami-
nho do nordeste è quarta do norte; e assi gouer-
nando ao nordeste quarta de leste, ficaremos fazendo
o caminho do nordeste franco, e pello conseguinte
nos acontecerá ho mesmo, leuando a proa por quaes-
quer dos outros Rumos que se conthém nesta quarta
parte de toda a circunferência da agulha; pello que
fica claro, que em todo este caminho que fazemos
da ponta primeira até ás prayas da índia, damos
mayores singraduras á nao do que na verdade ella
anda ; e daqui vem que, estendido tanto esta cami-
nho, de necessidade no assentar das terras a diífe-
rença dos meredianos ha de ser mayor do que a tem
os lugares, por muitos grãos.
Não deue nesta parte menos autoridade ter que
ha dcmostração, a longa e continua experiência que
de tantos tempos pêra quá temos do Comprimento
deste caminho, especialmente da trauessa que ha da
costa do Brasil até o cabo de bõa esperança, a qual
pôde affirmar toda a pessoa que por ella passar, e
tiuer honesto juizo e algua pratica do mar, que he
mães pequeno do que o fazem todas as cartas de
marear mães de 1 50 legoas, e a Rezão pêra ser isto
assy, lie esta: tanto que as nossas nãos se põem em
altura do cabo frio, e começão pôr a proa no cabo
de bõa esperança, fazendo a elle seu caminho, na
mesma ora se começão de armar os Pilotos pcra da-
H. 16
242
rem mayores singraduras á nao, do que por sua es-
timatiua, sol e Rumo por onde vão caminhando,
achão ; e certamente que na minha nao ouue mui-
tas singraduras de 70 e 80 legoas, sem entrèuir
pêra isto outra consideração, saluo ventos hum pou-
co frescos, e nauegarmos por esta paragem, com
os quaes, em todo o outro mar que não fora este,
era justo darmos a cada hua das singraduras 40
legoas; porque está já assentado por máxima nos
mareantes, que neste Caminho se hão de contar
mães legoas em cada hum dia natural, do que acha-
rem que a nao podia andar por qualquer via que
fosse: ora pois, se nós vemos que de tantos annos
a esta parte, até ho dia de oje que este mar he tão
laurado dos portuguezes, e sempre jaraaes acontece
acharensse as nãos no cabo de bõa esperança, ou
avante delle, fazendose os Pilotos muito á Ré com
seus pontos, e hindo contando em cada singradura
muitas mães legoas do que elles mesmos sabem e
crêem que a nao pode andar ; que pode isto causar,
senão que este caminho he muito raaes pequeno do
que está posto nas cartas de marear 1 ? Os exemplos
1 A 2.* vez lorney a índia, que foi no anno de 1545, estando
tanto avante como o cabo, mandey perguntar a Diogo Garcia,
piloto da Burgaleza, onde se fazia, mandou-me dizer que 175
léguas a ré do cabo; isto era um dia á tarde, que tomamos
as vellas e ficamos de mar em travez, por caso de nos dar hum
243
que neste caso posso dar são tantos, quantas são as
armadas que por aqui passão e passarão, pello que
somente escreuerey hum : em hua armada em que
Jorge de mello veo por capitão mór, aconleceo que,
fazendose todos os Pilotos na enseada de manicongo,
acharão hum nauio de Moçambique, que lhes disse
estarem de dentro do cabo das correntes: não ha
duuida que, se não fossem os muitos sinaes de aues,
pexes, eruas, e outras superfluidades que as terras
e mares produzem, os quaes nos aparecem quando
somos tanto avante como o cabo de bõa esperança,
que todos os Pilotos ficarião enganados em grande
caminho, e jamaes se farião com o cabo, que 200
legoas se não achassem avante, comtanto que dem
o caminho á nao conforme a altura que tomão, e
Rumo a que gouernão, o que vem destes duas cos-
tas, a saber, do Brasil e cabo de bõa esperança, es-
tarem mais apartados nas cartas, do que as Deus
assentou na poma e mundo 1 .
pouco de levante, o outro dia amanhecendo vimos o resto, do
cabo, estávamos já de dentro delle: o qual Diogo Garcia he
agora o mães antigo piloto e experimentado que ha nesta car-
reira. Nota do auctor.
1 A celebre questão das Molucas, a que nos referimos n v uma
prudente nota (pag. 86), e a fixação da denominada linha de
demarcação que havia de separar os domínios dos reis de Por-
tugal e Castella, foram causas que constantemente actuaram
nos navegadores e cosmographos dos dois reinos, para a deter-
16.
244
A noite de quinta feira lodo o quarto da prima
foy o vento noroeste esperto; gouernamos a leste
quarta do sueste; mas entrando a modorra, saltou
o vento ao norte, e gouernamos a leste, ginando
pêra a quarta do sueste até amanhecer : esta noite,
Rendido o quarto da prima, chegou a nao a nós, e
dissenos o Piloto delia que esse dia vira terra, e
era o cabo das agulhas.
CAMINHO.
Sesta feira 28 de Junho até meo dia foi o vento
noroeste e nornoroeste, ventando de todas estas par-
tes Rijo; gouernamos a lesnordeste: mas de meo dia
até noite assentou o vento no noroeste, e ventou
muito Rijo; gouernamos hum pouco a lesnordeste, e
logo fizemos o caminho de leste até anoitecer: todo
mi nação das longitudes. São essas idéas que dominam no es-
pirito de D. João de Castro n'esta longa dissertação. Transcre-
vendo em parte esta notação famosa, Garcia de Céspedes no
seu Regimento de Navegadores, busca demonstrar que o Cabo
da Boa Esperança não eslava no seu logar nas Cartas de Ma-
rear, e que entre o meridiano de Lisboa e o do Cabo da Boa
Esperança cba 44 grãos 14 minutos de longitude, que são
mais 9 grãos o que o Cabo da Boa Esperança ha de estar mais
ao oriente» (Regim. de Nav. fl. 135). Estes e outros erros tor-
navam muito difficil e perigosa a navegação n'este tempo.
245
este dia vimos grande somma de madeiros andar
pello mar grandes e pequenos, e delles com muitos
esgalhos como pao de pinho, e assi nos aparecerão
grande numero de alcatrazes e toninhas e muitas ca-
nas, e não vimos nenhum feijão.
De noite até o quarto da prima fezse o vento mães
largo como oesnoroeste bonança; gouernamos a leste
quarta de nordeste todo este quarto : entrando a mo-
dorra, saltou o vento ao sudueste, e ventou Rijo;
gouernamos, ora a leste quarta de nordeste, ora a
leste, porém o mães do tempo seria ao Rumo.
CAMINHO.
Sabbado 29 de Junho, amanhecendo, fezse o vento
oeste, e ventou muito Rijo, de maneira que nos foi
necessário tirar fora as monetas ; até meo dia gouer
namos a lesnordeste, e ás vezes a leste quarta de
nordeste, mas foy pouco tempo: e de meo dia até
noite fezse o vento oessudueste algua cousa mães
bonança; gouernamos a lesnordeste até anoitecer:
vimos somente três ou quatro alcatrazes, mas mui-
tos feijões: oras de meo dia tomamos o sol, e na
mayor altura se leuantaua sobre o orizonte 32 grãos
justos; a declinação deste dia era 22 grãos x -, do
que se segue estarmos em 35 grãos ~; o Piloto c o
doctor e outras duas pessoas tomarão o mesmo sol,
sem discreparem cousa algua.
246
De noite todo o quarto da prima e modorra foy
o vento oeste e oessudueste ; mas entrando o quarto
dalua, saltou ao noroeste, donde ventou até amanhe-
cer; toda a noite gouernamos a lesnordeste.
CAMINHO.
Domingo 30 de Junho pella menhãa escaseou o
vento, e fezse como norte; gouernamos hum pouco
a leste e quarta de nordeste, mas logo tornou lar-
gar hua quarta, e gouernamos a lesnordeste ; e tor-
nando a largar mães, gouernamos ao nordeste quarta
de leste até anoitecer: este dia fiz as operações se-
guintes.
Primeira operação ante meo dia.
Estando o sol em altura de 3 grãos 1
ho estilo lançou a sombra 30 grãos
contando do Rumo daloeste pêra o sul, ou 60 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste, que he o
mesmo ; e erão a este tempo 7 horas \ .
4 Segue-se logo que nasceu o sol 3.° de leste pêra o norte.
Nota do auclor.
247
«
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 10 grãos - A
ho estilo lançou a sombra 51 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste : a esle tempo
erão 8 oras {.
Terceira operação atite o meo dia.
Estando o sol em altura de 18 grãos ^
ha estilo lançou a sombra 41 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo
erão pouco mães de 9 oras.
Quarta operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos \
bo estilo lançou a sombra 31 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste: a esle tempo
erão 9 oras -f.
248
Quinta operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 30 grãos -j
ho estilo lançou a sombra 17 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão 1 1 oras.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de. ....... . 30 grãos \
ho estilo lançou a sombra 19 grãos
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo era hua ora depois de meo dia.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que o dante meo dia dous grãos, dos
quaes ametade he hum, que he a quantidade que
neste lugar a agulha nordestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 24 grãos \
ho estilo lançou a sombra 33 grãos {
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo erão duas oras.
249
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que o dante meo dia dous grãos {,
cuja ametade he hum grão {, que he a quantidade
que neste lugar a agulha nordestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de. 18 grãos {
ho estilo lançou a sombra 44 grãos {
contando do sul pêra a banda de leste; e a este
tempo erão 3 oras escasas.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que o dante meo dia 3 grãos \, cuja
ametade he 1 grão - A , que he a quantidade que neste
lugar agulha nordestea.
Quarta operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 3 grãos
ho estilo lançou a sombra 18 grãos
contando de leste pêra o sul, ou 72 grãos contando
do sul pêra a banda de leste, que he o mesmo; e a
este tempo erão 4 oras -f.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor quo o dante meo dia 12 grãos, os
250
quaes partidos, vem ametade 6, que he a quanti-
dade que neste lugar agulha nordestea 4 .
Quando fiz estas operações, eu me fazia 5 grãos 1
do merediano do cabo das agulhas pêra a banda de
leste 8 , e o Piloto outro tanto: este dia a oras de meo
dia tomamos o sol, e na mayor altura se aleuantaua
sobre o orizonte 33 grãos; a declinação deste dia
era 20 grãos \ , do que se segue estarmos em 36
grãos \.
Notação sobre a estimatiua dos homens do mar.
Porque o Juizo e estimatiua dos homens do mar
he tamanha parte da nauegação, que as mães das
vezes fiqua a cousa nestes seus estormentos, assi
no andar da nao, como no conhecimento e vista das
terras, quis assi oje, como alguns outros dias, me-
ter a mão em seu engenho, e saber suas openiões
acerqua do que podião andar as nãos em cada sin-
gradura, nam tomando o sol; e acheyos tão diffe-
rentes, que me- obrigou primeiro se o deuia de es-
creuer ou não, passado isto de tal maneira, que a
singradura sobre que fazia o tal exame, huns me
4 Esta operação uco fora das outras, e muy fora da razão,
a causa disto se vera. Nota do auclor.
a Meridiano da operação. Nota do auclor.
251
dezião que podia andar a nao 30 legoas, outros 60,
outros 40, outros vinhão com tamanhos desuairos,
e queriãonos prouar por tão fracas considerações,
que foy cousa espantosa ; e este exame foy feito to-
mando o parecer do Piloto, mestre e outros homens
do mar muy práticos e antigos 1 .
De noite todo o quarto da prima foy o vento nor-
noroeste; gouernamos ao nordeste; mas passados
dous Relógios da modorra, saltou o vento a loeste,
e gouernamos ao nordeste e quarta de leste: no
quarto dalua tomou o vento ao noroeste, e fizemos
o mesmo caminho da quarta até amanhecer.
1 Com razão põe em duvida D. João de Castro a estimativa
dos homens do mar. A velocicade da navegação, a grandeza
da singradura, e até a própria direcção, pelo pouco conheci-
mento que tinham das correntes e da verdadeira declinação
da agulha, tudo era incerto. Não faziam uso ainda da barqui-
lba para conhecer a marcha do navio. Pigafelta, contando a
primeira viagem de F. de Magalhães falia de um aparelho se-
melhante á barquilha, e por meio do qual se podia conhecer
a marcha do navio. cSecondo la misura che facevamo dei
viaggio cMa catena a poppa, diz Pigafetta, noi percorrevamo
da 60 in 70 leghe ai giorno.i Apesar do uso da cadeia de
poppa, de que o escriplor italiano dá noticia, facto que cha-
mou a attenção de Humboldt (Cosmos, tom. iv, pag. 66), é
com tudo certo, que os navegadores portuguezes continuaram
a determinar por fantasia o andamento, e, ainda nos primei-
ros annos do xvm século, o cosmographo M. Pimentel na
sua Arte de Navegar diz, referi ndo-se ás léguas andadas pelo
navio testas não tem outra certeza mais que a conjectura, ou
fantesia do piloto» (cap. xvu, pa#. 71).
252
JULHO.
Segunda feira primeiro de Julho até o meo dia
foy o vento noroeste fresco ; gouernamos a nordeste
quarta de norte, e dahi avante começou o vento a
crecer e Rijo, e saltar pêra a banda daloeste; quasi
sol posto se fez todo sudueste, e creceo tanto que
nos fez tomar todas as vellas pequenas e tirar as
monetas fora; todo este meo dia faríamos o cami-
nho do nornordeste: este dia fiz as operações se-
guintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 3 grãos
ho estilo lançou a sombra 30 grãos
contando do Rumo daloeste pêra o sul.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estilo lançou a sombra 20 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
253
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estito lançou a sombra 19 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia
maior que o de depois de meo dia i grão, cuja ame-
tade he 30 minutos, que por esta operação a agu-
lha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 3 grãos
ho estilo lançou a sombra 30 grãos
contando de leste pêra o sul:
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia igoal ao dante meo dia 1 ; logo agulha julga
aquy direito, sem fazer mudança pêra nenhua parte.
A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor al-
tura estaua aleuantado sobre o orizonte 34 grãos \;
a declinação deste dia era 22 grãos -J, do que se se-
gue estarmos em 33 grãos -J . O Piloto e o doctor
1 O primitivo logar onde a agulha não variava. Nota do
auetor.
254
tomarão o mesmo sol 1 : quando fiz estas operações,
eu me fazia no merecliano que se aparta do cabo das
agulhas pêra leste 7 grãos *.
De noite toda foy o vento sudueste, e ventou
muito Rijo ; gouernamos ao nordeste quarta de leste
até amanhecer.
CAMINHO.
Terça feira 2 de Julho todo o dia foi o vento cal-
ma, quanto a nao gouernaua, e a bafujem que ven-
taua fazia muitas mudanças, não Repousando em
nenhua parte dês o noroeste até o sul ; sol posto, foy
Rodeando até se fazer leuante, e logo gouernamos
ao sul: este dia pella menhãa vimos a terra, e seria-
mos delia três legoas até 4 3 . Gorriasse esta costa,
nordeste sudueste quarta de leste oeste; o Piloto
não ha conheceo, mas por alguas Rezões lhe pare-
ceo a primeira terra do natal, e tanto que a vio,
mandou gouernar a lesnordeste e a leste quarta de
nordeste: daqui parece que o Piloto 4 não teue tama-
nha consideração no demandar desta terra pêra aver
1 Meridiano da operação. Nota do auctor.
* Destas declinações conclue-seque a agulha nào Unha de-
clinação em Lat. 33° S. e Long. 27° E. de Grenw.
3 Vista da torra do Natal. Nota do andor,
* Contra o |iiloto. Nota do auctor.
255
vista delia, como conuinha, porque o dia dontem
correo ao norte quarta de nordeste e ao nornordeste
em busca delia, e per seu ponto e meu estauamos
pegado com a terra: ora ao sol posto andaua o mar
tão afumado, que três legoas não podíamos ver pêra
nenhua parte; e sendo isto assy, claro estaua que da
mesma maneira poderamos estar estas 3 legoas ou
4 aredados da terra, como alguas mães, pois a vista
nos não deixaua ver o mães espaço : ora pois, a este
tempo que era sol posto, vendo o Piloto que entraua
a noite, e não tinha visto a terra, mandou gouernar
ao nordeste quarta de leste, pêra se recolher ao mar,
e ao outro dia tornar em busca delia, e assi corre-
mos toda a noite com grande tormenta de vento:
logo se estauamos pegados com a terra, assi como
nos fazíamos, e a costa se corresse nordeste sudueste
quarta de leste oeste, como que as terras sempre ja-
maes lanção pontas, e fazem enseadas e voltas, es-
taua em Rezão, ou hirmos toda a noite Roçando a
quilha pella pedra, ou vararmos em algua ponta,
assi como nos ouuera dacontecer, porque, amanhe-
cendo, não vimos nada por caso do mar e terra an-
dar muito afumado, mas ás oito oras que descobrio,
vimos a terra, que se corria pello Rumo por onde
hiamot gouernando, e éramos tão pegado com a
costa e metidos em bua enseada, que leuauamos a
proa posta na terra, do que podemos tomar exem-
plo pêra o demandar das terras, que nunca nos
256
aconteça, quando quer que nos fazemos abraçados
com a costa, corrermos de noite ao Rumo per onde
as cartas nos moslrão que se ella corre, mayormente
nesta que se conthém do cabo de bõa esperança até
o cabo das correntes, a qual o dia doje está tão re-
mota do conhecimento e pratica dos Pilotos, que mui
pouca cousa ou nada sabem, não digo já de seus
portos, bayas e enseadas, mas da altura dos luga-
res, e da Rota das costas*. Pello que em tal caso, ou
trincaremos toda a noite no bordo do mar, ou se
1 Já no Esmeraldo de Duarte Pacheco se lamenta o pouco
conhecimento que havia das costas da Africa oriental, do ilheo
da Cruz para diante, apesar de se navegarem aquelles mares
havia alguns annos. Trinta annos depois, pouco ou nada se
sabia ainda, como se conhece das palavras de D. João de
Castro. Duarte Pacheco, fallando dos extensos descodrimen-
tos mandados fazer por el-rei D Manuel, para além do ilheo
da Cruz, «cento e sessenta léguas alem do promontório da
Boa Esperançai observa «agora por mór segurança desta na-
vegação convém que Vossa Alteza mande tornar a descobir e
hapurar esta costa do Ilheo da Cruz em diante, porque he
certo que no seu primeiro descubrimento se soube em soma
e nom pelo meu do como a tal costa caminha, e porque Vossa
Alteza me disse que se queria nisto fiar de mim, por tanto pre-
parei fazer um livro de cosmografia e marinharia, cujo pro-
logo he este que aqui é escriptoi A parte da sua obra, a que
o grande navegador allude, parece não se haver escripto, pois é
justamente ao principiar esse livro da obra, que devia ser o
quinto, que o manuscripto do Esmeraldo se acha interrom-
pido.
257
quizermos correr, será com darmos duas e três quar-
tas de resguardo de como nos mostrão as cartas que
se a costa corre: a mostra que a terra fazia era muito
fermosa e conhecida, porque se metia por ella den-
tro hua grande aberta á maneira de vale, e como
que recebia por aquy algum Rio ou braço de mar
dentro de seu Regaço; e da parte do sudueste amos-
traua hum sombreiro sobre este vale. fazendo hua
testa muito grande da Roca talhada a pique; mas
da banda do nordeste desta aberta se aleuantauão
três montes pequenos, muito sobranceiros ao vale.
até chegarem ao alto de hua serra, por antre os
quaes c o sombreiro que acima disse, se mete o
vale pella terra dentro; de hua banda e da outra
desta aberla dous altos c poderosos montes se ale-
uanlão, porém o da banda do sudueste era mavor
e mães alto, e de suas baixas Raizes tomaua prin-
cipio outro monte, o qual, correndo ao longo do mar
na volta do sudueste, de seu espinhaço sahião sete
cabeços, e o ultimo, entrando no mar, lançaua hua
ponta por elle dentro, alem da qual nâo viamos a
costa; e logo da outra banda da aberta, a saber, da
parte do nordeste, se mostraua hum monte na praya
do mar, desapegado e per sy; e muito pella terra
dentro se aleuantaua hua serra muito alta, que cin-
gia estoutros montes que acima diguo, a mostra da
qual era como aquy está pintado.
b. 17
258
Descripção desta terra
O ponto A seja a testa do Rochedo que dece a
pique, e G o monte alto onde se faz a testa e som-
breiro; B amostra a entrada do vale ou aberta, e
C, D, E, os três montes pequenos que vão debaixo
pêra cima atee o alto de hum monte, que nesta pin-
tura amostra o ponto Y; mas F será o monte des-
apegado que eslá na praya e á borda do mar, e logo
H o monte que toma principio nas baixas Raízes do
monte G, e vai correndo ao longo do mar na volta
do sudueste, fazendo sete cabeços; ora pois L, M, N,
demostrarão a serra muito alta que vai muito pella
terra dentro, e comprehende dentro de sy estes mon-
tes c outeiros de que se trata.
De noite toda foy o vento nornordeste e nordeste ;
o quarto da prima gouernamos ao sueste quarta de
leste, mas a modorra e alua gouernamos a lessueste,
e ás vezes a leste quarta do sueste.
CAMINHO.
Quarta feira 3 de Julho foi o vento nordeste ; go-
uernamos ao noroeste; tornando a demandar ha ter-
ra, ás dez oras fomos com ella: este dia fiz as ope-
rações seguintes.
í
„>, 'M" K 'li! I /
Xr\
259
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 16 grãos
ho estilo lançou a sombra 50 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo erão oito oras e mea.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos
ho estilo lançou a sombra 39 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste : erão a este
tempo 9 oras e ^.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 3! grãos {
ho estilo lançou a sombra 25 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste : erão a este
tempo 10 oras e mea.
17
260
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 31 grãos {
ho estilo lançou a sombra 25 grãos
contando do sul pêra a banda de leste; e a este tem-
po era 1 ora \.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma-
nifesto não variarem as agulhas nenhua cousa neste
lugar 4 .
Segunda operação de depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos
ho estilo lançou a sombra 39 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo
erão 2 oras \.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma-
nifesto neste lugar não variarem as agulhas.
Onde as agulhas não variam. Nota do auctor.
Í6I
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 16 grãos
ho estilo lançou a sombra 50 grãos
contando do sul pêra a banda de leste ; e a este tem-
po erão 3 oras {.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma-
nifesto neste lugar não variarem as agulhas.
Este dia ao meo dia tomey o sol, e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 36 grãos; a de-
clinação deste dia era 22 grãos, de que se segue
estarmos em 32 daltura, que he na ponta primeira
da terra do natal; donde fica manifesto que neste
merediano que passa pello ditto ponto, não varião
as agulhas cousa nenhua 1 , mas ferem directamente
nos verdadeiros poios do mundo, como por tanlas c
tão conformes operações se tem mostrado: este dia
de meo dia até noite foy o vento nordeste, pello que
estiuemos ao pairo com o papafigo, sem monela,
aredados da terra obra de três legoas: a oras de bes-
pora lançou o Piloto fora o prumo, e tomou o fundo
em 70 braças*, o qual fundo era cascalho e híía área
4 Meridiano onde as agulhas não varião. Nota do auctor.
* Fundo. Nota do auctor.
262
grossa como saibro: ora, oulhando a terra, achámos
que não era a do outro dia, mas outra muy diffe-
rente, o que nos fez crer que descahiramos muito,
e tornáramos atrás 1 ; e logo a mandey debuxar, com
huns penedos muito altos e muito fermosos que es-
tauão ao longo do mar, os quaes a juizo de lodos
parecião Ilheos ; a terra era huas serras dobradas e
de muitos aruoredos, nas quaes se fazião muitos fo-
guos, mas sobre o mar se mostrauão dous outeiros,
que decendo a elle, fazião hua amostra e semelhança
de testa do touro, e por meo delles hua aberta en-
traua por dentro da terra, por onde a juizo de todos
algum rio vinha ter ao mar, de que a mostra e na-
tural desta aberta, serras, montes, Ilheos, e todo o
mães que na terra se continha, he como na volta
desta folha está pintado.
Descripção da terra.
Os dous penedos grandes e que parecião Ilheos,
sejão A e B, os quaes estauão á borda do mar, e no
penedo B arrebentaua muito, e no outro nenhíia
cousa; C e D dous montes escaluados, que desape-
gados dos outeiros estauão sobre a borda do mar ;
4 Por aqui é muito forte, por este tempo, a corrente qae
vem do canal de Moçambique, e por isso o navio descairia.
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263
mas o ponto E hum monte muito comprido á seme-
lhança de mesa, que encima de todos estaua muito
leuantaio; pello alto delle corria hua grande Renque
de aruores como pinheiros, não se mostrando por ne-
nhua outra parte do monte, e das suas estremidades
decia a pique pêra baixo até encontrar com dous
montes, a saber, F, G, especialmente pêra a parte G.
Por toda a outra terra somente se mostrauão alguas
aruores em três partes assinaladas com os pontos G,
H, I, e todo o mães era hua terra muito dobrada e
montuosa; mas adiante desta terra ao longo da costa
aparecião dous montes, a saber, K e L, os quaes
decião ao mar, e fazião hua amostra como de cabeça
de touro, e autre elles se fazia hua entrada ou aberta
que demostraua entrar por ella algum Rio ao mar,
ou que entraua por ella o mar; e logo a esta en-
trada N se opunha a serra M, a qual comprehendia
dentro de sy os dous montes K, L, porém estaua
mães sobranceira ao monte K. Por toda a frontaria
desta serra se erguião muitos aruoredos, os quaes
também se mostrauão no monte O, e toda a outra
terra era minguada delles 1 .
1 Toda esta descri peão das costas do Natal ó interessante, e
feita com grande perspicácia. Na descri pção de Natal por H.
Brooks (Natal etc. by Henry Brooks, London 1876) encontra-se
a descrípçâo da costa que coincide com o que nos diz o Roteiro.
«As montanhas da fronteira terrestre que assim se estende até
264
Do noite toda foi o vento nordeste, pello que, to-
mando as vellas, nos deixamos estar ao pairo com
a mezena baixa.
CAMINHO.
Quinta feira 4 de Julho, amanhecendo, vimos a
leira, e podíamos ser delia até 8 legoas: até o meo
dia foy o vento nornoroeste e noroeste, mas muito
bonança, mas de meo dia até noite escaseou, e fezse
nornordeste calmão; gouernamos a lessueste: este
dia fiz a seguinte operação.
rosto ponto parallela á costa marítima, mas a uma distancia
de 120 a 150 milhas do mar, forma parte de extensa cadeia,
que principia a 150 milhas da cidade do Cabo.» «As monta-
nhas parecem, vistas do .mar, precipícios em degraos de mui-
tos centos, e em certos logares de milhares de pés, mas do
lado da terra ele\am-se ao planalto geral do paiz. Esta particu-
laridade não se pode distinguir quando se olha do lado do
mar.» Fallando dos rios, diz o mesmo auctor: «É uma notá-
vel particularidade de muitos doestes rios, o serem as suas bar-
ras totalmente fexadas por bancos de areia» e mais adiante ac-
erescenta tOs serros e montanhas das terras altas são cortados
e esculpidos em mais larga escala do que os montes da costa,
e na sua grande parte sào despidos de arvoredo, excepto nas
quebradas junto do cume, onde elles são cobertos de arvores
sempre verdes, algumas de grandes dimensões.»
265
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos \
ho estilo lançou a sombra 20 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estilo lançou a sombra 20 grãos
contando do sul pêra a banda de leste.
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia,
igoal ao de depois de meo dia, do que fica manifesto
não variarem as agulhas neste lugar.
Este dia ao meo dia tomei o sol 1 , e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 32 grãos {; a
declinação deste dia ora 21 grãos, 52 minutos, do
que se segue estarmos em 32 grãos ^; o doclor to-
mou neste dia na mayor altura ao orizonte 32 grãos
j, e daquy fica manifesto tornarmos atrás estes cin-
quo sesmos, pois ontem nos achamos em 32 grãos,
e oje em 32, 50 minutos, estando amainados 5 ; e esta
1 Altura ao meio ília. Fota dti andor.
2 Como tornarão a irar. oshnrio aniayna»los. Nnta do iivctor.
266
quantidade de 20 legoas que tornamos atrás, era ne-
cessário que fossem pêra o sudueste, porque ama-
nhecemos da terra na mesma distancia em que es-
tauamos o dia passado em altura de 32 grãos, a qual
distancia seria 8 legoas, como atrás se pôde ver; mas
como quer que ha cosia se corre nordeste sudueste,
não podia ser que crecessemos na altura os cinquo
sesmos por nenhum dos outros Rumos, Porque se
assi fora, ou deminuiramos da altura, ou, se crece-
ramos nella, era necessário que nos achasemos longe
da terra e muito ao mar por Razão da Rota desta
costa, o que parece deuer causar a grande corrente
das agoas, como he openião comum de todos os ma-
reantes, pella longa experiência que tem desta ca-
reira, a qual, segundo elles affirmão, lhe tem mos-
trado correrem as agoas ao sudueste muito Rijo, do
cabo das correntes pêra o cabo da bõa esperança*.
De noite todo o quarto da prima foy o vento cal-
ma, e algua bafugem que vinha era da banda do
nornordeste ; mas o quarto da modorra e a lua gai-
tou o vento ao noroeste, e ventou galerno, e de to-
das as vellas gouernamos ao nordeste até amanhecer.
ílonvnte estudada pelos hollandezes.
j _i
267
CAMINHO.
Sesta feira 5 de Julho pella menhãa abonançou
o vento, e ficou todo o dia em calma, quanto a nao
gouernaua, e esse pouco que ventaua, era como no-
roeste; todo dia gouernamos ao nordeste, e acha-
monos outras 8 ou 9 léguas da terra, como os dias
passados: a oras de meo dia tomarão o sol o Doctor
e outras pessoas, e na mayor altura se aleuantaua
sobre o orizonte 35 grãos, 43 minutos; e 21 grãos
era a declinação deste dia, do que se segue que es-
taríamos em 33 grãos, 17 minutos: o mestre ficou
na mesma altura.
Notação sobre o crecimento da altura
e correr das agoas.
• De oje nos adiarmos em 33 grãos, 17 minutos,
parece que de ontem ao meo dia até oje ao meo dia
crecemos na altura meo grão, e tornamos atrás 12
legoas direitamente ao sudueste, o que faz manifesto
a grande corrente das agoas, como quer que toda
esta singradura fez a nao o caminho pêra o nordeste,
e a mayor parte i!a noite passada passamos gouer-
\í
268
nando ao nordeste com vento largo e galerno 4 . Pello
que com muita Rezão diueramos de diminuir oje da
altura que ontem tomamos; e posto que por Razão
destas alturas, e assi de nos acharmos todos estes
dias equidistantes da costa, fique demostrado cor-
rerem as agoas ao som das prayas, que per estes lu-
gares se correm nordeste sudueste, não deixarey de
trazer aquy alguas acheguas, pêra fauorecermos
mães esta openião: tanto que dobrámos o cabo da
bõa esperança, e caminhámos ao longo desta costa,
1 Quando tornei a 2. 1 vez à índia, que foi o anno de 1845,
me aconteceu hu caso mui estranho, e foi que tanto avante
como a baya da Lagoa me derão hums ventos levantes rijos,
e saliindo me pêra o mar tomei as vellas e fiquei de mar em
travez, e andando assi foi tamanho o peso da agoa e os rilhei-
ros que me derão nas naus q em menos de cinquo dias nos
lançarão no Cabo de Boa Esperança, que forão 130 léguas e
tornamos a ver todos os sinaes do Cabo, lobos, trombas, ban-
dos de gralhas, e chegamos a 37° d'altura: de sorte que tor-
nando nos a dar os ventos ponentes muito rijos, caminhando
quatro dias com estos ventos m. t0 forçosos, no cabo delles nos
tornamos achar no mesmo logar da baya da Lagoa onde nos
derão os levantes, o que se não poderá crer se não viramos
sempre a terra, do que parece camanha força tem as corren-
tes por esta costa, especialmente ventando os ventos levantes.
Pló que devem ter aviso os Pilotos de não nauegarem ao longo
desta costa, mas na ora que ouverem vista da terra, o que não
pode escusar pêra hirem bem nauegados, logo se devem arre-
dar delia, e achandose muito largos fazerem seus caminhos
acostumados; e o q se deve largar da costa p." fugirem das
correntes será 40 léguas, pouco mais ou menos. Nota do auctor.
269
trazíamos os ventos ponentes, a saber, oestes, oes-
noroestes e suduestes, com os quaes ventos se ale-
uantaua muito o mar, como que as agoas corrião ao
venlo, o que muilas vezes se vê no Rio de Lisboa,
e em todas as partes onde conhecidamente se sabe
correrem as agoas, e aver correntes ; no qual Rio
ventando o vento sudueste, quando (a maré vaza,
anda nelle grande escarceo de mar e hum Marulho
muito espesso ; mas quando a agoa enche, e vem com
o vento, anda o Rio muito manso, e a agoa muito
chã e mansa; e he Rezão que seja assy, porque cor-
rendo a agoa contra o vento, pellejão estes dous ele-
mentos, e cada hum delles põem toda sua força pêra
vencer e passar avante, e nestes encontros e forças
se causa leuantarsse o mar alto e furioso, o que não
tem lugar quando o vento e o mar correm pêra a
mesma parte : mas tornando ao propósito, quando do
cabo de bõa esperança pêra quá nos derão os ventos
leuantes, ventando muito Rijo, nunqua aleuantárão
nem empolarão o mar, antes andaua como hum Rio;
logo claro está deuerem correr estas agoas pêra a
banda do ponente : também faz a esta Rezão, que
estando a nao em calma, lançauamos paaos e outras
cousas ao mar, e marcandoas com a agulha, achaua-
mos que nos hião desaparecendo pêra a banda do
sudueste 4 .
1 Estas observações das correntes marítimas na costa da Africa
270
De noite a dous Relógios do quarto da prima fezso
o vento como oesnoroeste, e ventou todo o quarto da
prima e modorra, galerno, mas no quarto da lua
do sul, são da maior importância, e mostram o espirito ati-
lado e o talento de observação de D. João de Castro. Não po-
dia elle determinar as correntes pela temperatura das aguas,
porque para isso carecia de instrumentos, que eram no seu
tempo inteiramente desconhecidos. As observações thermome-
tricas são o mais seguro guia para a determinação das corren-
tes do oceano, e muito mais seguras do que a determinação
das diííerenças entre os pontos determinados pela observação
e os avaliados pela estimativa. Durante muito tempo não se
observaram seniio as correntes á superfície dos mares; que sào
na verdade as que mais interessam a navegação. Observavam-
se ao longo das costas, seguindo o andamento dos corpos que
fluetuavam livremente na agua; longo dos costas só se podiam
reconhecer pelas diiTerenças entre a posição realmente oceu-
pada pelo navio em cada dia, e determinada astronómica-
mente, e a que o mesmo navio devia oceupar, segundo o ca-
minho seguido e o espaço percorrido e indicado pela barqui-
nha. Sabemos as insuperáveis difficuldades que os navegado-
no xvi século tinham na determinação das coordenadas do na-
vio, e sabemos também que da barquinha (l<ch) se não fazia
uso. Humboldt diz, positivamente, no tom. iv do Cosmos, que
a primeira indicação certa da applicação da barquinha (loch
cadenu de popa, wrreiera) se encontra no Diário de Viagens de
Pigafetta, que por vezes temos citado. Em nenhum dos nume-
rosos roteiros portuguezes, que temos lido, encontramos uma
allusão ao uso de um apparelho para determinar a marchado
navio. Apesar da deffieieneia dos meios de observação, os pi-
lotos portuguezes buscavam sempre determinar a intensidade
e a direcção das correntes marítimas, que chamavam geral-
274
abonançou e fezse oessudueste ; toda a noite gouer
namos a lesnordeste até amanhecer.
mente rilhriros. D. João de Castro, na sua viagem de estudo'
não perdeu occasião de determinar o movimento dos mares :
e as modernas observações mostram a perspicácia com que elle
observava. Do golfo Arábico parte uma corrente de agua quen-
te, e é d'ella que se deriva a corrente principal do Oceano
Indico, a corrente de Moçambique. Corre esta pela costa orien-
tal d'Àfrica, passa no canal de Moçambique, onde attinge a
máxima velocidade, e vae até ao Cabo da Boa Esperança, onde
recebe o nome de Corrente das agulhas. A temperatura d'esta
corrente, que no cabo de Guardafui é de 30°, 5, diminue para
o sul, e augmenta de novo em passando o canal de Moçambi-
que. Foi esta corrente principalmente estudada por Mr. An-
drau, da marinha hollandeza. Pelas cartas traçadas por este
observador reconhece-se que, ao longo das cosias de Moçam-
bique, a temperatura do mar é mais elevada do que deveria ser
em respeito á latitude. A corrente quente, depois de caminhar
parai lelamen te ás terras do Cabo, não sobe, como se poderia
suppor, para o norte, costeando a Africa occidental. Durante
o inverno do hemispherio sul, a corrente quente diminue em
força e largura; a corrente fria que vem do polo repelle-a ou
penetra -a facilmente. No mez de julho a corrente, ao cli6gar
ao parcel das Agulhas, divide-se em dois ramos: o primeiro
segue a direcção da costa indo ao encontro da corrente polar,
que também a separa em duas; uma no sentido O.N.O., e a
outra no sentido S.S.O. Nos mezes de verão do hemispherio
sul, desce pela costa de Moçambique uma quantidade maior
de agua quente, corrente quo contorna a ponta sul da Africa,
e caminha um tanto para oeste. Esta corrente quente deve
causar perturbações nas atmospheras, levantando nevoeiros,
temporaes e trovoadas; por isso se recommenda aos navios
hoje, quando vão para a índia ou para a Austrália, que pas-
272
CAMINHO.
Sabbado 6 de Julho até meo dia foy o vento oeste;
gouernamos a lesnordeste; mas de meo dia avante
calmou o vento, que a nao não gouernaua: este dia
na mayor altura tomey o sol, e aleuantauase sobre
sem afastados do Cabo para o sul. Isto que havemos dito mos-
tra a lucidez das observações do Roteiro. Devemos recordar
ainda o que tempos depois escreveu n'umas instrucções aos
pilotos o P. Christovam Bruno. Diz elle: tO que acrescentamos
na nossa carta lie no que toca á maior largura ou compri-
mento que, de leste a oeste, tem as terras e costas do mar do
Cabo de Boa Esperança, do que nas cartas ordinárias se cos-
tuma pôr, a qual achamos ser assi: primeiro por experiência
que eu fiz na ida e vinda da índia, c os mais que comigo vi-
nhão, detendo-nos naquella paragem, a vista da terra bem
d'espaço e correndo-a rnuy de vagar e mais em especial na
náo Santo Thome na vinda, onde todos observamos ser aquella
ponta de Africa mais larga terra do que communmente se cos-
tumava pôr nos mapas: 2.° Se confirma mais isto com outros
mapas assi antigos como modernos e varias observações de pi-
lotos como afirma o mesmo cosmógrafo das cartas João They-
xeira e o ensina o cosmógrafo mór João Bautisti Labanha:
3.° Grande indicio de ser isto verdade he vermos que d'cste
modo se acha a proporção que a agulha tem no seu variar, a
qual se nao pode ate agora nunqua achar, por não darem a es-
tas terras a distancia de leste a oeste, que nós lhe damos, o
que como digo é evidente sinal de não estarem situadas em
seus próprios logares nas cartas ordinárias as ditas terras &»
273
o orizonte 34 grãos - A ; a declinação deste dia era 21
grãos, 33 menu tos; logo dontem pêra oje multipli-
camos na altura quasi meo grão, e tornamos atrás
12 legoas 1 , avendo Rezão pêra diminuir na altura e
hir por diante, pois lenamos a noite passada o vento
á popa galerno e a proa a lesnordeste, e todo este
meo dia gouernou a nao, e leuou a mesma proa: o
Doctor na mayor altura tomou o sol ao orizonte 34
grãos \: andando a nao assi em calma, botárão-se
alguas pessoas a nadar 8 , e fazendoas hir pêra a banda
do nordeste, sentião grande trabalho, e não podião
romper por diante; mas tornando pêra o sudueste,
vinhão muito Rijas e sem nenhua canseira, o que
mostraua a corrente das agoas leuarem a Rotta do
sudueste.
De noite toda foi o vento leuante como lesnordeste;
governamos ao susueste ; mas querendo amanhecer,
saltou o vento ao norte, e logo goucrnamos a leste.
CAMINHO.
Domingo 7 de Julho todo o dia foi o vento norte
escasso ; a mayor parte do dia gouernamos a leste,
e a menor a leste e quarta do sueste.
1 Tornarão a multiplicar na altura e pêra traz, com vento
e proa para diminuir e hirem por diante. Nota do auctor.
2 Outra experiência do correr das aguas. Nota do auctor.
b. 18
274
De noite todo o quarto da prima foi o vento norte
c no mordeste tão Rijo, que tiramos fora as monetas;
gouernamos a leste e quarta do sueste ; mas entrando
a modorra, saltou o vento a loessudueste, e gouer-
namos a lesnordeste até amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira 8 de Julho todo o dia foy. o vento
ocssudueste fresco; gouernamos a lesnordeste, e
mandaua o Piloto que ginassem pêra a banda de
leste: não se tomou altura, por não aparecer o sol:
este dia torney a notar, como avendo dous dias que
ventão leuantes muito Rijos 1 , andaua o mar muito
manso, mas como quer que começarão a soprar os
ponentes, embraueceo logo o mar, e se aleuantou
muito alto, como que achaua resistência.
De noite todo o quarto da prima foy o vento oes-
sudueste galerno, mas a modorra e alua abonançou
muito, quanto a vella não tocava o masto ; toda a
noite gouernamos a lesnordeste, e ginauão pêra a
banda de leste.
Do alevantar do mar e dos ponentes. Nota do auctor.
m
CAMINHO.
Terça feira 9 de Julho até oras de bespora foy o
vento calmão e como oessudueste, mas dahy até
noite refrescou; todo o dia gouernamos a lesnor-
deste: não se tomou o sol, por não aparecer.
De noite toda foi o vento oessudueste muito Rijo,
no quarto da modorra e alua Refrescou ainda mães,
e deramnos dous chuueiros pequenos; toda a noite
gouernamos a lesnordeste 1 , e o mar andou sempre
muito manso, nem fez nenhua mudança das acos-
tumadas.
CAMINHO,
Quarta feira i de Julho até meo dia foy o vento
oessudueste e suduesle; gouernamos a lesnordeste,
e ginauão pêra o nordeste; o vento ventaua fresco,
mas de meo dia avante começou o vento abonançar
cada vez mães, e sol posto foy calma de todo, e go-
uernamos este meo dia ao nordeste: este dia fiz as
operações seguintes.
1 Vesitando pononte se não levantou aqui mar. Nota do au-
ctor.
18.
276
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 15 grãos 7
ho eslilo lançou a sombra 33 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol cm altura de 25 grãos - 9
ho estilo lançou a sombra 41 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 29 grãos •;
ho estilo lançou a sombra 34 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 29 grãos {
ho estilo lançou a sombra 31 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
1
277
Foi logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 3 grãos, cuja
ametade he a quantidade que a agulha neste lugar
norestea 1 .
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 25 grãos |
ho estilo lançou a sombra 40 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foi logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 1 grão {, cuja
ametade são ^, que he a quantidade que agulha
neste lugar norestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 15 grãos \
ho estilo lançou a sombra 30 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foi logo nesta operação o arquo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 4 grãos, cuja
ametade são 2 grãos, que he a quantidade que agu-
lha neste lugar norestea.
i
O primeiro logar onde agulha noroestea. Nota do auctor.
278
Este dia oras de meo dia tomey o sol, e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 37 grãos; a
declinação deste dia era 20 grãos, 52 minutos, do
que se segue estarmos em 32 grãos \ ; este mesmo
sol tomou o Piloto e o doctor ; mas o mestre e hum
marinheiro tomarão na mayor altura do sol ao ori-
zonte 36 grãos \, o calafate 37 {. Quando oje fiz
estas operações, eu me fazia apartado do merediano
que passa pello cabo das agulhas 12 grãos pêra a
banda de leste, e por esta conta me apartaria do
merediano que passa pella ponta primeira, onde
achey que as agulhas não variauão, 4 grãos pêra a
banda de leste : e passandome pella menhãa á poma
com a primeira e segunda altura, em que ouue de
variação de sombra 12 grãos, achey 32 grãos quasi
da leuação do polo, que foy menos da altura do meo
dia 10 ou 12 minutos; e tornando a obrar com a
segunda e terceira altura de polia menhã, em que
ouue 7 grãos \ de variação de sombra, achei de le-
uação do polo 32 grãos \.
De noite todo o quarto da prima até quatro Re-
lógios da modorra foy o vento calma, e dahi come-
çou ventar do noroeste até dous Relógios do quarto
dalua; gouernamos a este tempo a lesnordeste: mas
logo o vento começou a refrescar e fezse noroeste ;
até amanhecer gouernamos ao nordeste.
279
CAMINHO.
Quinta feira i i de Julho, amanhecendo, nos deu
hua grande chuua com muitos trouões, ficou o vento
todo calma hum bom pedaço, e logo começou a ven-
tar do sudueste com muitos chuueiros; todo o dia
gouernamos ao nordeste com o mesmo vento: este dia
querendose pôr o sol, situey meu estormento, e o
estilo lançou a sombra 75 grãos, contando do norte
pêra a banda de leste.
De noite todo o quarto da prima o modorra foi
o vento sudueste galerno ; gouernamos ao nordeste :
mas no quarto dalua acalmou o vento, quanto a nao
gouernaua; fizemos o mesmo caminho.
CAMINHO.
Sesta feira 1 2 de Julho até o mco dia foi o vento
muito bonança noroeste ; gouernamos ao nordeste e
ás vezes á quarta de leste; dahi até noite se fez o
vento nornoroeste e norte muito calmão, quanto á
nao gouernaua ; lenamos a proa a lesnordeste, ora
a leste quarta de nordeste: este dia fiz as operações
seguintes.
280
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 33 grãos \
ho estilo lançou a sombra 33 grãos \
contando do sul pêra a Banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 35 grãos
lio estilo lançou a sombra 29 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 35 grãos
ho estilo lançou a sombra 18 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arquo dante o meo
dia mayor que o de depois de meo dia 10 grãos \ 9
cuja ametade são 5 grãos \ 9 que he a quantidade
que neste lugar a agulha norestea.
281 f
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de , . . . 35 grãos -j
ho estilo lançou a sombra 24 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja
ametade são 4 e ~, que he a quantidade que agulha
neste lugar norestea.
Este dia ao meo dia tomey o sol 1 , e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 39 grãos ; a de-
clinação deste dia era 20 grãos \, do que fica no-
tório estarmos em altura de 30 grãos \; e faziame
norte sul com a agoada da bõa paz 9 .
De noite 3 foi o vento norte muito Rijo; gouerna-
mos em leste quarta do sueste até amanhecer.
1 Logar da operação. Nota do auetor.
* Ao norte de Limpopo.
3 Tomando a 2/ vez á índia, que foi no anno de 1545, esta
mesma noite nos apareceu a aparência ou signal a que os na-
vegantes chamam Corpo Santo, per duas vezes e duraria es-
paço de mea ora. Primeiramente o vimos na ponta do masta-
reo da gavia, e depois no lays da verga, e depois na ponta do
mastro da mesma e depois na enxarcea. Esta aparência a que
chamio Corpo Santo era hOa claridade tamanha como a que
costuma fazer uma candea ou vella, mas a s\ia luz não era
vermelha como fogo, mas prateada a semelhança da que se vé
na lua; e quando dava algum relâmpago não aparecia este si-
282
* CAMINHO.
Sabbado 13 de Julho até oras de bespora foy o
vento como nornordeste ; gouernamos a leste quarta
do sueste, mas a estas oras acalmou o vento supi-
tamente, e trouejou hum pouco; querendose pôr o
sol, começou a ventar como noroeste fresco, e go-
uernamos ao nordeste.
nal, Poro como passava o resplandor do relâmpago, tornava
aparecer, quando nos apareceo este sinal chuviscava, e o céo
estava escuro c cerrado, e foi cousa muito patente e sem ne-
nhQ engano da vista, e parecia mistério e segredo da natu-
reza. A este tempo estávamos norte sul com o Rio do Infante,
e em altura de 34°. D'este signal falia Plínio no livro u, cap.
37 e Arist. nos Metauros. (a)
(a) É muito para notar esta excellente descripção do fogo
Sant'Elmo, e das suas relações com a electricidade das nu-
vens. A comparação da observação de D. João de Castro com
a de Mr. de Forbin, em 1696, tantas vezes citada, mostra a
grande superioridade do navegador portuguez. Mr. de For-
bin escreveu: cO ceo cobri u-se subitamente de nuvens. Re-
ceando nma rajada do norte resolvi recolher todas as velas.
Havia mais de trinta fogos de Sant'Elmo sobre o navio: um
d 'estes occupava o catavento do mastro grande e tinha proxi-
mamente cinco d eci melros de comprimento. Mandei um ma-
rinheiro buscal-o. Quando chegou a cima ouviu um ruído se-
melhante ao qne faz, andendo, a pólvora molhada. Mandei*
lhe tirar o catavento; apenas cumpriu a ordem, o fogo saltou
para a ponta do mastro, d'onde foi impossível tiral-o. Ficou
ali muito tempo e desappareceu pouco a pouco. O temporal
acabou por uma chuva que durou muitas horas.»
2Ôâ
De noite, em anoitecendo, começou a escasear o
vento, e fezse como norte até cinquo Relógios do
quarto da prima ; gouernamos ora em Leste, ora, á
quarta de noroeste, ora á mea partida de lesnor-
deste; e o Reste da prima tornou o vento ao no-
roeste, e gouernamos ao nordeste: entrando a mo-
dorra andou o vento em muitos saltos, e ventou do
noroeste e da banda daloeste e do sudueste e do
sul e do sueste, de maneira que faltou pouco pêra
correr toda a circunferência da agulha, e assentou
no sueste bonança; mas o quarto dalua Refrescou,
e todo este tempo gouernamos ao nordeste: quasy
toda a noite afuzilou por todas as partes do orizonte.
CAMINHO.
Domingo 14 de Julho todo o dia foy o vento
sueste e lessueste, e assi como largaua ou escasea-
ua, assy fazíamos o caminho, o qual, discompens-
sando hum por outro, ficaria á mea. partida do nor-
nordeste: este dia ás 10 oras de pélla menhãa vi-
mos da banda do noroeste huas nmiens bastas c
dobradas, e do meo delas decia ao mar hua amos-
tra como tromba dalifante, a que os marinheiros
chamão manga, e por derredor desta tromba ou
manga não auia cousa algua que nos impidisse a
vista, assi como nuueiro ou sarração.
284
A parte desta tromba que apegaua nas nuueens,
afastaua por hua parte, e outra fazia hua testa, e
dahi pêra baixo até o mar era muito Roliça e Re-
donda ; a ponta que pegaua no mar erguia hum
grande feruor por derredor, e segundo notauamos
os que isto viamos, parecia chupar agoa, e leuala
por dentro da tromba acima; duraria isto espaço de
hum quarto de hora, e estaríamos aredados delia
pouco mães de mea legoa; e como se desfez, deu-
nos hua chuua grossa com trouões : o principio como
se ordenou esta manga, foy parecer no mar hua
grande fumaça e feruencia dagoa do tamanho de
hua nao, e em espaço de dous credos foy crecendo
pêra o ceo, até peguar nas nuueens, deixando figu-
rada esta tromba por onde sobia agoa a ellas '.
4 Esta excellente descripção do notável phenomeno Dão pôde
deixar de causar admiração, pela perfeição e minuciosa obser-
vação com que foi feita. Para melhor se apreciar basta citar a
descripção das trombas marítimas que se encontra na Pkysi-
cal. Geography de W. Desborough Gooley. «Os mais impor-
tantes phenomenos vorticosos da atmosphera, diz elle, são os
turbilhões produ rides pela conflagração, vórtices de poeira ou
areia, trombas, torbadws, e cyclones. Quando um canavial ex-
tenso e secco ou um niatto estão ardendo, vô-se sobre cada
enérgica labareda, uma columna de fumo, ascendendo em es-
piral e abrindo-se superiormente em forma de funil ... Às
trombas teem lugar entre os phenomenos mais singulares da
natureza. São columnas de agua ou vapor opaco levantando-se
do mar e juntando-se superiormente a uma nuvem em forma
de cone invertido. À agua na base está em violenta agitação,
3
288
De noite começarão a dar muitos Relâmpagos por
todas as partes do ceo com grande numerp de tro-
uões ; os fuzis erão tantos que nenhum momento de
tempo estaua sem elles ; o vento era sueste escaso
e fresco ; gouernamos ao nordeste quarta do norte :
o Piloto e marinheiros avião por cousa muito aue-
riguada que todos estes synaes demostrauão cal-
maria, mas o mestre Receoso ou giado per Deus,
amainou as vellas, sendo passados quatros Reló-
gios da prima, do que clamauam muito os mari-
nheiros; e acabado as vergas de serem em baixo,
deu em nós tamanho, vento, qual até quy não temos
visto nesta viagem: durou este vento grande e espan-
toso até o fim do quarto da modorra, e entrando o
quarto dalua abonançou, e tornamos dar as vellas
sem monetas, gouernando ao nornordeste; o vento
seria como lessueste; toda esta noite choueo muito,
e o mar andou muito manso.
como se estivesse fervendo: e a columna, ao passo que cami-
nha, revolve-se com violência perigosa, mesmo para grandes
navios. . . A columna de agua pode explicar-se suppondo um
turbilhão na athmosphera, o qual, como o ar, é impellido
para fora pela força centrífuga, cria o vácuo no eixo do mo-
vimento, no qual a agua sobe a certa altura. À cima d 'esta al-
tura, a continuação opaca e visivel deve ser formada de vapor,
subindo da parte inferior, ou baixando da nuvem superior.»
«88
CAMINHO.
Segunda feira 15 de Julho até o meo dia foy o
vento lessueste; gouernamos ao norte quarta do nor-
deste : roas passado meo dia fezse o vento como nor-
deste bonança; goueruamos ao noroeste até anoite-
cer: este dia chuuiscou a roayor parte delle, e o
tempo andou muito garrado.
De noite logo no quarto da prima acalmou o vento,
e tomando as vellas, nos deixamos andar de mar
em traués até amanhecer ; o vento no quarto da mo-
dorra começou a ventar Rijo da banda de lesnor-
deste ; e toda a noite afusilou.
CAMINHO.
Terça feira 16 de Julho menhãa clara demos as
vellas, o vento era nordeste bonança; gouernamos
ao noroeste quarta do norte até anoitecer : ao meo
dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuantana
sobre o orizonte 42 grãos {; a declinação deste dia
era 19 grãos, 25 minutos, do que fica manifesto es-
tarmos em 27 grãos, 30 minutos: todo o dia vimos
muitos grayaos, e tinhão as costas pardais.
De noite todo o quarto da prima foy o vento oeste,
287
gouernamos ao norte e ao norte quarta do noroeste.
Rendido o quarto viramos no bordo do mar, o vento
seria jà lesnordeste; gouernamos ao susueste até
amanhecer : esta noite afuzilou, e no quarto da pri-
ma ouuimos muitos grayaos.
CAMINHO.
Quarta feira i 7 de Julho, como foy menhãa, tor-
namos a virar no bordo da terra, e metemos as mo-
netas; o vento era como lesnordeste; gouernamos
ao noroeste: de meo dia por diante fezse o vento
nordeste, e gouernamos ao noroeste e ás vezes ã
quarta do norte até anoitecer: este dia fiz as ope-
rações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estilo lançou a sombra 45 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 37 grãos \
ho estilo lançou a sombra 35 grãos -j
contando do sul pêra a banda daloeste.
288
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 37 grãos -£
ho estilo lançou a sombra 26 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia
mayor que o de depois do meo dia 9 grãos \, cuja
metade he 4 ■*, que he a quantidade que agulha
neste lugar norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 32 grãos
ho estilo lançou a sombra 35 grãos
contando do sul pêra a banda de leste: '
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 10 grãos \, cuja
metade he 5 \ 9 que he a quantidade que agulha
neste lugar norestea.
Este dia a meo dia tomey o sol,\ na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 43 grãos \; a
declinação deste dia era 19 grãos, 27 minutos; o
doctor na mayor altura tomou do sol ao orizonte 43
grãos ,£: quando fiz estas operações, eu me fazia
avante do merediano que passa pella agoada da bõa
289
paz, 1 grão -j pêra a banda de leste, e á Ré do me-
rediano que passa pello cabo das correntes 1 grão |,
que he o mesmo: este dia vimos muitos grayaos e
alguns feijões.
De noite, anoitecendo, tomamos as vellas, e pu-
semos a nao de cabeça ao mar com a mezena dada
e baixa, e assi passamos toda a noite até amanhe-
cer; o vento era como nordeste; e orualhou muito
toda a noite.
CAMINHO.
. Quinta feira 18 de Julho todo o dia estiuemos
amainados e a nao de cabeça ao mar; o vento era
como nordeste ; de meo dia em diante acalmou : este
dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 53 grãos ■;
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 34 grãos -J
ho estilo lançou a sombra 43 grãos {
contando do sul pêra a banda daloeste.
b. 19
290
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 34 grãos -j
ho estilo lançou a sombra 34 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos {> cuja
metade he 4 grãos - A , que he a quantidade que neste
lugar a agulha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 44 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arqo dante meò dia
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja
metade he 4 \, que he a quantidade que neste lu-
gar a agulha norestea.
De noite toda estiuemos amaynados ; o vento era
como nordeste, vento Rijo ; e orualhou muito.
CAMINHO.
Sesta feira 19 de Julho menhãa clara nos fize-
mos a vella; o vento era norte escaso; até o meo
dia gouernamos em leste: mas dahi por diante foy
291
largando o vento, e fezse como noroeste calmão;
gouernamos ao nordeste quarta de leste até anoite-
cer: este dia ao meo dia tomey o sol, e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 44 grãos ; a
declinação deste dia era 19 grãos, do que se segue
estarmos em 27 grãos ; o Doctor tomou o mesmo sol ;
e tomando pella menhãa o sol em 36 grãos, erão por
três Relógios quasi 10 oras, e tornandoo a tomar em
42 grãos, erão pellos mesmos Relógios quasi 1 1 oras;
mas passado meo dia, tornando o sol a 42 grãos, era
mea ora depois de meo dia, e vindo a 36 grãos,
era 1 ora \: este dia se pôs o sol muito vermelho,
e per derredor fazia hum circolo amarelo ; a parte
do orizonte onde se escondeo, estaua sem nenhua
nuuem, porém muito afumada.
De noite toda foy o vento calma, que a nao não
gouernaua, e orualhou muito.
CAMINHO.
Sabbado 20 de Julho até o meo dia foy o vento
calma, e dahi por diante começou a ventar como
sueste bonança, e sobre a tardf refrescou algua
cousa; gouernamos ao nordeste quarta do norte, e
vimos grayaos : ao meo dia tomey o sol, e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 44 grãos \;
a declinação deste dia era 18 grãos, 45 minutos,
19*
292
do que se segue estarmos em 26 grãos, 45 mi-
nutos.
De noite no quarto da prima alargou mães o
vento, e fezse como susueste obra de quatro Reló-
gios ; gouernamos ao nornordeste, e o Resto que fi-
cou ao nordeste: todo o quarto da modorra foy o
vento sul e o dalua susudueste; gouernamos estes
dous quartos ao nordeste; o vento foy galerno, e
toda a noite fusilou de leste até o sueste.
CAMINHO.
*
Domingo 21 de Julho até o meo dia foy o vento
sul galerno ; gouernamos aò nordeste : mas do meo
dia em diante começou a ventar Rijo como susu-
dueste, e deramnos dous chuueiros pequenos; go-
uernamos ao nordeste até anoitecer: este dia vi-
mos grajaos ; e tanto que começou a ventar, logo se
leuantou o mar.
De noite o quarto da prima e modorra foy o
vento sul, mas no quarto dalua ventou susueste, e
toda a noite ventou Rijo, e gouernamos ao nordeste
até amanhecer.
CAMINHO.
Segunda feira 22 de Julho até o meo dia foy o
vento susueste e sueste ; gouernamos ao nordeste :
mas de meo dia avante fezse o vento sul galerno ;
293
gouernamos ao nornordeste até anoitecer: este dia
tomey o sol, e na mayor altura se aleuantaua so-
bre o orizonte 47 grãos \\ a declinação deste dia
era 18 grãos, 15 minutos: o calafate e hum mari-
nheiro na mayor altura tomarão do sol ao orizonte
47 grãos \. Porém esta aitura não foy tomada ao
tempo que conuinha, por caso que o Piloto acabou
de tomar o sol ás 1 1 oras, e mandou hir logo a nao
de ló, pella qual Rezão a vella encobrio o sol, e
não pudemos esperar pello verdadeiro lugar do meo
dia: este dia vimos grandes bandas de grajaos, assi
como de estorninhos; estes grajaos erão pretos e ti-
nhão as barrigas branquas.
De noite todo o quarto da prima e modorra an-
dou o vento do sueste pêra o sul, mas o quarto dalua
foy todo sueste, e ventou sempre galerno; toda a
noite gouernamos ao nornordeste.
CAMINHO.
Terça feira 23 de Julho até o meo dia foy o vento
sul galerno, mas dahy até noite se fez como sueste;
todo o dia gouernamos ao nordeste: e o doctor fez
as operações seguintes, por me eu achar mal dis-
posto.
294
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 12 grãos j
ho estilo lançou a sombra 71 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 63 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste; e a este
tempo era 8 oras \.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 23 grãos
ho estilo lançou a sombra 54 grãos
contando do sul pêra a banda de leste : a este tempo
erão quasi 3 oras.
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja
metade 4 {, que he a quantidade que a agulha neste
lugar norestea.
205
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 12 grãos ^
ho estilo lançou a sombra 60 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 1 1 grãos, cuja
metade he 5 grãos \, que he a quantidade que agu-
lha neste lugar norestea.
Este dia a oras de meo dia tomou o doctor o sol,
e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte
50 grãos folgados; a declinação deste dia era 18
grãos, do que fica manifesto estarmos em 22 grãos
escasos: alguas pessoas tomarão o mesmo sol, e vi-
mos grandes bandas de grajaos e três ou quatro ra-
biforcados.
De noite toda foy o vento sul e susueste galerno;
até quatro Relógios da modorra gouernamos ao nor-
deste, e ginauão pêra a banda do norte; mas dahy
até amanhecer gouernamos ao nornordeste, e gi-
nauão pêra a banda de leste.
CAMINHO.
Quarta feira 24 de Julho todo o dia foy o vento
sul galerno; pella menhãa aparecerão três ou qua-
tro alcatrazes e muitos grayaos : a meo dia tomou
296
o doctor o sol, e na mayor altura se aleuantaua so-
bre o orizonte 54 grãos ; a declinação deste dia era
17 grãos, 46 minutos, do que se segue estarmos em
í 8 grãos {; o Calafate tomou o mesmo sol, o mestre
ficou este dia em altura de 18 grãos -|,eo piloto em
menos algua cousa : daquy fica notório que a altura
que se tomou de segunda feira até oje, que he quarta
feira, foi errada 1 , porque não está em Rezão que em
duas singraduras com vento galerno andasse a nao 6
grãos, os quaes a mayor parte forão pello Rumo do
nordeste, e a menor pello nornordeste,que pouco mães
ou menos vem a ser 140 legoas. Isto aconteceo por
o Piloto querer entender o segredo da variação das
agulhas, e leuantarse de tomar o sol muito primeiro
de estar no verdadeiro lugar do meo dia ; assi que no
lugar de mayor perigo de toda a viagem, que he este
que se conthém do cabo das correntes até moçam-
bique, leuamos tamanho engano na altura, que fa-
zendosse o Piloto ontem em altura de 22 grãos, e
assy os que tomarão o sol, oje se acharão em 18
grãos {, gouernando toda esta singradura ao nor-
deste com vento bonança ; e perguntado per mym a
muitos homeens dos mães práticos o que lhes pare-
cia que podia andar a nao, Responderamme que 20
até 25 legoas.
De noite toda foy o vento sul ; o quarto da prima
1 Erro notável maiormente em tal logar. Nota do auctor.
§5
I
flfí
297
gouernamos ao nordeste; e passados três Relógios
da modorra, leuando a mesma proa, vimos hum
fogo, e logo gouernamos a leste até amanhecer.
CAMINHO.
Quinta feira 25 de Julho, amanhecendo 1 , vimos as
Ilhas primeiras, ás quaes hiamos varar de noite, se
nosso senhor não ordenara que se fizesse aquelle
foguo ; e loguo sahio hum nauio dantre as Ilhas e veo
a nós, e a oras de vespora aparecerão três nãos a
balrrauento, e arribarão a mim, e avendo falia del-
ias, soube que vinha ahy o viso Rey ; e assi chegou,
a mym o nauio que estaua antre as Ilhas, e disser
que avia hum mês que estaua fazendo fogos pêra
aviso das nãos: este dia até meo dia foy o vento sul
e dahy até noite sudueste; tanto que começamos a
fazer caminho, gouernamos a lesnordeste ; sol posto
de todo, éramos tanto avante como as Ilhas dangoxa
e seis ou sete legoas ao mar delias : este dia vimos
grandes bandas de grajaos pretos, branqos, pardos 2 :
a mostra das Ilhas primeiras he como aquy está
pintado 3 .
1 Conjuncçao oras: depois de mea noite, minutos 7. Nota
do anctor.
1 Três géneros de garajaos. Nota do auctor.
3 Quando tornei a segunda vez i índia, não vi estes gara-
jaos, nas ilhas d'Angoxa, nem menos nas ilhas Primeiras nem
298
Estas Dhas primeiras são muito Rasas e cober-
tas de aruoredo ; a terra delias he estéril e sem ne~
nhua agoa; ao mar delias jaz hua Restingua muito
comprida e perigosa. O que sinto da nauegaçao que
trouxemos do cabo das correntes atee estas Ilhas,
he que foy muito errada, e pódesse dizer que o Pi-
loto por fugir de Scila foy dar em Caribdes, Porque
com Receo e medo dos baixos da índia deu consiga
nestas Ilhas, que sem comparação he o perigo mayor 1 ,
por todo este parcel vi bandos deli es nem d'ontras aves, so-
mente alguas garcinas e estas mui raras, pelo que ninguém
deve dormir descançado confiado na vista das aves, nem dou-
tros sinaes, mas vendo-os e não os vendo cuidarem que pode
ser com a terra e fazerem suas vigias mui ordenadas, (a) Nota
do auctor.
(a) D. João de Castro faz n'esla nota inteira justiça i opi-
nião falsa, que levava os pilotos do seu tempo a dar grande
importância na determinação das longitudes, aos signaes tira-
dos do apparecimento de certas aves, e productos naturacs ar-
rastados pelas aguas junto das costas dos mares. Notando o
quanto são falazes taes meios, para determinar os logares da
navegação, mostra o attilado navegador a sua perspicácia.
1 Para melhor se entender o Roteiro, e conhecer a causa da
errada navegação dos pilotos, citaremos o que se lê no Roteiro
da Carreira da Índia, por Gaspar Reimão. Diz elle: «Cami-
nhando deste cabo das Agulhas pêra Moçambique, vos afasta-
reis da terra, governando a primeira singradura a lessueste e
a outra a leste e quarta de sueste; e por aqui navegareis ate
vos afastardes da costa 60 léguas, por respeito das aguas, que
ordinariamente correm ao sudoeste muito: e o contrario fa-
zem se vão ao mar cem léguas, que tornam a fazer reveça para
299
como quer que esta terra he tão baixa e chea de
leste ... Eu fui sempre cento e vinte legoas em leste por res-
peito de ir ver S. Lourenço (Madagáscar) como sempre vy o
que os antigos não faziam, senão irem demandar o Baixo da ín-
dia, o que hoje temos alcançado ser melhor navegação chegar
para S. Lourenço, e trabalhar por o' ver, porque também os
tempos são mudados e n'estes nossos se acham, como sois de
30 gráos pêra baixo, os vento suestes e les suestes que vos não
deixão logar pêra S. Lourenço e vos carregam pêra meio ca-
nal, e dão com as náos no parcel de Sofala e ilhas Primeiras
e d'Angoxa, e pêra isto he bom marear bem agulha, que por
ella se saberá em que páraje estão sem nenhuma duvida,
porque fala agulha por aqui muito uerdade se a marcarem
bem . . . Querendo ir por meio canal buscar o baixo da índia,
como faziam os antigos. (Este roteiro é do século xvii), quan-
do fôr des em sna altura que he de 22 gráos largos tendo muita
conta comvosco não navegueis de noite . . • ginar pêra o nor-
deste que vades afastado da Ilha de João da Nova 10 léguas, que
está em altura de 16 gráos : esta ilheta he baxa, e pêra de noite
he perigosa por ser cercada de baxos. Indo d'ella o que assima
digo vereis alcatrazes brancos em bandos de 7 e 8, e tanto que
os virdes intendei quesãod'el)a, o que ides d'ella 8. 10 léguas:
e se os não virdes intendei que sois lançado sobre as ilhas de
Angoxa . . . tanto que tirais a proa do nordeste loguo sois le-
vado ás ilhas Primeiras e d'Amgoxa, como temos por expe-
riência larga. . . as aguas, como já dissemos, correm ao su-
dueste e tomam a náo atravessada, por onde muito depressa
dão com as nãos nas ilhas Primeiras e d'Angoxa, que he roim
caminho, mormente se fôr em agosto que he cabo de monção. ..
Se fôr caso que vos acheis á vista das ilhas Primeiras ou por
dentro d'ellas tereis aviso que indo por fora d'ellas não se fiem
nas cartas, ou derrota d v ellas, porque ainda que ao nordeste
pareça que corro a cosia de longo indo para Moçambique, he
300
Restingas 1 , que se não pode ver saluo, saluo estando
com a barba sobre ella, e alem disto nace e viue o
leuante nestas Ilhas, de sorte que quem cahe nellas
de grande marauilha acha vento que ho leue a mo-
çambique, e aqui perdem as nãos a viagem, e lhes
morre toda a gente, e perdem as amarras, e emfim
não creo aver algum género de trabalho que neste
parcel não passem, pello que deuem trabalhar muito
os Pilotos não cahirem nelle ; e a maneira que devem
de ter em sua nauegação, a meo Juizo he esta: tanto
que nos acharmos na altura das correntes*, deuemos
gouernar dereitamente aos baixos da índia, e se
ouuermos vista delles, temos segura a jornada, e
falço, que pêra irem bem devesse de governar a les-nordeste,
e a leste, e 4 a de nordeste ate a derradeira ilha deÀngoxa que
está 30 léguas de Moçambique.» Estas indicações de Gaspar
Rei mão explicam a nayegação de D. João de Castro, que era
um dos antigos de que falia Reimõo.
1 Esta restinga he hOa coroa d'area, que está nordesta su-
dueste com a primeira ilha : ha na rota duas léguas e desta co-
roa d'area pêra a ilha corre hua restinga muito comprida, o
da ilha pêra a coroa outra, e anire estas restingas e a ilha se
faz hu canal que será de largo mea légua, por onde he o fundo
12 braças no mais baixo, e no mais alto não passa de 18. N'estas
restingas quebra muito o mar e per honde se mostra que não
quebra, he o canal muito limpo e o fundo área, e a logares vasa
e cascalho, e a altura d'agua no mais baxo he dez braços. Nota
do auctor.
9 Como devem os navegates navegar do cabo das Correntes
pêra Moçambique. Nota do auctor.
301
não hos vendo, fazendonos com elles, de noite po-
demos amainar e esperar a menhãa, e corrermos
todo o dia em busqua delles, até sermos fora de sua
altura, Por Razão que pondo a proa nestes baixos,
duas cousas nos vão desuiando delles : a hua he a
variação que aqui fazem as agulhas pêra a banda
do noroeste, e a outra as agoas que nesta paraje cor-
rem pêra o norte ; e com isto juntamente avemos de
saber que não podemos ser com elles, sem primeiro
vermos muitos sinaes, como bandas de grajaos e al-
guas aues da terra; e ha pouco perigo em os de-
mandar, como isto que chamão baixos da índia seja
hua Ilha darea com muito aruoredo, e desta banda
do norte muito limpa; verdade he que da banda do
sul e Ilha de são Lourenço deite hua Restinga, de
que facilmente me posso guardar passando por ella
de dia, e de noite amaynando, como acima dixe, no
que se perde pouco caminho, e por esta maneira es-
cuso de cahir no parcel, onde os perigos são tão eui-
dentes; mas os Pilotos, não querendo fazer esta
nauegação, carregão pêra o parcel, e as agoas e
agulhas encostamnos também pêra essa parte, até
que se achão metidos dentro, onde perdem suas na-
uegações e ás vezes com ellas as vidas ; verdade he
que muitas vezes cahem os Pilotos dentro deste par-
cel contra suas vontades, cuidando que vão bem na-
uegados, e a causa deste erro vem do engano que
trazem do cabo de bõa esperança, porque, como
302
quer que depois de o dobrarem até o cabo das cor-
rentes achão muitos Rebates de leuantes, com os
quaes payrão ou se deixão andar de mar em traués,
posto que depois tornem a ver a terra, e de nouo
concertem seus pontos, não abasta, Porque na mes-
ma ora que lhe torna a dar o leuante, as correntes
das agoas e grandes Rilheiros que dão nas nãos, os
lanção pêra trás, tornando a desandar o caminho,
sem terem nenhua certeza nem poderem entender
pêra que parte são lançados.
De noite toda a noite foy o vento susudueste ga-
lerno ; o quarto da prima gouernamos a lesnordeste,
mas a modorra e alua ao nordeste e ao nordeste
quarta de leste : no quarto da modorra encontrámos
hua nao da nossa companhia, que estaua trincando.
CAMINHO.
Sesta feira 26 de Julho todo o dia foy o vento
sudueste galerno ; gouernamos ao nordeste e ás ve-
zes á quarta do norte, hindo sempre 6 e 7 legoas
da costa: sol posto éramos tanto auante como a
ponta de mocango.
303
Descripção da ponta de mocango.
A ponta de mocango, fazendo bõa consideração
e oulhando a leuação do Polo, por sem duuida po-
demos ter ser o promontório Plaso 1 , que foy a der-
radeira terra que conheceu Ptolomeo pêra a banda
do sul ; esta ponta he muita baixa, e de fora parece
alagadiça e cuberta de muitas aruores, e vay muito
1 O promontório Prasum é considerado, por Ptolomeu e seus
successores, como o extremo sul do mundo conhecido, mas a
sua posição está indicada coih muita obscuridade. Marino,
evidentemente enganado na determinação das distancias pelos
itenerarios, chegou á conclusão de que a Agisymba (território
mal determinado da Etiópia) ficava a 24.680 stadios ao sul do
equador, distancia que depois reduz a 12.000 stadios; isto é,
a Agisymba, por este computo, ficaria proximamente no tró-
pico do sul ; por um erro extraordinário de calculo, o pro-
montório de Prasum, na costa oriental da Africa, também foi
situado a 27.800 stadios ao sul do equador, o que o lançaria
a mais de 55 graus de latitude sul. Esta falsa determinação
foi derivada da historia de algumas viagens no oceano Indico.
O promontório Prasum, ficando a muitos dias de viagem para
o sul de Rhapta; d'ahi resultou o engano do antigo geogra-
pho. Rhapta deve situar-se na costa opposta a Zanzibar, pro-
ximamente a 6 graus ao sul do equador; e Prasum a 8° ao sul
de Rhapta, o que levou D'Anville e outros geographos moder-
nos a identificar este promontório com o cabo Delgado e não
com a ponta indicada por D. João de Castro. O promontório
Prasum vem, na geographia de Ptolomeu, na latitude austral
de 15 graus e meio, e d'aqui nasce o engano do Roteiro,
304
comprida, fazendo hua praya muito formosa: delia
até moçambique será caminho de 5 legoas ; a costa
do mar que se conthém das Ilhas dangoxa até esta
ponta de mocango, he toda muito baixa e chea de
aruoredo, e por toda corre hua praya darêa muito
grande, mas no fim delia, a saber no ponto .C. se
abaixa mães a terra e se vay fazendo a ponta até
o ponto .D. e somente de .B. pêra .G. se mostra a
costa sem amores: quando quer que nauegarmos
por ella, a saber, das Ilhas dangoxa até esta ponta,
não abaixaremos de 20 braças, porque ao longo da
costa corre hua restinga muito comprida ; nem tão
pouco hiremos mães largos de 5 ou 6 legoas, por-
que corre a agoa muito pêra dentro do p areei, e ao
longo da costa nos ajuda muito a Reuessa : a mos-
tra desta costa, prayas e ponta, he como aquy está
pintado.
De noite foi o vento susudueste bonança, e fize-
mosnos na volta do mar até meo quarto da modor-
ra, e dahi tornamos a virar pêra a terra.
CAMINHO.
Sabbado 27 de Julho, menhãa clara, éramos pe-
gados com a terra, podíamos ser delia obra de 3
legoas: o vento era susudueste bonança; gouerna-
mos ao longo da Ribeira: a oras de bespora ventou
305
a viração bonança; sol posto éramos tanto avante
como a ponta de mocango.
De noite toda trincamos na volta do mar.
CAMINHO.
Domingo 28 de Julho, menhãa clara, éramos no
próprio lugar onde nos achamos o dia passado ; até
o meo dia corremos ao longo da Ribeira, o vento
era susudueste; mas de meo dia avante nos afas-
tamos mães, e logo sentíamos que nao surdíamos
nada avante, e vimos duas nãos que hiao mães a
terra sahirense muito: contra a tarde nos chegamos
mães á costa, e logo começamos a hir por diante, e
quanto mães nos chegauamos a cila, tanto mães Rijo
caminhauamos, o que conhecidamente sentimos cau-
sar isto correrem as agoas pello largo ao sudueste:
a oras de aue marias me vco hum Piloto da terra,
e me leuou a surgir de fora do porto de Moçambi-
que e ao socayro da Ilha de são Jorge.
CAMINHO.
Segunda feira 29 de Julho a oras de vespora nos
fizemos á vella; o vento era nordeste bonança, e fo-
mos surgir dentro do porto.
r. 20
306
Descripção do Porto de Moçambique.
Moçambique he hum dos milhores portos que te-
nho visto, pódcnse dentro agasalhar 30 naaos; al-
tura da agoa dentro no porto he 6 braças e a luga-
res 7, o fundo he área; de nenhum vento pode den-
tro entrar mar, pella qual Rezão não fumdeão as
nãos nenhua cousa; aquy não ha nenhua corrente,
somente o encher e vazar das marés: este porto se
podia fazer fortíssimo, se intupissem hum canal que
vay antre a Ilha e a terra firme, de largura de hum
tiro de besta, porque a entrada principal be hum
canal muito estreito, e tão sojeito a hua ponta de
Rochedo que lança a Ilha, que nenhua cousa poderá
entrar por elle dentro, que desta ponta se não meta
no fundo : esta Ilha he muito Raza e sem nenhua
agoa; a terra delia he aréa, onde se crião palmei-
ras e poucas arvores doutro género; terá de com-
prido pouco mães de hum quarto de legoa e de largo
hum tiro de espingarda, e em outros lugares menos:
de fora deste porto jazem outras duas Ilhas assi
mesmo baixas e esterles ; hua delias se chama san^
ctiago, e a outra São Jorge; a distancia que a verá
de hua a outra, pôde ser até hum quarto de legoa,
e por este meo se faz hum canal, por onde podem
entrar nãos pequenas, mas deuianno sempre de es-
cusar, por caso que vay torcido de hua parte e ou-
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307
tra com muitos baixos : quem não quer entrar den-
tro do porto de Moçambique, surge ao socairo da
Ilha de São Jorge, onde faz bõa abrigada e he o
porto limpo.
Rotas.
Córrese a Ilha de São Jorge com a Ilha de San-
tiago noroeste sueste; auerá na Rotta hua legoa.
Corresse o meo da Ilha de São Jorge com a mesa
da terra firme norte sul quarta de noroeste sueste,
e com o pam noroeste sueste.
Corresse a Hha de são Jorge com a Ilha das amo-
res nornordeste susudueste ; averá na Rotta legoa e
mea.
Altura de Moçambique.
Sesta feira 2 dagosto tomey o sol em Moçambi-
que, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori-
zonte 60 grãos; a declinação deste dia era 15 grãos,
16 minutos, do que se segue estar em 14 grãos, 45
minutos : o Piloto tomou a mesma altura.
Outra altura de Moçambique.
Segunda feira 5 dagosto torney a tomar o sol em
Moçambique, e na mayor altura se aleuantaua so-
bre o orizonte 60 grãos \\ a declinação deste dia
20.
308
era 14 grãos, 21 minutos, do que fiqua manifesto
estar em 1 4 grãos \ : este dia quis obrar com o es-
tormento das sombras pêra verificar a variação das
agulhas, e sendo menos de 1 1 oras, a sombra do
estilo hia muito alem da linha do meo dia, pello que,
mandando vir alguas agulhas pêra as cotejar com o
estormento, acheyas tão desconcertadas, que foy cou-
sa espantosa 1 , porque onde hua fazia o leste, a outra
mostraua o nortêTIsto me teue muito suspensso, até
que entendi a causa, e foy hum berço que estaua no
mesmo lugar, onde eu queria fazer as operações, o
ferro do qual berço chamaua a ssy as agulhas, e as
fazia desvariar desta maneira; do que tirey que hua
operação que fiz a trinta dias de Junho no mere-
diano que está pera leste do cabo das agulhas 5
grãos \, a qual achey que me vinha muito descon-
certada, e assy alguas outras que fiz na parajem do
Brasil, onde achey nolaues differenças, que foy por
as fazer perto donde estaua algua peça de artclha-
ria, anchoras, ou qualquer outro ferro, como me
passaua a todas as partes da nao, buscando lugar
conueniente a esta obra.
A seis dagosto quis saber o que variauão as agu-
lhas neste porto de Moçambique, e fiz as operações
seguintes :
1 Qual foi a causa de alguas operações virem diferentes. Nota
do auetor.
309
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 16 grãos
ho estilo lançou a sombra 76 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 42 grãos -5
ho estilo lançou a sombra 61 grãos \
contando do sul pêra a banda daloeste.
Terceira operação ante o meo dia.
Estando o sol cm altura de 53 grãos
ho estilo lançou a sombra 48 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Quarta operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos -|
ho estilo lançou a sombra 39 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
310
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos ^
ho estilo lançou a sombra 25 grãos ^
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arquo dante o meo
dia mayor que o de depois de meo dia 1 3 grãos \ ,
os quaes partidos pello meo, vem á parte 6 grãos ^,
que he a quantidade que neste lugar agulha nores-
tea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 53 grãos
ho estilo lançou a sombra 34 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 1 4 grãos, cuja
metade são 7, que he a quantidade que a agulha
neste lugar norestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 42 grãos \
ho estilo lançou a sombra 48 grãos
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
3H
mayor que o de depois de meo dia 13 grãos {> os
quaes partidos, vem á parte 6 grãos \, que he a quan-
tidade que neste lugar agulha norestea.
Quarta operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 16 grãos
ho estilo lançou a sombra 63 grãos ±
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arqo dante o meo
dia mayor que o de depois de meo dia 1 3 grãos, os
quaes partidos pello meo, vem á parte 6 grãos -;,
que he a quantidade que neste lugar a agulha nor-
estea.
Sesta feira 9 dagosto torney a verificar a varia-
ção das agulhas, e em todas as operações me sahio
6 grãos 4 e 6 grãos ^ a quantidade que agulha
noresteaua ; e todo o tempo que neste porto estiue-
mos, ventárão os ventos leuantes, tirando dous dias
que ouue hum pouco de ponente.
A dez dias dagosto oposição, oras hua depois de
meo dia.
CAMINHO.
Domingo 1 1 dagosto, amanhecendo, nos fizemos
á vella do porto de Moçambique ; o vento era como
sul bonança, e fomos surgir na Ilha de são Jorge,
312
e lQgo ao meo dia nos tornamos fazer á vella; o
venlo era sul galerno; até á tarde gouernamos a
leste e ás vezes á quarta do sueste, e dahi até anoi-
tecer goucrnamos a lesnordeste.
CAMINHO.
Segunda feira 12 dagosto todo o dia foy o vento
sul galerno; gouernamos ao nordeste até anoite-
cer.
De noite o quarto da prima foy o vento susu-
dueste obra de quatro Relógios, e o Resto escaseou
e fezse como susueste ; toda a modorra foy o vento
calma, mas no quarto dalua tornou aventar como
susueste; toda a noite gouernamos ao nordeste.
CAMINHO.
Terça feira 13 dagosto o mães do dia foy o vento
sueste, e obra de duas oras antes de se pôr o sol
se fez lessueste ; até este tempo gouernamos ao nor-
deste, e dalii até noite á mea partida de lesnor-
deste: a oras de meo dia tomou o Doctor o sol, e
achouse em altura de 13 grãos \.
De noite toda foi o vento lessueste calmão, quanto
a nao gouernaua ; até seis Relógios da prima gouer-
namos ao nornordeste : a este tempo disse o Piloto
313
que via terra pella banda de bombordo, e logo man-
dei fazer sinal ás nãos, e nos fizemos noutra volta,
gouernando ao sudueste ; mas vendo que a capitaina
não mudaua a Rotta, tornamos a virar e a fazer o
caminho do nornordeste até amanhecer.
CAMINHO.
Quarta feira 14 dagosto, amanhecendo, vimos a
Ilha do comaro 1 pella banda destribordo, podiamos
ser delia até 6 legoas ; todo este dia foy o vento
calma; quasi sol posto veo hua bafugem do susueste,
quanto a nao gouernaua; pusemos a proa ao nor-
deste: o Piloto tomou o sol, e ficou em 12 grãos.
De noite todo o quarto da prima foy o vento
sueste muito bonança ; gouernamos ao nordeste : no
quarto da modorra foy o vento todo calma, mas en-
trando o quarto dalua começou ventar como sueste
obra de três Relógios, e logo saltou o vento a leste
1 Tornando a 2.* vez á índia, a noite de sábado, 8 dias
d'agosto, sendo passados 2 relógios da modorra fui dar encima
de hua baixa que está 6 ou 7 léguas desta ilha, e deu a náo
trez pancadas grades e ficou toda adernada da banda de bõbor-
do, e quando assi fomos dar nesta baixa faziamos o caminho
do nordeste e levávamos iodas as vel las, o vento era susudueste
fresco, e aprouve a nossa S a de nos tirar delia por sua pie-
dade o que não estava em minha rasão de marinharia ser.
Nota do auctor.
314
e depois a lesnordeste ; gouernamos parte deste
quarto ao norte, e parte ao nornoroeste.
Discripção da Eha de Cômoro.
A Ilha de comaro está em altura de 12 grãos,
he hua terra muito alta e abastada de carnes e ou-
tros mantimentos da terra ; a Ribeira he toda muito
limpa, segundo dizem os Pilotos; o surgidouro e
aguada he na ponta que está da banda do norte ;
os moradores desta Ilha são negros, e ao longo do
mar viuem alguns mouros. E sendo esta Ilha tão
vista de todas as nãos que passão, até oje não he
sabido delia ; mas a mostra que faz a terra, he como
aquy está pintado.
Quinta feira 1 5 dagosto até o meo dia foy o vento
calma ; dahi a diante nos derão dous chuueiros pe-
quenos, que trazião pouco vento, e logo tornou a
encalmar ; bem tarde começou ventar oessudueste ;
gouernamos ao nornordeste até anoitecer: este dia
a oras de sol posto marqou o Piloto a terra, e achou
que estauamos no mesmo lugar onde amanhecemos,
ou algua cousa atrás, e ora nos achauamos pegado
com a Uha, ora arredados delia pêra a terra firme,
o que parecia que causarião as marés ; a este tempo
estaríamos quatro legoas da Ilha 1 .
4 Tornando a 2." vez á índia não sentimos nesta ilha marés
3 í
<
I
J
<
U
5
o
s
<
5
345
De noite todo o quarto da prima foy o vento cal-
ma, quanto a nao gõuernaua, e fazíamos o caminho
de norte quarta de nordeste; mus ao quarto da mo-
dorra ventou sempre como sudueste bonança, e en-
trando alua acalmou, quanto a nao gõuernaua; toda
a noite fizemos o caminho de norte quarta de nor-
deste.
CAMINHO.
Sesta feira 16 dagosto todo o dia foy o vento su-
dueste e susudueste galerno; gouernamos ao norte
quarta do nordeste, mas a oras de meo dia nos deu
hum chuueiro, e ficou ahy o vento até noyte ; todo
este meo dia gouernamos ao nordeste quarta do
norte : este dia, quando amanheceo, achamonos três
legoas da Ilha e na mesma parajem d ontem, e ahy
fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 18 grãos
ho estilo lançou a sombra 80 grãos •£
contando do sul pêra a banda daloeste.
nem correr das aguas, nem passamos por ella muito rijos ;
verdade he q levávamos o vento esperto e como susudueste.
Nota do auctor.
316
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 31 grãos
ho estilo lançou a sombra 76 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 31 grãos -J
ho estilo lançou a sombra 64 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos, cuja
metade são 6 grãos, qué he a quantidade que neste
lugar agulha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 18 grãos
ho estilo lançou a sombra 69 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 1 1 grãos -£, cuja
metade são 5 grãos \, que he a quantidade que
neste lugar agulha norestea.
De noite todo o quarto da prima e modorra foy
317
o vento sul galerno, mas no quarto dalua refrescou
mães o vento e fezse como susudueste ; toda a noite
gouernamos ao nordeste.
CAMINHO.
Sabbado 17 dagosto todo o dia foy o vento su-
sudueste fresco; gouernamos ao nordeste, e hum
pouco á mea partida do nornordeste : ao meo dia
tomou o Piloto o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 70 grãos; a declinação deste
dia era 10 grãos, 22 minutos, de que se segue es-
tarmos em 9 grãos \; o doctor tomou na mayor al-
tura do sol ao orizonte 69 grãos \ 9 e ficou em al-
tura de 1 grãos iustos ; dous marinheiros tomarão
do sol ao orizonte 69 grãos \ : verdadeiramente que
he cousa de notar o grande caminho que andamos
em tão pouco tempo 1 , porque ontem bem tarde se
via a Ilha, e no quarto da prima e modorra foy o
vento temperado, ainda que no dalua refrescou, e
de pella menhãa té o meo dia fomos sem traquetes
da gauea, e mezenas e ceuadeiras tomadas, por es-
perar alguas nãos que vinhão atrás ; ora o meo da
Ilha, onde ontem estauamos sem poder Romper agoa
nem hir adiante, está em altura de 12 grãos: logo,
1 Grande singradura. Nota do andor.
318
pela altura que tomou o Piloto, andamos 2 grãos ^,
que fauorauelmente se pôde coutar pello nordeste
quarta do norte, avendo respecto ao variar das agu-
lhas, e a hum pouco que gouernamos á mea par-
tida do nornordeste; e pello sol que as outras pes-
soas tomaram, Responde dous grãos de singradura 1 ,
o que parece não poder ser, saluoajudandonos muito
as agoas*: este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 79 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra. 70 grãos
contando do sul pêra a banda daloeste.
1 Effectivamente explica-se o successo pela corrente que
n'este tempo vae ao norte.
2 Quando a 2." vez tornei á índia me aconteceu o mesmo,
q a primeira singradura que andamos depois de nos despedir
desta ilha andamos tanto caminho que foi grande espanto a
todos os <| tomarão o sol. Nota do auctor,
NL'..i
319
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 57 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste :
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos \, cuja
metade são 6 grãos {, que he a quantidade que
neste lugar agulha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 28 grãos
ho estilo lançou a sombra 66 grãos \
contando do sul pêra a banda de leste:
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos \, cuja
metade são 6 grãos - v que he a quantidade que
neste lugar agulha norestea.
Quando fiz estas operações, eu me fazia no me-
rediano de hua das Ilhas do ComaroS que se chama
sancto spirito, e leste com o cabo delgado: porque
este cabo he posto em muita fama e acerqua dos
1 Logar da operação. Nota do auctor.
320
nauegantes he muy celebrado 1 , por caso delle fa-
zem nas agoas tão differentes caminhos, como quer
que dahi tomão principio as correntes e peso dagoa
que vay na volta do sudueste até o cabo de bõa
esperança, mas logo dobrado este cabo, as agoas
correm ao nordeste e depois direitas ao norte, se-
gundo he openião comum; me pareceo necessário
dizer algua cousa do conhecimento deste cabo, e
qual fosse o seu nome antigo.
Conhecimento do cabo delgado.
cabo delgado podemos ter por muy averiguado
ser o promontório Rapto, muito conhecido de Pto-
lomeo, e este pego onde ao presente nos achamos ,
o golfão Barbarico: Quiloa será a cidade que elle
chama Rapta Metropoli, mas o Rio Rapta que laua
as Raízes do mesmo promontório, agora ao presente
he chamado dos nauegantes o Rio dosengo 1 ; e nisto
1 Que do cabo Delgado tomão principio as correntes por dif-
ferentes caminhos. Nota do auetor.
2 Este cuidado em identificar as terras conhecidas da Africa
com os logares indicados por Ptolomeu prova o espirito inda-
gador de D. João de Castro, e a grande erudição que o illus-
tre capitão possuia. Vimos como na determinação do logar em
que devia encontrar-se o antigo promontório Prasum, elle
se enganou pondo-o mais para o sul do que na realidade elle
se poderia encontrar, levado a esse engano pela latitude de
321
não deue dauer algua duuida, posto que na leuação
do pollo destes lugares se acha differença, Porque
Ptolomeo põem o Promontório Rapto em altura de
8 grãos f a pêra a banda do sul, e o cabo delgado
está em 10 grãos pêra a mesma parte; mas ver-
mos que adiante nem atrás deste cabo delgado se
15 £ graus sul que o antigo geographo dá ao Prasum Promon-
lorium: qut* os moderno* escriptores, como DWnville, julgam
ser o Cabo Delgado. Plinio cita a opinião de um certo Dios-
coro que põe de Raptum a Prasum uma distancia não maior
de cinco mil stadios (cap. ix); e sendo o Cabo Delgado o an-
tigo Prasum, não pode evidentemente ser o Raptum. No tempo
em que foi escriplo o celebre Périplo do Mar Erythreu, a costa
oriental da Africa era habitualmente visitada pelos gregos que
iam para os portos da Arábia: mas a navegação não chegava ge-
ralmente além da região designada pelo nome de Rapta. Situa-
da no Sinus Barbaricns, havia ali um empório commerciaK um
rio e um promontório que fixavam a attençãodosgeographos:
a tudo isto se refere o Roteiro. Ptolomeu assigna á foz do rio
Rapta a latitude austral de 7 graus, á cidade Rapta a mesma
latitude, e ao promontório Raptum a latitude austral de 8 £
graus proximamente. Não pode haver duvida sobre a posição
geographica do promontório denominado Aromata, o logar
mais oriental do continente africano: é o cabo Guardafú. De
Aromata a Rapta a costa recebeu o nome de Azania, que cor-
responde ao moderno Hazine; e no termo da viagem encon-
travam-se as ilhas Pyralaan, que devem ser as ilhas de Man-
da e Lamo segundo a History of Ancient Geography de Bun-
bury: a estas segue-se a ilha Menoothesias, que parece não
poder ser outra senão a ilha de Pemba. N'umanota á sua ira-
ducção do Périplo. William Vincent diz: '(depois de muitas
R. 2i
322
não acha outro algum cabo, que este nos 8 grãos £,
e que tenha hua Cidade Hlustre e grande ao seu lado,
com hum Rio que laue as Raízes do promontório, como
se acha aquy, parece muita Rezão que este seja o Pro-
montório Rapto, posto que na altura desuariem algua
cousa; mayormente que vemos, por muitos exem-
plos, infinitos lugares terem tanta e mayor diuersi-
dade na altura, e sem embargo disso estar muyto
assentado o conhecimento delles, assi fcomo Lisboa 1 ,
a qual Ptolomeo põe em 40 grãos •{, e ella está em
38 \; e põem a Cartago em 32 grãos -|, e ella está
era 38 -í, tomada por mym a altura na goleta mui-
tas vezes no tempo que o Emperador passou a Tu-
nez 8 ; e outros exemplos desta qualidade que pu-
hesi tacões em qual havia de preferir, determinei-me por Pero-
ba em vista da descripção que fez o capitão Bissell, coroo sendo
baixa e coberta de arvores, que é exactamente o caracter in-
dicado no Périplo cT&meivfi xai xorwíevápoç.» À dois dias de
Pemba fica Rapta, segundo o Périplo. Na opinião de Bunbary,
em vista d*estas indicações: cRapta deve provavelmente si-
tuar-se na angra opposta a Zanzibar, não longe de Bagamoio,
o ponto de actual communicaçao com o interior, e que pela
sua posição na embocadura de um rio importante, deve ter
sempre tido facilidade para essa communicaçao. •
1 Alturas de Lisboa e Cartago. Nata do auctor.
* Quando o imperador Carlos v resolveu ir conquistar Tu-
nes, a fim de pôr termo aos muitos damnos que provinham
das depredações que de continuo commettia o ousado e feliz
Barbaroxa, juntou em Barcelona uma grande armada e man-
dou pedir a D. João m, seu cunhado, que o ajudasse n'essa
323
dera trazer, que por serem notórios e escusar pro-
lixidade deixo ; e pêra mães certeza disto sabemos
que esta cidade de Quiloa teue o Império da mayor
parte desta costa, antes que o visorrey dom firan-
cisco dalmeida a destroisse, porque até Çofala to-
dos os lugares lhe pagauão tributo, e a Reconhe-
empresa com navios grossos e caravellas. A armada portu-
guesa, composta do grande galeão S. João, com mais doas
naus grossas e vinte caravellas, todo guarnecido de muita
gente, artilheria e munições, no tempo aprasado, que era o
mez de março de 1835, chegou aonde estava o imperador. O
infante D. Luiz, desejando ter parte na expedição do impera-
dor, e como el-rei seu irmão lh'o não consentisse, partiu se-
cretamente de Évora, onde estava, acompanhado de alguns fi-
dalgos. D. João iii, quando tal soube, mandou logo a toda a
pressa atraz dos fugitivos o conde da Castanheira; e para dis-
simular o seu despeito deu licença ao infante para continuar
em seu caminho — licença que lhe não fora pedida — e negou
aos duques de Aveiro e Bragança e a outros fidalgos, a permis-
são de acompanharem D. Luiz. Entre os fidalgos que acompa-
nharam o infante à Goleia e a Tunes, ia D. João de Castro, que
era um dos familiares do príncipe, como se vê do que o mes-
mo Castro escreve. Assim na carta que da índia escreveu ao
infante, e que copiamos a pag. 13, diz: a pois lozio tam pouco
em mim a doutrina e exempro que em seu reaU paço se pra-
tica;* e na dedicatória que faz ao infante D. Luiz do Roteiro
da Costa da Índia, diz ainda mais: cOra sendo eu criado em
sua real casa, onde a sciencia da cosmografia mais floreceo
que noutra parte alguma desta redondeza que habitamos, e
mandado por Vossa Alteza a investigar algumas obras secre-
tas da naturesa, istroindome primeiramente de teoriqua de
21*
324
cião por senhora; e segundo se conta per pessoas
certas e de muita auctoridade, pouco tempo antes
de sua cahida hum Princepe que nella Reynaua.
ajuntando grande exercito 1 , foy pella terra dentro a
conquistar Çofalla, que se lhe aleuantara; assy que
pois esta cidade de Quiloa foy a mais priucipal
desta Costa 2 , e Ptolomeo não põem em todas estas
seos altos e maravilhosos istromentos, e depois da Maquanica
com as considerações desejadas, ouservasse, com isto &> Que
D. João de Castro acompanhou o infante á Goleia e ahiseoc-
eupou de marinharia, vô-se em vários locares de seus escri-
ptos, mas particularmente na dedicatória que citamos :«... mas
lembraremos, diz-se ahi, que nos campos Africanos da grande
e miserável Gartaguo, jamais os ardentes rayos do sol, nem
as asporas e continuas corridas podiam seroccasiam que, apa-
recendo eu em sua real tenda, indo com muita parte de suas
\iluriosas armas vestidas, me nam praticasse qualque prepo-
sição de cosmografia, no que se mostrava sua alta e benina
condição, e os perseverados pensamentos que trasia de coni-
prender os caminhos por onde poderia milhor ganhar a terra
Africana.»
1 Grande exercito do .príncipe de Quiloa contra Sofala.
Nota do andor,
* (Homo se ve do Périplo estava a antiga Rapta, o ultimo em-
pório da costa africana, sujeita lem jvirtude.de antigos direi-
tos, au soberano de Maphartis na Sabea. Périplo diz: «Mas,
além dos chefes nativos, os Árabes exercem com mando sobre
lodos, poder que, por antigos direitos, pertence ao chefe de
Maphartis. na Sabea; mas os mercadores de Maza arrendam
isto, e por sua auctoridade recebem os tributos do porto.»
lista circumstancia d es troe o argumento empregado no Ro-
teiro.
325
pravas outra cidade Metropoly senão a Rapta, o nas
alturas e sitios estas duas cidades se hão bem e são
(juasi conformes, será cousa justa e conueniente
crermos que este cabo delgado seja o Promontório
Rapto, e a Cidade de Quiloa seja a Rapta, e o Rio
dosengo o Rapto; e também deuemos considerar es-
tes três lugares guardarem a mesma Razão na cark
L
que tem as tauoas de Ptolomeo, Porque assi como
a cidade de Quiloa e o rio dosengo estão hum grão
mães chegados á equinoctial do que está o cabo
delgado, assi a cidade Rapta e o Rio Rapto estão
outro grão mães perto da equinoctial do que está
o promontório Rapto; e não nos deuemos espantar
de achar algua mudança nas escrituras de tão longo
tempo, mas antes de se poderem conseruar, e se não
corromperem de todo.
De noite toda foy o vento sul e susueste; gouer-
namos ao nordeste até amanhecer.
CAMINHO.
Domingo 18 dagosto todo o dia foy o vento su-
sueste e sul; gouernamos ao nordeste quarta de
leste: ao meo dia tomou o Piloto o sol, e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 72 grãos ~; a
declinação deste dia era 10 grãos, 2 minutos, do
que se segue estarmos em 7 grãos •£; o Calafate e
326
tres marinheyros na mayor altura tomarão do sol
ao orízonte 72 grãos.
De noite toda foy o vento susueste fresco, e or-
ualhou muito; gouernamos a lesnordeste até ama-
nhecer.
CAMINHO.
Segunda feira 19 dagosto até o meo dia foy o
vento susueste mães bonança que de noyte; gouer-
namos ao nordeste quarta de leste: de meo dia até
noyte fezse o vento sul galerno; gouernamos ao
nordeste quarta de leste até anoytecer 1 : este dia
tomou o piloto o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orízonte 75 grãos ; a declinação deste
dia era 9 grãos {, do que segue estarmos em 6
grãos - ; o doctor na mayor altura tomou do sol ao
Orízonte 74 grãos \, e assy dous marinheiros; o
Calafate 74 f
De noite toda foy o vento susudueste galerno ;
todo quarto da prima gouernamos a lesnordeste,
mas a modorra e alua ao nordeste e quarta de leste:
esta noyte no quarto da modorra se 8 fez o mar branqo
como leite, e andaua hum vapor delgado e sotil por
todo o mar; o tempo estaua húmido e a mayor parte
1 Alturas ao meo dia. Nota do auctor.
* Fei-se o mar branco. Nota do auctor.
327
do ceo toldado, o mar andaua muito manso; era
este vapor tão sotil, que nos não daua nenhum im-
pedimento á vista.
CAMINHO.
Terça feira 20 dagosto até dez oras do dia foy
o vento susudueste e dahy por diante se fez como
susueste bonança ; a oras de meo dia nos deo hum
chuueiro pequeno, e apagou de todo o vento e fi-
camos em calma até noyte : ao meo dia gouernamos
ao nordeste quarta de leste: e ao meo dia tomarão
o Piloto e outras pessoas o sol, e ficarão em 4
grãos -;.
De noyte todo o quarto da prima foy o vento
calma, que a nao não gouernaua, mas no da mo-
dorra começou a ventar como sueste muito bonança,
no quarto dalua alargou algua cousa e fezse como
susueste; gouernamos estes dous quartos ao nor-
deste quarta de leste.
CAMINHO.
Quarta feira 21 dagosto até o meo dia foy o
vento susueste bonança, e logo nos deu hum chuueiro
do sul e trouxe consigo vento galerno ; a oras de
completas nos deu outro do sueste com vento ga-
lerno; gouernamos todo o dia ao nordeste quarta
328
de leste: este dia a meo dia tomey o sol. e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 78 grãos {;
a declinação deste dia era 8 grãos, 58 minutos, do
que se segue estarmos em 2 grãos, 47 minutos; o
Piloto na mavor altura tomou do sol ao orizonte 78
grãos \: certamente que he cousa muito pêra notar,
quanto caminho andamos leuando tão pouco vento,
nem pode ser ai, saluo hir comnosco grande peso
de agoa: este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 23 grãos -j
ho estilo lançou a sombra 86 grãos
contando do sul peru a banda daloeste.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 46 grãos
ho estilo lançou a sombra 81 grãos ',
contando do sul pêra a banda daloeste.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 46 grãos
ho estilo lançou a sombra 67 grãos
contando do sul pêra a banda de leste:
329
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
raayor que de depois de meo dia 14 grãos \, cuja
metade he 7 grãos \, que he a quantidade que neste
lugar a agulha norestea.
Quando fiz eslas operações, eu me fazia no me-
rediano que passa pello cabo das baixas na costa de
magadaxo 1 : esta costa he a morada dos tragloditas
austraes, chamados agora cafres.
De noite toda foy o vento susueste galerno e
igoal; gouernamos ao nordeste e ás vezes á quarta
de leste até amanhecer.
CAMINHO.
Quinta feira 22 dagosto até o meo dia foy o
vento susueste bonança; gouernamos ao nordeste
quarta de leste; ao meo dia nos deo hum chuueiro
do sueste e gouernamos ao nordeste obra de duas
oras, e logo ficou o vento calma ; mas querendose
pôr o sol, começou a ventar do sudueste muito bo-
nança; gouernamos ao nordeste quarta de leste: a
meo dia lomey o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 80 grãos; a declinação deste
dia era 8 grãos, 35 minutos, do que se segue es-
tarmos em hum grão, 25 minutos: o doctor tomou
o sol, e fiz as operações seguintes.
Tragloditas chamados aguora os cafres. Nota do auctor.
330
Nacimento do sol por onde em esphera recta
viremos em conhecimento da variação das agulhas.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 1 grão
contando do oeste pêra o sul: Logo naceo o sol hum
grão de leste pêra o norte, e daqui podemos tirar que
a agulha norestea 7 grãos-*; e a Rezão he esta: estando
em esphera recta, que será debaixo da linha, quanta
declinação tiuer o sol esse dia, tanta largura terá de
nascimento ; e porquanto a Equynoctial he a verda-
deira Linha de leste oeste, e o circulo graduado do
meu estormento Representa o orizonte, de necessida-
de a sombra do estilo, que se aleuanta do centro deste
Circulo, cortará de sua circunferência outros tantos
grãos, quantos o sol anda apartado da Equinoctial 1 .
Ora, imaginando que estou em esphera Recta, por-
quanto estou tão perto da equinoctial que pêra este
effecto he cousa insensiuel o que me falta, era ne-
cessário que me nascesse o sol 8 gráos, 35 minu-
tos, de leste pêra o norte, que he a declinação deste
dia, e que o estilo me lançasse a sombra outros 8
grãos, 35 minutos, do oeste pêra o sul, porquanto a
linha de leste oeste, que me mostra minha agu-
1 Invenção bS achada. Nota do auctor.
334
lha no circulo graduado, fica por equinoctial; mas
oje naceme o sol em meu estormento hum grão de
leste pêra o norte, e o estilo lançou a sombra outro
grão de oeste pêra o sul: Logo séguesse que estes
7 grãos \ que o sol naceo mães pêra leste, nores-
tea a agulha; e esta operação vem conforme á que
ontem fiz pello outro modo dos arquos.
De noite, em anoitecendo, nos deu hum chuueiro
do sul, e gouernamos ao nordeste quarta de leste
obra de hum Relógio, mas logo ficou o vento calma
até meo quarto da prima, que começou a ventar su-
sueste galerno e sul ; toda a noite gouernamos ao
nordeste quarta de leste.
CAMINHO.
Sesta feira 23 dagosto todo o dia foy o vento
sudueste galerno ! ; até o meo dia gouernamos ao
nordeste quarta do norte, e do meo dia até noyte
ao nordeste quarta de leste; todo o dia tiuemos
muytos chuueiros pequenos : ao meo dia tomey o
1 Tornando a 2/ vez á índia, do dia que cheguei á linha,
que foi 16 de agosto, ate á altura de 7 gràos em que pusemos
6 dias eortamos sempre por cangrejos vermelhos, e erao tan-
tos que coalhavão o mar, e d'aqui ate altura de 14 gráos? os
vimos todos os dias, posto que não erao tantos: na ql. altura
de 14 gráos \ nos posemos a 27 (Tagosto; assi que 12 dias cor-
tamos sempre por cangrejos. Nota do auctor.
332
sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori-
zonte 81 grãos - A \ a declinação deste dia era 8 grãos
13 minutos, do que se segue estarmos debaixo da
linha 1 .
De noite toda a noite foy o vento sudueste ga-
lerno ; gouernamos ao nordeste quarta de leste.
CAMINHO.
Sabbado 24 dagosto até o meo dia foy o Tento
susudueste galerno ; gouernamos ao nordeste quarta
de leste : mas de meo dia até noyte fezse o vento
sudueste galerno; gouernamos a lesnordeste: ao
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 84 grãos ; a declinação deste
dia era 7 grãos, 50 minutos, do que se segue es-
tarmos em hum grão, 50 minutos, pêra a parte do
norte : este dia fiz as operações seguintes.
Operação feita pello nascimento e poimento do sol,
pêra alcançarmos a variação das agtdhas.
Este dia apontando o sol no orizonte, ho estilo
lançou a sombra na lamina encima da linha de leste
oeste do circulo graduado, a saber, 90 grãos do
sul ou do norte pêra oestei; e quando o sol se que-
1 Aqui estavno debaxo da linha. Nota do andor.
333
ria pôr, ho estilo lançou a sombra 74 grãos {, con-
tando do sul pcra leste 1 .
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia i 5 grãos \ , os
quaes partidos pello meo, vem á parte 7 grãos -jj,
que he a quantidade que neste lugar agulha nores-
tea.
Notação sobre a variação das agulhas
por duas vias.
Da operação deste dia, que forão 24 dagosto, se
segue que oje foy o dia em que per mães prouas
se vereficou o norestear das agulhas, porque se fez
esta experiência por duas vias muy diuersas 2 : a hua
delias foy a via costumada, que he polia quantidade
que huns arqos são mayores dos outros, de que me
tenho aproueitado neste caminho ; e a outra he pello
nascimento do sol ou poimento somente, a qual Re-
gra não será geral, mas particular, e só áquelles que
viuem em esphera Recta, ou quasi Recta, como eu
estaua o dia doje ; porque, como yá tenho ditto na
operação de quinta feira 22 dagosto, aos que tem
1 Regra pêra pio naci mento e poimento do sol virmos em
conhecimento do variar das agulhas. Nota do auetor.
2 Verificou-se a variação das agulhas por duas vias diver-
sas. Nota do auetor.
334
esphera Recta acontecerá sempre, que o arquo do
orizonte que -fica antre o sol quando nasce e a equi-
noctial, ao qual chamão os mathematicos largura
do nascimento do sol, seja igoal á declinação que
ouuer esse dia: e porquanto o dia doje temos 7
grãos, 50 minutos, de declinação, se caso fora que
minha agulha julgara direito, e ferira nos verdadei-
ros poios do mundo, ho estilo lançara a sombra, no
nacimento do sol, 7 grãos, 50 minutos, de oeste pêra
o sul ; mas a sombra do estilo cahio sobre a linha de
leste oeste, ou 90 grãos da linha de norte sul, que he
o mesmo, Porque doutra maneira seguirse hia que o
tal dia era o do equinoccio, pois o sol lhe naceo em
leste ; se o contrairo negar a variação das agulhas,
séguesse logo que, pois minha agulha amostrou que
o sol nacia na linha equinoctial de meu circulo,
avendo de nacer 7 grãos, 50 minutos, apartado
delia pêra o norte, que estes 7 grãos, 50 minutos,
norestea; e por esta maneira vem esta considera-
ção conforme no norestear da agulha á operação que
fiz tomando a differença dos arqos ; e daquy se tira
que he falsa a openião daquelles ' que dizem no dia
do equinoctio nacerlhes o sol em leste de suas agu-
lhas, pois em nenhua maneira pôde acontecer por
caso da variação que fazem geralmente.
1 He falça a opinião dos que dizem que no dia do equinó-
cio lhes nasce o sol em leste. Nota do auctor,
335
Não he pêra deixar passar a maneira de que se
ouue a sombra do estilo no circulo, porque daquy
se pôde tirar algua doctrina, mayormente pêra a
operação da leuação do polo a toda a hora, porque
he necessário que a sombra ande pello circulo, pêra
se tomar quantidade notauel de variação e se assen-
tar no orizonte da poma; e pois a sombra até esta
altura de 40 grãos não variaua, mal se podia fazer
nesse tempo nenhua operação ; assy que nascendo o
dia doje o sol em leste de minha agulha, ho estilo lan-
çou a sombra a loeste, e hahy Repousou até estar o
sol em altura de 40 grãos, sem em todo este tempo a
sombra do estilo fazer algua variação pella circunfe-
rência do Circulo ; e desta altura por diante come-
çou a sombra de andar de maneira que quando o
sol estaua em altura de 78 grãos, não tinha a som-
bra do estilo andado mães pello circolo de 1 5 grãos,
e até o meo dia auia o sol de andar pello estarla-
beo 6 grãos e a sombra do estilo pello circulo gra-
duado 75 grãos. Quando oje fiz estas operações, eu
me fazia 1 no merediano que se aparta do cabo de
guardafuy pêra leste hum grão : a este cabo de guar-
dafuy chama Ptolomeo promontório aromato, e delle
ao promontório Rapto, a que agora chamamos o
cabo delgado, foy a nauegação que Diógenes 2 fez em
1 Logar da operação. Nota do auctor.
1 Deste Diógenes se faz menção no Roteiro, que trata do
Syno arábico ou mar roxo. Nota do auctor.
336
25 dias, em que Ptolomeo reprende muito a ma-
rino; e das pallauras que diz, se tira que em seu
tempo não sabião nauegar serti terem ho vento á
popa, e por esta causa e assy pellos ventos nortes
e noroestes, que de contino ventão no estreyto ou
mar Roxo, tardauão tanto as nãos que Salamão
mandaua do porto de Aylão a Tarsys e Ofir 1 pello
ouro e prata de que fez o templo, como em outro
lugar falarey largamente '.
1 As causas porque tardavão as nãos de Salomão. Nota do
auctor.
1 Nenhuma idéa segura temos da construcção das naus em
que Salomão mandava buscar as riquezas de Ophir; nem po-
demos tão bem designar, com certeza, onde estava situada a
celebre região ou cidade que a Biblia chamou Ophir. Sabemos
só que a prosperidade commercial do povo judeu principiou no
tempo do rei David, o qual, pela conquista da Idumea, alean-
çou os portos do mar Vermelho, Elath e Eziongeber. No rei-
nado do grande rei Salomão estreita ram-se relações com Hi-
ram, rei de Tyro; e d'esta feliz alliança resultou o commercio
pelo mar Vermelho para o Oriente e para a Africa, das frotas
combinadas de judeus e phenicios. As naus de Salomão eram
tripuladas por marinheiros de Tyro: Siquidem naves regis ibant
in Tharsis cum servis Hiram, sentei in omnh tribus; et defere-
bant indeaurum et argentum, et ebur, et sim ias, etpavos; (Par.
Liv. 2.°, cap. íx, vers. 21) e no livro dos Reis diz-se: Sed et
rlassis Hiram, quat portabat aurum de Ophir, attulit ex Ophir
ligna thyina multa nimis, et geminas pretiosas. (Reg. Liv. m,
cap. x, vers. li.) Estas palavras provam, que a navegação do
mar Erythreu se fazia, em tempo de Salomão, conjuntamente
por judeus e tyrios, e que os judeus aprenderam dos seus ai-
337
De noyte toda foy o vento sudueste galerno ; go-
uernamos a lesnordestc até amanhecer.
liados a arte de navegar e de construir navios; e nada leva a
suppor que taes navios «não sabião navegar sem terem ho
vento á popa.i O propheta Esequiel, referindo-se aos navios
de TyrO; diz: «Abietibus de Sanir extruxerunt te cum omnibus
tabulatis maris : cedrum de Líbano tulerunl ut facerent tibi ma-
lum: quercus de Bassan dolavertint in remos tuos: et traustra
tua fecerunt tibi ex ebore Indico, et prastorida de Insulis Itálica :
byssus varia de Mgypto texta est tibi in velum ut punetur in
maio: hyacinthus, et pupura in insulis Elisa facta sunt opirien-
tumtuum: habitatores Sidonis, et Ardii fuerunt remiges tui:
sapienies tui, Tyre, facti sunt gobernatoris tui* (Eze. cap. xxvu,
vers. 5, 6, 7, 8.) Duas qualidades de navios construíam os phe-
nicios, desde remota antiguidade — os de guerra, designados
pelo nome de Arco, e os de transporte denominados Gaufos, —
uns e outros, segundo Festus, de remo e de vela {Hist. de la
Marine, parSein, tom. \, pag. 73). Não é pois duvidoso, se-
gundo o que fica notado, que as naus de Salomão, como as de
Tyro, podiam navegar, sem ter o vento á popa. A navegação era
porém costeira, e por isso vagarosa. JNo Périplo do mar Eríthreu
vemos que a navegação, no primeiro século da era christã (Geo-
gr. gr. min. ed. Car. Mullerus, prol., pag. xcvi), depois de pas-
sar a costa Barbaria e chegar ao cabo Guardafui (áxpcomrpiov
À , fo)/xáT«v) não levava menos de vinte e seis dias ao promon-
tório Rapta, e vinte e quatro de Guardafui á ilha de Menuthias
(Pemba). Ora, notando que o dia de viagem devia ser de 12 a
14 horas, e só durante a monsão, — pois só duas noites de na-
vegação vem notadas no Périplo — vé-se que a média diária da
navegação não excedia 520 stadios olympicos, ou, proxima-
mente, 51' de grau. O facto dos navios de Salomão não fazerem
a viagem, em busca do oiro, senão de trcs em três annos, en-
contra explicação, como observam alguns commentadores, no
a. 22
338
CAMINHO.
Domingo 25 dagosto todo o dia foy o vento su-
dueste galerno ; gouernamos a lesnordeste até oras
modo porque, n'aquclle tempo, se fazia a navegação eocom-
mercio; não havia então feitorias, e os mercadores eram obri-
gados a esperar, em remotos paizes, a venda dos carregamen-
tos de seus navios, antes de poderem voltar com os produetos
que buscavam para suas terras. A fim de melhor se intender
o modo de navegar nas remotas eras históricas, devemos lem-
brar-nos o que Heródoto conta da celebre viagem de Neiôs:
«Os phenicios (diz elle no liv. iv, pag. 42) partiram do Egy-
pto, caminho do mar Ery threu , e assim navegaram até ao oceano
austral. Quando chegou o outomno, desembarcaram no logar
em que se encontravam, semearam a terra de trigo, e espera-
ram até acolheita.» Vê-se pois, que os navios de Salomão, tri-
pulados por mareantes tyrianos, navegavam a remo e á vela,
desciam o mar Vermelho, e estendiam a sua navegação para
o Oriente, e também pela costa oriental da Africa. — Onde era
Ophir? Nenhuma questão tem sido mais controvertida pelos
archeologos. Uns suppõem ser Ophir uma ilha do mar Ver-
melho: outros a situam na Hespanha: se acreditarmos o his-
toriador Josepho, estaria Ophir nas índias, talvez na moderou
Malaca: o nem a America escapou ás ousadas hypotheses dos
com montadores. A que é, a nosso ver, a mais assentada opi-
nião, é a dos que suppõem Ophir situada na Africa Austral,
nos territórios de Sofala. Um velho escriptor escossez, Ogilby,
faz notar que na traducção chamada dos setenta, a palavra
Ophir foi traduzida pela palavra grega Sophira, e que d'aqui
veiu o nome de Sofala. que é certo é que, na historia da
339
de completas, e dahy até noite ao nordeste quarta
de leste: ao meo dia tomey o sol, e na mayor al-
missão a Monoraotapa do padre Gonçalo da Silveira, lé-se: «Es
esta region muy fértil de oro y plata. Cerca de Bomto, y Mo-
sapa, que son dos empórios no muy apartados dei rio Mozabo.
Bonto está quarenta, o cincoenta legoas dei pueblo de Tete,
que arriba diximos. Cerca deste empório comiença un alto
monte a que llaman Fura: el qual es donde dizen cargo los
camellos de oro, y plata, aquella Reyna Sabá, que de los fines
de la tierra vino a Jerusalém a ver la sabiduria de Salomon.
Estiendese tanto la tierra en que estan las minas de oro, que
tiene de largo mas de duzientas y cincoenta léguas, y de an-
cho un grandíssimo espacio. . . (Vida dei Bienaventurado pa-
dre Gonçalo da Sylteira, liv. 11, cap. x, foi. 610). Em princí-
pios do século xviii mandou o governo portuguez fazer uma
informação, acerca das antiguidades e das minas comprehen-
didas no território de Rios de Sena e de Sofala, isto é, das ter-
ras onde Salomão mandava buscar oiro; e a primeira coisa que
desejava saber era se: «no sertão destas terras, que he na
corte de Monomotapa, ha uma torre, ou edifício de cantaria
lavrada, que mostra não ser obra de negros naturaes da
terra; mas de alguma nação politica e poderosa, como Gregos,
Romanos, Persas, Egypcios, ou Hebreos, torre ou edifício a
que chamam os naturaes Simboloe, e, dizem, n'e)la ha um let-
treiro em letra desconhecida: e porque ha muitos fundamen-
tos para se intender, que esta terra he o Ophir, a que Salo-
mão mandava as suas frotas em companhia dos phenicios.» A
este capitulo respondeu em 1723 fr. Manuel de S. Thomaz, ad-
ministrador episcopal de Moçambique, que lhe dissera o capi-
tao-mór de Manica, Jeronymo de Faria Peixoto, que havia
trinta annos ali vivia: «que seu sogro Thome Lopes, homem
de toda a verdade, varias vezes lhe contara, que nas terras do
reino de Mahongo (ainda hoje conservam o mesmo nome na
22*
340
tara se aleuantaua sobre o orizonte 85 grãos •£; a
declinação deste dia era 7 grãos {, do que se segue
carta de sul da Africa, de Petermann) que faz divisão com o
reino de Manica e Quiteve, em varias rochas se encontravão
muitas figuras de eamellos, cachorros; bofetes, e lettreiros fei-
tos nas mesmas rochas; tudo de bastante grandeza, que pela
tradição dos cafres se dizia serem memorias que deixaram
os Abexins, quando a rainha de Saba viera com a sua arma-
da junto a Sofala, e na boca do rio Subi (Save), que divide as
terras de Mãbone, e Inhamuere, costa que vae correndo para
Inhambane; deixando em franquia as naus, entrara em bar-
quinhas pelo rio acima, que vae dividindo as terras do rei
Quiteve e do Imperador Manamotapa, e, desembocando no
reino de Mahongo, fora pellas terras dentro com a sua gente
a buscar ouro para o templo de Salomão.» Perguntava tam-
bém o governo «se naquellas terras havia uma serra, ou sitio
a que chamão Fura, e se ali havia minas de prata ou ouro?»
A isto respondeu fr. Manuel de S. Thomaz: «Não constar que
nestas terras haja serra ou sitio, que se chame Fura. . . mas
ser sem duvida que naquellas terras, e sitio de Mahongo, Ma-
nica, e Quiteve, reinos todos em pouca distancia da terra de
Sofala, ha muito ouro e o melhor, e de maiores quilates de
todos os Rios. Ha tãobem minas de cristal, que se tira em pi-
râmides pequenas. Tãobem os aljôfares e pérolas se acham em
Sofala. (Mss. da Academia, gab. 5.°, est. 9) A serra denomi-
nada Fura, de cuja existência não tinha noticia o adminis-
trador episcopal de Moçambique, acha-se marcada nos map-
pas modernos, sobre as terras dos Machonas : e das grandes
construcçoes, próximo das minas de oiro, faliam os modernos
exploradores (Testas regiões africanas. Em 1871, Karl Maucli
descobriu antigas ruinas em Zimbaoe, Zimbabije e Mazimbaoe,
proximamente em lat. S. 20° 15' e long. E. 31° 37'. São estas
ruinas muito extensas: uma parte cobre um oiteirinlto, outra,
344
estarmos em 2 grãos, 50 minutos: todo o dia vi-
mos muytas alfarequas, e fiz as operações seguin-
tes.
Primeira operação do nacimento do sol.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 1 grão ^
contando do oeste pêra o norte : logo naceria o sol
i grão \ contando de leste pêra o sul.
um forte, provavelmente, levanta-se sobre um alto serro de
granito. As paredes teem ainda trinta pé$ de altura, e são fei-
tas de granito cortado em pedaços da grandeza de tijollos, e
unidos entre si sem cimento. A mais notável d'estas paredes
fica situada mesmo na borda de um rochedo escarpado e bem
conservada até á altura de trinta pés: as paredes tecm proxi-
mamente dez pés de grossura na base e sete ou oito no topo.
Em muitos logares restam cachorros de pedra, de oito ou dez
pés de comprimento, projectando-se das paredes, onde devem
estar fixados á profundidade de alguns pés, porque apenas se
podem abalar. O muito terão oito pollegadas de largura por
três de espessura, e são de pedra muito compacta, com um an-
ilei metal lico, verde escuro. N'uma pedra de secção ellipsoide
e de oito pés de comprimento, estão gravados ornamentos, que
consistem em losangos mettidos uns nos outros, separados por
bandas horizontaes de linhas diagonaes. Como estas, existem
outras ruínas encontradas por outros viajantes, como por exem-
plo a 80 milhas ao nor-noroeste de Tati, e nas terras do Trans-
Yaal, a alguns dias de jornada de Nylstroom. Serão estas as
ruinas do antigo Ophir? Tudo leva a suppôr que sim.
342
Segunda operação do poimento do sol.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 15 grãos
contando de leste pêra o sul:
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 16 grãos \, cuja
metade são 8 grãos \, que he a quantidade que
neste lugar a agulha norestea.
Este dia estando o sol em altura de 47 grãos {,
a sombra do estilo cortaua meo grão de oeste pêra
o sul, de sorte que andando o sol 47 grãos ^ pelo
estarlabeo, a sombra do estilo variou pello circulo
graduado 2 grãos.
De noite toda foy o vento sudueste galerno ; go-
uernamos ao nordeste quarta de leste.
CAMINHO.
Segunda feira 26 dagosto todo o dia foy o vento
sudueste galerno ; a mayor parte do dia gouerna-
mos a lesnordeste, e a menor ao nordeste quarta
de leste : a meo dia tomey o sol, e na mor altura se
aleuantaua sobre o orízonte 87 grãos; a declinação
deste dia era 7 grãos, 7 minutos, de que se segue
343
estarmos em 4 grãos, 7 minutos : o calafate tomou
o mesmo sol, e na mayor altura tomou do sol o Pi-
loto ao orizonte 88 grãos ^, que foy muy differente
do calafate e outras pessoas : este dia fiz as opera-
ções seguintes.
Primeira operação do nascimento do sol.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 1 grão {
contando do oeste pêra o norte: logo naceo o sol
i grão \ de oeste pêra o sul.
Segunda operação do poimento do sol.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 15 grãos
contando de leste pêra o sul :
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 16 grãos {, os
quaes partidos pello meo vem ametadc 8 grãos ^,
que he a quantidade que neste lugar agulha nores-
tea.
Esta operação vem ouro e fio com a do dia pas-
sado, e da mesma maneira nasceo o sol e se pôs,
344
sem embargo que nos apartamos muito caminho e
multiplicamos na altura 1 grão •£•
De noite toda foy o vento sudueste galerno ; go-
uernamos a lesnordeste até amanhecer; e entrando
a noite, vimos a estrella do norte, que foy grande
prazer aos nauegantes ; e assi mesmo estando o ceo
muito claro, aparecerão nelle huas listras ou barras
muito compridas, principalmente hua que sahindo
do orizonte sengia todo o hemispherio, e fazendo
hum pé, lançaua outra listra atrauessada; outras
duas listras sahindo do orizonte, se vinhão ajuntar
em nosso Zenit; a lua estaua antre estas duas lis-
tras e a muito grande, e da mesma lua sahia outra
listra, que se hia acabar na grande ; erão estas mos-
tras tão fermosas e dignas de se contemplarem, que
mandcy aquy pintar a mostra que fazião \
1 halos lunar observado por D. João de Castro é na reali-
dade um phenomeno luminoso interessante e raro. São os ha-
los phenomênos luminosos que se observam entre o observa-
dor e o astro luminoso, ao contrario do Arco íris que apparece
na parte do ceo opposta á que o astro occupa: emquanto este,
assim como as coroas que cercam o sol ou a lua, teem como
origem os vapores visiculares da agua, os halos produzem-se
nos crystaes de gelo que estão suspensos a grande altura. Or-
dinariamente são os halos solares mais communs e mais visí-
veis do que os lunares: constam primeiro de um circulo ou
annel de que o astro occupa o centro; secundariamente appa-
rece um circulo horizontal que passa pelo astro e dá volta ao
345
CAMINHO.
Terça feira 27 dagosto todo o dia íoy o vento
oesnoroeste bonança; gouernamos a lesnordeste: a
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 88 grãos \ ; a declinação deste
dia era 6 grãos, 38 minutos, do que se segue es-
tarmos em 5 grãos, 26 minutos ' : este dia, apon-
horizonte; e além (Pestes apparecem ainda arcos tangentes aos
círculos de primeira classe. Uma das coisas observadas pelo il-
lustre navegador são as c duas listas sahindo do horizonte e que
se vinham juntar no zenith.» Eis o que me parece pode ter
analogia com este phenomeno. Próximo a Dresde, em 1824,
quando o sol desapparecia no horizonte, Lohrmann viu uma
lista luminosa perpendicular ao arco crepuscular e semelhando
a cauda de um cometa: á medida que a obscuridade crescia
ia augmentando o brilho da columna luminosa. Este mesmo
phenomeno se reproduziu no seguinte dia ao nascer do sol.
£ mais raro, diz Kaemtz na sua Meteorologia, ver uma lista
por baixo do sol ou da lua e ainda mais raro é passar pelo sol
um arco horizontal de maneira que o astro se ache no meio de
uma cruz. O próprio auctor citado observou, quando o sol es-
tava 6 o acima do horizonte, uma columna luminosa por baixo
do sol, que se continuava sobre o solo, desde o sol até ao ob-
servador.
1 Achando-me nesta altura, a 2. 1 vez que tornei á Indi&e fa-
zendo-se o piloto norte-sul com a ilha de Sacotora, vimos gran-
des bandos de toda sorte de alcatrazes, que se acham neste
mar, em que havia bando da 20 e 30. Nota do auctor.
346
tando o sol no orizonte, ho estilo lançou a sombra
5 grãos, contando de oeste pêra o norte; logo na-
ceria o sol 5 grãos, contando de leste pêra o sul:
e a oras de bespora virão hua cobra 1 , de que me
Muito espantey e o Piloto e marinheiros, porque he
synal que não apareceo em nenhua parte deste mar,
saluo 60 legoas da costa da índia, e agora podemos
estar delia 330 legoas até 340.
De noite toda foy o vento oessudueste bonança ;
gouernamos a lesnordeste até amanhecer.
CAMINHO.
Quarta feira 28 dagosto todo o dia foy o vento
oessudueste bonança; gouernamos a lesnordeste: ao
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan-
taua sobre o orizonte 90 grãos; a declinação deste
dia era 6 grãos, 23 minutos, dó que se segue que
em outra tanta altura como erão os grãos da decli-
nação, ficaríamos pêra a banda do norte: este dia
fiz as operações seguintes. -
1 Devia osta cobra de vir esgar rada da costa da índia, por-
que se não crião em outra alguma costa das que temos noticia
e praticamos. Nota do auctor.
347
Nacimento do sol e primeira operação
ante o meo dia.
Apontando o sol no orizonte ho estilo lan-
çou a sombra 5 grãos
contando de oeste pêra o norte: logo naceria o sol
outros 5 grãos de leste pêra o sul; e sobindo o sol
pello orizonte até estar em 56 grãos daltura, a som-
bra do estilo estaua no mesmo lugar do circulo onde
cortaua quando o sol naceo, a saber, 5 grãos, de
ottlè pêra o norte, e dahy até á mayor altura do
sol 86 foy a sombra encolhendo sem cortar o circulo,
até desaparecer 1 .
Primeira operação depois de meo dia.
Tornando o sol a estar em altura de. . . 56 grãos
ho estilo lançou a sombra 15 grãos
contando de leste pêra a parte do sul, e daqui até
se pôr o sol não fez a sombra do estilo nenhfla ope-
ração, ou variação pelo circulo.
1 Daqui fica manifesto, que estando debaixo do circulo pêra
onde corre o sol, não se pode fazer operação na poma da le-
vação do polo a toda a ora, pois as sombras do estilo não va-
ria pelo circulo graduado. Nota do auotor.
348
Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia
mayor que o de depois de meo dia 20 grãos, cajá
metade são 10, que he a quantidade que neste lu-
gar a agulha norestea.
Notação sobre as sombras do estilo.
Da operação deste dia se tira, que estando de-
baixo do circulo por onde corre o sol, que a som-
bra do estilo não varia pella circunferência do cir-
culo graduado nenhua cousa, e se varia, hee quan 7
tidade de que nenhum juizo he capaz de sentir; e
se quizerem arguir, dizendo que nesta operaçãa va-
riou a sombra do estilo, pois quando se pôs o sol
lançou a sombra 15 grãos de leste pêra o sul, Res-
ponder se ha que a operação do norestear causou
que a sombra cortasse o circulo por differentes lu-
gares na ora do nacimento e poimento do sol, mas
que depois de o assy cortar, não fez mães mudança
pêra nenhua parte. '
De noite toda foy o vento oessudueste bonança ;
gouernamos a lesnordeste até amanhecer.
349
CAMINHO.
Quinta feira 29 dagosto todo o dia foy o vento
oessudueste bonança ; gouernamos a lesnordeste : a
oras de meo dia tomey o sol, e na mayor altura se
aleuantaua sobre o orizonte 88 grãos \; a declina-
ção deste dia era 6 grãos, de que se segue estar-
mos em 7 grãos -£ daltura 1 ; e oje comecey a juntar
os grãos que me faltauão de 90 á declinação, por
Razão que as sombras cahião pêra a parte do norte ;
e fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 4 grãos
contando de oeste pêra o norte.
1 Também Desta altura achey grandes bandos de alcatrazes
de toda a sorte, a 2.' vez que tornei à índia; e a multidão e
diversidade delles fazia grande espãto na gente do mar: e sem-
pre nos foram aparecendo estas bandas delles ate altura de 12
grãos 7 em que posemos 6 dias, e cada vez se mostravão de
mães novas maneyras, e ao tpõ q nos desaparecerão, que foy
a 28 d'agosto, faziasso o Piloto 130 legoas da costa da índia.
Nota do auetor.
350
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos
ho estilo lançou a sombra 7 grãos
contando de oeste pêra a parte do norte.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos
ho estilo lançou a sombra 12 grãos |
contando de leste pêra o sul.
Foy logo nesta operação o arquo de depois de
meo dia mayor que o dante o meo dia 19 grãos \\
cuja metade são 9 grãos -J, que he a quantidade
que neste lugar a agulha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 15 grãos
contando de leste pêra o sul.
1 Desta operação começa o arqo de depois de meo dia, ser
mayor q o dante meo dia, fazendo a agulha o mesmo effecto.
Nota do auctor.
351
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 19 grãos, cuja me-
tade são 9 grãos - % , que he a quantidade que a agu-
lha neste lugar norestea.
*t
Notação sobre a mudança destes arqos.
Na operação deste dia começa o arqo de depois
de' meo dia a ser mayor que o dante meo dia, fa-
zendo as agulhas o mesmo eifecto do norestear; a
causa da mudança destes arqos he acharme da ban-
da do norte em Respeito do sol, e o sol andar já
pellos Rumos da banda do sul ; e como se isto ve-
nha a fazer, tenho yá dado a Rezão no começo deste
liuro, e daqui se tira hua doctrina muito fermosa e
necessária 1 ; porque, quando quer que me isto acon-
tecer, terey sabido que me fica o sol da banda do
sul ; e assy pello contrairo, quando o arco de depois
de meo dia fôr mayor que o dante meo dia, hindo
nauegando e fazendo minhas operações, tanto que
se trocarem os arqos, a saber, que o dante meo dia
seja mayor, saberey que me fica o sol da banda do
norte, e isto se entende noresteando agulha, o que
no mar se não pode sentir andando o sol perto do
— - — _ . — . _ .
1 Singular aviso, rauy necessário a esta navegação. Nota do
auetor.
352
nosso Zenith, e por esta causa neste tempo se passa
muitos dias que os Pilotos não tomão altura, igno-
rando o lugar onde lhes demora o sol, pêra acre-
centarem ou diminuírem a declinação \ porque no
tal tempo as sombras do meo dia não julgão ne-
nhua cousa, assy por serem insenssiueis, como pello
balancear da nao.
De noite toda foy o vento oessudueste bonança;
gouernamos a lesnordeste até amanhecer.
CAMINHO.
Sesta feira 30 dagosto todo o dia foy o vento
oessudueste galerno; gouernamos a lesnordeste e vi-
mos muitos alcatrazes e Rabif orçados 2 ; sol posto se
fôrão dantre nós cinquo Rabiforcados, e marcandoos
com a agulha, fazião o caminho do sul quarta do
sueste. Todo o dia andou o mar muito tropeçado,
o que não aconteceo depois de partirmos de Mo-
çambique; e fiz as operações seguintes:
1 É uma prova mais do atrazo e das diíBculJades da nave-
gação naquelles tempos.
2 Aves que aparecerão. Nota do auclor.
353
Primeira operação ante o meo dia.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 5 grãos
contando de oeste pêra o norte : logo naceo o sol
5 grãos de leste pêra o sul.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 8 grãos [
contando de oeste pêra o norte; e daquy se segue
que, pois a sombra ante do meo dia varia pêra a
parte do norte, que o sol anda pellos Rumos da banda
do sul.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 12 grãos
contando de leste pêra o sul:
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos *-, cuja me-
tade são 10 grãos {-, que he a quantidade que a
agulha neste lugar norestea.
b. 23
354
Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na mayor
altura se aleuantaua sobre o orizonte 90 grãos, o
que em nenhiia maneira podia ser; pello que, in-
quirindo o sol que tomaua ho doctor e outras seis
pessoas, achey o mesmo 1 ; e logo tornando todos a
vereficar seu sol, muito espantados deste aconteci-
mento, achamos que estaua em 90 grãos daltura
como de primeiro; e a ser isto verdade, ficauamos
em tanta altura quanta era a declinação deste dia,
a saber, em 5 grãos, 36 minutos*, e ontem estaua-
1 Estranho acontecimento. Nota do auetor.*
2 O mesmo caso aconteceu a 2." vez que torney á índia, a
26 de agosto, em altura de 10 grãos % -, com vento fresco e á
popa; o outro dia seguinte, q forão 27 do mez, tornando a to-
mar o sol se acharão em menos de 10 gráos, e sempre acon-
tecerão estas duvidas, quando quer que nos achamos debaixo
do sol ou quasi, por q por razão de o termos perpendicular
nos faz muitas mostras e aparências, que causam engano nos
q em tal tempo querê saber a elevação do polo per seo meo (*),
pelo q em taes tempos senão deue usar do estrolabeo, mas
aproveitar-nos da balestilha, e estrola do norte: e se caso for
que venhamos estar debaxo do sol da banda do sul da linha,
então podemos obrar com a balestilha pello cruzeiro: e ate
nos apartarmos do sol 6 gráos conhecidamente, não deixare-
mos o estormento da balestilha, e destes 6 gráos por diante
tornaremos a usar do estorlabeo, por ser o milhor estormento
de todos; mas não tendo balestilha o piloto, ou não sabendo
uzar d'ella, em tal caso he milhor encomendar-se á sua esti-
mativa, que aporfiar com o estrolabeo no tempo que o sol anda
sobre nos. Nota do anctor.
(*) Mesmo com os modernos instrumentos de reflexão é dif-
358
•
mos era 7 grãos ^ com o vento á popa e galerno, e
em lugar onde não ha correntes, o que em nenhfla
maneira podia ser por estas RezSes: pois a agulha
norestea patentemente, e o arqo de depois de meo
dia he mayor que o dante meo dia, claro está que
o sol anda da banda do sul a meu respecto, e me
bota as sombras pêra a parte do norte, porque dou-
tra maneyra fora o arqo dante meo dia mayor, como
já está declarado; logo não he possiuel estar o dia
de oje o sol em meu Zenith : e também prouo o mes-
mo, porque este dia a oras de meo dia ho estilo fa-
zia sombra, e pois que não auia sombras na mayor
altura do sol, não podia estar em 90 grãos e nosso
Zenith ; e prouo por outra Razão : quando oje na-
ceo o sol, ho estilo lançou a sombra 5 grãos con-
tando de oeste pêra o norte, e sobindo ha altura de
50 grãos, a sombra do estilo variou pello circulo
pêra a parte do norte três grãos *-; logo séguesse
que o sol andaua pellos Rumos da banda do sul, e
andando, era impossivel vir esse dia ter a meu Ze-
nith ; mas parece que nos enganaria esse dia algtla
aparência, a qual não podemos alcançar, como nos
acontece nas mães das cousas e segredos da natu-
ficil a observação da altura meridiana, e ainda maior era
com o antigo astrolábio. De mais, a corrente que passa pelas
Maldivas é depois na costa Occidental da Africa, para entrar no
canal de Moçambique, influía necessariamente na marcha do
navio.
23*
356
reza ; mas, como quer que seja, fique a soltura desta
duuida pêra o doctor pêro nunez.
Ho modo de que se hão as sombras do estilo pelo
circulo graduado.
De três dias a esta parte não sento que a som-
bra do estilo a oras de meo dia se ponha en cima
da linha de norte sul, mas de pella menhãa até o
meo dia corre de oeste pêra oesnoroeste, e daquy
vay mingoando e encolhendo pêra o centro do es-
tilo, e tanto que passa a meo dia, começa a som-
bra hir decendo, até dar no circulo antre a linha de
leste e a mea partida de lessueste; e o mães que
notey ao tempo de meo dia, foy que a sombra da
ponta do estilo andaua ao meo dia derredor, des-
creuendo hum pequeno circulo, sem nunqua des-
cansar sobre a linha de norte sul.
De noite toda foy o vento oessudueste galerno;
gouernamos todo quarto da prima a lesnordeste, e
ao nordeste quarta de leste o quarto dalua e o da
modorra.
CAMINHO.
Sabbado 31 dagosto todo o dia foy o vento oes-
sudueste galerno; gouernamos a lesnordeste e ao
357
nordeste quarta de leste, e vimos grande numero de
alfarreqas: este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 66 grãos
ho estilo lançou a sombra . . . 8 grãos £
contando de oeste pêra o norte.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de ; 56 grãos \
ho estilo lançou a sombra 10 grãos ^
contando de oeste pêra o norte.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 56 grãos \
ho estilo lançou a sombra 9 grãos ■;
contan(|o de leste pêra q sul :
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me-
tade são 10 grãos, que he a quantidade que a agu-
lha neste lugar norestea.
358
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 36 grãos
ho estilo lançou a sombra ii grãos
contando de leste pêra o sul:
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 1 9 grãos { , cuja
metade são 9 grãos \, que he a quantidade que neste
lugar agulha norestea.
Terceira operação depois de meo dia.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 14 grãos \
contando de leste pêra sul.
A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 88 grãos l ; a
declinação deste dia era 5 grãos \, do que se segue
estarmos em 6 grãos \, e assi mesmo outras três
pessoas: três marinheiros Aa mayor altura tomarão
do sol ao orizonte 87 grãos ;, e assy ficarão em al-
tura de 7 grãos \ l : oulhando a oras de meo dia a
sombra do estilo, notey que cahia sobre a linha de
1 Alturas diversas. Nota do. auctor.
359
norte sul, mas muito pequena, e tanto que o sol co-
meçou a decer, em continente a lançou o estilo an-
tre a linha de leste e a meia partida de lessueste, e
logo começou a crecer muito Rijo : ao tempo que fiz
estas operações, eu me fazia no merediano que passa
pello cabo de Rosalgate.
De noite toda foy o vento oessudueste galerno;
todo o quarto da prima gouernamos ao nordeste e
quarta de leste, mas o da modorra e alua gouerna-
mos ao nordeste; no quarto dalua começou o mar
a andar tropeçado.
CAMINHO.
4
Domingo Primeiro dia de setembro até o meo dia
foy o vento oessudueste galerno; gouernamos ao
nordeste quarta de leste : mas de meo dia até noite
fezse o vento oeste galerno ; gouernamos ora ao nor-
deste quarta de leste, ora ao nordeste; antes hum
pouco de meo dia se lançou o mar e ficou muito
chão 1 : tenho notado de muitos dias a esta parte, que
se de dia anda o mar chão, de noite anda tropeçado,
e se de noite chão, de dia anda tropeçado, ventando
sempre de hiia maneira e de hua parte, o que nos
daua a entender que seria a causa disto as corren-
1 As mudanças q fazia o mar. Nota do auctor.
360
tes das marés e guardarem a ordem no alto mar,
que tem ao longo das costas: este dia fiz as opera*
ções seguintes.
Primeira operação ante o meo dia.
Apontando o sol no orizonte,
ho estilo lançou a sombra 6 grãos \
contando de oeste pêra o norte. '
1 Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 13 grãos ;
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me-
tade são 10, que he a quantidade que neste lugar
agulha norestea.
Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na
mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 86
grãos; a declinação deste dia era 4 grãos, 51 mi-
nutos, do que se segue estarmos em 8 grãos, 51
minutos ; o calafate na mayor altura tomou do sol
1 Asi eslava escrito, mas parece-roe que devia ser esta a pr.'
depois de meo dia. Nota do auctor.
36i
ao orizonte 87 grãos, o doctor 85 \, dous mari-
nheiros 85 \: este dia estando o sol em altura de
85 grãos { , esteue quedo hum pedaço sem fazer al-
gua mudança 1 , e a este tempo a sombra do estilo
muito pequena cahia sobre a linha de norte sul, e
desta altura sobio o sol a 86 grãos muito supito, e
estando nelles, a sombra do estilo voltou também
supito e deu antre a linha de leste e lessueste : a
ordem que o sol tem agora que anda propinquo ao
nosso Zenith, he esta: tanto que sahe fora do ori-
zonte, sobe muito de vagar pello hemispherio até
altura de 50 grãos, e dahy até á mayor altura corre
muito de pressa, o qual effecto faz ao contrairo,
quando anda muito aredado de nós.
De noite toda foy o vento oeste galerno ; o quarto
da prima gouernamos ao nordeste, mas o da mo-
dorra e alua ao nordeste quarta de norte ; no quarto
da prima se lançou o mar e andou iriuito chão, e de
meo quarto dalua por diante se tofnou a tropeçar
e fazer escarceo ; e por experimentar que estas dif-
ferenças vam casy de seis em seis Ijoras, tenho por
sem duuida que a ocasião disto sffo as marés.
1 Do andar do sol e da sombra do estilo, Nota do auctor.
362
CAMINHO.
Segunda feira 2 de setembro todo o dia foy o
vento oeste galerno ; gouernamos ao nordeste quarta
de leste; o mar andou muito tropeçado e fazia
grande escarceo : este dia fiz as operações seguintes.
Primeira operação ante o meo dia-.
Apontando o sol no orizonte,
ho estylo lançou a sombra 6 grãos £
contando de oeste pêra o norte.
Segunda operação ante o meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 16 grãos -*
contando de oeste pêra o norte.
Primeira operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 50 grãos
ho estilo lançou a sombra 3 grãos \
contando de leste pêra o sul:
363
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos; vem a
metade 10, que he a quantidade que neste lugar
agulha norestea.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol pêra se pôr,
ho estilo lançou a sombra 13 grãos
contando de leste pêra o sul:
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia i 9 grãos, cuja me-
tade são 9 grãos J , que he a quantidade que neste
lugar agulha norestea.
Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na
mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 83
grãos •£; a declinação deste dia era ,4 grãos, 28 mi-
nutos, do que se segue estarmos em 11 grãos; o
calafate ficou na mesma altura, e o Piloto e hum
marinheiro e o doctor quasy.
Regra pêra se tomar a altura ao meo dia.
Já que não dey Rezão da causa que nos fazia
parecer desandarmos de nosso caminho, e deixey a
determinação delia ao Doctor Pêro nunez, será ne-
364
cesario dar algfia Regra aos homens do mar, pêra
saberem vsar, e se aproueitarem da altura nestes
tempos duuidosos em que o sol anda muito vezinho
de seu zenith; pello que terão aviso que, quando
quer que o sol andar perto de suas cabeças, não
tomarão altura ao meo dia sem h&a agulha diante,
e os que puderem ter hum estilo pependicular so-
bre htia linha de norte sul, será muito milhor; e
isto assy feito, será necessário saberem quanto lhe
norestea a agulha 1 ; e pondo exemplo neste lugar
onde nos agora achamos, em que norestea 10 grãos,
que he quasi híta quarta, e que as sombras vão
pêra a parte do norte, digo que o verdadeiro lugar
do meo dia será quando o sol estiuer ao sul e quarta
do sudueste ; logo a altura do sol que então achar
no estarlabeo, demorandome neste lugar da quarta,
será a verdadeira e do meo dia ; e posto que depois
disto se me Represente que sobio o sol pello meo
estarlabeo, não terey nenhfla conta com isso; e
quando se representar que sobio o sol depois de me
1 Esta observação não pode deixar de merecer attençao, pois
que mostra quanto D. João de Castro conhecia as difficulda-
des das observações no mar, e o modo mais seguro de obvial-as.
Os livros modernos de arte náutica, reconhecendo as dificul-
dades da determinação da altura quando o sol anda perto do
zenith, recomraendam também que se determine por meio da
agulha náutica, a direcção aproximada do meridiano verda-
deiro.
365
demorar á quarta do suduestç, como já tenho ditto,
acharey que não posso ter o Rosto pêra a parte
onde então estiuer o sol, nem menos a Roda do es-
tarlabeo, pêra que o Rayo entre pellos buracos da
medeclina, mas forçadamente me ha de ficar o sol
no lado dereito e nas costas do estarlabeo, pêra que
o Rayo entre pellos buracos da medeclina, o que
em todo o outro tempo não acontece, mas de ne-
cessidade avemos de ter o Rosto e a circunferência
ou Roda do estarlabeo dereitamente ao sol.
De noite toda foy o vento oeste galerno; gouer-
namos ao nordeste quarta de leste: o mar andou
tropeçado e com vaga.
CAMINHO.
Terça feira 3 de setembro todo o dia foy o vento
oeste galerno; gouernamos a lesnordeste; o mar
andou tropeçado, e pella menhãa vimos muitos al-
catrazes, os quaes tinhão ametade da cabeça preta e
as azas negras com algílas malhas brancas.
De noite foy o vento oeste galerno ; gouernamos
a lesnordeste: no quarto da prima vimos muitas al-
farreqas, e no quarto da modorra e alua se lançou
o mar e andou muito chão.
Quarta feira 4 de setembro todo o dia foy o vento
oeste galerno; gouernamos a lesnordeste; e antes
366
de se pôr o sol duas oras, se veo pôr hiia Godorniz
ao bordo da nao ; todo este dia andou o mar trope-
çado até se querer pôr o sol.
De noite toda foy o vento oesnoroeste galerno ;
gouernamos a lesnordeste : o mar andou muito chão
até meo quarto dalua.
CAMINHO.
Quinta feira 5 de setembro todo o dia foy o vento
oesnoroeste galerno ; até meo dià gouernamos a les-
nordeste, e dahy até noyte gouernamos sempre em
leste : logo pella menhãa vimos vir hum alcatraz da
banda de leste, e a oras de meo dia dous france-
lhos; hum delles se pos na nao; também se virão
alfarreqas, mas pequenas, e lambem h&a cousa que
cria o mar, a que chamão tostões, por lhe serem
muy semelhantes: a oras de meo dia tomey o sol,
e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte
79 grãos; a declinação deste dia era 3 grãos {, do
que se segue estarmos em i 4 grãos \ ; o Calafate
tomou a mesma altura e outras duas pessoas e o
Piloto; o doctor na mayor altura tomou do sol ao
orizonte 78 grãos \: este dia fiz as operações se-
guintes.
367
Primeira operação ante o tneo dia.
Estando o sol em altura de 40 grãos
ho estilo lançou a sombra 18 grãos {
contando de oeste pêra o norte.
Segunda operação depois de meo dia.
Estando o sol em altura de 40 grãos
ho estilo lançou a sombra i grão -5
contando de leste pêra o sul :
Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me-
tade he 10 grãos, que he a quantidade que neste
lugar a agulha norestea.
De noite todo o quarto da prima foy o vento oes-
noroeste bonança; gouernamos em leste: mas pas-
sados quatro Relógios da modorra, ventou da banda
do Noroeste Rijo, e trouxe alguns chuueiros; go-
uernamos a este tempo, ora a leste quarta de nor-
deste, ginando sempre pêra a banda de leste: esta
noite se fez o mar branco nestes dous quartos 1 .
■^^ — - — -
1 Périplo do Mar Erythreu, referindo-se ao promontório
chamado Aromata (Cabo Guardafui), diz que ancoragem ali,
368
CAMINHO.
Sesta feira 6 de setembro todo o dia foy o vento
oesnoroeste; gouernamos sempre em leste, e de-
ramnos três chuueiros pequenos : logo pela menhãa
vimos hum pássaro de terra, como milheira, e dous
ou três alcatrazes e tostões.
Notação do ponto que trazia.
Oje sesta feira 6 de setembro me fiz por meu
ponto na barra de Goa, dando de abatimento á nao
toda htla quarta, e ás vezes alg&a cousa mães, e
isto do dia que parti da linha equinoctial, leuando
sempre o vento á popa e mar bonança; e por ou-
tro ponto que leuaua, partindo do mesmo lugar da
linha, no qual não daua nenhum abatimento á nao,
fuy terça feira, que fôrão três dias deste mês, ao
meo dia varar em terra na Ilha do Arrecife ; e em
cada hum destes pontos daua menos caminho á nao,
do que o vento, o mar e a Rezão queria, do que
em certos tempos, é muito perigosa, e que: «O pronostico par-
ticular de um temporal n aquellc logar é a mudança dê côr
das aguas.»
3G9
se segue duas cousas: a híta, ou que foy verdade
que tornamos muito atrás, como se mostrou pella
altura que tomamos os dias passados, ao que não
dando credito fazíamos o caminho por diante por
nossa extimatiua; a outra, ou que as agoas correm
tanto pêra o norte e enseada de Gambaya, que nos
fazia abater muito mães do que cuidauamos e da-
uamos o caminho á nao : já pode ser que este erro
trouxéssemos das Ilhas do comaro até á linha, e a
Rezão que me isto faz parecer, he que achauamos
grande caminho que a nao fazia em cada hua das
singraduras, e como quer que ainda então não ve-
nhamos apercebidos pêra darmos o resguardo do
norestear da agulha e corrente das agoas pêra a
banda do norte quanto coimem, pois vemos que o
vento nao he capaz e poderoso pêra nos fazer an-
dar tamanho caminho como a altura nos mostra e
o Rumo por onde a proa da nao vay enderençada;
e daquy vem que, chegando á linha, temos nosso
ponto mães pêra leste do que he o lugar onde ver-
dadeiramente a cortamos, e portanto, começando
dahy a dar abatimento á nao por caso do correr
das agoas e do que norestea agulha, quando nos
achamos na altura de Goa, ficamos tanto á Ré pêra
loeste, quanto he o erro que trazemos das Ilhas do
Comaro até a linha, per differença de meredianos;
e se esta Rezão não vai, crerev ser este caminho
mais comprido do que cuidamos ; o meu Piloto já
n. 24
370
ontem se fazia com terra, e os marinheiros que car-
teauão ha três dias que são com ella, e em todas
as nãos de três dias a esta parte vem sondando,
que he sinal de se fazerem com terra.
De noite, anoitecendo, nos deu hum chuueiro,
que trouxe vento teso como oesnoroeste, e durando
até quatro Relógios da prima, abonançou, e dahy té
pella menhãa se fez o vento norte bonança ; toda a
noite gouernamos em leste, e o mar andou muito
chão.
CAMINHO.
Sabbado sete de setembro todo o dia fov o vento
norte bonança; até meo dia gouernamos a leste, e
dahy até noyte a leste quarta de nordeste; todo o
dia andou o mar muito chão: amanhecendo, vimos
hum alcatras branco, que vinha da banda de leste,
e depois vimos outro pardo 1 e grande numero de al-
farreqas: este dia a oras de meo dia tomey o sol, e
na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 77
grãos e meo, do que se segue estarmos em i 5 grãos
justos; o mestre ficou na mesma altura e outras
duas pessoas 2 . Mas o Piloto na mayor altura tomou
do sol ao orizonte 78 grãos, e o Calafate 77: esfc^^
1 Aves que aparecerão. Nota do auctor.
2 Alturas conformes e diversas. Nota do auctor.
371
1 * 1
(
lia, quercndose j>ôr o sol, ho estilo lançou a som-
bra 12 grãos j de leste pêra o sul.
De noite Ioda íoy o vento nornoroeste bonança;
todo o (juarto da prima gouernamos a lesnordeste,
mas a modorra e alua a leste quarta de nordeste;
o mar andou muito chão.
CAMINHO.
Domingo 8 de setembro todo o dia fov o vento
norte bonança; até o meo dia gouernamos a leste
quarta do sueste e ás vezes a leste e a leste quarta
do nordeste; mas dahv até oras de completas go-
uernamos a leste quarta do sueste, e alargando o
vento, dahy até noyle gouernamos a leste quarta de
nordeste: este dia pella mcnhãa vimos três passari-
nhos que andão pellas pravas á borda do mar, e
ora correm após as ondas, ora as ondas tornão após
elles, creo que em Portugal lhe chamão borrelhos,
e assy vimos hum alcatras: a meo dia tomey o sol,
posto que duuidoso por parecer mal, e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 77 grãos: a de-
clinação deste dia era 2 grãos, 10 minutos, do que
se segue estarmos em 15 grãos £; outras duas pes-
soas ficarão na mesma altura.
De noite Ioda foy o vento nornoroeste galerno, e
ora largaua, ora tornaua a escasear; toda a noite,
24*
372
goucrnamos a leste quarta de nordeste, e á mea
partida de lesnordeste.
CAMINHO.
Segunda feira 9 de setembro todo o dia foy o
vento norte galerno, e tomaua do nordeste; gouer-
namos a leste quarta de sueste: pella menhãa vimos
hum borrelho e hua tartaruga, e sol posto aparece-
rão muitas cobras 1 e hum alcatras, e todo dia mui-
1 He opinião de muitos q sahindo os rios da índia fora dos
seus cursos, por caso das grandes enuernadasq nella lia, tra-
zê estas cobras ao mar, dos campos que são cobertos delias;
mas a verdade he q se crião e nacè no mar, pr. q a terra e
mar da índia naturalmente crião estas serpentes e cobras, nas
quaes se acha todo género de peçonha (*). Noto do andor .
(*)É a região oriental dos naturalistas e principalmente a
sub-região de Ceylão e sul da índia muito infestada de reptis,
a ponto de dizer A. R. Wall are, no seu interessanto. livro The
Geographical Distribution of animais , o seguinte acerca da ci-
tada sub-região: «É pelos seus reptis, mais ainda que pelos
seus mais altos vertebrados, que esta sub-região está clara-
mente caracterisada. De serpentes possue uma familia com-
pleta, Uropeltidae, constando de 15 géneros e 18 espécies. . . >
(Liv. cit., vol. i, pag, 327). Referindo-se aos reptis de toda a
região oriental, faz o auetor notar que se encontram n*eHa:
pequenas serpentes da terra, serpentes de agua doce, serpen-
tes nocturnas nas arvores, serpentes que vivem nas rochas,
cobras venenosas, víboras, todas estas em abundância e cara-
373
tos tostões 1 : a meo dia tomey o sol, e na mayor al-
tura se aleuantaua sobre o orizonte 76 grãos; a de-
clinação deste dia era 1 grão, 45 minutos, do que
se segue estarmos em 1 5 grãos 7 ; o Calafate e qua-
tro pessoas outras ficarão na mesma altura.
clerislicas, estendcndo-se por toda a região (Idem.., pag. 317).
 abundância de reptis na índia chamou sempre a attenção
dos viajantes, e deu logar a lendas mais ou menos extraordi-
nárias. Marco Paulo, na sua celebre viagem, conta que: «os
homens que vão em busca de diamantes (em certos valles pro-
fundos) levam bocados de carne, tão pequenos quanto possí-
vel, para deitar no fundo do valle. Ha um grande numero
de águias brancas que habitam as montanhas e comem as ser-
pentes. Quando as águias vêem a carne precipitam-se sobre
ella e levam-n'a para alguma alta rocha onde principiam a
despedaçal-a. Ha, porém, homens de vigia, e logo que vêem
as águias pousarem, soltam altos gritos para as enxotar. E
quando as águias fogem os homens retomam os pedaços de
carne e encontram-os cheios de diamantes, pegados á carne no
fundo do valle. A abundância de diamantes no fundo dos valles
é espantosa mas ninguém pode ir buscal-os; e se alguém o faz,
é só para ser em continente devorado pelas serpentes que ali
são tão abundantes.» ( Viag. de Marc. Paido, liv. 111, cap. xix.)
Esta lenda das serpentes é antiga e já no iv século se encon-
tra num livro de S. Epiphanio. Fr. Oderico, viajante italiano
do xiv século, fallando de Ceylão, diz que ha ali «una genera-
zione di serpente eh' anno collo di cavallo e capo di serpente
e corpo di cane e cola di serpente ed anno quatro piedi e sono
grandi come buoi e piccoli come asini.i Conti, outro viajante
italiano, também falia da abundância de serpentes em Cou-
lão.
1 Sinaes que aparecerão. Nota do andor.
374
De noite toda foy o vento noroeste galerno; o
quarto da prima gouernamos a leste quarta do sues-
te, mas a modorra e alua gouernamos ora em les-
sueste, ora em leste quarta do sueste.
CAMINHO.
Terça feira 1 de setembro até o meo dia foy o
vento como nornordeste ; gouernamos a lessueste e
a leste quarta de sueste; mas de meo dia até noite
fezse o vento nornoroeste e noroeste; gouernamos
ao sueste e ao sueste quarta de leste ; o vento todo
o dia foy bonança: este dia pella menhãa vimos mui-
tas toninhas e hum ayuão e borboletas e alguas co-
bras : ás oy to oras do dia sondamos e tomamos fundo
em 50 braças, e não tardou espaço de mea ora que
não vissemos terra, a saber, os Ilheos queimados ;
sol posto de todo, seriamos 5 legoas da terra e obra
de ora e mea dos Ilheos queimados; e demoran-
dome o Ilheo A, que está ao sul de todos, a leste
quarta do sueste, fazião a mostra que aquy está
pintado, e assy mesmo o pedaço da terra firme que
se lhe opunha.
De noite todo o quarto da prima e modorra foy \
o vento noroeste bonança; gouernamos pellos Ru-
mos que estão do sueste atee o sul; no quarto dalua
fezse o vento leste, e logo surgimos obra de híla
legoa e mea da barra de Goa.
"5
61
l
i
* i,
\ s
CAMINHO.
Quarta feira i i de setembro até oras de vespora
foy o vento calma, e dahy começou a viração muito
bonança e logo nos fizemos á vella; duas oras da
noite surgimos na barra de Goa, mães por a bon-
dade de nosso senhor que por nossos merecimen-
tos, arte e saber, onde se acabou a nossa viagem e
este livro.
LAUS DEO.
^élI>i»e:ivi>ioe
UNHAS ISOGONICAS
NO
EGULO XVI
Durante a sua primeira viagem de descoberta ás
índias occidentaes, Christovão Colombo observou a
13 de setembro de 1492, estando a duzentas lé-
guas ao oeste do meridiano da ilha do Ferro, que a
direcção das agulhas variara de leste a oeste, isto 6,
que as agulhas « se inclinavam um pouco para o no-
roeste '. » Reflectindo sobre esta observação na his-
toria da sua terceira viagem, o grande navegador
escrevia o que se segue: «Quando eu navegava da
Espanha para as índias, notei, cem léguas a oeste
dos Açores, grandes mudanças no ceo e nas estrei-
tas, na temperatura do ar e nas aguas do mar. Tive
o maior cuidado em observar tudo isto. Achei então
que do septentrião ao sul, logo que se passavam as
1 Collecion de ks viajes coordenada por Navarrete, tom i,
pag. 100.
380
mencionadas cem léguas para além das ilhas, as
agulhas de marear, que até então se inclinavam para
o nordeste, d'ahi por diante se desviavam um qua-
drante inteiro, ao chegar-se a esta linha 1 ,» phe-
nomeno da declinação das agulhas acabava de ser
reconhecido e ao mesmo tempo a existência de uma
linha perto dos Açores, na qual se não manifes-
tava declinação alguma. Humboldt atlribue aos chi-
nezes a descoberta da declinação magnética da agu-
lha; e acerescenta que os navegadores Índios, ma-
laios e árabes haviam ido á China buscar o conhe-
cimento doeste phenomeno, que já se encontra men-
cionado por Andrea Bianco em 1463*. E comtudo
foi somente nos fins do século xv que a variação
das agulhas de marcar começou a attrair a attenção
dos navegadores. Livio Sanuto, referindo-se ás in-
formações de Guido Gianetti, que no começo do sé-
culo xvi residia na corte de Inglaterra, conta que
Sebastião Cabot foi quem descobriu o segredo da
variação das agulhas, e que esta era differente con-
forme os diversos logares da terra 3 . A linha do zero
l ldem, pag. 42.
2 Cosmos, tom. iv, pag. 62 da trad. franc.
3 Fu di tal secreto il reconoscitore, qual egli palesò poi ai
sereníssimo Re d'Inghilterra, presso ai quale (come poi da al-
tri intezi) esso Gianetti ali' hora honoraiissimo si ritrova; et
egli d i mostro insieme, quanta fvsse questa distanza, e che non
ajpareva in ciascun Ivogo la medesima.* Lib. prim.. fl. 2.
Ó81
da declinação, que se julgava estar sobre o meri-
diano, passava, segundo Cabot, cento e dez milhas
a oeste da ilha das Flores 1 . Sebastião Cabot, ao ex-
pirar, ia persuadido que recebera a revelação di-
vina de um methodo novo e infallivcl para a deter-
minação da longitude, o qual porém não lhe era
permiltido revelar a ninguém 2 . A determinação da
longitude no mar, a que muitos chamavam o « ponto
fixo» e outros a f navegação leste-oeste» era um dos
problemas cuja solttcção apresentava mais dilficul-
dades, e assim o considerava André de Sainl-Mar-
tin, um dos companheiros de Fernando de Maga-
lhães, durante a sua celebre viagem de 1519. An-
tónio Pigafelta, outro companheiro de Magalhães, o
qual escreveu a historia d'esta viagem e a offereccu
a Carlos v em 1522. informa nos (pie o celebre na-
vegador conhecia o phenomeno da declinação da
agulha de marear, se bem que erradamente o attri-
buissc á pouca intensidade da altracçâo magnética
no hemispherio austral 3 . No seu Tratado de nave-
1 nella qualc (carta da navi^are) si reconosoi il luo-
go de) detlo meridiano essor per miglia cento e dieci lontano
verso Occidente dalla Isola detta Fiori di quelle pur delli Azo-
ri» cito à pag. 178 de Memoirs of Sebastian Cabot. Londres,
1832.
2 The remarquable life of Sebastiau Cabot par Nicholls, eh.
10, pag. 186.
3 La nostra calamita volgeasi sempre ai polo artico, devian-
do pêro alcun poço dal punlo dei setentrione. Ciò ben sapeva
382
//afifo, António Pigafetla propõe como meio de de-
terminar a longitude, a declinação da agulha de ma-
rcar. Julgava elle que existia no ceo um ponto da
repouso para o qual a agulha se dirigia sempre.
Este ponto estava situado ao norle e pouco mu is ou
menos na direcção do meridiano de Tenerifle, que
por este motivo era considerado como o primeiro
meridiano. Partindo d'esla hypothese, Pigafetta sup-
punha que a declinação da agulha indicava por toda
a parte a longitude 1 . Pedro Nunes, espirito esclare-
cido, mathematico distincto e observador sem pre-
juízos, mostra claramente no seu Datado em defen-
il nostro capitano generale e perciò quando ci veleggiando in
mezzo ai maré egli domando à tutti i piloti ai qu&li già indi-
cato a\eva il punto acui doveano tondere per cual camino pun-
tassero nelle loro carte: ri pose r tutti che puntavano ai luogo
da lui ordinato: ed egli disse che puntavano falso eche conve-
niva ajutarc Vago calam i lato, il quale in lai posizione non era
atlrato con tanta forza quanto lo è dalla sua parte, cio é nel-
remisfero boreale. » Navigazione in tomo ai globo, Pigafetta,
pag. 46.
1 La bússola può somministrare un methodo ancor piíi fá-
cil e per trovare la longitudine dei luogo in cui tu stai. Si sa
cbe la bússola ossiaTago calamitato, che in essa sta dirigem a
un dato punto per la tendenza cbe ha la cala mi ta ai polo. La
ragione di questa tendenza si è perche la cabmila non trova
in cielo altro luogo in ri poso fuor che il polo; et perciò a quel-
lo slmlirizza. È questa una spiegazione dei fenómeno cbe io
propongo; e la credo vera, tincchè 1'esperienza non ci faceia
conoscere qualebe spiegazione meglior. Traitato di navigazio-
ne di Pigafetta, sub finem, Nav. in torno ai globo.
I
383
■ ■
mo da carta de marear o ponco valor das observa-
ções magnéticas, não somente porque o phcnumeno
da variação era mal conhecido, mas também pela
imperfeição dos instrumentos e dos methodos que
no seu tempo se empregavam. «Com relação ao des-
vio das agulhas para nordeste ou para noroeste, diz
Pedro Nunes, lenho como coisa certa que ellas não
se dirigem para o polo, por isso que nunca vi n^stc
paiz uma agulha sem declinação para o nordeste.
Pelo que respeita á quantidade d'esla variação, ainda
que os pilotos o affirmem com insistência, eu não os
acredito, porque cmquanto que uns dizem que a de- ,
clinação é muito grande, outros dizem que ella é
muito pequena nos mesmos logares. E effectivamente
possível que algumas agulhas façam mais difterença
que outras, mas a este respeito não podem clles sa-
ber a verdade com o processo que empregam, o qual
não passa de ser a determinação, á simples vista,
da relação angular entre a agulha c uma eslrella,
por isso (pie a estreita além de estar quasi sempre
fora do meridiano, é preciso ter-se em conta que no
acto de se voltar a bússola para a determinação do
angulo, é possível um grande erro, que se não pode
verificar por meio de uma eslrella, mas sim por
meio do sol 1 .* Apesar das observações de Pedro
1 Tratado em defensão da carta de marear, Pedro Nunes.
Lisboa, 1537.
«Acerca do nordeslear c uorestear das agulhas, diz Pedro
384
Nunes a opinião dos que julgavam que a variação
da agulha poderia servir para determinar a longi-
tude continuou a manter-se no espirito dos navega-
dores.
Durante a sua viagem de Lisboa a Grta, D. João
de Castro observou com o maior cuidado a variação
da agulha de marear, fazendo uso dos methodos e
dos instrumentos propostos por Pedro Nunes, e ve-
mos no seu Roteiro que o grande capitão c grande
navegador notou que «a variação das agulhas não
corresponde á differença dos meridianos.» Este fa-
cto, resultado das observações de D. João de Cas-
tro, não podia deixar de exercer uma certa influen-
cia sobre a errada theoria da determinação das lon-
gitudes pela variação das agulhas, ou antes da re-
lação entre os meridianos geographicos e o que en-
tão se chamava os •meridianos magnéticos.»
Comtudo no Breve compendio de esfera y de la
Nunes, tenho por certo que ellas não demandam lio polo, por-
que nam vi agulha que n'csta terra não nordestease. Na quan-
tidade de nordestear posto que os pilotos ho afirmam muito
não lhes dou credito, porque liDs dizem quenordestea muito,
e outros que pouco, em hus mesmos logares. Bem pode ser que
lulas façam mais differença que as outras; mas elles não po-
dem saber a verdade disto, pela arte que dizem que para isso
tem, a qual lie bornearem com a vista a agulha com a estre-
la; porque, além da estrela andar o mais tempo fora do me-
ridiauo, no bornear cabe muito engano, e não se pode verifi-
car bem por estrela senão pelo sol» (3).
385
arte de navegar, de Martin Cortez, publicado e m
1551, encontramos reproduzida de novo a opinião
de Pigafetta. Cortez diz : « para que se possam com-
prehender as differenças que as agulhas de marear
apresentam com relação ao polo, deve imaginar-se
(eslando sobre o meridiano onde as agulhas se vol-
tam para o polo) um ponto por debaixo do polo do
mundo c que este ponto está fora ou além de todos
os ceos, contidos sob o primeiro movei ; o qual ponto
ou parte do ceo, possue a virtude attractiva sobre o
ferro tocado pelo iman, correspondente a esta parle
do ceo que se suppõe além de todos os ceos que são
postos em movimento pelo primeiro movei, porque
se se imaginasse em um dos ceos postos em movi-
mento que o ponto de attraoção se deslocava acom-
panhando o primeiro movei, a agulha realisaria o
mesmo movimento em vinte e quatro horas. Com-
tudo não é isto o que se observa. Por consequência
este ponto não está nos ceos moveis e tão pouco
está no polo, porque se assim fosse, a agulha não
se voltaria nem para o noroeste nem para o nor-
deste.
Por conseguinte a causa da declinação para no-
roeste e para nordeste, a causa do afastamento da
agulha do polo do mundo é que, estando sobre o
dito meridiano, o ponto de attracção e o polo estão
neste mesmo meridiano, e a agulha, voltando-se para
este ponto, dirige-se directamente para o polo, e
b. 28
386
afastando-se (Teste meridiano para o levanle (por
isso que o mundo é redondo) o polo do mundo fi-
car-lhe-ha á esquerda, e o ponto onde reside a vir-
tude attractiva ficará á mão direita (para o vento
nordeste) e a distancia parecerá tanto maior quanto
mais se caminhar para o levante, até que se che-
gue a PO , ou á maior declinação para o nordeste.
Passando este limite parecer-nos-ha que a agulha
vae aproximando-se do ponto attraclivo e da linha
mcridiana, c que a agulha vae corrigindo successi-
vãmente a sua declinação para o nordeste, até que
se dirige na direcção do meridiano, na parte op-
posta áquella por onde começou. > ti Gortez conclue
o capitulo, em que se occupa da variação da agu-
lha dizendo: «a opinião de atguns marinheiros é
que o meridiano, onde as agulhas se dirigem para o
polo, passa pela ilha de Santa Maria e outros pen-
sam que elle passa pela ilha do Corvo, nos Aço-
res 1 .»
1 1 Para enlendimiento destas diferencias que las agujas di-
fieren dei polo hace de imaginar (estando en el meridiano de
las agujas senalan el polo) vm punto baxo dl polo dei mudo
y esto fuera de todos los cielos centenidos baxo dei primor mo-
bile. El qual punto o parte dei eielo tiene vna virtud attra-
ctiua q attrahe a si el fierro locado c<5 la parte d'la piedra ymã
correspondiête a aqlla cierta pte dei cielo imaginado fuera
d' todos los cielos mouidos dei puier mobile: porq si en qual-
quer d*los cielos mouidos se imaginase mouerse ya el puto at -
387
Opiniões idênticas persistiram durante todo o sé-
culo xvi. Assim vemos que Pedro Menendez d'Avi-
lez, que commandava os galeões espanhoes em 1 584,
propunha um methodo para se conhecer o caminho
feito no mar de leste para oeste, o qual tinha por
base a variação da agulha magnética.
Menendez julgava que a agulha tinha um meri-
diano fixo, e que a sua variação maximum não ex-
cedia nunca a sexta parte de um quadrante. Ora
sendo conhecida a ordem d'esta variação tanto para
tractiuo ai mouimiêto dei p'iner mobile, y por consiguiête el
agoja liaria el mesmo raouimigto en veinte y qtro horas: do
se vee asi : luogo este puto no esta elos ciclos mouibles, ni ta
poço. enl polo, pnrq si enl es tu ui esse, el aguja no nord'stearia
ni noruestearia: luego la causa d'l nordestear y noruestear, o
apartarse dl polo dl mudo a que estando enl dicho meridiano»
el punto attracliuo y el polo cstau en aquel mismo meridiano,
y scnalãdo el aguja el punto, senala d'rechamète el polo: y ca-
minado d'aqle mismo meridiano ai leuate (como el mudo sea
rotòdo) vase quedando el polo dei mudo a la mano ysquierda:
y el puto de la virtud attractiua no estará a la mano direclia
(q es fazia ai vièto nonPeste) y quanto mas ai leuante camina-
remos mayor nos parescera la distancia hasta llegar a nouenta
grados y alli será o que mas no rd esteara; y pasando de ali 1
mas adelante, nos parescera que se va allegando el punto at-
tractiuo a la linea meridiana : y ai tanto yra el aguja emen-
dando el nordestear hasta tornar ai mismo meridiano, en la
parte opposila de do começa ron ete.»
cEs opinion d algunos marineros que el meridiano (do en-
senam las agujas el polo) pasa por la ysla d'santa maria, y otros
por la y w la dei cuervo en los azo r es.» (i)
25.
388
leste como para oeste do meridiano fixo, podia che-
gar-se, segundo a sua opinião, á determinação da
longitude l .
Gilberto no seu interessante livro De magnete,
publicado em 1600, fatiando do polo magnético
diz: «mas a experiência ensina que não ha polo
certo ou termo fixo sobre a terra para a variação*» .
E affirma em seguida que, assim como o magnete
se dirigia antes para o oriente ou occidente, do
mesmo modo o arco da variação fica no mesmo lo*
gar e na mesma região, quer seja no mar, quer se-
ja no continente; e por isso ficará perpetuamente
inalterável se não sobrevier a destruição de um con-
tinente ou a mina das terras, como aconteceu com
a região da Atlântida, de que Platão e os antigos
nos conservaram a recordação 3 . Durante o século
xvn, muitos methodos se inventaram, a fim de de-
terminar a longitude geographica pela variação da
1 Memorias sobre a longitude, por Navarete na Collecion de
documentos inéditos para la historia de Espana, tom. xxi.
2 . . . «sed experiência docet nullum certum esse polum, aut
ter mi num in tellure pro variatione fixvrn.* Liv. iv, cap. i, pag
152.
3 Ut olim inclinaverit versus orientem aut occidentem; ita
etiam nunc arcus variationis idem manet in eodem loco et re-
gione, sive fuerit in mari aut continente, et ita erit in perpe-
tuum immutabilis, nisi magna fuerit continentis dissolutio et
interilus lo irar um, qualis fuit Atlantidis regionis, dequaPlato
et veteres oommeraorant.» Liv. iv, cap. m, pag. 159.
380
agulha; e este erro dominou não somente o espi-
rito dos fazedores de projectos os mais ousados e
os mais insensatos, mas ainda os espíritos mais es-
clarecidos 6 que mais familiares eram com a arte da
navegação; devendo mencionar- se, entre outros, o
cosmographo portuguez António de Mariz Carneiro,
que escreveu o Regimento de Pilotos, o qual cosmó-
grafo de tal modo se havia apaixonado por esta ques-
tão, que por escarneo o alcunharam o senhor Agu- .
lha fixa.
Os problemas que diziam respeito á navegação
constituíam n'esta época o assumpto principal de
estudo, para todos os que sa interessavam nos pro-
gressos económicos e scientificos dos povos civilisa-
dos da Europa, sobretudo de Portugal e Hespanha.
João de Barros fallando de Fernão de Magalhães diz-
nos que elle «sempre andava com Pilotos, cartas de
marear, e altura de leste, oeste, matéria que tem lan-
çado a perder mais portuguezes ignorantes, do que
são ganhados os doutos por cila, pois ainda não vi-
mos algum que o pozesse em effeilo 1 .» Isto confir-
ma o que nós acabámos de dizer. Em presença des-
tas opiniões e das esperanças que os navegadores
1 «sempre andava com Pilotos, Cartas de marear, e altura de
Lesto, Oeste; matéria qne tem lançado a perder mais Portugue-
zes ignorantes, do que são ganhados os doutos por ella, pois
ainda não vimos algum que o pozesse em effeilo. i Dec. 5, 8.
390
haviam concebido sobre a exacta determinação dos
meridianos geograpbicos por meiorda variação da
agulha de marear, concebe -se facilmente o interesse
que se ligava ao conhecimento do valor e do senti-
do da declinação magnética em cada logar da ter-
ra. Infelizmente as agulhas de que se fazia uso eram
muito imperfeitas, o modo de as magnetisar muito
irregular e as suas propriedades magnéticas bem
pouco seguras. Não tinham boas graduações, não
eram suficientemente moveis, e a isto deve ainda
juntar-se que em algumas agulhas a flor de lis, que
indicava o norte, não correspondia exactamente á
ponta da agulha.
Além d'isso, a dificuldade invencível de determi-
nar exactamente as longitudes, que apenas se co-
nheciam pela avaliação muito contingente do anda-
mento do navio; a idéa mesmo, de que a variação da
agulha dava ou podia dar a longitude, e a ignorân-
cia absoluta em que se estava sobre a mudança de
posição das linhas isogonicas; todas estas circuins-*
tancias tornam muito pouco dignas de confiança as
observações de declinação que se encontram nos
roteiros do século xvi. Estas observações comtudo
são numerosas, principalmente com relação ao Atlân-
tico e ao Oceano Indico, e nós podemos servir-nos
delias para fazer idéa com uma certa approxima-
çãu das linhas isogonicas no século xvj.
Todas estas observações, comtudo, devem ser con-
391
sideradas apenas como simples indicações de que
podemos utilisar-nos para conhecer a posição ap-
proximada das linhas isogonicas. A imperfeição dos
instrumentos e dos methodos que serviam para de-
terminai 1 as latitudes e sobretudo as longitudes, a
pouca perfeição no fabrico das agulhas e o pouco
conhecimento que n'essa época se tinha das leis do
magnetismo, tudo isto contribuía para lançar uma
grande incerteza sobre as observações dos navega-
dores c deve levar-nos a pôr em duvida a exactidão
absoluta dos números que se acham inscriptos nos
roteiros. Todos os escriptores se copiavam uns aos
outros, e como elles não fixam com precisão a data
das observações, e como a declinação varia nos mes-
mos togares com o tempo, estas duas circumstan-
cias vêem augmentar para nós ainda a incerteza
d'estus mesmas observações. Ainda assim procura*
mos reunir o maior numero possivel d'estas obser-
vações, coordenando-as approximadamente por da-
tas c procurando reduzil-as a pontos geographicos
determinados. O resultado d'este trabalho acha-se
no fim da prezente memoria.
A supposição da existência de uma relação entre
a variação da agulha e a longitude prevaleceu, com-
tudo, durante bastantes annos e deu logar ás nu-
392
i
merosâs observações citadas por nós. Julga va-se ao
principio que a cada meridiano geographico corres-
pondia um meridiano magnético, mas esta hypothe-
se não pôde resistir por muito tempo ás numero-
sas observações dos pilotos. No entretanto, mesmo
na época da viagem de D. João de Castro, esta opi-
nião ainda não estava completamente posta de ban-
da. Bastantes annos mais tarde, quando Gilberto
publicou a sua obra, ainda este sábio julgou ne-
cessário insistir sobre a não concordância dos me-
ridianos terrestres e das linhas de egual declina-
ção 4 .
O segredo de Gabot occupou por muito tempo a
imaginação dos navegadores e dos cosmographos,
até que veiu a reconhecer-se que no mesmo logar
geographico a declinação varia com o tempo, como
já antes se tinha reconhecido que no mesmo meri-
diano terrestre nem sempre se encontrava a mesma
declinação.
1 Tamen variatio variis modis incerta seraper est. Tam pro-
pter longitudinem quam latitudinem, et propter accessum ver*
sus terras magnas, terraemarumque eminentiarum raagis pre-
valentium habitudinem ; nec merídiani alicujus regulam se-
quitur quemadmodum antea demonstravimus. Ob. cit.< pâg.
107.
393
Humboldt diz que Alonso de Santa Cruz f : «tra-
çou em 1530, um século e meio portanto antes de
Halley, a primeira carta geral das variações, com-
posta é verdade com materíaes bastante incomple-
tos. » Referindo-se a uma época posterior, conta o
padre Kircher no seu tratado Magnes *, que no seu
tempo se attribuia ao padre Gbristovão Burro uma
certa invenção para se conhecer a longitude por meio
da agulha magnética, e que esta invenção burriana
aspirava ao premio de 500:000 ducados, promelti-
do pelo rei de Hespanha. Esta invenção consistia,
segundo Kircher «em traçar sobre uma carta geogra-
phica, feita para este fim, as variações magnéticas
observadas nos diversos pontos da terra, e em tra-
çar linhas pelos pontos de egual declinação, a que
se dava o nome de « pontos chalybocliticos. »
Este Christovão Burro, de que falia Kircher, não
pode deixar de ser o jesuíta Christovão Bruno, que
em 1628 escreveu cm Lisboa um livro intitulado
Arte de Navegar, no qual se occupa largamente da
maneira de determinar o caminho no mar, na direc-
ção de leste a oeste. A este mesmo auctor allude
Humboldt, designando-o pelo nome de Burro em
vez de Bruno. O padre Bruno fez, com effeito, o es-
1 Cosmos, pag. 64.
2 Magnes de A. Kirclwr, liv. h, prob. vi, pag. 443, ediç. de
1643.
394
hoço de uma carta de linhas de egual declinação,
antiei pando- se assim perto de meio século á tenta-
tiva análoga do illuslre Halley. Entre os mss. da Aca-
demia Real das Sciencias de Lisboa encontram se
certas instrucções dadas pelo padre Chrislovão aos
pilotos portuguezes e hespanhoes, onde se vêem por
elle próprio estabelecidos os princípios, que serviram
de base a composição da carta de navegação de les-
te a oeste, e que ao mesmo tempo mostrara a posi-
ção em que no seu tempo a agulha se conservava em
certos logares geographicos 1 . As instrucções do pa-
dre Bruno eram destinadas a rectificaras linhas de
egual declinação, que elle traçara sobre a carta,
O padre Bruno pretendia inquirir tse a agulha
varia n'umá certa proporção, conforme o que con-
vém a esta seiencia, tanto com relação aos marcos,
isto é, as linhas em que a agulha está fixa, na ver-
dadeira direcção norte-sul, como fora d'csta direc
ção que a agulha apresenta afaslando-se dos mar-
cos; de tal maneira que mostra com uma certa uni
formidade uma variação tanto maior, quanto mais
afastada está dos marcos. Tudo isto se acha indica -
do na nova carta de navegar mandada Jazer por
1 Regimento que o P. Christovão Bruno da Comp. de Jesus,
por ordem de S. AL, dá aos pilotos das nãos da índia para fa-
zerem as experiências sobre a invenção de navegar de leste a oeste,
Mss. da Aead. Real das Scienc, que pertenceram ao marqurz
de Caslello Melhor.
395
minha ordem. » O padre Bruno queria conhecer os
resultados do seu novo instrumento, destinado a ob-
servar a declinação e ao qual elle dava o nome de
fimmbrio. O mesmo padre Bruno dá-nos da carta
que elle traçou uma noticia nos seguintes termos:
«nós traçámos de novo marcos divididos em graus
de uma certa grandeza, marcos sobre os quaes nós
dizemos que a agulha deve estar; achamos que para
elles concorrem as direcções das observações obser-
vadas até ao presente por Vicente Rodrigues e seus
discípulos, e mesmo porque n'um d'estes marcos, o
que passa a oeste das Flores, se encontram todos os
pontos nos quaes a experiência dos pilotos mostram
que a agulha se conserva fixa. Parece pois que a ra-
zão nos mostra duas coisas : em primeiro logar, que
a agulha não dexe estar fixa n'uma linha qualquer
correspondente ao meridiano da carta, cortando o
equador em angulo recto (como se suppunha até
hoje, o que tornou impossivel o conhecimento da
proporção da variação da agulha), mas em outra li-
nha mais aproximada da direcção de nor-nordeste
a su- sueste. Em segundo logar o que também deve
ser certo, o raciocínio mostra- nos que a graduação,
que nós traçamos sobre os marcos deve ser boa, por-
que não obstante a differença dos graus de um mar-
co para outro, o sobre o mesmo marco, do norte ao
sul, todos os graus do Indo septcntrional são egunes
ou Ire si, do mesmo modo os do lado austral, o que
396
é sufficiente para que a proporção seja egual. N'um
livro que conto publicar sobre esta matéria eu da-
rei razão de tudo isto. Nós ajuntámos á nossa carta
a indicação da maior differença de longitude, ou da
distancia na direcção de leste para oeste que se acha
nas costas do cabo da Boa Esperança, e que não
está indicada nas cartas ordinárias; e achámos a
prova d'isto nas experiências que eu próprio e os
meus companheiros fizemos na ida e na volta da ín-
dia. Tendo nós passado n'essa altura, á vista da ter-
ra por bastante tempo, e tendo caminhado ao longo
da costa muito lentamente no navio S. Thomé á
nossa volta, observámos todos n'esta occasião, que
esta parte da Africa é bem mais larga, que o que se
vê nas cartas ...»
O padre Bruno linha uma tal confiança na varia
ção regular das agulhas, que elle contava com isto
para corrigir as cartas marítimas, que a experiência
todos os dias mostrava aos navegadores, serem inex-
actas, principalmente com relação ás longitudes. O
modo pratico que elle recommendava aos pilotos
para obterem esta correcção era o seguinte : « Para
se saber no mar o ponto em que se acha o nosso na-
vio, basta-nos tomar com o compasso o marco cor-
respondente ás paragens, em que se navega, tantos
graus quantos os da variação nordeste ou noroeste
da agulha; tomamos a medida partindo do equador
para o norte e para o sul, conforme o navio está ao
397
norte ou ao sul, conservando o compasso assim
aberto, fixaremos uma das suas pontas sobre o mar-
co, na altura do parallelo em que o navio se acha ;
e com a outra ponta na direcção de leste ou de oes-
te encontramos sobre o parallelo o ponto em que nos
achamos. »
Ha quatro marcos ou linhas sem declinação, con-
forme as instrucçõcs do padre Rruno: 1.° o que
passa perto dos Açores e que corta as terras do Pe •
ru e do Brasil; 2.° o que passa pelo cabo das Agu-
lhas; 3.° o que atravessa a Pedra Branca; 4.° o que
passa por Acapulco. Estas instrucções faliam tam-
bém de outras variações que serviram de ponlos de
referencia ao padre Bruno.
Partindo de Lisboa para a índia oriental a decli-
nação maximum para nordeste era no Atlântico de
22°^. Passando o cabo da Boa Esperança e nave-
gando para Goa, por dentro da ilha de S. Lourenço
(Madagáscar) achou-se que o maior grau de decli •
dação coincidia com a latitude de Goa, duzentas lé-
guas a leste da ponta da ilha de Socotora. Nave-
gando por fora de Madagáscar a maior declinação
da agulha para noroeste era de 22°£.
Trezentas léguas a leste da ilha de Tristão da
Cunha a declinação era de 4 o leste, e d'ahi até ao
cabo da Boa Esperança contavam-se umas 50 a 60
léguas. Á vista da ilha de Diogo Rodrigues a agu-
lha apresentava uma declinação de 20° oeste.
398
O padre Bruuo julgava, do mesmo modo que jul-
gava Cabot e muitos outros, ter descoberto um gran-
de segredo ; e é esta a razão que o determinou a re-
commendar no fim das suas instrucções aos pilotos:
« por boas razões todos os pilotos são intimados sob
juramento de conservar tudo isto em segredo, de o
não communicar a quem quer que seja, nem de man-
dar tirar copia alguma. E se um perigo qualquer
fizer recear que esles papeis possam cair nas mãos
do inimigo, devem ser lançados ao mar, a carta, as
instrucções e o instrumento respectivo. »
. Resumamos em poucas palavras os phenomenos
magnéticos actualmente conhecidos.
Pode considerar-se o globo terrestre como divi-
dido em duas regiões. Uma, na qual a extremidade
norte da agulha em logar de se dirigir para o polo,
declina para leste, formando assim um angulo com
o meridiano geographico. A outra, na qual o angulo
existe do mesmo modo, mas a declinação em vez de
ser para leste é para oeste. Actualmente, a região em
que a agulha declina para oeste (noroestm confor-
me diziam os antigos pilotos portuguezes) é a mais
estreita das duas, e acha-se sobre o Atlântico, o con-
tinente africano e o mar das índias. A região em
que a agulha declina para leste (nordestêa, segundo
390
os pilotos portuguezes) é a mais vasta e encontra-
se no Pacifico. Por toda a parte onde tem logar ge-
ralmente a navegação, a declinação pouco excedo
30°. E somente perto dos poios magnéticos, que se
acham ângulos maiores. Em áreas geographicas de
pequena extensão, perto do polo árctico, por cx.,
estes ângulos vão de o a 180°.
Halley, no século xvm, depois de uma profunda
observação dos factos, emmitiu a opinião de que «o
globo terrestre é um grande magnete com quatro po-
ios ou pontos de acção ; dois perto de cada um dos
poios do equador, e que nas partes do mundo ad-
jacentes a cada um dos poios magnéticos, a agulha
se dirige segundo esta disposição : os poios os mais
próximos predominando com relação aos mais afas-
tados. » Esta idéa dos quatro centros de acção, ou
poios, acha-se hoje confirmada; e o illuslre Sir E. Sa-
bine, reconhece que ha dois systemas de magnetis-
mo sobre o globo, um dos quaes tem uma origem
terrestre e o outro uma origem cósmica. Sir E. Sa-
bine altribue ao systema terrestre, produzido pela
inducção, em consequência da acção cósmica «o phe-
uomeno das variações seculares e dos cyclos magné-
ticos que devem a sua origem á acção da variação
secular» porque o systema ao qual se refere tem um
movimento de «translação progressiva.»
Halley attribue as variações seculares, que se ob-
servam no magnetismo terrestre, ao movimento dos
400
poios que elle julgava existiam perto dos dois poios
da terra. Hansteen nos primeiros annos d'este sé-
culo adoptava as mesmas idéas, e procurava deter-
minar a posição geographica e os períodos prováveis
das revoluções d'esle duplo systema de poios, ou pon-
tos de attracção em torno dos poios da terra. Este
computo levou-o a attribuir ao polo magnético da
America do norte um período de revolução de 1740
annos, e ao polo mais fraco que se acha actualmente
na Sibéria uma revolução de 860 annos.
O estado magnético do globo varia incessante-
mente, o que se reconhece pelas variações que apre-
sentam os Ires elementos que se manifestam na ac-
ção magnética: a declinação, a inclinação e a inten-
sidade.
Fundando-se sobre as observações de que podia
dispor, Halley tratou de traçar sobre a carta as li-
nhas de egual variação, como antes d'elle o tinham
tentado Santa Cruz e o padre Bruno. Julgámos que
apresentaria algum interesse um ensaio da distri-
buição provável das linhas isogonicas do século xvi,
approveitando para isso todas as observações de de-
clinação, que se encontram espalhadas pelos mss.
dos navegadores portuguezes dos séculos xv e xvi.
As observações modernas mostram claramente,
que as variações da declinação da agulha não são
as mesmas por toda a parte, e não se realisam com
egual rapidez.
401
Assim, na área comprehendida entre a bahia de
Hudson e o cabo Norte da Europa, e do cabo Hora
ao oeste da Austrália, a ponta norte da agulha de-
clina successivamente para o oeste na razão de 8' a
10' por anno; e do meridiano do cabo Norle a 130°
long. E. a agulha declina para leste e d'ahi até á
bahia de Hudson conserva-se quasi que estaciona-
ria. No hemispherio sul, da extremidade oeste da
Austrália ao cabo Horn, a declinação da agulha é
para lesle, na razão maximum de 7' por anno. O
que se passa hoje passava-se egualmente ha Ires sé-
culos, com a difíerença porém de que os logares em
que os phenomenos se realisavam e o seu andamento
eram muito diversos.
O que attrae sobretudo a nossa attenção é que,
no oceano Atlântico e numa grande parte do Paci-
fico, a declinação era para leste e, no oceano Indico,
era para oeste. As variações annuaes da declinação
não tinham logar na mesma proporção em todos os
pontos geographicos. Para reconhecer isto, basta só
relancear a vista sobre as linhas que indicam a mar-
cha da declinação nas três cidades cujos meridia-
nos são bastante aproximados, Lisboa, Paris e Lon-
dres, desde o século xvi até ao século xix (fig. i). A
falta de parallelismo entre estas linhas indica clara-
mente que a declinação não varia numa proporção
egual, mesmo em logares muito próximos do mesmo
hemispherio.
r. 26
402
Em geral pode dizer-se, com relação á declinação
da agulha no século xvi, que no hemisphcrio scptcn-
trional e no Atlântico ella variava na razão de 9 f a
I O' por anno, e que no hemispherio austral esta va-
riação era de 3' a 5'. O que mais notável se torna,
nos phenomenos da declinação magnética de ha três
séculos, é a existência de uma linha sem declinação
a oeste dos Açores, linha para além da qual Colom-
bo observou que a declinação era para oeste. Com-
parando cuidadosamente todas as observações, acha-
se que a linha com a declinação o , formava uma
curva quasi clliptica, semelhante á que apresenta
actualmente a linha sem declinação que se encon-
tra em volta do polo secundário, localisado hoje na
Ásia Oriental. As linhas de egual declinação para
oeste, que se encontravam na mesma área, eram
curvas collocadas do mesmo modo interiormente á
linha sem declinação, observada por Colombo e Ca-
bol nas suas celebres viagens. Se prestarmos atten-
ção á inalterabilidade da declinação observada em
Lisboa no século xvi, durante alguns annos, somos
levados a acreditar, que a declinação — quando o
polo que hoje se encontra na Ásia se achava perlo
dos Açores — se conservava quasi estacionaria a les-
te da linha de o , do mesmo modo que a decli-
nação se conserva actualmente entre o 130° long.
E. e a bahia de Iludson. Hansteen, calculando sobre
os dados de que podia dispor, achou que o ponto
403
de attracção ou o polo Siberiano, de que acabamos
de fallar, apresenta um movimento de leslc para
oeste, e que seria necessário um período de 860 an-
nos para que descreva um grande circulo em volta
do polo terrestre. Se este polo, que se encontra actual-
mente ao oriente da Ásia, é, segundo a nossa opi-
nião, o mesmo que no século xvi se achava a oeste
dos Açores, podemos encontrar n'este facto a con-
firmação dos cálculos de Hansteen. Com effeito, se
isto se confirma, o deslocamento do polo teria tido
uma amplitude de 170° a 180° de leste para oeste,
em 400 annos. Seguindo esta marcha ser-lhe-ha ne-
cessário, para voltar á sua posição primitiva a oeste
dos Açores, um período pouco mais ou menos egual
ao que foi calculado por Hansteen. Para tornar mais
claro o resultado do estudo que emprehendi sobre
a declinação magnética, segundo as observações dos
pilotos portuguezes do século xvi, pareceu-mc que
seria útil apresentar o esboço de um mappa, em que
se possa ver a posição de algumas linhas isogonicas
nesta época (fig. 2). A comparação d'eslas linhas
com a posição actual das curvas de egual declina-
ção (fig. 3), pode ofFerecer algum interesse aos es-
pecialistas que se oceupam do estudo dos phenome-
nos do magnetismo terrestre.
£6
Roteiro de Lisboa a Goa por D. João de Castro (1538)
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
N. 38» 42'
-0.
G. 9° 8'
— 7° 30'
E.
N.29°20'
— 0.
18»
— 5" 30'
E.
N.2ti°
— 0.
17°
- 6»
E.
N. 12° 30"
— 0.
20°
— 5"30'
E.
N. 1°
-0.
12»
- 5» 45'
E.
S. 8° 40'
— 0.
14°
-10» 30'
E.
S. 7»30 /
— 0.
21»
—11»
E.
S. 11°
— 0.
23»
—11»
E.
S. 18°
— 0.
3G°
—11° 30'
E.
S. 20°
— 0.
34°
—12° 3C
E.
S. 30»
— 0.
12°
—19» 30 1 a
20» E.
S. 31° 30"
— 0.
9» 30' a 10"— 19» 30'
E.
S. 35» IO 1
-0.
11"
—15° W
E.
S. 35»
— E.
13°
—10»
E.
S. 34°
— E.
28» 30'
— l°W
E.
S. 33»
— E.
28»
— 0»
E.
S. 32°
— E.
28°
-0°
E.
S. 32°
— E.
32»
— 1»23'
0.
S. 30»
— E.
33» s
i34»— 5»
0.
S. 27»
— E.
34°
— 8°
0.
S. 15»
— E.
G. 41°
— 6» 48'
0.
S. 12»
— E.
44°
— 6'
0.
s. &>w
-E.
48»
— 6» W
0.
405
LATITUDE
longitude
DECMNAÇÍO
S. 2°
— E. G
.46°
— 7° 18'
0.
N. 1°28'
— E.
81°
— 7°30 /
0.
N. 2°80'
— E.
82°
— 8° 18'
0.
N. 4°
— E.
82°
— 8° 18'
0.
N. 6°
-E.
85"
—10»
0.
N. 7-20'
— E.
86°
— 9°30'
0.
N. 7°
— E.
60°
—10°
0.
N. 8°
— E.
61°
a 62 o — 10°
0.
N. 11°
-E.
68°
—10°
0.
N.i4°2(y
— E.
70»
—10°
0.
N.18'30'
— E.
73°
—18°
0.
Roteiro da Costa da índia por D. Joio de Castro (1838)
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N.19°2(y — E. 6. 73" — 12° 3C O.
N.WSO' — E. 73° —11" 0.
N. 19° 20* — E. 73° —10° 18' 0.
N. 19» SC — E. 73° —12° 0.
Roteiro do mar Roxo por D. Joio de Castro (1541)
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
N. 13° 18'
— E.
G.
, 81° 30í
— 8°
0.
N. 19°
— E.
38°
— 1°30 /
0.
N. 19° 40*
-E.
37°
— 1°15'
0.
N.22"
— E.
37"
— o°4<y
0.
*N.24°40'
— E.
35°
— 0° 18'
0.
406
Roteiro da carreira da índia por Vicente Rodrignes [1572 (?)]
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
►
N. 38° 42'
— 0.
G. 9° 8'
— 7»
W
E.
N. 1°
— 0.
29»
— 7»
30*
E.
S. 8°30'
— 0.
27°
—11»
E.
S. 18°
-0.
31»
—14°
E.
S. 18»
— 0.
38»
—11»
E.
S. 33»
-0.
18°
—19»
E.
S. 33»
— 0.
12»
—16»
W
E.
S. 33»
— 0.
13»
— 4»
E.
S. 33»
— E.
21° 30*
— 0»
E.
S. 34»
— E.
26°
— 3°
0.
S. 26» 3<y
-E.
33»
— 6°
0.
S. 24»
— E.
36»
—10°
0.
S. 33» a
22'
•— E.
39»
—11»
•
0.
S. 21» a
24'
*— E.
42°
—13»
0.
S. 15»
— E.
41°
—11°
0.
S. 6"
-E.
51°
—15°
0.
N. 10» a
12<
'— E.
84°
-17°
0.
S. 26»
— E.
43°
—17°
0.
20»
— E.
63»
—20»
0.
16»
— E.
58»
—18°
0.
10°
_-
73»
—16°
30'
0.
Roteiro da carreira da índia por Gaspar Hcimão (1598)
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N.38°42' — E. G. 9 o 8' —7 o E.
N. 15° a 30 o — E. 15° a 20 o - 5 o a 6* E.
N. 5" — E. 10° — 4 o E.
S. 8" — E. 30" — 9 o E.
407
I.ATITCDK
LONG1TUDK
DECLINAÇÃO
S. 18»
— E.
(1. 31°
-14»
E.
S. 35°
— E.
20°
—18°
E.
S. 32° a
33" -E.
15°
—15°
E.
S. 35°
— E.
15°
— 3"
E.
S. 35»
— E.
20°
— 0°
E.
S. 34°
— E.
26°
— 3»
0.
S. 27» 30'
— E.
33°
— 6°
0.
S. 25'
— E.
34°
— 8°
0.
S. 25» a
30 o — E.
35°3<y
— 9°
0.
S. 20° 3'
— E.
38°
—10"
0.
N.25»
-E.
39° 30'
— H»
0.
N. 21° a
24 o — E.
42»
—13»
0.
N.21° a
24°— E.
41°
—11"
0.
N.12"
— E.
43°
—12°
0.
N. 6»
— E.
51° a
52»— 14"
0.
N.10°
— E.
54°
—17°
0.
Barra de Goa . .
15»
Cochim
15°
N.10»
— E.
G. 73°
—16"
0.
S. 16°3(y
— E.
59° a
60°— 18°
0.
S. 20°
— E.
63°
— 20°
0.
S. 20°
— E.
65°
—22°
0.
26°
— E.
45°
—15°
0.
34° 30'
-E.
22° 30*
— l W
16»
— E.
7°
— 6°
E.
N. 18°
-0.
29°
— 5»
0.
N.30°
— 0.
32° W
— 0°'
N.32°
-0.
34°
— 2°
E.
S. Miuuel
t 4°
^ * ■ * ■ • • H^ ^M ^r »
l)'alii para o
cabo da
•
Roca vae NE
1. agulha até 7°
Long. 0.
1 Para N-N-E. até ás Flores continua uma linha corn a variação
do 0».
408
Roteiro de Aleixo da Moita
que navegou por trinta e cinco annos (1588 a 1623)
LATITUDE LONGITUDE
DKCUNAÇAO
N.28°30'
— 0. G
.17°
— 5°
E.
N.1B»
a 20»— 0.
20°
— 4°
a 3° 'E.
N.19°
a 20 o — 0.
20°
- 6°
E.
N. 2»
a 3°— 0.
11°
— 3°
E.
N. 2»
—0.
26°
— 6°
E.
0'
— mais
p.°0.
— 7°
E.
S. 17»
a 18 o — 0.
20°
—13°
E.
S. 8°
—0.
15»
-11°
E.
S. 20»
-0.
29°
—14» 30*
E.
S. 35°
a 36 o — 0.
18» a
19 o — 19 o *
E.
S. 3(5»
—0.
12"
—12»
E.
S. 33»
—0.
12»
—18»
E.
S. 38»
a 36 o — E.
18°30 /
— 1°
E.
S. 34° 30*
— E.
19°
-'A
E.
S. 35'
— E.
20°
- 0»
S. 34» 3<y
— E.
21» 30'
- 1-301
0.
S. 34» IW
— E.
22°30 /
— 3°
0.
S. 34»
— E.
26°
-8°.
0.
S. 33»
— E.
28» 30*
— 7»
0.
S. 32»
— E.
32»
— 8° 30'
0.
S. 28*
— E.
35°
—10°
0.
S. 28»
— E.
37°
—12°
0.
S. 28»
— E.
43°
— J5»
0.
S. 20°
— E.
43°
—14° 45»
0.
1 Ató 14° N. (derrota E-N-E.) vae crescendo a variação e chega a
19° largos.
* Daqui para Goa vae diminuindo a variaçSo e em Goa é de 16°
escassos.
409
LATITUDE
LONGiTUDK
•
DECLIll
iaçío
S. 17°
-E. G.
.42°
— 13°30 /
0.
S. 17°
— E.
41°
—13°
0.
S. 22°
— E.
39° 30 1
—13°
0,
S. 22°
— E.
38°
J2°
0.
S. 22°
— E.
41° a 42°— 14°
0.
S. 20°
— E.
35°
—12°
0.
S. 15°
— E.
41°
—11°
0.
S. 12°
— E.
43°
—13° 30'
0.
S. 11°
— E.
41°
—10°
0.
S. 6°30'
— E.
SS0
—11°
0.
N. 3°30'
— E.
47°
—17°
0.
N. 12° 30'
— E.
53°
—18°
0.
N. 15° 30 1
— E.
71° 30 1
—16°
0.
S. 20°
— E.
36°
—12°
0.
S. 20°
-E.
44°
— 14°40 /
0.
S. 12°
-E.
41°
-11°
0.
0°
— E.
46°
—14° »
0.
N. 13°
— E.
57° 30 1
—19°*
0.
Barra de Goa
15° 30'
0.
S. 16°
-E. G
.61°
—21°
0.
S. 16°
— E.
58°
—19° 30*
0.
S. 20°
— E.
63°
—22°
0.
S. 20° 30'
— E.
68°
— 22-30'
0.
S. 10° 30*
— E.
55°
— 20° 3C
0.
S. 4°
— E.
40°
—11° 20*
0.
S. 4°
-E.
maior
—18°
0.
S. 9°
— E.
54°
—18°
0.
S. 10°
— E.
42° 3&
—10°
0.
S. 0°
— E.
44° 30'
—13°
0.
S. 5°
— E.
41°
—11° 45'
0.
1 Mais a O. 5* a 6 o de declinação E. Para E. daquello meridiano
vae a declinação diminuindo vagarosamente.
2 TVali para o cabo das agi. lhas vae diminuindo a declinação.
410
LATITUDE
i
LONG1TUDK
DECLINAÇÃO
S. 6°
— E.
G. 40°
— 11°
0.
S. 8°
— E.
40°
-10» 45'
0.
S. 0°
— E.
45»
a 46°
—12»
a 13'
0.
S. 12°
— E.
42°
—12°
0.
S. 22»
-E.
41°
a 42°
—14° 30"
0.
S. 22»
— E.
42»
a 43°
—14°
a!5'
0.
N. 9»
-E.
70»
—18»
a!9«
0.
S. 17°
— E.
61°
—21° 30*
0.
S. 17°
— E.
59°
—19° 30*
0.
S. 20°
— E.
63°^
—22°
0.
S. 20°
— E.
65°
—22° 30*
0.
S. 20°
— E.
51°
—18»
0.
S. 27°
— E.
32°
— 5»
0.
S. 34°30'
— E.
22» 30
r
— 3°30'
0.
S. 35°
— E.
21°
— 2»
0.
36»
— E.
20°
— 0°
0.
S. 33° 30*
— E.
19°
—40°
E.
S. 34° 3C
— E.
18°
— 1°20'
E.
S. 16°
— 0.
5»
— 7° 30"
E.
S. 16»
-0.
8"
- 8°
E.
S. 16°
— E.
H»
— 3°
E.
S. 9°
-E.
12°
— 4°
E.
s. 6° 30"
— 0.
14°
— 7°
E.
N. 17°
^
27»
a 28°— 6°
E.
N.30°
—
24°
a 25
» 4*
a 5'
•E.
N.30»
—
28°
a 29
o |o
a 2°E.
N.34°
—
35°
— 0°
E.
N.39»
_—
31°
— 3° 30'
E.
Diziam os roteiros antigos que pela Int. 30" c navegando
para NE ao Fayal, a agulha marcava sempre o e no Fayal era
também o .
A vista ilo Cabo da Roca S°
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N. 38° —0. G. 9 o — 7 o 30' E.
No Porto de Angola NE a 4° cTahi para Pernambuco vae
crescendo a mesma declinação até 19° long. e d'ahi para a li-
nha vae multiplicando (augmentando) até
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N. 9° —O. G. 30° — » E.
D'ahi começa a diminuir a variação, e à vista de Pernam-
buco:
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
S. 8° —0. G. 36° — 7 o 40' ' E.
S. 16° —0. 12° — 3° E.
N. 13° a 14°-0. 20° —12° 3(V E.
N. 12° 59' —0. 40° —10° E.
Da Equinoxial para o sul, indo 5° a 6° afastado da costa
do Brasil, vae crescendo a declinação até aos 22° 3CK lat. S. e
d'ahi para Leste vae diminuindo até ao cabo das Agulhas onde
é nulla a declinação.
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
o
—0. G. 25°
— 6 o E.
o
—0. 27°
— 7° E.
Das ilhas de Tristão da Cunha para o Cabo da Boa Espe-
rança diminue a declinação um grau por 29 léguas de mar-
cha do navio.
Padre Kircher no seu importante livro sobre o magne-
tismo, publicado (Míi 1643, tnz numerosas observações sobre
a variação magnética, referidas a épocas diflerentes e feitas
por pilotos de varias nações, incluindo os portuguezes. Pode
fixar-se, aproximadamente, como limite do tempo em que as
observações foram realisadas, os annos decorridos de 1530 a
1640.
Kircher (observações feitas entre 1530 a 1&40)
LATITUDE
LONGITUDE
DRCLINAÇAO
N. 38° W
— 0.
G. 13»
— 6° 8*
E.
N.37°
-0.
9°
— 8° 38'
E.
N.37-
— 0.
28°
— 2-20'
E.
N.38'30'
— 0.
29°
— 3» 48*
E.
N.39 o 30 /
— 0.
27°
— 0°
N. 39° 30'
— 0.
32°
— 0°
lOO-Wa
40 o — 0.
31°
— i°
0.
N.39°30'
-0.
40°
— 2°
N. 39° 30'
-0.
3i°
— 8° 37'
0.
N.40"
— 0.
43*
— 3° 30'
0.
N.38*
— U.
28"
— l'W
0.
N.32"
— 0.
ITW
— 8° 37'
E.
N.30°
— 0.
18"
— 4° 37'
E.
N.30"
-0.
16°
— 8° 37'
E.
N.28°
— 0.
17°
— 8» 20'
E.
N.30"
— 0.
30°
a 33 o — 0°
N.33"
—0.
35°
— 0°
N.33'
— 0.
8°
— 2° 40*
E.
N.14°
-0.
18°
— 4°
E.
N.14"
— 0.
40"
— 8' 38'
E.
N. 14»
— 0.
24°
— 3° 48'
E.
N. 0°
-0.
8°
- 8°
E.
N. 11°
— 0.
61°
— 0°
N. H°
-0.
64°
- 0°
N. 17° 30*
-0.
65»
— n°
413
LATITUDE
i
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
N.i8°30'
— 0.
G. 66°
— 8°
0.
N.13°
— 0.
61°
— 1°
0.
N. 16"
— 0.
61° 3C
— 1°
0.
N.li°
-0.
75°
— 7°36 /
0.
N.27°
— 0.
110°
—15°
0.
N.22»
-0.
84° 3C
— 3°
0.
N.2o°
-0.
81°
— 3°
0.
N.32°
-0.
73°
—10°
0.
N.46°
-0.
83°
-6°
0.
N. 7°
-0.
13°
— 6°
0.
S. 9°
-0.
35°
— 7°
E.
S. 9"
— 0.
29° a
30°— 11°
E.
S. 4°
-0.
33°
— 3° 45'
E.
S. 20°
-0.
22°
—12°
E.
S. 18°
-0.
24° 23'
— 70°30 /
8. 20°
— 0.
30°
—13°
E.
S. 37°
-0.
12°
—19°
E.
S. 18°
— 0.
13°
—13°
E.
S. 18°
-0.
6°
—11°
E.
S. 48°
-0.
66°
— 5°
E.
S. 83°
—0.
68°
— 5° 30'
E.
S. 54°
-0.
70°
— 5°
E.
S. 33°
— E.
18°
— 0°
S. 36°
-0.
19°
- 0°
S. 35°
— 0.
20°
— 0°
S. 35°
-0.
26°
— 0°
S. 25°
-0.
36°
- 7°30'
0.
S. 17°
-0.
41°
—15°
0.
S. 15°
— E.
41°
—12°
0.
S. 7°
— E.
39°
—10°
0.
S. 6°
— E.
3°
—13°
0.
N. 11° a 12°
— E.
51°
- 8°
0.
N. 12°
— E.
43°
— 5°
0.
N. 21° 3C
-E.
37°
- 0°
414
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
N. 25°
-E.
G. 34°
— 0°
N. 33» 3(y
— E.
35°
3C
— 2» 35'
E.
N. 15° 30'
— E.
73°
45'
—17»
0.
S. 11» 30'
-0.
43»
—13°
0.
S. 23° 20'
-0.
43°
—15»
0.
S. 26"
— 0.
46°
— 8° 30*
0.
S. 30°
40°
—14»
0.
S. 16°
— 0.
50°
—20° a 25'
>o-
S. 10"
-0.
60°
—15°
0.
S. 19" 40'
— 0.
63°
—21°
0.
N. 1"
-0.
72°
—17°
E.
N.10°
— 0.
76"
—13»
E.
S. 10°
— 0.
70"
—17»
*
E.
N. 9"
— 0.
80"
-15° 30'
E.
N. 5°
— 0.
95"
0*
E.
N. 7" 30' a
8°— 0.
95"
— 8°
E.
N. 8°
-0.
106°
— 5°
E.
N. 7» 30'
-0.
114"
— 2° 30'
E.
N. 7"
— 0.
110»
— 0°
N. 23"
— 0.
113°
30'
— 1°30'
E.
N.28"30'
-0.
113°
30'
— 0"
N. 36»
-0.
140°
— 8°
E.
S. 4°
— 0.
154°
— 4"
E.
N. 65"
— 0.
60'
—50"
E.
N. 76" .
-E.
00"
—22" 30*
0.
N.76"
— E.
54"
—26°
0.
N. 73"
— E.
52°
—31°
0.
N. 70"
— E.
60"
— 7"
0.
N. 68"
— E.
54"
— 3° 30'
0.
N. 71»
— E.
26"
— i"
0.
N.55"
-0.
2"
30'
-12°
E.
N.51"
-0.
4°
30'
— 9°
0.
N.52"
-0.
5°
— 9°30'
0.
N 51° 30'
— —
0»
—11° 30"
0.
415
' LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
*
N. 50" 3<y
— E.
G.
3° 30*
—10" 0.
N. 50" 30'
— 0.
5°
— 8° 0.
N.52»
— 0.
8°
—10° 0.
N.47"
— 0.
23"
— 1° 0.
N.55"
-0.
23°
a 30°— 0°
N.60»
-0.
35°
a 36°— 10° 0.
N.46°
— 0.
53"
— 8° 0.
N. 34° 30'
— 0.
60"
— 2» 0.
N. 43"
— 0.
9°
— 8° 30* E.
N.39°
-0.
75°
—12° E.
Observações de Joáo Falicro, publicadas por kircber
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
i
N. 16" 50'
-0.
G. 17" 50'
— 2° W
E.
N. 45° 46'
— 0.
17° 22'
— 5° 15'
E.
S. 17" 33'
— 0.
17° 33'
— 9° 30'
E.
S. 20° 11'
— 0.
17° 7'
—11° 27'
E.
S. 22° 56'
— 0.
16" 10'
—13°
E.
S. 9° 50'
— 0.
15° 38'
— 6° 40'
E.
S. 7°
-0.
15° 4'
— 5°
E.
S. 25° 34'
— 0.
14° 50'
—14°
E.
N. 4°50'
— 0.
14° 30'
— 3° 50'
E.
S. 33° 44'
— 0.
13° 15'
—12° 34'
E.
S. 40°
— E.
12" 52'
— 7°
E.
S. 1"40'
-0.
12" 48'
— 5° 20'
E.
S. 25" 11'
— 0.
12" 42'
— 15° 20"
E.
S. 3" 14'
-0.
12" 31'
— 7» 34'
E.
S. 2" 30'
-0.
12" 25'
— 7° 12'
E.
S. 1"30'
-0.
12° 19'
— 6°
E.
S. 1° 6'
-0.
12°
— 5°
E.
S. 4» 27'
-0.
12°
— 7°25 /
E.
N. 9" 36'
-0.
12"
— 3° 10'
E.
416
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N. 14» W —0. G. 12° — 2 a 45' E.
N.29°4S' —0 12° —6" E.
S. 27°22 / —0. 11° 55' — WW E.
S. 14° 5C —0. 11° 30' —li" E.
N. 2° 54' —0. 11° 30' — 4* . E.
N.19°24' —0. ii°2(y —3° 33' E.
N. O-íKy —0. II o — 4° 15' E.
S. 0"40 / —0. 10° 35' — 4° 40' E.
N. 21» 8' —0. 10" 31' — 4° 47' E.
S. 33" 44' —0. 10" 15' — 13-20' E.
S. 23° 30* —0. 10° 1C —13° E.
N.52° 8' —0. 9° 58' —11° E.
N. 2° 26' —0. 9 4 55' —4° 10' E.
N.SS-õS' — 0. &W —10» E.
S. 29" 2' —0. 9° 8' —13° 15' E.
N. 6' 14' —0. 8-30' —2° 15' E.
N. T 19' —0. 8° 30' — 2° 30' E.
N.29-46' —0. 8°20' — 6° 39' E.
S. 4° 10' —0. 8° — 5° 30* E.
N. 7 o 39* —0. 8" — 2" 35' E.
N.31-42' —0. 7°57' — 0' 16' E.
N. 3° 19' —0. 7° 35' — 3° 30' E.
N. 35° 40' —0. 7° 14' — 7° 1C E.
N. 8° 15' —0. 7° — 2°40 / E.
N.46°50' —0. 6" 40' —8° E.
S. 30° 42* —0. 6° 20' —12° 30* E.
S. 7° —0. 5° 55' —6" E.
N.49° !•' —0. 5° 38' — 8" 50* E.
S. 8° 4' —0. 4° 18' — 6° 15' E.
N. 50" 10' —0. 3" - 9" E.
S. 31° 20' —0. 1«55' —11" 25' E.
S. 31° —0. 1°52' —12" E.
N.55» —0. 1°10' —12° 40' E.
N.51"2V -0. 4' — ii-aC E.
417
LATITUDE
LONGITODE
DECLINAÇÃO
S. 33° 31'
— E.
G. 2» 8'
— 10* 15»
E.
S. 15»
— E.
2*16'
— 6*
E.
S. 16°
— E.
&W
— 6* 30*
E.
S. 16* 24'
— E.
4° 32'
— 5*20'
E.
N. 50° «y
— E.
4° 80*
— 6*3C
E.
S. 17" 2C
-E.
3° 35'
- 5* 15'
E.
S. 18* 20'
— E.
7* 5'
- 5* IV
E.
S. 34» 16'
-E.
9 o 8'
— 8* W
E.
S. 20°
— E.
9" 40*
— 5*
E.
S. 34° 2'
— E.
13* 4'
— 5*
E.
S. 34° 2'
-E.
«5° 30'
— 3*
E.
S. 34° 9'
— E.
17° IV
— 2*20'
E.
S. 34° 3'
— E.
18" 6'
— i»W
E.
S. 26° ly
— E.
18» 10'
— 2*
E.
S. 28" 26'
— E.
21° 2'
— 0*48'
E.
S. 34° 27'
-E.
21° 36'
— 0*25'
E.
S. 34° 13'
— E.
23*
— 0* 5'
E.
N. 27" 36'
—0.
30° 48'
— 4*
E.
N.36*
—0.
29° W
- 4*
E.
N. 35° 20'
—0.
28*19'
— 3* 40"
E.
N.B3»
-0.
28 a IV
— 2' Sff
E.
S. &W
—0.
27» 10'
— 3*10'
E.
N.37*
-0.
25° SV
— 3* 20*
E.
N.22°25'
-0.
28" 3'
— &2&
E.
N. 37*40'
—0.
21" 86'
— 3*45'
E.
N.U*^
—0.
21 a 48'
— 3*
E.
N. 19*20'
-0.
21*40'
— 3' IS!
E.
N.32*36'
-0.
21» 2»
— &5V
E.
N.37* 25'
—0.
21» 14'
— &3ff
E.
N.SQ»^
—0.
20*48'
— 4*
E.
N. 18» Uf
—0.
20*35'
— 3*
E.
N. 12 a 48'
—0.
20*22'
- 3*15»
E.
N. 11° 16»
—0.
20» 43'
— 3*
E.
N. 9>28f
-0.
18* 3C
— 3* 15'
E.
a.
27
418
LATITUDE LONGITUDE
N.44° — 0. G. 18°30 /
S. 34° — E. 23° 57'
S. 34° W — E. 25° 6'
S. 32° — E. 25° 43'
S. 34° 4' — E. 26» 22'
S. 32° 45' — E. 26° 34'
S. 33° 42' — E. 27° 27'
S. 34° — E. 28° 6'
S. 34° — E. 28° 26'
S. 35° — E. 28° 30'
S. 36° 16' — E. 29° 9'
S. 71° IC — E. 29° 20'
N.35°20' — E. 30° 44'
S. 35° 5C — E. 31° 35'
S. 36° 15' — E. 32° 40'
S. 37°35' — E. 33° 2'
S. 35° 6" -E. 33° 39'
S. 37° — E. 34° 5'
S. 36° — E. 34° 52'
N.33°30' — E. 35° 5'
S. 34° — E. 35° 18'
«.35° 21' — E. 36° 5'
S. 35° 15' — E. 39° 17'
S. 33° 45' -E. 40° 32'
S. 36° — E. 42°
S. 33° 15' — E. 43° 30'
S. 36° 48' — E. 43° 3C
S. 37° — E. 46° 3'
S. 27° 42' — E. 46° 8'
S. 32° 2C — E. 47° 10'
S. 25° 44' — E. 47° 14'
S. 17° 44' — E. 47° 27'
S. 24° 5C — E. 47° 56'
S. 19° 20» — E. 48-10'
DECLINAÇAC
i
4°
E.
1°40'
0.
0°16'
0.
o°3iy
0.
0°46'
0.
1°40'
0.
1° 15'
0.
1°45'
0.
1°45'
0.
2°
&%y
0.
2°
0.
4° 30*
0.
4° 15'
0.
5° 45'
0.
6° 30'
0.
6°30'
0.
7°
0.
8° 20'
0.
8°
0.
8° 5'
0.
9°
0.
11"
0.
13°
0.
13°
0.
15°
0.
14° 30 1
0.
16°
0.
15°
0.
16° 30 1
0.
15° 10'
0.
12° 3C
0.
15° 20"
0.
13° 7'
0.
419
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
S. 32" 47' — E. G. 48° 14' —16° O.
S. 14° 50* — E. 48-30' —11° 0.
S. 24* 5' — E. 49° 3' — 15° 4C o!
S. 29° — E. 49° 5' —15° 30' O.
S. 20° 39' — E. 49° «y —13° 30' O.
S. 16° 6' — E. 49° 17' —12° {W O.
S. 21° SC — E. 49° 37' —14° <>•
S. 34° — E. 50° 1C — 18° 3C O.
S. 25° 4' — E. 51° —15° 29' O.
S. 28" — E. 51° 26' —17° 10' O.
S. 5° — E. 51° 42' —14° 5' O.
S. 34° 40* — E. 51° 46' —19° 4' <>.
S. 28° — E. 53° 10' —16° O.
S. 11° 30' — E. 53° 30' — l'j- O.
N. 5° 12' — E. 54° 13' —11° O.
S. 34° 5' — E. 56° 18' —22° 5C O.
S. 31° — E. 56° 69' —21° O.
N. 2° — E. 58° 42' —14° 45' O.
S. 31° -E. 59° 23' — 22° 3C O
S. 32° 20 1 — E. 60° 6' -23» O.
S. 31° — E. 60° 44' —22° 50' o!
N. 3° 48' — E. 60° 55' — 15° 4C O.
S. 31° 50' — E. 62° 29' —23° 30* o!
S. 32° — E. 63° 35' —23° 15' O.
N. 6° — E. 63° 44' — 16° SO' O.
S. 30° 50" — E. 63° 47' —25° 22' 0.
N. 14° 2C -E. 66° 12' —17° o!
N.13°45' — E. 66° 15' —18» O.
N. 73° SW - — E. 66° 20* —25° O
N.10°20' — E. 67° 43' —17° o,
N.12° — E. 68° 6' —18° O.
N. 13*45' — E. 68° IS 7 —18° 30» O.
N.30M0' — E. 68° 26' —24° 50* O.
N. «9° 30' — E. (58° 50' — 24° W 0.
27»
420
LATITUDE
i
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
I
S.30»
-E.
68*52'
—24*
0.
N. 13° 18'
— E.
70° 22'
—19*40
0.
N.12*45'
— E.
73*22'
—20*38'
S. 26" 24'
— E.
73* 51'
— 24*20
0.
S. 26» 63'
— E.
74*20'
—22°
0.
N. 12*45'
— E.
75* 8'
—20*30'
0.
S. 26*20
-E.
75* 25'
—21° 48'
0.
S. 25* VSI
-E.
75* 38'
—23* 30
0.
N. 78*35'
— E.
75* 50
—33*
0.
S. 25° 42'
— E.
76* 5'
—21*50
0.
N.13* 6'
— E.
76*47'
—20*10
0.
S. 19° 20*
— E.
76*50'
—22*
0.
S. 24° 37'
— E.
77* 5'
—21*
0.
S. 23° 43'
— E.
77*40
—20*40
0.
N. 13° 2#
— E.
78*29'
—19*
0.
S. 23° 3#
-E.
78*30
—23*
0.
N. 13» 42'
— E.
80* 4'
—18*
0.
S. 22" BC
— E.
80*34'
—22*
0.
S. 19*27'
— E.
80*40
—17*40
0.
N. 14* 10
— E.
92*23'
—16*30
0.
S. 16* 18'
— E.
82° 58'
—16» 20'
0.
S. 20* SO'
— E.
83*40
—19*30
0.
S. 15* 25'
-E.
84*25'
—15*20
0.
S. 15*
-E.
84*28'
—14* 35'
0.
N. 14° 10
— E.
85* 2'
—16*
0.
S. 19° 86'
— E.
86*10
—17*30
0.
S. 15» 30
-E.
86*80'
—15* 10
0.
N. 13"
— E.
88°
—15* 30
0.
N. 19° 56'
— E.
88*10
— levw
0.
S. 13° 33'
-E.
88*28'
—13*
0.
S. 11° 27'
— E.
90*15'
—11*40
N. 19» 5'
— E.
90*20'
—15*
S. 10- 32'
— E.
91° 10'
—11*
0.
N. 8" 84'
-E.
«2° 25'
—13° 40
1
•
421
LATITUDB
tONOITUDE
declinação
•
S. 18* 8'
-E.
G. 92-8a
—13-
0.
S. &>W
— E.
93°43'
— 9-47'
0.
S. 17° IC
— E.
94° 8'
—12-
0.
S. 8»
-E.
94* 13'
— 9- ia
0.
S. 6- 89*
— E.
98*40'
— 8- «y
0.
S. 6° 42'
-E.
96° 41'
— 8-
0.
N. 5" 12'
-E.
98-80'
-u-
0.
S. 18° 2'
— E.
96-28'
•
—10-30'
0.
S. 6" 24'
— E.
97- 38'
— 7-33'
S. 6" 26'
-E.
98-20'
— 6-40'
0.
S. 14» 12'
-E.
99-22'
— 9° 30 1
0.
N. 2-
— E.
101- 13'
- 8-
0.
&. 12° 87'
— E.
103- 49'
— 7-30'
0.
s. o- ia
— E.
108-33'
— 8-48'
0.
N. 1-83'
— E.
107- 4a
— 8- 18°
0.
s. vw
— E.
107- W
— 8-
0.
N. 5°
— E.
109- 4'
— 4-
0.
S. 7' 26'
— E.
109° 8'
— 4- 3a
0.
N. 1- 9 1
-E.
110» 23'
— 4-
0.
S. 3*46'
— E.
no- 4a
— 4- 18'
0.
S. 0*26'
— E.
Hl» 2'
— 4-
0.
S. 12» 87'
— E.
112° 49'
— 7- 3a
0.
N. 4- 3a
— E.
123-30'
— 3- 3a
0.
S. 8° 40'
— E.
172- 3a
— i-3a
0.
N. 77" 12'
-0.
33- W
-27-
0.
N.37-
—0.
32-10'
— 0-
0.
422
Observações diversas, feitas aproximadamente um século
depois das viagens de D. João de Castro
e citadas por Kircher
LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO
N.38°38' — 0. G. 9 o 8' — 7 o 30' E.
N.2&W —O. 7 o 45' —6 o 42' E.
N. 40° 15' —0. 8 o 15> . — 6 o 3' E.
N.40°35' —0. 3 o 45' —5 o E.
N. 48*80' — E. 2 o 20' — 3 o E.
N. 47° 20' — E. 40° — 4 o 5C E.
N. 47° 8' — E. 5 o 30' — 5 o 14' E.
N. 47° 20' — E. 6" 5' — 5 o E.
N. 45° 46' — E. 4 o 50' — 4 o 30' E.
N. 45° 10' — E. 4 o 45' — 3 o 10' E.
N. 43° 58' — E. 4 o 50' — 4 o 30 f E.
N. 44° W -E. 4 o W — 3 o 30' E.
N. 43° 35' — E. 4 o 3o' — 3 d 35' E.
N. 43° 20 7 — E. 5 o 10' — 2 o 40' E.
N. 44° l(y . — E. 6 o 20' — 2 o 40' E.
N. 43° 3(y — E. 5" 22' — 2 o 30' E.
N. 43° 40 7 — E. 7 o 20' — 2 o 20' 0.
N.45°20' — E. 8 o 5' - 5 o 0.
N. 44° 24' — E. 8 o 52' — 5 o 30' O.
N.45°30' — E. 9 o 10' — 2 o 30' O.
N. 45° IO 7 — E. 10° 45' - o 3(y O.
N. 44*30' — E. 11° 20' —3 o O.
N.45 — E. 11° 30' —5 o 50' O.
N. 44° 4<y — E. 16° 20' — 5 o O.
N. 45° 2b 7 — E. 12° 20' — 5 o O.
N. 41*43' — E. 12° 30' — 3 o O.
N. 43° 4(y — E. 11° 20' — 6 o 30' O.
N. 43*25' — E. 13° 35' - 4 o O.
423
LATITUDE LONGITUDE
N.40°45' — E. G. 14» 15'
N.40° G' — E. 15° 20'
N.39°25' — E. 16° 5'
N. 38" W — E. 15° 58'
N.38M5' — E. 15° 30'
N.35°55' — E. 14° 30'
N.38" 8' — E. 13° 18'
N. 37° 47' — E. 1?)°
N.37° 5, — E. 15° 15'
N.51°30' —0. 0°
N.51°13' — E. 4° 25'
N. 50° 4C — K. 4° 42'
N.51» 5' — E. 3° 45'
N.52°20 / — E. 4°50 /
N. 52° 13' — E. 4° 30 7
N. 51° 45' — E. 4° 40'
N.49°45' — E. 6° 40'
K. 50° 55' — E. 7"
N. 51° 40' — E. 8" 50'
N. 50° — E. 9° 10'
N. 50° — E. 8° 15'
N. 50° 33' — E. 9° 40'
N. 49° 45' — E. 9° 55'
N.49°28' — E. 11° 5'
N. 49° 25' — E. &W
N.48°45' — E. 11° 25'
N.48° 5' — E. 12'
N.50° 5' — E. 14" 25'
N. 49° 35' — E. 17" 20'
N.48°12' — E. 16° 22'
N.47° 5' — E. 15° 25'
N. 65° — E. 25°
N. 44° — E. 29°
rOG ^ — E. 37"
DECLINAÇÃO
1
o°3<y
0.
2° 13'
0.
2° 30*
0.
2° 40'
0.
0°
0.
0°
0.
5°
0.
3°
0.
6°
0.
11°
0.
VW
0.
9°
0.
1°40'
0.
9°3(y
0.
9° W
0.
2°
0.
6° 24'
0.
3°
0.
5°
0.
6° 20'
0.
6° 7'
0.
4° 30'
0.
5° 15'
0.
8°
0.
6° 10'
0.
4° 30'
0.
4° 26'
0.
5° 30*
0.
2° 30'
0.
0°
0.
2"
0.
3°
0.
0°
0.
3°
0.
424
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
N.3i°li'
— E. G. 30°
— 8° 48' 0.
N.is-ay
— E. 73° 42'
—17° 0.
N. 18» W
— E. 84° 18'
—12° 0.
N.23°
— E. 118° 13'
— 0° 0.
N. 22° 12'
— E. 113° 38'
- 1° 30» 0.
Obserraçfos mandadas de Goa pelo P. Martini em 16 iO,
publicadas por Kireher no fim da sua obra
S. 9°
—0. G. 27-
—11°
E.
S. 20°
-0.
28° a
30°— 13°
E.
S. 18°
—0.
31°
-14°
E.
?
—0.
12° 18'
—16° W
E.
S. 38°
— E.
14°
— 4°
E.
S. 38°
— E.
21°
- 0°
E.
S. 38°
— E.
26°
— 3°
E.
S. 33°
-E.
33°
— 6°
E.
S. 30°
— E.
36°
—10°
E.
S. 24°
—0.
39°
—11° 20'
E.
S. 21° a
22°— 0.
43°
—18° 30'
E.
N. 6°
—0.
84°
—17°
E.
N.18«30'
— E.
73° 42'
—18°
E
N.20°
—0.
160°
—16°
E.
N.13°
—0.
118°
—11° 18'
E.
N.10»
—0.
86°
— 7°
0.
N.30°
—0.
88°
—10°
0.
N.38"
—0.
88°
—10° 3'
0.
S. 84°
-0.
126°
— 8°
E.
S.80°
—0.
88°
— 8°
E.
N. 10°
-0.
88°
— VW
0.
N. 10°
-0.
78°
- 0°
N.68°
—0.
78°
—30°
0.
W. 9°
-0.
70°
— l'W
K.
425
LATITUDE
LONGITUDE
DECLINAÇÃO
>
N.60°
— 0.
G. 71"
—10»
0.
N.78°
— 0.
69»
—33°
0.
N.65»
-0.
67»
— 6»
0.
N.68»
— 0.
67»
—22°
0.
N. 9°
— 0.
69»
—30°
E.
N. 33°
— 0.
68°
— 2° 53'
0.
N.34°
— 0.
65°
— 5°30 /
0.
N.39°
— 0.
68»
— 6° 30'
0.
N.46»
— 0.
65»
—16»
0.
N. 9°
—(3.
61»
— 4° 36'
E.
N. 10°
— 0.
60»
— 5»
E.
N. 11»
— 0.
57»
— 7» 30"
E.
N.39»
— 0.
58°
— 3»30'
0.
N.4i°
— 0.
G. 49°
— 2»
0.
N.4i»
-0.
49°
— 1°
0.
S. 1°
— 0.
44°
—12° 9'
E.
N. 9»
— 0.
44°
— 7»
E.
S. 28°
— 0.
43»
—13°
E.
N.42»
— 0.
38°
- 0»
E.
S. 10»
— 0.
36°
— 8° IO'
E.
S. 9°
-0.
36°
—10»
E.
S. 7°
— 0.
38»
— 9»
E.
S. 4»
— 0.
33"
— 3°2C
E.
0°
—0.
34»
— 6°40'
E.
S. 28»
— 0.
32°
—15» 52'
E.
S. 23°
— 0.
31°
—12» 18'
E.
S. 18°
— 0.
28°
—11° 18'
E.
N. 18°
— 0.
24»
— 1°3C
E.
N. 4»
-0.
24°
— VW
E.
S. 29°
— 0.
21°
—18»
E.
N. 10°
— 0.
21°
— 4°
E.
S. 31°
— 0.
20°
— 4»
E.
N. 8°
— 0.
17°
— 6° 10'
E.
S. 29°
— 0.
13°
—18» 15'
E.
28
426
LATITUDE
LONGITUDE
DECLDfAÇiC
i
S. 34"
— 0.
G. 13"
—18»
E.
S. 8"
— 0.
10"
- 6°
E.
S. H"
— 0.
10°
— TW
E.
S. 31"
— 0.
7°
—18° 40»
E.
S. 18»
—0.
4°
— 7°30'
E.
S. 13°
— 0.
4"
— 8°«y
E.
S. 20°
0"
— 5° 38'
E.
S. 32"
0»
— 18° 2C
E.
S. 37"
—
0°
—17° 80'
E.
S. 37°
—
0°
—18° 3'
E.
S. 33»
— E.
8°
—17°
E.
S. 33"
— E.
10"
— 8" 80'
E.
S. 21"
— E.
11"
- 2" 80'
E.
S. 23"
— E.
11°
— 2° 80*
E.
S. 24"
— E.
13°
— 4° 8'
E.
S. 32"
— E.
21°
— o-w
E.
S. 33"
— E.
21"
— 1°30'
E.
S. 38o
— E.
21°
— 2°
E.
S. 37°
— E.
28"
— 0"i8'
0.
S. 38°
— E.
27"
— 3° 8'
0.
S. 36"
— E.
29°
— 0°
S. 23" 40'
-E.
40°
— 7" 40*
0.
S. 29"
— E.
47"
—14° 18'
0.
S. 28"
— E.
80"
—18' 28'
0.
N.78"
— E.
80°
—26°
0.
N. 79°
— F.
83°
—17°
0.
N. 13"
— F.
83°
— 8° 18'
0.
S. 27"
— E.
88°
— 17° «y
0.
N.13»
— E.
60°
— 0°18'
0.
S. 4°
— E.
60°
-13°
0.
N. 4»
— E.
83°
—17°
0.
N. 5'
— E.
87"
— 18' 30*
0.
N. 4*
— E.
99°
— 6*30'
0.
427
Taboa das variações publicadas por Ed. Halley
Local . Long. Lat. Anão Variação
Londres O" O' —51° 32' —1622— 6* O' E.
Paris 2° 25' E.— 48° Bi' N.— 1640- 3. C E.
Hamburgo 13° —55" 54' N.— 1672— 2" 35' O-
Copenhague.. . . 12° 53' E.— 55° 41' N— 1649— 1«30 / E.
Danttic 19° E.— 54» 23' N.— 1679— 7" O' O.
Montpelier 4' E.— 43» 37' N.— 1674— 1°10*,0.
Brest 4" 25' 0—48° 23' N.— 1680— 1° 45' 0.
Roma 13" E.— 41"50'N.— 1681— 5° Q.
Bayona 1" 21' 0.-43° 30" N.— 1680— 1° 20' O.
Bahia de Hud-
son 37°40 / 0.-51° 9' N.— 1668— 19° 15' 0.
Estreito de Hud-
son 57" O.— 61" N.— 1668— 29° W 0.
Bahia de Baffin. 80° 0.-78° N.— 1616— 57° 0.
No mar 50° O.— 38°40'N.— 1682— 7'3<y 0.
No mar 31° 3C 0. -43° 50' N.— 1682— 5° Sff 0.
No mar 42° 0.-21° N.— 1678— 0° 40* E.
Cabo de Santo
Agostinho .... 35° 3C O.— 8° S.— 1670— 5° W E.
Cabo Frio 41° H' 0.-22° W S.— 1670— 12° 10' E.
No mar: fora do
Rio da Prata . 53° 0.-39° 30 1 S.— 1670— 20° 30* E.
A leste: entrada
do estreito de
Magalhães.... 75° O.— 53" S.— 1670— 14° W E.
Valdivia 73° 0.-40° S. - 1670— 8° 1C E.
Cabo das Agu-
lhas 16° 30' E.— 34° 5C S.— 1622— 2° O.
No mar I" E.— 34° 30' S.— 1675— 0°
No mar 20' 0.-34° S.— 1675— 10° 30' E.
428
Local Long. Lat. Anno Varia^io
No mar 32« 0.-24° S.— 1678— 10° 30' E.
Santa Helena. . . 6" 30 1 0.— 16° S.— 1677— 0° 40" E.
Asccnção 14-30' O.— 7° 50' S.— 1678— 1° E.
Johanna 44° E.— 12° 15' S.— 1675— 19" 3C O.
Mombaça 40° E.— 4° S.— 1675— 16° O.
Socotora 56° E.— 12° 30' N.— 1674— 17° O.
Aden 47°13'E.— 13° N.— 1674— 15° O.
Diogo Rodrigues. 61° 0> E.— 20" S.— 1676— 20° 30' O.
No mar 64" 30' E.— 0° —1676— 15" 30' O.
No mar 55» E— 27° S.- 1676— 24° O.
Bombaim 72°31'E.— 19° N— 1676— 12° O.
Cabo Comorim . . 76° E.— 8» 15' N.— 1680— t" 48' O.
Balasorc 87° E.— 21° 30' N.— 1680— 8° 20* O.
Forte de S. Jor-
ge 80° E— 13° 15' N.— 1680— 8° 10' O.
Ponta oeste de
Java 104° E.— 6° 40' S.— 1676— 3° 10' O.
No mar 58° E.— 39° S— 1677— 27° 30* O.
Ilha de S.Paulo. 72° E.— 38° S.— 1677— 23° 30* O.
Van Diemens. . . 142° E.— 42° 25' S.— 1642- 0°
Nova Zelândia.. 170° E.— 40° 50' S.— 1642— 9° E.
Nova Zelândia. . 169° 30' E.— 34° 35' S.— 1642— 8° 40' E.
Ilha. de Rotter-
dam no mar
«lo sul. ..... . 184° E.— 21° 15' S.- 1642— 6° 20' E.
Nova Guiné. . . . 149° E.— 4° 30' S— 1642— 8° 45' E.
Ponta oeste da
Nova Guiné .... 126° E.— 0° 26' S.— 1643— 5° 30' E.
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Declinação O.
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