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Full text of "Roteiro de Lisboa a Goa"

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Nau poriugueza copiada cie mu 1'ortulano do xvi srculo 



ROTEIRO 



DE 



LISBOA A GOA 



POR 



D. JOÃO DE CASTRO 



ANNOTADO 
POR 



Joào de Andrade Corvo 

Sucio cffecli\Q da Academia Keal das Scicncias de Lisboa 




\.Y^ 



LISBOA 

POR ORDEM E NA TYPOGRAPHIA 
DA ACADEMIA REAL DAS SClENCIAS 

1882 



Nas breves palavras com que o clr. Nunes do 
Carvalho precedeu a publicação do celebre Roteiro 
do Mar Roxo, o zeloso editor promctlia publicar os 
outros dois Roteiros do mesmo auctor; um dos quaes 
ó o que boje sae á luz sob os auspícios da Acade- 
mia Real das Sciencias de Lisboa. 

O dr. Nunes de Carvalho encontrou o manuscri- 
pto do Roteiro do Mar Roxo, na denominada col- 
lecção Coltoniana da Bibliotheca do Museu Britan- 
nico, um tanto deteriorado pelo incêndio que sofírou 
aquella preciosa collecção. 

As cartas jnaritimas, obra do grande D. Joíío do 
Castro, o complemento do Roteiro a que o dr. Nu- 
nes do Carvalho dou publicidade, foram por olle 



VI 

encontrados em Paris nos archivos do ministério dos 
negócios estrangeiros. Buscava o illustrado profes- 
sor alcançar os outros manuscriptos de Castro ; das 
suas palavras, porém, deprehende-se que ainda os 
não possuía no tempo em que se imprimiu o Ro- 
teiro do Mar Roxo. 

«E nossa tenção, escreve elle, publicar também 
os outros dois Roteiros, que o auetor compoz, das 
suas viagens de Lisboa até Goa, e de Goa até Dio; 
assim como todas as demais obras d'elle, que po- 
dermos alcançar, para o que não cessamos de fazer 
por toda a parte repetidas indagações » . 

E mais adiante acerescenta: 

tCom a esperança de descobrir alguns d'estes 
preciosos monumentos da sciencia e patriotismo de 
D. João de Castro, não nos esquecemos de procurar 
saber por boas vias, se a família, que hoje (1833) 
possue a quinta da Penha Verde, porventura pos- 
suiria também algum d'elles-, porém as respostas 
mysteriosas e evasivas, que obtivemos, além de ou- 
tras fortes razões, nos fazem persuadir que esta fa- 
mília nenhuns papeis d' elle conserva » . 

Dez annos depois publicou Diogo Kòpke, lente 
da Academia Polytechnica do Porto, o Roteiro da 
costa da índia de Goa a Dio, e no prefacio promelleu 



vn 

cgualmente publicar o Roteiro de Lisboa a Goa; mas 
também não pôde realisar o seu intento. As razoes 
que levaram Diogo Kopke a publicar primeiro o Ro- 
teiro de Goa a Dio, dil-as elle, e foram as seguin- 
tes: 

t Existem d'estc Roteiro (o de Lisboa a Goa) duas 
copias, uma incompleta, e ambas de pouca auclori- 
dade, i)a Bibliotheca Publica Eborense. O bibliolhe- 
cario da mesma, o sr. dr. Joaquim Heliodoro da 
Cunha Rivara, deu d'ellas noticia no Panorama. O 
pouco conceito (mesmo em quanto a exactidão) que 
nos merecem estes dois códices, foi a causa porque, 
contra a ordem chronologica, começamos na publi- 
cação das obras de D. João de Castro por outro 
Roteiro escripto subsequentemente a este, embora 
d'elle tivéssemos copia, segundo os manuscriplos 
eborenses, feita com summo cuidado pelo sr. con- 
selheiro dr. António Nunes de Carvalho. » 

De uma copia do Roteiro do Mar Roxo que exis- 
tira em Évora, tinha noticia o dr. Nunes de Carva- 
lho ao tempo em que fez a publicação de que acima 
falíamos; porque no prefacio d'essa obra diz: 

«Sabia-se que na livraria da Universidade de 
Évora existira por muitos annos a copia que o au- 
ctor offereccu ao infante D. Luiz; porém depois da 



VIII 

extincção dos jesuítas nunca mais se soube da sorte 
que tiveram este e outros manuscriplos preciosos e 
únicos, que n'aquella livraria se guardavam » . 

O original do Roteiro do mar Roxo encontrou-o 
o dr. Nunes de Carvalho em Londres, como acima 
se disse. Ve-sc que, depois, proseguiu nas suas in- 
dagações sobre as obras de D. João de Castro, o 
cnconlrou e trasladou a copia do Roteiro de Lisboa 
a Goa, que fora dada á bibliolheca de Évora, como 
lhe linha sido dada a copia do outro Roteiro. 

Alguns escriptores antigos faliam da existência 
do Roteiro de Lisboa a Goa na bibliolheca dos je- 
suítas de Évora; e é de certo á copia que nos ser- 
viu para a presente publicação que esses escripto- 
res se referem Um dos mais antigos e dos melhor 
informados, que a este assumpto allude em lermos 
claros, ó o padre Maffeius na sua Hist. hidicarum, 
o qual diz: 

«Ab Olisipone Goam usque, singulorum dierum 
iler, locorum aspectus ac situm, allitudinem solis ac 
poli diligenlissime persecutus est. ldipsum rursus 
praeslitif oram legens ab Goa Dium usque, et ex par- 
lium dimensione, -multis oppidis vicisque vocabula 
antiqua resliluit. li commenlarii, Ludovico dicali, iu 
Academia Eborensi adwrvtwlur. » 



IX 

Os Roteiros de Lisboa a Goa e de Goa a Diu, 
existiam um em Évora, segundo assegura Maffeius. 
Outro escriptor, fr. Ànt. de San Roman, dá noticia 
de que ali existia também, no seu tempo (1603), o 
Roteiro do Mar Roxo. Escreveu San Roman na sua 
Hist. Gener. de la Yndia Oii: 

tHizo un Rotero de lodos los portos, bahias y 
poblasiones de la costa dei mar Bermejo, con las 
alturas, costumbres, y animales de toda aquella 
tierra, ... El original destos commentarios, com- 
mentado á las margens de su própria letra, tiene 
en su poder su nieto D. Fernando Alvares de Cas- 
tro: un traslado dei qual (que fué el que dedico ai 
Infante D. Luiz) le tiene oy en dia los padres de la 
compafria dei Colégio de Évora, donde le dexò el 
Cardenal don Henrique. » 

Possuíam pois, os jesuítas de Évora, copias dos 
Ires roteiros de D. João de Castro, dadivas do car- 
deal D. Henrique, protector d'aquelle collegio. Duas 
d*essas interessantes obras estão ha muitos annos 
publicadas; faltava uma, talvez a mais interessante 
sob o ponto de vista da arte de navegar, da cosmo- 
graphia e da historia do século xvi, c que melhor 
serve para se poder avaliar o saber o espirito de ob- 
servação do illuslrc navegador. 



Informado da existência na bibliotheca de Évora 
dos dois exemplares manuscriptos do Roteiro de 
Lisboa a Goa, procurei obtcl-os para d^lles man- 
dar tirar uma copia correcta; o que assim fiz com a 
coadjuvação conscienciosa do sr. José Gomes Góes, 
paleographo de muito préstimo e instrucção, que a 
isso se prestou. 

As duvidas porém que Diogo Kíipke manifesta 
acerca das duas copias do Roteiro de Lisboa a Goa 
que se encontram na bibliotheca de Évora, obriga- 
ram-me a fazer um minucioso estudo d'ellas antes 
de tentar a publicação do Roteiro. 

O eslylo, o uso de termos náuticos, a orthogra- 
phia e numerosas allusões que ali se encontram, a 
factos que interessavam n'aquelle tempo os nave- 
gadores, cujo estudo D. João de Castro buscou es- 
clarecer pela observação e pela experiência, tudo me 
convenceu de que aquellas copias do Roteiro de 
Castro, mereciam confiança. 

Uma das copias, contendo pouco mais do que a 
inlroducção que falta na outra, é evidentemente 
moderna: a outra copia, em que se contém o Ro- 
teiro completo dia a dia. é antiga e merece maior 
confiança. 

Acerca d'ella consultei o sr. Baslo, habilissimo 



XI 

ofiicial maior da Torre do Tombo, cuja competên- 
cia se não pode pôr em duvida, e á sua benévola 
condescendência devo a opinião que em seguida 
se lê: 



Ill. rao e Ex. rao Sr. 



D. João de Castro escrevendo ao Infante D. Luiz. 
cm 5 de agosto de 1538, de bordo da nauun/b, 
ancorada no porto de Moçambique, dando-lhe conta 
dos estudos que fizera, e se propunha de fazer, so- 
bre a variação das agulhas, differenças dos instru- 
mentos, monções, etc, accrescenta o seguinte: 

t ... De todo isto tenho feito um Roteiro que po- 
derá acupar duas mãos de papell mandai o ei a V. 
A. nas primeiras nãos que partirão da Imdia levan- 
do me noso Senhor Ha e não o mando agora por es- 
tar csprito de ruim letra e a viagem não ser imda 
acabada. > 

Quando pela segunda vez passou á índia, em 
1545, quer tivesse já, quer não, dado a copia que 
promettera, foi annotando e corrigindo o seu pri- 
meiro trabalho, o qual só mais tarde poderia remet- 
ter para o reino, se é que não ficou entre os seus 



XII 

manuscriptos que, segundo Gaspar Corrêa, o vicc- 
rei, poucos dias antes de fallecer, entregou a D. Ál- 
varo de Castro, mettidos num cofre, tendo rasgado 
muitos outros. 

E, pois, d'este segundo trabalho do vicc-rei que 
foi tirada a copia pertencente á Bibliotheca Publica 

de Évora, onde tem a marcação ^zw 

No estado em que chegou até nós, o ms. consla 
de 106 folhas de papel ordinário, de vinte e nove 
centímetros de alto por vinte e meio de largo, com a 
mesma tinta e lettra do texto numeradas de 4 a 
102; tendo repetida a numeração das foi. 27, 28, 
29; havendo entre as foi. 58 e 60 duas com dese- 
nhos e escripta, mas sem numeração, bem como uma 
outra entre as foi. 75 e 76; e estando novamente 
copiada, e em parle corrigida, a foi. 65. O verso da 
foi. 102 está preenchido por um desenho, que se 
estende para a foi. que deveria ser 103, no verso 
da qual finalisa o ms. 

As três folhas que no principio lhe faltam conti- 
nham, de certo, o Prologo, dirigido a D. João m, e que 

se lê n'outra copia (códice i J J, 85 ) aliás incompleta. 

Este trabalho é ornado com dez desenhos feitos 
á penna, sendo alguns d'elles as mostras das terras, 
qnasi lodos grosseiramente illuininados*. 

Na capa, de; pergaminho singelo, tem, em lellra 
coeva, a seguinte declaração: 



XIII 

Rolciro do Dom Joam 

de (jiislro. do Collcgio da 

Comp. a de Jesus em 

Évora 

Foi dom delRcy Dom Henrique 

de Gloriosa memoria 

seu fundador. 

<• 110 alio da primeira folha essoutra, lambem cm 
Icllra coetânea: 

DclRei D, Henrique, dado 

ao Coll. do Spu S t0 d'Evora. 

sendo ainda Cardeal. 

A lellra d'cste ros. parece, á primeira visla, ser 
do xvu século, porque, efectivamente, foi durante 
elle que se generalisou o seu uso; ha, porém, nu- 
merosos exemplos do seu emprego no século ante- 
rior, sobretudo na segunda metade d'elle. 

Nâo ha, portanto, a meu ver, motivo algum para 
pôr em duvida as duas notas (pie transcrevo, as 
quaes, embora feitas depois da morte do cardcal-rci 
(de gloriosa incmoria), servem para provar que a 
copia ó anterior a 1578, visto ter sido dada ao Col- 
lcgio dos Jesuítas por D. Henrique ainda infante. 

As correcções que apparccem em vários logares 
do ms. indicam, nâo só que ó traslado de outro mais 



XIV 



antigo, provavelmente o original, mas ainda que a co- 
pia foi feita com cuidado, e allenlamente conferida. 
Pedindo desculpa da minha insuificicncia sou, co- 
mo devo, 



De V. Ex. a 

Ven. aor c obrig. u, ° cr. 



José M. C. Basto. 



Torre do Tombo, 4 de janeiro de 1882. 

Dando publicidade ao interessante Roteiro de D. 
João de Castro, creiu prestar um bom serviço aos 
estudiosos. O Roteiro de Lisboa a Goa foi o pri- 
meiro que escreveu o illuslre navegador; depois es- 
creveu o Roteiro de Goa a Dio e posteriormente o 
Roteiro do Mar Roxo, ambos já publicados, como 
acima disse: com a publicarão pois doeste Roteiro 
acha-se completa a obra de Castro sobre a navega- 
ção; exceptuando, porém, um segundo Roteiro das 
Costas da índia, a que o mesmo Castro allude nos 
seus eseriptos, e que, por ora, se deve reputar per- 
dido, se é que chegou a escrever-se, o que para 
mim é duvidoso. 



XV 

Tencionava acomp anha ra publica ção (festo livro 
por um largo estudo sobre D. João de Castro e o 
seu tempo ; p arece u-me porém melhor publicar esse 
estudo em v olum e á parte, o que em breve conto 
fazer. ~~ 

O Roteiro de Lisboa, a Goa vae acompanhado de 
numerosas notas e commentarios, com o fim de es- 
clarecer os assumplos a que o texto se refere. Para 
a imperfeição do trabalho peço a benevolência do 
leitor, e espero que me nao faltará, ein vista, das dif- 
ficuldades com que tive de luctar. 



PROLOGO 



Por me parecer que vossa alteza receberia em ser- 
uiço darlhe eu conta meudamente da nauegação que 
fez esta sua grande e poderosa armada 1 , me.quis.dis- 



1 Teve el-rei D. João w novas de que os turcos dispunham 
unia grande armada para mandar á índia, a fim de expulsar 
d'ella os portuguezes, então senhores de todo o commercio das 
especiarias, que antes se tratava coro a Europa por via do mar 
Vermelho. «Isto, como diz Diogo do Couto (Dec. v, liv. m, 
cap. viu), metteo grande alvoroço em todo o Reyno, e algum 
temor em El-Rcy.» Postas estas coisas em conselho, resolveu 
el-rei que se fizesse uma armada de quarenta naus e oito mil 
homens, c fosse o governo d'ella dado ao infante D. Luiz, seu 
irmão. Muitos fidalgos se escusaram de ir á índia: insistiu el- 
rei em que fossem. Aggravaram elles para a Mesa da Consciên- 
cia, e esta pronunciou «que El-Rei não podia obrigar os mor- 
gados a ir á índia; porque como aquella terra fora descuberta 
pêra commercio e trato, não tinham os morgados obrigação de 
acudir a ella; e que só aos lugares de Africa, por serem fron- 

B. 1 



pôr a esçreuer estes comentários ou, para fallar mães 
próprio, este Roteiro, ogual, posto £ue o estUodelle 



teiros, os poderia obrigar. {Couto. Dec. v, liv. ui, cap. vm.)» 
Disistiu el-rei da ida do infante; e resolveu-se que a armada 
fosse de doze naus, com quatro mil homens d armas; e que 
fosse com o titulo de vice -rei, provido para a índia D. Garcia 
de Noronha, «porque era hum dos maiores homeens do Reyno, 
e por ser muyto cheio de cans, que sam muito respeitadas.» 
Joào de Barros diz, que D. João escolheu D. Garcia de Noro- 
nha para vice-rei «assi polas partes, e qualidades de sua pes- 
soa, como per sua prudência, e esforço, mostrado em todas 
as occasiões, em que se na índia achou em companhia do 
grande Affonso d*Alboquerque, seu tio. (Barros. Dec. iv, liv. 
x, cap. xix.) Segundo Barros, compunha-se a armada «de doze 
nãos com trez mil homeens d armas, em que entravam muitos 
fidalgos, e moradores da casa d 'El -Rei, e outra gente limpa e 
honrada.» Âs naus que chegaram em ii de setembro á barra 
de Goa, segundo Gaspar Corroa (Lendas da índia, tom. iv, 
part. i, cap. i), foram dez, porque a nau de João de Sepúlve- 
da c andou mal e chegou tarde a Moçambique, e nom passou á 
índia, e correo pêra Ormuz onde enuecnou, e veo no outro 
setembro. 9 Trazia a armada, segundo diz Corrêa, cdois mil 
homens d'armas, em que auia passante de oitocentos fidalgos, 
e caualleiros e homens de criação de casas reacs; mas toda 
a outra mais gente era de quinhentos réis de soldo, e muy po- 
bres e esfarrapados, e moços sem barba; gente que pêra nada 
nom prestaua.» 

Não concordam inteiramente os escriptores no tocante aos 
capitães das naus e no numero d'estes. seguinte quadro 
mostra as differenças que sobre isso se encontram, nas Len- 
das da Índia, nas Décadas de Barros e de Couto, no Livro 
em que se contém toda a fazenda, etc., de Figueiredo Falcão, 
e n um litro manuscripto que pertenceu á casa de Niza, e 



seja .barb^e^roseiro, e a maleria de que Irata 
mães que todas estéril e sequa, dado que prouci- 



se acha na Torre do Tombo; livro em que se encontram roes 
dos capitães que passaram á índia nas armadas que em cada 
anno partiam de Lisboa. 

Relação dos capitães da armada que partiu para a índia 

no anno de 1538 

Lendas da índia 

Capitães Nãos 

D. Garcia de Noronha . . . Santisprito. 

João d*Eça Sam Bertolameu. 

Ruy Lourenço de Távora. Samta Crara. 

D. Chrisfovão da Gama . . Santo António. 

Luiz Falcão Santa Maria da Graça. 

Francisco Pereira de Ber- 

redo Cyrno. 

D. Gracia de Crasto Fyes de Deus. 

João de Sepúlveda Junqo. 

D. João de Crasto Gryfo. 

D. Francisco de Menezes . Burgaleza. 

Aleixo de Souza Cyça. 

Bernaldym da Silveira. . . A nau fez agua e arribou 

ao reyno. 

Décadas de Barros 

Capitães 

D. Garcia. 

D. João d'Eça. 

Ruy Lourenço de Távora. 

1* 



tosa, posso affirmar a vossa alteza que me custou 
grande trabalho, e que o tempo que nelle gastey não 



Christovam da Gama. 

Luiz Falcão. 

Francisco Pereira de Berredo. 

Garcia de Castro. 

João de Sepúlveda. 

D. João de Castro. 

D. Francisco de Menezes. 

Bernardim da Silveira. 

Deoadaa de Oouto 
Capitães 

D. Garcia. 

D. João Deça. 

Ruy Lourenço de Távora. 

D. Christovão da Gama. 

Luiz Falcão. 

Francisco Pereira de Berredo. 

D. Garcia de Castro. 

João de Sepúlveda. 

D. João de Castro. 

D. Francisco de Menezes. 

Bernardim da Silveira, o Drago. 

Livro manusoripto da Torre do Tombo 

Capitães 

D. Garcia. 

D. João Deça. 

Ruy Lourenço de Távora. 



5 

foy outro saluo furtado daquelle que he obrigatório 
ao sono e Repouso da carne, porque doutra maneira 



D. Christovão da Gama. 

Luiz Falcão. 

Francisco Pereira de Berredo. 

D. Garcia de Castro. 

João de Sepúlveda. 

D. João de Castro. 

D. Francisco de Menezes. 

Bernardim da Silveira, que se perdeu. 

Livro de toda a Fazenda 
Capitães Nãos 

D. Garcia O Sprito Santo. 

D. João de Saa São Bertolameu. 

D. Christovão da Gama . . S. António. 

Luiz Falcão N. S. da Graça. 

Francisco Pereira de Ber- 
redo Cirne. 

João de Sepúlveda São Lourenço. 

D. João de Crasto A Gripho. 

D. Francisco de Menezes . Samta Cruz. 

Bernaldim da Silveira ... A Gallega. 

Diogo Lopez de Souza ... S. Paulo.' 

Fernão de Crasto São João. 

Fernão de Moraes. ...... São Diniz. 

Aluaro de Sousa Santa Catharina. 

Anrique de Souza Chichor- 

ro Sicião. 

Entre o que se diz nas Lendas da Índia, nas Décadas de Bar- 



6 

Dão ousara eu de consumir nisto nem em outra cousa 
algua o tempo deste cargo e capitania de que me 
yossa alteza fez meccê, mas sem embargo que o in- 
terese desta escritura foy alumiar esta carreira aos 
simplices, e darlhe aviso e Regras pêra que mães 
seguramente a possão passar *. Verdadeiramente, so- 
ros e nas de Couto, assim como no manuscripto que so encon- 
tra na Torre do Tombo, a differença ó vir citado. unicamente 
nas Lendas o nome do capitão Aleixo de Sousa. As discordân- 
cias sâo muito maiores entre as Lendas e o Livro de toda a 
Fazenda. Este não falia de Lourenço de Távora, D. Garcia de 
Castro e Aleixo de Sousa, nem das naus de que elles eram ca- 
pitães: mas falia de mais cinco naus e cinco capitães a que 
todos os outros se não referem. A equi vocação é fácil de ex- 
plicar. Antes da armada em que ia D. João de Castro, man- 
dou D. João ni, por ter aviso «das cousas que passaram na 
corte do Turco, pelas muitas intelligencias quo nella traziai, 
cinco naus á índia (Couto. Dec. v, liv. n, cap. viu). Estas naus 
partiram em outubro de 1537 (Barros diz quo partiram em 
novembro), sendo capitães d'ellas, Diogo Lopez de Sousa, Fer- 
não de Castro, Fernão de Moraes, Aleixo de Sousa e Henri- 
que de Sousa Chichorro: estes dois últimos eram irmãos, sendo 
o Aleixo de Sousa de que falia Couto e o Álvaro de Sousa ci- 
tado no Livro de toda a Fazenda, a mesma pessoa. No mesmo 
Livro da Fazenda dão-se como partidas em 1538, na armada 
que levou á índia o viso-rei D. Garcia de Noronha, as cinco 
naus que saíram de Lisboa no fim do anno anterior: d'aqui 
proveiu a equivocação. 

1 Para melhor se entender o que diz D. João de Castro, é op- 
portuno transcrever-mos aqui a carta que clle, de Moçambi- 
que, escreveu a D. João m. 

«Senhor. — Como quer que eu não traga outra obrigação de 



nhor,que muytas vezes me enuergonho comigo, quan- 
do cuido na grandeza de seu estado e no baixo ser- 
uiço que lhe apresento com esta obra, a qual não 
digo eu ser capaz de se pôr em suas altas e Reaes 
mãos, mas em outras alguas de marinheiros Rústi- 
cos, como não somente carece e he falta de feitos 
heroycos e he falta de matérias nobres e illustres, 
mas ainda de vocábulos conhecidos e termos husa- 



que possa dar conta a Vossa Alteza senão das cousas que to- 
quão ao seo, mar e ar, que as do carto elemento ou terra me 
não pertemee não aja Vossa Alteza por estranho espreverlhe 
sobre matérias pouquo importantes-e sertamente senhor que 
eu me achara muito envergonhado se o tempo muitas vezes 
me não amostrara gramdes reis e primeipes leyxarem famo- 
sas e soberbas cidades e porem se em proves e omildes aldeãs 
e ás vezes gostarem de fruitas que não recebem cultura orde- 
nadas da natureza pêra as aves e gemtes sylvestres avorreci- 
dos daquellas que cai se trazem amiração aos omens. E por- 
quanto esta rezão pode ser que não satisfaça a deversidade de 
tamtos juízos como se achão pêra cousas que merecem repren- 
são habrasarmei com as palavras da sagrada espretura que 
dizem que a fieira (sic) mall poderá dar espynhos nem os figos 
nacerem dos abrolhos e tãobem senhor eu são serto que não 
faltarão espritores que facão saber a Vossa Alteza os acomte- 
cimentos que vãapor estas suas lomgase estranhas terras asy 
porque seus carreguos e ofícios os obrige como pela matéria 
ser aprazivell e gostosa e aquela que eu trago entre as mãos 
esterill e sequa posto que proveitosa e o reall nome de Vossa 
Alteza a faça ylustre. 
«Primeiramente pode crer Vossa Alteza: que esta foy a mais 



8 

dos antre cortesãos e gente polida; porque jamaes 
se faz festa doutra cousa que de nomes de ventos 
e de fortunas e mudanças do mar, de alterações do 
ar, de aparências do ceo, de caminhos e Rodeos que 
faz a nao, de aves marinhas e pouco nobres, e isto 
ainda com ordem asaz comprida e embaraçada; e 
pois os que escreuêrão da imagem do mundo e his- 
toria de cosmographia, tratando de gentes, terras, 
mares, montes, Rios, promontórios e cidades, espan- 

bem avemturada viage que foy vista asy de vemtos prósperos 
e piares bonançosos como de saúde e boas desposyções que 
noso Senhor deu a todollos soldados que o ymos servir nesta 
samta gerra que não he cousa pêra o Vossa Alteza estimar pou- 
quo e nisto me não lialargarey mais porque hirey fora de meus 
lymites. 

«Eu senhor tenho trabalhado neste caminho quanto pude por 
entemder meudamente a variação das agulhas de que os pilo- 
tos tamto se aqueixão e soribea perfeitamente e afyrmo a Vos- 
sa Alteza que até ora nem foi sabido nem maginado algum sa- 
gredo que nesta parte alcamsei o que faz muito ao caso pêra 
as deferemças que ouve entre Vossa Alteza e o emperador e 
pode aver sobre a repartição do mumdo 

«E asy me sertefiquei da lomgura que ha do brazill ao caho 
da boa esperamça e nisto estou tão costamte que me atreverey 
a o fazer confesar a omens barboros e a outros de gramde en- 
genho. 

«E tãobem foy per mym muito enxercitada a levação do 
polo a toda ora do dia e nesta operação achey muitos avisos 
notaves. 

«Não fui remiso de fazer muitas notações sobre o correr das 



r 

9 

lados de se verem entrar em matéria tão árdua e 
dificultosa, chamão muitas vezes as musas em seu 
fauor, e não acabam de se desculpar, dizendo não 
auer nesta matéria elloquencia nem graça algfia, 



agoas e nisto achey muitas deferemças e cousas rauy remotas 
da notycia dos seus pilotos. 

tComtemprey a ordem dos vemtos e se darião lugar a pa- 
sarem nãos á Imdía todo anno e este nome de monções se he 
asy como dizem ou não e do qúe disto soube estou satisfeito. 

«Do mar tirey quamto pude asy per aves e peyxes e ervas 
pêra conhecimentos das terras. 

«E asy achey lugares onde os pilotos soo emganados na al- 
tura e foy per mym emvistiada a causa e sabida e todas aquel- 
las terras per omde pasey asemtey em verdadeiras alturas e 
derrotas. 

•E aquelas que me pareceo proveytoso debuxey pêra avyso 
e resgardo de seus pilotos. 

cHos yclyses da lua tenho muito a carregoÍDe tudo isto te^V- vck * 
nho feito hum roteiro que poderá acupar duas mãos de papell \ \?<k. 
mandai o ey a Vossa Alteza nas primeiras nãos que partirão \1H\^ 
da imdia levando me noso Senhor Ha e não o mando agora por / co 
estar esprito de ruim letra e a viagem não ser imda aca- ) ^v^&uo 
badaj) ' x 

«Da doutrina vida custumes e justiça do Viso Rei não es* 
preverei a Vossa Alteza porque são parte creo que ho farão 
todos aqueles que nestas partes se acharem. Noso senhor acre- 
sente a vida e reall estado de Vossa* Alteza, escrita a 5 dias 
d agosto nesta nao grifo que noso Senhor trouve a salvamento 
a este porto de moçãobique de 1538. (Arch. Nac, Mss. de S. 
Lourenço, tom. 4.°, fl. 253.) Nas costas: Carta que escrivi a 
il Rei de moçambique ha 5 d agosto de 1538. 



10 

com quanta mães Rezão posso eu tomar todas estas 
saluas, mayormente sendo notório que não escreuo 
este liuro pêra se ler a damas e a galantes, e se 
aproueitarem delle nas cortes e paços Reaes, mas 
os de Leça e Matosinhos *. Ora, considerando eu como 
vossa alteza seja tam grande que nenhum seruiço se 
lhe pôde fazer que seja porporcionado a sua gran- 
deza, tomey attreuimento pêra lhe queimar este ale- 
crim e diffumadouros de villa, por ser bem certo que 
as não receberá em menos valia e preço que o muito 
estimado encenso de Arábia; e também não sey como 
se me foy metendo em cabeça que vossa alteza no 
tempo passado fauoreceo alguas obras pequenas, que 
sahírão de minha mão, pello qual não somente se 
contentarão os homens de lhe comerem a carne, e 
Roerem os ossos, mas ainda de lhe tirarem os tuta- 
nos : e portanto serme ha necessário, ó bemaventu- 
rado Rey, que ou vossa alteza não queira ouuir juí- 
zos contra esta obra de pessoas que sem nenhum 
Respeito reprehendem o que não entendem, e con- 
denão o que em verdade não sabem, o que sem nc- 
nhua duuida em presença das partes não farião, ou 

1 Logares onde viuem mareantes. Nota do auetor. 



me dê licença pêra lha dedicar, porque então quem 
averá no mundo tão ousado que, sabendo ser vossa 
alteza o defensor, não fique espantado, e que freo 
pode auer, se este não, contra os maldizentes e Roe- 
dores *, os quaes averão por premio encorrerem na 
infâmia daquclles que combatem com os mortos, 
comtanto que com seus sophismas e malícias pos- 
são anichelar meu trabalho e escurecer minha em- 
presa. Porque como neste roteiro vão escritas mui- 
tas cousas que parecem estranhas e impossiueis, as 
quaes escreui medrosamente, não porque delias não 
fosse muy certeficado, mas por receo que tiue de sa- 



1 É costume antigo do portuguczes a maledicência e a in- 
veja. Sem citarmos as innumeras queixas que os nossos escri- 
ptores fizeram, com razão, d'essas ruins inclinações, que de- 
primem o caracter e esterilisam a intelligencia, não só de quem 
as tem, mas de quem não é dotado de energia para as despre- 
sar, parece-nos curioso recordar aqui o que Duarte Pacheco, ou- 
tro grande navegador portuguez, escreveu acerca dos murmura- 
dores e maldizentes. «Pois tomamos, diz' Duarte Pacheco (Es- 
meraldo, liv. 2, cap. 9, fl. 61 vers. Mss. da Bibliotheca Nac.), 
tão pesado carguo em escreuermos q. to * benefícios os prínci- 
pes passados tem feyto aos regnos de Portugal no descobri- 
mento desta Ethiopia que dantes ha nós era de todo incogny ta, 
esta mesma rasam nos hobrigua darmos fim ha obra comesada 
aimda que os murmuradores, mordedores e maldizentes nom 
cesem seguir seus dapnados costumes, os quaes som prasma- 
dores do bem feyto e nenhuma cousa booa sabem fazer. » 

£i\ i o u i L a r- f 



12 

hir fora da openião comum ; uendo de hua parte que, 
escreuendoas, poria espanto nos que as leessem, e 
doutra que, dissimulandoas, caberia em culpa e ne- 
gligencia, terão ousadia pêra me responderem, e mães 
sabendo quam mal se guarda justiça aos absentes. 
Já me contentaria de ser julgado por juizes sospei- 
los, comtanto que fossem officiaes .desta arte e of- 
ficio do mar ; mas receo que aconteça nisto o que 
ordinariamente vemos por experiência, que na scien- 
cia de que os homens menos sabem, e na arte em 
que são menos exercitados, naquellas querem pra- 
ticar mães soltos e mostrarem que são sufficientes 
mestres. Apelez não somente sofreo que hum çapa- 
teiro lhe tachasse hum não sey que que faltaua a 
hum çapato, que logo emendou, mas tornando o ça- 
pateiro ver a pintura, soberbo do juizõ que tinha feito, 
querendo reprender falta na perna da imagem, sa- 
hio Apelex a elle dizendolhe: não conuem a çapa- 
teiro julgar doutra cousa que não são çapatos 4 . Este 
mesmo Apelex teue ousadia de dizer ao grande Ale- 
xandre, que vinha muitas vezes folgar á sua officina 
onde trabalhaua (querendo aporfiar com elle em cou- 

1 Plínio no livro 35, cap. 10 da sua Historia Natural, falia 
de Apelex. Nota do auctor. 



<3 

sas da pintura) que se callasse, que os meninos que 
estauão moendo as tintas se Rerião delle. E porque 
neste tempo mães asinha se acharão muitos Apelei 
no primor e arteficio da arte, que hum só na liber- 
dade e franqueza de fallar e responder, que deuo 
eu fazer, senão pedir socorro a V. A., e vossa alteza 
que menos pôde fazer que tocarme com hua som- 
bra e mostra de seu fauor 1 ? Quem ha no mundo que 



1 Esse desejado favor não faltou a D. João de Castro, não 
só do rei, mas do infante D. Luiz, com quem estudara e de quem 
era amigo. N'uma carta que da índia escreveu ao infante, em 
29 de outubro de 1539, dizia elle: • Senhor. Por Álvaro Bar- 
radas receby huma carta de Vossa Alteza e nela tamanhas 
omrras e mercês que sendo caso que a mantença e sustancia 
do pryncipio de minha vida não fora esta certamente que de 
todo me comprira sair fora de meu natural juizo. Abastava so- 
mente alembrarse Yossa Alteza de mim e com isto fycava eu 
posto em mayor autoridade e preço de todos; e não com tão 
particulares fauores que dem ocasyam aos que pouco sabem 
de parecer que pode ser necessário a Yossa Alteza algum ca- 
bedal e ajuda pêra alevantar sobre as estrelas o mais derri- 
bado e abatido omen do mundo, pois que verdadeiramente 
omrras e mercês se não podem chamar outras algumas salvo 
aquellas que decemdem de seu alto o imvemcivel animo, e 
nestas taes estee o grão até omde pode cheguar o desejo e co- 
biça dos mortaes: quysera eu saber responder a sua carta jaa 
que o nom posso servir, e com isto contentar me, mas vejo 
tam difícil huma coisa como a outra., de sorte que me convém 
per huma parte apreguoar suas grandesas, e por outra dese- 
mulalas, nom avendo em mim capacidade pêra executar ne- 



<4 

possa fazer hua sobeja beniuolencia senão elle? Pe- 
dila eu he muito, mas dala V. A. he pouco, mor- 
mente todas as vezes que lhe lembrar como tem con- 
quistado as duas mauritanias ; como os seus esten- 
dartes despregados e por caminhos públicos se fo- 
rão assentar no cume do monte atlântico 1 ; como os 
ardentes mares das suas Ethiopias são laurados e 
sojugados das duas armadas; como as prayas do 
oriente estão sobmetidas e soieitas a seu império; co- 
mo os moradores dos famosos Rios Euphrates, Indo* 
e Ganges lhe são obedientes e tributários; como Ta- 
probana 3 , que os antigos criâo ser outro mundo nouo, 
reconhece seu alio nome e lhe paga páreas 4 . Quem 

nhuma delias. Dame Vossa Alteza em sua carta muitos agra- 
decimentos por algumas consyderações que tenho obrado : creo 
eu, senhor, que isto devo de emtemdcr pelo que de mim sey 
ser huum favorável perdam de meu pouquo cuydado e maao 
emgenho; pois lozio tam pouco em mim a doutrina e exempro 
que em seu reall paço se pratica: mas pois Vossa Alteza quiz 
usar de tamta benevolência comigo resam será que isto me en- 
uergonhe muy to mais que huum áspero castigo e forte repreem- 
são que eu tenho bem merecido; e daqui por diamte lamce eu 
de mim a preguiça e descuydo e ponha em obra a execuçam 
e exercício de seus altos e maravilhosos instrumentos.» Arch. 
Nac, M$$* de S. Lourenço, tom. 8.°, fl. 113. 

1 Monte Atlântico, s. s. Montes Claros. Nota do auetor. 

2 Indo é agora chamado de Diul oo Cinde. Nota do auetor. 

3 Tapobrana é agora chamada Samatra. Nota do auetor. 

4 O grão Pacheco, Achilles Lusitano, como lhe chamou Ca- 



15 

nesta machina e Redondeza onde o Iinmenso Deus 
deu o império aos mortaes, gozou de tão gloriosos 
triunphos, logo rezão será, que derribado a seus 



mões, não foi só um grande capitão* foi também um distincto 
cosmographo, e illustradissimo escriptor. Conserva-se ainda 
manuscripto o interessante livro que elle intitulou Esmeraldo 
de Situ orbis : espero porém, com o auxilio da Academia Real 
das Sciencias e com a collaboração do meu collega e amigo o 
sr. conde de Ficalho, enriquecer em breve a litteratura pátria 
com este precioso thesouro de informações históricas e geogra- 
phicas. Foi o Esmeraldo escripto em 1503, segundo a opi- 
nião auctorisada de Innocencio Francisco da Silva. Dirigin- 
do-se a el-rei D. Manuel, no prologo da sua obra, depois de 
narrar summariamente os grandes descobrimentos do infante 
D. Henrique e dos reis predecessores do feliz monarcha, Duarte 
Pacheco, diz: «Estas cousas. sam verdade, e muitas delias em 
nossos dias praticamos. Mas que direy de Vossa Alteza e da 
graça divinal que o Sumo Creador em Vosso animo derramou, 
dotandovos de tam excilente engenho, saber, e fortaleza que 
todos Vosos antecessores, asy antiguos como modernos, por 
quanto no segundo anno de Vosso Reynado da era de nosso 
Senhor de 1497, e 28 de vossa idade, Vossa Alteza mandou 
descubrir esta costa do Ilheo da Cruz donde El-Rei Dom Joam 
hacabou em diante, e nom sentindo nem estimando as gran- 
des e grossas despesas, que se nesto fazeram se descobriu e 
nauegou alguma parte daquella ethiopia subgipta, que das 
primeiras ydades ha nós sempre foy de todo incógnita, honde 
per Vossos Capitães foy descuberta e nouamente hachada ha 
grande mina, que algums cuidam ser do Ophir, que agora 
por nome novo Çofala he chamada, donde ho sapientissimo 
Rey SalomÕ houve 420 talentos de ouro. £ mais adiante por 
Vosso mandado foy descuberto tam grande caminHò e mar 



46 

pees me atreua a lhe offerecer esta obra, da ma- 
neyra que hum laurador apresentou ao grande Rey 
Artaxerses hum vaso de agoa clara, por não ler ou- 



atee se saber a grande província de Mabaar que índia baixa 
se chama, honde som sabidas moitas e grandes cidades e no- 
véis pouoações; ante as qnaes huma delias he a destroyda ci- 
dade Malipor, na qual cremos que está ha santa sepultura do 
bemaventurado apostolo S. Thomé. E como em tam pouco 
tempo V. A. descubriu quazi i.500 léguas alem de todolos 
antiguos e modernos, as quaes nunca foram sabidas nem na- 
vegadas de nenhuma nação deste nosso Occidente, aguora por 
moor segurança convém que Y. A. mande tornar a descubrir 
e hapurar esta costa do Ilheo da Cruz em diante; porque he 
certo que no seu primeiro descubrimento se soube em soma 
e nom pelo meudo, como a tal caso convinha; e porque V. A. 
me disse que se queria nisto Gar de mim, portanto preparei 
fazer hum livro de CosmograGa e Marinharia.» (Esmeraldo, 
por Duarte Pacheco. Prologo, fl. 2 verso. Mss. da Bibl. Nac.) 
Este é um breve quadro dos descobrimentos e conquistas que 
os portuguezes Gzeram até 1505. Em 1537 o celebre dr. Pcro 
Nuqes, cosmographo d'el-rei, publicou um Tratado em defen- 
sam da carta de marear, cõ o regimento da altura, e n'elle 
logo na primeira pagina, lé-se o seguinte: tNam ha duuida 
que as navegações deste reyno, de cem anos a esta parte: sam 
as mayores: mais marauilhosas: de mais altas e mais discre- 
tas conjeyturas : que as de nenhQa outra gente do mundo. Os 
portuguezes ousaram cometer o grande mar Oceano. Entrara 
per elle sem nenhu receo. Descobriram nouas ylhas, nouas 
terras, nouos mares, nouos pouos; e o que mays he: nouo 
ceo : e nouas estreitas. E perderamlhe tanto o medo : que nem 
ha grande quentura da torrada zona: nem o descon passado 
frio da extrema parte do sul : com que os antigos scriptores nos 



tra cousa com que o seruir e lhe mostrar guasa- 
Ihado. Porque na verdade parece cousa fermosa e 
justa e somente digna de grandes e poderosos prin- 
cepes, que ós dõcs e seruiços que lhe fazem, seja 
posto o preço segundo a possibilidade e animo daquelle 
que os apresenta, e não pella valia e Reputação em 
que são tidos do mundo. 

ÍHSMl 



ameaçauam lhes pode estoruar: que perdendo a estreitado 
norte: e torna n doa a cobrar: descobrindo e passando ho teme- 
roso cabo de Boa esperança: ho mar de Ethiopia: de Arábia: 
de Pérsia: poderam chegar a índia. Passaram o rio Ganges 
tam nomeado, a grade Trapobana: e as ilhas mais orientaes. 
Tirara nos muitas ignorâncias: e amostrarãnos ser a terra mór 
que o mar: e auer hi antípodas: que ate os Sanctos duuida- 
ram : e que nam ha regiam : que nem per quente nem per fria 
se deyxe de abitar. E que em hum mesmo clima e igual dis- 
tancia da equinocial : ha homens brancos e pretos e de muy 
diferentes calidades. E fezeram o mar tam chão que liam ha 
quem oje ouse dizer que achasse nouamente algua pequena 
ylba: algíís baxos: ou se quer algO penedo: que per nossas 
nauegaçòes nam seja ja descuberto.» (Tratado que o Doutor 
Pêro Nunes, cosmographo dei fíey nosto senhor fez em defensão 
da carta de marear: cõ o regimento da altura. Lisboa, por 
Germão Galharde. 1837.) 

n. 2 



COMEÇA O ROTEIRO DE 1538 ANNOS. 



Sabbado seis dias do mês dabril de 1538 nos 
fizemos á vella de Betlem '; o vento era de todo cal- 
ma, mas aiudandonos a maré e alguns bateis que 



1 De Belém partiam as armadas que annualmente iam i 
índia. O infante D. Henrique, havendo tomado a empresa de 
descobrir novas terras, mandou fazer no Restello, a uma légua 
de Lisboa, uma casa da invocação de Nossa Senhora de Be- 
thlem, em que tinha certos freires da Ordem de Christo, para 
que os sacerdotes «que ali residissem, ministrassem os sacra- 
mentos da confissão e comunhão aos mareantes, que partiam 
para fora: e em quanto esperavam tempo (por ser quasi uma 
légua da cidade) tivessem onde ouvir missa. • (Barros Dec. i, 
liv. iy, cap. xn.) Depois do descobrimento da índia, D. Manuel 
levantou, em logar da ermida, o sumptuoso templo de Belém, 
que deu aos religiosos da Ordem de S. Jeronymo. (Idem, idem.) 
A armada de Vasco da Gama partiu do Restello «huum sába- 
do, que eram oyto dias do mes de julho da dita era de 1407.» 
(Rot. da Viag. de Vasco da Gama, pag. i.) Ali em Belém se 
fazia alardo da gente que nas naus havia de partir para a In- 



20 

nos hião reuocando, fomos surgir antre são gião e san- 
eia Catherina, e logo depois de nico dia começou a 
uenlar o vcnlo noroeste, c cada vez hia refrescando 
e fazendose mães largo; duas oras anle sol posto ti- 
rou a capitania hum tiro e se fez á vella, e todos fi- 
zemos o mesmo: quando nos ouuemos fora da car- 
reira dalcaçoua 1 era noite de todo, e a este lempo 

dia. Este alardo era necessário, não só para se saber a gente 
com que na guerra se podia contar, mas tambem para evitar 
abusos que frequentemente se davam, sobretudo desde que em 
1505 foram na armada do primeiro viso-rey, D. Francisco 
d' Almeida tmuytos degradados, que todos folgarão hir nesta 
armada. 9 (Lendas da índia, tom. 1, part. u, pag. 331.) Na re- 
lação que D. João de Castro mandou de Moçambique a cl-rci 
D. João, quando em 1545 ia para a índia, como governador, 
diz elle: cobra de cincoenta léguas, avante das Canareas co- 
meçou aparecer na mynha não muyta gente que bya escondi- 
da, parecendo lhes que já estavão seguros de os não lançarem 
fora; e foy tanta e tam demasyada que me poz em muyto cuy- 
dado e estive muy perto de tomar as ilhas do Cabo Verde pêra 
deyxar hy toda a que se não podia levar sem muyto risquo; 
mas lembramdome que nesta comjumção emtrava o verão nas 
ilhas, onde por a destemperança do ar estava certo morerem 
todos ou a mayor parte dos que ahy fj casem, determyney fa- 
zer mynha viage e pasar por diante, pomdo o remédio nas 
mãos de deus: e não quys em tão saber o numero da gente que 
nesta náo hya,' porque não espantase e fizese mao sabor a to- 
dos.» (Mss. de S. Lourenço. — Cart. de D. /. de Castro a el- 
rei D. João ih, tom. v, foi. 103). 

1 No fim do Regimento de Pilotos de 1655 vem as Estam- 
pas e demarcações da Costa de Espanha, etc, pelo dr. Antó- 
nio de Mariz Carneiro, cosmographo dos reinos de Portugal. 



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21 



ouuimos ires liros, mas não vimos nem soubemos 
ao presente de que naao se lirárão. 

De noite foi o venlo nornoroeste fresco; gouerna- 
mos ao sudueste e quarta daloeste atee amanhecer. 



Entre essas estampas encontra-se uma que representa o Tejo 
e o Sado com suas sondas, a qual, por ser bojo raro o livro, nos 
pareceu conveniente reproduzir. Faltando da navegação da 
barra de Lisboa, em nota abreviada que serve de explicação 
á estampa, o dr. Mariz diz o seguinte : «E querêdo êtrar ê 
Lisboa pella carreira de S. Gião metereis a Igreja de Nossa 
Senhora da Guia pella Igreja de Santa Marta, que he liua caza 
que esta ao longo do mar, não à do meo senão outra, e ireis 
para dentro, e como fores cm S. Gião metei a forteleza pello 
eastello Dalmada, e desta maneira entrareis para dentro, dan- 
do resguardo ao cachopo. E querendo entrar pella carreira de 
Alcasere desmbrireis à Cidade e hua barreira de área, que se 
chama Oejras pella ponta de S. Giãm, e como vos demorar 
esta barreira ao Nordeste poreis a proa nella, e ireis entrando 
para dentro, c **cndo maré chea achegai uos antes ao cachopo 
com avizo da cabeça sequa, c o canal desta barra corre de 
Nordeste á Sudueste, e se não virdes a Cidade, ou por noite, 
ou com sarração vereis' a Igreja de Santa Catherina de Riba- 
mar, c a Nordeste delia está o canal, e também vereis 2 mon- 
tesinhos de terra redondos, que chamão as mamas, metâose 
por entre cilas, e desta maneira se entra para dentro sem risco. 
E querendo sal) ir da Cidade de Lisboa pella barra fora pella 
carreira Dalcasere tanto que estiverdes com S. Giam, loguo 
vereis da banda do Nordeste da fortaleza a barreira darea 
branca que atras fiqua declarado, poreis a popa nella, e go- 
uernai ao Sudoeste, e ireis sem temer. » 



22 



CAMINHO. 

Domingo sete de Abril de 1538 atee o meo dia 
foi o vento nornoroeste, e dahi por diante se fez norte, 
ventando fresco atee anoitecer; gouernamos todo o dia 
ao sudueste quarta daloesle: este dia pella menhãa 
não vimos duas naaos da nossa companhia, o que a 
todos pôs em muito cuidado, crendo que algum in- 
fortúnio lhes era acontecido, e que esta fora a occa- 
sião de se tirarem os tiros que ouuimos a noite pas- 
sada, porque o lugar onde se tirarão era tal, que com 
muita rezão se podião lançar estes e outros seme- 
lhantes juízos. 

De noite foi o vento norte muito fresco ; guouer- 
namos ao sudueste quarta daloeste atee amanhecer. 



CAMINHO. 

Segunda feira oito dabril de 1538 todo o dia 
ventou o vento norte galerno ; gouernamos ao su- 
dueste, e ginauão pêra a quarta daloeste. 

De noite toda a noite foi o vento norte fresco ; 
gouernamos sempre ao sudueste. 



23 



CAMINHO. 

Terça feira noue dabril de i 538 todo o dia ven- 
tou o vento norte muito rijo; gouernamos ao su- 
dueste, e ginavao pêra a quarta daloeste ; manoel 
alvarez piloto da minha naao se espantaua muito de 
Bernaldo pirez Piloto mor fazer tanto tempo o ca- 
minho por esta quarta, e afirmaua que a Ilha da ma- 
deira nos áíiia de ficar muito a balrravento 1 . 



1 Estas duvidas sobre o verdadeiro rumo que á navegação 
se devia dar, resultavam não só da imperfeição das agulhas de 
marear geralmente usadas, mas ainda de uma notável circum- 
staneia na construcçao de algtunas d'ellas. Guilherme Gilberto, 
no seu tratado De Magneto, magneticisque corporibus, etc., pu- 
blicado em Londres em 1600, diz no liv. iv, eap. xm, pag. 177, 
o seguinte: cHinc in longis nauigationibus, prsésertim ad In- 
dos orientales, Lusitanorum inartificiosa spectantur monumenta 
deuiantes pyxidulae: Nam qui eorum scrípta legit, facilô intel- 
liget, in plurimis illos errare, nec recto pyxidulae nautic» Lu- 
sitanics (cuius lilium dimidio rumbi à ferramentis versus occi* 
dentem inclinai) compositionem et usum in variatione capiendi 
intelligere. Quare variationem pyxidis varijs in locis dum os- 
tendunt, incertum est num meridionáli vero compasso, an alio 
quovis cuius ferramenta i lilio disiuncta sunt, deuiationem 
metiantur. Lusitani (ut in eorum scriptis patet) Lusitanicft 
ntuntur pyxidulâ cuius ferramenta magnética, seposita sunt i 
lilio versus orientem dimidio vnius rumbi. Magnae etiam dif- 
ficultatis est observatio varíationis in mari ; propter motus 
nauis et inelinationes incertas, vel peritioribus etiam, si per- 



24 

De noite atee amanhecer foi o vento norle mães 
bonança; gouernamos toda a noite ao suduesle, e gi- 
nauão pêra a quarta daloeste. 



fectis vsi sunt instrumentis illis, adhuc notis, et vsitatis. Hinc 
varias oriuntur sententiae de deuiationc magnética: veluti iuxta 
Helenao insulam, Lusitanus Roderiges de Lagos, dimidium 
rumbi mensurai. In diário náutico Bataui integru rumbumsta- 
tuunt. Kendallus expertus Ànglus sextam tantum partem rumbi 
admittit, cum vero compasso meridionali. Paululum versus 
Eurum à capite das Agulhas Diego Alfonso nullam facit varia- 
tionem et per Astrolabium indicat manerc pyxidem in vero 
meridiano. Roderiges ostendit quod pyxis ad caput das Agulhas 
directa est si pyxis compositionis sit Lusitanicae, vbi ferramenta 
declinant dimidio rumbi versus Eurum. Eadem etiam estcon- 
fusio, negligentia, et vanitas in alijs plurimis.» No Regimento 
de Pilotas pela quinta vez [impresso em 1655, achamos o se- 
guinte a fl. 22 v.: cOs Pilotos Portuguezes usão de duas agu- 
lhas em suas navegações, hua com os ferros aos 2 terços de 
quarta de nordestear, e desta he a de que ategora vsarão, e 
ainda hoje vsão a qual agulha lhe não podia seruir, e mostrar 
o verdadeiro caminho, senão pela Costa de Espanha de Norte 
a Sul, e até a Ilha das Canárias, e Cabo Verde, e Costa de 
Guiné de Norte Sul, até os bayxos de S. Anna, porque em 
toda esta derrota se corre toda quasi Norte Sul, mas como se 
apartão deste Meridiano, logo as agulhas ferradas aos dous 
terços de quarta não seruem, por quanto fazem mais, ou me- 
nos variação, e muy descompassada, e se nauega com ellas 
com muito erro, e pouca certeza : e por tanto he necessário a 
todo Piloto vsar em suas derrotas das Agulhas que tenhão os as- 
seiros no Norte da Roza, como temos ensinado muy largamente 
nos capitolos passados, e os Roteiros da índia.» Deixando de 
parte o erro do Roteiro sobre a egual declinação da agulha no 



23 



CAMINHO. 

Quarta feira dez de Abril de 1538 ás oito oras 
de pella menbã vimos a Ilha do Porto saneio, a qual 
nos demoraua ao sul; seriamos delia oito legoas. 



mesmo meridiano terrestre, vemos pelo que fica citado, que ef- 
fectivamente por muitos annos as agulhas de marear portu- 
guesas tiveram o grave erro de construcção que lhe notou Gil- 
berto. A viagem de D. João de Castro, a que o Roteiro se re- 
fere, tinha por fim experimentar novos instrumentos náuticos, 
• novos systemas para determinar a latitude, assim como ob- 
servar os phenomenos naturaes que podessem ser úteis á na- 
vegação; por isso os seus instrumentos eram dos mais perfei- 
tos d'aquelle tempo, c as suas agulhas de marear marcavam 
a verdadeira direcção, e não uma direcção falsa, como aquel- 
las a que se referia Gilberto e o Regimento de Pilotos, acima 
citado. No sen Roteiro do Mar Roxo diz elle, fali and o da agu- 
lha de que usava em suas observações. • Porem nam podemos 
culpar agulha, por onde fazemos nossos caminhos; pois he a 
de que me tenho aproucitado na costa da índia, com a qual 
puz em or.lem todas aqucllas prayas, e barras, que dentro del- 
ias se contem, como se mostra pollos commentarios, que daquella 
costa tenho feitos. Porque esta agulha achei, entre todas quan- 
tas tenho visto, que fere iustamente nos verdadeiros pollos do 
mundo.* (ítoteiro do Mar Roxo, pag. 28.) A direcção das cor- 
rentes também levava o piloto mór a seguir aquelles rumos. A 
corrente que segue a costa de Portugal, caminha para o SSE. 
e SE., torneia o Cabo de S. Vicente e une-se ás aguas que cor- 
rem para o estreito de Gibraltar. Ao sul do estreito estão os 
navios sujeitos á influencia das correntes que se juntam para 



26 



DBSCRIÇlO DA ILHA DO PORTO SANCTO 1 . 

De noite toda a noite foi o vento norte ; parte 
delia gouernamos ao susueste e outra ao sueste, e 
por esta maneira passamos por antre as ilhas do 
porto sancto e a madeira e por fora da deserta. 



CAMINHO. 

Quinta feira onze dias dabril todo o dia foi o 
yento noroeste fresco ; gouernamos ao susudueste. 

De noite toda a noite foi o vento noroeste; gouer- 
namos ao susudueste atee amanhecer. 



formar a corrente equatorial. Perto da Madeira a direcção ge- 
ral das correntes é SSE. o SE. No livro intitulado The West 
coast of Africa recentemente publicado pelo Hydrographicoffice 
dos Estados-Unidos lê-se : «As soon as the parallel of Cape St. 
Vincefct is reached, allowance must be made lor the easterly 
set loward the Straits of Gibraltar; and if the vessel is without 
chronometers, it would be prudent to add 10 miles easting to 
each day's work, in order to correct the probable effect of these 
currents. » . 
1 Falta a descripçao da ilha no Mss. 



27 



CAMINHO. 

Sesta feira doze de abril todo o dia andamos em 

* 

calma sem as naaos gouernarem. 

De noite todo o quarlo da prima foi o vento cal- 
ma, mas á madorra e alua ventou como noroeste 
bonança; gouernamos sempre ao susudueste. 



CAMINHO. 

Sabbado treze de abril, amanhecendo, vimos a 
palma, que he hua das Ilhas das canareas', e logo 
fiz prestes a lamina e estormento de sombras, de que 
o muito excelente princepe o Iffanle dom Luis me 
fez mercê 1 , com grande dèseio de verificar duas cou- 



• * Humboldt attribue aos povos orientaes da Ásia o uso da 
agulha magnética. Em remotíssimas eras os chinezes empre- 
gavam agulhas nadando em agua, para se orientarem . nas 
suas longas vaigens por terra. Só mais tarde foi a agulha ma- 
gnética applicada á navegação ; e quando o seu emprego se 
tornou geral em todo o Oceano Indico, e nas costas da Pérsia 
e da Arábia, isto é: no século xn, foi ella introduzida na Eu- 
ropa, não podendo dizer-se se foram os árabes ou os cruzados 
que primeiro usaram d'ella no Mediterrâneo (Humboldt. Cos- 
mos, tom. iv, pag. 58 e seguintes.) Guilherme Gilberto attri- 
bue a Marco Paulo a introducção na Itália da agulha de ma- 
rear. «Scientia náutica pyxidul» traducta videtur in Italiam, 



28 



sas: a primeira, se nesta Ilha variauam as agulhas, 
ou não, por ser pratica de muitos pilotos que neste 
lugar e merediano feria o norte de suas agulhas no 



per Paulum Venetum, qui circa annam mcclx apud Chinas ar- 
tem pyxidis didicit.» (Gilberto. De Magnete, etc, liv. i, pag. 
4.) Esta asserção é evidentemente inexacta. Como prova de que 
é anterior á viagem do Marco Paulo o uso do magnete na na- 
vegação, cita-se uma trova de Gouyot de Provins, de 1180, na 
qual se diz : 

«Un art font qui mentir ne puet 

Par vertu de la manelte, 

Une picrre laide et brunettc, 

Ou li fers volontiers se joint.» 

Como se vê, esta indicação c vaga e confusa; c nada leva a 
crer que n aquclle tempo se fizesse uso da agulha de marear, 
propriamente dita; mas apenas se pode suppor que se empre- 
gava a pedra magnética, provavelmente suspensa por um fio 
ou boiando na agua, para indicar o norte. Não suecede porém 
o mesmo a um trecho que se lô na Historia Damiatina de Ja- 
copo di Vitry . Ahi falla-se claramente da agulha de marear, ar- 
tificialmente obtida pelo contacto com o magnete natural, e 
applicada á navegação, para indicar o norte. «Açus férrea, diz 
Vitry, po>tquam adamantem contingerit, ad stcllam septem- 
trionalem. . . axis lirmamenti. . . semper convertitur: unde 
valde necessarius est navigantibus in mari.» (Yitrianus. Histo- 
ria Damiatina, ap. Bongars, n, 110(3.) Esta informação refe- 
re-sc ao anno de 1219. Nas leis das Partidas do meiado do sé- 
culo xiii encontra-se uma referencia notável á agulha de ma- 
rear, o que prova ser o seu uso vulgar em Hespanha naquello 
tempo. Diz assim: «Et bien asi como los marineros se guiam 
en la noche oscura por el aguja que le es medianera entre ia 
estrella et la piedra, et les muestra por do vayan tambien en 



29 



verdadeiro polo do mundo; e a segunda, se era ver- 
dadeira e punctual a regra que nos deu o doctor 
Pcro nunez, pêra em toda a ora do dia em que fizer 



los maios tiempos como en los buenos; otrosi los que han de 
ayudar et de concejar ai Rey se deben siempre guiar por la 
justicia. > (Part. 2, tit. 0, Icg. 28, tom. u, pag. 84 de la edi- 
cion de la Academia.) Pela mesma época (1272) Raymundo de 
Lulio escrevia na obra intitulada Contemplatione (cap. 129, 
num. 19, e cap. 291, num. 17): «Sicut açus per naturam ver- 
ti tur ad septentrionem dum sit tacta á magnete, ita etc. »: e 
tQuia sicut açus náutica dirigit marinarios in sua navigatione, 
ita discretio dirigit hominem in adquisilionc sapientiíe. » O pa- 
dre Kirchcr no amplo tratado quo intitulou Magnes sive de arte 
Magnética, c publicou cm Colónia em 1GW, affirma que a agu- 
lha de marear nào foi trazida da China por Marco Paulo, nem 
nos Annaes da China se encontram indícios de ser ali conhe- 
cida a agulha em remotas eras. Diz o P. Kircher: «Preterea 
non desunt, qui velint, cx China per Paul um Marcum Venc- 
tum verticitatem Magnctis anno 1260 Europa? primum inno- 
tuisse; at quamuis ego singular! diligentia rem exquisiuerim, 
ex iis tamen, qui in China fuerunt, quique Annales Chinensium 
optimé norunt, uihil de rei veritate certi cognoscere liquit. In 
Gcographia tamen Arábica Yaticana, vti et Nubiana qux satis 
antiqua? sunt, Magnctis in navigatione usitati haud obscura in- 
dicia, vti et apud R. Salomonem Cretensem in Horis monstran- 
disferream usurpatamlanceolam rcperio.»(Kircher. Magnes sive 
de arte Magnética, liv. i, part. i, cap. in, pag. 28.) Mais adiante 
(Idem, Idem, pag. 29) acrescenta, depois de se referir ás na- 
ções que se attribuem a gloria da invenção da agulha: «Quid- 
quid sit, grauiores Authores ítalo cuidam A malphitano Joanni 
Goi&j vel, ut quidam volunt, girse inventionem adscribunt, 
quibus et assentior ego.» Gilberto também, fallando de Gioja 



30 



sombra sabermos a leuaçao do polo ; com o qual es- 
tromento fez as seguintes considerações, sendo todo 
este dia o vento calma, que a naao não gouernaua. 



d'AmalB, diz : iln regno Neapolitano Melphitani omnium primi 
(uti ferunt)pyzidem instruebant nauticam : ulque Flavius Blon- 
dus Melphitano8 haud perperam gloriari prodit, edocti á eive 
quodam Johanne Goia, anno post natum Christum millesimo, 
trecentesimo.» É evidente que a propriedade de uma agulha 
ou lamina de (erro, magnetisada pelo iman, se dirigir para o 
pólo, servindo assim á navegação, era conhecida antes de 1302, 
época a que se attribue a Gioja a invenção de que a cidade de 
Amlafí se gloria. Em que consistiu pois a invenção de que se 
trata? Em substituir, ao que parece, á agulha sobrenadando 
na agua, a agulha suspensa sobre um eixo perpendicular, em 
que podesse livremente girar em posição horisontal. (Navar- 
rete. Dissertacion sobre la Historia de la Náutica, pag, 66.) 
Era conhecido o phenomeno da agulha se dirigir para o pólo 
norte; mas não o era egualmente, que a agulha se desviava 
d'essa direcção, nuns logares da terra para leste e n*outros 
para oeste, havendo apenas alguns em que ella se dirigia 
exactamente para o pólo % A declinação magnética não era co- 
nhecida. Gilberto e Kircher attribuem a Sebastião Cabot o 
conhecimento d'este phenomeno. cSebastianus Cabottus (diz 
Gilberto, cit., liv. i, pag. 4), primus invenit quod magneticum 
ferrum variaret. Gonzales Oviettus primus. scribit in sua his- 
toria in meridiano Azorum ferrum non variare. • P. Kir- 
cher (cit. pag. 30) diz o seguinte : cHinc Sébastianus Cabottus, 
et Gonzalus Oviedus ambo Navarchi celeberrimi duarum prae- 
clarissimarum observationum authores fuere, hic àvliziaç. 
Magnética in meridiano Azorico, ille sTep3xaXu(39xXw;e:, seu 
magnetis, variaB á polari linea deviationis.» A viagem de Ca- 
bot, teve logar em 1497. celebre navegador partiu de Bris- 



31 



Primeira consideração antes do meo dia. 

Estando o sol em altura de 57 grãos 

ho estilo lançou a sombra 71 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 



tol, em direcção ao noroeste, a demandar a America, a fim de 
chegar por um novo caminho á cubicada terra onde nascem as 
especiarias. Alguns escriptores suppõem que a primeira via- 
gem de Sebastião Cabot teve lugar em 1494, e essa opinião é 
corroborada por um mappa attribuido a Cabot, de que J. F. 
Nicholls publicou o fac-simile no seu livro sobre a vida e des- 
cobrimentos do illustre navegador {The remarkable life 9 adven- 
tures and discoveries of Sebastiam Cabot. London, 1869). A 
observação de declinação da agulha por Cabot, data pois de 
1494, ou, mais seguramente, de 1497, época da viagem feita 
por ordem do rei Henrique vn de Inglaterra. A primeira via- 
gem de Christovão Colombo teve logar em 1492. Na sua der- 
rota para oeste, a duzentas léguas do meridiano da ilha do 
Ferro, Colombo observou uma. alteração na agulha, a qual, 
em vez de apontar ao norte mostrava sensível declinação para 
oeste. Este phenomeno tornou-se manifesto no dia 13 de se- 
tembro de 1492, e causou grande pasmo no almirante, e muita 
consternação nos pilotos e mareantes. (Navarrete, Historia de 
la Náutica, pag. 114, e Coleccion de los viajes y descubrimien- 
tos 9 tom. i, pag. 160.) Na narrativa da sua terceira viagem, 
que aos reis de Hespanha fez Colombo, diz elle: «Cuando yo 
navegue de Espana i las Índias fallo luego en pasando cien 
léguas à Poniente de los Azores grandisimo mudamiento en 
el cielo é en las estreitas, y en la temperancia dei aire, y en 
las aguas de la mar, y en esto he tenido mucha diligencia en 



32 



Segunda consideração antes do meo dia. 

Estando o sol em altura de 61 grãos 

ho estilo lançou a sombra 64 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 



Ia esperiencia. Fallo que de septentrion en Austro, pasando 
las dicbas cien léguas de las dichas islãs, que luego en las 
agujas de marear, que hasta entonces nordesteaban, norues- 
tean una cu «ir ta de viento todo entcro, y esto es en ailegando 
alli á aquella linca, como quien transpone una cuesla, asi 
mismo fallo la mar toda llena de ycrba de una calidad que 
parece ramitos de pino y muy cargada de fruta como lantisco, 
etc.» (Select letters of Christopher Colombns. Works issucd hy 
the Hakluyt Society, pag. 131.) Vô-se pois que Colombo des- 
cobriu a variação da agulha antes de Cnbot. O phenomeno 
chamou logo a allcnção não só dos navegantes mas dos philo- 
sophos; e em breve adquiriu grande importância, porque se 
julgou que a variação da agulha magnética tinha relação com 
os meridianos terrestres, c que por ella poderia vir a deter- 
minar- se a longitude, assim corno com o astrolábio se deter- 
minava a latitude. Sebastião Cabot morreu com a convicção 
de haver achado um methodo novo e infallivel de determinar 
a longitude: o esse methodo, que elle não quiz revelar, não 
podia ser outro senão a declinação da agulha. Determinar 
a variação que a agulha apresentava nos diversos logares da 
terra e sobretudo do mar, e achar onde era nulla e a agulha 
apontava os verdadeiros pólos do mundo, coisas eram que 
chamavam muito particularmente a atlenção dos navegado- 
res c dos cosmographos. Segundo Cabot, esse meridiano sem 
declinação caía a 110 milhas a oeste das Flores. N'um map- 



33 



Tomadas estas duas operações, mandey ao Piloto 
que ao meo dia tomasse o sol, e eu, passandome á 



pa-mundo que se acha na edição de Ptolomeu, publicada em 
Roma em 1808, lê-se a seguinte inscripção entre a Terra Nova 
e a Insula Bacalaurus: cHic compassus naviura non tenet nec 
naves quae ferrum tenent revertere valent». Sobre este assum- 
pto diz Pedro Nunes na obra já citada: t Acerca do nordestear 
e norocstear das agulhas tenho por certo que ellas nam de- 
mandam ho polo: porque nam vi agulha que nesta terra não 
nordestease: na quantidade do nordestear posto que os pilo- 
tos ho afirmao muito não lhes dou credito: porque bus dizem 
que nordestea muito; e outros que pouco: em hus mesmos 
lugares. Bem pode ser que huas façam mais deferença que as 
outras: mas elles nam podem saber a verdade disto: pela arte 
que dizem: que pêra isto tem: a qual he bornearem com a 
vista a agulha com a estrela: porque alem da estrela andar 
lio mais do tempo fora do meridiano: no bornear cabe muito 
engano: d não se pode isto verificar bem por estrela se não 
pelo sol. * Indicada a difficuldade e incerteza das observações, 
pelo melhodo comummente usado, o dr. Pedro Nunes des- 
creve o instrumento que inventou para fazer mais exactas 
observações da variação da agulha de dia, e em qualquer lo- 
gar da terra. É o seguinte: «Poder ião os pilotos lcuar hum 
circulo de pau ou metal: com hum estilo perpendicular no 
centro: e a roda do circulo graduado como astrolábio: e so- 
bre hum ponto do diâmetro fora do centro: em que esta o es- 
tilo se fará hum circulo pouco mayor que ha rosa da agulha: 
o qual se cauara nelle se meter e andar liure como conuem 
e pendurarsea este estromento: per cordeys ou per outra arte: 
que se pode dar; pêra ficar ao livel. E querendo saber no 
mar quanto a agulha nordestea: tomaremos o sol no astrolá- 
bio : e veremos logo no mesmo tempo per qntos grãos se aparta 
a sombra do estilo pela roda do estromento do diâmetro : tendo 

3 



34 

poma pêra vereficar a leuação do polo deste dia, 
obrei nesta maneira. 

Primeiramente * no orizonte graduado da poma 
asentei a variação que fez a sombra do estilo dês a 
primeira altura até á segunda, a qual variação foi 
sete grãos, e logo do principio destes sete grãos iá 
postos no orizonte asentei a primeira altura; e foi 
cinquoenta e sete grãos per hum merediano gra- 



nelle ho ferro da agulha justo: e teremos isto em lêbrança : e 
o astrolábio guardaremos assi: sem tirar ho mediclinio donde 
esta; até que despojs do meyo dia nos torne ho sol a entrar 
pelos buracos: q he a mesma altura do sol pontualmente: e 
por isso guardaremos assi ho astrolábio: porq soo meo grau 
daltura faz muita deferença no correr da sombra pela roda do 
estromento em alguas oras do dia: e veremos então per qntos 
grãos se aparta a sombra do estilo do diâmetro: porque se as 
distancias forem iguaes: saberemos q a agulha vay justa ao 
polo: e se forem desiguaes: nord esteara ou noresleara pela 
metade da deferença das duas distancias: conuem a saber se 
antes do meyo dia auia doze graus: e despois vinte a defe- 
rença he oylo: e ho meyo quatro: estes quatro grãos sam os 
que nordestea ou norestea: porque ho meyo dia foy nos des- 
aseys; e não se pode isto alcançar no mar: verificando quamdo 
he meyo dia pela mayor altura porq per ella não se sabe quan- 
do he: e a experiência nos amostra que esta ho sol tempo no- 
tauel em que nos estrolabios que todos sam pequenos: não 
sentimos deferença na altura: e pelo orizonte sentimdo crara- 
mente andar. • Esta era a lamina e instrumento de sombras 
que o infante D. Luiz deu a D. João de Castro, para fazer as 
observações de que falia o Roteiro. 
1 Altura a toda a hora do dia. Nota do auctor. 



38 

duado acima, e no lugar onde se acabou o numero 
destes 57 grãos pus hum ponto; e tornando a pas- 
sar o mesmo merediano na outra extremidade da 
variação da sombra que assentey no orizonte, contey 
pello merediano acima a segunda altura, que foy 61 
grãos ;, e no lugar onde se acabarão pus outro ponto : 
feito isto, oulhei a declinação de 90, e tomando o 
que ficaua, que era 77 grãos £, com hum compaso 
curuo, pondo hua ponta do compaso no ponto onde 
se acabou a primeira altura, fiz com outra ponta hua 
porção de circulo, e tornando a mesma ponta do 
compaso ao segundo ponto onde se acabou a se- 
gunda altura, fiz outra porção de circulo, que em 
termos de giometria se chama de cusação, e onde 
se estas duas porções encontrarão pus hum ponto, 
o qual ponto trazendo ao merediano graduado, achei 
que se apartaua do orizonte 29 grãos ~, que era a 
leuação do polo do lugar onde me achaua 1 ; e logo 



1 Os methodos de determinar a latitude e longitude d<? lo- 
gar em que o navio se encontrava, eram, nos séculos xv exvi, 
buscados com ardor, não só pelos que de navegação se occupa- 
vam, senão d'aquelles que se davam ao estudo das mathema- 
ticas. Principalmente em Portugal e na Hespanha eram os as- 
sumptos que se referem á navegação estudados com affinco, 
sob os auspicios e immediata protecção dos monarchas e prín- 
cipes. Como diz Azurara {Chronica de Guiné, cap. iv, pag. 20) 
a casa do infante D. Henrique «foehfiu geeral acolhimento de 
lodollos boõs do reyno, e muyto mais dos estrangeiros, cuja 

3« 



36 

mandei esta altura ao Piloto em hum escrito çarrado, 
pêra que depois que elle tomasse o sol ao meo dia 
víssemos juntamente ambos sem sospeita podermos 



grande fama fasia acrescentar muyto em suas despesas; ca co- 
munalmente se achavam em sua presença desvairadas naçoões 
de gentes tam afastadas de nosso huso, que casy todos o avyam 
por maravilha». O paço do infante em Sagres era «uma es- 
cola de estudos e applicações mathematicas, e hum Seminário 
de Geographos, de. Astrónomos, e de Náuticos, que davão luz 
aquelles tempos». (Memorias Históricas sobre alguns mathema- 
ticos, etc., por António Ribeiro dos Santos. Memorias de litte- 
ratura portugueza, tom. vin, pag. 155.) Em 1431 o infante D. 
Henrique fez doação á universidade, então estabelecida em Lis- 
boa, de umas casas para ahi se lerem as sciencias que então 
eram approvadas. Destinou o infante as casas para a lição das 
artes liberaes que eram sete: grammatica, lógica, rhelorica, 
arithmetica, musica, geometria e astrologia (Historia dos Es- 
tabelecimentos scientificos, etc, por José Silvestre Ribeiro, tom. 
i, pag. 444). Por este tempo já eram de uso geral na navega- 
ção, a agulha e a carta de marear, pois que o infante, que- 
rendo mandar Gil Eannes em 1433 a descobrir terras além 
do cabo Bojador, dizia-lhe: cem verdade eu me maravilho, 
qua maginaçom foe aquesta que todos tilhaaes, de hfia cousa 
de tam pequena certidom, ca se ainda estas cousas que se di- 
zem tevessem algua autoridade, por pouca que fosse, nom vos 
darya tamanha culpa, mas queroesme dizer que por openyom 
de quatro mareantes, os quaaes como som tirados da carreira 
de Frandes, ou de alguus outros portos pêra que comuu mente 
navegam, nom sabem mais teer agulha nem carta pêra marear, 
etc. (Chronica de Guiné, cap. ix, pag. 57.) Apesar porém da 
agulha de marear ser usada geralmente pelos navegautes era 
comtudo certo que estes não ousavam senão difficilmente afãs- 



37 



detreminar quanto discrepaua a minha, tomada pella 
menhã, da sua, tomada ao meo dia: ora, acabado o 
Piloto de tomar sua altura, veome dizer que estaua- 



tar-se das costas, e engolfar-se no oceano. A viagem de João 
de Bethencourt, partindo da Rochella em 1402 em busca das 
Canárias, mostra bem qual era o modo de navegar d'aquella 
época. Partiu Bethencourt cavecques três bon nauire, et suf- 
fisamment garny de gens et de vi trai lies, et de toutes les cho- 
ses qui leur estoient necessaires pour leur voiage. Etdevoient 
tenir le cherain de Belle Isle, mais au passer de Filie de Ré, 
ils curent vent contnirc, et addresserent leur voye en Es- 
paigne, et arriuerent au port de Yiuieres (Vi vero) • . . . «Adonc 
se parti de lá led. Bethencourt, auecques lui mess e Gadif- 
fer de h Salle, et autres gentilz homes, et vindrent à la Cou- 
longne (Corunha)». . . cEt mons. r de Bethencourt et sa com- 
pagnie prindrent leur chemin, et quant ils eurent doublé le 
cap de Finiterre, ils suiuirent la cotiere de Portugal iusques 
au cap de Saint Yicent, puis reployerent, et tindrent le che- 
min de Siuille, et arriuerent au port de Calis (Cadix)». . . 
c Et a prés se partirentdu port de Calyx, et se myrenten haute 
mer, et furènt trois iours en bonnasse, sans aduancer leur che- 
min se pou non, et puis s'addressa le temps, et furent en chincq 
iours au port de 1'isle Gracieuse». (Le Canarien, etc. publié 
d'après le manuscrit original, par Gabriel Gravier. Rouen, 
1874, pag. 5, 7 e 9.) Doutras navegações falia Navarrete na 
sua Historia da Navegação, taes como a do conde de Buelna, 
D. Pedro Nino de Cartagena, para Sevilha em 1403 csin em- 
bargo de que ya usaba de la aguja y cartas náuticas» e a dos 
embaixadores de Henrique iu de Castella ao Gran Tamerlão, 
nas quaes se seguiram timidamente as costas, sem nunca del- 
ias se afastarem. [Disertacion sobre la Historia de la Navega- 
cion de Navarrete, pag. 71.) As cartas de marear eram tam- 



38 

mos em altura de 29 grãos g, e em continente abrío 
o escrito e vio a minha, de que ficou muito espan- 
tado. 
Tendo por esta maneira vereficado a altura do 



bem usadas n'este tempo, ainda que fosse grande a sua im- 
perfeição, por nao estarem determinadas convenientemente as 
posições geographicas dos logares n'e)las marcados. Depois do 
que acerca da invenção das cartas de marear, attribuida por al- 
guns escri piores ao infante D. Henrique, escreveu na sua im- 
portante obra mr. R. Henry Major, e do que anteriormente 
escrevera Navarrete (Major. The life of Prince Henry, pag. 
53 e seguintes: Navarrete, ob. cit., pag. 85 e sog.), não pode 
ficar duvida de que nao é do illustre príncipe essa invenção. 
Diz Barros, fallando da industria e prudência que o infante 
teve nos descobrimentos t pêra este descubrimento mandou vir 
da Ilha de Malhorca hum Mestre Jacome, homem mui docto 
na arte de navegar, que fasia cartas, e instrumentos, o qual 
lhe custou muito pelo trazer a este Reyno pêra ensinar sua 
sciencia aos officiaes Portuguczes daquelle mester. » Vê-se pois 
que a arte de traçar cartas de marear estava já mui lo adian- 
tada em Malhorca, e se praticava em Portugal antes das ex- 
pedições mandadas pelo infante a descobrir a costa d 'Africa. 
O infante t mandou acrecentar na carta de marear» os novos 
descobrimentos, diz Azurara; e ajunta: *E he de saber que 
o que se sabya em certo da costa do mar grande eram vj* lé- 
guas, e som acresentadas sobre ellas estas iiij e L; e o que se 
mostrava no mapamundy, quanto ao doesta costa, nom era 
verdade, ca o nom pintavam senon a aventura; mas esto que 
agora he posto nas cartas, foe cousa vista por olho, segundo 
ja tendes ouvido.» Este foi o aperfeiçoamento que o infante 
fez nas cartas de marear. Já no século xni Raymundo Lul- 
lio tratando da arte de navegar diz « Videmos marinados se 



39 



sol a toda a ora, esperei que depois de meo dia tor- 
nasse o sol ás duas alturas em que o tomei pela 
menhãa, pêra me certificar do que fazião as agulhas 
no merediano destas ilhas, e passou desta maneira. 



dirigere per slellam polarem. • (Lullio De contemplatione, cap. 
117, num. 13) e n'outra obra falia claramente da carta, do 
compasso, da agulha, da estrella do mar (Navarrete, ob. cit., 
pag. 70). As necessidades da navegação crescendo cada dia 
coro a extensão dos novos descobrimentos, tornavam cada vez 
mais necessário determinar no alto mar o ponto em que se en- 
contravam os navegantes, para poderem com menos risco di- 
rigir a sua derrota. A esto respeito diz Barros (Dec. i, liv. iv, 
cap. n). «Poro depois que elles (os mareantes) quizeram na- 
vegar o descoberto, perdendo a vista da costa, e engolfando -se 
no pego do mar, conheceram quantos enganos recebiam na es- 
timativa e juizo das sangraduras, que segundo seu modo em 
vinte e quatro horas davam de caminho ao navio, assi por ra- 
zão das correntes, como d'outros segredos, que o mar tem, da 
qual verdade de caminho a altura he mui certo mostrador, u 
Era preciso determinar a altura ou latitude no mar, e care- 
ciam-se para isso de instrumentos fáceis de manusear, e de 
taboas de declinação do sol. Regiomontano, guiado pelos es- 
criptos de Ptolomeu e querendo aperfeiçoar as observações as- 
tronómicas, construiu um Meteoroskopio semelhante ao de que 
usara o astrónomo de Alexandria. Da forma e uso do seu Me- 
teoroskopio falia Regiomontano n'uma epistola dirigida ao car- 
deal Bessarião, patriarcha de Gonslantinopola, a qual se lé no 
fim da edição de 1833 da Introductio geographica de Ped. 
Apiano. Regiomontano aperfeiçoou também o astrolábio, con- 
struindo-o de metal, de modo a poder suspender-se e conser- 
var a posição vertical. Na bibliotneca da cidade de Nuremberg 
existem astrolábios da própria oflicina de Regiomontano. Na 




40 



Primeira consideração depois do meo dia. 

Estando o sol em altura de 61 grãos ^ 

ho estilo lançou a sombra . 53 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste: 



memoria sobre Martin Behain(Marlim de Bohemía dos escri- 
ptores portuguezes) pelo dr. F. W. Ghillany, encontra-se a 
pag. 40, copia d'um d'esses curiosos astrolábios datado de 
1468. Raymundo Lullio já nos fins do século xin, descreve 
na sua arte de navegar um instrumento (astrolábio) com o 
qual se podia no mar alto determinar as horas da noite ob- 
servando as estrellas. Quando Vasco da Gama dobrou o cabo 
de Boa Esperança encontrou naus de árabes em que havia 
agulhas de marear a que o auctor do Roteiro {Rot. da Viag. de 
Vasco da Gama, pag. 28) chama genoiscas (genovezas) e qua- 
drantes e cartas de marear. A verdade porém é que o astrolá- 
bio construído por forma que nas observações dos navegantes 
se podesse usar é devido ao zelo com que D. João n promoveu 
os progressos da navegação. Este príncipe, para alcançar a 
simplificação ou invenção de instrumentos e methodos desti- 
nados ás observações cosmographicas, formou um conselho ou 
sociedade de sábios, entre os quaes se encontravam o bispo de 
Ceuta Diogo Ortiz, o bispo de Viseu Calçadilha, os médicos 
José e Rodrigo, e Martin Bebain, estrangeiro celebre, natu- 
ral de Nuremberg, que conhecia os trabalhos scientificos e os 
novos instrumentos de Regiomontano, de quem, ao que pa- 
rece, fora discípulo. Foram Martin Behain e os dois médicos 
d'el-rei, José e Rodrigo, os encarregados de construir um as- 
trolábio para os navegadores. Martim Behain, como discípulo 
de Regiomontano, e conhecedor do astrolábio de metal por este 



41 



foi logo b arquo dante o meo dia maior que o de 
depois de meo dia per esta operação i i grãos, os 
quaes partidos pello meo, ficâo 5 grãos i, que he a 
quantidade que neste lugar a agulha nordestea. 



inventado, mais do que os outros dois contribuiu para facili- 
tar e tornar commum o emprego do astrolábio para determi- 
nar a latitude no mar. Barros diz acerca do astrolábio o se- 
guinte: «E porque em este Reyno de Portugal se achou o pri- 
meiro delle em a navegação nâo será estranho deste logar di- 
zermos quando, e per quem foi achado. . .1 cem tempo dei- 
Rey D. João o Segundo foi por elle encomendado este negocio 
a Mestre Rodrigo, e a Mestre Josepe Judeo, ambos seus mé- 
dicos, e a um Martim de Boémia natural daquellas partes, o 
qual se gloreava ser discípulo de Joanne de Monte Régio, af- 
famado Astrónomo entre os professores d 'esta sciencia, os quaes 
acharam esta maneira de navegar per altura do Sol, de que 
fizeram suas taboadas pêra declinação delle, como se ora usa 
entre os navegantes, já mais apuradamenle do que começou, 
em que serviam estes grandes astrolábios de paoo (Barros, dec. 
1, liv. ív, cap. u). E fallando da viagem de Vasco da Gama no 
mesmo capitulo citado. Barros diz: cE a primeira terra que 
tomou, antes de chegar ao Cabo de Boa Esperança, foi a haia, 
a que ora chamam de Sancta Helena, havendo cinco mezes que 
era partido de Lisboa, onde sahio em terra por fazer aguada, 
e assi tomar a altura do sol ; porque como do uso do astrolábio, 
pêra aquelle mister da navegação, havia pouca tempo que os ma- 
reantes deste Reyno se aproveitavam, e os navios eram peque- 
nos, nâo confiava muito de a tomar dentro nelles por causa 
do seu arfar. Principalmente com um astrolábio de páo de três 
palmos de diâmetro, o qual armavam em três páos á maneira 
de cábrea por melhor segurar a linha Solar, e mais verificada 
e destinctamente poderem saber a verdadeira altura d'aquelle 



42 



Segunda consideração depois do meo dia. 

Estando o sol em altura de 57 grãos 

ho estilo lançou a sombra 60 grãos 

contando do norte pêra leste : 



lugar; posto que levassem outros de latão mais pequenos^ tão 
rusticamente começou esta arte, que tanto fruoto tem dado ao 
navegar.i Em 1473 appareceram em Nuremberg as famosas 
ephemerides de Regiomontano, muito procuradas pelos nave- 
gadores, e onde se encontrava calculado o logar do sol c dos 
outros corpos celestes do anno da 1474 até 1506. Para a de- 
terminação da altura do sol pelo astrolábio e uso das taboas 
de declinação, era preciso fazer a observarão com o astrolábio 
ao meio dia exacto; e era fácil prever os contratempos que cada 
dia podiam surgir, e tornar dilUcil senão impossível a obser- 
vação; além da difficuldade de determinar a máxima altura 
do sol sobre o borisonte, pela difficuldade de ter a hora verda- 
deira. Sobre isto diz o dr. Pedro Nunes no seu tratado já ante- 
riormente citado (Tratado que o Dr. Pêro Nunez, cosmographo 
del-Rei nos. sr. fez em defemam da carta etc): «Porque a cousa 
mais necessária e mais proueilosa pâ a nauegação: e o prin- 
cipal fundamêto delia: he o conhecimento da altura do polo 
sobre o horizonte: ou distancia do circulo equinosial que he 
o mesmo: e os antigos autores não nos deixarão escripto como 
se isto podese alcançar somente ao meo dia que he conta muy 
certa e sem falência: mas que não basta principalmente pêra 
as viagês compridas: nas qes muitas vezes acõtece encobrir se 
o sol ao meo dia: e dahi a poucas oras amostrarsenos muito 
craro. Deterrainey eu despoys de ter e3tudado nas sciencias 
mathematicas e cosmographia : inquerir modo p que podese- 



43 



foi logo nesta operação o arco de depois de meo dia 
i i grãos, os quaes partidos pello meo, virão á parte 
5 grãos £, que he a quantidade que neste lugar a 
agulha nordestea. 



mos em todo lêpo que ouuer sol : assi no mar como na terra : 
saber em que altura do polo estamos: e medi ate a diuina bõ- 
dade per muy fasiles princípios o alcancey. E vindo ao serviço 
do muito escrarecido e muito excelête príncipe o Infante Dõ 
Anrique: pêra o instruir nas sciencias mathematicas: lhe fiz 
disso figura e demonstração em plano. E despois no anno de 
1833 em Euora: dey a el Rey nosso senhor o regimento escri- 
pto em hfia folha de papel : e per ante sua alteza tomey a al- 
tura do polo da dita cidade ja tarde: pouco têpo antes do sol 
posto: e achey q era 38 grãos e quasi ha terço.» Eis como Pe- 
dro Nunes descreve os instrumentos e modo de observação. 
•E porque nenhQa cousa se pode alcançar em Astrologia e cos- 
mographia: se não prosupondo a noticia doutras cousas ja sa- 
bidas que se tomão por fundamento: as quaes se ainda qui- 
seseinos resoluer nos princípios donde nacerão: necessaria- 
mente j riamos parar em ostromenlos. Por tanto se queremos 
saber a altura do pollo assi no mar como na terra: em todo 
tempo que ouuer sol: necessário nos será fazer outro tanto. 
E porq não vejo cousa que no mar possamos leuar : que sendo 
indiferente a todalas alturas do polo: nos possamos delia mais 
aproueitar cj da agulha q representa ho horizõte em toda parte : 
e estrolabio e globo que representa o vniuerso e ho regimento 
da declinação do sol que he comu a todallas as alturas. Por 
tanto ajudandome destas cousas per fundamento juntamente cô 
a demonstração mathematica darey dous modos p que a al- 
tura do polo se poàsa alcançar. E será o primeiro prés u podo 
que a agulha vay justa ao polo sem nordestear nê norestear. 
Mas o segundo será ajudãdome toda via da agulha se estamos 



44 



NOTAÇÃO. 

Quando fiz estas operações, estaua sete ou oito 
legoas da ilha da palma pêra o norte, e andauamos 



no mar. E isto quer ella nordestee quer norestee: e posto que 
não saibamos se faz mudança: ou se lia non faz q he não ter 
meridiano: antes p esta arte que darey poderemos saber se 
nordestea quer norestea: e per quãtos grãos se aparta do ver- 
dadeiro meridiano. Pêra as quaes cousas teremos hua lamina 
circular de algua matéria solida e de conforme grossura q com 
ho tempo nã faça mudança: e será boa de latão como sam as 
do estrolabio assi planas: mas mais grossas graduaremos o cir- 
culo em 360 partes e lançarlheemos sous diâmetros q ho re- 
partão em quartas: e no centro poremos lul estilo perpêdi- 
cular sobre a mesma lamina pa nos amostrar pêra q parte vão 
as sombras: e em qualquer dos semidiametros em igual dis- 
tãcia do centro e da circuferencia: faremos sobre hu põto hu 
pequeno circulo que se cauara quanto baste: pêra que em- 
baixo em outro centro q responde ao de cima : sobre q se fez 
o peqêno circulo q se cauou possa andar liuremente bua agu- 
lha como a dos relógios acustumados e pela mesma arte será 
feito este peqêno circulo e acabado com seu espelho encima: 
mas a agulha será mais comprida e mais sotil e per baixo 
delia jra a linha q responde ao diâmetro do circulo grade que 
se graduou: per modo que delle não discrepe cousa algua: e 
porque nos ha de ser necessário enderençar esta agulha sobre 
a dita linha justamente: pêra maisjustificaçani poremos dous 
potos pretos nas paredes desta caixa da agulha cm dereito do 
seu diâmetro pêra que tendo endereçado a agulha a estes põ- 
tos saibamos de certo que esta dereita com os diâmetros do 
circulo peqêno e do grade q ambos vã per dereito. Nas cos- 



45 



em calma; a naao bollia muito pouco, de sorte que 
não fazia perjuizo ao tomar da sombra do estillo. 

A noite de sabbado todo o quarto da prima e 
modorra foy o vento calma, que a naao não gouer- 



tas desta lamina defronte do centro encastoaremos hum pião 
grande e pesado laurado a torno : pêra que metendo a dita la- 
mina nas balanças e caxa da agulha acostumada: fique soju- 
gada por causa do peso e não saya do ouliuel : e as balãças se- 
ram torneadas e de eyxos dobrados e muy liures: e se sem 
embargo de ho assi fazermos: acharmos que a lamina não fica 
ao ouliuel acrecentarlheemos pella parte de dentro algum peso 
onde com prir para que finalmente nos fique perfeitamente ou- 
liuelada: porque nam sendo assi não nos serue. E por tanto 
se parecer milhor que esta lamina se pendure per algua arte 
que fique dereita he a mesma tenção: posto qtre a que se fez 
pêra sua Alteza de Marfil : com as balanças torneadas e de ey- 
xos dobrados: era tain prima que nenhua cousa discrepava 
tendo mais de hum palmo de diâmetro. Teremos mais hum 
globo perfeitamente redondo e de tal grandeza que os grãos 
sejam manifestos e quanto mayor tanto milhor/ Nã he neces- 
sário auer nelle mais que hu circulo grade graduado que re- 
presentara ho horÍ2õte: e outro que represente ao meridiano: 
terá seus eyxos nos poios do horizonte: e auera hum meri- 
diano de latão: dentro do qual terá o globo mouimento sobre 
os poios do horizõte. E porque ho vso destes estromêtos he 
pêra situarmos ho sol neste globo em respeito de nosso zenit 
como elle esta no ceo: ao têpo que queremos tomar a altura 
do polo: faremos isto per esta arte. Poremos ho estromento da 
agulha ao sol: e andaremos com ella ate que a agulha fique 
dereita com os pontos que estam sobre ho seu diâmetro : e no- 
taremos por quãtos grãos se aparta a sombra da linha do meyo 
dia: e pello estrolabio saberemos per quantos grãos esta o sol 



46 

naua, mas no quarto da lua começou a ventar o vento 
como noroeste bonança ; gouernauamos ao sul quarta 
do sudueste. 



alçado sobre ho horizonte. Tomaremos entam bo globo que 
não he necessário que seja ao sol: e contaremos pello hori- 
zonte: começando do encontro do meridiano os grãos da som- 
bra: e moueremos ho globo ate pormos ho fim da conta no 
meridiano sobre que se faz ho movimento pello qual meri- 
diano assi situado começado do encdtro do horizonte q he o 
põto onde acabou a cota dos grãos da sombra: cotaremos os 
grãos da altura do sol q achamos no estrolabio e no fim pore- 
mos põto : o ql representara o sol : e assi ficara situado ê res- 
peito de nosso zenit no globo como no ceo. C querêdo saber 
qnta seja a altura do polo pa mais craramct geedermos: po- 
rey todalas cõtingencias: e será a primeira estado o sol na 
banda do norte que he ter declinação setentrional: e nos ru- 
mos do sul e seguirseham as outras. Esta ho sol nos rumos da 
bãda do sul: seguese pello septimo documento (corollario de 
princípios geométricos que o auetor anteriormente estabele- 
ceu) que estamos anlre ho sol e o polo do norte: tomaremos 
com o compaso lio que ha do sol ao polo: que he o que fica 
de nouêta: tirando a declinação : e tèdo situado ho sol no globo 
pello modo sobredito: farei circulo sobre o ponto do sol : pêra 
a parte onde o angulo que se faz no zenit he obtuso: a qual 
he pêra ho norte : e o põto onde cortar ao meridiano do globo : 
será ho lugar do polo: o tirando este arco que ha cnlre o ze- 
nit e ho polo de nouenta: ficara a altura sobre ho horizonte.» 
Este é o roethodo proposto por Pedro Nunes, e que D. João 
de Castro fora encarregado de experimentar. 



47 



CAMINHO 

Domingo i 4 *, amanhecendo, éramos antre as ilhas 
da palma e gomeira; o vento era de todo calma, que 
a naao não gouernaua: oras de meo dia tomei o sol, 
e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 74 
grãos j, pello que parece estarmos em 28 grãos i; a 
este tempo estauamos no meo do canal que se faz 
antre estas ilhas da palma e gomeira: a oras de bes- 
pora começou a ventar o vento como oesnoroeste bo- 
nança; gouernamos ao sul quarta do soduSste até 
anoitecer. 

NOTAÇÃO 

Oulhando com muita deligcncia o sitio destas 
ilhas, do que os antigos fizerão tamanhas memorias, 
tendo a agulha diante, vi que, estando no meo deste 
canal em altura de 28 grãos £, o meo da palma com 
o meo da gomeira se corria noroeste sueste; e logo 
lançando os olhos á ponta de tanarife que está da 
banda do norte, demorauame dereitamente em les- 
te, e pêra loeste não hia terra nenhua; mas viran- 
dome ao sudueste quarta do sul via o meo da ilha 
do ferro, poderia haver na rota 15 legoas; estaua 



Oposição oras ii menu tos 23. Nota do auctor. 



48 

maes a ponta da gomeira, que está da parte do norte, 
com a ponta de Tanarife, que está da banda do sul, 
lessueste e oesnoroeste; e quando quer que estas 
pontas se correrem desta maneira, o piquo de tana- 
rife nos demorará a leste. 

Correlario. 

Destas cousas se segue estarem estas ilhas mal 
situadas nas cartas, assi em altura como nas rotas, 
o que facilmente alcançarão os coriosos, se quiserem 
conferir o que lenho ditto com o que se acha nas 
cartas ! . 

1 As cartas usadas na primeira metade do xvi século, c mes- 
mo posteriormente eram muito inexactas. Não só na determi- 
nação da longitude mas ainda na da latitude, os observadores 
careciam de methodos e instrumentos para alcançarem sufli- 
ciente exactidão. Se compararmos com as cartas modernas, 
as cartas, de Jaques de Vaulx de 1533, de Jean Martines de 
1567, de Guillaume Levasser de 1601, e de Joan Dupont de 
Diuppe de 1625, que se encontram no Atlas do visconde de 
Santarém, assim como a carta de Africa do Atlas de Vaz Dou- 
rado, conservada no Archivo Nacional, e a de António San- 
ches de 1623, publicada pelo conde do Lavradio, reconhece- 
remos a verdade da observação de D. João de Castro. O que, 
porém, merece especial attenção é o Portulano do piloto por- 
tuguez Francisco Rodrigues, traçado entre os annos de 1524- 
1530 e também publicado no Atlas do visconde de Santarém; 
porque ali se encontram os conhecimentos que da costa de 
Africa e ilhas adjacentes tinham os navegadores do tempo de 
D. João de Castro. 



49 



DESCRIPÇÃO DAS ILHAS DAS CANAREAS. 

Chamamos Canareas a huas ilhas postas no mar 
atlântico em altura de 26 grãos àtee 28 grãos 1 ; cor- 
rensse as quatro delias mães chegadas a terra les- 
nordeste e oessudueste, e as três mães ao mar iazem 
em triangulo; a mães próxima a terra apartarse ha 
do cabo de são Vicente, em outro tempo chamado 
sacro promontório, obra de 160 legoas, e esta se 
chama oje lançarote, e a mais do mar dista do 
mesmo promontório per espaço de 240 legoas, e per 
ilha do ferro oie este dia dos mareantes e peregri- 
nos he conhecida. A estas ilhas antigamente chama- 
rão bemauenturadas e morada dos Deoses, como 
parece em Ptolomeo, Plinio, Pomponio mella e ou- 
tros grauissimos autores, mas todos elles escre- 
uérão mui confusamente ho sitio, confrontação e al- 
tura delias*. Esta foy a terra mães Occidental que 



1 27° 39' a 29° 3C lat. Nota do auctor. m 

2 Com razão diz D. João de Castro que os auctores antigos 
pouco sabiam acerca das Canárias. A estas ilhas chamavam 
elles as Afortunadas, e por muito tempo as tiveram como a 
mansão dos bemaventurados, sem bem saberem onde estavam 
situadas. Da incerteza que nisto havia entre os antigos temos 
uma prova no modo porque Plinio falia das ilhas do mar Atlân- 
tico (Gorgonas, Hesperidas, Purpurarias etc): Adeoque çmnia 
circa haec incerta sunt, ut Statius Sebosus a Gorgonun insu- 

i 



50 



chegou á noticia dos antigos, e por ella lançou Pto- 
lomeo o meridiano a que chama vero, do que me 



lis praenavigatione Atlantis dierum XL ad Hispertdum insulas 
cur&um prodiderit, ab tis ad Hesperu ceras unius. Nec Mauri* 
taniw insularum certior fama est. Pancas modo constai esse ex 
adverso Autololum, a Juba repertas in quibus Getulicam pur- 
puram tingere institutrat. (Hist. Nat. de Plínio, tora. i, liv. ti, 
cap. 36, pag. 348 da ediç. de Paris. 1741.) Para os escri pio- 
res gregos e romanos as Afortunadas não eram um paiz conhe- 
cido, onde se podia ir, mas apenas um paiz mystico, que en- 
trava no seu systema theologico, e onde ninguém tinha ainda 
chegado. (Mem. de Costa de Macedo: Em que se pertende provar 
que os Árabes não conheceram as Canárias antes dos portugue- 
zes. Mem. da Acad. das Scienc. de Lisboa. 2.* ser. vol. i, par. 
2.* pag. 37 e seguintes.) primeiro conhecimento positivo 
das Afortunadas foi devido a Juba, que as mandou explorar. 
Juba de Fortunatis ita inquisivit, diz Plínio (Hist. Nat. liv. vi, 
cap. 37, pag. 348.) Que os árabes não conheceram as Caná- 
rias senão pelo que d'ellas diziam os auctores antigos, parece* 
nos cabalmente provado na Memoria de Costa de Macedo, acima 
citada. Se a viagem dos Maghrurinos, que Edrisi conta que 
partiram de Lisboa para saberem o que continha o Oceano, 
existiu, o que parece fora de duvida 6 que não foram às Ca- 
nárias. Ponderando as particularidades da viagem, Costa de 
Macedo põe em duvida, ou antes nega, que ella existisse. Mr. 
d'Avezac ó de uma opinião contraria. Edrisi conta que uns 
certos Maghrurinos, todos parentes, equiparam um navio em 
Lisboa, e partiram com vento leste, navegando assim por 
onze dias. Encontrando um mar, encapellado, cheio de reci- 
fes e de monstros, mal alumiado do sol e exhalando um cheiro 
fétido, mudaram de rumo e caminharam para o sul, até que, 
ao cabo de doze dias, deram com uma ilha a que chamaram 
dos Carneiros, pelos muitos que ali havia, mas cuja carne por 



51 

parece que naceo o engano de alguns Pilotos cui- 
darem que na parajem destas ilhas não varião as 
agulhas cousa algua 1 ; e posto que seja cousa com- 
mum a todos serem estas ilhas das Canareas as bem- 
auenturadas, o meu parecer he que Ptolomeo sen- 
tio outra cousa, e chamou bemauenturadas as seis 
ilhas do cabo verde, que estão mães orientaes de to- 
das : a rezao disto he que pôs seis ilhas bemauentu- 
radas, que he o numero destas que vio, e na leua- 



amarga não se podia comer. Navegaram mais doze dias com 
vento sul e abordaram a uma ilha povoada, e cultivada. Ahi 
foram feitos prisioneiros e levados a uma cidade á beira mar. 
Da prisão foram os Maghrurinos mettidos numa barca, com 
os olhos vendados; e depois de três dias de viagem lançados 
n'uraa terra de Berberes, d'onde voltaram a Lisboa. Acerca 
d'esta viagem diz mr. d'Avezac: que onze dias para oeste de 
Lisboa, e d 'ali doze dias para o sul devia leval-os á Madeira, 
que deve ser a ilha de El-Ghanam ou El-Aghnam, sendo esta 
ultima palavra o plural da primeira que significa tgado miú- 
do. i O nome El-Aghnam tem uma notável parecença no som 
com o nome italiano da ilha Legname, que se encontra, como 
se pode ver, sobre os mappas anterioreAos descobrimentos 
portuguezes, e de que o nome de Madeira é simples traducção. 
E accrescenta mr. d'Avezac que o nome Ghanam ou Aghanam 
pode n'este caso significar «rebanhos de cabras i (Citado por 
mr. Major no seu excel lente livro The life of Prince Henry, 
cap. viu, pag. 149, edição de 1868.) 

1 A verdadeira causa do erro dos pilotos devia ser a defei- 
tuosa construcção das agulhas de marear, a que anteriormente 
nos referimos. (Veja-se a nota de paginas 23 e seg.) 

4« 



52 

ção do polo guardão muito a conformidade e seme- 
lhança, porque a mães septentrional de todas as que 
chama a proposy to, põem em altura de i 6 grãos, na 
qual altura está a ilha do sal, e a mães austral das 
bemauenturadas põem em dez grãos, e chamalhe 
punctuaria, que per rézão da altura parece ser a ilha 
do fogo, posto que as alturas variem três grãos ; e assi 
mesmo põem Ptolomeo estas ilhas bemauenturadas 
debaixo de hum merediano, como iazem parte des- 
tas seis ilhas do cabo verde l : e se esta não foy a ten- 



1 Ptolomeu não descreve senão seis ilhas Afortunadas. Pouco 
sabia elle d'estas ilhas. Pelos nomes que lhes dá e pela posição 
relativa que occupam na sua geographia, pode julgar- se que não 
conhecia o que Plínio dissera do itinerário seguido pelos en- 
viados de Juba. Quamto á inexactidão de Ptolomeu na deter- 
minação da latitude, ninguém d'ella se pode admirar dada a 
circumstancia que fica notada. Já Pedro Nunes disse, fallando 
das cartas de marear cPtolomeu vevia em Alexandria, traba- 
lhava por ter verdadeyras enformações: ao menos do Levante 
e das partes mais vezinhas : ho que em seu tempo era descu- 
berto da costa de Guiné: era pouco : e ysso muyto falsamente : 
porqne tinha maisiloticia do Sartão: que das costas: porque 
se nauegava pouco pelo mar Oceano.» (P. Nunes Tratado em 
defensão da carta de marear, etc.) Num notável commentario 
ao périplo de Hannon, feito em Veneza por um piloto portu- 
guez, do qual dá noticia Ramusio (Ram. Delle Navigationi, etc. 
Yol. i, fl. 123 ver., edição de 1550), lé-se o seguinte: c. ..et 
anchor che 1'isola Cerne (segundo o piloto portuguez/ilha\TAr- 
gim»), sia posta da Ptolomeo in 25 gradi, et Argin sia in 20. si 
conosce manifestamente, che li gradi di detto auttore sono staii 



53 

ção de Ptolomeo, as suas tauoas nesta parte vão de 
todo o ponto fora por razão, porque as canareas e 
as ilhas que elle chama fortunadas, se bem oulhar- 
mos o sitio, altura, rota e longura de huas e outras, 
veremos claro não poderem as bemauenturadas ser 
as que agora chamamos canareas ; e porém de todas 
as outras escrituras dos cosmographos se pôde fa- 
cilmente tirar serem as canareas as ilhas bemauen- 
turadas, e somente Ptolomeo se embaraçar no co- 
nhecimento delias. Estas ilhas das Canareas forão 



variati da coloro, che trascrissero il libro, come ne gli gradi 
deUe iscle fortunate : le quali si sa certo esser le Canarie, con- 
ciosia cosa che tutti gli scritlori le mettano vicine alia Mauri- 
tânia, et sono in 27. et 28 gradi. » Esta opinião do piloto a que 
Ramusio se refere, deve ser da mesma época proximamente que 
o roteiro de D. João de Castro. Quanto a pôr Ptolomeu «es- 
tas ilhas bemaventuradas debaixo de um meridiano» , isso prova 
ainda o quanto elle as conhecia pouco. Quanto a jazerem parte 
das seis ilhas de Cabo Verde debaixo de um meridiano, é isso 
um engano do auctor do Roteiro. Acerca da longitude das Ca- 
nárias indicada por Ptolomeu, diz Gosselin (Recher. sur la géo- 
gr. des anciens, tom. i, pag. 158): «Les fies Fortunóes sont, 
dans toutes nos éditions latines, et dans la plupart des manu- 
scrits grecs ou latins, sous un méme méridien à un degré de 
longitude. Nous pensons que cest une erreur que les copistes 
ont introduite dans le texte de Ptolémée. Cet auteur plaçait 
les Fortunées au terme le plus occidental de la terre connue; 
il fallait donc que les plus reculées dans Touest fussent, selon 
lui, sous le premier méridien; sans quoi toutes les longitudes 
de ses tables seraient fausses. Nous avons d'ailleurs à Pappui 



54 



descubertas e conquistadas no tempo dclRey dom 
Fernando o quinto de Castella na era de ': he 



de notre opinion le texte grec des editions, qui fixe quatre de 
ces iles à zero de longitude, c'est-à-dire sous le premier mé- 
ridien, et deux seulement à un degré moins à 1'ouest.» 

1 D. João de Castro era um homem de notável illustração, 
e comtudo ignorava a historia do novo descobrimento e da con- 
quista das Canárias. Desde o tempo de Juba nenhuma noticia 
certa houve das Canárias, até que teve logar a expedição man- 
dada áquellas ilhas por D. Affonsoiv em 1341. Verdade é, que 
de uma expedição de genovezes em 1291 faliam os auctores, 
Pedro d' Abano, Foglietta e Petrarca; mas d'essa expedição 
não houve mais noticia. Pelos documentos publicados nos an- 
nali di geogr. e di statist., tom. u, pag. 296, por Grabert de 
Hamso, parece ter havido outra expedição genoveza dez annos 
antes daquella, que egualmente se perdeu. Da viagem ás Ca- 
nárias mandada fazer por D. Affonso nr existem incontestáveis 
documentos. Uma carta de el-rei ao papa Clemente vi, quando 
este lhe pedia soccorresse o príncipe D. Luiz de Hespanha, co- 
nhecido pelo nome de D. Luiz de la Cerda, a quem dera o se- 
nhorio das ilhas Afortunadas com o titulo de Príncipe da For- 
tuna, diz: c . . .cumreverentiarespondemus, quod praedictarum 
insularum fuerunt prius nostri regnicolae inventores.» E mais 
adiante accrescenta: t . . .gentes nostras et naves aliquas illuc 
missimus, ad illius patriae conditionem explorandum : quae ai 
dietas insulas accedentes, tum homines quam animalia et res 
alias per violentiam oceuparunt, et ad nostra regna cum ingenti 
gáudio apportarunt.w A verdade da allegação de Affonso iv 
ao papa na carta que lhe dirigiu em 1345, acha-se completa- 
mente provada por um documento publicado por Sebastião 
Ciampi em Florença no anno de 1827. Este documento é um 
apontamento autographo de Bocaccio, que tem por titulo De 
Canária et de insulis reliquis ultra Hispaniam in oceano novi- 



r 

% 



55 



cousa muito pêra notar que sendo estas ilhas tão 
vezinhas, os moradores de hua não tinhão conheci- 
mento dos que viuião na outra: os canários viuião 



ter repertis. Conta-se ali a historia de uma exploração feita em 
1341 ás Canárias por mandado de D. Affonso ív, e cuja noti- 
cia chegou a Bocaccio por cartas de mercadores florentinos es- 
tabelecidos em Sevilha. A expedição compunha-se de dois na- 
vios com os necessários viveres, e uma embarcação pequena 
bem armada : commandava-a Angiolino dei Teggia de Corbizzi, 
florentino, e era piloto Niccoloso da Reco, genovez. (Hisl. Nai. 
des lies Canaries, par Webb et Berthelot, tom. i. part. i, pag. 
%\.) Depois da expedição mandada pelo rei de Portugal, alguns 
navios, levados pelos acasos da navegação ou por intuitos de 
rapina, foram ás Canárias. D'a)gumas d'essas incursões se con- 
servou memoria. Nos primeiros tempos do reinado de D. João 
i, foi ás Canárias um navio portuguez, acossado pelo tempo, 
segundo conta Diogo Gomez, um dos navegadores que foram 
ao descobrimento d'Africa mandados pelo infante D. Henrique. 
Diz elle, fallando do descobrimento das Canárias: «Audi vi ego 
Dioguo Gomez de Sintria, quod quaedam caravelae de armata 
regis Johannis Portugal iíe, quae iverant contra Seracenos ad 
Africam cum vento contrario, quae tormento non potuerunt re- 
sistere, cucurrerunt et viderunt quasdam insulas. Qui gavisi 
sunt de terra, et putantes illic invenire aliquod refrigerium 
de illo tormento iverunt ad insulam unam, quae nunc vocatur 
Lançarote, et invenerunt eam non populatam. Et putabant 
omnes alias insulas esse non populatas, cessante vero tormento 
venerunt Portugaliam narrantes haec regi, et sic fama magna 
exivít per totam Hispaniam de insulis inventis in mari oceano 
occidentis ultra Gades insulam, quae est in mari atlântico.» 
(De insulis et peregrinatione Lusitanorum, copia do mss. de 
Valentim Fernandes Alemão da bibliotheca de Munich, per- 



56 



sem casas, mas em couas e choupanas passauão sua 
vida; adorauão hum só Deos, tinhão lingoagem que 
elles só entendião, por armas usauão huns paaos 



tencente á livraria d'el-rei o sr. D. Luiz.) Em 1402 João de 
Bethencourt, nobre normando, deixa a sua pátria, e com uma 
expedição pouco numerosa, parte num navio para as Caná- 
rias, a fim de as conquistar. Que motivos levaram o nobre fi- 
dalgo da Normandia a emprehender a conquista das Canárias? 
Os capellães de Bethencourt, na sua chronica da expedição di- 
zem: «Jean de Bethencourt, cheuallier, né du royaume de 
France, eut entreprins ce voyage à 1'honeur de Dieu, et au 
soustenement et accroissement de nostre foy, es parties meri- 
diennes, en certaines Isles qui sont sur celle bande, qui se 
dient les Isles de Canare, habitées de gens mescreans de diuer- 
ses loix et de diuers langages, dont la grand'Canare est vne 
des milleures et des plus principales et mieux peuplées de 
gens et de uiures, et de toutes autres choses. » (Le Canarien. 
Works issued by The Hakluyt Society, pag. 1.) Quando, depois 
de sair a ultima vez das Canárias, o senhor de Bethencourt foi, 
com carta do rei de Hespanha, a Roma pedir um bispo para 
as ilhas que conquistara, o papa perguntou-lhe «comment son 
courage luy mouvoit d'aller si loing come du pays de France ? 
Ledit Seigneur luy respondit tellement que le Pape estoit si 
content, que tant plus il 1'oyoit et plus ayse estoit.» Segundo 
mr. d'Avezac diz no seu estudo importante e erudito sobre as 
ilhas da Africa, publicado no Univers Pittoresque n'uma in- 
querição a que mandara proceder em 1476 a rainha Isabel 
de Castella acerca dos direitos dos vários pretendentes á posse 
das Canárias, formalmente se declara que João de Bethen- 
court tinha em Normandia tido informações a respeito des- 
tas ilhas, dadas por dois aventureiros francezes, que tomaram 
parte nas incursões n ellas feitas por um hespanhol chamado 



57 



agudos; he gente bellicosa e sofredora de muito 
trabalho; correm e saltão pelas montanhas e lugares 
ásperos, como a outra gente o pôde fazer por terra 



Álvaro Becerra. Diogo Gomez, acima citado, diz, fallando do 
cavalheiro de Bethencourt, o seguinte: «Nobilis quidam ex re- 
gno Franciae magnae progeniei nomine Misser Johan de Be- 
tingkor leprosas propter verecundiam suorum nobilium ven- 
didit omnia bona sua, accipiensque uxorem et familiam suam 
venit ad regnum Castelíae ad civitatem Hitpalim seu Sevilla, 
et remansit ibi per aliquod tempus. Et audiens famam istanim 
insularam, quod essent dispopalatae, dicebat inter se, quod in 
nalla parte mondi posset melius et raagis sine veracundia vi- 
vere quam in insullis illis, quod non essent populatae. » Pela 
chronica da conquista escripta pelos capellães de Bethencourt, 
vé-se que o nobre normando trouxe comsigo até Cadix sua 
mulher, a dama de Bethencourt, mas nunca a levou ás Caná- 
rias. «Quand ledit sieur de Bethencourt partit de 1'Isle Lan- 
celot (para fazer menagem das ilhas e pedir socorro ao rei de 
Castella), cestoit son intention d'aller iusqueen Franceetra- 
mener Madame de Bethencourt, car il Vavoit fait venir auec 
luy iusques au port de Cálix, et elle ne passa point ledit port 
de Cálix et incontinent quil eust fait hommage au Roy il fit ra- 
mener madite Dame sa femme en Normandie. » (Canarien, cap. 
xxvn, pag. 48.) Que as ilhas Canárias eram boa presa para um 
aventureiro ambicioso, sabia-o necessariamente João de Be- 
thencourt, porque ao sair de França já trazia comsigo um in- 
terprete (truchement) natural das Canárias, e sobrinho de certo 
homem poderoso chamado Asche, que ambicionava ser rei da 
ilha de Lançerote. (Canarien, cap. xxx, pag. 51.) A mesma 
chronica falia de um chamado Augeron, da Gomeira, que o rei 
de Hespanha D. Henrique, marido da rainha D. Catherina, deu 
ao senhor de Bethencourt em Aragão «dés deuant qu f il vint à 



58 



chãâ, e assi trepam por as rochas como cabras: es- 
tas ilhas, postoque cada hua delias tenha nome pro- 



la conqueste» e que lhe servia de interprete. Este interprete 
era irmão do rei da ilha de Ferro: «et estòit iceluy Àugeron 
frere da roy de ceste isle.» (Canarien, cap. lxxxvi, pag. !8i.) 
Quando João de Bethencourt emprehendeu a sua viagem ás 
Canárias não podia haver esquecido em França a bulia pela 
qual o papa Clemente vi, concedera o reino das Canárias a D. 
Luiz de Hespanha, conde de Talmond, nem as infructuosas 
tentativas do infeliz Príncipe da Fortuna. A expedição com 
que João de Bethencourt partiu de França para ir conquistar 
as Canárias era composta de gente collecticia, gascões e nor- 
mandos. Logo em Cadix o descontentamento de uns, os receios 
e as intrigas de outros, foram causa de que muitos não quizes- 
sem acompanhar o senhor de Bethencourt até ao termo da sua 
viagem. Chegada a expedição á ilha de Lançerote, subiu de 
ponto a desordem que lavrava entre os companheiros de João 
de Bethencourt, e este resolveu ir a Hespanha pedir soccorro 
e dar obediência ao rei. Merece notar-se o que, segundo a 
chronica da conquista, o rei disse ao cavai leiro normando 
quande este se lhe apresentou: «Le roy que 1'ouyt parler fut 
fort ioyeux, et dit qu'il fust le bien venu, et le prisa fort d'auoir 
si bon et hon neste vouloir de venir de si loin, comme le Royaune 
de France, conquerir et aquerir honeur. Et disoit ainsi le Roy: 
II luy vient d'vn bon courage, de vouloir venir me faire hõmage 
d! une chose qui est, ainsi que iepeux entendre, plus de deux cens 
lieues d'icy f et de quoy ie riouys oncques parler. 1 D'estas pala- 
vras do rei de Hespanha, e dos factos que as precederam, pode, 
me parece, concluir- se que a primeira intenção de Bethencourt 
não foi dar preito e homenagem das ilhas nem ao rei de Hes- 
panha nem ao rei de França; mas que as circumstancias a isso 
o forçaram. Confirma-se ainda esta opinião pelo desgosto que 
Gadifer de la Salle mostrou ao saber que Bethencourt prestara 



59 



prio, todas em geral são chamadas as Canareas, por 
rezão de em hua delias nascerem grandes e pode- 



obediencia ao rei de Hespanha; desgosto que terminou por 
Gadifer abandonar as Canárias e voltar para França. Quando 
João de Bethencourt deixou em 1405 as Canárias, para nunca 
mais voltar, entregou o governo das já conquistadas e confiou 
o emprehendimento de novas conquistas a seu sobrinho Maciot 
de Bethencourt. É longa para uma nota a historia de todas as 
peripécias por que passou o governo e conquista das Canárias; 
basta-nos dizer que, entre as coroas de Portugal e de Hespa- 
nha, por muitos annos se debateu a qual d'ellas cabia o direito 
de acabar a conquista e exercer soberania sobre essas ilhas. 
Segundo diz Azurara, em 142 4 mandou o infante D. Henrique 
uma c frota, em que levava dous mil e quinhentos homêes, e 
cxx ca vali os» commandada por D. Fernando de Castro, a fim 
de conquistar as ilhas de Palma, Grã-Canaria e Teneriffe, as 
quaes, segundo o auctor da Ckronica de Guiné «des do começo 
do mundo nun«a forom conquistadas.» Mas o receio de que 
faltassem os mantimentos fez com que a conquista se nào rea- 
lisasse. (Azur. Chr. de G., cap. lxxix.) As reclamações doi- 
rei de Castella obrigaram o infante a não proseguir no seu 
intento de conquistar as Canárias, até que, em 1447, alcan- 
çada do infante D. Pedro, então regente do reino, uma carta 
prohibindo ca todollos naturaaes destes reynos que nhuu to- 
masse atrevimento de ir a as ilhas de Canarea fazer guerra, 
nem trautar de mercadarya, sem mandado do dicto infante» 
D. Henrique mandou a Luiçerote aaquelle nobre cavalleiro 
Antam Gonsalvez, e qual em seu nome foe tomar a posse da 
dieta ilha, onde esteve por alguús tempos.» (Azur. Ob. cit., 
cap. lrv°.) Pelo tratado entre Portugal e Hespanha de 1479, 
assentou-se que as Canárias ficariam pertencendo á coroa de 
Castella: e desde então os castelhanos enviaram suecessivas 
expedições com o fim de levar a cabo a conquista e assegurar 



60 

rosos cães, como se parece em Plínio, livro 6,° de 

sua cosmographia 1 : a terra destas ilhas he muy abas- 
tada de toda a sorte de mantimentos e gados ; os 

ares muy sãos e grandemente temperados. 

Á noyte de domingo 1 4 dabril toda a gouerna- 

mos ao sul quarta do sudueste atee amanhecer. 



de vez a posse d'aquellas férteis ilhas: o que por fim se reali- 
sou com a submissão de Teneriffe em 1496. A era que falta no 
manuscripto do Roteiro é pois a de 1496. (Sobre a conquista 
das Canárias, veja-se: Noticias de la Historia general de las Is* 
las de Canarea, por Viera y Clavijo. Tom. n., liv. 7.°, 8.° e 
9.') 

1 Depois de fallar da Nivaria, nome com que designava a 
ilha de Teneriffe, Plinio diz: «Proximum ei Canáriam vocari 
a multltudine canum ingentis magnitudinis, ex quibus perducti 
sunt Jubae duo.» (PI., tom. i, liv. 6.°, pag. 349.) Os chronistas 
da conquista das Canárias por João de Bethencourt faliam dos 
cães da Grã-Canaria «chiens sauuages qui semblent loups, mais 
ils sont petitsi: o que não concorda com o que diz Plinio. Dis- 
cutindo este assumpto, os auctores da Histoire Naturelle des 
lies Canaries Webb e Barthelot dizem: «Cependant cette dé- 
nomination pourrait bien avoir aussi une autre origine, et se 
référer à la Canária extrema de Ptolomeu, le cap Bojador des 
géographes modernes, promontoire qu on savait voisin des iles 
Fortunées. Canária serait dès lors un mot de la langue numide- 
dont la vraie signification resterait inconnue. Les anciens ap, 
pellaient Canarii les peuples qui habitaient la partie occiden- 
tale de F Atlas, et les nègres des bords du Senegal désignent en- 
core sous le nom de Canar ou Ganar, le pays situe entre le 
fleuve et les montagnes de la Mauritanie.» (Obr. cit. Tom. u, 
part. prim., pag. 98.) 



61 



CAMINHO. 

Segunda feira 15 dabril, todo o dia foy o vento 
oesnoroeste fresco; gouernamos ao sul quarta do 
sudueste. Este dia fiz as operações seguintes. 

Primeira operação dante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos 

ho estilo lançou a sombra 80 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 

Segunda operação dante o meo dia. 

Estando o sol em altura de. 67 grãos 

ho estilo lançou a sombra 65 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 

Primeira operação depois do meo dia. 

Estando o sol em altura de 67 grãos 

ho estilo lançou a sombra 53 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste : 
Foi logo nesta operação o arquo dante o meo dia 
maior que o de depois de meo dia 12 grãos, e a sua 
ametade 6, que he a quantidade que neste lugar 
agulha nordestea. 



62 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol cm altura de 56 grãos 

ho estilo lançou a sombra 68 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste : 
Foi logo nesta operação o arquo dante o meo dia 
maior que o de depois de meo dia 12 grãos, os quaes 
partidos pollo meo, virão 6, que he a quantidade 
que ha agulha nordestea. 

4 Este dia obrando na poma com a variação que 
fez a sombra do estilo nas duas alturas de pola me- 
nhãa, achei estarmos em altura de dous grãos ; e to- 
mando o sol ao meo dia eu e o Piloto, achamonos 
em 26 grãos largos ; assi que antre a poma e estro- 
labio ouue de deferença quasi meo grão 2 . 



NOTAÇÃO. 

3 Posto que as operações deste dia viessem tão con- 
formes e igoaes, nem por isso dcuemos julgar facil- 
mente o mistério do nordestear das agulhas, nem 



1 Altura a toda hora. Nota do auctor. 

2 Ha no que se diz neste período um erro manifesto de copia. 

3 Porq rezão se não podem verificar as sombras do estillo. 
Nota do auctor. 



63 

menos fazer regra certa que na longura do caminho 
que se contbeem do ponto onde sabbado, que forão 
treze dias deste mês, fiz as outras operações, atee 
onde me acho oie segunda feira 15 do ditto mês, aia 
agulha necessariamente de fazer mudapça de £ grão â . 
Como quer que a sombra do estilo tenha pouco re- 
pouso por a circunferência do circulo graduado, ao 
que dá occasião o muito bullir da naao, e também 
como venta hum pouco rijo, a lamina perde a per- 
feição e iusto oliuel, por se distemperarem as ballan- 
ças, o que tudo iuntamente faz muito embaraço ao 
sentido, pêra detreminadamente auer de aueriguar o 
verdadeiro lugar onde delire a sombra, de sorte que, 
balanceando muito a naao, podemos facilmente errar 
atee dous grãos, mas hindo queda e as os sega da, 
quem tiuer honesta extimatiua não poderá errar pas- 
sante de meo grão 2 . E porque estas duas operações 



1 No dia 13 estava a nau á vista da ilha de Palma, e fazia-se 
o auetor a sete ou oito léguas da ilha, para o norte, em lat. 
de 29° 3CK, sendo a variação da agulha de S° l / 2 para leste. 
N'este dia (15) a lat. era de 26°; o navio ficava ao sul das Ca- 
nareas: a var. da agulha era de 6 o . Houve pois mudança na 
variação, e provavelmente o navio passou a oeste do meridiano 
em que se fizeram as primeiras observações; em todo o caso 
D. João de Castro pôde assegurar-se de que nas Canárias a 
agulha nordesteava de 5 o até 6 o . 

2 Esta critica do instrumento e do processo de Pedro Nunes 
para determinar a latitude a toda a hora, pelas sombras e pela 
esphera, é perfeitamente exacta. 



64 

de que acima fallo, forão feitas no merediano das 
Canareas, a saber, hua delias estando da banda do 
norte das ilhas, e a segunda achandome já da banda 
do sul, em ambas se vereficou nordestearem as agu- 
lhas cinquo grãos e { atee 6, fica falsa a opinião 
dos que dizem que no merediano destas ilhas fere 
a agulha nos verdadeiros pollos do mundo. 

A noite de segunda feira toda foy o vento nornor- 
oeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste atee 
amanhecer. 

CAMINHO. 

Terça feira 16 dabril todo o dia foy o vento nor- 
noroeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste: 
este dia tomou o Piloto o sol só em 24 grãos \ ; posse 
o sol a loeste quarta de noroeste ! . Este mesmo dia se 
ajuntarão todos os Pilotos da armada pêra darem seu 
parecer acerqua de quantas legoas hiriamos arre- 
dados do Rio grande, no que ouue muitas opiniões 
diuerssas. Bernaldo Pirez dezia que 30 atee 40 le- 
goas, Manoel Àlvez 60. Por derradeiro todos assen- 
tarão em 50*. Também se tomou seu parecer sobre 



1 Parecer dos pilotos. Nota do auctor. 

1 Determinar a que rio o auctor se refere, e a que dá o nome 
de Rio Grande, não é fácil. Se seguirmos o roteiro da costa 
occidental da Africa, escripto nos primeiros annos do xvi se- 



65 

o tempo que as naaos esperaríão em Moçambique 



calo por Duarte Pacheco, acharemos que tinha o nome de Rio 
Grande um rio que fica ao sul do Cabo Roxo, para além do 
rio de S. Domingos, e que dista 7 léguas do dito cabo. «Nom 
lhe foi posto este nome (de Rio Grande) por ser mayor nem 
tamanho como os Rios de Canagua e Gambia, mas porque tem 
a boca muito grande de sete ou oito léguas de largura, com 3 
ou 6 ilhas na dita boca.» (Esmeraldo, cap. 30, fl. 44.) Estas 
ilhas chamam-se de Buam (Idem). Ao Cabo Roxo dá o livro 
de Duarte Pacheco 12° de lat. No mappa de Juan de la Cosa 
de 1500, acha-se o Rio Grande ao sul do Cabo Roxo, proxima- 
. mente na situação que lhe dá o Esmeraldo. No globo de Mar- 
tim Behaim, que parece datar de 4492 (Murr. Histoire de Mart. 
Beh. Paris, 1802, pag. 103) acha-se já o Rio Grande situado 
do mesmo modo e na mesma posição geographica. No Portu- 
lano do piloto portuguez Francisco Rodrigues, que é proxima- 
mente da época em que teve logar a viagem de D. João de Cas- 
tro, encontramos egualmente o Rio Grande ao sul do Cabo 
Roxo, e á sua embocadura desenhadas as ilhas de que no Es- 
meraldo se (alia (Atlas do visconde de Santarém). Não é pois 
do que ainda hoje se chama Rio Grande na costa da Sengam- 
bia, por 11° 30 7 de lat., que o roteiro falia. A posição do na- 
vio quando se fez a consulta dos pilotos, era ao sul das Caná- 
rias por 24° '/ 2 de lat. e n'esta situação o riò mais próximo 
na costa d* Africa é o chamado Rio do Ouro; este porém não 
teve nunca, nem lhe cabe o nome de Rio Grande, c The River 
Ouro is very shallow, and has only a short course in the midst of 
the sands of the desert. It is properly an inlet of the sea. » (The 
West coast of Africa. Hydrographic Office. Washington, 1873, 
part. í, pag. 58.) O Esmeraldo, que é a melhor descripção da 
costa occidentald* Africa que nos princípios do século xvi se es- 
creveu, dá ao Rio do Ouro 24° de lat., e acrescenta que a terra 
do cabo Bojador até ali, e ainda 100 léguas mais além, é sem ar- 

5 



66 

por toda a companhia, e assentarão que se deuia 



voredo nem herva, deserta, salvo em alguns logares. Quem qui- 
zer entrar no Rio do Ouro, diz Duarte Pacheco, poderá ir em 
E. quarta de SE. ao longo da terra de barlavento, que fica á 
mão esquerda e achará três e meia a quatro braças de preamar 
e a maré de NE. e SO.: guarde-se da parte do S.k mão direita 
á entrada, porque tudo é baixo; e tanto que for por elle acima 
quazi uma légua até junto com uma ilha que está no meio 
pode pousar em três e meia braças, em bom fundo limpo. 
Este rio corre por dentro da terra quatro a cinco léguas, e não 
se encontra agua doce, salvo em agosto e setembro quando 
chove de trovoada. Este rio foi descoberto por Afonso Gonçal- 
ves Baldaya e por Gil Eannes: ali «fizeram um salto e capti- 
varam seis alarves, homens honrados, os quaes se resgataram 
por dez escravos negros, e por um pouco de ouro em pó, os quaes 
negros e ouro foi o primeiro que daquellas partes ao infante trou- 
veram, e por isto poseram nome a este rio o Rio do Ouro (Es- 
meraldo, cap. 23, fl. 34. Mss. da Bibl. Nac.) A narração de 
Azurara não concorda com a de Duarte Pacheco, pois que Azu- 
rara conta que Affonso Gonçalves não voltara contente da sua 
viagem «porque nom filhara alguu daquelles Mouros» e ape- 
zar de ir mais adiante até ao porto da Gallee, tornou para 
Portugal «sem poder aver certo conhecimento se aquelles ho- 
mêes eram Mouros, ou gentios, nem que vida tratavam, ou 
maneira de viver tinham» (Chr. de Gui., cap. 10, pag. 65). 
Só cinco annos mais tarde, em 1441, é que o infante D. Hen- 
rique mandou Antam Gonçalves a «carregar de coirama e azei- 
te, daquelles lobos marinhos de que já falíamos» (Idem, cap. 
xii, pag. 70). Foi n'esta viagem que os portuguezes fizeram al- 
guns captivos, entre os quaes havia três que, depois de esta- 
rem em Portugal, instantemente pediam para ie resgatarem. 
Levados por Antam Gonçalves ao Rio do Ouro, este recebeu 
«dez negros antre Mouros e Mouras, de terras desvairadas, 



67 

esperar atee 15 dagosto. Quisse mães saber delles, 



seendo trautador antre elles huii Martym Fernandes, que era 
Alfaqueque do Infante. . . . E a aliem dos negros que Antam 
Gllz recebeo daquella rendiçom, ouve ouro em poo, ainda que 
pouco fosse, ele.» (Idem» cap. xvi, pag. 97). Fallando d'este 
rio, e narrando a historia do seu descobrimento e do resgate 
que n'elle teve logar, Diogo Gomez diz: «Etiam narraverunt 
illi quod cum barca intraverunt fluvium, qui vocatur nunc Ryo 
Douro, etc.D (Mss. de Valentim Fernandez já cit.)Era pois este 
rio ou antes este golfo conhecido e estudado pelos pilotos por- 
tuguezes; o seu nome de Rio do Ouro fora-lhe dado logo pelos 
primeiros descobridores, e nunca foi conhecido, que saibamos, 
pelo nome de Rio Grande. Não pode pois explicar-se o erro de 
D. João de Castro senão pela confusão que por muito tempo rei- 
nou entre o rio, a que os portuguezes pozeram o nome de Rio 
do Ouro e outro rio que se suppunha ser um braço do Nilo que 
vinha desembocar no mar Atlântico, o qual em tempo anterior 
aos descobrimentos portuguezes se designou também com iden* 
tico nome. A opinião dos antigos geographos dava ao Nilo dois 
braços, um que corria para o Mediterrâneo, atravessando o 
Egypto, outro que, transpondo vastíssimos desertos arenosos, 
lançava as aguas no Atlântico a oeste da Africa. Aristóteles já 
falia do rio Chremetes como de um dos mais importantes da 
Africa^ cujas nascentes eram na mesma serra de onde saía o 
Nilo. Plínio também assegura que um braço do Nilo busca a 
costa occidental da Africa. Esta asserção dos antigos escripto- 
res passou para os livros dos geographos árabes, os quaes por 
longos annos reproduziram nos seus mappas, e repetiram nos 
seus escriptos a opinião dos antigos. Ao Nilo de oeste, ou Nilo 
dos Negros chamavam também Nilo Gana ou Ganah. 

O visconde de Santarém observa que a theoriados antigos, 
da existência de uma corrente do Nilo de leste a oeste, sobre- 
viveu aos descobrimentos e observações dos portuguezes : assim, 

5* 



68 

se as naaos que dobrassem tarde o cabo de bSa es- 



em cartas publicadas durante os primeiros trinta annos do século 
xvi apparece ainda um extenso rio, que a partir do centro da 
Africa vem até á costa occidental, e é considerado como um 
braço do Nilo (visconde de Santarém. Es. sur VHist. de la 
Cosm., tom. i, pag. 205 c 275 e Atlas). No século anterior en- 
contrasse geralmente traçado nos mappas esse rio, e n'alguns 
com a denominação de Niger e n'outros de Palolus, Rio dX)ro 
e Vadamel. No mappa-mundo de Ricardo de Haldington, con- 
servado na cathedral de Herefort, o qual representa bem as 
idéas geographicas no fim do século xm, vé-se traçado paral- 
elamente á costa da Africa e sem communicação com o ocea- 
no, um largo rio terminado por dois lagos, com o nome de Ni- 
lus Fluvius : próximo do lago occidental que termina o Nilus 
lé-se ti lie grandes formice auream sericam arenas.» (Possuí- 
mos uma copia photographica d'este mappa). No mappa de Ma- 
rino Sanuto de 1320 reproduzido no Atlas do visconde de San- 
tarém, um grande rio vem do centro do continente africano 
terminar ao occidente no Atlântico; este rio não tem nome, 
mas é claramente o Nigris de Ptolomeu, ou Nilo occidental dos 
geographos. O portulano da bibliotheca Laurenciana de Flo- 
rença, de 1351, tem também dois rios immensos, que parece 
nascerem da mesma serrania, um que caminha para leste e 
depois se curva para o norte, indo lançar as suas aguas no Me- 
diterrâneo, outro que- toma a direcção de leste a oeste e vem 
ao mar Atlântico: ao lado (Teste lé-se no mappa: «Ilic coligi- 
tur aureum. » No portulano dos irmãos Pizzigani de Veneza 
vé-se, um pouco ao sul das Canárias, um rio, com o nome de 
Palolus, que nasce de um grande lago e atravessa depois de- 
sertos arenosos; no meio do seu curso o rio bifurca-se formando 
uma ilha onde se diz que se colhe oiro (R. H. Major. Lif. of 
Pr. ífen., copia do Portulano Laurenciano, pag. 107 e 112). 
Na famosa carta Catalã de 1375 acha-se desenhada uma barca 



69 

perança deuião de hir por fóra da ilha de são Lou- 



um pouco ao sol do cabo Bojador, acompanhada de uma in- 
scripção em catalão, em que se diz que em 1346 um certo Jay- 
me Ferrer íôra em busca do Rio do Ouro: aPartich luxer dn. 
Jac. Ferer, per anar ai riu de Fort: um documento encon- 
trado nos archivos de Génova por Hemso confirma o facto e a 
data. É pois evidente, como muito bem diz o sr. Major (The 
Canarian, pag. 104 nota), que em 1346 foi uma expedição em 
busca do Rio do Ouro cuja posição não era conhecida, mas de 
cuja existência a população mercantil do Mediterrâneo estava 
informada. Esse rio. segundo o documento descoberto por Hem- 
so, não só se chamava Rio do Ouro, mas também era denomi- 
nado, pela sua grande extensão, Vedamel, ou na opinião do 
sr. Major Vedanill., o que significa crio Nilo.» (Vide a Carta 
Catalã, no Atlas do visconde de Santarém). Um mappa-mundi 
anterior a 1410, que existe no Museu Borgia e que o visconde 
de Santarém reproduziu no seu Atlas, mostra a Lybia interior 
cortada por um grande rio de leste a oeste, no extremo do qual, 
junto do mar, se lé «Fluvius aureus hic habet viu leucas latitu- 
dine.» Na carta de Mecia de Yiladestes que se encontrou na 
Cartuxa de Yal de Christo perto de Segóvia, e que tem a data 
de 1413, também está traçado um rio do ouro. Esta carta é 
evidentemente tirada do mappa catalão de que acima falíamos, 
com algumas alterações relativamente pouco importantes: ha 
porém a notar que se estende a carta de Yiladestes mais para 
o sul do cabo Bojador do que a carta catalã, e que a uma dis- 
tancia proximamente egual a metade da que vae do mesmo 
cabo ao estreito de Gibraltar é a foz do «Riu de lor» que se es- 
tende para o interior d 'Africa em linha recta. (Comparar a Carta 
Catalã com a Carta de Mecia de Viladeste reproduzida na nova 
edição do Canarien publicado por G. Gravier, Rouen, 1874). 
Também quasi seguindo uma linha recta de leste a oeste 
atravessa a Africa, para se lançar no Atlântico em frente das 



70 

renço; a todos pareceo que não, e assinarão a causa, 



Canárias, um rio que, segundo as idéas geographicas de An- 
drea Bianco, traçadas num portulano em 1436, nasce nos re- 
motos estados do Preste João. monumento geographico mais 
notável que se conhece do século xv é o mappa-mundi de Fra 
Mauro, o cosmographus incomparabilis, como n'uma medalha, 
cunhada em sua honra, lhe chamavam os seus contemporâneos. 
N'este mappa-mundo, de que por ordem de Affonso v veiu de 
Veneza para Portugal um exemplar em 1459, estão desenha- 
dos alguns rios que, partindo de nascentes mais ou menos re- 
motas, vem lançar as suas aguas n'um grande lago. D*este lago 
saem dois rios, os quaes em linhas ligeiramente ondulosas e 
proximamente parallelas, caminham de leste a oeste atò ao 
mar: um se chama o rio Mas, outro o Canal daloro: entre am- 
bos está escripto clnne larena de questi do fiume se trova oro 
de paiola»; mais próximo do mar lé-se ainda «Qui se racoce 
oro»: finalmente junto do mar uma inscripção diz • Terra de 
Palmear.» Para fazer uma apreciação justa das idéas cosmo- 
graphicas com que foi traçada esta parte do mappa de Fra 
Mauro, deve attender-se a que elle diz numa inscripção, em que 
trata das nascentes d'estes rios, ou antes d'este grande rio com 
dois braços., o seguinte: cche questo rio sia uno ramo delnilo 
io affermo, perche se trova queli simili animali che se trova 
nel nilo.» Para Fra Mauro o grande rio que na direcção de 
leste a oeste vinha dar ao Atlântico era um ramb do Nilo, e 
n elle sé colhia ouro; por isso dava a um dos seus braços o 
nome de canal dei oro. A mesma opinião tinha o infante D. 
Henrique e os portuguezes que descobriram o rio Senegal ou 
Çanaga. Na chronica de Azurara conta-se que o infante dis- 
sera aos que foram na expedição que descobriu o rio Senegal 
«que despois da vista daquellas arvores (arvores altas, principal- 
mente duas palmeiras que anteriormente havia observado Dinis 
Dyaz passado o Sahará «terra de Zaara»), pouco mais de xx le- 



71 



dizendo que as naaos leuauão muita gente e pouca 
agoa, pelo que tinhão o perigo de morrerem á sede 
muito certo 1 . 



goas, esguardassera pollo dicto ryo, porque assy o aprendera elle 
per alguus daquelles Azenegues que tiinha cativosi: eeste rio, 
a que os nossos chamavam Çanaga era o ryo Nillo, como pelos 
signaes, por elles observados, se conhecia. A existência das 
palmeiras, como signal da proximidade do rio, palmeiras mar- 
cadas nas antigas cartas, deu provavelmente origem á designa- 
ção de «Terra de Palmear» que se lé no mappa de Fra Mauro. 
Acerca d'este ryo Nillo faz Azurara uma dissertação, para pro- 
var que é o próprio Nilo de que faliam os antigos auctores. 
Bem se vé do que temos dito, que as antigas tradições geogra- 
phieas foram conservadas pelos geographos da Edade média; e 
que o antigo Nilo de oeste pouco a pouco passou a chamar-se 
Rio do Ouro, sem que ao certo se podesse saber qual era a sua 
verdadeira posição. O Rio do Ouro dos mappas a que nos re- 
ferimos, anteriores ao meado do século xv, não é o braço de 
mar a que os nossos navegadores deram o nome de Rio do 
Ouro, pelo motivo que dissemos. Fra Mauro, que conhecia os 
descobrimentos dos portuguezes, distingue no seu mappa-munr 
do o Rio do Ouro (Reodor), do grande rio, a um dos braços do 
qual chamou Canal dei Oro. A confusão, porém, entre o Rio do 
Ouro dos portuguezes e o rio dos cosmographos da Edade mé- 
dia, braço do Nilo em que se achava o ouro e que atravessava 
a Africa de leste a oeste, por muito tempo persistiu, e ainda 
nos primeiros annos do século xvi esta confusão era manifesta 
nalgumas cartas da Africa, como faz notar o visconde de San- 
tarém. Como a idéa da existência do Rio do Ouro veiu aos 
geographos, antes da descoberta dos portuguezes explica-o cla- 
ramente mr. R. H. Major no seu livro sobre o infante D. Hen- 
rique (The Life ofPrince Henry, cap. vn, pag. 114). 
1 Sobre dois pontos foram os pilotos chamados a dar o seu 



72 



A noite de terça feira em toda foy o vento norte 
fresco; gouernamos ao sul quarta do sudueste atee 
amanhecer. 



parecer, ambos de grande importância nas viagens que n'aquelle 
tempo se faziam de Lisboa para a índia. Todos os roteiros es- 
criptos no século xvi e na primeira metade do século xvn tra- 
tam d'estes dois assumptos e opinam como os pilotos da ar- 
mada em que ia D. João de Castro. No Roteiro da carreira da 
índia do piloto mór Vicente Rodriguez, um dos mais citados 
d'aquelle tempo, diz-se, faltando da melhor época para ir de Mo- 
çambique a Goa ou a Cochim : «Daqui he bom partir para a 
Yndia ate dez de agosto, seguindo a derrota da ilha do Combaro 
(Cômoro), governando ao nordeste he bom hir vela de dia, etc. » 
(Livro Universal de Derrotas de Manuel Gaspar. Mss. de Évo- 
ra). Gaspar Reimao no seu Roteiro diz também: «Da forteleza 
de Moçambique pêra ha índia he bõ partir até 10. 15. dias 
domes dagosto, etc.» (Rot. da Car. da Ind. Mss. da Univ., vol. 
136). Quanto ao outro assumpto, o da viagem do Cabo da Boa 
Esperança por fora da ilha de S. Lourenço, ou ilha de Mada- 
gáscar, a opinião dos roteiros é como se segue: «Vindo aqui 
(ao C. da Boa Esperança) até 20 de julho he bom camynhar 
por dentro, derrota de Moçambique, e vindo mais tarde he bom 
e mais seguro a viagem q se faz por fora da ilha. » O outro ro- 
teiro que citámos acima, é mais explicito; e faltando da che- 
gada ao Cabo da Boa Esperança, diz: «Aqui entrão duas na- 
veguações as quaes seguireis conforme ao tempo em que vos 
achardes neste cabo, e sendo até 20 e 25 de julho se fará a 
viagê por dentro, e se passasse hu só dia deste tno q digo se 
fará a viagê por fora de S. Lourenço como fazião os antigos, e 
passavão a índia m. t0 bê sê os receos e incõviniêtes q os ho- 
mens deste tempo quere oje tomar, dizendo que por fora que 
vão a morrer e que antes querê ir inuernar a Moçambique q 



73 



CAMINHO. 

Quarta feira 1 7 dabril atee meo dia foy o vento 
norte; gouuernamos ao sul, e atee á noite tomamos 
as vellas pêra esperar hua naao que vinha muito 
longe, que pareceo ser a galega: chegando a nós, 
tornamos dar as vellas e fazer nosso caminho. Este 
dia fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante de meo dia. 

Estando o sol em altura de 21 grãos 

ho estilo lançou a sombra iOi grãos £ 

contando do norte pêra a banda daloeste. 



acabarê por fora, não considerado o grade risco a que se põem 
ê cometer a viagê por dêtro faltandolhe a moção, como cada dia 
vemos, q buas se uão perder na costa de Moçambique, outras 
inuernão nella, donde os mais dos homens morrem como uemos 
cada dia, e a fazd. a de S. Mag. de perdesse e elles se uão ali cõsu- 
mir cõ suas fazendas e vidas, o que por fora não ha q temer q 
posto q aja doêças não morre a seista parte dos q morrem em 
Moçambique.» 



74 



Segunda operação antes do meo dia 

Estando o sol em altura de 63 grãos 

ho estilo lançou a sombra 78 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. , 

Isto assi feito, passeime logo á poma, assentando 
as duas alturas do sol e a variação da sombra ; e 
obrando pella maneira acostumada ', achei que esla- 
uamos em 24 grãos, o que me fez muito triste, cui- 
dando que esta regra de saber a leuação do polo a 
toda a ora não he geral/ considerando que o dia 
dantes me dissera o piloto que ficara em 24 grãos {, 
e de então pêra quá corremos sempre ao sul com 
vento á popa e fresquo, pello que era justo que oie 
nos achássemos em 22 grãos, pouco mães ou menos ; 
e ora desconfiando nos estromentos, ora das regras, 
ora de eu saber mal obrar e entender a demostra- 
ção, mandey ao doctor Luis nunez que conforme as 
operações que tomey pela menhãa, obrase na poma, 
e visse que altura lhe daua, o qual, íazendoho assy, 
achou estarmos nos mesmos 24 grãos. Pello que me 
fiz logo em outra volta, e lancey o erro ás costas do 
Piloto, parecendome que elle tomara mal o sol o dia 
passado; e sendo oras de meo dia, tomey o sol, e na 



* Altura a toda a ora. Nota do auctor. 



75 

mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 80 grãos ; 
a declinação deste dia era 1 3 grãos \, do que se se- 
gue estarmos em 23 grãos f ; e por esta maneira não 
ouue mães differença antre a poma e estrolabio de 
hum £ de grão, e inda se deue contar menos, se con- 
siderarmos o que a naao podia andar dés polia me- 
nhãa atee oras de meo dia. 

A noite de quarta feira toda foy o vento norte; go- 
uernamos ao sul atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Quinta feira 18 dabril todo o dia foi o vento 
norte; gouernamos sempre ao sul: ao meo dia tomey 
o sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori- 
zonte 81 grãos £; a declinação deste dia era 1 4 grãos 
^, do que se segue estarmos em 22 grãos {: o mes- 
tre achou-se em 23 grãos ],eo Piloto em 22, de 
sorte que antre o mestre e piloto ouue differença, na 
altura, de 1 grão £, que he cousa incomportauel : 
hum marinheiro tomou a altura conforme a minha 1 . 

De noite foi o vento norte fresco e nornordeste ; 
gouernauamos sempre ao sul atee amanhecer. 



1 Diversas alturas em hO mesmo dia. Nota do auctor. 



76 



CAMINHO. 

Sesta feira 19 dabril todo o dia foi o vento nor- 
te; gouernauamos ao sul: ao meo dia tomei o sol, e 
na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 84 
grãos; a declinação deste dia era 14 grãos £, de que 
se segue estarmos em 20 grãos ;. 

De noite toda a noite ventou o vento norte e nor- 
nordeste; gouernamos ao sul quarta do sudueste 
atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Sabbado 20 dabril todo o dia ventou o vento 
norte e nornordeste ; gouernamos ao sul e quarta do 
sudueste. De noite toda a noite foi o vento norte e 
nornordeste ; gouuernamos ao sul e quarta do su- 
dueste atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Domingo 21 dabril todo o dia ventou vento nor- 
te ; a mayor parte do dia gouernamos ao sul e quarta 
do sudueste, e a menor ao sul. Ao meo dia tomey o 

• 

sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 
89 grãos; a declinação deste dia era 15 grãos, dous 
minutos, do que se sege estaremos em 16 grãos: 



77 

esle dia se achou o contramestre em 1 7 grãos £, e 
hum marinheiro em 17 |,e hum Calafate, homem pra- 
ctico experimentado, em 16 grãos e \ l : atee quy fiz 
a conta aiuntando a declinação aos grãos que auia 
do sol a meu zinith, por caso que a meo dia o estilo 
me lançaua a sombra pêra a parte do norte, e o sol 
andaua da mesma parte do norte: este dia chegou 
a nós o Junco e a Galega. 

NOTAÇiO. 

• 

'Porque eu faço menção muitas vezes da altura 
que se toma por muitas pessoas t e espero ao diante 
de o fazer, já pode ser que os que lerem este Ro- 
teiro, achando tamanha differença de huas alturas a 
outras, possão crer que esta diuersidade naceria de 
auer tauoas de declinações diíferentes, ou de erarem 
ao fazer da conta; portanto farey sempre menção 
do que tomão do sol ao orizonte, e assi declaro que 
de todas as alturas que aquy escreuer, se fará a conta 
pello liuro e tauoas de declinações do Doctor Pêro 
nunez 3 , assi que a differença somente nascerá do 



1 Diversas alturas em hu mesmo dia. Nota do auetor. 

2 Da rezao por que faz menção da altura q se toma na naao 
por muitas pessoas. Nota do auetor. 

3 Tábuas que se encontram no Tratado em defensão da carta 
de marear, cô o regimento da altura, calculadas para os quatro 
annos de 1537 a 1540. 



78 

juizo de cada hum, ou do defecto dos estrolabios : 
e porque esta arte achada pêra remédio dos naue- 
gantes não venha em algum discredito por esta di- 
uerssidade de alturas, deuemos de considerar quanto 
lhe deuemos, por nos ensinar como não ignoremos o 
chegado á verdade, como são as cousas humanas 
que os homens podem saber. Porque, como diz mon- 
te Régio ' nos seus triângulos de toda a sorte milhor 



1 João Muller, natural de Koenigsberg, e por essa razão co- 
gnominado Regiomontanus ou de Monte Régio, foi um dos 
mais celebres mathematicos do xv século. N'aquelle tempo em 
que a sciencia mais se communicava pela palavra, pelo ensino 
individual e directo, do que pelos livros, era honra grande e 
seguro penhor de sciencia, o receber as lições de um mestre cuja 
reputação toda a Europa era conforme em celebrar. Monte Ré- 
gio foi o discípulo dilecto do celebre Purbach, o qual profes- 
sou em Yienna as mathematicas e a astronomia, sciencias que 
lhe deveram verdadeiros progressos. Nascido em 1436, Monte 
Régio acompanhou a Itália o cardeal Bessarion, onde profes- 
sou a astronomia na cidade de Pádua em 1463, e fez, sobre 
o texto original, a traducção do Almagestoáe Ptolomeu. Vol- 
tando para a Allemanha, onde continuou os seus numerosos 
e notáveis trabalhos, residiu em Nuremberg e ahi estabeleceu 
uma imprensa e publicou algumas das suas obras; até que o 
papa Sixto iv o chamou a Roma para trabalhar na reformado 
kalendario, e ahi morreu na edade de 40 annos. Uma das suas 
obras mais importantes foi o tratado De triangulis planis et 
sphericis, a que D. João de Castro se refere. D'este tratado diz 
Montucla: t Salvo a invenção dos logarithmos e de alguns theo- 
remas propostos por Neper, a trignometria de Regiomontanus 
em nada cede á nossa; pelo menos tal como ella era no prin- 



79 

he saber o chegado á verdade, que de todo o ponto 
ignorar a mesma verdade, e que não somente se 
deue contar per virtude dar no fito, mas também 
chegar perto delle ; e assi estes erros e enganos de 
tomar o sol ficarão em proueito dos nauegantes, pêra 
que confiados demasiadamente em sua altura não 
deixe de dar grandes resguardos no demandar da 
terra. 

De noite toda foi o vento norte fresco; gouerna- 
mos ao sul atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Segunda feira 22 dabril, amanhecendo, acalmou 
o vento, mas na grossa do dia tornou a refrescar, e 
ventou como norte galerno ; todo o dia gouernamos 
ao sul, e nos fizemos antre as ilhas do cabo verde 
e o mesmo cabo. 

DESCRIPÇÃO DAS ILHAS DO CABO VERDE. 

O cabo verde, ao que posso comprehender, he o 
Promontório a que Plínio e Pomponio chamão hes- 



cipio (Teste século.» (Montuc. Hist. des Mathem., tom. i, pag. 
344). Monte Régio foi mestre de Marti m Behaim, como em 
outra nota dissemos. O dr. Pedro Nunes varias vezes cita Monte 
Régio nas suas obras de astronomia e navegação. 



80 

peru serás : estas ilhas são as insulas gorgonas, mo- 
rada das meduseas, e o mar que laua estas terras, 
o golfão hesperio ; a causa de isto assi auer de ser 
são as pallauras de Plínio 1 , que dizem desta maneyra : 
deste Promontório se começa a frontaria das terras 
a virar ao occidente e mar Atlântico, e direito delle 
estão as ilhas gorgonas espaço de duas jornadas na- 
uegando, que quer dizer duas singraduras; e por- 
quanto as seis ilhas do cabo verde, que estão mães 
orientaes das outras, distão do mesmo cabo per 70, 
80 legoas, que são duas singraduras de vento galer- 
no, a que Plínio chama jornadas, parece que fica 
claro o cabo verde ser o promontório hesperu serás, 
e as ilhas que se lhe opõem, a saber, que se cha- 
mão do cabo verde, insolas gorgonas, morada das me- 
duseas 3 : e faz muito a este propósito sabermos que 



1 Plínio, liv. 6, cap. 31. Nota do auctor. 

2 O conhecimento que os navegadores portuguezes tinham 
dos auctores antigos, especialmente de Ptolomeu e de Plínio, 
em todos os seus escriptos se revela. Buscavam elles pôr de 
accordo o que os antigos escreveram da Costa d\Africacom os 
modernos descobrimentos; vemos (Visto provas no que D. João 
de Castro diz aqui acerca de Cabo Yerde e das ilhas que d 'este 
cabo tiraram o nome, e anteriormente disse acerca das Ilhas 
Canárias. A opinião emittida pelo auctor do Roteiro, não pa- 
rece estar de accordo com a que se encontra no Esmeraldo de 
Duarte Pacheco, escripto nos primeiros annos do século xvi. 
Antigamente, diz Duarte Pacheco, o Cabo Yerde chamava-se 
Asperido Promontório, e as ilhas cque 100 léguas em mar 



81 

das cauareas ou ilhas bemauenturadas pêra o sul 



delle eslam, também naquella antiguidade foram denomina- 
das as pendas » e cita,, para o provar, Plinio, liv. vi, cap. 31, 
(Esmeraldo, cap. 28, fl. 48, mss. cit.) O que os antigos sa- 
biam da costa Occidental da Africa é por tal modo vago e in- 
certo, que poucas noções geographicas seguras se podem co- 
lher nos auctores, ainda nos que mais particularmente se oc- 
cuparam do assumpto. Qual fosse a situação do Hesperion ce- 
ras ou Hesperíum cornu, ou Cornu extrema, que parece ser tudo 
proximamente o mesmo, não se pode bem determinar; longe 
d'isso. Plinio diz: «Sita est Aethiopia ab oriente hiberno ad 
occidentem hibernum. Meridiano cardine silvae ebeno maxi- 
me virent; a media ejus parte imminens mari mons excelsus, 
aeternis ardet ignibus, Theon ochema dictus Graecis : a quo na- 
vigatio quatridui ad promontorium, quod Hesperion ceras vo- 
catur, confine Africae juxta Aethiopas Hesperios. » (Hist. Nat., 
liv. vi, sec. xxxv). No capitulo xxxi, sec. xxxvi, o mesmo Pli- 
nio diz: «Polibius in extrema Mauritânia contra montem Atlan- 
tem a terra stadia octo abesse prodidit Cernem. Nepos Corne- 
lius ex adverso maxime Carthaginis a continente passus mille : 
non ampliorem circuitu duobus millibus. Traditur et alia in- 
sula contra montem Atlantem, et ipsa Atlantis appellata. Ab 
ea quinque dierum navigatione solitudines ad Aethiopas Hes- 
perios, et promontorium, quod vocavimus Hesperion ceras, inde 
prímum circumagente se terrarum fronte in occasum, ac maré 
Atlanticum contra hoc quoque promontorium Gorgades insu- 
lae narrantur, Gorgonum quondam domus bidui navigatione 
distantes a continente, ut traditXenoplion Lampsacenus. » D'es- 
tas indicações de Plinio, acerca da posição do promontório que 
os antigos denominavam Hesperion jceras, nada se pode con- 
cluir senão que o próprio Plinio estava longe de ter ideas cla- 
ras a tal respeito. Dois são os logares geographicos tomados 
como pontos de referencia para se determinar a posição do 
a. 6 



82 

não ha outras ilhas senão estas, pêra que digamos 



Hesperion ceras na costa occidental d' Africa: o monte deno- 
minado cTheon ochema» ou t Carro dos Deuses» e a ilha Cerne. 
No celebre périplo da viagem que Hannon fez na era de 570 
ant. de Christo, — viagem que foi por séculos o fundamento dos 
conhecimentos que, gregos e romanos, possuíam acerca da 
costa occidental da Africa, — encontram-se sobre a ilha Cerne e 
o monte «Theon ochema» informações que teem dado origem 
a ritimerosos commentarios. Depois de transpor as Columnas 
de Hercules e estabelecer na costa d' Africa diversas colónias, 
Hannon chegou ao rio Lixos. Qual seja este rio, é um dos pon- 
tos em que os commentadores não estão de accordo. Uns que- 
rem que seja o rio de Larache; outros o rio de Marrocos, o 
Tensift; outros, emfim, pensam, e é esta a opinião hoje mais 
seguida e a mesma que se encontra no commentario do piloto 
portuguez, citado no primeiro volume de Ramusio, que o rio 
de que falia o périplo; é o rio Suse, ao sul do cabo de Gué. 
(Gosselin. Rech. sur la Geog. des Anc, vol. i, pag. 75. — Hee- 
ren. Hist. Resear, vol. i, appendix, pag. 494. — Ra m., vol. i, 
0. Í23, ed. de 1550.— Major. The Lif. ofPr. Henr., pag. 91). 
Passado o rio Lixos, navegou Hannon ao sul por uma costa 
deserta ; depois a leste. Ao fundo de uma bahia, encontrou uma 
ilha pequena a que poz o nome de Cerne (in qua habitatores 
reliquimus et Cernem nominavimus). Onde era esta ilha Cer- 
ne, situada ao sul do rio Lixos, próximo de terra, no fundo 
de uma bahia, com um circuito apenas de cinco estádios, e onde 
Hannon estabeleceu a ultima colónia de carthaginezes?N'este 
ponto levantaram-se entre os geographos difficuldades não me- 
nos graves do que em relação ao Lixos. Gosselin suppõe que 
ilha Cerne é a que actualmente se chama Fidalla, a 33° l / 2 
de lat. N. Heeren põe a ilha em 31° l / 2 ou 30° l / 2 , isto é, pró- 
ximo do Mogadoiro ou de Santa Cruz. Vivien de St. Martin, 
citado por Major, julga que o nome de Cerne foi posto i actual 



83 

que possão ser as gorgonas, nem outro promontório 



ilha de Herne, que se encontra na bacia marítima que os na- 
vegadores portuguezes chamaram o Rio do Ouro. O piloto por-i 
tuguez de que falia Ramusio, pensa que Cerne era uma das 
ilhas de Arguin, onde a costa faz uma curva para o levante: 
e esta é também, com pequena differença, a opinião de Ren- 
nel, o qual situa Cerne a 20° de lat. N. De todas estas, a opi- 
nião mais plausível e a que melhor condiz com as indicações 
que se encontram no périplo, é a que identifica a ilha Cerne 
com a moderna Herne. D'esta ilha, como observa Heeren, co- 
meçaram as viagens de exploração propriamente ditas; pois 
que até ali Hannon foi estabelecendo colónias em diversos to- 
gares da costa,, sendo a ultima colónia a que fundou na ilha 
de Cerne. Duas foram as viagens de Hannon da ilha de Cerne 
para o sul : uma que se alongou até um largo rio que parece 
haver sido o Senegal : a segunda que desceu muito mais ao 
sul, e que especialmente merece a nossa at tenção. Depois de 
doze dias de viagem para o sul de Cerne, Hannon encontrou 
um monte coberto de arvores que exhalavam suave perfume; 
concordando os commentadores, e com razão, em que esse 
monte não podia ser senão o Cabo Verde. Transposto o cabo, 
abriu -se diante do ousado navegador uma immensa bacia for- 
mada pela costa; a breve indicação que se encontra no péri- 
plo, deixa-nos na convicção de que se refere ao vasto braço 
de mar, onde vem lançar as suas aguas o rio Gambia. Depois 
de mais alguns dias de viagem chegaram á grande babia que 
os interpretes disseram ser o «Hesperion Ceras.» Aqui se en- 
contra uma ilha grande na qual ha um lago de agua salgada. 
Navegando ainda por um paiz onde o calor era incomportável, 
e em que tudo lhe parecia estar ardendo, descobriu Hannon 
um monte coroado de fogo que se erguia até ao ceo: era o 
Carro dos Deuses, o «Theon ochema.» Três dias depois de sul- 
car torrentes de fogo, chegou ao cNotu ceras» bahia ao fundo 

6« 



84 



mães illustre que este do cabo verde, e que com 
tanta Rezão possa ser o hesperu serás. Porém se ou- 



da qual havia uma ilha na forma semelhante á anterior, e ha- 
bitada por selvagens, a maior parte mulheres, com o corpo co- 
berto de hirtos cabellos. Fallando das Gorgonas, e alludindo a 
esta parte da viagem de Hannon, diz Plinio: cPenetravit in 
eas Hanno Poenorum Imperator, prodidit que hirta femina- 
rum corpora, viros pernicitate evasisse: duarunque Gorgonum 
cutes argumenti et mirandi gratia in Junonis templo posuit, 
spectatas usque ad Carthaginem captam.» O Carro dos Deu- 
ses, deve, segundo os commentadores, estar situado mais ou 
menos perto do Equador, o que é consequência da maneira 
porque elles apreciam a extensão da viagem do navegador car- 
thaginez. Em quanto Gosselin vô o limite d'essa viagem no 
cabo de Não, Rennel alonga-a até á Serra Leoa. O piloto por- 
tuguez já citado, formulou primeiro a opinião de que o cele- 
bre «Theon ochema» era a Serra Leoa: os commentadores 
modernos, pela sua maior parte, concordam com esta maneira 
de vêr. Sobre qual fosse a ilha d 'onde Hunno trouxe as duas 
peites de Gorgonas ou gorilhas, ha também desacordo entre 
os commentadores do périplo. Esta ilha no parecer do piloto 
portuguez é a de Fernando Pó: o sr. Major adopta a opinião 
de que é a ilha hoje chamada Scherborough. O que fica dito 
basta para mostrar que o Cabo Verde não é, como opina o 
Roteiro, o hesperu serás de Plinio, nem as ilhas de Cabo Verde 
são as Gorgonas. Verdade é, que o Roteiro diz também que o 
hesperu serás poderia ser a ponta da Serra Leoa; mas não lhe 
parece acceitavel esta opinião, por causa da situação geogra- 
phica das Gorgonas relativamente ás Fortunadas. Lançando, 
porém, os olhos para o que escreve Plinio, todas as dificul- 
dades desapparecem; pois se reconhece que elle, como os an- 
tigos geographos, nada sabia de positivo acerta das ilhas Hes- 



88 

uermos de conieclurar estas conferencias polias ta* 
uoas de Ptolomeo 1 , oulhando a altura, a longura do 
Promontório hesperu serás, parecemos ha auello en- 
tão de ser a ponta da serra lioa, comtanto que as 
ilhas do cabo verde, ou gorgonas, sejão as fortuna- 
das, o que não he rezão, porque em tal caso as nos- 
sas alturas e longuras se conformão com as de Pto- 
lomeo, as quaes altura s e. longuras ficão muy diffe- 
rente s, fazendo das Canareas as ilhas bemauentura - 
das, como he justo e opinião comum ; assi que nesta 
parte não d euemo s estar por Pt olome o, nem heho- 
nesto p odersse cuydar que estas ilhas do cabqjerde 



peridas, das Gorgonas, e, em geral, das ilhas do Atlântico. De- 
pois de dizer das Gorgonas o que acima citamos, Plinio pro- 
segue: cAdeoque omnia circa haec incerta sunt, ut Statius Se- 
bosus a Gorgonum insulis praenavigatione Atlantis dierum 
xl, àd Hesperidum insulas cursum prodiderit, ab iis ad Hes- 
peru ceras unius. Nec Mauritaniae insularum certior fama est. 
Paucas modo constai esse ex adverso Autololum, a Juba re- 
pertas, in quibus Gaetulicam purpuram tingere instituerat.» 
O que fica dito mostra bem que o Hesperion Ceras de Plinio 
não era o Cabo Verde, e que das Gorgonas nada se sabia. O 
estudo comparado dos mappas e dos escriptos dos cosmogra- 
phos, anteriores ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde 
pelos portuguezes, mostra evidentemente que d 'estas ilhas nada 
se sabia, até então, e que os cosmographos não faziam mais 
do que conservar, mal definidas e vagas, as tradições da anti- 
guidade. 

1 Ptolomeo tauoa 3 de Africa. Nota do auctor. 



86 

sejao as fortunadas, como quer que a^esterillidade 
delias e destemp erança de ar sejao de todo j> ponto 
contrairos ao qu e se es çreue da fertelidade esuauis- 
simos ventos e arçs d^fortunadas, as quaes quali- 
dades se achão nas canareas. Destas ilhas de cabo 
verde 370 legoas a loeste 1 passa o merediano que 
detremina a conquista e nauegação de todo o vni- 
uerso entre os Reys de Portugal e Castella, a saber, 
180 grãos deste merediano pêra o oriente é dos 
Reys de Portugal, e outros 180 pêra a parte do oc- 
cy dente, dos Reys de Castella: esta contia de grãos 
e caminho que pertence a Portugual, atee o dia de 
oie não são acabados de nauegar. Porque as armas 
dos Portugueses somente são mostradas aos Pouos 
da chyna e maluco, ficaiidolhe ainda muitos cami- 
nhos pêra fazer pello oriente dentro atee chegarem 
ao fim e termo dos 1 80 grãos, que per dereito lhes 
pertence *. 



1 Demarcação dos Reys de Portugal e Castella. Nota do au- 
ctor. 

2 É uma curiosa historia a da repartição do mundo entre 
Portugal e Hespanha, por um meridiano traçado a 370 léguas 
a oeste das ilhas de Cabo Verde. Quando em 1436 a navega- 
ção dos portuguezes chegara já ao Rio do Ouro, uma bulia de 
Eugénio iv dizia que, para satisfazer ao que por el-rei D. Duarte 
lhe fora pedido, o pontifico concedera lettras apostólicas d'aqucl- 
las cquae cruciata vulgariter nuncupantur, et similiter certas 
insulas Canariae, quas ab infidelibus possideri, et in quibus 



87 



Nota que daqui em diante aiunlo a declinação aos 
grãos que ha do sol ao orizonte, porquanto as som- 



nullun Principem Christianum jus habere aut praetendere 
asserebas, libi per alias nostras iitteras dedimus in conquestam, 
prout in ipsis litieris latius continetur:» mas como depois D. 
João, rei de Castella e Leão, se queixasse de que os seus in- 
teresses haviam sido prejudicados, pois que esperava fazer a 
conquista das terras d'Africa e das ditas ilhas, o papa, não 
querendo oflender os interesses, quer do rei de Portugal, quer 
do rei de Castella «sed conquestam dumtaxat ti bi concedere, 
et prohibitionem tolerare, si et in quantum nemo alter et in 
pracfatis insulis aliquod jus com peie re praetenderet» exhorta 
D. Duarte a que examine, com prudente deliberação e ma- 
duro conselho, as lettras apostólicas, e nada intente que re- 
dunde em prejuízo dos direitos do rei de Castella, e possa le- 
vantar futuros conflictos. (Lcvy, Btãlarium, tom. i, pag. 19). 
Esta, que saibamos, foi a pnmeira vez em que o papa in- 
terveiu nas questões entre os reis de Portugal e os de Cas- 
tella, a respeito dos descobrimentos e conquistas das duas co- 
roas. A intervenção do papa concedendo e tirando terras e po- 
vos aos soberanos independentes, resultava de principios que 
n'aquelles tempos eram geralmente reconhecidos, embora na 
sua applicação encontrassem muitas vezes tenaz resistência. O 
papa Urbano n, já em 1092, concedia de sua própria auctori- 
dade a Córsega ao bispo de Piza. Em 1156, concedia Adriano 
iv a Hibernia ao rei de Inglaterra, e na bulia de concessão 
dizia: cSane Hiberniam, et omnes insulas, quae documenta 
christianae fidei ceperunt, ad jus B. Petri, et Ecclesiae Roma- 
nae, quod tua regia nobilitas ipsa cognoscit, non este dubium 
perlinere.» A theoria em que se fundava esta doutrina, en- 
contra-se exposta n'um escripto dirigido ao imperador Carlos 
v, pelo bacharel Enciso, o auctor da Suma de geografia que 



88 



bras do estilo ao meo dia vão pêra a parte do sul, e 
o sol anda nos sy nos da banda do norte ; e os grãos 



em Sevilha se publicou em 1520. Enciso recorda ao impera- 
dor, que em 1512 se haviam reunido em Burgos muitos mes- 
tres theologos dominicanos e franciscanos, e com elles muitos 
bispos e lettrados, para resolverem acerca do direito dos chris- 
tãos a possuir indios, direito que os dominicanos da ilhaHes- 
panhola contestavam em suas pregações. À douta congrega- 
ção resolveu que se podia proseguir na conquista das terras 
novamente descobertas reduzindo i escravidão os idolatras que 
as occupavam. Em 1513, estando uma armada a partir para 
a terra firme, vieram de novo os frades dominicanos «a es- 
torval-o, dizendo que o rei não podia mandar conquistar os 
indios. i Houve nova conferencia de theologos em Valladolid, 
e ahi Enciso defendeu o que elle chama os direitos de Sua Al- 
teza. Eis em resumo a argumentação de Enciso. A Abraham 
e a seus descendentes deu Deus a terra de Promissão, habi- 
tada e possuída por idolatras, que adoravam o diabo e blas- 
phemavam de Deus. N'esta terra viveram Abraham, Isaac seu 
filho, e seu neto Jacob; até Jacob, suas mulheres, e seus doze 
filhos e seus netos irem para o Egypto. Estiveram os descen- 
dentes de Jacob setenta annos no Egypto, d'onde os tirou Moy- 
sés, conduzindo-os á terra da Promissão, que conquistaram a 
ferro e fogo, lançando no captiveiro quantos escaparam á morte . 
t E tudo isto se fez pela vontade de Deus, porque eram idola - 
trás. » Exposta esta ai legação, prosegue Enciso, direi que aten- 
do nós o papa em logar de Deus, e elle, como Senhor univer- 
sal, havendo dado as terras das índias que possuiam idola- 
tras, ao rei catholico, para que plantasse n'ellas o nome de 
Deus e a nossa fé, o rei muito justamente podia mandar re- 
querer a estes indios idolatras que lhe entregassem a terra, 
pois o papa lh'a dera, e se a não quizessam dar, lhes podia fa- 



89 



que sobejão de 90, estarey da parte do norte, e os 
que faltarem, ficarey da banda do sul. 



zer a guerra, e tomar-lh'a á força e ainda por cima matal-os 
e prendel-os, e dar como escravos os que fossem presos, como 
Jusué fizera aos da terra da Promissão.» Depois de muito al- 
tercar, e em vista da argumentação de Enciso, vieram n'isto 
que elle dizia os theologos todos que compunham a catholica 
assembléa. O bispo de Osma, porém, não concordava com esta 
doutrina, e allegava em favor dos índios o ser o dominio e 
posse que elles tinham de suas terras áejure gentium; mas a 
sua opinião foi tida «por leviana e sem fundamento. t (CM. 
de Docum. Inei. dei Ar eh. de Jnd., tom. i, pag. 441). A bulia 
de Eugénio iv a D. Duarte, de 1436, recebeu definitiva con- 
firmação nos capítulos addicionaes ao tratado de 1431, assi. 
gnados em Toledo no anno de 1480. Estipula-se ahi por parte 
dos reis de Castella, não perturbarem de nenhum modo os 
reis de Portugal «na posse ou quasi posse em que estão em to- 
dos os tratos, terras, resgates da Guiné com suas minas de 
oiro, e quaesquer outras ilhas, costas, terras, descobertas, ou 
por descobrir, achadas ou por achar, ilhas da Madeira, Porto- 
Santo e Deserta, e todas as ilhas dos Açores, e ilhas das Flo- 
res, e assim as ilhas de Cabo Verde, e todas as ilhas que agora 
tem descobertas, e quaesquer outras ilhas que se acharem ou 
concorrerem das ilhas de Canária para baixo contra Guiné, 
porque tudo o que está achado, e se achar, conquistar ou des- 
cobrir nos ditos termos, além do que já é achado, oceupado, 
e descoberto, fica aos ditos reis, e príncipe de Portugal, e seus 
reinos, tirando só as ilhas de Canária, Lançarote, Palma, For- 
teventura, a Gomera, o Ferro, a Graciosa, a Gran-Canaria, 
Teneriffe e todas as outras ilhas da Canária, ganhadas ou por 
ganhar, as quaes ficam aos reinos de Castella.» O rei de Por- 
tugal e o príncipe seu filho proroetteram não perturbar a posse 



90 



À noite de segunda feira toda a noite foy o vento 
norte e nornoròeste; gouernamos ao* sul, e ginauão 
pêra a quarta do sueste. 



ou quasi posse que os reis de Castella tinham nas ilhas de Ca- 
nária, acima citadas. (Soares da Silva, Mem. de D. João /, tom. 
iv, pag. 330 a 336). Tinham então os portuguezes estendido as 
suas navegações até ao cabo de Santa Catharina. O pensamento 
de demandar as terras do oriente, d'onde vinham as especia- 
rias, dominava sempre o espirito dos navegadores portugue- 
zes, como o prova bem a bulia de 8 de janeiro de 1454, dada 
pelo papa Nicolau v. Diz o papa que lhe chegara a noticiados 
esforços feitos pelo infante D. Henrique para a propagação da 
fé, e destruição dos pérfidos sarracenos, e de que ecum olim 
ad ipsius Infantis pervenisset notitiam, quod nunquam vel 
saltem a memoria hominum non consuevisset per hujusmodi 
Oceanum maré versus meridionales, et orieniales plagas na- 
vigari, illudque nobis occiduis adeo foret iocognitum, ut nul- 
lam de partium illarum gentibuscertam notitiam haberemus, 
credens se maximum in hoc Deo praestare obsequium, si ejus 
opera, et industria maré ipsutn usque ad Indos, qui Christi no- 
men colere dicuntur, navigabile fieret. . . regia tamen sem per 
auetoritate munitus, a viginti quinque annis citra, exerci tu m 
exdictorum regnorum gentibus, maximis cum laboribus, pe- 
riculis, et expensis, in velocissimis navibus, caravellas nuncu- 
patis, ad perquirendum maré, et provincias marítimas versus 
meridionales partes, etPolum Antarcticum, annis singulis fere 
mittere nom cessavir.» concede o papa ao rei de Portugal o já 
conquistado «ipsum que conquestam, quam a capitibus de Bo- 
jador et de Nam, usque per totam Guineam, et ultra versus 
illam meridionalem plagam ex tendi harum serie declaramus, 
etiam ad ipsos Alfonsum Regem, et suecessores suos, ac Infan- 
tem, et non ad aliquos alios spectasse, et pertinuisse, ac in 



91 



CAMINHO. 

Terça feira 23 dabril todo o dia foy o vento nor- 
te; gouernamos ao sul, e ginauão pêra a quarta do 
sueste : este dia fiz as operações que se seguem. 



perpetuum spectare et pertinere de jure.» (Levy, Bullarium, 
tom. i, pag. 31). Poucos annos depois de approvados os ca- 
pítulos addicionaes ao tratado de paz, e confirmados por bulia 
do papa Sixto iv em 1481 (Buli tom. i, pag. 47), chegava a 
Lisboa, de volta da sua primeira viagem ás índias occidentaes, 
Christovào Colombo. Este successo fez com que D. João u jul- 
gasse em risco o descobrimento e conquista da Índia pelos por- 
tuguezes, para o qual havia largo tempo se andava preparando. 
Seis annos antes, em 1486, Barlholomeu Dias dobrara o cabo 
Tormentoso, ao qual D. João u pozera, na esperança de poder 
brevemente navegar até ás opulentas regiões do Oriente, o 
nome de Cabo da Boa Esperança. No anno seguinte de 1487, 
quasi seguro já de que a índia não ficava longe do termo da 
navegação dos portuguezes, mandara por terra a percorrer a 
índia e a Ethiopia a Pedro da Covilhã e Aflbnso de Paiva, ho- 
mens ambos muito sabedores dos costumes e linguas do orien- 
te: e emquanto por esta e por outras vias esperava alcançar 
certas informações do que tanto desejava saber, dispunha a 
armada que havia de ir ao descobrimento da índia pelo Cabo 
da Boa Esperança. Foi nestáconjunctura que Colombo aportou 
a Lisboa, acossado por um temporal. (António. Galvão, Tra- 
tado, ed. da Hack. Soe, pag. 77 e 83.— Barros, Dec. i, liv. 
tu, cap. iv, v e xi. — Rezende, Ghron. de D. João n, cap. cevi). 
Antes de entrar ao serviço de Castella, tinha Colombo pro- 
posto a D. João n ir em busca do caminho da índia pelo oeste : 



92 



Primeira operação ante ç meo dia. 

Estando o sol em altura de 42 grãos 

ho estilo lançou a sombra 78 grãos 

contando do norte pêra a banda do loeste. 



os estados cosmographicos que fizera durante os seus primei- 
ros annos, e os conhecimentos que adquiriu e observações que 
teve occasião de fazer, desde 1470 até 1484, em Portugal, onde 
casou, e na ilha do Por to- San to, firmaram-lhe no espirito a 
convicção de que navegando a oeste, se poderia chegar em 
pouco tempo â ilha de Cypango, ao Cathayo, ás ilhas das es- 
peciarias, ao paiz, em fim, das maravilhas que descreveu Marco 
Paulo. cE vendo elle (Colombo), diz João de Barros (Dec. i, 
liv. m, cap. xi), que el-rei D. João ordinariamente mandava 
descobrir a costa de Africa com intenção de per ella ir ter á ín- 
dia, como era homem Latino, e curioso em as cousas da Geo- 
grafia, e lia per Marco Paulo, que fallava moderadamente das 
cousas orientaes do reino Cathayo, e assi da grande ilha Ci- 
pango, veio a fantaziar que per este mar oceano occidental se 
podia navegar tanto, té que fossem dar nesta ilha Cypango, e 
em outras terras incógnitas. » O próprio Colombo, no prologo 
ou carta dirigida aos reis catholicos, que precede a relação da 
sua primeira viagem ás índias occidentaes, diz o seguinte: 
«... por la informacion queyo habia dado a vuestras Altezas 
de las tierras de índia, y de un Príncipe que es llamado Gran 
Can. . . vuestras Altezas. . . pensaron de enviarme á mi Gris- 
tobal Cólon á las dichas partidas de índia para ver los dichos 
príncipes, y los pueblos y tierras. . . » CM. de los viaj. y des- 
cub. Fer. Navarrete, tom. i, pag. 153 e 184). Em carta quede 
Lisboa escrevia a Luiz de San tangei, por occasião da sua ar- 



93 



Segunda operação ante meo dia 

Estando o sol em altura de 60 grãos £ 

ho estilo lançou a sombra 77 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 



ribada, dizia elle: t Quando yo llegue a la Juana segui yo la 
costa delia ai ponieilte y la falle tan grande que pense que se- 
ria tierra 6rma la prouincia de Catayo.» (Leters of Chris. Co- 
lombo. Hack. Soei., pag. 2). Esta illusão que Colombtf conser- 
vou por largos annos, provinha das opiniões que vogavam en- 
tre os geographos antes de conhecido o novo mundo. Lançando 
os olhos para o Globo de Behaim, reproduzido pelo dr. Ghil- 
lany, na sua memoria sobre este notável cosmographo, vè-se 
que 1492, data inscripta sobre o globo e que é também a da 
primeira viagem de Colombo, se julgava existirem no hemis- 
pberío norte, e a oeste da Europa e Africa, além dos Açores, 
Canárias e ilhas de Cabo Verde, as tradicionaes ilhas Antillia 
e de São Brandão, assim como a grande ilha de cCipango» 
descripla por Marco Paulo. Mais a oeste da ilha de Cypango 
estão traçadas as numerosas ilhas onde, segundo Marco Paulo, 
se produzem as especiarias e abundam pedras preciosas e mi- 
nas de oiro. Passadas estas ilhas chega-se logo ao Cathayo e 
is regiões das maravilhas que no seu livro descreve o celebre 
viajante veneziano. (Dr. Ghillany. Geschichte des Seefahrers rit- 
terM. Behaim. — Murr. Hist. dipl. du chev.port. M. Behaim. — 
The book of ser Marco Paulo, by Henr. Yule, vol. n, liv. m, 
cap. u, pag. 199 e cap. iv, pag. 209, ed. de 1871). As opi- 
niões geographicas de Behaim, que representa um eminente 
papel na historia dos progressos da navegação em Portugal, 
onde viveu alguns annos ao mesmo tempo que Colombo, não 



04 



Primeira operação depois do meo dia 

Estando o sol em altura de 60 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 88 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste: 



podiam deixar de influir na empresa a que este, com tão 
grande risco, se aventurou. Behaim contribuiu para a con- 
strucção do astrolábio adaptado á navegação, proximamente 
por 1480, e pouco depois Colombo propoz a D. João n o seu 
projecto de descobrimento da ilha Cypango e reino Catayo na- 
vegando pelo oeste. Segundo a historia que Fernando Colombo 
escreveu do almirante seu pae, este occupou-se algum tempo 
em Lisboa a traçar cartas que vendia ; e entre os livros que espe- 
cialmente estudava contam-se os de Marco Paulo e João de Man- 
deville (Wash. Irving. Vie de Colombo, tom. i, pag. 39, ed. [de 
Par. 1864) : ora sobre o Globo de Behaim de 1492, lê-se que, 
além da parte d'elle traçada, segundo Ptolomeu, ha uma parte 
traçada segando «Marco Paulo que, de Veneza, viajou no 
Oriente, no anno de 1250, assim como segundo o que o res- 
peitável doutore cavalheiro JoãodeMandevilledisse,em 1322.» 
Assim pois a conformidade de opiniões e de estudos entre Co- 
lombo e Behaim é evidente. Estas eram também as idéas que 
actuavam no animo de D. João n quando, ao ter noticia da 
chegada de Colombo a Lisboa c próceres in consilium vocat, 
quid in praesentia decernendum foret, agitaturos.i (Telles da 
Silva. De rebm ge&tis Joan. n, pag. 364). Já em 1474 o rei de 
Portugal mandara consultar Paulo Toscanelli, um astrónomo 
e cosmographo florentino, celebre n'aquelle tempo, sobre via- 
gem ás índias pelo oeste; como se vé da copia da carta d'este 
ao cónego de Lisboa Fernando Martins, que se acha n'uma 



95 



Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia i i grãos, cuja ame- 



carta que posteriormente escreveu a Colombo, cônsul tando-o 
este sobre a sua ousada empresa. (Fero. Colombo. Historiado 
Almirante, cap. vu). Não é pois para admirar que a nova da 
viagem do almirante de Castella causasse grande magua a D. 
João h, e grande regosijo aos reis catholicos. Nem um nem 
outros pensavam que Colombo acabava de descobrir um novo 
mundo, mas sim que havia devassado pelo oeste o caminho 
das índias, que os portuguezes trabalhavam havia muitos an- 
nos para achar, circumnavegando a Africa. Para levantar uma 
barreira aos navegadores portuguezes e aos das outras nações, 
que os não deixasse penetrar nos mares e ilhas por Colombo 
descobertas, os reis catholicos recorreram ao papa Alexandre 
vi). Prescotl. Hist. de Fern. et tflsab., tom. 11, pag. 280, ed. 
de 1862, Haris). Por duas bulias de 4 de maio de 1493, cin- 
coenta dias depois de entrar o almirante no porto de Saltes, o 
papa satisfazia os desejos dos reis de Castella e Leão. Uma das 
bulias concede, a estes e seus descendentes, as terras firmes, 
ilhas remotas e incógnitas, descobertas e por descobrir, para 
as partes occidenlaes e mar oceano, com os mesmos privilé- 
gios, immunidades, graças e liberdades anteriormente conce- 
didas aos reis de Portugal nas partes d'Africa, Guiné e Mina 
de Oiro. A outra bulia da mesma data confirma a concessão, 
e manda traçar uma linha <a polo Árctico, scilicet Septen- 
trione ad polum antarctium, scilicet Meridiem sive terrae fir- 
mae et insulae inventae et inveniendae sint versus lndiam, 
aut versus aliam quamcunque partem, quae linea distet a 
qualibet insularum, quae vulgariter nuncupatur de los Azo- 
tes et Cabo Verde, centum leucis versus occidentem et Me- 
ridiem.» (Levy, Bullarium, tom. i, pag. 270 a 273). D. João 
n tratou logo de preparar uma armada para ir contra aquel- 



96 



tade he 5 J, que he a quantidade que agulha neste 
lugar nordestea. 



las partes do occidente, a tomar o passo aos castelhanos; mas, 
com negociações e delongas, os reis catholicos o impediram alé 
Ch ris to vão Colombo partir segunda vez para proseguir nos 
seus descobrimentos. 

Para dar ás concessões de Roma uma forma mais definida, 
de accctrdo com os interesses das duas nações, reuniram-se a 
7 de junho de 1494 em Tordesillas os delegados do rei de 
Portugal com os dos soberanos de Castella e Leão, a fim de 
lançarem as bases de um tratado que as circumstancias torna- 
vam necessário para se não quebrar a paz. No celebre tratado 
de Tordesillas estabeleceu-se que t se haga, e senale por el di- 
cho mar Oceano una raya, ó lioea derecha de polo a polo; 
convien a saber, dei polo artico, ai polo antartico, que es de 
Norte a Sul, la qual raya, ó linea se aya de dar, e de derecha, 
como dicho es, a trecientas e setenta legoas de las yslas dei Cabo- 
Verde, hasia la parte dei Poniente, por grados ó por otra ma~ 
nera, como mejor y mas presto se pueda dar, de manera que 
no sean más. . . », e todas as terras firmes ou ilhas, descober- 
tas ou por descobrir que ficarem a levante da raia fiquem ao 
rei de Portugal e seus successores, e tudo mais ao rei e rai- 
nha de Castella, Aragão, etc. Para mais seguramente se lan- 
çar a linha de demarcação, concordaram os negociadores em 
que dentro de dez mezes os seus constituintes mandassem cdós 
ó quatro caravelas, convien a saber, una ó dós de cada parte, 
ó mas ó menos, ?egund se acordarem por las dichas partes 
que son necessárias, las quales parael dicho tiempo sean jun- 
tas en la ysla de la Gran Canária; y enbien en ellas cada 
una de las dichas partes, personas, asy pilotos como astrólo- 
gos, e mariueros, e qualesquier otras personas, que conven- 
gan, poro que sean tantos de una parte como de otra. ... los 



97 



Segunda operação de depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 42 grãos 

ho estilo lançou a sombra 87 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste: 



quales dicbos navios, todos juntamente continuen su camino 
a las dichas yslas dei Cabo.-Verde, e desde alli tom ara n su 
rota derecha ai Poniente hasta las dicbas trecientas c setenta 
léguas, medidas como las dichas personas, que asy fueren, açor» 
daren que se devrn medir, sin prejuicio de las dichas partes, y 
alli donde se acabar en, se haga el punto, e senal queconvenga, 
por grados de Solo de Norte, epor singradura de legoas, 6 como 
méjor se podieren concordar. La qual dicha raya senalen, desde 
el dicho polo artico ai d icbo polo antartico, que es de Norte a Sul, 
como dicho es, y aquello que senalaren lo escrivan, e fírmen de 
sus nombres las dichas personas», e se a raia encontrar alguma 
ilha ou terra firme, acrescenta o tratado, ali se levante um si- 
gnal ou torre, e assim por diante outros signaes ou torres ao 
longo da dita raia. A pedido de D. Manuel o papa Júlio n san- 
cionou com a sua auctoridade o tratado de Tordesillas, por 
uma bulia de 24 de janeiro de 1506; isto prova só por si que 
as infracções ao tratado eram frequentes, porque de outro 
modo a bulia de Júlio ii, doze annos depois do tratado, seria 
desnecessária. A linha de demarcação nunca fora traçada, não 
só por que o não desejavam nem hespanhoes nem portuguezes, 
mas porque os meios de que dispunha a sciencia de então, 
não permittiam determinar precisamente as distancias em lon- 
gitude, e as medidas, e grande parte das regiões da terra, eram 
ainda desconhecidas. Ainda no tratado de limites entre as pos- 
sessões de Portuga] e de Hespanha na America, assignado 
b. 7 



98 



Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia li grãos, e meo 



em Madrid em 1750, se diz que o referido tratado se nego- 
ciou no intento cde tirar todos os pretextos e albanar os em- 
baraços, que possão ao diante alterar (a amisade entre as doas 
nações), e particularmente os que se podem ofierecer com o 
motivo dos limites das duas coroas, cujas conquistas se tem 
adiantado com incerteza e duvida por se não haverem averi- 
guado até gora os verdadeiros limites daquelles domínios, ou 
a paragem donde se ha de imaginar a linha divisória, que havia 
de ser o principio inalterável da demarcação de cada coroa, » 
Depois do tratado de Tordesillas as expedições, tanto portu- 
guezas como castelhanas, em transgressão d'este, tiveram lo- 
gar com frequência. O Esmeraldo de Duarte Pacheco, dá-nos 
noticia da que suppomos ser a mais antiga d'essas viagens. 
nobre caracter de Duarte Pacheco, e o facto de ser o seu li- 
vro dirigido a D. Manuel, que ordenara a expedição, não nos 
deixa duvida sobre a verdade do facto, apesar dos auctores 
até hoje, que saibamos, a elle se não referirem. Eis o trecho 
do Esmeraldo, a que nos referimos: «bem abenturadò Prín- 
cipe (falia a el-rei D. Manuel), temos sabido e visto como no 
terceiro anno de vosso reynado do hano de nosso Senhor de 
mil e quatro centos e noventa e oito, donde nos vossa alteza 
mandou descobrir ha parte oucidental passando alem ha gran- 
deza do mar ociano honde ha hachada e navegada huma tam 
grande terra firme com muitas e grandes ilhas ajacentes a 
ella, que se estende a setenta graaos de ladeza da linha equi- 
nocial contra o polo artico, e posto que seja asaz fora (fria?) 
he grandemente pouorada, e do mesmo circulo equinocial torna 
outra vez e vay alem de vinte e oito graaos e meo de ladeza 
contra ho pollo antartico e tanto se dilata sua grandeza e corre 
com muita longura que de huma parte nem da outra nom foi 



90 



delles será 5 {, que he a quantidade que agulha 
neste lugar Dordestea. 



visto nem sabido ho fim e cabo delia, pello qual segundo ha 
bordem que leua he certo que vay em circoyto per toda a re- 
dondeza, assim que temos sabido que das prayas e costa do 
mar destes reynos de Portugal e do promontório de finis terra 
e de qualquer outro lugar da Europa e d' Africa e d'Asia, atra- 
vcsando alem todo o oceano direitamente ha oucidente ou ha 
loest segundo hordem de marinharia por trinta e seis graaos 
de longura que serom seis centas e quarenta e oito léguas de 
caminho, contando ha dezouto léguas por graao e ha lugaares 
algum tanto mais longe ho hachada esta terra nom naucgada 
pellos nauios de Vossa Alteza e por vosso mandado e licença 
os dos vossos vassalos e natura es, i findo por esta costa sobre- 
dita do mesmo circulo equinosial em diante per vinte e oyto 
graaos de ladeza contra o pollo antratico he hachado nella 
muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os nauios 
nestes reynos vem grandemente carregados.» (Duarte Pacheco, 
Esmeraldo, liv, i, cap. x, fl. 6. Mss. da B. N.) Com risco 
mesmo de alongar demasiadamente esta nota, parece-nos con- 
veniente publicar na intrega o curioso trecho do Esmeraldo, 
que prova ter tido logar em 1498 a primeira expedição dos 
portuguezes á America, e haver-se annos depois estabelecido 
um commercio irregular para as regiões do Brasil. Em 1500 
partiu Pedro Alvares Cabral para a índia, indo primeiro ás 
ilhas Canárias, e navegando depois a loeste até ver terra da 
America e ancorar em Porto Seguro (Dam. de Góes, Chr. de 
D. Manuel, part. i, cap. 55); e logo no anno seguinte mandava 
D. Manuel um mensageiro a Sevilha para solicitar Américo 
Vespucio a acompanhar a expedição portugueza que ia a des- 
cobrir as terras do Brasil (Navarreto, Col. de los Vinj. tom. in, 
pag. 264). Ao passo que se emprehendiam estas viagens, par- 

7. 



100 



Este dia torney a experimentar a altura do sol a 
toda a ora do dia, e tomando as duas alturas de 



tia de Lisboa do come ço do verão de 1500, João Yaz Corte Real 
a cdescubrir terras pêra ban da do norte, porque pêra do Sul 
tinham já outros descuberto muitas» e descobriu «huma terra 
que por ser muito fresca e de grandes arvoredos, como o sam 
todas as que jazem pêra quella banda, lhe pos nome terra 
verde.* (Dam. de Góes, Chr. de D. Manuel, part. i, cap. 76). 
O respeito pela bulia de Alexandre vi e pelo tratado de Tor- 
desillas não era maior em Castella do que em Portugal. PTuma 
exposição mandada pelo rei de Castella ao de Portugal em 
1513, queixa-se aquelle das infracções praticadas pelos por- 
tuguezes contra a demarcação, e de que, sob color de ir ao 
Brasil, alguns navios saidos de Portugal, iam á então chamada 
Castella do Ouro, fórà da demarcação portuguezae ao mesmo 
tempo, diz a referida exposição, que alguns súbditos do rei 
de Castella haviam sido justiçados por mandado de D. João u, 
em consequência de haverem tocado no que ao dito rei per- 
tencia, e egualmente se mandou fazer justiça em Portugal de 
Diogo de Lepe eseus companheiros de que muitos morreram 
no cárcere. (Hss. do Arch. Nac. Corp. Chron., part. m, Maç. 
5, doe. 24). A 10 d 'agosto de 1519 partiu Fernão de Maga- 
lhães para a sua ousada viagem em busca da passagem para 
o paiz das especiarias pelo sul, encontrando o estreito que já 
vira traçado n'uma carta que possuia D. Manuel: e ainda que 
este facto tem sido contestado, o que é certo é que elle é af- 
firmado por A. PigafFela que acompanhou Magalhães na sua 
viagem, atlribuindo a carta aBehaim, que elle chama como 
os portuguezes Marlim de Bohemia (Pigaffeta, Primo viag. 
etc., pag. 36, ed. de Milão, 1530), assim como é certo tam- 
bém que o estreito a que se deu o nome de Magalhães, está 
traçado no Globo de Schoener de Nuremberg, datado de 1520. 



101 



polia merihãa com a variação da sombra do estilo, 
que foy hum grão, passandome á poma, obrando pella 



(Murr. Hist. de M. Behaim, pag. 47.— Ghillany, ob. c, copia 
do 61. de Schoener). O compatriota de Behaim não podia co- 
nhecer os resultados da viagem de Magalhães, que só em 28 
de novembro de 1520 passou o estreito (Pig. ob. c, liv. n, 
pag. 43). Em 6 de setembro de 1522 entrou cm S. Lucar a 
nau Victoria, resto destroçado da expedição de Fernão de Ma- 
galhães, e um anno depois, Pedro Corrêa e o dr. João de Fa- 
ria, expunham em Burgos a Carlos v as queixas de D. João 
m, defendendo o direito de propriedade e a posse dos por tu- 
guezes nas ilhas de Maluco. Em resultado d'esta negociação, 
chegou-se ao accordo de nomear cada um dos soberanos três 
lettrados, três astrólogos, três pilotos e marinheiros, os quaes- 
juntando- se na raia de Portugal e Hespanha, decidiriam «cujo 
é o dito Maluco, e em cuja demarcação cáe e assi sobre a pos- 
sissom dellc.» Pondo de parte o que respeita á disputa en- 
tre os lettrados, que não chegaram a accordo algum, dare- 
mos apenas ligeira noticia acerca da questão que immediata- 
mente interessa a demarcação. Tratava-se de determinar por 
onde devia ser lançado o meridiano posto como limite en- 
tre os denominados direitos de Portugal e,de Hespanha: era 
uma questão grave que os cosmographos não sabiam resolver, 
e em que ás difliculdades da seiencia se juntavam as que cada 
uma das partes levantava voluntariamente, a fim de alargar 
o limite dos seus descobrimentos e conquistas, e ficar senhor 
das ilhas das especiarias. Todos os documentos d'aquelle tempo 
provam quanto era vago e incompleto o conhecimento da terra. 
Muitos homens mais ou menos notáveis se oceupavam em de- 
senhar cartas, c cm traçar espheras terrestres ou pomas; os 
viajantes tratavam de acrescentar ou corrigir as cartas de ma- 
rear existentes com o frueto dos seus descobrimentos : a exa- 



1C2 



maneira acostumada, achey que estauamòs em 12 
grãos e |: esta altura mandey em hum escrito cer- 
rado ao Piloto, e sendo oras de meo dia, tomamos 



c ti dão porém, estava longe de se poder alcançar, e muitas ve- 
zes interesses políticos faziam alterar a verdade. Em 1518 o 
licenciado Âlonso de Cuaco escrevia de Santo Domingo ao im- 
perador, fallando da demarcação, feita «por certas linhas ima- 
ginarias que se não tiraram, por que ainda que enviaram cer- 
tos pilotos para fazer uma demarcação, e assentar estas linhas 
e pontos donde haviam de estar, como esta seja divisão de lon- 
gitudes em que os pilotos não sabem coisa alguma nen intendem 
não poderam nem souberam fazer coisa certa, e aoi voltaram 
sem fazer nada* . (Coll. de Docum. d*arch. d^ índias, vol. i, pag. 
296). Sobre o negocio da demarcação mandou o duque de 
Bragança, que muito se occupava de cosmographia, seus apon- 
tamentos a D. João iii. N'esses apontamentos affirma o duque 
que se não pode a demarcação fazer pelas cartas, porque es- 
tas t tem falcidades por mil maneiras; a huma he falcidade, 
que nellas se nom pode emendar por ninhua maneira, nem 
ainda polia que Symon Fernandez diz que achou, a meu ver, 
por a differença que ha hi de plano a espcrico, donde nom so- 
mente ha hi falcidade nos circullos menores, mas desta falei- 
dade dos circullos menores resulta gram falsidade no circullo 
mayor, como se mostra por experiência na Poma, pello papel 
da Costa, que o duque fez dês do Estreito até o Cabo de Guarda 
fui, donde resulta emfim da falsidade no circullo mayorasen- 
tada a Costa na Poma.» A estas falsidades acrescem muitas 
outras, de modo cque cilas mesmas antre si são diformes as 
mais delias» e não pode ser menos «que o que se faz por es- 
timativa de muitos, cada um julga segundo a sua, assenta, e 
emenda, e correge como lhe apraz»: e mais adiante diz «e 
como nisto da longura nom se possa dar nenhua regra certa 



103 



todos o sol, e eu me achey em 12 grãos [ e o Pi- 
loto em 12 grãos \, o mestre em 13 grãos, o cala- 
fate em 12 grãos e |. 



por estimativa, deixão-no estar assy, como está até que as cou- 
zas se determinem por arie do Ceo, e dos Eclipsis e conjucção, 
que nom se podem negar.» cPolas Pomas não se pode fazer 
demarcação, porque as Pomas são feitas a beneplácito, accres- 
centa o duque, e nom por esperiencia e saem de fonte turba.» 
Quanto ao modo de medir, e determinar a linha de demarca- 
ção, opina o duque o seguinte: «Quando se houvesse de me- 
dir o mundo, e polas léguas, o qual está provado ser falço, 
avia-se de medir todo ao redor, e nom por huua só parte, a 
saber, navegando-se pola nossa navegação certos navios, e pola 
navegação, que o Emperador agora achou do seu Estreito, por 
honde foy Magalhães, outros certos navios: então ajuntando-se 
huus com outros lá no cabo, estimarião o que cada hufi tivesse 
andado, e assy se poderia partir, postoque, como acima dito 
he, a estimação he cousa tão enganosa, e se deve de insistir 
nás cousas de demonstração, que não tem contradição.» 

Em quanto ao traçado completo do meridiano da partilha, 
por um e outro hemispherio, concluem os apontamentos do 
duque, assim: «E ainda se nom pode fazer a demarcação ver- 
dadeiramente indo ao Levante, sem primeiro se fazer a de- 
marcação do Ponente, que nas Capitulações faz menção, e feita 
aly polas esperiencias, com que se deve fazer, daly resulta a 
se fazer a do Levante, porque mal se poderá fazer a do Le- 
vante sem seer verificado o ponto da do Ponente, segundo se 
ha de partir pola metade.» (Mss. do Arch. Nac. Apontamentos, 
etc. Gav. 18, maç. 5, num. 3). Em resultado d'estas e dou- 
tras prévias consultas, D. João m, no regimento que em 24 
de março de 1524 deu aos seus delegados na raia, diz: «Os 
astrólogos e marinheiros, que enviamos para o caso da pro- 



101 



NOTAÇÃO FAMOSA. 

Porque yá pôde ser eifi alguas pessoas que se 
quiserem aiudar deste eslromento, pêra por elle vi- 
rem em conhecimento do nordestear das agulhas, 



priedade e juizo dela, e da demarcação pelo que está capitu- 
lado pelas primeiras capitulações, e pela verdade, segundo 
suas sciencias e consciências estan assentados que por nenhum 
modo se pode fazer a demarcação, salvo tomados lá e cá os 
eclipses da lua, e posto que hajam de praticar no modo, asi 
pellas cartas de marear, como pelas pomas, esta é a verda- 
deira e final determinação em queam d'assentar, e asi parece 
que de necessário se ham de assentar os de lá, se com malicia 
outra cousa nom fizerem.» (Mss. do Arch. Nac, Lembranças 
sobre o que praticariam, etc. Gav. 18, maç. ti, num. 7). Nas 
conferencias em Badajoz e Elvas levantaram-se grandes dissi- 
dências. As cartas por uns e outros apresentadas continham 
grandes divergências na longitude e latitude das terras. As 
ilhas de Cabo Verde, logar d'onde devia partir a medição das 
370 léguas até á linha de demarcação, não estavam assentes 
na carta que primeiro apresentaram os castelhanos, e acerca 
da ilha que havia de ser tomada como ponto de partida da 
medição, mostrou-se o mais completo desaccordo. Os delega- 
dos de cada paiz queriam, em conformidade com as suas opi- 
niões geographicas, lançar a linha divisória de modo que as 
Malucas ficassem comprehendidas no hemispherio que per- 
tencesse ao seu soberano. Á vista d'isto os delegados de Por- 
tugal declararam: t Cartas de marear nom serem estrumento 
pêra se por ellas setuarem as terras, porque cada uma parle 
que as manda fazer as ordena a seu prazer, e asy fezeram vos- 



405 



se embarasem, achando em huns lugares o arco 
dante o meo dia maior que o de depois de meo dia, 
em outros como de depois de meo dia he maior que 



sas mercês (os delegados de Castella) que ontem trouxeram 
peila manhãa huma carta sem teer as ylbas do cabo verde e a 
tarde a trouxeram com as ditas ylhas mais ocidentaes de que 
hara de estar.» Com eíTeito na carta dos delegados a ilha de 
Santantam «demorava com o dito cabo (Cabo de Santo Agos- 
tinho) norte sul menos um graao que esta mais oriental a dita 
ylha, e dista o cabo verde do cabo de S. Agostinho vinte cinco 
graaos por rota direita.» Nâo havia mais concordância nas Po- 
mas que de um e outro lado se apresentaram, nem a situação 
das terras, tanto em longitude como em latitude era menos 
cheia de erros. Os deputados portuguezes, em consequência 
d'isto, requereram que buscassem uns e outros processo mais 
seguro e verdadeiro para fazer a demarcação, propondo os 
portuguezes quatro maneiras de fazer a medição. cA primeira 
em terra per distancias de lua, com alguma estrella fixa co- 
nhecida; c a segunda per tomar per distancias de sol e de lua 
em seus certos ocasos, e esta mesma em terra, que tever seu 
orizonte -sobre a agua; e a terceira per algum grado sem ai- 
guum signal do ceo pêra mar e terra. Item: a quarta pêra 
Eclipsis lunares.» Os delegados do imperador não acceitaram 
estas propostas nem a prorogação do praso para a resolução 
da pendência porque, diziam elles, seria «buscar maneiras de 
gastar tempo em balde.» E a conferencia na raia dissolveu-se 
sem nada resolver. (Mss. do Arch. Nac. Gav. 18, diversos ma- 
ços). Repetiram-se as expedições de Portugal e Castella para 
as terras que, segundo a demarcação, pertenciam á outra po- 
tencia, e d 'ali nasceram condidos e queixas, que levaram D. 
João ni a comprar ao imperador o direito que este dizia ter so- 
bre Maluco, por 350:000 ducados de oiro, lançando-se uma 



106 

o dante meo dia, fazendo agulha ho mesmo defecto 
de nordestear 1 , no que ha primeira face parece con- 
tradição, me pareceo necessário dizer aquy a ma- 
neira e causa por onde isto assy acontecerá a todos 
aquelles a que o estilo perpendicular lançar duas 
sombras em contrairo; portanto, quando quer que 
agulha nos nordestear, e as sombras do estillo cahi- 
rem pêra a parte do norte, de necessidade ha de ser 
o arqo de pella menhãa maior que o arco da tarde ; 
e isto acontecerá, tomando duas alturas em hum 
mesmo dia onde o sol estee duas vezes, quero dizer 
por exemplo, que tomando pella menhãa o sol em 
30 grãos, á tarde o hey de tomar quando tornar a 
estar na mesma altura dos 30 grãos: em cada hua 



linha do norte ao sul, distante de Maluco 17° equinociaes, ou 
297 y 2 léguas, dando 17 1 / 2 léguas ao, grau equinocial; pas- 
sando a linha pelas ilhas das Velas e S. Thomé, que os portu- 
guczes diziam haver descoberto havia pouco n'aquelles mares, 
a nordeste quarta de leste das Mulucas. A raia para a demar- 
cação não foi traçada, nem medida a distancia das 370 léguas 
a oeste das ilhas de Cabo Verde, porque, como D. João m di- 
zia ao seu embaixador António de Azevedo, tratando da nego- 
ciação para a compra de Maluco cainda que houvesse concerto 
no numero dos gráos, sempre averia duvida onde caya a dita 
numeração de graaos, por ser a medida de Leste a Oeste, como 
acima se cqntem, que foi a dificuldade de Maluco.* (Mss. do 
Arch. Nac. Carta de D. João m a António d' Azevedo em 15 de 
sept. de 1528. Gav. 18). 
1 A maneira de nordestear as agulhas. Nota do auctor. 



107 

destas alturas notarey onde a sombra do estilo corta 
o circulo agraduado, contando do tal ponto os grãos 
do circulo que iaz antre elle e a linha de norte a sul ; 
porque nordestear agulha não he outra cousa saluo 
cruzarsse a linha de norte sul dagulha com o verda- 
deiro merediano que passa por nossas cabeças so- 
bre o centro do orizonte, ou nosso zenith; e daquy 
vem fazerem as agulhas e relógios em huns lugares 
o meo dia mães tarde do que he, e em outros ante- 
ciparensse, e mostraremno mães cedo, segundo nos 
cahirem as sombras do estilo; pêra declaração do 
qual acontecimento porei aqui dous exemplos. 

Porsopondo que me nordestea a agulha em parte 
que o estilo lança as sombras pêra a parte do nor- 
te, então de necessidade o arco de pella menhãa vi- 
rá maior que o arco da tarde; e quando quer que 
as agulhas e relógios fizerem ou mostrarem o meo 
dia, sem duuida será yá passado, o que prouo assy: 
pois que a linha de norte sul da agulha se cruza 
com o verdadeiro merediano, como yá está soposto, 
será forçado hir hua das pontas da tal linha, que he 
o norte, desviada do vero merediano pêra a banda 
do nordeste, e a outra sua contrairá, que he o sul, 
fugirá outro tanto espaço do mesmo merediano pêra 
a parte do sudueste: logo, correndo o sol pellos ru- 
mos que estão da banda do sul, e chegando ao ver- 
dadeiro lugar do meo dia, como quer que o sul da 
agulha este arredada do tal lugar pêra o sudueste, 



108 

ficará o sol ao tal tempo ou á quarta do sueste,, ou 
á mea partida do susueste, segundo a agulha nor- 
destear pouco ou muito ; e assi mesmo passando o 
sol do verdadeiro morediano, e caminhando pellos 
rumos da agulha atee chegar ao lugar do seu sul, 
cuidando nós que então he o ponto do meo dia, auerá 
yá muito espaço que seia passado, e o sol ao tal 
tempo estará verdadeiramente á quarta do sudueste 
que está a par do sul, ou á mea partida do susu- 
dueste; e com este exemplo ficará claro auernos de 
acontecer ambas as cousas que acima digo, quando 
quer que nos nordestear a agulha, e o estillo lan- 
çar as sombras ao meo dia pêra a parte do norte, a 
saber, que o arco que faz o sol da ponta do orizonte 
onde nace atee o meo dia, ser mayor que o outro 
que se conthém da linha do meo dia atee o lugar do 
orizonte onde se põem, e assi mesmo como o meo 
dia que faz o relógio e mostrão as agulhas, he de- 
pois de ser yá passado. 

E porém, quando quer que a agulha nordestear, 
e o estilo lançar as sombras ao meo dia pêra o sul, 
acontecerão estas duas cousas ao contrairo, porque 
será o arco dante meo dia mães pequeno, e o de de- 
pois de meo dia, mayor; a rezão he esta: Pois o sol 
anda pellos rumos que estão da banda do norte, e 
o norte dagulha se furta ou desvia do verdadeiro 
merediano pêra a banda do nordeste, pois se sopoem 
que nordestea, claro está que o sol não poderá hir 



109 

ter ao verdadeiro merediano onde he o lugar do meo 
dia, sem primeiro estar no norte e frol de lis dagu- 
lha, onde pella denominação do rumo e amostra do 
relógio cuidamos ser meo dia ; e a verdade he que 
ao tal tempo estará o sol á quarta de nordeste que 
está a par do norte, ou á mea partida do nornor- 
deste; mas caminhando o sol deste ponto pêra 
diante e chegando ao verdadeiro merediano, ficará 
em nossa agulha demorando á quarta do noroeste 
que está a par do norte, ou á mea partida do nor- 
noroeste ; e assi fica prouado que, nordesteando agu- 
lha em lugar que o estilo lança as sombras ao meo 
dia pêra a parte do sul, acontece que o arco que faz 
o sol, tomado do ponto de seu nascimento atee o lu- 
gar do meo dia que mostrão nossas agulhas, he mães 
pequeno que o outro, contando do meo dia atee o 
ponto do orizonte onde se põem, e assi mesmo como 
as agulhas fazem em tal caso o meo dia muito pri- 
meiro que o seja. 

Mas teremos tal aviso que, lançando o estilo as 
sombras como as sombras como acima digo, se vir- 
mos que os arqos ficão desigoaes ao contrairo do 
que tenho dilto, saberemos então que nos norestea 
agulha 1 , quero dizer, que quando quer que as som- 
bras do estilo ao meo dia cahirem pêra o sul, e 



1 O q acontecerá quãdo agulha norestear. Nota do auctor. 



440 

acontecer que o arco dante o meo dia he maior que 
o de depois de meo dia, terey por certo que agulha 
norestea; mas quando as sombras do estilo forem 
lançadas pêra a parte do norte, e acontecer que o 
arco da menhãa ou dante o meo dia, que he ho 
mesmo, fôr maior que ho da tarde ou de depois de 
meo dia, saberei que a agulha norestea: a causa disto 
ser assy, he cruzarse neste caso ha linha de norte 
sul da nossa agulha com o merediano fixo, ao con- 
trairo do que se cruzaua quando agulha nordesteaua; 
porque no lugar onde agulha norestea, a ponta do 
seu norte e frol de lis se achega pêra a banda do 
noroeste, desviandose do verdadeiro merediano, c a 
outra ponta contraria, que he o sul, vay fogindo 
da mesma maneira outra tanta quantidade pêra a 
parte do sueste: logo, lançando o estilo as sombras 
pêra ho sul, ficará claro andar o sol nos rumos que 
estão da banda do norte ; então de necessidade será 
o arco dante meo dia maior que o de depois de meo 
dia, porque quando o sol chega á linha de norte sul, 
terá passado pello lugar do verdadeiro merediano, 
e segundo a quantidade fôr da variação ou noroes- 
tear da agulha, assi fará o seu meo dia; porque se 
norestear hua quarta, será o tal meo dia á quarta do 
noroeste que está a par do norte; se duas, á mea 
partida do nornoroeste; e assi mesmo acontecerá 
que, quando as sombras do estilo cahirem pêra a 
parte do norte, andará o sol nos rumos que estão 



4U 

da banda do sul, e caminhando por elles ante de 
meo dia, primeiro chegará ao sul de nossa agulha 
que ao verdadeiro lugar do merediano ; porque, como 
acima tenho ditto, o sul da tal agulha está desuiado 
do merediano fixo pêra o sueste : logo será necessá- 
rio que o arco dante meo dia seja menor, e o depois 
de meo dia maior, e que agulha norestee, que he o 
nosso intento. 



NOTAÇiO SOBRE O TOMAR A ALTURA A TODA A ORA. 

Das operações que fiz oie pêra alcançar a varia- 
ção das agulhas, se pôde tirar muito proueito pêra 
o tomar do sol a toda a ora, especialmente quando 
quer que andar perto do nosso zenith, porque então 
a sombra do estilo escasamente faz variação notauel 
pela circunferência do circulo graduado, como nas 
operações doje de pella menhãa veremos, que an- 
dando o sol pello estrolabio 18 grãos {, a sombra do 
estilo não variou pello circulo hum grão acabado, e 
ha mister que esperemos tanto tempo pêra a som- 
bra do estilo nos dar variação notauel, e capaz de 
com ella obrarmos na poma, que nos cheguemos mui 
perto do meo dia, onde então o estrolabio escusa a 
poma; isto acontece ao contrairo, quando quer que 
nos achamos afastados do pararelo onde anda o sol, 
porque então, andando o sol pelo estarlabeo poucos 



112 

grãos, â sombra do estilo varia muitos do circolo 
graduado. 

Á noite de terça feira todo o quarto da prima foi 
o vento norte bonança; gouernamos ao sul; mas o 
quarto da madorra e alua acalmou o vento, de sorte 
que a nao não gouemaua. 

CAMINHO. 

Quarta feira 24 dabril todo o dia foi o vento 
norte bonança; gouernamos ao sul, e ginauão pêra a 
quarta do sueste: o meu piloto se fazia 90 legoas da 
terra *. 

De noite toda foi o vento nornordeste muito bo- 
nança ; o quarto da prima e madora gouernamos ao 
sul, e o quarto dalua ao sul e quarta do sueste: esta 
noite no quarto da prima vimos muitas malhas bran- 
quas pello mar, que parecião de leite, e tomauão 
grande espaço, o que punha muito espanto a todos 



1 Podemos aproximadamente marcar o ponto em que se 
achava a nau n'este dia. No dia anterior a latitude era 13° ou 
pouco menos; no dia 25 de abril lat. 10° 10'; assim a nau es- 
taria na latitude aproximada de 11° 30' no dia 24 de abril, 
quando o piloto calculava estar a 90 léguas da terra. Sendo o 
grau de 17 léguas e meia, podemos sem grande erro calcular 
que estava a 5 o da costa, o que n'esta latitude corresponde á 
long. de 21° de Greenwich. Assim a posição do navio seria 
lat. 11° 3W, long. 21° do meridiano de Gree. 



143 



aquelles que não tinhão experiência do que era ; en- 
tão lhes disse o Piloto, que era manga de pexe que 
auia pouco desouara 1 . 



1 Em 22 estava a nau de D. João de Castro entre o Cabo 
Verde e as ilhas; em 23 estava a 13° de latitude proximamen- 
te; e na occasião em que foi observado o phenomeno a que 
o auctor se refere devia a nau estar em 11°, 11° e meio de la- 
titude, e, segundo a indicação do piloto, aproximada a 20° de 
longitude do meridiano de Greenwich. Pelas mesmas latitude 
e longitude observaram um phenomeno de phosphorescencia 
inteiramente análogo os distinctos naturalistas, que real i saram 
de 4872 a 1876, uma importante viagem de exploração a bordo 
da corveta ingleza cChallenger.» A 9 de agosto saiu o cChal- 
lenger» de S Thiago de Cabo Verde no rumo de sudoeste, e 
a 14, como observa lord George Campbell no seu livro inti- 
tulado Log Letters, o' mar se mostrava phosphorescente em grau 
extremo. A phosphorescencia do mar já nos dias anteriores 
era muito considerável, mas apresentava differente caracter, 
como nota sir C. Wyville Thomson no seu livro Tk$ Atlantic. 
Desde o momento em que o «Ghallenger» entrou na corrente, 
conta sir C. W. Thomson, logo depois de sair das ilhas de 
Cabo Verde o mar mostrou-se brilhantemente phosphorescen- 
te. Não havia luar, e ainda que a noite estava clara e as es- 
treitas scintilavam com esplendor, a claridade do ceo era ecli- 
psada pela claridade do mar. Onde a superBciedo mar estava 
tranquilla conservava-se esta negra como breu, mas onde se 
fazia a minima ruga ahi se traçava uma crista de luz branca. 
Junto do navio predominavam os espaços negros, mas a dis- 
tancia e por todo o horizonte os traços luminosos pareciam 
unir-se uns aos outros e formar um continuado mar de luz. 
A esteira do navio era uma estrada de intenso brilho, e era fá- 
cil ler ainda os mais pequenos caracteres de imprensa á luz 

8 



114 



CAMINHO. 

Quinta feira 25 dabril todo o dia foi o vento nor- 
te; gouernamos ao sul: ao meo dia tomei o sol, e na 
maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 84 grãos ; 



que vinha do mar. Mais ao sul o caracter da phosphoresceo- 
cia mudou : a luz emittida pela agua, ainda que mais viva do 
que d'antes, tornou-se mais diffusa, de modo que a agua posia 
n'um vaso, lançava de si a doce claridade de um globo de vi- 
dro fosco illuminado interiormente por uma chamma branca. 
A descri pção de lord G. Campbell no seu texto original ó a se- 
guinte: «On the night of the 14 th the sea was most glorious 
ly phosphorescent, to a degree unequalled in our experiences. 
A fresh breeza was blowing, and every wave and wavelet as 
far as one could see from the ship on ali sides to the distam 
horizon flashed brightly as they broke, while above the hori- 
zon hung a faint but visible white light. Astern of the ship, 
deep down the keel cut the water, glowed a broad band of 
blue, emerald green light, from which carne streaming up, or 
floated on the surface, myriads of yellow sparks, which glit- 
tered and sparkled against the brilliant cloud-light below, un- 
til both mingled and died out astern far away in our wake. 
Ahead of the ship, where the old bluff bows of the Challen- 
ger went ploughing and churning through the sea, there was 
light enough to read the smallest print with ease. It was as if 
the «milky way» asseen through a telescopc tscattered in mil- 
lions like glittering dusti had dropped down on the ocean, 
and we were sailing through it.* Esta brilhante nuvem lumi- 
nosa abaixo da superfície das aguas achamos que era produ- 
zida, accrescenta lord Campbell, pelas ovas dos peixes sobre 



115 



a declinação deste dia era i 6 grãos, 20 minutos, do 
que se segue estarmos em dez grãos e £ ; esta mesma 



uma manga dos quaes passámos durante dois ou três dias. 
(Lord 6. Campbell. Log. ktters from the Challenger, cap. i, 
pag. 35). Esta era também a opinião do piloto da nau de D. 
João de Castro acerca da causa da ardentía que n 'estas para- 
gens observou. A verdadeira causa do phenomeno acha-se des- 
cri pta no Atlantic do professor Thomson acima citado. Diz 
este naturalista, cujos trabalhos de historia natural a bordo 
do tChallenger» são muito notáveis, que a ardentía das pri- 
meiras noites era devida ao Pyrosoma, espécie de ascidios for- 
mando uma immensa colónia fluctuante, de mistura com nu- 
merosos crustáceos que cmittiam chispas de luz vivíssima na 
agua agitada. Mais para o sul os naturalistas observaram uma 
modificação na phosphorescencia do mar: a luz emittida pela 
agua, ainda que mais viva do que antes, tornou-se mais di- 
fusa, como acima dissemos, e de um branco algum tanto lei- 
toso. Os anima'culos anteriormente observados pouco a pouco 
diminuíram, substituindo-os outras organisações microscópi- 
cas, transparentes, luminosas, e de singelíssima contextura. 
A que mais abundava entre estas era a quo mr. Murray de- 
nominou Pyrocystis nocticula, ecpherica, com o diâmetro de 
um milli metro; externamente coberta por uma pellicula mal 
definida, na apparencia siliciosa; internamente formada por 
um liquido claro e transparente, tendo, com probabilidade 
presas á parede interna, mal definidas massas de côr amarel- 
la-cscura. Outra espécie menos abundante, era a Pyrocystis 
fusiformis: fusi forme, e ás vezes como um cylindro trunca- 
do, e que parece ser uma Diatomaeea. São estes os organis- 
mos a que principalmente é devida a phosphorescencia leitosa 
I* difusa do mar, que foi observada a bordo do f Challengen 
e por D. João de Castro proximamente nas mesmas paragens. 

8« 



»6 

altura tomou o Piloto, mas o mestre tomou mães § 
de grão do sol ao orizonte. 

De noite toda foi o vento norte bonança ; o quarto 
da prima e modorra gouernamos ao sul, e o dalua 
à mea partida do susueste. 

CAMINHO. 

Sexta feira 26 dabril todo o dia foi o vento norte 
calmão, quanto a nao gouernaua; fizemos o caminho 
do susueste: a meo dia tomei o sol, e na maior al- 
tura se aleuantaua sobre o orisonte 82 grãos £; a 
declinação deste dia era 16 grãos 27 minutos, do 
que se segue estarmos em 9 grãos : * o Piloto se achou 
em 8 |, e o mestre em 8 |. 



1 N'este dia entrou a nau na zona das calmarias, que fica 
ao norte do equador do mesmo lado onde passa a isotherma 
máxima. Esta zona muda de posição com as estações, subindo 
ou baixando em latitude. O grande motor dos mares e da 
atmosphera é o calor: d*elle e do movimento de rotação da 
terra provêem os phenomenos meteorológicos mais importan- 
tes que nas diversas regiões do globo conhece e estuda a geo- 
graphia physica. Os ventos podem considerar-se como corren- 
tes de ar, ou aspiradas pelos logares aquecidos pelos raios do 
sol, ou impellidas para esses logares em resultado da sua maior 
densidade, consequência de uma temperatura relativamente 
pouco elevada : mas em todo o caso o facto é o mesmo, e a sua 
causa é o calor. O aquecimento da atmosphera faz-se pelo con- 
tacto com uma superficie aquecida pelos raios do sol; conse- 



117 



De noite toda foi o vento norte calmão, quanto a 
nao gouernava; fizemos o caminho do susueste. 



guintemente a aspiração de ar frio, pelos espaços mais ou me- 
nos extensos occu pados por ar quente, tem logar nas regiões 
inferiores da atmosphera. Os «ventos geraes inferiores» , e as 
«monções» manifestam-se nas camadas menos elevadas do ar. 
A parle mais quente da terra é aquella em que os raios do sol 
por mais tempo dardejam vertical ou quasi verticalmente; e 
esta é sem duvida a zona equatorial. Mostra porém a observa- 
ção que a isotherma de temperatura mais elevada, que é apro- 
ximadamente o centro do que alguns chamam equador ther- 
inal, não coincide com a linha equinocial, mas fica ao norte 
d'esta linha, em consequência principalmente da menor tem- 
peratura e maior extensão das aguas no hemispherio antár- 
ctico do que no hemispherio árctico. ar aquecido na zona 
equatorial torna-se menos denso, e eleva-se em corrente ascen- 
dente ; e o logar deixado pelo ar que sobe é oceupado pelo 
que vem dos dois hemispherios e formam as duas correntes 
dos ventos geraes, de nordeste ao norte, do sudueste ao sul 
da zona das calmas. O elevado calor que produz a corrente 
de ar ascendente produz também uma grande evaporação: o 
ar saturado eleva-se, dilata-se c esfria; o vapor condensa-se 
em nuvens carregadas de electricidade, porque uma parte do 
calor n'ella se transforma. Os ventos geraes antes de chega- 
rem a esta zona das calmas, para encher o vasio deixado pelo 
ar que ascende em virtude do aquecimento, atravessam os ma- 
res e vêem carregados de humidade que se junta á evapora- 
ção própria das regiões equatoriaes; o que ainda augmenla a 
quantidade de humidade e os seus consequentes phenomenos. 
O ar aquecido e saturado de humidade deixa uma parte d 'esta 
na altura em que se condensam as nuvens; mas continua a 
subir, até se derramar para o norte e para o sul por cima dos 



118 



CAMINHO. 

Sabbado 27 dabril 1 todo o dia foi o vento como 
nordeste ; gouernamos ao susueste ; o vento era muito 
bonança: não tomey o sol, por andar encuberto. 

De noite foi o vento de todo calma, que a nao não 
gouernaua; toda a noite afusilou muito, que ouuimos 
muitos trouões que passauão longe de nós. 

Domingo 28 dabril todo o dia foi o vento calma, 
que a naao não gouernaua: não se tomou o sol, por 
não aparecer. 

De noite toda foi o vento calma, que a naao não 
gouernaua. 



ventos geraes, para descer, em latitude mais ou menos eleva- 
da, ao nivel da terra e produzir as chuvas, que, podemos cha- 
mar regulares, por corresponderem melhoras estações do que 
as chuvas devidas a causas mais ou menos accidentaes em es- 
paços limitados. Na zona das calmarias, a obscuridade da atino- 
sphera carregada de espessas nuvens, o calor de abafar, a ap- 
parente estagnação do mar, as trovoadas quotidianas, o tor- 
por da natureza, as chuvas torrenciaes, e por vezes os terrí- 
veis tomados, fazem penosa a navegação. Estas rápidas indi- 
cações farão comprehender os factos que no seu roteiro expõe 
D. João de Castro desde este dia até ao dia 10 de maio. 

1 Tornando a segunda vez á índia, me achei a este tempo, 
a saber, a 27 dabril, em altura de 5 grãos pêra a banda do 
norte; e ahi me derão os ventos geraes, a saber, suestes, com 
os quaes virámos na volta do sudueste. Nota do auctor. 



119 



CAMINHO. 

Segunda feira 29 dabril atee oras de vesporas foi 
o vento nordeste bonança, quanto a naao gouerna- 
ua; mas logo nos deu hua trouoada do sueste, e 
corremos com ella ao sudueste e quarta do sul atee 
noite. 

De noite todo o quarto da prima foi o vento sues- 
te ; gouernamos ao sudueste e quarta do sul ; mas o 
quarto da madora e alua acalmou o vento de todo, 
que a naao não gouernaua. 

Terça feira 30 dabril todo o dia foi vento calma, 
que a naao não gouernaua; derãonos muitas tre- 
uoadas de chuua, sem trazerem nenhum vento. 

De noite toda foi o vento calma, que a naao não 
gouernaua; derannos muitas trauoadas de chuyua. 

CAMINHO. 

Quarta feira primeiro dia de mayo atee o meo 
dia foi o vento calma, mas passado o meo dia co- 
meçou a ventar vento nordeste bonança, quanto a 
naao gouernaua; gouernamos ao susueste atee anoi- 
tecer. 

De noite toda foi o vento como nordeste bonança, 
quanto a naao gouernaua; fizemos o caminho ao su- 
sueste. 



120 

Quinta feira dons dias de mayo atee o meo dia 
foi o vento como nordeste bonança, quanto a naao 
gouernaua; fizemos o caminho ao susueste; mas 
passado o meo dia saltou o vento ao susudueste, e 
ventou muito rijo ; gouernamos ao sueste quarta de 
leste atee anoitecer: este dia se não tomou o sol, por 
não aparecer, 

De noite todo o quarto da prima foi o vento su- 
sudueste; gouernamos ao sueste quarta de leste; 
mas o quarto da madora e alua alargou mães o ven- 
to, e fez sse todo sudueste ; gouernamos ao sueste e 
quarta do sul atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Sesta feira três dias de mayo menhãa clara escar- 
ceou o venlo; gouernamos em lessueste, c não tar- 
dou muito que logo nos deu li fia trauoada rija, que 
vinha da banda de leste; gouernamos ao sul, e ao 
sul e quarta do sueste, todo o tempo que durou, que 
seria obra de duas oras e mea, e ficou o vento de 
todo calma; mas a oras de completas nos deu outra 
trauoada mui mães rija da banda daloessudueste ; 
gouernamos á mea partida do susueste atee anoi- 
tecer. 

De noite todo o quarto da prima e madora foi o 
vento oessudueste rijo; gouernamos ao susueste; mas 
entrando o quarto dalua, nos deu hua trouoada su- 



pitamente muito maior que as duas passadas, e se- 
ria o vento como oesnoroeste, de sorte que com 
grão trabalho e muita reuolta e embaraço pudemos 
tomar a mezena, traquetes e ceuadeira, e com a 
vella grande fomos correndo ao susueste. 

CAMINHO. 

Sabbado 4 de mayo menhâa clara escarceou o 
vento, e fezsse como susudueste atee meo dia; go- 
uernamos ao sueste e quarta de leste; mas de meo 
dia atee noite nos derão quatro trauoadas, todas 
da banda daloessudueste, e trazião muito vento; go- 
uernamos sempre ao sueste e quarta do sul atee 
anoitecer: este dia, por não parecer o sol, se não to- 
mou a altura. 

De noite toda foi o vento sudueste e oessudueste, 
e ventou muito rijo; o quarto da prima e madora 
gouernamos ao sueste e quarta do sul, mas o quarto 
dalua fizemos caminho ao susueste. 

CAMINHO. 

Domingo 5 de mayo atee o meo dia foi o vento 
sudueste bonança; gouernamos ao sueste; passado 
meo dia fez-se o vento de todo calma, que a naao 
não gouernaua: todo este dia não apareceo o sol. 



«2 

De noite todo o quarto da prima foi o vento como 
susudueste escaso e bonança; gouernamos ao sueste 
e quarta de leste ; mas no quarto da madora e alua 
alargou algua cousa, e gouernamos ao sueste e quarta 
do sul, e ás vezes á mea partida do susueste. 

CAMINHO. 

Segunda feira 6 de mayo todo o dia foi ô vento 
calma, e por o sol andar mal visto o não tomey 
nem o piloto, porém o mestre e o calafate o toma- 
rão o milhor que pudérão; hum delles ficou em al- 
tura de 2 grãos |, e o outro em 3 grãos pêra ha 
banda do norte ; e vindo o sol a descobrir a oras de 
completa, fiz as seguintes operações 1 . 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 37 grãos 

ho estilo lançou a sombra 75 grãos £ 

contando do norte pêra a banda de leste. 



1 Altura a toda a óra. Nota do andor. 



I 



123 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 18 grãos 

ho estilo lançou a sombra 78 grãos 

contando do norte pêra a banda de leste. 

Ássi que correndo o sol pello estarlabeo 1 9 grãos, 
a sombra do estilo variou somente pella circunfe- 
rência do circulo graduado 3 grãos l ; e passandome 
á poma com estas duas alturas e variação da som- 
bra, obrando pella maneira acostumada, achey que 
estauamos em altura de 2 grãos g. 

De noite toda foi o vento oessudueste bonança, 
quanto a naao gouernaua; fizemos o caminho á mea 
partida do susueste. 

CAMINHO. 

Terça feira 7 de mayo atee o meo dia foi o vento 
todo calma, mas dahi até oras de vespora começou 
a ventar noroeste galerno e nornoroeste, mas da 
vespora até noite foy o vento todo oeste galerno; 



1 Esta observação mostra que o methodo do dr. Pedro Nu- 
nes para determinar a altura do sol a toda a hora não podia 
ser útil, todas as vezes que as sombras não tinham um movi- 
mento bem visível sobre a lamina graduada do instrumento 
inventado pelo distincto geometra. 



Í24 

gouernamos este meo dia ao sul e quarta do sueste 
e á mea partida do susueste : este dia não se tomou 
a altura, por não parecer o sol. 

De noite todo. o quarto da prima e madora foi o 
vento oeste e oessudueste; gouernamos ao sul e 
quarta de sueste e ao susueste ; mas o quarto dalua 
escarseou o vento, e gouernamos á quarta de leste. 

CAMINHO. 

Quarta feira 8 de mayo todo o dia foi o vento 
calma; a capitaina tirou dous tiros, que denotauão 
querer falia de nós; e porquanto eu eslava longe, e 
vi que se armaua hua treuoada da banda do nor- 
deste, não quis tirar o batel fora; as naaos que es- 
tauão iunlo delia o fízerão: este dia, poste que o sol 
pella menhãa andasse nuuradô, ao meo dia apare- 
ceo, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori- 
zonte 73 grãos {\ a declinação deste dia era 19 
grãos \, do. que se segue estarmos em 3 grãos { pêra 
a parte do norte: o mestre e o doctor tomarão na 
mayor altura do sol ao orizonte 74 grãos 1 , e por 
esta maneira ficarão em 3 grãos 5, ena mesma al- 
tura ficarão outras pessoas que tomauão o sol: este 
acontecimento nos enleou muito, porque o piloto e 



1 Estranho acontecimento. Nota do auetor. 



quantos tomauamos o sol e carteauamos, nos fazía- 
mos hum grão da linha/ considerando como segunda 
feira tomarão o mestre e calafate o sol, e se acharão 
em altura de dous grãos \, e eu pella operação da 
poma achey estauamos em 2 grãos \: ora, sendo isto 
assi, como se pôde crer que caminhando dous dias, 
e fazendo o mayor tempo delles o caminho do sul e 
quarta do sueste, e assi mesmo ao susueste e sueste 
e quarta do sul, e somente nestes dous dias gouer- 
namos hum só quarto da prima ao sueste e quarta 
de leste com vento bonança, quanto a naao gouer- 
naua, que nos não achássemos avante, ou muito 
perto da linha? o que não somente nos soccedeo, 
mas se bem oulharmos, acharemos que tornámos 
atrás, que foi cousa mui notável : a este caso não se 
nos pôde arguir que, quando tomamos o sol, podia 
ser que dicia já 1 ; porque, se assi fora, de necessi- 
dade nos acháramos em maior altura, que faz a 
nosso propósito. Pôde ser que nos argumentem de 
tomar mal o sol; a isto respondo, que por tamanho 
mistério averia ser este sol mal tomado, como de 
tornarmos atrás, tendo vento e proa pêra hir por 
diante, como quer que cinquo pessoas tomássemos 
este dia a altura, e todos nos achássemos mui con- 



1 O que nos podem arguir a este acontecimento. Nota do' 
auctor. 



126 



formes do sol 1 . O que me disto parece, be que deu 
em nós algum rolheiro dagóa*, que nos fez tornar 
atraz, e se isto não foi, fique a detreminaçao disto 
á Polo 3 : este dia, passada a mayor altura, e vendo eu 



1 Não he marauilha sendo o homem humano, não alcançar 
todas as cousas humanas. Nota do auctor. 

2 A corrente equatorial do Atlântico fazia n'esta latitude 
descair o navio para oeste, impedindo-o de seguir no seu ru- 
mo, em consequência da escassez do vento. Esta grande cor- 
rente marítima tira a sua origem do golpho de Guiné, e na 
altura do cabo das Palmas (V o 22* lat. N.) apresenta a largura 
de 300 milhas. Caminhando para oeste chega a corrente equa- 
torial até pequena distancia da costada America, na altura do 
cabo de S. Roque (5 o 20* lat. S.j, onde se divide, seguindo a 
porção mais importante para ONO. e a menor para o S. afas- 
tada da costa do Brasil 250 a 300 milhas, ecom uma largura 
de 6 o a 7 o proximamente (Mr. Gh. Ploix et Mr. Caspa ri. Mé- 
téorologie Naut. Vents et courants, cap. v, pag. 52, ediç. de 
1874.— Mr. Will. Desborough Cooley, Physical Geogr. y etc, 
cap. xx, pag. 303 e 311). A idéa pois de atlribuir este estra- 
nho acontecimento a um rolheiro d* agua honra a perspicácia do 
illustre navegador. Fallando da estação do cChallengen nos 
rochedos de S. Paulo situados quasi sobre a linha, lord 6. 
Campbell diz: cFor lhese rocks lie right in the cequatorial 
current,» which rushes past at the rale of three knols an hour; 
against this and the SE. trade-wrnd our boats could make no 
headway.» (Lord. 6. Campb. Log Letters, rap. i, pag. 37). 

3 Diogo Kõpke nas suas notas ao Primeiro roteiro da costa 
da Índia desde Goa a Dio prova que por Polo se deve ler Apollo. 
Encontrando no manuscriploaque pela primeira vez deu pu- 
blicidade a phrase cA duvida fique a polo», e n 'outros log.i- 
res do mesmo manuscripto a phrase t Solva da polo:» recor- 



127 

a confusão em que todos estauamos, quis ver o sol 
que me dava a poma, e fiz as operações que se se- 
guem. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 05 grãos 

ho estilo lançou a sombra 52 grãos 

contando do norte pêra a banda do leste. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 07 grãos £ 

contando do norte pêra a banda de leste. 

Àssi que, andando o sol 15 grãos pello estarla- 
beo, variou a sombra do estilo pello circulo gra- 
duado 15 grãos ?: isto assi feito, passeime á poma, 
e em presença do doclor, obrando pella maneira 
acostumada, achei estarmos em altura de dous grãos 



dando-se do Sis miht magnus Apollo de Virgílio, e vendo que 
as palavras de D. João de Castro não eram mais do que um 
erro orthographico fácil de corrigir, ficando depois de correio 
cSolvat Apollo:» concluiu Kõpke, com razão, que polo se de- 
via ler Apollo, sendo por esta forma esclarecida a duvida que 
o erro do manuscriplo podia suscitar. (D. Kôpke, Primeiro ro- 
teiro, etc. 9 nota 15, pag. 261). 



m 

g largos, o que nos acabou de certificar que o sol 
estava bem tomado. 

NOTAÇÃO. 



'Não he cousa pêra deixar passar, ver as differen- 
ças da sombra do estilo, porque segunda feira, quando 
fiz as operações, sendo duas oras e mea ante sol 
posto, achei que, correndo o sol pello estarlabeo 19 
grãos, a sombra do estilo variou somente pello cir- 
culo graduado 3 grãos; e oie quarta feira, andando 
o sol 15 grãos pello estralabeo, a sombra do estilo 
variou 15 grãos £; verdade he que esta derradeira 
operação se fez mães perto do meo dia. 

A noite de quarta feira toda foi o vento calmão 
como susudueste; gouernamos ao sueste quarta de 
leste, e escarseando mães, gouernamos em lessues- 
le; mas á madora e alua, alargando o vento, gouer- 
namos ao sueste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quinta feira 9 de mayo até o meo dia foi o vento 
calma de todo, e dahi em diante começou a ventar 
da banda do sul, e gouernamos hum pouco a leste; 



1 Do variar da sobra do estilo. Nota do auctor. 



429 

m 

começou logo o vento alargar, de sorte que até noite 
gouernamos ao sueste quarta do sul: este dia tomou 
o piloto o sol, e achouse em altura de dous grãos \ 9 
o calafate em 2 \, o doctor se achou em 2 grãos; 
eu não tomei o sol. 

De noite todo o quarto da prima foi o vento cal- 
ma; mas entrando a madora, começou a ventar 
como sudueste, e logo gouernamos aò sueste até 
tempo de meo quarto ; saltou o vento ao norte e nor- 
noroeste, gouernamos ao sul e quarta do sueste e á 
mea partida do susueste até amanhecer : esta noite 
abrio a naao hua agoa grande antre ambas as cu- 
bertas de cima a mea naao da banda de bombordo, 
pello que ordeney que de meo dia até meo dia des- 
sem doze vezes á bomba, até a naao se fazer nou- 
tra volta e marear da banda de bombordo, pêra en- 
tão podermos tomar esta agoa, a qual já tínhamos 
sabido por onde vinha. 

* 

CAMINHO. 

Sesta feira 10 de Mayo todo o dia foi o vento 
calma, e não apareceo o sol ; a oras de completas to- 
mamos agoa: este 1 dia quando amanheceo, não vi- 
mos a armada, a qual o dia dantes nos ficou á banda 



Quando desapareçeo armada. Nota do auctor. 

9 



«30 

do sudueste, e por a grosa do dia vimos hua naao 
a iulauento muito longe, e sol posto disse o gageiro 
que via outra naao pella proa. 

De noite meo quarto da prima foi o vento su- 
dueste escaso ; gouernamos ao sueste ; e logo o vento 
saltou ao sueste, e gouernamos ao sudueste e su- 
dueste e quarta do sul, è esta proa leuamos até ama- 
nhecer. 

CAMINHO. 

Sabbado 1 i de mayo todo o dia foi o vento sues- 
te; gouernamos ao sudueste quarta daloeste, e fiz 
as operações que se seguem. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 41 grãos ; 

ho estilo lançou a sombra 32 grãos ; 

contando do norte pêra a banda daloeste. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 59 grãos 

ho estilo lançou a sombra 46 grãos 

contando do norte pêra a banda daloeste. 



134 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 59 grãos 

ho estilo lançou a sombra 58 grãos 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia i i grãos ; ; he a sua 
metade 5 f , que he a quantidade que a agulha nor- 
destea. 

Fiz estas operações, faziasse o Piloto 3 grãos do 
merediano de lisboa pêra a banda daloeste ! ; e to- 
mando as duas alturas de pella menhãa com a va- 
riação da sombra do estilo, obrando na poma pella 
maneira acostumada, achey que estauamos em al- 
tura de \ de grão da parte do norte : vindo oras de 
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 71 grãos; a declinação deste 
dia era 20 grãos, 7 menutos, donde se segue estar- 
mos em altura de 1 grão i pêra a parte do norte: 



1 Seria esta aproximadamente a longitude de 12° Green., o 
que devia ser uma errada estimativa do piloto, em vista do 
que anteriormente observámos, na nota a pag. 112, relativa ao 
dia 24 de abril e na nota a pag. 126 acerca da acção da cor- 
rente equatorial. As duvidas a este respeito eram grandes em 
todos os que carteavam a bordo; como se vé pelo resultado 
da consulta que no dia immediato D. João de Castro fez sobre 
o meridiano, e o ponto em que nesse dia suppunham estar a 
nau. 

9« 



132 

es la mesma altura tomou o doctor e o calafate; o 
piloto se achou em altura de £ grão ; assi que a ope- 
ração da poma ficou no meo de todos: este dia á 
noite disse o gageiro que via hua naao por proa. 

De noite toda foi o vento sueste; gouernamos ao 
sudueste quarta do sul e ás vezes á mea partida do 
susudueste até amanhecer. 

CAMINHO 

Domingo 12 de mayo todo o dia foi o vento 
sueste largo ; gouernamos ao sudueste e quarta do 
sul : a oras de meo dia tomei o sol, e na maior al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 70 grãos; a de- 
clinação deste dia era 20 grãos £, do que se segue 
estarmos em { de grão pêra a parte do norte : o do- 
ctor e o calafate tomarão o mesmo sol, sem discre- 
parem cousa algua ; o Piloto na mayor altura tomou 
do sol ao orizonte 69 grãos, e assi ouue antre nós 
e elle hum grão de diíferença, e assi fiquòu hum 
terço de grão alem da linha. O mestre tomou na 
mayor altura do sol ao orizonte 69 grãos ;, do que 
se segue ficar debaixo da linha; dous marinheiros 
tomarão do sol ao orizonte 69 grãos £, e outro to- 
mou 70 : isto assi feito, porque a noite que vinha tí- 
nhamos hum eclipse da lua, mandei a todas as pes- 
soas que carteauão, que me mostrasem o seu ponto, 
pêra saber em que merediano se fazião, e huns o ti- 



433 

nhão posto hum grão do merediano que passa pello 
cabo de são Vicente pêra a banda daloeste, outros 
5, outros 7, e neste meo andauão todos 1 . 

De noite todo o quarto da prima e madora foi o 
vento como lessueste largo; gouernamos ao susu- 
dueste, e ás vezes chegauamos com a proa ao sul e 
quarta do su d neste; mas no quarto dalua escarseou 
o vento e fezse sueste; gouernamos ao sudueste até 
amanhecer. 

CAMINHO. 

Segunda feira i 3 de mayo todo o dia foi o vento 
lessueste 2 ; gouernamos ao susudueste até anoitecer, 
e em todo o dia nâo apareceo o sol. 

De noite todo o quarto da prima e modora foi o 
vento como sueste; gouernamos ao sudueste e quarta 
do sul; e no fim do quarto da prima nos deu hua 
trouoada Rija do mesmo vento sueste, mas no quarto 
dalua alargou o vento algua cousa, e gouernamos 
ao susuduesle até amanhecer: esta noite não vimos 
o eclipse, por andar o cee muito escuro e toldado. 



1 As sup postas longitudes correspondem proximamente a 
10°, 14°, 16° de Green,; e, pelas razões anteriormente expos- 
tas nos parecem todas o resultado de uma errada estimativa. 

2 Oposição oras 2 l / z depois do meo dia. Nota do auetor. 



434 



CAMINHO. 

Terça feira 1 4 de mayo todo o dia foi o vento les- 
sueste; gouernamos ao susudueste até anoitecer, e 
por andar occupado em mandar abater a artelha- 
ria, não tomei o sol; o Piloto só o tomou, e disse 
que ficaua em 3 grãos da banda do sul. 

De noite toda foi o vento lessueste largo; go- 
uernamos ao sul quarta do sudueste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quarta feira i 5 de mayo todo o dia foi o vento 
lessueste; gouernamos ao sul quarta do sudueste e 
á mea partida do susudueste até anoitecer: a oras 
de meo dia tomei o sol, e na maior altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 66 grãos j ; a declinação deste 
dia era 20 grãos, 5 \ mcnutos 1 , do que se segue es- 
tarmos em 2 grãos, 44 menutos, pêra a banda do 
sul: o doctor e o mestre na* maior altura tomarão do 
sol ao orizonte 66 grãos; o piloto tomou 65, e fi- 
caua per esta maneira em altura de 4 grãos, 4 me- 
nutos 8 ; e assi a mesma altura tomou hum marinhei- 



1 A declinação devia ser 20° 56' : o ms. está errado. 
1 Diversas alturas. Nota do auctor. 



435 

ro, e outro tomou do sol ao orízonte 66 grãos: ver- 
dadeiramente que he cousa muito forte considerar 
donde pôde nacer tamanha differença, maiormente 
oie que a naao e o vento nos não dauão impedi- 
mento, porque a naao hia muito sossegada, e o vento 
asopraua mui temperadamente, e com tudo isto nos 
achamos tão desvairados, como nas alturas de cima 
se poderá ver ; nem me parece rezão lançar de todo 
a culpa aos estarlabeos, porque vejo outros dias con- 
certarmos todos, e tomarmos hum mesmo sol 1 : este 
dia ás noue oras vimos três naaos a balrauento de 
nós, e dahi a hum pouco vimos outra, todas muito 
longe. 

De noite todo o quarto da prima foi o vento les- 
sueste escaso ; gouernamos ao sul quarta do sudues- 
te ; mas no quarto da modora escarseou o vento, e 
gouernamos ao sudueste; e logo no quarto dalua 
tornou alargar, e fizemos o caminho do sul e quarta 
do sudueste até amanhecer. 



1 N'outros Jogares do Roteiro explica o auctor cabalmente este 
facto. Não só os astrolábios davam dificilmente exactidão nas 
observações, mas além d'isto havia, por falta de rigor na me- 
dida do tempo, quasi impossibilidade de determinar a altura 
do sol justamente ao meio dia. 



136 



CAMINHO 

Quinta feira 16 de mayo todo o dia foi o vento 
como lessueste; gouernamos ao sul quarta do su- 
dueste até anoitecer 1 : a oras de meo dia tomei o sol, 
e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 64 
grãos {; a declinação deste dia era 21 grão, 4 me- 
nutos, do que se segue estarmos cm 4 grãos \ ; esta 
mesma altura tomou o calafate e dous marinheiros, 
sem discreparem nada; o doctor tomou na maior 
altura do sol ao orizonte 63 grãos |, o Piloto 63 ^, 
o mestre 64 J, hum marinheiro 63 J, outra pessoa 
que tomaua o sol e carteaua, 63 {: este dia, em 
amanhecendo, éramos com as naaos hum pouco a 
julauento delias 3 , e logo a Capitaina arribou a nós, « 
tornamos a caminhar todos em conserua; vimos 
todo o dia muitas aues, a saber, rabiforcados, gra- 
yaos, e outras a que os marinheiros chamão tinho- 
sas 9 . 



1 Diversas alturas. Nota do auctor. 

2 Tornou achar a armada. Nota do auctor. 

3 A difficuldade, ou antes a impossibilidade de determinar, 
pelo conhecimento exacto da latitude e longitude, o pouto em 
que se achava o navio, o perigo de naufrágio nas costas por 
falta de conhecimentos, ou antes de instrumentos náuticos per* 
feitos, levava os navegadores a estudar todos os phenomenos 
naturaes com o mais vivo interesse, e a procurar sobretudo as 



137 



De noite toda foi o vento sueste, e ora largaua, 
ora tornaua a escarcear ; gouernauamos ás vezes ao 



relações dos animaes e plantas marinhas com as regiões por 
onde se alongava a navegação. Era um estudo, por assim di- 
zer, da geographia animal e vegetal, determinado pelas ne- 
cessidades da navegação; inconsciente e incompleto mas de in- 
contestável utilidade pratica. Ás aves davam os marinheiros à 
preferencia nas suas observações; e os roteiros do século xvi 
estão cheios de indicações mal definidas das aves que se encon- 
tram perto da costa, nas differenles regiões do globo. Quando 
no roteiro se falia de rabifurcados, grajáos e tinhosas estava 
a nau de D. João de Castro, aproximadamente pelas alturas 
da ilha da Ascensão, cuja posição nas cartas era, n*aquelle 
tempo, das menos exactamente determinadas; pois que no Ro- 
teiro de Gaspar Rei mão, que resume todos os anteriores, se diz : 
cE n'esta volta (a do Brasil) uy m. tM vezes a Ilha da-Censão, 
que esta em 20 grãos.» (Mss. da Univ., vol. 136, foi. 3 v.)No 
Roteiro de Aleixo da Motta, de 1623, que se encontra na Biblio- 
theca Nacional de Lisboa, positivamente diz o auctor, homem 
experimentado na navegação do Atlântico, que duvida da arru- 
mação € estas ilhas nas cartas (as ilhas da Ascensão e Trindade). 
Com estas indicações consultei o dislincto naturalista c meu 
amigo, o sr, dr. Bocage, e este fez-me o favor de responder o 
seguinte: cO problema tem grandes difficuldades. Vejo-me em 
presença de nomes dados pelos nossos antigos navegadores ás 
aves que encontravam no ai to mar, vindo esses nomes quasi sem- 
pre desacompanhados de quaesquer noticias acerca do tama- 
nho, cores é caracteres mais salientes d'ellas, e devo procurar 
descobrir que aves eram essas. Soccorrendo-me ao que se sabe 
hoje das aves que habitualmente frequentam as paragens a que 
se refere o Roteiro, ainda me atrevo a apresentar as seguintes 
conjecturas, que assentam apenas em mui ténues probabili- 



138 

sul e quarta do sudueste, e outras á mea partida, e 
também ao sudueste e quarta do sul e ao mesmo 
rumo do sudueste, segundo o vento o fazia cora- 
nosco. 



dades. — Garajau é nome usado desde tempos immemoriaes 
oa Madeira e nos Açores para designar a Sterna fluvi tais, 
Naum. (St. hirundo, auct. nec Linn.) e porventura outras es- 
pécies. È provável que os nossos marinheiros o dessem a al- 
guma ou algumas espécies do mesmo género Sterna, que en- 
contrassem nas paragens a que se refere D. João de Castro. 
Ora sabe-se pelos naturalistas do Cballenger que a Sttmn fu- 
liginosa abunda muito na ilha da Ascenção, da qual deviam 
estar relativamente próximos os nossos navegadores na occa- 
sião alludida. Com tudo não affirmo que seja essa a espécie 
exclusivamente designada por aquelle nome, antes me parece 
que o applicariam a outras, e citarei especialmente a Sterna 
galericulata, Licht , que frequenta habitualmente as duas cos- 
tas do Atlântico. — Rabifurcado ê termo que poderia ter sido ap- 
plicado a qualquer de duas espécies, também muito communs 
na ilha da Ascenção e em geral no Atlântico inter-tropical: 
uma é maior, preta e com a cauda profundamente furcada ; 
outra branca, mais pequena e com duas pennas compridíssi- 
mas na cauda. A l. 1 é a Tachypetes aquila (Linn.), a 2. â a 
Phaeton actherius, Linn. Ambas lhes deviam attrair a attenção; 
a qual d'ellas applicariam aquelle nome? Pela mesma occa- 
sião vem citados com o nome de Tinhosas umas aves de quem 
se diz n 'outro ponto do Roteiro que — são pretas, do tamanho 
de gralhas, mas de azas muito maiores. Ora este carecteristico 
assas conciso compete melhor ao Tachypetes aquila, do que a 
qualquer outra ave cuja presença n'aquellas paragens possa 
ter-se por provável; e sendo assim, parece que por exclusão 
seria o Phaeton aetherius o Rabifurcado. Se, acerca d'este, ap- 



43» 



CAMINHO. 

Sesta feira 17 de mayo todo o dia foi o vento 
sueste ', e assi como de noite alargaua e escaceaua, 



parecesse a indicação de ser branco, augmentariam as proba- 
bilidades em favor d'esta interpretação. Quiz a principio pa- 
reeer-me que as Tinhosas podessem ser algumas das espécies 
de Spla, que a p parecem por aquelles mares, porque eu que- 
ria achar a etymologia do termo -no aspecto da ave, e buscava 
uma ave com malhas claras, cujo aspecto recordasse o dos Ti- 
nhosos: desde porém que D. João de Castro nos diz que as Ti- 
nhosas são pretas, é forçoso abandonar aquella idéa.» 

1 Tinha a nau passado a linha, e entrado na região dos ven- 
tos geraes de sueste, do hemispherio austral. Segundo se vê 
pelos roteiros do século xvi, a derrota que as naus levavam indo 
para a índia era a mesma que seguia D. João de Castro. Eis 
o que acerca do caminho a fazer até passar a região das cal- 
marias, e entrar nos ventos geraes ao sul do equador, diz no 
seu Roteiro da Carreira da Índia o piloto mór Gaspar Reimão. 
i Da altura dos doze grãos se deue de gouernar a les-sueste e 
ao sueste e quarta do sul de maneyra que uão da costa 70 a 
80 legoas; daqui ate sinco grãos senão deue de dar ho abati- 
mento dagulha porque a costa se uay metendo ao sueste, e su- 
sueste e f az a hagoa reuessa pêra a terra, e ficará ho nordes- 
tear d'agulha em recompenção da agua q vay pêra terra, dar- 
selhehá o caminho à nao cõforme a proa que leuar. Por aqui 
nordestea a hagulha 5 grãos: é bom andar da terra 70. 80. 
Legoas: e se vos derem as trouoadas em 5 gràos ou em 4, que 
darão em todo mayo de lestes, e les-suestes, e suestes, não dei- 
xeis de correr cõ ellas ao sul e sudueste, porq como passa se 
vay o vento ao sul e ao sudueste, pêra tornar a emmêdar o q 



140 

gouernamos ao sudueste quarta do sul e á mea par- 
tida do susudueste e ao rumo do sudueste, leuando 
sempre grandes chuueiros : este dia a oras de maior 
altura tomei o sol, e leuantaua-se sobre o orizonte 



a trauoada vos leuou pêra o mar, porq se deue trabalhar sem- 
pre co muito cuidado andar da costa 70. 80. Legoas, ate uos 
darem os gerais q em todo abril vos* darão- em 2 grãos e meio, 
e em 3. Sendo caso q andem da cosia çen Legoas ou mais, 
pellos ventos uos não deixarem chegar mais ha terra, em tal 
cazo uos darão os gerais mais sedo, porq descobre mais a terra, 
• Pássaros por aqui, algus alcatrazes, e grajaos e rabosforqua- 
dos. Dando ho vento geral, q será de 4. grãos ate 3. e ainda 
tarde darão em mais altura, e uindo em abril darão em me- 
nos, como em dous. 3. gráos, dando sueste é bom ir na uolta 
do brasil. Estando da costa arcdor de 80 legoas, indo assy 
nesta uolta como digo, sendo na linha cem legoas ha balrra- 
uento do penedo de S. Pedro, nordestea agulha 8 gráos (se- 
gundo Vi * Roiz), posto que nossegudo Roteiro que fez diz, que 
passado a linha, nordestea agulha m.* quarta larga, q são 6 
grãos.» (Gaspar Fr.* Reimão, Rot. da Car. da lnd. etc. Mss. 
da Univ., vol. 436, fl. 2.) Os estudos importantes de Maury, 
e as observações constantes dos navegadores teem modificado 
profundamente o caminho a seguir pelos navios, no atraves- 
sar a região das calmas e no passar do norte para o sul do 
equador, aproveitando o mais possível os ventos alizados e o 
conhecimento das correntes do Atlântico. Atravessar a zona 
das calmas onde ella é mais estreita, eis um dos pontos im- 
portantes da navegação. A posição (Testa zona varia com a po- 
sição do sol: no inverno aproximasse do equador, no verão 
afasta-se d'elle: e como não tem ern todo o anno uma largura 
egual, co q vem aproveitar a estação em que a zona se conserva 
mais estreita. A época do anno em que ella occupa a posição 



141 



03 grãos; a declinação deste dia era 21 grãos ;, do 
que se segue estarmos em altura de 5 grãos \ pêra 
a parte do sul ; este mesmo sol tomou o mestre e o 
calafate e dous marinheiros, sem desviarem cousa 



média é a mais conveniente. A zona atravessa o Atlântico de 
leste a oeste e ao norte da linha equinocial, mas não tem, como 
dissemos, a mesma largura em toda a sua extensão. Segundo a 
expressão adoptada na Mètéorologle Nautique, de Mr. Ch. Ploix 
e H. Caspari, part. i, cap. vi, pag. 68, a zona das calmas: 
cEstbeaucoup plus large du cote oriental de PAtlantique que 
du cote occidentel: elle se presente sous le forme d'un coin 
dont la base serait du cote de FAfrique, et le trancham du 
cote de TAmerique, oú l'on passe souvent sans transitions d'un 
alizé à Fautre.» Este motivo, — a direcção da corrente equato- 
rial ao norte do equador, e a direcção e a constância do vento 
geral de nordeste, determinam a derrota geralmente indicada 
hoje. A este respeito a opinião de Maury é a seguinte: 1.° cO 
parallelo 35 N. deve cortar-se por 24° Long. 0.; o parai leio 
30 N. por 26° a 27° O, e vir cTahi buscar o equador entre 30° 
e 33° O. 2.° Para ir da Europa ao mar das índias ha vanta- 
gem em cortar a linha mais a oeste do que hoje se faz. 3.° É 
melhor, conseguintemente, passar ao mar do que á terra das 
ilhas de Cabo Verde. 4.° inverno e a primavera são as esta- 
ções mais favoráveis para fizer viagens curtas. A respeito des- 
tes indicações de Maury dizMr. deChabannes, vice-almirante 
da marinha franceza: «La crainte de tomber sous le vent du 
cap San-Roque est chimérique. L'expérience prouve chaque 
jour que les indications données par Maury, relalivement au 
point oú Ton doit couper la ligne, pouvent être suivies sans 
qu'il en resulte aucun inconvenient. Ce qui arrive quelque- 
fois, c'est qu'un navire, passant tròs-franchement au vent du 
cap San-Roque, ne double pas le cap Saint-Augustin. II est 



J42_ 

algua; o Piloto na maior altura tomou do sol ao ori- 
zonte 61 grãos, assi que dous grãos foi differente 
de nós, que he cousa forte e pêra não crer ; o doctor 
na mayor altura tomou do sol ao orizonte 62 grãos 
;, outra pessoa tomou o mesmo sol. 

De noite todo o quarto da prima e modorra foi o 
vento como sueste, e ora largaua, ora escaseaua; 
gouernamos ao sudueste e sudueste e quarta do sul ; 
mas o quarto dalua alargou algua cousa o vento, e 
gouernamos á mea partida de susudueste. 



alors obligé de prendre tribord au mures et de s'élever dans 
]'Est de la quantité necessaire pour franchir sur 1'autre bord 
les térrea les plus Est de cette partie de la cote du Brésil.» Os 
nossos navegadores do xvi século atravessavam a zona das cal- 
marias, seguindo a costa d'Africa a 70 léguas proximamente 
d'esta. Abi sopram muitas vezes brizas de oeste produzidas pelo. 
aquecimento da terra, e estas brizas fazem-se sentir a 100 ou 
150 milhas da Costa d* Africa. (W. Desborough, Cooley Pkysi- 
cal Geography, cap. xn, pag. 173) fim principal dos nave- 
gadores, passado o equador, era tomar o caminho do Brasil, 
dobrando o cabo de S. to Agostinho; por isso o piloto annuncia 
com jubilo no dia 18 que «estava em 9 gráos e tinha dobrado 
o cabo de Santo Agostinho»; isto é, tinha chegado, suppunha 
elle, á latitude sul superior á do cabo de St. Agostinho, que 
<58°20'S. . 



143 



CAMINHO. 

Sabbado 1 8 de Mayo todo o dia foi o vento sues- 
te; gouernamos ao sudueste: ao meo dia tomou o 
mestre e hum marinheiro o sol, e acharanse em al- 
tura de 7 grãos j : o Piloto disse que estava em 9 
grãos e tinha dobrado o cabo de sancto agostinho, 
o que a todos pareceo impossiuel. 

De noite todo o quarto da prima e madorra foi o 
vento sueste; gouernamos ao sudueste e sudueste e 
quarta do sul; no quarto dalua alargou algua cousa 
o vento, e fizemos o caminho da mea partida do su- 
sudueste. 

Domingo 19 de mayo todo o dia foi o vento sues- 
te; gouernamos ao sudueste e sudueste quarta do 
sul : este dia fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia 

Estando o sol em altura de 37 grãos 

ho estilo lançou a sombra 43 grãos ; 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



144 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 46 grãos 

ho estilo lançou a sombra 35 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 46 grãos 

ho estilo lançou a sombra 56 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 21 grãos, cuja me- 
tade será 10 {, que he a quantidade que a agulha 
neste lugar nordestea. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 37 grãos 

ho estilo lançou a sombra 65 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 2i grãos ) f ea sua 
metade 10 f, que he a quantidade que neste lugar 
a agulha nordestea. 

Este dia, tomando as duas alturas de pella me- 
nhãa e a variação da sombra do estilo, me passei á 



145 

poma, e vsando pella maneira acostumada, achey 
que estauamos em altura de 8 grãos J: ao meo dia 
tomey o sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre 
o orizonte 60 grãos; a declinação deste dia era 21 
grãos, 34 menutos, do que se segue estarmos em 
8 grãos ;; o calafale 8 grãos - v hum marinheiro ficou 
cm grãos escasos, outra pessoa ficou em 8 grãos 
; ! . Estando o sol pêra se pôr no triangulo que fazia 
o ponto do orizonte onde se punha, com o nosso me- 
rediano, a sombra do estilo cortou o circulo gra- 
duado I i grãos, contando de leeste pêra o sul * ; e 
sendo isto assy, era necessário que o sol estiuesse 
1 1 grãos, contando daloeste pêra o norte. Pello que 
ti ca manifesto, que se pôs o sol a loeste quarta do 
noroeste, porque todo o luminoso lança a sombra na 
opposita parte; é porque todas estas obseruações 
Irabalhaua do vereficar por muitas testemunhas, bor- 
neey com a agulha de marear do Piloto o tal poi- 
mento, e julguei que se pôs o sol a loeste quarta de 
noroeste 3 . 



1 Alturas conformes. Nota do auctor. 

2 Observação do poimento do sol. Nota do auctor. 

3 N'uin escripto que o dr. Pedro Nunes intitula Tratado 
que o d r. Pedro Nunes fez sobre certas duvidas da navegação, 
occupa-se o insigne mathemalico de dois assumptos que cha- 
maram a atlençao de Martim AíTonso de Sousa, navegando 
«per as partes do sul», a primeira era cque estando ho sol na 
linha em todos os logares em que se achou lhe nacia em leste, 

r. 10* 



146 

De noite toda ventou da banda do sueste, e ora 
alargaua, ora escaseaua; todo o quarto da prima 
gouernamos ao sudueste quarta do sul: mas á ma- 
dorra alargou mães o vento; gouernamos ao susu- 
dueste e ao sul quarta do sudueste; o quarto dalua 
todo o gouernamos ao susudueste, e escaseando con- 



e se lhe punha no mesmo dia em oeste: isto egualmente sem 
nenhua deferença ora se achase da banda do norte ora da banda 
do sul. . . » a segunda era «que elle se achara em xxxv gráos 
da outra banda da linha, no tempo que o sol estauano trópico 
do capricorno, e lhe nacia ao sueste e quarta de leste, e se lhe 
punha no mesmo dia ao sudueste quarta de loeste, como aos 
que viuem na mesma altura desta parte do norte: e que nam 
via como podia isto ser: porque per rasam : assi auiade nacer 
aos que viuem da outra banda do sul quãdo ho sol anda per 
os signos da mesma parte : como nasce a nos quando anda desta 
nossa banda i N'uma interessante dissertação, Pedro Nunes ex- 
plica geometricamente as causas dos phenomenos observados 
pelo navegador Affonso de Sousa nos mares do sul ; e depois, 
referindo-seà segunda duvida eá demonstração que deu para 
a resolver, acrescenta: «E daqui se tirará ligeiramente onde 
se porá no mesmo dia. e onde nacera e se porá estando no 
outro trópico: como parece na figura. E tudo isto se demos- 
tra ser assi porque a proporção que tê o sino do com pri meto 
da altura em qualquer região: cõosino vniuersal do circulo: 
essa mesma ha do sino da declinação q tem o sol em qualquer 
dia: ao sino do rumo em q nace: o que crarainctc s<> proua 
per Tolomeo: no segúdo do ai m ages to. Do qual se segue quam 
fácil cousa seja: resguardando pella menhã o sol no seu na- 
cimento: com a agulha bem verificada: ou com linha meri- 
diana: se for na terra: saber per conta sem mais instrumento 



147 

tra a menhãa, pusemos a proa ao sudueste e quarta 
do sul. 

CAMINHO. 

Segunda feira 20 de mayo todo o dia ventou da 
banda do sueste ; gouernamos ao sudueste quarta do 
sul até anoitecer: este dia fiz as operações que se 
seguem. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 13 grãos 

bo estilo lançou a sombra 54 grãos 



a altura do polo em q dos achamos: o que eu em todo tempo 
sem saber a hora q he nem ter linha meridiana : cõ instrumêtos 
faço. Mas os pilotos sabe tam pouco que podendoseaproueitar 
de muitas cousas: pêra per muitas vias buscarem o que de- 
sejam saber: não sabem fazer mais que esperar o meo dia: e 
se entã se lhes encobrir o sol: como muitas vezes acontece: 
não podem saber onde estão: se não per sua estimação quehe 
bem fraca: pois ouue antre elles quem foy. xn vezes a índia 
e a cabo deste tempo fez a cota do meo dia as vessas. » D. João 
de Castro, indo á índia para expe.imentar os methodos e in- 
strumentos propostos para melhorar a navegação no seu tempo,' 
especialmente os propostos pelo dr. Pedro Nunes, não podia 
deixar de observar, quando passou para o sul da linha, o nasci- 
mento epoimento do sol, objecto de um dos trabalhos d'aquelle 
mathematico, e um dos processos de determinar a altura do 
polo. 

i0. 



448 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo per hum Relógio de sol erão 8 oras £. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em ai [ura de 40 graus 

ho estilo lançou a sombra 41 grãos j 

contando do sul pêra a banda daloeste 1 . 

Terceira operação ante o meo dia. 

Estando d sol em altura de 43 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 38 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste 2 . 

Quarta operação ante o meo dia hua ora. 

Estando o sol em altura de . *. 53 grãos { 

ho estilo lançou a sombra v 22 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste 3 . 



1 Aqui andou o sol rnaes q a sombra 14 gráos. Nota do an- 
dor. 

2 Aqui andou o sol mães q a sobra l /* gráos. Nota do auctor. 
1 Aqui andou a sobra mães que o sol 6 gr. â /r Nota do au- 
ctor. 



449 



Quinta operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 57 grãos £ 

ho estilo lançou a sombra 7 grãos ; 

contando do sul pêra a banda daloeste ! . 

m 

Primeira operação depois do meo dia. 

Estando o sol em altura de 57 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 29 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o danle meo dia 21 grãos {, os quaes 
partidos pello meo, será ametade 10 f, que he a 
quantidade que a agulha neste lugar nordestea. 

Segunda operação de depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 53 grãos 

ho estilo lançou a sombra 42 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : a este tempo 
era pello Relógio do sol hua ora e mea. 

Foi logo nesta operação o arco depois de meo dia 



1 Aqui andou a sobra mães que o sol 14 gráos l / t . Nota do 
auctor. 



150 

maior que o dante meo dia 20 grãos; he a sua ame* 
tade 1 0, que he a quantidade que a agulha neste 
lugar nordestea. 

Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de i 3 grãos 

ho estilo lançou a sombra 77 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo 
erão 6 oras ; ! . 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 22 grãos ;, os quaes 
partidos pello meo, vem á parte i i grãos \, que he 
a quantidade que neste lugar por esta operação agu- 
lha nordestea. 

Quando fiz estas operações, eu me fazia 10 grãos 
| do merediano que passa pello cabo de são Vicente 
pêra a banda do occidente', e o Piloto se fazia 1 2, 
e o calafate outros 1 2, que era norte sul com a ilha 
de sancta Maria, hua das ilhas terceiras; e neste 
merediano vinha dizendo o Piloto que as agulhas 
Julgauão verdadeiramente, e ferião o seu norte no 



1 Nesta ultima operação e na primeira se mostra como an- 
dando o sot igoaes arcos pio estorlabio, o relógio de sol gastou 
mães tpo no arco da tarde que no da menhà quasi três oras. 
Nota do auctor. 

1 O meridiano das operações. Nota do auctor. 



151 

verdadeiro polo do mundo 1 : este dia ao meo dia to- 
mei o sol, e na maior altura 8 se aleuantaua sobre o 

orizonte 59 grãos; a declinação deste dia era 21 
grãos, 44 menutos, do que se segue estarmos em 9 
grãos, 16 menutos; o calafate tomou o mesmo sol, 
e hum marinheiro ficou em altura de 9 grãos {: e 
porque tinha grande aviso sobre os ecclipses do sol 
e da lua 3 , quis experimentar os Relógios do sol e 



1 A incerteza na determinação das longitudes, claramente se 
deixa ver pelo encontrado doestas e d'outras avaliações por es- 
timativa, que no Roteiro se acham: e não só eram incertos 
os cálculos de longitude feitos pelos navegadores, mas a si- 
tuação das terras e ilhas nas cartas era geralmente errada, 
como se \ê pelo que D. João de Castro diz aqui da ilha de 
Santa Maria. Fira geral n'aquelle tempo, e ainda um século 
depois se nâo achava resolvida a questão, a opinião de que 
aos meridianos terrestres correspondiam os meridianos ma- 
gnéticos, e por isso se procurava tirar da declinação da agu- 
lha a determinação das longitudes. Alonso de Santa Cruz, cos- 
mographo de Carlos v, traçou em 1530, segundo afirma Hum- 
boldt, uma carta geral das variações da agulha (Humboldt. Cos- 
mos, tom. rv, pag. 64). Em resultado das observações deChris- 
tovam Colombo, e de Caboto n'um meridiano que passava 
pelos Açores, não tinha variação a agulha. In meridiano Azo- 
rum femim non variare, como afirma Gonzales de Ovietto (vide 
not. pag. 30). Ali «as agulhas, como dizia o piloto, julgauã 
verdadeiramente, e ferião o seu norte no verdadeiro polo do 
mundo, t As observações feitas por D. João de Castro mostram 
o contrario do que o piloto soppunha. 

2 Altura. Nota do auetor. 

3 O mais rigoroso processo para determinar a longitude é 



152 



darêa, pêra ver se concertauão; e oliuelando hua 
mesa o milhor que foi possiuel, achey que os Reló- 
gios do sol gastauão muito mães tempo em espaço 
de hua ora que os darêa; desta maneira, em tempo 
que o do sol andaua hua ora, o darêa corria ora e 



a observação dos eclipses do sol e da lua, segundo a opinião dos 
co>mographos do tempo. N'uma nota anterior transcrevemos 
os parecessem que se fundavam as propostas dos astrónomos 
e pilotos poriuguezes, para se traçar a raia de demarcação en- 
tre os domínios de Portugal e de Castella. N'um livro ita- 
liano solire goographia de 1561 lê-se: tVè pcrò una uia tra 
le molte, d^osservare la lunghezza delle rcgioni, laquale, cosi 
come è facilissima, cosi per conseguente è piena di impedi- 
menti: Qucsta è la uia de gli eclissi, d'essi quell delia luna. 
Percioche mentre che per gli eclissi si può nsscruare la lun- 
guezza delia regione, quella senza dubbio snrà certíssima » 
Depois de explicar como a observação dos eclipses pode dar 
a longitude, acrescenta: tSe alie cose, cbe si son deite lin qui, 
s'é auuertito, si vede quanto facilmente se può trova re por 
rEclisse delia luna la lunguezza delia regione; ó luogo pro- 
posto. Percioche s'ha prima da vedor se será Ectisse alcuna fu- 
tura, ehauer il tempo di quella, con il longo <loue lai Eclisse 
è radical mete supputata, con la vera lunguezza di tal luogo. 
appresso ha da osseruarsi con gràdissima diligenza nel luogo 
proposto, ò regione, di cui si vuol sapere la lunguezza, Tbora, 
ò dei principio, ò dei mezo, ò delia fine di tal Eclisse, cio é 
mentre la luna cominei a ad oscurarsi, ò nel mezo, ò nella fino 
delia sua scuratione, comparar poi se Phore osservaie in questo 
luogo son tanto lontane dalTOcaso dei sole, quanto son quelle 
dei luogo radicale doue è supputata rEclisse, ò se sono piú õ 
meno,i (G. Moleto, D is corso Universale &. Venesia, 1501, pag. 
31 o 33). 



153 

mea, e o que mães se chegaua ao do sol corria ora 
e quarta: estes Relógios do sol erão todos feitos em 
fraudes e Alemanha, e com elles julgaua as oras, 
porque ao tempo presente me achei sem Relógio vni- 
uersal 1 . 



1 O uso dos relógios do sol e de ampulhetas para medir o 
tempo éra commum a bordo dos navios, antes dos ensaios 
de applicação do pêndulo á construcção dos relógios marí- 
timos, feitos por Huygens, o inventor da pêndula astronó- 
mica. (Montucla. Hist. des Math., tom. iv, pag. 549). Aquelles 
ensaios não deram o resullado que d 'elles se esperava. Mas a 
invenção da mola espiral para regular os relógios, a qual se 
deve considerar lambem devida a Huygens em 1674, deu á 
construcção de relógios marítimos um meio seguro de attin- 
girem a perfeição a que Harrison os levou em 1735; época 
em que se experimentou a exactidão das suas indicações no 
mar, em uma viagem de Portsmouth a Lisboa (Idem. idem, 
pag. 555). Fácil é de conceber a falta que aos navegadores de- 
via fazer o conhecimento exacto da hora das observações, ede 
um meio rigoroso de medir o lempo. A observação dos ecli- 
pses sobre os quaes D. João de Castro tinha grande aviso, era 
um dos modos de determinara longitude mais recommendado 
aos navegadores, como mostrámos na nota anterior; mas para 
serem rigorosos os resultados de tal observação era necessário 
o conhecimento exacto da hora da observação tSupposons, diz 
Montucla, que, (]'aprês<lcs éphémérides oualmanachs, telsque 
les astronomes en puhlièrent dès avant le it>. e siécle, on con- 
nut Iheure d*une eclipse de lime pour un lieu determine, on 
pouvoit observer celte eclipse en mer, etcomme on peutavoir 
rheureoii PonafailTobservationsurlevaisseau parla hauteur 
du soleil ou d*une. étoile, com me on le verraci apres, ou pouvoit 
déterminer 1'heure ou le phénomène éloit arriué, et la diffé- 



154 



De noite toda foi o vento da banda do sueste ; o 
quarto da prima gouernamos ao sudueste quarta do 
sul, e ás vezes ao sudueste quarta daloeste ; mas o 



rence des heures devoit donner la différence de 'longitude. 
Tel étoit le raisonnement qu'on faisoit, mais il n'y a que ra- 
rement des eclipses de lune, et l'on a besoin de connaitre sa 
longitude chaquejour. D'ailleurs, ces ca1culsd'éclipsesétoient 
alors bien loin de Pexactitude nécessaire. II n'étoit pas rare 
qu'on s'y trompat d'un quart-d'heure: ainsi ce moyen étoit 
tout-à-fait insuffisant, et divers astronomes en sentirent fort 
bien Tinsuffisance, et en cherchèrent un autre.» (Mont. Hist. 
des Math. tom. iv, pag. 539). Importantes erros no calculo dos 
eclipses, inevitáveis inexactidões na determinação do tompo 
tornavam ineficaz este meio de determinar a longitude pelos 
eclipses. Para conhecer a hora do eclipse. íjue esperava, D. 
João de Castro buscava determinar a duração dos seus reló- 
gios de arfta; e para isso comparava a sua* marcha com a dos 
relógios de sol. O resultado mostrava os enormes defeitos dos 
relógios, e a impossibilidade de conhecer porellcs o tempo em 
que tivesse logafo eclipse. Além do relógio de sol e de arèa 
havia já n'aquelle tempo o relógio de rodas, a que o auctor 
chamava provavelmente relógio universal. Esses relógios de ro- 
das eram de grande inexactidão e irregularidade em seu movi- 
mento, e de mais desarranjavam-se com surnma facilidade, so- 
bretudo a bordo. Faltavam aos relógios todas as condições in- 
dispensáveis para poderem servir á* observações astronómicas 
eá navegação. Galileu ainda não havia estulado as propriedades 
do pêndulo, nem a relojoaria de precisão havia ainda iniciado 
os seus primeiros passos. A possibilidade de conhecer a dife- 
rença de longitude pela differença da hora era justamente apre- 
ciada pelos astrónomos; faltavam os meios de observação. Mo- 
leto, na obra citada na nota anterior, e que se encontra ap pensa 



Í55 

quarto da madorra e alua alargou algfla cousa o 
vento, e gouemamos ao sudueste quarta do sul até 
amanhecer. 



i edição de Ptolomeo publicada em Veneza em 1861, diz a este 
respeito (pag. 34): cVna di molte uie, che intorno à questa 
matéria d'osservare la lunguezza sono state ritrouate da Ma- 
lematici, è per vno horologio, ò di sabbione, è da mote, che 
dure, ò 24 hore, ò 36, ò 48, ò piú, ôc quanto piú durerà tanto 
sara megliore. ma qual d'essi si pigli, ha da essere in tu tia per- 
fettione buono &.» Fallando depois dos relógios, diz: cQuesto 
modo cosi come è facilissimo, & si può oprare se ben s'andasso 
per tutto il circuilo delia terra, cosi ancora si può in esso cõ- 
metlere grandíssimo errore; percioche il primo errore puòca- 
gionarsi dairhorologii, perche se quelli non saranno piú che 
perfetti, sara fácil cosa, che paliscano alteratione. il secondo 
può nascere da colui che ha cura di incordare 1'horologio da 
mote, o di uoltare quel di sabbione; percioche se quel tale 
non sara in tal uffilio piú che diligente, si potra fare errore ò 
di vna, ò di meza hora, ò di piú, secondo la negligenza di quel 
tale; per questo adunque, quel che di questo modo si vuol ser- 
uirç veda di non mancare, ne nella bontà degli horologii, ne 
nella diligenza, ò di voltarli, ò d'incordarli. Sono però hoggi 
alcuni horologii, como è quel da mote, che non per corda si 
tira, ma per alcune lame d'acciaie tem prato, & questi sareb- 
bon buoni. Di sabbione. poi per quanto m'ha detto il Signor 
Dionigi Atanagi, huomo raro nelle lettere, & massime delia 
poesia, & delia belíssima língua nostra, se ne sono fatti al- 
cuni, i quali si voltan da loro stessi. deppo che é finito di an- 
dare giú il sabbione, cosa certo rara ór ingenioza. Di questi 
quando se ne potesse hauere vno, non è dubbio, che sarebbe 
la piú perfeita cosa, che in caso lale si sapesse desiderare; 
percioche non ui bisognerebbe la diligêza di niuno per uol- 



156 



CAMINHO. i 

i 

Terça feira 21 de mayo todo o dia foi o vento 
como sueste; gouemamos ao sudueste quarta da- 
loeste, e ás vezes ao sudueste quarta do sul, e ou- 
tras ao sudueste: este dia fiz as operações seguin- 
tes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol era altura de 21 grãos 

ho estilo lançou a sombra 50 grãos 

contando do sul porá a banda dalneste. 



tarlo, voltandosi da se, saluo chenumerare Phorecheson pas- 
sate, il ehe si potrubbeTar íare alio stesso horologio.» (Mon. 
Disc. Univ. &. pg. 35). Nada pode mostrar com maior evi- 
dencia o estado de atrazo em que se adiava no xvi século a 
construcção dos relógios. Ainda um século depois (em 1628) 
o P. Mestre Christovão Bruno, na sua arte de navegar, diz, 
faltando da determinação do caminho de leste a oeste pelo re- 
lógio, e da construcção d'este: tNào faltarão entre os antigos 
e modernos quem (cuidasse) na invenção, porem como quer 
que sempre lhe deixavão faltar algua cousa necessária pêra a 
serteza que niso se pretende, por iso ateara serviu o mais pêra 
spiculaçâo.i E pouco depois acrescenta: • . . . outros disserao 
que o relógio auia de ser de rodas com o seu mostrador. . . . 
porem este modo tãobem cada hum pode uer quam uariauel 
fica, asi pellas rodas do relógio serem sugeilas a cada passo a 
mudança &. . . » (P. M. Chris. Bruno, Arte de navegar, Coll. 
da Univ., vol. 44, fl. 34). 



45 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 21 grãos 

ho estilo lançou a sombra 50 l grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesla operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 21 grãos l -, os quaes 
partidos pello meo, vem á parte 10 grãos |, que he 
a quantidade que a agulha neste lugar nordestea. 

Esla operação fiz mães á minha vontade que to- 
das as outras de que faço menção. Porque a naao 
estaua muito assossegada, e a sombra do estilo Re- 
pousaua na circunferência do circulo graduado 
quanto convinha, pêra verdadeiramente se detremi- 
nar o ponto onde o cortaua 2 : querendose pôr o sol, 
armando ho meu estromento, o estilo lançou a som- 
bra 1 1 grãos, contando do leste pêra o sul, do que 
se segue que se pôs outros 1 1 grãos contando da- 
loeste pêra o norte, que em termos de marinharia 
dizemos que se pôs aloeste quarta do noroeste 3 : este 
dia nos leixárão os chuueiros, e tiuemos já o dia cla- 



1 O manuscriplo do Roteiro eslà evidentemente errado, pois 
que em seguida se diz que este arco foi maior do que pela ma- 
nhã 21 grãos Vi- 

2 Obseruação do poimento do sol. Nota do auetor. 

3 Onde nos deixarão os chuveiros. Nota do auetor. 



158 

ro, porque depois que passámos a linha até quy ti- 
uemos mães chuuas e treuoadas que na costa de 
Guiné. 

De noite toda foi o vento como sueste; o quarto 
da prima gouernamos ao sudueste quarta do sul, e 
alguas vezes chegauão á mea partida ; mas o quarto 
da modorra e alua gouernamos á mea partida do su- 
sudeste e algum tempo ao sudueste e quarta do sul. 

CAMINHO. 

Quarta feira 22 de Mayo todo o dia ventou sues- 
te; gouernamos ao sudueste quarta do sul: este dia 
fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Aparecendo o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 57 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste 1 . 



1 Segue-se logo que naçeo o sol ao nordeste quarta de leste. 
Nota do auctor. 



189 



Primeira operação depois de meo dia. 

• 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 79 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste 1 : 

Foi logo nesta operação o arco depois de meo dia 
maior que o dante meo dia 22 grãos ; ametade será 
1 1 , que he a quantidade que per esta operação a 
agulha nordestea. 

Este dia ao meo dia tomarão o sol, e o doctor se 
fez em altura de 12 grãos, e o mestre em outros 12, 
e assi dous marinheiros 2 ; o calafate ficou em 1 1 grãos 
\: eu não tomei o sol este dia. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento 
sueste; gouernamos ao sudueste quarta do sul; mas 
no quarto da madorra alargou mães o vento, e go- 
uernamos ao sul e quarta do sudueste; no quarto 
dalua tornou o vento escasear, e gouernamos ao su- 
dueste quarta do sul até amanhecer. 



1 Do que fica claro q se poz o sol a lóeste quarta do nordeste. 
E também pois que o sol naceo a nordeste quarta de leste e se 
pus a loeste quarta de noroeste fica notório, que o arco do ponto 
do nacimento ate meo dia foi maior q o do meo dia ate o lu- 
gar do poimento duas quartas, q he o mesmo falando por ter- 
mos mães claros. Nota do auctor. 

2 Alturas conformes. Nota do auctor. 



460 



CAMINHO. 

• 

Quinta feira 23 de raayo todo o di$ foi o vento 
sueste; gouernamos ao sudueste quarta do sul: não 
se tomou o sol, por andar encuberto. 

De noite toda foi o vento sueste, e ás vezes esca- 
seaua, e outras tornaua alargar ; ao quarto da prima 
gouernamos ao susudueste, e assi o da modorra; 
mas ho quarto dalua escaseou o vento, e gouerna- 
mos ao sudueste e ao sudueste e quarta do sul até 
amanhecer. 

CAMINHO. 

Sesta feira 24 de mayo todo o dia foi o vento 
sueste; gouernamos ao suduesle quarta do sul: a 
oras de meo dia tomamos o sol, e na maior altura 
se aleuantaua sobre o orizonte 5t grãos; a declina- 
ção deste dia era 22 grãos, 17 minutos, do que se 
segue estarmos em 13 grãos *; esta mesma altura 
tomou o doctor e dous marinheiros; o Calafate 
achouse em 13 grãos ^. 

De noite todo o quarto da prima foi o vento sues- 
te; gouernamos ao sudueste: mas no quarto da mo- 
dorra e alua alargou mães o vento; gouernamos ao 
sul quarta do sueste até amanhecer. 



161 



CAMINHO 

Sabbado 25 de maio todo o dia foi o vento les- 
nordeste calmão ; quanto a naao gouernaua, gouer- 
namos ao susueste e ao sul quarta do sueste. 

De noite foi o vento lesnordeste muito bonança; 
gouernamos ao sul e quarta do sueste. 

CAMINHO. 

V 

Domingo 26 de maio todo o dia foi o vento 
como lesnordeste muito bonança; quanto a naao go- 
uernava, fizemos o caminho ao sul e quarta do sues- 
te: o mestre tomou o sol e outra pessoa com elle, 
e ambos se acharão em altura de 1 5 grãos {. 

De noite todo o quarto da prima foi o vento como 
lesnordeste muito bonança e algua cousa mães es- 
caso; gouernamos ao sul; mas no quarto da mo- 
dorra refrescou o vento, e fizemos o mesmo caminho 
do sul e quarta do sudueste até amanhecer. 

CAMINHO 

Segunda feira 27 de maio todo o dia foi o vento 

como leste; até meo dia gouernamos ao susudueste, 

e dahi até noite ao sul : a oras de meo dia tomei o 

sol, e na maior altura se aleuantaua sobre o orizonte 
a. 11 



168 

50 grãos |; a declinação deste dia era 22 grãos, 23 
menutos, do que se segue estarmos era 17 grãos 
menos hum seismo l : dous marinheiros tomarão na 
maior altura do sol ao orizonte 50 grãos ^: este dia 
vimos muitas aves a que chamão pardellas, as quaes 
não vimos noutra parajem, somente nesta e nas Ca- 
nareas ; tem estas aves as barrigas brancas e as cos- 
tas pardas, donde parece que tomarão ho nome ? . O 



1 Alturas conformes. 

2 «Das Pardellas , com barrigas brancas e costas pardas, en- 
contradas proximamente a 60 legoas das costas do Brasil, diz 
também o Roteiro que não foram vistas n 'outras paragens, so- 
mente n'esta e nas Canárias. Aquella vaga indicação de cores 
applica-se com egual propriedade a tantas aves do mar, que 
pouco ou nada nos aproveita. De varias espécies de Diomedea, 
e citarei as D. chlrorhyncha e Diomedea melanopkrys, que Wy- 
wille Thomson e Zelebor encontraram entre a costa do Brasil 
e Tristão da Cunha, se pode dizer que lêem as costas pardas e 
a barriga branca; os mesmos signaes quadram bem a aves 
aquáticas mais pequenas do que aquellas, taes são: Pelagro-. 
droma narina e /Estreleta mollis, que os naturalistas do Chal- 
lenger trouxeram de Tristão da Cunha, Puffinus KMi, Puffinus 
conspicillatus e outras espécies da mesma familia que vêem ci- 
tadas n:i viagem da fragata Novara como tendo sido observa- 
das durante o trajecto do Rio de Janeiro ao Cabo da Boa Es- 
perança. Comtudo aquella referencia do Roteiro a umas certas 
aves que havia encontrado nas Canárias, eguaes a essas que 
chamavam Pardellas, inspira-me uma certa audácia permil- 
indo-me que d'entre as muitas aves a que poderia applicar-se 
esta denominação, eleja como mais provável — o Puffinus Kuhli, 
que effectivamente frequenta as Canárias, e se mostra muitas 



463 

mestre tomou o sol ao meo dia, e ficou em altura de 
17 grãos; e assi elle como todos os marinheiros que 
carteauão, se faziâo, avia já três dias, com terra; 
somente eu e hum marinheiro estaua 60 legoas delia: 
este dia me disse o Piloto que as agoas corria o 
muito pêra o sul, que avia muitos dias que o tinha 
experimentado, e querendomo mostrar, ora fosse 
por mo saher mal declarar, ora por o eu não saber 
entender, mo nao pôde parecer ' : e querendose pôr 
o sol, vimos hum Rabiforcado só, e avia já dez dias 
que nos desaparecerão estas aves. 

De noite o quarto da prima foi o vento como 
sueste, tomaua algua cousa pcra leste ; gouernamos 
á mea partida do susudueste ; mas no quarto da mo- 
dorra e alua alargou o vento duas quartas, e gouer- 
namos ao sul até amanhecer. 



vezes em bandos mais ou menos numerosos. Tenho apenas por 
provável que as Pardellas fossem principalmente aves doesta 
espécie, á qual dão nos Açores e Madeira o nome de Caí/arras. 
(Informação que devemos ao nosso collega o sr. dr. Bocage).» 
1 No cabo de S. Roque, um ramo da grande corrente equa- 
torial corre para o sul e forma a corrente do Brasil, que*ca- 
nunha parallela á costa, a distancia de 250 a 300 milhas. Gra- 
dualmente esta corrente se vae alargando, se vae tornando me- 
nos definida e curvando para leste, até que em lai. de 33", 
cruza o oceano e vae confundir-se com a grande corrente do 
mar do sul. Esta era a corrente que o piloto mostrava a D. João 
de Castro, e este não sabia entender, como elle próprio con- 
fessa. 



164 



CAMINHO. 

Terça feira 28 de maio até o meo dia 1 foi o vento 
leste ; gouernamos ao sul : mas a oras de vespora nos 
deu hum chuueiro da banda do sueste ; gouernamos 
ao sudueste obra de duas oras: e dahi tornou alar- 
gar e ventar de leste ; gouernamos ao sul quarta do 
sudueste atee anoitecer: este dia fiz as operações 
seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 6 grãos 

ho estilo lançou a sombra 52 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. E a este 
tempo por dous Relógios de sol erão 8 oras \. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos 

ho estilo lançou a sombra 42 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. E a este 
tempo erão 9 oras \. 



1 Coniunção, oras, 5, ate m.° dia, minutos 33. Nota do au- 
ctor. 



165 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos 

ho estilo lançou a sombra 65 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo erão três oras \ depois de meo dia. 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 23 grãos, os quaes 
partidos, vem á parte i 1 grãos \, que he a quanti- 
dade que agulha neste lugar nordestea. 

De que fica notório que, andando o sol igoaes ar- 
cos, o Relógio gastou mães tempo no arco da tarde 
que no de pella menhãa | dora: este dia ao meo dia 
tomou o Piloto o sol, e achouse em i 8 grãos largos, 
o mestre em 18 £, o calafate em outros 18 \ 9 hum 
marinheiro em 18 ". 

De noite obra de duas oras do quarto da Prima 
escaseou o vento e foise a lessueste ; gouernamos ao 
susudueste: mas deste tempo até fim do quarto tor- 
nou alargar; fizemos o caminho do sul e quarta do 
suduestè : entrando a modorra, alargou mães o ven- 
to; gouernamos ao sul franco; mas querendose aca- 
bar o quarto, nos deu hum chuueiro do sueste, e 



1 Este dia tomando as duas alturas de pia menhâ e a varia- 
ção da sombra obrando na poma achei estarmos em altura de 
18 gráos l / t . Nota do auctor. 



166 

tomando o traquete, gouernamos ao sudueste obra 
de hua ora e mea: mas entrando alua, tornou o 
vento alargar, ventando como lesnordeste; gouerna- 
mos ao sul e quarta do sueste até amanhecer. 

Quarta feira 29 de maio, sahindo o sol, nos deu 
hum chuueiro do sueste; gouernamos obra de hua 
ora ao sudueste: mas logo o vento tornou alargar e 
ventar da banda de leste; gouernamos ao sul até dez 
oras de dia; e dahi avante largando mães o vento, 
gouernamos ao sul quarta do sueste e á mea par- 
tida do susueste até anoitecer: este dia fiz as ope- 
rações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

• 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 31 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloestc. E a este 
tempo por dous Relógios de sol erâo 8 oras \. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 40 grãos 

ho estilo lançou a sombra 20 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erâo 10 oras .]. 



467 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 64 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo erão pouco mães de 3 oras. 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 32 grãos \ l ; vem á 
parte 16 {, que he amelade, que por esta operação 
agulha nordestea, que he impossível 2 . 

Este dia tomando as duas alturas de pella me- 
nhã e a variação da sombra, que foi 11 grãos \, 



1 Erro na operação no variar das agulhas. Nota do auctor. 

2 A observação que o auctor faz é justa; mas o facto expli- 
casse porque as agulhas, no instrumento das sombras, estavam 
desarranjadas, como elte próprio diz mais adiante. Ha a ac- 
crescentar que só a 29 de julho o observador reconheceu a 
influencia de massas de ferro sobre as agulhas, pois diz ahi, 
em vista das irregularidades que lhe davam as observações no 
porto de Moçambique e que o traziam muito suspenso: cfoi 
hum berço que estava no mesmo lugar, onde eu queria fazer 
as operações, o ferro do qual berço chamaua assy as agulhas, 
e as fazia desvariar desta maneira, do que tirey q hua opera- 
ção que fiz a 30 dias de junho no meridiano que está para 
leste do cabo das agulhas. 5 grãos */ 2 a qual achey que me vi- 
nha muito descõcertada, e assy algíías outras q fiz na paragê 
do Brasil, onde achey notauês differenças que foy por as fa- 
zer perto donde eslaua algQa peça de artilharia, anchoras, ou 
qualquer outro ferro, como me passaua a todas as partes da 
mo buscando lugar conueniente a esta obra.» 



168 

obrando na poma pella maneira acostumada, achei 
que me daua 1 6 grãos da altura, o que me espan- 
tou muito, porque o dia dantes nos achamos em 18 
grãos \; pello que, parecendome que naceria este 
erro de obrar mal na poma a demostração, á tarde 
fiz outra obseruação, e tomando o sol em altura de 
35 grãos ~ \ o estilo lançou a sombra 53 grãos, con- 
tando do norte pêra a banda de leste; e logo tor- 
nando tomar o sol em altura de 28 grãos, o estilo 
lançou a sombra 64 grãos, contando do sul pêra a 
banda de leste; e asentando esta variação no ori- 
sonte da poma, a qual variação foi 1 i grãos, e assi 
as duas alturas, cada hua do cabo da tal variação, 
tirando de 90 a declinação deste dia e tomando os 
grãos que me sobejauão, que erão 67 \, fazendo a 
declinação com o compasso curuo, achei 23 grãos ; 
daltura, que era imposiuel 2 : este dia na maior altura 
tomou o sol o Piloto e mestre, e ambos se acharão 
em 19 grãos L A : a causa do desconcerto que me oje 
fizerão as operações, não pude alcançar, nem a que 
o attrebuir, saluo que o dia dantes mandei enderei- 
tar agulhinha do estormento, e que neste bullir se 
podia destemperar 3 . 



1 Outra operação pela altura a toda a 6ra. Nota do auctor. 

2 Altura ao meio dia. Nota do auctor. 

3 Já api outra nota tivemos occasião de mostrar quanto eram 
pouoo seguras a* observações da agulha, em consequência da 



169 

De noite toda foi o vento norte e nornordeste cal- 
mão, quanto a naao gouernaua; o quarto da prima- 



sua defeituosa construcçao; agora daremos noticia d'essa con 
strucção a fim de melhor se avaliar a incerteza com que no 
século xvi se determinava no mar a linha norte-sul, e mais 
ainda a grandeza da declinação magnética nos diversos Joga- 
res da terra. Marti m Cortez no seu Compendio de la sphera e 
de la arte de navegar > 3 publicado em Sevilha no anno de 1551, 
descreve do seguinte modo a fabricação da bússola: fTomese 
un papel como d'naypes, y dese enel vn circulo de quantidad 
d'vna mano poço mas o menos, è el ql se han de pintar los 
32 vientos con las colores y en la orden q dimos en el primero 
y segundo cap. delos vientos y dela carta: no oluidando* de 
senalar el norte com vna flor de lys, y el leuante con vna 
cruz : y d'mas d'sto cada vno segu su phantasia los hermo- 
seara y agraciara: despues por la fte baxa d'ste papeio se ha 
d'dar vna linea qste dVechamète baxo de la d'I norte sur, la 
qual será senal para el asêtar los fierros o azeros : y despues 
se ha de tomar vn d'filo hierro, ou azero ta gruesso como vn 
alfiler gordo o segu el tamano d'l redõdo d*l papel, rosa, ayuja 
o bruxola que ya se puede llamar : Este fierro se ha de doblar, 
y q cada vna d' las ptes ygualmète sea tan luenga como el diâ- 
metro d' la bruxola y mas la qrta parte. Los cabos ò puntas d *- 
tes fierros, ô azeros sé han dapretax y ajustar; y en los mé- 
dios se ha d'abrir o aptar uno d'otro hasta q los cabos vêgan 
a ygualar con las extremidades dei diâmetro de la bruxola : y 
asi quedara los azeros quasi.en figura oual. Estes fierros se 
ha de apegar por la pte baxa de la bruxola d'manera q sus ex- 
tremidades, o puntas vengan precisamête por la linea d'l nor- 
tesur: y para fixar los asi se ha d 'cobrir con un papel delgado 
engradado, d'xando las putas o extremidades d'l fierro d'scu- 
biertas. Y estas extremidades se hã d 1 tocar en Ia piedra yman 
en esta manera, la pte q esta abaxo de la flor d'lys se ha d're- 



170 



gouernámos ao susueste, mas o da modorra e alua 
ao sueste e sueste quarta do sul. 



fregar en aqlla pte de la piedra q correspõde ai norte (segu se 
dixe enl capitulo pasado) y esto basta ua para la pfection dl 
aguja: pêro algunas qeren para superabQdancia tocar la otra 
parte dei fierro con aquella pte de la piedra que corresponde 
ai sur: y tambiê bastaua tocar cõ sola esta parte. Este toca- 
mtèto dl fierro cõ la piedra pa q la virtud d'inÕstratiua sea 
engêdrada se ha d'hacer dando cõ vn martillo aigQos golpes 
en aqlla pte dia piedra q se ha d 'tocar: es a saber enl norte, 
o enl sur: y alli le saldrã vnas barbas dõde se ha d 'se fregar 
la pQta d'l íiero, como qen lo amolase: y qdar le ha apegadas 
alguas dias dichas i>arbas dia piedra : y asi tocados y pega- 
dos los Berros ha se dlomar una pfttadlatõ, dTigura pirami- 
dal q es baxo ancha y arriba haze punta: esta se haze redõda, 
o ochavada como mejor paresce, y por lo baxo, o ancho se ha 
de barrenar con vn taladro, y el barreno ha de ser de forma 
piramidal y ha de entrar enl pirâmide hasta médio, o algun 
poço mas. Esta pirâmide a que los marineros por la mayor 
parte dizem chapitel ha d'tener de alto un dedo de traues, o 
segun el aguja fuere: y ha se de encaxar por el centro de la 
buxola, como la punta salga por la parte alta: y alli se ha de 
pegar y bien fixar: despues se lia de tomar vna caxa redonda 
de madera hecha entorno donde el aguja pueda estar sin to- 
car en las paredes de la caxa, y ha d'ser tam alta como el se- 
midiametro dei aguja: el suelo desta caxa ha d'star postizo, 
porque se pueda qtar y tornar a poner para tornar a tocar cõ 
la piedra los azeros (a q dizen ceuar) quando sea menester: 
porq no le falte a la aguja la virtud. Enel médio dei suelo desta 
caxa se ha de poner vna punta de hilo de lalon aguda, y de- 
recha hazia arriba : y sobre esta puta ha d'andar la rosa o bru- 
xola asentando sobre la punta el agujero dl chapitel: y poi- 
que no le entre viento por la parte d'arriba se ha de cobrir esta 



171 



CAMINHO. 

Quinta feira 30 de maio todo o dia foi o vento 
calma; quanto a naao gouernaua, leuamos a proa 



caia con vn vidrio: y asi tocada de la piedra y puesta sobre 
la puta, senalara la parte dei norte y por conseguinte todos 
los otros vientos. Es bien notar q despues de tocada el aguja 
cn qualquier d'stas maneras, si allegan la parte dei norte d'la 
piedra ai norte dei aguja, el norte dl aguja se allegaraaella: 
y slla allegan ala parte d'l sur de aguja hujra delia, y por él 
cõtrario si allegan el sur d'la piedra ai sur dei aguja se alle- 
gara a ella: y si ai norte huyra. Esto se entfède estando la 
aguja libre como se ha d'asêtar: y es tabien esta buena senal 
para conoscer ql sea el norte y el sur de la piedra. Allende 
d'slo ha se de poner esta caxa en otra sobre los círculos ene- 
xados vno en otro: q sirvan para que no pede el aguja, aun 
que penda la nao: y tanbien esta cana ha de tener su cubierta 
de madera para q guarde la otra : y ha se d'aduertir q la punia 
d'la pirâmide o cha pitei y su agujero y la puta sobre q ãda 
estan derechos, y tâbié la rosa q no d'cline a una ni a otra 
parte: y si fuere mas ligera d'lo que es menester, hagan 
la punta sobre que anda algo mas bota. > (Martin Coriez, 
Breue Comp. de la sphee. y dela art. **naue. Sevilha, 1551, 
Part. m, cap. im, fl. 1 xix ver.) Citamos longamente o tra- 
tado ^hespanhol, porque elle nos dá perfeita idéa das agulhas 
de marear no meado do século xvi, e nos deixa ver a sua im- 
perfeição, e os numerosos erros que deviam necessariamente 
resultar dos numerosos desarranjos a que estavam sujeitas. 
As leis do magnetismo eram mal conhecidas ; o modo pratico 
de magnetisar dos mais imperfeitos, e nem sequer se conhe- 
cia que o ferro em diversos estados, e o aço segundo a sua 



472 



ao susueste, ora ao sueste quarta do sul: este dia 
fiz as operações seguintes. 



tempera, tomam differente força magnética, e a podem con- 
servar por mais "ou menos tempo. Que era muito variável a 
força coercitiva das agulhas prova-o a necessidade de as magne- 
tisar para que se não perdesse a virtude á agulha. A forma das 
agulhas, constituídas por um fio de ferro ou de aço, grosso 
como um alfinete grande, e dobrado ao meio, e com as duas 
pontas unidas apenas, não podia ser mais inconveniente; tudo 
parecia assegurar a não efficacia da bússolas. No livro de Gui- 
lherme Gilberto, publicado em 1600, diz-se, descrevendo a 
agulha de marear: t Ferramenta aut sunt bina (coéuntibus 
ter di in is) aut unum ouali fere forma prominentibus termi- 
nis, quod certius et celerius suu officium facit.» (Guil. Gilb. 
De Magn. Lond. 1600, liv. iv, cap. vni, pag. 165.) Ainda no 
Roteiro de Aleixo da Motta, de 1623, se diz fallando da cons- 
trucção da agulha: «As agulhas que se costumavam até o anno 
de 1614 todas tinham duas pontas nos ferros d'onde se sevam 
da parte do norte, e outras duas pontas da parte do sul, e eu 
vendo no mar o erro q causavão as ditas agulhas terem as 
ditas duas pontas mandei fazer os ditos ferros de húa só ponta 
p. a o norte e outra p. a o sul, porque sendo duas para se ajus- 
tarem na rosa lhe grudam um papel por cima d'ellas para as 
sustentarem que se não apartem; mas no mar com a quentura 
as agulhas q estão na bitacula algumas vezes amolesse o grude 
e alargam-se os ditos ferro3 huma ponta da outra alguma cousa 
o ficam divididos os ditos pontos onde estão sevadas, e assi 
fica a agulha fazendo mais variação para a parte do ferro q 
tomou mais seva na pedra, e como os ditos ferros não forem 
muito eguaes e fôr um mais groço qualquer coisa que o outro, 
este tal tomará a seva mais que o mais delgado, apartando-se 
o que tomou mais seva para a parte do nordeste fará nor- 
destear mais a agulha, e o mesmo fará apartando-se para a 



173 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 5 grãos 

ho estilo lançou a sombra 52 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo era pouco mães de 8 e oras. 



parte do noroeste. Isto vi eu muito bem por vezes no mar e 
me serviu para mandar fazer os ditos ferros de hua só ponta 
e de aço fino, o qual toma melhor a seva e a sustenta melhor, 
pelo que aconselho que se uze das agulhas de hfia só ponta 
p.* a parte do norte e outra para a parte sul, para as obser- 
vações que fizerem sairem mais ao certo. • Rot. da Nav. da 
carr. da lnd. por Aleixo da Motta, Mss. da Bibl. Nac.) Do 
que fica indicado pode concluir-se quanto seriam imperfeitas 
as agulhas de que se usava, e quão erradas seriam as observa- 
ções que com ellas se faziam no século xvi. Não é pois para 
admirar que no roteiro da costa da índia, D. João de Castro, 
depois de notara irregularidade das suas observações com di- 
versas agulhas, diga: «Doestas cousas se segue que as agu- 
lhas são differentes entre si, variando humas mais que outras, 
e assi mesmo que os relógios discrepam do sentido das agu- 
lhas; de modo que cada estromento tira para sua parte. Se 
isto nace da pouca pontualidade de nossos estrumentos, se dou- 
tra cousa que a natureza tenha ençarrada em sua oficina, sol- 
vat Apollo.* (Rot. da Cost. da lnd., por D. João de Castro, 
pag. 92.) 



174 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos 

ho estilo lançou a sombra 42 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 38 grãos ^ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Qmrta operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 40 grãos 

ho estilo lançou a sombra 20 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 40 grãos 

ho estilo lançou a sombra 45 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

'Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 



1 Tornou a concertar a observação do variar das agulhas. 
Nota do auctor. 



175 

dia maior que o dante meo dia 24 grãos {, e he a 
sua metade 12 grãos \, que be a quantidade que 
neste lugar agulha nordestea. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 61 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 23 grãos, os quaes 
partidos pello meo, vem á parte 1 1 grãos {, que he 
a quantidade que neste lugar agulha nordestea. 

Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos . 

ho estilo lançou a sombra 65 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 23 grãos \\ he a 
sua ametade 11 J, que he a quantidade que neste 
lugar agulha nordestea. 



176 



Quarta operação depois de meojdia. 

Estando o sol em altura de 5 grãos 

ho estilo lançou a sombra 77 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foi logo o arco de depois de meo dia maior que 
o dante meo dia 25 grãos £; he a sua ametade i2 
grãos \, que he a quantidade que agulha neste lu- 
gar nordestea. 

Corrolario. 

Destas cousas se segue que a agulha do estor- 
mento estaria bem concertada, pois por tantas obser- 
uações se vereficou o variar das agulhas, e em to- 
das vierão os arcos muy conformes, e assi mesmo 
se proua pellas operações doje e de terça feira o mes- 
mo; porque tomando eu terça feir$ o sol em altura 
de 6 grãos escasos, o estilo lançou a sombra 52 
grãos, contando, do sul pêra a banda daloeste, e a 
este tempo erão 8 oras \ ; e dahi a pouco tornando 
tomar o sol em altura de 24 grãos, ho estilo lançou 
a sombra 42 grãos, contando do sul pêra a banda 
daloeste, e a este tempo erão 9 oras \: ora oje 
quinta feira, tomando o sol em altura de 5 grãos, 
ho estilo lançou a sombra 52 grãos, contando do 
sul pêra a banda daloeste, e erão a este tempo 



177 

pouco mães de 8 oras; e tornando a tomar o sol em 
altura de 24 grãos, ho estilo lançou a sombra 42 
grãos, contando do sul pêra a banda daloeste, do 
que fica manifesto, que se a agulha e estormento es- 
tiuerão oje desconcertados, que não vierão estas 
operações tão conformes com as de terça feira, 
onde agulha e estormento estauão em sua perfeição. 
Contra este argumento não vai dizerem, que terça 
feira tomey 6 grãos daltura pella menhãa, e oje 5 ; 
porque, como já tenho ditto, quando o sol está perto 
do orizonte, em mudança de hum grão não varia a 
sombra pello circulo cousa sensível 1 . Este dia obrando 
na poma com a primeira altura de pella menhãa, que 
foi 5 grãos, e com a segunda, que foy 24, em que 
ouue i grãos de variação de sombra, açhey que es- 
tauamos em 1 8 grãos ; e logo obrando outra vez com 
a segunda altura, que foy 24 grãos, e com a terceira, 
que foy 28, em que ouue 3 grãos { de variação de 
sombra, achei que me daua 22 grãos daltura; e tor- 
nando a obrar com a terceira e quarta altura, veo a 
leuação do polo muito mães falsa 2 : este dia na maior 
altura tomou o Piloto e mestre o sol, e ficarão em 
20 grãos 3 , e a mesma altura achou o calafate e ou- 
tras pessoas. 

1 Desconcertou a altura a toda a ora em três observações. 
Nota do auctor. 

2 Altura do meo dia muy conforme. Nota do auctor. 

3 Esta altura tomada pelo piloto é justamente a média das 

alturas que encontrou D. João de Castro. 

a. 12 



178 

De noite toda foi o vento coroo nordeste muito 
calmão ; quanto a naao gouernaua, fizemos o cami- 
nho á mea partida do susueste e ao sueste quarta 
do sul até amanhecer. 

CAMINHO. 

Sesta feira 31 de maio todo dia foi o vento cal- 
ma; quanto a naao gouernaua, fizemos o caminho 
ao susueste e ao sul quarta de sueste 1 : o Piloto e 
mestre tomarão o sol, e acháranse em 20 grãos \: 
este dia vimos muitos 1 grajaos e Rabiforcados. 

De noite toda foi o vento nordeste e lesnordeste 
muito bonança; ao quarto da prima gouernamos ao 
sul quarta do sueste e ao susueste ; mas a modorra 
e alua gouernamos ao susueste e ao sueste quarta do 
sul. 

CAMINHO. 

Sabbado primeiro de Junho até o meo dia foi o 
vento como leste muito bonança, e dahi avante alar- 
gou, e gouernamos ao sueste até anoitecer: e na 
mayor altura tomou o Piloto o sol, e achouse em 22 



1 Altura do meo dia. Nota do auctor. 
1 Aves aparecerão. Nota do auctor. 



179 

grãos e|,eo mestte em 22 grãos: este dia vimos 
muitos grajaos, rabiforcados e pardelas. 

De noite toda foi o vento como nordeste galerno ; 
gouernamos ao sueste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Domingo 2 de Junho foi p vento como lesnor- 
deste bonança até o meo dia; gouernamos em les- 
sneste ; mas tornando a escasear o vento, fizemos o 
caminho do sueste até anoitecer: e este dia fiz as 
seguintes operações. 

. Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 7 grãos 

ho estilo lançou a sombra 47 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo 
erão 8 oras {. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 35 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste : a este tempo 
erão 9 oras ;. 



12 



180 



Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 35 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste ; e a este tempo 
erão ii oras. 



Primeira operação depois de meo dia 

1 Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estilo lançou a sombra 55 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo 
erão três oras depois de meo dia. 

Foi logo o arco depois de meo dia maior que o 
dante meo dia 41 grãos | 2 ,ea sua ametade 20 grãos 
~, que he a quantidade que por esta operação agu- 
lha nordestea, o que he impossível. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 66 grãos 



1 Nesta operação parece que gastou ho relógio mães 2 ho- 
ras q ua altura dos 32 grãos í / 2 desta menljãa. Notadoauctor. 

2 Aqui faltou a operação sem se poder sêtir a causa donde 
procedia. Nota do auctor. 



181 

contando do sul pêra a banda de leste: neste tempo 
erão 4 oras. 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 30 grãos £ \ e a sua 
metade 15 \, que he a quantidade que por esta ope- 
ração agulha nordestea, o que he impossiuel. 

Este dia, querendo tornar a experimentar a al- 
tura a toda a ora, tomei a altura de 7 grãos e a de 
23, em que o sol esteue pella menhãa, com a va- 
riação da sombra do estilo, que foi 12 grãos, e 
obrando na poma pella maneira acostumada, achey 
que me daua daltura 24 grãos ±, o que he impossi- 
uel ; e fazendo logo outra operação com a altura de 
23 gratos e a de 32 \ de pella menhãa, em que ouue 
22 grãos de variação de sombra, achey que me 
daua 34 grãos { de leuação do polo, que foy cousa 
insofriuel : a oras de meo dia tomamos o sol, e es- 
tando cada hum vereficando a sua altura, disse ho 
Piloto que já decia; logo sem mães considerar o cre- 
rão todos, e hindosse com o sol que a tal tempo 
acharão em seus estarlabeos, fiquei eu e o doctor e 
o Calafate, que sabíamos o contrairo, e oulhando o 
sol que leuauão nos estarlabeos, achei que o Piloto 
tomara do sol ao orizonte 43 grãos, e o mestre mães 
í, hum marinheiro 42 £, e outro 43; eu tinha a este 



Aqui faltou tarabS a operação. Nota do auctor. 



482 

tempo tomado 43 \, e o calafate 42 J: ora ficando 
eu assi, juro que dahi a hua ora me foi sobindo o 
sol até se pôr em altura de 44 grãos, o que sen- 
tindo o calafate em seu estarlabeo, começou a dizer 
que o sol lhe tinha sobido até mães de 44 grãos, 
pello que tornando os dous marinheiros a to- 
mar o sol, acharão daltura 44 grãos; o doctor a 
este tempo se foi ao mestre e lhe fez tornar a to- 
mar o sol, e achou os mesmos 44 grãos, o que vendo 
o Piloto, o tornou a tomar outra vez, e achou os 
mesmos 44 grãos folgados 1 : a causa de tamanho erro 
vem de os Pilotos e homens do mar crerem que to- 
mão o sol na maior altura, quando os seus Relógios 
lhe fazem meo dia, e com os grãos que ao tal tempo 
acham, se erguem e vão fazer sua oonta*, não con- 



1 Prova a causa de tomar mal a altura. Nota do auctor. 

1 Eram os pilotos do século xvi homens rudes do mar, com 
pouca ou quasi nenhuma instrucçào. Não conhecendo a maior 
parte das vezes o uso dos defeituosíssimos instrumentos de 
que se serviam senão pela rotina, não podiam, por isso, nem 
oorregir4ties os defeitos nem ponderar devidamente os erros 
de observação. Tinham comtudo grande vaidade, e como as 
viagens, por mares pouco navegados, dependiam dos pilotos, 
estes envolviam os seus actos em certo mysterio, e escondiam 
a sua ignorância em exterioridades, que podessem impressio- 
nar o vulgo. As dissidências entre os homens theoricos e os 
homens práticos já n'aquelle tempo andavam accesas, como o 
provam as palavras de D. João de Castro no prologo do Ro- 
teiro do Mar Roxo. Depois de accusar os homens do mar do 



483 



siderando como os Relógios por onde se regem são 
feitos em differentes Regiões, e cada hum serue á 
leuação do pollo do lugar donde he feito, o que oje 
muy conhecidamente se mostrou ao meo dia; por- 



sen tempo de se darem por inventores do que outros inventar 
ram antes d*elles, acrescenta: «E assi como se nelles estiues- 
sem todas estas graças, sam priuilegiados de todolos os ho- 
mens, e tidos como soberanos. Porque elles somente podem 
matar sem pena, como diz Plínio dos físicos, e destruírem as 
fazendas e a substancia de. todos. Pois cada hora hemos, que 
dando com as Naaos a traués per suas culpas, nam ha quem 
lhe peça conta dos mortos; mas he lhes muito agradecido, e 
tido por humanidade quererem dar rezam de si, e a desculpa 
do infortúnio, pondo mil aleiues ao Ceo, Ventos, Mar, com 
outros achaques infinitos. Ora, dizendo que a naao lhe leuaua 
furtado tantas legoas: ora, queasagoas com suas correntes os 
lançaram fora do caminho. De sorte que, nam digo ja per suas 
ignorâncias, e contumasias lhe ser dado pena, e reprehensam 
de seus erros: antes em este lugar negoceam modos de os apa» 
zigoar, e busca muitas rezões pêra lhes absoluerem o naufrá- 
gio, atribuindo suas culpas, e males a fortuna, como que o 
mundo seria perdido, se nelle nam ouuesse Pillotos.» (Castro, 
Rot. do M. Roxo, pag. iv.) Pedro Nunes no seu Tratado em 
defensão da Carta de Marear, diz dos pilotos d'aquelle tempo 
o seguinte: cBem sey quam mal sofrem os pilotos que fale na 
índia quem nunca foy nella: e pratique no mar quem nelle 
não entrou: mas jus ti ficam- se mal: poys lhes nos sofremos 
a elles: que cõ sua maa linguagem e tam bárbaros nomes: fa- 
lem no sol, e na lua, nas estrelas, nos seus círculos, movimen- 
tos, e declinações: como nacem, e como se põem: e a que 
parte do orizonte estam inclinados: nas alturas e Jonguras dos 
lugares do orbe: nos astrolábios: quadrantes balhestilbas e re- 



184 

que, vereflcando as oras por quatro Relógios, achei 
que dous delles me fazião meo dia, e o terceiro i 1 
oras i, e o quarto 1 i oras \ : alem disto faz miotir 
muitas vezes muito os taes Relógios o variar de suas 
agulhas, porque, como quer que são ceuadas com 
differentes pedras, e os mesmos ferrinhos seião mais 
aceiros huns que outros, faz que variem ou nordes- 
teem huns muy diíferente dos outros, e daquy vem 
mostrarem o lugar de meo dia com tanta falsidade ' : 



logios: em annos comtís e bisextos: equinociaes e solsticios: 
nam sabendo nada nisso: e posto que elles nos digam que o 
navegar he outra cousa per si: sabemos certo que se aprouei- 
tam muito disto: e que se algum delles vem a ter presunçam 
de saber na esphera: quer logo triunfar dos outros que a Dam 
sabem.» (P. Nunes, T. em def. da Car. de Marear.) 

1 Era opinião no tempo de D. João de Castro, que a diversa 
procedência das pedras, com que as agulhas magnéticas eram 
cevadas, influía na declinação das mesmas agulhas. Este erro 
manifesta-se de um modo claro e explicito no que elle diz em 
vários togares dos seus roteiros. Faltando, por exemplo, de 
uma agulha tirada de um relógio de Allemanha, que mandou 
magnelisar pelo piloto antes de a adaptar a um instrumento, 
e notando que depois d'esta operação a agulha indicava a mes- 
ma declinação que dantes tinha, diz o auctor: «Desto fiquei 
muito pensativo, porque o relógio d*onde tirei esta agulha foi 
feito em Alemanha e lá avia de ser cevada a agulha, com suas 
pedras de manhete: ora a pedra com que ao presente a loquou 
o piloto de novo, hera desta costa da índia, e sem embargo das 
regiões serem tam diferentes a propriedade das pedras parece 
ser huma mesmo.» (Rot. da costa da Índia, pag. 87.) No mes- 
mo Roteiro (idem, pag. 102) encontra-se uma notação acerca 



185 

e pêra mães certeza de sobir o sol, quando oje o Pi- 
loto tomou 43 grãos e disse que decia, podemos con- 
siderar como ontem ficou em altura de 22 grãos \\ 
e toda esta singradura foy o vento muito bonança, 
quanto a vella não tocaua o masto, e gouernamos 
toda ao sueste, sendo o vento pêra poder hir á quarta 
de leste, e ás vezes mais largos: logo, se oje o Pi- 
loto tomara bem o sol na altura de 43 grãos, era 
necessário que de bontem pêra oje andássemos bum 
grão e hum terço, que por este Rumo do sueste va- 



da diversidade que entre si apresentavam três agulhas ma- 
gnéticas: e essa notação é muito curiosa para que a não tran- 
screvamos aqui. Diz a notação: c Vendo tamanhas diversidades 
nestas três agulhas imaginei que estas diferenças podiam na- 
cer dos ferros das agulhas estarem desviados do norte e frol 
de lis, corno muitas vezes se costuma a fazer pêra -se emendar 
a variação que fazem (vide nota 1, pag. 23); polo que abri to- 
das três e lhes vi muito bem os ferros os quaes estavam direi- 
tos e muito justos com o Norte e frol de lis das agulhas. Fora 
desta duvida entrei noutra, e foi parecer me que estas agulhas 
seriam cevadas com desvairadas pedras e por tanto cada um 
tiraria pêra a parte onde a vertude e propriedade da pedra ha 
enderençam, mas inquirindo deste caso o piloto, jurou-me 
que todas três eram tocadas com huma soo pedra, e loguo em 
minha prezensa as cevou todas três, as quaes tornaram a jul- 
gar como dantes, o que me deu a entender qu'a variação que 
fazem as agulhas he causada da matéria do ferro, e nam da 
natureza do manhete, e que segundo o ferro for mais ou me- 
nos aceiro, assi fará incrinar a frol de lis da agulha para 
aquele lugar onde tem sua natural incrinação.» 



486 

lem 42 legoas, o que he impossiuel, pello pouco 
vento que trazíamos na vella. 

De noite toda foy o vento como nornoroeste; go- 
oernamos a lessueste, e ginauão pêra a banda de 
leste. 

CAMNHO. 

Segunda feira 3 de Junho todo o dia foy o vento 
norte e ventaua fresco; gouernamos em leste quarta 
de sueste: este dia ao meo dia tomamos o sol, e o 
Piloto tomou do sol ao orizonte 42 grãos J,eo mes* 
tre 42 \; e eu, deixandome estar mães, me sobio o 
sol até 43 grãos; a declinação deste dia era 23 grãos, 
13 menutos, do que se segue estarmos em 23 grãos 
47 minutos: este dia desaparecerão as aves. 

De noite todo o quarto da prima e modorra go- 
uernamos a leste quarta de nordeste ; mas o quarto 
dalua gouernamos em lessueste, pêra arribar á ca- 
pitaina, que nos fícaua muito a julauento : toda noite 
foy o vento norte. 

CAMINHO. 

Terga feira 4 de Junho todo o dia foy o vento no- 
roeste Rijo; gouernamos em lessueste, e foy o pri- 
meiro dia que vimos o mar groso e andar aleuan- 
tado, e vimos muitas par delas: não se tomou o sol, 
por não aparecer. 



187 

De noite o quarto da prima foy o vento noroes- 
te; gouernamos a lessueste; e querendose Render 
ho quarto, nos deu hum chuueiro do sudueste, que 
nos fez tomar os traquetes e amainar a vella grande 
até meo mas to; duraria duas oras, chouendo muito, 
e no fim deste tempo tornou o vento ao noroeste; 
gouernamos a lessueste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quarta feira 5 de Junho todo o dia foy o vento 
noroeste galerno; gouernamos ao sueste quarta de 
leste: ao meo dia tomamos o sol, e tomarão o Pi- 
loto e mestre do sol ao orizonte 40 grãos, e eu a 
este tempo tomey outros 40, -e logo se forão ambos, 
dizendo que decia já o sol; mas eu deixandome es- 
tar, dahy a hua ora me sobio o sol mães de { de 
grão, e tardou tanto em decer, que me ergui de en- 
fadado; a declinação deste dia era 23 grãos, 20 me- 
nutos, do que se segue estarmos em 26 grãos £: 
este dia vimos muitas baleas 1 por bordo e nenhuas 
das aves. 



1 Os estudos de Maury acerca da distribuição geograpbica 
das balêas, nos mares do norte e do sul, levaram-n'o á convic- 
ção «that the tropical regions of the ocean are to the right 
whale as a sea of fire, through which he cannot pass, and 
inlo which ha never enters. The fact was also brought out that 
the same kind of whale that is found off the shoies of Green- 



188 

De noite toda foy o vento noroeste; gouernamos 
a lessueste até amanhecer; o quarto da modorra e 
alua foy o vento mães fresco que no da prima. 

CAMINHO. 

• 

Quinta feira 6 de Junho todo o dia foy o vento 
noroeste ; até meo dia gouernamos ao sueste quarta 
de leste, e do meo dia até noite á mea partida de 
lessueste: este dia fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 22 grãos 

ho estilo lançou a sombra 30 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste : a este tempo 
erão 10 oras. 



land, in Baffiifs Bay &, is found also in the North Pacific, and 
about Behring's Strait, and that the right whale of the northern 
bemisphere is a different animal from that of the southern.» 
(Maury, The Phys. Geogr. of the Sea., cap. viu). A linha que 
no hemispherio sul, marca o limite equatorial da baleia, se- 
gundo Maury, sobe pela longitude aproximadamente em que 
navegava D. João de Castro, até quasi a 15° de latitude. Isto 
mostra bem a exactidão e a perspicácia com que o illustre na- 
vegador fazia as suas observações. 



489 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 30 grãos | 

ho estilo lançou a sombra 17 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo 
erão 10 oras \. 

Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altnra de 33 grãos \ 

ho estilo lançou á sombra 11 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo 
eram 11 oras \. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 33 grãos - 1 

ho estilo lançou a sombra * 44 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste. 

Foi logo nesta operação ho arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 32 grãos { , ametade 
dos quaes são 1 6 grãos 1 , que he a quantidade que 
a agulha neste logar nordestea. 

Não tomei o sol nas outras duas alturas de polia 
menhã, porque, acabando de fazer esta operação, 
veo hua cerração, com que não pareceo mães até 
noite: este dia tomando a primeira altura de pella 



190 

menhãa, que foi 22 grãos, e a 2/, que foi de 30 
grãos £, com a variação da sombra do estilo, que 
foi 12 grãos \, obrando na poma pella maneira acos- 
tumada, achei que estauamos em altura de 28 grãos 1 ; 
e fazendo outra operação com a 2. A altura de 30 
grãos \ e terceira altura de 33 grãos \ com a varia* 
ção da sombra do estilo, que foi i i grãos \, acha 
que estauamos em altura de 27 grãos '-: a oras de 
meo dia tomou o Piloto o sol, e achousse em 27 
grãos |; e depois do Piloto ter acabado, dahi a mea 
ora me sobio ainda o sol', e na maior altura se ale- 
uantou sobre o orisonte 39 grãos £; a declinação 
deste dia erão 23 grãos, 22 menutos, de que se se- 
gue estarmos na altura de 27 grãos J: quando fiz 
estas operaçOes, me fazia no merediano que passa 
pella grão Ganarea, e o Piloto neste mesmo lugar, 
pouco mães ou menos 3 ; e he cousa pêra notar, que, 
estando oie o sol na mayor altura, dahi a espaço de 
húa ora e hum terço não senti no estarlabeo que de- 
ceo cousa algua. 

De noite, em anoitecendo, nos deu hum chuueiro 
do sudueste; gouernamos hum pouco a lessueste: e 



1 Tornou a concertar a altura a toda a ora por duas opera- 
ções. Nota do auctor. 

1 Sobio o sol depois do meo dia do relógio e terem tomado 
a altura. Nota do auctor. 

3 Meridiano em que forão feitas estas operações. Nota do 
auctor. 



491 

o vento tomou logo ao noroeste, e ventou todo o 
quarto da prima e modorra ; fizemos o caminho de 
lessueste; mas o quarto dalua saltou o vento ao su- 
dueste, e gouernamos á mesma mea partida até ama- 
nhecer. 

CAMINHO. 

Sesta feira 7 de Junho até oras de vespora foy o 
vento como oeste; gouernamos a lessueste ; mas dahi 
até noite fezse o vento sudueste, e fizemos o mesmo 
caminho: este dia, amanhecendo, não vi a capitaina. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento sul; 
gouernamos a leste quarta do sueste ; mas entrando 
a modorra, saltou o vento ao sueste e ventou com 
grande tormenta, e logo amainando as vellas, fica- 
mos de mar em traués até amanhecer. 

CAMINHO. 

Sabbado 8 de Junho todo o dia foi o vento leste 
e lessueste; andamos de mar em traués até anoite- 
cer. 

De noite toda foi lessueste; andamos de mar em 
traués até amanhecer. 



192 



CAMINHO. 

Domingo 9 de Junho todo o dia foi o vento nor- 
deste e nornordeste; gouernamos ao sueste quarta 
de leste até ás 10 oras, e dahi até noite a lessues- 
te: este dia vimos alguns freijões 1 e pardellas*. 

De noite toda foi o vento nornordeste; gouerna- 
mos a lessueste atee amanhecer. 

CAMINHO. 

Segunda feira 10 de Junho pella menhã saltou 
ho vento ao norte; gouernamos a lessueste; da bes- 
pora por diante largou o vento até se fazer noroes- 
te, leuamos a mesma proa até anoitecer: este dia fiz 
as operações que se seguem, e por me tirar de du- 
uida ácerqua da agulhinha do meu estormento, to- 
mey outra de hum Relógio, ceuandoa primeiro, 
obrando ora com hua, ora com outra: vimme desen- 



1 São estes pássaros, segundo o já citado roteiro de Aleixo 
da Motta, «do tamanho de pombos, e arrayados de preto pelas 
azas». Tem estes pássaros, que se encontram entre Tristão da 
Cunha e o Cabo da Boa Esperança o cpé patudo» e fortes azas, 
com que podem voar a grandes distancias da terra. Provavel- 
mente seriam estas aves uma espécie do género stercorarius 
que habita as regiões antárcticas. 

2 Aves q aparecerão. Nota 4o auctor. 



493 

ganar e crer que os erros que achaua na leuação do 
pollo a toda a ora, não vinhão da parte do estor- 
mento, como se logo verá. 

Primeira operação ante meo dia, que foi feita 
com a agulha do Relógio. 

Estando o sol em altura de 10 grãos 

ho estilo lançou a sombra 33 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão pouco mães de 9 oras. 

Segunda operação ante meo dia feita com 
a própria agulha do estormento. 

Estando o sol em altura de 19 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 26 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão pouco mais de 10 oras. 

Terceira operação ante meo dia feita com agulha 

do estormento. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 22 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

r. 13 



194 



Quarta operação ante meo dia feita coma- agulha 

do Relógio. 

Estando o sol em altura de 28 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 17 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Primeira operação de depois de meo dia feita 
com agulha do Relógio. 

Estando o sol em altura de • 28 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 56 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 38 grãos \ cuja ame- 
tade são 19 grãos £, que he a quantidade que nesle 
lugar agulha nordestea. 



Segunda operação depois do meo dia com agulha 

do stormento. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 62 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 



195 



Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 40 grãos, que he a 
quantidade, digo, a sua metade, que são 20 grãos, 
que neste lugar a agulha nordestea. 



Terceira operação de depois de meo dia 
com agulha do estormento. 

Estando o sol em altura de 19 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 65 grãos 

contando do sul pêra a banda de leeste. 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 39 grãos, e ametade 
são 19 ^ que he a quantidade que a agulha neste 
lugar nordestea. 

Quarta operação depois de meo dia 

com agulha do estormento, que responde â primeira 

de pella menhã feita com a agulha 

do relógio. 

Estando o sol em altura de 10 grãos 

ho estilo lançou a sombra 72 grãos *- 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foi logo nesta operação o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 39 grãos £, e ame- 

I3« 



196 

tade são 19 J, que he a quantidade que agulha 
neste logar nordestea. 

Com todas estas alturas e variações de sombras 
obrei na poma, e sempre me deu a leuaçao do Polo 
muy errada, do que o grande concerto que estas 
operações liuerão desculpão o estormento, e parece 
ficar o defeito com a poma ou demostração 1 ; e por- 
que ao presente eu não sey determinar, fique a du- 
uida pêra o doctor Pêro nunez: este dia querendo 
tomar o sol, disse o Piloto que não era já tempo, por 
ser passado o meo dia, e a esta sazão estaua o sol 
aleuantado sobre o òiizonle 35 grãos: ora deixan- 
dome estar e comigo o mestre, dahi a mea ora so- 
bio o sol mães 1 grão ~, de sorte que na maior al- 
tura estaua o sol aleuantado sobre o orizonte 36 
grãos -3, e o mestre achou que se leuantaua 36 
grãos {, onde acabou de crer que até quy elle e o 
Tiloto hião errados na altura, por se aleuantarem 
quando os Relógios lhe moslrauão meo dia: o Pilo- 
to, quando nos vio estar tanto tempo, tornou ha to- 
mar o sol, e achou que lhe sobia o mesmo, a saber, 
1 grão ^; assi que cu podia ficar em altura de 30 
grãos j- e o mestre em 30 : estas operações forão fei- 
tas por meu ponto e o do Piloto hum grão do me- 
rediano que passa pello cabo de são Vicente pêra a 
banda de oeste ; e pello ponto do Calafate estauamos 

1 Faltou a altura a toda a ora. Nota do auetor. 



197 

algua cousa mães arredados deste merediano pêra 
a banda daloeste 1 . 

Correlario. 

Destas operações fica claro que a variação que 
fazem as agulhas não he per differença de meredia- 
nos, pois na cidade de Lisboa nordesteão 7 grãos \, 
e estando agora em seu merediano, nordesleão 19 ou 
20 grãos; mas parece que tem outro respeito, ho 
qual até o dia de oje não he chegado a minha no- 
ticia 2 . 



1 Meridiano das operações. Nota do auctor. 

2 O angulo, que faz, n'um logar qualquer da terra, a di- 
recção da agulha magnética com o meridiano d'esse logar, 
chama-se a declinação da agulha ou a sua variação : quando 
a agulha se afasta do meridiano para oeste, diz-se que a de- 
clinação é occidental; quando se desvia para leste, temos a 
declinação oriental. Os antigos pilotos diziam neste caso que 
a agulha nordesteava, e no caso da variação ser occidental, que 
a agulha noroesteuva. No tempo de D. João de Castro a decli- 
nação era oriental na Europa e por todo o Atlântico; a agulha 
nordesteaia. Passado o cabo das Agulhas e por todo o oceano 
indico, a declinação era occidental; a agulha noroesteava. 
Pouco a pouco as linhas de egual declinação, isto é, as linhas 
que passam por todos os logares da terra em que o angulo de 
declinação é o mesmo, como que caminharam de leste para 
oeste, por forma que hoje ó no Atlântico e por toda a Europa 
a declinação occidental; e é oriental, em grande parte, a dos 
mares e regiões do oriente. Quando a principio se observou a 



198 

De noite toda foi o vento norte fresco; gouerna- 
mos a lessueste até amanhecer; e vigiando o quarto 
dalua, vi o arco das velhas muito bem feito, o qual 
fazia a lua. que o dia seguinte avia de ser chca: era 
este arco brancaso, e tinha hua listra branca e outra 
roxa, cousa fermosa pêra ver ; e averá vinte annos 
que o vi outra noite, sendo a lua chea, em a cidade 
de lisboa, de que parecia claro enganarse Plínio, di- 
zendo que este arco, que chamamos das velhas, nunca 
aparecia de noite *. 



Variação das agulhas, suppoz-se que esta era idêntica em toda 
a extensão do mesmo meridiano terrestre; e de mais, que a 
variação ia mudando com os meridianos, á medida que estes 
estavam mais ou menos afastados d'aquelle ou d'aquelles em 
que as agulhas não apresentavam variação; depois reconhe- 
ceu-se que, na maior parte dos casos, não havia relação entre 
as linhas de egual declinação, ou linhas isogonicas, e os meri- 
dianos terrestres. Posteriormente descobriu-se que a variação 
ia mudando de anno para anno em cada logar da terra, isto 
é, que a declinação estava sujeita a variar continuadamente, 
e a observação mostrou o sentido em que variava. O que a D. 
João de Castro causou surpresa n'este ponlo da sua viagem, 
foi que as linhas de egual declinação não correspondiam aos 
meridianos terrestres. (Vide no fim do Roteiro: Estudo sobre 
as linhas de egual variação no ivi século.) 

1 Este phenomeno luminoso de que falia o Roteiro deu-se 
no plenilúnio; e, provavelmente, não era o que D. João de Cas- 
tro chamava o arco da velha, mas um halos imperfeito. Do Arco 
Íris ou do Arcus ccelestis não diz Plínio que de noite não se 
pode ver, mas, antes parece apenas indicar que o não viu elle. 



400 



CAMINHO. 



Terça feira onze de Junho todo o dia foy o vento 



No liv. ii, cap. lix, diz o antigo naturalista que o que elle 
chama o Àrcus: certenisi Sole adverso nonjiunt: nec unquam, 
nisi dimidia circuh forma: nec noctu, quamvis Aristóteles 
prodat aliquando visum. Para se mostrar com vivas, cores o 
arco- i ris carece de uma luz que fira, com grande intensidade, 
as gotas de agua que formam nuvens na região do ceo opposta 
á que o sol occupa, em relação ao observador: cos arcos iris 
lunares, diz Kaemtz, raras vezes apresentam as cores do pris- 
ma, são apenas brancos ou amarcllados.* O arco que D. João 
de Castro observou era • cousa fermosa para ver» e tinha chua 
listra branca e outra roxa». halos, phenomeno complexo e 
de apparencia formosíssima, forma-se não nas gotas visiculo- 
sas do vapor das nuvens, mas nos crystaes de neve que dão 
origem ás nuvens ligeiras e altas que os meteorologistas cha- 
mam drrhvs. Os halos são um effeito da refracção. Mariotte 
suppunha que a luz se refrangia nos crystaesinhos de neve, o 
todas as observações confirmam esta opinião. Em determina-* 
das circumstancias pode succeder o que diz Kaemtz na sua 
Meteorologia: «ver-se em torno do sol e da lua um circulo bri- 
lhante, internamente roxo e externamente azul pallido ou 
branco brilhante (bramasso) que se confunde com o azul do 
ceo exterior.» Não seria este o phenomeno observado pelo au- 
ctor do Jloteiro? A confusão entre halo, corda e arco-iris é 
ainda muito commum, e a esse propósito diz o meteorologista 
que temos citado: «Os halos lunares e solares são menos ra- 
ros do que se julga; (Telles se falia muitas vezes nas folhas 
publicas, onde observadores pouco instruídos os descrevem 



200 

noroeste fresco; gouernamos a lessueste até anoite- 
cer: este dia fiz as operações seguintes. 

Primara operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 20 grãos \ 

bo estilo lançou a sombra 26 grãos | 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 

ho estilo lançou a sombra 18 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 30 grãos 

bo estilo lançou a sombra 10 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



sob o nome de arco-iris.» Plinio distingue os dois phenome- 
nos, pois que no cap. xxviu do liv. u diz: «Exsistunt eadem 
coronae circa lunam, et circa nobilia astra, ccelo quòque in- 
hturentia* e mais adiante «Circa solem arcus apparuit. . . cir- 
culas rubri coloris*. E Plinio distingue perfeitamente este phe* 
nomeno de Arcus, que descreve no cap. lix do mesmo li- 
vro ii. 



201 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 

ho estilo lançou a sombra 57 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foi logo nesta operação f o arco de depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 39 grãos, e ametade 
são 19 £, que he a quantidade que a agulha neste 
lugar nordestea. 

Este dia na mayor altura tomey o sol, e aleuan- 
tauasse sobre o orizonte 35 grãos; a declinação 
deste dia erão 23 grãos £, do que se segue estarmos 
em 31 grãos £: acabado de tomar a altura, me pas- 
sey á poma, e tomando a primeira altura e segunda 
de polia menhãa com a variação da sombra do es- 
tilo, que foy 8 grãos, obrando pella maneira acos- 
tumada, achey de leuação do polo 33 grãos 9 . E por 
me parecer que este erro podia vir da sombra do es- 
tilo se não poder tomar punctualmente, e assy da 
lamina não guardar quanto conuinha o oliuel, e por 
estas causas não se poderem tomar estas sombras e 



1 Esta operação foi feila no meridiano qoe se aparta do cabo 
de São Vicente 1 grão e \ para leste. Nota do auctor. 

1 Altura a toda a hora errada e como veo a concertar. Nota 
do auctor. 



208 

variações na verdade, torney a fazer esta demonstra- 
ção na poma, dando á variação da sombra 7 grãos, 
e sahiome a levação do polo em 31 grãos ; como ao 
meo dia; e logo tornando a obrar com a segunda al- 
tura e terceira de pella menhãa, em que ouue de va- 
riação de sombra 8 grãos ;, achey que me daua 29 
grãos £ daltura; pello que acrecentando hum grão e 
meo a ditta variação, e fazendoa de dez grãos, tor- 
nando a obrar na poma, achey de leuação do polo 
31 grãos 4 : agora pôde cada hum dar a rezão que lhe 
milhor parecer sobre esta operação 2 : este dia nos 



1 Este modo, pura menta arbitrário, de corrigir as observa- 
ções não podia dar senão resultados incertíssimos: mas incer- 
tos eram todos os modos de determinar latitudes e longitudes. 
Não havia maneira segura de conhecer o tempo; os instru- 
mentos de observação nada tinham de rigoroso; sobre a deter- 
minação da altura do sol davam-se todas as dificuldades que 
D. João de Castro faz notar; e de mais o novo processo de ob- 
servar a toda a hora a altura do sol, e de determinar por essa 
forma a latitude, além de todos os defeitos próprios, apre- 
sentava ainda os que resultavam de se não podor exactamente 
fixar o ponto em que caía a sombra do estylete, e de ser irre- 
gularmente construída a poma ou esphera; além de que, um 
nivelamento perfeito da lamina graduada era impossível. Em 
taes casos o processo mais simples era o melhor: o astrolábio, 
sem ser seguro, era o instrumento menos sujeito a erros na 
mão de um observador hábil; e por isso se comprehende a 
grande utilidade que o seu uso teve na navegação. 

2 Aves que apareceram. Nota do auetor. 



203 

aparecerão grande numero de feijões e pardelas e 
outras aues grandes. 

De noyte no quarto da prima nos acalmou o vento, 
e deramnos dous chuueiros pequenos da banda do 
noroeste, e até menhãa foy o vento calma, que a nao 



nao gouernaua. 



CAMINHO. 

Quarta feira 12 de Junho ~atee ás noue oras foy 
o vento calma, quanto a nao gouernaua; dahy até 
bespera nos ventou o vento fresco da banda do nor- 
te, e da bespora até noyte alargou o vento até se 
fazer noroeste; todo este dia guouernamos a les- 
sueste, e apareceramnos muitas aves, feijões, parde- 
las e huas coruas de bicos vermelhos e alguns ente- 
nacs: a meo dia não tomey <5 sol, por andar hum 
pouco encuberlo, e porém o mestre o tomou o me- 
lhor que pôde, mas por lhe eu dar pouca auctori- 
dade, o não ponho aquy. 

De noite, rendido o quarto da prima, escaseou o 
vento e fezse norte, ventando muito Rijo; goucrna^ 
mos a lessueste até amanhecer. 



204 



CAMINHO. 

Quinta feira 13 de Junho até meo dia foy o vento 
norte muito Rijo, e dahy até á bespora saltou ao no- 
roeste mães bonança, e logo mães tarde se fez vest- 
sudueste bonança ; todo este dia gouernamos a les- 
sueste e mostráransenos grande numero de aves, a 
saber, feijões, Pardelas, antenaes e huas aues pre- 
tas do tamanho de gralhas, mas de asas muito mayo- 
res, a que os marinheiros chamão tinhosas 1 . 

De noite no quarto da prima fezse o vento sul, e 
tomaua algua cousa do sueste; todo este quarto go- 
uernamos a leste quarta de nordeste ; mas, como foy 
rendido, carregou muito vento, pello que tomamos 
os traquetes da gauea, mezena e ceuadeira, e ti- 
rando a moneta fora, com o papafigo baixo corre- 
mos a leste quarta de nordeste e ás vezes a leste 
até amanhecer. 

CAMINHO. 

Sexta feira 14 de Junho todo o dia foy o vento 
sul e tomaua algua cousa do sueste, ventou sempre 
muito Rijo ; gouernamos a leste quarta de noroeste 

1 Aves que apareceram. Nota do auctor. 



805 

até anoitecer: a oras de meo dia tomou o Piloto e 
Mestre o sol, e depois de se aleuantarem a perto de 
de hfla ora 1 , veo o Doctor, e na mayor altura tomou 
do sol ao orizonte 32 grãos ; e eu tomando o estar- 
labeo, achey o mesmo; e o Piloto e mestre vendo 
isto, tornarão a tomar sua altura, e cada hum dei- 
tes ficou em 32 grãos do sol ao orizonte 1 ; a declina- 
ção deste dia era 23 grãos \ , do que se segue es- 
tarmos em 34 grãos \ 3 : este dia nos aparecerão as 
aves acostumadas, e alguns marinheiros disserão 
que virão gaiuotas 4 . 

De noite toda foy o vento calma, quanto a nao 
gouernaua; leuamos a proa a leste quarta de nor- 
deste e ás vezes a lesnordeste. 

CAMINHO. 

Sabbado 15 de Junho até meo dia foy o vento de 
todo calma, e dahy por diante começou a ventar do 



1 Subiu o sol depois do meo dia do relógio, e terem tomado 
a altura. Nota do auctor. 

2 Alturas do meo dia conformes. Nota do auctor. 

3 Este facto merece a importância que o auctor lhe dá; pois 
mostra quanto eram incertas as observações, e a grande falta 
que faziam, mesmo para a determinação das latitudes, reló- 
gios que dessem uma indicação da hora ao menos aproxima- 
damente. 

4 Aves que apareceram. Nota do auctor. 



206 

■ 

norte muito bonança; gouernamos a leste até anoi- 
tecer. Este dia nos aparecerão as aues acostumadas, 
e alem destas huas aves pouquo mayores que an- 
dorinhas, que tem as costas cinzentas e as barrigas 
branquas; chamanlhe os marinheiros frades. 

De noite no quarto da prima começou a ventar o 
vento norte fresco, durou atee amanhecer, alargando 
até o nortnoroeste ; toda a noite gouernamos a leste 
quarta de nordeste. 



CAMINHO. 

Domingo i 6 de Junho até meo dia foy o vento 
nortnoroeste ; gouernamos a leste quarta de nordes- 
te; mas do meo dia avante nos deu hum chuueiro 
pequeno, e fezse logo o vento oeste bonança; fize- 
mos o mesmo caminho de leste quarta de nordeste 
até anoitecer. Este dia tomou o Piloto o sol, e achou-se 
em 34 grãos \, e sendo assy, podesse prouar sufi- 
cientemente o nordestear das agulhas*. Pois sesta 
feira, que forão 14 do mês, nos achámos em altura 
de 34 grãos J, e oje, que são 16, noutros 34 £, go- 
uernando todo este tempo em leste quarta de nor- 
deste, e á mea partida de lesnordeste, pello qual 
caminho, se as agulhas não nordesteasem, era nc- 

1 Prova nord estearem as agulhas. Nota do auetor. 



207 

cessario que diminuíssemos na altura; e pois que 
achamos não diminuir, seguesse que fazíamos o ca- 
minho de leste, pello que se prova nordestearnos 
agulha quasi duas quartas 3 . 

De noite toda foy o vento oeste fresco*; no quarto 
dalua nos derão dous chuueiros, que refrescarão 
ainda mães o vento: o quarto .da prima e modorra 
gouernamos a leste quarta de nordeste,, mas todo o 
dalua a leste. 

CAMINHO. 

Segunda feira 17 de Junho até meo dia foy o 
vento oesnoroeste fresco ; gouernamos a leste quarta 
de nordeste, e deramnos dous chuueyros; de meo 
dia até noite fezse o vento oeste, e leuamos a mesma 
proa; a oras de completas nos deu outro chuueiro: 
este dia fiz as operações seguintes. 



2 Para explicar este facto, ha ainda a ter em conta a corrente 
que na costa occidental d' Africa e no hemispherio sul parece 
vir da costa; ou antes, na altura em que estava D. João de 
Castro, caminhar de nordeste para sudoeste, aproximadamente. 
O embate da corrente da agua quente, vinda de Madagáscar, 
que passa ao longo do Cabo da Boa Esperança, e da corrente 
de agua fria que vem do polo, explica o movimento da cor- 
rente resultante, a que nos referimos. Ás interessantes obser- 
vações do sr. Andrau, da marinha hollandeza, dão idéa clara 
d 'estas correntes diversas, que se encontram na proxidade do 
Cabo da Boa Esperança. 



sol 

nço 

lo s 



30l 

nço 

lo s 



nçc 

lo s 
o r 
íayi 
idoí 
de 



rol 

ido 



209 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 19 grãos 

ho estilo lançou a sombra 58 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que dante meo dia 31 grãos {, e 
ametade são 15 - A , que he a quantidade que neste 
lugar a agulha nordestea. 

Este dia depois de todos terem acabado de to- 
mar o sol, o comecey a tomar, e logo o tornarão a 
tomar todos, e acharão que dahy a perto de híia ora 
lhe sobio 1 , e na mayor altura se aleuantaua sobre o 
orizonte 31 grãos \. A declinação deste dia era 23 
grãos 25 minutos, de que se segue estarmos em 35 
grãos £: o mestre na mayor altura tomou do so! ao 
orizonte 32 grãos, e hum marinheiro 31 \. Isto a'ssi 
feito, passeime á poma, e asentandome as duas al- 
turas de pella menhãa com a variação da sombra 
do estilo, que foy 13 grãos, achei que me daua 36 
grãos daltura 1 . Pello que, tornando a obrar nella 



1 Subiu o sol depois do meo dia do relógio, e terem tomado 
a altura. Nota do auctor. 

2 Altura a toda hora errada, como veo a concertar. Nota 
do auctor. 

b. 14 



210 

com as mesmas alturas, dandolhe 12 grãos de va- 
riação de sombra, achey 35 grãos de leuaçâo do 
polo, conforme ao estarlabeo, do que parece que no 
tomar das sombras do estilo hiria de erro esle grão 
no julgar da variação; e também encontra muyto a 
punctualidade desta demonstração 1 ser a poma não 
tâo redonda como conuem, e os meredianos de la- 
tão serem mal graduados, e o orizonte não andar 
justo com a poma, mas todas estas cousas serem 
feitas de fancaria e sem primor 2 . E porém com to- 
dos estes defectos mostrou verdade muito tempo, 
como atrás se poderá ver. Também avemos de no- 
tar, que pella singradura que andamos dontem pêra 
oje, se proua que a agulha nordestea, pois ontem, 
Domingo, estauamos em altura de 34 grãos J, e oje, 



1 Dã alguãs causas por onde lhe falta a altura a toda a ora. 
Nofa do auctor. 

2 Estas considerações acerca dos defeitos do instrumento, 
não condizem com o que, mais adiante, observa o auctor. Dii 
elle na notação famosa do dia 27 de junho: co estromento de 
sombras (foi) inventado pello doctor Pêro Nunes, famoso ma- 
thematico entre os que vivem em nossos tempos, e feito por 
mãos de João Gonçalves, cujo engenho triumpha o dia a" hoje em 
toda a Europa; e sobre tudo approvado pelo muito excelente 
príncipe o infante D. Luiz, o qual entre outras muitas mer- 
cês que de Sua Alteza recebi pêra esta jornada foi este estor- 
mento, com o ql vimos a alcançar a levação do polo a toda a 
óra do dia, c assi a verdadeira variação que fazem as agulhas, 
e pela tal variação a longura das terras, e differença de meri- 



2(1 

segunda feira, estamos em 35, gouernando de moo 
dia a meo dia a leste quarta de nordeste com ven- 
tos á popa 1 ; pois não diminuímos por este caminho, 
como estaua em rezão, antes crescemos \ grão, se- 
guesse que corremos em leste a quarta do sueste, 
pouco mães ou menos: estas operações forão feitas 
estando apartado do merediano que passa pello cabo 
de são vicente 13 grãos ^, que he norle sul com as 
Ilhas de tristão da cunha 2 : o Piloto estaua mães pêra 
leste 2 grãos ; , e assi todos os marinheiros que car- 
teauão 3 . 



dianos.» Esta ultima consideração dá-nos a entender que I). 
João de Castro, suppunha que as mudanças de declinarão, 
correspondiam ás mudanças dos meridianos, e podiam servir 
para. determinar as longitudes; coisa queelle n'outros logares 
parece, justamente, contradizer. No Primeiro Roteiro da Costa 
da Índia (pag. 86) falia D. João de Castro com muito louvor do 
construetor João Gonçalvez, n'cstes termos: ca qual (agulha) 
foi feita pelo grande Joliam Gonçalvez* Os defeitos de um ins- 
trumento inventado por Pedro Nunez e fabricado pelo grande 
João Gonçalvez, deixa ver bem quanto eram imperfeitos os 
meios de que usavam os navegadores, para determinarem a 
posição do navio e a variação da agulha. 

1 Prova pelo caminho que fizeram, nordestearem as agulhas. 
Nota do auetor. 

2 Meridiano em que foram feitas estas operações. Nota do 
auetor. 

3 Esta incerteza acerca da longitude era geral nos pilotos 
d'aquelle tempo; e muito principalmente n'eslas paragens. 
tio Roteiro de Gaspar Reimão, que temos citado, lê-se o sc- 

i4« 



212 

De noite todo o quarto da prima e modorra an- 
dou o vento em saltos, ora ventando do susudueste, 
ora daloesnoroeste, mas o quarto dalua ventou todo 
do susudueste ; gouernamos toda a noite em leste, e 
ginauâo pêra a quarta do nordeste. 



CAMINHO. 

Terça feira 18 de Junho todo o dia foy o vento 
sul; gouernamos em leste quarta de nordeste; o 
vento foy muito Rijo e trouxe dous chuueiros de 
pouquas gotas dagoa e muito vento: este dia fiz as 
operações seguintes. 



guinte: «Já atras digo como este caminho do Brasil pêra o 
Cabo de Boa Esperança he mais curto do q o situão nas car- 
tas, e a razão disto é a differença que a agulha nesta derota 
faz de nordestear, por hõde muitas vezes a náo he no Cabo de 
Boa esperança, e os pontos ficam muito atraz; e sabendo mar- 
car agulha ajuda muito a saber aõde a náo está» padre Chris- 
tovam Bruno, n'uma instrucção aos pilotos, que n'outro lo- 
gar d'este livro citamos, diz faltando do Cabo da Boa Espe- 
rança. «O que acrescentamos na nossa carta he no que toca a 
maior longura (longitude) ou comprimento que de leste a 
oeste tem as terras, e costa do mar do Cabo de Boa Esperança, 
do que nas cartas ordinárias se costuma pôr; o que achamos 
ser assi primeiro por experiência, que eu fiz na ida e vinda 
da índia, e os mais que comigo vinham, detendo-nos n'aquel- 
la paragem, á vista da terra bem de espaço e correndo-a mui 
de vagar.» (Inst. do P. Chr. Bruno, Mss. da Acad. das Sc.) 



213 



Primeira operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 18 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 27 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



2. a operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 20 grãos 4 

ho estilo lançou a sombra 24 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Terceira operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 2 

ho estilo lançou a sombra 15 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



1 Da primeira operação a esta 2.* andou o sol 1 grão {ea 
sombra do estilo 3 o . Nota do auctor. 

2 Da 2/ operação a esta 3.* andou o sol 5 grãos e a sombra 
do estilo 9 o J-. Nota do auctor. 



214 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 

ho estilo lançou a sombra 45 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 30 grãos ;, e são a- 
metadc 15 ^, que he a quantidade que a agulha 
neste lugar nordestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 20 grãos 

lio estilo lançou a sombra 56 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que o dante meo dia 31 grãos £, o 
meo são 15 *, que he a quantidade que a agulha 
neste lugar nordestea. 

Este dia na maior altura tomei o sol e leuanta- 
uase sobre o orizonte 31 grãos {; a declinação deste 
dia era 23 grãos, 23 minutos, do que se segue es- 
tarmos em 35 grãos, 7 minutos: o mestre tomou na 
mavor altura do sol ao orizonte 31 grãos l, e hum 



215 

marinheiro outros tantos 1 ; e logo passandome á poma 
com a primeira e segunda altura, em que ouue 3 
grãos de variação de sombra do estilo, e obrando 
pella maneira acostumada, achey de leuação do polo 
36 grãos*; e assy tornando a obrar com a segunda e 
3.' altura, em que variou a sombra do estilo 9 
grãos £, achey de leuação do polo 35 grãos 3 . Desta 
operação e.de alguas que vão atrás, parece que pêra 
o sentido do nordestear das agulhas estorua pouco 
hum grão mães ou menos na quantidade dos ar- 
quos, mas pela demostração da poma virmos a al- 
cançar a aleuação do polo, he erro muy notauel; e 
isto he de tal maneira que, quando a variação da 
sombra he pequena, a saber, 3 ou 4 grãos, qual- 
quer cousa de mães ou de menos causa grande mu- 
dança na altura; e pello contrario sahindo a varia- 
ção grande, a saber, 14 ou i 5 grãos e mães, inda 
que no obseruar da sombra erremos até hum grão, 
nem por isso a altura sabe fora dos termos da Rezão. 
De noite, em anoitecendo, deu hum fuzil, e supi- 
lamente deu em nós hum pé de vento muy grande 4 , 



1 Alturas do meo dia conformes. Nota do andor. 

2 Altura a toda óra conforme a do meo dia. Nota do auctor. 

3 Nota como hum grão de erro na demonstração da poma 
pode fazer pequena difTerença na altura; e como outras vezes 
a pode causar grande. Nota do auctor. 

4 A este pd de vento chama Aristóteles, no livro do céo o 
mundo, procela. Nota do auctor. 



216 

de maneira que com muyto trabalho ouuemos de 
amainar; duraria obra de três credos 1 , e logo torna- 
mos dar a vella; o vento era como sul e ventaua 
Rijo, mas no quarto dalua fezse susudueste ; toda a 
noite gouernamos em leste até amanhecer. 

1 Este pé de vento, que sofreu D. João de Castro, não é senão 
o bem conhecido phenomeno, que fez com que os primeiros 
navegadores portuguezes dessem o nome de Tormentoso ao 
Cabo, a que D. João u mudou o nome em Cabo da Boa Espe- 
rança O marquez de Alegrete na sua chronica de D. João n, 
diz, fatiando de Bartholomeu Dias: «qui post muitos exhaus- 
tos labores, et adversas tempestates, promontoríum invenit, 
quod propter nimias procellas, qui bus hoc in mari navigiajao 
tantur, Tormentorium appellatum est; tormenta enim Lusi- 
tano sermone tempestatem significai. Quinimò Rex, hoc formi- 
dabili promontório detecto, in spem orientalium rerum potiundi 
erectus, illud Bonee-Spei Caput appellari voluit. > (De rebus ges- 
tis Jtannis u, Auct. Emm. Tellesius, Uly. 1689, pag. 225.) 
O encontro da corrente marítima quente, que vem do canal 
de Moçambique, e da corrente fria que procede do polo, ex- 
plica estes terríveis phenomenosatmosphericos, que os hollan- 
dezes estudaram minuciosamente nos últimos tempos. Con- 
forme as observações de M. Andrau, citado por nós anterior- 
mente, um facto geral se nota nas bem conhecidas tempesta- 
des do Cabo da Boa Esperança, é a sua marcha progressiva 
de oeste para leste, sendo menos violentas perto da costa do 
que mais ao sul. Vasco da Gama, tendo seguido a sua derrota 
pelo Cabo Tormentoso tao hngo da costa com vento á popa» 
como se diz no Roteiro de sua viagem, pôde vencer o terrí- 
vel promontório sem difficuldade, pois: 

Tão brandamente os ventos os levarão, 
Como quem o ceo tinha por amigo, 



217 



CAMINHO. 

Quarta feira 19 de Junho até o meo dia foy o vento 
susudueste; gouernamos a leste: mas do meo dia 
atee noite fezse o vento sul; gouernamos ora a leste 
ora a leste quarta de nordeste : na mayor altura to- 
mey o sol, e leuantauase sobre o orizonte 31 grãos 
^; a declinação deste dia era 23 grãos 20', de que se 
segue estarmos em 35 grãos £: este dia pella menhãa 
vimos muitos limos do mar dos que nascem pellos 
penedo?, mas estes tem a folha mães larga e ama- 
rela; chamãolhe os marinheiros cama de bretão 1 . 



Sereno o ar, e os tempos se mostravâo 
Sem nuvens, sem receio de perigo. 

Cam. Lus. Gani i, Est. xxin. 

A zona tempestuosa é perfeitamente limitada, sendo a sua 
maior intensidade no centro de uma espécie de cyclone in- 
completo, que se alonga em ponta para leste, e se dirige para 
a parte mais quente da corrente do Cabo das Agulhas. Estas 
tempestades percorrem paragens, geralmente, bem circums- 
criptas; c a sua passagem é rápida quasi sempre. 

1 Cama de bretão ou bertão chamavam os antigos navega- 
dores a umas malhas cobertas de algas, provavelmente Ma~ 
crocystis Priifera, descripta por Hooker na Flora Atlântica, 
que se encontram indo das ilhas de Tristão da Cunha para 
o Cabo da Boa Esperança. Esse mar de sargaço no hemis- 



218 



De noite no quarto da prima se fez o vento oes- 
sudueste e ventou muito Rijo; toda a noite gouer- 
namos a leste quarta de nordeste. 



CAMINHO. 

Quinta feira 20 de Junho todo o dia foy o vento 
oessudueste e ventou muito Rijo até o meo dia; go- 
uernamos a leste quarta de nordeste e dahy até noite 



pherio sul, ainda hoje se acha nas cartas desenhado no 
mesmo logar do globo. Chamam-se trombas, segundo pa- 
rece, a plantas trazidas pelas correntes do mar, e natural- 
mente arrancadas pelas torrentes da costa do Cabo da Boa 
Esperança (vid. nota do auctor do dia 24 de junho): assim 
no Roteiro de Aleixo da Mota lé-se que, junto ao cabo e á 
costa se encontram tromba*, que elle viu mesmo ao longo da 
costa de Angola, e nas enseadas do Cabo para a Aguada de S. 
Braz ccom as raízes frescas e sem craga, que é signa) de se 
haverem arrancado ha pouco da costa. » As encontradas muito 
ao mar, acrescenta elle, estão cheias de craga e peneves «o que 
prova saírem da costa com enxurradas que saem das ensea- 
das.! (Mss. da Bib. Nac.) O illustre botânico sir J. Hooker 
escreveu o seguinte, nas suas Observalions on lhe Botany of 
Kerguelens' Land: «A flora das ilhas de Tristão da Cunha, 
Nightingale e Inaccessivel, é essencialmente análoga á tia Terra 
de Fogo, com uma mistura dos géneros do Cabo, mas sem 
nenhum dos característicos da ilha de Kergueland.» Isto pa- 
rece ser o resultado das correntes dos ventos e do mar n'aquel- 
las regiões, e está de accordo com as imperfeitas observações 
dos antigos navegadores. 



219 

a leste: a meo dia tomey o sol, e na mayor altura 
se aleuantaua sobre o orízonte 3 i grãos \ ; a decli- 
nação deste dia era 23 grãos, 18 minutos, de que se 
segue estarmos em 35 grãos £. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento su- 
duests, muito claro; querendose Render o quarto, 
nos deu hum pé de vento grande, que parecia que- 
rer soruer a nao, pello que com muito trabalho po- 
demos amainar, e tirando fora as monetas, com os 
traquetes muito baixos corremos a leste quarta do 
sueste até amanhecer; quando nos deu este pé de 
vento, estaua a noite muito clara e o ceo esgazea- 
do; duraria o impeto delle obra de hua ora e mea. 



CAMINHO. 

Sesta feira 21 de Junho até oras de vespora foi 
o vento susudueste; gouernamos a leste quarta de 
sueste: mas dahi até noite fezse o vento oessudues- 
te ; fizemos o mesmo caminho até anoitecer. 

De noite foi toda o vento oeste bonança ; até mea 
noite gouernamos a leste quarta do sueste, e dahi 
por diante fizemos o caminho de leste até amanhe- 
cer. 



220 



CAMINHO. 

Sabbado 22 de Junho todo o dia foi o vento 
oeste bonança; gouernamos a leste até anoitecer: 
fiz esta operagao. 



Primeira operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 27 grãos 

ho estilo lançou a sombra 17 grãos £ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 27 grãos 

ho estilo lançou a sombra 37 grãos j- 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arqo depois de meo 
dia maior que o dante meo dia 20 grãos, ametade 
dos quaes são 10, que lie a quantidade que a agu- 
lha neste lugar nordestea, 

A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor altura 
se aleuantaua sobre o orizonte 32 grãos; a declina- 
ção deste dia era 23 grãos, 10 minutos, do que se 



221 

segue estarmos em 34 grãos, 50 minutos 4 : o mestre 
tomou do sol ao orizonte e na mayor altura 32 
grãos £, o calafate outro tanto, o doctor 32 £: ao 
tempo que se fizerão estas operações eu me fazia 26 
grãos { apartado pêra leste do merediano que passa 
pello cabo de são vicente, e o Calafate 22 |, hum 
marinheiro 28 *: não he pêra deixar passar, ver como 
de dous dias a esta parte diminuímos na altura £ de 
grão, auendo de crecer por Razão do caminho que 
fizemos e variação das agulhas 3 , o que verá clara- 
mente qualquer curioso que notar as singraduras 
passadas e os ventos que trouxemos, e a quantidade 
que agulha nordestea; a Rezão que pêra isto acho, 
não he outra saluo tomarmos mal a altura estes 
dous dias, ou darem em nós alguns Rilheiros dagoa 4 
que nos abatessem, ou que nos leuassem pêra a 
banda do norte. 

De noite toda foi o vento calma, quanto a nao 
gouernaua; leuamos a proa em leste quarta do sueste 
e ás vezes a lessueste. 



1 Alturas. Nota do auctor. 

* Logar da operação. Nota do auctor. 

3 Aqui se acha que diminuirão na altura auendo de crecer. 
Nota do auctor. 

4 São os rilheiros a que o auctor allude as correntes que 
vêem do polo sul e do Gabo da Boa Esperança. 



222 



CAMINHO. 

Domingo 23 de Junho todo o dia foi o vento cal- 
ma, quanto a nao gouernaua; leuamos a proa a 
leste até a noite: este dia foi o Primeiro que nos 
desaparecerão as aves que tínhamos visto: o Pi- 
loto disse que tomara o sol, e que se achara em 35 
grãos daltura. 

De noite até mea noite foy o vento calma, quanto 
a nao gouernava, mas dahi por diante começou ven- 
tar como nornor deste, e logo foi alargando até se fa- 
zer norte ; toda a noite gouernamos em leste quarta 
do sueste. 

CAMINHO. 

Segunda feira 24 de Junho até meo dia foy o 
vento norte; gouernamos a leste: mas dahi até noite 
se fez o vento oeste bonança; gouernamos a leste 
quarta do sueste até anoitecer 1 : este dia fiz as ope- 
rações seguintes. 



1 Este dia vimos trombas, que são umas hervas como cali- 
na frechas, e tem muitas raízes; e assi virão hum lobo mari- 
nho e hfia balea, e hQas axes pretas da feição de gralhas. Nota 
do auctor. 



223 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 13 grãos £ 

ho estilo lançou a sombra 38 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão 9 oras. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 38 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão 10 oras {. 



Terceira operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 30 grãos 

ho estilo lançou a sombra 7 grãos { 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão 1 1 oras \. 



224 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 30 grãos 

ho estilo lançou a sombra. 27 grãos J 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo erão i ora { . 

Foi logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia maior que o dante o meo dia 20 grãos, ametade 
dos quaes são 10, que he a quantidade que a agu- 
lha neste lugar nordestea. 

Quando fiz esta operação estaua 7 grãos do me- 
rediano que passa pello cabo das agulhas pêra a 
banda daloesteS e isto se proua, porque dahy a três 
dias me achey tanto avante como o cabo, ventando 
os ventos de maneira que as singraduras responde- 
rão a este preposito: este dia na mayor altura to- 
mey o sol, e leuantaua-se sobre o orizonte 32 grãos 
\] a declinação deste dia era 23 grãos, do que se 
segue estarmos em 34 grãos | 2 : o doctor e o mestre 
tomarão a mesma altura, e quatro pessoas tomarão 
na mayor altura do sol ao orizonte 32 grãos ~ 3 : desta 



1 Meridiano da operação. Nota do auctor. 
a Aluíras conformes. Nota do auctor. 
3 Onde diminuyo a altura devendo de crecer. Nota do au- 
ctor.' 



225 

altura se segue que de sabbado pêra quá corremos 
duas singraduras a leste e a leste quarta do sueste. 

Deminuimos na altura, deuendo multiplicar, per 
Rezão da Rota, variação das agulhas, e ventos que 
nos ventárão, o que dos marinheiros foi muito no- 
tado: as causas pêra isto ayer de ser, sejão as que 
já tenho apresentado. 

De noite todo o quarto da prima e parte da mo- 
dorra foi o vento oesnoroeste bonança, e daln todo 
o Resto da noite ventou de noroeste muito Rijo; toda 
a noite gouernamos a leste quarta do sueste: no quarto 
da modorra virão tinhosas. 



CAMINHO. 

Terça feira 25 de Junho até meo dia foi o vento 
noroeste Rijo, e dahi até noite ventou muito mães 
Rijo da banda daloeste; todo o dia gouernamos a 
leste 1 : este dia vimos muitas aues, antenaes, gralhas, 
fradinhos, e aparecerão trombas. 

De noite, anoitecendo, saltou o vento ao suduesle, 
e dahy a pouco espaço se fez sul e ventou Rijo todo 
o quarto da prima: mas entrando a modorra, acal- 
mou, e ventou da banda daloeste muito bonança; 
toda a noite gouernamos a leste e quarta do sueste. 

■ m i ■_i_m__m_ . i ~ —* — " ~ I > ■ ■ M I I. I I ■ I I 

1 Aves e sinaes q apareceram. Nota do auctor. 
a. 15 



226 



CAMINHO. 

Quarta feira 26 de Junho até meo dia foy o vento 
norte bonança, dahy por diante se fez noroeste ga- 
lerno ; todo o dia gouernamos a leste : pella menhãa 
se nos mostrarão muitas aues, feijões e outras acos- 
tumadas e huns gaiuotões grandes: a oras de meo 
dia tomey o sol, e na maior altura se aleuantaua so- 
bre o Orizonte 3i grãos £; a declinação deste dia 
era 23 grãos, do que se segue estarmos em 35 grãos 
~ { : esta mesma altura tomou o doctor e o mestre e 
três pessoas outras; o Piloto e o marinheiro na maior 
altura tomarão do sol ao Orizonte 3i grãos ~: este 
dia a oras de bespora vimos a bordo muitas toninhas. 

De noite toda foy o vento norte, e ventou Rijo; 
gouernamos a lesle até amanhecer. 



CAMINHO. 

Quinta feira 27 de Junho todo o dia andou o 
vento muito desasossegado, sem ter repouso em ne- 
nhua parte, ventando do norte até oeste, e sempre 



1 Aliaras conformes. Nota do auctor. 



227 

Rijo e com chuua; amanhecendo, derão dous fu- 
zis do noroeste, e vimos vir hum bulcão muito me- 
donho, que nos obrigou a amainar, mas chegando 
a nós, trazia pouco vento, e logo tornamos dar a 
vela, e gouernamos em leste todo dia: este dia pella 
menhãa vimos alcatrazes e garjaos 1 , que he o sinal 
mães aprouado pêra sermos perto de terra, e a oras 
de meo dia vimos lobos marinhos; contra a tarde 
apareceo hua nao ao sudueste, e arribando a ella, 
não pudemos tomar falia senão de noite ; este dia á 
tarde me pareceo que via terra 2 , mas o piloto e mes- 
tre me contrariarão, dizendo que não podia ser por 
sermos inda muito a Ré 3 ; porém não tardou mea ora 
que o Piloto disse que via terra e lhe parecia o cabo 
das agulhas, e logo lançou o prumo ao mar, mas não 
tomou fundo, a parecer de todos, posto que elle o 
afirmasse muito: este cabo das agulhas he o lugar 
onde os Pilotos tem por máxima que as suas agu- 
lhas lhe não varião cousa algua, mas ferem d ire et a- 



1 Aves que apareceram. Nota do auetor. 

* Vista de terra. Nota do auetor. 

3 A determinação das longitudes pela estimativa, e pela de- 
clinação da agulha, que os pilotos suppunham ser invariavel- 
mente a mesma nos mesmos logaresda terra, estando o o da 
agulha proximamente no Cabo das Agulhas, — quando D. João 
de Castro o encontrou muito mais a leste— tudo contribuía para 
estes enganos, e para se suppor maior do que na realidade é a 
distancia entre a costa da Amorica do sul e a costa d'Africa. 

i5. 



228 



mente nos verdadeiros poios do mundo, e daqui veo 
chamarem a este promontório cabo das agulhas 1 , si- 
gnificando não fazerem já aqui nenhua differença: 
ao tempo que vimos a terra, eu me fazia á Ré delia 
120 legoas, e o Piloto HO. 






Notação famosa e muito proveitosa. 

Acharme já nestas prayas tão deseiadas dos na- 
ucganles, e com ter passados tantos Receos, tantos 
sobresaltos, tantas fortunas de tamanho e tão tem 
pestuoso gólfão, me dá lugar e occasião de dizer al- 
gua cousa da longura deste caminho, matéria cer- 
tamente não menos fermosa e grande que prouei- 
tosa, a qual até qui mais se pôde dizer ser profiada 
que sabida; e Porque pêra a determinação e sen- 
tença desta duuida se requere concorrerem assi de- 
mostrações dos mathematicos, como a pratica e ope- 
nião dos pilotos e homens do mar, que de muitos 
annos a esta parte laurão por este occeano, grande 
e infinito mar, trarey aqui as Rezões que de hua 
parte e outra tenho comprehendido e alcançado com 
estormento de sombras inuentado pello doctor Pêro 
nunez, famoso mathematico entre os que vivem em 



1 Porque chamam a este promontório Cabo das Agulhas. 
Nota do auctor. 



229 

nossos tempos, e feito por mãos de Johão gonçaluez, 
cujo engenho triumpha o dia doje em toda a euro- 
pa, e sobretudo aprouado pelo muito excelente Prín- 
cipe o IfTante dom Luis, o qual antre outras muitas 
mercfis que de sua alteza recebi pêra esta Jornada, 
foy este estormento com o qual vimos a alcançar a 
leuação do polo a toda a ora do dia, e assi a ver- 
dadeira variação que fazem as agulhas, e pella tal 
variação a longura das terras e differença de mere- 
dianos; Pelo que será justo darmos fé a estormento 
de tamanha auctoridade, e o que por elle se achar 
auer de ser o certo. 



Começa a pi % om. 

Na cidade de lisboa, assi como muitas vezes te- 
nho experimentado, nordesteão as agulhas 7 grãos, 
e dahi nauegando caminho do brasil, como somos 
com as Ilhas das Canareas endireitão as agulhas i 
grão 7, de maneira que nestas ilhas nordesteão 5 
grãos *-, e deste lugar até á linha aeqninoctial não 
fazem algua mudança ou differença. Porém, pas- 
sando daquy e correndo na volta do Brasil, começa 
a variação hir crecendo pouco a pouco, de sorte que, 
achandonos 130 legoas pêra leste do cabo de san- 
cto Agostinho e em altura de 9 grãos, as agulhas 
nordesteão 10 grãos inteiros, e dês dahi vão fazendo 



230 

maiores mudanças sempre pêra a parte do nordeste, 
até sermos obra de 230 legoas á Ré das Ilhas de 
Tristão da Cunha e em altura de 3i grãos *-, que 
será no merediano que se aparta 2 grãos pêra o 
oriente do merediano que passa pello cabo de são 
vicente 1 , onde he o termo de toda a variação das 
agulhas, a qual chega até 19 grãos £ ou 20 : e logo 
passando este merediano por diante, caminho do 
cabo de bõa esperança, vão as agulhas endireitando 
pouco a pouco, e desandando os grãos que até qui 
tinhão andado ou variado, o qual effecto fazem até 
sermos tanto auante como a ponta primeira da terra 
do natal, que está em altura de 32 grãos, onde as 
agulhas punctualmente com o seu norte e frol de 
lis ferem no verdadeiro polo do mundo; mas cami- 
nhando deste lugar pêra a índia, fazem as agu- 
lhas esta variação ao contrairo, furlandose o seu 
norte ou frol de lis pêra a banda do noroeste, e 
quanto mães himos andando, tanto vay crecendo a 
variação, até chegarmos ás prayas da índia, onde 



4 Esta indicação aproximada da posição do meridiano, é mais 
uma prova da vaga determinação das longitudes no século dos 
descobrimentos. A longitude da ilha de Tristão da Cunha é, 
segundo se vê das observações da viagem do Challenger (No- 
tes by a naturalist. pag 108), 12° 18' 20" 0; o que não corres- 
ponde ás indicações de D. João de Castro em relação ao Cabo 
de S. Vicente. 



831 

o norte das agulhas se desuia do Polo do mnndo 
pêra a banda de noroeste H grãos, que valera J-. 
Destas cousas se segue que a Ilha da madeira, 
Ganareas, Ilhas do cabo verde, e assi mesmo as 
prayas do Brasil que se opõem ao vento leste, es- 
tão mães apartados do merediano de lisboa pêra a 
banda do occidente do que jazem situadas nas car- 
tas de marear e das enformaçCes dos caminhantes 
se tira; e também que as Ilhas de tristão da cunha, 
cabo de bõa esperança, com toda a terra e maar que 
se contém até á costa da índia e a mesma costa, 
jazem mães chegados ao merediano de lisboa por 
muitos grãos do que nas cartas e pomas se mostra, 
e he openião de muitos; do que fica muito mani- 
festo ser este caminho que andamos de Portugal pêra 
a índia muito mães pequeno do que os nauegantes 
leuão imaginado, pêra a declaração do que a de- 
monstração he esta. Pois que notoriamente temos 
sabido que, partindo de lisboa caminho da índia, as 
agulhas nos nordesteão atee 31 grãos da banda do 
sul no merediano que se aparta de lisboa e cabo de 
são vicente pêra a banda de leste, que he á Ré das 
Ilhas de tristão da cunha 230 legoas, e assi mesmo 
que o segredo ou effecto deste nordestear das agu- 
lhas não he outra cousa saluo desuiarse o seu norte 
e frol de lis do verdadeiro pollo do mundo pêra a 
parte do nordeste, e com esta tal mudança amos- 
tramos com grande engano dos caminhantes o Ru- 



232 

mo por onde a proa vay enderençada fora de sen 
próprio e detreminado lugar, necessariamente nos 
acontecerão duas cousas em contrairo: a primeira 
he que, fazendo nosso caminho pêra aquella quarta 
parte de circunferência da agulha que jaz encer- 
rada dês o Rumo do norte até á linha de leste, e 
assi mesmo pella outra quarta parte da circunferên- 
cia da agulha que se opõem a esta, a qual compre- 
hende todos os Rumos conteúdos do sul até á linha 
daloeste, acharemos que em mudança de hum grão 
que andarmos por cada hum dos Rumos que são or- 
denados e próprios a estas duas quartas partes de 
toda a circunferência da agulha, teremos verdadei- 
ramente feito mayores caminhos do que as Regras 
e regimentos nos ensinão; assi que andando hum 
grão pello Rumo do nordeste ou sudueste na para- 
gem que as agulhas nordesteão hua quarta, o qual 
grão por este caminho vai em boa gyometría 24 lé- 
guas j, em tal caso teremos feito mayor caminho e 
andado 31 legoas £-, e estaremos mães apartados, 
per differença de meredianos, do lugar donde par- 
timos, por rezão que pella variação de hua quarta 
que faz a nossa agulha nesta parte onde nordestea, 
causa que o verdadeiro Rumo de nordeste ou su- 
dueste deixem seu próprio asento e casa, e tomem 
outro, que comprehende tamanho arquo da circun- 
ferência da agulha pêra a parte de leste, camanho 
jaz antre o norte da agulha e o verdadeiro Polo do 



233 

mondo. Logo» desta maneira estará o Rumo de nor- 
deste sudoeste no lugar da quarta de leste oeste sua 
vezinha, por onde o grão vai 31 léguas 7, e esta or- 
dem hirão guardando todos os Rumos que se con- 
tém nestas duas quartas, pois os caminhos e linhas 
que nos vay mostrando a nossa agulha, são outras 
fora do que cuidamos, as quaes mães propinquas á 
linha de leste oeste tem vsurpado seus lugares, do 
que vimos a ter conhecimento, alcançando a varia- 
ção ou nordestear das agulhas; assi que, leuando a 
proa ao sul, fazemos o caminho pella quarta do su- 
dueste, e gouernando por esta quarta do sudueste, 
fazemos caminho pella mea partida do susudueste, 
e leuando a proa ao susudueste, caminhamos pella 
quarta do sul, e gouernando por esta quarta do sul, 
fazemos o caminho pello Rumo do sudueste ; e pro- 
cedendo por esta maneira até á linha daloeste, sem- 
pre nos acontecerá caminharmos por hua quarta que 
está alem do Rumo que nos vay mostrando a agu- 
lha; e com este exemplo fica claro, como, cami- 
nhando pellos Rumos que jazem dentro das duas 
quartas de toda a circunferência da agulha acima 
ditlas, andaremos mães legoas do que se nos vay 
representando, e seremos mães afastados do mere- 
diano de lisboa, ou de qualquer lugar donde partir- 
mos, do que o Rumo, altura e as Regras nos vão 
manifestando. 
Mas todas estas cousas que tenho ditlo, nos acon- 



234 

tecerão ao contrairo, caminhando pellas outras duas 
quartas partes de toda a circunferência da agulha, 
as quaes se contheem, hua do principio da linha do 
leste até o Rumo do sul, e outra será a sua oppo- 
sita, que começa da linha daloeste, e vaisse acabar 
e detreminar no Rumo do norte, porque, pello des- 
uairo que fazem nossas agulhas, nordesteando hua 
quarta pello exemplo que tenho posto, o leste da 
nossa agulha se desuia e arreda de seu natural si- 
tio e lugar outro tanto espaço pêra a parte do sues- 
te, e o mesmo fazem todos os Rumos desta quarta 
parte de toda a circunferência da agulha, deixando 
seus próprios lugares, e tornando a outros mães che- 
gados ao verdadeiro Polo do sul; e como quer que 
os Rumos dagulha por onde fazemos o caminho, 
quanto menor angulo fazem com o nosso meredia- 
no, tanto em differença de hum grão teremos an- 
dado menos legoas, seguirse ha que, nordesteando 
as agulhas, e correndo por dentro destas duas quar- 
tas, que em mudança de hum grão tinhamos feito 
menor singradura do que a denominação do Rumo 
nos vay amostrando, Porquanto os Regimentos por 
onde nos gouernamos, sopoem que auemos de an- 
dar por verdadeiros Rumos: e pêra que isto milhor 
se possa entender, porey aquy alguns exemplos, sem 
me apartar da rota que leuamos partindo de lixboa 
pêra a índia, como quer que esta escritura se não 
faça pêra o doctor Pêro nunez, mas pêra aquelles 



238 

qae não sentem nada das mathematicas, nem tem 
experiência do mar. 

A todos lie mui notório que, partindo de lisboa 
caminho do Brasil, sempre leuamos a proa naquel- 
les Rumos que jazem encerrados na quarta parte 
de toda a circunferência da agulha que se contém 
do Rumo do sul até á linha daloeste, pois que até á 
ilha da madeira gouernamos ao sudueste, e dahi por 
diante, até sermos nas Ilhas das Canareas, fazemos 
o caminho a susudueste; mas passando por diante, 
até nos pormos avante do cabo verde, leuamos a 
proa ao sul quarta do sudueste, e passando mães 
alem, hindo nauegando ná volta do Brasil, jamaes 
deixamos de gouernar pellos Rumos que estão do 
sul até á linha daloeste, por caso dos ventos que 
nestes tempos cursão: logo* claro parece, que, em- 
quanto fizermos o caminho pelos taes Rumos, an- 
daremos muitas mães legoas do que a denominação 
dos mesmos Rumos nos significão, e cada vez nos 
hiremos mães apartando do merediano de lisboa do 
que por Razão do caminho e altura se demostra, 
pois que, por Respeito desta variação que vão fa- 
zendo nossas agulhas por este caminho, não deue- 
mos contar as singraduras e apartamento do mere- 
diano pellos Rumos por onde a proa da nao vay en- 
derençada, mas antes por outros, os quaes estão mães 
chegados pêra a linha daloeste tantos grãos, quan- 
tos temos sabido que as agulhas nordesteão nos taes 



236 

lugares e parajens ; porque, se a nao vai fazendo seu 
caminho pello Rumo do sueste, que mostra nossa 
agulha, diz o Regimento que em mudança de hum 
grão teremos andado 24 legoas j, e assi estaremos 
apartados do merediano donde partimos i 7 legoas \, 
o que seria verdade, se o norte das nossas agulhas 
ferisse no verdadeiro Polo do mundo, mas não fe- 
rindo nelle, ante em outro ponto mui apartado do 
verdadeiro Polo, que jaz antre elle e o Rumo do 
.nordeste, donde a variação tomou o nome, como 
será possivel termos feito o caminho do sudueste, 
senão por outra linha ou Rumo, que tanto este apar- 
tado delle pêra a banda daloeste, quanto o norte da 
nossa agulha se desuia do verdadeiro pollo pêra a 
parte do nordeste? e se por caso esta variação ou 
apartamento fôr quantidade de i i grãos, necessa- 
riamente se seguirá que o tal caminho que se acharia 
ter feito a nao, ser todo pello sudueste quarta daloeste, 
pella qual quarta, na mudança de hum grão, teremos 
andado 3 i legoas ; , e estaremos apartado do mere- 
diano donde partimos 26 legoas: e como quer que 
da cidade de lisboa até á linha equinocial o numero 
dos grãos que nordesteão as agulhas não passa de 
7, nem abaixa de 5 j, que pouco mães ou menos, 
descontando hfla cousa por outra, poderá importar 
mea quarta* em todos estes espaços; pêra justamente 
sabermos o que temos andado, e o Rumo por onde 
a nao vae caminhando, darlhe hemos o caminho desta 



237 

maneira: se leuamos a proa pella quarta do su- 
dueste que está a par do sul, então fazemos o cami- 
nho per 5 grãos *- mães adiante escontra a mea par- 
tida, a saber, pelo meo do espaço que jaz antre esta 
quarta e a mea partida do susudueste; e leuando a 
proa ao susudueste, fazemos o caminho per meo do 
espaço que jaz antre esta mea partida e a quarta do 
sul que está a par daloeste, que he outros 5 grãos £- 
alem desta mea partida pêra a quarta do sul, e o 
mesmo nos acontecerá gouernando por todos os Ru- 
mos que jazem encerrados ou postos dentro desta, 
quarta parte da circunferência da agulha, e daqui 
fica notório que, tendo andado hum grão por cada 
hum destes Rumos, e per exemplo seja pello do su- 
dueste, teremos feito mayor caminho de 24 legoas \, 
e estaremos mães apartados do lugar donde parti- 
mos, per differença de meredianos, tanto espaço, 
quanto se achar em verdade que se monta nesta mea 
quarta, ou 5 grãos *-, Por onde himos directamente 
caminhando: logo os lugares, terras, Ilhas, prayas, 
que acharmos por esta paragem, gouernando pellos 
dittos Rumos, sem nenhua duuida que serão mães 
occidentaes a comparação do merediano de lisboa 
do que até agora se pratica e tem por averiguado. 
Porém, dobrado o cabo de sancto Agostinho, e 
começandonos o vento de hir alargando até ventar 
da banda do Ponente, cousa he muito manifesta que 
atee sermos com terra do cabo de bõa esperança 



238 

jamaes a proa de nossas naus vai fora daquelles Ru- 
mos que jazem do leste das agulhas até o Rumo do 
sul ; por onde, caminhando com ventos frios e ten- 
dentes, e o norte de nossas agulhas hindo cada vez 
fazendo mayores mudanças pêra a parte do nordeste 
até quantidade de 20 grãos, que valem pouco me- 
nos de duas quartas, e dês dahi tornando dar a 
volta, e desandar o caminho pella mesma maneira 
e grãos que até qui forão sobindo, quando chega- 
mos á ponta primeira da terra do Natal ficão de todo 
fixas e ferindo directamente nos verdadeiros poios 
do mundo. Ora pois, todo o tempo que caminhar- 
mos per esta quarta parte de toda a circunferência 
da agulha, a qual comprehende os Rumos sobredit- 
tos, Partindo da costa do Brasil pêra o cabo de bõa 
esperança, quem duuidará os pontos que os Pilotos 
vão pondo em suas cartas serem todos muito mães 
dianteiros e orientaes per muitas legoas, do que em 
verdade se deue fazer, por Razão do caminho que 
himos fazendo? pois que, gouernando a lessueste,na 
parajem que as agulhas nordesteão 15 e 20 grãos, 
achando hum grão na mudança da altura, contamos 
46 legoas a ssingradura e 42 na differença dos me- 
redianos, sendo notório que o tal caminho foi quasi 
ao sueste, por onde o grão vai 24 legoas \, e a dif- 
ferença dos meredianos 1 7 £ ; e assi mesmo leuando 
a proa em leste quarta do sueste, multiplicando na 
altura hum grão, contamos na singradura 90 legoas, 



239 

e 88 na distancia dos meredianos, não nos recatando 
que o tal caminho que fizemos, foy por antre a mea 
partida de lessueste e a quarta de leste que está a 
par do sul, por onde o grão vai muito menos de 46 
legoas, e o apartamento dos meredianos não chega 
a 40, e estes enganos nos acompanhão todo o tempo 
que caminhamos por dentro desta quarta parte da 
circunferência da agulha ; por onde, nauegando tan- 
tos dias, tantas noites, leuando em cada singradura 
erro tão notáuel, causado da sobeja e não conhe- 
cida variação das agulhas, faz que, quando se vem 
asentar estas terras no plano pellas relações e Ro- 
teiros dos Pilotos e nauegantes, he necessário meter 
a costa do cabo de boa esperança grandes espaços 
pello oriente acima, e ficar antre ella e a costa do 
Brasil tão comprida e disforme distancia, como ao 
presente se mostra em todos os planos. E daqui vem 
que, fazendo as cartas este caminho tão comprido, 
considerando os Pilotos como hindo com suas jor- 
nadas contadas fazendose muito á Ré do cabo, se 
acham com elle, ou avante, não atinando a causa 
donde lhe procede, fazem Regra geral, em a qual 
dão a cada hua das singraduras muitas mães legoas 
do que o sol e Rumo lhes ensina. 

Esta operação, ou nordestear que fazem as agu- 
lhas partindo de lisboa, acaba nesta ponta primeira 
da terra do natal, como já tenho ditto, mas pas- 
sando por diante, caminhando pêra onde nace o sol, 



240 

começa assi hir fazendo outra, que faz os effectos 
em contrairo, como quer que passando daqui, hindo 
Rota batida caminho da índia, as agulhas que neste 
lugar erão fixas, começam pouco a pouco a desuia- 
rem o seu norte e frol de lis do verdadeiro polo 
pêra a banda do noroeste, até chegarmos á costa da 
índia, onde varião, ou noroesteão, il grãos, que 
valem hua quarta ; e como em todo este caminho o 
tempo que na viagem gastamos, leuamos a proa da 
nao naquelles Rumos que se contém dentro da quarta 
parte de toda a circunferência da agulha que co- 
meça do norte e acaba na linha de leste, he neces- 
sário que em mudança de hum grão por qualquer 
destes Rumos que seja, por onde gouernamos, te- 
nhamos andado menos caminho do que o Rumo pêra 
onde a proa da nossa nao vay aviada demostra; 
Porque, assi como quando agulha nos nordesteaua, 
os Rumos ordenados a esta ditta quarta, forçados 
da tal variação, erão lançados fora de seus próprios 
lugares, e hião oceupar outros estranhos mães che- 
gados ao verdadeiro leste, assi agora que esta varia- 
ção he ao contrairo e totalmente contraposta á ou- 
tra, os mesmos Rumos são tirados fora de suas ca- 
sas e lugares constituídos, por caso de tal variação 
e mudança, e vão tomar outros mães chegados ao 
Polo do mundo tanto espaço, quanto he a quanti- 
dade que nas taes partes achamos que as agulhas 
noresteão: logo, gouernando ao nordeste na parajem 



241 

que esta variação valer li grãos ou hua quarta, que 
he o mesmo, sem nenhua duuida faremos o cami- 
nho do nordeste è quarta do norte; e assi gouer- 
nando ao nordeste quarta de leste, ficaremos fazendo 
o caminho do nordeste franco, e pello conseguinte 
nos acontecerá ho mesmo, leuando a proa por quaes- 
quer dos outros Rumos que se conthém nesta quarta 
parte de toda a circunferência da agulha; pello que 
fica claro, que em todo este caminho que fazemos 
da ponta primeira até ás prayas da índia, damos 
mayores singraduras á nao do que na verdade ella 
anda ; e daqui vem que, estendido tanto esta cami- 
nho, de necessidade no assentar das terras a diífe- 
rença dos meredianos ha de ser mayor do que a tem 
os lugares, por muitos grãos. 

Não deue nesta parte menos autoridade ter que 
ha dcmostração, a longa e continua experiência que 
de tantos tempos pêra quá temos do Comprimento 
deste caminho, especialmente da trauessa que ha da 
costa do Brasil até o cabo de bõa esperança, a qual 
pôde affirmar toda a pessoa que por ella passar, e 
tiuer honesto juizo e algua pratica do mar, que he 
mães pequeno do que o fazem todas as cartas de 
marear mães de 1 50 legoas, e a Rezão pêra ser isto 
assy, lie esta: tanto que as nossas nãos se põem em 
altura do cabo frio, e começão pôr a proa no cabo 
de bõa esperança, fazendo a elle seu caminho, na 
mesma ora se começão de armar os Pilotos pcra da- 

H. 16 



242 

rem mayores singraduras á nao, do que por sua es- 
timatiua, sol e Rumo por onde vão caminhando, 
achão ; e certamente que na minha nao ouue mui- 
tas singraduras de 70 e 80 legoas, sem entrèuir 
pêra isto outra consideração, saluo ventos hum pou- 
co frescos, e nauegarmos por esta paragem, com 
os quaes, em todo o outro mar que não fora este, 
era justo darmos a cada hua das singraduras 40 
legoas; porque está já assentado por máxima nos 
mareantes, que neste Caminho se hão de contar 
mães legoas em cada hum dia natural, do que acha- 
rem que a nao podia andar por qualquer via que 
fosse: ora pois, se nós vemos que de tantos annos 
a esta parte, até ho dia de oje que este mar he tão 
laurado dos portuguezes, e sempre jaraaes acontece 
acharensse as nãos no cabo de bõa esperança, ou 
avante delle, fazendose os Pilotos muito á Ré com 
seus pontos, e hindo contando em cada singradura 
muitas mães legoas do que elles mesmos sabem e 
crêem que a nao pode andar ; que pode isto causar, 
senão que este caminho he muito raaes pequeno do 
que está posto nas cartas de marear 1 ? Os exemplos 



1 A 2.* vez lorney a índia, que foi no anno de 1545, estando 
tanto avante como o cabo, mandey perguntar a Diogo Garcia, 
piloto da Burgaleza, onde se fazia, mandou-me dizer que 175 
léguas a ré do cabo; isto era um dia á tarde, que tomamos 
as vellas e ficamos de mar em travez, por caso de nos dar hum 



243 

que neste caso posso dar são tantos, quantas são as 
armadas que por aqui passão e passarão, pello que 
somente escreuerey hum : em hua armada em que 
Jorge de mello veo por capitão mór, aconleceo que, 
fazendose todos os Pilotos na enseada de manicongo, 
acharão hum nauio de Moçambique, que lhes disse 
estarem de dentro do cabo das correntes: não ha 
duuida que, se não fossem os muitos sinaes de aues, 
pexes, eruas, e outras superfluidades que as terras 
e mares produzem, os quaes nos aparecem quando 
somos tanto avante como o cabo de bõa esperança, 
que todos os Pilotos ficarião enganados em grande 
caminho, e jamaes se farião com o cabo, que 200 
legoas se não achassem avante, comtanto que dem 
o caminho á nao conforme a altura que tomão, e 
Rumo a que gouernão, o que vem destes duas cos- 
tas, a saber, do Brasil e cabo de bõa esperança, es- 
tarem mais apartados nas cartas, do que as Deus 
assentou na poma e mundo 1 . 



pouco de levante, o outro dia amanhecendo vimos o resto, do 
cabo, estávamos já de dentro delle: o qual Diogo Garcia he 
agora o mães antigo piloto e experimentado que ha nesta car- 
reira. Nota do auctor. 

1 A celebre questão das Molucas, a que nos referimos n v uma 
prudente nota (pag. 86), e a fixação da denominada linha de 
demarcação que havia de separar os domínios dos reis de Por- 
tugal e Castella, foram causas que constantemente actuaram 
nos navegadores e cosmographos dos dois reinos, para a deter- 

16. 



244 

A noite de quinta feira lodo o quarto da prima 
foy o vento noroeste esperto; gouernamos a leste 
quarta do sueste; mas entrando a modorra, saltou 
o vento ao norte, e gouernamos a leste, ginando 
pêra a quarta do sueste até amanhecer : esta noite, 
Rendido o quarto da prima, chegou a nao a nós, e 
dissenos o Piloto delia que esse dia vira terra, e 
era o cabo das agulhas. 



CAMINHO. 

Sesta feira 28 de Junho até meo dia foi o vento 
noroeste e nornoroeste, ventando de todas estas par- 
tes Rijo; gouernamos a lesnordeste: mas de meo dia 
até noite assentou o vento no noroeste, e ventou 
muito Rijo; gouernamos hum pouco a lesnordeste, e 
logo fizemos o caminho de leste até anoitecer: todo 



mi nação das longitudes. São essas idéas que dominam no es- 
pirito de D. João de Castro n'esta longa dissertação. Transcre- 
vendo em parte esta notação famosa, Garcia de Céspedes no 
seu Regimento de Navegadores, busca demonstrar que o Cabo 
da Boa Esperança não eslava no seu logar nas Cartas de Ma- 
rear, e que entre o meridiano de Lisboa e o do Cabo da Boa 
Esperança cba 44 grãos 14 minutos de longitude, que são 
mais 9 grãos o que o Cabo da Boa Esperança ha de estar mais 
ao oriente» (Regim. de Nav. fl. 135). Estes e outros erros tor- 
navam muito difficil e perigosa a navegação n'este tempo. 



245 

este dia vimos grande somma de madeiros andar 
pello mar grandes e pequenos, e delles com muitos 
esgalhos como pao de pinho, e assi nos aparecerão 
grande numero de alcatrazes e toninhas e muitas ca- 
nas, e não vimos nenhum feijão. 

De noite até o quarto da prima fezse o vento mães 
largo como oesnoroeste bonança; gouernamos a leste 
quarta de nordeste todo este quarto : entrando a mo- 
dorra, saltou o vento ao sudueste, e ventou Rijo; 
gouernamos, ora a leste quarta de nordeste, ora a 
leste, porém o mães do tempo seria ao Rumo. 

CAMINHO. 

Sabbado 29 de Junho, amanhecendo, fezse o vento 
oeste, e ventou muito Rijo, de maneira que nos foi 
necessário tirar fora as monetas ; até meo dia gouer 
namos a lesnordeste, e ás vezes a leste quarta de 
nordeste, mas foy pouco tempo: e de meo dia até 
noite fezse o vento oessudueste algua cousa mães 
bonança; gouernamos a lesnordeste até anoitecer: 
vimos somente três ou quatro alcatrazes, mas mui- 
tos feijões: oras de meo dia tomamos o sol, e na 
mayor altura se leuantaua sobre o orizonte 32 grãos 
justos; a declinação deste dia era 22 grãos x -, do 
que se segue estarmos em 35 grãos ~; o Piloto c o 
doctor e outras duas pessoas tomarão o mesmo sol, 
sem discreparem cousa algua. 



246 



De noite todo o quarto da prima e modorra foy 
o vento oeste e oessudueste ; mas entrando o quarto 
dalua, saltou ao noroeste, donde ventou até amanhe- 
cer; toda a noite gouernamos a lesnordeste. 



CAMINHO. 

Domingo 30 de Junho pella menhãa escaseou o 
vento, e fezse como norte; gouernamos hum pouco 
a leste e quarta de nordeste, mas logo tornou lar- 
gar hua quarta, e gouernamos a lesnordeste ; e tor- 
nando a largar mães, gouernamos ao nordeste quarta 
de leste até anoitecer: este dia fiz as operações se- 
guintes. 

Primeira operação ante meo dia. 

Estando o sol em altura de 3 grãos 1 

ho estilo lançou a sombra 30 grãos 

contando do Rumo daloeste pêra o sul, ou 60 grãos 
contando do sul pêra a banda daloeste, que he o 
mesmo ; e erão a este tempo 7 horas \ . 



4 Segue-se logo que nasceu o sol 3.° de leste pêra o norte. 
Nota do auclor. 



247 



« 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 10 grãos - A 

ho estilo lançou a sombra 51 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste : a esle tempo 
erão 8 oras {. 



Terceira operação atite o meo dia. 

Estando o sol em altura de 18 grãos ^ 

ha estilo lançou a sombra 41 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste: a este tempo 
erão pouco mães de 9 oras. 



Quarta operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos \ 

bo estilo lançou a sombra 31 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste: a esle tempo 
erão 9 oras -f. 



248 



Quinta operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 30 grãos -j 

ho estilo lançou a sombra 17 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão 1 1 oras. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de. ....... . 30 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 19 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo era hua ora depois de meo dia. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que o dante meo dia dous grãos, dos 
quaes ametade he hum, que he a quantidade que 
neste lugar a agulha nordestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 24 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 33 grãos { 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo erão duas oras. 



249 



Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que o dante meo dia dous grãos {, 
cuja ametade he hum grão {, que he a quantidade 
que neste lugar a agulha nordestea. 



Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de. 18 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 44 grãos { 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este 
tempo erão 3 oras escasas. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que o dante meo dia 3 grãos \, cuja 
ametade he 1 grão - A , que he a quantidade que neste 
lugar agulha nordestea. 



Quarta operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 3 grãos 

ho estilo lançou a sombra 18 grãos 

contando de leste pêra o sul, ou 72 grãos contando 
do sul pêra a banda de leste, que he o mesmo; e a 
este tempo erão 4 oras -f. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor quo o dante meo dia 12 grãos, os 



250 

quaes partidos, vem ametade 6, que he a quanti- 
dade que neste lugar agulha nordestea 4 . 

Quando fiz estas operações, eu me fazia 5 grãos 1 
do merediano do cabo das agulhas pêra a banda de 
leste 8 , e o Piloto outro tanto: este dia a oras de meo 
dia tomamos o sol, e na mayor altura se aleuantaua 
sobre o orizonte 33 grãos; a declinação deste dia 
era 20 grãos \ , do que se segue estarmos em 36 
grãos \. 



Notação sobre a estimatiua dos homens do mar. 

Porque o Juizo e estimatiua dos homens do mar 
he tamanha parte da nauegação, que as mães das 
vezes fiqua a cousa nestes seus estormentos, assi 
no andar da nao, como no conhecimento e vista das 
terras, quis assi oje, como alguns outros dias, me- 
ter a mão em seu engenho, e saber suas openiões 
acerqua do que podião andar as nãos em cada sin- 
gradura, nam tomando o sol; e acheyos tão diffe- 
rentes, que me- obrigou primeiro se o deuia de es- 
creuer ou não, passado isto de tal maneira, que a 
singradura sobre que fazia o tal exame, huns me 



4 Esta operação uco fora das outras, e muy fora da razão, 
a causa disto se vera. Nota do auclor. 
a Meridiano da operação. Nota do auclor. 



251 

dezião que podia andar a nao 30 legoas, outros 60, 
outros 40, outros vinhão com tamanhos desuairos, 
e queriãonos prouar por tão fracas considerações, 
que foy cousa espantosa ; e este exame foy feito to- 
mando o parecer do Piloto, mestre e outros homens 
do mar muy práticos e antigos 1 . 

De noite todo o quarto da prima foy o vento nor- 
noroeste; gouernamos ao nordeste; mas passados 
dous Relógios da modorra, saltou o vento a loeste, 
e gouernamos ao nordeste e quarta de leste: no 
quarto dalua tomou o vento ao noroeste, e fizemos 
o mesmo caminho da quarta até amanhecer. 

1 Com razão põe em duvida D. João de Castro a estimativa 
dos homens do mar. A velocicade da navegação, a grandeza 
da singradura, e até a própria direcção, pelo pouco conheci- 
mento que tinham das correntes e da verdadeira declinação 
da agulha, tudo era incerto. Não faziam uso ainda da barqui- 
lba para conhecer a marcha do navio. Pigafelta, contando a 
primeira viagem de F. de Magalhães falia de um aparelho se- 
melhante á barquilha, e por meio do qual se podia conhecer 
a marcha do navio. cSecondo la misura che facevamo dei 
viaggio cMa catena a poppa, diz Pigafetta, noi percorrevamo 
da 60 in 70 leghe ai giorno.i Apesar do uso da cadeia de 
poppa, de que o escriplor italiano dá noticia, facto que cha- 
mou a attenção de Humboldt (Cosmos, tom. iv, pag. 66), é 
com tudo certo, que os navegadores portuguezes continuaram 
a determinar por fantasia o andamento, e, ainda nos primei- 
ros annos do xvm século, o cosmographo M. Pimentel na 
sua Arte de Navegar diz, referi ndo-se ás léguas andadas pelo 
navio testas não tem outra certeza mais que a conjectura, ou 
fantesia do piloto» (cap. xvu, pa#. 71). 



252 



JULHO. 

Segunda feira primeiro de Julho até o meo dia 
foy o vento noroeste fresco ; gouernamos a nordeste 
quarta de norte, e dahi avante começou o vento a 
crecer e Rijo, e saltar pêra a banda daloeste; quasi 
sol posto se fez todo sudueste, e creceo tanto que 
nos fez tomar todas as vellas pequenas e tirar as 
monetas fora; todo este meo dia faríamos o cami- 
nho do nornordeste: este dia fiz as operações se- 
guintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 3 grãos 

ho estilo lançou a sombra 30 grãos 

contando do Rumo daloeste pêra o sul. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estilo lançou a sombra 20 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



253 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estito lançou a sombra 19 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia 
maior que o de depois de meo dia i grão, cuja ame- 
tade he 30 minutos, que por esta operação a agu- 
lha norestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 3 grãos 

ho estilo lançou a sombra 30 grãos 

contando de leste pêra o sul: 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia igoal ao dante meo dia 1 ; logo agulha julga 
aquy direito, sem fazer mudança pêra nenhua parte. 

A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor al- 
tura estaua aleuantado sobre o orizonte 34 grãos \; 
a declinação deste dia era 22 grãos -J, do que se se- 
gue estarmos em 33 grãos -J . O Piloto e o doctor 



1 O primitivo logar onde a agulha não variava. Nota do 
auetor. 



254 

tomarão o mesmo sol 1 : quando fiz estas operações, 
eu me fazia no merecliano que se aparta do cabo das 
agulhas pêra leste 7 grãos *. 

De noite toda foy o vento sudueste, e ventou 
muito Rijo ; gouernamos ao nordeste quarta de leste 
até amanhecer. 

CAMINHO. 

Terça feira 2 de Julho todo o dia foi o vento cal- 
ma, quanto a nao gouernaua, e a bafujem que ven- 
taua fazia muitas mudanças, não Repousando em 
nenhua parte dês o noroeste até o sul ; sol posto, foy 
Rodeando até se fazer leuante, e logo gouernamos 
ao sul: este dia pella menhãa vimos a terra, e seria- 
mos delia três legoas até 4 3 . Gorriasse esta costa, 
nordeste sudueste quarta de leste oeste; o Piloto 
não ha conheceo, mas por alguas Rezões lhe pare- 
ceo a primeira terra do natal, e tanto que a vio, 
mandou gouernar a lesnordeste e a leste quarta de 
nordeste: daqui parece que o Piloto 4 não teue tama- 
nha consideração no demandar desta terra pêra aver 



1 Meridiano da operação. Nota do auctor. 

* Destas declinações conclue-seque a agulha nào Unha de- 
clinação em Lat. 33° S. e Long. 27° E. de Grenw. 

3 Vista da torra do Natal. Nota do andor, 

* Contra o |iiloto. Nota do auctor. 



255 

vista delia, como conuinha, porque o dia dontem 
correo ao norte quarta de nordeste e ao nornordeste 
em busca delia, e per seu ponto e meu estauamos 
pegado com a terra: ora ao sol posto andaua o mar 
tão afumado, que três legoas não podíamos ver pêra 
nenhua parte; e sendo isto assy, claro estaua que da 
mesma maneira poderamos estar estas 3 legoas ou 
4 aredados da terra, como alguas mães, pois a vista 
nos não deixaua ver o mães espaço : ora pois, a este 
tempo que era sol posto, vendo o Piloto que entraua 
a noite, e não tinha visto a terra, mandou gouernar 
ao nordeste quarta de leste, pêra se recolher ao mar, 
e ao outro dia tornar em busca delia, e assi corre- 
mos toda a noite com grande tormenta de vento: 
logo se estauamos pegados com a terra, assi como 
nos fazíamos, e a costa se corresse nordeste sudueste 
quarta de leste oeste, como que as terras sempre ja- 
maes lanção pontas, e fazem enseadas e voltas, es- 
taua em Rezão, ou hirmos toda a noite Roçando a 
quilha pella pedra, ou vararmos em algua ponta, 
assi como nos ouuera dacontecer, porque, amanhe- 
cendo, não vimos nada por caso do mar e terra an- 
dar muito afumado, mas ás oito oras que descobrio, 
vimos a terra, que se corria pello Rumo por onde 
hiamot gouernando, e éramos tão pegado com a 
costa e metidos em bua enseada, que leuauamos a 
proa posta na terra, do que podemos tomar exem- 
plo pêra o demandar das terras, que nunca nos 



256 

aconteça, quando quer que nos fazemos abraçados 
com a costa, corrermos de noite ao Rumo per onde 
as cartas nos moslrão que se ella corre, mayormente 
nesta que se conthém do cabo de bõa esperança até 
o cabo das correntes, a qual o dia doje está tão re- 
mota do conhecimento e pratica dos Pilotos, que mui 
pouca cousa ou nada sabem, não digo já de seus 
portos, bayas e enseadas, mas da altura dos luga- 
res, e da Rota das costas*. Pello que em tal caso, ou 
trincaremos toda a noite no bordo do mar, ou se 



1 Já no Esmeraldo de Duarte Pacheco se lamenta o pouco 
conhecimento que havia das costas da Africa oriental, do ilheo 
da Cruz para diante, apesar de se navegarem aquelles mares 
havia alguns annos. Trinta annos depois, pouco ou nada se 
sabia ainda, como se conhece das palavras de D. João de 
Castro. Duarte Pacheco, fallando dos extensos descodrimen- 
tos mandados fazer por el-rei D Manuel, para além do ilheo 
da Cruz, «cento e sessenta léguas alem do promontório da 
Boa Esperançai observa «agora por mór segurança desta na- 
vegação convém que Vossa Alteza mande tornar a descobir e 
hapurar esta costa do Ilheo da Cruz em diante, porque he 
certo que no seu primeiro descubrimento se soube em soma 
e nom pelo meu do como a tal costa caminha, e porque Vossa 
Alteza me disse que se queria nisto fiar de mim, por tanto pre- 
parei fazer um livro de cosmografia e marinharia, cujo pro- 
logo he este que aqui é escriptoi A parte da sua obra, a que 
o grande navegador allude, parece não se haver escripto, pois é 
justamente ao principiar esse livro da obra, que devia ser o 
quinto, que o manuscripto do Esmeraldo se acha interrom- 
pido. 



257 

quizermos correr, será com darmos duas e três quar- 
tas de resguardo de como nos mostrão as cartas que 
se a costa corre: a mostra que a terra fazia era muito 
fermosa e conhecida, porque se metia por ella den- 
tro hua grande aberta á maneira de vale, e como 
que recebia por aquy algum Rio ou braço de mar 
dentro de seu Regaço; e da parte do sudueste amos- 
traua hum sombreiro sobre este vale. fazendo hua 
testa muito grande da Roca talhada a pique; mas 
da banda do nordeste desta aberta se aleuantauão 
três montes pequenos, muito sobranceiros ao vale. 
até chegarem ao alto de hua serra, por antre os 
quaes c o sombreiro que acima disse, se mete o 
vale pella terra dentro; de hua banda e da outra 
desta aberla dous altos c poderosos montes se ale- 
uanlão, porém o da banda do sudueste era mavor 
e mães alto, e de suas baixas Raizes tomaua prin- 
cipio outro monte, o qual, correndo ao longo do mar 
na volta do sudueste, de seu espinhaço sahião sete 
cabeços, e o ultimo, entrando no mar, lançaua hua 
ponta por elle dentro, alem da qual nâo viamos a 
costa; e logo da outra banda da aberta, a saber, da 
parte do nordeste, se mostraua hum monte na praya 
do mar, desapegado e per sy; e muito pella terra 
dentro se aleuantaua hua serra muito alta, que cin- 
gia estoutros montes que acima diguo, a mostra da 
qual era como aquy está pintado. 

b. 17 



258 



Descripção desta terra 

O ponto A seja a testa do Rochedo que dece a 
pique, e G o monte alto onde se faz a testa e som- 
breiro; B amostra a entrada do vale ou aberta, e 
C, D, E, os três montes pequenos que vão debaixo 
pêra cima atee o alto de hum monte, que nesta pin- 
tura amostra o ponto Y; mas F será o monte des- 
apegado que eslá na praya e á borda do mar, e logo 
H o monte que toma principio nas baixas Raízes do 
monte G, e vai correndo ao longo do mar na volta 
do sudueste, fazendo sete cabeços; ora pois L, M, N, 
demostrarão a serra muito alta que vai muito pella 
terra dentro, e comprehende dentro de sy estes mon- 
tes c outeiros de que se trata. 

De noite toda foy o vento nornordeste e nordeste ; 
o quarto da prima gouernamos ao sueste quarta de 
leste, mas a modorra e alua gouernamos a lessueste, 
e ás vezes a leste quarta do sueste. 

CAMINHO. 

Quarta feira 3 de Julho foi o vento nordeste ; go- 
uernamos ao noroeste; tornando a demandar ha ter- 
ra, ás dez oras fomos com ella: este dia fiz as ope- 
rações seguintes. 



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„>, 'M" K 'li! I / 



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259 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 16 grãos 

ho estilo lançou a sombra 50 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo erão oito oras e mea. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 

ho estilo lançou a sombra 39 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste : erão a este 
tempo 9 oras e ^. 



Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 3! grãos { 

ho estilo lançou a sombra 25 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste : erão a este 
tempo 10 oras e mea. 



17 



260 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 31 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 25 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste; e a este tem- 
po era 1 ora \. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma- 
nifesto não variarem as agulhas nenhua cousa neste 
lugar 4 . 



Segunda operação de depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos 

ho estilo lançou a sombra 39 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste: a este tempo 
erão 2 oras \. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma- 
nifesto neste lugar não variarem as agulhas. 



Onde as agulhas não variam. Nota do auctor. 



Í6I 



Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 16 grãos 

ho estilo lançou a sombra 50 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste ; e a este tem- 
po erão 3 oras {. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia igoal ao dante meo dia, pello que fica ma- 
nifesto neste lugar não variarem as agulhas. 

Este dia ao meo dia tomey o sol, e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 36 grãos; a de- 
clinação deste dia era 22 grãos, de que se segue 
estarmos em 32 daltura, que he na ponta primeira 
da terra do natal; donde fica manifesto que neste 
merediano que passa pello ditto ponto, não varião 
as agulhas cousa nenhua 1 , mas ferem directamente 
nos verdadeiros poios do mundo, como por tanlas c 
tão conformes operações se tem mostrado: este dia 
de meo dia até noite foy o vento nordeste, pello que 
estiuemos ao pairo com o papafigo, sem monela, 
aredados da terra obra de três legoas: a oras de bes- 
pora lançou o Piloto fora o prumo, e tomou o fundo 
em 70 braças*, o qual fundo era cascalho e híía área 



4 Meridiano onde as agulhas não varião. Nota do auctor. 
* Fundo. Nota do auctor. 



262 

grossa como saibro: ora, oulhando a terra, achámos 
que não era a do outro dia, mas outra muy diffe- 
rente, o que nos fez crer que descahiramos muito, 
e tornáramos atrás 1 ; e logo a mandey debuxar, com 
huns penedos muito altos e muito fermosos que es- 
tauão ao longo do mar, os quaes a juizo de lodos 
parecião Ilheos ; a terra era huas serras dobradas e 
de muitos aruoredos, nas quaes se fazião muitos fo- 
guos, mas sobre o mar se mostrauão dous outeiros, 
que decendo a elle, fazião hua amostra e semelhança 
de testa do touro, e por meo delles hua aberta en- 
traua por dentro da terra, por onde a juizo de todos 
algum rio vinha ter ao mar, de que a mostra e na- 
tural desta aberta, serras, montes, Ilheos, e todo o 
mães que na terra se continha, he como na volta 
desta folha está pintado. 



Descripção da terra. 

Os dous penedos grandes e que parecião Ilheos, 
sejão A e B, os quaes estauão á borda do mar, e no 
penedo B arrebentaua muito, e no outro nenhíia 
cousa; C e D dous montes escaluados, que desape- 
gados dos outeiros estauão sobre a borda do mar ; 



4 Por aqui é muito forte, por este tempo, a corrente qae 
vem do canal de Moçambique, e por isso o navio descairia. 



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263 

mas o ponto E hum monte muito comprido á seme- 
lhança de mesa, que encima de todos estaua muito 
leuantaio; pello alto delle corria hua grande Renque 
de aruores como pinheiros, não se mostrando por ne- 
nhua outra parte do monte, e das suas estremidades 
decia a pique pêra baixo até encontrar com dous 
montes, a saber, F, G, especialmente pêra a parte G. 
Por toda a outra terra somente se mostrauão alguas 
aruores em três partes assinaladas com os pontos G, 
H, I, e todo o mães era hua terra muito dobrada e 
montuosa; mas adiante desta terra ao longo da costa 
aparecião dous montes, a saber, K e L, os quaes 
decião ao mar, e fazião hua amostra como de cabeça 
de touro, e autre elles se fazia hua entrada ou aberta 
que demostraua entrar por ella algum Rio ao mar, 
ou que entraua por ella o mar; e logo a esta en- 
trada N se opunha a serra M, a qual comprehendia 
dentro de sy os dous montes K, L, porém estaua 
mães sobranceira ao monte K. Por toda a frontaria 
desta serra se erguião muitos aruoredos, os quaes 
também se mostrauão no monte O, e toda a outra 
terra era minguada delles 1 . 



1 Toda esta descri peão das costas do Natal ó interessante, e 
feita com grande perspicácia. Na descri pção de Natal por H. 
Brooks (Natal etc. by Henry Brooks, London 1876) encontra-se 
a descrípçâo da costa que coincide com o que nos diz o Roteiro. 
«As montanhas da fronteira terrestre que assim se estende até 



264 

Do noite toda foi o vento nordeste, pello que, to- 
mando as vellas, nos deixamos estar ao pairo com 
a mezena baixa. 

CAMINHO. 

Quinta feira 4 de Julho, amanhecendo, vimos a 
leira, e podíamos ser delia até 8 legoas: até o meo 
dia foy o vento nornoroeste e noroeste, mas muito 
bonança, mas de meo dia até noite escaseou, e fezse 
nornordeste calmão; gouernamos a lessueste: este 
dia fiz a seguinte operação. 



rosto ponto parallela á costa marítima, mas a uma distancia 
de 120 a 150 milhas do mar, forma parte de extensa cadeia, 
que principia a 150 milhas da cidade do Cabo.» «As monta- 
nhas parecem, vistas do .mar, precipícios em degraos de mui- 
tos centos, e em certos logares de milhares de pés, mas do 
lado da terra ele\am-se ao planalto geral do paiz. Esta particu- 
laridade não se pode distinguir quando se olha do lado do 
mar.» Fallando dos rios, diz o mesmo auctor: «É uma notá- 
vel particularidade de muitos doestes rios, o serem as suas bar- 
ras totalmente fexadas por bancos de areia» e mais adiante ac- 
erescenta tOs serros e montanhas das terras altas são cortados 
e esculpidos em mais larga escala do que os montes da costa, 
e na sua grande parte sào despidos de arvoredo, excepto nas 
quebradas junto do cume, onde elles são cobertos de arvores 
sempre verdes, algumas de grandes dimensões.» 



265 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 20 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estilo lançou a sombra 20 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste. 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia, 
igoal ao de depois de meo dia, do que fica manifesto 
não variarem as agulhas neste lugar. 

Este dia ao meo dia tomei o sol 1 , e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 32 grãos {; a 
declinação deste dia ora 21 grãos, 52 minutos, do 
que se segue estarmos em 32 grãos ^; o doclor to- 
mou neste dia na mayor altura ao orizonte 32 grãos 
j, e daquy fica manifesto tornarmos atrás estes cin- 
quo sesmos, pois ontem nos achamos em 32 grãos, 
e oje em 32, 50 minutos, estando amainados 5 ; e esta 



1 Altura ao meio ília. Fota dti andor. 

2 Como tornarão a irar. oshnrio aniayna»los. Nnta do iivctor. 



266 

quantidade de 20 legoas que tornamos atrás, era ne- 
cessário que fossem pêra o sudueste, porque ama- 
nhecemos da terra na mesma distancia em que es- 
tauamos o dia passado em altura de 32 grãos, a qual 
distancia seria 8 legoas, como atrás se pôde ver; mas 
como quer que ha cosia se corre nordeste sudueste, 
não podia ser que crecessemos na altura os cinquo 
sesmos por nenhum dos outros Rumos, Porque se 
assi fora, ou deminuiramos da altura, ou, se crece- 
ramos nella, era necessário que nos achasemos longe 
da terra e muito ao mar por Razão da Rota desta 
costa, o que parece deuer causar a grande corrente 
das agoas, como he openião comum de todos os ma- 
reantes, pella longa experiência que tem desta ca- 
reira, a qual, segundo elles affirmão, lhe tem mos- 
trado correrem as agoas ao sudueste muito Rijo, do 
cabo das correntes pêra o cabo da bõa esperança*. 
De noite todo o quarto da prima foy o vento cal- 
ma, e algua bafugem que vinha era da banda do 
nornordeste ; mas o quarto da modorra e a lua gai- 
tou o vento ao noroeste, e ventou galerno, e de to- 
das as vellas gouernamos ao nordeste até amanhecer. 



ílonvnte estudada pelos hollandezes. 



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267 



CAMINHO. 

Sesta feira 5 de Julho pella menhãa abonançou 
o vento, e ficou todo o dia em calma, quanto a nao 
gouernaua, e esse pouco que ventaua, era como no- 
roeste; todo dia gouernamos ao nordeste, e acha- 
monos outras 8 ou 9 léguas da terra, como os dias 
passados: a oras de meo dia tomarão o sol o Doctor 
e outras pessoas, e na mayor altura se aleuantaua 
sobre o orizonte 35 grãos, 43 minutos; e 21 grãos 
era a declinação deste dia, do que se segue que es- 
taríamos em 33 grãos, 17 minutos: o mestre ficou 
na mesma altura. 



Notação sobre o crecimento da altura 
e correr das agoas. 

• De oje nos adiarmos em 33 grãos, 17 minutos, 
parece que de ontem ao meo dia até oje ao meo dia 
crecemos na altura meo grão, e tornamos atrás 12 
legoas direitamente ao sudueste, o que faz manifesto 
a grande corrente das agoas, como quer que toda 
esta singradura fez a nao o caminho pêra o nordeste, 
e a mayor parte i!a noite passada passamos gouer- 



\í 



268 

nando ao nordeste com vento largo e galerno 4 . Pello 
que com muita Rezão diueramos de diminuir oje da 
altura que ontem tomamos; e posto que por Razão 
destas alturas, e assi de nos acharmos todos estes 
dias equidistantes da costa, fique demostrado cor- 
rerem as agoas ao som das prayas, que per estes lu- 
gares se correm nordeste sudueste, não deixarey de 
trazer aquy alguas acheguas, pêra fauorecermos 
mães esta openião: tanto que dobrámos o cabo da 
bõa esperança, e caminhámos ao longo desta costa, 



1 Quando tornei a 2. 1 vez à índia, que foi o anno de 1845, 
me aconteceu hu caso mui estranho, e foi que tanto avante 
como a baya da Lagoa me derão hums ventos levantes rijos, 
e saliindo me pêra o mar tomei as vellas e fiquei de mar em 
travez, e andando assi foi tamanho o peso da agoa e os rilhei- 
ros que me derão nas naus q em menos de cinquo dias nos 
lançarão no Cabo de Boa Esperança, que forão 130 léguas e 
tornamos a ver todos os sinaes do Cabo, lobos, trombas, ban- 
dos de gralhas, e chegamos a 37° d'altura: de sorte que tor- 
nando nos a dar os ventos ponentes muito rijos, caminhando 
quatro dias com estos ventos m. t0 forçosos, no cabo delles nos 
tornamos achar no mesmo logar da baya da Lagoa onde nos 
derão os levantes, o que se não poderá crer se não viramos 
sempre a terra, do que parece camanha força tem as corren- 
tes por esta costa, especialmente ventando os ventos levantes. 
Pló que devem ter aviso os Pilotos de não nauegarem ao longo 
desta costa, mas na ora que ouverem vista da terra, o que não 
pode escusar pêra hirem bem nauegados, logo se devem arre- 
dar delia, e achandose muito largos fazerem seus caminhos 
acostumados; e o q se deve largar da costa p." fugirem das 
correntes será 40 léguas, pouco mais ou menos. Nota do auctor. 



269 

trazíamos os ventos ponentes, a saber, oestes, oes- 
noroestes e suduestes, com os quaes ventos se ale- 
uantaua muito o mar, como que as agoas corrião ao 
venlo, o que muilas vezes se vê no Rio de Lisboa, 
e em todas as partes onde conhecidamente se sabe 
correrem as agoas, e aver correntes ; no qual Rio 
ventando o vento sudueste, quando (a maré vaza, 
anda nelle grande escarceo de mar e hum Marulho 
muito espesso ; mas quando a agoa enche, e vem com 
o vento, anda o Rio muito manso, e a agoa muito 
chã e mansa; e he Rezão que seja assy, porque cor- 
rendo a agoa contra o vento, pellejão estes dous ele- 
mentos, e cada hum delles põem toda sua força pêra 
vencer e passar avante, e nestes encontros e forças 
se causa leuantarsse o mar alto e furioso, o que não 
tem lugar quando o vento e o mar correm pêra a 
mesma parte : mas tornando ao propósito, quando do 
cabo de bõa esperança pêra quá nos derão os ventos 
leuantes, ventando muito Rijo, nunqua aleuantárão 
nem empolarão o mar, antes andaua como hum Rio; 
logo claro está deuerem correr estas agoas pêra a 
banda do ponente : também faz a esta Rezão, que 
estando a nao em calma, lançauamos paaos e outras 
cousas ao mar, e marcandoas com a agulha, achaua- 
mos que nos hião desaparecendo pêra a banda do 
sudueste 4 . 

1 Estas observações das correntes marítimas na costa da Africa 



270 



De noite a dous Relógios do quarto da prima fezso 
o vento como oesnoroeste, e ventou todo o quarto da 
prima e modorra, galerno, mas no quarto da lua 



do sul, são da maior importância, e mostram o espirito ati- 
lado e o talento de observação de D. João de Castro. Não po- 
dia elle determinar as correntes pela temperatura das aguas, 
porque para isso carecia de instrumentos, que eram no seu 
tempo inteiramente desconhecidos. As observações thermome- 
tricas são o mais seguro guia para a determinação das corren- 
tes do oceano, e muito mais seguras do que a determinação 
das diííerenças entre os pontos determinados pela observação 
e os avaliados pela estimativa. Durante muito tempo não se 
observaram seniio as correntes á superfície dos mares; que sào 
na verdade as que mais interessam a navegação. Observavam- 
se ao longo das costas, seguindo o andamento dos corpos que 
fluetuavam livremente na agua; longo dos costas só se podiam 
reconhecer pelas diiTerenças entre a posição realmente oceu- 
pada pelo navio em cada dia, e determinada astronómica- 
mente, e a que o mesmo navio devia oceupar, segundo o ca- 
minho seguido e o espaço percorrido e indicado pela barqui- 
nha. Sabemos as insuperáveis difficuldades que os navegado- 
no xvi século tinham na determinação das coordenadas do na- 
vio, e sabemos também que da barquinha (l<ch) se não fazia 
uso. Humboldt diz, positivamente, no tom. iv do Cosmos, que 
a primeira indicação certa da applicação da barquinha (loch 
cadenu de popa, wrreiera) se encontra no Diário de Viagens de 
Pigafetta, que por vezes temos citado. Em nenhum dos nume- 
rosos roteiros portuguezes, que temos lido, encontramos uma 
allusão ao uso de um apparelho para determinar a marchado 
navio. Apesar da deffieieneia dos meios de observação, os pi- 
lotos portuguezes buscavam sempre determinar a intensidade 
e a direcção das correntes marítimas, que chamavam geral- 



274 

abonançou e fezse oessudueste ; toda a noite gouer 
namos a lesnordeste até amanhecer. 



mente rilhriros. D. João de Castro, na sua viagem de estudo' 
não perdeu occasião de determinar o movimento dos mares : 
e as modernas observações mostram a perspicácia com que elle 
observava. Do golfo Arábico parte uma corrente de agua quen- 
te, e é d'ella que se deriva a corrente principal do Oceano 
Indico, a corrente de Moçambique. Corre esta pela costa orien- 
tal d'Àfrica, passa no canal de Moçambique, onde attinge a 
máxima velocidade, e vae até ao Cabo da Boa Esperança, onde 
recebe o nome de Corrente das agulhas. A temperatura d'esta 
corrente, que no cabo de Guardafui é de 30°, 5, diminue para 
o sul, e augmenta de novo em passando o canal de Moçambi- 
que. Foi esta corrente principalmente estudada por Mr. An- 
drau, da marinha hollandeza. Pelas cartas traçadas por este 
observador reconhece-se que, ao longo das cosias de Moçam- 
bique, a temperatura do mar é mais elevada do que deveria ser 
em respeito á latitude. A corrente quente, depois de caminhar 
parai lelamen te ás terras do Cabo, não sobe, como se poderia 
suppor, para o norte, costeando a Africa occidental. Durante 
o inverno do hemispherio sul, a corrente quente diminue em 
força e largura; a corrente fria que vem do polo repelle-a ou 
penetra -a facilmente. No mez de julho a corrente, ao cli6gar 
ao parcel das Agulhas, divide-se em dois ramos: o primeiro 
segue a direcção da costa indo ao encontro da corrente polar, 
que também a separa em duas; uma no sentido O.N.O., e a 
outra no sentido S.S.O. Nos mezes de verão do hemispherio 
sul, desce pela costa de Moçambique uma quantidade maior 
de agua quente, corrente quo contorna a ponta sul da Africa, 
e caminha um tanto para oeste. Esta corrente quente deve 
causar perturbações nas atmospheras, levantando nevoeiros, 
temporaes e trovoadas; por isso se recommenda aos navios 
hoje, quando vão para a índia ou para a Austrália, que pas- 



272 



CAMINHO. 

Sabbado 6 de Julho até meo dia foy o vento oeste; 
gouernamos a lesnordeste; mas de meo dia avante 
calmou o vento, que a nao não gouernaua: este dia 
na mayor altura tomey o sol, e aleuantauase sobre 



sem afastados do Cabo para o sul. Isto que havemos dito mos- 
tra a lucidez das observações do Roteiro. Devemos recordar 
ainda o que tempos depois escreveu n'umas instrucções aos 
pilotos o P. Christovam Bruno. Diz elle: tO que acrescentamos 
na nossa carta lie no que toca á maior largura ou compri- 
mento que, de leste a oeste, tem as terras e costas do mar do 
Cabo de Boa Esperança, do que nas cartas ordinárias se cos- 
tuma pôr, a qual achamos ser assi: primeiro por experiência 
que eu fiz na ida e vinda da índia, c os mais que comigo vi- 
nhão, detendo-nos naquella paragem, a vista da terra bem 
d'espaço e correndo-a rnuy de vagar e mais em especial na 
náo Santo Thome na vinda, onde todos observamos ser aquella 
ponta de Africa mais larga terra do que communmente se cos- 
tumava pôr nos mapas: 2.° Se confirma mais isto com outros 
mapas assi antigos como modernos e varias observações de pi- 
lotos como afirma o mesmo cosmógrafo das cartas João They- 
xeira e o ensina o cosmógrafo mór João Bautisti Labanha: 
3.° Grande indicio de ser isto verdade he vermos que d'cste 
modo se acha a proporção que a agulha tem no seu variar, a 
qual se nao pode ate agora nunqua achar, por não darem a es- 
tas terras a distancia de leste a oeste, que nós lhe damos, o 
que como digo é evidente sinal de não estarem situadas em 
seus próprios logares nas cartas ordinárias as ditas terras &» 



273 

o orizonte 34 grãos - A ; a declinação deste dia era 21 
grãos, 33 menu tos; logo dontem pêra oje multipli- 
camos na altura quasi meo grão, e tornamos atrás 
12 legoas 1 , avendo Rezão pêra diminuir na altura e 
hir por diante, pois lenamos a noite passada o vento 
á popa galerno e a proa a lesnordeste, e todo este 
meo dia gouernou a nao, e leuou a mesma proa: o 
Doctor na mayor altura tomou o sol ao orizonte 34 
grãos \: andando a nao assi em calma, botárão-se 
alguas pessoas a nadar 8 , e fazendoas hir pêra a banda 
do nordeste, sentião grande trabalho, e não podião 
romper por diante; mas tornando pêra o sudueste, 
vinhão muito Rijas e sem nenhua canseira, o que 
mostraua a corrente das agoas leuarem a Rotta do 
sudueste. 

De noite toda foi o vento leuante como lesnordeste; 
governamos ao susueste ; mas querendo amanhecer, 
saltou o vento ao norte, e logo goucrnamos a leste. 



CAMINHO. 

Domingo 7 de Julho todo o dia foi o vento norte 
escasso ; a mayor parte do dia gouernamos a leste, 
e a menor a leste e quarta do sueste. 

1 Tornarão a multiplicar na altura e pêra traz, com vento 
e proa para diminuir e hirem por diante. Nota do auctor. 

2 Outra experiência do correr das aguas. Nota do auctor. 

b. 18 



274 



De noite todo o quarto da prima foi o vento norte 
c no mordeste tão Rijo, que tiramos fora as monetas; 
gouernamos a leste e quarta do sueste ; mas entrando 
a modorra, saltou o vento a loessudueste, e gouer- 
namos a lesnordeste até amanhecer. 



CAMINHO. 

Segunda feira 8 de Julho todo o dia foy. o vento 
ocssudueste fresco; gouernamos a lesnordeste, e 
mandaua o Piloto que ginassem pêra a banda de 
leste: não se tomou altura, por não aparecer o sol: 
este dia torney a notar, como avendo dous dias que 
ventão leuantes muito Rijos 1 , andaua o mar muito 
manso, mas como quer que começarão a soprar os 
ponentes, embraueceo logo o mar, e se aleuantou 
muito alto, como que achaua resistência. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento oes- 
sudueste galerno, mas a modorra e alua abonançou 
muito, quanto a vella não tocava o masto ; toda a 
noite gouernamos a lesnordeste, e ginauão pêra a 
banda de leste. 



Do alevantar do mar e dos ponentes. Nota do auctor. 



m 



CAMINHO. 

Terça feira 9 de Julho até oras de bespora foy o 
vento calmão e como oessudueste, mas dahy até 
noite refrescou; todo o dia gouernamos a lesnor- 
deste: não se tomou o sol, por não aparecer. 

De noite toda foi o vento oessudueste muito Rijo, 
no quarto da modorra e alua Refrescou ainda mães, 
e deramnos dous chuueiros pequenos; toda a noite 
gouernamos a lesnordeste 1 , e o mar andou sempre 
muito manso, nem fez nenhua mudança das acos- 
tumadas. 

CAMINHO, 

Quarta feira i de Julho até meo dia foy o vento 
oessudueste e suduesle; gouernamos a lesnordeste, 
e ginauão pêra o nordeste; o vento ventaua fresco, 
mas de meo dia avante começou o vento abonançar 
cada vez mães, e sol posto foy calma de todo, e go- 
uernamos este meo dia ao nordeste: este dia fiz as 
operações seguintes. 



1 Vesitando pononte se não levantou aqui mar. Nota do au- 
ctor. 

18. 



276 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 15 grãos 7 

ho eslilo lançou a sombra 33 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol cm altura de 25 grãos - 9 

ho estilo lançou a sombra 41 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 29 grãos •; 

ho estilo lançou a sombra 34 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 29 grãos { 

ho estilo lançou a sombra 31 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 



1 



277 



Foi logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 3 grãos, cuja 
ametade he a quantidade que a agulha neste lugar 
norestea 1 . 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 25 grãos | 

ho estilo lançou a sombra 40 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foi logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 1 grão {, cuja 
ametade são ^, que he a quantidade que agulha 
neste lugar norestea. 



Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 15 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 30 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foi logo nesta operação o arquo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 4 grãos, cuja 
ametade são 2 grãos, que he a quantidade que agu- 
lha neste lugar norestea. 



i 



O primeiro logar onde agulha noroestea. Nota do auctor. 



278 

Este dia oras de meo dia tomey o sol, e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 37 grãos; a 
declinação deste dia era 20 grãos, 52 minutos, do 
que se segue estarmos em 32 grãos \ ; este mesmo 
sol tomou o Piloto e o doctor ; mas o mestre e hum 
marinheiro tomarão na mayor altura do sol ao ori- 
zonte 36 grãos \, o calafate 37 {. Quando oje fiz 
estas operações, eu me fazia apartado do merediano 
que passa pello cabo das agulhas 12 grãos pêra a 
banda de leste, e por esta conta me apartaria do 
merediano que passa pella ponta primeira, onde 
achey que as agulhas não variauão, 4 grãos pêra a 
banda de leste : e passandome pella menhãa á poma 
com a primeira e segunda altura, em que ouue de 
variação de sombra 12 grãos, achey 32 grãos quasi 
da leuação do polo, que foy menos da altura do meo 
dia 10 ou 12 minutos; e tornando a obrar com a 
segunda e terceira altura de polia menhã, em que 
ouue 7 grãos \ de variação de sombra, achei de le- 
uação do polo 32 grãos \. 

De noite todo o quarto da prima até quatro Re- 
lógios da modorra foy o vento calma, e dahi come- 
çou ventar do noroeste até dous Relógios do quarto 
dalua; gouernamos a este tempo a lesnordeste: mas 
logo o vento começou a refrescar e fezse noroeste ; 
até amanhecer gouernamos ao nordeste. 



279 



CAMINHO. 

Quinta feira i i de Julho, amanhecendo, nos deu 
hua grande chuua com muitos trouões, ficou o vento 
todo calma hum bom pedaço, e logo começou a ven- 
tar do sudueste com muitos chuueiros; todo o dia 
gouernamos ao nordeste com o mesmo vento: este dia 
querendose pôr o sol, situey meu estormento, e o 
estilo lançou a sombra 75 grãos, contando do norte 
pêra a banda de leste. 

De noite todo o quarto da prima o modorra foi 
o vento sudueste galerno ; gouernamos ao nordeste : 
mas no quarto dalua acalmou o vento, quanto a nao 
gouernaua; fizemos o mesmo caminho. 



CAMINHO. 

Sesta feira 1 2 de Julho até o mco dia foi o vento 
muito bonança noroeste ; gouernamos ao nordeste e 
ás vezes á quarta de leste; dahi até noite se fez o 
vento nornoroeste e norte muito calmão, quanto á 
nao gouernaua ; lenamos a proa a lesnordeste, ora 
a leste quarta de nordeste: este dia fiz as operações 
seguintes. 



280 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 33 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 33 grãos \ 

contando do sul pêra a Banda daloeste. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 35 grãos 

lio estilo lançou a sombra 29 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 35 grãos 

ho estilo lançou a sombra 18 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arquo dante o meo 
dia mayor que o de depois de meo dia 10 grãos \ 9 
cuja ametade são 5 grãos \ 9 que he a quantidade 
que neste lugar a agulha norestea. 



281 f 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de , . . . 35 grãos -j 

ho estilo lançou a sombra 24 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja 
ametade são 4 e ~, que he a quantidade que agulha 
neste lugar norestea. 

Este dia ao meo dia tomey o sol 1 , e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 39 grãos ; a de- 
clinação deste dia era 20 grãos \, do que fica no- 
tório estarmos em altura de 30 grãos \; e faziame 
norte sul com a agoada da bõa paz 9 . 

De noite 3 foi o vento norte muito Rijo; gouerna- 
mos em leste quarta do sueste até amanhecer. 

1 Logar da operação. Nota do auetor. 

* Ao norte de Limpopo. 

3 Tomando a 2/ vez á índia, que foi no anno de 1545, esta 
mesma noite nos apareceu a aparência ou signal a que os na- 
vegantes chamam Corpo Santo, per duas vezes e duraria es- 
paço de mea ora. Primeiramente o vimos na ponta do masta- 
reo da gavia, e depois no lays da verga, e depois na ponta do 
mastro da mesma e depois na enxarcea. Esta aparência a que 
chamio Corpo Santo era hOa claridade tamanha como a que 
costuma fazer uma candea ou vella, mas a s\ia luz não era 
vermelha como fogo, mas prateada a semelhança da que se vé 
na lua; e quando dava algum relâmpago não aparecia este si- 



282 



* CAMINHO. 

Sabbado 13 de Julho até oras de bespora foy o 
vento como nornordeste ; gouernamos a leste quarta 
do sueste, mas a estas oras acalmou o vento supi- 
tamente, e trouejou hum pouco; querendose pôr o 
sol, começou a ventar como noroeste fresco, e go- 
uernamos ao nordeste. 

nal, Poro como passava o resplandor do relâmpago, tornava 
aparecer, quando nos apareceo este sinal chuviscava, e o céo 
estava escuro c cerrado, e foi cousa muito patente e sem ne- 
nhQ engano da vista, e parecia mistério e segredo da natu- 
reza. A este tempo estávamos norte sul com o Rio do Infante, 
e em altura de 34°. D'este signal falia Plínio no livro u, cap. 
37 e Arist. nos Metauros. (a) 

(a) É muito para notar esta excellente descripção do fogo 
Sant'Elmo, e das suas relações com a electricidade das nu- 
vens. A comparação da observação de D. João de Castro com 
a de Mr. de Forbin, em 1696, tantas vezes citada, mostra a 
grande superioridade do navegador portuguez. Mr. de For- 
bin escreveu: cO ceo cobri u-se subitamente de nuvens. Re- 
ceando nma rajada do norte resolvi recolher todas as velas. 
Havia mais de trinta fogos de Sant'Elmo sobre o navio: um 
d 'estes occupava o catavento do mastro grande e tinha proxi- 
mamente cinco d eci melros de comprimento. Mandei um ma- 
rinheiro buscal-o. Quando chegou a cima ouviu um ruído se- 
melhante ao qne faz, andendo, a pólvora molhada. Mandei* 
lhe tirar o catavento; apenas cumpriu a ordem, o fogo saltou 
para a ponta do mastro, d'onde foi impossível tiral-o. Ficou 
ali muito tempo e desappareceu pouco a pouco. O temporal 
acabou por uma chuva que durou muitas horas.» 



2Ôâ 

De noite, em anoitecendo, começou a escasear o 
vento, e fezse como norte até cinquo Relógios do 
quarto da prima ; gouernamos ora em Leste, ora, á 
quarta de noroeste, ora á mea partida de lesnor- 
deste; e o Reste da prima tornou o vento ao no- 
roeste, e gouernamos ao nordeste: entrando a mo- 
dorra andou o vento em muitos saltos, e ventou do 
noroeste e da banda daloeste e do sudueste e do 
sul e do sueste, de maneira que faltou pouco pêra 
correr toda a circunferência da agulha, e assentou 
no sueste bonança; mas o quarto dalua Refrescou, 
e todo este tempo gouernamos ao nordeste: quasy 
toda a noite afuzilou por todas as partes do orizonte. 



CAMINHO. 

Domingo 14 de Julho todo o dia foy o vento 
sueste e lessueste, e assi como largaua ou escasea- 
ua, assy fazíamos o caminho, o qual, discompens- 
sando hum por outro, ficaria á mea. partida do nor- 
nordeste: este dia ás 10 oras de pélla menhãa vi- 
mos da banda do noroeste huas nmiens bastas c 
dobradas, e do meo delas decia ao mar hua amos- 
tra como tromba dalifante, a que os marinheiros 
chamão manga, e por derredor desta tromba ou 
manga não auia cousa algua que nos impidisse a 
vista, assi como nuueiro ou sarração. 



284 

A parte desta tromba que apegaua nas nuueens, 
afastaua por hua parte, e outra fazia hua testa, e 
dahi pêra baixo até o mar era muito Roliça e Re- 
donda ; a ponta que pegaua no mar erguia hum 
grande feruor por derredor, e segundo notauamos 
os que isto viamos, parecia chupar agoa, e leuala 
por dentro da tromba acima; duraria isto espaço de 
hum quarto de hora, e estaríamos aredados delia 
pouco mães de mea legoa; e como se desfez, deu- 
nos hua chuua grossa com trouões : o principio como 
se ordenou esta manga, foy parecer no mar hua 
grande fumaça e feruencia dagoa do tamanho de 
hua nao, e em espaço de dous credos foy crecendo 
pêra o ceo, até peguar nas nuueens, deixando figu- 
rada esta tromba por onde sobia agoa a ellas '. 



4 Esta excellente descripção do notável phenomeno Dão pôde 
deixar de causar admiração, pela perfeição e minuciosa obser- 
vação com que foi feita. Para melhor se apreciar basta citar a 
descripção das trombas marítimas que se encontra na Pkysi- 
cal. Geography de W. Desborough Gooley. «Os mais impor- 
tantes phenomenos vorticosos da atmosphera, diz elle, são os 
turbilhões produ rides pela conflagração, vórtices de poeira ou 
areia, trombas, torbadws, e cyclones. Quando um canavial ex- 
tenso e secco ou um niatto estão ardendo, vô-se sobre cada 
enérgica labareda, uma columna de fumo, ascendendo em es- 
piral e abrindo-se superiormente em forma de funil ... Às 
trombas teem lugar entre os phenomenos mais singulares da 
natureza. São columnas de agua ou vapor opaco levantando-se 
do mar e juntando-se superiormente a uma nuvem em forma 
de cone invertido. À agua na base está em violenta agitação, 



3 






288 

De noite começarão a dar muitos Relâmpagos por 
todas as partes do ceo com grande numerp de tro- 
uões ; os fuzis erão tantos que nenhum momento de 
tempo estaua sem elles ; o vento era sueste escaso 
e fresco ; gouernamos ao nordeste quarta do norte : 
o Piloto e marinheiros avião por cousa muito aue- 
riguada que todos estes synaes demostrauão cal- 
maria, mas o mestre Receoso ou giado per Deus, 
amainou as vellas, sendo passados quatros Reló- 
gios da prima, do que clamauam muito os mari- 
nheiros; e acabado as vergas de serem em baixo, 
deu em nós tamanho, vento, qual até quy não temos 
visto nesta viagem: durou este vento grande e espan- 
toso até o fim do quarto da modorra, e entrando o 
quarto dalua abonançou, e tornamos dar as vellas 
sem monetas, gouernando ao nornordeste; o vento 
seria como lessueste; toda esta noite choueo muito, 
e o mar andou muito manso. 



como se estivesse fervendo: e a columna, ao passo que cami- 
nha, revolve-se com violência perigosa, mesmo para grandes 
navios. . . A columna de agua pode explicar-se suppondo um 
turbilhão na athmosphera, o qual, como o ar, é impellido 
para fora pela força centrífuga, cria o vácuo no eixo do mo- 
vimento, no qual a agua sobe a certa altura. À cima d 'esta al- 
tura, a continuação opaca e visivel deve ser formada de vapor, 
subindo da parte inferior, ou baixando da nuvem superior.» 



«88 



CAMINHO. 

Segunda feira 15 de Julho até o meo dia foy o 
vento lessueste; gouernamos ao norte quarta do nor- 
deste : roas passado meo dia fezse o vento como nor- 
deste bonança; goueruamos ao noroeste até anoite- 
cer: este dia chuuiscou a roayor parte delle, e o 
tempo andou muito garrado. 

De noite logo no quarto da prima acalmou o vento, 
e tomando as vellas, nos deixamos andar de mar 
em traués até amanhecer ; o vento no quarto da mo- 
dorra começou a ventar Rijo da banda de lesnor- 
deste ; e toda a noite afusilou. 



CAMINHO. 

Terça feira 16 de Julho menhãa clara demos as 
vellas, o vento era nordeste bonança; gouernamos 
ao noroeste quarta do norte até anoitecer : ao meo 
dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuantana 
sobre o orizonte 42 grãos {; a declinação deste dia 
era 19 grãos, 25 minutos, do que fica manifesto es- 
tarmos em 27 grãos, 30 minutos: todo o dia vimos 
muitos grayaos, e tinhão as costas pardais. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento oeste, 



287 

gouernamos ao norte e ao norte quarta do noroeste. 
Rendido o quarto viramos no bordo do mar, o vento 
seria jà lesnordeste; gouernamos ao susueste até 
amanhecer : esta noite afuzilou, e no quarto da pri- 
ma ouuimos muitos grayaos. 



CAMINHO. 

Quarta feira i 7 de Julho, como foy menhãa, tor- 
namos a virar no bordo da terra, e metemos as mo- 
netas; o vento era como lesnordeste; gouernamos 
ao noroeste: de meo dia por diante fezse o vento 
nordeste, e gouernamos ao noroeste e ás vezes ã 
quarta do norte até anoitecer: este dia fiz as ope- 
rações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estilo lançou a sombra 45 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 37 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 35 grãos -j 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



288 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 37 grãos -£ 

ho estilo lançou a sombra 26 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia 
mayor que o de depois do meo dia 9 grãos \, cuja 
metade he 4 ■*, que he a quantidade que agulha 
neste lugar norestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 32 grãos 

ho estilo lançou a sombra 35 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: ' 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 10 grãos \, cuja 
metade he 5 \ 9 que he a quantidade que agulha 
neste lugar norestea. 

Este dia a meo dia tomey o sol,\ na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 43 grãos \; a 
declinação deste dia era 19 grãos, 27 minutos; o 
doctor na mayor altura tomou do sol ao orizonte 43 
grãos ,£: quando fiz estas operações, eu me fazia 
avante do merediano que passa pella agoada da bõa 



289 

paz, 1 grão -j pêra a banda de leste, e á Ré do me- 
rediano que passa pello cabo das correntes 1 grão |, 
que he o mesmo: este dia vimos muitos grayaos e 
alguns feijões. 

De noite, anoitecendo, tomamos as vellas, e pu- 
semos a nao de cabeça ao mar com a mezena dada 
e baixa, e assi passamos toda a noite até amanhe- 
cer; o vento era como nordeste; e orualhou muito 
toda a noite. 

CAMINHO. 

. Quinta feira 18 de Julho todo o dia estiuemos 
amainados e a nao de cabeça ao mar; o vento era 
como nordeste ; de meo dia em diante acalmou : este 
dia fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 53 grãos ■; 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 34 grãos -J 

ho estilo lançou a sombra 43 grãos { 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

b. 19 



290 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 34 grãos -j 

ho estilo lançou a sombra 34 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos {> cuja 
metade he 4 grãos - A , que he a quantidade que neste 
lugar a agulha norestea. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 44 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arqo dante meò dia 
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja 
metade he 4 \, que he a quantidade que neste lu- 
gar a agulha norestea. 

De noite toda estiuemos amaynados ; o vento era 
como nordeste, vento Rijo ; e orualhou muito. 

CAMINHO. 

Sesta feira 19 de Julho menhãa clara nos fize- 
mos a vella; o vento era norte escaso; até o meo 
dia gouernamos em leste: mas dahi por diante foy 



291 

largando o vento, e fezse como noroeste calmão; 
gouernamos ao nordeste quarta de leste até anoite- 
cer: este dia ao meo dia tomey o sol, e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 44 grãos ; a 
declinação deste dia era 19 grãos, do que se segue 
estarmos em 27 grãos ; o Doctor tomou o mesmo sol ; 
e tomando pella menhãa o sol em 36 grãos, erão por 
três Relógios quasi 10 oras, e tornandoo a tomar em 
42 grãos, erão pellos mesmos Relógios quasi 1 1 oras; 
mas passado meo dia, tornando o sol a 42 grãos, era 
mea ora depois de meo dia, e vindo a 36 grãos, 
era 1 ora \: este dia se pôs o sol muito vermelho, 
e per derredor fazia hum circolo amarelo ; a parte 
do orizonte onde se escondeo, estaua sem nenhua 
nuuem, porém muito afumada. 

De noite toda foy o vento calma, que a nao não 
gouernaua, e orualhou muito. 



CAMINHO. 

Sabbado 20 de Julho até o meo dia foy o vento 
calma, e dahi por diante começou a ventar como 
sueste bonança, e sobre a tardf refrescou algua 
cousa; gouernamos ao nordeste quarta do norte, e 
vimos grayaos : ao meo dia tomey o sol, e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 44 grãos \; 
a declinação deste dia era 18 grãos, 45 minutos, 

19* 



292 

do que se segue estarmos em 26 grãos, 45 mi- 
nutos. 

De noite no quarto da prima alargou mães o 
vento, e fezse como susueste obra de quatro Reló- 
gios ; gouernamos ao nornordeste, e o Resto que fi- 
cou ao nordeste: todo o quarto da modorra foy o 
vento sul e o dalua susudueste; gouernamos estes 
dous quartos ao nordeste; o vento foy galerno, e 
toda a noite fusilou de leste até o sueste. 

CAMINHO. 

* 

Domingo 21 de Julho até o meo dia foy o vento 
sul galerno ; gouernamos aò nordeste : mas do meo 
dia em diante começou a ventar Rijo como susu- 
dueste, e deramnos dous chuueiros pequenos; go- 
uernamos ao nordeste até anoitecer: este dia vi- 
mos grajaos ; e tanto que começou a ventar, logo se 
leuantou o mar. 

De noite o quarto da prima e modorra foy o 
vento sul, mas no quarto dalua ventou susueste, e 
toda a noite ventou Rijo, e gouernamos ao nordeste 
até amanhecer. 

CAMINHO. 

Segunda feira 22 de Julho até o meo dia foy o 
vento susueste e sueste ; gouernamos ao nordeste : 
mas de meo dia avante fezse o vento sul galerno ; 



293 

gouernamos ao nornordeste até anoitecer: este dia 
tomey o sol, e na mayor altura se aleuantaua so- 
bre o orizonte 47 grãos \\ a declinação deste dia 
era 18 grãos, 15 minutos: o calafate e hum mari- 
nheiro na mayor altura tomarão do sol ao orizonte 
47 grãos \. Porém esta aitura não foy tomada ao 
tempo que conuinha, por caso que o Piloto acabou 
de tomar o sol ás 1 1 oras, e mandou hir logo a nao 
de ló, pella qual Rezão a vella encobrio o sol, e 
não pudemos esperar pello verdadeiro lugar do meo 
dia: este dia vimos grandes bandas de grajaos, assi 
como de estorninhos; estes grajaos erão pretos e ti- 
nhão as barrigas branquas. 

De noite todo o quarto da prima e modorra an- 
dou o vento do sueste pêra o sul, mas o quarto dalua 
foy todo sueste, e ventou sempre galerno; toda a 
noite gouernamos ao nornordeste. 



CAMINHO. 



Terça feira 23 de Julho até o meo dia foy o vento 
sul galerno, mas dahy até noite se fez como sueste; 
todo o dia gouernamos ao nordeste: e o doctor fez 
as operações seguintes, por me eu achar mal dis- 
posto. 



294 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 12 grãos j 

ho estilo lançou a sombra 71 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 63 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste; e a este 
tempo era 8 oras \. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 23 grãos 

ho estilo lançou a sombra 54 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : a este tempo 
erão quasi 3 oras. 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 9 grãos \, cuja 
metade 4 {, que he a quantidade que a agulha neste 
lugar norestea. 



205 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 12 grãos ^ 

ho estilo lançou a sombra 60 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 1 1 grãos, cuja 
metade he 5 grãos \, que he a quantidade que agu- 
lha neste lugar norestea. 

Este dia a oras de meo dia tomou o doctor o sol, 
e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 
50 grãos folgados; a declinação deste dia era 18 
grãos, do que fica manifesto estarmos em 22 grãos 
escasos: alguas pessoas tomarão o mesmo sol, e vi- 
mos grandes bandas de grajaos e três ou quatro ra- 
biforcados. 

De noite toda foy o vento sul e susueste galerno; 
até quatro Relógios da modorra gouernamos ao nor- 
deste, e ginauão pêra a banda do norte; mas dahy 
até amanhecer gouernamos ao nornordeste, e gi- 
nauão pêra a banda de leste. 

CAMINHO. 

Quarta feira 24 de Julho todo o dia foy o vento 
sul galerno; pella menhãa aparecerão três ou qua- 
tro alcatrazes e muitos grayaos : a meo dia tomou 



296 

o doctor o sol, e na mayor altura se aleuantaua so- 
bre o orizonte 54 grãos ; a declinação deste dia era 
17 grãos, 46 minutos, do que se segue estarmos em 
í 8 grãos {; o Calafate tomou o mesmo sol, o mestre 
ficou este dia em altura de 18 grãos -|,eo piloto em 
menos algua cousa : daquy fica notório que a altura 
que se tomou de segunda feira até oje, que he quarta 
feira, foi errada 1 , porque não está em Rezão que em 
duas singraduras com vento galerno andasse a nao 6 
grãos, os quaes a mayor parte forão pello Rumo do 
nordeste, e a menor pello nornordeste,que pouco mães 
ou menos vem a ser 140 legoas. Isto aconteceo por 
o Piloto querer entender o segredo da variação das 
agulhas, e leuantarse de tomar o sol muito primeiro 
de estar no verdadeiro lugar do meo dia ; assi que no 
lugar de mayor perigo de toda a viagem, que he este 
que se conthém do cabo das correntes até moçam- 
bique, leuamos tamanho engano na altura, que fa- 
zendosse o Piloto ontem em altura de 22 grãos, e 
assy os que tomarão o sol, oje se acharão em 18 
grãos {, gouernando toda esta singradura ao nor- 
deste com vento bonança ; e perguntado per mym a 
muitos homeens dos mães práticos o que lhes pare- 
cia que podia andar a nao, Responderamme que 20 
até 25 legoas. 
De noite toda foy o vento sul ; o quarto da prima 

1 Erro notável maiormente em tal logar. Nota do auctor. 



§5 



I 



flfí 



297 

gouernamos ao nordeste; e passados três Relógios 
da modorra, leuando a mesma proa, vimos hum 
fogo, e logo gouernamos a leste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quinta feira 25 de Julho, amanhecendo 1 , vimos as 
Ilhas primeiras, ás quaes hiamos varar de noite, se 
nosso senhor não ordenara que se fizesse aquelle 
foguo ; e loguo sahio hum nauio dantre as Ilhas e veo 
a nós, e a oras de vespora aparecerão três nãos a 
balrrauento, e arribarão a mim, e avendo falia del- 
ias, soube que vinha ahy o viso Rey ; e assi chegou, 
a mym o nauio que estaua antre as Ilhas, e disser 
que avia hum mês que estaua fazendo fogos pêra 
aviso das nãos: este dia até meo dia foy o vento sul 
e dahy até noite sudueste; tanto que começamos a 
fazer caminho, gouernamos a lesnordeste ; sol posto 
de todo, éramos tanto avante como as Ilhas dangoxa 
e seis ou sete legoas ao mar delias : este dia vimos 
grandes bandas de grajaos pretos, branqos, pardos 2 : 
a mostra das Ilhas primeiras he como aquy está 
pintado 3 . 

1 Conjuncçao oras: depois de mea noite, minutos 7. Nota 
do anctor. 

1 Três géneros de garajaos. Nota do auctor. 

3 Quando tornei a segunda vez i índia, não vi estes gara- 
jaos, nas ilhas d'Angoxa, nem menos nas ilhas Primeiras nem 



298 

Estas Dhas primeiras são muito Rasas e cober- 
tas de aruoredo ; a terra delias he estéril e sem ne~ 
nhua agoa; ao mar delias jaz hua Restingua muito 
comprida e perigosa. O que sinto da nauegaçao que 
trouxemos do cabo das correntes atee estas Ilhas, 
he que foy muito errada, e pódesse dizer que o Pi- 
loto por fugir de Scila foy dar em Caribdes, Porque 
com Receo e medo dos baixos da índia deu consiga 
nestas Ilhas, que sem comparação he o perigo mayor 1 , 



por todo este parcel vi bandos deli es nem d'ontras aves, so- 
mente alguas garcinas e estas mui raras, pelo que ninguém 
deve dormir descançado confiado na vista das aves, nem dou- 
tros sinaes, mas vendo-os e não os vendo cuidarem que pode 
ser com a terra e fazerem suas vigias mui ordenadas, (a) Nota 
do auctor. 

(a) D. João de Castro faz n'esla nota inteira justiça i opi- 
nião falsa, que levava os pilotos do seu tempo a dar grande 
importância na determinação das longitudes, aos signaes tira- 
dos do apparecimento de certas aves, e productos naturacs ar- 
rastados pelas aguas junto das costas dos mares. Notando o 
quanto são falazes taes meios, para determinar os logares da 
navegação, mostra o attilado navegador a sua perspicácia. 

1 Para melhor se entender o Roteiro, e conhecer a causa da 
errada navegação dos pilotos, citaremos o que se lê no Roteiro 
da Carreira da Índia, por Gaspar Reimão. Diz elle: «Cami- 
nhando deste cabo das Agulhas pêra Moçambique, vos afasta- 
reis da terra, governando a primeira singradura a lessueste e 
a outra a leste e quarta de sueste; e por aqui navegareis ate 
vos afastardes da costa 60 léguas, por respeito das aguas, que 
ordinariamente correm ao sudoeste muito: e o contrario fa- 
zem se vão ao mar cem léguas, que tornam a fazer reveça para 



299 

como quer que esta terra he tão baixa e chea de 



leste ... Eu fui sempre cento e vinte legoas em leste por res- 
peito de ir ver S. Lourenço (Madagáscar) como sempre vy o 
que os antigos não faziam, senão irem demandar o Baixo da ín- 
dia, o que hoje temos alcançado ser melhor navegação chegar 
para S. Lourenço, e trabalhar por o' ver, porque também os 
tempos são mudados e n'estes nossos se acham, como sois de 
30 gráos pêra baixo, os vento suestes e les suestes que vos não 
deixão logar pêra S. Lourenço e vos carregam pêra meio ca- 
nal, e dão com as náos no parcel de Sofala e ilhas Primeiras 
e d'Angoxa, e pêra isto he bom marear bem agulha, que por 
ella se saberá em que páraje estão sem nenhuma duvida, 
porque fala agulha por aqui muito uerdade se a marcarem 
bem . . . Querendo ir por meio canal buscar o baixo da índia, 
como faziam os antigos. (Este roteiro é do século xvii), quan- 
do fôr des em sna altura que he de 22 gráos largos tendo muita 
conta comvosco não navegueis de noite . . • ginar pêra o nor- 
deste que vades afastado da Ilha de João da Nova 10 léguas, que 
está em altura de 16 gráos : esta ilheta he baxa, e pêra de noite 
he perigosa por ser cercada de baxos. Indo d'ella o que assima 
digo vereis alcatrazes brancos em bandos de 7 e 8, e tanto que 
os virdes intendei quesãod'el)a, o que ides d'ella 8. 10 léguas: 
e se os não virdes intendei que sois lançado sobre as ilhas de 
Angoxa . . . tanto que tirais a proa do nordeste loguo sois le- 
vado ás ilhas Primeiras e d'Amgoxa, como temos por expe- 
riência larga. . . as aguas, como já dissemos, correm ao su- 
dueste e tomam a náo atravessada, por onde muito depressa 
dão com as nãos nas ilhas Primeiras e d'Angoxa, que he roim 
caminho, mormente se fôr em agosto que he cabo de monção. .. 
Se fôr caso que vos acheis á vista das ilhas Primeiras ou por 
dentro d'ellas tereis aviso que indo por fora d'ellas não se fiem 
nas cartas, ou derrota d v ellas, porque ainda que ao nordeste 
pareça que corro a cosia de longo indo para Moçambique, he 



300 

Restingas 1 , que se não pode ver saluo, saluo estando 
com a barba sobre ella, e alem disto nace e viue o 
leuante nestas Ilhas, de sorte que quem cahe nellas 
de grande marauilha acha vento que ho leue a mo- 
çambique, e aqui perdem as nãos a viagem, e lhes 
morre toda a gente, e perdem as amarras, e emfim 
não creo aver algum género de trabalho que neste 
parcel não passem, pello que deuem trabalhar muito 
os Pilotos não cahirem nelle ; e a maneira que devem 
de ter em sua nauegação, a meo Juizo he esta: tanto 
que nos acharmos na altura das correntes*, deuemos 
gouernar dereitamente aos baixos da índia, e se 
ouuermos vista delles, temos segura a jornada, e 



falço, que pêra irem bem devesse de governar a les-nordeste, 
e a leste, e 4 a de nordeste ate a derradeira ilha deÀngoxa que 
está 30 léguas de Moçambique.» Estas indicações de Gaspar 
Rei mão explicam a nayegação de D. João de Castro, que era 
um dos antigos de que falia Reimõo. 

1 Esta restinga he hOa coroa d'area, que está nordesta su- 
dueste com a primeira ilha : ha na rota duas léguas e desta co- 
roa d'area pêra a ilha corre hua restinga muito comprida, o 
da ilha pêra a coroa outra, e anire estas restingas e a ilha se 
faz hu canal que será de largo mea légua, por onde he o fundo 
12 braças no mais baixo, e no mais alto não passa de 18. N'estas 
restingas quebra muito o mar e per honde se mostra que não 
quebra, he o canal muito limpo e o fundo área, e a logares vasa 
e cascalho, e a altura d'agua no mais baxo he dez braços. Nota 
do auctor. 

9 Como devem os navegates navegar do cabo das Correntes 
pêra Moçambique. Nota do auctor. 



301 

não hos vendo, fazendonos com elles, de noite po- 
demos amainar e esperar a menhãa, e corrermos 
todo o dia em busqua delles, até sermos fora de sua 
altura, Por Razão que pondo a proa nestes baixos, 
duas cousas nos vão desuiando delles : a hua he a 
variação que aqui fazem as agulhas pêra a banda 
do noroeste, e a outra as agoas que nesta paraje cor- 
rem pêra o norte ; e com isto juntamente avemos de 
saber que não podemos ser com elles, sem primeiro 
vermos muitos sinaes, como bandas de grajaos e al- 
guas aues da terra; e ha pouco perigo em os de- 
mandar, como isto que chamão baixos da índia seja 
hua Ilha darea com muito aruoredo, e desta banda 
do norte muito limpa; verdade he que da banda do 
sul e Ilha de são Lourenço deite hua Restinga, de 
que facilmente me posso guardar passando por ella 
de dia, e de noite amaynando, como acima dixe, no 
que se perde pouco caminho, e por esta maneira es- 
cuso de cahir no parcel, onde os perigos são tão eui- 
dentes; mas os Pilotos, não querendo fazer esta 
nauegação, carregão pêra o parcel, e as agoas e 
agulhas encostamnos também pêra essa parte, até 
que se achão metidos dentro, onde perdem suas na- 
uegações e ás vezes com ellas as vidas ; verdade he 
que muitas vezes cahem os Pilotos dentro deste par- 
cel contra suas vontades, cuidando que vão bem na- 
uegados, e a causa deste erro vem do engano que 
trazem do cabo de bõa esperança, porque, como 



302 

quer que depois de o dobrarem até o cabo das cor- 
rentes achão muitos Rebates de leuantes, com os 
quaes payrão ou se deixão andar de mar em traués, 
posto que depois tornem a ver a terra, e de nouo 
concertem seus pontos, não abasta, Porque na mes- 
ma ora que lhe torna a dar o leuante, as correntes 
das agoas e grandes Rilheiros que dão nas nãos, os 
lanção pêra trás, tornando a desandar o caminho, 
sem terem nenhua certeza nem poderem entender 
pêra que parte são lançados. 

De noite toda a noite foy o vento susudueste ga- 
lerno ; o quarto da prima gouernamos a lesnordeste, 
mas a modorra e alua ao nordeste e ao nordeste 
quarta de leste : no quarto da modorra encontrámos 
hua nao da nossa companhia, que estaua trincando. 



CAMINHO. 

Sesta feira 26 de Julho todo o dia foy o vento 
sudueste galerno ; gouernamos ao nordeste e ás ve- 
zes á quarta do norte, hindo sempre 6 e 7 legoas 
da costa: sol posto éramos tanto auante como a 
ponta de mocango. 



303 



Descripção da ponta de mocango. 

A ponta de mocango, fazendo bõa consideração 
e oulhando a leuação do Polo, por sem duuida po- 
demos ter ser o promontório Plaso 1 , que foy a der- 
radeira terra que conheceu Ptolomeo pêra a banda 
do sul ; esta ponta he muita baixa, e de fora parece 
alagadiça e cuberta de muitas aruores, e vay muito 

1 O promontório Prasum é considerado, por Ptolomeu e seus 
successores, como o extremo sul do mundo conhecido, mas a 
sua posição está indicada coih muita obscuridade. Marino, 
evidentemente enganado na determinação das distancias pelos 
itenerarios, chegou á conclusão de que a Agisymba (território 
mal determinado da Etiópia) ficava a 24.680 stadios ao sul do 
equador, distancia que depois reduz a 12.000 stadios; isto é, 
a Agisymba, por este computo, ficaria proximamente no tró- 
pico do sul ; por um erro extraordinário de calculo, o pro- 
montório de Prasum, na costa oriental da Africa, também foi 
situado a 27.800 stadios ao sul do equador, o que o lançaria 
a mais de 55 graus de latitude sul. Esta falsa determinação 
foi derivada da historia de algumas viagens no oceano Indico. 
O promontório Prasum, ficando a muitos dias de viagem para 
o sul de Rhapta; d'ahi resultou o engano do antigo geogra- 
pho. Rhapta deve situar-se na costa opposta a Zanzibar, pro- 
ximamente a 6 graus ao sul do equador; e Prasum a 8° ao sul 
de Rhapta, o que levou D'Anville e outros geographos moder- 
nos a identificar este promontório com o cabo Delgado e não 
com a ponta indicada por D. João de Castro. O promontório 
Prasum vem, na geographia de Ptolomeu, na latitude austral 
de 15 graus e meio, e d'aqui nasce o engano do Roteiro, 



304 

comprida, fazendo hua praya muito formosa: delia 
até moçambique será caminho de 5 legoas ; a costa 
do mar que se conthém das Ilhas dangoxa até esta 
ponta de mocango, he toda muito baixa e chea de 
aruoredo, e por toda corre hua praya darêa muito 
grande, mas no fim delia, a saber no ponto .C. se 
abaixa mães a terra e se vay fazendo a ponta até 
o ponto .D. e somente de .B. pêra .G. se mostra a 
costa sem amores: quando quer que nauegarmos 
por ella, a saber, das Ilhas dangoxa até esta ponta, 
não abaixaremos de 20 braças, porque ao longo da 
costa corre hua restinga muito comprida ; nem tão 
pouco hiremos mães largos de 5 ou 6 legoas, por- 
que corre a agoa muito pêra dentro do p areei, e ao 
longo da costa nos ajuda muito a Reuessa : a mos- 
tra desta costa, prayas e ponta, he como aquy está 
pintado. 

De noite foi o vento susudueste bonança, e fize- 
mosnos na volta do mar até meo quarto da modor- 
ra, e dahi tornamos a virar pêra a terra. 



CAMINHO. 

Sabbado 27 de Julho, menhãa clara, éramos pe- 
gados com a terra, podíamos ser delia obra de 3 
legoas: o vento era susudueste bonança; gouerna- 
mos ao longo da Ribeira: a oras de bespora ventou 



305 



a viração bonança; sol posto éramos tanto avante 
como a ponta de mocango. 

De noite toda trincamos na volta do mar. 



CAMINHO. 

Domingo 28 de Julho, menhãa clara, éramos no 
próprio lugar onde nos achamos o dia passado ; até 
o meo dia corremos ao longo da Ribeira, o vento 
era susudueste; mas de meo dia avante nos afas- 
tamos mães, e logo sentíamos que nao surdíamos 
nada avante, e vimos duas nãos que hiao mães a 
terra sahirense muito: contra a tarde nos chegamos 
mães á costa, e logo começamos a hir por diante, e 
quanto mães nos chegauamos a cila, tanto mães Rijo 
caminhauamos, o que conhecidamente sentimos cau- 
sar isto correrem as agoas pello largo ao sudueste: 
a oras de aue marias me vco hum Piloto da terra, 
e me leuou a surgir de fora do porto de Moçambi- 
que e ao socayro da Ilha de são Jorge. 



CAMINHO. 

Segunda feira 29 de Julho a oras de vespora nos 
fizemos á vella; o vento era nordeste bonança, e fo- 
mos surgir dentro do porto. 

r. 20 



306 



Descripção do Porto de Moçambique. 

Moçambique he hum dos milhores portos que te- 
nho visto, pódcnse dentro agasalhar 30 naaos; al- 
tura da agoa dentro no porto he 6 braças e a luga- 
res 7, o fundo he área; de nenhum vento pode den- 
tro entrar mar, pella qual Rezão não fumdeão as 
nãos nenhua cousa; aquy não ha nenhua corrente, 
somente o encher e vazar das marés: este porto se 
podia fazer fortíssimo, se intupissem hum canal que 
vay antre a Ilha e a terra firme, de largura de hum 
tiro de besta, porque a entrada principal be hum 
canal muito estreito, e tão sojeito a hua ponta de 
Rochedo que lança a Ilha, que nenhua cousa poderá 
entrar por elle dentro, que desta ponta se não meta 
no fundo : esta Ilha he muito Raza e sem nenhua 
agoa; a terra delia he aréa, onde se crião palmei- 
ras e poucas arvores doutro género; terá de com- 
prido pouco mães de hum quarto de legoa e de largo 
hum tiro de espingarda, e em outros lugares menos: 
de fora deste porto jazem outras duas Ilhas assi 
mesmo baixas e esterles ; hua delias se chama san^ 
ctiago, e a outra São Jorge; a distancia que a verá 
de hua a outra, pôde ser até hum quarto de legoa, 
e por este meo se faz hum canal, por onde podem 
entrar nãos pequenas, mas deuianno sempre de es- 
cusar, por caso que vay torcido de hua parte e ou- 



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307 

tra com muitos baixos : quem não quer entrar den- 
tro do porto de Moçambique, surge ao socairo da 
Ilha de São Jorge, onde faz bõa abrigada e he o 
porto limpo. 

Rotas. 

Córrese a Ilha de São Jorge com a Ilha de San- 
tiago noroeste sueste; auerá na Rotta hua legoa. 

Corresse o meo da Ilha de São Jorge com a mesa 
da terra firme norte sul quarta de noroeste sueste, 
e com o pam noroeste sueste. 

Corresse a Hha de são Jorge com a Ilha das amo- 
res nornordeste susudueste ; averá na Rotta legoa e 
mea. 

Altura de Moçambique. 

Sesta feira 2 dagosto tomey o sol em Moçambi- 
que, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori- 
zonte 60 grãos; a declinação deste dia era 15 grãos, 
16 minutos, do que se segue estar em 14 grãos, 45 
minutos : o Piloto tomou a mesma altura. 

Outra altura de Moçambique. 

Segunda feira 5 dagosto torney a tomar o sol em 
Moçambique, e na mayor altura se aleuantaua so- 
bre o orizonte 60 grãos \\ a declinação deste dia 

20. 



308 

era 14 grãos, 21 minutos, do que fiqua manifesto 
estar em 1 4 grãos \ : este dia quis obrar com o es- 
tormento das sombras pêra verificar a variação das 
agulhas, e sendo menos de 1 1 oras, a sombra do 
estilo hia muito alem da linha do meo dia, pello que, 
mandando vir alguas agulhas pêra as cotejar com o 
estormento, acheyas tão desconcertadas, que foy cou- 
sa espantosa 1 , porque onde hua fazia o leste, a outra 
mostraua o nortêTIsto me teue muito suspensso, até 
que entendi a causa, e foy hum berço que estaua no 
mesmo lugar, onde eu queria fazer as operações, o 
ferro do qual berço chamaua a ssy as agulhas, e as 
fazia desvariar desta maneira; do que tirey que hua 
operação que fiz a trinta dias de Junho no mere- 
diano que está pera leste do cabo das agulhas 5 
grãos \, a qual achey que me vinha muito descon- 
certada, e assy alguas outras que fiz na parajem do 
Brasil, onde achey nolaues differenças, que foy por 
as fazer perto donde estaua algua peça de artclha- 
ria, anchoras, ou qualquer outro ferro, como me 
passaua a todas as partes da nao, buscando lugar 
conueniente a esta obra. 

A seis dagosto quis saber o que variauão as agu- 
lhas neste porto de Moçambique, e fiz as operações 
seguintes : 

1 Qual foi a causa de alguas operações virem diferentes. Nota 
do auetor. 



309 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 16 grãos 

ho estilo lançou a sombra 76 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 42 grãos -5 

ho estilo lançou a sombra 61 grãos \ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Terceira operação ante o meo dia. 

Estando o sol cm altura de 53 grãos 

ho estilo lançou a sombra 48 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Quarta operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos -| 

ho estilo lançou a sombra 39 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



310 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos ^ 

ho estilo lançou a sombra 25 grãos ^ 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arquo dante o meo 
dia mayor que o de depois de meo dia 1 3 grãos \ , 
os quaes partidos pello meo, vem á parte 6 grãos ^, 
que he a quantidade que neste lugar agulha nores- 
tea. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 53 grãos 

ho estilo lançou a sombra 34 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arquo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 1 4 grãos, cuja 
metade são 7, que he a quantidade que a agulha 
neste lugar norestea. 

Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 42 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 48 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 



3H 

mayor que o de depois de meo dia 13 grãos {> os 
quaes partidos, vem á parte 6 grãos \, que he a quan- 
tidade que neste lugar agulha norestea. 

Quarta operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 16 grãos 

ho estilo lançou a sombra 63 grãos ± 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arqo dante o meo 
dia mayor que o de depois de meo dia 1 3 grãos, os 
quaes partidos pello meo, vem á parte 6 grãos -;, 
que he a quantidade que neste lugar a agulha nor- 
estea. 

Sesta feira 9 dagosto torney a verificar a varia- 
ção das agulhas, e em todas as operações me sahio 
6 grãos 4 e 6 grãos ^ a quantidade que agulha 
noresteaua ; e todo o tempo que neste porto estiue- 
mos, ventárão os ventos leuantes, tirando dous dias 
que ouue hum pouco de ponente. 

A dez dias dagosto oposição, oras hua depois de 
meo dia. 

CAMINHO. 

Domingo 1 1 dagosto, amanhecendo, nos fizemos 
á vella do porto de Moçambique ; o vento era como 
sul bonança, e fomos surgir na Ilha de são Jorge, 



312 



e lQgo ao meo dia nos tornamos fazer á vella; o 
venlo era sul galerno; até á tarde gouernamos a 
leste e ás vezes á quarta do sueste, e dahi até anoi- 
tecer goucrnamos a lesnordeste. 



CAMINHO. 

Segunda feira 12 dagosto todo o dia foy o vento 
sul galerno; gouernamos ao nordeste até anoite- 
cer. 

De noite o quarto da prima foy o vento susu- 
dueste obra de quatro Relógios, e o Resto escaseou 
e fezse como susueste ; toda a modorra foy o vento 
calma, mas no quarto dalua tornou aventar como 
susueste; toda a noite gouernamos ao nordeste. 



CAMINHO. 

Terça feira 13 dagosto o mães do dia foy o vento 
sueste, e obra de duas oras antes de se pôr o sol 
se fez lessueste ; até este tempo gouernamos ao nor- 
deste, e dalii até noite á mea partida de lesnor- 
deste: a oras de meo dia tomou o Doctor o sol, e 
achouse em altura de 13 grãos \. 

De noite toda foi o vento lessueste calmão, quanto 
a nao gouernaua ; até seis Relógios da prima gouer- 
namos ao nornordeste : a este tempo disse o Piloto 



313 

que via terra pella banda de bombordo, e logo man- 
dei fazer sinal ás nãos, e nos fizemos noutra volta, 
gouernando ao sudueste ; mas vendo que a capitaina 
não mudaua a Rotta, tornamos a virar e a fazer o 
caminho do nornordeste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quarta feira 14 dagosto, amanhecendo, vimos a 
Ilha do comaro 1 pella banda destribordo, podiamos 
ser delia até 6 legoas ; todo este dia foy o vento 
calma; quasi sol posto veo hua bafugem do susueste, 
quanto a nao gouernaua; pusemos a proa ao nor- 
deste: o Piloto tomou o sol, e ficou em 12 grãos. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento 
sueste muito bonança ; gouernamos ao nordeste : no 
quarto da modorra foy o vento todo calma, mas en- 
trando o quarto dalua começou ventar como sueste 
obra de três Relógios, e logo saltou o vento a leste 



1 Tornando a 2.* vez á índia, a noite de sábado, 8 dias 
d'agosto, sendo passados 2 relógios da modorra fui dar encima 
de hua baixa que está 6 ou 7 léguas desta ilha, e deu a náo 
trez pancadas grades e ficou toda adernada da banda de bõbor- 
do, e quando assi fomos dar nesta baixa faziamos o caminho 
do nordeste e levávamos iodas as vel las, o vento era susudueste 
fresco, e aprouve a nossa S a de nos tirar delia por sua pie- 
dade o que não estava em minha rasão de marinharia ser. 
Nota do auctor. 



314 

e depois a lesnordeste ; gouernamos parte deste 
quarto ao norte, e parte ao nornoroeste. 

Discripção da Eha de Cômoro. 

A Ilha de comaro está em altura de 12 grãos, 
he hua terra muito alta e abastada de carnes e ou- 
tros mantimentos da terra ; a Ribeira he toda muito 
limpa, segundo dizem os Pilotos; o surgidouro e 
aguada he na ponta que está da banda do norte ; 
os moradores desta Ilha são negros, e ao longo do 
mar viuem alguns mouros. E sendo esta Ilha tão 
vista de todas as nãos que passão, até oje não he 
sabido delia ; mas a mostra que faz a terra, he como 
aquy está pintado. 

Quinta feira 1 5 dagosto até o meo dia foy o vento 
calma ; dahi a diante nos derão dous chuueiros pe- 
quenos, que trazião pouco vento, e logo tornou a 
encalmar ; bem tarde começou ventar oessudueste ; 
gouernamos ao nornordeste até anoitecer: este dia 
a oras de sol posto marqou o Piloto a terra, e achou 
que estauamos no mesmo lugar onde amanhecemos, 
ou algua cousa atrás, e ora nos achauamos pegado 
com a Uha, ora arredados delia pêra a terra firme, 
o que parecia que causarião as marés ; a este tempo 
estaríamos quatro legoas da Ilha 1 . 

4 Tornando a 2." vez á índia não sentimos nesta ilha marés 



3 í 



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345 

De noite todo o quarto da prima foy o vento cal- 
ma, quanto a nao gõuernaua, e fazíamos o caminho 
de norte quarta de nordeste; mus ao quarto da mo- 
dorra ventou sempre como sudueste bonança, e en- 
trando alua acalmou, quanto a nao gõuernaua; toda 
a noite fizemos o caminho de norte quarta de nor- 
deste. 

CAMINHO. 

Sesta feira 16 dagosto todo o dia foy o vento su- 
dueste e susudueste galerno; gouernamos ao norte 
quarta do nordeste, mas a oras de meo dia nos deu 
hum chuueiro, e ficou ahy o vento até noyte ; todo 
este meo dia gouernamos ao nordeste quarta do 
norte : este dia, quando amanheceo, achamonos três 
legoas da Ilha e na mesma parajem d ontem, e ahy 
fiz as operações seguintes. 

Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 18 grãos 

ho estilo lançou a sombra 80 grãos •£ 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



nem correr das aguas, nem passamos por ella muito rijos ; 
verdade he q levávamos o vento esperto e como susudueste. 
Nota do auctor. 



316 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 31 grãos 

ho estilo lançou a sombra 76 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 31 grãos -J 

ho estilo lançou a sombra 64 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos, cuja 
metade são 6 grãos, qué he a quantidade que neste 
lugar agulha norestea. 

Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 18 grãos 

ho estilo lançou a sombra 69 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 1 1 grãos -£, cuja 
metade são 5 grãos \, que he a quantidade que 
neste lugar agulha norestea. 

De noite todo o quarto da prima e modorra foy 



317 

o vento sul galerno, mas no quarto dalua refrescou 
mães o vento e fezse como susudueste ; toda a noite 
gouernamos ao nordeste. 



CAMINHO. 

Sabbado 17 dagosto todo o dia foy o vento su- 
sudueste fresco; gouernamos ao nordeste, e hum 
pouco á mea partida do nornordeste : ao meo dia 
tomou o Piloto o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 70 grãos; a declinação deste 
dia era 10 grãos, 22 minutos, de que se segue es- 
tarmos em 9 grãos \; o doctor tomou na mayor al- 
tura do sol ao orizonte 69 grãos \ 9 e ficou em al- 
tura de 1 grãos iustos ; dous marinheiros tomarão 
do sol ao orizonte 69 grãos \ : verdadeiramente que 
he cousa de notar o grande caminho que andamos 
em tão pouco tempo 1 , porque ontem bem tarde se 
via a Ilha, e no quarto da prima e modorra foy o 
vento temperado, ainda que no dalua refrescou, e 
de pella menhãa té o meo dia fomos sem traquetes 
da gauea, e mezenas e ceuadeiras tomadas, por es- 
perar alguas nãos que vinhão atrás ; ora o meo da 
Ilha, onde ontem estauamos sem poder Romper agoa 
nem hir adiante, está em altura de 12 grãos: logo, 

1 Grande singradura. Nota do andor. 



318 

pela altura que tomou o Piloto, andamos 2 grãos ^, 
que fauorauelmente se pôde coutar pello nordeste 
quarta do norte, avendo respecto ao variar das agu- 
lhas, e a hum pouco que gouernamos á mea par- 
tida do nornordeste; e pello sol que as outras pes- 
soas tomaram, Responde dous grãos de singradura 1 , 
o que parece não poder ser, saluoajudandonos muito 
as agoas*: este dia fiz as operações seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 79 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra. 70 grãos 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

1 Effectivamente explica-se o successo pela corrente que 
n'este tempo vae ao norte. 

2 Quando a 2." vez tornei á índia me aconteceu o mesmo, 
q a primeira singradura que andamos depois de nos despedir 
desta ilha andamos tanto caminho que foi grande espanto a 
todos os <| tomarão o sol. Nota do auctor, 



NL'..i 



319 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 57 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste : 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos \, cuja 
metade são 6 grãos {, que he a quantidade que 
neste lugar agulha norestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 28 grãos 

ho estilo lançou a sombra 66 grãos \ 

contando do sul pêra a banda de leste: 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 12 grãos \, cuja 
metade são 6 grãos - v que he a quantidade que 
neste lugar agulha norestea. 

Quando fiz estas operações, eu me fazia no me- 
rediano de hua das Ilhas do ComaroS que se chama 
sancto spirito, e leste com o cabo delgado: porque 
este cabo he posto em muita fama e acerqua dos 

1 Logar da operação. Nota do auctor. 



320 

nauegantes he muy celebrado 1 , por caso delle fa- 
zem nas agoas tão differentes caminhos, como quer 
que dahi tomão principio as correntes e peso dagoa 
que vay na volta do sudueste até o cabo de bõa 
esperança, mas logo dobrado este cabo, as agoas 
correm ao nordeste e depois direitas ao norte, se- 
gundo he openião comum; me pareceo necessário 
dizer algua cousa do conhecimento deste cabo, e 
qual fosse o seu nome antigo. 

Conhecimento do cabo delgado. 

cabo delgado podemos ter por muy averiguado 
ser o promontório Rapto, muito conhecido de Pto- 
lomeo, e este pego onde ao presente nos achamos , 
o golfão Barbarico: Quiloa será a cidade que elle 
chama Rapta Metropoli, mas o Rio Rapta que laua 
as Raízes do mesmo promontório, agora ao presente 
he chamado dos nauegantes o Rio dosengo 1 ; e nisto 



1 Que do cabo Delgado tomão principio as correntes por dif- 
ferentes caminhos. Nota do auetor. 

2 Este cuidado em identificar as terras conhecidas da Africa 
com os logares indicados por Ptolomeu prova o espirito inda- 
gador de D. João de Castro, e a grande erudição que o illus- 
tre capitão possuia. Vimos como na determinação do logar em 
que devia encontrar-se o antigo promontório Prasum, elle 
se enganou pondo-o mais para o sul do que na realidade elle 
se poderia encontrar, levado a esse engano pela latitude de 



321 

não deue dauer algua duuida, posto que na leuação 
do pollo destes lugares se acha differença, Porque 
Ptolomeo põem o Promontório Rapto em altura de 
8 grãos f a pêra a banda do sul, e o cabo delgado 
está em 10 grãos pêra a mesma parte; mas ver- 
mos que adiante nem atrás deste cabo delgado se 



15 £ graus sul que o antigo geographo dá ao Prasum Promon- 
lorium: qut* os moderno* escriptores, como DWnville, julgam 
ser o Cabo Delgado. Plinio cita a opinião de um certo Dios- 
coro que põe de Raptum a Prasum uma distancia não maior 
de cinco mil stadios (cap. ix); e sendo o Cabo Delgado o an- 
tigo Prasum, não pode evidentemente ser o Raptum. No tempo 
em que foi escriplo o celebre Périplo do Mar Erythreu, a costa 
oriental da Africa era habitualmente visitada pelos gregos que 
iam para os portos da Arábia: mas a navegação não chegava ge- 
ralmente além da região designada pelo nome de Rapta. Situa- 
da no Sinus Barbaricns, havia ali um empório commerciaK um 
rio e um promontório que fixavam a attençãodosgeographos: 
a tudo isto se refere o Roteiro. Ptolomeu assigna á foz do rio 
Rapta a latitude austral de 7 graus, á cidade Rapta a mesma 
latitude, e ao promontório Raptum a latitude austral de 8 £ 
graus proximamente. Não pode haver duvida sobre a posição 
geographica do promontório denominado Aromata, o logar 
mais oriental do continente africano: é o cabo Guardafú. De 
Aromata a Rapta a costa recebeu o nome de Azania, que cor- 
responde ao moderno Hazine; e no termo da viagem encon- 
travam-se as ilhas Pyralaan, que devem ser as ilhas de Man- 
da e Lamo segundo a History of Ancient Geography de Bun- 
bury: a estas segue-se a ilha Menoothesias, que parece não 
poder ser outra senão a ilha de Pemba. N'umanota á sua ira- 
ducção do Périplo. William Vincent diz: '(depois de muitas 
R. 2i 



322 

não acha outro algum cabo, que este nos 8 grãos £, 
e que tenha hua Cidade Hlustre e grande ao seu lado, 
com hum Rio que laue as Raízes do promontório, como 
se acha aquy, parece muita Rezão que este seja o Pro- 
montório Rapto, posto que na altura desuariem algua 
cousa; mayormente que vemos, por muitos exem- 
plos, infinitos lugares terem tanta e mayor diuersi- 
dade na altura, e sem embargo disso estar muyto 
assentado o conhecimento delles, assi fcomo Lisboa 1 , 
a qual Ptolomeo põe em 40 grãos •{, e ella está em 
38 \; e põem a Cartago em 32 grãos -|, e ella está 
era 38 -í, tomada por mym a altura na goleta mui- 
tas vezes no tempo que o Emperador passou a Tu- 
nez 8 ; e outros exemplos desta qualidade que pu- 



hesi tacões em qual havia de preferir, determinei-me por Pero- 
ba em vista da descripção que fez o capitão Bissell, coroo sendo 
baixa e coberta de arvores, que é exactamente o caracter in- 
dicado no Périplo cT&meivfi xai xorwíevápoç.» À dois dias de 
Pemba fica Rapta, segundo o Périplo. Na opinião de Bunbary, 
em vista d*estas indicações: cRapta deve provavelmente si- 
tuar-se na angra opposta a Zanzibar, não longe de Bagamoio, 
o ponto de actual communicaçao com o interior, e que pela 
sua posição na embocadura de um rio importante, deve ter 
sempre tido facilidade para essa communicaçao. • 

1 Alturas de Lisboa e Cartago. Nata do auctor. 

* Quando o imperador Carlos v resolveu ir conquistar Tu- 
nes, a fim de pôr termo aos muitos damnos que provinham 
das depredações que de continuo commettia o ousado e feliz 
Barbaroxa, juntou em Barcelona uma grande armada e man- 
dou pedir a D. João m, seu cunhado, que o ajudasse n'essa 



323 

dera trazer, que por serem notórios e escusar pro- 
lixidade deixo ; e pêra mães certeza disto sabemos 
que esta cidade de Quiloa teue o Império da mayor 
parte desta costa, antes que o visorrey dom firan- 
cisco dalmeida a destroisse, porque até Çofala to- 
dos os lugares lhe pagauão tributo, e a Reconhe- 



empresa com navios grossos e caravellas. A armada portu- 
guesa, composta do grande galeão S. João, com mais doas 
naus grossas e vinte caravellas, todo guarnecido de muita 
gente, artilheria e munições, no tempo aprasado, que era o 
mez de março de 1835, chegou aonde estava o imperador. O 
infante D. Luiz, desejando ter parte na expedição do impera- 
dor, e como el-rei seu irmão lh'o não consentisse, partiu se- 
cretamente de Évora, onde estava, acompanhado de alguns fi- 
dalgos. D. João iii, quando tal soube, mandou logo a toda a 
pressa atraz dos fugitivos o conde da Castanheira; e para dis- 
simular o seu despeito deu licença ao infante para continuar 
em seu caminho — licença que lhe não fora pedida — e negou 
aos duques de Aveiro e Bragança e a outros fidalgos, a permis- 
são de acompanharem D. Luiz. Entre os fidalgos que acompa- 
nharam o infante à Goleia e a Tunes, ia D. João de Castro, que 
era um dos familiares do príncipe, como se vê do que o mes- 
mo Castro escreve. Assim na carta que da índia escreveu ao 
infante, e que copiamos a pag. 13, diz: a pois lozio tam pouco 
em mim a doutrina e exempro que em seu reaU paço se pra- 
tica;* e na dedicatória que faz ao infante D. Luiz do Roteiro 
da Costa da Índia, diz ainda mais: cOra sendo eu criado em 
sua real casa, onde a sciencia da cosmografia mais floreceo 
que noutra parte alguma desta redondeza que habitamos, e 
mandado por Vossa Alteza a investigar algumas obras secre- 
tas da naturesa, istroindome primeiramente de teoriqua de 

21* 



324 

cião por senhora; e segundo se conta per pessoas 
certas e de muita auctoridade, pouco tempo antes 
de sua cahida hum Princepe que nella Reynaua. 
ajuntando grande exercito 1 , foy pella terra dentro a 
conquistar Çofalla, que se lhe aleuantara; assy que 
pois esta cidade de Quiloa foy a mais priucipal 
desta Costa 2 , e Ptolomeo não põem em todas estas 



seos altos e maravilhosos istromentos, e depois da Maquanica 
com as considerações desejadas, ouservasse, com isto &> Que 
D. João de Castro acompanhou o infante á Goleia e ahiseoc- 
eupou de marinharia, vô-se em vários locares de seus escri- 
ptos, mas particularmente na dedicatória que citamos :«... mas 
lembraremos, diz-se ahi, que nos campos Africanos da grande 
e miserável Gartaguo, jamais os ardentes rayos do sol, nem 
as asporas e continuas corridas podiam seroccasiam que, apa- 
recendo eu em sua real tenda, indo com muita parte de suas 
\iluriosas armas vestidas, me nam praticasse qualque prepo- 
sição de cosmografia, no que se mostrava sua alta e benina 
condição, e os perseverados pensamentos que trasia de coni- 
prender os caminhos por onde poderia milhor ganhar a terra 
Africana.» 

1 Grande exercito do .príncipe de Quiloa contra Sofala. 
Nota do andor, 

* (Homo se ve do Périplo estava a antiga Rapta, o ultimo em- 
pório da costa africana, sujeita lem jvirtude.de antigos direi- 
tos, au soberano de Maphartis na Sabea. Périplo diz: «Mas, 
além dos chefes nativos, os Árabes exercem com mando sobre 
lodos, poder que, por antigos direitos, pertence ao chefe de 
Maphartis. na Sabea; mas os mercadores de Maza arrendam 
isto, e por sua auctoridade recebem os tributos do porto.» 
lista circumstancia d es troe o argumento empregado no Ro- 
teiro. 



325 

pravas outra cidade Metropoly senão a Rapta, o nas 
alturas e sitios estas duas cidades se hão bem e são 
(juasi conformes, será cousa justa e conueniente 
crermos que este cabo delgado seja o Promontório 
Rapto, e a Cidade de Quiloa seja a Rapta, e o Rio 
dosengo o Rapto; e também deuemos considerar es- 
tes três lugares guardarem a mesma Razão na cark 



L 



que tem as tauoas de Ptolomeo, Porque assi como 
a cidade de Quiloa e o rio dosengo estão hum grão 
mães chegados á equinoctial do que está o cabo 
delgado, assi a cidade Rapta e o Rio Rapto estão 
outro grão mães perto da equinoctial do que está 
o promontório Rapto; e não nos deuemos espantar 
de achar algua mudança nas escrituras de tão longo 
tempo, mas antes de se poderem conseruar, e se não 
corromperem de todo. 

De noite toda foy o vento sul e susueste; gouer- 
namos ao nordeste até amanhecer. 



CAMINHO. 

Domingo 18 dagosto todo o dia foy o vento su- 
sueste e sul; gouernamos ao nordeste quarta de 
leste: ao meo dia tomou o Piloto o sol, e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 72 grãos ~; a 
declinação deste dia era 10 grãos, 2 minutos, do 
que se segue estarmos em 7 grãos •£; o Calafate e 



326 

tres marinheyros na mayor altura tomarão do sol 
ao orízonte 72 grãos. 

De noite toda foy o vento susueste fresco, e or- 
ualhou muito; gouernamos a lesnordeste até ama- 
nhecer. 

CAMINHO. 

Segunda feira 19 dagosto até o meo dia foy o 
vento susueste mães bonança que de noyte; gouer- 
namos ao nordeste quarta de leste: de meo dia até 
noyte fezse o vento sul galerno; gouernamos ao 
nordeste quarta de leste até anoytecer 1 : este dia 
tomou o piloto o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orízonte 75 grãos ; a declinação deste 
dia era 9 grãos {, do que segue estarmos em 6 
grãos - ; o doctor na mayor altura tomou do sol ao 
Orízonte 74 grãos \, e assy dous marinheiros; o 
Calafate 74 f 

De noite toda foy o vento susudueste galerno ; 
todo quarto da prima gouernamos a lesnordeste, 
mas a modorra e alua ao nordeste e quarta de leste: 
esta noyte no quarto da modorra se 8 fez o mar branqo 
como leite, e andaua hum vapor delgado e sotil por 
todo o mar; o tempo estaua húmido e a mayor parte 



1 Alturas ao meo dia. Nota do auctor. 
* Fei-se o mar branco. Nota do auctor. 



327 

do ceo toldado, o mar andaua muito manso; era 
este vapor tão sotil, que nos não daua nenhum im- 
pedimento á vista. 

CAMINHO. 

Terça feira 20 dagosto até dez oras do dia foy 
o vento susudueste e dahy por diante se fez como 
susueste bonança ; a oras de meo dia nos deo hum 
chuueiro pequeno, e apagou de todo o vento e fi- 
camos em calma até noyte : ao meo dia gouernamos 
ao nordeste quarta de leste: e ao meo dia tomarão 
o Piloto e outras pessoas o sol, e ficarão em 4 
grãos -;. 

De noyte todo o quarto da prima foy o vento 
calma, que a nao não gouernaua, mas no da mo- 
dorra começou a ventar como sueste muito bonança, 
no quarto dalua alargou algua cousa e fezse como 
susueste; gouernamos estes dous quartos ao nor- 
deste quarta de leste. 

CAMINHO. 

Quarta feira 21 dagosto até o meo dia foy o 
vento susueste bonança, e logo nos deu hum chuueiro 
do sul e trouxe consigo vento galerno ; a oras de 
completas nos deu outro do sueste com vento ga- 
lerno; gouernamos todo o dia ao nordeste quarta 



328 

de leste: este dia a meo dia tomey o sol. e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 78 grãos {; 
a declinação deste dia era 8 grãos, 58 minutos, do 
que se segue estarmos em 2 grãos, 47 minutos; o 
Piloto na mavor altura tomou do sol ao orizonte 78 
grãos \: certamente que he cousa muito pêra notar, 
quanto caminho andamos leuando tão pouco vento, 
nem pode ser ai, saluo hir comnosco grande peso 
de agoa: este dia fiz as operações seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 23 grãos -j 

ho estilo lançou a sombra 86 grãos 

contando do sul peru a banda daloeste. 

Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 46 grãos 

ho estilo lançou a sombra 81 grãos ', 

contando do sul pêra a banda daloeste. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 46 grãos 

ho estilo lançou a sombra 67 grãos 

contando do sul pêra a banda de leste: 



329 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
raayor que de depois de meo dia 14 grãos \, cuja 
metade he 7 grãos \, que he a quantidade que neste 
lugar a agulha norestea. 

Quando fiz eslas operações, eu me fazia no me- 
rediano que passa pello cabo das baixas na costa de 
magadaxo 1 : esta costa he a morada dos tragloditas 
austraes, chamados agora cafres. 

De noite toda foy o vento susueste galerno e 
igoal; gouernamos ao nordeste e ás vezes á quarta 
de leste até amanhecer. 

CAMINHO. 

Quinta feira 22 dagosto até o meo dia foy o 
vento susueste bonança; gouernamos ao nordeste 
quarta de leste; ao meo dia nos deo hum chuueiro 
do sueste e gouernamos ao nordeste obra de duas 
oras, e logo ficou o vento calma ; mas querendose 
pôr o sol, começou a ventar do sudueste muito bo- 
nança; gouernamos ao nordeste quarta de leste: a 
meo dia lomey o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 80 grãos; a declinação deste 
dia era 8 grãos, 35 minutos, do que se segue es- 
tarmos em hum grão, 25 minutos: o doctor tomou 
o sol, e fiz as operações seguintes. 



Tragloditas chamados aguora os cafres. Nota do auctor. 



330 



Nacimento do sol por onde em esphera recta 
viremos em conhecimento da variação das agulhas. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 1 grão 

contando do oeste pêra o sul: Logo naceo o sol hum 
grão de leste pêra o norte, e daqui podemos tirar que 
a agulha norestea 7 grãos-*; e a Rezão he esta: estando 
em esphera recta, que será debaixo da linha, quanta 
declinação tiuer o sol esse dia, tanta largura terá de 
nascimento ; e porquanto a Equynoctial he a verda- 
deira Linha de leste oeste, e o circulo graduado do 
meu estormento Representa o orizonte, de necessida- 
de a sombra do estilo, que se aleuanta do centro deste 
Circulo, cortará de sua circunferência outros tantos 
grãos, quantos o sol anda apartado da Equinoctial 1 . 
Ora, imaginando que estou em esphera Recta, por- 
quanto estou tão perto da equinoctial que pêra este 
effecto he cousa insensiuel o que me falta, era ne- 
cessário que me nascesse o sol 8 gráos, 35 minu- 
tos, de leste pêra o norte, que he a declinação deste 
dia, e que o estilo me lançasse a sombra outros 8 
grãos, 35 minutos, do oeste pêra o sul, porquanto a 
linha de leste oeste, que me mostra minha agu- 

1 Invenção bS achada. Nota do auctor. 



334 

lha no circulo graduado, fica por equinoctial; mas 
oje naceme o sol em meu estormento hum grão de 
leste pêra o norte, e o estilo lançou a sombra outro 
grão de oeste pêra o sul: Logo séguesse que estes 
7 grãos \ que o sol naceo mães pêra leste, nores- 
tea a agulha; e esta operação vem conforme á que 
ontem fiz pello outro modo dos arquos. 

De noite, em anoitecendo, nos deu hum chuueiro 
do sul, e gouernamos ao nordeste quarta de leste 
obra de hum Relógio, mas logo ficou o vento calma 
até meo quarto da prima, que começou a ventar su- 
sueste galerno e sul ; toda a noite gouernamos ao 
nordeste quarta de leste. 

CAMINHO. 

Sesta feira 23 dagosto todo o dia foy o vento 
sudueste galerno ! ; até o meo dia gouernamos ao 
nordeste quarta do norte, e do meo dia até noyte 
ao nordeste quarta de leste; todo o dia tiuemos 
muytos chuueiros pequenos : ao meo dia tomey o 

1 Tornando a 2/ vez á índia, do dia que cheguei á linha, 
que foi 16 de agosto, ate á altura de 7 gràos em que pusemos 
6 dias eortamos sempre por cangrejos vermelhos, e erao tan- 
tos que coalhavão o mar, e d'aqui ate altura de 14 gráos? os 
vimos todos os dias, posto que não erao tantos: na ql. altura 
de 14 gráos \ nos posemos a 27 (Tagosto; assi que 12 dias cor- 
tamos sempre por cangrejos. Nota do auctor. 



332 

sol, e na mayor altura se aleuantaua sobre o ori- 
zonte 81 grãos - A \ a declinação deste dia era 8 grãos 
13 minutos, do que se segue estarmos debaixo da 
linha 1 . 

De noite toda a noite foy o vento sudueste ga- 
lerno ; gouernamos ao nordeste quarta de leste. 

CAMINHO. 

Sabbado 24 dagosto até o meo dia foy o Tento 
susudueste galerno ; gouernamos ao nordeste quarta 
de leste : mas de meo dia até noyte fezse o vento 
sudueste galerno; gouernamos a lesnordeste: ao 
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 84 grãos ; a declinação deste 
dia era 7 grãos, 50 minutos, do que se segue es- 
tarmos em hum grão, 50 minutos, pêra a parte do 
norte : este dia fiz as operações seguintes. 

Operação feita pello nascimento e poimento do sol, 
pêra alcançarmos a variação das agtdhas. 

Este dia apontando o sol no orizonte, ho estilo 
lançou a sombra na lamina encima da linha de leste 
oeste do circulo graduado, a saber, 90 grãos do 
sul ou do norte pêra oestei; e quando o sol se que- 

1 Aqui estavno debaxo da linha. Nota do andor. 



333 

ria pôr, ho estilo lançou a sombra 74 grãos {, con- 
tando do sul pcra leste 1 . 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia i 5 grãos \ , os 
quaes partidos pello meo, vem á parte 7 grãos -jj, 
que he a quantidade que neste lugar agulha nores- 
tea. 

Notação sobre a variação das agulhas 
por duas vias. 

Da operação deste dia, que forão 24 dagosto, se 
segue que oje foy o dia em que per mães prouas 
se vereficou o norestear das agulhas, porque se fez 
esta experiência por duas vias muy diuersas 2 : a hua 
delias foy a via costumada, que he polia quantidade 
que huns arqos são mayores dos outros, de que me 
tenho aproueitado neste caminho ; e a outra he pello 
nascimento do sol ou poimento somente, a qual Re- 
gra não será geral, mas particular, e só áquelles que 
viuem em esphera Recta, ou quasi Recta, como eu 
estaua o dia doje ; porque, como yá tenho ditto na 
operação de quinta feira 22 dagosto, aos que tem 



1 Regra pêra pio naci mento e poimento do sol virmos em 
conhecimento do variar das agulhas. Nota do auetor. 

2 Verificou-se a variação das agulhas por duas vias diver- 
sas. Nota do auetor. 



334 

esphera Recta acontecerá sempre, que o arquo do 
orizonte que -fica antre o sol quando nasce e a equi- 
noctial, ao qual chamão os mathematicos largura 
do nascimento do sol, seja igoal á declinação que 
ouuer esse dia: e porquanto o dia doje temos 7 
grãos, 50 minutos, de declinação, se caso fora que 
minha agulha julgara direito, e ferira nos verdadei- 
ros poios do mundo, ho estilo lançara a sombra, no 
nacimento do sol, 7 grãos, 50 minutos, de oeste pêra 
o sul ; mas a sombra do estilo cahio sobre a linha de 
leste oeste, ou 90 grãos da linha de norte sul, que he 
o mesmo, Porque doutra maneira seguirse hia que o 
tal dia era o do equinoccio, pois o sol lhe naceo em 
leste ; se o contrairo negar a variação das agulhas, 
séguesse logo que, pois minha agulha amostrou que 
o sol nacia na linha equinoctial de meu circulo, 
avendo de nacer 7 grãos, 50 minutos, apartado 
delia pêra o norte, que estes 7 grãos, 50 minutos, 
norestea; e por esta maneira vem esta considera- 
ção conforme no norestear da agulha á operação que 
fiz tomando a differença dos arqos ; e daquy se tira 
que he falsa a openião daquelles ' que dizem no dia 
do equinoctio nacerlhes o sol em leste de suas agu- 
lhas, pois em nenhua maneira pôde acontecer por 
caso da variação que fazem geralmente. 

1 He falça a opinião dos que dizem que no dia do equinó- 
cio lhes nasce o sol em leste. Nota do auctor, 



335 

Não he pêra deixar passar a maneira de que se 
ouue a sombra do estilo no circulo, porque daquy 
se pôde tirar algua doctrina, mayormente pêra a 
operação da leuação do polo a toda a hora, porque 
he necessário que a sombra ande pello circulo, pêra 
se tomar quantidade notauel de variação e se assen- 
tar no orizonte da poma; e pois a sombra até esta 
altura de 40 grãos não variaua, mal se podia fazer 
nesse tempo nenhua operação ; assy que nascendo o 
dia doje o sol em leste de minha agulha, ho estilo lan- 
çou a sombra a loeste, e hahy Repousou até estar o 
sol em altura de 40 grãos, sem em todo este tempo a 
sombra do estilo fazer algua variação pella circunfe- 
rência do Circulo ; e desta altura por diante come- 
çou a sombra de andar de maneira que quando o 
sol estaua em altura de 78 grãos, não tinha a som- 
bra do estilo andado mães pello circolo de 1 5 grãos, 
e até o meo dia auia o sol de andar pello estarla- 
beo 6 grãos e a sombra do estilo pello circulo gra- 
duado 75 grãos. Quando oje fiz estas operações, eu 
me fazia 1 no merediano que se aparta do cabo de 
guardafuy pêra leste hum grão : a este cabo de guar- 
dafuy chama Ptolomeo promontório aromato, e delle 
ao promontório Rapto, a que agora chamamos o 
cabo delgado, foy a nauegação que Diógenes 2 fez em 

1 Logar da operação. Nota do auctor. 
1 Deste Diógenes se faz menção no Roteiro, que trata do 
Syno arábico ou mar roxo. Nota do auctor. 



336 

25 dias, em que Ptolomeo reprende muito a ma- 
rino; e das pallauras que diz, se tira que em seu 
tempo não sabião nauegar serti terem ho vento á 
popa, e por esta causa e assy pellos ventos nortes 
e noroestes, que de contino ventão no estreyto ou 
mar Roxo, tardauão tanto as nãos que Salamão 
mandaua do porto de Aylão a Tarsys e Ofir 1 pello 
ouro e prata de que fez o templo, como em outro 
lugar falarey largamente '. 



1 As causas porque tardavão as nãos de Salomão. Nota do 
auctor. 

1 Nenhuma idéa segura temos da construcção das naus em 
que Salomão mandava buscar as riquezas de Ophir; nem po- 
demos tão bem designar, com certeza, onde estava situada a 
celebre região ou cidade que a Biblia chamou Ophir. Sabemos 
só que a prosperidade commercial do povo judeu principiou no 
tempo do rei David, o qual, pela conquista da Idumea, alean- 
çou os portos do mar Vermelho, Elath e Eziongeber. No rei- 
nado do grande rei Salomão estreita ram-se relações com Hi- 
ram, rei de Tyro; e d'esta feliz alliança resultou o commercio 
pelo mar Vermelho para o Oriente e para a Africa, das frotas 
combinadas de judeus e phenicios. As naus de Salomão eram 
tripuladas por marinheiros de Tyro: Siquidem naves regis ibant 
in Tharsis cum servis Hiram, sentei in omnh tribus; et defere- 
bant indeaurum et argentum, et ebur, et sim ias, etpavos; (Par. 
Liv. 2.°, cap. íx, vers. 21) e no livro dos Reis diz-se: Sed et 
rlassis Hiram, quat portabat aurum de Ophir, attulit ex Ophir 
ligna thyina multa nimis, et geminas pretiosas. (Reg. Liv. m, 
cap. x, vers. li.) Estas palavras provam, que a navegação do 
mar Erythreu se fazia, em tempo de Salomão, conjuntamente 
por judeus e tyrios, e que os judeus aprenderam dos seus ai- 



337 

De noyte toda foy o vento sudueste galerno ; go- 
uernamos a lesnordestc até amanhecer. 



liados a arte de navegar e de construir navios; e nada leva a 
suppor que taes navios «não sabião navegar sem terem ho 
vento á popa.i O propheta Esequiel, referindo-se aos navios 
de TyrO; diz: «Abietibus de Sanir extruxerunt te cum omnibus 
tabulatis maris : cedrum de Líbano tulerunl ut facerent tibi ma- 
lum: quercus de Bassan dolavertint in remos tuos: et traustra 
tua fecerunt tibi ex ebore Indico, et prastorida de Insulis Itálica : 
byssus varia de Mgypto texta est tibi in velum ut punetur in 
maio: hyacinthus, et pupura in insulis Elisa facta sunt opirien- 
tumtuum: habitatores Sidonis, et Ardii fuerunt remiges tui: 
sapienies tui, Tyre, facti sunt gobernatoris tui* (Eze. cap. xxvu, 
vers. 5, 6, 7, 8.) Duas qualidades de navios construíam os phe- 
nicios, desde remota antiguidade — os de guerra, designados 
pelo nome de Arco, e os de transporte denominados Gaufos, — 
uns e outros, segundo Festus, de remo e de vela {Hist. de la 
Marine, parSein, tom. \, pag. 73). Não é pois duvidoso, se- 
gundo o que fica notado, que as naus de Salomão, como as de 
Tyro, podiam navegar, sem ter o vento á popa. A navegação era 
porém costeira, e por isso vagarosa. JNo Périplo do mar Eríthreu 
vemos que a navegação, no primeiro século da era christã (Geo- 
gr. gr. min. ed. Car. Mullerus, prol., pag. xcvi), depois de pas- 
sar a costa Barbaria e chegar ao cabo Guardafui (áxpcomrpiov 
À , fo)/xáT«v) não levava menos de vinte e seis dias ao promon- 
tório Rapta, e vinte e quatro de Guardafui á ilha de Menuthias 
(Pemba). Ora, notando que o dia de viagem devia ser de 12 a 
14 horas, e só durante a monsão, — pois só duas noites de na- 
vegação vem notadas no Périplo — vé-se que a média diária da 
navegação não excedia 520 stadios olympicos, ou, proxima- 
mente, 51' de grau. O facto dos navios de Salomão não fazerem 
a viagem, em busca do oiro, senão de trcs em três annos, en- 
contra explicação, como observam alguns commentadores, no 
a. 22 



338 



CAMINHO. 

Domingo 25 dagosto todo o dia foy o vento su- 
dueste galerno ; gouernamos a lesnordeste até oras 



modo porque, n'aquclle tempo, se fazia a navegação eocom- 
mercio; não havia então feitorias, e os mercadores eram obri- 
gados a esperar, em remotos paizes, a venda dos carregamen- 
tos de seus navios, antes de poderem voltar com os produetos 
que buscavam para suas terras. A fim de melhor se intender 
o modo de navegar nas remotas eras históricas, devemos lem- 
brar-nos o que Heródoto conta da celebre viagem de Neiôs: 
«Os phenicios (diz elle no liv. iv, pag. 42) partiram do Egy- 
pto, caminho do mar Ery threu , e assim navegaram até ao oceano 
austral. Quando chegou o outomno, desembarcaram no logar 
em que se encontravam, semearam a terra de trigo, e espera- 
ram até acolheita.» Vê-se pois, que os navios de Salomão, tri- 
pulados por mareantes tyrianos, navegavam a remo e á vela, 
desciam o mar Vermelho, e estendiam a sua navegação para 
o Oriente, e também pela costa oriental da Africa. — Onde era 
Ophir? Nenhuma questão tem sido mais controvertida pelos 
archeologos. Uns suppõem ser Ophir uma ilha do mar Ver- 
melho: outros a situam na Hespanha: se acreditarmos o his- 
toriador Josepho, estaria Ophir nas índias, talvez na moderou 
Malaca: o nem a America escapou ás ousadas hypotheses dos 
com montadores. A que é, a nosso ver, a mais assentada opi- 
nião, é a dos que suppõem Ophir situada na Africa Austral, 
nos territórios de Sofala. Um velho escriptor escossez, Ogilby, 
faz notar que na traducção chamada dos setenta, a palavra 
Ophir foi traduzida pela palavra grega Sophira, e que d'aqui 
veiu o nome de Sofala. que é certo é que, na historia da 



339 



de completas, e dahy até noite ao nordeste quarta 
de leste: ao meo dia tomey o sol, e na mayor al- 



missão a Monoraotapa do padre Gonçalo da Silveira, lé-se: «Es 
esta region muy fértil de oro y plata. Cerca de Bomto, y Mo- 
sapa, que son dos empórios no muy apartados dei rio Mozabo. 
Bonto está quarenta, o cincoenta legoas dei pueblo de Tete, 
que arriba diximos. Cerca deste empório comiença un alto 
monte a que llaman Fura: el qual es donde dizen cargo los 
camellos de oro, y plata, aquella Reyna Sabá, que de los fines 
de la tierra vino a Jerusalém a ver la sabiduria de Salomon. 
Estiendese tanto la tierra en que estan las minas de oro, que 
tiene de largo mas de duzientas y cincoenta léguas, y de an- 
cho un grandíssimo espacio. . . (Vida dei Bienaventurado pa- 
dre Gonçalo da Sylteira, liv. 11, cap. x, foi. 610). Em princí- 
pios do século xviii mandou o governo portuguez fazer uma 
informação, acerca das antiguidades e das minas comprehen- 
didas no território de Rios de Sena e de Sofala, isto é, das ter- 
ras onde Salomão mandava buscar oiro; e a primeira coisa que 
desejava saber era se: «no sertão destas terras, que he na 
corte de Monomotapa, ha uma torre, ou edifício de cantaria 
lavrada, que mostra não ser obra de negros naturaes da 
terra; mas de alguma nação politica e poderosa, como Gregos, 
Romanos, Persas, Egypcios, ou Hebreos, torre ou edifício a 
que chamam os naturaes Simboloe, e, dizem, n'e)la ha um let- 
treiro em letra desconhecida: e porque ha muitos fundamen- 
tos para se intender, que esta terra he o Ophir, a que Salo- 
mão mandava as suas frotas em companhia dos phenicios.» A 
este capitulo respondeu em 1723 fr. Manuel de S. Thomaz, ad- 
ministrador episcopal de Moçambique, que lhe dissera o capi- 
tao-mór de Manica, Jeronymo de Faria Peixoto, que havia 
trinta annos ali vivia: «que seu sogro Thome Lopes, homem 
de toda a verdade, varias vezes lhe contara, que nas terras do 
reino de Mahongo (ainda hoje conservam o mesmo nome na 

22* 



340 



tara se aleuantaua sobre o orizonte 85 grãos •£; a 
declinação deste dia era 7 grãos {, do que se segue 



carta de sul da Africa, de Petermann) que faz divisão com o 
reino de Manica e Quiteve, em varias rochas se encontravão 
muitas figuras de eamellos, cachorros; bofetes, e lettreiros fei- 
tos nas mesmas rochas; tudo de bastante grandeza, que pela 
tradição dos cafres se dizia serem memorias que deixaram 
os Abexins, quando a rainha de Saba viera com a sua arma- 
da junto a Sofala, e na boca do rio Subi (Save), que divide as 
terras de Mãbone, e Inhamuere, costa que vae correndo para 
Inhambane; deixando em franquia as naus, entrara em bar- 
quinhas pelo rio acima, que vae dividindo as terras do rei 
Quiteve e do Imperador Manamotapa, e, desembocando no 
reino de Mahongo, fora pellas terras dentro com a sua gente 
a buscar ouro para o templo de Salomão.» Perguntava tam- 
bém o governo «se naquellas terras havia uma serra, ou sitio 
a que chamão Fura, e se ali havia minas de prata ou ouro?» 
A isto respondeu fr. Manuel de S. Thomaz: «Não constar que 
nestas terras haja serra ou sitio, que se chame Fura. . . mas 
ser sem duvida que naquellas terras, e sitio de Mahongo, Ma- 
nica, e Quiteve, reinos todos em pouca distancia da terra de 
Sofala, ha muito ouro e o melhor, e de maiores quilates de 
todos os Rios. Ha tãobem minas de cristal, que se tira em pi- 
râmides pequenas. Tãobem os aljôfares e pérolas se acham em 
Sofala. (Mss. da Academia, gab. 5.°, est. 9) A serra denomi- 
nada Fura, de cuja existência não tinha noticia o adminis- 
trador episcopal de Moçambique, acha-se marcada nos map- 
pas modernos, sobre as terras dos Machonas : e das grandes 
construcçoes, próximo das minas de oiro, faliam os modernos 
exploradores (Testas regiões africanas. Em 1871, Karl Maucli 
descobriu antigas ruinas em Zimbaoe, Zimbabije e Mazimbaoe, 
proximamente em lat. S. 20° 15' e long. E. 31° 37'. São estas 
ruinas muito extensas: uma parte cobre um oiteirinlto, outra, 



344 

estarmos em 2 grãos, 50 minutos: todo o dia vi- 
mos muytas alfarequas, e fiz as operações seguin- 
tes. 

Primeira operação do nacimento do sol. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 1 grão ^ 

contando do oeste pêra o norte : logo naceria o sol 
i grão \ contando de leste pêra o sul. 



um forte, provavelmente, levanta-se sobre um alto serro de 
granito. As paredes teem ainda trinta pé$ de altura, e são fei- 
tas de granito cortado em pedaços da grandeza de tijollos, e 
unidos entre si sem cimento. A mais notável d'estas paredes 
fica situada mesmo na borda de um rochedo escarpado e bem 
conservada até á altura de trinta pés: as paredes tecm proxi- 
mamente dez pés de grossura na base e sete ou oito no topo. 
Em muitos logares restam cachorros de pedra, de oito ou dez 
pés de comprimento, projectando-se das paredes, onde devem 
estar fixados á profundidade de alguns pés, porque apenas se 
podem abalar. O muito terão oito pollegadas de largura por 
três de espessura, e são de pedra muito compacta, com um an- 
ilei metal lico, verde escuro. N'uma pedra de secção ellipsoide 
e de oito pés de comprimento, estão gravados ornamentos, que 
consistem em losangos mettidos uns nos outros, separados por 
bandas horizontaes de linhas diagonaes. Como estas, existem 
outras ruínas encontradas por outros viajantes, como por exem- 
plo a 80 milhas ao nor-noroeste de Tati, e nas terras do Trans- 
Yaal, a alguns dias de jornada de Nylstroom. Serão estas as 
ruinas do antigo Ophir? Tudo leva a suppôr que sim. 



342 



Segunda operação do poimento do sol. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 15 grãos 

contando de leste pêra o sul: 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 16 grãos \, cuja 
metade são 8 grãos \, que he a quantidade que 
neste lugar a agulha norestea. 

Este dia estando o sol em altura de 47 grãos {, 
a sombra do estilo cortaua meo grão de oeste pêra 
o sul, de sorte que andando o sol 47 grãos ^ pelo 
estarlabeo, a sombra do estilo variou pello circulo 
graduado 2 grãos. 

De noite toda foy o vento sudueste galerno ; go- 
uernamos ao nordeste quarta de leste. 



CAMINHO. 

Segunda feira 26 dagosto todo o dia foy o vento 
sudueste galerno ; a mayor parte do dia gouerna- 
mos a lesnordeste, e a menor ao nordeste quarta 
de leste : a meo dia tomey o sol, e na mor altura se 
aleuantaua sobre o orízonte 87 grãos; a declinação 
deste dia era 7 grãos, 7 minutos, de que se segue 



343 



estarmos em 4 grãos, 7 minutos : o calafate tomou 
o mesmo sol, e na mayor altura tomou do sol o Pi- 
loto ao orizonte 88 grãos ^, que foy muy differente 
do calafate e outras pessoas : este dia fiz as opera- 
ções seguintes. 



Primeira operação do nascimento do sol. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 1 grão { 

contando do oeste pêra o norte: logo naceo o sol 
i grão \ de oeste pêra o sul. 



Segunda operação do poimento do sol. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 15 grãos 

contando de leste pêra o sul : 

Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 16 grãos {, os 
quaes partidos pello meo vem ametadc 8 grãos ^, 
que he a quantidade que neste lugar agulha nores- 
tea. 

Esta operação vem ouro e fio com a do dia pas- 
sado, e da mesma maneira nasceo o sol e se pôs, 



344 

sem embargo que nos apartamos muito caminho e 
multiplicamos na altura 1 grão •£• 

De noite toda foy o vento sudueste galerno ; go- 
uernamos a lesnordeste até amanhecer; e entrando 
a noite, vimos a estrella do norte, que foy grande 
prazer aos nauegantes ; e assi mesmo estando o ceo 
muito claro, aparecerão nelle huas listras ou barras 
muito compridas, principalmente hua que sahindo 
do orizonte sengia todo o hemispherio, e fazendo 
hum pé, lançaua outra listra atrauessada; outras 
duas listras sahindo do orizonte, se vinhão ajuntar 
em nosso Zenit; a lua estaua antre estas duas lis- 
tras e a muito grande, e da mesma lua sahia outra 
listra, que se hia acabar na grande ; erão estas mos- 
tras tão fermosas e dignas de se contemplarem, que 
mandcy aquy pintar a mostra que fazião \ 



1 halos lunar observado por D. João de Castro é na reali- 
dade um phenomeno luminoso interessante e raro. São os ha- 
los phenomênos luminosos que se observam entre o observa- 
dor e o astro luminoso, ao contrario do Arco íris que apparece 
na parte do ceo opposta á que o astro occupa: emquanto este, 
assim como as coroas que cercam o sol ou a lua, teem como 
origem os vapores visiculares da agua, os halos produzem-se 
nos crystaes de gelo que estão suspensos a grande altura. Or- 
dinariamente são os halos solares mais communs e mais visí- 
veis do que os lunares: constam primeiro de um circulo ou 
annel de que o astro occupa o centro; secundariamente appa- 
rece um circulo horizontal que passa pelo astro e dá volta ao 



345 



CAMINHO. 

Terça feira 27 dagosto todo o dia íoy o vento 
oesnoroeste bonança; gouernamos a lesnordeste: a 
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 88 grãos \ ; a declinação deste 
dia era 6 grãos, 38 minutos, do que se segue es- 
tarmos em 5 grãos, 26 minutos ' : este dia, apon- 



horizonte; e além (Pestes apparecem ainda arcos tangentes aos 
círculos de primeira classe. Uma das coisas observadas pelo il- 
lustre navegador são as c duas listas sahindo do horizonte e que 
se vinham juntar no zenith.» Eis o que me parece pode ter 
analogia com este phenomeno. Próximo a Dresde, em 1824, 
quando o sol desapparecia no horizonte, Lohrmann viu uma 
lista luminosa perpendicular ao arco crepuscular e semelhando 
a cauda de um cometa: á medida que a obscuridade crescia 
ia augmentando o brilho da columna luminosa. Este mesmo 
phenomeno se reproduziu no seguinte dia ao nascer do sol. 
£ mais raro, diz Kaemtz na sua Meteorologia, ver uma lista 
por baixo do sol ou da lua e ainda mais raro é passar pelo sol 
um arco horizontal de maneira que o astro se ache no meio de 
uma cruz. O próprio auctor citado observou, quando o sol es- 
tava 6 o acima do horizonte, uma columna luminosa por baixo 
do sol, que se continuava sobre o solo, desde o sol até ao ob- 
servador. 

1 Achando-me nesta altura, a 2. 1 vez que tornei á Indi&e fa- 
zendo-se o piloto norte-sul com a ilha de Sacotora, vimos gran- 
des bandos de toda sorte de alcatrazes, que se acham neste 
mar, em que havia bando da 20 e 30. Nota do auctor. 



346 

tando o sol no orizonte, ho estilo lançou a sombra 
5 grãos, contando de oeste pêra o norte; logo na- 
ceria o sol 5 grãos, contando de leste pêra o sul: 
e a oras de bespora virão hua cobra 1 , de que me 
Muito espantey e o Piloto e marinheiros, porque he 
synal que não apareceo em nenhua parte deste mar, 
saluo 60 legoas da costa da índia, e agora podemos 
estar delia 330 legoas até 340. 

De noite toda foy o vento oessudueste bonança ; 
gouernamos a lesnordeste até amanhecer. 



CAMINHO. 

Quarta feira 28 dagosto todo o dia foy o vento 
oessudueste bonança; gouernamos a lesnordeste: ao 
meo dia tomey o sol, e na mayor altura se aleuan- 
taua sobre o orizonte 90 grãos; a declinação deste 
dia era 6 grãos, 23 minutos, dó que se segue que 
em outra tanta altura como erão os grãos da decli- 
nação, ficaríamos pêra a banda do norte: este dia 
fiz as operações seguintes. - 



1 Devia osta cobra de vir esgar rada da costa da índia, por- 
que se não crião em outra alguma costa das que temos noticia 
e praticamos. Nota do auctor. 



347 



Nacimento do sol e primeira operação 
ante o meo dia. 

Apontando o sol no orizonte ho estilo lan- 
çou a sombra 5 grãos 

contando de oeste pêra o norte: logo naceria o sol 
outros 5 grãos de leste pêra o sul; e sobindo o sol 
pello orizonte até estar em 56 grãos daltura, a som- 
bra do estilo estaua no mesmo lugar do circulo onde 
cortaua quando o sol naceo, a saber, 5 grãos, de 
ottlè pêra o norte, e dahy até á mayor altura do 
sol 86 foy a sombra encolhendo sem cortar o circulo, 
até desaparecer 1 . 



Primeira operação depois de meo dia. 

Tornando o sol a estar em altura de. . . 56 grãos 

ho estilo lançou a sombra 15 grãos 

contando de leste pêra a parte do sul, e daqui até 
se pôr o sol não fez a sombra do estilo nenhfla ope- 
ração, ou variação pelo circulo. 

1 Daqui fica manifesto, que estando debaixo do circulo pêra 
onde corre o sol, não se pode fazer operação na poma da le- 
vação do polo a toda a ora, pois as sombras do estilo não va- 
ria pelo circulo graduado. Nota do auotor. 



348 



Foy logo nesta operação o arqo dante meo dia 
mayor que o de depois de meo dia 20 grãos, cajá 
metade são 10, que he a quantidade que neste lu- 
gar a agulha norestea. 



Notação sobre as sombras do estilo. 

Da operação deste dia se tira, que estando de- 
baixo do circulo por onde corre o sol, que a som- 
bra do estilo não varia pella circunferência do cir- 
culo graduado nenhua cousa, e se varia, hee quan 7 
tidade de que nenhum juizo he capaz de sentir; e 
se quizerem arguir, dizendo que nesta operaçãa va- 
riou a sombra do estilo, pois quando se pôs o sol 
lançou a sombra 15 grãos de leste pêra o sul, Res- 
ponder se ha que a operação do norestear causou 
que a sombra cortasse o circulo por differentes lu- 
gares na ora do nacimento e poimento do sol, mas 
que depois de o assy cortar, não fez mães mudança 
pêra nenhua parte. ' 

De noite toda foy o vento oessudueste bonança ; 
gouernamos a lesnordeste até amanhecer. 



349 



CAMINHO. 

Quinta feira 29 dagosto todo o dia foy o vento 
oessudueste bonança ; gouernamos a lesnordeste : a 
oras de meo dia tomey o sol, e na mayor altura se 
aleuantaua sobre o orizonte 88 grãos \; a declina- 
ção deste dia era 6 grãos, de que se segue estar- 
mos em 7 grãos -£ daltura 1 ; e oje comecey a juntar 
os grãos que me faltauão de 90 á declinação, por 
Razão que as sombras cahião pêra a parte do norte ; 
e fiz as operações seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 4 grãos 

contando de oeste pêra o norte. 



1 Também Desta altura achey grandes bandos de alcatrazes 
de toda a sorte, a 2.' vez que tornei à índia; e a multidão e 
diversidade delles fazia grande espãto na gente do mar: e sem- 
pre nos foram aparecendo estas bandas delles ate altura de 12 
grãos 7 em que posemos 6 dias, e cada vez se mostravão de 
mães novas maneyras, e ao tpõ q nos desaparecerão, que foy 
a 28 d'agosto, faziasso o Piloto 130 legoas da costa da índia. 
Nota do auetor. 



350 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos 

ho estilo lançou a sombra 7 grãos 

contando de oeste pêra a parte do norte. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos 

ho estilo lançou a sombra 12 grãos | 

contando de leste pêra o sul. 

Foy logo nesta operação o arquo de depois de 
meo dia mayor que o dante o meo dia 19 grãos \\ 
cuja metade são 9 grãos -J, que he a quantidade 
que neste lugar a agulha norestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 15 grãos 

contando de leste pêra o sul. 

1 Desta operação começa o arqo de depois de meo dia, ser 
mayor q o dante meo dia, fazendo a agulha o mesmo effecto. 
Nota do auctor. 



351 



Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 19 grãos, cuja me- 
tade são 9 grãos - % , que he a quantidade que a agu- 
lha neste lugar norestea. 



*t 



Notação sobre a mudança destes arqos. 



Na operação deste dia começa o arqo de depois 
de' meo dia a ser mayor que o dante meo dia, fa- 
zendo as agulhas o mesmo eifecto do norestear; a 
causa da mudança destes arqos he acharme da ban- 
da do norte em Respeito do sol, e o sol andar já 
pellos Rumos da banda do sul ; e como se isto ve- 
nha a fazer, tenho yá dado a Rezão no começo deste 
liuro, e daqui se tira hua doctrina muito fermosa e 
necessária 1 ; porque, quando quer que me isto acon- 
tecer, terey sabido que me fica o sol da banda do 
sul ; e assy pello contrairo, quando o arco de depois 
de meo dia fôr mayor que o dante meo dia, hindo 
nauegando e fazendo minhas operações, tanto que 
se trocarem os arqos, a saber, que o dante meo dia 
seja mayor, saberey que me fica o sol da banda do 
norte, e isto se entende noresteando agulha, o que 
no mar se não pode sentir andando o sol perto do 

— - — _ . — . _ . 

1 Singular aviso, rauy necessário a esta navegação. Nota do 
auetor. 



352 

nosso Zenith, e por esta causa neste tempo se passa 
muitos dias que os Pilotos não tomão altura, igno- 
rando o lugar onde lhes demora o sol, pêra acre- 
centarem ou diminuírem a declinação \ porque no 
tal tempo as sombras do meo dia não julgão ne- 
nhua cousa, assy por serem insenssiueis, como pello 
balancear da nao. 

De noite toda foy o vento oessudueste bonança; 
gouernamos a lesnordeste até amanhecer. 



CAMINHO. 

Sesta feira 30 dagosto todo o dia foy o vento 
oessudueste galerno; gouernamos a lesnordeste e vi- 
mos muitos alcatrazes e Rabif orçados 2 ; sol posto se 
fôrão dantre nós cinquo Rabiforcados, e marcandoos 
com a agulha, fazião o caminho do sul quarta do 
sueste. Todo o dia andou o mar muito tropeçado, 
o que não aconteceo depois de partirmos de Mo- 
çambique; e fiz as operações seguintes: 



1 É uma prova mais do atrazo e das diíBculJades da nave- 
gação naquelles tempos. 
2 Aves que aparecerão. Nota do auclor. 



353 



Primeira operação ante o meo dia. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 5 grãos 

contando de oeste pêra o norte : logo naceo o sol 
5 grãos de leste pêra o sul. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 8 grãos [ 

contando de oeste pêra o norte; e daquy se segue 
que, pois a sombra ante do meo dia varia pêra a 
parte do norte, que o sol anda pellos Rumos da banda 
do sul. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 12 grãos 

contando de leste pêra o sul: 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos *-, cuja me- 
tade são 10 grãos {-, que he a quantidade que a 
agulha neste lugar norestea. 

b. 23 



354 

Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na mayor 
altura se aleuantaua sobre o orizonte 90 grãos, o 
que em nenhiia maneira podia ser; pello que, in- 
quirindo o sol que tomaua ho doctor e outras seis 
pessoas, achey o mesmo 1 ; e logo tornando todos a 
vereficar seu sol, muito espantados deste aconteci- 
mento, achamos que estaua em 90 grãos daltura 
como de primeiro; e a ser isto verdade, ficauamos 
em tanta altura quanta era a declinação deste dia, 
a saber, em 5 grãos, 36 minutos*, e ontem estaua- 



1 Estranho acontecimento. Nota do auetor.* 

2 O mesmo caso aconteceu a 2." vez que torney á índia, a 
26 de agosto, em altura de 10 grãos % -, com vento fresco e á 
popa; o outro dia seguinte, q forão 27 do mez, tornando a to- 
mar o sol se acharão em menos de 10 gráos, e sempre acon- 
tecerão estas duvidas, quando quer que nos achamos debaixo 
do sol ou quasi, por q por razão de o termos perpendicular 
nos faz muitas mostras e aparências, que causam engano nos 
q em tal tempo querê saber a elevação do polo per seo meo (*), 
pelo q em taes tempos senão deue usar do estrolabeo, mas 
aproveitar-nos da balestilha, e estrola do norte: e se caso for 
que venhamos estar debaxo do sol da banda do sul da linha, 
então podemos obrar com a balestilha pello cruzeiro: e ate 
nos apartarmos do sol 6 gráos conhecidamente, não deixare- 
mos o estormento da balestilha, e destes 6 gráos por diante 
tornaremos a usar do estorlabeo, por ser o milhor estormento 
de todos; mas não tendo balestilha o piloto, ou não sabendo 
uzar d'ella, em tal caso he milhor encomendar-se á sua esti- 
mativa, que aporfiar com o estrolabeo no tempo que o sol anda 
sobre nos. Nota do anctor. 

(*) Mesmo com os modernos instrumentos de reflexão é dif- 



358 

• 

mos era 7 grãos ^ com o vento á popa e galerno, e 
em lugar onde não ha correntes, o que em nenhfla 
maneira podia ser por estas RezSes: pois a agulha 
norestea patentemente, e o arqo de depois de meo 
dia he mayor que o dante meo dia, claro está que 
o sol anda da banda do sul a meu respecto, e me 
bota as sombras pêra a parte do norte, porque dou- 
tra maneyra fora o arqo dante meo dia mayor, como 
já está declarado; logo não he possiuel estar o dia 
de oje o sol em meu Zenith : e também prouo o mes- 
mo, porque este dia a oras de meo dia ho estilo fa- 
zia sombra, e pois que não auia sombras na mayor 
altura do sol, não podia estar em 90 grãos e nosso 
Zenith ; e prouo por outra Razão : quando oje na- 
ceo o sol, ho estilo lançou a sombra 5 grãos con- 
tando de oeste pêra o norte, e sobindo ha altura de 
50 grãos, a sombra do estilo variou pello circulo 
pêra a parte do norte três grãos *-; logo séguesse 
que o sol andaua pellos Rumos da banda do sul, e 
andando, era impossivel vir esse dia ter a meu Ze- 
nith ; mas parece que nos enganaria esse dia algtla 
aparência, a qual não podemos alcançar, como nos 
acontece nas mães das cousas e segredos da natu- 

ficil a observação da altura meridiana, e ainda maior era 
com o antigo astrolábio. De mais, a corrente que passa pelas 
Maldivas é depois na costa Occidental da Africa, para entrar no 
canal de Moçambique, influía necessariamente na marcha do 
navio. 

23* 



356 



reza ; mas, como quer que seja, fique a soltura desta 
duuida pêra o doctor pêro nunez. 



Ho modo de que se hão as sombras do estilo pelo 

circulo graduado. 

De três dias a esta parte não sento que a som- 
bra do estilo a oras de meo dia se ponha en cima 
da linha de norte sul, mas de pella menhãa até o 
meo dia corre de oeste pêra oesnoroeste, e daquy 
vay mingoando e encolhendo pêra o centro do es- 
tilo, e tanto que passa a meo dia, começa a som- 
bra hir decendo, até dar no circulo antre a linha de 
leste e a mea partida de lessueste; e o mães que 
notey ao tempo de meo dia, foy que a sombra da 
ponta do estilo andaua ao meo dia derredor, des- 
creuendo hum pequeno circulo, sem nunqua des- 
cansar sobre a linha de norte sul. 

De noite toda foy o vento oessudueste galerno; 
gouernamos todo quarto da prima a lesnordeste, e 
ao nordeste quarta de leste o quarto dalua e o da 
modorra. 

CAMINHO. 

Sabbado 31 dagosto todo o dia foy o vento oes- 
sudueste galerno; gouernamos a lesnordeste e ao 



357 



nordeste quarta de leste, e vimos grande numero de 
alfarreqas: este dia fiz as operações seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 66 grãos 

ho estilo lançou a sombra . . . 8 grãos £ 

contando de oeste pêra o norte. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de ; 56 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 10 grãos ^ 

contando de oeste pêra o norte. 



Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 56 grãos \ 

ho estilo lançou a sombra 9 grãos ■; 

contan(|o de leste pêra q sul : 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me- 
tade são 10 grãos, que he a quantidade que a agu- 
lha neste lugar norestea. 



358 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 36 grãos 

ho estilo lançou a sombra ii grãos 

contando de leste pêra o sul: 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 1 9 grãos { , cuja 
metade são 9 grãos \, que he a quantidade que neste 
lugar agulha norestea. 



Terceira operação depois de meo dia. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 14 grãos \ 

contando de leste pêra sul. 

A oras de meo dia tomey o sol, e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 88 grãos l ; a 
declinação deste dia era 5 grãos \, do que se segue 
estarmos em 6 grãos \, e assi mesmo outras três 
pessoas: três marinheiros Aa mayor altura tomarão 
do sol ao orizonte 87 grãos ;, e assy ficarão em al- 
tura de 7 grãos \ l : oulhando a oras de meo dia a 
sombra do estilo, notey que cahia sobre a linha de 

1 Alturas diversas. Nota do. auctor. 



359 

norte sul, mas muito pequena, e tanto que o sol co- 
meçou a decer, em continente a lançou o estilo an- 
tre a linha de leste e a meia partida de lessueste, e 
logo começou a crecer muito Rijo : ao tempo que fiz 
estas operações, eu me fazia no merediano que passa 
pello cabo de Rosalgate. 

De noite toda foy o vento oessudueste galerno; 
todo o quarto da prima gouernamos ao nordeste e 
quarta de leste, mas o da modorra e alua gouerna- 
mos ao nordeste; no quarto dalua começou o mar 
a andar tropeçado. 



CAMINHO. 

4 

Domingo Primeiro dia de setembro até o meo dia 
foy o vento oessudueste galerno; gouernamos ao 
nordeste quarta de leste : mas de meo dia até noite 
fezse o vento oeste galerno ; gouernamos ora ao nor- 
deste quarta de leste, ora ao nordeste; antes hum 
pouco de meo dia se lançou o mar e ficou muito 
chão 1 : tenho notado de muitos dias a esta parte, que 
se de dia anda o mar chão, de noite anda tropeçado, 
e se de noite chão, de dia anda tropeçado, ventando 
sempre de hiia maneira e de hua parte, o que nos 
daua a entender que seria a causa disto as corren- 

1 As mudanças q fazia o mar. Nota do auctor. 



360 



tes das marés e guardarem a ordem no alto mar, 
que tem ao longo das costas: este dia fiz as opera* 
ções seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estilo lançou a sombra 6 grãos \ 

contando de oeste pêra o norte. ' 



1 Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 13 grãos ; 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me- 
tade são 10, que he a quantidade que neste lugar 
agulha norestea. 

Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na 
mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 86 
grãos; a declinação deste dia era 4 grãos, 51 mi- 
nutos, do que se segue estarmos em 8 grãos, 51 
minutos ; o calafate na mayor altura tomou do sol 



1 Asi eslava escrito, mas parece-roe que devia ser esta a pr.' 
depois de meo dia. Nota do auctor. 



36i 

ao orizonte 87 grãos, o doctor 85 \, dous mari- 
nheiros 85 \: este dia estando o sol em altura de 
85 grãos { , esteue quedo hum pedaço sem fazer al- 
gua mudança 1 , e a este tempo a sombra do estilo 
muito pequena cahia sobre a linha de norte sul, e 
desta altura sobio o sol a 86 grãos muito supito, e 
estando nelles, a sombra do estilo voltou também 
supito e deu antre a linha de leste e lessueste : a 
ordem que o sol tem agora que anda propinquo ao 
nosso Zenith, he esta: tanto que sahe fora do ori- 
zonte, sobe muito de vagar pello hemispherio até 
altura de 50 grãos, e dahy até á mayor altura corre 
muito de pressa, o qual effecto faz ao contrairo, 
quando anda muito aredado de nós. 

De noite toda foy o vento oeste galerno ; o quarto 
da prima gouernamos ao nordeste, mas o da mo- 
dorra e alua ao nordeste quarta de norte ; no quarto 
da prima se lançou o mar e andou iriuito chão, e de 
meo quarto dalua por diante se tofnou a tropeçar 
e fazer escarceo ; e por experimentar que estas dif- 
ferenças vam casy de seis em seis Ijoras, tenho por 
sem duuida que a ocasião disto sffo as marés. 



1 Do andar do sol e da sombra do estilo, Nota do auctor. 



362 



CAMINHO. 

Segunda feira 2 de setembro todo o dia foy o 
vento oeste galerno ; gouernamos ao nordeste quarta 
de leste; o mar andou muito tropeçado e fazia 
grande escarceo : este dia fiz as operações seguintes. 



Primeira operação ante o meo dia-. 

Apontando o sol no orizonte, 

ho estylo lançou a sombra 6 grãos £ 

contando de oeste pêra o norte. 



Segunda operação ante o meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 16 grãos -* 

contando de oeste pêra o norte. 

Primeira operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 50 grãos 

ho estilo lançou a sombra 3 grãos \ 

contando de leste pêra o sul: 



363 



Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos; vem a 
metade 10, que he a quantidade que neste lugar 
agulha norestea. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol pêra se pôr, 

ho estilo lançou a sombra 13 grãos 

contando de leste pêra o sul: 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia i 9 grãos, cuja me- 
tade são 9 grãos J , que he a quantidade que neste 
lugar agulha norestea. 

Este dia a oras de meo dia tomey o sol, e na 
mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 83 
grãos •£; a declinação deste dia era ,4 grãos, 28 mi- 
nutos, do que se segue estarmos em 11 grãos; o 
calafate ficou na mesma altura, e o Piloto e hum 
marinheiro e o doctor quasy. 



Regra pêra se tomar a altura ao meo dia. 

Já que não dey Rezão da causa que nos fazia 
parecer desandarmos de nosso caminho, e deixey a 
determinação delia ao Doctor Pêro nunez, será ne- 



364 

cesario dar algfia Regra aos homens do mar, pêra 
saberem vsar, e se aproueitarem da altura nestes 
tempos duuidosos em que o sol anda muito vezinho 
de seu zenith; pello que terão aviso que, quando 
quer que o sol andar perto de suas cabeças, não 
tomarão altura ao meo dia sem h&a agulha diante, 
e os que puderem ter hum estilo pependicular so- 
bre htia linha de norte sul, será muito milhor; e 
isto assy feito, será necessário saberem quanto lhe 
norestea a agulha 1 ; e pondo exemplo neste lugar 
onde nos agora achamos, em que norestea 10 grãos, 
que he quasi híta quarta, e que as sombras vão 
pêra a parte do norte, digo que o verdadeiro lugar 
do meo dia será quando o sol estiuer ao sul e quarta 
do sudueste ; logo a altura do sol que então achar 
no estarlabeo, demorandome neste lugar da quarta, 
será a verdadeira e do meo dia ; e posto que depois 
disto se me Represente que sobio o sol pello meo 
estarlabeo, não terey nenhfla conta com isso; e 
quando se representar que sobio o sol depois de me 



1 Esta observação não pode deixar de merecer attençao, pois 
que mostra quanto D. João de Castro conhecia as difficulda- 
des das observações no mar, e o modo mais seguro de obvial-as. 
Os livros modernos de arte náutica, reconhecendo as dificul- 
dades da determinação da altura quando o sol anda perto do 
zenith, recomraendam também que se determine por meio da 
agulha náutica, a direcção aproximada do meridiano verda- 
deiro. 



365 

demorar á quarta do suduestç, como já tenho ditto, 
acharey que não posso ter o Rosto pêra a parte 
onde então estiuer o sol, nem menos a Roda do es- 
tarlabeo, pêra que o Rayo entre pellos buracos da 
medeclina, mas forçadamente me ha de ficar o sol 
no lado dereito e nas costas do estarlabeo, pêra que 
o Rayo entre pellos buracos da medeclina, o que 
em todo o outro tempo não acontece, mas de ne- 
cessidade avemos de ter o Rosto e a circunferência 
ou Roda do estarlabeo dereitamente ao sol. 

De noite toda foy o vento oeste galerno; gouer- 
namos ao nordeste quarta de leste: o mar andou 
tropeçado e com vaga. 



CAMINHO. 

Terça feira 3 de setembro todo o dia foy o vento 
oeste galerno; gouernamos a lesnordeste; o mar 
andou tropeçado, e pella menhãa vimos muitos al- 
catrazes, os quaes tinhão ametade da cabeça preta e 
as azas negras com algílas malhas brancas. 

De noite foy o vento oeste galerno ; gouernamos 
a lesnordeste: no quarto da prima vimos muitas al- 
farreqas, e no quarto da modorra e alua se lançou 
o mar e andou muito chão. 

Quarta feira 4 de setembro todo o dia foy o vento 
oeste galerno; gouernamos a lesnordeste; e antes 



366 

de se pôr o sol duas oras, se veo pôr hiia Godorniz 
ao bordo da nao ; todo este dia andou o mar trope- 
çado até se querer pôr o sol. 

De noite toda foy o vento oesnoroeste galerno ; 
gouernamos a lesnordeste : o mar andou muito chão 
até meo quarto dalua. 



CAMINHO. 

Quinta feira 5 de setembro todo o dia foy o vento 
oesnoroeste galerno ; até meo dià gouernamos a les- 
nordeste, e dahy até noyte gouernamos sempre em 
leste : logo pella menhãa vimos vir hum alcatraz da 
banda de leste, e a oras de meo dia dous france- 
lhos; hum delles se pos na nao; também se virão 
alfarreqas, mas pequenas, e lambem h&a cousa que 
cria o mar, a que chamão tostões, por lhe serem 
muy semelhantes: a oras de meo dia tomey o sol, 
e na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 
79 grãos; a declinação deste dia era 3 grãos {, do 
que se segue estarmos em i 4 grãos \ ; o Calafate 
tomou a mesma altura e outras duas pessoas e o 
Piloto; o doctor na mayor altura tomou do sol ao 
orizonte 78 grãos \: este dia fiz as operações se- 
guintes. 



367 



Primeira operação ante o tneo dia. 

Estando o sol em altura de 40 grãos 

ho estilo lançou a sombra 18 grãos { 

contando de oeste pêra o norte. 



Segunda operação depois de meo dia. 

Estando o sol em altura de 40 grãos 

ho estilo lançou a sombra i grão -5 

contando de leste pêra o sul : 

Foy logo nesta operação o arqo de depois de meo 
dia mayor que o dante meo dia 20 grãos, cuja me- 
tade he 10 grãos, que he a quantidade que neste 
lugar a agulha norestea. 

De noite todo o quarto da prima foy o vento oes- 
noroeste bonança; gouernamos em leste: mas pas- 
sados quatro Relógios da modorra, ventou da banda 
do Noroeste Rijo, e trouxe alguns chuueiros; go- 
uernamos a este tempo, ora a leste quarta de nor- 
deste, ginando sempre pêra a banda de leste: esta 
noite se fez o mar branco nestes dous quartos 1 . 

■^^ — - — - 

1 Périplo do Mar Erythreu, referindo-se ao promontório 
chamado Aromata (Cabo Guardafui), diz que ancoragem ali, 



368 



CAMINHO. 

Sesta feira 6 de setembro todo o dia foy o vento 
oesnoroeste; gouernamos sempre em leste, e de- 
ramnos três chuueiros pequenos : logo pela menhãa 
vimos hum pássaro de terra, como milheira, e dous 
ou três alcatrazes e tostões. 



Notação do ponto que trazia. 

Oje sesta feira 6 de setembro me fiz por meu 
ponto na barra de Goa, dando de abatimento á nao 
toda htla quarta, e ás vezes alg&a cousa mães, e 
isto do dia que parti da linha equinoctial, leuando 
sempre o vento á popa e mar bonança; e por ou- 
tro ponto que leuaua, partindo do mesmo lugar da 
linha, no qual não daua nenhum abatimento á nao, 
fuy terça feira, que fôrão três dias deste mês, ao 
meo dia varar em terra na Ilha do Arrecife ; e em 
cada hum destes pontos daua menos caminho á nao, 
do que o vento, o mar e a Rezão queria, do que 



em certos tempos, é muito perigosa, e que: «O pronostico par- 
ticular de um temporal n aquellc logar é a mudança dê côr 
das aguas.» 



3G9 

se segue duas cousas: a híta, ou que foy verdade 
que tornamos muito atrás, como se mostrou pella 
altura que tomamos os dias passados, ao que não 
dando credito fazíamos o caminho por diante por 
nossa extimatiua; a outra, ou que as agoas correm 
tanto pêra o norte e enseada de Gambaya, que nos 
fazia abater muito mães do que cuidauamos e da- 
uamos o caminho á nao : já pode ser que este erro 
trouxéssemos das Ilhas do comaro até á linha, e a 
Rezão que me isto faz parecer, he que achauamos 
grande caminho que a nao fazia em cada hua das 
singraduras, e como quer que ainda então não ve- 
nhamos apercebidos pêra darmos o resguardo do 
norestear da agulha e corrente das agoas pêra a 
banda do norte quanto coimem, pois vemos que o 
vento nao he capaz e poderoso pêra nos fazer an- 
dar tamanho caminho como a altura nos mostra e 
o Rumo por onde a proa da nao vay enderençada; 
e daquy vem que, chegando á linha, temos nosso 
ponto mães pêra leste do que he o lugar onde ver- 
dadeiramente a cortamos, e portanto, começando 
dahy a dar abatimento á nao por caso do correr 
das agoas e do que norestea agulha, quando nos 
achamos na altura de Goa, ficamos tanto á Ré pêra 
loeste, quanto he o erro que trazemos das Ilhas do 
Comaro até a linha, per differença de meredianos; 
e se esta Rezão não vai, crerev ser este caminho 
mais comprido do que cuidamos ; o meu Piloto já 
n. 24 



370 

ontem se fazia com terra, e os marinheiros que car- 
teauão ha três dias que são com ella, e em todas 
as nãos de três dias a esta parte vem sondando, 
que he sinal de se fazerem com terra. 

De noite, anoitecendo, nos deu hum chuueiro, 
que trouxe vento teso como oesnoroeste, e durando 
até quatro Relógios da prima, abonançou, e dahy té 
pella menhãa se fez o vento norte bonança ; toda a 
noite gouernamos em leste, e o mar andou muito 
chão. 

CAMINHO. 

Sabbado sete de setembro todo o dia fov o vento 
norte bonança; até meo dia gouernamos a leste, e 
dahy até noyte a leste quarta de nordeste; todo o 
dia andou o mar muito chão: amanhecendo, vimos 
hum alcatras branco, que vinha da banda de leste, 
e depois vimos outro pardo 1 e grande numero de al- 
farreqas: este dia a oras de meo dia tomey o sol, e 
na mayor altura se aleuantaua sobre o orizonte 77 
grãos e meo, do que se segue estarmos em i 5 grãos 
justos; o mestre ficou na mesma altura e outras 
duas pessoas 2 . Mas o Piloto na mayor altura tomou 
do sol ao orizonte 78 grãos, e o Calafate 77: esfc^^ 

1 Aves que aparecerão. Nota do auctor. 

2 Alturas conformes e diversas. Nota do auctor. 



371 

1 * 1 

( 



lia, quercndose j>ôr o sol, ho estilo lançou a som- 
bra 12 grãos j de leste pêra o sul. 

De noite Ioda íoy o vento nornoroeste bonança; 
todo o (juarto da prima gouernamos a lesnordeste, 
mas a modorra e alua a leste quarta de nordeste; 
o mar andou muito chão. 



CAMINHO. 

Domingo 8 de setembro todo o dia fov o vento 
norte bonança; até o meo dia gouernamos a leste 
quarta do sueste e ás vezes a leste e a leste quarta 
do nordeste; mas dahv até oras de completas go- 
uernamos a leste quarta do sueste, e alargando o 
vento, dahy até noyle gouernamos a leste quarta de 
nordeste: este dia pella mcnhãa vimos três passari- 
nhos que andão pellas pravas á borda do mar, e 
ora correm após as ondas, ora as ondas tornão após 
elles, creo que em Portugal lhe chamão borrelhos, 
e assy vimos hum alcatras: a meo dia tomey o sol, 
posto que duuidoso por parecer mal, e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 77 grãos: a de- 
clinação deste dia era 2 grãos, 10 minutos, do que 
se segue estarmos em 15 grãos £; outras duas pes- 
soas ficarão na mesma altura. 

De noite Ioda foy o vento nornoroeste galerno, e 
ora largaua, ora tornaua a escasear; toda a noite, 

24* 



372 



goucrnamos a leste quarta de nordeste, e á mea 
partida de lesnordeste. 



CAMINHO. 

Segunda feira 9 de setembro todo o dia foy o 
vento norte galerno, e tomaua do nordeste; gouer- 
namos a leste quarta de sueste: pella menhãa vimos 
hum borrelho e hua tartaruga, e sol posto aparece- 
rão muitas cobras 1 e hum alcatras, e todo dia mui- 



1 He opinião de muitos q sahindo os rios da índia fora dos 
seus cursos, por caso das grandes enuernadasq nella lia, tra- 
zê estas cobras ao mar, dos campos que são cobertos delias; 
mas a verdade he q se crião e nacè no mar, pr. q a terra e 
mar da índia naturalmente crião estas serpentes e cobras, nas 
quaes se acha todo género de peçonha (*). Noto do andor . 

(*)É a região oriental dos naturalistas e principalmente a 
sub-região de Ceylão e sul da índia muito infestada de reptis, 
a ponto de dizer A. R. Wall are, no seu interessanto. livro The 
Geographical Distribution of animais , o seguinte acerca da ci- 
tada sub-região: «É pelos seus reptis, mais ainda que pelos 
seus mais altos vertebrados, que esta sub-região está clara- 
mente caracterisada. De serpentes possue uma familia com- 
pleta, Uropeltidae, constando de 15 géneros e 18 espécies. . . > 
(Liv. cit., vol. i, pag, 327). Referindo-se aos reptis de toda a 
região oriental, faz o auetor notar que se encontram n*eHa: 
pequenas serpentes da terra, serpentes de agua doce, serpen- 
tes nocturnas nas arvores, serpentes que vivem nas rochas, 
cobras venenosas, víboras, todas estas em abundância e cara- 



373 



tos tostões 1 : a meo dia tomey o sol, e na mayor al- 
tura se aleuantaua sobre o orizonte 76 grãos; a de- 
clinação deste dia era 1 grão, 45 minutos, do que 
se segue estarmos em 1 5 grãos 7 ; o Calafate e qua- 
tro pessoas outras ficarão na mesma altura. 



clerislicas, estendcndo-se por toda a região (Idem.., pag. 317). 
 abundância de reptis na índia chamou sempre a attenção 
dos viajantes, e deu logar a lendas mais ou menos extraordi- 
nárias. Marco Paulo, na sua celebre viagem, conta que: «os 
homens que vão em busca de diamantes (em certos valles pro- 
fundos) levam bocados de carne, tão pequenos quanto possí- 
vel, para deitar no fundo do valle. Ha um grande numero 
de águias brancas que habitam as montanhas e comem as ser- 
pentes. Quando as águias vêem a carne precipitam-se sobre 
ella e levam-n'a para alguma alta rocha onde principiam a 
despedaçal-a. Ha, porém, homens de vigia, e logo que vêem 
as águias pousarem, soltam altos gritos para as enxotar. E 
quando as águias fogem os homens retomam os pedaços de 
carne e encontram-os cheios de diamantes, pegados á carne no 
fundo do valle. A abundância de diamantes no fundo dos valles 
é espantosa mas ninguém pode ir buscal-os; e se alguém o faz, 
é só para ser em continente devorado pelas serpentes que ali 
são tão abundantes.» ( Viag. de Marc. Paido, liv. 111, cap. xix.) 
Esta lenda das serpentes é antiga e já no iv século se encon- 
tra num livro de S. Epiphanio. Fr. Oderico, viajante italiano 
do xiv século, fallando de Ceylão, diz que ha ali «una genera- 
zione di serpente eh' anno collo di cavallo e capo di serpente 
e corpo di cane e cola di serpente ed anno quatro piedi e sono 
grandi come buoi e piccoli come asini.i Conti, outro viajante 
italiano, também falia da abundância de serpentes em Cou- 
lão. 

1 Sinaes que aparecerão. Nota do andor. 



374 

De noite toda foy o vento noroeste galerno; o 
quarto da prima gouernamos a leste quarta do sues- 
te, mas a modorra e alua gouernamos ora em les- 
sueste, ora em leste quarta do sueste. 

CAMINHO. 

Terça feira 1 de setembro até o meo dia foy o 
vento como nornordeste ; gouernamos a lessueste e 
a leste quarta de sueste; mas de meo dia até noite 
fezse o vento nornoroeste e noroeste; gouernamos 
ao sueste e ao sueste quarta de leste ; o vento todo 
o dia foy bonança: este dia pella menhãa vimos mui- 
tas toninhas e hum ayuão e borboletas e alguas co- 
bras : ás oy to oras do dia sondamos e tomamos fundo 
em 50 braças, e não tardou espaço de mea ora que 
não vissemos terra, a saber, os Ilheos queimados ; 
sol posto de todo, seriamos 5 legoas da terra e obra 
de ora e mea dos Ilheos queimados; e demoran- 
dome o Ilheo A, que está ao sul de todos, a leste 
quarta do sueste, fazião a mostra que aquy está 
pintado, e assy mesmo o pedaço da terra firme que 
se lhe opunha. 

De noite todo o quarto da prima e modorra foy \ 

o vento noroeste bonança; gouernamos pellos Ru- 
mos que estão do sueste atee o sul; no quarto dalua 
fezse o vento leste, e logo surgimos obra de híla 
legoa e mea da barra de Goa. 



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61 



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CAMINHO. 

Quarta feira i i de setembro até oras de vespora 
foy o vento calma, e dahy começou a viração muito 
bonança e logo nos fizemos á vella; duas oras da 
noite surgimos na barra de Goa, mães por a bon- 
dade de nosso senhor que por nossos merecimen- 
tos, arte e saber, onde se acabou a nossa viagem e 
este livro. 



LAUS DEO. 



^élI>i»e:ivi>ioe 



UNHAS ISOGONICAS 



NO 




EGULO XVI 



Durante a sua primeira viagem de descoberta ás 
índias occidentaes, Christovão Colombo observou a 
13 de setembro de 1492, estando a duzentas lé- 
guas ao oeste do meridiano da ilha do Ferro, que a 
direcção das agulhas variara de leste a oeste, isto 6, 
que as agulhas « se inclinavam um pouco para o no- 
roeste '. » Reflectindo sobre esta observação na his- 
toria da sua terceira viagem, o grande navegador 
escrevia o que se segue: «Quando eu navegava da 
Espanha para as índias, notei, cem léguas a oeste 
dos Açores, grandes mudanças no ceo e nas estrei- 
tas, na temperatura do ar e nas aguas do mar. Tive 
o maior cuidado em observar tudo isto. Achei então 
que do septentrião ao sul, logo que se passavam as 

1 Collecion de ks viajes coordenada por Navarrete, tom i, 
pag. 100. 



380 

mencionadas cem léguas para além das ilhas, as 
agulhas de marear, que até então se inclinavam para 
o nordeste, d'ahi por diante se desviavam um qua- 
drante inteiro, ao chegar-se a esta linha 1 ,» phe- 
nomeno da declinação das agulhas acabava de ser 
reconhecido e ao mesmo tempo a existência de uma 
linha perto dos Açores, na qual se não manifes- 
tava declinação alguma. Humboldt atlribue aos chi- 
nezes a descoberta da declinação magnética da agu- 
lha; e acerescenta que os navegadores Índios, ma- 
laios e árabes haviam ido á China buscar o conhe- 
cimento doeste phenomeno, que já se encontra men- 
cionado por Andrea Bianco em 1463*. E comtudo 
foi somente nos fins do século xv que a variação 
das agulhas de marcar começou a attrair a attenção 
dos navegadores. Livio Sanuto, referindo-se ás in- 
formações de Guido Gianetti, que no começo do sé- 
culo xvi residia na corte de Inglaterra, conta que 
Sebastião Cabot foi quem descobriu o segredo da 
variação das agulhas, e que esta era differente con- 
forme os diversos logares da terra 3 . A linha do zero 



l ldem, pag. 42. 

2 Cosmos, tom. iv, pag. 62 da trad. franc. 

3 Fu di tal secreto il reconoscitore, qual egli palesò poi ai 
sereníssimo Re d'Inghilterra, presso ai quale (come poi da al- 
tri intezi) esso Gianetti ali' hora honoraiissimo si ritrova; et 
egli d i mostro insieme, quanta fvsse questa distanza, e che non 
ajpareva in ciascun Ivogo la medesima.* Lib. prim.. fl. 2. 



Ó81 

da declinação, que se julgava estar sobre o meri- 
diano, passava, segundo Cabot, cento e dez milhas 
a oeste da ilha das Flores 1 . Sebastião Cabot, ao ex- 
pirar, ia persuadido que recebera a revelação di- 
vina de um methodo novo e infallivcl para a deter- 
minação da longitude, o qual porém não lhe era 
permiltido revelar a ninguém 2 . A determinação da 
longitude no mar, a que muitos chamavam o « ponto 
fixo» e outros a f navegação leste-oeste» era um dos 
problemas cuja solttcção apresentava mais dilficul- 
dades, e assim o considerava André de Sainl-Mar- 
tin, um dos companheiros de Fernando de Maga- 
lhães, durante a sua celebre viagem de 1519. An- 
tónio Pigafelta, outro companheiro de Magalhães, o 
qual escreveu a historia d'esta viagem e a offereccu 
a Carlos v em 1522. informa nos (pie o celebre na- 
vegador conhecia o phenomeno da declinação da 
agulha de marear, se bem que erradamente o attri- 
buissc á pouca intensidade da altracçâo magnética 
no hemispherio austral 3 . No seu Tratado de nave- 

1 nella qualc (carta da navi^are) si reconosoi il luo- 

go de) detlo meridiano essor per miglia cento e dieci lontano 
verso Occidente dalla Isola detta Fiori di quelle pur delli Azo- 
ri» cito à pag. 178 de Memoirs of Sebastian Cabot. Londres, 
1832. 

2 The remarquable life of Sebastiau Cabot par Nicholls, eh. 
10, pag. 186. 

3 La nostra calamita volgeasi sempre ai polo artico, devian- 
do pêro alcun poço dal punlo dei setentrione. Ciò ben sapeva 



382 

//afifo, António Pigafetla propõe como meio de de- 
terminar a longitude, a declinação da agulha de ma- 
rcar. Julgava elle que existia no ceo um ponto da 
repouso para o qual a agulha se dirigia sempre. 
Este ponto estava situado ao norle e pouco mu is ou 
menos na direcção do meridiano de Tenerifle, que 
por este motivo era considerado como o primeiro 
meridiano. Partindo d'esla hypothese, Pigafetta sup- 
punha que a declinação da agulha indicava por toda 
a parte a longitude 1 . Pedro Nunes, espirito esclare- 
cido, mathematico distincto e observador sem pre- 
juízos, mostra claramente no seu Datado em defen- 

il nostro capitano generale e perciò quando ci veleggiando in 
mezzo ai maré egli domando à tutti i piloti ai qu&li già indi- 
cato a\eva il punto acui doveano tondere per cual camino pun- 
tassero nelle loro carte: ri pose r tutti che puntavano ai luogo 
da lui ordinato: ed egli disse che puntavano falso eche conve- 
niva ajutarc Vago calam i lato, il quale in lai posizione non era 
atlrato con tanta forza quanto lo è dalla sua parte, cio é nel- 
remisfero boreale. » Navigazione in tomo ai globo, Pigafetta, 
pag. 46. 

1 La bússola può somministrare un methodo ancor piíi fá- 
cil e per trovare la longitudine dei luogo in cui tu stai. Si sa 
cbe la bússola ossiaTago calamitato, che in essa sta dirigem a 
un dato punto per la tendenza cbe ha la cala mi ta ai polo. La 
ragione di questa tendenza si è perche la cabmila non trova 
in cielo altro luogo in ri poso fuor che il polo; et perciò a quel- 
lo slmlirizza. È questa una spiegazione dei fenómeno cbe io 
propongo; e la credo vera, tincchè 1'esperienza non ci faceia 
conoscere qualebe spiegazione meglior. Traitato di navigazio- 
ne di Pigafetta, sub finem, Nav. in torno ai globo. 



I 



383 

■ ■ 

mo da carta de marear o ponco valor das observa- 
ções magnéticas, não somente porque o phcnumeno 
da variação era mal conhecido, mas também pela 
imperfeição dos instrumentos e dos methodos que 
no seu tempo se empregavam. «Com relação ao des- 
vio das agulhas para nordeste ou para noroeste, diz 
Pedro Nunes, lenho como coisa certa que ellas não 
se dirigem para o polo, por isso que nunca vi n^stc 
paiz uma agulha sem declinação para o nordeste. 
Pelo que respeita á quantidade d'esla variação, ainda 
que os pilotos o affirmem com insistência, eu não os 
acredito, porque cmquanto que uns dizem que a de- , 
clinação é muito grande, outros dizem que ella é 
muito pequena nos mesmos logares. E effectivamente 
possível que algumas agulhas façam mais difterença 
que outras, mas a este respeito não podem clles sa- 
ber a verdade com o processo que empregam, o qual 
não passa de ser a determinação, á simples vista, 
da relação angular entre a agulha c uma eslrella, 
por isso (pie a estreita além de estar quasi sempre 
fora do meridiano, é preciso ter-se em conta que no 
acto de se voltar a bússola para a determinação do 
angulo, é possível um grande erro, que se não pode 
verificar por meio de uma eslrella, mas sim por 
meio do sol 1 .* Apesar das observações de Pedro 

1 Tratado em defensão da carta de marear, Pedro Nunes. 
Lisboa, 1537. 
«Acerca do nordeslear c uorestear das agulhas, diz Pedro 



384 

Nunes a opinião dos que julgavam que a variação 
da agulha poderia servir para determinar a longi- 
tude continuou a manter-se no espirito dos navega- 
dores. 

Durante a sua viagem de Lisboa a Grta, D. João 
de Castro observou com o maior cuidado a variação 
da agulha de marear, fazendo uso dos methodos e 
dos instrumentos propostos por Pedro Nunes, e ve- 
mos no seu Roteiro que o grande capitão c grande 
navegador notou que «a variação das agulhas não 
corresponde á differença dos meridianos.» Este fa- 
cto, resultado das observações de D. João de Cas- 
tro, não podia deixar de exercer uma certa influen- 
cia sobre a errada theoria da determinação das lon- 
gitudes pela variação das agulhas, ou antes da re- 
lação entre os meridianos geographicos e o que en- 
tão se chamava os •meridianos magnéticos.» 

Comtudo no Breve compendio de esfera y de la 



Nunes, tenho por certo que ellas não demandam lio polo, por- 
que nam vi agulha que n'csta terra não nordestease. Na quan- 
tidade de nordestear posto que os pilotos ho afirmam muito 
não lhes dou credito, porque liDs dizem quenordestea muito, 
e outros que pouco, em hus mesmos logares. Bem pode ser que 
lulas façam mais differença que as outras; mas elles não po- 
dem saber a verdade disto, pela arte que dizem que para isso 
tem, a qual lie bornearem com a vista a agulha com a estre- 
la; porque, além da estrela andar o mais tempo fora do me- 
ridiauo, no bornear cabe muito engano, e não se pode verifi- 
car bem por estrela senão pelo sol» (3). 



385 

arte de navegar, de Martin Cortez, publicado e m 
1551, encontramos reproduzida de novo a opinião 
de Pigafetta. Cortez diz : « para que se possam com- 
prehender as differenças que as agulhas de marear 
apresentam com relação ao polo, deve imaginar-se 
(eslando sobre o meridiano onde as agulhas se vol- 
tam para o polo) um ponto por debaixo do polo do 
mundo c que este ponto está fora ou além de todos 
os ceos, contidos sob o primeiro movei ; o qual ponto 
ou parte do ceo, possue a virtude attractiva sobre o 
ferro tocado pelo iman, correspondente a esta parle 
do ceo que se suppõe além de todos os ceos que são 
postos em movimento pelo primeiro movei, porque 
se se imaginasse em um dos ceos postos em movi- 
mento que o ponto de attraoção se deslocava acom- 
panhando o primeiro movei, a agulha realisaria o 
mesmo movimento em vinte e quatro horas. Com- 
tudo não é isto o que se observa. Por consequência 
este ponto não está nos ceos moveis e tão pouco 
está no polo, porque se assim fosse, a agulha não 
se voltaria nem para o noroeste nem para o nor- 
deste. 

Por conseguinte a causa da declinação para no- 
roeste e para nordeste, a causa do afastamento da 
agulha do polo do mundo é que, estando sobre o 
dito meridiano, o ponto de attracção e o polo estão 
neste mesmo meridiano, e a agulha, voltando-se para 
este ponto, dirige-se directamente para o polo, e 
b. 28 



386 

afastando-se (Teste meridiano para o levanle (por 
isso que o mundo é redondo) o polo do mundo fi- 
car-lhe-ha á esquerda, e o ponto onde reside a vir- 
tude attractiva ficará á mão direita (para o vento 
nordeste) e a distancia parecerá tanto maior quanto 
mais se caminhar para o levante, até que se che- 
gue a PO , ou á maior declinação para o nordeste. 
Passando este limite parecer-nos-ha que a agulha 
vae aproximando-se do ponto attraclivo e da linha 
mcridiana, c que a agulha vae corrigindo successi- 
vãmente a sua declinação para o nordeste, até que 
se dirige na direcção do meridiano, na parte op- 
posta áquella por onde começou. > ti Gortez conclue 
o capitulo, em que se occupa da variação da agu- 
lha dizendo: «a opinião de atguns marinheiros é 
que o meridiano, onde as agulhas se dirigem para o 
polo, passa pela ilha de Santa Maria e outros pen- 
sam que elle passa pela ilha do Corvo, nos Aço- 
res 1 .» 



1 1 Para enlendimiento destas diferencias que las agujas di- 
fieren dei polo hace de imaginar (estando en el meridiano de 
las agujas senalan el polo) vm punto baxo dl polo dei mudo 
y esto fuera de todos los cielos centenidos baxo dei primor mo- 
bile. El qual punto o parte dei eielo tiene vna virtud attra- 
ctiua q attrahe a si el fierro locado c<5 la parte d'la piedra ymã 
correspondiête a aqlla cierta pte dei cielo imaginado fuera 
d' todos los cielos mouidos dei puier mobile: porq si en qual- 
quer d*los cielos mouidos se imaginase mouerse ya el puto at - 



387 

Opiniões idênticas persistiram durante todo o sé- 
culo xvi. Assim vemos que Pedro Menendez d'Avi- 
lez, que commandava os galeões espanhoes em 1 584, 
propunha um methodo para se conhecer o caminho 
feito no mar de leste para oeste, o qual tinha por 
base a variação da agulha magnética. 

Menendez julgava que a agulha tinha um meri- 
diano fixo, e que a sua variação maximum não ex- 
cedia nunca a sexta parte de um quadrante. Ora 
sendo conhecida a ordem d'esta variação tanto para 

tractiuo ai mouimiêto dei p'iner mobile, y por consiguiête el 
agoja liaria el mesmo raouimigto en veinte y qtro horas: do 
se vee asi : luogo este puto no esta elos ciclos mouibles, ni ta 
poço. enl polo, pnrq si enl es tu ui esse, el aguja no nord'stearia 
ni noruestearia: luego la causa d'l nordestear y noruestear, o 
apartarse dl polo dl mudo a que estando enl dicho meridiano» 
el punto attracliuo y el polo cstau en aquel mismo meridiano, 
y scnalãdo el aguja el punto, senala d'rechamète el polo: y ca- 
minado d'aqle mismo meridiano ai leuate (como el mudo sea 
rotòdo) vase quedando el polo dei mudo a la mano ysquierda: 
y el puto de la virtud attractiua no estará a la mano direclia 
(q es fazia ai vièto nonPeste) y quanto mas ai leuante camina- 
remos mayor nos parescera la distancia hasta llegar a nouenta 
grados y alli será o que mas no rd esteara; y pasando de ali 1 
mas adelante, nos parescera que se va allegando el punto at- 
tractiuo a la linea meridiana : y ai tanto yra el aguja emen- 
dando el nordestear hasta tornar ai mismo meridiano, en la 
parte opposila de do começa ron ete.» 

cEs opinion d algunos marineros que el meridiano (do en- 
senam las agujas el polo) pasa por la ysla d'santa maria, y otros 
por la y w la dei cuervo en los azo r es.» (i) 

25. 



388 

leste como para oeste do meridiano fixo, podia che- 
gar-se, segundo a sua opinião, á determinação da 
longitude l . 

Gilberto no seu interessante livro De magnete, 
publicado em 1600, fatiando do polo magnético 
diz: «mas a experiência ensina que não ha polo 
certo ou termo fixo sobre a terra para a variação*» . 
E affirma em seguida que, assim como o magnete 
se dirigia antes para o oriente ou occidente, do 
mesmo modo o arco da variação fica no mesmo lo* 
gar e na mesma região, quer seja no mar, quer se- 
ja no continente; e por isso ficará perpetuamente 
inalterável se não sobrevier a destruição de um con- 
tinente ou a mina das terras, como aconteceu com 
a região da Atlântida, de que Platão e os antigos 
nos conservaram a recordação 3 . Durante o século 
xvn, muitos methodos se inventaram, a fim de de- 
terminar a longitude geographica pela variação da 



1 Memorias sobre a longitude, por Navarete na Collecion de 
documentos inéditos para la historia de Espana, tom. xxi. 

2 . . . «sed experiência docet nullum certum esse polum, aut 
ter mi num in tellure pro variatione fixvrn.* Liv. iv, cap. i, pag 
152. 

3 Ut olim inclinaverit versus orientem aut occidentem; ita 
etiam nunc arcus variationis idem manet in eodem loco et re- 
gione, sive fuerit in mari aut continente, et ita erit in perpe- 
tuum immutabilis, nisi magna fuerit continentis dissolutio et 
interilus lo irar um, qualis fuit Atlantidis regionis, dequaPlato 
et veteres oommeraorant.» Liv. iv, cap. m, pag. 159. 



380 

agulha; e este erro dominou não somente o espi- 
rito dos fazedores de projectos os mais ousados e 
os mais insensatos, mas ainda os espíritos mais es- 
clarecidos 6 que mais familiares eram com a arte da 
navegação; devendo mencionar- se, entre outros, o 
cosmographo portuguez António de Mariz Carneiro, 
que escreveu o Regimento de Pilotos, o qual cosmó- 
grafo de tal modo se havia apaixonado por esta ques- 
tão, que por escarneo o alcunharam o senhor Agu- . 
lha fixa. 

Os problemas que diziam respeito á navegação 
constituíam n'esta época o assumpto principal de 
estudo, para todos os que sa interessavam nos pro- 
gressos económicos e scientificos dos povos civilisa- 
dos da Europa, sobretudo de Portugal e Hespanha. 
João de Barros fallando de Fernão de Magalhães diz- 
nos que elle «sempre andava com Pilotos, cartas de 
marear, e altura de leste, oeste, matéria que tem lan- 
çado a perder mais portuguezes ignorantes, do que 
são ganhados os doutos por cila, pois ainda não vi- 
mos algum que o pozesse em effeilo 1 .» Isto confir- 
ma o que nós acabámos de dizer. Em presença des- 
tas opiniões e das esperanças que os navegadores 



1 «sempre andava com Pilotos, Cartas de marear, e altura de 
Lesto, Oeste; matéria qne tem lançado a perder mais Portugue- 
zes ignorantes, do que são ganhados os doutos por ella, pois 
ainda não vimos algum que o pozesse em effeilo. i Dec. 5, 8. 



390 

haviam concebido sobre a exacta determinação dos 
meridianos geograpbicos por meiorda variação da 
agulha de marear, concebe -se facilmente o interesse 
que se ligava ao conhecimento do valor e do senti- 
do da declinação magnética em cada logar da ter- 
ra. Infelizmente as agulhas de que se fazia uso eram 
muito imperfeitas, o modo de as magnetisar muito 
irregular e as suas propriedades magnéticas bem 
pouco seguras. Não tinham boas graduações, não 
eram suficientemente moveis, e a isto deve ainda 
juntar-se que em algumas agulhas a flor de lis, que 
indicava o norte, não correspondia exactamente á 
ponta da agulha. 

Além d'isso, a dificuldade invencível de determi- 
nar exactamente as longitudes, que apenas se co- 
nheciam pela avaliação muito contingente do anda- 
mento do navio; a idéa mesmo, de que a variação da 
agulha dava ou podia dar a longitude, e a ignorân- 
cia absoluta em que se estava sobre a mudança de 
posição das linhas isogonicas; todas estas circuins-* 
tancias tornam muito pouco dignas de confiança as 
observações de declinação que se encontram nos 
roteiros do século xvi. Estas observações comtudo 
são numerosas, principalmente com relação ao Atlân- 
tico e ao Oceano Indico, e nós podemos servir-nos 
delias para fazer idéa com uma certa approxima- 
çãu das linhas isogonicas no século xvj. 

Todas estas observações, comtudo, devem ser con- 



391 

sideradas apenas como simples indicações de que 
podemos utilisar-nos para conhecer a posição ap- 
proximada das linhas isogonicas. A imperfeição dos 
instrumentos e dos methodos que serviam para de- 
terminai 1 as latitudes e sobretudo as longitudes, a 
pouca perfeição no fabrico das agulhas e o pouco 
conhecimento que n'essa época se tinha das leis do 
magnetismo, tudo isto contribuía para lançar uma 
grande incerteza sobre as observações dos navega- 
dores c deve levar-nos a pôr em duvida a exactidão 
absoluta dos números que se acham inscriptos nos 
roteiros. Todos os escriptores se copiavam uns aos 
outros, e como elles não fixam com precisão a data 
das observações, e como a declinação varia nos mes- 
mos togares com o tempo, estas duas circumstan- 
cias vêem augmentar para nós ainda a incerteza 
d'estus mesmas observações. Ainda assim procura* 
mos reunir o maior numero possivel d'estas obser- 
vações, coordenando-as approximadamente por da- 
tas c procurando reduzil-as a pontos geographicos 
determinados. O resultado d'este trabalho acha-se 
no fim da prezente memoria. 



A supposição da existência de uma relação entre 
a variação da agulha e a longitude prevaleceu, com- 
tudo, durante bastantes annos e deu logar ás nu- 



392 

i 

merosâs observações citadas por nós. Julga va-se ao 
principio que a cada meridiano geographico corres- 
pondia um meridiano magnético, mas esta hypothe- 
se não pôde resistir por muito tempo ás numero- 
sas observações dos pilotos. No entretanto, mesmo 
na época da viagem de D. João de Castro, esta opi- 
nião ainda não estava completamente posta de ban- 
da. Bastantes annos mais tarde, quando Gilberto 
publicou a sua obra, ainda este sábio julgou ne- 
cessário insistir sobre a não concordância dos me- 
ridianos terrestres e das linhas de egual declina- 
ção 4 . 



O segredo de Gabot occupou por muito tempo a 
imaginação dos navegadores e dos cosmographos, 
até que veiu a reconhecer-se que no mesmo logar 
geographico a declinação varia com o tempo, como 
já antes se tinha reconhecido que no mesmo meri- 
diano terrestre nem sempre se encontrava a mesma 
declinação. 



1 Tamen variatio variis modis incerta seraper est. Tam pro- 
pter longitudinem quam latitudinem, et propter accessum ver* 
sus terras magnas, terraemarumque eminentiarum raagis pre- 
valentium habitudinem ; nec merídiani alicujus regulam se- 
quitur quemadmodum antea demonstravimus. Ob. cit.< pâg. 
107. 



393 

Humboldt diz que Alonso de Santa Cruz f : «tra- 
çou em 1530, um século e meio portanto antes de 
Halley, a primeira carta geral das variações, com- 
posta é verdade com materíaes bastante incomple- 
tos. » Referindo-se a uma época posterior, conta o 
padre Kircher no seu tratado Magnes *, que no seu 
tempo se attribuia ao padre Gbristovão Burro uma 
certa invenção para se conhecer a longitude por meio 
da agulha magnética, e que esta invenção burriana 
aspirava ao premio de 500:000 ducados, promelti- 
do pelo rei de Hespanha. Esta invenção consistia, 
segundo Kircher «em traçar sobre uma carta geogra- 
phica, feita para este fim, as variações magnéticas 
observadas nos diversos pontos da terra, e em tra- 
çar linhas pelos pontos de egual declinação, a que 
se dava o nome de « pontos chalybocliticos. » 

Este Christovão Burro, de que falia Kircher, não 
pode deixar de ser o jesuíta Christovão Bruno, que 
em 1628 escreveu cm Lisboa um livro intitulado 
Arte de Navegar, no qual se occupa largamente da 
maneira de determinar o caminho no mar, na direc- 
ção de leste a oeste. A este mesmo auctor allude 
Humboldt, designando-o pelo nome de Burro em 
vez de Bruno. O padre Bruno fez, com effeito, o es- 



1 Cosmos, pag. 64. 

2 Magnes de A. Kirclwr, liv. h, prob. vi, pag. 443, ediç. de 
1643. 



394 

hoço de uma carta de linhas de egual declinação, 
antiei pando- se assim perto de meio século á tenta- 
tiva análoga do illuslre Halley. Entre os mss. da Aca- 
demia Real das Sciencias de Lisboa encontram se 
certas instrucções dadas pelo padre Chrislovão aos 
pilotos portuguezes e hespanhoes, onde se vêem por 
elle próprio estabelecidos os princípios, que serviram 
de base a composição da carta de navegação de les- 
te a oeste, e que ao mesmo tempo mostrara a posi- 
ção em que no seu tempo a agulha se conservava em 
certos logares geographicos 1 . As instrucções do pa- 
dre Bruno eram destinadas a rectificaras linhas de 
egual declinação, que elle traçara sobre a carta, 

O padre Bruno pretendia inquirir tse a agulha 
varia n'umá certa proporção, conforme o que con- 
vém a esta seiencia, tanto com relação aos marcos, 
isto é, as linhas em que a agulha está fixa, na ver- 
dadeira direcção norte-sul, como fora d'csta direc 
ção que a agulha apresenta afaslando-se dos mar- 
cos; de tal maneira que mostra com uma certa uni 
formidade uma variação tanto maior, quanto mais 
afastada está dos marcos. Tudo isto se acha indica - 
do na nova carta de navegar mandada Jazer por 

1 Regimento que o P. Christovão Bruno da Comp. de Jesus, 
por ordem de S. AL, dá aos pilotos das nãos da índia para fa- 
zerem as experiências sobre a invenção de navegar de leste a oeste, 
Mss. da Aead. Real das Scienc, que pertenceram ao marqurz 
de Caslello Melhor. 



395 

minha ordem. » O padre Bruno queria conhecer os 
resultados do seu novo instrumento, destinado a ob- 
servar a declinação e ao qual elle dava o nome de 
fimmbrio. O mesmo padre Bruno dá-nos da carta 
que elle traçou uma noticia nos seguintes termos: 
«nós traçámos de novo marcos divididos em graus 
de uma certa grandeza, marcos sobre os quaes nós 
dizemos que a agulha deve estar; achamos que para 
elles concorrem as direcções das observações obser- 
vadas até ao presente por Vicente Rodrigues e seus 
discípulos, e mesmo porque n'um d'estes marcos, o 
que passa a oeste das Flores, se encontram todos os 
pontos nos quaes a experiência dos pilotos mostram 
que a agulha se conserva fixa. Parece pois que a ra- 
zão nos mostra duas coisas : em primeiro logar, que 
a agulha não dexe estar fixa n'uma linha qualquer 
correspondente ao meridiano da carta, cortando o 
equador em angulo recto (como se suppunha até 
hoje, o que tornou impossivel o conhecimento da 
proporção da variação da agulha), mas em outra li- 
nha mais aproximada da direcção de nor-nordeste 
a su- sueste. Em segundo logar o que também deve 
ser certo, o raciocínio mostra- nos que a graduação, 
que nós traçamos sobre os marcos deve ser boa, por- 
que não obstante a differença dos graus de um mar- 
co para outro, o sobre o mesmo marco, do norte ao 
sul, todos os graus do Indo septcntrional são egunes 
ou Ire si, do mesmo modo os do lado austral, o que 



396 

é sufficiente para que a proporção seja egual. N'um 
livro que conto publicar sobre esta matéria eu da- 
rei razão de tudo isto. Nós ajuntámos á nossa carta 
a indicação da maior differença de longitude, ou da 
distancia na direcção de leste para oeste que se acha 
nas costas do cabo da Boa Esperança, e que não 
está indicada nas cartas ordinárias; e achámos a 
prova d'isto nas experiências que eu próprio e os 
meus companheiros fizemos na ida e na volta da ín- 
dia. Tendo nós passado n'essa altura, á vista da ter- 
ra por bastante tempo, e tendo caminhado ao longo 
da costa muito lentamente no navio S. Thomé á 
nossa volta, observámos todos n'esta occasião, que 
esta parte da Africa é bem mais larga, que o que se 
vê nas cartas ...» 

O padre Bruno linha uma tal confiança na varia 
ção regular das agulhas, que elle contava com isto 
para corrigir as cartas marítimas, que a experiência 
todos os dias mostrava aos navegadores, serem inex- 
actas, principalmente com relação ás longitudes. O 
modo pratico que elle recommendava aos pilotos 
para obterem esta correcção era o seguinte : « Para 
se saber no mar o ponto em que se acha o nosso na- 
vio, basta-nos tomar com o compasso o marco cor- 
respondente ás paragens, em que se navega, tantos 
graus quantos os da variação nordeste ou noroeste 
da agulha; tomamos a medida partindo do equador 
para o norte e para o sul, conforme o navio está ao 



397 

norte ou ao sul, conservando o compasso assim 
aberto, fixaremos uma das suas pontas sobre o mar- 
co, na altura do parallelo em que o navio se acha ; 
e com a outra ponta na direcção de leste ou de oes- 
te encontramos sobre o parallelo o ponto em que nos 
achamos. » 

Ha quatro marcos ou linhas sem declinação, con- 
forme as instrucçõcs do padre Rruno: 1.° o que 
passa perto dos Açores e que corta as terras do Pe • 
ru e do Brasil; 2.° o que passa pelo cabo das Agu- 
lhas; 3.° o que atravessa a Pedra Branca; 4.° o que 
passa por Acapulco. Estas instrucções faliam tam- 
bém de outras variações que serviram de ponlos de 
referencia ao padre Bruno. 

Partindo de Lisboa para a índia oriental a decli- 
nação maximum para nordeste era no Atlântico de 
22°^. Passando o cabo da Boa Esperança e nave- 
gando para Goa, por dentro da ilha de S. Lourenço 
(Madagáscar) achou-se que o maior grau de decli • 
dação coincidia com a latitude de Goa, duzentas lé- 
guas a leste da ponta da ilha de Socotora. Nave- 
gando por fora de Madagáscar a maior declinação 
da agulha para noroeste era de 22°£. 

Trezentas léguas a leste da ilha de Tristão da 
Cunha a declinação era de 4 o leste, e d'ahi até ao 
cabo da Boa Esperança contavam-se umas 50 a 60 
léguas. Á vista da ilha de Diogo Rodrigues a agu- 
lha apresentava uma declinação de 20° oeste. 



398 

O padre Bruuo julgava, do mesmo modo que jul- 
gava Cabot e muitos outros, ter descoberto um gran- 
de segredo ; e é esta a razão que o determinou a re- 
commendar no fim das suas instrucções aos pilotos: 
« por boas razões todos os pilotos são intimados sob 
juramento de conservar tudo isto em segredo, de o 
não communicar a quem quer que seja, nem de man- 
dar tirar copia alguma. E se um perigo qualquer 
fizer recear que esles papeis possam cair nas mãos 
do inimigo, devem ser lançados ao mar, a carta, as 
instrucções e o instrumento respectivo. » 



. Resumamos em poucas palavras os phenomenos 
magnéticos actualmente conhecidos. 

Pode considerar-se o globo terrestre como divi- 
dido em duas regiões. Uma, na qual a extremidade 
norte da agulha em logar de se dirigir para o polo, 
declina para leste, formando assim um angulo com 
o meridiano geographico. A outra, na qual o angulo 
existe do mesmo modo, mas a declinação em vez de 
ser para leste é para oeste. Actualmente, a região em 
que a agulha declina para oeste (noroestm confor- 
me diziam os antigos pilotos portuguezes) é a mais 
estreita das duas, e acha-se sobre o Atlântico, o con- 
tinente africano e o mar das índias. A região em 
que a agulha declina para leste (nordestêa, segundo 



390 

os pilotos portuguezes) é a mais vasta e encontra- 
se no Pacifico. Por toda a parte onde tem logar ge- 
ralmente a navegação, a declinação pouco excedo 
30°. E somente perto dos poios magnéticos, que se 
acham ângulos maiores. Em áreas geographicas de 
pequena extensão, perto do polo árctico, por cx., 
estes ângulos vão de o a 180°. 

Halley, no século xvm, depois de uma profunda 
observação dos factos, emmitiu a opinião de que «o 
globo terrestre é um grande magnete com quatro po- 
ios ou pontos de acção ; dois perto de cada um dos 
poios do equador, e que nas partes do mundo ad- 
jacentes a cada um dos poios magnéticos, a agulha 
se dirige segundo esta disposição : os poios os mais 
próximos predominando com relação aos mais afas- 
tados. » Esta idéa dos quatro centros de acção, ou 
poios, acha-se hoje confirmada; e o illuslre Sir E. Sa- 
bine, reconhece que ha dois systemas de magnetis- 
mo sobre o globo, um dos quaes tem uma origem 
terrestre e o outro uma origem cósmica. Sir E. Sa- 
bine altribue ao systema terrestre, produzido pela 
inducção, em consequência da acção cósmica «o phe- 
uomeno das variações seculares e dos cyclos magné- 
ticos que devem a sua origem á acção da variação 
secular» porque o systema ao qual se refere tem um 
movimento de «translação progressiva.» 

Halley attribue as variações seculares, que se ob- 
servam no magnetismo terrestre, ao movimento dos 



400 

poios que elle julgava existiam perto dos dois poios 
da terra. Hansteen nos primeiros annos d'este sé- 
culo adoptava as mesmas idéas, e procurava deter- 
minar a posição geographica e os períodos prováveis 
das revoluções d'esle duplo systema de poios, ou pon- 
tos de attracção em torno dos poios da terra. Este 
computo levou-o a attribuir ao polo magnético da 
America do norte um período de revolução de 1740 
annos, e ao polo mais fraco que se acha actualmente 
na Sibéria uma revolução de 860 annos. 

O estado magnético do globo varia incessante- 
mente, o que se reconhece pelas variações que apre- 
sentam os Ires elementos que se manifestam na ac- 
ção magnética: a declinação, a inclinação e a inten- 
sidade. 

Fundando-se sobre as observações de que podia 
dispor, Halley tratou de traçar sobre a carta as li- 
nhas de egual variação, como antes d'elle o tinham 
tentado Santa Cruz e o padre Bruno. Julgámos que 
apresentaria algum interesse um ensaio da distri- 
buição provável das linhas isogonicas do século xvi, 
approveitando para isso todas as observações de de- 
clinação, que se encontram espalhadas pelos mss. 
dos navegadores portuguezes dos séculos xv e xvi. 

As observações modernas mostram claramente, 
que as variações da declinação da agulha não são 
as mesmas por toda a parte, e não se realisam com 
egual rapidez. 



401 

Assim, na área comprehendida entre a bahia de 
Hudson e o cabo Norte da Europa, e do cabo Hora 
ao oeste da Austrália, a ponta norte da agulha de- 
clina successivamente para o oeste na razão de 8' a 
10' por anno; e do meridiano do cabo Norle a 130° 
long. E. a agulha declina para leste e d'ahi até á 
bahia de Hudson conserva-se quasi que estaciona- 
ria. No hemispherio sul, da extremidade oeste da 
Austrália ao cabo Horn, a declinação da agulha é 
para lesle, na razão maximum de 7' por anno. O 
que se passa hoje passava-se egualmente ha Ires sé- 
culos, com a difíerença porém de que os logares em 
que os phenomenos se realisavam e o seu andamento 
eram muito diversos. 

O que attrae sobretudo a nossa attenção é que, 
no oceano Atlântico e numa grande parte do Paci- 
fico, a declinação era para leste e, no oceano Indico, 
era para oeste. As variações annuaes da declinação 
não tinham logar na mesma proporção em todos os 
pontos geographicos. Para reconhecer isto, basta só 
relancear a vista sobre as linhas que indicam a mar- 
cha da declinação nas três cidades cujos meridia- 
nos são bastante aproximados, Lisboa, Paris e Lon- 
dres, desde o século xvi até ao século xix (fig. i). A 
falta de parallelismo entre estas linhas indica clara- 
mente que a declinação não varia numa proporção 
egual, mesmo em logares muito próximos do mesmo 

hemispherio. 

r. 26 



402 

Em geral pode dizer-se, com relação á declinação 
da agulha no século xvi, que no hemisphcrio scptcn- 
trional e no Atlântico ella variava na razão de 9 f a 
I O' por anno, e que no hemispherio austral esta va- 
riação era de 3' a 5'. O que mais notável se torna, 
nos phenomenos da declinação magnética de ha três 
séculos, é a existência de uma linha sem declinação 
a oeste dos Açores, linha para além da qual Colom- 
bo observou que a declinação era para oeste. Com- 
parando cuidadosamente todas as observações, acha- 
se que a linha com a declinação o , formava uma 
curva quasi clliptica, semelhante á que apresenta 
actualmente a linha sem declinação que se encon- 
tra em volta do polo secundário, localisado hoje na 
Ásia Oriental. As linhas de egual declinação para 
oeste, que se encontravam na mesma área, eram 
curvas collocadas do mesmo modo interiormente á 
linha sem declinação, observada por Colombo e Ca- 
bol nas suas celebres viagens. Se prestarmos atten- 
ção á inalterabilidade da declinação observada em 
Lisboa no século xvi, durante alguns annos, somos 
levados a acreditar, que a declinação — quando o 
polo que hoje se encontra na Ásia se achava perlo 
dos Açores — se conservava quasi estacionaria a les- 
te da linha de o , do mesmo modo que a decli- 
nação se conserva actualmente entre o 130° long. 
E. e a bahia de Iludson. Hansteen, calculando sobre 
os dados de que podia dispor, achou que o ponto 



403 

de attracção ou o polo Siberiano, de que acabamos 
de fallar, apresenta um movimento de leslc para 
oeste, e que seria necessário um período de 860 an- 
nos para que descreva um grande circulo em volta 
do polo terrestre. Se este polo, que se encontra actual- 
mente ao oriente da Ásia, é, segundo a nossa opi- 
nião, o mesmo que no século xvi se achava a oeste 
dos Açores, podemos encontrar n'este facto a con- 
firmação dos cálculos de Hansteen. Com effeito, se 
isto se confirma, o deslocamento do polo teria tido 
uma amplitude de 170° a 180° de leste para oeste, 
em 400 annos. Seguindo esta marcha ser-lhe-ha ne- 
cessário, para voltar á sua posição primitiva a oeste 
dos Açores, um período pouco mais ou menos egual 
ao que foi calculado por Hansteen. Para tornar mais 
claro o resultado do estudo que emprehendi sobre 
a declinação magnética, segundo as observações dos 
pilotos portuguezes do século xvi, pareceu-mc que 
seria útil apresentar o esboço de um mappa, em que 
se possa ver a posição de algumas linhas isogonicas 
nesta época (fig. 2). A comparação d'eslas linhas 
com a posição actual das curvas de egual declina- 
ção (fig. 3), pode ofFerecer algum interesse aos es- 
pecialistas que se oceupam do estudo dos phenome- 
nos do magnetismo terrestre. 



£6 



Roteiro de Lisboa a Goa por D. João de Castro (1538) 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


N. 38» 42' 


-0. 


G. 9° 8' 


— 7° 30' 


E. 


N.29°20' 


— 0. 


18» 


— 5" 30' 


E. 


N.2ti° 


— 0. 


17° 


- 6» 


E. 


N. 12° 30" 


— 0. 


20° 


— 5"30' 


E. 


N. 1° 


-0. 


12» 


- 5» 45' 


E. 


S. 8° 40' 


— 0. 


14° 


-10» 30' 


E. 


S. 7»30 / 


— 0. 


21» 


—11» 


E. 


S. 11° 


— 0. 


23» 


—11» 


E. 


S. 18° 


— 0. 


3G° 


—11° 30' 


E. 


S. 20° 


— 0. 


34° 


—12° 3C 


E. 


S. 30» 


— 0. 


12° 


—19» 30 1 a 


20» E. 


S. 31° 30" 


— 0. 


9» 30' a 10"— 19» 30' 


E. 


S. 35» IO 1 


-0. 


11" 


—15° W 


E. 


S. 35» 


— E. 


13° 


—10» 


E. 


S. 34° 


— E. 


28» 30' 


— l°W 


E. 


S. 33» 


— E. 


28» 


— 0» 


E. 


S. 32° 


— E. 


28° 


-0° 


E. 


S. 32° 


— E. 


32» 


— 1»23' 


0. 


S. 30» 


— E. 


33» s 


i34»— 5» 


0. 


S. 27» 


— E. 


34° 


— 8° 


0. 


S. 15» 


— E. 


G. 41° 


— 6» 48' 


0. 


S. 12» 


— E. 


44° 


— 6' 


0. 


s. &>w 


-E. 


48» 


— 6» W 


0. 



405 



LATITUDE 


longitude 


DECMNAÇÍO 




S. 2° 


— E. G 


.46° 


— 7° 18' 


0. 


N. 1°28' 


— E. 


81° 


— 7°30 / 


0. 


N. 2°80' 


— E. 


82° 


— 8° 18' 


0. 


N. 4° 


— E. 


82° 


— 8° 18' 


0. 


N. 6° 


-E. 


85" 


—10» 


0. 


N. 7-20' 


— E. 


86° 


— 9°30' 


0. 


N. 7° 


— E. 


60° 


—10° 


0. 


N. 8° 


— E. 


61° 


a 62 o — 10° 


0. 


N. 11° 


-E. 


68° 


—10° 


0. 


N.i4°2(y 


— E. 


70» 


—10° 


0. 


N.18'30' 


— E. 


73° 


—18° 


0. 



Roteiro da Costa da índia por D. Joio de Castro (1838) 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N.19°2(y — E. 6. 73" — 12° 3C O. 

N.WSO' — E. 73° —11" 0. 

N. 19° 20* — E. 73° —10° 18' 0. 

N. 19» SC — E. 73° —12° 0. 



Roteiro do mar Roxo por D. Joio de Castro (1541) 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 




N. 13° 18' 


— E. 


G. 


, 81° 30í 


— 8° 


0. 


N. 19° 


— E. 




38° 


— 1°30 / 


0. 


N. 19° 40* 


-E. 




37° 


— 1°15' 


0. 


N.22" 


— E. 




37" 


— o°4<y 


0. 


*N.24°40' 


— E. 




35° 


— 0° 18' 


0. 



406 



Roteiro da carreira da índia por Vicente Rodrignes [1572 (?)] 



LATITUDE 






LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


► 


N. 38° 42' 




— 0. 


G. 9° 8' 


— 7» 


W 


E. 


N. 1° 




— 0. 


29» 


— 7» 


30* 


E. 


S. 8°30' 




— 0. 


27° 


—11» 




E. 


S. 18° 




-0. 


31» 


—14° 




E. 


S. 18» 




— 0. 


38» 


—11» 




E. 


S. 33» 




-0. 


18° 


—19» 




E. 


S. 33» 




— 0. 


12» 


—16» 


W 


E. 


S. 33» 




— 0. 


13» 


— 4» 




E. 


S. 33» 




— E. 


21° 30* 


— 0» 




E. 


S. 34» 




— E. 


26° 


— 3° 




0. 


S. 26» 3<y 




-E. 


33» 


— 6° 




0. 


S. 24» 




— E. 


36» 


—10° 




0. 


S. 33» a 


22' 


•— E. 


39» 


—11» 


• 


0. 


S. 21» a 


24' 


*— E. 


42° 


—13» 




0. 


S. 15» 




— E. 


41° 


—11° 




0. 


S. 6" 




-E. 


51° 


—15° 




0. 


N. 10» a 


12< 


'— E. 


84° 


-17° 




0. 


S. 26» 




— E. 


43° 


—17° 




0. 


20» 




— E. 


63» 


—20» 




0. 


16» 




— E. 


58» 


—18° 




0. 


10° 




_- 


73» 


—16° 


30' 


0. 



Roteiro da carreira da índia por Gaspar Hcimão (1598) 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N.38°42' — E. G. 9 o 8' —7 o E. 

N. 15° a 30 o — E. 15° a 20 o - 5 o a 6* E. 

N. 5" — E. 10° — 4 o E. 

S. 8" — E. 30" — 9 o E. 



407 



I.ATITCDK 




LONG1TUDK 


DECLINAÇÃO 


S. 18» 


— E. 


(1. 31° 


-14» 


E. 


S. 35° 


— E. 


20° 


—18° 


E. 


S. 32° a 


33" -E. 


15° 


—15° 


E. 


S. 35° 


— E. 


15° 


— 3" 


E. 


S. 35» 


— E. 


20° 


— 0° 


E. 


S. 34° 


— E. 


26° 


— 3» 


0. 


S. 27» 30' 


— E. 


33° 


— 6° 


0. 


S. 25' 


— E. 


34° 


— 8° 


0. 


S. 25» a 


30 o — E. 


35°3<y 


— 9° 


0. 


S. 20° 3' 


— E. 


38° 


—10" 


0. 


N.25» 


-E. 


39° 30' 


— H» 


0. 


N. 21° a 


24 o — E. 


42» 


—13» 


0. 


N.21° a 


24°— E. 


41° 


—11" 


0. 


N.12" 


— E. 


43° 


—12° 


0. 


N. 6» 


— E. 


51° a 


52»— 14" 


0. 


N.10° 


— E. 


54° 


—17° 


0. 


Barra de Goa . . 




15» 




Cochim 






15° 




N.10» 


— E. 


G. 73° 


—16" 


0. 


S. 16°3(y 


— E. 


59° a 


60°— 18° 


0. 


S. 20° 


— E. 


63° 


— 20° 


0. 


S. 20° 


— E. 


65° 


—22° 


0. 


26° 


— E. 


45° 


—15° 


0. 


34° 30' 


-E. 


22° 30* 


— l W 




16» 


— E. 


7° 


— 6° 


E. 


N. 18° 


-0. 


29° 


— 5» 


0. 


N.30° 


— 0. 


32° W 


— 0°' 




N.32° 


-0. 


34° 


— 2° 


E. 


S. Miuuel 






t 4° 





^ * ■ * ■ • • H^ ^M ^r » 

l)'alii para o 


cabo da 

• 


Roca vae NE 


1. agulha até 7° 


Long. 0. 



1 Para N-N-E. até ás Flores continua uma linha corn a variação 
do 0». 



408 



Roteiro de Aleixo da Moita 
que navegou por trinta e cinco annos (1588 a 1623) 



LATITUDE LONGITUDE 


DKCUNAÇAO 


N.28°30' 


— 0. G 


.17° 


— 5° 


E. 


N.1B» 


a 20»— 0. 


20° 


— 4° 


a 3° 'E. 


N.19° 


a 20 o — 0. 


20° 


- 6° 


E. 


N. 2» 


a 3°— 0. 


11° 


— 3° 


E. 


N. 2» 


—0. 


26° 


— 6° 


E. 


0' 


— mais 


p.°0. 


— 7° 


E. 


S. 17» 


a 18 o — 0. 


20° 


—13° 


E. 


S. 8° 


—0. 


15» 


-11° 


E. 


S. 20» 


-0. 


29° 


—14» 30* 


E. 


S. 35° 


a 36 o — 0. 


18» a 


19 o — 19 o * 


E. 


S. 3(5» 


—0. 


12" 


—12» 


E. 


S. 33» 


—0. 


12» 


—18» 


E. 


S. 38» 


a 36 o — E. 


18°30 / 


— 1° 


E. 


S. 34° 30* 


— E. 


19° 


-'A 


E. 


S. 35' 


— E. 


20° 


- 0» 




S. 34» 3<y 


— E. 


21» 30' 


- 1-301 


0. 


S. 34» IW 


— E. 


22°30 / 


— 3° 


0. 


S. 34» 


— E. 


26° 


-8°. 


0. 


S. 33» 


— E. 


28» 30* 


— 7» 


0. 


S. 32» 


— E. 


32» 


— 8° 30' 


0. 


S. 28* 


— E. 


35° 


—10° 


0. 


S. 28» 


— E. 


37° 


—12° 


0. 


S. 28» 


— E. 


43° 


— J5» 


0. 


S. 20° 


— E. 


43° 


—14° 45» 


0. 



1 Ató 14° N. (derrota E-N-E.) vae crescendo a variação e chega a 
19° largos. 

* Daqui para Goa vae diminuindo a variaçSo e em Goa é de 16° 
escassos. 



409 



LATITUDE 


LONGiTUDK 

• 


DECLIll 


iaçío 


S. 17° 


-E. G. 


.42° 


— 13°30 / 


0. 


S. 17° 


— E. 


41° 


—13° 


0. 


S. 22° 


— E. 


39° 30 1 


—13° 


0, 


S. 22° 


— E. 


38° 


J2° 


0. 


S. 22° 


— E. 


41° a 42°— 14° 


0. 


S. 20° 


— E. 


35° 


—12° 


0. 


S. 15° 


— E. 


41° 


—11° 


0. 


S. 12° 


— E. 


43° 


—13° 30' 


0. 


S. 11° 


— E. 


41° 


—10° 


0. 


S. 6°30' 


— E. 


SS0 


—11° 


0. 


N. 3°30' 


— E. 


47° 


—17° 


0. 


N. 12° 30' 


— E. 


53° 


—18° 


0. 


N. 15° 30 1 


— E. 


71° 30 1 


—16° 


0. 


S. 20° 


— E. 


36° 


—12° 


0. 


S. 20° 


-E. 


44° 


— 14°40 / 


0. 


S. 12° 


-E. 


41° 


-11° 


0. 


0° 


— E. 


46° 


—14° » 


0. 


N. 13° 


— E. 


57° 30 1 


—19°* 


0. 


Barra de Goa 




15° 30' 


0. 


S. 16° 


-E. G 


.61° 


—21° 


0. 


S. 16° 


— E. 


58° 


—19° 30* 


0. 


S. 20° 


— E. 


63° 


—22° 


0. 


S. 20° 30' 


— E. 


68° 


— 22-30' 


0. 


S. 10° 30* 


— E. 


55° 


— 20° 3C 


0. 


S. 4° 


— E. 


40° 


—11° 20* 


0. 


S. 4° 


-E. 


maior 


—18° 


0. 


S. 9° 


— E. 


54° 


—18° 


0. 


S. 10° 


— E. 


42° 3& 


—10° 


0. 


S. 0° 


— E. 


44° 30' 


—13° 


0. 


S. 5° 


— E. 


41° 


—11° 45' 


0. 



1 Mais a O. 5* a 6 o de declinação E. Para E. daquello meridiano 
vae a declinação diminuindo vagarosamente. 

2 TVali para o cabo das agi. lhas vae diminuindo a declinação. 



410 



LATITUDE 


i 


LONG1TUDK 




DECLINAÇÃO 




S. 6° 


— E. 


G. 40° 




— 11° 




0. 


S. 8° 


— E. 


40° 




-10» 45' 




0. 


S. 0° 


— E. 


45» 


a 46° 


—12» 


a 13' 


0. 


S. 12° 


— E. 


42° 




—12° 




0. 


S. 22» 


-E. 


41° 


a 42° 


—14° 30" 




0. 


S. 22» 


— E. 


42» 


a 43° 


—14° 


a!5' 


0. 


N. 9» 


-E. 


70» 




—18» 


a!9« 


0. 


S. 17° 


— E. 


61° 




—21° 30* 




0. 


S. 17° 


— E. 


59° 




—19° 30* 




0. 


S. 20° 


— E. 


63°^ 




—22° 




0. 


S. 20° 


— E. 


65° 




—22° 30* 




0. 


S. 20° 


— E. 


51° 




—18» 




0. 


S. 27° 


— E. 


32° 




— 5» 




0. 


S. 34°30' 


— E. 


22» 30 


r 


— 3°30' 




0. 


S. 35° 


— E. 


21° 




— 2» 




0. 


36» 


— E. 


20° 




— 0° 




0. 


S. 33° 30* 


— E. 


19° 




—40° 




E. 


S. 34° 3C 


— E. 


18° 




— 1°20' 




E. 


S. 16° 


— 0. 


5» 




— 7° 30" 




E. 


S. 16» 


-0. 


8" 




- 8° 




E. 


S. 16° 


— E. 


H» 




— 3° 




E. 


S. 9° 


-E. 


12° 




— 4° 




E. 


s. 6° 30" 


— 0. 


14° 




— 7° 




E. 


N. 17° 


^ 


27» 


a 28°— 6° 




E. 


N.30° 


— 


24° 


a 25 


» 4* 


a 5' 


•E. 


N.30» 


— 


28° 


a 29 


o |o 


a 2°E. 


N.34° 


— 


35° 




— 0° 




E. 


N.39» 


_— 


31° 




— 3° 30' 




E. 



Diziam os roteiros antigos que pela Int. 30" c navegando 
para NE ao Fayal, a agulha marcava sempre o e no Fayal era 
também o . 

A vista ilo Cabo da Roca S° 



LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N. 38° —0. G. 9 o — 7 o 30' E. 

No Porto de Angola NE a 4° cTahi para Pernambuco vae 
crescendo a mesma declinação até 19° long. e d'ahi para a li- 
nha vae multiplicando (augmentando) até 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N. 9° —O. G. 30° — » E. 

D'ahi começa a diminuir a variação, e à vista de Pernam- 
buco: 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

S. 8° —0. G. 36° — 7 o 40' ' E. 

S. 16° —0. 12° — 3° E. 

N. 13° a 14°-0. 20° —12° 3(V E. 

N. 12° 59' —0. 40° —10° E. 

Da Equinoxial para o sul, indo 5° a 6° afastado da costa 
do Brasil, vae crescendo a declinação até aos 22° 3CK lat. S. e 
d'ahi para Leste vae diminuindo até ao cabo das Agulhas onde 
é nulla a declinação. 



LATITUDE 


LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


o 


—0. G. 25° 


— 6 o E. 


o 


—0. 27° 


— 7° E. 



Das ilhas de Tristão da Cunha para o Cabo da Boa Espe- 
rança diminue a declinação um grau por 29 léguas de mar- 
cha do navio. 



Padre Kircher no seu importante livro sobre o magne- 
tismo, publicado (Míi 1643, tnz numerosas observações sobre 



a variação magnética, referidas a épocas diflerentes e feitas 
por pilotos de varias nações, incluindo os portuguezes. Pode 
fixar-se, aproximadamente, como limite do tempo em que as 
observações foram realisadas, os annos decorridos de 1530 a 
1640. 



Kircher (observações feitas entre 1530 a 1&40) 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DRCLINAÇAO 


N. 38° W 


— 0. 


G. 13» 


— 6° 8* 


E. 


N.37° 


-0. 


9° 


— 8° 38' 


E. 


N.37- 


— 0. 


28° 


— 2-20' 


E. 


N.38'30' 


— 0. 


29° 


— 3» 48* 


E. 


N.39 o 30 / 


— 0. 


27° 


— 0° 




N. 39° 30' 


— 0. 


32° 


— 0° 




lOO-Wa 


40 o — 0. 


31° 


— i° 


0. 


N.39°30' 


-0. 


40° 


— 2° 





N. 39° 30' 


-0. 


3i° 


— 8° 37' 


0. 


N.40" 


— 0. 


43* 


— 3° 30' 


0. 


N.38* 


— U. 


28" 


— l'W 


0. 


N.32" 


— 0. 


ITW 


— 8° 37' 


E. 


N.30° 


— 0. 


18" 


— 4° 37' 


E. 


N.30" 


-0. 


16° 


— 8° 37' 


E. 


N.28° 


— 0. 


17° 


— 8» 20' 


E. 


N.30" 


— 0. 


30° 


a 33 o — 0° 




N.33" 


—0. 


35° 


— 0° 




N.33' 


— 0. 


8° 


— 2° 40* 


E. 


N.14° 


-0. 


18° 


— 4° 


E. 


N.14" 


— 0. 


40" 


— 8' 38' 


E. 


N. 14» 


— 0. 


24° 


— 3° 48' 


E. 


N. 0° 


-0. 


8° 


- 8° 


E. 


N. 11° 


— 0. 


61° 


— 0° 




N. H° 


-0. 


64° 


- 0° 




N. 17° 30* 


-0. 


65» 


— n° 





413 



LATITUDE 


i 


LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 




N.i8°30' 


— 0. 


G. 66° 


— 8° 


0. 


N.13° 


— 0. 


61° 


— 1° 


0. 


N. 16" 


— 0. 


61° 3C 


— 1° 


0. 


N.li° 


-0. 


75° 


— 7°36 / 


0. 


N.27° 


— 0. 


110° 


—15° 


0. 


N.22» 


-0. 


84° 3C 


— 3° 


0. 


N.2o° 


-0. 


81° 


— 3° 


0. 


N.32° 


-0. 


73° 


—10° 


0. 


N.46° 


-0. 


83° 


-6° 


0. 


N. 7° 


-0. 


13° 


— 6° 


0. 


S. 9° 


-0. 


35° 


— 7° 


E. 


S. 9" 


— 0. 


29° a 


30°— 11° 


E. 


S. 4° 


-0. 


33° 


— 3° 45' 


E. 


S. 20° 


-0. 


22° 


—12° 


E. 


S. 18° 


-0. 


24° 23' 


— 70°30 / 




8. 20° 


— 0. 


30° 


—13° 


E. 


S. 37° 


-0. 


12° 


—19° 


E. 


S. 18° 


— 0. 


13° 


—13° 


E. 


S. 18° 


-0. 


6° 


—11° 


E. 


S. 48° 


-0. 


66° 


— 5° 


E. 


S. 83° 


—0. 


68° 


— 5° 30' 


E. 


S. 54° 


-0. 


70° 


— 5° 


E. 


S. 33° 


— E. 


18° 


— 0° 




S. 36° 


-0. 


19° 


- 0° 




S. 35° 


— 0. 


20° 


— 0° 




S. 35° 


-0. 


26° 


— 0° 




S. 25° 


-0. 


36° 


- 7°30' 


0. 


S. 17° 


-0. 


41° 


—15° 


0. 


S. 15° 


— E. 


41° 


—12° 


0. 


S. 7° 


— E. 


39° 


—10° 


0. 


S. 6° 


— E. 


3° 


—13° 


0. 


N. 11° a 12° 


— E. 


51° 


- 8° 


0. 


N. 12° 


— E. 


43° 


— 5° 


0. 


N. 21° 3C 


-E. 


37° 


- 0° 





414 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 




N. 25° 


-E. 


G. 34° 




— 0° 




N. 33» 3(y 


— E. 


35° 


3C 


— 2» 35' 


E. 


N. 15° 30' 


— E. 


73° 


45' 


—17» 


0. 


S. 11» 30' 


-0. 


43» 




—13° 


0. 


S. 23° 20' 


-0. 


43° 




—15» 


0. 


S. 26" 


— 0. 


46° 




— 8° 30* 


0. 


S. 30° 





40° 




—14» 


0. 


S. 16° 


— 0. 


50° 




—20° a 25' 


>o- 


S. 10" 


-0. 


60° 




—15° 


0. 


S. 19" 40' 


— 0. 


63° 




—21° 


0. 


N. 1" 


-0. 


72° 




—17° 


E. 


N.10° 


— 0. 


76" 




—13» 


E. 


S. 10° 


— 0. 


70" 




—17» 

* 


E. 


N. 9" 


— 0. 


80" 




-15° 30' 


E. 


N. 5° 


— 0. 


95" 




0* 


E. 


N. 7" 30' a 


8°— 0. 


95" 




— 8° 


E. 


N. 8° 


-0. 


106° 




— 5° 


E. 


N. 7» 30' 


-0. 


114" 




— 2° 30' 


E. 


N. 7" 


— 0. 


110» 




— 0° 




N. 23" 


— 0. 


113° 


30' 


— 1°30' 


E. 


N.28"30' 


-0. 


113° 


30' 


— 0" 




N. 36» 


-0. 


140° 




— 8° 


E. 


S. 4° 


— 0. 


154° 




— 4" 


E. 


N. 65" 


— 0. 


60' 




—50" 


E. 


N. 76" . 


-E. 


00" 




—22" 30* 


0. 


N.76" 


— E. 


54" 




—26° 


0. 


N. 73" 


— E. 


52° 




—31° 


0. 


N. 70" 


— E. 


60" 




— 7" 


0. 


N. 68" 


— E. 


54" 




— 3° 30' 


0. 


N. 71» 


— E. 


26" 




— i" 


0. 


N.55" 


-0. 


2" 


30' 


-12° 


E. 


N.51" 


-0. 


4° 


30' 


— 9° 


0. 


N.52" 


-0. 


5° 




— 9°30' 


0. 


N 51° 30' 


— — 


0» 




—11° 30" 


0. 



415 



' LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 

* 


N. 50" 3<y 


— E. 


G. 


3° 30* 


—10" 0. 


N. 50" 30' 


— 0. 




5° 


— 8° 0. 


N.52» 


— 0. 




8° 


—10° 0. 


N.47" 


— 0. 




23" 


— 1° 0. 


N.55" 


-0. 




23° 


a 30°— 0° 


N.60» 


-0. 




35° 


a 36°— 10° 0. 


N.46° 


— 0. 




53" 


— 8° 0. 


N. 34° 30' 


— 0. 




60" 


— 2» 0. 


N. 43" 


— 0. 




9° 


— 8° 30* E. 


N.39° 


-0. 




75° 


—12° E. 



Observações de Joáo Falicro, publicadas por kircber 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


i 


N. 16" 50' 


-0. 


G. 17" 50' 


— 2° W 


E. 


N. 45° 46' 


— 0. 


17° 22' 


— 5° 15' 


E. 


S. 17" 33' 


— 0. 


17° 33' 


— 9° 30' 


E. 


S. 20° 11' 


— 0. 


17° 7' 


—11° 27' 


E. 


S. 22° 56' 


— 0. 


16" 10' 


—13° 


E. 


S. 9° 50' 


— 0. 


15° 38' 


— 6° 40' 


E. 


S. 7° 


-0. 


15° 4' 


— 5° 


E. 


S. 25° 34' 


— 0. 


14° 50' 


—14° 


E. 


N. 4°50' 


— 0. 


14° 30' 


— 3° 50' 


E. 


S. 33° 44' 


— 0. 


13° 15' 


—12° 34' 


E. 


S. 40° 


— E. 


12" 52' 


— 7° 


E. 


S. 1"40' 


-0. 


12" 48' 


— 5° 20' 


E. 


S. 25" 11' 


— 0. 


12" 42' 


— 15° 20" 


E. 


S. 3" 14' 


-0. 


12" 31' 


— 7» 34' 


E. 


S. 2" 30' 


-0. 


12" 25' 


— 7° 12' 


E. 


S. 1"30' 


-0. 


12° 19' 


— 6° 


E. 


S. 1° 6' 


-0. 


12° 


— 5° 


E. 


S. 4» 27' 


-0. 


12° 


— 7°25 / 


E. 


N. 9" 36' 


-0. 


12" 


— 3° 10' 


E. 



416 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N. 14» W —0. G. 12° — 2 a 45' E. 

N.29°4S' —0 12° —6" E. 

S. 27°22 / —0. 11° 55' — WW E. 

S. 14° 5C —0. 11° 30' —li" E. 

N. 2° 54' —0. 11° 30' — 4* . E. 

N.19°24' —0. ii°2(y —3° 33' E. 

N. O-íKy —0. II o — 4° 15' E. 

S. 0"40 / —0. 10° 35' — 4° 40' E. 

N. 21» 8' —0. 10" 31' — 4° 47' E. 

S. 33" 44' —0. 10" 15' — 13-20' E. 

S. 23° 30* —0. 10° 1C —13° E. 

N.52° 8' —0. 9° 58' —11° E. 

N. 2° 26' —0. 9 4 55' —4° 10' E. 

N.SS-õS' — 0. &W —10» E. 

S. 29" 2' —0. 9° 8' —13° 15' E. 

N. 6' 14' —0. 8-30' —2° 15' E. 

N. T 19' —0. 8° 30' — 2° 30' E. 

N.29-46' —0. 8°20' — 6° 39' E. 

S. 4° 10' —0. 8° — 5° 30* E. 

N. 7 o 39* —0. 8" — 2" 35' E. 

N.31-42' —0. 7°57' — 0' 16' E. 

N. 3° 19' —0. 7° 35' — 3° 30' E. 

N. 35° 40' —0. 7° 14' — 7° 1C E. 

N. 8° 15' —0. 7° — 2°40 / E. 

N.46°50' —0. 6" 40' —8° E. 

S. 30° 42* —0. 6° 20' —12° 30* E. 

S. 7° —0. 5° 55' —6" E. 

N.49° !•' —0. 5° 38' — 8" 50* E. 

S. 8° 4' —0. 4° 18' — 6° 15' E. 

N. 50" 10' —0. 3" - 9" E. 

S. 31° 20' —0. 1«55' —11" 25' E. 

S. 31° —0. 1°52' —12" E. 

N.55» —0. 1°10' —12° 40' E. 

N.51"2V -0. 4' — ii-aC E. 



417 



LATITUDE 


LONGITODE 


DECLINAÇÃO 




S. 33° 31' 


— E. 


G. 2» 8' 


— 10* 15» 


E. 


S. 15» 


— E. 


2*16' 


— 6* 


E. 


S. 16° 


— E. 


&W 


— 6* 30* 


E. 


S. 16* 24' 


— E. 


4° 32' 


— 5*20' 


E. 


N. 50° «y 


— E. 


4° 80* 


— 6*3C 


E. 


S. 17" 2C 


-E. 


3° 35' 


- 5* 15' 


E. 


S. 18* 20' 


— E. 


7* 5' 


- 5* IV 


E. 


S. 34» 16' 


-E. 


9 o 8' 


— 8* W 


E. 


S. 20° 


— E. 


9" 40* 


— 5* 


E. 


S. 34° 2' 


— E. 


13* 4' 


— 5* 


E. 


S. 34° 2' 


-E. 


«5° 30' 


— 3* 


E. 


S. 34° 9' 


— E. 


17° IV 


— 2*20' 


E. 


S. 34° 3' 


— E. 


18" 6' 


— i»W 


E. 


S. 26° ly 


— E. 


18» 10' 


— 2* 


E. 


S. 28" 26' 


— E. 


21° 2' 


— 0*48' 


E. 


S. 34° 27' 


-E. 


21° 36' 


— 0*25' 


E. 


S. 34° 13' 


— E. 


23* 


— 0* 5' 


E. 


N. 27" 36' 


—0. 


30° 48' 


— 4* 


E. 


N.36* 


—0. 


29° W 


- 4* 


E. 


N. 35° 20' 


—0. 


28*19' 


— 3* 40" 


E. 


N.B3» 


-0. 


28 a IV 


— 2' Sff 


E. 


S. &W 


—0. 


27» 10' 


— 3*10' 


E. 


N.37* 


-0. 


25° SV 


— 3* 20* 


E. 


N.22°25' 


-0. 


28" 3' 


— &2& 


E. 


N. 37*40' 


—0. 


21" 86' 


— 3*45' 


E. 


N.U*^ 


—0. 


21 a 48' 


— 3* 


E. 


N. 19*20' 


-0. 


21*40' 


— 3' IS! 


E. 


N.32*36' 


-0. 


21» 2» 


— &5V 


E. 


N.37* 25' 


—0. 


21» 14' 


— &3ff 


E. 


N.SQ»^ 


—0. 


20*48' 


— 4* 


E. 


N. 18» Uf 


—0. 


20*35' 


— 3* 


E. 


N. 12 a 48' 


—0. 


20*22' 


- 3*15» 


E. 


N. 11° 16» 


—0. 


20» 43' 


— 3* 


E. 


N. 9>28f 


-0. 


18* 3C 


— 3* 15' 


E. 



a. 



27 



418 

LATITUDE LONGITUDE 

N.44° — 0. G. 18°30 / 

S. 34° — E. 23° 57' 

S. 34° W — E. 25° 6' 

S. 32° — E. 25° 43' 

S. 34° 4' — E. 26» 22' 

S. 32° 45' — E. 26° 34' 

S. 33° 42' — E. 27° 27' 

S. 34° — E. 28° 6' 

S. 34° — E. 28° 26' 

S. 35° — E. 28° 30' 

S. 36° 16' — E. 29° 9' 

S. 71° IC — E. 29° 20' 

N.35°20' — E. 30° 44' 

S. 35° 5C — E. 31° 35' 

S. 36° 15' — E. 32° 40' 

S. 37°35' — E. 33° 2' 

S. 35° 6" -E. 33° 39' 

S. 37° — E. 34° 5' 

S. 36° — E. 34° 52' 

N.33°30' — E. 35° 5' 

S. 34° — E. 35° 18' 

«.35° 21' — E. 36° 5' 

S. 35° 15' — E. 39° 17' 

S. 33° 45' -E. 40° 32' 

S. 36° — E. 42° 

S. 33° 15' — E. 43° 30' 

S. 36° 48' — E. 43° 3C 

S. 37° — E. 46° 3' 

S. 27° 42' — E. 46° 8' 

S. 32° 2C — E. 47° 10' 

S. 25° 44' — E. 47° 14' 

S. 17° 44' — E. 47° 27' 

S. 24° 5C — E. 47° 56' 

S. 19° 20» — E. 48-10' 



DECLINAÇAC 


i 


4° 


E. 


1°40' 


0. 


0°16' 


0. 


o°3iy 


0. 


0°46' 


0. 


1°40' 


0. 


1° 15' 


0. 


1°45' 


0. 


1°45' 


0. 


2° 





&%y 


0. 


2° 


0. 


4° 30* 


0. 


4° 15' 


0. 


5° 45' 


0. 


6° 30' 


0. 


6°30' 


0. 


7° 


0. 


8° 20' 


0. 


8° 


0. 


8° 5' 


0. 


9° 


0. 


11" 


0. 


13° 


0. 


13° 


0. 


15° 


0. 


14° 30 1 


0. 


16° 


0. 


15° 


0. 


16° 30 1 


0. 


15° 10' 


0. 


12° 3C 


0. 


15° 20" 


0. 


13° 7' 


0. 



419 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

S. 32" 47' — E. G. 48° 14' —16° O. 

S. 14° 50* — E. 48-30' —11° 0. 

S. 24* 5' — E. 49° 3' — 15° 4C o! 

S. 29° — E. 49° 5' —15° 30' O. 

S. 20° 39' — E. 49° «y —13° 30' O. 

S. 16° 6' — E. 49° 17' —12° {W O. 

S. 21° SC — E. 49° 37' —14° <>• 

S. 34° — E. 50° 1C — 18° 3C O. 

S. 25° 4' — E. 51° —15° 29' O. 

S. 28" — E. 51° 26' —17° 10' O. 

S. 5° — E. 51° 42' —14° 5' O. 

S. 34° 40* — E. 51° 46' —19° 4' <>. 

S. 28° — E. 53° 10' —16° O. 

S. 11° 30' — E. 53° 30' — l'j- O. 

N. 5° 12' — E. 54° 13' —11° O. 

S. 34° 5' — E. 56° 18' —22° 5C O. 

S. 31° — E. 56° 69' —21° O. 

N. 2° — E. 58° 42' —14° 45' O. 

S. 31° -E. 59° 23' — 22° 3C O 

S. 32° 20 1 — E. 60° 6' -23» O. 

S. 31° — E. 60° 44' —22° 50' o! 

N. 3° 48' — E. 60° 55' — 15° 4C O. 

S. 31° 50' — E. 62° 29' —23° 30* o! 

S. 32° — E. 63° 35' —23° 15' O. 

N. 6° — E. 63° 44' — 16° SO' O. 

S. 30° 50" — E. 63° 47' —25° 22' 0. 

N. 14° 2C -E. 66° 12' —17° o! 

N.13°45' — E. 66° 15' —18» O. 

N. 73° SW - — E. 66° 20* —25° O 

N.10°20' — E. 67° 43' —17° o, 

N.12° — E. 68° 6' —18° O. 

N. 13*45' — E. 68° IS 7 —18° 30» O. 

N.30M0' — E. 68° 26' —24° 50* O. 

N. «9° 30' — E. (58° 50' — 24° W 0. 

27» 




420 



LATITUDE 


i 


LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


I 


S.30» 


-E. 


68*52' 


—24* 


0. 


N. 13° 18' 


— E. 


70° 22' 


—19*40 


0. 


N.12*45' 


— E. 


73*22' 


—20*38' 





S. 26" 24' 


— E. 


73* 51' 


— 24*20 


0. 


S. 26» 63' 


— E. 


74*20' 


—22° 


0. 


N. 12*45' 


— E. 


75* 8' 


—20*30' 


0. 


S. 26*20 


-E. 


75* 25' 


—21° 48' 


0. 


S. 25* VSI 


-E. 


75* 38' 


—23* 30 


0. 


N. 78*35' 


— E. 


75* 50 


—33* 


0. 


S. 25° 42' 


— E. 


76* 5' 


—21*50 


0. 


N.13* 6' 


— E. 


76*47' 


—20*10 


0. 


S. 19° 20* 


— E. 


76*50' 


—22* 


0. 


S. 24° 37' 


— E. 


77* 5' 


—21* 


0. 


S. 23° 43' 


— E. 


77*40 


—20*40 


0. 


N. 13° 2# 


— E. 


78*29' 


—19* 


0. 


S. 23° 3# 


-E. 


78*30 


—23* 


0. 


N. 13» 42' 


— E. 


80* 4' 


—18* 


0. 


S. 22" BC 


— E. 


80*34' 


—22* 


0. 


S. 19*27' 


— E. 


80*40 


—17*40 


0. 


N. 14* 10 


— E. 


92*23' 


—16*30 


0. 


S. 16* 18' 


— E. 


82° 58' 


—16» 20' 


0. 


S. 20* SO' 


— E. 


83*40 


—19*30 


0. 


S. 15* 25' 


-E. 


84*25' 


—15*20 


0. 


S. 15* 


-E. 


84*28' 


—14* 35' 


0. 


N. 14° 10 


— E. 


85* 2' 


—16* 


0. 


S. 19° 86' 


— E. 


86*10 


—17*30 


0. 


S. 15» 30 


-E. 


86*80' 


—15* 10 


0. 


N. 13" 


— E. 


88° 


—15* 30 


0. 


N. 19° 56' 


— E. 


88*10 


— levw 


0. 


S. 13° 33' 


-E. 


88*28' 


—13* 


0. 


S. 11° 27' 


— E. 


90*15' 


—11*40 





N. 19» 5' 


— E. 


90*20' 


—15* 





S. 10- 32' 


— E. 


91° 10' 


—11* 


0. 


N. 8" 84' 


-E. 


«2° 25' 


—13° 40 


1 
• 



421 



LATITUDB 


tONOITUDE 


declinação 


• 


S. 18* 8' 


-E. 


G. 92-8a 


—13- 


0. 


S. &>W 


— E. 


93°43' 


— 9-47' 


0. 


S. 17° IC 


— E. 


94° 8' 


—12- 


0. 


S. 8» 


-E. 


94* 13' 


— 9- ia 


0. 


S. 6- 89* 


— E. 


98*40' 


— 8- «y 


0. 


S. 6° 42' 


-E. 


96° 41' 


— 8- 


0. 


N. 5" 12' 


-E. 


98-80' 


-u- 


0. 


S. 18° 2' 


— E. 


96-28' 

• 


—10-30' 


0. 


S. 6" 24' 


— E. 


97- 38' 


— 7-33' 





S. 6" 26' 


-E. 


98-20' 


— 6-40' 


0. 


S. 14» 12' 


-E. 


99-22' 


— 9° 30 1 


0. 


N. 2- 


— E. 


101- 13' 


- 8- 


0. 


&. 12° 87' 


— E. 


103- 49' 


— 7-30' 


0. 


s. o- ia 


— E. 


108-33' 


— 8-48' 


0. 


N. 1-83' 


— E. 


107- 4a 


— 8- 18° 


0. 


s. vw 


— E. 


107- W 


— 8- 


0. 


N. 5° 


— E. 


109- 4' 


— 4- 


0. 


S. 7' 26' 


— E. 


109° 8' 


— 4- 3a 


0. 


N. 1- 9 1 


-E. 


110» 23' 


— 4- 


0. 


S. 3*46' 


— E. 


no- 4a 


— 4- 18' 


0. 


S. 0*26' 


— E. 


Hl» 2' 


— 4- 


0. 


S. 12» 87' 


— E. 


112° 49' 


— 7- 3a 


0. 


N. 4- 3a 


— E. 


123-30' 


— 3- 3a 


0. 


S. 8° 40' 


— E. 


172- 3a 


— i-3a 


0. 


N. 77" 12' 


-0. 


33- W 


-27- 


0. 


N.37- 


—0. 


32-10' 


— 0- 


0. 



422 



Observações diversas, feitas aproximadamente um século 

depois das viagens de D. João de Castro 

e citadas por Kircher 

LATITUDE LONGITUDE DECLINAÇÃO 

N.38°38' — 0. G. 9 o 8' — 7 o 30' E. 

N.2&W —O. 7 o 45' —6 o 42' E. 

N. 40° 15' —0. 8 o 15> . — 6 o 3' E. 

N.40°35' —0. 3 o 45' —5 o E. 

N. 48*80' — E. 2 o 20' — 3 o E. 

N. 47° 20' — E. 40° — 4 o 5C E. 

N. 47° 8' — E. 5 o 30' — 5 o 14' E. 

N. 47° 20' — E. 6" 5' — 5 o E. 

N. 45° 46' — E. 4 o 50' — 4 o 30' E. 

N. 45° 10' — E. 4 o 45' — 3 o 10' E. 

N. 43° 58' — E. 4 o 50' — 4 o 30 f E. 

N. 44° W -E. 4 o W — 3 o 30' E. 

N. 43° 35' — E. 4 o 3o' — 3 d 35' E. 

N. 43° 20 7 — E. 5 o 10' — 2 o 40' E. 

N. 44° l(y . — E. 6 o 20' — 2 o 40' E. 

N. 43° 3(y — E. 5" 22' — 2 o 30' E. 

N. 43° 40 7 — E. 7 o 20' — 2 o 20' 0. 

N.45°20' — E. 8 o 5' - 5 o 0. 

N. 44° 24' — E. 8 o 52' — 5 o 30' O. 

N.45°30' — E. 9 o 10' — 2 o 30' O. 

N. 45° IO 7 — E. 10° 45' - o 3(y O. 

N. 44*30' — E. 11° 20' —3 o O. 

N.45 — E. 11° 30' —5 o 50' O. 

N. 44° 4<y — E. 16° 20' — 5 o O. 

N. 45° 2b 7 — E. 12° 20' — 5 o O. 

N. 41*43' — E. 12° 30' — 3 o O. 

N. 43° 4(y — E. 11° 20' — 6 o 30' O. 

N. 43*25' — E. 13° 35' - 4 o O. 



423 

LATITUDE LONGITUDE 

N.40°45' — E. G. 14» 15' 

N.40° G' — E. 15° 20' 

N.39°25' — E. 16° 5' 

N. 38" W — E. 15° 58' 

N.38M5' — E. 15° 30' 

N.35°55' — E. 14° 30' 

N.38" 8' — E. 13° 18' 

N. 37° 47' — E. 1?)° 

N.37° 5, — E. 15° 15' 

N.51°30' —0. 0° 

N.51°13' — E. 4° 25' 

N. 50° 4C — K. 4° 42' 

N.51» 5' — E. 3° 45' 

N.52°20 / — E. 4°50 / 

N. 52° 13' — E. 4° 30 7 

N. 51° 45' — E. 4° 40' 

N.49°45' — E. 6° 40' 

K. 50° 55' — E. 7" 

N. 51° 40' — E. 8" 50' 

N. 50° — E. 9° 10' 

N. 50° — E. 8° 15' 

N. 50° 33' — E. 9° 40' 

N. 49° 45' — E. 9° 55' 

N.49°28' — E. 11° 5' 

N. 49° 25' — E. &W 

N.48°45' — E. 11° 25' 

N.48° 5' — E. 12' 

N.50° 5' — E. 14" 25' 

N. 49° 35' — E. 17" 20' 

N.48°12' — E. 16° 22' 

N.47° 5' — E. 15° 25' 

N. 65° — E. 25° 

N. 44° — E. 29° 

rOG ^ — E. 37" 



DECLINAÇÃO 


1 


o°3<y 


0. 


2° 13' 


0. 


2° 30* 


0. 


2° 40' 


0. 


0° 


0. 


0° 


0. 


5° 


0. 


3° 


0. 


6° 


0. 


11° 


0. 


VW 


0. 


9° 


0. 


1°40' 


0. 


9°3(y 


0. 


9° W 


0. 


2° 


0. 


6° 24' 


0. 


3° 


0. 


5° 


0. 


6° 20' 


0. 


6° 7' 


0. 


4° 30' 


0. 


5° 15' 


0. 


8° 


0. 


6° 10' 


0. 


4° 30' 


0. 


4° 26' 


0. 


5° 30* 


0. 


2° 30' 


0. 


0° 


0. 


2" 


0. 


3° 


0. 


0° 


0. 


3° 


0. 



424 



LATITUDE 


LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


N.3i°li' 


— E. G. 30° 


— 8° 48' 0. 


N.is-ay 


— E. 73° 42' 


—17° 0. 


N. 18» W 


— E. 84° 18' 


—12° 0. 


N.23° 


— E. 118° 13' 


— 0° 0. 


N. 22° 12' 


— E. 113° 38' 


- 1° 30» 0. 



Obserraçfos mandadas de Goa pelo P. Martini em 16 iO, 
publicadas por Kireher no fim da sua obra 



S. 9° 


—0. G. 27- 


—11° 


E. 


S. 20° 


-0. 


28° a 


30°— 13° 


E. 


S. 18° 


—0. 


31° 


-14° 


E. 


? 


—0. 


12° 18' 


—16° W 


E. 


S. 38° 


— E. 


14° 


— 4° 


E. 


S. 38° 


— E. 


21° 


- 0° 


E. 


S. 38° 


— E. 


26° 


— 3° 


E. 


S. 33° 


-E. 


33° 


— 6° 


E. 


S. 30° 


— E. 


36° 


—10° 


E. 


S. 24° 


—0. 


39° 


—11° 20' 


E. 


S. 21° a 


22°— 0. 


43° 


—18° 30' 


E. 


N. 6° 


—0. 


84° 


—17° 


E. 


N.18«30' 


— E. 


73° 42' 


—18° 


E 


N.20° 


—0. 


160° 


—16° 


E. 


N.13° 


—0. 


118° 


—11° 18' 


E. 


N.10» 


—0. 


86° 


— 7° 


0. 


N.30° 


—0. 


88° 


—10° 


0. 


N.38" 


—0. 


88° 


—10° 3' 


0. 


S. 84° 


-0. 


126° 


— 8° 


E. 


S.80° 


—0. 


88° 


— 8° 


E. 


N. 10° 


-0. 


88° 


— VW 


0. 


N. 10° 


-0. 


78° 


- 0° 




N.68° 


—0. 


78° 


—30° 


0. 


W. 9° 


-0. 


70° 


— l'W 


K. 



425 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLINAÇÃO 


> 


N.60° 


— 0. 


G. 71" 


—10» 


0. 


N.78° 


— 0. 


69» 


—33° 


0. 


N.65» 


-0. 


67» 


— 6» 


0. 


N.68» 


— 0. 


67» 


—22° 


0. 


N. 9° 


— 0. 


69» 


—30° 


E. 


N. 33° 


— 0. 


68° 


— 2° 53' 


0. 


N.34° 


— 0. 


65° 


— 5°30 / 


0. 


N.39° 


— 0. 


68» 


— 6° 30' 


0. 


N.46» 


— 0. 


65» 


—16» 


0. 


N. 9° 


—(3. 


61» 


— 4° 36' 


E. 


N. 10° 


— 0. 


60» 


— 5» 


E. 


N. 11» 


— 0. 


57» 


— 7» 30" 


E. 


N.39» 


— 0. 


58° 


— 3»30' 


0. 


N.4i° 


— 0. 


G. 49° 


— 2» 


0. 


N.4i» 


-0. 


49° 


— 1° 


0. 


S. 1° 


— 0. 


44° 


—12° 9' 


E. 


N. 9» 


— 0. 


44° 


— 7» 


E. 


S. 28° 


— 0. 


43» 


—13° 


E. 


N.42» 


— 0. 


38° 


- 0» 


E. 


S. 10» 


— 0. 


36° 


— 8° IO' 


E. 


S. 9° 


-0. 


36° 


—10» 


E. 


S. 7° 


— 0. 


38» 


— 9» 


E. 


S. 4» 


— 0. 


33" 


— 3°2C 


E. 


0° 


—0. 


34» 


— 6°40' 


E. 


S. 28» 


— 0. 


32° 


—15» 52' 


E. 


S. 23° 


— 0. 


31° 


—12» 18' 


E. 


S. 18° 


— 0. 


28° 


—11° 18' 


E. 


N. 18° 


— 0. 


24» 


— 1°3C 


E. 


N. 4» 


-0. 


24° 


— VW 


E. 


S. 29° 


— 0. 


21° 


—18» 


E. 


N. 10° 


— 0. 


21° 


— 4° 


E. 


S. 31° 


— 0. 


20° 


— 4» 


E. 


N. 8° 


— 0. 


17° 


— 6° 10' 


E. 


S. 29° 


— 0. 


13° 


—18» 15' 


E. 



28 



426 



LATITUDE 




LONGITUDE 


DECLDfAÇiC 


i 


S. 34" 


— 0. 


G. 13" 


—18» 


E. 


S. 8" 


— 0. 


10" 


- 6° 


E. 


S. H" 


— 0. 


10° 


— TW 


E. 


S. 31" 


— 0. 


7° 


—18° 40» 


E. 


S. 18» 


—0. 


4° 


— 7°30' 


E. 


S. 13° 


— 0. 


4" 


— 8°«y 


E. 


S. 20° 





0" 


— 5° 38' 


E. 


S. 32" 





0» 


— 18° 2C 


E. 


S. 37" 


— 


0° 


—17° 80' 


E. 


S. 37° 


— 


0° 


—18° 3' 


E. 


S. 33» 


— E. 


8° 


—17° 


E. 


S. 33" 


— E. 


10" 


— 8" 80' 


E. 


S. 21" 


— E. 


11" 


- 2" 80' 


E. 


S. 23" 


— E. 


11° 


— 2° 80* 


E. 


S. 24" 


— E. 


13° 


— 4° 8' 


E. 


S. 32" 


— E. 


21° 


— o-w 


E. 


S. 33" 


— E. 


21" 


— 1°30' 


E. 


S. 38o 


— E. 


21° 


— 2° 


E. 


S. 37° 


— E. 


28" 


— 0"i8' 


0. 


S. 38° 


— E. 


27" 


— 3° 8' 


0. 


S. 36" 


— E. 


29° 


— 0° 




S. 23" 40' 


-E. 


40° 


— 7" 40* 


0. 


S. 29" 


— E. 


47" 


—14° 18' 


0. 


S. 28" 


— E. 


80" 


—18' 28' 


0. 


N.78" 


— E. 


80° 


—26° 


0. 


N. 79° 


— F. 


83° 


—17° 


0. 


N. 13" 


— F. 


83° 


— 8° 18' 


0. 


S. 27" 


— E. 


88° 


— 17° «y 


0. 


N.13» 


— E. 


60° 


— 0°18' 


0. 


S. 4° 


— E. 


60° 


-13° 


0. 


N. 4» 


— E. 


83° 


—17° 


0. 


N. 5' 


— E. 


87" 


— 18' 30* 


0. 


N. 4* 


— E. 


99° 


— 6*30' 


0. 



427 



Taboa das variações publicadas por Ed. Halley 

Local . Long. Lat. Anão Variação 

Londres O" O' —51° 32' —1622— 6* O' E. 

Paris 2° 25' E.— 48° Bi' N.— 1640- 3. C E. 

Hamburgo 13° —55" 54' N.— 1672— 2" 35' O- 

Copenhague.. . . 12° 53' E.— 55° 41' N— 1649— 1«30 / E. 

Danttic 19° E.— 54» 23' N.— 1679— 7" O' O. 

Montpelier 4' E.— 43» 37' N.— 1674— 1°10*,0. 

Brest 4" 25' 0—48° 23' N.— 1680— 1° 45' 0. 

Roma 13" E.— 41"50'N.— 1681— 5° Q. 

Bayona 1" 21' 0.-43° 30" N.— 1680— 1° 20' O. 

Bahia de Hud- 

son 37°40 / 0.-51° 9' N.— 1668— 19° 15' 0. 

Estreito de Hud- 

son 57" O.— 61" N.— 1668— 29° W 0. 

Bahia de Baffin. 80° 0.-78° N.— 1616— 57° 0. 

No mar 50° O.— 38°40'N.— 1682— 7'3<y 0. 

No mar 31° 3C 0. -43° 50' N.— 1682— 5° Sff 0. 

No mar 42° 0.-21° N.— 1678— 0° 40* E. 

Cabo de Santo 

Agostinho .... 35° 3C O.— 8° S.— 1670— 5° W E. 

Cabo Frio 41° H' 0.-22° W S.— 1670— 12° 10' E. 

No mar: fora do 

Rio da Prata . 53° 0.-39° 30 1 S.— 1670— 20° 30* E. 

A leste: entrada 
do estreito de 

Magalhães.... 75° O.— 53" S.— 1670— 14° W E. 

Valdivia 73° 0.-40° S. - 1670— 8° 1C E. 

Cabo das Agu- 
lhas 16° 30' E.— 34° 5C S.— 1622— 2° O. 

No mar I" E.— 34° 30' S.— 1675— 0° 

No mar 20' 0.-34° S.— 1675— 10° 30' E. 



428 

Local Long. Lat. Anno Varia^io 

No mar 32« 0.-24° S.— 1678— 10° 30' E. 

Santa Helena. . . 6" 30 1 0.— 16° S.— 1677— 0° 40" E. 

Asccnção 14-30' O.— 7° 50' S.— 1678— 1° E. 

Johanna 44° E.— 12° 15' S.— 1675— 19" 3C O. 

Mombaça 40° E.— 4° S.— 1675— 16° O. 

Socotora 56° E.— 12° 30' N.— 1674— 17° O. 

Aden 47°13'E.— 13° N.— 1674— 15° O. 

Diogo Rodrigues. 61° 0> E.— 20" S.— 1676— 20° 30' O. 

No mar 64" 30' E.— 0° —1676— 15" 30' O. 

No mar 55» E— 27° S.- 1676— 24° O. 

Bombaim 72°31'E.— 19° N— 1676— 12° O. 

Cabo Comorim . . 76° E.— 8» 15' N.— 1680— t" 48' O. 

Balasorc 87° E.— 21° 30' N.— 1680— 8° 20* O. 

Forte de S. Jor- 
ge 80° E— 13° 15' N.— 1680— 8° 10' O. 

Ponta oeste de 
Java 104° E.— 6° 40' S.— 1676— 3° 10' O. 

No mar 58° E.— 39° S— 1677— 27° 30* O. 

Ilha de S.Paulo. 72° E.— 38° S.— 1677— 23° 30* O. 

Van Diemens. . . 142° E.— 42° 25' S.— 1642- 0° 

Nova Zelândia.. 170° E.— 40° 50' S.— 1642— 9° E. 

Nova Zelândia. . 169° 30' E.— 34° 35' S.— 1642— 8° 40' E. 

Ilha. de Rotter- 
dam no mar 
«lo sul. ..... . 184° E.— 21° 15' S.- 1642— 6° 20' E. 

Nova Guiné. . . . 149° E.— 4° 30' S— 1642— 8° 45' E. 

Ponta oeste da 

Nova Guiné .... 126° E.— 0° 26' S.— 1643— 5° 30' E. 



jjsi. xm 



O), vibcJw*M)dà Â&xunUcaó) 




Declinação O. 



ZilHeprapkia.—JtdeM.déVeTt.to, 60. 



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