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Presenteei to the
library of the
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Dr. António Gomes
Da Rocha Madahil
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SANTUÁRIO
MARIANO,
E Hiftoria das Imagés milagrofas
DE NOSSA SENHORA,
E das milagrofamente apparecidas , que fe vene^
raõ em os Bifpados da Guarda, Lamego, Ley-
ria,& Portalegre, íuflfraganeos do Arcebif-
pado de Lisboa, Priorado do Crato, &
Prelaíia de Thomar.
Em graça dos Pregadores , & dos devotos da me/ma
Senhora.
TOMO TERCEYRO,
QVE CONSAGRA, OFFERECE, E DEDICA
AO EXCBLLENTISSIMO SíNHOR MAR QJJ E Z De FoNTES
D. RODRIGO PEDRO ANNES DE SA,
Almeyda, & Menezes,
Conde de Penaguião , Camareiro mór de Sua Mageftade , Capitão mòr , & Alcayde
mòr da Cidade do Porto , & da Villa de Abrantes , Senhor de Penaguião, Fontes»
& Godin , & da Honra de Sobrado , Senhor do Sardoal , Commendador das
Commendas de Santiago de CaíTem , & de Saõ Pedro de Faro,
Fr. AGOSTINHO DE SANTA MARIA,
Ex-Diffinidor geral da Congregação dos Defcalços de Santo
Auguftinho de Portugal , ôc natural da Villa de Eftre-
moz, ôcChronifta da mefma Religião ,
LISBOA,
NaOfficina de ANTÓNIO PEDROZO GALRAM.
Com todas as licenças wcejfarias.
_ AnnodeÍ7ii,
.
EXCELLENTISSIMO SENHOR:
STE terceyro tomo dos Santuários milagrofos
de nojfa Senhora , quefabe agora a go^ar de bu-
malu^ taõextenja , como he a da pojleridade
cm o prelo , fabirta totalmente defemparado%
i; exporto aos terríveis afpectos da cenfwrajS da emulação, fe
naologràraemfuaf rente a prefcripçaõ do foberano nome de
Vofa Excellencia. Deu alentos aos temores da minha penna,
para que fe remontafe a tao alto patrocínio aquella fumma
benignidade ? q todos reconhecem em Vojfa Excellencia, & <*
geral inclinação com que f abe honrar aos eHudiofos , como
quem J abe occupar tam bem o tempo nos e findos , & ajim dijfi*
mular a com piedade asfaltas , que Por mim naõ} per tendidas,
merecerão mais defculpa > que cenfura. Do acerto da minha
eleição nefla Dedicatória nao duVido , ( não quero que triunfe
contra a de f confiança) antes e/per o lograr com felicidade afua
benevolência, porque reconheço fer muyto larga a de Fofa
Excellencia para todos. Sufpendo a penna nesla mater ia,por-
que nao fe ofenda a modejlia de Voffa Excellencia ; porque o
que o mundo conhece , & admira ,feja Veneração no meufilen-
cio.
A oferta ainda que limitada , & defigual à grandeza
a quefe dirige , efpero quefeja agraiaVd , pois he hum rama^
lhete das mais bellas flores, que fe podem ojferecer ,quaes fao
as que o Jardim , &{Paratfo Virginal da Rainha dos Anjos
encerra ,&de que ette mundo logra- Todaéfaõ Varias yatn ia
quefejajobuma aefpecie delias; & ajfvn codaó fao a mefma
flor nos afeitos , &na admiração, porque todas fao flor es de
maravilhas. £ z A
Z*y Cjê5 Wcl \óv CÍ3 Ciíè) C<2e> Cjè> <Jt> ^ítl OÍè) C^ W £ CiíS tóê) <ZÍí> C^<^G^2C^ C^O^ C^ C^ «JS Wí ^c5^ {^^^3
?»\ /7><V\ /T? v>^N /T^VT^NN ."T-^/TSN /^T^/^nN . S7 ÍV^S\ ^^-N^vN •T-S/^-xN XT^/^ÍN /7^r*\\ /
Emobfeqiúo do M. R.P. Fr. Auguftinho de Santa
Marta nafua illuftrijjima obra intitulada,
Santuário Mariano.
SONETO.
a Uai fútil Águia em vifta, & movimento,
m Que do Sol bebe excelíos refplandores,
Defcobre o Euangeliíla entre candores,
Hum prodígio , & íignal no firmamento.
Efte raro prodígio , efte portento,
Foy, conforme os fagrados Efcritores,
Imagem de Maria , & dos melhores
Signaesquedelladaõ conhecimento.
EvósnoCeoda Igreja Militante,
Qual Águia, de Maria Imagens viítes,
E Euangelifta delia fois amante.
Mas excedendo a outra Águia mais fubiftes;
Porque a outra huma lo vio no Ceo brilhante,
E vós tantas Imagens defcubriíles.
De fett amigo o Licenciado Francifco de
Santa Maria Soufa & Almada.
Do
Do Doutor Ga/par Leitão de Afonfeca na-
turaldaVilla deThomar
SONETO.
DA Cidade de Deos hum Auguílinho
A grandeza eícreveo , & a mageftaáe:
E vós novo Auguftinho defta idade,
Em o nome o imitais, & no caminho;
Do Feniz Africano , hoje no ninho
Voais com voíTa penna à eternidade,
Regiftrando com douta variedade,
Da Avefcelefte as caías nefte alinho.
Só de vós pode íer efpeculado
Efte empenho , pois fó por juíla loa,
De hua Ave o ninho , outra Ave ha calculado-
Defcalço profegui , por mor coroa,
Que quem caminha, he bem que vá calçado,
E lo defcalço vay melhor quem voa.
* 4 Do
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D0 iW. i?. r . /r. /Wâz ^ Efpirito Santo Religiofo
Auguftinho DeJcãlçOipelos mejinos confoantes,
SONETO.
DEfcalço , fim, voou efte Auguftinho,
Deícalçoj mas com tanta mageftade,
Que aílombro moft ra fer da noffa idade,
Abrir deicalçotaõ feliz caminho.
Qual Feniz , que no incêndio faz o ninho,
Para louvarfe a Deos na eternidade,
Regiftrou incendido a variedade
De Imagens de Maria , com alinho.
Por aver tao devoto efpeculado,
Caminho tal, a vofTa penna, & loa,
Sabia fem termo , em termo calculado.
Segurandolhe em fim melhor coroa,
Vendo que nefta çarça fem calçado,
Qual Moy fes anda, fe qual Feniz voa.
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ffffffffVffffffifffVffffffWfVff
In laudem Sanfluarij Mariani
E P I G R A M M A.
HOcce íuu prseco Domini de pedore doétus ,
Egregium facro ftemmate clauíitopus,
Singula qui Chrifti praeftringere gefta prasoptet,
Noníatisadlibros ambitus orbiserit.
Si Chrifti faftis fit terra angufta Marine,
Num tot ad effigies amplior orbis erit?
Non eritiergo ftupe, dtí tot íimulacra, quot orbis
Noncapit,hoc cernis cun&acapi.
Faciebat Fr. Tr anafem Brandão Ordinit
Eremitarum Sanai Patris Auguftinu
Me.
%£emoria cios I foros que o ^énthòr
tem imprejjh.
Lèm defte terceyro tomo, impri-
mio oprimeyro, que contem as
Imagens miíagroías da Cidade de Lis-
boajo íegundo,q comprehende as Ima-
gos de M. Senhora do feu Arcebifpado.
Imprimio a maravilhoía hiftoriada
fundação do Convento de Santa Mo.
nica de Goa, com aseftupendas mara-
vilhas que o Senhor Jefus Chriíto o-
brouafavor delia.
A vida da V.M. Sor Brifida de Santo
António , Abbadeça do Convento de
Santa Brifida doMocambo cm Lisboa.
A vida da prodigioía Virgem Santa
Liduvina,& íeus eftupendos trabalhos.
As Roías do Japão, em as vidas de
muytas Senhoras illuftres daquella no-
bre nação.
Exame particular, &: geral daCon-
ciencia , para examinar as faltas , & im-
perfeyções. LI-
LICENÇAS DA ORDEM.
Cenfura do M. R* P. Fr. Nicolao de Tokntbw.
Lleftaterceyra parte do Santuário Mariano ^cowpofío
pelo M. R. P-Frey Auguftinho de Santa Maria 3 Diffi-
nidor geral abfoluto deftanoffa Real Congregação dos Au-
guílinhos Deltaicos dcile Reyno de Portugal , & íeu pri-
meyro filho , & noviço, & veyo a concedente a obediência o
que anhela va a anciã, & difpenfarme o precey to, o que defe-
javaogofto.
Muytos tempos avia, quepormeyo do prelo tinha ja
paííado , & lido a primey ra , & fegunda parte, que o Author
divulgou ao mundo com tanta utilidade, &aceytaçaõ pu-
blica , como reconhecem os Pregadores , & venerac os de-
votosde Maria Santiffima; & corro defejnva fecoritinuaííe
eflaobrajomefmofoy abrirlhe aprirneyra folha para o ler,
do que terminar na ultima para o acabar y ccmoconfeíTao
Cordovez,quelhe fuccedéra com feu amigo Lúcio: Tanta EP'^0^
autem dulcedine me tenuit , ut illum fine ulla dilatione ff ale* ^6*
gerem.
Por grande , & árdua reconheci fempre efh obra: Opit*
magnum , & arduum: por grande, naò pela multiplicidade
dos volumes em que fe dilata , mas pela matéria a que fe ter-
mina j pois he dos eflupendos prodígios que a Senhora em
beneficio dos feus filhos tem obrado por mcyo das fuás Ima-
gens neíte feu Reyno de Portugal ; & por árdua , por querer
fazer nella publico ao mundo todo, o que a veloz carreira
dos tempos, &defcuydo dos paffados deyxáraõfepnltarnos
efquecimentos , & avivar nas memorias dos que vierem, os
prodígios que de novo fe admiraõ de prefenteem muytas
Imagens das Senhoras, para que naõ feneçaõ fuás memorias
com os tempos.
Porém o trabalho do Author , &ofeu grande defvelo,
aíEmfoube defenterrar deífas rumas do tempo efias enve-
lhecidas
lhecidis memorias, resolvendo os cartórios maisantígos^
& entranha rfc nos fuccefibs pre tentes , que com as rr.sis ve-
rificas noticias dos íucceíTos paííados , junta as novidades
mais authenticás dos tempos modernos , aíTemelhando fe
nifto àquelle Pay de famílias, ou àquelle Eícritor que a mef-
ma verdade de Ch riflo parabolicamente retratou no Euan-
S.Âidt. gelho ; dandolhc o applaufo de douto : Ideo omnis jcriba do-
c4p.i$. oíiu ih regno c^lotu-n , fimihs iíí bominí patrifamtlias,qui
9. 52. piofert de tbefàkrofuo hoVa } & metera.
Por cftas , & muy tas mais razoens , que me naõ faõ li-
citas expender , deyxára o ofício de ceníbr, & paííára ao
de panegyriiía de taò útil , &. admirável obra corno adefle
Author ; mas como fei que fe offende a fua modeiiia com os
applaufos,como fe vé da fua me ima obrarem que taõ repeti-
das vezes protefta humildades y como filho verdadeyro de
hum taõ grande Pay;como Auguflinho Santo,nac quero me-
termenooffi:ioalheyo,& fatisfazendo aoque femeordeni,
* ' ** concluo com o q diffe Plínio no í eu panegyrcoiZitf boc opus
Ktfirk. pdchrum , Validàjh , acre, fublime , Varium, elegans ,purum,
figur.it um , ff)itiofumetiaw,&cum magna fui Author is lan-
de difufum.iiàb fe lhe deve negar a eflampa que procuras-
tes merece fe eternize em laminas de bronze. Eíte he o meu
parecer , V. R. mandará o que for fervido* Lisboa 4. de Ou-
tubro de 1707.
Fr.ISlicolaode Tolentino Ex-Leãorde Trima.
Cenfara do M. R. P.FrJofeph dos Martyres.
A cenfura que fiz ao primeyro , & fegundo tomo defla
„ obra do Santuário Mariano,que compozo M R P. Fr.
Auguflinho de Santa Maria Ex-diffiiidor geral de noífa
Congregação , moflrey quanto era útil para os íeis íe afer-
vorizarem no fe-viço de Maria Santiífima , tendo mayor no-
ticia de fua prodigiofaprotecçuôjrazaõporq fuy de parecer
f©
neiirtc.
N
fe deviao imprimir-, com effey to fe dcraô à eftampa , & Çaè de
todos bem aceytos ; o me imo julgo defle terceyro tomo que
li , pois naô acho nellc fenaõ mais q admirar o empenho com
que a Mãy de Deos fe empenha em beneficiar feus devotos,
refplandecendo do mefmo Senhor a gloria com que a honra,
& aviva nofla fé, contra a qual , & bons coftumes naõ achey
coufa que obfte concederlhe V.Reverendiffima a licença que
pede. Lisboa Convento da Boa Hora, & de Setembro 6. de
1707.
HfimiUifimo ferVõj áfubdito de V. ReVerendiJima
Fr.Jofepb dos Martyres.
VIftas asinformaçoens, damos licença para que fe poíTa
imprimir o terceyro tomo dos Santuários de noíla Se-
nhora. Boa Hora 1 6. de Dezembro de 1707,
Fr. Bento do Efpirito Santo Geral Vigário.
APPROVAÇOENS DO S. OFFICIO.
Mujlriffimo Senhor.
VI o terceyro tomo dos Santuários de NT. Senhora ef-
crito pelo P.M.Fr. Augufiinho de Santa Maria, Reli-
giofo da Congregação dos Auguflinhos Defcalços,& naõ a-
chey nelle coufa alguma contra a noífa fé,ou bons coftumes.
Lisboa de Santa Anna em 1 6. de Janeyro de 1708.
Fr. Manoel de S.Jofepb t? Santa Rofa.
LI , & revi com attençaô o terceyro tomo dos Santuários
denoíTa Senhora de que efta petição trata, compoflo
pelo
peloR P. M. Fr. Augufti nho.de Santa Maria, Reíigiofo da
Congregação dos Auguílinhos Defcaíços , & me parece que
o eftudo , & trabalho do Author a crefeentará , & afervora-
rá muyto a devoção dos fieis na veneração de tantas Images
milagrofas. ]a nas hiftorias do Reyno, & Chronicas das Re-
ligiões havia noticiasde algumas Sagradas Imagens de Ma-
ria SantiíTimasnnsoAuthor as engrandece,* copia com tan-
to cfpirito,q parece acrefeema mais louvor à Mãy de Deos,
em cuja matéria melhor he exceder^que faltar, como he cele-
brado axioma na Eícola do Doutor Mariano in 3. ditt. i^#
qutfst. 4. §.quantwn ai fecundam: In comendando Virginem
maio exceder e, cjuàm díficere alaúde fibi debitai aífím,por-
que naõ achey neíte terceyro tomo coufa alguma que encon-
tre a verdade de noíTa fanta fé , nem à pureza dos bons cof-
tumes, me parece o livro digno de luz publica. Lisboa San-
ta Claracm 6. de Fevereyro de 1708.
Fr* Miguel da RefurrekaÕ*
licenças;
VIftas astnformaçoens, pode-fe imprimir o terceyro to*
mo dos Santuários de noffa Senhora , de que faz men-
ção a petição , & impreflb tornará para fe conferir , & dar
licença que corra , & Cem ella naõ correrá. Lisboa 7. de Fe-
vereyro dci7o8.
Ctrnejvo. Mmi\> Haffe* Monteyro* Ktbeyro. Rocha,
Fr. Encarnação.
POde-fe imprimir , & depoisde impreíTo tornará para fc
conferir , & fem iflb naõ poderá correr. Lisboa 20. de
Março de 1708.
AP-
APPROVAÇAM DO PAÇO.
Senhor*
OTcrceyro tomo do Santuário Mariano, que V. Mag? f«
tadehe fervido remetter ao meu exame, fie taõ igual
aos dous primeyros, que em todos três eílá rcípirando o ef-
pirito , & a devoção de feu Author o M. R. P. Fr« Aoguíli-
nhode Sãta Maria, Ex-Diffinidor da Congregação dos Def-
calços de Santo Auguítinho^a cujo talento grande^& traba-
lho imponderável deve Portugal entender,& conhecerem os
homes que nos âmbitos do feu deftritocomprehende taõ al-
tas^ fortiflimas torres para a fua defenfa,quãtos íaõ os pre-^
ciofos , & multiplicados Santuarios,em q fe empenha a MSy
de Deos para o feu patrocinio; pois naõ pode aver contrario
cfquadraõ , de que fe veja efte Reyno acometido , fendo
nelle Maria Santiífíma em todas as fuás partes obfequiofa-
mente venerada :& quando o Author deite livro naõ fizera
a efta coroa outro obfequio mais que manifeftar os innume-
raveis Santuários , que lhe fervem de efeudo para o feu am-
paro,fópor eílarazaõera merecedor defelhe concedera
licença , que pede ; quanto mais que nefta obra bem moítea
o mefmo Author fer filho daquella grande Águia de Auguf-
tinho, pois no fublime de fuás azas naõ fó fe remõtou a exa-
minar os rayos do Sol j nos milagres, que de Maria Santiífi •
ma efereve, mas também com a vivacidade da fua vifh pene-
trou as antiguidades mais efquecidas nas noticias , que das
Sagradas Imagens deite Reyno defentranha , o que tudo ce»
de em fingu lar gloria da May de Deos , em conhecida utiíi*
d.de dos fieis , & em credito bem merecido do Author ; ifto
o que me parece, V. Mageftade determinará o que for fervi-
do. Santo Eioy de Lisboa 7. de Mayo de 1708.
Franciíco de S. Bernardo.
LU
LICENÇAS.
QUe fe ppffa imprimir, viftas as licenças do Santo Offi-
cio y & Ordinário, & depois de impreffo tornará à me-
la para fe conferir , & taxar , & fem iffo naõ correrá. Lisboa
3i.deMayodei7o8.
Oliveira. CoBa. Andrade* Botelho.
Iflo eftar conforme com original pode correr efle Li^
vro. Lisboa 5. de Junho de 171 r.
v
Monteyro. Ribeyro. Rocha. Fr. Encarnação. Barreto.
TT) Ode correr. Lisboa 9, de Junho de 171 1.
T
Bi/pode Tagafíe.
Axaõ efte Livro em 600. reis empapei. Lisboa' 9. de
Junho de 171 1.
Lacerda. CoBa. Andrade. Botelho. <Pereyra\
Pag.i;
SANTUÁRIO
MARIANO»
E HISTORIA
Das Imagens mi/agro/as , & milagrosamente ap~
parecidas , que/eveneraõem os Bifpados fuf-
fraganeos de Lisboa i&emo Priorado do
Crato, & Pr e/afia deThomar.
PREFAÇAM EXORTATORIA.
Aoterceyro Tomo.
A N G E L I CO Doutor Santo Thomas na
fua primey ra parte , queftaõ 5. & articulo 6-
divide o bem, embemhonefio,util ., &de-
leitavel ;feguindo niííoa Santo Ambrofioj
que no livro primeyro de Officijs > fez a mef-
ma divifaõ. Efies três bens fe acham com
grandes ventagens na devoção de Maria Santiífima: porque
comoellamefma confeíTa de ií pela bocado Ecclefiaflico:
Ezoíjucft tenbmtbus extmdi ramos rneos -? 13 rami mei , ra-
Tom.lII. A mi
% PR EF AC, AM.
Edef. mi bomris , isgraújt ; ego quafi vuis fruttificaYt fuaVtta-
Hcn. tem 0c{orjs. £U (diz a Senhora )eftendi como o therebinto
2Z' os meus ramos ; & os meus ramos fam de honra, & de graça:
cífe he o bem honefto. Eu como vide dei fruto : efíe he o bem
utií. E efíe fruto foy fragrante, & cheyrofo: eíTe he o bem de-
Ecclef. leitavel.Omefmo confirma, dizendo: In me gratia omnis
24. ». Via, & iwitatisi in me omnis fpes Vttct7 ts Vtrtutis. Em mim
*5> ( diz a Senhora) eflá toda a graça do caminho , & da verdade;
em mim eflá toda a efperança da verdade , & da virtude; que
he o bem honefto, & o útil , &o delcitavel; & acrecenta:
Spiritusmeus [uper meldulcis; ÍS b^er editas mea fupermel,
Bcclef. fejàxtuYn, o meu efpirito he mais dece que o mel , & a mi-
**" n* nha verdade mais fuave , que o mel , & que o favo.
*'*- Todos efles bens fe acham na devoçam de Maria San-
tiflima : digamos do primeyro. Quiz ElRey Pharaò, quando
conftituioajofephfilho de Jacob, cmVifo-Rcy de todo o
Egy pto , darlhe a mayor honra que pudeíTe : para ifto tirou
do feu dedo hum riquiflimo anel , & o poz no de Jofeph ; vef«-
tiolhe huma rica , & cândida eftola ; & lançoulhe ao pefeo-
ço hum preciofo colar de ouro ; & mandoulhe que fubiíPs
na fua carroça, & que diante dclle fe fofle por toda a Cidade
dando vozes , & dizendo, que todos lhe fizeffem reverencia;
porque era Vifo-Rey do Egy pto. Quando o fu premo Rey do
Ceo , & da terra quer fazer a algum dos feus íervos > a quem
muy to ama , algum grande favor ; fallo devoto de íua San-
tiffima May. Poem-lhe na maõ o preciofo anel da fua devo-
ção '.nam hefemmyflerio, fer anel dos dedos; porque nas
mãos fe entendem as obras ,emqueefiá a verdadeira devo-
çam. Veííelhehuma cândida roupa; porque o devoto da-
quella Senhora,quehemais pura q os Ceos, deve amar cor-
dealiflímamentca pureza do corpo, &alma. Adorna-ocom
hum colar de ouro ricuiííimo; ifto he, de hum amor puro, &
Tanto , que viva dentro do feu coraçam. Faz que fubá na fua
mcfma carroça: porque Maria he Carroça de Chrifto;como a
intifilaõ
EXORTATORIA. $
intitulaô os Santos : Curro* 'Bei \ & icm dentro no coraçam <**»fc
os íeus devotos : & com foberanas joyas fica taô adornado^ Cret'
que os mefmos Anjos lhe tem refpeito. ; dÂ?*'
Conta Sam Joaõ no feu Apocaly pfe, que lhe apparecéra / ^"
hum Anjo , & que era taõ grande a fua fermofura , que cego,/
de tanto rcfplandor, julgando íer o mefmo Deos,fe arrojara
em terra para o adorar. Dizlhe o Anjo: Vide nefecerit, cjuia ^0cd.
tonfervu* tuus fum* Parece que fe admirou o Anjo da hu- cap. 19*
mildadede Joaõ,& dizlhe : Vé Joaõ o que fazes ; para que a-
joelhas diante de mim? Puderafe perguntar a cfte Anjo: Ef-
pirito gloriofo , de que vos admirais tanto ? hc coufa nova,
que hum homem mortal adore a hum Anjo , nam como a
Deos, mas comoa creatura fua de exccllente dignidade? Os
Patriarcas , & Profetas naõ adoravaõ os Anjos , como no
lo enfina a fanta Efcritura, quando lhe appareciaõ ? Pois que
novidade heefta? Varias razoens apontaõ os Expofitores
refpondendo pelo Anjo. Huns dizem , que porque Joaõ era
virgem •,& a virgindade herefpeitada dos mefmos Anjos. E
como diz Saõ Bernardo : Differurtf quidem inter fe komopu- SMm\
dicus ,(<? Angelus ;fed felicitai e , non Ytrtute ; fed frfi illius
caftitãtifelicior efe co^nofeitur. Diffcrcm entre íi o homem
cafto , & o Anjo na felicidade , naõ em virtude : a felicidade
defle he mais excellcnte ; porém adaquelíe, hemais forte,
& gloriofa , pois vive em corpo mortal. Outros dizem, que
porque Joaõ era Sacerdote ; aífim o diz o Padre Mendonça;
&arazam he; porque na dignidade ,he fuperior o Sacer-
dote ao Anjo, & o devia fempre fer na fantidade da vida. Ou-
tros trazem outras muy tas razoens, porém ainda que todas
faõ excelientes; eu entendo, que a principal foy,por fer
Joam entre os Apoftolos ornais familiar da Senhora : elle
foy o mais encomendado a Maria por feu Santiflimo Filho.
E aífim aos mais efpeciaes devotos da Senhora fazem os
Anjos mayor reverencia.
He coufa de tanta honra a devoção de Maria Senhora
A z noffa
4 PREFACIAM.
noífa, que delia fehaõ honrado os mais infígnes homens do
mundo ; naõ fó rom o titulo de devotos feus , mas de Cervos,
& efcravos defia Senhora. Honrou-fe Betulia tanto com
Judith, que com publicas acclamações davaõ vozes ao povo
osprincipaes,&omefmo fummo Sacerdote; & lhediziaõ:
judith Tu gloria Hternfalem , tu latim Ifrael, tu honorificentia
15. poptilinoBri. Vos fois a gloria dejerufalem^ a alegria de
w.io, Itraelj&vósahonradonoíTopovo. Com quanta mais ra-
zão podem dizer todas as creaturas a Maria: Vós , Senhora,
fois a gloria do Ceo , & da terra , vós a honra de todo o ge-
nçro humano? porque fe Judith deu ao feu povohumatam
gloriofa vicftoria ; Maria faz vitoriofos aos feus devotos,
de mais fortes inimigos ,& de mais poderofos adverfarios.
Com o titulo de efcravos de Maria fe honrarão os Patriar-
cas, & Profetas, &aflim fe chama, Deus Patriarcbarum;
honrados Patriarcas. Honraõ-fe osMartyrcs, & asVir-
gés que a reconhecem por fua Rainha ; honraôfe os Reys, &
a acclamaõ por Senhora. O Santo Rey de Ungria Eítevaõ
(como refere Surio) para honrar , &ennobrecer a todo o
feu Rcyno , lhe poz por gloriofo titulo : A família da Vtr-
gem. E cobrarão os Ungaros tanta devoção à Senhora, que
ie naõ atrevem a tomar o feu nome na boca , por mayor reve-
rencia; & affim a nomeaõ pela grande Senhora , naõ oufando
de pronunciar o nome de Maria.
Naõ fó he a devoção de Maria Sanúífima de honra pa-
ra os que a tem ; mas de utilidade , que he a fegunda diviíaõ
do bem. Mas quem poderá reduzir a numero os infinitos bes,
que fe encerraõ nadevoçaõdefta Senhora i Q^em explicará
as utilidades que gozaõ os que fe dedicaõ ao culto, & ao fer-
viçodefla Rainha foberana \ CouU milhe a hum ambiciofo,
encontrar com hum thefouro , aonde com facilidade fica ri-
co. Thcfouroriquiflimodeouro,&dc preciofas pedras, he
a devoção de Maria ; donde aquelle que fouber cavar com
diligencia, com facilidade ficará rico do finíflímo ouro da
caridade
EXORTATORIA. j
charidadc, & das pedras prccioías das virtudes. AíTím o tef-
tifica dcfi mefma cfta Senhora nos Provérbios : Mecum Prever,
funtdivitíá, (jrglorite , opesfuperb<e , érjuBitia. Comigo 8-*.i8.!
ertaô as riquezas,& as glorias, & os thefouros foberanos, &
a juftiça \ as riquezas do Ceo, narn as da terra ; os bens eter-
nos ,naõ os temporaes ; os thefouros verdadeyros, naô os
falfos, Scenganofos do mundo: porque ainda que hc Se-
nhora de huns , & outros , & reparte também os temporaes,
quando convém aos feus devotos, os que mais eflima fam
os eternos.
He Maria Santiffimahuma mina, aonde efleve Deos ef*
condido por efpaço de nove mezes; que heomaycr the-
fouro do Ceo: In cjuofunt tbefaurifapienti<e Vei: aonde eílaõ Ai Co?
as riquezas de fabedoria, & de feiencia de Deos. Com ra zam bji*fty
comparaõ os Santos a Sacratiífima Virgem à Rainha Sabbá,
que foy fombra , & figura fua. Defía diz aEfcritura , que £&£
quando veyo ajerufalem, a enriquecera deforte, quenun- cap. 10.'
ca fe vio a Cidade tam rica, & abundante de ouro , & de aro-
mas ,& pedras preciofas: Et ingnjfa Hierufalem multo cum
comitatu,l? divitijsyCamelis portantibus aromata ,&aurum
infinitum nimis , & geminas pretiofas. Entrou em Jerufa-
lem a Rainha Sabbá com grande acompanhamento , & ri-
quezas, carregados os camelos de aromas, & de infinito ou-
ro, & de pedras preciofas. Por Jerufalem entendem os San-
tos a alma do Juflo ; & pela Rainha Sabbá , a Rainha do Ceo
Maria SantiíTima; quando efla foberana Rainha entra na al-
ma do Jufio ; quando entra nos coraçoens dos feus devotos,
os enche de infinitos bens, & favores , & os enriquece de ce-
leíliaes theíòuros; entaõabundaõdo curodacharidade,dos
aromas das virtudesjdas pedras preciofas dos divinos dons.
Nunca fe vem tam ricos, nunca tam abundantes, & nunca
tam profperos, como quando entra cm feus cora çoens Ma-
ria SantiíTima , mediante a fua devoçam-
Entrou a ArcadoTeflamentoem cafa de Obededon ,&
Toip.HI. A 3 tanto
é PREFACIAM.
tanto a enriqueceo cie bens ,& encheode profperida des,que
fantamt nte envejofo David , ainda que antes fe naõ havia a-
trevido , pelo reverencia! refpeito, que lhe tinha, a po-
der levslla para íuacafa \ com tudo, vencendo o amor o te-
mor 5 a levou com grandes fcfías, muficas, & danças, & a
guardou como aomayor de todos osfeusthefouros , mere-
cendo por efía caufa que Deos o coroaffe , & cnriqueceííe
de milhares de bens, & favores. Santo Ildefonfo chama a
Sul *fi Maria, JrcaTeffamenti noVi, Arca donovoTeftamcntoj
S.Laur. & Lourenço Jufliniano , Arca Teftamenti Verijfima. Arca,
Jufiin. naõ figura tua , mas verdadeyra do novo Tcftamento. Pois
/erm. de fc a Arca do Teí lamento velho j que naõ era mais que fom-
^dtiv. fc>ra ,& figura da do novo , que he Maria, enriquece , & pfof-
fi $ pera a Obededon, & a David, porque a recebem em fuacafa;
que riquezas , & que bens nam alcançará aquelle , que rece-
be em fua alma , mediante a devoção * a efta divina Arca do
novo Tefla mento?
Finalmente fe acha na devoção de Maria Santiffima,co-
mo na fua fonte, o bem deley tavcl. Muy to movem os delei^
tes aos coraçoens humanos, para que corraô após elles: por-
que, comodiííe o Filofofo, o deleite acaba, &aperfcyçoa
aobra. Deliciofiffima coufaheadcvoçamdaVirgcmMaria;
& taô docc,que ella fuaviza todos os mais exercícios das vir-
tudes. He como o me! , que nam fó he doce em íi , mas adoça
todas as coufas , a que fe ajunta. Affim he a devoção de Ma-
ria ; ella cm f\ he fuaviffitr a i & faz fuaves todos os traba lhos
deita vida, porque aquelle que ama a efía Senhora, lhehe
deciffima coufa imitar as fuás virtudes, & affim com eflea-
mor,nam fente quanto padece. Sam Máximo comparou a
Maria Santiffima ao Maná, que deflila huma doçura , que
S.Max. fobrepuja ao mais dece meUMdnna dtfluens ábum melle dul-
fir. de ciorem* O Maná , diza Efcritura, naô fó era doce, mas con-
R«m. tinha afuavidade de todos os fabores ; fabia a todos os re-
P4fa4r. gaios ^ &ndle fe continham todas as iguarias, quepodião
miniftrarfe
EXORTATORIA. 7
miniftrarfenomais efplcndido banquete. Senósquizcrmos
provar a que fabe a devoção de Maria Santiífima; acharemos,
que he hum Maná celeílial , que fabe a todos os goftos, a to-
dos os regatos , & a todos os deleites» Excede todos os gof-
tos da terra , & começa a faborcar a alma com as doçuras do
Ceo. Nam fó excede os deleytes que temem feus obje&os
ofcntidodogoftoi mas também os deleites dos mais fenti-
dos: porque fche couía dehciofa eílender a viíla por hum
grande jardim cheyo de muytas flores, aonde a variedade, &
diverfidade de fuás cores, o artificiofo de fuacompoftura,
& a difpofiçam de fuás folhas fufpende o entendimento , &
fe levanta com foberana doçura à contemplação dascoufas
do Ceo : quanto mais doce coufa he , eílender os olhos da al-
ma pelo cfpaçofo campo da vida da Virgem Maria, & con-
templar fuás virtudes, & dons , & meditar fuás excellencias,
venerar fuás graças, &pre rogativas, & fazer memoria de
feusmilagrofos benefícios a favor dos homens*
Sam Boaventura chama a Maria Santiflima, Jpispar-D. Ho-
Vida yCujns fruam ejl dulcijjimus. Abelha pequenina ,' cujo **?- iH
fruto he dociflimo. Deíla avefínha diz o Efpirito Santo, que Liu ^
he fonte da doçura: BreVis in volatilibm apis , ifinitium Ecclcf.
dulcorts habet fruam Mim. A devoçam de Maria nam fó he 1 1 .
doce , mas fonte de toda a doçura. Da abelha dizem os Na-
turaes , que colhe o mel das flpres , & o guarda nos feus fa-
vos para regalo, & fuítento dos homens. Maria recolheo
em fi a doçura de todos os mais Santos ; mas he como melr
que fe acha emhuma fóflor. A devoção de Maria nofla Se-
nhora he como favo, aonde fe conferva o mel de muy tas flo-
res. Q^e favo de mel ha tamdoce , como a devoção de Ma-
ria? Q-ic favo de mel ha , que affim efclareça os olhos do en-
tendimento , &c alente as forças da alma , àquelle, que com
Jonathas peleja as batalhas do Senhor contra o inimigo do
género humano, como a deveçam de Maria? Digam-no os
lábios de Bernardo, o coraçam de Bernardino \ & teílifi-
A 4 quem-no
% PREFACIAM
quem-no os favores de Domingos, &os regalos concedi-
dos a Francifcn.
Juftamente deixando os Santos as comparaçoens da
terra, íefobem ao Cco,& comparam a doçura de Maria à
da gloria ; & aífim dizem , que he a vcrdadeyra terra de pro-
miffam } que mana leyte , & mel de faboroíbs deleites , q he
2 a. Ceo,& a dirofa Jerufalcm Cidade de paz,da qual fe diz \Sicut
%6% "*' l^àntiumomniumbabitáúo ejlinte. Que os feu cortezaôs
abundam em confolações, & eftaõ cheyos de alegrias. Di-
tofos j Senhora , os voffos verdadeiros devotos > pois go-
zaõ em vós tantos bens \ em vós tem todo o bem dcleitavcl;
vós fois o mel dociffimo , que faz fuaves todos os trabalhos
defta vida; na voffa devoção fe goza o manná do Ceo, aonde
fe prova a doçura de todos os fabores ; vós fois o prado de
todas as flores , o jardim de todos osdeleytesdc Deos; cm
vósfegozaaluzfermofa da Lua, que na tenebrofa noyte
das tribulações , & trabalhos , confola , alegra , & recrea as
almas: ovoflbdociffimo nome hc mufica fuaviffima para os
devotos eoraçõesivós fois a AbtlhaVirgem q nos deu o favo
de mel do Divino Sacramento, fonte de toda a doçura: vòs o
Santuario,& a Pifcina de todos os noflòs remédios: vós a Je-
rufalem celefle , a Cidade de paz cheya de divinas confola-
çôes^avofladevoçam na terra, hehum retrato da gloria,
que redunda em confolações , que mana delicias, & que a-
bunda em alegrias. Pois fc fó a voíTa memoria, íbberan^ Se-
nhora , he tam d©ce > que fera a voíTa prefença?
SAN-
9
tfjgív» ff£5V» c£3y» cÊ3V^ f€SV* " ffÊ3^>
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SANTUÁRIO
MARIANO,
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA»
& das milagrofamente apparecidas.
LIVRO PRIMEYRO.
Das Imagens milagrofas de no ff a Senhora > que/è
venerao no Bi/pado da Guarda.
INTRODUÇAM.
CIDADE Epifcopal da Idsnha foy muyce-
lebre entre os Romanos , & também muyto
rcfpeitada , & favorecida delles. Os Godos a
efiimáram muito ,& mais particularmente por
haver fido progenitora dofantoRey Uvam-
ba, o qualcom fuaeleyçam ao Sceptro , quafi milagrofa;
acertado , & venturofo governo , que teve aífim na paz, co-
mo
io INTRODUZAM.
mo na guerra > mereceo para íua peffoa immorfaes glorias,
& para íua pátria grande honra. No tempo cm que entrarão
os Mouros em Hefpanha , experimentou as ruínas, que as
mais: reilauráraõ-na noíTos Reys,mas recuperando-a outra
vezos Mouros , fe veyo a deftruir com as invafoeus de for-
te, que fe refolveo EIRey Dom Sancho o primeyro do nome,
a paffar fua Cathedral à Guarda, levantando- a com o titu-
lo de Cidade à grandeza de cabeça daquella Província : &
aflim com as ruínas da antiga Idanha creceo a Guarda em
foberanias , com a aflblaçam de huma fe augmentáram as
fortunas da outra , & com a morte da velha Idanha , le via ,
a nova Guarda eternizada; que também ascoufas infenfi-
veis perecem, & morrem; com quefenam devem admirar,
nemqueyxar os mortaes das tyrãnias defta cruel pátria, pois
nem aos edifícios , & Cidades perdoa. Affim o ponderou lá
o celebre Poeta Rutilio:
Non indignemw mortati cor porá folYt,
Cerni mus exemplts ôppidapojfe moru
A Cidade da Guarda ,que ficou por herdeira, & fenhora
das honras , & prerogativas da morta Idanha , fe vé hoje co-
mo em trono, aflentada em huma parte do monte Hermineo,
( vulgarmente chamado Serra da Eftrella ) nam em o nais al-
to , mas em hum pedaço de terra chãa , que cahe da parte O -
riental ,&comprehende a Cidade ,& algum deflriâo mais,
para fuaextençaõ,&augmento. Da parte do Occidente fe
divide do mais alto, & fuperíor da Serra com huma que-
brada feyta pelo Mondego , q por alli paífa arrebatadamen-
te , & por caufa defte valle , fica a Cidade nam fó imminente
ao rio mais de huma legoa ; mas fuperior a todas as mais ter -
rascircumvizinhas.
De fua origem íe refere muy to pouco nos Authores; o
que a tradiçno affirma he, que havia já naquelie íitio huma a-
talaya, ou torre de vigia , a que chamaVaõ Guarda, ( & junto
a elía alguas cafas pobres , & humildes) fem duvida , porque
fervia
INTRODUZAM. n
fervia de guarda , & abrigo a todos os C hriflãos ,que fugiaõ
dos aííaltos dos Mouros. Dcfla torre chamada, Guarda que-
rem tiveífe motivo ElRcy Dom Sancho o Primeiro, para lhe
impor o nome de Guarda,quando alli a fundou, para reparo,
& abrigo de todos aquelles povos circumvizinhos , contra
as entradas , & correrias dos Mouros. Circumvallada a Ci-
dade de fortes muros de cantaria , ficou dentro do feu recin-
to c íta mefma torre, ou vigia , a que chamaõ hoje a torre ve-
lha. No mais alto tem hum Caíkllo inexpugnável por íitio,
& por fortaleza.
Deulhe o mefmo Rey Dom Sancho foral em 26. de No-
vembro do anno 1 1 99. concedendo muito grandes privilé-
gios , & izençoens, como fe vè na Torre do tombo, a fim de
que indo muy tos a povoalla, ficaíTe, naõ fó mais nobre , mas ^QSrA
melhor defendida. O terreno he faluberrimoem todo o tem- 7°aJs '
po , & no veraõ regalada de excellentes frutas ; porque tem pag.t/}
muy tas quintas muy grandiofas. Tem muy ta caça, & to-
das as mais coufas neceíTarias ávida humana em abundân-
cia . No tempo das guerras de Caflclla, foy fempre Praça de
muy ta importância ;na pazficou cem a jurifdiçam , & fupe-
rioridade daquclla Comarca. Yerdadeyramcnte foy a fun-
daçam deita Cidade, huma das grandes ebras delRey Dom
Sancho.
Logo nos princípios defla Cidade fe devia paflar a cila
a Cadeira da Idanha: porque já no anno de 1 205. fe acha em
eferituras ao Bifpo Dom Martinho,aflignando-fe(como ain-
da hoje coflumaõ) Bifpo Egitanienfe. A fua Cathedral he
magnifica ., nam fó em obras, mas em riquezas ; o retaboio da
Capella mor he de pedra , mas de rara efeultura ; & fe tem
por hua das maravilhas de Portugal : a fua Sacriflia he muy-
to bem provida de prata , & de ricos ornamentos. Compo-
emfe o feu Cabido de fete Dignidades % temquatorze pre-
bendas ; duas faô Doutoracs , huma de Cânones , & outra
deTheologia. Tem quatro meyas prebendas, dozecapcl-
laniasj
xt , INTRODUZAM.
lanias; quatro delias íaõ quaíi quartanarias, porque fe repar-
tio por cilas huma prebenda.
Outra noticia acheyfobre a antiguidade defla Cidade,
com muy tas congruências de verdadeyra , & dada por peífoa
natural della,& de tanta capacidade,que fe pode ter por boa,
& digna de todo o credito para a origem daquella povoação,
& da ancianidade daquclle fitio. He efta, que havia naquelle
lugar huma Igreja dedicada anoffa Senhora com o titulo de
Santa Maria da Confolaçaô , templo fumptuofiffimo , &
magnifico. Ficava cm pouca diftancia da Cafa da Senhora
de Mil -eu. Efta Igreja dcftruíraõ os Mouros antes de fe
fundar a Cidade , & era tam grande , que de parte da pedra,
que ficou teflemunhando a fua grandeza, fe fabricou depois
huma grande torre , ( & efta he a que chamavaõ Guarda, ) t&
fica dentro da Cidade , que depois fundou ElRey D. Sancho
o Primcyro. A efta torre chamão hoje dos Ferreiros , de que
a Camera da mcfma Cidade paga ainda ao prefente , por feu-
do , & reconhecimento , ( de que com a pedra da Igreja fe fez
a torre) hum arrátel deincenfo|no dia de Corpus Chrifti,
Com que por efta noticia fe vè,que antes que a Cidade nova
da Guarda fe erigiíTe > ja havia tido aquelle lugar outra po-
voação tam nobre, que tinha Templos tam fumptuofos, co-
mo o referido , & Cafa da Senhora de Mil-eu. Eaflim as Ca-
fas deDeos, que alii havia tam grandes, teftemunhavam a
grandeza da antiga povoaçam , que alli havia. Com que, a
Guarda nam foy fó grande povoação em tempo dos Godos;
mas já feria grande em tempo dos Romanos.
TITULO I.
Da Imagem de noffa Senhora do Dejterro da Sè da Guarda.
Efemparada a antigua Cathedral Egitanienfe , ou da I-
danha, &tresladada a fua Cadeira à nova Cidade da
Guarda-
D
Livro I. Titulo L i $
Guarda. Procuravaõ os Cónegos trazerem fua companhia,
namfó as peças de grande preço, fceflimaçaõ, mas as Ima-
gtsdefua mayordevoçam. Entre cilas foyadevotiflimal-
magemda Senhora doDefterro, que nqauella Igreja ref-
plandecia em milagres, & era toda a dcvcçamdopovo. Suc-
cedeo efia mudança no Reynado delRey Dom Sancho o Se-
gundo, a quem chama vaõ o Capello , neto de Sancho oPri-
meyro.ColIocaraõ-na os Cónegos na Se velha, (por diílinçaõ
da nova que hoje exifte ) a qual ferve hoje de Cafa de Miferi-
cordia- Aqui efleve neíta Igreja todo o tempo, que fe gai-
tou em a edificação da nova , para a qual a tresladáram , &
collocáram no Altar collateral dapartedaEpiflola. Nefía
Capellacftcve, até que tomou pofTe daquella Igreja oBifpo
Dom Frey Lopo de Siqueyra : o qual fazendo novo retabo-
lo a efta Capella , pordevoçam doSantiffimo Sacramento,,
que também nella eftava, a mudou para outra Capella,que
fica à mãoefquerda da entrada da porta principal.
Neííe lugar eileve com pouca grandeza , & menos ve-
neração da que íe devia a tam devota Imagem, por alguns
annos,atéque oBifpo Dom Martim AfFonfo deMellolhe
mandou fazer hum novo retabolo, que mandou dourar o II*
luftriílimo Bifpo Dom Luis da Silva , hoje Arcebifpo de
Évora, & a naõ ler ta6 depreffa transferido a cila Igreja, fem
duvida, pelo que tem de generofo , & de magnifico nas fuás
obras, ficaria a Capella com muytos augmentos : porqueti-
nha com efla Santa Imagem muy to particular devoção. De-
pois o Cabido levado da mefma, mandou novamente eftofar
cfta Santa Imagem; o que fe fez muy to primorofamente-
He efta Santa Imagem de grande eftatura ; porque tem
nove palmos de alto. Tem no braço efquerdo o menino Jeíus,
o qual tem o feu direy to lançado ao peícoço da Senhora , ôc
namaõ efquerdahumpaíTarinho,quecomobicolheeftá pe-
gando da camiza. Todas as feyçoens deita Santa Imagem
íàõ admiráveis , & cila tam perfey tamente obrada , que diz o
Cónego
.
14 Santuário Mariano
Conegp António deSiqueyra de Albuquerque ema relação
que feguimos , que nam vira até hoje outra, que fofle mais
perfeita . O mefmo Cónego diz que era tradiçam muyto
confiante ,& affentada naquella Sé, que tomando ElRey D,
Affonío Henriques a Idanha aos Mouros fe mandara fazer;
& que a collocáraõ no alto do retabolo do Altar mòr,(& bem
fe vèa muyta altura , que tem aquelle imminente lugar , ) &
para ficar em devida proporção , aflim era neceíTario. E com
fer de tam grande eftatura aquella Santa Imagem , pare-
ce a todas as viftas perfeitiffima.He muyto miraculofa , co-
mo o tem experimentado todos os que em feus trabalhos re-
correrão a ella* A caufa ,& origem do titulo do Deflerro,
naõ pude encontrar 7 & como antigamente fe dava às Cathe-
draes , & Matrizes das Cidades , & Villas o titulo de Santa
Maria^ poderia bem fer fe lhe deite o do Defterro, depois que
fe mudou a Cathedral , da Idanha para a Cidade da Guarda;
& verem defterrada a Senhora da fua primeira Cafa , daria
motivo para aflim a nomearem. Faz mençaô defta Santa I-
magem o referido Cónego António de Sequeyra de Albu-
querque, em huma relaçaõ,que nos mandou das Imagens an-
tiguas daquella Cidade.
TITULO II.
*Da Imagem de nojfa Senhora da Confolaçad da Cidade
da Guarda.
HE Maria Santiífirna a confolaçaõ de todo oVniverfo;
porque de todo he Maria o alivio > a confolaçaõ , & o
fíymn. remédio; aflim lhe chamão os Gregos em o íeu Hymno : Con-
Grac. folatiotottus mundu He Maria a confoíaçaó dos enfermos;
éfiêà porque ella he o remédio de feus males , & enfermidades: he
BoteoH. a Redempçam dos Captivos ; porque ella lhes íolicita os/eus
'• - refgates:
Livro I. Titulo II. i j
fefgates: he a liberdade dos condenados; porque ella lhes al-
cança o perdão, & a contrição de fuás culpas. Affim odiíTe
Gifelberto: Confclatio i>>firmorum , redemptio capti\orum7 Gifelt.
liberai io âamnatorum >jaLus untVer fórum* Efobreferhu Mter.
ma perpetua advogada de todos os homens , he também a fp*g*
confolaçaõ de todos os peccadores , como lhe chamou In-^*1**
nocencio Terceiro: Confolatrix peccatorum. Tudo fe acha/»
em Maria $ porque ella he para todos o alivio , & a confola- hymni
çaõ. de
No tempo , que a antígua Guarda era de Chriftãos, & Chriftoi
antes que os Mouros entraíTem em Efpanha(como fuece- ^Be*'m
deo , depois de vencerem no campo de Guadalete ao ultimo M*m*
Rey dos Godos) devia fer povoação muyilluflre , pois havia
nellamuytas CafasdeOraçaõ, & algumas delias Templos
magníficos, &muyto fumptuofos. Com a perda de Efpa-
nha,fe for aõ fazendo os Bárbaros fenhores de todo Por-
tugal , que por ficar vizinho à mefma Efpanha , participou do
mefmocartigo. Refifiiraõosque habitavaô eíla tal povoa-
ção: &como os Mouros vinham fobre infolentes com as
vidorias poderofos , deixarão tudo por terra. EntreasCa-
fas de Oraçaõ , que deftruíraõ, foy huma a de noffa Senhora
daConfolaçam, que fica em pouca diftancia daCafada Se-
nhora doMil-cu. Era efla Çafa hum fumptuofiflíimo Tem-
plo ,& ta m grande, que da pedra cue ficou de fuás ruinas fe
erigirão torres, & muros , & principalmente a torre velha,
que chamarão z Guarda, &hoje fe chama a torre dosFcr-
reyros,dequeaCamera da mefma Cidade paga ainda hoje
por feudo , & reconhecimento ao Cabido hum arrátel de in-
cenfo em dis de Corpus Chrifti , como fica dito acima. E fe
edificou também pelo tempo adiante outra nova Cafa à Se-
nhora ,verdadeyros finaesde fuamuyta grandeza, & anti-
guidade.
Nas ruinas pois deíle grande Templo , ficou fepnltada,
ou efeondid* a foberana Imsgemda Senhora da Coníolaçaõ,
a qual
i.6 Santuário Mariano
a qual appareceo em íonho a ElRcy Dom Sancho o Se-
gundo j a quem chamarão o Capello , ( & foy iílo alguns an-
nos antes do de 1240. porque no de 1246. foy tirado dogo-
ve rno, ) o que fuecedeo nella maneira , como o efereve Jor-
ge Cardozo no feu Agiologio tomo 1. pag. $7. No tem-
po em q le El^ey Dom gancho o Segundo andava perfegui-
do de cenfuras intimadas pelos Prelados do Rcyno por
mandado do Summo Pontífice , appareceo ao mefmo Rey
noífe Senhora em fonhos, eftando em Coimbra , dizendo-
lhe: Tivejebom animo, porque aquelle trabalho era omeyo
por onde baVia de ir à Gloria , que logo lhe mandajfe edificar
buma Igreja ,parafervir de Catbedral ria Cidade da Guarda,
defronte da torre , quedava nom 1 À Cidade , em ofitio que oc-
cupaVa bum monte de pedras , entre as matas, ou carValbey-
ras , para o Síeyo dia : em cujo final fe acharia ajua Imagem,
que alli efeondéraoos Omfiaos no tempo dos Árabes \ por ha-
Ver e fiado alli fgwja de feu nome com titulo da Coti/olaçaÕ.
Cheyo todo de alegria acordou o Rey, & referindo a D.
Vicente } feu Chanceller,o fonho, elle o perfuadio, mandaf-
fe fazer experiência •, porque fea infpiraçaõ era divina , a-
charia tudo o que a Senhora diíTera. ElRey o encomendou
ao mefmo D. Vicente , & achando pontualmente tudo con-
forme ao fonhò , & revelaçam , mandou ElRey , que naquel-
le lugar fe crigifle Igreja da invocação de noffa Senhora , que
ficou fervindo de Sè , a qual fe acabou em cinco annos , fen-
do ja Bifpo delia o dito Dom Vicente. A verdade defta hifto-
ria confta de memorias authenticas,que no arquivo daquella
Se féconfcrvaõ.
R aferem por t radicam confiante , que tanto que a
Senhora foy defeuberta , fe alegrarão muyto os moradores
daquella Cidade , &que logo fe lhe edificara a Igreja, & que-
rendo a coílocar (em quanto cila fe obrava) na Igreja de Sam
Pedro , ate a fua eftar acabada, apuzeram em humacharo-
Ia , aonde pegandolhe muytos homens , anam puderam le-
vantar;
Livro I. Titulo II. 17
vantar ; porque era de pedra. AVifiadifto fízeraõ vir hum
carro, que concertaram primeyro ricamente, &neííepu-
zeram a Senhora , &que ao andar docarro cahira hum ra-
paz, dosmuytos que fe ajuntaram, & que paffando a roda
por fimadelle, lhe nam fizera damno algum. Depois quc a
Igreja ja efieve acabada, tratarão de mudara Senhora, &
pondo-a em hum andor a acharão tam leve , que dous homés
a leváraô facilmente; final por onde moflrava pagar-fe da-
quelle lugar, & darnos a entender, que era odafuacíey-
Çaõ.
Acabada a Igreja Cathedral , mandou fogo o mefmo
Rey Dom Sancho os Cónegos da Idanha , para darem prin-
cipio nella aos Divinos Officios,& para que a Senhora ficaf-
fc melhor fervida, & venerada. Trouxeram comfigo asal-
fayas de mayor prcço,& juntamente as Imagens, que lá eraõ
veneradas, como fica dito , entre asquaesveyo a Senhora
do Dcfterro. Defemparoufe aquella Cidade , por fer def-
rempcradiílimoo feu clima , & ficando aSè como eflava,a
mandou derrubar depois ElRey Dom Fernando ; porque os
Caíkihanos (com quem trazia guerra ) fe não fizeííem nella
fortes, &faiffemdalli afazer correição nas terras dePor^
tugal.
Colíocáraõ a Santa Imagem no próprio lugar, cm que
foy defeuberta , porque nelJe mefmo fe lhe fez huma Capei-
la, que vinha a feracollateral: mas tanto que o novo Tem-
plo, que fe edificou p3ra Cathedral , eíkve acabado, &fe
mudársô a elle os Cónegos , ficou a Igreja, que atè alli fervi-
ra de Sè, à Senhora , & neíla fe aííentou a Irmandade da Mi-
fericordia , & a Senhora foy collocada no A[tar mòr , como
era razaõ} pois era a Senhora daqueiía Cafa. Logoqueacol-
locáram na fua Igreja, & ainda todo o tempo queeflevena
de Sam Pedro, começou a fer vifitada dos fieis, & todos ti-
nhamcom cila grande devocam: porque naõ fó agente no-
bre, & popular a bufcava, mis os Reiigiofos, lhe fríão fazer
Tom, III. B muytas
1 8 Santuário Mariano
muy tas vifitas , & tinham com eila cordcal devoção.
O Padre Fr. Manoel da Efperança na fua hiftoria Sera-
phica,diz,queosRe!igiofos de feu Padre Sam Francifco,
que pouco antes haviam entrado a fundar naquella Cidade,
que foy pelos annosdc 125 6. (donde fe pode entender, que
a vifaõ que El Rey teve, foy poucos annos antes deíle que af-
íina o Padre Efperança) tomáraõ por emprefa , em o fcllo do
feu Convento , huma Imagem da mefma Senhora da Confo-
laçaS com o Mçnmo nos braços, & aos peso gloriofo Pa-
triarca S. Francifco de joelhos , & com as mãos levantadas,
como depois fevioem huadoaçaô do padroado da Igreja do
Richofo jquenoann®de 1286. em o primeyro de Março
transferio Domingos Hermiges no Cabido , roborando-a
comefle fcllo paramayor fegurança. Ainda hoje pela ferta
da Natividade concorre todos os povos, & lugares de Traz-
Serra a vcneralla,& neíTa noy te eflá algreja aberta com muy-
tas luzes, & affiílem em vigia à Senhora, rezando lhe as fuás
devoções , & nefte dia , & nos feguintes vem a fazer-lhe
feitas , & alem deites , pelo difeurfo do anno , vem- a fazer
outros muy tos. E muy tas peíTòas deftes lugares vem a ter as
fuás novenas naquella Caiada Senhora.
Efta Igreja que mandou fazer ElRey D. Sancho , como
foyfeytaà prefía, pelos tempos adiante moftrou fazer al-
guns fentimentos , & porque na mfizeííe ruina, jaca mais
próximo aos noflòs tempos a reedificou , & fez de novo à
fundamentis , Simam Antunes de Pina , Prior de três Igre-
jas , peíToa não fó devota , mas rica \ obra verdadcyramente
de quem tinha tam generofo coração. £ pela devoção que ti-
nha à Senhora, quizfer fepultado àfua viíla, &aííim man-
dou fazer o feu jazigo na Ca pella mòr, à mão efquerda, aon-
de foy fepultado , em huma meya Capella > aonde fe vè fo-
J>re a fua fepulrura o feu retrato , formado em pedra , & vef-
tido com ornamentos Sacerdotaes. E deíle tempo para cà, he
que começou a fer aqudlaCafa também CaíadaMifericor-
dia. O
Livro I. Titulo II. x$
OmefmoPadre Efperança diz, qué tinha hoje aquella
Cafa o titulo de S. ]oaõ Bautiita , cujo dia era muy to celebre
naquella Cidade, por caufa de hua feyra,como fe a feyra fbíTe
aquefízeíTeodiacelcbre: foymal informado; porquanto
nunca teve mudança de titulo aquella Caía da Senhora. E a
equivocaçameíleve, cm que junto à Igreja da Senhora eílá
outra de Sam João Bautiíte > que foy dos Templários , & fica
no arrebalde para a parte do Oriente , que ainda que fora, fc
reputa por Cidade»
A Imagem da Senhora he de pedra ,como fica dito, do
tamanho quaíida natural eíiatura ; eílá aííèntada com o Mc*
nino Jefusno feu regaço: as mãos faõ de madeyra , que fem
duvida deviaõ ficar maltratadas das pedras da ruina dafua
Igreja , que podendo-fe reparar o dano confertandofe algu-
mas quebraduras , indiferetamente lhe cortarão as mãos, &
lhe puzeraõ outras de madeira. Vefe collocada cm hum ni-
cho, tudo formado de huma fó pedra, &nefta forma foy
defeuberta no vam de huma Capella. Faz menção da Senho-
ra da ConfolaçaôoPadre Efperança referido acima, & Jorge
Cardofo tom. i . pag. 36. & o Procurador da Prima da Sè,
Manoel Leytaõ de Magalhacns^ & o Cónego António de Si-
queyra de Albuquerque.
TITULO III.
Da antiga Imagem de N. Senhora doMil-eu.
NO Arrebalde da mefma Cidade da Guarda, para a parte
donafeente menos de hum quarto de legoa, entre hua
pequena Aldeã a que chamãoaPovoa ,& hum íitio chamado
oCaíiellovelho, fe vè huma antiquiífima Igreja, dedicada à
Rainha dos Anjos como titulode N.Senhora do Mil-eu.He
eíle Santuário, na opinião de todos , o mais antigo da Bey ra:
B 2 porque
to Santuário Mariano
porque fe âffirma , que antes que os Mouros cntraíTem cm
Efpanha, já cila Cafa da Senhora era muyto frequentada;
íc^ffim os que reconhecem as maravilhas, que aquella Se-
nhora ha obrado comos feus poderes cm todos os tempos,
fentem a frieza com que hoje he fervida,merecendo muytos
obfequios: & da falta da fé;& da devoção com que hoje a buf-
caõ^procede o naô receberem os grandes favcres,cucDcos
nos tempos mais atraz fazia a todos os feus devotos.
Efta va pc.^ efta milagrofa Imagem no mefmo íitio,& na
mefma Igreja ^ em que hoje he venerada, quando os Mouros
occupárãotodaaEfpanha, & aonoíío Reyno de Portugal.
O nome que entaõ tinha fenaõ fabe;mas f o f e refere, por
huma continuada tradição, que em todo o tempo, que os in-
fiéis fenhoreáram aquellas partes da Beyra , fempre a Igreja
da Senhora fe confervou com refpeyto , & illeía da mais mí-
nima irreverência, & a Senhora foy fempre tida em fumma
veneração, ao que deu motivos o milagre que referem nef-
ta maneira.
Vindo os Mouros aflblando tudo o que cncontravaô,&
querendo entrar na Igreja da Senhora ,oprimcyro que poz a
mão na porta, ficou prezo por ellaem hua argola,q ainda ho-
je feconferva na mefma portada qual parece ferdebronze;di-
go parece fer , porq alguns com o vulgo dizem fer de hu me-
tal não conhecido- Ficarão tão atemorizados os Mouros,
que nenhum mais íe atreveo dalli por diante chegar aporta
da Igreja, &affim fe confervou illefa em tantos feculos a-
quella Cafa, de toda a irreverência.
Defte milagre ( diz o Cónego António de Siqueyra de
Albuquerque, que nos fez efta relação) tomara entam a Se-
nhora o titulo, ou com eík a começaram a invocar dalli por
diante } dizendo, que Mil-eu, na lingua Alarave , he o mef-
mo, que milagre. E diz mais o Reverendo Cónego: TSLao he
iflo opinião minha \ porque^ ha muytos amos mo dijfe Leonis
de Tenn^iS Mendonça }pefoa km conhecida por fuás gran-
des
Livro 1. Titulo III. it
és letras] ajfim divinas , como humanas , & grande anti-
quarto* O mefmo affirmao Doutor Manoel Leytaõ de Ma-
galhães. Com que o Padre Frcy Manoel da Efperança na fua
Hiftoria Scraphica tom. i . liv. 4- cap. 1 7, aonde traía deíla
Santa Imagem , feguio a opinião de outros , que erradamen-
te querem , que eftando hum fervorofo Chriftaõ, devoto da
Senhora , à fua porta no mefmo tempo , em que vinhão os
Mouros, lhe requereram outros Chriílãos, quefugiffe;&
elle armado com o fervorofo zelo da devoçamda Senhora
refpondéra, com hum ralho de verdadeiro , & animofo Por-
tuguez , dizendo aos mefmos , que o advertiaõ: Para Mil-
eu \ & que delia fua animola reporta fc dera à Senhora o ti-
tulo do Mil-eu.
He efta Sagrada Imagem de pouco mais de dous palmos
dceftatura, hc dcefeultura de madeira incorruptível; mas
coftumaõ tclla fempre veftida , por mayor reverencia , ôc de-
voção. Hc efta Cafa da Senhora do Padroado Real , & afllm
ElRcy dá a adminiftração delia , a quem lhe parece. Tinha-a
Diogo Gomes de Figucyrcdo , & depois de fua morte dizem
a dera a humEftrangciro Chimico, chamado Cláudio Roma-
nete; tem hum Ermitão mayor, que he juntamente Beneficio,
& Capellania. Hc efta Sagrada Imagem muyto miraculofa,&
o foy fempre, & em todos os tempos tida cm grande vene-
ração^ dos mefmos Mouros, no tempo queoccupáraõa
Efpanha, porque cm todos lhe tiveraõfummo refpeito, &
reverencia. A fua Cafa ainda hoje he frequentada de roma-
ges, principalmente da gente da Cidade; porque raras ve-
zes fe acha o caminho , que vay para a Cafa da Senhora, fem
gente , que và a veneralla , & louvalla ; também de alguns
Povos circunvizinhos , como he Arrifana, Gonçalo , & Bo-
cas, que ficãoem diftancia de legoa &meya: osquaes em
diadoApparecimento do Archanjo SamMiguel,aoytodc
Mayo , vem por voto em prociífam aviíitar, & a venerar a
Senhora, de tempo muyto antigo, aonde mandão dizer as
Tom. III. B 5 fuás
n Santuário Mariano
luas MifTas , & dcyxaõ as fuás offertas. Da Senhora do Mil-
cu cfcrevco Padre Frey Manoel da Efperança na fua Hiflo-
ria Seráfica, no lugar acima allegado, & outros; o Cónego
António de Siqueyra de Albuquerque, & o Prior da Prima da
Sé, o Doutor Manoel Ley taõ de Magalhaens, cm a fua rela-
çam que nos fez.
TITULO IV.
Da mihgrofa Imagem deTSl. Senhora das Ne cejfidadesy
do Convento de & Francijco da Guarda.
N
O Convento da Seráfica Ordem de Sam Francifco da
Cidade da Guarda, fundado cm o anno de 1256. hc
tidaemmuyto grande veneração huma milagrofiffima Ima*
gem da May de Deos , a qual já refpíandccia em milagres^
maravilhas ema Villa de Albergaria , do Rcyno de Caftel-
!a, que fica nas arrayas daquella Provinciada Beyra. Nam
"me confiou fe era ja invocada com o piedoíò titulo das Ne-
ceflidades pelas muytas, que na Guarda , logo que veyo, re-
mediou ', titulo de que a fua clemência muy to fc paga;porq\ie
gofla cila Senhora de remediar cm todas, aquellcs, que nas
que padecem a invocam* Por iffo a acclama Ricardo de Saõ
f ,## % Viâor Mãy dos mifcraveis:Mtfer fniferorumiporque cm to-
• *'®9 das as fuás neccflidades , trabalhos , & affiiçoes cm q os pec-
in C*n$ ca<kres a invocao , a achãologo propicia. Sempre he media-
\ neira paia com feu preciofo Filho a noffo favor , como lhe
Ber». chama Bernardo : Mediatrix ad Mediatorem.
ferm. m Sobrea origem defta Sagrada Imagem , & do modo co-
tllftd mo VCy0 para a çyade da Guarda , fe refere que eítondo no
H*i»*& RCyno de Cafklla , no tempo das guerras , depois do anno
de 1 660. o General Manoel Freyre de Andrade , & que def-
iruindo a Villa de Albergaria, queimando a,& arrazando-a,
Livro 1. Titulo IV. 2$
& juntamente a fua Igreja. Vendo hum Religiofo,quehuns
dizem hia na fua companhia , & outros que cãava na Aldea-
da Ponte , que lhe ficava vizinha , & que fora a ver o eítrago
que o ferro, & o fogo haviam feito; entrara na Igreja /&
que vendo huma Imagem da Mãy de Deos , tam bclla , 3c de
tam rara fermofura , para que cila naõ padecefle alguma in-
juria , irreverência, ou perigo no incêndio, fentido de a
ver exporta aeftes perigos, commuytas lagrimas defen-
timento fe refolveo atiralla daquclle lugar, &tomando-a
nos braços , com ella cheyo de fervorofa devoçam, cami-
nhou fem parar para o feu Convento da Cidade| da Guar-
da , aonde tratarão logo de a collocar na fua Igreja; & aonde
logo todos os moradores daquella Cidade, pagos de fuace-
leftial fermofura , 8c foberana mageftadc, a começarão a íer-
vir com grande fervor, 8c devoção; o que a Senhora lhes pa-
gava com obrar muytas maravilhas a feu favor.
Com eílas maravilhas fe imprimio nos corações daquel-
les nobres moradores a devoçam de forte, quenam havia
quem fe apartafle da fua prefença, O primeiro milagre que a
Senhora obrou , foy em hum enfermo de maneira delirante,
que todos tiveraõ as fuás melhoras por prodígio, Succedeo
o cafo aílim. Quando a Senhora vcyo de Albergaria , ou pe-
la prcffacomqueaquelleReligiofo a tirou do feu lugar, ou
pelo pouco refguardo com que a traria pelo caminho, por
fer grande, ou pelos muytos annos que havia fora feita, fc
divifáram nella algumas faltas na encarnaçam do rofto,
& das mãos. Para fe remediarem eftas, a levarão a hum Pin-
tor, natural daquella Cidade , chamado Simaõ Fernandes,
para que a renovafíc ,ou remediaíTe ; & chegando acafo a fal-
lar ao mefmo Pintor, ou por ver a nova Imagem , ou por-
que Deos o trouxe, para mayor honra , & gloria fua , & de
íiia Santiífima M5y? hum mancebo Barbeyro chamado Antó-
nio Gomes, 6c dizendo ao Pintor, que feu pay eftavacom
hus grandes freneziá, & que com eilss padecia exceffivas do-
B 4 rqs
24 Santuário Mariano
res de cabeça , & repetidos delírios , originados de huma fe-
bre maligna , que o tinhão de maneira, que fe entendia tivef-
fe poucos dias de vida , pela defconfíança dos Médicos. A'
vifia defta narração, que o fentido filho fazia do perigofo ef-
tado , em que o pay fe achava , lhe diíTe o Pintor que levaíTç
huma coifa, que alli tinha , com que aquella Santa Imagem
viera toucada ,& que poderia bem fer , que melhoraíTe pela
interceffam da Senhora. Affim o fez o defconfolado mance-
bo, nosapertosemquevíaafeu enfermo pay , &defejan-
dolheavida,&afaude apcllou para o remédio da touca da
Senhora, q o Pintor lhe apontava, & fe foy logo a perlha na
cabeça. Cafo admirável! que não fatiando já palavra algu-
ma, pelo apertado cftado em que o havia pofto a malignidade
da doença , apenas fe lhe applicou àcabeça a coifa da Senho-
ra, quando logo immediata mente começou afallar, con-
feífãdo as fuás melhoras ; certificado daquelle milagrofo inf-
trumentojcom que as confeguio , rendendo logo as graças
à fua mifericordiola bcmfeitora^a Senhora das Ncceffidades,
que lhe havia dado a faude que já fentia.
Defta noticia ,quc logo fe divulgou pela Cidade, & mais
povos vizinhos , mandavam muy tas pefíòas enfermas pedir
a touca da Senhora ,com a qual do mefmo modo alcançavaõ
todos a faude , que defejavaõ. Efta coifa, ou touca fe confer-
va aâualmentc no mcfmo Convento , & fc tem com muyta
veneraçam , & refguardo , como joya de grande valor. He
de eíropa forrada de íeda. Eftc foy o primcyro preludio das
maravilhas daquella poderofa Senhora, que faminnumera-
veis , como o teílemunhaõ os finaes , & as memorias delias.
E das nece ffidades que a Senhora remediou j nafceo o darem-
lhe efie titulo; porque quando veyo de Albergaria , fe não
fabia aquellecom que lá era invocada.
Referefe tambem,q quando quizeraõcollocar a Senho-
ra , depois deita grande maravilha , no lugar em que a puze-
ram^qucfoycm aCapella mór, (o que fizeraõ com huma
folemne
Livro L Titulo IV. i y
folemne prociflaõ ) fe chegou à Senhora hum aleijado, que
andava em duas moletas , & lhe pedio, como lá ocego doca -
minho de Jericó , que fe compadeceíTe delle : no mefmo pon-
to , fe achou faõ : porque naõ fabe efta Senhora dilatar o re-
médio, a quem lho pede com neceflidade, o qual aleijado
largando as moletas,fe foy diante acclamando com vozes al-
tas , as maravilhas , & os poderes daaueila mifericordiofa
Senhora-
Outra maravilha muyto notável refere o Doutor Ma-
noel Leytam de Magalhaens , nerta forma. Particular-»
mente direy hum prodigio,que por admirável nam poíTò dei- 1*
xar de referir , por mo certificar peffoa de boa nota , aflím u
emletras^ôc antiguidade, como nobreza ,& verdade, cha- >»
mado Luis de Pina Oforio , morador nefla Cidade. Efoy o »
cafo, que clle conhecera hum mudo ànativitatc, que anda- »
va pelas portas mendigando ; porém que nam eífova certo >j
donde era, nem o como fe chamava , por haver quarenta an- *>*
nos,q itfo havia paílado.Tinha Luis de Pina mandado trazer > •
dehumafua quinta hum carro, decoufas pertencentes ao»
gafto de fua cafa , & vendo a brevidade com que o moço voi- »
tara , parecendolhe que era impoflivel tanta brevidade ,fem »
ter peffoa, que o ajudaffe , lhe perguntou pela caufa da bre- n
vidade ;ao que clle refpondeo, que o ajudara o mudo; & »
dizendoihe feu amo Luis de Pina , que boa ajuda lhe daria o »
mudo, pois naõ ouvia , nem entendia o que Jhe diziam; lhe™
refpondeo o criado, queellc entendia, porque já nam era »
mudo , & ja fallava. Examinou Luis de Pina efia matéria »
com o mefmo mudo , a quem havia menos de hum mez tinha »
ainda conhecido no mefmo eíladodaque?leimpedimcnro,& »
perguntandolhe como fallava, ou recuperava a voz,& o ou »
vir , refpondeo , que aelle oleváram feuspays ano(faSe-j>
nhora das Neceflidades , continuando huma novena de Mif- »
fas em nove dias , que lhe haviaõ prometido , a fim de que a »
Senhora lhe dcffe falia, t* apenas o Sacerdote na ultima Mif- „
1 6 Santuário Mariano
„ ia levantara â Deos ,. começara ellc a fallar , chamando pela
„ Senhora.
Do que fe admirou mais Luis de Pina , ( que he rtiuyto
para ponderar )foy,que efte moço , fendo mudo à nativita-
te , log i foubefle fallar , & comprehender todas as palavras
danoía língua , de que não tinha alguma noticia pelo impe-
dimento do ouvir, & que pronunciaíTe todos os vocábulos
das coufas ,que dizia, como Padre noífo, Ave Maria , Salve
Rainha ,&c. percebendo cm tam breves dias huma matéria
que mal fe podia aprender em o dilatado tempo de algusan-
nos» Erte verdadeyramente foy o mayor prodígio , que en-
tre tantos tem obrado aquella grande ,& poderofa Senhora;
& tanto fem femelhante ,que confiando fomente de outro*
que fe vio na prefença de Chrifto feu Filho , podemos attri-
buíllo também piedofamente ao poder , & merecimentos da
Lh$.u. mcfma Senhora , pelas confiflfoens da devota Marcella.
No mez de Abril do anno de i ys>z. em o lugar das Frei-
xedas do Torraõ, Bifpado de Lamego, & termo da Villa de
Caftello Rodrigo , fuecedeo outro cafo notável , & foy ellc,
que huma mulher oprimida com as terríveis dores do parto,
fem acabar de fahir dellc , ôc como fe dilatafle muyto , tratou
a Parteira de examinar com a própria maõ a caufa, penetran-
do interiormente o ventre da afflida mulher. & conhecendo
ferem dous corpos pegados hum no outro,declaroU efta no-
ticia à m:fma enferma , que entrou também emnovas dores
comeftaconíidcraçaô. E lutando entre os apertos das do-
res , & coníideraçoens da morte que via aos olhos , appellou
para a taboa do feu reme lio netfa tormenta , chamando pela
Senhora das Neceflidades; & fucccdeolhc tam bem , para ef-
capar daquelle naufrágio ,com o foberano patrocínio defta
Senhora , q logo immediatamente, confeguio o feu remédio
com hum feliz fucceífo , lançando com poucas dores huma
criança de dous corpos até a cintura , fervindofe dahi para
baixo fócom duas pernas. Receberão eftas crianças a agua
do
Livro L Titulo IV. 27
do Janto Baitifmo , & vivéraõ quatro , ou cinco dias. Eíte
prodigiofo fucccífo fe vè retratado cm hum quadro , que os
mefmospays trouxéraõ à Senhora, para perpetua lembran-
ça do beneficio , vindo a darlhe as graças ,o qual fevénafua
Capella , que hc cafo nruy fingular.
Outros muy tes , & notáveis milagres fe referem , que
ha obrado a poderofa mão de Dcos pela invocação deita
Santiflima Imagem, &que ainda ao prefente eflá obrando,
& aflim he o remédio de todas as neceffidades,naõ íò daquel-
(a Cidade , mas de todos os povos circunvizinhos, & diflan-
tes , aonde fe fabe o nome deíía piedofa bcmfeitora dos que a
invoc£m;& aíTim fe eflá vendo, que a toda a hora concorrem
todos a implorar o feu favor, & apedirlhe o remédio de
fuás neceffidades ,&atê do Reynode Caítella vem muytosa
bufear a Senhora das Neceffidades. Com eflas maravilhas
faômuytasasofFertas, &as efmolas,quc os devotos oífc-
recém, o que ferve de grande remédio àquelles fantos Rcli-
giofos , feus Capcliães.
Eílá coliocada efia Santiffima Imagem em huma mag-
nifica tribuna, que lhe mandou fazer a pia, &generofali-
bcralidade,( que para femelhantes obras , fcdeípezas tinha
hum generofo animo, & hum abrazado zeloj daquelle nunca
efquecido por perfeitiffimo Prelado, o Senhor D. FreyLuis
da Silva , que Deos terá em fua gloria y fendo Bifpo daquel-
la Dioceíi ; &naôfoy fó cila a obra magnifica, que fez nel-
la,porque muy tas fe numeram,& também na de Evora,aondc
fazendo muytas obras grandes , bailava a tribuna, & taber-
náculo da Senhora do Anjo , para confeguir as acclamações
de generofo ; íc difto diífera muy to do que vi, & experimen-
tey;&eítahe naCapellamor. Tem eítaSanta Imagem de
eflatura féis palmos , & meyo , he de roca , & de vefiidos, &
affim a adornãode preciofas telas, & fedas.
Dizem alguns , que na occafiaõ em que fe fi^erzô as pa-
zes entre eíkReyno de Portugal, & ode Cafielia , reedifi -
candofe
i8 Santuário Mariano
candofe,& povoandofe outra vez a Villa de Albergaria ,fau -
dofos os moradores delia da Imagem da fua Senhora , a vie-
ram procurar à Cidade da Guarda , para que fe lhes roandaíTe
entregar. E porque havendo huma grande reíiíkncia na en-
trega , depois de huma larga demanda, obrigaram aos Re -
ligiofos do Convento de S. Francifco , a que fizefíema en-
trega da Santa Imagem. Equc fcouveram efles com tanta
advertência , que mandaram fazer outra Imagem em tudo
parecida à Senhora das Neceffidades , fobre que era aquef-
tão. Eque entregando a nova, fc foraõ muy fatisfey tos com
ellaos Caftclhanos de Albergaria, fem advertir no engano,
& aífim ficara fempre a primeira,& milagrofa Imagem da Se-
nhora das Neceífidades cm o mcfmo lugar, cm que fora col-
locada.
Contra efta opinião eflá o Cónego António de Si-
queyradc Albuquerque , que diz, que a Senhora namfó he
a mcfma que veyo de Albergaria ; mas que nunca os Cafte-
Ihanos a procuraram \ & que vindo também na mcfma occa*
fiaõ ,em que trouxeram a Senhora , outra Imagem de Sam
Roque , que cliá na Igreja Cathedral , & que nem a vello en-
traram nella,& que aífim era certiffimamente a Senhora das
Neceífidades a mcfma que viera de Albergaria. Efcrcvem da
Senhora das Neceífidades em fuás relações, feitas ànofla
inftancia, o Cónego António de Siqucyrade Albuquerque,
& o Prior da Prima da Sé da mefma Cidade da Guarda, o
Doutor Manoel Lcytam de Magalhacns.
TITULO
Livro I. TttuloV. 19
TITULO V.
Q.i MiUgrofa Imagem deTSl. Senhora da Oliveira do
lugar da Orca.
HE Maria Santiflima por acclamaçoes do Divino Efpiri-
to aquella fcrmofa , & fecunda Oliveira plantada em
os campos: JguafioliVa fpeciofa incampis* Com cujo fruto Eccltf
a veneramos por hum fermofo hieroglifico da mifericordia. *4-
Nefte preciofo fruto explica Jacob de Voragine três excel- Jaeob:
lencias : primeyra , que reverdece ; íegunda, que fc faz rubi- à$ y%u
cundo;& a terceyra,que fe faz ncgvçy.Fruttus oliv* (diz Vo-
ragme) primo virefeit , fecundo rubefcit,tertio nigrefcit.Na.
mefma forma Maria Santiflima rcfplandece com as mcfmas
prerogativas: Sic BeataV ir go fuit Yiridis per Vir ginit atem,
rubra per cbantatem>lS nigraper humúitatem. Nigrafum: <•**'•£•
eccenigredo bumilitatis. SedformofaiecceViredoVirginita-
tis Sicut pellesSalomonis : ecce rubedo cbaritatis.Tambcm fe
pode dizer,5 o fruto defia fermofa Oliveira/oyChriíio:^/
fuit Yiridis in totaconVerfationefua. Ouçaô a S. Lucas; Sim Lnc<iy9
Ugno Viridi h^efiunt , in árido quidfitt l Eis-aqui como o Se- » J '•
nhor foy fermofa arvore frudifera , & fecunda cm os frutos
de fuás admiráveis virtudes de mifericordia,& de clemência: Jféi.
Fuit rubus in pajfwne. £>u4re rubrum eH indumcntnm tuurtf $9. '
Eis aqui comocõ o Sangue de fua Payxão ficou o Senhor to-
do rubicundo , porq os peccadores cô o fangue das fuás cul-
pas fizeram vermelha a veíiidura da fua humanidade: Fuit jp0^:
ntger in morte: Scl fatfus eíl niger. Eis-aqui como com a fua
morte ficou toda aquella divina fermofura todaefcurecida,
&aquelle Divino Sol todo eclipfado. Todos eftes frutos
da fermofa Oliveira com as fuás prerogativas , foram para
nós frutos de miíericordia. E affimhejuib, que façamos
huma
$o Santuário Mariano
huma grande efiimaçaõ da liberalidade, com qus Maria San*
tlffima nos offerece os frutos da ília mifericordÍ3,& clemên-
cia.
O lugar da Orca, hehu dos do termo daVilla de Caftel-
lo novo. Neííe lugar fe vé o Santuário , & Ermida de Maria
Santiífima a Senhora da Oliveira, aonde he bufeada com no-
tável, & fervorofa devoção huma muyto milagrofa Imagem
da Mãy de Deos, a quem deram o titulo da Oliveira , por fc
haver manifeflado em o cavernofo tronco de huma oliveyra:
que como efla piedofa Senhora he Mãy de mifericordia , cf-
colhco efta arvore como fymbolo próprio feu. Fica elia Ca-
fa,& Santuário da Senhora fora do lugar da Orca, em diftan-
cia de pouco mais de hum tiro de moíquete,em hum íitio fo-
litario , & entre huns olivaes.
De fua origem , & antiguidade fc fabe muyto pouco, ou
nada fe fabe comcerteza,& íó por tradições confervadas en-
tre alguns velhos do mcfmo lugar, os quaes dizem,que ou-
viram referir a feus pays , &avòs , o que agora diremos,
que ainda que vay envolto em patranhas quanto à fuílan-
cia, poderá fer verdade o que referem; porque a antiguidade
nam parece tanta como ellcs querem, & as guerras que eiles
dizem podiaõ fer muyto mais modernas; porque do tempo
dos Mouros , he impoílivel- Dizem pois os velhos affim , &
Contaõ que no tempo dos Mouros fe dera naquelle lu-
gar huma grande batalha,na qual da parte dos Chriftãos (ou
dos Portuguezes) era Capitão ,ou General hum homem,que
fe chamava Simaõ de Oliveira, natural da Cidade de Bragan-
ça^ que vendofe muyto apertado dos inimigos chamara pe-
la Senhora da Oliveira, Imagem milagrofa , que fe venerava
na fua terra , & aonde refplandecia com milagres. Eque no
mefmo ponto cm que invocava a Senhora, ellalheappare-
céra no tronco de huma oliveira, & que com afuaviííaa-
nimado acometera aos inimigos,& alcançara delles vidoria.
E que obrigado delle grande favor , que da Senhora recebe-
ra
' Livro I. TituloV. 31
ra lhe mandara edificar nomefmo íitin a Ermida, cm que ain-
da hoje era venerada , aonde fora collocada, & bufcada dos
fieis até efíes tempos.
He efla Sagrada Imagem de efeultura de madeira , mas
para mayor veneração ,& reverencia ufaô, os que a fervem,
o tella adornada , & veftida de ricas roupas ; & como he pe-
quenina, não ferácuftofo oíerem preciofas. Os milagres
que tem obrado em todos os tempos faõ muy tos , ainda que
a incúria , & defeuido dos q a fervem ha fido tanta , que nun-
ca fe lembrarão de os lançar em memoria. Delles fe vem al-
guns quadros, & mortalhas, fem embargo que4eflas logo
lhas tiram; porque o lugar he pobre, & fe valem delias para o
ferviço da mefma Cafa da Senhora. Também fe vem alguns
finaes, & memorias de cera, como fam cabeças, &braços,&
corações, & outras coufas defte género.
Os concurfos das romagens fam muyto grandes , &
muytos os lugares, que vem a bufear , & a venerar a Senho-
ra, & a fatisfazer os feus votos, & cantarlhe as fuás Miffas.
Na primeirao) tava da P^fcoa da Refurreição ,vem todos os
moradoras do lugar d* Povoa em romaria à Senhora, com
fua prociíTâo, que finaiizão com Miíía, & algumas vezes tem
Sermão. Eeít a romagem fazem por voto, a que eílão obri-
gados. Nâõ pude faber qual foffe o beneficio , que alcança-
rão , para que em acçzò de graças lhe dedicaíTcm efía obriga-:
toria acção. Mas he certo , q a Senhora íhes fez algum gran-
de beneficio , & faõ muyto pontuaes na fatisfaçaõ defle feu
voto.
O me fmo fazem os moradores do lugar de Sam Miguel
Dacha :eítes vem na fegunda feira depois da Dorrinica in
Al bis , ou dia de NoíTa Senhora dos Prazeres, com a fua pro*
ciífaõ , que fina lizaõ também com Mi(Ta ,& Sermão , também
por outra femeíhante obrigação. Tem Ermitão ,& hc cfta
Ermida annexa à Parochia do mefmo lugar da Orca.
Do contexto da referida tradição fe vé certamente fer
pairanhoíâ
3 z Santuário Mariano
patranhofa aquella hiftoria,quãto às circunftancias,& a o di-
zerfe que foy no tempo dos Mouros ; porque efle fucceííò
podia acontecer } fem fcr cm occaíião de guerra 7 porque com
qualquer outro trabalho , ou neceffidade , fe podia mover a-
quelle Simão de Oliveira , para recorrer à interceffáõ , & pa-
trocínio da Mtfericordioía Virgem Maria,& como ella fe naõ
fabe dilatar em remediar aos que cm fuás neceffidades a invo-
caõ , lhe acudiria logo , & obrigado o Oliveira , lhe dedica-
ria aquella Cafa. Mas eu mais me inclinara, que a Senhora
eíiava efeondida naquella arvore,& que difporia aquellc fuc-
ceílb , parafemanifeftar para remédio de todos aquelles po-
vos. E aflinv, fe os Chriftãos , no tempo em que os Mouros
entráraõ em Portugal , ou fe na mefma occafiaõ, a collocárão
os Anjos ; elles , & a mefma Senhora o fabem.
TITULO VI.
7)a Imagem de 1SL Senhora do Templo fora da Cidade
da Guarda.
SAm Joaô Damafceno entre os Santos Doutores , & Pa •
dres antigos, foy o que fallouda Prcfentaçaô da Senho-
ra em o Templo , & os fins , & intentos que Deos teve para
tamde madrugada levar ao feu Palácio , & Templo hua me-
nina quafi recém nacida na cafa de feus pay s,& o diz com ef-
tas palavras: Diafcitur autem in domo ovilisjoacbirn, & ad-
lufc ducitur in Templum^einâc in domoDomni plantata, & im-
FUe. pinguatafphituVeluti oliVafruffifera, omms Virtutis hâbi-
t acidam f aã a eíf y cwn ab omni feculari Vita > 12 carnali con-
cupifeentia procnl mentem abduxiffet , &fic Virgimum a-
mmtan fimul > & corpus conferViffèt y ut clecebat eam, quet in
finu Deum fufceptura erat. Nafce Maria em cafa de Teus
pays, mas apenas larga o peyto de fuagcandéva Mãy , quan-
. ' do
Livro I. Titula VI. 3 $
doo Divino Efpirito a tranfplanta à Santa terra do Templo,
aonde plantada de novo, a enche defoberanos favores de
graça , & como Oliveira fecunda fez ao feu coraçam morada
de todo o género de virtudes, apartando de fitudo o que po-
dia cheirar a impcrfeyção,para confervar na alma , & no cor-
po aquella pureza decente a huma mulher , que havia de
fer Mhy do mefmo Deos. Diz Damafccno: Nafciiurin do-
mo Joachtm , iS adducitur in Templwn. Nafce Maria cm ca-
fa de feus pays. Parece que melhor fora nafcer no Templo,
a que tam cedo havia de ir a ellc, & tello por morada fua: me-
lhor eftava, que foffe nafcida,& creada na Gafa de Deos. Pa-
ra que ha de nafcer cm cafa de homens , aquella que nam hc
bem fecrie fora da Cafa do Senhor * Teve grande myfíerio^
& quiçá p^ra que fc entendeífe, que Maria era filha de homés,
& nam Divindade apparecida no Templo. Não fojr acafo
(difle & Bafilio o gfande) crear Deos o Sol no quarto dia,po-
dendo-ocrearemoprimeyro; para que como creatura tam
bclla foffe dando cores , & pondo em publico as creaturas q
Deos hia creando , & ainda por fer creatura tam bella , quiz
que foíTem outras diante , & naõ fe entendefle, era o Author
das mais aquella primeyra luz monftruofa: TSÍe putaretur Btfl.
*Deus ts Opifex rerum. Vá diante a terra reveftida de plan *'«*• *•
tas,adornada de arvores, matizada de flores,para que quan* ■****•
do fe veja no mundo o Sol , naõ pofla dizer o Idolatra , eftc
he o Deos , que deu fer ás creaturas. He Maria , & ha de fer
creatura tambclla , &tam rara nas virtudes , &tãoprodi-
giofa nas luzes da graça , que podia enganar aos olhos pou-
co attentos, &tributar-lhe divindade. Pois nam nafça no
Templo, melhor he que o feu nafeimento feja em cafa de
feus pays; com iílo faberá «mundo , que he humana , ain-
da que pareça que temfemeíhançisde Divina; que talvez
como heo poder de Deos tam grande , & imprime cm huma
creatura as fuás qualidades, ao parecer taõ vivamente, que
he neceíTario dizer que he peífoa humana , para que fe
Tom. III. C na5
3 4 Santuário Mariano
nau entenda que he divina,
AVifta cie tam exceffivas graças , & prerogativas, bem
he que todos amem , a quem foy tão digna delias , para que
nos alcance também a graça, com que devemos merecer ao
Senhor os favores , que elle concede acs que de veras como
exemplo de Maria o procuraõ amar. Fora dos muros da Ci-
dade da Guarda, para a parte do Oecidente, fe vé o Santuá-
rio de noffa Senhora do Templo, Caía dedicada ao myíkrio
da Preíentaçaõ de Maria Santiflima em o Templo , aonde fe
venera huma devota Imagem fua, com o titulo de nofía Se-
nhora do Templo. Fica efle Santuário no caminho, quefa-
he da Porta nova para olugardeMaçainhas. Sobre aori:
gem ,& princípios, defta Santa Imagem , & da fundação da
lua Cafa, fe diz,que-a edificaram dous virtiíofos Cónegos da-
quella Cathedral , irmãos no fangue, & também nas virtu-
des. Chamava-fe o primcyro, Miguel da Paz, & o ftgundo ,
Manoel Ferras. Eraõ ambos devotiflimos de N. Senhora, &
efpecialmente do myfierio de fua Prefentação , quando foy
prefentada ,& dedicada por feus pays no Templo , para nel*
íe fervir ao Senhor em idade de três annos,
A primeyra Imagem que fe começou a venerar , & re-
verenciar nefle Santuário era de pintura, em o mefino pafía,
& myfierio da Prefentação no Templo, & affim fe intitulava
aquclla Ermida (como fica referido) pela Cafa da Senhora do
Templo. Depois o Reverendo Cónego António de Siqucyra
de A ibuquerque, Prebendado da mefma Sè da Guarda, fendo
Juiz da Irmandade, q ferve a efla Senhora^mandou fazer ou-
fra Imagem de vulto muyto devota , que fe vé collccada no
meyo do Altar da Capella mór , encoftada ao quadro que eflá
»omeyo doretabolo , aonde fe vé pintada a mefma Senhora,
que no principio. da fundação collocáraõ aquelles devotos
Cónegos ( q he perfeiíifTimamentc obrada. O meyo da Ima-
gem de vulto he de madeira , com braços de engrnços , & o
mais corpo de roca , & affim hp de vetíidos , & a adornaõ ri-
camente
Livro 1. Titulo VL
eamente ; porque os cem muyto precioíos.
Tam grande foy a devoção que aquelies devotos Cóne-
gos tinhaõ pára com efta Senhora, que fempre queriam eftap
á fua riílaj & para oconfeguirem aííim , mandarão fazer ha-
mas cafas junto à mefma Ermida , para que de mais perto fe
dedicaffem ao culto , & ao ferviço daquella grande Senhora,
fazendo-fc defta forte huns retratos dos Bcmavcnturados.
Aííim foubéraõeftçs devotos Sacerdotes obrigar a Maria
Santiffima , & cila lho pagou tam bem, que na fua morte/ju*
feria feliz , difpoz , que ficaíTem enterrados à fua vifta > por-
que ambos fe vem enterrrados na lua Capella , defronte da
mefma Senhora, aonde fe vem juntas as fuás fepulturas , co«
mo o teftemunhão os epitáfios, q nellas fe vem abertosem as
pedras,que ascobrem,& fe véforaõ feitos no anno de 1 6oe.
Tema Imagem da Senhora quatro palmos de eftatura*
& eftá com as mãos levantadas. He efta Senhora fervida poc
fiumailluftre Irmandade , que com grande zelo a fefteja , &
os Cónegos daquella nobre Cathedrai , à imitação dos fun-
dadores , faôos que afliftem à Senhora, com grande fervor,
&religiofa emulação. Fefteja-fe efta Senhora em vinte fie
hum de Novembro, dia próprio defta feftividade.
; , , j 1 ^ ; P
T I T U L O VIL
Da milagrofa Imagem de N. Senhora dos Remédios dá
Cidade da Guarda*
FOra dos arrebaldes da Nobre Cidade da Guardarem dif-
tancia de pouco mais de hum quarto delegoa, eftá íitua-
da a Cafa, & Santuário da Senhora dos Remédios. Vefe efta
na eftrada , que vay da Cidade para a Viíla do Sabugal; & fica
entre o Nafcente, & o Meyo dia, da mefma Cidade. Não he
•muyto antiga efta Ermida , porque afundou hu Simão An-
C % tunes
$6 Santuário Mariano
tunes de Pina , Prior das três Igrejas , de Saõ Pedro do Jar-
méllo > Sam Pedro da Remolla , & São Pedro da Cidade. He
tradição confiante , que o motivo q teve efte fervo de Deos
(que foy Varaô perfeito,& que refplandeceocm grandes vir-
tudes) para a fundação defla Caía, fora o dizerfelhe, que r*a-
quelleíítio, (que era medonho, &muyto folitario) pade-
ciaõ os paflores ,& os caminhantes , que por alli paliavam
de noite, grandes medos; porque lhe appareciaô naquellelu-
gar varias fantafmaSjnaõfó por fero lugar defemparado;mas
porque faziaõalíi os caminhos humas encruzilhadas,nas eC-
tradasquevem da Aldeã doBifpo para aPovoadoMil-eu:
ôcoeflar aquelleíitio muyto cheyo de grandes matos, &
brenhas , em que nãofóandavaõ muytas feras , mas era ca-
paz para qualquer maldade : & tudo fe podia temer daquelle
medonho fítio, & por iflòcaufava grande terror $ & efpanto
aos Paflores , & caminhantes.
Movido pois a compaixão o Prior das três Igrejas , para
que naôouveíTenaquclle lugar coufa que impcdiíTea pafía-
gem aos caminhantes , nem a afliflencia aos Paflores , man-
dou fundar nelle aquella Ermida , q dedicou à May de Dcosj
para que como Mãy, q he dos peccadores , remediaffe aquel-
les males , que naquelle lugar fe padeciam. Nella collocou
huma Imagem de noffa Senhora , que logo mandou fazer , a
que impoz o titulo dos Remédios 7 para que com o feu favor,
& protecçam pudeffem todos > com as luzes defla foberana
Aurora, quecoftuma defterrar fempre todas as fombras dos
temores nodurnos , caminhar feguros , & paffarem livres de
qualquer temor , dos que , antes defla Senhora alli fer vene-
rada , fcpadeciaõ- E fuccedeoaffimj porque depois que a Sa-
grada Imagem da Mãy de Deos alli foy collccada, nunca
:mais apparecéraõ as antigas fsntafmas , nem ouve coufa que
pudeíTe caufar temor , aflim aos Paflores, como aos cami-
nhantes , & pafTageiros.
He efla Sagrada Imagem da Mãy de Deos obrada deef-
cul tura
Livro L Título VIL 3 7
cultura de madeira, &afuaeftatura laõ quatro palmos , &
tem em feus braços ao menino Deos , muyto unido a íi. E os
feus devotos, pormayorveneraçam,&refpeito,a adornaõ
hoje de preciofos veílidos , que fe vertem com trabalho, por
ficarem os braços muyto unidos ao corpo, fcaffimío huma
das fuás mãos fe defcobre à vifta. He de elegante fermofura,
& de foberana mageflade , &aílim caufa muyto grande de-
voçaõem todos os quecontemplaô a fua graça , ôtbelleza;
porque parece eílardeftilando doçuras- E ainda que he feyta
lia mais de cem annos, cftá a encarnação taõbel!a,& ram
frefea, que fe lhe naõ enxerga o menor defeito, qjucpudef-
fe diminuir a fua fermofura- E parece q fe vé alli muyto bem
ao vivo o que deite Senhora affirma ElRey Salamaõ , que nel- Canfg
la nem ha, nem pode haver macula alguma : Et macula non ^V#
ejlinte.
He cfta Ermida annexa à fregueíia da Sé-E confervou-fc
fempre naquelle fitio , com huma devota Irmandade , aonde
os Irmãos delia com fervorofa devoção concorriam em to-
dos os primeyros Sabbados de cada mez , em que havia Mif-
fa , que mandavaõ celebrar pelos Irmãos vivos , & defun-»
tos da mefma Irmandade. E como era Ermida do campo , &
poíte em lugar folitario, poucas vezes fe via nella grande
concurfo , fora dos referidos Sabbados , primeiros de cada
mez. Mas como a Senhora a favor dos que devotamente a
fervem , nam falta em moflrar o muyto que fe paga dos feus
devotos obfequios ; quiz com maravilhas acreditar a fua
Cafa,& obrigar a todos a procurar dos feus poderes o re-
médio dos feus trabalhos , &neceílidades.
Succedeo pois , que em o primeyro Sabbado do mez de
Agofto doannode 1696. achandofeoCapellaõ da Senhora
para celebrar Miífa, ( chama va-feefte o Padre Francifcoda
Guerra, & era natural da mefma Cidade da Guarda, peífoa
authorizada,3ntiguo>& adornado de muytas virtudes) repa-
rou eíkern que naõ havia agua para a MiíTa, Edizendo-oa
Tom- III, C 5 bum
3 8 Santuário Mariano
hum dos Irmãos * que aííifliaõ , para que a mandafle bufear,
que parece naõ ficava muyto perto ; diffchum dclles, (á viíta
da falta ) que tinha huma enxada nas mãos: Bem pudera nofla
Senhora fazer agora , que aqui fahiííe huma fontedeagua,
por nãoirmos daqui bufcalla mais longe. E apenas diíTeiíkv,
quando dá com a enxada no mefmo caminho, & o mefmo foy
cavar, &dar fegunda enxadada, que brotar logo hua fon-
te de execliente agua, dasveas daquellafeca> & dura terra,
cm tempo de veraõ,^ de calmas, comoheo mezde Agoflo.
Deíle milagrofo fueceflb fe começou logo a commover
ovulgo, & com a fama da maravilha y que fe efpalhou tam-
bém por todos aquelles contornos , fe moveo a gente, & baf-
tou a fua fé , para que o fucceííò foffe milagre ■; porque enco-
jnendandofe à Senhora dos Remédios , & bebendo da fua
agua , ou lavandofe , & Icvando-a para varias enfermidades,
todos os enfermos achavaõ nella faude perfey ta. Era aquel-
la fonte huma pifeina de muyto mayor virtude, que a de Je-
rufalem ; porque cita fó a hum fe extendia a fua virtude; mas
a da Senhora dos Remédios era pifeina , em que faravão to^
dos , & de todas as enfermidades.
Com efie milagrofo fucceíTo fe avivou de tal forte a
fé cm todos, naõ fó nos moradores da Cidade da Guarda,mas
nos de todas aquellas terras circumvizinhas , aonde logo fc
efpalhou a fama das novas maravilhas da Senhora dos Re-
médios , que de todas começarão a vir logo a venerar , & a
bufear a Senhora, ccrtio a único remédio de todos csíeus
males , & enfermidades. Innumcravel era o cencurfo da
gente , que vinha a bufear a Senhora , ainda de terras muy-
to diííantes defte Rcyno, osquaes cm gratifica çam dos fa-
vores, que recebiaõ daquella mifericordiofa Mãy dospec-
cadores,dcyxavaõ muytas cfmclas, fínaes, & memorias
deíTes beneficios,emmortalhas,cabcças,braços,mãos,& co*
rações de cera, & também quadros, & outras coufasfeme-
lhantes,emteíiemunho perpetuo das recebidas mercês. De
que
Livro L Título VIL 39
que fe vem cubertas as paredes daquellc Santuário- Samtan-
tos os milagres , que nem para fazer memoria delles, ha lu-
gar naquellaCafa.
Humdirey , que em relação fua (feita de mandado do
Illuftriífimo Senhor Bifpo da Guarda D. Rodrigo de Moura
Telles ,nos aponta o Prior da Prima da Sé o Doutor Manoel
Leytaõ de Magalhães, de que elle foy teíkmunha , pelo ver,
&hc neíU maneira. Huma Catherina Cardofa , viuva de
Manoel VeIho,lhe creceo a unha de hum pé de maneyra,que
craimpoífivel ocalçarfe; porque era comprida á feiçaõ do
dedo mínimo de huma maõ, retorcida, & de forte fe virava
fobre os outros dedos, que lhe caufava notáveis dores: fez
muytos remédios , & depois romarias a N. Senhora da Lapa,
& a Sam Gonçalo de Amarante , valendofe dos remédios Di-
vinos, porque nos humanos da medicina , fe haviaõ cfgotado
osqueella inculca ; porque nenhum lhe aproveitou ; porque
nem com aguas , nem fem ellas fe lhe podia cortar a unha.
Ncfte tempo fuecedeo abrirfe a fonte da Senhora dos Remé-
dios , vay a cila com muyta devoçam,applica a fua agua ao de«-
do, pegada unha, icapartafe logo da carne , ficando imme-
diajamente fãa , &fcmmolcftia alguma. Efta unha pendu-
rou a mtrfma viuva , por memoria, na Ermida da Senhora dos
Remédios.
Tambemcílá pendurado hu quadro,cuja infcripçaõ que
nclle fe vé t quero aqui referir ; para que delia fe veja a mara-
vilha, que a Senhora obrou a~favor de outra mulher. Mi- „
lagre que fez noíTa Senhora dos Remédios a MariaTaborda, „
mulher de António de Brito Homem, de Alcongofta , que >,
eftando no artigo da morte , muy to inchada de hydropefia, „
& mandando chamar muytos Médicos; depois de ufarem de >,
todos os remédios, aíTentáram que feabriíTe, paraoquevie-,,
ram dousCirurgiocnsmuyro peritos. E chamando a enfer- „
ma pela Senhora dos Remédios , ao cantar do gallo lhe >,
arrebentou huma fonte no embigo , dequefahiraõ dezoi- »
C 4 to*,
4© Santuário Manam
» to quartilhos de agua , anno de 1 699. iílo he o que contém
,, o letreiro do quadro.
Com eftes } & outros muytos, & femelhantes milagres,
& prodígios he a gente tanta , q concorre, que fempre fe vem
as ellradas cheyas , & aífim naõ fe podem queixar eftes cami-
Thren n^os ^e f°litarios>como la,diz Jeremias, faziaõ os de Jerufa-
t, lem ; porque ainda que antiguamente eraõ caminhos m ai tri-
mm, 4, lhados , triíles, & medonhos , hoje fa6 eftradas larguiffimas;
porque os muytos que os curfaõ os fazem fef mais dilatados,
& mais play nos , alegres , & muy to agradáveis com a preíen-
ça da Senhora dos Remédios \ o que não era antes , porque
eraõ afperos , & intratáveis.
Com as muytasoffertas , que feoffereciam á Senhora,
fe lhe edificou huma nova Capella mor, de cantaria muy to
bem lavrada, aonde querem collocar a Senhora, em huma ri-
ca tribuna , que fe lhe cftá também fazendo. E para eíta obra
deixou hu devoto humaefmola de cincoenta mil reis. E Sua
Mageftade fazendofelhe petição , para que deífe huma ajuda
de cuílo para a mefma obra , foy fervido conceder logo pro-
vifaõ , para que fe deíTemcem mil reis , do que remanecia do
cabeção das íizas. E dera muyto mais, fe tivera inteira no-
ticia das maravilhas da Senhora dos Remédios. Com eftas
efmolas , & com as mais que daõ os devotos, fe vay conclu-
indo a obra do Santuario,& Cafa da Senhora dos Remédios;
a que fe ajunta o grande zelo do Prior da Prima àa Sé , aon-
de efta Ermida pertence , q cep as fuás diligencias, & gran-
de devoção com que ferve a Senhora,tudofeaugmenta.Com
que ficará agora a Senhora com muy ta mais decência > & ve-
neração fegundo o permitte aquellefitio. Toda eíla relação
nos fezomefmo Prior o Doutor Manoel Leytaõ de Maga-
lhacns, por aflim lho ordenar o llluífriflímo Senhor Bifpo
da Guarda D, Rodrigo de Moura Telles, no anno de 1705.
TITULO
Livro ITituhFllL 41
TITULO VIII.
Da Imagem milagrosa da Senhora da Alagoa da Filia
dojarmetlo*
NO Termo da Villa do Jarmello,deque fie Senhor o
Marquez de Arronches , que ficadiilante da Cidade
da Guarda pouco mais de duas legoas para o Sul , & em a
Fregueíia de Argumil , fe vé a Igreja de N. Senhora da Ala-
goa, na qual he tida emfumma veneração huma devota I-
magcm da Mãy de Deos , a quem todos invocão com eík ti-
tulo da Alagoa. He ctfc Santuário > hum dos mais frequen-
tados da Beyra , pelas muytas , & grandes maravilhas } que
obra a poderofa maõ de Deos a favor de todos aquelles, que
com fé invocaõ o ncme de fua Santiflima Mãy.
A origem , & principio defla Santa Imagem nos refere
o Reverendo Cónego António de Siqueyra de Albuquer-
que } de quem nos títulos antecedentes fizemos menção j
fcofaz nefta maneira. Abay*o da Igreja , cm que efla Sa-
grada Imagem he venerada , fe vé huma alagoa formada
(principalmente no inverno ) das aguas que nellafc ajun-
tam, em hum vallc, asquaesdefeendodos montescircum-
vizinhos, formão aquella alagoa , & depois fevaõfumindo
por alguns meatos da terra,& fica no veraõquafide todo fe-
ca. Nos tempos antigos era efte campo da Alagoa huma bre-
nha , & mata de carvalhos , & de outras arvores filveflres;
porém hoje fe vé toda campo razo fem arvore alguma. Nçíle
litio, pois , andava huma paftorínha guardando gado janto
à alagoa , & dizem que a paflorinha era de huma quinta, que
hoje fe vé convertida em hum baflante lugar^a que chamaõ a
Rapoula , & o íitio emque guardava o gado naõ ficava muy-
to diflante da alagoa. Em hum dia lhe defapparccéraõ alguas
ovelhas
41 Santuário Mariano
ovelhas j&el la co. ti ocuydadj de as bufar femeteo pela
alagoa dentro ; porque no veraõ , como fica dito, tem muy to
pouca agua-, ôc buícando-as com toda a diligencia, ouvio húa
voz que a chamava , & olhando para hum carvalho , vio em
a concavidade do feu tronco huma Imagem de noíTa Senho-
ra , que lhe fallou : não confia o que a Senhora lhe diífc, mas
íèria fem duvida, quedeífc parte aos moradores da quinta,
para que a foíTem tirar daquelle lugar, & acollocaíTem em al-
guma Ermida,em que pudeffe fer vifta,& venerada de todos,
pois he Mãy , amparo , & advogada dos peccâdores ; & aon-
de por mcyo da fua invocaçam alcançafTem de feu amoroíò
Filho muy tos favores, & benefícios.
Deu a paftorinha logo parte a feus pays do thefouro
quedefeubríra, que referindo o que a filha narrava ao Prior
de Pêra do Mato,lugar também circumvizinho, que indo lo-*
goaoíitio,que felhe apontava > & achando no tronco do
carvalho a Santa Imagem, a levou para a fua Igreja. Noíe-'
guinte dia concorreo o povo , para ver , & venerar a Sagra-
da Imagem da Senhora \ masnaõ a acharão , de que ficarão
todos muy fentidos,& difeorrendo para onde iria, foraõ ou-
tra vez à mata da alagoa , a ver fe porventura aachariacno
tronco da mefma arvore ; mas não a pudéraõ defcobrir. E fa-
zendo-íe mais diligencias pelas partes circumvizinhas á-
qucllemefmoíitio,a foraõ defeubrir em íima de hus antigos
alicerfes , que fobre hum alto fe viaõ. Que íem duvida feria
o lugar cm que,emo tempo dos Godos,fcna venerada.E per-
fuadidos diíto,fc refolvéraõ a lhe edificar naquelle mefmo íi-
tio huma nova Cafa , & com effeito lhe erigiram logo huma
Ermida de pouco cuílo-
Nefte lugar eíteve a Imagem da Senhora por alguns
annos , obrando Deos por feu meyo grandes milagres,& no-
táveis maravilhas ;Ôc pnncipalmentc nosgotoíbs, queen-
comendandofeàquellamilagrofa Senhora da Alagoa, acha-
vaõ na fua invocação , naõ fó alivio nas penofas dores defta
enfermidade
Livro /. Titulo VIU. 43
enfermidade ; mas humas totaes melhoras nelfa.
Havia na Sé da Guarda hum Cónego todo aleijadodefle
mal da gota, que encomendandofe à Senhora, alcançou delia
perfeitiílima íaude; & por nam foííe ingrato a tam grande
beneficio , lhe mandou edificara nova Igreja , em que hoje hc
venerada. Feftcjafc efta Senhora cm oyto de Setembro, &
neíie dia fe faz naquelle lugar húa grande feyra , & com eíla
occaíiaõ , he innumcravcl a gente, que concorre a venerar a-
quella milagrofaSenhora,& principalmete a gente de detraz
daScrradaEflreila. O titulo que eíla Santa Imagem tinha
antes de fua manifefíaçaõ , naõ fefabequal foíTe;oda Ala-
goa lhe foy impoflo , pela razaõ de a defeubrir nella a paílo-
rinha.
Temfc por fem duvida j que cfla Santa Imagem a efeori-
déraõ os Chriílãos,quando os Mouros entrarão pelas terras
de Portugal , & efles cruéis bárbaros feriaô os que demo-
lirão a fua Cafa. Heeflaannexa áParochiade Argumil , &
p Prior deíla Igreja parece que he o que aprefenta o Er-
mita^ A matéria de que hc efla Santa Imagem, hedema»
ddra ; eftá fentada em huma cadeirinha , & {obre o braço
ef^uerdo tem o menino Jefus. Na vefpora , & no dia da fua
fefla , he muyto grande o concurfo da gente, & affirmaõ que
antiguamente vinhaõneftes dias muy tas mortalhas^ muy-
ta cera em velas , cabeças , braços , corações , & outros fc-
roelhantes íinaes , em memoria dos favores , que haviaõ re-
cebido os que os vinhaõ a offerecer; & que também traziam
toalhas, cortinas, & outras coufasmais para oferviçoda
Igreja da Senhora. Outros fe vinhaô a pezar a trigo , ou a
centeyo , por fatisfaçaõ das promeflas, & em gratificação dos
benefícios recebidos.
Naôfó os que padecem a queixa da gota podagra , mas
os que a padecem mais cruel,que he a gota corahforaõ livres
pelo favor ,&interce(Taõ da Senhora da Alagoa- muytas pef-
ioasíenumeraõ, que foraõ livres totalmente deite peno-
fiffimo
44 Santuário Mariano
íiíTimo achaque pela lua invocação. Também fe refere, que
do pé da Serra viera hum homem com hum filho Clérigo , &
hua filha cega; & que o Clérigo differa MiíTa á Senhora pela
neccíTidade da Irmaã, & que acabada a Miffa, querendo o pay
dar a maõ á filha para a encaminhar, a achara livre da queyxa ,
que padecia ; refpondendolhe que por mercê de noite Senho-
ra ja via , & aflim deram todos as graças á Senhora por taõ
grande beneficio. Iflo viraõ muy tos , que ainda hoje faõ vi-
vos^ & ainda o publicaõ, & fe offerecem para o teítemunhar.
Também em as occaíioés de calamidades , ou de necef-
íídades publicas ,como em faltas de agua, ou em tempos de-
mafudamente invernofos,coílumaõ tirar em prociffaõa Se-
nhora, para alcançarem por efle meyo o remédio da neceflu
dade , que padecem ,levando-a á Parochia; & fempre alcan-
çaõ defta clementiffima Senhora felices dcfpachos em fuás
petições.Tudo o referido nos conftou por refaçaô do Reve-
rendo Cónego António de Siquey ra de Albuquerque , & do
Cura de Argumilo Padre Pedro Dias , que demandado do
Senhor Bifpo da Guarda nos informou com fua relação.
TITULO IX.
Damilagrofa Imagem de nofa Senhora do Cabbido, ou da
Efperança.
NOmuyto Religiofo Convento de Santa Clara da Ci-
dade da Guarda , fe venera com muyto particular de-
voção daquellas Religiofas , huma devotiflima Imagem da
MãydeDeos,aqualeftáco!locada em humaCapelladaca-1
fado Capitulo ,& aonde atem as Religiofas comgrande ve-
neração, & fervem com grande reverencia.Eíla Imagem, que
he de alabaftr o, ou jafpe finiílimo , & que terá de alto pouco
mais de hum palmo , & que tem em feus braços ao menino
Deos;
Livro I. Titulo IX. 4 jt
Deos , trouxeraõ as fundadoras daquelle mefmo Conven-
to, da Cidade de Avinhaô cm França ,cuandoforaôao Papa
(que entaõ reíidia naquella Cidade ) a pedirlhe a Regra de
Santa Clara em o anno de 1346. que era Clemente VI. Im»
puzeraô aquellas fervoroías Efpofas de Chriflo a efla Santa
Imagem o titulo da Efperança ; para que cem ella poflas de-
bayxoda fua protecção, & amparo pudefTem alcançar es bõs
defpachosque pertendiaô, como cm cfFeito lhes fuecedeo:
& também não íó tiveraõ com a fua protecção bom fucceíTo
na fua jornada, quando voltaram; iras aquelle Convento o
teve fempre com a prefença defla Senhora, em todos os tra^
balhos, &ncceffidades, que tiverão.
Succedeo pois , que nas grandes guerras , que teve efle
Reyno de Portugal com o de Caflella cm tempo delRey
Dom Joaõ o Primcyro , com o temor de fer entrada aquella
Cidade pelos Caftelhanos, que parece eflavaávifla da Ci-
dade 7 re prefentarfelhe à Sacriflaâ do Ccnvento,que entran-
do os inimigos, lhe roubariam a Scnhora,& as jcyas, h mais
peífas ,& relíquias daSacriflia , refolveo conrfigo , fem dar
parte a ninguém, de enterrara Senhora , & cem ella tudo o
mais, & as relíquias da Cafa.,em que cntravaõdousefpinhos
da Coroa de noflb Senhor Jefus Chriflo ; o que com effey to
fez fecretamente , parecendolhe , que fufpendcndofe breve-
mente as guerras, poderiaõ entaõ defeubrir feguramente
a joya da Senhora , & o feu thefouro , & mais peífas que ha-
via ocultado . Porém caõ fuecedeo afllm; porque continu-
ando as guerras , & atalhando a morte efles feus difeurfos,
alevouDecs em breve tempo para a fua gloria. Edifpolo-
hia affim a fua Divina Providencia , para mayor gloria , &
honra de fua Santiffima Mãy , permitindo que aReligiofa fc
cfqucceífe de revelar o thefouro , que havia efeondido , por-
que o havia feito fem que outra Religiofa o foubeffe-
Depois correndo os tempos , andavão as mais Religio-
fesmuytofentidas denaõ terem noticia aonde fe havia oc-
cultâdo,
4<í Santuário Mar iam
cultado toda a fua riqueza, fico feu mayor theíburo , em
que ellastinhaõ fundado as íuas melhores efperanças. Até
que fonhando huma Religiofa de fanta vida em repetidas
noites , que na caía do Capitulo fe havia oceultado hum rico
thefouro; fis confiderando , fc feriaõ aqucllasinextimaveis
joyas , que fe hariaõ perdido, que Deos por meyo daquelies
íonhos lhe quereria revelar, para que febufcaífem, fez ca-
var no me imo fítio em que havia fonhado ; ôc affim foy acha-
da com pouco trabalho a Santa Imagem da Senhora , com as
relíquias } & as mais coufas, que com ellas fe haviaõ occulta*
do pela antiga Sacriftãa.
Collocáram a Imagem da Senhora na mefma cafa do
Capitulo, aonde eftá com a veneração, que havemos referi-
do : com razaõ, da cafa em que eflá , lhe déraõ daquellc tem*
po para cá o titulo de nolía Senhora do Capitulo, ou do
Cabido,como deviam entaõ chamar as Religiofàs áquclla ca-
fa, ôefe começou a acender entre todas aquellas Religiofàs
mais a devoção } & o affe&o para com aquella Senhora, que
havia fido a fua Protecflora , & daquelle Convento , & a que
em a Cidade de Avinhaõ havia folicitado os bons defpachos
delle.
He efta Santa Imagem/endo pequena na proporção do
corpo, de grande fermofura,5t de excellente efeultura no la-
vor do jafpe , de que he formada. A Prelada daquella cafa
referio ao Prior da Prima o Doutor Manoel Leytaõ de Ma*
galhaens,(que de ordem do Illuftriflimo Senhor D. Rodrigo
Moura Telles, fendo Bifpo daquella Cidade, nos fez efta re-
lação ) moftrandolhe a Senhora , que ella havia obrado com a
fua interceíTaõ muy tos, fie admiráveis prodigiosa eftupen-
das maravilhas em varias peífoas, que a ella haviam recor-
rido em fuás neceffidades. E de huma principalmente de
remotas terras referio, que vendofe (indo embarcado) em
huma grande tormenta , em evidentíífimo perigo de fazerem
todos miferavel naufrágio; tendo elic noticiai mefma Se-
nhora
Livro I. Titulo IX. '$?
nhora d a Efperança, pela relação que delia dá o Padre Frcy
Manoel da Efperança em a fua htíloria Seraphica , cuja liçaõ
parece que havia tido, lhe veyo átnemoria naquclla occa fiaô,
& valendofe nella dofoberano nome da Senhora da Efpe-
rança ,&Senhora lhe valera j para que naõ naufragaffe, li-
vrando-o daquclle grande perigo,em que fe vio com os mais
da fua companhia.-
Teve aquella Religíofa efla noticia , por vir a mefma
pcfíòa ao mefmo Convento a dar as graças á Senhora , & pe-
dir, que lha quizeflem moflrar , pois vinha demuytas le-
goas agradecer a mercê, & o favor que lhe havia feito , em o
livrar do grande perigo em que fe vira , & confeíTava, que fó
aMãydeDeosolivrára. Ea mefma Prelada confeííbu tam-
bém , que tendo alguma grande neceflidade,ou affíiçaõ, que
amoleftaíTe, íílim do fuflento das Religiofas,ccm o de ou-
tras coufas do feu governo,trazia logo a Senhora para a fua
cella, aonde lhe metia nas mãos a petição que lhe fazia , di-
zendolhe , que a naõ largaria , fem que lhe conoedefíe o que
lhe pedia, vakndofe do que dizia Saõ Bernardo, que tudo
devíamos alcançar pelas mãos deita Senhora. E que cila ti-
nha por coufaprodigiofa, o naõ lhe fazer nunca petiçam,
que a Senhora lhe naõ defpachaífe ; & como he Mãy de mife-
ricordía , & confolaçaõ de todos os que fe vem em afflicçaõ,
fempre acode aremediallas. Da Senhora da Efperança, ou do
Capitulo , efereve o Padre Frey Manoel da Efperança na fua
hifloria Seraphica part. z. liv. 9. cap. 34. n, 4. &! o Prior da
Prima referido em a fua relação.
•
TITULO
48 Santuário Mariam
TITULO X,
Da milagrofa Imagem de N. Senhora de Seyxo d o («-
gar do Fundão.
NO lugar do Fundão , ou entre o lugar doFundaô , &
a Aldca de Joanne , tem a Província dos Rcligiofos da
Piedade huma grande Cafa. He efla dedicada a N. Senhora
com o titulo do Seixo. Outros lhedaõ o titulo daAflump-
çaõ , fem duvida , porque deixando aquelfcs fantos Religio-
fos a Igreja da Senhora do Seyxo, com a mudança que fizeraõ
da Cafa, a dedicarão ao myftcrio da Affumpçaõ, pondo no
Altar outra Imagem fua, &por eíta caufa fe chama hoje o
Convento da Affumpçaõ. E o Convento do Seyxo tinha o ti-
tulo da Natividade da Senhora, que fc fuprimiocom a mu-
dança: todas eftas variedades faz o tempo; & com cilas fc mc-
Ihorariaõ os Religiofos de fitio , para que os ajudaria muy to
o povo do Fundaõ > que he rico , & devoto.
A Senhora do Seyxo, de quem agora tratamos, eftá col-
locada hoje na antiga Cafa dos Religiofos ; que naõ fey fe fi-
zeraõ bem em deixar aquella Senhora , que os agazaihou
ta<nbem,dandolhc cafa em que deflem princípios a hum Con-
vento tam bem provido, & farto. Vefeneíta Cafa a Senho-
ra collocada fobre o mefmo feyxo, ou penhafeo em que appa-
recco,&qusa natureza ou o Ceoerigio por trono, &pea-
nha, em que fc quiz mollrar patente a todos os que a bufeaõ
cm feus trabalhos, para dallios remediar , íc favorecer. E he
coufa de admiração, que por todos aquellcs con tornos fe
naõ defcobre, & ainda muytas legoas diftantepedra daquel-
lacafta , ou outra femelhante.
A origem defta Sinta Imagem , &os princípios da fua
Gafa (coou de outras muytas defte Reyno ) faõ taõ ef cu ros,
que
* Livro L Titulo. X. 49
quenaoTe pode defcubrir nada delles,& daqui fe poderá cn-
tendera fua grande antiguidade. O que coníls he , quenef-
1 ta Cafa fundarão os Padres da Província da Piedade pelos
annosde i526.Ncftc fitio perfeveráraõ por alguns annos;
&fem duvida porfer aquelle fitio defabrido, como dizem,
&afpero no Inverno, o deixarão, & foram fundar o novo
Convento para outro fitio mais abrigado, &naõmuy to dif-
tante, porque fó difta cotifa de duzentos paffos rcomo agora
fe vé, ficando a Cafa da Senhora doSeyxo no fim da cerca,
ou com a frontaria no cordeado do muro delia. E nefla an •
tigaCafa , em que a Senhora era antigamente buícada, a vaõ
hoje ver, & venerar todos os fieis, pela grande devoçam,
quefempre ihetiveraõ.
O haver a Senhora apparccido naquelle penhafeo, hc
tradição confiante; o modo he o que fe ignora. Heefta San-
ta Imagem de pedra mármore muy to alva, como alabaílro,
moílra terdous palmos, & meyode efUtura, & tem nos bran-
cos ao Menino Deosda mcfma matéria ; o penhafeo também
he de feyxos brancos , que faz ainda mais verofimel que en-
tre elles appareceria , & dizem que poderia fer appareceffe a
algua paftorinha , porque gofta muy to efía Senhora de ma-
nifeftar-fe aos íingelos , & cândidos. Refere-fe naô fó por
tradição ,mas por coufa certa, & authentica, que dera falia
a hum mudo de naíeimento ,o qual pela devoção que tinha à-
quella Santa Imagem , & porque aflim lho mandavaõ também
os Religiofos , íe exercitava em varrer a fua Cafa , & que em
hum dia dando principio aefte feu exercício , fazendo pri-
meyro reverencia á Senhora , com o animo, Sc coração enle-
vado neila , proferio por primeiras palavras a Saudação An^
gelica da Ave Marta, Ifto coníla da relação , que delia nos
remeteo o Doutor jofeph Salvado Cinza.Porém o Padre Fr.
Manoel de Monforte na fua Chronica diz que o milagre fuc-
cedera no anno de 1 608. & que na vefpora do Natal, acaban-
do o mudo de varrer a Cafa da Senhora, alpendre , & te rrei-
Tpm.III. D ro.
yo Santuário Mariano
ro,fe recolhera porferjá tarde a hum forno depaõ, aonde
hia dormir febre a lenha delle , o qual ficava na Aldeã nova
do cabo , que fica pouco diílante do Ccnvento, & que á meya
noyte, no ponto que es Frades tangiaõá Miífa que chamaõ
do gatlo, começara afallar clara,& diííintamente, chamando
pela Virgem Senhora noíTa , & que a lingua fe lhe eílendéra,
& puzera cmfua proporção, de modo que dallipor diante
faltou perfeitamente ;& perguntado da novidade, que nelle
fe via , reípondeo , que vindo do Convento depois de varrer
? Igreja, paílando pelo penedo, (em que he tradição appare-
céra a Senhora) fobre elle meímo apparecéra ao mudo, & lhe
diíTera , que fe alegraíTe , porque naquella meya noyte lhe ha-
via de dar falia , como deu.
A'vifía do milagre , fe deu conta dcllc ao Cabido da Sé
daGuarda,queentaõ efíava vaga aquella Cadeira por mor-
te do Bifpo Dom Nuno de Noronha , pedindolhe que pa-
ra mayor honra de Deos , & gloria da Senhora , o mandaíTe
autenticar, como fez. Outros milagres prodigiofos fere-
ferem , que deixo por naõ fer do meu inflituto- A gente que
concorria de muy tas , & remotas partes a vifitar , & a vene-
rar a efla Senhora, cramuyta; & affim tiveraõ cuydado da
Cafa da Senhora , Ermitaens providos por provifôes Reaesj
tam celebre era eftaCafa, &tamappctecida porfeus rendi-
mentos. Iftofevé de huma carta delRey Domjoaõ oTer-
ceyro , feyta em Lisboa a 2$. de Outubro de 1 522 .pela qual
faz mercé aos Padres da Província da Piedade daquellc fitio,
como coufa do feu Padroado. Efcreve da Senhora do Seyxo
o Padre Monforte na Chronica da mefma Província liv. 2.
TITULO
Livro L Tttnk XI. jrf
TITULO XL
T>% miUgrofa Imagem de N. Senhora âos Açores.
A Villa de Açores ficalcgoa , & meya ao Les-nordefte da
Villa de Celorico, &huma do Barrocal . Nefta Villa he
muyto celebre o Santuário antigo de noíTa Senhora de Aço-
res ,& de quem a Villa tomou o titulo. Defta Santiííimal-
magem eferevem muytos Authores , dos quacs o N. M. Pu-
rificação efereve a fua origem em efta forma. Andando hum
pobre vaqueyro apafeentando pelos campos , que eífeõ en-
tre as Villas de Linhares j& Celorico jhuma manada de va-
cas, lhe cahiohuma em certa alagoa muy funda , donde fc
naõ podia fair. O paftor pelo cuy dado de que fe lhe naõ afo-
gaífe, felançouá agua,&engolfounellademandra,quefe
hia afogando. Nefte grande a per to ,cm que íe via,devia tem-
brarfe de nofía Senhora , com a qual teria grande devoção, 8c
como efta amorofa Mãy nunca falta aos q imploraõ o feu fa-
vor , ella lhe apparecco , & o livrou , & também a fua vaca.
Admirado o paftor do grande beneficio,© foy logo divulgar
pelos povos circumvizinhos. Vieraõ cftes àquelle mefmo
lugar, & fazendo diligencias por aquelle meímo diftrito*
que o vaqueyro dizia ,que foy entre Linhares, & Celorico
encoftado à Serra da Eftrella, acharam huma devota Imagem
da May de Deos , & namorados de íua celeftial fermofura
lhe edificaram huma Ermida , na qual fe começarão a experi-
mentar logo muytos milagres , & prodígios. Foy crecendo
a fama delles tanto , que chegando à noticia do Rey , que en-
tão governava Eípanha, (naõ fe fabe qual fofle,) & comoef-
tiveíTe fem filhos , pedio-os á Senhora , que naõ dilatando o
dcfpacho da fua de vota, & humilde petição, permittio qu£
a Rainha lhe pariífe hum filho para herdcyro de feus Rey-
D 2 nos.
5i Santuário Mariano
nos , & Eítados ; o qual como nafccííe aleijado , moveo aos
pays alhedefejarem, & procurarem oremedio da mefma
Senhora, por cujo faeyo o haviao alcançado. Epara maiso-
brigarcm a May de piedade , foraõ peííoalmente em romaria
áfua Cafa, levando comfigo o menino enfermo, o qual para
mayor excellencia do milagre, & mayor manifeftaçaõ da
grande fé daquelles piedofos Principes,faleceo,indo ellesá-
inda pelo caminho. Efemconfentir a Rainha, queoenter-
raíTem, fezinfíancia ,quc todavia chegaíTem à Ermida da Se-
nhora , dizendo que affim morto o queria cfferecer , a quem
o trazia promettido, & que iam poderefa era a Senhora para
lhe dar faude citando enfermo, como vida eflando morto.
Chegarão, & fazendo oraçaõ a devota Rainha com o
filhinhomorto em feus braços, de repente cebrou vida, &
o viram faõ , & fem a antiga aleijão. Eítava ElRey nefle
tempo fora da Ermida, com mofiras de grande fentímento,
além do que trazia contra hum caçador feu , que ícm ordem
fua, ou contra cila lançara a certa ave hum açor, que feguin-
do-a fe havia perdido , & em pena defta defordem , lhe man-
dava cortar a maõ ; & como o pobre homem ( eíkndendo o
braço para^ha cortarem) chamaffe pela Virgem noífa Senho-
ra , fubitamente fe vio decer do alto o açor , & fe lhe poz na
maõ em prefença de todos , no mefmo ponto em que da Er-
mida vinhaô faindo as Damas da Rainha com preífa , & alvo-
roço de alegria em buíca delRey , para lhe darem a nova do
Infante refufeitado , & faõ também da queyxa , & falta anti-
ga. Com ocurfo de tantas maravilhas juntas , fe deu ElRey
porobrigado naõ fóa perdoar ao caçador, mas a fundar al-
lihumMoflcyro deReligiofas de Santo Agoftinho, & ou-
tra nova Igreja, que he a que ainda hoje perfevera defde o
tempo dos Godos^que he de três naves, no qual he tradição,
fe recolhera huma Infanta, filha do mefmoRey,& que nef-
te Mofleyro fizera vida fanta , & penitente.
foroccafiaõ do milagre do açor, fe chamou efte Mof-
teyro
Livro I. Titulo XI. j $
tcyro de Santa Maria do Açor , & depois Santa M? ria dos
Açores, Com a entrada dos Mouros em Portugal, fedei-
povoou, deftruío, & extinguiode todooMofieyro, pof-
to que fe naõ fabe o como, fe defemparando-o as Religiofas,
ou morrendo nelle pela defenfa da Fé , & pureza que profef-
favão , como aconteceo a muytas outras. Ainda hoje fe vem
no mefmo lugar alguns vcftigios, queconfirmãoefta verda-
de ; & permanece cm pé a própria Igreja , que entaõ fe fez,
& na fua traça ,& velhice fe confirma bem a antiguidade, que
a tradição delia apregoa. Também fe achaõ alli algumas
infcripçoens de fcpulturas das Religiofas,que neile morre-
rão > mas em efíado que fe naõ pode fazer conceito do que
dizem. Só huma feacha com o letreiro inteiro, cuja efe ri-
tura he afeguinte.
Requievitfamula Cbritti , inpacefui,
Intiubala, fub menfe Decembris era 714.
Quer dizer no noíTo vulgar : Aqui defeança em paz de feu
Efpofo , Inciubula ferva de Chrifto , no mez de Dezembro
da era de 714. que vem aferannos de Chrifto de 676. 6c
nefte tempo reynava em Efpanha ElRey Vvamba. Naõbaf-
toua perfeguiçaõ dos Bárbaros taõ continuada , & por tan-
tos annos , para fe acabar entre os fieis a memoria , & devo-
ção deita Senhora , antes quanto mais affli&os fe viaõ os
Chriftãos,com tanta mais frequência a bufeavaõ , como a
Mãy de piedade j para alivio, 6c remédio defeus trabalhos.
Eaílim quando Portugal, depois deftas infelicidades , fe co-
meçou a rcftituir à fua antiga dignidade de Reyno particu-
lar, & ter Príncipes Catholicos, que o governavaõ, fere for*
mou a Igreja, 6c a tradição dos milagres antigos, que fora 5
a occafiaõ de fe edificar o Morteiro , rnandando-fe pintar em
quadros no retábulo hum menino i/íorto, que vay às cortas
de três pefíòas, &na companhia huma Rainha coroada, a
quem appareceo a Santiflima Virgem, & lhe refufeitou o
m:íiin3. E também em outra parte do mefmo retabolo,
Tom. III. D 3 as
54 Santuário Mariano
ab figuras de hum Rey , & do miniítro com o traçado levan-
tado para cortar a maõ de hum homem , & o açor que fc vem
(de voo) por na própria maõ. E com ítr efta pintura tam an-
tiga , ainda hoje permanece , & fe diviía claramente-
Creceo tanto dahi por diante a devoção cefla Sagrada
Imagem, que pelo difeurfo dos annos fc vcyo a fundar jun-
to da Igreja hua Villa, que hoje alli Vemos com o mcfmo no-
me de Açores. Cujos princípios, fegundo fcentende , naf-
ctram de huma grande vidtoria , que cm tempo delRey Dom
Sancho o Primcyro de Portugal alcançarão es Portugue-
zcs contra os Leonezes, por interccffaõ da Sagrada Virgem
dos Açores % & foy o fuecefíò nefta maneyra.
Reynandoem Portugal o íobredito Rey Dom Sancho
o Primeyro , entrou neflc noífo Reyno hum poderofo exer-
cito delRey deLeam pela Comarca da Bcyra , aífclando
quanto achava , até chegar aos confins de Pinhel , & Tran-
cofo , fem os Capitaens deftas Viilas oufarem a lhe íahir
ao encontro, pela deíigualdade de gente com que fe acha-
vao.Depois de fazerem grandes damnosnos arrcbaldes def-
tas Viilas, fe fizeraõ com toda a preza na volta de Celorico,
&de Linhares, com animo de as conquiítar, antes que de
todo fe fizefícm inexpugnáveis com a muy ta gete Portugue-
sa, que pela fortaleza de feus cafiellos aellas fe recolhia,
com petrechos de guerra, & mantimentos. Chegarão às Vil-
las,mas naõ lhes podendo prejudicar muyto,fizeraõ em feus
termos grandes roubos, & cativarão toda a gente, que pu-
deraõ aver às mãos,& a que lhe refiftia matavao fem piedade
alguma. Servia neííe tempo de Capitão mòr de Celorico hu
esforçado Cavalleiro .chamado Rodrigo Mendes , que naõ
podendo fofrer pafíaííem osinimigos tantoafeu falvo, fe
concertou ^confederou com os Capitaens das Viilas no-
meadas , & com a gente do Concelho de Algodres, & da Ci-
dade da Guarda , para que foífem dar todos juntos no Exer-
cito dos Leonezes , antes q fizelTem majores danos na terra.
Deixadas
Livro L Titulo XI. j y
Deyxadasascircunftanciasque ajudao a fer efta vido-
ria mais gtoriofa, (cuja narração naô pertence ao noffo iníli-
tuto) a principal foy, que confidcrando os Portuguezcs, de-
pois de juntos, quam poucos craõ em comparação do nu-
merofo Exercito dos contrários, & temendo poriíTo apre-
fcntarlhe batalha \ o Capitão de Celorico os animou , pro-
mettendolhes vi&oria fc fe encomedaffem à Sagrada Virgem
dos Açores ,& pele jafícm em feu favor confiados -, & ainda
trazendolhes á memoria as grandes maravilhas, que tinha
obrado em favor dos que delia fe Valiaõ. Com efla pia ex-
ortação tomáraô osPottuguczes tal alento, & tal valor, Sc
confiança na Mãy de Dcos,quc fem temor algum dos Leone-
zes , fe lançarão a elles , & pelejando com grande animo, &
esforço alcançarão dclleshuma grande vidoria, ficando hus
mortos, outros cativos, & alguns,que puderaõ efcapar,pof->
tos em fugida. Erajaquafi Sol poiío, quando fe começou
a batalha; & dizemos Authores, que eferevem cftc fucceífo,
com a tradição daquelles povos ;que durou o conflido a té al-
gumas horas depois da noite , fem fe fentir falta de luz para
poderem acabar de vencer, &de desbaratar aos inimigos:
não porque, como a Jofuè, Deos lhe fizeífe parar o Sol j mas
porque pela interccffaõ da Virgem Maria , com cujo nome
na boca pelejavaõ , acudirão a Lua , & Eílrcllas com tanta
mayor claridade da ordinária , que fuppriraõ bem a faltados
rayos do Sol, que fe aufentára.
No dia feguinte recolherão os defpojos, que eraõri-
qmflimos, por confiar de tudo o que os inimigos comfigc tra-
ziaõ, &doquetinha5 roubado em todo o tempo, que a for-
tuna enganosamente os ajudára^Logo como todos conhecef-
fem> que aquellatam feliz vitoria fora alcançada porinter-
ceíTao, &meyo da Santiífima Virgem dos Açores, fizeram
votoosCapitaens,comtodo o corpo do Exercito, cadahíí
em nome da fua terra , de irem à lua Igreja em romaria to-
dos osannos até o fim do mundo, aíTun como aílifc achavam
D 4 com
5 6 Santuário Mariano
com fuaá bandeiras , & a eavalio , & lhe darem offertas , &
fazerem dizer Miífas em acção de graças portam nffinalada
mercé. Ecm cumprimento dcfte voto,vay a viíitar a Senho-
ra , &adaríheasgraças,a VilladeTrancofocomo feu ter-
mo , a pnmeyra Oda va do Efpirito Santo, todos os annos. E
o modo que nifto obfervaõ he , que faindo ao campo da Villa
toda a gente de pé ,que de ordinário faõ três para quatro mil
peffoas , correm hum pouco , & paraõ. Depois fc feguem
os cavalleiros fazendo efearamuça ; no fim daõ fuss carrei-
ras , & apeaõfe. Tornaõ logo a cavalgar , & começaõ todos
a fua prociíTaõ para a Cafa da Senhora dos Açores, aonde tem
Mifla cantada , fc daõ três cffertas. E depois tem a gente hu
banquete, para o qual eftaõ deputados vinte mil rci«.
Linhares faz o feu feftcjo,& prociííaõ do mefmo modo,
com o feu termo , a terceyra Citava. Pela mcfma ordem vay
também a Villa de Celorico em dia da Santa Cruz a tres de
Mayo ,& ambas tem também o feu banquete, que fc faz de
certa renda , que para iffo deyxou hum Infante defte Reyno,
que foy fenhor deitas Villas. A Cidade da Guarda faz huma
prociíTaõ naprimeyra O&ava da Pafchoa de flores , 8c dey-
xa a N.Senhcra mcya arroba de cera lavrada. O Concelho de
Algodres vay no mefmo dia,cm que vay a Villa de Trancofo,
6 Fornos , com o feu termo.
Bem vejo que fe attribue efta celebre vi&oria ao tempo
de ElRey Dom Joaô oPrimeyro , & fc diz foy contra Cafte-
Ihanos ; mas muytos tem para íi, que foy, como fica dito, no
tempo de D. Sancho o Primeyro , & contra ElRey deLeaõ;
defta opinião he Frey António Brandão , & Frcy António
Mon\ da Purificação 3 & no Brandão fe podem ver os fundamentos
Itif.p.** que traz por efta parte. Quanto mais, que daõ bom teftemu-
iik 12. nho defta verdade asantiquifli mas armas de Linhares, &Ce-
**&$• lorico , que faõ huma Lua entre Eftrellas, em memoria das
Purij. Eftrciias } & Lua , que comfua luz extraordinariamente a-
*' \uu judáraõ a feus moradores na vitoria contra osLeonezes.E
&3'7a muyto
Livro I. Titulo XI. 57
rr>uy tò melhor ss de Ce lorico , vifta fer tradição , que depois
íc lhe acrefeentou hu ptyxc em memoria daquella truta , que
cshindo das unhas de huma águia na praça defeu csíiello,
citando cercado de inimigos , foy occafiaõ para íc lhe levan-
tar o cercOjComo hc notório, & ainda nas Chronicas do Rey-
no m, porque como eííe cafo aconteceo cm tempo delRey D.
AffoniooTerceyro, que foy muytosannos antes que ElRcy
Dom Jóaõ o Primeyro , claro eítáj que muyto mais antiga
fica fendo a batalha da ncy te , donde íe originou a eftas Vil-
las o brazam da Lua , & Eftrcllas.
Porém,ou eíla notável viâoria fcalcançaíTe cm hum,ou
outro tempo, ( o que naõ importa ao noffo intento ) o certo
he > fegundo a tradição confiante dos naturaes , queellafc
deve ao efpccialfoccorro,& intcrccíTaõ daSantiílima Vir-
gem dos Açores > antiga Padroeira daquellc Moíleyro de
Frcyras , que em tempo dos Godos efleve naquelle fitio. Ga-
nhada pois efla vidoria , algumas peflòas aflim das que nella
fc acháraõ, como também outras , por reverencia , & devo-
ção, que tomáraô ámilagrofa Senhora dos Açores, &por
ferem de mais perto amparados com feu favor, fizeraõ alli
morada } & affento , & deram principio á Villa do mcfmo
nome de Açores, que hoje vemos, Efiá collocada cila Santa
Imagem no meyo do Altar mór em hua tribuna , que ha pou-
cos tempos fe lhe fez , & fempre eíteve no Altar mór. He de
efcuhura de madeira , & tem de altura dous palmos. Efcrc-
vem de noífa Senhora dos Açores o P. M. Fr- António da
Purificação na i. part. da Chronica de Santo Agoflinhodc
Portugal , tit 4, §• 7. Frcy António Brandão na 4. part. da
Monarch. Luf. lib. 12. cap. 5. & outros»
o
TITULO
5 8 Santuário Mariano
TITULO XII.
Da milagrofa Imagem de nqfa Senhora da Serra da
Guardunka.
ENtre as Villas de Saô Vicente da Bcyra , que fica para a
, parte do Sul,& dííla de Caftelio Branco cinco legoas ao
Noroefte, & as Villas de Caftello Novo, & a de Alpedrinha,
da parte do Nafcente,& a Villa da Covilhãa da parte do Nor-
te *& os lugares do Souto daCafa, Cafiellcjo do termo da
mefma Villa da Covilhãa , da parte do Occidente , fc levan-
ta huma grande Serra ( muyto mais digna de nome , &: fama
que a da Eílrelia tam nomeada, ) que lhe fica em diítancia de
cinco legoas ; fenaõ he que a quizeraõ comprchender nella
como braço fcu. Eftafe vé cercada de muytos lugares, &
povoações ,como faõ (além das Villas>& lugares nomeados)
os muytos lugares dos termos das mefmas Villas de Sam Vi-
cente, Caftello Novo, Alpedrinha, Covilhãa, Alcayde, Ai-
congofta , & outros que naõ tem numero* Ficalhe também
emdiftanciadefcte legoas a antiga Egitania , hoje Idanha a
velha , que foy huma das mais nobres , & populofas Cidades
de Efpanha , ao redor da qual fe vé huma grande campina , a
quechamão os campos da Idanha, femeada de lugares, &
cafteílos, q foraõ povoados, & edificados (como outros mais
afaftados ) das ruinas da mefma Egitania, &de outros do
íeu circuito, como faõ a Cidade da Guarda diftante dez le-
goas ,que lhe fuecedeo na Igreja Epifcopal , a Villa de Pena-
macor , Pcnagracia , Monfanto , Idanha a nova , Segura, &
Salvaterra.
Efta Serra , que melhor lhe convinha o nome de hum a -
gregado.de jardins pelo viílofo de fuás arvores, & delicio-
ío de fuás fontes , & regatos, adornada de muytas ervas
cheirofas
Livro I. Titulo XII. jp
cheyrofas , & arvores , que tendo o nome de fílvefires, por
ferem nafeidas eípontaneamente , ou plantadas pelo fobera-
no Agricultor, íaõ domefíicas pelas excellentes frutas que
produzem) entras plantadas, & cultivadas pela induilria
dos homens } de tam diverfos, & regalados frutos 7 & de taõ
fuaves ? & extraordinários gofíos, que fervem de admiração;
como fsõ os verdeaes, as camoezas, capanduas , rcpinaJ»-
dos;ginjas garrafaes, & outras muy tas frutas em tanta quan-
tidade, que naôfó provém a muy ta parte deík Reyno , mas
aodeCaííella.
Nefta Serra pois levantarão os Cavalleiros Templários
hum Caíklío , ou Convento, ( porque foram muytos es que
fundárap ema Província da Beyra.) Hum deftes Conventos
foy o da Serra da Guardunha > que na lingua Arábiga, donde
tomou o nome, quer dizer, acolhimento da Idanha ; porque
guarda , íígnifica acolhimento :odunha, cu odonha por cor-
rupção de vocábulo valo mefmo q Idanha , a que parece naõ
chegava a pronuncia dos Mouros. E arazam defe lhe dar
cílenome foy ; porque íendo combatida, &dcvaítada por
elles a Idanha , ou Egitania , feus moradores, 6c os das ter-
ras do feu contorno fe acolherão àquella Serra como a caf-
telío, & a hum prefidio forte de donde fe podiaõ defender.
Neíla occafiaõ levarão os moradores da velha Idanha,
cm fua companhia,hua de votiíllma Imagem da Mãy de Deos,
que tirarão de huma das fuás Igrejas , que parece janaquelles
tempos refplandecia cm milagres , & com cila alegres, ou a-
nimados fe davão porfeguros, para fc defenderem defeus
inimigos os Bárbaros. Ja nefle tempo eílavaô os Cavallei-
ros do Templo neíla Serra , & nella fe defendia© , & aos
Chrifiios das correrias dos Mouros, até que ElRcy Dom
Sancho o Primeyro edificou a Cidade da Guarda , para onde
fepaífáraô os moradores, que da Idanha ainda allirefidiam.
NoannodeiJççMfíenta o P.M.Fr. António Brandão na
fua 4. pari. da Mon Luf. que fizera doação ElRey D, San-
cho
So Santuário Mar iam
cho o Primeyro à Ordem dos Templários da Cidade da Ida-
nha , ja habitada outra vez dos Chriftãos. E no mefmo anno,
diz > dera foral o mefmo Rey à Cidade da Guarda , para onde
havia paíTado a Cadeira Epifcopal da Idanha.
PaíTados à Guarda os queviviaõ na Serra de Guardu-
nha , deviaô ficar ainda na mefma Serra os Cavalleiros, & ou
fbífc que paffando a povoar a Idanha , cm virtude da doação
fcy ta à Ordem em 5. de Julho de 1 1 99. ficou a Santa Imagem
ainda na fua Cafa , que lhe ha viaõ fabricado os da Idanha ; &
ao depois invadindo os Mouros a Serra,efcondéraõ os Chri-
ftãos a Santa Imagem em a lapa aonde depois foy fervida de
fe manifcftar.
Foyocafo,quc perdendo«fc huma menina dcAlcon-
gofta da companhia de fua mãy , que em hua tarde havia faí do
a bufear lenha a eíta Serra ,] a foy achar o feu cuidado fo def-
velo , depois de nove dias , junto a huma penha , ou dentro
de huma lapa , que fervia de Cafa , & de Altar àquella fobe-
rana Imagem ; & vendo-a a mãy viva, quando a confiderava
ja tragada de alguma fera , lhe perguntou com admiração a-
onde ertivera } & quem a fuíkntára : ao que a menina refpon-
deo^que fora huma Senhora Tia , que naquclla Cafa mora-
va , apontando com o dedo para a lapa , & que lhe dava fo-
pasdclcytc a comer, &agua por huma campainha aonde
entrando a mulher, dcfcubrioaquclle preciofo thefouro da
Imagem da Senhora pofta em o mefmo Altar, que era o ulti-
mo penedoda lapa, &nichoem que hoje hc fervida , & ve-
nerada •> mais admirável pelo, eftranho da natureza , que pelo
magnifico, & fumptuofo da arte.
Deu a mulher noticia da preciofa drachma, que achara,
ao Prior de Alcongofta fua terra , & elle foy o primeyro que
a foy bufear , & venerar \ convocando o Clero , & povo , &
a levaram com grande feita , & alegria de todos para a Ma-
triz de Alcongoíla, & a collocáraõ no Altar mór , que he de-
dicada cita Igreja à Conceição da Senhora. Daqui procedeo o
ficarem
Livro 1. Titulo XI L 6x
ficarem os Priores daqueile lugar com a pode da Se nhcra, &
juntamente com as offertas, & emolumento daquella Cafa,
que fica difrante de Alcongoíla huma legoa , & naõ o ficarem
os Priores das Igrejas de Caílello Novo > & Alpedrinha., fe-
bre que fe referem algumas patranhas , como a de fugir a Se-
nhora para a Igreja de Alcongoíia ,&eflar nella mais hum
dia , do que em as outras. Aqui começou logo a Senhora a
refpíandecer em milagres, & maravilhas , & tantas, que era
aquella iapa huma pcrenne pifeinada faude.
A fumptuoía fabrica, que aqui edificou o Author da na-
tureza para morada de fua Mãy Santiflima;& para amparo,
& cafa de refugio , dos que a cila recorrem a bufear os feus
favores, merecia huma melhor pennaque a defcreveffe , &
que com todas as circunílancias a trataffe , porque ha muy-
tas de que fe devia fazer caio ; mas como o meu aíTumpto he
fomente referir os Santuários de paífagem, aflimo farey com
cíle,o que he nefta maneyra. Sobre o mais alto da Serra da
Guardunha, huma legoa de Caílello Novo ,& outra de Al-
pedrinha , & pouco mais de outra dos lugares de Alcongof-
ta , Alcayde , Souto da Cafa , & Caflelejo , fe levanta huma
penha acumulada de monfíruofas pedras , a modo; de pi-
râmide, em circuito, altura , & diítancia de huma milha. No
nxyo deita diftancia , para a parte do Occidente , fe defeo-
bre huma lhanura , ou terrapleno , que mais parece o fabri-
cou a arte , que a natureza. Deíía parte fe moflra huma boca,
que do pé da mefma penha forma huma entrada , como por-
ta de huma cafa de abobada , & tam alta , que por tila cabia
muytobcmhum guiaõ arvorado no tempo das romagens,
que das villas,& lugares concorriaõ avifitar a Senhora em
ProcilTaõ :fuppoíta,que]a ssora naõ he tam alta a entrada;
porque o Illuílriffimo Bifpo da Guarda D.Luis da Si! va(hoje ■
Arcebifpo de Évora) indo a vifitaraquclle Santuário, lhe
mandou fabricar hum fermofo portado de pedra lavrada.
Depois da entrada vay fazendo para dentro(toda ao ní-
vel)
6 1 Santuário Mar iam
vel)huma ayrofa, 6c clara concavidade por todos os qua-
tro íados , a modo de corpo de Igreja tam efpaçofa , que cabe
nclla a mavor parte do povo nos dias princjpaes de fuás ro-
magens , & celebridades. O que mais admira he , que na ex-
tremidade deík corpo fez a natureza dousbraçoscollatc-
raes , aonde cflá hum Altar em que fe diz Miífa, que chamaõ
o Altar de fóra,& cflreitando- fe logo com outra entrada que
tem fuás grades de ferro , vay profeguindo mais efirey ta co-
mo Capella até o Altar mór, em que também fc diz Miffa , a-
onde eilá o nicho da Senhora , ficando toda cita diftancia cu-
be rta de hum concavo rochedo a modo de abobadada que fer-
ve dezimborioj &obelifco oremate da mefma penha. Na&
feyquefe poíía referir de outra Cafada Senhora , nem que
haja outra maravilha mais rara. Porque íenas fabricas do Lo-
reto , Monferratc , 8c Pilar de Çaragoça intervieraõ os An-
jos , & na fabrica das outras intervieraõ os homens ; na fa-
brica deile Templo , & deíh Capella , podemos dizer , que
rentiveyo a mefma Senhora , & o mefmo Artífice íupremo,
fazendo-a muyto de propofito para depofito daquella Sa*
grada Imagem.
Enaõ parecerá coufa nova afliftir Maria Santiífima ás
grandes fabricas do univerfo, pois nosdizoEfpiritoSan-
Prov. t0 cin os Provcrbios: £>iwido appendebat fundamenta ten<e,
g# cum eoeram cunãa componens \ que ella em fua companhia
compuzera , & formara todas as coufas. O terrapleno defta
penha , & entrada da Igreja da Senhora da Serra , eftá cerca-
da de algumas Çapellas ,i & Ermidas bem ornadas \ & algu-
mas Cellas,que hu Ermitão devoto fabricou à fua cufia,para
vi ver,com hu poço de agua perene. Eftá também alli hua co-
va, aonde viveo outro Ermitão Sacerdote por algum tempo,
aonde fazia rigoroía penitencia ,& huma fanta vida, até que
depois, por caufa de achaques, lhefoy precifo fazer huma
Cella , que he a de que agora ufaõ , & aonde vivem os Ermi •
tsens. A Imagem da Senhora tem três palmos, de eflatura,
a matéria
Livro I. Titulo XIÍI. 6$
a matéria he pedra rija, mas de muyto excellente efcnltura.
Porém a piedade, & a devoção dos cj a íervem a té veftida , &
adornada de preciefes veliidos. Da Senhora da Serra efere-
veo ànoíTainílancia, o que fica referido da Senhora, &de
outras imagens , o Doutcr Joleph Salvado Cinza , Medico
de Alpedrinha. Concorrem afeíiejar a Senhora ostres po-
vos de Callello Novo , Alpedrinha, & Alcongofta , em pro-
ciiTaõ nas G&avas da Pafchoa, & cada hum deites povos faz
feu dia , com Miffa cantada , & Sermão
TITULO XIII.
Da Imagem delSl. Senhora da Encarnação , do lugar da (Po-
voa de Rio de Moinhos.
AFeftividade do ineffavel myíterio daEncarnaçaõ do Fi-
lho de Dcos no ventre puriflimo de Maria, he muyto
antiga ; porque foy ordenada pelos Santos Apofiolos, co-
mo o prova o Padre Bonifácio na fua hifloria de N. Senhora. OPndre
Quer Deos,que a elte my íterio o veneremos muy to, & que o Bo^fac.
eítimemos , como a fonte , & origem de todos os myfterios; in™ft.
& para confirmação do muyto que ocftima, obrou grandes B'Mm
prodígios em todos os tempos.Em Africa ,comorcfereNider nider
Hv.4.cap. 6. & outros Authorcs, fendo Rey de Portugal l^Ct6.
Domjoaõ o Primcyro y junto à Cidade de Ceuta , que o mef-
mo Rey havia tomado aos Mouros, fe acharam em huma fon-
te varias pedras, nas quaes fe viraõ naturalmente irrpref-
fos os nomes dosmyíkrios denoífafantaFé , da Encarna-
ção de Ch riflo, & de noíTa Senhora,aindaquedivididos;por-
que em humas fe lia : JVe Afaria, cm outras: Gratia plenai
&em outras 5 Dominus tecum* E affim feachavaô o»uytas
coufas pertencentes à Encarnação de Chrifto, emdemcnf-
traçaõ do muyto quequer amemos , & veneremos eílc ineffa-
vel
64 -: Santuário Mariano
rÀtoz,a vc! royfterlo. Ifto mefmo affirma o Padre Aloza no feu Ceo
Vida : Eíirellado de Maria, liv. i.cap. 6. §.5. E comei ta maravi-
eftr'~ s lha daremos principioà hiftoria de N. Senhora da Encarna-
Ma f a5 do Iugar da Povoa dc R*° ^c Moinhos.
Entre os lugares da Povoa , & Tinalhas , termo da Vil-
la de Saò Vicente da Beyra, em diftancia deduas legoas da
.mefma Viila , fe vé o Santuário milagrofo da Senhora da En-
carnação , aonde todos aquelles povos concorrem cô gran-
de devoção ,& frequência, a venerar huma milagrofa Ima-
gem da May de Deos,quc com o titulodefte foberano myíie-
rio , he naquellá Cafa reverenciada j pela qual o poder Divi-
no obra muy tos prodígios , & maravilhas. Fazendo toda a
diligencia que me foy pofli vel, nem ainda com a intervenção
do Illuftriífimo Senhor Bifpo da Guarda Dom Rodrigo de
Moura Telles , que o commetteo ao Reverendo Cura o Pa-
dre Martinho Gonçalves Torrão , fepode defeubrir mais,
que fer aquella Sagrada Imagem muy to antiga ,& muy to mi-
lagrofa, & de grande devoção, & concurfo naquellas partes.
E aífirn de feu apparecimento,(fe foy apparecida)ou de quem
a mandou fazer, 6c collocou naquellá Cafa A em que tempo,
naõ confia. Taesfaõ os defcuydos com que feouveraõ osna-
turaesdaquelias povoações , que em coufastaõ grandes, fó
nos dão motivos de que nos poríamos queyxar do feu def;
cuydo.
O obrar Deos por meyo defta Sagrada Imagem infinitos
milagres , & maravilhas , o tefiemunham os antigos qua-
dros,queeftaõnafua Capella.aonde fe referem os milagres,
faudes,que deu em perigofas doenças , & enfermidades ; o
que ainda hoje experimenta© os moradores da Povoa, como
aindaoeílá confeffando huma Domingas Jorge, viuva de
Lourenço Leytaõ, que efiando já defeonfiada de muytos
Médicos, chamando neíte aperto pefa Senhora da Encarna-
ção , prometten jo de a ir viíitar , & de lhe oírerecer a fua
mor talhajeobrou logo milagrofa íaude, que ainda hoje con -
feíTa
Livro l Titulo XIII. 6S
feíía a recebera da Senhora. E outras muy tas peífoas do mef-
mo povoconfefTaõ o mefmo,5c doslugarescircumvizinhoS)
&affi«nlhc oíFerccem muytas MiíTas, mortalhas, & verti-
dos, & outras offertas, em agradecimento dos benefícios,
que da fua clemência receberão.
He crta Santa Imagem de roca, 5c de vertidos , tem cin-
co palmos de efíatura, o meyo corpo he de madeira com bra-
ços de engonços , & efíá com as mãos levantadas, mas he de
grande mageflade, & foberania, & aífim infunde nam ío
grande rcfpcito , mas muy ta devoção. Fica a fua Ermida fi •
tuada em hum alegre , & deliciofo lugar , cercado de vinh as,
& pomares. Tem Ermitaõ,que cuyda do aceyo, & ornato do
feu Altar > & tem cafas de romagem , aonde os devotos da
Senhora vaõ a ter as fuás novenas.
Saõ Padroeiros da Cafa da Senhora da Encarnação , os
moradores do lugar da Povoa , de donde difta pouco mais de
dous tiros de mofquete. E elles fam os que aprefentaõ o Ca-
pcllaõ,& o Ermitão. A Ermida cfláaceada,& adornada com
perfeição ; porque para tudo concorre a piedade dos fieis , &
dos devotos da Senhora. Feftejaõ a Senhora da Encarnação
nafegunda Oitava da Pafchoa da Refurreiçaõ , com Miíía
cantada , & Sermaõ , & ncfte dia he muy to grande o concur-
fo das romagens.
TITULO XIV.
*Da Imagem de N. Senhora dos Altos Cm , da Loufa.
AParochia do lugar da Loufa , termo da Villa de Caftello
Branco ,he dedicada á May de Deos, a quem invocam
com o titulo de noífa Senhora dos Altos Ceos.Examinando,
& inquirindo com toda a diligencia o Vigário derta rnefma
• Tom* IH* E Igreja
66 Santuário Mariano
Igreja Frey Manoel Moreyra Velcío,Frcy're da Orcem de
Chriílo, a origem ,& princípios dcíla milagrofa Senhora,
& a caufa do feu titulo, ou quem lho impoz ,nam pode nem
por tradições defeubrir mais , que o fer muyío antiga; &
nem do tempo emque começou a refplandecer em milagres.
Confia fim, per continuas experiências, que obra Deos pela
fua invocação muy tos , & contínuos prodígios , como o efiaõ
apregoando as memorias deíles , que fe vem peder das pare-
des da fua Capclla , aflim de mortalhas , como de outros vá-
rios finaes de cera , como mãos , pey tos , braços , corações,
& outras coufas defle argumento , além de o apregoarem os
mefmos, que em fios experimentarão.
Heeíta Sagrada Imagem formada em pedra , de rica,&
perfeitíffima efcultura. A fua eftatura he de cinco palmos,
eíiá collocada cm a Capclla mór, em hum nicho, que fica fo-
bre o facrario. As romagens antigamente eraõ muytas;
porque de muytas partes concorriaõ os romeiros , & devo-
tos a vifitar a efta milagrofa Senhora, & ainda hoje aopre-
fente , hc aquella Cafa , & Santuário muy to frequentado. Os
róíagres que tem obrado, naõ tem numero, algus delles fe a-
cham eferitos, dos quaes referirey alguns, & feja o primeyro
efte.
Pelos annos de í 640.ouve naquelles contornos do lu-
gar da Loufa, pelo mez de Mayo, huma grande praga de ga-
fanhotos , que aonde alojavaõ , naõ cemiaõ fó a erva , mas as
e fpigas,& a cana .& fe viaõ os campos, aonde chegarão cites
miniílros da Divina juíliça , razos , & queymados , como fe
paffárapc;rellesofogo. A viíiadcíle grande trabalho, que
lhes vinha 7 recorrerão os moradores da Loufa aoCeo,&
para o moverem á mifericordia , lançarão fortes para efeo-
Iher hum advogado, que por elles intercedefTe, & lhes alcan-
çaíTe o remédio de tam grande neceflidade. Sahio na forte a
Senhora dos Altos Ceos; o que logo tiveram por feliz an-
mincio , & afliai alegres todos os moradores da Loufa, fize-
ram
Livro I. Titulo XM 67
ram veto à Senhora de lhe fazerem todos os annos híia ío«
lemnidade, & grande fefía emoterceyro DomingodeMi-
yo, com Miíía cantada, Sermão, & o Senhor mamfefto, & í-
greja armada,fe ella foííc fervida de os^livrar daquelle inunii
nente trabalho. E para obrigarem mais à Senhora tratarão
logo de dar à execução a fira promeífa , que havia de fer voto
perpetuo , como hoje he , & o cumprem com pontualidade,
& grandeza , fazendolhe feita por três dias continuados,
com MitTas cantadas, Sermocns, & o Senhor expoílo , & no
fim do triduo acabaõ com prociíTaõ. E no ultimo dia,he cou*
fa muyto para ver fahirem de cada rua danças com applaufo
geral , que parece que a mefma Senhora infunde em todos
huma mais que commua alegria ; porque todos baylão y & fe
alegrão, íem haver nunca briga, nem pendência, ou defeon-
fíança , o que tudo fc attribue a particular favor da Senhora
dos Altos Ceos.
Feita a primeyra celebridade em louvor da Senhora
dos Altos Ceos ,para a obrigarem a lhe alcançar dos mef-
mos Ceos o remédio que pediam ; de tarde fe fez prociíTaõ
ao redor da Igreja , aonde todos cm louvor da Senhora dan-
ça vaõ ,&baylavaõ com huma muyto grande alegria, certos
cm feus coraçôes,dc que lhes naõ havia de faltar o feu favor.
Acabada a proci(fa6 paffou hú homem chamado Xiílo Lou-
renço^ diíTc para os que eítavaó dançando: Baylai,que tam-
bém o gafanhoto bayla febre as voffas fearas. E indo elle
mefmo a ver o campo a que chamão a Folha , que nsõ fica
muyto diflante do lugar , vio que o gafanhoto havia defapa-
recido , fem deyxar fcyta a menor perda 5 & aílim voltou to-
do alegre , &fepoz abaylar, incitando a todos os outros
paraqueaffirnofizeíTem, cm louvor da Senhora dos Altos
Ceos, que lhes havia feito hum tam grande favor. Efte be-
neficio que entaõ receberão da mifericordiofa Mãy dos pec-
cadores, o temaquelle povo tam pre lente, que fempre o
publicaõ, & affioicontinuaõ o feu triduo com muyto gran-
E z de
68 Santuário Mariano
de fervor , & devoçam.
No tempo das guerras , que começarão logo depois da
acclamaçaõ do Senhor Rey Dom Joaõ o Quarto, foy efta Se-
nhora fempre o preíidio, & adefenfa daquelle povo, para
que não foíTe entrado, nem íaqueado ,ou offendido dos ini-
migos, como fuecedeo aos mais circumvizinhos. Emhuma
occaííaõ entrou hum grande troço de Caílelhanos a arreba-
nhar os gados, & levava muy ta quantidade de ovelhas , &
boys,dasVillasdcCafie!!úNovo;Soalheira , Lardoza, Al-
cains , Efcallos de Cima , Efcallos de Bayxo , & Loufa. E a-
juntandofe as partidas todas com inconfideravcl prefa,fc fo-
rão as mulheres, & a mais gente, que viam pafíar o feu remé-
dio em poder do inimigo , para as bandas da Mata a pedir , &
a clamar á Senhora dos Altos Ceos, que lhes acudiífe,& va-
leffe ; porque fícavaõ todos aquelles povos perdidos. Quan-
do íuecede , que junto da Matafahiffem duas tropas deca-
vallos noffos , com duas companhias pagas, & alguma gente
daquclles povos com efpingardas, & em egoas. Repentina-
mente fe encherão os Caítelhanos de medo , & terror, ( fem
haver de que, porquanto es noffos não eraõnada em com-
paração do grande poder de gente que elles traziaõ ) larga-
rão a prefa , & fugirão, parecendolhes, que o feguia todo o
poder dos Portuguezes. Iflo fc attribuío a favor , como na
verdade o foy, da Senhora dos Aitos Ceos, por quem as mu:
lheres clamarão, lhesvalcffe, & lhes acudiffe.
Muytas outras maravilhas fe referem nefle particular,
emosteflemunhosque fetiráraõ por mandado dollluflrif-
fimo Senhor Bifpo da Guarda D. Rodrigo de Moura Telles
à noíFa infiancia , que naõ refiro; mas fó direy que em huma
deftas occafíoens,em que oinimigo intentou entrar o lugar
da Loufa , fc vio o quanto a Senhora dos Altos Ceos o tinha
debayxo da fua protecção ; porque eflando a gente na Igreja
a viraõ fuar, o que vendo o Vigário, que entaõ era, chamado
Fr. Manoel Lopes Freyre, a alimpou com hua toalha , fegu-
rando
Livro I. Titulo XIV. 6$
rando a todos o favor da Senhora , como o experimenta-
rão depois \ porque chegando os Caftelhanos junto ao redu-
ttò , ou atalaya, ao paliar hum ribcyro que por ai ti corre, fe
lhe levantou hum nevoeiro tam efpefíò, que ôs cavallos naõ
quizeraõ paíTar adiante , deixando por efta caufa de entrar o
lugar. O que feenrendeo (Scainia pelos iriefmos Caftelha-
nos,queoconfcíTárão)foraefpecial favor da Senhora dos
Al tos Ocos, que não queria feoffendeíTe aos que cila tinha
dcbayxo do feu amparo , & protecção.
Ultimamente as maravilhas , & os milagres fempre
foraõ muy tos , & maravilhofos. A muy tas peflbas , que pa-
decião accidentes de gota coral, deu perfeita faude, & deftas
fenomeaõ humalíabel Fernandes Preta, cafada, frhuma
Leonor Fernandes BugaIha,donzel!a,quc os padeciaõ muy-
to grandes. Reftituío o juizo a mulheres, que em trabalhofos
partos o perderam , & fe nomea a huma Maria Fernandes
Brandoa. Deu pés , & braços a muytos coxos \ & aleijados,
como o teftemunhão as muletas , que fe vem por trofeos
das vitorias , que a Senhora alcançou contra as enfermida-
des , penduradas na fua Capclla. Outros que vierão com de-
formidades notáveis , voltarão faõs apregoando as miferi-
cordiofas maravilhas da Senhora dos Altos Ceos. Os ende-
moninhados, 8c aífombrados do demónio, livrou efta Se-
nhora daquelles malignos efpirítos. Muytos eftando agoni-
zando,invocandoaefta Senhora,recuperárãoa vida, que já
fe lhes julgava a havião perdidojo que também teftemunhaõ
as muytas mortalhas. Muyto fe pudera dizer defta matéria,
íenão fora (air do noífoeftylo. Mas quem poderá duvidar^
que he muyto poderofa a Senhora dos Ceos, Sc a foberana
Rainha de todos os Santos ? porque fe eftes obrão muytas
vezes grandes maravilhas com a fua interceíTaõ; como as
deixará de obrar aquclla Senhora j por cujas mãos recebe-
mos tudo, o que fe nos concede pelo merecimento dos San-
tos? porque he efta Senhora a difpenfeira gerai de todos os
Tom. III. E 5 bens,
7Q Santuário Maviam
bens , & de todas as riquezas do Ceo.
TITULO XV.
Da milagrofa Imagem de N. Senhora da Efperança de
'BãmontCé
A Ordem Terceira Regular de SaõFrancifco tem na Vil-
Ia de Belmonte hum Convento dedicado à Mãy de
Deos debayxo do titulo da Efperança, aonde he tida em
grande veneração huma milagrofa Irragem fua.E he tam an-
tiga, que ainda os Religiofos mais graves , & mais antigos,
& que foram Prelados no mefmo Convento , nam fabem di-
zer nada da fua origem , & principios. Só dizem que efla fo-
berana Imagem da Rainha da Gloria viera da índia, & que
de Jà a trouxera hum fidalgo dos Afccndentes da Caía de
Belmonte, a quem chamavão Pedro Alves Cabral. Eíleen-
tendo certamente , que he o que defeubrio o Braíil , na via-
gem que fazia para a índia no tempo delRey Dom Manoel,
que foy filho de Fernão Cabral , Senhor de Azurara , & Al-
caydc mor de Belmonte, & Governador das Armas da Pro-
víncia da Beira ; porque dizem também , que fora por Capi-
tão mor das Náos , que hião para aquelle Eftadc Foy efía
viagem no anno de 1500. & na ida, & na volta teve grandes
perigos.
Vindo pois efle fidalgo da índia , trouxe comfígo eíta
Santiffima Imagem. Omodo^comoa alcançou, ou feia de
Portugal a levava na fua companhia ,ou fe là a mãdou fazer ,
he o que fe ignora- Depois que veyo da índia a collocou em
hua Ermida da fua quinta , que fica perto da Villa de Belmon-
te , de que era Senhor , cujo fitio deu depois aos Religiofos
daTnceyra Ordem, para fundarem nelle hum Convento,
dçqual íe fez Padroeyro^&ofaõ ainda hoje feus defeenden-
tes;
Livro I. Titulo XfA y t
tes- Collocada a Sagrada Imagem naquella Ermida ,eome cou
logo a obrar Deos por feu meyo tantas , & taõ grandes ma-
ravilhas , & prodígios , & a íer o concurfo da gente, que hi*
em romaria à Senhora com a fama delles , que para que t
fua Cafa , & Santuário tiveífe fempre as portas abertas , íhc
nomearão Ermitão , que^ferviífe , & cuidaíTe do a dor no9 5c
concerto do feu Altar. Deftemodo perfeverou muy tos an-
nos , continuando fempre a Senhora em obrar milagres , ôc
prodígios, que ainda que foraõ muytos ,& notáveis, nunca
ouve quem tomaííe por fua conta Iançillos em lembrança, Ôc
fó por tradição fc conferva que obrava milagres fem nu-
mero»
Pelos annosdc 1564. era ja Senhor defta quinta p &
Cafa da Senhora da Efperança , hum1 fidalgo , que dizem íer
filho fegundo dos Senhores de Belmonte,chamado]orge Ca-
bral. Efte confíderando que fó com aafliítencia de Religio-
fos poderia fer a Senhora da Efperança bem fervida , & af-
fifíida com toda aquella veneração , que lhe era devida , fez
doaçaõ da quinta , & Ermida aos Religiofos da Terceyra
Ordem do Seráfico Saõ Francifco , para que nella fundaífem
hum Convento, fazendofe juntamente Padroeiro dclle. A-
ceitáraõ os Religiofos com grande goftoeftc favor, dando
também as graças à Senhora da Efperança, pelos efeolher
porlcusCapeiíaens. Fundarão o Convento, & edificarão
nova Igreja ,& nella collocáraô com grande folemnidade a
Sagrada Imagem da Senhora. Ve-fe hoje na Capella mor à
parte do Evangelho collocada.
O titulo da Efperança dizem aquelles Religiofos, que já
quando veyo da índia o tinha, ou lho havia impoftooGe-
neral Pedro Alves Cabral. He efta Sagrada Imagem de ef-
cultura , obrada em pedra branca, & muy to fina como ala-
baítro, & com as roupas da mefma matéria, femeado tudo de
hiimas rozaíínhaSj & flores de ouro; (o que affirmáo os Re-
ligiofos ,fe lhe fizera cá7 depois que veyo da índia } tem de
È 4 compri-
7 1 Santuário Mariano
comprimento cinco palmos \ & mtyo , & tem fobrc o braço
efquerdoaíTcntado ao Menino Deos, lançando,ou moftran-
do hum raminho, ou cacho a hum paífannho , que eflá fchrc
o braço dircyto da Senhora, o qual abrindo asazas , moíira
querer comer , & picar do raminho , que o Menino lhe offe-
rece ; & com a mão efquerda \ porque tem o bracinho eften-
dido , eflá pegando no dedo polegar da maõ efquerda da Se-
nhora, & olhando com muyta attençaõparaopaílíirinho. A
Senhora tem o braço direy to eítendido aos pés do Menino,
& lhe cila pegando no cfquerdo , que elíc mofh a querer cn-
colhello. Ea Senhora eftá com os olhos fitos, &applicados
às acções, que o Menino motfra eftsr fazcndo,cm tal ferma,
&di(pofíçaõ ,que de todas as partes feeílá vendo damcíma
forte , mas com tal mageftade , graça , & foberaríia , que a to-
dos eftá roubando os corações , & infundindo reípey to, vc*
neraçaõ , & amor.
As maravilhas que tem obrado, como fica dito,faô in-
numeráveis, &affirmio que ja quando veyo da índia , havia
obrado milagres, & o confirmaõ cem huma ponta de hum ef-
padarte , do tamanho de huma efpada , & de largura como de
três dedos^om bicos de huma, & cutra parte, como dentes
agudos,que ainda hoje fe conferva,& fe vé ao entrar da por-
ta da Igreja , à parte direita , pendurada na parede debayxo
do Coro > que viera da Índia , aonde a Senhora havia obrado
humgrande milagre a favor da pcíToa que IhoofFereceo , &
do navio em que vinha , aonde o deyxou pregado.
Dos milagres antigos^não ha mais que a tradição, de
que obrara muy tos , & de que em todos os tempos os comi
nuára. No tempo prefente ainda obra muy tos; porque o po-
der j & a piedade he a mefma , como o teíkmunhaõ as muy-
tas mortalhas , & as memorias de cera , como brsços , & ca-
beças ,& outros femelhantes íinaes, que pendem das pare-
des da fua Capclla, principalmente da parte donde a Senhora
fica, E todas eflas memorias faõ huns vivos trofeos, que pu-
blicaô
Livro L Titulo XV. 73
blicao os triunfos, & vitorias, que a Senhora tem alcança-
do contra a morte, & enfermidades. E aífim he também muy-
to grande oconcurío dos romeyros, quede varias partes
vem a bufcar , & a vifitar a Senhora da Efperança. Dous mi-
lagres referirey, que faõ mais modernos, & no los apcnta
o Reverendo Prior de Belmonte Luis Mendes da Cofia, na
relaçèin que nos fez de mandado do Illufinífímo Senhor
Biíjpoda Guarda Dom Rodrigo de Moura Telles , & feja o
primeyro*
No anno de 1694. morando nas fuás cafas do Caílello
D. Msria Antónia de Brito, viuva de Fernaô Cabral , fenhor
de Belmonte, fe pegou o fogo por defeuido de húaefcrava
em as cafas, & ftdo ja a des-horas da noite fe defeubrio o in-
cêndio, ciland o recolhida todaafamilia, & foy com tanta
vehemencia a refpeytodehum grande vento , que foprava,
que fe tiveraõ todos por perdidos,fugindo defcompoflos ca-
da hum por onde pode- Vendofe nefle perigo y & afflicçaô a
fenhora de Belmonte, diíTe toda afflicia eftas palavras: Vir-
gem da Efperança valeime. Ditas ellas, fe aplacou o vento,
& acudindo os moradores daVilla fe apagou o fogo facil-
mente fem perigo de pefíba alguma. E a devota fenhora de
Belmonte, no dia feguinte , foy ao Convento, & mandou di-
zer huma Miífa cantada a nofTa Senhora em acçaõ de graças,
contando o fuecedido ao Padre Frey Manoel dos Anps,Mi«
niflro que então era do mefmo Convento, o qual o referio
ao Prior Luis Mendes da Coita , para que o efcrcveííe nefía
relação que nos deu.
Outro prodígio fuecedeo, & foy, que no anno de 1702.
eftando Ifabel de Siqueyra , mulher de Manoel Antunes Bí-
labau, doente, & defeonfiada dos Médicos , com finaes mor-
taes, vendo que naõ tinha nos remédios humanos efptran-
ças de vida, mandarão pedir o manto da Senhora, para fe ap-
plicar à doen te : vindo eíle , o meterão em huma arca Na pri-
mcyra noyte fentiraõ as peffoas, que affiftiam a doente, bater
na
74 Santuário Mariano
ns arca pela parte de dentro três pancadas ;na5 muyto rijas,
mas em forma que fe ouvirão. Atemorizada a gente, que as
ouvio, paffou aquella noy te fem dormir nada» E eftas panca-
das fc repetirão por três vezes. Na noy te feguinte fe ouvi-
rão as mefmas pancadas ,& acudindo Manoel Antunes, que
as ouvio clara , & diftintamente, vio , 8c correo a arca ao re-
dor, examinando fe havia alguém q deffe as taes pancadas, &
naõ achou nada : repetiraõ-fe as pancadas, que foy por ou-
tras três vezes. Abrioaarca, & tirou o manto da Senhora,
q logo fe applicou à enferma,na qual immediatamente fe re-
conheceo a melhora, & em poucos dias cobrou perfeyta fau-
de. E em acçaô de graças foy mandar cantar huma MiíTa a N.
Senhora com a fua família, & levou o manto com huma ef-
mola , & a mortalha que etfava preparada, q ainda fe vé pen-
der na Capella da Senhora. Muytas peffoas mandão pedir,
em cafos apertados , eíle manto , & com a devoção com que o
applicaõ , reconhecem nas melhoras os poderes da Senhora
da Efperança . Muy tos outros milagres fe referem , que tem
obrado a Senhora , que dcyxo de referir , porque para o meu
intento baílaõ os que ficam referidos.
«— —*— — — — ai— — ■ ■ ".
TITULO XVI.
Da Imagem de N. Senhora dns KeceJJidades do lugar
da Soalheyra.
NO lugar da Soalheyra termo da Villa de Canello Novo
he celebre o Santuário de N. Senhora das Neceflida-
des;fícaeíiefituado, em pouca diftancia do mefmo lugar,
em hum faio , a que chamlo o Valle da Nogueyra , mas em
terreno mais levantado. Nefta Cafa he bufeada com grande
devoção das gentes , não fó daqueíle povo , & dos lugares
circumvizirihjs, mas ainda dos muyto diílames, humami-
lagrofa
Livro I. Titulo XVI. ?$
lagrofa Imagem da Mãy de Dcos , à qual pefo muy to q con-
fola , & remedea aos peccadores, lhe impuseram o titulo das
Necefíidades,& porque ella he a mifericordiofa Mãy dos po-
bres^ dos neceffitados, difcretamenre a elegeram por Pro-
tectora da Caía da Mifcricordia ; porque na fua Cafa eíiá af-
fentada , & eííabelecida efía mifericordiofa, & charitativa
Irmandade, He grande oconcurfo da gente , que com fer-
vorofa devoção vay em todos os dias a bufcarnella Senho-
ra o remédio de fussnecefíidades ; & aflim efíão entrando a
toda a hora osromeyros, &muytos delles vem defcalços;
hus,porq eftando ja fem efperançasde vidajnvocando a efía
Senhora dasNeceflidades , a alcançarão porfuainterceífaõ,
& em acça 6 de graças a vão bufear naquella maneyra de peni-
tencia à fua Cafa , & a oíferecerlhe os feus dons , fegundo a
fua poffibilidadc. Outros vãoemamefma forma, pela faude,
q fuás mulheres alcançarão em partos trabalhofos, affiílin-
do-lhes a Senhora naquella apertada neceffidade,& por ou-
tros favores femelhantes , que delia receberam.
Muy tos faõ os milagrcs,que fc referem , & £ ffim fe vem
as paredes daquelle Santuário cheyas dos íinaes,& memo-
rias, que fc lhe offerecéram em teftemunho dos benefícios,
qne da Senhora alcançarão. Porque allife vem cabeças de
cera , mãos, braços, pey tos, olhos, corações , tranças de ca-
bellos, mortalhas, & outras coufas deite argumento. E tu-
do faõ trofeos ,que pubíicaõ os grandes poderes da Senho-
ra das NcceíUdades; porque em todas as occaíiôes que a in-
vocão, logo acham promptos os remédios para todas as fuás
afflicçcens , & neceffidades.
Naõ confta fe efía SantiíTíma Imagem appareceo da-
quelle lugar , nem quem nelle a collocou, nem o tempo, nem
quem foraõ os fundadores , que lhe edificaram aquella Caía.
Só dizem fer efía Senhora antiquiííima , & a fua Cafa o eíiá
afEm moítrando. Na informação que fe nos deu deite San-
tuário fe refere , que hum homem veiho differa , que fendo
menino
y6 Santuário Mariano
menino lhe lembrava ,leváraõ a eíta Senhora em prociffao
da Parochia do lugar para a fua Ermida- Mas ifío podia fer
pormuytasciufa.s-o i porque fe tirou a Senhora em alguma
neceíliiade publica, da fua Cafa para a Parochia, & a torna-
vaõalevar; ouporcaufa de algumas obras , &por ferepa-
r-.r a Igreja adepoíítariaõ na mefma Parochia, & depois a
refiituiriaõ à fua Cafa ; porque fer a Ermida muyto antiga,
naõ o faz o numero de cincoenta , nem de feífenta annos.
A devoção que todo aquellc lugar da Soalheira tem a
cfta Senhora , he muyto grande ; porque a experiência dos
feus grandes favores faz que todos com grande confiança,
& fé a bufquem em todos os feus trabalhos;6c porq fempre a
achavaõ propicia , como arnorofa Mãy , que he dos necefli-
tados, refolvéram os nobres daquelle povo, que na Cafa da
Senhora feaíTentafle a Irmandade da Mifericordia. Eaífim
todas as efmolas , com que concorrem os fieis, fe difpendem
em fubfídiodos mefmos pobres , & neceffitados. E em nome
da Senhora fe pede para elles , aílím para os veflir, como pa-
ra os furtentar. Tudo fe pede em nome da Senhora; & como
o povo hc muyto limitado, & pobre , lhes vai muyto aos po-
bres para o feu remédio as efmolas que os fieis , devotos , 6c
romeyros ofterecemà Senhora.
No tempo das guerras de Portugal com Caílella nun-
ca pudéraõ os inimigos chegar àquelle lugar; & nãõ foy
porque os muros ou fortificações os intimidaíTe;porque na-
da tem;mas foy porque o muro fortiffimo, que o defende, he
Maria Santiflima: Murus inexpugmbilis jlS munbwntumfa-
latis. Hum muro inexpugnável, & huma defenfa das fuás vi-
Horol. das, como lhe chamão os Gregos a efta Senhora, 6c eíla o foy
Grxc in verdadeiramente contra todas as entradas , que os inimigos
&*fi]t* fizeraõ em os mais lugares Porém eíle fempre ficou illefo,
& privilegiado a todos os roubos, & extorções, que os mais
padecerão; porque a Senhora das Neceífi Jades o defendia.
Também nas neceífi iades publicas de Sol , ou de agua, nefta
miferi-
Livro I. Titulo XVII. 77
mifericordiofa Senhora , acháraõ fempre o feu remédio.
He cila Santa Imagem de efeultura de madcyra , &
eflofada.&aflim lhe naôcoflumaõveftir roupas. Efláco!-
locada no Altar mayor da fua Ermida : tem quatro palmos de
eftatura. He de muyta mageftade,& fermofura,comque at-
trahe os corações dos feus devotos. Tem Ermitão que cuy-
da do aceyo , & concerto do feu Altar , & os Capcllacns da
Mifericordia faõ também os feus Capellaês.
TITULO XVII.
Da Imagem de N.Senbora do Mojleyrojuto a CaHello N0V0.
JUnto à Villa de Caflello Novo, que fica ao Norte da Villa
de Caflello Branco , em diflancia de pouco mais de três
legoas , nafee huma ribeyra ,que antigamente fc chama-
va Alpreada ;nome que também teve em os feculos anti-
gos a mcfma Villa de Caflello Novo , que depois perdeo , &
deyxou pelo que hoje tem. Nafce efta ribeyra nas fraldas da
Serra, que chamão de Guardunha. Da outra parte em pa-
rallelo,ou em correfpondencia nafce outra fontc,de que pro-
cede outra ribeyra, que chamão Al preadinha , & corre ao la-
do da Villa de Alpedrinha, nome também derivado da refe-
rida fonte , & que confervou com mais conftancia , que Caf-
tello Novo.Entre eftas duas ribeyras fe vé hum valle verti-
do, & ornado de fermofos foutos. No mcyo delle fe vé hua
Igreja , dedicada a N. Senhora debayxo do titulo do Mofley-
ro, aonde he venerada huma muytomilagrofa Imagem de N.
Senhora , que tem o mefmo titulo y que he toda a veneração,
naõ fó dos moradores de Caflello Novo, aonde pertence,
por eflar no feu termo; mas de todos os lugares circumvi-
2Ínhos.
Quanto aos princípios, & origem defla Sagrada Ima-
gem,
y % Santuário Mariano
gero y & de feu miiagrofo apparccimento,rmi$ por tradições \
cíoqueporeícrituras,heneftamaneyra. Em primeyro lu-
gar havemos de aíFcntar , que os princípios que teve a Or-
demdos Cavalieiros do Templo em Jerufalem, foy pelos an-
nos de 1 1 1 8. & achamos em eferituras antigas, & na Monar-
chiaLuíitanapart.J.liv.ç, cap. u. que janoannode 1126-
eftavaõ admtttidosem Portugal , com terras , & Caíkllos,
para defenderem o Reyno, & para fazerem guerra aos Mou-
ros. A eftas terras que lhes deu a Rainha DonaTercja, mãy
delRey D. Affcnfo Henriques, entrava o Caíkllo de Al-
preada , que fem duvida na rcedificaçaô que nelle fariaõ os
Cavallciros Templários, tomaria o nome de Caíkllo Novo.
Eftes Cavalieiros, pagos da bondade daqucllc valle referido,
por frefeo, agradável, & deliciofo, refolvéraõ a edificar nel-
le hum Moítciro,cu jos veítigios,quc ainda hoje fe vem,con-
firmaõ a verdade defla tradição.
Depois correndo os tempos fe deflruio aquelIeMoftei-
ro , com os mais que tinha aquella Ordem, pela confedera-
ção, que contra cila fe fez, & confia de fua lamentável hifto-
ria. Ncfta occafiaõ^ em que fe desfez o Convento, efeondeo
a piedade , & a devoção de hum daquelles Cavalleiros a ben-
dita Imagem da Senhora em o tronco de hum caftanheiro,
&a!lieíkve por muytos annos,atè que (difpondo-o aífima
Divina Providencia ) fe manifeftou a Senhora, apparecendo
ahumapeffoa,quenaôconfta fe era homem, ou mulher. A
vifla do miiagrofo apparecimento, concorre-o agente a
receber da miíericordiofa Senhora muytos favores , & mer-
cês 5 porque todos gozavaõ dos effeitos do feu poder, (por-
que loraõ muytos os milagres, que logo começou a obrar) fe
foraõ ajuntando efmolas, comque fe lhe edificou huma Er-
mida , em tal forma , & difpoficaõ , que o mefmo tronco do
caílanhey ro,que até aííi havia fervido de concha àquella pre ■
ciofa pérola , lhe ferviííe de Altar , & peanha, para memoria
de feu milagrofo apparecimento. E ifb , ou foíTc,4 tag° Por
adver-
Livro I. Titulo XV IL 79
advertência de quem difpoz a obra } ou porq a Senhora naõ
quizdcyxar o lugar,cmq tantos annos havia cfUdoocculta.
Também a invocam com o titulo denoífa Senhora da
Era , por caufa de fe ver o tronco do mcfmo caflanhcyro
( quando a Santiífima Imagem apparcceo ) todo veílido., & a-
dornado de fuás folhas , que como armação de tela , ou ua-
malco, lhe íervia de íitial^ & de cortina. Tambemlhcdaõo
titulo de noífa Senhora do Souto , & fera por apparecer no
Souto , que alli havia > & no tronco docaftanheiro : outros
lhe dam também o titulo das Neves, & feria fem duvida o
motivo que ouve paraiííò, ofeftejarem a Senhora em5.de
Agoflo , quando fe faz memoria do milagre das Neves , que
ouveem Romã ncííe dia, no Pontificado de Liberio.
A Imagem da Senhora hc de efeultura de madeira , tem
de alto dous palmos > & meyo, & affirmaô todos fer a rnefma,
que appareceo no tronco do caflanheiro, &muytos atem
por Angelical, & naõ falta quem diga > que os Templários a
naõ efeondéraõ ; ao que eu muyto me inclino, porque nafua
extinção ja por aquellas partes nem havia Mouros , & tudo
eflava povoado de Chriflãos, & affim quem occuhou eila
Santa Imagem feriaõ os Chriflãos > na occaíiaõ em que fe
perdeo ElRey D. Rodrigo > & desde aquelle tempo a ceufer-
vou,& guardou a Divina Providcncia,para fe manifeftarem
tempo que foíTe mais conveniente aquellas terras^ ao bem
daquellas almas. Oterfe por Angelical funda ô (os que o af-
firmaô) a fua opinião, em que hc tofca pelas cofias, & pare-
ce como raxa de hum páo , que fcabrio, &aííimnaõ parece
que mãos de homens a fizeraõ; mas que as dos me imos A n jos
a obráraõ,¶ que ativeífem por obra fua a deixarão
fem a acabar pelas coilas , o que naõ faria nenhum outro Ar-
tífice \ porque todos deíejaõ acabar c que fazem com toda a
perfeição , para aífim fe fazerem merecedores do premio.
O Reverendo Vigário de Caftello Novo , Fr. António
Affonfo de Gamboa) diz em relação que aos fez de ordem do
liluf-
8 o Santuário Mariana
Iiiuftriflimo Senhor D. Rodrigo de Moura Telles,Bifpo en-
tão da Guarda , que antigamente adornavão a efta Santiflíma
Imagem com veftidos,(o q feria,ou para encobrir algum def-
mayo das cores do eftofado, caufadodomuyto tempo, que
eflaria no oco daquella arvore ; ou tal vez , que naõ feria ef-
tofada,)& que haverá pouco mais de trinta annos, que feu
anteceííòr o Vigário Fr. Joaõ Semedo y a mandara eftofar, 8c
que ainda hoje viyia o homem, que a levara a Niza a hum
Pintor muyto perfeito , o qual homem fe chamava Pedro
Luis.
Hoje ja faõ menos os milagres , que a Senhora obra , &
fera fem duvida, porque nos tempos emque fcmanifeftou,
feria mayor a fé , & também o agradecimento nos que rece-
biaõos feus favores; porque a ingratidão nos homens fuf-
pende os favores , & os benefícios em Dcos. Tem efta Cafa
hum Ermitão da aprefentaçaõ Real pela Mefa da Confcien-
cia. He efta Ermida, & Santuário de N. Senhora do Moftejr-
ro, annexaá Parochia dcN. Senhora da Graça da|VilIade
CaftelIoNovo. Dcfta Senhora efereve o Doutor Joícph Sal-
vado Cinza , Medico de Alpedrinha , cm a fua relaçam.
TITULO XVIII.
DaMilagrofa Imagem deN. Senhora de Mer coles,
da Filia deCaftello Branco.
HUm quarto de Iegoa da Villa de Caftello Branco, & cm
o feu termo > eftá o Santuário , & Cafa deN. Senhora
de Mercoles , Imagem antiquiífima , pela qual tem obrado a
poderofamão de Deos em todos os tempos grandes mara-
vilhas. O feu milagrofo apparecimento fe refere por tra-
dição nefta maneyra. Dizem todos, que apparecéra a Senho-
ra naquelle mefmo fitio, em que hoje a vemos venerada J em o
tronco
Livro 1. Titulo XVI II. 8r
tronco de huma azinheira , ou fovereyra, como querem ou-
tros , cia qual ainda hoje fevem veftigios nas coftas da Ca-
pei í a mór daqaclla Igreja. Naõ confia com certeza a quem a
Senhora appareceo, ncmfeemofcuapparecimento foy le-
vada para outra Igreja ,& delia tornou a repetir oprimey-
ro lugar. E como cila Senhora coftuma fazer eíles favores a
paílormhos cândidos , fe entende , que aquelle que foy dig x
no deite favor , feria algum delles. Também namconíiafe
quando appareceo , a levaram para a Vílla, & delia defap-
parecendo , vieífe a bufear a fua arvore , como vemos de ou-
tras muyras Imagens, em que Deos moítrou,que no lugar
em q as manifeítava,queria fer louvado nelles, pelas maravi-
lhas que a hi havia de obrar pelainterceíTaõ de fua Santiflima
Máy.
Affirma a tradição, que fora aquella Cafa fundação dos
Cavalleiros Templários, antes da fua extinção \ o que po-
deria bem fer, porque tiveraõ muytas Villas, & Caítellos poc
aquellas partes. Dizem mais q fora oapparecimentodaSe^
nhora em huma Quarta feyra , & que por e(Ta caufa fe impu-
zera o titulo de Mercoles,que no idioma Hefpanhol quer di «
zer Quarta feyra , tomado de Marte , a quem os Gentios de-
dicarão eíte dia.Tambem dizem q os Caítelhanos;quc naõ <í-
caõ mu; to diítantes da Villa de Caflello Branco , frequenta-
vao muyto aquella Cafa da Senhora,vindo aella neíte dia do
feu apparecimsnto com granie feita, & devoção , &quc
por ter fidb o feu apparecimento vulgarmente em qiarta
feyra, diziaõ: V amos a Nvestra Senhora de Mereci: s , &
que daqui lhe fica ra o titulo
He a Imagem da Senhora de grande fermofura , he de ta-
lha, & excelentemente obrada; a matéria hepao,eítáef ■
toíada, não tem mais que três palmos, íuppofto que mof-
tra mais altura, o que caufa huma peanha qus fe lhe fez. Ho-
je a veítem, & adornaò com ricos veítidos-Ea caufa de aífioi
fer, dizem foy , porque com a muy ta antiguidade fe reconhe-
Tom- III. F eco.
S i Santuário Mariano
ceo> que os braços eílavaõ mal tratados do tempo , & foc-
ramlhe outros novos, & novas mãos ; & porque fenaõ co-
nheceííe , a começarão a veíiir.
Hum morgado da mefroa Villa deCaílelío Brancoeílá
obrigado todos os annos, in per petuttm ,àt manàav zccznàcr
duasalampadas à Senhora, que ardem continuamente na
íba prefença , as quacs fam de prata, & muyto grandes , ( k-
gado,ao que fe entendido iníhtuidor do morgadojpara iíío
he obrigado a dar três ir.il reis cada anno a hua mulher , pelo
cuydado que tem de ir duas vezes na fomana, commtya
canada de azeite de cada vez * a concertalías , & atiçallas,
quando he neceffario. O Senhor de Pancas também he
obrigado , por adminiftrar o morgado , que chamão do In-
quifidor , a dar à Senhora féis mil reis , em cada hum anno,
para a fabrica. Outras rendas tem mais , & todas do tempo
em que a devoção , & o concurfo era mayor. Tem ricos or-
namentos de todas as quatro cores da Igreja, & muyto boas
peífas
A Igreja he grande, & de muyto boa fabrica, &archi-
tcdhira. O pórtico da porta principal he grande , & de o-
bra falomonica : as paredes eflaô todas azulejadas de a-
zulejo,ainda que antigo, de bom feitio. O tefío laqueado ^ 5c
pintado de excellente pintura , aonde fe vé a hifloria da vida
de N. Senhora , desde a lua Natividade até a Aííumpçaõ. E
fuppofto que fe naõ conhece o nome do Author, verdade ira-
mente merece telio entre os da fama. Vemfe pender das pa-
redes dcfte Templo muytas memorias , & finaes das mara-
vilhas, que a Senhora obrou. Entre ellas fe vem osdefpojos
de hum grande lagarto,de que foy livre hum homem feu de-
voto , que a invocou , & pode matallo , & poz por troféo a
pelle deile à vifía da Senhora , que o defendeo.
Toda a Igreja eftá cercada de ai pendres. Tem três ca fas
de novenas, para agente que vay de romagem a tellas, &
duas moradas em que vive o Ermitão, que he nomeado pela
Carne-
Livro I. Titulo XV LU. %$
Camera, êr confirmado pela Meia da Confcíencia. Tem dons
qumtaes, que o Ermitão fabrica, com muy tas arvores de va-
rias frutas, &ao redor da Igreja tem hum carvalhal, & o
anno em q ft faz a folha naquelle fitio, rende dous moyos de
trigo. Junto à Gafa da Senhora fica huma quinta,q he da cafa
do Infantado , fazenda coníideravcl; porq tem muyta fruta,
grande vinhatana ,& muy tos campos,& chãos q levaõ muy to
defemeadura,& faõ eftescãpos regados de húacopiofa fon-
te, q os faz mais abundantes, & pelo meyo lhes paíla hu rio a
qchamaõ, c^fá Vay. He fitio muy to agradável, & aprazível.
Faz méçaõ da Senhora de Mercoles o Doutor Jofeph Salva-
do Cinza,& Francifco Giraldes de Ortega em fuás relações.
TITULO XIX.
T>a Imígem de no/fa Senhora di Valverde nomzfmo
âefinto de Cafiello Branco.
NO termo da mefma Villa de Caftello Branco , huma le-
goa diftante delia , & junto ao Rio Ocrefa, fc vé a Ca-
fa da Senhora de Valverde , fitio tam agradável , & frefco , q
porrazamdelle denominaram a Senhora com efte titulo. A
origem deíla Senhora he, queappareceo em huma lapinhaj
& porque nunca foy poífivel apartalla delia, fe conferva ain-
da hoje no mefrm lugar. A lapinha emfi hecoufa deliciofa,
porque eflá adornada pelas mãos da natureza, & os feus en-
feytes faõ mufgos, & ervinhas. Efia Santa Imagem he muy-
to pequenina ; porque naõ tem mais que palmo , & meyo,he
de pedra. Mais abayxo da lapinha fe lheedificou huma Igre-
ja em diftancia decincoentapaflbs , aonde fccollocou outra
imagem muy to mayor , & de vcíiiios. Junto aefta Igreja fe
véhum Conventinho decincocellaSj.com outras officinas,
com refey tório, cozinha , & outras C3fas; aonie eítiveraõ
F 2 con-
84 Santuário Mariano
congregados alguns Clérigos dolnfiitutode Sam Felippe
Neri,&naôfei cornque caufa defemparáraõ oíiíio- Efem
embargo de que cílá convidando com a fua foledade,& reti-
ro à oração, & contemplação das coufas do Ceo,deixallo-
hiaõ por outro de melhor , 5c mayor comodidade para a fua
conlervaçíõiporque poderia também fer oppoftoà faude-
Tem a Cafa da Senhora humabaftante cere*, provida
de muyta variedade de frutas , & com muytos arvoredos íil-
vcilres , corno pinheiros , cipretfes , & outras femelhantes.
Também tem duas fontes , huma dentro da cerca , & outra
fora. Além defta cerca tem outras propriedades , que ren-
dem hum anno por outro cincoenta mil reis. Tem a Senho-
ra hum Ermitão , que prove o Biípo da Guarda , & he fem-
pre efte provimento em Clérigo , o qual além dos frutos da
cafa , tem ametade dos rendimentos da fazenda , & a outra
he para a fabrica da Ermida,q tem muy tos ornatos , & muy-
to bons ornamentos. Etudoiífoderaõ os fieis àquella po-
derofa Senhora, obrigados dos benefícios, que delia recebe-
rão ; porque em todos os tempos tem obrado muy tas maravi-
lhas^ ainda hoje obra >& affim heSãtuario muito frequenta-
do,naõ fódos moradores de Caítello Brãco,mas dos lugares
circumvuinhos ; porq ha por alli muy tos lugares grandes,&
ricos,como ião Salgueiros, Tinalhas , Cafide, & outros.Faz
menção da Senhora de Valverde na fua relação o Doutor Jo-
ieph Salvado Cinza,& tãbem Francifco Giraldes de Ortega.
TITULO XX.
3)a milagrofa Imagem de N. Senhora dos Remédios ,do
lugar de AlfirYida.
NO termo da referida Villa de Caftello Branco eílá
hum lugar limitado, que terá pouco mais de vinte vi-
zinhos
Livro I. Titulo XX. % y
zinhos,a que chamão Mfirv ida flittantc da mefmaVilla duas
legoas. E o nome de Alfirvida, parece que eftá dizendo o
que elle he , que verdadeiramente naõ he muyto para cubi-
car a fua vivenda, & no veraô parece qfeefcufanelíe o ele-
mento do fogo,& por eftacaufa faõ infinitas as cezoens, de
que abunda» Mas deulhe o Ceo para efta grande chaga , hu-
ma cfficaz medicina na afliftencia , favor , & amparo da Se-
nhora dos Remédios, celebre Santuário daquellas partes.FÍ-
ca-lhe também vizinha huma ribeyra , que na mefma manei-
ra fe intitula Alfirvida , muyto abundante de peyxe, que lhe
entra do rio Tejo , aonde em pouca diítancia fe vay meter.
Do tempo em que efta Santiflima Imagem appareceo,'
naõ confia ; mas referem por tradição, apparecéra naquellc
lugar, aonde hoje eftá a Igreja, A forma do apparecimento
naõ confia individualmente , mas pode-fe conje&urar feria
aflim.
Havia naquelle lugar de Alfirvida hua peífoa, naõ conf-
ia quem foffe ; porém feria alma virtuofa , & cândida. Efta
parece padecia algua grande doença } & molefta enfermida-
de, êccraifto no Eftio, &no mayor rigor das calmas. E co-
mo Maria Santiflima he a Mãy dosafflidos , &dcfconfola-
dos, dizem lhe apparecéra , & que a mandara lavar ou beber
de huma fonte , que no mefmo tempo , & para beneficio feu,
&de todos os mais daquelle lugar , apparecéra em certo lu-
gar , que naõ ficava muyto diftante ; & juntamente , que lhe
mandara, que no mefmo lugar, aonde a fonte havia arreben-
tado , lhe levantaífcm huma Ermida. Recorreo efta creatura
à fonte obrigada do mandato da Senhora , & com o contado
da agua da milagrola fonte , ficou faã, & livre de todas as
moleftias que padecia: recorrerão afama do milagre outras
peífoas , a valerfe daquella medicinal agua , & todas cobra-
vaõ perfeita faude , & aflim fe viaõalii muytos prodígios,
& maravilhas ; porque os doentes de febres alcançavaõ o fi-
carem izentos delias bebendo da agua , os cegos lavandofe
Tom. III. F 3 na
8 6 Santuário Mariano
na agua cobravam viíla ;&os aleijados , & tolhidos fica-
vão íàõs , & livres do mal que padeciam.
AViíla deílas mara vilhas,fe procurou logo concertar a
fonte , que eíla va junto a huma fovereira , & como efía cau-
faíie grande impedimento à execução cia obra, foy ncccffario
cortaíla. Ncllc tempo em o tronco da mefma arvore defeu-
brírão os que a cortavaõ , huma fcrir.ofa Imagem da May de
Dcos, mas tam pequenina , que terá palmo, & mcyo. E como
a terra em que a Senhora fe manifeítou era dos Aícendentes
de M noel Brandam Cafkllo Branco, clles a recolheram pa-
ra íua cafa,para a enriquecerem com eíla joya; & fe conferva
nelía como a melhor, & a de mais exceííivo preço de feu mor-
gado; privando aquella terra deite mextimavcl thefouro,
que em a collocar em publico , para fer venerada de todos,
moflrariaõ melhor a gencrofidadedeíua nobrcza,& o efcla-
recidoda fua fidalguia; porque fuppoflo foy refoluçaõ íanta,
foy muyto ambiciofa.
Tratou-fe logo da edificação da Igreja, ¶ cila fe
mandou fazer com toda a diligencia outra Imagem grande,
que terá^inco palmos • he de efeultura de madeyra eíiofadaj
& porque eíla Santa Imagem ficou com a prerogativa da pri-
meyra , & fazia muytos milagres , remediando a todos , lh«
impuzeraõ o titulo dos Remédios. A Igreja hegrande, &
fermoía, & fez-felhe hu alpendre cfpaçoíò, aonde fica a fon-
te ] quehe como huma arca,que terá de fundo três palmos,
& fempre eftá cheya de agua. E naô hc o menor milagre o ef-
tar iempre no mtfmo fer,fem fe diminuir , quando fe lhe tira
rr uy ta ,nem fe augmentar,quando lha naõ tirac ; no Inverno
fe ndo as chuvas muy tas, & as invernadas grandes, naô cref-
ce mais, como também no mayor rigor do Eíiio naõ fe di-
minue, Porém fe a tiram para fervir para outros ufos, fe fe-
ca,&defapparece per algum tempo.
Em huma occafiaõ movido da fé das maravilhas , que a-
qucllàmilagroiaígua obrava, hum almocreve encheohum
barril
Livro 1. Titulo XXL %y
barri! de!!?, para lavar, & curar as mataduras das fuás beftas;
porém depois de curadis,fefecou a fonte de modo, que por
cfpaçodétrcádiâsnáõ tornou a agua à fonte. De muytas
partes deite Reyno va y gente em romaria a vtíitar a Senhora
dos Remédios de Alfirvida ; <k aífim íaõ muytas as offertas,
qfeofferecem ri Senhora ?dasquaes fedáametade ao Cura do
lugar,cmfatisfaç'õdofeu trabalho de Parocho. Da Senho-
ra dos Remédios do lugar de Alíirvida fazem menção nas
fuás relações o Doutor jofeph Salvado , & Francifco Giral-
desde Ortega.
TITULO XXI.
Da Imagem de N. Senhora da Granja em a Filia de
(Proença a Velha*
MEu Padre Santo Agoftinho diz, que para os que o fer-
vem^ trabalhão em feu fer viço,he Deos huma fértil,
8c fecundiffíma granja ; porque com os feus frutos os fuf-
tenta abjndantiffimamente: Uberrimum pr^dium Deus. E ^ Â j
de Maria Santiflima dizem todos os Santos Padres, fer tam-
bém granja, & terra fecundiflima. joaõGeometra diz que
hc Maria Santiflima huma terra, & huma granja taõ preciofa,
que os feus frutos faõ divinos , & que o feu paõ he o Manná ^ 7
do Ceo,& que he huma terra taõ admirável, que naõ necef- q*^
fita de cultura: Terra femper fui Jimilis , refertadmnis a- in°™t]
lirnentis, & Minnapviem incultum proferem, a rationisex- cord.ad
P?ys , & fationis- André Cretenfe coniiderando a fecundi- cap.u
dade defta bendita terra , diz íer muy to para defejada: Terra Lnc.
Verêdefiderabilis. Por fua foberana fecundidade, lhe chamaõ A ^ y
os Gregos granja fertilíffima , & terra de promiflaõ, que naõ Creft*r2
fó dá frutos admiráveis, mas produz leite, &mel: Terra 2.deAfz
promijionts laite, & meliefluitans. Naõ fó produz eftes ex- ^mpu J
F 4 cel-
8 8 Santuário Mariano
Hjmno ceU€nteslicorcs>masfuaviffimos aromas; difíc-o o Cretcnfc:
Gr*ç* Terraferins aromcita. Tudo ifto alcançaõ , os que com vcr-
1f* dadeyra dcvoçaõ fervem , bufeão , & amaõ a Senhora da
fj * Granja.
No termo da Villa de Proença a Veíha,emdiflancia de
Ahàr. mcyalcgoa da mcfma Villa , efiá o Santuário , & Cafa da Se-
Cra' nhora da Granja 7 aonde he venerada hua milagrofa Imagem
"•*•"' da Mãy de Deos,quc tem eíte titulo , impoilo do íitio cm que
fJmpt ^ manifcfl°u i Por te haver defeuberto cm huma granja ou
' * herdade^&comofcnamfabiaotitulojquelhehaviaõdedar,
Iheimpuzeram efledolugar^emque appareceo. Defuao-
rigem , princípios , & antiguidade , naô fabem dar razam os
moradores daquelle povo, fó dizem que appareceo, &quc
he antiquiflima , & que apparecéra naquella granja no tron-
co de huma arvore. Não confia a forma , nem as circunflan-
cias de feu apparecimento , que feriaõ muyto notáveis , nem
a quem foy fcy to o apparecimento.
O Doutor Jofeph Salvado Cinza cm a fua relação , que
nos fez das Imagens da Beyra, diz , que nos feculos paífados
fora cfta Cafa da Senhora dos Cavalieyros Templários ; os
quaes como na fua extinção adefemparáraõ, com a fua falta
fc esfriaria a grande devoção antiga , que fe tinha à Senho-
ra. Donde parece que logo em fua manifcflaçaõ começou a
obrar grandes maravilhas , & como os Cavalleiros do Tem-
plo craõ fenhores de quafi todas squellas terras ,elles cem a
fua piedade cuidariaõ muy to do culto , & ferviço daquclla
milagrofa Senhora. A Imagem da Senhora he pequena , por-
que naõ tem mais que tres palmos ; & he de efcultuta de ma-
deyra cíiofada. E o fer tam antiga > & efiar em hum lugar tão
pobre , fera a caufa de fer hoje menos a frequência das romã •
gês. Os muy tos quadros que fe vém na fua Capella^teítemu:
nhaõ os muy tos milagres , que a Senhora tem feito , & tam-
bém as mortalhas , que lhe offerecem aquelles , que por be-
neficio da mefma Senhora alcançarão o dilatar-lhes Deos
mais
Livro I. Titulo XX! L 89
mais a vida, q ja reccnheciaõ fe ihcs acabava, & outros finacs
mais, que daõ teitemunho de que todos, os que com verda-
deyra fé, & devoção imploraó o feu favor, & patrocínio,
achãofemprcbonsdefpachos cm fuás petiçoens. Amayor
frequência daquelle Santuário he nos Domingos , & dias
Santos , & as mulheres daquella Villa naõ faltaõ em vifitar a
Senhora em todos os Sabbados.
TITULO XXII.
2)4 Imagem de N. Senhora do Cajlello de Filia Velha»
EM Vilía Velha do Rodam , hc muyto celebre o San-
tuário de N. Senhora do Caftello,affim por fua antigui-
dade ,como pelas muy tas maravilhas,q nelle obra a poderofa
maõ de Dcos , pela interceflTaõ , & merecimentos de fua Mãy
Santiffima, & pela fua Imagem,que nclle fc venera. Vc-fc efle
Santuário no mais alto de huma Serra,que difta da Villa pou-
co mais de hum quarto de legoa , cujo caminho hc muyto aí-
pero, & Íngreme. Fica efta Cafa próxima a hum Caftello an-
tigo jdelle tomaram motivo os moradores de Villa Velha,
para daremà Senhora otitulo doCaflello. /ffirmaô aquel-
íes naturaes fer tradição conftante,que os Cavalleiros Tem-
plários edificarão a Cafa da Senhora ,& também o Caftello,
junto do qual fe continua hum fueceffivo penhafeo, que def-
ce até fe meter no Tejo, aonde chamão as portas do Rodam,
titulo celebre daquelle apertado lugar , por onde vay todo
apertado, & humilde aquelle caudaloío, & foberbo rio, & até
aonde permitte fer navegável.
Nefta Ermida hebufeada com muyto grande devoçam
huma milagrofa Imagem de N. Scnhora,q he formada de pe-
dra , alva , & fina. Temfobre o braço eíquerdo ao Menino
Deos , da mefma matéria , tV ambas as Imagens faõ de excel-
lentc
9 a Santuário Mariano
knteefcultura , comas roupas muy to bem lançadas ,& fem
embargo cie que efeufava pintura , eftá pintada ao antigo, 6c
encarnada, & eíiá tam viva, &bella a encarnação, que pa-
rece fer àcabãdâ de poucos dias , fendo que ha muytos fecu-
los, que ie devia coi locar ncfte Santuário. A íua cílaturahe
de três palmos, & mcyo , & mofíra niuy to grande magef tade,
& foberania.
Quanto à fua origem > h principios nam confta nada
por efcí ittiras , & por teftemunhos autênticos ; mas por hu-
ma antiga, & continuada tradição fe tem por certo, que os
mefmos Cavalley ros do Templo , que edificaram o Caíkllo,
edificarão também a Gafada Senhora, & que elles mandarão
fazer a Imagem , & a collocàraõ na melma Ermida j& iflo ha
quinhentos annos , ou mais.
He eíle Santuário de grande concurfo , & romagem ; &
fempreeftabemdita Imagem de Maria Santiffima refplandc-
ceo em milagres , & ainda hoje faz Deos por fua intercefíaõ
infinitas maravilhas. Noannode iÓ74.obrouhumaemhús
barqueyros de Abrantes notável. Recolhendcfe eftes do
porto daquella Vil la entrarão com rio cheyo as portas do
Rodam, &vendofe em hum grande perigo chamarão pela
Senhora do CaftellosSc fumergindofe o barco na entrada das
portas, fahto no fim delias , que he hum grande efpaço , com
toda a gente que levava fem detrimento, nem moleftia algu-
ma ; de que dando as graças à Senhora , mandarão fazer hum
quadro, quepuzeramna fuaCapella, para perpetuo tefte-
munho defle grande beneficio , que foy admirável , & ainda
hoje fe vé o quadro na mefma Ermida.
Outro quadro mandou fazer também huma mulher de
Caftello Branco , aqualeflando defeonfiada da vida emhua
gravtífima doença, chamando pela Senhora do Caítello , me-
lhorou logo repentinamente, & ainda hojevive. Eindo a
dar as graças á Senhora, mandou coílocar o feu quadra por
memoria do grande favor , que a Senhora lhe fizera, Outros
muy-
Livro LTttuloXXllh 9x
muytos milagres , & prodígios tem obrado Decs pela in-
terceííàõ da Penhora doCaiíclIo , & esebra todos os aias,
como o confirma o grande concurfo dos Reme yros,que por
todo o anno vaõ a viíitar a Senhora. E desde o ultimo de A-
gofto até cy to de Setembro , cm que fe celebra a feita da Se-
nhora, feachaõ de novena ordinariamente , trinta , & qua-
renta cafaes , a fazer novenas. E ja ouve anno nos tempos
paíFados,em que fe ajuntarão mais de íetcnta5& os irais dei-
tes por voto , que fazem em fuás neceffidades-, & aperto-?,
doenças, & enfermidades graves. Muytos le vaõ as fuás mor-
talhas^ offertas de cera ,&trigo;&naõfódo termo daquel-
la Villa, & das terras circumvizinhas , mas do Alentejo, &
de outras partes mais remotas.
Outra coufa muy to digna de fe faber fe experimets to-
dos os annos nas referidas novenas , & he, que fendo o tal íi-
tio tam afpero,& deshabitado,& quaíi tudo penhafcos,de que
reíulta haver nelle muytos bichos , & favandijas J nos taes
dias , em que fe achão nelle os que vaõ a ter as luas novenas
emeafinhas 16 armadas de pedra feca,& as mais delias cuber-
tas de mato , fe não tem viiio formiga , aranha , cobra , nem
outro bicho peçonhento, o que attribuem todos a èfpecial fa-
vor de N. Senhora. Efta relação nos fez o Vigário de Villa
Velha Frey Manoel Godinho , por mandado dullluítriffimo
Senhor Dom Rodrigo de Moura Telles Biípo da Guarda.
TITULO XXIII.
Da Imagem cie N< Senhora da Orada > ou a Alagada em
Villa Velha.
ABayxo da mefma Villa Velha do Ródano, cu do Rodaô,
fituada em pouca diítancia do rio Tejo, &qiufi fron-
teyra à Villa de Mental vaõ, que lhe fica da outra parte , fe vé
em
9 1 Santuário Mar iam
em o efprayado da íua nbeyra a Ermida , & Santuário de N.
Senhora da Orada, ou, como outros lhe chamaõ, a Alagada;
titulo nafcido da caufa , que logo diremos. Heeíla Villado
Rodaõ da Comarca deCaftello Branco, &tam antiga , que
querem que alli íe acolheffe , & acabafíe o miferavel Rey Hc-
rodes Agrippa ,que mandou degollar ao Bautifh/iò qual diz
Jofepho de 'Bello Judaico , que viera fugindo para Efpanha
em companhia de Herodias. E o mefmo fentem Niccphoro>
Addon Vienenfc , Vafeo , Angelo Pacenfe, Guarivay, Mo-
rales, Vilhcgas, & Laymundo,o qual neílas breves palavras
Fr. moflra , que fora morto na Villa do Rodam: ^rofugus ã facit
Ben$. Vomini Yixit in Tarracone7& Emeritay&fotdè occtditur in
de Brit . llbotUo LufitanU oppido. Que fugitivo da face de Deos,fem
Mo*n ter quietação alguma, nem lugar certo, depois de viver em
***** Tarragona , & em Merida , fora morto torpe , & miícravcl-
tm% * mente em hum lugar da Lufitania chamado Rodio.Frey Ber-
nardo de Brito affenta ( como fc pode ver na fua Monarchia)
fer cíle Rodio a Villa Velha, de que agora falíamos; donde fe
pode ver que he povoação muy to antiga , & por caufa do an-
tigo nome Rodioadenominão hoje , Villa Velha do Rodaõ»
E quanto à antiguidade daCafadeN. Senhora da Ora -
da,ou Alagada,naõ fabem os moradores de VillaVelha dizer
com certeza o tempo cm que a ppareceo,ou fc defeubrio; mas
por tradição referem o modo , que he nefla forma. No tem-
po cm que feperdeoEfpanha,& a invadirão os Mouros,lcva-
va comfigo , tirando-a de algu Convento feu, hum Religiofo
Carmelita efta Imagem , ( que feria muytomilagrofa , & ref-
plandeceria em milagres, ) & que temendo fer prezo dos ini-
migo» , & que à Senhora fe lhe fizeffe algum defacato , ou al-
guma injuria, a metera em huma caixa , & a lançara no Tejo,
aonde eflivera muy tos annos , & que depois o mefmo rio em
huma grande invernada , ou grande cheya , a arrojara em o
lítio , aonde depois fe lhe edificou a Ermida , em que hoje he
venerada: achada a caixa, & fabendofe o que era, acodíraõ os
mo-
Livro I. Titulo XXIII. 93
moradores,& o Parocho, que alegres com a vifta da Senhora
a tomárão,& em prociííaõ a levàraõ á Matriz. Porém como a
Senhora depois de tantos annos , que havia citado fcpultada
nasaguasdo Tejo, tinha cícolhidoaquelle lugar, para nel-
le íer venerada, fugio da Ma triz,& tornou a repetir o lugar ,
donde havia fahido : referefe que duas vezes fugira da Igreja
Matriz. A'vilta das fugas, fe déraõ os moradores por enten-
didos ,de que a Senhora efeolhéra aqut ile lugar ; & affim lhe
edificaram logo huma Ermidinha, que ainda hoje he a mefma,
ou parte delia ; porque por fer pequena , fc lhe augmeníou
depois, o que naõ ha muy tos annos.
Outra noticia aponta o mefmo Vigário de Villa Velha
Frey Manoel Godinho, que foy o que por mandado do Illuf-
triffimo Senhor Bifpo da Guarda nos fez efla relação, a qual
conferida com a primcyra , tem pouca differença, quanto à
íuílancia , ainda que no modo diffira alguma coufa. Diz que
vindo cila caixa pelo Tejo abayxo , fe foy ao fundo defronte
do mefmo outeyro , no qual lugar fe viaõ em algumas ceca-
fioens, de dia hQa névoafinha branca , & de noy te hua luz, no
q reparando alguas peífoas , fc refolvec hum pefeador a mer-
gulhar , para ver fe achava alguma coufa , & que indo abay-
xo encontrou com a caixa, que trouxe acima, & pondo-a na-
quelle lugar a abrirão , & fe vio a Senhora , & quedalli a le-
varam para a Matriz,de donde fe feguio o mais que fica refe-
rido.
Também íediz, que em algumas grandes cheyas , ven-
dofea Ermida cuberta de agua, fe vira andara Senhora fobre
as aguas, & que àviftadiítoferefolvéraõ a levar a Senhora
paraaViIb;porémfemprc efla diligencia foy fruíirancajpor-
que logo a Senhora fugia, & íe voltava à fua Ermida. Com ef-
tas maravilhas lha concertarão; êccompuzeraõ.
b Ertá íituada cfta Cafa da Senhora em hum pequeno ou-
teiro cercado de olivaes, ao qual cerca o mefmo rip> & ÍQÚn •
da , & fuppofto que fempre fica a mayor parte da E^imài #6
cuberta
94 Santuário Mariano
cubí-rta > s!g'imas vezes liiccedeocubriila de todo. He efta
Sagrada Imagem de efeultura de madeyra , he cíiofada , & a
encarnarão delia cftá tam frefea , & tam viva , & lufhrofa,
que cauía admiração, naõ fó por haver eflado tantos tempos
debayxo da agua ; mas por eílar em hum lugar muyto húmi-
do. Tem de altura menos de tres palmos; mas de perfeyta
proporção , & de muyto alegre , & agradável preíença. A
cauía de lhe darem o titulo de Alagada foy por fe achar me-
tida no rio , & fumergida cm fuás aguas.
Todos aquelles que com verdadeyra fé } & devoçam fe
valerão , & valem da Mãy de Deos, invocando efta Sagrada
Imagem fua, experimentarão, & ainda hoje experimentam
grandes favores, & milagres; & aflim lhe fazem muy tos vo-
tos de a ir bufear , & vifitar , porque lhes acode em feus tra-
balhos, & neceífidades ; & também lhe levaõ as fuás offertas
de cera, & outras coufas mais. O mayor concurfo he da
gente do termo, & também do Alentejo vem muy tos em
romaria a vifitar a Senhora.
TITULO XXIV.
Da Imagem de N.Senbora das Cabeças no Seyxo amarello.
N
O lugar do Seyxo amarello, termo da Villa deCaftel-
, lo Novo ,he muyto frequentado o Santuário, &Cafa
denoífa Senhora das Cabeças , titulo a que fe naõ fabc a ori-
gem. Mas como efta Sagrada Imagem he invocada para as
dores de cabeça, & com a fua invocação fe vem livres deltas
os que as padecem, daqui entendo procederia o darfelhe eíle
titulo» He efta Santa Imagem muyto antiga, &coníírmAfe
o fer arlim, porque naõ ha noticias certas, nem tefíemunhos
authenticos de feu principio , & origem. E fó por tradição fe
diz i que apparecèra, & cila he confiante entre todos, Só no
modo
Livro I. Titulo XXIV. 95
modo ha diffcrenç* ; porque huma tradição rffirmacue a Se-
nhora apparecéra a huma irnccentc paf}orinha;& corno eíla
Senhora foyaPaftoraquenereceo s pafeentar o móis cândi-
do, & puriífanoCcrdeyroJefusChriílo, gomaria de fe com-
municar àquclía candida,& innocentinha pafionnha. O mo ■
do cm que lhe appareceo fe ignora , mas diz a tradição , q lhe
mandara diíTeffe aos moradores do lugar, lhe edificaíftm na-
quelle mefmo fitio, em que fe lhe maniftíhva, huma Caía ,em
que fofle venerada \ o que fe executou aífinijcomo a Senho-
ra mandava.
Outra tradição affirma que o apparecimenío da Senhora
fora a hum homem , que perdendofe por caufa de hua gran-
de neve à que lhe fobreveyo na Serra , que fica junto àquclle
íitio, & que efie vendofe perdido chamara por N. Senhora,
para que lhe valeíTe naquelle grande perigo , cm que fe via, &
q a Senhora lhe apparecéra naquelle mefmo lugar, aonde de-
pois k lhe edificoq aquella fua Cafa, q difla do lugar do Scy-
xoamarello, pouco mais de humtiro de mofquete. Heefíe
lugar algum tanto Íngreme , porque he Serra, mas naô he in-
tratável ,& inculto, nem incapaz de fe frequentar, porque
he alegre , & frefeo ; o que também o faz huma fonte, que fe
tem por milagrofa , que nafee cm huma penha , que fica jun-
to à porta principal da mcíma Ermida da Senhora , & parece
quearrebentou depois do feu apparecimento. Elias faõas
noticias que ha da fua origem , não faço eleição de qual del-
ias feja a verdadeyra , porque podia fer a manifeftaçaõ , ou
de huma , ou de outra forte.
He eíla Sagrada Imagem de efhtura de deus palmos ,.&
meyo. Tem nos feusbraços ao Menino Deos-jamhas as Ima-
gens faõ coroadas damefma matéria de que kõ, que he pe-
dra, & de muy to exccllente efeultura , fcaffimbem fepóde
julgar , que cila Santa Imagem he angelical , & obrada pelas
mãos dos Anjos, & o per fua de naõ fóo fer a Vttiígem Uò pe-
quena , mas a fua perfey çaõ. Sem embargo de que fe nos âi •:
$6 Santuário Mariano
ga na rcíação , que k nos fez deita Santa imagem, que huma
peííoâ antiga diííera > que eíla Santa Imagem nam era a que
apparecéra naquclíc lugar , &que cfta que hoje hc venera-
da naquella Cafe,fe mandara fazer a Coimbra.
He cite Santuário muyto frequentado de todos os po-
vos circumvizinhos, pelas muytas maravilhas que obra^pó-
remodiademayorconcurfo;heemquinze deAgofto, dia
da Aífumpçaoda Senhora,emquefefaz afua fefta. Também
no mais tempo do anno concorrem os Romeyros, fegun-
do a ília devoção, &neceflidade, & vaõacomprir feus vo-
tos, pagar as fuás promeífas, &a impetrar da Senhora os
defpachos de luas petições. As offertas que lhe le vaõ faõ ca-
beças de cera , & coy fas de trigo , velas , & outras offertas,
&efmolas cm reconhecimento , & gratificação dos favores,
& mercês , que a Senhora lhes ha fcy to nas afflições , & tra-
balhos de q os livrou ; 8c principalmente para os achaques,
& dores de cabeça, hecommumente invocada, & a fé com
que o fazem, faz que experimentem perfeita faude,& as ma-
ravilhas , que commummente obra, de que ha muytas tefte-
Hiunhas.
O Prior da Igreja doSeyxo, Manoel Gorjaõ, affirma
que elle vira, que n© anno de 1 696. padecendo aquelle lugar
do Seyxo amarello huma cruel epidemia de huas enfermida-
des contagiofas, & malignas, de que ninguém efeapava com
vida , a vifta deite grande trabalho ,em que aquelle povo fe
via , pedio licença para tirarem a Senhora em prociílaõ por
todas as ruas do lugar, & levalla à igreja Matriz. Fizerao-
n© ÊÍEm , & foy tam evidente o milagre,& o favor da Senho-
ra , que daquella hora por diante nem morreo , nem adoeceo
n;ais ninguém , & todos os que eítavaõ enfermos convale-
céram cm breve tempo.
Também refere o mefmo Prior outro fueceflo notável,
& foy, que defejando o povo , para ennobrecer mais o lugar,
concertar a fonte da Senhora , que eíiá junto á porta princi-
pal
Livro I. Titulo Xffi. yr
paldafua Igrcja,a qual brota naturalmente de huma penha,
(ou que a Senhora quiz arrebentaííe naquella viva pedra,
para alivio , & regalo dos que vaõ à íua Caía ) ajunttndo-fc
para efte cffeito quantidade de pedra,quanta de dia fe ajunta-
va , tanta de noyte defappareeia , & fe achava menos no dia
feguinte. Comquevieraõ a deíifíir do feu intento ,6c a re-
conhecer, que naõ queria a Senhora feoccultaífe a maravi-
lha que cila havia obrado , nem fe puzeíTem as mãos no que
cila havia fey to.
A Ermida he muyto grande , & perfeyta , tem três Alta-
res, o da Capella mor, & deus eollateraes,& tudo adornado
com perfeyçaõ. E coníla que efle Templo o edificou aquelle
mefmo povo , & a Senhora lho pagou , & paga com os muy-
tos benefícios, que fempre lhe fez, & continuamente faz,&
aífim he muyto grande a devoção que tem para comaSe^
nhora, & a ferve fervorofamente.
TITULO XXV.
©4 Imagem de N Senhora da Tiedade no Convento das
Domivicas da Villa de Abrantes.
O Convento das Religiofas Dominicas daVilla de Abra-
tes teve vários eílados , & moradoras. Em feus prin-
cípios foy de Conegas Regulares de meu Padre Santo Agof-
tinho,as quaes vivião fugey tas aos Bifpos- Efla Communi-
dade por caufa da pefle , que ouve em tempo dclRey D. Du-
arte, feextinguio. E por naõ ficar de todo defemparado ef-
te Convento,os Bifpos da Guarda,de cuja jurisdição era(dos
quaes Dom Frey Vafco de Lamego, Religiofo da Ordem de
Ciíler, & Prior da Igreja de Saô ]oão da me ima Villa,foy feu
novoFundador noanno da Encarnação de 1384. ) lhe no-
mearão Preladas Commendatarias até o tempo delRey Dom
Tom» III. G Manoel
9& Santuário Mar lano
Manoel , no qua! fendo Commendataria Beatris de Sao Pau*
lo, tornou a ajuntar outra nova. Congregação. Pormorte
defta, entrou Ifabel de SamFrsncifco, a qual com licença
dcIRey Dom Joaõ o Terceyro, & do Papa Paulo Terceyro,
fefugeytou com as fuás íubditas à Ordem de Sam Domin-
gos no anno de 1541. Dahia feteannos femudárão parao
rocio, íicio ern que hoje vivem , & aonde tem huma Igreja de
excellente archítedura;dcdicada a N. Senhora da Graça,que
lhe deu o mefmo Rey Dom João o Tercey ro.
No interior deite Reíigbfo Convento fe venera híía
de /otiílima , & rnuyto milagrofa Imagem de N. Senhora da
Piedadc,com oSantiffimoFiího morto emfeus braços, que
obra muytas maravilhas, & milagresjcomo em muy tas occa-
fioens o tem experimentado aquellas devotas Eípofas de
Chriíio. Eftavanaquclle Convento enferma, & já vizinha à
morte airmãa lcyga, Sor Margarida de S. Migue!, & ao fahir
defte mundo, lhe trouxeraõ as Religiofas a> Senhora à íua
<íella,& à viftadefta iSBeràná Senhora , nos últimos para:
cifmos, cantou como hum Angélico Cifne cita letra:
Oh que Stofa efgerança
Me caufa Voffa piedade,
(Pois mmayor tcm^Jía.le,
Efreroamajor bonança!
Tam grande comoiíiohe aamorofa aflfifléncia , que faz a
fctty de Piedade àqueilas Efpofas détfeu Santiflimo Filho.
Do principio , & origem defta Santa Imagem nam confia
á*ais > de que fer muy to antiga , & muy to milagrofa, & affim
tem para com èlla aquellas Religicfos huma cordeal devo-
ção. Fazmenç>ô d.ríhSag^dí imagem, & do fuc ceifo que
fie í referido 3o Padre MaiYodFcrnaaJeb da Companhia de
JfcUfe; mfua Alma inftruida tom. i.cap. 1 . doe. 2. & Jor-
ge Cardoíu no feu AgíologioLufitano tom. i.pag. 177*
TITULO
Livro I. Titulo XXVL 99
HP»J«I«IH O.Hil» U ■! I' 1 ■»!■■■■ ■ IIIIIIWIIH II ■ ■■■■II ■»— »»|- '■ ■ 'I ■■ l.»»1ll|--gIWI
TITULO XXVL
Venrjfa Senhor a das Cabeças do lugar deOrjais.
MUytos fam os motivos ,coro que podemos invocar a
Maria Santiffima Senhora ncffa , com o titulo da Ca-
beça , ou das Cabeças. E ou feja porque elia com a fua inter-
ccííaõ nos dá faude nefle membro, & parte principal do hu-
mano corpo, o qual tanto que enícrrna , hecaufa de que os
mais a que prefide fe queyxem , & padeçaõ > ficando todo o
compofto perturbado , & inquieto^ E ifio ou feja no phyíico,
ou no moral, fempre devemos pedir a N. Senhora, nos livre
dos achaques da cabeça ; porque com cabeça enferma naõ ha
membros í aos; Cum caput dokt ^tsc* Também fe intitulará
efta Senhora cem o titulo da Cabeça ; porque foy a única en-í
tre as creaturas humanas , que naõ contrahio o achaque da
culpaoriginal de Adam, cabeça do género humano, que as
mais contrahiraõ : ou fera peto que dizGuillelmo Pera!do^w«^
f aliando da Senhora: Ipfaejlmulier conter ens caput ferpoi-áeSVe*
tis infernalis. Ou , como diz Alberto Magno fallando tam- wp' ?5
bem da Senhora, que ellahe aquella animofa Sizara,que fe- Alhertlt
rio na cabeça, & tirou ávida a]; hei, inimigo do povo ãcMagn.
Deos; ou como aqiiella valente Judith , que pela honra de tih*G. ^
Deos , & credito do feu povo cortou a cabeça a Holofernes: dflaf'i
Ipfa contriVit caput ferpentisjicut Si/ara malleopercujfitca- ^*
putjabel-, 13 Judtth, quoe caput Rohfcrms amputaYtt. E co- ^^U.
mo efta Senhora he a q quebrantou por tãtas vezes a cabeça
ao demónio , & alcançou delíe tam gloriofas vidlorias , bem Juà 4;
he que fe lhe dé o titulo da Cabeça , ou da Senhora , que ao judit^
noífo adverfario , em defenfa noffa * lhe quebra fempre a ca- f"
beça
Junto ao lugar de Orjais , ou em diftancia de hum quar*
G z to
ico Santuário Marlani
to dçlegoa,emotermo daVilla da Coviíhãa* fc vé entre
hunsefpeiTos matos, Sc grandes brenhas, (porque fenaõ vét
fenaõ quando fc chega perto ) o Santuário , & Cafa de nofla
Senhora das Cabeçis, ou da Cabeça. A etymologia deite tU
talo , querem alguns que feja , por c Aar fundada aquella Ca-
fa da Senhora entre três montes, ou cabeços, que formão
hum pcrfeyto triangulo, & que delles federa otituIoàSe-
nhora. Outros dizem, que fendo invocada efta Senhorados
que padecem dores de cabeça , logo os alivia nellas , & que
poreftacaufa lelhe impuzera efle titulo logo em fua ma-
nifeíiaçaô, & apparectmento. O que confírmaõ com as muv-
tas offertas, que as mulheres, que padecem cila queyxa , lhe
vaõ ofFerecer , que faõ coy fas de trigo , & com cila offerta fe
vem logo livres defta molcftia.
No que toca à orÍ£em,& princípios defta Santa Imagem,
que fam prodigiofos,he o que agora referiremos, fegundo a
confiante tradição daquelles povos circumvizinhos- Anda-
va hum lavrador lavrando em huma fua terra, (naõ confia do
annocmqueifioíuccedeo) emaquelleíitio, ou valle que fi-
ca entre os três cabeços ; neíla occaíião defeubrio huma pe-
dra lavrada em quadro, de comprimento de quatro para cin-
co palmos :( outros diz:m que cite pilarhe redondo, & que
0 achara em huma lapa, que fe véhoje junto à Ermida da Se-
nhora. ) Eíle lavrador julgando ruíUcamente que a pedra ti-
nha boa ferveria para malhai das fuás pipas, a levou ànoytc
no feu carro para fua cafa , & a accõmodou logo ao mini lie -
íi.o para q a clegeo. Ao outro dia indo ao mefmo lugar,aon-
de a havia poílodebayxo de huma pipa , naõ a achou-, &vio
* pipa daquella p irte affentada no chaõ. Ficou admirado do
fucceííb; mas naõ o penetrou muyto, peia fua finceridade.
1 Uo tile a continuar o feu trabalho ,& lavoura ,vioeíhra
pedra em o mefmo lugar, cm que primeyro a achara. Enem
vendo aalli, diícorreo muyto, no que moflrava de prodi-
giofo aquelle fueceífo. Levou-a fegunda vc z para cafa , car-
rega;
Livro I. Titulo XXVI. i o r
rcgando-a na mefma forma , & da mefma forte a applicou ao
mdmo miniíkrio,para que a havia elegido,na primeyra vez,
&adeyxou fiesr-
No dia feguinte de manhãa, entrando na fua adega,vio
a pipa no chaõ , 8c naõ vio a pedra. Entaõ ja com alguma ma-
yor advertência , ícconfideraçaõ , fe foy ao mefmo fitio , a-
onde a havia achado, a ver te lá a defeubria . Chegou , & vio
aquelle pilar levantado em alto ,&defcubrio na parte fupe-
rior , formado hum meyo corpo, cabeça, & braços , & mãos
unidas ao pey to,& a cabeça algum tanto elevada, & os olhos
aoCeo. Prodígio era efte digno de grande admiração , pois
levando efte homem duas vezes para fua cafa aquella Ima-
gem, fem reconhecer fer mais que huma pedra de tam pouca
íerventia,& nefta vio que era a Imagem da Mãy de Deos;dif-
pondo-o aífim efte Senhor,paraq no maravilhofo deftas cou -
fas , fe accendeíTe a devoção para com aquella Sagrada Ima-
gem.
Admirado o lavrador do que via , foy logo dar parte ao
Prior do meímo lugar de Orjais 5 o qual mandou levar a San -
ta Imagem para a fua Igreja. Ao outro dia , quando todos os
moradores daquelle povo hiaõ para ver ,& para venerar a
Santa Imagem, a acháraõ menos \ porq havia defapparecido.
E fendo bufeada no mefmo fitio, em q fe havia manifcftadoj
a viram eftar na mefma fórma que cm a ultima vez a ha viaõ
vifto. E acrefeentaõ os velhos daquelle lugar , que nefta oc-
caíiaõ fe ouvira huma voz que dizia, que naõ tornaífem a le-
var aquella pedra 5 porque era Imagem da May de Deos,a Se-j
nhora das Cabeças. Também dizem fer a manifeftaçam
defta Santa Imagem muyto antiga; &queefta tradição fc
confervaya nos velhos do mefmo lugar.
A'vifta deftas maravilhas, entenderão que a Mãy de
Dcos efeolhéra aquelle lugar, & fitio , & que nelle queria fec
venerada em aquella Santa Imagem.Edificáraõ -lhe logo hu-
ma Ermidinha pequena , em que coliocáraõ a Santa Imagem,
Tom, III. G 3 &
1 -o t Santuário Mariano
&nella começou a ferbufcada,& reverenciada de todos a-
quelles lugares , que à fama das maravilhas, h milagres que
logo começou a fazer , concorriaõ com rnuyta devoçam. A
Imagem da Senhora naquellc rncyo corpo moílra proporção
a gigsntada. Eflá ornada de vcíiidos,..& parece que a compu-
zéraõ com novos braços de páo; porque devião ficar os ou-
tros de pedra tam unidos , que naô podiaõ fazer forma de
veflir.
Os milagres que ainda hoje obra efla Senhora, fam
muytos , & também os eoncurfos da gente; mas efias roma-
rias mais frequentes , & continuadas faõ no veraõ ; porque
no inverno , he aquelle íitio muyto frio , & defabrido : eíias
romagens naõ faõ fó daquelles lugares circumvizinhos,mas
ainda de lugares ,& terras muy to diftantes ; porque ate do
Alentejo vem gente em romaria à Senhora das Cabeças.E as
oífertas que fe offerecem à Senhora , faõ mortalhas, & cabe-
ças de cera, das quaesfe aproveytaõlogo os Parochos. O
Prior de Orjais , cm relação que nos fez defla Senhora , diz
que indo àquella Ermida , nam vira mais que huma cabeça de
cera, que fe havia offerecido de pouco tempo à Senhora, por
hum grande milagre que obrara ; & foy , que hum rapaz da
Villa de Manteigas , havia perdido o juizo , & efíava vario,
& que offerecendo-o feus paysà Senhora das Cabeças, logo
ficara bom, & fam no entendimento. E diz mais, que as pef-
foasdeque fe informara febre efíc particular, affirmavaõ,
que fe naõ fe divertirão as muy tas memorias , que fe haviaõ
offeitcido â Senhora em teftemunhodas maravilhas, que
havia obrado , naõ feria poflivel caberem na Ermida.
TITULO
Livro I. Tituk XXV 11. i o $
TITULO XXVIL
*Da Lnagem de N* Senhora da Orada da Villa de SaS
Kkente da rÊeyra.
AViila de Saõ Vicente da Beyra fica ao Mejro dia da Cida-
de da Guarda , & cinco legoas ao Noroefte de Caíkllo
Branco na fraldada Serra daGuardunha; deu-lhe foral El-
Rey Dom Affonfo o Segundo. Em o feu termo, em diftancia
de meya legoa fe vé a Cafa , & Santuário da Senhora da Ora-
da , aonde fe venera huma Imagem da Mãy de Deos, invoca •
da com efte titulo , que he a confolaçaõ , & o alivio daquelía
Villa } & de todos aquelles povos circumvizinhos ; porque
todos os que recorrem cm feus trabalhos, & apertos a efía
clementiílima Senhora , achaõ na fua piedade certo o feu re-
médio. Eaífim concorrem em todo o anno com huma gran-
de frequência os moradores daquelía Villa , ôedas mais da
vizinhança à fua Cafa ,& todos com grande fé , que tem na
Mãy de Deos, achaõ nella bons defpachos em fuás petições.
Fica efía Cafa da Senhora fituada em hum alegre , &
deliciofo fido, devoto, &muyto a propoíito para a con-
templa çaõ das coufas celeftiaes; porque ainda que he folita-
rio, he povoado de foutos,que faõ da Senhora; fica efía Cafa
entre duas ribeyras, & eftá cercada de arvores filveflres, (&
naõhe defprovido o lugar de frutas) que noveraõ coma
bondade dos ares de que goza, & das aguas com que fe rega,
fazem mais appetecido aqaelle lugar. Junto à porta àã Igre-
ja da Senhora eftá huma fonte , que parece miíagrofa; he de
cxcellente agua , & com dia fe regaõ também as arvores no
verão. A origem^ôç princípios deite Santuário, mais por tra-
dições confervadas nos moradores daquelía Villa , do q por
documentos, & eferituras autenticasse refere neíia fórnn*
G 4 Qoan-
104. Santuário Mariano
Qnántoà antiguidade, fazem a efta Cafa, Sc a efía $m-
n Imagem tac antiga, que querem que ja no tempo dos Go-
dos ti vefíe principio naquclle lugar; o que tem muy tas du-
vidas ; & naõ moftraõ coufa que o prove, fem embargo de íc
acharem em Portugal algumas Imagens da Mãy de Deos an-
tiquiflimas,que ja no tempo delles foraõ veneradas. E quan-
to à fua origem, refere a tradição fer milagrofa ; porque di-
zem, que havia naquella Villa de Saô Vicente da Beyra huns
pays, que tinhaõ huma fciha donzella,a qual enfermara de hu
achaque, que moftrava no avultado do ventre eílar pejada,
& que perfuadido o pay de que na verdade a filha o eftava, &
que ella havia faltado à honra , & credito de quem chufan-
do mal da fua honra, & reputação , a quizera matar , & como
cõ o amor de pay fe naô atrevera, a levara àquelle fitio, aon*
de hoje fe vé a Ermida, que eraô humasbrenhas,& matos in-
cultos, aonde havia muy tas feras , com refoluçaõ de a en-
tregar à fua voracidade,para qellas foíTem os miniflros exe-
cutores, quedeífemo cafligoà fua culpa, defpedaçando-a,
&comendo-a.
Vendofe a innocente donzella nefle defemparo , fem
que lhe valeííe dizer a feu pay, que o que os olhos viaõ nam
era effey to de algum crime que cõmettefle;mas doença,& en^
fermidade , que ella naõ conhecia', clamou ao Ceo, para que
lhe acudiíTe , & valeofe da piedade da Mãy de Deos , rogan-
dolhe com orações,& copiofas lagrimas acudiíTe pela fua in-
nocencia , & fe compadecefíe do defemparo em que fe via, E
comoeíta mifericordiofa Mãy dos peccadores nunca falta
em acudir aos defconfolados , como aquella donzella fe via,
& acode fempre em as mayores neceflidades , lhe appareceo,
&a confolou,animando-a , para que naõ temeífe os perigos
em que fe achava ; porque em tudo lhe prometia a fua sílif-
tencia , & protecção. DiíTelhe que a queyxa, & inchação que
padecia era de huma cobra,que fe lhe havia gerado no ventre,
que foffe para caía j & quediffeíTe afcu pay , mandaííe aquen-
tar
Livro I. Titulo XXVII. ioy
tar hum pouco de ley te , & que poíla em alto > com a boca fo-
breo ley te ,fahiria a cobra logo. Veyo paracafa , & dando
conta do favor , que a Senhora lhe fizera, fe fez a diligencia
ôtfuccedeo tudo como a Senhora lhe havia dito, &aflim fi-
cou fãa y & livre da morte.
Mandoulhe mais a Senhora , que diffeííe a feu pay , que
naquelle mefmo fítio lhe edficaííe huma Ca fa, em que eíla
foííe venerada , & fervida , & que para mais certeza achariaõ
no mefmo lugar hum final , ( que hoje fe não fabe o que era, )
nem confia que final foíTe , & que allí a invocariaõ com o no -
me da Senhora da Orada. E ainda hoje aífirmão algumas pef-
foas antigas , que ouvirão a léus avós , & mayores, que ain-
da viraõ eftar na mefma Igreja a cobra, ou defpojos delia. E
fegundo JÍlo,naõ pode fer a antiguidade taõ larga como a fa-
zem.
AVifía deite milagre ,& manifefíaçaõ dainnocencia da
donzella/nandou fundar o pay o Templo,& Cafa da Senho-
ra^ devia mandar logo fazer a Imagem,para a collocar nel-
la. Outros referem a origem cm outra forma } ainda que em
fuflancia feja quafio mefmo. Dizem efles , que havia naquel-
la mefma Villa huma mulher cafada com hum homem , que
fobre fer de condição acre , & terrivel,era muytociofo, &
com efta payxão moleílava muy to ainnocente mulher , &a
maltratava. E como ella era boa , & devota de N. Senhora,
avivava o demónio (pela pór em de.fefperaçaô,& apartar das •
virtudes em que fe exercitava ) mais a guerra que o marido
lhe fazia. E chegou iflo a tanto , que lhe íugerio o demonip,
queamataffe j porque lhe faltava na fidelidade , que lhe de-
via. Comeftas falfas prefumpções , em q o inimigo o metia,
levou enganada a honefla,&virtuofa mulher âquelle fitio,
que por fer deferto naquelle tempo , & nas fraldas de huma
Serra , lhe pareceo accommodado para lhe tirar a vida ,& a
dcyxarfepultada nellc.
Vendo a affli&a mulher o intento do marido^ o gran-
de
i q6 Santuário Mariano
de perigo , em que k achava , fem ter quem lhe valcííe , mais
que o Ceo,valcofe daquella miíericordiofa Mãy dos afiiidos
pecc3dores,paraqueellaadefende{fc no aperto em que fe
achava , encomendando -fe a ella em feu coração. Naõ fe
deteve a mifericordiofa Senhora. Apparcceolhe logo , con-
fortando- a , & reprehendendo ao illufo marido com grande
feveridade; o qual livre da tentação pelo favor da Senhora ,
& reconhecido da fua cu! pa, & temeridade , em julgar mal da
fua innocente efpofa , pedio perdaõ à Senhora , & em acçaõ
de graças , pela mifericordia , que comellc, &com;fuaho-
neíla efpofa ufára, prometteo melhorar a vida, & de lhe edi-
ficar naquelle lugar huma Cafa para perpetua memoria do
benefício , que ambos recebiaõ. Dando logo tprincipio os
venturofos cafados àCafa da Senhora,mandáraõ logo fazer
aquella Santa Imagem , que nella collocáraõ, em a forma que
lheappareceo.
Eílas faõ as tradições , & de hum , ou de outro modo
podia fueceder a manifcftaçaõ da Senhora. He eíta Sagrada
Imagem de veítidos, & formada com braços de engonços,
em hum rneyo corpo de madcyra,accommodado em rocajmas
de tam elegante , & fermofo afpe&o, & de tão foberana ma-
geítade, que parece naô fer obrada por mãos de homens,mas
pelas dos Anjos. De tal forte attrahe os coraçoens dos que
nella põe os olhos , que fe naõ podem apartar da fua viíta j &
affim he muyto grande a devoção, que os moradores daquel-
lâ Villa tem a eíta Senhora; & também das terras , & lugares
ckcumvizinhos concorrem com muyta devoção a venerai -
la ,& a darlhe as graças pelos favores quedo Ceo recebem
peia fua interceflaõ. Na fua Capella fe vem pender algumas
mortalhas , & outras memorias de cera , em teflemunho das
fuás maravilhas.
No tempo das guerras eflava aquella Igreja -quaíi ar-
ruinada , por naõ haver, quem lá quizeíTe^ou pudeflTe viver,
"Suffiflir jcom o temor dos inimigos, &como oíitio hefo-
litario
Livro L Titulo XXVII. i 07
Iiíario,ainda fc fazia mais difficultoio para a afliflencia. Ho-
jccflácíta Cafamuytoaugmcntada ; porque haverá dezaleís
gnnps , queaííiílenellapor Ermiíáõ hum virtuoíò Clérigo,
(porque fempre teve Ermitaens Sacerdotes de boa vida }) &
Pregador. E efta fua affiflencia fe julga por hum grande mi-
lagre da Senhora.
Paíiòu efle acafo poraquelle filio, em tempo que naõ ti-
nha Ermitão , & entrando na Cafa da Senhora , tam namora -
do ficou da fua foherana vifla,que fe naõ podia apartar dâ fuà
prefença. Pedio à Camera a Ermitania } que he a que aa-
prefenta , o que logo fe lhe concedeo , & porque era naquel-
laoecafiaõ fomente de ordens deEpiflola, allife acabou de
ordenar. E naõ havendo allicoufa de que fe pudeíTé fuiten-
tar^nada o intimidou , fó com a prefença de nofla Senhora fe
deu por fatisfeyto,& hc tam grande a fua alegria , & gozo
com que vive naquelle lugar, que diz que por mais traba-
lhos, perfeguições, pobrezas, & moleflias , que tivcífcj
nunca pode acabar ccmíigo deyxar a companhia da Senho-
ra , & diz , que nella quer acabar a fua vida 5 & elie mefmo
repete , que de fi mefmo fe admira , & que naõ pode crer fe-
»aõ que a Senhora da Orada o tem prezo, para que da fua
Cafa fe naõ aparte. Suflentafe das fuás Ordens,& Scrmoens,
& tem aquella Cafa com muy to aceyo,& grande perícyçaõ,
& niflo fe moflra melhor o feu fervorofo efpirito j com que
ferve naquelle Santuário a noífo Senhor, & a noíia Senhora.
Em todos os tempos tem feyto efia Senhora muytos
milagres, & do tempo preíente, refere o mefmo Ermitão
muytos « dcsquaesapontarey alguns, &feja o primcyro.
Vindo efle devoto Sacerdote , & Ermitão para 2 Igreja cm
25. de Abril do anno de 1 695. encontrou a hum homem na-
tural da Villa de Bouzella , Biípado de Viíeu ; era efle caia-
do ,& vinha todo desfigurado ,& quafi vario , & derraman-
do muy tas lagrimas. Vcndo-oocharitativo Sacerdote, in-
quino deile a fua pena , & o feu trabalho : diíítihe o homem
QUIS
i o 8 Santuário Mariano
que elle era cafado de poucos tempos , & que amava muy to a
lua mulher ; porém que naõ podia viver com cila , porque o
inimigo o naõ deyxa va. Trouxe-o à Igreja, & diante da Se-
nhora da Orada tez que fe confeffaíTc , como fez , & depois
de o fazer íe cuvio hum terremoto tam grande fobre a Er-
mida da Senhora, & com tal força, ejftrondo, '&bravczi,
que todas as peffoas , que eftavaõ na mefma Igreja) ficáraõ a-
tormeruadas^&deraõ vozes pedindo à Senhora que lhes va-
leife , & lhes acudiffe ; & outras fugirão para a Villa atemo-
rizadas. Iíto foy notório a todos, & o homem ficou por fa-
vor denoda Senhora livre daquella guerra, & trabalho,
que lhe dava o demónio, & faõ também daquella grande trif-
teza,& affiicçaõ que o demónio lhecaufava,& íe foy muy to
alegre para a fua terra, louvando a noffa Senhora. E paffados
alguns tempos, avifou de que nunca mais padecera aquel-
les aífombramentos , & trabalhos que havia padecido.
De outro homem refere, que morava em hum lugar,
quatro Iegoas diflante da Cafa da Senhora, & que andava ef-
te muy to mal encaminhado , & que fonhára em huma noy te,
que lhe apparecia a Senhora da Orada , & que lhe dizia foíTe
à fua Caía , & que a mefma Senhora o allumiava com huma
tocha de grande luz- Defpertou, & aproveytandofe da illuf-
traçaõ da Senhora fe foy á fua Igreja , & fe confefíbu , & fa-
hioda prefençada Senhora,muyto outrodo que viera. A ou-
tras muy tas peffoas, que foraõaqueila Cafa da Senhora va-
rias , ou por falta de juizo , ou por illufaõ diabólica , enco-
mendandofe à Senhora da Orada , foy ella fervida de lhes al-
cançar perfeita faude , & de as aliviar no trabalho^que pade-
ciac.
A huma moça apodreceo huma maõ de huma nafeida,'
ou carbúnculo maligno , que lhe nafceo , & eftando para lhe
cortarem a mão, fe encomendou à Senhora da Orada , & un-
tandofe com o azeite da fua alampada,logo cobrou nella per-
fey ta faude.
A Er-
Livro L Titulo XXVI II. 109
• A Ermtda da Senhorahe mano grande, tem huma fer-
mofa Capella mór , &duas collateraes, &eftá todamuyto
bem adornada ; em huma das Capeilas collateraes eftá a Ima-
gcm da Senhora Santa Anna , & na outra huma de noíTa Se •
nhora da Graça , com outra Imagem de Santo Anfelmo Ar-
ccbifpo. E todas eftas Imagens faõ pcrfcy tiífimas. A Capdla
mór hc toda de caníaria,& forrada de mndeyra,como he tam-
bém toda a Igreja. Emcima do arco da Capella mór tem huma
Imagem deChriílo crucificado muy to devota,& perfeyta ,de
altura de quatro palmos, & meyo , em hum nicho forrado de
azule jo,cõ muy to aceyo,& com hudocel muy to bem pinta-
do, & cortinas de feda encarnada. O pavimento da Capella,
& da mayor parte da Igreja heaífoalhadode madeyra. He ef-
ta Ermida da Senhora d\ Orada , padroado da Camera da
mefma Vilia de São Vicente da Beyra ,&ellaheaque apre-
fenta osErmitaens. Tem a Senhora algumas fazendas, que
adminiflra a mefma Camera ,de cujos rendimentos fe acode
à fabrica , & ornato dos Altares da Cafa da Senhora.
TITULO XXVIII.
Da Imagem- de nojfa Senhora da Caridade da Filia do
Sardoal.
A
Dmiravel he a caridade de Maria Santiffima a favor
_ x dos peccadores : antigamente % diz Raulino , era nms
fevéra a Divina Jufliça contra os deméritos doshomes; mas
hoje que temos noCeo a Maria Santiffimi , a fua caridade
faz que em Deos tudo fcjaõ clemências : TSL>fiatt folem per-
cuttat >deceritijjimè po fita ejl Regina mifcricordt* juxtafalem **** -,
juJlitU. NeíTa Corte celeiie cftá a caridade de Maria noíTa^*Vh
amorofa Mãy, diz Bernardo,mofirando a feu Santiffimo Fjh çHm{ '
Ihoíeus virgiaacs peytos, para oabrigar a que ufe de pie-
dade
1 1 o* Santuário Mariano
Bem. cinde com- nofco: Ojlendit Lhrijío p"ãus7éí ubeYâ. E tinto fe
jerm.de ?jãm aqUj[ a fUa caridade , que por iífo a íouvaô os Anjos nos
N<it, B. cantares, dizendo r que es feus pcytos faô melhores que d
Mm*. v;n^o; }^Uorí-ijuntnbcYiítv.aYino. Sobre que diz Alberto
Cdnt.i. Magno, que ainda que o vinho he forte, & valente , muy-
tomais fortes , & valentes faô feus virginaes peytos: í?)-
^ ^/# tentioris, drutilioris yficacU funt ubera fèeatct Virginis
l i*de *lft*m ywnm. Porque fe o vinho faz que os homens fe efque-
Lãud. çaõ das oíFenfas , os peytos da Mãy de Deos fa2em que elle
~B atar. efquecendofe de fuás oífenfas;uíe com-nofeo de fuás miferi-
cap. 3. cordias; Viera Vero Mart<e (acrefeenta Ricardo) Veum
; , quafi inebria)' epotuertvit.Ek os peccados dos homens pro*
ÀS and. yoca^ a Deos,para que oscafligue; a Mãy da Caridade, rnof-
Laur. ' trandolhe os virginaes peitos, o obriga a ô detenha a fuain-
/. p. de dignação. E afíim diz o Divino Juiz, ( pela penna do Cardeal
Uuà% Hailgrino:) Recordabor quòdlac de ubertlustuis fuxerim,
Mma. & tftarecordatio támquamYmilpotns prtfentis indignatw-
'&aik. níS ofàMfti niefackt , mfeflhu m ad Ymdictam. Cem muy ta
inCwt. razaõ pois cevemos reconhecer logo a grande caridade da
£, noífa piedofa May para a fervirmos , Gamarmos cem todas
as veras, ¶ lhe darmos o titulo de Senhora da Cari-
dade,
Acima da Villa de Abrantes huma legoa , fe vé a Villa
do Sardoal , povoação pequena j rras a gente delia pia . ôc de-
vota, junto à Viíla ficacmíitioslto,&fadio,defcubertoa
todos os ventos \ & com boa vifía para o Tejo , hum Con-
vento de Religiofos cia Província da Piedade, fundado na-
cjuelle povo pelos annos de 1571. Havia ja naquelle fitio
huma devota Ermida , dedicada a noíía Senhora com o titu-
lo da Caridade, titulo que os Religiofos também impuzeraõ
ao Convento. Foy fempre efia Ermida o Santuário mais ce-
lebre ,& da roay or devoçaõ^que havia por aquelles arredores,
& aífiírf eraõ. nclleas romagens continuas; porque de todos
aquelks povos circumvizinhos era vifuado. E aííim recebiaõ
todos
Livro l. Titulo XXV III .^ tu
tcâosda liberal maõ daquella ícberana Mãy da Caridade,
auy to grandes favores.
Huma notável maravilha refere o Chroniíla da Provín-
cia da Piedade , dizendo-defta forte: que fahindo os Religio • 9
fos a pedir a efrnola de paõ , comocofiumavaõ,& cheg in-
do mtya legoa do Sardoal a hum lugar , chamado Velhafcos*
aonde os Religioibs coflumaõ ir , de quinze em quinze dias,
pedir efrnola de facola ; chegando em huma occafiaõ a pe-
dir à poria de hum Irmão da Ordem, muy to devoto dos Fra -
des ,& da Senhora da Caridade, chamado João Gonçalves,
mandou eíte à mulher , que defle a efrnola que coftumava
darem todas as Segundas fcyras, que era o dia em que pe-
diaõ ; ella por fer pouco devota, & por naõ ter paõ para a fo -
mana toda;porque fuppoílo, que no Sabbado antecedente ti-
nha amaííado, havia tido tantos hofpedes no Domingo, que
lhenaõficáraõ mais q dez paens ce toda a amaiTadura,fe ef-
cuiavadelhadar; com tudo o marido, fernrefpeytar as ra-
zoes que a mulher dava para negar a efrnola, mandou que to*
go lhe defTe feis paens, que tinha de coílume. Naõ pode elía
deyxar de o fazer , & íuppoíto; que com pouca vontade, fez
a efmola,ficandofó com quatro paens em cafa. Porém Deos,
que cfhma fempre a caridade , &oque fc difpende cornos
pobres, mofírando os feus poderes , foy fervido/or também
pelos merecimentos de fua Santiffima May, que naõ feltaffe
naquellacafao paõ por toda a fomana inteyra,em que coflu-
mava durar a amaffadura j & havendo naquella família oy to
peífoas,todas coméraõ dos quatro paens os feis dias feguia-
tescom muy ta abundância; porque todas as vezes que a mu-
lher hiabuícar paõ áarca, achava oquelhccraneccffario
paraaquelledia,dequc ficou taõ admirada, que mudando a
condição, & conhecido a fua pouca caridade começou a íer
roais devota dos Religiofos , & ter mais caridade com os po -
bres,& ter mais devoção à Senhora da Caridade obradora
deita maravilha a favor dos ícus Capeilães,
i 1 1 Santuário Mar iam
Quanto à origem 2 & princípios deita Santa Imagem
da Senhora da Caridade ,coníla de huns livros antigos da
Gafada Mi fericordia (da mefmaViila do Sardoal ,) que no
anno de 1 549. enterrarão os Irmãos da fobredita Cafa a Er-
mitoa da Ermida de N. Senhora da Caridade. E confia mais
decutroa{Tcnto,quenamefmaera , certa peíToadeyxára do-
ze mil reis de efmola à Ermida da Senhora da Cari Jade. Por
onde fe verifica fermuyto antiga aquella Cafa, &quejana-
queHc tempo tinha Ermitoa > que tinha cuydado da Cafa da
Penhora , da fuaalampada ,&doaccyodofeu Altar. Eha-
veria tido outras muy tas Ermitoas, cu Ermitães.
Depois pelos annos de ^o.vicrzcos Rcligiofos Pa-
dres da Piedade, & parecendolhe bem o fitio, o pedíraõ , pa -
ra fundarem nelle hum Convento, que fe lhes deu, & o edi-
ficarão., como fe vé em o mefmo lugar, de que tomáraõ poíTc
í\o feguinte anno. Naô falta também quem diga, q a primey-?
ra invocação daquella Santa Cafa, fora dogloriofo Príncipe
dos Apofiolos Saõ Pedro, quedepoisíe dedicou a noíTaSc^
nhora da Caridade; mas ignora- fe hoje o motivo.
Eíláefra Santiífíma Imagem collocada em lugar alto^
que he no efpelho àz luz do cruzeiro,que para eíTe elfeito fc
t^peu , & o concertarão os Religiofos com o ornato de al-
guns Anjos à roda, para taparem as bocas dos que delles fe
que yxavaõ > de que recebendo-os a Senhora da Caridade em
íua Cafa,tivcíTem tam pouca com cila , que a puzeflfem a hum
canto, quando era jufto , que permancceffe íempre no Altar
n>cr ,como Senhora ; & Padrceyra que era, & havia fido da-
quella Cafa , quea mefma Senhora lhes havia dado , como o
fizeraõ os primitivos Padres, os quaes tinhaõ com cila huma
cordcal devoção, A caufa porque a tiráraõ do Altar mór,foy,
que es modernos que nsõ tinhaõ a devoção dos primeyros,
fizeraõ hum retabolonovo cem tribuna , & comonaõ acha-
rão lugar que lhe dar,o derao a Santo Antonio,collocando-a
em huma fua Ermida da cerca do Convento P que fe teve por
imprudente reíoluçaõ. Confia
Livro I. Titulo XXM1L ri3
Conftou ifto aos moradores da Viila , & foy iam gran-
de a fua juíla queyxa, que quando para a aplacaria deviaõ ref-
tiruir outra vez à Capeila mór , a colíocáraõ no ocj do efpe-
lho referido. Outros dizem que a colíocáraõ primeyro fora
da igreja fobre o alpendre em hum nicho , que alíi eftava , fi-
cando exporta às inclemências do tempo , de que fentidos
todos os devotos da Senhora , fízeraõ tal motim > & borbo-
rinho , que os Religiofos a recolherão , & entaõ a deviaõ le-
var para a Ermida da cerca. E porque a queyxa naõ ce(Tava, a
colíocáraõ no referido vaõ do cfpelho, & fempre fc teve to *
da efta refoluçaõ por muyto mal confiderada ; porque nunca
fc devia tirar àquella Caía o titulo da Caridade.
No lugar ,& trono da tribuna que fizeraõ naCapetfa
mór, colíocáraõ outra Imagem da Senhora } que mandaram
fazer a Coimbra demadeyra \ aquém déraõ o titulo da Af-
fumpçaõ* E a efta Santa Imagem feftejaõ no feu dia de 1 5. de
Agofto j & nelle fe lhes dá de efmola hum bom jantar. E nam
confia, nem ha quem fc lembre ^de que em algum tempo fef-
tejaffem a Senhora da Caridade, que he a Senhora Titular, 8c
o Orago do mefmo Convento, & a Senhora que os recolheò
na fua Caía, & que lhes fez nella tantos, & tão grandes fa-
vores, pelos quaes mereciaõ todos os obfequios. A Viila fem-
pre teve grande devoção a efta Senhora, & por feu refpey to,
quando os Religiofos anomeao, (quando em os Sabbados
vaõ à efmola) felhes acode com diligencia. He efta Santa
Imagem de pedra, & tem de eftatura quatro palmos,& mcyo*
Naõconftaqueapparecefiesmas veie, que hc muyto anti-
ga. Da Senhora da Caridade efereve o Padre Frey Manoel
de Monforte na fua Chronica da Piedade, & o Vigário da
Viila do Sardoal Mathias daSilvaCardiga,emrelaçamque
nos fez por mandado do Illuftriífimo Bifpo da Guarda Dom
Rodrigo Moura Telles.
r Jom.HI. ti TITULO
H4 Santuário Mariano
TITULO XXIX.
Da Imagem deN> Senhora da Conceição do Contento
de SaoFrancifco da CoVilhaa.
AVilIa da Covilhãa fituada nas fraldas da Serra da Efirel-
la, hc povoaçam muy to antiga , os noífos Efcritorcs
Portuguezcs 3 & também os Hefpanhoes, a fazem povoa-
ção do Conde Juliam, pay da Cava , & poreffc rcfpcyto
lhe derão o nome de Cava Juliani , que depois fe corrompeo
cm Covilhãa ; he nobiliflima cita Villa , & muy to abundante
de todos os frutos, & regalos. Nefla Villa tem hum Con-
vento a grande , & dilatada família do humilde , & Seraphi-
co Padre Sa6 Francifco (outro Chrifto cm tudo, &como
tal fellado com as fuás Rcaes armas , que por naõ abarcar
muy to,fe ha obrigado fomente à defenfa da pureza da Con-f
ceiçaõ deMaria,& como tantos Santos deita fagrada família,
tantos homens doutos , & eminentes Pontífices, & Car-
deaes fc hão empregado cm pregar , & publicar com fuás le^
tr a s , efer itos , & engenho efle celeflial favor, de que rcful-
ta tanta gloria à Senhora , & tanta honra a Deos , como Au-
thor fobrenatural,& Divino defla preciofa obra,confolaçaõ
dos homens, gozo dos Anjos , & confufaõ dos demónios , a
feu fanto zelo ha acudido Deos com foberanas luzes , para
que com Sermoens , & eferitos tenhaõ a honra de Deos , & a
de fua Santiffima Mãy , ( que he huma mcfma coufa , ) em o
ponto em que a vemos. A efle fanto zelo , & à fua fervorofa
devoção para com efle fagradomyfterio, parece quer fatis-
fazer a Senhora , obrando nas fuás Cafas grandes maravi-
lhas pormeyo de fuás Sagradas Imagens, invocadas com
efle titulo. Ifto fe vé no referido Convento da Covilhãa,, a-
onde em a Capeila mór de fua Igreja fe venera huma mila-
grafa
Livro L Titulo XXIX. ti y
grofa Imagem de Maria San tiffima, com o titulo de fua Con-
ceito immaculada.
Com efta Sagrada Imagem tem todo aquelle povo hu?
ma fingular devoção , pelas grandes mercês, que todos delia
recebem; porque em todos os trabalhos, aífim públicos, co-
mo particulares ,todos os que recorrem a efta mifericordiofa
Mãy , achão nella o alivio , & a confolação nos bons defpa-
chos de fuás petiç ôes. He efta Sagrada Imagem de roca , &
de veftidos , eftá com as mãos levantadas , a fua efiaíura hc
de féis palmos, de grande fermofura, & a fervem aquelles
Religiofos com grande devoção, &eftá com muy ta vene-;
raçaõ, & decência.
Quanto à origem, & princípios defta Sagrada Imagem;
fazendofe por mandado do Illuftriflimo Senhor Bifpo da
Guarda Dom Rodrigo de Moura Telles , ao prefente Arce-
biTpode Braga, informação, (que foycommettida ao Arci-
prefle Francifco da Silva Manoel ) naõ fe pode defeubrir
mais ( imterpoftas todas as diligencias ) que fer efta Sagrada
Imagem , & a fua Capclla do Padroado do Vifcondc de Bar-
bacena, Jorge Furtado de Mendonça,& que a inflituíra hum
defeus afeendentes, chamado Diogo de Caftro do Rio, o
qual inftituío outra Capella em o Convento de Sam Fran-
cifco da Cidade de Lisboa , dedicada ao mefmo myfterio. De
donde fe cré, que eíte fidalgo a mandaria fazer em Lisboa ,&
que deita mefma Cidade a mandaria para o Convento da
Covilhãa , & na fua perfeição fe reconhece fer obrada por
artífice muy to exccllente ; porque moftra huma grande1, &
foberana mageftade , & tanta graça , & fermofura , que rou-
ba os corações , & aflim he continuamente bufcada dos mo«-
radoresdaquelle povo»
Os Religiofos daquelle Convento tem muy to efpecial
devoção a efta Senhora , & fem embargo de que toda efta
fanta Religião temhuma cordeal affdçaõ , & amor para com
çfle myíterio , & lhe cantão todos 4os Sabbado*MiíTa , & ná
H z tarde
ii 6 Santuário Mariano
tarde Ladainha com grande folemnidadc, parece que para
com efia Sagrada Imagem tem mais efpecial fervor nos feus
obfequios , & venerações. Obra muytas maravilhas; mas a-
quelles tentos Religiofos com ofeu defapego, naõ cuydaõ
muyto de fazer memoria delias , o que deviaõ fazer , ao me-
nos para que aíHm fe avivaíTe mais a fé dos tíbios; porque a
natureza humana he taô fria naturalmente y que neceffita
muyto de quem a excite à devoçam, ôccomo osmimííros
de Deos , que devem fer fogo , que queyme , & abraze, faõ
de neve pela fua tibeza , naõ he muyto que os mais fe es-
friem á fua vifta , na fé , & na devoçaõ , o que he muyto para
íentir.
Quanto às maravilhas , referio o Prior de Sam Marti-
nho da mefma Villa , o licenciado André Lopes , aos Com-
miííariosdo Hluflriflimo Bifpo da Guarda, como teflemu-
nha de vifta , que fendo elle menino, ouvindo dizer , que hia
huma moça endemoninhada do lugar das Quintans, con-
correra elle também com a muyta gente, & rapazes que fe a-
juntárpõ à Igreja de S. Franciíco , por fe dizer que vinha of -
ferecida à Senhora da Conceição do mefmo Convento, fen-
do Guardião hum Religiofo chamado Frcy Amaro, peífoa de
muvta virtude , o qual a exorcizara , & que lançara a tal mo-
ça hum real pela boca , em a Gapella da Senhora ,por final de
que o demónio imperado por aquelía feberana Rainha,a dcy-
xava livre ; & fugia à fua vifta; porque he Maria muyto for-
midável a todo o inferno. Efta moça foy livre da oppreflaõ q
o demónio lhe fazia , & todos reconhecerão fora pela inter-
ceíTaõ , & merecimentos da Senhora da Conceição.
Outra maravilha referio o mcímo Prior também, &
muy o nota vcl>& foy ;quc vindo a valeríe dos poderes da Se-
nhora hum aleijado, firmado cm duas molétas, eftc pon-
dofe diante daquella Sagrada Imagem, invocou a Senhora,
& lhe pedio lhe deíTe faude , & a Senhora lha alcançou per-
feita de feuprecioío Filho, porque ficou faõ, & largou no
irxfnío
Livro I. Título XXX. íi>
mefmoIugarasmoletas,deyxando-as por memoria da mer-
cê., que a Senhora lhe havia feyto
Todas as peflfoas daquella Villa , quando fc vém enfer-
mas, ou opprimidas de alguma grande molefti a j ou trabalho,
recorrem logo aopoderofo patrocínio deíía mifericordiofa
Senhora , & logo achaõ na fua clemência tudo o que pedem,
&defejaõ- Emuytasdeftasemacçaõ de graças lhe dedicaõ
efpeciaes feitas de MiíTa cantada, com Sermaõ. Efcrevem da
Senhora da Conceição o Padre Frey Manoel da Efperança
na fua Hiítaria Seraphica, part. i . liv. 4. cap. 1 4. & o Arei-
prefte Francifco da Silva Manoel, & o Padre Manoel da
Silva da mefma Villa da Covilhãa.
TITULO XXX.
De N.Senf?ora do Faflio, termo dá mefma Villa da Covilhãa*
NO mefmo Arcipreflado da Covilhãa ,em o lugar,fc Fre-
guefia de Fatella , ha huma Ermida dedicada à Mãy
de Deos , a quem invocam com o nome de noíTa Senhora do
Faítto. Da caufa porque fe lhe impoz efte titulo,naõ ha quem
diga nada com certeza ,& da fua origem dizem alguns, que
apparecéra naquelle lugar , & efta hc a tradição , que em al-
gumas peííoas achou o Vigário do mefmo lugar de Fatella,
procurando-a por mandado do mefmo Illuftriílimo Bifpo da
Guarda- Ainda aflim, he bufeada efta Senhora, & fuppoílo q
oconcurfo da gente naõ he tam grande ,como fe vé noutros
Santuários, o que nafeerá da falta de haver quem accenda o
fogo da devoção ;muy tos vaõ àfuaprefença a pedir o re-
médio de (eus trabalhos, & a fé com que vão, lhes alcança o
dcfpachoyque defe jaõ. Na fua Capclla fe vé hum quadro , em
que eflá pintado hum milagre notável , & fe affirma fer efíe
ifcuyto antigo.
Tom. III. H 1 AIma:
* 1 8 Santuário Mariana
A Imagem da Senhora hc de efcultura de madey ra, & a
devoção dos que a fervem, a vefte de vertidos, para aífim
fe augmentar mais a reverencia , & a devoção para com ella.
A íuaeítaturahe de três palmos- Tem Ermitão, que affiííc na
Ermida, & tem cuydado delia, o qual pedeefmolas para as
defpezas da fua Cafa. Fica efía Ermida em lugar folitarioyk
efta tombem fera a cauía do pouco concurfo da gente, o ler
nwy to longe de povoado, &eflar em lugar, quepordefer-
to, fe naô encontra nelle gente alguma.
TITULO XXXI.
T)a Imagem de noffa Senhora da Ribeyra no termo de
Abrantes.
OPropheta Rey Progenitor de Maria Santiffima diz que
oimpetuofodchua ribeyra alegra a Cidade deDeos.
Thom. Efla Cidade dizem todos os Padres,que he Maria noffa May,
i./>. q. & Senhora; mas a rib:yra ou rio , qualellefeja ,odizemo
$4.art. Doutor Angélico, &SaôJoaõ Damafceno,quehcoEfpiri-
n- to Santo. É Cláudio Rapina diz, que efla ribeyra he o rio
Dam. dos dons do Divino Efpirito; & Alanode Infulisdizquchc
^^# o rio da graça: FluVtus grwarum. Eaííím vem aferellerio
y o Efpirito Santo , (eus Divinos dons ,& fua graça , tudo he
eílerio, &eíta ribeyra; porque o Divino Efpirito naô fó
CUtid. alegra a cila Cidade; mas a enche de feus divinos dens , & a
firm. z. enriquece de fua graça , & tanto, que vem a fera Senhora h&
Cw' Rio, & humacaudalofa Ribeyra de graças- Eeffa foy arazaõ
?r' que teve Ricardo , para chamar à Senhora , Ribeyra de Deos
Man. abundante de aguas daDivina gvaçr.Flumen Dei repletam a*
ftrm.de /uis gr titirt-Emòfóhc Ribeyra cheya de graças;masRibey-
j*nn*t.c& cheya de clemência: Fluvitw clementite, como diz Bernar-
•St M* Jq, Pois fe efta Senhora he tam abundante de graças , & de
clemen-
Livro LTitulo XXXI. u#
clemência, quem haverá, que a n2Õbufquc,quemhaverá,que Ric4rd:
naõ folicitc os feus favores, & quem deyxará de bufcar á fua '# &•
clemência? Semduvida que os que impuzeraõ à Senhora oLotiY%
titulo de Ribey ra , o dcvinõ fazer na coníideraçaõ de que he f 9'?'
cila huma Ribeyra,& Rio de graças, & de clemência, a favor >4 ^
de todos os que imploraõ o feu patrocínio , & fe defejsõ va- jjrti lj
ler da fua clemência , & piedade. ,4# eap[
Junto a huma ribeyradiflante da Villa de Abrantes pa- 16.
ra a parte do Norte coufa de huma legoa , chamada atítiga-
mente Abrançuida, ou, como hoje lhe chamão porcorrup-^'^'.
çaô do vocábulo, Abrançalha, íitiomuytodeliciofo,frefco, m^J[iu
& povoado de muy tos pomares , & hortas , fe vé o Santuário fHper *
de N. Senhora , que por fe fundar junto â referida ribcyra, Salve
lhe déraõ o titulo delia. Fundou nefía Cafa o terceyroCon- Rêginu
de de Abrantes Dom Lopo deAlmeyda hum Convento da
fantá Província da Piedade , &em quanto as obras delle fe
faziaõ,feaccõmodáraõ osReligiofos na Ermida da Senho-
ra 3 & á fua fombra receberam de Deos muy tos , & grandes
favores: teve principio efla fundação noannode 1526. &
depois que as obras efliveraõ acabadas , deyxáraõ a Cafa
da Senhora, o que eu naõ fizera; porque em quanto aqucl-
les primitivos Padres alli viverão, eraõ grandes asconfola-
çôes , & regalos , que naquella pequenina Cafa da Senho-
ra receberão da mifericordiofa mam de Deos por inter-
ceflaõde fua Santiífima Mãy ,que fempre como Rio de gra-
ças as eflá communicando aos que vivem debayxo de fuâ
protecção.
De hum Religiofo leigo,chamado Fre y António de To-
ledo(porque era natural defta Imperial Cidade;fe refere,que
continuava tanto na oração à villa da Senhora, queafem-
bra do feu corpo de tal maneyra ficou impreffa na parede da
Capella , vizinha ao lugar aonde orava , que por mais dili-
gencias , que imprudentemente fe fizeraõ para a apagar , ca-
yando a parede com hu pincel de cal, nunca foy pofli vel(por
H 4 mais
i to Santuário Mariano
íiraís demãos q lhe deraõ) a que ficaíTe extinda^ antes perfc:
verou por rcuy tos annos, & ainda hoje fe vira a meíma íbm-
bra,anaõfe porfiar pela extinguirem. Morreo o Santo lei-
go naquella Caía, & foy fepultado à vifta da Senhora , em a
fua mofaria Ermida. E depois obrou Deos muytos milagres
pormeyo da terra de fua fepultura, principalmente em o
moleíta, & enfadonho mal das cezoes.
Outro Religiofo, também leygo de profiííaõ, viveoem
aquella Cafa, chamado Fr. AíFonfo de Viana,Varaõ de gran-
des virtudes, que também foy devotiflimodaquelia fobera-
na Senhora. Elk morrendo naquelle Convento ptimeyro
em a companhia da Mãy de Deos, mereceo pela fua intercef-
faõ , & favor, que o Senhor enriqueceífe a fua alma de taõ ef-
clarccidss virtudes , que ainda hoje perfeveraôas memorias
da fua fanta vida. Tudo ifto receberão efies 7 & os mais Pa-
dres que viverão naquella primeyra Cafa, daquella fonte , &
Rio perene de mtfericordias. Da Senhora da Ribtyra Efcre-
vem o Padre Frey Manoel de Monforte na fua Chronica da
Província da Piedade liv. 2. cap. 40. & Jorge Cardofo no
feu Agiologto Luíitano tom. 1. pag. 120.
Por outra noticia me confiou que aquella Cafa da Se-
nhora fora antigamente Convento deReligiofas,&como
o íitio ficava entre hortas, & era, por bayxo, & muyto húmi-
do, peuco fadio j fe mudou efle Convento para dentro da
meíma Villade Abrantes , aonde ao prefente perfeveraõ as
fteligiofas,& eíle fenomea hoje com o titulo de noífa Se-
nhora da Efperança, do IníHtuto de Santa Clara 5& da fa-
mília dos Menores.
TITULO
Livro LTitu/o XXXII.
121
TITULO XXXII.
Da mihgrofa Imagem ckN. Senhora do Incenfo de]
fenamacor^
COm muyta razaõ fc deve dar a Maria Santiflima o tifti-
Iode Incenfo; porque peloincenfo entendem os San-
tos Padres, & as Efcrituras a deprecaçaõ , & a oração. E co-
mo eíla Senhora nunca cefla, nem falra em rogar por nós a
feu bemdito Filho , & he para a Divina clemência , cheyro
fuaviffimo de incenfo , a depreeaçam defua amorofa Mãy,
por iííò lhe vem muy próprio eíle titulo. Com elle a invocaõ
os Gregos no feuHymno,comooaffirmaButeolo: iH&fcifajJB
[um accfptabile deprecetionibus. Qvx he Maria Santiflima Gnec&i
comas fuás deprecações, & rogos a favor dos peccadores, jp$d
incenfo muytograto,& aceyto. E fendo tam agradáveis ao BmeoU
Senhor os rogos , que a beatiflíma Virgem Maria interpõe a />• * *?•
feufavrr;juíiohequecommuyta fé, & devoção a rogue-
mos com as noífas orações , para que cila interceda por nos,
& nos alcance em ncíTas petições os defpnchos de que o Se-
nhor mais fe obriga , & a nós mais nos convém.
Meya legoa difbntc da Praça, &Villa de Penamacor
f>araa parte do Occidcnte;& dentro do feu termo, & limite,
fe vé huma fermofa , & grande Ermida dedicada à Mãy de
Deos , aonde fe venera huma milagrofa Imagem fua, a quem
daõotitulodeN. Senhora do Incenfo. He cfta Sagrada I-
magem antiquiífima^ & tanto, que fe naõ fabe dizer nada da
íua origem, & princípios. Efem embargo de que todos os
moradores^de Penamacor dizem que he angelical , & obra-
da pelas mãos dos Anjos , ainda affim naô fabem dizer fe ap-
pareceo , nem moftraõ o fundamento que tem, para a terem
por tal , mais que huma tradição ligeyra de que o he. Crey o
que
i it Santuário Mariano
que naíccrá efta tradição da fua grande perfeyçaõ , & rara
fermofura,porqueaíT]m naefcultura , como na graça, & ma-
gèftadc que moftra , naõ parece a podiaõ obrar as mãos dos
hou^ens.
He efta milagrofa Imagem da Mãy de Deos , deefcul-,
tura , formada em pedra, & as roupas pintadas, &matiza-
das todas de ouro , k de eíhtura de três palmos, & tam per-
feitamente pintada ^çuc pudera efeufar o ornato dos vefti-
dos, que a devoção dos que a fervem, (por fcmoílrarem no
ftu obfequio mais fervorofos) lhe coftuma por- Tem fo-
bre o braço hum Menino Jefus, que he de madeyra, & di-
remos moradores daquelía Vil! a , que antigamente era elte
Menino também de pedra, &quehuns devotos lho furta-
rão > & que em feu lugar lhe puzeraõ o que de prefente tem.
A Senhora tem na cabeça huma coroa de prata-
A fua antiga invocação era nofía Senhora do Prado, &
naõ do Incenfo , como hoje fe denomina; & elle do Incenfo,
he também mu> to antigo; porque confia poreferiturasde
compra , & venda de fazendas , que ha mais de duzentos an-
nos , que fe intitula do Incenfo , nomeando-a , as proprieda-
des, & que e fia vão junto anoífa Senhora do Incenfo- Efte
titulo do Incenfo ( diz a tradição ) nafceo de que hum Bifpo
da Guarda, em huma doença grave , ou perigo de vida em
que fevio,fe encomendou muyto a noffa Senhora, pedin-;
doihe que o livrafíe,pelos feus merecimentos,*: interccííaõ.
Ccncedeolhe a Senhora logo o que lhe pedia , & em acção de
graças ; & em final de agradecimento do beneficio recebido,
lhe foy fazer huma fefta , em que celebrou MiíTa de Pontifi-
cal. E levando para eífe eíFeito teda a preparação neceííaf ia,
quando ja eftavaõ à Miffa , fe reparou que faltava o incenfo;
Neíta falta que fe não podia remediar, por ficar a Ermida dif-
tante da Villa mais de meya Icgoa , como fica dito, fe recor-
rco à Senhora , para que cila o ren ediaffe. E pegandofe da
naveta ( depois de a terem viílo vazia)aacháraõche>adelJe,
&
Livro I. Titulo XXXII. 1 1 3
& de outros cheyros aromáticos. AViíta defta maravilha,
fe começou a invocar a Senhora com o titulo do Incenfo,
que milagrofamente havia dadonaquelia occaíiaõ,em que
clle faltava.
Outros querem que efte titulo do Incenfo proceda de
hum valle , que chamão do Incenfo , & porque a Cafa da Se-
nhora fica para a parte do tal fitio, querem que delle tomaf-
fe o nome ; mas como eíle difle huma legoa da Ermida da Se-
nhora , naõ parece vir muyto adequada efía applicaçaõ, nem
parece, que lhe devia refultar delle o tal titulo, & affim acho
que a primeyra tradição parece mais verofimel. Eccmonsõ
ha cícritur3S > nem memorias autenticas , que o digaõ } pode
cada hum aíTentar no que lhe parecer; mas efta tradição he a
roais commua.
Os milagres que o Senhor obra por meyo defta Sagrada
Imagem da Senhora, fam innumeraveis , como o experimen -
taõ todas as horas , os moradores daquella Villa, &de to-
dos os mais povos circumvizinhos , que fe valem da fua in-
tcrceffaõ,& poder. Ordinariamente fevé cite nas ncceílida-
des publicas , quando fe imploraô delia as divinas mifericor-
dias; porque quando fe vem os Ceos de bronze, por faltar
à terra com a brandur a da agua, de que neccffi ta ', a vaõ tirar
em proci(Ta5^& a levaõ para a Igreja da Mifericordia da mef-
ma Villa, & logo fe experimenta prompto o remédio. E or-
dinariamente íuecede , no mefmo caminho , oconheceríe a
feu favor , & piedade , c om tanta abundância de agua, quan-
ta he neccífaria aos frutos; o que em todos caufa admiração,
& mayor devoção para a Senhora.
Noannodc 1702. proximamente cm huma grande tem-
peíiade, que ouve naquella Vií!a , & que foy geral a todo o
Reyno,!ançandofe nellaos pregõescofturmdos,parafea-
jurKaroClero>&povo para irem tirar a Senhora em procif-
faõ , immediatamente ceiTou a tempeftade começando IcfcfS
§í?z?Çk?!5 tempo^que continuou até n, de Março do m&
mo
i z 4 Santuário Mariano
moanno-Eexperimcntando-fe ja no mcimo mez grande falta
de agua \ & grande temor de fe perderem as novidades, de-
terminarão os moradores de Penamacor, de recolher a Se-
nhora à fua Caía, rogandolhe fe compadeceffe delles, & lhes
deffe a agua de que neceflitavaõ os feus campos. Sahio a Se-
nhora da Mifericordia em 17. do mcfmo mez pela tarde , &
na íeguinte noy te ouve huma grande abundância de agua,
que continuou em forma , que fe feguráraõ as fearas. Ifto
mefmo fe experimenta nas occaíiões, em que feneceffita de
foi, & tanto que fe recorre à Senhora, logo ella lhes concede
o bom tempo , que deícjaõ.
No tempo em que íe começarão as guerras deite Reyno
com o de Caftella , depois da Acclamação do fereniflimo Re y
Dom Joaõ o Quarto , fuecedeo que hum foldado dos inimi*
gos,entrando atrevidamente a cavallo na Igreja da Senhora,
(o que podia fazer fem impedimento , por ficar a Ermida dif-
tante da Villa, como fica dito)com intento de defpojar a Se-
nhora das fuás joyas, chegando efie aos degraos da Capella,
pafmou de forte , & o cavallo , que ambos ficáraõ immoveis,
fem poder dar mais humpaíTo, de que atemorizado voltou
para traz , fahindofe da Igreja , deyxandoimpreffa no lagea--
do da Capeíla huma ferradura , o que ainda hoje fe vé.
A hum Alferez de Infamaria do prefidio daquella Pra-
ça , chamado Joaõ deAlmcyda, perfeguia o demónio com
vehementiffimas tentações , de que fe foíTe afogarem hum
pego, a que chamão o Estillo, da ribey ra de Sey fe, que corre
perto da Ermida da Senhora , a proveitandofe do feu natural
(muyto melancólico, & imaginativo ) o demónio para eíla
guerra , & foy taõ terrível a fugertaõ, que elle o executou, &
para que logo pudeífe ir ao fundo do pego, encheo as algi-
bey ras dos calções, & os bolços da caçaca de pedras. A efle
livrou a Senhora , tirando-o das mãos do demónio com o
feu poder 3 pondo-o às portas da fua Ermida livre, aonde o
âcháraõ , ainda que muyto bem molhado, & com a carga das
PC;
Livro 1. Titulo XXXII. /2jr
pedras que em íi levava. Reconhecendo eíte o beneficio,
dando as graças à Senhora, confeííando , quefóelíaopodía
livrar nâquclla occafíaõ de fe perder, & condenar, indoda-
quelle profundo pego para outro mais profudo, para onde o
demónio o encaminhavaOffereceo à Senhora as ptdras,para
q ficaffem em me moria de taõ grande beneficio, & de tam An-
gular maravilha.E ainda teve eíie milagre a circunftancia, de
que o demónio o tentaffe emhuma noytemuytoefcura, &
tcmpcítuofa , para que naô ouvelTe quem oimpcdiffe; mas
naõ fe cceultou à Senhora efla má obra do demónio , para
fdltar com a lua protecção àquclle mifcravcl , & illufo pec-
cador, que ficou efearmentado, & livre pela piedade de
Deos , & clemência de Maria Santiífima.
Fica eile Santuário íituado em hum ameno valle , a-
legre , & deliciofo , povoado de vinhas , & pomares , & fem
duvida do alegre , & frefeo defle campo , fe devia dar a cila
Senhora o antigo titulo do Prado, & por eflacaufafeper-
fuadírãomuytos de que a Senhora appareceo naquellc val-
le, & que por razaõ delle lhe déraõ o titulo do Prado , que o
feria então , & não haveria neffc tempo as vinhas , & poma-
res, que depois nella fefariaõ. He efla Ermida grande > &
de três naves , naõ tem mais que a Capella mòr } cm que a Se-
nhora eflácollc cada- eftaCapellaeflá muy to bem adornada,
& tem hum retabolo dourado, & muy to perfeito. Nefla Ca-
pella fe vem muytos finaes, & memorias das maravilhas,que
a Senhora obra em todos osqueainvocabj&imploraõ os
feus poderes, como faõ mortalhas, corações, & cabeças de
cera , & outras coufas femelhantes , que apregoaõ os feus
poderes.
He efla Cafa da Senhora annexa à Parochia de S. Pedro;
íjuehchum dos Priorados da mefma Villa; nella ha duas
Mitos quotidianas, que manda dizer Fernão de Soufa Cou-
tinho jrmão do Hluflriflímo Arcebifpo deLibboa o Senhor
D*João de Souía,o qual he fenhor , & poffuidor de hum mor-
gado^
ti6 Santuário Mariano
gado jquc dizem ter por obrigação huma MiíTa quotidiana, a
qual fe mandou dizer nefla Cafa da Senhora. Efía ha muytos
annos q mandáraõlfatisfazer os poíTuidores do mefmo mor-
gado, que anda na Cafa dos Condes do Redondo. E desde o
tempo em que entrou na Cafa de Fernão de Soufa, a quem fc
deu o titulo de Conde do Redondo, não fó mandou fatisfa-
zer com huma MiíTa > mas com duas quotidianas , cujos Ca-
pellães vivem na mefmaVilla de Penamacor, &vam todos
os dias dizer MiíTa ao Santuário da Senhora. Nzõ fó admi-
niflra cem pontualidade a côngrua das referidas Capellas;
mas tem mandado para a Cafa , & culto da Senhora muytos
ornamentos , muy to perfey tos, de todas as quatro cores , de
que ufa a Igreja , & todos de damafeo, alvas , & outras mais
coufas do ferviço do Altar , como cor poraes , & caliz , & até
ferro de hoflias , & tudo com grande perfeição.
Eftc morgado dizem que o inflituíra hum D. Jorge de
Menezes afeendente do mefmo Fcrnaõ de Soufa, o qual in-
do para a Índia , padecera huma grande tormenta , em que fc
vio perdido, & que valendo-fe dos poderes de noíTa Senho-
ra, invocara a fua milagrofa Imagem do Inccnfo , & queim-
mediatamente que o fizera, fc vira livre do perigo,& da mor-
te , & quereflituídoàfua cafa , iniUtuíra cíle morgado com
a obrigação das MiíTas , para que por ellas fc confervaíTe na
fua Cafa a memoria dcftc taõ grande beneficio , que da Se-
nhora havia recebido; fcaffirmãomais fer tradição, que o
rrefmoD. Jorge de Menezes fora empeflbaadarasgraças
à Senhora , & que entaõ referira o favor, que da fua piedade
recebera.
Saõ muy to grandes os concurfos da gente , que por to-
do o dtfcurfo do anno vaõ a venerar a efía Senhora, naõ fó
da Villa, mas das mais terras, & povos circumvizinhos, dos
quaes vão muytos a ter na Cafa da Senhora as fuás novenas.
Nos Sabbados da Quarefma he aquella Cafa muyto mais fre-
quentada , & entaõ he taõ grande a devoção, que os que naõ
podem
Livro I. Titulo XXXII. 1 27
podem ir de manhãa à Mitra da Senhora , vaõ de tarde , & à
noy te, fem que os rigores do tempo poflaõ esf riar^ou extin-
guir o fogodafua fervorofa devoção. O Senado da Carne -
radaquella Villa tem obrigação, por voto que fefez,dc
ir emprociflfeõ à Igreja da Senhora , na primeyra Odiava
da PafchoadaRefurrciçaô,aquc pontualmente fatisfazem,
com Sermão, 8c Mito, que diz o Prior da Igreja de Saõ Pe-
dro :& efla obrigaçam do Prior eílája tam alternada, que
faltando cm dizer Mifla na fua Igreja na tal Odava , fe lhe
naô faz culpa, nem perde nada, por íe at tender à obrigação,
que tem de acompanhar o Senado , & ir a celebrar na Caía da
Senhora. Dascaufas porque fe inftituío cftc voto , naõ ha
noticia , feria por algum grande favor, que a Senhora lhe fa-
ria em alguaneceffidade publica: porémafatisfaçaõdellehe
cx^da.Da Senhora do Incenfonos fez relação o Arciprefic,
& Vigário da Igreja de Santiago, da mefma Villa de Pena-
macor, o Padre António efleves, por mandado do Ilhif»
triffimo Senhor Dom Rodrigo de Moura Telles fendo Bifpo
da Guarda.
TITULO XXXIIL
Da Imagem de no f a Senhora dosCarneyros da Aldeã
do Souto.
NO termo daVillada Covilhãa ha hum lugar ,a que cha-
maô a Aldeado Souto. Junto a efle fere huma Ermi-
da dedicada à Mãy de Dcos , aonde fe venera huma antiga,
& devota Imagem fua , com hum titulo , de que fe naô def-
preza aquella Senhora Soberana , que eflima cmmuytofer
Mãy do Cordeyro immaculado Chrifto JESUS- Porque he
a Mãy do Paftor , & do Cordeyro , como dizem os Gregos
no feu Hymnq;M^e r Pay?ow,<Mg»i Jntitula:fc noíTa Se-
nhora
n8 Santuário Mariano
Hjm». nhora dos Carneyros, ou do Carneyro. A origem, & princi-
Grac.a- piosdeíla Sagrada Imagem, & de feu myiteriofo titulo , te-
f « i Bu- fcrem os velhos , & os Farochos do mefroo lugar nefla ma-
H ney ra , por tradição confer v&da entre cllcs.
Havia antigamente (& poderia bemferdemuytosan-
nos") diílantedaquelle lugar huma Ermida , dedicada anoíTa
Senhora, cujo titulo, queeptaõtnha,fe ignora. Nefla Er-
mida havia huma Imagem de N. Senhora, mastaõ efquecida
de todos , & com tam pouco culto , & veneração , que pou -
cas vezes fe via a fua Ermida aberta. Junto a cila Ermida em
hum ribeyro que por alli paffa , eftava huma mulher lavando
a fua roupa , & rinha perto de fi hum menino, que e flava
brincando com as pedrinhas do rio. Aeílc afíalteou de re-
pente huma fera , que feria algum lobo, ou uífo, que também
deites ouve por aquellas partes muy tos , & vendo a Mãy ar-:
rebatar aofilhinho,fobrefaltada do perigo,em que o via, cla-
mou, & chamou pela Senhora, dizendo, Virgem Senhora a -
cudime* De repente appareceo a Senhora , como piedofa
May , que he dos peccadores, a qual trazia hum carneyro nas
mãos, que lançou à fera , que pegando delle largou ao meni-
no iilefo,& fem moleflia alguma- A Mãy obrigada de taõ fin-
gular beneficio ,como da Senhora recebera , o foy logo pu-
blicar a todos os moradores do feu lugar , os quaes fahiraô,
& vierão a dar as graças à Senhora. E porque fem duvida a
fua Cafaeflava ja por muy to antiga quaíi arruinada ,& inca-
paz de reforma, aífentárão entre íi edificarlhe outra nova
mais perto do lugar , como fizeram , para a obrigarem, a que
oslivraffe das feras, & também das garras do cruel, & in-
fernal lobo.
Nefla Ermida, que então fe lhe edificou , he hoje vene-
rada eita Santa Imagem com o titulo do Carneyro , com que
fstisfez à fera a fuaneccílídade, para que latgaffe ao inno-
cente menino ; & parece que difpoz o Senhor , que com efle
iiiulofencmeaíTedalli por diante a Imagem dcfuaSanriífi-
ma
Livro LTituloXXXllL i^
ma May,para que com a lembrança do benefício, foíTem mais
cuidadofos do feu culto , & veneração , para que afíi m fe fa-
çam merecedores ài alcançar muytos da mefma Senhora.
He efta Sagrada Imagem de efeultura de madeyra, & tem
pouco menos de tres palmos de eftatura. Eítá perfeitifíima-
menteeftofada,& encarnada, & parece encarnação tam bel-
la , tam viva , & tam f refea , como fe folie de poucos dias a -
cabada, fendo que naõ ha memoria, de que algum pintor a
tocaííe;acorhea!gum tanto morenita , mas muyto linda,
&mageftofa. Iftohe o que pudemos alcançar fobrea ori-
gem, & princípios da Imagem da Senhora dos Carneyros,
quanto ao titulo moderno , q do mais naõ ha noticia.
Fica efle Santuário fituado fora do lugar, tudo o que
comprehende em direytura a Via Sacra, que fahe da Matriz,
& vay a finalizar na Cafa da Senhora. He eík Santuário hoje
muyto frequentado , pelas maravilhas , que a Senhora obra,
naõ fó dos moradores daquelle povo,& Aldeã do Souto; mas
dos lugares circumvizinhos , principalmente nos Domin-
gos , & dias Santos. E fendo invocada em todas as enfermi-
dades; o he mais principalmente das mulheres, que tem par-
tos perigofos , & das que naõ temleytc, paracrearema feus
filhos; eflas recorrendo aos feus poderes, logo achão felices
defpachos no que pedem. Muytas faõ as maravilhas, & os
milagres, que fe referem,& quaíi todos fe confervaõ em tra-
dições ; porque a curicíidade , & o cuydado de os lançar em
livros de memoria , mb o ouve.
Noannode 1699. foy huma mulher deMaçaínhas de
Belmonte à Senhora com huma criança, que havia quatro
mezes creava aos pey tos de huma cabra, por lhe haver falta-
do o ley te,& entrando na Ca pella da Senhora a fazer a fua o-
raçaõ , logo fentio os pey tos taõ cheyos de leite, que foy ne«í
ceifado bufear outra criança para que lhe defpejaííe os pey-
tos. Efte milagre fe vé retratado em hum quadro , que eftá
poftona Capella da Senhora.
Tom- IH; I Mari*
1 3 o Santuário Mariano
Miria Telles mulher de Jacinto de Affonfecai eflando
de parto , femefperanças algumas de vida } invocando a Se-
nhora com muy ta fé , no meímo inftante fe vio livre; porque
pariocombom fucccíTo,& ficou muytofaã, &fem alguma
queyxa. Também eiie milagre elíà pintadoem outro qua-
dro, que fc vé na mefma Capella da Senhora.
Brás Soares eíiando graviíHmamcnte enfermo de huma
febre maligna , & ja fem efperança de vida , & defenganado
dos Médicos \ invocando a Senhora dos Carney os , & pro-
njettcndolhe bua fefla ,no mcfmo ponto fereconheceo com
i^eihoras ,& ficou fem febre alguma. Econvalecido breve-
mente, foy fatisfazer à Senhora a fua promeffa, & a darlhe as
graças da mercê. Deftcs três exemplos que apontey fe co-
nhecerão os muytos, qeíla mifericordiofa Mãydospccca-
dores obra a favor daquelles , que com fé y & devoção a in»
vocam.
Junto à Ermida da Senhora eftáhuma fonte,dequc fea-
proveytão,os que vaô em romaria à fuaCafa. Eas fuás ver-
tentes correm para huma ortinha , que tem o Ermitão entre
huns foutos. E o Ermitão que de prefente ferve a Senhora ,
he muy to.zeloíò \ & felicito , 8c affim tem naõ fó reparado a
Cafa j que ja fe via muy damnificada , mas augmentado muy-
to,&cadadiavayemmayoraugmento, nas obras que faz.
A Senhora ertá collocada no Altar mór , & na fua Capella fc
vem muy tos finaesjík memorias de feus poderes, q cftaõ pu-
blicando que faõ grandes , & para todos , 5c para tudo. Alli
íevémna fua Capella quadros, mortalhas, cabeças, peyto?,
braços , & outros fimes femelhantes. Eíla relação nos deu
por mandado do Jlluftriffirno Senhor D. Rodrigjde Mouft
Telles fendo Bifpo da Guarda , o Parocho da Aldca do Sou-
to, o Padre Manoel daFonfeca Camello.
TITULO
Livro L Titulo XXXIV. t j f
TITULO XXXIV.
Da Imagem de N. Senhora do Souto do termo da Guarda.
NO termo da Cidade da Guarda ha muytos lugares
muyto frefcos, & dtliciofos , com muytos toutos, &
bofques, como faõ , ode Fernaô Joannes, o dos Trinta, &
o dos Meyos. Junto ao de Fernaõ Joannes , ou no feu deftri-
dto,&Fregueíia,fevé o Santuário, &Cafa da.Senhora do
Souto, em diílancia dequafi meyalegoa , aonde hebufeada
com grade concurfo,& fervorofa devoção de todos aquelles
povos circumvizinhos ,huma milagrofa Imagem da Mãy de
Dcos , que nella fe venera com eíie titulo, que a naõ fer for-;
mada pelas mãos dos Anjos , foy guardada delles , & defen-
dida por muytos feculos , (porque fe tem por fem duvida fe-
ria alli cfcondida,em alguma daquellas arvores,pelos Chrif-
tãos, quando aquellas terras foraõ tomadas pelos Mouros
na perda de Efpanha ) até que a Divina Providencia difpoz,
que ellafemanifeftaffe.
Refere fe por tradição confiante, & que fe conferva nos
moradores daquellas aldeãs, que junto a hum antigo fouto,
que ainda fe conferva naquellc deitado, h a via h uma fonte,
que também perfevéra, & que nella fe manifeflára efta Santa
Imagem. A forma de feu apparecimento naõ fabem dizer a-,
quelles vizinhos,& ainda os mais antigos o ignerão. E hc de
crer feria myíieriofo efie , & com circunftancias dignas de
ferem eferi tas, &confervadas; mas como a terra naquellc
tempo feria de poucos habitadores, não tratarão efiescam-
ponezes de fazer memoria dehumacoufa , que por grande
merecia muy ta.
Quemfoííe a peíToa , a quem a Senhora fe manifeílou,'
tçtalmente fe ignora , como também o tempo , & parece que
I z haverá
t$t Santuário Mariano
haverá mtiytomais de duzentos annos; porque fendo inqui-
rido fobre efte particular hum Manoel Antunes o Velho, de
idade de cento & quinze annos,difíe, que fempre ouvira,que
quando fe edificara a Igreja da Senhora , lançara a fua fon-
te vinho, em quanto durara a obra delia. E affimpelo teile-
nwnho deíle homem fe vé, que ja não havia noticias do tem-
po em que a Senhora appareceo^emda peífoa , que mere-
ceo cite favor. Poderá fer foífe algum paftorinho, ou pafío-
rinha ; porque ordinariamente a eííes como pequeninos , &
humildes , revela Deos as coufas grandes. O titulo da Se-
nhora fe lhe impoz do lugar dofeu apparecimento, intitu-
lando-a N- Senhora do Souto, pela razaõ deapparccer jun-
to a elle. Outros a intituJão N. Senhora da Annunciaçaõ,
porcaufadefefeíkjar nofeu dia em vinte & cinco de Mar-
ço. Eamimfeme reprefenta, queappareccrianelle tempo,
& que efía feria a caufa de a feflc jarem neíte dia , & de lhe da-
rem o ti tulo da íua Annunciaçaõ.
He efta Sagrada Imagem de efeultura demadeyra,&
de eíhtura de três para quatro palmos. He muy to linda , &
na fua manufactura moftraa fuamu) ta antiguidade. Em to-
dos os tempos tem obrado Efcos por cila grandes , & infi-
nitas maravilhas, & milagres, ôtaífim faõ muy tos oscon-
curíos de todas aqucllas aldeãs, & da Cidade da Guarda, &
povos ao redor. Os quaes em certos tempos do anno ve m
em prociífões a venerar aquella Senhora, &aferviílacom
grandes feftas, & alegrias, pedindolhe o feu favor em a con-
íervaçaõ de feus frutos, & novidades, afaude em fuás do-
enças^ alivio cm feus Udbalhos,& íempreachaõ na fua pie-
dade, tuio oquepenendem.
Sobre cftas prociífões,& do que nellas fuecede ordina-
riamente, refere o Cura de Fernaõ Joannes, António da Na-
ve, (que ha muy tos annos q oceupa efte lugar,) & diz quea-
quellas três aldeas,a dosTrinta,a dos Meyos,& a de Fernão
Joannes , coílumaõ todos os annos ir feflejar a Senhora no
feu
Livro I. Titulo KXXÍV. 13 j
fcudia,emoqual fe ajunta hum grande concurfo de geme,òc
que deixadas as maravilhas antiga?, que tem obrado, dirá as
que em feu tempo fuccedéraõ , de que elle foy teflemunha
ocular. Principiando ( diz elle na fua informação ) a prccif-
íaõ do lugar dos Trinta em hum anno , aonde íe coftuma ar-
mar hum palio, fe pedio efie empreitado para o dia dafef-
ta,queeradetélía,ouborcado m lytopreciofa, para tira-
rem a Senhora ,& a levarem na fua procifíaõ. Armiraõ-nona
Capellamór damefma Igreja da Senhora, & por inadver-
tência, ôcdefatençaô dos queolevavaõ déraõnaalampada,
queeftavachcyadeazeyte, ôcviraõ todos que cahira íbbrc
o palio grande quantidade. Levantou fe entre es que o!e-
vavaõ grande eontenda,& perturbaçaô,inquirindo huns, &
outros, quemfoíTeocuípado naquellefucccffo, para haver
defatisfazerodamno ,&a perda que fe fizera. Levarão o
palio fora da Igreja , & naõ fe vio nelle , nem a mais mínima
nodoajSr o que foy mais de admirar, he, que eftando o vidro
cheyo de azey te , & derramando- fe muy ta quantidade dclle,
porque ficou quafi vafio , fe naõ vio nem no chaô huma gota
delle,coufa de que todos ficáraõ admirados,Iouvandoos po-
deres de noffa Senhora.
Nefías prociffoes coftumaõ levar muy tas danças,& pé-
las , & todas eftas figuras, queentraõ nellas, vaõ ornadas
com muy tos brincos,& peíTas de ouro. E he notável a fé que
todos os moradores daquellas aldeãs tem com as coufas que
fe perdem, em que noíTa Senhora lhas ha de deparar. Eaífim
íuecede , que tudo apparece logo. Omefmo Cura refere
oquefuccedeoàfua vifta. Dizelle,que em hum anno fe per-
dera hum alfinete de prata grande defles de toucar ; elle fe a-
choudahiahumanno, naõ querendo a Senhora, que nem
cite , que naõ era de grande porte, fe perdeíTe na fua feita.
Em outra occafiaõ feperdeo huma pérola, ou aljofrc
grande de huns pelicanos de ouro, & eftando naquelle fitio
huma grande cama de nçye , & tam grande <jue durou por ef-
Tom. III, I 3 j>a$ç
134 Santuário Mariano
paço de quinze dias, no fim delles fe achou no meyo de Fmni
f outo ., por onde paliava a prociíTaõ , o aljofre. Em outro an-
no fe perdeo huma Cruz de curo , & quey xandofe a mulher
de quem era, chegarão muytaspeííòas, & Ihedifíeraõ: Naõ
vos moleíieis, que nefla prcciílaô nunca faltou nada- Eaílim
fuecedeo^ que logo apparcceo a Cruz; porque quando a pro-
cifiaõ fe recolhia, fe achou em o caminho. A Manoel Soares
do lugar do Tty xozo , fe íhe perdeo huma argola de ouro de
humcollar que tinha empreitado, & os mordomos lhe tinhaõ
ja fatisfcyto o valor delia. Depois de paliarem muy tos dias
appareceo a argola. Eaffimtem todos por fem duvida, & co-
mo de fé y que a Senhora naõ permitte haja nunca máo iuc-
ceíTòi mm perda nas coufas que concorrem para efías fuás
prociflcej. E diz o referido Cura na informação que nos deu
por ordem do Senhor Dom Rodrigo de Moura Telles, fendo
Eifpo daquella Diccefe: E no que eu reparo be , que fendo ef-
ttagmte tam perverfa em rcfiituir o alheyo, pois todas ai horas
tenho dclmoeflaiô-s pelo que fe perde , fejao tam fáceis em en-
tregar logo as coufas perdidas nas prociffdts da Senhora-
Os milagres que eíta Senhora obra , & tem obrado cm
todos os tempos ( como ja fica dito) fam innumeraveis. O
meímo Guri refere q fendo elle menino lhe difíera fua avô,
que a Senhora fizera hum grande milagre a Dion> fío-Mafca-
renhaí-, £c que fendo ja msyor .encontrando a eík tal homem,
íhe perguntou comcurioíidade, que milagre fora o que a Se-
nhora do Souto Jhefizcra,& lhe referira fua avó. Refpcdeo
Dionyíio Mafcarenhas/j fendoelle roais moço entrara muy-
tas vezes na Caía cia Senhora , quando paflava para as fuás
fazendas, que ti ah a paraaquella paríe,& que em hum dia de
tarde entrava na ígreji , & reparara cm humas pombas que
eflavaõnoAltarda Senhora, & que logo defapparecéraõ.
•Dahi a huns tempos, affiftindo efte Dionyíio Mafcarenhas
com hum fidalgo , & embarcandofe em fua companhia pade-
cera no mar huma granjetempeftade, & tanrgrande,queef-
tive-
Livro l. Titulo XXXIV. r^f
tivéraõ todos perdidos ,& chamando cada hum dos que hhò
m náo y pelos Santos , & Imagens a que tinhaõ devoção, ç!!e
chamara por N. Senhora do Souto. Eque no mcfmo infran-
te vira as meímas pombas, que tinha viíto naCafa da Se-
nhora3 & que logo repentinamente ceifara a tormenta A íb-
raõ todos livres dâquelle grande conflito , & perigo em que
fe virão , pelo favor da Senhora do Souto.
Pelos annos de r6óo. pouco mais ou menos, afTentan-
dofena Igreja da Senhora huma }anella> ao affentar da verga
delia , cahio hum homem do andaymo , de altura de vinte ôc
cinco pa!mos,ou mais, & cahio para dentro da igreja de cof-
ias fobreo ladrilhado, & acudindo todos, julgando, que ou
eftaria morto,ou fey to pedacos.elle , como íe não tivera na-
da, fe levantou em pé, & perguntandolhe, fe lhe dòhia algu-
ma couh , refpondco que nada lhe dohia , nem fentia nada.
Saô muytas as offertas , que fe ofFerccem à Senhora cm
acçaõ de graças pelos benefícios , q delia fe recebem conti-
nuamente. E faõ muytas as mortalhas ;habitos-, toalhas;ca-
beças de cera , & outras coufas delia qualidade , que em me-
moria dos favores recebidos , deyxão os devotos , das quaes
muytas feapplicaô para a fabrica da fua Igreja ,& outras fe
vém pender nas paredes delia. Todos os annos coíluma
huma peííoa levar hum aloueyre de azeyte ; ( o que fe faz ha
muytos annos ) para a alampada da Senhora, & nunca fe feu-
bequem omandava- Diz o mefmo Cura , que perguntando
com curiofidade a eíia peffoa, quem era a que mandava aquel-
laefmola, foy-lhe refpondido pelo mefmo que a levava, que
também elle o não fabia ; mas que eftiveffe certo, que lhe naõ
havia de faltar aquella efmola , em quanto o mundo duraífe.
AVifla da repofta , naõ quiz inflar mais; mas he mny to gran-
de a devoção de todas aquelias gentes, para comefía miferi-
cordiofa Mãy de Deos , & todos a fervem com fervorofa > 5c
devota liberalidade.
Sam Padroeiros da Cafa da Senhora os moradores da
I 4 P9V$ai
t$6 Santuário Mariano
Povoa, de donde difta pouco mais de dous tiros de mofque*
te,ellesfaôosqueaprefentaõoCapella6,&Ermitaõ« A Er-
mida eflá aceada^ôc muy to compofh;porque para tudo con-
corre a piedade do? fieis. Feítejam acfta Senhora na fe-
gunda Odiava da Pafchoa com Miíía cantada , &Sermaõ,&
neíkdia hemuyto mayor o concurfo das romarias.
TITULO XXXV.
Da Imagem de N. Senhora dos Martyres , ou dos Mi-
lagres da Villa de Tnnbete.
s
Obre aquelta profecia do Santo velho Simeaõ : Tuam ip-
fius animam per tranfibit gladias , dizem os Santos de-
votiflimos conceytos, & todos, ou os mais delles concordaõ
em que aSantiffíma Virgem teve aexcellencia de Martyr,
&aindaqueonaõfoy no próprio fangue, fenaõ no de feu
Filho, foy martyr ,& Rainha dos Martyres, fegundoeflas
proféticas palavras, nas qúaes íhe diífe o Santo velho , que a-
quelle Filhohavia defer efpadadedor ,que atravcffaria fua
fantiífima almajque para quem ama;he hum crueliífimo gene-
ro de dorE notou engenhoíamente hum douto, que lhe cha-
mou com muy ta propriedade o Santo Sacerdote efpada de
dor. Earazaõhe; porque os outros filhos fsõcutello de dor
de fuás mivs, porque faõ filhos de meyas,iíTo he,de pay ,& de
mãy, ôcafrlnentre os dou-; eftá repartida ador, & amor,
&Câbeàm?iy hum fófio, & o filho lhe fica fendo cutello de
dor; masChnfloj que não era filho denpeyas da Virgem,
& de Jofcph, fenaõ fomente feu, & como tal, diz São Lucas:
Lm* i% fpeperjr ftlmm fnum. Chamalhe íeu $ porque naõ he como o
Bautifta , que he de Zacharias , & de Ifabel ; Scconfeguin-
temente fendo íeu fó,& naõ de jofcph , não eflando dividi-,
da a dor ^ & o amor , lhe abrangem à Senhora ambos os fios,
Livro L Titulo XXXV. 137
&poriffolhenaôchamacuttllo de dor, que corta, fó com
hum gume; fenão efpada que tem dous: Tua m tpfius animam
fertranfibit gladius.Oqual foy rigoroíiílimo martyrio, naõ
íó padecido na alma de feu Filho , mas também na fua; por-
que fe a alma mais efiá onde ama , que aonde smma , a alma
d* Virgem Maria eflava no corpo chagado do Filho que pa-
decia , de forte que comelle foy martyrizada , & de juíliça fe
lhe deve a prerogativa de martyrio, pela dor, & piedade que
dellc teve. E com razão chamnô os Santos a etfe, gra viílimo
martyrio; porquanto martyrizava a alma , &fem ferir ao
corpo, fazia nella rigoroíiífimo effeito, como faz o rayo,que
abraza , & moc os offes , fem fazer lefaõ alguma no vertido;
& converte a folhada eípada em cinza , fem na bainha fazer
damno, ao corpo do homem chama Santo Ambrofio, Aritmà Dív-
Vejlmentum, Veítido da alma; porque a guarda:&Tertuliia-^w£r;
no, Afflatusftú Pagina, Bainha da alma,porq a encobre. Diz TtrtaU
pois efte Doutor, que o martyrio da Virgem , como era mar-
ty rio de fogo,que he martyrio de amor,foy como rayo } que
fem fazer mal ao corpo , lhe trefpaífou a alma : Tuam ipfius
ammámpertYanfibit gladius. Porventura queifto quiz di-
zer S.Epiphanio,quando fallando da Virgem Maria difle ef-
tas palavras: IplacftnubcstQnnruifoYmistfUxfulgnyhite- piv ■
Yiusin útero geftat. A puriífima donzella, que cm feu ventre Efiphí
fantiííirno tem o Divino Verbo encarnado , he huma nuvem ftrm. de
prenhe ,que em fuás entranhas traz hum rayo. bud.
Agora fe entenderá melhor arazaõ porque os Santos Vtrl*
attribucm à Virgem Maria a aureola de Martyr; cu porque a
intitulaõ Senho a dos Martyrcs , & Rainha dos Martyres;
porque ainda que naô padeceo morte violenta em feu VÍPgí>
nalcorpojapadeceoacerbifíimaafuafanti/íiíxiaalma. Eeíie .
cpithetode Martyr Ihedsõ SaB Bernardo, Saõ jcronvmo,&
Santo Anfclmo, o qual fobre eflas palavras do Santo Si* #,
nieaõ diz , que foy aquelía efpada de dor, que rrcfosíTou ím fig„m
alnia^ a mayor dor , que todos os Martyres padecerão, poh. magn&
Bcrn,
erm,
«num
na o
138 Santuário Mariano
Div. naõ lhe atravefTou como aeliesocorpo, mas penetrculhe a
Hteron. :,jma; 7 *mm ipfius kmmann Ou para rrelhor dízçrj trcfpaf-
jtrm. jcu duas almas, a fua, & adefeulxmditiílirr.oFilho, poriíTb
(le l ' havendo dito fuam , que a fua , reciprocou o Santo Simuõ
juwpt. MqUe\\c jpjiiis ^uefe na alma do Filho; como íe difTera: Ad-
Dtv. verti almas devotas,q efia efpada ha de paílar duas almas. E
AnJiU tanto mais grave martyrio foy efle da piedade , & coropayxaõ
lib. de já Virgem Senhora , quanto ei!a mais fuprimio a dor , cílan-
V£ doao péda Cruzcom valor ., &conílancia fem padecer ef-
Ip\. pafmo,oudcfmayo, o que fez pelo domínio que teve fobre
fuás seções, que he o que diz Saõ Joaõ: Stabat jnxta crucem
Jo.w. Jefu mar cr ejus. O qual agravou mais fua pcnna , & fez feu
*?• martyrio mais rigorofo , por fe eítreytar a dor toda no cora*
çaõ , & fazer na alma todo o emprego.
A Villa dePunhete, hea primeyra do Bifpado Fgita-
nienfe , cu da Guarda , da parte Meridional , em a Província
da Eftremadura;porque fendo o rio Zêzere, o que a divide da
Prelaíia de Thomar,& o rio Tejo do Arcebifpado de Lisboa,
fica ella fendo a primeyra Villa da fua ]uriídiçaõ;chamafe efla
Villa Punhete,que he o irefmo que Tugna Togi , pela guer-j
ra q ao Tejo faz o Zêzere com as fuás impetuofas, & eícuras
correntes,, como dizemos em o 6. livro dcfle tom. titulo 1 6.
Neíla Villa , a quem deu o titulo , & foral ElRcy Dom
Sebaíiiaõ de faudofa memoria , he tida em fumma veneração
huma devotifllma Imagem da foberana Rainha da gloria ; que
íe denominava [antigamente com o titulo dos Martyres , ou
naquelle tempo, em que foy collccada em ofeu fumptuofo
Templo, aonde por começar logo por mcyo delia a obrar o
poder Divino tantas, &tam notáveis maravilhas, & mila-
gres, q delles lhe quizeram impor outro novo , & milagrofo
titulo. E cerne lie dos Milagres he invocada dcmuytos/cr-
vida>& bufeada com grande veneração de todo aquclle povo.
A origem defta foberana Imagem da Rainha dos Anjos,
referem et velhos, £< as peíloas antigas daguella Villa , por
huma
Livro L Titulo XX W. i 39
huma tradição confiante recebida de feus pays \ & avós. Di-
zem pois cftes, que havia naquellaVilla antigamente huma
Imagem da Mãy de Deos muy to milagrofa, a qual fe invoca-
va como mefmo título dosMartyres. Também fe ignora a
caufa , & o motivo que ouve para fe lhe dar eíte titulo , que
poderia bem fer pelo mefmo , com que à Imagem da Senhora
dos Marty res , primeyra Parochia de Lisboa , fe lhe impo?,
& também à Imagem de N. Scnhora-dos Martyres da refor-
ma do Convento das Religiofas de Sacavém, termo da mef-
ma Cidade de Lisboa.
Comeíla ícbernna, &milagrofa Imagem tinha todoa-
quelle povo huma muyto grsnde devoção- Eílava efla Sa-
grada Imagem collocada em huma Ermida pequena ^& muy-
to antiga > & com os muy tos annos que tinha de duraçaõ^ef-
tava ja quafi arruinada* Qnzeraõ os moradores daquelle po-
vo } com a grande devoção , que tinhaõ àquella foberana I-
ira5gem,melhoralla de habitação, fundandolhe huma nova
Caía. Paraiftoferefolvéraõliberaes , &- fervorofos a lhe
erigir hum mageflofo , & magnifico Templo , de muyto ex-
Cèllcntearchite&ura, oqualfahio muy perfeyto.
Acabado de todo corn muy ta magnificência acjueHe
Templo , & adornado de tudo o que entenderão era neceífa-
rio,& conveniente, trataram de fèzera mudança da Santif-
íima Imagem para eile. Para a fokmnidade da mudança fer
mais fefíival difpuzerão huma prociíTaõ muyto folemne,'3c
com muyto grande apparato, & riqueza > concorrendo o
povo todo com huma extraordinária alegria, & jubilo efpi-
ritual \ porque todos fe defepvam empregar no ferviçoda
Senhora , & obrigaíla muyto para a terem mais propicia
em todos os feus trabalhos , como até aíliohaviaõ experi-
mentado. Acabada a fokmnidade da mudança , & depois de
collocarema Santiffima Imagem em o leu Altar mór,ficáraõ
todos muyto pagos do que haviaõ obrado em louvor ? & ób«
feguio da Rainha dos Anjos.
K "" No
140 Santuário Mariano
No feguinte dia, indo os devotos da Senhora à Igreja, a
acharão menos ; porque a naô virão em o lugar em que a ha-
vião collocado : íentidos ( como era razaô ) do íucceífo, fe
inquirioj & procurou faber, quem a tirara ,ôc aonde a poriaõè
Fcz-fe diligencia, & forão defcubrilla em a fua primeyra
Ermida. Recorrerão logo lá, & na mefma forma a tornarão a
levar para o novo Templo, que lhe haviao lavrado, & de-
dicado. Porém a Senhora fegunda vez defappareceo , mof-
trando eftar muy to paga daquelle feu pequenino domicilio.
Dizem que terceyra vez a tresladáraõ à Igreja nova , & que
na forma das duas primeyras , fe aufentára também. AViíla
dillo fe lhe concertou a Ermida , & reparou como era razaõ.
E vendo q a Senhora eftava paga delia , naõ quizerão ir mais
contra a fua vontade , & aífim ficou naquella fua Ermida , &
nella perfeverou, como havia eflado atéli,até que os Religio-
fosdoLorcto, os Padres Capuchos da Província de Santo
Antonio,a pedirão, 5c leváraõ para o feu Convento, q fica no
dcfíricfío daVilla de Payopelies,como diremos em feu lugar.
Vendo os moradores de Punhetc, que haviaõ gaita-
do tanta fazenda na fabrica daquelle novo Templo, &quc
lhe ficava fem ferventia, fc refolvéraõ mandar fazer outra I-
magemdenoífa Senhora com toda a perfcyçaõ, paraacol-
locarem nelle. Vejaõ a alteza do divino confelho fobre o
bem,ôt faude dos homens. Para iflo foraõ huns delles a Lis-
boa , & informados de hum excellente artífice, lhe pedíraõj
lhe quizeííe fazer huma Imagem deN. Senhora com toda a
pcrfeyçaõ que fer pudeffe. Eíte lhe moftrou hua Imagem da
Senhora formada em pedra, de rara fermofura^ôç perfeyçaõ,
a qual lhe haviaõ regeitado osq lha mandarão fazer,por ter
o Menino Dcos fentado fobre o braço direito , & naõ no ef-
querdo , como fe cofluina fazer ordinariamente.
Como os devotos moradores de Punhete virão a Santa
Imagem , fe pagáraõ tanto delia ,de fua belleza, & fermofu-
ra , quç fem reparar no defeito , que os outros reconhecerão
ífi
Livro 1. Titulo XXXV. 141
fc ajuftáraõ com o artífice , & lhe deraõ tudo o que c!Ic qui?.
E dcfejofos de a levarem com toda a diligencia , traráraô de
a conduzir à fua terra , aonde tanto que chegou, a receberão
com grande fefta , & alegria , &acollocáraõ na fua Igreja.
Impuzeraõ lhe o titulo dos Martyres; porque debayxo do
mefmo titulo fe havia fundado aquelle feu Templo , a fim de
fe collccar nelle a Senhora dos Martyres,que nas fugas,que
fez ,moflrounaõ queria mais que a fua primeyra Ermida, de
dende leria tresladada à companhia dehuns fervos, & Ca-
peíláes , quemuyto cuydaíTem de ajfervir } como veremos
na hifloria de N- Senhora do Loreto de Tancos.
Vendo o povo de Punhete a nova Imagem da Senhora,
tanto fe pagou daquella fermofura > com que eflà attrahindo
oscoraçóeb de todos, os que nella põem os olhos, que fe naõ
fabiaõ apartar da fua preíença , &aflím fe começarão todos
aaccender em tal devoção, &defejos de a fervir, que delia
fe nam fabiáo apartar. E a mifericordiofa Mãy de Deos, pa-
rece fe obrigou tanto defte feu affedo,que com maravilhas,
& milagres o moítrou; porque foraõ tantos os que logo co-
meçou a obrar a favor de todos os q a invocavão,que efque-
cidos do titulo dos Martyres , lhe derão o dos Milagres , 8c
ccmdic he hoje conhecida, como fica dite, bufeada, & ve-
nerada. Ertácoiíocada no Altar mòr,&celebra-fe a fua fefti-
vidade em 5. de Agofto. NeftaCafa he a Senhora bufeada
com grande frequência ,&muy ta devoçam de todo aqueile
devoto povo i que núh achão fempre alivio , & confolaçaô.
TITULO XXXVI.
*Da Imagem deN. Senhora do AlmortamdaVillade
Iianba TSÍoVa.
c
Incolegoas daVilla de Caftello Branco>em a fua mçímâ
comarca para a parte do Nafcentc ? & outras tan tas ao
Noro-
1 4i Santuário Mariano
Noroefic da Vil!a de Salvaterra do Extremo , fc vé íltuada a
Villa de Idanha a Nova , affim chamada por diffcrcnça da an-
tiga Cidade , iiluflre em outros tempos por progenitora do
Santo Rey dos Godos Vvarr:ba,a qual fica junto a dia funda-
da em hum monte: he efla terra abundante de psõ^aze ytc ,&:
naõ menos de vinho, caças, Segados em dilatadas deve-
zas,acnde também acodem outros de diverfas partes da Bey-
ra. He habitada de alguns mil vizinhos. Tem huma fó Pa-
rochia j hum Convento de Rtligiofos Francifcos Defcalços
da Província da Soledade dedicado a Santo António. As
fuás armas faô emhumefcudo a efphera , timbre , & empre-
za do grande Monarca ElRey Dom Manoel» Teve princi-
pio quãdoo Meftre dos Cavalleyros do Templo D.Gualdim
Paes, noanno dei 181. levantou nella ofcuCaftello. Go-
zou do titulo de Condado, que deu Felippe Segundo de Caf*
tella ao virtuofo Dom Pedro de Alcáçova, Fundador do de-
voto Convento de N< Senhora do Amparo da Cafa nova,&
grande valido de cinco Mageflades. Efla Villa eftá cercada
de fortes muros , que banha o rio Ponful, aonde fe vé huma
fermofa ponte. He alcayde mór defla Villa o Conde de Via-
na D.jofeph de Menezes , Eftribcyro mór de S. Mageftade.
Tem eíta Villa fete Ermidas com diverfas invocações; a
prinxyra dellas,& a mais notável he,a que fe dedicou a noffa
Senhora, com o titulo do Almortaõ;' fica efía íituada cm dif-
tancia de legoa, & meya da mefma Villa para a parte do Naf-
cente, em hum dilatado campo, & no fino que chamaõ Al-
rrcrtaõ, nome que parece arábigo, & por iíTò in vocaõ a.eiU
Senhora com o me fino titulo do lugar. Dos princípios defta
milagrofa Imagem naô pude defeubrir nada, mas confta que
obra muy tos prodigios,& maravilhas a favor dos feus devo-
tos^ aíTm hc o Santuário daqueila Villa de grande concur-
fo.Da Senhora do Almortaõ fazmençaõ a Corographia Por-
trguezatem. 2.íiv i.trat. 9. cap. 12.pag.415.
SANTU-
'45
wgps' w^ê* wtfS*" ^^s* ^^r *^%w
eASiw 9S£$s eAgjW ofêfe •eJsSw eJgãM»
SANTUÁRIO
MARIANO,
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA»
& das milagrofamente ap parecidas.
LIVRO SEGUNDO
Das imagens que fè venerao da Rainha dos Anjos
Maria SantiJJima em o Bijpado de Lamego.
INTRODUÇAM.
ANTIGA Cidade de Lamego eflá fítuada
nas margens do fermofo , & enfiado Douro,
& regalada £ & fertilizada do rio Balfemaõ.
Reconhece por fens fundadores aos Gregos,
SaN^g^^ & aos CehaSjque hermanodos lhe deraõ prin-
cipio no armo daCreaçaõ do mundo de 3600. & ames do
NãicimentodeÇariflo 3 61. Efta opinião abraça Srrabona
-.,'■ íua
i44 INTRODUZAM.
Llb.$* fua Geographia , dizendo, que pela parte da Ceftiberia (que
cahe entre CaikIIa,& Navarra) entrarão certos povos Gre •
gos, chamados Lacones , os quaes pafíársõ à Lufitmia cm
companhia de Efparshões Celtiberos , aonde edificarão a fa-
ir.ofa Cidade de Laconcmurgi^queClufio.Ortelio^Yafcon-
cellos chamão Lameca, que depois fe converterem Lamego-
Ficava affentada nos povos Vetones , & Peííures , que habi-
tavão as Comarcas de Caftello Branco , Covilhãa , Cea até o
Tejo } & Riba Coa , & ainda a celeberrima Cidade de Vacca,
l&.i. da qual tomou o nome a terra chamada dos Vaccos. Ptholo-
cap. 5. meu na fua Europa diz que eíhva cm 8. grãos , & vinte mi-
nutos de longitud, &40. até cincoenta de latitud, fen-
do que hoje lhe dãoaLamcgoosGeographos modernos de
latitud 41. grãos , & de longitud 23. O Bifpo íGerun-
denfenofeuParalipomenon a conta entre as principaes Ci-
dades de Efpanha , & que fora antigamente rica , & cercada
de fortes muros , aífentada entre os dous rios Douro , & Li-
ma; no que fe enganou manifeflamente ; porque aquelle diíla
delia huma legoa ao Occidente , & eíte mais de 20. para o
Norte.
Em tempo de Trajmo florecia com grande opulencia,5c
porque fe rebcllou contra o Império Romano , padeceo hum
cruel efirago. PafTadosfeculos,veyo( como as mais de Ef-
panha ) a poder dos Mouros, os quaes fe fizeraõ tam fenho-
res delia, que para fer melhor governada teve muy tos Régu-
los com florente fucceífaõ. Por vários fuccefTos fe veyoa
arruinar, atéqueEíRey Dom AffònfooTerceyro deLcaô
a povoou de novo no anno de 904. & tornando a fer fugei-
tada pelos Mouros,a conquiflou El Rey D Fernando o Mag-
no(fcgundo ashifíorias de Efpanha) a 22. de Julho do de
1038. & fcgundo a dos Godos 329- de Novembro do anno
de 1047. Ne lie tempo tirha por Rey a Zadaõ Aben, a quem
íez tributário, deyxando-o erm o poder , & mando, para
quietação de feus rcoradores. Vltimamente a ganhou oCon-
de
INTRODUZAM. i4y
8e Dom Henrique porforça de armas ao Príncipe Ech a, no
anno de 1 1 02. que alumiado pelo Cco, fe fez logo Chriííão,
& fe chamou no Bautifmo Echa Martim , a quem armou Ca-
vallcyro no feguinte anno , conforme o rito Catholico, dey-
xando-o pacificamente no governo. Mas o zelo do fanto, &
inviâoRcy D. Aífonfo Henriques, naõ querendo zizania
entre o trigo limpo dos fieis, dcyxou cfta Cidade livre, &
limpa delia, para a Coroa.
He Lamego terra deliciofa, & regalada , naõ fó docx?
cellente peyxe,quclhe miniftraõ os rios Dourou Balfemaõ;
mas de deliciofas frutas, muyta caça, & regalados , & gene-
rofos vinhos , que naó fó faõ celebrados cm Portugal , mas
fora dellc. Tem por armas hum caftcllo com as Quinas de
Portugal,*: à ilharga huma arvore chamada Lamegueiro,aI-
Iudindo ao feu nome. He cabeça de Correição , a qual com-
prehende quatorze Villas, 8c quarenta & fete Concelhos , &
cinco Honras, que hc omefmo. Nas Cortes tem o 57. lugar;
&neíta Cidade fe celebrarão as primeyras deíla Coroa, tani
celebradas , no anno de 1 1 45 .
Ja na primitiva Igreja teve Cadeyra Epifcopal. Do pri-
meyro Concilio Bracarenfe celebrado em o anno de4i2.-
confia, q Tiburcio era feu Prelado- Compõem-fe o feu Ca-
bido de fete Dignidades , onze Conczias , entre cilas duas
Doutoracs, féis meyas Conczias, & outras tantas Terce-
narias, com vários Capcllães deputados para o Coro. Tem
muyto boa Capella de mufícos; & a fua Sacriflia efíá muy to
bem provida de prata , &dc muy tos, & preciefes ornamen-
tos. Outras muytas prerogativas de que goza efla Cidade
dcyxo, por naõ tocar ao meu inft ituto o tratar delias.
Tom.IIIf K TITULO
* 4^ Santuário Mariano
TITULO I.
Da antiga Imagem de N. Senhora de AlmacaVe.
HE opinião queabraçaõ muytos Authores^ueaCida-
de de Lamego , logo nos primitivos tempos da Igreja
Catholica, fora Cadey ra Epifcopal ; porque na divifaô , que
fe fez das Diocefcs de Efpanha , no Concilio Elibiritano, em
o annode Joo. feacha já cila de Lamego fuffraganea a Me»
rida. E na do Empcrador Conílantino Magno , lhe foy affi-
Bada Dioccfi como as mais , &conftadoprimcyro Concilio
Bracarcnfe, celebrado no anno4U. qucTiburcio erafeu
Bifpo (como fica dito atraz.) No annode 1404. fe lhe agre-
gou Autoritate Apoftolica a Comarca de Riba Coa , que até
tntaõera do Bifpado de Ciudad Rodrigo. Com que fica ten-
do àc comprimento trinta & duaslegoas, fcoyto de lar-
go, pouco mais ou menos.
Quando efta Cidade foy recuperada das mãos dos
Mouros , he fama , & tradição confiante , que a Igreja de N.
Senhora de Almacave fora a Mcfquita ,& antigamente a Ca-
thedral^a qual fe purificou logo, conforme o louvável coflu-
Mfic daquelles tempos. Donde me períuado , que ja nos maia
antigos era efta Sagrada Imagem venerada naquella Igreja
pelos fieis. E também deites viviriaõ naquella Cidade a !gus,
iugcytos por tributo aos mefmos Mouros , como fe acha em
varias hilíorias > & como o tocamos ja ncítes noífos Santuá-
rios.
Iflo fuppofto , a antiga Parochia de Lamego hc dedi-
cada a N. Senhora com o titulo de Almacavc. Sobre acty-
mologia deite nome , dizem alguns , que cfte nome era de hu
Mouro rico, o qual reedificara a Mcfquita , & que por efía
obra que fizera nella,fe chamara de Almacave, que como os
Mouxos
Lhro 11. Titulo t. 143*
Mouros tudo arruinavaõ , deftruíriaõ cfle Templo , & o
Mouro Almacavc o reedificaria, para lhefervir de Mefoui-
ta,que purificarão os Chriftáosi,&: benzerão. Eaffim feria,
em quanto Fe naõ edificou a nova Cathedral, aSédaquelIa
Cidade. Depois ficou em Parochia , & logo q foy purificada
fe dedicaria a N. Senhora ,& íe intitulou Santa Maria de Al-
macavc;por razaô do Mouro,que reedificou a Mefqutta. Ef-
taheaetymología do nome deAlmacave. Edclle ainda ao
prefente fe dá àquella Igreja efte titulo* Efta he a veneranda
Imagem , que nella fe reverencea , & com quem aquella Ci-
dade temmuyta devoro; a qual he de efeuitura de madeyra,
& tem de cftatura féis palmos , & mcyo. Nefla Igreja , pela
grande devoção , que todos tinhaõ à Senhora , nos tempo»
antigos fe manda vaõ fcpultar à fuaviftamuytosCavallejr-
ros , moftrando nefla piedofa refoluçaõ a grande fé , & de-
voção que tinhaõ para com efla Senhora.
Nefla Igreja fe mandou fcpultar pelos annosde içoo,
pouco mais ou menos Diogo de Alvarenga , Irmão de Dona
Mecia de Alvarenga, Rcligiofa , & Abbadeça perpetuado
Moflejrro de Odivellas , filhos de Lopo Garcia de Alvaren-
ga,Senhorda quinta de Alvarenga ,& Caflello de Brunhaes,
junto a Santo António de Ferreirim , que affiflio muytos
tempos ao Infante Santo Dom Fernando. A efle mefmo Lo-
po Garcia fez ElRey Dom Affònío Quinto , fidalgo de fua
cafa noanno de 1376- Fazem menção da antiguidade da
Cafa da Senhora de Almacave , muytos eferituras , & Jorge
Cardofo nofeu Agiologio tom.2.pag. 2}6.
TITULO II.
Da Imagem de H. Senhora de Carquere perto de Lameg*.
Cafa de N. Senhora de Carquerc fe vé fituada junto ao
rio Douro, tres Iegcasdiflsnteda Cidade de Lamego.
K 2 Ahifíd-
A
1 4* Santuário Mariano
Ahiftoria delia Senhora eferevem quafi todos os Chronif-
tas , & Hiftoriadores Portuguezes , & dizem que o Conde
Dom Henrique em acçaõ de graças fundara naquelle fitio
hum Convento de Cónegos Regrantes/la Congregação de
Santa Cruz de Coimbra , pelo beneficio que fizera ao Prín-
cipe Dom Affonfo feu filho , o qual naíceo aleijado de ambos
os pés, porque os tinha unidos hum ao outro. E dizem tam-
bém ,que fora a fundação do Convento em o anno de 1099.
porque nafeendo o Príncipe no de 1094. fuecedéra o mila-
gre, tendo elle cinco annos , & aílim aíientaô a fundação no
annode 1099. & referem o milagre nefta forma.
Queapparccéra a Senhora em fonhos a Egas Moniz,
ayo do mefmo Príncipe, oquil pelomuvtoqueoamava>vi-
via com grande fentimento de o ver aleijado, &que a Se-
nhora lhe mandara fo(Tc a Carqu^re , & que fizeífe cavar em
hum lugar, (que a Senhora lhe apontou .)&quealli acharia
os alicerfes de huma Igreja , que antigamente fora dedicada
ao feu nome , & que nelles acharia também hua Imagem fua,
que procuraffe de lhe levantar logo hum Altar ,em que a col-
locaííe,& que fazendo humanoy te vigia na fua prefença,
puzeíTe o Infante fobreomefmo Altar, que logo cobraria a
defejada faude. Deu credito Egas Moniz ao myfteriofo fo-
nho,&logofe preparou , &partiopara olugar revelado,
mandou cavar ,& achou os alicerfes, & juntamente a Ima-
gem da Senhora enterrada ;& que eftimára efte thefouro que
delcubrio,como elle merecia; porque he Maria Santiflima
thefouro incxtimavel. Levantou o Altar, & poz nellc a Sa-
grada Imagem ,& a feuspéso aleijado Príncipe , que logo fc
levantou com perfey ta faude, & livre daquelle impedimento
que tinha em os pés , com grande alegria do ayo. Dizem
roais que efíe Convento fora defemparado com o tempo,
que tudo confome, & que defemparado fizeraõ dclle os Rcys
Abbadiacommendataria, a qual Abbadia ,cu Convento de-
ra depois ElRey Dom Joaõ oTerceyro por morte doBifpo
Dom
Livro II. Titulo II. 149
Dom Ambrofío, (eu Commendatario ( que jazifeputtado no
Capitulo delle) no annode 1561. ao Collegio da Compa-
nhia de Coimbra para o feu fuftento.
Muy tos dos Authores, que efcrevem efta hiftoriajO S-
2craõ de ouvida fem averiguaremcomtodaaaítêçaõa ver-
dade defte fucceííb. Jorge Cardofo diz que o Conde D. Hen -
riqufc fiz:ra aquelle Convento em reconhecimento dehuTi
celebre milagre que obrou eíta Senhora. Faria diz que ap-
parecéra a Senhora em fonhos a Egas Moniz , & que lhe dif-
fcra, que fazendolhe alli hum Templo cobraria o Príncipe
faude. O Padre Balthefar Telles diz que aquelle Moíleyro
foy fundado pelo Conde Dom Henrique Progenitor dos
Reysde Portugal , no annode 1099. em reconhecimento da
Angular mercê, que al/i recebera o Infante Dom Affonfa
Henriques. E quaíi todos dizem , que apparecéra a Senhora
a Egas Moniz em fonhos. Porém deviaõ feguir os mais, que
efcrevem eftc fuccefíb,a hum fó,& feria de tanta fuppcíiçaõ
paraclles , que aflfentáraõ a opinião por certa , & infallivcl.
Porque fuppoflo que a hirtoria na fubftancia he verdadeyra,
na fórma^&circunílancias padece muy tas faltas de verdade-
Eaffim ou foífe , porque a Senhora ouveííç apparecido de
pouco naquellc lugar, aonde jarefplandcciaemmilagres,íc
Egas Moniz lhe encomendaíTe com a fua devoção o Prínci-
pe, ou que a Senhora lhe appareccfle em fonhos, 8c lho man-
dalTe levar â fua Cafa,que feria entaô alguma pequena Ermi-
da >& que o Conde Dom Henrique lha augmentafle movido
do beneficio, pôde fer \ mas Cõ vento elle naõ o edificou ho-
mologo veremos.
A tradição que tem muy ta força, he o que em huma in*
formação firmada me deu o P.M.Fr.Agofiinho da Coíb,Re-
ligiofo Eremita de meu Padre Santo Agoftmho,da Província
de N.Senhora da Graça,& lente muy tos annos de Moral em
o Convento de Lamego, no qual tempo foy muy tas vezes
a Carqucre a pregar , & como taleiumha de vifta,diz sffim:
Tom. III, K 3 Muy.
I5° Santuário Mariano
Mftosaymos depois ckexpuifos os Mouros das terras i
tf «* tfiaojQbn o 'Douro para aparte cio Sul, andando hins ra*
pt^es tirando pedrada* às cafianhas , ^//*, bum eafla-
nheyro muyto Velho , & bojudo , o qual por antro era oco, &
carcomido, na VÚU de Carquere , junto a Resende 3 huma pz- -
aradas com que tiraVaSos rapaces, colou por dentro da rotu-
ra dome/mo caftanbeyro , & fazendo tom, como/e tocar a-em
hum/mo, advertmdo-o os rapais continuarão em lançar
mais pedras pela mejma rotura, & ouvindo o me ímofonído,
foraorefenrejecafo afêus pays. KicraôeBes, iffieraó a
?nejma experiência ,i?refolvendo entre fique nocattanbeyro
eftaVafino, moVuíos também ao que parece da ambição , a que
tammncomofmoefiariaocculto algum thefouro(&V(rda-
deyramente o era) começarão a caVar pela parte de bayxoy
(porque eJlaVaembuaribancejra) feytaeUa diligencia dzj-
cubrirao o oco do cafianbeyro , t? dentro nelle bum fino , que a-
a €olj?e ' & ferVe mclmlia l&*)* > qw ter d ao que parece
6. ou 8. qutntaes. ReVolVerao-no, & dentro delle acharão hu-
ma Imagem de nofaSenbora , que tcrd três para quatro pal-
mos de altura , com o Meninê JESUS no braço ej quer do , o~
br a de madeyra e/íofada , & bum 1 Cru^ de prata demuytofey-
ti \o,tS Valar ,otra antiga , que ferVe nas prccifoes da mejma
fgftj* ? a qual ter d alguns /eis palmos de alto. Acharão mais
buacayxa de Relíquias, que eu tive nas minhas mãos, na qual
eslaVa buma partícula do Santo Lenho da Cru^ > buma Relí-
quia de Sam firas , & outras mais de diVerfos Santos , todas
em lugares , er receptáculos apartados , com pergaminhos efi
cr nos dentre, que divido de queerao as Relíquias. E também
hum pergaminho mayor , que conHaVa que aquella Imagem,
& Relíquias for ad ejtondidas cm aquelle lugar nainVa^am
dos Mouros.
Lom çou logo a Santa Imagem a olrarmuytos milagres,
caufa porque Egas Moni^ [ ayo qu> então era do Trincipe D.
Jffonfo Henriques, ojfereceo o me fim Príncipe a N- Senhora
de
Livro II. Titulo II. r y i
de Cárcere, & o levou à fim Cafa, porque haVia nafcido alei*
jado cem os calcanhares pegados aos ajfmtou Mandou di^er
hmna Mijfa no Altar da Senhora,pondo o menino [obre elle, i?
logo ficou livre 7 19 [ao daquelle achaque. Lembrado EIRey
"Dom dffonfo Henriques da mercê que a Senhora lhe fizera,
quando fundou o Convento de Santa Cru^ de Coimbra de Cóne-
gos Regrantes , fundou também outro na Igreja de N.Senho-
ra de Carquere,fa^edo ao Trior delle^Senbor ,$7) Jiatartoda,
V ill a, 19 enriqueceu ao Convento demuytas rendas, & pri-
vilégios. O Convento e&d derrotado ,mo tem maisqueoclauf*
trojadamnificado, & a Cafa do Capitulo , que be de abobada
de pedra, obra mofayca , i9fe conferVa, porque ejld dentro del-
UhumaCapelli dos Senhores de Resende , com Mtjfa quoti-
diana , que a naõfer ifto,)a eJliVera no cbaÕ, E efta be a noti-
cia, que acbeypela tr adiçam dos Velhos daquellaterra.
Dcfta narração do Padre Mcftrc Frcy Agoftinho da
Coita fe vé , que ja antes do milagre a Senhora havia appare-
cido ; &- de que o Conde Dom Henrique naô fundou o Con-
vento^ fevé claramente dos tempos, porquanto ElReyD,
Affonfo Henriques fez doaçaõ dos banhos da Rainha ao Ar-
cediago Dom Tello para nelles fundar o Mofteyro de Santa
Cruz; & foy efta doaçaõ feyta no anno de 1 129. & o Mof-
teyro fe começou a fundar no de 1 1 ^ 1 . E fazendofe logo al-
gus recolhimentos junto da Igreja,ou Ermida ,que ja alh ha-
via, dedicada à Santa Cruz, entrarão a povoar aqueíle /ugar
em 24. de Fevereyro do mefmo anno de 1 1 3 1 . recebendo o
habito D.Tello com doze companheyros,das mãos do Bifpo
de Coimbra Dom Bernardo , affiftindo a efta devota acçaõ o
Infante Dom Affonfo Henriques , que tinha naquelle tempo
quarenta annos ; & aflim naõ podia o Conde Dom Henrique
fundar o Mofteyro deCarquere, &dalio aos Cónegos de
Santa Cruz de Coimbra , pois efies aitida es naô havia , nem •
houve dnhi amuytos annes, como fevé do que fica dito.
Com que fomente lhe aumentaria aCafa, & faria algumas
K 4 obras,
1 5 1 Santuário Mariano
obras; &ElRey depois de haver fundado o Convento de
Santa Cruz (como diz o Padre Fr. Agoflinho da Cofia) fun-
dou outro Convento em Carquere, & o povoou com Cóne-
gos da Congregação de Santa Cruz-
O noífo Chroniíia Frey António da Purificação aíTen-
ta , que quando o Príncipe Dom Affonfonafceo, ja era ve-
nerada na fua Cafa a Senhora de Carqucre,& que por adver-
tência do noífo Santo Frey Joaõ Cirita o levara o Conde D*
Henrique nove dias à Senhora, & que elia lhe dera perfey-
ta faude , & o livrara daquella contracção que padecia. Cem
que fe ajuíla com o que refere o Padre Meflre Frey Agofli-
nho da Coita na fua relação , & os mais eferevérão de ouvi-
da, ou tresladáraõhuns dos ou tros,fem examinar a verda-
de em huma matéria taõ grande.
Tema Imagem de N- Senhora de Carquere três palmos
de alto,& alémde fer de efeultura de madeyra^como f.ca di-
to ) cobrem-na de vcítidos ao antigo. Naó fe lhe vé mais que
amaõdircyta, quemoflra ter huma maçãa ,quc offereceao
Menino ;&cíkSannffimo Menino eflá unido à Senhora, &
veíiido em huma opadomefmo modo antigo, &naõfelhc
vem as mãos \ & a Senhora tem huma coroa imperial de pra-
ta. Efcrevcm da Senhora de Carquere , oPsdre Balthefar
Telles na i. part da Chronica da Companhia da Província
de Portugal liv, i . cap. 1 6. Cardoío no feu A giologio Lufi-
t ano tom i. pag. 75. Manoel de Faria na Europa tom. 3. §•
3. cap 12. Brandão na Monarchia Lufitana part. 3. liv. 9.
cap. 6. & no cap. 19. Frey António da Purificaçam part. 2.
liv. 6. tit. 3, Paes Viegas na vida delRey Dom Aííonío Hen-
riques , Duarte Nunes de Leaõ, & outros rnuy tos como Pa-
dre António de Vaíconccllos in Deicriptione Regai Lufua-
ni pag. 534. num. 3.
TITULQ
Livro II > Titulo III. i j 3
TITULO III.
Da antiga Imagem delSÍ.SenhoradaSeyxa junto ao
lugar de Atchas*
ASdifcordias que fe continuarão pelos annos de 981.
doNafcimentodeChrifb, entre ElRey Dom Ramiro
de Leaõ,& feu Primo Dom BermudodeGaliza,& Portugal,
deraõanimo ao Capitão Almsnçor Rey de Córdova, para
romper as tregoas , & entrar como f uriofo rayo pelas terras
da Lufitania . As Cidades nomeadas, que deita vez fe perde-
rão em Portuga!, foy Coimbrã, Porto, Braga, Viana, &
Britonia .Cidade antiga de que ja hoje naõha raílos. Depois
deu volta pelas terras da Beyra , aonde rendeo a Lamego,,
Vizcu , & a outras muytas terras , aííòlando os Templos , Sc
Cafas de oraçaõ, & martyrizando innumeraveis fervos de
Chrifto , que padeciaõ gloriofamente por íeu fantiíTimo no-
me. Entre efles males foy o affolar hum Convento de Reii-
giofas de Santo Agoflinho, que eílava fundado três iegoas
da Cidade de Lnmego , para a parte Oriental , emhumiirio
alto , aonde agora íe vé a Ermida de N. Senhora da Seyxa , &
fe achaõ algumas vezes naquelle fitio anéis , ferros quebra-
dos , didaes , & coufas femelhantes , que denotaõ a qualida-
de dos moradores , que povoarão aquelie lugar.
Chamoufe eíle M flevro Archcnfe , &ao tempo que
ElRey Almançor veyo fenhoreando aterra, eraAbbadeça
delicColumba Ofores, & dando o> Mouros fobre oCon-
vento huanoyte, puzerao todas as Réfígiofas à efpada,con«
jagrando-as cm Martyresde JESU Chriíta Ifto tudo fe co-
lhe de huma doação, queTendon Fafisfez aoMoftcyrode
Saõjoaõ de Tarouca , da Ordem de Saõ Bernardo ?no anno
de 1 1 29, aos 4. de Abril , cm que lhe dá hfias herdades, que
tinha
154 Santuário Mariané
tinha naquella parte, & entreoutras palavras, diz asfeguítxj
fes : Sit riajue defira pr adicta kereditate > cum Ecchfia de
Santa Afaria de Arcas , ubi antique futt MonaB i rium Voei-
tatnm drebenft i& mortua ettinde Abbatka Columba OJo-
ris ,cum fororibus fnis y permanus cujtifdam Mauri Aiman-
çoris jiHamaue Vos ab integro poffideatis t&c.
Como fediffera: Seja vofTa afobredita herdade, com a
Igreja de Santa Maria de Archas, onde antigamente cúcvt o
Moííeyro chamado Archenfe , & f oy morta a Abbadeça Co-
lumba Oíbres > com fuás fubditas, por mãos do Mouro Al-
mancor , & vos a poffuhi ínteyramente , &c. O nome de Ar-
chas feconferva ainda hoje em hum pequeno lugar, que fica
junto da Ermida de N. Senhora, Efie Moííeyro he tam anti-
go , que antes que os Mouros entraflTtm cm Efpanha , ja flo-
reeis em virtude ,& Religião, &]a parece que neíle tempo
era venerada nclle a Imagem da Senhora da Seyxa , ou de
Archas; (como diz a doaçaõ, ) & as Religioías eraõ tam fan-
tas , que aííim a Prelada, como as fubditas , merecerão a lau-
reola do marty rio, dando as vidas em obfequioda fé ,&em
defenfa da caflidade , & voou a fermofa pomba da Abbadeça
com as pombinhas fuás filhas , & fubditas, para o Ceo; &
bem podia fer que o titulo , com que hojedenominaõ aquella
Senhora, lhe fcffeimpcfloalludindoà Santa Abbadeça, & às
Santas fubditas; porque feàs pombas chamão feyxas , & to-
das aquelias Efpcfas de Chrifío eraõ pombas , & bem o mof-
tráraõ; poistodas juntas em hum bando voáraõ para o Ceot
bem impoíte foy o titulo das Seyxas.como dizendo noífa Se-
nhora do Convento das Seyxas, ou das Pombasjporque Ma-
ria he verdndcyramente Pomba , amada , & fermofa , como
a-nomea o Efpirito Santo nos Cantares: Arnica mea , co±
CAr,t''1, lumba me a , fermofa me a. Da Senhora de Archas > ou da
Seyxa ; como hoje fe intitula , fazem mençaô muytos Eícri-
tores',como faô Jorge Cardofo no leu Agiologio Luíitano
tom. i; p*g. 474«Frey Bernardo de Brito parf.2.da Momr-
chia
Livro II. Titulo W. i y 5
chia Lufitana liv. 7. cap, 2$. Fr. Luis dos Anjos pag, 1^0.
do feu Jardim de Portugal/) Padre António Ley te na Hiito-
ria de noíTa Senhora da Lapa liv. 1. cap.}- Faria noEpito-
me , & na Europa tom. 3. p. ^.cap. 1 $. Vafconcellos, & todos
os Authorcs Benedi&inos, que querem que foffe feu o Con-
vento-
TITULO IV.
Damilagrofa Imagem deN. Senhora da Lapa junto
a Jluhitelia.
DEpoisqueobarbaro Rey Almancor deftruío as terras
de Entre Douro , & Minho , & as da Beyra , que íicaõ
referidas no titulo antecedente , & de fazer Voar para o Cco
aquelle refplandecente bando de cafías Pombas, fahiocom
o mefmo ímpeto, & furor a de íiruir o mais que lhe ficava da
Beyra por vencer , & tomando o caminho para Trancofo pe-
lo alto da Serra de Pêra , at™ veffando pelo lugar, aonde ho-
je eftá a Villa de Aguiar da Beyra, deu cm hum Convento de
Religioías, que eílava fundado junto ao lugar de Sifmiro , a
que hoje chamaô Defermiilo, & aonde hoje perfevéra hu-
ma Ermida com o titulo de N. Senhora do Moi ieyro,de quem
fallarenrios a feu rempo, & fizeraõ nclle o eítrago, que cm os
mais , levando cativas todas as Religiofas , our eieapár&õáa
morte naquella primeyra fúria. MoftraõoM • moradores da-
quclla terra todos eftes lugares, &refercir portradiçsõ o
fucceíTo envolto em muvtas fabulas; aersfeentando, que
muytos Capitães, & Alcaydes Chriftãos k ajuntaram psra
fazer refiftencia aos Mouros ,& que afrontando fe com elíes
cm hum campo que hoje charmõ o Desbarate, perto do lu-
gar do Souto, termo de Agtiiarr, foraõo; noites vencidos, 8*
mortos alguns dos priftctpaes; ma.s naõ perdendo com iflo o
mm®
i j 6 Santuário Mariano
animo j nntes defejando mayor vingança do feu aggravo,dé-
r?õ na retaguarda do inimigo fuma noyte cem tanto ani-
mo, & boa ventura, que daqucllc batalhão efeapáraõ poucos
com vida , & a ferem os noílbs mais? pudéraô fazer naquella
madrugada o que fora diffici! de acabar a toda a potencia de
Eípanhn. MasoRey Almançor, que como Capitão Angular
fabia prevenir os íncõvenientes/c fubio a hum lugar alto a-
ende recolheo às bandeyras a gente que fugia , & aclarando
o d ia ; í c vio fer may or o temor , que a caufa , polio que íct\-
tio rmiyto a perda de fua gente , & o rifeo em que o puzeraõ
taõ poucos Chrifíãos. Dura em noíTos tempos o nome do lu-
gar defie recontro , & fe chama a Matança ; & o monte a que
fé retirou o Mouro,conferva o nome de Almançor ; que faõ
grandes tcílemunhos deíla antiguidade, confervada entre
osnaturaesdaterra-
Também dizem os mefmos moradores deítâ terra , que
defle Moíleyro fe levára,nefla mefma occafiaõ,a Imagem da
Senhora da La pa , que he hoje o mais celebre Santuário nam
fóda Beyra , mas de todo Portugal , para o lugar aonde de-
pois foy achada,& aonde a efeondéraô os Chriftãos naquel-
la lapa, que a natureza compoz de quatro pedras notáveis,
& grandes , fabricando delias huma das mais devotas , &
contemplativas Ca pellas, que ha na Chriftandade , aondea
pequena , & venerável Imagem eíteve desde efle tempo, que
foy no anno de Chrifto de 98 ?. até o de 1 498. em que foy a-
chada por huma menina muda chamada }oanna; natural do
lugar de Quintella , que fica em pouca difíancia da Lapa, em
que a Senhora eftava oceulta- Era cila menina muda, & guar-
dava o gado de feuspays. Humdia,naõacafo, mas movi-
da por Dcos -.entrando naquella lapa a fincera paílorinha a-
cheu a Santa Imagem da Rainha dos Anjos, & ficando muyto
alegre corri aquella pedra preciofa defeuberta naquella mina,
a rctteo na fua cefta , em que trazia as maçarocas , que fiava,
& o feu paõ : um pequena he aqucila Santa Imagem, que alli
na
Livro II. Titulo W. 157
na cefh, ou aídofa lhe cabia , & a trazia , fem que fc foubeííe
o que era. Namorada aruflica paftorinha da fermofura da
Senhora,toda fc oceupava em a enfeitar como podia, & leria
todo o cufío do feu adorno , porlhe flores das que colhia pe-
los campos ,ou veftilla,.& dcípilla outra vez com as roupas
com que a achou, por fer de vertidos , & de roca ; mas fó le-
varia o mcyo corpo. Neíkfai\ta occupaçaõgafíava a muda
menina todo o feu tempo , naõ fó nos campos , mas cm cafa.
Em huma occaíiaõ deftas efiava a menina Joanna junto
ao fogo,& como todos os feus amores, & defvelos er aô o en-
treterfe no concerto , & enfey tes da fua Senhora , & fobe-
rana Menina, que como a tal a tratava, que feria vcliiila ou
deípilla do veíHdo , com que a devia achar; & como a mãy
reparalTe nefia fua occupaçaô,& a viíTc toda embebida neíies
feus devotos cuydados , levada de indignação, fem olhar o
que fazía^tomoulhe a Imagem das mãos, para a dcy tar no fo-
go; a queacodio a menina Joanna com hum brado muyto
grande,dizendo: Tanaõfaçaifo',!* fubitamentelhefoy ref-
tituiaa , ou dsda a falia , que naõ tinha. E a mãy fe vio logo
com as mãos, & braços fecos,em cafHgo da fua temeridade,
& de maneyra , que os não podia mover; & gritando com ef-
panto do que lhe havia fuecedido , concorreo a gente do feu
lugar de Quintcí la, em que Viviaõ , & inquirindo o íucceífo,
fouberamemeomo a Santa Imagem da Senhora havia íido
achada em a lapa , para onde a menina os guiou. Fcraõ a
verolugar, &collocando namefma lapa a Senhora , tanto
que iítofoyaflim executado , logo a Senhora deu pcrfcyta
íaude à mãy da paílorinha^ficando livre daqueila contracção
dos nervos, & reflituidos os feus braços à fua prime vra iau-
de,& vigor. Naquelle mefmo lugar a comporião , & lhe fa-
não Altar , em que a colíocárão, & em que pudeffe eíiar Corp
toda a veneração.
Dalli por dante começou , coro a fama deita maravilha,
a concorrer a gente àguclle lygar, & àgucile Santuário, aug-
mentais-
1 5 1 Santuário Mariam
• enrandofe cada vez mais a devoção da Senhora da LapaJ
naôfó daquclles lugares circunvizinhos ; mas de todo o
Reyno ,& ainda de toda aCaflellaa Veiha , que lhe fica mais
vizinha , pelos muy tos ,&continuos milagres,, que Deos o-
brava naquella Cafa, pelaintcrceflàôde fua Santiflima May.
Sio cilas romarias desde a Pa fchoa do Efpirito S?nto até
Outubro;porque fó ncík tempo fe pode ir àquelle lugar,quc
he no Inverno frigidiffimo , & muy to a ípero,
A Igreja defta Senhora he grande , & larga , ainda que
naô he muy to alta 7 ír a Capella mór tem a mcfma largura da
Igreja. Nella aparte daEpiflola fica alapada Senhora, que
fe vé formada de quatro grandes , & defmenfuradas pedras,
& poflas naquelle lugar pelas mãos do Author da nature-
za, com notável artificio, A pedra dêcirm (fallo da do mcyo
da Capella ; porque eftaô duas em bayxa, & outras duas por
cima delias) que he muy to mayor, &mais comprida quea
de briyxo, & que fica cm o meyoda Capella, que à mancyra de
chapeo ( como diz o Padre Vafconcellos in Defcriptimt
Regni LnJitzj?7Í<*)c{\ay2í taõ bayxa nos prime yros annos,que
o Sacerdote , que dizia MiíTa no Altar do Menino JESUS,
lhe tocava com a cabeça; mas depois foy fubindo pouco a
pouco , & em tal forma , que ja hoje fe vé no ar, & taõ le van-
tada , que podem os Sacerdotes levantar ahoíiia baftante-
mente, & ainda os de mayoreflatura. Eoque caufa mayor
admiração he , que aquclla grandiflima , & pefada pedra ef-
tejadefacempanhada, & defunida das mais, fullentandofe
em huma muy to curta raiz, que fica na parede ; o que fe tem
por hum continuo milagre. Eeila parede apenas terá qua-
tro palmos, &oque fedefcobre da pedra para fora, feráõ
mais dedezoyto,ou vinte palmos.
Quando os peregrinos ,& Romeyros querem ir vifitar
a Senhora em a fua lapa , o fazem por huma entrada, qúc
dam asduaspedrnsbayxas, & hc taõ eflreyta, que ainda o
homem maiifcco ha de entrar de ilharga, E o que caufa ma -
yof
Livro II. Titulo IV. i ^
yor admiração hc , que os mats corpulentos , & groííòs en •
traô com a meíma facilidade dos primeyros. E em chegando
â Capellinha da Senhora , que fica no fim da lapa , daõ volta
ao redor do penedo de bayxo, que fica no meyo , aonde eílá a
outra entrada; porque o de bayxo naõ chega à parede , como
o de cima- E por efla aberta he , que fe faz a entrada , para íc
darem as voltas , que coflumaô os peregrinos.
Aeflesdous penedos do meyo fica encoíhdo o Altar
niór^&nefteíevécoUocada a Imagem do celebrado Meni-
no JESUS da Lapa,a quem fecantaõ devotas cantigas. A Ca-
pellinha da Senhora terá fete, ou oyto palmos de vaó em
quadro , & lhe fervem de abobada as extremidades das duas
pedras fuperiores. Tem duas alampadas pequenas de prata
toslados; porque as naõ pode ter mayores. A Senhora eftá
collocada em hum nicho formado de vários jafpes bornidos,
& de varias cores, &imbotidos. He muyto linda, & tem
hum roftq taõ divinizado, grave , & mageftofo , que infun-
de grande rcfpcy to, & veneração. E havendo tantos fecu-
los, que (e oceultou naquella húmida ,& fria lapa, a encarna-
ção eíiátambella , como íefoífe encarnada de pouco tempo.
He cita Santiffima Imagem de roca, & de vertidos , & tem de
alto dous palmos, & meyo. Aquella Igreja he ao prelente
dos Padres da Companhia, & do Collegio de Coimbrãs mas
o rendimento dasefmolas, quefaõmuytas, fe dividem cm
duas partes , huma leva o Collegio , & a outra a Univeríida-
de« Os Padres ao prefente tem começado hum grande Col-
legio, & pelos tempos adiante também faraõ à Senhora ou-
tro mayor , & mais magcílofo Templo.
As feftas que fe fazem à Senhora , faõ muy tas ; porque
também faômuy tas as terras > que concorrem todos osan-
nos a feílejalla. Eflas íecorneçaõ desde o Efpirito Santo
ate : Outubro; porque nefies tempos vtó todos a fazer àquel-
Ja Soberana Rainha dos Anjos as luas celebridades,* psgar-
lhe os feus votos , & offer tas , & a ter as fuás novenas. w Na
fua
i ôo Santuário Mariano
fua Cafa fe vem muytasmor talhas , & outros muyfos fínacs;
& varias memorias das maravilhas, que aquella grande Se-
nhora obra a favor dos que a invocaõ. Alli fe vé também pen*
durada em hua linha de ferro da Igreja a pellc de hum gran-
de lagarto marinho, ou Jacaréo,que hum homem matou,fa-
vorecidodaquella grande Senhora, em as partes da índia
Oriental , que agradecido ao feu faver , lha veyo a offerecer
à fua Cafa , o qual era natural daquellas partes , & vendofe
emhum perigo grande de ferdefpedaçadodaquclla fera, a
Senhora lhe deu valor j& animo >:, para que o pudefle matar»
Da Senhora da Lapa eferevem muy tos, & graves Authores,
comohe Frey Bernardo de Brito na Monarchia Lufitana,
part. 2. liv. 7. cap. 2$. Manoel de Faria , & Soufa na fua Eu-
ropatom. 3. part. 3. cap. i$.Fr. Luis dos Anjos no feu Jar-
dim de Portugal num. 48- o Padre António de Vafconccl-
los , pag. 53 8. num. 15. & o Padre António Leyte , emhif-
toria particular, que fez defla milagrofa Senhora.
TITULO V.
Da antiga , is milagrofa Imagem de nojfa Senhora de
Aguiar.
^T A comarca de Riba Coa , em as fraldas da Villa de Caf-
SJ tello Rodrigo, hum quarto de legoa diftante damef-
ma Villa para a parte doNafcente,eftá íituado oMoíleyro
de Santa Maria de Aguiar, da Ordem dogloriofo Saõ Ber-
nardo, & o único que fe acha naquella Comarca. Nefte Mof-
tey ro fe venera , desde o tempo de fua fundação , huma de-
votiílima Imagem da Rainha dosAnjos Maria Santiííimajquc
obra mu v tos milagres em todos os que com verdade vra fé,
& devoção a bufeaõ \ porque lhes acode com os alívios em
feus trabalhos , & em fuás neceffidades como remédio. He
a Caía
Livro II. Titulo V. 1 6%
a Cafa defla Senhora ,& cila o Propiciatório acndc De os aco-
de, remedea ,& favorece aos trabalhados pcccadorcs^ccmo
diz SãtoEphrem: Tropiíiatcrium lahoratitium.E per cila ra-
zão foy fcmpre aquelle Moíieyro muyto frequentado de
muy ta gente de Portugal, & de Caílella atéoanno de 1 640,
que foy o da Acclamaçaõ delRey D. Joaõ o Qoarto , de íaii-
dofa memoria joqueentíiõfe fuipendeo por caufa das guer-
ras , & hoílilidades delias \ & hoje depois das pazes fe conti-
nuaõ as romarias na mefma fórtr.a que de antes.
Fundou-fe eíle Moíieyro de noífa Senhora de Aguiar
por ordem delRey Dom AfFonfoHenriquez, oqusllhedeu
couto no annode 1 174. eílando em Coimbra. Foy concedi-
da a carta aoAbbadc, & Monges daqueíle Moíieyro, que
chama , da Torre de Aguiar , que devia fer antigamente al-
gum caftello , que fervia de rebater os incurfos dos Mou-
ros, quando domina vaõ aqucllas terras» Enella declara ,fc
havia edificado o Moíieyro antes, por carta, & licença fua.
OPadreFrey António deYepís diz que coníla do cartono
do Mofteyro de Santa Maria de Moreroela , que eíta funda-
ção foy a 30. de Março do anno de 1170. & defla era faz
mençaõ o Breviário Ciflercicnfe-
Naõ fó os Reys de Portugal, pela grande devoção, que
tinhaõ a efla Senhora ^enriquecerão efla Cafa de fazendas ,&
propriedades, & a ennobrecéraõ com muy tos privilégios;
mas também os Reys de Leaõ. O couto que ElRey Dom Af-
f onfo Henriquez lhe deu , nam íó era grande, mas ainda lho
fez mayor , largandolhe nclle toda a jurisdição Real , como
fe vé da carta, em eflas palavras : Et quidqutd infra términos Toyre
ad regale jus pertinere Vtdetur. doTom-
ElRey Dom Fernando de Leaõ em huma eferitura , que y0gave\
refere nos feusAnnaes Frey Angelo Manrique, feytana- tadoEc-
quella Cidade em22.de Agofto de 1175- faz doação àquel clefiaftiz
la Cafa de N. Senhora, &aoAbbade delia Dom Hugo, eca^«
companhia da Rainha Dona Vrraca, & de feu filho Dom Af-
I Tom, III. L fonfo
*6i Santuário Mariano
fonfo , do lugar da Torre de Aguiar, &da Granja de rio
Chicho ; & ifto também por fer fundação de feu fogro ElRey
DomAffbnfo Henriquez. No feguintesnno de 1176. lhe
fez o mefmo Rey Dom Fernando (eflando emCiudad Ro-
drigo) doaçaô da Pefqueyra da foz de Aguiar , fendo ainda
Abbade o mefmo Dom Hugo. Outras doaçoensmais fe re-
ferem, aflimdeíleRey,comode feu filho D. AfFonfoo Nono,
por onde fevé a grande devoção que eíles Príncipes tinhaõ
àquella Sagrada Imagem da Senhora. Noreynado deite D.
AfFonfooNonode Leaõ,fez também doaçaõ a noíTa Senho-
ra hum Fcrnaô Ponce , & fua mulher D- Maria Annes,das
vinhas que tinhaõ no lugar deSamChriflovaõ.
A Senhora eflá collocada no Altar mór em huma tri-
buna } como Senhora , & Padroeyra que hc daquelía Cafa. O
nome com que he invocada , & fervida , he o de fua Affump-
Çaõ; tem de eftatura cinco palmos ; hoje fe vé veflida , ( fem
embargo de fer de efeultura , & eílofada,) a matéria de que he
formada he páo , & tem tam grande antiguidade, que nam
confta nada da fua origem, nem fehe ainda mais antiga que
o Convento. E eu me perfuado,havia naquellc lugar da Tor-
re de Aguiar alguma Ermida, em que efta Senhora era vene-
rada , & bufeada pelas fuás maravilhas y & que para que fof-
fe melhor fervida,fundou alli ElRey o Convento,entregan-
do-oaos Padres de Sam Bernardo , fiando das grandes vir-
tudesernque reíplandeciaôjCuydaílem muytodoculto, &
veneração da Santa Imagem. Ocobrirem-nacom veflidos,
foy também para oceultar algumas faltas, que o tempo tinha
caufado na Santa Imagem. O roflo, que he fermofiífimo, ef-
tá tam bcllo , & frefeo, que parece fer encarnado de pouco
tempo, fendo que naõ ha memoria, quefoffe nunca encar-
nado. Naõ tem Menino , eflá com as mios levantadas , na
forma que fe coíhimaõ pintar , <k obrar as Imagés deíle myf-
terio,&oque reprefentao titulo da Aífumpçaõ. Os mora-
dores de Caftcllo Rodrigo apregoaõ, que a Senhora dera
vitoria
Livro II. Titulo VI. i fg
vitoria aos noffos Portugueses contra os CaíMhanos,
quando foraõ a combater a Villa, & que mtiytos dosCaiíe-
lhanos confeíTáraõ a viraô na vanguarda dos noíTos , quando
hiaôcmfegnimento do Duque de Offun.i. E nefte dia do fuc-
ceifo feftejaô a Senhora, & vayàíua Cafa a Villa com ofeu
termciricm romaria, a darlhe as graças por tam grande vito-
ria. Efçrevem da Senhora de Aguiar a Monarchia Luíitana
part5.liv.17.cap.32 Fr. António de Ycpisadannum 985.
Manriquc ad annum 1 175. cap. 4. num. 7.
TITULO VI.
7)4 antiga, tff múagrofa Imagem de N. Senhor d do 2V
reiro* ou^ítmo.
EM pouca diííancia da Villa de Caftello Rodrigo , em a
Comarca de Riba Coa , fe venera hua devotiffima Ima-
gem da Mãyde Dcos ,cm hum grande , & fermofo Templo,
fuppofto que muy to antigo , o que fe reconhece de fua fabri-
ca. Intitulafe efla milagroíiffrma Imagem com a invocação
de N- Senhora do Poreyro^cu do Pereyro,como lhechamaõ
os habitadores daquelles contornos; ou também das Santas
Relíquias, como diz o Padre António de Vafconceilos. He
eíla Sagrada Imagem de tanta antiguidade, que naõ fabem
os moradores dizer (& ainda os de mayor capacidade) mais
quefer antiquiílima , &que nos tempos antigos havia na-
quellc fitio huma povoação , que íe arruinara , fem poderem
atinar com a caufa ; que fe ccnje&ura feria alguma das gran-
des peftes , que ouve nefíc Reyno, cemo foy a do anno de
U95. rcynando neíkReyno Dom Sancho oPrirreyro; &
que os moradores fe recolherão a huma Villa Hrrusda,aquc
chamaô hoje as Cinco Viilas. Efla Villa intitulada cem o no-
me de Cinco ,fica pouco difbnte do Templo da Senhora , &
h z feri
i<$4 Santuário Mariano
fera pouco mais de hum tiro de moíquete para a parte do Sul.
E vem a feros moradores defta Villa (a que fe ajuntarão os
do antigo Poreyro) freguezes todos da Senhora, cuja Igre-
ja (que hw Muriz , &Parochial) heda Ordem de Chrifto,
aonde a mefma Ordem a preíenta Vigário. Eatéosmefmos
Parochos naô fabem dizer mais da antiguidade , & origem
defta Senhora ,que chamarfe aquella Caía nos livros ,'8* ef-
tatutosdaOrdemde Chrifto Santa Maria do Poreyro, das
mais antigas de CincoVilhs de Reygada:affim confta da De:
finiçaõ da Ordem.
O Padre António deVafconcelíos na fua defcripçaõ do
Rcynode Portugal diz que aílim efta Santa Imagem , como
as Relíquias , que fe venetaô na fua Cafa, foraõ defeubertas
no mefmo lugar , & defenterradas ; porque os Chriftãos as
efeondéraõ nelle > para que naõfoífcm ultrajadas dos Mou-
ros , quando entrando por Efpanha, vieraõ áquellas terras;
mas naõ diz o Padre, em que tempo a Senhora foy deícuber-
ta, nem o modo; que feria fem duvida por alguma rev elação,
que a Senhora faria.
Junto a efta Igreja da Senhora fica outra em diftancia
de fetenta paíTos, também para a parte do Sul, dedicada a Saõ
juhaõ, &he tradição , que efta Igreja era a Matriz daquel-
Ja povoação do Poreiro , que ja não he , mas moftra que de-
via fer povo grande , & populofo. Efta Igreja de Saõ Julião,
também he grande, & moftra muyta antiguidade. He íagra-
da, & o Altar mór? que he vaiado, & fe anda em roda , he cu-
berto com huma muyto grande pedra , que lhe ferve de Ara,
por fer também fagrada, &fem duvida na mefmaoccaíiaõ,
cm que o foy a Igreja. No mefmo Altar fe vé hum vaõ , como
slmario com portas fechado .aonde feconlervac algumas Re-
líquias de grande veneração , as qua es fe moífrap tres vezes
noannoao povo, que concorre em grande numero avene-
railas; he também efta Igreja da rncfma Ordem de Chrifto.
A Igreja da Senhora affirrnaõ alguns ícr tradição conf-
r tante
Livro II. Titulo VIL 1 6$
tante fora Convento cie Tcmpíarios ; & podia bem fer, que
affimfoíTc, avilta deferem hoje da Ordem deChrifto côas
Igrejas, a qual poffue a mayor parte das Comendas, & rendas
que poííuhiaõ antigamente os Cavaileiros Templários. A
Senhora eílá collocada no Altar mayor fobre huma peanha.
He de efeultura demadeyra, tem ao Divino Infante Jeíus
(catado no braço efquerdo, & hoje íe vé aílim a Senhora,co-
mo o Menino adornados de vefridos, & com coroas de pra-
ta na cabeça ; a fua eiiarura he de cinco para leis palmos. A
Senhora tem na maô direy ta hum pomo, que deve aliudir ao
titulo de Pereyro ,que oferece ao Santififimo Menino. Sem-
pre concorrerão aquelle s poves comgrádc devoção a vene-
rar a efla Senhora, & a efícrecerlhe as fuás ofertas» E quan-
do nas neceflidades publicas ha falta de agua, ou de Sol, en-
tão vaõcom prociífoês , a pedirlhe o de que neccflitão, &
por muytas vezes fe tem experimentado logo os favores do
Ceo, no que pediaõ. Fazem menção da Senhora doPoreiro,
ou Pereiro, Faria na fua Europa, & a nomea entre os Santuá-
rios particulares deite Reyno tom. 5. pag- ?.num. 16. & de
Caftcllo Rodrigo, cm rela çoens que nos inviáraõ , o Dou-
tor Gafpar Leitaõ de Affonfeca , & o Licenciado Franciíco
Monteyro, Vigário de VillarTorpin.Tãbem faz delia men-
fa& o Padre Vafconcellos na fua defcripçaõ do Reyno de
Portugal pag. 539. num. 16.
TITULO VIL
Da Imagem de nojfa Senhora do Campo , da Filia de
Mmendra*
HE Maria Santiílíma hum Campo foberano,& quaíi Di-
vino , & tam dilatado , que o naõ pòdc eomprehender
nenhum outro lugar } como difíe André Hierofolymitano,
Tom* III, £ 5 Jger
1 66 Santuário Mariana
jéndre Agtr âwpliffvflus Dei , quem nullus attus locus comprehendt*
fíierof repiytuit. Aonde naõ íb fuílenta com os frutos da fua inter-
°™e- in eeiFaã aos pcccadores ; mas os recolhe , defende , & aropa-
AnTel ra' Mas advirtaõ effes pcccadores transformados em irra*
* ' cionaes por fua obftinaçaõ , & malícia , que he também Ma-
ri&aquelk grande Campo da Ilha do Sol, aonde naõ pode vi-
ve? nenhum irracional;porquc acaba, & morre infelizmen*
te , fe piza o feu terreno. Pelo delido original lamentava lá
David que fe transformou em bruto o racional. E fomente
pode Maria chamarfe Ilha do Sol , pois nafceo no ftu huma-
no território, parailluminar ao mundo, fcnefta Iíha de ra-
yos naõ vivem irracienaes ; porque bafla que fejaõ huma
reprefentaçaõdoprimcyro deIiâo,para quenaõvivãore-
prefentações, aonde nunca chegarão as verdades.Cheguem
pois os peccadores por contrição aeftc Campo, porque a*
charáô a luz para deííerrar de feus corações a irracionalida-
de da cul pa , & a vida com a graça , que os fantifique.
Meya legoa da Villa de Almendra (cm a mefma Comar-
ca de Riba Coa ) para a parte do Nafccnte, fe vé huma Ermi-
da dedicada à May de Deos, dcbayxo do titulo de N. Senho-
ra do Campo. Eftácíte Santuário fituado cm hum campo,
difUnte, pouco mais de hum tiro de pedra,da Ribeyra de A*
guiar, & quaíi fronteyro a huma fermofa ponte de cantaria,
da mefma ribeyra , que vay a defaguar no rio Douro, que lhe
ficaemdiftancia de hum quarto de legoa. Nefta Ermida, &
Santuário fe venera huma milagroíiffima Imagem da Rainha
dos Anjos, com o titulo do Caropo,& de taõ grande antigui-
dade, que fe lhe naõ fabe a origem. Por mey o defta Santíífi-
ma imagem obra Deos infinitos milagres , & affim concorre
àquella fua Cafa innumeravel gente de todos aqueiles povos
eircumvizinhos , & todos achaõ na clemência da Mãy de
Deos , remédio em todos os feits trabalhos , & alivio em to»
das as fúas penas, atribulações.
Heeíia milagrofa Imagem pequenina na eflatura, por-
que
I
Livro II. Titula VIL %fy
que naõ partará de dous palmos, temeyo; he deefcultura
de madeyra , tem o Menino J ESUS nos braços, & taô chega -
do a íi, que adornando a Senhora com vefí idos , pela grande
veaeraçaõ com que a fervem , fe não vé o foberano Infante;
mais que a cabeça , & os dedos de huma das mãos. Dos prin-
cípios defta Sagrada Imagem, & de fua milagrofa origem \ fc
naõ fabedizernada , nem pela mefma tradição fabem refe-
rir os que alli vivem couía algua , nem fe appareceo naquel-
1c campo , de que fe lhe impoz o nome. Tam antiga he , que
nem tradições delia ha , nemíc fabe , fe lhe foy impoílo o ti-
tulo por efpecial devoção de algum devoto, que lhe edificaf-
fe a Ermida. Porémamimfemereprefcnta, que a Senhora
fc manifefiou naquelle íitio , ou campo , & que as maravilhas
quelogocomeçaria a obrar cmfeu apparecimento, feriaõa
caufa de fe lhe dar o titulo , & de fc lhe edificar a Caía ; & co-
mo a gente daquellas partes naõ at tende muy to a cilas me-
morias , he fácil o extinguirfe nas memorias delia os princí-
pios de fua origem. O apparecet naqucllas partes/) dá a en-
tender a antiguidade da Santa Imagem , fua forma , & a pe-
quenhez j& pôde bem fer foífe efeondida em alguma brenha
ou gruta pelos Chriftãos, quando fugiaõ dos Mouros, & ap-
parecer no campo; & o edificar-felhe Cafa em o campo , feria
por fer íitio mais accommodado;&as maravilhas que ainda
ao prefente obra faõ as teíiemunhas mais abonadas deífas
conjedíuras que fazemos. Ebem poderia fer que em a fua
manifeftaçaõ (dado que alli quizapparecer)ouveíTem muy-
tos prodígios , &quemoílraria comdles que naquelle íitio,*
& lugar queria fer fervida, & louvada.
L 4 TITULO
1 6 3 Santuário Mariano
TITULO VIII.
%)a milagrofa Imagem de nrjfx Senhora deMonfoYte no
termo ck^inkd.
NO termo da Villa de Pinhel ,mas no defirúfto do Bifpa-
do de Lamego, de que agora falíamos, & em taõ pouca
diftancia do rio Coa,que naõ hc mais que hum tiro de pedra,
fe vé huma antiga Ermida , mas muyto grande , & capaz dç
muyta gente que a ella concorre. Fica efte Templo para a
parte do Occidente, & o rio Coa ao N^fcente>em hum ermo,
& íitio fohtario,diftante do povoado huma legoa. Neila Er-
mida fe venera huma devotiíTíma Imagem da Rainha dos
Anjos ,com o titulo de noíTa Senhora de Monforte , pela qual
obra Dcos infinitas maravilhas, & milagres, & aflim hea fua
Caía, & Santuário muyto frequentado dos moradores de to-í
dosaquclles povos circumvizinhos , que achaõ na fé com
que a mvocaõ , os defpachos de todas as fuás petições. Efía
Sagrada Imagem he antiquiffima , & por eífa caufa naõ fabem
dizer os moradores daquclles lugares vizinhos coufa algu-
ma de fua antiguidade , & origem ; & como he gente que cui-
da lo do feu trabalho, ôc naõ ha nella a policia que fe acha nas
grandes povoações, naõ he muyto, que ignore eftas maté-
rias- Demais que ha alguns CommiiTarios , aos quaes reco-
mendandofclhcsefías diligencias, como naõ acháraõ logo
clartzi do que pediaõ , fecharão a fua inquirição com dizer,
naõ ha nada , nem tradições do que fe pergunta \ & como ef-
tas terras ficaõtamdiftantes, naõ pode quem efereve exa-
minar per fi mcfmo eífos verdades , & affim omefmo fe expe-
rimentou nas noticias do titulo paífado.
Fica efla Ermida , & Santuário da Senhora, na Fregue-
íiadeS. Miguel do Colmeal , & hc annexaà Parochia do lu-
gar de Pcnna de Águia , ou Penha de Águia. Para a parte do
Meyo
Livro II. Titulo VIII. 1 6$
Meyo dia da me ima Caiada Senhora , levem ainda hoje em
hnmtezo , humas ruinas,& pedaços de mu ralhas cie canta-
ria , que fe diz fora antigamente Caítello, ou fortaleza, 5*
como ficavaíuuadoemalto Jhe chama vaô Monforte ,ouo
Monte do forte, comq vulgarmente k chamaõ may to? Caf-
tellos, & fortalezas, queeílaõcm os recintos das Praças
glandes; & dizem que defie forte tomara a Senhora o titulo.
Não fabem dizer, (ou quem eflava empenhado emfazeref-
ta diligencia, naõ foube bem inquirir ) (e efte Caílello , por
muy to antigo Joy dos Mouros , ou dos Chriílãos Godos.
Tambemhaveria naquelicfítio algíía grande povoação, que
os Mouros deílruíriaõ , porque eíles fó em aííòlar ,& em def-
truirfeoccupavaõ 5 ou as guerras com outros inimigos a
deílruíriaõ, de que ha tantos veiligios , &ruinasde gran-
des povoações. E também a peite, porque na grande ejue pa-
deceoeile Re} no em tempo de Sancho o Primeyro , fica-
rão muytas povoações grandes , totalmente ermas, & deícr*
tas.
Com qualquer deílas chufas fe perderiaõ as noticias,
memoria*;, & tradições, affim dapovoaçâõ de Monforte,
como da origem,& antiguidade da Senhora. E como no meyo
deíles trabalhos ,& ruinas confervou fempre Deos a Gafa
de fua Santiffima May, daqui me per fuado, fer mais notável,
& prodigiofa a fua origem, tendo por coufaindubitavel;que
cila Sagrada Imagem era ja venerada cm tempo dos Godos,
&que entrando os Mouros em Portugal a efeonderinõ os
Chriílãos, &querecuperandoíedepoiseílas terras ,expul-
iando delias os Mouros, a roanifcflaría Deos com algus pro-
dígios , & maravilhas, que para nos faõ hoje oceultas, pelas
encubrir o tempo com o decurfo dos muytos annos. Em
feus princípios feriaõ muytos , & grandes os milagres , qnc
a Senhora obraria ; porque ainda aoprefente os obra o Se-
nhor pelos merecimentos, & intcrcefTàõ de fua Santiffima
Mãy« E antigamente erão muytas as mortalhas, & outros
finaes
tyo Santuário Alariam
íinaes de cera , que tefttmunhavãoeftas maravilhas \ deque
os Ermitães fe aproveytavr o , ou para os feus ufos , cu pa-
ra o ferviço da Igreja da Senhora.
He*cfta Sagrada Imagem de dous palmos, &meyo de
cfíatura,&he deveílidos * fraflim parece de roca; porque
temnosíeus braços ao Menino Deos, ao qual tiraô dclles
cada vez que querem, &fcm duvida para o levarem aos en-
fermos , comcujâs vifitas faõ recreados , & livres de todos
os feus achaques. Os moradores de Pinhel , &deOfiello
Rodrigo tem grande devoçam com efta Senhora , & fre-
quentam muy to a fua Cafa. Não me confiou o dia cm que
fe fefteja. Eftas poucas noticias, & breves nos deu António
Garcés de Affonfeca, peffoa principal da Villa deCaftcllo
Rodrigo.
O que agora a mim fe me reprefenta, he,que efta povoa-
çamde Monforte fe devia dcftruir no tempo das guerras
que teve ElRey Dom Sancho o Segundo com fcuIrmãoD.
ÁffonfooTerceyro;& pode bem fer que aflíím como no tem-
po delRcy Dom Dinis leváraõ , com licença fua , da antiga
Parochia de Monforte, os moradores de Pinhel a mitagrofâ
Imagem da Senhora doCaftello \ também levariaô da mef-
mamaneyra os moradores da Frcguefía de Sam Miguel do
Colmeal a Senhora , que hoje veneraõ no deftriíto da fua
Freguefia , que pela trazerem de Monforte , & lhe nam fabe-
rem a invocação que tinha, lhedérão o titulo do lugar cm
que efta va. E o edificarfelhe a Ermida em lugar folitario,pó»
de fer foífe \ que a Senhora nam quereria paífar daquelle lu-
gar , & por iíTo naquella folidão lhe edificarão a Cafa à vifta
da maravilha. O que podia fueceder.
TITULO
Livro II. Titulo IX. 171
TITULO IX.
%)amílaçrf>fa Imagem de N* Senhora da Ribeyra , Convento
de Reltgiofas Terceyras , no termo de Cernancelbe
T>ifpãdo de Lamego.
O Padre Meílrc Fr, Fernando da Soledade na fua ^.part.
da Hiftoría Seraphica > chegando a tratar dos princí-
pios da Cafa da Senhora da Ribeyra , &da origem da mila-
grofa Imagem da Senhora , que lhe deu o titulo, diz que en-
trava emhumlabyrintodeefcuridades; porque naõ achava
papel, que inteyramente relataííè o que defeja va faber , nem
o Breve da fua fundação ; & que fe hum incêndio que pade-
ccoo Convento o naõ reduzio a cinzas , entenderia que to-
dos os defeuidos naquelle particular tomavaõ por afyloas
voracidades do fogo; porque commummente fe ouvem fe-
melhantes defculpas > & íaõ boas } porque para cilas naõ ha
replica. Ainda aílim , com a fua exada diligencia que foubc
interpor nas obfcuridades da fua hiftoria,foube também com
a fua grande fabedoria dar luz às trevas mais denfas, que
nella encontrava , moftrandonolas taô claras, como a luz do
m:yo dia. E affim diz ellefobre o que )a haviaõefcrito Jor-
ge Cardofo no feu Agiologio Luíitano , & o Venerável Pa-
dre Fr. ManoeldaEfperançana2. parte da fuaHiíloria Se-
raphica y o que agora diremos.
Eftá fundado o Mofteyro da Senhora da Ribeyra em
hum valle do Bifpado de Lamego , na Comarca de Pinhel, Sc
no termo da Villa de Cernancelhe y que fendo das vtm$ pró-
ximas , fe aparta delle diífancia de meya h goa , & ncíle mef-
moefpaçofe vem outras três povoações , queorodt^o em
gyro ; mas de longe, como rcfpey tando a quietação daquellc
lugarconfagCâdoàMageíhdc Divina. Aífim o raol ira a mef*
ma
i7i Santuário Mariam
ma vizinhança da Caía , que naõ coníta mais , que di do feu
ConfeíTor ] & daquellcs ferventes, que !he faô preciíos-Scn-
doquenaõ ha Moíkyro, ainda que muyto remoto, a cuja
fombra fenaõtenhaõ eregidas grandes pcvoaçces. Porém
haquella lolcdade, retirada do mundo inimigo da virtude, fe
Ioga õ com mais ftgurança as confolações do Ceo, Toda a
fua circunferência íc com põem de montes, huns calvos, &
coalhados de pedras , outros revefíidos de plantas , de cuja
variedade o Author da natureza vay compondo a notável
ftrmofura do Univerfo.
Na decida do monte' de Cernancclhe faz aíícnto huma
fermoía área de terra , fértil com a fuftancia de duas peren-
nes fontes , & taõ proporcionada para edifícios , que parece
eílava de antes annunciando a fortuna, que havia de lograr,
fendoapofentadoradaEmperatrizda gloria. Deite mefmo
íitiofenhorca,poftradaafeus pés,a corrente impetuofa do
Távora, m-isil!uflre pelas façanhas , que nellc obráraõos
Authores deite appellido em defenfa da Pátria , q pela copia
das ondas, & profundidade das aguas. Nafceefte em huma
fonte chamada de João Durão, àvifta dos muros deTran-
cofo.
Havia nefle lugar huma Ermida,dedicada â Rainha dos
Anjos , que a refpeyto do Távora, fechamava da Ribeyra,
& por caufa da fua invocação , que ainda hoje feconferva,(e
nomea geralmente noíTa Senhora da Conceição , titulo pri-
ireyro, & o próprio daquella Ermida. Concorria de diverías
partes numerofa gente a viíitar efta Cafa , Offi:ina de mara-
vilhas, & milagres, & particularmente os vizinhos de Trafi-
cofo , que fern repararem na diíbncia docaminho,( paffa de
três legoas ) todos os annos lhe hião fazer a fua feíta.FlRey
Dom Duarte lhe approvon efte lanto cofiume , & reveren-
ciando as maravilha?", que a Senhora obrava, (por nsõ fe es-
friar o zelo) difpcníou com es devotes na pregmatica do
Reynoj conceciendolhes , que ncílas occafiões pudeffem ir a
cavallo
Livro II. Titulo IX. 1 73
cavallo cm machos , ou cm mulas. Deulhes efte privilegio*
naõ obflante afua publicação em a Viilade Eííremoz a dez
de Abril de 14^6.
Dos milagres antigos ha poucas noticias; masdeíles,
& dos modernos referiremos alguns mais adiante , & agora
daremos noticia dos princípios defla Caía. Pelos annos do
Nafcimento de Chrifio Senhor noífo de 1460 entrarão
neíta Ermida , p2ra neila fazerem Convento , es Padres da
Tcrceyra Ordem da Penitencia \ & daqui fe colhc,que ja cík
Ermida teria muytos annos de duração. E eira fera a canfa
de fe naõ faber nada , nem da fua origem, nem dos Fundado-
res delia. E bem pode fer foífe a Senhora da Conceição ap-
parecida naquelle fitio , & ferem as maravilhas obradas cm
fua manifeftação a caufa, & motivo de fe lhe edificar a-
quella Ermida^ & as muy tas que fucceífi vãmente iria obran-
do, attrahiria aosdeTrancofo, (^ & de outras partes) a fer-
villa , & a celebrar as fuás feftas.
O primcyro motor defta fanta emprefa foyhumFrey
Pedro.da Ameixocyra , o qual por fuás notórias virtudes al-
cançou o beneplácito da Villa de Cernancelhe , fem alguma
repugnância ; mas conforme os fueceífos futuros , não lhe
fez doação livre , fe naõ condicional , & dependente da fua
vontade, em quanto cila os quizeífe confervar no íitioChe-
gouotempode osdcfpedir, & tomando poroccafiaõ a mor-
te do Padre Frcy Pedro da Ameixoeyra, a quem fe tinha fey-
toocmpreílim9,os lançarão do domicilio. Efledifcuríofaz
o Padre M. Fr. Fernando contra o do Padre Gonzaga, o qual
efereveq hua parenta do referido Fundador , por lua morte Gon*,:
tomara poííe da Cafa , com pretexto , & titulo de herança. O P-^1 *•
que naõ podia fer, pois he infallivel, que era do Conceiho a-
quelle lugar, Acodiolhesncílc trabalho Frey joâo, Cabeça
de vaca , Frade humilde na profiííaõ de leigo , mas conheci-
do entre os Grandes da Corte , o qual fabendoque ElRejr
Domjoaõ o Segundo hia em romaria a Saro Domingos da
Quei;
1 74 Santuário Mariano
Queimada, no território de Lamego , foyàfua prefença^St
dandoihe conta dafobredita expulfaô , ordenou logo oRcy
que fereflitutífe o Convento aos Religiofos, como affim
RefcrJc fucccdec no me imo anno de 1 48 5. que foy o da romaria,co-
capA9- ^c011^ dasChrcnicas defie Reyno. Com taleerteza fc
pede também emendar o Anthor nomeado, que adianta
efle fueceflb doze annos, & o põem no de 1 495* que foy o da
morte daquelle Príncipe peçfeyto-
O^tro motivo mais forçofo os lançou para fempre def-
U Cafa,admittindoas Freyras em feu lugar, pelo modo que
brevemente referiremos; masnaõfey ifionoannode 1500,
como eferevem alguns por informações erradas ; porque
no anno de 1514.320. de Outubro» ainda aqui efiavam os
Frades ,no qual dia (como confia de huma memoria) Affonfo
Gonfalves mercador ,Jui^ ordinário na V tila de Cemance-
lhe7 à petição do honrado Frey Tedro, mini/Iro de Santa Ma*
YiadaRibeyra doTaVora, mandou trasladar em publico o
tpflúmmto de MâYtim Rebello 7 morador em o Gra]al. Da rc-
íidencia delles não temos outra memoria. E a primeyra das
Freyras he do anno de 1 527. & confia de hum alvará delRey
Dom]oãooTerceyro>efcritoem rp. de Mayo, no qual or-
denava ao feu Corregedor da Beyra , Br Riba Coa, fizeffe hu-
mas partilhas entre Álvaro do Concho de Mello, & Sor Ifa-
bel Diss de Miranda , Rcligiofa nefie Mofleyro. Correndo
o tempo no meyo defias balizas infalliveiSjfc vio e!le trãsfi-
gurado de habitação de Frades em domiciliode Freyras. Af-
inar porem nefies treze annos intermédios , qual foífe o da
mudança , não he fácil 3 porque naõ fe acha documento , cm
que íc funde o di feur fo.
Em quanto permanecerão os Religiofos Terceyros
naqucllc íitio,íe entende ferem dignos daquelle nome por
fuás obras , & o inferimos de hum , que nelle cítá fepultado
c^m opinião de Santo ,& dellefallaõ os livros, ainda que
o nome íó eítá eferito nos Annaes da Bemavcnturança. Foy
efie
Livro II. Titulo IX. 1 75-
efleàViíladeTrancoio pedir efmoia para o íuftento dos
mais Frades, aonde o executou a morte no tributo ordiná-
rio da vida- Faicceo no Hcfpital defeonhecido da gente,co-
mo fuecede a todos os pobres ; & nam confiando fe era deíle
Convento , ou dos de Villarcs , & Caria , para nelles lhe fer
dada fepultura, tomarão tal conírança norefp!andor,queex-
halou na hora da morte a tocha da fua virtude/jue deyxáraõ
eflccafoàdifpofiçaõ da Providencia dcDeos. Refolvéraõ
que fepuzefle o cadáver fobrehumabefta, que dia movida
de fuperior difpofíção oconduziria a feu próprio domicilio*
Foy notável a refolução, & fuperior a fé ; mas femelhante a
maravilha. Caminhou o bruto, feguíndo-o de longe hum
homem , para ver c fim do fueceflo , & chegando à Igreja da-
quelle Convento-» depois d,e fubidos os três degráos, que
a porta tinha , dirigio os paflbs ao Altar de Sam Francifco,
aonde fe poftrou por terra , & perííítio comamefmafumif-
fao j em quanto a não aliviavão daquclla carga preciofa.
Naõ faltarão depois milagres, quefizeraõ muyto ílíuftre
fua venerável lembrança ; mas a dos homens foy tão negli-
gente ,que hoje eftão fepultados todos ,como outros muy-
tos dignos de eterna recordação.
Quanto à fucceíTaõ , & entrada das Rcligiofas naquella
Cafa, & prerogativas da fua Fundadora, he de faber que deu
motivo âquella grande mudança D. Maria Pereyra, cujo
nome illuílrado do refplandor da nobreza, fera fempre glo-
riofo pela multidão das filhas de feu efpirito , que íervirão,
&fervemaDeosnaquelle Sagrado lugar- Eíiaõ conffantes Frl
(diz oChronifla Seraphico) todas asnoíías memorias em Ftml
fer cila parenta muyto chegada dos Condes da Feyra; &pof- **}*p2
to que não achemos feu nome eferito cm algum Nobiliário daHtfti
antigo ,ou moderno , naõ pode efta falta perfuadirnos con ffr4^'
traaquelia evidencia; porque nem tudo fedefcobre nelles. ' ,2m ,.
Mas o dizerem huns,que foy natural da mefma Villa da Fey- ^ -'
ra , & outros,que alentada com o favor dos íobreditos fidal-
gos^
1 76 Santuário Mariano
gos, tomara por força o Convento aos Frades ,faocoufas,
quenaõ merecem approvaçaô. Fundafe a noífa difficuldade
(dizomefmoChroniíta)naõfónadiílanciaquevayda Fey-
ra a Cernancdhe, mas em não fer efhterra dominada da-
queiles Senhores; porque fe o fora, neftecafo podíamos in-
ferir , que o feu poder era o arbitrio da referida cxpulfa : &
de outra forte naôha fundamento , que o perfuada , mayor-
mentennõ precedendo expedição alguma de letras Apoílo-
licas , decreto Real , ou ordem fupenor da Religião, que to-
Biaífem por motivo do feu empenho-
Também não heconfequencia ,que porella fer da gera-
ção dos Pereiras , teria o nafeimento, & habitação na terra
do feu folar; porque muytas famílias ncbiliflimas,quedel-
le íc diriváraõ , eítavão ja repartidas por outras terras do
Reyno.Na Villa de Cernancelhe floreciaô ncfte tempo, com
grande reputaçaõ,osdeftemefmoappellido,cujas filhas (pa-
rentas da Fundadora) ellarecolheocomfígo na povoação do
Mofte yro : & poucos annos depois, Fedro Abes (pereirafí-
dalgo da Cafa de Sua Mageflade, & morador em Cernancelhe
(dizhumaefcritura)/0j//>m«r^r em hum negocio grave
defua irmaa 2). Ifabel Tereyra Abbadeca do Couto, &fegun-
dado nome , aonde tinha duas filhas, que foram Reltgiofas*
Pelo que entendemos que naõ pôde haver duvida em fer D.
Maria Pereira natural da mefma Villa.
Era efta D. Maria , virtuofa , inclinada ao ferviço de
Deos , mas vivia diífaboreada com os embaraços do mundo,
que ordinariamente impedem os defafogos do efpirito. E
vendo pelo numero dos annos , que era muyto breve o com-
putodos feus dias jdefejava recolherfe ao fagrado dealgua
Religisõ» aonde gozafTe livremente o effey to daquelles fan-
tosimpulfoSj&tiveíTecompanheyras, que perpetuaífem os
louvores da Mageftade eterna. Tinha o coração inclinado a
e ff a Caía da milagrofa Senhora da Ribeyra, não fó pelas fuás
muytas maravilhas; mas por eflar em folcdade, retirada do
comer-
Livro II. Titulo IX. i ?f
comercio das gcntes,& tambcm por fc haver crcâdo aos pey-
tos da fua devoção , & cerrando os olhos a todos osobftacu-
los , que lhe podiaõ fervir deeflorvo , lançou delia os Pa-
dres» Primeyramentcnegoceoueítefeu intento com o Ceo,
por meyo da oraçaõ ,& depois que prefumio fer do agrado
de Dcos, interpoza authoridade de fcus parentes , que eraõ
os principaes , & pederofos na Villa. Como elks lucravam
muy tas conveniencias,tendo nefte Mofteyro domicilio para
fuás filhas, & defeendentes, não euftou muy to fazerem pró-
pria a caufa , & fahirem a luz com o feu intento»
Taes faõ as forças da commodidade , & taes as confe-
quenciasdointereífe. He verdade que os Religioíbs eram
poucos , nem tinhaô Convento perfeyto , & o que mais he,
padeciaõ muy ta falta do neceífario à confervaçaô da vida, 8ç
por eílas caufas juntas , com fer de cmpreftimo o lugar, nam
lhes moftrarião grande reíiftencia , & podião eftar ja notifi-
cados pelos do governo da Villa, para qdefpejaffem o fitio
que naõ era feu , & affim fahindo da Cafa disfarçarão o fenti-
mento, que ao depois declararão grande na queyxa que fíze-
raô a ElRey Dom João o Segundo em fua prefença : defta
maneyra fe conciliaõ os Authores Gonzaga , & Cardofo;
porque hum delles affirma que deyxáraõ o fitio voluntários;
& outro que fahiraõ violentos.
Tomou Dona Maria Pereira pofle do Convento , com
o encargo de fer nelíe a primey ra Abbadeça , & Fundadora
danovaCommunidade. Naõ lhe era muy to leve efla obri-
gação ; porque fó os ambiciofos , & necios deyxão de fentir-'
lhe o pezo; porque a huns, & outros falta o difeurfo para
ponderar y como fe devem , as confequencias das Prelazias.
Porém o temor de Deos,& a fua louvável prudência lhe fua-
vizáraô em grade parte o trabalho. Foy difpondo o material
da Cafa em forma, que ferviffe para habitação de Religiofas;
ainda que do antigo tinha pouco que ordenar. Tem hojea-
quelía Cafa fcíftnta Freyras pouco maia ou menos , entam
Tom, III, M naõ
i?% Santuário Mariano
naõferia5muytas,& como muv tas erão parentas, & obri-
gadas, fernpreavenerariaõcomoa Mãy. Noannode 153?»
lhe fuccedeo por fua morce a Madre Habet Aranha, Reltgio-
fa de grandes virtudes ; porque era ja incanfavel no zelo , &
tikm podia fofrer relaxações , com que o demónio perten-
dia murchar em flor a perfeyção da obfervancia. Q^eriaõ
mais "liberdade do que lhes devia cõceder: fuasadmceiiaçces
lhe pareciaõ injurias, & tanto a quizeraõ apertar, que achou
ferprecifo juíl/ficaríe com aspeífoas Reaes. Huma certi-
dão lhe paífou a Camera de Aguiar daEeyra , matizada de
tantos louvores, que podia iervir de padrão eterno à fua
virtude. O que íe verá das ultimas palavras delia. He mu-
lher de bom ViVer , (M trabalha por meter fuás Freyras em ro
gr a , & fe alguma* cjlaõ com ella mal , he por as refrear , CF
apertar , 13 fa^er que jm tudo fir^ao , & faiom o que 0-
brigaiasfom , t? a JJim atemos por boa creliga/& muy atita
para [cr Abbakça.
Advirtão agora todas as que faõ, ou querem fer Prela-
das , quanto melhor he padecer pela jufliça, & Religião , do
que lançalla a perder como intuito deacquirir vontades.
Certamente aífifte nos abifmos da ignorância aquella Prela-
da, ou Prelado, que mais trata de confervarfe com as creatu-
ras, do que com ofeu Creador ; porque a razaô junta com
a experiência, claramente moílraõ asrefultanciss rocivas
defla propcnfaõerrada, conhecendo tâi vez, que as me imas,
aquém confentio relaxações, toma Deos ordinariamente
Caxt.i. por inflrumentos dofeu cafiigo. A Efpofa Santa íby coníii-
verfs. tuidanooffirio dt guardar vinhas, & apenas fe conheceo
ckfcduofa m vigilância da fua,q os mefmos irmãos,que de-
viaodiffimularoerro, fulminarão contra eliaas vinganças.
A vinha he huma Communidade , cuja cultura depende do
cuidado do Supçriprjcfte a deve cortar aonde tiver vicio,le-
vantar aonde cíttver cahida , favorecer, fe elliver neceffita-
da, & fempre vigiar , para que as ragozinftas dos abufos lhe
oaõ
Livro II. Titulo IX. \y§
naõdiflípem os frutos da virtude , & exemplo; & fazer o
contrário , he fomentar contra fí o flagclío domeihno que
confente 5 eftesfaõ os peccados dos fubditosdeque ha de
dar conta a Deos, que agora diffimuia , porque efper a a cm-
menda.
Acharão eílas Religtofas , quando entrarão na Cafii da
Senhora da Ribeyra , huma Ermidinha pequena , & pouco
mais de cinco, ou féis cellas pobres, & transformando tudo
ao Teu eíiado * foy crefeendo pelo decurfo do tempo de for-
te , que fe vé hoje hum Templo bsítante , aflim na extençaõ,
a refpeytodos mais edifícios , como no aceyo competente à
fua poílibií idade. Começarão femPadroeyro, fem rendas,
& fem outro algum favor da terra ; mas neílas deíiituiç&es
dos humanos auxi!ios,fe acháraõ afliíHdas dos Divinos;por-
queeílavaõ debayxo da protecção de Maria Santiífima ,ôc
eIJa foy a que fempreas amparou , & favoreceo.
A mefma afliftencia , & favor da Mãy de Deos fe deve
attribuir à perfeyçaõ,& obfervancia dos eítylos regulares;
porque foy aquella Cafahuma efcolagéral , de donde fahi-
raõ para outras , meftras iníignes na doutrina doCeo,as
quaes, mediante a Divina graça , a enfináraõcom taôbom ef-
íey to,que ficáraõ fendo copias de huma rara virtude, quan-
tas foraõ difcipulas do feu exemplo. Delia Cafa da Senhora
fahiraõ por muvtas vezes Fundadoras, & Reformadoras pa-
ra outras j fahiraõ a educar , formar, & reformar, em vários
tempos j o Mofteyro do Couto; fahiraõ para ode Almeyda,
para o de noffa Senhora de Campos em Montemor o Velho,
& para o de Torres Novas , & para outros : taõ grande era o
nome deftas Religiofas , & tal a fua grande virtude , que de
todas as partes fe procurava.
Naõ fe pôde negar.quc tem eítcMofteyro muy to da fua
parte a protecção de Maria Santiíliraa , tam vigilante no am-
paro da* creaturas,que todas podem fer pregocyras de innu-
meraveis benefícios.Efta he a razaõ porque o Eipirito Santo
M z que-
* 8o Santuário Mariano
querendo rct ratar a cila Senhora, a ddinea debayxo do fym-
€to#M. bóio de fonte;porque a todos alenta com o manancial de fuás
aguas , & tudo fertiliza ,como Mãy piedofa , a todos favo-
rece , ampara , alenta ? & confola , conforme a neceífidade,
afíliçaõ, & miíeria de cada hum ; & fendo para todo omun-
dolibcral nas graças, era forçofoque íeefpccificaffe nos
favoreshum Mofteyro,que he feu pelo titulo, veneração ,&
amor : affim fe prova nas grandes maravilhas , que por meyo
daquclla fua miraculofa Imagem eflá obrando continua-
mente, (como publica a fama ,)& fe encher iaõ muy tos volu-
mes delias , fe ouvera curiofidade de fe efereverem. De ires
antigos que fe autenticarão , faremos agora menção, & feja
o primeyro.
Huma Religíofa , chamada Sor Mecia de Azevedo, fi-
cou fepultada nas ruinas de hua parede , que fobre ella cahio.
Era efta devota da Mãy de Deos , fr recorrendo ao feu am-
paro com repetidas vozes derivadas do coração af ilido, a-
quella Senhora a prefervou taô milagrofamente, que depois
de a defenterrarê , appareceo fem a menor pizadura, quando
cfperavaõ todos pelas antecedencias do fucccíío, verem a
fcus olhos a miferia de hum efpcétaculo laflimofo. O mefmo
reprefentava huma menina , de idade pouco mais de hum an-
no; por nome Joanna ,a quem hum teuro feroz tirou ávida
à vchemencia de muy tos golpes. Tinha cuydado delia hu-
ma fervente do Mofteyro, chamada Ignes Fernandes, a qual
Vcndoqueaculpa daqueila dcfgraça fe lhe havia de imputar
a ella , afflifla, & anciofa recorreo à fonte da piedade de Ma-
ria Sanviffima , & pondo a menina defuma fobre o Altar , ao
paflò de muytos clamores, & gritos, pedioàsReligiofas que
a ajudaflem na fua petição , cantando à Senhora a antiphena
da íua Conceição. Caio afícmbrofo! A penas começarão as
Freyras a proferir os louvores da Virgem Senhora , abrioa
menina os olhos, ficando immediatamente fem algum final
do paffado infortúnio.
Se
■Livro II. Titulo IX. iSr
Semõ foy fcmclhante a eík íucceííb,para o mefmo fiai
caminhava hum menino do lugar do Gr?jal, pouco dífhnte
doMoiieyro. Morria fem que ainduílria dos Médicos lhe
ptídcíTeadminiftrar algum remédio de refugio, nem o ha-
via humano , para lhe tirarem a caufa da fua morte. Era efta
humaefplga de trigo, queingulira inteira, & não lhe paíTava
da garganta, Nefta fuffòcaçaõ continuada, & tormento fuc-
ceffivo^paíTou alguns dus moribundo ,até que fua mãy Ignes
Corrêa , melhorando de parecer , & mudando deefperança,
poza fua na Virgem Santiífima da Ribeyra , chegouao Al-
tar deíia Senhora ,& fazendo as mefmas diligencias , que a
mulher referida , fe admirou inilanianeamente o prodígio,
lançou o menino a efpiga , que o matava , & ficou livre da-
qaelle trabalho rigorofo.
Eftas faõ as mercês de que ha noticia , que antigamente
difpcufou aquella piedoíiflima Advc^adadospeccadores,&
pelas circunfhncias delias fe infere, que antigamente ellava
collocada na Igreja a fua Sagrada Imagem. Hoje a temas Re-
ligiofas no coro,collocada em hQa Capella com muy ta vene-
ração, & aceyo,aflim pela razão de a poíTuíremde mais per-
to,eomo por tratarem do feu culto com mais cuidado. Mas
naô obftante o eílar efeondida aos olhos das peífoas fécula*
res, ellas a amaõ por fé,& valendofe de algua prenda fua , ou
do azeite da alampada, que continuamente arde diante delia,
recebem contínuos favores. Osqas Religiofas expenmen-
tão cm fuás enfermidades , faõ quotidianos, & taõ grandes,
comodehua Senhora q as particulariza com os cuidados de
Mãy,& ellas a trataõ com o amor, reípeyto,& obfequio de ú -
lhas. Nem podia huacreatura com tanta confiança recorrerá
compayxãodamefmamãy, queagerára, como ellas a efta
Senhora, que he fonte de mifericordias De outras maravi-
lhas particulares,& mais modernas, obradas nas Religiofas,
referiremos também algumas , & feja a primeyra.
Padecia a Madre Sor Meda de Mello, Religiofa que
Tom. III. M 3 ainda
1 8 1 Santuário Mariano
ainda hoje exifte no mefmo Moíieyro, excedidas dores nas
faces , dentes , & queyxos em tempos dilatados , fem que os
remédios da medicina tiveíTem alguma efficacia , antes com
elles fe lhe aggravava mais a caufa; perõ fe lhe augmentavaô
mais perigofos fymptomas , fendo a principal hua intercadê-
cianarefpiraçaõ,columna em que fe fuftenta o edifício da
vida. Mas o que a feiencia humana nsôconfeguio com re-
petidas diligencias , alcançou em hum fóinftante a fé com
fuás induflrias. Applicou às partes offendidas o azeite da a-
lampadada Senhora, & logo no mefmo ponto, fem interpo-
lação alguma de tempo , fe vio livre da a ffliçaõ que fentia,&
muyto obrigada àquella Emperatriz foberana. A Madre Sor
Maria das Chagas^ & Maria de Saô Boaventura,que hoje vi*
Vem, experimentarão o mefmo beneficio em o próprio acha-
que , & com femelhante remédio- Etudo iílo foy antes do
annode 1699. f
Por tempo de cinco mezesfentia Sor Therefa Leyte,
Freyra do mefmo Mofteyro, rigorofas confequencias de
huma maligna. Naõ podia levantarfe, nem moverfe; porque
a enfermidade lhe tinha encolhidos os nervos,&huma febre
continua diíípadas todas as forças. Mas de que fervem à
morte eflas difpoíiçõcs, com que pertende introduzirfe,
quando temos da noífa parte aMãydo Author da vida? Da
fua a experimentou efla Religiofa com grandes evidencias;
porque logo confeguio as melhoras defejadas , apenas im-
plorou o feu auxilio, & fe ungio com o milagroío oleo.Com
efie mefmo remédio fe vio livre de vários accidentes a Ma-
dre Sor Antónia de Belém, & com indícios claros de maravi-
lha , aflim no effeito , como na prefleza do refugio- O mef-
mo teve em huma cólica terrível a Madre Sor Maria Bautif-
ta,&emhuma erifipela no rollo a Madre Sor Maria Jofefa.
Em huma maligna arrifeada experimentou os favores defla
Soberana Rainha, a Madre Sor Maria Clara, & a Madre Sor
Urfula Maria cm huma nafeida junto aos olhos , a qual ja
lhe
Livro II. Titulo IX. 1 83
lhe impedia o exercido, & movimento de hum , & alcançou
o favor com tanta promptidaõ , qur porviothe de noy te o a-
zeite miraculofo, pela manhãa efUva l.vrcde toda nmo-
kflia De humafem comparação mais perigofa, pois era tuim
accídente daquellcs , que privaô ao corpo das acções de vi-
vente, foy HvreSorTherefadaTrindade,noviça,fócomo
tácito do veflido da Rainha dos Anjos.
Naõ experimentão fó as Religiofas daquelíe Convento
as mifericordias deita piedofa Miv dos peccadoresjtambeni
os de fora, que em feus apertos , <k ncecífidides imploro o
feu favor, reconhecem os cffeiros da fua clemência* O Dou-
tor Domingos Pimentel os experimentou em duasgrandes
enfermidâdes,que fem duvida lhe tiraria© a vida,feo manto
da Senhora naõ o defendera das terribilidades da morte. A
mefma protecção reconhecco,& venerou D. Anna deMiran-
da,a qual de longe vcyo a efle Moftejiro fatisfazer feu voto,
publicando o beneficio, queaMãy deDcoslhe difpenfára,
pelas vozes de hum Pregador no púlpito do mefmoTemplo.
Dona Anna de Caflro de Moraes , da Torre de Moncorvo,
também fe valeo do manto defla Sacratifíima Imagem,& com
clle fe vio conhecidamente livre da morte , a qual de hum ja-
ík> pertendia cor tar duas vidas, a fua , & a de huma criança,
que logo deu à luz, izenta de todo o perigo. Seouvefíemos
de referir milagres , & maravilhas defla Senhora, feriaõ ne-
ceiTarios muy tos livros; mas quem os quizer ler, veja ao Pa-
dre MeftrcFrey Fernando da Soledade, na fua 5. pare. da
Hiftoria Seraphica , lib. 2 . cap.20. & fequentibus, que nclles
achará muy to em que porta louvar o maternal amor defla a-
morofa ProtedtoranoíTa.
Quanto à origem defla Sagrada Imagem naõ fe fabe di-
zer , em que tempo vcyo àquella Caía, o certo he,que he an -
tiquiífima. Dizem as Religiofas por tradição , que fera mila-
grofa a fua vinda. E contaõ que huma mula cega a conduzi-
ra, & de fapparecéra, depois defer aliviada daquella carga
M 4 fobe*
184 Santuário Mariano
foberana ; com tudo, como iilo hehuma tradição confufaj
naõ tem mais fundamento que o diz< rfe , que affim fuccedé-
ra. E também dizem , que viera depois que as Religiofas po-
voarão aquella Cafa.E quanto a mim, eu diíTera,que efta San-
tiflima Imagem era a mefma que começou a fer venerada na-
quellafua primeyra Ermida , que os RcligiofosTerceyros
pedirão aos do governo de Cernancelhe , que elles } difpon-
do-o affim Deos,lhc naõ quizeraõ conceder com a total pro •
priedade ; porque tinha deftinado aquella Cafa para domici-
lio das fuás Efpofas, & affim a habitarão de empreftimo, até
que o Senhor difpoz íe perpetuaíTem neila aquellas fuás de-
votas Efpo fas.
Ecomo naõ fe faça mençaõ de outra Imagem antiga > &
da que começou a fer venerada naquella primevra Ermida,
me perfuado que efta mefma Imagem mi!agrofa,he a que nos
princípios, em que naquelle lugar entrarão os Padres Ter-
ceyros , era a que obrava as maravilhas. Também crcyo que
o Senhor a manifeítaria naquelle lugar per algum modo
muy to maravilhoío, que o defeuido dos homens nos deyxcu
oceulto j & que os da Villa de Cernancelhe fora õ os que pri-
meyro concorrerão ao feu apprccimento, & por iíToo Con-
celho, ou o Senado da mefma Villa ficou com o padroado., &
fenhorio da fuaCafa , poiselles foraõ aquém primeyro fe
pedio para fundação de Convento- E a mefma milagrofa
Im gemnafua antiguidade eiiá mofírando, que.fcria das
que os Chriíiaos efeondéraõ , pelo temor de que os Mouros
anaõoffendeííem , & profanaífcm.
He cila Santiflima Imagem muy to linda , he de efcultu-
ra lavrada em pedra , a fua cfhtura he de quaíi cinco paímos,
& moflra defeançado fobre o braço efquerdo ao Menino
Deos,fruto iacrofanto do feu puriílimo ventre, As roupas
daefcuitura eftaõ pintadas de verde matizadas de eftrcllas de
ouro, fendo que tilas naõ íe divifaõ ; porque as Religiofas a
tcjnfèmprecuberta, & adornada com veíliduras de varias
telas,
Livro II. Titulo X. \tj
tetas , & fedas preciofas. Também tenho por grande mercê,
& favor da Virgem Senhora da Ribeyra, as virtudes admi-
ráveis em que refplandecéraõ aquellas Rcligiofas;de muytas
fe referem grandes coufas/empre foraõ muyto dadas á ora-
ção, & contemplação , &à frequência dos Sacramentos, às
penitencias , & mortificações. A caridade para com os po-
bres, & neceffitados, finalmente o ferem aquellas Rcligiofas
todas hus Anjos, lhes procede de ferem íubditas^& filhas da-
quella Senhora , que o he verdadey ramente de todos os que
com ella reynão em o Ceo > & nos aíliítem , & defendem cá
em a terra. Da Senhora daRibeyra efereveo Padre Mefirc
Fr. Manoel daEfperança naHiftoria Seraphica part«2.1iv.
io.cap.2©. Jorge Cardofo no feu Agiologio tom. i .pag. i z6.
& ultimamente o Padre Meflre Frey Fernando da Soíedade
na 3. part. da melma Hiftoria Seraphica liv. 2. cap. 1 8. 6c fe-
quentibus.
TITULO X.
Da Inagemde TSL> Senhora das Candéas do lugar de Avoins*
MEya legoa da Cidade de Lamego fe vé a Freguefia, ou
lugar de Avoins, cujos frutos pertencem àthefoura-
na mór da fua Cathedral. Junto dcfla Parochia fe vé hua Er-
mida, cm que he venerada hm devota Imagem de N. Senhora
com o titulo das Candéas , cuja origem he, que alli perto sp-
parecéra entre duas penhas, aondr fe deve ter por infallivel
aefconderiaôosChriílãos, quando fugiaõ aos Mouros co-
mo o fi2craõ có aJSenhora da Lapa,& a de Qmntella.O modo
como fe manifeftou , ja hoje fe ignora , & tambem o tempo,
que como fenaõ fazem memorias delias coufas, & a genrede
íihefingela , & tem pouca curiofidade, tudo fica em efque-
cimento > bem pode fçr ic manifeftaffç com algua maravilha.
He
i %6 Santuário Mar iam
He efta Santa Imagem muyto milagrefa, & aflimfaõ muytos;
& notáveis os prodígios que tem obrado , & continuamente
obra em rodos aquclles , que fe valem da fua poderofa in-
ttTceíTaõ,& patrocínio, comooteíkmunhaoos finaes , 6c
memorias deitas maravilhas, que íe vem pender das paredes
da fua Gafa* A eftatura defla Santa Imagem he muyto pe-
quena, porque naõ tem mais que dous palmos. He de verti-
dos, & de roca; tem em feus braços ao Menino Jcfus. Ainda
que he taõ pequena, he muyto linda. Eftá col locada no Altar
morda me /ma Ermida , que he de baílante capacidade, & ar-
chiteíhira , a qual foy ja reedificada duas vezes , em que de*
nota a íua muy ta antiguidade. Hoje fe vé muyto bem orna-
da , & azulejada ; porque com as efmolas que os fieis offere-
cem , fe vay cada vez mais augmentando , & ornando , aflim
cm peíTas,comoem ornametos.He annexa efta Ermida da Sc •
nhora à Parochia de Avoins. Efta relação nos deu o Dou-
tor Bertholameu Martinello, Pregador Miffionario Apofto-
licodaqucllas partes.
TITULO XI.
Da milagrofa Imagem de N. Senhora dos Remédios dos
Villares , CêtiVento da Ordem Terceyra.
O Quanto Maria Santiflima feja todo o noffò remédio , o
confefía, & reconhece a nolía experiência; porque naõ
ha neceffidade , trabalho , affliçaô , ou enfermidade , em que
recorrendo os peccadores aefla piedofa Mãy,& clementiffi-
ma Senhora , a não achem propicia. O íeu nome invoca-
do baíWcomo diz Pelbarto)para farar todas as noífas enfer-
midades, naõ fó efpirituaes,mas corporaes: SicutCknttu*
au' m cP#*t$M vnlneribus fuis contulit plenè remedia mundo, italiea-
M M. t$Maytf&° juo JantfiJimQ nomine^uod qumque lueris con-
Jlat,
Livro II. Titulo XI. i %?
fiât , confcrt quottdie ventam peccatortbm- E bafla a invoca-
ção donome íantiffimo de Maria: MARliJinomen, para
confeguirmos todos os remédios. Das letras do feu nome
fe compõem huma oraçaõ , que nos declara claramente eíla
verdade: Maria AdVocata Remedia Impetra? o4j£W. Maria
Advogada noffa alcâca os remédios a todos os enfermos. He
eíia Santiffima Senhora(como diz Santo Antonino) a nuiiher Ant, té
de quem declara o Efpinto Santo , quefema fuaaíTUiencia, pjit. g.
naô tem confolaçaõ o cnfcrmoiU bt non ett multer ,mgemi[at cap. 3,
ager. He a Piícina medicinal de Hierufalem,(ccmo diz Ray-
mundo Jordaõ) aonde deceo o Anjo do grande Confelho
Ch riflo Jefus,que movendo» a, foy, he, & ferá faude a todos
os que entrarem fiados nas aguas de fua piedade, & clemên-
cia : Sanabatur à quacumque detimbatur infirnutatc Tudo 1
iílofe experimenta na Caía da Senhora dos Remédios dos £^?-
Vilíares,como oaprcgoaõ, &confeffaõ todos os que a in- J'r '
vocaõ.
O Convento da Terceyra Ordem do Seráfico Saô Fran-
cifeo dos Villares,(que fica hum quarto de legoa da Villa de
Marialva, Comarca de Pinhel, emoBifpadodcLamego)dif-
ta oito legoas da Cidade da Guarda > & da de Lamego dez,&
o fer a terra muy to montuofa } & afpera , faz que ainda as le-
goas pareçaõ mais, & mais dilatadas.Neíte Convento fe lan-
çoua primcyra pedra em o anno de 1447. & nomefmoanno
cm 29. de Junho, dia dos Príncipes dos Apofiolos Saõ Pe-
dro, &Saõ Paulo, fe cantou a primeyra Miíía. Dahiamuy-
tos annos,fcndo Arcebifpo de Lisboa o Illufirifíimo Senhor
Dom Miguel de Caflro, (que mor reo no anno de 1 585.) ten-
do por feu Confcflbr ao Padre Frey Francifcoda'Cunha,Rc-
ligiofo da Província da Terceyra Ordeno, peffoamuytoau-
thorizada,& de quem oArcebifpo fazia grande eilimaçaô ; a
efiePadredeuo Arcebifpo huma perfeitiflima imagem, & de
tsb rara fermofura , que a todos põem cm admiração \ ôc naõ
cabia de gozo o Padre Frey Francifco com a poífe dcíla pre*
ciofa
i88 Santuário Mariano
Giofa joya , & deliberando aonde a colioearia, ferefolveo fa-
zeiio na Caía dos Villares , aonde tinha particular de vocaõ,
ou porque nefta Cafa feria noviço , ou feria a da fua primey-
raPrelaíia. ParaeftaCafa a mandou, & ainda quando o fez,
naõtinhaefta Santa Imagem invocação efpecial.
Chegou a Santa Imagem ao Convento dos Vil* ares , &
fendo colíocada \ fe começou a genre a mover em fervorofa
devoção, & a Senhora a obrar milagres,& maravilhas tantas,
&taõ admiráveis, que de todos aquelles arredores concor-
ria innumeravel povo a feneralla, &invocando-a em fuás
enfermidades , trabalhos , penas , & afflições , logo achsvaõ
prompto , & certo o remédio ; & era ifto taõ certo , que da-
qui rcfultou o titulo , que fc impoz à Senhora , & comelle
a começarão a invocar , Nofíà Senhora dos Remédios, não fó
por toda aquella Comarca , mas por toda a Bcyra. Em todo o
tempo do anno concorre muyta gente a bufear aeflamila-
grofa Senhora , & principalmente nos dias de fuás fefiivi^
dades-
A fefta ,& folemnidade principal da Senhora, he no dia
da fua Natividade. Eftá collocada em huma Capella particu-
lar,que he acollatcral da parte do Evangelho, &eftá com
muy to grande veneração em hum nicho de vidraças. He cf-
ta Santa Imagem de vertidos , & corpo de roca ; a proporção
he do tamanho do natural , & reprefenta huma perfey tiflima
mulher, com mageftade de Rainha toda foberana. Eftá com
os braços eftendidos 7 como quem eftá chamando a todos pa-
ra que cheguem,& íe valhão da fua piedade, & clemencia,of-
fereccnddhesfer remédio em todos os feus trabalhos , ali-
vio, & confolaçaõ em fuás penas, & faude inteira em fuás en-
fermidades, & affim faõ muytas as memorias de quadros,
mortalhas , cabeças , braços de cera , & outras coufas feme-
Ihantes. As eímolas , & oíFertas que levaô à Senhora faõ tan-
tas, que baftaõ para fuftento dos feus Capeliães. Saõ também
muytas as Miíías cantadas , & ha dia em que fecantaõtres.
Conf-
/
Livro II. Titulo XII. ;%
ConflaS eflas coufas de hum livro de memorias , que fe con-,
ferva no mefmo Convento dos Villares.
TITULO XII.
Da milagrofa Imagem de ZV. Senhora de Sacaparte.
EM o Bifpado de Lamego , fobre Riba Coa , eírá a Ermi-
da , & Santuário de noíía Senhora de Sacaparte 3 íitua-
da meya legoa da Villa de Alfayates ;&cmo feu limite , en-
tre eílaVilla,& a aldeã da Ponte,& perto da Villa do Sabugal,
fituada cm hum campo aonde não ha mais que a Cafa da Se-
nhora., a do Ermitão, & as cafas de romagem. A origem def-
ta Santa Imagem fegundo a tradição; porque ainda que que-
rem afirmar os daquella terra , que eira fe ache nas hiftorias
antigas deíle Reyno , nem fabem dizer em que tempo foy,&
com que Rey. Dizem que tendo batalha hum Rey de Portu-
gal com outro de Caftella , no mefmo lugar, em q hoje fe vé
a Ermida ; vendofe o Rey Portuguez ao pór do Sol em gran-
de aperto, começara a dizer: Virgem fácanos a boa psrre;&
que logo affim fuecedéra , ficando com toda a fua gentç para
a parte da fua terra ,& que em gratificação do beneficio lhe
mandara o tal Rey edificar aquella Cafa , & lhe dera a invoca-
ção de noíTa Senhora de Sacouaparte,ou de Sacaparte, como
agora lhe chamão.O Padre Vaícôcellos na fua Defcripçaõ faz
efie Santuário muy to antigo ; porque diz q quando os Mou-
ros foraõ lançados daquellas terras, era ennobrecida cfta
Cafa da Senhora com milagres , & maravilhas , & a Senhora
venerada de todos os fieis-
Nas nofTas Hiftorias Portuguezas naõ ha noticia de
batalha alguma entre os Reys de Portugal ,& Caflella (ou
Leaõ)emaque!!e lugar, ^afíim parece, que eíie fucceíTb
que refere a tradiçaõ/hehuma batalha que deu Dom Álvaro
Nunes
190 Santuário Mariano
Nunes de Lara, que foy nefla ferroa. Eítava defa vindo Dom
Álvaro Nunes de Lara, Senhor naquelles tempos podero-
fc , & de muy tos vaífoUos , com ElRey Dom Sancho o Bra-
vo, filho de Dom AfFonfo chamado o Sábio. A caufadeík
quebra , Sr cahida da grsça daquelle Rey , era por lhe cercar
afeupay Domjoaõ Nunes de Lara na Cidade de Albarra-
zin,dousannosantes,comofavor delRey Dom Pedro de A-
ragaõ, que ganhando a Cidade, a deu a feu filho Dom Fer-
nando , defapoílando delia a D. Joaõ Nunes de Lara., a quem
pertencia. Eftaoccafiaõ de quebra , com outras que ja tinhaõ
os Laras , quando intentarão encontrar naquelía Cidade as
couíasdelRey Dom Sancho, acoftadosa ElRey de Navarra,
com o favor do de França , foy a que trouxe a Dom Álvaro a
Portugal, que era naquelie tempo o valhacouto dos defeon-
tentesdeCaftella. Entendia Dom Álvaro que o mayor pa-
drinho de fua reconciliação com ElRey, havia de fer o defaf-
fofego em que o trazia, & como era orgulhofo, & de grande
cfpirito , & por tal conhecido em ambos os Rey nos, convo-
cando gentes , & amigos de hum , & outro , começou a fa-
zer guerra nas fronteyras de Caftella , pela parte de Riba
Coa ,em que ouve grandes roubos, & deífruições , fem que
onoíToReyDomDinis (em cujo tempo ifto íuecedeo) lhe
pudeífe ir àmaõ, nem atalhar asdemaíias defiehofpede. E
fe entende que era aífiílido, & ajudado do Infante Dom Af-
fonfo Irmão delRey Dom Dinis , como fe colhe do Conde
D.Pedro no titulo 65. em eftas palavras : E ofobredtto Fer-
não Soares, & Sentd Soares (craõ eíles fidalgos filhos de Su-
cyro Gonçalves de Barrundo, & vinhac em companhia do
Lara) Irmãos de Tayo Soares Mordomo mor do Infante Dom
dffonJQ , morrerão na lide de Alfayates , quando lidou D. Jl-
Varo Imunes de Lara com os Concelhos dl toda aterra , fendo
tiles- j> ffilhs de "Dom Álvaro. Ainda que nos manuíeriptos
da Torredo Tombo fediz 3 que eiialide foy em Alfaraòs,
entendefe fer erro do eícrivaõ, porque de outros exempla-
res fe vè Alfayates» Corri
Livro II. Titulo XII. r 9 %
Com que dahiltoria da lide , naõ confta nada , que to*
que à origem da Senhora ; porque eila foy no tempo de!Rev
Dom Dinis ,& a Senhora he muyto mais antiga, Poderiaõ
cm algum recontro deiksdoLarajacharemfe os nato raes de
Alfavatcs em grande aperto ,&valercmfe do patrocínio da
Senhora ,invocando-aem feu favor, para que cila os livr^f-
fe , & puzeífe em boa parte. E deíle milagre , que podia fer
muy t< > grande , a começariaõ 9 invocar com o titulo que hoje
tem,deyxadooque antigamente tinha ., como o vemos na
Senhora do Incenfo.
Adminiftra-fe efla Igreja pela Camera de Alfayates,
a quem pertence o nomear ErmitaõA Mordomo,quc com os
officiaes íahe em pelouro- No alto do retabolo le vem as Ar-
mas Reaes de Portugal , em que fe vé, deviaò os Re vs (pelas
maravilhas que Deos obrava pela invocação daquella Ima-
gem de foaSantiflima Mãy , & continuamente obra) man-
darlho fazer. A Igreja he muyto grande , & capaz dos con-
curiós , que fempre alli ha. Dentro nella tem hum fermofo
poço , cuja agua faz grandes milagres nos enfermos , par-
ticularmente de cezoens , & mileitas. O fitio he agradável,
& hc hum valle muyto grande, & aprazível , com huma fon-
te>ík tanque, TemHofpital,oucafasderomagem,capazde
muy ta gente. Nos Sabbados da Quarefma he grande o con-
curfo de povo , & cm todos ha Sermão , & concorrem nef-
tes dias as Viiías de Sabugal, Villar Mayor , & Caítello
Mendo, Cifteilo Bom, & outras, & ainda de Caftelia vem
de muy tas Viiías, & lugares a venerar a eila SantiíE ma Ima-
gem.
Na primeyra, & fegunda Olfavs da Pafcoa, tnrnaõ
osmeímos povos em romaria à Senhora , & pelo Efpirito
Santo vem todo o termo dcCafteJIo Mcndr. ecr; a me ima
Vilía , com cirio levantado , & muyta gente de ca-slío, bem
luzida, que fellejaô ao redor da Cala da Senhora. De cada lu-
gar do dito terap vem hum homem nu da cintura pata ci-
ma
1 9 1 Santuário Mariano
rm,&dcfcalçocomhuma tocha grande, &o daVilfa com
ventages; por todas faõ vinte, quecoftumão pezar cento
& trinta arráteis , huns annos por outros. Efta devoção di-
zem tivera principio de haver naquella terra hum monf-
tro, ou hu animal que dcftruhia os campos,& ornava agen-
te, & que para fe livrarem defte trabalho, fizeraõ voto à Se-
nhora de ir naquella forma à fua Cafa , cada anno, no dia re-
ferido , com que feviraõ livres. Eapregoaõ, que faltando
hum anno nefta devoção , fe viraõ outra vez perfeguidos da
fera, que feria a infernal. Cada anno fe fazem à Senhora três
feyras, nas feitas principaes , a faber ,na da Annunciaçaõ,
Afíumpçaô, & Natividade. Obraefta Senhora muytas mara-
vilhas , & milagres,& os fez em alguns navegantes, feus na-
turaes , que em perigofas tormentas implorarão o feu fa-
vor , que acháraõ promptiflimo , & afíim em agradecimento
indo viíi tara Senhora, lhe offerecéraõ alguas peças, &vef-
tidos ricos. A Imagem da Senhora he de efeultura de ma-
deyra ,& terá de eftatura cinco palmos. Da Senhora de Sa-
caparte eferevem o Padre Vafconcellos na fua Defcripçaõ do
Reyno de Portugal pag. 539. num> 1 6. & a Monarchia Lufi*
tanapart.5.1iv. 16. cap.51.
TITULO XIII.
*Da Imagem de nojfa Senhora das Amoras*
NO lugar de Oliveira do Arda Freguefía de Saõ Joaõ de
Rayva, diftante da Cidade de Lamego 9. legoas, & do
rio Douro coufa de hum tiro de mofquete , fevé o Santuá-
rio de noffa Senhora das Amoras, titulo notável , &muyto
mais pela maraviihofa circunftancia com que foy ímpofio à
mifencordiofa Mãy dos peccadores. Nefta Cafa fe venera
huma milageofa Imagem da Rainha dos Anjos , que appare-
ceo
Livra II. Tttulo XIII. 193
eco em aquclle lugar , ha muyto mais de duzentos annos, a:
onde chamaô a Portélla.
A origem deita Santa Imagem, & feumilagrofoappa-
recimento fe refere por tradição , que fe conferva entre a-
auelles moradores, &vizinh:>s da Senhora; mas o tempo,
nem o anno certo , em que appareceo , le nao fabe. Neite re-
ferido lugar , cm que hoje fe vé a Ermida da Senhora , havia
naquelles tempos algumas fovereiras. No tronco de huma
deítas,(que eftava carregada de amoras em lugar de Landes,
& deite prodígio tomáraó occafiaõ osprimcyros, para im-
porem à Senhora o titulo , & nome das Amoras ) appareceo
cila Santa Imagem a hum lavrador , feliz verdadeyramente,
por deícubrir taõ preciofo thefouro- Naó fe refere o nome
do lavrador; porque fempre entre os Portuguezcs ouve
pouca curioíidadc em fazer memoria de coufas grandes.
Masconíta parte do fuccelTo ,& de que era lavrador aquelle,
a quem a Senhora apparcceo,de hum livro de Confrana,tey-
to ha mais de duzentos annos, que naó he pouco exiítir ain-
da neíic tempo. . . , ,
Alegre o lavrador com a fua boa fortuna , foy logo dac
parte ao feu lugar, de donde concorreo toda a gentc,& Clé-
rigos delle , & todos alegres leváraó a Imagem da Senhora
emprociíTaõpara a fua Parochia de Saó Joaóda Rayva.quc
he Igreja do Padroado Real. Nodiaíeguinte indo todos a
viíitar a Senhora , a acháraó menos , «t bufeando a a vierao
defeubrir em o mcfmo lugar , «t na mefma fovercira, cm que
fe manifeftou. Intentarão cortalla , para que aquelle melmo
tronco pudefle na Igreja fervirlhe de tabernáculo preciolo,
pois molhava eítar pa^a delle ; para cite eífeito tomou hum
daquclles homens , que concorrerão , hum machado , & que -
rendo cortar a arvore , a Senhora o naó permutio , antes ao
prime vro golpe fe ferio em huma perna- Atemorizados en-
tão deite íueceflo , fe fufpendeo o corte, & reconhecerão,
que a Senhora naó fó naó queria que a arvore íccortafle;
Tom. IH. N ma§
i#4 Santuário Mariano
mas queria nella mefma fcr venerada.
AVifta deitas maravilhas, todos aíTentáraõ, que na-
quelle mefmo lugar fe lhe edificaífe huma Ermida pequena,
porem tanto; mas fizeraõ-na afafrada alguma coufa da ar-
vore , porque ainda lhe ficou fervindo de trono , em quanto
a obra da Ermida continuava. Feita a Ermida , & levantado
nella hum Altar,collocáraõ nelle a Senhora,q ao outro dia fe
achou outra vez na fua arvore. Com eítas maravilhas fe de-
raõ enraõ por entendidos, de que a Senhora naõ queria dey*
xar aquella arvore , que podia bem fer ouveífe muy tos annos
a tiveífe recolhido em (I ; que até para com as arvores que a
abrigaõ , & amparaõ da malignidade dos homens , fe moítra
eíta Senhora agradecida.
Enfinados aquelles homes de que a arvore havia de per*
rmnecer naquelle lugar, como trono , & peanha da Senhora*
difpuzerao a fabrica de outra mayor Igreja , accemodandoa
primeyra Ermida em Ca pella mor , & veyo a ficar a fovereira
ern hum dos Altares cotlateraes, & do tronco delia fe difpoz
trono , cm que a Senhora permaneceífe , & tanto que iíto af*
fim fe diípoz,iogoa Senhora ficou fatisfeyta, porque naõfu-
giomais. Serrarão a arvore ,& acompuzeraõ na forma em
que hoje fe vé. Depois que a collocáraõ naquelle lugar, co-
meçarão a crefcer em mayor numero as maravilhas ; porque
naõ havia cego, nem aleijado , furdo , & mudo que naõaco-
riiíleà Senhora, & todos fahiaõ remediados daquella pifeina.
Fcílejaõ a cila mtfericorqiofa Senhora no dia de feu
Nafcimcnto, emryto de Setembro í &ncflç dia , & na íua
yefpora concorre de todos aquelles redores innumeravel
geme , & toda a invoca com o titulo das Amoras j denomina-
ção que fe lhe deu das que milagrofamemc fe viraõ na fove-
*t ira, fruto produzido contra a fua natureza. A multidão de
memorias , & pinturas que pendem das paredes daquelle
Santuário ,eftaõ publicando a grandeza das maravilhas, que-
ria Senhora obra a favor dos quç em fuás nccvffidadesim-
I
livro 77. Tituk XI 11. i <> y
pforaõ o feu auxilio : & também a feítejaõ no dia de fua An-
niínciaçnõ a 25. deMirço.
Hum milagre fomente referirey quefuccèdeonefia for-
ma. Huma muda de fr u nafeimento veyo a fazer h uma no-
vena a N. Senhora , & a pedirlhe (em os princip /os, que elía
fc manifefiou)Ihe deííe falia. No primerro dia tomou a a!am-
pada da Senhora , & a foy arear, & lavar em huma fonte, que
allicflá perto , & porque entaõ havia muyta iUta deazeyte,
4 accendeo com agua , & com ella ardeo todos os dias da no-
vena,& no fim delia lhe deu a Senhora a falia, que lhe pedia:
de que deraõ todos muy tas graças à Senhora. He eíla San-
ta Imagem pequenina , porque naõ paíTa de dons palmos. He
formada em pedra de ançãa , mas muy to linda , & aílim ca ufa
muyta devoção. A fua Ermida he muyto perfeyta , & tem
muyto ricas peíTas , & muyto bons ornamentos. Tem hum
da China , que da Indialhe mandou hum feu devoto, natura!
<lomefmolugardc Oliveira, em acçaô de graças pelo livrar
de huma grande tempeítade , em que fe vio fumergido, Sc os
que o acompanhavaõ ,coma mefma náo, o qual invocando fc
Senhora das Amoras da fua terra, lhe appareceo, foffegou os
mares , & o trouxe a falvamento.
Ourro milagre me refere em fua relação o Reverenda
FranciTcoRibeyrodeSáj que fuecedéra noanno de 1699.
cm oy to de Setembro, & foy , que vindo huma mulher cafada
cm romaria à Senhora } com outra muyta gente (porque nefte
dia he muyto grande o concurfo) em hum barco , & que ca-
hindolhe das mãos huma criança de poucos mezes em o rio
Douro, junto da ribeyra das Fontaínhas , à vilta deíla def-
graça amãytodi afflida chamou por N. Senhora- Naõ fc
defcuydou a Senhora em lhe valer ; porque a criança paífan-
do por debayxo do barco fahio pela parte da terra,donde a ti-
rarão livre, & fem moleflia alguma.
N 2 TITULA
J p 6 Santuário' Mariant
TITULO XIV.
2)4 Imagem de nqffa Senhora da Confolaçaõ da VHU de
Jlfayates*
SAm Pedro Damiaõ chama a Maria Santiíííma , vara de
confolaçaõ,alIudindoaolugardoPfaImo22.^íVg<i'tt0#
& baculm ,&c. A vara , que hc a Virgem Maria, ôtobor-
daõ,que he a Cruz^me con!oláraô;porque aonde eflá Maria,
& a Cruz , ou a pena , & a defconfolaçaõ, a amargura fie con-
verte em doçura>& a affiiçaõ cm cõfolaçaõ , a guerra cm paz,
JS.Boav. & a pena em gloria. Saõ Boaventura lhe chama, feguriffimo
S.Joao rCfugi° de todos os affiigtdos: & Saô Joaõ Damafcenoa fau-
Pét». da por único alivio de todas as molcífias , medicamento de
todas as dores, que afliíkm nos corações humanos: AyturÀ-
cum moljliarum leVamen, aut omnium dohrutn cordium me-
dtcamentum. A todos ampara, confola,& cobre cem ofeu
. manto efía grande Senhora > que por ifíb he o manto do Sol,
y*tA ' como a vio Saò Joaõ: Kfulier amtíia Sole, cuberta com o Sol,
para moftrar auniverfalidadedefeufavor,&protecçaô;por-
que affimcomooSoI a todos chega , a todos alegra j &2té
nas entranhas da terra cria o ouro; aííim Mana Santiffimaa
Jfnlfjf. todos alegra , & favorece com o calor da lua protecção *. Et
?*• non e/f qtáft abfcondat a calort ejns.
No termo da Villa de Alfayates ha huma Ermida , de-
dicada anoíía Senhora dtbayxo da invocação da Ccnfola*
$aõ; aonde fe venera huma Imagem deita Senhora muyto
milagrofa > & he efíc o Santuário de mayor frequência da-
cjuellas partes. E procurando cu a origem,& princípios dei-
ta Santa Imagem , fe me refeno o que confia de antigas tra-
dições, as quacsfç tem por certas, & averiguadas, o que h«
neitamancyra.
Vinda
I
Livro II. Titulo XIV. 197
Vindo em huma occaílaôhua Maria Fernandes, mulher
de Joaõ Calvo , moradores q foraõ no lugar da aldeã da Pon •
te da.Cidade de Salamanca , com hum filho eítudante, q tra-
zia doente , & vendoíe eíle muy to affhcto com huma gran-
de fede , ou foífe naíeida do trabalho do caminho , ou de af-
guma febre , que ainda traria , fentida a máy de não podec
remediar ao filho naquella fua neceíli iade , com grande def-
confolaçaõ , & anciã começou a invocar o favor de noíTa Se-
nhora, & diíTc com grande affedo; & movida também da fua
anguftia: Virgem da Confolaçaõ acudimeneíta minha pena,
êcdayme agua para remediar a eíte filho- Neíia fuaaffliçaà
lhe appareceo N. Senhora ; que naõ íabe efla mifericordiofa
Mãy do melhor Filho faltar aos que com neceífidade a in va-
ca©, & chamão* Confolou- a , & diíTelhe que fe naõ defani*
mafle, & que alli tinha agua- & apontandolhe para huma pe-
dra que efíavaalli perto, lhe mandou quefofíelá,&quea«;
charia agua.
Com efta mercé da Senhora , & advertência , fe chegou
para o lugar , que lhe apontara , & achou agua baílante, que
perfeverou depois em hum poço,q até ao prefente dura com
abundância de agua, que naõ he muyto alto- Satisfeyta a ne-
ceffidade do doente , mandou a Senhora à mãy que naquellc
lugar lhe fizeííe edificar huma Ermida. Naõ duvidou aven-
turo ia Maria Fernandes, de dar à execução o manda to da
Senhora ; porque logo tratou de que fe puzeíTem as mãos à
obra, confiada em que a mefma Senhora, que a mandava, lhe
havia de acudir. E quando lhe faltavão ascoufasneceífarias
para o fuftento dos officiaes, duvidando de poder ir adiante,
lhe appareceo a Senhora,(o que fuecedeo alguas vezes,) & a
animou a que profeguiííe , porque nada lhe faltaria. Eaífim
foy ; porque quando à rtoyte fe via fem remédio para lhes a-
cudir, achava pela manhãa as arcas cheas de paõ para os fuf-
tentar.com o mais que era neceffario.E sílim fe acabou a obra
da Ermida , & fe poz eiji toda a perfey çaã«
i$>8 Santuário Mariana
Mandou a mefma Maria Fernandes fazer a ImageroJ
que collocou na Ermida , & feria fem duvida na mefma for-
ma, em que a Senhora lhe appareceo, & tanto fe accendeo no
amor da Senhora , que toda a fua vida perfeverou em feu fer-
viço; fezeafa parafinem que viveíTe,& procurou augmentar
a da Senhora quanto lhe era poflivcl; porque acquirio algu-
mas fazendas , para que do rendimento delias fe affiiliíTe ao
feu cul to, & ferviço do feu Altar, 5c dizem que fó huma ren^
de cento & fcfTenta alquey res de paõ.
Depois de aífiitir muvtos annos a devota Maria Fer-
nandes em o ferviço de N. Senhora da Cõfolaçaõ, (^titulo im-
porto pela mcfma virtuofa mulher, pela confolar, &. pela ha-
ver inocado com efte titulo naangufíia,8c aperto em que
fe vio)faleceo)& lhe daria a Senhora o premio do fervor com
que a fervira .guiando a para a gloria, com que Dcos premea
os ferviços, q fe fazem a fua Santiffíma Mãy. Succedeo a fua
morte no anno de 15^0. &foy fcpultada naCapeíia morda
mefma Senhora ; que era bem que quem na vk a naô foube a-
partarfe da fuaviíla, na morte lhe pagaíTe a Sei hora com
diíporfelhedeíTeafepultura diante de fua SantiíTima Ima-
gem. E para que fe manifeíhífe a fua virtude, fuecedeo, que
morrendo hum Clérigo, que era Capellaôda Senhora 3imen-
táraõ íepultallo em o mefmo lugar^em que citava Maria Fer-
nandes; mas naõ o permittio Deos, porque por mais diligen-
cias, que fe fizeraõ,naõ fe pode abrir a fua fepultura. E
affim reconhecerão todos o muy to que Deos, & fua Santiffí-
ma Mãy a amavaõ , pois em abono de fua virtude obravaô
cíias maravilhas.
Quando morreo a Fundadora Maria Fernandes , dey-
xou em feu teílamento, que havendo Clérigo nos de fua fa-
mília , foífe elle o Capdlão, q afllíiifíe à Senhora; & que naõ
ohavendo, fe elegefíe por Ca pellão hum Sacerdote de boa
vida, 6c coftumes. Tem efta Cafa hum Adminifirador, & hu
Ermitão* para tercuydado do aceyo, & limpeza delia, além
do
Livro II. Ti tu/o XIV. ipp
do Capellão. A Igreja he grande, & fermofa , & tem três
Altares , ou Opellas , a mayor , & duas collateraes J & tem
muyto bons ornamentos, & tudo efta com muy to sceyo.
Efta Igreja da Senhora eflá fituada junto ao lugar de
Forcalhos , do mefmo termo da Villa de Alfayates ; & dizem
algumas pefíToas , que fica diftante da At rayade Caíklla hum
tirodeefpingãrda;& outros dizem que fica tanto na Arraya,
que ficando o corpo delia em Portugal, fica a Capella mór
nas terras de Efpanha. Concorrem a efte Santuário daSenho-
ra da Confolaçaõ muy tos círios , & Cruzes em os S^bbados
da Qoarefma > & pela feita do Efpirito Santo. A fua princi-
pal feita fe faz em dia de Saõ Marcos , & fera nefte dia, por-
que nellc devia de appareccr a Senhora â virtuofa Maria
Fernandes. E querem alguns foíTenoreynadodelRey Dom
Manoel.
A Imagem da Senhora da Confolaçaõ, hede efeultura
de madcyra,fem embargo de que a devoção dos que a fer-
vem , a tenha adornada de ricos veftidos. A devoção dos po-
vos para com efta Santiffima Imagem , he muyto grande,8ç
também faõ fem numero as maravilhas ,& os milagres que o-
bra,como o teftemunhão a multidão das mcmorias,& finaes,'
que fe vém pender na fua Capella mayor- Entre os mara vi-
lhofos fucceífos.que fe referem defta Senhora^e diz,que lo-
go depois das pazes com Caftelía,que fe celebrarão no anno
de 1 668. fe tratara de reedificar a Capella mor da Senhora,
que por velha fe havia arruinado, & que quando fora a fazer
oarcodella?tendoemhum diaafíentado algumas pedras de
huma , & outra parte , recolhendofe os officiaes à noy te para
fuás cafas,ou ao lugar aonde fe agafalhavaõ, fe ouvira hum
grande eftrondo,& que perfuadidos ellcs, (atemorizados do
eftrondo) que tudo viria ao chão, indo na manhãa feguinte
acháraõ o arco fechado perfeitifíimamente. Demonftraçaõ
verdadeyramente do muyto, que a Senhora eftimaaquella
íuaCafa.
N 4 Hum$
Iíõo Santuário Marim»
Huma mulher da Villa de Alpedrinha padecia huiíi
terríveis accidentes de gota coral , quemuyto a defeompu-
nhaô, &atormentavaô; afflidacom eflc trabalho ,acudioà
Senhora da Confolaçaõ, &foyella fervida de a livrar dei-
les , de tal forte , que nunca mais padeceo aquelle moleflo a-
ehaque , tm quanto viveo.
Sobreaadminiftraçaõ daquclle Santuário, que he d€
muyta utilidade por rendofa , tem havido muytasdeman-?
das entre os herdeyros , & defeendentes da Fundadora Ma-
ria Fermndes ,& muytos tem entrado fem direyto algum,
por muy to poderofos , a que os Senhores Bifpos de Lamego
devião acudir , para que aífim fe aífifrifTe à Senhora com mais
zelo,& menos ambição Na relação que fe nos deu defte San-,
fuariofe diz , que Antam Martins da aldeã da Ponte , fobri-
nho de outro Antaô Martins , que foy «Capellão da Senhora
da Confolaçaõ muytos annos, confervava alguns papeis ,&
memorias, por onde confiava o que aqui temos referido/o;
bre os princípios , & origem da Senhora.
TITULO XV-
5Dd Imagem de mjfa Senhora do Tranto das Cinco VWlas.
T Unto à Villa que chamão de Cinco Vilías de Reygada.cftá
J o Santuário de N. Senhora do Pranto^ em pouca diflan-
cia da Cafa de nofla Senhora do Pereiro , para a parte do rio
Coa. Heeíia Sagrada Imagem auiyto^intiga , & pormeyo
delia faz Deos a todos muytos milagres , & grandes benefí-
cios. E ainda que odcfcuydo , ou a ambição dos que lhe af-
/iflem, faz que as memorias, Scfinaes delks fenão perpe-
tuem, &confcrvem por niuyto tempo, ainda-affim vivem na
lembrança dos que os viraõ,& receberão, muytos dos favo-
f es <juc ha fcy to. He efta Cata da S.enhora do Pranto muyto
T 1 ftcque%
Livro II. Titulo ffi. ioí
frequentada dos Romeyros , que vem a dar as graças dos be^
neficios, & favores que por fua interccffaõ alcançarão, & al-
cançaôck noffa Senhora.
Referefe por conítante tradição , que a primeyra Cafa
da Senhora , que era antiquiflima , fe fundara junto ao rio
Coa, & que andando os tempos , foraõ as cheyas do inverno
comendo tanto a terra, que a Ermida começara afazer ruí-
na: ( ifto fe comprova cem os vefligios delia, que ainda hoje
fe vem emas margens do mefmorio Coa,) & que na occafião
da ruina , chegara hum homem natural , & morador da mef-
ma povoação de Cinco Vilías, ao mefmofítio, que vendo
a Senhora , temendo que a Ermida vicíTe toda â terra > que
íe abraçara com ella,& a levara até o lugar , aonde hoje fe vé
a fua Cafa, & em que hoje he venerada ,& que alli a deyxára*
' Pairados alguns dias,ou poucos dias,dcfcéra eíte mefmo ho-
mem ( que naõ lembra ja o como fe chamava) ao rio cm oc-
cafião que fazia huma grande tempeíiade, aonde Iheanoyte-
ceo, & fe efeureceo a noy te tanto,que elle fe perdeo fem po*
der acertar com o caminho, & como a terra por aquella par*
te hemuytofragofa,& tem muy tos precipícios^ naõ lhe era
poffivcl o fahir dellts , & poder recolherfe a fua cafa , por
fiaõ faber aonde efíavaj nem o como podia fahir do perigo de
fe defpenhar , & acabar alli miferavelmente , começou a dar
Vozes, & a chamar pela Senhora d© Pranto, pedindolhe, que
lhe valefíe,& acudiííe naquelfa grande aff]içaõ,em que fe via.
Nefle tempo lhe appareceo logo huma \hz do Ceo , que
• acompanhou , & guiou até chegar a fua cafa , & paliando
«fie venturofo homem por aquelleffitio aonde clle havia pof-
to a Santa Imagem daMãydeDcos, porellamefrralhefal-
lou , mandandoíhe , que alli naquelle lugar lhe edificafíc hu-
ma Cafa. Deufeohomem por obrigado (àvifía do grande
favor que a Senhora lhe fizera) a moftrar o leu agradecimen-
to , & tratou logo de mandar edificar a Ermida, que he a que
^ppreícmc cxiíte. E por fua mgr te dcyxou a Senhora, por
herdar-
ioi Santuário Mariano
herckyra de todos os feusbensj)& que eítesosadminiílraíTè
o feu parente mais chegado , como fuecedeo , & ainda hoje
anda â adminiftraçaõem feus defeendentes.
Heeíia Santa Imagem de efcultura , formada em pedra
mármore , &affim he muyto pezada ; porque hum homeni
mal a pode mover , ainda q não he mais q de três palmos.He
muyto devota }& caufa naquelie dolorofo paífo, em que ic vé
eom o Santiífimo Filho morto em feus braços, grande ma-
goa^ compunção em todos os que contempla© o fentimen-
to que reprefenta. Não confia do anno em que fuecedeo efta
maravilha , em que livrou aquelle homem do perigo de fc
precipitar no rio > nem o nome que elle tinha , & íó fc diz
fer efle fucceffo muyto antigo.
TITULO XVL
Da Imagem de N. Senhora do MoBeyro junto a Almeydal
SAm muy tos os Templos ,& Cafas de devoção que a Mãy
de Dcos tem com o titulo de Mofleyro ; final evidente
dos muytos , que antigamente ouve , & que o tempo extin-
guio, comohe em Caflello Novo, cm Arronches, no Crato,
& junto à Amieyra , junto a Scifmiro de Aguiar , & em ou-
tras muy tas partes , aonde fe vé o que o tempo deí]ruío;mas
naõ quiz Deos j que deftruindofe os Moíleyros , fe acabaíTe
nelles, &naquelles lugares o culto , & a veneração defua
Santiffíma Mãy , como foy também nefle de Almeyda ?dc
que agora tratamos. Diz a tradição daquelles moradores, &
daquelles povos , que o Santuário de noífa Senhora do Mof-
teyro;& a milagroía Imagem que nelle fe venera, fora anti-
gamente Convento dos Cavallcyros Templários; oque po-
de fer fem alguma duvida ; porque elles foraõ os Senhores
daqueilas terras, & tiveraõ por aqueiias partes muytos Con-
ventos,
Livro II. Titulo Wl. 103
Ventos, & Caftellos, donde fahi<õ a reprimir as entradas aos
Mouros. Depois na extinção defta ilíuftre ©rdem, ainda
que fc acabou o Convento, fempre perfeverou a Igreja, & fe
continuou a devoçaõ,que aquelles povos todos tinhaô a hu-
ma devota Imagem da Mãy de Deos , que nelle fe venerava.
Querem algus que efta Senhora fofíe ainda muyto mais
antiga que o Convento dos Templários, & que eftesfunda-
riaõ o feu Convento àfombra daquella milagrofa Senhora.
O nome, ou o titulo que antigamente tinha, (e naõ fabe;o do
Moftcyro acquirio por caufa dos RcIigiofos,qaili o funda-
rão dcbayxo^ da protecção da mefma Scnhora,dandclhe o ti-
tulo do Mofteyro , tal vez os que depois da íua extinção en^
tráraõ na póíTe daquelfas terras. Fica efte Santuário nos li*
mites , & termo da Villa de Almcy da.huma legoa diftante da
mefma Villa.
He efta Santa Imagem de efeultura , & formada em pc*
dra,& pelo que fe vé della,fc reconhece a fua muy ta antigun)
dade; mas perfeytiffimamente obrada ; a fuaeftatura faõcin-
co palmos. He muyto grande a devoção * que todos aqucJIcs
povos circumvizinhos tem com efta milagrofa Senhora ,&
aflim coftumaõ ir algumas vezes no anno unidos a fefte jal*
la,&entaõ levaõa^íuas offertas, &vaô a cumprir osfeus
votos. Ve-fc efta Cafa íituada em hum campo razo, frefeo,
& alegre
TITULO XVII.
Da Imtgem de nqffa Senhora do Amparo, ou dos Meninos*
HE Maria Santiífima a Mãy da vida , & a May de todos
os que vivemos nefte mi fera ve! mundo,cheyo de tan-
tas mortes , & de tantos perigos, quantos cada dia fe experi-
mentaõ;& como os infantes, & os meninos necefôtemde
hurra
104 Santuário Mariam
huma tal Mãy , naõ fabem confervar a vida fem o fcu amparo»
E a naõ terem hu Anjo de guarda, que os defenda dos infini-
tos laços, que o demónio lhes arma, para lhes tirar a vida,fo-
faõmuytososq acabarão às fuás mãos. Contra todos eftes
laços tem os meninos , & infantes a protecf aõ de Maria San-
tiffima,que he a Mãy da nofla vida , & de todos os que viveni,
€jmt. como diz Guarrico Abbade : Mater Ytt* , f na yfount uni»
ferm. u Verfi. Efta Senhora os defende , & ampara de todos os laços
& A{m com que o demónio os pertende privar da vida temporal , &
pmfu ajn(ja pafl^ra adiante , fe pudera-
Junto à nobre Cidade de Lamego, em o deftrito da Fre-,
gueíia da Sé , fe vé o Santuário da Senhora do Amparo , ou
dos Meninos, aonde fe venera com grande devoção de toda
aquella Cidade huma antiga Imagem da Mly de Deos , a
quem os feus prodígios deraõ o titulo de noffa Senhora dos
Meninos, por fer a protecçáõ,& o amparo de todos, livran-
do-os de todos os perigos, de que elles como meninos fe
nãofabem livrar. Fica efta Cafa, fcErmida da Senhora fitua-
da fobre o rio Balfcmão, que paíTa por dentro da Cidade , íc
fica muyto vizinha às cafas delia. Sobre a origem, & princí-
pios defta Sagrada Imagem, &do titulo, que de prefente
tenr, dos Meninos, fe refere o que agora diremos.
Quanto àantiguidade,he efta Santa Imagem muyto an-
tiga , & venera vafe na Sé , em o Altar , aonde hoje fe venera
a Imagem de N. Senhora do Rofario Querem alguns, que
feja obrada pelas mãos de Nicodcmos , & pintada por S. Lu-
cas. E diz o Cónego Manoel Pereira, (que nos fez efta rela-;
çao )que aífimfe achara eferito em hum livro na Cidade de
Lisboa \ mas naõ dizem , donde vcyo , nem quem a trouxe à-
quella Cidade de Lamego- Também querem confirmar a o-
piniaõ de fer obra de Nicodemos , o efta r fentada em hua ca-
deyra ; mas ifto naõ faz nada ; porque muy tas Imagens anti-
gas fe veneraõ nefta forma, & aem por iffo !he dão;a cfte San-
to por artífice , nem a Saõ Lucas por pintor ; mas efta tradi-
Sa9
Livro II. Titulo XVII. 2 ©y
Íaõnaõfaznada j&affimtenhaò-namuy to embora por o-
ra fua.
O titulo que tinha antigamente era nofiâ Senhora d®
Amparo. Tirou-a do feu Altar o Bifpo daquelta Cidade
Dom Manoel de Noronha, filho de Simaó Gonfalvesda Ca-
roera, Capitão da Ilha da Madey ra , o Magnifico^foy filha
do íegundo Capitão da mtfma ilha por mercê dclRey Dom
Manoel no anno de 1 508- & fua mãy foy D. Joanna de No-
ronha , filha de D. Gonçalo de Caífcllo Branco, Governador
de Lisboa , & Senhor de Villa Nova de Portimão , & por de-
voção que tinha a efía Senhora, lhe dedicou huma Cafa pró-
pria , que he a Ermida aonde hoje he venerada , que cif e mef-
mo mandou edificar. E porque o Altar donde a tirou , naõ
ficaííè fem outra Imagem da Mãy de Deos, a mandou fazer a
Roma , & vindo de lá a mandou collccar na mefma Capella,
dandolhe o titulo do Rofario. Quanto ao titulo dos Meni-
nos, eíle lhe deraõ os muy tos milagres, que a favor delles
obrava, & aflim porque os livrava de todos os perigos,como
amorofa Mãy , que he dos pequeninos , & innocentes , lhe
deraõ efie titulo , ainda no trmpo que era venerada ema
fua Capella da Sé, o que ha ja muy tos annos, deyxando o an-
tigo titulo do Amparo , como de primeyro era invocada. O
tempo que ha , que fe lhe edificou aquella Ermida,em que ho-
je he venerada , naõ confta com certeza. Mas como o Bifpo
Dom Manoel de Noronha morreonoannode 1559. feria a
edificação alguns annos antes da fua morte,
He efla Santa Imagem de N. Senhora dos Meninos , de
talha de madey ra,& eftofada, & cila fentada em huma cadei-
rinha. E por fer muy to antiga ,& fe achar o eflo fado muy to
defmayado nas cores, a veítem comroupasrruyto ricas: a
cila tura, ou altura que faz cilando fentada fsõ cinco pal-
mos. Tem nos braços , ou fentado fobre o regaço ao Meni-
no Deos. Feítejaõ na na Dominga infra oitavada feita da
fua NatividadcQs milagres que tem obrado naõ fe poder iaô
aunas-
2 o 6 Santuário Mar iam
numerar , & fcos lançarem em memoria^fe podiaõfaztff
muy tos volumes. Porey alguns mais modernos , dos que fc
referem na relação , -jue feme deu , porqucefteõ vivos os
que os rírebéraõ , & que foraõ teOemunhas de vifta.
A Ermida da Senhora eíiá fundada em humfitio, d@
<\uú fe defpenhãohumas profandiííímas rochas,ou fragoas,
( como lá chamão por aquellas partes , ) & efías lá em bayxo
íaõ crefpas , & agudas. Por entre cilas paffa huma levada
para hús moinhos , & em cima junto à Ermida ha hum terrei-
ro pequeno , & fem refguardo para a parte do rio, & do ter-
reiro pira bayxo eftáhum grande , & altiflimo defpenhadey-
ro. Defte lugar cahio fobre as fragoas huma menina, que an-
dava brincando , & delias deu na levada , & indo por cila a-
fcayxofoydar no açude do moinho, & mitagrofamente fc
deteve alli. Acudirão com mu v ta preto atiralla , acháraõ-
na boa, faã,& fc.mlcfaô ou ferida alguma , por favor, & mer-
cê da Senhora dos Meninos , que a receberia em feus braços,
porque naõ era potável humanamente o deyxar de le fazer em
pedaços, coníiderandofc o lugar aonde deu,& a altura de que
cahio.
Pela parte de cima domefmo rio Balfemãoeííá huma
ponte , que tem em bayxo hum grande pego. Eíla ponte ha
poucos annos tinha desfey tas quafi todas as guardas, & pa-
rapeytos, & aflim era muyto arrifeado o chegarfe a gente
aquellas partes. De huma deitas cahio hum rapaz filho de
Joaõ Rodrigues morador a Saõ Lazaro , com huma ceítinha
que levava no braço , o qu ai como menino fem attender ao
perigo chegoufe mais do que devia , & bem podia fer que o
demónio também o derribaíle , 6? cahio dentro no pego. A-
cudio logo muy ta gente , para o haverem de tirar,& chega n-
do abayxo o acháraõ fora com a ceita no braço s & enxuto,na
forma em que eílava quando cahio. Perguntáraõlhe quem o
tirara do pego. Rcfpondeo, que huma mulher , fem íaber di*-
ztr outra coufa , & íç çntendeo tora a Prote&ora dos meni-
nos,
Livra II. Titulo XVIL 20?
nos , que le naõ dcfcuyda cmlhesafliítir^&emosíivrarde
todos os perigos , em que podem cahir»
Huma mulher cafada chamada Anna Pereira , morava
junto ao chafariz da ponte ; no tempo do entrudo , efíando
cm fua cafa com huma criança nos braços , tomou hua quar-
ta de agua na maõ , para molhar a huma peíToa que eftava na
rua , & lançou da janella a agua com tanta força, que as gra-
des da janelfa ( que parece eraô de páo) fe foraô à rua comei-
la ,& quando fe imaginava ficaria cm pedaços , & a criança,
ambas ficáraõ livres do menor perigo, & lefaõ ; & o que tam-
bém he para admirar , a quarta ficou ixiteyra com agua. Efla
maravilha obrou também a Senhora dos Meninos , que li-
vrou a mãy , & a criança para que naõ pcrigaííem.
Andando hum pedreyro deftelhando a Ermida da Se*
nhora, para fe haver de concertar , (8c parece que fe fegurou
mal) cahio do telhado em cima das ameyas ,& naõ fe poden-
do aliifuflentar veyoabayxo } & cahio fobre as fragoas, &
rochas do rio; quando fe entendeo eflaria feyto em peda-
ços , fe levantou faõ , & fem moleftia alguma, ou pizadura.
Pela outra parte decima domefmo rio Balícmão, de-
fronte da Ermida da Senhora efíá huma ferra muyto alra, &
toda de pedras, que parece eítaçem folias, & ameaçando hu-
ma grande r uina aos que fiçaõ em ba yxo»E na raiz deíle mon l
te , ou defla ferra , a que chamão a Tambureyra , e-flá huma
rua decaías , aonde cada dia efUõ cahindo penedos do mef-.
mo monte , fem fazer dano algum. E haverá poucos annos,
que vindo hum grande penedo defpenhandofe pelo monte a-
bayxo > ameaçandograndes ruinas nas caías pela fua defmc-»
dida grandeza 3 à v-iíla deite grande perigo } gritou a gente
chamando pela Senhora dos Meninos,a cujas vozes o pene-
do fe fufpcndeo , & parou nocurfo que trazia , detendo-fc
milagrofamenteemhumaíilveira, dando lufara que fs re-
para Ãè o dano com hua grande cova , que lhe fizer-aõ. Muy-
tos outros milagres fepudéraô referir dos quc.contmua*.
mente
"V
i$8 Santuário Mar iam
mente obra cfta mifericordiofa Senhora a favor doâ mora-
dores daquella Cidade ; 6c principalmente a favor dos Meni-
bos ; porque he notável o cuydado com que efta piedofa Se-
nhora os ampara, & defende. Deita Senhora fazmençam
Cafpar Frutuofo na fua hifbria das Ilhas tom. 2. liv. 2. cap.
1 9. & diz que oBifpo reedificara a Ermida da Senhora-
TITULO XVIII.
^DamiUgrofa Imagem denofaSenbora da Ribsyrá de
Amoedo.
EM a Freguefia de Cofloyas termo da Villa de Numaõ,
fe véo Santuário , & Cafa de nofTa Senhora da Ribeira.
Fica fituada junto a huma quinta , ou lugar de poucos mora-
dores , a que chamão Arnozelo, que difta do rio Douro
dous tiros de pedra, & da Cidade de Lamego fetelegoas.
Quanto aos princípios, origem, íc antiguidade defta Santif-
íima Imagem , o que fe refere he, que apparecéra a hum vir-
tuofo homem, chamado CyprianoRodriguez, natural, Sc
morador da Villa de Numão, ( fendo cafado com Catherina
Francifca, fua primeyra mulher, porque cafou três vezes,
a fegunda com Ifabcl Affonfo , & a tcrceyra com Maria An-
tunes , cm o anno de 1 585. ) mandandolhe que lhe edificaffc
huma Ermida , affinandolhe a meíma Senhora o íitio, que era
o mefmo lugar em que a Senhora lhe appareceo- Querendo
oventurofoCypriano Rodriguez executar o preceito, &
mandato da Virgem Maria , por nao parecer ingrato àquellc
fingular favor, que lhe fazia j a mulher Catherina Francifca
lho contradiíTe com o pretexto da fua muyta pobreza , com
queviviaõ; aífentando também ella com a fua pouca devo-
ção, que a vifaõ feria alguma illufaõ do demónio ; com o que
íc fufpendeo o marido à viíia deíla contradição.
Suçcç-
Livro II. Titulo XVII I. 209
Succedeo logo em hurna noy te, que feria a feguínte,ef~
tando ambos na fua cama, ver o Cy priano a cafa cheya de lu*
zes , & refplandores , & ouvir hurna voz que lhe fallava- E
defperrando a mulher , lhe dífíe , viífe aquellas luzes , & ou-
viiTe a^uella voz , & o que dizia. E ouvirão ambos a voz da
Senhora «, que dizia: Cy priano naõ tcmas,faze a minha Igre-
ja junto ao lugar de Arnozelo, aonde te affincy , que eu te
ferey propicia , & te ajudarey de maney ra, que nada te falte.
Ouvindo a mulher a voz naõ reílflio mais , mas veyo em tu-
do o que o marido difpunha em ordem à edificação da Cafa
da Senhora , a que logo tratou de dar principio , a juntande
os materiaes , & as mazs couías neceífarias.
Era efle devoto da Senhora muy to pobre , & tanto, que
todos os feuscabedaes naõ baitavaõ para encher osalicer-
fes, & fundamentos daquella Ermida; mas a Senhora que
lha mandava fazer, lhe podia acudir largamente como pode-
rofa que hc. He efla Senhora em nos aíliftir muvto poderofa,
& rica , & muyto mifericordiofa , 8r por tal a accUma Hugo fí ,
Vitorino , dizendo : Moneat te potentia ,quia quanto poten- /,-£.•;
tior 7tanto mifericordior. He efta amorofa Mãy, & Senhora Miftrfj
noíTa, hurna fonte de liberalidades, & defla fonte nafee hum 2. tit.
riofemelhante ao Nilo, como diz Ernefb Pragenfe, que „,
quando hemayor o calor,então corre mais abundante ao ali- . rne^*
viodanoíTa neceffidade: ISMus tnmaxmis fervor tbus , ita j^Iarc;
Maria m maximts necejfitatibus JubVenire folec. Deulhe wp.2$jj
DeosaoCy priano grande coração para executar o que a Se-
nhora lhe mandava, & tanto lhe augmentou os cabedaes,que
pode acabar a Ermida com toda a perfeyçaõ.
Da tradição confia , & também do leu teíhmcnto ? que
efteCy priano Rodriguez, fendo muyto pobre, a Senhora
lhealcançou da Divina liberalidade tantos bens , que viera
á morrer rico , deforte , que fendo antes defíe favor da Se-
nhora pobre , por fua morte deyxou afeus filhos cabedaes;
Com que pudeífem viver limpamente, & fem vergonha do
Tom- III, O íum-
1 1 o Santuário Marlam
mundo, cumprindofe nelle o que do Jufto sffirroa o Profeta
Rcy: Non 'Vtdi]ujlumdereliãum>necfemen e]m querem pa*
nem. Com a benção da Senhora crecem os bens àquel!es,que
u fervem com amtfr , & fidelidade.
Refercfe , que tendo efle homem,quando deu principio
à obra da Senhora, hum pouco de paõ em graõ em huma dor-
na , & cm huma pipa hum pouco de vinho , tanto qusnto ti-
rava deftasvazilhas para os officiaes que trabalhavaõ nao-
bra da Senhora, ella lho augmentava demaneyra ,quefcm-
pre eilavão providas ,como fe nada dcl/as fe tirafíe. E nos
alguidares cm que feamaíTava , & nos taboleiros cm que fe
punha o paõ,fe via, que a Senhora o multiplicava. E no mais
continuaria a Senhora com a fua aífiftencia , dande lhe tam-
bém o dinheyro neceíTario ,ou movendo aos ricos para que
0 ajudafíem. E aflfim continuou o devoto Cy priano a fua o-
brade forte, que no anno de 1590. eílavade todo acabada;
como fc vé de huma inícripçaô que eftá em huma pedra } que
«fiá aporta principal da banda de fora, que diz affiay.
A Cypriaõ Rodrigue^ , que mandou fa^er
etta obta>no anno de 1590. appareceo nojfa
Senhora, Santa Maria da Rtbeyra:
fc mais adiante eftaõ tres letras, que fe entende ferem a
Bomcdomeflre, que fez a obra. Ena Cruz do remate do
campanário, que fica à entrada da Igreja em que eflaõdous
fermofos finos, eílá outra infcripçaõ que diz :
Em 1597. me fe'<> omeftre Joaõ Lourenço Trigo.
1 no retabolo que então fc fez, também eflaô eftas U-
trás:
Foyfeytoemióí^.
Logo que o Cy priano Rodrigucz deu principio à obra
da Gafada Senhora , mandou fazer também a fua Santiffima
Imagem. Naõfe refere fe logo que fefez a collocoucm a
wefma Igreja, que fe hia fazendo, em alguma Capellinha que
garaiíTglefariíidemadcyra , para excitar mais a deveçaõ da
Senhora
Livro II. Titulo XVIII. 1 i 1
Senhora, ou fe a collocou no mefmoanno de çgo. quando
ella fe acabou. Eftácoliocada a Imagem da Senhora no Al*
tar mór, no meyodo retabolo, em hum nicho; & oretabolo
heao antigo dividido com columnas, & nos meyosdos cor*
pos pinturas deexccllentc mão. Tem a Senhora de eíhtura
quatro palmos & meyo , he de efeultura de madeyra , & ef-
to fada ; mas a devoção dos que eferevem , para mayor vene-
ração, & reverencia , atem fempre veftiua de ricas roupas.
Tem huma nobre Irmand<ide,que ferve á SenHora com gran-
de devoção, culto , & defpeza y & denomina-fe a Irmandade
de noflã Senhora da Pâbeyra. Tem efta Irmandade cinco Ju-
bileos perpétuos , concedidos á cafa da Senhora , que fe ga-
nhão em varios-áias do anno , nas feftividades da mefma Se-
nhora. E tem hum Opellao , que continuamente lhe aílifte,
o qual tem caías em que vive junto á Igreja , com hua cer-
ca^ fonte. Tem também aquella Senhora cafas deromage
para recolhimento , & abrigo dos muy tos Romeyros , que
continuamente a vem viíitar , & venerar ; & para affiftirern
osquevema ter allias fuasnovenas naquellc Santuário*
Depois que efta Cafa tinha cincoenta ,ou maisannos
de duração , a reedificou, ou reparou (porque devia de ame-
açar ruina) ollluftriífimo Bifpo de Lamego D. Miguel de
Portugal, da cafa de Vimiozo^ Embayxador Extraordiná-
rio na Cúria Romana ; & affim ficou renovada,& reedificada
com muyta perfeyção. He efta Igreja tão grande , que pude-
ra fervir de Matriz à Villa mais nobre , & populofa ; & tudo
foy neceffario á grande frequência de Romeyros, que todo
o anno concorrem a venerar aquella grande Senhora. Tem
efta Igreja três portada principal, que fica ao Occidente, &
duas collateraes , hua para o Norre , & outra para o Sul. A-
lém da Capella mòr, que fe divide do corpo da Igreja com
hum fermofo arco de pedraria y que he forrada , & apainela-
da tem mais dous Altares collateraes;hum delles dedicado a
Saõ João Baptifta , ôc outro a Santa Catharina; tem coro , ôc
O Z boa
*X1 , Santuário Mar iam
boa Sacrinia,com outro campanário , aonde eflava fino, p*2
ra ie tocar nos dias de grandes concurfos, porque fenaõ
podia então pairar a tocar os outros docampariarioprinci-
No retabolo da Capella mor re vè retratado em meyo
corpo o meímo Illuflríffimo Bilpo D. Miguel de Portuga!,
cm que fe confirma ferellc oreíUurador da antiga Ermida,
ou reedificador da moderna , cm que he hoje bufeada , fervi-
da, & venerada a milagrofa Imagem de noífa Senhora da Ri-
beyra.O CyprianoRodriguez fezofcuttílamentoemoan-
nu de 1591. & no de 1592. fe approvoua i9.de Mayo, dei-
xou parte dos feus bés á Igreja de noffa Senhora, para que
rendciíem para as obras em quanto duraííem , & que depois
de .e acabarem de todo , os poíluirião feus herdey ros. Foz
por encargo fe lhe diíTeíTem em cada hum anno as cinco Mif-
ías de Santo Agoílinho, & hum Refponfo. Mas ouvi eftra-
nhar muy to o de fe não cumprir hum tão limitado encargo,
que poderão fatisfazer os Capellães , pois lhes fez cafas de
iobrado em que viveíTem, com huma cerca, que também def-
trutao. Laftimofacoufa , que todos os bens que fedcaôás
Igrcj s,& ao augmento delias, os querem comer os que os
pouucm, ou os que fe introduzirão nelles, como benefícios
iimpljces- Foy fepultado o devoto CyprianoRodriguez na
tnefma Igreja , & á vifla da Senhora , aonde fe vé a piedade
com que cila mifericordiofa Mãy ama aos feus fervos,$ de-
votos, pois não fó em vida os favorece, & regala ; masesa-
companha, & lhes affiilc na morte : & ainda depois da morte
es não aparta da fuaviílaj mas difpoemquc eítejão fempre
na fua prefença.
Os milagres, & os prodígios queefla Senhora obra,faõ
innumera vciV, porque faõ fem conto os mortos , que refuf-
citou ; o* cegos a que tem dado vifla ;& os mudos de naci-
uicntoque receberão falia; os coxos, & mancos, a quem deu
intcyra faude : finalmente não ha achaque,nera enfermidade,
que
Livro U.TituloWm. %n
que não fuja ,ôtdeiappareça á invocação do Santiffimo no-
me da Senhora da Ribcyra. Eaflimhe a fua Ca famuy to fre-
quentada de romages ; porque de varias , & diflantes partes
vem todos a bufear a efta piedofiflima Mây dos peccadores,
& a ter novenas na fua prefença , a cumprir os feus votos , a
fatisfazer as fuás promcffas, & a darlhe as graças pelos grã-^
des favores, que dcíla receberão.
Sc todos os milagres que eíta Senhora tem obrado fe
efcrcvèrão, parece que não haveria livros em que coubef-
fem. Muytosd:ítes fe acharão lançados em hum livro (por-
que nos princípios parece ouve maiscuriofídade;ou porque
não haveria tanta ambição de recolher as offertas \ fc atten-
deria mais á gloria de Deos > & ao louvor da Senhora da Ri-
beyraobradoradelles) queodeícuydo dos Capelláes dey-
xou quafi perder de todo ; porque fe vè hoje todo podre , 6c
dos muytos, que ainda fe podiaô ler , de que fe me aponta-
rão cincoenta todos prodigiofos, referirey alguns , & feja *
primeyro.
Da Villa de Trancofo trouxeraõ á Senhora hua moça
pofíuida do demónio ,que muyto a maltratava , & affligia ; a
cita deyxou logo o immundo efpirito , aflim como a puzerão
á viíia da Senhora;& por final de que a deyxava para fempre*
lançou hua conta criítalina .
De Villa Real trouxerão feus pays a hum menino mu«
doànativitatc, offereceraõ-no á Senhora ,& pediraõ-lhe,
que por fua piedade /he quizeífe dar falia , a Senhora lha ref-
tituíologo; de que feus pays alegres , & obrigados deráo as
graças á Senhora.
Huma menina filha de Francifco do Rego , morador na
Villa de Sandin , eflando já morta : fentidos feus pays da fua
falta invocarão a íbberana Emperatriz do Ceo , a Senhora
da Ribeyra,& por fua interceflaõ a refufeitou noífo Senhor,
de que lhe forãoadaras graças, & a ofFerecer amortalha-
HCia mulheç dç Çaftromil do Reyao de Galiza chama-
Tom,IIIf O $ da
2*4 Santuário Moviam
da Catharina Fernandes : depois de morta ,&- amortalhada
chamarão pela Senhora da Ribeyra aquelles, a quem a fua vi-
da fazia muyta falta ;& amifericordtofa Senhora ouvioas
fuás petições, & lhe reftituioavida ;& em acção de graças
de rão grande benefício j mandou à Caía da Senhora amor-
talha.
A Jeronymo Fernandez>& a fua mulher moradores em
Vai de Godinho , termo ia Vilía de São Joaõ da Ptíqutyra,
defappareceo hu filho menino drt dous annos , & fe toy quafi
meya legoa por hnrws lerras altiíTlmas , & muytu perigolas
que alSi ficâo viz"n.rus ao lugar. E fazendo os, p*ys excitas di-
ligencias por elle, foy depois demuyto tempo achado na:
maisaltadaquellas ferras. E perguntandolhe depois os pays
aonde eflivera,(quandooacháraõfap,& (alvo; refponaeo\
c&TO mais propoflto do que fe efpçrava dos feus annos. Que
com elle eftivera húa mulher muyto fermoía. E fe enttndea
cjueera a mifericordiofa Senhora da Rifey ra,aqtó feus pays
o haviaô encomendado, & promettido de lho pezarem a tri-,
go. E sffim o faraó cumprir, & darlhe as graças.
Andando António Affbnío compondo huraa Azenha^
que ficava ahayxo do íitio da Senhora da Rrheyra , foy p«b
$$ ella humfílhinho de cinco annos, & cahio no rio Duuro*
íem o pny o ver, fenão depois que hia já pdo rio afraÍM). Af-,
fim veílido como efbva fe lançou á agui ,& vendo que fea-
í«gava, fe paífava rmis adiante, fe retirou, & começou a cha-
gar pela Senhora da Ribeyra , pedindolhe lhe vajdfc , & lhe
livraffe o menino, & que elle lho promettia pezadoa trigo,
& foy continuando pelo rio abayxo chamando femp repela.
Senhora. Foy o feguindo quaíi meya ltgoa-, quando outro
Moleyro compadecido do menino, & do pay fe lançou ao
*io, & tirou ao menino livre , faò ,& falvo á viíte de muyta
gente, que havia concorrido ás vozes que o pay dava; & tor
dos deraõ as graças á piedofa Mãy dos peccadores ,a Senhos
*a -da .Ribeyra, que por fua imerceffaQ efeapára o menino cõ
Yida- Eíten:
Lhro II. Título WI1I. 1 1 f
Eítando Mariana Teyxeyra mulher de Domingos No-
gueyrada Villade Saôjoãoda Pefqueyra, onze dias de par*
to, com a criança atraveffada , & hum braço de fora por on-
de havia fido bautizada ,& eítando com todos os íinaes de
moribunda ,&com os Sacramentos/iefenganadade poder
cfcap^rdo perigo com vida ,aílim pelo parecer do Medico
Domingos Dias , como de feu marido ; que era Cirurgião:
eítesfereíolviaôaabriUapara lhe tirarem a criança morta.
Neíte tempo cahio a mulher defunta nos braços da Partey-
ra;& chamando o marido duas vezes pela Senhora da Ribey-
ra, na ultima lançou a mulher a criança viva , & livre , 5c a
mãy ficou faã, & falva. E referio o marido/que quando invo -
cara a Senhora da Ribeyra,!he pareceo que ouvira dar à mu*
iher hum eítallo : iíto mefmo affirmou diante da Senhora,
indo adarlheasgraças.
Por hum continuo milagre fe tem a paíTagem do rio
Douro no lugar, que fica junto á Cafa da Senhora,a que cha-
mão o Cachão , aonde em o porto que alli faz ,que he arrif-
cadiffimo , eftá hua barca,em que fe parta de huma para a ou*
tra parte. E fendo aquelle lugar arrifcadiífimo, não ha lem-
brança de que ouvefTe nelle algum perigo , ainda que ouve
muy tas occafióes arrifeadiffimas cm que os pode haver ,-& em
que a Senhora moítrou os feus grandes poderes , & tudo fc
attribue á milagrofa protecção da Senhora da Ribeyra; por-
que ella he a que defende a todos os que alli paiTaõ. E deites
prodígios , que aqui fuccedèrão,referirey também três que
farão notáveis, entre os muytosque fe podiao referir.
PaíTando os Barqueyros Gafpar Alvares, & André , fi-
lho de Joaõ Gonçalves de Algondofres , o rio Douro com
feíTenta carneyros na barca chamada nofía Senhora da Ri-
beyra , que anda naqudíe fitio ; & defeahindo a barca com a
força da corrente das aguas , foy a dar no meyo do Cachão,
que he alli muyto grande, &perigofo, & vendoíe nelle os
barqueyros perdidos chamarão pela lua Senhora daRibty-
O 4 *H
t\6 Santuário Mar iam
ra, & a Senhora os livrou , & fahirão do perigo fem perda at*
gunna.
Em outra occafíaõ indo as mulheres dos barqueyros
Pafchoal Lourenço, & Pedro Alvares a partar a Pedro Gon-
çalves do Scyxo , que vinha com três cargas de lã , fe lhe foy
a barca pelo Douro abayxo j & pafTando o Cachão fe voltou a
barca de cima parabayxo?ou de boca abayxo, com as mu-
lheres^ beflas , & facas de la, como mais que hia na barca}
& pelos merecimentos, & favor denofía Senhora da Ribey-
ra,tudo tornou acima da agua, & todos fahiraõ a terra livres,
& pegados aos remorda barca.
PaíTando em outra occafíão a barca , que alli ha de paf-
fagemcommua,& chegando á vea da agua com cinco pcf-
foas , & quarenta cabeças de gado , fe foy a barca ao fundo
como pefo;& fem appareccr peíTòa alguma ,ncm o gado: pa-
rece que vendofe os que hião na barca, no perigo em que cf-
tavão,que invocarão a Senhora: o vclla os livrou a todos do
naufrágio 5 porque fe não diífcíTe , que no porto que eilá dc-
bayxodo feu amparo, & protecção , fem que elles o previf-
fem, os qiiiz livrar : porque todos efeapárão do perigo , ôc
nem híia fó cabeça de gado faltou. Seja cila muyto bemdita
para fempre,que com tanta piedade attende aobcmdospec-
cadores, amparando os, & defendendo- os de todos os pe-
rigos.
PaíTando o Sargento mor do Confelho de Numão Feli-
ciano de Amaral de Soufa, & João Mendes do Pafíb do Cou-
to, o rio Douro no porto da Senhora da Ribeyra , hia o rio
com tanto impeto, que por mais que os barqueyros forceja-
rão, para cortar a vea da agua, não lhes foy poflivel , & aífim
foraõ levados ao Ochaõ : & quando já fe viaõ de todo perdi-
dos, chamarão pela Senhora da Ribeyra , para que lhes va-
lei^ &eí}-.ndoemo ultimo ponto de fe perderem, queren-
dofe lançar ao rio, não a nadar, mas a perderfe ,a Senhora
guiou a barca, & fahirão a terra livres , de que forão a dar as
Livro 11. Tituh XIX. u?
graças á Senhora } por lhes conceder as vidas > que julgavaõ
já por perdidas.
Fora nunca acabar fe ouveífemos de referir os milagres,
& maravilhas que a Senhora da Ribeyra de Arnozelo temo-
brado. Na Capella mòr fe vem uiuy tos quadros , em que ef-
tão pintados muytos dos fucceíTos milagrofos daquelles,
que a piedofa Mãy de Deos livrou de differentes perigos ,8c
trabalhos, & nas linhas da Igreja fe vem pender hua gran-
de quâtidade de mortalhas. E fe ouvera de prefente mais cu-
riofidade, para fazer memoria , & eferever as grandes mara-
vilhas deita Senhora , ferião neceíTaríos pata iífo muytos li-
vros. Na mefma Capella fe vem também outros muytos fi-
naes, & memor/as de cera , como cabeças,pernas, braços ,co~
rações, & outras mais detfe argumento : que eíiaõ tefiemu-
nhando, em que aquella Cafa he hua pifeina de íaude , & hua
oíHcina de maravilhas da Mãy de Deos- Da Senhora da Ri-
beyra de Arnozelo faz memoria o Licenciado Francifco
Nunes em hua relação, que fenos deu por intervenção do
muy to Reverendo Provifor doBifpado de Lamego ^ &d«
outras mais que fe nos deraõ*
TITULO XIX.
©* MÍlagrofa Imagem de wjfa Senhora das NeVes, da
Villa de Almeyda.
NA Igreja Matriz da Villa de Almeyda , que hc dedica-
da á Rainha dos Anjos debsyxo do titulo., & invoca-
ção das Candeas, ou da Purificação; porque fe fefleja efía Se-
nhora no dia em que ( fendo puriffima ) quiz por fua rara hu-
mildade^ fatisfazer a obrigação , que pagavaõ aquellas que o
naõeraô: neíla Igreja fe venera huma milagrofa Imagem da
meíma Rainha dos Anjos cõ o titulo das Neves, Efía fagrada
Ima-
1 1 8 Santuário Máriãm
Imagem cflá collocacfe cm huaOpella do mefmoTemplo^
aonde hebufeada dos fieis, pelas muytas maravTlh2s,queo-
bra a teu favor , ôc atíim concorrem todos os moradores da-
quella Viila com fervorofa devoção a fervilla, & a veneralla.
De fua origem, 5c princípios, fenaõ pede inveíttgatf
noticia alguma ; eonfh fer de tempo immr moria! a grande
devoção, com que eíia Sant«flima Imagem he venerada- E fó
fe conferva por tradição , de que vindo hum Bifpo daqutíla
Diocefi de Lamego , aonde a Villa de Atmeyda pertence, por
ficar no feu deftrito; o qual vendo a Santa Imagem da Senho-
ra , que pela fua muyta ancianidade já tinha alguma danifi-
cação da traça, & caruncho , julgando , que naô era tem ef-
tiveííe exporta á veneração dos fieis com aquellas faltas,
mandou que (e enterraífe ,& fe fizefle outra nova Imagem.
Dizem que ouvindo fe efta refoluçaõ , & fentença do Bifpo
contra a Santa Imagem : acudira hua boa , & virtuofa velha,
que lhe pedira o naõfizefíe j por quanto aquella Santa Ima-
gem era muyto milagrofa , & tinha com ella grande devoção
todo aqutUe povo : & que á vifta da fua petição íufptndéra
o mandato, deyxando-a ficar, como eftava. No dia ft gumté
amanheceoa Santa Imagem toda renovada divinamente^ co-
mo ainda hoje fe vê.EflaTie a tradição que os velhos de mais
de noventa aoaog , refeiíem ^Sctambem a de que fempreo-
brára maravilhas. Porem para fe faber, de que el!a obra com
a f»a interceífaõ muytas , não fera neceíTario que os velhos
de muytos annosassefiraõ; porque todos es diasfeeftam
eftas vendo.
Quando aquella Villa experimenta ncceííidades publi-
cas, afira de falta de agua , como quando eftas por muytas
impedem as efperancas dos frutos : recorre aquelle povo á
Senhora das Ncves3& tirando-a em prociíTaõ pelas rim da-
quella Villa, com eíia diligencia lhes acode o Cco benigna*
mente. E tem fuecedido muytas vez?es ,quc tirando a da fuâ
Caía, em o dia da smyor calma, naò fe poder recolher a prò-
ciífaõ,
Ctfà&jC®W*wuytz ?gua t que logo ohpveo.
Eílá cila Santa Imagem , como fica dito, em hua Capei -
\a das, daquâk Templo A íua eftatura he de fe» palmos , &
Éncyo,hede ror.a,& de vertidos: ftm embargo, de fe verncl*
Ul grande m^gçítadfc* vç-fe tambçm fer obrada ha nnuytos
annoii , que poderia fçr pouco depois darpovo~3çáodaquella
Viila. A íua Capcliaeíl^ toda. cuberta dos ú naes,&meroo--
rias das maravilhas., que t :m obrado j como faõ mortalhas,
& outras comas deíia qualidade.
i
TITULO XX.
5D# tni&gwfalwg?}n íá H0Í5| Senhau, do Loreto da
Yilla de ÂUneyda,
ALém dos Cor>yej(tfos rçfcridos nestes noffbs S.mtua.-.
1 10&, ÃcÇaí^s dedicadas, a noffa Senhora dtbayxoda
titulo de Loreto , fe vè também em a Yilla de Almeyçía ode
Religiofas Tercey ras : o qual começando no lugar da Nave,
xm o termo da Yilta do Sabugal, de pois por cáúfa das guer-
ras íe paflbu á Y$la referçjçU fó AWida.p afino em que foy
a mudança naô confia; masfabe-fe que já noannode J554.
fe. yivia ncflc Convento de Almeyda.com tant^ reformação,
quedelle fahiçaõ asFundadocas para o Convento da Villa
de S.Vicente da Beyra.Tudoiflo podemos crer fer favor da
pwkrofa protecção da Seahrjta do Loreto, Patrona, & Pra^
tedora daquelle Convento.
No anno de 1644. vendo- fe aquellas Religiofas em
grande pobreza, & neceflldade por cauía das guerras,& fal-
*a das rendas, que lhe andavao ufur padas , & outras que ti-
nhao em Ciudad Rodrigo, de que não o;bravaõ nada, fc re-
fplveo a mayor parte daquella Comunidade, a ir para Avey-
ro, aonde fundarão o Convento da Madre de Deos. E taq^
bem
1 1 • Santuário Mariant
bem fe deve ter por favor da mefma Senhora o bom fuecef-
fo que tiveraõ^que como piedofa Mãy não faltou cm lhes af-
fiíHr, & em as acompanhar^ em as favorecer com todos os
bõs fucceíTos 7 que tiveraõ.
Ficáraõ na companhia da Senhora do Loreto, no Con-,
vento de Almeyda , alguas velhas : a eftas affiííio a Senhora
maravilhadamente ; porque como quem lhes moflrava fe pa-
gava de que alh em aquelle lugar afervííTem,&louvaírem,
fez que feu Santiífimo Filho movcfíe a aíguas Donzellas ,a
que quizeíTem ir a fervillo naquella Tua Cafa , & com os bõs
dotes que trouxerão fe remediavaô as neceffidades : & naõ
fóifto obrou a Senhora; mas também fez , que fe lhe refti-
tuiífehua grande quantidade de alqueyresde pão, que lhe
andava fonegada, com o que ficou a Cafa muyto melhorada
paraofuftentodasReligiofas. A Senhora do Loreto íe ve-
nera em o feu Altar mor , & com ella principalmente tem as
Rcligiofas muyto grande devoção* Da Senhora do Loreto
efereve Jorge Cardofo no feu Agiologio Lufítano tom. 3. a
16. de Junho pag. 708»
— -
TITULO XXL
7)a milagrofa Imagem de mjfa Senhora de Cali^ > da Fre-
guefia de S. CbrijtoVaõ de Nogueyra.
N
Os limites da Frcgueíia de S. Chriftovão de Noguey-
A t ra em o Bifpado de Lamego , de donde difta duas Ic-
goas , fe vé ao pé de hum monte , taõ alto , que dclle fe vè a
Cidade do Porto , ( que lhe fica em diflancia de algumas dez
legoas, & muy ta parte do mar Oceano ) a Cafa 3 & Santuário
de noíla Senhora deCaliz: Cafa de grande devoção ,& de
muy ta romagem. He tradição confiante, que cfh Cala da Se-
nhora fora anttguamcnte a gFrcuefia ,& Igreja Matriz da-
quelUs
Livro U. Titulo XXL m
tjueUes lugares , aífim de São Chrifiováo de Nogueyra , co-
mo de Santiago de Piaens, & hoje he por ef ]a caufa annexa a
ambas eílas Parcchias. Ecom a grande devoção ,que tem
com tila Senhora os Parochianos de hua , & outra Fregue-
íia, fe aíliíle á Senhora com fervoroía y & devota emulação.
E afllm lhe rccdíficársõ a fua Igreja , ampliando-a mais , fa-
zendolhe hua nova , 5c perfeyta Capella mor , & SacrifHa ,
eom hum retabolo ac moderno, que ainda não eflá dourado.
A tradição da origem defta milagrofa Imagem da Mãjr
de Deos , referem os Parochos , & as peflbas velhas de mais
fuppofiçãodaquelIaFrcgueíiade Nogueyra, dizendo, que
erta Imagem da Senhora viera da Cidade deCadiz, ema-
quelle tempo em que os Mouros a tomarão , & que deita Ci-
dade fugindo os Chriflãos atrouxeraôcomfigo,& vieraS
a dar naqucllas terras, parecendolhes, que allificarião livres
daquelle geral açoute, que padecco Heipanha no Império
dos Godos, & perda delRty D. Rodrigo. E que naquelle lu-
gar a vencravão em as raizes daquellc monte , aonde lhe fa*
riaõalgua Ermida. Ficava efla junto ao Caítello dcSamfins,
formado, ou edificado em hum penhafeo tão forte por natu-
reza ,quche inexpugnável. Nefte meímo lugar parece que
a cccultárão depois , quando os Mouros não contentes com
o que haviaõ tomado na Heípanha,fe vieraõ fazendo fenho-
res de todo Portugal ; o que fizeraõ entre huns grandes ma-
tos , & brenhas muy efpeíTas * de que ainda hoje dizem algus
velhos muvto antigos daquella Fi e^uefia , alcançarão ainda
alguns raítos delles- O que já hoje nao ha 5 porque tudo eftá
aberto, & cultivado- E querem confirmar cfta tradição , com
o que refcriohum António Morevra , o Sevilhano de a!cu-
nha,(apellido tomado de haver aílí ilido mwitos annos na Ci-
dade de Sevilha) ao Revtor de S,Chriftov?õ de Nogueyra
Scbaftiaõ Cardofo Soares. De que cm Sevilha havia memo-
rias, & papeis ,por onde confiava, que huma Imagem de nof-
fa Senhora ,<juehe a de Caliz, fora venerada na Cidade de
fcadiz:>
tu Santuário Mariano
Cadiz,8c quede lá viera para aqudlas partes de SaõChrif-
t-ovap de Nogueyra.E diz o Reytor que tinha efla noticia por
verdadeyra. E querem que o nome Caliz eíleja corrupto,
havendo de dizer Cadiz. Ainda hoje fe chama aquclle fitio
acnde a Senhora a ppareceo,os montes da Senhora de Caliz.
Naõ confia (por incúria ,& nrgTigcncia dos Portuguc-
zes) do tempo,ncm do modo com que a Senhora íc mani fef-
fou,nem aquém; p;;diabemier foífe a algum paftorinho;
que eftes com a fua fíngeleza merecem eftes favores. Logo
Cm a occafiaõ, em que a Senhora appareceo^coroeçou a obrar
muytas maravilhis^quc a ingratidão com q os homês as fou*
beraõ eftimar , & agradecer, leria a caufa de que tilas fe fuf*
pendeffem por muytos annos; o que muytas vezes temos
viftoem Santuários muyto notáveis, que já hojecííaõ ef-
quecidos. Mas como a Mãy de mifericordia conhece a nofla
ignorância, & miferia, renova para com-nofcoos feus anti-
gos favores j ainda que lkos naõ faybamos merecer ; como
fevio em o grande milagre ,que obrou a favor de Manoel
Pereyra, filho de Rafael Pcrcyra de Samfins,que eílando taõ
alcijado,quc fe nio podia mover, fenaõ cm duas moletas. Ef-
te citando ( pelos annos de 1680. pouco mais, ou menos)
dormindo , fonhou que a Senhora de Caliz lhe apparecia , 8e
lhe dava faude. Edef^ertando-o Manoel Pereyra, provando
fcera fó fonho que fonhára , achou fer mifericordia ^fa-
vor muyto grande de nofla Senhora ; porque lhe naõ foraõ
mais neceflàrias as moIetas;& aílim com ellas,naõ para fe ar-
rimar I mas para as ir a offerecer a noíTà Senhora, fe foy a fua
Cafa a dirlhe as graças, & lá lhas pedurou para teftemunho,
& perpetua memoria da maravilha obrada paracomelle.
Com eíte grande favor ,5c merce, que a Senhora de Ca-
Uz fez a efte homem , fe avivou a fé , & crefceo a de roçam
tanto, que faõinnumeraveis asmaravilhas ,& os milagres,
que a maõ de Deos hoje obra naqudla Caft pela interceífaô
da Rainha da Gloria j de que dão teílemunho os: quadros d*
Pintu:
Livro ILTitnlo XXL u$
pintura , que íe offcrccèrâo á Senhora , & as mortalhas de
pefloas/jue fe coníldcrarão fem vida, ou fem efpcranças del-
ia, as quaes por interceífaô de noíTa Senhora de Caliz e [ca-
parão do perigo^ melhorarão de fuás enfermidades^ ou-
tros muy tos íinaes,& nremorias de cera fe vem também, que
eflaô apregoando os favores,& as maravilhas de Deos obra-
dos naqueSle Santuário da Senhora de Caliz.
No rio Douro ha hum pego > que chamáo dé Cárdia y &
fica entre a Frcgueíia de Santa Maria de Penha Longa , & a
de Santiago de PiaenS , o qual fica á vifta drj monte de nafta
Senhora de Caliz, & aonde eílá a fua Ermida. Neite pego
havia muy tos perigos nos que navega vão o Douro. Na
mefmo limite do pego appareceo huma Imagem daMãyde
Deos ,na mefma forma que fe coftuma pintar, ou obrar hua
Imagem da Conceyção puriíTíma de Maria, & cfta era muy-
te pequenina- A efta Santa Imagem, que veyo a fantificar a-
quelle lugar,& a afugentar delle os máos fucccíTos ,quizc^
raõ levar para a fua Parochia hus , & outros freguezes : os
da Senhora de Penha Longa , para a fua , & o mefmo os de
Santiago de Piacns. Efobrequal das duas Paroquias havia
de prevalecer, ouve grande bulha, & tamo,que qutófcraõ vit
ás mãos 2 mas a Senhora , que he a Mãy do Soberano Re y pa-
cifico, que fe naõ agrada das noíTas contendas , vendo , que
cila fe armava dcfappareceo, &a levariaõ os mefmos Anjos
quealli ar tinháô trazido. Mas ainda que a Senhora dcfappa-
receo, he ainda hoje nmy to venerado o lugar em que eíte ve>
por todos os que por alli paííaõ. E defde então ate o prefente
fe naõ experimentarão no mefmo pego mais per jges.
Depois que aquel la Santa Imagem pequenina appare-
ceo naquclle lugar, começou a Senhora de Caliz a obrar no-
táveis maravilhas : mas depois do milagre , que fez em Ma-
noel Pcrcyra, entaô foraõ mayores \ porque crefceo a fé , &
feaugmentou muy to mais a devoção; porque íe divulgou
por todas aqueilas partes muy to mais a fama dos milagres,
8c
114 Santuário Mariam
& aílim concorre muyta gente a venerar a Senhora de Ca-
li^principalmente das Freguefias de Nogucira,& de PiaeS,
& da s circumvizinha^
Fcíieja fe a Senhora de Caliz com mais efpccíal devo-
ção^ mais grandeza no feu dia de cinco de Agofto, -.ia das
Neves, &neftehc muyto grandeoconcurfoda gente-, que
vay em romaria. Também no dia da Encarnação a vinte Sc
einco de Março, he grande a romagem > & neíte dia con-
correm muytas Cruzes por voto antiquiffimo, feytofera
duvida por algum grande favor, que da Senhora receberão.
Também em outros dias do anno ha eftas romagés das Cru-
zes ,emqueentraõa feftejar a Senhora lufares incorpora-
dos, com grande alegria , & com as fuás oífertas* No dia da
Afcençaõ do Senhor,& na Pafcoa do Efpiríto Santo, concor-
re também muy ta gente a venerar , & a feftejar a Senhora,
& a offereccrlhc as fuás promeflas, & a pagar os feus votosj
& o mefmo fazem em todos os Sabbados da Quarefma.
He efta Santiflima Imagem de eícuf tura,obrada em pe-
dra , que parece jafpe ; mas excellcn temente obrada, parece
fer obra dos Anjos , tanta he a fua perfeyçaõ , & aílim mof-
tra hua grande fermofura,& huma foberana magcfiade.Teni
de alto cinco palmos esforçados, & caufa grande devoção a
todos os que nelía põem os olhos. Tem coroa na cabeça o*
brada na mcfma pedra, de que he formada, &eftá comas
mãos levantadas, fcdefla forma, que tem efta foberana Ima-
gem da Senhora, podemos collegir, que clfa mefma foy (ain-
da que em forma mais pequena ) a que appareceo junto ao
pégodeCardia:poisdeentaô paracácemeçoua obrar muy-
tas, & grande maravilhas. Efta noticia nosdeuoReytordc
Nogueyra SebaÃiaõ Cardofo Soares.
TITULO
Livro II. Titulo XXI L nj
TITULO XXII.
Da milagrofa Imagem de no[fa Senhora dos Remédios,
extra muros da Cidade de Lamego.
HE Maria Santiífima para com os homes (como diz Ri-
cardo Vidorino , fallando da piedade, & clemência cõ *'*•*?•
que a Senhora os remedca a todos ) Súuó omniwn per tpfam ttor- in
faãt eíij unle & mundi falm diãa efi. Joaõ Geometra Caftt-
a intitula faude, & remédio de todos os enfermos: Salus'*?'1 '
rtgrotanttwn.E a mefma Senhora diz de fí pelo Ecclefiafti- Joam.
co: £"} me inVenerit ,bauriet falutem. Rauhno diz, que naõ &*»•
ha epidemia, nem mal tam contagiofo, & maligno, que a Se- *ftmt *
nhoranaõ defterre : 2SZ« Ha peftis tamefficax >qu<&non con-gj*J:
tinuo ad Sfariú nomencedat. Saõ Joaõ Damafceno lhecha- 25'
ma a faudc perfeyta das almas : porque efta Senhora naô fó RáH\\ni
fc compadece dosnoffos males , & miferias temporaes ; mas
muy to mais das enfermidades das almas , procurandonos s.Ioàh^
femprea faude delias: Sdm perfeita animarum. Tudo ifto £4m4fm
experimentaõ os devotos da milagrofa Senhora dos Êtcme» fofmt-
diosde Lamego. W.5.
Em diftancia de meyo quarto de legoa da Cidade de La- M*i
mego fe vé o Santuário de notfa Senhora dos Remédios, íi-
tuado em o alto de hum monte , cercado , & adornado de vif-
tofos, & frcfcoscaftanheyros , que no veraõ fazem aquelle
fitio muy to agradável, & deliciofo , & por remate defte mõ -
te, ou coroa fc vè a Cafa , em que he venerada a Senhora, a-
onde todos os moradores daquella Cidade achão o remédio
em todos os feus trabalhos , & neccffi Jades. He efta Cafa da
Senhora dedicada a Santo Eítevaõ Protomartyr ,& aííím he
muy ro antiga., o que fe confirma, por fer reedificada pelo II-
luíiriíIímoBifpo Dom Manoel de Noronha ( Prelado tam
Tom. III. P zelo-
2*6 Santuário Mariana
zelofo do culto Divino, que reedificou muytas Igrejas ,&
Templos daquelía Cidade, & Bifpado) & feria ifto pelos an-
nos de 1550. pouco mais ,011 menos, porque no de 1559.
paliou deita vida para a eterna. Efle iHuflriffimo Prelado
foyoque colloccu efla inilagrofa Imagem naquclla Igreja,
depois de a reedificar, & a Senhora com as fuás maravilhas,
& grandes milagres , fez que já hoje fenão nomee aquclía
Caía com o titulo do Protomartyr Eflcvaõ , ienaõ pela Cafa
da Senhora dos Remédios.
De donde cfta Ssnta Imagem veyo , fe ignora já hoje;
mas como aquellevirtuofo Prelado foydevotiflimodenof?,
fa Senhora, & de Roma mandou vira Imagem da Senhora
do Rofario , que fe venera hoje na Se da mefma Cidade , &
que col'ocou em o lugar que neíla tinha a Senhora dos Me-
ninos , fe preiume também , que de Roma mandaria vir cila
Imagem da Senhora dos Remedios,para a collocar na Ermi-
da do Santo Protomartyr Eíkvaõ, viíto ferem ambas de pe-
dra, & de excclknte efeufrura. A fina eíiatura hc de quatro
palmos & meyn.Temao Menino Deos quafiao peyto,& co-
eooella he tam bclla, & tam fermofa 7 aííím acreicenta com a
graça q cítá efpirando a fervorofa devoção dos que a bufeac-
As maravilhas , & os milagres que continuamente o-
bra,faô fem numero , fuppoflo que poucos faõ os que íe tem
autenticado , por incúria dos que aíUílem á Senhora , fe já
inac he, que pela continuação que a Senhora tem de os fazer,
já não parecem milagres. Concorre a efta Cafa todo o povo
daquelía Cidade, & de feus contornos , com muyto eípecial
devoção, em todo o tempo do anno. E todos achaõ naquella
Senhora amparo , & protecção; &em os Sabbados he muy-
to mayor o concurfo , & muyto mayor em zs Segundas fcjr-
rasdomezde Junho , porque então he innumeravel;& ta-
zcm no com grande fé, por fer tradição commua, & an-
tiquiflima ,que tudo oque em as tacs Segundas feyrasfc
pede á Senhora , ella o concede liberalmente. Affim o crem
do
Livro II. Titnk < XXIII. u7
do modo que (e pode crer ,&aííiín oexperimentaõ,& tem
experimentado annualmente muytosdos feus devotos re-
petidas vezes.
Parece eíla Cafa vcrdadeyramente hua atalaya daquel-
la Cidade : não pelo que domina com a fua immmencia ; mas
pelo que a defende com a fua protecção aquella Senhora, que
nella he venerada. He cila Igreja hua das mais bem ornadas
daquelle Bifpado ; porque a devoção de todo o povo de La-
mego concorre para a fua fabrica , & culto com grandes ef-
moías,nafcidasdafua fervorofa devoção. Duas vezes no
anno fefcíteja eíia foberana Senhora ; a primeyra em dia dos
Prazeres, & a fegunda em o dia das Neves, a cinco de Agof-
to, & fempre com muyta folemnidade de Miffas cantadas , &
Sermões. Heefta Igreja annexa á Igreja Cathedral da mef-
ma Cidade.
TITULO XXIII.
7)a mlligrofa Imagem de nnjfa Senhora da Saúde , ou
das Paredes %extra muros da Cidade de Lamego.
P Ara todos os enfermos he Maria Santiffi ma o remédio,
a faude , & a medicina : aílim a acclama S.Joaõ Damafce -
no, como quem muyto o experimentou:*^ gr otantibus nuá
dicina. E naõ fó he hua medicina , & hum remédio ; mas hum
pego profundiííimo de remédios , & de faudes, diz o mefmo ®4m* ^
Santo : Tdagfis curationum ^pdagm fanattonum , & hurna ra*'*m
epitima quedefterrado pcyto todas as dores: Tbarmacum f^
ex ômmpèffote dolorem propulfam. Em todos os males, do- ibidem.
res ,& enfermidades nos inculca Saõ Bernardino , que re-
corramos a eíkpoderoíà Senhora, dizendo: Stqux infir-
initastihi oceurrat ,recurre ad inVocat tonem mminis Ma- S.Ber-
ri*,E Santo Anfelmo paíTando mais adiante, nos anima a re* ntrdmi
P 2 correr
n& Santuário Maríam
correr a cila mifericordiofa May noíTa , & May do Omnipo-
tente, dizendo que cila he mais diligente para fe compade-
cer de nos \ porque mais depreffa nos vem por ícu meyo o
remédio, do que por meyo de Chriffo : VdoáoY eft nonnum-
S. An* <lHvn fàm memorai o nomine MarU, quàm ixvocato nornim
felm. DombúJESU.
Fora da Cidade de Lamego cm diílancia de menos
de hum quarto de legoa, fe vè hum ameno, & delicio-
fo valle,&nelleíituada aCafa, & Santuário de no(Ta Se-
nhora da Saúde , ou das Paredes \ titulo impoílo do lugar,
que alli fica^ôc os que naõ fabem muyto, lhe dão o nome im-
próprio de Paredes. He efia Sagrada Imagem antiquiflima,
& he tradição que cítivera em hu Mofleyro de Templários,
de cujas cinzas fe eregio depois o Convento dos Capuchos,
que alli ha. Intitulava fe naqucltes tempos com o titulo da
Piedade, por eflarcom oSantiffimoFilho defunto em feus
braços, & reprefenta grande fenrimento, & aífim caufa gra-
de veneração, & compunção cm todos os que a contemplaõ.
He tida ella Sagrada Imagem , de toda aquclla Cidade,
& bufeada com grande veneração pelos muy tos, & grandes
milagrcs,que obra continuamente a favor dos que imploraõ
o feu favor , & patrocinio; & porque a faude que todos al-
cançaõ em íeus males,& enfermidades, era muyta, dahi naf-
cco o appellidarem-na com o titulo da Saúde , & não fó a al-
cança efta piedofa Mãy dos peccadores a todos temporal,
masefpiritualmentc, que he a faude que os mortaes mais
devem eflimar. He tradição que hum grande devoto da mef-
ma Senhora a vira cftar fuandoem certa occafiac. Ve-fe a
lua Cafa tambem ricamente adornada ; porque a devoção ão
povo liberalmente fe emprega no feu obfequio,& ferviço.
A frequência dos feus devotos he muyto grande; a que tam-
bemos convida a amenidade do fitio, a que muy tas vezes a
vifnem. Junto ao feu alpendre fe vem duas fontes perennes,
que ainda fa zem no veraõ muyto mais apetecível , & delicio-
foaquellefitio» Tem
Livro II. Titulo XXIV. 1 29
Tem cfta Sagrada Imagem , cm alto cinco palmos ,&
aflim ^aindaefíandofcntada^fe vèíerda proporção natural
de huamuy to proporcionada mulher. He formada em ma-
dcyra- A fua Igreja he annexajá Parochia de Santa Maria de
Almacava. Vem fe naquella Cafa da Senhora muytas me-
morias , & íinaes das grandes maravilhas , & prodígios que
tem obrado a favor dos que imploram a fua interccifam , 5c
patrocínio.
TITULO XXIV.
7)a Imagem de wjfa Senhora do Vi^p, no termo da
Villa de ISLemaõ.
AVilía de Ncmaõ , que na opinião de muytos he a anti-
ga Numancia;porque Tito Livio a põem entre os dotis
rios Douro, & Tejo que a cercaõ, Frey Bernardo de Brito
com outros a quem fegue, fe accommoda a que feja Çarrora,
contra os que a puzeraõ junto a Soria ;& como Paulo Oro-
zio diz que a ultima Cidade dos Celtiberos era Num;mcia,&
eftesmefmos fundarão a Cidade de Lamego : bem fc pôde
ter por boa a opinião dos que querem, que Nemaô kja as
re/iquias da antiga Numancia , pois tanto feaííemclha no feu
nome. He efta povoação muyto nobre, difta de Lamego oito
legoas. Tem hum grande ,& antigo Cafteilo, com muros
também antigos, obra ao que parece dos Romanos , & ainda
amayor parte dellcsmteyros. Dentro delle fe vê hua notá-
vel . ci (terna decantaria ,& de cxceliente agua. Vem fc no
circuitodo mefmo Cafkllo, & muros delle , muytosletrey-
ros antigos dos Romanos, & milhares de fcpulturcs com os
mefmos Ietreyros , & nas pedras que as cobrem, & princi-
palmente nas portasdos meímo$muros;&atíímmeperíua-
do que fe o. Padre Doutor Fr. Bernardo de Brito vira eílas
-Tom* III. P 3 anti-
* 3 ° Santuário Mariano
antiguafhas,naô dcfprczaria a tradição, que os de Nemaô
fcm,ât a opinião que feguem, de que a foa nobre Villa renaf-
cco das cinzas da antiga , êefamofa Numancia.
No termo defta ViíSa fe vêoSantuariodenoffaSenho-
rado Vizo;& eftá a fua Gafa fuuada em ta! diípofição ,quca
fua Capcllamayor fica no termo de Nemaô em a Prcgucfia
dcSaõPedro.&ocorpodamcfma Igreja noda Villa de Saõ
Joaõ da Pcfqueyra. He Templo grande, & tem três Altares,
c >da Capcila mor,& dons colIateraes.Ve fe efte fundado em
hum alto monte, & tem huma torre antiga, que fem duvida
devia fer emoutros tempos atalaya,ou torre de vigia. E da-
qui psrece,fcm duvida alguma ,que derão á Senhora o titulo,
& nome do Vizo- porque da m fma torre íe vè a mayor par-
te das Províncias de Trás os Montes, & outras muy tas ter-
ras, & orizontes , & affim goza aquella Cafa de hua fermofa,
& dilatada vifta.
Eftácfta Sagrada Imagem collocada no Altar mcr,&
fios dous collateraes fe vem outras duas Images também da
mefma Senhora , & Rainha dos Anjos ,que moftraó ferem
muy eo mais antigas: asquaes ambas effiveraõ no Altar mor.
Naõfey fetinhaõo meímo titulo do Vizo,em quanto lá efti-
veraô A Senhora principal , & a que hoje conferva o titulo
do Vi zo , hc a que eíiá no Altar mòr, ( como fica dito ) hc de
vultOj&deeícultura demadeyra,ôc temde eflatura cinco
palmos.
Feíieja-fc efta foberana Emperatriz da gloria em o dia
èt fcu Naicimento aonode Setembro, & he a lua Cafa anne*
xã á Parochia de São Pedro de Nemão, Igreja unida ao Chi-
lrado da Cathedral da Cidade de Lamego. Pela Pafcoa da Re-
furreyção vaõ a viíitar a Cafa da Senhora todas as Frcguefias
dos lugares circumvizinhos,& os povos unidos com os feus
Parochos , & entraõ com fuás Cruzes levantadas- Também
nos Sabbados daQuarefma fazem a mefma viííta. Naô fou-
bc fe he fó a devoção, íe obrigação de algum voto, que fize-
rao
Livro 1L Titulo XXIV. 131
faõ á Senhora, obrigados de algum grandc,& cfpecia! favor,
que delia receberão.
Obra Deos pela intcrceíTaô)& invocação defta Sagrada
Imagem de íua Santiííima May tantos milagres ,& maravi-
lhasse por muytas não as eícrevem.,nem fazem delias me-
moria; incúria que merece fer cenfurada muyto ,como tam-
bém o defcuydo de não procurarem que fe approvcm, & au-
tentiquem aquelles, qne por prodigiofos o mercciaõ.Os mo-
radores das Viilas de Neinaô , & de Saô Jcaõ daPeíqueyra
tem grande devoção com efla milagrofa Senhora, & obriga-
dos dos rnuytos favores que delia tem recebido, 5c conti-
nuamente recebem ,aíHm communs ;como particulares , a
buícaõcom grande fé , & frequenrão a íua Cafa 2 & a feiveni
comfervoroía devoção. Nas paredes daquella Ermida, &
Santuário fc vem pender osíinaes das muytas maravilhas,
que a Senhora obra , & os troféos que tem alcançado contra
a morte , & enfermidades. Quanto á fua origem , & princí-
pios da fua Cafa , não pude defeubrir nada : não confia nem
fcfabefca Senhora apparcceomqueile lugar acndefe Ihec-
rigio a Cafa, & alguém tem para fi que a Senhora alli apparc-
cco, porem não fe affirma por certo : também não confia , fc
naqudle íitio haria antigamente alguma aralaya, ou vigia,
por cujo motivo fe erigio á Senhora Cafa ,& lhe derão o ti-
tulo de Vi zo vou fería por quanto efla Senhora fempre vi-
gia para nos defender de noílosefpidtuaes inimigos.
TITULO XXV.
2)« Imagem âe nojfa Penhora do Caftello } ou a Trenba-fa,
cía VtiU do tajlello.
M
Uytas vezes íeccfiuma dar á foberana Rainha da glo-
ria o titulo ; & invocação da Senhora áo Caílelio , &
P 4 da
%li Santuário Mariano
da torre, para que com cite agradivci titulo para el!a( por-
que he Maria o verdadeyro Caflello , em que Chriflo habi-
Lhí.io tou: I&trultfrJiESiUS in (]uocUlamCaflilhiin)k)2iiVío^ ampa-
rados , & defendidos de noíTos inimigos. E íer a Senhora
Gr*/. 8 Caftcllo,& torre, elfa meíma ocenfefla : Ubera m a (diz a
' Senhora )(icut turris: Eu fouhumhrmiffimomuro,huma
inexpugnável torre ,&hu fortiífímo Caflello para os meus
devotos; fie efles meus pcytos > que celebrais, íaõ como híia
Gh\U fermofa torre : VbtYJ tneajicut turris. Parecerá ir.ii} to cf-
jibbas tranha efla comparação ; mas a Senhora a explica com a pen-
in V.Càt àa do Abbade Guillelmo. Sam peytos,(diz elie) porque co-
mo May alimenta ; & faõ Torrejai Caflello, porque aos que
alimenta defende : Ubera mea non tantúmntltrtewli ,fed&
protegendi Vim babent. Na 6 julgueis , diz a it ifericordiofa
M^y,que o meu patrocínio para , em ufar como Máy de pie-
dade , porque parta também a defender ; porq fe faõ os meus
pey tos de Mãy amorofa que regala , íaõ também efeudos, &
r , (torre de Caflello que guarnece: Ubera mrajicutturris>0\i-
jm m ír^o ao Abbade. Nidlus me putet babere quo nutriam , is non
. habere quo muniam ; miterm ptetas mea, quos nutra , et iam
rnunit. Adoremos pois a efla bendita Mãy , Caflello , & tor-
re noíía : pois com os feus piedofos peytos ampara , & defen-
de aos feus devotos.
A Villa do Caííello fe vèfituada em treslcgoas de
difhnciada Cidade de Lamego para aparte Oriental, &
duas do rio Douro, que lhe fica ao Norte, & três do Santuá-
rio de nofla Senhora da Lapa ; que lhe fica ao meyo dia- Ve-
fc efla Villa cercada de duas Ribeyras , que unindo-fe meya
legoa abayxo da mefma Villa } conflituem hum baftante rio,
aquedaõonomedeTedo. Nefla Vi!la;quehcmuy to antiga,
he celebre o Santuário de noffa Senhora do Caflello, ou a
Senhora Prenhe , ou Prenhada. O titulo do Caflello fe lhe
impoz, nio fó por razão da Villa, que fe denomina Caflello;
rnas por apparccer cm hum alto, que nos tempos antigos, &
no
Livro II. Titulo XXV. 233
no dos Mouros era Caíídlo , de que ainda ha veiiigios , &
taõ forte, & íeguro por íua imminenciajque delíe fe podiam
bem defender ás pedradas, & aílím^por fua fortaleza , pare-
ceque cfcufàva paredes , porque lhe b^ftavão as que for-
mou a natureza. Aqui nas ruinas deite Caftello appareceo
eíta SantiíÍJma Imagem, em o lugar aonde depois fe lhe edifi-
cou Cafa,quc vcyoa fera Ma tríada rnefma Villa.
A forma do apparecimentodeíla Santiífima Imagem, &
^)uem appareceo, já hoje fe ignora ; mas como fe deite par-
te de fua manife ilação acs moradores da Villa , que na fral-
da daquelle monte tinhãoafua povoação,& a fua Igreja; jul-
gando que lá em cima noCaírello não poderia a Santiífima
Senhora fer fervida, como merecia , fe refolverão a trazei-
la para a Igreja da Villa, que não dilía muyto : mas para fu-
bir ao alto do CafteI/o,he huma irrminencia tam grande, que
curta o lá chegar. Com eíta refolução diípuzerão huma pro-
ciííaõ , & foraô ao alto do monte , & trouxeraô a Santa Ima-
gem para a fua Igreja. Mas como a Senhora queria que no
mefmoíitioaveneraííem, nãoquiz ficar com elles na fua Pa-
roquia^ sffim por minifterio dos Anjos foy tresladadaou-
tra vez ao feu monte, ou Caítello. Varias vezes a trouxeraõ
deite fitio , fe affirma ; porque da primeyra vezqueoFaro-
cho com o feu povo a trouxeraõ, ficando todos muyto ale-
gres^ contentes por haverem collocado a Senhora em a fua
Igreja; feintriítecèraõ , & defconfolárão muyto nodiafe-
guinte, quando foraõ á Igreja, & a não acharão. Cuydadofos
da caufa , & do motivo, que haveria para lhe roubarem a Se-
nhora , quizerão examinar fe por ventura feria levada ás cf-
condidas : ou quem feria aquella peííòa , que a furtaria; por-
que poderia bem fer, levarfe oceultamente por aquelles que
nãoapprováraôa mudança.
_ ^Foraõ ao mefmo fitio do Caf}ello,para ver fe lá a defeo-
briaõ, & lá acharão a Santa Imagem;procuráraõ logo trazei-
la na mefma forma : até aqui naô fabiaõ^ue os Anjos eraô os
que
134 Santuarh Mar iam
èue lhehaviaõ feyto o furto , nem íc lhes reprefenteti ;qifc
elíes, que huma vez s levarão, ò pediaõ fazer mais VC2CS.
Muyto fatisfeitos ficarão todos com trazer a Imagem da Se-
nhora fegundã vez; mas quando virão que a Senhora tam-
bém deita lhes havia deíapparecido, fe derão por convenci-
dos, & não quizerão porfiar mais , entendcndo,que a Senho-
ra não queria que a mudaíTem daquclle lugar, em que feria
^rovave! que nó tempo dos Godos nelle feria Jouvada,& ve-
nerada; & affim lhe edificarão em âquelle mefmo íitio huma
%rejâí que logo fe erigio em Matriz , que foy depois Abba-
dia, que aprefentavaõ os Condes de Marialva. E ainda hoje
ÍC Vem as paredes da ca fa do Abbade junto á Cafa da Senho*
ia. Más hoje já efta Igreja não he mais que Rcytoria ,&os
dízimos delia comem os Rcligiofos de S. Bernardo do Con-
vento de Salzedas.
Quanto aô tempo da manifeítaçaõdeíla Santiflíma Ima-
gem, não ha quem diga com certeza , em que tempo foffc, A
mm fe me reprefrnta , feria logoque aquellas terras forão
pacificamente pófTuidas do$ Chfiftãos , & que tendo aqutt-
ItS moradores formado alli na fralda daquelle monte a fua
povoação , fe manifefiaria no alto daqtielfe monte , ou pe-
nhâfco â Senhora, Fundo efte meu difeurfo em que no anno
dt 1297. diz o Padre Meftre Fr. Franeifiso Bnsttdaõ na fuá
Monér. Motiáfchia LUíitana, que íahira de Coimbra ElR-ey Dom Di-
part. \. n>jS;Coni f€li filho o Príncipe Dom Affoníò , para Trancofo,
y7# €t (quehia para fe deípofárcom a Infante D. Brites) & dizo
■* Chronifh, que no mefmò dia que chegou a Trancofo , dera
licença a Fernaõ Sanches feu filho , para trocar com o Mof*
teyròde Salzedas a Igreja de Fonte Arcada , & fnaisheran-
f as> que o Moftcyro alli tinha , por feffenta Iibraf> de renda^
& a Igreja de Saõ Pedro de Taroucâ.Ê Corno efías terras Ía5
alh vizinhas, porque dillaô fomente trcsk-gcasda Viíla do
CaíkHo,bem podia fer também aquella Igreja do Padroa*
do do mefmo Infante Fernão Sanches , & eiie íeria ©que fa-
ria
Livro ILTitulo XW. i$f
riâ a troca com o Àhfcude de Saizedab ,& de cnUõ para cà le-
rá aqucUa Igreja do Padroado do Moíteyro. E affim iítojà
moftra tmhi (k quatrocentos annos,& haveriaô pagado tam-
bém maisde cento , de fua oianifeflaçào ; com que fe moftra
fierella mny to antiga,
Quanto áíua origem , também me perfuado, aquece
tempo dos Godos feria aquella Santiffima Lungem venera-
da em aquelle mefmo lugar, & a titular da íua Igreja , & Caf-
tello, êc que depois entrando os Mouros 7 ou os Chriflãos a
cfcondèraõ , ou os Anjos , que lhe fanaô fintinelía , & a de-
fenderiaõ , para que os bárbaros lhe não podeífem fazer al-
guma irreverência &naquelíe lugar fecon ferva ria, atèque
paffadoaquellc grande calíigo, & reíHtmda a terra aos ChrU
flãos, os mefmos Anjos a maniíefiárão fobre as ruinas do
Cafteílo,& da Igreja antiga. E porque a Senhora havia fido
louvada, & venerada naquelie me imo lugar , não confentio
cm nenhum modo , que a apartafíem delle* Iíto he o que me
parece.
Quanto ao titulo da Senhora a Prenhada ,he o titulo
que com muyta propriedade fe lhe deve dar; porque fe vê ef-
ta Santiífi na Inagcm como fagrado ventre avultado , &;
a mão efquerda fobre eile, & a direy ta eítendida He cita de-
voufli-na Imagem de efeultura formada em pedra ; fua efta-
tura he de cinco para féis palmos, &he rara a fua fermofura,
Cofluma a devoção dos que a fervem tella adornada de rou-
pasde feda, para mayor veneração; & eu differa que baflava
ijueihe puzeíTem mantos ricos , por naõ oceultarem o fan-
tirTínomyrterioqueeUa reprefenta ; porque aífim fe vèa Se-
nhora Prenhada, que fe venera em a Cathedral da Cidade de
Coimbra, que eítá em a meíma forma.
Os milagres, que obra efta grande Senhora , Ía6 infini-
tos, & aífim he muy to grande a devoção com que a fervem os
moradores daquella Villa , & com que a buícaõ todos aquel-
ks povos circunvizinhos > os quaes continuamente vem à
fua
t$6 Santuário Mariano
fua Cafa de diílancia de duas,& três legoas cm circuite: hua
maraviTh:i fuecedeo, queaugmentou mais cm todos agran-
de,Mervorofa devoção com que todos bufeaõ a efta miieri-
cordioía Senhora , & foy,queem humanno , padecer» do a-
quella Villa , 8c os lugares, 5c Vdlas çircumvizinfoas hum
grande açoute do Ceo, com huma grande praga de lagarta.,
que tudorohia, & depois com outra mayor delangoíía ,ou
gafanhoto, que tudo abrazava; nefta afflicção recorreram
todos aquetlcs povos á Senhora , para que cila como miferi-
cordiofiffíma Mãy lhes acodiífe , & a Senhora o fez rantoá
medida do feudefejo, quealagarta , & gafanhotos defappa-
recèraõ,& deyxárão os campos ,& fazendas livres de leus
vorazes dentes. Mas que muyto,(e todos osnoffosbens,8c
felicidades nos vem por erta Senhora ? ella he a que nos li-
vra de todos os trabalhos, & de todos os males;q por noílos
peccados padecemos. Por 1ÍT0 dizia á Senhora S. Germano,
C^Tãt Arcebifpo Conflãtinopolitano: Nullus efe cjuifalvusfeit nife
firm*dc Ptr te ò Sanlfijjima; nullus efe qui liberetur a malU nifi per te
Zq»*. ò Turiffima \ nemo elt cut dono concedatur rufe per te ò Cafliffi-
ma. Tudo nos vem pelas maõs defta Senhora ; porque a fua
piedade não fofre vernos padecer , fem que logo nos acuda
a nos remediar.
Saô continuas as romagês, que vem a venerar, & a lou-
var a efta milagrofa Senhora, de todas aquellas terras,& lu-
gares circumvizinhos , principalmente nos Sabbados da
Quarefma , & nas oitavas da Pafcoa , & em outras feílas do
anno , por votos que antigamente fizeraõ á Senhora , para
que os li vrafTe, como livra continuamente, das pragas refe-
ridas , & de outras femelhantes , que coílumão infeftar , &
deílruir as fuás fearas , & miihos. E hu dos povos , que mais
fefíngulariza na fua devoção para com eíia milagrofa Se*
nhora, he o da Viilade Barcos, pnrque em tendo neceffida-
de de Sol, ou de agua , ou quando fe vem com outra qualquer
neceílidade, ou affiiçaõ , recorrem íogo com grande fé á Se-
nhora,
Livro ILTmloXWL 137
nhora , & vão á fua Caía a pè , ou deicalços , & logo alcan-
çaõ delia tudo o que lhe pedem.
Ncfícs favores que da Senhora recebem, coflumaõ a ir
logo a darlhe as graças , empenhando-a cem eíte aâo de a-
gradecimento, para lhes fazer outros may ores favores.Eíhs
devoções continuão ainda hojc,& entraõ na Cafa da Senho-
ra com as fuás Cruzes levantadas , & ciríos , acompanhados
dos feus Parpchos. Na fua Cafa fe vem pender as memorias,
& os íínaes de íuas maravilhas , que eflão acclamando o ícu
poder, & tambema fua grande piedade , comque nos acode,
nos livra , & nos favorece em todos os noffos trabalhos.
TITULO XXVI.
©4 mVagrofa Imagem de nojfa Senhora do Ve ff erro»
DEftas Santiffimas Imagens, que agora refiro , devia eu
dar noticia nos princípios defle fexto livro, quando
dey a breve noticia da Senhora de Almacava , ou Almacavc;
mas como as noticias vierro depois de haver tratado de ou-
tras mais remotas^entendi que nem por iíTodevia omittir to-
das as mais, oue pelo meu cuydado, ôc diligencia pudeífe al-
cançar; & sfíím em primcyro lugar trato da Santiflima Ima-
gem da Senhora do Deflerro.
A Cidade de Lamego tem a fua fituaçaõ de Norte para a
Sul, & hum pequeno rio a corta pelo meyo- Na parte meri-
dional tem aorioBalfemaõ 3& pertodapontedomefmorio,
que dá entrada para a Cidadc,fe vèno principio delia , junto
áCruzdosefgalhos,o Santuário de noíía Senhora doDcC-
terro em o principio da rua da Corredoura; & para a parte
do Oriente fe vè também o Santuário de noíTa Senhora dos
Meninos, de quem já eferevemos acima. A Senhora do Def-
lerro era venerada antigamente em huâ muy to limitada Er-
mida^
%l % Santuário Mavtam
mida cm a mefma rua da Corredoura , no deílrito da Frc-
guefia da Sé; na mefma rua morava híi homem chamado An-
tónio Fernandes, devotiffimo de noífa Senhora, & para com
aquellaSanuífirna Imagem tinha húaaffrdtuofa devoção; le-
vado delia defe jou edificarlhe huma Cafa mais capaz,em que
pudeíFe fer fervida , & venerada de todos os moradores da-
quella Cidade: mas como era pobre ,& naô tinha paraefla
çmprefa mais que bõs defe jos \ eíles o animarão a ir bufear ao
Balio de Leffa D. Frey Luis Alvares de Távora, ( da cafa dos
Condes de Saõ João , hoje Marquez de Távora) o qual tam-
bém tinha a Comenda de Piares , & fallando lhe , lhe pedio
lhe deíTe huma efmola para levantará Senhora do Deíierro
hQa Ermida , porque a fua por muyto antiga fe havia arrui-
nado.
Vendo o Balio a devoção de António Fernandes - & a
fuamuyta íinceridade fe offerec^o para mandar fazer ao-
bra ,& aífim mandou edificar á Senhora huma nova Ermida,
com tanta grandeza, 5c magnificência , que he a melhor , ôc
a mais bem adornada de quantas fe vem naquella Cidade de
Lamego. He cfta Ermida de muyto boa fabrica, & de perfei-
ta arquite&ura ,tem fua Capella mòr , & duas collateraes.
Na Capella mòr fe vécollocada a Imagem da Senho^do De-
fterro, que he de vertidos , & tem muytos que lhe offerecè-
rãoos feus devotos em memoria dos favores, que da fua
clemência recebèrão.Tem pela mão ao Menino Deos.quan-
do do Egypto voltava para Nazareth , & da outra parte fe vé
S.Jofeph feu Efpofo na mefma forma que a Senhora. A efta-
tura defta foberana Imagem, faõtres palmos & meyo,&da
meíma eftatura he a de S.Jofeph feu Efpofo Nas collateraes
tem a S.Gonçalo,Imagem muyto milagrofa,& a S< António-
Tem a Senhora do Deíkrro hfia muyto nobre ,6c fer -
vorofa Irmandade , que a ferve com muyta veneração , &
cuydado , 5c para que efía mais fe augmentaffe , procuraram
os feus Irmáos,da Sè Apoflolica hum grande thefouro de In-
dul-
Livro II. Titulo 1WI. 23$
du!gencias:tem quatro Jubilcos em quatro dias particula-
res do anno. Tem hum Capelião perpetuo , & hum Sadrif-
taõ para ajudar ás MiíTas , que ordinariamente fe dizem na-
quella Ermida da Senhora vinte, & muy tas vezes mais, por-
que todos os Sacerdotes , pela devoção da Senhora , a defé-
}ão ir dizer no feu Altar, & como fe dá para todos os guiza-
mentos neceffarios, de hofiias, vinho,& cera, ( porque tudo
iílo corre pela defpeza da Irmandade ) por iffo faô tantos os
que concorrem, & tudo naquella Igreja eflá com muyto ace-
yo; &- perfeyção ; & femprea Igreja da Senhora ellá aberta,
para íe não impedir a devoção dos que continuamete a buf-
cão> & como ellá obra muy tos milagres,& maravilhas, fcín-
pre he frequentada a fua Ca& de devotos , que vaõ a implo-
rar da Senhora feu favor, para poderem tolerar os trabalhos
que fe padecem neíle miferavel defterro do mundo,
Naõtem rendas particulares , & aflim a íua Irmandade
he a que acode com todas as defpezasneceífarias , nãofó pa-
ra a celebridade das fuás feitas , mas para tudo o mais ; para?
iflo pedem também efrnola pelo Bifpado. Também tem Mif-
fa particular em todos os Domingos, & dias Santos, a qual
he obrigado oCapellaõ da Senhora dizella ás onze horss.
Para eíta Miífa fe deyxárão á Senhora duzentos mil reis,quc
eftaõajuro, & delle fe pagam as MiíTas a razaô de oitenta
reis de efmola , & o que íobeja do juro he para a fabrica da
Gapella.
Quanto ao tempo da primeyra fundação daquelle San-
tuário, & origem delle, não ha noticia alguma ; o que fe en-
tende fer muyto antigo , & das primeyras Ermidas , que fc
fundarão naquella Cidade,dcpoisquc foy recuperada do po-
der dos Mouros. Afefíividade da Senhora do Defterro fc
celebra na quarta Dominga de Agofto •, mas com o Evange-
lho de S.Mattheoscapc 2. Sur gt}iS accipe piurum r, & Ma-
trem ejm jiSfnge ir, sJEgyptum. Que ainda que a Senhora
nefiaoccafiaõ o levava nosbrâços recém nacido, omyftc-
rio
1 4<* Santuário Mariana
rio o reprefenta já de íete annos na peregrinação , 8c vdta
doEgyptopara aterra delfrael.
D:flc Santuário da Senhora do Dcfterro coftumaõ os
Senhores Bifpos daquella Diocefí, quando vaõ novamente
atomarpoíTe j a fazer a fua entrada, &da!Ii fahem levados
com toda a folemnidade dcbayxo de palio , acompanhados
de toda a nobreza, & po/o da mefma Cidad e.
TITULO 'XXVII.
Da Imagem de noffa Senhora do Soccorro > da mefma Ci-
dade de Lamego.
c
Om foberano defHno invocamos os homens a Maria
Santiffíma,comoa noffo único foccorro cm todos os
noífos trabalhos , & tribulações , & como a nofíb alivio em
todas as noíías penas , & affliçoens \ porque cm tudo temos
nclla alivio j & foccorro. Em apenofa, & eftreyta cama da
Cruz fc achava o Senhor JESUS Chrillo , quando olhando
para fua Santiííima Mãy , lhe encarrega que veja , k eílime
joAn. como a filho ao Difcipulo J oaõ- Porem logo fe oíferece hum
i9. grande reparo , que não chama á Senhora Mãy , fenão mu-
Chryf. Iher: Multer } ecce filtws tuus. Mulher agora? Para quando
homà<\ eraõ ma/s próprias as ternuras , que para o tempo da ultima
ln /om. defpedida? Saô Joaõ Chryíbíiomo diz, fora para naõ laftimar
**\ a fua Santiífima Mãy. Seria porque a naõ tiveífem por mais
Ih*- 9uecrcatura? Affimo diífe Epiphanio.Ou feria por eflar o-
ref.o? brando hum negocio taõfupcrior. Aííimo ponderou Agof-
J'l ln tinho meu Padre. Mais nos quiz enfinar o Senhor ( diz Sam
Iqa».i9 Pafchaíio)como fe achava o Senhor JESUS Chrifto' Em os
tormentos da Cruz defpido, ferido, pobre, com fome, & fe-
dei & cercado de agudiflimas dores;& tambem fe achava com
determinação de padecer fem algum foccorro,ou alivio,que
por
Livro II. Titulo XXVII. 241;
por iíTonaôqmz beber o vinho myrrado'.CunigiiftaJfet,no- Matth.
luu ^/^rf-Eis-ahi(dizS.Pafchafio) porque não chama á Sc- 27»
nhora Mãy,fenão Mulher: Mulier,ecce filiustuus* Porque
oinvocallaMaria, fora certamente hum grande foccorro Joa**
cm as fuás penas , Sr hum grande alivio em as fuás dores , & is.
trabalhos. Mulher ,&naõ Maria a chama ; porque quer pa-
decer fem foccorro } & íem alivio , & eníinarnos a nós , que
nos deyxava todos os foccorros,& alívios ern Maria- EaíTím p r,~
Mulier, & naõ Maria, ( diz S.Pafchafio ) ne tam digna prola - L *H t*n
tione, Lbrijfi dolores mhiuerentur-Em Maria eftá o noíío foc Matth.
corro, & o nofíò remédio ; Remedium impetra? cegrUytS nf-
fltãis. Recorramos fcmprca Maria,porque nella temos foc-
corro , alivio y & remédio. Porque cila he ( como diz o meu
S. Thomás de Villa-Nova) o noíTo foccorro, & o noíTo uni • Th*mí
co remédio: Remedium unicum noftrum- de ViU
Dentro da mcfma Cidade de Lamego ,á parte doLef- Nov-
te, fevè o Santuário, & Ca fada Senhora doSoccorro.Nel- C,on^\
la fe venera huma de votiflima Imagem da foberana Rainha "eN"**
dos Anjos,com quem toda aquella Cidade tem muy to gran-
de devoção. He invocada de hunscom o titulo do Soccor-
ro , & feria porque ella he a que nos trabalhos deíla mifera-
vel vida fempre nos foccorre , & favorece. Outros lhe cha-
mão noíTa Senhora da Lapinha , & he tradição que apparecè^
ra em hua , aonde pelos Chriftács fora efeondida ; para que
o furor dos Mahometanos , quando fefizerão fenhoresde
Hefpanha,& Portugal, lhe não fizeífem alguma irreverên-
cia, ou defacato , & que fe manifeftéra,depoisxjue os Mou-
ros forão lançados fóra^quando appareceo a Senhora da La-
pa^de Quintella. Naõ confía nem oannode fua manifeíta-
çaõ, nem a forma delia, que feria muyto prodigiofa.
He efta Ermida muyto antiga , & tem a porta principal
emaruadireyta. A Senhora fe vè collocada no Altar mòr;
he de roca ao que parece j porque cftá adornada de veftidos,
& tem cm feus braços ao Menino Deos. A fua cftaturafaõ
Tom- III. Q^ qua-
14 l Santuário Mariano
quatro palmos ; feíleja-íe em 8. de Setembro , dia de fua glo-
riofa Natividade ,& em que naceo para o mundo a nova luz,
& iedeftcrráraõ as trevas \ porque com a protecçãode Ma-
ria ti verão os homês \ quando entrou nefle mundo , quem
os foccorreffe, &íntercedeflcporel!es.Tem aquella Cidade
de Lamego muyta devoção com cila Senhora. He a fua Ca*
fa annexa á Parochia de Aímacava/)u Almacave.
TITULO XXVIII.
*Da Imagem de nojfa Senhora da Ta^ em o mefmofitio.
v
Árias vezes temos tocado eíle fantiílímo titulo da Paz,
titulo impoílo a Maria Santiflima cô muy ta proprieda-
de;porque cila he a nofía Paz, a noíTa alegria, confolação,& a
, 2 , faude do mundo, como a acclama S.Ephrem : íPax,gai4dium9
àeUud c°nfdatio3 ts falm mundi. Por hum dos lados da Ermida de
j5, ym noíTa Senhora do Soccorro fobc huma efeada, que faz cami-
nho para o Santuário de noíTa Senhora da Paz. Fica eíla Er-
mida nas cofias da Cafa de noíTa Senhora do Soccorro y tam->
bem para a parte do Levante da mefma Cidade. Eíla Cafa he
antiquifilma , 5c affirmaõ fem controversa fer eíla a prrmey-
ra Igreja,, & a Cathedral daquella Cidade } ou a Matriz , lo-
go que fe recuperou do poder dos Mouros. Fica bfem conti-
gua ao CaíkÍío,& pôde bem fer ferviíTeaosMouros de Mef-
quita .que a profanariaõnafua entrada aílímcomo depois
os Chriílãos a purificarão, & confagrárãoao mefmo Se-
nhor, de quem havia fido Templo. Querem tombem alguns
que ElRey Dom Affonfo Henriques edíficaííeella Igreja , &
que elie a dedicara a N. Senhora , &queclie fora o quenclla
coliocara a Imagem Santiflima da Senhora da Paz- Etudofe
pôde crer dâ piedade defte íanto Rey ; porque íffirmão que
edificara mais de duzentos Templos^ & muytos delks n?ag-
nifi-
Livro II. Titulo XXVIII. 24|
niíícoSí&affim bem podia ciie.íundar também eíle#
A Imagem da Senhora da Paz eflá collocada no Altar
roòr : a lua efla tora faõ perto de féis palmos , & tem em feus
braços ao Menino Deos,hede roca A de veflidos.Tambcm
daõ a efla Senhora o titulo do Salvador , & fem embargo de
que teve muyta razão,» quem lhe pozefte titulo; porque ver-
dadeyramente ninguém tem mais parte em o Filho que fua
Mãy,& também íb o Salvador he o que tem mais parte em
fua Santiffíma Mãy ; ainda aílim não nos confíou da caufa
porq fe lheimpoz. He efle Santuário annexo, como a referi-
da Cafa da Senhora do Soccorro, á Parochia de Aírnacava.
Nos annos paffados íe via efla Cafa da Senhora da Paz
quafí deferta; porque era pouca, ou nenhuma a devoção com
que era bufeada. Mas hoje em que he tão defejada a paz } que
a Igreja tanto nos recomenda peífamos continuamente a
Dcos , fe moveo a devoção, para fecuydar com particular
cuydado,&attençãoda Caiada Senhora ; para a obrigarem
que ella no la alcance de feu Santiffimo Filho , & affim fe vè
hoje reparada, & adornada. Tem hum adro pequeno, que fi-
ca junto ao Cafiello, que também eflá teflemunhando a an-
tiga edificação, & exiflencia daquelía Cafa ; porque alli fe ve
muytas fepulturas de pedra , ou monumentos antigos j que
faôhuas pedras grandes cavadas ,com fuás tampas, ou cu-
berturas , & ainda que já nellas fe não achão ofíos de defun •
tos,fe vèquenelies fe fepultavão as peffoas nobres , &il-
luftres.
TITULO XXIX.
Da mtlagrofa Imagem de nojfa Senhora da Efperança. joa»:
Geom>
HE Maria Senhora noíTa a Efperança de hum, & outro HjmJc
mundo; diffe o Joaõ Geome tra : Spes utrmíque mundL&K
CL* Ea
144 Santuário Mariano
E a Efperança de todosjporque ella he a Efperança dos Patri*
arcas, o preconio dos Apoítolos , a honra dos Martyres , a
S.Eçhr. alegria dos Santos, & o lume de todos os Juílos : Spes única
imtio (patrum, gloria Tropbetarnm , proecovium Jpojlolorum , ko~
Land. noY Martyrum , Utttia Santiorwn , & lúmen probatijjimo-
B* r- rum, como diffe S. Ephrem \ & aífim he juíio que cm todas as
nofiaspertençõesa invoquemos , como a noffa única efpe-
rança. Por iffo a Igreja Santa na Antiphona da Salve , chama
a cita Senhora : Fida^chçura, & efperança noffa ; porque ain-
AnoUt da que ouve hereges blasfemos, que intentarão efeurecer
trom.p. de Maria Santiffima efte gloriofo titulo de Efperança nofla,
com affedlado zelo, de que fe ha de efperar em fó Deos, não
mereceo a fua foberba a luz., para entender como fe ha de ef:
perar em Maria.
r Claro efíá que efla Senhora não he Deos, (como diffe o
pJaL l Real Profeta ) cm Deos fe ha de efperar : S per ate in eo omnis
cmgregatio / opuli. E repete muytas vezes \ que he Deos a
PT t6 n efperança : Tu es Domine Jpesmeax Spes omniumfi-
' * 4 nium tyfrfy & ainda myfteriofamente diz que fe ha de efpe-
rar em fó Deos •, porque diz , que Deos he a fua efperança,
ff***1** defdeque efteve aos peytos de fua Mãy : Spes mea ab uberi-
bm Matris med. Falia á maneyra de hum menino que expu-
zeram ás portas de hum rico , quando era de pey to , que de-
pois íendo já homem , não conhece mais pay,nem mãy, que
a quem o amparou , & sflim põem a fua efperança fónellc.
Soa vos Deos meu conheço por Pay , para efperar fó em
vòs : Spes mea ab ufa ribus Matris mede. Porém naõ tira ifto
ffir*u qUe ponhamos em Maria Santiffima a noffa efperança 5 por-
que naõ fe põem em Maria Senhora noffa corno em Deos.
Põem fe a efperança em Deos como cm caufa primeyra ,&
noffo ultimo fim ; porem em Maria fe põem como na Mãy de
Deos podcroíiffima para interceder , & para o dizer em hua
fó palavra, pondo a efperança em Maria , fe poem em Deos;
porque quer Deos que a ponhamos em Maria fua Mãy,como
em
tam,
tn
Livro 77. Titulo XXIX. 247
emquem participa mais do feu poder. Naóhc oquelhedizu Cánt.i<
a leu Santiflimo Filho emos Cintares: Flores appurucrunt
in terra nvflra:N& nofíz terra appareceo huma fermofa po-
voação de flores. Já fe íabe que as flores fígnificaõ a efperan-
ça : Inflorejpes, diíTe Hugo Vidorino ; mas note-fe com o Hul*
Abbade Guilicimo /que nâo diz eftava a efperança em a ter ^cL j
ra de JESUS , ou em a terra de Maria ,fenaõna noite terra; /£ *
porque fez oamor commum o poder de JESUS, & de Maria; qhíi
para que a efperança, que fe põem nainterceffaõ de Maria, Ab.i
fe julgue pofta em o poder infinito de JESUS: /// terra no- Cant.z.
Jlra, diz Gailhelmo: Ide o noflratfuia omnta mta tua ftvit, &
omniatm fwit mea* E aífim como todos os poderes deDeos Dama/:
eftaô poítos nas mãos de Maria, nella devemos pòr toda a Otm r.
noífa efperança •> porque cila he a efperança de todos os de Nau
Chriftãos , como diífc o Damafceno : Spes Chriftianorum. *• *?
O Santuário de noífa Senhora da Efperança fe vè fí-
tuado no fim da Cidade de Lamego } quando fe fobe a ella
pela parte do Norte , & para a mefma parte lhe fica o rio
Douro em diftancia de hua legoa , & quaíi na mefma diftan-
cia entra o rio Baroca a oíferecerlhe as fuás correntes , que
augmentadas com as das duas ribey ras , a de Balíemaõ , & a
que íahe da Cidade ,vay taô ufano a vifitallo. Ve- fe fituado no
nm da rua da Ceara. Efta Igreja fundou hum devoto Cléri-
go, ha mais de cem annos , & aflim fe entende feria pelos an-
nosde mil & quinhentos & noventa , pouco mais , ou me-
nos- Depois de fua morte ficou a 2dminiftraçaõ ao povo,que
a tem com grande aceyo, & muy to adorno-
Eftácollocada a Senhora da Efperança nomeyo dore-
tabolo do feu Altar mòr; he de efeultura formada em pedra,
& tem em feus braços ao doce JESUS Menino. A fua eftatu-
ra fam cinco palmos. E o fer formada em pedra me faz con-
íidcrar,queou efta Santiííima Imagem appareceo ao tal Clé-
rigo^ lhe rmndouquc lhe edificaffeaquellaCafajouque
elle por algum celeftial deftino a tresladou de outra parte,
Tom. III, Q^5 aon-
24<* Santuário Mariano
aonde cu eflaria ccculfa,ou eíquecida , & falta daquella ve-
tlerL;aTr ihc Cra í n d3: ? fuJ^°me íer ccm aIíU Par-
ticular, & fobcrano deíhno fundada cita Cafa j porque logo
a .Senhora começou a obrar grandes prodígios , porque faó
nu»as , & notáveis os que tem obrado depois que fov coí-
locada naquelia nova Ermida. Quando ha neceffidades pú-
bicas comoem faitasdc Sol, ou de chuva , logo querecor.
rem a Senhora da Efpcrança , alcançaó do Ceo tudo o de que
necefficao; para ido fazem precifíbes, em que vaõ á fua Cafa
a . rogarlhe intenta* a feu Santiííímo Filho pelo feu reme-
dl0j& nunca as fuás efperanças fahem fruflradas: porque
ACXt euT' 1,1CS temf,oftrado ° quanto tila fe compadece
dos trabalhos, & neceffidades dos peccadores
He efla Sagrada Imagem de grande feriròfura,& muy-
}o devota,* affimhe bufeada de todos os moradores daquel-
la Cidade, & todos em particular arháo na fua prefença ali-
vio , & confo açao Fcíxeja-fe cm cinco de Agofío , & ne fle
dia tem grande Jubtleo , de que goza ô todos os que vifitaô a
fua Cafa confeflados, & facramentados. E outros tresmais,
que fe ganhão cm outras féfliyidades da mefma Senhora. He
annexa efla Ermida á Parochia de Santa Maria de Almacava.
TITULO XXX.
T>a Imagem de mjfo. Senhora das Lages.
T Ratamos nefle titulo da Senhora da Lagem, ou das La-
ges; titulo verdadcyramente myfjeriofo. He de laber,
que o demónio, para introduzir no n undo o pecrado origi-
*«"A x? ' t0ni0U a f6rma dc ferPente: Sed <? rerixns ttat calhdu.r.
Notem agora a differença grande com que fç porta a ferpen-
tc em a terra , & em a pedra. Em a terra imprime , & dcy xa
íempre rafles, & vefligios das fuás tortuofas voltas; mas
n»
Livro II. Titulo XXX. 247
na pedra por mais que forceje?não pode lonprimir nella o mais
leve final de fuás eframas Diz o Profeta I faias :Q^md j pro-
fetizo o remédio do homem em o Divino Cordey ro Chriíto /fi/,
JESUS, peço que venha: Emitte agnum de petradeferti ,& cap. 16.
profetizo que virá de Maria , & por Maria, não como terra,
roas como pedra: Depetradèferii) porque Maria deíde a lua
Conceycaõjdeídealeu primeyro inílantc fcy pedra firme,
em quem não pode imprimir a antiga ferpente os venenofos
veftigios da culpa. Aííimodiz Alberto Magno: Hxce/1 pe- Alb.M.
trâjupnqmm noneft inventam vefligium cdubrl^iJeft éa- ^-8.*
boli. Concebafe pois Maria como pedra firmiflíma ,& como L
pedra entre o mundo, para que nella tenhaõ os homes as fuás Ci
felicidades , & para que com a fua prefença defappareção as
B.Aiar.
ferpentes venenofas , para que nao poíTaõ chegar nem á ter-
ra aonde Maria aiíiite.
Para a parte do Oriente da referida Cidade de Lamego,
& junto á ribeyra, que a corta pelo meyo , antes de fe ir a en-
corporar com o rio Balfemaõ, & em pouca diilancia da C ida-
de , fe vè o Santuário de noflfa Senhora da Lagem , nome to *
mado do fitio em que fe lhe edificou a Igreja , em que he ve-
nerada, Efh Ermida mandou fazer hu Cónego daquella Sé,
(naõ confta o anno) efoamava-fe Miguel Freyre , como fe vè
de híía pedra que eftá na Capella mor, aonde fe declara o que
devefatisfazer o adminiftrador, (quefaõ os Morgados de
Balfemao) que he MtiTa todos os Sabbados,& outros dias
de noíTa Senhora, 6c de Saõ Jofeph , & Ssrmão, femnotaro
dia, &a nada diftj feda fatisfaçaô , &fó por devoção fe di-
zem á Senhora, nos dias Santos, algumas Mífías ', ou em ou-
tros dias } fegundo a devoção dos que as mandaõ dizer.
A origem deita Santa Imagem ,&o motivo que aquel-
le devoto Consgo teve para edificar fobre aquelia lagem, em
que fe vè junto ahuma ponte , totalmente fe ignora já hoje;
mas não pòdedeyxarde haver nefherecçiõ algum grande
rayflerio 5 porque nem o lugar fof ria a edificação, nem oiitio
Q_4 pare-
248 Santuário Mariano
parecia a propofíto para ella, por duas razoes; huma por fer
íítio incapaz, & outra por cftar muyto mal avaliado ; porque
íè diz, que naquelle lugar fuecediaõ muitas mortes,& mui-
tas deigraças,& nelle fe cemettiaõ muy tos peccsdos.Seo de-
voto Cónego fundador dedicou aquella Cafa a Senhora , pa-
ra que com a fua prefença fugiíTem os demónios , que feriaõ
osqueinfeftavaôaqueílelugar; cu fea mefma Senhora ap
pareceo ao tal Cónego como Mãy que he dos peccadores 7 &
que fempre fe compadece das fuás ruinas 1 & lhe mandou lhe
edificaffe febre aquella lagemhuma Ermida, não confla com
certeza mas a mim fe me reprefenta ,que a Senhora compa-
decida da ruina das almas lhe appareceo, ou viíivelmente,ou
em fonhos, ( ou lhe infpirou) mandandolhe que fobre aquel-
la lagem > que era o quebradouro das con (ciências , lhe eri-
giffe huma Cafa } aonde collocaria huma Imagem íua , para
que ella foífecomo he a quebrantadora da cabeça da ferpen-
te infernal 5 & a experiência o confirma \ porque depois que
fe fundou , & edificou á Senhora aquella Ermida,nunca mais
ouve naquelle lugar as antigas defordés, & defgraças-
E o naô fe dar á Senhora outro titulo , fenaõ o da La-
gem, me confirma mais em que a edificação íe fezporimpul-
fo foberano; porque como efla Senhora he a pedra do defer-
to, aííim naõ qneria que naquelle ermo > & defpo voado íitio,
& fobre aquella pedra figura fua , pudeífe a infernal ferpen-
te imprimir rafto algum, não digo na pedra , que era impof-
íivel ; mas nem na terra circumvizinha , & aflim a defíerrou
aos abyfmos, para que nunca miis naquelle lugar appareccf-
fe. Porque fe fora por particular devoçaõ,que o devoto fun-
dador tiveffc a algum efpccial myfterio da íoberana Rainha
dos Anjos; efie fe exprefFára, & não deyxaria de fe dar á Se-
nhora outro diíFerente titulo , porque o naõ teve atè o pre-
fente , mais que o da Lagem com que he invocada.
Hoje fe vè aquelk Santuário, & Cafa daquelk milagro-
fa Senhora (que antigamente foy muyto celebre^ frequen-
tada)
Livro 11. Titulo XYX 2 49
tada ) muy to cíquecida ; porque os Morgados de Balfemaõ,
cuydaráõ mais de recolheras rendas delle, para as difpen*
der tal vez em gaftos fuperfluos^ doque em cuydarem do
culto ,& do ferviço daquella Senhora ,que muyto deviam
fervir, & venerar, como a mayor prerogativa da fua cafa,&
pela joya mais preciofa do feu Morgado. E feo fizerem co-
mo de vem, & como faô obrigados ,receberáõ da Senhora da
Lagem muy to grandes favores; mas também fe continuarem
no feu defcuydo, lhe temo hua grande ruina , & que o Mor-
gado acabe nellcs , & palie a outros cflranhos pofTuidores,
pois o comem fem fatisfazer as obrigações delle , faltando
ao culto da Senhora. Fundou efle Morgado hum Bifpodo
Porto chamado D. AfFonfo, natural do Lugar de Balfemaõ,
que difta de Lamego hum quarto de legoa ; o qual fundou na
Igreja Cathedral huma Capellayque dedicou a Saõ Pedro,que
fica junto á Capella do Santiflimo Sacramento,na qual aíTen-
tou a cabeça do Morgado, que elle infíituio , aonde fe man-
dou fepultar no anno de 1400, como confia do feu epitáfio,
que fevé gravado na fepultura. He eíte Morgado hum dos
principaes que ha em Lamego. Os fenhores delle, & herdey-
ros do Bifpo D. Affònfo faõ os Pintos Fonfecas ,& na refe-
rida Capella de Saõ Pedro fe vem também Álvaro Pinto da
Fonfeca,quemorreonoannode 1562. & feus pays, & avôs.
A Imagem da Senhora da Lagem he de efeultura de madey-
ra eflofada , & a fua eftatura faõ féis palmos.
TITULO XXXI.
<Z)a Imagem de rvjfa Senhora da Piedade do lugar das
CbãsjConcelbo da Villa de Luminares.
D
Uas legoas diftante da Cidade de Lamego para apar-
te do Oriente fe vé o lugar das Chãs , que difta rocyo
quar-
2 jo Santuário Manam
quarto delcgoa do lugar de Gogim , Freguefia de Saõ Mar-
tinho das Chãs, Concelho da Villa de Lumiarcs. Efte titulo
de Chis Ec vè^em maytas povoações,Vi!Ias,& lugares.Jun-
toa efte Ingar, em diftancia do dcftrito queoceupa o cami-
nho da fanta devoção da Via Sacra , fe vè o Santuário , & a
Cafa de noffa Senhora da Piedade , Santuário muytofrequè-
tado,& aonde apoderofa mãodeDeos obramuytos mila-
gres, & muytas maravilhas pela intcrceffaô , & merecimen-
tos de fua Santiííima Mãy aVirgem Maria noffa Senhora. Ve-
fefituada eira Cafa da Senhora fobre o ai to de hum monte,
que he verdadsyra reprefentaçaô do Calvário. Aquinefte
lugar, & Santuário he vifitada a Senhora da Piedade de con-
tinuas romagens, naõ fó de todos os lugares arcumvizi-
nhos , & da mefma Cidade de Lamego , mas ainda de outros
povos muyto diftantes; porque de todos concorram muy-
tos Romeyros,& Peregrinos a venerar, & a viíitar a efta mi-
lagrofa Senhora.
He efte Santuário da Senhora da Piedade muyto anti-
go, o que fe manifefta na cftrudura da fua Cafa ; & a origem
defta Santiííima Imagem, & de feus milagrofos princípios fc
refere nefta maneyra , mds pela tradição dos velhos, do que
poreferituras, ou teftemunhos autênticos, & ainda efta
tradição fe divide em duas opínioens , porque huns dizem,
que a Imagem da Senhora da Piedade apparecèra em omef-
mo monte, juntoa huma filveyra ; & que dando avifo o pri-
mcyro,ouosprimeyros inventores defte thefouro, com o
refpey to , & veneração que fe devia a efte grande favor da
Senhora , acudira o Parocho da Freguefia de Saõ Martinho
das Chãs,& que em prociíTaõ levara a Imagem Santiííima pa-
ra a fua Igreja. Mas que toda a alegria com que o fizera elle,
& os moradores com a poffe daquelle inextimavel theíburo,
fe lhe convertera no feguinte dia em fentimentos ,& faudade
quando hiao todos a venerar a Senhora, & a mo acháraõ , 8c
quecuydadoios,&difcurfivos,emquem lhes faria o furto,
vicraõ
Livro II, Titulo XXXI. k$
vieraô a faber logo que es Anjos -7 porque elles a haviaô ref-
fituido ao feu principal lugar. Dizem que ftgunda ,& ter-
ceyravez fora levada a foberana Imagem da Senhora , do
morte para a Parochia, & que outras tantas vezes dcfappa-
recèra. Com que acabarão de entender , que a Senhora que-
ria fer venerada naquelle monte, & íitio em que fe havia ma-
nifeftado. E affim lhe fizeram húa pequena Ermida ,cm que
a collocáraô, que depois fe foy augmentandoem a forma em
que hoje fcvè.
Outros dizem, que hum Juiz domefmo lugar fonhára
tres vezes , ou três noytes, que achava naquelle íitio a Ima-
gem da Senhora , & debayxo de hua íilveyra, & que elle indo
a experimentar a verdade dofonho,que defeubrira a Santa
Imagem, & que elle fura o que lhe mandara edificar apri-
mcyra Cafa, que ao depois fe fora augmentando cada dia mais
com as cfmolas dos fieis , que concorriaõ á voz daquella ma-
ravilha. Ecomo a Senhora cada dia augmentava a devoçam
com as maravilhas , que lego começou a obrar ; fe foy aug-
mentando cada vez mais a devoção para com a Senhora , &
creciaõ tanto as efmolas, que naõ fó fe augmentou a fua Ca-
fa , mas fc edificarão caias de novenas, & caía de refidencia,
& outra Capella junto á meíma Ermida da Senhora , que pa-
rece foy edificada no mefmo lugar de feu apparecimento, pa-
ra perpetua memoria ; & outra Ermida mais de Santa Maria
Magdalena , que me perfuado edificaria aigum Ermitão vir-
tuofo, que aflííliria á Senhora , & o faria por cfpecial devo-
ção, que teria também áquella Santa. E ou foíTe a manifefla»
ção de hum modo, ou de outro, fempre foy milagroíb, & no-
tável o feu apparecimento.
Do Altar da Senhora fahe hua fonte de excellente agua,
ou de agua milagrofa , que corre pnra hum íitio , que fica en-
tre hus loureyros, & amieyros, aonde fe vè povoado o mef-
mofiriode flores, &rofeyras,& aílimheaqueile lugar muy.
to deliciofo, & agradável > & pela grande vifta de que goza;
pox*
2 y r Santuário Mar iam
porque delle fedefcobremmuytos,& largos orizontcs. Ve-
ie fituada efia Cafa da Senhora cm o alto dehuma penha , &
por iííò fica mais agradável a fua vifta.
Saõ infinitos os milagres, & as maravilhas que efla Se-
nhora tem obrado , & continuamente obra *, como o cíhõ a-
pregoando também as muy tas memorias ,&íinacs de cera,
& de outras matérias, & as mortalhas. Alli fe vè também hu
quadro de hum devoto da Senhora da Villa de Celorico , o
qual em hum grande perigo invocando a Senhora da Pieda-
de, por fua interceíTaõ eícapou delle. E foy,que eftando re-
colhido na fua cama com fua mulher, & filhos,cahindo a cafa
ibbre elles, efeapáraô todos do perigo fem receberem lcíàõ
alguma, por invocarem o favor da Senhora da Piedade.
Hecrta Sagrada Imagem de efeultura demadeyra ,&
fendo antiquiílima eílá taõ bella , fr tão fermofa , que parece
fer obrada de poucos annos a cfta parte. Sobre feus braços
defeança defunto o Author da vida. A fua eftatura na forma
em que eftá faõ três palmos. Tem hua Irmandade que a íer-
ve ,8c os Irmãos delia alcançarão hum Breve perpetuo com
hum grande Jubileo , & outras muy tas graças , & Indulgên-
cias. O Jubileo feganhaem25.de Março; porque nefíedia
fe celebra a feftividade da Senhora , & nelle concorre muy ta
gente a venerallade todos aquelles redores,& da mefma Ci-
dade de Lamego. Também nefte dia lhe vaõ a ofterecer os
feus votos, & fatisfazeras fuaspromeffas.
Ve-fe aquella Ermida da Senhora , que hc muyto gran-
de, & fermofa, muyto perfeytamentc adornada, & tem muy-
tos, & ricos ornamentos. Para a íua fabrica lhe deyxou hua
mulher féis alqueyres de trigo perpétuos, & também muy-
tasefmolas que concorrem , & aífim era capaz aquella Cafa
de hua nobre Capelhnia. Heeíla Cafa da Senhora da Pieda-
de da adminifrração da Camera , & cila he a que apreíenra o
Ermitão que afíífte á Senhora,^ pela mefma Camera correm
os gaftos,que ft fazem dos re ndimentos das efmolas que of-
erecemos fieis. TI-
Livro II. Tituk XXXII. a y |
TITULO XXXIL
2)4 Imagem de nojfa Senhora das Necejidades da Vil-
la da Fonte.
SObc Maria Senhora nofla ao Ceo,naõ fó para gloria íua£
mas para gloria nofla > gozando de feu Filho , & procu-
rando por nos, remediando todas as nofíasneceffidadcs>&
fazendo lá no Ceo o officio que o Sol faz fobre a terra. He
coníidcraçaõ do Abbade Ruperto, & também de S. Bernar-
do. Com razão (diz Rupcrto) os cortefaõs do Ceo vendo
íubir a Senhora á gloria , a louvarão com aquellas palavras:
J^u* ett ij?a, qurtprogredttuYy quefi aurora confurgens ,pul- ç4nU^y
ckra ut Ima, ele 0a ut SoUJ^am pulcher ordo (diz Ru perto)
intftalaudaúone puhhntudinit ,pYimum confurgens ut Au- - ^
rora7 deinde pule for a ut Luna , deinde ele ftâ ut Sol! Eílrema- $ faj
da ordem guardou o Efpirito Santo, ou os Efpiritos bema-
venturados nos louvores da Virgem Maria. Quando nafee,
he comparada á Aurora; porque então nos amanheceo a Al-
va, que deflerra as trevas da noyte, & traz comfigo a luz do
dia. Quando concebe em feu purííííino ventre o Divino Ver-
bo, a compárão á Lua; porque affim como eíla recebe do Sol
a luz que tem ; affim á Senhora a g» aça, & a fermofura de íua
alma lhe vem deter a Deos comfigo. Porem quando fobe
em corpo, & alma a eí>e Ceo,a compáraõao Sob guando ati-
tem de hoc mundo ajfmnpta , atque adxthreum thalamum ^tm ,
transia? a, tunc eh cta ut SolEntâo parecco fcrmoía;& belh R»tert:
como o Sol. Porcfle Sol entende Ruperto,Chriflo Senhor
nofla, & diz, que denota efia comparação a gloria que a Vir -
gem pofíue na alma,& no corpo, como feu Santiíllmo Filho>
iúohc , Eh ãaut Sol.
Mas Saõ Bernardo ponderando apparecer cila Senho-
ra
i J4 Santuário Mariam
Bertu ra no Ceo , vertida de Sol material , diz aílim : J^urmadmo*
Sir%7: dum tile Jnper boms , ts maios indiferenter oritur , fie ipf*
*vern quoque pretérita nen difeutit meríta, [edommhtisfefe ex-
Vo ' oribdem, omnibu* clementijfvnam pr<ebet3 omnium deniejue
neceffitàti amplijimo quodam miferetur úfeãu.Qjúz dizer:
O Sol não refpcyta particulares , ao commum íc eftendem
feus benefícios ,como diíTe Chriíio noíTo Senhor por Saõ
Matthcos: Super bonos ,& maios. Afllm a Virgem Maria: A-
Matth. wiâta Sole, tem no Ceo a condição do Sol5 de quem he May
6. na igualdade do planeta fymbolizadamenfe fígniíícada re-
mediando as neceílidades de bõs , & máos , ricos, & pobres*
grandes , & pequenos. Nifto fe oceupa , & diíta fra u acu-
dindo ás neceífidades de todos ; & por iffo os bemaventura-
dos , entrando el!a a tomar p ífe da gloria , diíferaõ que era
parecida, & eícolhida como o Sol.
Os mais dos Santos Padres entendem defta Senhora
aquelks verfos do Pfalmo 44. Affitit Regina à dextris tuis
ffilm. in Veftitu deaurato circumdata Varietate \ aonde o Efpirito
44- Santo pela boca de David nos reprtfenta eíta Senhora á
mão direyta de feu SantiíTimo Filho , coroada como Rainha ,
& ricamente adornada, *z cercada de variedade.Iiio he, ( co •
Incogn. mo notou o Incógnito) de virtudes , 8c merecimentos •, por-
que teve o bom , & o melhor de todos os eitados , de Vir-
gem , de May, de Viuva , de vida acliva , & contemplativa,
de Profeta, de Apoftolo, &c. Grcundat.i yauetateM^/l, vi-
ta ,t? mwicorum ; nam Varietatem facitin Ecclefia ttatus
conjiigatorum% (latm Vuginum7 ttatm continentium ,{src.
r A ha $anto Athanaíio,em particular entende eftas palavrasdefta
nau {et fabida corporal da Virgem Maria ao Ceo, & ao íeu corpo
de Dà- g'ori°fJ chama vertido de ouro , ou dourado: Ea nuic , ut
par. - fogini ajiftens a dextris Filij ubtque regna>nis , quafi in ve-
JlitudccitfdtQ incorruptionis ,# immortalitatit etreumimi*
ttijtS Variegatajacrisy&folemnibiis ver bit celebrata. Ncfte
cftado lhe deraõ hu avifo , que fe applicaífe ao que tinha pre-
fente,
Livro II. Titulo XXXII. i % y
fente,& fe efqueceííé da caía de fcus pays.MâS que razão ha-
veria para fazerem á Senhora efla advertência? As lembran-
ças do mundo, & dacafadefeus pays podem prejudicar a
quem eftá na gloria bemaventurada ? Naõ* Mas parece que
eílavatãooccupada,&folicitaem tratar das noíías neceííi-
dades , & requerimentos , & tam defejofa de nos (occorrer
em noíTos trabalhos , que mais trata de nòs , do que goza da
gloria em que fe via. Eis-aqui o como diferetamente impuze-
raõá Senhora o titulo de que cl!a mais fe preza ,& que mais
ellima; porque todo o feucuydadohe felicitar onoííòbem,
& foccorrer as noíTas neceflidades.
AVilIa da Ponte difla da Cidade de Lamego, pouco
mais, ou menos, féis legoas para a parte do naícente; junto a
eífo Villafe levanta com a fua imminencia hum monte, a
quem daõ o nome da ferra da Borralheyra : no mais alto def-
ta ferra , ou monte edificou a Camera daquella Villa huma
Ermida ,que dedicou á gtorioíaVirgem,& Martyr Santa Bar-
bora,p2ra que com a fua interceífaõ livrafTeDcos aquelle po-
vo dos rayos, trovões , & tempefíades , que não deyxao de
fer entadonhas por aquellas partes. He tradição naquella
Villa haver antigamente naquelle monte huma ata!aya,ou
vigia em tempo dos Mouros, para delia fe vigiaré dos Chri-
fiãos para darem final de funs entradas, & tal vez ,que dos
veíligios da mefma atalaya fe edificaífe a Cafa da Santa , para
que ella foíle para aquella Vilía a fua melhor vigia* Neíía Er-
mida foy bufeada, & fervida a Santa por muytos annos. De-
pois ouve hum devoto de noíía Senhora , que na meíma Er*
midacollocou hua devota Imsgem da Rainha dosAnjos,(tal*
vezo faria por entender que com a protecção da Virgem
Maria ficaífe a fua terra mais bem defendida de qualquer tra-
balho, ou incurío maligno ) & a efta Sagrada Imagem deu o
titulo de noífa Senhora das Neceflidades : que he Uò aman-
te dos homens eík poderofa Senhora, que ella mefma nos
bufea, para nos remediar,& ella infpiraria aquelle feu devo-
to,
i$6 Santuário Mariano
to coUocaíTe a ília Imagem naquel la Ermida,& lhe impuzeíTc
elíe admirável titulo, fó a fim de remediar as neceílidades de
todos.
Heefta Santa Imagem de roca ,&de vertidos, &eftá
com as mãos eftendidas para o povo/em duvida como quem
com aquella acção lhe pergunta : Tendes neceílidades ,vc-
deívos em pobreza,ou em tribulações? pois recorrey a mim,
porque como Mãy voíía , em tudo vos acudirey : & verda-
deyramente aífim o faz ; porque faõ infinitas as neceílidades,
que continuamente remedea , & pelos infinitos favores,
mercês, & benefícios que eira mifericordiofa Senhora faz a
todo aquelle povo , todo elle naõ nomea aquella Cafa , como
Ermida de Santa Barbora ; mas como a Santuário prodigio-
fo , & Cafa da Senhora das Neceílidades. E tanto hc ifto,que
Santa Barboraalli não lembrará. Wtm a Santa confentirá
que o titulo feja outro, ppfquefe pagará tnuytode que a fua
foberana Rainha , comçr tal lhe tomaíTe a Cafa não fó por a*
pofentadoria; mas que a tomafTe totalmente por fua ; porque
a Santa fe paga de que a Senhora por íua a acey te-
Os milagres que a Senhora obra, faõ hoje tantos ,&taõ
continuos,que fe não podem reduzir a numero, & aílím por
ferem já alh tam communs, & taõ contínuos, fe naõ faz me-
moria delles. A' fama deitas maravilhas he muyto grande o
concurfo dos Peregrinos, & Romeyros. Huns vem a trazer
os quadros , em que fe referem os favores que receberão;
outros as mortalhas cm teftemunho da vida que alcançarão;
outros vaõ a offerecer outros vários íinaes, & memorias de
outros favores, que confeguirão, & todos publicaõ,& tefle-
munhão as fuás maravilhas , & deíla forte fe vè aquella Cafa
da Senhora muyto chea delias. Também faõ muytas as Mif-
fas cantadas , que fe mandão celebrar em acção de graças de
favores recebidos ,& outras muytas rezadas. Offereccm-fe
á Senhora muy tos pezos de trigo, & centeyo; & outros of-
ferecem efmolas para as obras,q de prefente fe vaõ fazendo.
Efta
Livro II. Titulo XXXII. ij?
Efta Santa Imagem não conlta o anno cm que foycol-
lócada naquella Ermida ; & aíTim a não tenho por muy to an-
tiga- A Imagem de Santa Barbora ha muy to mais annos , que
aííi foy collocada,& fuppofío que não pudemos faber o an-
no jefte eftará refiftado na Camera, vifto que ella fez a Er-
mida. Os Vereadores pelo Padroado que tinhão na Ermida
de S. Barbora , depois que a Senhora das Neceffidades co-
meçou a obrar maravilhas, aprefentàrão hum Ermitão jmas
o Abbadelhe pozplcyto,& fahioafentença afeufavor,&
aíTim elle he o que apreíenta o Ermitão,& já provéo dous. O
mefmo Abbade he o adminiftrador ,& o Thefoureyro das ef-
mo!as,que fe ofFereccm á Senhora para o augmento das fuás
obras-
Nas cortas da Ermida da Senhora fe vè hum vallefí-
nhoj aonde o Ermitão tem a fua cafa, & hua cerca , com hor-
ta, & algumas arvores , parreyras , & flores para o Altar da
Senhora; & em hum canto da mefma cerca , tem por dentro
huma Ermida , aonde fe vè o Senhor com a Cruz ás coftas,
& a Senhora do encontro ; & tem no muro hua janella para
fora, eom grades de ferro , para que a gente poíTa ver , & a-
dorar ao Senhor* O primey ro Ermitão que devia fazer a Er -
mida , moftrou fer homem muyto devoto ; porque no mais
alto daquelle monte, nas coitas da Cafa da Senhora, abria
humas grutas , & nellas poz varias Images de Santos Ermi-
tães, que nos ermos fe exercitarão em grandes penitencias,
& affim fe vè naquslle monte hum retrato dos ermos do E-
gypto,& affiai vãy a gente ver aquellas coufas com edifica-
ção.
Tom. Ill; K - TITULO
258 Santuário Marianê
TITULO XXXIII.
Da Imagem de noffa Smhora da Lapinha^uefe Venera
na Filia do Souto.
AVilIa do Soutcyjue difla da Cidade de Lamego oito Ie-
goas,& que lhe fica para a parte do Nafcente, fe vè ho-
je ílluflrada com o Santuário de noffa Senhora da Lapinha,
ou de noíTa Senhora daLapa a nova.Fica eíle Santuário diftã-
te da Villa coufa de meyo quarto de legoa, cujos princípios,
& origem nos refere em huma fua relação o Abbade de Sam
Pedro do Souto, que he a Matriz da mefma Villa , o Licen-
ciado António Fernandes de Almeyda, nefta forma. Na Vil-
la do Souto ouve huma mulher virtuofa , & Terceyra de S.
Francifco, chamada Maria Freyrc. Foy efla deldc menina
muyto devota da Rainha dos Anjos ,& fendo efla ainda muy-
to moça , fonhou por varias vezes , em que era muy ío con-
veniente feedificaíTenaquclle mefmo fido (cm que vemos
hoje o Santuário da Senhora da Lapinha) huma Ermida de
noffa Senhora da Lapa nova , em huma que havia naquejle
muVw !u^ar' Era e^a mu^cr muy to curioía;& tinha génio,
& habilidade natural ^sffim para a pintura > como para a ei-
cultura , & iflo fazia-o com muy ta perfeyçao 5 que dá Deos
efla graça a quem he fervido. As Imagens que fazia eram de
barro.
Movida efla devota mulher , fendo ainda muy to moça,
verdadeyramentc de íuperior impulfo , fez hua Imagem da
Mãy de Deos do tamanho de hu palmo 3 a efla cozeo.que era
de barro, & pintou,& depois a colíocou em hum Altar den-
tro daquella lapa referida : he efia quaíifubterranea,^ tem
de comprido vinte & cinco palmos } & parece fez Deos a-
Vcllc lugar para obsrador das fuás maravilhas > & muy to de
pro:
Livro II. Titulo XXXIII. ay*
propofito , para que lerviííe de cofre daquella preciofa joya,
como o moftrou o effey to.Depois que a decota Maria Frey-
recollocou a fua Sagrada Imagem, a quiz o Omnipotente
Senhor ennobrecer com muytos,& grandes prodigios,quç
logo alli começou a obrar. E com eíks fe accendeo huma tão
fervorofa devoçam enrre todos os moradores da Vilia do
Souto, & de todos os mais dos povos circumvizinhos , que
eraõmuyto grandes os concurfosda gente, que começou a
ir a ver, & a venerar aquella Senhora do Ceo, & da terra.
Com a fama dos milagres , & prodígios que a Senhora
obra va,começáraô também a crefcer as efmolas,& com cilas
fe augmentou, & concertou a lapinha, fazendolhe algumas
obras , & hum retabolo de madej^a muy to bonito , & bera
dourado; &aífimfeaperfeyçoou aquella rude,& tofca la-
pa, que caufa muy to gofto a todos, de a verem tam bem con-
certada; & além do muyto quefe gaftou em aperfeiçoar a la-
pinha da Senhora , fe fizeraõ também cafas de romagem , era
que fe pudeífem recolher , & amparar contra os rigores do
tempo j os muytos Romey ros , & Peregrinos , que concor-
riaõavcr aquelle Santuário, *c a venerar aquella foberana
obradora das maravilhas. Como eflas eraõ muy tas , & notá-
veis , aflim erão muytos os quadros cm que ellas fe referiaõ,
as mortalhas, & os finaes, & memorias de cera , & de outras
matérias , que fe fufpendiaõ naquella lapa ,&dosquadros
fe tem acabado muitos por caufa da humidade da mefmala*
pa,pois,como havemos dito,he quaíi fubterranea.Tudo ifto
quepsra memoria dos benefícios recebidos fe offereceoá
Senhora, eíiá tefiemunhando a fua clemência, & piedade, &
também, que por efpecial difpoíição da divina providencia,
& favor da Mãy dos peccadores , foy tocado o coração da-
quella devota Terceyra , para fazer aquella obra. Também
vinhaõ muytos a pezarfe a trigo, & centeyo \ porque em
pengofas enfermidades tinhão fcyto promeífa á Senhora,
deaffim o fazerem, & muytos deites cjue concorriam, vi-
K z nhaS
2 6o Santuário Mariam
nhaõ de terras muy diílantes.
Fitas muy tas offertas, &efmolas que concorriaõ, «5c fe
offerecião á Senhora, foy caufa de huma grande contenda ,&
de hum renhido pley to entre o Abbade do Souto, & hu Cie-
rigOjqucfcintroduzio não fóporCapeliaõ, masabfoluto
adminiftrador>& fenhor de todas as offertas,& efmolas^que
fe offereciaõ. O Abbade litigava com o direy to de Parocho,
porque a Ermida citava nodeílritoda fua Frcgueiia-, oCa-
pellaõ fó porque o era , como íe elle foííe oabíoluto fenhor.
delias ; mas o direy to favorecia ao Abbade,& alcançou fen-
tença centra o Clérigo, em que fe lhe devia mandar entregar
tudo o que havia recebido ; mas clíe por efeufar o trabalho
ao Abbade , de tomar as contas, fe aufenteu, & fez na volta
do Brafil. Efía demanda, & as defordens que comfigq trazem
os pley tos ambiriofos , fufpendeo em algum modo ocurfo
daquella fervorofa devoção para com a Senhora da Lapinha;
fufpenderaõ-feasefmolas,& também Deos fufpenderia as
fuás maravilhas em cafligo da ambição, com que já hoje não
iaõ taõ contínuos os milagre?.
Entrou depois outro Abbade, que reformou com a fua
prudência muy ta parte deílas ruinas , & abufos , que o Cie-'
rigo havia introduzido , & os mordomos que o povo elegia;
porque também eftes fe queriaS fazer fenhores , como fe as
cffertas lhes tocaffem, & fe o fizerão com o zelo de as difpen-
der no culto da mefma SenhoravteriamaIguadefcu!pa;mas
parece que naõ era aífim; porque por fua culpa fe arruinarão
muytasdascafasde romagem , ou as mais delias. AErmida
da Senhora não tê mais que o Altar mòr,acnde ella efiá col-
locada , & tem grades de pao para mayor refguardo , & no
meímo Altar da Senhora tem outras Images. A da Senhora
da Lapinha he (como fica dito) formada de barro com o Me-
nino nos braços , & muy to chegado ao pey to efquerdo, & o
cftá fuílen tando com a mão efquerda fua arnoroía Mãy .
He annexa efla Ernruda á Abbadia de Sao Pedro do Sou-
Livro II Titulo XXXIU. igt
to, & os feus Abbades ho os que a prefenraõ o Ermitão* Naô
tema Senhora Irmandade perpetua, & confirmada pela au-
thoridade Ordinária ; mâs tem mordomos que fe elegem pe-
lo povo. Os primeyros foraõ mais devotos ; porque concor-
rerão com as fuás efmolas,& ajuntarão ,& pedirão outras
pelo povo, & foraõ es que deraô principio , & compuzeraõ
a Ermida, & a fabricánõ com todas as alfayas , & ornamen -
tos neceííarios 5 & a Senhora com as muy tas maravilhas que
foy obrando também os ajudava, movendo aos feus devo-
tos , para que concorrefiem com as fuás efmolas , & com ci-
las fe compoz tudo com muy to aceyo , & perfeyçaõ. Mas o
Demónio inimigo do género humano arruinou muyrapar-
tc da pcrfeyção defta obra com a cega , & fea ambiçam que
introduzio naquelles, que foraõ caufa de fe fufptder a gran-
de devoção,& também os favores da Senhora. Fefkja-fe ef-
ta foberana Rainha dos Anjos em dia de fua Affumpçaõ a i£.
de Agoík>,& nefte dia tinhaõ Jubileo,que alcançarão os pri-
meyros mordomos; mas como foy a conceíTaõ fó porícte
annos , já fe acabou tudo. Mas a devoção do a&ual Abbade,
que he o que affiíle á eley çaõ deftes mordomos , os exortará
emlouvor da mefma Senhora da Lapinha , a que fejaõ mais
zelofos do feu culto, & veneraçaõA os incitará a todos, pa -
ra procurarem novas indulgências perpetuas , para que af-
íim concorrendo a gente a lucrallas , creça novamente a dc-
yoção,& feja a Senhora fervida com novos favores.
Tom. III. R z SA»
i6i
SANTUÁRIO
ARIANO,
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA»
& das milagrofamente apparecidas.
LIVRO TERCEYRO.
Das Imagens do Bijpado de Leyria.
INTRODUÇAM.
HEGAMOS aoBifpadodcLeyria,&a refe-
rir os Santuários que nclle fe veneraô; mas fe-
ra razaõ demos prímeyro alguma breve no-
ticia da Cidade, que he cabeça deita Dioceíis,
& de luas prerogativas , que naõ faô poucas,
íegundoos Authores , que delia efcrevèram,
& bailava fer terra de Santa Maria, ou terra dedicada a Maria
Santiífima, Ertá íuuada entre Lisboa * & Coimbra , ficando-
lhc
1NTR0DUCAM. *%
lhe efta cm diftància de doze legoas , & aquella em diííancia
de vinte & duas,ou, como efcrevc Plínio, entre Coimbra , &
Évora de Alcobaça, como fc prova de antigas pedras , & ci-
pos, que varias vezes fe defcubriraõ no íitio de Saõ Sebaf-
tiàõ do Freyxo ,que diUa pouco da Cidade , & o trazem os
noffos Geographos. Efta Cidade,quehe chamada commum-
mente o fafciculo, ou ramalhete de todas > fe vè affentâda em
terra montuofa, & por natureza capaz de fe poder defender
de feus inimigos , principalmente ofeu Caftello, fundado
cm hum imminente penhafeo , & tam forte que parece inex .
pugnavel. He banhada do rio Lis, tam celebrado do noífo
Poeta Francifco Rodrigues Lobo,& quafí cercada do Lena,
que abayxo em pouca diflancia abraçandofe com e!le,vam
ambos a pagar ofeu tributo ao Oceano. Muy tos querem,
que o nome de Leyria fe ja dirivado deites dous rios a Li $3 &
Lenaj&Fr. Bernardo de Brito diz que fe chamava antiga-
mente Lercna.
Nafcemeíksdous celebres rios em taô pouca diíían-
cia defla Cidade ,queo Lis tem o feu principio huma legoa
delia, em o lugar das Cortes; & o Lena difía tres , ou pouco
mais, porque nafee em pouca diflancia daVilla de Porto de
Mos. Procedem de huma notável fonte , que naõ fendo a do
Paraifo, Com que fe regava afuperficieda terra ,tem muyta
femelhança com ella ; porque he mãy de quatro rios todos
caudalofos.O primeyroheo Almonda, que nafee ao Orien-
te, & banha a Villa de Torres Novas, em cujo termo arre-
benta , donde continuando com fuás correntes , fe vay me •
ter no Tejo junto á Azambuja. O fegundo he o Alvieía,que
nafee ao Sul pouco diírante da Villa de Pernes , & fahe tam
copiofo por huns conduclos, que !he formou a natureza,
que por iíTo lhe chamao os olhos d 'agua de Pernes, enrique-
cendo a eftaj & outras muy tas povoações com a muyta quã-
tidade de moinhos, & lagares muy rendofos , & depois vay a
defaguar no raefmo Tejo na Villa de Santarém* O terceyro,
R 4 que
i*4 INTRODUZAM. I
que he o Lena , nafee ao Occidtnte perto da Villa dé Porto de
Mos como fica dito, que unindofe junto a Leyria com o Lis,
vay morrer no Oceano. O quarto , & ultimo he o Lis , cue
nafee ao Norte em hum lugar do termo de Lcyria,a que cha-
mão (como fica dito)as Cortes, com luas aguas fazfermofa,
frefca,& agradável a Cidade de Leyria, que a rega toda, &
vay na mefma forma, banhando os feus férteis,» & abíídantes
campos, a incorporarfe com o Oceano.
Efla fonte, que nafee em hum lugar pequeno , que cha-
mão Amira, dcbayxo de huns grandes rochedos , eflá fron-
tcyra , & á villa do grande lugar de Minde , & cinco legoas
difiante de Leyria, & he taô caudalofa , que fuíientando em
todo o anno aos quatro rios, no inverno quando rebentão as
aguas, naô cabendo eflas pelos quatro conduílos que lhe
formou a natureza , lança por outra grande porta , ou bo-
queyraõ( que fica debayxo daquelles referidos rochedos da
Amira, que terá de comprimento por debayxo da lerra quaíi
rr.eyo quarto de legoa: aígííscuriofos referem ter de com-
primento fetecentos, & feffenta paííos: & he tam larga a en-
trada, que podia hum homem a cavallo chegar da tnirada ate
a fonte ) tanta agua,que faz outro quinto rio, que lego al-li
mefmo fe ajunta em huma alagoa, ( cercada de ferras) que te*
rá de comprimento mais de mcya legoa , & de largo mais de
hum quarto. A*s vezes fevéeíiataõ foberba cem fuás on-
das,que parece fe quer igualar cem a grande imminenria das
ferras, que lhe fervem de priíaõ, ou fugir por cima delias.
Produz eira alagoa muyta quantidade de vinho ,baítantea-
zey te, paõ, legumes, csrne, & peyxe.
E porque fenaô julgue o referido porccufaapocrifo,he
defaberque naquelle grande campo daalagoa aonde fe re-
colhem as aguas da fonte , como as mais que no inverno fe
vaô ajuntar naquelle bayxo correndo das ferras para elle,ha
alguns algares, ou fumidouros , por onde aquellas aguas co-
mo por funis fe vaõ outra vez efcondendopcla terra pou-
co,
INTRODUCAM. i65
C0jSc pouco ate que cm Março , ou Abril já as fuás vinhas,
que occupaô a mayor parte da planície da alagoa , efíaô ckf-
cubertas para fe poderem podar: (& annos ha que ainda o não
efiaõ em Junho ) efgotada a alagoa fe cultiva toda, & prodliz
os frutos referidos, dá paífc» para os gados, & nos pegos, &
lagos que de todofenaõ cfgotaõ,produz,&cria taô excel-
lentes eyrozes,que tem nome,& excellencia as daquelle íitio.
Da fonte^q he de excellente agua,fe valem no veraõ aquelles
povos, porque efgotadas as ou trás fontes, & cifkrnas, vaõ
com fachos arefos abufcalla á fonte,que fica debayxo da Mi-
ra; porque nao tem outro remédio.
Regada pois, & cercada a Cidade deLeyria dos rios
Lis , & Lena , fe vè naô fó abundante de ortaliças , mas de
frutas tam boas , que não lhe podem ter inveja as mais fabo-
rofas dos Coutos de Alcobaça; feus ares faô falutiferos, co-
mo o encarecem os que delia eferevem; fua antiguidade he
muyto grande. O Padre Frey Gregório de Argais nos feus
Commentarios fobre Hauberto, faz mençaõ de Lcyria pelos
annos de 3930. dacreaçaõdo mundo. Fr. Bernardo de Brito Mo^
faz mençaõ delia peios annos de i4o8.antesda creaçaõdo Lnfità
mundo,& antes da redempçaõ delle 850. No tempo dos Ro- j j,7. #.
manos lhe feztaõgrandereíiíkncia;comoomoflroua afio- is«
laçaõ emque a dcyxáraõ. Depois fendo habitada dos Mou-
ros areftaurou ElRey Dom AíFonfo Henriques, o qual das
ruínas da famofa Cidade deCo/ippo(que efk era o neme
que tinha, quando as Cohortes Romanas adefíruiraõ) fun-
dou o feu Caíiello,para com elle aífombrar ,& reprimir aos
mcfmos Mouros , que com as fuás continuas correrias affo-
Ia vaõj & opprimiaô aqueiies campos , 5c lugares circumvizi-
n hos. E pela grande devoção que tinha o Santo Rey á Vir-
gem Maria noíTa Senhora , lha dedicou, com que veyo a íer
aquella terra defde a fua reftauraçsô , ou reedific^çaõ ,Cafa
de Maria Santifíima, & toda aquella Dioceíis poíTeffaôda
Mãy deDeos. Edificou 3 Igreja de nçffa Senhora da Pena,
que
m INTRODUCAM.
que foy a Matriz, & ainda hoje a Fregucíia do Caftello, fa-
zendo delia doação ao Convento de Santa Cruz de Coim-
bra , dandolhe todo o domínio efpiritual , & Eccleíiaftico,
affim daquella Igreja , como de todas as mais , que depois fe
erigiffem poraquellescontornos.E paraiftotinhaaíiiaCõ-
gregaçaõ de Santa Cru2 hum Vigário Gerado que durou até
o tempo dclRey Dom Joaõ o III. que defmembrando-a da
jurifdiçaõ de Santa Cruz,a erigio em Cathedrai. Porem nun-
ca ouve em Lcyria Convento de Cónegos de Santa Cruz,
«omoalgusquizeraõ affirmar.
O Caftello compofto de fortes muros ao antigo , tor-
res, & baluartes , & excellentes edifícios , que lhe edificou,
entregou o me imo Rey D. Affonfo ( depois de a tomar, que
foy pelos annos de 1155-) ao Capitão Payo Guterres, como
confta da hiftoria dos Godos era dei ^.que faô de noíTa re«
dempçaõ 1 141. No anno de 1 140. vieraõ os Mouros fobre
ella, & foraõ mais os combates , & tão porfiados os aíTaltos,
que mortos os mais alentados dos que o defendiaô, & ferido
o feu Capitão , foy por elles entrado, primeyroque ElRey
Dom Affonfo , que eftava em Coimbra, o podeffe foccorrer.
Mas fabido o deftroço dos feus , & vindo logo em peflòa af-
fentou o feu arrayal em hum tezo > que agora chamaõ o Ca-
beço delRey,aonde pondofe hum Corvo fobre hum pinhey-
ro dos muy tos que havia , & ha ainda hoje por aquellas par-;
tes,& combatendo os Chriftãos o Caíkllo,começou o Cor-
vo a bater a s azas , & a gritar com tanta feíía , que os folda-
dostomando-oabom prognofíico ,commettémõaportada
Trayç?õ , que achando-a íem vigias o entraram facilmente.
Perfeverou dcíía vez Leyria debayxo do poder dosPortu-
guezesatè o anno de U95. no qual entrando os Mouros*
com hum poderofo exercito por aquella parte adeftruíram;
mas rcflaurou-a logo ElRey Dom Sancho o I.
Defde os feus princípios foy aquella nobre Villa por
muytas vezes aífento dos Reys Portuguezes, aonde cele-
brarão
INTRODUZAM. 167
bráraõ Cortes por iDuytas vezes. Aqui afTiftio ElRey Dom
Dinis ;& elleadeuá Rainha Santa Ifabel por dcaçam,quc
lhe fez em 4. de Julho de j$oo- & cila ennobreceo oCaílel-
lo, deyxando nelle grandes memorias , & ainda hoje fe vem
parte das cafas em que a Santa Rainha vivia. Na Igreja de N.
Senhora da Pena , que era aonde ellamuytoaífíftia , &com
quem tinha eípecialdevoçaQ,deyxou a ambulado milagrofo
ley te da Virgem Santiffima, que ainda hoje fe conferva. De-
pois ElRey Dom Fernando mandou reparar, & fortificar os
muros do mefmo Caftello , como fe vè de huma carta fey ta
emAlemquera 2. de Abril de 1354. & rambem fe diz, que
depois delRey Dom Fernando para cá, fe começara a eíkn-
der a Cidade pelas fraldas daquelle monte.
Também EiRey Domjoaõo I. a ennobreceo comafua
affiftencia , & a Rainha D. Philippacom excellentes obras,
como foy entre ellas a Igreja, & Convento de S. Francifco,
aonde hoje fc vem as fuás armas. Eratam devota daquella
Cafa eíla Santa Rainha, que parece fe naõ podia apartar del-
ia , &da Senhora do Anjo, que na mefma Igreja fe venerava.
ElRey Dom Joaõ o III- a levantou, & fublimou á dignidade,
& grandeza de Cidade , & a fez cabeça de Bifpado , que eri-
giono anno de 1545x0010 fe vedas Bulias dePauloIILpaf-
fadas a 22. de Mayo do mefmo anno , & foy o íeu primeyro
Bifpo D. Frey Brás de Barros, Rcligiofode grandes virtu-
des, da Ordem do Doutor Máximo Saõ Jeronymo. A fua pri-
meyra Se foy a Igreja de noíTa Senhora da Pena , em quanta
o Bifpo D. Frey Gafpar do Cafal naõ deu principio á nova,
que he de excellente architedura de obra Romana; foy a ftia
fundação no anno de 1 559. como fe vè da infcripçsõ, que ef-
táfobre a porta principal. Compoem-fe o feu nobre Cabido
de vinte & oito Prebendas , & cinco Dignidades ; como faõ
Deaô, Chantre, Thefoureyro mòr, Meíire-Efcola, & Arce-
diago do Bago, dez Cónegos, quatro meyos, dezafetc quar-
tenarías, & outros Capellãcs, Miniílros, & Cfficiaes,
TITULO
ié% Santuário Marlam
TITULO L
T>ã Imagem de nojfa Senhora da Feria, yuefe Venera na
Igreja do Cafiello de Leyria,
(7! Om muyta razão dedicou EtRey Dom Affonfo Henri-
^queza Maria Santiífima o Caftello da Cidade de Ley-
ria,-& como foy fundado (obre hua penha , quiz que a mef -
ma Senhora , com o titulo da Pena , ou da imminente pedra,
delia defende/Te aquella nova fortaleza^ povoação ,que fen-
do Cidade illuflre no tempo , em que os Romanos a conquif-
táraõ y no qual fe denominava Colippo ; depois fe lhe deu o
nomedeLerena,( fem duvida, por fe afirmar, que era fua
natural a gloriofa Virgem, & Martyr Santa Irena, ou Eyria,
como hoje dizemos; porque foraõ feus pays fenhores da
Torre da Magueyxa , que fica no feu mefmo termo , em dif-
tancia de pouco mais de huma legoa, aonde ainda ao prefen-
te fe vem veftigios das cafas em que viverão , 8c fe conferva
huma Ermida dedicada á mefma Santa) deftruiraõ-na depois
os Bárbaros Mahometanos^ & porque elles,que faõ difei pu-
los da infernal cobra Mafoma , naõ pudeífem mais fogeytal-
la , a fortaleceo , & murou com efta celeftial Pedra Maria;
porque com ella,& com a fua prefençafe afugentariam pa-
ra fempre (como affim fuecedeo ) as cobras Mahometanas.
Defta Senhora diz S. Alberto Magno, que he humape-
dra, aonde fe não pode ver veftigio da infernal cobra : Hac
flzâ* eftpetra,fuperquam non ejlinventumvejligiwn colubri>ul-
ia dl €8*dteboli : & para que as cobras infernaes, que fachos difei-
BMar. ?u\os,& feguidores de Mafoma, não podeífem mais chegar
Gfiar. * áquella rçftaurada povoação, a fortaleceo com efta for ti tfí-
fer.i.de ma Pedra. E o Abbade Guarrico ao mefmo intento diíTe : An
A*** non retfè yocatur Maria fetra, qa* advtrfuí ilkcthram pec-
catt
Livro III. Titulo I. 169
cati> tota infenjibilis erat>&lapidea> He Maria Pedra fortif-
íima , & como á fua protecção fe entregava aquelle Oítel-
lo, que havia de fer o prefídío, & o amparo dos Chrifiaos,
por iíTo a ella fe devia de recomendar a fua defenfa. Naô fó
he eíh Senhora Pedra , mas muro , & eífe inexpugnável do Jorâl
noífo Reyno, como diffe Ray mundo Jordão: Murm Regui part.14
inexpugnabilit ;n\asmuvo de refugio, & de fa!vaçaôdasal- cap.^%;
mas em todos os modos, & huma fegura defenfa em todas as
affíicções, & anxiedadcs, como a acclama Theoíkrito : Mu- Thtrif-
tus refugi] , & omritbm modis animar um falm > ac in anxie- ut> %n
tatibm mwúmentum- EaíTím andou muy to acertado o San- c<lt2onc
to Rey Dom AfFonfo, em lhe commetter a defenfa do Caftel- ??*"". ^
lo, & também em lhe fogeytar todas as terras do feudef- tatm9%
trito.
A primeyra , & a mais antiga Imagem da foberana Em^
pêra triz do Ceo, & da terra Maria Senhora noíTa, que fe ve-
nera em todo o Bifpado de Leyria , he a da Senhora da Pena,
a qual fe vè collocada em o Caftelío da fua Cidade , & nellc
he venerada em Igreja própria , & com 2 prerogativa de fer a
primeyra daquella Cidade, & de todo aquelle Bifpado , de-
pois que íe reftaurou do poder dos Mouros por ElRey Dom
AfFonfo Henriquez; porque nefle tempo não era mais que
huas limitadas relíquias da antiga Colippo , a quem os Ro-
manos haviaõ deflruido emeafligo de fua valerofa reílííen-
cia , ou Lirena do tempo dos Godos. Nefle fitio, depok de
fundado o Caflello, fundou o mefmo Rcy (depois que á*rek
tatirou fegunda vez do poder dos Mahcmetancs)hua Igre-
ja, que ficou fendo Fregueíia do mefmoCaflello. Efía dedi-
cou á Rainha dos Anjos com o titulo de noíía Senhora da
Pena ; alludindo fem duvida a fer fundada efla Cafa febre a-
quelle penhafeo ( que he altiffimo) no meyo do Caflello.
A efla Soberana Imagem da Rainha des Anjos come-
çarão logo os Chriftãos a bufear com grande devoção , &
viva fé, & a Senhora a repartirlhe favores, & mercês, & co-
• mo
tyé Santuário Mariam
mo a fua fermofura era tanta,aííim tambcm atrafiia a <! os ca •
raçocns de todos. Bufcavao-na cm todos os feus trabalhos,
&neceffidadesi&fempre achavam as portas da fua piedade,
& clemência francas, para lhes acudir, & para os favorecer.
Por fem duvida fetem, ferefla Santiííima Imagem a mefma,
&: a primeyra que mandou fazer ElRey Dom Affonfo,& que
elle mandou collocar naquclla Igreja , logo quando lha de-
dicou.
Heefta Santiffima Imagem de efeultura de madcyra
incorruptível, fua ellatura íaõ féis palmos , & fe o titulo fo-
ra noífa Senhora do Parto, me parecia que era própria a for-
ma em que fe vè , porque nefta mefma forma fe vè nolía Se-
nhora a Prenhada, Imagem que fe venera na Se de Coimbra,
Efláefta Santa Imagem com amaõefquerda eilendida para
o povo , & a maõ direyta fobre feu puriífímo ventre ; eílá
quanto á efeultura, & pintura excellentiffimamente obra-
da , moflra grande mageftadecom huma rara fermofura ; ef-
tá recolhida quafí cm hum nicho , & fervialhe como de pea-
nha hum Sacrário , em que fc devia guardar em o tcmpo,que
o Caíkllo era habita do,o SantiflRmo Sacramento. Depois fer-
viodedepoíítodo leyte milagrofode noífa Senhora, &de
huma parte do Santo Lenho,que alli depoíitou por devoção
da mefma Senhora a Rainha Santa Ifabel , quando alli vivia;
à qual lhe mandou o Summo Pontífice ( entendo foy Joaõ
XXI.) Tambcm fe guardava na mefma Igreja outra relíquia
de Saõ Brás ; todas eftaõ hoje no Santuário da Cathedral.
Na porta do referido Sacrário , que á Senhora ferve
hoje de peanha , ft v è de meyo relevo , hum meyo corpo de
outra Imagem da Rainha dos Anjos com o Menino JESUS
em feus braços, a quem eílá dando o pey to, & aííim a Senho-
ra,como o Soberano Menino, faõ de preciofa efeultura, & o
Menino eílá olhando com tanta graça , que a todos fuf pende
os que contemplaõ a graça, & o modo com que eílá olhando;
parque parece que eftá vivo, & fallando com os que chegaõ
Livro HL Tttulo L íyt
ao Altar» Eu çonfeffodc mim que me naõ podia apartar da
fua vifta. Obra a Senhora da Pena muytos milagres, & affim
fe vem muy tas iníignias , & memorias delles de cera, princi-
palmente pey tos;porque as mulheres fe fe vê faltas de leyte^
ou com os peytosenfermos,recorrendoá Senhora logo me -
lhoraõ, & recebem os defpachos de fuás petições.
A Igreja bem moflra a fua muy ta antiguidade, gran-
deza , & magnificência de feu fundador. A Capella mor hc
muyto bonita, & clara , & antigamente ainda o feria muyto
mais, porque tem cinco freítas, ou janellasrafgadasatèbay-
xo, & eraõ ta6 compridas,que tinhaõ mais de vinte palmos,
& todas tinhaõ preciofas vidraça s;moflrava ( como ainda fe
vè) hum meyo corpo de hum diagonal oitavado: hoje tem
duas freílas tapadas todas , & faõ as primeyras que fícaõ aos
lados, & das outras fe vè também por bayxo algua coufa ta-
pado por caufa dos ventos, O Altar mor ficava no meyo da
Capella antigamente , & affím tinha quatro faces •, mas hoje
fica encoftado ao retabolo aonde eítá a Senhora da Penacol-
locada $ toda cila obra he de pedraria , & bem lavrada , com
ornatos de antiga architeíiura. A Igreja he comprida , &
nella fe vem dous Altares collateraes : o tecfto hc forrado de
madeyra, com aqueílas miudezas de encembraria,q entaõ fc
coftumavão naquelles tempos antigos. Tem ainda hoje a
mefma tribuna, em que os Reys , & léus filhos ouviaõ MiíTaj
porque oceupatoda a largura da Igreja.
A ella SacratiíEma Imagem da Senhora tiveraõ fem-
preosReys de Portugal grande devoção \ porque todos a-
máraõ muyto aquella Cafa da Senhora. AÍIi viverão muyto
tempo ElRey Dom Dinis, & a Rainha Santa Ifabel,& era tam
graade a devoção comqueeíla Santa Prmcefa amava a Se-
nhora da Pena ,que pafecefe não podia apartar da fua pre-
fença , & he de crer receberia daquclla Senhora grades mer-
cês, & grandes favores \ fr pela devoção que a mcfma Santa
Rainha tinha á Senhora , deyxou naquella Gafa o ley te nrila-
1 7 1 Santuário Mariana
grofo que tinha , o Santo lenho ,& outras mais rcIiqu^as.,
Também ElRey Domjoaõ o I. & íua mulher a Rainha Dona
Felippa , tiveraõ muyto particular devoçáõ para com a-
quelía foberanaEmperatriz da g!oria,& aílim a vifítavaõ con-
tinuamente, & depois delles os Reys feus íucceífores.
Alguns querem que efta Igreja , que hoje fe vè , feja já
rcedificaçaõ da primeyra ;(& quanto a mim fe o hejie fomen-
te a Capellamòr^o que ainda duvido) porque a obrada Igre-
ja, & coro, ou tribuna moftraõ muyta antiguidade, & dizem
que fc reedificara no tempo emquefe fizera o Convento da
Batalha \ o que muyto duvido , por fer obra muyto deffeme-
Ihante. Neíla mcfma Cafa da Senhora da Pena fe aííentou
em feus princípios a Cadeyra Epifcopal > quando ElRey D.
Joaõ o III. fublimou a Villa de Leyria á dignidade de Cida-
de, &nella fefizeraõ os Divinos Officios, em quanto fenaõ
edificou a Sè , o que fez o Bifpo Dom Frey Gafpar do Cafal
ReligiofodaÓrdemdemeu Padre Santo Agoflinho , como
fica dito. Da Senhora da Pena fazem mençam muytos Au-:
thores, & eípecialmente Jorge Cardofo noféu Agiologio
Lufitanotom 2. pag. 375. Frey António Brandão , na Mo-
narçhia Lufitana part. 5 . 1. 9. cap. 25. & Fr. Francifco Bran-
dão part. 5. lib. 1 7- cap. 56. Fr. Manoel da Efperança na hif-
toria Seraphicapart. i, lib. 5. cap. \i.
TITULO II.
5Da Imagem de nojfa Senhora do Anjo , ou da Encarnação,
que/e Venerano Convento deSaoFranctfco
de Leyria.
NA mefma Cidade de Leyria , cm o muyto Religiofo
Convento do Seráfico Patriarca SaõFrancifco,funda-
âo no anão de iz$z noReynadode Affoníò IV. & augmen-
tado
Livro HL Titulo II. 173
tadopela piedade dclRey Dom Joaõ o I.& dâRainha Dona
Felippa ,que ihe edificarão a fua Igreja,fe venera defde o tem-
po da fua fundação, huma devota Imagem da Rainha dos An-
jos, com o titulo de noíTa Senhora do Anjo , ou da Encarna-
ção , myfterio de que era devotiífíma aquella Santa Rainha
Dona Felippa ; & era taõ grande o amor,que tinha para com
aquella Santiffima Imagem, que a amava, & venerava com
outro femelhanteaffedio, com que o fazia a Rainha Santa
Ifabel á Senhora da Pena do Caftclío; & aflí m como eira San-
ta Rainha naô fabia apartarfe da prefença da Senhora da Pe-
na, aílim da mefma forte o fazia com a Senhora do Anjo , ou
da Encarnação a Rainha Dona Felippa , & a feu exemplo era
bufeada também , & venerada de todos os moradores de
Leyria, & por efta razão muy tas peffoas nobres , & devotas
á competência lhe offereciaõmuy tas joyas,& vertidos pre-
ciofoSj& em particular o fazia a Senhora Dona Joanna filha
do Infante Dom Fernando, & mulher do Duque de Bragan-
ça, Dom Fernando o II. do nome. Porém como o tempo tu-
do confuma ., & acabe fem perdoar ao lagrado , porque tam-
bém por elle entra,(fenaõ he que os peccados,que faõ a cau-
fa ordinariamente da noffa frieza, & tibeza para com as cou-
fas do Cco) de tal forte fe esfriou a devoção , & minorou a-
quelle antigo ,& devoto aífeâo que todos tinhaõ para com
aquella venerada Imagem^ que já hoje eííá totalmente eíque-
cida. Mas naõ o eftará a May de Deos, que nunca fe efquece
dos peccadores, por mais tíbios , & negligentes que fe mof-
trememo feuobfequio. Da Senhora do Anjo , ou da Encar-
nação efereve o Padre Frey Manoel da Efperança na fua hif*
tona Seráfica part. 1Jib5.cap.54.
Tom- III. S TITULO
274 Santuário Mariano
TITULO III.
Da milagrofa Imagem 3e noffa Senhora da Encarnação,
da Cidade deLeyria.
ENtre os Santuários de Maria Santiflíma , que fc veneraõ
em todoeflc Biípado, tem o primeyro lugar o de noffa
Senhor?, da Encarnação , celebre por milagres ,illufire por
maravilhas, &. magnifico em íeu mageílofo Templo de ex-
ceiíente arquiteílura ,& agradável pelo delicioíb , & immi-
nentedefeuíitio-, fica pouco mnis de hum tiro de mofquete
diftante da Cidade?que toda fe lhe offerece á vifta.Efíá fitua-
do em hum monte para a parte do Oriente y que antigamen-
te fe chamava o monte do Anjo , por haver naquelle monte
huma Ermida dedicada ao Archanjo Saõ Gabriel , aílím como
ainda hoje ha outro monte para a parte do Norte, que ha
poucos snnos reedificou o Bifpo Dom Fr. Jofeph de Alen*
câílre , ouc depois foy promovido a Inquiíidor Geral, dedi-
cada ao Archanjo S. Migue! ;& defenilo aí!im,confta de
eferiturasque fe guarda© no archivo de noffa Senhora da
Graça da meíma Cidade de Ley ria , como a da compra do oli-
val que eftá junto ao Convento ; a qual eferitura fez em 2;.
de Ago0odei574. o Tabelião André Dias Preto, em que
o Bifpo de Leyria Dom Fr* Gafpar do Cafal comprava a hu
Joaõ Caçopo; moço da camera do Marquez de Villa- Real , &
a (m mulher hum oliva!,para fe edificar a Igreja do Conven-
to de Santo Agofthiho,(doqua! ainda hoje perfevèra parte
jnnto ao mefrro Convento ) & fe diz na efcrhura , que o oli-
val fe efíendia até o caminho , que vay para o Anjo Saõ Ga-
briel.
Aqui junto a eíía Ermida antiga, querem alguns appa-
receííea Senhora da Encarnação, & parece foy infpirado pe-
lo
Livro 111. Titulo III. i?}
IoCeo,odarfelheemfeuapparecimento o titulo da Encar-
nação ; porque a Imagem da Senhora he antiga , como a do
Anjo, & a poíiura da Senhora com a admiração , que nella fe
contempla, eftá moftrando a grande humildade com que ou-
via a embayxada , que o Anjo lhe dava da quelie aíufUrno my -
flerio. Dculhe principio em o Reynado dciRey Dom }c&q(\
I- o Bií pode Ceuta Dom Fr. Aymaro,ReIigiufo da Seráfica
Ordem de Saõ Francifco , & ConfeíTor da Rainha Dona Fe-
lippa, quando depois de vencida a batalha de Aljubarrota, fe
foraõ os fereniílimos Reys a viver cm aquella Cidade. O mo»
tivo que teve o Bifpopara edificar efta Cafa , que naquellc
tempo devia fercoufa bem limitada, foy pela grande devo-
ção que a Rainha Dona Felippa tinha ao myfterio da Encar-
nação , & ao Archanjo Saõ Gabriel , de que elle também era
muytodevoro. Depois vindo aquella Cidade afer Epifcopal
cmotempodelRey Dom Joaõ o IIL também pelamefma ra-
zão a reparou dos danos de fua antiguidade, o primeiro Bif-
po delia Dom Fr. Brás de Barros, logo nos princípios ; por-
que ha memorias que no anno de 1 554. a reedificara, & repa-
rara; & pode tanto a devoção, & o exemplo do Santo Bifpo,
que indo muy to pouca gente áquelle lugar , pelo fragofo da
fua fubida, & efpeffura dos matos, que o cerca vaõ* & faziaô
inaceílível , & medonho, elle o difpozem forma com ca-
minhos taõ largos , & direy tos,que a devoção extinta fe co-
meçou a renovar •, porque manifeftando a clementiffima Se-
nhora os feus poderes na milagrofa faude , que deu a huma
Suzana Dias aleyjada , & tolhida de muytos^annos , fe reno*
vou, & augmentou de forte a devoção , & a fé dos fieis , que
nenhuma peífoa bufeava aquella pifeina da faude,quc naõ fa-
hiffe delia livre de qualquer achaque, & enfermidade que pa-
deceíTe.
O primeyro milagre que a Senhora obrou , ( incentivo
da grande fé com que de to ias as partes começou afer buf-
cada aquella Máy de mifericordia , naõ íó de todo oBifpado
S z de
i j6 Santuário Mariano
de Leyria'írssdemijyíaslegoas fora delle,para lhe pedi-
rem novos favores, & darem as graças dos já recebidos) foy
no lugrir das Cortes , huma legoa da mefma Cidade , aonde
vivia huma mulher viuva ,chamada Suzana Dias , a qual ha-
via vinte & oito annosque eflava entrevada, tolhida, & com
huma contracção dos nervos tam impeffibilitada para os
hjov mentos , que para poder eftar Tentada , era neceffario
que a rneteífem entre dous bancos. Tinha as pe nas fecas, 6c
encolhidas, & era iflotaõ patente no feu lugar, que de to-
dos fe conhecia naõ haver nefle feu trabalhoío mal , firnula-
ção,cu í:ngimento. Efta íua grande impcíTibilidade de fe
poder mover, & andar , principalmente para ir a ouvir Mif-
fa , & a receber a noíío Senhor , lhe dava grande pena \ pois
era necefiarioque a levaífem aocollo á Igreja da Fregueíia,
ou em braços de duas mulheres, & como cm as occaíioens
em que o dcíejava o naõ podia confeguir , porque nem fercv-
pre achava quem o quÍ2eíTe fazer, fe defconfolava,& affligía
muy to.
Hum dia fe vio taõ afflicfia defla pena , que começou a
pedir com muy tas lagrimas a noíTa Senhora, diante de huma
Imagem do Menino JESUS,que tinha cm hum oratório, lhe
acudifie , fr a livraffe daquella grande prifaô j & a defatafíe,
para que o pudefíe ver, & bufear * & adormecendo em a noi-
te feguinte, fonhou que indo a Leyria alcançava faude da fua
enfermidade na Cafa da Senhora da Encarnação,^ com de-
fejos de lá ir rogou a hum irmão feu Clérigo (chamado Dio-
go Lopes) fcííe com ella a lhe dizer hua MiíTa a noífa Senho-
ra. Poz-fe em execução a jornada ,& com afias trabalho, &
muytos inconvenientes , c,ue o inimigo do género humano
maquinou para impedir o fervor da devoção daquella pobre
nulher. Chegarão finalmente á Ermidinha da Senhora ,&:
levaraõ-na ao coifo paraa Igreja, & a puzerio entre dous
afíentcs,& dalli cuvio a MiíTa do irmão,& faindodepois del-
leoCapelltíó da Maiqueza dt Villa-Rtal(que acertou de
eflar
Livro III. Titulo III. i 77
citar naquella occafaõ na Ermida da Senhora ) a dizer tam-
bem Miílajeflavaa pobre enferma com muytas lagrimas pe-
dindo a noífo Senhor , pelos merecimentos de fua Santiífi-
ma Mãy , a livraífe daquelle feu antigo achaque , & penofo
impedimento que padecia.
Naõ dilatou o Senhor o defpachoda fua petição ; por^
que movido de fuás lagrimas , em levantando o Sacerdote a
primeyra vez a Hofiia,lhe deu hum accidcnte,com que aahio
no chão, & efrando hum pouco com anciãs de fe levantar,
para adorar ao Senhor, fc poz de joelhos , coufa que nunca
fizera. Começou a haver grande reboliço na Igreja , & a di-
zerem os circunflantes, Milagre, milagre. Em a fegunda
Hoftia fe levantou em pé faã de todo , & fem bordão , nem a-
juda de alguma peílòa •, tanto foy ifto , que a fizeraõ andar de
huma parte para outra, para fc certificarem; & todos conhe-
cerão a milagrofa faude, & celebra vão o milagre, acclaman-*
do os grandes poderes da Mãy de Deos. Com toda agente
que naquellc dia fe achou prefente naquella Cafa, andou no-
ve vezes ao redor delia 3 louvando em companhia de todos
a Mãy de mifericordia , por fe achar faã , & fem Icfaô ai*'
guma.
Acudioo Provifor, a quem logo fe foy dar parte da ma-
ravilha , o qual vcyo com dous Notários , & alguns homens
doutos, & tirou muytas teftemunhas para decidir o cafo , ôc
examinar a contracção , & encolhimento dos nervos, que a
enferma tinha , fc era vcrdadeyra; & fabendo por inquirição
de muytas teftemunhas a verdade, fc mandou repicar em to-
das as igrejas ; & quiz noííb Senhor que a eftc milagre efti-
veífe prefente huma pcíToa taô grande, & tão exemplar como
a Marqueza Dona Felippa de Lencaftro , &: a fua família , ôc
outra muyta gente que a acompanhava. Em acção de graças
rcfolvco o Cabido, ôc a Cidade incorporados de fazerem to-
dos os annos ncfte dia prociífaõ á Senhora por voto , ( que
ainda hoje cumprem pontualmente em 12. de Julho) o que
Tom. III. S 3 fc
17 8 Santuário Mariano
fe fez no ànnode 1 5 87. que foy o dia do milagre, cm que fe
canta Miíía , & ha Sermaõ.
Divulgado o milagre, não ío por todas aqucllas terras
eircumvizinhas do Biípado , mas de muytas de fora delle,
começarão a concorrer os povos,& a buícar o favor da Mãy
de Deos, & tedos fahião bem delpachados em fuás petições;
porque cada dia erãomuy tos os milagres, que a Senhora o-
brava nos feus devotos. Refenrey mais outro milagre por
maravilhofo, em que refplandece muyto a piedade , & a cle-
mência defla noffa grande Mãy , & Senhora. Huma mulher
por nome Domingas, natural da Pederneyra , eflava tão to-
lhida, & aleyjada ,que toda cila parecia hum novelo. Tinha
os joelhos encolhidos^ unidos comos peytoSj& os pés do-
brados febre as curvas, & na mefma forma os braços. Efta-
va efta mulher na Mifericordia da Pederneyra , aonde a fuf-
tentavão os Irmãos , & era de tal forte a fua aleyjâo , que fá
podia cftar de coftas, ou de bruços,ou fobre algua das ilhar-
gas; mas não fe podia mover , & nos braços a levavão de hu
lugar para outro-
Pedia efta pobre mulher a noííb Senhor, lhe fizefíe mer-
cê de lhe dar lugar, para fe poder aífentar , como as mais; já
fe contentava efta pobre mulher comefte pouco ; ou porque
entendia que naquellefeu grande mal, o poder fentarfecra
grande favor para o feu pouco merecimento. Ouvindo os
milagres da Senhora da Encarnação de Ley ria , pedio aos Ir-
mãos da Mifericordia a mandaííem levar á fua Cafa. Conce-
derão lhe o que pedia , & a mandarão íevar em huma belta
entre dousfacos de palha. Tanto que fe vionaCafa da Se-
nhora, começou huma novena , & nella alcançou fomente o
xjuepedia;porquefubitamentefedefa pegarão os joelhos dos
pcytoSj&ospèsdas barrigas das pernas, aonde parecia ef*
tarem uiidos,& iilotanto,quanto bailou para poder cftar
aífeníada, corro pedia a noífo Senhor. Maravilha que admi-
rou a todos, & ainda mais,porque o defpacho foy fegundo a
fua petição- Alcani
Livro III. Titulo III. 279
Alcançado eík favor de noffa Senhora cm 1 8. de Julho
doannode I588.quegozou por alguns mezes, vendo a po-
bre mulher , que naõ podia naquella forma bufear o feu re-
médio pedindo efmola pelas portas dos fieis , para haver de
fe fuftentar , & que arrojando fe não podia andar , nem em
duas muletas , em que fe íuíkntava ', começou novamente a
pedir á Senhora com muy tas lagrimas aperfcyçoaífe o favor
que lhe havia feyto, livrando-a de todos aqueiles impedi*
mentos que padecia , & cila como poderofa podia remediar*
Aflim fuecedeo; porque na primeira oitava do Efpirito San-
to doannode 1 589. cfíando na Igreja da Senhora pedindo^
lhe eílc favor, lhe deu hum accidente,&faindodelíe, fe vio
com perfeyta faude. Efaindoda Capellacom as muletas,por
naõ conhecer ainda a mercê, que a Senhora lhe fizera, reco*
nhecendo ás portas a fua perfeyta íaude as largou , ficando
huma naquella Ca fa por memoria do milagre, & a outra le-
vou á Sen hora de Nazareth,donde a havião trazido.
Com a multidão, & grandeza das maravilhas , & pro-
digios que a Senhora obrava em todos os que a bufeavão , &
invocavão , fe refolverão os feus devotos em lhe edificar
hum fumptuof ) Templo, a que fe deu principio a 25. de Se-
tembrodoanno de 1588. lançando aprimeyra pedra com
fuás mãos o Marquez deVilla Real Dom Manoel, a que
não faltou também com largas efmo1as,& a Marquezaíua
mulher a fenhora Dona Felippa , fenhora de muy tas vir tu- ... ,
des, & de grande piedade. O Padre Fr. António Brandão na ' '*' ,
fuaMonarchia Luíitana diz que cite fumptuofo Templo
fora edificado pelo povo daquella Cidade , quando a Senho-
ra começara a obrar as maravilhas, & que hum Joaõ Rodri-
guez Bravo por fua devoção gaitara nelle muy ta fazenda or-
nando- o como fevè- Bem podia ferifio, mas como a obra ho
grandiofa, forão neceífarias as efmolas de todos osfieis, pa-
ra cila fe pòr na perfeyção em que a vemos. Sem embargo de
que já hoje tem esfriado muy to a devoção; porque já o con-
S 4 curfo
280 Santuário Mar iam
curíb não hc nada do que era: mas o Joaõ Rodriguez Bravo,
que era generofo,difpendco muy to em fervir aquella fobera-
na Emperatriz da gloria.
Depois do primeyro milagre ,que, como fica dito^oy a
1 2. de Juiho de 1587- íe fcguiraõ logo todas as Villas do Bif-
pado, & também outras muy tas fora delle , a vir a venerara
Senhora da Encarnaçaô,& a darlhe graças, unidos em varias
prociíTocs,que eraõ fetenta & duas,ôc vièraô a acabar a 1 6. de
Novembro do mefmo anno,oque continuarão por muytos,
depois defle primeyro ; fc bem já hoje faõ poucas , porque fe
tem esfriado muy to a antiga devoção. A primcyra prociffaõ
foy a doCabido,q fahc daSèáCafa da Senhora. Quero adver-
tir primey ro, antes de referir as m-is prcciffocs, que como a
gente, que concorria a venerar, & a bufear aquelíc Santuário
da Mãy de Dcos,era muy ta , & crefeia cada vez muy to mais
com a fama daseftupcndas maraviihas que obrava , fe refol-
vèraõ logo os moradores de Leyria (como mais obrigados)
a edificar o Templo referido acima , em cuja fabrica fe viraõ
grandes maravilhas, pelo fervor com que todos concorriaõ
paraoaugmento delia.
Eera para verem cada huma das prociíToes,virem quaíl
todos com as pedras : os homes com pedras grandes ás cof-
tas, as mulheres á cabeça, & todos pequenos , & grandes vi-
nhão carregados, & fe tinha por falto de fervor, & de devo-
ção o que onaõ fazia ; antes fc envergonhava de chegar á
Cafa da Senhora , fem levar huma pedra para a fua obra : &
também era muy to para admirar ( & parecia huma continua
prociíTaõ ) o ver que a toda a hora fubia áquellc monte huma
grande multidão de gente a viíitar a Senhora , levando cada
hum a fua pedra, de que fenão envergonhava© os fenhores da
cafa de Villa-Real,o Marquez, a Marqueza Dona Eelippa,
fuás filhas, & outros muytos fenhores , & fenhoras nobres,
& delicadas, velhos que parecia fe naõ podiaõ ter, meninos,
& meninas, iaõs è & doentes, o que era muy to para rir, & pa-
ra
r Livro TlI.Título III i*i
ra louvar a Deos o fervor com que fubiaõ carregados para
aquellc monte. E aflim ajuntarão humataõ grande quanti-
dade de pedra, que parecia fc naõ poderia acabar.
Também não era menos para admirar o fervor com que
todos os povos { que concorriaõ a vifitar a Senhora ) bufea-
vão , & pediaõ efmolas para lhe offerecer para a fabrica da
fua Igreja. Emuyto maisfer aquelle anno de 1588. muyto
efteril , & pobre , & aquellas terras de pouco trato , & tanto
que fe pedia a qualquer porta , era tão grande a liberalidade
com que fedava , que os pobres quando não tinhão outra
coufa , offereciaõ as duas partes da amaífadura.Não havia ne-
íle tempo avarentos ; porque os que o erão,efquecidos defle
viciou convertidos em outros, davaõ quanto fe lhes pedia ,
tanto que fe nomeavão as obras da Senhora. Iftocaufavaa
huns lagrimas, a outros confufaõ>& outros movidos de hua
fanra emulação > andavão a quem mais daria.
Outra coufa fe vio , & de não pequena admiração , que
foy, que as matronas, &donzelias, quando não tinhão di-
nhcy ro que dar, offereciaõ as joyas , os brincos , os anneis,
& outras peflTas de valor, julgando fempre que davaõ pouco
para o muy to que defeja vão- Também era muyto para repa-
rar naquclle grande concurfo que havia de dia , & de noy te,
& a toda a hora, ver a quietação ;foíTego, & modeftia,quc ha*
via em todos,& que as donzellas,& mulheres de muyto por*-
te, fem acompanhamento (oque então fe não fofria)irem al-
ta noyte , & com quacfquer veflidos em romsria, íem haver
quem rcparaíle em nada. Ifta era coufa de grande admiração,
& o ver que muy tos inclinados a jògos;& a outros vicios,Sc
efquecidos de Deos , convertidos cm novas creaturas , fe
chegavão aos Sacramentos , & fe recolhiaô áqueíla Cafa,
fem poderem apartarfe delia. Ifto fe tinha pela mayor mara-
vilha que Deos obrava pela interecífaô de fua Mãy Santif-
fima,& aflim fe via hua geral mudança cm todos osquefre-
<juentavão,& hiaõ aquelle Santuário.
O Ca-
%%i Santuário Mariano
O Cabido daquella Cathedra!, por não ficar de fora cm
obra tão fanta , fez doação á Senhora de todas as efmolas , 5c
offertas y que naquelle anno fe lhe offerecefiem, para a edifi-
cação da fua Cafa ;que foy grande , & liberal doação ,coma
qual dimittião t udo quanto lhes podia pertencer. A fegunda
prociíTaõ foy da Villa da Batalha ,difiantequaíi duaslegoas.
Eftaveyoaosi4« do mefmo mes ,& fizerão-na com muyta
folemnidadc ,cm que vinha a mayor parte de feus morado-
res, 6c mu y tos defcalços ,&com hum fermofocirio,quefe
obrigarão a reformar todos os annos.Em 1 8-fe feguio a Fre-W
guefia de Vcrmoil, diflante três legoas,& com muyta folem-
nidade , trazião na prociíTaõ quarenta & oito mulheres com
taboleyros á cabeça com trigo cm grão , pão amaíTado , bo-
los, qucyjadas, & hum cirio,& tudo offerecèrão á Senhora,
& fc obrigarão a renovar o círio. A efta fe feguio com o mef-
mo fervor a Frcgueíia de Efpite diítante também três legoas,
em que vinhão rouytos defca!ços,q ofFcrccèraõ varias offer-
tas. A quinta foy a Fregucíia do Souto da Carpalhoza , que
difta duas legoas: & porque as offertas que trazião erão
poucas, pela preffa com que vicraõ , promettéraõ vir fegun-
da vez.
A 24- de Julho foy com muyta folemnidade a procifíam
da Povoa de Monte-Real, &atraz delia outra da Freguefía
de noffa Senhora da Maceyra, que difla duas legoas , com hu
cirio,& ambas levavão offertas de trigo, & outras coufas.
No mefmo dia foy também a prociíTaõ da Villa de Abiul do
Bifpadodc Coimbra , féis legoas dirtante , com hum fermofo
cirio , & duas cargas de trigo. Logo fe feguirão incorpora-
das as Freguefias de Santiago , & de S. Bartholomeu do ter-
modo Pombal, do mefmo Bifpado de Coimbra ,& cada hua
levava feu cirio A fc obrigarão ao reformar in perpetuum;&
levavaõ feíTenta & três mulheres com taboleyros á cabeça
de varias offertas , & como hião todas polias cm ordem, fa-
ziaõ hua fermofa viíia.
Em
Livro III. Titulo III. 2 £3
Em 29. do mefmo mes entrou no undécimo lugar a Frc-
guefiado Reguengo diflante três legoas de Leyria,com a fua
prociífaô,le vava huma carrada de trigo,& vinte & cinco car-
radas de pedra, & huma de cal, tudo pofío em ordem, & com
grande contentamento , & devoção. Aefta fe fcguiaa pro-
ciflaò da Villa da Redinha Bifpado de Coimbra, diftante fetc
legoas, com feucirio, & offerta de trigo.
Em2.de Agofto forão unidas asVillas de Chamdo-
couce, & Ancião do mefmo Bifpado, diftantes huma oito, &
outra nove legoas, com feus círios, & efmolas de trigo* To-
das eftas efmolas,que erão para as obras da Senhora,erão pe-
didas pelas portas daquellas VillaSj&Frcgueíías ,quepare^
ceefiavaa Senhora movendo a todos, & nenhum por mais
pobre que foíTedeyxava^e dar a fua efmola. No me imo dia
entrou também a Fregueíia de S. Simão do termo de Leyria
com muy tas offertas. Seguio-fe logo a Freguefia de S.Chri-j
flovaõ da Cranguegeyra do mefmo termo , com o feu cirioj
& offertas.
Em 5 de Agorto entrou em decimo fexto lugar a Fre-
guefia de nofía Senhora da Serra terma de Ourem com o feu
cirio,& muy tas mulheres com trigo ,& pãoamaffadoem ta-
bolcyros. Depois defla entrou a prociífaõda Villa de Porto
de Mòs.,difUntc três legoas,com grande luzimento, em que
hiaõ os três Priores das fuás três Fregueíias , & feus Benefi-
ciados com todas as Cruzes da Villa , & das Freguefiasdc
feu termo* que faõmuytas, a bandeyra da Camera ,& trinta
& oyto mulheres com tab,:>!eyros de trigo á cabeça 3 & duas
cargas mais cubertas com repofleyros,& hum cirio.Seguio*
fe logo a prociíTaõ da Villa da Ega , do Bifpado de Coimbra,
diíiante nove lçgoas,com feu cirio, & offertas.
Em 10. de Agoflo entrarão unidas três procifToes , das
Freguefias de noíía Senhora da Mouta > do Alverge , & de
noíía Senhora da Orada,termode Ourem.com feuscirios>&
oíFer tas, Scgiurão-fc logo outras três Freguefias unidas em
. - x " ' outra
2 §4 Santuário Mariana
outra prociíTao, a das Freyxiandas, a de S. Joaõ, do termo de
Ourem, & a de Almofíer termo de Santarem,com grande ap-
parato.com fuás Cruzes,& círios, & quarenta & quatro mu-
lheres com offertasá cabeça. Depois dertas entrou a procif-
faõ da Viila de Aljubarrota , & nella incorporadas duas Frc-
guefias , com grande pompa, & muyto luzimento , com as
fuás Cruzes, com muy ta devoção, & boa mufica: levavaõ
vinte & duas mulheres poftas em| muyta ordem com offer-
tas á cabeça, & vinte &fete carros muyto enramados, vinte
& dous de madeyra de caftanho para as obras , dous de telha,
dous de cal , & hu de trigo. A ultima prociíTao , que entrou
neíle dia, foy a da Fregueíia da Cofia termo de Ourem , dif-
tante cinco legoas,commuytas Cruzes, & grande apparato,
& muyta quantidade de mulheres carregadas, & poítas por
fua ordem, & fó de bolos erão trinta & cinco taboIcyros,fóra
os de trigo, & pão cofído.
Em i2.dcAgoftoentroua procifTaõdolugardaChãa,
termo das Pias, com as fuás offertas, & no mefmo dia a Fre-
gueíia de Santa Catharina da Serra , com três Cruzes , muy-
ta gente, & vinte & três carradas de pedra, duas de telha ; &
fetenta&c cinco mulheres com taboleyros de offertas ,5c feu
cirio. A efta fe feguio a prociíTao da Freguefia das Colmeas
com feu cirio,&offertas,quc levavaõ feífenta& tres mulhe-
res na forma das mais.
Em 14. entrou a prociíTao da Villa do Cebal Bifpado
de Coimbra;noveIcgoasdeLeyria,com tres cargas de trigo,
& hum cirio prateado. Em 15. do mefmo entrou a prociíTao
do lugar do Pombalinho Bifpado de Coimbra , diftante oito
!egoas,eom feucirio,& offertas. Aos l> fe feguio a Fregue-
fia de Saô Pedro da Cidade de Leyria , com huma muyto fo-
le mne prociíTao com mufica, & charamellas, aonde hiaõ com
mu /ta ordem grande numero de mulheres com taboleyros
de paõ, bolos , Sc trigo , & fó de trigo era hum moyo- Alem
diíto levavaõ doze carradas de madeyra de caflanho , & al-
gumas
Livro HL Titulo HL 285
gumas carradas de pedra. Aqui notarão algumas mulheres,
que o trigo, que traziaõde fuás cafas, crefcia pelo carrinho,
de forte que tresbordava pelos tabck yros. Ne me firo dia
entrou também a prociífaõ da Savacheyra, termo deTho-
mar, féis legoasdiilante, com feucirio,&cffèrtas. Depois
defia entrou a prociííaõ da Villa do Louriçal com grande
apparatoi bum grande cirio 3muytasmuiherescomoffertas
á cabeça, & fetenta alqueyres de trigo em cargas.
Em 18. de Agoflo fez a fua entrada o nobre Cabido da
Collcgiada da Villa de Ourem , fahiraõ da Ermida de Santo
António, que fica fora da mefma Cidade,& por noíTa Scnh o-:
ra dos Anjos chegarão á Cafa da Senhora da Encarnação j a-
companhavSo-no todos os homens nebres da nefmaVil^,
& a Camera,& infinito povo, aílim da Villa,cômo do term o.
A prociííaõ era grande , & com muyta fokmnidade ,&appa-
rato. Foy recebida com grande alegria > & repiques de finos
de toda a Cidade, & charamcl/as. Traziaõ trombetas, & boa
muíica, & duas Cruzes ricas, cantores com capas , & outros
miniílros com maças de prata, & debayxo de hum palio vi-
nha huma relíquia do Santo Lenho, que trazia huma Digni-
dade. Vinhaõ diante oito tochas, que dcyxárãoá Senhora,
& hum homem com hum prato de prata, em que hiaõ vin-
te mil reis de efmoia para as obras da Senhora.Diíferaõ Mif-
fa cantada com muyta folerrnidade, & muyras rezadas , & a-
cabada a fokmnidade , fe recolherão precr fli< nalmente ao
Efpirito Santo. Nomefmo dia chegou a Villa do Beco, dif-
tantenovelcgoas, com outra folenne prociííaõ, & traziaõ
vinte & féis carros de madeyra de csíiarhopara as ( bras>&
ofFcrecérão com libera! animo toda a que fofle neceífaria.
Aos 20. entrou a prociííaõ de Condeyxa a nova A a ve-
Jhafdiftantedezleg03s; traziaõ quatro Cruzes ricas,&csda
hua duas tochas , que offerecèraõ á Senhora , & outras qua-
tro ma is que também íe derão , & nove cargas de trigo para
asobras. Azz. chegou o Couto de Lavoens, que diítafds
legoas,
1 8 6 Santuário Mar iam
legoas, trazia hum moyo de trigo, & hum cirio de três arrá-
teis. Em 23- entrou a Villa de Alcancyde , que difta fetelc-
goas em o Arcebifpado de Lisboa , com duas fuás annexas,
& levavaõduas cargas de trigo , & vinte & duas mulheres
comoffertas á cabeça , & hum cirio muyto grande. Em 24.
entrou a Villa de Figueyrò do Campo , do Bifpado de Co-
imbra,diílante dez legoas, com as fuás offcrtas.E no mefmo
dia entrou também a Villa deCernache, diílanteonze le-
goas , com grande devoção , & muyta gente , traziaõ cinco
carros de trigo.
Em 28. de Agofb entrou a Villa da Mayorga,do Ar-
cebifpado de Lisboa , diftante féis legoas, levavão muytas
Cruzes, & três bandeyras,& acompanhava a Camera a pro-
ciíTaõ, Meva vão duas carradas de trigo', & hum grande ci-
rio. Em 29. chegou o Rabaçal , que difla dez legoas , levava
duas Cruzes com quatro tochas de feia arráteis cada huma,
que deyxáraõ á Senhora com quatro cargas de trigo, & hum
fermofo cirio para o renovarem.Tambem entrou no mefmo
dia com grande apparato a prociíTaõ da Villa do Pombal com
huma Cruz acompanhada de quatro tochas de cinco arráteis
cada huma , & hum homem em corpo com hum prato de pra-
ta, em que hiaõdezafete mil reis para as obras de noífa Se-
nhora. A efta fe feguio logo a prociíTaõ do Payaõ , & Bezer-
reyro, diílante féis legoas em o Bifpado de Coimbra ,traziaõ
quatro Cruzes ,& quatro grandes tochas , & três bandey-
ras,derãoá Senhora as tochas, &dous carros de trigo-
A 30, de Agofto veyo a prociíTaõ das Ilhadas termo de
Montemor o velho , difiante nove legoas, offerecèraõ duas
carradas de trigo,& hum fermofo cirio. Em o mefmo dia en-
trou também a prociíTaõ da Villa de Ferreyra , diílante oito
legoas, ôcofferccèrão á Senhora fete carradas demadeyra
de caftanho , & treze para fe mandarem bufear , & hum fer-
mofo cirio. Depois delh entrou a prociíTaõ de Soure com
muyta gente nobre, & grande apparato , com mufica,&cha-
rarnd-
Livro III Titulo III. 187
ramellas , & vinhaõ noVe Clérigos , os trcs pára celebrarem
a Miífa cantada, & os féis com capas, & féis tochas, offerecè-
rão as tochas, & três carros de trigo , & duas cargas. Logo
fe feguio a Villa de Anfam , offerecèrão féis mil & cito cen-
tos reis, & íeis tochas a noífa Senhora.
Em 5. de Setembro entrou a prcciíTac de Verride ter-
mo de Montemor o velho, diflante oito legoas , offerecéraõ
oito tochas,com que acompanhavão quatro Cruzes, & qua-
tro carradas de trigo.
Em 4. entrou a Vilía de Montemor o velho , que difla
dez legoas em o Bifpado de Coimbra , com grande acompa-
nhamento, em que vinha muy ta gente nobre , traziaõ fete
Cruzes com quatorze tochas , muy tos Clcrigos , & hu com
capa,que trazia dtbayxo de hum rico palio huma cuflodia de
relíquias j traziaõ boa muíica. Entrarão pelos arrabaldes da
Cidade, traziaõ diante trombetas que tangião hus Caflelha-
nos,& alem deílas, outras trombetas commuas , & mais
atrazascharamellasdo Marquez de Villa-Real, que os mã-
dou efperar, (como coflumava ) & huma excellente dança da
mefma Villa ,muytas bandeyras , & outros muytos appara-
tos. Traziaõ cinco carros de trigo , que haviaõ pedido para
as obras de noífa Senhora.
Em 12. entrou a prociíTaõ de Almaca , que difla onze
legoas, com a fua Cruz, muy to povo , & offerecèrão vinte &
hum mil reis , que pedirão para as obras de noífa Senhora.
Em 18. foy a Freguefia do Arrabalde deLeyriacom a fua
prochTaõ, aonde hia toda a gente del/c , levavão hum Sacer-
dote veftid o com capa de Afpergesdebayxo de hum palio,
com hum Relicário , três Crqzes , & boa muíica , com muy-
tos Sacerdotes , & diante levavam as charamellas do Mar-
quez. Levavaõ por ordem dezoy to mulheres com offertss á
cabeça , & em dmheyro vinte & quatro mil reis , três carra-
das de madeyradecaflanho ,& fete de telha > tudo para as o-
bras de noíTa Senhora. £ porque não ha condição, nem bar-
bara^
188 Santuário Mar iam
bara, que naõ defeje moilrar os feus piedofos, & devotos af-
fe&os para coma Mãy de Dcos , também os pretos daquclla
Cidade fizeraõ a fua prociíTaô, & entrarão no mefmo dia, Ie-
vavaõ vinte & cinco offertas de cabeça , que Icvavaõ outras
tantas pretas, & hum cirio de dez arráteis.
Em 1 9. entrou a prociííaõ de Patayas , diftante quatro
Iegoas, que por ter fomente vinte freguezes,& pobres, offe*
recèraõnoveoffertasde cabeça. A 24. de Setembro felan-
çou a primeyra pedra em o novo Templo da Senhora , &
terceyra Caía que fe lhe edificou naquelle fítio,com cuja oc-
caíiaõ foy o Cabido de Ley ria todo incorporado , mas com a
Cruz bayxa , acompanhado do Marquez de Villa Real Dom
Manoel de Noronha, Juiz entaõ da Confraria da Senhora,
por fua filha a fenhora Dona Brites de Lara. DiíTe a Miífa o
Deaõ Diogo Fernandes de Beja , officiada pela muíica da Sè,
depois febenzeoa pedra , que tinha huma infcripçaõcom o
nome da Senhora , & a era A huma Cruz. Eftava poíla em hu
andor muy bem conccrtado,& nelle a leváraõ o Deaõ ,o Diá-
cono, que era o Cónego Diogo Nunes , & o Subdiacono , o
Cónego Gafpar Criado , & o Marquez com oito tochas, ôc
charamellas. Foy lançada no alicerfe da parte do Euangelho
para a parte do Norte , no principio junto á porta principal.
A 26. entrou a prociffaõ de Villanova Danços diftan-
te dez Iegoas,& todos os que nella hiaõ y levavaõ vellas bra-
ças^ três carradas de trigo para as obras. A 29- Entrou
fegundavez a prociíTaôdo Souto de Carpalhoza termo de
Leyria, trazia para asobrascinco mil & quinhentos reis,
nove carros de telha , & dous de madeyra de caftanho, & em
trigo, paõ, & bolos cento & vinte & fete taboleyros,queera
muy to para ver , & a Cruz hia acompanhada de quatro to-
chas, & charamellas, & muy ta gente.
A 4. de Outubro entrarão com grande folemnidade
três Fregueíias unidas , Villa Nova da Barca , Brunhos , &
Samuel, diftantes oito legoas, traziam quatro Cruzes , & a
tercci:
Livro III. Titulo III. i%9
terccyra parte da gente,que era mu} ta,levava velas brancas,
em que hiaõ quarenta & cinco cirios, & três tochas, tudo pa -
ra a Senhora,ft diante levavaõ féis carros de trigo, & milho,
muyto enramados, A oyto entraram unidas em procifTaõ,
quatro Villas de Chaõ do Couce, afaber, Maçans de Dona
Maria , Avelar, Gude^& Poufa Flores, traziaõ para as obras
onze mil &íc te centos &cincoentareis, &fete carradas de
trigo , & hum cirio de três arrobas > que fe obrigarão a reno-
var para fempre. A nove entrou a Vi! la de Monte Rey, dif-
tante quatorze legoas , junto à Corbiçada, & como ficava em
muytadiftancia, cada hum trazia afuaofferta, &hum ciria
de três arrobas & meya , & duas tochas* A onze entrou a
procifTaõ da Viila deTruquel , dos Coutos de Alcobaça, dif-
tante íeis legoas, & com ella as Freguefias da Bencdida, & a
do Carvalhal Bemfeyto ^com trescruzes, & quatro cirios,
traziaõ hum homem em corpo com hu prato de prata , & nel-
ie vinte & quatro mil & trezentos reis , & três fogaças.
No meímo dia entrou também outra procifTaõ de três
Freguefias incorporadas , do Campo de Coimbra , a faber, S.
Veraõ, Granja , & Alfarellos ,diílantes nove legoas, tra-
ziaõ cinco carros , & duas cargas de trigo , & milho , quanti-
dade de linho , & mil & feiscentos & noventa reis em di-
nheyro , que deraõ , & pedirão para as obras de N. Senhora-
A cila fe feguioem o meímo dia a prociíTaõ de Saõ Martinho
do Bifpo, junto àmefma Cidade de Coimbra, &diílanteda
4c Leiria doze legoas^oíferecéraõ em dinheyro dezoito mil
&fetecentos, &dez reis, que pedirão para as obras de N.
Senhora.
A 12. entrou a procifTaõ da Villa Seca de Coimbra , dif-
tante dez legoas , traziaõ em dinhsyro féis mil oy tocentos &
quarenta para as obras. Seguiraõ-fe logo os três lugares de
Qúayos , Brenhas , & Cabanas , unidos em hua prociíTaõ;
porque faõ huma Fregueín do termo de Montemor o Velho,
diíhnte dezlegoas, traziaõ três carros de trigo , & cento 5c
Tom. III. T trinta
190 Santuário Mariano
trinta cirios brancos, &humgrande de quarenta arráteis,
que tudo offerecèraõ a noíía Senhora. Nomefmodia entrou
também a Villa de Penclla , foy a fua entrada com grande
pompa, &fo!cmnidade, fica diílantc dezlegoas noBifpa-
do de Coimbra , cffc receo a nofla Senhora hua grande offerta
para aquelle tempo , que foy hum fino , que pefava dez arro-
bas , & cuííou quarenta & oy to mil reis, & offerccérãomais
dous ciries grandes, que traziaõ para o ornato da procifTaõ.
A iz. entreu a Villa de Alcobaça com outra folemne
procifTaõ, em que vinha mi;y ia gente, & muy tas Fregueíias,
trazia de offerta em dinheyro trinta mil & fetecentos& vin-
te reis. Em 26. veyo fegunda vez a Freguefia de Vermoil,
termo de Lcyria, offereceo hum cirio de quarenta arrateisjfc
feííenta & fete offertas de cabeça, de bolos* & outras coufas.
A 27. entrou a prociílaõ da Villa de Alfezeyraõ , dos Cou-
tos de Alcobaça y que difla féis legoas , trouxe em dinheyro
dezafetemil & trezentos & fetentareis. Os moradores da
Villa de Saõ Martinho, pouco diftante da de Alfezeyraõ, ti*
verão fuás differenças fobre as precedências , fcaflim nam
vieraô incorporados , mas unidos em caridade vieraõ dar
graças a N- Senhora , &cfterecéraõ as fuás efmolas para as
fuás obras.
Em oy to de Novembro chegou a procifTaõ deTavarede
doBifpadode Coimbra;diflante leis legoas,trazia em dinhey-
ro, que pedio para as obras , féis mil novecentos & vinte. A
1 3 . entrou a procifTaõ da Villa de Buarcos, diflante oy to le-
goas, com huma folemne prociffcõ* em que vinha a fua Ca-
mera incorporada, & com as fuás infignias. Traziaõ huma rc-;
liquia debayxo de hum palio, acompanhado de oy to tochas;
traziaõ três Padres revcfíidos para celebrarem MiíTa, quatro
Cruzes , cinco bandcyras , & huma delias muy to rica , boa
mufica, &com excellentes vozes, & charamelas do Mar-
quez, muy ta gente bem luzida , &ccm muy to boa ordem
offerecèraõ as fuás efmolas. A 16. chegou a Villa da Cel/a,
C ou-
Livro 111. Titulo 111. 191
Coutos de Alcobaça,diflante féis legoss, com outra muyta
fo/emne procifTaõ, em que vinha muyta gente,& hum Sacer-
dote revertido defcuyxo de hu paliocom huma Cruzdereli-
quias. Dous brandoens groífos, q tinhaõ ambos vinte arra-
teis,vinhaõ todos debayxo de hua Cruz, & traziaõ vinte mil
reis de efmola , que ha viaõ pedido para as obras de noíTa Se-
nhora.
Referi com tanta extençaõ (contra o eftylo que leva-
mos ncíia obra ) o fervor com que neftas prociííòens fe def-
velavão todos os povos no ferviçode Maria Santiííima Se-
nhora noíTa , para que fe veja claramente o como he grande a
devoção , & o affedo dos Portuguezes para com efla Senho-
rafoberana. Muytosdeftes que vieraõ no principio, porque
naõ pudéraô então offerecer o que defejavaõ , fe obrigarão
a voltar fegunda vez. Daqui podemos coníiderar também,
quam grande feria a alegria defia Senhora , em os ver chegar
à fua Cafa , carregados de offertas , & alegres, porque traba^
lhavaõ em feu ferviço.
He a Imagem da Senhora lindifEma , efiá de joelhos, &
moftra na proporção, que a eftar em pé teria quatro palmos
de alto; he triguejrinha, & na cór do rofto moílra a fua muy-
ta antiguidade; eflá com as mãos no peyto, moftrandooef-
panto em queficou, quando o Anjo lhe appareceo,&sflim
tem os olhos poftos no chaõ com huma celeflial modeflia.
He de talha,mas cobrem-na hoje com preciofos veflidos; eftá
recolhida dentro de hum Sacrário fechado , mas como tem
huma grande, & fermofa vidraça , fe vé perfeytamentecor-
rendo-lhe as cortinas ,comqueeftá ornado o Sacrário para
mayor veneração- A Igreja he perfeytiífimaafiim na traça,
comonaarchitechira. Tem alpendres cm roda, com duas
portas no cruzeyro por onde iahern as procifToens , & tor-
naõ a entrar, íem que o tempo da chuva as decomponha. A
Capeíía mor he quadra d* , & fobre quptoi arcos fe levanta
huma meya laranja , aosladcs íh&ácão duas Sacriítias \ fobre
T z a por-
^<)l Santuário Mariano
a porta da Sacrifique fica à parte do Meyo dia, tem hum ni-
cho,aondeeftá hurra Imagem dogloriofoSaõ Jofeph como
Menino Jeíus pela não, íaõ de jeífo > mas excellcnte efcultu-
ra ; na parte fi omeyra fica outro nicho com outra Imagem
do Archanjo Saõ Gabriel, (da mefma ir ateria,) que he a Ima-
gem antiga , que eíla va na Ermida,& pelo que moflra^ parece
que efiava dando à Senhora aEmbayxada. Se a Senhora foy
efeondida no tempo que os Mouros entrarão em Hefpanha,
não ceníla. A tradição affirma, que depois de haver ja naquel-
le lugar a Ermida do Anjo, (que podia bem ferfoífe também
apparecida , & que ambas as Imagens occultaíTem os Chrif-
tãosemdiverfos lugares , )apparecéra a Senhora no mefmo
monte, per cuja honra oBifpo Dom Aymaro reedificou a
Ermida do Anjo, collocando nella a Senhora- Efcrevem de
no(Ta Senhora da Encarnação Frey Manoel da Eíperança na
hiflor. Seraph pag. j.liv-g.cap. gi.Frcy António Brandão
na Mon.-Luf. pag. 3. liv. 9. cap. 25. & algumas relações que
fe achão manuferiptas no archivo da Senhora.
TITULO IV.
T>a Imagem de N. Senhora das NeceJJidades da G andar a.
NO lugar da Gandaraeítáhua Ermida dedicada aoglo-
riofo Martyr Saô Sebafliaõ , íituada em huma margem
do celebre campo de Ley ria- Nella fe venera huma Imagem
de N. Senhora , com o titulo das Neceflidades ; refere-íe por
tradição, que naquelle mefmo lugar appsrecéra , & que ja alli
havia a mcfma Ermida , que de antes havia íido dedicada ao
mefmo Santo Martyr- Do tempo não confia, donde fe colhe
fer também muyto antiga a devoção para com eflamilagro-
fa Senhora , que fempre foybufcada dos fieis, & com gran-
de frequência ? & concurfo ; porque de todos aquelles con-
tornos
Livro III. Titulo V. 293
tornos a vaõbufcar com novenas, & pagar os feus votos, õç
promeíías ,& a Senhora fabe pagarlhes afua devoção com
as muytas maravilhas , que obra a feu favor,como o teítemu-
nhão as mortalhas , & mais memorias , que pendem junto ao
feu Altar. A Imagem da Senhora he de pedra ; terá dous pal-
mos de alto , & he pintada íbbre a mefma efeultura; tem em
os braços ao Menino Jefus , & he taõ grande a fua fermofu-
ra , que eílá roubando os coraçoens de todos , os que a con-
templaõ , & a bufeaõ. Laflima he coníiderar no defcuydo
com q os antigos nosdeyxáraôoccultososapparecimentos
de muytas Imagens milagrofas, quefempre haveria nelles
prodígios^ que ferviffem para augmento da noífa devoção; &
também íé augmentaria com as fuás , muy to mais a gloria do
Senhor , que obrava as maravilhas.
TITULO V.
^Da milagrofa Imagem de nojfa Senhora do Fetal no
lugar do Reguengo..
DUas legoas diftante da Cidade de Leyria para a parte
do Nafcente ; fe vé hum grande lugar , a que chamão o
Reguengo, & em o feu mefmo termo. Junto a elle para a par-
te do Meyo dia , fe vé na meya ladeyra de huma Serra a Igreja
de N. Senhora do Fétal,na qual fe venera hua milagroía Ima-
gem da Mãy de Deos , cuja origem , &apparecimento re^
fereatradiçaõ (que fe conferva entre os velhos ,& os mo-
radores do mefmo lugar) nefta maneyra.
Andava huma paítorinha guardando humas ovelhas,
que naõjeriaõ muy tas,(fcgundo a pobreza daquellas terras,
entre hus fétaes , que zinda hoje fe vem muy tos naquelle def-
trito,) em hum íitio aonde hoje eítá huma Ermidinha antiga,
a que chcimaô da Memoria,que fc edificou alli,para memoria,
Tom. III. T 5 &
294 Santuário Mariano
Stíinal de que naqueile próprio lugar foy o apparccímentò
da Mãy de Deos. Andava a paflorinha chorando com fome,
(que naõ he muy to que aííim fofle,porque he fumma a pobrc-
^adaqueilas terras, aonde fó pedras fevem; porque deftas
heabundantiflimotodoaquelle defirito, aonde fevem Ser-
ras de pedra tam ermas , & eflereis, que nellas naõ nafce hu-
ma erva , ) & nefle eflado em que eflava vio hua mulher rouy-
to fermofa , que fe chegou para ella, & lhe perguntou por-
que chorava. A que a menina deu por reporta : Porque tinha
grande fome. DiíTe-lhe a Senhora , que fofle a lua mãy , que
lhe deffe paõ. Ao que a paflorinha reípondeo outra vez, que
fua mãy o naõ tinha. Tornou outra vez a Senhora a lhe di-
ger que foffe , & que na arca em que fua mãy o coflumava
guardar acharia paõ, & que lhe diffeíTe que huma mulher a
mandava. AVifla do mandado da Senhora, foy a menina, &
diíle à mãy que huma mulher lhe diífera lhe deífe paõ, porque
na arca o tinha. Foy a mãy, Scfegundo o recado que a filha
trazia achou a arca cheya de excellente paõ , & taõ fermofo,
que logo parecia naõ fer paõ amaffadona terra.
Voltou outra vez a paflorinha às fuás ovelhas confor-
tada ja , & contente, pois havia achado o remédio da fua ne-
ceffidade,& encontrou outra vez com a Senhora;a qual conf-
tituindo-a fua embayxadora lhe mandou , foíTe aos morado-
res do feu lugar,& lhe diíTeíTe,que ella era a Mãy de Deos ,6c
queria fe lhe fizeíTe naquelle fetal huma Ermida,para fer nel-
la louvada. Haviaõ viflo aquelles aldeões o paõ de que a Se-
nhora milagrofa mente havia enchido a arca daquella pobre
mulher, ( que he Maria Santiffima hua mefa animada, & cheya
de paõ, & contem em íí o paõ efa vida, como diz Damafccno,
& os Gregos em o feu Hy mno : Menfa animata continem pa-
nem Yit*. E à vifla do paõ poderiaõ dizer conr figo cada hum
^ o delles, com Jacob: Se efla Senhora nos der paõ para comer-
mos , em terra aonde ha taõ pouco , fera para nòs a noffa Se-
nhora , & naõ faltaremos em a fervir.
Forao
Livro HL Titulo V. ipy
Foraô todos alegres , & obedientes ao lugar aonde a
paftorinha referia que a Senhora lhe apparecèra , & manda-
va lhe fizeffem Cafa,& acháraõ huma Imagem fua muyto lin-
da , & junto a ella huma milagrofa fontefinha. Reconhece-
rão o beneficio(Jque Deos,& fua Santiflima Mãy lhes fazia, &
fervorofamente unidos em devoção , edificarão à Senhora
huma Cafa } que bem moftra a pobreza dos Fundadores,por-
que apenas caberáõ nella féis ou oy to peíTòas \ & nefta a col*
locarão. Com a agua daquella fontefinha fe começarão a ex-
perimentar logo os poderes de Maria Santiílima com as ma-
ravilhas , & milagres , que o Senhor começou a obrar. Efla
fontefinha ainda hoje fe conferva em hua cova de pouco fun-
do, &caufa grande admiração aos que alli vaõ,&eumead-
mireyemver,quefobrehuma ribanceyra de terra arenofa,
& de feyxos , com huma efirada que fica junto , muyto pro-
funda , fe pudeffe confervar a agua daquella fontefinha; ain-
da aífim fe conferva fem diminuição na mefma quantidade,
fem fahir fora da cova.
Fey ta a Ermidinha , que ainda hoje exifte , & fe confer-
va por memoria , começarão a crecer tanto os milagres da
Senhora j que com asmuytas efmolas , que também fe foraõ
ajuntando , fe erigio huma nova Igreja , & taõ capaz, que fe
pode recolher nella hum grande numero de gente , & ainda a
faz muyto mayor hus fermofos alpendres que tem à entrada.
O tempo em que a Senhora fedignou deapparecer naquellc
íitio,& entre aquelles fétaes, de que lherefultou o titulo,
com que he invocada , naõ confta ; masconfta do tempo em
que fe lhe edificou efta nova Igreja ,que naõ feriaõ muy tos os
annos depois do feu apparecimento \ o que fc vé de humas le-
tras, que fe confervaõ cm huma pedra, que eflá pofla na mef-
ma Igreja da Senhora , & dizem aflim.
Koannoik 1585. fefe^esJa Igreja de N. Senhora
do Fetal com as efmolas dos fieis Cbriflaos >& fe Vay
reno^andoyi^fe Vao fazendo obras das ditas efmolte-
T 4 Com
196 Santuário Mariano
Com quedefta era para traz, foy a manifeflaçaS daquella
Santa Imagem. Efla fechada em hum facrario com huma vi-
draça criílaíina , & com grande aceyo , & perfeyçaõ , obra
do llluflriflimo Senhor Dom Frey Jofeph de Lencaflre , fen-
do Bifpo de Leyria , que lhe mandou fazer no anno de 1 68o.
& tantos,o qual mandou juntamente encarnar denovo a mef-
ma Imagem em aquella íuaCafa por hum Religiofo Arrabi-
do, que ficou pcrfeitiífima. He efla Santa Imagem humper-
feytiííimo retrato, ou copia da Imagem de noífa Senhora de
Nazareth , que fe venera no íitio da Pederneira , aflí m no ta -
manho , como na forma em que cflá,com o Menino JESUS
fentado no regaço , & com o concerto que fe lhe fez , parece
ainda muy to mais fermofa, &perfeyta. Verdadeyramente
parece efla Santa Imagem AngeIical,ou obrada pelos Anjos^,
fem embargo de que alguns quizeraõ dizer , que a mandarão
fazer os primeyros devotos da Senhora à imitação da de Na-
zareth. Mas a Cafa da Memoria parece eflá dizendo o con^
trario , & que a Senhora appareceo naquelle lugar.
He a Cafa da Senhora annexa à Sé de Leyria, & os Cóne-
gos delia aprefentaõ o Ermitão, que he fempre Sacerdote,
& de ordinário , o Cura do mefmo lugar do Reguengo; & os
direytos Parochiaes , & offertas que fe fazem à Senhora , faõ
do Cabido. He grande a devoção, que toda a gente daquelles
contornos tem a efla Senhora , & affim he muyto frequenta-
da a fua Cafa , & tem algumas para abrigo , & recolhimento
dos Romeyros, que vaõ alli ter as fuás novenas, & na grande
fé com que a bufeaô em feus trabalhos, & apertos, o manifef-
ta ô as memorias fem numero, que pendem das paredes de íua
Cafa, das maravilhas que obrarA Senhora tem pouco mais de
hum palmo deahura,cflando fentada como fica dito.Feflejaõ-
nano primeyro Domingo de Outubro, & nefle fe faz jun:
to à Cafa da Senhora , huma notável feyra.
TITUJ
Livro HL Tini lo VL 19?
TITULO VI.
Pa Imagem deTSl. Senhora daGayola no lugar das Cortes.
HUma legoa difiante da mefma Cidade de Leyria , eflá
hum grande lugar, frefco,&deliciofo, porcaufa do
rio Liz que tem nelle o feu nafcimento, a que chamaõ as Cor-
tes. A Parochia deite lugar he dedicada à Rainha dos Anjos
debayxo do titulo de N. Senhora da Gayola 7 cuja origem , &
etymologia de feu nome fe refere aífim, mais por tradições
confufas^queporefcrituras autenticas. Paftoreavaõ huns
ruflicos aídeoens por aquelle íitio o feu gado 3 ôechegan-
do-o mais aos matos queallihavia , defcobriraõ no tronco
de huma arvore , que alguns querem foffe oliveira , ou zarn-
bugeyro, huma Imagem da Mãy de Deos : naõ confia feella
lhes faltou , ou fe viraõ algum prodígio. Referefe por tradi-
ção;, que alegres com o achado lhe fizeraõ huma cabana teci-
da de ramos junto à mefma arvore j & nella a começarão a ve-
nerar ,( eíle domicilio ,quederaõ à Senhora , parecia mais
gayola,q caía, por fer compofto de ramos de falgueyro, & de
outras arvores , ) com o titulo de Gayola a começarão a in-
vocar , & com o mefmo he ainda hoje venerada,
Diriaõ aqui fem duvida as cândidas almas daqueíles
paftorinhos , vendo a Senhora o que lá do feu Efpofo dizia
a Efpofa Santa: En ipfa tfat, EyU eftá a noífa Divina Paflors, cant.z
vendo-nos pelos tecidos da fua gayola : Refpiciem perfemj-
tras >proff>iáensp?r cancellos, Everdadevramentedevemos
crer que a Senhora fe pagaria muyto deíía Cafa de ramos,
q lhe fabricou a devoção dos paflorinhos, pois naõ quiz ou-
tro titulo, fenaõ o da Gayola, &o da íua choupana déra-
mos. Aqui mefmo começou a obrar grandes maravilhas > &
milagres,, & aqui a vinhaõ vifitar os fieis , até que com as cf-
molas
298 Santuário Mariano
molas que fe lhe offereciaõ, fe lhe fabricou huma Ermida de
pedra ,& cal y ainda que pequena. Com as maravilhas que a
Senhora obrava , fe começou a povoar aquelle íitio , & a fa-
bricar cafas nelle y que crefceo em grande maneyra , & depois
fe edificou à Senhora hum grande Templo , que fe erigio de-
pois em Fregueíía , ou Parochia do mefmo lugar.
Era cila Santa Imagem de madeyra,& pode bem fer^que
os Chriftãos fugindo às crueldades dos Mouros , quando fe
fizeraô Senhores de Lcyria,& daquellas terras todas, occul-
taííema Santa Imagem notronco daquella arvore , porque
lhe naõfizeffem alguma irreverência. Ofeu apparecimen-
to fe tem que fuccedéra ha muytos annos,ou muy tos feculos,
por quanto o lugar moftra muy ta antiguidade nos edifícios,
& a Igreja , que a Senhora de prefente tem > também naõ he
muy to moderna. E como ja havia tido outra, tudo iflo deno-
ta antiguidade larga. E como a Santa Imagem efieve naquel-
le tronco da arvore muytos annos depois , como era de ma-
deyra.materia confumptivel,fe foy repaífando do caruncho;
& quando fe pudera remediar , & reparar , foy tal a incúria,
ou a inadvertência dos antigos, que a mandarão enterrar
debayxo do Altar mór,podendo reparar o corpo com algum
betume, &defla forte fe pudera confervar , & a teríamos à
vifta , para a venerarmos , como a Imagem angelical , ou mi-
lagrofamcnte apparecida, & que os Anjos haviaô confervado
por tantos feculos illefa do furor dos Mouros; porque elles
a defenderão , & guardarão , até que elía fe quiz manifeílar
aos fíngelos paflorinhos.
Mandarão em feu lugar fabricar logo outra de madey-
ra eftofada ,& de perfeytiffima efcultura; he muy to fermofa,
& tem huma rara mageftade , que parece rouba os coraçoens
de todos, os que a vem; eílácom o Menino JESUS nos bra-
ços , todo attento , & inclinado para a Mãy , como que cila
fallando com ella. Eftá collocada em hum nicho do retabolo
à parte do Evangelho. A Igreja he grande, & mageílofa com
três
Livro II. Titulo VI. 299
trcs A!tares,& huma Capella mayor de abobada, muy to ay-
rofa , & perfeyta ,tcda dourada , com hum excellente reta-
bolo , tambcm dourado. A Senhora hc grande , & terá feis
p aimos , ou mais de eflatura.
Antigamente fazia muytos milagres , porque feria a fé
dos que a invocavaô mais fervorofa j hoje naô faz poucos a
Santa Imagem, que fubfrituiraõ no lugar da primeyra, aos
que com viva féabufcaô. Os que tem faílio encomendan-
do-fe à Senhora fe achaõ livres da moleília , que elle caufa.
Também headvogada contra o pulgaõ, lagarta, gafanho-
tos, & borboleta , & tem ja por experiência a gente daquella
Frcgueíia, que dando eflas pragas pelos arredores, nunca
chegou a el/a. AVilla da Azambuja conhecendo as maravi-
lhas, que a Senhora obrava com os moradores do lugar das
Cortes , em os livrar do pulgaõ , & lagarta , fe lhe recomen-
dou^ prometteo huma boa efmola, para que os hvraífe def-
tas pragas,que muyto osmoleílava:a Senhora os livrou pon-
tualmente ; porque fe vio o pulgaõ morto aos pès das cepas,
& foraõ a cumprir o feu voto. Tem a Senhora huma grande
Irmandade , que a ferve ,& faz fuás feftascom grandeza ;&
aparato. Neíta quizeraô entrar também muytos dos mora •
dores da Azambuja, obrigados dos favores , que da Senhora
haviaõ recebido.
TITULO VIL
Da Imagem de nojfa Senhora da Vitoria, perto da Vil-
la da Batalha-
O Santo Condcftavel de Portugal D. Nuno Alvares Pe-
reyra, tronco da Sereniífima Cafa de Bragança,&grã*
de devoto da Mãv de Deos,em acçaõ degraças da feliz, me-
moranda, & milagrofa vitoria de Aljubarrota, alcançada
con-
3oo Santuário Mariano
contra ElRey D. Joaõ o Primeyro de Cafiella , mandou eri-
gir no campo da batalha hum Templo , que coníágrou á po-^
derofa Guia dos exércitos Maria Santiífima, &aoinvido
Martyr Saõ Jorge, Alferes da Igreja Cathoíica , de quem
também era devotiflimo, & a quem invocava fempre cm to-
das as batalhas em feu favor % como fez neíla,& aílim em re-
conhecimento, de que elie também lhe aífifiira ,quiz que a
Igreja que edificava, foíTe dedicada naõ fó á Rainha dos An-
jos , mas também a efíe Santo Martyr. E fer iíto aílim verda-
deyramente, confia de huma pedra^que eílá na mefma Igre-
ja, cuja infcripçaõ traz também Jorge Cardoío no feu Agio-
logio Luíitano, nefta forma
Era 1431. annos, Nuno Afoares 'Pereyra Condefta-
Vel , mandou fa^er efia Capella à boina daVirgem
Maria, & do Martyr Sao Jorge ; porque em o dia em
quefefe^ aqui a btíalba, que ElRey de Portugal ou-
Ve com ElRey de Caftella, eíiâVa em ette lugar a
bandeyra do dito Conde ff aVel.
Defta pedra fe vè ,em comooCondeftavel he o fundador
daquella Ermida,& que foy feyta > ou acabada fete annos de-
pois da vitoria: porque eíhfe alcançou no anno do Nafci-
mentode Chrifbde 1386. donde fc 'pôde crer também, que
omefmoCondeftavel traria comílgopara fuadefenfa aefta
Santa Imagem ; porque hede madeyraeftofada, com o Me-
nino JESUS nos braços,& taõ pequena,que tem pouco mais
dedous palmos. A Imagem de Saõ Jorge hede pedra de An-
Çã, & eftá no Altar collateral da pa rte da Epiflola poflo a ca-
vallo, & moftra ter quatro para cinco palmos de eftatura ; &
em fer efta Imagem grande, & de pedra , & a Senhora peque-
nina, confirma o difcurfo, de que elle a traria comfigo.
A Senhora eftá collocada no Altar mòr, em q fe vé q ella
heaprincipalPatrona daquellaCafa;eftá pofiaem hu trono,
&hemuyto linda. He eíia Igreja annexaá Matriz da Villa
de Porto de Mos, em cujo t ermo fica , em diftancia de huma
Iegoa;
Livro III. Titulo VIL 30 1
íegoa y & meya da Villa da Batalha. Obra eíla Senhora muy-
tos milagres, como o expcrimentaõ , & teflemunhaõ os cir-
cumvizinhos -, & affim a fervem com fervor , & devoção.
Deyxou oCondeftavel aefta Cafa hummoyo de trigo pa-
ra o Ermitão , & huas terras , que rendem quarenta mil reis,
pela obrigação de ter aquella Cafa com limpeza 3 & sceyo: o
trigo fe paga no Almoxarifado de Leyria , & ainda que efía
Igreja he annexa á Matriz de Porto de Mos , a nomeação da
Ermitania he do Padroado Real 3 & ElRey he o que a provê-
Em 1 4, de Agofta vay todos os annos o Senado da Carnera
de Porto deMòs com o Clero em prociffaõ de graças á Ca-
fa da Senhora da Vitoria. Efcrevem da Senhora da Vitoria
Rodrigo Mendes da Silva , na vida do Condeííavel pag. 70.
aonde diz, que o Condeflavel fundara a Igreja de Santa Ma-
ria da Vitoria. Cardofotom.2. pag. 683. & 691.
TITULO VIII.
ÍDa Imagem de mj/a Senhora do Real Contento da Batalha,
nomeada com o me/mo titulo cia Batalha.
AChavafe ElRey Dom Joaõ de gloriofa memoria (naõ fó
por fuás acções de valor , & fortaleza , mas por fuás
virtudes) o primeyrodefte nome ,nos campos de Aljubar-
rota, alojado em hum eftrey to arrayal , & acompanhado de
poucos foldados, mas fieis, animofos, & determinados.Ti-
nha 1 defronte outro Rey também Joaõ no nome > & prime yro
deCaftel!a,que trazia comíigo o poder de fuás terras, & mui-
ta gente de PortugaI,que o fcguia,ou por intereííe próprio,
cu enganada da caufa.Era força vir ás irãos& como os fuc-
ceíTos da guerra fempre faõ duvidoícs , &r a batalha da par-
te dos Portuguezcs era arrifçada , pelo pouco nurr.eroque
tinha delles, comparado cem o dos contraries ; quecubria
os
3oi Santuário Mariano
os montes , 8c enchia os vallesj vendo ElRey que havia de
ferbufeado, &naõ podia efeufar a batalha fem diferedito,
& perda da reputação ; nefte aperto recorreo ao foccorro do
Cco , pedindo ao Senhor das vitorias , interpondo por fua
medianeyra a Virgem noffa Senhora, de quem era devotifli-
mo , em cuja vefpora de fua Affumpcão fe achava , promet-
tendolhe que fe lhe alcançaíTc a vitoria , lhe edificaria hum
Moílcyro , em que foífe louvada, Foy Deos fervido de pòr
osolhosnafuacaufa ,&no juftificado delia: porque ficarão
vencidos nas armas,os que venciaõnopoder,&na confian-
ça- Ecom efta vitoria deu Deos também o Reyno ao Rey
Portuguez; porque brevemente foy reduzido todo áfua
obediência-
ElRey por fe naõ moftrar ingrato ao beneficio, tratou
logo de dar á execução o feu voto, & no meyo dos cuydados
da guerra, fe nãoefquecia das plantas do edifício. Revia as
traças ,confultava Arquitedos , ajuntava officiaes , & ga-
nhando por huma parte á força lugares rebeldes , por outra
hia edificando fagradas paredes. Depois de três annos , que
a obra corria com grande augmento , refolveo ElRey dar a-
queile Mofteyro á Ordem de Saõ Domingos , como fez por
hu m Alvará feu,dadona Cidade do Porto,noanno de 1388.
de que logo a Ordem tomou poífe , fendo Meflre Geral del-
ia Frey Ray mundo de Ca pua. He efte Convento em tudo
verdadeyramente Convento Real. A fua Igreja he compa-
rada pela perfeyção do obrado ao Templo de Salamão, tem
trezentos & feífenta palmos de comprido defde a porta
principal ate o Altar mor , cem palmos de largura , & do pa-
vimento ate o ponto da abobada da nave principal,faz de al-
to cento & quarenta & féis palmos.
Juntoá porta principal ,da parte de dentro, fica huma
Capella, ou Panteon , de exceflente , & extravagante obra,
tín grande co no hum grande Templo; faz noventa palmos
cm quadro > que ElRey efeolheo para feu fepuichro , da Ra-
nha
Livro HL TituloVllL 303
nha D. Felippa lua mulher, & de feus filhos.Nefie Pantcon,
na parte principal fe vem quatro Capellas com fcusretaho-
los>& Altares, aonde fe celebra; & na fegunda, que fszfren-
te à entrada , fe vem outros quatro arcos com quatro mau-
foleos, aonde fe vem fepultados cfles quatro Infantes, Dom
Pedro, Dom Henrique, D, João, & o Infante Santo D. Fer-
nando. No mcyo fica o Fundador, & fua mulher a Rainha D«
Felippa y cm dous túmulos levantados, & ricamente obra-
dos. Deyxo de nomear todos os mais Reys , Príncipes , 6c
Infantes , que fe vem fepultados naquella Cafa ,que fam
muytos.
Detraz daCapella mayor ficajoutro Panteon , coufa
taõ loberba , taõ mageftofa , & taõ primorofamente obrada,
que fe fufpendem àfua viíta quantos a vem ; aquechamaõ
as Capellas imperfey tas; he rotundo , tem fete Capellas im-
perfey tas, q fe eftivera acabado, fora a maravilha do mundo.
Heefta fabrica de tanta perfeyçaõ , & de tam miúda obra,
que pafmão os maisinfignes , & peritos architedos, & artí-
fices de talha ; do que alli fe vé obrado em pedra.
Com grande, & Real magnificência enriqueceoElRey
Dom Joaó aquella fua Cafa,que dedicou à Rainha dos Anjos,
naõfódereiiquiasiníignes, que lhe havia dadooEmpera-
dor de Conftantinopla Manoel dePaleologo ; mas de orna-
mentos amyto preciofos , &de muy ta quantidade de prata,
que lhe deu, que eraõ maisdedezoyto arrobas. Deílaera
muy ta fobre-dourada,em que entravaõ vinte & oy to cálices,
quatorze pares de galhetas , cinco caldey r$s com feus híífo-
pes, oyto turibulos com féis navetas parla elies, nove Cru-
zes means , para fervirem nos Altares , quatro grandes, das
quaes eraõ três para as prociíToens, &huma de pé para o
Altar mór, douscaftiçaes grandes, & altos dourados, ou
ceriaes, doze caftiçaes para o Altar mór, féis grandes to-
cheyras, duas delias douradas, ícte alampadas de grande
corpo, & pezo, huma lanterna, cinco cayxas de hoflias, cin-
co
304 Santuário Mariano
co porfapazes, dous gumis com feus pratos grandes,& duas
campainhas , & outras peças mais, tudo de grande feytio.
Os ornamentos com que cnriqucceoa Sacnfiia, fehojc
fe Szeffem, fó elles importariaõ em mais de hum milhão; eraõ
os ricos onze,todos de finiífimos brocados,comcapas,fron-
taes^panos de pulpito,5t eftantes, tudo guarnecido de çane
fas , 6c fabaftos bordados de ouro , & de Imagens , obra cuf-
toíiíTima. Alémdeftes havia trinta & dous ornamentos de
varias cores , & de varias fedas ricas , & euftafas , & com ri
casguarniçoens , ôefobre ifto hurna grande quantidade de
ca fulas de telas , veludos , & outras fedas ricas , para o quo.
tidiano , & grande quantidade de cortinas, & outros ornatos
defta qualidade, com muytos panos ricos, que fe punhaõ fe-
bre as fepulturas nos dias dos Anniverfarios dos Reys, &
dos Príncipes. Q^tro ornamentos ricos fe desfizeraõ,com
o achaque de quenaõ ferviaõ nunca, mais q de fe moftrara
grandeza da devoção do Fundador , huns cubertos de efca«
mas de prata de martello^t ao jun tas,que fe naõ di vifava a fe-
da em que eftavaõ aíTentadas •, & outros cubertos de ouro taõ
pezados, que naõ havia quem os pudeífe levantar, quanto
mais veflir. E he laftima q a ambição de algu Prior negligen-
te oí desfizeíTe , a troco de remediar as faltas da fua incúria,
& negligencia , ou para fazer alguma obra inútil , & defne-
ce(Taria,& talvez que o procedido fcconfumiíTe em nada;
porque adim fuecede aos que confomem,& diffipaõ as coufas
qusfedsdicárãoaDeos, de que ha vários exemplos. E he
muyto para admirar , que em tempo ,em que as rendas Reaes
erão taõ poucas , tiveífemos Reys animo para gaftar com
Deos tantas riquezas ; mas também por iífo mefmo lhes dava
Deos, & tudo lhes fobejava,para naõ vexarem feus vaíTallos.
Além de tudo ifto deu mais ao Convento quinze Ima-
gens de prata de altura de três palmos para cima, cada hurna
dos Santos da fua devoção.Entreellas hurna de noíía Senho-
ra , que he a Senhora da Batalha, que fendo toda de prata co-
mo
Livro III. Titulo IX. 30 f
mo as mais , o corpo, & as roupas faõ douradas. Efía Santa
Imagem efíácollocada íbbre o facrario cm o Altar rnór/:o--
mo Senhora, & Tutelar que hedsquella Real Caía. He de
grande fermoíura,& primorofamenteobrad<i,ôr efía Senho-
ra he, Santa Maria a Real da Bataiha,ounoiTa Senhora da Ba-
talha do Real Convento, queElRey lhe dedicou emocam-
poda Batalha. Com efía Santa Imagem tem os Riligiofos
daquclla Cafa grande devoção.
Além defía Senhora , Titular daquella glande Cafa, fe
veneraõnella outras duas Imagens , que fe vém collocadas
nas duas Capellas collateraes da Capella mayor ; a da parte
do Evangelho he dedicada á Senhora do Rofario, Imagem
grande, & de vefíidos ,magefíofa , & de rara fermofura, da
proporção natural;eftá em hum nicho grande ornado de cor-
tinas cmomeyo doretabolo. Com efía milagrofa Imagem
tem todo aquelle povo grande devoção, cj a fazem mais cref-
cida , as maravilhas que obra. Na parte da Epifíola fe vé ou-
tra Imagem da Senhora da Piedade , quaíi da mefma propor-
ção ,como fantiílimo Filhodefunto em feus braços, muy-
to devota ,&comquemomefmopovo da Batalha tem gran-
de fé, & aflim a ella recorrem todos em feus trabalhos ;he de
cfculturademadeyra. Ambas efías Imagens parecem muy to
antigas,& feriaõ obradas pouco depois da fundação do Con-
vento. Faz memoria da Senhora da Batalha oP. Fr. Luiz de
Souíà na hiftor. de S. Domingos de Portugal p. 1. !.6.c. 12.
TITULO 1%.
Z)d milagrofa Imagem de nnjfa Senhora da Lu^ do
termo da Filia de Co^.
COntempla o Profeta Rey a Deos na mayor , & mais le-
vantada pompa de feus ardores , & diz que fez para a
Tom. III. V fua
joó Santuário Mariano
fua grandeza hum doce! , cu fitial domefoio Sol : In Sole po-
fuit tabernaculum fuum. O Sol fendo hum Afiro nobiliííimo
deífes Ceos , & Príncipe dos mais Afiras* goza de hum dila-
tado Império; rms he em hum Emisferio fomente; porque a-
noytece ao Aíiatico > quando nafce ao Europeo \ carecem os
antípodas das fuás luzts, quando nós gozamos defeusref-
plandf res, & quando a «òs fe nos efconde a fua luz, os illuf-
traaclles. Em outra cccaíiaõ o véoamado Difcipulo tam
fervido dos mais Planetas , que em competência íagrada-
rrente ambiciofa , todos íhe éíBikm , o Sol , a Lua > & as Ef-
trcllai : Signum mamum apparuit in uelo, mulíeramitfci So-
le , & Luna fub ptdifas (jus , & in capite e)us corona ftella-
YUffiduodecim. Ja não tem por trono fomente ao Sol , mas
tem também a Lua , acompanhada deEftrellas. Se quando o
Sol luz cm hum Emis ferio, reyna no outro a Lua j & vive
fempre dividido o Império , como nefla occaííaô fe vem jun-
tos o Sol , & a Lua : AmíBa Sole , & Luna fub pedibm eju**-
Porque ne(Taoccaíiaô( diz Eernardo) eflájaDeos em Ma-
ria , he ja Maria a Senhora de toda a luz. E fe antes fomente
no circulo do Sol brilhava em hum de dous Emisferios, ja em
Maria illufira a ambos , pois fe compõem o feu trono do Sol,
& da Lua: Habes mediatrteem, (diz Bernardo;) quam tibi
faulo cõmendayimus eVtdentem expreffam, mulkr ,inquit7 a
mitta Sole, & Luna fub pedibm ejm» Anda vão aquellas lu-
zes divididas , & em contenda , antes que a Senhora da Luz
nafceíTe, divididos aquelles Impérios. Deos em oSolnam
iiluftrava ao antípoda Gentio \ porém tanto que Maria naf-
ceo, jaeílão unidas as luzes, poisaomefmo tempo forma
trono do Sol para luzir ao Hebreo , & da Lua para illuíirar
ao Gentio. Dilatou a fua gloria, eítendeoofeu Império,
& fe antes fem Maria era o íeu trono fomente Sol, *gora por
Maria he o Sol ,& a Lua o feu trono : Habes medtatricenu
Aflim opublicou também Simeaô, dizendo, quehe Maria
naõ ió gloria para o povo Hebreo , mas também luz , & ref-
plandor
Livro III. Titulo IX. 307
planJor para o povo Gentílico : Lúmen ad re^dationem
Gentium ,& gloriam plebis tu£ Ifrael.
Junto ao lugar da Caftanheyra , mas cm o termo da
Villa de Aljubarrota no Bifpado de Leyria,fe vé huma gran-
de, & fermofa Ermida , dedicada a N. Senhora com o titulo
da Luz , & fem duvida fe lhe daria eíte titulo , pela luz que
defta Senhora receberão os cegos , aíTim do corpo, como da
alma. As noticias que fe achaõ dos feus princípios faõ nef-
ta maneyra. Havia huma pobre mulher naquelle deftrito,
ou foffe natural do lugar do Juncal , ou da Caftanheyra,
(porque naõ confta de qual foífe, fuppoftoqucodaCafla-
nheyra fica mais perto,) chamada Catherina Annes. Era
cila íingela, amante da verdade, &muyto devota denofla
Senhora. Andava efta mulher,porqueera muyto pobre co-
lhendo lenha hum dia em hum monte, aquechamao Valde
Deos, ( ou foffe que ja o tivefTe , ou porque fc lheimpoz de-
pois do favor que a Senhora fez , ) & eftando oceupada nef-,
te trabalho lhe appareceo a Rainha do Ceo , que fenaõdef-
preza de communicar com os pobres, & pequeninos , & lhe
perguntou fe queria que a ajudafie. A mulher como era An-
gela , & humilde , a fua humildade lhe fazia conhecer fer in-
digna de íemelhante favor , naõ fabendo também com quem
fallava, & que não podia haver, quem naquella humilde oc-
cupaçaõ aquizeffe ajudar, refpondeo a iíto: Naõ haveis vós
de me vir ajudar a apanhar lenha-
Continuou a pobre velha na fua oceupaçaõ com a fim-
plicidadeda fua ordinária vida ,encomendandj-fc fempre a
noífa Senhora, como tinha de coftume, & fegunda vez lhe
tornou aapparecer a Senhora acompanhada de Santa Mar-
tha , (ha no lugar da Caftanheyra huma Ermida defta Santa,
&affim me perfuado que era devota fua ,& que feria natural
do mefmo lugar ? & que também a Smx^ a queria fervir em
companhia da Senhora,)>k tornoulheafallar dizendolhe:Ca-
therina fegueme;ao que elía naõ refpoadco,nem attentou paf-
V z ra
308 Santuário Mariano
ra as palavras que a Senhora lhe dizia. Terceyra vez lhe ap-
pareceo , & fallou a Senhora , que he amparo , refugio , &
remédio dos peccadores,dizendolhe:Caíherina vem calque
cu te darey a tua chave que perdeíle. Tanto que nas palavras
da Senhora achou ccnveniencia , logo Catherina attendco,
que fcmpre o proveyto caufa attençaõ em todos. Ficou ad-
mirada a pobre mulher ,& por huma parte confufa, de faber
que fallava com elía aquella Senhora, que naõ conhecia , em
hurra chave que fòella fabiaquea havia perdido; & por ou-
tra íiccu mais attonita , tendo para fi cj a naô podia ter acha-
do ; porque lhe ref pondeo affi m : Eu perdi a chave no mato,
&naõhe poflivelq a poflais ter achado para ma dar, Ao que
a Senhora fatisfez comlhedara fuameíma chave que havia
perdido. Abrio entáo a devota mulher os olhos de fua alma,
& reconheceo que a Senhora era fervida de a favorecer.
Cheya de luz em fua alma , feguio Catherina Annes a
Virgem Maria Senhora noífa , obedecendo ao feu precey to,
& em a raiz do monte,em hum lugar que a Senhora lhe mof-
trou , por ordem da mefma Senhora , & acompanhada delia,
fízeraô huma cova de altura de hum covado, da qual fahio
huma fermofa , & copiofa fonte , & depois delia feyta , lhe
diífe, foíTe aos moradores da fua terra ,& lhe diffeffe, que
tinhaõalli remédio para todas as enfermidades. A velha ha-
via medo de publicar aquellas maravilhas, temendo de fal-
Jar em coufas de feu próprio louvor; mas infpirada por
Deos,que quer que os feus benefícios fe manifeíkm, referio
o que a Senhora havia paífadocom elía , & lhe havia ordena-
do. Foylogofeyto aviíòaoBifpodeLeyria, & diante delle
foy levado hum enfermo pela mefma velha Catherina, o
qual fubitamente ficou de todofaô, & dalíi por diante to-
dos os enfermos que efta mulher lavava na mefma fonte
fantaj& obrada pelas fanriífimas mãos da Rainha dos Anjos,
ficavão fãos , & livres dos males, que padeciaô, com que co-
meçou a correr a gente , & a fe augmentar a devoção de N-
Senhora,
Livro III. Titulo IX. 309
Senhora, naô ficando a pobre Carherina fem louvor; por-
que a tmhaõ por Santa , & favorecida da Mãy de Decs.
Tratoufe logo de fe edificar à Senhora huma-Cafa ,&
porque o íitio não dava lugar à fua edificação , a forâõ fun-
dar em outro mais largo, & com grande capacidade para a I •
greja , & para as muy tas cafas de romagem que também fc
levantarão , dedicando-fe a N. Senhora da Luz , que aííim
fe chamou de então para cá , ou pela razaõ apontada acima,
ou porque a Senhora aílim o mandaria.Fica cfta Cafa no ter-
mo de Aljubarrota } menos de hu quarto de legoa da Villa de
Coz, & três de Leyria^ Aqui viveo fempre a Serva de Deos
CatherinaAnnes^empregandofecontinuamêteemfervir^Ôc
amar a N. Senhora. E era tanta a fua virtude,& defapego das
coufas temporaes, que nunca quiz ter mais do que antes ti-
nha, & aflim dandofelhe grandes efmolas j todas as repartia
pelos pobres. Dousannos viveo em contínuos agradeci-
mentos^ acçoens de graças da mercê, que o Senhor lhe ha-
via feyto , & fua Santiffima Mãy , & naquella mefma Igreja
eftá fepultada junto ao Altar da Senhora-
Mandoufe logo obrar hu ma Imagem da Senhora , hede
veílidos , & tem pouco mais de dous palmos ; mas he muy to
linda , & eflá collocada no meyo do Altar em hu nicho com-
petente. Foy o Fundador da Igreja (que he fermofa , & de
abobada com alpendres em roda na forma , em que hoje fc
vemos da Cafa da Senhora de Nazareth da Pederneyra , fe
bemja hoje eírá muy te damnificada , & rrjuy tas das cafas de
romagem arruinadas , ) Damiaõ Borges , Fidalgo íllufíre do
Confelho delRey , & Veador de fua fazeqda,que morreo em
Outubro do anno de 1 61 5. & eítá fepultado defronte do Al-
tar da Senhora,como fe veda pedra da fua fepultura. E ain-
da hoje íaõ Padroeiros feus defeendentes, &o heaopre-
fente Henrique Henriques de Miranda.
Em 28. de Outubro.dia dos Apoflolos Saô Simão, & S.
judas Thadeo, fe faz naquelieíitiohumafeyra cm louvor da
Tom. III. V 5 Senhora
310 Santuário Mariano
benhora da Luz , que he grande , & notável , a queconcor •
rem de varias partes muytas pentes de todo efle Reyno. E f ó
de gado grande fe ajuntaõ alli vinte mil boys,de que fevaõ
prover todos os Lavradores das Lizirias , & do Alentejo.
A té para eíiafeyra havia grandes alpendoradas muytobem
feyias, em que os iVlercadoresfeguravão as fuás fazendas
das inclemências do tempo , que ainda exiílem as mais delias.
A fonte ena que a Senhora appareceo, ou em que man-
dou àíingela Catherina Annes quecavaííe para que daqueU
le lugar nafceííe huma pifeina de teude, fica quafi hum quarto
de Iegoa diílants da Igreja; porque o fitio naõ dava lugar a fe
poder edificar alli. Era obra perfey tiflima,& quando fe fez,fc
diz, importara a defpeza em duzentos mil reis, & hoje íe naõ
pudera fazer com dous mil cruzados. Efiá entre dous mon-
tes , por meyodos quaes paífa no inverno hum ribeyro ,que
levaentaõ grande copia de agua. Junto à fonte fe fez huma
arca de trinta, ou quarenta palmos em quadro, rebayxando-
fe para que a fonte tiveífe fahida: efie fitio eflava todo lagea-
docom aííentos em roda, & na parte que cahia para oribey*
ro, aonde eftava a fonte , fe fez hua arca muy to bem lavrada,
& cuberta , & fobre a cubertura fe aííentou hum pedeflral da
mefma pedraria , & fobre elle fe íentou huma Cruz de oy to
ou dez palmos ; &da arca fahia por três bicas de bronze
quantidade de agua. Na parte oppoíla, que era na raiz do
monte, eílava hum notável carvalho, que tendo o tronco no
monte , ou fora daquelle átrio quadrado , ( que diíTemos
citava cercado de affentos cubertos de Ligedo muyto bem la-
vrado , com feus refpaldos , & com duas entradas nos dous
lados das ilhargas ) cujas ramas fe eftendiaõ , & cubriaõ to-
do o átrio, que parecia hum dccel ou toldo, feyto mais por
tnduíiria,do que obrado por minillerio da natureza, que era
coufa muyto para ver. Tudo ifto obrado com tanta curio-
fidade, & perfevçaô,eftá perdido, & arruinados fonte quaíi
feca , & as pedrarias dcfpcda jadas. E fecaríehia pelo pouco
cafo
Lhro III. Titulo IX. 3 1 í
câfo , que fe faria de uò íingular benefício. Indo ver efle íi -
tio que fica algum tanto fora da eíixada , por huma parte me
alegrey de o ver , que era muyto frefco com afombrado
carvalho, &por outra me entriikci à viíladaruina ,que vi
em huaobra taõ digna de fe coníer var, & de íe terem gran-
de reverencia , que a eftar em povoado , fe faria delia grande
eílimaçaõ.
Referefe,que querendo aIgunsd3quellesrufticos;(por-
quefó os rufíicos podiaõ com o íeu pouco entendimento
deftruir coufa tam linda ) & camponezes circumvizinhos
cortar algumas braças daquclle carvalho para os reparos
dos feus carros, ou abegoarias,cahiraõ aba yxo dellc fem po-
derem executar o feu intento; vendo- feniflo o muyto que
a Senhora zelava aquella arvore, & lugar, que quer íeja ref-
peytado de todos. Eeftesfucceffos, fccahidas temfeytoao
carvalho mais í agrado , & izento de o cortarem.
Começou a Senhora da Luz a fazer milagres , & mara-
vilhas em o mez de Julho de 1 60 1 . & fe referem muy tos mi*
lagres em hum livro, que fe conferva no cartório da mefma
Cafa da Senhora , aonde fe vem mais de oy tenta ; & entre el-
ies , além de muy tos cegos , que receberão virta , aleijados,
tolhidos , moribundos , enfermos de cezoens , & de outros
muv tos achaques jfe refere efte fueceífo. Francifco de A-
raujo Efcrivão da Confraria de nojfa Senhora , da Irmandade
que depots do milagre fe formou em Leyria , aonk era mora-
dorj Vindo para a Vi lia deCo^ a dons de Agosíodomejmo
anno de i6o\4S di^endolhe algumas peffoas da mefma Filia,
em como a Senhora apparecéra a Cdthmna Armes junto da
fonte , que efid no Vai de Deos , & que a agua delia fa^ja mi-
lagres % &nãocrendo o que fe referia tacrefeentou, que fendo
podia dar credito aos ditos de Cithrina Annes. Logo na
mefma noyte , indo a re colher fe najua cama , lhe deu na perna
e/quer da hum.i dor de ciática tadexceJiVa ,&'mtenfa , que
em toda tila QnáodeyxQkjoffegtf ,(? querendo pelamanhaa
V 4 erguer [e
pi Santuário Mariano
erguer/e , não pode, nem endireitar/e, nem firmar Je na perna.
LeVanrou fe com grande trabalhojo^-fe a ca^alloy&foy-fe â
Ermida da Senhora, &lbe pedio perdão da fud incredulidade,
& da culpa que cõmettéra na fua duYida. Dallt fefoy a Santa
Marthajque be a Ermida do lugar da Catfanheyra,<fboje eíid
reedificada com grandeza , & magnificência, , com a fazenda
que ficou do Tadre Doutor António de Almeida , que 'Deos ha-
ja, morador quefoy do referido lugar da Castanheyra ) a bujcar
a Catberina Annes , <S dabi a fonte , aonde com fé felaVou
com bum lenço molhado em a parte enferma ,is 'ficandolhe dor-
mente fepo^ aCaVallofemfentir mais a grande dor , que o
moleflaVa : itto affirmão muyta* peffod*. Até aqui o affento do
liVro» Da Senhora da Luz,& de feu apparecimento a Cathc-
rina Annes efcreveo Padre Meílre Frey Luis dos Anjos no
feu Jardim de Portugal , pag. 497. num. 170. o Padre An-
tónio de Vafconcellos in Defcnpt. Regn. Lufitania? pag.
545. Faria , &Soufa na Europa tom. 3. part.g.cap. u.ôc
outros.
TITULO X.
Da milagrofa Imagem denoffa Senhora da* Área* , no
lugar dos Chãos, termo da Villa de Aljubarrota.
JUnto ao lugar dos Chãos , em o termo da Villa de Alju-
barrota, & em pouco mais de hum quarto de legoa para a
parte do Nordefte da mefma Villa , cm os Coutos de Alco-
baça, fe vé huma grande Ermida dedicada à fobcrana Rainha
dos Anjos dcbayxo do titulo de N. Senhora das Areas,que
haverá perto de oy tenta annos que alli fe edificou \ aonde he
tida cmmuyta veneração huma devota Imagem da Mãy de
Deos , com eíle titulo , & aonde concorre de Aljubarrota^
dos lugares circumvizinhcs muy ta gente em alguns dias a
vene -
Livro II L Titulo X. 3 13
venerar a Rainha dos Anjos. A origem, & princípios delta
fua devoção fe refere por tradição entre as pefloas de Al-
jubarrota y & daquellas partes circunvizinhas , & vem a fer
a flim , conforme mo referio cm relação íua huma pcflba no-
bre da mefma Villa, & que tinha tomado por fua devoçam
o feftejar todos os annos a noíTa Senhora , obrigado de fa-
vores, que delia havia recebido ; o que fc refere nefía ma-
neyra.
Pelos annos de 1630. fendo Bifpo de Ley ria D. Dinis de
Me!lo,íahindo huma mulher dos Chãos, cujo nome fe igno-
ra , junto ao Sol pofto , a bufear hu cântaro de agua para fua
cafa , & perdendo efta humas chaves , que levava , & voltan-
do depois toda afflida, & defconfolada de as haver perdido,
temendo que poriífo amaltrataííe feu marido, homem de
condição feroz, & terrível, paffando efta junto ao lugar aon-
de fe fundou a Igreja , vio eflar huma mulher atontada em
hum penedo , que lhe perguntou o que tinha , & de que cho-
rava ; ella lhe não quiz refponder , julgando que em nada lhe
poderia remediar a fua pena. E tornando a voltar com a mef-
ma anciã , & defconfolaçaõ , a mefma mulher lhe inflou a
que lhe defcubriífe o q tinha;a q a ruflica refpondeo,que pa-
ra que lhe havia de dizer o que tinha , fe ella a naõ havia de
remediar; mas como inflaífe muy to a que lhe declaraffe a fua
pena 3 porque bem podia ferlharemediaíTe, Ihcdefcubrioa
a fflida mulher a perda das fuás chaves, & que a fentia, pelo
muy to que temia a má condição de feu marido, & cue por ef-
ta perda a maltratafíemuyto. Confolou-a a Senhora, cizen-
dolhe , foíTc para caía, & que lá acharia em certa parte as fuás
chaves. Foy-íe a mulher , mas fem fazer muy to caio do que
fe lhe dizia, julgando que nampoderiaõ eítar notai lugar,
que fe lhe apontava,* queaquillo era fomente confolall a na
fua afflicçaõ. Porém ponderando mais devagar, indo an-
dando para fua cafa , que o dizerlhe aquella mulher que em
talparteasacharia,fcmfaberdefua cafa, queferia alguma
mulher
3 T4 Santuário Mariano
multar que adivinhava. EcomofoíTe , & achaífc as chaves
emo lugar, que Iheapontára, toda alegre,& fatisfeyta, vol-
tou ou tra vez a bufear a mulher , parecendolhe, que não de-
via fer ceufa ordinária, a peífoa que lhe acudira aofeu traba-
lho 7 & ihe defeubrira as fuás chaves , para lhe dar as graçasj
& vendo-a muy to fermofa , & refplandecente, dizem que
lhe perguntara quem era , & como fe chamava , & que a mu-
lher lhe reípondéra: Eu fou Maria Mãy de Deos , & o que
quero de ti he que vas aos moradores da Villa , & lhe digas
que me façaõ aqui huma Igreja com o titulo de noiTa Senho-
ra das Áreas ; fr quem a ella vier , & invocar o meu nome, o
livrarey das cezoens,maleytas,& febres, (que naqueíle tem-
po padecião muy to os moradores daquelles povos , & neítes
males obra a Senhora naquella Cafa grandes milagres) ditas
eftas coufas defappareceo a Senhora,
Divulgou -fe o fucceíTb, & começou a concorrer muyta
gente a venerar aquelle penedo, de que feaffirmava fer tro-
no , & cadeyra da Mãy de Deos, & delle rafpavaõ ,& tiravão
alguas áreas, com asquaes bebidas faravão das febres, & de
outras muy tas enfermidades,os que com fé invocavaõ a Se-
nhora das Áreas. Começou a ferifto com tanto fervor ,& de-
voção, que acudio o Biípo Dom Dinis de Mello a examinar
citas coufas, & tendo tudo por patranha , Sc antojo da mu-
lher , mandou levar o penedo em hu carro a Aljubarrota,pa-
raquedeyxaíTem de ir fazer aqueÍlasfuasdevoçoens>&as
diligencias de rafpardelíe as áreas. Foy com effeito o pene-
do para Aljubarrota , &fe poz na logea das cafas aondeo
Btfpo pouíava , ( que eu vi , & o lugar aonde efteve ) porém
pela manhãa naõ appareceo ; porque fe havia voltado ao feu
lugar, donde o haviaõ trazido. Sufpeitou o Bifpo que os
moradores do lugar dos Chãos o vinaõ bufear, &o!cva-
riaõ, porque para iflòdariaô alguma traça, femquc e!fe o
pudeiTe fentir; porque o penedo não he muy to grande, &
dous homens opodiaõ levar facilmente em humapavioía,
Mandou
Livro 111. Título XI. 3 1 y
Mandou-obufcar outra vez,& para q naõ fucccdefle o leva-
rem-na, o mandou fubir ao alto, aonde elle eítava, & o man-
dou pôr junto âfua cama aonde dormia, &de noyte apal-
pando com as mãos reconheceo que havia defapparecido,&
vindo a manhãa, mandando faber delle, fe achou eftava em o
mefmo íitio. AVifta defle prodígio entendeo o Bifpo que
a Máy deDeosqueria fer venerada naquelle lugar, &affim
mandou que fe lhefizeffe a Ermida. E a pedra fe conferva a-
in ja hoje debayxo do Altar da Senhora*
Comarefoluçaõ do Bifpo mandarão logo os devotos
da Senhora fabricar huma Imagem de talha com o Menino
nos braços, que começou aferbufcadacommayor frequên-
cia, & concurfo , <k à medida da devoção eraõ as maravilhas,
que Deos alli obrava nos enfermos y & mais principalmente
nos que padeciaõ cezoens , & maleitas. He de madeyra,&
tem três palmos de eftatura.Fefleja-fe a Senhora das Áreas
em 8. de Setembro.
TITULO XI.
Da milagroja Imagm da Senhora dos Murúnhos de
<ÍQrtò de Mo^.
HE a rnurts huma das plantas mais celebradas , aííim nas
Divinas>como ms humanas letras; nas Divinas de que
fó aqui tratsremos , a encarece de myiieri oía . n Profeta Za- _
charias , dizendo : Et ecce^tr afee?idens jvp r eqmm virfmn> €***
&ipfe ftabat interrnyrteta. De cuja expofiçaS faHando fflfft z"$ *
ticamente o Padre ÁLapide , diz que fignifiea a Chriíto, que
veftido da humana natureza, q recebeo da íòberana mnrrei-
ra , ifto he, da Virgem Maria, aíTiíle entre os Patriarcas , Sc
Profetas do Velho , & NovoTeftamento , como entre hu-
mas cheyrofas,odorifqras; & agradáveis inuneyras. De-
forte
3 1 <£ Santuário Mariano
forte , que pelas murtas fe entendem aqui os goílos, as defi-
cias,& as felicidades , como o diz o mefmo ALapide, & aífim
he a murta o fymbolo dos godos, & felicidades: Myrtus
enim Uta,& decora , fymbolum eft feliátatis. Iflo mefmo
jfau , confirma o Profeta Ifaías, quando profetizando ao povo no-
e*p.5S. vas alegres 3 lhe dizia, que em lugar de ortigas lhes nafeeriaõ
murtas: Tro urtica crefcet myrtn*. E daqui vem que nos jar-
dins fabricão, & formão os jardineyros figuras de murta,
homens a rmados , nãos , cavalley ros , & na mefma forma a-
ves, &animaes, para a recreação, ¶ ogofto, & deli-
cia. Aífim também a Virgem Maria entre asmurtas doce-
leite Paraifo,iftahe,collocada entre os Angélicos Efpiritos,
que de fua natureza faõizcntos de formas, & de partes, po-
dem veftirfe, & armarfedetodas,emobíequiodefua fobera-
na Senhora , para pelejar pela fua honra , & gloria, pelo bem
efpintual dos feus fervos , & devotos > acquirindolhes com
fantas infpiraçoens as felicidades eternas.
He também fy mbolo a murta do fuave , & bom cheyro,
porque he muyto deliciofoo das fuás flores. He também el-
pecial remédio para a cura de muytos achaques; aífim o diz
j., , Theodoreto: Myrtus eft planta odor ata babem Vimmorbos
' cálidos refrigerandi. Aífim Maria Santiffimahe murta chey-
rofa } & cheya de todas as virtudes -, porque fará , & cura os
mortaes achaques dos vicios, & principalmente o da fenfua-
lidade ; porque defíerra do coração dos feus devotos todas
asfeyasimaginaçoens: Omnes SatanamundiqkeVemris ob-
*****{• feurat, imoVanas,& fadas e/fe ojíendit- He Maria Santiífi-
mahum abifmo da graça , hum Oceano da fermofura , hum
thefouro detodasasfoberanas perfeiçoens: S^je folaVelut
Efíber, Affuerum Deum rP<itrem placuit ,& inVentt grattam
in oculis ejiu , ut abeoper Gabrielem Arcbangelum Jalutata
fit\ AVe gratia plena.
He também a murta fymbolo da compayxãoí& da pie -
q $u dade, como diz São Gregório ;pela particular virtude, que
■ * * tem
Livro HL Titulo XI. 3 1 7
tem temperativa de mollficar,& abrandar & aflim interpre-
tando aquelle lugar de Iíátas aonde diz: Vabo in folnudwem Jfau\u
myrtnm) por efta planta entende a virtude dacompayxão,
a qual quer Deos que haja em a fua Igreja , que era o deferto,
quando era o povo Gentílico. E quem maisccmpaffíva pa-
ra com os peccadores,que Maria ;a qual toda movida de com-
payxaõ,& piedade roga, & intercede continuamente pelos
peccadores. E aífim com muy ta razaõ , & grande myfterio a
invocaô Senhora dos Murtinhos ,os que lhe impuzeraõ efle
titulo, como dando a entender , que fó a efta Senhora , como
a verdadeyra Deofada fermofura,& da graça,& compayxaõ,
fe lhe devem dedicar as aras , que Plinio diz fe dedicarão em
Roma à falfa deofa: Ara Vetusfuit Rom* Vemris Myrtcrt.
A ellafe devem dedicar as coroas, & capellas como a mais
fermofa entre todas as mulheres , muyto melhor do que
aquella de quem Virgilio diz , que dera Paris à Gentílica yy
deofa huma grinalda de murta, como por infignia da vitoria,
& final da fentença de fua grande fermofura.
A Villa de Porto de Moz he tam antiga , que ja ,no
ReynadodelRey D. Affonfo Henriques tinha Ca pi t2Õ mór,
& pelos annes de 1 1 8o. o era defta Villa o grande , & esfor-
çadoCapitaõ Dom Fuás Roupinho;como oaffirma a Monar- Mo^p.
chia Luíitana. E era o feu Caftello de tanta confequencia, 3. //£•'*
cue ElRey de Merida Gsmir com outros Príncipes Mouros caP» 3o*
lhe veyo a pór cerco , o qual foy aqui prezo , & desbaratado
pelo mefmo Dom Fuás. Fica efta Villa fituada ao Meyodia
da Cidade de Leyria , emdiftancia de tresíegoas , em hum
recofto occidenral de huma Serra que fe vay prolongando
do Norte para o Sul,& ao Meyo dia lhe inafee hum caudalofo
rio chamado Lena , &o Alcéyde, que também iheaugmenta
as fuás correntes, mUy celebradas do Poeta FranciícoRo-
drigucz Lobo , ja dcllc falíamos no titulo primeyro defte li-
vro. Faz o feucurfo para o Norte, cujas margens fe vem
povoadas de muytos pomares, que o fazem fr efco^dciicioib,
& abundaate de frutos. Fica
3 í8 Santuário Mar iam
Fica ao Norte deita Villa o ícu caftello, que querem al-
guns que feja outro diverío do primeyro, de que foy Aícay-
de mor Dom Fuás Roupinho , & que o fundaffe pela planta
do de Emaus , o Marquez de Valença Dom Affoníb , ( filho
primogénito do primeyro Duque de Bragança, neto dclRey
Dom J oiò o Primeyro.ôc do Condeftavel NunoAlvarez Pe-
reyra ) de quem era a Villa,& ainda hoje perfevera no Eftado
da Cafade Bragança. Efte Príncipe foy o que fundou, & do-
tou a Collegiada de Ourem. Junto ao Caftello da parte de
fora, fica a Igreja Matriz , dedicada a noíTa Senhora , ou
a Santa Maria dos Murtinhos, cuja fabrica publica a fua
muyta antiguidade, & principalmente huma grande Capella,
ouPanteon, que fica junto aocoro da parte do Evangelho,
( porque a Igreja moftra que teve reformação , & ao prefente
a eflaõ novamente reedificando,) nefta Capella fe vem algu-
mas fepulturas levantadas , ou mauíoleos , que bem moftraõ
ferem de peífoas muytoilluftres ; porque nos Templos anti-
gamente fóeftasfefepultavão dentro delles. Naõteminf-
cripçaõ alguma , mas affirmão os velhos damefma terra fe-
rem fepulturas de grandesCavalleyros, & parentes delRey
Dom Affonfo Henriques ; mas fejaõ de quem forem, o certo
he que a Capella moftra muy to mais antiguidade que a Igre-
ja , fendo também muyto antiga. O padroado delia foy cou-
ía grande , mas ja anda muyto diffipado, poííuem-nooshcr-
dcyros de Simaõ de Abreu.
Do titulo da Senhora, & de fua origem naõ pude achar
clareza porque afíim fe invocaííe, querem alguns que efta
Santa Imagem foíTe achada entre huns murtaes. E bem podia
fer,&quena primeyra invafaõ dos Mouros aefcondeíTem
nelles os Chriftãos,& que depois em fua invenção lhe deffem
efte titulo por razão das plantasJk matas que a occuítavaõ*
He efta Santa Imagem pintada em taboa. Noanno de 1614*
a Confraria da Senhora mandou fazer outra Imagem de vul-
to de madeyracftofada, <kdeakuradcciaco palmos, a qual
períe-
Livro III. Titulo XI. 319
perfeverôu alguns annos no Altar mor da mefma Igreja , &
delia a leváraõ para a do lugar de Alvardos,& tinha ja creado
efta Senhora grande devoção nosccraçcensdemuytosdos
moradores, que lá a hiaõ viíitar. Depois fe mandou fazer
outra Imagem, que também, naõfey com queoccafíaõ, &
motivo, fecollocou na Mifericordia. Ultimamente fe fez
outra , que perfevera ao prefente em o mefmo Altar mór , de
mais de cinco palmos , he de madeyra eftofada com o Meni-
no JESUS nos braços. Porém a primeyra,& a principal Ima-
gem da Senhora Santa Maria dos Murtinhos , he a pintada,
com cila fe tinha muyta devoção , & a cila recorriaõ em feus
trabalhos, &aelía veneravaõ pela fua muyta antiguidade;
mas ja hoje efíá mais fria a devoção , & o concurfo com que
era bufeada.
Nefla Igreja ( que he Collegiada , & tem feis Beneficia-
dos, & hum Vigario,porque a reduzioElRey Dom Scbaííiao
a Commenda ) te guardão em facrario particular com grande
veneração as relíquias, que do Convento Augufliniano de
Merida , chamado Cauliano , trouxe o Santo Eremita Frey
Romano noanno de 714. em companhia delRey Dom Ro-
drigo , ultimo dos Godos , quando fe veyo retirando ás par-
tes de PortugaI,& foy parar em a Pederneyra,& Monte Sia-
no. E fe confervaõ em o mefmo cofre , em que o Santo Ere-
mita Romano as trouxe , (que não he cc marfim , como diffe-
raõ alguns, masdehuma madeyra muy ténue, forrada de
feda , & ja dó tempo muy to maltratado ; o que eu Vi , porque
o tive nas minhas mãos,) as quaes relíquias poz naquella
Igreja o mefmo Dom Fuás Roupinho,Capitaô nr òr dequella
Villa , & Senhor daquellas terras até o mar. E porque e!Ie
foy o Fundador da primeyra Cafa da Senhora de Nazareth,
tema Villade Porto de Moz o privilegio deter o primeyro
lugar em celebrar a fefta da Senhora^onde vay em corpo de
Camcra a 14. de Setembro } por ferefíe o dia em que fuc-
cedeo o milagre.
As
510 Santuário Mariano
As relíquias quefeacháraõ no referido cofre \ &fc
guardaõna Matriz de Porto de Moz, faõeftas: Hum pedaço
do cafco de Saõ Brás , da largura de três dedos; efta relíquia
fe moítra no dia do Santo, & feda a beijar emhuma cuftadia
de prata dourada, ricamente lavrada. As mais ainda ettaõ no
cofre; delias a primeyra he, hum oíTo do tamanho de hum de-
do dos quarenta Martyres,eílá emhuma bolíinha de leda a-
ma relia : outra bolíinha de brocado de ouro amarello , aon-
de eftãotrcsoíTos pequenos , & hum pedaço de veíiidura,
que faõdas onze mil Virgens. Na meíma bolíinha íe acha
outro oíTo pequeno de Saõ Sebafiiaõ. Mais outra bolíinha do
feytio de humcoraçaõ, de veludo carmeíim, tem dentro hum
ofíb pequeno de Santo Eraímo Biipo, & Martyr. Mais ou-
tra bolíinha , também em forma de coração , de veludo car-
meíim, & tem emeima huma viey ra de prata, tem dentro pós
dos olíbs dos dez mil Martyres. Mais hum re/icario de
prata, que tem de huma parte huma Cruz, & da outra huns
lavores , naõ fe fabe o que tem. Mais hum cofre pequenino,
que parece de aço lavrado , com hum gonço no meyo, que
tem dentro hum pequenino de pao , naõ fe labe íe he do San-
to Lenho. Eftaõ mais dous offos , & outras relíquias , que fe
naõ fabe o que faõ. Tudoiftofoy vifto, & authent cado pelo
Tabelião Joaõ Freyre , por mandado doBifpo deLeyriaD.
Dinis de Mello , & fe conferva no archivo daquella I-
greja. ; _
TITULO XII.
Damilagmfa Imagem de AZ. Senhor a da Pie dâde ,da Taro
chiai Igreja de S. Joaõ da filia de for to de Moç.
N
A Parochial Igreja de S. Joaõ Bautifta,da Villa de Por-
to de Moz, he antiquiffima a devoção de Maria San-
tiífima
Livro HL Titulo XII. 311
tiflirm para com a fuamilagrofa Imagem da Piedade- Efh*
Igreja parece que fe fundou,ou erigio em Parochia, ainda no
tempo d'£lRey D« Affonfo Henriques ;ou no reynado de feu
filho Dom Sancho oPrimeyro do nome; porque ja pelos annos
de 1400. era Parochia com Prior,& Beneficiados. E fe devia
erigir a tal Parochia em a antiga Ermida de N. Senhora da
Piedade, que me perfuado feria edificada em tempo do mef-
mo Rey Dom Affonfo , quando Dom Fuás era Capitão mór
de Porto de Moz. E aífim a refpey to da Senhora da Piedade,
fe erigiria a Parochia j porque entaõ feacrefeentou a Igreja,
& fe lhe edificou a Capella mór,que da fua architedura, & fa-
brica fe confirma a fua muy ta antiguidade.E para q fe confir-
me, 8r prove efta , me quiz valer de huma eferitura , & tef-
tamento antigo de hum Cavalleyro que nella eílá fepultado.
Pelos annos de 1452, fe celebrou huma eferitura em
Lisboa , & ao que parece , por algumas duvidas , que devi ao
nafcer entre o Prior ,& Beneficiados da mefma Igreja , com
osteftamentosde]oaõMiguensdaCre,a qual fecelebrou
a 10. de Julho, &íe acha nella, o que agora referiremos com
as íuas mefmas palavras. Em Lisboa na Crafta da Sé , fe fez
a prefente eferitura perante Chriftavão Annes , Bacharel
em Degredos,Vigario geral do honrado Padre,& Senhor D.
Joaõ Bifpoda mefma Cidade , fendo o dito Vigário geral no
dito lugar em audiência , ouvindo fey tos, & partes , perante
nós Pedro Efteves Tabelião porauthoridadedelRey emef-
ta Cidade , & teftemunhas adiante eferitas , parecerão Mar-
tim AffoníòjEfcolar em Direyto Canonico,Procurador da I-
greja de Saõ joaõ de Porro de Moz, &c. E moflrcu hum inf-
trumento publico, em que fe continha, fegundo emelle fe.fa-
zia menção, o teor doverdadeyro teifymento dejo^õ Mi-
guens daCre, fepultado na msima Igreja deSaôJ^aõ de
Porto de Moz.
Do que fica referido fcpóde entender, queja haveria
alguns annos que oteftamento erafe;to,& ]o*õ Migu- ns
Tora. III, X falecido
322 Santuário Mariana
falecido -/porque referindo- fc neiia eferitura oteftatnento}
naõ fe declara o atino cm que fc fez, o qual começa afllm. Em
nome de Deos , amen» Saybaõ quantos eíie ttflamento vi-
rem , & ley ouvirem , que eu Joaõ Miguens da Cre , temen-
do o dia 7 ác a hora da morte, que eu não fey quando virá;po-
rémfaço^ & ordeno meu teflamento em minha faude , &
com meu fízo comprido \ à honra de Deos , & da Virgem fua
Madre , & do Martyr São Vicente , & do Anjo Saõ Miguel,
emefia maneyra. Lego minha fepulturana Capella de meu
padre ^ochaõ, ante o Altdr deífa Capella ,ema Igreja de
Saõ Joaõ de Porto de Moz,& mando a cila Igreja cincoenta
libras,com meu corpo, &c. Daqui fe pode inferir que muy*
tos annos antes do de 1432. feria fey to o teftamento.
E continua adiante, inftituindo quatro Capellas , ou
quatro Ca pelfaens emhuma Capella, comdifferentes ten-
çoens ; porque a pnmeyra era dedicada a S. Bartholomeu, &
afegundaaSantaMaria Magdalena, aterceyra a Saõ Lou-
renço , & a quarta a noífa Senhora da Piedade , a quem a Ca-
pella principalmente era dedicada ; dizendo: Deyxo todo o
roeu herdamento , que hey cm Porto de Moz , & rogo a meu
irmaô ^quedeyxe ahi o feu; porque fe mantenha aCapella-
nia na dita Capella de meu padre , & de minha madre, 6c pe-
la minha alma , & pelas de meus irmãos , & daquelles donde
venho , fob tal condição , que o Prior , & Raçocyros de Sam
Joaõ tenhaõ huma Capella para todo fempre , que cante
cm efta Capella pelas noífas almas cada de requiem,& pois
de requiem em comemoração diga de SantaMaria,& faya ca-
da dia fobre os moymentos de meu padre , & de minha ma-
dre , & meu , com Cruz , & com agua benta , & com refpon^
fo, & fuasoraçoens , &c«
Depois vay efpecificando o que deyxa às três Capellas,
dizendo: Item dos herdamentos que hey em Santarém , or-
deno em efla maneyra. Deyxo todo o meu herdamento de
Alpiarça para huma Capellania ; item da Matta para outra
Capei-
Livro III. Titulo XII. 313
Capellania ; item da Malva para outra Capellania. Ourra
claufula do meímo teftamento diz affim: Mando,& ordeno,
que hum detfes Capellaens cante por nós cada dia dere-
quiem,&ditaefta Miffaem commemoraçaõ, diga outra de
Santa Maria a louvor della,& outro Capelião cinte por mim,
& ElRty Dom Dinis , & por os Bifpos D. Domingos , & D.
Matheos.
Pelos annos de 1530. fe reduzirão eílas Capellas ( que
na fua inftituiçaò feriaõ bem rendofas ) a huma fó , pero Ar-
cebifpo de Lisboa , o que depois fe confirmou peia Santida-
de do Papa Clemente VIL noanno de 15? r. a 18. deOutu-
bro,porquc as fazendas no difcurío deite tempo , parte del-
ias fe alienou , outras fe unirão a huma commenda,& outras
fe applicáraõ a outras Igrejas , & affim fendo aquellas fazen-
das muy tas, hoje fótemeíU única, & reduzida Capella, que
ao prefente naõ rende mais que quinze moyos, fendo antes
mayoro feu rendimento.
Os pays de Joaõ Miguens da Cre , que fe entende eraõ
peflbas muytoilluftres , como fe vé , naõ fó das fuás nobres
fepulturas » que faõ de pedra , & levantadas fobrc columnas
em altura de alguns quatro palmos, &fe vem aos lados do
Altar daquella Capella denoíTa Senhora da Piedade , cujos
nomes fe naõ fabem , por quanto nellas naõ ha inferi pçaõ al-
guma , que o moftre ; & naõ fó pela magnificência da lua do-
tação j mas pelos parentefeos , que mfinua o dotador, dos
Bifpos Dom Domingos , Dom Matheos ; hum de Badalhou-
ce,( que he Badajoz,) & outro da Guarda. Efevé também
que era bem vifto , & muyto obrigado a ElRey Dom Dinis,
pela menção, que delle manda fazer. E como os pays, ja ha-
via muytos annos,que na Capella da Senhora eíhvão fepuU
tados,póde-fe entender que ainda muytos annos antes do de
1400. foffem nella fepultados.
Daqui inferimos que a Capella da Senhora da Piedade
he muyto antiga -} porque ja quando nclla fe mandarão enter-
X z rar
3 1 4 Santuário Mariano
raros pays de João Miguens , a Senhora da Piedade era nel-
la rnuy to venerada, & ja naquelles tempos era também aquel-
U Igreja Collegiada , & tinha Prior , & féis Beneficiados. E
defta Igreja j& da de Saõ Pedro da mefma Villa,defmembrou
o Marquez de Valença Dom AfFonfo Conde de Ourem , no
anno de 1447. os Priores com as fuás terças, para formara
Collegiada , que erigio ema Villa de Ourem. Eraõ os Prio-
res deftasduas Parochias,que ambas eraõ Collegiadas, com
féis Beneficiados cada huma,a que chamavao então Raçoei-
ros ; o de Saõ Joa ô , Dinis Annes , efte foy eley to em Chan-
tre, & o de Saõ Pedro Nuno Affonfo , que elegeo o M.irquez
emThefoureyro mór. Eficáraõnasmeímas Igrejas por Vi-
gários , ou Rcytores, em Saõ João, Álvaro Vafques > &em
Saõ Pedro , Fcrnaõ Alves,& cada hum deíles comiaõ os fru-
tos de dous bencficios;porque hoje tem cada huma daquellas
duas Igrejis,fó quatro Beneficiados. Eítes Vigários ou Rey-
tores fe denominaõ hoje Priores,que he o titulo, que ao pre-
íente lograõ, ainda que naõ tem os rendimentos dos pri-
meyros.
Com as mudanças,que tem havido,& reformas que tem
tido aquella Igreja ,fetresladou a Santiflima Imagem da Se-
nhora para aCapella mór,& nella eflá ha muitos annos à par-
te do Evangelho , & Saõ Joaõ Bautiíta à parte da Epiílola. E
haverá doze, ou quinze annos, que fazendofelhe hum novo
retabofo , a recolherão em hum nicho, & fecharão com vi-
draças. He efta Santiffima Imagem de efeultura , formada
cm pedra , & eítá fentada com o fantiffimo Filho defunto em
feus braços. Ena forma emqueeftá , fará de alto três pal-
mos. He devotiflima,& infunde grande magoa, fccompay-
xaõ nos que contemplão a pena , & o fentimento , que repre-
fenta na morte de feu fantiffimo Filho 1 noífo Redemptor.
Moílraefta Santiffima Imagem nafua efeultura a fuamuyta
antiguidade , & a mefma moflra a Capella em que efteve em
a fua fabrica,, & architeítura, & nella fe eflaõ vendo os muy-
tos
Livro III Titulo XII. 31 j
tosfeculoS que ha, fcy fundada. He de pedraria como fi-
ca dito, & os arcos agudos, com columnasicordoens, & fo-
lhagens^ tudo confirma a grande quantidade de annos,que
hafoy feyta ,&ouíò daquelles tempos. NeftameímaCa-
pclla fe vem os dous maufoleos dos pay s do Cavalleyro Joaõ
Miguensda Cre. He efla Capelía funda,& com ella fe acref-
centou depois a Igreja , ficando incorporada em o lado ef;
querdo do corpo da Igreja.
Obra Deos pelos merecimentos, & invocação delia San-
tiffima Imagem da Senhora da Piedade , muy tos milagres,&
o eflão apregoando os contínuos finaes, & memorias, que íe
lhe eftaõ offerecendo ? a flim de mortalhas, como de fracos,
cabeças , & outras coufas defte argumento, em teftemunho,
& reconhecimento dos benefícios recebidos. Eaífim todos
os moradores daquella Villa , &feu termo, quando fevem
cm trabalhos , ou em algumas grandes enfermidades , & af-
flicçoens , tanto que recorrem à piedade , & clemência da-
quella mifericordiofa Senhora , logo achaõ no feu favor ali-
vio , remédio ,& confolaçaõ.
Muy tos faõ os milagres que fe referem,mas como nun-
ca ouve curiofidade para os lançarem cm livro de memo-
ria } & naõ eftaõ authenticos , por iífo me efeufo de os refe-
rir. Nos trabalhos públicos, quando fe recorre à piedade
deíla Senhora , fe vé muy to prompto o feu amparo, & favor.
O Vigário da Matriz daquella Villa , o Padre Pedro Lopes
dos Reys , deu por teftemunho, que em huma grande feca,&
cfterilidade, que ouve por todas aquellas terras, tirando -fe a
Senhora da Piedade em prociíTaõ , de tal forte chovera , que
fe recolherão todos para cafa muyto bem molhados. E o
mefmo refere, que em outra occaíiaõ, emqueosCeoseíta-
vaõ de bronze, fem que fe vifie nelles algum final de brandu-
ra, vendo-fe as fearas perdidas, recorrerão à Senhora da
Piedade , levando-a em prociffaô ao Convento dos Padres
AgofKnhos Deícalços , aonde pregara de repente o Prior
j Tom. III. £ j do
3 1 6 'Santuário Mariano
do mefino Convento , comgraode fervor, & edificação dò
povo; & que ao íahir da prcciífcõ , para levarema Senhora à
Miiericordia , começara a chover , & engroffando mais a a-
gua , chovera em taõgrandequantidade ,que íertmediáraõ
as novidades. lílo meírro confirma por feu tefiemunho o
Beneficiado jofeph de Matos Machado , peíToa muyto an-
tiga da mefrra Viila: & que todas as vezes que fahira a Se--
nhora , fempre alcançarão de noffo Senhor para aquelle po*
voo remédio, quelhepediaõ.
TITULO XIII.
Da milagrofa Imagem de N* Senhora do RofaYio, quefe
Venera na Matri^ da me/ma Viila.
HE gratiffima à foberana Rainha da gloria o ufo , & a de*
, voçaõ do feu fanto Rofario , que taõ radicada cita hoje
entre os Catholicos ; & de que lhe he rmuy to agradável á Se-
nhora, o tem ella moítradomuy tas vezes em os muytos fa-
vores que faz, aos que com devoção orezaõ,&emoslivrar
Theatr. por meyo delia de muytos perigos. Frequenter (dizo Be-
tará y crlinc ) in pericuUsprrtfentem e)m opem expertifunt- E em
^Hm* comprovação do muyto q fc agrada dos quefeoccupaõnef-
tom. st ta fua devoção, traz muytos exemplos, &aflím faõ muytos
?' 2Z ' os bens que os feus devotos recebem; porque he efta Senho-
ra a raiz de todos os bens , como diz Cry fippo : Radix om*
Serw' nium honor um\ porque ella os alcança , muytos , & grandes
ãoMa' a0S fcus dcvotos- Mas ta^bem fe pode temer , fe offenda a
" Senhora daquelles, que nefia fua devoção forem deícuy da-
dos, & negligentes; mas fe devotos a bufcarem,por mayores
peccadores que fejaõ , por meyo do feu fantiífimoRoíario,
ella lhes valerá ; porque he cita Senhora (como diz Dicnyíio
Richdio ) SlnguUre perditorum refugiutytfáVocata onntum
perdi-
ria.
Livro III. Titulo XII L 31?
perditoYiim. E ainda que fe reconheçaõ indignos dos feus h Dhnjf:
vores jdla he a noífa efperança : Bdinqumium ípcs,como ^b.xÂt
a acdamaSaõ Lourenço Jultiniano- AViíla poi-s do muyto'*"^
que a Senhora do Rofario ama aos que a fervem , & louvaõ, ***•**•
fe devem animar os feus Confrades , para a fervir fervoro- S.Laur.
fos ; porque fe ofizerem,reconheceràõ o bem que a Senhora Juftin.
fatisfaz os feus obfequios. fe rm> de
Ja defcrevemos no titulo u. da Senhora dos Murti- Nat!Y*
nhos, Matrizda Villa de Porto de Moz; agora o fazemos da ' "
Senhora do Rofario , que fe venera na mefma Igreja; porque
naõ devemos faltar em fazer delia menção. He de faber que
pelos annos de 161$. ou 1614. foraõ àquella Villa alguns
Religiofos da Ordem dos Prégadores,& do Convento da Ba-
talha , que difta da mefma Villa huma legoa , os quaes com o
feufantoze!o,&fervorofosSermoens accendéraõ nos co-
raçoens dos feus ouvintes huma taõ grande devoção para
com a Senhora do Rofario, que aflim a Camera da mefma Vil-
la ,como o povo,fizeraõ huma fupplica ao Provincial da mef-
ma Ordem , para que lhe quizefle fazer o favor de erigir na-
quella Villa, & Igreja de Santa Maria,comaauthoridadeque
tinha do Padre Geral da fua Ordem , huma Confraria, para-
que os que nelia fe matriculaííem , pudefíem gozar dos the-
fouros de indulgências, que às Confrarias do Rofario faõ
concedidas. Afíim o fez o Provincial, mandando a hum Re-
ligiofodo referido Convento ,para que a aííentaffe. Para ifto
mandarão fazer os novos Confrades huma Imagem da Se-
nhora , para a poderem levar nas prociíToens do Rofario.
He efta Santiífima Imagem obrada de madeyra \ & eito-
fada , a fua eftatura faõ dous palmos. Eítá eíh Senhora col-
locada hoje no Al tar mor , & como os moradores , nao que-
ro dizer faõ de limitado animo para as coufas de Deos \ mas
que faõ muyto pobres , naõ tiveraõ atégora refoluçaõ para
erigir à Senhora Capella própria , em que pudeííe criar, &
nclla fer venerada^ affim eíiá, como fíca dito, ao prefenfe
X 4 no
318 Santuário Mariano
no Altar mór , íem lugar próprio , como tem em outras par-
tes , para oque fempre a Senhora concorre.
Comefta SantiíTima Imagem tem muytas peíTòas da-
quella Viíla muyro grande devoção, & fe valem da fua inter-
ceíTaô , & aííim recebem delia grandes favores. Huma notá-
vel maravilha obrou a Senhora em huma donzella nobre da-
quella mefma Villa , que referirey , por fer digna de fe fazer
delia memoria ,&ma referirão algumas peíTòas , & huma
delias digna de todo o credito pela fua author idade :Ellando
enferma comhumarcidentede parleíia, peloqualnam íentia
nem movia ametade do feu corpo, Marcelina de Brito filha
do Capitão António de Briro , morador na mefma Villa , ôc
em termos , que o Medico lhe nsô julgava o poder efeapar;
porque havia quarenta horas que eflava fem fentidos , nem fe
lhe applicavão remédios, por eftar incapaz delles. Efrando
quafi fem falia , pedio efta donzella lhe trouxeíTem hua pren-
da da Senhora do Roíario , de quem era devetiflíma. Seu ir-
mão o Beneficiado Manoel de Brito,vendo a fua fé, & devo-
ção , fe foy à fua Igreja, & lhe trouxe a mefma Senhora. Suc-
cedeoifloem i8.de Dezembrode 1707. dia da Expe&açaõ
de N. Senhora;& applicandolhe o braço lcfo, que ellava co;
mo morto, vifivelmentefe achou livre daquella mortal en-
fermidade. A efle prodígio fe achou prefente o Medico o
Doutor Bernardo Soares de Carvalho y o mefmo Beneficia-
do Manoel de Brito, CõmiíTario do Santo Officio, & Proto-
notario A poftolico/jue foy o que levou a Imagem da Senho-
ra à enferma, & três irmaas fuás , & outras peííbas vizinhas.
Todas lcuváraô a Deos>& deraõ as graças â Senhora do Ro«
fario. E obrigados de taõ grande benefício , lhe mandarão
celebrar huma fefla,&fe mandou pintar a mercê, que a Se-
nhora fizera, em hum quadro , que fe mandou ofFerecer à Se-
nhora^ fe vé pender na Capella mór. Com efta grande ma-
ravilha, deviaõ agora os Irmãos do Rofario ferver mais na
fua devoçaõ,& fabricar â Senhora huma Capella propria,que
em
Livro III. Titulo XIV. 3 19
cm terra aonde osmateriacs cuítaõ pouco, nunca a dclpeza
feria muy ta ;& a Senhora que he muyto rica, lho retribuiria
com muy ta largueza. Feííejafe a Senhora doRofarioema
primeyra Dominga de Outubro.
TITULO XIV.
Da Imagem de N. Senhora da Vitoria da Villa de Ta-
redes junto a^atayas.
TEve ElRey Dom Dinis particular cuydado em povoar
o feu Reyno, 8c com mais particularidade as terras ma-
rítimas , para defender as fuás eólias, infeftadas naquelles
tempos dos Mouros Africanos, & Granadinos, cujas arma-
das rebateo o mefmo Rey com grandes danos dos inimi-
gos , & invafoens que mandava fazer nas coftas de Berbéria.
Eftava além da Villa da Pederneyra,duas legoas para o Norte,
hum porto baftante , & accommodado % aflim para a pefearia,
como para o commercio.Naô quiz ElRey que efliveííe desha-
bitado , & fem provey to; porque entendeo que lhe convinha
muyto para o tempo, querefidiíTe em Leyria , (quedifla def-
tc lugar três legoas fomente, o qual íitio cllc frequentava
muytas vezes por occaíiaõ da caça de que he muyto abun-
dante y ) & aflim mandou fazer naquelle lugar huma povoa-
çaõ,efiando em Coimbra ,a 28.de Outubro do anno de 1286. **"***
porque nefte anno paífou acarta de povoação para trinta J™
moradores, os quaes teriaõ feiscarave!as,aomenos,prcpa- L^'^
radas para a pefcarb$& para que os novos povoadores seco-
modaflem a fua cafa,lhes mandou dar a cada hum, hum moyo
de trigo.
Efla Villa,q fe chamou Paredes^foy em grande augmen-
to até o tempo delRey D. Manoel , em que os areaes circum-
vizmhos , movidos dos ventos , que naquelle íitio curfaõ de
todas
$ 3 d! Santuário Mariano
todas as partes defcubtrtos, cubriraõ as caías, & arearão de
tal forte o parto , que fe veyo a defpovoar totalmente a Vil-
h ,& ffciu fomente por memoria huma Ermida de noíTa Se-
nhora, com a invocação da Vitoria,aqual Ermida devia man-
dar fazer, fem duvida/) mefmoRey Dom Dinis , para Paro-
chiadaquella novaVilla. Da etymologia deite nome, & da
caufa porque fe lhe poz naõ confia. Poderá bem fer,queou-
veffealíi algum encontro com os Mouros Piratas, quevi-
riaõ aquelle porto , & com o favor de noffa Senhora fe afcân-
çaíTedelIes alguma vitoria, 6c que com eíiaoccafiaõ felhe
àcffe efte titulo. He eíla Caía da Senhora de muyta devoção
ainda hoje,& de muyta romagem, a que acode o povo de Ley-
ria todos os annos,no dia de fua Natividade, a celebrar a fua
fefta. Eíta Villa, & os rendimentos delia eraô do Convento
de Alcobaça , que lha deu ElRey Dom Fernando com a obri-
gação de fe dizer naquelIaCafa huma Miíía quotidiana pela
alma delRey Dom Pedro feu pay. Aífim o diz Brandão na
Monarchia Lufitana part. 5. Iiv. 1 6. cap. 1 5. aonde faz men-
ção da Senhora da Vitoria,
TITULO XV.
Da Imigem de nofa Senhora da Tiedade do Cbao Tardo.
N
Otermo da Vilfa de Porto de Moz,huma Iegoa diítan-
,,. , tedamefma Villa,paraa partedoOccidente fe vé hu-
ma Ermida dedicada à Rainha dos Anjos, Maria Santiífima,
entre huns montes, & terras de charneca , debayxo do titulo
da Piedade, & eftá fituada perto de hum lugar, a que chamaõ
oChaol^ardOyOu Cboupirrfo; & por efb caufa invocaõ a efU
Santa Imigem , noíTa Senhora da Piedade do Chaõ Pardo, ou
do Choupardo. E muytos dizem fomente, noífa Senhora do
Chaupardo è o que fazem commummentc , mas ruftica , &
impro-
Livro III. Titulo XV*. 3 3 1
impropriamente. He efia Ermida tão antiga,q fe naõ pode a •
veriguar em que tempo fe edificou ; & aflim também naõ fa-
bem dizer os velhos , & camponezes daquclle lugar , & def-
trito , nada da origem delia Santa Imr gem,nem fe appareceo
alíi, ou fe alguma efpecial devoção obrigou a algum devoto,
a que mandaffe fazer } ckcrigirlhe aquella Ermida. Eeume
perfuadoque aSenhora ( pelo que moflra de antiga) appa-
receo naquelle lugar , & que alli a occultariaõ os Chriflãcs,
quando fugiaô dos Mouros , na invafaõde Efpanha , & que
por fer de pedra, a não poderiaô levar comfigo- Somente di-
zem os velhos, por grandes diligencias quefefízeraõcom
elles,que femprcforamuyto grande a devoção para coma-
quella fagrada Imagem ,& que de Leyria vinha antigamente
a fazerlheafua fefia hum Cónego, o qual tinha muy to efpe-
cial devoção para com efla milagrofa Senhora , & que efle
mandara fazer huma caf3 junto à Ermida em que fe recolhia.
O Doutor AntonioDuraõdeQuintanilha^quehe Cu-
ra daquella Freguefia ha quarenta annos , & que examinou
eíhscoufas miudamente , dizquenos livrosda fua Igreja,
& Freguefia do lugar do Juncal(em cujo deílrito fica a Ermi-
da j & aonde pertence por annexa ) achara o CompromiíTo da
Irmandade da Senhora , o qual fe fizera, & confirmara no an-
node 1 592, & que nellefe ordenava , felhefizeífea fuafefla
no dia da Invenção da Cruz ; & que a Ermida fora reedifica-
da , & dilatada mais pelos annos de 1650. (pouco mais ou
menos) por huma Ermitoa natura! de Aljubarrota , mulher
virtuofa, a qual affiilia à Senhora com huma devoção tam
grande , que a intimava a todos ; & que efla fundara também
humacafaemque vivia com ftu quintal , quedeyxára à Se-
nhora ; & que ornara a Ermida de pinturas , & ornamentos,
&que de entaõ para cà fe augmentáramuyto mais o culto,
& a veneração da Senhora.
A Ermida he grande, & tem três Altares; a Senhora ef-
tá collocada no Aitar mó^cuja Capelia he de abobada- A Se.
nhora
3 3 l Santuário Mariano
nhora obra muytas maravilhas , & aflim he frequentada a fua
cafa de Romeyros , & para recolhimento deftes , tem algu-
mas cafas de romagem, aonde fe recolhem,& afliítem quan-
do vem a fazer as fuás novenas , & vem a vifitar a Senhora.
Ja diíTe que he de pedra tila Santa Imagem , tem três palmos
de eíiatura , he eftofada , ou pintada ao antigo, com as rou-
pas levantadas da efeultura , &femeadas de roías, &ef-
trellas de ouro. Porém a devoção dos que a fervem a veíte
de roupas, & aífim com cilas fe não defcobre do Senhor, que
tem morto em feus braços, mais que o meyo corpo. Coma
devoção da Senhora fe inftituío naquelle lugar huma fey-
*a, que he hoje muy to gran Je, em o mefmo dia em que fe fef-
teja a Senhora , a três de Mayo. Nos primey ros Sabbados de
cadamez fc faz também comemoração da Senhora com fua
MiíTa y a que aífiíkm os Irmãos da fua Irmandade. E nos Do-
mingos, & dias Santos de todo o anno, fe lhe diz MiíTa tam-
bém; que como os que habitaõ aquelle deftrito faõmuyto
Pobres , naõ podem ter Capellaõ afliftente-
TITULO XVI.
Du milagrofa Imagem de noffa Senhora de Ceiça do ter-
mo de Ourem.
NO termo da Villa de Ourem , povoação muy to antiga,
( & celebre pelo feu caftello tao antigo, que querem fe
fundaííe antes doreynado delRey Dom Affonfo Henriques,
& por hum dos primey ros títulos de Conde que teve efle
Reyno, ) ha hum lugar, diftante, da Villa huma legoa para
o Norte , chamado Ceiça , cuja Freguefiahe dedicada a noíTa
Senhora como mefmo titulo do lugar, & fe tem por coufa
certa, que efíe o torro 1 da mefma Senhora (também a invo-
caõ com o titulo da Purificaçaõ*)Naõ fe pode averiguar o feu
princi-
Livro III Titulo Wh 333
principio , & aííirn íe tem por muy to antigo , & fe cre que as
maravilhas da Senhora ,he que deraõ a elle principio^ o no-
me . Ja no tempo do Condeflavel Dom Nuno Alves Pereira
eraõ muy tas as maravilhas , que efía Senhora obrava, & a fa-
ma delias afaziaõmuyto celebre em tcdooRcyno,&por
cftacaufa tinha para com ella o Condeflavel grande devo-
ção, &aflimavifítava muy tas vezes. E quando ouve de ir
contra ElRey DomJoaõoPrimeyrodeCaflella,nacccaíiaõ
da batalha de Aljubarrota , foy primeyro a encomendarfe à
Senhora de Ceiça, &apcdirlhe óíeu favor naquella jorna-
da , & fahindo delia com vitoria , foy logo a darás graças à
Senhora. Deita jornada faz menção o Poeta Francifco Ro-
driguez Lobo na vida do mefmo Condeflavel , em o canto
!4.comeflaOytava.
"Depois que o CondeflaVelalli de íc anca.
De bum trabalho tao grande , iftao comprido,
'Forque a T>eos tra^ na honra , & na lembrança,
Eattnbue a elle o fuecedido:
Como o que fano Ceo tinha a e/per anca,
Eera delle igualmente foccorr ido,
A Ce iça de Ourem parte em romaria,
Ao Venerando Templo de Maria.
Por memoria deita grande vitoria,que elle attribuhia a favor
damefma Senhora,inflituio na fua Colíegiada de Ourem,què
em todos osannos foíTem os Cónegos em corpo de Cabido,
& a Camera, & a Freguefia do Olival, em prociíTaõ à Senho-
ra , adarlhe as graças defte favor , o que ainda hoje fazem na
fegunda Odava da Pafchoa da Refurrciçaõ. Bem podia fer
ter dado principio o Condeflavel á Colíegiada em fua vida,
« augmentalla feu neto o Marques de Valença , Conde de
Ourem , com mais Cónegos, & Dignidades, porque 16. an-
nos depois da batalha feuniraõasduas terças de Porto de
Moz a Colíegiada,
A Imagem da Senhora he muy to linda j terá de alto cin-
co
334 Santuário Mariano
co palmos , tem fobre o braço efquerdo ao Menino JESUS,
que eílá mamando em o peyto , & com huas moílras de gran-
de anciã, & cambem de muyta graça. A Senhora temnamaõ
direyta hum ramalhete, & na cabeça huma coroa aberta ao
antigo. He de pedra , mas de excellente cfcultura, encarna-
da ,&eítofada de ouro. Eílá collocada no Altar mayor em
hum nicho no meyo delle. A Captlla mór he dos Cónegos de
Ourem,& por iffo todas as offertas faõ luas, que as arrendaõ
em feffenta mil reis , & ppr iíTo he maí fabricada , & ellcs fap
os que aprefentaõ o Parocho na meíma Igreja da Senhora.
Quanto ao titulo de Ceiça , & íua etymologia, diremos
o que fe refere pela tradição. Dizem que cila Senhora co-
meçara a íer conhecida ,& venerada de todos aquelfcs po-
vos , por huma grande maravilha que alli íuccedéra > & a Se-
nhora obrara. Refere-fe que no lugar das Colmeas,hum dos
do termo da Cidade de Leyria, (que diíla do lugar, & Ermida
que então era de N. Senhora de Ceyça duaslegoas & mtya)
andava hu Lavrador lavrando,& cultivando a fua terra,aon-
de tambS o ajudava fua mulher (coufa muyto ufada naquellas
partes) em outro, ou femelhante miniílerio do campo,& que
junto a ellcs andava , ou tmhaõhum filhinho feu de muyto
pouca idade, que tinhaõ deyxado brincando com algumas pe-
drinhas, ou comoutro entretenimento pueril. Neílc tempo
deceo hua águia de eílranha grandeza , que lançando as gar-
ras, o arrebatou, & levou ncllas. Dizem também, que jun-
to a Sete Rios, lugar do mefmo termo de Leyria em a eftrada
de Thomar, pela Serra da parte do Norte, elláhum íitioa
que chamão o Ninho da Águia , & que deíle he que fahia hu-
ma , que arrebatava as crianças , com que todos andavaõ ate-
morizados , & cuydadofos , & q eíla foy a que arrebatou o fi-
lhinho aos Lavradores. Vendo o pay q a águia Ihç arrebatara
o filho, pegou da aguilhad*, & a foy fçguindo,& gritandolhe
até olugar da Mçmarta , aonde poufou. ( No qtjal fe erigia
depois hua Ermida, q ainda hoje perfevera, aonde íç collocou
huma
Livro 111. Titulo XVI. 33 j
huma Imagem pequena de N. Senhora , & fica diflante do lu-
gar das Colmeas meya legoa ■) Com as vozes que o Lavrador
dava à águia, para que largaíTe a preza*, mas não ofezaífím,
porque levantando-íe naõ largou o menino. Foy voando a-
diante,feguindo~a fempre o defconíblado pay, & foy poufar
na RibeyradoOlival,termo de Ourem,& junto à Ermida de
N. Senhora da Conceição , aonde às vozes , & gritos do La-
vrador fe tornou a levantar,& foy pouíar ulti manente junto
às portas de N. Senhora de Ceiça , aonde largou ao menino,
fem lhe haver feyto algum dano. E dizem também que quan-
do chegou o pay a ellejdiffera que alli o puzera o paffaro,fem
lhe fazer mal«
Em memoria defle grande prodigio.vay todos os annos
a Fregueíia das Colmeas em romaria à Senhora de Ceiça em
hum Domingo de Outubro;& a primeyn> eftaçaõ que fazem,
he na Memoria , 8c a íegunda na Fregueíia da Ribtyra do O-
ltvat, aonde offerecero huma ofFerta de trigo, &dahivay a
prociffaõ à Senhora de Ceiça. O mefmo fe refere fuecedéra
com outra criança da Fregueíia de Eípite^tambem termo de
Leyria ) a qual largou também a águia às portas da Senhora
de Ceiça , & em memoria do beneficio vay também a Fregue-
íia com o íeu Parocho, em outro , ou no mefmo Domingo de
Outubro, em prociffaõ à Senhora de Ceiça. Defle tempo ern
que íuecedeo efla maravilha até hoje , dizem que começara â
Senhora a obrar as fuás maravilhas, & porcaufa delias co-
meçou também a fer frequentada a fua Cafa com romagens. E
do clamar o Lavrador à aguia,dizendo, Ceça,ceça, Telhe de-
ra o titulo de Ceiça, alludindo ás palavras do Lavrador. Efla
he a tradiçac,confirmada com as romarias daquelles dous lu-
gares , o que ainda hoje continuaõ^k o tem taô affentado os
moradores delles fer iíío aflim, que o tem como por verdade
infallivel.
E quando o titulo naõnafceffe defle principio, poderia
fer nafceffe de que os Fundadores primeyros daquelía Ermi-
da,
33^ Santuário Mariano
da , lho deffem por devoção da Senhora de Ceiça í que fe ve^
nera no termo de Montemor o Velho, emoBifpado de Co-
imbra 3 titulo que refultou do milagre , que o Senhor o-
brouemrefufcttar todas aquellas creaturas , que o Abba-
de Joaõ havia degollado , porque nam vkflem a fer defpojo
dos Mouros, & também pela vitoria que delles alcançou ; o
que fuecedeo pelos annos de 850, como fe verá na hiftoria
defta Senhora em o quarto tomo , nos Santuários de Co-
imbra.
Naõ fó a Villa de Ourem com o feu Cabido , & Senado
da Camera vay todos os annos a viíitar , & venerar a Senho-
ra de Ceiça , & feftejalla , porque faõ muytas as que o fazem,
comohe a Villa de Alvayazere , que na mefma forma vay to-
dos os annos em prociílaõ a viíitar, &afeftejar a Senhora,
cm odiada AfcençaõdeChrifto, & a pedtrlhe também agua
quando neceífitaõ delia, &naõfe vaõ femalcançar odefpa-
cho, que pedem- E quando fuecede, que a naõ hajaõmifter,
fempre lhe vaõ a dar as graças (por voto ) das muytas vezes
que lha ha dado, tendo neceffidade delia. Na mefma forma
vaõ outras prociffoens todos os annos , como he a Villa de
Anciaõ , & a do Pombal. Se algumas mulheres fe vem faltas
de ley te recorrem à Senhora, & logo cila he fervida que o te-
nhaõ em abundância. Também he advogada das febres, &
dosfaflios: tudo ifto nos confiou de varias relaçoens , en-
tre ellas a do Padre António Pinheyro. Fazem mençaõ da
Senhora de Ceiça de Ourem Francifco Rodriguez Lobo
no feu Poema da vida do Condeftavel canto 14. Rodrigo
lyíendes da Silva na Vida y Hechos delgran Condetfable
pag. 48.
TITULO
Livro lll.TiiuloWU. 337
TITULO XVII.
Da Imagem de nojfa Senhora da Ocaya , ou Olaya term$
de Ourem.
NOdeftritodaFreguefia de N. Senhora da Purificação
de Ceiça, em o termo da referida Villa de Ourem , na
quinta , ou fazenda de Joaõ de Soufa de Alvim , fe vé huma
Ermida dedicada à Rainha dos Anjos, aonde he venerada hua
antiga Imagem fua , a quem daõ o titulo , huns da Ocaya,ou-
tros da Olaya : quanto ao primeyro naõ pude defeubrir a fua
fignificaçaô ,& etymologia ; & no fegundo acho mais cohe-
renciaporrazaõdc eftar cercada aquella Ermida de olay as,
arvores frefcas,& que com fuás temporans flores annunciaõ
a primavera , com que podia bem fer appareceo naquelle íitio
entre aquellas arvores, &quedefeuapparecimento Ihedef-
fem o nome;& o q mais me confirma efte penfa mento he, não
haver por aquellas partes olayas, mais que alli. Da origem,
& antiguidade defta Santa Imagem naõ ha quem diga nada ,8c
menos os Senhores da quinta;& fó dizem todos que he muy-
to antiga , & muy to milagrofa , & que he grande a devoção,
que todos lhe tem: & comoaquelles moradores ,que por ai li
vivem, ( que naõ faõ muy tos ) faô pobri (Timos , & naõ atten -
dem muy to a tradiçoens , porque fó cuydaõ da fua necf ílida-
de ; efta demafiada pobreza daquelles circumvizinhos hc
caufa tambem,para que a Igreginha da Senhora naõ feja rica,
nem aparatofamente ornada , & affim parece que a Senhora
(como quem tanto amou a pobreza) naõ quer fer rica entre
vizinhos taõ pobres. Ainda aflim a devoção dos pobrezi-
nhos tem a Ermidinha muy to limpa , & cavada : & como os
Curas também faõ pobres,cuydáraõ mais de fe ajudar das ef-
molas ,& offertas da Senhora , do que de adornar comellas
Tom- III, Y ofeu
338 Santuário Mariano
o íeu Altar. A Imagem da Senhora hede pedra,t€m?trcs pal-
mos de eflatura ] & nos braços o Menino Deos , & ella efíá
moftrando na lua efeultura fer muyto antiga,& poderia bem
fer que cm feu apparecin ento fcffe muyto frequentada a fua
Cafa ,& que haveria nelle alguma coufa de prodígio; mas o
tempo , &. a frieza dos homens tudo acaba. Fefteja-fe a cita
Senhora em a fegunda Dominga de Outubro , & he annexa à
Fregueíia de Ceiça. Bem podia fer a efcondefTem os Chrif-
tãos entre aquellasarvores^ou no tronco de alguma mayor,
que ja fe confumiria , & que femanifeftafle depois.
TITULO XVIII.
X)a Imagem de nojfa Senhora de Radecouros , ou de Rio
de Couros.
HE tam grande a incúria dos Portuguezes em fazer
memoria de coufas grandes, que fendo infinitas as que
ha em Portuga! , admiráveis , &. notáveis , muy tas vezes fe
defeubrio en tre os Eftrangeyros a fua grandeza, de que naõ
fizeraõ cafo os naturaes , & outras as deyxáraõ em hum taõ
grande efquecimeijito , que naõ ha mais que o lentillas. Tal
comoiflo he o apparccimento , & rranifeflaçaõda milagro-
fa Imagem de Santa Maria de Radecouros,ou noífa Senhora
de Rio de Couros , cuja noticia daremos neíia forma.
No termo da Villa de Ourem , quaíi três legoas para a
parte do Norte, afaítada da eflrada Real , que vem de Co-
imbra para a meíma Villa , coufa de hum tiro de moíquete, fe
vé a Igreja de noffa Senhora de Rio de Couros, íítuada na
fralda de hum monte que lhe fica ao Nafcente,na qual he ve-
nerada humadevotirllma Imagem, invocada comotitulode
Radccouros, ou mais propriamente de Rio de Couros. E
procurando cu com grande diligencia noticia de iua ori-
gem,
Livro UlTitulo Wlll. 339
gem, & antiguidade , me naó deraõ coufa de que pudefíe fa-
zer a memoria , que defejava. He certo que efla Santa ima-
gem appareceo naquelle lugar , & que por lhe naõ faberem o
titulo que tinha, jhederaõ odehuma ribeyra que poralli
paffa,caudalofa de agua, com a qual moem muy tos moinhos,
& pizoens,& porque viviaõ por allimuytoseurtidores, que
lavavaõnaquella ribeyra os feus couros, tinha o nome de
Rio de Couros.Efte titulo começarão a dará Senhora em feu
apparecimento,deque naõ confia , o quando, nem o como
foy,& fazendo- fe cif a Santa Imagem famoía em prodígios,
nemiftofoybaítante, para feconfervar a memoria defua
manifeflaçaõ, & milagrofo apparecimento. Só dizem que
he antiquiílima, muyto milagroía , & de grande devoção.
He a Igreja deíia Senhora grande , & capaz de muyta
gente , que a frequenta , com mayor concurfonos Sabbados
da Quarefma , & em todo o tempo depois da Pafchoa , em os
Domingos, & dias Santos. Feftejaõ-nacmoyto deSetem*
bro dia da fua Natividade , & nefle dia ( em que ha feyra ) hc
muyto mayor oconcurfo. E fem embargo de fer efta Igreja
annexaàFregueíia deN. Senhora da Purificação dasFrey-
xiandas , & o feu Vigário tem cuydado delia; com tudo, eftá
depoffe das offertas, fcoblaçoens o Cabido de Ourem. A
Imagem defta Senhora he de rara fermoíura , & perfeita-
mente encarnada , & tam freíca eftá, que parece fer acabada
de pouco tempo , naõ havendo memoria de quando foy fcy-
ta. A rm teria de quehe obrada, he pedra, tem em os braços
ao Menino Deos.
Vem-fe naquella Igreja muytos letreyros em pedras,
que moftraõ fer do tempo dos Romanos , dos quaes eftaõ aí *
guns muyto gaftados , & outros que ja fe naõ podem ler ; 6t
parece que havia alli alguma notável povoação , com que fe
dá a conhecer mnis a muvta antiguidade daquelIaErmida,oii
que na fua edificação fedefcubriraõ aquelles cippos, &iní-
cripções Romanas j porque c*yaado.-ie naquelles redores fe
Y z tem
340 Santuário Mariano
tem achado por vezes ofTosmuyto grandes, queyxadas com
dentes , pedras lavradas de alicerfes , pedaços de telhas taõ
groflas ,que tinhaõdous dedos em groíío.
Eítá nefta Igreja hum cayxaõ grande de pedra, da qual
fe naõ acha por todas aquellas partes coufa femelhante \ tem
hua cuberta com quatro encayxes de cada parte ,que moftraõ
ferem de fechaduras, & duas pedras com dous buracos, por
onde dizem, que fe metiaõ humas cadeas de ferro, com
que os Mouros tinhaõ fechado dentro naquella arca a hum
Chriftaõ. E q eftando efta grande arca,ou cayxaõ em a mefma
Berbéria , fervindo de cárcere ao tal Chriftão,por milagre de
noífa Senhora amanhecera hum dia na fua Igreja , aonde ho-
je em dia eítá ; & que dentro nella viera o meímo Chriftaõ'
Efuppofto que naõ ha eferitura, nem certeza de que iftoaf:
fim foy, affirma a tradição confiante , de que aflim foífe, por
toda aquella terra. E para fe crer que affi m fuecedeo , ha in-
finitos exemplosem as hiftorias, de muy tos milagres, que a
Mky de Deos tem fcy to femelhantes , como lemos na de Pe-
dro Martins , a quem a Senhora da Luz de Carnide appare-
cco,& trouxe a Lisboa, tirando-o da mefma Berbéria aonde
cftava prezo.
Os milagres que Deos tem feyto pela invocação defta
Imagem de fua Mãy Santiílíma , faõ innumeraveis em todos
os tempos , o que ainda hoje continua ; como o teftemunhao
as muytas mortalhas,& outras infignias de cera,& coufas fe-
melhantes, as muy tas oíFertas de trigo , linho , cera , &até
telhas lhe vem offerecer , porque com efta offerta achaõ que
lhetira a Senhora as verrugas. E aflim hemuvto grande a
devoção, com que todos concorrem a venerar aquella Santa
Imagem da Máy de Deos.
Entre os muy tos milagres , que fe referem da Senhora,
porey hum naõ pouco admirável, & fcy, que hum Vigário
das Frcyxiandas, andando em Lisboa em certo negocio^fuc-
cedeo que indo hum dia na fua mula rezando humacoroaa
cita
Livro ULTitufo XIX. 341
efla Senhora, com quem tinha particular devoção ,pela ex-
periência do que cila valia , aos que a invocavaõ > & ícr viaõ-
Encontrando-fccom huma carroça, teve medo a mula , que
embaraçando-fc entre as outras da carroça, & dando com o
Vigário em terra, paflbu por cima delle a carroça com as ro-
das , & com fer muyto pefada , & aííim baftante, para o dey-,
xar morto, efeapou do perigo fem omenordano, porcha-
mar cm feu favor a efta poderofa Senhora. O mefmo fuece-
deo a outro homem de Rio de Couros , chamado Simaô Fer-
rás , que levando huma grande pia de pedra cm dous carros,
queeícorregando, ôccahindo nomeyo dellcs, &oque he
mais, que o que hia detraz era ferrado , que paíTando por ci-
ma delle , & quebrandolhe duas coftelas , invocando a Se-
nhora em feu favor, fe achou faõ , & livre de todo aquelle
grande perigo. Outros muytos , & notáveis milagres fe re-
ferem , que fe confervaõ eferitos naquella Cafa da Senhora.
TITULO XIX.
Da milagrofa Imagem de noffa Senhora da Conceição da
Ribeyra do OltVaU
NO mefmo termo da Villa de Ourem, em diftancia de
pouco mais de hua Iegoa ;eftá hum lugar, a que chamaõ
a Ribeyra do Olival. Juntoaelleeftá huma fermofa Ermida
dedicada aomyftcrio dá Conceição de Maria SantiíTima ,na
qual fe venera huma devota Imagem fua de glande devoçaõs
a qual Cafa foy antigamente muvto frequentada de romagés
pelas muytas maravilhas, que aíli obrava Deos pela invoca-
ção dèfta SantiíTima Imagem; porque todos os que com de-
voção verdadeyra, & fé viva ahiaõ bufear , achavaô logo
prompto o remédio defeus males, & principalmente os en-
fermos de maley tas, & de cezoens , com cavarem ao pé do
Tom. III. Y 2 feu
34*" Santuário Mariana 3
icu Altar terra ,& lançando-a ao peícoço,ou bebendd.a lo*
go recuperava© a faude, & ficavaõ livres. Osqueaflilliaõa
cílapoderoía Senhora, no tempo em que obrava mais fre-
quentes maravilhas, foraõ taõ pouco curioíos,que naõcuy-
dáraõ de fazer memoria delias.
A origem defta Santa Imagem fe refere aíTim. Dizem
que hum homem nobre , & virtuofo daquellas partes chama*
do Diogo da Praça, movido de huma grande devoção que ti-
nha para com o myílerio da Conceição puriflima da Senho-
ra , affenrára comfigo de lhe fundar huma Cafa cm aquelle Ti-
tio , que he alegre , & deliciofo , & como naõ faítavaõ outros
pios devotos,que o quizeraõ acompanhar neftes feus fantos
intentos, brevemente fe fez a Igreja,que he ayrofa,efpaçofa,
&demuytoboaarchitedura. Depois que teve a Igreja aca*
bada com toda a perfeyçaõ, (porque he toda azule jada,oco-
ro > & o tedo delia ,qhe forrado de bordo,muy to bem pinta-
do de brutefeos , & a Capella mayor de abobada apaynelada
de quadros feytos a óleo , em que fe vé a vida de N. Senhora)
tratou de collocarnella a Imagem da Senhora , quehedeef-
cultura formada em pedra , & tem o Menino Deos em os
braços, & tem de eflatura quatro palmos; mas affim a Ima-
gem da Senhora, como a dofoberano Menino faô per feitiífi-
roas.Fez-fe a coílocaçaõ pelos annos de 1 56o.pouco mais ou
menos, & logo que fe collocou , começou a Senhora a obrar
infinitas maravilhas, & milagres , & affim fe accendeo muy-
to a devoção para com efía Senhora , & fe lhefizeraõ muy-
tos foros , & fe lhe deraò algumas fazendas para rendimento
da (m fabrica. O mefmo Diogo da Praça levado da fua dtvo-
çaõ fundou também al!i hum Hofpital para peregrinos , para
o que fez doação de toda a fua fazenda; mas o defcuydo
(pornaõdizeraambiçaõ) dosque deviaõ com grande zelo
éuydar do augmento delia foy de forte, que as rendas naõ fó
íenaõaugrnentáraô, mas totalmente feconfumiraò. Hceíía
Igreja do Padroado dn Cafa de Bragança , &ElRey heoque
hoje aprefenta o Ermitão- ■ T1TU-
Livro HL Titulo XX. ♦ 343
TITULO XX.
Va Imagem de nojfa Senhora da Tunficaçao das Frey*
xiandte.
PElos annos de 544. fe inftituío na Igreja a fefta da Puri-
ficação da Senhora, dos homens,& dos Anjos, a qual de-
pois que pario,&fahio delia o Sol de Jufliça Chriílonoffo
bem » & remédio , ficou mais pura que oCeo , & que a luz.
Teve principio em Conftantinopla em tempo do Emperador
Jufliniano, grande devoto deN. Senhora, por occaíiaõ de
húma grande pefíe, que feaccendeo naquella Cidade , & fa-
zia nella taõ grande eíirago,que cada dia morriaõ os homens
aos milhares, & naõ havendo remédio na terra contra efte
cruel açoute, fc recorreo ao Ceo. Nefle tempo foy revelado
a hum Varaô Santo , que fe celebraííe a fefta de N. Senhora
da Purificação à Virgem Maria a 2. de Fevereyro , & que lo-
go o contagio fe acabaria : celebroufe a fefta a Senhora com
grande de voçaõ,& logo fe aufentouaqueile ar maligno;por-
que o purificou a Mãy de toda a pureza.
No termo da mefma Villa de Ourem , pouco mais de
duas legoas de diftancia para a parte doNorte,fevéaFre-
guefia , & lugar das Freyxiandas ,cuja Parochia he dedicada
aomyfterio da Purificação da Virgem Maria Senhora noíTa;
nella fe venera huma Imagem defía Senhora muyto devota^
& muyto antiga , com o referido titulo de fua Purificação.
Comefta Santa Imagem tem toda aquella Freguefia muyía
devoção, & as círcumvizinhas. He efta Freguefia grande,
& afiim tem hum Vigário colado , & fervem à Senhora
com muyca devoção. A Imagem da Senhora he de pedra , &
da meírna forma , & tamanho que he a Senhora de Ceica , &
affim na perfeição de fua eícuhura parecem ambas de huma
Y 4 mef-
344 • Santuário M aviam
mefma mão , & hum mcfmo artífice. De fua origem, & anti-
guidade fenaõ fabe dizer nada , & comoja no tempo do
Condeílavel D. Nuno Alvarez Pereyra era venerada netfa
Cafa aquella milagrofaSenhora,podia bem fer tivefle ja muy-
tosannosde origem a fua Cafa : &como no anno de 1486.
fe ganhou a batalha de Aljubarrota , em que o Condeílavel
foy dar as graças à Senhora deCeiça, &ja huma,& outra
eraõ antigas, podemos crer que tem ambas de origem mais de
500, annos. A Senhora eíiá collocada no meyo do retabo-
lo da Capella mór, tem o Menino Deos fobre o braço cf-
querdo, & terá cinco palmos deeftatura. Feíkja-íeem z*
de Fevereyro.
TITULO XXI.
T>a Imagem de TSL. Senhora do Monte na Freguefia d<u
Cortes termo de Leyria*
NO termo da Cidade de Leyria , fora do lugar das Cor-
tes,fe vé em hum cabeço alto huma Ermida 2 aonde he
venerada huma milagrofa Imagem da Rainha dos Anjos com
o titulo do Monte , impoíto fem duvida pelo mefmo Fun-
dador daquelle Santuário, ( fem embargo de que alguns que-
rem , que o feu titulo feja dos Prazeres; mas commummente
Jhe dão o titulo do Monte.) He efla Santa Imagem de pedra,
roasdericaefcultura,&afíim he muyto linda, & devota.
A origem defla Santa Imagem fe refere por huma viva,
& continuada tradição, que ha nos moradores, & nos velhos
daquelle deftrito , & he neíla maneyra. Dizem que vindo
DiogoGil , (homem que navegava , & naõconfla fe era Ca-
pitão de algum navio^fe Piloto, ou Mercador,) & vendo que
o navio em que vinha , em aquelledefirito quecorrefponde
aquellas coftas da Vieyra , & Saõ Pedro de Muel , termo da
Cidade
Livro 111 Tttulo XXL ~w
Cidade de Leyria , fazia miferavel naufrágio, &feperdiaõ
todos, fizera voto a N. Senhora, que feellafoffe fervida de
os livrar daquelle grande perigo em que fe achavaõ, que elle
lhe promettia de lhe fundar huma Cafa no mais alto monte,
que dalli fc defeubria , & de donde fe aviflaflem as nãos que
por aquella parte navegavam. Aceitou a Senhora o reli-
giofo voto,& devota promefTa,porque no mefmo ponto íof-
íegáraõ os mares , & o navio fahio do grande perigo em que
cíTava ,& Diogo Gil com feuscompanheyros fe viraõ naõ fó
livres, mas reíufcitados; porque taõ grande era o perigo
em que fe haviaõ viíto. E muyta gloria à Senhora que lhe
infpirou o faberfe valer delia , para que por efte meyo tivef-
fem também aquclles lugares hum taô grande prefidio,& hu-
ma taõ grande bemfeytora.
Vendo- fe Diogo Gil obrigado à Senhora , por naõ fal-
tar no complemento de feu voto, paíTado pouco tempo de-
pois que chegou ao porto de Lisboa , foy logo a fazer efeo-
Ihadofitio emque havia de dedicar a Cafa àquella Senhora,
que he juntamente confolaçaõ dos affligidos, & c porto dos
que vaõ a naufragar. E parecendolhequeaquelle monte era
mais a propofito ao feu intento , nelle refolveo fundar a Cafa
à Senhora. E cila era o que o guiava; porque ella era a que ja
tinha feyto a efeolha daquelle lugar, em que queria fer buf-
cada para beneficiar a todos.
Feita a Ermida/rollocou logonellaa Sagrada Imagem,
que logo que chegou havia mandado fazer também , & a le-
vou nos feus braços no dia da fua collocaç?õ , com muyta
devoção A reverencia, no qual dia lhe fez huma grande fef-
ta- Nefta Ermida fediz MiíTa todos os Dcmingos, & San-
tos,^ feflas de N. Senhora. Ó dia emque afcflejaô he na
Dominica in Albis , & daqui fe tomaria motivo para enten-
derem que o titulo da Senhora era o dos Prazeres. Porém o
feu titulo naõ he outro fenaõ o do Monte. Tem obrado
muy tos milagres , & ainda ao prefente os faz a todos aquel-
les
34<$ Santuário Mariani.
ksi que com fé invocaô o leu patrocínio. E^Diógó Gil , pa*
ra que a Cafa da Senhora fe confervafle contrais injurias do
tempo , & contra as faltas da devoção , que ordinariamente
faomais prejudiciaes aos Templos fagrados, que os rigores
do tempo quando ella fe esfria, fezeafas naquelle íitio , Sc
comprou fazenda querendeífe para a fabrica da Ermida ,&
ornatos do Altar da Senhora , a qual deyxou a feusherdey-
ros , com o encargo de repararem a Ermida , fr de a ornarem
detudoodeque neceflitaíTe. Depois dos herdeyros, veyo
efta fazenda a Silvério dá Silva de Alcobaça, & a poffue hoje
feu filho Pedro da Silva. Naô confta o anno cm que fe edifi-
cou aqueíle Santuário , & Cafa à Mãy de Deos, mas confor-
me ao que temos referido, havendo tido tantos poffuidores,
fe entende paífará muy além de cemannos , que a Ermida fe
fez, & dedicou. Efta noticia nos deu o Reverendo Cura das
Cortes o Padre Manoel Pinheyro,aonde he annexa a Ermida
de N. Senhora do Monte.
TITULO XXIL
Da Imagem àe noffa Senhora do Amparo do lugar da y
Melroeyra, termo da Filia de Ourem.
s
Empre Maria Santíííima foy o noílò amparo,& o noííòa-
livio , eifa nos ampara, foccorre , & defende em todos os
noiTos trabalhos , triílezas , & defconfolaçoens , como Mãy
clementiílíma , que nao pode fofrer ver aos filhos em algum
perigo, que os naô ampare ,& defenda nelle. Eaífímacon*
felha Ricardo de Saõ Lourenço , que aqueíle, que fe vir affli*
dló, & attnbulado, por fe ver em algum perigo,recorra logo
a Maria, porque ella como Mãy amorofa o amparará de to*
Rk. Li. àos\Triffatur aJiquis \ continuo ad nomen Mana cníit nubi-
caP* Zt imiyfcwwn udit^eccequomodoilhmínat okwn ittud., O
que
Lmm III: Titulo XXII. 347
que eira trifte invoque a Maria j porque o tnéfmo fera invo-
calla , que experimentar em íi o feu amparo,lcgo defappâre-
eem , & (e desfazem as nuvens de trifleza , & com a invoca-
ção do feu fantiffimo nome chegará a ferenidade ; porque
he o feu nome óleo , que dá luz, & defrerraas efeuridadesdo
animo ^ afugenta a triíkza da alma ; porque cila nos alivia ,&
adoça em qualquer amargura que fe padeça. O Abbade EcK-
berco, f aliando com a Senhora, diz: Tuntnomtnaú quu £cu,er2
dem potes }qutn recrees : tu mimcjuamfim dulcedwe diyvútm 10 ^y%
tibi infe ta pi<e memoria portas ingreder is. Vos òSantiifíma
Maria nem podeis fer nomeada , fem que ampareis, quefois
o doce amparo de noífas affiiçcens: vòs nunca entrais às
portas de huma pia memoria ,íèm que com a doçura que cm
vòs enxertou a Divina mão , recreeis. E Santo Ignacio Mar-
tyr dizia: Maria mi feris y & afflitfis condokbat coaffHffay
me fegmter fubveniebat. Maria fe condoia y affligindo.-fc
comos mileraveis , & affliâos, & com toda a diligencia,
(como amnrofa Mãy)os amparava ,& foecorria.
Naõ fabe efta Senhora ver aos peccadores opprimidos,
fem que os ampare , & alivie. Bem o experimentaõ os mora-
dores do lugar da Melroeyra. No termo da antiga,& nobre
Viila de Ourem ja referida,para a parte do Norte, em diíhn-
ch de quaíi meya legoa, eíiá hum lugar pobre, corno faõ qua-
fi todos os do Bifpado de Leyria. Nefle lugar, em hum cam-
po povoado hoje de oliveyras ,& cercado de quintas, fe vé
o Santuário de noíTa Senhora do Amparo , nelle he venerada
huma devotiffima Imagem da Rainha dos Anjos , a quem in-
vocaõcomeíte mvfíeriofo, & amorofo titulo; porque he
Maria o noíTo amparo. E todos aquelles moradores experi-
menraô fempre o amparo , & os favores defía Senhora,quan-
do recorrem a el!a em feus trabalhos , & neceílidades; por-
que fempre achaõ o feu amparo , & patrocínio.
^ Efta Ermida, que he annexa à Collegiada, ainda naõ hâ -
verá cem annos, que fe erigio. Fundou-a hum devoto da Se-
nhora
348 Santuário Mariano
nhoracomaajuda,&aífiftencia dos moradores do mefmo
lugar \ era efte natural da Villa de Santarém , & fe chamava
Gafpar Cordeyrode Mendanha , era Senhor de huma fazen-
da , que hoje fe vémuyto augmentada , & que poffue o Có-
nego Manoel Pereyra de Azevedo. Efte Gafpar Cordeyro,
fem duvida , porque aquelles aldeoens tiveíTem alli alguma
Ermida, em que com mais alivio pudeflem fatisfazercomo
preceyto da Igreja, mandou fazer a Imagem da Senhora,
que he devotiífima., & de grande fermofura ; feyta aquella fa-
grada Imagem, em todos fe excitou a devoção, & todos con-
correrão, fegundo a fua poífibilidade , & lhe íizeraõ a Cafa,
em que hoje he venerada, & fervida; heeíla Santa Imagem,
como fica dito, muytofcrmofa , &mortrahuma mageftadc
taõ grande ,& he tanta a graça que refpira , que mais parece
obra das mãos dos Anjos, do que de maô humana, &affim
eftá inflammando a todos, osqvaõavenerallanaquellafua
Cafa , em grandes affedtos de devoção. E todos aquelles, al-
deoens , & ainda dos lugares circumvizinhos , & da mefma
Villa recorrem à Senhora i para que ella os ampare, & reme-
dee em feus apertos , & neceflidades. E na muyta fé com que
a invocaõ , & com a devoção com que a bufeaõ , confeguem
os defpachosdas fuás petiçoens, como o teftemunhaõ as
mortalhas > que fe vem pender das paredes da fua Cafa- E a
eftareftaSantiílíma Imagem em povoação mais grande, &
mais nobre , feria bufeada com muyta mais continuação , &
frequência.
He efta Imagem da Senhora do Amparo, de roca , & de
vertidos , eftá com as mãos levantadas, como quem eliá fem-
pre pedindo , & fupplicando o remédio, & o amparo de feus
filhos os peccadores. A fua eftatura faô três palmos, dizem
que fe fizera em Lisboa. Eftá co! locada em hum nicho fobre
o Altar mor , que naõ tem outro , porque he pequena a Er-
mida , & pobre como faô os que alli vivem- Eu confeito que
entrando nefta Ermida, & vendo a grande magcftade da-
quclla
Livro III. Titulo XXI II. 349
quella Senhora , & a grande devoç aô q caufa , que ainda fen-
do taõ tibio, &indevotome naõ fabia apartar da fua prefen-
ça , & fe tivera lugar de pafTar muy tas vezes por aquellas
partes, fora femprea viíitalla.
TITULO XXIII.
2)a Imagem de N* Senhora da Ortiga, em o lugar da
Fátima termo de Ourem.
NOtavcis íaõ os títulos , com que a Mây de Deos quer
fer invocada. Que permitta efla Senhora, que nós a
invoquemos com o titulo da Saúde, feja muy to em boa hora;
porque ellahe afaude de todo o mundo viíivel, como diz „
Joaõ Geometra: Saiu* mundi Yifibilis ; & a faude de todos c s 3oa"'
homens ,como a acclama Thcofterito: Solai omnium bonii- /™*
num. Que a invoquemos com o titulo do Soccorro, dos Re- 7 de B.
médios, das Neceffidades, do Bom SucceíTo/eja.porque efla yirg.
Senhora he o noffo foccorro , o noflb remédio , a que reme-
dea as noíTas neceífídades, & todos os noíTos bons fucceflbs Theo"*
delia dependem, porque ella no los alcança ; mas que permit- ™wim
ta efla Senhora que a invoquemos com o titulo da Ortiga }Cetám,
huma erva que pica , & morde aos que a tocac? Sim; mas naõ
he, porque ella nos haja deoffender, pois ella como Mãy,naõ
fó nos naõ offende, mas nos defende de tudo* o que nos po-
de caufar algum dano. A ortiga he taõ agreík , & ruftica,
que efeaçamente a tocaõ ,como ruflica,& defeor tés logo pica,
& offende,& por iffo delia fe fez efle IcmiDziLeVitcrft tmgà
adurit- ' PtmcM
Sem embargo de tudo iflo obfervou Arefío,como refe^ ío.c^p.
re Piniccllo, que a ortiga muy to apertada na maõ, não caufa 4!-'*
nenhum dano, de que nafceo o outro titulo, que lhe deraõ: ******
Comprefa non urit. Affim totalmente o homem , de fuâ na- sJ*Mt
tureza
3^0 Santuário Mariano
tureza feroz , coftumado ainjuriar aosoutros, fe apertar
co ti fortaleza o punho da mortificação, defpirá todos os
ruins, & eícandalofos hábitos, que o deíacredifaõ. Coma
meíma razaõ a carne mortificada por nós, com a animofa dif-
cipíina , aprenderá arefrear afua indómita força de picar.
S.WU. SaõNilo a efte propoíito diz: Cornem ruam debilttàtobo-
para*. n\ s labor 'ibivs ,penitití ver ò eam non domari po(fe exiftima* E
vvm.59 mais elegantemente ao noífopropofito, o Padre Camerario:
Camer. Laditur is mérito parVum cjut neghgit boflhn,
aptid Fortiterurticas qiúpremli , illejapit.
Plicim. Mas deixando o que] na ortiga he extrinfeco , vamos ao me-
in dicinal , ôc virtuofo. A ortiga , fegundo Diofcorides, he
Mando quente no $ . & feca no 2. grão; adelgaça , & reíolve. Coíida
Sjmb. em vinh0 9 & bebida abranda a dureza do ventre , refol ve os
Díofc. fl*tos> fára a cólica , alimpa os rins , & conforta os homens.
lú, 4. A raiz cofida em vinho , & mel , fára a toce fria 7 alimpa os
*%/£• orgaons do b~>fe , alarga o peyto , & reíolve a inchação da
campainha , & defte cofimento , que he muyto útil , fe toma
três , ou quatro colheres pela manhãa , & à novte. As folhas
pifadas cem fal,fáraõ as mordeduras do caõ danado, alim-
paõ, &cura5 as chagas podres, &refolvem os inchaços.
Daqui podemos agora tirar, que naõ dcfpreza aMãy
dos peccadores, & foberana Rainha do Ceo,o titulo da orti-
ga, pois tudo o que a Medicina de Diofcorides achou nella
de virtudes , tem eíta Senhora , para nos curar , & farar. El-
la adelgaça , Ôc reíolve em nós as más inclinaçoens , abranda
as durezas do noflò coração , refolve em nós os Ímpetos vi-
ciofos , fára as cólicas da ira, alimpa os rins , iíio he , que ex-
tingue em nós osappetites fenfuaes, & alimpa os orgaons
do bofe, iftovem afer com a virtude da caridade , que nos
alcança, & nos conforta para bem obrar. Efe a ortiga co-
íida em vinho, 5c mel , tomada pela manhãa, & ànoyte, alar*
*■* ga o peyto,refoive a inchação; a devoção de Maria noffa Se-
'> nhora/quche doce como o mel ,& que alegra como o gene -
rofo
Livro 111. Titulo XXUl. 351
rofo vinho, ufada,& exercitada pela manhãa,8c à noyte,pela
meditação, rcfolvcrá a inchação da foberba, & dilatará o co-
ração para o bem obrar. A mefma devoção da Senhora uni-
da como falda Divina graça , fára todas as mordeduras dos
caens danados, & infernaes, fára , & cura as chagas, & as fe-
rida s da culpa ,& refolve os inchaços do ódio, & defaffeyçaõ
do próximo. E como a Senhora quer que obremos fegundo
a virtude deíla medicinal erva , por iíTo fe naô defagrada , de
que lhe imponhaô o titulo da Ortiga.
No termo da Villa de Ourem ha hum lugar muyto an-
tigo, porque ainda ficou do tempo dos Mouros, como o a-
pregoaofeunome, que fe chama Fátima j fica eiíe acOcci-
dente , ou entre o Occidente , & o Sul , em diftancia de duas
legoas , pouco mais ou menos. A fua Parochia he dediesda
à Rainha dos Anjos , com o titulo dos Prazeres. He fugey-
ta ,& annexa efta Igreja à nobre Collegiada de Ourem. No
deflrito deíla Freguefia eftá hum Cafal , a quem dsõ o nome
de Santa Maria ,& nelle fe vé fituado o Santuário de noífa Se-
nhora da Ortiga , Cafa de muyta romagem } & que em tem-
pos mais antigos devia fer muyto mais frequentada, Que-
rem aquelles moradores, que tila Ermida da Senhora íeja
ainda muyto mais antiga que a mefma Collegiada ; mas naõ
o provaô, porque a Collegiada jaoera noannode 1451. a-
inda que teve mayoresaugmentos no de 1440. mas bem po-
deria ler, que jaaquella íoberana Senhora fe ouveffe mani-
fcílado.
Referem por tradição os moradores do lugar da Fáti-
ma, que andando naquelleíitio do Cafal de Santa Maria hu*
ma menina muda , apafeentando humas ovelhinhas \ que naõ
feriaõ muy tas, fegundo a capacidade da pafrora, que as guar-
dava, & que naquelle feu ruflico cuydado lhe apparecéra a
Mãy do Divino Paftor, Maria Santiffima", & que lhe diífera:
Qneres darme hua das cordeyras que guardasrTaõ milagro*
fas foraõ eflas palavras ) que fó a voz delias bailou para def-
crnpc-
3 J t Santuário Mariano
empedir osorgaonsdavóz,&doouvirà paftorinha, por-
que logo fe lhe dcfembaraçou a língua, &pode ouvir para
refponder àquella amorofa Senhora, dizendo, que naõeíh-
va na fua maõ o poderlhe dar a cordeyra , porq pelejaria com
cila feu pay;masque fe ella foffe fervida , que lho foíTe dizer,
q ella iria logo. A Senhora paga da boa vontade da innocente
paftannha, lhe mandou que lho fofíe dizer. Foy a ditofa fer-
rana a reprefentar ao pay ( que era o Lavrador do mefmo re-
ferido cafa!) a petição da Senhora , a tempo que elle ja vinha
procura! Ia para que fe recolheíTe. Propoz a petiçaõ,dizen-
do , que huma mulher muyto fermofa lhe fallára , & lhe pe-
dira huma cordeyra. O pay reconhecendo a maravilha >&
entendendo , que quem lhe havia feyto à paflorínha tam
grande beneficio, era mais que mulher , & que feria noffa Se-
nhora , pois via a menina milagrofamente livre do impedi-
mento da língua , que atèh tivera preza 3 lhe refpondco , que
àquella mulher naõ queria ovelha , nem cordeyra ; mas que
lhe fofle ella dizer; porque elle naõ era merecedor de a ver,
nem de lhe fallar; que fe queria que elle obraffe alguma coufa
em feu ferviço,que logo o faria.
Comeftarepoíla do humilde Lavrador voltou a inno-
cente pafforinha , que mereceo ver outra vez , & fallar à Se-
nhora, & dizendo o que feu pay lhe havia dito, lhe diíTe a Se-
nhora , que ella queria que naquelle lugar fe lhe fizeífc huma
Ermida j em que foíTe louvada, & bufeada de todos os mora-
dores daquelle lugar, para nella remediar a todos. Foy o La-
vrador, & no fitio em que a menina dizia que a Senhora lhe
fallára , achou fobre hua pedra huma Imagem da mefma San-
tiffimi Virgem , entre huma mata de aroeyras cercada de or-
tigas; (por cuja caufa dizem , fe lhe impuzera à Senhora o tí-
tulo da O tiga) veado o Lavrador a Senhora a adorou com
muy ta de voçiõ. Naõ confia fe deu parte ao Parocho da fua
Igrej*,nemfcdallialeváraõ para ella; o que refere a tradi-
ção he;que o Lavrador mandara logo fazer huma pequenina
edicula
Livro. II L Titulo XXIII. 353
edicula , naõ cm o lugar cm que a Senhora o havia difpoiío,
mas em outro mais afaftado,& fez-fe cila taô deprefía, que
brevemente fc tresladou a Senhora à nova edicula ; mas co-
mo a vontade da Senhora era , que fe lhe edtficaíTc no mefmo
lugar, o mefmo foy collocalla na Ermidinha, que defappare-
ecr delia logo; porque logo os Anjos a tresladáraõ ao pri-
mey ro fítio, & a collocáraõ fobre aquef le tofco, mas preciofa
trono , pois fervio de folio à foberana Emperatriz do Ceo, 5c
da terra ,&a!li aforaõ defeubrir outra vez entre aquellas
medicinaes ortigas-
A mim femereprefenta , que oParocho levaria a Se-
nhora para a fua Igreja,ainda que fofife em depofito,até fe lhe
edificar Cafa própria , &que a Senhora da Igreja voltaria
por mimíterio dos Anjos ao feu lugar: 8c naõ falta quem
julgue , que fora mais de huma vez a fuga da Senhora, do lu-
gar em que a collocáraõ, paraaquclle feu trono, que ella ha-
via efeolhido. E como viraõ, que a Senhora repetia as fugas,
ou que os Anjos a muda vaõ , fe déraõ por convencidos, de
que a Senhora queria fer bufeada naquelle lugar das fuás or-
tigas. E aífím tratarão de lhe edificar Cafa no mefmo íitio,
qucdefmontáraõ, & compuzeraõ para effe effeyto. Feyta
efta , que nam foy muyto grande , nem como pedia a mila-
grofa manifeftaçaõ da Senhora, a collocáraõ nella, aonde lo-
go continuou em obrar as fuás muy tas , & grandes maravi-
lhas , a cuja fama concorriaõ os povos , a vi fitar aquella Se-
nhora , & a pedirlhe favores , & o remédio de todas as fuás
neceífidades, aonde todos experimentavaõ os effeytos da
íua clemencia;& com as efmolas,que oíferecia a fua devoção,
&com as que depois fe foraõ ajuntando, fc refolvéraõos que
de mais perto aífiíhaõ à Senhora , em lhe fazer outra Cafa
muyto mayor , que he a que ao prefente exiik , & em que a
Senhora he fervida , & venerada.
Na mefma Cafa da Senhora, em a Sacriflia,dizem fecon^
ferva ainda hoje parte da mefma pedra, cm que ella fe mani-
Tom.III. Z feftou
3 J4 Santuário Mariano
feftou, que por haver íervido de trono daquella ceíeflial
Rainha , a recolherão, & guardarão , & parece que ja hoje
eftá muyto diminuida^porquea fé,& a devoção dos Romey-
ros a foy desfazendo, coroo dizem , & levando-a por relí-
quia, & nos pós delia achavaõ o antídoto de todos osfeus
males.
A Senhora eíiá coHocada no Altar morgue he único na
mefma Ermida , em hum nicho de pedra , he de efeultura for-
mada em pedra,8chem poderá fer que os Anjos foffem os ar-
tífices defta foberana fabrica. A fua efíatura íaõquaíi quatro
palmos. Fefleja-fe em o primey ro Domingo de Julho,como
odifpõemoComproipiíToda fua Irmandade, confirmado na
annode 1618. na Sede vacante , fendo Pro vi for, & Vigário
géral,o Chantre Pedro do Rego Beliago.Na fua Cafa fc vera
pender muy tas memorias , & fináes , dos muytos, & gran-
des benefícios que efla mifericordiofa Senhora obra a favor
dos feus devotos, os quacseítão apregoando a fua grande
clemência , & piedade a com que nos fabc remediar , & acu-
dir a todos*
TITULO XXIV.
Da miligrofa Imagem de NSenbora das Mercês junt*
ao lugar do Aqueidao da Monta termo de Ourem.
A
Mayor mercê que podem fazer os Reys da terra^hc def-
* m pachar logo , & bem o que fe lhe pede. Por efta muyto
mayor liberalidade veneramos a Maria Santiffima } que coma
íòberana,& liberal Rainha,nunca falta em nos conceder, lo»
go q a invocamos,as mercês q lhe pedimos, 8r taõ promptas,
que a hum defejo noííb nos refponde com as mercês. N^õ hc
ofeumageilolo Tribunal como os Tribunaes dos Rcys, &
Príncipes terrcnos,nos quaesaíEm como faòos pertenden-
tes
Livro ULTituk XXIV. ^7
tes mais que as mercês, aílim feefgotaafontedos feus bene-
fícios , pela fequiofa multidão dos quebufcaõos defpachos;
antes fim no inexhaufto thefouroda liberalidade da Virgem
Maria Senhora noffa , faõ as mercês em taõ grande numero,
que daõfatisfaçaõ geral a todas as pertençoens. Eheoque
diz Saõ Bernardo: Ommbt44om?tia{dizoSmto)faãa eft Ma- Piv\
ria, ut de plenitudine e)m accipiant uniyerft. Nefte pois taõ *trn*
magnifico Tribunal os affedlos de Maria Santiflima faôos
feus miniííros > o expediente o feu cuydado, a fua comifera-
çaõ , a que recebe as petiçoens , & o amor he o prefi dente,
porquemfedecretaõ todas as mercês. Naõ ha nefle Tribu-
nal dias feriados *, porque como o amor naõ fabe citar ociofo,
em hum Tribunal emqueomefmo amor prefíde, todos os
dias faõ dias de de fpacho.
Mas que confórmes,ò foberana Rainha, que conformes
aos noíTos defejos, faõ as mercês de hum Tribunal taõ mag-
nificoJNaõ ha fupplica Jnaõ ha petição, naõ ha rogativa , que
nclle naõ tenha, o que pede , por defpacho,ouaqucmfenaã
ponha pordefpacho , hum como pede. Mas como nefte Tri-
bunal preíide o amor j porque a mefma Senhora que noEu-
angelhofe chama Mãy: St abat Mater , nos diz também que
he a Mãy do mefmo amor : Mater pulchrjt dtleãionisfo Tri- &&A
bunalemqueoamorheoqueprcfide, todos os feus defpa-***
chos, & todas as fuás mercês Taõ largas* Quem pois à vifta
de huma taõbenigna,& liberal Rainha,* Senhora,que goíia
de que lhe peçamos, deyxará de alcançar muy tas, &gran-
des mercês , quando com verdadeyra fé , & humildade che-
garmos ao Tribunal da fua clemência?
Entre os muy tos lugares-, que em feu termo compre* -
hende a nobre Villa de Ourem,fv :m deiles he o do Alqueidai
da Mata da Vide, ou Moa ta da Vide, que fica à parte do Nor «■
te da mefma Villa, & em diílancia de pouco mais de meya le-
goa., masnodeftrito de fira illultre Collegiada. Junto ao
meírno lugar havia huajaantiquifli4na Ermida dedicada a Saõ
2 z kLou-
3 5 6 S autuaria Mariano
Lourençc,& fcm duvida porque nelia faltava a May dos pcc-
cadores , & aquella dementiíRmaReroediadora das noíías
neceflidades,& trabalhos, difpoz a Divina Providencia, que
lhes naõ faltafle efle feu amparo aos homens em aquelle lu-
gar. Vez-fecollocadaeftafoberana Princefa da gloria em a
mefma Capella do Santo Levita , em hum nicho dourado em
omcyodo Altar. He eíta devotiífima Imagem de Maria San-,
tiffima, a quem invocaõ com o titulo das Mercês , ( impoílo
fem duvida pelas muytas , que logo começou a obrar a favor
de todos aquelles que da fua grande riqueza , & liberalidade
fe fabiaõ valer) de roca ,& de veflidos , & tem em feus bra-
ços ao Menino Deos ; íua eftatura faõ pouco mais de três
palmos-
Sobre a fua origem, & princípios, a tradição que ha en-
tre aquelles moradcres,he, que pelos annos de 1 400. & tan-
tos, (mas naõ fey fe fera taô antiga a vinda da Senhora; por-
que neftas tradiçoens fempre acrefeentão os annos ,& fa-
zem fempre que os princípios fejaõ immemoriaes ; mas fejaõ
embora os 500. annos que elles dizem) chegara àquella Er-
mida hum Ermitão de fanta vida , & que efte trouxera comíi-
go aquella foberana Imagem , & que a collocára em o mefmo
Altar de Saô Lourenço , & que ai li vivera , & acabara fanta-
mente em o ferviço da mefma Senhora. E que para fazer na-
quelle lugar a fua perpetua habitação, levantara humas pa-
redes encoftadas à Ermida, da parte da Epiftola, cm que for-
mou huma caíinha para fua morada , com huma janella pe-
quena para a mefma Capella da Senhora , de donde feoceu-
pava todo em os Divinos louvores , & da May de Deos.Nef-
ta fanta oceupaçaô gafiou o Ermitão todos os annos da fua
vida,& na fua morte fe mandou enterrar à vifta da mefma fua
Senhora , a quem fervorofamente havia fervido.
Também affirma a tradição , que depois que a Senhora
fcy collocada naquelle Altar ,mõ fora renovada, fendo que
o feu fermofo roíío fe confervacom huma graça , & com hu-
ma
Livro III. Titulo XXIV. w
ma cor tam fermofa , & admirável, que parece fer encarnada
demuyto poucos dias. Desde o primeyro dia emquefoy
collocada naquella Ermida, começou logo Deos a obrar pela
fua invocação tantos milagres, que naõtem numero, nem
nunca ouve quem dellesfizeífe memoria; mas fem embargo
de que fe naõ eferevéraõ, cm huma relação, que nos fez dos
princípios de fta Santiffima ,& milagrofa Imagem hua peífoa
de muyta fuppofiçaõ , & devotiffimo ícu, nos refere muy tos
dos modernos, dos quaes referirey adiante alguns para ma-
yor honra , & louvor da Virgem Senhora.
Deitas grandes maravilhas , que a Senhora das Mercês
continuamente obrava , tomáraõ motivo algumas nobres
peíToas , aflim da Villa de Ourem , como das que viviaõ por
aquellas quintas circumvizinhas , & nos lugares da Ri-
beyra da Mouta da Vjdc , Alqueidaõ , Pinheyro , & Cafaes,
para a feftejarem com muyta grandeza, & perfeyçaõ, & a lhe
erigirem huma Confraternidade y creda com Eftatutos , 5c
Compromiffo,aqual foyapprovada fendo Biípo deLeyria
Dom Pedro Barbofa pelos annos de 16. a fuafeftividade fc
Ihefolemniza em de Eo principal motor da Irmandade
foyoPadre Manoel Ferreyra Gentil , que foy morador no
lugar da Mouta da Vide , o qual eftando enfermo com huma
febre maligna, fem nenhuas efperanças de vida , & ja defen-
ganado dos Médicos da terra , fe valeo das medicinas do
Ceo , invocando em feu favor a Senhora das Mercês. E tan-
to que invocou o feu poderofo nome defapparecco a febre,
& cobrou logo huma milagrofa faude. Efte Padre por naõ
fer ingrato a tam grande benefício , como havia recebido,
cheyo de huma fervorofa devoção , tratou logo de eftabcle-
cerefta fua Irmandade, & com as obrigaçoens, que declaraõ
os feus Eftatutos , & CooipromiíTo , de enterrarem aos feus
Irmãos defuntos, & de lhe aíliftirem em fuás doenças, & en-
fermidades , por repartição do Juiz da Confraria , & de aílif-
tirem a todo oneceffario para a folemnidade da fe fta da Se-.
Tom. III, Z j nhora/
35 8 Santuário Mariana
fihora.Eaffim elegem todos os annos porjuizhumadas pef-
foas mais princípaes , hum Eícrivrá , & dous Mordomos.
Eítes faõ os que fazem a fefla â Senhora : & a mefma Irmati-»
dadehe a que fabrica a Igreja; porque naõ tem Padrocyro.
/ Nos pnmeyros annos , em que fedeu principio à pró-
digo dos Pa fios na Villa de Ourem, que efíá aífentada na
Cafa da Mifericordia da mefma Villa , fepedio licença aos
feus Confrades, para levarem eila Sagrada Imagem, para
lhe fervir no paffo do encontro. Foraõ bufcalla, &naõfal-
tou quementendeffe , que a fermofura ,& a alegria que a Se*
nhora mofíravaem feu fantiíTimorofto , naõ parecia muyto
accommpdada para paíTo taõdolorofo. Levaraõ-na parahu^
ma Ermida, de donde havia defahir emaquelle paíTo do en-
contro. Cafo maravilhofo ! fahiraõ quatro Sacerdotes cora
as fuás fobrepelizes,que eraõ os que levavaõaos hombros a«
quella Divina Arca, & foy viíla com hum rofto taô defmaya?
êo ., & com tantas moíiras de trifteza , & agonia ,que caufou
cm todos hua grande compunção, & ternura. Dcpci^ fe fuf-
pendeo o levarem a Santa Imagem a efla piadofa funçaõ,ò
que fe executaria prudenremente,por fc evitar alguma curió*
fidade em efperar milagres.
Dous mancebos nobres daquella circumvizinhança da
Senhora das Mercês , dos quaes hum fe chamava Joícphác
Chaves & Faria , grandes devotos da Senhora , & de muyto
bom procedimento, ( que he a deveçaõ para ella mais grata)
procurarão qut fe lhe fizeííe hum nicho com toda a perfey-
faõ , em que pudeíTe efíar com mais veneração , & reveren-
cia , & depois de acabado , & perfeytamente dourado , foraÕ
viíitar a Senhora , & ver a obra em hum Ssbbado àz Qnaref-
mr7 & reparáraõ,(no tempo em que faziaõ a fua oraçaô) com
• goítode verem acabada a fua obra , que citava a Senhora
foando , & viraõ em feu rofto humas como pérolas que coií-
riaõ , & no rofto do Menino outras que moftravaô tftar fuf-
pcaías. Naõ fepode entender efle myfleric. Mas o ferem
jaila-
Livro III. Titulo XXIV. 3 r9
mifagrofas, omoílrava também o tempo, porque efiava o
dia claro , & fereno, & naõ havia flores, nem couía de que fc
pudeíTe entender foílemnafcidasde alguma humidade,ou de
outra caufa natural.
Quanto aos milagres ,fó referirey tres,&feja delles
oprimeyro. Huma mulher chamada Margarida Mendes ,ca*
fada com António Francifco Lavrador ,& do lugar da Vár-
zea , termo da mefma Villa de Ourem, eftava de parto havia
oy to dias completos fem poder parir , & eftava ja com todos
os Sacramentos, quaíi efpirando. Neila angujftia chamou pe*
la Senhora das Mercês, pedindolhe, que lhe valeíTe naquella
hora, que lhe deíTe vida, & ali vraíTe daquelle perigo, & lhe
promettia de fe ir pezar a trigo à fua Cafa ,& que feria para as
fuás obras. Logo que acabou de fazer a fua promefTa , pari®
com bom fucceííò , & ficou livre , & em breve tempo fe fojr
pezar â Igreja da Senhora, & a darlhe as graças do beneficio
que lhe havia fey to.
Sejaofegundo, o que refere o ja nomeado Jofeph de
Chaves de Faria , morador na fua quinta nova chamada das
Mercês, o qual fazendo huma cura larga de huma grave en-
fermidade, que padecia, procedendo efta adiante, lhe fobre-
veyo hum grande accidente, que fe teve por morta], porque
nelle perdeo os fentidos , & a falia. Foraõ chamados dous
Religiofos Capuchos do Convento de Santo António, que
fica junto à Villa, & também em naõdemafíada diflancia da
referida quinta das Mercês, para o cõfeífaremjmas acháraõ-
no em forma, que o naõ podia fazer. EccnfeíTa o me fmo en-
fermo, que naquelle letargo, fó tinha no coração a lembran-
ça da Senhora das Mercês, ôcque entaô lhe pedira o favor da '
fua interceíTaõ ,& patrocínio. E nomefmo tempo que a in-
vocou intcriormente,fe achou por favor da mefma Senhora,
naõ fóreflituido aos feus fentidos; mas pode fallar ,&con-
feiTar-fe devagar , & ficou bom , & com muy to alivio. . }
O terceyro prodígio for* que Mariana , moça folteyra, '
Z 4 de
$60 Santuário Mariano
de idade de vinte annos, filha de António Vieyra,cafeyro do
referido Jofeph de Chaves, meteoíelhe a efla em hum pé
huma racha de páo feco, que lho atraveítou, & lhe ficou den-
trp, deque padeceo graves dores, & fazendoíelhe rruytas
medicinas, & remeolos/iada aproveytou, para fahir a racha
do pé. Eftava o Cirurgião refoluto a lho abrir com ferro pa-
ra tirar o páo. Nefta affliçaõ em que fe via a moça, fe pegou
coma Senhora das Mercês, promettendolhe hum pé de cera,
fe a livraffe daquelle trabalho. Logo por íi mefma iahio a ra-
cha,& ficou como fe nada ti vrfle, a ttribuindo, como na ver-
dade foy , a efpecial favor daquelía foberana Rainha, que
nunca ceifa de fazer mercês , aos que imploraõ a fua clemên-
cia. Se ouveíTemos de referir as grandes mercês, & favores,
que efla Senhora tem fey to em os prodígios , que tem obra-
do ,fora nunca acabar; mas baflaõ os referidos, para que com
elles fe avive a noffa fé.
TITULO XXV.
Da Imagem de noffa Senhora do Tejtinho da Ribeyra
do OUVal.
NO fcgundotomodeftesnoífos Santuários , no titulo
3 8. do fegundo livro, tratey da Senhora do TeíKnho,
da quinta do campo , em os limites de Villa Nova ,que he do
Conde de Caflello Melhor.He o original defta Sagrada Ima-
gem, hum tefiinho, ou hum pedaço das coftas de huma cal-
deyrinha de agua benta, feyta de porçolana de barro de Lis-
boa , na qual fe vé mcyocorpo de huma Imagem de noíTa Se-
nhora , & a cabeça do Menino JESUS, como aquelfas que fe
coftumaõ porem osapofentos, & ascoflumaõ ter os Reli-
giofos em fuás cellas. Eíle teftinho, ou pedaço das coitas de
humacaldeyrinha que fe quebrou, cm que eftaya pintada
huma
Livro III Tituto XW. 3^1
huma Imagem ae noíía Senhora , deu a Communidade das
Madres Carmelitas Defcalças de Santo Alberto (como dey-
xamos referido no tomo fegundo,) o Conde de Caftello
Melhor , quando cftava no governo;& oceupava o cfficio de
Efcrivaõ da Purtdade,& era o primeyro Minifiro da Magef-
tade do Senhor Rey Dom AfFonfo o Sexto, que fanta gloria
haja, Eo Conde a trazia em hum caxilho, como huma precio-
fa joya fobre o peyto, para que a Senhora o livraflc de todos
Os perigos.
Foy ElRey Dom AfFonfo deporto do governo , & alte-
rando-fe tudo com o fucccíTo da fua privação, foy precifo ao
Conde , como valido, para evitar os perigos em que os feus
emulos o podiaõ colher , retirarfe como fez , & bufeando-fc
o Conde com exquiíitas diligencias de todos os perigos, &
cilladas, o livrou N. Senhora ,clar a manifeflaçaõ, de que ellc
a amava*
Depois de efeapar de muytos perigos fugindo aos mais
que temia , foy dar comíigo ao termo de Ourem , & confiado
em noíTa Senhora , fe entregou à protecção de hum pobre/i-
nho homem chamado Manoel Dias , a quem impuzeraõ de-
pois a alcunha , das botinhas, porque era deeflatura muy
pequeno, & trazia fempre humas botas como aldeaõ , como
eu o vi , ou Lavradorfínho- Foy efíe Manoel Dias taô hon-
rado, taô fiel ,&taõ prudente, que em huma fua pobre caíi-
nha teve valor para oceultar ao Conde por muy tos dias , fem
que peffoa alguma pudeííe prefumir, quenaqueHa cafaou-
veffe outra peftòa mais que o tal Manoel Dias, afliiiindolhc
naôcom animo de hum aldeão, mas com a urbanidade, & ge-
nerofidade de hum Cavalleyrõ.
Depois de paliadas muvtas fomanas, cm que ja a fanha
dos que o bufeavaõ, & o fo^o da ira dos que o perfcguiao,ef-
tava jamais moderada ; ou porque feentendeo eftariajaem
lugar bem feguro , fc tinhaõ fufpendido as diligencias^ as
pefquizasjfahio o Cõde daquella cova ou retiro,& fe paííou a
Elpa-
$$% Santuário Mariano
Efpanha,de donde fe encaminhou ao Reyno de França , parti
meter mais terra entre meyo. Depois paíTou a Saboya,& da-
qui a Inglaterra } aonde noferviçoda fereniífima Rainha da
Graõ Bretanha obrou taõ grandes finezas , ( como quem era
taõ amante, & taõ venerador das Magefíades Portuguezas)
que chegou a pòr em perigos a própria vida , dizendo aos
que lheaconfeihavaõdeíiitiue, (porque fearrifeava a perder
a vida) que comprara por todo o preço, & ainda pelo da mef-
ma vida, aquella occafíaõ de a íacrificar , por acudir , & va-
ler à fereniffima Rainha na grande tribulação cm que fc acha-
va. Acçaõ verdadeyràmente de animo Portuguez,6c de hum
taõ virtuofo, & ilíuílre vaífallo. De todos eftes perigoso
livrou noíTa Senhora.
Voltando depois o Conde em paz a Portugal , & à fua
çafa , & lembrado dos favores que da Rainha dos Anjos re-»
cebéra , em aquelle lugar , aonde hoje vemos a fua Cafa , que
he na Freguelía denofTa Senhora da Purificação da Ribeyra
do Olival termo da Vil la de Ourem , de donde difla duas le-
goas , mandou em acçaõ de graças , & em final de eterno re-
conhecimento daqueí les benefícios, levantar a noíTa Senhora
huma Ermida, & nella mandou collocar huma Imagem fua de
madcyra eítofada,com o Menino Deos fentado fobre o bra-
ço efyierdo, a qual faz deeftatura três palmos, &meyo,
componio a Ermida de todos os ornamentos neceííarios,
coníignãdo renda própria para a fua fabrica. E infiituio tam-
bém hum i Capella, na qual he obrigado a dizer Miífa, fó nos
Domingos , & dias de preceyto. Efla MiíTa vaõ ouvir aquel-
lesmontanhezes,que também para elles foy aquella obra
infpirada pelo Ceo , paranaõ faltarcmà MiíTa, porque muy-
tosa naqouviaô , por ficar muyto diílante a Parochia. E com
eíla Cafa da Senhora podem naõ faltar ao preceyto da Mif-
ía y a que muytas vezes mò acudiaô , naõ tanto pela grande
diftancia da Parochia , quanto pelo ruim tempo. Sobre a
porta principal da Ermida mandou pór o Conde eíta merno-
m
Livro III. Titulo XW. 3*3
ria para perpetua lembrança do íeu agradecimento.
H J C
XJht per multas bebdomaJa* LudoYtcus à Fafcon-
cellos, & Soufa Comes Cajlelli Melioris in fuis <trum-
ntt una tutela SanB\§im<z Virginis ab inVoccttione â
TeBulain tutofuit , hocjacellum erigi jujfu Anno
1687.
SANTU,
3*4
s/mv*' «ilE^* *Êa* «^SP (Mgjv» cÊâ*v
*sJ;a&. «ofSãu, >^^ ^M%s* jsM%§*. >&o&.
*5^s^r w^fs* >§^2?s' ww w^s* w w
SANTUÁRIO
MARIANO,
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA.
& das milagrofamentc apparecidas.
LIVRO QUARTO.
Das Imagens de nojfa Senhora do Bi/pado de
Portalegre.
INTRODUÇAM.
AM taõ poucas as noticias que fc achaõ dos
princípios, & origem da Cidade de Portalegre,
que ainda os mais antigos Geógrafos nosnaõ
dizem nada delia ; & nem os Chroniftas de Ef-
panha.O Biípo DomFrey Amador Arraes;nos
feus Diálogos* tem por verofimel , que das ruinas da antiga
? Cidade
INTRODUZAM. &
Cidade de Medobriga , expugnada pelo exercito dcCaflio
Longino , Capitão Romano , foy povoada , cujos vefiigios
permanecem ainda hoje ao pé da Villa de Marvão. Qjeto-
maífe por nome Ammaya fe prova de hum Cip~> Romano,
que parece fervia de bafe a alguma eftatua , o qual efiá hoje
na Ermida do Efpinto Santo, extra muros da mefma Cidade,
emeujos alicerfes fe achou , & diz aflim.
Imp. &ef. L. Aurélio Vero Auguft.
DiVi Antomm F> (Pont. Max- cvnf. 2.
Trtb.fPo.fp.(I>. Municip. Ammaya.
Querem dizer : O Município de Ammaya erigio erta memo-
ria ao Emperador Cefar , Lúcio , Aurélio , Vero , Auguíto,
filho de Antonino, Pontífice Máximo, Conful dn?s irczwij^
Tribuno do povo, & pay da pátria. Eíía opinjaõfcgucGaf 7t'a%*
par Barrcyros , & Diogo Mendes de Vafconccllos , os quae? Je Pwi
na palavra Ammaya lem Porto Alegre. O Bifpo Arraes a- yafc.d$
crefcenta,que Lyfias,filho ou Capitão de Bacco,bufcandore-^*/<^#
poufona velhice, povoara Portalegre, da gente que vinha Luf.
em fua companhia j & que nelle edificara hum forte , & hum -
fano, ou Templo ( dos quaes femoflraõ ainda agora as rui j^lI;
nas ) confagrado a Diony fio , ou Bacco feu deos , & appelli- CA« $t *
dando a Serra do nome de huma fua filha chamada Maya,don-
de fe pegou à povoação o mefmo nome, com alguma corrup-
ção, ou fem ella,aonde dizem ,que Lyfías foy fepultado, &c.
Finalmente a tradição, que nas antiguidades tem muyto
fundamento , & muy ta força , affirma eflar fundada no fitio,
emquceflavaô humas vendas chamadas Portcllos, junto à
Ermida de S. Barthoíomcu, cujo nome ainda hoje feconfer-
va,& que do Porto Fitio , que divide a Serra de Saô Thomé,
da Cabeça de Moufo , 8c da amenidade , & frefeura da terra,
fecompozonome de Porto Alegre-
Como quer que feja a fundação defta alegre Cidade, el-
Ia eftá ao prefente ao pé da Serra do feu nome , em hum fref-
co fitio, regado de claras, & cxcellemcs aguas, povoado de
diverfas
$66 INTRODUZAM.
di verfas arvores , em circuito de quaíi três legoas deolí-
vaes , vinhas, pomares , & foutosdecaftanha , & bravio pa-
ra madeyras , retalhado de aguas , que brotaô duas mil fon-
tes em feu contorno. De inverno he fria, mas naõcomde-
mafia ; & de veraõ naõ he mfoportavcl com os calores do A-
lentejo, porque eftes os tempera o húmido do feu terreno.
He murada de muros fortes , fabricados ao antigo ; fuás ar-
mas faõ duas torres. He terra de grande trato de panos, taõ
excellentes como os de Londres , que a fazem rica, & abun-
dante. Sublimou-a ElRey Dom Joaõ o Tcrceyro à digni-
dade de Cidade ,alcançandolhe juntamente do Summo Pon-
tífice Júlio Terceyro, a erigiíTe em cabeça de Bifpado, 8c Ca-
thedra!, como fez por Breve paiTadoa2.de Abrildoannode
iÇÇOcomo confta do fegundo Bullario daTorre do Tombo,
pag. 57. Foy feu primeyro Bifpo Dom Juliaó de Alva Hef-
panhoí, natural de Madrigalejo, Capellaõ mór da Rainha D.
Cathcrina , & depois delRcy Dom Sebafliaõ.
Amayorparte da nova Diocefis fefez das terras que
craõ do Bifpado da Guarda , com outras que pertencia© ao
Convento de Santa Cruz de Coimbra, Ficáraõ ao Bifpado
da Guarda todas as terras do Tejo para alem , & do Tejo pa-
ra cá a Portalegre ; a faber , a me fma Cidade , Caftcllo de Vi-
de, Marvão, Povoa , Montalvão, Alpalhaõ , Pente do Sor,
Margem, Lagomel,& Chancellaria, Alegrcte,Açumar, Ar-
ronches , com outras, & lugares de menos conta. Compõ-
emfe o feu Cabido de cinco Dignidades , fete Prebendas, &
feismeyas, com doze Capellaens, & outros minifíros. A
CatheJral edificou Dom Frey Amador Arraes, he das mais
perfeytas,de Portugal, com três naves,& treze Capellas ri-
camente ornadas, em que fobrefahe a mayor, que he per fey-
tiffima. Enriqueceo efta Igreja Dom Julião, íeu primeyro
Bifpo/^que eftá fepultado no plano da Capella mór)de ricos,
& euftofos ornamentos, de muyta quantidade de prata , & de
outras peífas demuyco valor , que fervem nos Pomifícaes,
cm
Livro W. Titulo I. 3^7
em qoc entrao muvtas guardas, bolfas de corporaes, & pa-
las bordadas de curo pelas mãos da Rainha Dona Catheri-
na A aílim mais huma fenrofa relíquia do Santo Lenho^om
outras de vários Santos , & hum porta paz de ouro.
TITULO I.
Da Imagem de Santa Maria doCaftello, Venerada na
Convento dos Agojlmhos Defcakos.
QUafi todos os Padres daõ a Maria Santiflíma o titulo
de Caftello, porque he efla Senhora a que nos defende,
ampara , & nos afícgura de todos os combates de noífos ini -
migos,cuja íítuaçaô he vallada de híí taô poderofo muro,quc
todos os q fe acolhem a ella , naõ tem q temer os mais cruéis
inimigos: CaHellum muro undique Vaílatum ( diz Anfelmo.) j» jnm
Heefte muro formado de piedade , clemência, & amor, cujasy?/**,
portas nos franqueaõ a gloria , que he Maria a Porta do bom. in
Ceo, Torta C<eli-7 porque ella no las abrio quando eííavaô fe- E**»g.
chadas, & o tempo em que no las abrio , foy quando illuf- Lhc.iqI
trou a terra com feu nafeimento ; com que com muyta razaô *ern* .
daõ os Santos Padres à Senhora o titulo de Caftello,& de fe~ **™
guro Caftello, pois fugindo para elle , podemos naõ fazer J^
cafo dos mayores inimigos. 'jticard.
Em o coração da Cidade de Portalegre fe véhoje fun-^»#*
dado o Convento de Santa Maria do Caíiello de Religiofos Laur.
Agoftinhos Defcalços,cu ja fundação foy feyt 1 a 1 4»de Mar Credit:
ço do anno de 1673. porque nefle dia fe tomou a poífe , & Sert3*
diíTeaprimeyra MiíTao Padre Frey Fcíippe de Santo Agofli ftrnt*f,
nho, que foy o Fundador, & o que lhe deu principio. Eíla^^^
Ca(a he muy to antiga ; porque ja do tempo delR^y Dom Di- *
nis confia , que era Priorado do Meftrado de Avis, porque
nelle nomeou eíte Rey pelos annos de 1 1 00. pouco mais, oá;
0:enos
3 68 Santuário Mariano
metias a Frejr Jaaõ em Prior da mefma Cafa , fendo Sacriflaõ
do Convento de Avis por provimento, que nelle havia feyto
o Meftre Dom Lourenço Aff info ,como refere Brandão na
Monarchia Luíitana part. ó.lib. i8.cap. 57. ConíU mais,
que o uítimo Vigário , que ouve na me ima Cafa { fem duvida
íe reduzio depois a Vigay raria,) foy Fr. Jotó Rodriguez,c]ue
ofoy nelIa^6-annos,&morreono de 1586. aqueafíiliioa
mayor parte da nobreza daquella Cidade , & ofeu Governa-
dor, o que fe vé de hua fepultura, que efiava na mefma Igre-
ja , & fe tiro j em Março de 1 691. que eu vi levantar. Eíía I-
greja era a Fregueíia mayor, ou a Matriz da Villa, & quando
ElRcy DomJoaõoTerceyro afublimou àdignidade de Ci-
dade , a tomou para Cathcdral , fe bemos Prelados daquella
Sé fizeraõ eícolha de outro melhor , & mais largo fitio para
a fabrica do novo Templo , que erigio de excellente fabrica,
& architedtura feu primcyro Bifpo Dom Julião de Alva, co-
mo fe vé de huma infcripçaõ , que eílá fobre a porta princi-
pal, que dizaílim.
Cvptt hoc Templum extruian. Tini 1556.
Ficando a antiga Im3gem da Senhora doCaítcllo em a mef-
ma Igrep , que depois oceupáraô os Padres da Companhia,
de donde fe melhorarão para outro fitio,& depois delles en-
trarão os Padres Agoftinhos Defcalços. He efta Santa Ima-
gem de pedra,fará de alto coufa de quatro palmos,efiá afTen-
tada como Menino JESUS , também aífentado em feu rega-
ço. Também fazmençaõ da Senhora do Caíkllo Jorge Car-
doío no feu Agiol. Lufit. tom. g. pag. 248-
TITULO II.
Da Imagem de nojfa Senhora da Efperawa.
Intavaó os Romanos, ou infeulpiaõ em fuás moedas
huma Ninfa com hum itrio na mão direy ta , & huma le-
tra
p
Livro W.Tttuto II. '3*9
tra que dizia : Spes publica, ou Spcs Auguíld, ou Spespopn-
U Romani. O que os Romanos Gentios fingiáõ de huma fe-
mentida d eofa, podemos nós com mais verdade pintar , &
infeulpirda Rainha dos Anjos, Maria Santiflima; porque el-
la hc acfpcrança publica , & a efpcrança de todo o povo
Chriflaõj&affim dizia André Cretcnfe faudando a efta Se-
nhora : 0 om?us fanffitatis Sancttjime tbrfaurel OLhriftiâ-
norum propugnaculum^ér propugnatrix eorumtfuiin tefpent
collocarutl 0'thefouro fantiffimo de toda a fantidadeSCpro-
pugnaculo dos Chriftãos , êc propugnadora de todos aquel-
ies , que em vós põem a erperança!
A Cidade de Portalegrc,dc que acima eferevemos, tem
afua fítuaçaõ cm os confins do Alentejo , ( Província bem
nomeada ) para a parte do Norte; tem cila junto a íi huma
Serra , que começa quaíi da Cidade para o Nafcente, para on-
de fe vay dilatando [ alguma coufa inclinada para o Norte , )
cm diílancia de pouco mais de legoa ; chama fe vulgarmente
a Serra de Portalegre ;mas melhor lhe pudéramos chamar, o
Paraifo de Portalegre ; porque toda cila , por efpaço demais
de legoa de largo, & perto de duas de comprido , cflá po*
voada de arvoredos frutíferos, &íilveflres, & dividida em
quintas de muyto regalo, aonde fe vem muytos foutos de
caftanha,& outros, que naõ fervem mais que para madey ras,
mas de grande rendimento , & taõ fechados , que lhe naõ en-
tra nelles o Sol. As fontes faõinnumcraveis,& de aguas taõ
claras, Scexcellentcs , que as naõ ha melhores cm todo o
mundo , que recolhidas em tanques de regalo, fervem não fó
ao gofto, mas à conveniência ,com que feregõ os pomares
das melhores frutas do Reyno. Delias fontes fe formaó três
caudalofas nbeyras, de grande rendimento , & comodidade
para os moradores da terra 7 como fe pode ver no Bifpo Ar<$
raes.
No deftrito defta Serra ha duas Igrejas Curadas) a pri-
roeyra he dedicada a noffa Senhora da EfperabçM fegunda a
Tom. III.. Aa Saõ
37* Santuário Mariano
Saõ Gregório Magno, ambas de muy ta antiguidade ; mas a
principal [ & a que faz ao noffo inOituto , he a da Senhora da
Efperança , Cafa de muyta romagem, & concurfo , princi-
palmente da mefma Cidade. Neíia Cafa da Senhora aífiftiraõ
em feus princípios ( quando fundaram em Portalegre} os
Padres da Piedade,quc f oy no anno de 1 522. mas porque lhes
ficava muy to diftante da Cidade , & o lugar era doentio, fc
mudáraõ para o fitio, emque hoje eífoõ,que fica muy to mais
ptrto da Cidade. Nefta Cafa receberão cia Senhora grandes
favores aquelles primitivos Padres , queviviaôna fua com-
panhia muy to alegres, & fatisftytos , porque o feu fervor
lhes fazia abraçar os rigores, & fugir a communicaçaô das
gentes. Hum deftes foy Fr. Thomé de Portalegre , & o ou«
iro Fr. Pedro do Souto.
Efla Cafa da Senhora hc antiquiffima , como affirmao
Author daBencdidina Lufitana,& o feu íitio cflá movendo a
devoção j porque fica em a quebrada de dous montes , cerca-
da de fermofos caftanheyros, que ainda fazem o lugar mais
frefco,&aprazivcl. A Imagem da Senhora parece fer de ro-
ca , porque hc de veftidos ;a fua eflatura fera de pouco mais
de quatro palmos, tem a cor trigucyra,em que fe reconhece
a fua antiguidade , o roflo redondo, ss feyçoens groífeyras,
os olhos bayxos , & as mãos levantadas. Naô ha noticia de
quem fundou aquella Cafa , nem fc a Senhora appareceo na-
quclk lugar, femente confia que aquella Cafa hc muy to an-
tiga-
Aqui a efla Ermida fe retirou o fervo de Deos , o Padre
Manoel do Rego , de quem efereve Jorge Cardofo no íeu A-
giologio, que em habito de peregrino fazia alli vida Ange*
liça em companhia do Ermitão, fuíkntando--c da limitada
efmola da fua MiflTa, baftante fubfidio à fua muy ta mortifi-
cação. Aqui recebeo grandes favores da Rainha d< >s Anjos
Maria Santiíli ma, efperança noíTa, & no cabo de dous annos,
defejofo de padecer por Chrifio , fe afafíou mais da íua pá-
tria
Livro IV. Titulo III. 371
pátria ,&foy a viver entre os pobres doHofpital de Valha*
dolid, como ornais pequenino delles, exercitando-íe na-
quellaCafa emmuytos ados de caridade, & de humildade.
Da Senhora da Efpcrança eferevem Jorge Cardofo no feu
Agiologio Lufitano tom. 2. pag. 269. Frey Leaõ de Santo
Thomas na lua Benedi&ina Lufitana tom, i.p.^.trat.rcap.
1 5. & o Padre Monforte na Chronica da Província da Pieda-
de liv. 2- cap. 54. ,
TITULO III.
T>a milagrofa Imaçem de nofa Senhora da EftrelU da
Filia de MarVaÕ.
TOdos os filhos da Igreja , & todos os Santos invocaõ a
Maria Santiffima pela fua Eftrella; porque fema Eftrella
de Maria naõ fe podem nunca fegurar grandes felicidades*
Por iíTodiffc Gefelberto ,que Maria era a EftrelU , que nos
guiava ao feliz porto da gloria: Stella, cujusduftu adTa* OefitU^
trtamtransfretamus. Sempre Maria foy Eftrella para nós AlmU
porque ellahe aquenosdifpenfa aslu2cs, &nos livra das synAí%
obfcuridades. A huma Imagem do Cco,que fc intitula Efpi- £CCier
ga da Virgem, Spica Virginu^ aflinaa Aflrologia vinte Ef- €a~ ^
trellas que a veftem, com duas grandes,que a calçaõ* Nefte
numero de vinte fe compõem afuâ celefle Imagem. Atéo^"*
nome de Virgem que tem efta EftrelU * declara , que hc Ima- Ue A^
gem de Maria , pois tem efta a feus pés duas grandes Eftrel- P*r4^
las ; porque os pés reprefentaõ ospaffos, &nos paflbs de
Maria fe vem duas Eftreílas infignes. Os paffos de todos os
mortaes faô dous,hum para entrar no mundo, & outro para
fahir do feu defterro. Na conceição dos homens fe dá o pri-
meyro pafifo para entrar; quando morrem, fe dá o ultimo pa-
tâ fahir, Maria Santiffima tem tanta Eftrella ao entrar , co-
* Aa z mo
3 7 * Santuário Mar iam
rcoaofahir; porque fe íahio do mundo para pizar Efirellas,
entrou no mundo desfazendo-. &deílruindo asnoffas fom-
bras , pizando luzes.
He Marvaõ,ouoftumontuofo íitio, hum braço da-
quella dilatada Serrada quem daõ o titulo deEflrelIa,(que
cnnobrece a Província da Beyra ,) nefle íitio da Provinda
do Alentejo moflra as meímas qualidades, que oitenta na fua
primey ra origem.Com eílas con ferva ncíía parte o brazaõ de
feu antigo nome, Herminio>quc hoje eílá viciado em Mar-
vão; mas ainda menos cceulto nos vefligios da famofa Ci-
dade de Mcdobriga , que apparecem nas faldas defte monte,
como titulo deHaramenha, porfuacontemplaçaô,&rcfpei-
to. Sobe Márvaõ ( que querem muy tos o fundaííem os anti-
gos Erminios da Serra da Eftrella, 44- annos antes da vinda
de Chrifto ao mundo.Tambem Rodrigo Mendes da Silva diz
nas fuás Poblaciones , que pelos annos de 770. hum Mouro
Senhor de Coimbra chamado Marvão o povoara , & lhe dera
onome,&queElRcy Dom Dinis lhe fizera o caftello, ) por
cfpaçodemcyalegoa, fendo dehciofo, & ameno competi-
dor do monte Pindaro de TheíTalia, que tanto cançou os dif-
curfos dos Poetas nas defcripçoens das agradáveis primave-
ras. Epódefer , que cíle lhe leve muy tas ventagens naef-
peciofidade das plantas,& na copia,& exceflencia dos frutos,
produzidos com o alento que lhes communicaõ diverfas , &
numerofas fontes. Com efles dons, que lhedifpenfou a na-
tureza liberal , chegou a huma fubhmidade taô grande , que
delia fe defcobre a Serra da Efirella , & das partes de Caftei-
la os altos montes deBejar, parecendo efles pela diítancia,
&os circumvizinhos pela inferioridade, valles humildes,
quando faõ contemplados de fua grande imminencia.
Na meya ladeyra, pois,dcfte monte, da parte do Orien-
te, fevé o Santuário de N. Senhora daEilrclla ,£Ílifíida,&
fervida dos filhos do Serafim Francifco , a quem logo o Ceo,
quando manifeítou efía Eílrella aterra, parece que osaffi-
nou
Livro TV. Titulo HL 3 73
nou por feus Capellaens , que iemprc com cuydadoía , & af*
fcétuofa devoção a ferviraõ. Foy prodígio fa a manifeftaçaõ
defta Sacratiífima Imagem , a qual fe refere mais pelas tradi-
çoens , do que por teftemunhos authenticos, ou eferituras.
Dizem que na perda de ElRey Dom Rodrigo , o ultimo dos
Godos ,& na entrada dos Mouros cm Efpanha , vendo os
moradores de Marvaõ , que naõ podiaô efeapar ao feu furor,
& barbara crueldade , fe rcfolvéraõ a paflar para as Afturias.
E porque naõ foíTem uf trajadas,& maltratadas as Santas Ima-
gens, que veneravaô , ja que as naõ podiaô levar comíigo;
refolvéraõ de as efconder.Entreeílashuma de noffa Senho-
ra , que tinhaõ em grande veneração, a efeondéraõ em huma
lapa, que havia em hum grande penha fco formado dehuns
grandiflimos penedos , femelhantes em tudo aos que vemos
na Cafa denoflTa Senhora da Lapa do lugar de Quintella em
o Bifpado de Lamego. E aflim como eíla Santa Imagem con-
ferva aquelle nome, porcaufa do lugar em que femanifef-
tou; a (fim a Senhora de Marvaõ tem o titulo da Eflrella,poí
refpey to das luzes com que appareceo-
Nefte lugar efleve a Imagem da Senhora efeondida , até
que Marvaõ , & as mais povoações da Província do Alente-
jo,fereftauráraõ de todo,do poder dos Bárbaros. Reftaura-
do Marvaõ,fe manifeflou a Senhora neíta forma. Vigiava hu
devoto, &venturofopaftarinho o feu rebanho entre es af-
fombros pavorofosda noyte,(obrigaçaõ do officio,& exem-
plo dos paftores) quando começou a lograr hua copia da fe-
licidade q tiveraõ os de Belém , & fe naõ vio aos Anjos com £w. *
armonicas melodias, admirou a Rainha delles entre coros 8t $•
dejefplandecentes luzes. Mas como nas primeyras viflas
naõ comprehenddfe o prodígio, foy ( paliando alguasnoy-
tes) ponderando, que feria algua Eíírella, fuppoftoquca fua
grandeza deímedida,junta com a vizinhança do íitio,o fizef-
íèm variar doconceyto,attribuindoJ3amyfterio íoberano,
aquillomefmo que naõ julgava pormyflerio. Continuou a
Tom. III. Aa 3 vifao
3 74 Santuário Mariano
viíaô , & applicandoo paílor mais o diícuríò, entrarão ncllc
osafíòmbros, junto comos defejos- E querendo fahir das
perplexidades , & regiílarcomosfcus olhos aquellas ref-
plandeceníes luzes , tomou a reíoluçam do cutro Paftor
~x , Moy íes, determinando-íè a efpecular os incêndios de huma
* Çarça, que fendo figura de Maria Santiífima, eraõ verdadey-
ramentcdehuma Çarça os Iuminoíòs incêndios.
Affim o reconheceo o noíío fervorofo paftar > porque
fubindo ao aito do íitio > com a direcção da mcfma luz , che-
gou aos penhafeos, 8c regiftando , por entre brenhas, & pe-
nedias ruílicas í que dentro fe mofírava huma Imagem de
Maria Santiífima, verdadeyra luz das direcções, cercada to«
da de reíplandores , naõ fe atreveo a entrar , levado do ref-
peyto ; mas demarcou o íitio , & de manhãa foy dar parte do
thefouro,que defcubrira,& a chamar os moradores daquella
Villa. Concorrerão eftes todos alegres , & alvoroçados , &
acharão a Imagem da Virgem Senhora. Poftráraõ-fe reve-
rentes , dobrando os joelhos em terra , dandolhe as graças
pelo favor que lhes fazia naquclle feu milagrofo appareci*
mento, que prognofticavaô feria para grande bem de toda
aquella terra, & aíTimdifpuzeraõ, para haverem de a melho-
rar de íitio, huma prociífao, & nella com grande feíía , & jú-
bilos de alegria a leváraõ > & aforaô collocar na Igreja da
fua Parochia.
No dia feguinte concorrendo todos a venerar aquella
foberana Eftrciía , novamente appnrecida nnquelles feus ori-
zontes,naõ a puderaõ ver^de que ficáraô muy to magoados, &
fentidos, como fuecederia aos Magos, quando fe lhes efeon-
deo a me (ma , que os guiava. E coníiderando aonde fe lhes ef-
conderia , recorrerão outra vez à lapa , que por tantos an-
nos havia íidodepofitaria de tantas luzes. Nclla a defeubri-
Tâo> porque os Anjos inviíivelmente ahaviaõ rcitituidoà
fui lapinha. E quando defla fuga da Senhoía fe deviaô dar
por entendidos aquelles moradores , para que logoàviíta
delia
Livro W. Títulolll. 375
delia lhe fabricaffemaílimeímohurna ErrriJa ,onaofízeraõ,
fénaõ quefegunda , Stterceyravez aleváraõ para a mcfma
Igreja» Mas como a Senhora declaraffecomeflas myílerio-
fas fugas o grande amor, que tinha àquelle lugar,& que por
fer muyto do feu agrado, nelle queria fer venerada, fe refol-
véraõ , ajudados dos povos circumvizinhos , queá fama da
maravilha concorrerão, a lhe edificar aliíhua Igreja. E por-
que a Senhora foíTe melhor aííifh da, por foberano deftino
deliberarão entregar aCafa a alguma dasReligioens deftc
Reyno 5 julgando, que fóafíim ficaria a Senhora bemaífifti-
da , & ajuftáraõ foffe à dos Menores. E foraõ os Clauflraes,
queeraõ os que cntaõ floreciaõ naquelle tempo em toda a
Efpanha.
Qual foffe o anno deíla invenção miracu!ofa,na6 he fá-
cil de defcubrir;masfeconfultarmos a Bulia da fundação do
Convento , acharemos nella, que naquelles tempos mcfmos,
em que fe paffou , refplandecia o foberano Afiro de Maria
com milagres contínuos > & prodigiofos: HtstempoyibusM
como logo no feu apparecimento tiveraõ principio, pode-
mos conjedurar, que entre hua, & outra coufa,naõ fe mete-
rão muytos mezes de permeyo. Demais, que ainda efta Se*
nhora (comodeclaraõ as mefmas letras Apoftolicas) nam
tinha Igreja, nem Oratorio,ou Ermida , em que foffe venera-
da: TSLec Ecclefia , nec Oratorium futidata confpiáuntur. E
naõ he de prefumir da piedade Catholica, & fervorofa devo-
ção dos Portuguezes para com efta Senhora , defcançaíTc
muyto tempo,fem fazer Igreja,em que foffe colloeado àquel-
le fantiílimo retrato de Maria Senhora noffa. Em quanto fc
naõ fez o Convento, efbria a Senhora em algum tugúrio/i»
nho , ou edicula de taboas , ou na ília mefma lapinha ,que lha
comporiaõ no entretanto , que a Igreja fe edificava ; m3S
fempre obrando prodígios innumeraveis , como diz a mefm^
Bu!ia: Vene tnntvnerabiiía^o^o^^ attrshiaõ infinitos devo-
tos, naõ fó de Portugal, mas dos ReynosdeCaíieila. Huns
Aa 4 afup-
17 & Santuário Mar iam
a íupplicar mercês , outros a dar as graças , pelas que tinhaô
coníeguido, óc todos a pafrnar na evidencia de novos por-
tentos.
Affím fe experimentou por muytos annos ; mas hoje ef-
tá em parte taõ fufpenfa a perenidade de íeus favores, como
vemos em outros muytos Santuários milagroíòs: &bem
podemos julgar, queamayorcaufa, porque feeftancaõ as
fontes dos benefícios celeííes , nafee deíe apagar a fede da
devoção nos coraçoens humanos , pois afllm como a fé os o-
briga , também a nofTa tibeza os fufpende.
Efíamefmacaufa>quenosimpedio as maravilhas pre-
fentes , devia fer a que nos fepultou a memoria das pafTadas,
que fendo taõ illuftres , (como ainda a fama confufamente
notifica) nos parecerá quenaô poderiaõ fer totalmente cf-
guecidasfemmyíterio,&aflim o havíamos de prefumir , fe
cites milagres naõ foraõ benefícios feytos aos homens, aon-
de corre parallelo a recepção da graça , & extinção da lem-
brança. Se foraõ cafligos , tal vez que permanecefíem fuás
noticias , & naõ fabemos fe por eíta razaõ fe confervaõ as de
hum fó mi lagre defla Senhora > por fer nelle remédio de hu^
ma affliçaõ terrível.
Noannode 15*1. ardia no Alentejo com os incêndios
vorazes da pefte, a Villa de Calkllode Vide. Eraõ tantas as
mortes, que os vivos fe admira vaõ de ter vida. Aílim corre-
rão féis mezes , de Mayo até Outubro , naõ íe ouvindo em
Ioda aquella povoação huma fó voz alegre. Mas como por
diaõ entrar finaes de alegria , aonde tudo eraõ clamores fu-
Heíios, & gemidos triftes ? De huma parte fe cuviaõ prantos
pelos defuntos, de outra fe laftimavaõ os mefmos enfermos,
fc entre todos anda vaõ efpavor idos com temor os fios;exco-
gitavaõ eltes, remédios opportunos , com que fe atalhaíTc a-
quellemalcalamitofo, & defenganados de que os terrenos
naõaproveytavaõ , por naõ terem a cfficacia pertendida , fe
refolvéraõ a implorar o milagrofQ foccorro da Senhora da
" ' ■ •■ Eflrella
Livro IV. Titulo HL 377
Eflrell*; E a noflb ver foy fuperior o impulfo ; porque ja o
Omnipotente tem moftrado , que hc Maria Santiflima reme- ^enz^
dio da pefte da terra, lendo invocada com o titulo de EflrelJa Pt /
do Ceo. Chegado o primeyro dia de Novembro , formarão pr0Vm
o Provedor, & Irmãos da Mifericordia huma prociíTaõ fo Pcrtug.
lemne, com todas as peífoas que apparecéraõ, entre asquaes Monfy
hiaõ muytas fazendo varias, & ngorofas penitencias ; mas
todos deícalços , &defla forte caminharão duas legoas, até
ehegarem à Igreja da Senhora- Fizeraô todos oraçaõ na pre*
fença daquella foberana Eftrella de Maria , com devotas la-
grimas, & cantada huma MiíTa, (que naô ouve mais detença)
andava a May de Deosem Caftello de Vide apagando o con-
tagio. Pelo q no fim do próprio mez o Juiz, & Vereadores, &
povo, fizeraô fegunda prociíTaõ , rendendo as graças à Vir-
gem Santiflima , por lhes alcançar defeuamorofo Filho taô
ampla mifericordia, & deyxando huma fedula autentica,que
cer tificaíTe a maravilha , voltáraô-fe dando huns aos outros
os parabéns , & à Senhora da Efirella os vivas.
Sobre a antiguidade defte Convento, dizo Padre Gon-
zaga , que naõ fabe o tempo em que fe fundou : & Vvandingo Gç»*>l
nos feus Annaes da Ordem Seraphica, ainda que tem a mefma P*r**\
incerteza , declara o annoemque fe paffou a Bulia , que foy f'im
no de 1448. &aflim fegundo o difeurfo que nefla matéria ,<,ia?
faz o Padre Frey Fernando da Soledade na fua hifloria , di-
zemos, que defejando os moradores de Marvão collocar cm
domicilio próprio a effigie da foberana Emperatriz,què habi-
ta em os celeftes Palácios da eternidade, em trono de luzes
*naccffiveis,& juntamente querendolhe dar na terra minif-
tros,que correfpondeífem aomencstm oncme?os qave-
neraõnoCeo , aíTemáraõem fundar hum Convento da Or-
dem Seráfica , no mefmo lugar ,em que tinha apparecidoa
Senhora ,ou perto delle. Concorriaô todos neflacmpreza
fanta com grande , & fervorofo animo ; mas o primeyro mo-
vei i que defpcrtava a piedade commua com os clamores do
exem-
3 7 8 Santua rio Mariano
exemplo , era o Infante Dom Henrique filho delRey D. Joaô
o Primeyro , o qual confliíumdo-fe cabeça do devoto Con-
greííò, fez fupplica em nome de todos ao Papa NicolaoV.
pedindolhea licença neceflaria para a fatisfaçaõ de feus vir-
tuofos deíignios. Elle aconcedeo fem alguma repugnância
em 5. domízde Junhodoannode 1448. mandando remeti-
da a fua execução ao Vigário geral do Bifpado da Guarda,
Mem. { <]ue naquelle tempo chegava áquella Villa ) brevemente te-
d*Provt ve o feu defejado effey to. Os mefmos que procurarão o Con-
do* 4lg. vento, deviaõ fazer as obras, para as quaes também concor-
M- 2. reriaô as efmolas particulares de cada hu , qferiaôcopiofas,
f*f*7* como entendemos por hua Bulia do Papa Júlio III. na qual
fevé que ainda noannode i550.eraõcopiofas, & frequen-
tes. A Igreja bem moftrava o empenho da devoção pela fua
grandeza , & fumptuofidade ; (que hoje fe vé renovada co-
mo diremos ) amefma participou o Convento, que era ca-
paz de vinte & cinco, ou trinta Frades, os quaes naõ tarda-
rão rnuy to em o ir povoar , porque a onze de Abril de 1 457.
ja Frey Álvaro de Almada, Guardião afíual do Convento de
Santarém, andava negociando o traslado de huma Provifaõ
jinh. delRey Dom Affonfo Quinto, para o inviar (como dizoEf-
deS. crivaô) aos Frades, & Convento de Santa Maria da Eflrclla.
Franc. Adevoçaõque naquelles tempos tinhaõ todos à Máy de
Ghim, Deos> & Senhora da Eflrel!a,era couft notável, porque des-
de os Pontífices , & Reys , até o paflor mais pobre , todos
eraõ feus devotos, Choviaõ fobre os moradores daquelle
Convento as indulgências em grande abundância, & a pou-
co curto logravaõnelíe as graças dos que vifitaõ as Efta-
çoens de Roma. Também os Confrades da Mãy de Deos
confeguiraò de Paulo IV. eflemefmo favor , o qual lhes co-
municou o Cardeal de Santo Angelo, Raynuncio Farneíio, a
,5. de Fevereyro de 1 556. & porque naõ ficaffem íem premio
aqueiles, quevifitavaõa Igreja da Senhora |da Eflrclla, t8m-
fceinfecxtendéraõ as graças a todos os que aílifliremnelía.
Os
Livro IV. Titulo III. 3 79
Os Senhores Reys deite Revno naõ quizeraS ficar de fora
nos lances da piedade Centre todos avultou muyto a de-
voção delRey Dom João o Terceyro , & feu neto ElRey D.
Sebaíliaõ , 8c naõ menos a grandeza de Felippe o Terceyro,
que lhe fez repetidas efmolas- Todos entravaõ com animo
generofo nefte commercio dacharidade. Mas ainda affim,
naõ foy poderofo o exemplo Real , para modificar o eípirito
inquieto de alguns Parochos, osquaes vendo que os fre-
guezes fugiaõ das fuás Igrejas , por aílíftir na da Senhora da
Eftrella , os obrigarão a ouvir Miffa nellas , & a outras pen-
focns , de que efbvaõ ifentos , por contemplação dos privi-
légios da Seráfica Ordem ; mas não lograrão o defignio, co-
mo fuccede a muytos,que fazem conftrangidos,o que pcdiaõ
obrar como bem inclinados.
Os milagres , que a Senhora obrou, ja diíTernos, que em
feus princípios naõ fe podiaõ reduzir a nurfleroj hoje nos que
com verdadeyra fé 3 &devoçam bufcaõ aeíte fobcranoAf-
tro de Maria , fç reconhece a enchente de mifericordias,(]ue
nelles influe- He por todos aquelles deíiritos muyto amada a
Senhora > & todas as vezes, que fe ouvem as vozes dos Fra-
des, quando pedem para o feu Convento, nenhum ha que
não acuda logo com a fua efmola ; & quando concorrem ou-
tros peditórios, a efmola para os Frades da Senhora fempre
hemaisaventajada. Ainda aopreíente concorrem muytos
dos povos , naõ fó os circumvizinhos , mas ainda os diftan-
tes , & de Caftella , no tempo de paz , também vem muytos*
No tempo deíRey Dom Affonfo o Sexto } em que as
guerras de Portugal/* Caftella andavaõ mais acefas, vinhaõ
muyras vezes os de Alcântara, junto a Marvão, às pilhages,
fcalguas vezes vierão para faber feachavaõ acsnoíícsdef-
cuydados. Como o Convento fica fóra da Viila;& cm parte q
nâo pode kr íoccorrido,nemdefeníiiciodella; ficava expof-
to aos exceífos dos foldados 3 fem embargo , «]tté a Senhora
fe fazia muyto temida , & refpeytada a fua Caía > & todos fu-
':* giaâ
380 Santuário Mariano
giaõ de obrar alguma coufa , em que a pudeíícm offender. A-
indaaílim emhuma occafíaõ intentarão osCafleihanos to-
mar a Villa de Marvão por interpreza, ou trayção machma-
da por a!gu , q moftrou fcr pouco amigo da fua pátria. E chc-*
gando depois da meya noy te , quando fe lhes reprcfentou , q
tinhão bem lograda a fua diligencia , repentinamente lhes a-
manheceo,oufeanticipou odia. Enefte tempo tocarão os
Religiofos os finos, oudoCeo mandou a Rainha da gloria
aos feus Anjos, que elles tocaíTem a rebate. Ncfte tempo re-
conhecerão as íintinellas o inimigo , & tocando-fe na Villa
a rebate, fugirão os Caftelhanos , naõ fó por reconhecerem
eraõ fentidos;mis cheyosde temor, de que fahiaõos de Mar-
vão no feu alcance a desbaratallos ; reconhecendo- feneík
fucceíTo , o muy to que a Senhora vela na defenfa daqucllc
feu povo.
Em outra occafião furtarão os Caííelhanos por traça
a Santiflima Imagem da Senhora , & recolhida em hum baul,
ou canaftrinha,a levarão para Valença de Alcântara, muyto
fatisfeytos , parecendolhes que com cfte furto nos faziaõa
mayor guerra , & dano que podião , & nos privavão da mais
vigilante fintinella. Chegados a Valença,& aberta a canaf-
trinha ou baul, não acharão nada dentro; porque a Senhora,
ainda quando não foflTe por de facato , mas por obfequio, naõ
permittio a apartaffem daquelle lugar , que ella havia enno-
brecido por tantos annos. E aflim , a pezar das íuas diligen-
cias , permanece na fua lapinha , em que fe manifcftou, para
remédio, Sr confolação daquelle povo de Marvão.
Outros referem efte fucceíTo de outra maneyra , & di-
zem quehuma Senhora grande de Efpanha , vindo nos mef-
mos tempos da guerra referida, ou antes delia , avifitar a-
quelle Santuário da Senhora da Eftrella, levada da grande
devoção que lhe tinha , mandara com induftria formar ou-
tra em tudo muyto femelhante, & que emhuma das yifitas
gue lhe fazia, a recolhera em hum baulzinho, que levava,
(kfz
Livro IV. Titulo III. 381
deyxando cm feu lugar a que mandara fazer. Eque quando
chegara à fua cafa ,cuydando tinha comíigo a Senhora da Ef-
trella, abrindo o baul, achara a fua faudade em premio do feu
atrevimento.
He a Igreja do Convento muyto grandc& novamente
fe fez de abobada, (o que não era antes, ) & fe acabou no an-
node 1689. ^ca com a porta para oOccidente, para onde
lhe fica a Villa , & a Capella mayor ao Oriente- A 'parte do
Euangelho em o cruzeyro fica huma Capella collateral com-
prida ,&efpaçofa , que corre também (como a Capella mór)
para o Nafcente. A'ilharga deita Capella fica huma entrada
cflreytacomo porta, (para a parte do Norte) aonde caberáõ
até quatro peflòas. Dentro defia entrada fica huma grade de
ferro, que terá cinco palmos de largo, quehe a entrada da
Capellinhada Senhora j que também corre para o Oriente.
NeflaCapellinha^que fevé muyto perfeytamente adorna-
da, & as paredes revertidas de azulejo, efiá collocada a Em-
peratriz da gloria , a Senhora da Eílrella , que he muyto lin-
da. Tem de alto dous palmos eícaçosj hede preciofaefcul-
tura, lavrada em pedra, & na graça ioberana quemoírra,eftá
di zendo com grandes e videncias,que a obra não he humana,
mas Divina , porque mais parece obrada pelas mãos dos An-
jos, do que pelas mãos dos homes; porque fó aqueíles podião
expreíTar tão grande m3geílade,& foberania.Tcm em os feus
braços ao Menino Deos .que ainda que he pequcnino,fegun-
do a proporção da Imagem da Mãy SantiíTíma,efíá com muy-
ta graça attendendo para os q entrao a adoral!o,& a lua San-
tiffimaMãy. A's ilhargas defla pequenina Capd!a,ou lapinha
fe vem duas alampadas de prata pequenas , (que não foy pcf-
íivel poderem fer mayores,naquclle efírcyto lugares quaes
fempre ardem diante daquclla rutilante Ffrrcila de Marb,
- Depois de ter eferito nefte titulo o que pude dos
principi os de nolfa Senhora da Eftrelía do Minorka Con-
vento da Villa de Marvão > fe me remeteo humainquiriçam
de
3 S i Santuário Mar iam
de varias teftemunhas,tiradas pelo muy to Reverendo Guar-
dião do mefmo Convento , o Padre Frey Miguel de Sam Jo-
feph , & pelo Padre Frey Manoel do Rofario , cm que depu-
zerão varias maravilhas, & milagres, que a Senhora havia o-
brado, muytos dos quaes obrou Deos pela interccffaõ de fua
Santiflíma Mãy ,& alguns na occafião em que os Caftelhanos,
&Francezesfefizerãofenhoresdaquella Praça , na intrufaõ
do Duque dcAnjou ema Monarchia de Efpanha, dos quaes
fucceflbs referirey fó tres ; feja eíle o primcyro.
Em hum Sabbado domez de Junho do anno de 1705.
fuecedeo que hum Capitão ,que naquella Praça eftava de pre-
fidio,vendo que os notías fc chegavão para a haverem de ref*
taurar, atacou o fino % que havião tirado doConventoda Se-
nhora da Eilrella , para lançar , como morteyro , contra 0$
noíTos alguma bomba , ou balas , parecendolhe que aílimeo*
molhsfuccedéra bem com o fino da Igreja Matriz da mef-
ma Villa , que também carregou , & atacou , fem ter perigo,
queomefno lhe fuecederia com o da Senhora daEftrella;
mas não foy aííim ; porque efte arrebentou , & fc fez cm pe-
daços , & com hum dcllcs perdeo a vida o Capitão , pagando
o p^uco refpeyto , que teve às coufas, que erão da Cafa , 6c
culto da Senhora. Eafliftindo junto aellemaisdecincocnta
foldados, todos os mais pedaços do fino forão pelos ares,
femoffender a nenhum delles , & hum fó que ficou alh , foy
o inftrumento do caftigo do mal advertido Capitão. Efte fuc-
ccíTo fe attribuío a caíligo da Senhora da Eftrella , que nam
confentb , que com o fino da fua Cafa fe pudeffc obrar cou-
fa,com que os Portuguezes,quc com tanta devoção,* & reve-
rencia a fervem , & venerão, fofíem oflfendidos.
No anno referido de 1705. fc diz também , por fé de
hum João Peres Caleyro .que indo os noíTos, mandados pelo
Conde de São João , a reílaurar o Convento da Senhora da
Eftrclla em oprimeyrodiadejulho pela meyanoy te, tem-
po em que os calores faõ mais exceffívos , & feflDfe yer , nem
cfpc-
Livro W. Titulo HL 383
efperar alguma brandura, ou névoa , fuccedeo, que fshindo
as companhias do íitio da Fonte da Pipa, próximo ao cailello
da mefma Praça de Marvão , caminhando pela cofta na mef-
ma direytura do Convento , virão os Pay fanos, que guiavaõ
aos foldados, levantar fehuma névoa da parte do caftello até
às portas da Villa , fervindo a névoa como de impedimento,
& anteparo, para que os inimigos não pudeíTem ver a gente,
que caminhava em marcha para o Convento da Senhora >
nem a pudeíTem offender. E foy mais de admirar, que os mo-
radores da Villa naõ viraõ efla nevoa/enaõ da parte de fora,
que parece veyofó a impedir a vifla aos de dentro., para que
naõ pudeíTem reconhecer o que fe Arava fora \ & eils n. voa
também os noíTos a viaõ diflante de li. E he certo que fc naõ
fora com efle antcmural , & reparo , que padeceriaõ os noíTos
grande dano da mofquetaria; porque lhes ficava o Convento
muy to perto. Efla maravilha fe julgou por tal, & por efpecial
favor da Senhora da Eflrella,quc quiz defendermos quehiaõ
a reftaurarafua Caía. Depois que os noíTos efiavaõ jano
Convento,& foy fabido da Praça,íe defparou delia hua peíTa
de bala miúda , & dando as balas nas portas da Igreja , &
frontefpicio , achando-fc alíi alguns foldados , a nenhum
offendeo.
O Padre Fr. Jofe ph da Eflrclla, Sacriftaõ do Convento,
&CapelIinha da Senhora muytosannos, refere na mefma
inquirição , ( aonde relata varias mercês , & favores que a
Senhora fez a differentes pefíbas, ) que citando ellc affiflen-
te na Praça , no tempo em que eflava em poder do inimigo,
de donde hia ,com pcrmiffaõ, affiftir ao reparo do Convento,
& a dizer MiíTa à Senhora , & acender as fuás alampadas;fuc-
cedéra , que em hum dia lhe naõ confentira o Governador da
Praça , que elle fahifTe fera , como coflumava^ a dizer MiíTa,
6c a prover as alampadas da Capellinha da Senhora^ íuecc-
dendo o mcfmo nos dous dias feguintes , quando foy no
quarto , em que fe lhe permittio o poder acudir ao feu minif-
terio
384 Santuário Mariano
terio, achou as alampacia , naõ fóaccfas, mas com baftanfe
azcy te, O que fe teve por maravilha da Senhora», porque naô
erapoffivel,quepudeííem eftaraccfas tantos dias, fendo os
vidros pequenos, & que naõ levão mais azey te daquelle,quc
fe pode gaílar desde anoyteaté pela manhãa. Muytos ou-
tros fucceííos fe referem de faudcs milagrofas , em cafos em
que ja fe defefperava das melhoras/} que aSenhora pode mujr
bem fazer. O que deyxo por naõ fazer o titulo mais extenfo.
Da Senhora da Eftrcllaefcreveo Padre António de Vaícon-
cellosinDefcriptione Rcgni Luíitanb pag. 5$8.num. 12*
& o Padre Frey Fernando da Soledade nafuaHiftor. Será-
fica , parr. 3 . liv. g . cap. 4. & 7.
TITULO IV.
Da Imigem de nofja Senhora da 'íenba extra muros da
Cidade de Portalegre.
IOaõGeometra diz que Maria Santiífima he pedra ,ou pe-
nha , mas penha d jcc , ou pedra de mel: P< tra melle, (d efi,
Ce§m. (Serboflue?ts',porquc nos deu o doce fruto da vida , & aquelU:
inCat. Senhor que nos refgatou, & livrou da maldição, cm que
terder. no(fos payS haviaô incorrido, por goftar daquelle fruto, que
u Lm. ^cn^° faave a0 g°ft° A fermofo à vifla,lhes euftou a ellcs, &
' a nos tanto quechorar,Brque fentir,comos amargos que de-
pois experimentarão. Naõ fó he Maria pedra doce ao pala-
dar da aíma , mas fuave aos feus ouvidos, & ifto quando por
noffas ingratidões merecíamos caftigos. Na Cidade de Me -
gara fc refere que ha huma pedra taõ celebrada , que fe a fe-
rem com outra pedra,dá vozes como Lyra. Fazer às injurias
confonancia,& aos aggravos mulica fó o fabe executar a mif-
tica pedra de Maria Santiífima, pois quando os ingratos pec •
cadores Ihecorrefpondem ao feu amor com offenías, cila o
faz com favores } & finezas. Em
Livro IV Titulo IV. 387
Em huma altiífima Serra que fica junto à Cidade de Por-
talegre para aparte do Occidente, ie vé no meyo de fua al-
ta, & alcantilada fubida , huma Ermida dedicada àEmpera-
triz da gloria , Maria Santiífima , com o titulo de nofía Se-
nhora da Penha. Nome tomado daquelle íitio , cmqueefíe
Santuário foy edificado. Os princípios defta Santa Cafa ,&
a origem da Imagem Santiííima , que nella he venerada, ( que
íe entende fer fundada pelos annos de 1620. pouco mais ou
menos , fendo Bifpode Portalegre D- Diogo Corrêa , & ifto
confta mais pelas tradiçoens,do que por eferituras ) faõ, que
hum Ermitão Santo (que por peregrino na vida,o fazem tam-
bém , que feja eflrangeyro na pátria \ porém certamente era
Portuguez, & porque pela fantidade da vida cceultava o no-
me , & a patria,o tinhão por eflrangeyro , ) fizera neíle tem-
po hua Ermida muyto limitada, & que nella collocáraaquel-
la Santa Imagem. E não confia fe eíle a trazia comfigo,ou fe
a mandou fazer de novo. O que coníla com certeza hc, que
a Senhora começara logo a obrar maravilhas , & que à viíla
delias fe accendéra a devoção de forte,que por fer a primeyra
Caía muyto pequena , & limitada, ( como fica dito ) fe tratou
logo de fc lhe edificar outra mais grande, & capaz, como ho-
je a vemos , que he de muyto boa architedura , de abobada,
jcom íeu coro > & em íi muyto viftofa , pela linda traça com
que foy obrada. Tem a porta principal ao Naicentejtendo-a
a primeyra Ermida para o Meyodia.
O zelo de hum Corregedor da mefma Cidade de Porta-
legre, chamado João Zuzarte de Affonfeca, que depois mor-
reo em Lisboa Corregedor doCivclda Corte, auginentou
muyto aquclla Cafa , o qual com a fua fervorofa devoção ] de
tal íorte moveo a gente da Cidade , que todos concorriaõ
com as fuás efmolas, para que a obra fe fizcffe com mais pref-
fa. Elle mefmo, por dar exemplo } hia a huma fonte com hu^
ma quarta a bufear agua para fe amaflar a cal, & fua mulher,à
fua imitação, fazia o meimo , & aflirn à yiiia defte fervorofa
i Tom. III. Bb exem-
386 Santuário Mariano
exemplo, muy tas mulheres nobres hiaô a buícar os feus cân-
taros de agua, o que alegremente faziaô as mais. Até os
meninos da efcola fazÍ3Õ ir , & também ferviaõ no que po-
diaõ \ íegundo a ília capacidade. Deita forte todos trabaiha-
vaõ,hunsemtrazera pedra, outros a agua,outros emprei-
ta vão as fuás beílas para conduzir a cal ,6c. a área. Os pedrey-
ros também davaõ em cada fomana os feus dias. Mas neíles
tomava o Corregedor por fua conta odarlhes dejantar,in-
citando aos mais homens nobres, fízefíem omefmo emou-
trosdias.
Nefta forma crefceo a obra da Igreja , & fe acabou em
pouco tempo. Vários favores refere a tradição, fizera noíTa
Senhora ao Corregedor > em premio da grande devoção, &
íanto zelo, com que a fervia. Hum foy , que fazendo jorna-
da ( depois de acabar o feu ofício) com a fua familia,oefpe-
rava huma companhia de ladroens,para o roubar , & maltra-
tar ; mas a Senhora permittio que elles o naõ pudeíTem ver,
& aílim efeapou daquelle perigo.
Acabou-fe aobradeíla fegunda Igreja pelos annos de
1635. fendo Bifpo daquella Cidade Dom Joaõ Mendes de
Távora , que depois foy promovido ao Bifpado de Coimbra.
A Imagem da Senhora he muyto linda ; he trigueyrinha , &
terá pouco menos de três palmos de altura •, he de madeyra,
& de muyto boaefcultura, eflofada. Tem nos braços ao Me-
nino JESUS, que também he muyto lindo. Adornão-nade
ricos mantos de tela , & aflim a Senhora , como o foberano
Menino * fe vero coroados de prata. Eliá recolhida em hum
nicho fechado com vidraças , & com grande veneração* Efla
Cafa he annexa à Sé,2onde pertencem as offertas,que os Ro-
meyros , & devotos offerecem à Senhora.
O Ermitão Fundador daquella primeyra Ermida,quan-
dologocollocounellaa Senhora, começou a invocalla com
o titulo de Penha de França, à imitação da que em Lisboa ref-
plandece em maravilhas,que hum Ermitão chamado António
Simoens
Livra TV. Titulo IV. 3 87
Simoens mandou fazer , também à imitação da que fe venera
em Caíklla a Velha , que defcubrio Simão Vella em a Serra
de Penha de França. A de Lisboa fe venera em hum Con-
vento de Religiofos Eremitas de meu Padre Santo Augufii-
nho, da Província de noffa Senhora da Graça. Os quaes, pa-
ra que efta fua milagrofa Senhora fofle mais venerada, alcan-
çarão da Santidade do Papa Clemente VIII. hum Decreto,
para que nos Reynos , & Senhorios de Portugal fenaõpu*
dcíTe edificar Ermida alguma com o titulo de Penha de Fran-
ça, & por efle refpeyto tendo noticia da erecção da nova Er-
mida , que em Portalegre fe fundara ,para que a devoção da
principal Imagem da Senhora, que era a de Lisboa,fe nao mi-
noraffe , fe mandou por ordem do Núncio , que entaõ havia,
com cenfuras, que a Senhora de Penha de França de Portale-
gre fe invocaííe fomente , NofTa Senhora da Penha-
Efla Ermida deu pelos annos de 1 67c. & tantos o Bif-
po de Portalegre Dom Ricardo RuíTel aos Padres Augufti-
nhos Defcalços ,tirando-osdaCafade Santa Maria do Caf-
tello, & depois por motivos bem leves, lha tornou a tirar de-
pois de terem feyto baílante defpeza emfeaccommodarcm,
& aflim fe Voltarão outra vez às Cafas de Santa Maria ,q craô
fuás , por compra q delias ha viaõ feyto. Muytosfaõ os mila-
gres q fe referem q tem obrado» & cada dia obra,mas como fc
naõ fez grande memoria dellrs.nem ie autenticarão ,por eíTa
razão os mò refiro. Tudoifío (além da tradição confiantes
eu fuy ver nefta Cafa , & a venerar nella a Senhora da Penha#
, j !
TITULO V.
7)amilagrofa Imagem deno(f<* Senhora dos Milagres
da Filia do AJfumar.
Villa do Affumar efiá (miada em a Província do Alen-
tejo ', entre as Cidades de Elvas , & Portalegre, & def-
Bb 2 ta
A
388 Santuário Mariano
ta aonde pertence fica em diílancia de três legoas. Neíla Vil-
la he celebre o Santuário da Senhora dos Milagres , que he a
Igreja Matriz da mefma Villa , & única Parochia delia. He
efta Santa Imagem tão antiga , que fe naô fabe dizer nada de
fua origem,& principios,& fó fabem dizer os moradores da-
quella terra, que fempre refplandecéra em milagres , & que
antigamente tinha fomente o nome de San ta Maria,& que as
muytas maravilhas que obrava, lhe deraõ o novo titulo dos
Milagres. António deSoufa de Macedo nas fuás Excellen-
cias de Portugal diz , que depois que o grande Nuno Alves
Pereyra vencera aos principaes Capitães dcEfpanha ema
memorável batalhados Atoleyros , dos quaes alcançara hu-
ma gloriofa vitoria, pela grande devoção que tinha aeíia Se-
nhora,fora depois a pé,& defcalço à fua Cafa,a darlhe as gra-
ças pelo grande favor que lhe fizera , de lhe dar vitoria con-
tra feus inimigos, a qual attribuhio toda ao feu favor. Eq a-
chando a Cafa da Mãy de Deos profanada , defcompofla , &
cheyadeimmundicias, por haverem metido nella os Cafte-
Jhanos os feus cavallos , quando por alli paffavaõ-, lafíimado
fobremaneyra de femelhante impiedade , & irreverência ,&
cfquecido da vitoria pa(Tada,convertendo a fua gloria em la-
grimas^ fentimentos pelo que via , elle mefmo movido do
ztlo da religião* & do culto que fe devia à Mãy de Deos, co-
meçara logo a alimpalla, fendo o primeyro,que com fingular
humildade, & devoção, pegou das vafíburas, & mais inflru-
mentos da limpeza, com grande edificação de todos os que o
viaõ.
He cila Santa Imagem de roca, & aífim a adornaô ác vef-
tidos ; mas parece que antigamente era de efeultura , de que
deve ainda perfeverar o meyo corpo, por quanto tem o Me-
nino JESUS chegado aopeyto; a fua eíhtura faõ quatro
palmos,& meyo. Eflácollocadaemhuma Capella collateral
da parte da Epiflola,emhum nicho fechado com vidraças, ôc
anão defcobrem fenão com luzes, pela grande veneração
com
Livro IV. Titulo V. 3 89
com que fe deve tratar , Imagem tão maravilhofa. Feftejão a
Senhora em todas as fuás fellividades com Miffa cantada,
& Sermão ; mas a fua principal fefta, em que os que a fervem
fazem mais eftrondo , & apparato , hc em Outubro , na Do-
minga do Rofario. Tem muy tas graças, & indulgências efla
Caía , que lhe concederão os Summos Pontífices , & o Altar
da Senhora he privilegiado cm todos os dias do anno. Es-
crevem da Senhora dos Milagres vários Authores, & Chro-
niíias defte Reyno , principalmente os q eferevem do Con-
deftavel, Soufa de Macedo nas fuás Excellenciascap. 9. Ex-
cellencia 9. pag. 86. Fernão Lopes na Chronica delRey D.
JoaõoPrimeyro part. 1. cap- 95. & Francifco Rodriguez
Lobo faz efla oytava , & meya em o canto 9.
Defcalço,lagrimofo, & penitente,
j4 pé trtjlefe parte em romaria,
EemprocifaÕdeVota aforte gente,
J^uepara achar aVeos kVa tal guia:
Com bum animo humilde , & penitente^
Chegão ao Santo Templo de Maria,
^ueao A fumar cahio ditofo em forte,
Huma legoa dos muros de Monforte.
Onde atra^ muy tos afto s de humildade,
Mofirou aos feus exemplo proVeytofo;
J^ue quanto mais ofobe a dignidade,
A<Deos[e humilha mais hum generofo.
TITULO VI. *
Da milagrosa Imagem de N-Senbora aReíonda de Alpalhao.
NA Villa de Alpalhao quatro legoas diítante da Cida-
de de Portalegre, he venerada huma muyto antiga,
Tom. III. Bb Z fc
3 $o Santuário Mar iam
& devota Imagem da Virgem noffa Senhora ,comotituío da
Redonda , o qual não concorda coma fabrica 'da fua Igreja,
como a da Senhora da Redonda da Vil!a de Alemquer,àqual
fc lhe fez a Igreja rotunda y à imitação do Templo de Santa
Maria a Rotunda de Roma; ou fe a teve,fedeí}ruíocoma
tempo ; porque dizem também por tradição., que a Igreja que
hoje tem (excepto a Capeliamór ) hejafegunda: tanta he a
antiguidade delia Santa Imagem , & dos feus principies, &
a fua Capella morim que eitá, confirma a fua grande anciã-
nidade. E quanto à origem, & princípios da Santa Imagem,
referem os moradores daquella Villa, por tradição comi*
nuadade pays a filhos, fer eíla devota Imagem Angelical ,ou
apparecida milagrofamente , & que apparecéra no mefmo lu-
gar , aonde fe lhe edificou a primeyra Ermida, que ainda hoje
exiílc;ouaomenosaCapella mór , que por antiga querem
alguns com pouco fundamento, foffc obra de Mouros, o que
não pôde fer, porque efíes naõ edificarão Templos, antes os
arruinarão , & defíruiraõ.
E quanto ao apparecimento da Senhora,dizem algumas
peffoas antigas, fallando do modo que fora , que a Senhora
apparecéra emfonhos a humhomem da Amieyra, Villa do
Priorado do Crato,& que efle fonhára ,que no termo de Al-
palhaõ, junto à Ribeyra do Sor, achava huma Imagem de N.
Senhora, & que movido interiormente por Deos,fora àquel-
íe lugar (acompanhado fem duvida de outras peffoas,) & que
achara a Imagem da Senhora. Eucreyoque a Senhora lhe ap-
pareceoemfonhos, &que nelles lhe mandou foffeàquelle
lugar , & lhe mandaffc nelle edificar Cafa , em que foffc vene-
rada , porque a não fer aífim, enriquecera antes a fua terra , a
Villa da Amieyra,com efta preciofa joya, do que deyxalla em
Alpalhaõ, donde elle naô era natural- Confirma-íeefta tra-
dição, de fer da Amieyra o venturofo defeubridor defte
lhefouro efeondido, em q todos os annos vaõ os moradores
da Amieyra çom grande devoção,» & feita a vifitar, & a vene-
rar
Livro IV Titulo VIL 3 9 *
rar a Senhora, aonde lhe cantaõ MitTa, & fazem Sermão, pa-
ra cuja defpeza alcançarão os Offici^es da Camera da me ima
Villa>humaProvifaõ Real , em queElRcy lhes aífina certa
quantidade para as defpezas defta fefta.
Também o fcr a Senhora defcuberta emhum campo , a-
onde citava enterrada,moílra fer antiquiflima & que fem du-
vida foycccultada naqueííe lugar pelos Chriilãos, quando
fugiaõ aos Mouros,& fer defcuberta depois que eíles de to-
do foraô lançados fora de Portugal. A Imagem da Senhora
he de efcultura , ou vafada de geffo , ou de outra matéria fe-
melhantc , por quanto he branda, & muy to alva, & íe desfaz
facilmente roçando-a. Eftá encarnada, &asroupas íemea-
das,& ornadas deEíírelIas de ouro. He taõ pequena , que
terá de alto ao mais dous palmos, & meyo ; obra muy tas ma-
ravilhas, como o tcftemunhaô os íinaes delias- Toda eíta no'
ticíanosdeu emrelaçam fua o Padre Manoel Luisde Car-
valho.
TITULO VIL
Da Imagem de N. Senhora da Graça de Ni/a a Velha.
JOaôGeometra em o feu Hymno chama a Maria Santifli-
ma ,graça das graças > & Mãy das graças :Gratta gratia* ?"™\m
rum ,í? Mater gratiarwn. E os Santos Padres deraôtaô ai- ^"j/
ta medida de graça à ,Senhora , que naõ duvidarão Saõ Boa-
vcntnra,Santo Epifanio,Santo Aníelmo, & S. josô Damafcf- Boau.
notíGrmar de Maria que teve tmmenfa graça : [mmenfâ gr a- tom% l*
tia. E aflimhc muy to curta reveren ia ^contradizer oqu( *°t"fuJm
piedf famente íe pode interpretar. Não pôde dafíe infinita /.(?"'
em a&o,como eníina Santo Thomás: naõ pode fer infinita i dewg.
qualidade da graça: masofehtido dos Padre she, que a í r j§mf€ij
capaz o mortal do immenfo, 5c o humano do infinito, tiver* de txc.
Bb 4 Maria
39* Santuário Mariano
V. Dam. Maria pela dignidade de Mãy de Deos immenfidade de graça;
orat. i. porque naô podia negarfe o infinito, a quem elevão a Mãy do
de Nat. infinito. Bem merece logo que amemos/* buíquemos a quem
tem tanta abundância de graça , para no la repartir.
A Villa de Nifa, que he titulo de Marque z,& do appcl-
lido dos Gamas , Condes da Vidigueyra , fica difiante da Ci-
dade de Portalegre féis legoas , &duas do rio Tejo. Anti-
gamente ficava mais afnílada , do que hoje a vemos , & no an-
tigo fitio fe confervaõ ainda as Igrejas.Na principal, que era
a Matriz > ( que fica diftante meya legoa da povoação nova )
fe venera huma antiga Imagem de N. Senhora,que intitula©,
ISLoJfa Senhora de TSLifd a Velha 5 efie he o comum titulo com
queainvocão os mais daquelles povos; porém o próprio ,ôc
o verdadeyro he , NoíTa éenhora da Graça. Por interceflaõ
defta Senhora obra Deos muytos milagres , & maravilhas,
como o teftemunhaõas muytas ir,ortaIhas,& outros muytos
finaes, que fe vem pender de fuás paredes ,de que a Senhora
he poderofa, para vencer a morte, & as enfermidades.
Dizem os moradores daquelía terra, queElRey Dom
Dinis mandara deftruir aquclla Villa, por fe levantar con-
tra elle , & feguir as partes de feu filho o Príncipe D. Affon-
fo,que foy o Quarto; mas que conhecendo depois naõcraõ
culpados , mandara edificar outra vez a Villa em o lugar em
que hoje fe vé.Nefla Villa ouve hum Beneficiado da Matriz,
que he da Ordem de Chrifto, chamado Fr. Adaõ Dinis , pef-
foa nobre , & rica de bens patrimoniaes , & o feu Beneficio,
que era rendofo , o fazia ainda mais abaftado. Efte com a
abundância dos bes fe deyxou levar dos vícios , & entregou
tanto aos regalos , queveyo acahir em hum grave peccado
de fenfuahdade. Ereconhecendo a grande offenfa, que havia
commettido contra Deos, & contra a pureza que requeria
o feu eftado Sacerdotal, de tal forte deu vol ta à íua vida , (to-
cado da Divina graça) que deyxou o mundo ,& tudo o que
nelle poíTuía , & podia efperar , com firmes propoíitos de fa-
zer
■Livro IV. Titulo Vil. 393
zer penitencia, aonde havia oííendido a Divina Mageíhde,
&efcandaíizado a feus parentes, &naturaes. Pelo querc-
nunciandonas mãos delRey o Beneficio , & repartindo os
feus bens pelos pobres, fe retirou a huma ceva , que eílá em
huma Serra, diftante huma legoa de povoado, chamada de S.
Miguel. Nefta cova, por voto que fez , determinou acabara
fua vida, com dura,&afpera penitencia ,como o executava.
Aqui perfeverou alguns tempos com grande edificação
de todos , os que o conheciaõ, até que vindo a viíitar aquella
Villa o Bifpo D. Fr. Amador Arrais ,lhe comutou o voto,em
que ferviífe aos feus próximos , dandolhe por razaõ , que na
Cafa de N. Senhora da Graça , ou de Nifa a Velha , acnde re-
corria muyta gente em romagem, podia fazer a nofTo Senhor
muytomayorcsferviços. E obedecendo pontual ao precey-
to daquelle virtuofo Prelado, fe recolheo àCafa de N. Se-
nhora, & alli gaftou o reílante de fua vida em devota, & pro-
funda oração de dia , & de noyte na prefença da Senhora da
Graça , derramando fempre rios de lagrimas de feus olhos,
até fazer covas nos tijolhos , da continuação de eítar nelles
de joelhos, & nos de hum poyal aonde encoflava os cotove-
los, quando cançava. Ufavade muytas penitencias,^ mor-
tificaçoens ,femdarafeu corpo nenhum alivio: veíliaà raiz
da carne huma túnica de afpera çaragnça , andava defcalço,
& jejuava perpetuamente a paô, &agua ,& algumas vezes
eraõ para elle grande delicia , as íilvefíres ervas do campo.
Com toda cílarigorofa mortificação vivia taõ valente,
& animofo , que quando hia à Villa a pedir efmola, (que quafí
toda repartia pelos prezes) levava às cofias hu bom fe} xe de
lenha. Efte repartia hum dia pelos pobres>& doentes do Hof-
pital, & outro pelos prezos da cadea. Sobre tudo continuava
oconfeflionario, corno lho havia encomendado oBifpode
Portalegre , da primcyra luz da manhãa até noyte, aonde
era bufeado de muytas peflbas devotas , que fe huc a confef-
far, 6c a aliviar com elle, pela fama da fua virtude , & peni-
tencia.
394 Santuário Mariam
tenda. Também foy nmyto períegui do do demonio>que fen-
tidodafanta vida , que obfervava , lhe fazia grande guerra,
apparecendolhe em horrendas figuras, & outras vezes em
forma de grandes cobras,& (erpentes;másde toda eíla guer-
ra o livrava a Senhora da Graça , que era para onde recorria
em todos os feus trabalhos , & perfeguiçoens, achando fem-
pre no favor da Senhora alivio , & confolaçaõ em todas eitas
grandes molefHas. Em fua morte , fe mandou enterrar no
adro da Igreja da Senhora da Graça , em cuja campa fe vé o
habito de Chrifto , & eíle. epitáfio*
Aqui ja^ Frey A<)ao Vinis*
Sam infinitos os milagres , que fe referem daquella mila-
grofa Senhora ; rnas o defcuydo dos que osdeviaõ por em
memoria, foy taõ grande, que fóíeachaõ matriculados no
livro da tradição , & na lembrança dos que os receberão ; &
porque em alguns dos mais notáveis., que fe referem,poderá
haver algum acreícentamento,os deyxo de referir.E íó direy
que nas commuasneccíTidades daquella Villa,quandofalta a
agua ;oua feca he m uvta , recorrendo à Senhora da Graça,
& tirando- a em prociíTaõ até amefma Villa , raras vezes fuc-
cede recoíherfe , fem que fe experimente o deípacho de fuás
petiçoens. A Imagem deíla Senhora he de pedra, & terá cin-
co palmos em alto. He de rica efcultura,& de fermofura ra-
ra. Alguns pintores quizeraõ dizer , queaflim eíla Sagrada
Imagem, como a da Senhora dos Prazeres, foraôfcytasem
Inglaterra, pela femelhança que tem com algumas que vieraõ
daquelle Reyno, quando era Catholico. Faz memoria da Se-
nhora da Graça Jorge Cardoío no feu Agiologio Luíítano
tom. 1. pag. 33. &huma relação manuíeripta, que delia nos
inviou Pedro Alcanforado.
TITULO
Livro IV. Titulo VI 11. 3 9 jr
i
TITULO VIII.
Vt Imagem de Ti.Senbora dos Trazer es, ou da Ef per anca.
COmpõem Deos ávida dos Juftos com a variedade de
cafos trifles , & de fucceííòs alegres, & aíTírn vay com-
pondo , & ordenando as fuás vidas ; porque fe humas vezes
os mortifica, outras os alegra. Com fuaSantiífima Mãyob-
fervou também Deos efía ordem; para queella também fofie
em tudo o noffo exemplar ,naõ lhe dando os goftos nunca
juntos , mas mifturados com penas, como fe vé àc. mimos
lugares do Euangelho.Efe em premio das dores que a Senho-
ra padeceo ao pé da Cruz , gozou no dia dos Prazeres as ale-
grias da Refurreiçaõ, janellas vinhaô de mifiura as fauda-
des y que antes de muy tos diashavia de experimentar no da
Afcençaô de feu Santiílimo Filho \ vendo-o aufentar. E eíte
he o myíterio da combinação do Euangelho > que trata da af-
íirtencia da Senhora ao pé da Cruz de feu amado Filho, com
a feíla dos Prazeres, no dia de fua g!oriofaRefurreiçaõ:óYrf-3^4**
batjuxta Crucemjcfu Mater ejus* l&
Naõ permitte Deos , que os feus fervos psdeçsc trifle-
zas , que lhes naõ fejaõ compenfadas com alegrias. Se lerdes
a Eícrirura , achareis que Rachel ao filho oxic pario , de cujo
parto morreo,chamou2>É,//0W.,iík)hc, filho da minha perda, G*»*&i.
& em cujo parto perdi a vida , q conforme a interpretação de
Vatablo , fignifica , fiUm Calamttatis. Mas Jacob chamou-
lhe SBinjamim : li eft}filtus dextera ,fiVe fJimfortitudims. .**£ *
lftohe, filho de mão direyra,& filho de felicidade ,& de for ^ "'
taleza.O que ponderando Saõ Joaõ C hryfoflomo,diffe: M<£ yoan.
•r orem, quem ex morte Rachelis co?iceperat)mtti^aVit natm chryf.
puey.' A nacençade Benjamim coniblou a triítezsnsfcidn da hom.60
morte de Rachei; no que Jacob cemo Santo.que era^nos qú&«* &*»•
moítrar
39^ Santuário Mariano
moítrar os lanços da Divina bondade, que quando dá algum
trab}ího,oupena ,Iogodácomque fe poífaõconfolar todas
as perdas.
Reparou Santo Ambrofio em caftigar Deos a Zacarias
pay do Bautifta, tirandolhe a falia: 5Vo eo quod non credtdifli
' u cr is teteens, & non poteris loqui. E quando lha reflituío (fen-
do aflimq pslafua pouca fé a havia perdido) naõfófallou,
mas também profetizou: Apertam e/l os Zacbari*, & pro-
pbetaVit. Que heifto Senhor? de quando acá Zacarias hc
Profeta. Por Sacerdote o tinha eu ; mas naõ fabia delle que
profetizava : 'Bónus De us , qtit nonfolum ablata rejlituityfed
et iam infperata conccdit.Naò he Deos como os homens, (diz
&'*>• Santo Ambroíioj) porque fe vos tiraõ hum gofto,naõ hc pa-
Amhan fa Vosc|ar 0utro , fenão para vos acrefeentar a defconfola-
HG% çaõ. Mas Deos fe vos tira huma confolaçaõ,he para vos dar
outra mayor y & affím naõ fe contentou com reftituir a Za-
carias o que perdera, fenaõque fobre iflòlhedeuoquenaô
tinha, nem efperava. Fallou eflando mudo , & mayores fo-
raõ os bens que recebeo, que os males , que lhe precederão.
Quando as Santas Marias vieraõ aofepulchro ,a ungir
ofagrado corpo do Salvador, diz o Euangelifta, que foy
Aídrc. muytoantemanhaa^ja fahidooSol: F aldè mane una fabbato-
16. n.2. rum ,(?c. ortojam Sdc Se era muytode madrugada ,como
era ja o Sol fahido? Saõ Máximo diz , que neíte dia nafceoo
Solmuyto mais cedo docoftumado; porque lhe quiz Deos
Sao s pagaratrifteza,quc moflrounafuaPayxaõ-.N^^^/?^;/^
Max. ut Sol in Rofurreãione e)ivs gaudeat , in cujus compajfione
ftrm,*. condoí ah ,&ejr*s mortem lugubri quadam caUgine profecu-
jp drh tm *&*$'"* Vítam nitidioris íacisjplendorefufapiat, & tam-
a ud ' <imm ^oms mlnittw fiwt tunc obfcuratus eB ad exéquias fe-
£*/*£. pultur* , modo corufcet tnRefurreãionis obfequium. Poiso
Emif. Sol foy companheyrode Chrifloemasfuas penas: Tembr<z
fatia fmt [up?r univerfam Cerram \ era jufto que também o
foíferu dia da gloria , &que quem fc havia veftido de luto
pela
Livro IV. Titulo VIU. § 07
pela fua morte , roadrugaffe a lahir galante, para dar ao mun-
do a alegre nova da fua vinda , &da fua vida : Solem arfai-
(ror in hal die folito clariorem. ISleaJfe eít enim ut Sol in ejus
Refurreãione gaudtat, cujm compafionis condolutt. Porque J**,
he pofto em toda a razaõ , que o que foy companhcyrona r™m% *
pena , tenha parte nos prazeres ; & que quem naõ defempara 52a '
ao affligido , melhore também com elle de efiado , como diz
Saõ Paulo :6VW focij pajfionum eíiis ,fic eritis t$ confolatio AA .
nis. Cmml
A quem com mais razaõ fe deve a principal parte das a- *
legrias,& prazeres da Refurreyçaô deChriflog!oriofo,que
a fua Santiífima Mãy,pois excedeo a todos no fentimento de
fuás dores , aífiflindo ao pé da Cruz todo o tempo, que nella
efleve* Por iffo diz Santo Ambrofio, que foy a primeyra que
o vio refufeitado: Viditergo Maria Re/urre ttionem Tomi- Dh.
nijdr prima Vtdit , & credidit : Diz o Santo , que a Senhora Ambr:
vio,&crco. Mas naõ quer dizer, que a Senhora vio paraAfw
crer o que antes não cria , pois eflava certa que elle havia de ÇíU
refufeitar; mas vio para fua confolaçaô , & com a fua viíla
ficou a fua alma taô alegre, & cheya de prazeres , que a efla
faz a Igreja fefía , cm fé de como Deos noffo Senhor fabe
compenfar os bens , & os goflos , que tira, com outros mais
aventa jados com que nos alegra , & enriquece. E aqui mof-
tra que os rigores , & os pezares com que trata aos feus ef-
colhidos , faõ vefporas de lhes fazer novas mercês , & de os
encher de celefliaes alegrias.
Na mefma Nifa Velha , & antiga povoação ja deflruída ,
ha outra Igreja,que fica mais abayxo da Matriz;(porque efla
fica cm terreno mais fuperior, & levantado) na qual he vene-
rada outra milagrofa Imagem da foberana Rainha do Ceo,
também de grande devoção , & romagem, à qual concorrem
todos os que vão em ronwia à Senhora da Graça ? ou Se-
nhora de Nifa a Velha. He efla Santiflima Imagem também
de pedra, Sc pouco mayor na eflatura^uc a Senhora da Gra-
ça.
398 Santuário Mariano
ça. Temera Senhora (que hunsintitukõ commummente
Noffa Senhora dos Prazeres, & outros ihedaõ a invocação
da Efperança) em feus braços ao doce fruto do féu ventre,
& moftra ter em hum dos feus pés hum efpinho, que moftra
também a fua amorofa Mãy, como quem lhe pede que ího ti-
re. He a Senhora de foberana fermofura , & ambas as fagra-
das Imagens moílraô tanta graça , & mageilade , que parece
roubão os coraçoens de todos os que nellas põem os o!hos.
AíTim efta Santa Imagem, como a da Senhora da Graça refe-
rida ,efta5 pintadas fobre a efeultura , ôc com o ornato de
Efirellas, & perfis de ouro. Os principios,& a origem defia
Santiflima Imagem faô taõefcuros, que ninguém fabe dizer
mais, fenaõ que he antiquiílima. E como a Villa Velha de Nfc
ia hemuy to antiga, podia ferque em fua fundação feman-
daffem fazer eftas Imagens por algum Mefire da Ordem dos
Templários , para fc collocarem naquellas Igrejas , como 'a.
quella Villa íhes pertencia; porque na extinção dos Cavai-
leyros do Templo, fe deraõ as fuás Gommendas à Ordem de
Chrifto. Fefteja-fe efta Senhora na Segunda feyra depois
dasOytavasda Pafchoa , quehe odiados Prazeres.
TITULO IX.
<Da Imagem àe nojfa Senhor 'a, da Lu^,do Convento de
Santo AuguHinho de Arronches.
PElos annos de 1 T40. faz menção o Padre Doutor Frey
António Brandão na fua Monarchia, em que Arron-
Hb.io. chesfora tomada aos Mouros porElReyD. Aítonfo Hen-
cap>9< riques fendo ainda Príncipe , ou por feus Capitaens.Depois
dizqueElRey Dom Sancho o Segundo a dera ao Convento
de Santa Cruz de Coimbra, não fó no Ecdefiaftico , mas no
fecular. E que no tempo de Affonfo Terceyro a largarão a
ElRey
Livro IV. Titulo IX. 399
EtRey, ( quanto ao iecular ) entendendo j não Convinha aos
que viviaõ recolhidos nos cíauíxros y defender Praças, & lu-
gares fortes , que eraõ fronteyras do Reyno. Com que efla
Villa he antiquiííima. Fundarão nella os filhos de Santo Au-
gufimhonoannode 1570, ema Ermida da Senhora da Luz;
& efla Senhora nas maravilhas > que obrou , moftrou que os
aceytava porCapellães.
Jacobo de Voragine fallando defte titulo da Luz , diz,
que ainda quede Chrifto Senhor noffo fe diga , que clle he a
luz do mundo , que também convém o mefmo titulo à Se-
nhora-, porque cila he a luz , pela qual o mundo foy cheyo de
luzes,& refplandores. Licet (diz o Padre) de Filio dicfnmfit: Vorag.
Ego funi lux mundi ; tamen matri concentre pot(ft, quia ma- ferm.
ter eít lux > per cjuam mundus ittwminatwt \ E Daniel Agrico- s*b. 4»
la diz 7 que Maria Santiffima he huma luz refulgentiffirra^*^r#
para todos os homens;porque em cada huma de fuás rouy tas
virtudes refplandece admiravelmente com provçytoíiffi-
mos exemplos: Maria eã luxrtfulgens bomimbus^xemplU _ .
jmrum Yirtutum. CorH \
No Convento dos Eremitas de meu Padre Santo Au -fieLB,
guftinho da Villa de Arronches, hebufeadacom muyta ve- f^ftd.
neraçaõ huma antiga ,& devota Imagem da Rainha dos An- j>.
jos, Maria Santiffima ,com o titulo da Luz,com quem aquel-
la Vilia teve fempre muyta devoção. De fua origem íe fabe
muyto pouco , por fer muyto antiga , & fé confia do tempo
cm que a Mãy da Divina luz, & da graça recolheo na fua Ca-
fa aos feus filhos, os Eremitas de Santo Augufiinho, que foy
como agora diremos P pelos annos de 1570.
Hum Religiofo Eremita de meu Padre Santo Augufli*
nho da Provinda deN. Senhora da Graça, chamado Frey
Hilário dejefus ,& natural da Cidade de Portalegre, affiflia
em o feu Collegio de Coimbra, donde vinha ordinariamen-
te na-s ferias ver a feus pays, & parentes. Era eOe Religiofo,
mancebo nos annos, mas muyto velho nas virtudes; porque
tinha
4 oo Santuário Manam
tinha muyto amor de Deos,& muyto zelo da fua mayor Hon-
ra i & gloria , & com cfle defejava muyto a faude', das almas.
Comefte picdofo zelo folicitouna fua Cidade de Portale-
gre com todas as veras , que ouvefíe nella hum Convento
de Eremitas Auguflinhos,8í corno era dos mais nobres delia,
teve muy tos que defejavaõ fe effeituaíTem as fuás fantas per-
tençoens \ mas não o confeguio cntaõ. Guardava Deos efta
ventura para mais adiante,para os filhos reformados do San-
to Patriarca, como depois fuccedeo fundando na Igreja de
Santa Maria.
Aífiília Frcy Hilário em Coimbra ( como fica dito, ) &
vinha fempre nos verões à fua terra,a titulo de vifitar os pa-
rentes ;& como ardia em zelodoaugmento da fua Religião,
& dobem efpirituai das almas, naõ o perdia em o folicitar,
fuppofto,que em Portalegre não luzia muyto o feu traba-
lho^ fervorofa diligencia. No feguinteanno indo a vifitar
a huns parentes , que tinha em Alegrete, também neila Villa
cuydadofamente folicitou o poder cntabolar a fua perten-
çaõ , & a teve muyto adiantada ; porém não fe pode concluir
detodomquelle anno; nofeguinte fe fez avifo ao Provin-
cial, em que íe foíTe a tratar da fundação do Convento , por-
que eftavaõ os moradores com grande vontade para receber
os Rcligiofos. Foy o Provincial, & depois de ver o negocio
concluido,baftou hum fó homem, para que fe naõ effey tuaífe.
Guardava-os Deos para outra parte.
Comefte fentimento tratou Fr. Hilário de Jefus,de fe
recolher ao feu Collegio de Coimbra ; porém antes de o fa-
zer,fe foy defpedir,^ vifitar a outros parentes,que tinha na
Villa de Arronches , ( que lhe ficava diíiante fó duas legoas)
peíTois também do mais qualificado da mefma Villa,& foy em
companhia de hu feu amigo muyto virtuofp , chamado Luís
de Campos , que depois foy Inquifidor ,& era irmão de Jor-
ge Vas de Campos, pay da venerável Madre Sor Briíida de
Santo António. Com eíte feu amigo (citando em Arron-
ches)
Livro IV. Titulo IX. 4# i
ches) foy huma tarde a vifítar a Senhora da Luz, que era vc •
neradaemhuma Ermida fora da Villa, mas em pouca difian-
cia delia. Tanto que Frey Hilário chegou ao adro , logo em
feu coração fentio huma grande alegria , & huns grandes de-
fejos,dcque alli fe f undaífe hum Convento da lua Ordem.
E interiormente o pedio afli m à Senhora da Luz , & a noífo
Senhor, fe foffe para mayor honra,& gloria lua,& bem efpi-
ritualdaquellepovo.
Depois de vifitarem a Senhora da Luz , fe recolheo o
Padre Fr.Hilario de Jefus a cafa do feu parente,aonde e Aa-
va poufado,& lhe communicou o feu penfamento, dizendo,
que naõ havendo naquelle povo Convento algum , feria de
grande conveniência, & utilidade delle,oadmittirem alli aos
feus Religiofos.Tratoufe o negocio com tanto cuydado,que
ElRey Dom Sebafliaõ deu logo a licença , & juntamente o
Bifpo, que era Dom André de Noronha. E diípoftas todas
as coufas , fe tomou polTe da fundação , em a mefma Ermida
da Senhora da Luz,em2}. dejancyro do anno de 1570. E
porque naô tinhaõ commodo para logo ficarem na Cafa da
Senhora , em quanto efle fe preparava ,affifliraõ fora até o
anno de 1574.011 antes \ porque confia , que janefie ferviaõ
à Senhora na fua Cafa , & à fua fombra viviaõ-
Como ha tantos annos,que fe deu principio à fundação
do' Convento , & havia mais que a Senhora da Luz era ja ve-
nerada naquella fua Ermida , naõ fe (abe dar razaõalguma
da fua origem, nem de quem lhe fundou aquclla Cafa. Só
confia , fer toda a devoção , & confolaçaõ dos moradores
daquella Villa ; porque em feus trabaíhos, & apertos recor-
rendo à fua piedade , achaõ fempre nella alivio, confola-
çaõ , & remédio. A Imagem da Senhora bem moflra que he
muy to antiga , he deeícultura, & a matéria he pedra már-
more, mas per fey tiííimamente obrada ; naõ fe lhe põem mais
que manto , tem em feus braços ao Menino Deos \ & eflá fo-
bre huma peanha,em hum nicho no meyo do retabolo da Ca*
Tom. III. Ce pella
40 1 Santuário Matímí
pclla mór, a fua eftaturahe de cinco palmos.
TITULO X.
Da Imagem de noffa Senhora da Livraçam, em Caf.
tello de Vide.
AVilla de Caftello de Vide fica em diftancia da Cidade
de Portalegre três legoas, para a parte do Nordefte.
Povoou-a ElRey D. Dinis quando lhe edificou o caftello, no
anno de 1 5 i o. Nefta Villa he tida em muy to grande venera-
çaõ,hua Imagem da Rainha dos Anjos , a quem invocaõ com
o titulo da LiVraçaõ. A origem defta Santa Imagem,& da fua
Caía , em que hoje he venerada/e refere neíla maneyra.Ha-
via naquella Villa hum homem chamado Diogo Rodriguez,
que era natural da mefma Villa. A efte fe lhe prenderão hus
parentes pelo Tribunal do Santo Officio da Inquifiçaõ , pe-
lo crime do Judaifmo. Temeo efte que também o accufaííem,
& prendeíTem, & como parece fe naõ achava culpado, valeo-
fedo favor, & patrocínio de noíTa Senhora , que a nenhum
peccador defempara,quando delia fe fabc valer.E prometteo*
lhe , que fe o livrafle daquelle trabalho , que temia, lhe havia
de dar huma boa cfmola para a fua Cafa.
Naõ foy efte homem prezo , nem fe entendeo com el!e,
porque não haveria caufa para ííTo; ou feria o mais certo, que
a Senhora o amparou , *c defendeo, & o livraria da culpa, em
que elle temia fer caftigado. Obrigado Diogo Rodriguez do
favor , que a Senhora lhe havia feyto, & por não parecer in-
grato ao beneficio , mandou edificar à Senhora huma nova
Cafa, aonde particularmente pudeíTe fer fervida > & buf-
cada. Acabada a Ermida, fe collocou nella a Santa Imagem
com grande fefta, & alegria daquelle povo, que à vifta do fa-
vor, que Diogo Rodriguez havia recebido , fe encendeo em
todo
Livro IV. Titulo X. 403
todo , huma muyto particular devoção , & a Senhora vendo
a fua fé , começou a obrar muy tas maravilhas, & aflím he ho-
je grande oconcurfo da gente, que concorre a venerar a efta
Senhora, & a pedirlhe os queyra livrar dos trabalhos» que te-
mem lhes podem vir , & dos que aâualmente padecem.
Eíta Santa Imagem fe venerava em huma muyto antiga
Ermida, dedicada a Saõ Sebaíliaõ,quando Diogo Rodriguez
fe valeo do íeu patrocínio. E querem alguns que ja neíta Er-
mida,aonde era venerada, tivefle efte titulo. Porém outros
entendem que o titulo fe lhe deu depois q Diogo Rodriguez
lhe fez a nova Ermida. E quanto à primeyra origem, & prin-
cípios deita Senhora, como he muyto antiga, naõ fe fabc di-
zer fe appareceo naquella Serra , òu fe alguma peíToa devota
a mandou fazer , para fe collocar na Ermida de 5. Sebaíliaõ.
TITULO XI.
Da Imagem de N. Senhora da Alegria ,ou dá Jjfumpçaê.
CElebra a Igreja a Maria Santiflima em o dia , queella
gloriofa fubio ao Ceo com tanto gozo, & alegria,quan-,
to o moftra a Igreja no intróito da MiíTa deita feíf a , dizen-
do: Oaudeamus omites in Domino diem feftum celebrantes,
&c. Alegremonos todos em o Senhor, & celebremos com
grandes júbilos , & alegria os triunfos de Maria , que fobc
nefte dia gloriofa ao Ceo. E quer que nefte dia todos os fi-
lhos da humana geração fe alegrem ; ifto he, todos os filhos
Catholicos , obfervantes da fé, & todos os eftados, aflím os
juftos , como os peccadores. E porque fe haô de alegrar to-
dos l Porque fubindo Maria hoje em fua AíTumpçaô ao Ceo,
deve receber todo o género humano huma grande alegria,
porque com a gloria de Maria chegou a lograr huma gran-
de, & cabal perfeyçaõ; & aflim ouçamos o que os Anps per-
Cc 2 guntaõ:
.
404 Santuário Mariano
O//.3. guntaõ : ^e ejl tila, ( dizem cllcs) qu<*> afcenlit ? Quem he
efta que fobe? E três vezes fazem cila pergunta em os Can-
tares. Mas feos Anjos fabcm quem he , para que perguntaõ*
Riard Pcrguntaô Para tcr.a â'cgrÍ3 9 & gozar de ouvir pronunciar
de S. ° nome ^c Maria, diz Ricardo de Saõ Lourenço: Ter quceri-
Laur. tur , quct eft ijla \ quia duke nomen fibi dffiderant rejponderi.
hb. u de Ou perguntaõ admirados trcs vezes de ver em Maria tanta
Laud. graça , tanto mérito , & tanta gloria , diz o mefmo Ricardo:
B.Krg. prima admirado fuit de magnificentia gratine, fecunda de
Rieard. m*Vl'fiCent'ta mtriti } tertia de magnificentia gloria. EAl-
/. i2.<feberto Magno diz, que bem conheciaõ os Anjos a Maria;mas
Laud. que pergunta vão afíòmbrados de ver em Maria taõeftranha
B.Pirg. maravilha j como era a aíTumpçaõ da geração humana em
... Mâmtfoteft efe Vox cueleftium Virtutum ftupentium de tam
MégL ' foknwi, & admirabili affumptione generis humaniin Beata
LiídcPirgine.
Laud. Quando Maria fubio ao trono da gloria , ja fe podia di-
B. M. zer , que a geração dos homens tinha ja recebido a fua cabal
cap. 3. perfeyçaô ; porque fubindo JESUS Chrifto noffo Salvador
ao Ceo , fublimou ao homem até o trono da Beatiflima Trin-
dade. Affim he , (diz Saõ Leaõ) que fubindo JESUS Chrifto
Deos, & Homem , fubio em JESUS Chrifto fobre todos os
S. Lea$ coros dos Anjos, a natureza do homem: Super omnem crea-
ferm.u turarumdúeHiumdignitatem bumani generis natura con-
de <df* fcenderet. E ifto naõ foy fubir o homem? Segudo a natureza,
fim; mas naõ fegundoa fubúftencia: Humani generis natura.
He de fé , que JESUS Chrifto noffo Salvador, he Deos,
& Homem;porém de tal forte tem em fi as duas naturezas de
Homem, &Deos, que tem natureza humana , mas naõ hu-
mana fubfiftencia; porque a fubíiftencia he Divina. E aífim a-
indaque he Homem , naõ he peífoa humana , fenão Divina
peíToa. Pois, diz Saõ Leaõ, fubindo Chrifto ao Ceo , levan-
tou fobre todos os Anjos emfi mefmo a natureaa humana,
noas naô a humana peífoa, porq naõ era peífoa humana : Hu-
mani
Livro W. Tttulo XI. 40;
mani gener is natura confcenderet. Porém hoje fubindo Maria
aD Ceo, ( diz Alberto Magno) como hc humana peífoa,fó-
be a natureza,& a humana fubíiftencia, & por ido fóbe em a
pcífoa de Maria a geração dos homens : De affumptione ge-
neris kumani in 'Beata Pirgine. E aflim hoje he o dia,em que
os homens fe devem alegrar , porque tem a fua geração em o
Ceo , o mais fupremo lugar ; pois fc acha a fua natureza em
Jefu Chrifto à maõ direyta de feu eterno Pay ; & fe acha a
naturezaA a fubíiftencia em Maria à mão direyta de feu Fi-
lho. Alegre-fe pois a humana geraçaõ>& celebre as glorias,
& as alegrias de Maria invocando-a com o titulo da Alegria,
pois fe vé taó fublimada , & exaltada por efta foberana Se-
nhora*
No arrabalde da Cidade de Portalegre fe vc íituada a Ca-
ía do Efpirito Santo , que he a Igreja doHofpital da mefma
Cidade, Cafa antiquiflima. E nefla Ca fa do Divino Efpirito,
he bufeada ,& fervida com grande veneração huma devotif-
íima Imagem da Rainha dos Anjos , a quem daô o titulo da
Alegria, com a qual tem toda aquella Cidade huma grande
devoção , & aflim a feftejaõ todos os annos , & com grandes
feftas , de prociííoens de grande apparato, comedias, & ou-
tros alegres feftejos, touros, encamifadas , & outras coufas
defle género, & todas eftas defpezas correm pela devoção
fervorofa de huma nobre Irmandade, que a ferve com gran-
deemulaçaõ. O dia da fua mayor celebridade ,heodiade
fua gloriofa Affumpçaõ a 15. de Agofto, que heodiadas
Alegrias da Senhora. \
De fua origem naõ pude faber nada , nem de feus prin-
cípios, & aflim fe reconhece fer muyta a fua antiguidade He
eíta Santiífima Imagem de grande eftatura , porque terá fetc
palmos y he de vertidos, & eflá com as mãos levantadas , em j
que fe repreíenta o myíierio de fua gloriofa Affumpçaô. He .-.«. . ;
de grande fermofura , & eftá collocada em a Capella mór,&
obramuytas maravilhas a favor dos feus devotos.
Tom- III. Ce 3 T1TU-
4óÓ Santuário Martanv
TITULO XII.
Da Imagem denoffa Senhora dos Remédios do Contento
de SaÕ Francifco.
GOmonafcimentode Maria Santiffima , nafceo para to-
dos os filhos de Adaõ o remédio de feus trabalhos, &
o refugio em tudas as fuás tribulaçoens , & neceffidades , &
a (fim foy o meímo nafcer a Senhora , que por Deos em a ter-
ra huma Caía de refugio , & hua botica de remédios; porque
naõ he efla Senhora o remédio dehumfó, he o remédio de
todos , he para pobres , para peccadores , & para todos os
Chriftãos. Remédio, & refugio de neceífitados chamou a
Dam.i» Maria Santiffima S. Joaõ Damafceno: Refugium inopum. Re
ParacU fugio ,& remédio dos pobres lhe chama Saõ Boaventura?
B. M. Refugium pauperum. Refugio } & remédio de todos os po-
Bonav. bres, fem exceptuar a algum, lhe chamou Santa Mechtildes:
j? A** Refu£íum omnium pauperum. E rcfugio,& remédio dos mi-
Mccht. ferave^s ^e chamou Adaõ Premonftratenfe: Refugium mife-
Hb. i. * wr««i- Efla mefma Senhora fallando de íimefma,odiíTe pe-
grat. Io Ecclefiaflico , que o mefmo foy eflar em a terra, ao nafcer,
€ap. M» 9VC nâ^ccr remédio , & piedofo refugio dos mortaes : In om-
Adam m tenajfeti.Hugo Cardeal diz: In terra Hat cjuafi refugium
itb. i. omnium. Finalmente he efla Senhora o remédio de todos os
frrm. que a bufca5 ^ & invocão, como ella o eníinou, dizendo, que
4°- ~ a mifericordia de Deos Efurientes impkvit bonis > & a fua
■xL ju:£liça divites dimifit inanes. E affim naõ fó aos pobres per-
jjL.c. tence a devoção da Senhora , mas também aos ricos. Aos
Cd»/, pobres , porque faõ pobres \ & aos ricos, porque o poderáõ
& M. fer, & para que fempre achem em Maria remédio, procurem
fervilla cuydadofos-
Ng Convento de Saõ Francifco de PortaIegrc,hum dos
antigos
Livro IV. T/f «A XII. 407
antigos da Provinda dos Algarves,(pcrque fcy fundado no
anno de i z66 & foy muy to favorecido dos Rcys de Portu-
gal,efpecialmente de ElRey Dom Dinis)he bufeada com pie-
dofa devoção dos moradores de toda aquella Cidade, huma
milagrofa Imagem da Rainha dos Anjos, a quem invocam
com o titulo dos Remédios ;& porque efta Senhora com a íua
poderofa interceíTaõ os remedea a todos , aflim he para com
ella muy to grande a fé,& a confiança com que a bufeaõ; por-
que em todos os trabalhos >affliçoens , neceííidades , & tri-
bulaçoens,oufejaõ publicas , ou particulares, recorrendo
a efta amorofa Mãy dos peccadores 7 fe experimentaõ tam
promptos os remédios , que parece $ que eftes fe anticipaô
às petiçoens dos que as fazem.
Tem efta Senhora huma nobre Irmandade , cm que en-
tra o mais illuftre , & qualificado daquella Cidade , & aílim a
fervem com grande zelo , & largas defpezas em o dia da fufi
feflividade, quehe ordinariamente emoyto de Setembro,
dia defeu Nafcimento:& digo ordinariamente ; porqueaí-
guas vezes fuecedeo fazerfe em outro dia das fuás feftivi- (v
dades. Nefte dia tem dous Sermões , & eflá o Senhor mani»
fefto,& ha procifTaõ com grande aparato de fíguras.com ou-
tros feftcjos mais de touros, & carreyras^ q duraõ por três
dias. He efta Sagrada Imagem de veftidos, & terá cinco pal-
mos de cftatura; tem em feus braços ao MeninoJefus.Defua
antiguidade, & origem naõ pude defeubrir nada. Be poderá
fer foífe collocada naquella Igreja logo em feus princípios.
TITULO XIII.
Da antiga Imagem de N.Sevbora da Vitoria } que fe VeneT*
na Tarochia de Santiago da Cidade de Portalegre.
FEfteja-fe a Senhora da Vitoria no dia das fuás Efpcran-
ças, emqueefpera alcançar delias para nós a mayor vi-
Cc 4 toria,
4o 8 Santuário Mar iam
toi'ia,qnat foy o vencer com os feus affeduofos defcjos a
Deos, obrigando-o a que viefle a tratar da noíTa redempçaõ*
Ncíta celebridade em que feconfideraõ três motivos , a fa-
ber^os defejos dos antigos Padres , as efperanças da Senho-
ra ,& o noííb agradecimento portam foberano favor como
avinda do Filho de Deos ao mundo. Os antigos Padres af-
feduoíamente pediaõ a Deos a vinda de feu unigénito Fi-
lho \ & ainda que (conforme a doutrina de Santo ThomáSjfe
mais Theologos )naõ merecerão que o Divino Verbo en-
carnaíTe, ao menos merecerão fe não dilataííe mais a obra da
Encarnaçaõ.Porémhoje Maria Santiífimaefperaonafcimen-
to temporal de feu Santiífimo filho, como no lo reprefenta a
fmt. ú Igreja no Euangelho de Saõ Lucas nefla feflividade: Mijfus
eji An gelus Gabriel. Comefla eíperança lograõ hoje os fi-
lhos da graça,& as almas devotas , o q elles defejavaõ, & de
que tiveraõ fó promeíTaj o que elles pedirão, nós recebemos;
& o que elles efperavaõ,nós o poíTuímos*
Defejou em humaoccaíiaô David hum púcaro de agua
2. Rt& ^a ciflerna de Bclcm:0 fiquis mihi daret potu chjua de cijler-
c*p. zy na a qu<t efi in BethlebemE foy em occafiaõ , que efta Cidade
eflava íitiada pelos Filifteos. Ouvindo ifto três foldados
dos feus mayores amigos , que ( fegundo Saõ Jeronymo ) fo-
raõ Abifay , Sedab, & Jonatham. Efles, conhecido o defejo
Jy/v. de feu Rcy , Irruperunt caBra fbãiftbinorum, & bauferunt a-
Hiro* . qUam de ci&erna $etblebem,& tukrunt adTJaVtd^ompcrao
* f *j#- pelo exercito inimigo , foraõ > & alcançarão contra todas as
^j^difficuldades daquella facção huma grande vitoria ; porquç
■:. ' * trouxera 6 agua a David, Grande animo, notável valor «.po-
rém offerecendo a agua ao Rey , naõ a quiz btbcr.N.oluit bi-
bere ,fedlibayit eam Domino-
- , Muytas razões daô os Santos Padres defkfeyto,mas
§rlt i# a ^e Sofronio he muyto levantada , & ao noífo intento. 'Da-
to Chr. VtdwRegem ajfumpttps fpirttuali fiti aYens,aYdensquefaluta-
N<u. ' reaquã ex cifierna?qu<e eft in (Bethkbem> defiderabat; aqmm
autem
Livro IV. Título XIII. 4©p
'áuHmqMmWk myfticèexpetebat 7 & VtVaerat ,& rtnnes
qui ex ea bibebant, divina Yirtute vividos effiàebat. Si feires
konum çDei(a']ebat fons tile Vit<t)& quis ejl qui dicit f/tójoan»
4. Gfterna buec Sacratijimam , Virginem difignabat , qu<£
tfuterum geftura , & Deum paritura eraty quod enim htc
trcmfigebatur,pY0pbetia>i9 figura erat de CbYÍJfo,c]ui ett aqua
Vit<* omnibus vitam infundens.Nzò nega efle Padre^q David
teve fedecorporal; mas diz,que fubiraõ mais alto do que pa-
rece os feus de fejos, &que na6 era fó agua da material cif-
terna de Belém a que o Rey appetecia;mas agua da Belém ef-
piritual , & celeflial , que defejava;agua viva , & que a todos
osqucabebiaõ dava vida conforme ao que Chrifiodiííe à
Samaritana. A ciftsrna era a fempre Virgem Maria , de cujo
immaculado ventre havia de nafcer Deos f eyto homem.Corn
que eftes defejos de David foraõ profecia de Chriflo ,verda-
deyra fonte de agua viva , a qual Saô Lucas em feu Euange-
íhohoje moftra fer comprida. Vendo pois o Santo Rey o
comprimento dos feus defejos, &apoíTe das fuás efperan-
ças,queaquella agua trazida de Belém lhe reprefentavaJNZfl- 3j
luit bibere , fed UbaVit eam Domino. Fez delia facrtácioa 2t Re&\
Deos , moflrando-fe por taõ grande mercê agradecido , & ca^ ***
quanto mais o fora , fc chegara a ter a poíTe sdual de tanto
bem? E niílo alcançou David de fi mefmo huma grande vi-
toria vencendo aos defejos ,que tivera daquella agua.
Efíes defejos da Senhora celebra também a Igreja j por-
que foraõ muyto fervorofos , & com elles alcançou huma
grande vitoria,pois venceo a Deos, & o obrigou a que viefíe
mais cedo do que os feus defejos o permittiaõ,que as fuás an -
cias ja naô fofriaõ dilaçoens. Ora ouçaõ. He tradição de Ra-
binos , & em particular de Pedro Affonfo Hebreo converti-
do, qut quando veyo o Anjo Saô Gabriel com a Embayxada
à Virgem MãydeDeos, faltavam ainda vinte annos para
complemento dos qnatro mil dacreaçaõ do mundo, depois
dos quaes o Filho de Deos havia de encarnar. E ifio ( dizem
elles)
4i3 Santuário A! ar iam
elles) fígniíicára crear Deos o Sol no quarto dia: Pecit Deu*
u duo luminária magia, érfactwn eíí Vefpere , U maw dies
quarttis. Figura clara de que overdadeyro Sol de Juíiiça
Chriíio JESUS havia de nafccr no mundo aos quatro mil
annos de fua formação. Eefte heofentido daquellas pala-
MaUc. vras de M ílachias : Orietur nobis Sol juHitia , 0c. Joaõ de
f: M Toledo , também Hebreo , achou grande myfterio nefía an-
í°^°j ticipaçaõ de vinte annos. E diz que affim como Deos pelos
trat i Pecca^03 do mundo anticipou vinte annos ocafiigododi-
ap.Pe». luvio, antes do tempo q tinha fignificado a Noè , como fe vé
loe. cii da Efcritura, porque tendolhe Deos dado ao homem para fua
converfaõ , & penitencia cento & vinte annos: Et erant dies
€en. 6. $ftm centwn Vtginti anmrum ; apenas fe compriraõ cem
annos, quando mandou fobre elles o diluvio, que os acabou;
porque a ameaça que fe contem no cap, 6. foy aos quinhen-
tos annos de Noè , & affim remata ocap. 5. dizendo: Noe
Vero cwn cjuingentorum ejfet annorum , &c- E o diluvio
foy aos feiscentos annos do mefmo , como fe diz no cap. 7.
€tn. 7; Anuo fexcenteftrmVitct ]\[oe &c. O que aconteceo (diz Saõ
Jeronymo ) porque os homens naõ quizeraõ emendar a vi-
T>iv. da: ^hí 1 homines poenitentiam agere contempfermtt , noluit
Hterofi. Deus tempus expecíare decretam ,/ed Vtginti annorum fpa-
inejutft. tijs am(mtatis , introditxit diluVium , anno centejitno agen-
H*br* dst pa nittntU deftinato. De forte que affim como pelos pec-
m Qcn* cados, & impenicencia dos homês fe apreífou o diluvio, (diz
o Toledo) pelos merecimentos da Virgem Maria anticipou
Deos fua vinda ao mundo outros vinte annos, antes dos
quatro mil , em que era efperado- Eftas fam as vitorias de
Maria , que com os feus fervorofos defejos venceo a Deos,
& alcançou para. nós a mayor vitoria de nos alcançar a
redempçaõ domundo, &a vinda de feuSantiffimo Filhoa
elle.
NaParochia do Patraõ das Efpanhas Santiago, huma
das da Cidade de Portalegre, fc venera huma antiga Imagem
da
LrwolV.TttuloXm. 41*
da foberâm Empcratriz da gloria , a quem daô o titulo da Vi-
toria/rujos princípios faô taõ efcuros, que nada delles fe po-
de defeubrir, nem ainda pela tradição , &aífímnaõícpóde
alcançar o motivo que ouve para fe lhe impor o titulo da Vi-
toria. E he de crer q efle titulo tivefle algum motivo muy to
particular, para fe lhe impor àquella Santiífima Imagem.
Antigamente era rruyío grande a devoção com que efla Se-
nhora era fervida dos moradores daquella Cidade , & tinha
entaô huma muy to luftrofa Irmandade; mas o tempo que tu-
do acaba , fem perdoar ao fagrado, confumio, ou esfriou de
todo a antiga devoção , & fó fe acha efla hoje firme , & fegu-
ra em hum nobre Cavalheiro daquella Cidade , chamado
André Zuzarte de Campos , o qual ha muy tos annos torrou
à fua conta o fervir a Senhora da Vitoria,© qual a fefleja cc m
muy ta grandeza > & liberalidade- E tenho iflo por huma ef-
peciaJ maravilha da Senhora , porque à vifla da indevoçaô, &
frieza dos mais,quiz que efle feu devoto ficaífe nefle feu fer-
vor como merecimento de todos.
Fcflcja-fe efla Senhora em o mefmo dia > em que o fazia
a fua antiga Irmandade , que he no dia da fua Expc dação, &
eíperanças de feu Santiffimo parto,a dezoytode Dezembro.
Era efla Santiflíma Imagem antigamente de roca , & de vefli-
dos ; mas fendo o Bifpo de Portalegre o Senhor Dom Ricar-
do Rufiei , mandou que fe fizefTe de efcultura ; & sffim fe lhe
mandou fazer hum corpo âe madeyra pelo efeultor Manoel
Vaz da mefma Cidade , acccmodandofe-Ihe a cabeça da mef-
ma Imagem , & aíTím ficou perfey tiflíma. Faz-fe a fefla com
muy to grande folemnidade ; porque tem em todo o dia o Se-
nhor facramentado manifeflo, & dous Sermoens,& boa mu-
fica. Eflá efla Santiflíma Imagem , que faz cinco palmos de
altura, em a Capellacollsteralda parte da Epiflola , he de
muyta fermofura. Com efla Sagrada Imagem da Senhora da
Vitoria tem os moradores de Portalegre muyta deveçam,
ainda que ja hoje naõ he taõ frequentada,como o era antiga-
mente
4i * Santuário Mariam
mente. Naô tem Menino nos braços; porque como o my f-
terioqucreprefenta , he odaExpe&açaõ do parto; por iíTo
cftá com as mãos levantadas , como rogando ao Eterno Pa-
dre ,, lhe conceda o ver ja em feus braços nafcido o defejado
de todas as gentes , & aquelle Senhor que vem a remir o
mundo.
SANTO
4*3
gjgsv» r^ív» ff^Mv» c£ív» c^ívs r cvfgw> •.
>^sç* jmàs*. *££%§+ sçMm*. j££%3± >s£à§«.
wg^ w^s* wjfs*' w^s* "W^s' w^s*
e\5ãw> «Acate eJgãte eAS5w eAsãw» eAgãte
SANTUÁRIO
MARIANO,
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA.
& das milagrofamente apparecidas.
LIVRO QUINTO.
Das Imagens milagrofas da Rainha dos Anjos Ma*
ria SantiJJima , que fevener ao nas terras do
Priorado do Crato.
INTRODUÇAM.
PRIORADO do Crato fundado, pouco mais
ou menos , pelos annos de 1 1 30. porque logo
em os princípios deita Ordem , que foy quaíi
pelos annos de 1 1 1 8. porque nefle teve prin-
cipio a Ordem do Templo, & como a Ordem
de Saõ Joaò de Malta , que em fua funda jaõ fe intitulou dos
Hoí-
4i4 INTRODUZAM.
Hofpitaleyros , & pouco depois, dos Cavalleyros de S.JoaS
doHofpitai , & pelo difeurfo dos annos de Saõ Joaô de Ro-
des , & ultimamente de São João de Malta , Ilha em que ao
prefente cftá a cabeça da Ordem \ & como os Templários
entrarão cm Portugal na menoridade delRey Dom Affonfo
Henriques, & quafi no mefmo tempo entrarão os Maltezes,
por ifíò aífento a fundaçam do Priorado pelos annos de
li 30. fem embargo de lhe darem hus o feu principio noa ri-
no de 1080. & outros.no de 1200. Quem foíTe em Portugal
o primeyro Prior, naõ fera fácil de averiguar. O primeyro
Meftre que teve a Ordem em Jeruíalenyiiz Ilhefcasvque foy
Gerardo ,& queelle a fundara em tempo de Gclafio Segun-
do no anno de 11 19.
Confia o Priorado de três Villas , & vários lugares , &
aldeas,de q he cabeça a Villa do Crato. Da parte do Tejo para
o Sul eflaô as Villas feguintes : o Crato, Gáfete,To!ofa, A-
micyral& Gaviaõ. E da parte dalém do Te]o,iílo he,da parte
doNorte,eftaô Belver^Carvoeyro, En vendo, Proença a No-
va,Cardigos,Certâa)PedrógaõdoPriorado,01eiros,Alvaro
ainda he do Priorado,em quãto à jurifdiçaõ Ecclefíaftica ,& no
q toca aofecular,he do Marquez de Marialva. Também Car-
digos pertence ao Priorado fó na jurifdiçaõ fecular , porq no
efpiritua!,& Eccleíiaftico pertence ao Bifpado da Guarda.
O Crato tem na Villa huma fó Fregueíia ; mas no ter-
mo tem cinco. Tem alguns lugares , & hoje o mais floren-
te he Flor da Rofa ; nome impofto do titulo da milagrofa I-
magem de noíía Senhora , de quemhavemos de tratar, inti-
tulada^Nofía Senhora àa Flor da Rofa. junto da mefma Vil-
la, aonde eflá o celebre Templo de nofTa Senhora , & aonde
querem alguns , com po uco fundamento , ou vefíe Convento
de Monges Bentos, depois dos Templários , ou dos Freyres
Maltezes, &eu me perfuado que aqui nunca refidiraõos
Templários , mas fó os Maltezes. A Certaa também tem vá-
rios lugares frefeos ,& ricos. O principal he Cernache do
Bom
INTRODUZAM. 4r?
Bom Jardim , aonde efíáhumparche demuytos arvoredos
de caftanheyros , pinheyros, fovercyros, & zezereyros*
que faõ humas arvores, que dirivaõ o feu nome do rio Zeze-
re,muy to copadas de ramos;& folhas fempre verdes, iguaes
aos loureyros aflim na folha , como na cor ; mas na grande-
za, &extençaõmayoreSj & alguns comonogueyras. Temo
Crato hum Convento de Religiofos Francifcos da Pro-
víncia dos Algarves , & a Certãa outro de Capuchos da Pie-
dade-
Em Gáfete ha hum poço celebre , aonde fe achaõ crif-
taes muyto grandes ; delles falia o noffo Manoel de Faria, &
Soufa. Era antigamente lugar , depois Aldeã do Crato , &
hoje Villa. Junto a Oíeyros ha huma Ermida de noíTa Senho-
ra do Moíteyro,que pelos veftigios que exiftem, mofira que
foy antigamente Convento. As terras faõ íecas , & de muy-
to poucos cabedaes. Belver confervacom veneração as cele-
bres relíquias de S. Brás , & de outros Santos, em hua Igre-
ja dedicada aomefmoSaõ Brás, que eflá fituada dentro do
caftello. Ealli fe acha hum fragmento de hum barco peque-
no, que referem por tradição viera pelo Tejo parar àquella
Villa carregado de relíquias. Saõ ellas, vários oífos de diver-
fos Santos ,& o mayor, hc hu oífo do dedo index de S. Brás,
pelo qual tem Deos feyto grandes maravilhas; outro de
Saõ Sebafliaõ , & innumeraveis de outros Santos* A mayor
relíquia , he huma ambula de criftal, aonde dizem feconfer-
vaõ duas gotas de leyte de noíTa Senhora , & huns cabellos.
Ha também hum vafo de marfim a modo de cayxa grande de
hoftiasique dizem fer o vafo em que a Santa Magdalena tra-
zia os unguentos para ungir a Chriiio.
O Prior do Crato provê as Igrejas de Vigários, &de
Miniftros Eccleíiafticos , & sos feculares os Officios, & to-
das as Juftiças,& tem muytas terras,& defezasde conlidera-
vel rendimento,que desfruta por íeus contratadores, em ef-
peciai no Crato ,&fcu termo. Nasmais terras tem mu y tos
prazos,
4 1 6 Santuário Mar iam
prazos >& cafaes de que tem de renda trinta, & tantos mil
cruzados ,naõ entrando nefta conta as ordinárias que paga
a Miniftros, Vigários , Beneficiados , Almoxarifes > & mais
filhos da folha. Ifto he brevemente o que contem o Priora-
do do Crato } de que he Prior o Senhor Infante Dom Fran-
cifeo.
TITULO L
T>a hifioria de nojfa Senhor* de Flor da Rofa, do Crato.
ENtre os Concílios mais antigos, fe numera o Illiberita-
no , que fe celebrou em Efpanha,em Andaluzia, que era
Elvira, cujas ruinas ainda hoje exiftem em huma Serra duas
legoas de Granada , que fe chama Serra de Elvira ; alguns
dizem que fe celebrou eíic Concilio no anno de 300. &o
Cardeal Baronio diz que no anno de 305. doNafcimento
de Chrifto. Concorrerão nefte Concilio dezanove Bifpos,
entre os quacs fe numeraõ três de Portugal,ou da Lufitania;
o primeyro de Évora , chamado Quidiano ; o fegundo de Sa-
lada , ou de Alcacere do Sal, por nome Januário ;o tercey-
ro Secundino,da Cidade do Crato,que fe dizia entaõ Catra-
leucenfe. E fuppoíio que o tempo confumidor lhe tirou a
efta grande Villa a prerogativa de Cidade Epifcopal, con-
ferva ainda hoje o fer cabeça do mayor Priorado , que tem a
Ordem Militar de Saõ Joaõ de Malta , cuja jurisdição , affim
no tempora^comonoefpiritua^como fica dito,he taõ gran-
de , que faz vent agens a alguns Bifpados , ou a muytos defte
Reyno.
Entrarão os Mouros,& deftruindo o fagrado, & o pro-
fano, padeceo também o Crato o que as mais povoaçoens do
Reyno. Havia junto àquella Villa hum Convento,que tam-
bém experimentou o furor da perfídia Agarena. Defte , pa-
rece
Livro V. Titulo L 417
fece,que aufentando-íe os Monges, levarão o que pirdéraõ;
êccomohuma milagroía , & devota Imagem denoda Senho-
ra, que havia no Moftcyro,por Ter de pedrada naõ podiaõ le-
var, refolvéraõ, 8c a (Tentarão comfigo de a enterrar, até que
paflaíTe o rigor daquelle açoute; 8c como a Senhora era gran-
de y & pezada , por fer de pedra , naõ a pudéraõ leyar muy ta
longe.
He tradição que depois que os Mouros foraô lançados
de todo o Alentejo , apparecéra alli a Senhora , no mefmo lu-
gar cm que hoje fe vé a fua Cafa. E ícriaõ grandes as circunf-
tanciasde feu apparecimenro;maso defcuydo daquelles an-
tigos Portuguezes no las encubrio. Querem também algtis ,
que fofíe naquelle tempo Dom Prior do Crato , Dom Álvaro
Gonçalves Pereyra , & que efle edificara à Senhora hum
fumptuofo Templo , & dizem , que logo que fc começou a
edificar , dandolhe principio em hum monte , (aonde efUva
liuma Ermida de Saõ Bento , que querem os Chroniflas defta
efclarecida Ordem foífe em tempos mais antigos Convento
feu ) naõ pudera ir a obra por diante; porque trabalhando os
officiacsde dia no monte, 8c recolhendo- feànoy te, quando
voltavaõ pelamanhãa achavão os inftrumcntos, 8c ferra-
mentas ao pé do monte, no mefmo fitio , em que a milagrofa
Imagem da Senhora fe havia manitellado.
AViftadiílofereíolvéraõ então em mandar edificar a
Igreja no lugar aonde a Senhora apparecco , & íe achavaõ os
injlrumentos,por entender fer ctía a fua vontade,8c que naõ
queria a Senhora, que a apartafíem daquelle lugar, em que ef-
tivera tantos annos efeondida- O que fe executou aílím,fem
embargo do terreno fer muy to alagadiço- E teve muy to de
myfteno o querer a Senhora , que fobre aquel les mananciaes
ficaííe fituada a fUa Cafa , para que ddia fe pude fiem verificar
as palavras de lfaias: J&tfrofj pUntatajupcr Wos aqaa-
xwn*
A etymologia do nome de Flor da Rofa naõ pude def-
Tom. III. Dd cubrir
4i 8 Santuário Mariano
cubrir qual fofle, E querendo alguns , que aquella Cafa naS
começaffe nos Maltezes , mas que foíTem os fcus primeyros
Fundadores os Templários , & verificada cila opinião, mais
antigo ha de fero apparecimentoda Senhora,pois entrarão
muyto depois os Maltezes nos bens dos Templários , fe
hc que os Maltezes naô foraõ fempre os únicos na poífeííaõ
daqueik Priorado, como o tenho por indubitável ; porque
os bens dos Templários todos foraô à Ordem Militar de
ehrillo, que infiituio ElRey Drm Dinis. Outros querem
que aquella grande obra foíTe reedificada pelo Conde Dorn
Nuno Alves Pereyra , & que clle com a fua grandeza a aug-
menrára , & fizera o tumulo, quealliíe vé,defeu pay D.
Álvaro Gonçalves Pereyra } que efrá no corpo da Igreja,
coufa taõ grande , que querem alguns que quando o mete-
rão naquella íepultura, hia embalfamado, & fentadoemhu-
macadeyra,&queaíT5mefiá. A fcpultura hefódeduaspc^
dras, & em forma de tumba, huma que faz o corpo do tumu-
lo, & outra que lhe ferve decuberta.
Jorge Cardofo quer que a fepultura referida feja de D.
Gonçalo Pereyra, grande Senhor em eftado, & nobreza ? vi-
favò de Dom Nuno Alves Pereyra , & pay de feu avo o Ar-
ccbifpo de Braga aflim mefmo Dom Gonçalo Pereyra , & que
clle mandara edificar aquella Cafa para feu enterro. Tanta
fie a variedade , que ha de opinioeris nefta matéria. No cru-
zeyrofe vé outra fcpultura de outro gr a 6 Pr ipr, mais bayxa,
& com huainfcripçaõ , que diz quem he o que nella eííá fe-
pultado. Eita deicança fobre quatro leoens de pedra. Ao-
bra em fihc muyto grande, &fumptuofa, & capaz dehuma
grande familia;mas como a Ordem Militar de Saõ Joaô fó em
Malta tem os feus Ca valleyros Congregados, naô ferve efla
ác mais, que de moflrar a grandeza de animo do feu Funda:
4or. Tud© he pedraria,ainda que naõ muyto alva.
A Imagem da Senhora he de rara fermofura , & ve-fe
«elia a encarnação taõfrefca, (fendo a San ta Imagem tam
antiga,)
Livro V. Tituk L 4151
antiga ) que parece acabada de pouco tempo. A matéria hc
pedra, como fica dito, mas de primorofa efeultura , aonde fe
naõ defcobre a menor falta , ou imperfeyçaõ , fem embargo
de que as roupas faõ pintadas, & douradas de mordente $ a-
onde fe vé citar cingida de huma correa, como ufaõ os filhos
de meu Padre Santo AuguíHnho , a adorna vaõ de ricos , &
preciofos vefíidos. Mas fendo Provi for do Crato António
Vieyra Ley taõ , mandou em a vifita que fez, que de nenhum
modo a veíliffem^permittindo fomente o poremJhe manto ,&
affimostemriquiáimos. Em o braço efquerdo tem ao Me-
nino JESUS, também de grande fermofura: ambas as Ima-
gens tem coroas de prata, que de Malta lhes mandou hum
graõ Meftre , ha menos de cincoenta annos. A Senhora eftá
algum tanto inclinada para aparte direyta;aeítaturahede
mais de cinco palmos- Finalmente he eíta Santa Imagem de
taõ foberana graça , & mageítade , que parece fer obrada pe-
los Anjos.
Concorre da mayor parte do Alentejo, & Beyra muyta
gente a fazer romarias , & a ter novenas a eíta Senhora. Ho-
je o dia de fua mayor feftividade,he em a primcyra Seita fey-
ra de Março ; porque celebrando-fe antigamente em o dia de
fua Encarnação, como nefte dia fe não podia feflejar em al-
guns annos , por cahir na fomana Santa , íè aíFentou ficaíTe
dia fixo , o da primeyra Seita feyra: também ha nefte dia fey-
Tâ, & fe fazem três no anno em obfequio da Senhora. E hc
taô grande o concurfo da gente , que concorre de diverfas
terras na primeyra Seita feyra* que naõ cabe na Igreja, com
fer baftantemente grande»
Os milagres que obra , faõ innumcravcis , de que faô
fidedignas teftemunhas , as muytas memorias, que pendem
nofeu Templo, affim de mortalhas, como de cera, & outros
inítrumentos; , que publicaõ o remédio -, que todos achaõ na
liberalidade daqaella Senhora foberana. Humreferirey , &
*oy,que huma mu!her,que coílumavayeíiirA compor a Se-
Dá z nhora*
'4io Santuário M aviam
nhora } padecia hmis accidtntes crucis como de gota coral;
cflando efta veftindo a Senhora } deulhe o accidente, & com
as anciãs fe abraçou com a Senhora , & foy ella fervida ejue
nunca mais os tiveíTc pernos padeceííe. Sobre o arco da Ca-
pellamór,que he ôltiíílrro, fevéhuma Cr uz, donde he tra-
dição cahira humdoscfficiaes que fizeraõaquelle Templo,
& com fer taõ grande a altura, naõ fez a menor lcfcô, & aífim
para memoria do favor > & milagre i fe lavrou aquella Cruz.
Defta Senhora faz menção FrancifcoRcdriguez Lo-
bo na vida do Conde ftavel Dom Nuno Alves Pereyra, a*
onde em o canto i. fallando de Dom Álvaro Gonçalves Pc-
rcyra , pay do Condeftavel , diz aflim:
ISÍíJfa região fértil Tranítagana 2
Fe^ da Amieyra a forca bellicofa,
E novamente aterra Lufitana
Edificou a alegre Flor da Rofa,
Aonde a Virgem pura > & foberana,
Fe^dofeunome aCafa mtlagrofa,
7)a Ordem lhe annexou muy grojfa rtnd&%
Ordenando de noVo huma Commenda.
E fallando da morte do mefmo Dom Álvaro Gonçalves em ©
canto 3. diz aflim;
Deuoef pirita aquém lho tinha dado >
M& Amieyra aonde então Vivia,
Dalli à Flor da Roía foy legado
Com pompa funeral de Gerefia,
TSLaquella me/ma Igreja fepultado7
Slue ergueo ao Santo TSLorne de Maria,
Repoufa,láno Ceo ItVre da guerra',
JZue obras dignas do Ceo deyxcu na terra.
Muytosefcrevcm da Senhora de Flor da Rofa > como Ma*
noel de Faria Severim nos feus manuferiptos , a Eenedidi-
na Lufitana tom. j. tratado 2. cap. 14. Vafconceílos in def-
criptioneRegn.Lufit.pag.538. nurou.Cardofonofeu A-
giologio , & outros. Tl T U -
Livro V. Titulo II. 41 t
TITULO II.
Da miraculo/a Imagem de noffa Senhora da Piedade, ou
de Rodes na Villa do Crato.
NA Parochial Igreja da Villa do Crato (que jadiflemos
era umca ) dedicada à Conceição puriffima da Virgem
Maria Senhora noíTa , fe venera huma devotiflima Imagem
da mefma Rainha dos Anjos , a que daõ o titulo de NoíTa Se-
nhora da Piedade , por fe ver como Santiffimo Filho , & Re-
demptor noíTo,Chrifto JESUS, defunto em feus braços.Eftá
efla devotiffima Imagem collocada em huma Capella,que he
a collateral da parte da Epifíola , junto da Sacriflia. E neíla
mefma Capella fe venera também a Imagem do Senhor dos
Paflòs; porque eflá aífentada naquella Igreja afua Irman-
dade.
He tradição confiante que efla Santiffima Imagem (8c
a de Santiago Mayor, que fe venera na Igreja do Efpirito
Santo) fora muy to celebre, & venerada na Cidade de Rodes,
& que quando no anno de 1 522. fe perdeo aquella Cidade,&
Ilha , que tomou por força de armas o graõ Turco Sohmaô,
a falváraõ os Maltezes , & o fçu graõ Meítre, que entaõ era
Filipe Viliers Liladamo , de naçaõFrancez, & que ao de-
pois a mandarão os Maltezes a Portugal , aonde depois foy
levada para o Crato, como cabeça,que era deita Militar Or-
dem em o mefmo Reyno.
A Imagem com o Santiffimo Filho morto , & aífentada
emhumacadeyra , he formada de huma fó pedra , & parece
definiffimojafpe;a fua proporção hedaeftaturaquafí natu-
ral, & humana. Tem com efla Santiffima Imagem grande de-
voção todoaquelle povo;porqueem fuás neceffidades,& af-
fliçoens , cila he para todos a confolaçaõ , & o alivio. E fup-
Tom.III. Dd 5 pofto
411 Santuário Mariano
pofto que naquclle Templo fe venera ô três Imagens de Ma-
ria Santifíima,a da Conceiçaõ,que he a Titular, & a Senhora
do Rofario;a da Piedade he a quea todos leva a affeiçaõ,por-
que de todos he bufeada , & venerada. E (lá pintada , & dou-
rada ao antigo. Também por devoção lhe põem manto. O-
bra muytos milagres jhum referirey que por tal fe teve.Hum
Religiofo reformado , natural da mefma Villa , tinha desde
menino grande devoção com efla Senhora ; indo humavez
ao Crato , & vendo que o manto, que a Senhora tinha , eítava
ja velho, defejou de lhe dar outro; para efta obra lhederaõ
deefmolahuma moeda de ouro, euftoulhe a feda vinte &
fcis toftoens 7 & para a guarnição reftáraõ fomente vinte &
dous , que era muy to pouco para três varas & meya de re n-
da de prata \ pofla efla na balança foy ao chaô com o pezode
2200. pozo mercador outro pezo proporcionado aomuyto
quearendamoftravapezar,& levantou-fcaté o mais alto; à
virta difb pondo outro pezo menor , fe levantou também a
renda na mefma forma ; foy diminuindo os pezos até chegar
a por dous grãos > que era o menos que fe podia por , & fem-
pre a balança da renda fubia \ tirados cites pezos , & ficando
íb osprimeyros, defceooutra vez a balança da renda até
o chaõ> com que ficáraõ admirados jo mercador^m ver o pou-
co que a renda pezava;& o Religiofo ,do prodígio quea Se-
nh ora obrava , en) ordem a que nem a renda faltafle à íua o:
bra ^ nem excedeffe o culto , mais do que elle tinha.
TITULO III.
Damilagrofa Imagem de notfa Senhora doTranto , da
Vida dos Envendos*
H
Uma das Villas do Pri orado do Crato he a dos Enven-
dos , das que ficaõ além do Tejo para a parte do Norte*
Ncfla
Livro V. Titulo III. 413
Neíla Villa he Santuário celebre (emaquellss partes) o em
que he venerada hua devotiífima Imagem daMãy deDeos,
como Santiffimo Filho defunto em feus braços , a que àsõ
o titulo do Pranto , ou dos Prantos. De fua origem , & an-
tiguidade naõ ha noticias certas; mas fomente humastradi-
çoens,que fe referem aífim. Hum Fída!go,& Cavalleyro do
habito da Ordem Militar de noflb Senhor Jefus Chrifto,cha-
mado N. Lavado , natural i & morador da Fregueíia dos En-
vendos , tinha grande devoção com a Rainha dos Anjos.
Eíte Fidalgo ( com efle titulo de nobreza o nomea a relação
que fenos deu defta Senhora ) defejava edificar à Senhora
hutna Cafa , para collocar nella huma Imagem fua , que para
iíTo mandou obrar na Cidade do Porto , aonde com effrtto fe
fez ,& com muyta perfeição. Vindo a Sagrada Imagem,tra-
toulogo da fabrica da Ermida, & acabada ella difpozcom
fervorofo cuydado a fua collocaçaõ , o que fezcomtodaa
grandeza , & apparato, que foy poflível. Collocada a Senho-
ra , começou logo Deos a obrar por feus merecimentos , 5c
interceflaõ muy tos milagres.
Correndo os tempos > veyo eíla Ermida, por muyto an-
tiga , a arruinarfe , o que vendo dous moradores da mefma
Villa muyto devotos da Senhora , unidos em devoção, lhe
edificarão outra, pouco diftãte da primeyra, & por mais mo-
derna, de muy to melhor fabrica* O titulo que à Senhora fe
lhe impoz logo nos feus priricipios, foy o de NoíTa Senhora
de Alcolobre , que devia fer o nome daquelle lugar , & íitio
em que fe lhe fundou a fua Cafa. Succedeo depois haver por
aquellas partes huma grande pefte, da qual morriaõ cada dia
muytas peffòas. Nelta grande afflicçaõ hiaõ à Cafa da Se-
nhora, & com gemidos, & lagrimas imploravaõo feu favor,
& o remédio daquellaneccflídade.
Defles prantos quefaziaõ naprefença daquella Santa
Imagem, fedizqueforaimpoílo o nome com que hoje he
bufcada, & venerada, chamandolhe noffa Senhora dos Pran-
Dd 4 tos,
424 Santuário Mariano
tos , ou do Pranto. E foraõ taõ poderofas eflas Iagrimás,&
prantos , que fe fizeraõ à Senhora , que movida a compsy-
xaõ a todos os que com lagrimas pcdiaõ remédio, o alcan-
çarão da fua clemência , & aífim defapparcceo o contagio.
Com eíle grande favor fc accendeo ainda muyto mais em
todos a devoção, & aífim continuamente bufcavaõ a Senho-
ra em todos os feus trabalhos, &em todos achavaõ, &a-
chaõ hoje promptiflimo o feu remédio.
A Imagem defía Senhora he devctiífima , & de taõ ex-
cellcnteefcultura,que parece obrada peloCeo. Ke formada
em pedra , eílá fentada com o SantiíTimo Filho em os braços,
& na forma em que eftá , faz quatro palmos em alto ; & o Se-
nhor moftra ter mais de cinco palmos. Sobre a toalha , que
o efcultor lavrou , lhe põem outra, & hum manto, que de or-
dinário he de cor triíte , para mayor demonftraçaôdaquelle
dolorofo myflerio. Eftá collocada em hum nicho nomeyo
do retabolo, que he de talha > mas pequeno, & ainda em pre-
to ; porque ou a pobreza daquelles moradores deve fer tanta
que naõ alcança àquella limitada defpeza ; ou a devoção dos
que fervem , & aflifíem à Senhora fera taô fria , que naô cuy-
daõ muyto defta fua taõ forçofa obrigação : fenaõ he que os
Parochos,a quem aquella Ermida he annexa, cobraõ todas as
offertas da Senhora , fem advertirem que gaitando parte dei-
las em ter com mais aceado culto, & adorno aquelle Al-
tar da Senhora, fe daria cila por muyto mais obrigada , para
que as tiveífem muyto mayores ', & fe moveriaõ também os
devotos da mefma Senhora , a lhas oíferecerem mayores.
Sempre refplandeceo aquella milagrofa Imagem em maravi-
lhas , & aífim he bufcada de todos a^uelles povos circumvfc1
zinhos com fervorofa devoção.
TITULO
LivroV. Titulo IV. 425
TITULO IV.
T)a milagrofa Imagem de nojfa Senhora da Eífrella^o
Monte do Minhoto-
JUnto ao rio Zêzere efiá huma Serra , entre as muytas
que o cercaõ de huma , & outra parte , em a Fregucfía de
Saõ Sebafliaô do lugar de Cernache do Bem Jardim } termo
da VilladaCertãa , aquechamãoo Montedo Mirhc te. He
efla Serra muy to alta , & povoada de grandes penhafeos, &
da parte do Zêzere muy to defpenhada ,& Íngreme. Ncíla
meíma Serra,ou Monte do Minhoto, fe vé huma grande Er-
mida , edificada fobrehuns dosfeus rochedos , dedicada à
Rainha dos Anjos, com o título deN. Senhora da Eflrella;
titulo a meu ver impoflo porcaufa de alguma fermoía luz,
011 Eflrella íingular, que manifeflaria aquel/e grande theíbu-
ro-porqhe Maria Santiflimahueflupendothefouro da Igre-
ja, como diz Santo Epifânio: Thefaurm Uupendus Ecclefi*. S.Epjp.
He efla Ermida muy to antiga > & foy edificada naquellt °rat. de
lugar , com a occafiaõ de apparecer no mefmo íitio efla Sa- l**à.
gradalmagemda Senhora. IA ffirmafe que em huma gruta, D'*P*ri
ou conca vidade,que eftá junto à mefma Ermida, apparecéra;
a forma do feu apparecimento naõ confia, podia bem fer fof-
fe a alguns cândidos paflorinhos, que fendo pelas virtudes S.Ephrl
fabios , mereceriaõ que huma Eflrella lhes moflrafíe aquella in lat*d*
Scnhora^que he Eflrella rcfplandecentiflima, da qual nafceo, *• ^%:
& procedeoo Divino Paflor JESUS Chriflo, como diz San- Galy* ,
toEphrcm ,& Galfrido: Stdlafulgidijfimuy exqua Çhrt8m ™fje£
procejit. E^oedificaríe aquella Igreja em tal fitio, confiry//'/^'
ma a tradição , queaffirma quealli"apparecéra,& tarr;bem as cap.ij}
maravilhas , que obra, & obrou fempre , que faõ muy tas. àts
He efla Ermida grande , com Capella mayor , & dous A7*/»*
Altares
416 Santuário' Mariano
Altares collateraes ;& tudo eílá teítemunhando,que em feus
princípios feria muyta a devoção com aquella Caía , & que
obraria nella a mãi de Deos muytos prodígios , pela invoca-
ção de fua Santiífi na Mãy em aquella fua Imagem da Se-
nhora da Eftrelía , 8c a naô haver taõ grande devoção naquel-
lesfeculos paíTados (que pode ferquefejiõ muytos) para
com aquella SanriíTima Imagem novamente apparecida,naõ
fe pudera edificar hum Templo taõ grande em tal fitio, fup •
pofloqueaoprefente fe vé ja muy tibia a antiga devoção ', o
que caufará a pobreza daquellas terras.
Nosdous Altares collateraes, dizem algumas peflòas
antigas, queeraò veneradas as Imagens de Santa Anna em
hum , Sc em outro a do Apoftolo Santo André , & que ja ha-
via miytos annos , que eftas Imagens foraõ mudadas para o
Altar mór , 8c nos collateraes ja hoje fe não diz Miífa , por*
que eftaõ nus fem algum ornato. E procedeo ilío da pobreza
daquclles imradores , & de não haver alli Confrarias. Tem
também aquella Igreja hum grande alpendre , & junto à
Capella mór ficaõ humas cafas , com porta de comunicação,
em que vive o Ermitão , 8* laõ féis as cafas, naõmuy to gran-
des. Tem hum poço junto à Ermida , oqual nunca féca , por
mayores que iejaô os calores doveraõ; o que parece coufa
digna de reparo,por ficar no alto daquella Serra. E tem tam-
bém huma fonte perenne , que lança agua por huma bica.
Junto a eíle mefmo penhafeo , em que fe edificou a Er-
mida da Senhora , ha ainda duas grandes fovereyras , & hu-
ma delias tem hum tronco muyto grande, que denota muy-
ta antiguidade, & confirma também a da Igreja. Eila fove-
reyra do tronco grande , affirma a tradição, que dava humas
contas ou frutos pretos, como a zeviche, de que colhiaò os
Romeyros,que hiaõ aviíitar a Senhora , &que eites taes
contas, moídas, & bebidas,ferviaõ de remédio a muytas en-
fermidades, em toios os que delias fe valiaõ. Eftas contas,&
fru cos fe acabarão \ & a caufa de a arvore as dcyxar de pro-
duzir,
Livro V. Titulo IV. 427
duzir, dizem tombem , fora porque o Ermitão daquelle tem-
po as vendia : tudo ifto he tradição , que fe conferva naquel-
les moradores circumvizinhos , &aífim naõ o aíErmo por
coufa verdadeyra.
Tem também osErmitaensdaquelIa Cafa, humacerca-
íinha , & neíta , & junto à Ermida , fe vem huns alicerfes de
cafas antigas , &huma porta tapada de parede nocorpoda
lgreja,que moflra hia das cafas para ella.Tarrbem fe diz por
tradiçaõ,que naquelle fitio aífifiiraõ os Cavalleyros Templá-
rios. E podia bem ícr , que tiveíTem alli Convento, & algum
caílello , ou forte > para delle fe defenderem , & c fftncerem
aos Mouros. Também fe pode crer ifto por certo à vifta da
grandeza daquella Igreja , ou queouvefte alli algum Con-
vento de Eremitas, quehabitavão aquelle lugar, &ftrviaõ
à Mãy de Deos naquelle feu Santuário. Os Ermitaens defk
Cafa fa6 da aprefentaçaõ dos Provifores do Priorado do
Crato, os quaes lhedaõ também licença, para nediremeímo:
Ia cm aquelles contornos , para fe fuflentarem.
Naõ temefta Senhora Irmandade, nem Confraria ; mas
ha naquella Igreja huma que ferve a Santo André, que tem
hum Capellão,que lhe vay dizer MiíTa todos os Domingos,&
dias Santos, por q lhe fica a Parqchia em diflancia de Iegoa,&:
meya; & da Ermida os cj ficaõ mais perto, eflaõ em diilancia
dehuquartodelegoa. Naõ fe faz feita particular à Senhora,
nem tem dia determinado para ella, porque ízõ os moradores
daquelle deOritopobriffímos, & aflim afua muyta pobreza
defeulpa a fua pouca devoção : porém fe ouvera algum , que
fora mais devoto,ou o Capellaõ > q alli continua a dizer Mif-
fa^tivera mais zelo, com elle pudera dos moradores da Cer-
tãa,& deCernache nomear em cada hu anno algús mordomos.,
para cj feftejarTem em algu dia do anno a Senhora da Efhella.
Todos aquelles povos circumvizinhos tem muyta fé,
& devoção com efta Senhora, & aflim abufeaõ fempre em
fuás affliçoens, & neceffidades 5 & eíkscom a occaíiaõde al-
gum
4*8 Santuário Mariano
gumefpecial favor , que recebem da Senhora, !he fazem alJ
guma fefta votiva. E a fé com que o fazem , lhe faz confe-
guir os defpachos de fuás petições. E fendo muy tos os mila-
gres, que obra, & tem obrado aquella Senhora, nenhum
delles fe tem authenticado. A Imagem da Senhora da Eftrel-
Ia eflá collocada no Altar mór ; he de pedra , & a fua eftatu-
ra faõ dous palmos , & quatro dedos , & he de tam loberana,
& perfeyta efeultura , que fe julga fer obrada pelas mãos
dos AnjosTem ao Menino Deos em feus braços,& elle eftá
pegando com huma mão no bico do peyto da Senhora ,&
com tanta graça , que caufa muyta devoção , nos que com at-
tençaõ o reparaô. He eíla Ermida annexa à Parochia de Saõ
Sebaftiaõ , do lugar deCernache do Bom Jardim. Sobre a
origem defla Sagrada Imagem , ( de que nada confia ) fe pode
dizer, que aflim como os Çhriftãos efcondéraõa Imagem da
Senhora das Dores, ou do Pranto de Dornes, quando os
Mouros invadirão a Efpanha , em huma daquellas Serras do
Zêzere ; que o mefmo fariaõ os daquelle deftrito, em occul-
tar também a Senhora da EftrelIa,deyxando-a à Divina pro-
videncia o manifeftalla, como o fez, quando cila odifpoz; fe
he que os Anjos, que fabricarão muytas, naõ foraõ os artífi-
ces que fizeraõ efta.
TITULO V.
Da milagrofa Imagem de N. Senhora daSanguinheyra
em aVtlla da Amieyra.
NA Villa da Amieyra , huma das que fe comprehendem
na jurisdição do Priorado do Crato , he celebre o San-
tuário de noífa Senhora da Sanguinheyra , titulo taõ antigo,
como fepódeconfiierar dagroíTaria do vocábulo. Dizem
os naturaes daquella Villa , fer cila Senhora advogada , efpe-
cial-
Livro V. TituíoV. 41$
ciafmcnte das mulheres , que tem trabalhofos partos .»& pa-
decem fluxos deíangue, & a eíte refpeyto lhe impuzeraõ
efle titulo da Sanguinheyra , nome impofio mais daruflici-
dade , ou fingeleza daquelles tempos , do que da policia , &
limada frafe com que hoje fe falia , & íedencminaõaquellas
coufas , que merecem grande attcnçaõ nos titules > & nomes
que fc lhes impõem.
Efte Santuário fe vé , fahindo daquella Villa para a par-
te do Norte, depois de paflar huma ponte de peuca confide-
raçaõ,por onde corre hum regato , mais pobre nas sguas
que!eva,doqueorioCedron daPaleflina. Defta ponteie
fobc ao alto de hum monte, (por diflancia de cem paílcs) que
podemos chamar o Monte de Siam , pois nelle fe vé a Cafa
daquella Senhora,que he expreíía figura deite celebre monte;
ou monte Ohvete , por fc Ver cercado de olivey ras; & cemo
fempre cííá a fua piedade repartindo mifericerdias , com
mais propriedade fe lhe devia impor cite nome,& dar o titu-
lo da Oliveyra , ou do Olival, que feria mais próprio, do que
o da Sanguinheyra j titulo que também fe equivoca com hu-
ma arvore, a quedaõ o nome de fanguinho. No alto dciic
monte, pois, fe vé a Cafa de Maria Santiffima, & tamantiga,
que de fua fundação fe naõ podem defeubrir nenhuns princi*
pios, naõ fóde memonas,ou eferituras autenticas , porque
as naõ ha ; mas nem por tradiçoens , por naõ haver quem as
refira. Huma peífoadeboa intelligencia , & erudição , diz
que fe perfuade que a Ermida da Senhora he taõ antiga,ccmo
o faõosChriílãos daquella Villa , & quer que aquefla Cafa
foííe nos tempos antigos Templo da fabulofa Luciná, deofa
dos Gentios , invocada das mulheres em feus perigofos par-
tos , quando clles exifiião naquclfas terras- E feria porque a
cila Senhora recorrem todas as daquella povoação, & cir-
cunvizinhas ,em os feus partos, hoje com fervorofa devo-
Çaô,& fempre o fizeraõ nos tempos paífados, experimen-
tando felices fueceífos no favor daquella Senhora , como
quem
43 o Santuário Mariano
quem lhos podia alcançar com mais certeza, do que aquclía
fingida»; & mentirofa divindade o fez às que cegamente a in-
vocavaõ.
A eftrucítura,& fabrica daquelle TempIo,& pobre Pan-
tcon , he ( ainda que limitada) proporcionada à fua grande-
zz. Tem Capella mor fechada de abobada , cujo plano tem
de comprido até o gradual treze pés, & de largo dezafete*
Moílra haver (ido azulejada em algum tempo, & também
o corpo da Igreja ; neííe tem dous Altares collateraes, & tem
decomprimento trinta & oyto pés , & vinte & quatro de lar-
go. Na porta principal fe levantaõ quatro degraos, de hum
átrio , aonde antigamente eomeçavaõ as fuás rogativas, a-
quelles que recorrião a impetrar da Senhora o remédio, & a
confolaçaõ em feus trabalhos , & affliçoens, aífirn commuas,
como particulares. Enelle fe congregavão os Clérigos, &
mais povo,&davaô principio às Ladainhas; mas ja hoje fe
pôde dizer, Spind > fkjfocàVerunt triticumdeVotionis-, porque
fe vé tão fria a devoção, que parece de todo defappareceo
efle louvável exercício, & em lugar delle poderá fer íirva a-
quellc fitio aos ociofos de referir fabulas.
Nefta Ermida fe naõ vémais que huma fcpultura , que
dizem fer de hum Ermitão, que fervia à Senhora- Teve fino,
que le^áraãos Caftelhanos , nas entradas que fizerão na*
quella , & mais terras do Priorado. Não tem efta Senhora Ir-
mandade , nem Confraria; o que procedeo de ter aquella Ca-
ía baftante fazenda, que eftava annexa a huma Capella , cujo
adminiiirador eflava obrigado à fabrica , & defpezas da Cafa
da Senhora , & também à de outras três Ermidas , a do Sal-
vador ,a do Efpirito Santo , & a de Santo André. E vindo
em os cempos paffados hum Capellão , (querendo que foííe
a Capella Beneficio collado ) quiz tomar po!íe delia 5 mas
foy logo lançado fora. E da fazenda fez depois mercê ElRey
Dom joaõ o Qjarto à Cafa da Mifericordia da meíma Villa,
por fer pobre. DeíU renda, que ja hoje fe vé, qom grande di-
minuição,
Lrvro V. Titulo V. 43 1
minuiçaô3he obrigada a Irmandade da mefma Mifericordia a
fcflejar a Senhora , & a mandar dizer na fua Cafa duas MifTas
cada fomana , para o que tem os ornamentos neceífarios. He
muy to para notar a incúria , & pouca devoção daquella gen-
te, que cobrando as rendas da Senhora, & em tempos, em
que rendia mais % nunca fe deliberarão a lhe fazer hum reta-
bolo de madeyra.
No Altar mór fevécollocada a Imagem da Senhora da
Sanguinheyra. E ja efta que fe vé ao prefente ,naõ he a pri-
meyra; ( que naõ fe fabe , nem confia fe foy apparecida na-
quelle lugar)a que hoje exiftc fe fez ha pouco mais de 25.an-
nos, & a antiga fe enterrou; porque a traça a havia d- sftyto,
& maltratado. Mas eíla diligencia nam merece muytasap*
provaçoens; porque fe pudera remediar , & confervar por
antiga , & n)ilagrofa. He efta que exifte de efeultura de ma-
deyra , & moítra fer de pereyra. Tem quatro palmos de efia-
tura , eílá em pé como Divino Infante jefus fentado fobre
o braço cfquerdo. Tem a Senhora em a maõ direy ta hum co-
ração , & o Meninojefus outro. Bem podem os íeus devo-
tosinvocar feguramentea efta amorofa May pela Senhora
de feus coraçoens , & femelhantemente ao foberano Meni-
no^Deos de íeu coração : Vem corás meu
Vemfcaquelles coraçoens como enfanguentados, de
donde deduzem o feu titulo da Sanguinheyra , & fe verifica
nas grandes maravilhas , que obra a favor das mulheres,
quando no aperto de feus irabalhofos partos , & fluxos de
fangue, recorrem à fua piedade, porque logo fe achaõ livres,
& remediadas. Para iílo coftumaõ vir antes de feus partos
a ter novenas na Cafa da Senhora ,011 accender Ih e a fua alam-
pada \ & outras que naõ puderaõ fa2er as novenas antes,ou
porque viviaõ muy to diíbntes, asvaõ fazer depois em ac-
ção de graças pelos benefícios que receberão. Enãofóas
mulheres daquclle povo recorrem a efta mifericordiofa
Mãy de piedade, fcverdadeyra medicina dos peccadores;
mas
^
4 3 1 Santuário Mariano
nus to ias asdoscircumvizinhos. Finalmente naõíó as que
padecem fluxos de fanguc , & tem partos perigofos , mas to-
dos oí cjue padecem qualquer trabalho , ou enfermidade , a-
chaõneíhEmperatriz da gloria certos os remédios; porque
a todos fe extende a íua mifericordiofa compayxaõ.
Deftas maravilhas, que a Senhora tem obrado, havia
muycas m :morias , aíTin de cera ,& mortalhas , como de ou-
tras coufas deita qualidade, quefe viaõ pender das paredes
da íua Capella \ mas cilas , ou a pobreza , ou a ambição dos
queaífifttâõ asdiminuío de forte, que faô muyto poucas as
quefevem. E poreftacaufa fe põem raras vezes na Igreja,
ou porq ie os que nella aíTlftem as recolhem logo, ou porque
amuyta diligencia em as recolher > fufpendeodevotocofíu-
mc deasoíFcrecrr.
Feftcjafe a Senhora da Sanguinhey ra no dia de feu Naf-
cimento, a oy to de Setembro ; 5c para a prociífaõ > que fe faz
nefte dia , & no de Corpus Chrifti , & no do Efpirito Santo,
tem obrigação a Mifericordia de mandar feffentacirios, pe-
la inftituíçaõ da referida Capella , pela qual he também obri-
gada a darcada anno duas camas ao Hofpital damefma Vil-
la. Antigamente fefaziaõ as fcftas da Senhora comgrande
pompa, 5c perfeyçaõ , naõ fó na celebridade da Igreja , mas
das que a devoção inventa fora s, para alegria , & feítejodos
que concorrem ,como eraò comedias,danças,&- outros feme-
lhantes entretenimentos; mas o tempo ? ou a pobreza acabou
a antiga, & fervorofa devoção. Eítes noticias nos deu húa
peííòadam:fmaVilla,queas examinou com todo o cuydado.
TITULO VI.
T)a milagrofa Imagem deN. Senhora da Confiança.
Iftante da Villa do Pedrógão Pequeno , ou do Príora-
do,menos de hum quarto de Icgoa , fe vé entre o Nor-
te,
D
Livro V. Titulo VI. 433
te, & o Nafcente o Santuário, & Caia da Senhora da Con-
fiança, aonde fe venera huma milagrofa Imagem da May de
Dcos , a quem dam eftc myítcrioío , & devoto titulo 4a
Confiança, pela muyta que todos tem com cila. E com muy-
ta razaõ íe devia dar fempre à piedofa Mãy dos peccadores,
efte nome ; porque todos como filhos devemos chegar a ella
confiados a efperar os ícus favores. E como ninguém che-
gou a impiorar o patrocinio, & o favor defta grande Senho-
ra , que o naõ alcançafTe , acertadamente lhe deraõ efte ti tu-
lo-Os gregos no íeu Hymno lhe chamão a confiança dos ho-
mens mortaesna prefença do fu premo Juiz: Fiducia morta-
hum erga tkunu Donde confiados no Divino favor deve-- /£*•
mos efperar ferabfoltoSj & livres dos noíTòs crimes- /
Outros daõà Ca fa da Senhora o titulo do Calvário, & Unteênl
efie he o feu verdadeyro titulo, & com toda a propriedade fe p4g.nl
lhe dá, pois he dedicada a Chriíío pofto no Calvário , por fer
a clle dedicada , & no Altar mór eftá collocada a fua Santiflí-
ma Imagem , & nelle le vé crucificado ; & a efta Cafa fe Vây a
finalizar, na Quarefma , a prociffaõ dos Paffos , & todos os
que por devoção os correm , alli os acabaô.
Fica efta Ermida íituada fobre o Zêzere , em o alto de
hummonte,que verdadeyramentc reprefenta o Monte Cal-
vário. Ve-fe cercada de arvoredos íil vefíres , que fazem de
veraôdeliciofo aquelle lugar pelas fuás boas fombras;&hc
taô imminentc, que delle fe defcobrem muytas Villas , como
faõ a do Pedrógão Grande , Figueyró dos Vinhos , Arega ,
Certãa, Álvaro 3 Alvares , Dornes, Villa de Rey , tx outras
mais. A Ermida he fermofa , & tem três Altares; no Altar
mór eftá o Senhor crucificado,como difíemos, que he o Ora-
go da Ermida , & dos dous collatcracs o da parte da Epillo-
la he dedicado à Senhora da Confiança , aonde fe vé colloca-
da a fua milagrofa Imagem.
Dizem que o Fundador daquella Igreja fora hum Vi-
gário da mefma Villa do Pedrógão do Priorado, chamado
^ Tom. III. Ee " Joaõ
434 Santuário Mariano
]caõ da Cofia; êreiie parece que collocou naõfó a Imagem
do Santo Chrifto , mas também a da Senhora da Confiança.
O motivo que teve para dar à Senhora efíe titulo , naõ pude-
mos alcançar. Tomaria a Senhora por tmedianeyra dtfta o-
brada fua devoção, & com a confiança de que com o feu fa-
vor a poderia acabar , daria à Senhora efte titulo. E como a
Cafahe muy to antiga, nsõhe muyto , que naõ haja ja noticia,
nem memorias dos motivos com que o Vigário fundou a
Cafa , nem do que teve para dará Senhora efte titulo.
He efta foberana Imagem de efeultura de madey ra,quaíi
da proporção natural de huma mulher perfey ta. As mara-
vilhas que obra , faõ innumeraveis , & afllm he a fua Cafa
muyto frequentada dos fieis , porque de muyto diftantes ter-
ras he bufeada com grande devoçaõi&os favorecidos, & be-
neficiados defta piedofa Senhora , lhe vaô a dar as graças do9
favores, & mercês que lhes repartio, & lhes alcançou. A fua
fcfta fe lhe celebra em oy to de Setembro. Ha nefta Igreja hu*
ma Cruz de relíquias, entre as quaes fe adora huma do Santo
Lenho , a qual fe expõem ao povo em o dia da Invenção, da
Santa Cruz,a três de Mayo.
TITULO VII.
Da Imagem de nojfa Senhora de Águas Feras.
N Os limites da mcfma Villa do Pedrógão do Priorado,
fe véoutra fermofa Ermida, & Santuário da Mãy de
Ders , diítanteda Villa coufn de hum tiro de mofqiiftc,aon«
de fe venera huma milagrofa Imagem da Rainha dos Anjos
&l<ria Sanriflima , aqucmdaõ o título deNoffa Senhora de
A guas FéraSjCuja origem , & etvmologia defte notável titu-
lo j fe refere por tradição > que havendo no rio Zêzere huma
grande cheya > que inundando os campos com ameaços de
grandes
Livro V. Título VIL 435
grandes rumas , invocarão os moradores daquelíe deíxnto
o favor da Mãv de mifer.icordia,para que lhes valcífe^ pedin-
dolhe os livraflc daqucíías feras aguas , ou aguas feras ; por-
que hc eíte no muyto arrebatado, &fahindoda madre , ar-
rebata quanto encontra. E como a Senhota os livrou da-
quelte grande perigo, a começarão a invocar, &: denominar
comomefmo titulo, com que alcançarão o defpachodaíua
petição , & fahiraô livres daquelle grande perigo.
Eftáíituada eíia Ermida da Senhora junto ahuma ri-
beyra , quedefagua no mefmo Zêzere, em omeyodehuín
campo cercado de oliveyras.E também eíh crefeeria tanto q
fe temeíTe a fua ruinajmas a Senhora naó fó livrou a fua Cafa,
maslivrou também aos feus devotos daquelle grande peri-
go- E desde aquella occaíiaõ das aguas feras, ou arrebata-
das , teve principio o invocar fe a Senhora com cfte titulo,
porque maravilhofamente os livrou da fua fereza» Qual fof-
fe o primeyro titulo,& o com que de antes fe denominava, ja
hoje fe naõ fabe , nem coníh de eferituras.
HeeftaCafa da Senhora de Aguas Feras antiquilííma,
& tanto , que confia do tombo das fazendas do Priorado do
Crato, (aonde pertence) que haverá duzentos Ãccincoenfa
annos que deyxou de fer Parochia , & a Matriz da mefma
Villa , que tal vez por ficar em íitio bayxo , & no inverno in-
tratável pelas inundaçoens das aguas, &diftante da Villa,
amudáraõparaella, & também feria por fer ja muyto po-
voada. Neíte tempo lhe dariaô ( por fer Igreja Matriz) o ti-
tulo de Santa Manado Pedrógão, como antigamente era
commum.
A Senhora eílá collocada no Altar mór. Fefteji fe cm
a primeyra Oytava do Natal. E também em íe fazer a fua ce-
lebridade em eftedia , haverá algum myflerio , & caufa ef-
pecial , & bem poderá fer que neík dia fuccedeíTe o milagre,
em que a Senhora os livrou da cheya do rio; mas como mç>
ha eferituras, que o abonem, nem tradiçoens, que o íffir-
Ee z mem
43 ó Santuário Marianê
imm,n2Õprdeir;Osafícverailo. Obra noffò SenTior muytas
maravilhas pela inttrcefíaõ de fua Santiílima Mãy , br pela'
invocação deíla fua Imagem.
TITULO VIII.
Da Imagem de notfa Smhora do OliVal>da Villa da Cer-
tãa , ou da Graça.
SObindo Chrifto ao monte das Oliveyras: Terrexit in
montem oliVeti , diz Auguflinho meu Padre que fubira
ao monte frutuofo , ao monte do unguento , & ao monte do
r „ chrifma: In montem fruétuofum7in montem unguenti}in mon-
irath ' tem c^ílímatu* Mas aonde havia o Senhor de efpalhar as lu-
2^i„ zes da fua graça, & doutrina, aonde havia de derramar o un-
Jom. guento da fua caridade, & favores, & aonde nos havia de un-
gir com o chrifma , & balfamo de fuasmifericordias , fenaõ
no monte das Oliveyras, no monte do Olivais Aílim Maria
Santiílima , que tem todas as graças , & prerogativasde feu
Santiífimo Filho , no monte das Oliveyras , & no monte do
OIivaI,em a fua Caía,nunca cefla de nos encher de fuás gra-
ças, favores, & mifericordias. Porque nella como de cadey-
ranos eftáenfínando, & doutrinando , derramando fobre
nós rios de graças , rios de favores , & rios de mifericordias.
A eíta Senhora chamou S.Joaõ Chryfoítomo rio de graças,
D/p. dizendo: Hoec enim elí gratia, qn& dedit coelis gloriam , t er-
Chrjf. ris T)eum , fidem gentibus , finem Yttijs , vide ordinem, mo-
firm. Yiyt14 dijciplinam Jalutemfieculis. Efla foberana Senhora hc
**$• a graça , que deu a gloria aos Ceos , à terra Deos , às gentes
fé,aos viciosfim,à vida ordem,aos cofíumes doutrina^ aos
2 íeculos falvaçaõ.He também efía Senhora rio de favoresjou-
ítrm. àt ?a° a Zenon , que exclama aflím: 0 c baritas quàm pia\ quàm
fide ' opulenta.' ò quàm potens ! ISLihd habtt, qui te non habet. Tu
Dewn
Livro V. Titulo Vlll. 437
7)eum hreViatum paulifper à maiefiath frue wimevjítate pe-
ff-grinàrifeciffiitu Vir ginali cárcere noVem menfibus rcligah
ti. 0'caridade,ò SenrWa,òRiodemifericordias,& de fa-
vores para os voíTos devotos /quam pia, quam opulenta , 5c
quam poderofa fois ! nada tem quem avósnao tem: vósfi-
zeftes » que Deos abreviado hum pouco da immenfídade de
fuamageftade ,6c grandeza peregrinaffe : vós o prendeíles
nove mezes em o cárcere virginal de voíío puriífi mo ventre,
E he Rio de mifericordias, & como a tal a acclama Ricardo de • ,
Saõ Viítor. In te (diz o Padre) ò Prirgo)co?icrevit lac mi feri- ^s
cordí&rfuia abws ilk}quo CbriBus in plenitudtnem £tatis ai prtft'or.
tu* ejí ,nonerat aliud ,quám mifericordUlac ,adfaciendum p%i. in
mifericordiam nobtfcum. Em vòs,diz Ricardo,ò Virgem San- Çant.
tiíIima,creíceoo Ieyte da mifericordia , porque aquellefuf- 23.
tento com que Chrifb fe creou para a plenitude de fua idade,
naô era outro, fenaõ o Ieyte da voíTa mifericordia, para com-
nofco exercitar a fua mifericordia. Com muyta razaõ fe cha-
ma eíla Senhora Monte de 01iveyras,& a Senhora do Olival,
porque nelle fe faz patente a todos ; iílo he, cheya de toda a
efpecie de bens (como diz outro Ricardo ) efpirituaes por RiCardé
mifericordia , que he a gloria de fuás virtudes, para também de S.
nos encher delia a todos: Benè oliva fpeciofa in campi$\id efl, Laur.
omnimoda fpecie fpirituali repleta per mifericordiamrfu* ejl *VH(i
Ymutum fuarum gloria- N6V' de
A Villa da Certãa , huma das do Priorado do Crato ,he p* ™
taõ antiga, que fua fundação fe tem por obra do iníignc Ca- '*'' -!
pitaõ Sertório, & querem que el!e a fundaífe, como também
a torre do Zêzere junto à Villa de Dornes , por fer aquelle o
único porto para a pafTagem dos Exércitos, por allieípravar,
& dar váo baftante às paííagts: & querem que depois da foi*
daçaõ, ou reedificado da Cidade de Évora, (porque dia Ci-
dade foy fundada ,fegundo a melhor opiniaõ,dous mil & cin-
coenta&noveannos antes da redempçaõ do género huma-
no , & vinda do Senhor ao mundo) 74. annos antes da vinda
Tom. III. Ee 3 do
43 8 Santuário Mariano
do Salvador ao mundo. Chamou-fe Certaga,depois Certa-
gcm , & ultimamente Certãa. Brevemente viersõ os Roma-
nos, ( queentaõ governava em Portugal Quinto Metello
Pio,& também Pompeo Magno) inimigos deite iliufire Ca-
pitão, que íendo Romano fe havia rebellado contra elles,
com mão armada para lhe deílruirem a fua nova Sertoria, ou
Certago, em cuja contenda trabalharão muyto, &íemprc
com pouco fruto, pelo grande valor dos finados ; & animan-
do-fe os Romanos a hum ultimo aflalto , ferirão gravemente
ao Capitão que os governava , marido de Celinda , que ou-
vindo que o marido eflava mal ferido,& que os Romanos en-
travaõ a Praça , acudioanimofa trazendo nas mãos a mcfma
certãa ,em que eflava frigindo huns ovos para levar ao mari-
do , & com ella pegandolhe pelo rabo deu com tanto valor no
Capitão Romano que lhe abrio a cabeça , & também o efcal-
daria muy bem, & os mais que fe chegaflem, com o azey te, &
ovos \ & jugando com a certãa , como fe foífe montante, im-
pedio aos inimigos a entrada , & deu animo aos mais da Pra-
ça a que lançaííem de fi aos Romanos,que aturdidos do gran-
de valor daquella animofa Portugueza levantarão o campo,
& deyxáraô a empreza. Defta forte vingou aquella género-
fa heroina as feridas do marido>& livrou a fua patria,dcyxan-
do com tal feyto aos Romanos envergonhados, & vencidos.
Daqui veyo a tomar a Villa por armas a Certãa , alludindo a
efie valente feyto de Celinda , com efla letra em circuito
Certago fternit Certagbie hottes. Depois na perda de Hefpa-
nha a tomarão os Mouros , conquiftou-a o Conde D. Hen-
rique , que a reedificou no anno de 1 1 1 i.oquallheconcedeo
muyto grandes foros , & izençoens, para aífim obrigar mais
a feus habitadores.
Fora da Villa da Certãa, emdiftancia de quatro efla-
iios , fe vé o nobre Santuário damilagrofa Senhora do O-
lival ,affimncmeada demuytos, ou de todos, poreflarfi-
tuada eíla fua Cafa entre olivaes. Porcos o feu próprio, &
verda-
Livro V., Titulo VIU. 439
verdadeyro titulo be o de NoífaSenhora da Graça. Vc-fc cíb
Sagrada Imagem collocada cm o Altar como Senhora , Pa-
trona ,&Oragoquehedaquella Caía, & naquelle lugar tftà
obrandocontinuas maravilhas, & aflím he hufeada, & vene-
rada de todos, naõ (o dos moradores da Vilia da Ccrtãa,mas
de todo o feu termo > & ainda de fóra delle *, porque faõ con-
tínuos os concuríos,& as romagens que fe fazem àquella Se-
nhora , & todos vaô buícar na lua protecção, & favor os alí-
vios de feus trabalhos , & o remédio de fuás affltçoens , do-
enças , & enfermidades , & a Senhora , como mifericordiofa
Mãy que he dos peccadores,a todos acode, & remedea.
He eíte Sagrada Imagem da Rainha dos Anjos de graa-
de fermofura, naõ he de efcultura,he de roca,& de vertidos,
A fua eftatura faõ quatro para cinco palmos , tem cm feus
braços ao Menino Deos. Fefteja-fc em 15. de Agofto dia de
fuagloriofa Affumpçaõ,& ainda que parece o dia imprópria
para a fua celebridade , haveria algumas circunftancias par-
ticulares para lhe dedicarem efte dia.Solemnizafe a fua fefta
com muy ta grandeza. Tem eíh Senhora hum Ca pellaõ, que
fe intitula Prior, com fuffi ciente côngrua ;hec fia Capella-
niadaaprcfentaçaõ dograõ Prior do Crato. He efla Igreja
fermofa,& grande , com três Altares, o da Capella mor , &
duasCapellas collateraes. Era capaz dehuma nobre Paro-
chia,& eíiá muy to bem adornada,& tem muyto boas cafas, &
quinta em que vivem os Priores, & oficio he agradável, ale-
gre, & delicioto,porque fica alguma coula levantado do mais
terreno.
Os Altares,ouCapeIIascollateraes,huma delias he de-
dicada ao Divino Efpirito, &nellaeftá também huma Ima-
gem de : Santo Ouvidio;& outra he dedicada a Santa Cathe-
rina Virgem,& Martyr,& neí la eítá collocada a fua Imagem*
Junto a eila Capella eíiá hum nicho , em que fe collocou hu-
ma Imagem do glorio fo Saõ Brás, depois que a imprudência
de hum Prior desfez a Imagem que nelle eftava havia muy tos
Ee 4 annos
44° Santuário Mariano
armes do Santo Condeíiavcl Nuno Alves Pereyra. Efle fuc-
cefib refere Jorge Cardcíono feu Agiologio part. 3. p. 217.
defta msneyra: Ha bem poucos annos , cjuetmha o mejmo
CondeflaVel Imagem de >ulto na Igreja de ncjfa Senhora do
Qlteaí } na Certaa}como nos affirmaraõ pcffoas fidedignas , i?
dalli naturaes.Era ella de cera>eftatura humana, à qual recor-
riao os febricitantes de todos aquelles contornos 7 & tirando
bum a migalha de cera delia, trazida ao pefcoço em nomina por
reliquia,cobraVaõ a pnfeytafaude.Coníidcranàohú Prior da
dita Igreja , que em breve a levariaõ em pedaços, tratou am-
biciofo de fe aproveytar do que peíava , & affim a desfez , &
fundio. E he fama confiante naquellas partes f que padecea
o dito Prior porefta caufa , & toda a fua parentela graves
trabalhos, & mifenas. Até aqui Jorge Cardofo.
Dizemos moradores daquella Villa,que haverá noven-
ta annos que ifto fuecedeo ; porque affim o referirão feus
pay s , & feria pouco mais ou menos no anno de 1 604. & que
ha trinta annos fe autenticarão muytas das maravilhas, que
Deos obrou pelos merecimentos daquelle venerável Conde
naquella Gafada Senhora do Olival, por diligencia do Se-
nhor Dom Fr. jofeph de Lencaíbo então Bifpo de Leyria>
& depois Inquiridor geral ; em que muytas peífòas daquella
Viila da Certãa depuzeraõ de vifta da venerável Imagem, 8c
que era vera tffigie do Condeíhvel } & das maravilhas que
Deos por mcy o delia obrou.
Qjem foífe o que fundou efla Igreja , & a dedicou à
Rainha dos Anjos, naõo pudemos faber, & eíle pouco que
aqui referimos delia, nos naôcuftou pequeno trabalho oal-
cançallo.Eu me perfuado que eira Igreja a fundaria o mefmo
Condeftavel ; porque o citar nella aquella fua effigie , algum
fDyíkrio teve , & por fer fundação lua , & cm terra do Prio-
rado, moveria aos grandes Priores de!!e a tomar dcbayxo de
fua protecção aquella Cafa ; pois faô hoje os Padroeyros , &
®s que contribuem com a deípeza para a íua fabrica,^ para a
luíicn-
Livro V. Titulo IX. 44*
fuflentaçaõdos Priores ,a quemdaõhumatam boa côngrua.
Da Senhora do Olival faz menção Jorge Cardoío no feu A-
giologio Luíitano part. ?. pag. 217.
TITULO IX.
Da milagrofa Imagem de TV. Senhora das frcces dolu-
gar de Cernacbe do Bom Jardim,
LOgra Maria Santiflima o titulo das Preces, ou pelas
oraçoens , & rogativas que faz a Deos pelo remcdio
dos noííbs trabalhos,& apertos,ou pela facilidade,& prom-
tidaô, com que defpacha as noflas petições, que lhe fazemos,
quando nos vemos opprimidos de afflições,& de trabalhos;
porque omefmo he vernos efla piedofa Senhora em algum
trabalho, que rogar logo a Deos pelo remédio. Diz Ricar-
do de vSaõ Lourenço, & o Padre Silveyra, que Maria Senho-
ra , & amparo noffo , era aqueí/a mulher de Cananea que ro-
gou a Chriflo, para que livraíTe afilhados apertos em que a
punha a neceflidade^ que padecia: Virgo Maria (diz o Padre SH^jrl
Silveyra) tamquam matris Cananea perfariam genns ,pro a tn *~
ritma peccatrice, tamquam pro filia rogat.E Ricardo Lauren ^
tino diz: Maria eftMaterÇananecetfu* clamat adDeumfro JUcardí
filia yideíl^ anima peccatrice* Nas vodas de Cana, tanto qut d'£*
Maria Santiííima vio a falta que padeciaô , os que íerviaô à LaHr*
mefa,& haviaõ de minifirar o vinho aos convidados Jo^o re-
correo a Chriflo rogandolhe fupriíTe aquella neceíTidadc:
Vinumnonhabent. Prompriflimamente nos acode efía Se- Jq**a.
nhora foherana , quando a ella rogamos , & pedimos em nof« »*"»•,$•
fos trabalhos , apertos, & neceflidades, & tila como Mãy a-
moroía logo interpõem as fuás preces, & rogarivas no tri-
bunal de leu Santiffimo Filho. Emaiscertos,parece, í<h os
defpachos das noflas petiçoens a quando as fazemos à Se-
nhora
44* Santuário Mariam
nhora, do que quando as fazemos a Chrifto. Aos rogos das
Virgens do Euangdho: Domine, Domine } a per i nobts > deu
Chrifto a repulfa: Me feio Vos ; o que mb fuecederia por ven-
tura, diz o Padre Mendonça,fe os fizerac à Senhora: Si quem-
admodum , D mine ^Domine , inclamaVerunt , ttainclama-
renú /Domina, Domina, tilam fortajfe repulfam nonpateren-
tur. Com que, devemos todos fermuyto devotos defla Se-
nhora ; fe queremos fer bem ouvidos em noíías preces, & em
as noíTas petjçoens;porque fempre a noffo favor rnga , & pe-
de com efficacia compadecida de noflbs trabalhos , & necef-
íidades , & tudo nos alcança com a efficacia das fuás preces.
E nós à viíla do feu amor jufto he recorramos a ella, como a
noífa piedofa Mãy.
Cernache do Bom Jardim , he hum bom , f re fco , & de-
liciofo lugar do termo da Viíla da Certãa , povoação nobre,
&com muy tos vizinhos. Junto a efte lugar eftá humpar-
che , ou florefta de muy tas arvores filveftres , como cafta -
nhos , pinhos, fovereyros,& zezereyros , cujo nome he de-
rivado do rio Zczere, porque em ibas margens fe vem muy-
tos. Saõ muy to copados de ramos , & folha fempre verdes,
iguaes aos loureyros na folha , & cor ; mas na grandeza , &
extençaô mayores, & quaíi iguaes com as nogueyras. He de-
liciofo aquelle bofque , & a propriedade de mayor eílimaçaõ,
& regalo, que tem os grandes Priores do Crato. Porém a
mayor prerogativa que tem eíte alegre lugar , he o Santuá-
rio denola Senhora das Preces; fica rttuada eíia Cafa fóra
dolugar,em naõ grande diftancia. Efta Ermida he muyto an-
tiga , & os moradores do lugar faõ taõ camponezes , que fó
dos campos , &da terra cuydaõ , pois perguntados naõ fa-
bem dizer nad i das coufas que tocaõà origem, & antiguida *
de da Cafa da Senhora. Só affirina a peífoa , a quem muyto fe
recomendou efta diligencia, que o titulo das Preces fe co-
meçara a dará Senhora, de cento &cincoenta annos a efta
partej o que parece coníiava poreferituras de compra, &
venda.
Livro V. Titulo IX. 44 3
venda. Porque até alii íe invocava elia Santiífima Imagem,
Noffa Senhora do Seyxo. E feria porque ella appareceria na-
quelle lugar , & fe manifeftaria fobre efle para ella gloriofo
trono. E que naô havia também quem diffeífe a cauia de hu,
& outro titulo. E hfíirn fe me repreíenta quanto ao priroeyro,
que fe lhe daria efta invocação, porapparecer fobre aquella
pedra,ou feyxo; porque defies Santuários feverá^quemuy-
tas Imagens da Mãy de Deos fe manifeftáraõ fobre efles la-
pideos tronos; fem embargo que nem a todas fe lhes deu o
titulo do trono, mas do lugar emqueapparecéraô; &co*
moeftamanifeftaçaõ fera muyto antiga , & naô fe fez me-
moria delia , totalmente acabou; na tradição dos homens- E
quanto ao fegundo titulo das Preces com que hoje he invo-
cada, eu creyo que as rogativas , & orações com que os íeus
devotos implora vaõ o feu favor, & protecção, eraô tam bem
ouvidas defta mifericordiofa Senhora, que o verem-fe muy-
to favorecidos da diligencia com que ella os ouvia , foy o
meyo por onde Deos lhes deu luz , para julgarem quam im-
próprio era para a Senhora ; que toda hefuavidade, & bran-
dura, o titulo do Seyxo , & affim lhe imporiaõ o das Preces,
com que era rogada dos peccadores, aos quaes logoacode,&
osremedea ,comoamorofa Mãy,naõ podendo fofrero.feu
amor ver aos filhos cm trabalhos , fem que logo lhes nam a-
cuda.
Antigamente foy efta Cafa ,& Santuário da Senhora, a
Parochia dolugarde Ccrnache; porém crecendoellemais
cm moradores , pelos defcõmodos que fe encontravão em fi-
car fora, a paíTáraõ a elle , & fe aííèntou na Igreja do Efpirito
Santo,aonde ainda ao prefente he ,& a efta Igreja ficou anne-
xa a Ermida^fc Cafa da Senhora das Preces. He efta SantiíTi-
ma Imagem de efcultura,formada cm pedra,a fua eftatura íaõ
dous palmos,& meyo. He de excellente manufadura; & em
fer de pedra , & taõ pequena como a Imagem de N. Senhora
da Eftrella do Monte Minhoto,fe cõfirma o meu difcurfo,de
que
444 Santuário Mariano
que a Sagrada Imigem appareceo naquelle íitlo , & fobrc a*
quelle trono; & quando os Anjos anaõfizefFem, podia fer ja
venerada ern o tempo dos Godos, & os Chriftãos que occul-
táraô em huma brenha a Senhora das Dores, de Domes, oc-
cultariaõ a Senrnra da Eftrella, & também a Senhora das
Preces, & quando Deoso difpoz,entaõ amanifeftáraõ os
Anjos , & a expuzeraõ aos nofíbs olhos.
Feíteja-fe efta milagrofa Senhora em quinze de Agof-
to, dia de fua triunfante,& gloriofa AíTumpçaõ,quando vay
ao Ceo a rogar , & a pedir pelos filhos que deyxa em a terra.
Neftedia he muy to grande o concuríb da gente que con-
corre a feftejar a Senhora , & deite dia por diante até os fins
de Outubro , faõ muytos os concurfos dos povos que vem a
louvar , & a feftejar aquella milagrofa Senhora; & eftes con-
curfos faõ aventa] ados nos Sabbados; entaõ vaõa fatisfazer
à Senhora as fuás promeffas , a pagarlhe os feus votos , & a
pedirlhe favores ,queel!a concede toda liberal ; porque to-
dos os dias fe eftaô vendo os milagres que obra : naõ refiro
eftes em particular, porque não ouve até agora cuydado na-
quelles Padres, que afliftem à Senhora; porque o que punhaõ
cm recolher as offertasps divertia de eferever as maravilhas
que feobravaõ.
SANTU-
44J
ff/?5^3 ff^íV» G&fti* CÊ^Í «vf-?V» <W5?Vl> í
',<s£sa. >sOs«. >s£â§«. >áO^ >s&m&. >sfíâs«.
w^s* w^r w^s* wsí* ^^§* w^s*
*\iãw e^S^a eAGãw <&\sãKs «\i«te eASãw
SANTUÁRIO
MARIANO.
E HISTORIA
das Imagens milagroías de
NOSSA SENHORA.
& das milagrofamente apparecidas.
LIVRO SEXTO.
Das Imagens milagrofas de nofja Senhora , que
fe venerao na Prelajia de Thomar.
INTRODUCAM. í
Nobilíffima Villa de Thomar , fundada das
relíquias da antiga, & nobre Cidade deNa-
bancia , que em tempo dos Romanos, & Go-
dos fov povoação illuflre , fundou o Mcflre
dos Cavalleyros do Templo D. Gualdim Paes
de Marecos , natural da Cidade de Braga. Mas para darmos
delia
4f<$ INTRODUZAM.
deila mais intcyra noticia , tomaremos os feus princípios de
mais atraz Pelos annos de 640, de noíTarçdcmpçaõ/mq vi-
via a gloriofa Virgem,&; Martyr Santa Evria,& era Príncipe
defh Cidade Cafhn 1 Ido, aind i eftava Nabíncia na fua gran *
demageilade , & .opulenta grandeza. Mas chegando aquelle
infauíiotempoemqueos Mouros tomáraõ aEfpanha , ou
foíTe porque os de Nabancia lhe rcíuHíTem valeroíamente,
permittindo-oaflim Deos por feusoceultos , & venerandos
juízos, aaífoláraõ aqudles bárbaros, ôcdeftruiraõ em tal
forma , que naõ ficou nella pedra febre pedra; &o que he
mais , que os paços do Príncipe Caftinaldo, que eraô muyto
grandes ,5c fumptuofiflímos,delles nemveftigiosdcyxáraõ
da fua ruína. E lo permittindo-o Deos , para mayor honra,
& gloria de fua Santiífima Mãy , & para confolaçaõ dos feus
fieis fervos , efeapou illefo o Templo , & Cafa de Santa Ma-
ria do Olival, como adiante veremos.
Depoisdepaffar efle grande caftigo, & cruel açoute,
tendo miíericordia o Senhor dos feus fieis, fazendo-fe Se-
nhor daquellas terras ElRey Dom Affonfo Henriques (fen-
do ainda Príncipe) tomou o caftello de Ceres, & as mais ter-
ras do feu deíirito , dando-as aos Cavalleyros do Templo,
para que as poíTuííTem, &defendefTemcomo fuás. Foyiíto
pelos annos de 1 156. & alguns querem foflTe ainda alguns
annos antes. Tomando depois o mefmo Rey no anno de
1 1 47. a Villa de Santarém aos Mouros, em que concorrerão
também os Cavalleyros do Templo ; obrigado o Rey do feu
esforço , lhes concedeo tudo o que pertencia ao Ecclcfiaítí-
co,para que elles o lograífem. No mefmo anno em 25.de Ou-
tubro tomou ElRey a Cidade de Lisboa aos Mouros , & co-
mo logo Ihenomeaffe Bifpo , que foy D. Gilberto , efte ven-
do que os Templários poífuiaõ os bens Eccleíiaiiicos de
Santarém , que lhe pertenciaõ como a Prelado Diocefano,
lhe poz píeyto, que continuou por muytos annos diante
dos Juizes nomeados pelo Summo Ponriíke, & depois na
mefma
INTRODUZAM. 447
mefma Cúria Romana diante de Eugtnio III. Anaífafío IV. &
Adriano IV. até que chegando o anno de 1 1 56. cm cj o Mef-
tre Dom Gualdim Paes fcy eleyto em Mefire dos Cavalley-
ros deík Reyno, por petição fua os compoz ElReycom o
Bifpode Lisboa^&^ífimfe largarão ao Eiípo as rendas que os
Cavailcyros pofíbíaõ cm Santarerrurefervando fomente por
memoria a Igreja de Santiago da mcíma Villa ; & 5 o Bifpo di-
mittiííe todo o direyto , q podia ter nas terras de que era ca-
beça o caftello de Ceres , que compre hende tudo , ode que
hoje confia a Villa deThomar, cornadas Pias , & Payo dç
Pelle , das quses lhe fez ElRey perpetua doaçaõ.
Efte caflello de Ceres citava fítuedo cm hum monte
junto à ribeyra, a que hoje ainda daô o titulo de Ceres, ou
Ceras,por corrupção do primeyro nome, & a aldeã dos Cal-
vinos;mas ja hoje mõ ha mais vefligios deíie callello , que
a memoria de que alliefkve; porque até das rreímas ruínas
triunfou o tempo. Nefle íiíio docaflello tinha dedicado a
cega gentilidade hum Templo a cila fabulofa deofa, que ain-
da perfeverariaô no tempo dos Chriílãos as ruínas delle,&
por fer monte em que havia mais capacidade;fe levantou nel-
le ocaíkllo a quederaõ o neme da fabulofa deofa Ceres.
Deílecaflelíoforac povoando os Cavalleyros aqucllaster-
ras^que eflavaõ para a parte do Sul, até que no anno do Naf-
cimento de nofTò Senhor Jefus Chrifío de 1 1 60. fe deu prin-
cipio à Villa de Thomar, por fe pagarem o Mefire, &feus
Cavalleyros do íitio aonde hoje ella fevé, & naô aonde ha-
via eflado a antiga , & arruinada Nabancia ; mas da parte de
cádorioNabaô, iííohe,da partedoCccidtnte. Aqui fun-
dou primeyro o a ílello no alto do monte , que ihe ficava vi-
2Ínho, & depois a Villa, a que deu o nome de Thomas, dedi-
cando a a Santo Thomas /\rcebilpo deCantuaria, de quem
eradevotíffimo , & por eítacaufa lheimpoz oMefireo feu
nome. Sem embargo de que ( utros digaõ( mas fem nenhum
fundamento ) que íe lhe puzera , Thomar 7 nome derivado
cio
448 INTRODUZAM.
do rio, que ainda que fe chamava Nabaõ , lhe haviaô dade
os Mouros o nome de Thomar, que fignificava, agua doce,
cornoaqueaquellenoleva. Mis tfto faõ contos de velhas;
porque o nome que felhe impoz foy Thomas, que ao depois
por corrupção ficou em Thomar. Outros lhe daõ outra fig-
nificaçaõ , como he Frey Iíidoro de Barreyra ; mas cada hum
tome o que lhe parecer.
Edificado o caíiello , & ViUa no anno de 1 1 6o. ( outros
querem forte no anno de 1 180. pode fer fe acabaífc neftc
tempo )reynando ainda ElRey Dom Affonfo Henriques ,fi-
zeraõ o Convento no íitio aonde eftava aCafa da Senhora
do Olival, & por reverencia fua,quizeraô que a fua Cafa fof-
fea Matriz ,& a principal Parochia da nova ViUa. EimpeT
tráraô o Meftrc, & íeus Cavalleyrcs do Papa Bonifácio Bul-
ia , para que ellcs pudeíTem nomear Vigário , que os regede
no efpiritual , que era o mefmo , que agora Prelado , o qual
tinha entaõ o título de Capellão mor da Igreja de Santa Ma-
ria, Bayliada da Ordem do Templo>& de Santarém, com to-
do o governo efpiritual fobre elles,o que durou até o tempo
de fua extinção ,que foy no anno de 1 3 1 1 .fendo o ultimo Vi-
gário de Thomar Martim Affonfo.
E para que fe fayba , o como fuecedeo a ruina defta taô
illufire Ordem, direy brevemente a caufa de fua extinção-
Felippe Rey de França,a quem chamarão o Fermofo, foy am-
biciofi/Timoiefte cheyo de inveja, & de cobiça,affirmaõ muy-
tos ,quemachinára adeftruíçaõdertes Cavalleyros, para fc
fazer Senhor dos grandes bens , & copiofas rendas, que em
premio de feus grandes ferviços lhe haviaõ dado os Reys;
para ifto fez que fe lhe impuzeflemfeas, & eriormes culpas,
& atrociflimos peccados ,qus naõ fe podiaõ provar. Todo
cíle neg x:io tratou com o Papa Clemente V. a quem dizem
o fizera Pontífice para cíle effeyto de os extinguir, & de fc
fazer fenhor do que elles poíTuíaõ. E como nam era fácil o
prendellos } difpoz Filippe com muy ta diífimulaçao a priíaõ
de
INTRODUZAM. 44í?
do Meflre , & de outros muytos Cavalleyros de grande no-
me, & de muy ta qualidade , & aos mais fez também prender
por ordem do mefmo Pontificc.Muytos,& graves Authores
díículpaõaos Cavalleyros, ôccarrcgaõ a ElRey de França,
dizendo , que a fua cobiça lhes levantara , o que ciics naõ fi-
zeraõ.
Propuzeraõ-íhe depois de prezos , que fe lhes daria
perdão geral , fe largaííem tudo o que poífuíaõ , freonfef-
íaíTemque a fua Ordem era inuti! , & muyto má a fua Reli-
gião ; & porque naõ aceytáraõeíte iníquo partido , começa-
rão a executar nelles exquifitos tormentos , & crueldades.E
entre os muytos que juftiçáraõ, naõ ouve hum, que no meyo
do fogo naõ confeííaífe , que morria fem culpa , & que a fua
Religião era Santiffima , &que elles aguardavaõ inviola-
vclmente , comodeviaõ.
Leváraõ ao graõ Meflre, & a outros muytos Cavalley-
rosprincipaes à Cidade deLeaõ diante do Papa Clemente
V. & do mefmo Rey , ScalIiconfcíTáraõ algumas coufas das
que lhe imputavaõ. Depois os mandarão ievar a Pariz, pa-
ra que lá publicamente confefíaíTem , o que haviaõ declarado
diante do Papa , para que affim juridicamente fe condenafle
a fua Religião. Poítos em Pariz^o Mcfire em prefença de to-
do o povo, & Univeríidadc, jurou foIemnemente,que tudo o
que em Leaõ confefíara f era falfo , & que o Papa o havia o-
brigado a que o diíTeííe , & que elle diante de Deos confeiTa-
va, que elle morria injuftamente,& fem culpa, & também os
mais Cavalleyros do Templo , & que por inveja , & cobiça
dos Príncipes , fe lhes haviaõ levantado aquellas calumnias.
Com efía ultima confiílaõ fe deyxou fazer em pedaços o
Meftre , & os mais Cavalleyros , fofrendo com muyta paci-
ência as tyrãnias, & crueldades, que contra elles fe executa-
vaô por diligencia delRey de França. Finalmente todos fo-
raõ prezos,& mortos, & confifeados feus bens,de que muy-
to fe aproveytou ElRey de Fraca Filippe.Mas affim elle, co-
Tom-III. Ff ma
45o INTRODUZAM.
mo o Papa naõ vi verse mny to tempo ; porque ambos morre-
rão , & lá fe veria j, fc o que obrarão foy juflo , ou nnô.
Condenados in juílamente ( como fe prefumç) os Tem-
plários pelo Papa Clemente V. à mftancia de Filippe oFer-
moío,naõ fó os de França,mas todos os que viviaõ nas Efpa-
nhãs, adjudicou o Pontífice aos CavalJeyros daOrdemdc
Sa&Joaõ do Hofpital, (que fcõ hoje os Maltezcs ) as rendas
cjue poffuíaõem Efpanha,&em Portugal. A iíto íeoppuze-
raõ (por fensEmbayxadores) ElRey Dom Dinis de Portu-
gal, Dom AíFonfo o Decimo de Caítella ,& Dom jayme Se-
gundo, Rí y de Aragaõ. Como também naõ confentiraõ cf-
tes Chrifhanifàmos Príncipes , que em feus Reynos foliem
prezes os Cavalleyros Templários, como ordenava o Papa,
conflandolhes de fua virtude , & que naõ eraô culpados nos
delitos , que falfamente fe imputavaõ aos mais , que viviaõ
em França.
Morreoo Papa Clemente V. &fuccedeolhe JoaõXXII.
a quem ElRey Dom Dinis mandou feus Embayxadores, ma-
nifeílandolhe , que elle naô encontrava , nem contraviera à
applicaçaõ dos bens dos Templários à Ordem deSaõJoaõ
doHofpitai, pelos querer paraíi, íenaõ para oferviço de
Deos , de fua Santa Igreja , & defenfaõ da Religião Chriflãa,
porque elle tinha no íeu Reyno do Algarve huma Villa cha-
mada Caflro Marim , com hum caflellomuy to forte, poílo
na fronteyra de Africa , na qual Villa tinha tençaõ de fundar
huma nova Ordem , & Milícia de Cavalleyros de Jefu Chrif-
to , que pele jaíTem pela fua fanta fé , aos quaes daria aqueila
Villa, & cafkllo , 5c que Sua Santidade lhes devia querer ap*
plicar os bens da Ordem do Templo , que os íèus Cavalley-
ros poífuiaõ em Portugal
Pareceobem ao Pontífice a religiofa petição delRey,
coiicedeolheo quepedia,&aííimem22. de Março de 1^19^
fe pafTáraõ as Bulias da erecção da nova Ordem. E no fe-
guiftte anno de 1520. eilando ElRey em Sanearem , eftabe-
leceo,
INTRODUZAM. 4yr
leceo, & declarou a nova Ordem, & Milícia de noííb Senhor
jeíu Chriíio, applicandolhe todos os bens da extinta Or-
dem dos Templários; ordenando que os Freyres fizefTem
fua profilTaõ pela Regra , & Eftatutos da Ordem de Calatra-
va ,& que o Abbade de Alcobaça os viíitaííc. Nomeou por
primeyro Meftre da nova Ordem a DomFrey Gil Martins,
que havia fido o onzeno da Ordem de Aviz. Recoíheoos
Cavalleyros , & Meítre do Templo em a nova Ordem de
Ch riflo, cujo habito mandou que folie branco, & a Cruz
vermeiha, que era a dos Templários , porto que com alguma
differença , porque não Acarte de todo extinta a memoria da
fua Orderr^que tanto havia fervido a Deos, & aos Reys con-
tra os infids
Perfeverou a cabeça da Ordem cm Caílro Marim , que
foy aííinada para eíTe cffey to , treze annos , donde por juítas
cauras fe mudou , em tempo delRey Dom AfFonfo o Quarto,
para Thomar , aonde havia eftado a cabeça da Ordem do
TempIo,& aflim por efíe modo, fendo deftruida aquella Or-
dem dos Templários pela cobiça delRevFilippe de França,
foyadeChriflo infHtuida pela liberalidade delRey D. Di-
nis de Portugal. Contmuoufe no efpiritual , & Eccleíiafti-
co o mefmo governo de Prelado , com o titulo de Vigário de
Thomar , até o tempo de Dom Diogo Pinheyro, Bifpo do
Funchal , chamando-fe Vigário de Thomar , de Santiago de
Santarém, de Santa Maria do Zêzere , da Villa de Alvayaze-
re, das Ilhas da Madevra , dos Aflores, Cabo Verde, & Gui-
né, desde o cabo de Naò até as índias Orientaes, cuja cabeça
era Santa Maria do Olival , &nefta forma com todos eftes
títulos fe paífavaõ as cartas de collaçaõ.
Pornaõ parecer conveniente aElRey D. Joaõ oTer-
cevro,queaPrelafia de Thomar andaffe unida ao Bifpado
do Funchal, julgando ficava fupprimida a authoridade do ti-
tulo de Prelado, chamando-fe Bifpo do Funchal, que era par-
te della,& pela Builade Calixto IV. fugeyto à Igreja de San-
Ff z u
451 INTRODUZAM.
ta Maria do Olival, impetrou do Papa Paulo III. Bulia, para
a annexar ao Priorado da Ordem de Chrifta ; o que fe execu-
tou no anno de 1529. & durou até o de 1554. porque naõ
foílegando o meímo Rey com efla annexaçaõ, por achar
naõ era côveniente , impetrou depois a Bulia da defmembra-
çaõ do Papa Júlio III. & aflim ficou fegregada toda a jurisdi-
ção Epifcopal , que o meímo Dom Prior tinha , por razaõ da
referida annexaçaô da Prelafia pela Bulia de Paulo III.& to-
da a mais que lhe fora concedida por Calixto fobre todos os
Freyres ,& Igrejas das Ilhas.
Deufe à execução efle Breve , nomeando o meímo Rey
logo por Prelado ao Doutor Chriflovão Tcyxeyra do feu
Confelho, que exercitou efla jurisdição plenária, & Epifco-
pal & fez Confiituiçoensna Igreja de Santa Maria do Olival
para todas as Igrejas, & Freyres,que pleno jure lhe perten^
ceifem. E foy irto no anno de iç54.pondo Ouvidor geral na
mefma Vil!a,& outros menores em Caflello Branco, Lon-
groyxa,Nifa, Soure, Pombal, Santiago de Santarém, &na
Conceyçaô de Lisboa, & em noíTa Senhora doPereyro, de
Cinco Villas de Reygada.
Com a creaçaõ dos Bifpados ultramarinos fc ficou tirando
depois naquellas partes a fuperioridade dos Prelados ,con-
fervando-fe todavia ncfleReyno nasterras,que pleno jure
pertencem à Ordem. Mas até efla fe lhe ufurpou depois, fi-
cando efla dignidade , & jurisdição no eflado em que hoje fe
conferva,fendo Prelado das Villas de Thomar, Pias,& Payo
de Pelle , Santiago de Santarém , a Igreja da Conceyçaô de
Lisboa , & Cinco Villas de Reygada, como fica dito, cm que
fe contém vinte Parcchias. -
Tem o Prelado jurisdição ordinária, como a dos Bifpos,
naõ fó fobre os Freyres, mas também fobre os Clérigos, &
peífoas feculares,immediatada Sé Apoflolica. He nomeado
por ElRey como Governador^ Adminiftradordo Meflrado
daOrdemdeChriíio,em virtude do poder, que paraiífo lhe
foy
INTRODUZAM. 4#
foy concedido pela Bulia do Papa juho III.intitu!a*fe Pre-
lado da jurisdição Eccleíiailica, & quaíi Epifcopal da mefma
Vitia de Thomar., nulliusDioeccfís,, por auíhoridade Apof-
toíica , & nomeação delRey , & dos mais lugares , Igrejas, &
peííoas, que pleno jure pertencem à Ordem Militar de noííò
Senhor JESUS Chrifto.
Eftá a Villa de Thomar fituada em huma planície muy-
to igua 1 ,que banhaõ da parte do Oriente as aguas do rio Na-
bão , fobre o qual fe vé huma fermofa , & nobre ponte, & do
Occidente a ampara,& cinge hum monte, em cuja mayor al-
tura, continuando com a obra do antigo caftello , fe véo
Real Convento da Ordem de Chrifto , cabeça defta Militar
Ordem, fabrica Real , & magnifica, cuja Igreja de extraordi-
nária fabrica , & architedura, he hoje a mefma , que edifica-
rão os Templários ,ha mais de çoo.annos; defte íitio por fer
muytoalto fe eftaõ contando todas as ruas da Villa , & ven-
do os feus jardins. Tem hum fermofo rocio , a que chamao a
Várzea grande , tam efpaçofo , & dilatado , que fe naõ fabe
que nefte Reyno haja Cidade , ou Villa que o tenha igual.
Tem quatro Conventos, hum de Religiofas Clariftas que fi-
ca ao Oriente , o de Chrifto ao Occidente, ao Norte hum de
Capuchos da Piedade, &ao Sul outro de Francifcos Ob-
fervantes. E além da Igreja Parochial da Senhora doOlival,
huma Collegiada dedicada a Saõjoaõ Bautifta, que era Ca «
pellaReal, levantada por EÍRey Dom Manoel no anno de
1520. tem efta Igreja oyto Beneficiados , todos da Ordem de
Chrifto , Vigário , Thefoureyro , & moços do coro. Aqui
eftá o facrario , & pia Bautifmaf , pelos incómodos que fe a-
cháraõ deeftar a Cafa da Senhora do Olival muyto longe,8c
cm parte folitaria , & por efta caufa refide aqui o Cura.
As Igrejas que comprehende Thomar , & o feu deílri-
to, dedicadas a noífa Senhora, faõ muytas,& as quero no-
mear. E feja a primey ra noífa Senhora do Ohval^de que tra-
taremos adiante; z.aCafadaMifericordia dedicada anoto
Tom. III. Ff 5 Se-
4H INTRODUZAM.
Senhora da Graça;^. noíía Senhora da Annunciada/Tonvcn*
to da Província da Piedade; 4. noíía Senhora da Conceição,
Ermida fituada em o alto de hum monte , obra magnifica , &
mageftofa ,de três naves, toda de cantaria. Tem naCapelIa
mor a Senhora , & íaõ Padroey ros os Religiofos da Ordem
deChriílo; 5.N. Senhora do Monte, que fundou ,& dotou
Mnrtin Vafques Vilkla, he o feu Orago noíía Senhora da
Piedade ; 6. noíía Senhora dos Anjos, Er mida fundada lobre
hum monte-, 7. N. Senhora do O, ou da Expt daçaõ, eíla Er-
mida elíá junto ao rioNabaõ; 8. N. Senhora da Purificação,
Oragi da Parochia dá Serra; 9.N. Senhora da Conceição,
Parochia das Olalhas, Templo grande , & ricamente ader-
nado; 10. N. Senhora da Saude,Ermidano!ugarde Alquty-
daõ das Olalhas; ii.nofTa Senhora da Piedade do Vai da Ida-
nha , Ermida daFreguefia das Olalhas; 12- N- Senhora da
Paz,Ermida na Venda do Rijo , Freguefia das Olalhas; i 3.N.
Senhora do Soccorro, Ermida em o lugar de Mouralinho,na
Freguefia do Efpirito Santo; i^nofía Senhora da Ajuda,Er-
mida em o lugar de Ceras, Freguefia de Albiubeyra ; i5»N«
Senhora doReclamador , he Parochia do lugar dos Cafaes;
16. noíía Senhora das Lapas , Ermida no lugar dos Cafaes
Novos i junto ao Nabaô; 1 7. noíía Senhora do Mildcu , Er-
mida em o lugar dos Calvinns, Freguefia dos Cafaes; 1 &• N.
Senhora do Roía rio , Ermida em o lugar das Olas, Freguefia
dos Cafaes; 1 9. N. Senhora do Rofario , Ermida no lugar da
Dejuíla , Freguefia dos Cafaes ; 20. noíía Senhora da Con-
ceição , Parochia da Savacheyra; 21. noíía Senhora da Pieda-
de , Ermida da Serra , Freguefia da Savacheyra; 22. noíía Se-
nhora da Efpersnça de Vai de Lobos, Ermida na Savacheyra;
23 « N- Senhora dos Remédios , Ermida de Valmeãa na Fre-
guefia da Savacheyra; 24. nolía Senhora das Neves , Ermida
noíugar daPedrcyra, Freguefia de Sac Miguel daCarre-
gueyra. Todas eíias faõdotermodeThomarernfeu limite.
Na Villa das Pias, & feu terno, 1. noíía Senhora das
Áreas
!
Livro VI. Titulo I. 455-
Áreas, ou Arenas,Parochia em o ttrmo;2. noíTa Senhora da
Encarnação , Ermida no fugar dos Cumes, Freguefia de Saõ
Silvei ire dos Chãos; 3, nofla Senhora do Defterro , Ermida
no lugar de Alqueydaõ , Frcguefia de Saõ Luis Bifpo de To-
lofa,q he a Matriz. Em Payode Pelle, 1. a fua Parochia dedi-
cada ao myílerio da Concciçaô>& em feus princípios fe inti-
tulava Santa Maria do Zêzere; 2-noífa Senhora do Loreto,
Convento de Capuchos da Província de Santo António.
Deita illuítre Vdla fizeraõ fempre grande eítimsçaô
os Revs de Portugal , & principalmente ElRey D. Manoel,
que depois de muytos feculos de fua fundação , a ampliou,
& ennobreceo. Elle foy o que reedificou o Convento da Or-
dem de Chrifto, que augmentou depois com obras magnifi-
cas Filippe Segundo, o qual celebrou Cortes nella no anno
de 1581. Duas vezes foy cercada por ElRey de Marrocos o
Miramolim Abon Jofeph ; a primevra foy no anno de 1 1 90.
& trazia quarenta mil de cavallo, & cincoenta mil de pé. De
ambas as vezes a livrou a Senhora do Olival, & Santo Tho-
masde Cantuaria , (em Inglaterra) Protedor do Meftrc D«
Gualdim,&de feusCavaíleyros , &aííim auxiliados da Se-
nhora , & do Santo A rce bifpo, fizeraõ ao Miramolim levan-
tarocerco. Hecfla Villacabeça de corrcyçaôcom jurisdição
de quarenta & oy to Villas , & hum Concelho. He muy to a-
bundante de todas ascouíasneceíTarias para a vida humana,
& também abunda de muytos regalos.
TITULO I.
T>a Imagem de nojfa Senhora do Olival da VdU de
Thomar-
N
O fido da antiga Colónia de Nabancia Cidade que nos
ieculos paífados foy celebre entre os Romanos, & Go*
Ff 4 dos
4j6 Santuário Mariano
dos (íituada em pouca diítancia donde hoje vemos a notável
Villa de Thomar , para a parte do Oriente , lavada das dou-
radas aguas do rio Nabaõ , cujas crifialinas correntes, en-
vol tas, & afFeadas do prec ipitado Zêzere ,vaõ com impetuo-
fo curfo a augmentar o grande Tejo ) fe fundarão dous
Conventos da Ordem de meu Padre Santo Augufiinhopor
S. Frutuofo feu Difcipulo,que depois foy Arcebiípo de Bra-
ga 3 hum defíes era de Religiofos, aonde era Abbade Celio,
em o qual havia quarenta & quatro Religiofos ; & o outro de
Religiofas , aonde viveo a gloriofa Virgem, & Martyr Santa
Eyria , filha, & natural da mefma Cidade, ( & naõ falta quem
diganafeéra no termo de Leyria , aonde fe vé huma Ermida
fua em a torre daMaguey x a ,aonde fc lhe faz fefta no leu dia ,
cm que fe ganha hu grande jubiIeo)depois hiria para Naban-
cia, para a companhia de fuás tias Caília,& Júlia irmãasdo
Abbade Celio. A Igreja do Convento dos Religiofos era de-
dicada à Mãy de Deos a Virgem Maria , o que confia da len-
da da mefma Santa, & he a mefma, que hoje adualmente exif-
le com o titulo de Santa Maria do Olival, ou NoíTa Senhora
do Olival.
Outros querem que o Fundador foíTe o Abbade Celio,
& que foffe o Convento Duplezda Ordem Benedidina.Fun-
daõ efta fua opinião em humas inquiriçoens de Thomar,
fey tas no ultimo de Dezembro do anno de 1 3 1 7. em que ju-
ra hum Pedro Bombo , quefoíaõ chamar a Santa Maria de
Thomar,Santa Maria do Celio, & que aflim o jurava como o
ouvira a feusantepaffados.Ffias inquiriçoens andaõ nó livro
dos Meílrados da Torre do Tombo a foi. 94- mas como nel-
Ias fe naõ declara que Celio fora Monge de Saô Bento > pou-
co vai o teílemunho, & dizendo os mefmos que S. Fruduofo
os fundara, por Conventos de Eremitas fe devem ter, pois
confia que certamente era efte Santo Diícipulo de SantoAu-
gufttnho, como de fuás Epiftolas fe vé ; outros dizem fun-
dára efle Convento onoííoFrey Paulo Orofio Diícipulo de
Santo
Livro VL Titulo I. 4 57
Santo Auguflinho. Efta propriedade tem as coufas grandes,
que todos as querem para fijmas os Eremitas tem tanto di^
reyto para os reconhecerem por feus , que as Imagens an-
tigas daquella Igreja , & principalmente a de Santa Eyria , fc
viaõ cingidas com a correa de Santo Auguftinho. Porém
deyxadas as controveríias , que ha nefta matéria entre os
noffos Authores , & os da Ordem de Saõ Bento , efla Caía
da Senhora hc antiquiífima.
Na perda de Efpanha, pela invafaõdos Sarracenos, foy
deílruída efta Cidade de Nabancia , com outras muytas def-
te Reyno , ficando delia fomente algumas ruinas. E íó rf fer-
vou Deos illefo efle Templo da Senhora , ( o que devemos
entender foy com particular , & foberana providencia , para
gloria fua , & de fua Santiílima Mãy , & confolaçaõ dos feus
fieis íervos ) defendendo-o das injurias, &afíòlaça6queos
Mouros fizeraõ aos mais , em todo o tempo que durou o caf-
tigo, & açoute, com que Deos caftigou os peccados dos Go-
dos. O que naõ podia ferfem milagre, & verdadeiramente
o foy confervarfe efta Cafa , & Santuário da Senhora con-
tra a crueldade , & barbara natureza dos Mouros , que fem-
pre com mortal ódio perfeguem tudo o que toca ao Chriflia-
nifmo. Porque ainda que as fuás paredes eraõ fortiflimas,co-
mo fe vé ainda hoje ,a fua crueldade a tudo refiftia , & tudo
aíTolava. E aílim parece que fe fez efla bendita Imagem, naõ
íó temida, & venerada, mas a fua Caía reverenciada dos
mefmos bárbaros , com as maravilhas que obrava •
Junto a efle Templo, ôcCafa da Senhora, eflavaõ os
paços de Caftina!do,Principe,& Senhoreou Governador de
Nabancia, no tempo cm que vivia Santa Eyria, quefegun-
doosfinaes,& ruinas que debayxo da terra fe viraô depois
de muy tos annos,eraõ magníficos, & fortiflimos,& de gran-
de cantaria , argamaças , & ladrilho , & na mefma forma ou-
tros edifícios, que ao redor delles havia dos moradores, êc
Cavalleyros da mefma Cidade. Tudofereduzioempo ,&
cinza
45 ^ Santuário Mariano
cinza, & mio confumioo tempo; p >rv]ue apetm ficarão as
memorias da ruina. Ènoligar âòndc os referidos palácios
dcCafHnaldoefhvaõ , achou o Doutor Pedro Alvares do
ConlelhodelRey, quando fez o tombo delia Igreji da Se-
nhora no anno de 1542. feytahuma cerrada de olival, que
ja entaõ era dos Padres Thomariílas, taõ creícido , & de taõ
corpulentas arvores , que dizia elie , que parecia haver mais
de 1000. annos eraõ plantadas.
Dillo fe confirma mais, fer obra maravilhofa oconfer-
vsríe aquelle Templo intafio, não fe achando ja vefligios das
ruinas de taõ grandes edifícios , & ifb havendo paífado tan-
tos annos, & tantos feculos, porque he eíte o próprio Tem-
plo ,em que a Senhora do Olival foy collocada , logo que S.
Fruduofo o edificou, que feria poucos annos antes do mar-
tyriode Santa Eyria , que fuecedeo no de 65? . E ainda hoje
fevé que aquelle Templo foy edificado para Convento de
Religiofos , & não para Parochia , como he ao prefente. De-
pois que paííbu o cafligo, que padeceo a Chriftandade de Ef-
panha,& permittio Deos pela fua mifericordia, que os Chrif-
tãoslançaíTem fora de todo aquelles bárbaros Sarracenos,
tomando EÍRey Dom Affonfo Henriques a Villa de Santa-
rém, fe fez juntamente Senhor de todos aquelles contor-
nos , aonde ja os Cavalleyros do Templo tinhaô muytos
caftellos , & eíiavão ja de pofíe do de Ceres.
Porém como os Cavalleyros fe pagaílem mais do fítio
de Thomar ,nelle fundarão a Villa, & ocaíklloacnde hoje
eftá o Convento , que he a cabeça da Ordem Militar de
Chrifto , & do Templo da Senhora fizeraô Parochia princi-
pal ,& Matriz da mefma Villa, & Convento de lua Ordem,
&deraõlhe o titulo de Santa Maria do Olival, por cauia da
cerrada aonde haviaõ eííado os paços de Caflinaldo , que ef-
tava povoada das grandes oliveyras referidas Querem tam-
bém alguns que o antigo titulo da Senhora , foiíe ode fua
AíTumpçaõ , que he omefmo que ode Santa Maria; porque
antiga:
Livro VI. Titulo I. 459
antigamente quafi todos os Templos fc dedicavaõà Senho-
ra dcbayxo defie feu fantiífimo nome de Maria.
Neíle Templo, & Santuário fe vé a Imagem da Senho-
ra , & íuppofio íe duvide fe he efla Sagrada Imagem a melma
que no tempo de Santa Eyria era nelle venerada, eu julgo fer
a me ima , & fundome nas maravilhas que Deos obrcu,con-
fervando-a, & defendendo-a,& a fua Cafa., de qualquer inju-
ria, ou menor defacato quefe lhe pudeífe fazer poracuel-
les bárbaros, & infiéis Mahometanos. He cita (agrada Ima-
gem de efeultura formada em pedra y com o Menino Deos
em feus braços \ o que alguns julgaõ por improprio/altando
do titulo da AiTumpçaõ;mas naõ o he,pois fempre aquella Se^
nhora em todos os teus títulos he May de Deos. Porque ain-
da aquellas Santas Imagens , que vemos com o titulo de fua
Conceicaõ^as veneramos em muy tas partes com o Santi/TImo
Filho nos braços. Hede grande eftatura , mas muyto devo-
ta ,6c de elegante fermofura, &foberana mageílade. Eílá
collocada na Capelía mór ,como Patrona, & Orago daquella
Cafa.
He efte Templo ,& Baíilica da Senhora do Olival, a ca-
beça, Mãy ,& fonte de quafi todas as Parochias y & ainda da
meíma Preíaíia , & Ordem Militar de noífo Senhor Jefu
Chriíío. Eo começou a fer pelos annos de i^n.&aelias faõ
annexas todas as Igrejas da Ordem,aflimdoReyno,comohe
nofía Senhora da Conceição de Lisboa , de quem ja falíamos
no primeyro tomo deites noífos Santuários , & outras muy-
tas, como u!tramarinas,dcsde as conquiflas de Africa^IIhas,
America até Aíia.E neíla forma fe paífavaõ as cartas de colla-
çaõ aos Vigários das Igrejas.
Saõ muyto grandes as excellencias , & prerogativas
defte-Santuario,&Cafada Senhora do Olival; porque naõ fó
foy a cabeça da Ordem do Templo deite Reyno,& da Ordem
de Chrifto, & o feu Vigário o Prelado de todas as Igrejas das
Ilhas do mar Oceano, & das terras firmesde Africa, que fe
defeu-
4&> Santuário Mar iam
tíeícubriraõ ,& povoarão pelo Infante Dom Hcnrique;& de
todas as que depois fe deícubriraõ nas partes da índia , Per-
ita* & Arábia , pela diligencia do Infante, & continuadas de-
pois pelos Reys defíc Reyno, cuja jurisdição Ecdeíiaflica
he defta Ordem, na qual ha agora pela bondade de Deos tan -
tos Bifpados. E o fer o feu Prelado fuperior ao Summo Pon-
tífice y a quem efla Igreja he immediatamente fugeyta, pela
qual razaõ o meímo Summo Pontífice fica fendo, & he o Bif-
po delia j & o que nas mais fe naõ pode fazer fem authorida-
de> & approvaçaõ do Bifpo Diocefano, nefta naõ fe pôde fa-
zer femauthoridade , & approvaçaõ do Papa , fegundo dif-
pofiçacdcdireyto; privilegio, que naõ goza outra alguma
Igreja de Efpanha , o qual lhe concedeo Adriano IV. & Ale-
xandre III. & outros rcuytos Pontífices.
Tambemhe excellencia grande defta Igreja , fer a Ca-
beça^ a Máv de outras muy tas que delia dependem, que faõ
todas as que ha na mefma Villa de Thomar , & na das Pias,&
Payo de Pclle , & feus termos ; porque tudo era huma fó Pa-
rochia, & as mais eraõ fuás Capellas, ou Ermidas^a cada hu-
ma das quaes fe limitou , & feparou fua Freguefia , as quaes
faõ dez líeis com a de Payo de Pelle > naõ entrando nefle nu-
mero a da Senhora do Olival.
Nefta Cafa da Senhora ajuntou os Freyres^ cabeças
da Ordem , o Doutor Chriílovaõ Teyxeyra do Confelho
delRey , no anno de 1 554. fendo Prelado da Ordem , & nel-
la fez Conflituiçoens para todas as Igrejas,& Freyres delia,
que he também prerogativa , que fe ajunta às mais de que
goza.
Desde oMeílre DomGualdim Paes, o primeyro que
fezoConventonaquella Igreja da fua Ordem , até o ultimo
quefoy Dom Lourenço Martins, todos fe fepultáraõ nella.
Alli eílá fepultado hum netodelRey D. Dinis chamado E>.
Lopo, & o primeyro Meíire da Ordem deChriflo, D» Gil
Martins* & outros mais, & o Biípo do Funchal Dom Diogo
Pi-
Livro VI. Titulo I. 461
Pinheyro , & outras muytas pcííoas iilullres.
Tem tile Templo três naves , & hoje com as minas da
antiga Nabancia fe vé muyto enterrada; porque para defcer
do adro ao patin da porta ddle ,tem oyto degraos,& da porra
principal para dentro vaõ outros cyto. Tem eflas naves
quatro pilares , ou colunas década huma das partes, fobre
que aíTentaõ os arcos. E tem o corpo da Igreja de comprido
1 ?2. palmos., & de largo 70. fica a porta principal para o Oc-
cidente. TemoytoCapel/as, tresnafrontaria, & as cinco
em a nave que fica da parte do Sul , porque a quefica da parte
do; Norte naô tem Capellas, em razaõ de ficar daquella parte
a terra muy to alta , & com as humidades fe naõ podiaõ cotiz
fervar.
He grande a devoção que o povo daquella nobre Villa
temaeíta Sagrada Imagem da Mây deDeos, a ella recorre
em todas as fuás neceífidades publicas, & particulares ; por-
que em tempos de calamidades recorrem â Senhora do Oli-
val com devotas prociflbens , a implorar delia o feu remé-
dio, affim para doenças graves, como para agua em tempo de
fecas,ou de Sol em tempo invernofo, & fempre achaõ na fua
clemência bons defpachos em fuás petiçocns.Tcm cita Igre-
ja hum Vigário com doze Beneficiados , hum Thefoureyro,
& hum Cura, ( efte afliíle na Igreja de Saõ Joaõ Bautifía, )&c
tem quatro moços do coro. O adro he mí;y to grande , & fe
efknde para o Norte , & tem de comprido mil palmos , & de
largo trezentos. Nelle fevem muy tas fepulturas com va-
rias armas , infignias , emprezas, & epitáfios. Nelle fe vé
também fítuada huma Ermida de São Pedro, que fby Paro-
chia da Cidade de Nabancia >aonde collumava ir Santa Ey ria
nos dias dos Apofiolos Saõ Pcdro,& Sao Paulo, como fe re-
fere na fua lenda ; & outra Ermida da mcfma invocação de S.
Pedro , & outra dedicada a Santa Maria Magdalena. Efía he
ailluíireCafa, &iníigne Santuário da Senhora do Olival,
Matnzda Villa de Thomar. Deita Senhora eferevem Bran-
dão
4<fo Santuário Mariano
daõna Mon. Luíit. part. ó.liv- 19. cap. 1 1, Brito na 2. pm.
ca mcfm, Mon. liv. 6. cèp« 24. Dom Rodrigo da Cunha na
Hiflor. de Lisboa parci.cap.28. & na Hiftor.de Braga part.
2-cap, 13. Cardofotom. 2. doAgioI. pag. 68. Fr. Leaôna
Bened. Luíit. trat. 2. part. 4. cap. 1 1. & outros muytos.
TITULO II.
Da Imagem de nojfa Senhora da Anntmciada de Tbomar-
SAõ muytos os Santuários milagrofos , que fe veneraô no
dcftrito , & limites da Prelafia de Thomar.* que fuppofto
naõcomprehende mais que três Villas, de que he cabeça a
mefma de Thomar,porque as mais faõ muy to limitadas, ainda
affim ha nellas muytos Templos , & Ermidas, aonde fe vene-
raô Imagens milagroíiflimas da Mãy de Deos. TemTho-
mar na fua circunferência muytos montes , & quafi todos
eftaõ coroados de Templos , & Ermidas. Tem quatro Con-
ventos, que fe vem compor h uma perfeytaCruz, ficandolhe
a Villafervindo de centro. Oprimeyro, &queficaaoNaf«
cente , he dedicado a Santa Eyria Virgem, & Martyr, de Re-
ligiofas Terceyras de Saõ Francifco. O legundo , & que fica
cm correfpondencia ao Occidente^e o de Santa Cruz,Con-
ventoReal,&aprimeyra,& principal Cafa,& cabeça da Or-
dem de Chrifto. O terecy ro que fica ao Norte , he dedicado
à Encarnação , ou Annunciaçaõ de nofla Senhora , de Reli-
giofos da Província da Piedade. O quarto que fica ao Sul, hc
dedicado a S. Francifco, de ReligiofosObfervantes da Pro-
víncia de Portugal.
Da terceyra Cafa dedicada a noíTa Senhora , a que vul-
garmente chamaõ da Annunciada, he a de ój agora tratamos,
cujos princípios refere oChronifta da Província da Pieda-
de, & he ncíla forma- Fora da Villa de Thomar , em hum fi-
do,
Livro VI. Titulo 11. 463
tio ,que dl flava meya legoa da mefma Villa, para a parte Oc-
cidental , a quechamavae Carzedo, havia antigamente nu-
ma grande quinta, comhuma Ermida rnuy to bailante , que
era dedicada à Annunciaçaõ do Anjo à Santiflima Virgem
Maria noífa Senhora,& por efta caufa fe chamava aquella Ca-
ía , da Annunciaçaõ. Tinha efía quinta boas caías , pomar,
horta, vinhas f & olivaes , com muytas terras de paõ,&
huma grande m3ta de fovereyros , pinhos ,& outras arvores
filveflres para lenha. Tudo iílo poíTuía huma nobre Senho-
ra viuva, chamada Ifabel Teyxcyra , que havia íido caiada
com Antaô deFigueyredo, Fidalgo da Caía deiRey.
Efta Senhora , pela devoção que tinha aos Reljgiofos da
Província da Piedade , íendo Miniftro Província! delia Fr.
Joaõde Albuquerque , ( quemorreo na índia Bifpo de Goa)
emoannode 1526. lhe dotou liberalmente aqueíleíitio com
toda a fua fazenda , para fundar nelle hum Convento à^ fua
Ordem. E querendo que iífotivefle mayor firmeza , & que
osReligiofos nunca dalli fe apartaífem, nem pudeífemfer
lançados fora contra fua vontade , buícouhum mcyopara
iífomuyto feguro, &foy fazer doaçaõ daquelle íitioaEl-
Rey Dom Joaõ o Terceyro , na qual diz, que ella faz doaçaõ
ao dito Rey á^ Igreja, cafas , horta, & fonte da fua quinta de
Carzedo, termo da Villa deThomar,com tal entendimento,
& condição, que o dito Rey, & Senhor dé as fobreditas cou-
ias aos Padres Capuchos da Província da Piedade , para alli
fundarem hum Convento.
Aceytou ElRey a doaçaõ, que lhe era feyta , &Iogo
mandou por hum Alvará de procuração fua j à mefma Ifabel
Teyxeyra, para que em nome deiRey com poder , &autho-
ridadc,que para iílo lhe dava, meteífe aos Frades de poífe da-
quelle fitio. O que affim fe fez , como Eí Rey mandou- A qual
íe tomou em 4. de Outubro, do anno de 1528. & de tudo fe
fizeram eferituras, que leguardaô no archivo do mefmo
Convento.
Efla
4&4 Santuário Mariano
Eíla Cafa da Senhora da Annunctada ainda a conííde-
ro muyto mais antiga que o Convento , como fe vé da doa-
ção ,&queaquclla nobre Senhora defejofa dequea Mây de
Dcos foííe naquelle lugar muyto melhor fervida , lhe quiz
dará huns Capellães tarn fantos, & perftytos, julgando que
íoelíes poderiaô tratar do feu culto, & veneração com mais
cuydadojO que fariaõcom grande fervor , &amefma Se-
nhora lhoaugmentaria , com lhe alcançar de feufantiflimo
Filho as grandes virtudes , em que fempre refplandecéraõ.
Períiíliraô os Religiofos naquelle fitio cento & deza-
fete annos , bacantes para terem grande amor àquclla Cafa.
E fem embargo de que no veraõ era aqueíle fitio calmofo,
por íer bayxo , & ficar junto a hum rio,que lhe ficava ao Ori-
ente , de donde em as manhãas (diz o Chroniífo) o vento ef-
pirava daquclla parte , & infundia nos corpos dos que o ha-
bita vaõ, perniciofos vapores, ainda aílím naõ lhe faltava
frefeura das arvores , horta, pomar, & fonte que brotava
huma grande quantidade de agua. E além diflo o folitario do
fitio, que movia a grande devoção, & tambeifi a prefença da
Senhora da Annunciada , fazia que em nada fe reparaffe ; &
como naquelle tempo havia muyto eípirito, efle fazia que le
naô reconhecerem eftes inconvenientes, hoje tudo faõ me-
lindres, porque fe acabou o fervor do efpirito , &em quanto
oouve,amáraõ aquelle lugar;& tanto,que fazendo os mora-
dores de Thomar grandes infiancias, para que aquelles ben-
ditos Padres acey taffem junto àVilla outro fitio muyto bom,
nunca pelo muyto amor que tinhaõ à Senhora , fcàfoledade
do cm que eftavaõ , os pudéraõ mover a acey tar outro , por
mayores que foliem asconvcniencias,queneIIeíèencontra-
vaõ, & aífim perfiftiraô tantos annos.
Depois com o tempo , que tudo deftroe , & quando ja o
efpirito era menos fervorofo, porque fe havia esfriado , di-
zem que as paredes do antigo Convento por velhas amea-
ça vaõ ruina. Defta enfermidade, que também as paredes ja
pade-
LivroVI.TitufoIL 46;
padeciaõ, fc aprovey taraõ o.s traços , para dfyxarem aquei-
laiuafantaA devota Tfubaida,que os primitivos tanto a-
máraõ,&aceytaraó ofitioem que hoje vivem; o qual lhes
deraõos Padres do Real Convento de Thomar , ficando- fc
com o de Carzeda, que hoje lhes ferve de boa quinta. E nam
valeoà devota Senhora IfabdTeyxeyra,omeyoquebufcou
para osconíervar para fempre na^uclle exceliente lugar*
que lhes deu.
Fica eíle novo Convento fituado à parte do Norte da
Vílla de Thomar, como fica dito,em hum cabeço levantado,
& lavado dos ventos , com boa cerca, & horta, & duas fon-
tes copiofas. Ficou a Cafa como mefmo titulo; porque trou-
xeraõcomíigoa Imagem da Senhora, & feria pela obrigarem
a naõ fe moíirar queyxofa de haverem dcfprezado o fitio que
cila lhes havia dado. Achavaõfe nelle fitio fem Padroeyro,
& aífím deraõ o padroado do Convento, ou da Capella mor,
ao Conde Capitão , o qual morrendo em Lisboa , fe mandou
íêpultar nella ; foy a mudança do Convento no anno de
1645.
Sempre efta Cafa foy a devoção dos moradores de Tho-
mar , ou fempre foraõ devotiflimos defta foberana Senhora,
& agora que a tem mais perto , a vifitaõ com mais frequência;
porque fempre nofeu patrocínio acharão o alivio de feus
trabalhos,* a confolaçaõdeíuas penas. Ve-fe a Imagem da
Senhora collocada cm o Altar mor , he fcrmofiffima, ôc mof-
tra grande mageíbde. Obramuvtas maravi has,& a fécim
que a invocaô, lhes faz reconhecer aos feus devotos o valor
de fua interceffaõ. He de efculrura de madcyra , lua eftatu-
rafaõ cinco para féis pilmos. Da Senhora da Annunctada
efcreveoPaare Monforte naChrotiica da Piedade livro 3.
cap.z.
Tom. III. Gg TITU1
^66 Santuário Maríam
TITULO III.
Da Imagem de nojfa Senhora da Conceição do termo de
Thomar.
EM outro femelhante monte, & também de excellente
vifta , fc vé hum magnifico Templo de três naves, dedi-
cado ao myftcrio da Conceição immaculada de Maria San*
tiffima^tododeenxelheria^&obra, em tudo grande, &per-
fcyta. Em fua Capella mór fc vécollocada huma devotiflima
Imagem defla Senhora, com quem toda a Villa deThomar
tem grande devoção- Saô os Padroeyros defte Santuário da
Senhora os Religiofos da mefma Ordem de Chriíto, & a-
quelle Convento, & cabeça defta Militar Ordem, fcaffim
vem a fer cflaCafa da Senhora filiação do Convento , &ellc
heoquecontribuc com todas as defpezas neceííarias para a
fabrica , 8r mais defpezas que fe fazem no culto Divino, íc
ferviço da Senhora.
He cila Cafa muyto frequentada dos moradores de
Thomar,quecom muyta devoção bufeaõ a efta foberana Se-
nhora; & quando a fua fermofura naõ attrahiíTc a fi os cora-
f oens de todos , o alegre de feu íitio , & a deliciofa vifto que
delle fe descobre,& a magnificência do feu Templo baftavaõ
para convidar aos meyos devotos» que os que faõ devotos
intey ros , ou verdadeyramentc devotos , fó a fermofura da-
cjuella grande Senhora bafta para os conduzir, & levar à-
quelle feu Santuário, & à fua foberana prefença.
.
TITULO
Livro VI. Titulo IV. 467
TITULO IV.
Da Imagem de nqffa Senhora do Monte, ou da Piedade*
NA área , & planície de outro monte do mefmo termo
da Villa deThomar, fe vé o Santuário de noíía Se-
nhora, a quem daõ o titulo do Monte , cm que fe lhe fun iou
a fua Cafa, fendo o feu próprio titulo o da Piedade;porquc íc
vé efla Senhora na reprefentaçaõ do Calvário , quando teve
cm teus braços a feu Santiffimo Filho morto , por fatisfazer
as culpas dos peccadores. O Fundador defla Cafa foy o Al-
cayde mor da Villa de Óbidos , Martin Vafques Villela ,&
elle a dotou de rendas para a fua fabrica , & defpezas do cul-
to Divino. Elle mefmo pela grande devoção , que tinha a N.
Senhora em eftedolorofo paíío,& titulo da Piedade, man-
dou fazer efta Sagrada Imagem , que he de grande devoção,
& todos os moradores daquclla Villa frequentaõ a fua Cafa,
comfervorofosdefejos deafervir, & louvar- He formada
cm pedra, mas de hua perfey tiífima efeultura, & com a gran-
de magoa , & íentimento que mnftra na morte do Santi (limo
Filho ,quevé defpedaçado cruelmente, & morto em feus
braços, caufa huma taõ grande compunção nos que a vem,
que enternece muyto, ainda aos ecraçoens mais frios.
Tem eíta Senhora huma luíVofa Irmandade ^ que a fer-
ve com fervorofa devoção, &muytoze!o, & liberalidade-
Tem hum Ermiraõ que cuyda do adorno, &aceyodofeu
Altar. He o fitio>em que eftá fundado eiie Santuario^muyto
agradável; porque fe de fcobre ddie huma grande diítancia
de terreno. Obra efta Senhora muytas maravilhas em todos
os que fe valem da fua interecífaõ , como o tertemunhaõ as
muyras mortalhas,& outros muytos finses A memorias del-
ias , que lhe offerecéraõ os mefmos , que receberão os benc-
Gg z ficio%
4^8 Santuário Mar iam
íicios , & afHm he grande o concunu da gente que frequenta
a Cafa da Senhora cm todooanno, aonde vaõ a comprir os
feus votos, fa tis fazer as íuaspromeffas,& a ter as fuás no-
venas-
TITULO V.
Da Imagem de nojfa Senhora dos Anjos do termo de Thomar.
D
Os tituíos precedentes fe vé , em como todos os mon-
tes da Villa , & termo de Thomar íaõ dedicados à Mãy
de Deos, como a verdadeyro Monte de toda a fantidade , &
que vence toda a grandeza dos mais altos montes , como diz
Dam ^a° ^oa° Damafceno : Mons , cjui collem omnem, & montem,
orat.z. M cft> AngtUrum }iS bominum fublimitatem exuperat. E
ViV^foafômcomreligiofa, & pia intenção lhe fundarão nelles os
J, M. feus devotos Cafas, em que fofle fervida , & venerada , para
que delles,como de atalaya, os HvraíTe de feus inimigos. Nas
maravilhas q eíla Senhora obra nelles fitios, moflra o muy-
to que fe pagou da fua devoção» Em outro monte muy to íe-
meíhante ao referido no titulo paffado, & muy to agradável,
porque delíe fe goza a vifla de muy tos orizontes , & delicio-
fos campos, quintas, & pomares, & a Villa toda, íe vé o San-
tuário de noíía Senhora dos Anjos, aonde he venerada huma
milagrofa Imagem da Mãy de Deos,com o titulo da Senhora
dos Anjos, de quem efla foberana Rainha he Senhora. He
efíe Santuário , & Cafa da Senhora de huma fó nave, mas de
perfeytiííima archite&ura',tcmhuns alpendres muyto bem
fcytos,com colunas de pedraria , & cafas de romagem, para
os que vaõ ter as fuás novenas , & fe recolherem contra os
rigores do tempo , & todos recorrem a efta milagrofa Se-
nhora ,huns para alcançar delia osbonsdcfpachos,que pe-
dem }& outros para gratificarem os que por leu me> o haõ
recebido. Eftá
Livro VI. Titulo VI. 46$
Eflá cfta Sagrada imagem collocada na Capella mór;he
deefcultura dcmadeyra, de avultada eftatura , aonde fevé
lubir ao Ceo no myfterio , & paffo de íua AíTumpçaõ glorio,
fa ,levando-a emfeus hombrosos ccleftiaes Efpiritosjhe de
grande fenmfura. Tem efia Cafa da Senhora hum Ermitão,
queaífirte ao feu culto, ôccuydado do Altar* Tem também
huma Irmandade, que a ferve com muyta devoção, & fervor;
porque todos , & por todos os modos fe defejaôempregar no
ferviço defta Senhora. SaôPadroeyros,& Protedores def-
ta Cafa os Prelados de Thomar. Obra efta Senhora muy tas
maravilha s,& milagres , como o eflaõ acclamando as muy tas
mortalhas,& memorias de cera que dejrxáraô os que recebe*
raõ os favores , & benefícios.
TITULO VI.
Da Imagem de N« Senhora do 0, ou da Expeãaçao.
ALém dos Santuários , que ficaô referidos , & que fe ve-
neraô na circunferência da nobre Villa de Thomar,
fe vem no feu termo , & limites outros muy tos , de que ire-
mos referindo os mais notáveis. E fe ja o primey ro a Cafa de
noíTa Senhora do O, ou da Expeítaçaõ , fituada junto ao rio
Nabaõ, na Freguefía de Saõ Pedro da Bibirriqueyra. He efta
Sagrada Imagem muy to milagrofa , & aílim concorrem com
muyta devoção a veneralla os fieis, & a impetrar da fua cle-
mência os bons defpachos de luas petiçoens, o remédio de
fuás neceífidades,& o alivio de feus trabalhos ; & nos fínaes,
& memorias que fe vem pender das paredes da fua Cafa , fe
confirmão os feus grandes poderes , & os grandes favores,
& benefícios , que faz aos feus devotos. Eftá collocada no
Altar mór,& com muyta veneração hc fervida dosPadroey-
ros. He de pedraja fua eílatura faõ quatro palmos, ve-fe com
Tom. III. Gg 3 oven-
47o Santuário Marianè
o ventre crefeido , & a maõ direy ta fobre elíe , & na efquer-
da hum livro aberro.
A origem defta Sagrada Imagem he prodigiofa , & no-
tável s a qual foy nefta maney ra. Havia na Villa de Thomar
hum Fidalgo chamado Joaõ Gomes da Cofta,cafado com ou-
tra Senhora chamada D. Antónia da Coita;, ambos parentes,
6c da nobre família dos Coftas,& Nogueyras; eíles Fidalgos
ersõ devotiífimosde noíTa Senhora ,& por eípecial devoção
quelhetinhaõ, lhe mandarão erigir huma Ermida emafua
quinta , que tinhaõ junto ao rio Nabaõ, àqual avinculáraô
toios os feus bens em morgado , & nella ccllocáraõ a mila-
groía Imagem da Senhora do O, ou da Expe&açaô , que por
revelação tby defeuberta nefta. forma.
Era ,como fica dito,D. Antónia devotifôma denoífa Se-
nhora, &comcfpecialidadedomyflerio da fua Expcdaçaõ
do parto, & fuecedeo fonhar em varias noy tes, que na Igre-
ja do Sobral , debayxo da pia da agua benta , citava enterra-
da huma Imagem da Virgem Maria nofla Senhora; &como
os fonhos foraô repetidos em varias noytes, & íentia cm feu
coração huns grandes defejos,dequefeexaminaíTea verda-
de del!es,& huma como certeza de que a Santa Imagem efta-
va mquelle lugar , pedio a feu marido , mandaífe cavar no tal
lítio , para ver fe defeubria aquella Santa Imagem , q nos fo
nhosíelhe manifeftava.AViftadeftasinftancias;pedioJoaõ
Gomes da Cofia licença a Miguel Perey ra , que então era o
Prelado de Thomar , para le fazer efta diligencia , & exame,
&fazendo-fe de licença fua ,fedefcubrio a Sagrada Imagem
em 1 6 do mez de Outubro do anno de 1 626.
Naõfe pode encarecer, qual foíTe o gozo, & a alegria
daquelles deus virtuoíòs Fidalgos > deferem tambemafor-
tunados, & ditofos , q mereceífem a Deos o ferem os defeu-
bndores defte precioío thefouro- Vendo a devota D. Antó-
nia a Imagem da Senhora , naõ fefartava deaffiftir na lua
prefença,&com os grandes defejos que tinha de que fe ex«
puzeífe
Livro VI. Titulo VI. 47 *
puzeífe à publica veneraçcõ dos neis, para que de todos foííc
bufcada ;& fervida, naõ deícançouaréosnaõ póremexe-
cuçaó , & aílim fez que ícu marido pediífe ao mefmo Prela-
do de Thomar, lhes deíTe licença para erigir, 6c fundar a Er-
mida referida; o que alcançarão logo , & no anno de 1 528 fe
fundou, & acabada ella , foycollocada a Sagrada Imagem
com grande feita, & íolemnidade , & grande alegria de todo
o povo de Thomar,quc concorreo a eíla.
He hoje o Padroeyro deíie Santuário, & Cafa da Se-
nhora do O, & o Senhor daquelle morgado , Rodrigo Jaco-
me Ray mundo de Noronha , Fidalgo da Cafa de Sua Magef-
tade,filhodeCuftodioJacomeRaymundodeNoronha,&de
Dona Antónia Francifca de Mendonça , neto de Jacomc
Raymudo de Noronha quarto neto por varonia de Andreja-
come Raymundo de Noronha , Commendador da Comenda
das Olhalhas da Ordem de Chriíto,& ayo delRey Dom Ma-
noel. Defcendeo referido Rodrigo Jacome, de Joaõ Gomes
da Cofla por fêmea. E ellc coftuma feflejar todos os annos a
Senhora do O, por coftume antigo A o faz com muyta gran-
deza, & devoção E fera também obrigado a fazer efta folem-
nidade,porque aífim lho deyxariaõ por obrigação teus avós,
ou vifavós,j3aõ Gomes da Coita ,& D. Antónia da Coíla.
TITULO VIL
Da Imagem de nojfa Senhora da Saúde , do Jlquejdaê
das Olhalhas.
NOlugardoAlqueydiõ daFregueíia das Olhalhas, fc
véaCafa,& Santuariodenoffa Senhora da Saúde, aon*
de he venerada huma devota , & milagrofa Imagem da May
deDeos,com o titulo da Saudc. Santo EphremCyro diz q
he Mana Santiffima a faude verdadeyra , & eflavel de tod M
Gg 4 os
47 l Santuário Mariano
os Chriftãos,que fabem recorrer a procuralla na fua prefen-
S.Ephr. çv.Sahió firma omnium Lhrifiianorum adeam recurrentium.
inlatid. AíTimoexperimenraõaquellesquecomverdád yra fé,& de-
is. K voçaõ fabem recorrer a efla bendirá Senhora E frõ muytos
os que concorrem em fuás enfermidades, & achaques a efta
pifeina ^ & na fé com que o fazem , fe vc a promptidaõ com
que a^cançaõ de noífo Senhor a faude , que pedem, pela in-
tercefTaõ,& merecimentos de fua Santiíliina Máy. Bendita
ella , que com efte titulo de Saúde , quer que a buíquemos, &
interponhamos os feus merecimentos , para a alcançar, naô
fó a do corpo, mas a principal, quehea da alma \ em que fc
tem viíta muytas maravilhas; mascomo fenaõfazcafode
fazer memoria dellas,por iíTo naõ podemos referir cafos par-
ticulares.
Dos princípios deíle Santuário , & da origem deita Se-
nhora , nem do motivo , com que felhe impoz eíia falutife-
ra invocação, naõ pudemos defeubrir nada, nem ainda por
tradiçoens. Eacaufadiílo naíce, que como eftas Ermidas
eftaõ em aldeãs de poucos moradores , & effes pobres , que
fe oceupaõ iómente no feu trabalho , & fó nelie fallaõ, & fo-
bre elle difeorrem^por iífo naõ attendem a tradições de cou-
ías , que fuecedéraõ, nem delias fazem cafo. Daqui naícem
as obícuridades com que fe trataõ as coufas ; porque naõ ou-
ve curiofidade de as faber , nem de as inquirir , & afíim ficaõ
fepultadas nofepulchro do efquecimento , &da ignorân-
cia.
TITULO VIII.
Da Ima gr m de N*Senbora da Tiedade do Vai da Idanha.
^ml A referida Freguefia das Olhalhas , no tituío paflado,
Si he também muy to frequentado o Santuário, ôcCafa
de
Livro VI. Titulo VI II. 473
de noflfa Senhora aa Piedade , que fe venera em o lugar do
Vai da Idanha, Fica eiia Ermida em hum íitio muy to alegre,
& agradável, & aíFm efiá convidando a bufcar com devoção
aeíiamaravilhofa Imagem da Mãy de Deos. He efta Santa
Imagem formada empedra , com o Santiflimo Filho morto
em feus braços. He Imagem devotiífima, & caufa muyta ter-
nura, & compunção nos devotos coraçoens, quecontem-
plaõ a dolorofa pena, que a Senhora rcprefenta naquellc paf-
fo do Calvário* Obra muy tos milagres,& maravilhas, & af-
íim he bufcada dos fieis , os quaes com as fuás romagens fre*
quentão a fua Cafa , & lhe vaõ a pedir o alivio de feus traba-
lhos ,& nunca fahem de fua prefença fem a confolaçaõ , que
procuraõ. Parece muy to antiga efta Sagrada Imagem, mas
ainda queinterpuz toda a diligencia para faber alguma cou-
fa da lua origem,& princípios, naõ o pude confeguir,& affim
ficamos fempre queyxando-nos do defcuydo , & negligencia
dos paflados. Das maravilhas que obra efta clementiííima
Mãy dos peccadores , fe vem na fua Cafa alguns íinaes,&
memorias , que o teílemunhaõ , & publicaõ os feus grandes
poderes.
TITULO IX.
Da Imagem de noffct Senhora do Mileu>do termo da
Filia de Thomar-
V Árias faõ as Imagens de Maria Santiflíma \ que neftc
Reyno íaõ veneradas com o titulo do Mileu. Apri-
meyra ,& mais antiga, & bufcada com mais veneração, hc
aqueelláemaProvinciada Beyra , em os arrabaldes da Ci-
dade da Guarda >taõ antiga , que fe entende fa era venerada
em tempo dos Godos. Na Província do Alentejo ha outra,
que he venerada na Viiia de Veiros ', & eíla de gue agora tra-
tamos*
474 Santuário Mariano
íamos, do termo da ViiladeThomar,aqucmos ruílicos er-
radamente daõ também o nome de Mildeu , tendo o feu pró-
prio titulo Mileu. No titulo da Senhora do Milcu , que fc
venera nos arrabaldes da Cidade da Guarda, fe declara a ety-
mologia deftc nome, & lá fc pode ir ver nefle me faio 5 . tomo
Iiv\ i.tit 3.
Quanto à Senhora do Mileu , que fe venera no lugar
dosCaivinos,termoda Villa deThomar,ema Fregucfíados
Caíaes , he ta6 pouca a noticia que pude alcançar deita Santa
Imagem , & de fua origem , & princípios , que fó me conílou
fer Imagem de grande devoção , & que muy tas peífoas a buf-
cavaõ ,& fe hiaõ a encomendar a ella em aquella fua Ermida;
& a grande fé , que os movia a bufcalla y era também o meyo
eíficaz , por ondeconfeguiaô os defpachos das petiçoens,
que faziaô à mifericordioía May dos peccadoresj que a cari-
dade defta Senhora he tão grande , que para todos he be-
nigna, rica , liberal, & quem a tiver a ella, tudo tem , & aífim
exclamou Zenon fallando com eíta Senhora: 0'caridade(que
aquiheomefmoquemifericordia )quam pia >quam opulenta,
& quam poderofa fois! nada tem, quem vos na5 tem : vòs fi-
zefles,que Deos abreviado hum pouco , o prendeífes nove
Zenon mezcs no cárcere virginal: C/charitas quàmpl*, cjuàm 0-
ferm.de pulenta, ò cjuàm potens ! nihil habet qui te non babtt : tu
Ftde. Deum breVtatwn paulisper à maksiatis fute immenfitatep?-
regrinarifeci/ti: tuvirginali cárcere noVem menfibm rele-
gafti.Nas poucas noticias , que fe descobrem dos princípios
deíla Sagrada Imagem, & na falta das tradiçoens, porque
nem por ellas fe pode defeubrir coufa alguma , fe pode dif-
correr, quam longa fera a fua antiguidade,^ quam grandes,
& antigos os feus princípios.
TITU
Livro VI. Tttuto X. 475
TITULO X.
Da milagrofa Imagem de nrjfa Senhora das Lapas , do
termo de I bom ar.
EM os Cantares compnra oEfpirito Santo aMariaSan-
tiffíma a pomba , a quai diz que habita cm as lapas , &
concavidades da pedra: Columba meaiyi for atnimbus petr#* C^nt.u
Notemomyfterio. He Maria (diz Santo Ante nino ce Fio- s.Am.
rença ) Pomba ; porque nunca teve fel de peccado : UMimbo p. 4. úu
fine felle, peccati.E he Pomba fingular,(diíteDionyíio Fabro) 1 5.^24.
por íingularmente prefervada da culpa defde o primeyro Dio»jf.
infhnte de fua Conceição: UnaeB columba me a. He Pomba Fa^
(diz Guillelmo Parvo) por fua fecundidade, fendo verda- 'j^1'.
deyra May de Jefu Chriíto , Deos, & Homem: EH columba QH™'*n
propterfactmditatem , cujuâ pullm fingularisfuit Chriftm. Cam[ u
He Pomba ( diz Adam de Perfenia ) com as duas azas de hu- Aàâm
mildade,& virgindade. DizFilippe Abbade, que a pomba fragm.
fomenta aos filhos efiranhos : aflim a charidade deíla Divina $.M«r:
Pomba naõ íe nega aos peccadores mais indignos , porque Philip»
fempre os ampara, como May, ainda que elles pelas fuás £*•*•*
culpas fe façaô indignos do nome de filhos. Outra Angular f* ^,
propriedade achou a efta Divina Pomba > habitadora das la- y
pas, & concavidades da pedra .Bercorio, & o tomou de San- Bercor.
to António de Lisboa J & he,que as mais aves, fe lhe maltra- Ub. 7.
taõ es fiihos 7 ou lhos tiraô } logo mudaõ o ninho, com pena, ndnft:
& fentimento. A pomba naõ he afíim; porque ainda que veja caP l7*
Anton*
de Pad.
lhe maítrataõ os filhos , ainda que lhos tirem, nunca muda o
ninho noeneyo da fua dor: SíjmUis fpolietnr , antiquam fe-
dem non deferit. 0*puriílima Senhora , & cõ quanta proprie ^
dade voschamou o Divino Eipiriro Pomba: Columba meai j^
He verdade , que Maria Santiffima eflava com a confidera-
Çaõ
47^ Santuário Mariana
çaõ emaquellas Upas, oc aberturas , que na Divina pedra
Ch riflo fizeraõ os peccadores. Porém elia como Divina
Pomba, ainda que lhe tiraõ , & maltrataõ ao innocentiííimo,
& amado Filho fem deyxar o feu coração de fentir , naõ íe a-
partaofeuefpirito do ninho foífegado dafua heroyca refig-
naçaõ: Antiquam fedem nondefent. 0'quan to nos devemos
confundir , de que as penas arraftem o nolío efpirito/ Doaõ
embora ; porque para que eilas fe fintaô as manda Deos ; mas
finta -as o natural > fem que a dor poíTa apartar o noífo efpiri-
to do ninho da Divina vontade, como o fazia a Divina Pom-
ba Maria , que recolhida na fua lapa , & no íeu ninho , as le-
vava com grande reíignaçaõ.
Em o lugar dos Cafaes Novos , junto ao rio Nabaõ , na
referida Freguefía dos Cafaes , fe vé o Sanruario, & Cafa de
noíía Senhora das Lapas , na qual he bufeada comfervorofa
devoçaõ,huma muyto milagrofa Imagem da Rainha dos An-
jos, que íc tem por Angelical , ou por obra formada pelas
mãos dos Anjos ; porque naõ parece , que nos homens fe po-
dia achar igual perfeyçaõ' Hcefta Santa Imagem taõ peque-
nina , que naõ chega a ter hum palmo; a matéria de quehe,
tot almctc fe naõ conhece, parece de marfim/m daquella mef-
ma matéria \ de que fe formou a Imagem de noffa Senhora dos
Covoens (de quem trataremos no \* tomo^em os Santuários
doBifpado de Coimbra) q he do mefmo tamanho ,& também
a julgaõ todos por obra vinda do Ceo. A forma de feu appa-
recimento naõ pudedefeubrir ; q o defcuydoem fazer me-
moria dascoufas grandes , ja hc falta muyto antiga entre os
Portuguezes.
De huma memoria me confiou que fe manifeílára eíia
Sagrada Imagem em o mefmo tempo, em que a Senhora dos
Covões apparecéra àquellaruílica, & fingela paftorinha, q
merceco entre os feus paftoris cuydados achar femelhante
ventura ; a qual fegundo o que dcyxamos eferito na (ua hif-
toria , fe manifeftou em o anno de 1400. como o declarou
na
Livro VI. Titulo X 477
na fuatargcta , o eruditiííimo Chantre de Évora , Manoel
Severim de Faria. Eaífim como a Senhora dos Covoensíe
manifeíiou em outra Lapa , de que veyo a caufa para fe lhe
impor o titulo , ou invocação dos Covoens , ou das Lapas,
que hc o mefmo : afTim também fuecederia o mefmo com ef-
ta Santiflíma Imagem, de que agora tratamos, que lhe dariaõ
o titulo das Lapas,por apparecer, cu fe manifeftar cm outras
femelhantes. E como naõ pudemos chegar pdloalmente a ef-
te Santuário, naõ pudemos também inquirir bem os íeus
princípios > em que pudéramos defeubrir alguma tradiçaõ-E
como a Senhora fe paga de apparecer ,& de íe maniíeííaras
íingelas, & cândidas paítorinhas, me perluado , que tam-
bém aqui fuecederia o mefmo , que fuecedeo com a Sagrada
Imagem da Senhora dos Covões , & que alguma devota paf-
torinha feria a feliz inventora defte celeftial thefouro,dig-
node todas as cílimaçoens.
Na meíma hifloria da Senhora dos Covoens fe diz
também , que no tempo em que os Mouros tomarão a Efpa-
nha,&fefizeraõfenhores das terras de Portugal j feoccul-
táraõ pelos Chrifiãos citas Sagradas Imagens ,& bem podia
ferdifpolloaflim Dcos para noíío alivio ,&confolaçaõ,inf-
pirando-o affim àquelles , que neíksoccultos , & efeondi-
dos lugares as depoíitáraõ, naõ pela grandeza , & pefado de
feus vultos , porque ambas faõ taô pequeninas, que no pey-
to>& feyo fe pediaõ oceultar, & verdadey ramête o peyto era
o lugar próprio defla preciofa jova. Mas feria \ que como o
açoute daquelJa perfeguiçaô havia de durar por tantos an-
nos^, difpoza Divina Providencia, que elles as occultaífem
então naqucíles incultos lngares,para cj nós depois de rouy-
tos íeculcs tiveífemos a dita de as ver , & de as fer vir, & ve-
nerar como a ímigens de Maria Santiffima , Senhora noflTa,
quenos antigos íeculos haviaõ refpíandecido em maravi-
lhas. Senaõ he também (fegundo a opinião daquelles, que
as tem por obras das mãos dos Anjos) que os artífices do
Ceo
4 78 Santuário Mariana
Cco as obráraô,& para confolaçaõdos feus fervos, 8c devo-
tos as quiz Deos dar ao mundo, para^com ellas afervorar
aos fieis no fcu culto, & veneração, manifeftHndo-aspor
meyo de humas innocentcs paftorinhas, que também feria©
Anjos nas vidas.
Heefta Santiílima Imagem da Senhora das Lapas buf-
eada^, &: venerada dos fieis , que de varias partes concorrer»
emrommaarogarlhc,&a pedirlhe o remédio de fcus males,
& o foccorro de fuás neceífi Jades , & tudo alcançaõ por fc u
meyo , & interceffaõ , porque recebem de Deos muy tos fa-
vores , & benefícios , como omanifcíláo os íinaes que delles
fe vem pender em as paredes daquellc Santuário da Se-
nhora.
Depois de eferever da milagrofa Senhora das Lapas o
que pude alcançar no que fica referido , me inviou o Er-
roitãoda Virgem Senhora efta nova relação , que cm terce-
tos compoz o Doutor Gafpar Leytão de Affonfeca , por fa-
zer obfequioà minha devoção» Ecomo digna naõ fó de a-
companharaminha hiftoria,mas por obra dehumíugeyto
$ quem tanto venero , não quiz deyxar de a eferever , que hc
na maneyra feguinte.
IPifaja de fia inculta kledade
Con pé devoto , ò fatio fereçrino,
() illufire horror , & a f acra antiguidade»
Ké te affufie efe par amo , indigno
'Porefcadafe encosta ajuelle monte,
*D?fculpando em myjlerio o de/atino*
Saindo cedapaHor nejfe ori^pnte,
*DefcarKa dcíle ao pé Jacob pie do fo.
Sem mus kyto , que o mármore defronte*
jOe/fi rocha pelo âmbito <>fcabrof 'o ,
Dirige o pifo aonde te conVida,
0 balcão de fie pó* filo fragofo.
Aqui mjla fachada malf igida,
(GalarU
LivroVI. Titulo X. 47?
{Galaria do bojquejohiaria)
Defpre^a o monte , quanto oitenta a Vida.
fiefla de tanto error fabrica Varia,
Quanto alenta cunofa a arquiteãura,
O defcuydo compõem com lu,^ prirftariá*
Em erros logra a barbara incultura,
Jguanto em acertos lavra defvelada,
A Corinthia 7 & a Dórica e/cultura.
Enfinando com pompa mal ornada,
JZucinto a Dédalo foy confujaò nobre,
Ea Tbefeofoy fo fabrica aCirtdda*
9or onde a natureza nos de/cobre,
Ser do nojfo defVelo Va quimera ,
Quanto em nofa ambição error fe encobre*
jilU daquelle mármore te efpera
A pirâmide parda x quedo Egypto
TSÍa Taleflra a pompa confidera.
J^uando as penhas fataes de fie dejlrito,
'Dos altos Etfilitas por colunas
Sobreleva ejfe par amo infinito.
Troféosfad,cvm que em bafas o p por tunas,
T>i tempo fobre as leys triunfa a idade,
çDas adVerfas, & profperas fortunas.
Das penhas na gentil de/igualdade.
Se iguala comfiheflre galhardia,
*Dos obeltfcos toda a magettade.
guando na defcompôfía ptnedta,
Nas erratas da mefma natureza,
Se de [cifra dos tempos a energia,
guando entre as elegâncias da rudeza,
Effas mudas ruínas do rochedo,
São Vivos Epitáfios da grandeza.
Defas grutu no pd lufofegredo,
He cada ecco doj/n^o huma trombeta,
Edamorte bum padrão cadapenedo. * €amh
4?o Santuário Mariam
Caninha mais arriba , cr nafeaeta,
AlcoVa que t ar viger a fe apmha,
Acharás ou'ra ejtancia mais felécfa.
Do cintel os primores bem desdenha-,
EH a do me [mo tempoarcbitectura,
Qn.k be teão , i? coluna a me ima penha*
'Bufcando ajfvn razoes fde maisfegura,
(porque fefa^ artífice do tempo,
Oníe o temor alcança , a ba^e pura*
7)osfeculos fugindo ao contratempo,
TSLa contemplação dura por finesa,
J^wtdo cabe por brasão nopaffa tempo*
Olha daqui ,t? vé com que belle^a
Se compõem, pelo ef pilho deffe rio ,
O Nircifo fatal de tf a afptre^a.
Vè como ejCiVna a efcumaocriftalfrio.
EHarocba mais beija,doque banha,
Com deVota corrente , l? aljôfar pio.
Deyxando c/e ff u berço a penha ejlranha9
Pela dourada capa das áreas,
Prateadas conchas tra\ neíia campanha*
Porque affim fe conheça de fuás Veas,
j^ue veftido aqui jó de peregrino,
Caminha em hymm alegre defereas.
Eflepois o NabaÕbe cristalino,
J^ deflas ciar as fontes por morgado,
Senhor ea ejíe bofque tao Divino.
Quando naquel/e cume remontado,
Nome [mo ninho nafceco a águia parda,
Como adoptivo irmã ) y íifne nevado.
E como em Ver o Sol na gruta tarda,
Por ijfo defpenbado aqui difcorre,
Porque aqui o mais bdlo Sol a guarda.
Pois de Ha rocha pura junto corre,
Livro VI. Tttulo X 48 *
igedepojtto hafidojoberano
De buma joya , em quem toda a lu^ concorre»
guando na Éjpanha o feculo africano
Dilatar foube o circulo da Lua,
Injuria ao tempo , obfequio ao defengano^
tleffafelva do trato humano nua,
Seguro abrigo a inbofpita a/pereba,
Deu atai bem , com graça nao commm.
NeBe concavo horror , muda defefa,
Sem dafombra temer fúnebres afcos,
Elege aquella Efirella da pureza*
Tor iffo dos turrigeros penha/cos
A carcerofa brenha efi d formando
Afelvaticafronte hórridos ca/cos,
J>uandodofeyoafperrimo brotando
Asfetas das Volatiles fer pentes,
De ef cálido terror fefica armando*
E ao corifco das Víboras rompentes,
De mordidos os a/peros penedos,
A^uisfe vem nas cumes eminentesl
for iffo dejfe bofque nos enredos,
O notftvago Lobo ,<J o clandeflino
Tigre, efias folidoens converte em medosl
Tuio [e arma em rejpeyto peregrino,
T>o oráculo gentil > que apraya illuflra,
Daquelle alto penhao Tranfnabantino.
Quanto em horror alpeflrefe desluflra,
Em Verde antemural fe fortalece,
Da torre de David, que ao mal fefrujfra*
Senão da branca área à margem dece,
Verás da mão piedofa hum edificio,
Quanto na deVoçaÕ ja refplandece.
Trasladada do ruflico exercido,
<Por invenção incerta , aqui Maria*
Tom 111 Hh JTej»
4$i Santuário Mar iam I
Veyoago^ar do eterno facrificio. |
Olhaeffa Imagem , cuja fimpatia,
N? matéria marfim , & na pureza,
tfor fer da Torre ebúrnea fe avalia*
Vé como na [agrada pequenhe^a,
(pelajuít a medida da humildade,
'Da pcrfeyçaofe laVra a realeza.
May cr vida o achareis [em igualdade,
fio milagrofo nome , com que torna,
Em continuo congrjffo à joledade*
Por ijfo de florida galafe orna,
Açanefa da margem jran [parente,
£>ue delidos diamantes bem fe adorna.
Jguandode Abril na aurora mais luzente,
O roxtnol em pérolas affina
As lagrimas que entoa docemente.
Em quanto a amante rola a prata fina
Dorio>emturba neVe habita tri Be,
Bem feca rama a planta peregrina,
E na capa payxao tanto perfijle,
£>ue he hum ViVo theatro dafaudade]
Todo o bofque onde geme , & onde ajfttfel
TSLa delicia pois dejla amenidade,
A devota fadiga Ufongea,
A quem Já pague, a amante divindade.
Efe informação clara a ti te enléa,
No pafiord anual deffe arvoredo,
As gr aV ada* cortiças papelea.
Onde 40 pé dcjle altijfimo penedo,
J)(fe livroao thefourofacrofanto,
Tarde feneça o que traslades cedo.
Para o que defa fonte o criftalfanto
Da tinta, te renoVe o fabio alento,
A que etta área o pò for me entretanto. ^
1 r fará
Livro VLTitulo XI. 4fj
$úXá o rafgo também por maio portento,
Bjtaptnareccíe > que napraya
Labto a effa àVe Emperatrt^doyentQ.
Em quanto na coluna dcflafaya
Triunfante padrão t alva a memoria
Ateu ^elo , que eterno naõdefmaya,
Continuafelt^tao alta kittoria,
E enriquece com ella a noffa idad? \
Logrando a Vida igual pr tanta gloru,
A9nature^% , que à pbft*. r idade.
TITULO XI.
S)a Imagem de noffa Senhora do Rofari$} do lugar d<as
OUas, termo de Tbomar*
HE a devoção do Rofario o mayor obfequio p que pode-
mos fazer à Rainha dos Anjos , & porque he tantoda
feu agrado, procura onoffo commum inimigo apartamos
deita fermofa obra , & dcfle para ella muy to agradável fer-
viço. Efe perguntarmos porque ha no mundo tantos, que
naõrezaõ àfoberana Rainha da gloria o Rofario; refpon-
derfenosha, porque aílím como o demónio emmudcceo a- - - ,
quelle homem doEuangtlho : Et illuâ crat mutum\ aífimos
emmudcce a elles: Muttu eft, qui in Dei lawks lábia fua ape- Eufeb.
r/K^Wf/a^dizEufcbioEmiíTeno. Teme o demónio todas as £«ífi
noíTas onçoens y mas nenhuma perfeguc com tanto ódio co-
mo a oração do Rofario. Leaôfe ashií}oriasEccteíi^flicasJ&
naõ fó fc achará o quanto o demónio perfeguio fempre o Ro-
fario , & o procurou dellerrar do mundo por meyo dos here-
ges de todo o género , antigos , & modernos ; mas entre os
mefíTRos CathoUcos fc acharáõ eílupendos, & temerofos ex-»
emplos , das traças, & dos empenhos com que o demónio fc.
applica com todo o feu faber , & inddllria , para os apartar
Hh % deíle
4 84 Santuário Mariano
deíie fanto exercício. A quantos defefperados pela pobreza
offereceo,&defcubrio thefouros f mas com acondiçaõdc
quenaõtaviaõ de rezar o Rofario da Senhora. A quantos
cegos do fenfual appetite prometteo o fim de feus feyos gof-
tos?mas com a promeíTa de que as contas do Rofario, que k-
vavao occulras,ashaviaõ de lançar fora. A quantos outros
prometteo outras coufas todas de grande offenfa de Deos?
mas fempre com a condição de que primeyro fe haviaõ dey-
AhUoy xar defarmar das armas da milícia do Ceo. Hu grave Author
f*cor* affirma que para o demónio fervir a quem delle fe quer valer,
o paílo tácito , ou expreíTo de que ufa , faõ aquellas palavras
de Sara: Ejice ancillam , é filiam ejm \ entendendo por an*
ciila a Virgem, na Ave Maria, & por feu Filho, a Chriflo no
Pater noíkr. Até aos mefmos devotos da Senhora , quando
os naõ pode apartar da fua devoção , procura ao menos, que
deyxem o Rofario , & o troquem por outras oraçoens. Fi-
nalmente , ( & efle he o mayor ardil , & tentação de todas)
faz que os que rezaõ o Rofario, o rezem divertidos , & fem
attençaõ , que he outro modo de emmudecer , mais injuriofo
&\ a Dcos,( como diz Auguftinho meu Padre) porque em vez
jgeo de failarcm com Deos, fallaô com feus vãos penfamentos. E
paraefcapardeíks perigos todos, cuydem todososquefe
prezaô de devotos defta foberana Senhora, de a faudar todos
os dias com o feu Rofario \ porque eíle heo mayor obfequio
que lhe podem fazer, & efte o mcyo mais perfey to por onde
o podem mais obrigar.
OlugardasOllas eflá em os limites daFregueíiada I-
greja , & Parochia de noíía Senhora do Rec!annador,( aflím a
intitula o vulgo ignorante ; que o feu próprio, & verdadey-
ro nome he Santa Maria, ou Noíía Senhora de Roca de Ama-
dor) do lugar dos Cafaes cm o termo da Villa de Thomar.
Ncfte lugar tem hurn Cavalleyro morador na Viila das Pias
. chamado Eílevac de Araujo Frevtes, huma grande, & nobre
quinta , & no deíirito delia junto à eflrada Reai,fc vé o San-
tuário
Livro VL Titulo XI. 48 y
tuario , & Ermida de noíía Senhora do Rofario , com a porta
para a mefma eílrada. He cfta Ermida antiquiflima, & o cftá
moftrando a fabrica delia , & o portado , íobre o qual fe vé
hum efpelho de pedra aberto com lavores de viola , & por
ellc recebe toda a luz , porque naô tem outra.
No Altar defla antiga, & pequena Ermida fc vé colloca-
da a Imagem Santiílima da Senhora do Rofario , em hum ni-
cho nomeyo do retabolo , que novamente lhe mandou fa<
zeromefmoCavalleyroEftevaõ de Araújo Freytcs, deo-
bra liza , íalomonica , & muy to bem pintado, ou fingido de
embutidos * pela grande devoção que tem à mefma Senhora,
& por eítar a Ermida nas fuás terras , ainda que elf a pertença
também ao povo do lugar; porque ellehe, o que fatisfazao
Capellão as MiíTas , que nos Domingos, & dias Santos nella
celebra, para o que tem os ornamentos neccíTarios. E allí fc
cofhimaõ dizer muy tas MiíTas pelos Sacerdotes que paífaõ,
a ífim Eccleíiafticos , como Reiigiofos. E eu diíTc Miíía cm o
íeu Altar, que he único.
He efta Santiílima Imagem antiquiífima , (como cila o
eflá moftrando, na fua forma) hc de efeultura formada ern
pedra de ançãa,& a forma em que cftá , he tão particular,quc
devia ter antigamente outro titulo diverfo do Rofario com
que hoje he invocada ; o qual felhe daria com aoccafiaõdo
virem por aquellas terras alguns Padres Dominicos a pre-
gar a devoção do Rofario da Senhora , & com ella deyxado o
titulo das Óllas, que podia fer o primeyrocom que foy in-
vocada,(tomado do mefmo lugar.) Da antiguidade,& forma
defta Santa Imagem, me perfuado que ella appareceria na-
quelle íitio , em que fe lhe erigio a Ermida , & porque em fua
manifefíaçaô fe lhe naô febia a invocação que tinha , lhe da-
riaõ entaô o titulo das Ollas. E aífentonifto; porque na-
qucllesdeftritos tem apparccido muytas Imagens da Máy
de Deos, que certamente deyxáraõ efeondidas os Chriftãos
na entrada dos Mouros , quando fe fueraõ fenhores das Ef-
Tom» III, Hh 2 panhas.
4?><S Santuário Mariano
panhas. Mas como o lugar he pequeno , & a gente campó-
neza \ & que vive do feu trabalho , fó cuydaõ , & fallaõ no
mefmo que exercitaõ , & naõ fe lembraõ de mais , & por iflò
nem traciic oens ie achao. Fica também eile lugar diftante de
Thornar mais de legoa^ meyaj>& affim naõ he muy to fe naõ
poffa defeubrir nada da origem deita Santa Imagem, nem das
mais qi-ie temos tratado do mefmo termo.
TITULO XII.
Das Imagens de nòjfa Senhora do Rofario, da T ^ , &
dos Martyres , que fel^eneraÕ na Igreja Matri^
daVúlx das Ti as.
AVilladas Pias,huroadasquecomprehemJea Prelaílade
Thoftiar , fica ao Norte da mefma Villa de Thomar^ em
diftancia de duas legoas , & meya , naõ pequenas. Efiá fun-
dada cmoreòoito de hum monte , que pela parte do Oriente
lhe ferve de guarda-vento , ou biombo , contra a s inclemen*
cias do vento A pelotes, ou Subfolano. E tevanta-fe efle
monte em meyode deus valles muyto deíiciofosA frefeos,
os quâes correm, prolongando fe de Norte a Sul3em as fral-
das de duas Serras, huma dá parte do Oriente, fobre a qual
corre a eílrada Real, que de Abrantes vay a Coimbra,a quem
acompanha hu dos referidos valles por diftancia de dez le*
goas,& outra da parte doOccidente, pelo pé da qual vay
outra commua eíirada , que de Lisboa fe continua por Tho*
mar ? & Ceras até Coimbra, &• ambas vão acabar , & a unirfs
cm o Cabaço.
Fica eíta Villa imminente a huma ribeyra muy frefes,
que noprimeyro vallecinge o referido monte peio Orien-
te , Norte , & Occidente , até que com mais err íeidas aguas,
toím o nome de Cerai; , ou de Ceres , como a antiguidade a
denomi-,
LivroVLTiwkXU. 487
denominava, o que v.ay perder, entrando no rio Nabão; & R-
candoíhe a Villa imminente íe livra de fuás inundaçoens,
logrando fuás comodidades , que fao muytas , & procedem
da abundância de fuás aguas , comasqujes fcfertilizaõ os
Valles , que de huma , & outra parte lhe fervem de margens.
Os primeyros íenhores defia Villa , depois da entrada
dos Mouros emEfpanha, íetern por authenticos teftemu-
.nhos, foraõ os CavaJkyros do Templo , aos quaes EiRey D.
Affonfo Henriques fez doaçaõ do caftello de Ceres , para o
■povoarem,& aííirn ficou odeíiritoda Villa oulugar das Pias,
incluído com o feu termo no de Thomar, & feus moradores
Parochianos da Igreja de Santa Maria doOIivaí j até que Ei-
Rey Dom Joaõ o III. a fez Villa por feu Alvará, paliado em
•Évora em 25. de Fevereyro doanno de 1 53 4. Comprehende
reíla Villa ., & feu tqrçno três Parochias , a da Villa , que he
dedicada a Saõ Luis Bifpo de Tolofa , a de noífa Senhora das
-Áreas, &.a de SaôSilveftre dos Chãos, todas com Vigários,
Jk Coadjutores r& Beneficiados Freyres, àz Militar Orderp
tdeGhriílo; &noefpiritual fao fujeytas à PrelafiadeTho-
mar,& no politico pertence àíua correyçaõ. Tem oytocen-
tos vizinhos
A primeyra, & principal Igreja, de que agora tratamos,
he a Matriz, dedicada a Saõ Luís Bifpo de Tolofa ^ gloria ,&
ornamento da Seráfica Ordem dGs Menores. Tem eíla Igre-
ja , que he de três naves , muytas Capeiias , em huma, & ou-
tra nave collaternes. Da parteefquerda,quehea daEpiíto-
la , tem três Capeiias, todas dedicadas à Virgem Maria noíia
Senhora. Mas antes que entremos a tratar delias , daremos
noticia de outra , que he muy to moderna. Eíh Sagrada Ima-
gem, que tem o titulo , & invocação da Conceição, fe collo-
cou em a tribuna do Altar mór , com cila occâfiao.
Hcaquella Igreja muy to antiga , & aflim naó tinha t®c
-bum, em que fe pudeíTe expor nella com mais fermo fura, &c
decência o Senhor f«cramentado. Para iíio r efolvéraõ os ir-
Hh 4 mãos
488 Santuário Mavlan*
mãos da lua Irmandade fazer huma nova tribuna, para que
nella fe expuzcífe o Senhor nasoccafíões occurrentes,que
ficou muy to ayrofa, & perfeyta. Vendo acabada a tribuna
huma matrona natural da mefma Villa, chamada Dona Ma-
riana de Matos, viuva do Mcílre de Campo Bernardino de
Sequey ra , quiz que nclla fe collocsfíe, em o feu trono, huma
Imagem de Maria Ssntiffima \ que tinha no feu oratório , &
venerava com grande devoção, com o titulo de fua Concei-
ção puriffima. Para eíla collocaçaõ difpoz a mefma D. Ma-
riana de Matos huma grande fefta, de Mifla cantada, com
boa mufica j & Sermão, & fez que do feu mefmo oratório ía-
hiííe a Imagem da Senhora cm prociflaõ para a Igreja , aon-
de foy levada cm hum andor curiofamente concertado ,&
comporto^por quatro pelToas das mais nobres da mefma Vil-
la. Solemnizoufccfla collocaçaõ cm 18. de Dezembro do
anno de 1 707.
He cita Sagrada Imagem decfcultura de madeyra,o-
brada ao que parece em Lisboa , Sceftofada com toda a per-
fey çaõ. Eftá fobre hum trono de Serafins , com huma mey a
Lua aos pés, & na cabeça tem huma perfeyta coroa de pra ta.
Eftá com as mãos levantadas, & o rofto como elevada, & ab-
forta. A fua eflatura ( naõ fallando no trono dos Serafins)
íaõ quatro palmos , & dous dedos ; he de tanta fermofura, &
moftra t3nta graça , & magefiade , que fc clev^õ nella os co-
rações daquelles que a vem , & a contcmplaõ.
Tratando agora das Imagens antigas ,que fevencraõ
nas tres referidas Capellas , a primeyra delias hea denoíTa
Senhora do Rofario , que eftá collocada na primeyra Capei-
la , que he a collateral , & a mais próxima à Capella mór.Efla
Santiffima Imagem he muyto antiga , & fe affirma fer do
principioda fundação daquella Igreja, que quando naõ feja
mais antiga, fera do tempo dclRey Domjoaõ o Terceyro,
quando levantou aquclle lugar à dignidade de Villa , que foy
no anno de j 55 4.HC cfta Santiffima Imagem de vcftidosA o
roeyo
Livro VI. Tttuto XII. 4*9
myo corpo , & braçob de madeyra- Eflá com as mãos levan-
tadas , & a íua efíatura hb cinco palmos. E como he de vef-
tidos , lhe põem toucado de toalha ao antigo , ( como fe cof-
tuma nas Imagens de vertidos,) o rorto he de grande fermo-
fura , & moftra huma foberana mageflade. Admira-fe nefta
foberana Imagem por prodígio, que nas occafioens em que a
veflem de luto , como em a procifTaô que fe faz da Soledade,
(& ainda de roxo) fe vem neíla as cores defmayadas > &com
taes mofiras de trifteza , & fentimento , que caufa naõ fó ad«<
miraçaõ,masmuyta compunção noscoraçoens dos que a
vem,&a veneraõ. Nas occafioens de fefla (como na Pafcoa)
apparece com humas cores taõ bellas , & com hum roflo taõ
fermofo, & taõ encarnado, & alegre , que he muy ro para ad-
mirar. EiflofemqucaspeíToas,quea vcflem, featrevaõ a
ufar para com cila de alguma cor artificial. He fervida efla
Senhora por huma Confraria, queafefleja em o primcyro
Domingo de Outubro. Toda aquella Vil! a tem para cem ef-
ta Senhora huma cordeal devoção, &aflimabufcaõ, &fe
valem delia em todos os feus trabalhos , & affliçocns.
A Senhora da Paz , que fe vé collocada na fegunda Ca-
pclla,hc de admirável efeuítura, também de madeyra,& fen-
do as mais Imagens perfeytamente obradas, efta da Senhora
da Paz , he de maô taô valente , que a julgo na efeultura com
nmytasventagensa todas. Eflá primorofamente cftofada,
tem ao Menino Deosfobre obraçoefquerdo, que também
moftra muy ta graça, íkmuytafermofura. Aeílatura defla
Santa Imagem , faô cinco palmos ; eflá collocada nomeyodo
retabolo fobre hum throno de Serafins, & moflra verdadey:
ramentehuma foberana mageftade , & coma fua fermofura
rouba os coraçoens. Ambas as Imagens tem coroas impe-
riaes de prata. A Capclla he muyto nobre , he profunda, 8c
fechada de abobada ,& eflá pintada de brutefeo, com hum re-
tabolo muy perfeyto-
Mandou fazer cfta Capella o Licenciado Manoel Godi-
nho,,
49° Santuário Mariano
nho,pc(Iòa das principaes da mefma Vil!a ;oq\ialavincu!ou
todos os feus bens em morgado debayxo da] protecção de
nofla Senhora da Paz > a quem dedicou huma MiíTa quotidia-
na, que fe diz na mefma Capella, 6c fatisfaz feu neto Manoel
Godinho Gonfalvcs , Cavalkyro do habito deChriito,&
Capitão mór da mefma Villa. Foy fundada no anno de 1 6%$.
£co meímoadminiflrador acode com as defpezas da fua fa-
brica, 6c hz todos os annis a feftiviiade da Senhora.
A ultima Capella he dedicada a noífa Senhora dos Mar-
tyres ,eíb foy fundada pelo Capitão António Ferreyra, na-
tural da mefma Villa, emoanno de 1650. & nomeou por
primeyro adminiltrador delia ao Tenente João Ferreyra
Soares , & lhe-impoz de obrigação certa quantidade de-mif-
fas em cada fomana. Efta Capella fica à face da mefma Igre-
ja. Tem hum retabolo muyço perfeyfo, & dourado. A Se-
nhora cila fobre huma peanha em cima da banqueta. O Fun-
dador defta Capella devia fer muyto devoto da Senhora dos
Martyres de Lisboa > que he a mais antiga Parochia delia, &
dedicada à Rainha dos Martyres; parque naqueíle lugar ef-
teveoarrayaidoslnglezes ,que vteraõ a ajudar a ElRey D.
Affonfo Henriques a tomar a Cidade de Lisboa , ILvrand o- a
do bárbaro jugo dos Mouros, Scnella eftaõ fcpultados os
Ingtezes, (que raquelfc tempo todos eraõ Chriftãos ) os
quaesderaõ peia fé de nolTo Senhor jefus Chriílo as vidas
naqueíla occaíiaõ , & derramarão o fangue ; & porque todos
efles , que naquelias gloriofas batalhas davaõ as vidas pela
fé;erao tidos por Martyres ; por iffo fe dedicou aquelía lgre-
ja à Senhora , como Rainha que hc de todos. E aflím como
na mefma Igreja de noífa Senhora dos Martyres de Lisboa
(cuja Iiyagem trouxeraõ os mefmos Inglezes na fua Armada)
fevé pintada a batalha , & a expugnaçao que os Chriftãos
Portugueses, & Ingleses fizeniõ aos Mouros; íffimo de-
voto Fundador da Capella denoda Senhora dos Martyres
da Viíia das Pias, mandou pintar em hum quadro grande a
mefma
Livro VI. Titulo XII. 49 1
rncfma batalha ; como fe vé no me yo do re tabulo; porque fó -
lhe fica emhayxo o banco, que correna proporção dospe-
defiaes das duas colunas,acnde fe vem dous quadros peque-.
nos, & cm cima no mcy o circulo a Coroação ce ncffa Senho-
ra. No referido quadro grande fc vécxcelkiuemcntc co-
piada a batalha , & tomada da Cidade de Lisboa.
Efía pintura quando a vi , me pareceo fer do noííò in fi-
ne pintor Avelar^ & ainda mais me confirmo, cm que el!e fe-
ria ; porque naquelle mcímo tempo em que fe fundou a Ca-
pella, vivia, & o quadro ainda poderia fer fey to -alguns annos
antes de feinftituir a Capella. E como na Igreja de ncíía Se-
nhora dos Martyresde Lisboa ha muytas pinturas do Ave-
lar, poderia o Capitão António Fcrreyra viver naquelle
tempo em Lisboa , & ter amizade com o Avelar, &aííimlhe<
rogaria lhe fizeífe as pinturas da fuaCapcila.
A Imagem da Senhora dos Martyres também he nuy-
tomagefloía,he de efeultura perfeytamenteobrrda,fcm em-
bargo que a encarnação, & dtofado (ainda que feobraíTeenr
Lisboa )naõ foy de pintor taõ iníigne como faõ as pinturas
do retabolo , & nefia parte lhe excede a encarnação , & o d-
toíadoda Senhora da Paz, Tem cinco palmos também de ef-
tatura , fobre o braço efquerdo defeança o Menino Jdus , &
aSenhoratemnamaõdireyta huma palma , como Senhora,-
que vence as batalhas, &dá a palma aos vencedores. Efíá
coroada com huma coroa de prata dourada. Com efla fobe-
rana Rainha, que he a que conforta aos Martyres, -(como diz
Saõ Boaventura: Confortatrix Martyrum ,') tem te dos os
tom. I«
moradores das Pias muyta devoção , & cila não faltará em W
confertar aos feus devotos em todos os ftus trabalhos. pt2, *
Outra Imagem , também de noífa Senhora da Concei-
ção , fefeíteja todos os annos naquelle Templo, cm o feu
mefmodia de oyto de Dczpmbro, com a folemnidade de
MiíTa cantada ,& Sermão. A qual fó naquelle diaapparccc
no Altar mór,poí que lielle a collocaõ/ó para fe íhe celebrar
aíua
4? i Santuário Mariano
a iua feftividadc. Efta Santa Imigcm tem em lua Cafa , 8c
no feu oratório o Sargenro mor da mefma Vilia Salvador
Soares Cotrim com grande veneração, & com tão grande fé
nella , pelas maravilhas , & favores que reconhece lhe tem
feyto em fua cafa , fc naõ atreve a apartalla da fua viíla, & da
fua companhia.
Efta Sanra Imagem lhe deyxou em feu teftamento , íeu
tio o Doutor Joíeph Soares de Araújo, avinculada à Capei-
la, que in.ftituío no anno de 1 69} da qual he o primeyro ad-
miniftrad )r,o meímo Salvador Soares feu fobrinho. E pela
grande devoção , que o Doutor Jofeph Soares tinha aefla
Santa Inrngem, a confer vou fempre em o feu oratório, & pe-
la mefma devoção, que lhe tinha, aannexouàfua Capella
como a mais principal joya delia , & por iífo a inítituio tam-
bém debayxo da fua protecção. He cila Imagem de admirá-
vel efeuítura , ainda que a matéria feja barro; a fua eftatura
naõ paíTa de palmo , & meyo , mas nefta pequenhez moílra
huma taõ grande foberania, que admira. Suppofto que o ti-
tulo hc da Conceição, ainda afíim tem em feus braços o doce
fruto do feu vent rc, que hc o meímo Senhor que ab eterno a
efeolheo por Mãy. Eftá ricamente eftofada, & collocada em
huma preciofa peanha de madcyra dourada , com quatro Se-
rafins , que fe levanta com hum grande refplandor f que a a-
companha , & no alto fe vem dotis Anjos, que eflaõ coroan-
do a Senhora , tudo eftá com grande adorno, & perfeyçaõ.
Todas eftas cinco Imagens faõ admiráveis , & de grande de-
voção, por iífo as quiz encorporar neftes Santuários, para
que ainda creça nos feus de votos, que aqui as lerem, ainda
muy to mais a devoção com que as bufeaô, fervem , & venc«:
raõ.
TITU
Livro VI. Titulo XIII. 493
TITULO XIII.
Da Imagem de N« Senhora das Áreas ^ ou deis Arenas,
fParocbia do Termo da Filia das Tias.
A Principal Igreja,& Parochia do termo da ViJIa das Pias
hea deque agora tratamos, que he dedicada à Rainha
dos Anjos debayxodo titulo,& invocação de Noífa Senhora
das Áreas, que fícadiíiante daVilIa, entreoOecidente,ôc
Norte y coufa de meya legoa , aonde fe venera huma muy to
devota Imagem da Mãy de Deos com efle titulo das Áreas,
ou Arenas , como alguns dizem , de cuja invocação ha nefie
noffo Reyno outras muy tas Imagens , como fe pede ver nef-
tesnoíTos Santuários. He efta Sagrada Imagem de eílatura
avultada , porque terá féis para fete palmos, & tem em Teus
braços ao Menino Deos, naquella forma em que fecoflu-
maõ obrar as Imagens de noíía Senhora da Graça ; he de eí-
cultura de madeyra , muytobemeftofada. De fua origem,
& princípios naõ pude defcobrir nada, aonde fe pode enten-
der fera muyta a antiguidade daquclla Igreja.
Vefeefte Santuário , &Caía da Senhora íítuadaema
meyaladeyra de hum monte , que dá principio à Serra da
Guimarey ra , que hoje chamaõ de Saõ Saturnino , por caufa
de huma Ermida fua, que no mais alto delia fe lhe edificou. A
Igreja he grande , & fumptuoía , de três grandes naves divi-
didas com muy tas coiumnas, & bem poderá ferque efra o-
bra feja ja reedificada de outra primeyra Igreja. Tem hum a-
droefpaçoío ,& povoado de choupos, qiie no veraõ hefitio
muy deliciofo ,■& agradável , & na entrada hum dilatado pa-
tim ,& para refguardo da porta principal hum alpendre com
colunas muy togroíías de pedra, & em cima hum baíl ante co+
ro } & com huma grande torre, o que tudo faz huma vif-
tola,
/
494 Santuário Mariano
toía,& mageítofa fachada ytudo obra de muyfoboa,& excel-
Icnte ãrcfmc&ura. Na torre, que hecomodiíTemoscfpaçofa,
tem quatro finos, dous dclíes muyto grandes, & de excellen-
te tom , que fe ouvem de muyto longe.
Além da Capcjla mor, aonde fe vé a Senhora das Áreas
eollocadano mcyo do retabolo, tem duas Capellas colla-
teraes , & no corpo da Igreja mais três , que pertencem a di-
verfas Confrarias. Chamou fe fempre eíia Igreja desde fua
antiga fundação ,& princípios, Santa Maria das Arenas, da
Villa das Pias, & cita invocação procederia das douradas a-
reas de qucabundaõaqucllas ribeyras, & como citas áreas
fahem de feus montes, poderia haver naquelles antigos tem-
pos , mineraes defte preciolo metal, & por eíla caufa alludia-
do a cilas , lhe dariaô àquella Santiífima Imagem o titulo , &
invocação das Áreas , ou do lugar aonde fe criavaõ > & fe
defcobriaõmuytas áreas de ouro.
Com efla facratiffima Imagem de Maria Santifíima , ti-
veraõ fempre , *: tem ainda hoje todos os moradores da Villa
das Pias , & dos lugares do feu termo , muyto grande devo-
ção , & affim a buícaõ com grande fé , & fervor , & com erte
a invocaõ em feus trabalhos , & ncceííídades. E nunca fahem
em vaõ as cfpcranças com que invocaõ o feu favor, porque a
Senhora lhes acode como amorofa , k piedofa Mãy; & como
nada ha em efla piedofa Senhora, que naõ efteja chcya de mi-
, fericordia , & piedade , (como diz Sâò Bernardo: )Plena efe
tem. ** p\tfat\s fo gratitf, pknx manfuetuciinis, & mifericordU om-
Ma\. MàqMpwtiwnt ad Mariam; tudoachaõ nellaj aqui vem
á terasfuasnovenas,a fatisfazeros feus votos,& a pag-ras
fuás promefTas. Dizem que aquelle fermoío Templo o fun-
dara ElRey Dom Manoel , o que creyo feria aflím, porque
na mageítade , que moftra, dá a entender , que fó hum gran-
de Rr.y o podia edificar. Tem tres portas ; hurra principal,
que olha para o Mcyo dia, & duas em os lados ihuma pirão
Nalantc,& outra paraoOccidentc. Dofcuatnofcdelco-
bre
Livro VI. Titulo XIV. 49 j
brehumagrande,ôc larga porçaó de terra. Nefta Igreja eíii-
ve, & nella adorcy aquella íoberana Efpofa do Divino cfpiri-
to , & trono da Santiffima Trindade > que me cnuíou grande
devoção , no mageítofo , & agradável de fua prefença.
TITULO XIV.
Da Imagem de Tt.Senhora do Ve ff erro, do lugar do AU
queydao das Tias.
NOdeftritodalgreja Matriz da Villa das Pias, dedica*
da, como fica dito , ao Santo Bifpo de Tolofa , fe vc o
lugar do Alqueidaõ,aonde hum Cavalleyro chamado Rodri-
go de Sá,& Mendonça, tem huma grande, & fermofa quin-
ta ,& nella huma baflante Ermida j que he a cabeça dofeu
morgado,dedicada à íoberana Rainha dos Anjos Maria San-
tiffima, dcbayxo do titu!o,& invocação do Deflerro. Vem*
fe neíla Cafa , & Santuário da Senhora as Imagens do Meni-
no Deos , q quiz vir a peregrinar no mundo pelo grande a-
mor com que ama aos peccadores,& a de fua Santiffima Mãy,
& a de feu Efpofo Saõ Jofeph na reprefenf açaõ de caminhan-
tes , & peregrinos , quando fahindo do deflerro do Egy pto
caminhavaõ para Nazareth. Saõ obradas eftas Santas Ima-
gens de efeultura de madeyra , a fua proporção naõ paliará
de três palmos;faõ eflofadascom perfeyçaô. Tem efla Ermi-
da Capelíaõ atfualj que todos os dias diz MiíTa nella,a quem
aprefenta , & paga o mefmo Rodrigo de Sá por obrigação
cio feu morgado.
He efla Ermida muy to antiga , &naõ coníraoannoem
que foy fundada; masconfla quem a fundou, que foraõ,Dio-
godeSoufa,&fua mulher Catherina Garccs de Olivcyra,
pejroasnobiliífimasdaquella mefma Villa. Deites nsõ fica-
raõ filhos > fcaíTím entrou na fucceíTaõ do morgado, & M
pofle
496 Santuário Mariano
poifc daquella quinta o Capitão Lucas de Sá, & Mendonça^
& depois delie , feu filho Rodrigo de Sá, & Mendonça. O
motivo que os Fundadores tiveraõ para erigir aquella Ermi-
da , & para a uedicarem â Senhora do Dcíterro , fe naõfa-
be , pretume-fc leria por alguma particular devoção, que tc-
rÍ3o para com cfte rrty iterio- E como eraõ peffoas nobres , 8c
ricas, ediíicáraõ aqueila Ermida nas fuás mefmas cafas , para
terem nella naô íò a conveniência de ouvir MitTa , & os da
fua família todos os Domingos, & dias Santos, & para alivio
também dos vizinhos do mefmo lugar ; mas para terem fem-
pre a protecção da Senhora do Deíkrro ,a quem íaberiao-
brigarem quanto viverão , com muytos, & devotos obíe-
quios ', & o m~íma fará hoje o me imo Rodrigo de Sá , que ef-
ta obrigado afervir a Senhora cem a me (ma fervoroía de-
voção , que tiveraô os íeus Fundadores , & a feítejalla todos
©s annos,para aííim merecer da Senhora os feus favores,
TITULO XV.
Da Imagem de noffa Senhor ada Encarnação, do lugar
dos Cumes , termo daVtlU das fia*.
NOtermo, & deflrito da referida Villadas Pias, ha
hum lugar , aquechamaô dosCumes, que fica emos
limites da Freguefia de Saõ Silveftre. Nefte fe vé o Santuá-
rio, & Ermida denoíFa Senhora da Encarnação. Efta Cafa
mandou fazer à fua eufta , & a dedicou a noíía Senhora , por
ília particular devoção, ou obrigado por agradecido de al-
gum efpecia! favor, que recebeo da mefma Senhora, hum
YigariodamefmaParochta de Saõ Silveftre. Efoyiftonaõ
ha muytos anms. He efta Sagrada Imagem formada de ma-
deyra,& deperfeytacfculturaeftofadajcom efta Santa Ima-
gem tem os vizinhos daquelle lugar muy ta devoção , & affim
em feus apertos, & neceflidades recorrem aos feus poderes,
&
DvroVLTituto XVI. 497
k eom a grande fé , com que a invocaõ, achaõ promptos oi
remédios. Fcíkja-íecm 25. de Março, &hcannexa àmef-
ma Parochia de Saõ SilvcflrcE no dia de lua fcíhvidade con-
correm todos os v izinhos do lugar a venerar , & a louvar a-
quella devota Senhora.
TITULO XVI.
$6 antiga Imagem de nojfa Senhor a da Conceição > da
Matri^ de (Payo de Telle-s.
AFefiividade da Conceição de Maria Santiflíma , hz a
que os moradores da terra devem folcmnizar core os
Biayores júbilos , & alegrias que forem pofllveis à fua capa-
cidade ^naófó por ferefía Senhora cm fua Conceição ape-
renne fonte de todas as fuás felici-dadcs ; mas porque fendo
de credito^ de gozo a toda a humana,& Angélica crcatura,
he a alegria dos homens; porque ncíta feflividade, ou na
Conceição dcíla púriflima creatura, as reconhecerão \ por
iffo diffc Rupcrto Abbade: Maria emifit omnia bona , quibnt £Up*i~i
mundus impletur. He a alegria dos Anjos ; porque tem na ^^7.
terra, quem fe lhes pareça em a pureza , & afíim diííc Saõ Vi-
cente Ferreyra: Statim Ângeli in CtflofecertmtfefiuM Con- s ^
ceptionis. E aflim cfta he a mais celebre , & a mais nobre de j*rm% jc
fuás feflividades , que em honra , & gloria de Maria celebra conce^
è mundo, & a que illuftra, ennobrece, & faz grandes as mais
feftiyidades da Senhora.Celebre he o Naícimento daVirgcm
Maria, dia ditofifíimo para o mundo, porque nellerccebeo
as primicias de fuás efperanças , & aquelle em que fahio a cf-
ta luz j huma Filha adoptiva de Deos, p2ra fer Mãy natural,
& verdadeyra de feu unigeni to Filho;mas eíla fefla fc realça,
porq a qnafce,nunca foy filha daira3como nós fomos pelao-
riginalcu/pa. Solemne he a fua temporaneaPrefentaçaõem
Tom. III. li 9
49 8 Santuário Mariano
o Santo Templo, pela rica , & incxtimavel offerta,que a Se-
nhora fez de fi mefma ao Rey da gloria. Porém naõ fc pode
negar , que he muyto mayor; porque o inferno naô gozou
das fuás primícias , quando foy concebida- Digna verda*-
deyramente he de todo o applauíb a Annunciaçaõ de Maria,
acçáõ de grande humildade para o Divino Verbo , porque fe
vio desde entaô veftido da noffa humanidade ;& íingular para
Maria , pois naquelle ponto , ficou fey ta Mãy de Deos , que
he o feu mayor adorno;mas he certo,que mayor a pplaufo me-
rece , por haver chegado a fer Mãy , fem haver fido efcrava
do demónio. Santa foy a fua Viíitaçaõ,naqualadftofaIfabel
a nomeou bendita entre todas as mulheres; mas he muyto
mais Santa, por fe faber que em nenhum tempo teve parte
na maldição da culpa. Alegre foy a fua Punficaçaõ» ao mefmo
paífo que humilde , a cuja ceremonia fe fujeytou , fem fer o-
brigada àquellaley;mas mais fcennobrece, fem comparação,
com a memoria de fua original pureza > pois de nenhuma pu«
riíicaçaõ neceílitava , a que foy em fua Conceição taõ pura-E
finalmente he muyto eílremadamentegloriofa a feflividade
da Aflumpçaõde Maria,& a fua fubida aos Ceos,pois pifan-
do caminhos de Eftrellas, paííando por coros de Anjos, &
adiantando-fe a todas as hierarchias celeftes, chegou a to-
mar affento àmaõdireyta de feu SantiíTimo Filho, pararey-
r»ar eternamente, & triunfar no Empyreo. Masefle triunfo
hs muyto mais gloriofo,por fer de quem nunca foy vencida,
antes no campo da batalha levantou o trofeo da vitoria- E
aííim todas as feffividadcs deíla Senhora íercalçaô coma
de fua Conceição puriíTínoa. AfTim o ponderou o venerável
^H de Anjo da P«z,dizendo:J^/ e autem feftiYttai buic pnfpanmdi
kPa* eftexwtadebititf Que íby o mefmo que dizer, que nenhu-
,*' ma feíhvidade rode competir com a grandeza deíia } porque
tn LfiC. • r/ • j n r -HA s
tí as m&is 10 com a memoria delia ieiIUHtrao.
Junto à Villa de Punhetc (nome dirivado da pugnai
guerra, oue o foberbo Zêzere faz aocaudalofoTejocomas
iuas
Livro VI. Título Wh 49$
fuás foberbas, & impetuolas correntes, & a quem òs antigos
por efta caufa lhe chamarão Pugna Tagi 7 ( de donde fè deri-
vou o nome dePanhete àquclta Vília) fe vé fituada enrre
eftes dous referidos rios a limitada Villa dePayo Pelles,
com todo o feu termo, & deflxno ,& tam pouca coufa he,quc
delia fe naõ conhece mais que o nome. Eila Villa pertence à
jurisdição efpiritual da Prdafia de Thomar, & antigamente
fe comprehendia no termo daquella nobre Villa ,de cuja cor-
reição he ajnda hoje. Naõ me confiou em que tempo os Reys
ennobrecéram a efta limitada povoação com o titulo de
Villa. Podia bem fer, foífc ElRcy Domjoaõ o Terccyro;
porque clle foy o que fez Villa o lugar das Pias , & feria para
mayorauthoridade daquella Prelafia.
Fica efta Villa fituada ao Sul da Villa de Thomar, em
difbncia de três legoas, em as ribey ras do Tejo , & pela mef-
ipa parte do Sul a divide hurna ribeyra ,cU Villa de Tancos.
A Parochial Igreja defta Villa he dedicada ao myíkrio da
Conceição immaculada de Maria Santiflima , & efte titulo
parece lhe foy dado modernamente; porque nos tempos an-
tigos fc intitulava aquella lgre]a , Santa Maria do Zezere,&
com efte era bufeada , & venerada aquella Senhora. He muy-
to antiga efta Igreja, &fe vé fituada abayxodocaftellodo
Zêzere, que deu ElRey Dom Aff mfo Henriques aos Cavai -
leyros do Templo, em amcfma occafiaõ,em que lhes fez tam-^
bem doaçaõ docaftello de Ceres, hoje Ceras-
Deite caftello do Zêzere fe vem ainda hoje ruinas ^on-
de o Z:zere entra no Tejo , em a foz de Punhete, & fica efta
Igreja da Senhora da Conceição entre efte antigo caftello,
& o de Almourol , que edificou o Meftre do Templo ,. Dom
GualdimPaes. He cila Igreja muyto pequena, &nafuafa*
brica, & architeeflura , feeílá moftrando afua muytaanti^
guidadcNeíta Igreja fevécollocada a devota,& antiga Ima-
gem de Santa Maria doZczere, a quem hoje invoc amos com
o nome, & titulo de fua Conceição puriffima. He da vulto,*
li z &
jco Santuário Mariana
& obrada cm madcyra eftofada •, fua cflatura hc grande , terà
feis palmos , pouco mais ou menos.
Com cfta foberana Imagem tiveraõ fempre aquelles
moradorescircumvizinhos^muyto grande devoção , & fem
embargo àt que ainda hoje lha tem , ja a devoção fe vé mais
fria>& he menos o fervor com que a bufeaõ, merecendo pela
fua antiguidade 7 & pelas antigas memorias dos feus favores
ferbufeada com mais fervor. Antigamente era o prefidio,
& a protecção (como he fempre, porque efta Senhora nunca
diminue o feu amor para com-nofeo ) daquelles contornos;
porque fempre a devoção antiga fe diminue com a devoção
moderna , fe a Divina Providencia com as maravilhas , que
coftuma obrar, naõ augmenta o calor da fé, & da devoção,
cm os frios ,& tíbios coraçoens humanos. Tem eíta Igreja
da Senhora Vigário Freyre da mefma Ordem de Chriflo,
que he o Parocho daquelles moradores , que naõ devem fer
muytos.
TITULO XVII.
Dawilagrofa Imagem de noffa Senhora do Loveto, do
Convento de Santo António, a que Vulgar*
mente cbamSde Tancos.
DOm Álvaro Coutinho , Senhor do caftello de Almoa •
rol, neto de Dom Vafco Coutinho , primeyro Conde
do Redondo , foy grande devoto dos muy to Religiofos Pa-
dres da Província de Santo António, a que vulgarmente
chamaõ dos Capuchos , que naquelie tempo ainda tinhaõ
poucas caías , & floreciaô em grande reformação , & obfer-
vaneia,como ainda hoje fazem. Por eílacaufa lhes defejou,
para augmento da mefma nova Provinda edificar hum Con-
vento nasíiias terras. Vivia Dom Vafco Coutinho no fe»
cafielíe
Livro VI. Titulo XVII. f0 1
eafiello de AImourol>que vemos fitiúdo no meyo do rio Te-
jo, antigo afylo , & deíenfa dos Cavalíeyros Tcmplarios^s
quaes daquellc íitio faziaõ grande guerra , & deflruiçaõ nos
Mouros. Eaffjmquiz efleFidalgo,nodcflritodofeucaneh
lo , fe levantaííc huma Cafa,em que noííò Senhor foíTe perpe-
tuamente louvado , & adorado , & venerada fua Santiíílma
Mãy. Era eíle Fidalgo devotiífímo da antiga, & miJagrofif-
íima Imagem da May de Dcos , a Senhora do Loreto^ que na
Marca Anconitana, & Valle de Efpolero, na Umbria,he ve-
nerada de todos os fieis, que com grande devoção a vaõ buf-
car naquellc feumilagrofo Santuário, 5c em aquella Ange-
lical Cafa,& Camera em que quiz encarnar o Filho de Dcos,
cuja hiítoria efereveo Horácio Turcelino, & outros muy tos
Authores.
Com efia fua grande dcvoça6,quiz Dom Álvaro Couti-
nho, que fe deífe ao novo Convento o titulo de nofla Senho-
ra doLoreto. Difpoz-fcafundaçaõ;&aíTimem i?«dc Mar-
ço do anno de 1572. fe lançou a primcyra pedra com toda a*
quella folemnidade , que difpõem a Igreja. Fica eftc Conven*
toiituado no termo, & limites da Villa de Payo Pelles, & cm
pouca diflancia da Villa de Tancos.Foy taõ grande o cuyda-
do do Fundador , & a diligencia dos Religioíos , que cm me-
nos naõ de hum anno , mas de quinze dias , fe poz a Igreja
em termos , que no dia de 25. de Março fc pode celebrar a
primeyra MiíTa , que foy o dia da Annunciaçaõ da foberana
Rainha dos Anjos , quando o Divino Verbo em fuás puriílí-
mas entranhas fe quiz defpofar com aquella bendita alma do
Maria, Efpofa, & May fua. Fez-fc com toda efla brevidade
aquella Igreja ,6c Convento,por fer pequena,& fcyta de tay-
pas , & adobes; porque aquelles benditos Padres naõ cuyda-
vaõ de grandes fabricas , fó bufeavaô lugar que os rccolhef-
fc , 6c abngafTe das inclemências do tempo , & aonde pudef-
fem louvar a noífo Senhor.
Foy o prímcyro que celebrou naquella nova , & peque-
Tom. III. li 3 na
<yOi Santuário Mariano
na Igreja, o venerável Padre Frey Pedro dos Santos, CuOo-
dio queenraô era da Província ,& depois o primeyro Guar-
dião daquellc Convento. E iempre desde aquelle dia até o
prefente,fe feíiejou a Senhora do Loreto em 25. de Março
por fer o dia próprio daquelle ineffavel myíkrio, que na Ca-
ía do Loreto fe celebrou. Affifhoà prirneyra celebridade o
mefmo Padroeyro Dom Álvaro Coutinho, & fempreelle,
& todos os léus deícendentes;& fuecefíbres da Cafa do Re-
dondo, & morgado de Almourol, tiveraõ grande devoção
com aqutila Senhora , & com aquelle feu Convento, & ama-
rão nvjyto aos moradores delle. Efta prirneyra Igreja,como
foy fey ta de adobes crus, naõ durou muy to, &aílim noan-
no de 1 575. fe fez outra nova Igreja, pouco mais aventa jada
que a prirneyra ; porque foy fey ta de pedra ,& barro, muy to
pobre ,& eftrev ta: porém foy feyta à imitação da própria Ca-
fa de Nazareth > que ainda hi je , como hum facrario , fe con-
ferva no grande Templo do Loreto; cujas medtdasforaõ
trazidas de Itália, & tomadas na mefma Cafa do Loreto^
pelo Padre Frey Pedro dos Santos, quando foy a Roma ao
Capitulo geral. Porque foy viíitar com grande devoção, a-
qucllemiraculofo Santuário Lauretano. Porém eflafegun-
da Igreja também fe acabou & a que hoje exiíte he terccyra,
feyta de pedra } &cal, com abobada de tijolo, fabricada na
forma comua das mais Igrejas da Província , & nella fc diffe
a prirneyra MiíFa em 29. de Juího de 1 685.
Nt fie Convento fe venera huma milagrofíffima Ima-
gem da Rainha dos Anjos, com o titulo de noíTa Senhora do
Loreto, impofio por caufa do titulo que 20 Convento fe
havia dado*,a qual logo que fe collocou naquella Cafa, come-
çou a refplandecerem muytas maravilhas, & milagres: ha-
via fido venerada antigamente dos moradores de Punhete
com o titulo de noíTa Senhora dos Martyres,fcomo diremos)
porque quando aquelles Santos Religiofos fundaram o
Convento > naõ tinhaõ ainda Imagem da Senhora } & aílim
efíivc-
Livro VI. Titulo WIL joj
eftiveraSfemella alguns annos. (Ediíporia Deos com alta
providencia , para os fins que intentava que elles fe nao ap-
plicaffem a mandalla fazer.)E aííim veyo cila Santiílima Ima-]
gem àquelíe Convento na forma que agora referiremos-
Havia naVilIa de Punhete antigamente huma Ermida
dedicada à Rainha dos Anjos, aonde era bufeada com fer-
vorofa devoção de todos os moradores delia, (pelas muytas,
& grandes maravilhas ,& milagres, que obrava) huma de-
voti/Trma Imagem da mefma Senhora ,a quem invocavaõ com
o titulo de noíía Senhora dos Martyres; titulo de que fe
naõfabedararazaõ porque aíTim felhermpuzeífe. Poderá
bem fer, foíTe por cauía de alguma batalha , que os Chriílaos
em outro tempo tiveflem comos Mouros, & porque nella a-
cabariaô alguns dos Chriftâos em defenfa da fé , ( que pelo
meímo motivo eraõ julgados por Martyres ) fe imporia à
Senhora o titulo , como Rainha que he de todos,& fe lhe de-
dicaria entaõ aquella Ermida. Os grandes prodígios, que
Deos obrava pela invocação deita Sagrada Imagem, a ffee-
raõ naõ fó celebre naquella Villa,& feus contornos \ mas ve-
nerada , & bufeada de outras partes mais diftantes. Era efta
Ermida muyto antiga (que também confirma o me fmo pen-
famento ; ) porque parece tinha muy tos feculos de duração,
&como feviífem nella os efreitos, quecoíiumaõcauíaros
muytos annos;porque naõ chegaífe a fe arruinar, intentarão
os moradores daquella Vtlla edificarlhe outra nova , & mais
magnificaCafa,&demaisexcellente fabrica, & architeítura,
como com effeyto o executarão^ naõ ha iíto taõ pouco que
fuecedeo , que naõ paffe além de cento &cincoentaannos.
Acabado o Templo, tratarão os devotos da Senhora
dos Martyres , de mudar para elle afua foberana Imagem,
oquefizeraõcomortentofa pompa , muy ta devoça-õ , & def-
peza , defejando todos moíirarfe obfequiofamente fohcitos
em feu ferviço- Collocada com grande alegria a foberana I-
magem da Senhora no feu novo Templo > no feguinte dia*
li 4 aberto
504 Santuário Mariano
aberto elle , fenaôachou a Sagrada Imagem nolugarem que
adeyxáraõ. Cuydadofosos feusdevotos,donde,ouemque
parte eftaria , & de quem dofeu Altar a haveria tirsdo, fc
vcyo depois a faber, que os Anjos haviaõ feytoofurto, &
que a Senhora eftava cm a fua antiga Ermida,moftrando nef-
U fuga , que as vencraçoens, que nclla fe lhe tributavaõ, lh«
eraõmuy to acey tas. Com eira noticia feforaõ outra vez à
Ermida, & na mefma forma , que da primeyra vez , a torna-
rão a levar para o novo Templo. Mas a Senhora pelo minif-
terio dos mefmos Anjos, fegunda vez defappareceodelle,
& foy achada na fua pequena Ermida. Dizem que terceyra
vez fora tresladada efta Arca do Divino Teftamento. Mas
de todas moftrou que na primeyra., & antiga Ermida,era aon-
de queria fer louvada. E aqui me confirmo , que o fangue dos
Marty res, que naquelle lugar fe derramaria , era o que obri-
gava à foberana Rainha a naõ deyxar o lugar.
AVilta deftes prodígios, naõ quizeraõ os moradores
dePunhctc refiftir mais à vontade deDeos,fignificadana-
quellas fugas , pois viaõ tam empenhada aquella Senhora
no amor da pobre , & pequena Ermida, Compuzeraô-na , &
reparáraõ-na o melhor que foy poffi vel,& nella ficou a fobe-
rana Rainha , amante da pobreza , & neíla era venerada , &
bufeada dos feus devotos , como de antes.
Sentidos os moradores daquella Villa de haverem gaf-
tado tanta fazenda na edificação daquelle Templo , que a Se-
nhora regeytára.rerolvéraõ alguns (difpondo-o aflim Deos)
que fe mandaífc fazer a Lisboa outra Imagem muyto perfey-
ta ;para que fe colíocaífe nelle- Aífím o coníideráraô, & o pu-
zeraô em execução, como fica dito no título 29. doprimey-
ro livro dcílcterceyro tomo, em os Santuários doBifpad©
da Guarda. Collocada a nova, & fermoía Imagem no feu
fermoío, & fumptuofo Templo , fe lhe foraõ affeyçoando de
forte , que totalmente fe cfquecéraõ da primeyra , & antiga
©bradora das maravilhas. E foy iflo em forma, que a fua Er-
mida)
Livro VI. Titulo XVIL jmy
mida ,ja apenas fe abria nos Domingos, & eftava emtcr-
mos , que brevemente fe viria a arruinar.
Nefte tempo, indo àquella Ermida os Religiofos Capu-
chos do Convento da Senhora do Loreto , ( que teria ainda
poucos annos de principio) & vendo a Imagem da Senho-
ra pofla em taô grande efquecimento, &femaquella vene-
ração, que fe lhe devia ,queninguementravajana fua Cafa,
pagos da fua fermofura , & grande devoção , que infunde, fe
refolvéraõ a pedilia ao Vigário, a quem era annexa a Ermida;
o que elle lhes concedeo facilmente. Naõ fe pode declarar
com palavras , qual foy a alegria dos Religiofos com efía da-
diva, foy muyto mayor que a que podia ter o mayor ambicio-
fo do mundo com o logro da joya do mais exceífi vn va!or.
Leváraõ-na logo para o feu Convento , & a collocáraõ
no Altar mor, como lugar, queDeos lhe tinha defiinado,
por quanto ainda nclle naõ tinhaõ Imagem de vulto, como
fica dito. Compuzeraõ-na, & adornáraõ-na com todo aquel-
le concerto,que lhe miniftrava a fua devcçaõ,& aquellc a que
podia chegar a fua pobreza. E parece que fe pagou a Senho-
ra muyto dos affectos com q aquellcs Santos Religiofos,fer-
vorofos a ferviaõ , &" veneravaõ. Como o moftrou logo nas
muytas maravilhas , & milagres, que começou a obrar, &
eraõ tantos ,que fe naõ podiaõ reduzir a numero, & aífim co-
meçarão também a fer muytos os concurfos dos devotos dt
Senhora, que todos emfeus trabalhos, & neceíUdades re-
corriaõ à fua piedade , & a Senhora a todos remediava, & faç
vorecia.
Vendo os de Punheteas grandes maravilhas , que
Deos obrava por aquella Santiflima Imagem, pezaroíos ja d*
a haverem dado aos Padres Capuchos , ( fem duvida pela nm»
biçaõ do grande intcreffe , que lhes podia caber,fe a Senhora
as obrara na fua primey ra Cafa , de donde a haviaõ por inde-
votos deíterrado ) puzeraõ pkyto aos Religiofos , para qu«
&areitituiílem;mastiveraõafentença que mereciaõ. Ou*
troí
$o6 Santuário Mariano
tros querem , que a fentença íahira a feu favor , &que com
eííeyto fe mandara aos Padres Capuchos refiituiíTem aos
Ecclefiaíiicos de Punhete a facratiflima Imagem f & que de-
pois de collocada na fua Ermida, a Senhora osdeyxára,&
fugira outra vez para o Convento, aonde os Anjos a tresla-
dáraõ para o lugar, que aquelles feus devotos Capellaens lhe
haviaõdado, que era,como fica dito,no Altar mór. Clara de-
monítraçaô de que a Senhora fe obrigava da devoção, defin-
tereffe, aífiítencia ,&fervorofo obfequio daqueiles Santos
Religiofos ; o que naõ fazia das diligencias dos que movidos
do intereífe a procuravaô ter por demandas ,& pley tos fal-
tos de jufliça.
Tantos eraõ os milagres , que ( depois de pofíuirem a-
quelles benditos Padres Antoninhos a fua joya pacificamen-
te ) nofíb Senhor começou a obrar por feu meyo, que à fama
dellescorriaõde todas as partes infinitos Romeyros, & pe-
regrinos ; & todos achavaõ no patrocínio daquella poderofa
Senhora o antídoto, & o remédio de todos os feus males. E
era taõ grande o concurfo, & a perturbação , que com elle
caufavaagente aos Religiofos, pela continua frequência de
entrarem , & fahirem, que o Guardião que entaô era do mef-
mo Convento o venerável Padre Fr. Pedro dos Santos, ( q o
devia fer mais vezes , ou mais que hum triennio ) por obedi-
ência mandou à Senhora , naõ fizeffe mais milagres. E ainda
queelU naõ citava obrigada à fua obediência , ainda aflírn
fufpcndeo de algum modo as fuás maravilhas P porque dalli
por diante foraô menos. Mas como he a única Mãy dos pec-
cadores , quando vé a eíles em trabalhos , naõ fabe a fua cle-
mência deyxar de lhes acudir , & de os remediar, & aífim o
fazia quando era neceífario.
O anno certamente, em que a Senhora foy collocada da
primeyra vez em o Convento, naõ confta certamente. Mas
como o Convento fe fundou no anno de 1572. poderia fer
quatro > ou cinco annos depois de fundado ; porque também
coníía
Livro VI Titulo XVUL 507
confia fer cley to a^uclU Guardião Fr. Pedro dos Santos cm
Provincial no anno de 1596. cm 15. de Julho , &fempre
paííariaõ depois alguns triennios. A Imagem da Senhora do
Loreto he de efculturademadeyraeíiofadajeflácoliocada
na Capella mor fobre hum trono de Anjos, com o Menino
Deos em feus braços , & a fua efíatura he de pouco mais de
quatro palmos. Da Senhora do Loreto de Tancos faz men-
ção Frey Francifco Brandão na Mon. Lufit. part- 5. iiv. 17.
cap. 12.
TITULO XVIII.
Da Imagem de noffa Senhora da Conceição , qnefe Venera no
Religiojo Contento de Santa Inx de 1 bomar.
O Convento das Religiofas Clarifras da Vil/a de Tho-
mar, dedicado à gloriofa Virgem, & Martyr Santa Iria
noíía Põrtugiieza, confíderada a fua antiguidade, que fendo
taô grande , ainda afíim querem os Padres da iiluíire Ordem
de Saó Bento , que feja Rcligiofa fua > o que naõ pode fer em
nenhum modo, pois antes que feu Santo Patriarca nafcefíe,
ja era Moílcyro. Eaílímfedeve ter certamente por incubi-
t avel,quc foy da noíTa Ordem Auguíliniana, como o moiirsõ
com muyta evidencia os nofibs Eícritores; o que fe confirma
naõ fó da antiquiffíma Imagem da Santa cingida com a cor-
rea de meu Padre Santo Auguftinho -? mas do que agora di-
remos.
Eu naõ queria fazer efla matéria de controvertia; mas
naõ poíTodeyxar de dizer a verd^de,& o qin os Authcrts ef-
crevem nefle particular ,para q fe reconheça que era a Santa
Rcligiora da Ordem de Santo Augultir ho, & naõ do Patriar*
ca Saõ Bento,o qual quando nafceo,que foy no anno de 480.
ja havia MoíkyroemNabância, Oprimeyro que publicou
mo-
ço$ Santuário Mariano
modernamente fcr cila Santa da Ordem do Patriarca Sarn
Bento, íby o Padre Frey Balthezar de Braga, quando fendo
Geral da Ordem Benedi&ma neftc Reyno ^ordenando hurn
Breviário particular para ella , que fe impnmio em Coimbra
noannodc 1607. meteoncllc a Santa aos 20. de Outubro,
dizendo nas liçoens do feu officio , que fora da fua Ordem, &
martyrizada no anno de 6^1. contra o parecer do Padre Fr.
Bernardo de Braga , filho, &Chronifta da mefma Congrega-
ção Benedidina , como confla de hum memorial feu, que elle
porcãmiíTaõ domefmo Geral fez fobre efte argumento, o
qual fe conferva noarchivo dos Chroniftas do Convento
de noíTa Senhora da Graça de Lisboa , eíeritode fua própria
letra , & firmado de feu mefmo final.
Deite Breviário teve noticia o Padre Frev António de
Yepis,Chroniíta da mefma Ordem cmEípanha, & fiado nel-
le , nomeou a Santa por ReIigio(a fua , na fua tcrceyra Cen-
túria , que trazia cntrqmãos. E pelo mefmo caminho lhe
chamou também Frcvraíua , o Padre Meftre FrcyLeaõde
Santo Thomas no feu Prologo cm o anno de 1 6 1 9.O mefmo
feguioo Padre Meftre Frcy ífidoro de Barreyra da Ordem
de Chrifto , &; obfervador da meíma Regra ; mas com humas
razoens taô frívolas, que moítra nellasa pouca noticia que
tinha das hiftorias; o que refuta com grande evidencia j&
convence o noífo Meftre Purificação na primeyra parte da
fua Chronica liv.2. tit< 7. moftrandolhe como naquelle tem-
po naô havia em Portugal Religiofos Benediclinos. Mas pa-
ra que confte que pelos annos de 652. naò tinha entrado ain-
da neíte Reyno a Ordem do Patriarca Saô Bento \ veja-fe ao
dounfTimoChronifta dos Reynos deEfpanha Dom Thomas
Tamayo, o qual nas notas que fez fobre Luytprando,no an-
no de 6z j. difeutindo a duvida , que ha acerca do monacha-
to de Santo Ildefonfo , hua das razoens que aponta em favor
da opinião que o faz Cónego Regular , & contra os Autho-
res que o fazem Religiofo de Saô Benio , he , que em tempo
do
livro VI. Tttulo XV11L 509
âo Santo Arcebifpo , ( o qual floreceo alguns annos depois
de Santa Iria) era ainda muyto pouca a noticia, que cm Efpa-
nha havia da Ordem de Saô Bento. As fuás palavras faõ ef-
tas: (prrtfertim cum exígua íBenedittini Ordinis notttia tem-
pere lldefonfi in Hiffwriafueric. D as quaes naõ fó fe vé , que
até o tempo de Santo Ildefonfo,naõ fó naô havia entrado em
Efpanha a Ordemde Saõ Bento ; mas que ainda delia naõ ha-
via noticia. Se iflo pois aílim he, como hc na verdade, claro
fica, que fe enganarão aquelles Authores > em fuppor que no
tempo de Santa Iria todos os Mofleyros de Portugal eraõ
da Ordem de Saõ Bento.
As razoens que tem os Eremitas de meu Padre Santo
Auguflinho , para affirmar que foy Religioía noíía , ou que
vivia no no(ToConvento,aonde fuás tias profefTav^õ a Regra
de Santo Auguflinho, faõeflas. Primeyramentehecertiííi-
mo (além de que efte Moíleiro ja havk muytos annos que era
fundado ) que até o tempo da morte da Santa Virgem, & ain -
da muytos annos depois , naõ houve outra Religião em Por-
tugal fenaô a dos Eremitas Auguflinianos, como prova o
mefmo Meftre Frey António da Purificação , em oanno de
910. na fua Chronica referida ; & daqui fe fegue que o Mof-
tcyro, em que a Santa viveo,era da nofla Ordem Auguíiinia-
na. Demais que efte Mofteyro foy fundado muytos annos
antes pelo noflb Paulo Orofio Bracarenfe, filho, & difcfpujô
de Santo Auguflinho. O mefmo diz Jorge Cardofo em hus
apontamentos , que fez depois de eferever o feu primeyro
tomo do Agiologio , & que vio o Padre Meflre Purificação
no anno de 1 63 4. como elle refere , nos quacs emenda o que
havia dito no Offi:io menor , que imprimio, dos Santos de
Portugal. Também eflá pela meíma opinião o Padre Frey
Bernardo de Braga acima referido; porque ainda que nam
declarou que a Santa fofle noffa , em a de (conhecer por fua,
a reconheceo tacitamente por Auguflinha,viflo que,naõ po-
dendo fer Benta , naõ podia fer de outra Ordem. Êis-aqui cm
como.
jio Santuário Mariano
como Smi* Trh foy Relígiofa noíia, ou como viveo nonoflb
Convento de Nab ncia , & não da Ordem de Saô Bento,co-
mo o quiz introduzir o Padre Frey Balthezar de Braga no
feu Breviário ; mas a cfkengano , (& naõ fey fe também por
outros ) acudio o Ceo em breves dias , mandando o Summo
Pontífice Urbano Vi II. prohibir oufo dotal Breviário da
Congregação Benedi&inadefleReyno> mandandolhe, c]uc
u fadem do feu antigo da Congregação CaflTinenfe , que por
outro nome chamaõ de Santa Jultina, no qual íc naõ faz
mznyàò de Santa Iria , & efte he o que de prefente ufaõ.
Naõconfentio Deos,que fítio fantificadocom o fanguc
dcíla Santa, &illuflre Virgem, &com osoffos de outras
muy tas , eítiveíTe tanto tempo fem fer morada de almas Re->
ligiofas. Para iilo infpirou a hurna devora matrona , chama-
da Mecia de Queyrós , mulher que foy de Pedro Vas de Al-
meyda , Veador da fazenda do Infante Dom Henrique, que
comprando o referido íitio, fe recolheííe nelle com três fi-
lhas , que ha 'iaõ fido Damas da Infante Dona Brites , mãy
delRey Dom Manoel, pelos annos de 1476. vivendo alíi
recolhida , & honeíiamente , & falecendoella ,&duasdas
fuás filhas, a ultima que fe chamava Martha de Chrifto, re*
duzio a Caía à perfeyçaõ Rcligiofa , em que hoje florecc.
Divulgada afervorofavída que a ferva de Deos Mar-
tha de Chrilioobíervava, acudirão muytas peíTòasatomar
o habito, & com os feus dotes , & efmolas dos Reys D. Ma-
noel ;& Dom Joaõ oTerceyro, (quefempre as venerarão
muy to ) crefceo a Cafa em rendas, & em numero de Religio-
fas , de moio que no anno de 1520. deraõ obediência aos Pa-
dres Conventuaes , & asrecebeo Frey Domingos, Minillro
Provincial , debayxoda fua protecção. Ecomo a ferva de
Doo s Martha vio comprido o que tanto defejava, de idade de
70. ann >s a levou o Divino Efpofo a defeançar , & a rece-
ber o premio de feus trabalhos , & merecimentos com gran-
dwie.itiinãiuo das luas companheyras. Tudo ifíoconltade,
huflj
LivroVI.TituloXVm. p?
humSummariodaquella fundação, que fe conferva no feu
cartório , cuja copia alcançou o Licenciado Jorge Cardofo,
para fe valer delia para os íeus Agiologios.
Nos princípios poisdefta fundação, feyta naquella Ca*
faoufítiojquefantificáracom o feu fangue Santa Iria, & de-
corada com o feu titulo a fua Igreja , quizeraõ as Religiofas
que ainda foíTe muyto mais condecorada coma prefença da
Imagem da Mãy deDeGS, & aflím mandarão fazer huma
com o myfteriofo titulo de fua purifíima Conceição , a qual
collocáraõ naCapellacollateralda parte doEuangeiho,co-
mo mais nobre, & lugar próprio feu. Heeíla Sagrada Irra-
gem de alguns fete palmos de eflatiíra , he de roca, & de vcf-
tidos ,& de grande fermofura, & mageítade. Com eira Se-
nhora tem as Religiofas daquelie Convento muyto grande
devoção ,& a amaõ muyto; porque em feus trabalhos, & tri-
bulaçoens recorrendo ao feu patrocínio, achaõ alivio em tu-
do y & porque cemo hea Mãy dofcuEfpofo , claro cflá que
lhes ha de fazerfavoreSjôc muytomayores aquellas, que lhe
forem mais fieis, Referefeque em huma grande cheya do rio
Nabaõ , crefeéra efle de forte , que entrando a agua na Igre-
ja , chegava atéomeyo do púlpito, &cubrindo os Altares
chegou até a cinta da Sagrada Imagem, ficando e!!a, fendo
de roca , em o feu nicho immovel, como fe foííe de pedra,ou
de outra matéria muyto grave , rooflrando que nem a multi-
dão das aguas poderiaô extinguir a fua grande caridade, &
amor com que daquelie lugar eflá guardando, & favorecen-
do aquellas fuás Filhas, & Efpofas de feu Santiffimo Filho.
Eu fuyàquella Igreja ? &naõ mereci aquellas Religiofas me
fizeíTem o favor de ver a eíla Senhora , que tinhaõ lá dentro,
por mais que o pedi.
He aqucíle Templo muvtolindoi & de boa architeclu-
ra, além da Capclla mayor tem mais quatro,duas collateraes,
&duasnocorpo da Igreja 7 a coílareralda parte da Epiítola
he dedicada ao Euangeiiíta amado, Imagem de grande per-
feysaõ.
y 1 1 Santuário Mariano
feyçaS. Das outras duas a pnmeyra hc dedicada ao myfleria
da Encarnação ;deíla foy Fundador, & Padroeyro, Loure®.
fodoVallc. A ícgundahe dedicada ao myflerio da Cruz, a-
ende fevéhuma devotiffima, & perfeytiííima Imagem de
Chrifto crucificadojformada em pedra, acompanhado de fua
Santiffima Mãy, do Difcipulo amado , das Marias, & Difcú
pulos Nicodernos , & Jofeph Ab Arimathara ; mas obra muy-
to íingular , & preciofa , tudo he de pedra de ançã , & tuda
em branco. Foy o Fundador defta Capella , & o feu Padroey-
ro Miguel do Valle afeendente de outro Cavalleyro do mef-
mo nome , que ha poucos annos f alcceo- Do Convento de
Santa Iriaefcrevem muytos Authores , como os da Reiigiaô
de meu Padre Santo AuguftmhoJ& da Ordem de Saõ Bento^
fcJorgeCardofotom. i.pag. 477.
LAUS DEO.
INDEX
5*3
M1k
efeãís
INDEX
Dos titulos deite terceyro tomo dos
Santuários de N. Senhora.
A
NO/á Senhora dos açores. pag. çr.
2v. Senhora de Aguiar, p. i 6o.
2\£. Senhora de Águas Feras. ' p* 4? 4.
2£ Senhora da Alagoa na Filia do Germello junto a
Guarda. p. 41
2V. Senhora da Alegria, ou da Afumpcaõde Portale-
gre, p. 40?
TV- Senhora de Almacave em Lamego. p* 1 46
N.Senhorado Almortaonotermo daIdanbaaNoVa.p* 141
2V. Senhora dos Altos Ceos da Lou^a. P' 65
N. Senhora do Amparo }ou dos Meninos, de Lamego. />.2Q$;
N. Senhora do Amparo do lugar da Melroeyra* p* 34^
N. Senhora dos Anjos da Filia de I homar. ^.468
N. Senhor a do Anjo no Convento de S. Francifco de
Leyria. p- *72
N, Senhora da Annunciada ât Filia de Thomar. p.^6i
1S[. Senhora la* Amoras no lugar da OUvejra. p. 1 9*
TSL, Senhor a das Áreas no termo das fiai. /M9?
N. Senho* t das Áreas no termo de A1 j abarrota. p- 3 1 1
Tom. III. Kk K
ji4 INDEX.
AZ. Senb ora da batalha ^Convento de S. Domingos da
f/illa da rÈatalba. />. 30 1 .
c
AT. Senhora do Cabido no Convento deSanta Clara da
Guarda. p% 44.
AZ. Senhora das Cabeeis no Seyxo Amarello. p- 94*
AZ. Senhora das Cabeças em (jrjaes. p. 99.
AZ. Srnbora de Cali^ em S. CbnftovaõdeNogueyra. p.220.
AZ. Senhora do Campo em Almendra. p. 1 65.
A7. Senhora das Candeas de AVoins. p. 1 85.
AZ.& nhora da Caridade do Convento dos Capuchos do
S \r doai. p. 109.
Aí. Senhora dosCameyros da Aldeã do Souto- p. 127.
AZ- Senhora de Carcjuere junto a Lamego. f.147.
N. Senhora do Caftello de Vitla Velha. p. 89.
AZ". Senhora do Caftello da Filia do CaHello. p.z$i.
N. Senhora do Caftello , ou Santa Maria do Caftello,
ConVénlò de Auguflinhos Defcalços em fortalegre.p.^67.
AZ. Senhora de Ce iça no termo de (furem. P'13z*
AZ". Senhora da Conceição do Convento de S. Francif-
co de CoVilbaa. p. 1 14.
AZ, Senhora da Conceição da Ribeyra do Olhai- p-^41.
AZ. Senhora da Conceição do termo de Tbomar. p. 466.
AZ. Senhora da Conceição da Villa de Tayo Telles, p- 497-
7$. Senhor a da Conceição do Convento de Santa Lia
de i bornal . p'^07.
AZ. Senhora da Confimça no Pedrógão. p- 232.
ti. SenhfYa da Conjdaçad da Ctdâde da Guarda. p- 1 4.
N. Senha a da Confolaçaõ da Fula de Al/ayates. /. 1 96.
N.
I ND E X. ;r4
D
7SZ. Senhora do T)efterro do Alqueydao das Tias. p. 49^.
ZV. Senhora do Defterro de Lamego. p. 237.
N. Senhora do Desterro da Sé da Cidade da Guarda. p. 12.
E
N". Senhora da Encarnação da Cidade de Leyria. p* 274.
2VZ. Senhora da Encarnação do lugar dos Cumes. p. 49o.
ISL.Senhora da Encarnação do lugar da PoVoa do Rio
de Moinhos. p. 6$.
1SL. Senhora da Efperança do termo de Portalegre. ^.568.
N. Senhora da Efperança de Belmonte* p. 70.
TSL.Senhora da Efperança de Lamego. p. 245 .
ISL.Senhora da Eftrella 'de MarVaõ. p-171-
M. Senhora da Eftrella do Monte Minhoto. p. 425.
F
TSL. Senhora do FaHio no termo da CoYtlhaa. p-™7*
AL Senhora do Fetal no Regenguo termo de Leyria. p. 293.
N. Senhora da Flor da Rofa no Crato. p* 4 1 6.
G
N. Senhora dd Graça nofitio de Tslifa a Velha. p. 3 9*.
N. Senhora da Graça em (Proença a Velha. p> 87.
K. Senhora daGayola no lugar das Cortes termo de
Leyria. p-^97*
1
i\Z. Senhor a do Incendo em Penamacor. p. 121.
L
1SL Senhora das Lagens em Lamego. p.24.6.
N» Senhora da Lapa junto a g^antúla. p. 155.
Kk z N.
]\6 I N D E X.
]S [-Senhor a das Lapas em T bom ar. pag. 475.
TSL*S-nbora da Lapinha na Villa do Souto. p. 258.
TV. Senhora da Lhraçaõ em Laflello de Vide. p.^oz.
TSL,Senbora do Loreto Convento de Religiofas em AU
meyda. p.219.
TV. Senhora do Loreto, Convento de Antoninhos em
Tayo Telles. p, çoo.
TV Senhora da Lu^ no termo da Villa de Co^. p. 305.
N. Senhora da Lu^, ConVento de Augujlinbos em
-Arronches. /?. 598.
M
A7» Senhora dos M.irtyres em V unhe te. p. 136.
TV Senhora da>s Mercês no termo de Ourem. p. 354.
TV Senhora de Mer coles no termo de Caítello Branco, p. 80.
TV- Senhora dos Milagres na Villa de A (fumar. p. 3 87.
N- Senhora do MddeUyOU Mil eu ter mo de Tbomar.p.tyf.
TV Senhora do Mileu junto a Cidade da Guarda. p. 1 9»
TV Senhora do Montejunto ao lugar dasCorta. p. 344.
TV Senhora do Monte > ou da Piedade. p. 467.
TV". Senhora de Monforte termo de Tinhél. p* 168.
iV. Senhora dos Mortinhos em Torto de Mo%. p. 3 1 5-
TV. Senhora do Mofteyro em Cattello N0V0. p. 77*
N. Senhora do Mofteyro junto a Almeyda. p* 201.
N
TV. Senhora das Necefidades da Vdla da Tonte. p* 253.
TV. 6" nhora das IMeceJfidadíS do ConVento de Sam
Franafco daGvarda*. p. 22.
TV. S nhora daí TSL^ceJfi íades da Soalbeyra* p* 74-
2V. Senhora das Necejidades daGandara termo de
Leyri u p. 292.
N. Senhora das Neves de Almeyda. p. 217.
N.
INDEX. Si?
O
N* Senhora do 0> ou da Expt ffaçaõ. pag* 469.
TV. Senhora da Ocaya termo de Ourem* p. 337.
K. Senhora do Olival em Jhomar. p. 455.
2\£. Senhora do OU Vai, ou da Graça na Certáá. p. 43 6.
ZV. Senhora da Oliveira no lugar da Orca. p. 29%
]S[. Senhora da Orada em Saõ V icente da Beyra. p. 1 03 .
JSL* Senhora da Orada, ou Alagada em Filia Velha. p. 91.
2ST- Senhora da Ortiga termo de Ourem. pt 3 49.
p
N- Senhora da Pa^ em Lamego. p. 242.
N. Senhora da Pena no Lafiello de Leyria. /;. 268.
N. Senhora da Tenha no termo de Portalegre. />• 384.
N. Senhora do Pereyro , ou Poreyro. p.163.
TV. Senhora daPiedade no Convento das Vominicas
de Abrantes. p. 97.
TSL. Senhora da Piedade das Chaas. p. 249.
TSL.Senhora da Piedade na Parochia de SJoaõ de Por-
to de Mo^. p. 320.
N. Senhora da Piedade no Choupardo , ou Cham
Pardo. p. 330.
7SZ. Sáihorá da Piedade do Vai da Idanhaem Tho-
mar- p. 472.
N. Senhora da Piedade, ou de Rodes no Crato. p. 42 1.
2\L* Senhora doPranto dos Envendos- p. 422.
TSL. Senhora do Pranto das Cinco Vdlis. p. 200.
TSL. Senhora dos Prazeres , ou da E\ per anca em
TSLi^a. p. 595.
7SL. òenhora das Preces de Gmacbe do Som Jar-
dim, p. 441.
N* Senhora da Purificação diu Freyxiandas* f • 3 4 ?•
Ni
jr8 INDEX.
R
N. Senhora dos Remedias de Al/revida, pag. 84
TV> Senhora dos Remédios da Cidade da Guarda* p. 35,
1 V. Sen hora dos Remédios, dos Filares. p. 1 56
TV. Senhora dos Re médios, Convento de SaÕ Franáfco
de furt alegre. p% 406
iV.Senbora a Redonda em Àlpalhao- p. 3 89
TV Senhor ados Remédios fora de Lamego. p. 225
TV. Senhora da Riheyra de Ar novelo. p. 208
TV. Senhora da Ribeyra,ConVento de Religiofas Ter-
ceyras. p. \y\
TV Senhora da Rihyra termo de dbrantes. p. 1 1 8
TV. Senhora de Ridtcouros termo de Ourem. p. ^ 8
TV» Senhora do Rofario das Olas termo de Thomar. pt 482
TV. Senhora do Rofario, da ^a\, & dos Martyres nas
Tias. /?. 486
TV. Senhora do Rofario na Tarocbia de Santa Maria
de (porto de Mo%> p. %z6
s
N. Senhora de Sacaparte em Aifayates. p. 1 89.
TV Senhora da Sanguinheyra na Amieyra. />. 428-
2NZ. Senhora da Saúde fora de Lamego. p. 227.
TV. Senhora da Saúde no Alqueydao. p. 471.
TV Senhora da Seyxa no lugar de Áreas* p. 1 5$.
TV Senhora do Seyxo no Fundão* p. 48.
TV Senhora da Serra em Alpedrinha. p. 58.
TV- Senhora do Soccorro em Lamego. p. 240.
TV Senhora do Souto no termo da Guarda. p. 131.
T
TV- Senhora do Templo fora da Cidade da Guarda, p. 3 2.
TV- Sjihora do Te/linho do termo de Ourem. p.i óo.
INDEX.
V
P9
N. Senhora de Valverde termo de Caflello Branco, p- %i<
TV. Senhora da Vitoria da Villa de Paredes. p. 220.
N. Senhora da Vitoria , ou da Batalha. p% 299,
N. Senhora da Vitoria da Tarockia de Santiago de
Portalegre. * ^0?m
N. Senhora do Vifo de Numaõ. p% ZZq9
FIM.
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