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Full text of "Santuario mariano, e historia das imags milagrosas de Nossa Senhora, e das milagrosamente apparecidas, em graça dos prègadores, & dos devotos da mesma Senhora"

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Presenteei  to  the 
library  of  the 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Dr.  António  Gomes 
Da  Rocha  Madahil 


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SANTUÁRIO 

MARIANO, 

E  Hiftoria  das  Imagés  milagrofas 

DE  NOSSA  SENHORA, 

E  das  milagrofamente  apparecidas ,  que  fe  vene^ 

raõ  em  os  Bifpados  da  Guarda,  Lamego,  Ley- 

ria,&  Portalegre,  íuflfraganeos  do  Arcebif- 

pado  de  Lisboa,  Priorado  do  Crato,  & 

Prelaíia  de  Thomar. 

Em  graça  dos  Pregadores ,  &  dos  devotos  da  me/ma 

Senhora. 

TOMO  TERCEYRO, 

QVE  CONSAGRA,  OFFERECE,  E  DEDICA 

AO    EXCBLLENTISSIMO    SíNHOR     MAR  QJJ  E  Z    De    FoNTES 

D.   RODRIGO    PEDRO  ANNES  DE  SA, 
Almeyda,  &  Menezes, 

Conde  de  Penaguião  ,  Camareiro  mór  de  Sua  Mageftade  ,  Capitão  mòr  ,  &  Alcayde 

mòr  da  Cidade  do  Porto  ,  &  da  Villa  de  Abrantes  ,  Senhor  de  Penaguião,  Fontes» 

&  Godin ,  &  da  Honra  de  Sobrado  ,  Senhor  do  Sardoal ,  Commendador  das 

Commendas  de  Santiago  de  CaíTem  ,  &  de  Saõ  Pedro  de  Faro, 

Fr.  AGOSTINHO    DE    SANTA    MARIA, 

Ex-Diffinidor  geral  da  Congregação  dos  Defcalços  de  Santo 

Auguftinho  de  Portugal ,  ôc  natural  da  Villa  de  Eftre- 

moz,  ôcChronifta  da  mefma  Religião , 

LISBOA, 

NaOfficina  de  ANTÓNIO  PEDROZO  GALRAM. 

Com  todas  as  licenças  wcejfarias. 
_  AnnodeÍ7ii, 


. 


EXCELLENTISSIMO    SENHOR: 

STE  terceyro  tomo  dos  Santuários  milagrofos 
de  nojfa  Senhora  ,  quefabe  agora  a  go^ar  de  bu- 
malu^  taõextenja ,  como  he  a  da  pojleridade 
cm  o  prelo  ,  fabirta  totalmente  defemparado% 
i;  exporto  aos  terríveis  afpectos  da  cenfwrajS  da  emulação,  fe 
naologràraemfuaf rente  a  prefcripçaõ  do  foberano  nome  de 
Vofa  Excellencia.  Deu  alentos  aos  temores  da  minha  penna, 
para  que  fe  remontafe  a  tao  alto  patrocínio  aquella  fumma 
benignidade  ?  q  todos  reconhecem  em  Vojfa  Excellencia,  &  <* 
geral  inclinação  com  que  f abe  honrar  aos  eHudiofos ,  como 
quem J abe  occupar  tam  bem  o  tempo  nos  e  findos ,  &  ajim  dijfi* 
mular a  com  piedade  asfaltas ,  que  Por  mim  naõ} per  tendidas, 
merecerão  mais  defculpa  >  que  cenfura.  Do  acerto  da  minha 
eleição  nefla  Dedicatória  nao  duVido ,  (  não  quero  que  triunfe 
contra  a  de  f confiança)  antes  e/per  o  lograr  com  felicidade  afua 
benevolência,  porque  reconheço  fer  muyto  larga  a  de  Fofa 
Excellencia  para  todos.  Sufpendo  a  penna  nesla  mater  ia,por- 
que  nao  fe  ofenda  a  modejlia  de  Voffa  Excellencia ;  porque  o 
que  o  mundo  conhece  ,  &  admira  ,feja  Veneração  no  meufilen- 
cio. 

A  oferta  ainda  que  limitada ,  &  defigual  à  grandeza 
a  quefe  dirige ,  efpero  quefeja  agraiaVd  ,  pois  he  hum  rama^ 
lhete  das  mais  bellas  flores,  que  fe  podem  ojferecer  ,quaes  fao 
as  que  o  Jardim  ,  &{Paratfo  Virginal  da  Rainha  dos  Anjos 
encerra  ,&de  que  ette  mundo  logra-  Todaéfaõ  Varias  yatn  ia 
quefejajobuma  aefpecie  delias;  &  ajfvn  codaó  fao  a  mefma 
flor  nos  afeitos ,  &na  admiração,  porque  todas  fao  flor  es  de 
maravilhas.  £  z  A 


Z*y  Cjê5  Wcl  \óv CÍ3 Ciíè)  C<2e>  Cjè> <Jt>  ^ítl  OÍè) C^  W £  CiíS  tóê)  <ZÍí>  C^<^G^2C^  C^O^  C^  C^  «JS  Wí  ^c5^  {^^^3 
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Emobfeqiúo  do  M.  R.P.  Fr.  Auguftinho  de  Santa 

Marta  nafua  illuftrijjima  obra  intitulada, 

Santuário  Mariano. 

SONETO. 

a  Uai  fútil  Águia  em  vifta,  &  movimento, 
m  Que  do  Sol  bebe  excelíos  refplandores, 
Defcobre  o  Euangeliíla  entre  candores, 
Hum  prodígio ,  &  íignal  no  firmamento. 

Efte  raro  prodígio ,  efte  portento, 
Foy,  conforme  os  fagrados  Efcritores, 
Imagem  de  Maria ,  &  dos  melhores 
Signaesquedelladaõ  conhecimento. 

EvósnoCeoda  Igreja  Militante, 

Qual  Águia,  de  Maria  Imagens  viítes, 
E  Euangelifta  delia  fois  amante. 

Mas  excedendo  a  outra  Águia  mais  fubiftes; 
Porque  a  outra  huma  lo  vio  no  Ceo  brilhante, 
E  vós  tantas  Imagens  defcubriíles. 


De  fett  amigo  o  Licenciado  Francifco  de 
Santa  Maria  Soufa  &  Almada. 

Do 


Do  Doutor  Ga/par  Leitão  de  Afonfeca  na- 
turaldaVilla  deThomar 

SONETO. 

DA  Cidade  de  Deos  hum  Auguílinho 
A  grandeza  eícreveo ,  &  a  mageftaáe: 
E  vós  novo  Auguftinho  defta  idade, 
Em  o  nome  o  imitais,  &  no  caminho; 

Do  Feniz  Africano  ,  hoje  no  ninho 
Voais  com  voíTa  penna  à  eternidade, 
Regiftrando  com  douta  variedade, 
Da  Avefcelefte  as  caías  nefte  alinho. 

Só  de  vós  pode  íer  efpeculado 

Efte  empenho ,  pois  fó  por  juíla  loa, 

De  hua  Ave  o  ninho ,  outra  Ave  ha  calculado- 

Defcalço  profegui ,  por  mor  coroa, 

Que  quem  caminha,  he  bem  que  vá  calçado, 
E  lo  defcalço  vay  melhor  quem  voa. 


*  4  Do 


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D0  iW.  i?.  r .  /r.  /Wâz  ^  Efpirito  Santo  Religiofo 
Auguftinho  DeJcãlçOipelos  mejinos  confoantes, 

SONETO. 

DEfcalço  ,  fim,  voou  efte  Auguftinho, 
Deícalçoj  mas  com  tanta  mageftade, 
Que  aílombro  moft  ra  fer  da  noffa  idade, 
Abrir  deicalçotaõ  feliz  caminho. 

Qual  Feniz  ,  que  no  incêndio  faz  o  ninho, 
Para  louvarfe  a  Deos  na  eternidade, 
Regiftrou  incendido  a  variedade 
De  Imagens  de  Maria ,  com  alinho. 

Por  aver  tao  devoto  efpeculado, 
Caminho  tal,  a  vofTa  penna,  &  loa, 
Sabia  fem  termo ,  em  termo  calculado. 

Segurandolhe  em  fim  melhor  coroa, 
Vendo  que  nefta  çarça  fem  calçado, 
Qual  Moy fes  anda,  fe  qual  Feniz  voa. 


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In  laudem  Sanfluarij  Mariani 

E    P  I  G  R  A   M  M  A. 

HOcce  íuu  prseco  Domini  de  pedore  doétus , 
Egregium  facro  ftemmate  clauíitopus, 
Singula  qui  Chrifti  praeftringere  gefta  prasoptet, 

Noníatisadlibros  ambitus  orbiserit. 
Si  Chrifti  faftis  fit  terra  angufta  Marine, 

Num  tot  ad  effigies  amplior  orbis  erit? 
Non  eritiergo  ftupe,  dtí  tot  íimulacra,  quot  orbis 
Noncapit,hoc  cernis  cun&acapi. 


Faciebat  Fr.  Tr  anafem  Brandão  Ordinit 
Eremitarum  Sanai  Patris  Auguftinu 


Me. 


%£emoria  cios  I foros  que  o  ^énthòr 
tem  imprejjh. 

Lèm  defte  terceyro  tomo,  impri- 
mio  oprimeyro,  que  contem  as 
Imagens  miíagroías  da  Cidade  de  Lis- 
boajo  íegundo,q  comprehende  as  Ima- 
gos de  M. Senhora  do  feu  Arcebifpado. 

Imprimio  a  maravilhoía  hiftoriada 
fundação  do  Convento  de  Santa  Mo. 
nica  de  Goa,  com  aseftupendas  mara- 
vilhas que  o  Senhor  Jefus  Chriíto  o- 
brouafavor  delia. 

A  vida  da  V.M.  Sor  Brifida  de  Santo 
António ,  Abbadeça  do  Convento  de 
Santa  Brifida  doMocambo  cm  Lisboa. 

A  vida  da  prodigioía  Virgem  Santa 
Liduvina,&  íeus  eftupendos  trabalhos. 

As  Roías  do  Japão,  em  as  vidas  de 
muytas  Senhoras  illuftres  daquella  no- 
bre nação. 

Exame  particular,  &:  geral  daCon- 
ciencia ,  para  examinar  as  faltas ,  &  im- 
perfeyções.  LI- 


LICENÇAS  DA  ORDEM. 

Cenfura  do  M.  R*  P.  Fr.  Nicolao  de  Tokntbw. 

Lleftaterceyra  parte  do  Santuário  Mariano  ^cowpofío 
pelo  M.  R.  P-Frey  Auguftinho  de  Santa  Maria  3  Diffi- 
nidor  geral  abfoluto  deftanoffa  Real  Congregação  dos  Au- 
guílinhos  Deltaicos  dcile  Reyno  de  Portugal ,  &  íeu  pri- 
meyro filho ,  &  noviço,  &  veyo  a  concedente  a  obediência  o 
que  anhela va  a  anciã,  &  difpenfarme  o  precey to,  o  que  defe- 
javaogofto. 

Muytos  tempos  avia,  quepormeyo  do  prelo  tinha  ja 
paííado  ,  &  lido  a  primey ra  , &  fegunda  parte,  que  o  Author 
divulgou  ao  mundo  com  tanta  utilidade,  &aceytaçaõ  pu- 
blica , como  reconhecem  os  Pregadores  ,  &  venerac  os  de- 
votosde  Maria  Santiffima;  &  corro  defejnva  fecoritinuaííe 
eflaobrajomefmofoy  abrirlhe  aprirneyra  folha  para  o  ler, 
do  que  terminar  na  ultima  para  o  acabar  y  ccmoconfeíTao 
Cordovez,quelhe  fuccedéra  com  feu  amigo  Lúcio:  Tanta  EP'^0^ 
autem  dulcedine  me  tenuit ,  ut  illum  fine  ulla  dilatione ff  ale*  ^6* 
gerem. 

Por  grande  ,  &  árdua  reconheci  fempre  efh  obra:  Opit* 
magnum  ,  &  arduum:  por  grande,  naò  pela  multiplicidade 
dos  volumes  em  que  fe  dilata ,  mas  pela  matéria  a  que  fe  ter- 
mina j  pois  he  dos  eflupendos  prodígios  que  a  Senhora  em 
beneficio  dos  feus  filhos  tem  obrado  por  mcyo  das  fuás  Ima- 
gens neíte  feu  Reyno  de  Portugal ;  &  por  árdua ,  por  querer 
fazer  nella  publico  ao  mundo  todo,  o  que  a  veloz  carreira 
dos  tempos, &defcuydo  dos  paffados  deyxáraõfepnltarnos 
efquecimentos  ,  &  avivar  nas  memorias  dos  que  vierem,  os 
prodígios  que  de  novo  fe  admiraõ  de  prefenteem  muytas 
Imagens  das  Senhoras,  para  que  naõ  feneçaõ  fuás  memorias 
com  os  tempos. 

Porém  o  trabalho  do  Author  ,  &ofeu  grande  defvelo, 
aíEmfoube  defenterrar  deífas  rumas  do  tempo  efias  enve- 
lhecidas 


lhecidis  memorias,  resolvendo  os  cartórios  maisantígos^ 
&  entranha  rfc  nos  fuccefibs  pre  tentes  ,  que  com  as  rr.sis  ve- 
rificas noticias  dos  íucceíTos  paííados  ,  junta  as  novidades 
mais  authenticás  dos  tempos  modernos  ,  aíTemelhando  fe 
nifto  àquelle  Pay  de  famílias,  ou  àquelle  Eícritor  que  a  mef- 
ma  verdade  de  Ch riflo  parabolicamente  retratou  no  Euan- 
S.Âidt.  gelho ;  dandolhc  o  applaufo  de  douto :  Ideo  omnis  jcriba  do- 
c4p.i$.  oíiu  ih  regno  c^lotu-n ,  fimihs  iíí  bominí  patrifamtlias,qui 
9.  52.  piofert  de  tbefàkrofuo  hoVa }  &  metera. 

Por  cftas  ,  &  muy  tas  mais  razoens  ,  que  me  naõ  faõ  li- 
citas expender ,  deyxára  o  ofício  de  ceníbr,  &  paííára  ao 
de  panegyriiía  de  taò  útil ,  &.  admirável  obra  corno  adefle 
Author ;  mas  como  fei  que  fe  offende  a  fua  modeiiia  com  os 
applaufos,como  fe  vé  da  fua  me  ima  obrarem  que  taõ  repeti- 
das vezes  protefta  humildades  y  como  filho  verdadeyro  de 
hum  taõ  grande  Pay;como  Auguflinho  Santo,nac  quero  me- 
termenooffi:ioalheyo,&  fatisfazendo  aoque  femeordeni, 
*  '  **  concluo  com  o  q  diffe  Plínio  no  í  eu  panegyrcoiZitf  boc  opus 
Ktfirk.  pdchrum ,  Validàjh ,  acre,  fublime ,  Varium,  elegans  ,purum, 
figur.it  um  ,  ff)itiofumetiaw,&cum  magna  fui  Author  is  lan- 
de difufum.iiàb  fe  lhe  deve  negar  a  eflampa  que  procuras- 
tes merece  fe  eternize  em  laminas  de  bronze.  Eíte  he  o  meu 
parecer ,  V.  R.  mandará  o  que  for  fervido*  Lisboa  4.  de  Ou- 
tubro de  1707. 

Fr.ISlicolaode  Tolentino  Ex-Leãorde  Trima. 
Cenfara  do  M.  R.  P.FrJofeph  dos  Martyres. 

A  cenfura  que  fiz  ao  primeyro  ,  &  fegundo  tomo  defla 
„  obra  do  Santuário  Mariano,que  compozo  M  R  P.  Fr. 
Auguflinho  de  Santa  Maria  Ex-diffiiidor  geral  de  noífa 
Congregação  ,  moflrey  quanto  era  útil  para  os  íeis  íe  afer- 
vorizarem  no  fe-viço  de  Maria  Santiífima  ,  tendo  mayor  no- 
ticia de  fua  prodigiofaprotecçuôjrazaõporq  fuy  de  parecer 

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neiirtc. 


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fe  deviao  imprimir-,  com  effey to  fe  dcraô  à  eftampa ,  &  Çaè  de 
todos  bem  aceytos ;  o  me  imo  julgo  defle  terceyro  tomo  que 
li ,  pois  naô  acho  nellc  fenaõ  mais  q  admirar  o  empenho  com 
que  a  Mãy  de  Deos  fe  empenha  em  beneficiar  feus  devotos, 
refplandecendo  do  mefmo  Senhor  a  gloria  com  que  a  honra, 
&  aviva  nofla  fé,  contra  a  qual ,  &  bons  coftumes  naõ  achey 
coufa  que  obfte  concederlhe  V.Reverendiffima  a  licença  que 
pede.  Lisboa  Convento  da  Boa  Hora,  &  de  Setembro  6.  de 
1707. 

HfimiUifimo  ferVõj  áfubdito  de  V.  ReVerendiJima 

Fr.Jofepb  dos  Martyres. 

VIftas  asinformaçoens,  damos  licença  para  que  fe  poíTa 
imprimir  o  terceyro  tomo  dos  Santuários  de  noíla  Se- 
nhora. Boa  Hora  1 6.  de  Dezembro  de  1707, 

Fr.  Bento  do  Efpirito  Santo  Geral  Vigário. 

APPROVAÇOENS  DO  S.   OFFICIO. 

Mujlriffimo  Senhor. 

VI  o  terceyro  tomo  dos  Santuários  de  NT.  Senhora  ef- 
crito  pelo  P.M.Fr.  Augufiinho  de  Santa  Maria,  Reli- 
giofo  da  Congregação  dos  Auguflinhos  Defcalços,&  naõ  a- 
chey  nelle  coufa  alguma  contra  a  noífa  fé,ou  bons  coftumes. 
Lisboa  de  Santa  Anna  em  1 6.  de  Janeyro  de  1708. 

Fr.  Manoel  de  S.Jofepb  t?  Santa  Rofa. 

LI ,  &  revi  com  attençaô  o  terceyro  tomo  dos  Santuários 
denoíTa  Senhora  de  que  efta  petição  trata,  compoflo 

pelo 


peloR  P.  M.  Fr.  Augufti  nho.de  Santa  Maria,  Reíigiofo  da 
Congregação  dos  Auguílinhos  Defcaíços ,  &  me  parece  que 
o  eftudo ,  &  trabalho  do  Author  a  crefeentará ,  &  afervora- 
rá muyto  a  devoção  dos  fieis  na  veneração  de  tantas  Images 
milagrofas.  ]a  nas  hiftorias  do  Reyno,  &  Chronicas  das  Re- 
ligiões havia  noticiasde  algumas  Sagradas  Imagens  de  Ma- 
ria SantiíTimasnnsoAuthor  as  engrandece,*  copia  com  tan- 
to cfpirito,q  parece  acrefeema  mais  louvor  à  Mãy  de  Deos, 
em  cuja  matéria  melhor  he  exceder^que  faltar,  como  he  cele- 
brado axioma  na  Eícola  do  Doutor  Mariano  in  3.  ditt.  i^# 
qutfst.  4.  §.quantwn  ai  fecundam:  In  comendando  Virginem 
maio  exceder  e,  cjuàm  díficere  alaúde  fibi  debitai  aífím,por- 
que  naõ  achey  neíte  terceyro  tomo  coufa  alguma  que  encon- 
tre  a  verdade  de  noíTa  fanta  fé  ,  nem  à  pureza  dos  bons  cof- 
tumes,  me  parece  o  livro  digno  de  luz  publica.  Lisboa  San- 
ta Claracm  6.  de  Fevereyro  de  1708. 

Fr*  Miguel  da  RefurrekaÕ* 

licenças; 

VIftas  astnformaçoens,  pode-fe  imprimir  o  terceyro  to* 
mo  dos  Santuários  de  noffa  Senhora ,  de  que  faz  men- 
ção a  petição ,  &  impreflb  tornará  para  fe  conferir ,  &  dar 
licença  que  corra ,  &  Cem  ella  naõ  correrá.  Lisboa  7.  de  Fe- 
vereyro dci7o8. 

Ctrnejvo.  Mmi\>  Haffe*  Monteyro*  Ktbeyro.  Rocha, 
Fr.  Encarnação. 

POde-fe  imprimir ,  &  depoisde  impreíTo  tornará  para  fc 
conferir ,  &  fem  iflb  naõ  poderá  correr.  Lisboa  20.  de 

Março  de  1708. 

AP- 


APPROVAÇAM   DO  PAÇO. 
Senhor* 

OTcrceyro  tomo  do  Santuário  Mariano,  que  V.  Mag? f« 
tadehe  fervido  remetter  ao  meu  exame, fie  taõ  igual 
aos  dous  primeyros,  que  em  todos  três  eílá  rcípirando  o  ef- 
pirito ,  &  a  devoção  de  feu  Author  o  M.  R.  P.  Fr«  Aoguíli- 
nhode  Sãta  Maria,  Ex-Diffinidor  da  Congregação  dos  Def- 
calços  de  Santo  Auguítinho^a  cujo  talento  grande^&  traba- 
lho imponderável  deve  Portugal  entender,&  conhecerem  os 
homes  que  nos  âmbitos  do  feu  deftritocomprehende  taõ  al- 
tas^ fortiflimas  torres  para  a  fua  defenfa,quãtos  íaõ  os  pre-^ 
ciofos ,  &  multiplicados  Santuarios,em  q  fe  empenha  a  MSy 
de  Deos  para  o  feu  patrocinio;  pois  naõ  pode  aver  contrario 
cfquadraõ  ,  de  que  fe  veja  efte  Reyno  acometido  ,  fendo 
nelle  Maria  Santiífíma  em  todas  as  fuás  partes  obfequiofa- 
mente  venerada  :&  quando  o  Author  deite  livro  naõ  fizera 
a  efta  coroa  outro  obfequio  mais  que  manifeftar  os  innume- 
raveis  Santuários ,  que  lhe  fervem  de  efeudo  para  o  feu  am- 
paro,fópor  eílarazaõera  merecedor  defelhe  concedera 
licença ,  que  pede ;  quanto  mais  que  nefta  obra  bem  moítea 
o  mefmo  Author  fer  filho  daquella  grande  Águia  de  Auguf- 
tinho,  pois  no  fublime  de  fuás  azas  naõ  fó  fe  remõtou  a  exa- 
minar os  rayos  do  Sol  j  nos  milagres,  que  de  Maria  Santiífi  • 
ma  efereve,  mas  também  com  a  vivacidade  da  fua  vifh  pene- 
trou as  antiguidades  mais  efquecidas  nas  noticias ,  que  das 
Sagradas  Imagens  deite  Reyno  defentranha ,  o  que  tudo  ce» 
de  em  fingu lar  gloria  da  May  de  Deos  ,  em  conhecida  utiíi* 
d.de  dos  fieis ,  &  em  credito  bem  merecido  do  Author ;  ifto 
o  que  me  parece,  V.  Mageftade  determinará  o  que  for  fervi- 
do. Santo  Eioy  de  Lisboa  7.  de  Mayo  de  1708. 

Franciíco  de  S.  Bernardo. 

LU 


LICENÇAS. 

QUe  fe  ppffa imprimir,  viftas  as  licenças  do  Santo Offi- 
cio  y  &  Ordinário,  &  depois  de  impreffo  tornará  à  me- 
la  para  fe  conferir ,  &  taxar ,  &  fem  iffo  naõ  correrá.  Lisboa 
3i.deMayodei7o8. 


Oliveira.    CoBa.    Andrade*    Botelho. 

Iflo  eftar  conforme  com  original  pode  correr  efle  Li^ 
vro.  Lisboa  5.  de  Junho  de  171  r. 


v 

Monteyro.  Ribeyro.  Rocha.  Fr.  Encarnação.  Barreto. 
TT)  Ode  correr.  Lisboa  9,  de  Junho  de  171 1. 


T 


Bi/pode  Tagafíe. 

Axaõ  efte  Livro  em  600. reis  empapei.  Lisboa' 9.  de 
Junho  de  171 1. 


Lacerda.    CoBa.    Andrade.    Botelho.    <Pereyra\ 


Pag.i; 


SANTUÁRIO 

MARIANO» 

E     HISTORIA 

Das  Imagens  mi/agro/as ,  &  milagrosamente  ap~ 

parecidas ,  que/eveneraõem  os  Bifpados  fuf- 

fraganeos  de  Lisboa  i&emo  Priorado  do 

Crato,  &  Pr  e/afia  deThomar. 

PREFAÇAM  EXORTATORIA. 

Aoterceyro  Tomo. 


A  N  G  E  L I  CO  Doutor  Santo  Thomas  na 

fua  primey ra  parte ,  queftaõ  5.  &  articulo  6- 

divide  o  bem,  embemhonefio,util .,  &de- 

leitavel  ;feguindo  niííoa  Santo  Ambrofioj 

que  no  livro  primeyro  de  Officijs  >  fez  a  mef- 

ma  divifaõ.  Efies  três  bens  fe  acham  com 

grandes  ventagens  na  devoção  de  Maria  Santiífima:  porque 

comoellamefma  confeíTa  de ií  pela  bocado  Ecclefiaflico: 

Ezoíjucft  tenbmtbus  extmdi  ramos  rneos  -?  13  rami  mei ,  ra- 

Tom.lII.  A  mi 


%  PR  EF AC,  AM. 

Edef.    mi  bomris ,  isgraújt  ;  ego  quafi  vuis  fruttificaYt  fuaVtta- 
Hcn.    tem  0c{orjs.  £U  (diz  a  Senhora )eftendi  como  o therebinto 
2Z'        os  meus  ramos  ;  &  os  meus  ramos  fam  de  honra,  &  de  graça: 
cífe  he  o  bem  honefto.  Eu  como  vide  dei  fruto :  efíe  he  o  bem 
utií.  E  efíe  fruto  foy  fragrante,  &  cheyrofo:  eíTe  he  o  bem  de- 
Ecclef.  leitavel.Omefmo  confirma,  dizendo:  In  me  gratia  omnis 
24. ».    Via,  &  iwitatisi  in  me  omnis  fpes  Vttct7  ts  Vtrtutis.  Em  mim 
*5>       (  diz  a  Senhora)  eflá  toda  a  graça  do  caminho ,  &  da  verdade; 
em  mim  eflá  toda  a  efperança  da  verdade ,  &  da  virtude;  que 
he  o  bem  honefto,  &  o  útil ,  &o  delcitavel;  &  acrecenta: 
Spiritusmeus [uper  meldulcis;  ÍS b^er editas  mea  fupermel, 
Bcclef.  fejàxtuYn,  o  meu  efpirito  he  mais  dece  que  o  mel ,  &  a  mi- 
**" n*    nha  verdade  mais  fuave  ,  que  o  mel ,  &  que  o  favo. 
*'*-  Todos  efles  bens  fe  acham  na  devoçam  de  Maria  San- 

tiflima :  digamos  do  primeyro.  Quiz  ElRey  Pharaò,  quando 
conftituioajofephfilho  de  Jacob,  cmVifo-Rcy  de  todo  o 
Egy pto  ,  darlhe  a  mayor  honra  que  pudeíTe  :  para  ifto  tirou 
do  feu  dedo  hum  riquiflimo  anel ,  &  o  poz  no  de  Jofeph ;  vef«- 
tiolhe  huma  rica ,  &  cândida  eftola  ;  &  lançoulhe  ao  pefeo- 
ço  hum  preciofo  colar  de  ouro  ;  &  mandoulhe  que  fubiíPs 
na  fua  carroça,  &  que  diante  dclle  fe  fofle  por  toda  a  Cidade 
dando  vozes ,  &  dizendo,  que  todos  lhe  fizeffem  reverencia; 
porque  era  Vifo-Rey  do  Egy  pto.  Quando  o  fu  premo  Rey  do 
Ceo ,  &  da  terra  quer  fazer  a  algum  dos  feus  íervos  >  a  quem 
muy to  ama ,  algum  grande  favor ;  fallo  devoto  de  íua  San- 
tiffima  May.  Poem-lhe  na  maõ  o  preciofo  anel  da  fua  devo- 
ção '.nam  hefemmyflerio,  fer  anel  dos  dedos;  porque  nas 
mãos  fe  entendem  as  obras  ,emqueefiá  a  verdadeira  devo- 
çam. Veííelhehuma  cândida  roupa;  porque  o  devoto  da- 
quella  Senhora,quehemais  pura  q  os  Ceos,  deve  amar  cor- 
dealiflímamentca  pureza  do  corpo,  &alma.  Adorna-ocom 
hum  colar  de  ouro  ricuiííimo;  ifto  he,  de  hum  amor  puro,  & 
Tanto ,  que  viva  dentro  do  feu  coraçam.  Faz  que  fubá  na  fua 
mcfma  carroça:  porque  Maria  he  Carroça  de  Chrifto;como  a 

intifilaõ 


EXORTATORIA.  $ 

intitulaô  os  Santos :  Curro*  'Bei  \  &  icm  dentro  no  coraçam  <**»fc 
os  íeus  devotos  :  &  com  foberanas  joyas  fica  taô  adornado^  Cret' 
que  os  mefmos  Anjos  lhe  tem  refpeito.  ;     dÂ?*' 

Conta  Sam  Joaõ  no  feu  Apocaly  pfe,  que  lhe  apparecéra  /  ^" 
hum  Anjo ,  &  que  era  taõ  grande  a  fua  fermofura ,  que  cego,/ 
de  tanto  rcfplandor,  julgando  íer  o  mefmo  Deos,fe  arrojara 
em  terra  para  o  adorar.  Dizlhe  o  Anjo:  Vide  nefecerit,  cjuia  ^0cd. 
tonfervu*  tuus  fum*  Parece  que  fe  admirou  o  Anjo  da  hu-  cap.  19* 
mildadede  Joaõ,&  dizlhe :  Vé  Joaõ  o  que  fazes ;  para  que  a- 
joelhas  diante  de  mim?  Puderafe  perguntar  a  cfte  Anjo:  Ef- 
pirito  gloriofo  ,  de  que  vos  admirais  tanto  ?  hc  coufa  nova, 
que  hum  homem  mortal  adore  a  hum  Anjo ,  nam  como  a 
Deos,  mas  comoa  creatura  fua  de  exccllente  dignidade?  Os 
Patriarcas ,  &  Profetas  naõ  adoravaõ  os  Anjos  ,  como  no 
lo  enfina  a  fanta  Efcritura,  quando  lhe  appareciaõ  ?  Pois  que 
novidade  heefta?  Varias  razoens  apontaõ  os  Expofitores 
refpondendo  pelo  Anjo.  Huns  dizem  ,  que  porque  Joaõ  era 
virgem  •,&  a  virgindade  herefpeitada  dos  mefmos  Anjos.  E 
como  diz  Saõ  Bernardo :  Differurtf  quidem  inter  fe  komopu-  SMm\ 
dicus  ,(<?  Angelus ;fed  felicitai  e ,  non  Ytrtute ;  fed  frfi illius 
caftitãtifelicior  efe  co^nofeitur.  Diffcrcm  entre  íi  o  homem 
cafto ,  &  o  Anjo  na  felicidade ,  naõ  em  virtude :  a  felicidade 
defle  he  mais  excellcnte  ;  porém  adaquelíe,  hemais  forte, 
&  gloriofa  ,  pois  vive  em  corpo  mortal.  Outros  dizem,  que 
porque  Joaõ  era  Sacerdote ;  aífim  o  diz  o  Padre  Mendonça; 
&arazam  he;  porque  na  dignidade  ,he  fuperior  o  Sacer- 
dote ao  Anjo,  &  o  devia  fempre  fer  na  fantidade  da  vida.  Ou- 
tros trazem  outras  muy  tas  razoens,  porém  ainda  que  todas 
faõ  excelientes;  eu  entendo,  que  a  principal  foy,por  fer 
Joam entre  os  Apoftolos  ornais  familiar  da  Senhora  :  elle 
foy  o  mais  encomendado  a  Maria  por  feu  Santiflimo  Filho. 
E  aífim  aos  mais  efpeciaes  devotos  da  Senhora  fazem  os 
Anjos  mayor  reverencia. 

He  coufa  de  tanta  honra  a  devoção  de  Maria  Senhora 

A  z  noffa 


4  PREFACIAM. 

noífa,  que  delia  fehaõ  honrado  os  mais  infígnes  homens  do 
mundo ;  naõ  fó  rom  o  titulo  de  devotos  feus  ,  mas  de  Cervos, 
&  efcravos  defia  Senhora.  Honrou-fe  Betulia  tanto  com 
Judith,  que  com  publicas  acclamações  davaõ  vozes  ao  povo 
osprincipaes,&omefmo  fummo  Sacerdote;  &  lhediziaõ: 
judith  Tu  gloria  Hternfalem ,  tu  latim  Ifrael,  tu  honorificentia 
15.  poptilinoBri.  Vos  fois  a  gloria  dejerufalem^  a  alegria  de 
w.io,  Itraelj&vósahonradonoíTopovo.  Com  quanta  mais  ra- 
zão podem  dizer  todas  as  creaturas  a  Maria:  Vós ,  Senhora, 
fois  a  gloria  do  Ceo ,  &  da  terra ,  vós  a  honra  de  todo  o  ge- 
nçro  humano?  porque  fe  Judith  deu  ao  feu  povohumatam 
gloriofa  vicftoria ;  Maria  faz  vitoriofos  aos  feus  devotos, 
de  mais  fortes  inimigos  ,&  de  mais  poderofos  adverfarios. 
Com  o  titulo  de  efcravos  de  Maria  fe  honrarão  os  Patriar- 
cas, &  Profetas, &aflim  fe  chama,  Deus Patriarcbarum; 
honrados  Patriarcas.  Honraõ-fe  osMartyrcs,  &  asVir- 
gés  que  a  reconhecem  por  fua  Rainha ;  honraôfe  os  Reys,  & 
a  acclamaõ  por  Senhora.  O  Santo  Rey  de  Ungria  Eítevaõ 
(como  refere  Surio)  para  honrar  ,  &ennobrecer  a  todo  o 
feu  Rcyno ,  lhe  poz  por  gloriofo  titulo :  A  família  da  Vtr- 
gem.  E  cobrarão  os  Ungaros  tanta  devoção  à  Senhora,  que 
ie  naõ  atrevem  a  tomar  o  feu  nome  na  boca ,  por  mayor  reve- 
rencia; &  affim  a  nomeaõ  pela  grande  Senhora ,  naõ  oufando 
de  pronunciar  o  nome  de  Maria. 

Naõ  fó  he  a  devoção  de  Maria  Sanúífima  de  honra  pa- 
ra os  que  a  tem ;  mas  de  utilidade ,  que  he  a  fegunda  diviíaõ 
do  bem. Mas  quem  poderá  reduzir  a  numero  os  infinitos  bes, 
que  fe  encerraõ  nadevoçaõdefta  Senhora  i  Q^em explicará 
as  utilidades  que  gozaõ  os  que  fe  dedicaõ  ao  culto,  &  ao  fer- 
viçodefla  Rainha  foberana \  CouU  milhe  a  hum  ambiciofo, 
encontrar  com  hum  thefouro ,  aonde  com  facilidade  fica  ri- 
co. Thcfouroriquiflimodeouro,&dc  preciofas pedras, he 
a  devoção  de  Maria ;  donde  aquelle  que  fouber  cavar  com 
diligencia,  com  facilidade  ficará  rico  do  finíflímo  ouro  da 

caridade 


EXORTATORIA.  j 

charidadc,  &  das  pedras  prccioías  das  virtudes.  AíTím  o  tef- 
tifica  dcfi  mefma  cfta  Senhora  nos  Provérbios  :  Mecum  Prever, 
funtdivitíá,  (jrglorite ,  opesfuperb<e ,  érjuBitia.  Comigo  8-*.i8.! 
ertaô  as  riquezas,&  as  glorias,  &  os  thefouros  foberanos,  & 
a  juftiça  \  as  riquezas  do  Ceo,  narn  as  da  terra ;  os  bens  eter- 
nos ,naõ  os  temporaes ;  os  thefouros  verdadeyros,  naô  os 
falfos,  Scenganofos  do  mundo:  porque  ainda  que  hc Se- 
nhora de  huns ,  &  outros ,  &  reparte  também  os  temporaes, 
quando  convém  aos  feus  devotos,  os  que  mais  eflima  fam 
os  eternos. 

He  Maria  Santiffimahuma  mina,  aonde  efleve  Deos  ef* 
condido  por  efpaço  de  nove  mezes;  que  heomaycr  the- 
fouro  do  Ceo:  In  cjuofunt  tbefaurifapienti<e  Vei:  aonde  eílaõ  Ai  Co? 
as  riquezas  de  fabedoria,  &  de  feiencia  de  Deos.  Com  ra  zam  bji*fty 
comparaõ  os  Santos  a  Sacratiífima  Virgem  à  Rainha  Sabbá, 
que  foy  fombra ,  &  figura  fua.  Defía  diz  aEfcritura  ,  que  £&£ 
quando  veyo  ajerufalem,  a  enriquecera  deforte,  quenun-  cap.  10.' 
ca  fe  vio  a  Cidade  tam  rica,  &  abundante  de  ouro ,  &  de  aro- 
mas ,&  pedras  preciofas:  Et  ingnjfa  Hierufalem  multo  cum 
comitatu,l?  divitijsyCamelis  portantibus  aromata  ,&aurum 
infinitum  nimis  ,  &  geminas  pretiofas.  Entrou  em  Jerufa- 
lem  a  Rainha  Sabbá  com  grande  acompanhamento  ,  &  ri- 
quezas, carregados  os  camelos  de  aromas,  &  de  infinito  ou- 
ro, &  de  pedras  preciofas.  Por  Jerufalem  entendem  os  San- 
tos a  alma  do  Juflo ;  &  pela  Rainha  Sabbá ,  a  Rainha  do  Ceo 
Maria  SantiíTima;  quando  efla  foberana  Rainha  entra  na  al- 
ma do  Jufio ;  quando  entra  nos  coraçoens  dos  feus  devotos, 
os  enche  de  infinitos  bens,  &  favores ,  &  os  enriquece  de  ce- 
leíliaes  theíòuros;  entaõabundaõdo  curodacharidade,dos 
aromas  das  virtudesjdas  pedras  preciofas  dos  divinos  dons. 
Nunca  fe  vem  tam  ricos,  nunca  tam  abundantes,  &  nunca 
tam  profperos,  como  quando  entra  cm  feus  cora  çoens  Ma- 
ria SantiíTima ,  mediante  a  fua  devoçam- 

Entrou  a  ArcadoTeflamentoem  cafa  de  Obededon  ,& 
Toip.HI.  A  3  tanto 


é  PREFACIAM. 

tanto  a  enriqueceo  cie  bens  ,&  encheode  profperida  des,que 
fantamt  nte  envejofo  David  ,  ainda  que  antes  fe  naõ  havia  a- 
trevido  ,  pelo  reverencia!  refpeito,  que  lhe  tinha,  a  po- 
der levslla  para  íuacafa  \  com  tudo,  vencendo  o  amor  o  te- 
mor 5  a  levou  com  grandes  fcfías,  muficas,  &  danças,  &  a 
guardou  como  aomayor  de  todos  osfeusthefouros  ,  mere- 
cendo por  efía  caufa  que  Deos  o  coroaffe ,  &  cnriqueceííe 
de  milhares  de  bens,  &  favores.  Santo  Ildefonfo  chama  a 
Sul  *fi  Maria,  JrcaTeffamenti  noVi,  Arca  donovoTeftamcntoj 
S.Laur.  &  Lourenço  Jufliniano ,  Arca  Teftamenti  Verijfima.  Arca, 
Jufiin.  naõ  figura  tua ,  mas  verdadeyra  do  novo  Tcftamento.  Pois 
/erm.  de  fc  a  Arca  do  Teí lamento  velho  j  que  naõ  era  mais  que  fom- 
^dtiv.   fc>ra  ,&  figura  da  do  novo ,  que  he  Maria,  enriquece ,  &  pfof- 
fi  $     pera  a  Obededon,  &  a  David,  porque  a  recebem  em  fuacafa; 
que  riquezas  ,  &  que  bens  nam  alcançará  aquelle ,  que  rece- 
be em  fua  alma ,  mediante  a  devoção  *  a  efta  divina  Arca  do 
novo  Tefla  mento? 

Finalmente  fe  acha  na  devoção  de  Maria  Santiffima,co- 
mo  na  fua  fonte,  o  bem  deley  tavcl.  Muy  to  movem  os  delei^ 
tes  aos  coraçoens  humanos,  para  que  corraô  após  elles:  por- 
que, comodiííe  o  Filofofo,  o  deleite  acaba,  &aperfcyçoa 
aobra.  Deliciofiffima  coufaheadcvoçamdaVirgcmMaria; 
&  taô  docc,que  ella  fuaviza  todos  os  mais  exercícios  das  vir- 
tudes. He  como  o  me! ,  que  nam  fó  he  doce  em  íi ,  mas  adoça 
todas  as  coufas ,  a  que  fe  ajunta.  Affim  he  a  devoção  de  Ma- 
ria ;  ella  cm  f\  he  fuaviffitr  a  i  &  faz  fuaves  todos  os  traba  lhos 
deita  vida,  porque  aquelle  que  ama  a  efía  Senhora,  lhehe 
deciffima  coufa  imitar  as  fuás  virtudes,  &  affim  com  eflea- 
mor,nam  fente  quanto  padece.  Sam  Máximo  comparou  a 
Maria  Santiffima  ao  Maná,  que  deflila  huma  doçura ,  que 
S.Max.  fobrepuja  ao  mais  dece  meUMdnna  dtfluens  ábum  melle  dul- 
fir.  de    ciorem*  O  Maná ,  diza  Efcritura,  naô  fó  era  doce, mas  con- 
R«m.     tinha  afuavidade  de  todos  os  fabores ;  fabia  a  todos  os  re- 
P4fa4r.  gaios  ^  &ndle  fe  continham  todas  as  iguarias,  quepodião 

miniftrarfe 


EXORTATORIA.  7 

miniftrarfenomais  efplcndido  banquete.  Senósquizcrmos 
provar  a  que  fabe  a  devoção  de  Maria  Santiífima;  acharemos, 
que  he  hum  Maná  celeílial ,  que  fabe  a  todos  os  goftos,  a  to- 
dos os  regatos ,  &  a  todos  os  deleites»  Excede  todos  os  gof- 
tos  da  terra ,  &  começa  a  faborcar  a  alma  com  as  doçuras  do 
Ceo.  Nam  fó  excede  os  deleytes  que  temem  feus  obje&os 
ofcntidodogoftoi  mas  também  os  deleites  dos  mais  fenti- 
dos:  porque  fche  couía  dehciofa  eílender  a  viíla  por  hum 
grande  jardim  cheyo  de  muytas  flores,  aonde  a  variedade,  & 
diverfidade  de  fuás  cores,  o  artificiofo  de  fuacompoftura, 
&  a  difpofiçam  de  fuás  folhas  fufpende  o  entendimento ,  & 
fe  levanta  com  foberana  doçura  à  contemplação  dascoufas 
do  Ceo :  quanto  mais  doce  coufa  he ,  eílender  os  olhos  da  al- 
ma pelo  cfpaçofo  campo  da  vida  da  Virgem  Maria,  &  con- 
templar fuás  virtudes,  &  dons ,  &  meditar  fuás  excellencias, 
venerar  fuás  graças,  &pre  rogativas,  &  fazer  memoria  de 
feusmilagrofos  benefícios  a  favor  dos  homens* 

Sam Boaventura  chama  a  Maria  Santiflima,  Jpispar-D.  Ho- 
Vida  yCujns  fruam  ejl  dulcijjimus.  Abelha  pequenina ,'  cujo  **?- iH 
fruto  he  dociflimo.  Deíla  avefínha  diz  o  Efpirito  Santo,  que  Liu  ^ 
he  fonte  da  doçura:  BreVis  in  volatilibm  apis  ,  ifinitium  Ecclcf. 
dulcorts  habet  fruam  Mim.  A  devoçam  de  Maria  nam  fó  he  1 1 . 
doce ,  mas  fonte  de  toda  a  doçura.  Da  abelha  dizem  os  Na- 
turaes ,  que  colhe  o  mel  das  flpres ,  &  o  guarda  nos  feus  fa- 
vos para  regalo,  &  fuítento  dos  homens.  Maria  recolheo 
em  fi  a  doçura  de  todos  os  mais  Santos ;  mas  he  como  melr 
que  fe  acha  emhuma  fóflor.  A  devoção  de  Maria  nofla  Se- 
nhora he  como  favo,  aonde  fe  conferva  o  mel  de  muy  tas  flo- 
res. Q^e  favo  de  mel  ha  tamdoce ,  como  a  devoção  de  Ma- 
ria? Q-ic  favo  de  mel  ha  ,  que  affim  efclareça  os  olhos  do  en- 
tendimento ,  &c  alente  as  forças  da  alma ,  àquelle,  que  com 
Jonathas  peleja  as  batalhas  do  Senhor  contra  o  inimigo  do 
género  humano,  como  a  deveçam  de  Maria?   Digam-no  os 
lábios  de  Bernardo,  o  coraçam  de  Bernardino \  &  teílifi- 

A  4  quem-no 


%  PREFACIAM 

quem-no  os  favores  de  Domingos,  &os  regalos  concedi- 
dos a  Francifcn. 

Juftamente  deixando  os  Santos  as  comparaçoens  da 
terra,  íefobem  ao  Cco,&  comparam  a  doçura  de  Maria  à 
da  gloria  ;  &  aífim  dizem  ,  que  he  a  vcrdadeyra  terra  de  pro- 
miffam }  que  mana  leyte  ,  &  mel  de  faboroíbs  deleites ,  q  he 
2 a.  Ceo,&  a  dirofa  Jerufalcm  Cidade  de  paz,da  qual  fe  diz  \Sicut 
%6%  "*'  l^àntiumomniumbabitáúo  ejlinte.  Que  os  feu  cortezaôs 
abundam  em  confolações,  &  eftaõ  cheyos  de  alegrias.  Di- 
tofos  j  Senhora  ,  os  voffos  verdadeiros  devotos  >  pois  go- 
zaõ  em  vós  tantos  bens  \  em  vós  tem  todo  o  bem  dcleitavcl; 
vós  fois  o  mel  dociffimo ,  que  faz  fuaves  todos  os  trabalhos 
defta  vida;  na  voffa  devoção  fe  goza  o  manná  do  Ceo, aonde 
fe  prova  a  doçura  de  todos  os  fabores ;  vós  fois  o  prado  de 
todas  as  flores ,  o  jardim  de  todos  osdeleytesdc  Deos;  cm 
vósfegozaaluzfermofa  da  Lua,  que  na  tenebrofa  noyte 
das  tribulações  ,  &  trabalhos  ,  confola  ,  alegra ,  &  recrea  as 
almas:  ovoflbdociffimo  nome  hc  mufica  fuaviffima  para  os 
devotos  eoraçõesivós  fois  a  AbtlhaVirgem  q  nos  deu  o  favo 
de  mel  do  Divino  Sacramento,  fonte  de  toda  a  doçura:  vòs  o 
Santuario,&  a  Pifcina  de  todos  os  noflòs  remédios:  vós  a  Je- 
rufalem  celefle ,  a  Cidade  de  paz  cheya  de  divinas  confola- 
çôes^avofladevoçam  na  terra,  hehum  retrato  da  gloria, 
que  redunda  em  confolações  ,  que  mana  delicias,  &  que  a- 
bunda  em  alegrias.  Pois  fc  fó  a  voíTa  memoria,  íbberan^  Se- 
nhora ,  he  tam  d©ce  >  que  fera  a  voíTa  prefença? 


SAN- 


9 
tfjgív»      ff£5V»      c£3y»      cÊ3V^      f€SV*   "  ffÊ3^> 

*<s£às«.  ^as*  ^sâ&.  *s£â^  *sOs«.  ^SSt 
w^s*  w^s*  wg^  W^3*  ^^s*  w^s* 

«A5ãw>      eASãw      eAêãw      <m53k?      e>w«      <Mtãw 

SANTUÁRIO 

MARIANO, 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA» 

&  das  milagrofamente  apparecidas. 


LIVRO  PRIMEYRO. 

Das  Imagens  milagrofas  de  no  ff  a  Senhora  >  que/è 
venerao  no  Bi/pado  da  Guarda. 

INTRODUÇAM. 


CIDADE  Epifcopal  da  Idsnha  foy  muyce- 
lebre  entre  os  Romanos ,  &  também  muyto 
rcfpeitada ,  &  favorecida  delles.  Os  Godos  a 
efiimáram  muito  ,&  mais  particularmente  por 
haver  fido  progenitora  dofantoRey  Uvam- 

ba,  o  qualcom  fuaeleyçam  ao  Sceptro  ,  quafi  milagrofa; 

acertado  ,  &  venturofo governo ,  que  teve  aífim  na  paz,  co- 
mo 


io  INTRODUZAM. 

mo  na  guerra  >  mereceo  para  íua  peffoa  immorfaes  glorias, 
&  para  íua  pátria  grande  honra.  No  tempo  cm  que  entrarão 
os  Mouros  em  Hefpanha  ,  experimentou  as  ruínas,  que  as 
mais:  reilauráraõ-na  noíTos  Reys,mas  recuperando-a  outra 
vezos  Mouros ,  fe  veyo  a  deftruir  com  as  invafoeus  de  for- 
te, que  fe  refolveo  EIRey  Dom  Sancho  o  primeyro  do  nome, 
a  paffar  fua  Cathedral  à  Guarda,  levantando- a  com  o  titu- 
lo de  Cidade  à  grandeza  de  cabeça  daquella  Província :  & 
aflim  com  as  ruínas  da  antiga  Idanha  creceo  a  Guarda  em 
foberanias  ,  com  a  aflblaçam  de  huma  fe  augmentáram  as 
fortunas  da  outra ,  &  com  a  morte  da  velha  Idanha ,  le  via , 
a  nova  Guarda  eternizada;  que  também  ascoufas  infenfi- 
veis  perecem,  &  morrem;  com  quefenam  devem  admirar, 
nemqueyxar  os  mortaes  das  tyrãnias  defta cruel  pátria,  pois 
nem  aos  edifícios ,  &  Cidades  perdoa.  Affim  o  ponderou  lá 
o  celebre  Poeta  Rutilio: 

Non  indignemw  mortati  cor porá  folYt, 

Cerni  mus  exemplts  ôppidapojfe  moru 

A  Cidade  da  Guarda  ,que  ficou  por  herdeira,  &  fenhora 
das  honras ,  &  prerogativas  da  morta  Idanha  ,  fe  vé  hoje  co- 
mo em  trono,  aflentada  em  huma  parte  do  monte  Hermineo, 
(  vulgarmente  chamado  Serra  da  Eftrella )  nam  em  o  nais  al- 
to ,  mas  em  hum  pedaço  de  terra  chãa ,  que  cahe  da  parte  O - 
riental  ,&comprehende  a  Cidade  ,&  algum  deflriâo  mais, 
para  fuaextençaõ,&augmento.  Da  parte  do  Occidente  fe 
divide  do  mais  alto,  &  fuperíor  da  Serra  com  huma  que- 
brada feyta  pelo  Mondego ,  q  por  alli  paífa  arrebatadamen- 
te ,  &  por  caufa  defte  valle ,  fica  a  Cidade  nam  fó  imminente 
ao  rio  mais  de  huma  legoa ;  mas  fuperior  a  todas  as  mais  ter  - 
rascircumvizinhas. 

De  fua  origem  íe  refere  muy  to  pouco  nos  Authores;  o 
que  a  tradiçno  affirma  he,  que  havia  já  naquelie  íitio  huma  a- 
talaya,  ou  torre  de  vigia ,  a  que  chamaVaõ  Guarda,  (  &  junto 
a  elía  alguas cafas pobres , &  humildes)  fem duvida ,  porque 

fervia 


INTRODUZAM.  n 

fervia  de  guarda ,  &  abrigo  a  todos  os  C  hriflãos  ,que  fugiaõ 
dos  aííaltos  dos  Mouros.  Dcfla  torre  chamada,  Guarda  que- 
rem tiveífe  motivo  ElRcy  Dom  Sancho  o  Primeiro,  para  lhe 
impor  o  nome  de  Guarda,quando  alli  a  fundou,  para  reparo, 
&  abrigo  de  todos  aquelles  povos  circumvizinhos ,  contra 
as  entradas ,  &  correrias  dos  Mouros.  Circumvallada  a  Ci- 
dade de  fortes  muros  de  cantaria ,  ficou  dentro  do  feu  recin- 
to c íta  mefma  torre,  ou  vigia ,  a  que  chamaõ  hoje  a  torre  ve- 
lha. No  mais  alto  tem  hum  Caíkllo  inexpugnável  por  íitio, 
&  por  fortaleza. 

Deulhe  o  mefmo  Rey  Dom  Sancho  foral  em  26.  de  No- 
vembro do  anno  1 1 99.  concedendo  muito  grandes  privilé- 
gios ,  &  izençoens,  como  fe  vè  na  Torre  do  tombo,  a  fim  de 
que  indo  muy  tos  a  povoalla,  ficaíTe,  naõ  fó  mais  nobre ,  mas  ^QSrA 
melhor  defendida.  O  terreno  he  faluberrimoem  todo  o  tem-  7°aJs  ' 
po ,  &  no  veraõ  regalada  de  excellentes  frutas ;  porque  tem  pag.t/} 
muy  tas  quintas  muy  grandiofas.   Tem  muy  ta  caça,  &  to- 
das as  mais  coufas  neceíTarias  ávida  humana  em  abundân- 
cia .  No  tempo  das  guerras  de  Caflclla,  foy  fempre  Praça  de 
muy  ta  importância  ;na  pazficou  cem  a  jurifdiçam ,  &  fupe- 
rioridade  daquclla  Comarca.  Yerdadeyramcnte  foy  a  fun- 
daçam  deita Cidade, huma  das  grandes ebras  delRey  Dom 
Sancho. 

Logo  nos  princípios  defla  Cidade  fe  devia  paflar  a  cila 
a  Cadeira  da  Idanha:  porque  já  no  anno  de  1 205.  fe  acha  em 
eferituras  ao  Bifpo  Dom  Martinho,aflignando-fe(como  ain- 
da hoje  coflumaõ)  Bifpo  Egitanienfe.  A  fua  Cathedral  he 
magnifica .,  nam  fó  em  obras,  mas  em  riquezas ;  o  retaboio  da 
Capella  mor  he  de  pedra  ,  mas  de  rara  efeultura ;  &  fe  tem 
por  hua  das  maravilhas  de  Portugal :  a  fua  Sacriflia  he  muy- 
to  bem  provida  de  prata ,  &  de  ricos  ornamentos.  Compo- 
emfe  o  feu  Cabido  de  fete  Dignidades  %  temquatorze  pre- 
bendas ;  duas  faô  Doutoracs ,  huma  de  Cânones  ,  &  outra 
deTheologia.  Tem  quatro  meyas  prebendas,  dozecapcl- 

laniasj 


xt  ,  INTRODUZAM. 

lanias;  quatro  delias  íaõ  quaíi  quartanarias,  porque  fe  repar- 
tio  por  cilas  huma  prebenda. 

Outra  noticia  acheyfobre  a  antiguidade  defla  Cidade, 
com  muy  tas  congruências  de  verdadeyra ,  &  dada  por  peífoa 
natural  della,&  de  tanta  capacidade,que  fe  pode  ter  por  boa, 
&  digna  de  todo  o  credito  para  a  origem  daquella  povoação, 
&  da  ancianidade  daquclle  fitio.  He  efta,  que  havia  naquelle 
lugar  huma  Igreja  dedicada  anoffa  Senhora  com  o  titulo  de 
Santa  Maria  da  Confolaçaô ,  templo  fumptuofiffimo  ,  & 
magnifico.  Ficava  cm  pouca  diftancia  da  Cafa  da  Senhora 
de  Mil -eu.  Efta  Igreja  dcftruíraõ  os  Mouros  antes  de  fe 
fundar  a  Cidade ,  &  era  tam  grande ,  que  de  parte  da  pedra, 
que  ficou  teflemunhando  a  fua  grandeza,  fe  fabricou  depois 
huma  grande  torre ,  ( &  efta  he  a  que  chamavaõ  Guarda, )  t& 
fica  dentro  da  Cidade ,  que  depois  fundou  ElRey  D.  Sancho 
o  Primcyro.  A  efta  torre  chamão  hoje  dos  Ferreiros ,  de  que 
a  Camera  da  mcfma  Cidade  paga  ainda  ao  prefente  ,  por  feu- 
do ,  &  reconhecimento ,  (  de  que  com  a  pedra  da  Igreja  fe  fez 
a  torre)  hum  arrátel  deincenfo|no  dia  de  Corpus  Chrifti, 
Com  que  por  efta  noticia  fe  vè,que  antes  que  a  Cidade  nova 
da  Guarda  fe  erigiíTe  >  ja  havia  tido  aquelle  lugar  outra  po- 
voação tam  nobre,  que  tinha  Templos  tam  fumptuofos,  co- 
mo o  referido ,  &  Cafa  da  Senhora  de  Mil-eu.  Eaflim  as  Ca- 
fas  deDeos,  que  alii  havia  tam  grandes,  teftemunhavam  a 
grandeza  da  antiga  povoaçam ,  que  alli  havia.  Com  que,  a 
Guarda  nam  foy  fó  grande  povoação  em  tempo  dos  Godos; 
mas  já  feria  grande  em  tempo  dos  Romanos. 

TITULO     I. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhora  do  Dejterro  da  Sè  da  Guarda. 

Efemparada  a  antigua  Cathedral  Egitanienfe ,  ou  da  I- 
danha,  &tresladada  a  fua  Cadeira  à  nova  Cidade  da 

Guarda- 


D 


Livro  I.  Titulo  L  i  $ 

Guarda.  Procuravaõ  os  Cónegos  trazerem  fua  companhia, 
namfó  as  peças  de  grande  preço,  fceflimaçaõ,  mas  as  Ima- 
gtsdefua  mayordevoçam.  Entre  cilas  foyadevotiflimal- 
magemda  Senhora  doDefterro,  que  nqauella  Igreja  ref- 
plandecia  em  milagres,  &  era  toda  a  dcvcçamdopovo.  Suc- 
cedeo  efia  mudança  no  Reynado  delRey  Dom  Sancho  o  Se- 
gundo, a  quem  chama vaõ  o  Capello ,  neto  de  Sancho  oPri- 
meyro.ColIocaraõ-na  os  Cónegos  na  Se  velha,  (por  diílinçaõ 
da  nova  que  hoje  exifte  )  a  qual  ferve  hoje  de  Cafa  de  Miferi- 
cordia-  Aqui  efleve  neíta  Igreja  todo  o  tempo,  que  fe  gai- 
tou em  a  edificação  da  nova  ,  para  a  qual  a  tresladáram ,  & 
collocáram  no  Altar  collateral  dapartedaEpiflola.  Nefía 
Capellacftcve,  até  que  tomou  pofTe  daquella  Igreja  oBifpo 
Dom  Frey  Lopo  de  Siqueyra  :  o  qual  fazendo  novo  retabo- 
lo  a  efta  Capella  ,  pordevoçam  doSantiffimo  Sacramento,, 
que  também  nella  eftava,  a  mudou  para  outra  Capella,que 
fica  à  mãoefquerda  da  entrada  da  porta  principal. 

Neííe  lugar  eileve  com  pouca  grandeza ,  &  menos  ve- 
neração da  que  íe  devia  a  tam  devota  Imagem,  por  alguns 
annos,atéque  oBifpo  Dom  Martim  AfFonfo  deMellolhe 
mandou  fazer  hum  novo  retabolo,  que  mandou  dourar  o  II* 
luftriílimo  Bifpo  Dom  Luis  da  Silva ,  hoje  Arcebifpo  de 
Évora,  &  a  naõ  ler  ta6  depreffa  transferido  a  cila  Igreja, fem 
duvida,  pelo  que  tem  de  generofo ,  &  de  magnifico  nas  fuás 
obras,  ficaria  a  Capella  com  muytos  augmentos :  porqueti- 
nha  com  efla  Santa  Imagem  muy  to  particular  devoção.  De- 
pois o  Cabido  levado  da  mefma,  mandou  novamente  eftofar 
cfta  Santa  Imagem;  o  que  fe  fez  muy  to  primorofamente- 

He  efta  Santa  Imagem  de  grande  eftatura ;  porque  tem 
nove  palmos  de  alto.  Tem  no  braço  efquerdo  o  menino  Jeíus, 
o  qual  tem  o  feu  direy  to  lançado  ao  peícoço  da  Senhora ,  ôc 
namaõ  efquerdahumpaíTarinho,quecomobicolheeftá  pe- 
gando da  camiza.  Todas  as  feyçoens  deita  Santa  Imagem 
íàõ  admiráveis ,  &  cila  tam  perfey  tamente  obrada ,  que  diz  o 

Cónego 


. 


14  Santuário  Mariano 

Conegp  António  deSiqueyra  de  Albuquerque  ema  relação 
que  feguimos  ,  que  nam  vira  até  hoje  outra,  que  fofle  mais 
perfeita .  O  mefmo  Cónego  diz  que  era  tradiçam  muyto 
confiante  ,&  affentada  naquella  Sé,  que  tomando  ElRey  D, 
Affonío  Henriques  a  Idanha  aos  Mouros  fe  mandara  fazer; 
&  que  a  collocáraõ  no  alto  do  retabolo  do  Altar  mòr,(&  bem 
fe  vèa  muyta  altura ,  que  tem  aquelle  imminente  lugar  , )  & 
para  ficar  em  devida  proporção ,  aflim  era  neceíTario.  E  com 
fer  de  tam  grande  eftatura  aquella  Santa  Imagem  ,  pare- 
ce a  todas  as  viftas  perfeitiffima.He  muyto  miraculofa  ,  co- 
mo o  tem  experimentado  todos  os  que  em  feus  trabalhos  re- 
correrão a  ella*  A  caufa  ,&  origem  do  titulo  do  Deflerro, 
naõ  pude  encontrar  7  &  como  antigamente  fe  dava  às  Cathe- 
draes ,  &  Matrizes  das  Cidades  ,  &  Villas  o  titulo  de  Santa 
Maria^  poderia  bem  fer  fe  lhe  deite  o  do  Defterro, depois  que 
fe  mudou  a  Cathedral ,  da  Idanha  para  a  Cidade  da  Guarda; 
&  verem  defterrada  a  Senhora  da  fua  primeira  Cafa ,  daria 
motivo  para  aflim  a  nomearem.  Faz  mençaô  defta  Santa  I- 
magem  o  referido  Cónego  António  de  Sequeyra  de  Albu- 
querque, em  huma  relaçaõ,que  nos  mandou  das  Imagens  an- 
tiguas  daquella  Cidade. 


TITULO     II. 

*Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Confolaçad  da  Cidade 
da  Guarda. 

HE  Maria  Santiífirna  a  confolaçaõ  de  todo  oVniverfo; 
porque  de  todo  he  Maria  o  alivio  >  a  confolaçaõ ,  &  o 
fíymn.  remédio;  aflim  lhe  chamão  os  Gregos  em  o  íeu  Hymno :  Con- 
Grac.  folatiotottus  mundu  He  Maria  a  confoíaçaó  dos  enfermos; 
éfiêà  porque  ella  he  o  remédio  de  feus  males ,  &  enfermidades:  he 
BoteoH.  a  Redempçam  dos  Captivos ;  porque  ella  lhes  íolicita  os/eus 
'•    -  refgates: 


Livro  I.  Titulo  II.  i  j 

fefgates:  he  a  liberdade  dos  condenados;  porque  ella  lhes  al- 
cança o  perdão,  &  a  contrição  de  fuás  culpas.  Affim  odiíTe 
Gifelberto:  Confclatio  i>>firmorum ,  redemptio  capti\orum7  Gifelt. 
liberai io  âamnatorum  >jaLus  untVer fórum*  Efobreferhu  Mter. 
ma  perpetua  advogada  de  todos  os  homens ,  he  também  a  fp*g* 
confolaçaõ  de  todos  os  peccadores ,  como  lhe  chamou  In-^*1** 
nocencio  Terceiro:  Confolatrix  peccatorum.  Tudo  fe  acha/» 
em  Maria  $  porque  ella  he  para  todos  o  alivio ,  &  a  confola-  hymni 

çaõ.  de 

No  tempo ,  que  a  antígua  Guarda  era  de  Chriftãos,  &  Chriftoi 
antes  que  os  Mouros  entraíTem  em  Efpanha(como  fuece-  ^Be*'m 
deo ,  depois  de  vencerem  no  campo  de  Guadalete  ao  ultimo  M*m* 
Rey  dos  Godos)  devia  fer  povoação  muyilluflre ,  pois  havia 
nellamuytas  CafasdeOraçaõ,  &  algumas  delias  Templos 
magníficos,  &muyto  fumptuofos.    Com  a  perda  de  Efpa- 
nha,fe  for  aõ  fazendo  os  Bárbaros  fenhores  de  todo  Por- 
tugal ,  que  por  ficar  vizinho  à  mefma  Efpanha  ,  participou  do 
mefmocartigo.   Refifiiraõosque  habitavaô  eíla  tal  povoa- 
ção: &como  os  Mouros  vinham  fobre  infolentes  com  as 
vidorias  poderofos ,  deixarão  tudo  por  terra.  EntreasCa- 
fas  de  Oraçaõ ,  que  deftruíraõ,  foy  huma  a  de  noffa  Senhora 
daConfolaçam,  que  fica  em  pouca  diftancia  daCafada  Se- 
nhora doMil-cu.  Era  efla  Çafa  hum  fumptuofiflíimo Tem- 
plo ,&  ta  m  grande,  que  da  pedra  cue  ficou  de  fuás  ruinas  fe 
erigirão  torres,  &  muros ,  &  principalmente  a  torre  velha, 
que  chamarão  z  Guarda,  &hoje  fe  chama  a  torre  dosFcr- 
reyros,dequeaCamera  da  mefma  Cidade  paga  ainda  hoje 
por  feudo ,  &  reconhecimento  ao  Cabido  hum  arrátel  de  in- 
cenfo  em  dis  de  Corpus  Chrifti ,  como  fica  dito  acima.  E  fe 
edificou  também  pelo  tempo  adiante  outra  nova  Cafa  à  Se- 
nhora ,verdadeyros  finaesde  fuamuyta  grandeza,  &  anti- 
guidade. 

Nas  ruinas  pois  deíle  grande  Templo  ,  ficou  fepnltada, 
ou  efeondid* a  foberana  Imsgemda  Senhora  da  Coníolaçaõ, 

a  qual 


i.6  Santuário  Mariano 

a  qual  appareceo  em  íonho  a  ElRcy  Dom  Sancho  o  Se- 
gundo j  a  quem  chamarão  o  Capello ,  (  &  foy  iílo  alguns  an- 
nos  antes  do  de  1240.  porque  no  de  1246.  foy  tirado  dogo- 
ve  rno, )  o  que  fuecedeo  nella  maneira ,  como  o  efereve  Jor- 
ge Cardozo  no  feu  Agiologio  tomo  1.  pag.  $7.  No  tem- 
po em  q  le  El^ey  Dom  gancho  o  Segundo  andava  perfegui- 
do  de  cenfuras  intimadas  pelos  Prelados  do  Rcyno  por 
mandado  do  Summo  Pontífice  ,  appareceo  ao  mefmo  Rey 
noífe  Senhora  em  fonhos,  eftando  em  Coimbra  ,  dizendo- 
lhe:  Tivejebom  animo,  porque  aquelle  trabalho  era  omeyo 
por  onde  baVia  de  ir  à  Gloria  ,  que  logo  lhe  mandajfe  edificar 
buma  Igreja  ,parafervir  de  Catbedral  ria  Cidade  da  Guarda, 
defronte  da  torre ,  quedava  nom  1  À  Cidade  ,  em  ofitio  que  oc- 
cupaVa  bum  monte  de  pedras ,  entre  as  matas,  ou  carValbey- 
ras ,  para  o  Síeyo  dia :  em  cujo  final  fe  acharia  ajua  Imagem, 
que  alli  efeondéraoos  Omfiaos  no  tempo  dos  Árabes  \  por  ha- 
Ver  e fiado  alli  fgwja  de  feu  nome  com  titulo  da  Coti/olaçaÕ. 

Cheyo  todo  de  alegria  acordou  o  Rey,  &  referindo  a  D. 
Vicente }  feu  Chanceller,o  fonho,  elle  o  perfuadio,  mandaf- 
fe  fazer  experiência  •,  porque  fea  infpiraçaõ  era  divina  ,  a- 
charia  tudo  o  que  a  Senhora  diíTera.  ElRey  o  encomendou 
ao  mefmo  D.  Vicente  ,  &  achando  pontualmente  tudo  con- 
forme ao  fonhò ,  &  revelaçam ,  mandou  ElRey  ,  que  naquel- 
le  lugar  fe  crigifle  Igreja  da  invocação  de  noffa  Senhora ,  que 
ficou  fervindo  de  Sè ,  a  qual  fe  acabou  em  cinco  annos  ,  fen- 
do ja  Bifpo  delia  o  dito  Dom  Vicente.  A  verdade  defta  hifto- 
ria  confta  de  memorias  authenticas,que  no  arquivo  daquella 
Se  féconfcrvaõ. 

R aferem  por  t radicam  confiante  ,  que  tanto  que  a 
Senhora  foy  defeuberta  ,  fe  alegrarão  muyto  os  moradores 
daquella  Cidade  , &que  logo  fe  lhe  edificara  a  Igreja,  &  que- 
rendo a  coílocar  (em  quanto  cila  fe  obrava)  na  Igreja  de  Sam 
Pedro  ,  ate  a fua eftar acabada,  apuzeram  em  humacharo- 
Ia  ,  aonde  pegandolhe  muytos  homens ,  anam  puderam  le- 
vantar; 


Livro  I.  Titulo  II.  17 

vantar  ;  porque  era  de  pedra.  AVifiadifto  fízeraõ  vir  hum 
carro,  que  concertaram  primeyro  ricamente,  &neííepu- 
zeram  a  Senhora ,  &que  ao  andar  docarro  cahira  hum  ra- 
paz, dosmuytos  que  fe  ajuntaram,  &  que  paffando  a  roda 
por  fimadelle,  lhe  nam  fizera  damno  algum.  Depois  quc  a 
Igreja  ja  efieve  acabada,  tratarão  de  mudara  Senhora,  & 
pondo-a  em  hum  andor  a  acharão  tam  leve  ,  que  dous  homés 
a  leváraô  facilmente;  final  por  onde  moflrava  pagar-fe  da- 
quelle  lugar,  &  darnos  a  entender,  que  era  odafuacíey- 
Çaõ. 

Acabada  a  Igreja  Cathedral  ,  mandou  fogo  o  mefmo 
Rey  Dom  Sancho  os  Cónegos  da  Idanha ,  para  darem  prin- 
cipio nella  aos  Divinos  Officios,&  para  que  a  Senhora  ficaf- 
fc  melhor  fervida,  &  venerada.  Trouxeram  comfigo  asal- 
fayas  de  mayor  prcço,&  juntamente  as  Imagens,  que  lá  eraõ 
veneradas,  como  fica  dito ,  entre  asquaesveyo  a  Senhora 
do  Dcfterro.  Defemparoufe  aquella  Cidade ,  por  fer  def- 
rempcradiílimoo  feu  clima  ,  &  ficando  aSè  como  eflava,a 
mandou  derrubar  depois  ElRey  Dom  Fernando ;  porque  os 
Caíkihanos  (com  quem  trazia  guerra  )  fe  não  fizeííem  nella 
fortes, &faiffemdalli  afazer  correição  nas  terras  dePor^ 
tugal. 

Colíocáraõ  a  Santa  Imagem  no  próprio  lugar,  cm  que 
foy  defeuberta ,  porque  nelJe  mefmo  fe  lhe  fez  huma  Capei- 
la,  que  vinha  a  feracollateral:  mas  tanto  que  o  novo  Tem- 
plo, que  fe  edificou  p3ra Cathedral ,  eíkve  acabado,  &fe 
mudársô  a  elle  os  Cónegos ,  ficou  a  Igreja,  que  atè  alli  fervi- 
ra  de  Sè,  à  Senhora ,  &  neíla  fe  aííentou  a  Irmandade  da  Mi- 
fericordia ,  &  a  Senhora  foy  collocada  no  A[tar  mòr ,  como 
era  razaõ}  pois  era  a  Senhora  daqueiía  Cafa.  Logoqueacol- 
locáram  na  fua  Igreja,  &  ainda  todo  o  tempo  queeflevena 
de  Sam  Pedro,  começou  a  fer  vifitada  dos  fieis,  &  todos  ti- 
nhamcom  cila  grande  devocam:  porque  naõ  fó  agente  no- 
bre, &  popular  a  bufcava,  mis  os  Reiigiofos,  lhe  fríão  fazer 
Tom,  III.  B  muytas 


1 8  Santuário  Mariano 

muy tas  vifitas ,  &  tinham  com  eila  cordcal  devoção. 

O  Padre  Fr.  Manoel  da  Efperança  na  fua  hiftoria  Sera- 
phica,diz,queosRe!igiofos  de feu Padre  Sam  Francifco, 
que  pouco  antes  haviam  entrado  a  fundar  naquella  Cidade, 
que  foy  pelos  annosdc  125 6.  (donde  fe  pode  entender, que 
a  vifaõ  que  El  Rey  teve,  foy  poucos  annos  antes  deíle  que  af- 
íina  o  Padre  Efperança)  tomáraõ  por  emprefa  ,  em  o  fcllo  do 
feu  Convento ,  huma  Imagem  da  mefma  Senhora  da  Confo- 
laçaS  com  o  Mçnmo  nos  braços,  &  aos  peso  gloriofo  Pa- 
triarca S.  Francifco  de  joelhos ,  &  com  as  mãos  levantadas, 
como  depois  fevioem  huadoaçaô  do  padroado  da  Igreja  do 
Richofo  jquenoann®de  1286.  em  o  primeyro  de  Março 
transferio  Domingos  Hermiges  no  Cabido ,  roborando-a 
comefle  fcllo  paramayor  fegurança.  Ainda  hoje  pela  ferta 
da  Natividade  concorre  todos  os  povos,  &  lugares  de  Traz- 
Serra  a  vcneralla,&  neíTa  noy  te  eflá  algreja  aberta  com  muy- 
tas  luzes,  &  affiílem  em  vigia à  Senhora,  rezando  lhe  as  fuás 
devoções ,  &  nefte  dia ,  &  nos  feguintes  vem  a  fazer-lhe 
feitas ,  &  alem  deites ,  pelo  difeurfo  do  anno ,  vem- a  fazer 
outros  muy  tos.  E  muy  tas  peíTòas  deftes  lugares  vem  a  ter  as 
fuás  novenas  naquella  Caiada  Senhora. 

Efta  Igreja  que  mandou  fazer  ElRey  D.  Sancho ,  como 
foyfeytaà  prefía,  pelos  tempos  adiante  moftrou  fazer  al- 
guns fentimentos  ,  &  porque  na mfizeííe  ruina,  jaca  mais 
próximo  aos  noflòs  tempos  a  reedificou  ,  &  fez  de  novo  à 
fundamentis ,  Simam  Antunes  de  Pina ,  Prior  de  três  Igre- 
jas ,  peíToa  não  fó  devota ,  mas  rica  \  obra  verdadcyramente 
de  quem  tinha  tam  generofo  coração.  £  pela  devoção  que  ti- 
nha à  Senhora,  quizfer  fepultado  àfua  viíla,  &aííim  man- 
dou fazer  o  feu  jazigo  na  Ca pella  mòr,  à  mão  efquerda,  aon- 
de foy  fepultado  ,  em  huma  meya  Capella  >  aonde  fe  vè  fo- 
J>re  a  fua  fepulrura  o  feu  retrato  ,  formado  em  pedra ,  &  vef- 
tido  com  ornamentos  Sacerdotaes.  E  deíle  tempo  para  cà,  he 
que  começou  a  fer  aqudlaCafa  também  CaíadaMifericor- 
dia.  O 


Livro  I.  Titulo  II.  x$ 

OmefmoPadre  Efperança  diz,  qué  tinha  hoje  aquella 
Cafa  o  titulo  de  S.  ]oaõ  Bautiita  ,  cujo  dia  era  muy  to  celebre 
naquella  Cidade,  por caufa  de  hua  feyra,como  fe  a  feyra  fbíTe 
aquefízeíTeodiacelcbre:  foymal  informado;  porquanto 
nunca  teve  mudança  de  titulo  aquella  Caía  da  Senhora.  E  a 
equivocaçameíleve,  cm  que  junto  à  Igreja  da  Senhora  eílá 
outra  de  Sam  João  Bautiíte  >  que  foy  dos  Templários ,  &  fica 
no  arrebalde  para  a  parte  do  Oriente ,  que  ainda  que  fora,  fc 
reputa  por  Cidade» 

A  Imagem  da  Senhora  he  de  pedra  ,como  fica  dito,  do 
tamanho  quaíida  natural  eíiatura ;  eílá  aííèntada  com  o  Mc* 
nino  Jefusno  feu  regaço:  as  mãos  faõ  de  madeyra ,  que  fem 
duvida  deviaõ  ficar  maltratadas  das  pedras  da  ruina  dafua 
Igreja ,  que  podendo-fe  reparar  o  dano  confertandofe  algu- 
mas quebraduras  ,  indiferetamente  lhe  cortarão  as  mãos,  & 
lhe  puzeraõ  outras  de  madeira.  Vefe  collocada  cm  hum  ni- 
cho, tudo  formado  de  huma  fó  pedra,  &nefta  forma  foy 
defeuberta  no  vam  de  huma  Capella.  Faz  menção  da  Senho- 
ra da  ConfolaçaôoPadre  Efperança  referido  acima,  &  Jorge 
Cardofo  tom.  i .  pag.  36.  &  o  Procurador  da  Prima  da  Sè, 
Manoel  Leytaõ  de  Magalhacns^  &  o  Cónego  António  de  Si- 
queyra  de  Albuquerque. 


TITULO     III. 

Da  antiga  Imagem  de  N.  Senhora  doMil-eu. 

NO  Arrebalde  da  mefma  Cidade  da  Guarda,  para  a  parte 
donafeente  menos  de  hum  quarto  de  legoa,  entre  hua 
pequena  Aldeã  a  que  chamãoaPovoa  ,&  hum  íitio chamado 
oCaíiellovelho,  fe  vè huma antiquiífima Igreja,  dedicada à 
Rainha  dos  Anjos  como  titulode  N.Senhora  do  Mil-eu.He 
eíle  Santuário,  na  opinião  de  todos ,  o  mais  antigo  da  Bey  ra: 

B  2  porque 


to  Santuário  Mariano 

porque  fe  âffirma ,  que  antes  que  os  Mouros  cntraíTem  cm 
Efpanha,  já  cila  Cafa  da  Senhora  era  muyto  frequentada; 
íc^ffim  os  que  reconhecem  as  maravilhas,  que  aquella  Se- 
nhora ha  obrado  comos  feus  poderes  cm  todos  os  tempos, 
fentem  a  frieza  com  que  hoje  he  fervida,merecendo  muytos 
obfequios:  &  da  falta  da  fé;&  da  devoção  com  que  hoje  a  buf- 
caõ^procede  o  naô  receberem  os  grandes  favcres,cucDcos 
nos  tempos  mais  atraz  fazia  a  todos  os  feus  devotos. 

Efta va  pc.^  efta  milagrofa  Imagem  no  mefmo  íitio,&  na 
mefma  Igreja  ^  em  que  hoje  he  venerada,  quando  os  Mouros 
occupárãotodaaEfpanha,  &  aonoíío  Reyno  de  Portugal. 
O  nome  que entaõ  tinha  fenaõ  fabe;mas  f o  f e  refere,  por 
huma  continuada  tradição,  que  em  todo  o  tempo,  que  os  in- 
fiéis fenhoreáram  aquellas  partes  da  Beyra  ,  fempre  a  Igreja 
da  Senhora  fe  confervou  com  refpeyto  ,  &  illeía  da  mais  mí- 
nima irreverência,  &  a  Senhora  foy  fempre  tida  em  fumma 
veneração,  ao  que  deu  motivos  o  milagre  que  referem  nef- 
ta  maneira. 

Vindo  os  Mouros  aflblando  tudo  o  que  cncontravaô,& 
querendo  entrar  na  Igreja  da  Senhora  ,oprimcyro  que  poz  a 
mão  na  porta,  ficou  prezo  por  ellaem  hua  argola,q  ainda  ho- 
je feconferva  na  mefma  portada  qual  parece  ferdebronze;di- 
go  parece  fer ,  porq  alguns  com  o  vulgo  dizem  fer  de  hu  me- 
tal não  conhecido-  Ficarão  tão  atemorizados  os  Mouros, 
que  nenhum  mais  íe  atreveo  dalli  por  diante  chegar  aporta 
da  Igreja, &affim  fe  confervou  illefa  em  tantos  feculos  a- 
quella  Cafa,  de  toda  a  irreverência. 

Defte  milagre  ( diz  o  Cónego  António  de  Siqueyra  de 
Albuquerque,  que  nos  fez  efta  relação)  tomara  entam  a  Se- 
nhora o  titulo,  ou  com  eík  a  começaram  a  invocar  dalli  por 
diante }  dizendo,  que  Mil-eu,  na  lingua  Alarave ,  he  o  mef- 
mo, que  milagre.  E  diz  mais  o  Reverendo  Cónego:  TSLao  he 
iflo  opinião  minha  \  porque^  ha  muytos  amos  mo  dijfe  Leonis 
de Tenn^iS  Mendonça  }pefoa  km  conhecida  por  fuás  gran- 
des 


Livro  1.  Titulo  III.  it 

és  letras]  ajfim  divinas  ,  como  humanas ,  &  grande  anti- 
quarto*  O  mefmo  affirmao  Doutor  Manoel  Leytaõ  de  Ma- 
galhães. Com  que  o  Padre  Frcy  Manoel  da  Efperança  na  fua 
Hiftoria  Scraphica  tom.  i .  liv.  4-  cap.  1 7,  aonde  traía  deíla 
Santa  Imagem ,  feguio  a  opinião  de  outros ,  que  erradamen- 
te querem  ,  que  eftando  hum  fervorofo  Chriftaõ,  devoto  da 
Senhora ,  à  fua  porta  no  mefmo  tempo ,  em  que  vinhão  os 
Mouros,  lhe  requereram  outros Chriílãos,  quefugiffe;& 
elle  armado  com  o  fervorofo  zelo  da  devoçamda  Senhora 
refpondéra,  com  hum  ralho  de  verdadeiro  ,  &  animofo  Por- 
tuguez  ,  dizendo  aos  mefmos ,  que  o  advertiaõ:  Para  Mil- 
eu  \  &  que  delia  fua  animola  reporta  fc  dera  à  Senhora  o  ti- 
tulo do  Mil-eu. 

He  efta  Sagrada  Imagem  de  pouco  mais  de  dous  palmos 
dceftatura,  hc  dcefeultura  de  madeira  incorruptível;  mas 
coftumaõ  tclla  fempre  veftida  ,  por mayor  reverencia ,  ôc  de- 
voção. Hc  efta  Cafa  da  Senhora  do  Padroado  Real ,  &  afllm 
ElRcy  dá  a  adminiftração  delia ,  a  quem  lhe  parece.  Tinha-a 
Diogo  Gomes  de  Figucyrcdo ,  &  depois  de  fua  morte  dizem 
a  dera  a  humEftrangciro  Chimico,  chamado  Cláudio  Roma- 
nete;  tem  hum  Ermitão  mayor,  que  he  juntamente  Beneficio, 
&  Capellania.  Hc  efta  Sagrada  Imagem  muyto  miraculofa,& 
o  foy  fempre,  &  em  todos  os  tempos  tida  cm  grande  vene- 
ração^ dos  mefmos  Mouros,  no  tempo  queoccupáraõa 
Efpanha,  porque  cm  todos  lhe  tiveraõfummo  refpeito,  & 
reverencia.  A  fua  Cafa  ainda  hoje  he  frequentada  de  roma- 
ges,  principalmente  da  gente  da  Cidade;  porque  raras  ve- 
zes fe  acha  o  caminho ,  que  vay  para  a  Cafa  da  Senhora,  fem 
gente  ,  que  và  a  veneralla ,  &  louvalla ;  também  de  alguns 
Povos  circunvizinhos ,  como  he  Arrifana,  Gonçalo ,  &  Bo- 
cas, que  ficãoem  diftancia  de  legoa  &meya:  osquaes  em 
diadoApparecimento  do  Archanjo  SamMiguel,aoytodc 
Mayo ,  vem  por  voto  em  prociífam  aviíitar,  &  a  venerar  a 
Senhora,  de  tempo  muyto  antigo,  aonde  mandão  dizer  as 
Tom.  III.  B  5  fuás 


n  Santuário  Mariano 

luas  MifTas  ,  &  dcyxaõ  as  fuás  offertas.  Da  Senhora  do  Mil- 
cu  cfcrevco  Padre  Frey  Manoel  da  Efperança  na  fua  Hiflo- 
ria  Seráfica,  no  lugar  acima  allegado,  &  outros;  o  Cónego 
António  de  Siqueyra  de  Albuquerque,  &  o  Prior  da  Prima  da 
Sé,  o  Doutor  Manoel  Ley taõ  de  Magalhaens,  cm  a  fua  rela- 
çam  que  nos  fez. 


TITULO     IV. 

Da  mihgrofa  Imagem  deTSl.  Senhora  das  Ne  cejfidadesy 
do  Convento  de  &  Francijco  da  Guarda. 


N 


O  Convento  da  Seráfica  Ordem  de  Sam  Francifco  da 
Cidade  da  Guarda,  fundado  cm  o  anno  de  1256.  hc 
tidaemmuyto  grande  veneração  huma  milagrofiffima  Ima* 
gem  da  May  de  Deos  ,  a  qual  já  refpíandccia  em  milagres^ 
maravilhas  ema  Villa  de  Albergaria , do  Rcyno  de Caftel- 
!a,  que  fica  nas  arrayas  daquella  Provinciada  Beyra.  Nam 
"me  confiou  fe  era  ja  invocada  com  o  piedoíò  titulo  das  Ne- 
ceflidades  pelas  muytas,  que  na  Guarda  ,  logo  que  veyo,  re- 
mediou ',  titulo  de  que  a  fua  clemência  muy to  fc  paga;porq\ie 
gofla  cila  Senhora  de  remediar  cm  todas,  aquellcs,  que  nas 
que  padecem  a  invocam*  Por  iffo  a  acclama  Ricardo  de  Saõ 
f ,## %  Viâor  Mãy  dos  mifcraveis:Mtfer fniferorumiporque  cm  to- 
•  *'®9  das  as  fuás  neccflidades ,  trabalhos  ,  &  affiiçoes  cm  q  os  pec- 
in  C*n$  ca<kres  a  invocao  ,  a  achãologo  propicia.  Sempre  he  media- 
\  neira  paia  com  feu  preciofo  Filho  a  noffo  favor ,  como  lhe 
Ber».     chama  Bernardo :  Mediatrix  ad  Mediatorem. 
ferm.  m         Sobrea  origem  defta  Sagrada  Imagem ,  &  do  modo  co- 
tllftd      mo  VCy0  para  a  çyade  da  Guarda  ,  fe  refere  que  eítondo  no 
H*i»*&  RCyno  de  Cafklla  ,  no  tempo  das  guerras ,  depois  do  anno 
de  1 660.  o  General  Manoel  Freyre  de  Andrade ,  &  que  def- 
iruindo  a  Villa  de  Albergaria,  queimando  a,&  arrazando-a, 


Livro  1.  Titulo  IV.  2$ 

&  juntamente  a  fua  Igreja.  Vendo  hum  Religiofo,quehuns 
dizem  hia  na  fua  companhia  ,  &  outros  que  cãava  na  Aldea- 
da Ponte ,  que  lhe  ficava  vizinha ,  &  que  fora  a  ver  o  eítrago 
que  o  ferro,  &  o  fogo  haviam  feito;  entrara  na  Igreja /& 
que  vendo  huma  Imagem  da  Mãy  de  Deos ,  tam  bclla ,  3c  de 
tam  rara  fermofura  ,  para  que  cila  naõ  padecefle  alguma  in- 
juria ,  irreverência,  ou  perigo  no  incêndio,  fentido  de  a 
ver  exporta  aeftes  perigos,  commuytas  lagrimas  defen- 
timento  fe  refolveo  atiralla  daquclle  lugar,  &tomando-a 
nos  braços ,  com  ella  cheyo  de  fervorofa  devoçam,  cami- 
nhou fem  parar  para  o  feu  Convento  da  Cidade|  da  Guar- 
da ,  aonde  tratarão  logo  de  a  collocar  na  fua  Igreja;  &  aonde 
logo  todos  os  moradores  daquella  Cidade,  pagos  de  fuace- 
leftial  fermofura ,  8c  foberana  mageftadc,  a  começarão  a  íer- 
vir  com  grande  fervor,  8c  devoção;  o  que  a  Senhora  lhes  pa- 
gava com  obrar  muytas  maravilhas  a  feu  favor. 

Com  eílas  maravilhas  fe  imprimio  nos  corações  daquel- 
les nobres  moradores  a  devoçam  de  forte,  quenam  havia 
quem  fe  apartafle  da  fua  prefença,  O  primeiro  milagre  que  a 
Senhora  obrou ,  foy  em  hum  enfermo  de  maneira  delirante, 
que  todos  tiveraõ  as  fuás  melhoras  por  prodígio,  Succedeo 
o  cafo  aílim.  Quando  a  Senhora  vcyo  de  Albergaria ,  ou  pe- 
la prcffacomqueaquelleReligiofo  a  tirou  do  feu  lugar, ou 
pelo  pouco  refguardo  com  que  a  traria  pelo  caminho,  por 
fer  grande,  ou  pelos  muytos  annos  que  havia  fora  feita,  fc 
divifáram  nella  algumas  faltas  na  encarnaçam  do  rofto, 
&  das  mãos.  Para  fe  remediarem  eftas,  a  levarão  a  hum  Pin- 
tor, natural  daquella  Cidade  ,  chamado  Simaõ  Fernandes, 
para  que  a  renovafíc  ,ou  remediaíTe ;  &  chegando  acafo  a  fal- 
lar  ao  mefmo  Pintor,  ou  por  ver  a  nova  Imagem ,  ou  por- 
que Deos  o  trouxe,  para  mayor  honra  ,  &  gloria  fua ,  &  de 
íiia  Santiífima  M5y?  hum  mancebo  Barbeyro  chamado  Antó- 
nio Gomes, 6c dizendo  ao  Pintor,  que  feu  pay  eftavacom 
hus  grandes  freneziá,  &  que  com  eilss  padecia  exceffivas  do- 

B  4  rqs 


24  Santuário  Mariano 

res  de  cabeça  ,  &  repetidos  delírios ,  originados  de  huma  fe- 
bre maligna ,  que  o  tinhão  de  maneira, que  fe  entendia  tivef- 
fe  poucos  dias  de  vida  ,  pela  defconfíança  dos  Médicos.  A' 
vifia  defta  narração,  que  o  fentido  filho  fazia  do  perigofo  ef- 
tado  ,  em  que  o  pay  fe  achava  ,  lhe  diíTe  o  Pintor  que  levaíTç 
huma  coifa,  que  alli  tinha  ,  com  que  aquella  Santa  Imagem 
viera  toucada  ,&  que  poderia  bem  fer ,  que  melhoraíTe  pela 
interceffam  da  Senhora.  Affim  o  fez  o  defconfolado  mance- 
bo, nosapertosemquevíaafeu  enfermo  pay  ,  &defejan- 
dolheavida,&afaude  apcllou  para  o  remédio  da  touca  da 
Senhora,  q  o  Pintor  lhe  apontava,  &  fe  foy  logo  a  perlha  na 
cabeça.  Cafo  admirável!  que  não  fatiando  já  palavra  algu- 
ma, pelo  apertado  cftado  em  que  o  havia  pofto  a  malignidade 
da  doença ,  apenas  fe  lhe  applicou  àcabeça  a  coifa  da  Senho- 
ra, quando  logo  immediata mente  começou  afallar,  con- 
feífãdo  as  fuás  melhoras ;  certificado  daquelle  milagrofo  inf- 
trumentojcom  que  as  confeguio ,  rendendo  logo  as  graças 
à  fua  mifericordiola  bcmfeitora^a  Senhora  das  Ncceffidades, 
que  lhe  havia  dado  a  faude  que  já  fentia. 

Defta  noticia ,quc  logo  fe  divulgou  pela  Cidade,  &  mais 
povos  vizinhos ,  mandavam  muy  tas  pefíòas  enfermas  pedir 
a  touca  da  Senhora  ,com  a  qual  do  mefmo  modo  alcançavaõ 
todos  a  faude ,  que  defejavaõ.  Efta  coifa,  ou  touca  fe  confer- 
va  aâualmentc  no  mcfmo  Convento ,  &  fc  tem  com  muyta 
veneraçam ,  &  refguardo ,  como  joya  de  grande  valor.  He 
de  eíropa  forrada  de  íeda.  Eftc  foy  o  primcyro  preludio  das 
maravilhas  daquella  poderofa  Senhora, que faminnumera- 
veis ,  como  o  teílemunhaõ  os  finaes ,  &  as  memorias  delias. 
E  das  nece ffidades  que  a  Senhora  remediou  j  nafceo  o  darem- 
lhe  efie  titulo;  porque  quando  veyo  de  Albergaria ,  fe  não 
fabia  aquellecom  que  lá  era  invocada. 

Referefe  tambem,q  quando  quizeraõcollocar  a  Senho- 
ra ,  depois  deita  grande  maravilha ,  no  lugar  em  que  a  puze- 
ram^qucfoycm  aCapella  mór,  (o que  fizeraõ  com  huma 

folemne 


Livro  L  Titulo  IV.  i  y 

folemne  prociflaõ )  fe  chegou  à  Senhora  hum  aleijado,  que 
andava  em  duas  moletas  ,  &  lhe  pedio,  como  lá  ocego  doca - 
minho  de  Jericó ,  que  fe  compadeceíTe  delle :  no  mefmo  pon- 
to ,  fe  achou  faõ :  porque  naõ  fabe  efta  Senhora  dilatar  o  re- 
médio, a  quem  lho  pede  com  neceflidade,  o  qual  aleijado 
largando  as  moletas,fe  foy  diante  acclamando  com  vozes  al- 
tas ,  as  maravilhas  ,  &  os  poderes  daaueila  mifericordiofa 
Senhora- 

Outra  maravilha  muyto  notável  refere  o  Doutor  Ma- 
noel Leytam  de  Magalhaens  ,   nerta  forma.     Particular-» 
mente  direy  hum  prodigio,que  por  admirável  nam  poíTò  dei- 1* 
xar  de  referir  ,  por  mo  certificar  peffoa  de  boa  nota ,  aflím  u 
emletras^ôc  antiguidade,  como  nobreza  ,&  verdade,  cha-  >» 
mado  Luis  de  Pina  Oforio ,  morador  nefla  Cidade.  Efoy  o  » 
cafo,  que  clle  conhecera  hum  mudo  ànativitatc,  que  anda-  » 
va  pelas  portas  mendigando ;  porém  que  nam  eífova  certo  >j 
donde  era,  nem  o  como  fe  chamava  ,  por  haver  quarenta  an-  *>* 
nos,q  itfo  havia  paílado.Tinha  Luis  de  Pina  mandado  trazer  >  • 
dehumafua  quinta  hum  carro,  decoufas  pertencentes  ao» 
gafto  de  fua  cafa ,  &  vendo  a  brevidade  com  que  o  moço  voi- » 
tara ,  parecendolhe  que  era  impoflivel  tanta  brevidade  ,fem  » 
ter  peffoa,  que  o  ajudaffe ,  lhe  perguntou  pela  caufa  da  bre-  n 
vidade  ;ao  que  clle  refpondeo,  que  o  ajudara  o  mudo;  &  » 
dizendoihe  feu  amo  Luis  de  Pina  ,  que  boa  ajuda  lhe  daria  o  » 
mudo,  pois  naõ  ouvia ,  nem  entendia  o  que  Jhe  diziam;  lhe™ 
refpondeo  o  criado,  queellc  entendia,  porque  já  nam  era  » 
mudo ,  &  ja  fallava.    Examinou  Luis  de  Pina  efia  matéria  » 
com  o  mefmo  mudo ,  a  quem  havia  menos  de  hum  mez  tinha  » 
ainda  conhecido  no  mefmo  eíladodaque?leimpedimcnro,&  » 
perguntandolhe  como  fallava,  ou  recuperava  a  voz,&  o  ou  » 
vir  ,  refpondeo ,  que  aelle  oleváram  feuspays  ano(faSe-j> 
nhora  das  Neceflidades  ,  continuando  huma  novena  de  Mif-  » 
fas  em  nove  dias ,  que  lhe  haviaõ  prometido  ,  a  fim  de  que  a  » 
Senhora  lhe  dcffe  falia,  t*  apenas  o  Sacerdote  na  ultima  Mif- „ 


1 6  Santuário  Mariano 

„  ia  levantara  â  Deos ,.  começara  ellc  a  fallar ,  chamando  pela 

„  Senhora. 

Do  que  fe  admirou  mais  Luis  de  Pina  ,  (  que  he  rtiuyto 
para  ponderar )foy,que  efte  moço ,  fendo  mudo  à  nativita- 
te ,  log  i  foubefle  fallar ,  &  comprehender  todas  as  palavras 
danoía  língua ,  de  que  não  tinha  alguma  noticia  pelo  impe- 
dimento do  ouvir,  &  que  pronunciaíTe  todos  os  vocábulos 
das  coufas  ,que  dizia,  como  Padre  noífo,  Ave  Maria ,  Salve 
Rainha  ,&c.  percebendo  cm  tam  breves  dias  huma  matéria 
que  mal  fe  podia  aprender  em  o  dilatado  tempo  de  algusan- 
nos»  Erte  verdadeyramente  foy  o  mayor  prodígio ,  que  en- 
tre tantos  tem  obrado  aquella  grande  ,&  poderofa  Senhora; 
&  tanto  fem  femelhante  ,que  confiando  fomente  de  outro* 
que  fe  vio  na  prefença  de  Chrifto  feu  Filho ,  podemos  attri- 
buíllo  também  piedofamente  ao  poder ,  &  merecimentos  da 
Lh$.u.  mcfma  Senhora ,  pelas  confiflfoens  da  devota  Marcella. 

No  mez  de  Abril  do  anno  de  i  ys>z.  em  o  lugar  das  Frei- 
xedas do  Torraõ,  Bifpado  de  Lamego,  &  termo  da  Villa  de 
Caftello  Rodrigo ,  fuecedeo  outro  cafo  notável ,  &  foy  ellc, 
que  huma  mulher  oprimida  com  as  terríveis  dores  do  parto, 
fem  acabar  de  fahir  dellc  ,  ôc  como  fe  dilatafle  muyto ,  tratou 
a  Parteira  de  examinar  com  a  própria  maõ  a  caufa,  penetran- 
do interiormente  o  ventre  da  afflida  mulher.  &  conhecendo 
ferem  dous  corpos  pegados  hum  no  outro,declaroU  efta  no- 
ticia à  m:fma  enferma ,  que  entrou  também  emnovas  dores 
comeftaconíidcraçaô.  E  lutando  entre  os  apertos  das  do- 
res ,  &  coníideraçoens  da  morte  que  via  aos  olhos  ,  appellou 
para  a  taboa  do  feu  reme  lio  netfa  tormenta  ,  chamando  pela 
Senhora  das  Neceflidades;  &  fucccdeolhc  tam  bem ,  para  ef- 
capar  daquelle  naufrágio  ,com  o  foberano  patrocínio  defta 
Senhora ,  q  logo  immediatamente,  confeguio  o  feu  remédio 
com  hum  feliz  fucceífo ,  lançando  com  poucas  dores  huma 
criança  de  dous  corpos  até  a  cintura  ,  fervindofe  dahi  para 
baixo  fócom  duas  pernas.  Receberão  eftas  crianças  a  agua 

do 


Livro  L  Titulo  IV.  27 

do  Janto  Baitifmo ,  &  vivéraõ  quatro ,  ou  cinco  dias.  Eíte 
prodigiofo  fucccífo  fe  vè  retratado  cm  hum  quadro  ,  que  os 
mefmospays  trouxéraõ  à Senhora, para  perpetua  lembran- 
ça  do  beneficio  ,  vindo  a  darlhe  as  graças  ,o  qual  fevénafua 
Capella ,  que  hc  cafo  nruy  fingular. 

Outros  muy  tes ,  &  notáveis  milagres  fe  referem ,  que 
ha  obrado  a  poderofa  mão  de  Dcos  pela  invocação  deita 
Santiflima  Imagem,  &que  ainda  ao  prefente  eflá  obrando, 
&  aflim  he  o  remédio  de  todas  as  neceffidades,naõ  íò  daquel- 
(a  Cidade  ,  mas  de  todos  os  povos  circunvizinhos,  &  diflan- 
tes ,  aonde  fe  fabe  o  nome  deíía  piedofa  bcmfeitora  dos  que  a 
invoc£m;&  aíTim  fe  eflá  vendo,  que  a  toda  a  hora  concorrem 
todos  a  implorar  o  feu  favor,  &  apedirlhe  o  remédio  de 
fuás  neceffidades  ,&atê  do  Reynode  Caítella  vem  muytosa 
bufear  a  Senhora  das  Neceffidades.  Com  eflas  maravilhas 
faômuytasasofFertas,  &as  efmolas,quc  os  devotos  oífc- 
recém,  o  que  ferve  de  grande  remédio  àquelles  fantos  Rcli- 
giofos ,  feus  Capcliães. 

Eílá  coliocada  efia  Santiffima  Imagem  em  huma  mag- 
nifica tribuna,  que lhe  mandou  fazer  a  pia,  &generofali- 
bcralidade,(  que  para  femelhantes  obras ,  fcdeípezas  tinha 
hum  generofo  animo,  &  hum  abrazado  zeloj  daquelle  nunca 
efquecido  por  perfeitiffimo  Prelado,  o  Senhor  D.  FreyLuis 
da  Silva ,  que  Deos  terá  em  fua  gloria  y  fendo  Bifpo  daquel- 
la  Dioceíi ;  &naôfoy  fó  cila  a  obra  magnifica,  que  fez  nel- 
la,porque  muy  tas  fe  numeram,&  também  na  de  Evora,aondc 
fazendo  muytas  obras  grandes ,  bailava  a  tribuna,  &  taber- 
náculo da  Senhora  do  Anjo ,  para  confeguir  as  acclamações 
de  generofo ;  íc  difto  diífera  muy  to  do  que  vi,  &  experimen- 
tey;&eítahe  naCapellamor.  Tem  eítaSanta  Imagem  de 
eflatura  féis  palmos ,  &  meyo ,  he  de  roca ,  &  de  vefiidos,  & 
affim  a  adornãode  preciofas  telas,  &  fedas. 

Dizem  alguns ,  que  na  occafiaõ  em  que  fe  fi^erzô  as  pa- 
zes entre  eíkReyno  de  Portugal,  &  ode  Cafielia ,  reedifi  - 

candofe 


i8  Santuário  Mariano 

candofe,&  povoandofe  outra  vez  a  Villa  de  Albergaria ,fau - 
dofos  os  moradores  delia  da  Imagem  da  fua  Senhora  ,  a  vie- 
ram procurar  à  Cidade  da  Guarda ,  para  que  fe  lhes  roandaíTe 
entregar.  E  porque  havendo  huma  grande  reíiíkncia  na  en- 
trega , depois  de huma  larga  demanda,  obrigaram  aos  Re  - 
ligiofos  do  Convento  de  S.  Francifco ,  a  que  fizefíema  en- 
trega da  Santa  Imagem.  Equc  fcouveram  efles  com  tanta 
advertência ,  que  mandaram  fazer  outra  Imagem  em  tudo 
parecida  à  Senhora  das  Neceffidades  ,  fobre  que  era  aquef- 
tão.  Eque  entregando  a  nova,  fc  foraõ  muy  fatisfey  tos  com 
ellaos  Caftclhanos  de  Albergaria,  fem  advertir  no  engano, 
&  aífim  ficara  fempre  a  primeira,&  milagrofa  Imagem  da  Se- 
nhora  das  Neceífidades  cm  o  mcfmo  lugar,  cm  que  fora  col- 
locada. 

Contra  efta  opinião  eflá  o  Cónego  António  de  Si- 
queyradc  Albuquerque  ,  que  diz,  que  a  Senhora namfó  he 
a  mcfma  que  veyo  de  Albergaria ;  mas  que  nunca  os  Cafte- 
Ihanos  a  procuraram  \  &  que  vindo  também  na  mcfma  occa* 
fiaõ ,em  que  trouxeram  a  Senhora ,  outra  Imagem  de  Sam 
Roque ,  que  cliá  na  Igreja  Cathedral ,  &  que  nem  a  vello  en- 
traram nella,&  que  aífim  era  certiffimamente  a  Senhora  das 
Neceífidades  a  mcfma  que  viera  de  Albergaria.  Efcrcvem  da 
Senhora  das  Neceífidades  em  fuás  relações,  feitas  ànofla 
inftancia,  o  Cónego  António  de  Siqucyrade  Albuquerque, 
&  o  Prior  da  Prima  da  Sé  da  mefma  Cidade  da  Guarda,  o 
Doutor  Manoel  Lcytam  de  Magalhacns. 


TITULO 


Livro I.  TttuloV.  19 


TITULO     V. 

Q.i  MiUgrofa  Imagem  deTSl.  Senhora  da  Oliveira  do 
lugar  da  Orca. 

HE  Maria  Santiflima  por  acclamaçoes  do  Divino  Efpiri- 
to  aquella  fcrmofa ,  &  fecunda  Oliveira  plantada  em 
os  campos:  JguafioliVa  fpeciofa  incampis*  Com  cujo  fruto  Eccltf 
a  veneramos  por  hum  fermofo  hieroglifico  da  mifericordia.  *4- 
Nefte  preciofo  fruto  explica  Jacob  de  Voragine  três  excel-  Jaeob: 
lencias :  primeyra ,  que  reverdece ;  íegunda,  que  fc  faz  rubi-  à$  y%u 
cundo;&  a  terceyra,que  fe  faz  ncgvçy.Fruttus  oliv*  (diz  Vo- 
ragme)  primo  virefeit ,  fecundo  rubefcit,tertio  nigrefcit.Na. 
mefma  forma  Maria  Santiflima  rcfplandece  com  as  mcfmas 
prerogativas:  Sic  BeataV  ir  go  fuit  Yiridis  per  Vir  ginit  atem, 
rubra  per  cbantatem>lS  nigraper  humúitatem.  Nigrafum:  <•**'•£• 
eccenigredo  bumilitatis.  SedformofaiecceViredoVirginita- 
tis  Sicut  pellesSalomonis :  ecce  rubedo  cbaritatis.Tambcm  fe 
pode  dizer,5  o  fruto  defia  fermofa  Oliveira/oyChriíio:^/ 
fuit  Yiridis  in  totaconVerfationefua. Ouçaô a S.  Lucas; Sim  Lnc<iy9 
Ugno  Viridi  h^efiunt ,  in  árido  quidfitt  l  Eis-aqui  como  o  Se-  »  J  '• 
nhor  foy  fermofa  arvore  frudifera ,  &  fecunda  cm  os  frutos 
de  fuás  admiráveis  virtudes  de  mifericordia,&  de  clemência:  Jféi. 
Fuit  rubus  in  pajfwne.  £>u4re  rubrum eH indumcntnm  tuurtf  $9. ' 
Eis  aqui  comocõ  o  Sangue  de  fua  Payxão  ficou  o  Senhor  to- 
do rubicundo ,  porq  os  peccadores  cô  o  fangue  das  fuás  cul- 
pas fizeram  vermelha  a  veíiidura  da  fua  humanidade:  Fuit  jp0^: 
ntger  in  morte:  Scl  fatfus  eíl  niger.  Eis-aqui  como  com  a  fua 
morte  ficou  toda  aquella  divina  fermofura  todaefcurecida, 
&aquelle  Divino  Sol  todo  eclipfado.   Todos  eftes  frutos 
da  fermofa  Oliveira  com  as  fuás  prerogativas ,  foram  para 
nós  frutos  de  miíericordia.  E  affimhejuib,  que  façamos 

huma 


$o  Santuário  Mariano 

huma  grande  efiimaçaõ  da  liberalidade,  com  qus  Maria  San* 
tlffima  nos  offerece  os  frutos  da  ília  mifericordÍ3,&  clemên- 
cia. 

O  lugar  da  Orca,  hehu  dos  do  termo  daVilla  de  Caftel- 
lo  novo.  Neííe  lugar  fe  vé  o  Santuário  ,  &  Ermida  de  Maria 
Santiífima  a  Senhora  da  Oliveira,  aonde  he  bufeada  com  no- 
tável, &  fervorofa  devoção  huma  muyto  milagrofa  Imagem 
da  Mãy  de  Deos,  a  quem  deram  o  titulo  da  Oliveira ,  por  fc 
haver  manifeflado  em  o  cavernofo  tronco  de  huma  oliveyra: 
que  como  efla  piedofa  Senhora  he  Mãy  de  mifericordia  ,  cf- 
colhco  efta  arvore  como  fymbolo  próprio  feu.  Fica  elia  Ca- 
fa,&  Santuário  da  Senhora  fora  do  lugar  da  Orca,  em  diftan- 
cia  de  pouco  mais  de  hum  tiro  de  moíquete,em  hum  íitio  fo- 
litario  ,  &  entre  huns  olivaes. 

De  fua  origem ,  &  antiguidade  fc  fabe  muyto  pouco,  ou 
nada  fe  fabe  comcerteza,&  íó  por  tradições  confervadas  en- 
tre alguns  velhos  do  mcfmo  lugar,  os  quaes  dizem,que  ou- 
viram referir  a  feus  pays  ,  &avòs  ,  o  que  agora  diremos, 
que  ainda  que  vay  envolto  em  patranhas  quanto  à  fuílan- 
cia,  poderá  fer  verdade  o  que  referem;  porque  a  antiguidade 
nam  parece  tanta  como  ellcs  querem,  &  as  guerras  que  eiles 
dizem  podiaõ  fer  muyto  mais  modernas;  porque  do  tempo 
dos  Mouros  ,  he  impoílivel-  Dizem  pois  os  velhos  affim  ,  & 

Contaõ  que  no  tempo  dos  Mouros  fe  dera  naquelle  lu- 
gar huma  grande  batalha,na  qual  da  parte  dos  Chriftãos  (ou 
dos  Portuguezes)  era  Capitão ,ou  General  hum  homem,que 
fe  chamava  Simaõ  de  Oliveira,  natural  da  Cidade  de  Bragan- 
ça^ que  vendofe  muyto  apertado  dos  inimigos  chamara  pe- 
la Senhora  da  Oliveira,  Imagem  milagrofa ,  que  fe  venerava 
na  fua  terra ,  &  aonde  refplandecia  com  milagres.  Eque  no 
mefmo  ponto  cm  que  invocava  a  Senhora,  ellalheappare- 
céra  no  tronco  de  huma  oliveira,  &  que  com  afuaviííaa- 
nimado  acometera  aos  inimigos,&  alcançara  delles  vidoria. 
E  que  obrigado  delle  grande  favor ,  que  da  Senhora  recebe- 
ra 


' Livro I.  TituloV.  31 

ra  lhe  mandara  edificar  nomefmo  íitin  a  Ermida,  cm  que  ain- 
da hoje  era  venerada ,  aonde  fora  collocada,  &  bufcada  dos 
fieis  até  efíes  tempos. 

He  efla  Sagrada  Imagem  de  efeultura  de  madeira  ,  mas 
para  mayor  veneração  ,&  reverencia  ufaô,  os  que  a  fervem, 
o  tella  adornada ,  &  veftida  de  ricas  roupas ;  &  como  he  pe- 
quenina, não  ferácuftofo  oíerem  preciofas.  Os  milagres 
que  tem  obrado  em  todos  os  tempos  faõ  muy  tos ,  ainda  que 
a  incúria  ,  &  defeuido  dos  q  a  fervem  ha  fido  tanta ,  que  nun- 
ca fe  lembrarão  de  os  lançar  em  memoria.  Delles  fe  vem  al- 
guns quadros,  &  mortalhas,  fem  embargo  que4eflas  logo 
lhas  tiram;  porque  o  lugar  he  pobre,  &  fe  valem  delias  para  o 
ferviço  da  mefma  Cafa  da  Senhora.  Também  fe  vem  alguns 
finaes,  &  memorias  de  cera,  como  fam  cabeças,  &braços,& 
corações,  &  outras  coufas  defte  género. 

Os  concurfos  das  romagens  fam  muyto  grandes ,  & 
muytos  os  lugares,  que  vem  a  bufear ,  &  a  venerar  a  Senho- 
ra,  &  a  fatisfazer  os  feus  votos,  &  cantarlhe  as  fuás  Miffas. 
Na  primeirao)  tava  da  P^fcoa  da  Refurreição  ,vem  todos  os 
moradoras  do  lugar  d*  Povoa  em  romaria  à  Senhora,  com 
fua  prociíTâo,  que  finaiizão  com  Miíía,  &  algumas  vezes  tem 
Sermão.  Eeít  a  romagem  fazem  por  voto,  a  que  eílão  obri- 
gados. Nâõ  pude  faber  qual  foffe  o  beneficio  ,  que  alcança- 
rão ,  para  que  em  acçzò  de  graças  lhe  dedicaíTcm  efía  obriga-: 
toria  acção.  Mas  he  certo ,  q  a  Senhora  íhes  fez  algum  gran- 
de beneficio ,  &  faõ  muyto  pontuaes  na  fatisfaçaõ  defle  feu 
voto. 

O  me fmo  fazem  os  moradores  do  lugar  de  Sam  Miguel 
Dacha  :eítes  vem  na  fegunda  feira  depois  da  Dorrinica  in 
Al  bis  ,  ou  dia  de  NoíTa  Senhora  dos  Prazeres,  com  a  fua  pro* 
ciífaõ ,  que  fina lizaõ  também  com  Mi(Ta  ,&  Sermão ,  também 
por  outra  femeíhante  obrigação.  Tem  Ermitão  ,&  hc  cfta 
Ermida  annexa  à  Parochia  do  mefmo  lugar  da  Orca. 

Do  contexto  da  referida  tradição  fe  vé  certamente  fer 

pairanhoíâ 


3  z  Santuário  Mariano 

patranhofa  aquella  hiftoria,quãto  às  circunftancias,&  a  o  di- 
zerfe  que  foy  no  tempo  dos  Mouros ;  porque  efle  fucceííò 
podia  acontecer }  fem  fcr  cm  occaíião  de  guerra  7  porque  com 
qualquer  outro  trabalho ,  ou  neceffidade ,  fe  podia  mover  a- 
quelle  Simão  de  Oliveira ,  para  recorrer  à  interceffáõ ,  &  pa- 
trocínio da  Mtfericordioía  Virgem  Maria,&  como  ella  fe  naõ 
fabe  dilatar  em  remediar  aos  que  cm  fuás  neceffidades  a  invo- 
caõ ,  lhe  acudiria  logo ,  &  obrigado  o  Oliveira ,  lhe  dedica- 
ria aquella  Cafa.  Mas  eu  mais  me  inclinara,  que  a  Senhora 
eíiava  efeondida  naquella  arvore,&  que  difporia  aquellc  fuc- 
ceílb  ,  parafemanifeftar  para  remédio  de  todos  aquelles  po- 
vos. E  aflinv,  fe  os  Chriftãos ,  no  tempo  em  que  os  Mouros 
entráraõ  em  Portugal ,  ou  fe  na  mefma  occafiaõ,  a  collocárão 
os  Anjos ;  elles  ,  &  a  mefma  Senhora  o  fabem. 


TITULO     VI. 

7)a  Imagem  de  1SL  Senhora  do  Templo  fora  da  Cidade 
da  Guarda. 

SAm  Joaô  Damafceno  entre  os  Santos  Doutores ,  &  Pa  • 
dres  antigos,  foy  o  que  fallouda  Prcfentaçaô  da  Senho- 
ra em  o  Templo ,  &  os  fins  ,  &  intentos  que  Deos  teve  para 
tamde  madrugada  levar  ao  feu  Palácio ,  &  Templo  hua  me- 
nina quafi  recém  nacida  na  cafa  de  feus  pay s,&  o  diz  com  ef- 
tas  palavras:  Diafcitur  autem  in  domo  ovilisjoacbirn,  &  ad- 
lufc  ducitur  in  Templum^einâc  in  domoDomni  plantata,  &  im- 
FUe.    pinguatafphituVeluti  oliVafruffifera,  omms  Virtutis  hâbi- 
t  acidam  f aã  a  eíf  y  cwn  ab  omni  feculari  Vita  >  12  carnali  con- 
cupifeentia  procnl  mentem  abduxiffet ,  &fic  Virgimum  a- 
mmtan  fimul  >  &  corpus  conferViffèt  y  ut  clecebat  eam,  quet  in 
finu  Deum  fufceptura  erat.    Nafce  Maria  em  cafa  de  Teus 
pays,  mas  apenas  larga  o  peyto  de  fuagcandéva  Mãy ,  quan- 
.    '  do 


Livro  I.  Titula  VI.  3  $ 

doo  Divino  Efpirito  a  tranfplanta  à  Santa  terra  do  Templo, 
aonde  plantada  de  novo,  a  enche  defoberanos  favores  de 
graça ,  &  como  Oliveira  fecunda  fez  ao  feu  coraçam  morada 
de  todo  o  género  de  virtudes,  apartando  de  fitudo  o  que  po- 
dia cheirar  a  impcrfeyção,para  confervar  na  alma ,  &  no  cor- 
po aquella  pureza  decente  a  huma  mulher  ,  que  havia  de 
fer  Mhy  do  mefmo  Deos.  Diz  Damafccno:  Nafciiurin  do- 
mo Joachtm  ,  iS  adducitur  in  Templwn.  Nafce  Maria  cm  ca- 
fa  de  feus  pays.  Parece  que  melhor  fora  nafcer  no  Templo, 
a  que  tam  cedo  havia  de  ir  a  ellc,  &  tello  por  morada  fua:  me- 
lhor eftava,  que  foffe  nafcida,&  creada  na  Gafa  de  Deos.  Pa- 
ra que  ha  de  nafcer  cm  cafa  de  homens ,  aquella  que  nam  hc 
bem  fecrie  fora  da  Cafa  do  Senhor  *  Teve  grande  myfíerio^ 
&  quiçá  p^ra  que  fc  entendeífe,  que  Maria  era  filha  de  homés, 
&  nam  Divindade  apparecida  no  Templo.  Não  fojr  acafo 
(difle  &  Bafilio  o  gfande)  crear  Deos  o  Sol  no  quarto  dia,po- 
dendo-ocrearemoprimeyro;  para  que  como  creatura  tam 
bclla  foffe  dando  cores ,  &  pondo  em  publico  as  creaturas  q 
Deos  hia  creando ,  &  ainda  por  fer  creatura  tam  bella ,  quiz 
que  foíTem  outras  diante ,  &  naõ  fe  entendefle,  era  o  Author 
das  mais  aquella  primeyra  luz  monftruofa:  TSÍe  putaretur  Btfl. 
*Deus  ts  Opifex  rerum.  Vá  diante  a  terra  reveftida  de  plan  *'«*•  *• 
tas,adornada  de  arvores,  matizada  de  flores,para  que  quan*  ■****• 
do  fe  veja  no  mundo  o  Sol ,  naõ  pofla  dizer  o  Idolatra ,  eftc 
he  o  Deos ,  que  deu  fer  ás  creaturas.  He  Maria  ,  &  ha  de  fer 
creatura  tambclla  ,  &tam  rara  nas  virtudes  ,  &tãoprodi- 
giofa  nas  luzes  da  graça ,  que  podia  enganar  aos  olhos  pou- 
co attentos,  &tributar-lhe  divindade.  Pois  nam  nafça  no 
Templo,  melhor  he  que  o  feu  nafeimento  feja  em  cafa  de 
feus  pays;  com  iílo  faberá  «mundo  ,  que  he  humana  , ain- 
da que  pareça  que  temfemeíhançisde  Divina;  que  talvez 
como  heo  poder  de  Deos  tam  grande  ,  &  imprime  cm  huma 
creatura  as  fuás  qualidades,  ao  parecer  taõ  vivamente,  que 
he  neceíTario  dizer  que  he  peífoa  humana  ,  para  que  fe 
Tom.  III.  C  na5 


3  4  Santuário  Mariano 

nau  entenda  que  he  divina, 

AVifta  cie  tam  exceffivas  graças ,  &  prerogativas,  bem 
he  que  todos  amem  ,  a  quem  foy  tão  digna  delias ,  para  que 
nos  alcance  também  a  graça,  com  que  devemos  merecer  ao 
Senhor  os  favores  , que  elle  concede  acs  que  de  veras  como 
exemplo  de  Maria  o  procuraõ  amar.  Fora  dos  muros  da  Ci- 
dade da  Guarda,  para  a  parte  do  Oecidente,  fe  vé  o  Santuá- 
rio de  noffa  Senhora  do  Templo,  Caía  dedicada  ao  myíkrio 
da  Preíentaçaõ  de  Maria  Santiflima  em  o  Templo  ,  aonde  fe 
venera  huma  devota  Imagem  fua,  com  o  titulo  de  nofía  Se- 
nhora do  Templo.  Fica  efle  Santuário  no  caminho,  quefa- 
he  da  Porta  nova  para  olugardeMaçainhas.  Sobre  aori: 
gem  ,&  princípios, defta  Santa  Imagem  ,  &  da  fundação  da 
lua  Cafa,  fe  diz,que-a  edificaram  dous  virtiíofos  Cónegos  da- 
quella  Cathedral ,  irmãos  no  fangue,  &  também  nas  virtu- 
des. Chamava-fe  o  primcyro,  Miguel  da  Paz,  &  o  ftgundo  , 
Manoel  Ferras.  Eraõ  ambos  devotiflimos  de  N.  Senhora,  & 
efpecialmente  do  myfierio  de  fua  Prefentação ,  quando  foy 
prefentada  ,&  dedicada  por  feus  pays  no  Templo ,  para  nel* 
íe  fervir  ao  Senhor  em  idade  de  três  annos, 

A  primeyra  Imagem  que  fe  começou  a  venerar ,  &  re- 
verenciar nefle  Santuário  era  de  pintura,  em  o  mefino  pafía, 
&  myfierio  da  Prefentação  no  Templo,  &  affim  fe  intitulava 
aquclla  Ermida  (como  fica  referido)  pela  Cafa  da  Senhora  do 
Templo.  Depois  o  Reverendo  Cónego  António  de  Siqucyra 
de  A  ibuquerque,  Prebendado  da  mefma  Sè  da  Guarda,  fendo 
Juiz  da  Irmandade,  q  ferve  a  efla  Senhora^mandou  fazer  ou- 
fra  Imagem  de  vulto  muyto  devota ,  que  fe  vé  collccada  no 
meyo  do  Altar  da  Capella  mór ,  encoftada  ao  quadro  que  eflá 
»omeyo  doretabolo ,  aonde  fe  vé  pintada  a  mefma  Senhora, 
que  no  principio. da  fundação  collocáraõ  aquelles  devotos 
Cónegos  (  q  he  perfeiíifTimamentc  obrada.  O  meyo  da  Ima- 
gem de  vulto  he  de  madeira ,  com  braços  de  engrnços  ,  &  o 
mais  corpo  de  roca ,  &  affim  hp  de  vetíidos  ,  &  a  adornaõ  ri- 
camente 


Livro  1.  Titulo  VL 

eamente ;  porque  os  cem  muyto  precioíos. 

Tam  grande  foy  a  devoção  que  aquelies  devotos  Cóne- 
gos tinhaõ  pára  com  efta  Senhora,  que  fempre  queriam  eftap 
á  fua  riílaj  &  para  oconfeguirem  aííim ,  mandarão  fazer  ha- 
mas  cafas  junto  à  mefma  Ermida ,  para  que  de  mais  perto  fe 
dedicaffem  ao  culto ,  &  ao  ferviço  daquella  grande  Senhora, 
fazendo-fc  defta  forte  huns  retratos  dos  Bcmavcnturados. 
Aííim  foubéraõeftçs  devotos  Sacerdotes  obrigar  a  Maria 
Santiffima ,  &  cila  lho  pagou  tam  bem,  que  na  fua  morte/ju* 
feria  feliz  ,  difpoz ,  que  ficaíTem  enterrados  à  fua  vifta  >  por- 
que ambos  fe  vem  enterrrados  na  lua  Capella ,  defronte  da 
mefma  Senhora,  aonde  fe  vem  juntas  as  fuás  fepulturas ,  co« 
mo  o  teftemunhão  os  epitáfios,  q  nellas  fe  vem  abertosem  as 
pedras,que  ascobrem,&  fe  véforaõ  feitos  no  anno  de  1 6oe. 

Tema  Imagem  da  Senhora  quatro  palmos  de  eftatura* 
&  eftá  com  as  mãos  levantadas.  He  efta  Senhora  fervida  poc 
fiumailluftre  Irmandade ,  que  com  grande  zelo  a  fefteja ,  & 
os  Cónegos  daquella  nobre  Cathedrai ,  à  imitação  dos  fun- 
dadores ,  faôos  que  afliftem  à  Senhora,  com  grande  fervor, 
&religiofa  emulação.  Fefteja-fe  efta  Senhora  em  vinte  fie 
hum  de  Novembro,  dia  próprio  defta  feftividade. 


; , , j 1 ^ ; P 

T  I  T  U  L  O     VIL 

Da  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Remédios  dá 
Cidade  da  Guarda* 

FOra  dos  arrebaldes  da  Nobre  Cidade  da  Guardarem  dif- 
tancia  de  pouco  mais  de  hum  quarto  delegoa,  eftá  íitua- 
da  a  Cafa,  &  Santuário  da  Senhora  dos  Remédios.  Vefe  efta 
na  eftrada ,  que  vay  da  Cidade  para  a  Viíla  do  Sabugal;  &  fica 
entre  o  Nafcente,  &  o  Meyo  dia,  da  mefma  Cidade.  Não  he 
•muyto  antiga  efta  Ermida ,  porque  afundou  hu  Simão  An- 

C  %  tunes 


$6  Santuário  Mariano 

tunes  de  Pina  ,  Prior  das  três  Igrejas  ,  de  Saõ  Pedro  do  Jar- 
méllo  >  Sam  Pedro  da  Remolla ,  &  São  Pedro  da  Cidade.  He 
tradição  confiante ,  que  o  motivo  q  teve  efte  fervo  de  Deos 
(que  foy  Varaô  perfeito,&  que  refplandeceocm  grandes  vir- 
tudes) para  a  fundação defla  Caía,  fora  o  dizerfelhe,  que  r*a- 
quelleíítio,  (que  era  medonho,  &muyto  folitario)  pade- 
ciaõ  os  paflores  ,&  os  caminhantes ,  que  por  alli  paliavam 
de  noite,  grandes  medos;  porque  lhe  appareciaô  naquellelu- 
gar  varias  fantafmaSjnaõfó  por  fero  lugar  defemparado;mas 
porque  faziaõalíi  os  caminhos  humas  encruzilhadas,nas  eC- 
tradasquevem  da  Aldeã  doBifpo  para  aPovoadoMil-eu: 
ôcoeflar  aquelleíitio  muyto  cheyo  de  grandes  matos,  & 
brenhas  ,  em  que  nãofóandavaõ  muytas  feras ,  mas  era  ca- 
paz para  qualquer  maldade :  &  tudo  fe  podia  temer  daquelle 
medonho  fítio,  &  por  iflòcaufava  grande  terror  $  &  efpanto 
aos  Paflores  ,  &  caminhantes. 

Movido  pois  a  compaixão  o  Prior  das  três  Igrejas ,  para 
que  naôouveíTenaquclle  lugar  coufa  que  impcdiíTea  pafía- 
gem  aos  caminhantes ,  nem  a  afliflencia  aos  Paflores ,  man- 
dou fundar  nelle  aquella  Ermida ,  q  dedicou  à  May  de  Dcosj 
para  que  como  Mãy,  q  he  dos  peccadores ,  remediaffe  aquel- 
les  males ,  que  naquelle  lugar  fe  padeciam.  Nella  collocou 
huma  Imagem  de  noffa  Senhora ,  que  logo  mandou  fazer ,  a 
que  impoz  o  titulo  dos  Remédios  7  para  que  com  o  feu  favor, 
&  protecçam  pudeffem  todos  >  com  as  luzes  defla  foberana 
Aurora,  quecoftuma  defterrar  fempre  todas  as  fombras  dos 
temores  nodurnos ,  caminhar  feguros ,  &  paffarem  livres  de 
qualquer  temor ,  dos  que ,  antes  defla  Senhora  alli  fer  vene- 
rada ,  fcpadeciaõ-  E  fuccedeoaffimj  porque  depois  que  a  Sa- 
grada Imagem  da  Mãy  de  Deos  alli  foy  collccada,  nunca 
:mais  apparecéraõ  as  antigas  fsntafmas ,  nem  ouve  coufa  que 
pudeíTe caufar  temor ,  aflim  aos  Paflores,  como  aos  cami- 
nhantes ,  &  pafTageiros. 

He  efla  Sagrada  Imagem  da  Mãy  de  Deos  obrada  deef- 

cul  tura 


Livro  L  Título  VIL  3  7 

cultura  de  madeira,  &afuaeftatura  laõ  quatro  palmos ,  & 
tem  em  feus  braços  ao  menino  Deos ,  muyto  unido  a  íi.  E  os 
feus devotos,  pormayorveneraçam,&refpeito,a  adornaõ 
hoje  de  preciofos  veílidos ,  que  fe  vertem  com  trabalho,  por 
ficarem  os  braços  muyto  unidos  ao  corpo,  fcaffimío  huma 
das  fuás  mãos  fe  defcobre  à  vifta.  He  de  elegante  fermofura, 
&  de  foberana  mageflade ,  &aílim  caufa  muyto  grande  de- 
voçaõem  todos  os  quecontemplaô  a  fua  graça  ,  ôtbelleza; 
porque  parece  eílardeftilando  doçuras-  E  ainda  que  he  feyta 
lia  mais  de  cem  annos,  cftá  a  encarnação  taõbel!a,&  ram 
frefea,  que  fe  lhe  naõ  enxerga  o  menor  defeito,  qjucpudef- 
fe  diminuir  a  fua  fermofura-  E  parece  q  fe  vé  alli  muyto  bem 
ao  vivo  o  que  deite  Senhora  affirma  ElRey  Salamaõ ,  que  nel-  Canfg 
la  nem  ha,  nem  pode  haver  macula  alguma :  Et  macula  non  ^V# 
ejlinte. 

He  cfta  Ermida  annexa  à  fregueíia  da  Sé-E  confervou-fc 
fempre  naquelle  fitio ,  com  huma  devota  Irmandade ,  aonde 
os  Irmãos  delia  com  fervorofa  devoção  concorriam  em  to- 
dos os  primeyros  Sabbados  de  cada  mez ,  em  que  havia  Mif- 
fa ,  que  mandavaõ  celebrar  pelos  Irmãos  vivos ,  &  defun-» 
tos  da  mefma  Irmandade.  E  como  era  Ermida  do  campo ,  & 
poíte  em  lugar  folitario,  poucas  vezes  fe  via  nella  grande 
concurfo  ,  fora  dos  referidos  Sabbados ,  primeiros  de  cada 
mez.  Mas  como  a  Senhora  a  favor  dos  que  devotamente  a 
fervem ,  nam  falta  em  moflrar  o  muyto  que  fe  paga  dos  feus 
devotos  obfequios ;  quiz  com  maravilhas  acreditar  a  fua 
Cafa,&  obrigar  a  todos  a  procurar  dos  feus  poderes  o  re- 
médio dos  feus  trabalhos  ,  &neceílidades. 

Succedeo  pois ,  que  em  o  primeyro  Sabbado  do  mez  de 
Agofto  doannode  1696.  achandofeoCapellaõ  da  Senhora 
para  celebrar  Miífa, ( chama va-feefte  o  Padre  Francifcoda 
Guerra,  &  era  natural  da  mefma  Cidade  da  Guarda,  peífoa 
authorizada,3ntiguo>&  adornado  de  muytas  virtudes)  repa- 
rou eíkern  que  naõ  havia  agua  para  a  MiíTa,  Edizendo-oa 
Tom-  III,  C  5  bum 


3  8  Santuário  Mariano 

hum  dos  Irmãos  *  que  aííifliaõ  ,  para  que  a  mandafle  bufear, 
que  parece  naõ  ficava muyto  perto  ;  diffchum  dclles,  (á  viíta 
da  falta  )  que  tinha  huma  enxada  nas  mãos:  Bem  pudera  nofla 
Senhora  fazer  agora  ,  que  aqui  fahiííe  huma  fontedeagua, 
por  nãoirmos  daqui  bufcalla  mais  longe.  E  apenas  diíTeiíkv, 
quando  dá  com  a  enxada  no  mefmo  caminho,  &  o  mefmo  foy 
cavar,  &dar  fegunda  enxadada,  que  brotar  logo  hua  fon- 
te de  execliente  agua,  dasveas  daquellafeca>  &  dura  terra, 
cm  tempo  de  veraõ,^  de  calmas,  comoheo  mezde  Agoflo. 

Deíle  milagrofo  fueceflb  fe  começou  logo  a  commover 
ovulgo,  &  com  a  fama  da  maravilha  y  que  fe  efpalhou  tam- 
bém por  todos  aquelles  contornos  ,  fe  moveo  a  gente,  &  baf- 
tou  a  fua  fé ,  para  que  o  fucceííò  foffe  milagre  ■;  porque  enco- 
jnendandofe  à  Senhora  dos  Remédios ,  &  bebendo  da  fua 
agua  ,  ou  lavandofe ,  &  Icvando-a  para  varias  enfermidades, 
todos  os  enfermos  achavaõ  nella  faude  perfey  ta.  Era  aquel- 
la  fonte  huma  pifeina  de  muyto  mayor  virtude,  que  a  de  Je- 
rufalem  ;  porque  cita  fó  a  hum  fe  extendia  a  fua  virtude;  mas 
a  da  Senhora  dos  Remédios  era  pifeina ,  em  que  faravão  to^ 
dos ,  &  de  todas  as  enfermidades. 

Com  efie  milagrofo  fucceíTo  fe  avivou  de  tal  forte  a 
fé  cm  todos,  naõ  fó  nos  moradores  da  Cidade  da  Guarda,mas 
nos  de  todas  aquellas  terras  circumvizinhas ,  aonde  logo  fc 
efpalhou  a  fama  das  novas  maravilhas  da  Senhora  dos  Re- 
médios ,  que  de  todas  começarão  a  vir  logo  a  venerar ,  &  a 
bufear  a  Senhora,  ccrtio  a  único  remédio  de  todos  csíeus 
males  ,  &  enfermidades.  Innumcravel  era  o  cencurfo  da 
gente ,  que  vinha  a  bufear  a  Senhora ,  ainda  de  terras  muy- 
to diííantes  defte  Rcyno,  osquaes  cm  gratifica çam  dos  fa- 
vores, que  recebiaõ  daquella  mifericordiofa  Mãy  dospec- 
cadores,dcyxavaõ  muytas  cfmclas,  fínaes,  &  memorias 
deíTes  beneficios,emmortalhas,cabcças,braços,mãos,&  co* 
rações  de  cera,  &  também  quadros,  &  outras  coufasfeme- 
lhantes,emteíiemunho  perpetuo  das  recebidas  mercês.  De 

que 


Livro  L  Título  VIL  39 

que  fe  vem  cubertas  as  paredes  daquellc  Santuário-  Samtan- 
tos  os  milagres  ,  que  nem  para  fazer  memoria  delles,  ha  lu- 
gar naquellaCafa. 

Humdirey  ,  que  em  relação  fua  (feita  de  mandado  do 
Illuftriífimo  Senhor  Bifpo  da  Guarda  D.  Rodrigo  de  Moura 
Telles  ,nos  aponta  o  Prior  da  Prima  da  Sé  o  Doutor  Manoel 
Leytaõ  de  Magalhães,  de  que  elle  foy  teíkmunha  ,  pelo  ver, 
&hc  neíU  maneira.  Huma  Catherina  Cardofa ,  viuva  de 
Manoel  VeIho,lhe  creceo  a  unha  de  hum  pé  de  maneyra,que 
craimpoífivel  ocalçarfe;  porque  era  comprida  á  feiçaõ  do 
dedo  mínimo  de  huma  maõ,  retorcida,  &  de  forte  fe  virava 
fobre  os  outros  dedos,  que  lhe  caufava  notáveis  dores:  fez 
muytos  remédios ,  &  depois  romarias  a  N.  Senhora  da  Lapa, 
&  a  Sam  Gonçalo  de  Amarante ,  valendofe  dos  remédios  Di- 
vinos, porque  nos  humanos  da  medicina ,  fe  haviaõ  cfgotado 
osqueella  inculca ;  porque  nenhum  lhe  aproveitou ;  porque 
nem  com  aguas ,  nem  fem  ellas  fe  lhe  podia  cortar  a  unha. 
Ncfte  tempo  fuecedeo  abrirfe  a  fonte  da  Senhora  dos  Remé- 
dios ,  vay  a  cila  com  muyta  devoçam,applica  a  fua  agua  ao  de«- 
do,  pegada  unha,  icapartafe  logo  da  carne  ,  ficando  imme- 
diajamente  fãa  ,  &fcmmolcftia  alguma.  Efta  unha  pendu- 
rou a  mtrfma  viuva ,  por  memoria,  na  Ermida  da  Senhora  dos 
Remédios. 

Tambemcílá  pendurado  hu  quadro,cuja  infcripçaõ  que 
nclle  fe  vé  t  quero  aqui  referir ;  para  que  delia  fe  veja  a  mara- 
vilha, que  a  Senhora  obrou  a~favor  de  outra  mulher.  Mi-  „ 
lagre  que  fez  noíTa  Senhora  dos  Remédios  a  MariaTaborda,  „ 
mulher  de  António  de  Brito  Homem,  de  Alcongofta  ,  que  >, 
eftando  no  artigo  da  morte ,  muy to  inchada  de  hydropefia,  „ 
&  mandando  chamar  muytos  Médicos;  depois  de  ufarem  de  >, 
todos  os  remédios,  aíTentáram  que  feabriíTe,  paraoquevie-,, 
ram  dousCirurgiocnsmuyro  peritos.  E  chamando  a  enfer-  „ 
ma  pela  Senhora  dos  Remédios  ,  ao  cantar  do  gallo  lhe  >, 
arrebentou  huma  fonte  no  embigo ,  dequefahiraõ  dezoi-  » 

C  4  to*, 


4©  Santuário  Manam 

» to  quartilhos  de  agua ,  anno  de  1 699.   iílo  he  o  que  contém 
,,  o  letreiro  do  quadro. 

Com  eftes }  &  outros  muytos,  &  femelhantes  milagres, 

&  prodígios  he  a  gente  tanta ,  q  concorre,  que  fempre  fe  vem 

as  ellradas  cheyas ,  &  aífim  naõ  fe  podem  queixar  eftes  cami- 

Thren    n^os  ^e  f°litarios>como  la,diz  Jeremias,  faziaõ  os  de  Jerufa- 

t,         lem ;  porque  ainda  que  antiguamente  eraõ  caminhos  m  ai  tri- 

mm,  4,  lhados ,  triíles,  &  medonhos  ,  hoje  fa6  eftradas  larguiffimas; 

porque  os  muytos  que  os  curfaõ  os  fazem  fef  mais  dilatados, 

&  mais  play nos  ,  alegres ,  &  muy  to  agradáveis  com  a  preíen- 

ça  da  Senhora  dos  Remédios  \  o  que  não  era  antes  ,  porque 

eraõ  afperos ,  &  intratáveis. 

Com  as  muytasoffertas  ,  que  feoffereciam  á  Senhora, 
fe  lhe  edificou  huma  nova  Capella  mor,  de  cantaria  muy  to 
bem  lavrada,  aonde  querem  collocar  a  Senhora,  em  huma  ri- 
ca tribuna  ,  que  fe  lhe  cftá  também  fazendo.  E  para  eíta  obra 
deixou  hu  devoto  humaefmola  de  cincoenta  mil  reis.  E  Sua 
Mageftade  fazendofelhe  petição  ,  para  que  deífe  huma  ajuda 
de  cuílo  para  a  mefma  obra ,  foy  fervido  conceder  logo  pro- 
vifaõ ,  para  que  fe  deíTemcem  mil  reis  ,  do  que  remanecia  do 
cabeção  das  íizas.  E  dera  muyto  mais,  fe  tivera  inteira  no- 
ticia das  maravilhas  da  Senhora  dos  Remédios.  Com  eftas 
efmolas ,  &  com  as  mais  que  daõ  os  devotos,  fe  vay  conclu- 
indo a  obra  do  Santuario,&  Cafa  da  Senhora  dos  Remédios; 
a  que  fe  ajunta  o  grande  zelo  do  Prior  da  Prima  àa  Sé ,  aon- 
de efta  Ermida  pertence ,  q  cep  as  fuás  diligencias,  &  gran- 
de devoção  com  que  ferve  a  Senhora,tudofeaugmenta.Com 
que  ficará  agora  a  Senhora  com  muy  ta  mais  decência  >  &  ve- 
neração fegundo  o  permitte  aquellefitio.  Toda  eíla  relação 
nos  fezomefmo  Prior  o  Doutor  Manoel  Leytaõ  de  Maga- 
lhacns,  por  aflim  lho  ordenar  o  llluífriflímo  Senhor  Bifpo 
da  Guarda  D,  Rodrigo  de  Moura  Telles,  no  anno  de  1705. 


TITULO 


Livro  ITituhFllL  41 

TITULO     VIII. 

Da  Imagem  milagrosa  da  Senhora  da  Alagoa  da  Filia 
dojarmetlo* 

NO  Termo  da  Villa  do  Jarmello,deque  fie  Senhor  o 
Marquez  de  Arronches , que  ficadiilante  da  Cidade 
da  Guarda  pouco  mais  de  duas  legoas  para  o  Sul ,  &  em  a 
Fregueíia  de  Argumil ,  fe  vé  a  Igreja  de  N.  Senhora  da  Ala- 
goa, na  qual  he  tida  emfumma  veneração  huma  devota  I- 
magcm  da  Mãy  de  Deos ,  a  quem  todos  invocão  com  eík  ti- 
tulo da  Alagoa.  He  ctfc  Santuário  >  hum  dos  mais  frequen- 
tados da  Beyra ,  pelas  muytas ,  &  grandes  maravilhas }  que 
obra  a  poderofa  maõ  de  Deos  a  favor  de  todos  aquelles,  que 
com  fé  invocaõ  o  ncme  de  fua  Santiflima  Mãy. 

A  origem ,  &  principio  defla  Santa  Imagem  nos  refere 
o  Reverendo  Cónego  António  de  Siqueyra  de  Albuquer- 
que }  de  quem  nos  títulos  antecedentes  fizemos  menção  j 
fcofaz  nefta  maneira.  Abay*o  da  Igreja ,  cm  que  efla  Sa- 
grada Imagem  he  venerada ,  fe  vé  huma  alagoa  formada 
(principalmente  no  inverno  )  das  aguas  que  nellafc  ajun- 
tam, em  hum  vallc,  asquaesdefeendodos  montescircum- 
vizinhos,  formão  aquella  alagoa  ,  &  depois  fevaõfumindo 
por  alguns  meatos  da  terra,&  fica  no  veraõquafide  todo  fe- 
ca.  Nos  tempos  antigos  era  efte  campo  da  Alagoa  huma  bre- 
nha ,  &  mata  de  carvalhos ,  &  de  outras  arvores  filveflres; 
porém  hoje  fe  vé  toda  campo  razo  fem  arvore  alguma.  Nçíle 
litio,  pois  ,  andava  huma  paftorínha  guardando  gado  janto 
à  alagoa  ,  &  dizem  que  a  paflorinha  era  de  huma  quinta,  que 
hoje  fe  vé  convertida  em  hum  baflante  lugar^a  que  chamaõ  a 
Rapoula ,  &  o  íitio  emque  guardava  o  gado  naõ  ficava  muy- 
to  diflante  da  alagoa.  Em  hum  dia  lhe  defapparccéraõ  alguas 

ovelhas 


41  Santuário  Mariano 

ovelhas  j&el la co. ti  ocuydadj  de  as  bufar  femeteo  pela 
alagoa  dentro ;  porque  no  veraõ ,  como  fica  dito,  tem  muy to 
pouca  agua-,  ôc  buícando-as  com  toda  a  diligencia,  ouvio  húa 
voz  que  a  chamava  ,  &  olhando  para  hum  carvalho  ,  vio  em 
a  concavidade  do  feu  tronco  huma  Imagem  de  noíTa  Senho- 
ra ,  que  lhe  fallou :  não  confia  o  que  a  Senhora  lhe  diífc,  mas 
íèria  fem  duvida,  quedeífc  parte  aos  moradores  da  quinta, 
para  que  a  foíTem  tirar  daquelle  lugar,  &  acollocaíTem  em  al- 
guma Ermida,em  que  pudeffe  fer  vifta,&  venerada  de  todos, 
pois  he  Mãy ,  amparo ,  &  advogada  dos  peccâdores ;  &  aon- 
de por  mcyo  da  fua  invocaçam  alcançafTem  de  feu  amoroíò 
Filho  muy  tos  favores,  &  benefícios. 

Deu  a  paftorinha  logo  parte  a  feus  pays  do  thefouro 
quedefeubríra,  que  referindo  o  que  a  filha  narrava  ao  Prior 
de  Pêra  do  Mato,lugar  também  circumvizinho,  que  indo  lo-* 
goaoíitio,que  felhe  apontava  >  &  achando  no  tronco  do 
carvalho  a  Santa  Imagem,  a  levou  para  a  fua  Igreja.  Noíe-' 
guinte  dia  concorreo  o  povo ,  para  ver ,  &  venerar  a  Sagra- 
da Imagem  da  Senhora  \  masnaõ  a  acharão  ,  de  que  ficarão 
todos  muy  fentidos,&  difeorrendo  para  onde  iria,  foraõ  ou- 
tra vez  à  mata  da  alagoa  ,  a  ver  fe  porventura  aachariacno 
tronco  da  mefma  arvore ;  mas  não  a  pudéraõ  defcobrir.  E  fa- 
zendo-íe  mais  diligencias  pelas  partes  circumvizinhas  á- 
qucllemefmoíitio,a  foraõ  defeubrir  em  íima  de  hus  antigos 
alicerfes ,  que  fobre  hum  alto  fe  viaõ.  Que  íem  duvida  feria 
o  lugar  cm  que,emo  tempo  dos  Godos,fcna  venerada.E  per- 
fuadidos  diíto,fc  refolvéraõ  a  lhe  edificar  naquelle  mefmo  íi- 
tio  huma  nova  Cafa ,  &  com  effeito  lhe  erigiram  logo  huma 
Ermida  de  pouco  cuílo- 

Nefte  lugar  eíteve  a  Imagem  da  Senhora  por  alguns 
annos ,  obrando  Deos  por  feu  meyo  grandes  milagres,&  no- 
táveis maravilhas  ;Ôc  pnncipalmentc  nosgotoíbs,  queen- 
comendandofeàquellamilagrofa  Senhora  da  Alagoa,  acha- 
vaõ  na  fua  invocação ,  naõ  fó  alivio  nas  penofas  dores  defta 

enfermidade 


Livro  /.  Titulo  VIU.  43 

enfermidade  ;  mas  humas  totaes  melhoras  nelfa. 

Havia  na  Sé  da  Guarda  hum  Cónego  todo  aleijadodefle 
mal  da  gota,  que  encomendandofe  à  Senhora, alcançou  delia 
perfeitiílima  íaude;  &  por  nam  foííe  ingrato  a  tam grande 
beneficio ,  lhe  mandou  edificara  nova  Igreja ,  em  que  hoje  hc 
venerada.  Feftcjafc  efta  Senhora  cm  oyto  de  Setembro,  & 
neíie  dia  fe  faz  naquelle  lugar  húa  grande  feyra  ,  &  com  eíla 
occaíiaõ ,  he  innumcravcl  a  gente,  que  concorre  a  venerar  a- 
quella  milagrofaSenhora,&  principalmete  a  gente  de  detraz 
daScrradaEflreila.  O  titulo  que  eíla  Santa  Imagem  tinha 
antes  de  fua  manifefíaçaõ ,  naõ  fefabequal  foíTe;oda  Ala- 
goa  lhe  foy  impoflo ,  pela  razaõ  de  a  defeubrir  nella  a  paílo- 
rinha. 

Temfc  por  fem  duvida  j  que  cfla  Santa  Imagem  a  efeori- 
déraõ  os  Chriílãos,quando  os  Mouros  entrarão  pelas  terras 
de  Portugal  ,  &  efles  cruéis  bárbaros  feriaô  os  que  demo- 
lirão a  fua  Cafa.  Heeflaannexa  áParochiade  Argumil ,  & 
p  Prior  deíla  Igreja  parece  que  he  o  que  aprefenta  o  Er- 
mita^ A  matéria  de  que  hc  efla  Santa  Imagem,  hedema» 
ddra  ;  eftá  fentada  em  huma  cadeirinha  ,  &  {obre  o  braço 
ef^uerdo  tem  o  menino  Jefus.  Na  vefpora ,  &  no  dia  da  fua 
fefla ,  he  muyto  grande  o concurfo da  gente,  &  affirmaõ  que 
antiguamente  vinhaõneftes  dias  muy  tas  mortalhas^  muy- 
ta  cera  em  velas ,  cabeças ,  braços ,  corações ,  &  outros  fc- 
roelhantes  íinaes ,  em  memoria  dos  favores ,  que  haviaõ  re- 
cebido os  que  os  vinhaõ  a  offerecer;  &  que  também  traziam 
toalhas,  cortinas,  &  outras  coufasmais  para  oferviçoda 
Igreja  da  Senhora.  Outros  fe  vinhaô  a  pezar  a  trigo ,  ou  a 
centeyo ,  por  fatisfaçaõ  das  promeflas,  &  em  gratificação  dos 
benefícios  recebidos. 

Naôfó  os  que  padecem  a  queixa  da  gota  podagra  ,  mas 
os  que  a  padecem  mais  cruel,que  he  a  gota  corahforaõ  livres 
pelo  favor  ,&interce(Taõ da  Senhora  da  Alagoa-  muytas  pef- 
ioasíenumeraõ,  que  foraõ  livres  totalmente  deite  peno- 

fiffimo 


44  Santuário  Mariano 

íiíTimo  achaque  pela  lua  invocação.  Também  fe  refere,  que 
do  pé  da  Serra  viera  hum  homem  com  hum  filho  Clérigo ,  & 
hua  filha  cega;  &  que  o  Clérigo  differa  MiíTa  á  Senhora  pela 
neccíTidade  da  Irmaã,  &  que  acabada  a  Miffa,  querendo  o  pay 
dar  a  maõ  á  filha  para  a  encaminhar,  a  achara  livre  da  queyxa , 
que  padecia ;  refpondendolhe  que  por  mercê  de  noite  Senho- 
ra ja  via  ,  &  aflim  deram  todos  as  graças  á  Senhora  por  taõ 
grande  beneficio.  Iflo  viraõ  muy  tos ,  que  ainda  hoje  faõ  vi- 
vos^ &  ainda  o  publicaõ,  &  fe  offerecem  para  o  teítemunhar. 
Também  em  as  occaíioés  de  calamidades  ,  ou  de  necef- 
íídades  publicas  ,como  em  faltas  de  agua,  ou  em  tempos  de- 
mafudamente  invernofos,coílumaõ  tirar  em  prociffaõa  Se- 
nhora, para  alcançarem  por  efle  meyo  o  remédio  da  neceflu 
dade ,  que  padecem  ,levando-a  á  Parochia;  &  fempre  alcan- 
çaõ  defta  clementiffima  Senhora  felices  dcfpachos  em  fuás 
petições.Tudo  o  referido  nos  conftou  por  refaçaô  do  Reve- 
rendo Cónego  António  de  Siquey  ra  de  Albuquerque ,  &  do 
Cura  de  Argumilo  Padre  Pedro  Dias ,  que  demandado  do 
Senhor  Bifpo  da  Guarda  nos  informou  com  fua  relação. 


TITULO     IX. 

Damilagrofa  Imagem  de  nofa  Senhora  do  Cabbido,  ou  da 

Efperança. 

NOmuyto  Religiofo  Convento  de  Santa  Clara  da  Ci- 
dade da  Guarda  ,  fe  venera  com  muyto  particular  de- 
voção daquellas  Religiofas  ,  huma  devotiflima  Imagem  da 
MãydeDeos,aqualeftáco!locada  em  humaCapelladaca-1 
fado  Capitulo  ,&  aonde  atem  as  Religiofas  comgrande  ve- 
neração, &  fervem  com  grande  reverencia.Eíla  Imagem, que 
he  de  alabaftr o,  ou  jafpe  finiílimo  ,  &  que  terá  de  alto  pouco 
mais  de  hum  palmo ,  &  que  tem  em  feus  braços  ao  menino 

Deos; 


Livro  I.  Titulo  IX.  4  jt 

Deos ,  trouxeraõ  as  fundadoras  daquelle  mefmo  Conven- 
to, da  Cidade  de  Avinhaô  cm  França  ,cuandoforaôao  Papa 
(que  entaõ  reíidia  naquella  Cidade  )  a  pedirlhe  a  Regra  de 
Santa  Clara  em  o  anno  de  1346.  que  era  Clemente  VI.  Im» 
puzeraô  aquellas  fervoroías  Efpofas  de  Chriflo  a  efla  Santa 
Imagem  o  titulo  da  Efperança  ;  para  que  cem  ella  poflas  de- 
bayxoda  fua  protecção,  &  amparo  pudefTem  alcançar  es  bõs 
defpachosque  pertendiaô,  como  cm  cfFeito  lhes  fuecedeo: 
&  também  não  íó  tiveraõ  com  a  fua  protecção  bom  fucceíTo 
na  fua  jornada,  quando  voltaram;  iras  aquelle  Convento  o 
teve  fempre  com  a  prefença  defla  Senhora,  em  todos  os  tra^ 
balhos,  &ncceffidades,  que  tiverão. 

Succedeo  pois ,  que  nas  grandes  guerras  ,  que  teve  efle 
Reyno  de  Portugal  com  o  de  Caflella  cm  tempo  delRey 
Dom  Joaõ  o  Primcyro  ,  com  o  temor  de  fer  entrada  aquella 
Cidade  pelos  Caftelhanos,  que  parece  eflavaávifla  da  Ci- 
dade 7  re  prefentarfelhe  à  Sacriflaâ  do  Ccnvento,que  entran- 
do os  inimigos,  lhe  roubariam  a  Scnhora,&  as  jcyas,  h  mais 
peífas  ,&  relíquias  daSacriflia  ,  refolveo  conrfigo ,  fem  dar 
parte  a  ninguém,  de  enterrara  Senhora ,  &  cem  ella  tudo  o 
mais,  &  as  relíquias  da  Cafa.,em  que  cntravaõdousefpinhos 
da  Coroa  de  noflb  Senhor  Jefus  Chriflo ;  o  que  com  effey  to 
fez  fecretamente ,  parecendolhe  ,  que  fufpendcndofe  breve- 
mente as  guerras,  poderiaõ  entaõ  defeubrir  feguramente 
a  joya  da  Senhora ,  &  o  feu  thefouro ,  &  mais  peífas  que  ha- 
via ocultado .  Porém  caõ  fuecedeo  afllm;  porque  continu- 
ando as  guerras ,  &  atalhando  a  morte  efles  feus  difeurfos, 
alevouDecs  em  breve  tempo  para  a  fua  gloria.  Edifpolo- 
hia  affim  a  fua  Divina  Providencia ,  para  mayor  gloria  ,  & 
honra  de  fua  Santiffima  Mãy ,  permitindo  que  aReligiofa  fc 
cfqucceífe  de  revelar  o  thefouro  ,  que  havia  efeondido ,  por- 
que o  havia  feito  fem  que  outra  Religiofa  o  foubeffe- 

Depois  correndo  os  tempos ,  andavão  as  mais  Religio- 
fesmuytofentidas  denaõ  terem  noticia  aonde  fe  havia  oc- 

cultâdo, 


4<í  Santuário  Mar  iam 

cultado  toda  a  fua  riqueza,  fico  feu  mayor  theíburo , em 
que  ellastinhaõ  fundado  as  íuas  melhores  efperanças.  Até 
que  fonhando  huma  Religiofa  de  fanta  vida  em  repetidas 
noites ,  que  na  caía  do  Capitulo  fe  havia  oceultado  hum  rico 
thefouro;  fis  confiderando ,  fc  feriaõ  aqucllasinextimaveis 
joyas ,  que  fe  hariaõ  perdido,  que  Deos  por  meyo  daquelies 
íonhos  lhe  quereria  revelar,  para  que  febufcaífem,  fez  ca- 
var no  me  imo  fítio  em  que  havia  fonhado ;  ôc  affim  foy  acha- 
da com  pouco  trabalho  a  Santa  Imagem  da  Senhora ,  com  as 
relíquias }  &  as  mais  coufas,  que  com  ellas  fe  haviaõ  occulta* 
do  pela  antiga  Sacriftãa. 

Collocáram  a  Imagem  da  Senhora  na  mefma  cafa  do 
Capitulo,  aonde  eftá  com  a  veneração,  que  havemos  referi- 
do :  com  razaõ,  da  cafa  em  que  eflá ,  lhe  déraõ  daquellc  tem* 
po  para  cá  o  titulo  de  nolía  Senhora  do  Capitulo,  ou  do 
Cabido,como  deviam  entaõ  chamar  as  Religiofàs  áquclla  ca- 
fa, ôefe  começou  a  acender  entre  todas  aquellas  Religiofàs 
mais  a  devoção }  &  o  affe&o  para  com  aquella  Senhora,  que 
havia  fido  a  fua  Protecflora ,  &  daquelle  Convento ,  &  a  que 
em  a  Cidade  de  Avinhaõ  havia  folicitado  os  bons  defpachos 
delle. 

He  efta  Santa  Imagem/endo  pequena  na  proporção  do 
corpo,  de  grande  fermofura,5t  de  excellente  efeultura  no  la- 
vor do  jafpe  ,  de  que  he  formada.  A  Prelada  daquella  cafa 
referio  ao  Prior  da  Prima  o  Doutor  Manoel  Leytaõ  de  Ma* 
galhaens,(que  de  ordem  do  Illuftriflimo  Senhor  D.  Rodrigo 
Moura  Telles,  fendo  Bifpo  daquella  Cidade,  nos  fez  efta  re- 
lação )  moftrandolhe  a  Senhora ,  que  ella  havia  obrado  com  a 
fua  interceíTaõ  muy  tos,  fie  admiráveis  prodigiosa  eftupen- 
das  maravilhas  em  varias  peífoas,  que  a  ella  haviam  recor- 
rido em  fuás  neceffidades.  E  de  huma  principalmente  de 
remotas  terras  referio,  que  vendofe  (indo embarcado) em 
huma  grande  tormenta ,  em  evidentíífimo  perigo  de  fazerem 
todos  miferavel  naufrágio;  tendo  elic  noticiai  mefma  Se- 
nhora 


Livro  I.  Titulo  IX.  '$? 

nhora  d  a  Efperança,  pela  relação  que  delia  dá  o  Padre  Frcy 
Manoel  da  Efperança  em  a  fua  htíloria  Seraphica  ,  cuja  liçaõ 
parece  que  havia  tido,  lhe  veyo  átnemoria  naquclla  occa  fiaô, 
&  valendofe  nella  dofoberano  nome  da  Senhora  da  Efpe- 
rança ,&Senhora  lhe  valera  j  para  que  naõ  naufragaffe,  li- 
vrando-o  daquclle  grande  perigo,em  que  fe  vio  com  os  mais 
da  fua  companhia.- 

Teve  aquella  Religíofa  efla  noticia ,  por  vir  a  mefma 
pcfíòa  ao  mefmo Convento  a  dar  as  graças  á  Senhora ,  &  pe- 
dir, que  lha  quizeflem  moflrar ,  pois  vinha  demuytas  le- 
goas  agradecer  a  mercê,  &  o  favor  que  lhe  havia  feito ,  em  o 
livrar  do  grande  perigo  em  que  fe  vira ,  &  confeíTava,  que  fó 
aMãydeDeosolivrára.  Ea  mefma  Prelada  confeííbu  tam- 
bém ,  que  tendo  alguma  grande  neceflidade,ou  affíiçaõ,  que 
amoleftaíTe,  íílim  do  fuflento  das  Religiofas,ccm  o  de  ou- 
tras coufas  do  feu  governo,trazia  logo  a  Senhora  para  a  fua 
cella,  aonde  lhe  metia  nas  mãos  a  petição  que  lhe  fazia  ,  di- 
zendolhe ,  que  a  naõ  largaria ,  fem  que  lhe  conoedefíe  o  que 
lhe  pedia,  vakndofe  do  que  dizia  Saõ  Bernardo,  que  tudo 
devíamos  alcançar  pelas  mãos  deita  Senhora.  E  que  cila  ti- 
nha por  coufaprodigiofa,  o  naõ  lhe  fazer  nunca  petiçam, 
que  a  Senhora  lhe  naõ  defpachaífe ;  &  como  he  Mãy  de  mife- 
ricordía  ,  &  confolaçaõ  de  todos  os  que  fe  vem  em  afflicçaõ, 
fempre  acode  aremediallas.  Da  Senhora  da  Efperança,  ou  do 
Capitulo ,  efereve  o  Padre  Frey  Manoel  da  Efperança  na  fua 
hifloria  Seraphica  part.  z.  liv.  9.  cap.  34.  n,  4.  &!  o  Prior  da 
Prima  referido  em  a  fua  relação. 


• 


TITULO 


48  Santuário  Mariam 


TITULO     X, 

Da  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  de  Seyxo  d  o  («- 
gar  do  Fundão. 

NO  lugar  do  Fundão  ,  ou  entre  o  lugar  doFundaô ,  & 
a  Aldca  de  Joanne ,  tem  a  Província  dos  Rcligiofos  da 
Piedade  huma  grande  Cafa.  He  efla  dedicada  a  N.  Senhora 
com  o  titulo  do  Seixo.  Outros  lhedaõ  o  titulo  daAflump- 
çaõ  ,  fem  duvida  ,  porque  deixando  aquelfcs  fantos  Religio- 
fos  a  Igreja  da  Senhora  do  Seyxo, com  a  mudança  que  fizeraõ 
da  Cafa,  a  dedicarão  ao  myftcrio  da  Affumpçaõ,  pondo  no 
Altar  outra  Imagem  fua,  &por  eíta  caufa  fe  chama  hoje  o 
Convento  da  Affumpçaõ.  E  o  Convento  do  Seyxo  tinha  o  ti- 
tulo da  Natividade  da  Senhora,  que  fc  fuprimiocom  a  mu- 
dança: todas  eftas  variedades  faz  o  tempo;  &  com  cilas  fc  mc- 
Ihorariaõ  os  Religiofos  de  fitio ,  para  que  os  ajudaria  muy to 
o  povo  do  Fundaõ  >  que  he  rico ,  &  devoto. 

A  Senhora  do  Seyxo,  de  quem  agora  tratamos, eftá  col- 
locada  hoje  na  antiga  Cafa  dos  Religiofos  ;  que  naõ  fey  fe  fi- 
zeraõ bem  em  deixar  aquella  Senhora ,  que  os  agazaihou 
ta<nbem,dandolhc  cafa  em  que  deflem  princípios  a  hum  Con- 
vento tam  bem  provido,  &  farto.  Vefeneíta  Cafa  a  Senho- 
ra collocada  fobre  o  mefmo  feyxo,  ou  penhafeo  em  que  appa- 
recco,&qusa  natureza  ou  o  Ceoerigio  por  trono,  &pea- 
nha,  em  que  fc  quiz  mollrar  patente  a  todos  os  que  a  bufeaõ 
cm  feus  trabalhos,  para  dallios  remediar ,  íc  favorecer.  E  he 
coufa  de  admiração,  que  por  todos  aquellcs  con  tornos  fe 
naõ  defcobre,  &  ainda  muytas  legoas  diftantepedra  daquel- 
lacafta ,  ou  outra  femelhante. 

A  origem  defta  Sinta  Imagem ,  &os  princípios  da  fua 
Gafa  (coou  de  outras  muytas  defte  Reyno )  faõ  taõ  ef  cu  ros, 

que 


*  Livro L  Titulo. X.  49 

quenaoTe  pode  defcubrir  nada  delles,&  daqui  fe  poderá  cn- 
tendera  fua  grande  antiguidade.  O  que  coníls  he  ,  quenef- 
1  ta  Cafa  fundarão  os  Padres  da  Província  da  Piedade  pelos 
annosde  i526.Ncftc  fitio  perfeveráraõ  por  alguns annos; 
&fem  duvida  porfer  aquelle  fitio  defabrido,  como  dizem, 
&afpero  no  Inverno,  o  deixarão,  &  foram  fundar  o  novo 
Convento  para  outro  fitio  mais  abrigado,  &naõmuy  to  dif- 
tante,  porque  fó  difta  cotifa  de  duzentos  paffos  rcomo  agora 
fe  vé,  ficando  a  Cafa  da  Senhora  doSeyxo  no  fim  da  cerca, 
ou  com  a  frontaria  no  cordeado  do  muro  delia.  E  nefla  an  • 
tigaCafa ,  em  que  a  Senhora  era  antigamente  buícada,  a  vaõ 
hoje  ver,  &  venerar  todos  os  fieis,  pela  grande  devoçam, 
quefempre  ihetiveraõ. 

O  haver  a  Senhora  apparccido  naquelle  penhafeo,  hc 
tradição  confiante;  o  modo  he  o  que  fe  ignora.  Heefta  San- 
ta Imagem  de  pedra  mármore  muy  to  alva,  como  alabaílro, 
moílra  terdous  palmos,  &  meyode  efUtura,  &  tem  nos  bran- 
cos ao  Menino  Deosda  mcfma  matéria ;  o  penhafeo  também 
he  de  feyxos  brancos ,  que  faz  ainda  mais  verofimel  que  en- 
tre elles  appareceria ,  &  dizem  que  poderia  fer  appareceffe  a 
algua  paftorinha  ,  porque  gofta  muy  to  efía  Senhora  de  ma- 
nifeftar-fe  aos  íingelos ,  &  cândidos.  Refere-fe  naô  fó  por 
tradição  ,mas  por  coufa  certa,  &  authentica,  que  dera  falia 
a  hum  mudo  de  naíeimento  ,o  qual  pela  devoção  que  tinha  à- 
quella  Santa  Imagem ,  &  porque  aflim  lho  mandavaõ  também 
os  Religiofos ,  íe  exercitava  em  varrer  a  fua  Cafa ,  &  que  em 
hum  dia  dando  principio  aefte  feu  exercício  ,  fazendo  pri- 
meyro  reverencia  á  Senhora ,  com  o  animo,  Sc  coração  enle- 
vado neila  ,  proferio  por  primeiras  palavras  a  Saudação  An^ 
gelica  da  Ave  Marta,  Ifto  coníla  da  relação ,  que  delia  nos 
remeteo  o  Doutor  jofeph  Salvado  Cinza.Porém  o  Padre  Fr. 
Manoel  de  Monforte  na  fua  Chronica  diz  que  o  milagre  fuc- 
cedera  no  anno  de  1 608. &  que  na  vefpora  do  Natal, acaban- 
do o  mudo  de  varrer  a  Cafa  da  Senhora,  alpendre ,  &  te  rrei- 
Tpm.III.  D  ro. 


yo  Santuário  Mariano 

ro,fe  recolhera  porferjá  tarde  a  hum  forno  depaõ,  aonde 
hia  dormir  febre  a  lenha  delle  ,  o  qual  ficava  na  Aldeã  nova 
do  cabo ,  que  fica  pouco  diílante  do  Ccnvento,  &  que  á  meya 
noyte,  no  ponto  que  es  Frades  tangiaõá  Miífa  que  chamaõ 
do  gatlo,  começara  afallar  clara,&  diííintamente,  chamando 
pela  Virgem  Senhora  noíTa ,  &  que  a  lingua  fe  lhe  eílendéra, 
&  puzera  cmfua  proporção,  de  modo  que  dallipor  diante 
faltou  perfeitamente  ;&  perguntado  da  novidade,  que  nelle 
fe  via ,  reípondeo ,  que  vindo  do  Convento  depois  de  varrer 
?  Igreja,  paílando  pelo  penedo,  (em  que  he  tradição  appare- 
céra  a  Senhora)  fobre  elle  meímo  apparecéra  ao  mudo,  &  lhe 
diíTera ,  que  fe  alegraíTe ,  porque  naquella  meya  noyte  lhe  ha- 
via de  dar  falia  ,  como  deu. 

A'vifía  do  milagre ,  fe  deu  conta  dcllc  ao  Cabido  da  Sé 
daGuarda,queentaõ  efíava  vaga  aquella  Cadeira  por  mor- 
te do  Bifpo  Dom  Nuno  de  Noronha ,  pedindolhe  que  pa- 
ra mayor  honra  de  Deos ,  &  gloria  da  Senhora ,  o  mandaíTe 
autenticar,  como  fez.  Outros  milagres  prodigiofos  fere- 
ferem ,  que  deixo  por  naõ  fer  do  meu  inflituto-  A  gente  que 
concorria  de  muy  tas  ,  &  remotas  partes  a  vifitar ,  &  a  vene- 
rar a  efla  Senhora,  cramuyta;  &  affim  tiveraõ  cuydado  da 
Cafa  da  Senhora ,  Ermitaens  providos  por  provifôes  Reaesj 
tam  celebre  era  eftaCafa,  &tamappctecida  porfeus  rendi- 
mentos. Iftofevé  de  huma  carta  delRey  Domjoaõ  oTer- 
ceyro ,  feyta  em  Lisboa  a  2$.  de  Outubro  de  1 522  .pela  qual 
faz  mercé  aos  Padres  da  Província  da  Piedade  daquellc  fitio, 
como  coufa  do  feu  Padroado.  Efcreve  da  Senhora  do  Seyxo 
o  Padre  Monforte  na  Chronica  da  mefma  Província  liv.  2. 


TITULO 


Livro  L  Tttnk  XI.  jrf 

TITULO     XL 

T>%  miUgrofa  Imagem  de  N.  Senhora  âos  Açores. 

A  Villa  de  Açores  ficalcgoa  ,  &  meya  ao  Les-nordefte  da 
Villa  de  Celorico,  &huma  do  Barrocal .  Nefta  Villa  he 
muyto  celebre  o  Santuário  antigo  de  noíTa  Senhora  de  Aço- 
res ,&  de  quem  a  Villa  tomou  o  titulo.  Defta  Santiííimal- 
magem  eferevem muytos  Authores , dos  quacs  o N.  M.  Pu- 
rificação efereve  a  fua  origem  em  efta  forma.  Andando  hum 
pobre  vaqueyro  apafeentando  pelos  campos ,  que  eífeõ  en- 
tre as  Villas  de  Linhares  j&  Celorico  jhuma  manada  de  va- 
cas, lhe  cahiohuma  em  certa  alagoa  muy  funda ,  donde  fc 
naõ  podia  fair.  O  paftor  pelo cuy dado  de  que  fe  lhe  naõ  afo- 
gaífe,  felançouá  agua,&engolfounellademandra,quefe 
hia  afogando.  Nefte  grande  a  per  to  ,cm  que  íe  via,devia  tem- 
brarfe  de  nofía  Senhora ,  com  a  qual  teria  grande  devoção,  8c 
como  efta  amorofa  Mãy  nunca  falta  aos  q  imploraõ  o  feu  fa- 
vor ,  ella  lhe  apparecco ,  &  o  livrou ,  &  também  a  fua  vaca. 
Admirado  o  paftor  do  grande  beneficio,©  foy  logo  divulgar 
pelos  povos  circumvizinhos.  Vieraõ  cftes  àquelle  mefmo 
lugar,  &  fazendo  diligencias  por  aquelle  meímo  diftrito* 
que  o  vaqueyro  dizia  ,que  foy  entre  Linhares,  &  Celorico 
encoftado  à  Serra  da  Eftrella,  acharam  huma  devota  Imagem 
da  May  de  Deos ,  &  namorados  de  íua  celeftial  fermofura 
lhe  edificaram  huma  Ermida  ,  na  qual  fe  começarão  a  experi- 
mentar logo  muytos  milagres ,  &  prodígios.  Foy  crecendo 
a  fama  delles  tanto ,  que  chegando  à  noticia  do  Rey ,  que  en- 
tão governava  Eípanha,  (naõ  fe  fabe  qual  fofle,)  &  comoef- 
tiveíTe  fem  filhos ,  pedio-os  á  Senhora ,  que  naõ  dilatando  o 
dcfpacho  da  fua  de  vota,  &  humilde  petição,  permittio  qu£ 
a  Rainha  lhe  pariífe  hum  filho  para  herdcyro  de  feus  Rey- 

D  2  nos. 


5i  Santuário  Mariano 

nos  ,  &  Eítados ;  o  qual  como  nafccííe  aleijado  ,  moveo  aos 
pays  alhedefejarem,  &  procurarem  oremedio  da  mefma 
Senhora,  por  cujo  faeyo  o  haviao  alcançado.  Epara  maiso- 
brigarcm  a  May  de  piedade  ,  foraõ  peííoalmente  em  romaria 
áfua  Cafa, levando  comfigo  o  menino  enfermo,  o  qual  para 
mayor  excellencia  do  milagre,  &  mayor  manifeftaçaõ  da 
grande  fé  daquelles  piedofos  Principes,faleceo,indo  ellesá- 
inda  pelo  caminho.  Efemconfentir  a  Rainha,  queoenter- 
raíTem,  fezinfíancia  ,quc  todavia  chegaíTem  à  Ermida  da  Se- 
nhora ,  dizendo  que  affim  morto  o  queria  cfferecer ,  a  quem 
o  trazia  promettido,  &  que  iam  poderefa  era  a  Senhora  para 
lhe  dar  faude  citando  enfermo,  como  vida  eflando  morto. 
Chegarão,  &  fazendo  oraçaõ  a  devota  Rainha  com  o 
filhinhomorto  em  feus  braços,  de  repente  cebrou  vida,  & 
o  viram  faõ  ,  &  fem  a  antiga  aleijão.  Eítava  ElRey  nefle 
tempo  fora  da  Ermida,  com  mofiras  de  grande  fentímento, 
além  do  que  trazia  contra  hum  caçador  feu  ,  que  ícm  ordem 
fua,  ou  contra  cila  lançara  a  certa  ave  hum  açor,  que  feguin- 
do-a  fe  havia  perdido ,  &  em  pena  defta  defordem ,  lhe  man- 
dava cortar  a  maõ ;  &  como  o  pobre  homem  ( eíkndendo  o 
braço  para^ha  cortarem)  chamaffe  pela  Virgem  noífa  Senho- 
ra ,  fubitamente  fe  vio  decer  do  alto  o  açor ,  &  fe  lhe  poz  na 
maõ  em  prefença  de  todos ,  no  mefmo  ponto  em  que  da  Er- 
mida vinhaô  faindo  as  Damas  da  Rainha  com  preífa ,  &  alvo- 
roço de  alegria  em  buíca  delRey  ,  para  lhe  darem  a  nova  do 
Infante  refufeitado  ,  &  faõ  também  da  queyxa ,  &  falta  anti- 
ga. Com  ocurfo  de  tantas  maravilhas  juntas ,  fe  deu  ElRey 
porobrigado  naõ  fóa  perdoar  ao  caçador,  mas  a  fundar  al- 
lihumMoflcyro  deReligiofas  de  Santo  Agoftinho,  &  ou- 
tra nova  Igreja,  que  he  a  que  ainda  hoje  perfevera  defde  o 
tempo  dos  Godos^que  he  de  três  naves,  no  qual  he  tradição, 
fe  recolhera  huma  Infanta,  filha  do  mefmoRey,&  que  nef- 
te  Mofleyro  fizera  vida  fanta ,  &  penitente. 

foroccafiaõ  do  milagre  do  açor,  fe  chamou  efte  Mof- 

teyro 


Livro  I.  Titulo  XI.  j  $ 

tcyro  de  Santa  Maria  do  Açor ,  &  depois  Santa  M? ria  dos 
Açores,  Com  a  entrada  dos  Mouros  em  Portugal,  fedei- 
povoou,  deftruío,  &  extinguiode  todooMofieyro,  pof- 
to  que  fe  naõ  fabe  o  como,  fe  defemparando-o  as  Religiofas, 
ou  morrendo nelle  pela  defenfa  da  Fé ,  &  pureza  que  profef- 
favão ,  como  aconteceo  a  muytas  outras.  Ainda  hoje  fe  vem 
no  mefmo  lugar  alguns  vcftigios,  queconfirmãoefta  verda- 
de ;  &  permanece  cm  pé  a  própria  Igreja  ,  que  entaõ  fe  fez, 
&  na  fua  traça  ,&  velhice  fe  confirma  bem  a  antiguidade,  que 
a  tradição  delia  apregoa.  Também  fe  achaõ  alli  algumas 
infcripçoens  de  fcpulturas  das  Religiofas,que  neile  morre- 
rão >  mas  em  efíado  que  fe  naõ  pode  fazer  conceito  do  que 
dizem.  Só  huma  feacha  com  o  letreiro  inteiro,  cuja  efe  ri- 
tura  he  afeguinte. 

Requievitfamula  Cbritti ,  inpacefui, 
Intiubala,  fub  menfe  Decembris  era  714. 
Quer  dizer  no  noíTo  vulgar :  Aqui  defeança  em  paz  de  feu 
Efpofo ,  Inciubula  ferva  de  Chrifto ,  no  mez  de  Dezembro 
da  era  de  714.  que  vem  aferannos  de  Chrifto  de  676.  6c 
nefte  tempo  reynava  em  Efpanha  ElRey  Vvamba.  Naõbaf- 
toua  perfeguiçaõ  dos  Bárbaros  taõ  continuada ,  &  por  tan- 
tos annos ,  para  fe  acabar  entre  os  fieis  a  memoria ,  &  devo- 
ção deita  Senhora  ,  antes  quanto  mais  affli&os  fe  viaõ  os 
Chriftãos,com  tanta  mais  frequência  a bufeavaõ  ,  como  a 
Mãy  de  piedade  j  para  alivio, 6c  remédio  defeus  trabalhos. 
Eaílim  quando  Portugal,  depois  deftas  infelicidades ,  fe  co- 
meçou a  rcftituir  à  fua  antiga  dignidade  de  Reyno  particu- 
lar, &  ter  Príncipes  Catholicos,  que  o  governavaõ,  fere  for* 
mou  a  Igreja,  6c  a  tradição  dos  milagres  antigos,  que  fora  5 
a  occafiaõ  de  fe  edificar  o  Morteiro ,  rnandando-fe  pintar  em 
quadros  no  retábulo  hum  menino  i/íorto,  que  vay  às  cortas 
de  três  pefíòas,  &na  companhia  huma  Rainha  coroada,  a 
quem  appareceo  a  Santiflima  Virgem,  &  lhe  refufeitou  o 
m:íiin3.  E  também  em  outra  parte  do  mefmo  retabolo, 
Tom.  III.  D  3  as 


54  Santuário  Mariano 

ab  figuras  de  hum  Rey ,  &  do  miniítro  com  o  traçado  levan- 
tado para  cortar  a  maõ  de  hum  homem ,  &  o  açor  que  fc  vem 
(de  voo)  por  na  própria  maõ.  E  com  ítr  efta  pintura  tam  an- 
tiga ,  ainda  hoje  permanece ,  &  fe  diviía  claramente- 

Creceo  tanto  dahi  por  diante  a  devoção  cefla  Sagrada 
Imagem,  que  pelo  difeurfo  dos  annos  fc  vcyo  a  fundar  jun- 
to da  Igreja  hua  Villa, que  hoje  alli  Vemos  com  o  mcfmo  no- 
me de  Açores.  Cujos  princípios,  fegundo  fcentende  ,  naf- 
ctram  de  huma  grande  vidtoria ,  que  cm  tempo  delRey  Dom 
Sancho  o  Primcyro  de  Portugal  alcançarão  es  Portugue- 
zcs  contra  os  Leonezes,  por  interccffaõ  da  Sagrada  Virgem 
dos  Açores  %  &  foy  o  fuecefíò  nefta  maneyra. 

Reynandoem  Portugal  o  íobredito  Rey  Dom  Sancho 
o  Primeyro  ,  entrou  neflc  noífo  Reyno  hum  poderofo  exer- 
cito delRey  deLeam  pela  Comarca  da  Bcyra  ,  aífclando 
quanto  achava ,  até  chegar  aos  confins  de  Pinhel ,  &  Tran- 
cofo ,  fem  os  Capitaens  deftas  Viilas  oufarem  a  lhe  íahir 
ao  encontro,  pela  deíigualdade  de  gente  com  que  fe  acha- 
vao.Depois  de  fazerem  grandes  damnosnos  arrcbaldes  def- 
tas  Viilas,  fe  fizeraõ  com  toda  a  preza  na  volta  de  Celorico, 
&de  Linhares,  com  animo  de  as  conquiítar,  antes  que  de 
todo  fe  fizefícm  inexpugnáveis  com  a  muy  ta  gete  Portugue- 
sa, que  pela  fortaleza  de  feus  cafiellos  aellas  fe  recolhia, 
com  petrechos  de  guerra,  &  mantimentos.  Chegarão  às  Vil- 
las,mas  naõ  lhes  podendo  prejudicar  muyto,fizeraõ  em  feus 
termos  grandes  roubos,  &  cativarão  toda  a  gente,  que  pu- 
deraõ  aver  às  mãos,&  a  que  lhe  refiftia  matavao  fem  piedade 
alguma.  Servia  neííe  tempo  de  Capitão  mòr  de  Celorico  hu 
esforçado  Cavalleiro  .chamado  Rodrigo  Mendes  ,  que  naõ 
podendo  fofrer  pafíaííem  osinimigos  tantoafeu  falvo,  fe 
concertou  ^confederou  com  os  Capitaens  das  Viilas  no- 
meadas ,  &  com  a  gente  do  Concelho  de  Algodres,  &  da  Ci- 
dade da  Guarda  ,  para  que  foífem  dar  todos  juntos  no  Exer- 
cito dos  Leonezes ,  antes  q  fizelTem  majores  danos  na  terra. 

Deixadas 


Livro  L  Titulo  XI.  j  y 

Deyxadasascircunftanciasque  ajudao  a  fer  efta  vido- 
ria  mais  gtoriofa,  (cuja  narração  naô  pertence  ao  noffo  iníli- 
tuto)  a  principal  foy,  que  confidcrando  os  Portuguezcs, de- 
pois de  juntos,  quam  poucos  craõ  em  comparação  do  nu- 
merofo  Exercito  dos  contrários,  &  temendo  poriíTo  apre- 
fcntarlhe  batalha  \  o  Capitão  de  Celorico  os  animou ,  pro- 
mettendolhes  vi&oria  fc  fe encomedaffem  à  Sagrada  Virgem 
dos  Açores  ,&  pele jafícm  em  feu  favor  confiados  -,  &  ainda 
trazendolhes  á memoria  as  grandes  maravilhas,  que  tinha 
obrado  em  favor  dos  que  delia  fe  Valiaõ.  Com  efla  pia  ex- 
ortação tomáraô  osPottuguczes  tal  alento, &  tal  valor,  Sc 
confiança  na  Mãy  de  Dcos,quc  fem  temor  algum  dos  Leone- 
zes ,  fe  lançarão  a  elles ,  &  pelejando  com  grande  animo,  & 
esforço  alcançarão  dclleshuma  grande  vidoria,  ficando  hus 
mortos,  outros  cativos,  &  alguns,que  puderaõ  efcapar,pof-> 
tos  em  fugida.  Erajaquafi  Sol  poiío,  quando  fe  começou 
a  batalha;  &  dizemos  Authores,  que  eferevem  cftc  fucceífo, 
com  a  tradição  daquelles  povos  ;que  durou  o  conflido  a  té  al- 
gumas horas  depois  da  noite ,  fem  fe  fentir  falta  de  luz  para 
poderem  acabar  de  vencer,  &de  desbaratar  aos  inimigos: 
não  porque,  como  a  Jofuè,  Deos  lhe  fizeífe  parar  o  Sol  j  mas 
porque  pela  interccffaõ  da  Virgem  Maria ,  com  cujo  nome 
na  boca  pelejavaõ  ,  acudirão  a  Lua ,  &  Eílrcllas  com  tanta 
mayor  claridade  da  ordinária ,  que  fuppriraõ  bem  a  faltados 
rayos  do  Sol, que  fe  aufentára. 

No  dia  feguinte  recolherão  os  defpojos,  que  eraõri- 
qmflimos,  por  confiar  de  tudo  o  que  os  inimigos  comfigc  tra- 
ziaõ,  &doquetinha5  roubado  em  todo  o  tempo, que  a  for- 
tuna enganosamente  os  ajudára^Logo  como  todos  conhecef- 
fem>  que  aquellatam  feliz  vitoria  fora  alcançada  porinter- 
ceíTao,  &meyo  da  Santiífima  Virgem  dos  Açores, fizeram 
votoosCapitaens,comtodo  o  corpo  do  Exercito,  cadahíí 
em  nome  da  fua  terra ,  de  irem  à  lua  Igreja  em  romaria  to- 
dos osannos  até  o  fim  do  mundo,  aíTun  como  aílifc  achavam 

D  4  com 


5  6  Santuário  Mariano 

com  fuaá  bandeiras  ,  &  a  eavalio  ,  &  lhe  darem  offertas  ,  & 
fazerem  dizer  Miífas  em  acção  de  graças  portam  nffinalada 
mercé.  Ecm  cumprimento  dcfte  voto,vay  a  viíitar  a  Senho- 
ra ,  &adaríheasgraças,a  VilladeTrancofocomo  feu  ter- 
mo ,  a  pnmeyra  Oda  va  do  Efpirito  Santo,  todos  os  annos.  E 
o  modo  que  nifto  obfervaõ  he  ,  que  faindo  ao  campo  da  Villa 
toda  a  gente  de  pé  ,que  de  ordinário  faõ  três  para  quatro  mil 
peffoas ,  correm  hum  pouco  ,  &  paraõ.  Depois  fc  feguem 
os  cavalleiros  fazendo  efearamuça  ;  no  fim  daõ  fuss  carrei- 
ras ,  &  apeaõfe.  Tornaõ  logo  a  cavalgar ,  &  começaõ  todos 
a  fua  prociíTaõ  para  a  Cafa  da  Senhora  dos  Açores,  aonde  tem 
Mifla  cantada ,  fc  daõ  três  cffertas.  E  depois  tem  a  gente  hu 
banquete,  para  o  qual  eftaõ  deputados  vinte  mil  rci«. 

Linhares  faz  o  feu  feftcjo,&  prociííaõ  do  mefmo  modo, 
com  o  feu  termo ,  a  terceyra  Citava.  Pela  mcfma  ordem  vay 
também  a  Villa  de  Celorico  em  dia  da  Santa  Cruz  a  tres  de 
Mayo  ,&  ambas  tem  também  o  feu  banquete,  que  fc  faz  de 
certa  renda ,  que  para  iffo  deyxou  hum  Infante  defte  Reyno, 
que  foy  fenhor  deitas  Villas.  A  Cidade  da  Guarda  faz  huma 
prociíTaõ  naprimeyra  O&ava  da  Pafchoa  de  flores ,  8c  dey- 
xa  a  N.Senhcra  mcya  arroba  de  cera  lavrada.  O  Concelho  de 
Algodres  vay  no  mefmo  dia,cm  que  vay  a  Villa  de  Trancofo, 

6  Fornos  ,  com  o  feu  termo. 

Bem  vejo  que  fe  attribue  efta  celebre  vi&oria  ao  tempo 

de  ElRey  Dom  Joaô  oPrimeyro  ,  &  fc  diz  foy  contra  Cafte- 

Ihanos ;  mas  muytos  tem  para  íi,  que  foy,  como  fica  dito, no 

tempo  de  D.  Sancho  o  Primeyro ,  &  contra  ElRey  deLeaõ; 

defta  opinião  he  Frey  António  Brandão ,  &  Frcy  António 

Mon\     da  Purificação 3  &  no  Brandão  fe  podem  ver  os  fundamentos 

Itif.p.**  que  traz  por  efta  parte.  Quanto  mais,  que  daõ  bom  teftemu- 

iik  12.  nho  defta  verdade  asantiquifli mas  armas  de  Linhares,  &Ce- 

**&$•    lorico  , que  faõ  huma  Lua  entre  Eftrellas,  em  memoria  das 

Purij.    Eftrciias  }  &  Lua ,  que  comfua  luz  extraordinariamente  a- 

*'  \uu  judáraõ  a  feus  moradores  na  vitoria  contra  osLeonezes.E 

&3'7a  muyto 


Livro  I.  Titulo  XI.  57 

rr>uy  tò  melhor  ss  de  Ce  lorico ,  vifta  fer  tradição ,  que  depois 
íc  lhe  acrefeentou  hu  ptyxc  em  memoria  daquella  truta ,  que 
cshindo  das  unhas  de  huma  águia  na  praça  defeu  csíiello, 
citando  cercado  de  inimigos  ,  foy  occafiaõ  para  íc  lhe  levan- 
tar o  cercOjComo  hc  notório,  &  ainda  nas  Chronicas  do  Rey- 
no  m,  porque  como  eííe  cafo  aconteceo  cm  tempo  delRey  D. 
AffoniooTerceyro,  que  foy  muytosannos  antes  que  ElRcy 
Dom  Jóaõ  o  Primeyro  ,  claro  eítáj  que  muyto  mais  antiga 
fica  fendo  a  batalha  da  ncy te ,  donde  íe  originou  a  eftas  Vil- 
las  o  brazam  da  Lua  ,  &  Eftrcllas. 

Porém,ou  eíla  notável  viâoria  fcalcançaíTe  cm  hum,ou 
outro  tempo,  ( o  que  naõ  importa  ao  noffo  intento  )  o  certo 
he  >  fegundo  a  tradição  confiante  dos  naturaes ,  queellafc 
deve  ao  efpccialfoccorro,&  intcrccíTaõ  daSantiílima  Vir- 
gem dos  Açores  >  antiga  Padroeira  daquellc  Moíleyro  de 
Frcyras ,  que  em  tempo  dos  Godos  efleve  naquelle  fitio.  Ga- 
nhada pois  efla  vidoria ,  algumas  peflòas  aflim  das  que  nella 
fc  acháraõ,  como  também  outras ,  por  reverencia ,  &  devo- 
ção, que  tomáraô  ámilagrofa  Senhora  dos  Açores,  &por 
ferem  de  mais  perto  amparados  com  feu  favor,  fizeraõ  alli 
morada  }  &  affento  ,  &  deram  principio  á  Villa  do  mcfmo 
nome  de  Açores,  que  hoje  vemos,  Efiá  collocada  cila  Santa 
Imagem  no  meyo  do  Altar  mór  em  hua  tribuna  ,  que  ha  pou- 
cos tempos  fe  lhe  fez  ,  &  fempre  eíteve  no  Altar  mór.  He  de 
efcuhura  de  madeira ,  &  tem  de  altura  dous  palmos.  Efcrc- 
vem  de  noífa  Senhora  dos  Açores  o  P.  M.  Fr-  António  da 
Purificação  na  i.  part.  da  Chronica  de  Santo  Agoflinhodc 
Portugal ,  tit  4,  §•  7.  Frcy  António  Brandão  na  4.  part.  da 
Monarch.  Luf.  lib.  12.  cap.  5.  &  outros» 


o 


TITULO 


5  8  Santuário  Mariano 


TITULO     XII. 

Da  milagrofa  Imagem  de  nqfa  Senhora  da  Serra  da 
Guardunka. 

ENtre  as  Villas  de  Saô  Vicente  da  Bcyra ,  que  fica  para  a 
,  parte  do  Sul,&  dííla  de  Caftelio  Branco  cinco  legoas  ao 
Noroefte,  &  as  Villas  de  Caftello  Novo,  &  a  de  Alpedrinha, 
da  parte  do  Nafcente,&  a  Villa  da  Covilhãa  da  parte  do  Nor- 
te *&  os  lugares  do  Souto  daCafa,  Cafiellcjo  do  termo  da 
mefma  Villa  da  Covilhãa ,  da  parte  do  Occidente ,  fc  levan- 
ta huma  grande  Serra  ( muyto  mais  digna  de  nome ,  &:  fama 
que  a  da  Eílrelia  tam  nomeada, )  que  lhe  fica  em  diítancia  de 
cinco  legoas ;  fenaõ  he  que  a  quizeraõ  comprchender  nella 
como  braço  fcu.  Eftafe  vé  cercada  de  muytos  lugares,  & 
povoações  ,como  faõ  (além  das  Villas>&  lugares  nomeados) 
os  muytos  lugares  dos  termos  das  mefmas  Villas  de  Sam  Vi- 
cente, Caftello  Novo,  Alpedrinha,  Covilhãa,  Alcayde,  Ai- 
congofta ,  &  outros  que  naõ  tem  numero*  Ficalhe  também 
emdiftanciadefcte  legoas  a  antiga  Egitania  ,  hoje  Idanha  a 
velha ,  que  foy  huma  das  mais  nobres  ,  &  populofas  Cidades 
de  Efpanha ,  ao  redor  da  qual  fe  vé  huma  grande  campina ,  a 
quechamão  os  campos  da  Idanha,  femeada  de  lugares,  & 
cafteílos,  q  foraõ  povoados,  &  edificados  (como  outros  mais 
afaftados )  das  ruinas  da  mefma  Egitania,  &de  outros  do 
íeu  circuito,  como  faõ  a  Cidade  da  Guarda  diftante  dez  le- 
goas ,que  lhe  fuecedeo  na  Igreja  Epifcopal ,  a  Villa  de  Pena- 
macor ,  Pcnagracia ,  Monfanto ,  Idanha  a  nova ,  Segura,  & 
Salvaterra. 

Efta  Serra ,  que  melhor  lhe  convinha  o  nome  de  hum  a  - 
gregado.de  jardins  pelo  viílofo  de  fuás  arvores, &  delicio- 
ío  de  fuás  fontes  ,  &  regatos,  adornada  de  muytas  ervas 

cheirofas 


Livro  I.  Titulo  XII.  jp 

cheyrofas  ,  &  arvores ,  que  tendo  o  nome  de  fílvefires,  por 
ferem  nafeidas  eípontaneamente ,  ou  plantadas  pelo  fobera- 
no  Agricultor,  íaõ domefíicas pelas  excellentes frutas  que 
produzem)  entras  plantadas,  &  cultivadas  pela  induilria 
dos  homens  }  de  tam  diverfos,  &  regalados  frutos  7  &  de  taõ 
fuaves  ?  &  extraordinários  gofíos,  que  fervem  de  admiração; 
como  fsõ  os  verdeaes,  as  camoezas,  capanduas  ,  rcpinaJ»- 
dos;ginjas  garrafaes,  &  outras  muy  tas  frutas  em  tanta  quan- 
tidade, que  naôfó  provém  a  muy  ta  parte  deík  Reyno ,  mas 
aodeCaííella. 

Nefta  Serra  pois  levantarão  os  Cavalleiros  Templários 
hum  Caíklío ,  ou  Convento,  (  porque  foram  muytos  es  que 
fundárap ema  Província  da  Beyra.)  Hum deftes  Conventos 
foy  o  da  Serra  da  Guardunha >  que  na  lingua  Arábiga,  donde 
tomou  o  nome,  quer  dizer,  acolhimento  da  Idanha  ;  porque 
guarda ,  íígnifica  acolhimento  :odunha,  cu  odonha  por  cor- 
rupção de  vocábulo  valo  mefmo  q  Idanha ,  a  que  parece naõ 
chegava  a  pronuncia  dos  Mouros.  E  arazam  defe  lhe  dar 
cílenome  foy  ;  porque  íendo  combatida,  &dcvaítada  por 
elles  a  Idanha  ,  ou  Egitania ,  feus  moradores,  6c  os  das  ter- 
ras do  feu  contorno  fe  acolherão  àquella  Serra  como  a  caf- 
telío, &  a  hum  prefidio  forte  de  donde  fe  podiaõ  defender. 

Neíla  occafiaõ  levarão  os  moradores  da  velha  Idanha, 
cm  fua  companhia,hua  de  votiíllma  Imagem  da  Mãy  de  Deos, 
que  tirarão  de  huma  das  fuás  Igrejas , que  parece  janaquelles 
tempos  refplandecia  cm  milagres ,  &  com  cila  alegres,  ou  a- 
nimados  fe  davão  porfeguros,  para  fc  defenderem  defeus 
inimigos  os  Bárbaros.  Ja  nefle  tempo  eílavaô  os  Cavallei- 
ros do  Templo  neíla  Serra  ,  &  nella  fe  defendia©  ,  &  aos 
Chrifiios  das  correrias  dos  Mouros,  até  que  ElRcy  Dom 
Sancho  o  Primeyro  edificou  a  Cidade  da  Guarda ,  para  onde 
fepaífáraô  os  moradores,  que  da  Idanha  ainda  allirefidiam. 
NoannodeiJççMfíenta  o  P.M.Fr.  António  Brandão  na 
fua  4.  pari.  da  Mon  Luf.  que  fizera  doação ElRey  D,  San- 
cho 


So  Santuário  Mar  iam 

cho  o  Primeyro  à  Ordem  dos  Templários  da  Cidade  da  Ida- 
nha ,  ja  habitada  outra  vez  dos  Chriftãos.  E  no  mefmo  anno, 
diz  >  dera  foral  o  mefmo  Rey  à  Cidade  da  Guarda ,  para  onde 
havia  paíTado  a  Cadeira  Epifcopal  da  Idanha. 

PaíTados  à  Guarda  os  queviviaõ  na  Serra  de  Guardu- 
nha ,  deviaô  ficar  ainda  na  mefma  Serra  os  Cavalleiros,  &  ou 
fbífc  que  paffando  a  povoar  a  Idanha ,  cm  virtude  da  doação 
fcy  ta  à  Ordem  em  5.  de  Julho  de  1 1 99.  ficou  a  Santa  Imagem 
ainda  na  fua  Cafa  ,  que  lhe  ha  viaõ  fabricado  os  da  Idanha ;  & 
ao  depois  invadindo  os  Mouros  a  Serra,efcondéraõ  os  Chri- 
ftãos a  Santa  Imagem  em  a  lapa  aonde  depois  foy  fervida  de 
fe  manifcftar. 

Foyocafo,quc  perdendo«fc  huma  menina  dcAlcon- 
gofta  da  companhia  de  fua  mãy ,  que  em  hua  tarde  havia  faí  do 
a  bufear  lenha  a  eíta  Serra ,]  a  foy  achar  o  feu  cuidado fo  def- 
velo ,  depois  de  nove  dias ,  junto  a  huma  penha  ,  ou  dentro 
de  huma  lapa ,  que  fervia  de  Cafa ,  &  de  Altar  àquella  fobe- 
rana  Imagem ;  &  vendo-a  a  mãy  viva,  quando  a  confiderava 
ja  tragada  de  alguma  fera ,  lhe  perguntou  com  admiração  a- 
onde  ertivera }  &  quem  a  fuíkntára :  ao  que  a  menina  refpon- 
deo^que  fora  huma  Senhora  Tia ,  que  naquclla  Cafa  mora- 
va ,  apontando  com  o  dedo  para  a  lapa ,  &  que  lhe  dava  fo- 
pasdclcytc  a  comer,  &agua  por  huma  campainha  aonde 
entrando  a  mulher,  dcfcubrioaquclle  preciofo  thefouro  da 
Imagem  da  Senhora  pofta  em  o  mefmo  Altar,  que  era  o  ulti- 
mo penedoda  lapa,  &nichoem  que  hoje  hc  fervida  ,  &  ve- 
nerada •>  mais  admirável  pelo,  eftranho  da  natureza ,  que  pelo 
magnifico,  &  fumptuofo  da  arte. 

Deu  a  mulher  noticia  da  preciofa  drachma,  que  achara, 
ao  Prior  de  Alcongofta  fua  terra ,  &  elle  foy  o  primeyro  que 
a  foy  bufear ,  &  venerar  \  convocando  o  Clero ,  &  povo ,  & 
a  levaram  com  grande  feita ,  &  alegria  de  todos  para  a  Ma- 
triz de  Alcongoíla,  &  a  collocáraõ  no  Altar  mór ,  que  he  de- 
dicada cita  Igreja  à  Conceição  da  Senhora. Daqui  procedeo  o 

ficarem 


Livro  1.  Titulo  XI L  6x 

ficarem  os  Priores  daqueile  lugar  com  a  pode  da  Se nhcra,  & 
juntamente  com  as  offertas,  &  emolumento  daquella  Cafa, 
que  fica  difrante  de  Alcongoíla  huma  legoa ,  &  naõ  o  ficarem 
os  Priores  das  Igrejas  de  Caílello  Novo  >  &  Alpedrinha.,  fe- 
bre que  fe  referem  algumas  patranhas ,  como  a  de  fugir  a  Se- 
nhora para  a  Igreja  de  Alcongoíia  ,&eflar  nella  mais  hum 
dia  ,  do  que  em  as  outras.  Aqui  começou  logo  a  Senhora  a 
refpíandecer  em  milagres,  &  maravilhas ,  &  tantas,  que  era 
aquella  iapa  huma  pcrenne  pifeinada  faude. 

A  fumptuoía  fabrica,  que  aqui  edificou  o  Author  da  na- 
tureza para  morada  de  fua  Mãy  Santiflima;&  para  amparo, 
&  cafa  de  refugio ,  dos  que  a  cila  recorrem  a  bufear  os  feus 
favores, merecia  huma  melhor  pennaque  a defcreveffe ,  & 
que  com  todas  as  circunílancias  a  trataffe ,  porque  ha  muy- 
tas  de  que  fe  devia  fazer  caio ;  mas  como  o  meu  aíTumpto  he 
fomente  referir  os  Santuários  de  paífagem,  aflimo  farey  com 
cíle,o  que  he  nefta  maneyra.  Sobre  o  mais  alto  da  Serra  da 
Guardunha,  huma  legoa  de  Caílello  Novo  ,&  outra  de  Al- 
pedrinha ,  &  pouco  mais  de  outra  dos  lugares  de  Alcongof- 
ta  ,  Alcayde ,  Souto  da  Cafa  ,  &  Caflelejo ,  fe  levanta  huma 
penha  acumulada  de  monfíruofas  pedras  ,  a  modo;  de  pi- 
râmide, em  circuito,  altura ,  &  diítancia  de  huma  milha.  No 
nxyo deita  diftancia ,  para  a  parte  do  Occidente ,  fe  defeo- 
bre  huma  lhanura ,  ou  terrapleno ,  que  mais  parece  o  fabri- 
cou a  arte ,  que  a  natureza.  Deíía  parte  fe  moflra  huma  boca, 
que  do  pé  da  mefma  penha  forma  huma  entrada ,  como  por- 
ta de  huma  cafa  de  abobada ,  &  tam  alta ,  que  por  tila  cabia 
muytobcmhum  guiaõ  arvorado  no  tempo  das  romagens, 
que  das  villas,&  lugares concorriaõ  avifitar  a  Senhora  em 
ProcilTaõ  :fuppoíta,que]a  ssora  naõ  he  tam  alta  a  entrada; 
porque  o  Illuílriffimo  Bifpo  da  Guarda  D.Luis  da  Si!  va(hoje  ■ 
Arcebifpo  de  Évora)  indo  a  vifitaraquclle  Santuário,  lhe 
mandou  fabricar  hum  fermofo  portado  de  pedra  lavrada. 
Depois  da  entrada  vay  fazendo  para  dentro(toda  ao  ní- 
vel) 


6 1  Santuário  Mar  iam 

vel)huma  ayrofa,  6c  clara  concavidade  por  todos  os  qua- 
tro íados ,  a  modo  de  corpo  de  Igreja  tam  efpaçofa ,  que  cabe 
nclla  a  mavor  parte  do  povo  nos  dias  princjpaes  de  fuás  ro- 
magens ,  &  celebridades.  O  que  mais  admira  he  ,  que  na  ex- 
tremidade deík  corpo  fez  a  natureza  dousbraçoscollatc- 
raes ,  aonde  cflá  hum  Altar  em  que  fe  diz  Miífa,  que  chamaõ 
o  Altar  de  fóra,&  cflreitando-  fe  logo  com  outra  entrada  que 
tem  fuás  grades  de  ferro  ,  vay  profeguindo  mais  efirey  ta  co- 
mo Capella  até  o  Altar  mór,  em  que  também  fc  diz  Miffa ,  a- 
onde  eilá  o  nicho  da  Senhora ,  ficando  toda  cita  diftancia  cu- 
be rta  de  hum  concavo  rochedo  a  modo  de  abobadada  que  fer- 
ve dezimborioj  &obelifco  oremate  da mefma penha. Na& 
feyquefe  poíía  referir  de  outra  Cafada  Senhora  ,  nem  que 
haja  outra  maravilha  mais  rara.  Porque  íenas  fabricas  do  Lo- 
reto ,  Monferratc ,  8c  Pilar  de  Çaragoça  intervieraõ  os  An- 
jos ,  &  na  fabrica  das  outras  intervieraõ  os  homens  ;  na  fa- 
brica deile  Templo ,  &  deíh  Capella ,  podemos  dizer ,  que 
rentiveyo  a  mefma  Senhora ,  &  o  mefmo  Artífice  íupremo, 
fazendo-a  muyto  de  propofito  para  depofito  daquella  Sa* 
grada  Imagem. 

Enaõ  parecerá  coufa  nova  afliftir  Maria  Santiífima  ás 
grandes  fabricas  do  univerfo,  pois  nosdizoEfpiritoSan- 
Prov.  t0 cin  os  Provcrbios:  £>iwido  appendebat  fundamenta  ten<e, 
g#  cum  eoeram  cunãa  componens  \  que  ella  em  fua  companhia 
compuzera ,  &  formara  todas  as  coufas.  O  terrapleno  defta 
penha ,  &  entrada  da  Igreja  da  Senhora  da  Serra  ,  eftá  cerca- 
da de  algumas  Çapellas  ,i  &  Ermidas  bem  ornadas  \  &  algu- 
mas Cellas,que  hu  Ermitão  devoto  fabricou  à  fua  cufia,para 
vi  ver,com  hu  poço  de  agua  perene.  Eftá  também  alli  hua  co- 
va, aonde  viveo  outro  Ermitão  Sacerdote  por  algum  tempo, 
aonde  fazia  rigoroía  penitencia  ,&  huma  fanta  vida,  até  que 
depois,  por  caufa  de  achaques,  lhefoy  precifo  fazer  huma 
Cella ,  que  he  a  de  que  agora  ufaõ ,  &  aonde  vivem  os  Ermi  • 
tsens.  A  Imagem  da  Senhora  tem  três  palmos,  de  eflatura, 

a  matéria 


Livro  I.  Titulo  XIÍI.  6$ 

a  matéria  he  pedra  rija,  mas  de  muyto  excellente  efcnltura. 
Porém  a  piedade,  &  a  devoção  dos  cj  a  íervem  a  té  veftida ,  & 
adornada  de  preciefes  veliidos.  Da  Senhora  da  Serra  efere- 
veo  ànoíTainílancia,  o  que  fica  referido  da  Senhora,  &de 
outras  imagens ,  o  Doutcr  Joleph  Salvado  Cinza  ,  Medico 
de  Alpedrinha.  Concorrem  afeíiejar  a  Senhora  ostres  po- 
vos de  Callello  Novo ,  Alpedrinha, &  Alcongofta ,  em  pro- 
ciiTaõ  nas  G&avas  da  Pafchoa,  &  cada  hum  deites  povos  faz 
feu  dia ,  com  Miffa  cantada ,  &  Sermão 


TITULO     XIII. 

Da  Imagem  delSl.  Senhora  da  Encarnação  ,  do  lugar  da  (Po- 
voa de  Rio  de  Moinhos. 

AFeftividade  do  ineffavel  myíterio  daEncarnaçaõ  do  Fi- 
lho de  Dcos  no  ventre  puriflimo  de  Maria, he  muyto 
antiga ;  porque  foy  ordenada  pelos  Santos  Apofiolos,  co- 
mo o  prova  o  Padre  Bonifácio  na  fua  hifloria  de  N.  Senhora.  OPndre 
Quer  Deos,que  a  elte  my  íterio  o  veneremos  muy  to,  &  que  o  Bo^fac. 
eítimemos ,  como  a  fonte ,  &  origem  de  todos  os  myfterios;  in™ft. 
&  para  confirmação  do  muyto  que  ocftima,  obrou  grandes  B'Mm 
prodígios  em  todos  os  tempos.Em  Africa ,comorcfereNider  nider 
Hv.4.cap.  6.  &  outros  Authorcs,  fendo  Rey  de  Portugal  l^Ct6. 
Domjoaõ  o  Primcyro  y  junto  à  Cidade  de  Ceuta ,  que  o  mef- 
mo  Rey  havia  tomado  aos  Mouros,  fe  acharam  em  huma  fon- 
te varias  pedras,  nas  quaes  fe  viraõ naturalmente  irrpref- 
fos  os  nomes  dosmyíkrios  denoífafantaFé ,  da  Encarna- 
ção de  Ch riflo,  &  de  noíTa  Senhora,aindaquedivididos;por- 
que  em  humas  fe  lia :  JVe  Afaria,  cm  outras:  Gratia  plenai 
&em  outras  5  Dominus  tecum*  E  affim  feachavaô  o»uytas 
coufas  pertencentes  à  Encarnação  de  Chrifto,  emdemcnf- 
traçaõ  do  muyto  quequer  amemos ,  &  veneremos  eílc  ineffa- 
vel 


64  -:  Santuário  Mariano 

rÀtoz,a  vc!  royfterlo.  Ifto  mefmo  affirma  o  Padre  Aloza  no  feu  Ceo 
Vida  :  Eíirellado  de  Maria,  liv.  i.cap.  6.  §.5.  E  comei  ta  maravi- 
eftr'~  s  lha  daremos  principioà  hiftoria  de  N.  Senhora  da  Encarna- 

Ma      f a5  do  Iugar  da  Povoa  dc  R*°  ^c  Moinhos. 

Entre  os  lugares  da  Povoa ,  &  Tinalhas ,  termo  da  Vil- 
la  de  Saò  Vicente  da  Beyra,  em  diftancia  deduas  legoas  da 
.mefma  Viila ,  fe  vé  o  Santuário  milagrofo da  Senhora  da  En- 
carnação ,  aonde  todos  aquelles  povos  concorrem  cô  gran- 
de devoção  ,&  frequência,  a  venerar  huma  milagrofa  Ima- 
gem da  May  de  Deos,quc  com  o  titulodefte  foberano  myíie- 
rio ,  he  naquellá  Cafa  reverenciada  j  pela  qual  o  poder  Divi- 
no obra  muy  tos  prodígios ,  &  maravilhas.  Fazendo  toda  a 
diligencia  que  me  foy  pofli  vel,  nem  ainda  com  a  intervenção 
do  Illuftriífimo  Senhor  Bifpo  da  Guarda  Dom  Rodrigo  de 
Moura  Telles ,  que  o  commetteo  ao  Reverendo  Cura  o  Pa- 
dre Martinho  Gonçalves  Torrão ,  fepode  defeubrir  mais, 
que  fer  aquella  Sagrada  Imagem  muy  to  antiga  ,&  muy  to  mi- 
lagrofa,  &  de  grande  devoção,  &  concurfo  naquellas  partes. 
E  aífirn  de  feu  apparecimento,(fe  foy  apparecida)ou  de  quem 
a  mandou  fazer,  6c  collocou  naquellá  Cafa  A  em  que  tempo, 
naõ  confia.  Taesfaõ  os  defcuydos  com  que  feouveraõ  osna- 
turaesdaquelias  povoações  ,  que  em  coufastaõ  grandes,  fó 
nos  dão  motivos  de  que  nos  poríamos  queyxar  do  feu  def; 
cuydo. 

O  obrar  Deos  por  meyo  defta  Sagrada  Imagem  infinitos 
milagres  ,  &  maravilhas ,  o  tefiemunham  os  antigos  qua- 
dros,queeftaõnafua  Capella.aonde  fe  referem  os  milagres, 
faudes,que  deu  em  perigofas  doenças  ,  &  enfermidades  ;  o 
que  ainda  hoje  experimenta©  os  moradores  da  Povoa, como 
aindaoeílá  confeffando  huma  Domingas  Jorge,  viuva  de 
Lourenço  Leytaõ,  que  efiando  já  defeonfiada  de  muytos 
Médicos, chamando neíte aperto pefa  Senhora  da  Encarna- 
ção ,  prometten  jo  de  a  ir  viíitar ,  &  de  lhe  oírerecer  a  fua 

mor  talhajeobrou  logo  milagrofa  íaude,  que  ainda  hoje  con  - 

feíTa 


Livro  l  Titulo  XIII.  6S 

feíía  a  recebera  da  Senhora.  E  outras  muy  tas  peífoas  do  mef- 
mo  povoconfefTaõ  o  mefmo,5c  doslugarescircumvizinhoS) 
&affi«nlhc  oíFerccem  muytas  MiíTas,  mortalhas,  &  verti- 
dos, &  outras  offertas,  em  agradecimento  dos  benefícios, 
que  da  fua  clemência  receberão. 

He  crta  Santa  Imagem  de  roca,  5c  de  vertidos  ,  tem  cin- 
co palmos  de  efíatura,  o  meyo  corpo  he  de  madeira  com  bra- 
ços de  engonços  ,  &  efíá  com  as  mãos  levantadas,  mas  he  de 
grande  mageflade,  &  foberania,  &  aífim  infunde  nam  ío 
grande  rcfpcito ,  mas  muy  ta  devoção.  Fica  a  fua  Ermida  fi  • 
tuada  em  hum  alegre ,  &  deliciofo  lugar ,  cercado  de  vinh  as, 
&  pomares.  Tem  Ermitaõ,que  cuyda  do  aceyo,  &  ornato  do 
feu  Altar  >  &  tem  cafas  de  romagem ,  aonde  os  devotos  da 
Senhora  vaõ  a  ter  as  fuás  novenas. 

Saõ  Padroeiros  da  Cafa  da  Senhora  da  Encarnação ,  os 
moradores  do  lugar  da  Povoa ,  de  donde  difta  pouco  mais  de 
dous  tiros  de  mofquete.  E  elles  fam  os  que  aprefentaõ  o  Ca- 
pcllaõ,&  o  Ermitão.  A  Ermida  cfláaceada,&  adornada  com 
perfeição ;  porque  para  tudo  concorre  a  piedade  dos  fieis ,  & 
dos  devotos  da  Senhora.  Feftejaõ  a  Senhora  da  Encarnação 
nafegunda  Oitava  da  Pafchoa  da  Refurreiçaõ ,  com  Miíía 
cantada ,  &  Sermaõ ,  &  ncfte  dia  he  muy  to  grande  o  concur- 
fo  das  romagens. 


TITULO     XIV. 
*Da  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Altos  Cm ,  da  Loufa. 


AParochia  do  lugar  da  Loufa  ,  termo  da  Villa  de  Caftello 
Branco  ,he  dedicada  á  May  de  Deos,  a  quem  invocam 
com  o  titulo  de  noífa  Senhora  dos  Altos  Ceos.Examinando, 
&  inquirindo  com  toda  a  diligencia  o  Vigário  derta  rnefma 
•  Tom*  IH*  E  Igreja 


66  Santuário  Mariano 

Igreja  Frey  Manoel  Moreyra  Velcío,Frcy're  da  Orcem  de 
Chriílo,  a  origem  ,&  princípios  dcíla  milagrofa  Senhora, 
&  a  caufa  do  feu  titulo,  ou  quem  lho  impoz  ,nam  pode  nem 
por  tradições  defeubrir  mais  ,  que  o  fer  muyío  antiga;  & 
nem  do  tempo  emque  começou  a  refplandecer  em  milagres. 
Confia  fim,  per  continuas  experiências,  que  obra  Deos  pela 
fua  invocação  muy  tos ,  &  contínuos  prodígios ,  como  o  efiaõ 
apregoando  as  memorias  deíles  ,  que  fe  vem  peder  das  pare- 
des da  fua  Capclla  ,  aflim  de  mortalhas  ,  como  de  outros  vá- 
rios finaes  de  cera  ,  como  mãos ,  pey  tos ,  braços ,  corações, 
&  outras  coufas  defle  argumento ,  além  de  o  apregoarem  os 
mefmos,  que  em  fios  experimentarão. 

Heeíta  Sagrada  Imagem  formada  em  pedra  ,  de  rica,& 
perfeitíffima  efcultura.  A  fua  eftatura  he  de  cinco  palmos, 
eíiá  collocada  cm  a  Capclla  mór,  em  hum  nicho,  que  fica  fo- 
bre  o  facrario.  As  romagens  antigamente  eraõ  muytas; 
porque  de  muytas  partes  concorriaõ  os  romeiros  ,  &  devo- 
tos a  vifitar  a  efta  milagrofa  Senhora,  &  ainda  hoje  aopre- 
fente  ,  hc  aquella  Cafa ,  &  Santuário  muy  to  frequentado.  Os 
róíagres  que  tem  obrado,  naõ  tem  numero,  algus  delles  fe  a- 
cham  eferitos,  dos  quaes  referirey  alguns,  &  feja  o  primeyro 
efte. 

Pelos  annos  de  í  640.ouve  naquelles  contornos  do  lu- 
gar da  Loufa,  pelo  mez  de  Mayo,  huma  grande  praga  de  ga- 
fanhotos ,  que  aonde  alojavaõ ,  naõ  cemiaõ  fó  a  erva ,  mas  as 
e  fpigas,&  a  cana  .&  fe  viaõ  os  campos,  aonde  chegarão  cites 
miniílros  da  Divina  juíliça ,  razos ,  &  queymados ,  como  fe 
paffárapc;rellesofogo.  A  viíiadcíle  grande  trabalho,  que 
lhes  vinha  7  recorrerão  os  moradores  da  Loufa  aoCeo,& 
para  o  moverem  á  mifericordia  ,  lançarão  fortes  para  efeo- 
Iher  hum  advogado,  que  por  elles  intercedefTe,  &  lhes  alcan- 
çaíTe  o  remédio  de  tam  grande  neceflidade.  Sahio  na  forte  a 
Senhora  dos  Altos  Ceos;  o  que  logo  tiveram  por  feliz  an- 
mincio ,  &  afliai  alegres  todos  os  moradores  da  Loufa, fize- 
ram 


Livro  I.  Titulo  XM  67 

ram  veto  à  Senhora  de  lhe  fazerem  todos  os  annos  híia  ío« 
lemnidade,  &  grande  fefía  emoterceyro  DomingodeMi- 
yo,  com  Miíía  cantada,  Sermão,  &  o  Senhor  mamfefto,  &  í- 
greja  armada,fe ella  foííc  fervida  de  os^livrar  daquelle  inunii 
nente  trabalho.  E  para  obrigarem  mais  à  Senhora  tratarão 
logo  de  dar  à  execução  a  fira  promeífa  ,  que  havia  de  fer  voto 
perpetuo ,  como  hoje  he ,  &  o  cumprem  com  pontualidade, 
&  grandeza  ,  fazendolhe  feita  por  três  dias  continuados, 
com  MitTas  cantadas,  Sermocns,  &  o  Senhor  expoílo ,  &  no 
fim  do  triduo  acabaõ  com  prociíTaõ.  E  no  ultimo  dia,he  cou* 
fa  muyto  para  ver  fahirem  de  cada  rua  danças  com  applaufo 
geral ,  que  parece  que  a  mefma  Senhora  infunde  em  todos 
huma  mais  que commua  alegria ;  porque  todos  baylão  y  &  fe 
alegrão,  íem  haver  nunca  briga,  nem  pendência,  ou  defeon- 
fíança ,  o  que  tudo  fc  attribue  a  particular  favor  da  Senhora 
dos  Altos  Ceos. 

Feita  a  primeyra  celebridade  em  louvor  da  Senhora 
dos  Altos  Ceos  ,para  a  obrigarem  a  lhe  alcançar  dos  mef- 
mos  Ceos  o  remédio  que  pediam ;  de  tarde  fe  fez  prociíTaõ 
ao  redor  da  Igreja ,  aonde  todos  cm  louvor  da  Senhora  dan- 
ça vaõ  ,&baylavaõ  com  huma  muyto  grande  alegria,  certos 
cm  feus coraçôes,dc  que  lhes  naõ  havia  de  faltar  o  feu  favor. 
Acabada  a  proci(fa6  paffou  hú  homem  chamado  Xiílo  Lou- 
renço^ diíTc  para  os  que  eítavaó  dançando:  Baylai,que  tam- 
bém o  gafanhoto  bayla  febre  as  voffas  fearas.  E  indo  elle 
mefmo  a  ver  o  campo  a  que  chamão  a  Folha  ,  que  nsõ  fica 
muyto  diflante  do  lugar  ,  vio  que  o  gafanhoto  havia  defapa- 
recido  ,  fem  deyxar  fcyta  a  menor  perda  5  &  aílim  voltou  to- 
do alegre  ,  &fepoz  abaylar,  incitando  a  todos  os  outros 
paraqueaffirnofizeíTem,  cm  louvor  da  Senhora  dos  Altos 
Ceos, que  lhes  havia  feito  hum  tam  grande  favor.  Efte  be- 
neficio que  entaõ  receberão  da  mifericordiofa  Mãy  dos  pec- 
cadores,  o  temaquelle  povo  tam  pre lente, que  fempre  o 
publicaõ,  &  affioicontinuaõ  o  feu  triduo  com  muyto  gran- 

E  z  de 


68  Santuário  Mariano 

de  fervor ,  &  devoçam. 

No  tempo  das  guerras  ,  que  começarão  logo  depois  da 
acclamaçaõ  do  Senhor  Rey  Dom  Joaõ  o  Quarto,  foy  efta  Se- 
nhora fempre  o  preíidio,  &  adefenfa  daquelle  povo,  para 
que  não  foíTe  entrado,  nem  íaqueado  ,ou  offendido  dos  ini- 
migos, como  fuecedeo  aos  mais  circumvizinhos.  Emhuma 
occaííaõ  entrou  hum  grande  troço  de  Caílelhanos  a  arreba- 
nhar os  gados,  &  levava  muy  ta  quantidade  de  ovelhas  ,  & 
boys,dasVillasdcCafie!!úNovo;Soalheira ,  Lardoza,  Al- 
cains ,  Efcallos  de  Cima  ,  Efcallos  de  Bayxo ,  &  Loufa.   E  a- 
juntandofe  as  partidas  todas  com  inconfideravcl  prefa,fc  fo- 
rão  as  mulheres,  &  a  mais  gente,  que  viam  pafíar  o feu remé- 
dio em  poder  do  inimigo ,  para  as  bandas  da  Mata  a  pedir ,  & 
a  clamar  á  Senhora  dos  Altos  Ceos,  que  lhes  acudiífe,&  va- 
leffe ;  porque  fícavaõ  todos  aquelles  povos  perdidos.  Quan- 
do íuecede  ,  que  junto  da  Matafahiffem  duas  tropas  deca- 
vallos  noffos ,  com  duas  companhias  pagas,  &  alguma  gente 
daquclles  povos  com  efpingardas,  &  em  egoas.  Repentina- 
mente fe  encherão  os  Caítelhanos  de  medo ,  &  terror,  (  fem 
haver  de  que,  porquanto  es  noffos  não  eraõnada  em  com- 
paração do  grande  poder  de  gente  que  elles  traziaõ )  larga- 
rão a  prefa ,  &  fugirão,  parecendolhes,  que  o  feguia  todo  o 
poder  dos  Portuguezes.  Iflo  fc  attribuío  a  favor ,  como  na 
verdade  o  foy,  da  Senhora  dos  Aitos  Ceos, por  quem  as  mu: 
lheres  clamarão,  lhesvalcffe,  &  lhes  acudiffe. 

Muytas  outras  maravilhas  fe  referem  nefle  particular, 
emosteflemunhosque  fetiráraõ  por  mandado  dollluflrif- 
fimo  Senhor  Bifpo  da  Guarda  D.  Rodrigo  de  Moura  Telles 
à  noíFa  infiancia ,  que  naõ  refiro;  mas  fó  direy  que  em  huma 
deftas  occafíoens,em  que  oinimigo  intentou  entrar  o  lugar 
da  Loufa ,  fc  vio  o  quanto  a  Senhora  dos  Altos  Ceos  o  tinha 
debayxo  da  fua  protecção ;  porque  eflando  a  gente  na  Igreja 
a  viraõ  fuar,  o  que  vendo  o  Vigário,  que  entaõ  era,  chamado 
Fr.  Manoel  Lopes  Freyre,  a  alimpou  com  hua  toalha ,  fegu- 

rando 


Livro  I.  Titulo  XIV.  6$ 

rando  a  todos  o  favor  da  Senhora  ,  como  o  experimenta- 
rão depois \  porque  chegando  os  Caftelhanos  junto  ao  redu- 
ttò  ,  ou  atalaya,  ao  paliar  hum  ribcyro  que  por  ai  ti  corre,  fe 
lhe  levantou  hum  nevoeiro  tam  efpefíò,  que  ôs  cavallos  naõ 
quizeraõ  paíTar  adiante ,  deixando  por  efta  caufa  de  entrar  o 
lugar.  O  que  feenrendeo  (Scainia  pelos  iriefmos  Caftelha- 
nos,queoconfcíTárão)foraefpecial  favor  da  Senhora  dos 
Al  tos  Ocos,  que  não  queria  feoffendeíTe  aos  que  cila  tinha 
dcbayxo  do  feu  amparo  ,  &  protecção. 

Ultimamente  as  maravilhas  ,  &  os  milagres  fempre 
foraõ  muy tos ,  &  maravilhofos.  A  muy tas  peflbas  ,  que  pa- 
decião  accidentes  de  gota  coral,  deu  perfeita  faude,  &  deftas 
fenomeaõ  humalíabel  Fernandes  Preta,  cafada,  frhuma 
Leonor  Fernandes  BugaIha,donzel!a,quc  os  padeciaõ  muy- 
to  grandes. Reftituío  o  juizo  a  mulheres, que  em  trabalhofos 
partos  o  perderam ,  &  fe  nomea  a  huma  Maria  Fernandes 
Brandoa.  Deu  pés  ,  &  braços  a  muytos  coxos  \  &  aleijados, 
como  o  teftemunhão  as  muletas  ,  que  fe  vem  por  trofeos 
das  vitorias ,  que  a  Senhora  alcançou  contra  as  enfermida- 
des ,  penduradas  na  fua  Capclla.  Outros  que  vierão  com  de- 
formidades notáveis  , voltarão  faõs  apregoando  as  miferi- 
cordiofas  maravilhas  da  Senhora  dos  Altos  Ceos.  Os  ende- 
moninhados,  8c  aífombrados  do  demónio,  livrou  efta  Se- 
nhora daquelles  malignos  efpirítos.  Muytos  eftando  agoni- 
zando,invocandoaefta  Senhora,recuperárãoa  vida, que  já 
fe  lhes  julgava  a  havião  perdidojo  que  também  teftemunhaõ 
as  muytas  mortalhas.  Muyto  fe  pudera  dizer  defta  matéria, 
íenão  fora  (air  do  noífoeftylo.  Mas  quem  poderá  duvidar^ 
que  he  muyto  poderofa  a  Senhora  dos  Ceos,  Sc  a  foberana 
Rainha  de  todos  os  Santos  ?  porque  fe  eftes  obrão  muytas 
vezes  grandes  maravilhas  com  a  fua interceíTaõ; como  as 
deixará  de  obrar  aquclla  Senhora  j  por  cujas  mãos  recebe- 
mos tudo,  o  que  fe  nos  concede  pelo  merecimento  dos  San- 
tos? porque  he  efta  Senhora  a  difpenfeira  gerai  de  todos  os 
Tom.  III.  E  5  bens, 


7Q  Santuário  Maviam 

bens ,  &  de  todas  as  riquezas  do  Ceo. 


TITULO     XV. 

Da  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  da  Efperança  de 
'BãmontCé 

A  Ordem  Terceira  Regular  de  SaõFrancifco  tem  na  Vil- 
Ia  de  Belmonte  hum  Convento  dedicado  à  Mãy  de 
Deos  debayxo  do  titulo  da  Efperança,  aonde  he  tida  em 
grande  veneração  huma  milagrofa  Irragem  fua.E  he  tam  an- 
tiga, que  ainda  os  Religiofos  mais  graves  ,  &  mais  antigos, 
&  que  foram  Prelados  no  mefmo  Convento  ,  nam  fabem  di- 
zer nada  da  fua  origem ,  &  principios.  Só  dizem  que  efla  fo- 
berana  Imagem  da  Rainha  da  Gloria  viera  da  índia,  &  que 
de  Jà  a  trouxera  hum  fidalgo  dos  Afccndentes  da  Caía  de 
Belmonte,  a  quem  chamavão  Pedro  Alves  Cabral.  Eíleen- 
tendo  certamente ,  que  he  o  que  defeubrio  o  Braíil ,  na  via- 
gem que  fazia  para  a  índia  no  tempo  delRey  Dom  Manoel, 
que  foy  filho  de  Fernão  Cabral ,  Senhor  de  Azurara  ,  &  Al- 
caydc  mor  de  Belmonte,  &  Governador  das  Armas  da  Pro- 
víncia da  Beira  ;  porque  dizem  também ,  que  fora  por  Capi- 
tão mor  das  Náos ,  que  hião  para  aquelle  Eftadc  Foy  efía 
viagem  no  anno  de  1500.  &  na  ida,  &  na  volta  teve  grandes 
perigos. 

Vindo  pois  efle  fidalgo  da  índia  ,  trouxe  comfígo  eíta 
Santiffima  Imagem.  Omodo^comoa  alcançou,  ou  feia  de 
Portugal  a  levava  na  fua  companhia  ,ou  fe  là  a  mãdou  fazer , 
he  o  que  fe  ignora-  Depois  que  veyo  da  índia  a  collocou  em 
hua  Ermida  da  fua  quinta  ,  que  fica  perto  da  Villa  de  Belmon- 
te ,  de  que  era  Senhor  ,  cujo  fitio  deu  depois  aos  Religiofos 
daTnceyra  Ordem,  para  fundarem  nelle hum  Convento, 
dçqual  íe  fez  Padroeyro^&ofaõ  ainda  hoje  feus  defeenden- 

tes; 


Livro  I.  Titulo  XfA  y  t 

tes-  Collocada  a  Sagrada  Imagem  naquella  Ermida  ,eome  cou 
logo  a  obrar  Deos  por  feu  meyo  tantas  ,  &  taõ  grandes  ma- 
ravilhas ,  &  prodígios ,  &  a  íer  o  concurfo  da  gente,  que  hi* 
em  romaria  à  Senhora  com  a  fama  delles ,  que  para  que  t 
fua  Cafa  ,  &  Santuário  tiveífe  fempre  as  portas  abertas ,  íhc 
nomearão  Ermitão ,  que^ferviífe ,  &  cuidaíTe  do  a  dor no9  5c 
concerto  do  feu  Altar.  Deftemodo  perfeverou  muy  tos  an- 
nos  ,  continuando  fempre  a  Senhora  em  obrar  milagres ,  ôc 
prodígios,  que  ainda  que  foraõ  muytos  ,&  notáveis,  nunca 
ouve  quem  tomaííe  por  fua  conta  Iançillos  em  lembrança,  Ôc 
fó  por  tradição  fc  conferva  que  obrava  milagres  fem  nu- 
mero» 

Pelos  annosdc  1564.  era  ja  Senhor  defta  quinta  p  & 
Cafa  da  Senhora  da  Efperança  , hum1  fidalgo ,  que  dizem  íer 
filho  fegundo  dos  Senhores  de  Belmonte,chamado]orge  Ca- 
bral. Efte  confíderando  que  fó  com  aafliítencia  de  Religio- 
fos poderia  fer  a  Senhora  da  Efperança  bem  fervida ,  &  af- 
fifíida  com  toda  aquella  veneração  ,  que  lhe  era  devida ,  fez 
doaçaõ  da  quinta ,  &  Ermida  aos  Religiofos  da  Terceyra 
Ordem  do  Seráfico  Saõ  Francifco ,  para  que  nella  fundaífem 
hum  Convento,  fazendofe  juntamente  Padroeiro  dclle.  A- 
ceitáraõ  os  Religiofos  com  grande goftoeftc  favor,  dando 
também  as  graças  à  Senhora  da  Efperança,  pelos  efeolher 
porlcusCapeiíaens.  Fundarão  o  Convento,  &  edificarão 
nova  Igreja  ,&  nella  collocáraô  com  grande  folemnidade  a 
Sagrada  Imagem  da  Senhora.  Ve-fe  hoje  na  Capella  mor  à 
parte  do  Evangelho  collocada. 

O  titulo  da  Efperança  dizem  aquelles  Religiofos,  que  já 
quando  veyo  da  índia  o  tinha,  ou  lho  havia  impoftooGe- 
neral  Pedro  Alves  Cabral.  He  efta  Sagrada  Imagem  de  ef- 
cultura  ,  obrada  em  pedra  branca,  &  muy  to  fina  como  ala- 
baítro,  &  com  as  roupas  da  mefma  matéria,  femeado  tudo  de 
hiimas  rozaíínhaSj  &  flores  de  ouro;  (o  que  affirmáo  os  Re- 
ligiofos ,fe  lhe  fizera  cá7  depois  que  veyo  da  índia }  tem  de 

È  4  compri- 


7 1  Santuário  Mariano 

comprimento  cinco  palmos  \  &  mtyo  ,  &  tem  fobrc  o  braço 
efquerdoaíTcntado  ao  Menino  Deos,  lançando,ou  moftran- 
do  hum  raminho,  ou  cacho  a  hum  paífannho ,  que  eflá  fchrc 
o  braço  dircyto  da  Senhora,  o  qual  abrindo  asazas  ,  moíira 
querer  comer ,  &  picar  do  raminho  ,  que  o  Menino  lhe  offe- 
rece ;  &  com  a  mão  efquerda  \  porque  tem  o  bracinho  eften- 
dido ,  eflá  pegando  no  dedo  polegar  da  maõ  efquerda  da  Se- 
nhora, &  olhando  com  muyta  attençaõparaopaílíirinho.  A 
Senhora  tem  o  braço  direy  to  eítendido  aos  pés  do  Menino, 
&  lhe  cila  pegando  no  cfquerdo ,  que  elíc  mofh  a  querer  cn- 
colhello.  Ea  Senhora  eftá  com  os  olhos  fitos,  &applicados 
às  acções, que  o  Menino  motfra  eftsr  fazcndo,cm  tal  ferma, 
&di(pofíçaõ  ,que  de  todas  as  partes  feeílá  vendo  damcíma 
forte ,  mas  com  tal  mageftade  ,  graça ,  &  foberaríia ,  que  a  to- 
dos eftá  roubando  os  corações ,  &  infundindo  reípey  to,  vc* 
neraçaõ ,  &  amor. 

As  maravilhas  que  tem  obrado,  como  fica  dito,faô  in- 
numeráveis,  &affirmio  que  ja  quando  veyo  da  índia ,  havia 
obrado  milagres,  &  o  confirmaõ  cem  huma  ponta  de  hum  ef- 
padarte ,  do  tamanho  de  huma  efpada ,  &  de  largura  como  de 
três  dedos^om  bicos  de  huma,  &  cutra  parte,  como  dentes 
agudos,que  ainda  hoje  fe  conferva,&  fe  vé  ao  entrar  da  por- 
ta  da  Igreja  ,  à  parte  direita ,  pendurada  na  parede  debayxo 
do  Coro  >  que  viera  da  Índia ,  aonde  a  Senhora  havia  obrado 
humgrande  milagre  a  favor  da  pcíToa  que  IhoofFereceo  ,  & 
do  navio  em  que  vinha ,  aonde  o  deyxou  pregado. 

Dos  milagres  antigos^não  ha  mais  que  a  tradição,  de 
que  obrara  muy  tos ,  &  de  que  em  todos  os  tempos  os  comi 
nuára.  No  tempo  prefente  ainda  obra  muy  tos;  porque  o  po- 
der j  &  a  piedade  he  a  mefma  ,  como  o  teíkmunhaõ as  muy- 
tas  mortalhas  ,  &  as  memorias  de  cera  ,  como  brsços ,  &  ca- 
beças ,&  outros  femelhantes  íinaes,  que  pendem  das  pare- 
des da  fua  Capclla,  principalmente  da  parte  donde  a  Senhora 
fica,  E  todas  eflas  memorias  faõ  huns  vivos  trofeos,  que  pu- 

blicaô 


Livro  L  Titulo  XV.  73 

blicao  os  triunfos,  &  vitorias,  que  a  Senhora  tem  alcança- 
do contra  a  morte,  &  enfermidades.  E  aífim  he  também  muy- 
to grande  oconcurío  dos  romeyros,  quede  varias  partes 
vem  a  bufcar ,  &  a  vifitar  a  Senhora  da  Efperança.  Dous  mi- 
lagres referirey,  que  faõ  mais  modernos,  &  no  los  apcnta 
o  Reverendo  Prior  de  Belmonte  Luis  Mendes  da  Cofia, na 
relaçèin  que  nos  fez  de  mandado  do  Illufinífímo  Senhor 
Biíjpoda  Guarda  Dom  Rodrigo  de  Moura  Telles ,  &  feja  o 
primeyro* 

No  anno  de  1694.  morando  nas  fuás  cafas  do  Caílello 
D.  Msria  Antónia  de  Brito,  viuva  de  Fernaô  Cabral ,  fenhor 
de  Belmonte,  fe  pegou  o  fogo  por  defeuido  de  húaefcrava 
em  as  cafas,  &  ftdo  ja  a  des-horas  da  noite  fe  defeubrio  o  in- 
cêndio, ciland o  recolhida  todaafamilia,  &  foy  com  tanta 
vehemencia  a  refpeytodehum  grande  vento ,  que  foprava, 
que  fe  tiveraõ  todos  por  perdidos,fugindo  defcompoflos  ca- 
da hum  por  onde  pode-  Vendofe  nefle  perigo  y  &  afflicçaô  a 
fenhora  de  Belmonte,  diíTe  toda  afflicia  eftas  palavras:  Vir- 
gem da  Efperança  valeime.  Ditas  ellas,  fe  aplacou  o  vento, 
&  acudindo  os  moradores  daVilla  fe  apagou  o  fogo  facil- 
mente fem  perigo  de  pefíba  alguma.  E  a  devota  fenhora  de 
Belmonte,  no  dia  feguinte ,  foy  ao  Convento,  &  mandou  di- 
zer huma  Miífa  cantada  a  nofTa  Senhora  em  acçaõ  de  graças, 
contando  o  fuecedido  ao  Padre  Frey  Manoel  dos  Anps,Mi« 
niflro  que  então  era  do  mefmo  Convento,  o  qual  o  referio 
ao  Prior  Luis  Mendes  da  Coita ,  para  que  o  efcrcveííe  nefía 
relação  que  nos  deu. 

Outro  prodígio  fuecedeo,  &  foy, que  no  anno  de  1702. 
eftando  Ifabel  de  Siqueyra ,  mulher  de  Manoel  Antunes  Bí- 
labau, doente,  &  defeonfiada  dos  Médicos ,  com  finaes  mor- 
taes,  vendo  que  naõ  tinha  nos  remédios  humanos  efptran- 
ças  de  vida,  mandarão  pedir  o  manto  da  Senhora,  para  fe  ap- 
plicar  à  doen  te :  vindo  eíle  ,  o  meterão  em  huma  arca  Na  pri- 
mcyra  noyte  fentiraõ  as  peffoas,  que  affiftiam a  doente, bater 

na 


74  Santuário  Mariano 

ns  arca  pela  parte  de  dentro  três  pancadas ;na5  muyto  rijas, 
mas  em  forma  que  fe  ouvirão.  Atemorizada  a  gente,  que  as 
ouvio,  paffou  aquella  noy  te  fem  dormir  nada»  E  eftas  panca- 
das fc  repetirão  por  três  vezes.  Na  noy  te  feguinte  fe  ouvi- 
rão as  mefmas  pancadas  ,&  acudindo  Manoel  Antunes,  que 
as  ouvio clara ,  &  diftintamente,  vio ,  8c  correo  a  arca  ao  re- 
dor, examinando  fe  havia  alguém  q  deffe  as  taes  pancadas,  & 
naõ achou  nada :  repetiraõ-fe as  pancadas,  que  foy  por  ou- 
tras três  vezes.  Abrioaarca,  &  tirou  o  manto  da  Senhora, 
q  logo  fe  applicou  à  enferma,na  qual  immediatamente  fe  re- 
conheceo  a  melhora,  &  em  poucos  dias  cobrou  perfeyta  fau- 
de.  E  em  acçaô  de  graças  foy  mandar  cantar  huma  MiíTa  a  N. 
Senhora  com  a  fua  família,  &  levou  o  manto  com  huma  ef- 
mola ,  &  a  mortalha  que  etfava  preparada,  q  ainda  fe  vé  pen- 
der na  Capella  da  Senhora.  Muytas  peffoas  mandão  pedir, 
em  cafos  apertados ,  eíle  manto ,  &  com  a  devoção  com  que  o 
applicaõ ,  reconhecem  nas  melhoras  os  poderes  da  Senhora 
da  Efperança .  Muy tos  outros  milagres  fe  referem  ,  que  tem 
obrado  a  Senhora  ,  que  dcyxo  de  referir  ,  porque  para  o  meu 
intento  baílaõ  os  que  ficam  referidos. 

«— —*— —  — —  ai— —  ■  ■  ". 

TITULO     XVI. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  dns  KeceJJidades  do  lugar 
da  Soalheyra. 

NO  lugar  da  Soalheyra  termo  da  Villa  de  Canello  Novo 
he  celebre  o  Santuário  de  N.  Senhora  das  Neceflida- 
des;fícaeíiefituado,  em  pouca  diftancia  do  mefmo  lugar, 
em  hum  faio ,  a  que  chamlo  o  Valle  da  Nogueyra ,  mas  em 
terreno  mais  levantado.  Nefta  Cafa  he  bufeada  com  grande 
devoção  das  gentes ,  não  fó  daqueíle  povo ,  &  dos  lugares 
circumvizirihjs,  mas  ainda  dos  muyto  diílames,  humami- 

lagrofa 


Livro  I.  Titulo  XVI.  ?$ 

lagrofa  Imagem  da  Mãy  de  Dcos ,  à  qual  pefo  muy  to  q  con- 
fola ,  &  remedea  aos  peccadores,  lhe  impuseram  o  titulo  das 
Necefíidades,&  porque  ella  he  a  mifericordiofa  Mãy  dos  po- 
bres^ dos  neceffitados,  difcretamenre  a  elegeram  por  Pro- 
tectora da  Caía  da  Mifcricordia  ;  porque  na  fua  Cafa  eíiá  af- 
fentada  ,  &  eííabelecida  efía  mifericordiofa,  &  charitativa 
Irmandade,  He  grande  oconcurfo  da  gente ,  que  com  fer- 
vorofa  devoção  vay  em  todos  os  dias  a  bufcarnella  Senho- 
ra o  remédio  de  fussnecefíidades ;  &  aflim  efíão  entrando  a 
toda  a  hora  osromeyros,  &muytos  delles  vem  defcalços; 
hus,porq  eftando  ja  fem  efperançasde  vidajnvocando  a  efía 
Senhora  dasNeceflidades  ,  a  alcançarão  porfuainterceífaõ, 
&  em  acça 6  de  graças  a  vão bufear  naquella  maneyra  de  peni- 
tencia à  fua  Cafa ,  &  a  oíferecerlhe  os  feus  dons ,  fegundo  a 
fua  poffibilidadc.  Outros  vãoemamefma  forma,  pela  faude, 
q  fuás  mulheres  alcançarão  em  partos  trabalhofos,  affiílin- 
do-lhes  a  Senhora  naquella  apertada  neceffidade,&  por  ou- 
tros favores  femelhantes ,  que  delia  receberam. 

Muy  tos  faõ  os  milagrcs,que  fc  referem ,  &  £  ffim  fe  vem 
as  paredes  daquelle  Santuário  cheyas  dos  íinaes,&  memo- 
rias, que  fc  lhe  offerecéram  em  teftemunho  dos  benefícios, 
qne  da  Senhora  alcançarão.  Porque  allife  vem  cabeças  de 
cera ,  mãos,  braços,  pey tos,  olhos,  corações ,  tranças  de  ca- 
bellos,  mortalhas,  &  outras  coufas  deite  argumento.  E  tu- 
do faõ  trofeos  ,que  pubíicaõ  os  grandes  poderes  da  Senho- 
ra das  NcceíUdades;  porque  em  todas  as  occaíiôes  que  a  in- 
vocão,  logo  acham  promptos  os  remédios  para  todas  as  fuás 
afflicçcens ,  &  neceffidades. 

Naõ  confta  fe  efía  SantiíTíma  Imagem  appareceo  da- 
quelle lugar  ,  nem  quem  nelle  a  collocou,  nem  o  tempo,  nem 
quem  foraõ  os  fundadores  ,  que  lhe  edificaram  aquella  Caía. 
Só  dizem  fer  efía  Senhora  antiquiííima ,  &  a  fua  Cafa  o  eíiá 
afEm  moítrando.  Na  informação  que  fe  nos  deu  deite  San- 
tuário fe  refere ,  que  hum  homem  veiho  differa ,  que  fendo 

menino 


y6  Santuário  Mariano 

menino  lhe  lembrava  ,leváraõ  a  eíta  Senhora  em  prociffao 
da  Parochia  do  lugar  para  a  fua  Ermida-  Mas  ifío  podia  fer 
pormuytasciufa.s-o  i  porque  fe  tirou  a  Senhora  em  alguma 
neceíliiade  publica,  da  fua  Cafa  para  a  Parochia, &  a  torna- 
vaõalevar;  ouporcaufa  de  algumas  obras ,  &por  ferepa- 
r-.r  a  Igreja  adepoíítariaõ  na  mefma  Parochia,  &  depois  a 
refiituiriaõ  à  fua  Cafa ;  porque  fer  a  Ermida  muyto  antiga, 
naõ  o  faz  o  numero  de  cincoenta ,  nem  de  feífenta  annos. 

A  devoção  que  todo  aquellc  lugar  da  Soalheira  tem  a 
cfta  Senhora  ,  he  muyto  grande ;  porque  a  experiência  dos 
feus  grandes  favores  faz  que  todos  com  grande  confiança, 
&  fé  a  bufquem  em  todos  os  feus  trabalhos;6c  porq  fempre  a 
achavaõ  propicia ,  como  arnorofa  Mãy ,  que  he  dos  necefli- 
tados,  refolvéram  os  nobres  daquelle  povo,  que  na  Cafa  da 
Senhora  feaíTentafle  a  Irmandade  da  Mifericordia.  Eaífim 
todas  as  efmolas ,  com  que  concorrem  os  fieis,  fe  difpendem 
em  fubfídiodos  mefmos  pobres ,  &  neceffitados.  E  em  nome 
da  Senhora  fe  pede  para  elles  ,  aílím  para  os  veflir,  como  pa- 
ra os  furtentar.  Tudo  fe  pede  em  nome  da  Senhora;  &  como 
o  povo  hc  muyto  limitado,  &  pobre ,  lhes  vai  muyto  aos  po- 
bres para  o  feu  remédio  as  efmolas  que  os  fieis  ,  devotos ,  6c 
romeyros  ofterecemà  Senhora. 

No  tempo  das  guerras  de  Portugal  com  Caílella  nun- 
ca pudéraõ  os  inimigos  chegar  àquelle  lugar;  &  nãõ  foy 
porque  os  muros  ou  fortificações  os  intimidaíTe;porque  na- 
da tem;mas  foy  porque  o  muro  fortiffimo,  que  o  defende,  he 
Maria  Santiflima:  Murus  inexpugmbilis  jlS  munbwntumfa- 
latis.  Hum  muro  inexpugnável,  &  huma  defenfa  das  fuás  vi- 
Horol.  das,  como  lhe  chamão  os  Gregos  a  efta  Senhora, 6c  eíla  o  foy 
Grxc  in  verdadeiramente  contra  todas  as  entradas ,  que  os  inimigos 
&*fi]t*  fizeraõ  em  os  mais  lugares    Porém  eíle  fempre  ficou  illefo, 
&  privilegiado  a  todos  os  roubos,  &  extorções,  que  os  mais 
padecerão;  porque  a  Senhora  das  Neceífi  Jades  o  defendia. 
Também  nas  neceífi  iades  publicas  de  Sol ,  ou  de  agua,  nefta 

miferi- 


Livro  I.  Titulo  XVII.  77 

mifericordiofa  Senhora ,  acháraõ  fempre  o  feu  remédio. 

He  cila  Santa  Imagem  de  efeultura  de  madcyra  ,  & 
eflofada.&aflim  lhe  naôcoflumaõveftir  roupas.  Efláco!- 
locada  no  Altar  mayor  da  fua  Ermida :  tem  quatro  palmos  de 
eftatura.  He  de  muyta  mageftade,&  fermofura,comque  at- 
trahe  os  corações  dos  feus  devotos.  Tem  Ermitão  que  cuy- 
da  do  aceyo ,  &  concerto  do  feu  Altar ,  &  os  Capcllacns  da 
Mifericordia  faõ  também  os  feus  Capellaês. 


TITULO     XVII. 

Da  Imagem  de  N.Senbora  do  Mojleyrojuto  a  CaHello  N0V0. 

JUnto  à  Villa  de  Caflello  Novo,  que  fica  ao  Norte  da  Villa 
de  Caflello  Branco ,  em  diflancia  de  pouco  mais  de  três 
legoas  ,  nafee  huma  ribeyra  ,que  antigamente  fc  chama- 
va Alpreada  ;nome  que  também  teve  em  os  feculos  anti- 
gos a  mcfma  Villa  de  Caflello  Novo ,  que  depois  perdeo ,  & 
deyxou  pelo  que  hoje  tem.  Nafce  efta  ribeyra  nas  fraldas  da 
Serra,  que  chamão  de  Guardunha.  Da  outra  parte  em  pa- 
rallelo,ou  em  correfpondencia  nafce  outra  fontc,de  que  pro- 
cede outra  ribeyra,  que  chamão  Al  preadinha ,  &  corre  ao  la- 
do da  Villa  de  Alpedrinha,  nome  também  derivado  da  refe- 
rida fonte ,  &  que  confervou  com  mais  conftancia ,  que  Caf- 
tello  Novo.Entre  eftas  duas  ribeyras  fe  vé  hum  valle  verti- 
do,  &  ornado  de  fermofos  foutos.  No  mcyo  delle  fe  vé  hua 
Igreja ,  dedicada  a  N.  Senhora  debayxo  do  titulo  do  Mofley- 
ro,  aonde  he  venerada  huma  muytomilagrofa  Imagem  de  N. 
Senhora  ,  que  tem  o  mefmo  titulo  y  que  he  toda  a  veneração, 
naõ  fó  dos  moradores  de  Caflello  Novo,  aonde  pertence, 
por  eflar  no  feu  termo;  mas  de  todos  os  lugares  circumvi- 
2Ínhos. 

Quanto  aos  princípios,  &  origem  defla  Sagrada  Ima- 
gem, 


y  %  Santuário  Mariano 

gero  y  &  de  feu  miiagrofo  apparccimento,rmi$  por  tradições \ 
cíoqueporeícrituras,heneftamaneyra.  Em  primeyro lu- 
gar havemos  de  aíFcntar  ,  que  os  princípios  que  teve  a  Or- 
demdos  Cavalieiros  do  Templo  em  Jerufalem,  foy  pelos  an- 
nos  de  1 1 1 8.  &  achamos  em  eferituras  antigas,  &  na  Monar- 
chiaLuíitanapart.J.liv.ç,  cap.  u.  que  janoannode  1126- 
eftavaõ  admtttidosem  Portugal ,  com  terras  ,  &  Caíkllos, 
para  defenderem  o  Reyno,  &  para  fazerem  guerra  aos  Mou- 
ros. A  eftas  terras  que  lhes  deu  a  Rainha  DonaTercja,  mãy 
delRey  D.  Affcnfo  Henriques,  entrava  o  Caíkllo  de  Al- 
preada ,  que  fem  duvida  na  rcedificaçaô  que  nelle  fariaõ  os 
Cavallciros  Templários,  tomaria  o  nome  de  Caíkllo  Novo. 
Eftes  Cavalieiros,  pagos  da  bondade  daqucllc  valle  referido, 
por  frefeo,  agradável,  &  deliciofo,  refolvéraõ  a  edificar  nel- 
le hum  Moítciro,cu jos  veítigios,quc  ainda  hoje  fe  vem,con- 
firmaõ  a  verdade  defla  tradição. 

Depois  correndo  os  tempos  fe  deflruio  aquelIeMoftei- 
ro ,  com  os  mais  que  tinha  aquella  Ordem,  pela  confedera- 
ção, que  contra  cila  fe  fez,  &  confia  de  fua  lamentável  hifto- 
ria.  Ncfta  occafiaõ^  em  que  fe  desfez  o  Convento,  efeondeo 
a  piedade ,  &  a  devoção  de  hum  daquelles  Cavalleiros  a  ben- 
dita  Imagem  da  Senhora  em  o  tronco  de  hum  caftanheiro, 
&a!lieíkve  por  muytos  annos,atè  que  (difpondo-o  aífima 
Divina  Providencia )  fe  manifeftou  a  Senhora,  apparecendo 
ahumapeffoa,quenaôconfta  fe  era  homem,  ou  mulher.  A 
vifla  do  miiagrofo  apparecimento,  concorre-o  agente  a 
receber  da  miíericordiofa  Senhora  muytos  favores ,  &  mer- 
cês 5  porque  todos  gozavaõ  dos  effeitos  do  feu  poder,  (por- 
que loraõ  muytos  os  milagres,  que  logo  começou  a  obrar)  fe 
foraõ  ajuntando  efmolas,  comque  fe  lhe  edificou  huma  Er- 
mida ,  em  tal  forma ,  &  difpoficaõ ,  que  o  mefmo  tronco  do 
caílanhey  ro,que  até  aííi  havia  fervido  de  concha  àquella  pre  ■ 
ciofa  pérola ,  lhe  ferviííe  de  Altar ,  &  peanha,  para  memoria 
de  feu  milagrofo  apparecimento.  E  ifb ,  ou  foíTc,4  tag°  Por 

adver- 


Livro  I.  Titulo  XV IL  79 

advertência  de  quem  difpoz  a  obra }  ou  porq  a  Senhora  naõ 
quizdcyxar  o  lugar,cmq  tantos  annos  havia  cfUdoocculta. 
Também  a  invocam  com  o  titulo  denoífa  Senhora  da 
Era  ,  por  caufa  de  fe  ver  o  tronco  do  mcfmo  caflanhcyro 
( quando  a  Santiífima  Imagem  apparcceo )  todo  veílido.,  &  a- 
dornado  de  fuás  folhas ,  que  como  armação  de  tela  ,  ou  ua- 
malco,  lhe  íervia  de  íitial^  &  de  cortina.  Tambemlhcdaõo 
titulo  de  noífa  Senhora  do  Souto  ,  &  fera  por  apparecer  no 
Souto  ,  que  alli  havia  >  &  no  tronco  docaftanheiro :  outros 
lhe  dam  também  o  titulo  das  Neves,  &  feria  fem  duvida  o 
motivo  que  ouve  paraiííò,  ofeftejarem  a  Senhora  em5.de 
Agoflo ,  quando  fe  faz  memoria  do  milagre  das  Neves ,  que 
ouveem  Romã  ncííe  dia,  no  Pontificado  de  Liberio. 

A  Imagem  da  Senhora  hc  de  efeultura  de  madeira ,  tem 
de  alto  dous  palmos  >  &  meyo,  &  affirmaô  todos  fer  a  rnefma, 
que  appareceo  no  tronco  do  caflanheiro,  &muytos  atem 
por  Angelical,  &  naõ  falta  quem  diga  >  que  os  Templários  a 
naõ  efeondéraõ ;  ao  que  eu  muyto  me  inclino,  porque  nafua 
extinção  ja  por  aquellas  partes  nem  havia  Mouros ,  &  tudo 
eflava  povoado  de  Chriflãos,  &  affim  quem  occuhou  eila 
Santa  Imagem  feriaõ  os  Chriflãos  >  na  occaíiaõ  em  que  fe 
perdeo  ElRey  D.  Rodrigo  > &  desde  aquelle  tempo  a  ceufer- 
vou,&  guardou  a  Divina  Providcncia,para  fe  manifeftarem 
tempo  que  foíTe  mais  conveniente  aquellas  terras^  ao  bem 
daquellas  almas.  Oterfe  por  Angelical  funda ô  (os  que  o  af- 
firmaô) a  fua  opinião,  em  que  hc  tofca  pelas  cofias,  &  pare- 
ce como  raxa  de  hum  páo  ,  que  fcabrio,  &aííimnaõ  parece 
que  mãos  de  homens  a  fizeraõ;  mas  que  as  dos  me  imos  A  n  jos 
a  obráraõ,&para  que  ativeífem  por  obra  fua  a  deixarão 
fem  a  acabar  pelas  coilas ,  o  que  naõ  faria  nenhum  outro  Ar- 
tífice \  porque  todos  deíejaõ  acabar  c  que  fazem  com  toda  a 
perfeição ,  para  aífim  fe  fazerem  merecedores  do  premio. 

O  Reverendo  Vigário  de  Caftello  Novo  ,  Fr.  António 
Affonfo  de  Gamboa)  diz  em  relação  que  aos  fez  de  ordem  do 

liluf- 


8  o  Santuário  Mariana 

Iiiuftriflimo  Senhor  D.  Rodrigo  de  Moura  Telles,Bifpo  en- 
tão da  Guarda ,  que  antigamente  adornavão  a  efta  Santiflíma 
Imagem  com  veftidos,(o  q  feria,ou  para  encobrir  algum  def- 
mayo  das  cores  do  eftofado,  caufadodomuyto  tempo,  que 
eflaria  no  oco  daquella  arvore ;  ou  tal  vez ,  que  naõ  feria  ef- 
tofada,)&  que  haverá  pouco  mais  de  trinta  annos,  que  feu 
anteceííòr  o  Vigário  Fr.  Joaõ  Semedo  y  a  mandara  eftofar,  8c 
que  ainda  hoje  viyia  o  homem,  que  a  levara  a  Niza  a  hum 
Pintor  muyto  perfeito ,  o  qual  homem  fe  chamava  Pedro 
Luis. 

Hoje  ja  faõ  menos  os  milagres ,  que  a  Senhora  obra ,  & 
fera  fem  duvida,  porque  nos  tempos  emque  fcmanifeftou, 
feria  mayor  a  fé  ,  &  também  o  agradecimento  nos  que  rece- 
biaõos  feus  favores;  porque  a  ingratidão  nos  homens  fuf- 
pende  os  favores  ,  &  os  benefícios  em  Dcos.  Tem  efta  Cafa 
hum  Ermitão  da  aprefentaçaõ  Real  pela  Mefa  da  Confcien- 
cia.  He  efta  Ermida,  &  Santuário  de  N.  Senhora  do  Moftejr- 
ro,  annexaá  Parochia  dcN.  Senhora  da  Graça  da|VilIade 
CaftelIoNovo.  Dcfta  Senhora  efereve  o  Doutor  Joícph  Sal- 
vado Cinza ,  Medico  de  Alpedrinha ,  cm  a  fua  relaçam. 


TITULO     XVIII. 

DaMilagrofa  Imagem  deN.  Senhora  de  Mer coles, 
da  Filia  deCaftello  Branco. 

HUm  quarto  de  Iegoa  da  Villa  de  Caftello  Branco,  &  cm 
o  feu  termo  >  eftá  o  Santuário ,  &  Cafa  deN.  Senhora 
de  Mercoles ,  Imagem  antiquiífima ,  pela  qual  tem  obrado  a 
poderofamão  de  Deos  em  todos  os  tempos  grandes  mara- 
vilhas. O  feu  milagrofo  apparecimento  fe  refere  por  tra- 
dição nefta  maneyra.  Dizem  todos,  que  apparecéra  a  Senho- 
ra naquelle  mefmo  fitio,  em  que  hoje  a  vemos  venerada  J  em  o 

tronco 


Livro  1.  Titulo  XVI II.  8r 

tronco  de  huma  azinheira ,  ou  fovereyra,  como  querem  ou- 
tros ,  cia  qual  ainda  hoje  fevem  veftigios  nas  coftas  da  Ca- 
pei í  a  mór  daqaclla  Igreja.  Naõ  confia  com  certeza  a  quem  a 
Senhora  appareceo,  ncmfeemofcuapparecimento  foy  le- 
vada para  outra  Igreja  ,&  delia  tornou  a  repetir  oprimey- 
ro  lugar.  E  como  cila  Senhora  coftuma  fazer  eíles  favores  a 
paílormhos  cândidos ,  fe  entende  ,  que  aquelle  que  foy  dig  x 
no  deite  favor ,  feria  algum  delles.  Também  namconíiafe 
quando  appareceo  ,  a  levaram  para  a  Vílla,  &  delia  defap- 
parecendo ,  vieífe  a  bufear  a  fua  arvore ,  como  vemos  de  ou- 
tras muyras  Imagens,  em  que  Deos  moítrou,que  no  lugar 
em  q  as  manifeítava,queria  fer  louvado  nelles,  pelas  maravi- 
lhas que  a  hi  havia  de  obrar  pelainterceíTaõ  de  fua  Santiflima 
Máy. 

Affirma  a  tradição,  que  fora  aquella  Cafa  fundação  dos 
Cavalleiros  Templários,  antes  da  fua  extinção  \  o  que  po- 
deria bem  fer,  porque  tiveraõ  muytas  Villas,  &  Caítellos  poc 
aquellas  partes.  Dizem  mais  q  fora  oapparecimentodaSe^ 
nhora  em  huma  Quarta  feyra ,  &  que  por  e(Ta  caufa  fe  impu- 
zera  o  titulo  de  Mercoles,que  no  idioma  Hefpanhol  quer  di  « 
zer  Quarta  feyra  ,  tomado  de  Marte ,  a  quem  os  Gentios  de- 
dicarão eíte  dia.Tambem  dizem  q  os  Caítelhanos;quc  naõ  <í- 
caõ mu; to  diítantes da  Villa  de Caflello Branco , frequenta- 
vao  muyto  aquella  Cafa  da  Senhora,vindo  aella  neíte  dia  do 
feu  apparecimsnto  com  granie  feita,  &  devoção  ,  &quc 
por  ter  fidb  o  feu  apparecimento  vulgarmente  em  qiarta 
feyra,  diziaõ:  V amos  a  Nvestra  Senhora  de  Mereci: s ,   & 
que  daqui  lhe  fica  ra  o  titulo 

He  a  Imagem  da  Senhora  de  grande  fermofura  ,  he  de  ta- 
lha, &  excelentemente  obrada;  a  matéria  hepao,eítáef  ■ 
toíada,  não  tem  mais  que  três  palmos,  íuppofto  que  mof- 
tra  mais  altura,  o  que  caufa  huma  peanha  qus  fe  lhe  fez.  Ho- 
je a  veítem,  &  adornaò  com  ricos  veítidos-Ea  caufa  de  aífioi 
fer,  dizem  foy , porque  com  a  muy  ta  antiguidade  fe  reconhe- 
Tom-  III.  F  eco. 


S i  Santuário  Mariano 

ceo>  que  os  braços  eílavaõ  mal  tratados  do  tempo  ,  &  foc- 
ramlhe  outros  novos,  &  novas  mãos ;  &  porque  fenaõ  co- 
nheceííe  ,  a  começarão  a  veíiir. 

Hum  morgado  da  mefroa  Villa  deCaílelío  Brancoeílá 
obrigado  todos  os  annos,  in  per petuttm  ,àt  manàav  zccznàcr 
duasalampadas  à  Senhora,  que  ardem  continuamente  na 
íba  prefença ,  as  quacs  fam  de  prata,  &  muyto  grandes ,  ( k- 
gado,ao  que  fe  entendido  iníhtuidor  do  morgadojpara  iíío 
he  obrigado  a  dar  três  ir.il  reis  cada  anno  a  hua  mulher  ,  pelo 
cuydado  que  tem  de  ir  duas  vezes  na  fomana,  commtya 
canada  de  azeite  de  cada  vez  *  a  concertalías ,  &  atiçallas, 
quando  he  neceffario.  O  Senhor  de  Pancas  também  he 
obrigado ,  por  adminiftrar  o  morgado ,  que  chamão  do  In- 
quifidor  ,  a  dar  à  Senhora  féis  mil  reis ,  em  cada  hum  anno, 
para  a  fabrica.  Outras  rendas  tem  mais ,  &  todas  do  tempo 
em  que  a  devoção ,  &  o  concurfo  era  mayor.  Tem  ricos  or- 
namentos de  todas  as  quatro  cores  da  Igreja,  &  muyto  boas 
peífas 

A  Igreja  he  grande,  &  de  muyto  boa  fabrica,  &archi- 
tcdhira.  O  pórtico  da  porta  principal  he  grande ,  &  de  o- 
bra  falomonica  :  as  paredes  eflaô  todas  azulejadas  de  a- 
zulejo,ainda  que  antigo, de  bom  feitio.  O  tefío  laqueado  ^  5c 
pintado  de  excellente  pintura  ,  aonde  fe  vé  a  hifloria  da  vida 
de  N.  Senhora ,  desde  a  lua  Natividade  até  a  Aííumpçaõ.  E 
fuppofto  que  fe  naõ  conhece  o  nome  do  Author, verdade  ira- 
mente  merece  telio  entre  os  da  fama.  Vemfe  pender  das  pa- 
redes dcfte  Templo  muytas  memorias  ,  &  finaes  das  mara- 
vilhas, que  a  Senhora  obrou. Entre  ellas  fe  vem  osdefpojos 
de  hum  grande  lagarto,de  que  foy  livre  hum  homem  feu  de- 
voto ,  que  a  invocou  ,  &  pode  matallo ,  &  poz  por  troféo  a 
pelle  deile  à  vifía  da  Senhora ,  que  o  defendeo. 

Toda  a  Igreja  eftá  cercada  de  ai  pendres.  Tem  três  ca fas 
de  novenas,  para  agente  que  vay  de  romagem  a  tellas,  & 
duas  moradas  em  que  vive  o  Ermitão,  que  he  nomeado  pela 

Carne- 


Livro  I.  Titulo  XV LU.  %$ 

Camera,  êr  confirmado  pela  Meia  da  Confcíencia.  Tem  dons 
qumtaes,  que  o  Ermitão  fabrica,  com  muy  tas  arvores  de  va- 
rias frutas,  &ao  redor  da  Igreja  tem  hum  carvalhal,  &  o 
anno  em  q  ft  faz  a  folha  naquelle  fitio,  rende  dous  moyos  de 
trigo.  Junto  à  Gafa  da  Senhora  fica  huma  quinta,q  he  da  cafa 
do  Infantado  ,  fazenda  coníideravcl;  porq  tem  muyta  fruta, 
grande  vinhatana  ,&  muy  tos  campos,&  chãos  q  levaõ  muy  to 
defemeadura,&  faõ  eftescãpos  regados  de  húacopiofa  fon- 
te, q  os  faz  mais  abundantes,  &  pelo  meyo  lhes  paíla  hu  rio  a 
qchamaõ,  c^fá  Vay.  He  fitio  muy  to  agradável, &  aprazível. 
Faz  méçaõ  da  Senhora  de  Mercoles  o  Doutor  Jofeph  Salva- 
do Cinza,&  Francifco  Giraldes  de  Ortega  em  fuás  relações. 


TITULO     XIX. 

T>a  Imígem  de  no/fa  Senhora  di  Valverde  nomzfmo 
âefinto  de  Cafiello  Branco. 

NO  termo  da  mefma  Villa  de  Caftello  Branco ,  huma  le- 
goa  diftante  delia ,  &  junto  ao  Rio  Ocrefa,  fc  vé  a  Ca- 
fa da  Senhora  de  Valverde ,  fitio  tam  agradável ,  &  frefco ,  q 
porrazamdelle  denominaram  a  Senhora  com  efte  titulo.  A 
origem  deíla  Senhora  he,  queappareceo  em  huma  lapinhaj 
&  porque  nunca  foy  poífivel  apartalla  delia,  fe  conferva  ain- 
da hoje  no  mefrm  lugar.  A  lapinha  emfi  hecoufa  deliciofa, 
porque  eflá  adornada  pelas  mãos  da  natureza,  &  os  feus  en- 
feytes  faõ  mufgos,  &  ervinhas.  Efia  Santa  Imagem  he  muy- 
to  pequenina  ;  porque  naõ  tem  mais  que  palmo ,  &  meyo,he 
de  pedra.  Mais  abayxo  da  lapinha  fe  lheedificou  huma  Igre- 
ja em  diftancia  decincoentapaflbs  ,  aonde  fccollocou outra 
imagem  muy  to  mayor  ,  &  de  vcíiiios.  Junto  aefta  Igreja  fe 
véhum  Conventinho  decincocellaSj.com  outras  officinas, 
com  refey  tório,  cozinha ,  &  outras  C3fas;  aonie  eítiveraõ 

F  2  con- 


84  Santuário  Mariano 

congregados  alguns  Clérigos  dolnfiitutode  Sam  Felippe 
Neri,&naôfei  cornque  caufa  defemparáraõ  oíiíio-  Efem 
embargo  de  que  cílá  convidando  com  a  fua  foledade,&  reti- 
ro à  oração,  &  contemplação  das  coufas  do  Ceo,deixallo- 
hiaõ  por  outro  de  melhor ,  5c  mayor  comodidade  para  a  fua 
conlervaçíõiporque  poderia  também  fer  oppoftoà  faude- 

Tem  a  Cafa  da  Senhora  humabaftante  cere*,  provida 
de  muyta  variedade  de  frutas ,  &  com  muytos  arvoredos  íil- 
vcilres ,  corno  pinheiros  ,  cipretfes ,  &  outras  femelhantes. 
Também  tem  duas  fontes ,  huma  dentro  da  cerca  ,  &  outra 
fora.  Além  defta  cerca  tem  outras  propriedades  ,  que  ren- 
dem hum  anno  por  outro  cincoenta  mil  reis.  Tem  a  Senho- 
ra hum  Ermitão  ,  que  prove  o  Biípo  da  Guarda  ,  &  he  fem- 
pre  efte  provimento  em  Clérigo  ,  o  qual  além  dos  frutos  da 
cafa ,  tem  ametade  dos  rendimentos  da  fazenda  ,  &  a  outra 
he  para  a  fabrica  da  Ermida,q  tem  muy  tos  ornatos ,  &  muy- 
to  bons  ornamentos.  Etudoiífoderaõ  os  fieis  àquella  po- 
derofa  Senhora,  obrigados  dos  benefícios,  que  delia  recebe- 
rão ;  porque  em  todos  os  tempos  tem  obrado  muy  tas  maravi- 
lhas^ ainda  hoje  obra  >&  affim  heSãtuario  muito  frequenta- 
do,naõ  fódos  moradores  de  Caítello  Brãco,mas  dos  lugares 
circumvuinhos ;  porq  ha  por  alli  muy  tos  lugares  grandes,& 
ricos,como  ião  Salgueiros, Tinalhas ,  Cafide,  &  outros.Faz 
menção  da  Senhora  de  Valverde  na  fua  relação  o  Doutor  Jo- 
ieph  Salvado  Cinza,&  tãbem  Francifco  Giraldes  de  Ortega. 


TITULO     XX. 

3)a  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Remédios ,do 
lugar  de  AlfirYida. 

NO  termo  da  referida  Villa  de  Caftello  Branco  eílá 
hum  lugar  limitado,  que  terá  pouco  mais  de  vinte  vi- 
zinhos 


Livro  I.  Titulo  XX.  %  y 

zinhos,a  que  chamão  Mfirv  ida  flittantc  da  mefmaVilla  duas 
legoas.  E  o  nome  de  Alfirvida,  parece  que  eftá  dizendo  o 
que  elle  he  ,  que  verdadeiramente  naõ  he  muyto  para  cubi- 
car a  fua  vivenda,  &  no  veraô  parece  qfeefcufanelíe  o  ele- 
mento do  fogo,&  por  eftacaufa  faõ  infinitas  as  cezoens,  de 
que  abunda»  Mas deulhe o  Ceo para efta  grande  chaga  ,  hu- 
ma  cfficaz  medicina  na  afliftencia ,  favor ,  &  amparo  da  Se- 
nhora dos  Remédios, celebre  Santuário daquellas  partes.FÍ- 
ca-lhe  também  vizinha  huma  ribeyra  ,  que  na  mefma  manei- 
ra fe  intitula  Alfirvida  ,  muyto  abundante  de  peyxe,  que  lhe 
entra  do  rio  Tejo ,  aonde  em  pouca  diítancia  fe  vay  meter. 

Do  tempo  em  que  efta  Santiflima  Imagem  appareceo,' 
naõ  confia  ;  mas  referem  por  tradição,  apparecéra  naquellc 
lugar, aonde  hoje  eftá  a  Igreja,  A  forma  do  apparecimento 
naõ  confia  individualmente ,  mas  pode-fe  conje&urar  feria 
aflim. 

Havia naquelle  lugar  de  Alfirvida  hua  peífoa,  naõ  conf- 
ia quem  foffe ;  porém  feria  alma  virtuofa ,  &  cândida.  Efta 
parece  padecia  algua  grande  doença }  &  molefta  enfermida- 
de, êccraifto  no  Eftio,  &no  mayor  rigor  das  calmas.  E  co- 
mo Maria  Santiflima  he  a  Mãy  dosafflidos  ,  &dcfconfola- 
dos,  dizem  lhe  apparecéra  ,  &  que  a  mandara  lavar  ou  beber 
de  huma  fonte ,  que  no  mefmo  tempo ,  &  para  beneficio  feu, 
&de  todos  os  mais  daquelle  lugar ,  apparecéra  em  certo  lu- 
gar ,  que  naõ  ficava  muyto  diftante ;  &  juntamente  ,  que  lhe 
mandara,  que  no  mefmo  lugar,  aonde  a  fonte  havia  arreben- 
tado ,  lhe  levantaífcm  huma  Ermida.  Recorreo  efta  creatura 
à  fonte  obrigada  do  mandato  da  Senhora  ,  &  com  o  contado 
da  agua  da  milagrola  fonte  ,  ficou  faã,  &  livre  de  todas  as 
moleftias  que  padecia:  recorrerão  afama  do  milagre  outras 
peífoas  ,  a  valerfe  daquella  medicinal  agua ,  &  todas  cobra- 
vaõ  perfeita  faude  ,  &  aflim  fe  viaõalii  muytos  prodígios, 
&  maravilhas ;  porque  os  doentes  de  febres  alcançavaõ  o  fi- 
carem izentos  delias  bebendo  da  agua ,  os  cegos  lavandofe 
Tom.  III.  F  3  na 


8  6  Santuário  Mariano 

na  agua  cobravam  viíla  ;&os  aleijados  ,  &  tolhidos  fica- 
vão  íàõs  ,  &  livres  do  mal  que  padeciam. 

AViíla  deílas  mara vilhas,fe  procurou  logo  concertar  a 
fonte  ,  que  eíla va  junto  a  huma  fovereira ,  &  como  efía  cau- 
faíie  grande  impedimento  à  execução  cia  obra, foy  ncccffario 
cortaíla.  Ncllc  tempo  em  o  tronco  da  mefma  arvore  defeu- 
brírão  os  que  a  cortavaõ ,  huma  fcrir.ofa  Imagem  da  May  de 
Dcos,  mas  tam  pequenina ,  que  terá  palmo,  &  mcyo.  E  como 
a  terra  em  que  a  Senhora  fe  manifeítou  era  dos  Aícendentes 
de  M  noel  Brandam  Cafkllo  Branco,  clles  a  recolheram  pa- 
ra íua  cafa,para  a  enriquecerem  com  eíla  joya;  &  fe  conferva 
nelía  como  a  melhor,  &  a  de  mais  exceííivo  preço  de  feu  mor- 
gado; privando  aquella  terra  deite  mextimavcl  thefouro, 
que  em  a  collocar  em  publico ,  para  fer  venerada  de  todos, 
moflrariaõ  melhor  a  gencrofidadedeíua  nobrcza,&  o  efcla- 
recidoda fua fidalguia; porque  fuppoflo  foy  refoluçaõ íanta, 
foy  muyto  ambiciofa. 

Tratou-fe  logo  da  edificação  da  Igreja,  &para  cila  fe 
mandou  fazer  com  toda  a  diligencia  outra  Imagem  grande, 
que  terá^inco  palmos  •  he  de  efeultura  de  madeyra  eíiofadaj 
&  porque  eíla  Santa  Imagem  ficou  com  a  prerogativa  da  pri- 
meyra ,  &  fazia  muytos  milagres ,  remediando  a  todos  ,  lh« 
impuzeraõ  o  titulo  dos  Remédios.  A  Igreja  hegrande,  & 
fermoía,  &  fez-felhe  hu  alpendre  cfpaçoíò,  aonde  fica  a  fon- 
te ]  quehe  como  huma  arca,que  terá  de  fundo  três  palmos, 
&  fempre  eftá  cheya  de  agua.  E  naô  hc  o  menor  milagre  o  ef- 
tar  iempre  no  mtfmo  fer,fem  fe  diminuir , quando  fe  lhe  tira 
rr  uy ta  ,nem  fe  augmentar,quando  lha  naõ  tirac ;  no  Inverno 
fe ndo  as  chuvas  muy  tas,  &  as  invernadas  grandes,  naô  cref- 
ce  mais, como  também  no  mayor  rigor  do  Eíiio  naõ  fe  di- 
minue,  Porém  fe  a  tiram  para  fervir  para  outros  ufos,  fe  fe- 
ca,&defapparece  per  algum  tempo. 

Em  huma  occafiaõ  movido  da  fé  das  maravilhas ,  que  a- 
qucllàmilagroiaígua obrava,  hum  almocreve  encheohum 

barril 


Livro  1.  Titulo  XXL  %y 

barri!  de!!?,  para  lavar,  &  curar  as  mataduras  das  fuás  beftas; 
porém  depois  de  curadis,fefecou  a  fonte  de  modo,  que  por 
cfpaçodétrcádiâsnáõ  tornou  a  agua  à  fonte.  De  muytas 
partes  deite  Reyno  va y  gente  em  romaria  a  vtíitar  a  Senhora 
dos  Remédios  de  Alfirvida ;  <k  aífim  íaõ  muytas  as  offertas, 
qfeofferecem  ri  Senhora ?dasquaes  fedáametade  ao  Cura  do 
lugar,cmfatisfaç'õdofeu  trabalho  de  Parocho.  Da  Senho- 
ra dos  Remédios  do  lugar  de  Alíirvida  fazem  menção  nas 
fuás  relações  o  Doutor  jofeph  Salvado ,  &  Francifco  Giral- 
desde  Ortega. 


TITULO     XXI. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  da  Granja  em  a  Filia  de 
(Proença  a  Velha* 

MEu  Padre  Santo  Agoftinho  diz,  que  para  os  que  o  fer- 
vem^ trabalhão  em  feu  fer  viço,he  Deos  huma  fértil, 
8c  fecundiffíma  granja  ;  porque  com  os  feus  frutos  os  fuf- 
tenta  abjndantiffimamente:  Uberrimum  pr^dium  Deus.  E  ^  Â   j 
de  Maria  Santiflima  dizem  todos  os  Santos  Padres,  fer  tam- 
bém granja,  &  terra  fecundiflima.  joaõGeometra  diz  que 
hc  Maria  Santiflima  huma  terra,  &  huma  granja  taõ  preciofa, 
que  os  feus  frutos  faõ  divinos  ,  &  que  o  feu  paõ  he  o  Manná  ^     7 
do  Ceo,&  que  he  huma  terra  taõ  admirável,  que  naõ  necef-  q*^ 
fita  de  cultura:  Terra  femper  fui Jimilis  ,  refertadmnis  a-  in°™t] 
lirnentis,  &  Minnapviem  incultum  proferem,  a  rationisex-  cord.ad 
P?ys  ,  &  fationis-  André  Cretenfe  coniiderando  a  fecundi-  cap.u 
dade  defta  bendita  terra ,  diz  íer  muy to  para  defejada:  Terra  Lnc. 
Verêdefiderabilis.  Por  fua  foberana  fecundidade,  lhe  chamaõ  A  ^  y 
os  Gregos  granja  fertilíffima  ,  &  terra  de  promiflaõ,  que  naõ  Creft*r2 
fó  dá  frutos  admiráveis,  mas  produz  leite,  &mel:  Terra  2.deAfz 
promijionts  laite,  &  meliefluitans.  Naõ  fó  produz  eftes  ex-  ^mpu  J 

F  4  cel- 


8  8  Santuário  Mariano 

Hjmno  ceU€nteslicorcs>masfuaviffimos  aromas;  difíc-o  o  Cretcnfc: 
Gr*ç*  Terraferins  aromcita.  Tudo  ifto  alcançaõ ,  os  que  com  vcr- 
1f*  dadeyra  dcvoçaõ  fervem  ,  bufeão  ,  &  amaõ  a  Senhora  da 
fj  *  Granja. 

No  termo  da  Villa  de  Proença  a  Veíha,emdiflancia  de 
Ahàr.  mcyalcgoa  da  mcfma  Villa ,  efiá  o  Santuário ,  &  Cafa  da  Se- 
Cra'     nhora  da  Granja  7  aonde  he  venerada  hua  milagrofa  Imagem 
"•*•"'  da  Mãy  de  Deos,quc  tem  eíte  titulo ,  impoilo  do  íitio  cm  que 
fJmpt    ^  manifcfl°u  i  Por  te  haver  defeuberto  cm  huma  granja  ou 
'  *  herdade^&comofcnamfabiaotitulojquelhehaviaõdedar, 
Iheimpuzeram  efledolugar^emque  appareceo.  Defuao- 
rigem ,  princípios ,  &  antiguidade ,  naô  fabem  dar  razam  os 
moradores daquelle  povo,  fó dizem  que  appareceo,  &quc 
he  antiquiflima ,  &  que  apparecéra  naquella  granja  no  tron- 
co de  huma  arvore.  Não  confia  a  forma ,  nem  as  circunflan- 
cias  de  feu  apparecimento ,  que  feriaõ  muyto  notáveis  ,  nem 
a  quem  foy  fcy  to  o  apparecimento. 

O  Doutor  Jofeph  Salvado  Cinza  cm  a  fua  relação ,  que 
nos  fez  das  Imagens  da  Beyra,  diz ,  que  nos  feculos  paífados 
fora  cfta  Cafa  da  Senhora  dos  Cavalieyros  Templários ;  os 
quaes  como  na  fua  extinção  adefemparáraõ,  com  a  fua  falta 
fc  esfriaria  a  grande  devoção  antiga  ,  que  fe  tinha  à  Senho- 
ra.  Donde  parece  que  logo  em  fua  manifcflaçaõ  começou  a 
obrar  grandes  maravilhas ,  &  como  os  Cavalleiros  do  Tem- 
plo craõ  fenhores  de  quafi  todas  squellas  terras  ,elles  cem  a 
fua  piedade  cuidariaõ  muy  to  do  culto  ,  &  ferviço  daquclla 
milagrofa  Senhora.  A  Imagem  da  Senhora  he  pequena  ,  por- 
que naõ  tem  mais  que  tres  palmos ;  &  he  de  efcultuta  de  ma- 
deyra  cíiofada.  E  o  fer  tam  antiga  >  &  efiar  em  hum  lugar  tão 
pobre ,  fera  a  caufa  de  fer  hoje  menos  a  frequência  das  romã  • 
gês.  Os  muy  tos  quadros  que  fe  vém  na  fua  Capella^teítemu: 
nhaõ  os  muy  tos  milagres ,  que  a  Senhora  tem  feito ,  &  tam- 
bém as  mortalhas ,  que  lhe  offerecem  aquelles ,  que  por  be- 
neficio da  mefma  Senhora  alcançarão  o  dilatar-lhes  Deos 

mais 


Livro  I.  Titulo  XX!  L  89 

mais  a  vida,  q  ja  reccnheciaõ  fe  ihcs  acabava,  &  outros  finacs 
mais,  que  daõ  teitemunho  de  que  todos,  os  que  com  verda- 
deyra  fé,  &  devoção  imploraó  o  feu  favor,  &  patrocínio, 
achãofemprcbonsdefpachos  cm  fuás  petiçoens.  Amayor 
frequência  daquelle  Santuário  he  nos  Domingos  ,  &  dias 
Santos ,  &  as  mulheres  daquella  Villa  naõ  faltaõ  em  vifitar  a 
Senhora  em  todos  os  Sabbados. 


TITULO     XXII. 

2)4  Imagem  de  N.  Senhora  do  Cajlello  de  Filia  Velha» 

EM  Vilía  Velha  do  Rodam  ,  hc  muyto  celebre  o  San- 
tuário de  N.  Senhora  do  Caftello,affim  por  fua  antigui- 
dade ,como  pelas  muy  tas  maravilhas,q  nelle  obra  a  poderofa 
maõ  de  Dcos  ,  pela  interceflTaõ ,  &  merecimentos  de  fua  Mãy 
Santiffima,  &  pela  fua  Imagem,que  nclle  fc  venera.  Vc-fc  efle 
Santuário  no  mais  alto  de  huma  Serra,que  difta  da  Villa  pou- 
co mais  de  hum  quarto  de  legoa ,  cujo  caminho  hc  muyto  aí- 
pero,  &  Íngreme.  Fica  efta  Cafa  próxima  a  hum  Caftello  an- 
tigo jdelle  tomaram  motivo  os  moradores  de  Villa  Velha, 
para daremà  Senhora  otitulo  doCaflello.  /ffirmaô  aquel- 
íes  naturaes  fer  tradição  conftante,que  os  Cavalleiros  Tem- 
plários edificarão  a  Cafa  da  Senhora  ,&  também  o  Caftello, 
junto  do  qual  fe  continua  hum  fueceffivo  penhafeo,  que  def- 
ce  até  fe  meter  no  Tejo,  aonde  chamão  as  portas  do  Rodam, 
titulo  celebre  daquelle  apertado  lugar ,  por  onde  vay  todo 
apertado,  &  humilde  aquelle  caudaloío,  &  foberbo  rio,  &  até 
aonde  permitte  fer  navegável. 

Nefta  Ermida  hebufeada  com  muyto  grande  devoçam 
huma  milagrofa  Imagem  de  N.  Scnhora,q  he  formada  de  pe- 
dra ,  alva  ,  &  fina.  Temfobre  o  braço  eíquerdo  ao  Menino 
Deos ,  da  mefma  matéria ,  tV  ambas  as  Imagens  faõ  de  excel- 

lentc 


9  a  Santuário  Mariano 

knteefcultura  ,  comas  roupas  muy  to  bem  lançadas  ,&  fem 
embargo  cie  que  efeufava  pintura  ,  eftá  pintada  ao  antigo,  6c 
encarnada, & eíiá  tam viva, &bella  a  encarnação,  que  pa- 
rece fer  àcabãdâ  de  poucos  dias ,  fendo  que  ha  muytos  fecu- 
los,  que  ie  devia  coi  locar  ncfte  Santuário.  A  íua  cílaturahe 
de  três  palmos,  &  mcyo ,  &  mofíra  niuy to  grande  magef  tade, 
&  foberania. 

Quanto  à  fua  origem  >  h  principios  nam  confta  nada 
por  efcí  ittiras  ,  &  por  teftemunhos  autênticos ;  mas  por  hu- 
ma  antiga,  &  continuada  tradição  fe  tem  por  certo,  que  os 
mefmos  Cavalley  ros  do  Templo ,  que  edificaram  o  Caíkllo, 
edificarão  também  a  Gafada  Senhora,  &  que  elles  mandarão 
fazer  a  Imagem ,  &  a  collocàraõ  na  melma  Ermida  j&  iflo  ha 
quinhentos  annos  ,  ou  mais. 

He  eíle  Santuário  de  grande  concurfo ,  &  romagem ;  & 
fempreeftabemdita  Imagem  de  Maria  Santiffima  refplandc- 
ceo  em  milagres ,  &  ainda  hoje  faz  Deos  por  fua  intercefíaõ 
infinitas maravilhas.  Noannode  iÓ74.obrouhumaemhús 
barqueyros  de  Abrantes  notável.  Recolhendcfe  eftes  do 
porto  daquella  Vil  la  entrarão  com  rio  cheyo  as  portas  do 
Rodam,  &vendofe  em  hum  grande  perigo  chamarão  pela 
Senhora  do  CaftellosSc  fumergindofe  o  barco  na  entrada  das 
portas,  fahto  no  fim  delias ,  que  he  hum  grande  efpaço ,  com 
toda  a  gente  que  levava  fem  detrimento,  nem  moleftia  algu- 
ma ;  de  que  dando  as  graças  à  Senhora ,  mandarão  fazer  hum 
quadro,  quepuzeramna  fuaCapella,  para  perpetuo  tefte- 
munho  defle  grande  beneficio  ,  que  foy  admirável ,  &  ainda 
hoje  fe  vé  o  quadro  na  mefma  Ermida. 

Outro  quadro  mandou  fazer  também  huma  mulher  de 
Caftello  Branco ,  aqualeflando  defeonfiada  da  vida  emhua 
gravtífima  doença,  chamando  pela  Senhora  do  Caítello  ,  me- 
lhorou logo  repentinamente,  &  ainda  hojevive.  Eindo  a 
dar  as  graças  á  Senhora,  mandou  coílocar  o  feu  quadra  por 
memoria  do  grande  favor ,  que  a  Senhora  lhe  fizera,  Outros 

muy- 


Livro  LTttuloXXllh  9x 

muytos  milagres  ,  &  prodígios  tem  obrado  Decs  pela  in- 
terceííàõ  da  Penhora  doCaiíclIo  ,  &  esebra  todos  os  aias, 
como  o  confirma  o  grande  concurfo  dos  Reme  yros,que  por 
todo  o  anno  vaõ  a  viíitar  a  Senhora.  E  desde  o  ultimo  de  A- 
gofto  até  cy  to  de  Setembro ,  cm  que  fe  celebra  a  feita  da  Se- 
nhora, feachaõ  de  novena  ordinariamente ,  trinta ,  &  qua- 
renta cafaes ,  a  fazer  novenas.  E  ja  ouve  anno  nos  tempos 
paíFados,em  que  fe  ajuntarão  mais  de  íetcnta5&  os  irais  dei- 
tes por  voto ,  que  fazem  em  fuás  neceffidades-,  &  aperto-?, 
doenças,  &  enfermidades  graves.  Muytos  le vaõ  as  fuás  mor- 
talhas^ offertas  de  cera ,&trigo;&naõfódo  termo  daquel- 
la  Villa,  &  das  terras  circumvizinhas ,  mas  do  Alentejo,  & 
de  outras  partes  mais  remotas. 

Outra  coufa  muy  to  digna  de  fe  faber  fe  experimets  to- 
dos os  annos  nas  referidas  novenas ,  &  he,  que  fendo  o  tal  íi- 
tio  tam  afpero,&  deshabitado,&  quaíi  tudo  penhafcos,de  que 
reíulta  haver  nelle  muytos  bichos ,  &  favandijas  J  nos  taes 
dias ,  em  que  fe  achão  nelle  os  que  vaõ  a  ter  as  luas  novenas 
emeafinhas  16  armadas  de  pedra  feca,&  as  mais  delias  cuber- 
tas  de  mato ,  fe  não  tem  viiio  formiga ,  aranha ,  cobra ,  nem 
outro  bicho  peçonhento,  o  que  attribuem  todos  a  èfpecial  fa- 
vor de  N.  Senhora.  Efta  relação  nos  fez  o  Vigário  de  Villa 
Velha  Frey  Manoel  Godinho  ,  por  mandado  dullluítriffimo 
Senhor  Dom  Rodrigo  de  Moura  Telles  Biípo  da  Guarda. 


TITULO     XXIII. 

Da  Imagem  cie  N<  Senhora  da  Orada  >  ou  a  Alagada  em 
Villa  Velha. 

ABayxo  da  mefma  Villa  Velha  do  Ródano,  cu  do  Rodaô, 
fituada em  pouca  diítancia  do  rio  Tejo,  &qiufi  fron- 
teyra  à  Villa  de  Mental vaõ,  que  lhe  fica  da  outra  parte ,  fe  vé 

em 


9 1  Santuário  Mar  iam 

em  o  efprayado  da  íua  nbeyra  a  Ermida ,  &  Santuário  de  N. 
Senhora  da  Orada,  ou,  como  outros  lhe  chamaõ,  a  Alagada; 
titulo  nafcido  da  caufa  ,  que  logo  diremos.  Heeíla  Villado 
Rodaõ  da  Comarca  deCaftello  Branco,  &tam  antiga  ,  que 
querem  que  alli  íe  acolheffe ,  &  acabafíe  o  miferavel  Rey  Hc- 
rodes  Agrippa ,que  mandou  degollar  ao  Bautifh/iò  qual  diz 
Jofepho  de  'Bello  Judaico ,  que  viera  fugindo  para  Efpanha 
em  companhia  de  Herodias.  E  o  mefmo  fentem  Niccphoro> 
Addon  Vienenfc ,  Vafeo ,  Angelo  Pacenfe, Guarivay,  Mo- 
rales,  Vilhcgas,  &  Laymundo,o  qual  neílas  breves  palavras 
Fr.       moflra ,  que  fora  morto  na  Villa  do  Rodam:  ^rofugus  ã  facit 
Ben$.     Vomini  Yixit  in  Tarracone7&  Emeritay&fotdè  occtditur  in 
de  Brit .  llbotUo  LufitanU  oppido.  Que  fugitivo  da  face  de  Deos,fem 
Mo*n    ter  quietação  alguma,  nem  lugar  certo,  depois  de  viver  em 
*****     Tarragona  ,  &  em  Merida ,  fora  morto  torpe ,  &  miícravcl- 
tm%  *  mente  em  hum  lugar  da  Lufitania  chamado  Rodio.Frey  Ber- 
nardo de  Brito  affenta  ( como  fc  pode  ver  na  fua  Monarchia) 
fer  cíle  Rodio  a  Villa  Velha,  de  que  agora  falíamos;  donde  fe 
pode  ver  que  he  povoação  muy  to  antiga ,  &  por  caufa  do  an- 
tigo nome  Rodioadenominão  hoje  ,  Villa  Velha  do  Rodaõ» 
E  quanto  à  antiguidade  daCafadeN.  Senhora  da  Ora - 
da,ou  Alagada,naõ  fabem  os  moradores  de  VillaVelha  dizer 
com  certeza  o  tempo  cm  que  a  ppareceo,ou  fc  defeubrio;  mas 
por  tradição  referem  o  modo ,  que  he  nefla  forma.  No  tem- 
po cm  que  feperdeoEfpanha,&  a  invadirão  os  Mouros,lcva- 
va  comfigo ,  tirando-a  de  algu  Convento  feu,  hum  Religiofo 
Carmelita  efta  Imagem ,  (  que  feria  muytomilagrofa ,  &  ref- 
plandeceria  em  milagres, )  &  que  temendo  fer  prezo  dos  ini- 
migo» ,  &  que  à  Senhora  fe  lhe  fizeffe  algum  defacato ,  ou  al- 
guma injuria,  a  metera  em  huma  caixa  ,  &  a  lançara  no  Tejo, 
aonde  eflivera  muy  tos  annos ,  &  que  depois  o  mefmo  rio  em 
huma  grande  invernada ,  ou  grande  cheya  ,  a  arrojara  em  o 
lítio ,  aonde  depois  fe  lhe  edificou  a  Ermida ,  em  que  hoje  he 
venerada:  achada  a  caixa,  &  fabendofe  o  que  era,  acodíraõ  os 

mo- 


Livro  I.  Titulo  XXIII.  93 

moradores,&  o  Parocho,  que  alegres  com  a  vifta  da  Senhora 
a  tomárão,&  em  prociííaõ  a  levàraõ  á  Matriz.  Porém  como  a 
Senhora  depois  de  tantos  annos ,  que  havia  citado  fcpultada 
nasaguasdo  Tejo,  tinha cícolhidoaquelle lugar, para nel- 
le  íer  venerada,  fugio  da  Ma  triz,&  tornou  a  repetir  o  lugar , 
donde  havia  fahido :  referefe  que  duas  vezes  fugira  da  Igreja 
Matriz.  A'vilta  das  fugas,  fe  déraõ  os  moradores  por  enten- 
didos ,de  que  a  Senhora  efeolhéra  aqut  ile  lugar ;  &  affim  lhe 
edificaram  logo  huma  Ermidinha,  que  ainda  hoje  he  a  mefma, 
ou  parte  delia ;  porque  por  fer  pequena ,  fc  lhe  augmeníou 
depois,  o  que  naõ  ha  muy  tos  annos. 

Outra  noticia  aponta  o  mefmo  Vigário  de  Villa  Velha 
Frey  Manoel  Godinho,  que  foy  o  que  por  mandado  do  Illuf- 
triffimo  Senhor  Bifpo  da  Guarda  nos  fez  efla  relação,  a  qual 
conferida  com  a  primcyra ,  tem  pouca  differença,  quanto  à 
íuílancia ,  ainda  que  no  modo  diffira  alguma  coufa.  Diz  que 
vindo  cila  caixa  pelo  Tejo  abayxo ,  fe  foy  ao  fundo  defronte 
do  mefmo  outeyro ,  no  qual  lugar  fe  viaõ  em  algumas  ceca- 
fioens,  de  dia  hQa  névoafinha  branca ,  &  de  noy  te  hua  luz,  no 
q  reparando  alguas  peífoas ,  fc  refolvec  hum  pefeador  a  mer- 
gulhar ,  para  ver  fe  achava  alguma  coufa  ,  &  que  indo  abay- 
xo encontrou  com  a  caixa,  que  trouxe  acima,  &  pondo-a  na- 
quelle  lugar  a  abrirão  ,  &  fe  vio  a  Senhora ,  &  quedalli  a  le- 
varam para  a  Matriz,de  donde  fe  feguio  o  mais  que  fica  refe- 
rido. 

Também  íediz,  que  em  algumas  grandes  cheyas  ,  ven- 
dofea  Ermida cuberta  de  agua,  fe  vira  andara  Senhora  fobre 
as  aguas,  &  que  àviftadiítoferefolvéraõ  a  levar  a  Senhora 
paraaViIb;porémfemprc  efla  diligencia  foy  fruíirancajpor- 
que  logo  a  Senhora  fugia,  &  íe  voltava  à  fua  Ermida. Com  ef- 
tas  maravilhas  lha  concertarão;  êccompuzeraõ. 

b  Ertá  íituada  cfta  Cafa  da  Senhora  em  hum  pequeno  ou- 
teiro cercado  de  olivaes,  ao  qual  cerca  o  mefmo  rip>  &  ÍQÚn  • 
da ,  &  fuppofto que  fempre  fica  a  mayor  parte  da  E^imài  #6 

cuberta 


94  Santuário  Mariano 

cubí-rta  >  s!g'imas  vezes  liiccedeocubriila  de  todo.  He  efta 
Sagrada  Imagem  de  efeultura  de  madeyra ,  he  cíiofada ,  &  a 
encarnarão  delia  cftá  tam  frefea  ,  &  tam  viva  ,  &  lufhrofa, 
que  cauía  admiração,  naõ  fó  por  haver  eflado  tantos  tempos 
debayxo  da  agua  ;  mas  por  eílar  em  hum  lugar  muyto  húmi- 
do. Tem  de  altura  menos  de  tres  palmos;  mas  de  perfeyta 
proporção ,  &  de  muyto  alegre  ,  &  agradável  preíença.  A 
cauía  de  lhe  darem  o  titulo  de  Alagada  foy  por  fe  achar  me- 
tida no  rio  ,  &  fumergida  cm  fuás  aguas. 

Todos  aquelles  que  com  verdadeyra  fé  }  &  devoçam  fe 
valerão  ,  &  valem  da  Mãy  de  Deos,  invocando  efta  Sagrada 
Imagem  fua,  experimentarão,  &  ainda  hoje  experimentam 
grandes  favores,  &  milagres;  &  aflim  lhe  fazem  muy  tos  vo- 
tos de  a  ir  bufear  ,  &  vifitar ,  porque  lhes  acode  em  feus  tra- 
balhos, &  neceífidades ;  &  também  lhe  levaõ  as  fuás  offertas 
de  cera,  &  outras  coufas  mais.  O  mayor  concurfo  he  da 
gente  do  termo,  &  também  do  Alentejo  vem  muy  tos  em 
romaria  a  vifitar  a  Senhora. 


TITULO     XXIV. 

Da  Imagem  de  N.Senbora  das  Cabeças  no  Seyxo  amarello. 


N 


O  lugar  do  Seyxo  amarello,  termo  da  Villa  deCaftel- 
,  lo  Novo  ,he  muyto  frequentado  o  Santuário,  &Cafa 
denoífa  Senhora  das  Cabeças ,  titulo  a  que  fe  naõ  fabc  a  ori- 
gem. Mas  como  efta  Sagrada  Imagem  he  invocada  para  as 
dores  de  cabeça,  &  com  a  fua  invocação  fe  vem  livres  deltas 
os  que  as  padecem,  daqui  entendo  procederia  o  darfelhe  eíle 
titulo»  He  efta  Santa  Imagem  muyto  antiga,  &coníírmAfe 
o  fer  arlim,  porque  naõ  ha  noticias  certas,  nem  tefíemunhos 
authenticos  de  feu  principio  ,  &  origem.  E  fó  por  tradição  fe 
diz  i  que  apparecèra,  &  cila  he  confiante  entre  todos,  Só  no 

modo 


Livro  I.  Titulo  XXIV.  95 

modo  ha  diffcrenç* ;  porque  huma  tradição  rffirmacue  a  Se- 
nhora apparecéra  a  huma  irnccentc  paf}orinha;&  corno eíla 
Senhora  foyaPaftoraquenereceo  s  pafeentar  o  móis  cândi- 
do, &  puriífanoCcrdeyroJefusChriílo,  gomaria  de  fe  com- 
municar  àquclía  candida,&  innocentinha  pafionnha.  O  mo  ■ 
do  cm  que  lhe  appareceo  fe  ignora ,  mas  diz  a  tradição ,  q  lhe 
mandara  diíTeffe  aos  moradores  do  lugar,  lhe  edificaíftm  na- 
quelle mefmo  fitio,  em  que  fe  lhe  maniftíhva,  huma  Caía  ,em 
que  fofle  venerada  \  o  que  fe  executou  aífinijcomo  a  Senho- 
ra mandava. 

Outra  tradição  affirma  que  o  apparecimenío  da  Senhora 
fora  a  hum  homem ,  que  perdendofe  por  caufa  de  hua  gran- 
de neve  à  que  lhe  fobreveyo  na  Serra ,  que  fica  junto  àquclle 
íitio,  &  que  efie  vendofe  perdido  chamara  por  N.  Senhora, 
para  que  lhe  valeíTe  naquelle  grande  perigo ,  cm  que  fe  via,  & 
q  a  Senhora  lhe  apparecéra  naquelle  mefmo  lugar,  aonde  de- 
pois k  lhe  edificoq  aquella  fua  Cafa,  q  difla  do  lugar  do  Scy- 
xoamarello,  pouco  mais  de humtiro  de mofquete.  Heefíe 
lugar  algum  tanto  Íngreme ,  porque  he  Serra,  mas  naô  he  in- 
tratável ,&  inculto, nem  incapaz  de  fe  frequentar,  porque 
he  alegre ,  &  frefeo ;  o  que  também  o  faz  huma  fonte,  que  fe 
tem  por  milagrofa ,  que  nafee  cm  huma  penha ,  que  fica  jun- 
to à  porta  principal  da  mcíma  Ermida  da  Senhora , &  parece 
quearrebentou  depois  do  feu  apparecimento.  Elias  faõas 
noticias  que  ha  da  fua  origem ,  não  faço  eleição  de  qual  del- 
ias feja  a  verdadeyra ,  porque  podia  fer  a  manifeftaçaõ  ,  ou 
de  huma ,  ou  de  outra  forte. 

He  eíla  Sagrada  Imagem  de  efhtura  de  deus  palmos  ,.& 
meyo.  Tem  nos  feusbraços  ao  Menino  Deos-jamhas  as  Ima- 
gens faõ  coroadas  damefma  matéria  de  que  kõ,  que  he  pe- 
dra, &  de  muy  to  exccllente  efeultura  ,  fcaffimbem  fepóde 
julgar ,  que  cila  Santa  Imagem  he  angelical ,  &  obrada  pelas 
mãos  dos  Anjos,  &  o  per  fua  de  naõ  fóo  fer  a  Vttiígem  Uò  pe- 
quena ,  mas  a  fua  perfey  çaõ.  Sem  embargo  de  que  fe  nos  âi  •: 


$6  Santuário  Mariano 

ga  na  rcíação  ,  que  k  nos  fez  deita  Santa  imagem,  que  huma 
peííoâ  antiga  diííera  >  que  eíla  Santa  Imagem  nam  era  a  que 
apparecéra  naquclíc  lugar ,  &que  cfta  que  hoje  hc  venera- 
da naquella  Cafe,fe  mandara  fazer  a  Coimbra. 

He  cite  Santuário  muyto  frequentado  de  todos  os  po- 
vos circumvizinhos, pelas  muytas  maravilhas  que  obra^pó- 
remodiademayorconcurfo;heemquinze  deAgofto,  dia 
da  Aífumpçaoda  Senhora,emquefefaz  afua  fefta.  Também 
no  mais  tempo  do  anno  concorrem  os  Romeyros,  fegun- 
do a  ília  devoção,  &neceflidade,  &  vaõacomprir  feus  vo- 
tos, pagar  as  fuás  promeífas,  &a  impetrar  da  Senhora  os 
defpachos  de  luas  petições.  As  offertas  que  lhe  le vaõ  faõ  ca- 
beças de  cera ,  &  coy  fas  de  trigo  ,  velas  ,  &  outras  offertas, 
&efmolas  cm  reconhecimento  ,  &  gratificação  dos  favores, 
&  mercês ,  que  a  Senhora  lhes  ha  fcy  to  nas  afflições  ,  &  tra- 
balhos de  q  os  livrou  ;  8c  principalmente  para  os  achaques, 
&  dores  de  cabeça,  hecommumente  invocada,  &  a  fé  com 
que  o  fazem,  faz  que  experimentem  perfeita  faude,&  as  ma- 
ravilhas ,  que  commummente  obra,  de  que  ha  muytas  tefte- 
Hiunhas. 

O  Prior  da  Igreja  doSeyxo,  Manoel  Gorjaõ,  affirma 
que  elle  vira,  que  n©  anno  de  1 696.  padecendo  aquelle  lugar 
do  Seyxo  amarello  huma  cruel  epidemia  de  huas  enfermida- 
des contagiofas,  &  malignas, de  que  ninguém  efeapava  com 
vida ,  a  vifta  deite  grande  trabalho  ,em  que  aquelle  povo  fe 
via ,  pedio  licença  para  tirarem  a  Senhora  em  prociílaõ  por 
todas  as  ruas  do  lugar,  &  levalla  à  igreja  Matriz.  Fizerao- 
n©  ÊÍEm ,  &  foy  tam  evidente  o  milagre,&  o  favor  da  Senho- 
ra ,  que  daquella  hora  por  diante  nem  morreo ,  nem  adoeceo 
n;ais  ninguém ,  &  todos  os  que  eítavaõ  enfermos  convale- 
céram  cm  breve  tempo. 

Também  refere  o  mefmo  Prior  outro  fueceflo  notável, 
&  foy,  que  defejando  o  povo ,  para  ennobrecer  mais  o  lugar, 
concertar  a  fonte  da  Senhora ,  que  eíiá  junto  á  porta  princi- 
pal 


Livro  I.  Titulo  Xffi.  yr 

paldafua  Igrcja,a  qual  brota  naturalmente  de huma  penha, 
(ou  que  a  Senhora  quiz  arrebentaííe  naquella  viva  pedra, 
para  alivio ,  &  regalo  dos  que  vaõ  à  íua  Caía )  ajunttndo-fc 
para  efte  cffeito  quantidade  de  pedra,quanta  de  dia  fe  ajunta- 
va ,  tanta  de  noyte  defappareeia  ,  &  fe  achava  menos  no  dia 
feguinte.  Comquevieraõ  a  deíifíir  do  feu intento  ,6c  a  re- 
conhecer, que  naõ  queria  a  Senhora  feoccultaífe  a  maravi- 
lha que  cila  havia  obrado ,  nem  fe  puzeíTem  as  mãos  no  que 
cila  havia  fey to. 

A  Ermida  he  muyto  grande ,  &  perfeyta ,  tem  três  Alta- 
res, o  da  Capella  mor,  &  deus  eollateraes,&  tudo  adornado 
com  perfeyçaõ.  E  coníla  que  efle  Templo  o  edificou  aquelle 
mefmo  povo  ,  &  a  Senhora  lho  pagou  ,  &  paga  com  os  muy- 
tos  benefícios,  que  fempre  lhe  fez,  &  continuamente  faz,& 
aífim  he  muyto  grande  a  devoção  que  tem  para  comaSe^ 
nhora,  &  a  ferve  fervorofamente. 


TITULO     XXV. 

©4  Imagem  de  N  Senhora  da  Tiedade  no  Convento  das 
Domivicas  da  Villa  de  Abrantes. 

O  Convento  das  Religiofas  Dominicas  daVilla  de  Abra- 
tes  teve  vários  eílados  ,  &  moradoras.  Em  feus  prin- 
cípios foy  de  Conegas  Regulares  de  meu  Padre  Santo  Agof- 
tinho,as  quaes  vivião  fugey tas  aos  Bifpos-  Efla  Communi- 
dade  por  caufa  da  pefle  ,  que  ouve  em  tempo  dclRey  D.  Du- 
arte, feextinguio.  E  por  naõ  ficar  de  todo  defemparado  ef- 
te Convento,os  Bifpos  da  Guarda,de  cuja  jurisdição  era(dos 
quaes  Dom  Frey  Vafco  de  Lamego,  Religiofo  da  Ordem  de 
Ciíler,  &  Prior  da  Igreja  de  Saô  ]oão  da  me  ima  Villa,foy  feu 
novoFundador  noanno  da  Encarnação  de  1384. )  lhe  no- 
mearão Preladas  Commendatarias  até  o  tempo  delRey  Dom 
Tom»  III.  G  Manoel 


9&  Santuário  Mar  lano 

Manoel , no  qua!  fendo  Commendataria  Beatris  de  Sao  Pau* 
lo,  tornou  a  ajuntar  outra  nova. Congregação.  Pormorte 
defta,  entrou  Ifabel  de  SamFrsncifco,  a  qual  com  licença 
dcIRey  Dom  Joaõ  o  Terceyro,  &  do  Papa  Paulo  Terceyro, 
fefugeytou  com  as  fuás  íubditas  à  Ordem  de  Sam  Domin- 
gos no  anno  de  1541.  Dahia  feteannos  femudárão  parao 
rocio,  íicio  ern  que  hoje  vivem ,  &  aonde  tem  huma  Igreja  de 
excellente archítedura;dcdicada  a  N. Senhora  da  Graça,que 
lhe  deu  o  mefmo  Rey  Dom  João  o  Tercey  ro. 

No  interior  deite  Reíigbfo  Convento  fe  venera  híía 
de  /otiílima ,  &  rnuyto  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  da 
Piedadc,com  oSantiffimoFiího  morto  emfeus  braços,  que 
obra  muytas  maravilhas,  &  milagresjcomo em  muy tas  occa- 
fioens  o  tem  experimentado  aquellas  devotas  Eípofas  de 
Chriíio.  Eftavanaquclle  Convento  enferma,  &  já  vizinha  à 
morte  airmãa  lcyga,  Sor  Margarida  de  S.  Migue!, &  ao  fahir 
defte mundo,  lhe  trouxeraõ  as  Religiofas  a>  Senhora  à  íua 
<íella,&  à  viftadefta  iSBeràná  Senhora  ,  nos  últimos  para: 
cifmos,  cantou  como  hum  Angélico  Cifne  cita  letra: 

Oh  que  Stofa  efgerança 

Me  caufa  Voffa  piedade, 

(Pois  mmayor  tcm^Jía.le, 

Efreroamajor  bonança! 
Tam  grande  comoiíiohe  aamorofa  aflfifléncia  ,  que  faz  a 
fctty  de  Piedade  àqueilas  Efpofas  détfeu  Santiflimo  Filho. 
Do  principio  ,  &  origem  defta  Santa  Imagem  nam  confia 
á*ais  >  de  que  fer  muy  to  antiga  ,  &  muy  to  milagrofa,  &  affim 
tem  para  com  èlla  aquellas  Religicfos  huma  cordeal  devo- 
ção. Fazmenç>ô  d.ríhSag^dí  imagem,  &  do  fuc  ceifo  que 
fie  í  referido  3o  Padre  MaiYodFcrnaaJeb  da  Companhia  de 
JfcUfe;  mfua  Alma  inftruida  tom.  i.cap.  1 .  doe.  2.  &  Jor- 
ge Cardoíu no  feu  AgíologioLufitano  tom.  i.pag.  177* 

TITULO 


Livro  I.  Titulo  XXVL  99 

HP»J«I«IH     O.Hil»       U         ■!         I'  1  ■»!■■■■ ■  IIIIIIWIIH      II     ■     ■■■■II  ■»— »»|-  '■    ■    'I   ■■     l.»»1ll|--gIWI 

TITULO     XXVL 

Venrjfa  Senhor  a  das  Cabeças  do  lugar  deOrjais. 

MUytos  fam  os  motivos  ,coro  que  podemos  invocar  a 
Maria  Santiffima  Senhora  ncffa ,  com  o  titulo  da  Ca- 
beça ,  ou  das  Cabeças.  E  ou  feja  porque  elia  com  a  fua  inter- 
ccííaõ  nos  dá  faude  nefle  membro,  &  parte  principal  do  hu- 
mano corpo,  o  qual  tanto  que  enícrrna ,  hecaufa  de  que  os 
mais  a  que  prefide  fe  queyxem ,  &  padeçaõ  >  ficando  todo  o 
compofto  perturbado  ,  &  inquieto^  E  ifio  ou  feja no  phyíico, 
ou  no  moral,  fempre  devemos  pedir  a  N.  Senhora,  nos  livre 
dos  achaques  da  cabeça ;  porque  com  cabeça  enferma  naõ  ha 
membros  í  aos;  Cum  caput  dokt  ^tsc*  Também  fe  intitulará 
efta  Senhora  cem  o  titulo  da  Cabeça ;  porque  foy  a  única  en-í 
tre  as  creaturas  humanas  ,  que  naõ  contrahio  o  achaque  da 
culpaoriginal  de  Adam,  cabeça  do  género  humano,  que  as 
mais  contrahiraõ  :  ou  fera  peto  que  dizGuillelmo  Pera!do^w«^ 
f aliando  da  Senhora:  Ipfaejlmulier  conter ens  caput  ferpoi-áeSVe* 
tis  infernalis.  Ou ,  como  diz  Alberto  Magno  fallando  tam- wp' ?5 
bem  da  Senhora,  que  ellahe  aquella  animofa  Sizara,que  fe-  Alhertlt 
rio  na  cabeça,  &  tirou  ávida  a];  hei,  inimigo  do  povo  ãcMagn. 
Deos;  ou  como  aqiiella  valente  Judith ,  que  pela  honra  de  tih*G.  ^ 
Deos ,  &  credito  do  feu  povo  cortou  a  cabeça  a  Holofernes:  dflaf'i 
Ipfa  contriVit  caput  ferpentisjicut  Si/ara  malleopercujfitca-  ^* 
putjabel-,  13  Judtth,  quoe  caput  Rohfcrms  amputaYtt.  E  co-  ^^U. 
mo  efta  Senhora  he  a  q  quebrantou  por  tãtas  vezes  a  cabeça 
ao  demónio ,  &  alcançou  delíe  tam  gloriofas  vidlorias ,  bem  Juà  4; 
he  que  fe  lhe  dé  o  titulo  da  Cabeça  ,  ou  da  Senhora ,  que  ao  judit^ 
noífo  adverfario ,  em  defenfa  noffa  *  lhe  quebra  fempre  a  ca-  f" 
beça 

Junto  ao  lugar  de  Orjais ,  ou  em  diftancia  de  hum  quar* 

G  z  to 


ico  Santuário  Marlani 

to  dçlegoa,emotermo  daVilla  da  Coviíhãa*  fc  vé  entre 
hunsefpeiTos  matos,  Sc  grandes  brenhas,  (porque  fenaõ  vét 
fenaõ  quando  fc  chega  perto )  o  Santuário ,  &  Cafa  de  nofla 
Senhora  das  Cabeçis,  ou  da  Cabeça.  A  etymologia  deite  tU 
talo ,  querem  alguns  que  feja ,  por  c  Aar  fundada  aquella  Ca- 
fa da  Senhora  entre  três  montes,  ou  cabeços,  que  formão 
hum  pcrfeyto  triangulo,  &  que  delles  federa  otituIoàSe- 
nhora.  Outros  dizem,  que  fendo  invocada  efta  Senhorados 
que  padecem  dores  de  cabeça ,  logo  os  alivia  nellas  ,  &  que 
poreftacaufa  lelhe  impuzera  efle  titulo  logo  em  fua  ma- 
nifeíiaçaô,  &  apparectmento.  O  que  confírmaõ  com  as  muv- 
tas  offertas,  que  as  mulheres,  que  padecem  cila  queyxa  ,  lhe 
vaõ  ofFerecer ,  que  faõ  coy  fas  de  trigo ,  &  com  cila  offerta  fe 
vem  logo  livres  defta  molcftia. 

No  que  toca  à  orÍ£em,&  princípios  defta  Santa  Imagem, 
que  fam  prodigiofos,he  o  que  agora  referiremos,  fegundo  a 
confiante  tradição  daquelles  povos  circumvizinhos-  Anda- 
va hum  lavrador  lavrando  em  huma  fua  terra,  (naõ  confia  do 
annocmqueifioíuccedeo)  emaquelleíitio,  ou  valle  que  fi- 
ca entre  os  três  cabeços ;  neíla  occaíião  defeubrio  huma  pe- 
dra lavrada  em  quadro,  de  comprimento  de  quatro  para  cin- 
co palmos :(  outros  diz:m  que  cite  pilarhe  redondo, &  que 

0  achara  em  huma  lapa,  que  fe  véhoje  junto  à  Ermida  da  Se- 
nhora. )  Eíle  lavrador  julgando  ruíUcamente  que  a  pedra  ti- 
nha boa  ferveria  para  malhai  das  fuás  pipas,  a  levou  ànoytc 
no  feu  carro  para  fua  cafa ,  &  a  accõmodou  logo  ao  mini  lie - 
íi.o  para  q  a  clegeo.  Ao  outro  dia  indo  ao  mefmo  lugar,aon- 
de  a  havia  poílodebayxo  de  huma  pipa  ,  naõ  a  achou-,  &vio 
*  pipa  daquella  p  irte  affentada  no  chaõ.  Ficou  admirado  do 
fucceííb;  mas  naõ  o  penetrou  muyto,  peia  fua  finceridade. 

1  Uo  tile  a  continuar  o  feu  trabalho  ,&  lavoura  ,vioeíhra 
pedra  em  o  mefmo  lugar,  cm  que  primeyro  a  achara.  Enem 
vendo  aalli,  diícorreo  muyto,  no  que  moflrava  de  prodi- 
giofo  aquelle  fueceífo.  Levou-a  fegunda  vc  z  para  cafa ,  car- 
rega; 


Livro  I.  Titulo  XXVI.  i  o  r 

rcgando-a  na  mefma  forma  ,  &  da  mefma  forte  a  applicou  ao 
mdmo  miniíkrio,para  que  a  havia  elegido,na  primeyra  vez, 
&adeyxou  fiesr- 

No  dia  feguinte  de  manhãa,  entrando  na  fua  adega,vio 
a  pipa  no  chaõ  ,  8c  naõ  vio  a  pedra.  Entaõ  ja  com  alguma  ma- 
yor  advertência ,  ícconfideraçaõ  ,  fe  foy  ao  mefmo  fitio  ,  a- 
onde  a  havia  achado,  a  ver  te  lá  a  defeubria .  Chegou  ,  &  vio 
aquelle  pilar  levantado  em  alto  ,&defcubrio  na  parte  fupe- 
rior  ,  formado  hum  meyo  corpo,  cabeça,  &  braços ,  &  mãos 
unidas  ao  pey  to,&  a  cabeça  algum  tanto  elevada,  &  os  olhos 
aoCeo.  Prodígio  era  efte  digno  de  grande  admiração  ,  pois 
levando  efte  homem  duas  vezes  para  fua  cafa  aquella  Ima- 
gem, fem  reconhecer  fer  mais  que  huma  pedra  de  tam  pouca 
íerventia,&  nefta  vio  que  era  a  Imagem  da  Mãy  de  Deos;dif- 
pondo-o  aífim  efte  Senhor,paraq  no  maravilhofo  deftas  cou  - 
fas ,  fe  accendeíTe  a  devoção  para  com  aquella  Sagrada  Ima- 
gem. 

Admirado  o  lavrador  do  que  via ,  foy  logo  dar  parte  ao 
Prior  do  meímo  lugar  de  Orjais  5  o  qual  mandou  levar  a  San  - 
ta  Imagem  para  a  fua  Igreja.  Ao  outro  dia ,  quando  todos  os 
moradores  daquelle  povo  hiaõ  para  ver  ,&  para  venerar  a 
Santa  Imagem,  a  acháraõ  menos  \  porq  havia  defapparecido. 
E  fendo  bufeada  no  mefmo  fitio,  em  q  fe  havia  manifcftadoj 
a  viram  eftar  na  mefma  fórma  que  cm  a  ultima  vez  a  ha viaõ 
vifto.  E  acrefeentaõ  os  velhos  daquelle  lugar ,  que  nefta  oc- 
caíiaõ  fe  ouvira  huma  voz  que  dizia,  que  naõ  tornaífem  a  le- 
var aquella  pedra  5  porque  era  Imagem  da  May  de  Deos,a  Se-j 
nhora  das  Cabeças.  Também  dizem  fer  a  manifeftaçam 
defta  Santa  Imagem  muyto  antiga;  &queefta  tradição fc 
confervaya  nos  velhos  do  mefmo  lugar. 

A'vifta  deftas  maravilhas,  entenderão  que  a  Mãy  de 
Dcos  efeolhéra  aquelle  lugar,  &  fitio ,  &  que  nelle  queria  fec 
venerada  em  aquella  Santa  Imagem.Edificáraõ  -lhe  logo  hu- 
ma Ermidinha  pequena ,  em  que  coliocáraõ  a  Santa  Imagem, 
Tom,  III.  G  3  & 


1  -o  t  Santuário  Mariano 

&nella  começou  a  ferbufcada,&  reverenciada  de  todos  a- 
quelles  lugares ,  que  à  fama  das  maravilhas,  h  milagres  que 
logo  começou  a  fazer ,  concorriaõ  com  rnuyta  devoçam.  A 
Imagem  da  Senhora  naquellc  rncyo  corpo  moílra  proporção 
a  gigsntada.  Eflá  ornada  de  vcíiidos,..&  parece  que  a  compu- 
zéraõ  com  novos  braços  de  páo;  porque  devião  ficar  os  ou- 
tros de  pedra  tam  unidos ,  que  naô  podiaõ  fazer  forma  de 
veflir. 

Os  milagres  que  ainda  hoje  obra  efla  Senhora,  fam 
muytos ,  &  também  os  eoncurfos  da  gente;  mas  efias  roma- 
rias mais  frequentes  ,  &  continuadas  faõ  no  veraõ  ;  porque 
no  inverno ,  he  aquelle  íitio  muyto  frio ,  &  defabrido  :  eíias 
romagens  naõ  faõ  fó  daquelles  lugares  circumvizinhos,mas 
ainda  de  lugares  ,&  terras  muy  to  diftantes  ;  porque  ate  do 
Alentejo  vem  gente  em  romaria  à  Senhora  das  Cabeças.E  as 
oífertas  que  fe  offerecem  à  Senhora  ,  faõ  mortalhas,  &  cabe- 
ças de  cera,  das  quaesfe  aproveytaõlogo  os  Parochos.  O 
Prior  de  Orjais  ,  cm  relação  que  nos  fez  defla  Senhora ,  diz 
que  indo  àquella  Ermida ,  nam  vira  mais  que  huma  cabeça  de 
cera,  que  fe  havia  offerecido  de  pouco  tempo  à  Senhora,  por 
hum  grande  milagre  que  obrara  ;  &  foy ,  que  hum  rapaz  da 
Villa  de  Manteigas ,  havia  perdido  o  juizo ,  &  efíava  vario, 
&  que  offerecendo-o  feus  paysà  Senhora  das  Cabeças,  logo 
ficara  bom,  &  fam  no  entendimento.  E  diz  mais,  que  as  pef- 
foasdeque  fe  informara  febre  efíc particular,  affirmavaõ, 
que  fe  naõ  fe  divertirão  as  muy  tas  memorias ,  que  fe  haviaõ 
offeitcido  â Senhora  em  teftemunhodas  maravilhas,  que 
havia  obrado ,  naõ  feria  poflivel  caberem  na  Ermida. 


TITULO 


Livro  I.  Tituk  XXV  11.  i  o  $ 


TITULO     XXVIL 

*Da  Lnagem  de  N*  Senhora  da  Orada  da  Villa  de  SaS 
Kkente  da  rÊeyra. 

AViila  de  Saõ  Vicente  da  Beyra  fica  ao  Mejro  dia  da  Cida- 
de da  Guarda ,  &  cinco  legoas  ao  Noroefte  de  Caíkllo 
Branco  na  fraldada  Serra  daGuardunha;  deu-lhe  foral  El- 
Rey  Dom  Affonfo  o  Segundo.  Em  o  feu  termo,  em  diftancia 
de  meya  legoa  fe  vé  a  Cafa ,  &  Santuário  da  Senhora  da  Ora- 
da ,  aonde  fe  venera  huma  Imagem  da  Mãy  de  Deos,  invoca  • 
da  com  efte  titulo  ,  que  he  a  confolaçaõ  ,  &  o  alivio  daquelía 
Villa }  &  de  todos  aquelles  povos  circumvizinhos ;  porque 
todos  os  que  recorrem  cm  feus  trabalhos,  &  apertos  a  efía 
clementiílima  Senhora ,  achaõ  na  fua  piedade  certo  o  feu  re- 
médio. Eaífim  concorrem  em  todo  o  anno  com  huma  gran- 
de frequência  os  moradores  daquelía  Villa ,  ôedas  mais  da 
vizinhança  à  fua  Cafa  ,&  todos  com  grande  fé ,  que  tem  na 
Mãy  de  Deos,  achaõ  nella  bons  defpachos  em  fuás  petições. 
Fica  efía  Cafa  da  Senhora  fituada  em  hum  alegre ,  & 
deliciofo  fido,  devoto,  &muyto  a  propoíito  para  a  con- 
templa çaõ  das  coufas  celeftiaes;  porque  ainda  que  he  folita- 
rio,  he  povoado  de  foutos,que  faõ  da  Senhora;  fica  efía  Cafa 
entre  duas  ribeyras,  &  eftá  cercada  de  arvores  filveflres,  (& 
naõhe  defprovido  o  lugar  de  frutas)  que  noveraõ  coma 
bondade  dos  ares  de  que  goza,  &  das  aguas  com  que  fe  rega, 
fazem  mais  appetecido  aqaelle  lugar.  Junto  à  porta  àã  Igre- 
ja da  Senhora  eftá  huma  fonte ,  que  parece  miíagrofa;  he  de 
cxcellente  agua ,  &  com  dia  fe  regaõ  também  as  arvores  no 
verão.  A  origem^ôç  princípios  deite  Santuário, mais  por  tra- 
dições confervadas  nos  moradores  daquelía  Villa ,  do  q  por 
documentos,  &  eferituras  autenticasse  refere  neíia  fórnn* 

G  4  Qoan- 


104.  Santuário  Mariano 

Qnántoà  antiguidade,  fazem  a  efta  Cafa,  Sc  a  efía  $m- 
n  Imagem  tac  antiga,  que  querem  que  ja  no  tempo  dos  Go- 
dos ti  vefíe  principio  naquclle  lugar;  o  que  tem  muy  tas  du- 
vidas ;  &  naõ  moftraõ  coufa  que  o  prove,  fem  embargo  de  íc 
acharem  em  Portugal  algumas  Imagens  da  Mãy  de  Deos  an- 
tiquiflimas,que  ja  no  tempo  delles  foraõ  veneradas.  E  quan- 
to à  fua  origem,  refere  a  tradição  fer  milagrofa ;  porque  di- 
zem, que  havia  naquella  Villa  de  Saô  Vicente  da  Beyra  huns 
pays,  que  tinhaõ  huma  fciha  donzella,a  qual  enfermara  de  hu 
achaque,  que  moftrava  no  avultado  do  ventre  eílar  pejada, 
&  que  perfuadido  o  pay  de  que  na  verdade  a  filha  o  eftava,  & 
que  ella  havia  faltado  à  honra  ,  &  credito  de  quem  chufan- 
do mal  da  fua  honra,  &  reputação ,  a  quizera  matar  ,  &  como 
cõ  o  amor  de  pay  fe  naô  atrevera,  a  levara  àquelle  fitio,  aon* 
de  hoje  fe  vé  a  Ermida, que  eraô  humasbrenhas,&  matos  in- 
cultos, aonde  havia  muy  tas  feras ,  com  refoluçaõ  de  a  en- 
tregar à  fua  voracidade,para  qellas  foíTem  os  miniflros  exe- 
cutores, quedeífemo  cafligoà  fua  culpa,  defpedaçando-a, 
&comendo-a. 

Vendofe  a  innocente  donzella  nefle  defemparo ,  fem 
que  lhe  valeííe  dizer  a  feu  pay,  que  o  que  os  olhos  viaõ  nam 
era  effey  to  de  algum  crime  que  cõmettefle;mas  doença,&  en^ 
fermidade ,  que  ella  naõ  conhecia',  clamou  ao  Ceo,  para  que 
lhe  acudiíTe ,  &  valeofe  da  piedade  da  Mãy  de  Deos ,  rogan- 
dolhe  com  orações,&  copiofas  lagrimas  acudiíTe  pela  fua  in- 
nocencia ,  &  fe  compadecefíe  do  defemparo  em  que  fe  via,  E 
comoeíta  mifericordiofa  Mãy  dos  peccadores  nunca  falta 
em  acudir  aos  defconfolados ,  como  aquella  donzella  fe  via, 
&  acode  fempre  em  as  mayores  neceflidades ,  lhe  appareceo, 
&a  confolou,animando-a ,  para  que  naõ  temeífe  os  perigos 
em  que  fe  achava ;  porque  em  tudo  lhe  prometia  a  fua  sílif- 
tencia ,  &  protecção.  DiíTelhe  que  a  queyxa,  &  inchação  que 
padecia  era  de  huma  cobra,que  fe  lhe  havia  gerado  no  ventre, 
que  foffe  para  caía  j  &  quediffeíTe  afcu  pay ,  mandaííe  aquen- 
tar 


Livro  I.  Titulo  XXVII.  ioy 

tar  hum  pouco  de  ley  te ,  &  que  poíla  em  alto  >  com  a  boca  fo- 
breo  ley  te  ,fahiria  a  cobra  logo.  Veyo  paracafa  ,  &  dando 
conta  do  favor ,  que  a  Senhora  lhe  fizera,  fe  fez  a  diligencia 
ôtfuccedeo  tudo  como  a  Senhora  lhe  havia  dito,  &aflim  fi- 
cou fãa  y  &  livre  da  morte. 

Mandoulhe  mais  a  Senhora ,  que  diffeííe  a  feu  pay ,  que 
naquelle  mefmo  fítio  lhe  edficaííe  huma  Ca  fa,  em  que  eíla 
foííe  venerada ,  &  fervida ,  &  que  para  mais  certeza  achariaõ 
no  mefmo  lugar  hum  final ,  ( que  hoje  fe  não  fabe  o  que  era, ) 
nem  confia  que  final  foíTe ,  &  que  allí  a  invocariaõ  com  o  no  - 
me  da  Senhora  da  Orada.  E  ainda  hoje  aífirmão  algumas  pef- 
foas  antigas ,  que  ouvirão  a  léus  avós  ,  &  mayores,  que  ain- 
da viraõ  eftar  na  mefma  Igreja  a  cobra,  ou  defpojos  delia.  E 
fegundo  JÍlo,naõ  pode  fer  a  antiguidade  taõ  larga  como  a  fa- 
zem. 

AVifía  deite  milagre  ,&  manifefíaçaõ  dainnocencia  da 
donzella/nandou  fundar  o  pay  o  Templo,&  Cafa  da  Senho- 
ra^ devia  mandar  logo  fazer  a  Imagem,para  a  collocar  nel- 
la.  Outros  referem  a  origem  cm  outra  forma }  ainda  que  em 
fuflancia  feja  quafio  mefmo.  Dizem  efles ,  que  havia  naquel- 
la  mefma  Villa  huma  mulher  cafada  com  hum  homem ,  que 
fobre  fer  de  condição  acre  ,  &  terrivel,era  muytociofo,  & 
com  efta  payxão  moleílava  muy to  ainnocente  mulher ,  &a 
maltratava.  E  como  ella  era  boa  ,  &  devota  de  N.  Senhora, 
avivava  o  demónio  (pela  pór  em  de.fefperaçaô,&  apartar  das  • 
virtudes  em  que  fe  exercitava  )  mais  a  guerra  que  o  marido 
lhe  fazia.  E  chegou  iflo  a  tanto ,  que  lhe  íugerio  o  demonip, 
queamataffe  j  porque  lhe  faltava  na  fidelidade ,  que  lhe  de- 
via. Comeftas  falfas  prefumpções ,  em  q  o  inimigo  o  metia, 
levou  enganada  a  honefla,&virtuofa  mulher  âquelle  fitio, 
que  por  fer  deferto  naquelle  tempo ,  &  nas  fraldas  de  huma 
Serra ,  lhe  pareceo  accommodado  para  lhe  tirar  a  vida  ,&  a 
dcyxarfepultada  nellc. 

Vendo  a  affli&a  mulher  o  intento  do  marido^  o  gran- 

de 


i q6  Santuário  Mariano 

de  perigo ,  em  que  k  achava ,  fem  ter  quem  lhe  valcííe  ,  mais 
que  o  Ceo,valcofe  daquella  miíericordiofa  Mãy  dos  afiiidos 
pecc3dores,paraqueellaadefende{fc  no  aperto  em  que  fe 
achava  ,  encomendando -fe  a  ella  em  feu  coração.  Naõ  fe 
deteve  a  mifericordiofa  Senhora.  Apparcceolhe  logo , con- 
fortando- a ,  &  reprehendendo  ao  illufo  marido  com  grande 
feveridade;  o  qual  livre  da  tentação  pelo  favor  da  Senhora , 
&  reconhecido  da  fua  cu!  pa,  &  temeridade ,  em  julgar  mal  da 
fua  innocente  efpofa ,  pedio  perdaõ  à  Senhora ,  &  em  acçaõ 
de  graças  ,  pela  mifericordia ,  que  comellc,  &com;fuaho- 
neíla  efpofa  ufára,  prometteo  melhorar  a  vida,  &  de  lhe  edi- 
ficar naquelle  lugar  huma  Cafa  para  perpetua  memoria  do 
benefício  ,  que  ambos  recebiaõ.  Dando  logo  tprincipio  os 
venturofos  cafados  àCafa  da  Senhora,mandáraõ  logo  fazer 
aquella  Santa  Imagem ,  que  nella  collocáraõ,  em  a  forma  que 
lheappareceo. 

Eílas  faõ  as  tradições ,  &  de  hum  ,  ou  de  outro  modo 
podia  fueceder  a  manifcftaçaõ  da  Senhora.  He  eíta  Sagrada 
Imagem  de  veítidos,  &  formada  com  braços  de  engonços, 
em  hum  rneyo  corpo  de  madcyra,accommodado  em  rocajmas 
de  tam  elegante ,  &  fermofo  afpe&o,  &  de  tão  foberana  ma- 
geítade,  que  parece  naô  fer  obrada  por  mãos  de  homens,mas 
pelas  dos  Anjos.  De  tal  forte  attrahe  os  coraçoens  dos  que 
nella  põe  os  olhos ,  que  fe  naõ  podem  apartar  da  fua  viíta  j  & 
affim  he  muyto  grande  a  devoção,  que  os  moradores  daquel- 
lâ  Villa  tem  a  eíta  Senhora;  &  também  das  terras ,  &  lugares 
ckcumvizinhos  concorrem  com  muyta  devoção  a  venerai - 
la  ,&  a  darlhe  as  graças  pelos  favores  quedo  Ceo  recebem 
peia  fua  interceflaõ.  Na  fua  Capella  fe  vem  pender  algumas 
mortalhas ,  &  outras  memorias  de  cera ,  em  teflemunho  das 
fuás  maravilhas. 

No  tempo  das  guerras  eflava  aquella  Igreja  -quaíi  ar- 
ruinada ,  por  naõ  haver,  quem  lá  quizeíTe^ou  pudeflTe  viver, 
"Suffiflir  jcom  o  temor  dos  inimigos,  &como  oíitio  hefo- 

litario 


Livro  L  Titulo  XXVII.  i  07 

Iiíario,ainda  fc  fazia  mais  difficultoio  para  a  afliflencia.  Ho- 
jccflácíta  Cafamuytoaugmcntada  ; porque  haverá dezaleís 
gnnps  ,  queaííiílenellapor  Ermiíáõ  hum  virtuoíò Clérigo, 
(porque  fempre  teve  Ermitaens  Sacerdotes  de  boa  vida })  & 
Pregador.  E  efta  fua  affiflencia  fe  julga  por  hum  grande  mi- 
lagre da  Senhora. 

Paíiòu  efle  acafo  poraquelle  filio,  em  tempo  que  naõ  ti- 
nha Ermitão ,  &  entrando  na  Cafa  da  Senhora ,  tam  namora  - 
do  ficou  da  fua  foherana  vifla,que  fe  naõ  podia  apartar  dâ  fuà 
prefença.  Pedio  à  Camera  a  Ermitania  }  que  he  a  que  aa- 
prefenta ,  o  que  logo  fe  lhe  concedeo ,  &  porque  era  naquel- 
laoecafiaõ  fomente  de  ordens  deEpiflola,  allife  acabou  de 
ordenar.  E  naõ  havendo  allicoufa  de  que  fe  pudeíTé  fuiten- 
tar^nada  o  intimidou ,  fó  com  a  prefença  de  nofla  Senhora  fe 
deu  por  fatisfeyto,&  hc  tam  grande  a  fua  alegria  ,  &  gozo 
com  que  vive  naquelle  lugar,  que  diz  que  por  mais  traba- 
lhos, perfeguições,  pobrezas,  &  moleflias  ,  que  tivcífcj 
nunca  pode  acabar  ccmíigo  deyxar  a  companhia  da  Senho- 
ra ,  &  diz ,  que  nella  quer  acabar  a  fua  vida  5  &  elie  mefmo 
repete  ,  que  de  fi  mefmo  fe  admira  ,  &  que  naõ  pode  crer  fe- 
»aõ  que  a  Senhora  da  Orada  o  tem  prezo,  para  que  da  fua 
Cafa  fe  naõ  aparte. Suflentafe  das  fuás  Ordens,&  Scrmoens, 
&  tem aquella Cafa  com muy to aceyo,& grande perícyçaõ, 
&  niflo  fe  moflra  melhor  o  feu  fervorofo  efpirito  j  com  que 
ferve  naquelle  Santuário  a  noífo  Senhor,  &  a  noíia  Senhora. 

Em  todos  os  tempos  tem  feyto  efia  Senhora  muytos 
milagres,  &  do  tempo  preíente,  refere  o  mefmo  Ermitão 
muytos «  dcsquaesapontarey  alguns,  &feja  o  primcyro. 
Vindo  efle  devoto  Sacerdote  ,  &  Ermitão  para  2  Igreja  cm 
25.  de  Abril  do  anno  de  1 695.  encontrou  a  hum  homem  na- 
tural da  Villa  de  Bouzella  ,  Biípado  de  Viíeu  ;  era  efle  caia- 
do ,&  vinha  todo  desfigurado  ,&  quafi  vario ,  &  derraman- 
do  muy tas  lagrimas.  Vcndo-oocharitativo  Sacerdote,  in- 
quino deile  a  fua  pena ,  &  o  feu  trabalho :  diíítihe  o  homem 

QUIS 


i  o  8  Santuário  Mariano 

que  elle  era  cafado  de  poucos  tempos ,  &  que  amava  muy  to  a 
lua  mulher ;  porém  que  naõ  podia  viver  com  cila ,  porque  o 
inimigo  o  naõ  deyxa  va.  Trouxe-o  à  Igreja,  &  diante  da  Se- 
nhora da  Orada  tez  que  fe  confeffaíTc ,  como  fez ,  &  depois 
de  o  fazer  íe  cuvio  hum  terremoto  tam  grande  fobre  a  Er- 
mida da  Senhora,  &  com  tal  força,  ejftrondo,  '&bravczi, 
que  todas  as  peffoas ,  que  eftavaõ  na  mefma  Igreja)  ficáraõ  a- 
tormeruadas^&deraõ  vozes  pedindo  à  Senhora  que  lhes  va- 
leife ,  &  lhes  acudiffe ;  &  outras  fugirão  para  a  Villa  atemo- 
rizadas. Iíto  foy  notório  a  todos,  &  o  homem  ficou  por  fa- 
vor denoda  Senhora  livre  daquella  guerra,  &  trabalho, 
que  lhe  dava  o  demónio,  &  faõ  também  daquella  grande  trif- 
teza,&  affiicçaõ  que  o  demónio  lhecaufava,&  íe  foy  muy  to 
alegre  para  a  fua  terra, louvando  a  noffa  Senhora.  E  paffados 
alguns  tempos,  avifou  de  que  nunca  mais  padecera  aquel- 
les  aífombramentos ,  &  trabalhos  que  havia  padecido. 

De  outro  homem  refere,  que  morava  em  hum  lugar, 
quatro  Iegoas  diflante  da  Cafa  da  Senhora,  &  que  andava  ef- 
te  muy  to  mal  encaminhado ,  &  que  fonhára  em  huma  noy  te, 
que  lhe  apparecia  a  Senhora  da  Orada ,  &  que  lhe  dizia  foíTe 
à  fua  Caía ,  &  que  a  mefma  Senhora  o  allumiava  com  huma 
tocha  de  grande  luz-  Defpertou,  &  aproveytandofe  da  illuf- 
traçaõ  da  Senhora  fe  foy  á  fua  Igreja ,  &  fe  confefíbu ,  &  fa- 
hioda  prefençada  Senhora,muyto  outrodo  que  viera.  A  ou- 
tras muy  tas  peffoas,  que  foraõaqueila  Cafa  da  Senhora  va- 
rias ,  ou  por  falta  de  juizo ,  ou  por  illufaõ  diabólica  ,  enco- 
mendandofe  à  Senhora  da  Orada ,  foy  ella  fervida  de  lhes  al- 
cançar perfeita  faude ,  &  de  as  aliviar  no  trabalho^que  pade- 
ciac. 

A  huma  moça  apodreceo  huma  maõ  de  huma  nafeida,' 
ou  carbúnculo  maligno ,  que  lhe  nafceo ,  &  eftando  para  lhe 
cortarem  a  mão,  fe  encomendou  à  Senhora  da  Orada ,  &  un- 
tandofe  com  o  azeite  da  fua  alampada,logo  cobrou  nella  per- 
fey  ta  faude. 

A  Er- 


Livro  L  Titulo  XXVI II.  109 

•  A  Ermtda  da  Senhorahe  mano  grande,  tem  huma  fer- 
mofa  Capella  mór  ,  &duas  collateraes,  &eftá  todamuyto 
bem  adornada ;  em  huma  das  Capeilas  collateraes  eftá  a  Ima- 
gcm  da  Senhora  Santa  Anna  ,  &  na  outra  huma  de  noíTa  Se  • 
nhora  da  Graça ,  com  outra  Imagem  de  Santo  Anfelmo  Ar- 
ccbifpo.  E  todas  eftas  Imagens  faõ  pcrfcy  tiífimas.  A  Capdla 
mór  hc  toda  de  caníaria,&  forrada  de  mndeyra,como  he  tam- 
bém toda  a  Igreja.  Emcima  do  arco  da  Capella  mór  tem  huma 
Imagem  deChriílo  crucificado  muy  to  devota,&  perfeyta  ,de 
altura  de  quatro  palmos,  &  meyo ,  em  hum  nicho  forrado  de 
azule  jo,cõ  muy  to  aceyo,&  com  hudocel  muy  to  bem  pinta- 
do, &  cortinas  de  feda  encarnada.  O  pavimento  da  Capella, 
&  da  mayor  parte  da  Igreja  heaífoalhadode  madeyra.  He  ef- 
ta  Ermida  da  Senhora  d\  Orada  ,  padroado  da  Camera  da 
mefma  Vilia  de  São  Vicente  da  Beyra  ,&ellaheaque  apre- 
fenta  osErmitaens.  Tem  a  Senhora  algumas  fazendas, que 
adminiflra  a  mefma  Camera  ,de  cujos  rendimentos  fe  acode 
à  fabrica ,  &  ornato  dos  Altares  da  Cafa  da  Senhora. 


TITULO     XXVIII. 

Da  Imagem-  de  nojfa  Senhora  da  Caridade  da  Filia  do 

Sardoal. 


A 


Dmiravel  he  a  caridade  de  Maria  Santiffima  a  favor 
_  x  dos  peccadores  :  antigamente  %  diz  Raulino  ,  era  nms 
fevéra  a  Divina  Jufliça  contra  os  deméritos  doshomes;  mas 
hoje  que  temos  noCeo  a  Maria  Santiffimi  ,  a  fua  caridade 
faz  que  em  Deos  tudo  fcjaõ  clemências :  TSL>fiatt  folem  per- 
cuttat >deceritijjimè po fita  ejl Regina  mifcricordt*  juxtafalem  ****  -, 
juJlitU.  NeíTa  Corte  celeiie  cftá  a  caridade  de  Maria  noíTa^*Vh 
amorofa  Mãy,  diz  Bernardo,mofirando  a  feu  Santiffimo  Fjh  çHm{  ' 
Ihoíeus  virgiaacs  peytos,  para  oabrigar  a  que  ufe  de  pie- 
dade 


1 1  o*  Santuário  Mariano 

Bem.  cinde  com- nofco:  Ojlendit  Lhrijío  p"ãus7éí  ubeYâ.  E  tinto fe 
jerm.de  ?jãm  aqUj[  a  fUa  caridade ,  que  por  iífo  a  íouvaô  os  Anjos  nos 
N<it,  B.  cantares,  dizendo  r  que  es  feus  pcytos  faô  melhores  que  d 
Mm*.  v;n^o;  }^Uorí-ijuntnbcYiítv.aYino.  Sobre  que  diz  Alberto 
Cdnt.i.  Magno,  que  ainda  que  o  vinho  he  forte,  &  valente  ,  muy- 

tomais  fortes ,  &  valentes  faô  feus  virginaes  peytos:  í?)- 
^  ^/#  tentioris,  drutilioris  yficacU  funt  ubera  fèeatct  Virginis 
l  i*de  *lft*m  ywnm.  Porque  fe  o  vinho  faz  que  os  homens  fe  efque- 
Lãud.    çaõ  das  oíFenfas  ,  os  peytos  da  Mãy  de  Deos  fa2em  que  elle 
~B  atar.  efquecendofe  de  fuás  oífenfas;uíe  com-nofeo  de  fuás  miferi- 
cap.  3.   cordias;  Viera  Vero  Mart<e  (acrefeenta  Ricardo)  Veum 
;         ,  quafi inebria)' epotuertvit.Ek  os  peccados  dos  homens  pro* 
ÀS  and.  yoca^ a  Deos,para  que  oscafligue;  a  Mãy  da  Caridade,  rnof- 
Laur.  '  trandolhe  os  virginaes  peitos,  o  obriga  a  ô  detenha  a  fuain- 
/.  p.  de   dignação.  E  afíim  diz  o  Divino  Juiz,  (  pela  penna  do  Cardeal 
Uuà%     Hailgrino:)  Recordabor  quòdlac  de  ubertlustuis fuxerim, 
Mma.  &  tftarecordatio  támquamYmilpotns  prtfentis indignatw- 
'&aik.    níS  ofàMfti  niefackt ,  mfeflhu m  ad Ymdictam.  Cem  muy ta 
inCwt.  razaõ  pois  cevemos  reconhecer  logo  a  grande  caridade  da 
£,         noífa  piedofa  May  para  a  fervirmos  ,  Gamarmos  cem  todas 

as  veras,  &para  lhe  darmos  o  titulo  de  Senhora  da  Cari- 


dade, 


Acima  da  Villa  de  Abrantes  huma  legoa  ,  fe  vé  a  Villa 
do  Sardoal ,  povoação  pequena  j  rras  a  gente  delia  pia .  ôc  de- 
vota, junto  à  Viíla  ficacmíitioslto,&fadio,defcubertoa 
todos  os  ventos  \  &  com  boa  vifía  para  o  Tejo ,  hum  Con- 
vento de  Religiofos  cia  Província  da  Piedade,  fundado na- 
cjuelle  povo  pelos  annos  de  1571.  Havia  ja  naquelle  fitio 
huma  devota  Ermida  ,  dedicada  a  noíía  Senhora  com  o  titu- 
lo da  Caridade,  titulo  que  os  Religiofos  também  impuzeraõ 
ao  Convento.  Foy  fempre  efia  Ermida  o  Santuário  mais  ce- 
lebre ,&  da  roay or  devoçaõ^que  havia  por  aquelles  arredores, 
&  aífiírf eraõ.  nclleas  romagens  continuas;  porque  de  todos 
aquelks  povos  circumvizinhos  era  vifuado.  E  aííim  recebiaõ 

todos 


Livro  l.  Titulo XXV III .^  tu 

tcâosda  liberal  maõ  daquella  ícberana  Mãy  da  Caridade, 
auy  to  grandes  favores. 

Huma  notável  maravilha  refere  o  Chroniíla  da  Provín- 
cia da  Piedade  ,  dizendo-defta  forte:  que  fahindo  os  Religio  •      9 
fos  a  pedir  a  efrnola  de  paõ  ,  comocofiumavaõ,&  cheg in- 
do mtya  legoa  do  Sardoal  a  hum  lugar ,  chamado  Velhafcos* 
aonde  os  Religioibs  coflumaõ  ir  ,  de  quinze  em  quinze  dias, 
pedir  efrnola  de  facola  ;  chegando  em  huma  occafiaõ  a  pe- 
dir à  poria  de  hum  Irmão  da  Ordem,  muy  to  devoto  dos  Fra  - 
des  ,&  da  Senhora  da  Caridade,  chamado  João  Gonçalves, 
mandou  eíte  à  mulher  ,  que  defle  a  efrnola  que  coftumava 
darem  todas  as  Segundas  fcyras,  que  era  o  dia  em  que  pe- 
diaõ ;  ella  por  fer  pouco  devota,  &  por  naõ  ter  paõ  para  a  fo  - 
mana  toda;porque  fuppoílo,  que  no  Sabbado  antecedente  ti- 
nha amaííado,  havia  tido  tantos  hofpedes  no  Domingo,  que 
lhenaõficáraõ  mais  q  dez  paens ce  toda  a  amaiTadura,fe  ef- 
cuiavadelhadar;  com  tudo  o  marido, fernrefpeytar  as  ra- 
zoes que  a  mulher  dava  para  negar  a  efrnola,  mandou  que  to* 
go  lhe  defTe  feis  paens,  que  tinha  de  coílume.  Naõ  pode  elía 
deyxar  de  o  fazer ,  &  íuppoíto;  que  com  pouca  vontade,  fez 
a  efmola,ficandofó  com  quatro  paens  em  cafa.  Porém  Deos, 
que  cfhma  fempre  a  caridade ,  &oque  fc  difpende  cornos 
pobres,  mofírando  os  feus  poderes  ,  foy  fervido/or  também 
pelos  merecimentos  de  fua  Santiffima  May,  que  naõ  feltaffe 
naquellacafao  paõ  por  toda  a  fomana  inteyra,em  que  coflu- 
mava durar  a  amaffadura  j  &  havendo  naquella  família  oy  to 
peífoas,todas  coméraõ  dos  quatro  paens  os  feis  dias  feguia- 
tescom  muy  ta  abundância;  porque  todas  as  vezes  que  a  mu- 
lher hiabuícar  paõ  áarca,  achava  oquelhccraneccffario 
paraaquelledia,dequc  ficou  taõ  admirada,  que  mudando  a 
condição,  &  conhecido  a  fua  pouca  caridade  começou  a  íer 
roais  devota  dos  Religiofos ,  &  ter  mais  caridade  com  os  po  - 
bres,&  ter  mais  devoção  à  Senhora  da  Caridade  obradora 
deita  maravilha  a  favor  dos  ícus  Capeilães, 


i  1 1  Santuário  Mar  iam 

Quanto  à  origem  2  &  princípios  deita  Santa  Imagem 
da  Senhora  da  Caridade  ,coníla  de  huns  livros  antigos  da 
Gafada  Mi  fericordia  (da  mefmaViila  do  Sardoal ,)  que  no 
anno  de  1 549.  enterrarão  os  Irmãos  da  fobredita  Cafa  a  Er- 
mitoa  da  Ermida  de  N.  Senhora  da  Caridade.  E  confia  mais 
decutroa{Tcnto,quenamefmaera  ,  certa  peíToadeyxára  do- 
ze mil  reis  de  efmola  à  Ermida  da  Senhora  da  Cari  Jade.  Por 
onde  fe  verifica  fermuyto antiga aquella Cafa,  &quejana- 
queHc  tempo  tinha  Ermitoa  >  que  tinha  cuydado  da  Cafa  da 
Penhora  ,  da  fuaalampada  ,&doaccyodofeu  Altar.  Eha- 
veria  tido  outras  muy  tas  Ermitoas,  cu  Ermitães. 

Depois  pelos  annos  de  ^o.vicrzcos  Rcligiofos  Pa- 
dres da  Piedade,  &  parecendolhe  bem  o  fitio,  o  pedíraõ ,  pa - 
ra  fundarem  nelle  hum  Convento,  que  fe  lhes  deu,  &  o  edi- 
ficarão., como  fe  vé  em  o  mefmo  lugar,  de  que  tomáraõ  poíTc 
í\o  feguinte  anno.  Naô  falta  também  quem  diga,  q  a  primey-? 
ra  invocação  daquella  Santa  Cafa,  fora  dogloriofo  Príncipe 
dos  Apofiolos  Saõ  Pedro,  quedepoisíe  dedicou  a  noíTaSc^ 
nhora  da  Caridade;  mas  ignora- fe  hoje  o  motivo. 

Eíláefra  Santiífíma  Imagem  collocada  em  lugar  alto^ 
que  he  no  efpelho  àz  luz  do  cruzeiro,que  para  eíTe  elfeito  fc 
t^peu ,  &  o  concertarão  os  Religiofos  com  o  ornato  de  al- 
guns Anjos  à  roda,  para  taparem  as  bocas  dos  que  delles  fe 
que  yxavaõ  >  de  que  recebendo-os  a  Senhora  da  Caridade  em 
íua  Cafa,tivcíTem  tam  pouca  com  cila ,  que  a  puzeflfem  a  hum 
canto,  quando  era  jufto ,  que  permancceffe  íempre  no  Altar 
n>cr  ,como  Senhora ;  &  Padrceyra  que  era,  &  havia  fido  da- 
quella Cafa ,  quea  mefma  Senhora  lhes  havia  dado ,  como  o 
fizeraõ  os  primitivos  Padres,  os  quaes  tinhaõ  com  cila  huma 
cordcal  devoção,  A  caufa  porque  a  tiráraõ  do  Altar  mór,foy, 
que  es  modernos  que  nsõ  tinhaõ  a  devoção  dos  primeyros, 
fizeraõ  hum  retabolonovo  cem  tribuna ,  &  comonaõ  acha- 
rão lugar  que  lhe  dar,o  derao  a  Santo  Antonio,collocando-a 
em  huma  fua  Ermida  da  cerca  do  Convento  P  que  fe  teve  por 
imprudente  reíoluçaõ.  Confia 


Livro  I.  Titulo  XXM1L  ri3 

Conftou  ifto  aos  moradores  da  Viila ,  &  foy  iam  gran- 
de  a  fua  juíla  queyxa,  que  quando  para  a  aplacaria  deviaõ  ref- 
tiruir  outra  vez  à  Capeila  mór ,  a  colíocáraõ  no  ocj  do  efpe- 
lho  referido.  Outros  dizem  que  a  colíocáraõ  primeyro  fora 
da  igreja  fobre  o  alpendre  em  hum  nicho ,  que  alíi  eftava  ,  fi- 
cando exporta  às  inclemências  do  tempo  ,  de  que  fentidos 
todos  os  devotos  da  Senhora ,  fízeraõ  tal  motim  >  &  borbo- 
rinho ,  que  os  Religiofos  a  recolherão ,  &  entaõ  a  deviaõ  le- 
var para  a  Ermida  da  cerca.  E  porque  a  queyxa  naõ  ce(Tava,  a 
colíocáraõ  no  referido  vaõ  do  cfpelho,  &  fempre  fc  teve  to  * 
da  efta  refoluçaõ  por  muyto  mal  confiderada ;  porque  nunca 
fc  devia  tirar  àquella  Caía  o  titulo  da  Caridade. 

No  lugar  ,&  trono  da  tribuna  que  fizeraõ  naCapetfa 
mór,  colíocáraõ  outra  Imagem  da  Senhora  }  que  mandaram 
fazer  a  Coimbra  demadeyra  \  aquém  déraõ  o  titulo  da  Af- 
fumpçaõ*  E  a  efta  Santa  Imagem  feftejaõ  no  feu  dia  de  1 5.  de 
Agofto  j  &  nelle  fe  lhes  dá  de  efmola  hum  bom  jantar.  E  nam 
confia,  nem  ha  quem  fc  lembre  ^de  que  em  algum  tempo  fef- 
tejaffem  a  Senhora  da  Caridade,  que  he  a  Senhora  Titular,  8c 
o  Orago  do  mefmo  Convento,  &  a  Senhora  que  os  recolheò 
na  fua  Caía,  &  que  lhes  fez  nella  tantos,  &  tão  grandes  fa- 
vores, pelos  quaes  mereciaõ  todos  os  obfequios.  A  Viila  fem- 
pre teve  grande  devoção  a  efta  Senhora,  &  por  feu  refpey to, 
quando  os  Religiofos  anomeao,  (quando  em  os  Sabbados 
vaõ à efmola)  felhes  acode  com  diligencia.  He  efta  Santa 
Imagem  de  pedra,  &  tem  de  eftatura  quatro  palmos,&  mcyo* 
Naõconftaqueapparecefiesmas  veie,  que hc muyto  anti- 
ga. Da  Senhora  da  Caridade  efereve  o  Padre  Frey  Manoel 
de  Monforte  na  fua  Chronica  da  Piedade,  &  o  Vigário  da 
Viila  do  Sardoal  Mathias  daSilvaCardiga,emrelaçamque 
nos  fez  por  mandado  do  Illuftriífimo  Bifpo  da  Guarda  Dom 
Rodrigo  Moura  Telles. 


r  Jom.HI.  ti  TITULO 


H4  Santuário  Mariano 


TITULO     XXIX. 

Da  Imagem  deN>  Senhora  da  Conceição  do  Contento 
de  SaoFrancifco  da  CoVilhaa. 

AVilIa  da  Covilhãa  fituada  nas  fraldas  da  Serra  da  Efirel- 
la,  hc  povoaçam  muy to  antiga ,  os  noífos  Efcritorcs 
Portuguezcs  3  &  também  os  Hefpanhoes,  a  fazem  povoa- 
ção do  Conde  Juliam,  pay  da  Cava  ,  &  poreffc  rcfpcyto 
lhe  derão  o  nome  de  Cava  Juliani ,  que  depois  fe  corrompeo 
cm  Covilhãa ;  he  nobiliflima  cita  Villa ,  &  muy  to  abundante 
de  todos  os  frutos,  &  regalos.  Nefla  Villa  tem  hum  Con- 
vento a  grande ,  &  dilatada  família  do  humilde ,  &  Seraphi- 
co Padre  Sa6  Francifco  (outro  Chrifto  cm  tudo,  &como 
tal  fellado  com  as  fuás  Rcaes  armas ,  que  por  naõ  abarcar 
muy  to,fe  ha  obrigado  fomente  à  defenfa  da  pureza  da  Con-f 
ceiçaõ  deMaria,&  como  tantos  Santos  deita  fagrada  família, 
tantos  homens  doutos  ,  &  eminentes  Pontífices,  &  Car- 
deaes  fc  hão  empregado  cm  pregar ,  &  publicar  com  fuás  le^ 
tr a  s ,  efer itos ,  &  engenho  efle  celeflial  favor,  de  que  rcful- 
ta  tanta  gloria  à  Senhora ,  &  tanta  honra  a  Deos ,  como  Au- 
thor  fobrenatural,&  Divino  defla  preciofa  obra,confolaçaõ 
dos  homens,  gozo  dos  Anjos ,  &  confufaõ  dos  demónios ,  a 
feu  fanto  zelo  ha  acudido  Deos  com  foberanas  luzes ,  para 
que  com  Sermoens ,  &  eferitos  tenhaõ  a  honra  de  Deos ,  &  a 
de  fua  Santiffima  Mãy  ,  ( que  he  huma  mcfma  coufa , )  em  o 
ponto  em  que  a  vemos.  A  efle  fanto  zelo ,  &  à  fua  fervorofa 
devoção  para  com  efle  fagradomyfterio,  parece  quer  fatis- 
fazer  a  Senhora ,  obrando  nas  fuás  Cafas  grandes  maravi- 
lhas pormeyo  de  fuás  Sagradas  Imagens,  invocadas  com 
efle  titulo.  Ifto  fe  vé  no  referido  Convento  da  Covilhãa,,  a- 
onde  em  a  Capeila  mór  de  fua  Igreja  fe  venera  huma  mila- 

grafa 


Livro  L  Titulo  XXIX.  ti  y 

grofa  Imagem  de  Maria  San  tiffima,  com  o  titulo  de  fua  Con- 
ceito immaculada. 

Com  efta  Sagrada  Imagem  tem  todo  aquelle  povo  hu? 
ma  fingular  devoção ,  pelas  grandes  mercês,  que  todos  delia 
recebem;  porque  em  todos  os  trabalhos,  aífim  públicos, co- 
mo particulares  ,todos  os  que  recorrem  a  efta  mifericordiofa 
Mãy ,  achão  nella  o  alivio ,  &  a  confolação  nos  bons  defpa- 
chos  de  fuás  petiç  ôes.  He  efta  Sagrada  Imagem  de  roca  ,  & 
de  veftidos ,  eftá  com  as  mãos  levantadas ,  a  fua  efiaíura  hc 
de  féis  palmos,  de  grande  fermofura,  &  a  fervem  aquelles 
Religiofos  com  grande  devoção,  &eftá  com  muy  ta  vene-; 
raçaõ,  &  decência. 

Quanto  à  origem,  &  princípios  defta  Sagrada  Imagem; 
fazendofe  por  mandado  do  Illuftriflimo  Senhor  Bifpo  da 
Guarda  Dom  Rodrigo  de  Moura  Telles ,  ao  prefente  Arce- 
biTpode  Braga,  informação,  (que  foycommettida  ao  Arci- 
prefle  Francifco  da  Silva  Manoel )  naõ  fe  pode  defeubrir 
mais  ( imterpoftas  todas  as  diligencias  )  que  fer  efta  Sagrada 
Imagem ,  &  a  fua  Capclla  do  Padroado  do  Vifcondc  de  Bar- 
bacena,  Jorge  Furtado  de  Mendonça,&  que  a  inflituíra  hum 
defeus  afeendentes,  chamado  Diogo  de  Caftro  do  Rio,  o 
qual  inftituío  outra  Capella  em  o  Convento  de  Sam  Fran- 
cifco da  Cidade  de  Lisboa ,  dedicada  ao  mefmo  myfterio.  De 
donde  fe  cré,  que  eíte  fidalgo  a  mandaria  fazer  em  Lisboa ,& 
que  deita  mefma  Cidade  a  mandaria  para  o  Convento  da 
Covilhãa  ,  &  na  fua  perfeição  fe  reconhece  fer  obrada  por 
artífice  muy to  exccllente  ;  porque  moftra  huma  grande1,  & 
foberana  mageftade ,  &  tanta  graça ,  &  fermofura ,  que  rou- 
ba os  corações ,  &  aflim  he  continuamente  bufcada  dos  mo«- 
radoresdaquelle  povo» 

Os  Religiofos  daquelle  Convento  tem  muy  to  efpecial 
devoção  a  efta  Senhora  ,  &  fem  embargo  de  que  toda  efta 
fanta  Religião  temhuma  cordeal  affdçaõ ,  &  amor  para  com 
çfle  myíterio ,  &  lhe  cantão  todos  4os  Sabbado*MiíTa ,  &  ná 

H  z  tarde 


ii  6  Santuário  Mariano 

tarde  Ladainha  com  grande  folemnidadc,  parece  que  para 
com  efia  Sagrada  Imagem  tem  mais  efpecial  fervor  nos  feus 
obfequios ,  &  venerações.  Obra  muytas  maravilhas;  mas  a- 
quelles  tentos  Religiofos  com  ofeu  defapego,  naõ  cuydaõ 
muyto  de  fazer  memoria  delias ,  o  que  deviaõ  fazer ,  ao  me- 
nos para  que  aíHm  fe  avivaíTe mais  a  fé  dos  tíbios;  porque  a 
natureza  humana  he  taô  fria  naturalmente  y  que  neceffita 
muyto  de  quem  a  excite  à  devoçam,  ôccomo  osmimííros 
de  Deos ,  que  devem  fer  fogo ,  que  queyme  ,  &  abraze,  faõ 
de  neve  pela  fua  tibeza ,  naõ  he  muyto  que  os  mais  fe  es- 
friem á  fua  vifta ,  na  fé ,  &  na  devoçaõ ,  o  que  he  muyto  para 
íentir. 

Quanto  às  maravilhas ,  referio  o  Prior  de  Sam  Marti- 
nho da  mefma  Villa ,  o  licenciado  André  Lopes ,  aos  Com- 
miííariosdo  Hluflriflimo  Bifpo  da  Guarda,  como  teflemu- 
nha  de  vifta ,  que  fendo  elle  menino,  ouvindo  dizer ,  que  hia 
huma  moça  endemoninhada  do  lugar  das  Quintans,  con- 
correra elle  também  com  a  muyta  gente, &  rapazes  que  fe  a- 
juntárpõ  à  Igreja  de  S.  Franciíco ,  por  fe  dizer  que  vinha  of - 
ferecida  à  Senhora  da  Conceição  do  mefmo  Convento,  fen- 
do Guardião  hum  Religiofo  chamado  Frcy  Amaro,  peífoa  de 
muvta  virtude  ,  o  qual  a  exorcizara  ,  &  que  lançara  a  tal  mo- 
ça hum  real  pela  boca ,  em  a  Gapella  da  Senhora  ,por  final  de 
que  o  demónio  imperado  por  aquelía  feberana  Rainha,a  dcy- 
xava  livre ;  &  fugia  à  fua  vifta;  porque  he  Maria  muyto  for- 
midável a  todo  o  inferno.  Efta  moça  foy  livre  da  oppreflaõ  q 
o  demónio  lhe  fazia ,  &  todos  reconhecerão  fora  pela  inter- 
ceíTaõ ,  &  merecimentos  da  Senhora  da  Conceição. 

Outra  maravilha  referio  o  mcímo  Prior  também,  & 
muy  o  nota vcl>&  foy  ;quc  vindo  a  valeríe  dos  poderes  da  Se- 
nhora hum  aleijado, firmado  cm  duas  molétas,  eftc  pon- 
dofe  diante  daquella  Sagrada  Imagem,  invocou  a  Senhora, 
&  lhe  pedio  lhe  deíTe  faude ,  &  a  Senhora  lha  alcançou  per- 
feita de feuprecioío Filho,  porque  ficou  faõ,  &  largou  no 

irxfnío 


Livro  I. Título  XXX.  íi> 

mefmoIugarasmoletas,deyxando-as  por  memoria  da  mer- 
cê., que  a  Senhora  lhe  havia  feyto 

Todas  as  peflfoas  daquella  Villa ,  quando  fc  vém  enfer- 
mas, ou  opprimidas  de  alguma  grande  molefti  a  j  ou  trabalho, 
recorrem  logo  aopoderofo  patrocínio  deíía  mifericordiofa 
Senhora  ,  &  logo  achaõ  na  fua  clemência  tudo  o  que  pedem, 
&defejaõ-  Emuytasdeftasemacçaõ  de  graças  lhe  dedicaõ 
efpeciaes  feitas  de  MiíTa  cantada,  com  Sermaõ.  Efcrevem  da 
Senhora  da  Conceição  o  Padre  Frey  Manoel  da  Efperança 
na  fua  Hiítaria  Seraphica,  part.  i .  liv.  4.  cap.  1 4.  &  o  Arei- 
prefte  Francifco  da  Silva  Manoel,  &  o  Padre  Manoel  da 
Silva  da  mefma  Villa  da  Covilhãa. 


TITULO     XXX. 

De  N.Senf?ora  do  Faflio, termo  dá  mefma  Villa  da  Covilhãa* 

NO  mefmo  Arcipreflado  da  Covilhãa  ,em  o  lugar,fc  Fre- 
guefia  de  Fatella ,  ha  huma  Ermida  dedicada  à  Mãy 
de  Deos ,  a  quem  invocam  com  o  nome  de  noíTa  Senhora  do 
Faítto.  Da  caufa  porque  fe  lhe  impoz efte  titulo,naõ  ha  quem 
diga  nada  com  certeza  ,&  da  fua  origem  dizem  alguns,  que 
apparecéra  naquelle  lugar ,  &  efta  hc  a  tradição ,  que  em  al- 
gumas peííoas  achou  o  Vigário  do  mefmo  lugar  de  Fatella, 
procurando-a  por  mandado  do  mefmo  Illuftriílimo  Bifpo  da 
Guarda-  Ainda  aflim,  he  bufeada  efta  Senhora,  &  fuppoílo  q 
oconcurfo  da  gente  naõ  he  tam  grande  ,como  fe  vé  noutros 
Santuários,  o  que  nafeerá  da  falta  de  haver  quem  accenda  o 
fogo  da  devoção  ;muy tos  vaõ  àfuaprefença  a  pedir  o  re- 
médio de  (eus  trabalhos,  &  a  fé  com  que  vão,  lhes  alcança  o 
dcfpachoyque  defe jaõ.  Na  fua  Capclla  fe  vé  hum  quadro ,  em 
que  eflá  pintado  hum  milagre  notável ,  &  fe  affirma  fer  efíe 
ifcuyto  antigo. 

Tom.  III.  H  1  AIma: 


*  1 8  Santuário  Mariana 

A  Imagem  da  Senhora  hc  de  efcultura  de  madey  ra,  &  a 
devoção  dos  que  a  fervem,  a  vefte  de  vertidos,  para  aífim 
fe  augmentar  mais  a  reverencia ,  &  a  devoção  para  com  ella. 
A  íuaeítaturahe  de  três  palmos-  Tem  Ermitão,  que  affiííc  na 
Ermida,  &  tem  cuydado  delia,  o  qual  pedeefmolas  para  as 
defpezas  da  fua  Cafa.  Fica  efía  Ermida  em  lugar  folitarioyk 
efta  tombem  fera  a  cauía  do  pouco  concurfo  da  gente,  o  ler 
nwy  to  longe  de  povoado,  &eflar  em  lugar,  quepordefer- 
to,  fe  naô  encontra  nelle  gente  alguma. 


TITULO     XXXI. 

T)a  Imagem  de  noffa  Senhora  da  Ribeyra  no  termo  de 
Abrantes. 

OPropheta  Rey  Progenitor  de  Maria  Santiffima  diz  que 
oimpetuofodchua  ribeyra  alegra  a  Cidade  deDeos. 
Thom.   Efla  Cidade  dizem  todos  os  Padres,que  he  Maria  noffa  May, 
i./>.  q.   &  Senhora;  mas  a  rib:yra  ou  rio  ,  qualellefeja  ,odizemo 
$4.art.  Doutor  Angélico,  &SaôJoaõ  Damafceno,quehcoEfpiri- 
n-        to  Santo.  É  Cláudio  Rapina  diz,  que  efla  ribeyra  he  o  rio 
Dam.    dos  dons  do  Divino  Efpirito;  &  Alanode  Infulisdizquchc 
^^#  o  rio  da  graça:  FluVtus  grwarum.  Eaííím  vem  aferellerio 
y         o  Efpirito  Santo ,  (eus  Divinos  dons  ,&  fua  graça ,  tudo  he 
eílerio,  &eíta  ribeyra;  porque  o  Divino  Efpirito  naô  fó 
CUtid.   alegra  a  cila  Cidade;  mas  a  enche  de  feus  divinos  dens ,  &  a 
firm.  z.  enriquece  de  fua  graça  ,  &  tanto,  que  vem  a  fera  Senhora  h& 
Cw'  Rio,  &  humacaudalofa  Ribeyra  de  graças- Eeffa  foy  arazaõ 
?r'     que  teve  Ricardo  ,  para  chamar  à  Senhora ,  Ribeyra  de  Deos 
Man.   abundante  de  aguas  daDivina  gvaçr.Flumen  Dei  repletam  a* 
ftrm.de /uis gr titirt-Emòfóhc  Ribeyra  cheya  de  graças;masRibey- 
j*nn*t.c&  cheya  de  clemência:  Fluvitw  clementite, como  diz  Bernar- 
•St  M*  Jq,  Pois  fe  efta  Senhora  he  tam  abundante  de  graças ,  &  de 

clemen- 


Livro  LTitulo  XXXI.  u# 

clemência,  quem  haverá, que  a  n2Õbufquc,quemhaverá,que  Ric4rd: 
naõ  folicitc  os  feus  favores,  &  quem  deyxará  de  bufcar  á  fua  '#  &• 
clemência?  Semduvida  que  os  que  impuzeraõ  à  Senhora  oLotiY% 
titulo  de  Ribey ra ,  o  dcvinõ  fazer  na  coníideraçaõ  de  que  he  f    9'?' 
cila  huma  Ribeyra,&  Rio  de  graças,  &  de  clemência,  a  favor  >4  ^ 
de  todos  os  que  imploraõ  o  feu  patrocínio ,  &  fe  defejsõ  va-  jjrti  lj 
ler  da  fua  clemência ,  &  piedade.  ,4#  eap[ 

Junto  a  huma  ribeyradiflante  da  Villa  de  Abrantes  pa-  16. 
ra  a  parte  do  Norte  coufa  de  huma  legoa ,  chamada  atítiga- 
mente  Abrançuida,  ou,  como  hoje  lhe  chamão  porcorrup-^'^'. 
çaô  do  vocábulo,  Abrançalha,  íitiomuytodeliciofo,frefco,  m^J[iu 
&  povoado  de  muy  tos  pomares ,  &  hortas ,  fe  vé  o  Santuário  fHper  * 
de  N.  Senhora ,  que  por  fe  fundar  junto  â  referida  ribcyra,  Salve 
lhe  déraõ  o  titulo  delia.  Fundou  nefía  Cafa  o  terceyroCon-  Rêginu 
de  de  Abrantes  Dom  Lopo  deAlmeyda  hum  Convento  da 
fantá  Província  da  Piedade  ,  &em  quanto  as  obras  delle  fe 
faziaõ,feaccõmodáraõ  osReligiofos  na  Ermida  da  Senho- 
ra 3  &  á  fua  fombra  receberam  de  Deos  muy  tos ,  &  grandes 
favores:  teve  principio  efla  fundação  noannode  1526.  & 
depois  que  as  obras  efliveraõ  acabadas  ,  deyxáraõ  a  Cafa 
da  Senhora,  o  que  eu  naõ  fizera;  porque  em  quanto  aqucl- 
les  primitivos  Padres  alli  viverão,  eraõ grandes  asconfola- 
çôes ,  &  regalos ,  que  naquella  pequenina  Cafa  da  Senho- 
ra receberão  da  mifericordiofa  mam  de  Deos  por  inter- 
ceflaõde  fua  Santiífima  Mãy  ,que  fempre  como  Rio  de  gra- 
ças as  eflá  communicando  aos  que  vivem  debayxo  de  fuâ 
protecção. 

De  hum  Religiofo  leigo,chamado  Fre y  António  de  To- 
ledo(porque  era  natural  defta  Imperial  Cidade;fe  refere,que 
continuava  tanto  na  oração  à  villa  da  Senhora,  queafem- 
bra  do  feu  corpo  de  tal  maneyra  ficou  impreffa  na  parede  da 
Capella ,  vizinha  ao  lugar  aonde  orava ,  que  por  mais  dili- 
gencias ,  que  imprudentemente  fe  fizeraõ  para  a  apagar ,  ca- 
yando  a  parede  com  hu  pincel  de  cal,  nunca  foy  pofli vel(por 

H  4  mais 


i  to  Santuário  Mariano 

íiraís  demãos  q  lhe  deraõ)  a  que  ficaíTe  extinda^  antes  perfc: 
verou  por  rcuy tos  annos,  &  ainda  hoje  fe  vira  a  meíma  íbm- 
bra,anaõfe  porfiar  pela  extinguirem.  Morreo  o  Santo  lei- 
go naquella  Caía,  &  foy  fepultado  à  vifta  da  Senhora ,  em  a 
fua  mofaria  Ermida.  E  depois  obrou  Deos  muytos  milagres 
pormeyo  da  terra  de  fua  fepultura,  principalmente  em  o 
moleíta,  &  enfadonho  mal  das  cezoes. 

Outro  Religiofo, também leygo  de  profiííaõ,  viveoem 
aquella  Cafa,  chamado  Fr.  AíFonfo  de  Viana,Varaõ  de  gran- 
des virtudes,  que  também  foy  devotiflimodaquelia  fobera- 
na  Senhora.  Elk  morrendo  naquelle  Convento  ptimeyro 
em  a  companhia  da  Mãy  de  Deos,  mereceo  pela  fua  intercef- 
faõ ,  &  favor,  que  o  Senhor  enriqueceífe  a  fua  alma  de  taõ  ef- 
clarccidss  virtudes ,  que  ainda  hoje  perfeveraôas  memorias 
da  fua  fanta  vida.  Tudo  ifto  receberão  efies  7  &  os  mais  Pa- 
dres que  viverão  naquella  primeyra  Cafa,  daquella  fonte ,  & 
Rio  perene  de  mtfericordias.  Da  Senhora  da  Ribtyra  Efcre- 
vem  o  Padre  Frey  Manoel  de  Monforte  na  fua  Chronica  da 
Província  da  Piedade  liv.  2.  cap.  40.  &  Jorge  Cardofo  no 
feu  Agiologto  Luíitano  tom.  1.  pag.  120. 

Por  outra  noticia  me  confiou  que  aquella  Cafa  da  Se- 
nhora fora  antigamente  Convento  deReligiofas,&como 
o  íitio  ficava  entre  hortas,  &  era,  por  bayxo,  &  muyto  húmi- 
do, peuco  fadio  j  fe  mudou  efle  Convento  para  dentro  da 
meíma  Villade  Abrantes  ,  aonde  ao  prefente  perfeveraõ  as 
fteligiofas,&  eíle  fenomea  hoje  com  o  titulo  de  noífa  Se- 
nhora da  Efperança,  do  IníHtuto  de  Santa  Clara  5&  da  fa- 
mília dos  Menores. 


TITULO 


Livro  LTitu/o  XXXII. 


121 


TITULO     XXXII. 

Da  mihgrofa  Imagem  ckN.  Senhora  do  Incenfo  de] 
fenamacor^ 

COm  muyta  razaõ  fc  deve  dar  a  Maria  Santiflima  o  tifti- 
Iode  Incenfo;  porque  peloincenfo  entendem  os  San- 
tos Padres,  &  as  Efcrituras  a  deprecaçaõ ,  &  a  oração.  E co- 
mo eíla  Senhora  nunca  cefla,  nem  falra  em  rogar  por  nós  a 
feu  bemdito  Filho ,  &  he  para  a  Divina  clemência  ,  cheyro 
fuaviffimo  de  incenfo  ,  a  depreeaçam  defua  amorofa  Mãy, 
por  iííò  lhe  vem  muy  próprio  eíle  titulo.  Com  elle  a  invocaõ 
os  Gregos  no  feuHymno,comooaffirmaButeolo:  iH&fcifajJB 
[um  accfptabile  deprecetionibus.  Qvx  he  Maria  Santiflima  Gnec&i 
comas  fuás deprecações,  &  rogos  a  favor  dos  peccadores, jp$d 
incenfo  muytograto,&  aceyto.  E  fendo  tam  agradáveis  ao  BmeoU 
Senhor  os  rogos ,  que  a  beatiflíma  Virgem  Maria  interpõe  a  />•  *  *?• 
feufavrr;juíiohequecommuyta  fé,  &  devoção  a  rogue- 
mos com  as  noífas  orações ,  para  que  cila  interceda  por  nos, 
&  nos  alcance  em  ncíTas  petições  os  defpnchos  de  que  o  Se- 
nhor mais  fe  obriga  ,  &  a  nós  mais  nos  convém. 

Meya legoa difbntc  da  Praça,  &Villa  de  Penamacor 
f>araa  parte  do  Occidcnte;&  dentro  do  feu  termo,  &  limite, 
fe  vé  huma  fermofa ,  &  grande  Ermida  dedicada  à  Mãy  de 
Deos ,  aonde  fe  venera  huma  milagrofa  Imagem  fua,  a  quem 
daõotitulodeN.  Senhora  do  Incenfo.  He  cfta  Sagrada  I- 
magem  antiquiífima^  &  tanto,  que  fe  naõ  fabe  dizer  nada  da 
íua origem, &  princípios.  Efem  embargo  de  que  todos  os 
moradores^de  Penamacor  dizem  que  he  angelical ,  &  obra- 
da pelas  mãos  dos  Anjos ,  ainda  affim  naô  fabem  dizer  fe  ap- 
pareceo  ,  nem  moftraõ  o  fundamento  que  tem,  para  a  terem 
por  tal ,  mais  que  huma  tradição  ligeyra  de  que  o  he.  Crey  o 

que 


i  it  Santuário  Mariano 

que  naíccrá  efta  tradição  da  fua  grande  perfeyçaõ ,  &  rara 
fermofura,porqueaíT]m  naefcultura  ,  como  na  graça,  &  ma- 
gèftadc  que  moftra ,  naõ  parece  a  podiaõ  obrar  as  mãos  dos 
hou^ens. 

He  efta  milagrofa  Imagem  da  Mãy  de  Deos ,  deefcul-, 
tura  ,  formada  em  pedra,  &  as  roupas  pintadas,  &matiza- 
das  todas  de  ouro  ,  k  de  eíhtura  de  três  palmos,  &  tam  per- 
feitamente pintada  ^çuc  pudera  efeufar  o  ornato  dos  vefti- 
dos,  que  a  devoção  dos  que  a  fervem,  (por  fcmoílrarem  no 
ftu  obfequio  mais  fervorofos)  lhe  coftuma  por-  Tem  fo- 
bre  o  braço  hum  Menino  Jefus,  que  he  de  madeyra,  &  di- 
remos moradores  daquelía  Vil! a ,  que  antigamente  era  elte 
Menino  também  de  pedra,  &quehuns  devotos  lho  furta- 
rão >  &  que  em  feu  lugar  lhe  puzeraõ  o  que  de  prefente  tem. 
A  Senhora  tem  na  cabeça  huma  coroa  de  prata- 

A  fua  antiga  invocação  era  nofía  Senhora  do  Prado,  & 
naõ  do  Incenfo  ,  como  hoje  fe  denomina;  &  elle  do  Incenfo, 
he  também  mu>  to  antigo;  porque  confia  poreferiturasde 
compra ,  &  venda  de  fazendas  ,  que  ha  mais  de  duzentos  an- 
nos  ,  que  fe  intitula  do  Incenfo ,  nomeando-a ,  as  proprieda- 
des, &  que  e  fia  vão  junto  anoífa  Senhora  do  Incenfo-  Efte 
titulo  do  Incenfo  (  diz  a  tradição  )  nafceo  de  que  hum  Bifpo 
da  Guarda,  em  huma  doença  grave ,  ou  perigo  de  vida  em 
que fevio,fe encomendou  muyto  a  noffa  Senhora,  pedin-; 
doihe  que  o  livrafíe,pelos  feus  merecimentos,*:  interccííaõ. 
Ccncedeolhe  a  Senhora  logo  o  que  lhe  pedia ,  &  em  acção  de 
graças ;  &  em  final  de  agradecimento  do  beneficio  recebido, 
lhe  foy  fazer  huma  fefta ,  em  que  celebrou  MiíTa  de  Pontifi- 
cal. E  levando  para  eífe  eíFeito  teda  a  preparação  neceííaf  ia, 
quando  ja  eftavaõ  à  Miffa ,  fe  reparou  que  faltava  o  incenfo; 
Neíta  falta  que  fe  não  podia  remediar,  por  ficar  a  Ermida  dif- 
tante  da  Villa  mais  de  meya  Icgoa  ,  como  fica  dito,  fe  recor- 
rco  à  Senhora  ,  para  que  cila  o  ren  ediaffe.  E  pegandofe  da 
naveta  ( depois  de  a  terem  viílo  vazia)aacháraõche>adelJe, 

& 


Livro  I.  Titulo  XXXII.  1 1 3 

&  de  outros  cheyros  aromáticos.  AViíta  defta  maravilha, 
fe  começou  a  invocar  a  Senhora  com  o  titulo  do  Incenfo, 
que  milagrofamente  havia  dadonaquelia  occaíiaõ,em  que 
clle  faltava. 

Outros  querem  que  efte  titulo  do  Incenfo  proceda  de 
hum  valle ,  que  chamão  do  Incenfo  ,  &  porque  a  Cafa  da  Se- 
nhora fica  para  a  parte  do  tal  fitio,  querem  que  delle  tomaf- 
fe  o  nome ;  mas  como  eíle  difle  huma  legoa  da  Ermida  da  Se- 
nhora ,  naõ  parece  vir  muyto  adequada  efía  applicaçaõ,  nem 
parece,  que  lhe  devia  refultar  delle  o  tal  titulo,  &  affim  acho 
que  a  primeyra  tradição  parece  mais  verofimel.  Eccmonsõ 
ha  cícritur3S  >  nem  memorias  autenticas ,  que  o  digaõ }  pode 
cada  hum  aíTentar  no  que  lhe  parecer;  mas  efta  tradição  he  a 
roais  commua. 

Os  milagres  que  o  Senhor  obra  por  meyo  defta  Sagrada 
Imagem  da  Senhora,  fam  innumeraveis ,  como  o  experimen  - 
taõ  todas  as  horas  ,  os  moradores  daquella  Villa,  &de  to- 
dos os  mais  povos  circumvizinhos  ,  que  fe  valem  da  fua  in- 
tcrceffaõ,&  poder.  Ordinariamente  fevé  cite  nas  ncceílida- 
des  publicas ,  quando  fe  imploraô  delia  as  divinas  mifericor- 
dias;  porque  quando  fe  vem  os  Ceos  de  bronze,  por  faltar 
à  terra  com  a  brandur  a  da  agua,  de  que  neccffi ta  ',  a  vaõ  tirar 
em  proci(Ta5^&  a  levaõ  para  a  Igreja  da  Mifericordia  da  mef- 
ma  Villa,  &  logo  fe  experimenta  prompto  o  remédio.  E  or- 
dinariamente íuecede  ,  no  mefmo caminho  ,  oconheceríe  a 
feu  favor ,  &  piedade ,  c  om  tanta  abundância  de  agua,  quan- 
ta he  neccífaria  aos  frutos;  o  que  em  todos  caufa  admiração, 
&  mayor  devoção  para  a  Senhora. 

Noannodc  1702. proximamente  cm  huma  grande  tem- 
peíiade,  que  ouve  naquella  Vií!a ,  &  que  foy  geral  a  todo  o 
Reyno,!ançandofe  nellaos  pregõescofturmdos,parafea- 
jurKaroClero>&povo  para  irem  tirar  a  Senhora  em  procif- 
faõ ,  immediatamente  ceiTou  a  tempeftade  começando  IcfcfS 
§í?z?Çk?!5  tempo^que  continuou  até  n,  de  Março  do  m& 

mo 


i  z  4  Santuário  Mariano 

moanno-Eexperimcntando-fe  ja  no  mcimo  mez  grande  falta 
de  agua \  &  grande  temor  de  fe  perderem  as  novidades,  de- 
terminarão os  moradores  de  Penamacor,  de  recolher  a  Se- 
nhora à  fua  Caía,  rogandolhe  fe  compadeceffe  delles,  &  lhes 
deffe  a  agua  de  que  neceflitavaõ  os  feus  campos.  Sahio  a  Se- 
nhora da  Mifericordia  em  17.  do  mcfmo  mez  pela  tarde ,  & 
na  íeguinte  noy te  ouve  huma  grande  abundância  de  agua, 
que  continuou  em  forma ,  que  fe  feguráraõ  as  fearas.  Ifto 
mefmo  fe  experimenta  nas  occaíiões,  em  que  feneceffita  de 
foi,  &  tanto  que  fe  recorre  à  Senhora,  logo  ella  lhes  concede 
o  bom  tempo ,  que  deícjaõ. 

No  tempo  em  que  íe  começarão  as  guerras  deite  Reyno 
com  o  de  Caftella ,  depois  da  Acclamação  do  fereniflimo  Re  y 
Dom  Joaõ  o  Quarto ,  fuecedeo  que  hum  foldado  dos  inimi* 
gos,entrando  atrevidamente  a  cavallo  na  Igreja  da  Senhora, 
(o  que  podia  fazer  fem  impedimento  ,  por  ficar  a  Ermida  dif- 
tante  da  Villa,  como  fica  dito)com  intento  de  defpojar  a  Se- 
nhora das  fuás  joyas,  chegando  efie  aos  degraos  da  Capella, 
pafmou  de  forte  ,  &  o  cavallo  ,  que  ambos  ficáraõ  immoveis, 
fem  poder  dar  mais  humpaíTo,  de  que  atemorizado  voltou 
para  traz ,  fahindofe  da  Igreja ,  deyxandoimpreffa  no  lagea-- 
do  da  Capeíla  huma  ferradura ,  o  que  ainda  hoje  fe  vé. 

A  hum  Alferez  de  Infamaria  do  prefidio  daquella  Pra- 
ça ,  chamado  Joaõ  deAlmcyda,  perfeguia  o  demónio  com 
vehementiffimas  tentações ,  de  que  fe  foíTe  afogarem  hum 
pego,  a  que  chamão  o  Estillo,  da  ribey ra  de  Sey fe,  que  corre 
perto  da  Ermida  da  Senhora ,  a  proveitandofe  do  feu  natural 
(muyto  melancólico,  &  imaginativo )  o  demónio  para  eíla 
guerra ,  &  foy  taõ  terrível  a  fugertaõ,  que  elle  o  executou,  & 
para  que  logo  pudeífe  ir  ao  fundo  do  pego,  encheo  as  algi- 
bey  ras  dos  calções,  &  os  bolços  da  caçaca  de  pedras.  A  efle 
livrou  a  Senhora  ,  tirando-o  das  mãos  do  demónio  com  o 
feu  poder  3  pondo-o  às  portas  da  fua  Ermida  livre,  aonde  o 
âcháraõ ,  ainda  que  muyto  bem  molhado,  &  com  a  carga  das 

PC; 


Livro  1.  Titulo  XXXII.  /2jr 

pedras  que  em  íi  levava.  Reconhecendo  eíte  o  beneficio, 
dando  as  graças  à  Senhora,  confeííando  ,  quefóelíaopodía 
livrar  nâquclla  occafíaõ  de  fe  perder,  &  condenar,  indoda- 
quelle  profundo  pego  para  outro  mais  profudo,  para  onde  o 
demónio  o  encaminhavaOffereceo  à  Senhora  as  ptdras,para 
q  ficaffem  em  me  moria  de  taõ  grande  beneficio,  &  de  tam  An- 
gular maravilha.E  ainda  teve  eíie  milagre  a  circunftancia,  de 
que  o  demónio  o  tentaffe  emhuma  noytemuytoefcura,  & 
tcmpcítuofa  ,  para  que  naô  ouvelTe  quem  oimpcdiffe;  mas 
naõ  fe  cceultou  à  Senhora  efla  má  obra  do  demónio ,  para 
fdltar  com  a  lua  protecção  àquclle  mifcravcl ,  &  illufo  pec- 
cador,  que  ficou  efearmentado,  &  livre  pela  piedade  de 
Deos ,  &  clemência  de  Maria  Santiífima. 

Fica  eile  Santuário  íituado  em  hum  ameno  valle ,  a- 
legre ,  &  deliciofo ,  povoado  de  vinhas ,  &  pomares ,  &  fem 
duvida  do  alegre ,  &  frefeo  defle  campo ,  fe  devia  dar  a  cila 
Senhora  o  antigo  titulo  do  Prado,  &  por  eflacaufafeper- 
fuadírãomuytos  de  que  a  Senhora  appareceo  naquellc  val- 
le, &  que  por  razaõ  delle  lhe  déraõ  o  titulo  do  Prado ,  que  o 
feria  então ,  &  não  haveria  neffc  tempo  as  vinhas ,  &  poma- 
res, que  depois  nella  fefariaõ.  He  efla  Ermida  grande  >  & 
de  três  naves ,  naõ  tem  mais  que  a  Capella  mòr }  cm  que  a  Se- 
nhora eflácollc  cada- eftaCapellaeflá  muy  to  bem  adornada, 
&  tem  hum  retabolo  dourado, &  muy to  perfeito.  Nefla  Ca- 
pella fe  vem  muytos  finaes,  &  memorias  das  maravilhas,que 
a  Senhora  obra  em  todos  osqueainvocabj&imploraõ  os 
feus  poderes,  como  faõ  mortalhas,  corações,  &  cabeças  de 
cera ,  &  outras  coufas  femelhantes ,  que  apregoaõ  os  feus 
poderes. 

He  efla  Cafa  da  Senhora  annexa  à  Parochia  de  S.  Pedro; 
íjuehchum  dos  Priorados  da  mefma  Villa;  nella  ha  duas 
Mitos  quotidianas,  que  manda  dizer  Fernão  de  Soufa  Cou- 
tinho jrmão  do Hluflriflímo  Arcebifpo  deLibboa  o  Senhor 
D*João  de  Souía,o qual he  fenhor  ,  &  poffuidor  de  hum  mor- 
gado^ 


ti6  Santuário  Mariano 

gado jquc  dizem  ter  por  obrigação  huma  MiíTa  quotidiana,  a 
qual  fe  mandou  dizer  nefla  Cafa  da  Senhora. Efía  ha  muytos 
annos  q  mandáraõlfatisfazer  os  poíTuidores  do  mefmo  mor- 
gado, que  anda  na  Cafa  dos  Condes  do  Redondo.  E  desde  o 
tempo  em  que  entrou  na  Cafa  de  Fernão  de  Soufa,  a  quem  fc 
deu  o  titulo  de  Conde  do  Redondo,  não  fó  mandou  fatisfa- 
zer  com  huma  MiíTa  >  mas  com  duas  quotidianas ,  cujos  Ca- 
pellães  vivem  na  mefmaVilla  de  Penamacor,  &vam  todos 
os  dias  dizer  MiíTa  ao  Santuário  da  Senhora.  Nzõ  fó  admi- 
niflra  cem  pontualidade  a  côngrua  das  referidas  Capellas; 
mas  tem  mandado  para  a  Cafa ,  &  culto  da  Senhora  muytos 
ornamentos ,  muy  to  perfey  tos,  de  todas  as  quatro  cores ,  de 
que  ufa  a  Igreja ,  &  todos  de  damafeo,  alvas  ,  &  outras  mais 
coufas  do  ferviço  do  Altar ,  como  cor  poraes ,  &  caliz ,  &  até 
ferro  de  hoflias ,  &  tudo  com  grande  perfeição. 

Eftc  morgado  dizem  que  o  inflituíra  hum  D.  Jorge  de 
Menezes  afeendente  do  mefmo  Fcrnaõ  de  Soufa,  o  qual  in- 
do para  a  Índia ,  padecera  huma  grande  tormenta ,  em  que  fc 
vio  perdido,  &  que  valendo-fe  dos  poderes  de  noíTa  Senho- 
ra, invocara  a  fua  milagrofa  Imagem  do  Inccnfo ,  &  queim- 
mediatamente  que  o  fizera,  fc  vira  livre  do  perigo,&  da  mor- 
te ,  &  quereflituídoàfua  cafa ,  iniUtuíra  cíle  morgado  com 
a  obrigação  das  MiíTas ,  para  que  por  ellas  fc  confervaíTe  na 
fua  Cafa  a  memoria  dcftc  taõ  grande  beneficio ,  que  da  Se- 
nhora havia  recebido;  fcaffirmãomais  fer  tradição,  que  o 
rrefmoD.  Jorge  de  Menezes  fora  empeflbaadarasgraças 
à  Senhora ,  &  que  entaõ  referira  o  favor,  que  da  fua  piedade 
recebera. 

Saõ  muy  to  grandes  os  concurfos  da  gente ,  que  por  to- 
do o  dtfcurfo  do  anno  vaõ  a  venerar  a  efía  Senhora, naõ  fó 
da  Villa,  mas  das  mais  terras,  &  povos  circumvizinhos,  dos 
quaes  vão  muytos  a  ter  na  Cafa  da  Senhora  as  fuás  novenas. 
Nos  Sabbados  da  Quarefma  he  aquella  Cafa  muyto  mais  fre- 
quentada ,  &  entaõ  he  taõ  grande  a  devoção,  que  os  que  naõ 

podem 


Livro  I.  Titulo  XXXII.  1 27 

podem  ir  de  manhãa  à  Mitra  da  Senhora  ,  vaõ  de  tarde  ,  &  à 
noy  te,  fem  que  os  rigores  do  tempo  poflaõ  esf  riar^ou  extin- 
guir o  fogodafua  fervorofa  devoção.  O  Senado  da  Carne - 
radaquella  Villa  tem  obrigação,  por  voto  que  fefez,dc 
ir  emprociflfeõ  à  Igreja  da  Senhora  ,  na  primeyra  Odiava 
da  PafchoadaRefurrciçaô,aquc  pontualmente  fatisfazem, 
com  Sermão,  8c  Mito,  que  diz  o  Prior  da  Igreja  de  Saõ  Pe- 
dro :&  efla  obrigaçam  do  Prior  eílája  tam  alternada,  que 
faltando  cm  dizer  Mifla  na  fua  Igreja  na  tal  Odava  ,  fe  lhe 
naô  faz  culpa,  nem  perde  nada,  por  íe  at tender  à  obrigação, 
que  tem  de  acompanhar  o  Senado ,  &  ir  a  celebrar  na  Caía  da 
Senhora.  Dascaufas  porque  fe  inftituío  cftc  voto ,  naõ  ha 
noticia ,  feria  por  algum  grande  favor,  que  a  Senhora  lhe  fa- 
ria em  alguaneceffidade  publica:  porémafatisfaçaõdellehe 
cx^da.Da  Senhora  do  Incenfonos  fez  relação  o  Arciprefic, 
&  Vigário  da  Igreja  de  Santiago,  da  mefma  Villa  de  Pena- 
macor, o  Padre  António  efleves,  por  mandado  do  Ilhif» 
triffimo  Senhor  Dom  Rodrigo  de  Moura  Telles  fendo  Bifpo 
da  Guarda. 


TITULO     XXXIIL 

Da  Imagem  de  no f a  Senhora  dosCarneyros  da  Aldeã 

do  Souto. 

NO  termo  daVillada  Covilhãa  ha  hum  lugar  ,a  que  cha- 
maô  a  Aldeado  Souto.  Junto  a  efle  fere  huma  Ermi- 
da dedicada  à  Mãy  de  Dcos ,  aonde  fe  venera  huma  antiga, 
&  devota  Imagem  fua ,  com  hum  titulo ,  de  que  fe  naô  def- 
preza  aquella  Senhora  Soberana ,  que  eflima  cmmuytofer 
Mãy  do  Cordeyro  immaculado  Chrifto  JESUS-  Porque  he 
a  Mãy  do  Paftor  ,  &  do  Cordeyro ,  como  dizem  os  Gregos 
no  feu  Hymnq;M^e  r  Pay?ow,<Mg»i  Jntitula:fc  noíTa  Se- 
nhora 


n8  Santuário  Mariano 

Hjm».  nhora  dos  Carneyros,  ou  do  Carneyro.  A  origem,  &  princi- 
Grac.a-  piosdeíla  Sagrada  Imagem,  &  de  feu  myiteriofo  titulo ,  te- 
f « i  Bu-  fcrem  os  velhos ,  &  os  Farochos  do  mefroo  lugar  nefla  ma- 
H         ney ra ,  por  tradição  confer v&da  entre  cllcs. 

Havia  antigamente  (&  poderia  bemferdemuytosan- 
nos")  diílantedaquelle  lugar  huma  Ermida ,  dedicada  anoíTa 
Senhora,  cujo  titulo,  queeptaõtnha,fe  ignora.  Nefla  Er- 
mida havia  huma  Imagem  de  N.  Senhora,  mastaõ  efquecida 
de  todos ,  &  com  tam  pouco  culto ,  &  veneração ,  que  pou  - 
cas  vezes  fe  via  a  fua  Ermida  aberta.  Junto  a  cila  Ermida  em 
hum  ribeyro  que  por  alli  paffa ,  eftava  huma  mulher  lavando 
a  fua  roupa ,  &  rinha  perto  de  fi  hum  menino,  que  e  flava 
brincando  com  as  pedrinhas  do  rio.  Aeílc  afíalteou  de  re- 
pente huma  fera ,  que  feria  algum  lobo,  ou  uífo,  que  também 
deites  ouve  por  aquellas  partes  muy  tos ,  &  vendo  a  Mãy  ar-: 
rebatar  aofilhinho,fobrefaltada  do  perigo,em  que  o  via,  cla- 
mou, &  chamou  pela  Senhora,  dizendo,  Virgem  Senhora  a - 
cudime*  De  repente  appareceo  a  Senhora  ,  como  piedofa 
May ,  que  he  dos  peccadores,  a  qual  trazia  hum  carneyro  nas 
mãos,  que  lançou  à  fera ,  que  pegando  delle  largou  ao  meni- 
no iilefo,&  fem  moleflia  alguma-  A  Mãy  obrigada  de  taõ  fin- 
gular  beneficio  ,como  da  Senhora  recebera ,  o  foy  logo  pu- 
blicar a  todos  os  moradores  do  feu  lugar ,  os  quaes  fahiraô, 
&  vierão  a  dar  as  graças  à  Senhora.  E  porque  fem  duvida  a 
fua  Cafaeflava  ja  por  muy  to  antiga  quaíi  arruinada  ,&  inca- 
paz de  reforma,  aífentárão  entre  íi  edificarlhe  outra  nova 
mais  perto  do  lugar ,  como  fizeram ,  para  a  obrigarem,  a  que 
oslivraffe  das  feras,  &  também  das  garras  do  cruel,  &  in- 
fernal lobo. 

Nefla  Ermida,  que  então  fe  lhe  edificou ,  he  hoje  vene- 
rada eita  Santa  Imagem  com  o  titulo  do  Carneyro ,  com  que 
fstisfez  à  fera  a  fuaneccílídade,  para  que  latgaffe  ao  inno- 
cente  menino ;  &  parece  que  difpoz  o  Senhor ,  que  com  efle 
iiiulofencmeaíTedalli  por  diante  a  Imagem  dcfuaSanriífi- 

ma 


Livro  LTituloXXXllL  i^ 

ma  May,para  que  com  a  lembrança  do  benefício,  foíTem  mais 
cuidadofos  do  feu  culto ,  &  veneração  ,  para  que  afíi m  fe  fa- 
çam merecedores  ài  alcançar  muytos  da  mefma  Senhora. 
He  efta  Sagrada  Imagem  de  efeultura  de  madeyra,  &  tem 
pouco  menos  de  tres  palmos  de  eftatura.  Eítá  perfeitifíima- 
menteeftofada,&  encarnada,  &  parece  encarnação  tam  bel- 
la  ,  tam  viva  ,  &  tam  f  refea ,  como  fe  folie  de  poucos  dias  a  - 
cabada,  fendo  que  naõ  ha  memoria,  de  que  algum  pintor  a 
tocaííe;acorhea!gum  tanto  morenita ,  mas  muyto  linda, 
&mageftofa.  Iftohe  o  que  pudemos  alcançar  fobrea  ori- 
gem, &  princípios  da  Imagem  da  Senhora  dos  Carneyros, 
quanto  ao  titulo  moderno  ,  q  do  mais  naõ  ha  noticia. 

Fica  efle  Santuário  fituado  fora  do  lugar,  tudo  o  que 
comprehende  em  direytura  a  Via  Sacra,  que  fahe  da  Matriz, 
&  vay  a  finalizar  na  Cafa  da  Senhora.  He  eík  Santuário  hoje 
muyto  frequentado ,  pelas  maravilhas ,  que  a  Senhora  obra, 
naõ  fó  dos  moradores  daquelle  povo,&  Aldeã  do  Souto; mas 
dos  lugares  circumvizinhos ,  principalmente  nos  Domin- 
gos ,  &  dias  Santos.  E  fendo  invocada  em  todas  as  enfermi- 
dades; o  he  mais  principalmente  das  mulheres,  que  tem  par- 
tos perigofos ,  &  das  que  naõ  temleytc,  paracrearema  feus 
filhos;  eflas  recorrendo  aos  feus  poderes,  logo  achão  felices 
defpachos  no  que  pedem.  Muytas  faõ  as  maravilhas,  &  os 
milagres,  que  fe  referem,&  quaíi  todos  fe  confervaõ  em  tra- 
dições ;  porque  a  curicíidade ,  &  o  cuydado  de  os  lançar  em 
livros  de  memoria ,  mb  o  ouve. 

Noannode  1699.  foy  huma  mulher  deMaçaínhas  de 
Belmonte  à  Senhora  com  huma  criança,  que  havia  quatro 
mezes  creava  aos  pey tos  de  huma  cabra,  por  lhe  haver  falta- 
do o  ley te,&  entrando  na  Ca pella  da  Senhora  a  fazer  a  fua  o- 
raçaõ ,  logo  fentio  os  pey  tos  taõ  cheyos  de  leite,  que  foy  ne«í 
ceifado  bufear  outra  criança  para  que  lhe  defpejaííe  os  pey- 
tos.  Efte  milagre  fe  vé  retratado  em  hum  quadro ,  que  eftá 
poftona  Capella  da  Senhora. 
Tom-  IH;  I  Mari* 


1 3  o  Santuário  Mariano 

Miria  Telles  mulher  de  Jacinto  de  Affonfecai  eflando 
de  parto ,  femefperanças  algumas  de  vida }  invocando  a  Se- 
nhora com  muy  ta  fé ,  no  meímo  inftante  fe  vio  livre;  porque 
pariocombom  fucccíTo,&  ficou  muytofaã,  &fem  alguma 
queyxa.  Também  eiie  milagre  elíà  pintadoem  outro  qua- 
dro, que  fc  vé  na  mefma  Capella  da  Senhora. 

Brás  Soares  eíiando  graviíHmamcnte  enfermo  de  huma 
febre  maligna  ,  &  ja  fem  efperança  de  vida ,  &  defenganado 
dos  Médicos  \  invocando  a  Senhora  dos  Carney  os  ,  &  pro- 
njettcndolhe  bua  fefla  ,no  mcfmo  ponto fereconheceo  com 
i^eihoras  ,&  ficou  fem  febre  alguma.  Econvalecido breve- 
mente, foy  fatisfazer  à  Senhora  a  fua  promeffa,  &  a  darlhe  as 
graças  da  mercê.  Deftcs  três  exemplos  que  apontey  fe  co- 
nhecerão os  muytos,  qeíla  mifericordiofa  Mãydospccca- 
dores  obra  a  favor  daquelles ,  que  com  fé  y  &  devoção  a  in» 
vocam. 

Junto  à  Ermida  da  Senhora  eftáhuma  fonte,dequc  fea- 
proveytão,os  que  vaô  em  romaria  à  fuaCafa.  Eas  fuás  ver- 
tentes correm  para  huma  ortinha ,  que  tem  o  Ermitão  entre 
huns  foutos.  E  o  Ermitão  que  de  prefente  ferve  a  Senhora , 
he  muy  to.zeloíò  \  &  felicito  ,  8c  affim  tem  naõ  fó  reparado  a 
Cafa  j  que  ja  fe  via  muy  damnificada ,  mas  augmentado  muy- 
to,&cadadiavayemmayoraugmento,  nas  obras  que  faz. 
A  Senhora  ertá  collocada  no  Altar  mór ,  &  na  fua  Capella  fc 
vem  muy  tos  finaesjík  memorias  de  feus  poderes,  q  cftaõ  pu- 
blicando que  faõ  grandes ,  &  para  todos  ,  5c  para  tudo.  Alli 
íevémna  fua  Capella  quadros,  mortalhas, cabeças,  peyto?, 
braços ,  &  outros  fimes  femelhantes.  Eíla  relação  nos  deu 
por  mandado  do  Jlluftriffirno  Senhor  D.  Rodrigjde  Mouft 
Telles  fendo  Bifpo  da  Guarda ,  o  Parocho  da  Aldca  do  Sou- 
to, o  Padre  Manoel  daFonfeca  Camello. 


TITULO 


Livro  L  Titulo  XXXIV.  t j  f 


TITULO     XXXIV. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  do  Souto  do  termo  da  Guarda. 

NO  termo  da  Cidade  da  Guarda  ha  muytos  lugares 
muyto  frefcos,  &  dtliciofos ,  com  muytos  toutos,  & 
bofques,  como  faõ  ,  ode  Fernaô Joannes,  o  dos  Trinta,  & 
o  dos  Meyos.  Junto  ao  de  Fernaõ  Joannes ,  ou  no  feu  deftri- 
dto,&Fregueíia,fevé  o  Santuário,  &Cafa  da.Senhora  do 
Souto,  em  diílancia  dequafi  meyalegoa  ,  aonde hebufeada 
com  grade  concurfo,&  fervorofa  devoção  de  todos  aquelles 
povos  circumvizinhos  ,huma  milagrofa  Imagem  da  Mãy  de 
Dcos ,  que  nella  fe  venera  com  eíie  titulo,  que  a  naõ  fer  for-; 
mada  pelas  mãos  dos  Anjos ,  foy  guardada  delles ,  &  defen- 
dida por  muytos  feculos ,  (porque  fe  tem  por  fem  duvida  fe- 
ria alli  cfcondida,em  alguma  daquellas  arvores,pelos  Chrif- 
tãos,  quando  aquellas  terras  foraõ  tomadas  pelos  Mouros 
na  perda  de  Efpanha  )  até  que  a  Divina  Providencia  difpoz, 
que  ellafemanifeftaffe. 

Refere  fe  por  tradição  confiante,  &  que  fe  conferva  nos 
moradores  daquellas  aldeãs,  que  junto  a  hum  antigo  fouto, 
que  ainda  fe  conferva  naquellc  deitado,  h  a  via  h  uma  fonte, 
que  também  perfevéra,  &  que  nella  fe  manifeflára  efta  Santa 
Imagem.  A  forma  de  feu  apparecimento  naõ  fabem  dizer  a-, 
quelles  vizinhos,&  ainda  os  mais  antigos  o  ignerão.  E  hc  de 
crer  feria  myíieriofo  efie ,  &  com  circunftancias  dignas  de 
ferem  eferi  tas,  &confervadas;  mas  como  a  terra  naquellc 
tempo  feria  de  poucos  habitadores, não  tratarão efiescam- 
ponezes  de  fazer  memoria  dehumacoufa  ,  que  por  grande 
merecia  muy  ta. 

Quemfoííe  a  peíToa ,  a  quem  a  Senhora  fe  manifeílou,' 
tçtalmente  fe  ignora ,  como  também  o  tempo ,  &  parece  que 

I  z  haverá 


t$t  Santuário  Mariano 

haverá  mtiytomais  de  duzentos  annos;  porque  fendo  inqui- 
rido fobre  efte  particular  hum  Manoel  Antunes  o  Velho,  de 
idade  de  cento  &  quinze  annos,difíe,  que  fempre  ouvira,que 
quando  fe  edificara  a  Igreja  da  Senhora  ,  lançara  a  fua  fon- 
te vinho,  em  quanto  durara  a  obra  delia.  E  affimpelo  teile- 
nwnho  deíle  homem  fe  vé,  que  ja  não  havia  noticias  do  tem- 
po em  que  a  Senhora  appareceo^emda  peífoa  ,  que  mere- 
ceo  cite  favor.  Poderá  fer  foífe algum  paftorinho,  ou  pafío- 
rinha ;  porque  ordinariamente  a  eííes  como  pequeninos  ,  & 
humildes  ,  revela  Deos  as  coufas  grandes.  O  titulo  da  Se- 
nhora fe  lhe  impoz do  lugar  dofeu  apparecimento,  intitu- 
lando-a  N- Senhora  do  Souto,  pela  razaõ  deapparccer  jun- 
to a  elle.  Outros  a  intituJão  N.  Senhora  da  Annunciaçaõ, 
porcaufadefefeíkjar  nofeu  dia  em  vinte  &  cinco  de  Mar- 
ço. Eamimfeme  reprefenta,  queappareccrianelle  tempo, 
&  que  efía  feria  a  caufa  de  a  feflc  jarem  neíte  dia  ,  &  de  lhe  da- 
rem o  ti  tulo  da  íua  Annunciaçaõ. 

He  efta  Sagrada  Imagem  de  efeultura  demadeyra,& 
de  eíhtura  de  três  para  quatro  palmos.  He  muy  to  linda ,  & 
na  fua  manufactura  moftraa  fuamu)  ta  antiguidade.  Em  to- 
dos os  tempos  tem  obrado  Efcos  por  cila  grandes  ,  &  infi- 
nitas maravilhas,  &  milagres,  ôtaífim  faõ  muy  tos  oscon- 
curíos  de  todas  aqucllas  aldeãs,  &  da  Cidade  da  Guarda,  & 
povos  ao  redor.  Os  quaes  em  certos  tempos  do  anno  ve  m 
em  prociífões  a  venerar  aquella  Senhora,  &aferviílacom 
grandes  feftas,  &  alegrias,  pedindolhe  o  feu  favor  em  a  con- 
íervaçaõ  de  feus  frutos,  &  novidades,  afaude  em  fuás  do- 
enças^ alivio  cm  feus  Udbalhos,&  íempreachaõ  na  fua  pie- 
dade, tuio  oquepenendem. 

Sobre  cftas  prociífões,&  do  que  nellas  fuecede  ordina- 
riamente, refere  o  Cura  de  Fernaõ  Joannes,  António  da  Na- 
ve, (que  ha  muy  tos  annos  q  oceupa  efte  lugar,)  &  diz  quea- 
quellas  três  aldeas,a  dosTrinta,a  dos  Meyos,&  a  de  Fernão 
Joannes ,  coílumaõ  todos  os  annos  ir  feflejar  a  Senhora  no 

feu 


Livro  I.  Titulo  KXXÍV.  13  j 

fcudia,emoqual  fe  ajunta  hum  grande  concurfo  de  geme,òc 
que  deixadas  as  maravilhas  antiga?,  que  tem  obrado,  dirá  as 
que  em  feu  tempo  fuccedéraõ  ,  de  que  elle  foy  teflemunha 
ocular.  Principiando  ( diz  elle  na  fua  informação )  a  prccif- 
íaõ  do  lugar  dos  Trinta  em  hum  anno  ,  aonde  íe  coftuma  ar- 
mar hum  palio,  fe  pedio  efie  empreitado  para  o  dia  dafef- 
ta,queeradetélía,ouborcado  m  lytopreciofa,  para  tira- 
rem a  Senhora  ,&  a  levarem  na  fua  procifíaõ.  Armiraõ-nona 
Capellamór  damefma  Igreja  da  Senhora,  &  por  inadver- 
tência, ôcdefatençaô  dos  queolevavaõ  déraõnaalampada, 
queeftavachcyadeazeyte,  ôcviraõ  todos  que  cahira  íbbrc 
o  palio  grande  quantidade.  Levantou  fe  entre  es  que  o!e- 
vavaõ  grande  eontenda,&  perturbaçaô,inquirindo  huns,  & 
outros,  quemfoíTeocuípado  naquellefucccffo,  para  haver 
defatisfazerodamno  ,&a  perda  que  fe  fizera.  Levarão  o 
palio  fora  da  Igreja ,  &  naõ  fe  vio  nelle ,  nem  a  mais  mínima 
nodoajSr  o  que  foy  mais  de  admirar,  he,  que  eftando  o  vidro 
cheyo  de  azey  te ,  &  derramando- fe  muy ta  quantidade  dclle, 
porque  ficou  quafi  vafio ,  fe  naõ  vio  nem  no  chaô  huma  gota 
delle,coufa  de  que  todos  ficáraõ  admirados,Iouvandoos  po- 
deres de  noffa  Senhora. 

Nefías  prociffoes  coftumaõ  levar  muy  tas  danças,&  pé- 
las , & todas eftas  figuras,  queentraõ  nellas,  vaõ  ornadas 
com  muy  tos  brincos,&  peíTas  de  ouro.  E  he  notável  a  fé  que 
todos  os  moradores  daquellas  aldeãs  tem  com  as  coufas  que 
fe  perdem,  em  que  noíTa  Senhora  lhas  ha  de  deparar.  Eaífim 
íuecede  ,  que  tudo  apparece  logo.  Omefmo  Cura  refere 
oquefuccedeoàfua  vifta.  Dizelle,que  em  hum  anno  fe  per- 
dera hum  alfinete  de  prata  grande  defles  de  toucar ;  elle  fe  a- 
choudahiahumanno,  naõ  querendo  a  Senhora,  que  nem 
cite , que  naõ  era  de  grande  porte,  fe  perdeíTe  na  fua  feita. 

Em  outra occafiaõ  feperdeo  huma  pérola,  ou  aljofrc 

grande  de  huns  pelicanos  de  ouro,  &  eftando  naquelle  fitio 

huma  grande  cama  de  nçye  ,  &  tam  grande  <jue  durou  por  ef- 

Tom.  III,  I  3  j>a$ç 


134  Santuário  Mariano 

paço  de  quinze  dias,  no  fim  delles  fe  achou  no  meyo  de  Fmni 
f  outo .,  por  onde  paliava  a  prociíTaõ ,  o  aljofre.  Em  outro  an- 
no  fe  perdeo  huma  Cruz  de  curo ,  &  quey  xandofe  a  mulher 

de  quem  era,  chegarão  muytaspeííòas,  &  Ihedifíeraõ:  Naõ 
vos  moleíieis,  que  nefla  prcciílaô  nunca  faltou  nada-  Eaílim 
fuecedeo^  que  logo  apparcceo  a  Cruz;  porque  quando  a  pro- 
cifiaõ  fe  recolhia,  fe  achou  em  o  caminho.  A  Manoel  Soares 
do  lugar  do  Tty  xozo ,  fe  íhe  perdeo  huma  argola  de  ouro  de 
humcollar  que  tinha  empreitado,  &  os  mordomos  lhe  tinhaõ 
ja  fatisfcyto  o  valor  delia.  Depois  de  paliarem  muy  tos  dias 
appareceo  a  argola.  Eaffimtem  todos  por  fem  duvida,  &  co- 
mo de  fé  y  que  a  Senhora  naõ  permitte  haja  nunca  máo  iuc- 
ceíTòi  mm  perda  nas  coufas  que  concorrem  para  efías  fuás 
prociflcej.  E  diz  o  referido  Cura  na  informação  que  nos  deu 
por  ordem  do  Senhor  Dom  Rodrigo  de  Moura  Telles, fendo 
Eifpo  daquella  Diccefe:  E  no  que  eu  reparo  be  ,  que  fendo  ef- 
ttagmte  tam  perverfa  em  rcfiituir  o  alheyo,  pois  todas  ai  horas 
tenho  dclmoeflaiô-s  pelo  que  fe  perde ,  fejao  tam  fáceis  em  en- 
tregar logo  as  coufas  perdidas  nas  prociffdts  da  Senhora- 

Os  milagres  que  eíta  Senhora  obra ,  &  tem  obrado  cm 
todos  os  tempos  ( como  ja  fica  dito)  fam  innumeraveis.  O 
meímo  Guri  refere  q  fendo  elle  menino  lhe  difíera  fua  avô, 
que  a  Senhora  fizera  hum  grande  milagre  a  Dion>  fío-Mafca- 
renhaí-,  £c  que  fendo  ja  msyor  .encontrando  a  eík  tal  homem, 
íhe  perguntou  comcurioíidade,  que  milagre  fora  o  que  a  Se- 
nhora do  Souto  Jhefizcra,&  lhe  referira  fua  avó.  Refpcdeo 
Dionyíio  Mafcarenhas/j  fendoelle  roais  moço  entrara  muy- 
tas  vezes  na  Caía  cia  Senhora  ,  quando  paflava  para  as  fuás 
fazendas,  que  ti  ah  a  paraaquella  paríe,&  que  em  hum  dia  de 
tarde  entrava  na  ígreji ,  &  reparara  cm  humas  pombas  que 
eflavaõnoAltarda  Senhora,  &  que  logo  defapparecéraõ. 
•Dahi  a  huns  tempos,  affiftindo  efte  Dionyíio  Mafcarenhas 
com  hum  fidalgo ,  &  embarcandofe  em  fua  companhia  pade- 
cera no  mar  huma  granjetempeftade,  &  tanrgrande,queef- 

tive- 


Livro  l. Titulo  XXXIV.  r^f 

tivéraõ  todos  perdidos ,&  chamando  cada  hum  dos  que  hhò 
m  náo  y  pelos  Santos ,  &  Imagens  a  que  tinhaõ  devoção,  ç!!e 
chamara  por  N.  Senhora  do  Souto.  Eque  no  mcfmo  infran- 
te  vira  as  meímas  pombas,  que  tinha  viíto  naCafa  da  Se- 
nhora3  &  que  logo  repentinamente  ceifara  a  tormenta  A  íb- 
raõ  todos  livres  dâquelle  grande  conflito ,  &  perigo  em  que 
fe  virão  ,  pelo  favor  da  Senhora  do  Souto. 

Pelos  annos  de  r6óo.  pouco  mais  ou  menos,  afTentan- 
dofena  Igreja  da  Senhora  huma  }anella>  ao  affentar  da  verga 
delia ,  cahio  hum  homem  do  andaymo ,  de  altura  de  vinte  ôc 
cinco  pa!mos,ou  mais,  &  cahio  para  dentro  da  igreja  de  cof- 
ias fobreo  ladrilhado,  &  acudindo  todos,  julgando,  que  ou 
eftaria  morto,ou  fey to  pedacos.elle ,  como  íe  não  tivera  na- 
da, fe  levantou  em  pé,  &  perguntandolhe,  fe  lhe  dòhia  algu- 
ma  couh ,  refpondco  que  nada  lhe  dohia ,  nem  fentia  nada. 

Saô  muytas  as  offertas  ,  que  fe  ofFerccem  à  Senhora  cm 
acçaõ  de  graças  pelos  benefícios  ,  q  delia  fe  recebem  conti- 
nuamente. E  faõ  muytas  as  mortalhas  ;habitos-,  toalhas;ca- 
beças  de  cera ,  &  outras  coufas  delia  qualidade ,  que  em  me- 
moria dos  favores  recebidos ,  deyxão  os  devotos ,  das  quaes 
muytas  feapplicaô  para  a  fabrica  da  fua  Igreja  ,&  outras  fe 
vém  pender  nas  paredes  delia.  Todos  os  annos  coíluma 
huma  peííoa  levar  hum  aloueyre  de  azeyte ;  ( o  que  fe  faz  ha 
muytos  annos )  para  a  alampada  da  Senhora,  &  nunca  fe  feu- 
bequem  omandava-  Diz  o mefmo Cura  , que  perguntando 
com  curiofidade  a  eíia  peffoa,  quem  era  a  que  mandava  aquel- 
laefmola,  foy-lhe  refpondido  pelo  mefmo  que  a  levava,  que 
também  elle  o  não  fabia ;  mas  que  eftiveffe  certo,  que  lhe  naõ 
havia  de  faltar  aquella  efmola ,  em  quanto  o  mundo  duraífe. 
AVifla  da  repofta ,  naõ  quiz  inflar  mais;  mas  he  mny  to  gran- 
de a  devoção  de  todas  aquelias  gentes,  para  comefía  miferi- 
cordiofa  Mãy  de  Deos ,  &  todos  a  fervem  com  fervorofa  >  5c 
devota  liberalidade. 

Sam  Padroeiros  da  Cafa  da  Senhora  os  moradores  da 
I  4  P9V$ai 


t$6  Santuário  Mariano 

Povoa,  de  donde  difta  pouco  mais  de  dous  tiros  de  mofque* 
te,ellesfaôosqueaprefentaõoCapella6,&Ermitaõ«  A  Er- 
mida eflá  aceada^ôc  muy  to  compofh;porque  para  tudo  con- 
corre a  piedade  do?  fieis.  Feítejam  acfta  Senhora  na  fe- 
gunda  Odiava  da  Pafchoa  com  Miíía  cantada ,  &Sermaõ,& 
neíkdia  hemuyto  mayor  o  concurfo  das  romarias. 


TITULO     XXXV. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Martyres ,  ou  dos  Mi- 
lagres da  Villa  de  Tnnbete. 


s 


Obre  aquelta  profecia  do  Santo  velho  Simeaõ :  Tuam  ip- 
fius  animam  per tranfibit  gladias  ,  dizem  os  Santos  de- 
votiflimos  conceytos,  &  todos,  ou  os  mais  delles  concordaõ 
em  que  aSantiffíma  Virgem  teve  aexcellencia  de  Martyr, 
&aindaqueonaõfoy  no  próprio  fangue,  fenaõ  no  de  feu 
Filho,  foy  martyr  ,&  Rainha  dos  Martyres,  fegundoeflas 
proféticas  palavras,  nas  qúaes  íhe  diífe  o  Santo  velho ,  que  a- 
quelle  Filhohavia  defer  efpadadedor  ,que  atravcffaria  fua 
fantiífima  almajque  para  quem  ama;he  hum  crueliífimo  gene- 
ro  de  dorE  notou  engenhoíamente  hum  douto,  que  lhe  cha- 
mou com  muy  ta  propriedade  o  Santo  Sacerdote  efpada  de 
dor.  Earazaõhe;  porque  os  outros  filhos  fsõcutello  de  dor 
de  fuás  mivs, porque  faõ  filhos  de  meyas,iíTo  he,de  pay ,&  de 
mãy,  ôcafrlnentre  os  dou-;  eftá  repartida  ador,  &  amor, 
&Câbeàm?iy  hum  fófio,  &  o  filho  lhe  fica  fendo  cutello  de 
dor;  masChnfloj  que  não  era  filho  denpeyas  da  Virgem, 
&  de  Jofcph,  fenaõ  fomente  feu,  &  como  tal,  diz  São  Lucas: 
Lm*  i%  fpeperjr  ftlmm  fnum.  Chamalhe  íeu  $  porque  naõ  he  como  o 
Bautifta ,  que  he  de  Zacharias  ,  &  de  Ifabel  ;  Scconfeguin- 
temente  fendo  íeu  fó,&  naõ  de  jofcph ,  não  eflando  dividi-, 
da  a  dor  ^  &  o  amor ,  lhe  abrangem  à  Senhora  ambos  os  fios, 


Livro  L  Titulo  XXXV.  137 

&poriffolhenaôchamacuttllo  de  dor,  que  corta,  fó  com 
hum  gume;  fenão  efpada  que  tem  dous:  Tua  m  tpfius  animam 
fertranfibit  gladius.Oqual  foy  rigoroíiílimo  martyrio,  naõ 
íó  padecido  na  alma  de  feu  Filho ,  mas  também  na  fua;  por- 
que fe  a  alma  mais  efiá  onde  ama  ,  que  aonde  smma ,  a  alma 
d*  Virgem  Maria  eflava  no  corpo  chagado  do  Filho  que  pa- 
decia ,  de  forte  que  comelle  foy  martyrizada  ,  &  de  juíliça  fe 
lhe  deve  a  prerogativa  de  martyrio,  pela  dor,  &  piedade  que 
dellc  teve.  E  com  razão  chamnô  os  Santos  a  etfe,  gra viílimo 
martyrio;  porquanto  martyrizava  a  alma ,  &fem  ferir  ao 
corpo,  fazia  nella  rigoroíiífimo  effeito,  como  faz  o  rayo,que 
abraza  ,  &  moc  os  offes ,  fem  fazer  lefaõ  alguma  no  vertido; 
&  converte  a  folhada  eípada  em  cinza  ,  fem  na  bainha  fazer 
damno,  ao  corpo  do  homem  chama  Santo  Ambrofio,  Aritmà  Dív- 
Vejlmentum,  Veítido  da  alma; porque  a  guarda:&Tertuliia-^w£r; 
no,  Afflatusftú  Pagina,  Bainha  da  alma,porq  a  encobre.  Diz  TtrtaU 
pois  efte  Doutor,  que  o  martyrio  da  Virgem ,  como  era  mar- 
ty rio  de  fogo,que  he  martyrio  de  amor,foy  como  rayo }  que 
fem  fazer  mal  ao  corpo ,  lhe  trefpaífou  a  alma :  Tuam  ipfius 
ammámpertYanfibit  gladius.  Porventura  queifto  quiz di- 
zer S.Epiphanio,quando  fallando  da  Virgem  Maria  difle  ef- 
tas  palavras:  IplacftnubcstQnnruifoYmistfUxfulgnyhite-  piv    ■ 
Yiusin  útero  geftat.  A  puriífima  donzella,  que  cm  feu  ventre  Efiphí 
fantiííirno  tem  o  Divino  Verbo  encarnado ,  he  huma  nuvem  ftrm.  de 
prenhe  ,que  em  fuás  entranhas  traz  hum  rayo.  bud. 

Agora  fe  entenderá  melhor  arazaõ  porque  os  Santos  Vtrl* 
attribucm  à  Virgem  Maria  a  aureola  de  Martyr;  cu  porque  a 
intitulaõ  Senho  a  dos  Martyrcs  ,  &  Rainha  dos  Martyres; 
porque  ainda  que  naô  padeceo  morte  violenta  em  feu  VÍPgí> 
nalcorpojapadeceoacerbifíimaafuafanti/íiíxiaalma.  Eeíie        . 
cpithetode  Martyr  Ihedsõ  SaB  Bernardo, Saõ  jcronvmo,& 


Santo  Anfclmo, o  qual  fobre  eflas  palavras  do  Santo  Si*  #, 
nieaõ  diz ,  que  foy  aquelía  efpada  de  dor,  que  rrcfosíTou  ím  fig„m 
alnia^  a  mayor  dor ,  que  todos  os  Martyres  padecerão,  poh.  magn& 


Bcrn, 
erm, 

«num 


na  o 


138  Santuário  Mariano 

Div.     naõ lhe atravefTou como  aeliesocorpo,  mas  penetrculhe  a 

Hteron.  :,jma;  7  *mm  ipfius  kmmann  Ou  para  rrelhor  dízçrj  trcfpaf- 

jtrm.     jcu  duas  almas,  a  fua,  &  adefeulxmditiílirr.oFilho,  poriíTb 

(le   l '  havendo  dito  fuam  ,  que  a  fua  ,  reciprocou  o  Santo  Simuõ 

juwpt.  MqUe\\c  jpjiiis ^uefe  na  alma  do  Filho;  como  íe  difTera:  Ad- 

Dtv.     verti  almas  devotas,q  efia  efpada  ha  de  paílar  duas  almas.  E 

AnJiU   tanto  mais  grave  martyrio  foy  efle  da  piedade ,  &  coropayxaõ 

lib.  de   já  Virgem  Senhora ,  quanto  ei!a  mais  fuprimio  a  dor ,  cílan- 

V£       doao  péda  Cruzcom  valor .,  &conílancia  fem  padecer  ef- 

Ip\.  pafmo,oudcfmayo,  o  que  fez  pelo  domínio  que  teve  fobre 

fuás  seções,  que  he  o  que  diz  Saõ  Joaõ:  Stabat  jnxta  crucem 

Jo.w.  Jefu  mar  cr  ejus.  O  qual  agravou  mais  fua  pcnna  ,  &  fez  feu 

*?•       martyrio  mais  rigorofo ,  por  fe  eítreytar  a  dor  toda  no  cora* 

çaõ  ,  &  fazer  na  alma  todo  o  emprego. 

A  Villa  dePunhete,  hea  primeyra  do  Bifpado  Fgita- 
nienfe  ,  cu  da  Guarda ,  da  parte  Meridional ,  em  a  Província 
da  Eftremadura;porque  fendo  o  rio  Zêzere,  o  que  a  divide  da 
Prelaíia  de  Thomar,&  o  rio  Tejo  do  Arcebifpado  de  Lisboa, 
fica  ella  fendo  a  primeyra  Villa  da  fua  ]uriídiçaõ;chamafe  efla 
Villa  Punhete,que  he  o  irefmo  que  Tugna  Togi ,  pela  guer-j 
ra  q  ao  Tejo  faz  o  Zêzere  com  as  fuás  impetuofas,  &  eícuras 
correntes,,  como  dizemos  em  o  6.  livro  dcfle  tom.  titulo  1 6. 
Neíla  Villa ,  a  quem  deu  o  titulo  ,  &  foral  ElRcy  Dom 
Sebaíiiaõ  de  faudofa  memoria ,  he  tida  em  fumma  veneração 
huma  devotifllma  Imagem  da  foberana  Rainha  da  gloria ;  que 
íe  denominava  [antigamente  com  o  titulo  dos  Martyres  ,  ou 
naquelle  tempo,  em  que  foy  collccada  em  ofeu  fumptuofo 
Templo,  aonde  por  começar  logo  por  mcyo  delia  a  obrar  o 
poder  Divino  tantas,  &tam  notáveis  maravilhas,  &  mila- 
gres, q  delles  lhe  quizeram  impor  outro  novo  ,  &  milagrofo 
titulo.  E  cerne  lie  dos  Milagres  he  invocada  dcmuytos/cr- 
vida>&  bufeada  com  grande  veneração  de  todo  aquclle  povo. 
A  origem  defta  foberana  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos, 
referem  et  velhos,  £<  as  peíloas  antigas  daguella  Villa ,  por 

huma 


Livro  L  Titulo  XX W.  i 39 

huma  tradição  confiante  recebida  de  feus  pays  \  &  avós.  Di- 
zem pois  cftes,  que  havia  naquellaVilla  antigamente  huma 
Imagem  da  Mãy  de  Deos  muy  to  milagrofa,  a  qual  fe  invoca- 
va como mefmo  título  dosMartyres.  Também  fe  ignora  a 
caufa  ,  &  o  motivo  que  ouve  para  fe  lhe  dar  eíte  titulo ,  que 
poderia  bem  fer  pelo  mefmo ,  com  que  à  Imagem  da  Senhora 
dos  Marty res ,  primeyra  Parochia  de  Lisboa ,  fe  lhe  impo?, 
&  também  à  Imagem  de  N.  Scnhora-dos  Martyres  da  refor- 
ma do  Convento  das  Religiofas  de  Sacavém,  termo  da  mef- 
ma  Cidade  de  Lisboa. 

Comeíla  ícbernna,  &milagrofa  Imagem  tinha  todoa- 
quelle  povo  huma  muyto  grsnde  devoção-  Eílava  efla  Sa- 
grada Imagem  collocada  em  huma  Ermida  pequena  ^&  muy- 
to antiga  >  &  com  os  muy  tos  annos  que  tinha  de  duraçaõ^ef- 
tava  ja  quafi  arruinada*  Qnzeraõ  os  moradores  daquelle  po- 
vo }  com  a  grande  devoção ,  que  tinhaõ  àquella  foberana  I- 
ira5gem,melhoralla  de  habitação,  fundandolhe  huma  nova 
Caía.  Paraiftoferefolvéraõliberaes ,  &-  fervorofos  a  lhe 
erigir  hum  mageflofo ,  &  magnifico  Templo ,  de  muyto  ex- 
Cèllcntearchite&ura,  oqualfahio  muy  perfeyto. 

Acabado  de  todo  corn  muy  ta  magnificência  acjueHe 
Templo ,  &  adornado  de  tudo  o  que  entenderão  era  neceífa- 
rio,&  conveniente,  trataram  de  fèzera  mudança  da  Santif- 
íima  Imagem  para  eile.  Para  a  fokmnidade  da  mudança  fer 
mais  fefíival  difpuzerão  huma  prociíTaõ  muyto  folemne,'3c 
com  muyto  grande  apparato,  &  riqueza  >  concorrendo  o 
povo  todo  com  huma  extraordinária  alegria,  &  jubilo  efpi- 
ritual  \  porque  todos  fe  defepvam  empregar  no  ferviçoda 
Senhora ,  &  obrigaíla  muyto  para  a  terem  mais  propicia 
em  todos  os  feus  trabalhos ,  como  até  aíliohaviaõ  experi- 
mentado. Acabada  a  fokmnidade  da  mudança ,  &  depois  de 
collocarema  Santiffima  Imagem  em  o  leu  Altar  mór,ficáraõ 
todos  muyto  pagos  do  que  haviaõ  obrado  em  louvor  ?  &  ób« 
feguio  da  Rainha  dos  Anjos. 
K        ""  No 


140  Santuário  Mariano 

No  feguinte  dia,  indo  os  devotos  da  Senhora  à  Igreja,  a 
acharão  menos ;  porque  a  naô  virão  em  o  lugar  em  que  a  ha- 
vião  collocado :  íentidos  (  como  era  razaô )  do  íucceífo,  fe 
inquirioj  &  procurou  faber,  quem  a  tirara  ,ôc  aonde  a  poriaõè 
Fcz-fe  diligencia,  &  forão  defcubrilla  em  a  fua  primeyra 
Ermida.  Recorrerão  logo  lá,  &  na  mefma  forma  a  tornarão  a 
levar  para  o  novo  Templo,  que  lhe  haviao  lavrado,  &  de- 
dicado. Porém  a  Senhora  fegunda  vez  defappareceo ,  mof- 
trando  eftar  muy  to  paga  daquelle  feu  pequenino  domicilio. 
Dizem  que  terceyra  vez  a  tresladáraõ  à  Igreja  nova ,  &  que 
na  forma  das  duas  primeyras ,  fe  aufentára  também.  AViíla 
dillo  fe  lhe  concertou  a  Ermida  ,  &  reparou  como  era  razaõ. 
E  vendo  q  a  Senhora  eftava  paga  delia ,  naõ  quizerão  ir  mais 
contra  a  fua  vontade  ,  &  aífim  ficou  naquella  fua  Ermida  ,  & 
nella  perfeverou,  como  havia  eflado  atéli,até  que  os  Religio- 
fosdoLorcto,  os  Padres  Capuchos  da  Província  de  Santo 
Antonio,a  pedirão,  5c  leváraõ  para  o  feu  Convento,  q  fica  no 
dcfíricfío  daVilla  de  Payopelies,como  diremos  em  feu  lugar. 

Vendo  os  moradores  de  Punhetc,  que  haviaõ  gaita- 
do tanta  fazenda  na  fabrica  daquelle  novo  Templo,  &quc 
lhe  ficava  fem  ferventia,  fc  refolvéraõ  mandar  fazer  outra  I- 
magemdenoífa  Senhora  com  toda  a  perfcyçaõ,  paraacol- 
locarem  nelle.  Vejaõ  a  alteza  do  divino  confelho  fobre  o 
bem,ôt  faude  dos  homens.  Para  iflo  foraõ  huns  delles  a  Lis- 
boa ,  &  informados  de  hum  excellente  artífice,  lhe  pedíraõj 
lhe  quizeííe  fazer  huma  Imagem  deN.  Senhora  com  toda  a 
pcrfeyçaõ  que  fer  pudeffe.  Eíte  lhe  moftrou  hua  Imagem  da 
Senhora  formada  em  pedra,  de  rara  fermofura^ôç  perfeyçaõ, 
a  qual  lhe  haviaõ  regeitado  osq  lha  mandarão  fazer,por  ter 
o  Menino  Dcos  fentado  fobre  o  braço  direito ,  &  naõ  no  ef- 
querdo ,  como  fe  cofluina  fazer  ordinariamente. 

Como  os  devotos  moradores  de  Punhete  virão  a  Santa 
Imagem ,  fe  pagáraõ  tanto  delia  ,de  fua  belleza,  &  fermofu- 
ra ,  quç  fem  reparar  no  defeito ,  que  os  outros  reconhecerão 

ífi 


Livro  1. Titulo  XXXV.  141 

fc  ajuftáraõ  com  o  artífice  ,  &  lhe  deraõ  tudo  o  que  c!Ic  qui?. 
E  dcfejofos  de  a  levarem  com  toda  a  diligencia ,  traráraô  de 
a  conduzir  à  fua  terra  ,  aonde  tanto  que  chegou,  a  receberão 
com  grande  fefta  ,  &  alegria  ,  &acollocáraõ  na  fua  Igreja. 
Impuzeraõ  lhe  o  titulo  dos  Martyres;  porque  debayxo  do 
mefmo  titulo  fe  havia  fundado  aquelle  feu  Templo  ,  a  fim  de 
fe  collccar  nelle  a  Senhora  dos  Martyres,que  nas  fugas,que 
fez  ,moflrounaõ  queria  mais  que  a  fua  primeyra  Ermida, de 
dende  leria  tresladada  à  companhia  dehuns  fervos,  &  Ca- 
peíláes  ,  quemuyto  cuydaíTem  de  ajfervir }  como  veremos 
na  hifloria  de  N-  Senhora  do  Loreto  de  Tancos. 

Vendo  o  povo  de  Punhete  a  nova  Imagem  da  Senhora, 
tanto  fe  pagou  daquella  fermofura  >  com  que  eflà  attrahindo 
oscoraçóeb  de  todos,  os  que nella  põem  os  olhos, que  fe  naõ 
fabiaõ  apartar  da  fua  preíença ,  &aflím  fe  começarão  todos 
aaccender  em  tal  devoção,  &defejos  de  a  fervir,  que  delia 
fe  nam  fabiáo  apartar.  E  a  mifericordiofa  Mãy  de  Deos,  pa- 
rece fe  obrigou  tanto  defte  feu  affedo,que  com  maravilhas, 
&  milagres  o  moítrou;  porque  foraõ  tantos  os  que  logo  co- 
meçou a  obrar  a  favor  de  todos  os  q  a  invocavão,que  efque- 
cidos  do  titulo  dos  Martyres  ,  lhe  derão  o  dos  Milagres  ,  8c 
ccmdic he  hoje  conhecida, como  fica  dite,  bufeada,  &  ve- 
nerada. Ertácoiíocada  no  Altar  mòr,&celebra-fe  a  fua  fefti- 
vidade  em  5.  de  Agofto.  NeftaCafa  he  a  Senhora  bufeada 
com  grande  frequência  ,&muy  ta  devoçam  de  todo  aqueile 
devoto  povo  i  que  núh  achão  fempre  alivio ,  &  confolaçaô. 

TITULO     XXXVI. 

*Da  Imagem  deN.  Senhora  do  AlmortamdaVillade 
Iianba  TSÍoVa. 


c 


Incolegoas  daVilla  de  Caftello  Branco>em  a  fua  mçímâ 
comarca  para  a  parte  do  Nafcentc  ?  &  outras  tan  tas  ao 

Noro- 


1 4i  Santuário  Mariano 

Noroefic  da  Vil!a  de  Salvaterra  do  Extremo ,  fc  vé  íltuada  a 
Villa  de  Idanha  a  Nova ,  affim  chamada  por  diffcrcnça  da  an- 
tiga Cidade  ,  iiluflre  em  outros  tempos  por  progenitora  do 
Santo  Rey  dos  Godos  Vvarr:ba,a  qual  fica  junto  a  dia  funda- 
da em  hum  monte:  he  efla  terra  abundante  de  psõ^aze ytc  ,&: 
naõ menos  de  vinho,  caças,  Segados  em  dilatadas  deve- 
zas,acnde  também  acodem  outros  de  diverfas  partes  da  Bey- 
ra.  He  habitada  de  alguns  mil  vizinhos.  Tem  huma  fó  Pa- 
rochia  j  hum  Convento  de  Rtligiofos  Francifcos  Defcalços 
da  Província  da  Soledade  dedicado  a  Santo  António.  As 
fuás  armas  faô  emhumefcudo  a  efphera ,  timbre ,  &  empre- 
za  do  grande  Monarca  ElRey  Dom  Manoel»  Teve  princi- 
pio quãdoo  Meftre  dos  Cavalleyros  do  Templo  D.Gualdim 
Paes,  noanno dei  181.  levantou nella  ofcuCaftello.  Go- 
zou do  titulo  de  Condado,  que  deu  Felippe  Segundo  de  Caf* 
tella  ao  virtuofo  Dom  Pedro  de  Alcáçova,  Fundador  do  de- 
voto Convento  de  N<  Senhora  do  Amparo  da  Cafa  nova,& 
grande  valido  de  cinco  Mageflades.  Efla  Villa  eftá  cercada 
de  fortes  muros ,  que  banha  o  rio  Ponful,  aonde  fe  vé  huma 
fermofa  ponte.  He  alcayde  mór  defla  Villa  o  Conde  de  Via- 
na D.jofeph  de  Menezes ,  Eftribcyro  mór  de  S.  Mageftade. 
Tem  eíta  Villa  fete  Ermidas  com  diverfas  invocações;  a 
prinxyra  dellas,&  a  mais  notável  he,a  que  fe  dedicou  a  noffa 
Senhora,  com  o  titulo  do  Almortaõ;'  fica  efía  íituada  cm  dif- 
tancia  de  legoa,  &  meya  da  mefma  Villa  para  a  parte  do  Naf- 
cente, em  hum  dilatado  campo,  &  no  fino  que  chamaõ  Al- 
rrcrtaõ,  nome  que  parece  arábigo,  &  por  iíTò  in  vocaõ  a.eiU 
Senhora  com  o  me  fino  titulo  do  lugar.  Dos  princípios  defta 
milagrofa  Imagem  naô  pude  defeubrir  nada,  mas  confta  que 
obra  muy  tos  prodigios,&  maravilhas  a  favor  dos  feus  devo- 
tos^ aíTm  hc  o  Santuário  daqueila  Villa  de  grande  concur- 
fo.Da  Senhora  do  Almortaõ  fazmençaõ  a  Corographia  Por- 
trguezatem.  2.íiv  i.trat.  9.  cap.  12.pag.415. 

SANTU- 


'45 


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eASiw       9S£$s       eAgjW        ofêfe      •eJsSw       eJgãM» 

SANTUÁRIO 

MARIANO, 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA» 

&  das  milagrofamente  ap  parecidas. 

LIVRO  SEGUNDO 

Das  imagens  que  fè  venerao  da  Rainha  dos  Anjos 
Maria  SantiJJima  em  o  Bijpado  de  Lamego. 

INTRODUÇAM. 


ANTIGA    Cidade  de  Lamego  eflá  fítuada 
nas  margens  do  fermofo  ,  &  enfiado  Douro, 
&  regalada  £  &  fertilizada  do  rio  Balfemaõ. 
Reconhece  por  fens  fundadores  aos  Gregos, 
SaN^g^^  &  aos  CehaSjque  hermanodos  lhe  deraõ  prin- 
cipio no  armo  daCreaçaõ  do  mundo  de  3600.  &  ames  do 
NãicimentodeÇariflo  3 61.  Efta  opinião  abraça  Srrabona 
-.,'■  íua 


i44  INTRODUZAM. 

Llb.$*  fua  Geographia  ,  dizendo,  que  pela  parte  da  Ceftiberia  (que 
cahe  entre  CaikIIa,&  Navarra)  entrarão  certos  povos  Gre  • 
gos,  chamados  Lacones  ,  os  quaes  pafíársõ  à  Lufitmia  cm 
companhia  de  Efparshões  Celtiberos  ,  aonde  edificarão  a  fa- 
ir.ofa  Cidade  de  Laconcmurgi^queClufio.Ortelio^Yafcon- 
cellos  chamão  Lameca,  que  depois  fe  converterem  Lamego- 
Ficava  affentada  nos  povos  Vetones ,  &  Peííures  ,  que  habi- 
tavão  as  Comarcas  de  Caftello  Branco ,  Covilhãa  ,  Cea  até  o 
Tejo }  &  Riba  Coa  ,  &  ainda  a  celeberrima  Cidade  de  Vacca, 
l&.i.  da  qual  tomou  o  nome  a  terra  chamada  dos  Vaccos.  Ptholo- 
cap.  5.  meu  na  fua  Europa  diz  que  eíhva  cm  8.  grãos ,  &  vinte  mi- 
nutos de  longitud,  &40.  até  cincoenta  de  latitud,  fen- 
do que  hoje  lhe  dãoaLamcgoosGeographos  modernos  de 
latitud  41.  grãos  ,  &  de  longitud  23.  O  Bifpo  íGerun- 
denfenofeuParalipomenon  a  conta  entre  as  principaes  Ci- 
dades de  Efpanha ,  &  que  fora  antigamente  rica ,  &  cercada 
de  fortes  muros ,  aífentada  entre  os  dous  rios  Douro  ,  &  Li- 
ma; no  que  fe  enganou  manifeflamente ;  porque  aquelle  diíla 
delia  huma  legoa  ao  Occidente ,  &  eíte  mais  de  20.  para  o 
Norte. 

Em  tempo  de  Trajmo  florecia  com  grande  opulencia,5c 
porque  fe  rebcllou  contra  o  Império  Romano ,  padeceo  hum 
cruel  efirago.  PafTadosfeculos,veyo(  como  as  mais  de  Ef- 
panha )  a  poder  dos  Mouros,  os  quaes  fe  fizeraõ  tam  fenho- 
res  delia,  que  para  fer  melhor  governada  teve  muy  tos  Régu- 
los com  florente  fucceífaõ.  Por  vários  fuccefTos  fe  veyoa 
arruinar,  atéqueEíRey  Dom  AffònfooTerceyro  deLcaô 
a  povoou  de  novo  no  anno  de  904.  &  tornando  a  fer  fugei- 
tada  pelos  Mouros,a  conquiflou  El Rey  D  Fernando  o  Mag- 
no(fcgundo  ashifíorias  de  Efpanha)  a  22.  de  Julho  do  de 
1038.  &  fcgundo  a  dos  Godos  329-  de  Novembro  do  anno 
de  1047.  Ne  lie  tempo  tirha  por  Rey  a  Zadaõ  Aben,  a  quem 
íez  tributário,  deyxando-o  erm  o  poder ,  &  mando,  para 
quietação  de  feus  rcoradores.  Vltimamente  a  ganhou  oCon- 

de 


INTRODUZAM.  i4y 

8e  Dom  Henrique  porforça  de  armas  ao  Príncipe  Ech  a,  no 
anno  de  1 1 02.  que  alumiado  pelo  Cco,  fe  fez  logo  Chriííão, 
&  fe  chamou  no  Bautifmo  Echa  Martim ,  a  quem  armou  Ca- 
vallcyro  no  feguinte  anno  ,  conforme  o  rito  Catholico,  dey- 
xando-o  pacificamente  no  governo.  Mas  o  zelo  do  fanto,  & 
inviâoRcy  D.  Aífonfo  Henriques,  naõ  querendo  zizania 
entre  o  trigo  limpo  dos  fieis,  dcyxou  cfta  Cidade  livre,  & 
limpa  delia,  para  a  Coroa. 

He  Lamego  terra  deliciofa,  &  regalada  ,  naõ  fó  docx? 
cellente  peyxe,quclhe  miniftraõ  os  rios  Dourou  Balfemaõ; 
mas  de  deliciofas  frutas,  muyta  caça,  &  regalados ,  &  gene- 
rofos  vinhos  ,  que  naó  fó  faõ  celebrados  cm  Portugal ,  mas 
fora  dellc.  Tem  por  armas  hum  caftcllo  com  as  Quinas  de 
Portugal,*:  à  ilharga  huma  arvore  chamada  Lamegueiro,aI- 
Iudindo  ao  feu  nome.  He  cabeça  de  Correição ,  a  qual  com- 
prehende  quatorze  Villas,  8c  quarenta  &  fete  Concelhos ,  & 
cinco  Honras,  que  hc  omefmo.  Nas  Cortes  tem  o  57.  lugar; 
&neíta  Cidade  fe  celebrarão  as  primeyras  deíla  Coroa,  tani 
celebradas ,  no  anno  de  1 1 45 . 

Ja  na  primitiva  Igreja  teve  Cadeyra  Epifcopal.  Do  pri- 
meyro  Concilio  Bracarenfe  celebrado  em  o  anno  de4i2.- 
confia,  q  Tiburcio  era  feu  Prelado-  Compõem-fe  o  feu  Ca- 
bido de  fete  Dignidades ,  onze  Conczias ,  entre  cilas  duas 
Doutoracs,  féis  meyas  Conczias,  &  outras  tantas  Terce- 
narias,  com  vários  Capcllães  deputados  para  o  Coro.  Tem 
muyto  boa  Capella  de  mufícos;  &  a  fua  Sacriflia  efíá  muy to 
bem  provida  de  prata ,  &dc  muy  tos,  &  preciefes  ornamen- 
tos. Outras  muytas  prerogativas  de  que  goza  efla  Cidade 
dcyxo,  por  naõ  tocar  ao  meu  inft  ituto  o  tratar  delias. 


Tom.IIIf  K  TITULO 


*  4^  Santuário  Mariano 


TITULO     I. 

Da  antiga  Imagem  de  N.  Senhora  de  AlmacaVe. 

HE  opinião  queabraçaõ  muytos  Authores^ueaCida- 
de  de  Lamego ,  logo  nos  primitivos  tempos  da  Igreja 
Catholica,  fora  Cadey  ra  Epifcopal ;  porque  na  divifaô ,  que 
fe  fez  das  Diocefcs  de  Efpanha ,  no  Concilio  Elibiritano,  em 
o  annode  Joo.  feacha  já  cila  de  Lamego  fuffraganea  a  Me» 
rida.  E  na  do  Empcrador  Conílantino  Magno ,  lhe  foy  affi- 
Bada  Dioccfi  como  as  mais ,  &conftadoprimcyro  Concilio 
Bracarcnfe,  celebrado  no  anno4U.  qucTiburcio  erafeu 
Bifpo  (como  fica  dito  atraz.)  No  annode  1404.  fe  lhe  agre- 
gou Autoritate  Apoftolica  a  Comarca  de  Riba  Coa  ,  que  até 
tntaõera  do  Bifpado  de  Ciudad  Rodrigo.  Com  que  fica  ten- 
do àc  comprimento  trinta  &  duaslegoas,  fcoyto  de  lar- 
go, pouco  mais  ou  menos. 

Quando  efta  Cidade  foy  recuperada  das  mãos  dos 
Mouros ,  he  fama  ,  &  tradição  confiante  ,  que  a  Igreja  de  N. 
Senhora  de  Almacave  fora  a  Mcfquita  ,&  antigamente  a  Ca- 
thedral^a  qual  fe  purificou  logo,  conforme  o  louvável  coflu- 
Mfic  daquelles  tempos.  Donde  me  períuado ,  que  ja  nos  maia 
antigos  era  efta  Sagrada  Imagem  venerada  naquella  Igreja 
pelos  fieis.  E também  deites  viviriaõ  naquella  Cidade  a !gus, 
iugcytos  por  tributo  aos  mefmos  Mouros ,  como  fe  acha  em 
varias  hilíorias  >  &  como  o  tocamos  ja  ncítes  noífos  Santuá- 
rios. 

Iflo  fuppofto  ,  a  antiga  Parochia  de  Lamego  hc  dedi- 
cada a  N.  Senhora  com  o  titulo  de  Almacavc.  Sobre  acty- 
mologia  deite  nome  ,  dizem  alguns ,  que  cfte  nome  era  de  hu 
Mouro  rico,  o  qual  reedificara  a  Mcfquita ,  &  que  por  efía 
obra  que  fizera  nella,fe  chamara  de  Almacave,  que  como  os 

Mouxos 


Lhro  11.  Titulo  t.  143* 

Mouros  tudo  arruinavaõ  ,  deftruíriaõ  cfle  Templo  ,  &  o 
Mouro  Almacavc  o  reedificaria,  para  lhefervir  de  Mefoui- 
ta,que  purificarão  os  Chriftáosi,&:  benzerão.  Eaffim  feria, 
em  quanto  Fe  naõ  edificou  a  nova  Cathedral,  aSédaquelIa 
Cidade.  Depois  ficou  em  Parochia  ,  &  logo  q  foy  purificada 
fe  dedicaria  a  N.  Senhora  ,&  íe  intitulou  Santa  Maria  de  Al- 
macavc;por  razaô  do  Mouro,que  reedificou  a  Mefqutta.  Ef- 
taheaetymología  do  nome  deAlmacave.  Edclle  ainda  ao 
prefente  fe  dá  àquella  Igreja  efte  titulo*  Efta  he  a  veneranda 
Imagem ,  que  nella  fe  reverencea  ,  &  com  quem  aquella  Ci- 
dade temmuyta  devoro;  a  qual  he  de  efeuitura  de  madeyra, 
&  tem  de  cftatura  féis  palmos ,  &  mcyo.  Nefla  Igreja ,  pela 
grande  devoção ,  que  todos  tinhaõ  à  Senhora  ,  nos  tempo» 
antigos  fe  manda vaõ  fcpultar  à  fuaviftamuytosCavallejr- 
ros ,  moftrando  nefla  piedofa  refoluçaõ  a  grande  fé ,  &  de- 
voção que  tinhaõ  para  com  efla  Senhora. 

Nefla  Igreja  fe  mandou  fcpultar  pelos  annosde  içoo, 
pouco  mais  ou  menos  Diogo  de  Alvarenga ,  Irmão  de  Dona 
Mecia  de  Alvarenga,  Rcligiofa  ,  &  Abbadeça  perpetuado 
Moflejrro  de  Odivellas ,  filhos  de  Lopo  Garcia  de  Alvaren- 
ga,Senhorda  quinta  de  Alvarenga  ,&  Caflello  de  Brunhaes, 
junto  a  Santo  António  de  Ferreirim  ,  que  affiflio  muytos 
tempos  ao  Infante  Santo  Dom  Fernando.  A  efle  mefmo  Lo- 
po  Garcia  fez  ElRey  Dom  Affònío  Quinto ,  fidalgo  de  fua 
cafa  noanno  de  1376-  Fazem  menção  da  antiguidade  da 
Cafa  da  Senhora  de  Almacave  ,  muytos  eferituras ,  &  Jorge 
Cardofo  nofeu  Agiologio  tom.2.pag.  2}6. 

TITULO     II. 

Da  Imagem  de  H.  Senhora  de  Carquere  perto  de  Lameg*. 

Cafa  de  N.  Senhora  de  Carquerc  fe  vé  fituada  junto  ao 

rio  Douro,  tres  Iegcasdiflsnteda  Cidade  de  Lamego. 

K  2  Ahifíd- 


A 


1 4*  Santuário  Mariano 

Ahiftoria  delia  Senhora  eferevem  quafi  todos  os  Chronif- 
tas  ,  &  Hiftoriadores  Portuguezes  ,  &  dizem  que  o  Conde 
Dom  Henrique  em  acçaõ  de  graças  fundara  naquelle  fitio 
hum  Convento  de  Cónegos  Regrantes/la  Congregação  de 
Santa  Cruz  de  Coimbra ,  pelo  beneficio  que  fizera  ao  Prín- 
cipe Dom  Affonfo  feu  filho ,  o  qual  naíceo  aleijado  de  ambos 
os  pés,  porque  os  tinha  unidos  hum  ao  outro.  E  dizem  tam- 
bém ,que  fora  a  fundação  do  Convento  em  o  anno  de  1099. 
porque  nafeendo  o  Príncipe  no  de  1094.  fuecedéra  o  mila- 
gre, tendo  elle  cinco  annos ,  &  aílim  aíientaô  a  fundação  no 
annode  1099.  &  referem  o  milagre  nefta  forma. 

Queapparccéra  a  Senhora  em  fonhos  a  Egas  Moniz, 
ayo  do mefmo  Príncipe,  oquil  pelomuvtoqueoamava>vi- 
via  com  grande  fentimento  de  o  ver  aleijado,  &que  a  Se- 
nhora lhe  mandara  fo(Tc  a  Carqu^re ,  &  que  fizeífe  cavar  em 
hum  lugar,  (que  a  Senhora  lhe  apontou  .)&quealli  acharia 
os  alicerfes  de  huma  Igreja ,  que  antigamente  fora  dedicada 
ao  feu  nome ,  &  que  nelles  acharia  também  hua  Imagem  fua, 
que  procuraffe  de  lhe  levantar  logo  hum  Altar  ,em  que  a  col- 
locaííe,&  que  fazendo  humanoy te  vigia  na  fua  prefença, 
puzeíTe  o  Infante  fobreomefmo  Altar,  que  logo  cobraria  a 
defejada  faude.  Deu  credito  Egas  Moniz  ao  myfteriofo  fo- 
nho,&logofe  preparou  ,  &partiopara  olugar  revelado, 
mandou  cavar  ,&  achou  os  alicerfes,  &  juntamente  a  Ima- 
gem da  Senhora  enterrada  ;&  que  eftimára  efte  thefouro  que 
delcubrio,como  elle  merecia;  porque  he  Maria  Santiflima 
thefouro  incxtimavel.   Levantou  o  Altar,  &  poz  nellc  a  Sa- 
grada Imagem  ,&  a  feuspéso  aleijado  Príncipe  ,  que  logo  fc 
levantou  com  perfey  ta  faude,  &  livre  daquelle  impedimento 
que  tinha  em  os  pés ,  com  grande  alegria  do  ayo.  Dizem 
roais  que  efíe  Convento  fora  defemparado  com  o  tempo, 
que  tudo  confome,  &  que  defemparado  fizeraõ  dclle  os  Rcys 
Abbadiacommendataria,  a  qual  Abbadia  ,cu  Convento  de- 
ra depois  ElRey  Dom  Joaõ  oTerceyro  por  morte  doBifpo 

Dom 


Livro  II.  Titulo  II.  149 

Dom  Ambrofío,  (eu  Commendatario  ( que  jazifeputtado  no 
Capitulo  delle)  no  annode  1561.  ao  Collegio  da  Compa- 
nhia de  Coimbra  para  o  feu  fuftento. 

Muy  tos  dos  Authores,  que  efcrevem  efta  hiftoriajO  S- 
2craõ  de  ouvida  fem  averiguaremcomtodaaaítêçaõa  ver- 
dade defte  fucceííb.  Jorge  Cardofo  diz  que  o  Conde  D.  Hen - 
riqufc  fiz:ra  aquelle  Convento  em  reconhecimento  dehuTi 
celebre  milagre  que  obrou  eíta  Senhora.  Faria  diz  que  ap- 
parecéra  a  Senhora  em  fonhos  a  Egas  Moniz  ,  &  que  lhe  dif- 
fcra,  que  fazendolhe  alli  hum  Templo  cobraria  o  Príncipe 
faude.  O  Padre  Balthefar  Telles  diz  que  aquelle  Moíleyro 
foy  fundado  pelo  Conde  Dom  Henrique  Progenitor  dos 
Reysde  Portugal ,  no  annode  1099.  em  reconhecimento  da 
Angular  mercê,  que  al/i  recebera  o  Infante  Dom  Affonfa 
Henriques.  E  quaíi  todos  dizem ,  que  apparecéra  a  Senhora 
a  Egas  Moniz  em  fonhos.  Porém  deviaõ  feguir  os  mais,  que 
efcrevem  eftc  fuccefíb,a  hum  fó,&  feria  de  tanta  fuppcíiçaõ 
paraclles  ,  que  aflfentáraõ  a  opinião  por  certa  ,  &  infallivcl. 
Porque  fuppoflo  que  a  hirtoria  na  fubftancia  he  verdadeyra, 
na  fórma^&circunílancias  padece  muy  tas  faltas  de  verdade- 
Eaffim  ou  foífe  ,  porque  a  Senhora  ouveííç  apparecido  de 
pouco naquellc lugar,  aonde  jarefplandcciaemmilagres,íc 
Egas  Moniz  lhe  encomendaíTe  com  a  fua  devoção  o  Prínci- 
pe, ou  que  a  Senhora  lhe  appareccfle  em  fonhos,  8c  lho  man- 
dalTe  levar  â  fua  Cafa,que  feria  entaô  alguma  pequena  Ermi- 
da >&  que  o  Conde  Dom  Henrique  lha  augmentafle  movido 
do  beneficio,  pôde  fer  \  mas  Cõ  vento  elle  naõ  o  edificou  ho- 
mologo veremos. 

A  tradição  que  tem  muy  ta  força,  he  o  que  em  huma  in* 
formação  firmada  me  deu  o  P.M.Fr.Agofiinho  da  Coíb,Re- 
ligiofo  Eremita  de  meu  Padre  Santo  Agoftmho,da  Província 
de  N.Senhora  da  Graça,&  lente  muy  tos  annos  de  Moral  em 
o  Convento  de  Lamego,  no  qual  tempo  foy  muy  tas  vezes 
a  Carqucre  a  pregar ,  &  como  taleiumha  de  vifta,diz  sffim: 
Tom.  III,  K  3  Muy. 


I5°  Santuário  Mariano 

Mftosaymos  depois  ckexpuifos  os  Mouros  das  terras i 
tf  «*  tfiaojQbn  o  'Douro para  aparte  cio  Sul,  andando  hins  ra* 
pt^es  tirando  pedrada*  às  cafianhas  ,  ^//*,  bum  eafla- 
nheyro  muyto  Velho ,  &  bojudo  ,  o  qual  por  antro  era  oco,  & 
carcomido,  na  VÚU  de  Carquere  ,  junto  a  Resende  3  huma pz-  - 
aradas  com  que  tiraVaSos  rapaces,  colou  por  dentro  da  rotu- 
ra dome/mo  caftanbeyro ,  &  fazendo  tom,  como/e  tocar  a-em 
hum/mo,  advertmdo-o  os  rapais  continuarão  em  lançar 
mais  pedras  pela  mejma  rotura,  &  ouvindo  o  me  ímofonído, 
foraorefenrejecafo  afêus pays.  KicraôeBes,  iffieraó  a 
?nejma  experiência  ,i?refolvendo  entre  fique  nocattanbeyro 
eftaVafino,  moVuíos  também  ao  que  parece  da  ambição  ,  a  que 
tammncomofmoefiariaocculto  algum  thefouro(&V(rda- 
deyramente  o  era)  começarão  a  caVar  pela  parte  de  bayxoy 
(porque eJlaVaembuaribancejra)  feytaeUa  diligencia  dzj- 
cubrirao  o  oco  do  cafianbeyro  ,  t?  dentro  nelle  bum  fino ,  que  a- 

a  €olj?e ' &  ferVe  mclmlia  l&*)*  >  qw  ter  d  ao  que  parece 
6.  ou  8.  qutntaes.  ReVolVerao-no,  &  dentro  delle  acharão hu- 
ma Imagem  de  nofaSenbora ,  que  tcrd  três  para  quatro  pal- 
mos de  altura  ,  com  o  Meninê  JESUS  no  braço  ej quer do ,  o~ 
br  a  de  madeyra  e/íofada ,  &  bum  1  Cru^  de  prata  demuytofey- 
ti \o,tS  Valar  ,otra  antiga ,  que ferVe  nas  prccifoes  da  mejma 
fgftj*  ?  a  qual  ter d alguns  /eis  palmos  de  alto.  Acharão  mais 
buacayxa  de  Relíquias,  que  eu  tive  nas  minhas  mãos, na  qual 
eslaVa  buma partícula  do  Santo  Lenho  da  Cru^  >  buma  Relí- 
quia de  Sam  firas ,  &  outras  mais  de  diVerfos  Santos ,  todas 
em  lugares ,  er receptáculos  apartados ,  com  pergaminhos  efi 
cr  nos  dentre, que  divido  de  queerao  as  Relíquias.  E  também 
hum  pergaminho  mayor  ,  que  conHaVa  que  aquella  Imagem, 
&  Relíquias  for  ad  ejtondidas  cm  aquelle  lugar  nainVa^am 
dos  Mouros. 

Lom  çou  logo  a  Santa  Imagem  a  olrarmuytos  milagres, 
caufa  porque  Egas  Moni^  [  ayo  qu>  então  era  do  Trincipe  D. 
Jffonfo  Henriques,  ojfereceo  o  me  fim  Príncipe  a  N-  Senhora 

de 


Livro  II.  Titulo  II.  r  y  i 

de  Cárcere,  &  o  levou  à  fim  Cafa,  porque  haVia  nafcido  alei* 
jado  cem  os  calcanhares  pegados  aos  ajfmtou  Mandou  di^er 
hmna  Mijfa  no  Altar  da  Senhora,pondo  o  menino  [obre  elle,  i? 
logo  ficou  livre  7 19  [ao  daquelle  achaque.  Lembrado  EIRey 
"Dom  dffonfo  Henriques  da  mercê  que  a  Senhora  lhe  fizera, 
quando  fundou  o  Convento  de  Santa  Cru^  de  Coimbra  de  Cóne- 
gos Regrantes  ,  fundou  também  outro  na  Igreja  de  N.Senho- 
ra  de  Carquere,fa^edo  ao  Trior  delle^Senbor ,$7) Jiatartoda, 
V  ill  a, 19  enriqueceu  ao  Convento  demuytas  rendas,  &  pri- 
vilégios. O  Convento  e&d derrotado ,mo tem  maisqueoclauf* 
trojadamnificado,  &  a  Cafa  do  Capitulo ,  que  be  de  abobada 
de  pedra,  obra  mofayca ,  i9fe  conferVa, porque  ejld  dentro  del- 
UhumaCapelli  dos  Senhores  de  Resende ,  com  Mtjfa  quoti- 
diana ,  que  a  naõfer  ifto,)a  eJliVera  no  cbaÕ,  E  efta  be  a  noti- 
cia, que  acbeypela  tr adiçam  dos  Velhos  daquellaterra. 

Dcfta  narração  do  Padre  Mcftrc  Frcy  Agoftinho  da 
Coita  fe  vé ,  que  ja  antes  do  milagre  a  Senhora  havia  appare- 
cido ;  &-  de  que  o  Conde  Dom  Henrique  naô  fundou  o  Con- 
vento^ fevé  claramente  dos  tempos,  porquanto  ElReyD, 
Affonfo  Henriques  fez  doaçaõ  dos  banhos  da  Rainha  ao  Ar- 
cediago Dom  Tello  para  nelles  fundar  o  Mofteyro  de  Santa 
Cruz;  &  foy  efta  doaçaõ  feyta  no  anno  de  1 129.  &  o  Mof- 
teyro fe  começou  a  fundar  no  de  1 1  ^  1 .  E  fazendofe  logo  al- 
gus  recolhimentos  junto  da  Igreja,ou  Ermida ,que  ja  alh  ha- 
via, dedicada  à  Santa  Cruz,  entrarão  a  povoar  aqueíle  /ugar 
em  24.  de  Fevereyro  do  mefmo  anno  de  1 1 3 1 .  recebendo  o 
habito  D.Tello  com  doze  companheyros,das  mãos  do  Bifpo 
de  Coimbra  Dom  Bernardo ,  affiftindo  a  efta  devota  acçaõ  o 
Infante  Dom  Affonfo  Henriques  ,  que  tinha  naquelle  tempo 
quarenta  annos ;  &  aflim  naõ  podia  o  Conde  Dom  Henrique 
fundar  o  Mofteyro  deCarquere,  &dalio  aos  Cónegos  de 
Santa  Cruz  de  Coimbra ,  pois  efies  aitida  es  naô  havia ,  nem  • 
houve dnhi  amuytos  annes,  como  fevé  do  que  fica  dito. 
Com  que  fomente  lhe  aumentaria  aCafa,  &  faria  algumas 

K  4  obras, 


1 5 1  Santuário  Mariano 

obras;  &ElRey  depois  de  haver  fundado  o  Convento  de 
Santa  Cruz  (como  diz  o  Padre  Fr.  Agoflinho  da  Cofia)  fun- 
dou outro  Convento  em  Carquere,  &  o  povoou  com  Cóne- 
gos da  Congregação  de  Santa  Cruz- 

O  noífo  Chroniíia  Frey  António  da  Purificação  aíTen- 
ta ,  que  quando  o  Príncipe  Dom  Affonfonafceo,  ja  era  ve- 
nerada na  fua  Cafa  a  Senhora  de  Carqucre,&  que  por  adver- 
tência do  noífo  Santo  Frey  Joaõ  Cirita  o  levara  o  Conde  D* 
Henrique  nove  dias  à  Senhora,  &  que  elia  lhe  dera  perfey- 
ta  faude  ,  &  o  livrara  daquella  contracção  que  padecia.  Cem 
que  fe  ajuíla  com  o  que  refere  o  Padre  Meflre  Frey  Agofli- 
nho da  Coita  na  fua  relação ,  &  os  mais  eferevérão  de  ouvi- 
da, ou  tresladáraõhuns  dos  ou  tros,fem  examinar  a  verda- 
de em  huma  matéria  taõ  grande. 

Tema  Imagem  de  N-  Senhora  de  Carquere  três  palmos 
de  alto,& alémde  fer  de  efeultura  de  madeyra^como  f.ca  di- 
to )  cobrem-na  de  vcítidos  ao  antigo.  Naó  fe  lhe  vé  mais  que 
amaõdircyta,  quemoflra  ter  huma  maçãa  ,quc  offereceao 
Menino  ;&cíkSannffimo  Menino eflá  unido  à  Senhora,  & 
veíiido  em  huma  opadomefmo  modo  antigo,  &naõfelhc 
vem  as  mãos  \  &  a  Senhora  tem  huma  coroa  imperial  de  pra- 
ta. Efcrevcm  da  Senhora  de  Carquere ,  oPsdre  Balthefar 
Telles  na  i.  part  da  Chronica  da  Companhia  da  Província 
de  Portugal  liv,  i .  cap.  1 6.  Cardoío no  feu  A  giologio  Lufi- 
t ano  tom  i.  pag.  75.  Manoel  de  Faria  na  Europa  tom.  3.  §• 
3.  cap  12.  Brandão  na  Monarchia  Lufitana  part.  3.  liv.  9. 
cap.  6.  &  no  cap.  19.  Frey  António  da  Purificaçam  part.  2. 
liv.  6.  tit.  3,  Paes  Viegas  na  vida  delRey  Dom  Aííonío  Hen- 
riques ,  Duarte  Nunes  de  Leaõ,  &  outros  rnuy  tos  como  Pa- 
dre António  de  Vaíconccllos  in  Deicriptione  Regai  Lufua- 
ni pag.  534.  num.  3. 


TITULQ 


Livro  II >  Titulo  III.  i  j  3 


TITULO     III. 

Da  antiga  Imagem  delSÍ.SenhoradaSeyxa  junto  ao 
lugar  de  Atchas* 

ASdifcordias  que  fe  continuarão  pelos  annos  de  981. 
doNafcimentodeChrifb,  entre  ElRey  Dom  Ramiro 
de  Leaõ,&  feu  Primo  Dom  BermudodeGaliza,&  Portugal, 
deraõanimo  ao  Capitão  Almsnçor  Rey  de  Córdova,  para 
romper  as  tregoas  ,  &  entrar  como  f  uriofo  rayo  pelas  terras 
da  Lufitania .  As  Cidades  nomeadas,  que  deita  vez  fe  perde- 
rão em  Portuga!,  foy  Coimbrã,  Porto,  Braga,  Viana,  & 
Britonia .Cidade  antiga  de  que  ja  hoje  naõha  raílos.  Depois 
deu  volta  pelas  terras  da  Beyra  ,  aonde  rendeo  a  Lamego,, 
Vizcu ,  &  a  outras  muytas  terras ,  aííòlando  os  Templos ,  Sc 
Cafas  de oraçaõ, &  martyrizando  innumeraveis  fervos  de 
Chrifto ,  que  padeciaõ  gloriofamente  por  íeu  fantiíTimo  no- 
me. Entre  efles  males  foy  o  affolar  hum  Convento  de  Reii- 
giofas  de  Santo  Agoflinho,  que  eílava  fundado  três  iegoas 
da  Cidade  de  Lnmego ,  para  a  parte  Oriental ,  emhumiirio 
alto  ,  aonde  agora  íe  vé  a  Ermida  de  N.  Senhora  da  Seyxa ,  & 
fe  achaõ  algumas  vezes  naquelle  fitio  anéis ,  ferros  quebra- 
dos ,  didaes ,  &  coufas  femelhantes ,  que  denotaõ  a  qualida- 
de dos  moradores  ,  que  povoarão  aquelie  lugar. 

Chamoufe  eíle  M  flevro  Archcnfe  ,  &ao  tempo  que 
ElRey  Almançor  veyo  fenhoreando  aterra,  eraAbbadeça 
delicColumba  Ofores,  &  dando  o>  Mouros fobre  oCon- 
vento  huanoyte,  puzerao  todas  as  Réfígiofas  à  efpada,con« 
jagrando-as  cm  Martyresde  JESU  Chriíta  Ifto  tudo  fe  co- 
lhe de huma doação,  queTendon  Fafisfez  aoMoftcyrode 
Saõjoaõ  de  Tarouca  ,  da  Ordem  de  Saõ  Bernardo  ?no  anno 
de  1 1 29,  aos  4.  de  Abril ,  cm  que  lhe  dá  hfias  herdades,  que 

tinha 


154  Santuário  Mariané 

tinha  naquella  parte,  &  entreoutras  palavras, diz  asfeguítxj 
fes :  Sit  riajue  defira  pr adicta  kereditate  >  cum  Ecchfia  de 
Santa  Afaria  de  Arcas ,  ubi  antique  futt  MonaB  i  rium  Voei- 
tatnm  drebenft  i& mortua  ettinde  Abbatka  Columba  OJo- 
ris  ,cum  fororibus  fnis  y  permanus  cujtifdam  Mauri  Aiman- 
çoris  jiHamaue Vos ab integro  poffideatis  t&c. 

Como  fediffera:  Seja  vofTa  afobredita  herdade,  com  a 
Igreja  de  Santa  Maria  de  Archas,  onde  antigamente  cúcvt  o 
Moííeyro  chamado  Archenfe  ,  &  f oy  morta  a  Abbadeça  Co- 
lumba Oíbres  >  com  fuás  fubditas,  por  mãos  do  Mouro  Al- 
mancor ,  &  vos  a  poffuhi  ínteyramente  ,  &c.  O  nome  de  Ar- 
chas feconferva  ainda  hoje  em  hum  pequeno  lugar,  que  fica 
junto  da  Ermida  de  N.  Senhora,  Efie  Moííeyro  he  tam  anti- 
go ,  que  antes  que  os  Mouros  entraflTtm  cm  Efpanha ,  ja  flo- 
reeis em  virtude  ,&  Religião,  &]a  parece  que  neíle  tempo 
era  venerada  nclle  a  Imagem  da  Senhora  da  Seyxa  ,  ou  de 
Archas;  (como  diz  a  doaçaõ, )  &  as  Religioías  eraõ  tam  fan- 
tas ,  que  aííim  a  Prelada,  como  as  fubditas ,  merecerão  a  lau- 
reola  do  marty  rio,  dando  as  vidas  em  obfequioda  fé  ,&em 
defenfa  da  caflidade ,  &  voou  a  fermofa  pomba  da  Abbadeça 
com  as  pombinhas  fuás  filhas  ,  &  fubditas,  para  o  Ceo;  & 
bem  podia  fer  que  o  titulo ,  com  que  hojedenominaõ  aquella 
Senhora,  lhe  fcffeimpcfloalludindoà  Santa  Abbadeça, &  às 
Santas  fubditas;  porque  feàs  pombas  chamão  feyxas ,  &  to- 
das aquelias  Efpcfas  de  Chrifío  eraõ  pombas ,  &  bem  o  mof- 
tráraõ;  poistodas  juntas  em  hum  bando  voáraõ  para  o  Ceot 
bem  impoíte  foy  o  titulo  das  Seyxas.como  dizendo  noífa  Se- 
nhora do  Convento  das  Seyxas,  ou  das  Pombasjporque  Ma- 
ria he  verdndcyramente  Pomba  ,  amada ,  &  fermofa ,  como 
a-nomea  o  Efpirito  Santo  nos  Cantares:  Arnica  mea ,  co± 
CAr,t''1,  lumba  me a  ,  fermofa  me  a.  Da  Senhora  de  Archas  >  ou  da 
Seyxa  ;  como  hoje  fe  intitula ,  fazem  mençaô  muytos  Eícri- 
tores',como  faô  Jorge  Cardofo  no  leu  Agiologio  Luíitano 
tom.  i;  p*g.  474«Frey  Bernardo  de  Brito  parf.2.da  Momr- 

chia 


Livro  II.  Titulo  W.  i  y 5 

chia  Lufitana  liv.  7.  cap,  2$.  Fr.  Luis  dos  Anjos  pag,  1^0. 
do  feu  Jardim  de  Portugal/)  Padre  António  Ley  te  na  Hiito- 
ria  de  noíTa  Senhora  da  Lapa  liv.  1.  cap.}- Faria  noEpito- 
me ,  &  na  Europa  tom.  3.  p.  ^.cap.  1  $.  Vafconcellos,  &  todos 
os  Authorcs  Benedi&inos,  que  querem  que  foffe  feu  o  Con- 
vento- 


TITULO     IV. 

Damilagrofa  Imagem  deN.  Senhora  da  Lapa  junto 
a  Jluhitelia. 

DEpoisqueobarbaro  Rey  Almancor  deftruío  as  terras 
de  Entre  Douro ,  &  Minho ,  &  as  da  Beyra  ,  que  íicaõ 
referidas  no  titulo  antecedente ,  &  de  fazer  Voar  para  o  Cco 
aquelle  refplandecente bando  de cafías Pombas,  fahiocom 
o  mefmo  ímpeto,  &  furor  a  de  íiruir  o  mais  que  lhe  ficava  da 
Beyra  por  vencer ,  &  tomando  o  caminho  para  Trancofo  pe- 
lo alto  da  Serra  de  Pêra  ,  at™  veffando  pelo  lugar,  aonde  ho- 
je eftá  a  Villa  de  Aguiar  da  Beyra, deu  cm  hum  Convento  de 
Religioías,  que  eílava  fundado  junto  ao  lugar  de  Sifmiro  ,  a 
que  hoje  chamaô  Defermiilo,  &  aonde  hoje  perfevéra  hu- 
ma  Ermida  com  o  titulo  de  N. Senhora  do  Moi ieyro,de  quem 
fallarenrios  a  feu  rempo,  &  fizeraõ  nclle  o eítrago,  que  cm  os 
mais ,  levando  cativas  todas  as  Religiofas ,  our  eieapár&õáa 
morte  naquella  primeyra  fúria.  MoftraõoM •  moradores  da- 
quclla  terra  todos  eftes  lugares,  &refercir  portradiçsõ  o 
fucceíTo  envolto  em  muvtas  fabulas;  aersfeentando,  que 
muytos  Capitães, &  Alcaydes  Chriftãos  k  ajuntaram  psra 
fazer  refiftencia  aos  Mouros  ,&  que  afrontando  fe  com  elíes 
cm  hum  campo  que  hoje  charmõ  o  Desbarate,  perto  do  lu- 
gar do  Souto,  termo  de  Agtiiarr,  foraõo;  noites  vencidos,  8* 
mortos  alguns  dos  priftctpaes;  ma.s  naõ  perdendo  com  iflo  o 

mm® 


i  j  6  Santuário  Mariano 

animo  j  nntes defejando  mayor  vingança  do  feu  aggravo,dé- 
r?õ  na  retaguarda  do  inimigo  fuma  noyte  cem  tanto  ani- 
mo, &  boa  ventura, que  daqucllc  batalhão  efeapáraõ  poucos 
com  vida  ,  &  a  ferem  os  noílbs  mais?  pudéraô  fazer  naquella 
madrugada  o  que  fora  diffici!  de  acabar  a  toda  a  potencia  de 
Eípanhn.  MasoRey  Almançor,  que  como  Capitão  Angular 
fabia  prevenir  os  íncõvenientes/c  fubio  a  hum  lugar  alto  a- 
ende  recolheo  às  bandeyras  a  gente  que  fugia ,  &  aclarando 
o  d  ia  ;  í  c  vio  fer  may  or  o  temor  ,  que  a  caufa ,  polio  que  íct\- 
tio  rmiyto  a  perda  de  fua  gente ,  &  o  rifeo  em  que  o  puzeraõ 
taõ  poucos  Chrifíãos.  Dura  em  noíTos  tempos  o  nome  do  lu- 
gar defie  recontro ,  &  fe  chama  a  Matança ;  &  o  monte  a  que 
fé  retirou  o  Mouro,conferva  o  nome  de  Almançor ;  que  faõ 
grandes tcílemunhos  deíla  antiguidade,  confervada  entre 
osnaturaesdaterra- 

Também  dizem  os  mefmos  moradores  deítâ  terra ,  que 
defle  Moíleyro  fe  levára,nefla  mefma  occafiaõ,a  Imagem  da 
Senhora  da  La  pa ,  que  he  hoje  o  mais  celebre  Santuário  nam 
fóda  Beyra ,  mas  de  todo  Portugal ,  para  o  lugar  aonde  de- 
pois foy  achada,&  aonde  a  efeondéraô  os  Chriftãos  naquel- 
la lapa,  que  a  natureza  compoz  de  quatro  pedras  notáveis, 
&  grandes ,  fabricando  delias  huma  das  mais  devotas ,  & 
contemplativas  Ca  pellas,  que  ha  na  Chriftandade  ,  aondea 
pequena ,  &  venerável  Imagem  eíteve  desde  efle  tempo,  que 
foy  no  anno  de  Chrifto  de  98  ?.  até  o  de  1 498.  em  que  foy  a- 
chada  por  huma  menina  muda  chamada  }oanna;  natural  do 
lugar  de  Quintella ,  que  fica  em  pouca  difíancia  da  Lapa,  em 
que  a  Senhora  eftava  oceulta-  Era  cila  menina  muda, &  guar- 
dava o  gado  de  feuspays.  Humdia,naõacafo,  mas  movi- 
da por  Dcos  -.entrando naquella  lapa  a  fincera  paílorinha  a- 
cheu  a  Santa  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos,  &  ficando  muyto 
alegre  corri  aquella  pedra  preciofa  defeuberta  naquella  mina, 
a  rctteo  na  fua  cefta  ,  em  que  trazia  as  maçarocas  ,  que  fiava, 
&  o  feu  paõ :  um  pequena  he  aqucila  Santa  Imagem,  que  alli 

na 


Livro  II.  Titulo  W.  157 

na  cefh,  ou  aídofa  lhe  cabia  ,  &  a  trazia  ,  fem  que  fc  foubeííe 
o  que  era.  Namorada  aruflica  paftorinha  da  fermofura  da 
Senhora,toda  fc  oceupava  em  a  enfeitar  como  podia,  &  leria 
todo  o  cufío  do  feu  adorno ,  porlhe  flores  das  que  colhia  pe- 
los campos  ,ou  veftilla,.&  dcípilla  outra  vez  com  as  roupas 
com  que  a  achou,  por  fer  de  vertidos  ,  &  de  roca ;  mas  fó  le- 
varia o  mcyo  corpo.  Neíkfai\ta  occupaçaõgafíava  a  muda 
menina  todo  o  feu  tempo ,  naõ  fó  nos  campos , mas  cm  cafa. 

Em  huma  occaíiaõ  deftas  efiava  a  menina  Joanna  junto 
ao  fogo,&  como  todos  os  feus  amores,  &  defvelos  er aô  o  en- 
treterfe  no  concerto ,  &  enfey  tes  da  fua  Senhora  ,  &  fobe- 
rana  Menina,  que  como  a  tal  a  tratava,  que  feria  vcliiila  ou 
deípilla  do  veíHdo  ,  com  que  a  devia  achar;  &  como  a  mãy 
reparalTe  nefia  fua  occupaçaô,&  a  viíTc  toda  embebida  neíies 
feus  devotos  cuydados ,  levada  de  indignação,  fem  olhar  o 
que  fazía^tomoulhe  a  Imagem  das  mãos, para  a  dcy  tar  no  fo- 
go; a  queacodio  a  menina  Joanna  com  hum  brado  muyto 
grande,dizendo:  Tanaõfaçaifo',!*  fubitamentelhefoy  ref- 
tituiaa ,  ou  dsda  a  falia ,  que  naõ  tinha.  E  a  mãy  fe  vio  logo 
com  as  mãos,  &  braços  fecos,em  cafHgo  da  fua  temeridade, 
&  de  maneyra  ,  que  os  não  podia  mover;  &  gritando  com  ef- 
panto  do  que  lhe  havia  fuecedido ,  concorreo  a  gente  do  feu 
lugar  de  Quintcí  la,  em  que  Viviaõ  ,  &  inquirindo  o  íucceífo, 
fouberamemeomo  a  Santa  Imagem  da  Senhora  havia  íido 
achada  em  a  lapa ,  para  onde  a  menina  os  guiou.  Fcraõ  a 
verolugar,  &collocando  namefma  lapa  a  Senhora ,  tanto 
que  iítofoyaflim  executado  ,  logo  a  Senhora  deu  pcrfcyta 
íaude  à  mãy  da  paílorinha^ficando  livre  daqueila  contracção 
dos  nervos,  &  reflituidos  os  feus  braços  à  fua  prime  vra  iau- 
de,&  vigor.  Naquelle  mefmo  lugar  a  comporião ,  &  lhe  fa- 
não  Altar ,  em  que  a  colíocárão,  &  em  que  pudeffe  eíiar  Corp 
toda  a  veneração. 

Dalli  por dante  começou ,  coro  a  fama  deita  maravilha, 
a  concorrer  a  gente  àguclle  lygar,  &  àgucile  Santuário,  aug- 

mentais- 


1 5 1  Santuário  Mariam 

•  enrandofe cada  vez  mais  a  devoção  da  Senhora  da  LapaJ 
naôfó  daquclles  lugares  circunvizinhos  ;  mas  de  todo  o 
Reyno  ,&  ainda  de  toda  aCaflellaa  Veiha ,  que  lhe  fica  mais 
vizinha  ,  pelos  muy tos  ,&continuos  milagres,,  que  Deos  o- 
brava  naquella  Cafa,  pelaintcrceflàôde  fua  Santiflima  May. 
Sio cilas  romarias  desde  a  Pa fchoa  do  Efpirito  S?nto  até 
Outubro;porque  fó  ncík  tempo  fe  pode  ir  àquelle  lugar,quc 
he  no  Inverno  frigidiffimo ,  &  muy  to  a  ípero, 

A  Igreja  defta  Senhora  he  grande ,  &  larga  ,  ainda  que 
naô  he  muy  to  alta  7  ír  a  Capella  mór  tem  a  mcfma  largura  da 
Igreja.  Nella aparte  daEpiflola  fica  alapada  Senhora, que 
fe  vé  formada  de  quatro  grandes  ,  &  defmenfuradas  pedras, 
&  poflas  naquelle  lugar  pelas  mãos  do  Author  da  nature- 
za, com  notável  artificio,  A  pedra  dêcirm  (fallo  da  do  mcyo 
da  Capella ;  porque  eftaô  duas  em  bayxa,  &  outras  duas  por 
cima  delias)  que  he  muy  to  mayor,  &mais  comprida  quea 
de  briyxo,  &  que  fica  cm  o  meyoda  Capella,  que  à  mancyra  de 
chapeo  (  como  diz  o  Padre  Vafconcellos  in  Defcriptimt 
Regni  LnJitzj?7Í<*)c{\ay2í  taõ  bayxa  nos  prime  yros  annos,que 
o  Sacerdote ,  que  dizia  MiíTa  no  Altar  do  Menino  JESUS, 
lhe  tocava  com  a  cabeça;  mas  depois  foy  fubindo  pouco  a 
pouco ,  &  em  tal  forma ,  que  ja  hoje  fe  vé  no  ar,  &  taõ  le  van- 
tada ,  que  podem  os  Sacerdotes  levantar  ahoíiia  baftante- 
mente,  &  ainda  os  de  mayoreflatura.  Eoque  caufa  mayor 
admiração  he ,  que  aquclla  grandiflima  ,  &  pefada  pedra  ef- 
tejadefacempanhada,  &  defunida  das  mais,  fullentandofe 
em  huma  muy  to  curta  raiz,  que  fica  na  parede ;  o  que  fe  tem 
por  hum  continuo  milagre.  Eeila  parede  apenas  terá  qua- 
tro palmos,  &oque  fedefcobre  da  pedra  para  fora,  feráõ 
mais  dedezoyto,ou  vinte  palmos. 

Quando  os  peregrinos  ,&  Romeyros  querem  ir  vifitar 
a  Senhora  em  a  fua  lapa  ,  o  fazem  por  huma  entrada,  qúc 
dam  asduaspedrnsbayxas,  &  hc  taõ  eflreyta,  que  ainda  o 
homem  maiifcco  ha  de  entrar  de  ilharga,  E  o  que  caufa  ma - 

yof 


Livro  II.  Titulo  IV.  i  ^ 

yor  admiração  hc ,  que  os  mats  corpulentos  ,  &  groííòs  en  • 
traô  com  a  meíma  facilidade  dos  primeyros.  E  em  chegando 
â  Capellinha  da  Senhora  ,  que  fica  no  fim  da  lapa  ,  daõ  volta 
ao  redor  do  penedo  de  bayxo,  que  fica  no  meyo ,  aonde  eílá  a 
outra  entrada;  porque  o  de  bayxo  naõ  chega  à  parede ,  como 
o  de  cima-  E  por  efla  aberta  he  ,  que  fe  faz  a  entrada  ,  para  íc 
darem  as  voltas ,  que  coflumaô  os  peregrinos. 

Aeflesdous  penedos  do  meyo  fica  encoíhdo  o  Altar 
niór^&nefteíevécoUocada a  Imagem  do  celebrado  Meni- 
no JESUS  da  Lapa,a  quem  fecantaõ  devotas  cantigas.  A  Ca- 
pellinha da  Senhora  terá  fete,  ou  oyto  palmos  de  vaó  em 
quadro ,  &  lhe  fervem  de  abobada  as  extremidades  das  duas 
pedras  fuperiores.  Tem  duas  alampadas  pequenas  de  prata 
toslados;  porque  as  naõ  pode  ter  mayores.  A  Senhora  eftá 
collocada  em  hum  nicho  formado  de  vários  jafpes  bornidos, 
&  de  varias  cores,  &imbotidos.  He  muyto  linda,  &  tem 
hum  roftq  taõ  divinizado,  grave ,  &  mageftofo ,  que  infun- 
de grande  rcfpcy to, &  veneração.  E havendo  tantos  fecu- 
los,  que  (e  oceultou  naquella  húmida  ,&  fria  lapa,  a  encarna- 
ção eíiátambella ,  como  íefoífe  encarnada  de  pouco  tempo. 
He  cita  Santiffima  Imagem  de  roca,  &  de  vertidos ,  &  tem  de 
alto dous palmos,  &  meyo.  Aquella  Igreja  he  ao  prelente 
dos  Padres  da  Companhia,  &  do  Collegio  de  Coimbrãs  mas 
o  rendimento  dasefmolas,  quefaõmuytas,  fe  dividem  cm 
duas  partes ,  huma  leva  o  Collegio  ,  &  a  outra  a  Univeríida- 
de«  Os  Padres  ao  prefente  tem  começado  hum  grande  Col- 
legio, &  pelos  tempos  adiante  também  faraõ  à  Senhora  ou- 
tro mayor ,  &  mais  magcílofo  Templo. 

As  feftas  que  fe  fazem  à  Senhora  ,  faõ  muy  tas ;  porque 
também  faômuy  tas  as  terras  >  que  concorrem  todos  osan- 
nos  a  feílejalla.  Eflas  íecorneçaõ  desde  o  Efpirito  Santo 
ate :  Outubro; porque  nefies  tempos  vtó  todos  a  fazer  àquel- 
Ja  Soberana  Rainha  dos  Anjos  as  luas  celebridades,*  psgar- 
lhe  os  feus  votos ,  &  offer tas ,  &  a  ter  as  fuás  novenas. w  Na 

fua 


i  ôo  Santuário  Mariano 

fua  Cafa  fe  vem  muytasmor  talhas ,  &  outros  muyfos  fínacs; 
&  varias  memorias  das  maravilhas,  que  aquella  grande  Se- 
nhora obra  a  favor  dos  que  a  invocaõ.  Alli  fe  vé  também  pen* 
durada  em  hua  linha  de  ferro  da  Igreja  a  pellc  de  hum  gran- 
de lagarto  marinho,  ou  Jacaréo,que  hum  homem  matou,fa- 
vorecidodaquella grande  Senhora,  em  as  partes  da  índia 
Oriental ,  que  agradecido  ao  feu  faver ,  lha  veyo  a  offerecer 
à  fua  Cafa  ,  o  qual  era  natural  daquellas  partes ,  &  vendofe 
emhum  perigo  grande  de  ferdefpedaçadodaquclla  fera,  a 
Senhora  lhe  deu  valor  j&  animo >:,  para  que  o  pudefle  matar» 
Da  Senhora  da  Lapa  eferevem  muy tos,  &  graves  Authores, 
comohe  Frey  Bernardo  de  Brito  na  Monarchia  Lufitana, 
part.  2.  liv.  7.  cap.  2$.  Manoel  de  Faria  ,  &  Soufa  na  fua  Eu- 
ropatom.  3.  part.  3. cap.  i$.Fr.  Luis  dos  Anjos  no  feu  Jar- 
dim de  Portugal  num.  48-  o  Padre  António  de  Vafconccl- 
los ,  pag.  53  8.  num.  15.  &  o  Padre  António  Leyte ,  emhif- 
toria  particular,  que  fez  defla  milagrofa  Senhora. 


TITULO     V. 

Da  antiga ,  is  milagrofa  Imagem  de  nojfa  Senhora  de 

Aguiar. 

^T  A  comarca  de  Riba  Coa ,  em  as  fraldas  da  Villa  de  Caf- 
SJ  tello  Rodrigo,  hum  quarto  de  legoa  diftante  damef- 
ma  Villa  para  a  parte  doNafcente,eftá  íituado  oMoíleyro 
de  Santa  Maria  de  Aguiar, da  Ordem  dogloriofo  Saõ  Ber- 
nardo, &  o  único  que  fe  acha  naquella  Comarca.  Nefte  Mof- 
tey  ro  fe  venera  ,  desde  o  tempo  de  fua  fundação ,  huma  de- 
votiílima  Imagem  da  Rainha  dosAnjos  Maria  Santiííimajquc 
obra  mu v  tos  milagres  em  todos  os  que  com  verdade vra  fé, 
&  devoção  a  bufeaõ  \  porque  lhes  acode  com  os  alívios  em 
feus  trabalhos ,  &  em  fuás  neceffidades  como  remédio.  He 

a  Caía 


Livro  II.  Titulo  V.  1 6% 

a  Cafa  defla  Senhora  ,&  cila  o  Propiciatório  acndc  De  os  aco- 
de, remedea  ,&  favorece  aos  trabalhados  pcccadorcs^ccmo 
diz  SãtoEphrem:  Tropiíiatcrium  lahoratitium.E  per  cila  ra- 
zão foy  fcmpre  aquelle  Moíieyro  muyto  frequentado  de 
muy  ta  gente  de  Portugal,  &  de  Caílella  atéoanno  de  1 640, 
que  foy  o  da  Acclamaçaõ  delRey  D.  Joaõ  o  Qoarto  ,  de  íaii- 
dofa  memoria  joqueentíiõfe  fuipendeo  por  caufa  das  guer- 
ras ,  &  hoílilidades  delias \  &  hoje  depois  das  pazes  fe  conti- 
nuaõ  as  romarias  na  mefma  fórtr.a  que  de  antes. 

Fundou-fe  eíle  Moíieyro  de  noífa  Senhora  de  Aguiar 
por  ordem  delRey  Dom  AfFonfoHenriquez,  oqusllhedeu 
couto  no  annode  1 174.  eílando  em  Coimbra.  Foy  concedi- 
da a  carta  aoAbbadc,  &  Monges  daqueíle  Moíieyro,  que 
chama ,  da  Torre  de  Aguiar  ,  que  devia  fer  antigamente  al- 
gum caftello  ,  que  fervia  de  rebater  os  incurfos  dos  Mou- 
ros, quando  domina vaõ  aqucllas  terras»  Enella  declara ,fc 
havia  edificado  o  Moíieyro  antes,  por  carta,  &  licença  fua. 
OPadreFrey  António  deYepís  diz  que  coníla  do  cartono 
do  Mofteyro  de  Santa  Maria  de  Moreroela ,  que  eíta  funda- 
ção foy  a  30.  de  Março  do  anno  de  1170.  &  defla  era  faz 
mençaõ  o  Breviário  Ciflercicnfe- 

Naõ  fó  os  Reys  de  Portugal,  pela  grande  devoção,  que 
tinhaõ  a  efla  Senhora  ^enriquecerão  efla  Cafa  de  fazendas  ,& 
propriedades,  &  a  ennobrecéraõ  com  muy  tos  privilégios; 
mas  também  os  Reys  de  Leaõ.  O  couto  que  ElRey  Dom  Af- 
f  onfo  Henriquez  lhe  deu ,  nam  íó  era  grande,  mas  ainda  lho 
fez  mayor  ,  largandolhe  nclle  toda  a  jurisdição  Real ,  como 
fe  vé  da  carta,  em  eflas  palavras :  Et quidqutd infra  términos  Toyre 
ad  regale  jus  pertinere  Vtdetur.  doTom- 

ElRey  Dom  Fernando  de  Leaõ  em  huma  eferitura ,  que  y0gave\ 
refere  nos  feusAnnaes  Frey  Angelo  Manrique,  feytana-  tadoEc- 
quella  Cidade  em22.de  Agofto  de  1175-  faz  doação  àquel  clefiaftiz 
la  Cafa  de  N.  Senhora,  &aoAbbade  delia  Dom  Hugo,  eca^« 
companhia  da  Rainha  Dona  Vrraca,  &  de  feu  filho  Dom  Af- 
I    Tom,  III.  L  fonfo 


*6i  Santuário  Mariano 

fonfo  ,  do  lugar  da  Torre  de  Aguiar,  &da  Granja  de  rio 
Chicho ;  &  ifto  também  por  fer  fundação  de  feu  fogro  ElRey 
DomAffbnfo  Henriquez.  No  feguintesnno  de  1176.  lhe 
fez  o  mefmo  Rey  Dom  Fernando  (eflando  emCiudad  Ro- 
drigo) doaçaô  da  Pefqueyra  da  foz  de  Aguiar ,  fendo  ainda 
Abbade  o  mefmo  Dom  Hugo.  Outras  doaçoensmais  fe  re- 
ferem, aflimdeíleRey,comode  feu  filho  D.  AfFonfoo  Nono, 
por  onde  fevé  a  grande  devoção  que  eíles  Príncipes  tinhaõ 
àquella  Sagrada  Imagem  da  Senhora.  Noreynado  deite  D. 
AfFonfooNonode  Leaõ,fez  também  doaçaõ  a  noíTa  Senho- 
ra hum  Fcrnaô  Ponce ,  &  fua  mulher  D-  Maria  Annes,das 
vinhas  que  tinhaõ  no  lugar  deSamChriflovaõ. 

A  Senhora  eflá  collocada  no  Altar  mór  em  huma  tri- 
buna }  como  Senhora  ,  &  Padroeyra  que  hc  daquelía  Cafa.  O 
nome  com  que  he  invocada ,  &  fervida ,  he  o  de  fua  Affump- 
Çaõ;  tem  de  eftatura  cinco  palmos ;  hoje  fe  vé  veflida ,  ( fem 
embargo  de  fer  de  efeultura ,  &  eílofada,)  a  matéria  de  que  he 
formada  he  páo ,  &  tem tam grande  antiguidade,  que  nam 
confta  nada  da  fua  origem, nem  fehe ainda  mais  antiga  que 
o  Convento. E  eu  me  perfuado,havia  naquellc  lugar  da  Tor- 
re de  Aguiar  alguma  Ermida,  em  que  efta  Senhora  era  vene- 
rada ,  &  bufeada  pelas  fuás  maravilhas  y  &  que  para  que  fof- 
fe  melhor  fervida,fundou  alli  ElRey  o  Convento,entregan- 
do-oaos  Padres  de  Sam  Bernardo  ,  fiando  das  grandes  vir- 
tudesernque  reíplandeciaôjCuydaílem  muytodoculto,  & 
veneração  da  Santa  Imagem.  Ocobrirem-nacom  veflidos, 
foy  também  para  oceultar  algumas  faltas,  que  o  tempo  tinha 
caufado  na  Santa  Imagem.  O  roflo,  que  he  fermofiífimo,  ef- 
tá  tam  bcllo ,  &  frefeo,  que  parece  fer  encarnado  de  pouco 
tempo,  fendo  que  naõ  ha  memoria,  quefoffe  nunca  encar- 
nado. Naõ  tem  Menino  ,  eflá  com  as  mios  levantadas ,  na 
forma  que  fe  coíhimaõ  pintar ,  <k  obrar  as  Imagés  deíle  myf- 
terio,&oque  reprefentao  titulo  da  Aífumpçaõ.  Os  mora- 
dores de  Caftcllo  Rodrigo  apregoaõ,  que  a  Senhora  dera 

vitoria 


Livro  II.  Titulo  VI.  i  fg 

vitoria  aos  noffos  Portugueses  contra  os  CaíMhanos, 
quando  foraõ  a  combater  a  Villa,  &  que  mtiytos  dosCaiíe- 
lhanos  confeíTáraõ  a  viraô  na  vanguarda  dos  noíTos  ,  quando 
hiaôcmfegnimento  do  Duque  de  Offun.i.  E  nefte  dia  do  fuc- 
ceifo feftejaô  a  Senhora,  &  vayàíua  Cafa  a  Villa  com  ofeu 
termciricm  romaria,  a  darlhe  as  graças  por  tam  grande  vito- 
ria. Efçrevem  da  Senhora  de  Aguiar  a  Monarchia  Luíitana 
part5.liv.17.cap.32  Fr.  António  de  Ycpisadannum  985. 
Manriquc  ad  annum  1 175.  cap.  4.  num.  7. 


TITULO     VI. 

7)4  antiga,  tff  múagrofa  Imagem  de  N.  Senhor  d  do  2V 
reiro*  ou^ítmo. 

EM  pouca  diííancia  da  Villa  de  Caftello  Rodrigo ,  em  a 
Comarca  de  Riba  Coa  , fe  venera  hua  devotiffima  Ima- 
gem da  Mãyde  Dcos ,cm  hum  grande  ,  &  fermofo  Templo, 
fuppofto  que  muy to  antigo  ,  o  que  fe  reconhece  de  fua  fabri- 
ca. Intitulafe  efla  milagroíiffrma  Imagem  com  a  invocação 
de  N-  Senhora  do  Poreyro^cu  do  Pereyro,como  lhechamaõ 
os  habitadores  daquelles  contornos;  ou  também  das  Santas 
Relíquias,  como  diz  o  Padre  António  de  Vafconceilos.  He 
eíla  Sagrada  Imagem  de  tanta  antiguidade,  que  naõ  fabem 
os  moradores  dizer  (&  ainda  os  de  mayor  capacidade)  mais 
quefer  antiquiílima ,  &que  nos  tempos  antigos  havia  na- 
quellc  fitio  huma  povoação  ,  que íe  arruinara  , fem  poderem 
atinar  com  a  caufa  ;  que  fe  ccnje&ura  feria  alguma  das  gran- 
des peftes ,  que  ouve  nefíc  Reyno,  cemo  foy  a  do  anno  de 
U95.  rcynando  neíkReyno  Dom  Sancho  oPrirreyro;  & 
que  os  moradores  fe  recolherão  a  huma  Villa  Hrrusda,aquc 
chamaô  hoje  as  Cinco  Viilas.  Efla  Villa  intitulada  cem  o  no- 
me de  Cinco  ,fica  pouco  difbnte  do  Templo  da  Senhora ,  & 

h  z  feri 


i<$4  Santuário  Mariano 

fera  pouco  mais  de  hum  tiro  de  moíquete  para  a  parte  do  Sul. 
E  vem  a  feros  moradores  defta  Villa  (a  que  fe ajuntarão  os 
do  antigo  Poreyro)  freguezes  todos  da  Senhora,  cuja  Igre- 
ja (que  hw  Muriz  ,  &Parochial)  heda  Ordem  de  Chrifto, 
aonde  a  mefma  Ordem  a preíenta  Vigário.  Eatéosmefmos 
Parochos  naô  fabem  dizer  mais  da  antiguidade ,  &  origem 
defta  Senhora  ,que  chamarfe  aquella  Caía  nos  livros  ,'8*  ef- 
tatutosdaOrdemde  Chrifto  Santa  Maria  do  Poreyro,  das 
mais  antigas  de  CincoVilhs  de  Reygada:affim  confta  da  De: 
finiçaõ  da  Ordem. 

O  Padre  António  deVafconcelíos  na  fua  defcripçaõ  do 
Rcynode  Portugal  diz  que  aílim  efta  Santa  Imagem ,  como 
as  Relíquias  ,  que  fe  venetaô  na  fua  Cafa, foraõ  defeubertas 
no  mefmo  lugar ,  &  defenterradas ;  porque  os  Chriftãos  as 
efeondéraõ  nelle  >  para  que  naõfoífcm  ultrajadas  dos  Mou- 
ros ,  quando  entrando  por  Efpanha,  vieraõ  áquellas  terras; 
mas  naõ  diz  o  Padre,  em  que  tempo  a  Senhora  foy  deícuber- 
ta,  nem  o  modo;  que  feria  fem  duvida  por  alguma  rev  elação, 
que  a  Senhora  faria. 

Junto  a  efta  Igreja  da  Senhora  fica  outra  em  diftancia 
de  fetenta  paíTos,  também  para  a  parte  do  Sul,  dedicada  a  Saõ 
juhaõ,  &he  tradição  ,  que  efta  Igreja  era  a  Matriz  daquel- 
Ja  povoação  do  Poreiro ,  que  ja  não  he  ,  mas  moftra  que  de- 
via fer  povo  grande ,  &  populofo.  Efta  Igreja  de  Saõ  Julião, 
também  he  grande,  &  moftra  muyta  antiguidade.  He  íagra- 
da,  &  o  Altar  mór?  que  he  vaiado,  &  fe  anda  em  roda  ,  he  cu- 
berto  com  huma  muyto  grande  pedra  ,  que  lhe  ferve  de  Ara, 
por  fer  também  fagrada,  &fem  duvida  na  mefmaoccaíiaõ, 
cm  que  o  foy  a  Igreja. No  mefmo  Altar  fe  vé  hum  vaõ ,  como 
slmario  com  portas  fechado  .aonde  feconlervac  algumas  Re- 
líquias de  grande  veneração  ,  as  qua  es  fe  moífrap  tres  vezes 
noannoao  povo,  que  concorre  em  grande  numero  avene- 
railas;  he  também  efta  Igreja  da  rncfma  Ordem  de  Chrifto. 

A  Igreja  da  Senhora  affirrnaõ  alguns  ícr  tradição  conf- 

r  tante 


Livro  II.  Titulo  VIL  1 6$ 

tante  fora  Convento  cie  Tcmpíarios  ;  &  podia  bem  fer,  que 
affimfoíTc,  avilta  deferem  hoje  da  Ordem  deChrifto  côas 
Igrejas, a  qual  poffue  a  mayor  parte  das  Comendas,  &  rendas 
que  poííuhiaõ  antigamente  os  Cavaileiros  Templários.  A 
Senhora  eílá  collocada  no  Altar  mayor  fobre  huma  peanha. 
He  de  efeultura  demadeyra,  tem  ao  Divino  Infante  Jeíus 
(catado  no  braço  efquerdo,  &  hoje  íe  vé  aílim  a  Senhora,co- 
mo  o  Menino  adornados  de  vefridos,  &  com  coroas  de  pra- 
ta na  cabeça  ;  a  fua  eiiarura  he  de  cinco  para  leis  palmos.  A 
Senhora  tem  na  maô  direy  ta  hum  pomo,  que  deve aliudir  ao 
titulo  de  Pereyro  ,que  oferece  ao  Santififimo  Menino.  Sem- 
pre concorrerão  aquelle  s  poves  comgrádc  devoção  a  vene- 
rar a  efla  Senhora,  &  a  efícrecerlhe  as  fuás  ofertas»  E  quan- 
do nas  neceflidades  publicas  ha  falta  de  agua,  ou  de  Sol,  en- 
tão vaõcom  prociífoês  ,  a  pedirlhe  o  de  que  neccflitão,  & 
por  muytas  vezes  fe  tem  experimentado  logo  os  favores  do 
Ceo,  no  que  pediaõ.  Fazem  menção  da  Senhora  doPoreiro, 
ou  Pereiro,  Faria  na  fua  Europa,  &  a  nomea  entre  os  Santuá- 
rios particulares  deite  Reyno  tom.  5.  pag-  ?.num.  16.  &  de 
Caftcllo  Rodrigo,  cm  rela  çoens  que  nos  inviáraõ ,  o  Dou- 
tor Gafpar  Leitaõ  de  Affonfeca  ,  &  o  Licenciado  Franciíco 
Monteyro,  Vigário  de  VillarTorpin.Tãbem  faz  delia  men- 
fa&  o  Padre  Vafconcellos  na  fua  defcripçaõ  do  Reyno  de 
Portugal  pag.  539.  num.  16. 


TITULO     VIL 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  do  Campo ,  da  Filia  de 
Mmendra* 

HE  Maria  Santiílíma  hum  Campo  foberano,&  quaíi  Di- 
vino ,  &  tam  dilatado ,  que  o  naõ  pòdc  eomprehender 
nenhum  outro  lugar }  como  difíe  André  Hierofolymitano, 
Tom*  III,  £  5  Jger 


1 66  Santuário  Mariana 

jéndre  Agtr  âwpliffvflus  Dei ,  quem  nullus  attus  locus  comprehendt* 
fíierof  repiytuit.  Aonde  naõ  íb  fuílenta  com  os  frutos  da  fua  inter- 
°™e- in  eeiFaã  aos  pcccadores ;  mas  os  recolhe ,  defende  ,  &  aropa- 
AnTel    ra'  Mas  advirtaõ  effes  pcccadores  transformados  em  irra* 
*  '    cionaes  por  fua  obftinaçaõ ,  &  malícia  ,  que  he  também  Ma- 
ri&aquelk grande  Campo  da  Ilha  do  Sol,  aonde  naõ  pode  vi- 
ve? nenhum  irracional;porquc  acaba,  &  morre  infelizmen* 
te  ,  fe  piza  o  feu  terreno.  Pelo  delido  original  lamentava  lá 
David  que  fe  transformou  em  bruto  o  racional.  E  fomente 
pode  Maria  chamarfe  Ilha  do  Sol ,  pois  nafceo  no  ftu  huma- 
no território,  parailluminar  ao  mundo,  fcnefta  Iíha  de  ra- 
yos  naõ  vivem  irracienaes ;  porque  bafla  que  fejaõ  huma 
reprefentaçaõdoprimcyro  deIiâo,para  quenaõvivãore- 
prefentações,  aonde  nunca  chegarão  as  verdades.Cheguem 
pois  os  peccadores  por  contrição  aeftc  Campo,  porque  a* 
charáô  a  luz  para  deííerrar  de  feus  corações  a  irracionalida- 
de da  cul  pa  ,  &  a  vida  com  a  graça  ,  que  os  fantifique. 

Meya  legoa  da  Villa  de  Almendra  (cm  a  mefma  Comar- 
ca de  Riba  Coa  )  para  a  parte  do  Nafccnte,  fe  vé  huma  Ermi- 
da dedicada  à  May  de  Deos,  dcbayxo  do  titulo  de  N.  Senho- 
ra do  Campo.  Eftácíte  Santuário  fituado  cm  hum  campo, 
difUnte,  pouco  mais  de  hum  tiro  de  pedra,da  Ribeyra  de  A* 
guiar,  &  quaíi  fronteyro  a  huma  fermofa  ponte  de  cantaria, 
da  mefma  ribeyra  ,  que  vay  a  defaguar  no  rio  Douro, que  lhe 
ficaemdiftancia  de  hum  quarto  de  legoa.  Nefta  Ermida,  & 
Santuário  fe  venera  huma  milagroíiffima  Imagem  da  Rainha 
dos  Anjos,  com  o  titulo  do  Caropo,&  de  taõ  grande  antigui- 
dade, que  fe  lhe  naõ  fabe  a  origem.  Por  mey  o  defta  Santíífi- 
ma  imagem  obra  Deos  infinitos  milagres ,  &  affim  concorre 
àquella  fua  Cafa  innumeravel  gente  de  todos  aqueiles  povos 
eircumvizinhos  ,  &  todos  achaõ  na  clemência  da  Mãy  de 
Deos ,  remédio  em  todos  os  feits  trabalhos ,  &  alivio  em  to» 
das  as  fúas  penas,  atribulações. 

Heeíia  milagrofa  Imagem  pequenina  na  eflatura,  por- 
que 


I 


Livro  II.  Titula  VIL  %fy 

que naõ partará  de dous palmos,  temeyo;  he  deefcultura 
de  madeyra ,  tem  o  Menino  J ESUS  nos  braços,  &  taô  chega  - 
do  a  íi,  que  adornando  a  Senhora  com  vefí idos ,  pela  grande 
veaeraçaõ  com  que  a  fervem  ,  fe  não  vé  o  foberano  Infante; 
mais  que  a  cabeça  ,  &  os  dedos  de  huma  das  mãos.  Dos  prin- 
cípios defta  Sagrada  Imagem,  &  de  fua  milagrofa  origem  \  fc 
naõ  fabedizernada  , nem  pela  mefma  tradição  fabem  refe- 
rir os  que  alli  vivem  couía  algua ,  nem  fe  appareceo  naquel- 
1c  campo  ,  de  que  fe  lhe  impoz  o  nome.  Tam  antiga  he  ,  que 
nem  tradições  delia  ha ,  nemíc  fabe  ,  fe  lhe  foy  impoílo  o  ti- 
tulo por  efpecial  devoção  de  algum  devoto,  que  lhe  edificaf- 
fe  a  Ermida.  Porémamimfemereprefcnta,  que  a  Senhora 
fc  manifefiou  naquelle  íitio  ,  ou  campo ,  &  que  as  maravilhas 
quelogocomeçaria  a  obrar  cmfeu  apparecimento,  feriaõa 
caufa  de  fe  lhe  dar  o  titulo ,  &  de  fc  lhe  edificar  a  Caía ;  &  co- 
mo a  gente  daquellas  partes  naõ  at  tende  muy  to  a  cilas  me- 
morias ,  he  fácil  o  extinguirfe  nas  memorias  delia  os  princí- 
pios de  fua  origem.  O  apparecet  naqucllas  partes/)  dá  a  en- 
tender a  antiguidade  da  Santa  Imagem ,  fua  forma ,  &  a  pe- 
quenhez  j&  pôde  bem  fer  foífe  efeondida  em  alguma  brenha 
ou  gruta  pelos  Chriftãos,  quando  fugiaõ  dos  Mouros,  &  ap- 
parecer  no  campo;  &  o  edificar-felhe  Cafa  em  o  campo ,  feria 
por  fer  íitio  mais  accommodado;&as  maravilhas  que  ainda 
ao  prefente  obra  faõ  as  teíiemunhas  mais  abonadas  deífas 
conjedíuras  que  fazemos.  Ebem  poderia  fer  que  em  a  fua 
manifeftaçaõ  (dado  que  alli  quizapparecer)ouveíTem  muy- 
tos  prodígios ,  &quemoílraria  comdles  que  naquelle  íitio,* 
&  lugar  queria  fer  fervida,  &  louvada. 


L  4  TITULO 


1 6  3  Santuário  Mariano 


TITULO     VIII. 

%)a  milagrofa  Imagem  de  nrjfx  Senhora  deMonfoYte  no 
termo  ck^inkd. 

NO  termo  da  Villa  de  Pinhel  ,mas  no  defirúfto  do  Bifpa- 
do  de  Lamego,  de  que  agora  falíamos,  &  em  taõ  pouca 
diftancia  do  rio  Coa,que  naõ  hc  mais  que  hum  tiro  de  pedra, 
fe  vé  huma  antiga  Ermida ,  mas  muyto  grande  ,  &  capaz  dç 
muyta  gente  que  a  ella  concorre.  Fica  efte  Templo  para  a 
parte  do  Occidente,  &  o  rio  Coa  ao  N^fcente>em  hum  ermo, 
&  íitio  fohtario,diftante  do  povoado  huma  legoa.  Neila  Er- 
mida fe  venera  huma  devotiíTíma  Imagem  da  Rainha  dos 
Anjos ,com  o  titulo  de  noíTa  Senhora  de  Monforte ,  pela  qual 
obra  Dcos  infinitas  maravilhas,  &  milagres,  &  aflim  hea  fua 
Caía,  &  Santuário  muyto  frequentado  dos  moradores  de  to-í 
dosaquclles  povos  circumvizinhos ,  que  achaõ  na  fé  com 
que  a  mvocaõ ,  os  defpachos  de  todas  as  fuás  petições.  Efía 
Sagrada  Imagem  he  antiquiffima ,  &  por  eífa  caufa  naõ  fabem 
dizer  os  moradores  daquclles  lugares  vizinhos  coufa  algu- 
ma de  fua  antiguidade  ,  &  origem ;  &  como  he  gente  que  cui- 
da lo  do  feu  trabalho,  ôc  naõ  ha  nella  a  policia  que  fe  acha  nas 
grandes  povoações,  naõ  he  muyto,  que  ignore  eftas  maté- 
rias- Demais  que  ha  alguns  CommiiTarios ,  aos  quaes  reco- 
mendandofclhcsefías  diligencias,  como  naõ  acháraõ  logo 
clartzi  do  que  pediaõ  ,  fecharão  a  fua  inquirição  com  dizer, 
naõ  ha  nada ,  nem  tradições  do  que  fe  pergunta  \  &  como  ef- 
tas terras  ficaõtamdiftantes,  naõ  pode  quem  efereve  exa- 
minar per  fi  mcfmo  eífos  verdades  ,  &  affim omefmo  fe  expe- 
rimentou nas  noticias  do  titulo  paífado. 

Fica  efla  Ermida  ,  &  Santuário  da  Senhora,  na  Fregue- 
íiadeS.  Miguel  do  Colmeal  ,  &  hc  annexaà  Parochia  do  lu- 
gar de  Pcnna  de  Águia ,  ou  Penha  de  Águia.  Para  a  parte  do 

Meyo 


Livro  II.  Titulo  VIII.  1 6$ 

Meyo  dia  da  me  ima  Caiada  Senhora  ,  levem  ainda  hoje  em 
hnmtezo  ,  humas  ruinas,&  pedaços  de  mu  ralhas  cie  canta- 
ria ,  que  fe  diz  fora  antigamente  Caítello,  ou  fortaleza,  5* 
como  ficavaíuuadoemalto  Jhe chama vaô  Monforte  ,ouo 
Monte  do  forte,  comq  vulgarmente  k  chamaõ  may to?  Caf- 
tellos,  &  fortalezas,  queeílaõcm  os  recintos  das  Praças 
glandes;  &  dizem  que  defie  forte  tomara  a  Senhora  o  titulo. 
Não fabem dizer,  (ou quem eflava  empenhado  emfazeref- 
ta  diligencia,  naõ  foube  bem  inquirir )  (e  efte  Caílello ,  por 
muy to  antigo  Joy  dos  Mouros ,  ou  dos  Chriílãos  Godos. 
Tambemhaveria  naquelicfítio  algíía  grande  povoação, que 
os  Mouros  deílruíriaõ  ,  porque  eíles  fó  em  aííòlar  ,&  em  def- 
truirfeoccupavaõ  5  ou  as  guerras  com  outros  inimigos  a 
deílruíriaõ,  de  que  ha  tantos  veiligios  ,  &ruinasde  gran- 
des povoações.  E  também  a  peite, porque  na  grande  ejue  pa- 
deceoeile  Re}  no  em  tempo  de  Sancho  o  Primeyro  ,  fica- 
rão muytas  povoações  grandes  ,  totalmente  ermas,  &  deícr* 
tas. 

Com  qualquer  deílas  chufas  fe  perderiaõ  as  noticias, 
memoria*;,  &  tradições,  affim  dapovoaçâõ  de  Monforte, 
como  da  origem,&  antiguidade  da  Senhora.  E  como  no  meyo 
deíles  trabalhos  ,&  ruinas  confervou  fempre  Deos  a  Gafa 
de  fua  Santiffima  May,  daqui  me  per fuado,  fer  mais  notável, 
&  prodigiofa  a  fua  origem,  tendo  por  coufaindubitavel;que 
cila  Sagrada  Imagem  era  ja  venerada  cm  tempo  dos  Godos, 
&que  entrando  os  Mouros  em  Portugal  a  efeonderinõ  os 
Chriílãos, &querecuperandoíedepoiseílas  terras  ,expul- 
iando delias  os  Mouros,  a  roanifcflaría  Deos  com  algus  pro- 
dígios ,  &  maravilhas, que  para  nos  faõ  hoje  oceultas,  pelas 
encubrir  o  tempo  com  o  decurfo  dos  muytos  annos.  Em 
feus  princípios  feriaõ  muytos ,  &  grandes  os  milagres ,  qnc 
a  Senhora  obraria  ;  porque  ainda  aoprefente  os  obra  o  Se- 
nhor pelos  merecimentos,  &  intcrcefTàõ de  fua  Santiffima 
Mãy«  E  antigamente  erão  muytas  as  mortalhas,  &  outros 

finaes 


tyo  Santuário  Alariam 

íinaes  de  cera ,  que  tefttmunhavãoeftas  maravilhas  \  deque 
os  Ermitães  fe  aproveytavr  o  ,  ou  para  os  feus  ufos ,  cu  pa- 
ra o  ferviço  da  Igreja  da  Senhora. 

He*cfta  Sagrada  Imagem  de  dous  palmos,  &meyo  de 
cfíatura,&he  deveílidos  *  fraflim  parece  de  roca;  porque 
temnosíeus  braços  ao  Menino  Deos,  ao  qual  tiraô  dclles 
cada  vez  que  querem,  &fcm  duvida  para  o  levarem  aos  en- 
fermos ,  comcujâs  vifitas  faõ  recreados  ,  &  livres  de  todos 
os  feus  achaques.  Os  moradores  de  Pinhel ,  &deOfiello 
Rodrigo  tem  grande  devoçam  com  efta  Senhora  ,  &  fre- 
quentam muy  to  a  fua  Cafa.  Não  me  confiou  o  dia  cm  que 
fe  fefteja.  Eftas  poucas  noticias,  &  breves  nos  deu  António 
Garcés  de  Affonfeca,  peffoa  principal  da  Villa  deCaftcllo 
Rodrigo. 

O  que  agora  a  mim  fe  me  reprefenta,  he,que  efta  povoa- 
çamde  Monforte  fe  devia  dcftruir  no  tempo  das  guerras 
que  teve  ElRey  Dom  Sancho  o  Segundo  com  fcuIrmãoD. 
ÁffonfooTerceyro;&  pode  bem  fer  que  aflíím  como  no  tem- 
po delRcy  Dom  Dinis  leváraõ ,  com  licença  fua  ,  da  antiga 
Parochia  de  Monforte,  os  moradores  de  Pinhel  a  mitagrofâ 
Imagem  da  Senhora  doCaftello  \  também  levariaô  da  mef- 
mamaneyra  os  moradores  da  Frcguefía  de  Sam  Miguel  do 
Colmeal  a  Senhora ,  que  hoje  veneraõ  no  deftriíto  da  fua 
Freguefia ,  que  pela  trazerem  de  Monforte  ,  &  lhe  nam  fabe- 
rem  a  invocação  que  tinha,  lhedérão  o  titulo  do  lugar  cm 
que  efta  va.  E  o  edificarfelhe  a  Ermida  em  lugar  folitario,pó» 
de  fer  foífe  \  que  a  Senhora  nam  quereria  paífar  daquelle  lu- 
gar ,  &  por  iíTo  naquella  folidão  lhe  edificarão  a  Cafa  à  vifta 
da  maravilha.  O  que  podia  fueceder. 


TITULO 


Livro  II.  Titulo  IX.  171 


TITULO     IX. 

%)amílaçrf>fa  Imagem  de  N* Senhora  da  Ribeyra  ,  Convento 
de  Reltgiofas  Terceyras ,  no  termo  de  Cernancelbe 
T>ifpãdo  de  Lamego. 

O  Padre  Meílrc  Fr,  Fernando  da  Soledade  na  fua  ^.part. 
da  Hiftoría  Seraphica  >  chegando  a  tratar  dos  princí- 
pios da  Cafa  da  Senhora  da  Ribeyra  ,  &da  origem  da  mila- 
grofa  Imagem  da  Senhora  ,  que  lhe  deu  o  titulo,  diz  que  en- 
trava emhumlabyrintodeefcuridades;  porque  naõ  achava 
papel,  que  inteyramente  relataííè  o  que  defeja  va  faber ,  nem 
o  Breve  da  fua  fundação ;  &  que  fe  hum  incêndio  que  pade- 
ccoo  Convento  o  naõ  reduzio  a  cinzas  ,  entenderia  que  to- 
dos os  defeuidos  naquelle  particular  tomavaõ  por  afyloas 
voracidades do  fogo;  porque  commummente  fe  ouvem  fe- 
melhantes  defculpas  >  &  íaõ  boas }  porque  para  cilas  naõ  ha 
replica.   Ainda  aílim ,  com  a  fua  exada  diligencia  que  foubc 
interpor  nas  obfcuridades  da  fua  hiftoria,foube  também  com 
a  fua  grande  fabedoria  dar  luz  às  trevas  mais  denfas,  que 
nella  encontrava ,  moftrandonolas  taô  claras,  como  a  luz  do 
m:yo  dia.  E  affim  diz  ellefobre o  que  )a  haviaõefcrito  Jor- 
ge Cardofo  no  feu  Agiologio  Luíitano ,  &  o  Venerável  Pa- 
dre Fr.  ManoeldaEfperançana2.  parte  da  fuaHiíloria  Se- 
raphica y  o  que  agora  diremos. 

Eftá  fundado  o  Mofteyro  da  Senhora  da  Ribeyra  em 
hum  valle  do  Bifpado  de  Lamego  ,  na  Comarca  de  Pinhel,  Sc 
no  termo  da  Villa  de  Cernancelhe  y  que  fendo  das  vtm$  pró- 
ximas ,  fe  aparta  delle  diífancia  de  meya  h  goa  ,  &  ncíle  mef- 
moefpaçofe  vem  outras  três  povoações  ,  queorodt^o  em 
gyro ;  mas  de  longe,  como  rcfpey  tando  a  quietação  daquellc 
lugarconfagCâdoàMageíhdc  Divina. Aífim  o  raol ira  a  mef* 

ma 


i7i  Santuário  Mariam 

ma  vizinhança  da  Caía  ,  que  naõ  coníta  mais ,  que  di  do  feu 
ConfeíTor  ]  &  daquellcs  ferventes,  que  !he  faô  preciíos-Scn- 
doquenaõ  ha  Moíkyro,  ainda  que  muyto  remoto,  a  cuja 
fombra  fenaõtenhaõ  eregidas  grandes  pcvoaçces.  Porém 
haquella  lolcdade,  retirada  do  mundo  inimigo  da  virtude,  fe 
Ioga  õ  com  mais  ftgurança  as  confolações  do  Ceo,  Toda  a 
fua  circunferência  íc  com  põem  de  montes,  huns  calvos,  & 
coalhados  de  pedras ,  outros  revefíidos  de  plantas ,  de  cuja 
variedade  o  Author  da  natureza  vay  compondo  a  notável 
ftrmofura  do  Univerfo. 

Na  decida  do  monte'  de  Cernancclhe  faz  aíícnto  huma 
fermoía  área  de  terra  ,  fértil  com  a  fuftancia  de  duas  peren- 
nes  fontes ,  &  taõ  proporcionada  para  edifícios ,  que  parece 
eílava  de  antes  annunciando  a  fortuna,  que  havia  de  lograr, 
fendoapofentadoradaEmperatrizda  gloria.  Deite  mefmo 
íitiofenhorca,poftradaafeus  pés,a corrente impetuofa  do 
Távora,  m-isil!uflre  pelas  façanhas ,  que  nellc  obráraõos 
Authores  deite  appellido  em  defenfa  da  Pátria ,  q  pela  copia 
das  ondas,  &  profundidade  das  aguas.  Nafceefte  em  huma 
fonte  chamada  de  João  Durão,  àvifta  dos  muros  deTran- 
cofo. 

Havia  nefle  lugar  huma  Ermida,dedicada  â  Rainha  dos 
Anjos  ,  que  a  refpeyto  do  Távora,  fechamava  da  Ribeyra, 
&  por  caufa  da  fua  invocação  ,  que  ainda  hoje  feconferva,(e 
nomea  geralmente  noíTa  Senhora  da  Conceição ,  titulo  pri- 
ireyro,  &  o  próprio  daquella  Ermida.  Concorria  de  diverías 
partes  numerofa  gente  a  viíitar  efta  Cafa ,  Offi:ina  de  mara- 
vilhas, &  milagres,  &  particularmente  os  vizinhos  de  Trafi- 
cofo ,  que  fern  repararem  na  diíbncia  docaminho,(  paffa  de 
três  legoas )  todos  os  annos  lhe  hião  fazer  a  fua  feíta.FlRey 
Dom  Duarte  lhe  approvon  efte  lanto  cofiume  ,  &  reveren- 
ciando as  maravilha?",  que  a  Senhora  obrava,  (por  nsõ  fe  es- 
friar o  zelo)  difpcníou  com  es  devotes  na  pregmatica  do 
Reynoj  conceciendolhes ,  que  ncílas  occafiões  pudeffem  ir  a 

cavallo 


Livro  II.  Titulo  IX.  1 73 

cavallo  cm  machos ,  ou  cm  mulas.  Deulhes  efte  privilegio* 
naõ  obflante  afua  publicação  em  a  Viilade  Eííremoz  a  dez 
de  Abril  de  14^6. 

Dos  milagres  antigos  ha  poucas  noticias;  masdeíles, 
&  dos  modernos  referiremos  alguns  mais  adiante  ,  &  agora 
daremos  noticia  dos  princípios  defla  Caía.  Pelos  annos  do 
Nafcimento  de  Chrifio  Senhor  noífo  de  1460  entrarão 
neíta  Ermida ,  p2ra  neila  fazerem  Convento ,  es  Padres  da 
Tcrceyra  Ordem  da  Penitencia \  &  daqui  fe  colhc,que  ja  cík 
Ermida  teria  muytos  annos  de  duração.  E  eira  fera  a  canfa 
de  fe  naõ  faber  nada  ,  nem  da  fua  origem,  nem  dos  Fundado- 
res delia.  E  bem  pode  fer  foífe  a  Senhora  da  Conceição  ap- 
parecida  naquelle  fitio  ,  &  ferem  as  maravilhas  obradas  cm 
fua  manifeftação  a  caufa,  &  motivo  de  fe  lhe  edificar  a- 
quella  Ermida^  &  as  muy  tas  que  fucceífi vãmente  iria  obran- 
do, attrahiria  aosdeTrancofo,  (^ &  de  outras  partes) a  fer- 
villa ,  &  a  celebrar  as  fuás  feftas. 

O  primcyro  motor  defta  fanta  emprefa  foyhumFrey 
Pedro.da  Ameixocyra ,  o  qual  por  fuás  notórias  virtudes  al- 
cançou o  beneplácito  da  Villa  de  Cernancelhe ,  fem  alguma 
repugnância  ;  mas  conforme  os  fueceífos  futuros ,  não  lhe 
fez  doação  livre ,  fe  naõ  condicional ,  &  dependente  da  fua 
vontade,  em  quanto  cila  os  quizeífe  confervar  no  íitioChe- 
gouotempode  osdcfpedir,  &  tomando  poroccafiaõ  a  mor- 
te do  Padre  Frcy  Pedro  da  Ameixoeyra,  a  quem  fe  tinha  fey- 
toocmpreílim9,os  lançarão  do  domicilio.  Efledifcuríofaz 
o  Padre  M.  Fr.  Fernando  contra  o  do  Padre  Gonzaga,  o  qual 
efereveq  hua  parenta  do  referido  Fundador ,  por  lua  morte  Gon*,: 
tomara  poííe  da  Cafa ,  com  pretexto ,  &  titulo  de  herança.  O  P-^1  *• 
que  naõ  podia  fer,  pois  he  infallivel,  que  era  do  Conceiho  a- 
quelle  lugar,  Acodiolhesncílc  trabalho  Frey  joâo,  Cabeça 
de  vaca ,  Frade  humilde  na  profiííaõ  de  leigo ,  mas  conheci- 
do  entre  os  Grandes  da  Corte  ,  o  qual  fabendoque  ElRejr 
Domjoaõ  o  Segundo  hia  em  romaria  a  Saro  Domingos  da 

Quei; 


1 74  Santuário  Mariano 

Queimada,  no  território  de  Lamego  ,  foyàfua  prefença^St 
dandoihe  conta  dafobredita  expulfaô  ,  ordenou  logo  oRcy 
que  fereflitutífe  o  Convento  aos  Religiofos,  como  affim 
RefcrJc  fucccdec  no  me  imo  anno  de  1 48  5.  que  foy  o  da  romaria,co- 
capA9-  ^c011^  dasChrcnicas  defie  Reyno.  Com  taleerteza  fc 
pede  também  emendar  o  Anthor  nomeado,  que  adianta 
efle  fueceflb  doze  annos,  &  o  põem  no  de  1 495*  que  foy  o  da 
morte  daquelle  Príncipe  peçfeyto- 

O^tro  motivo  mais  forçofo  os  lançou  para  fempre  def- 
U  Cafa,admittindoas  Freyras  em  feu  lugar,  pelo  modo  que 
brevemente  referiremos;  masnaõfey  ifionoannode  1500, 
como  eferevem  alguns  por  informações  erradas  ;  porque 
no  anno  de  1514.320.  de  Outubro»  ainda  aqui  efiavam  os 
Frades ,no  qual  dia  (como  confia  de  huma  memoria)  Affonfo 
Gonfalves  mercador  ,Jui^  ordinário  na  V tila  de  Cemance- 
lhe7  à  petição  do  honrado  Frey  Tedro,  mini/Iro  de  Santa  Ma* 
YiadaRibeyra  doTaVora,  mandou  trasladar  em  publico  o 
tpflúmmto  de  MâYtim  Rebello  7  morador  em  o  Gra]al.  Da  rc- 
íidencia  delles  não  temos  outra  memoria.  E  a  primeyra  das 
Freyras  he  do  anno  de  1 527.  &  confia  de  hum  alvará  delRey 
Dom]oãooTerceyro>efcritoem  rp.  de  Mayo,  no  qual  or- 
denava ao  feu  Corregedor  da  Beyra ,  Br  Riba  Coa,  fizeffe  hu- 
mas  partilhas  entre  Álvaro  do  Concho  de  Mello,  &  Sor  Ifa- 
bel  Diss  de  Miranda  ,  Rcligiofa  nefie  Mofleyro.  Correndo 
o  tempo  no  meyo  defias  balizas  infalliveiSjfc  vio  e!le  trãsfi- 
gurado  de  habitação  de  Frades  em  domiciliode  Freyras.  Af- 
inar porem  nefies  treze  annos  intermédios ,  qual  foífe  o  da 
mudança ,  não  he  fácil  3  porque  naõ  fe  acha  documento ,  cm 
que  íc  funde  o  di  feur fo. 

Em  quanto  permanecerão  os  Religiofos  Terceyros 
naqucllc  íitio,íe entende  ferem  dignos  daquelle  nome  por 
fuás  obras  ,  &  o  inferimos  de  hum ,  que  nelle  cítá  fepultado 
c^m  opinião  de  Santo  ,&  dellefallaõ os  livros,  ainda  que 
o  nome  íó  eítá  eferito  nos  Annaes  da  Bemavcnturança.  Foy 

efie 


Livro  II.  Titulo  IX.  1 75- 

efleàViíladeTrancoio  pedir  efmoia  para  o  íuftento  dos 
mais  Frades,  aonde  o  executou  a  morte  no  tributo  ordiná- 
rio da  vida-  Faicceo  no  Hcfpital  defeonhecido  da  gente,co- 
mo  fuecede  a  todos  os  pobres ;  &  nam  confiando  fe  era  deíle 
Convento ,  ou  dos  de  Villarcs ,  &  Caria ,  para  nelles  lhe  fer 
dada  fepultura,  tomarão  tal  conírança  norefp!andor,queex- 
halou  na  hora  da  morte  a  tocha  da  fua  virtude/jue  deyxáraõ 
eflccafoàdifpofiçaõ  da  Providencia  dcDeos.  Refolvéraõ 
que  fepuzefle  o  cadáver  fobrehumabefta,  que  dia  movida 
de  fuperior  difpofíção  oconduziria  a  feu  próprio  domicilio* 
Foy  notável  a  refolução,  &  fuperior  a  fé  ;  mas  femelhante  a 
maravilha.  Caminhou  o  bruto,  feguíndo-o  de  longe  hum 
homem ,  para  ver  c  fim  do  fueceflo ,  &  chegando  à  Igreja  da- 
quelle  Convento-»  depois  d,e  fubidos  os  três  degráos,  que 
a  porta  tinha ,  dirigio  os  paflbs  ao  Altar  de  Sam  Francifco, 
aonde  fe  poftrou  por  terra ,  &  perííítio  comamefmafumif- 
fao  j  em  quanto  a  não  aliviavão  daquclla  carga  preciofa. 
Naõ  faltarão  depois  milagres,  quefizeraõ  muyto  ílíuftre 
fua  venerável  lembrança ;  mas  a  dos  homens  foy  tão  negli- 
gente ,que  hoje  eftão  fepultados  todos  ,como  outros  muy- 
tos  dignos  de  eterna  recordação. 

Quanto  à  fucceíTaõ ,  &  entrada  das  Rcligiofas  naquella 
Cafa,  &  prerogativas  da  fua  Fundadora,  he  de  faber  que  deu 
motivo  âquella  grande  mudança  D.  Maria  Pereyra,  cujo 
nome  illuílrado  do  refplandor  da  nobreza,  fera  fempre  glo- 
riofo  pela  multidão  das  filhas  de  feu  efpirito ,  que  íervirão, 
&fervemaDeosnaquelle  Sagrado  lugar-  Eíiaõ  conffantes  Frl 
(diz  oChronifla  Seraphico)  todas  asnoíías  memorias  em  Ftml 
fer  cila  parenta  muyto  chegada  dos  Condes  da  Feyra;  &pof-  **}*p2 
to  que  não  achemos  feu  nome  eferito  cm  algum  Nobiliário  daHtfti 
antigo  ,ou  moderno  ,  naõ  pode  efta  falta  perfuadirnos  con  ffr4^' 
traaquelia evidencia;  porque  nem  tudo  fedefcobre  nelles.  '  ,2m    ,. 
Mas  o  dizerem  huns,que  foy  natural  da  mefma  Villa  da  Fey-    ^    -' 
ra ,  &  outros,que  alentada  com  o  favor  dos  íobreditos  fidal- 
gos^ 


1 76  Santuário  Mariano 

gos,  tomara  por  força  o  Convento  aos  Frades  ,faocoufas, 
quenaõ  merecem  approvaçaô.  Fundafe  a  noífa  difficuldade 
(dizomefmoChroniíta)naõfónadiílanciaquevayda  Fey- 
ra  a  Cernancdhe,  mas  em  não  fer  efhterra  dominada  da- 
queiles  Senhores;  porque  fe  o  fora,  neftecafo  podíamos  in- 
ferir ,  que  o  feu  poder  era  o  arbitrio  da  referida  cxpulfa  :  & 
de  outra  forte  naôha  fundamento ,  que  o  perfuada ,  mayor- 
mentennõ  precedendo  expedição  alguma  de  letras  Apoílo- 
licas  ,  decreto  Real ,  ou  ordem  fupenor  da  Religião,  que  to- 
Biaífem  por  motivo  do  feu  empenho- 

Também  não  heconfequencia  ,que  porella  fer  da  gera- 
ção dos  Pereiras ,  teria  o  nafeimento,  &  habitação  na  terra 
do  feu  folar;  porque  muytas  famílias  ncbiliflimas,quedel- 
le  íc  diriváraõ ,  eítavão  ja  repartidas  por  outras  terras  do 
Reyno.Na Villa  de  Cernancelhe  floreciaô  ncfte  tempo, com 
grande  reputaçaõ,osdeftemefmoappellido,cujas  filhas  (pa- 
rentas da  Fundadora)  ellarecolheocomfígo  na  povoação  do 
Mofte  yro  :  &  poucos  annos  depois,  Fedro  Abes  (pereirafí- 
dalgo  da  Cafa  de  Sua  Mageflade,  &  morador  em  Cernancelhe 
(dizhumaefcritura)/0j//>m«r^r  em  hum  negocio  grave 
defua  irmaa  2).  Ifabel  Tereyra  Abbadeca  do  Couto,  &fegun- 
dado  nome ,  aonde  tinha  duas  filhas,  que  foram  Reltgiofas* 
Pelo  que  entendemos  que  naõ  pôde  haver  duvida  em  fer  D. 
Maria  Pereira  natural  da  mefma  Villa. 

Era  efta  D.  Maria  ,  virtuofa ,  inclinada  ao  ferviço  de 
Deos ,  mas  vivia  diífaboreada  com  os  embaraços  do  mundo, 
que  ordinariamente  impedem  os  defafogos  do  efpirito.  E 
vendo  pelo  numero  dos  annos  ,  que  era  muyto  breve  o  com- 
putodos  feus  dias  jdefejava  recolherfe  ao  fagrado  dealgua 
Religisõ»  aonde  gozafTe  livremente  o  effey to  daquelles  fan- 
tosimpulfoSj&tiveíTecompanheyras,  que  perpetuaífem  os 
louvores  da  Mageftade  eterna.  Tinha  o  coração  inclinado  a 
e  ff  a  Caía  da  milagrofa  Senhora  da  Ribeyra,  não  fó  pelas  fuás 
muytas  maravilhas;  mas  por  eflar  em  folcdade,  retirada  do 

comer- 


Livro  II.  Titulo  IX.  i  ?f 

comercio  das  gcntes,&  tambcm  por  fc  haver  crcâdo  aos  pey- 
tos  da  fua  devoção ,  &  cerrando  os  olhos  a  todos  osobftacu- 
los  ,  que  lhe  podiaõ  fervir  deeflorvo ,  lançou  delia  os  Pa- 
dres» Primeyramentcnegoceoueítefeu  intento  com  o  Ceo, 
por  meyo  da  oraçaõ  ,&  depois  que  prefumio  fer  do  agrado 
de  Dcos,  interpoza  authoridade  de  fcus  parentes ,  que  eraõ 
os  principaes ,  &  pederofos  na  Villa.  Como  elks lucravam 
muy  tas  conveniencias,tendo  nefte  Mofteyro  domicilio  para 
fuás  filhas,  &  defeendentes,  não  euftou  muy  to  fazerem  pró- 
pria a  caufa ,  &  fahirem  a  luz  com  o  feu  intento» 

Taes  faõ  as  forças  da  commodidade ,  &  taes  as  confe- 
quenciasdointereífe.  He  verdade  que  os  Religioíbs  eram 
poucos ,  nem  tinhaô  Convento  perfeyto  ,  &  o  que  mais  he, 
padeciaõ  muy  ta  falta  do  neceífario  à  confervaçaô  da  vida,  8ç 
por  eílas  caufas  juntas ,  com  fer  de  cmpreftimo  o  lugar,  nam 
lhes  moftrarião  grande  reíiftencia  ,  &  podião  eftar  ja notifi- 
cados pelos  do  governo  da  Villa,  para  qdefpejaffem  o  fitio 
que  naõ  era  feu  ,  &  affim  fahindo  da  Cafa  disfarçarão  o  fenti- 
mento,  que  ao  depois  declararão  grande  na  queyxa  que  fíze- 
raô  a  ElRey  Dom  João  o  Segundo  em  fua  prefença :  defta 
maneyra  fe  conciliaõ  os  Authores  Gonzaga  ,  &  Cardofo; 
porque  hum  delles  affirma  que  deyxáraõ  o  fitio  voluntários; 
&  outro  que  fahiraõ  violentos. 

Tomou  Dona  Maria  Pereira  pofle  do  Convento ,  com 
o  encargo  de  fer  nelíe  a  primey  ra  Abbadeça ,  &  Fundadora 
danovaCommunidade.  Naõ  lhe  era  muy  to  leve  efla  obri- 
gação ;  porque  fó  os  ambiciofos ,  &  necios  deyxão  de  fentir-' 
lhe  o  pezo;  porque  a  huns,  &  outros  falta  o  difeurfo  para 
ponderar  y  como  fe  devem ,  as  confequencias  das  Prelazias. 
Porém  o  temor  de  Deos,&  a  fua  louvável  prudência  lhe  fua- 
vizáraô  em  grade  parte  o  trabalho.  Foy  difpondo  o  material 
da  Cafa  em  forma,  que  ferviffe  para  habitação  de  Religiofas; 
ainda  que  do  antigo  tinha  pouco  que  ordenar.  Tem  hojea- 
quelía  Cafa  fcíftnta  Freyras  pouco  maia  ou  menos  ,  entam 
Tom,  III,  M  naõ 


i?%  Santuário  Mariano 

naõferia5muytas,&  como muv tas  erão  parentas, &  obri- 
gadas, fernpreavenerariaõcomoa  Mãy.  Noannode  153?» 
lhe  fuccedeo  por  fua  morce  a  Madre  Habet  Aranha,  Reltgio- 
fa  de  grandes  virtudes ;  porque  era  ja  incanfavel  no  zelo ,  & 
tikm  podia  fofrer  relaxações  ,  com  que  o  demónio  perten- 
dia  murchar  em  flor  a  perfeyção  da  obfervancia.  Q^eriaõ 
mais  "liberdade  do  que  lhes  devia  cõceder:  fuasadmceiiaçces 
lhe  pareciaõ injurias,  &  tanto  a  quizeraõ  apertar,  que  achou 
ferprecifo  juíl/ficaríe  com  aspeífoas  Reaes.  Huma  certi- 
dão lhe  paífou  a  Camera  de  Aguiar  daEeyra  ,  matizada  de 
tantos  louvores,  que  podia  iervir  de  padrão  eterno  à  fua 
virtude.  O  que  íe  verá  das  ultimas  palavras  delia.  He  mu- 
lher  de  bom  ViVer ,  (M  trabalha  por  meter  fuás  Freyras  em  ro 
gr  a ,  &  fe  alguma* cjlaõ  com  ella  mal ,  he  por  as  refrear ,  CF 
apertar  ,  13 fa^er  que  jm  tudo  fir^ao  ,  &  faiom  o  que  0- 
brigaiasfom  ,  t?  a JJim  atemos  por  boa  creliga/&  muy  atita 
para  [cr  Abbakça. 

Advirtão  agora  todas  as  que  faõ,  ou  querem  fer  Prela- 
das ,  quanto  melhor  he  padecer  pela  jufliça,  &  Religião ,  do 
que  lançalla  a  perder  como  intuito  deacquirir  vontades. 
Certamente  aífifte  nos  abifmos  da  ignorância  aquella  Prela- 
da, ou  Prelado,  que  mais  trata  de  confervarfe  com  as  creatu- 
ras,  do  que  com  ofeu  Creador  ;  porque  a  razaô  junta  com 
a  experiência,  claramente  moílraõ  asrefultanciss  rocivas 
defla  propcnfaõerrada,  conhecendo  tâi  vez,  que  as  me  imas, 
aquém  confentio  relaxações,  toma  Deos  ordinariamente 
Caxt.i.  por  inflrumentos  dofeu  cafiigo.  A  Efpofa  Santa  íby  coníii- 
verfs.  tuidanooffirio  dt guardar  vinhas,  &  apenas  fe  conheceo 
ckfcduofa  m  vigilância  da  fua,q  os  mefmos  irmãos,que  de- 
viaodiffimularoerro,  fulminarão  contra  eliaas  vinganças. 
A  vinha  he  huma  Communidade  ,  cuja  cultura  depende  do 
cuidado  do  Supçriprjcfte  a  deve  cortar  aonde  tiver  vicio,le- 
vantar  aonde  cíttver  cahida ,  favorecer,  fe  elliver  neceffita- 
da,  &  fempre  vigiar ,  para  que  as  ragozinftas  dos  abufos  lhe 

oaõ 


Livro  II. Titulo  IX.  \y§ 

naõdiflípem  os  frutos  da  virtude  ,  &  exemplo;  &  fazer  o 
contrário  ,  he  fomentar  contra  fí  o  flagclío  domeihno  que 
confente  5  eftesfaõ  os  peccados  dos  fubditosdeque  ha  de 
dar  conta  a  Deos,  que  agora  diffimuia  ,  porque  efper a  a  cm- 
menda. 

Acharão  eílas  Religtofas ,  quando  entrarão  na  Cafii  da 
Senhora  da  Ribeyra ,  huma  Ermidinha  pequena  ,  &  pouco 
mais  de  cinco,  ou  féis  cellas  pobres,  &  transformando  tudo 
ao  Teu  eíiado  *  foy  crefeendo  pelo  decurfo  do  tempo  de  for- 
te ,  que  fe  vé  hoje  hum  Templo  bsítante ,  aflim  na  extençaõ, 
a  refpeytodos  mais  edifícios  ,  como  no  aceyo  competente  à 
fua  poílibií idade.  Começarão  femPadroeyro,  fem  rendas, 
&  fem  outro  algum  favor  da  terra ;  mas  neílas  deíiituiç&es 
dos  humanos  auxi!ios,fe  acháraõ  afliíHdas  dos  Divinos;por- 
queeílavaõ  debayxo  da  protecção  de  Maria  Santiífima  ,ôc 
eIJa  foy  a  que  fempreas  amparou ,  &  favoreceo. 

A  mefma  afliftencia  ,  &  favor  da  Mãy  de  Deos  fe  deve 
attribuir  à  perfeyçaõ,&  obfervancia dos  eítylos  regulares; 
porque  foy  aquella  Cafahuma  efcolagéral ,  de  donde  fahi- 
raõ para  outras ,  meftras  iníignes  na  doutrina  doCeo,as 
quaes,  mediante  a  Divina  graça ,  a  enfináraõcom  taôbom  ef- 
íey  to,que  ficáraõ  fendo  copias  de  huma  rara  virtude,  quan- 
tas foraõ  difcipulas  do  feu  exemplo.  Delia  Cafa  da  Senhora 
fahiraõ  por  muvtas  vezes  Fundadoras,  &  Reformadoras  pa- 
ra outras  j  fahiraõ  a  educar  ,  formar,  &  reformar,  em  vários 
tempos  j  o  Mofteyro  do  Couto;  fahiraõ  para  ode  Almeyda, 
para  o  de  noffa  Senhora  de  Campos  em  Montemor  o  Velho, 
&  para  o  de  Torres  Novas ,  &  para  outros :  taõ  grande  era  o 
nome  deftas  Religiofas ,  &  tal  a  fua  grande  virtude ,  que  de 
todas  as  partes  fe  procurava. 

Naõ  fe  pôde  negar.quc  tem  eítcMofteyro  muy  to  da  fua 
parte  a  protecção  de  Maria  Santiíliraa  ,  tam  vigilante  no  am- 
paro da*  creaturas,que  todas  podem  fer  pregocyras  de  innu- 
meraveis  benefícios.Efta  he  a  razaõ  porque  o  Eipirito  Santo 

M  z  que- 


*  8o  Santuário  Mariano 

querendo rct ratar  a  cila  Senhora,  a  ddinea  debayxo  do  fym- 
€to#M.  bóio  de  fonte;porque  a  todos  alenta  com  o  manancial  de  fuás 
aguas ,  &  tudo  fertiliza  ,como  Mãy  piedofa ,  a  todos  favo- 
rece ,  ampara ,  alenta  ?  &  confola ,  conforme  a  neceífidade, 
afíliçaõ,  &  miíeria  de  cada  hum  ;  &  fendo  para  todo  omun- 
dolibcral  nas  graças,  era  forçofoque  íeefpccificaffe  nos 
favoreshum  Mofteyro,que  he  feu  pelo  titulo,  veneração  ,& 
amor :  affim  fe  prova  nas  grandes  maravilhas ,  que  por  meyo 
daquclla  fua  miraculofa  Imagem  eflá  obrando  continua- 
mente, (como  publica  a  fama  ,)&  fe  encher iaõ  muy tos  volu- 
mes delias  ,  fe  ouvera  curiofidade  de  fe  efereverem.  De  ires 
antigos  que  fe  autenticarão  , faremos  agora  menção,  &  feja 
o  primeyro. 

Huma  Religíofa  ,  chamada  Sor  Mecia  de  Azevedo,  fi- 
cou fepultada  nas  ruinas  de  hua  parede ,  que  fobre  ella  cahio. 
Era  efta  devota  da  Mãy  de  Deos  ,  fr  recorrendo  ao  feu  am- 
paro com  repetidas  vozes  derivadas  do  coração  af  ilido,  a- 
quella  Senhora  a  prefervou  taô  milagrofamente,  que  depois 
de  a  defenterrarê ,  appareceo  fem  a  menor  pizadura,  quando 
cfperavaõ  todos  pelas  antecedencias  do  fucccíío,  verem  a 
fcus  olhos  a  miferia  de  hum  efpcétaculo  laflimofo.  O  mefmo 
reprefentava  huma  menina  ,  de  idade  pouco  mais  de  hum  an- 
no;  por  nome  Joanna  ,a  quem  hum  teuro  feroz  tirou  ávida 
à  vchemencia  de  muy  tos  golpes.  Tinha  cuydado  delia  hu- 
ma fervente  do  Mofteyro,  chamada  Ignes  Fernandes,  a  qual 
Vcndoqueaculpa  daqueila  dcfgraça  fe  lhe  havia  de  imputar 
a  ella ,  afflifla,  &  anciofa  recorreo  à  fonte  da  piedade  de  Ma- 
ria  Sanviffima ,  &  pondo  a  menina  defuma  fobre  o  Altar  ,  ao 
paflò  de  muytos  clamores,  &  gritos,  pedioàsReligiofas  que 
a  ajudaflem  na  fua  petição  ,  cantando  à  Senhora  a  antiphena 
da  íua  Conceição.  Caio  afícmbrofo!  A  penas  começarão  as 
Freyras  a  proferir  os  louvores  da  Virgem  Senhora ,  abrioa 
menina  os  olhos,  ficando  immediatamente  fem  algum  final 
do  paffado  infortúnio. 

Se 


■Livro II.  Titulo IX.  iSr 

Semõ  foy  fcmclhante  a  eík  íucceííb,para  o  mefmo  fiai 
caminhava  hum  menino  do  lugar  do  Gr?jal, pouco  dífhnte 
doMoiieyro.  Morria  fem  que  ainduílria  dos  Médicos  lhe 
ptídcíTeadminiftrar  algum  remédio  de  refugio,  nem  o  ha- 
via humano  ,  para  lhe  tirarem  a  caufa  da  fua  morte.  Era  efta 
humaefplga  de  trigo,  queingulira  inteira,  &  não  lhe  paíTava 
da  garganta,  Nefta  fuffòcaçaõ  continuada,  &  tormento  fuc- 
ceffivo^paíTou  alguns  dus  moribundo  ,até que  fua  mãy  Ignes 
Corrêa ,  melhorando  de  parecer ,  &  mudando  deefperança, 
poza  fua  na  Virgem  Santiífima  da  Ribeyra ,  chegouao  Al- 
tar deíia  Senhora  ,&  fazendo  as  mefmas  diligencias ,  que  a 
mulher  referida ,  fe  admirou  inilanianeamente  o  prodígio, 
lançou  o  menino  a  efpiga  ,  que  o  matava ,  &  ficou  livre  da- 
qaelle  trabalho  rigorofo. 

Eftas  faõ  as  mercês  de  que  ha  noticia ,  que  antigamente 
difpcufou  aquella  piedoíiflima  Advc^adadospeccadores,& 
pelas  circunfhncias  delias  fe  infere,  que  antigamente  ellava 
collocada  na  Igreja  a  fua  Sagrada  Imagem.  Hoje  a  temas  Re- 
ligiofas  no  coro,collocada  em  hQa  Capella  com  muy  ta  vene- 
ração, &  aceyo,aflim  pela  razão  de  a  poíTuíremde  mais  per- 
to,eomo  por  tratarem  do  feu  culto  com  mais  cuidado.  Mas 
naô  obftante  o  eílar  efeondida  aos  olhos  das  peífoas  fécula* 
res,  ellas  a  amaõ  por  fé,&  valendofe  de  algua  prenda  fua ,  ou 
do  azeite  da  alampada,  que  continuamente  arde  diante  delia, 
recebem  contínuos  favores.  Osqas  Religiofas  expenmen- 
tão  cm  fuás  enfermidades  ,  faõ  quotidianos,  &  taõ  grandes, 
comodehua  Senhora  q  as  particulariza  com  os  cuidados  de 
Mãy,&  ellas  a  trataõ  com  o  amor,  reípeyto,&  obfequio  de  ú  - 
lhas.  Nem  podia  huacreatura  com  tanta  confiança  recorrerá 
compayxãodamefmamãy,  queagerára,  como  ellas  a  efta 
Senhora,  que  he  fonte  de  mifericordias  De  outras  maravi- 
lhas particulares,&  mais  modernas,  obradas  nas  Religiofas, 
referiremos  também  algumas  ,  &  feja  a  primeyra. 

Padecia  a  Madre  Sor  Meda  de  Mello,  Religiofa  que 
Tom.  III.  M  3  ainda 


1 8 1  Santuário  Mariano 

ainda  hoje  exifte  no  mefmo  Moíieyro,  excedidas  dores  nas 
faces  , dentes ,  &  queyxos  em  tempos  dilatados ,  fem  que  os 
remédios  da  medicina  tiveíTem  alguma  efficacia  ,  antes  com 
elles  fe  lhe  aggravava  mais  a  caufa;  perõ  fe  lhe  augmentavaô 
mais  perigofos  fymptomas  ,  fendo  a  principal  hua  intercadê- 
cianarefpiraçaõ,columna  em  que  fe  fuftenta  o  edifício  da 
vida.  Mas  o  que  a  feiencia  humana  nsôconfeguio  com  re- 
petidas diligencias  ,  alcançou  em  hum  fóinftante  a  fé  com 
fuás  induflrias.  Applicou  às  partes  offendidas  o  azeite  da  a- 
lampadada  Senhora, &  logo  no mefmo  ponto,  fem  interpo- 
lação alguma  de  tempo ,  fe  vio  livre  da  a  ffliçaõ  que  fentia,& 
muyto  obrigada  àquella  Emperatriz  foberana.  A  Madre  Sor 
Maria  das  Chagas^  &  Maria  de  Saô  Boaventura,que  hoje  vi* 
Vem,  experimentarão  o  mefmo  beneficio  em  o  próprio  acha- 
que ,  &  com  femelhante  remédio-  Etudo  iílo  foy  antes  do 
annode  1699.  f 

Por  tempo  de  cinco  mezesfentia  Sor  Therefa  Leyte, 
Freyra  do  mefmo  Mofteyro,  rigorofas  confequencias  de 
huma  maligna.  Naõ  podia  levantarfe,  nem  moverfe;  porque 
a  enfermidade  lhe  tinha  encolhidos  os  nervos,&huma  febre 
continua  diíípadas  todas  as  forças.  Mas  de  que  fervem  à 
morte  eflas  difpoíiçõcs,  com  que  pertende  introduzirfe, 
quando  temos  da  noífa  parte  aMãydo  Author  da  vida?  Da 
fua  a  experimentou  efla  Religiofa  com  grandes  evidencias; 
porque  logo  confeguio  as  melhoras  defejadas ,  apenas  im- 
plorou o  feu  auxilio,  &  fe  ungio  com  o  milagroío  oleo.Com 
efie  mefmo  remédio  fe  vio  livre  de  vários  accidentes  a  Ma- 
dre Sor  Antónia  de  Belém,  &  com  indícios  claros  de  maravi- 
lha ,  aflim  no  effeito ,  como  na  prefleza  do  refugio-  O  mef- 
mo teve  em  huma  cólica  terrível  a  Madre  Sor  Maria  Bautif- 
ta,&emhuma  erifipela  no  rollo  a  Madre  Sor  Maria  Jofefa. 
Em  huma  maligna  arrifeada  experimentou  os  favores  defla 
Soberana  Rainha,  a  Madre  Sor  Maria  Clara,  &  a  Madre  Sor 
Urfula  Maria  cm  huma  nafeida  junto  aos  olhos ,  a  qual  ja 

lhe 


Livro  II.  Titulo  IX.  1 83 

lhe  impedia  o  exercido,  &  movimento  de  hum ,  &  alcançou 
o  favor  com  tanta  promptidaõ  ,  qur  porviothe  de  noy  te  o  a- 
zeite  miraculofo,  pela  manhãa  efUva  l.vrcde  toda  nmo- 
kflia  De  humafem  comparação  mais  perigofa, pois  era  tuim 
accídente  daquellcs  ,  que  privaô  ao  corpo  das  acções  de  vi- 
vente, foy  HvreSorTherefadaTrindade,noviça,fócomo 
tácito  do  veflido  da  Rainha  dos  Anjos. 

Naõ  experimentão  fó  as  Religiofas  daquelíe  Convento 
as  mifericordias  deita  piedofa  Miv  dos  peccadoresjtambeni 
os  de  fora,  que  em  feus  apertos ,  <k  ncecífidides  imploro  o 
feu  favor, reconhecem  os  cffeiros  da  fua  clemência*  O  Dou- 
tor Domingos  Pimentel  os  experimentou  em  duasgrandes 
enfermidâdes,que  fem  duvida  lhe  tiraria©  a  vida,feo  manto 
da  Senhora  naõ  o  defendera  das  terribilidades  da  morte.  A 
mefma  protecção  reconhecco,&  venerou  D.  Anna  deMiran- 
da,a  qual  de  longe  vcyo  a  efle  Moftejiro  fatisfazer  feu  voto, 
publicando  o  beneficio,  queaMãy  deDcoslhe  difpenfára, 
pelas  vozes  de  hum  Pregador  no  púlpito  do  mefmoTemplo. 
Dona  Anna  de  Caflro  de  Moraes  ,  da  Torre  de  Moncorvo, 
também  fe  valeo  do  manto  defla  Sacratifíima  Imagem,&  com 
clle  fe  vio  conhecidamente  livre  da  morte ,  a  qual  de  hum  ja- 
ík>  pertendia  cor tar  duas  vidas,  a  fua ,  &  a  de  huma  criança, 
que  logo  deu  à  luz,  izenta  de  todo  o  perigo.  Seouvefíemos 
de  referir  milagres  ,  &  maravilhas  defla  Senhora,  feriaõ  ne- 
ceiTarios  muy tos  livros;  mas  quem  os  quizer  ler,  veja  ao  Pa- 
dre MeftrcFrey  Fernando  da  Soledade,  na  fua  5.  pare.  da 
Hiftoria  Seraphica ,  lib.  2 .  cap.20.  &  fequentibus,  que  nclles 
achará  muy  to  em  que  porta  louvar  o  maternal  amor  defla  a- 
morofa  ProtedtoranoíTa. 

Quanto  à  origem  defla  Sagrada  Imagem  naõ  fe  fabe  di- 
zer ,  em  que  tempo  vcyo  àquella  Caía,  o  certo  he,que  he  an - 
tiquiífima.  Dizem  as  Religiofas  por  tradição ,  que  fera  mila- 
grofa  a  fua  vinda.  E  contaõ  que  huma  mula  cega  a  conduzi- 
ra, &  de  fapparecéra,  depois  defer  aliviada  daquella  carga 

M  4  fobe* 


184  Santuário  Mariano 

foberana ;  com  tudo,  como  iilo  hehuma  tradição  confufaj 
naõ  tem  mais  fundamento  que  o  diz<  rfe  ,  que  affim  fuccedé- 
ra.  E  também  dizem ,  que  viera  depois  que  as  Religiofas  po- 
voarão aquella  Cafa.E  quanto  a  mim, eu  diíTera,que  efta  San- 
tiflima  Imagem  era  a  mefma  que  começou  a  fer  venerada  na- 
quellafua  primeyra  Ermida  ,  que  os  RcligiofosTerceyros 
pedirão  aos  do  governo  de  Cernancelhe ,  que  elles }  difpon- 
do-o  affim  Deos,lhc  naõ  quizeraõ  conceder  com  a  total  pro  • 
priedade ;  porque  tinha  deftinado  aquella  Cafa  para  domici- 
lio das  fuás  Efpofas,  &  affim  a  habitarão  de  empreftimo,  até 
que  o  Senhor  difpoz  íe  perpetuaíTem  neila  aquellas  fuás  de- 
votas Efpo  fas. 

Ecomo  naõ  fe  faça  mençaõ  de  outra  Imagem  antiga  >  & 
da  que  começou  a  fer  venerada  naquella  primevra  Ermida, 
me  perfuado  que  efta  mefma  Imagem  mi!agrofa,he  a  que  nos 
princípios,  em  que  naquelle  lugar  entrarão  os  Padres  Ter- 
ceyros  ,  era  a  que  obrava  as  maravilhas.  Também  crcyo  que 
o  Senhor  a  manifeítaria  naquelle  lugar  per  algum  modo 
muy  to  maravilhoío,  que  o  defeuido  dos  homens  nos  deyxcu 
oceulto  j  &  que  os  da  Villa  de  Cernancelhe  fora õ os  que  pri- 
meyro  concorrerão  ao  feu  apprccimento,  &  por  iíToo  Con- 
celho, ou  o  Senado  da  mefma  Villa  ficou  com  o  padroado.,  & 
fenhorio  da  fuaCafa  ,  poiselles  foraõ  aquém  primeyro  fe 
pedio  para  fundação  de  Convento-  E  a  mefma  milagrofa 
Im  gemnafua  antiguidade  eiiá  mofírando,  que.fcria  das 
que  os  Chriíiaos  efeondéraõ ,  pelo  temor  de  que  os  Mouros 
anaõoffendeííem  ,  &  profanaífcm. 

He  cila  Santiflima  Imagem  muy  to  linda ,  he  de  efcultu- 
ra  lavrada  em  pedra ,  a  fua  cfhtura  he  de  quaíi  cinco  paímos, 
&  moflra  defeançado  fobre  o  braço  efquerdo  ao  Menino 
Deos,fruto  iacrofanto  do  feu  puriílimo  ventre,  As  roupas 
daefcuitura  eftaõ  pintadas  de  verde  matizadas  de  eftrcllas  de 
ouro,  fendo  que  tilas  naõ  íe  divifaõ ;  porque  as  Religiofas  a 
tcjnfèmprecuberta,  &  adornada  com  veíliduras  de  varias 

telas, 


Livro II. Titulo  X.  \tj 

tetas ,  &  fedas  preciofas.  Também  tenho  por  grande  mercê, 
&  favor  da  Virgem  Senhora  da  Ribeyra,  as  virtudes  admi- 
ráveis em  que  refplandecéraõ  aquellas  Rcligiofas;de  muytas 
fe  referem  grandes  coufas/empre  foraõ  muyto  dadas  á  ora- 
ção, &  contemplação  ,  &à  frequência  dos  Sacramentos,  às 
penitencias  ,  &  mortificações.  A  caridade  para  com  os  po- 
bres, &  neceffitados,  finalmente  o  ferem  aquellas  Rcligiofas 
todas  hus  Anjos, lhes  procede  de  ferem  íubditas^&  filhas  da- 
quella  Senhora  ,  que  o  he  verdadey ramente  de  todos  os  que 
com  ella  reynão  em  o  Ceo  >  &  nos  aíliítem ,  &  defendem  cá 
em  a  terra.  Da  Senhora  daRibeyra  efereveo  Padre  Mefirc 
Fr.  Manoel  daEfperança  naHiftoria  Seraphica  part«2.1iv. 
io.cap.2©.  Jorge  Cardofo no feu  Agiologio  tom. i .pag. i z6. 
&  ultimamente  o  Padre  Meflre  Frey  Fernando  da  Soíedade 
na  3.  part.  da  melma  Hiftoria  Seraphica  liv.  2.  cap.  1 8. 6c  fe- 
quentibus. 


TITULO     X. 

Da  Inagemde  TSL>  Senhora  das  Candéas  do  lugar  de  Avoins* 

MEya  legoa  da  Cidade  de  Lamego  fe  vé  a  Freguefia,  ou 
lugar  de  Avoins,  cujos  frutos  pertencem  àthefoura- 
na  mór  da  fua  Cathedral.  Junto  dcfla  Parochia  fe  vé  hua  Er- 
mida, cm  que  he  venerada  hm  devota  Imagem  de  N.  Senhora 
com  o  titulo  das  Candéas ,  cuja  origem  he,  que  alli  perto  sp- 
parecéra  entre  duas  penhas,  aondr  fe  deve  ter  por  infallivel 
aefconderiaôosChriílãos,  quando  fugiaõ  aos  Mouros  co- 
mo o  fi2craõ  có  aJSenhora  da  Lapa,&  a  de  Qmntella.O  modo 
como  fe  manifeftou  ,  ja  hoje  fe  ignora ,  &  tambem  o  tempo, 
que  como  fenaõ  fazem  memorias  delias  coufas,  &  a  genrede 
íihefingela  ,  &  tem  pouca  curiofidade,  tudo  fica  em  efque- 
cimento  >  bem  pode  fçr  ic  manifeftaffç  com  algua  maravilha. 

He 


i  %6  Santuário  Mar  iam 

He  efta  Santa  Imagem  muyto  milagrefa,  &  aflimfaõ  muytos; 
&  notáveis  os  prodígios  que  tem  obrado  ,  &  continuamente 
obra  em  rodos  aquclles  ,  que  fe  valem  da  fua  poderofa  in- 
ttTceíTaõ,&  patrocínio,  comooteíkmunhaoos  finaes  ,  6c 
memorias  deitas  maravilhas,  que  íe  vem  pender  das  paredes 
da  fua  Gafa*  A  eftatura  defla  Santa  Imagem  he  muyto  pe- 
quena, porque  naõ  tem  mais  que  dous  palmos.  He  de  verti- 
dos, &  de  roca;  tem  em  feus  braços  ao  Menino  Jcfus.  Ainda 
que  he  taõ  pequena, he  muyto  linda.  Eftá  col  locada  no  Altar 
morda  me /ma  Ermida ,  que  he  de  baílante  capacidade,  &  ar- 
chiteíhira  ,  a  qual  foy  ja  reedificada  duas  vezes ,  em  que  de* 
nota  a  íua  muy ta  antiguidade.  Hoje  fe  vé  muyto  bem  orna- 
da ,  &  azulejada  ;  porque  com  as  efmolas  que  os  fieis  offere- 
cem ,  fe  vay  cada  vez  mais  augmentando ,  &  ornando ,  aflim 
cm  peíTas,comoem  ornametos.He  annexa  efta  Ermida  da  Sc  • 
nhora  à  Parochia  de  Avoins.  Efta  relação  nos  deu  o  Dou- 
tor Bertholameu  Martinello,  Pregador  Miffionario  Apofto- 
licodaqucllas  partes. 


TITULO     XI. 

Da  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Remédios  dos 
Villares ,  CêtiVento  da  Ordem  Terceyra. 

O  Quanto  Maria  Santiflima  feja  todo  o  noffò  remédio ,  o 
confefía,  &  reconhece  a  nolía  experiência;  porque  naõ 
ha  neceffidade ,  trabalho ,  affliçaô  ,  ou  enfermidade ,  em  que 
recorrendo  os  peccadores  aefla  piedofa  Mãy,&  clementiffi- 
ma  Senhora ,  a  não  achem  propicia.  O  íeu  nome  invoca- 
do baíWcomo  diz  Pelbarto)para  farar  todas  as  noífas  enfer- 
midades, naõ  fó efpirituaes,mas  corporaes:  SicutCknttu* 
au'  m  cP#*t$M  vnlneribus  fuis  contulit  plenè  remedia  mundo, italiea- 
M  M.   t$Maytf&° juo JantfiJimQ  nomine^uod  qumque  lueris  con- 

Jlat, 


Livro  II.  Titulo  XI.  i  %? 

fiât  ,  confcrt  quottdie  ventam  peccatortbm-  E  bafla  a  invoca- 
ção donome  íantiffimo  de  Maria:  MARliJinomen,  para 
confeguirmos  todos  os  remédios.  Das  letras  do  feu  nome 
fe  compõem  huma  oraçaõ  ,  que  nos  declara  claramente  eíla 
verdade:  Maria  AdVocata  Remedia  Impetra?  o4j£W.  Maria 
Advogada  noffa  alcâca  os  remédios  a  todos  os  enfermos.  He 
eíia  Santiffima  Senhora(como  diz  Santo  Antonino)  a  nuiiher  Ant,  té 
de  quem  declara  o  Efpinto  Santo  ,  quefema  fuaaíTUiencia,  pjit.  g. 
naô  tem  confolaçaõ  o  cnfcrmoiU bt  non  ett  multer ,mgemi[at  cap.  3, 
ager.  He  a  Piícina  medicinal  de  Hierufalem,(ccmo  diz  Ray- 
mundo  Jordaõ)  aonde  deceo  o  Anjo  do  grande  Confelho 
Ch riflo  Jefus,que  movendo» a,  foy,  he,  &  ferá  faude  a  todos 
os  que  entrarem  fiados  nas  aguas  de  fua  piedade,  &  clemên- 
cia :  Sanabatur  à  quacumque  detimbatur  infirnutatc  Tudo         1 
iílofe  experimenta  na  Caía  da  Senhora  dos  Remédios  dos  £^?- 
Vilíares,como  oaprcgoaõ,  &confeffaõ  todos  os  que  a  in-  J'r  ' 
vocaõ. 

O  Convento  da  Terceyra  Ordem  do  Seráfico  Saô  Fran- 
cifeo  dos  Villares,(que  fica  hum  quarto  de  legoa  da  Villa  de 
Marialva,  Comarca  de  Pinhel,  emoBifpadodcLamego)dif- 
ta  oito  legoas  da  Cidade  da  Guarda  >  &  da  de  Lamego  dez,& 
o  fer  a  terra  muy  to  montuofa  }  &  afpera  ,  faz  que  ainda  as  le- 
goas pareçaõ  mais,  &  mais  dilatadas.Neíte  Convento  fe  lan- 
çoua  primcyra  pedra  em  o  anno  de  1447. &  nomefmoanno 
cm  29.  de  Junho,  dia  dos  Príncipes  dos  Apofiolos  Saõ  Pe- 
dro, &Saõ  Paulo,  fe  cantou  a  primeyra  Miíía.  Dahiamuy- 
tos  annos,fcndo  Arcebifpo  de  Lisboa  o  Illufirifíimo  Senhor 
Dom  Miguel  de  Caflro, (que  mor reo  no  anno  de  1 585.)  ten- 
do por  feu  Confcflbr  ao  Padre  Frey  Francifcoda'Cunha,Rc- 
ligiofo  da  Província  da  Terceyra  Ordeno,  peffoamuytoau- 
thorizada,&  de  quem  oArcebifpo  fazia  grande  eilimaçaô ;  a 
efiePadredeuo  Arcebifpo  huma  perfeitiflima  imagem, &  de 
tsb  rara  fermofura  ,  que  a  todos  põem  cm  admiração  \  ôc  naõ 
cabia  de  gozo  o  Padre  Frey  Francifco  com  a  poífe  dcíla  pre* 

ciofa 


i88  Santuário  Mariano 

Giofa  joya  ,  &  deliberando  aonde  a  colioearia,  ferefolveo  fa- 
zeiio  na  Caía  dos  Villares  ,  aonde  tinha  particular  de  vocaõ, 
ou  porque  nefta  Cafa  feria  noviço ,  ou  feria  a  da  fua  primey- 
raPrelaíia.  ParaeftaCafa  a  mandou,  &  ainda  quando  o  fez, 
naõtinhaefta  Santa  Imagem  invocação  efpecial. 

Chegou  a  Santa  Imagem  ao  Convento  dos  Vil*  ares ,  & 
fendo  colíocada  \  fe  começou  a  genre  a  mover  em  fervorofa 
devoção, &  a  Senhora  a  obrar  milagres,&  maravilhas  tantas, 
&taõ  admiráveis,  que  de  todos  aquelles  arredores  concor- 
ria innumeravel  povo  a  feneralla,  &invocando-a  em  fuás 
enfermidades ,  trabalhos ,  penas ,  &  afflições ,  logo  achsvaõ 
prompto ,  &  certo  o  remédio ;  &  era  ifto  taõ  certo ,  que  da- 
qui rcfultou  o  titulo ,  que  fc  impoz  à  Senhora  ,  &  comelle 
a  começarão  a  invocar ,  Nofíà  Senhora  dos  Remédios,  não  fó 
por  toda  aquella  Comarca ,  mas  por  toda  a  Bcyra.  Em  todo  o 
tempo  do  anno  concorre  muyta  gente  a  bufear  aeflamila- 
grofa  Senhora  ,  &  principalmente  nos  dias  de  fuás  fefiivi^ 
dades- 

A  fefta  ,&  folemnidade  principal  da  Senhora,  he  no  dia 
da  fua  Natividade.  Eftá  collocada  em  huma  Capella  particu- 
lar,que  he  acollatcral  da  parte  do  Evangelho,  &eftá  com 
muy  to  grande  veneração  em  hum  nicho  de  vidraças.  He  cf- 
ta  Santa  Imagem  de  vertidos ,  &  corpo  de  roca ;  a  proporção 
he  do  tamanho  do  natural ,  &  reprefenta  huma  perfey  tiflima 
mulher,  com  mageftade  de  Rainha  toda  foberana.  Eftá  com 
os  braços  eftendidos  7  como  quem  eftá  chamando  a  todos  pa- 
ra que  cheguem,&  íe  valhão  da  fua  piedade,  &  clemencia,of- 
fereccnddhesfer  remédio  em  todos  os  feus  trabalhos ,  ali- 
vio, &  confolaçaõ  em  fuás  penas,  &  faude  inteira  em  fuás  en- 
fermidades, &  affim  faõ  muytas  as  memorias  de  quadros, 
mortalhas ,  cabeças ,  braços  de  cera ,  &  outras  coufas  feme- 
Ihantes.  As  eímolas  ,  &  oíFertas  que  levaô  à  Senhora  faõ  tan- 
tas, que  baftaõ  para  fuftento  dos  feus  Capeliães.  Saõ  também 
muytas  as  Miíías  cantadas  ,  &  ha  dia  em  que  fecantaõtres. 

Conf- 


/ 


Livro  II.  Titulo  XII.  ;% 

ConflaS  eflas  coufas  de  hum  livro  de  memorias ,  que  fe  con-, 
ferva  no  mefmo  Convento  dos  Villares. 


TITULO     XII. 

Da  milagrofa  Imagem  de  ZV.  Senhora  de  Sacaparte. 

EM  o  Bifpado  de  Lamego ,  fobre  Riba  Coa ,  eírá  a  Ermi- 
da ,  &  Santuário  de  noíía  Senhora  de  Sacaparte  3  íitua- 
da  meya  legoa da  Villa  de  Alfayates ;&cmo  feu  limite ,  en- 
tre eílaVilla,&  a  aldeã  da  Ponte,&  perto  da  Villa  do  Sabugal, 
fituada  cm  hum  campo  aonde  não  ha  mais  que  a  Cafa  da  Se- 
nhora., a  do  Ermitão,  &  as  cafas  de  romagem.  A  origem  def- 
ta  Santa  Imagem  fegundo  a  tradição;  porque  ainda  que  que- 
rem afirmar  os  daquella  terra  ,  que  eira  fe  ache  nas  hiftorias 
antigas  deíle  Reyno ,  nem  fabem  dizer  em  que  tempo  foy,& 
com  que  Rey.  Dizem  que  tendo  batalha  hum  Rey  de  Portu- 
gal com  outro  de  Caftella ,  no  mefmo  lugar,  em  q  hoje  fe  vé 
a  Ermida ;  vendofe  o  Rey  Portuguez  ao  pór  do  Sol  em  gran- 
de aperto,  começara  a  dizer:  Virgem  fácanos  a  boa  psrre;& 
que  logo  affim  fuecedéra ,  ficando  com  toda  a  fua  gentç  para 
a  parte  da  fua  terra  ,&  que  em  gratificação  do  beneficio  lhe 
mandara  o  tal  Rey  edificar  aquella  Cafa ,  &  lhe  dera  a  invoca- 
ção de  noíTa  Senhora  de  Sacouaparte,ou  de  Sacaparte,  como 
agora  lhe  chamão.O  Padre  Vaícôcellos  na  fua  Defcripçaõ  faz 
efie  Santuário  muy  to  antigo ;  porque  diz  q  quando  os  Mou- 
ros foraõ  lançados  daquellas  terras,  era ennobrecida  cfta 
Cafa  da  Senhora  com  milagres  ,  &  maravilhas ,  &  a  Senhora 
venerada  de  todos  os  fieis- 

Nas  nofTas  Hiftorias  Portuguezas  naõ  ha  noticia  de 
batalha  alguma  entre  os  Reys de  Portugal  ,&  Caflella  (ou 
Leaõ)emaque!!e  lugar,  ^afíim  parece,  que eíie fucceíTb 
que  refere  a  tradiçaõ/hehuma  batalha  que  deu  Dom  Álvaro 

Nunes 


190  Santuário  Mariano 

Nunes  de  Lara,  que  foy  nefla  ferroa.  Eítava  defa  vindo  Dom 
Álvaro  Nunes  de  Lara,  Senhor  naquelles  tempos  podero- 
fc  ,  &  de  muy  tos  vaífoUos ,  com  ElRey  Dom  Sancho  o  Bra- 
vo, filho  de  Dom  AfFonfo  chamado  o  Sábio.  A  caufadeík 
quebra  ,  Sr  cahida  da  grsça  daquelle  Rey  ,  era  por  lhe  cercar 
afeupay  Domjoaõ  Nunes  de  Lara  na  Cidade  de  Albarra- 
zin,dousannosantes,comofavor  delRey  Dom  Pedro  de  A- 
ragaõ,  que  ganhando  a  Cidade,  a  deu  a  feu  filho  Dom  Fer- 
nando ,  defapoílando  delia  a  D.  Joaõ  Nunes  de  Lara.,  a  quem 
pertencia.  Eftaoccafiaõ  de  quebra ,  com  outras  que  ja  tinhaõ 
os  Laras ,  quando  intentarão  encontrar  naquelía  Cidade  as 
couíasdelRey  Dom  Sancho,  acoftadosa  ElRey  de  Navarra, 
com  o  favor  do  de  França ,  foy  a  que  trouxe  a  Dom  Álvaro  a 
Portugal,  que  era  naquelie  tempo  o  valhacouto  dos  defeon- 
tentesdeCaftella.  Entendia  Dom  Álvaro  que  o  mayor  pa- 
drinho de  fua  reconciliação  com  ElRey,  havia  de  fer  o  defaf- 
fofego  em  que  o  trazia,  &  como  era  orgulhofo,  &  de  grande 
cfpirito ,  &  por  tal  conhecido  em  ambos  os  Rey  nos,  convo- 
cando gentes ,  &  amigos  de  hum ,  &  outro ,  começou  a  fa- 
zer guerra  nas  fronteyras  de  Caftella  ,  pela  parte  de  Riba 
Coa  ,em  que  ouve  grandes  roubos,  &  deífruições ,  fem  que 
onoíToReyDomDinis  (em  cujo  tempo  ifto  íuecedeo)  lhe 
pudeífe  ir  àmaõ,  nem  atalhar  asdemaíias  defiehofpede.  E 
fe  entende  que  era  aífiílido,  &  ajudado  do  Infante  Dom  Af- 
fonfo  Irmão  delRey  Dom  Dinis  ,  como  fe  colhe  do  Conde 
D.Pedro  no  titulo  65.  em  eftas  palavras  :  E  ofobredtto  Fer- 
não Soares, &  Sentd  Soares  (craõ  eíles  fidalgos  filhos  de  Su- 
cyro  Gonçalves  de  Barrundo,  &  vinhac  em  companhia  do 
Lara)  Irmãos  de  Tayo  Soares  Mordomo  mor  do  Infante  Dom 
dffonJQ ,  morrerão  na  lide  de  Alfayates ,  quando  lidou  D.  Jl- 
Varo  Imunes  de  Lara  com  os  Concelhos  dl  toda  aterra ,  fendo 
tiles-  j>  ffilhs  de  "Dom  Álvaro.   Ainda  que  nos  manuíeriptos 
da  Torredo  Tombo  fediz  3  que  eiialide  foy  em  Alfaraòs, 
entendefe  fer  erro  do  eícrivaõ,  porque  de  outros  exempla- 
res fe  vè  Alfayates»  Corri 


Livro  II.  Titulo  XII.  r  9  % 

Com  que  dahiltoria  da  lide ,  naõ  confta  nada  ,  que  to* 
que  à  origem  da  Senhora ;  porque  eila  foy  no  tempo  de!Rev 
Dom  Dinis  ,&  a  Senhora  he  muyto  mais  antiga,  Poderiaõ 
cm  algum  recontro  deiksdoLarajacharemfe  os  nato raes  de 
Alfavatcs  em  grande  aperto  ,&valercmfe  do  patrocínio  da 
Senhora  ,invocando-aem  feu  favor,  para  que  cila  os  livr^f- 
fe ,  &  puzeífe  em  boa  parte.  E  deíle  milagre ,  que  podia  fer 
muy  t<  >  grande ,  a  começariaõ  9  invocar  com  o  titulo  que  hoje 
tem,deyxadooque  antigamente  tinha .,  como  o  vemos  na 
Senhora  do  Incenfo. 

Adminiftra-fe  efla  Igreja  pela  Camera  de  Alfayates, 
a  quem  pertence  o  nomear  ErmitaõA  Mordomo,quc  com  os 
officiaes  íahe  em  pelouro-  No  alto  do  retabolo  le  vem  as  Ar- 
mas Reaes  de  Portugal ,  em  que  fe  vé,  deviaò  os  Re  vs  (pelas 
maravilhas  que  Deos  obrava  pela  invocação  daquella  Ima- 
gem de  foaSantiflima  Mãy  ,  &  continuamente  obra)  man- 
darlho  fazer.  A  Igreja  he  muyto  grande ,  &  capaz  dos  con- 
curiós  ,  que  fempre  alli  ha.  Dentro  nella  tem  hum  fermofo 
poço ,  cuja  agua  faz  grandes  milagres  nos  enfermos  ,  par- 
ticularmente de  cezoens ,  &  mileitas.  O  fitio  he  agradável, 
&  hc  hum  valle  muyto  grande,  &  aprazível ,  com  huma  fon- 
te>ík  tanque,  TemHofpital,oucafasderomagem,capazde 
muy  ta  gente.  Nos  Sabbados  da  Quarefma  he  grande  o  con- 
curfo  de  povo ,  &  cm  todos  ha  Sermão ,  &  concorrem  nef- 
tes  dias  as Viiías  de  Sabugal,  Villar  Mayor  ,  &  Caítello 
Mendo,  Cifteilo  Bom,  &  outras,  &  ainda  de  Caftelia  vem 
de  muy  tas  Viiías,  &  lugares  a  venerar  a  eila  SantiíE  ma  Ima- 
gem. 

Na  primeyra,  &  fegunda  Olfavs  da  Pafcoa,  tnrnaõ 
osmeímos  povos  em  romaria  à  Senhora ,  &  pelo  Efpirito 
Santo  vem  todo  o  termo  dcCafteJIo  Mcndr.  ecr;  a  me  ima 
Vilía  , com cirio levantado ,  &  muyta  gente  de  ca-slío,  bem 
luzida,  que  fellejaô  ao  redor  da  Cala  da  Senhora.  De  cada  lu- 
gar do  dito  terap  vem  hum  homem  nu  da  cintura  pata  ci- 
ma 


1 9 1  Santuário  Mariano 

rm,&dcfcalçocomhuma  tocha  grande,  &o  daVilfa  com 
ventages;  por  todas  faõ  vinte,  quecoftumão  pezar  cento 
&  trinta  arráteis ,  huns  annos  por  outros.  Efta  devoção  di- 
zem tivera  principio  de  haver  naquella  terra  hum  monf- 
tro,  ou  hu  animal  que  dcftruhia  os  campos,&  ornava  agen- 
te, &  que  para  fe  livrarem  defte  trabalho,  fizeraõ  voto  à  Se- 
nhora de  ir  naquella  forma  à  fua  Cafa ,  cada  anno,  no  dia  re- 
ferido ,  com  que  feviraõ  livres.  Eapregoaõ,  que  faltando 
hum  anno  nefta  devoção ,  fe  viraõ  outra  vez  perfeguidos  da 
fera, que  feria  a  infernal.  Cada  anno  fe  fazem  à  Senhora  três 
feyras, nas  feitas  principaes , a faber  ,na  da  Annunciaçaõ, 
Afíumpçaô,  &  Natividade.  Obraefta  Senhora  muytas  mara- 
vilhas ,  &  milagres,&  os  fez  em  alguns  navegantes,  feus  na- 
turaes  ,  que  em  perigofas  tormentas  implorarão  o  feu  fa- 
vor ,  que  acháraõ  promptiflimo ,  &  afíim  em  agradecimento 
indo viíi tara  Senhora,  lhe offerecéraõ  alguas  peças,  &vef- 
tidos  ricos.  A  Imagem  da  Senhora  he  de  efeultura  de  ma- 
deyra  ,&  terá  de  eftatura  cinco  palmos.  Da  Senhora  de  Sa- 
caparte  eferevem  o  Padre Vafconcellos  na  fua  Defcripçaõ  do 
Reyno  de  Portugal  pag.  539.  num>  1 6.  &  a  Monarchia  Lufi* 
tanapart.5.1iv.  16.  cap.51. 


TITULO     XIII. 

*Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  das  Amoras* 

NO  lugar  de  Oliveira  do  Arda  Freguefía  de  Saõ  Joaõ  de 
Rayva,  diftante  da  Cidade  de  Lamego  9.  legoas,  &  do 
rio  Douro  coufa  de  hum  tiro  de  mofquete  ,  fevé  o  Santuá- 
rio de  noffa  Senhora  das  Amoras,  titulo  notável ,  &muyto 
mais  pela  maraviihofa  circunftancia  com  que  foy  ímpofio  à 
mifencordiofa  Mãy  dos  peccadores.  Nefta  Cafa  fe  venera 
huma  milageofa  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos ,  que  appare- 

ceo 


Livra  II.  Tttulo  XIII.  193 

eco  em  aquclle  lugar ,  ha  muyto  mais  de  duzentos  annos,  a: 
onde  chamaô  a  Portélla. 

A  origem  deita  Santa  Imagem,  &  feumilagrofoappa- 
recimento  fe  refere  por  tradição  ,  que  fe  conferva  entre  a- 
auelles moradores,  &vizinh:>s  da  Senhora;  mas  o  tempo, 
nem  o  anno  certo ,  em  que  appareceo ,  le  nao  fabe.  Neite  re- 
ferido lugar  ,  cm  que  hoje  fe  vé  a  Ermida  da  Senhora ,  havia 
naquelles  tempos  algumas  fovereiras.  No  tronco  de  huma 
deítas,(que  eftava  carregada  de  amoras  em  lugar  de  Landes, 
&  deite  prodígio  tomáraó  occafiaõ  osprimcyros,  para  im- 
porem à  Senhora  o  titulo  ,  &  nome  das  Amoras )  appareceo 
cila  Santa  Imagem  a  hum  lavrador  ,  feliz  verdadeyramente, 
por  deícubrir  taõ  preciofo  thefouro-  Naó  fe  refere  o  nome 
do  lavrador;  porque  fempre  entre  os  Portuguezcs  ouve 
pouca  curioíidadc  em  fazer  memoria  de  coufas  grandes. 
Masconíta  parte  do  fuccelTo  ,&  de  que  era  lavrador  aquelle, 
a  quem  a  Senhora  apparcceo,de  hum  livro  de  Confrana,tey- 
to  ha  mais  de  duzentos  annos,  que  naó  he  pouco  exiítir  ain- 
da neíic  tempo.  .  .    ,        , 

Alegre  o  lavrador  com  a  fua  boa  fortuna ,  foy  logo  dac 
parte  ao  feu  lugar,  de  donde  concorreo  toda  a  gentc,&  Clé- 
rigos delle  ,  &  todos  alegres  leváraó  a  Imagem  da  Senhora 
emprociíTaõpara  a  fua  Parochia  de  Saó  Joaóda  Rayva.quc 
he  Igreja  do  Padroado  Real.  Nodiaíeguinte  indo  todos  a 
viíitar  a  Senhora ,  a  acháraó  menos ,  «t  bufeando  a  a  vierao 
defeubrir  em  o  mcfmo  lugar ,  «t  na  mefma  fovercira,  cm  que 
fe  manifeftou.  Intentarão  cortalla ,  para  que  aquelle  melmo 
tronco  pudefle  na  Igreja  fervirlhe  de  tabernáculo  preciolo, 
pois  molhava  eítar  pa^a  delle ;  para  cite  eífeito  tomou  hum 
daquclles  homens ,  que  concorrerão ,  hum  machado ,  &  que  - 
rendo  cortar  a  arvore ,  a  Senhora  o  naó  permutio ,  antes  ao 
prime  vro  golpe  fe  ferio  em  huma  perna-  Atemorizados  en- 
tão deite  íueceflo ,  fe  fufpendeo  o  corte,  &  reconhecerão, 
que  a  Senhora  naó  fó  naó  queria  que  a  arvore  íccortafle; 
Tom.  IH.  N  ma§ 


i#4  Santuário  Mariano 

mas  queria  nella  mefma  fcr  venerada. 

AVifta  deitas  maravilhas,  todos aíTentáraõ,  que  na- 
quelle mefmo  lugar  fe  lhe  edificaífe  huma  Ermida  pequena, 
porem  tanto;  mas  fizeraõ-na  afafrada  alguma coufa  da  ar- 
vore ,  porque  ainda  lhe  ficou  fervindo  de  trono ,  em  quanto 
a  obra  da  Ermida  continuava.  Feita  a  Ermida  ,  &  levantado 
nella  hum  Altar,collocáraõ  nelle  a  Senhora,q  ao  outro  dia  fe 
achou  outra  vez  na  fua  arvore.  Com  eítas  maravilhas  fe  de- 
raõ  enraõ  por  entendidos,  de  que  a  Senhora  naõ  queria  dey* 
xar  aquella  arvore  ,  que  podia  bem  fer  ouveífe  muy tos  annos 
a  tiveífe  recolhido  em  (I  ;  que  até  para  com  as  arvores  que  a 
abrigaõ ,  &  amparaõ  da  malignidade  dos  homens ,  fe  moítra 
eíta  Senhora  agradecida. 

Enfinados  aquelles  homes  de  que  a  arvore  havia  de  per* 
rmnecer  naquelle  lugar,  como  trono  ,  &  peanha  da  Senhora* 
difpuzerao  a  fabrica  de  outra  mayor  Igreja  ,  accemodandoa 
primeyra  Ermida  em  Ca  pella  mor ,  &  veyo  a  ficar  a  fovereira 
ern  hum  dos  Altares  cotlateraes,  &  do  tronco  delia  fe  difpoz 
trono ,  cm  que  a  Senhora  permaneceífe  ,  &  tanto  que  iíto  af* 
fim  fe  diípoz,iogoa  Senhora  ficou  fatisfeyta,  porque  naõfu- 
giomais.  Serrarão  a  arvore  ,&  acompuzeraõ  na  forma  em 
que  hoje  fe  vé.  Depois  que  a  collocáraõ  naquelle  lugar,  co- 
meçarão a  crefcer  em  mayor  numero  as  maravilhas ;  porque 
naõ  havia  cego,  nem  aleijado ,  furdo  ,  &  mudo  que  naõaco- 
riiíleà  Senhora,  &  todos  fahiaõ  remediados  daquella  pifeina. 
Fcílejaõ  a  cila  mtfericorqiofa  Senhora  no  dia  de  feu 
Nafcimcnto,  emryto  de  Setembro  í  &ncflç  dia  ,  &  na  íua 
yefpora  concorre  de  todos  aquelles  redores  innumeravel 
geme ,  &  toda  a  invoca  com  o  titulo  das  Amoras  j denomina- 
ção que  fe  lhe  deu  das  que  milagrofamemc  fe  viraõ  na  fove- 
*t  ira,  fruto  produzido  contra  a  fua  natureza.  A  multidão  de 
memorias  ,  &  pinturas  que  pendem  das  paredes  daquelle 
Santuário  ,eftaõ  publicando  a  grandeza  das  maravilhas,  que- 
ria Senhora  obra  a  favor  dos  quç  em  fuás  nccvffidadesim- 


I 


livro  77.  Tituk  XI 11.  i  <>  y 

pforaõ  o  feu  auxilio  :  &  também  a  feítejaõ  no  dia  de  fua  An- 
niínciaçnõ  a  25.  deMirço. 

Hum  milagre  fomente  referirey  quefuccèdeonefia  for- 
ma. Huma  muda  de  fr  u  nafeimento  veyo  a  fazer  h uma  no- 
vena a  N.  Senhora ,  &  a  pedirlhe  (em os  princip  /os,  que  elía 
fc  manifefiou)Ihe  deííe  falia. No  primerro  dia  tomou  a  a!am- 
pada  da  Senhora  ,  &  a  foy  arear,  &  lavar  em  huma  fonte, que 
allicflá  perto  ,  &  porque entaõ  havia  muyta iUta  deazeyte, 
4  accendeo  com  agua ,  &  com  ella  ardeo  todos  os  dias  da  no- 
vena,&  no  fim  delia  lhe  deu  a  Senhora  a  falia,  que  lhe  pedia: 
de  que  deraõ  todos  muy  tas  graças  à  Senhora.  He  eíla  San- 
ta Imagem  pequenina ,  porque  naõ  paíTa  de  dons  palmos.  He 
formada  em  pedra  de  ançãa  ,  mas  muy  to  linda ,  &  aílim  ca  ufa 
muyta  devoção.  A  fua  Ermida  he  muyto  perfeyta  ,  &  tem 
muyto  ricas  peíTas  ,  &  muyto  bons  ornamentos.  Tem  hum 
da  China  ,  que  da  Indialhe  mandou  hum  feu  devoto,  natura! 
<lomefmolugardc  Oliveira,  em  acçaô  de  graças  pelo  livrar 
de  huma  grande  tempeítade  ,  em  que  fe  vio  fumergido,  Sc  os 
que  o  acompanhavaõ  ,coma  mefma  náo,  o  qual  invocando  fc 
Senhora  das  Amoras  da  fua  terra,  lhe  appareceo,  foffegou  os 
mares ,  &  o  trouxe  a  falvamento. 

Ourro  milagre  me  refere  em  fua  relação  o  Reverenda 
FranciTcoRibeyrodeSáj  que  fuecedéra  noanno  de  1699. 
cm  oy  to  de  Setembro,  &  foy , que  vindo  huma  mulher  cafada 
cm  romaria  à  Senhora }  com  outra  muyta  gente  (porque  nefte 
dia  he  muyto  grande  o  concurfo)  em  hum  barco ,  &  que  ca- 
hindolhe  das  mãos  huma  criança  de  poucos  mezes  em  o  rio 
Douro,  junto  da  ribeyra  das  Fontaínhas  ,  à  vilta  deíla  def- 
graça  amãytodi  afflida  chamou  por  N.  Senhora-  Naõ  fc 
defcuydou  a  Senhora  em  lhe  valer  ;  porque  a  criança  paífan- 
do  por  debayxo  do  barco  fahio  pela  parte  da  terra,donde  a  ti- 
rarão livre,  &  fem  moleflia  alguma. 


N  2  TITULA 


J  p  6  Santuário' Mariant 


TITULO     XIV. 

2)4  Imagem  de  nqffa  Senhora  da  Confolaçaõ  da  VHU  de 
Jlfayates* 

SAm  Pedro  Damiaõ  chama  a  Maria  Santiíííma  ,  vara  de 
confolaçaõ,alIudindoaolugardoPfaImo22.^íVg<i'tt0# 
&  baculm  ,&c.  A  vara , que hc  a  Virgem  Maria,  ôtobor- 
daõ,que  he  a  Cruz^me  con!oláraô;porque  aonde  eflá  Maria, 
&  a  Cruz  ,  ou  a  pena  ,  &  a  defconfolaçaõ,  a  amargura  fie  con- 
verte em  doçura>&  a  affiiçaõ  cm  cõfolaçaõ  ,  a  guerra  cm  paz, 
JS.Boav.  &  a  pena  em  gloria.   Saõ  Boaventura  lhe  chama,  feguriffimo 
S.Joao  rCfugi°  de  todos  os  affiigtdos:  &  Saô  Joaõ  Damafcenoa  fau- 
Pét».    da  por  único  alivio  de  todas  as  molcífias  ,  medicamento  de 
todas  as  dores, que  afliíkm  nos  corações  humanos:  AyturÀ- 
cum  moljliarum  leVamen,  aut  omnium  dohrutn  cordium  me- 
dtcamentum.  A  todos  ampara,  confola,&  cobre  cem  ofeu 
.  manto  efía  grande  Senhora  >  que  por  ifíb  he  o  manto  do  Sol, 
y*tA  '  como  a  vio  Saò  Joaõ:  Kfulier  amtíia  Sole,  cuberta  com  o  Sol, 
para  moftrar  auniverfalidadedefeufavor,&protecçaô;por- 
que  affimcomooSoI  a  todos  chega  ,  a  todos  alegra  j  &2té 
nas  entranhas  da  terra  cria  o  ouro;  aííim  Mana  Santiffimaa 
Jfnlfjf.  todos  alegra ,  &  favorece  com  o  calor  da  lua  protecção  *.  Et 
?*•       non  e/f  qtáft  abfcondat  a  calort  ejns. 

No  termo  da  Villa  de  Alfayates  ha  huma  Ermida  ,  de- 
dicada anoíía  Senhora  dtbayxo  da  invocação  da  Ccnfola* 
$aõ;  aonde  fe  venera  huma  Imagem  deita  Senhora  muyto 
milagrofa  >  &  he  efíc  o  Santuário  de  mayor  frequência  da- 
cjuellas  partes.  E  procurando  cu  a  origem,&  princípios  dei- 
ta Santa  Imagem  ,  fe  me  refeno  o  que  confia  de  antigas  tra- 
dições, as  quacsfç  tem  por  certas,  &  averiguadas,  o  que  h« 
neitamancyra. 

Vinda 


I 


Livro  II.  Titulo  XIV.  197 

Vindo  em  huma  occaílaôhua  Maria  Fernandes,  mulher 
de  Joaõ  Calvo  ,  moradores  q  foraõ  no  lugar  da  aldeã  da  Pon  • 
te  da.Cidade  de  Salamanca  ,  com  hum  filho  eítudante,  q  tra- 
zia doente ,  &  vendoíe  eíle  muy to  affhcto  com  huma  gran- 
de fede  ,  ou  foífe  naíeida  do  trabalho  do  caminho ,  ou  de  af- 
guma  febre  ,  que  ainda  traria ,  fentida  a  máy  de  não  podec 
remediar  ao  filho  naquella  fua  neceíli  iade ,  com  grande  def- 
confolaçaõ ,  &  anciã  começou  a  invocar  o  favor  de  noíTa  Se- 
nhora, &  diíTc  com  grande  affedo;  &  movida  também  da  fua 
anguftia:  Virgem  da  Confolaçaõ  acudimeneíta  minha  pena, 
êcdayme  agua  para  remediar  a  eíte  filho-  Neíia  fuaaffliçaà 
lhe  appareceo  N.  Senhora ;  que  naõ  íabe  efla  mifericordiofa 
Mãy  do  melhor  Filho  faltar  aos  que  com  neceífidade  a  in va- 
ca©,  &  chamão*  Confolou- a  ,  &  diíTelhe  que  fe  naõ  defani* 
mafle,  &  que  alli  tinha  agua-  &  apontandolhe  para  huma  pe- 
dra que  efíavaalli  perto,  lhe  mandou  quefofíelá,&quea«; 
charia  agua. 

Com  efta  mercé  da  Senhora ,  &  advertência  ,  fe  chegou 
para  o  lugar ,  que  lhe  apontara ,  &  achou  agua  baílante,  que 
perfeverou  depois  em  hum  poço,q  até  ao  prefente  dura  com 
abundância  de  agua,  que  naõ  he  muyto  alto-  Satisfeyta  a  ne- 
ceffidade  do  doente  ,  mandou  a  Senhora  à  mãy  que  naquellc 
lugar  lhe  fizeííe  edificar  huma  Ermida.  Naõ  duvidou  aven- 
turo ia  Maria  Fernandes,  de  dar  à  execução  o  manda  to  da 
Senhora ;  porque  logo  tratou  de  que  fe  puzeíTem  as  mãos  à 
obra,  confiada  em  que  a  mefma  Senhora,  que  a  mandava,  lhe 
havia  de  acudir.  E quando  lhe  faltavão  ascoufasneceífarias 
para  o  fuftento  dos  officiaes,  duvidando  de  poder  ir  adiante, 
lhe  appareceo  a  Senhora,(o  que  fuecedeo  alguas  vezes,)  &  a 
animou  a  que  profeguiííe  ,  porque  nada  lhe  faltaria.  Eaífim 
foy ;  porque  quando  à  rtoyte  fe  via  fem  remédio  para  lhes  a- 
cudir,  achava  pela  manhãa  as  arcas  cheas  de  paõ  para  os  fuf- 
tentar.com  o  mais  que  era  neceffario.E  sílim  fe  acabou  a  obra 
da  Ermida ,  &  fe  poz  eiji  toda  a  perfey  çaã« 


i$>8  Santuário  Mariana 

Mandou  a  mefma  Maria  Fernandes  fazer  a  ImageroJ 
que  collocou  na  Ermida ,  &  feria  fem  duvida  na  mefma  for- 
ma, em  que  a  Senhora  lhe  appareceo,  &  tanto  fe  accendeo  no 
amor  da  Senhora  , que  toda  a  fua  vida  perfeverou  em  feu  fer- 
viço; fezeafa  parafinem  que  viveíTe,&  procurou  augmentar 
a  da  Senhora  quanto  lhe  era  poflivcl;  porque  acquirio  algu- 
mas fazendas  ,  para  que  do  rendimento  delias  fe  affiiliíTe  ao 
feu  cul to,  &  ferviço  do  feu  Altar,  5c  dizem  que  fó  huma  ren^ 
de  cento  &  fcfTenta  alquey res  de  paõ. 

Depois  de  aífiitir  muvtos  annos  a  devota  Maria  Fer- 
nandes em  o  ferviço  de  N. Senhora  da  Cõfolaçaõ,  (^titulo  im- 
porto pela  mcfma  virtuofa  mulher,  pela  confolar,  &.  pela  ha- 
ver inocado  com  efte  titulo  naangufíia,8c  aperto  em  que 
fe  vio)faleceo)&  lhe  daria  a  Senhora  o  premio  do  fervor  com 
que  a  fervira  .guiando  a  para  a  gloria,  com  que  Dcos  premea 
os  ferviços,  q  fe  fazem  a  fua  Santiffíma  Mãy.  Succedeo  a  fua 
morte  no  anno  de  15^0.  &foy  fcpultada  naCapeíia  morda 
mefma  Senhora ;  que  era  bem  que  quem  na  vk  a  naô  foube  a- 
partarfe  da  fuaviíla,  na  morte  lhe  pagaíTe  a  Sei  hora  com 
diíporfelhedeíTeafepultura  diante  de  fua  SantiíTima  Ima- 
gem. E  para  que  fe  manifeíhífe  a  fua  virtude,  fuecedeo,  que 
morrendo  hum  Clérigo,  que  era  Capellaôda  Senhora  3imen- 
táraõ  íepultallo  em  o  mefmo  lugar^em  que  citava  Maria  Fer- 
nandes; mas  naõ  o  permittio  Deos,  porque  por  mais  diligen- 
cias, que  fe  fizeraõ,naõ  fe  pode  abrir  a  fua  fepultura.  E 
affim  reconhecerão  todos  o  muy  to  que  Deos,  &  fua  Santiffí- 
ma Mãy  a  amavaõ ,  pois  em  abono  de  fua  virtude  obravaô 
cíias  maravilhas. 

Quando  morreo  a  Fundadora  Maria  Fernandes , dey- 
xou  em  feu  teílamento,  que  havendo  Clérigo  nos  de  fua  fa- 
mília ,  foífe  elle  o  Capdlão,  q  afllíiifíe  à  Senhora;  &  que  naõ 
ohavendo,  fe  elegefíe  por  Ca  pellão  hum  Sacerdote  de  boa 
vida,  6c  coftumes.  Tem  efta  Cafa  hum  Adminifirador,  &  hu 
Ermitão*  para  tercuydado  do  aceyo,  &  limpeza  delia,  além 

do 


Livro  II.  Ti  tu/o  XIV.  ipp 

do  Capellão.  A  Igreja  he  grande,  &  fermofa  ,  &  tem  três 
Altares  ,  ou  Opellas ,  a  mayor ,  &  duas  collateraes  J  &  tem 
muyto  bons  ornamentos,  &  tudo  efta  com  muy to  sceyo. 

Efta  Igreja  da  Senhora  eflá  fituada  junto  ao  lugar  de 
Forcalhos ,  do  mefmo  termo  da  Villa  de  Alfayates ;  &  dizem 
algumas  pefíToas ,  que  fica  diftante  da  At  rayade  Caíklla  hum 
tirodeefpingãrda;&  outros  dizem  que  fica  tanto  na  Arraya, 
que  ficando  o  corpo  delia  em  Portugal,  fica  a  Capella  mór 
nas  terras  de  Efpanha. Concorrem  a  efte  Santuário  daSenho- 
ra  da  Confolaçaõ  muy  tos  círios ,  &  Cruzes  em  os  S^bbados 
da  Qoarefma  >  &  pela  feita  do  Efpirito  Santo.  A  fua  princi- 
pal feita  fe  faz  em  dia  de  Saõ  Marcos ,  &  fera  nefte  dia,  por- 
que nellc  devia  de  appareccr  a  Senhora  â  virtuofa  Maria 
Fernandes.  E  querem  alguns  foíTenoreynadodelRey  Dom 
Manoel. 

A  Imagem  da  Senhora  da  Confolaçaõ,  hede  efeultura 
de  madcyra,fem  embargo  de  que  a  devoção  dos  que  a  fer- 
vem ,  a  tenha  adornada  de  ricos  veftidos.  A  devoção  dos  po- 
vos para  com  efta  Santiffima  Imagem ,  he  muyto  grande,8ç 
também  faõ  fem  numero  as  maravilhas  ,&  os  milagres  que  o- 
bra,como  o  teftemunhão  a  multidão  das  mcmorias,&  finaes,' 
que  fe  vém  pender  na  fua  Capella  mayor-  Entre  os  mara  vi- 
lhofos  fucceífos.que  fe  referem  defta  Senhora^e  diz,que  lo- 
go depois  das  pazes  com  Caftelía,que  fe  celebrarão  no  anno 
de  1 668.  fe  tratara  de  reedificar  a  Capella  mor  da  Senhora, 
que  por  velha  fe  havia  arruinado,  &  que  quando  fora  a  fazer 
oarcodella?tendoemhum  diaafíentado  algumas  pedras  de 
huma ,  &  outra  parte ,  recolhendofe  os  officiaes  à  noy  te  para 
fuás  cafas,ou  ao  lugar  aonde  fe  agafalhavaõ,  fe  ouvira  hum 
grande  eftrondo,&  que  perfuadidos  ellcs,  (atemorizados  do 
eftrondo)  que  tudo  viria  ao  chão,  indo  na  manhãa  feguinte 
acháraõ  o  arco  fechado  perfeitifíimamente.  Demonftraçaõ 
verdadeyramente  do  muyto,  que  a  Senhora  eftimaaquella 
íuaCafa. 

N  4  Hum$ 


Iíõo  Santuário  Marim» 

Huma  mulher  da  Villa  de  Alpedrinha  padecia  huiíi 
terríveis  accidentes  de  gota  coral ,  quemuyto  a  defeompu- 
nhaô,  &atormentavaô;  afflidacom  eflc  trabalho  ,acudioà 
Senhora  da  Confolaçaõ,  &foyella  fervida  de  a  livrar  dei- 
les ,  de  tal  forte  ,  que  nunca  mais  padeceo  aquelle  moleflo  a- 
ehaque ,  tm  quanto  viveo. 

Sobreaadminiftraçaõ  daquclle  Santuário,  que  he  d€ 
muyta  utilidade  por  rendofa ,  tem  havido  muytasdeman-? 
das  entre  os  herdeyros  ,  &  defeendentes  da  Fundadora  Ma- 
ria Fermndes  ,&  muytos  tem  entrado  fem  direyto  algum, 
por  muy to  poderofos ,  a  que  os  Senhores  Bifpos  de  Lamego 
devião  acudir ,  para  que  aífim  fe  aífifrifTe  à  Senhora  com  mais 
zelo,&  menos  ambição  Na  relação  que  fe  nos  deu  defte  San-, 
fuariofe  diz ,  que  Antam  Martins  da  aldeã  da  Ponte ,  fobri- 
nho  de  outro  Antaô  Martins ,  que  foy  «Capellão  da  Senhora 
da  Confolaçaõ  muytos  annos,  confervava  alguns  papeis  ,& 
memorias, por  onde  confiava  o  que  aqui  temos  referido/o; 
bre  os  princípios  ,  &  origem  da  Senhora. 


TITULO     XV- 

5Dd  Imagem  de  mjfa  Senhora  do  Tranto  das  Cinco  VWlas. 

T  Unto  à  Villa  que  chamão  de  Cinco  Vilías  de  Reygada.cftá 
J  o  Santuário  de  N.  Senhora  do  Pranto^  em  pouca  diflan- 
cia  da  Cafa  de  nofla  Senhora  do  Pereiro  ,  para  a  parte  do  rio 
Coa.  Heeíia  Sagrada  Imagem  auiyto^intiga  ,  &  pormeyo 
delia  faz  Deos  a  todos  muytos  milagres ,  &  grandes  benefí- 
cios. E  ainda  que  odcfcuydo  ,  ou  a  ambição  dos  que  lhe  af- 
/iflem,  faz  que  as  memorias,  Scfinaes  delks  fenão  perpe- 
tuem, &confcrvem  por  niuyto  tempo,  ainda-affim  vivem  na 
lembrança  dos  que  os  viraõ,&  receberão,  muytos  dos  favo- 
f  es  <juc  ha  fcy to.  He  efta  Cata  da  S.enhora  do  Pranto  muyto 

T    1  ftcque% 


Livro  II.  Titulo  ffi.  ioí 

frequentada  dos  Romeyros  ,  que  vem  a  dar  as  graças  dos  be^ 
neficios,  &  favores  que  por  fua  interccffaõ  alcançarão,  &  al- 
cançaôck  noffa  Senhora. 

Referefe  por  conítante  tradição  ,  que  a  primeyra  Cafa 
da  Senhora ,  que  era  antiquiflima ,  fe  fundara  junto  ao  rio 
Coa,  &  que  andando  os  tempos ,  foraõ  as  cheyas  do  inverno 
comendo  tanto  a  terra,  que  a  Ermida  começara  afazer  ruí- 
na: ( ifto  fe  comprova  cem  os  vefligios  delia,  que  ainda  hoje 
fe  vem  emas  margens  do  mefmorio  Coa,)  &  que  na  occafião 
da  ruina ,  chegara  hum  homem  natural  ,  &  morador  da  mef- 
ma  povoação  de  Cinco  Vilías,  ao  mefmofítio,  que  vendo 
a  Senhora  ,  temendo  que  a  Ermida  vicíTe  toda  â  terra  >  que 
íe  abraçara  com  ella,&  a  levara  até  o  lugar ,  aonde  hoje  fe  vé 
a  fua  Cafa,  &  em  que  hoje  he  venerada ,&  que  alli  a  deyxára* 
'  Pairados  alguns  dias,ou  poucos  dias,dcfcéra  eíte  mefmo  ho- 
mem ( que  naõ  lembra  ja  o  como  fe  chamava)  ao  rio  cm  oc- 
cafião que  fazia  huma  grande  tempeíiade,  aonde  Iheanoyte- 
ceo,  &  fe  efeureceo  a  noy te  tanto,que  elle  fe  perdeo  fem  po* 
der  acertar  com  o  caminho,  &  como  a  terra  por  aquella  par* 
te  hemuytofragofa,&  tem  muy  tos  precipícios^  naõ  lhe  era 
poffivcl  o  fahir  dellts  ,  &  poder  recolherfe  a  fua  cafa ,  por 
fiaõ  faber  aonde  efíavaj  nem  o  como  podia  fahir  do  perigo  de 
fe  defpenhar ,  &  acabar  alli  miferavelmente ,  começou  a  dar 
Vozes,  &  a  chamar  pela  Senhora  d©  Pranto,  pedindolhe,  que 
lhe  valefíe,&  acudiííe  naquelfa  grande  aff]içaõ,em  que  fe  via. 

Nefle  tempo  lhe  appareceo  logo  huma  \hz  do  Ceo ,  que 
•  acompanhou ,  &  guiou  até  chegar  a  fua  cafa ,  &  paliando 
«fie  venturofo  homem  por  aquelleffitio  aonde  clle  havia  pof- 
to  a  Santa  Imagem  daMãydeDcos,  porellamefrralhefal- 
lou ,  mandandoíhe ,  que  alli  naquelle  lugar  lhe  edificafíc  hu- 
ma Cafa.  Deufeohomem  por  obrigado  (àvifía  do  grande 
favor  que  a  Senhora  lhe  fizera)  a  moftrar  o  leu  agradecimen- 
to ,  &  tratou  logo  de  mandar  edificar  a  Ermida,  que  he  a  que 
^ppreícmc  cxiíte.  E  por  fua  mgr  te  dcyxou  a  Senhora,  por 

herdar- 


ioi  Santuário  Mariano 

herckyra  de  todos  os  feusbensj)&  que  eítesosadminiílraíTè 
o  feu  parente  mais  chegado ,  como  fuecedeo  ,  &  ainda  hoje 
anda  â  adminiftraçaõem  feus  defeendentes. 

Heeíia  Santa  Imagem  de  efcultura  ,  formada  em  pedra 
mármore  ,  &affim  he  muyto  pezada  ;  porque  hum  homeni 
mal  a  pode  mover ,  ainda  q  não  he  mais  q  de  três  palmos.He 
muyto  devota  }&  caufa  naquelie  dolorofo  paífo,  em  que  ic  vé 
eom  o  Santiífimo  Filho  morto  em  feus  braços,  grande  ma- 
goa^ compunção  em  todos  os  que  contempla©  o  fentimen- 
to  que  reprefenta.  Não  confia  do  anno  em  que  fuecedeo  efta 
maravilha ,  em  que  livrou  aquelle  homem  do  perigo  de  fc 
precipitar  no  rio  >  nem  o  nome  que  elle  tinha ,  &  íó  fc  diz 
fer  efle  fucceffo  muyto  antigo. 


TITULO     XVL 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  do  MoBeyro  junto  a  Almeydal 

SAm  muy  tos  os  Templos ,&  Cafas  de  devoção  que  a  Mãy 
de  Dcos  tem  com  o  titulo  de  Mofleyro  ;  final  evidente 
dos  muytos  ,  que  antigamente  ouve ,  &  que  o  tempo  extin- 
guio,  comohe  em  Caflello  Novo,  cm  Arronches,  no  Crato, 
&  junto  à  Amieyra ,  junto  a  Scifmiro  de  Aguiar  ,  &  em  ou- 
tras muy  tas  partes  ,  aonde  fe  vé  o  que  o  tempo  deí]ruío;mas 
naõ  quiz  Deos  j  que  deftruindofe  os  Moíleyros ,  fe  acabaíTe 
nelles,  &naquelles  lugares  o  culto ,  &  a  veneração  defua 
Santiffíma  Mãy  ,  como  foy  também  nefle  de  Almeyda  ?dc 
que  agora  tratamos.  Diz  a  tradição daquelles  moradores,  & 
daquelles  povos ,  que  o  Santuário  de  noífa  Senhora  do  Mof- 
teyro;&  a  milagroía  Imagem  que  nelle  fe  venera,  fora  anti- 
gamente Convento  dos  Cavallcyros  Templários;  oque po- 
de fer  fem  alguma  duvida  ;  porque  elles  foraõ  os  Senhores 
daqueilas  terras,  &  tiveraõ  por  aqueiias  partes  muytos  Con- 
ventos, 


Livro  II.  Titulo  Wl.  103 

Ventos, &  Caftellos,  donde  fahi<õ  a  reprimir  as  entradas  aos 
Mouros.  Depois  na  extinção  defta  ilíuftre  ©rdem,  ainda 
que  fc  acabou  o  Convento,  fempre  perfeverou  a  Igreja,  &  fe 
continuou  a  devoçaõ,que  aquelles  povos  todos  tinhaô  a  hu- 
ma  devota  Imagem  da  Mãy  de  Deos ,  que  nelle  fe  venerava. 

Querem  algus  que  efta  Senhora  fofíe  ainda  muyto  mais 
antiga  que  o  Convento  dos  Templários,  &  que  eftesfunda- 
riaõ  o  feu  Convento  àfombra  daquella  milagrofa  Senhora. 
O  nome,  ou  o  titulo  que  antigamente  tinha,  (e  naõ  fabe;o  do 
Moftcyro  acquirio  por  caufa  dos  RcIigiofos,qaili  o  funda- 
rão dcbayxo^  da  protecção  da  mefma  Scnhora,dandclhe  o  ti- 
tulo do  Mofteyro ,  tal  vez  os  que  depois  da  íua  extinção  en^ 
tráraõ  na  póíTe  daquelfas  terras.  Fica  efte  Santuário  nos  li* 
mites ,  &  termo  da  Villa  de  Almcy da.huma  legoa  diftante  da 
mefma  Villa. 

He  efta  Santa  Imagem  de  efeultura ,  &  formada  em  pc* 
dra,&  pelo  que  fe  vé  della,fc  reconhece  a  fua  muy  ta  antigun) 
dade;  mas  perfeytiffimamente  obrada ;  a  fuaeftatura  faõcin- 
co  palmos.  He  muyto  grande  a  devoção  *  que  todos  aqucJIcs 
povos  circumvizinhos  tem  com  efta  milagrofa  Senhora  ,& 
aflim  coftumaõ  ir  algumas  vezes  no  anno  unidos  a  fefte  jal* 
la,&entaõ  levaõa^íuas  offertas,  &vaô  a  cumprir  osfeus 
votos.  Ve-fc  efta  Cafa  íituada  em  hum  campo  razo,  frefeo, 
&  alegre 


TITULO     XVII. 
Da  Imtgem  de  nqffa  Senhora  do  Amparo,  ou  dos  Meninos* 

HE  Maria  Santiífima  a  Mãy  da  vida  ,  &  a  May  de  todos 
os  que  vivemos  nefte  mi  fera ve!  mundo,cheyo  de  tan- 
tas mortes ,  &  de  tantos  perigos,  quantos  cada  dia  fe  experi- 
mentaõ;&  como  os  infantes,  &  os  meninos  necefôtemde 

hurra 


104  Santuário  Mariam 

huma  tal  Mãy ,  naõ  fabem  confervar  a  vida  fem  o  fcu  amparo» 
E  a  naõ  terem  hu  Anjo  de  guarda,  que  os  defenda  dos  infini- 
tos laços,  que  o  demónio  lhes  arma, para  lhes  tirar  a  vida,fo- 
faõmuytososq  acabarão  às  fuás  mãos.  Contra  todos  eftes 
laços  tem  os  meninos  ,  &  infantes  a  protecf  aõ  de  Maria  San- 
tiffima,que  he  a  Mãy  da  nofla  vida ,  &  de  todos  os  que  viveni, 
€jmt.    como  diz  Guarrico  Abbade :  Mater  Ytt* ,  f na  yfount  uni» 
ferm.  u  Verfi.  Efta  Senhora  os  defende ,  &  ampara  de  todos  os  laços 
&  A{m    com  que  o  demónio  os  pertende  privar  da  vida  temporal  ,  & 
pmfu    ajn(ja  pafl^ra  adiante ,  fe  pudera- 

Junto  à  nobre  Cidade  de  Lamego,  em  o  deftrito  da  Fre-, 
gueíia  da  Sé ,  fe  vé  o  Santuário  da  Senhora  do  Amparo ,  ou 
dos  Meninos,  aonde  fe  venera  com  grande  devoção  de  toda 
aquella  Cidade  huma  antiga  Imagem  da  Mly  de  Deos  ,  a 
quem  os  feus  prodígios  deraõ  o  titulo  de  noffa  Senhora  dos 
Meninos,  por  fer  a  protecçáõ,&  o  amparo  de  todos,  livran- 
do-os  de  todos  os  perigos,  de  que  elles  como  meninos  fe 
nãofabem  livrar.  Fica  efta  Cafa,  fcErmida  da  Senhora  fitua- 
da  fobre  o  rio  Balfcmão,  que  paíTa  por  dentro  da  Cidade ,  íc 
fica  muyto  vizinha  às  cafas  delia.  Sobre  a  origem,  &  princí- 
pios defta  Sagrada  Imagem,  &do  titulo,  que  de  prefente 
tenr,  dos  Meninos,  fe  refere  o  que  agora  diremos. 

Quanto  àantiguidade,he  efta  Santa  Imagem  muyto  an- 
tiga ,  &  venera  vafe  na  Sé  ,  em  o  Altar  ,  aonde  hoje  fe  venera 
a  Imagem  de  N.  Senhora  do  Rofario  Querem  alguns,  que 
feja  obrada  pelas  mãos  de  Nicodcmos ,  &  pintada  por  S.  Lu- 
cas. E  diz  o  Cónego  Manoel  Pereira,  (que  nos  fez  efta  rela-; 
çao  )que  aífimfe  achara  eferito  em  hum  livro  na  Cidade  de 
Lisboa  \  mas  naõ  dizem ,  donde  vcyo ,  nem  quem  a  trouxe  à- 
quella  Cidade  de  Lamego-  Também  querem  confirmar  a  o- 
piniaõ  de  fer  obra  de  Nicodemos ,  o  efta  r  fentada  em  hua  ca- 
deyra ;  mas  ifto  naõ  faz  nada ;  porque  muy tas  Imagens  anti- 
gas fe  veneraõ  nefta  forma, &  aem  por  iffo  !he  dão;a  cfte  San- 
to por  artífice ,  nem  a  Saõ  Lucas  por  pintor ;  mas  efta  tradi- 

Sa9 


Livro  II.  Titulo  XVII.  2 ©y 

Íaõnaõfaznada  j&affimtenhaò-namuy  to  embora  por  o- 
ra  fua. 

O  titulo  que  tinha  antigamente  era  nofiâ  Senhora  d® 
Amparo.  Tirou-a  do  feu  Altar  o  Bifpo  daquelta  Cidade 
Dom  Manoel  de  Noronha,  filho  de  Simaó  Gonfalvesda  Ca- 
roera,  Capitão  da  Ilha  da  Madey ra ,  o  Magnifico^foy  filha 
do  íegundo  Capitão  da  mtfma  ilha  por  mercê  dclRey  Dom 
Manoel  no  anno  de  1 508-  &  fua  mãy  foy  D.  Joanna  de  No- 
ronha ,  filha  de  D.  Gonçalo  de  Caífcllo  Branco,  Governador 
de  Lisboa  ,  &  Senhor  de  Villa  Nova  de  Portimão ,  &  por  de- 
voção que  tinha  a  efía  Senhora,  lhe  dedicou  huma  Cafa  pró- 
pria ,  que  he  a  Ermida  aonde  hoje  he  venerada ,  que  cif e  mef- 
mo  mandou  edificar.  E  porque  o  Altar  donde  a  tirou  ,  naõ 
ficaííè  fem  outra  Imagem  da  Mãy  de  Deos,  a  mandou  fazer  a 
Roma ,  &  vindo  de  lá  a  mandou  collccar  na  mefma  Capella, 
dandolhe  o  titulo  do  Rofario.  Quanto  ao  titulo  dos  Meni- 
nos, eíle  lhe  deraõ  os  muy  tos  milagres,  que  a  favor  delles 
obrava,  &  aflim  porque  os  livrava  de  todos  os  perigos,como 
amorofa  Mãy ,  que  he  dos  pequeninos  ,  &  innocentes  ,  lhe 
deraõ  efie  titulo  ,  ainda  no  trmpo  que  era  venerada  ema 
fua  Capella  da  Sé,  o  que  ha  ja  muy  tos  annos,  deyxando  o  an- 
tigo titulo  do  Amparo ,  como  de  primeyro  era  invocada.  O 
tempo  que  ha ,  que  fe  lhe  edificou  aquella  Ermida,em  que  ho- 
je he  venerada ,  naõ  confta  com  certeza.  Mas  como  o  Bifpo 
Dom  Manoel  de  Noronha  morreonoannode  1559.  feria  a 
edificação  alguns  annos  antes  da  fua  morte, 

He  efla  Santa  Imagem  de  N.  Senhora  dos  Meninos ,  de 
talha  de  madey  ra,&  eftofada,  &  cila  fentada  em  huma  cadei- 
rinha. E  por  fer  muy  to  antiga  ,&  fe  achar  o  eflo  fado  muy  to 
defmayado  nas  cores,  a  veítem  comroupasrruyto  ricas:  a 
cila  tura,  ou  altura  que  faz  cilando  fentada  fsõ  cinco  pal- 
mos. Tem  nos  braços ,  ou  fentado  fobre  o  regaço  ao  Meni- 
no Deos.  Feítejaõ  na  na  Dominga  infra  oitavada  feita  da 
fua  NatividadcQs  milagres  que  tem  obrado  naõ  fe  poder iaô 


aunas- 


2  o  6  Santuário  Mar  iam 

numerar  ,  &  fcos  lançarem  em  memoria^fe  podiaõfaztff 
muy  tos  volumes.  Porey  alguns  mais  modernos  ,  dos  que  fc 
referem  na  relação  ,  -jue  feme  deu  ,  porqucefteõ  vivos  os 
que  os  rírebéraõ  ,  &  que  foraõ  teOemunhas  de  vifta. 

A  Ermida  da  Senhora  eíiá  fundada  em  humfitio,  d@ 
<\uú  fe  defpenhãohumas  profandiííímas  rochas,ou  fragoas, 
( como  lá  chamão  por  aquellas  partes  , )  &  efías  lá  em  bayxo 
íaõ  crefpas  ,  &  agudas.  Por  entre  cilas  paffa  huma  levada 
para  hús  moinhos  ,  &  em  cima  junto  à  Ermida  ha  hum  terrei- 
ro pequeno ,  &  fem  refguardo  para  a  parte  do  rio,  &  do  ter- 
reiro pira  bayxo  eftáhum  grande  ,  &  altiflimo  defpenhadey- 
ro. Defte  lugar  cahio fobre  as  fragoas  huma  menina, que  an- 
dava brincando  ,  &  delias  deu  na  levada  ,  &  indo  por  cila  a- 
fcayxofoydar  no  açude  do  moinho,  &  mitagrofamente  fc 
deteve  alli.  Acudirão  com  mu v ta  preto  atiralla  ,  acháraõ- 
na  boa,  faã,&  fc.mlcfaô  ou  ferida  alguma ,  por  favor,  &  mer- 
cê da  Senhora  dos  Meninos ,  que  a  receberia  em  feus  braços, 
porque  naõ  era  potável  humanamente  o  deyxar  de  le  fazer  em 
pedaços,  coníiderandofc  o  lugar  aonde  deu,&  a  altura  de  que 
cahio. 

Pela  parte  de  cima  domefmo  rio  Balfemãoeííá  huma 
ponte ,  que  tem  em  bayxo  hum  grande  pego.  Eíla  ponte  ha 
poucos  annos  tinha  desfey tas quafi  todas  as  guardas,  &  pa- 
rapeytos,  &  aflim  era  muyto  arrifeado  o  chegarfe  a  gente 
aquellas  partes.  De  huma  deitas  cahio  hum  rapaz  filho  de 
Joaõ  Rodrigues  morador  a  Saõ  Lazaro ,  com  huma  ceítinha 
que  levava  no  braço ,  o  qu  ai  como  menino  fem  attender  ao 
perigo  chegoufe  mais  do  que  devia  ,  &  bem  podia  fer  que  o 
demónio  também  o  derribaíle  ,  6?  cahio  dentro  no  pego.   A- 
cudio  logo  muy  ta  gente ,  para  o  haverem  de  tirar,&  chega  n- 
do  abayxo  o  acháraõ  fora  com  a  ceita  no  braço  s  &  enxuto,na 
forma  em  que  eílava  quando  cahio.  Perguntáraõlhe  quem  o 
tirara  do  pego.  Rcfpondeo,  que  huma  mulher ,  fem  íaber  di*- 
ztr  outra  coufa ,  &  íç  çntendeo  tora  a  Prote&ora  dos  meni- 
nos, 


Livra  II.  Titulo  XVIL  20? 

nos  ,  que  le  naõ  dcfcuyda  cmlhesafliítir^&emosíivrarde 
todos  os  perigos  ,  em  que  podem  cahir» 

Huma  mulher  cafada  chamada  Anna  Pereira ,  morava 
junto  ao  chafariz  da  ponte ;  no  tempo  do  entrudo  ,  efíando 
cm  fua  cafa  com  huma  criança  nos  braços  ,  tomou  hua  quar- 
ta de  agua  na  maõ  ,  para  molhar  a  huma  peíToa  que  eftava  na 
rua  ,  &  lançou  da  janella  a  agua  com  tanta  força,  que  as  gra- 
des da  janelfa  ( que  parece  eraô  de  páo)  fe  foraô  à  rua  comei- 
la  ,&  quando  fe  imaginava  ficaria  cm  pedaços ,  &  a  criança, 
ambas  ficáraõ  livres  do  menor  perigo,  &  lefaõ ;  &  o  que  tam- 
bém he  para  admirar  ,  a  quarta  ficou  ixiteyra  com  agua.  Efla 
maravilha  obrou  também  a  Senhora  dos  Meninos ,  que  li- 
vrou a  mãy ,  &  a  criança  para  que  naõ  pcrigaííem. 

Andando  hum  pedreyro  deftelhando  a  Ermida  da  Se* 
nhora,  para  fe  haver  de  concertar ,  (8c  parece  que  fe  fegurou 
mal)  cahio  do  telhado  em  cima  das  ameyas  ,&  naõ  fe  poden- 
do aliifuflentar  veyoabayxo }  &  cahio  fobre  as  fragoas,  & 
rochas  do  rio;  quando  fe  entendeo  eflaria  feyto  em  peda- 
ços ,  fe  levantou  faõ  ,  &  fem  moleftia  alguma,  ou  pizadura. 

Pela  outra  parte  decima  domefmo  rio  Balícmão,  de- 
fronte da  Ermida  da  Senhora  efíá  huma  ferra  muyto  alra,  & 
toda  de  pedras, que  parece  eítaçem  folias,  &  ameaçando  hu- 
ma grande  r uina  aos  que  fiçaõ  em  ba yxo»E  na  raiz  deíle  mon l 
te  ,  ou  defla  ferra  ,  a  que  chamão  a  Tambureyra  ,  e-flá  huma 
rua  decaías  ,  aonde  cada  dia  efUõ  cahindo  penedos  do  mef-. 
mo  monte  ,  fem  fazer  dano  algum.  E  haverá  poucos  annos, 
que  vindo  hum  grande  penedo  defpenhandofe  pelo  monte  a- 
bayxo  >  ameaçandograndes  ruinas  nas  caías  pela  fua  defmc-» 
dida  grandeza  3  à  v-iíla  deite  grande  perigo  }  gritou  a  gente 
chamando  pela  Senhora  dos  Meninos,a  cujas  vozes  o  pene- 
do fe  fufpcndeo  ,  &  parou  nocurfo  que  trazia  ,  detendo-fc 
milagrofamenteemhumaíilveira,  dando  lufara  que  fs  re- 
para Ãè  o  dano  com  hua  grande  cova ,  que  lhe  fizer-aõ.  Muy- 
tos  outros  milagres  fepudéraô  referir  dos  quc.contmua*. 

mente 


"V 


i$8  Santuário  Mar  iam 

mente  obra  cfta  mifericordiofa  Senhora  a  favor  doâ  mora- 
dores daquella  Cidade ;  6c  principalmente  a  favor  dos  Meni- 
bos  ;  porque  he  notável  o  cuydado  com  que  efta  piedofa  Se- 
nhora os  ampara,  &  defende.  Deita  Senhora  fazmençam 
Cafpar  Frutuofo  na  fua  hifbria  das  Ilhas  tom.  2.  liv.  2.  cap. 
1 9.  &  diz  que  oBifpo  reedificara  a  Ermida  da  Senhora- 


TITULO     XVIII. 

^DamiUgrofa  Imagem  denofaSenbora  da  Ribsyrá  de 

Amoedo. 

EM  a  Freguefia  de  Cofloyas  termo  da  Villa  de  Numaõ, 
fe  véo  Santuário ,  &  Cafa  de  nofTa  Senhora  da  Ribeira. 
Fica  fituada  junto  a  huma  quinta  ,  ou  lugar  de  poucos  mora- 
dores ,  a  que  chamão  Arnozelo,  que  difta  do  rio  Douro 
dous  tiros  de  pedra,  &  da  Cidade  de  Lamego  fetelegoas. 
Quanto  aos  princípios,  origem,  íc  antiguidade  defta  Santif- 
íima  Imagem ,  o  que  fe  refere  he,  que  apparecéra  a  hum  vir- 
tuofo homem,  chamado  CyprianoRodriguez,  natural,  Sc 
morador  da  Villa  de  Numão,  (  fendo  cafado  com  Catherina 
Francifca,  fua  primeyra  mulher,  porque  cafou  três  vezes, 
a  fegunda  com  Ifabcl  Affonfo ,  &  a  tcrceyra  com  Maria  An- 
tunes ,  cm  o  anno  de  1 585. )  mandandolhe  que  lhe  edificaffc 
huma  Ermida ,  affinandolhe  a  meíma  Senhora  o  íitio,  que  era 
o  mefmo  lugar  em  que  a  Senhora  lhe  appareceo-  Querendo 
oventurofoCypriano  Rodriguez  executar  o  preceito,  & 
mandato  da  Virgem  Maria ,  por  nao  parecer  ingrato  àquellc 
fingular  favor,  que  lhe  fazia  j  a  mulher  Catherina  Francifca 
lho  contradiíTe  com  o  pretexto  da  fua  muyta  pobreza ,  com 
queviviaõ;  aífentando  também  ella  com  a  fua  pouca  devo- 
ção, que  a  vifaõ  feria  alguma  illufaõ  do  demónio ;  com  o  que 
íc  fufpendeo  o  marido  à  viíia  deíla  contradição. 

Suçcç- 


Livro  II.  Titulo  XVII I.  209 

Succedeo  logo  em  hurna  noy  te,  que  feria  a  feguínte,ef~ 
tando  ambos  na  fua  cama,  ver  o  Cy  priano  a  cafa  cheya  de  lu* 
zes ,  &  refplandores ,  &  ouvir  hurna  voz  que  lhe  fallava-  E 
defperrando  a  mulher ,  lhe  dífíe  ,  viífe  aquellas  luzes ,  &  ou- 
viiTe  a^uella  voz  ,  &  o  que  dizia.  E  ouvirão  ambos  a  voz  da 
Senhora «,  que  dizia:  Cy  priano  naõ  tcmas,faze  a  minha  Igre- 
ja junto  ao  lugar  de  Arnozelo,  aonde  te  affincy ,  que  eu  te 
ferey  propicia  ,  &  te  ajudarey  de  maney  ra,  que  nada  te  falte. 
Ouvindo  a  mulher  a  voz  naõ  reílflio  mais  ,  mas  veyo  em  tu- 
do o  que  o  marido  difpunha  em  ordem  à  edificação  da  Cafa 
da  Senhora ,  a  que  logo  tratou  de  dar  principio ,  a  juntande 
os  materiaes ,  &  as  mazs  couías  neceífarias. 

Era  efle  devoto  da  Senhora  muy to  pobre ,  &  tanto,  que 
todos  os  feuscabedaes  naõ  baitavaõ  para  encher  osalicer- 
fes,  &  fundamentos  daquella Ermida;  mas  a  Senhora  que 
lha  mandava  fazer,  lhe  podia  acudir  largamente  como  pode- 
rofa  que  hc.  He  efla  Senhora  em  nos  aíliftir  muvto  poderofa, 
&  rica  ,  &  muyto  mifericordiofa  ,  8r  por  tal  a  accUma  Hugo  fí   , 
Vitorino ,  dizendo :  Moneat  te  potentia  ,quia  quanto  poten-  /,-£.•; 
tior  7tanto  mifericordior.  He  efta  amorofa  Mãy,  &  Senhora  Miftrfj 
noíTa,  hurna  fonte  de  liberalidades,  &  defla  fonte  nafee  hum  2.  tit. 
riofemelhante  ao  Nilo,  como  diz  Ernefb  Pragenfe,  que         „, 
quando  hemayor  o  calor,então  corre  mais  abundante  ao  ali-  .  rne^* 
viodanoíTa  neceffidade:  ISMus  tnmaxmis  fervor tbus ,  ita  j^Iarc; 
Maria  m  maximts  necejfitatibus  JubVenire  folec.    Deulhe  wp.2$jj 
DeosaoCy  priano  grande  coração  para  executar  o  que  a  Se- 
nhora lhe  mandava,  &  tanto  lhe  augmentou  os  cabedaes,que 
pode  acabar  a  Ermida  com  toda  a  perfeyçaõ. 

Da  tradição  confia ,  &  também  do  leu  teíhmcnto  ?  que 
efteCy priano  Rodriguez,  fendo  muyto  pobre,  a  Senhora 
lhealcançou  da  Divina  liberalidade  tantos  bens  ,  que  viera 
á  morrer  rico ,  deforte  ,  que  fendo  antes  defíe  favor  da  Se- 
nhora pobre  ,  por  fua  morte  deyxou  afeus  filhos  cabedaes; 
Com  que  pudeífem  viver  limpamente,  &  fem  vergonha  do 
Tom- III,  O  íum- 


1 1  o  Santuário  Marlam 

mundo,  cumprindofe  nelle  o  que  do  Jufto  sffirroa  o  Profeta 
Rcy:  Non  'Vtdi]ujlumdereliãum>necfemen  e]m  querem  pa* 
nem.  Com  a  benção  da  Senhora  crecem  os  bens  àquel!es,que 
u  fervem  com  amtfr  ,  &  fidelidade. 

Refercfe ,  que  tendo  efle  homem,quando  deu  principio 
à  obra  da  Senhora,  hum  pouco  de  paõ  em  graõ  em  huma  dor- 
na ,  &  cm  huma  pipa  hum  pouco  de  vinho  ,  tanto  qusnto  ti- 
rava deftasvazilhas  para  os  officiaes  que  trabalhavaõ  nao- 
bra  da  Senhora,  ella  lho  augmentava  demaneyra  ,quefcm- 
pre  eilavão  providas  ,como  fe  nada  dcl/as  fe  tirafíe.  E  nos 
alguidares  cm  que  feamaíTava  ,  &  nos  taboleiros  cm  que  fe 
punha  o  paõ,fe  via,  que  a  Senhora  o  multiplicava.  E  no  mais 
continuaria  a  Senhora  com  a  fua  aífiftencia ,  dande lhe  tam- 
bém o  dinheyro  neceíTario  ,ou  movendo  aos  ricos  para  que 

0  ajudafíem.  E  aflfim  continuou  o  devoto  Cy priano  a  fua  o- 
brade  forte,  que  no  anno  de  1590.  eílavade  todo  acabada; 
como  fc  vé  de  huma  inícripçaô  que  eftá  em  huma  pedra }  que 
«fiá  aporta  principal  da  banda  de  fora,  que  diz  affiay. 

A  Cypriaõ  Rodrigue^  ,  que  mandou  fa^er 
etta  obta>no  anno  de  1590.  appareceo  nojfa 
Senhora,  Santa  Maria  da  Rtbeyra: 
fc  mais  adiante  eftaõ  tres  letras,  que  fe  entende  ferem  a 
Bomcdomeflre,  que  fez  a  obra.  Ena  Cruz  do  remate  do 
campanário,  que  fica  à  entrada  da  Igreja  em  que  eflaõdous 
fermofos  finos,  eílá  outra  infcripçaõ  que  diz : 

Em  1597.  me fe'<>  omeftre Joaõ  Lourenço  Trigo. 

1  no  retabolo  que  então  fc  fez,  também  eflaô  eftas  U- 
trás: 

Foyfeytoemióí^. 
Logo  que  o  Cy  priano  Rodrigucz  deu  principio  à  obra 
da  Gafada  Senhora  ,  mandou  fazer  também  a  fua  Santiffima 
Imagem.  Naõfe  refere  fe  logo  que  fefez  a  collocoucm  a 
wefma  Igreja,  que  fe  hia  fazendo, em  alguma  Capellinha  que 
garaiíTglefariíidemadcyra  ,  para  excitar  mais  a  deveçaõ  da 

Senhora 


Livro  II.  Titulo  XVIII.  1 i 1 

Senhora, ou  fe a collocou no  mefmoanno  de  çgo.  quando 
ella  fe  acabou.  Eftácoliocada  a  Imagem  da  Senhora  no  Al* 
tar  mór,  no  meyodo  retabolo,  em  hum  nicho;  &  oretabolo 
heao  antigo  dividido  com  columnas,  &  nos  meyosdos  cor* 
pos  pinturas  deexccllentc  mão.  Tem  a  Senhora  de  eíhtura 
quatro  palmos  &  meyo ,  he  de  efeultura  de  madeyra ,  &  ef- 
to  fada ;  mas  a  devoção  dos  que  eferevem  ,  para  mayor  vene- 
ração, &  reverencia  ,  atem  fempre  veftiua  de  ricas  roupas. 
Tem  huma  nobre  Irmand<ide,que  ferve  á  SenHora  com  gran- 
de devoção,  culto  ,  &  defpeza  y  &  denomina-fe  a  Irmandade 
de  noflã  Senhora  da  Pâbeyra.  Tem  efta  Irmandade  cinco  Ju- 
bileos  perpétuos ,  concedidos  á  cafa  da  Senhora ,  que  fe  ga- 
nhão em  varios-áias  do  anno ,  nas  feftividades  da  mefma  Se- 
nhora. E  tem  hum  Opellao ,  que  continuamente  lhe  aílifte, 
o  qual  tem  caías  em  que  vive  junto  á  Igreja ,  com  hua  cer- 
ca^ fonte.  Tem  também  aquella  Senhora  cafas  deromage 
para  recolhimento ,  &  abrigo  dos  muy  tos  Romeyros ,  que 
continuamente  a  vem  viíitar ,  &  venerar ;  &  para  affiftirern 
osquevema  ter  allias  fuasnovenas  naquellc  Santuário* 

Depois  que  efta  Cafa  tinha  cincoenta  ,ou  maisannos 
de  duração ,  a  reedificou,  ou  reparou  (porque  devia  de  ame- 
açar ruina)  ollluftriífimo  Bifpo  de  Lamego  D.  Miguel  de 
Portugal, da  cafa  de  Vimiozo^  Embayxador  Extraordiná- 
rio na  Cúria  Romana ;  &  affim  ficou  renovada,&  reedificada 
com  muyta  perfeyção.  He  efta  Igreja  tão  grande ,  que  pude- 
ra fervir  de  Matriz  à  Villa  mais  nobre  ,  &  populofa  ;  &  tudo 
foy  neceffario  á  grande  frequência  de  Romeyros,  que  todo 
o  anno  concorrem  a  venerar  aquella  grande  Senhora.  Tem 
efta  Igreja  três  portada  principal,  que  fica  ao  Occidente,  & 
duas  collateraes ,  hua  para  o  Norre ,  &  outra  para  o  Sul.  A- 
lém  da  Capella  mòr,  que  fe  divide  do  corpo  da  Igreja  com 
hum  fermofo  arco  de  pedraria  y  que  he  forrada ,  &  apainela- 
da  tem  mais  dous  Altares collateraes;hum  delles  dedicado  a 
Saõ  João  Baptifta ,  ôc  outro  a  Santa  Catharina;  tem  coro ,  ôc 

O  Z  boa 


*X1  ,        Santuário  Mar  iam 

boa  Sacrinia,com  outro  campanário ,  aonde eflava  fino,  p*2 
ra  ie  tocar  nos  dias  de  grandes  concurfos,  porque  fenaõ 
podia  então  pairar  a  tocar  os  outros  docampariarioprinci- 

No  retabolo  da  Capella  mor  re  vè  retratado  em  meyo 
corpo  o  meímo  Illuflríffimo  Bilpo  D.  Miguel  de  Portuga!, 
cm  que  fe  confirma  ferellc  oreíUurador  da  antiga  Ermida, 
ou  reedificador  da  moderna ,  cm  que  he  hoje  bufeada ,  fervi- 
da, &  venerada  a  milagrofa  Imagem  de  noífa  Senhora  da  Ri- 
beyra.O  CyprianoRodriguez  fezofcuttílamentoemoan- 
nu  de  1591.  &  no  de  1592.  fe  approvoua  i9.de  Mayo, dei- 
xou  parte  dos  feus  bés  á  Igreja  de  noffa  Senhora,  para  que 
rendciíem  para  as  obras  em  quanto  duraííem  ,  &  que  depois 
de  .e  acabarem  de  todo  ,  os  poíluirião  feus  herdey  ros.  Foz 
por  encargo  fe  lhe  diíTeíTem  em  cada  hum  anno  as  cinco  Mif- 
ías  de  Santo  Agoílinho,  &  hum  Refponfo.  Mas  ouvi  eftra- 
nhar  muy  to  o  de  fe  não  cumprir  hum  tão  limitado  encargo, 
que  poderão  fatisfazer  os  Capellães ,  pois  lhes  fez  cafas  de 
iobrado  em  que  viveíTem,  com  huma  cerca,  que  também  def- 
trutao.  Laftimofacoufa  ,  que  todos  os  bens  que  fedcaôás 
Igrcj  s,&  ao  augmento  delias,  os  querem  comer  os  que  os 
pouucm,  ou  os  que  fe  introduzirão  nelles,  como  benefícios 
iimpljces-  Foy  fepultado  o  devoto  CyprianoRodriguez  na 
tnefma  Igreja ,  &  á  vifla  da  Senhora ,  aonde  fe  vé  a  piedade 
com  que  cila  mifericordiofa  Mãy  ama  aos  feus  fervos,$  de- 
votos, pois  não  fó  em  vida  os  favorece,  &  regala ;  masesa- 
companha,  &  lhes  affiilc  na  morte  :  &  ainda  depois  da  morte 
es  não  aparta  da  fuaviílaj  mas  difpoemquc  eítejão  fempre 
na  fua  prefença. 

Os  milagres,  &  os  prodígios  queefla  Senhora  obra,faõ 
innumera vciV,  porque  faõ  fem  conto  os  mortos ,  que  refuf- 
citou ;  o*  cegos  a  que  tem  dado  vifla  ;&  os  mudos  de  naci- 
uicntoque  receberão  falia;  os  coxos,  &  mancos,  a  quem  deu 
intcyra  faude :  finalmente  não  ha  achaque,nera  enfermidade, 

que 


Livro U.TituloWm.  %n 

que  não  fuja  ,ôtdeiappareça  á  invocação  do  Santiffimo  no- 
me da  Senhora  da  Ribcyra.  Eaflimhe  a  fua  Ca famuy  to  fre- 
quentada de  romages ;  porque  de  varias  ,  &  diflantes  partes 
vem  todos  a  bufear  a  efta  piedofiflima  Mây  dos  peccadores, 
&  a  ter  novenas  na  fua  prefença ,  a  cumprir  os  feus  votos ,  a 
fatisfazer  as  fuás  promcffas,  &  a  darlhe  as  graças  pelos  grã-^ 
des  favores,  que  dcíla  receberão. 

Sc  todos  os  milagres  que  eíta  Senhora  tem  obrado  fe 
efcrcvèrão,  parece  que  não  haveria  livros  em  que  coubef- 
fem.  Muytosd:ítes  fe  acharão  lançados  em  hum  livro  (por- 
que nos  princípios  parece  ouve  maiscuriofídade;ou  porque 
não  haveria  tanta  ambição  de  recolher  as  offertas  \  fc  atten- 
deria  mais  á  gloria  de  Deos  >  &  ao  louvor  da  Senhora  da  Ri- 
beyraobradoradelles)  queodeícuydo  dos  Capelláes  dey- 
xou  quafi  perder  de  todo ;  porque  fe  vè  hoje  todo  podre ,  6c 
dos  muytos,  que  ainda  fe  podiaô  ler ,  de  que  fe  me  aponta- 
rão cincoenta  todos  prodigiofos,  referirey  alguns  ,  &  feja  * 
primeyro. 

Da  Villa  de  Trancofo  trouxeraõ  á  Senhora  hua  moça 
pofíuida  do  demónio  ,que  muyto  a  maltratava ,  &  affligia ;  a 
cita  deyxou  logo  o  immundo  efpirito ,  aflim  como  a  puzerão 
á  viíia  da  Senhora;&  por  final  de  que  a  deyxava  para  fempre* 
lançou  hua  conta  criítalina . 

De  Villa  Real  trouxerão  feus  pays  a  hum  menino  mu« 
doànativitatc,  offereceraõ-no  á  Senhora  ,&  pediraõ-lhe, 
que  por  fua  piedade  /he  quizeífe  dar  falia ,  a  Senhora  lha  ref- 
tituíologo;  de  que  feus  pays  alegres ,  &  obrigados  deráo  as 
graças  á  Senhora. 

Huma  menina  filha  de  Francifco  do  Rego ,  morador  na 
Villa  de  Sandin ,  eflando  já  morta :  fentidos  feus  pays  da  fua 
falta  invocarão  a  íbberana  Emperatriz  do  Ceo  ,  a  Senhora 
da  Ribeyra,&  por  fua  interceflaõ  a  refufeitou  noífo  Senhor, 
de  que  lhe  forãoadaras  graças,  &  a  ofFerecer  amortalha- 
HCia  mulheç  dç  Çaftromil  do  Reyao  de  Galiza  chama- 
Tom,IIIf  O  $  da 


2*4  Santuário  Moviam 

da  Catharina  Fernandes  :  depois  de  morta  ,&- amortalhada 
chamarão  pela  Senhora  da  Ribeyra  aquelles,  a  quem  a  fua  vi- 
da fazia  muyta  falta  ;&  amifericordtofa  Senhora  ouvioas 
fuás  petições,  &  lhe  reftituioavida  ;&  em  acção  de  graças 
de  rão  grande  benefício  j  mandou  à  Caía  da  Senhora  amor- 
talha. 

A  Jeronymo  Fernandez>&  a  fua  mulher  moradores  em 
Vai  de  Godinho  ,  termo  ia  Vilía  de  São  Joaõ  da  Ptíqutyra, 
defappareceo  hu  filho  menino  drt  dous  annos  ,  &  fe  toy  quafi 
meya  legoa  por  hnrws  lerras  altiíTlmas  ,  &  muytu  perigolas 
que  alSi  ficâo  viz"n.rus  ao  lugar. E  fazendo  os,  p*ys  excitas  di- 
ligencias por  elle,  foy  depois  demuyto  tempo  achado  na: 
maisaltadaquellas  ferras.  E  perguntandolhe  depois  os  pays 
aonde  eflivera,(quandooacháraõfap,&  (alvo;  refponaeo\ 
c&TO  mais  propoflto  do  que  fe  efpçrava  dos  feus  annos.  Que 
com elle eftivera  húa  mulher  muyto  fermoía.  E  fe  enttndea 
cjueera  a  mifericordiofa  Senhora  da  Rifey  ra,aqtó  feus  pays 
o haviaô  encomendado,  &  promettido  de  lho  pezarem  a  tri-, 
go.  E  sffim  o  faraó  cumprir,  &  darlhe  as  graças. 

Andando  António  Affbnío  compondo  huraa  Azenha^ 
que  ficava  ahayxo  do  íitio  da  Senhora  da  Rrheyra  ,  foy  p«b 
$$  ella  humfílhinho  de  cinco  annos,  &  cahio  no  rio  Duuro* 
íem  o  pny  o  ver,  fenão  depois  que  hia  já  pdo  rio  afraÍM).  Af-, 
fim  veílido  como  efbva  fe  lançou  á  agui  ,&  vendo  que  fea- 
í«gava,  fe  paífava  rmis  adiante,  fe  retirou,  &  começou  a  cha- 
gar pela  Senhora  da  Ribeyra  ,  pedindolhe  lhe  vajdfc  ,  &  lhe 
livraffe  o  menino,  &  que  elle  lho  promettia  pezadoa  trigo, 
&  foy  continuando  pelo  rio  abayxo  chamando  femp  repela. 
Senhora.  Foy  o  feguindo  quaíi  meya  ltgoa-,  quando  outro 
Moleyro  compadecido  do  menino,  &  do  pay  fe  lançou  ao 
*io,  &  tirou  ao  menino  livre  ,  faò  ,&  falvo  á  viíte  de  muyta 
gente,  que  havia  concorrido  ás  vozes  que  o  pay  dava;  &  tor 
dos  deraõ  as  graças  á  piedofa  Mãy  dos  peccadores  ,a  Senhos 
*a -da  .Ribeyra,  que  por  fua  imerceffaQ  efeapára  o  menino  cõ 
Yida-  Eíten: 


Lhro  II.  Título  WI1I.  1 1  f 

Eítando  Mariana  Teyxeyra  mulher  de  Domingos  No- 
gueyrada  Villade  Saôjoãoda  Pefqueyra,  onze  dias  de  par* 
to,  com  a  criança  atraveffada  ,  &  hum  braço  de  fora  por  on- 
de havia  fido  bautizada  ,&  eítando  com  todos  os  íinaes  de 
moribunda  ,&com  os  Sacramentos/iefenganadade  poder 
cfcap^rdo  perigo  com  vida  ,aílim  pelo  parecer  do  Medico 
Domingos  Dias ,  como  de  feu  marido  ;  que  era  Cirurgião: 
eítesfereíolviaôaabriUapara  lhe  tirarem  a  criança  morta. 
Neíte  tempo  cahio  a  mulher  defunta  nos  braços  da  Partey- 
ra;&  chamando  o  marido  duas  vezes  pela  Senhora  da  Ribey- 
ra,  na  ultima  lançou  a  mulher  a  criança  viva ,  &  livre ,  5c  a 
mãy  ficou  faã,  &  falva.  E  referio  o  marido/que  quando  invo - 
cara  a  Senhora  da  Ribeyra,!he  pareceo  que  ouvira  dar  à  mu* 
iher  hum  eítallo :  iíto  mefmo  affirmou  diante  da  Senhora, 
indo  adarlheasgraças. 

Por  hum  continuo  milagre  fe  tem  a  paíTagem  do  rio 
Douro  no  lugar,  que  fica  junto  á  Cafa  da  Senhora,a  que  cha- 
mão  o  Cachão ,  aonde  em  o  porto  que  alli  faz  ,que  he  arrif- 
cadiffimo , eftá  hua  barca,em  que  fe  parta  de  huma  para  a  ou* 
tra  parte.  E  fendo  aquelle  lugar  arrifcadiífimo,  não  ha  lem- 
brança de  que  ouvefTe  nelle  algum  perigo  ,  ainda  que  ouve 
muy  tas  occafióes  arrifeadiffimas  cm  que  os  pode  haver  ,-&  em 
que  a  Senhora  moítrou  os  feus  grandes  poderes ,  &  tudo  fc 
attribue  á  milagrofa  protecção  da  Senhora  da  Ribeyra;  por- 
que ella  he  a  que  defende  a  todos  os  que  alli  paiTaõ.  E  deites 
prodígios ,  que  aqui  fuccedèrão,referirey  também  três  que 
farão  notáveis,  entre  os  muytosque  fe  podiao  referir. 

PaíTando  os  Barqueyros  Gafpar  Alvares,  &  André ,  fi- 
lho de  Joaõ  Gonçalves  de  Algondofres ,  o  rio  Douro  com 
feíTenta  carneyros  na  barca  chamada  nofía  Senhora  da  Ri- 
beyra ,  que  anda  naqudíe  fitio ;  &  defeahindo  a  barca  com  a 
força  da  corrente  das  aguas  ,  foy  a  dar  no  meyo  do  Cachão, 
que  he  alli  muyto  grande,  &perigofo,  &  vendoíe  nelle  os 
barqueyros  perdidos  chamarão  pela  lua  Senhora  daRibty- 

O  4  *H 


t\6  Santuário  Mar  iam 

ra,  &  a  Senhora  os  livrou ,  &  fahirão  do  perigo  fem  perda  at* 
gunna. 

Em  outra  occafíaõ  indo  as  mulheres  dos  barqueyros 
Pafchoal  Lourenço,  &  Pedro  Alvares  a  partar  a  Pedro  Gon- 
çalves do  Scyxo ,  que  vinha  com  três  cargas  de  lã ,  fe  lhe  foy 
a  barca  pelo  Douro  abayxo  j  &  pafTando  o  Cachão  fe  voltou  a 
barca  de  cima  parabayxo?ou  de  boca  abayxo,  com  as mu- 
lheres^ beflas  ,  &  facas  de  la,  como  mais  que  hia  na  barca} 
&  pelos  merecimentos,  &  favor  denofía  Senhora  da  Ribey- 
ra,tudo  tornou  acima  da  agua,  &  todos  fahiraõ  a  terra  livres, 
&  pegados  aos  remorda  barca. 

PaíTando  em  outra  occafíão  a  barca ,  que  alli  ha  de  paf- 
fagemcommua,&  chegando  á  vea  da  agua  com  cinco  pcf- 
foas ,  &  quarenta  cabeças  de  gado ,  fe  foy  a  barca  ao  fundo 
como  pefo;&  fem  appareccr  peíTòa  alguma ,ncm o  gado:  pa- 
rece que  vendofe  os  que  hião  na  barca,  no  perigo  em  que  cf- 
tavão,que  invocarão  a  Senhora:  o  vclla  os  livrou  a  todos  do 
naufrágio  5  porque  fe  não  diífcíTe ,  que  no  porto  que  eilá  dc- 
bayxodo  feu  amparo,  &  protecção ,  fem  que  elles  o  previf- 
fem,  os  qiiiz  livrar :  porque  todos  efeapárão  do  perigo ,  ôc 
nem  híia  fó  cabeça  de  gado  faltou.  Seja  cila  muyto  bemdita 
para  fempre,que  com  tanta  piedade  attende  aobcmdospec- 
cadores,  amparando  os,  &  defendendo- os  de  todos  os  pe- 
rigos. 

PaíTando  o  Sargento  mor  do  Confelho  de  Numão  Feli- 
ciano de  Amaral  de  Soufa,  &  João  Mendes  do  Pafíb  do  Cou- 
to, o  rio  Douro  no  porto  da  Senhora  da  Ribeyra ,  hia  o  rio 
com  tanto  impeto,  que  por  mais  que  os  barqueyros  forceja- 
rão, para  cortar  a  vea  da  agua,  não  lhes  foy  poflivel ,  &  aífim 
foraõ  levados  ao  Ochaõ  :  &  quando  já  fe  viaõ  de  todo  perdi- 
dos, chamarão  pela  Senhora  da  Ribeyra  ,  para  que  lhes  va- 
lei^ &eí}-.ndoemo  ultimo  ponto  de  fe  perderem,  queren- 
dofe  lançar  ao  rio,  não  a  nadar,  mas  a  perderfe  ,a  Senhora 
guiou  a  barca,  &  fahirão  a  terra  livres ,  de  que  forão  a  dar  as 


Livro  11.  Tituh  XIX.  u? 

graças  á  Senhora }  por  lhes  conceder  as  vidas  >  que  julgavaõ 
já  por  perdidas. 

Fora  nunca  acabar  fe  ouveífemos  de  referir  os  milagres, 
&  maravilhas  que  a  Senhora  da  Ribeyra  de  Arnozelo  temo- 
brado.  Na  Capella  mòr  fe  vem  uiuy  tos  quadros ,  em  que  ef- 
tão  pintados  muytos  dos  fucceíTos  milagrofos  daquelles, 
que  a  piedofa  Mãy  de  Deos  livrou  de  differentes  perigos  ,8c 
trabalhos,  &  nas  linhas  da  Igreja  fe  vem  pender  hua  gran- 
de quâtidade  de  mortalhas.  E  fe  ouvera  de  prefente  mais  cu- 
riofidade,  para  fazer  memoria ,  &  eferever  as  grandes  mara- 
vilhas deita  Senhora ,  ferião  neceíTaríos  pata  iífo  muytos  li- 
vros. Na  mefma  Capella  fe  vem  também  outros  muytos  fi- 
naes,  &  memor/as  de  cera ,  como  cabeças,pernas,  braços  ,co~ 
rações,  &  outras  mais  detfe  argumento :  que  eíiaõ  tefiemu- 
nhando,  em  que  aquella  Cafa  he  hua  pifeina  de  íaude ,  &  hua 
oíHcina  de  maravilhas  da  Mãy  de  Deos-  Da  Senhora  da  Ri- 
beyra de  Arnozelo  faz  memoria  o  Licenciado  Francifco 
Nunes  em  hua  relação,  que  fenos  deu  por  intervenção  do 
muy to  Reverendo  Provifor  doBifpado  de  Lamego  ^  &d« 
outras  mais  que  fe  nos  deraõ* 


TITULO     XIX. 

©*  MÍlagrofa  Imagem  de  wjfa  Senhora  das  NeVes,  da 
Villa  de  Almeyda. 

NA  Igreja  Matriz  da  Villa  de  Almeyda ,  que  hc  dedica- 
da á  Rainha  dos  Anjos  debsyxo  do  titulo.,  &  invoca- 
ção das  Candeas,  ou  da  Purificação; porque  fe  fefleja  efía  Se- 
nhora no  dia  em  que  (  fendo  puriffima )  quiz  por  fua  rara  hu- 
mildade^ fatisfazer  a  obrigação ,  que  pagavaõ  aquellas  que  o 
naõeraô:  neíla  Igreja  fe  venera  huma  milagrofa  Imagem  da 
meíma  Rainha  dos  Anjos  cõ  o  titulo  das  Neves,  Efía  fagrada 

Ima- 


1 1 8  Santuário  Máriãm 

Imagem  cflá  collocacfe  cm  huaOpella  do  mefmoTemplo^ 
aonde  hebufeada  dos  fieis,  pelas  muytas  maravTlh2s,queo- 
bra  a  teu  favor ,  ôc  atíim  concorrem  todos  os  moradores  da- 
quella  Viila  com  fervorofa  devoção  a  fervilla,  &  a  veneralla. 

De  fua  origem, 5c  princípios, fenaõ  pede  inveíttgatf 
noticia  alguma  ;  eonfh  fer  de  tempo  immr  moria!  a  grande 
devoção,  com  que  eíia  Sant«flima  Imagem  he  venerada- E  fó 
fe  conferva  por  tradição ,  de  que  vindo  hum  Bifpo  daqutíla 
Diocefi  de  Lamego , aonde  a  Villa  de  Atmeyda  pertence, por 
ficar  no  feu  deftrito;  o  qual  vendo  a  Santa  Imagem  da  Senho- 
ra ,  que  pela  fua  muyta  ancianidade  já  tinha  alguma danifi- 
cação da  traça,  &  caruncho ,  julgando ,  que  naô  era  tem  ef- 
tiveííe  exporta  á  veneração  dos  fieis  com  aquellas  faltas, 
mandou  que  (e  enterraífe  ,&  fe  fizefle  outra  nova  Imagem. 
Dizem  que  ouvindo  fe  efta  refoluçaõ ,  &  fentença  do  Bifpo 
contra  a  Santa  Imagem :  acudira  hua  boa ,  &  virtuofa  velha, 
que  lhe  pedira  o  naõfizefíe  j  por  quanto  aquella  Santa  Ima- 
gem era  muyto  milagrofa ,  &  tinha  com  ella  grande  devoção 
todo  aqutUe  povo  :  &  que  á  vifta  da  fua  petição  íufptndéra 
o  mandato,  deyxando-a  ficar,  como  eftava.  No  dia  ft  gumté 
amanheceoa  Santa  Imagem  toda  renovada  divinamente^  co- 
mo ainda  hoje  fe  vê.EflaTie  a  tradição  que  os  velhos  de  mais 
de  noventa  aoaog  ,  refeiíem  ^Sctambem  a  de  que  fempreo- 
brára  maravilhas.  Porem  para  fe  faber,  de  que  el!a  obra  com 
a  f»a  interceífaõ  muytas  ,  não  fera  neceíTario  que  os  velhos 
de  muytos  annosassefiraõ;  porque  todos  es  diasfeeftam 
eftas  vendo. 

Quando  aquella  Villa  experimenta  ncceííidades  publi- 
cas, afira  de  falta  de  agua ,  como  quando  eftas  por  muytas 
impedem  as  efperancas  dos  frutos  :  recorre  aquelle  povo  á 
Senhora  das  Ncves3&  tirando-a  em  prociíTaõ  pelas  rim  da- 
quella  Villa,  com  eíia  diligencia  lhes  acode  o  Cco  benigna* 
mente.  E  tem  fuecedido  muytas  vez?es  ,quc  tirando  a  da  fuâ 
Caía,  em  o  dia  da  smyor  calma,  naò  fe  poder  recolher  a  prò- 

ciífaõ, 


Ctfà&jC®W*wuytz  ?gua  t  que  logo  ohpveo. 

Eílá  cila  Santa  Imagem ,  como  fica  dito,  em hua  Capei  - 
\a  das,  daquâk  Templo  A  íua  eftatura  he  de  fe»  palmos ,  & 
Éncyo,hede  ror.a,&  de  vertidos:  ftm  embargo, de  fe  verncl* 
Ul grande  m^gçítadfc*  vç-fe  tambçm  fer  obrada  ha  nnuytos 
annoii ,  que  poderia  fçr  pouco  depois  darpovo~3çáodaquella 
Viila.  A  íua  Capcliaeíl^  toda.  cuberta  dos  ú naes,&meroo-- 
rias  das  maravilhas.,  que  t  :m  obrado  j  como  faõ  mortalhas, 
&  outras  comas  deíia  qualidade. 


i 


TITULO     XX. 

5D#  tni&gwfalwg?}n  íá  H0Í5| Senhau,  do  Loreto da 

Yilla  de  ÂUneyda, 

ALém  dos  Cor>yej(tfos  rçfcridos  nestes  noffbs  S.mtua.-. 
1 10&, ÃcÇaí^s dedicadas,  a  noffa  Senhora  dtbayxoda 
titulo  de  Loreto  ,  fe  vè  também  em  a  Yilla  de  Almeyçía  ode 
Religiofas  Tercey  ras :  o  qual  começando  no  lugar  da  Nave, 
xm  o  termo  da  Yilta  do  Sabugal,  de  pois  por  cáúfa  das  guer- 
ras  íe  paflbu  á  Y$la  referçjçU  fó  AWida.p  afino  em  que  foy 
a  mudança  naô  confia;  masfabe-fe  que  já  noannode  J554. 
fe. yivia  ncflc  Convento  de  Almeyda.com  tant^  reformação, 
quedelle  fahiçaõ  asFundadocas  para  o  Convento  da  Villa 
de  S.Vicente  da  Beyra.Tudoiflo  podemos  crer  fer  favor  da 
pwkrofa  protecção  da  Seahrjta do  Loreto,  Patrona,  & Pra^ 
tedora  daquelle  Convento. 

No  anno  de  1644.  vendo- fe  aquellas  Religiofas  em 
grande  pobreza,  &  neceflldade  por  cauía  das  guerras,&  fal- 
*a  das  rendas,  que  lhe  andavao  ufur padas  ,  &  outras  que  ti- 
nhao  em  Ciudad  Rodrigo,  de  que  não  o;bravaõ  nada,  fc  re- 
fplveo  a  mayor  parte  daquella  Comunidade,  a  ir  para  Avey- 
ro,  aonde  fundarão  o  Convento  da  Madre  de  Deos.  E  taq^ 

bem 


1 1  •  Santuário  Mariant 

bem  fe  deve  ter  por  favor  da  mefma  Senhora  o  bom  fuecef- 
fo  que  tiveraõ^que  como  piedofa  Mãy  não  faltou  cm  lhes  af- 
fiíHr,  &  em  as  acompanhar^  em  as  favorecer  com  todos  os 
bõs  fucceíTos  7  que  tiveraõ. 

Ficáraõ  na  companhia  da  Senhora  do  Loreto,  no  Con-, 
vento  de  Almeyda ,  alguas  velhas :  a  eftas  affiííio  a  Senhora 
maravilhadamente ;  porque  como  quem  lhes  moflrava  fe  pa- 
gava de  que alh em aquelle  lugar  afervííTem,&louvaírem, 
fez  que  feu  Santiífimo  Filho  movcfíe  a  aíguas  Donzellas  ,a 
que  quizeíTem  ir  a  fervillo  naquella  Tua  Cafa ,  &  com  os  bõs 
dotes  que  trouxerão  fe  remediavaô  as  neceffidades :  &  naõ 
fóifto  obrou  a  Senhora;  mas  também  fez  ,  que  fe  lhe  refti- 
tuiífehua  grande  quantidade  de  alqueyresde  pão,  que  lhe 
andava  fonegada,  com  o  que  ficou  a  Cafa  muyto  melhorada 
paraofuftentodasReligiofas.  A  Senhora  do  Loreto  íe  ve- 
nera em  o  feu  Altar  mor ,  &  com  ella  principalmente  tem  as 
Rcligiofas  muyto  grande  devoção*  Da  Senhora  do  Loreto 
efereve  Jorge  Cardofo  no  feu  Agiologio  Lufítano  tom.  3.  a 
16.  de  Junho  pag.  708» 


— - 


TITULO     XXL 

7)a  milagrofa  Imagem  de  mjfa  Senhora  de  Cali^  >  da  Fre- 
guefia  de  S.  CbrijtoVaõ  de  Nogueyra. 


N 


Os  limites  da  Frcgueíia  de  S.  Chriftovão  de  Noguey- 
A  t  ra  em  o  Bifpado  de  Lamego  ,  de  donde  difta  duas  Ic- 
goas  ,  fe  vé  ao  pé  de  hum  monte ,  taõ  alto ,  que  dclle  fe  vè  a 
Cidade  do  Porto ,  ( que  lhe  fica  em  diflancia  de  algumas  dez 
legoas,  &  muy ta  parte  do  mar  Oceano )  a  Cafa  3  &  Santuário 
de  noíla  Senhora  deCaliz:  Cafa  de  grande  devoção  ,&  de 
muy  ta  romagem.  He  tradição  confiante,  que  cfh  Cala  da  Se- 
nhora fora  anttguamcnte  a  gFrcuefia  ,&  Igreja  Matriz  da- 

quelUs 


Livro  U.  Titulo  XXL  m 

tjueUes  lugares ,  aífim  de  São  Chrifiováo  de  Nogueyra ,  co- 
mo  de  Santiago  de  Piaens,  &  hoje  he  por  ef  ]a  caufa  annexa  a 
ambas  eílas  Parcchias.  Ecom  a  grande  devoção  ,que  tem 
com  tila  Senhora  os  Parochianos  de  hua ,  &  outra  Fregue- 
íia,  fe  aíliíle  á  Senhora  com  fervoroía  y  &  devota  emulação. 
E  afllm  lhe  rccdíficársõ  a  fua  Igreja ,  ampliando-a  mais ,  fa- 
zendolhe  hua  nova  ,  5c  perfeyta  Capella  mor  ,  &  SacrifHa  , 
eom  hum  retabolo  ac  moderno,  que  ainda  não  eflá  dourado. 
A  tradição  da  origem  defta  milagrofa  Imagem  da  Mãjr 
de  Deos ,  referem  os  Parochos ,  &  as  peflbas  velhas  de  mais 
fuppofiçãodaquelIaFrcgueíiade  Nogueyra,  dizendo, que 
erta  Imagem  da  Senhora  viera  da  Cidade  deCadiz,  ema- 
quelle  tempo  em  que  os  Mouros  a  tomarão ,  &  que  deita  Ci- 
dade fugindo  os  Chriflãos  atrouxeraôcomfigo,&  vieraS 
a  dar  naqucllas  terras,  parecendolhes,  que  allificarião  livres 
daquelle  geral  açoute,  que  padecco  Heipanha  no  Império 
dos  Godos,  &  perda  delRty  D.  Rodrigo.  E  que  naquelle  lu- 
gar a  vencravão  em  as  raizes  daquellc  monte  ,  aonde  lhe  fa* 
riaõalgua  Ermida.  Ficava  efla  junto  ao  Caítello  dcSamfins, 
formado,  ou  edificado  em  hum  penhafeo  tão  forte  por  natu- 
reza ,quche inexpugnável.  Nefte  meímo  lugar  parece  que 
a  cccultárão  depois  ,  quando  os  Mouros  não  contentes  com 
o  que  haviaõ  tomado  na  Heípanha,fe  vieraõ  fazendo  fenho- 
res  de  todo  Portugal ;  o  que  fizeraõ  entre  huns  grandes  ma- 
tos ,  &  brenhas  muy  efpeíTas *  de  que  ainda  hoje  dizem  algus 
velhos  muvto  antigos  daquella  Fi  e^uefia ,  alcançarão  ainda 
alguns  raítos  delles-  O  que  já  hoje  nao  ha  5  porque  tudo  eftá 
aberto,  &  cultivado-  E  querem  confirmar  cfta  tradição ,  com 
o  que  refcriohum  António  Morevra  ,  o  Sevilhano  de  a!cu- 
nha,(apellido  tomado  de  haver  aílí ilido  mwitos  annos  na  Ci- 
dade de  Sevilha)  ao  Revtor  de  S,Chriftov?õ  de  Nogueyra 
Scbaftiaõ  Cardofo  Soares.  De  que  cm  Sevilha  havia  memo- 
rias, &  papeis  ,por  onde  confiava,  que  huma  Imagem  de  nof- 
fa  Senhora  ,<juehe  a  de  Caliz,  fora  venerada  na  Cidade  de 

fcadiz:> 


tu  Santuário  Mariano 

Cadiz,8c  quede  lá  viera  para  aqudlas  partes  de  SaõChrif- 
t-ovap  de  Nogueyra.E  diz  o  Reytor  que  tinha  efla  noticia  por 
verdadeyra.  E  querem  que  o  nome  Caliz  eíleja  corrupto, 
havendo  de  dizer  Cadiz.  Ainda  hoje  fe  chama  aquclle  fitio 
acnde  a  Senhora  a ppareceo,os  montes  da  Senhora  de  Caliz. 

Naõ  confia  (por  incúria  ,&  nrgTigcncia  dos  Portuguc- 
zes)  do  tempo,ncm  do  modo  com  que  a  Senhora  íc  mani fef- 
fou,nem  aquém;  p;;diabemier  foífe  a  algum  paftorinho; 
que  eftes  com  a  fua  fíngeleza  merecem  eftes  favores.  Logo 
Cm  a  occafiaõ,  em  que  a  Senhora  appareceo^coroeçou  a  obrar 
muytas  maravilhis^quc  a  ingratidão  com  q  os  homês  as  fou* 
beraõ  eftimar ,  &  agradecer,  leria  a  caufa  de  que  tilas  fe  fuf* 
pendeffem  por  muytos  annos;  o  que  muytas  vezes  temos 
viftoem  Santuários  muyto  notáveis,  que  já  hojecííaõ  ef- 
quecidos.  Mas  como  a  Mãy  de  mifericordia  conhece  a  nofla 
ignorância,  &  miferia,  renova  para  com-nofcoos  feus  anti- 
gos favores  j  ainda  que  lkos  naõ  faybamos  merecer ;  como 
fevio  em  o  grande  milagre  ,que  obrou  a  favor  de  Manoel 
Pereyra,  filho  de  Rafael  Pcrcyra  de  Samfins,que  eílando  taõ 
alcijado,quc  fe  nio  podia  mover,  fenaõ  cm  duas  moletas.  Ef- 
te citando  ( pelos annos  de  1680.  pouco  mais, ou  menos) 
dormindo ,  fonhou  que  a  Senhora  de  Caliz  lhe  apparecia ,  8e 
lhe  dava  faude.  Edef^ertando-o  Manoel  Pereyra,  provando 
fcera  fó fonho  que  fonhára , achou fer  mifericordia  ^fa- 
vor muyto  grande  de  nofla  Senhora ;  porque  lhe  naõ  foraõ 
mais  neceflàrias  as  moIetas;&  aílim  com  ellas,naõ  para  fe  ar- 
rimar I  mas  para  as  ir  a  offerecer  a  noíTà  Senhora,  fe  foy  a  fua 
Cafa  a  dirlhe  as  graças,  &  lá  lhas  pedurou  para  teftemunho, 
&  perpetua  memoria  da  maravilha  obrada  paracomelle. 

Com  eíte  grande  favor  ,5c  merce,  que  a  Senhora  de  Ca- 
Uz  fez  a  efte  homem ,  fe  avivou  a  fé ,  &  crefceo  a  de  roçam 
tanto,  que  faõinnumeraveis  asmaravilhas  ,&  os  milagres, 
que  a  maõ  de  Deos  hoje  obra  naqudla  Caft  pela  interceífaô 
da  Rainha  da  Gloria  j  de  que  dão  teílemunho  os: quadros  d* 

Pintu: 


Livro  ILTitnlo  XXL  u$ 

pintura ,  que  íe  offcrccèrâo  á  Senhora ,  &  as  mortalhas  de 
pefloas/jue  fe  coníldcrarão  fem  vida,  ou  fem  efpcranças  del- 
ia, as  quaes  por  interceífaô  de  noíTa  Senhora  de  Caliz  e [ca- 
parão do  perigo^  melhorarão  de  fuás  enfermidades^  ou- 
tros muy  tos  íinaes,&  nremorias  de  cera  fe  vem  também,  que 
eflaô  apregoando  os  favores,&  as  maravilhas  de  Deos  obra- 
dos naqueSle  Santuário  da  Senhora  de  Caliz. 

No  rio  Douro  ha  hum  pego  >  que  chamáo  dé  Cárdia y  & 
fica  entre  a  Frcgueíia  de  Santa  Maria  de  Penha  Longa ,  &  a 
de  Santiago  de  PiaenS  ,  o  qual  fica  á  vifta  drj  monte  de  nafta 
Senhora  de  Caliz,  &  aonde  eílá  a  fua  Ermida.  Neite  pego 
havia  muy  tos  perigos  nos  que  navega  vão  o  Douro.  Na 
mefmo  limite  do  pego  appareceo  huma  Imagem  daMãyde 
Deos  ,na  mefma  forma  que  fe  coftuma  pintar,  ou  obrar  hua 
Imagem  da  Conceyção  puriíTíma  de  Maria,  &  cfta  era  muy- 
te  pequenina-  A  efta  Santa  Imagem,  que  veyo  a  fantificar  a- 
quelle  lugar,&  a  afugentar  delle  os  máos  fucccíTos  ,quizc^ 
raõ  levar  para  a  fua  Parochia  hus ,  &  outros  freguezes :  os 
da  Senhora  de  Penha  Longa ,  para  a  fua  ,  &  o  mefmo  os  de 
Santiago  de  Piacns.  Efobrequal  das  duas  Paroquias  havia 
de  prevalecer,  ouve  grande  bulha,  &  tamo,que  qutófcraõ  vit 
ás  mãos  2  mas  a  Senhora ,  que  he  a  Mãy  do  Soberano  Re y  pa- 
cifico, que  fe  naõ  agrada  das  noíTas  contendas ,  vendo ,  que 
cila  fe  armava  dcfappareceo,  &a  levariaõ  os  mefmos  Anjos 
quealli  ar  tinháô  trazido.  Mas  ainda  que  a  Senhora  dcfappa- 
receo, he  ainda  hoje  nmy  to  venerado  o  lugar  em  que  eíte  ve> 
por  todos  os  que  por  alli  paííaõ.  E  defde  então  ate  o  prefente 
fe  naõ  experimentarão  no  mefmo  pego  mais  per  jges. 

Depois  que  aquel la  Santa  Imagem  pequenina  appare- 
ceo naquclle  lugar, começou  a  Senhora  de  Caliz  a  obrar  no- 
táveis maravilhas  :  mas  depois  do  milagre  ,  que  fez  em  Ma- 
noel Pcrcyra,  entaô  foraõ  mayores  \  porque  crefceo  a  fé  ,  & 
feaugmentou  muy  to  mais  a  devoção;  porque  íe  divulgou 
por  todas  aqueilas  partes  muy  to  mais  a  fama  dos  milagres, 

8c 


114  Santuário  Mariam 

&  aílim  concorre  muyta  gente  a  venerar  a  Senhora  de  Ca- 
li^principalmente  das  Freguefias  de  Nogucira,&  de  PiaeS, 
&  da s  circumvizinha^ 

Fcíieja  fe  a  Senhora  de  Caliz  com  mais  efpccíal  devo- 
ção^ mais  grandeza  no  feu  dia  de  cinco  de  Agofto,  -.ia  das 
Neves,  &neftehc  muyto  grandeoconcurfoda  gente-,  que 
vay  em  romaria.  Também  no  dia  da  Encarnação  a  vinte  Sc 
einco  de  Março,  he  grande  a  romagem >  &  neíte  dia  con- 
correm muytas  Cruzes  por  voto  antiquiffimo,  feytofera 
duvida  por  algum  grande  favor,  que  da  Senhora  receberão. 
Também  em  outros  dias  do  anno  ha  eftas  romagés  das  Cru- 
zes ,emqueentraõa  feftejar  a  Senhora  lufares  incorpora- 
dos, com  grande  alegria ,  &  com  as  fuás  oífertas*  No  dia  da 
Afcençaõ  do  Senhor,&  na  Pafcoa  do  Efpiríto  Santo,  concor- 
re também  muy  ta  gente  a  venerar  ,  &  a  feftejar  a  Senhora, 
&  a  offereccrlhc  as  fuás  promeflas,  &  a  pagar  os  feus  votosj 
&  o  mefmo  fazem  em  todos  os  Sabbados  da  Quarefma. 

He  efta  Santiflima  Imagem  de  eícuf  tura,obrada  em  pe- 
dra ,  que  parece  jafpe ;  mas  excellcn temente  obrada,  parece 
fer  obra  dos  Anjos  ,  tanta  he  a  fua  perfeyçaõ ,  &  aílim  mof- 
tra  hua  grande  fermofura,&  huma  foberana  magcfiade.Teni 
de  alto  cinco  palmos  esforçados,  &  caufa  grande  devoção  a 
todos  os  que  nelía  põem  os  olhos.  Tem  coroa  na  cabeça  o* 
brada  na  mcfma  pedra,  de  que  he  formada,  &eftá  comas 
mãos  levantadas,  fcdefla  forma,  que  tem  efta  foberana  Ima- 
gem da  Senhora, podemos  collegir,  que  clfa  mefma  foy  (ain- 
da que  em  forma  mais  pequena  )  a  que  appareceo  junto  ao 
pégodeCardia:poisdeentaô  paracácemeçoua  obrar  muy- 
tas, &  grande  maravilhas.  Efta  noticia  nosdeuoReytordc 
Nogueyra  SebaÃiaõ  Cardofo  Soares. 


TITULO 


Livro  II.  Titulo  XXI L  nj 


TITULO     XXII. 

Da  milagrofa  Imagem  de  no[fa  Senhora  dos  Remédios, 
extra  muros  da  Cidade  de  Lamego. 

HE  Maria  Santiífima  para  com  os  homes  (como  diz  Ri- 
cardo Vidorino ,  fallando  da  piedade,  &  clemência  cõ  *'*•*?• 
que  a  Senhora  os  remedca  a  todos )  Súuó  omniwn  per  tpfam  ttor- in 
faãt  eíij  unle  &  mundi  falm  diãa  efi.  Joaõ  Geometra  Caftt- 
a  intitula  faude,  &  remédio  de  todos  os  enfermos:  Salus'*?'1  ' 
rtgrotanttwn.E  a  mefma  Senhora  diz  de  fí  pelo  Ecclefiafti-  Joam. 
co:  £"}  me  inVenerit ,bauriet  falutem.  Rauhno  diz,  que  naõ  &*»• 
ha  epidemia,  nem  mal  tam  contagiofo,  &  maligno,  que  a  Se-  *ftmt  * 
nhoranaõ defterre : 2SZ« Ha peftis  tamefficax >qu<&non  con-gj*J: 
tinuo ad Sfariú nomencedat.  Saõ  Joaõ  Damafceno  lhecha-  25' 
ma  a  faudc  perfeyta  das  almas :  porque  efta  Senhora  naô  fó  RáH\\ni 
fc  compadece  dosnoffos  males ,  &  miferias  temporaes ;  mas 
muy  to  mais  das  enfermidades  das  almas  ,  procurandonos  s.Ioàh^ 
femprea  faude delias:  Sdm  perfeita  animarum.  Tudo  ifto  £4m4fm 
experimentaõ  os  devotos  da  milagrofa  Senhora  dos  Êtcme»  fofmt- 
diosde  Lamego.  W.5. 

Em  diftancia  de  meyo  quarto  de  legoa  da  Cidade  de  La-  M*i 
mego  fe  vé  o  Santuário  de  notfa  Senhora  dos  Remédios,  íi- 
tuado  em  o  alto  de  hum  monte ,  cercado ,  &  adornado  de  vif- 
tofos,  &  frcfcoscaftanheyros ,  que  no  veraõ  fazem  aquelle 
fitio  muy  to  agradável,  &  deliciofo  ,  &  por  remate  defte  mõ  - 
te,  ou  coroa  fc  vè  a  Cafa ,  em  que  he  venerada  a  Senhora,  a- 
onde  todos  os  moradores  daquella  Cidade  achão o  remédio 
em  todos  os  feus  trabalhos  ,  &  neccffi  Jades.  He  efta  Cafa  da 
Senhora  dedicada  a  Santo  Eítevaõ  Protomartyr  ,&  aííím  he 
muy  ro  antiga.,  o  que  fe  confirma,  por  fer  reedificada  pelo  II- 
luíiriíIímoBifpo  Dom  Manoel  de  Noronha  (  Prelado  tam 
Tom.  III.  P  zelo- 


2*6  Santuário  Mariana 

zelofo  do  culto  Divino,  que  reedificou  muytas  Igrejas  ,& 
Templos  daquelía  Cidade,  &  Bifpado)  &  feria  ifto  pelos  an- 
nos  de  1550.  pouco  mais  ,011  menos,  porque  no  de  1559. 
paliou  deita  vida  para  a  eterna.  Efle  iHuflriffimo  Prelado 
foyoque  colloccu  efla  inilagrofa  Imagem  naquclla  Igreja, 
depois  de  a  reedificar,  &  a  Senhora  com  as  fuás  maravilhas, 
&  grandes  milagres  ,  fez  que  já  hoje  fenão  nomee  aquclía 
Caía  com  o  titulo  do  Protomartyr  Eflcvaõ ,  ienaõ  pela  Cafa 
da  Senhora  dos  Remédios. 

De  donde  cfta  Ssnta  Imagem  veyo ,  fe  ignora  já  hoje; 
mas  como  aquellevirtuofo  Prelado  foydevotiflimodenof?, 
fa  Senhora,  &  de  Roma  mandou  vira  Imagem  da  Senhora 
do  Rofario ,  que  fe  venera  hoje  na  Se  da  mefma  Cidade ,  & 
que  col'ocou  em  o  lugar  que  neíla  tinha  a  Senhora  dos  Me- 
ninos ,  fe  preiume  também ,  que  de  Roma  mandaria  vir  cila 
Imagem  da  Senhora  dos  Remedios,para  a  collocar  na  Ermi- 
da do  Santo  Protomartyr  Eíkvaõ,  viíto  ferem  ambas  de  pe- 
dra, &  de  excclknte  efeufrura.  A  fina  eíiatura  hc  de  quatro 
palmos  &  meyn.Temao  Menino  Deos  quafiao  peyto,&  co- 
eooella  he  tam  bclla,  &  tam  fermofa  7  aííím  acreicenta  com  a 
graça  q  cítá  efpirando  a  fervorofa  devoção  dos  que  a  bufeac- 

As  maravilhas  ,  &  os  milagres  que  continuamente  o- 
bra,faô  fem  numero ,  fuppoflo  que  poucos  faõ  os  que  íe  tem 
autenticado ,  por  incúria  dos  que  aíUílem  á  Senhora ,  fe  já 
inac  he,  que  pela  continuação  que  a  Senhora  tem  de  os  fazer, 
já  não  parecem  milagres.  Concorre  a  efta  Cafa  todo  o  povo 
daquelía  Cidade,  &  de  feus  contornos  ,  com  muyto  eípecial 
devoção,  em  todo  o  tempo  do  anno.  E  todos  achaõ  naquella 
Senhora  amparo ,  &  protecção;  &em  os  Sabbados  he  muy- 
to mayor  o  concurfo ,  &  muyto  mayor  em  zs  Segundas  fcjr- 
rasdomezde  Junho  ,  porque  então  he  innumeravel;&  ta- 
zcm  no  com  grande  fé,  por  fer  tradição  commua,  &  an- 
tiquiflima  ,que  tudo  oque  em  as  tacs  Segundas  feyrasfc 
pede  á  Senhora ,  ella  o  concede  liberalmente.  Affim  o  crem 

do 


Livro  II.  Titnk <  XXIII.  u7 

do  modo  que  (e  pode  crer  ,&aííiín  oexperimentaõ,&  tem 
experimentado  annualmente  muytosdos  feus  devotos  re- 
petidas vezes. 

Parece  eíla  Cafa  vcrdadeyramente  hua  atalaya  daquel- 
la  Cidade :  não  pelo  que  domina  com  a  fua  immmencia  ;  mas 
pelo  que  a  defende  com  a  fua  protecção  aquella  Senhora,  que 
nella  he  venerada.  He  cila  Igreja  hua  das  mais  bem  ornadas 
daquelle  Bifpado ;  porque  a  devoção  de  todo  o  povo  de  La- 
mego concorre  para  a  fua  fabrica  ,  &  culto  com  grandes  ef- 
moías,nafcidasdafua  fervorofa  devoção.  Duas  vezes  no 
anno  fefcíteja  eíia  foberana  Senhora ;  a  primeyra  em  dia  dos 
Prazeres,  &  a  fegunda  em  o  dia  das  Neves,  a  cinco  de  Agof- 
to,  &  fempre  com  muyta  folemnidade  de  Miffas  cantadas ,  & 
Sermões.  Heefta  Igreja  annexa  á  Igreja  Cathedral  da  mef- 
ma  Cidade. 


TITULO     XXIII. 

7)a  mlligrofa  Imagem  de  nnjfa  Senhora  da  Saúde  ,  ou 
das  Paredes %extra  muros  da  Cidade  de  Lamego. 

P  Ara  todos  os  enfermos  he  Maria  Santiffi  ma  o  remédio, 
a  faude  ,  &  a  medicina :  aílim  a  acclama  S.Joaõ  Damafce - 
no,  como  quem  muyto  o  experimentou:*^ gr otantibus  nuá 
dicina.  E  naõ  fó  he  hua  medicina ,  &  hum  remédio  ;  mas  hum 
pego  profundiííimo  de  remédios ,  &  de  faudes,  diz  o  mefmo  ®4m*  ^ 
Santo :  Tdagfis  curationum  ^pdagm  fanattonum  ,  &  hurna    ra*'*m 
epitima  quedefterrado  pcyto todas  as  dores:  Tbarmacum  f^ 
ex  ômmpèffote  dolorem  propulfam.  Em  todos  os  males,  do-  ibidem. 
res  ,&  enfermidades  nos  inculca  Saõ  Bernardino  ,  que  re- 
corramos a  eíkpoderoíà  Senhora,  dizendo:  Stqux  infir- 
initastihi  oceurrat ,recurre  ad  inVocat  tonem  mminis  Ma- S.Ber- 
ri*,E  Santo  Anfelmo  paíTando  mais  adiante,  nos  anima  a  re*  ntrdmi 

P  2  correr 


n&  Santuário  Maríam 

correr  a  cila  mifericordiofa  May  noíTa ,  &  May  do  Omnipo- 
tente, dizendo  que  cila  he  mais  diligente  para  fe  compade- 
cer de  nos  \  porque  mais  depreffa  nos  vem  por  ícu  meyo  o 
remédio,  do  que  por  meyo  de  Chriffo :  VdoáoY  eft  nonnum- 
S.  An*  <lHvn  fàm  memorai  o  nomine  MarU,  quàm  ixvocato  nornim 
felm.     DombúJESU. 

Fora  da  Cidade  de  Lamego  cm  diílancia  de  menos 
de  hum  quarto  de  legoa,  fe  vè  hum  ameno,  &  delicio- 
fo  valle,&nelleíituada  aCafa,  &  Santuário  de  no(Ta  Se- 
nhora da  Saúde ,  ou  das  Paredes  \  titulo  impoílo  do  lugar, 
que  alli  fica^ôc  os  que  naõ  fabem  muyto,  lhe  dão  o  nome  im- 
próprio de  Paredes.  He  efia  Sagrada  Imagem  antiquiflima, 
&  he  tradição  que  cítivera  em  hu  Mofleyro  de  Templários, 
de  cujas  cinzas  fe  eregio  depois  o  Convento  dos  Capuchos, 
que  alli  ha.  Intitulava  fe  naqucltes  tempos  com  o  titulo  da 
Piedade,  por  eflarcom  oSantiffimoFilho  defunto  em  feus 
braços,  &  reprefenta  grande  fenrimento,  &  aífim caufa  gra- 
de veneração,  &  compunção  cm  todos  os  que  a  contemplaõ. 
He  tida  ella  Sagrada  Imagem ,  de  toda  aquclla  Cidade, 
&  bufeada  com  grande  veneração  pelos  muy  tos,  &  grandes 
milagrcs,que  obra  continuamente  a  favor  dos  que  imploraõ 
o  feu  favor ,  &  patrocinio;  &  porque  a  faude  que  todos  al- 
cançaõ  em  íeus  males,&  enfermidades,  era  muyta,  dahi  naf- 
cco  o  appellidarem-na  com  o  titulo  da  Saúde ,  &  não  fó  a  al- 
cança efta  piedofa  Mãy  dos  peccadores  a  todos  temporal, 
masefpiritualmentc,  que  he  a  faude  que  os  mortaes  mais 
devem  eflimar.  He  tradição  que  hum  grande  devoto  da  mef- 
ma  Senhora  a  vira  cftar  fuandoem  certa  occafiac.  Ve-fe  a 
lua  Cafa  tambem  ricamente  adornada ;  porque  a  devoção  ão 
povo  liberalmente  fe  emprega  no  feu  obfequio,&  ferviço. 
A  frequência  dos  feus  devotos  he  muyto  grande;  a  que  tam- 
bemos  convida  a  amenidade  do  fitio,  a  que  muy  tas  vezes  a 
vifnem.  Junto  ao  feu  alpendre  fe  vem  duas  fontes  perennes, 
que  ainda  fa zem  no  veraõ  muyto  mais  apetecível ,  &  delicio- 
foaquellefitio»  Tem 


Livro  II.  Titulo  XXIV.  1 29 

Tem  cfta  Sagrada  Imagem  ,  cm  alto  cinco  palmos  ,& 
aflim  ^aindaefíandofcntada^fe  vèíerda  proporção  natural 
de  huamuy  to  proporcionada  mulher.  He  formada  em  ma- 
dcyra-  A  fua  Igreja  he  annexajá  Parochia  de  Santa  Maria  de 
Almacava.  Vem  fe  naquella  Cafa  da  Senhora  muytas  me- 
morias ,  &  íinaes  das  grandes  maravilhas ,  &  prodígios  que 
tem  obrado  a  favor  dos  que  imploram  a  fua  interccifam ,  5c 
patrocínio. 

TITULO     XXIV. 

7)a  Imagem  de  wjfa  Senhora  do  Vi^p,  no  termo  da 

Villa  de  ISLemaõ. 

AVilía  de  Ncmaõ ,  que  na  opinião  de  muytos  he  a  anti- 
ga Numancia;porque  Tito  Livio  a  põem  entre  os  dotis 
rios  Douro,  &  Tejo  que  a  cercaõ,  Frey  Bernardo  de  Brito 
com  outros  a  quem  fegue,  fe  accommoda  a  que  feja  Çarrora, 
contra  os  que  a  puzeraõ  junto  a  Soria  ;&  como  Paulo  Oro- 
zio  diz  que  a  ultima  Cidade  dos  Celtiberos  era  Num;mcia,& 
eftesmefmos  fundarão  a  Cidade  de  Lamego  :  bem  fc  pôde 
ter  por  boa  a  opinião  dos  que  querem,  que  Nemaô  kja  as 
re/iquias  da  antiga  Numancia  ,  pois  tanto  feaííemclha  no  feu 
nome.  He  efta  povoação  muyto  nobre,  difta  de  Lamego  oito 
legoas.  Tem  hum  grande  ,&  antigo  Cafteilo,  com  muros 
também  antigos,  obra  ao  que  parece  dos  Romanos  ,  &  ainda 
amayor  parte  dellcsmteyros.  Dentro  delle  fe  vê  hua  notá- 
vel .  ci (terna  decantaria  ,& de  cxceliente  agua.  Vem  fc  no 
circuitodo  mefmo  Cafkllo,  &  muros  delle ,  muytosletrey- 
ros  antigos  dos  Romanos,  &  milhares  de  fcpulturcs  com  os 
mefmos  Ietreyros  ,  &  nas  pedras  que  as  cobrem, &  princi- 
palmente nas  portasdos  meímo$muros;&atíímmeperíua- 
do  que  fe  o.  Padre  Doutor  Fr.  Bernardo  de  Brito  vira  eílas 
-Tom* III.  P  3  anti- 


* 3  °  Santuário  Mariano 

antiguafhas,naô  dcfprczaria  a  tradição,  que  os  de  Nemaô 
fcm,ât  a  opinião  que  feguem,  de  que  a  foa  nobre  Villa  renaf- 
cco  das  cinzas  da  antiga  ,  êefamofa  Numancia. 

No  termo  defta  ViíSa  fe  vêoSantuariodenoffaSenho- 
rado  Vizo;&  eftá  a  fua  Gafa  fuuada  em  ta!  diípofição  ,quca 
fua  Capcllamayor  fica  no  termo  de  Nemaô  em  a  Prcgucfia 
dcSaõPedro.&ocorpodamcfma  Igreja  noda  Villa  de  Saõ 
Joaõ  da  Pcfqueyra.  He  Templo  grande,  &  tem  três  Altares, 
c >da  Capcila  mor,&  dons  colIateraes.Ve  fe  efte  fundado  em 
hum  alto  monte,  &  tem  huma  torre  antiga,  que  fem  duvida 
devia  fer  emoutros  tempos  atalaya,ou  torre  de  vigia.  E  da- 
qui psrece,fcm  duvida  alguma  ,que  derão  á  Senhora  o  titulo, 
&  nome  do  Vizo-  porque  da  m  fma  torre  íe  vè  a  mayor  par- 
te das  Províncias  de  Trás  os  Montes,  &  outras  muy  tas  ter- 
ras, &  orizontes ,  &  affim  goza  aquella  Cafa  de  hua  fermofa, 
&  dilatada  vifta. 

Eftácfta Sagrada  Imagem  collocada  no  Altar  mcr,& 
fios  dous  collateraes  fe  vem  outras  duas  Images  também  da 
mefma  Senhora  ,  &  Rainha  dos  Anjos  ,que  moftraó  ferem 
muy eo  mais  antigas:  asquaes  ambas  effiveraõ  no  Altar  mor. 
Naõfey  fetinhaõo  meímo  titulo  do  Vizo,em  quanto  lá  efti- 
veraô  A  Senhora  principal ,  &  a  que  hoje  conferva  o  titulo 
do  Vi  zo ,  hc  a  que  eíiá  no  Altar  mòr,  ( como  fica  dito )  hc  de 
vultOj&deeícultura  demadeyra,ôc  temde  eflatura  cinco 
palmos. 

Feíieja-fc  efta  foberana  Emperatriz  da  gloria  em  o  dia 
èt  fcu  Naicimento  aonode  Setembro,  &  he  a  lua  Cafa  anne* 
xã  á  Parochia  de  São  Pedro  de  Nemão,  Igreja  unida  ao  Chi- 
lrado da  Cathedral  da  Cidade  de  Lamego. Pela  Pafcoa  da  Re- 
furreyção  vaõ  a  viíitar  a  Cafa  da  Senhora  todas  as  Frcguefias 
dos  lugares  circumvizinhos,&  os  povos  unidos  com  os  feus 
Parochos  ,  &  entraõ  com  fuás  Cruzes  levantadas-  Também 
nos  Sabbados  daQuarefma  fazem  a  mefma  viííta.  Naô  fou- 
bc  fe  he  fó  a  devoção,  íe  obrigação  de  algum  voto,  que  fize- 

rao 


Livro  1L  Titulo  XXIV.  131 

faõ  á  Senhora,  obrigados  de  algum  grandc,&  cfpecia!  favor, 
que  delia  receberão. 

Obra  Deos  pela  intcrceíTaô)&  invocação defta  Sagrada 
Imagem  de  íua  Santiííima  May  tantos  milagres  ,&  maravi- 
lhasse por  muytas  não  as  eícrevem.,nem  fazem  delias  me- 
moria; incúria  que  merece  fer  cenfurada  muyto  ,como  tam- 
bém o  defcuydo  de  não  procurarem  que  fe  approvcm,  &  au- 
tentiquem aquelles,  qne  por  prodigiofos  o  mercciaõ.Os  mo- 
radores das  Viilas  de  Neinaô ,  &  de  Saô  Jcaõ  daPeíqueyra 
tem  grande  devoção  com  efla  milagrofa  Senhora,  &  obriga- 
dos dos  rnuytos  favores  que  delia  tem  recebido,  5c  conti- 
nuamente recebem  ,aíHm  communs  ;como  particulares ,  a 
buícaõcom  grande  fé  ,  &  frequenrão  a  íua  Cafa  2  &  a  feiveni 
comfervoroía  devoção.  Nas  paredes  daquella  Ermida, & 
Santuário  fc  vem  pender  osíinaes  das  muytas  maravilhas, 
que  a  Senhora  obra ,  &  os  troféos  que  tem  alcançado  contra 
a  morte  ,  &  enfermidades.  Quanto  á  fua  origem ,  &  princí- 
pios da  fua  Cafa ,  não  pude  defeubrir  nada :  não  confia  nem 
fcfabefca  Senhora  apparcceomqueile  lugar acndefe  Ihec- 
rigio  a  Cafa,  &  alguém  tem  para  fi  que  a  Senhora  alli  apparc- 
cco,  porem  não  fe  affirma  por  certo :  também  não  confia ,  fc 
naqudle  íitio  haria  antigamente  alguma  aralaya,  ou  vigia, 
por  cujo  motivo  fe  erigio  á  Senhora  Cafa  ,&  lhe  derão  o  ti- 
tulo de  Vi zo  vou  fería  por  quanto  efla  Senhora  fempre  vi- 
gia para  nos  defender  de  noílosefpidtuaes  inimigos. 


TITULO     XXV. 

2)«  Imagem  âe  nojfa  Penhora  do  Caftello }  ou  a  Trenba-fa, 
cía  VtiU  do  tajlello. 


M 


Uytas  vezes  íeccfiuma  dar  á  foberana  Rainha  da  glo- 
ria o  titulo ;  &  invocação  da  Senhora  áo  Caílelio ,  & 

P  4  da 


%li  Santuário  Mariano 

da  torre,  para  que  com  cite  agradivci  titulo  para  el!a(  por- 
que he  Maria  o  verdadeyro  Caflello ,  em  que  Chriflo  habi- 

Lhí.io  tou:  I&trultfrJiESiUS  in (]uocUlamCaflilhiin)k)2iiVío^  ampa- 
rados ,  &  defendidos  de  noíTos  inimigos.  E  íer  a  Senhora 

Gr*/.  8  Caftcllo,&  torre,  elfa  meíma  ocenfefla :  Ubera  m  a  (diz  a 

'  Senhora )(icut  turris:  Eu  fouhumhrmiffimomuro,huma 

inexpugnável  torre  ,&hu  fortiífímo  Caflello  para  os  meus 

devotos;  fie  efles  meus  pcytos  >  que  celebrais,  íaõ  como  híia 

Gh\U     fermofa  torre  :  VbtYJ  tneajicut  turris.  Parecerá  ir.ii}  to  cf- 

jibbas    tranha  efla  comparação ;  mas  a  Senhora  a  explica  com  a  pen- 

in  V.Càt  àa  do  Abbade  Guillelmo.  Sam  peytos,(diz  elie)  porque  co- 
mo May  alimenta ;  &  faõ  Torrejai  Caflello,  porque  aos  que 
alimenta  defende :  Ubera  mea  non  tantúmntltrtewli  ,fed& 
protegendi  Vim  babent.  Na 6  julgueis ,  diz  a  it  ifericordiofa 
M^y,que  o  meu  patrocínio  para  ,  em  ufar  como  Máy  de  pie- 
dade ,  porque  parta  também  a  defender  ;  porq  fe  faõ  os  meus 
pey tos  de  Mãy  amorofa  que  regala  ,  íaõ  também  efeudos,  & 

r        ,  (torre  de  Caflello  que  guarnece: Ubera  mrajicutturris>0\i- 
jm  m  ír^o ao  Abbade.  Nidlus  me  putet  babere  quo  nutriam  ,  is  non 

.  habere  quo  muniam  ;  miterm  ptetas  mea,  quos  nutra ,  et  iam 

rnunit.  Adoremos  pois  a  efla  bendita  Mãy ,  Caflello ,  &  tor- 
re noíía :  pois  com  os  feus  piedofos  peytos  ampara ,  &  defen- 
de aos  feus  devotos. 

A  Villa  do  Caííello  fe  vèfituada  em  treslcgoas  de 
difhnciada  Cidade  de  Lamego  para  aparte  Oriental,  & 
duas  do  rio  Douro,  que  lhe  fica  ao  Norte,  &  três  do  Santuá- 
rio de  nofla  Senhora  da  Lapa ;  que  lhe  fica  ao  meyo  dia-  Ve- 
fc  efla  Villa  cercada  de  duas  Ribeyras  ,  que  unindo-fe  meya 
legoa  abayxo  da  mefma  Villa  }  conflituem  hum  baftante  rio, 
aquedaõonomedeTedo.  Nefla  Vi!la;quehcmuy  to  antiga, 
he  celebre  o  Santuário  de  noffa  Senhora  do  Caflello,  ou  a 
Senhora  Prenhe  ,  ou  Prenhada.  O  titulo  do  Caflello  fe  lhe 
impoz,  nio  fó  por  razão  da  Villa,  que  fe  denomina  Caflello; 
rnas  por  apparccer  cm  hum  alto,  que  nos  tempos  antigos,  & 

no 


Livro  II.  Titulo  XXV.  233 

no  dos  Mouros  era  Caíídlo  ,  de  que  ainda  ha  veiiigios  ,  & 
taõ  forte, &  íeguro  por  íua  imminenciajque  delíe  fe  podiam 
bem  defender  ás  pedradas,  &  aílím^por  fua  fortaleza  ,  pare- 
ceque  cfcufàva  paredes  ,  porque  lhe  b^ftavão  as  que  for- 
mou a  natureza.  Aqui  nas  ruinas  deite  Caftello  appareceo 
eíta  SantiíÍJma  Imagem,  em  o  lugar  aonde  depois  fe  lhe  edifi- 
cou Cafa,quc  vcyoa  fera  Ma  tríada  rnefma  Villa. 

A  forma  do  apparecimentodeíla  Santiífima  Imagem,  & 
^)uem  appareceo,  já  hoje  fe  ignora  ;  mas  como  fe  deite  par- 
te de  fua  manife  ilação  acs  moradores  da  Villa ,  que  na  fral- 
da daquelle  monte  tinhãoafua  povoação,&  a  fua  Igreja;  jul- 
gando que  lá  em  cima  noCaírello  não  poderia  a  Santiífima 
Senhora  fer  fervida,  como  merecia  ,  fe  refolverão  a  trazei- 
la  para  a  Igreja  da  Villa,  que  não  dilía  muyto  :  mas  para  fu- 
bir  ao  alto  do  CafteI/o,he  huma  irrminencia  tam  grande,  que 
curta  o  lá  chegar.  Com  eíta  refolução  diípuzerão  huma  pro- 
ciííaõ ,  &  foraô  ao  alto  do  monte  ,  &  trouxeraô  a  Santa  Ima- 
gem para  a  fua  Igreja.  Mas  como  a  Senhora  queria  que  no 
mefmoíitioaveneraííem,  nãoquiz  ficar  com  elles  na  fua  Pa- 
roquia^ sffim  por  minifterio  dos  Anjos foy  tresladadaou- 
tra  vez  ao  feu  monte,  ou  Caítello.  Varias  vezes  a  trouxeraõ 
deite  fitio ,  fe  affirma ;  porque  da  primeyra  vezqueoFaro- 
cho  com  o  feu  povo  a  trouxeraõ, ficando  todos  muyto  ale- 
gres^ contentes  por  haverem  collocado  a  Senhora  em  a  fua 
Igreja;  feintriítecèraõ ,  &  defconfolárão muyto  nodiafe- 
guinte,  quando  foraõ  á  Igreja,  &  a  não  acharão. Cuydadofos 
da  caufa ,  &  do  motivo,  que  haveria  para  lhe  roubarem  a  Se- 
nhora ,  quizerão  examinar  fe  por  ventura  feria  levada  ás  cf- 
condidas :  ou  quem  feria  aquella  peííòa  ,  que  a  furtaria;  por- 
que poderia  bem  fer,  levarfe  oceultamente  por  aquelles  que 
nãoapprováraôa  mudança. 

_  ^Foraõ  ao  mefmo  fitio  do  Caf}ello,para  ver  fe  lá  a  defeo- 
briaõ,  &  lá  acharão  a  Santa  Imagem;procuráraõ  logo  trazei- 
la  na  mefma  forma :  até  aqui  naô  fabiaõ^ue  os  Anjos  eraô  os 

que 


134  Santuarh  Mar  iam 

èue  lhehaviaõ  feyto  o  furto ,  nem  íc  lhes  reprefenteti  ;qifc 
elíes,  que  huma  vez  s  levarão,  ò  pediaõ  fazer  mais  VC2CS. 
Muyto  fatisfeitos  ficarão  todos  com  trazer  a  Imagem  da  Se- 
nhora fegundã  vez;  mas  quando  virão  que  a  Senhora  tam- 
bém deita  lhes  havia  deíapparecido,  fe  derão  por  convenci- 
dos, &  não  quizerão  porfiar  mais  , entendcndo,que a  Senho- 
ra não  queria  que  a  mudaíTem  daquclle  lugar,  em  que  feria 
^rovave!  que  nó  tempo  dos  Godos  nelle  feria  Jouvada,&  ve- 
nerada; &  affim  lhe  edificarão  em  âquelle  mefmo  íitio  huma 
%rejâí  que  logo  fe  erigio  em  Matriz ,  que  foy  depois  Abba- 
dia,  que  aprefentavaõ  os  Condes  de  Marialva.  E  ainda  hoje 
ÍC  Vem  as  paredes  da  ca fa  do  Abbade  junto  á  Cafa  da  Senho* 
ia.  Más  hoje  já  efta  Igreja  não  he  mais  que  Rcytoria  ,&os 
dízimos  delia  comem  os  Rcligiofos  de  S.  Bernardo  do  Con- 
vento de  Salzedas. 

Quanto  aô  tempo  da  manifeítaçaõdeíla  Santiflíma  Ima- 
gem, não  ha  quem  diga  com  certeza ,  em  que  tempo  foffc,  A 
mm  fe  me  reprefrnta  ,  feria  logoque  aquellas  terras  forão 
pacificamente  pófTuidas  do$  Chfiftãos  ,  &  que  tendo  aqutt- 
ItS  moradores  formado  alli  na  fralda  daquelle  monte  a  fua 
povoação  ,  fe  manifefiaria  no  alto  daqtielfe  monte ,  ou  pe- 
nhâfco  â  Senhora,  Fundo  efte  meu  difeurfo  em  que  no  anno 
dt  1297.  diz  o  Padre  Meftre  Fr.  Franeifiso  Bnsttdaõ  na  fuá 
Monér.  Motiáfchia  LUíitana,  que  íahira  de  Coimbra  ElR-ey  Dom  Di- 
part.  \.  n>jS;Coni  f€li  filho  o  Príncipe  Dom  Affoníò ,  para  Trancofo, 
y7#  €t  (quehia  para  fe  deípofárcom  a  Infante  D.  Brites)  &  dizo 
■*       Chronifh,  que  no  mefmò  dia  que  chegou  a  Trancofo ,  dera 
licença  a  Fernaõ  Sanches  feu  filho ,  para  trocar  com  o  Mof* 
teyròde  Salzedas  a  Igreja  de  Fonte  Arcada ,  &  fnaisheran- 
f as>  que  o  Moftcyro  alli  tinha  ,  por  feffenta  Iibraf>  de  renda^ 
&  a  Igreja  de  Saõ  Pedro  de  Taroucâ.Ê Corno  efías  terras  Ía5 
alh  vizinhas,  porque  dillaô  fomente trcsk-gcasda  Viíla  do 
CaíkHo,bem  podia  fer  também  aquella  Igreja  do  Padroa* 
do  do  mefmo  Infante  Fernão  Sanches  ,  &  eiie  íeria  ©que  fa- 
ria 


Livro  ILTitulo  XW.  i$f 

riâ  a  troca  com  o  Àhfcude  de  Saizedab  ,&  de  cnUõ  para  cà  le- 
rá aqucUa  Igreja  do  Padroado  do  Moíteyro.  E  affim  iítojà 
moftra  tmhi  (k  quatrocentos  annos,&  haveriaô  pagado  tam- 
bém maisde cento ,  de  fua  oianifeflaçào  ;  com  que  fe  moftra 
fierella  mny  to  antiga, 

Quanto áíua origem  ,  também  me  perfuado,  aquece 
tempo  dos  Godos  feria  aquella  Santiffima  Lungem  venera- 
da em  aquelle  mefmo  lugar,  &  a  titular  da  íua  Igreja ,  &  Caf- 
tello,  êc  que  depois  entrando  os  Mouros  7  ou  os  Chriflãos  a 
cfcondèraõ ,  ou  os  Anjos ,  que  lhe  fanaô  fintinelía ,  &  a  de- 
fenderiaõ  ,  para  que  os  bárbaros  lhe  não  podeífem  fazer  al- 
guma irreverência  &naquelíe  lugar  fecon  ferva  ria,  atèque 
paffadoaquellc  grande  calíigo,  &  reíHtmda  a  terra  aos  ChrU 
flãos,  os  mefmos  Anjos  a  maniíefiárão  fobre  as  ruinas  do 
Cafteílo,&  da  Igreja  antiga.  E  porque  a  Senhora  havia  fido 
louvada,  &  venerada  naquelie  me  imo  lugar  ,  não  confentio 
cm  nenhum  modo ,  que  a  apartafíem  delle*  Iíto  he  o  que  me 
parece. 

Quanto  ao  titulo  da  Senhora  a  Prenhada  ,he  o  titulo 
que  com  muyta  propriedade  fe  lhe  deve  dar;  porque  fe  vê  ef- 
ta  Santiífi  na  Inagcm  como  fagrado  ventre  avultado  ,  &; 
a  mão  efquerda  fobre  eile,  &  a  direy ta  eítendida  He  cita  de- 
voufli-na  Imagem  de  efeultura  formada  em  pedra  ;  fua  efta- 
tura  he  de  cinco  para  féis  palmos,  &he  rara  a  fua  fermofura, 
Cofluma  a  devoção  dos  que  a  fervem  tella  adornada  de  rou- 
pasde  feda,  para  mayor  veneração;  &  eu  differa  que  baflava 
ijueihe  puzeíTem  mantos  ricos ,  por  naõ  oceultarem  o  fan- 
tirTínomyrterioqueeUa  reprefenta ;  porque  aífim  fe  vèa  Se- 
nhora Prenhada, que  fe  venera  em  a  Cathedral  da  Cidade  de 
Coimbra,  que  eítá  em  a  meíma  forma. 

Os  milagres,  que  obra  efta  grande  Senhora ,  Ía6  infini- 
tos, &  aífim  he  muy  to  grande  a  devoção  com  que  a  fervem  os 
moradores  daquella  Villa  ,  &  com  que  a  buícaõ  todos  aquel- 
ks  povos  circunvizinhos  >  os  quaes  continuamente  vem  à 

fua 


t$6  Santuário  Mariano 

fua  Cafa  de  diílancia  de  duas,&  três  legoas  cm  circuite:  hua 
maraviTh:i  fuecedeo,  queaugmentou  mais  cm  todos  agran- 
de,Mervorofa  devoção  com  que  todos  bufeaõ  a  efta  miieri- 
cordioía  Senhora  ,  &  foy,queem  humanno  ,  padecer» do a- 
quella  Villa ,  8c  os  lugares,  5c  Vdlas  çircumvizinfoas  hum 
grande  açoute  do Ceo,  com huma grande  praga  de  lagarta., 
que  tudorohia,  &  depois  com  outra  mayor  delangoíía  ,ou 
gafanhoto,  que  tudo  abrazava;  nefta  afflicção  recorreram 
todos  aquetlcs  povos  á  Senhora  ,  para  que  cila  como  miferi- 
cordiofiffíma  Mãy  lhes  acodiífe ,  &  a  Senhora  o  fez  rantoá 
medida  do  feudefejo,  quealagarta  ,  &  gafanhotos  defappa- 
recèraõ,&  deyxárão  os  campos  ,&  fazendas  livres  de  leus 
vorazes  dentes.  Mas  que  muyto,(e  todos  osnoffosbens,8c 
felicidades  nos  vem  por  erta  Senhora  ?  ella  he  a  que  nos  li- 
vra de  todos  os  trabalhos,  &  de  todos  os  males;q  por  noílos 
peccados  padecemos.  Por  1ÍT0  dizia  á  Senhora  S.  Germano, 
C^Tãt  Arcebifpo  Conflãtinopolitano:  Nullus  efe  cjuifalvusfeit  nife 
firm*dc  Ptr  te  ò  Sanlfijjima;  nullus  efe  qui  liberetur  a  malU  nifi  per  te 
Zq»*.  ò  Turiffima  \  nemo  elt  cut  dono  concedatur  rufe  per  te  ò  Cafliffi- 
ma.  Tudo  nos  vem  pelas  maõs  defta  Senhora ;  porque  a  fua 
piedade  não  fofre  vernos  padecer ,  fem  que  logo  nos  acuda 
a  nos  remediar. 

Saô  continuas  as  romagês,  que  vem  a  venerar,  &  a  lou- 
var a  efta  milagrofa  Senhora,  de  todas  aquellas  terras,&  lu- 
gares circumvizinhos  ,  principalmente  nos  Sabbados  da 
Quarefma ,  &  nas  oitavas  da  Pafcoa  ,  &  em  outras  feílas  do 
anno  ,  por  votos  que  antigamente  fizeraõ  á  Senhora ,  para 
que  os  li  vrafTe,  como  livra  continuamente,  das  pragas  refe- 
ridas ,  &  de  outras  femelhantes ,  que  coílumão  infeftar ,  & 
deílruir  as  fuás  fearas  ,  &  miihos.  E  hu  dos  povos  ,  que  mais 
fefíngulariza  na  fua  devoção  para  com  eíia  milagrofa  Se* 
nhora,  he  o  da  Viilade  Barcos,  pnrque  em  tendo  neceffida- 
de  de  Sol,  ou  de  agua ,  ou  quando  fe  vem  com  outra  qualquer 
neceílidade,  ou  affiiçaõ ,  recorrem  íogo  com  grande  fé  á  Se- 
nhora, 


Livro  ILTmloXWL  137 

nhora  ,  &  vão  á  fua  Caía  a  pè ,  ou  deicalços ,  &  logo  alcan- 
çaõ  delia  tudo  o  que  lhe  pedem. 

Ncfícs  favores  que  da  Senhora  recebem,  coflumaõ  a  ir 
logo  a  darlhe  as  graças  ,  empenhando-a  cem  eíte  aâo  de  a- 
gradecimento,  para  lhes  fazer  outros  may ores  favores.Eíhs 
devoções  continuão  ainda  hojc,&  entraõ  na  Cafa  da  Senho- 
ra com  as  fuás  Cruzes  levantadas ,  &  ciríos  ,  acompanhados 
dos  feus  Parpchos.  Na  fua  Cafa  fe  vem  pender  as  memorias, 
&  os  íínaes  de  íuas  maravilhas ,  que  eflão  acclamando  o  ícu 
poder, &  tambema  fua  grande  piedade  ,  comque  nos  acode, 
nos  livra  ,  &  nos  favorece  em  todos  os  noffos  trabalhos. 


TITULO     XXVI. 

©4  mVagrofa  Imagem  de  nojfa  Senhora  do  Ve  ff  erro» 

DEftas  Santiffimas  Imagens,  que  agora  refiro  ,  devia  eu 
dar  noticia  nos  princípios  defle  fexto  livro,  quando 
dey  a  breve  noticia  da  Senhora  de  Almacava ,  ou  Almacavc; 
mas  como  as  noticias  vierro  depois  de  haver  tratado  de  ou- 
tras mais  remotas^entendi  que  nem  por  iíTodevia  omittir  to- 
das as  mais,  oue  pelo  meu  cuydado,  ôc  diligencia  pudeífe  al- 
cançar; &  sfíím  em  primcyro  lugar  trato  da  Santiflima  Ima- 
gem da  Senhora  do  Deflerro. 

A  Cidade  de  Lamego  tem  a  fua  fituaçaõ  de  Norte  para  a 
Sul,  &  hum  pequeno  rio  a  corta  pelo  meyo-  Na  parte  meri- 
dional tem  aorioBalfemaõ  3&  pertodapontedomefmorio, 
que  dá  entrada  para  a  Cidadc,fe  vèno  principio  delia ,  junto 
áCruzdosefgalhos,o  Santuário  de  noíía  Senhora  doDcC- 
terro  em  o  principio  da  rua  da  Corredoura;  &  para  a  parte 
do  Oriente  fe  vè  também  o  Santuário  de  noíTa  Senhora  dos 
Meninos,  de  quem  já  eferevemos  acima.  A  Senhora  do  Def- 
lerro era  venerada  antigamente  em  huâ  muy  to  limitada  Er- 

mida^ 


%l  %  Santuário  Mavtam 

mida  cm  a  mefma  rua  da  Corredoura  ,  no  deílrito  da  Frc- 
guefia  da  Sé;  na  mefma  rua  morava  híi  homem  chamado  An- 
tónio Fernandes,  devotiffimo  de  noífa  Senhora,  &  para  com 
aquellaSanuífirna  Imagem  tinha  húaaffrdtuofa  devoção;  le- 
vado delia  defe jou  edificarlhe  huma  Cafa  mais  capaz,em  que 
pudeíFe  fer  fervida ,  &  venerada  de  todos  os  moradores  da- 
quella Cidade:  mas  como  era  pobre  ,&  naô  tinha  paraefla 
çmprefa  mais  que  bõs  defe  jos  \  eíles  o  animarão  a  ir  bufear  ao 
Balio  de  Leffa  D.  Frey  Luis  Alvares  de  Távora,  ( da  cafa  dos 
Condes  de  Saõ  João  ,  hoje  Marquez  de  Távora)  o  qual  tam- 
bém tinha  a  Comenda  de  Piares  ,  &  fallando  lhe ,  lhe  pedio 
lhe  deíTe  huma  efmola  para  levantará  Senhora  do  Deíierro 
hQa  Ermida ,  porque  a  fua  por  muyto  antiga  fe  havia  arrui- 
nado. 

Vendo  o  Balio  a  devoção  de  António  Fernandes  -  &  a 
fuamuyta  íinceridade  fe  offerec^o  para  mandar  fazer  ao- 
bra  ,&  aífim  mandou  edificar  á  Senhora  huma  nova  Ermida, 
com  tanta  grandeza,  5c  magnificência ,  que  he  a  melhor ,  ôc 
a  mais  bem  adornada  de  quantas  fe  vem  naquella  Cidade  de 
Lamego.  He  cfta  Ermida  de  muyto  boa  fabrica,  &  de  perfei- 
ta arquite&ura  ,tem  fua  Capella  mòr ,  &  duas  collateraes. 
Na  Capella  mòr  fe  vécollocada  a  Imagem  da  Senho^do  De- 
fterro,  que  he  de  vertidos ,  &  tem  muytos  que  lhe  offerecè- 
rãoos  feus  devotos  em  memoria  dos  favores,  que  da  fua 
clemência  recebèrão.Tem  pela  mão  ao  Menino  Deos.quan- 
do  do  Egypto  voltava  para  Nazareth ,  &  da  outra  parte  fe  vé 
S.Jofeph  feu  Efpofo  na  mefma  forma  que  a  Senhora.  A  efta- 
tura  defta  foberana  Imagem,  faõtres  palmos  &  meyo,&da 
meíma  eftatura  he  a  de  S.Jofeph  feu  Efpofo  Nas  collateraes 
tem  a  S.Gonçalo,Imagem  muyto  milagrofa,&  a  S<  António- 

Tem  a  Senhora  do  Deíkrro  hfia  muyto  nobre  ,6c  fer  - 
vorofa  Irmandade ,  que  a  ferve  com  muyta  veneração ,  & 
cuydado ,  5c  para  que  efía  mais  fe  augmentaffe ,  procuraram 
os  feus  Irmáos,da  Sè  Apoflolica  hum  grande  thefouro  de  In- 

dul- 


Livro  II.  Titulo  1WI.  23$ 

du!gencias:tem  quatro  Jubilcos  em  quatro  dias  particula- 
res do  anno.  Tem  hum  Capelião  perpetuo ,  &  hum  Sadrif- 
taõ  para  ajudar  ás  MiíTas ,  que  ordinariamente  fe  dizem  na- 
quella  Ermida  da  Senhora  vinte,  &  muy tas  vezes  mais,  por- 
que todos  os  Sacerdotes ,  pela  devoção  da  Senhora  ,  a  defé- 
}ão  ir  dizer  no  feu  Altar,  &  como  fe  dá  para  todos  os  guiza- 
mentos  neceffarios,  de  hofiias,  vinho,&  cera,  (  porque  tudo 
iílo  corre  pela  defpeza  da  Irmandade  )  por  iffo  faô  tantos  os 
que  concorrem, &  tudo  naquella  Igreja  eflá  com  muyto  ace- 
yo;  &-  perfeyção ;  &  femprea  Igreja  da  Senhora  ellá  aberta, 
para  íe  não  impedir  a  devoção  dos  que  continuamete  a  buf- 
cão>  &  como  ellá  obra  muy  tos  milagres,&  maravilhas,  fcín- 
pre  he  frequentada  a  fua  Ca&  de  devotos ,  que  vaõ  a  implo- 
rar da  Senhora  feu  favor,  para  poderem  tolerar  os  trabalhos 
que  fe  padecem  neíle  miferavel  defterro  do  mundo, 

Naõtem  rendas  particulares  ,  &  aflim  a  íua  Irmandade 
he  a  que  acode  com  todas  as  defpezasneceífarias ,  nãofó  pa- 
ra a  celebridade  das  fuás  feitas ,  mas  para  tudo  o  mais  ;  para? 
iflo  pedem  também  efrnola  pelo  Bifpado.  Também  tem  Mif- 
fa  particular  em  todos  os  Domingos,  &  dias  Santos,  a  qual 
he  obrigado  oCapellaõ  da  Senhora  dizella  ás  onze  horss. 
Para  eíta  Miífa  fe  deyxárão  á  Senhora  duzentos  mil  reis,quc 
eftaõajuro,  &  delle  fe  pagam  as  MiíTas  a  razaô  de  oitenta 
reis  de  efmola ,  &  o  que  íobeja  do  juro  he  para  a  fabrica  da 
Gapella. 

Quanto  ao  tempo  da  primeyra  fundação  daquelle  San- 
tuário, &  origem  delle, não  ha  noticia  alguma  ;  o  que  fe  en- 
tende fer  muyto  antigo ,  &  das  primeyras  Ermidas ,  que  fc 
fundarão  naquella  Cidade,dcpoisquc  foy  recuperada  do  po- 
der dos  Mouros.  Afefíividade  da  Senhora  do  Defterro  fc 
celebra  na  quarta  Dominga  de  Agofto  •,  mas  com  o  Evange- 
lho de  S.Mattheoscapc 2.  Sur gt}iS accipe piurum r,  &  Ma- 
trem  ejm  jiSfnge  ir,  sJEgyptum.  Que  ainda  que  a  Senhora 
nefiaoccafiaõ  o  levava  nosbrâços  recém  nacido,  omyftc- 

rio 


1 4<*  Santuário  Mariana 

rio  o  reprefenta  já  de  íete  annos  na  peregrinação  ,  8c  vdta 
doEgyptopara  aterra  delfrael. 

D:flc  Santuário  da  Senhora  do  Dcfterro  coftumaõ  os 
Senhores  Bifpos  daquella  Diocefí,  quando  vaõ novamente 
atomarpoíTe  j  a  fazer  a  fua  entrada,  &da!Ii  fahem  levados 
com  toda  a  folemnidade  dcbayxo  de  palio ,  acompanhados 
de  toda  a  nobreza,  &  po/o  da  mefma  Cidad  e. 


TITULO    'XXVII. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhora  do  Soccorro  >  da  mefma  Ci- 
dade de  Lamego. 


c 


Om  foberano  defHno  invocamos  os  homens  a  Maria 
Santiffíma,comoa  noffo  único  foccorro  cm  todos  os 
noífos  trabalhos ,  &  tribulações ,  &  como  a  nofíb  alivio  em 
todas  as  noíías  penas ,  &  affliçoens  \  porque  cm  tudo  temos 
nclla  alivio  j  &  foccorro.  Em  apenofa,  &  eftreyta  cama  da 
Cruz  fc  achava  o  Senhor  JESUS  Chrillo ,  quando  olhando 
para  fua  Santiííima  Mãy  ,  lhe  encarrega  que  veja ,  k  eílime 
joAn.    como  a  filho  ao  Difcipulo  J  oaõ-  Porem  logo  fe  oíferece  hum 
i9.       grande  reparo ,  que  não  chama  á  Senhora  Mãy ,  fenão  mu- 
Chryf.  Iher:  Multer } ecce  filtws tuus.  Mulher  agora?  Para  quando 
homà<\  eraõ  ma/s  próprias  as  ternuras ,  que  para  o  tempo  da  ultima 
ln  /om.  defpedida?  Saô  Joaõ  Chryíbíiomo  diz,  fora  para  naõ  laftimar 
**\       a  fua  Santiífima  Mãy.  Seria  porque  a  naõ  tiveífem  por  mais 
Ih*-  9uecrcatura?  Affimo  diífe  Epiphanio.Ou  feria  por  eflar  o- 
ref.o?  brando  hum  negocio  taõfupcrior.  Aííimo  ponderou  Agof- 
J'l  ln  tinho  meu  Padre.  Mais  nos  quiz  enfinar  o  Senhor  (  diz  Sam 
Iqa».i9  Pafchaíio)como  fe  achava  o  Senhor  JESUS  Chrifto'  Em  os 
tormentos  da  Cruz  defpido,  ferido,  pobre,  com  fome,  &  fe- 
dei &  cercado  de  agudiflimas  dores;&  tambem  fe  achava  com 
determinação  de  padecer  fem  algum  foccorro,ou  alivio,que 

por 


Livro  II.  Titulo  XXVII.  241; 

por  iíTonaôqmz  beber  o  vinho  myrrado'.CunigiiftaJfet,no-  Matth. 
luu  ^/^rf-Eis-ahi(dizS.Pafchafio)  porque  não  chama  á  Sc-  27» 
nhora  Mãy,fenão  Mulher:  Mulier,ecce  filiustuus*  Porque 
oinvocallaMaria,  fora  certamente  hum  grande  foccorro  Joa** 
cm  as  fuás  penas ,  Sr  hum  grande  alivio  em  as  fuás  dores ,  &  is. 
trabalhos.  Mulher  ,&naõ  Maria  a  chama ;  porque  quer  pa- 
decer fem  foccorro }  &  íem  alivio ,  &  eníinarnos  a  nós  ,  que 
nos  deyxava  todos  os  foccorros,&  alívios  ern  Maria- EaíTím  p  r,~ 
Mulier,  &  naõ  Maria,  ( diz  S.Pafchafio ) ne  tam  digna prola -  L  *H  t*n 
tione,  Lbrijfi  dolores  mhiuerentur-Em  Maria eftá  o  noíío  foc  Matth. 
corro,  &  o  nofíò  remédio ;  Remedium  impetra?  cegrUytS  nf- 
fltãis.  Recorramos  fcmprca  Maria,porque  nella  temos  foc- 
corro ,  alivio  y  &  remédio.  Porque  cila  he  (  como  diz  o  meu 
S.  Thomás  de  Villa-Nova)  o  noíTo  foccorro,  &  o  noíTo  uni  •  Th*mí 
co  remédio:  Remedium  unicum  noftrum-  de  ViU 

Dentro  da  mcfma  Cidade  de  Lamego  ,á  parte  doLef-  Nov- 
te,  fevè  o  Santuário,  &  Ca  fada  Senhora  doSoccorro.Nel-  C,on^\ 
la  fe  venera  huma  de votiflima  Imagem  da  foberana  Rainha  "eN"** 
dos  Anjos,com  quem  toda  aquella  Cidade  tem  muy  to  gran- 
de devoção.  He  invocada  de  hunscom  o  titulo  do  Soccor- 
ro ,  &  feria  porque  ella  he  a  que  nos  trabalhos  deíla  mifera- 
vel  vida  fempre  nos  foccorre ,  &  favorece.  Outros  lhe  cha- 
mão  noíTa  Senhora  da  Lapinha ,  &  he  tradição  que  apparecè^ 
ra  em  hua ,  aonde  pelos  Chriftács  fora  efeondida ;  para  que 
o  furor  dos  Mahometanos ,  quando  fefizerão  fenhoresde 
Hefpanha,&  Portugal,  lhe  não  fizeífem  alguma  irreverên- 
cia, ou  defacato ,  &  que  fe  manifeftéra,depoisxjue  os  Mou- 
ros forão  lançados  fóra^quando  appareceo  a  Senhora  da  La- 
pa^de  Quintella.  Naõ  confía  nem  oannode  fua  manifeíta- 
çaõ,  nem  a  forma  delia,  que  feria  muyto  prodigiofa. 

He  efta  Ermida  muyto  antiga  ,  &  tem  a  porta  principal 

emaruadireyta.  A  Senhora  fe  vè  collocada  no  Altar  mòr; 

he  de  roca  ao  que  parece  j  porque  cftá  adornada  de  veftidos, 

&  tem  cm  feus  braços  ao  Menino  Deos.  A  fua  cftaturafaõ 

Tom-  III.  Q^  qua- 


14 l  Santuário  Mariano 

quatro  palmos ;  feíleja-íe  em  8.  de  Setembro ,  dia  de  fua  glo- 
riofa  Natividade ,&  em  que  naceo  para  o  mundo  a  nova  luz, 
&  iedeftcrráraõ  as  trevas  \  porque  com  a  protecçãode  Ma- 
ria ti  verão  os  homês  \  quando  entrou  nefle  mundo ,  quem 
os  foccorreffe,  &íntercedeflcporel!es.Tem  aquella  Cidade 
de  Lamego  muyta  devoção  com  cila  Senhora.  He  a  fua  Ca* 
fa  annexa  á  Parochia  de  Aímacava/)u  Almacave. 


TITULO     XXVIII. 

*Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Ta^  em  o  mefmofitio. 


v 


Árias  vezes  temos  tocado  eíle  fantiílímo  titulo  da  Paz, 
titulo  impoílo  a  Maria  Santiflima  cô  muy ta  proprieda- 
de;porque  cila  he  a  nofía  Paz,  a  noíTa  alegria,  confolação,&  a 
,  2  ,  faude  do  mundo,  como  a  acclama  S.Ephrem :  íPax,gai4dium9 
àeUud  c°nfdatio3  ts  falm  mundi.  Por  hum  dos  lados  da  Ermida  de 
j5,  ym  noíTa  Senhora  do  Soccorro  fobc  huma  efeada,  que  faz  cami- 
nho para  o  Santuário  de  noíTa  Senhora  da  Paz.  Fica  eíla  Er- 
mida nas  cofias  da  Cafa  de  noíTa  Senhora  do  Soccorro  y  tam-> 
bem  para  a  parte  do  Levante  da  mefma  Cidade.  Eíla  Cafa  he 
antiquifilma  ,  5c  affirmaõ  fem  controversa  fer  eíla  a  prrmey- 
ra  Igreja,,  &  a  Cathedral  daquella  Cidade }  ou  a  Matriz  ,  lo- 
go que  fe  recuperou  do  poder  dos  Mouros.  Fica  bfem  conti- 
gua ao  CaíkÍío,&  pôde  bem  fer  ferviíTeaosMouros  de  Mef- 
quita  .que a  profanariaõnafua  entrada  aílímcomo  depois 
os  Chriílãos  a  purificarão,  &  confagrárãoao  mefmo  Se- 
nhor, de  quem  havia  fido  Templo.  Querem  tombem  alguns 
que  ElRey  Dom  Affonfo  Henriques  edíficaííeella  Igreja ,  & 
que  elie  a  dedicara  a  N.  Senhora  ,  &queclie  fora  o  quenclla 
coliocara  a  Imagem  Santiflima  da  Senhora  da  Paz-  Etudofe 
pôde  crer  dâ  piedade  defte  íanto  Rey ;  porque  íffirmão  que 
edificara  mais  de  duzentos  Templos^  &  muytos  delks  n?ag- 

nifi- 


Livro  II.  Titulo  XXVIII.  24| 

niíícoSí&affim  bem  podia  ciie.íundar  também eíle# 

A  Imagem  da  Senhora  da  Paz  eflá  collocada  no  Altar 
roòr  :  a  lua  efla  tora  faõ  perto  de  féis  palmos ,  &  tem  em  feus 
braços  ao  Menino  Deos,hede  roca  A  de  veflidos.Tambcm 
daõ  a  efla  Senhora  o  titulo  do  Salvador  ,  &  fem  embargo  de 
que  teve  muyta  razão,»  quem  lhe  pozefte  titulo;  porque  ver- 
dadeyramente  ninguém  tem  mais  parte  em  o  Filho  que  fua 
Mãy,&  também  íb  o  Salvador  he  o  que  tem  mais  parte  em 
fua  Santiffíma  Mãy ;  ainda  aílim  não  nos  confíou  da  caufa 
porq  fe  lheimpoz.  He  efle  Santuário annexo,  como  a  referi- 
da  Cafa  da  Senhora  do  Soccorro,  á  Parochia  de  Aírnacava. 

Nos  annos  paffados  íe  via  efla  Cafa  da  Senhora  da  Paz 
quafí  deferta;  porque  era  pouca,  ou  nenhuma  a  devoção  com 
que  era  bufeada.  Mas  hoje  em  que  he  tão  defejada  a  paz }  que 
a  Igreja  tanto  nos  recomenda  peífamos  continuamente  a 
Dcos ,  fe  moveo  a  devoção,  para  fecuydar  com  particular 
cuydado,&attençãoda  Caiada  Senhora  ;  para  a  obrigarem 
que  ella  no  la  alcance  de  feu  Santiffimo  Filho  ,  &  affim  fe  vè 
hoje  reparada,  &  adornada.  Tem  hum  adro  pequeno,  que  fi- 
ca junto  ao  Cafiello,  que  também  eflá  teflemunhando  a  an- 
tiga edificação,  &  exiflencia  daquelía  Cafa  ;  porque  alli  fe  ve 
muytas  fepulturas  de  pedra ,  ou  monumentos  antigos  j  que 
faôhuas  pedras  grandes  cavadas  ,com  fuás  tampas,  ou  cu- 
berturas  ,  &  ainda  que  já  nellas  fe  não  achão  ofíos  de  defun  • 
tos,fe  vèquenelies  fe  fepultavão  as  peffoas nobres ,  &il- 
luftres. 


TITULO     XXIX. 

Da  mtlagrofa  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Efperança.      joa»: 


Geom> 


HE  Maria  Senhora  noíTa  a  Efperança  de  hum,  &  outro  HjmJc 
mundo;  diffe  o  Joaõ  Geome tra :  Spes  utrmíque  mundL&K 

CL*  Ea 


144  Santuário  Mariano 

E  a  Efperança  de  todosjporque  ella  he  a  Efperança  dos  Patri* 
arcas,  o  preconio  dos  Apoítolos  ,  a  honra  dos  Martyres ,  a 
S.Eçhr.  alegria  dos  Santos,  &  o  lume  de  todos  os  Juílos :  Spes  única 
imtio     (patrum,  gloria  Tropbetarnm  ,  proecovium  Jpojlolorum ,  ko~ 
Land.    noY  Martyrum  ,  Utttia  Santiorwn  ,  &  lúmen  probatijjimo- 
B* r-     rum,  como  diffe  S.  Ephrem  \  &  aífim  he  juíio  que  cm  todas  as 
nofiaspertençõesa  invoquemos ,  como  a  noffa  única  efpe- 
rança. Por  iffo  a  Igreja  Santa  na  Antiphona  da  Salve ,  chama 
a  cita  Senhora :  Fida^chçura,  &  efperança  noffa ;  porque  ain- 
AnoUt  da  que  ouve  hereges  blasfemos,  que  intentarão  efeurecer 
trom.p.  de  Maria  Santiffima  efte  gloriofo  titulo  de  Efperança  nofla, 
com  affedlado  zelo,  de  que  fe  ha  de  efperar  em  fó  Deos,  não 
mereceo  a  fua  foberba  a  luz.,  para  entender  como  fe  ha  de  ef: 
perar  em  Maria. 
r  Claro  efíá  que  efla  Senhora  não  he  Deos,  (como  diffe  o 

pJaL  l  Real  Profeta )  cm  Deos  fe  ha  de  efperar :  S per  ate  in  eo  omnis 
cmgregatio  /  opuli.  E  repete  muytas  vezes  \  que  he  Deos  a 
PT  t6    n       efperança  :  Tu  es  Domine  Jpesmeax  Spes  omniumfi- 
'   *  4  nium  tyfrfy  &  ainda  myfteriofamente  diz  que  fe  ha  de  efpe- 
rar em  fó  Deos  •,  porque  diz ,  que  Deos  he  a  fua  efperança, 
ff***1**  defdeque  efteve  aos  peytos  de  fua  Mãy :  Spes  mea  ab  uberi- 
bm  Matris  med.  Falia  á  maneyra  de  hum  menino  que  expu- 
zeram  ás  portas  de  hum  rico ,  quando  era  de  pey  to ,  que  de- 
pois íendo  já  homem ,  não  conhece  mais  pay,nem  mãy,  que 
a  quem  o  amparou  ,  &  sflim  põem  a  fua  efperança  fónellc. 
Soa  vos  Deos  meu  conheço  por  Pay  ,  para  efperar  fó  em 
vòs :  Spes  mea  ab  ufa  ribus  Matris  mede.  Porém  naõ  tira  ifto 
ffir*u  qUe  ponhamos  em  Maria  Santiffima  a  noffa  efperança  5  por- 
que naõ  fe  põem  em  Maria  Senhora  noffa  corno  em  Deos. 
Põem  fe  a  efperança  em  Deos  como  cm  caufa  primeyra  ,& 
noffo  ultimo  fim ;  porem  em  Maria  fe  põem  como  na  Mãy  de 
Deos  podcroíiffima  para  interceder ,  &  para  o  dizer  em  hua 
fó  palavra,  pondo  a  efperança  em  Maria  ,  fe  poem  em  Deos; 
porque  quer  Deos  que  a  ponhamos  em  Maria  fua  Mãy,como 

em 


tam, 


tn 


Livro  77.  Titulo  XXIX.  247 

emquem  participa  mais  do  feu  poder.  Naóhc  oquelhedizu  Cánt.i< 
a  leu  Santiflimo  Filho  emos  Cintares:  Flores  appurucrunt 
in  terra  nvflra:N&  nofíz  terra  appareceo  huma  fermofa  po- 
voação de  flores.  Já  fe  íabe  que  as  flores  fígnificaõ  a  efperan- 
ça :  Inflorejpes,  diíTe  Hugo  Vidorino ;  mas  note-fe  com  o  Hul* 
Abbade  Guilicimo  /que  nâo  diz  eftava  a  efperança  em  a  ter  ^cL  j 
ra  de  JESUS ,  ou  em  a  terra  de  Maria  ,fenaõna  noite  terra;  /£  * 
porque  fez  oamor  commum  o  poder  de  JESUS,  &  de  Maria;  qhíi 
para  que  a  efperança,  que  fe  põem  nainterceffaõ  de  Maria,  Ab.i 
fe  julgue  pofta  em  o  poder  infinito  de  JESUS:  ///  terra  no-  Cant.z. 
Jlra,  diz  Gailhelmo:  Ide  o  noflratfuia  omnta  mta  tua  ftvit,  & 
omniatm  fwit  mea*  E  aífim  como  todos  os  poderes  deDeos  Dama/: 
eftaô  poítos  nas  mãos  de  Maria,  nella  devemos  pòr  toda  a  Otm  r. 
noífa  efperança  •>  porque  cila  he  a  efperança  de  todos  os  de  Nau 
Chriftãos ,  como  diífc  o  Damafceno :  Spes  Chriftianorum.      *•  *? 

O  Santuário  de  noífa  Senhora  da  Efperança  fe  vè  fí- 
tuado  no  fim  da  Cidade  de  Lamego  }  quando  fe  fobe  a  ella 
pela  parte  do  Norte ,  &  para  a  mefma  parte  lhe  fica  o  rio 
Douro  em  diftancia  de  hua  legoa  ,  &  quaíi  na  mefma  diftan- 
cia  entra  o  rio  Baroca  a  oíferecerlhe  as  fuás  correntes ,  que 
augmentadas  com  as  das  duas  ribey  ras ,  a  de  Balíemaõ  ,  &  a 
que  íahe  da  Cidade  ,vay  taô  ufano  a  vifitallo.  Ve-  fe  fituado  no 
nm  da  rua  da  Ceara.  Efta  Igreja  fundou  hum  devoto  Cléri- 
go, ha  mais  de  cem  annos ,  &  aflim  fe  entende  feria  pelos  an- 
nosde  mil  &  quinhentos  &  noventa  ,  pouco  mais  ,  ou  me- 
nos- Depois  de  fua  morte  ficou  a  2dminiftraçaõ  ao  povo,que 
a  tem  com  grande  aceyo,  &  muy  to  adorno- 

Eftácollocada  a  Senhora  da  Efperança  nomeyo  dore- 
tabolo  do  feu  Altar  mòr;  he  de  efeultura  formada  em  pedra, 
&  tem  em  feus  braços  ao  doce  JESUS  Menino.  A  fua  eftatu- 
ra  fam  cinco  palmos.  E  o  fer  formada  em  pedra  me  faz  con- 
íidcrar,queou  efta  Santiííima  Imagem  appareceo  ao  tal  Clé- 
rigo^ lhe  rmndouquc  lhe  edificaffeaquellaCafajouque 
elle  por  algum  celeftial  deftino  a  tresladou  de  outra  parte, 
Tom.  III,  Q^5  aon- 


24<*  Santuário  Mariano 

aonde  cu  eflaria  ccculfa,ou  eíquecida , &  falta  daquella  ve- 

tlerL;aTr  ihc  Cra  í  n  d3:  ?  fuJ^°me  íer  ccm  aIíU  Par- 
ticular, &  fobcrano  deíhno  fundada  cita  Cafa  j  porque  logo 

a  .Senhora  começou  a  obrar  grandes  prodígios  ,  porque  faó 
nu»as ,  &  notáveis  os  que  tem  obrado  depois  que  fov  coí- 
locada  naquelia  nova  Ermida.  Quando  ha  neceffidades  pú- 
bicas comoem  faitasdc  Sol,  ou  de  chuva  ,  logo  querecor. 
rem  a  Senhora  da  Efpcrança ,  alcançaó  do  Ceo  tudo  o  de  que 
necefficao;  para  ido  fazem  precifíbes,  em  que  vaõ  á  fua  Cafa 
a  . rogarlhe  intenta*  a  feu  Santiííímo  Filho  pelo  feu  reme- 
dl0j&  nunca  as  fuás  efperanças  fahem  fruflradas:  porque 

ACXt  euT' 1,1CS  temf,oftrado  °  quanto  tila  fe  compadece 
dos  trabalhos,  &  neceffidades  dos  peccadores 

He  efla  Sagrada  Imagem  de  grande  feriròfura,&  muy- 
}o  devota,*  affimhe  bufeada  de  todos  os  moradores  daquel- 
la Cidade,  &  todos  em  particular  arháo  na  fua  prefença  ali- 
vio ,  &  confo  açao  Fcíxeja-fe  cm  cinco  de  Agofío ,  &  ne  fle 
dia  tem  grande  Jubtleo ,  de  que  goza ô  todos  os  que  vifitaô  a 
fua  Cafa confeflados,  &  facramentados.  E  outros  tresmais, 
que  fe  ganhão  cm  outras  féfliyidades  da  mefma  Senhora.  He 
annexa  efla  Ermida  á  Parochia  de  Santa  Maria  de  Almacava. 


TITULO     XXX. 

T>a  Imagem  de  mjfo.  Senhora  das  Lages. 

T  Ratamos  nefle  titulo  da  Senhora  da  Lagem,  ou  das  La- 
ges; titulo  verdadcyramente  myfjeriofo.  He  de  laber, 
que  o  demónio,  para  introduzir  no  n  undo  o  pecrado  origi- 

*«"A  x?  ' t0ni0U  a  f6rma  dc  ferPente:  Sed  <?  rerixns  ttat  calhdu.r. 
Notem  agora  a  differença  grande  com  que  fç  porta  a  ferpen- 
tc  em  a  terra  ,  &  em  a  pedra.  Em  a  terra  imprime  ,  &  dcy  xa 
íempre  rafles,  &  vefligios  das  fuás  tortuofas  voltas;  mas 

n» 


Livro  II.  Titulo  XXX.  247 

na  pedra  por  mais  que  forceje?não  pode  lonprimir  nella  o  mais 
leve  final  de  fuás  eframas  Diz  o  Profeta  I faias  :Q^md  j  pro- 
fetizo o  remédio  do  homem  em  o  Divino  Cordey ro  Chriíto  /fi/, 
JESUS, peço  que  venha:  Emitte  agnum  de  petradeferti  ,&  cap.  16. 
profetizo  que  virá  de  Maria  ,  &  por  Maria,  não  como  terra, 
roas  como  pedra:  Depetradèferii)  porque  Maria  deíde  a  lua 
Conceycaõjdeídealeu  primeyro  inílantc  fcy  pedra  firme, 
em  quem  não  pode  imprimir  a  antiga  ferpente  os  venenofos 
veftigios  da  culpa.  Aííimodiz  Alberto  Magno:  Hxce/1  pe-  Alb.M. 
trâjupnqmm  noneft  inventam  vefligium  cdubrl^iJeft  éa-  ^-8.* 
boli.  Concebafe  pois  Maria  como  pedra  firmiflíma  ,&  como  L 
pedra  entre  o  mundo,  para  que  nella  tenhaõ  os  homes  as  fuás  Ci 
felicidades ,  &  para  que  com  a  fua  prefença  defappareção  as 


B.Aiar. 


ferpentes  venenofas ,  para  que  nao  poíTaõ  chegar  nem  á  ter- 
ra aonde  Maria  aiíiite. 

Para  a  parte  do  Oriente  da  referida  Cidade  de  Lamego, 
&  junto  á  ribeyra,  que  a  corta  pelo  meyo ,  antes  de  fe  ir  a  en- 
corporar  com  o  rio  Balfemaõ,  &  em  pouca  diilancia  da  C  ida- 
de ,  fe  vè  o  Santuário  de  noflfa  Senhora  da  Lagem ,  nome  to  * 
mado  do  fitio  em  que  fe  lhe  edificou  a  Igreja  ,  em  que  he  ve- 
nerada, Efh  Ermida  mandou  fazer  hu  Cónego  daquella  Sé, 
(naõ  confta  o  anno)  efoamava-fe  Miguel  Freyre ,  como  fe  vè 
de  híía  pedra  que  eftá  na  Capella  mor,  aonde  fe  declara  o  que 
devefatisfazer  o  adminiftrador,  (quefaõ  os  Morgados  de 
Balfemao)  que  he  MtiTa  todos  os  Sabbados,&  outros  dias 
de  noíTa  Senhora,  6c  de  Saõ  Jofeph ,  &  Ssrmão,  femnotaro 
dia,  &a nada  diftj  feda  fatisfaçaô  ,  &fó  por  devoção  fe  di- 
zem á  Senhora,  nos  dias  Santos,  algumas  Mífías  ',  ou  em  ou- 
tros dias  }  fegundo  a  devoção  dos  que  as  mandaõ  dizer. 

A  origem  deita  Santa  Imagem  ,&o  motivo  que  aquel- 
le  devoto  Consgo  teve  para  edificar  fobre  aquelia  lagem,  em 
que  fe  vè  junto  ahuma  ponte  ,  totalmente  fe  ignora  já  hoje; 
mas  não  pòdedeyxarde  haver  nefherecçiõ  algum  grande 
rayflerio  5  porque  nem  o  lugar  fof  ria  a  edificação,  nem  oiitio 

Q_4  pare- 


248  Santuário  Mariano 

parecia  a  propofíto  para  ella,  por  duas  razoes;  huma  por  fer 
íítio  incapaz,  &  outra  por  cftar  muyto  mal  avaliado  ;  porque 
íè  diz,  que  naquelle  lugar  fuecediaõ  muitas  mortes,&  mui- 
tas deigraças,&  nelle  fe  cemettiaõ  muy  tos  peccsdos.Seo  de- 
voto Cónego  fundador  dedicou  aquella  Cafa  a  Senhora ,  pa- 
ra que  com  a  fua  prefença  fugiíTem  os  demónios ,  que  feriaõ 
osqueinfeftavaôaqueílelugar;  cu  fea  mefma  Senhora  ap 
pareceo  ao  tal  Cónego  como  Mãy  que  he  dos  peccadores  7  & 
que  fempre  fe  compadece  das  fuás  ruinas  1  &  lhe  mandou  lhe 
edificaffe  febre  aquella  lagemhuma  Ermida,  não  confla  com 
certeza  mas  a  mim  fe  me  reprefenta  ,que  a  Senhora  compa- 
decida da  ruina  das  almas  lhe  appareceo,  ou  viíivelmente,ou 
em  fonhos,  (  ou  lhe  infpirou)  mandandolhe  que  fobre  aquel- 
la lagem  >  que  era  o  quebradouro  das  con  (ciências ,  lhe  eri- 
giffe  huma  Cafa  }  aonde  collocaria  huma  Imagem  íua  ,  para 
que  ella  foífecomo  he  a  quebrantadora  da  cabeça  da  ferpen- 
te  infernal  5  &  a  experiência  o  confirma  \  porque  depois  que 
fe  fundou ,  &  edificou  á  Senhora  aquella  Ermida,nunca  mais 
ouve  naquelle  lugar  as  antigas  defordés,  &  defgraças- 

E  o  naô  fe  dar  á  Senhora  outro  titulo ,  fenaõ  o  da  La- 
gem, me  confirma  mais  em  que  a  edificação  íe  fezporimpul- 
fo  foberano;  porque  como  efla  Senhora  he  a  pedra  do  defer- 
to,  aííim  naõ  qneria  que  naquelle  ermo  >  &  defpo  voado  íitio, 
&  fobre  aquella  pedra  figura  fua ,  pudeífe  a  infernal  ferpen- 
te  imprimir  rafto  algum,  não  digo  na  pedra  ,  que  era  impof- 
íivel ;  mas  nem  na  terra  circumvizinha  ,  &  aflim  a  defíerrou 
aos  abyfmos,  para  que  nunca  miis  naquelle  lugar  appareccf- 
fe.  Porque  fe  fora  por  particular  devoçaõ,que  o  devoto  fun- 
dador tiveffc  a  algum  efpccial  myfterio  da  íoberana  Rainha 
dos  Anjos;  efie  fe  exprefFára,  &  não  deyxaria  de  fe  dar  á  Se- 
nhora outro  diíFerente  titulo  ,  porque  o  naõ  teve  atè  o  pre- 
fente  ,  mais  que  o  da  Lagem  com  que  he  invocada. 

Hoje  fe  vè  aquelk  Santuário,  &  Cafa  daquelk  milagro- 
fa  Senhora  (que  antigamente  foy  muyto  celebre^  frequen- 
tada) 


Livro  11.  Titulo  XYX  2 49 

tada  )  muy to  cíquecida ;  porque  os  Morgados  de  Balfemaõ, 
cuydaráõ  mais  de  recolheras  rendas  delle,  para  as  difpen* 
der  tal  vez  em  gaftos  fuperfluos^  doque  em  cuydarem  do 
culto  ,&  do  ferviço  daquella  Senhora  ,que  muyto  deviam 
fervir,  &  venerar,  como  a  mayor  prerogativa  da  fua  cafa,& 
pela  joya  mais  preciofa  do  feu  Morgado.  E  feo  fizerem  co- 
mo de  vem,  &  como  faô  obrigados  ,receberáõ  da  Senhora  da 
Lagem  muy  to  grandes  favores;  mas  também  fe  continuarem 
no  feu  defcuydo,  lhe  temo  hua  grande  ruina ,  &  que  o  Mor- 
gado acabe  nellcs ,  &  palie  a  outros  cflranhos  pofTuidores, 
pois  o  comem  fem  fatisfazer  as  obrigações  delle  ,  faltando 
ao  culto  da  Senhora.  Fundou  efle  Morgado  hum  Bifpodo 
Porto  chamado  D.  AfFonfo,  natural  do  Lugar  de  Balfemaõ, 
que  difta  de  Lamego  hum  quarto  de  legoa  ;  o  qual  fundou  na 
Igreja  Cathedral  huma  Capellayque  dedicou  a  Saõ  Pedro,que 
fica  junto  á  Capella  do  Santiflimo  Sacramento,na  qual  aíTen- 
tou  a  cabeça  do  Morgado,  que  elle  infíituio ,  aonde  fe  man- 
dou fepultar  no  anno  de  1400,  como  confia  do  feu  epitáfio, 
que  fevé  gravado  na  fepultura.  He  eíte  Morgado  hum  dos 
principaes  que  ha  em  Lamego.  Os  fenhores  delle,  &  herdey- 
ros  do  Bifpo  D.  Affònfo  faõ  os  Pintos  Fonfecas  ,&  na  refe- 
rida Capella  de  Saõ  Pedro  fe  vem  também  Álvaro  Pinto  da 
Fonfeca,quemorreonoannode  1562.  &  feus  pays,  &  avôs. 
A  Imagem  da  Senhora  da  Lagem  he  de  efeultura  de  madey- 
ra  eflofada ,  &  a  fua  eftatura  faõ  féis  palmos. 


TITULO     XXXI. 

<Z)a  Imagem  de  rvjfa  Senhora  da  Piedade  do  lugar  das 
CbãsjConcelbo  da  Villa  de  Luminares. 


D 


Uas  legoas  diftante  da  Cidade  de  Lamego  para  apar- 
te do  Oriente  fe  vé  o  lugar  das  Chãs ,  que  difta  rocyo 

quar- 


2  jo  Santuário  Manam 

quarto  delcgoa  do  lugar  de  Gogim ,  Freguefia  de  Saõ  Mar- 
tinho das  Chãs,  Concelho  da  Villa  de  Lumiarcs.  Efte  titulo 
de  Chis  Ec  vè^em  maytas  povoações,Vi!Ias,&  lugares.Jun- 
toa  efte  Ingar,  em  diftancia  do  dcftrito  queoceupa  o  cami- 
nho da  fanta  devoção  da  Via  Sacra  ,  fe  vè  o  Santuário ,  &  a 
Cafa  de  noffa  Senhora  da  Piedade ,  Santuário  muytofrequè- 
tado,&  aonde  apoderofa  mãodeDeos  obramuytos  mila- 
gres, &  muytas  maravilhas  pela  intcrceffaô  ,  &  merecimen- 
tos de  fua  Santiííima  Mãy  aVirgem  Maria  noffa  Senhora.  Ve- 
fefituada  eira  Cafa  da  Senhora  fobre  o  ai  to  de  hum  monte, 
que  he  verdadsyra  reprefentaçaô  do  Calvário.  Aquinefte 
lugar,  &  Santuário  he  vifitada  a  Senhora  da  Piedade  de  con- 
tinuas romagens,  naõ  fó  de  todos  os  lugares  arcumvizi- 
nhos ,  &  da  mefma  Cidade  de  Lamego ,  mas  ainda  de  outros 
povos  muyto  diftantes;  porque  de  todos  concorram  muy- 
tos  Romeyros,&  Peregrinos  a  venerar,  &  a  viíitar  a  efta  mi- 
lagrofa  Senhora. 

He  efte  Santuário  da  Senhora  da  Piedade  muyto  anti- 
go, o  que  fe  manifefta  na  cftrudura  da  fua  Cafa ;  &  a  origem 
defta  Santiííima  Imagem,  &  de  feus  milagrofos  princípios  fc 
refere  nefta  maneyra ,  mds  pela  tradição  dos  velhos,  do  que 
poreferituras,  ou  teftemunhos  autênticos,  &  ainda  efta 
tradição  fe  divide  em  duas  opínioens  ,  porque  huns  dizem, 
que  a  Imagem  da  Senhora  da  Piedade  apparecèra  em  omef- 
mo  monte,  juntoa  huma  filveyra ;  &  que  dando  avifo  o  pri- 
mcyro,ouosprimeyros  inventores  defte  thefouro,  com  o 
refpey to ,  &  veneração  que  fe  devia  a  efte  grande  favor  da 
Senhora ,  acudira  o  Parocho  da  Freguefia  de  Saõ  Martinho 
das  Chãs,&  que  em  prociíTaõ  levara  a  Imagem  Santiííima  pa- 
ra a  fua  Igreja.  Mas  que  toda  a  alegria  com  que  o  fizera  elle, 
&  os  moradores  com  a  poffe  daquelle  inextimavel  theíburo, 
fe  lhe  convertera  no  feguinte  dia  em  fentimentos ,&  faudade 
quando  hiao  todos  a  venerar  a  Senhora,  &  a  mo  acháraõ  ,  8c 
quecuydadoios,&difcurfivos,emquem  lhes  faria  o  furto, 

vicraõ 


Livro  II,  Titulo  XXXI.  k$ 

vieraô  a  faber  logo  que  es  Anjos  -7  porque  elles  a  haviaô  ref- 
fituido  ao  feu  principal  lugar.  Dizem  que  ftgunda  ,&  ter- 
ceyravez  fora  levada  a  foberana  Imagem  da  Senhora ,  do 
morte  para  a  Parochia,  &  que  outras  tantas  vezes  dcfappa- 
recèra.  Com  que  acabarão  de  entender ,  que  a  Senhora  que- 
ria fer  venerada  naquelle  monte,  &  íitio em  que  fe  havia  ma- 
nifeftado.  E  affim  lhe  fizeram  húa  pequena  Ermida  ,cm  que 
a  collocáraô,  que  depois  fe  foy  augmentandoem  a  forma  em 
que  hoje  fcvè. 

Outros  dizem,  que  hum  Juiz  domefmo  lugar  fonhára 
tres  vezes ,  ou  três  noytes,  que  achava  naquelle  íitio  a  Ima- 
gem da  Senhora ,  &  debayxo  de  hua  íilveyra,  &  que  elle  indo 
a  experimentar  a  verdade  dofonho,que  defeubrira  a  Santa 
Imagem, &  que  elle  fura  o  que  lhe  mandara  edificar  apri- 
mcyra  Cafa,  que  ao  depois  fe  fora  augmentando  cada  dia  mais 
com  as  cfmolas  dos  fieis  ,  que  concorriaõ  á  voz  daquella  ma- 
ravilha. Ecomo  a  Senhora  cada  dia  augmentava  a  devoçam 
com  as  maravilhas ,  que  lego  começou  a  obrar  ;  fe  foy  aug- 
mentando cada  vez  mais  a  devoção  para  com  a  Senhora ,  & 
creciaõ  tanto  as  efmolas,  que  naõ  fó  fe  augmentou  a  fua  Ca- 
fa ,  mas  fc  edificarão  caias  de  novenas,  &  caía  de  refidencia, 
&  outra  Capella  junto  á  meíma  Ermida  da  Senhora ,  que  pa- 
rece foy  edificada  no  mefmo  lugar  de  feu  apparecimento,  pa- 
ra perpetua  memoria  ;  &  outra  Ermida  mais  de  Santa  Maria 
Magdalena ,  que  me  perfuado  edificaria  aigum  Ermitão  vir- 
tuofo,  que  aflííliria  á  Senhora  ,  &  o  faria  por  cfpecial  devo- 
ção, que  teria  também  áquella  Santa.  E  ou  foíTe  a  manifefla» 
ção  de  hum  modo,  ou  de  outro,  fempre  foy  milagroíb,  &  no- 
tável o  feu  apparecimento. 

Do  Altar  da  Senhora  fahe  hua  fonte  de  excellente  agua, 
ou  de  agua  milagrofa ,  que  corre  pnra  hum  íitio ,  que  fica  en- 
tre hus loureyros,  &  amieyros,  aonde  fe  vè  povoado  o  mef- 
mofiriode  flores,  &rofeyras,&  aílimheaqueile lugar  muy. 
to  deliciofo,  &  agradável  >  &  pela  grande  vifta  de  que  goza; 

pox* 


2  y  r  Santuário  Mar  iam 

porque  delle  fedefcobremmuytos,&  largos orizontcs. Ve- 
ie fituada  efia  Cafa  da  Senhora  cm  o  alto  dehuma  penha  ,  & 
por  iííò  fica  mais  agradável  a  fua  vifta. 

Saõ  infinitos  os  milagres,  &  as  maravilhas  que  efla  Se- 
nhora tem  obrado ,  &  continuamente  obra  *,  como  o  cíhõ  a- 
pregoando  também  as  muy  tas  memorias  ,&íinacs  de  cera, 
&  de  outras  matérias,  &  as  mortalhas.  Alli  fe  vè  também  hu 
quadro  de  hum  devoto  da  Senhora  da  Villa  de  Celorico  ,  o 
qual  em  hum  grande  perigo  invocando  a  Senhora  da  Pieda- 
de, por  fua  interceíTaõ  eícapou  delle.  E  foy,que  eftando  re- 
colhido na  fua  cama  com  fua  mulher,  &  filhos,cahindo  a  cafa 
ibbre  elles,  efeapáraô  todos  do  perigo  fem  receberem  lcíàõ 
alguma,  por  invocarem  o  favor  da  Senhora  da  Piedade. 

Hecrta  Sagrada  Imagem  de  efeultura  demadeyra  ,& 
fendo  antiquiílima  eílá  taõ  bella ,  fr  tão  fermofa ,  que  parece 
fer  obrada  de  poucos  annos  a  cfta  parte.  Sobre  feus  braços 
defeança  defunto  o  Author  da  vida.  A  fua  eftatura  na  forma 
em  que  eftá  faõ  três  palmos.  Tem  hua  Irmandade  que  a  íer- 
ve  ,8c  os  Irmãos  delia  alcançarão  hum  Breve  perpetuo  com 
hum  grande  Jubileo ,  &  outras  muy  tas  graças  ,  &  Indulgên- 
cias. O Jubileo  feganhaem25.de  Março;  porque  nefíedia 
fe  celebra  a  feftividade  da  Senhora ,  &  nelle  concorre  muy  ta 
gente  a  venerallade  todos  aquelles  redores,&  da  mefma  Ci- 
dade de  Lamego.  Também  nefte  dia  lhe  vaõ  a  ofterecer  os 
feus  votos,  &  fatisfazeras  fuaspromeffas. 

Ve-fe  aquella  Ermida  da  Senhora ,  que  hc  muyto  gran- 
de, &  fermofa,  muyto  perfeytamentc  adornada,  &  tem  muy- 
tos,  &  ricos  ornamentos.  Para  a  íua  fabrica  lhe  deyxou  hua 
mulher  féis  alqueyres  de  trigo  perpétuos,  &  também  muy- 
tasefmolas  que  concorrem  ,  &  aífim  era  capaz  aquella  Cafa 
de  hua  nobre  Capelhnia.  Heeíla  Cafa  da  Senhora  da  Pieda- 
de da  adminifrração  da  Camera ,  &  cila  he  a  que  apreíenra  o 
Ermitão  que  afíífte  á  Senhora,^  pela  mefma  Camera  correm 
os  gaftos,que  ft  fazem  dos  re  ndimentos  das efmolas  que  of- 
erecemos fieis.  TI- 


Livro  II.  Tituk  XXXII.  a  y  | 


TITULO     XXXIL 

2)4  Imagem  de  nojfa  Senhora  das  Necejidades  da  Vil- 
la  da  Fonte. 

SObc  Maria  Senhora  nofla  ao  Ceo,naõ  fó  para  gloria  íua£ 
mas  para  gloria  nofla  >  gozando  de  feu  Filho ,  &  procu- 
rando por  nos,  remediando  todas  as  nofíasneceffidadcs>& 
fazendo  lá  no  Ceo  o  officio  que  o  Sol  faz  fobre  a  terra.  He 
coníidcraçaõ  do  Abbade  Ruperto,  &  também  de  S.  Bernar- 
do. Com  razão  (diz  Rupcrto)  os  cortefaõs  do  Ceo  vendo 
íubir  a  Senhora  á  gloria ,  a  louvarão  com  aquellas  palavras: 
J^u* ett  ij?a, qurtprogredttuYy  quefi  aurora  confurgens  ,pul-  ç4nU^y 
ckra  ut  Ima,  ele 0a  ut  SoUJ^am  pulcher  ordo  (diz  Ru  perto) 
intftalaudaúone  puhhntudinit  ,pYimum  confurgens  ut  Au-  -     ^ 
rora7  deinde  pule  for  a  ut  Luna ,  deinde  ele  ftâ  ut  Sol!  Eílrema-  $  faj 
da  ordem  guardou  o  Efpirito  Santo,  ou  os  Efpiritos  bema- 
venturados  nos  louvores  da  Virgem  Maria.  Quando  nafee, 
he  comparada  á  Aurora;  porque  então  nos  amanheceo  a  Al- 
va, que  deflerra  as  trevas  da  noyte,  &  traz  comfigo  a  luz  do 
dia.  Quando  concebe  em  feu  purííííino  ventre  o  Divino  Ver- 
bo, a  compárão  á  Lua;  porque  affim  como  eíla  recebe  do  Sol 
a  luz  que  tem ;  affim  á  Senhora  a  g»  aça,  &  a  fermofura  de  íua 
alma  lhe  vem  deter  a  Deos  comfigo.  Porem  quando  fobe 
em  corpo,  &  alma  a  eí>e  Ceo,a  compáraõao  Sob  guando  ati- 
tem de  hoc  mundo  ajfmnpta  ,  atque  adxthreum  thalamum  ^tm  , 
transia?  a,  tunc  eh  cta  ut  SolEntâo  parecco  fcrmoía;&  belh  R»tert: 
como  o  Sol.  Porcfle  Sol  entende  Ruperto,Chriflo  Senhor 
nofla,  &  diz,  que  denota  efia  comparação  a  gloria  que  a  Vir  - 
gem  pofíue  na  alma,&  no  corpo,  como  feu  Santiíllmo  Filho> 
iúohc  , Eh ãaut  Sol. 

Mas  Saõ  Bernardo  ponderando  apparecer  cila  Senho- 
ra 


i  J4  Santuário  Mariam 

Bertu     ra  no  Ceo ,  vertida  de  Sol  material ,  diz  aílim :  J^urmadmo* 
Sir%7:  dum  tile Jnper  boms ,  ts  maios  indiferenter  oritur ,  fie  ipf* 
*vern    quoque  pretérita  nen  difeutit  meríta,  [edommhtisfefe  ex- 
Vo  '   oribdem,  omnibu*  clementijfvnam  pr<ebet3  omnium deniejue 
neceffitàti  amplijimo  quodam  miferetur úfeãu.Qjúz  dizer: 
O  Sol  não  refpcyta  particulares  ,  ao  commum  íc  eftendem 
feus  benefícios  ,como  diíTe  Chriíio  noíTo  Senhor  por  Saõ 
Matthcos:  Super  bonos  ,&  maios.  Afllm  a  Virgem  Maria:  A- 
Matth.  wiâta  Sole,  tem  no  Ceo  a  condição  do  Sol5  de  quem  he  May 
6.        na  igualdade  do  planeta  fymbolizadamenfe  fígniíícada  re- 
mediando as  neceílidades  de  bõs ,  &  máos ,  ricos,  &  pobres* 
grandes ,  &  pequenos.  Nifto  fe  oceupa  ,  &  diíta  fra  u  acu- 
dindo ás  neceífidades  de  todos  ;  &  por  iffo  os  bemaventura- 
dos , entrando  el!a  a  tomar  p  ífe  da  gloria  ,  diíferaõ  que  era 
parecida,  &  eícolhida  como  o  Sol. 

Os  mais  dos  Santos  Padres  entendem  defta  Senhora 
aquelks  verfos  do  Pfalmo  44.  Affitit  Regina  à  dextris  tuis 
ffilm.  in  Veftitu  deaurato  circumdata  Varietate  \  aonde  o  Efpirito 
44-       Santo  pela  boca  de  David  nos  reprtfenta  eíta  Senhora  á 
mão  direyta  de  feu  SantiíTimo  Filho ,  coroada  como  Rainha , 
&  ricamente  adornada,  *z  cercada  de  variedade.Iiio  he,  ( co  • 
Incogn.  mo  notou  o  Incógnito)  de  virtudes  ,  8c  merecimentos  •,  por- 
que teve  o  bom  ,  &  o  melhor  de  todos  os  eitados ,  de  Vir- 
gem ,  de  May,  de  Viuva  ,  de  vida  acliva ,  &  contemplativa, 
de  Profeta,  de  Apoftolo,  &c.  Grcundat.i  yauetateM^/l,  vi- 
ta  ,t?  mwicorum ;  nam  Varietatem  facitin  Ecclefia  ttatus 
conjiigatorum%  (latm  Vuginum7  ttatm  continentium  ,{src. 
r  A  ha  $anto  Athanaíio,em  particular  entende  eftas  palavrasdefta 
nau  {et  fabida  corporal  da  Virgem  Maria  ao  Ceo,  &  ao  íeu  corpo 
de  Dà-  g'ori°fJ  chama  vertido  de  ouro  ,  ou  dourado:  Ea  nuic ,  ut 
par.     -  fogini  ajiftens  a  dextris  Filij  ubtque  regna>nis ,  quafi  in  ve- 
JlitudccitfdtQ  incorruptionis  ,#  immortalitatit  etreumimi* 
ttijtS  Variegatajacrisy&folemnibiis  ver  bit  celebrata.  Ncfte 
cftado  lhe  deraõ  hu  avifo ,  que  fe  applicaífe  ao  que  tinha  pre- 

fente, 


Livro  II.  Titulo  XXXII.  i  %  y 

fente,&  fe  efqueceííé  da  caía  de  fcus  pays.MâS  que  razão  ha- 
veria para  fazerem  á  Senhora  efla  advertência?  As  lembran- 
ças do  mundo,  &  dacafadefeus  pays  podem  prejudicar  a 
quem  eftá  na  gloria  bemaventurada  ?  Naõ*  Mas  parece  que 
eílavatãooccupada,&folicitaem  tratar  das  noíías  neceííi- 
dades  ,  &  requerimentos ,  &  tam  defejofa  de  nos  (occorrer 
em  noíTos  trabalhos ,  que  mais  trata  de  nòs ,  do  que  goza  da 
gloria  em  que  fe  via.  Eis-aqui  o  como  diferetamente  impuze- 
raõá  Senhora  o  titulo  de  que  cl!a  mais  fe  preza  ,&  que  mais 
ellima;  porque  todo  o  feucuydadohe  felicitar  onoííòbem, 
&  foccorrer  as  noíTas  neceflidades. 

AVilIa  da  Ponte  difla  da  Cidade  de  Lamego,  pouco 
mais,  ou  menos,  féis  legoas  para  a  parte  do  naícente;  junto  a 
eífo  Villafe  levanta  com  a  fua  imminencia  hum  monte, a 
quem  daõ  o  nome  da  ferra  da  Borralheyra  :  no  mais  alto  def- 
ta  ferra ,  ou  monte  edificou  a  Camera  daquella  Villa  huma 
Ermida  ,que  dedicou  á  gtorioíaVirgem,&  Martyr  Santa  Bar- 
bora,p2ra  que  com  a  fua  interceífaõ  livrafTeDcos  aquelle  po- 
vo dos  rayos,  trovões  ,  &  tempefíades  ,  que  não  deyxao  de 
fer  entadonhas  por  aquellas  partes.  He  tradição  naquella 
Villa  haver  antigamente  naquelle  monte  huma  ata!aya,ou 
vigia  em  tempo  dos  Mouros,  para  delia  fe  vigiaré  dos  Chri- 
fiãos  para  darem  final  de  funs  entradas,  &  tal  vez  ,que  dos 
veíligios  da  mefma  atalaya  fe  edificaífe  a  Cafa  da  Santa  ,  para 
que  ella  foíle  para  aquella  Vilía  a  fua  melhor  vigia*  Neíía  Er- 
mida foy  bufeada,  &  fervida  a  Santa  por  muytos  annos.  De- 
pois ouve  hum  devoto  de  noíía  Senhora ,  que  na  meíma  Er* 
midacollocou  hua  devota  Imsgem  da  Rainha  dosAnjos,(tal* 
vezo  faria  por  entender  que  com  a  protecção  da  Virgem 
Maria  ficaífe  a  fua  terra  mais  bem  defendida  de  qualquer  tra- 
balho, ou  incurío  maligno  )  &  a  efta  Sagrada  Imagem  deu  o 
titulo  de  noífa  Senhora  das  Neceflidades  :  que  he  Uò  aman- 
te dos  homens  eík  poderofa  Senhora,  que  ella  mefma  nos 
bufea,  para  nos  remediar,&  ella  infpiraria  aquelle  feu  devo- 
to, 


i$6  Santuário  Mariano 

to  coUocaíTe  a  ília  Imagem naquel  la  Ermida,&  lhe  impuzeíTc 
elíe  admirável  titulo,  fó  a  fim  de  remediar  as  neceílidades  de 
todos. 

Heefta  Santa  Imagem  de  roca  ,&de  vertidos,  &eftá 
com  as  mãos  eftendidas  para  o  povo/em  duvida  como  quem 
com  aquella  acção  lhe  pergunta :  Tendes  neceílidades  ,vc- 
deívos  em  pobreza,ou  em  tribulações? pois  recorrey  a  mim, 
porque  como  Mãy  voíía ,  em  tudo  vos  acudirey :  &  verda- 
deyramente  aífim  o  faz ;  porque  faõ  infinitas  as  neceílidades, 
que  continuamente  remedea  ,  &  pelos  infinitos  favores, 
mercês,  &  benefícios  que  eira  mifericordiofa  Senhora  faz  a 
todo  aquelle  povo ,  todo  elle  naõ  nomea  aquella  Cafa ,  como 
Ermida  de  Santa  Barbora ;  mas  como  a  Santuário  prodigio- 
fo ,  &  Cafa  da  Senhora  das  Neceílidades.  E  tanto  hc  ifto,que 
Santa  Barboraalli  não  lembrará.  Wtm  a  Santa  confentirá 
que  o  titulo  feja  outro,  ppfquefe  pagará  tnuytode  que  a  fua 
foberana  Rainha ,  comçr  tal  lhe  tomaíTe  a  Cafa  não  fó  por  a* 
pofentadoria;  mas  que  a  tomafTe  totalmente  por  fua ;  porque 
a  Santa  fe  paga  de  que  a  Senhora  por  íua  a  acey  te- 

Os  milagres  que  a  Senhora  obra,  faõ  hoje  tantos  ,&taõ 
continuos,que  fe  não  podem  reduzir  a  numero,  &  aílím  por 
ferem  já  alh  tam  communs,  &  taõ  contínuos,  fe  naõ  faz  me- 
moria delles.  A' fama  deitas  maravilhas  he  muyto  grande  o 
concurfo  dos  Peregrinos, &  Romeyros.  Huns  vem  a  trazer 
os  quadros  ,  em  que  fe  referem  os  favores  que  receberão; 
outros  as  mortalhas  cm  teftemunho  da  vida  que  alcançarão; 
outros  vaõ  a  offerecer  outros  vários  íinaes,  &  memorias  de 
outros  favores,  que  confeguirão,  &  todos  publicaõ,&  tefle- 
munhão  as  fuás  maravilhas ,  &  deíla  forte  fe  vè  aquella  Cafa 
da  Senhora  muyto  chea  delias.  Também  faõ  muytas  as  Mif- 
fas  cantadas  ,  que  fe  mandão  celebrar  em  acção  de  graças  de 
favores  recebidos  ,&  outras  muytas  rezadas.  Offereccm-fe 
á  Senhora  muy  tos  pezos  de  trigo,  &  centeyo;  &  outros  of- 
ferecem  efmolas  para  as  obras,q  de  prefente  fe  vaõ  fazendo. 

Efta 


Livro  II.  Titulo  XXXII.  ij? 

Efta  Santa  Imagem  não  conlta  o  anno  cm  que  foycol- 
lócada  naquella  Ermida ;  &  aíTim  a  não  tenho  por  muy  to  an- 
tiga- A  Imagem  de  Santa  Barbora  ha  muy  to  mais  annos ,  que 
aííi  foy  collocada,&  fuppofío  que  não  pudemos  faber  o  an- 
no jefte  eftará  refiftado  na  Camera,  vifto  que  ella  fez  a  Er- 
mida. Os  Vereadores  pelo  Padroado  que  tinhão  na  Ermida 
de  S.  Barbora  ,  depois  que  a  Senhora  das  Neceffidades  co- 
meçou a  obrar  maravilhas,  aprefentàrão  hum  Ermitão  jmas 
o  Abbadelhe  pozplcyto,&  fahioafentença  afeufavor,& 
aíTim  elle  he  o  que  apreíenta  o  Ermitão,&  já  provéo  dous.  O 
mefmo Abbade  he  o  adminiftrador ,&  o  Thefoureyro  das  ef- 
mo!as,que  fe  ofFereccm  á  Senhora  para  o  augmento  das  fuás 

obras- 

Nas  cortas  da  Ermida  da  Senhora  fe  vè  hum  vallefí- 
nhoj  aonde  o  Ermitão  tem  a  fua  cafa,  &  hua  cerca ,  com  hor- 
ta, &  algumas  arvores  ,  parreyras ,  &  flores  para  o  Altar  da 
Senhora;  &  em  hum  canto  da  mefma  cerca  ,  tem  por  dentro 
huma  Ermida ,  aonde  fe  vè  o  Senhor  com  a  Cruz  ás  coftas, 
&  a  Senhora  do  encontro ;  &  tem  no  muro  hua  janella  para 
fora,  eom  grades  de  ferro ,  para  que  a  gente  poíTa  ver ,  &  a- 
dorar  ao  Senhor*  O  primey ro  Ermitão  que  devia  fazer  a  Er  - 
mida ,  moftrou  fer  homem  muyto  devoto ;  porque  no  mais 
alto  daquelle  monte,  nas  coitas  da  Cafa  da  Senhora,  abria 
humas  grutas ,  &  nellas  poz  varias  Images  de  Santos  Ermi- 
tães, que  nos  ermos  fe  exercitarão  em  grandes  penitencias, 
&  affim  fe  vè  naquslle  monte  hum  retrato  dos  ermos  do  E- 
gypto,&  affiai  vãy  a  gente  ver  aquellas  coufas  com  edifica- 
ção. 


Tom.  Ill;  K         -  TITULO 


258  Santuário  Marianê 


TITULO     XXXIII. 

Da  Imagem  de  noffa  Smhora  da  Lapinha^uefe  Venera 
na  Filia  do  Souto. 

AVilIa  do  Soutcyjue  difla  da  Cidade  de  Lamego  oito  Ie- 
goas,&  que  lhe  fica  para  a  parte  do  Nafcente,  fe  vè  ho- 
je ílluflrada  com  o  Santuário  de  noffa  Senhora  da  Lapinha, 
ou  de  noíTa  Senhora  daLapa  a  nova.Fica  eíle  Santuário  diftã- 
te  da  Villa  coufa  de  meyo  quarto  de  legoa,  cujos  princípios, 
&  origem  nos  refere  em  huma  fua  relação  o  Abbade  de  Sam 
Pedro  do  Souto,  que  he  a  Matriz  da  mefma  Villa  ,  o  Licen- 
ciado António  Fernandes  de  Almeyda,  nefta  forma.  Na  Vil- 
la do  Souto  ouve  huma  mulher  virtuofa ,  &  Terceyra  de  S. 
Francifco,  chamada  Maria  Freyrc.  Foy  efla  deldc  menina 
muyto  devota  da  Rainha  dos  Anjos ,&  fendo  efla  ainda  muy- 
to  moça  ,  fonhou  por  varias  vezes  ,  em  que  era  muy  ío  con- 
veniente feedificaíTenaquclle  mefmo  fido  (cm  que  vemos 
hoje  o  Santuário  da  Senhora  da  Lapinha)  huma  Ermida  de 
noffa  Senhora  da  Lapa  nova  ,  em  huma  que  havia  naquejle 
muVw  !u^ar' Era  e^a  mu^cr  muy  to  curioía;&  tinha  génio, 
&  habilidade  natural  ^sffim  para  a  pintura  >  como  para  a  ei- 
cultura ,  &  iflo  fazia-o  com  muy  ta  perfeyçao  5  que  dá  Deos 
efla  graça  a  quem  he  fervido.  As  Imagens  que  fazia  eram  de 
barro. 

Movida  efla  devota  mulher ,  fendo  ainda  muy  to  moça, 
verdadeyramentc  de  íuperior  impulfo  ,  fez  hua  Imagem  da 
Mãy  de  Deos  do  tamanho  de  hu  palmo  3  a  efla  cozeo.que  era 
de  barro,  &  pintou,&  depois  a  colíocou  em  hum  Altar  den- 
tro daquella  lapa  referida :  he  efia  quaíifubterranea,^  tem 
de  comprido  vinte  &  cinco  palmos  }  &  parece  fez  Deos  a- 
Vcllc  lugar  para  obsrador  das  fuás  maravilhas  >  &  muy  to  de 

pro: 


Livro  II.  Titulo  XXXIII.  ay* 

propofito ,  para  que  lerviííe  de  cofre  daquella  preciofa  joya, 
como  o  moftrou  o  effey  to.Depois  que  a  decota  Maria  Frey- 
recollocou  a  fua  Sagrada  Imagem,  a  quiz  o  Omnipotente 
Senhor  ennobrecer com  muytos,&  grandes  prodigios,quç 
logo  alli  começou  a  obrar.  E  com  eíks  fe  accendeo  huma  tão 
fervorofa  devoçam  enrre  todos  os  moradores  da  Vilia  do 
Souto,  &  de  todos  os  mais  dos  povos  circumvizinhos ,  que 
eraõmuyto  grandes  os  concurfosda  gente,  que  começou  a 
ir  a  ver,  &  a  venerar  aquella  Senhora  do  Ceo,  &  da  terra. 

Com  a  fama  dos  milagres ,  &  prodígios  que  a  Senhora 
obra va,começáraô  também  a  crefcer  as  efmolas,&  com  cilas 
fe  augmentou,  &  concertou  a  lapinha,  fazendolhe  algumas 
obras ,  &  hum  retabolo  de  madej^a  muy  to  bonito ,  &  bera 
dourado;  &aífimfeaperfeyçoou  aquella  rude,&  tofca  la- 
pa, que  caufa  muy  to  gofto  a  todos,  de  a  verem  tam  bem  con- 
certada; &  além  do  muyto  quefe  gaftou  em  aperfeiçoar  a  la- 
pinha da  Senhora ,  fe  fizeraõ  também  cafas  de  romagem ,  era 
que  fe  pudeífem  recolher ,  &  amparar  contra  os  rigores  do 
tempo  j  os  muytos  Romey ros ,  &  Peregrinos  ,  que  concor- 
riaõavcr  aquelle  Santuário,  *c  a  venerar  aquella  foberana 
obradora  das  maravilhas.  Como  eflas  eraõ  muy  tas ,  &  notá- 
veis ,  aflim  erão  muytos  os  quadros  cm  que  ellas  fe  referiaõ, 
as  mortalhas,  &  os  finaes,  &  memorias  de  cera  ,  &  de  outras 
matérias  ,  que  fe  fufpendiaõ  naquella  lapa  ,&dosquadros 
fe  tem  acabado  muitos  por  caufa  da  humidade  da  mefmala* 
pa,pois,como  havemos  dito,he  quaíi  fubterranea.Tudo  ifto 
quepsra  memoria  dos  benefícios  recebidos  fe  offereceoá 
Senhora,  eíiá  tefiemunhando  a  fua  clemência,  &  piedade,  & 
também,  que  por  efpecial  difpoíição  da  divina  providencia, 
&  favor  da  Mãy  dos  peccadores  ,  foy  tocado  o  coração  da- 
quella devota  Terceyra ,  para  fazer  aquella  obra.  Também 
vinhaõ  muytos  a  pezarfe  a  trigo, &  centeyo  \ porque  em 
pengofas enfermidades  tinhão  fcyto  promeífa  á  Senhora, 
deaffim  o  fazerem, &  muytos  deites  cjue  concorriam,  vi- 

K  z  nhaS 


2  6o  Santuário  Mariam 

nhaõ  de  terras  muy  diílantes. 

Fitas  muy  tas  offertas,  &efmolas  que  concorriaõ,  «5c  fe 
offerecião  á  Senhora,  foy  caufa  de  huma  grande  contenda ,& 
de  hum  renhido  pley  to  entre  o  Abbade  do  Souto,  &  hu  Cie- 
rigOjqucfcintroduzio  não  fóporCapeliaõ,  masabfoluto 
adminiftrador>&  fenhor  de  todas  as  offertas,&  efmolas^que 
fe  offereciaõ.  O  Abbade  litigava  com  o  direy to  de  Parocho, 
porque  a  Ermida  citava  nodeílritoda  fua  Frcgueiia-,  oCa- 
pellaõ  fó  porque  o  era  ,  como  íe  elle  foííe  oabíoluto  fenhor. 
delias ;  mas  o  direy  to  favorecia  ao  Abbade,&  alcançou  fen- 
tença  centra  o  Clérigo,  em  que  fe  lhe  devia  mandar  entregar 
tudo  o  que  havia  recebido  ;  mas  clíe  por  efeufar  o  trabalho 
ao  Abbade ,  de  tomar  as  contas,  fe  aufenteu,  &  fez  na  volta 
do  Brafil.  Efía  demanda,  &  as  defordens  que  comfigq  trazem 
os  pley  tos  ambiriofos ,  fufpendeo  em  algum  modo  ocurfo 
daquella  fervorofa  devoção  para  com  a  Senhora  da  Lapinha; 
fufpenderaõ-feasefmolas,&  também  Deos  fufpenderia  as 
fuás  maravilhas  em  cafligo  da  ambição,  com  que  já  hoje  não 
iaõ  taõ  contínuos  os  milagre?. 

Entrou  depois  outro  Abbade,  que  reformou  com  a  fua 
prudência  muy  ta  parte  deílas  ruinas ,  &  abufos  ,  que  o  Cie-' 
rigo  havia  introduzido ,  &  os  mordomos  que  o  povo  elegia; 
porque  também  eftes  fe  queriaS  fazer  fenhores  ,  como  fe  as 
cffertas  lhes  tocaffem,  &  fe  o  fizerão  com  o  zelo  de  as  difpen- 
der  no  culto  da  mefma  SenhoravteriamaIguadefcu!pa;mas 
parece  que  naõ  era  aífim;  porque  por  fua  culpa  fe  arruinarão 
muytasdascafasde  romagem ,  ou  as  mais  delias.  AErmida 
da  Senhora  não  tê  mais  que  o  Altar  mòr,acnde  ella  efiá  col- 
locada ,  &  tem  grades  de  pao  para  mayor  refguardo ,  &  no 
meímo  Altar  da  Senhora  tem  outras  Images.  A  da  Senhora 
da  Lapinha  he  (como  fica  dito)  formada  de  barro  com  o  Me- 
nino nos  braços  ,  &  muy  to  chegado  ao  pey  to  efquerdo,  &  o 
cftá  fuílen  tando  com  a  mão  efquerda  fua  arnoroía  Mãy . 
He  annexa  efla  Ernruda  á  Abbadia  de  Sao  Pedro  do  Sou- 


Livro  II  Titulo  XXXIU.  igt 

to,  &  os  feus  Abbades  ho  os  que  a  prefenraõ  o  Ermitão*  Naô 
tema  Senhora  Irmandade  perpetua, &  confirmada  pela  au- 
thoridade  Ordinária ;  mâs  tem  mordomos  que  fe  elegem  pe- 
lo povo.  Os  primeyros  foraõ  mais  devotos ;  porque  concor- 
rerão com  as  fuás  efmolas,&  ajuntarão  ,&  pedirão  outras 
pelo  povo,  &  foraõ  es  que  deraô  principio ,  &  compuzeraõ 
a  Ermida,  &  a  fabricánõ  com  todas  as  alfayas ,  &  ornamen - 
tos  neceííarios  5  &  a  Senhora  com  as  muy  tas  maravilhas  que 
foy  obrando  também  os  ajudava,  movendo  aos  feus  devo- 
tos ,  para  que  concorrefiem  com  as  fuás  efmolas ,  &  com  ci- 
las fe  compoz  tudo  com  muy  to  aceyo ,  &  perfeyçaõ.  Mas  o 
Demónio  inimigo  do  género  humano  arruinou  muyrapar- 
tc  da  pcrfeyção  defta  obra  com  a  cega ,  &  fea  ambiçam  que 
introduzio  naquelles,  que  foraõ  caufa  de  fe  fufptder  a  gran- 
de devoção,&  também  os  favores  da  Senhora.  Fefkja-fe  ef- 
ta  foberana  Rainha  dos  Anjos  em  dia  de  fua  Affumpçaõ  a  i£. 
de  Agoík>,&  nefte  dia  tinhaõ  Jubileo,que  alcançarão  os  pri- 
meyros mordomos;  mas  como  foy  a  conceíTaõ  fó  porícte 
annos ,  já  fe  acabou  tudo.  Mas  a  devoção  do  a&ual  Abbade, 
que  he  o  que  affiíle  á  eley çaõ  deftes  mordomos ,  os  exortará 
emlouvor  da  mefma  Senhora  da  Lapinha ,  a  que  fejaõ  mais 
zelofos  do  feu  culto,  &  veneraçaõA  os  incitará  a  todos,  pa  - 
ra  procurarem  novas  indulgências  perpetuas  ,  para  que  af- 
íim  concorrendo  a  gente  a  lucrallas ,  creça  novamente  a  dc- 
yoção,&  feja  a  Senhora  fervida  com  novos  favores. 


Tom.  III.  R  z  SA» 


i6i 


SANTUÁRIO 

ARIANO, 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA» 

&  das  milagrofamente  apparecidas. 


LIVRO  TERCEYRO. 
Das  Imagens  do  Bijpado  de  Leyria. 

INTRODUÇAM. 

HEGAMOS  aoBifpadodcLeyria,&a  refe- 
rir os  Santuários  que  nclle  fe  veneraô;  mas  fe- 
ra razaõ  demos  prímeyro  alguma  breve  no- 
ticia da  Cidade,  que  he  cabeça  deita  Dioceíis, 
&  de  luas  prerogativas ,  que  naõ  faô  poucas, 
íegundoos  Authores  ,  que  delia  efcrevèram, 
&  bailava  fer  terra  de  Santa  Maria,  ou  terra  dedicada  a  Maria 
Santiífima,  Ertá  íuuada  entre  Lisboa  *  &  Coimbra ,  ficando- 

lhc 


1NTR0DUCAM.  *% 

lhe  efta  cm  diftància  de  doze  legoas ,  &  aquella  em  diííancia 
de  vinte  &  duas,ou,  como  efcrevc  Plínio,  entre  Coimbra  ,  & 
Évora  de  Alcobaça,  como  fc  prova  de  antigas  pedras  ,  &  ci- 
pos, que  varias  vezes  fe  defcubriraõ  no  íitio  de  Saõ  Sebaf- 
tiàõ  do  Freyxo  ,que  diUa  pouco  da  Cidade ,  &  o  trazem  os 
noffos  Geographos.  Efta  Cidade,quehe  chamada  commum- 
mente  o  fafciculo,  ou  ramalhete  de  todas  >  fe  vè  affentâda  em 
terra  montuofa,  &  por  natureza  capaz  de  fe  poder  defender 
de  feus  inimigos  ,  principalmente  ofeu  Caftello,  fundado 
cm  hum  imminente  penhafeo  ,  &  tam  forte  que  parece  inex . 
pugnavel.  He  banhada  do  rio  Lis,  tam  celebrado  do  noífo 
Poeta  Francifco  Rodrigues  Lobo,&  quafí  cercada  do  Lena, 
que abayxo em  pouca  diflancia abraçandofe  com  e!le,vam 
ambos  a  pagar  ofeu  tributo  ao  Oceano.  Muy  tos  querem, 
que  o  nome  de  Leyria  fe  ja  dirivado  deites  dous  rios  a  Li  $3  & 
Lenaj&Fr.  Bernardo  de  Brito  diz  que  fe  chamava  antiga- 
mente Lercna. 

Nafcemeíksdous  celebres  rios  em  taô  pouca  diíían- 
cia  defla  Cidade  ,queo  Lis  tem  o  feu  principio  huma  legoa 
delia,  em  o  lugar  das  Cortes;  &  o  Lena  difía  tres ,  ou  pouco 
mais,  porque  nafee  em  pouca  diflancia  daVilla  de  Porto  de 
Mos.  Procedem  de  huma  notável  fonte ,  que  naõ  fendo  a  do 
Paraifo,  Com  que  fe  regava  afuperficieda  terra  ,tem  muyta 
femelhança  com  ella ;  porque  he  mãy  de  quatro  rios  todos 
caudalofos.O  primeyroheo  Almonda,  que  nafee  ao  Orien- 
te, &  banha  a  Villa  de  Torres  Novas,  em  cujo  termo  arre- 
benta ,  donde  continuando  com  fuás  correntes  ,  fe  vay  me  • 
ter  no  Tejo  junto  á  Azambuja.  O  fegundo  he  o  Alvieía,que 
nafee  ao  Sul  pouco  diírante  da  Villa  de  Pernes ,  &  fahe  tam 
copiofo  por  huns  conduclos,  que  !he  formou  a  natureza, 
que  por  iíTo  lhe  chamao  os  olhos  d 'agua  de  Pernes,  enrique- 
cendo a  eftaj  &  outras  muy tas  povoações  com  a  muyta  quã- 
tidade  de  moinhos,  &  lagares  muy  rendofos ,  &  depois  vay  a 
defaguar  no  raefmo  Tejo  na  Villa  de  Santarém*  O  terceyro, 

R  4  que 


i*4  INTRODUZAM.  I 

que  he  o  Lena ,  nafee  ao  Occidtnte  perto  da  Villa  dé  Porto  de 
Mos  como  fica  dito,  que  unindofe  junto  a  Leyria  com  o  Lis, 
vay  morrer  no  Oceano.  O  quarto  ,  &  ultimo  he  o  Lis ,  cue 
nafee  ao  Norte  em  hum  lugar  do  termo  de  Lcyria,a  que  cha- 
mão  (como  fica  dito)as  Cortes,  com  luas  aguas  fazfermofa, 
frefca,&  agradável  a  Cidade  de  Leyria,  que  a  rega  toda,  & 
vay  na  mefma  forma,  banhando  os  feus  férteis,»  &  abíídantes 
campos,  a  incorporarfe  com  o  Oceano. 

Efla  fonte,  que  nafee  em  hum  lugar  pequeno  ,  que  cha- 
mão  Amira,  dcbayxo  de  huns  grandes  rochedos  ,  eflá  fron- 
tcyra ,  &  á  villa  do  grande  lugar  de  Minde ,  &  cinco  legoas 
difiante  de  Leyria,  &  he  taô  caudalofa ,  que  fuíientando  em 
todo  o  anno  aos  quatro  rios,  no  inverno  quando  rebentão  as 
aguas,  naô  cabendo  eflas  pelos  quatro  conduílos  que  lhe 
formou  a  natureza ,  lança  por  outra  grande  porta ,  ou  bo- 
queyraõ(  que  fica  debayxo  daquelles  referidos  rochedos  da 
Amira,  que  terá  de  comprimento  por  debayxo  da  lerra  quaíi 
rr.eyo  quarto  de  legoa:  aígííscuriofos  referem  ter  de  com- 
primento fetecentos,  &  feffenta  paííos:  &  he  tam  larga  a  en- 
trada, que  podia  hum  homem  a  cavallo  chegar  da  tnirada  ate 
a  fonte  )  tanta  agua,que  faz  outro  quinto  rio,  que  lego  al-li 
mefmo  fe  ajunta  em  huma  alagoa,  ( cercada  de  ferras)  que  te* 
rá  de  comprimento  mais  de  mcya  legoa ,  &  de  largo  mais  de 
hum  quarto.  A*s  vezes  fevéeíiataõ  foberba  cem  fuás  on- 
das,que  parece  fe  quer  igualar  cem  a  grande  imminenria  das 
ferras, que  lhe  fervem  de  priíaõ,  ou  fugir  por  cima  delias. 
Produz  eira  alagoa  muyta  quantidade  de  vinho  ,baítantea- 
zey te,  paõ,  legumes,  csrne,  &  peyxe. 

E  porque  fenaô  julgue  o  referido  porccufaapocrifo,he 
defaberque  naquelle  grande  campo  daalagoa  aonde  fe  re- 
colhem as  aguas  da  fonte  ,  como  as  mais  que  no  inverno  fe 
vaô  ajuntar  naquelle  bayxo  correndo  das  ferras  para  elle,ha 
alguns  algares,  ou  fumidouros ,  por  onde  aquellas  aguas  co- 
mo por  funis  fe  vaõ  outra  vez  efcondendopcla  terra  pou- 
co, 


INTRODUCAM.  i65 

C0jSc  pouco  ate  que  cm  Março  ,  ou  Abril  já  as  fuás  vinhas, 
que  occupaô  a  mayor  parte  da  planície  da  alagoa ,  efíaô  ckf- 
cubertas  para  fe  poderem  podar: (&  annos  ha  que  ainda  o  não 
efiaõ  em  Junho )  efgotada  a  alagoa  fe  cultiva  toda,  &  prodliz 
os  frutos  referidos,  dá  paífc»  para  os  gados,  &  nos  pegos,  & 
lagos  que  de  todofenaõ  cfgotaõ,produz,&cria  taô  excel- 
lentes  eyrozes,que  tem  nome,&  excellencia  as  daquelle  íitio. 
Da  fonte^q  he  de  excellente  agua,fe  valem  no  veraõ  aquelles 
povos,  porque  efgotadas  as  ou  trás  fontes,  &  cifkrnas,  vaõ 
com  fachos  arefos  abufcalla  á  fonte,que  fica  debayxo  da  Mi- 
ra; porque  nao  tem  outro  remédio. 

Regada  pois,  &  cercada  a  Cidade  deLeyria  dos  rios 
Lis  ,  &  Lena  ,  fe  vè  naô  fó  abundante  de  ortaliças  ,  mas  de 
frutas  tam  boas  ,  que  não  lhe  podem  ter  inveja  as  mais  fabo- 
rofas  dos  Coutos  de  Alcobaça;  feus  ares  faô  falutiferos, co- 
mo o  encarecem  os  que  delia  eferevem;  fua  antiguidade  he 
muyto  grande.  O  Padre  Frey  Gregório  de  Argais  nos  feus 
Commentarios  fobre  Hauberto,  faz  mençaõ  de  Lcyria  pelos 
annos  de  3930.  dacreaçaõdo  mundo.  Fr.  Bernardo  de  Brito  Mo^ 
faz  mençaõ  delia  peios  annos  de  i4o8.antesda  creaçaõdo  Lnfità 
mundo,&  antes  da  redempçaõ  delle  850.  No  tempo  dos  Ro-  j  j,7.  #. 
manos  lhe  feztaõgrandereíiíkncia;comoomoflroua  afio- is« 
laçaõ  emque  a dcyxáraõ.  Depois  fendo  habitada  dos  Mou- 
ros areftaurou  ElRey  Dom  AíFonfo  Henriques,  o  qual  das 
ruínas  da  famofa  Cidade  deCo/ippo(que  efk  era  o  neme 
que  tinha,  quando  as  Cohortes  Romanas  adefíruiraõ)  fun- 
dou o  feu  Caíiello,para  com  elle  aífombrar  ,&  reprimir  aos 
mcfmos  Mouros ,  que  com  as  fuás  continuas  correrias  affo- 
Ia vaõj  &  opprimiaô  aqueiies  campos , 5c  lugares  circumvizi- 
n  hos.  E  pela  grande  devoção  que  tinha  o  Santo  Rey  á  Vir- 
gem Maria  noíTa  Senhora ,  lha  dedicou,  com  que  veyo  a  íer 
aquella  terra  defde  a  fua  reftauraçsô  ,  ou  reedific^çaõ  ,Cafa 
de  Maria  Santifíima,  &  toda  aquella  Dioceíis  poíTeffaôda 
Mãy  deDeos.  Edificou  3  Igreja  de  nçffa  Senhora  da  Pena, 

que 


m  INTRODUCAM. 

que  foy  a  Matriz,  &  ainda  hoje  a  Fregucíia  do  Caftello,  fa- 
zendo delia  doação  ao  Convento  de  Santa  Cruz  de  Coim- 
bra ,  dandolhe  todo  o  domínio  efpiritual  ,  &  Eccleíiaftico, 
affim  daquella  Igreja ,  como  de  todas  as  mais ,  que  depois  fe 
erigiffem  poraquellescontornos.E  paraiftotinhaaíiiaCõ- 
gregaçaõ  de  Santa  Cru2  hum  Vigário  Gerado  que  durou  até 
o  tempo  dclRey  Dom  Joaõ  o  III.  que  defmembrando-a  da 
jurifdiçaõ  de  Santa  Cruz,a  erigio  em  Cathedrai. Porem  nun- 
ca ouve  em  Lcyria  Convento  de  Cónegos  de  Santa  Cruz, 
«omoalgusquizeraõ  affirmar. 

O  Caftello  compofto  de  fortes  muros  ao  antigo ,  tor- 
res, &  baluartes ,  &  excellentes  edifícios ,  que  lhe  edificou, 
entregou  o  me  imo  Rey  D.  Affonfo  ( depois  de  a  tomar,  que 
foy  pelos  annos  de  1155-)  ao  Capitão  Payo  Guterres,  como 
confta  da  hiftoria  dos  Godos  era  dei  ^.que  faô  de  noíTa  re« 
dempçaõ  1 141.  No  anno  de  1 140.  vieraõ  os  Mouros  fobre 
ella,  &  foraõ  mais  os  combates ,  &  tão  porfiados  os  aíTaltos, 
que  mortos  os  mais  alentados  dos  que  o  defendiaô,  &  ferido 
o  feu  Capitão ,  foy  por  elles  entrado,  primeyroque  ElRey 
Dom  Affonfo  ,  que  eftava  em  Coimbra,  o  podeffe  foccorrer. 
Mas  fabido  o  deftroço  dos  feus ,  &  vindo  logo  em  peflòa  af- 
fentou  o  feu  arrayal  em  hum  tezo  >  que  agora  chamaõ  o  Ca- 
beço delRey,aonde  pondofe  hum  Corvo  fobre  hum  pinhey- 
ro  dos  muy  tos  que  havia  ,  &  ha  ainda  hoje  por  aquellas  par-; 
tes,&  combatendo  os  Chriftãos  o  Caíkllo,começou  o  Cor- 
vo a  bater  a  s  azas  ,  &  a  gritar  com  tanta  feíía ,  que  os  folda- 
dostomando-oabom  prognofíico  ,commettémõaportada 
Trayç?õ ,  que  achando-a  íem  vigias  o  entraram  facilmente. 
Perfeverou  dcíía  vez  Leyria  debayxo  do  poder  dosPortu- 
guezesatè  o  anno  de  U95.  no  qual  entrando  os  Mouros* 
com  hum  poderofo  exercito  por  aquella  parte  adeftruíram; 
mas  rcflaurou-a  logo  ElRey  Dom  Sancho  o  I. 

Defde  os  feus  princípios  foy  aquella  nobre  Villa  por 
muytas  vezes  aífento  dos  Reys  Portuguezes, aonde  cele- 
brarão 


INTRODUZAM.  167 

bráraõ  Cortes  por  iDuytas  vezes.  Aqui  afTiftio  ElRey  Dom 
Dinis  ;&  elleadeuá  Rainha  Santa  Ifabel  por  dcaçam,quc 
lhe  fez  em  4.  de  Julho  de  j$oo-  &  cila  ennobreceo  oCaílel- 
lo,  deyxando  nelle  grandes  memorias  ,  &  ainda  hoje  fe  vem 
parte  das  cafas  em  que  a  Santa  Rainha  vivia.  Na  Igreja  de  N. 
Senhora  da  Pena  ,  que  era  aonde  ellamuytoaífíftia  ,  &com 
quem  tinha  eípecialdevoçaQ,deyxou  a  ambulado  milagrofo 
ley  te  da  Virgem  Santiffima,  que  ainda  hoje  fe  conferva.  De- 
pois ElRey  Dom  Fernando  mandou  reparar,  &  fortificar  os 
muros  do  mefmo  Caftello ,  como  fe  vè  de  huma  carta  fey  ta 
emAlemquera  2.  de  Abril  de  1354.  &  rambem  fe  diz, que 
depois  delRey  Dom  Fernando  para  cá,  fe  começara  a  eíkn- 
der  a  Cidade  pelas  fraldas  daquelle  monte. 

Também  EiRey  Domjoaõo  I.  a  ennobreceo  comafua 
affiftencia  ,  &  a  Rainha  D.  Philippacom  excellentes  obras, 
como  foy  entre  ellas  a  Igreja,  &  Convento  de  S.  Francifco, 
aonde  hoje  fc  vem  as  fuás  armas.  Eratam  devota  daquella 
Cafa  eíla  Santa  Rainha,  que  parece  fe  naõ  podia  apartar  del- 
ia ,  &da  Senhora  do  Anjo,  que  na  mefma  Igreja  fe  venerava. 
ElRey  Dom  Joaõ  o  III-  a  levantou,  &  fublimou  á  dignidade, 
&  grandeza  de  Cidade  ,  &  a  fez  cabeça  de  Bifpado ,  que  eri- 
giono  anno  de  1545x0010  fe  vedas  Bulias  dePauloIILpaf- 
fadas  a  22.  de  Mayo  do  mefmo  anno ,  &  foy  o  íeu  primeyro 
Bifpo  D.  Frey  Brás  de  Barros,  Rcligiofode  grandes  virtu- 
des, da  Ordem  do  Doutor  Máximo  Saõ  Jeronymo.  A  fua  pri- 
meyra  Se  foy  a  Igreja  de  noíTa  Senhora  da  Pena  ,  em  quanta 
o  Bifpo  D.  Frey  Gafpar  do  Cafal  naõ  deu  principio  á  nova, 
que  he  de  excellente  architedura  de  obra  Romana;  foy  a  ftia 
fundação  no  anno  de  1 559. como  fe  vè  da  infcripçsõ,  que  ef- 
táfobre  a  porta  principal.  Compoem-fe  o  feu  nobre  Cabido 
de  vinte  &  oito  Prebendas ,  &  cinco  Dignidades ;  como  faõ 
Deaô,  Chantre,  Thefoureyro  mòr,  Meíire-Efcola,  &  Arce- 
diago do  Bago,  dez  Cónegos,  quatro  meyos,  dezafetc  quar- 
tenarías,  &  outros  Capellãcs,  Miniílros,  &  Cfficiaes, 

TITULO 


ié%  Santuário  Marlam 


TITULO     L 

T>ã  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Feria,  yuefe  Venera  na 
Igreja  do  Cafiello  de  Leyria, 

(7!  Om  muyta  razão  dedicou  EtRey  Dom  Affonfo  Henri- 
^queza  Maria  Santiífima  o  Caftello  da  Cidade  de  Ley- 
ria,-&  como  foy  fundado  (obre  hua  penha  ,  quiz  que  a  mef  - 
ma  Senhora  ,  com  o  titulo  da  Pena ,  ou  da  imminente  pedra, 
delia  defende/Te  aquella  nova  fortaleza^  povoação ,que  fen- 
do Cidade  illuflre  no  tempo ,  em  que  os  Romanos  a  conquif- 
táraõ  y  no  qual  fe  denominava  Colippo ;  depois  fe  lhe  deu  o 
nomedeLerena,(  fem duvida, por  fe  afirmar,  que  era  fua 
natural  a  gloriofa  Virgem,  &  Martyr  Santa  Irena,  ou  Eyria, 
como  hoje  dizemos;  porque  foraõ  feus  pays  fenhores  da 
Torre  da  Magueyxa  ,  que  fica  no  feu  mefmo  termo ,  em  dif- 
tancia  de  pouco  mais  de  huma  legoa,  aonde  ainda  ao  prefen- 
te  fe  vem  veftigios  das  cafas  em  que  viverão ,  8c  fe  conferva 
huma  Ermida  dedicada á  mefma  Santa)  deftruiraõ-na depois 
os  Bárbaros  Mahometanos^  &  porque  elles,que  faõ  difei pu- 
los da  infernal  cobra  Mafoma ,  naõ  pudeífem  mais  fogeytal- 
la  ,  a  fortaleceo  ,  &  murou  com  efta  celeftial  Pedra  Maria; 
porque  com  ella,&  com  a  fua  prefençafe  afugentariam  pa- 
ra fempre  (como  affim  fuecedeo  )  as  cobras  Mahometanas. 

Defta  Senhora  diz  S.  Alberto  Magno,  que  he  humape- 
dra,  aonde  fe  não  pode  ver  veftigio  da  infernal  cobra :  Hac 
flzâ*  eftpetra,fuperquam non  ejlinventumvejligiwn colubri>ul- 
ia  dl  €8*dteboli :  &  para  que  as  cobras  infernaes,  que  fachos  difei- 
BMar.  ?u\os,&  feguidores  de  Mafoma,  não  podeífem  mais  chegar 
Gfiar.  *  áquella  rçftaurada  povoação,  a  fortaleceo  com  efta  for  ti  tfí- 
fer.i.de  ma  Pedra.  E  o  Abbade  Guarrico  ao  mefmo  intento  diíTe :  An 
A***    non  retfè  yocatur  Maria  fetra,  qa*  advtrfuí  ilkcthram  pec- 

catt 


Livro  III.  Titulo  I.  169 

cati>  tota infenjibilis erat>&lapidea>  He  Maria  Pedra  fortif- 
íima ,  &  como  á  fua  protecção  fe  entregava  aquelle  Oítel- 
lo,  que  havia  de  fer  o  prefídío,  &  o  amparo  dos  Chrifiaos, 
por  iíTo  a  ella  fe  devia  de  recomendar  a  fua  defenfa.  Naô  fó 
he  eíh  Senhora  Pedra ,  mas  muro  ,  &  eífe  inexpugnável  do  Jorâl 
noífo  Reyno,  como  diffe  Ray mundo  Jordão:  Murm  Regui  part.14 
inexpugnabilit  ;n\asmuvo  de  refugio,  &  de  fa!vaçaôdasal-  cap.^%; 
mas  em  todos  os  modos,  &  huma  fegura  defenfa  em  todas  as 
affíicções,  &  anxiedadcs,  como  a  acclama  Theoíkrito :  Mu-  Thtrif- 
tus  refugi] ,  &  omritbm  modis  animar  um  falm  >  ac  in  anxie-  ut> %n 
tatibm  mwúmentum-  EaíTím  andou  muy to  acertado  o  San-  c<lt2onc 
to  Rey  Dom  AfFonfo,  em  lhe  commetter  a  defenfa  do  Caftel-  ??*"".  ^ 
lo,  &  também  em  lhe  fogeytar  todas  as  terras  do  feudef-  tatm9% 
trito. 

A  primeyra ,  &  a  mais  antiga  Imagem  da  foberana  Em^ 
pêra  triz  do  Ceo,  &  da  terra  Maria  Senhora  noíTa,  que  fe  ve- 
nera em  todo  o  Bifpado  de  Leyria ,  he  a  da  Senhora  da  Pena, 
a  qual  fe  vè  collocada  em  o  Caftelío  da  fua  Cidade ,  &  nellc 
he  venerada  em  Igreja  própria ,  &  com  2  prerogativa  de  fer  a 
primeyra  daquella  Cidade,  &  de  todo  aquelle  Bifpado  ,  de- 
pois que  íe  reftaurou  do  poder  dos  Mouros  por  ElRey  Dom 
AfFonfo  Henriquez;  porque  nefle  tempo  não  era  mais  que 
huas  limitadas  relíquias  da  antiga  Colippo ,  a  quem  os  Ro- 
manos haviaõ  deflruido  emeafligo  de  fua  valerofa  reílííen- 
cia ,  ou  Lirena  do  tempo  dos  Godos.  Nefle  fitio,  depok  de 
fundado  o  Caflello,  fundou  o  mefmo  Rcy  (depois  que  á*rek 
tatirou  fegunda  vez  do  poder  dos  Mahcmetancs)hua  Igre- 
ja, que  ficou  fendo  Fregueíia  do  mefmoCaflello.  Efía  dedi- 
cou á  Rainha  dos  Anjos  com  o  titulo  de  noíía  Senhora  da 
Pena  ;  alludindo  fem  duvida  a  fer  fundada  efla  Cafa  febre  a- 
quelle  penhafeo  ( que  he  altiffimo)  no  meyo  do  Caflello. 

A  efla  Soberana  Imagem  da  Rainha  des  Anjos  come- 
çarão logo  os  Chriftãos  a  bufear  com  grande  devoção ,  & 
viva  fé,  &  a  Senhora  a  repartirlhe  favores, &  mercês,  &  co- 
•  mo 


tyé  Santuário  Mariam 

mo  a  fua  fermofura  era  tanta,aííim  tambcm  atrafiia  a  <!  os  ca  • 
raçocns  de  todos.  Bufcavao-na  cm  todos  os  feus  trabalhos, 
&neceffidadesi&fempre  achavam  as  portas  da  fua  piedade, 
&  clemência  francas,  para  lhes  acudir,  &  para  os  favorecer. 
Por  fem  duvida  fetem,  ferefla  Santiííima  Imagem  a  mefma, 
&:  a  primeyra  que  mandou  fazer  ElRey  Dom  Affonfo,&  que 
elle  mandou  collocar  naquclla  Igreja ,  logo  quando  lha  de- 
dicou. 

Heefta  Santiffima  Imagem  de  efeultura  de  madcyra 
incorruptível,  fua  ellatura  íaõ  féis  palmos  ,  &  fe  o  titulo  fo- 
ra noífa  Senhora  do  Parto,  me  parecia  que  era  própria  a  for- 
ma em  que  fe  vè ,  porque  nefta  mefma  forma  fe  vè  nolía  Se- 
nhora a  Prenhada,  Imagem  que  fe  venera  na  Se  de  Coimbra, 
Efláefta  Santa  Imagem  com  amaõefquerda  eilendida  para 
o  povo ,  &  a  maõ  direyta  fobre  feu  puriífímo  ventre ;  eílá 
quanto á  efeultura,  &  pintura  excellentiffimamente obra- 
da ,  moflra  grande  mageftadecom  huma  rara  fermofura ;  ef- 
tá  recolhida  quafí  cm  hum  nicho ,  &  fervialhe  como  de  pea- 
nha  hum  Sacrário ,  em  que  fc  devia  guardar  em  o  tcmpo,que 
o  Caíkllo  era  habita do,o  SantiflRmo  Sacramento.  Depois  fer- 
viodedepoíítodo  leyte  milagrofode  noífa  Senhora,  &de 
huma  parte  do  Santo  Lenho,que  alli  depoíitou  por  devoção 
da  mefma  Senhora  a  Rainha  Santa  Ifabel ,  quando  alli  vivia; 
à  qual  lhe  mandou  o  Summo  Pontífice  ( entendo  foy  Joaõ 
XXI.)  Tambcm  fe  guardava  na  mefma  Igreja  outra  relíquia 
de  Saõ  Brás ;  todas  eftaõ  hoje  no  Santuário  da  Cathedral. 

Na  porta  do  referido  Sacrário ,  que  á  Senhora  ferve 
hoje  de  peanha ,  ft  v  è  de  meyo  relevo ,  hum  meyo  corpo  de 
outra  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos  com  o  Menino  JESUS 
em  feus  braços,  a  quem  eílá  dando  o  pey  to,  &  aííim  a  Senho- 
ra,como  o  Soberano  Menino,  faõ  de  preciofa  efeultura,  &  o 
Menino  eílá  olhando  com  tanta  graça  ,  que  a  todos  fuf  pende 
os  que  contemplaõ  a  graça,  &  o  modo  com  que  eílá  olhando; 
parque  parece  que  eftá  vivo,  &  fallando  com  os  que  chegaõ 


Livro  HL  Tttulo  L  íyt 

ao  Altar»  Eu  çonfeffodc  mim  que  me  naõ  podia  apartar  da 
fua  vifta.  Obra  a  Senhora  da  Pena  muytos  milagres,  &  affim 
fe  vem  muy  tas  iníignias  ,  &  memorias  delles  de  cera,  princi- 
palmente pey  tos;porque  as  mulheres  fe  fe  vê  faltas  de  leyte^ 
ou  com  os  peytosenfermos,recorrendoá  Senhora  logo  me - 
lhoraõ,  &  recebem  os  defpachos  de  fuás  petições. 

A  Igreja  bem  moflra  a  fua  muy  ta  antiguidade,  gran- 
deza ,  &  magnificência  de  feu  fundador.  A  Capella  mor  hc 
muyto  bonita,  &  clara ,  &  antigamente  ainda  o  feria  muyto 
mais,  porque  tem  cinco  freítas,  ou  janellasrafgadasatèbay- 
xo,  &  eraõ  ta6  compridas,que  tinhaõ  mais  de  vinte  palmos, 
&  todas  tinhaõ  preciofas  vidraça s;moflrava  ( como  ainda  fe 
vè)  hum meyo corpo  de  hum  diagonal  oitavado:  hoje  tem 
duas  freílas  tapadas  todas ,  &  faõ  as  primeyras  que  fícaõ  aos 
lados,  &  das  outras  fe  vè  também  por  bayxo  algua  coufa  ta- 
pado por  caufa  dos  ventos,  O  Altar  mor  ficava  no  meyo  da 
Capella  antigamente ,  &  affím  tinha  quatro  faces •,  mas  hoje 
fica  encoftado  ao  retabolo  aonde  eítá  a  Senhora  da  Penacol- 
locada  $  toda  cila  obra  he  de  pedraria  ,  &  bem  lavrada ,  com 
ornatos  de  antiga  architeíiura.  A  Igreja  he  comprida  ,  & 
nella  fe  vem  dous  Altares  collateraes :  o  tecfto  hc  forrado  de 
madeyra,  com  aqueílas  miudezas  de  encembraria,q  entaõ  fc 
coftumavão  naquelles  tempos  antigos.  Tem  ainda  hoje  a 
mefma  tribuna,  em  que  os  Reys ,  &  léus  filhos  ouviaõ  MiíTaj 
porque  oceupatoda  a  largura  da  Igreja. 

A  ella  SacratiíEma  Imagem  da  Senhora  tiveraõ  fem- 
preosReys  de  Portugal  grande  devoção \  porque  todos  a- 
máraõ  muyto  aquella  Cafa  da  Senhora.  AÍIi  viverão  muyto 
tempo  ElRey  Dom  Dinis,  &  a  Rainha  Santa  Ifabel,&  era  tam 
graade  a  devoção  comqueeíla  Santa  Prmcefa  amava  a  Se- 
nhora da  Pena  ,que  pafecefe  não  podia  apartar  da  fua  pre- 
fença ,  &  he  de  crer  receberia  daquclla  Senhora  grades  mer- 
cês, &  grandes  favores  \  fr  pela  devoção  que  a  mcfma  Santa 
Rainha  tinha  á  Senhora ,  deyxou  naquella  Gafa  o  ley  te  nrila- 


1 7 1  Santuário  Mariana 

grofo  que  tinha ,  o  Santo  lenho  ,&  outras  mais  rcIiqu^as., 
Também  ElRey  Domjoaõ  o  I.  &  íua  mulher  a  Rainha  Dona 
Felippa  ,  tiveraõ  muyto  particular  devoçáõ  para  com  a- 
quelía  foberanaEmperatriz  da  g!oria,&  aílim  a  vifítavaõ  con- 
tinuamente, &  depois  delles  os  Reys  feus  íucceífores. 

Alguns  querem  que  efta  Igreja ,  que  hoje  fe  vè  ,  feja  já 
rcedificaçaõ  da  primeyra  ;(&  quanto  a  mim  fe  o  hejie  fomen- 
te a  Capellamòr^o  que  ainda  duvido)  porque  a  obrada  Igre- 
ja, &  coro,  ou  tribuna  moftraõ  muyta  antiguidade,  &  dizem 
que  fc  reedificara  no  tempo  emquefe  fizera  o  Convento  da 
Batalha  \  o  que  muyto  duvido ,  por  fer  obra  muyto  deffeme- 
Ihante.  Neíla  mcfma  Cafa  da  Senhora  da  Pena  fe  aííentou 
em  feus  princípios  a  Cadeyra  Epifcopal  >  quando  ElRey  D. 
Joaõ  o  III.  fublimou  a  Villa  de  Leyria  á  dignidade  de  Cida- 
de, &nella  fefizeraõ  os  Divinos  Officios,  em  quanto  fenaõ 
edificou  a  Sè  ,  o  que  fez  o  Bifpo  Dom  Frey  Gafpar  do  Cafal 
ReligiofodaÓrdemdemeu  Padre  Santo  Agoflinho  ,  como 
fica  dito.  Da  Senhora  da  Pena  fazem  mençam  muytos  Au-: 
thores,  &  eípecialmente  Jorge  Cardofo  noféu  Agiologio 
Lufitanotom  2.  pag.  375.  Frey  António  Brandão ,  na  Mo- 
narçhia  Lufitana  part.  5 . 1.  9.  cap.  25.  &  Fr.  Francifco  Bran- 
dão part.  5.  lib.  1 7-  cap.  56.  Fr.  Manoel  da  Efperança  na  hif- 
toria  Seraphicapart.  i,  lib. 5.  cap.  \i. 


TITULO     II. 

5Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  do  Anjo ,  ou  da  Encarnação, 

que/e  Venerano  Convento  deSaoFranctfco 

de  Leyria. 

NA  mefma  Cidade  de  Leyria ,  cm  o  muyto  Religiofo 
Convento  do  Seráfico  Patriarca  SaõFrancifco,funda- 
âo  no  anão  de  iz$z  noReynadode  Affoníò  IV.  &  augmen- 

tado 


Livro  HL  Titulo  II.  173 

tadopela  piedade  dclRey  Dom Joaõ o  I.&  dâRainha  Dona 
Felippa  ,que  ihe  edificarão  a  fua  Igreja,fe  venera  defde  o  tem- 
po da  fua  fundação,  huma  devota  Imagem  da  Rainha  dos  An- 
jos, com  o  titulo  de  noíTa  Senhora  do  Anjo ,  ou  da  Encarna- 
ção ,  myfterio  de  que  era  devotiífíma  aquella  Santa  Rainha 
Dona  Felippa ;  &  era  taõ  grande  o  amor,que  tinha  para  com 
aquella  Santiffima  Imagem,  que  a  amava,  &  venerava  com 
outro  femelhanteaffedio,  com  que  o  fazia  a  Rainha  Santa 
Ifabel  á  Senhora  da  Pena  do  Caftclío;  &  aflí  m  como  eira  San- 
ta Rainha  naô  fabia  apartarfe  da  prefença  da  Senhora  da  Pe- 
na, aílim  da  mefma  forte  o  fazia  com  a  Senhora  do  Anjo ,  ou 
da  Encarnação  a  Rainha  Dona  Felippa ,  &  a  feu  exemplo  era 
bufeada  também  ,  &  venerada  de  todos  os  moradores  de 
Leyria,  &  por  efta  razão  muy tas  peffoas  nobres ,  &  devotas 
á  competência  lhe  offereciaõmuy  tas  joyas,&  vertidos  pre- 
ciofoSj&  em  particular  o  fazia  a  Senhora  Dona  Joanna  filha 
do  Infante  Dom  Fernando,  &  mulher  do  Duque  de  Bragan- 
ça, Dom  Fernando  o  II.  do  nome.  Porém  como  o  tempo  tu- 
do confuma .,  &  acabe  fem  perdoar  ao  lagrado ,  porque  tam- 
bém por  elle entra,(fenaõ he que  os  peccados,que faõ a cau- 
fa  ordinariamente  da  noffa  frieza,  &  tibeza  para  com  as  cou- 
fas  do  Cco)  de  tal  forte  fe  esfriou  a  devoção ,  &  minorou  a- 
quelle  antigo  ,&  devoto  aífeâo  que  todos  tinhaõ  para  com 
aquella  venerada  Imagem^  que  já  hoje  eííá  totalmente  eíque- 
cida.  Mas  naõ  o  eftará  a  May  de  Deos,  que  nunca  fe  efquece 
dos  peccadores,  por  mais  tíbios ,  &  negligentes  que  fe  mof- 
trememo  feuobfequio.  Da  Senhora  do  Anjo ,  ou  da  Encar- 
nação efereve  o  Padre  Frey  Manoel  da  Efperança  na  fua  hif* 
tona  Seráfica  part.  1Jib5.cap.54. 


Tom-  III.  S  TITULO 


274  Santuário  Mariano 


TITULO     III. 

Da  milagrofa  Imagem  3e  noffa  Senhora  da  Encarnação, 
da  Cidade  deLeyria. 

ENtre  os  Santuários  de  Maria  Santiflíma ,  que  fc  veneraõ 
em  todoeflc  Biípado,  tem  o  primeyro  lugar  o  de  noffa 
Senhor?,  da  Encarnação  ,  celebre  por  milagres  ,illufire  por 
maravilhas,  &.  magnifico  em  íeu  mageílofo  Templo  de  ex- 
ceiíente  arquiteílura  ,&  agradável  pelo delicioíb ,  &  immi- 
nentedefeuíitio-,  fica  pouco  mnis  de  hum  tiro  de  mofquete 
diftante  da  Cidade?que  toda  fe  lhe  offerece  á  vifta.Efíá  fitua- 
do  em  hum  monte  para  a  parte  do  Oriente  y  que  antigamen- 
te fe  chamava  o  monte  do  Anjo  ,  por  haver  naquelle  monte 
huma  Ermida  dedicada  ao  Archanjo  Saõ  Gabriel ,  aílím  como 
ainda  hoje  ha  outro  monte  para  a  parte  do  Norte,  que  ha 
poucos  snnos  reedificou  o  Bifpo  Dom  Fr.  Jofeph  de  Alen* 
câílre  ,  ouc  depois  foy  promovido  a  Inquiíidor  Geral, dedi- 
cada ao  Archanjo  S.  Migue! ;&  defenilo  aí!im,confta  de 
eferiturasque  fe  guarda©  no  archivo  de  noffa  Senhora  da 
Graça  da  meíma  Cidade  de  Ley  ria ,  como  a  da  compra  do  oli- 
val que  eftá  junto  ao  Convento ;  a  qual  eferitura  fez  em  2;. 
de  Ago0odei574.  o  Tabelião  André  Dias  Preto,  em  que 
o  Bifpo  de  Leyria  Dom  Fr*  Gafpar  do  Cafal  comprava  a  hu 
Joaõ  Caçopo;  moço  da  camera  do  Marquez  de  Villa-  Real ,  & 
a  (m  mulher  hum oliva!,para  fe  edificar  a  Igreja  do  Conven- 
to de  Santo  Agofthiho,(doqua!  ainda  hoje  perfevèra  parte 
jnnto  ao  mefrro  Convento  )  &  fe  diz  na  efcrhura ,  que  o  oli- 
val fe  efíendia  até  o  caminho ,  que  vay  para  o  Anjo  Saõ  Ga- 
briel. 

Aqui  junto  a  eíía  Ermida  antiga,  querem  alguns  appa- 
receííea  Senhora  da  Encarnação,  &  parece  foy  infpirado  pe- 
lo 


Livro  111.  Titulo  III.  i?} 

IoCeo,odarfelheemfeuapparecimento  o  titulo  da  Encar- 
nação ;  porque  a  Imagem  da  Senhora  he  antiga ,  como  a  do 
Anjo,  &  a  poíiura  da  Senhora  com  a  admiração ,  que  nella  fe 
contempla,  eftá  moftrando  a  grande  humildade  com  que  ou- 
via a  embayxada  ,  que  o  Anjo  lhe  dava  da  quelie  aíufUrno  my  - 
flerio.  Dculhe  principio  em  o  Reynado  dciRey  Dom  }c&q(\ 
I- o  Bií  pode  Ceuta  Dom  Fr.  Aymaro,ReIigiufo da  Seráfica 
Ordem  de  Saõ  Francifco ,  &  ConfeíTor  da  Rainha  Dona  Fe- 
lippa,  quando  depois  de  vencida  a  batalha  de  Aljubarrota,  fe 
foraõ  os  fereniílimos  Reys  a  viver  cm  aquella  Cidade. O  mo» 
tivo  que  teve  o  Bifpopara  edificar  efta  Cafa ,  que  naquellc 
tempo  devia  fercoufa  bem  limitada,  foy  pela  grande  devo- 
ção que  a  Rainha  Dona  Felippa  tinha  ao  myfterio  da  Encar- 
nação ,  &  ao  Archanjo  Saõ  Gabriel ,  de  que  elle  também  era 
muytodevoro.  Depois  vindo  aquella  Cidade  afer  Epifcopal 
cmotempodelRey  Dom  Joaõ  o  IIL  também  pelamefma  ra- 
zão a  reparou  dos  danos  de  fua  antiguidade,  o  primeiro  Bif- 
po  delia  Dom  Fr.  Brás  de  Barros,  logo  nos  princípios ;  por- 
que ha  memorias  que  no  anno  de  1 554.  a  reedificara,  &  repa- 
rara; &  pode  tanto  a  devoção,  &  o  exemplo  do  Santo  Bifpo, 
que  indo  muy  to  pouca  gente  áquelle  lugar ,  pelo  fragofo  da 
fua  fubida,  &  efpeffura  dos  matos,  que  o  cerca  vaõ*  &  faziaô 
inaceílível ,  &  medonho,  elle  o  difpozem  forma  com  ca- 
minhos taõ  largos ,  &  direy  tos,que  a  devoção  extinta  fe  co- 
meçou a  renovar  •,  porque  manifeftando  a  clementiffima  Se- 
nhora os  feus  poderes  na  milagrofa  faude ,  que  deu  a  huma 
Suzana  Dias  aleyjada ,  &  tolhida  de  muytos^annos ,  fe  reno* 
vou,  &  augmentou  de  forte  a  devoção  ,  &  a  fé  dos  fieis ,  que 
nenhuma  peífoa  bufeava  aquella  pifeina  da  faude,quc  naõ  fa- 
hiffe  delia  livre  de  qualquer  achaque,  &  enfermidade  que  pa- 
deceíTe. 

O  primeyro  milagre  que  a  Senhora  obrou  ,  ( incentivo 
da  grande  fé  com  que  de  to  ias  as  partes  começou  afer  buf- 
cada  aquella  Máy  de  mifericordia ,  naõ  íó  de  todo  oBifpado 

S  z  de 


i  j6  Santuário  Mariano 

de  Leyria'írssdemijyíaslegoas  fora  delle,para  lhe  pedi- 
rem novos  favores,  & darem  as  graças  dos  já  recebidos)  foy 
no  lugrir  das  Cortes  ,  huma  legoa  da  mefma  Cidade  ,  aonde 
vivia  huma  mulher  viuva  ,chamada  Suzana  Dias  ,  a  qual  ha- 
via vinte  &  oito  annosque  eflava  entrevada,  tolhida,  &  com 
huma  contracção  dos  nervos  tam  impeffibilitada  para  os 
hjov  mentos  ,  que  para  poder  eftar  Tentada  ,  era  neceffario 
que  a  rneteífem  entre  dous  bancos.  Tinha  as  pe  nas  fecas,  6c 
encolhidas, &  era  iflotaõ  patente  no  feu  lugar,  que  de  to- 
dos fe  conhecia  naõ  haver  nefle  feu  trabalhoío  mal ,  firnula- 
ção,cu  í:ngimento.  Efta  íua  grande  impcíTibilidade  de  fe 
poder  mover,  &  andar  ,  principalmente  para  ir  a  ouvir  Mif- 
fa ,  &  a  receber  a  noíío  Senhor  ,  lhe  dava  grande  pena  \  pois 
era  necefiarioque  a  levaífem  aocollo  á  Igreja  da  Fregueíia, 
ou  em  braços  de  duas  mulheres,  &  como  cm  as  occaíioens 
em  que  o  dcíejava  o  naõ  podia  confeguir ,  porque  nem  fercv- 
pre  achava  quem  o  quÍ2eíTe  fazer,  fe  defconfolava,&  affligía 
muy  to. 

Hum  dia  fe  vio  taõ  afflicfia  defla  pena ,  que  começou  a 
pedir  com  muy  tas  lagrimas  a  noíTa  Senhora,  diante  de  huma 
Imagem  do  Menino  JESUS,que  tinha  cm  hum  oratório,  lhe 
acudifie ,  fr  a  livraffe  daquella  grande  prifaô  j  &  a  defatafíe, 
para  que  o  pudefíe  ver,  &  bufear *  &  adormecendo  em  a  noi- 
te feguinte,  fonhou  que  indo  a  Leyria  alcançava  faude  da  fua 
enfermidade  na  Cafa  da  Senhora  da  Encarnação,^  com  de- 
fejos  de  lá  ir  rogou  a  hum  irmão  feu  Clérigo  (chamado  Dio- 
go Lopes)  fcííe  com  ella  a  lhe  dizer  hua  MiíTa  a  noífa  Senho- 
ra. Poz-fe  em  execução  a  jornada  ,&  com  afias  trabalho,  & 
muytos  inconvenientes  ,  c,ue  o  inimigo  do  género  humano 
maquinou  para  impedir  o  fervor  da  devoção  daquella  pobre 
nulher.  Chegarão  finalmente  á  Ermidinha  da  Senhora  ,&: 
levaraõ-na  ao  coifo  paraa  Igreja, &  a  puzerio  entre  dous 
afíentcs,&  dalli  cuvio a  MiíTa  do  irmão,&  faindodepois  del- 
leoCapelltíó  da  Maiqueza  dt  Villa-Rtal(que  acertou  de 

eflar 


Livro  III.  Titulo  III.  i 77 

citar  naquella  occafaõ  na  Ermida  da  Senhora )  a  dizer  tam- 
bem  Miílajeflavaa  pobre  enferma  com  muytas  lagrimas  pe- 
dindo a  noífo  Senhor  ,  pelos  merecimentos  de  fua  Santiífi- 
ma  Mãy  ,  a  livraífe  daquelle  feu  antigo  achaque ,  &  penofo 
impedimento  que  padecia. 

Naõ  dilatou  o  Senhor  o  defpachoda  fua  petição ;  por^ 
que  movido  de  fuás  lagrimas ,  em  levantando  o  Sacerdote  a 
primeyra  vez  a  Hofiia,lhe  deu  hum  accidcnte,com  que  aahio 
no  chão,  &  efrando  hum  pouco  com  anciãs  de  fe  levantar, 
para  adorar  ao  Senhor,  fc  poz  de  joelhos ,  coufa  que  nunca 
fizera.  Começou  a  haver  grande  reboliço  na  Igreja  ,  &  a  di- 
zerem os  circunflantes,  Milagre, milagre.  Em  a  fegunda 
Hoftia  fe  levantou  em  pé  faã  de  todo ,  &  fem  bordão ,  nem  a- 
juda  de  alguma  peílòa  •,  tanto  foy  ifto  ,  que  a  fizeraõ  andar  de 
huma  parte  para  outra,  para  fc  certificarem;  &  todos  conhe- 
cerão a  milagrofa  faude,  &  celebra  vão  o  milagre,  acclaman-* 
do  os  grandes  poderes  da  Mãy  de  Deos.  Com  toda  agente 
que  naquellc  dia  fe  achou  prefente  naquella  Cafa,  andou  no- 
ve vezes  ao  redor  delia  3  louvando  em  companhia  de  todos 
a  Mãy  de  mifericordia ,  por  fe  achar  faã ,  &  fem  Icfaô  ai*' 
guma. 

Acudioo  Provifor,  a  quem  logo  fe  foy  dar  parte  da  ma- 
ravilha ,  o  qual  vcyo  com  dous  Notários  ,  &  alguns  homens 
doutos,  &  tirou  muytas  teftemunhas  para  decidir  o  cafo ,  ôc 
examinar  a  contracção ,  &  encolhimento  dos  nervos,  que  a 
enferma  tinha ,  fc  era  vcrdadeyra;  &  fabendo  por  inquirição 
de  muytas  teftemunhas  a  verdade,  fc  mandou  repicar  em  to- 
das as  igrejas ;  &  quiz  noííb  Senhor  que  a  eftc  milagre  efti- 
veífe  prefente  huma  pcíToa  taô  grande,  &  tão  exemplar  como 
a  Marqueza  Dona  Felippa  de  Lencaftro ,  &:  a  fua  família ,  ôc 
outra  muyta  gente  que  a  acompanhava.  Em  acção  de  graças 
rcfolvco  o  Cabido,  ôc  a  Cidade  incorporados  de  fazerem  to- 
dos os  annos  ncfte  dia  prociífaõ  á  Senhora  por  voto ,  (  que 
ainda  hoje  cumprem  pontualmente  em  12.  de  Julho)  o  que 
Tom. III.  S  3  fc 


17  8  Santuário  Mariano 

fe  fez  no  ànnode  1 5 87.  que  foy  o  dia  do  milagre,  cm  que  fe 

canta  Miíía ,  &  ha  Sermaõ. 

Divulgado  o  milagre,  não  ío  por  todas  aqucllas  terras 
eircumvizinhas  do  Biípado ,  mas  de  muytas  de  fora  delle, 
começarão  a  concorrer  os  povos,&  a  buícar o  favor  da  Mãy 
de  Deos,  &  tedos  fahião  bem  delpachados  em  fuás  petições; 
porque  cada  dia  erãomuy  tos  os  milagres,  que  a  Senhora  o- 
brava  nos  feus  devotos.  Refenrey  mais  outro  milagre  por 
maravilhofo,  em  que  refplandece  muyto  a  piedade ,  &  a  cle- 
mência defla  noffa  grande  Mãy ,  &  Senhora.  Huma  mulher 
por  nome  Domingas,  natural  da  Pederneyra  ,  eflava  tão  to- 
lhida, &  aleyjada  ,que  toda  cila  parecia  hum  novelo.  Tinha 
os  joelhos  encolhidos^  unidos  comos  peytoSj&  os  pés  do- 
brados febre  as  curvas,  &  na  mefma  forma  os  braços.  Efta- 
va  efta  mulher  na  Mifericordia  da  Pederneyra ,  aonde  a  fuf- 
tentavão  os  Irmãos ,  &  era  de  tal  forte  a  fua  aleyjâo ,  que  fá 
podia  cftar  de  coftas,  ou  de  bruços,ou  fobre  algua  das  ilhar- 
gas; mas  não  fe  podia  mover ,  &  nos  braços  a  levavão  de  hu 
lugar  para  outro- 

Pedia  efta  pobre  mulher  a  noííb  Senhor,  lhe  fizefíe  mer- 
cê de  lhe  dar  lugar,  para  fe  poder  aífentar ,  como  as  mais;  já 
fe  contentava  efta  pobre  mulher  comefte  pouco ;  ou  porque 
entendia  que  naquellefeu  grande  mal, o  poder  fentarfecra 
grande  favor  para  o  feu  pouco  merecimento.  Ouvindo  os 
milagres  da  Senhora  da  Encarnação  de  Ley ria ,  pedio  aos  Ir- 
mãos da  Mifericordia  a  mandaííem  levar  á  fua  Cafa.  Conce- 
derão lhe  o  que  pedia  ,  &  a  mandarão  íevar  em  huma  belta 
entre  dousfacos  de  palha.  Tanto  que  fe  vionaCafa  da  Se- 
nhora, começou  huma  novena ,  &  nella  alcançou  fomente  o 
xjuepedia;porquefubitamentefedefa  pegarão  os  joelhos  dos 
pcytoSj&ospèsdas  barrigas  das  pernas,  aonde  parecia  ef* 
tarem uiidos,&  iilotanto,quanto bailou  para  poder  cftar 
aífeníada,  corro  pedia  a  noífo  Senhor.  Maravilha  que  admi- 
rou a  todos,  &  ainda  mais,porque  o  defpacho  foy  fegundo  a 
fua  petição-  Alcani 


Livro  III.  Titulo  III.  279 

Alcançado  eík  favor  de  noffa  Senhora  cm  1 8.  de  Julho 
doannode  I588.quegozou  por  alguns  mezes,  vendo  a  po- 
bre mulher ,  que  naõ  podia naquella  forma  bufear  o  feu  re- 
médio pedindo  efmola  pelas  portas  dos  fieis ,  para  haver  de 
fe  fuftentar ,  &  que  arrojando  fe  não  podia  andar ,  nem  em 
duas  muletas ,  em  que  fe  íuíkntava ',  começou  novamente  a 
pedir  á  Senhora  com  muy tas  lagrimas  aperfcyçoaífe  o  favor 
que  lhe  havia  feyto,  livrando-a  de  todos  aqueiles  impedi* 
mentos  que  padecia  ,  &  cila  como  poderofa  podia  remediar* 
Aflim  fuecedeo;  porque  na  primeira  oitava  do  Efpirito  San- 
to doannode  1 589.  cfíando  na  Igreja  da  Senhora  pedindo^ 
lhe  eílc  favor,  lhe  deu  hum  accidente,&faindodelíe,  fe  vio 
com  perfeyta  faude.  Efaindoda  Capellacom  as  muletas,por 
naõ  conhecer  ainda  a  mercê, que  a  Senhora  lhe  fizera,  reco* 
nhecendo  ás  portas  a  fua  perfeyta  íaude  as  largou ,  ficando 
huma  naquella  Ca  fa  por  memoria  do  milagre,  &  a  outra  le- 
vou á  Sen  hora  de  Nazareth,donde  a  havião  trazido. 

Com  a  multidão,  &  grandeza  das  maravilhas  ,  &  pro- 
digios  que  a  Senhora  obrava  em  todos  os  que  a  bufeavão  ,  & 
invocavão ,  fe  refolverão  os  feus  devotos  em  lhe  edificar 
hum  fumptuof )  Templo,  a  que  fe  deu  principio  a  25.  de  Se- 
tembrodoanno  de  1588.  lançando  aprimeyra  pedra  com 
fuás  mãos  o  Marquez  deVilla  Real  Dom  Manoel,  a  que 
não  faltou  também  com  largas  efmo1as,&  a  Marquezaíua 
mulher  a  fenhora  Dona  Felippa ,  fenhora  de  muy  tas  vir  tu-  ...  , 
des,  &  de  grande  piedade.  O  Padre  Fr.  António  Brandão  na  '  '*' , 
fuaMonarchia  Luíitana  diz  que  cite  fumptuofo  Templo 
fora  edificado  pelo  povo  daquella  Cidade ,  quando  a  Senho- 
ra começara  a  obrar  as  maravilhas,  &  que  hum  Joaõ  Rodri- 
guez  Bravo  por  fua  devoção  gaitara  nelle  muy  ta  fazenda  or- 
nando- o  como  fevè-  Bem  podia  ferifio,  mas  como  a  obra  ho 
grandiofa,  forão  neceífarias  as  efmolas  de  todos  osfieis,  pa- 
ra cila  fe  pòr  na  perfeyção  em  que  a  vemos.  Sem  embargo  de 
que  já  hoje  tem  esfriado  muy  to  a  devoção;  porque  já  o  con- 

S  4  curfo 


280  Santuário  Mar  iam 

curíb  não  hc  nada  do  que  era:  mas  o  Joaõ  Rodriguez  Bravo, 
que  era  generofo,difpendco  muy  to  em  fervir  aquella  fobera- 
na  Emperatriz  da  gloria. 

Depois  do  primeyro  milagre ,que,  como  fica  dito^oy  a 
1 2.  de  Juiho  de  1587-  íe  fcguiraõ  logo  todas  as  Villas  do  Bif- 
pado,  &  também  outras  muy tas  fora  delle  ,  a  vir  a  venerara 
Senhora  da  Encarnaçaô,&  a  darlhe  graças,  unidos  em  varias 
prociíTocs,que  eraõ  fetenta  &  duas,ôc  vièraô  a  acabar  a  1 6. de 
Novembro  do  mefmo  anno,oque  continuarão  por  muytos, 
depois  defle  primeyro ;  fc  bem  já  hoje  faõ  poucas ,  porque  fe 
tem  esfriado  muy  to  a  antiga  devoção.  A  primcyra  prociffaõ 
foy  a  doCabido,q  fahc  daSèáCafa  da  Senhora. Quero  adver- 
tir primey  ro,  antes  de  referir  as  m-is  prcciffocs,  que  como  a 
gente, que  concorria  a  venerar,  &  a  bufear  aquelíc  Santuário 
da  Mãy  de  Dcos,era  muy  ta  ,  &  crefeia  cada  vez  muy  to  mais 
com  a  fama  daseftupcndas  maraviihas  que  obrava ,  fe  refol- 
vèraõ  logo  os  moradores  de  Leyria  (como  mais  obrigados) 
a  edificar  o  Templo  referido  acima  ,  em  cuja  fabrica  fe  viraõ 
grandes  maravilhas,  pelo  fervor  com  que  todos  concorriaõ 
paraoaugmento  delia. 

Eera  para  verem  cada  huma  das  prociíToes,virem  quaíl 
todos  com  as  pedras :  os  homes  com  pedras  grandes  ás  cof- 
tas,  as  mulheres  á  cabeça,  &  todos  pequenos ,  &  grandes  vi- 
nhão  carregados,  &  fe  tinha  por  falto  de  fervor,  &  de  devo- 
ção o  que  onaõ  fazia  ;  antes  fc  envergonhava  de  chegar  á 
Cafa  da  Senhora  ,  fem  levar  huma  pedra  para  a  fua  obra :  & 
também  era  muy  to  para  admirar  ( &  parecia  huma  continua 
prociíTaõ )  o  ver  que  a  toda  a  hora  fubia  áquellc  monte  huma 
grande  multidão  de  gente  a  viíitar  a  Senhora  ,  levando  cada 
hum  a  fua  pedra, de  que  fenão  envergonhava©  os  fenhores  da 
cafa  de  Villa-Real,o  Marquez,  a  Marqueza  Dona  Eelippa, 
fuás  filhas,  &  outros  muytos  fenhores  ,  &  fenhoras  nobres, 
&  delicadas,  velhos  que  parecia  fe  naõ  podiaõ  ter,  meninos, 
&  meninas,  iaõs  è  &  doentes,  o  que  era  muy  to  para  rir,  &  pa- 
ra 


r Livro TlI.Título  III  i*i 

ra  louvar  a  Deos  o  fervor  com  que  fubiaõ  carregados  para 
aquellc  monte.  E  aflim  ajuntarão humataõ  grande  quanti- 
dade de  pedra,  que  parecia  fc  naõ  poderia  acabar. 

Também  não  era  menos  para  admirar  o  fervor  com  que 
todos  os  povos  {  que  concorriaõ  a  vifitar  a  Senhora )  bufea- 
vão  ,  &  pediaõ  efmolas  para  lhe  offerecer  para  a  fabrica  da 
fua  Igreja.  Emuyto  maisfer  aquelle  anno  de  1588.  muyto 
efteril ,  &  pobre ,  &  aquellas  terras  de  pouco  trato ,  &  tanto 
que  fe  pedia  a  qualquer  porta ,  era  tão  grande  a  liberalidade 
com  que  fedava  ,  que  os  pobres  quando  não  tinhão  outra 
coufa ,  offereciaõ  as  duas  partes  da  amaífadura.Não  havia  ne- 
íle  tempo  avarentos ;  porque  os  que  o  erão,efquecidos  defle 
viciou  convertidos  em  outros,  davaõ  quanto  fe  lhes  pedia , 
tanto  que  fe  nomeavão  as  obras  da  Senhora.  Iftocaufavaa 
huns  lagrimas,  a  outros  confufaõ>&  outros  movidos  de  hua 
fanra  emulação  >  andavão  a  quem  mais  daria. 

Outra  coufa  fe  vio ,  &  de  não  pequena  admiração ,  que 
foy,  que  as  matronas,  &donzelias,  quando  não  tinhão  di- 
nhcy ro  que  dar,  offereciaõ  as  joyas  ,  os  brincos  ,  os  anneis, 
&  outras  peflTas  de  valor,  julgando  fempre  que  davaõ  pouco 
para  o  muy to  que  defeja  vão-  Também  era  muyto  para  repa- 
rar naquclle  grande  concurfo  que  havia  de  dia ,  &  de  noy  te, 
&  a  toda  a  hora, ver  a  quietação ;foíTego,  &  modeftia,quc  ha* 
via  em  todos,&  que  as  donzellas,&  mulheres  de  muyto  por*- 
te,  fem  acompanhamento  (oque  então  fe  não  fofria)irem  al- 
ta noyte  ,  &  com  quacfquer  veflidos  em  romsria,  íem  haver 
quem  rcparaíle  em  nada.  Ifta  era  coufa  de  grande  admiração, 
&  o  ver  que  muy  tos  inclinados  a  jògos;&  a  outros  vicios,Sc 
efquecidos  de  Deos ,  convertidos  cm  novas  creaturas ,  fe 
chegavão  aos  Sacramentos  ,  &  fe  recolhiaô  áqueíla  Cafa, 
fem  poderem  apartarfe  delia.  Ifto  fe  tinha  pela  mayor  mara- 
vilha que  Deos  obrava  pela  interecífaô  de  fua  Mãy  Santif- 
fima,&  aflim  fe  via  hua  geral  mudança  cm  todos  osquefre- 
<juentavão,&  hiaõ  aquelle  Santuário. 

O  Ca- 


%%i  Santuário  Mariano 

O  Cabido  daquella  Cathedra!,  por  não  ficar  de  fora  cm 
obra  tão  fanta ,  fez  doação  á  Senhora  de  todas  as  efmolas ,  5c 
offertas  y  que  naquelle  anno  fe  lhe offerecefiem,  para  a  edifi- 
cação da  fua  Cafa  ;que  foy  grande ,  &  liberal  doação  ,coma 
qual  dimittião  t  udo  quanto  lhes  podia  pertencer.  A  fegunda 
prociíTaõ  foy  da  Villa  da  Batalha  ,difiantequaíi  duaslegoas. 
Eftaveyoaosi4«  do  mefmo  mes  ,&  fizerão-na  com  muyta 
folemnidadc  ,cm  que  vinha  a  mayor  parte  de  feus  morado- 
res, 6c mu y tos defcalços  ,&com  hum  fermofocirio,quefe 
obrigarão  a  reformar  todos  os  annos.Em  1 8-fe  feguio  a  Fre-W 
guefia  de  Vcrmoil,  diflante  três  legoas,&  com  muyta  folem- 
nidade ,  trazião  na  prociíTaõ  quarenta  &  oito  mulheres  com 
taboleyros  á  cabeça  com  trigo  cm  grão ,  pão  amaíTado ,  bo- 
los, qucyjadas,  &  hum  cirio,&  tudo  offerecèrão  á  Senhora, 
&  fc  obrigarão  a  renovar  o  círio.  A  efta  fe  feguio  com  o  mef- 
mo  fervor  a  Frcgueíia  de  Efpite  diítante  também  três  legoas, 
em  que  vinhão  rouytos  defca!ços,q  ofFcrccèraõ  varias  offer- 
tas. A  quinta  foy  a  Fregucíia  do  Souto  da  Carpalhoza ,  que 
difta  duas  legoas:  &  porque  as  offertas  que  trazião  erão 
poucas,  pela  preffa  com  que  vicraõ ,  promettéraõ  vir  fegun- 
da vez. 

A  24-  de  Julho  foy  com  muyta  folemnidade  a  procifíam 
da  Povoa  de  Monte-Real,  &atraz  delia  outra  da  Freguefía 
de  noffa  Senhora  da  Maceyra,  que  difla  duas  legoas ,  com  hu 
cirio,&  ambas  levavão  offertas  de  trigo, &  outras coufas. 
No  mefmo  dia  foy  também  a  prociíTaõ  da  Villa  de  Abiul  do 
Bifpadodc  Coimbra ,  féis  legoas  dirtante ,  com  hum  fermofo 
cirio ,  &  duas  cargas  de  trigo.  Logo  fe  feguirão  incorpora- 
das as  Freguefias  de  Santiago ,  &  de  S.  Bartholomeu  do  ter- 
modo  Pombal,  do  mefmo  Bifpado  de  Coimbra  ,&  cada  hua 
levava  feu  cirio  A  fc  obrigarão  ao  reformar  in  perpetuum;& 
levavaõ  feíTenta  &  três  mulheres  com  taboleyros  á  cabeça 
de  varias  offertas ,  &  como  hião  todas  polias  cm  ordem,  fa- 

ziaõ  hua  fermofa  viíia. 

Em 


Livro  III.  Titulo  III.  2 £3 

Em  29.  do  mefmo  mes  entrou  no  undécimo  lugar  a  Frc- 
guefiado  Reguengo  diflante  três  legoas  de  Leyria,com  a  fua 
prociífaô,le  vava  huma  carrada  de  trigo,&  vinte  &  cinco  car- 
radas de  pedra,  &  huma  de  cal,  tudo  pofío  em  ordem, &  com 
grande  contentamento  ,  &  devoção.  Aefta  fe  fcguiaa  pro- 
ciflaò  da  Villa  da  Redinha  Bifpado  de  Coimbra,  diftante  fetc 
legoas,  com feucirio,  & offerta  de  trigo. 

Em2.de  Agofto  forão  unidas  asVillas  de  Chamdo- 
couce,  &  Ancião  do  mefmo  Bifpado,  diftantes  huma  oito,  & 
outra  nove  legoas,  com  feus  círios,  &  efmolas  de  trigo*  To- 
das eftas  efmolas,que  erão  para  as  obras  da  Senhora,erão  pe- 
didas pelas  portas  daquellas  VillaSj&Frcgueíías  ,quepare^ 
ceefiavaa  Senhora  movendo  a  todos,  &  nenhum  por  mais 
pobre  que  foíTedeyxava^e  dar  a  fua  efmola.  No  me  imo  dia 
entrou  também  a  Fregueíia  de  S.  Simão  do  termo  de  Leyria 
com  muy tas  offertas.  Seguio-fe  logo  a  Freguefia  de  S.Chri-j 
flovaõ  da  Cranguegeyra  do  mefmo  termo ,  com  o  feu  cirioj 
&  offertas. 

Em 5  de  Agorto  entrou  em  decimo  fexto  lugar  a  Fre- 
guefia de  nofía  Senhora  da  Serra  terma  de  Ourem  com  o  feu 
cirio,&  muy  tas  mulheres  com  trigo  ,&  pãoamaffadoem  ta- 
bolcyros.  Depois  defla  entrou  a  prociífaõda  Villa  de  Porto 
de  Mòs.,difUntc  três  legoas,com  grande  luzimento,  em  que 
hiaõ  os  três  Priores  das  fuás  três  Fregueíias ,  &  feus  Benefi- 
ciados com  todas  as  Cruzes  da  Villa  ,  &  das  Freguefiasdc 
feu  termo*  que  faõmuytas,  a  bandeyra  da  Camera  ,&  trinta 
&  oyto  mulheres  com  tab,:>!eyros  de  trigo  á  cabeça  3  &  duas 
cargas  mais  cubertas  com  repofleyros,&  hum  cirio.Seguio* 
fe  logo  a  prociíTaõ  da  Villa  da  Ega ,  do  Bifpado  de  Coimbra, 
diíiante  nove  lçgoas,com  feu  cirio,  &  offertas. 

Em  10.  de  Agoflo  entrarão  unidas  três  procifToes  ,  das 
Freguefias  de  noíía  Senhora  da  Mouta  >  do  Alverge ,  &  de 
noíía  Senhora  da  Orada,termode  Ourem.com  feuscirios>& 
oíFer tas,  Scgiurão-fc  logo  outras  três  Freguefias  unidas  em 
.  -  x  " '  outra 


2 §4  Santuário  Mariana 

outra  prociíTao,  a  das  Freyxiandas,  a  de  S.  Joaõ,  do  termo  de 
Ourem, &  a  de  Almofíer  termo  de  Santarem,com  grande  ap- 
parato.com  fuás  Cruzes,&  círios,  &  quarenta  &  quatro  mu- 
lheres com  offertasá  cabeça.  Depois  dertas  entrou  a  procif- 
faõ  da  Viila  de  Aljubarrota  ,  &  nella  incorporadas  duas  Frc- 
guefias ,  com  grande  pompa,  &  muyto  luzimento  ,  com  as 
fuás  Cruzes, com  muy ta  devoção,  &  boa  mufica:  levavaõ 
vinte  &  duas  mulheres  poftas  em|  muyta  ordem  com  offer- 
tas  á cabeça,  &  vinte  &fete  carros  muyto  enramados,  vinte 
&  dous  de  madeyra  de  caftanho  para  as  obras ,  dous  de  telha, 
dous  de  cal ,  &  hu  de  trigo.  A  ultima  prociíTao ,  que  entrou 
neíle  dia,  foy  a  da  Fregueíia  da  Cofia  termo  de  Ourem  ,  dif- 
tante  cinco legoas,commuytas  Cruzes,  &  grande  apparato, 
&  muyta  quantidade  de  mulheres  carregadas,  &  poítas  por 
fua  ordem,  &  fó  de  bolos  erão  trinta  &  cinco  taboIcyros,fóra 
os  de  trigo,  &  pão  cofído. 

Em  i2.dcAgoftoentroua  procifTaõdolugardaChãa, 
termo  das  Pias,  com  as  fuás  offertas,  &  no  mefmo  dia  a  Fre- 
gueíia de  Santa  Catharina  da  Serra ,  com  três  Cruzes  ,  muy- 
ta gente,  &  vinte  &  três  carradas  de  pedra,  duas  de  telha ;  & 
fetenta&c  cinco  mulheres  com  taboleyros  de  offertas  ,5c  feu 
cirio.  A  efta  fe  feguio  a  prociíTao  da  Freguefia  das  Colmeas 
com  feu  cirio,&offertas,quc  levavaõ  feífenta&  tres  mulhe- 
res na  forma  das  mais. 

Em  14.  entrou  a  prociíTao  da  Villa  do  Cebal  Bifpado 
de  Coimbra;noveIcgoasdeLeyria,com  tres  cargas  de  trigo, 
&  hum  cirio  prateado.  Em  15.  do  mefmo  entrou  a  prociíTao 
do  lugar  do  Pombalinho  Bifpado  de  Coimbra ,  diftante  oito 
!egoas,eom  feucirio,&  offertas.  Aos  l>  fe  feguio  a  Fregue- 
fia de  Saô  Pedro  da  Cidade  de  Leyria ,  com  huma  muyto  fo- 
le mne  prociíTao  com  mufica,  &  charamellas,  aonde  hiaõ  com 
mu /ta  ordem  grande  numero  de  mulheres  com  taboleyros 
de  paõ,  bolos ,  Sc  trigo ,  &  fó  de  trigo  era  hum  moyo-  Alem 
diíto  levavaõ  doze  carradas  de  madeyra  de  caflanho ,  &  al- 
gumas 


Livro  HL  Titulo  HL  285 

gumas  carradas  de  pedra.  Aqui  notarão  algumas  mulheres, 
que  o  trigo,  que  traziaõde  fuás  cafas,  crefcia  pelo  carrinho, 
de  forte  que  tresbordava  pelos  tabck yros.  Ne  me  firo  dia 
entrou  também  a  prociífaõ  da  Savacheyra,  termo  deTho- 
mar,  féis  legoasdiilante,  com  feucirio,&cffèrtas.  Depois 
defia  entrou  a  prociííaõ  da  Villa  do  Louriçal  com  grande 
apparatoi bum  grande  cirio  3muytasmuiherescomoffertas 
á  cabeça,  &  fetenta  alqueyres  de  trigo  em  cargas. 

Em  18.  de  Agoflo  fez  a  fua  entrada  o  nobre  Cabido  da 
Collcgiada  da  Villa  de  Ourem  ,  fahiraõ  da  Ermida  de  Santo 
António,  que  fica  fora  da  mefma  Cidade,&  por  noíTa  Scnh  o-: 
ra  dos  Anjos  chegarão  á  Cafa  da  Senhora  da  Encarnação  j  a- 
companhavSo-no  todos  os  homens  nebres  da  nefmaVil^, 
&  a  Camera,&  infinito  povo,  aílim  da  Villa,cômo  do  term  o. 
A  prociííaõ  era  grande  ,  &  com  muyta  fokmnidade  ,&appa- 
rato.  Foy  recebida  com  grande  alegria  >  &  repiques  de  finos 
de  toda  a  Cidade,  &  charamcl/as.  Traziaõ  trombetas,  &  boa 
muíica,  &  duas  Cruzes  ricas,  cantores  com  capas ,  &  outros 
miniílros  com  maças  de  prata, &  debayxo  de  hum  palio  vi- 
nha huma  relíquia  do  Santo  Lenho,  que  trazia  huma  Digni- 
dade. Vinhaõ diante  oito  tochas,  que  dcyxárãoá  Senhora, 
&  hum  homem  com  hum  prato  de  prata,  em  que  hiaõ  vin- 
te mil  reis  de  efmoia  para  as  obras  da  Senhora.Diíferaõ  Mif- 
fa  cantada  com  muyta  folerrnidade,  &  muyras  rezadas ,  &  a- 
cabada  a  fokmnidade  ,  fe  recolherão  precr fli<  nalmente  ao 
Efpirito  Santo.  Nomefmo  dia  chegou  a  Villa  do  Beco,  dif- 
tantenovelcgoas, com  outra  folenne  prociííaõ,  &  traziaõ 
vinte  &  féis  carros  de  madeyra  de  csíiarhopara  as  (  bras>& 
ofFcrecérão  com  libera!  animo  toda  a  que  fofle  neceífaria. 

Aos  20.  entrou  a  prociííaõ  de  Condeyxa  a  nova  A  a  ve- 
Jhafdiftantedezleg03s; traziaõ  quatro  Cruzes ricas,&csda 
hua  duas  tochas ,  que  offerecèraõ  á  Senhora  ,  &  outras  qua- 
tro ma  is  que  também  íe  derão  ,  &  nove  cargas  de  trigo  para 
asobras.  Azz.  chegou  o  Couto  de  Lavoens,  que  diítafds 

legoas, 


1 8  6  Santuário  Mar  iam 

legoas,  trazia  hum  moyo  de  trigo,  &  hum  cirio  de  três  arrá- 
teis. Em  23-  entrou  a  Villa  de  Alcancyde  ,  que  difta  fetelc- 
goas  em  o  Arcebifpado  de  Lisboa ,  com  duas  fuás  annexas, 
&  levavaõduas  cargas  de  trigo  ,  &  vinte  &  duas  mulheres 
comoffertas  á cabeça ,  &  hum  cirio  muyto  grande.  Em  24. 
entrou  a  Villa  de  Figueyrò  do  Campo ,  do  Bifpado  de  Co- 
imbra,diílante  dez  legoas,  com  as  fuás  offcrtas.E  no  mefmo 
dia  entrou  também  a  Villa  deCernache,  diílanteonze  le- 
goas ,  com  grande  devoção ,  &  muyta  gente ,  traziaõ  cinco 
carros  de  trigo. 

Em  28.  de  Agofb  entrou  a  Villa  da  Mayorga,do  Ar- 
cebifpado de  Lisboa ,  diftante  féis  legoas,  levavão  muytas 
Cruzes,  &  três  bandeyras,&  acompanhava  a  Camera  a  pro- 
ciíTaõ, Meva  vão  duas  carradas  de  trigo',  &  hum  grande  ci- 
rio. Em  29.  chegou  o  Rabaçal ,  que  difla dez  legoas , levava 
duas  Cruzes  com  quatro  tochas  de  feia  arráteis  cada  huma, 
que  deyxáraõ  á  Senhora  com  quatro  cargas  de  trigo,  &  hum 
fermofo  cirio  para  o  renovarem.Tambem  entrou  no  mefmo 
dia  com  grande  apparato  a  prociíTaõ  da  Villa  do  Pombal  com 
huma  Cruz  acompanhada  de  quatro  tochas  de  cinco  arráteis 
cada  huma , &  hum  homem  em  corpo  com  hum  prato  de  pra- 
ta, em  que  hiaõdezafete  mil  reis  para  as  obras  de  noífa  Se- 
nhora. A  efta  fe  feguio  logo  a  prociíTaõ  do  Payaõ ,  &  Bezer- 
reyro,  diílante  féis  legoas  em  o  Bifpado  de  Coimbra  ,traziaõ 
quatro  Cruzes  ,&  quatro  grandes  tochas  ,  &  três  bandey- 
ras,derãoá  Senhora  as  tochas,  &dous  carros  de  trigo- 

A  30,  de  Agofto  veyo  a  prociíTaõ  das  Ilhadas  termo  de 
Montemor  o  velho ,  difiante  nove  legoas,  offerecèraõ  duas 
carradas  de  trigo,&  hum  fermofo  cirio.  Em  o  mefmo  dia  en- 
trou também  a  prociíTaõ  da  Villa  de  Ferreyra ,  diílante  oito 
legoas, ôcofferccèrão  á  Senhora fete  carradas  demadeyra 
de  caftanho  ,  &  treze  para  fe  mandarem  bufear ,  &  hum  fer- 
mofo cirio.  Depois  delh  entrou  a  prociíTaõ  de  Soure  com 
muyta  gente  nobre,  &  grande  apparato ,  com  mufica,&cha- 

rarnd- 


Livro  III  Titulo  III.  187 

ramellas  ,  &  vinhaõ  noVe  Clérigos ,  os  trcs  pára  celebrarem 
a  Miífa  cantada,  &  os  féis  com  capas,  &  féis  tochas,  offerecè- 
rão  as  tochas,  &  três  carros  de  trigo  ,  &  duas  cargas.  Logo 
fe  feguio  a  Villa  de  Anfam  ,  offerecèrão  féis  mil  &  cito  cen- 
tos reis,  &  íeis  tochas  a  noífa  Senhora. 

Em  5.  de  Setembro  entrou  a  prcciíTac  de  Verride  ter- 
mo de  Montemor  o  velho,  diflante  oito  legoas ,  offerecéraõ 
oito  tochas,com  que  acompanhavão  quatro  Cruzes,  &  qua- 
tro carradas  de  trigo. 

Em  4.  entrou  a  Vilía  de  Montemor  o  velho ,  que  difla 
dez  legoas  em  o  Bifpado  de  Coimbra  ,  com  grande  acompa- 
nhamento, em  que  vinha  muy  ta  gente  nobre ,  traziaõ  fete 
Cruzes  com  quatorze  tochas ,  muy  tos  Clcrigos ,  &  hu  com 
capa,que  trazia  dtbayxo  de  hum  rico  palio  huma  cuflodia  de 
relíquias  j  traziaõ  boa  muíica.  Entrarão  pelos  arrabaldes  da 
Cidade,  traziaõ  diante  trombetas  que  tangião  hus  Caflelha- 
nos,&  alem  deílas,  outras  trombetas  commuas ,  &  mais 
atrazascharamellasdo  Marquez  de  Villa-Real, que  os  mã- 
dou  efperar,  (como  coflumava )  &  huma  excellente  dança  da 
mefma  Villa  ,muytas  bandeyras ,  &  outros  muytos  appara- 
tos.  Traziaõ  cinco  carros  de  trigo ,  que  haviaõ  pedido  para 
as  obras  de  noífa  Senhora. 

Em  12.  entrou  a  prociíTaõ  de  Almaca ,  que  difla  onze 
legoas,  com  a  fua  Cruz,  muy  to  povo ,  &  offerecèrão  vinte  & 
hum  mil  reis ,  que  pedirão  para  as  obras  de  noífa  Senhora. 
Em  18.  foy  a  Freguefia  do  Arrabalde  deLeyriacom  a  fua 
prochTaõ,  aonde  hia  toda  a  gente  del/c ,  levavão  hum  Sacer- 
dote veftid  o  com  capa  de  Afpergesdebayxo  de  hum  palio, 
com  hum  Relicário ,  três  Crqzes ,  &  boa  muíica  ,  com  muy- 
tos Sacerdotes ,  &  diante  levavam  as  charamellas  do  Mar- 
quez. Levavaõ  por  ordem  dezoy  to  mulheres  com  offertss  á 
cabeça  ,  &  em  dmheyro  vinte  &  quatro  mil  reis  ,  três  carra- 
das de  madeyradecaflanho  ,&  fete  de  telha  >  tudo  para  as  o- 
bras  de  noíTa  Senhora.  £  porque  não  ha  condição,  nem  bar- 

bara^ 


188  Santuário  Mar  iam 

bara,  que  naõ  defeje  moilrar  os  feus  piedofos,  &  devotos  af- 
fe&os  para  coma  Mãy  de  Dcos ,  também  os  pretos  daquclla 
Cidade  fizeraõ  a  fua  prociíTaô,  &  entrarão  no  mefmo  dia,  Ie- 
vavaõ  vinte  &  cinco  offertas  de  cabeça  ,  que  Icvavaõ  outras 
tantas  pretas,  &  hum  cirio  de  dez  arráteis. 

Em  1 9.  entrou  a  prociííaõ  de  Patayas ,  diftante  quatro 
Iegoas,  que  por  ter  fomente  vinte  freguezes,&  pobres,  offe* 
recèraõnoveoffertasde  cabeça.  A  24.  de  Setembro  felan- 
çou  a  primeyra  pedra  em  o  novo  Templo  da  Senhora  ,  & 
terceyra  Caía  que  fe  lhe  edificou  naquelle  fítio,com  cuja  oc- 
caíiaõ  foy  o  Cabido  de  Ley  ria  todo  incorporado ,  mas  com  a 
Cruz  bayxa ,  acompanhado  do  Marquez  de  Villa  Real  Dom 
Manoel  de  Noronha,  Juiz  entaõ  da  Confraria  da  Senhora, 
por  fua  filha  a  fenhora  Dona  Brites  de  Lara.  DiíTe  a  Miífa  o 
Deaõ  Diogo  Fernandes  de  Beja  ,  officiada  pela  muíica  da  Sè, 
depois  febenzeoa  pedra  ,  que  tinha  huma  infcripçaõcom  o 
nome  da  Senhora  ,  &  a  era  A  huma  Cruz.  Eftava  poíla  em  hu 
andor  muy  bem  conccrtado,&  nelle  a  leváraõ  o  Deaõ  ,o  Diá- 
cono, que  era  o  Cónego  Diogo  Nunes ,  &  o  Subdiacono ,  o 
Cónego  Gafpar  Criado ,  &  o  Marquez  com  oito  tochas,  ôc 
charamellas.  Foy  lançada  no  alicerfe  da  parte  do  Euangelho 
para  a  parte  do  Norte ,  no  principio  junto  á  porta  principal. 

A  26. entrou  a  prociffaõ  de  Villanova  Danços  diftan- 
te  dez  Iegoas,&  todos  os  que  nella  hiaõ y  levavaõ  vellas  bra- 
ças^ três  carradas  de  trigo  para  as  obras.  A  29- Entrou 
fegundavez  a  prociíTaôdo  Souto  de  Carpalhoza  termo  de 
Leyria,  trazia  para  asobrascinco  mil  &  quinhentos  reis, 
nove  carros  de  telha  ,  &  dous  de  madeyra  de  caftanho,  &  em 
trigo,  paõ,  &  bolos  cento  &  vinte  &  fete  taboleyros,queera 
muy  to  para  ver ,  &  a  Cruz  hia  acompanhada  de  quatro  to- 
chas, &  charamellas,  &  muy  ta  gente. 

A  4.  de  Outubro  entrarão  com  grande  folemnidade 
três  Fregueíias  unidas ,  Villa  Nova  da  Barca ,  Brunhos ,  & 
Samuel,  diftantes  oito  legoas,  traziam  quatro  Cruzes ,  &  a 

tercci: 


Livro  III.  Titulo  III.  i%9 

terccyra  parte  da  gente,que  era  mu}  ta,levava  velas  brancas, 
em  que  hiaõ  quarenta  &  cinco  cirios,  &  três  tochas,  tudo  pa  - 
ra  a  Senhora,ft  diante  levavaõ  féis  carros  de  trigo,  &  milho, 
muyto  enramados,  A  oyto  entraram  unidas  em  procifTaõ, 
quatro  Villas  de  Chaõ  do  Couce,  afaber,  Maçans  de  Dona 
Maria ,  Avelar,  Gude^&  Poufa  Flores,  traziaõ  para  as  obras 
onze  mil  &íc te  centos  &cincoentareis,  &fete  carradas  de 
trigo  ,  &  hum  cirio  de  três  arrobas  >  que  fe  obrigarão  a  reno- 
var para  fempre.  A  nove  entrou  a  Vi! la  de  Monte  Rey,  dif- 
tante  quatorze  legoas ,  junto  à  Corbiçada,  &  como  ficava  em 
muytadiftancia,  cada  hum  trazia  afuaofferta,  &hum  ciria 
de  três  arrobas  &  meya ,  &  duas  tochas*  A  onze  entrou  a 
procifTaõ  da  Viila  deTruquel ,  dos  Coutos  de  Alcobaça,  dif- 
tante  íeis  legoas,  &  com  ella  as  Freguefias  da  Bencdida,  &  a 
do  Carvalhal  Bemfeyto  ^com  trescruzes,  &  quatro  cirios, 
traziaõ  hum  homem  em  corpo  com  hu  prato  de  prata  ,  &  nel- 
ie  vinte  &  quatro  mil  &  trezentos  reis ,  &  três  fogaças. 

No  meímo  dia  entrou  também  outra  procifTaõ  de  três 
Freguefias  incorporadas ,  do  Campo  de  Coimbra ,  a  faber,  S. 
Veraõ, Granja  ,  &  Alfarellos  ,diílantes  nove  legoas,  tra- 
ziaõ cinco  carros ,  &  duas  cargas  de  trigo ,  &  milho ,  quanti- 
dade de  linho ,  &  mil  &  feiscentos  &  noventa  reis  em  di- 
nheyro  ,  que  deraõ  ,  &  pedirão  para  as  obras  de  N.  Senhora- 
A  cila  fe  feguioem  o  meímo  dia  a  prociíTaõ  de  Saõ  Martinho 
do  Bifpo,  junto  àmefma  Cidade  de  Coimbra,  &diílanteda 
4c  Leiria  doze  legoas^oíferecéraõ  em  dinheyro  dezoito  mil 
&fetecentos,  &dez  reis,  que  pedirão  para  as  obras  de  N. 
Senhora. 

A  12.  entrou  a  procifTaõ  da  Villa  Seca  de  Coimbra ,  dif- 
tante  dez  legoas  ,  traziaõ  em  dinhsyro  féis  mil  oy  tocentos  & 
quarenta  para  as  obras.  Seguiraõ-fe  logo  os  três  lugares  de 
Qúayos ,  Brenhas  ,  &  Cabanas  ,  unidos  em  hua  prociíTaõ; 
porque  faõ  huma  Fregueín  do  termo  de  Montemor  o  Velho, 
diíhnte  dezlegoas,  traziaõ  três  carros  de  trigo ,  &  cento  5c 
Tom.  III.  T  trinta 


190  Santuário  Mariano 

trinta  cirios  brancos,  &humgrande  de  quarenta  arráteis, 
que  tudo  offerecèraõ  a  noíía  Senhora.  Nomefmodia  entrou 
também  a  Villa  de  Penclla  ,  foy  a  fua  entrada  com  grande 
pompa,  &fo!cmnidade,  fica  diílantc  dezlegoas  noBifpa- 
do  de  Coimbra ,  cffc  receo  a  nofla  Senhora  hua  grande  offerta 
para  aquelle  tempo ,  que  foy  hum  fino  ,  que  pefava  dez  arro- 
bas ,  &  cuííou  quarenta  &  oy  to  mil  reis,  &  offerccérãomais 
dous  ciries  grandes,  que  traziaõ  para  o  ornato  da  procifTaõ. 

A  iz.  entreu  a  Villa  de  Alcobaça  com  outra  folemne 
procifTaõ, em  que  vinha  mi;y ia  gente,  &  muy  tas  Fregueíias, 
trazia  de  offerta  em  dinheyro  trinta  mil  &  fetecentos&  vin- 
te reis.  Em  26.  veyo  fegunda  vez  a  Freguefia  de  Vermoil, 
termo  de  Lcyria,  offereceo  hum  cirio  de  quarenta  arrateisjfc 
feííenta  &  fete  offertas  de  cabeça,  de  bolos* &  outras  coufas. 
A  27.  entrou  a  prociílaõ  da  Villa  de  Alfezeyraõ ,  dos  Cou- 
tos de  Alcobaça  y  que  difla  féis  legoas  ,  trouxe  em  dinheyro 
dezafetemil  &  trezentos  &  fetentareis.  Os  moradores  da 
Villa  de  Saõ  Martinho,  pouco  diftante  da  de  Alfezeyraõ,  ti* 
verão  fuás  differenças  fobre  as  precedências  ,  fcaflim  nam 
vieraô  incorporados  ,  mas  unidos  em  caridade  vieraõ  dar 
graças  a  N-  Senhora  ,  &cfterecéraõ  as  fuás  efmolas  para  as 
fuás  obras. 

Em  oy  to  de  Novembro  chegou  a  procifTaõ  deTavarede 
doBifpadode  Coimbra;diflante  leis  legoas,trazia  em  dinhey- 
ro, que  pedio  para  as  obras ,  féis  mil  novecentos  &  vinte.  A 
1 3 .  entrou  a  procifTaõ  da  Villa  de  Buarcos,  diflante  oy  to  le- 
goas, com  huma  folemne  prociffcõ*  em  que  vinha  a  fua  Ca- 
mera  incorporada,  &  com  as  fuás  infignias.  Traziaõ  huma  rc-; 
liquia  debayxo  de  hum  palio,  acompanhado  de  oy  to  tochas; 
traziaõ  três  Padres  revcfíidos  para  celebrarem  MiíTa,  quatro 
Cruzes ,  cinco  bandcyras  ,  &  huma  delias  muy to  rica ,  boa 
mufica,  &com  excellentes  vozes,  &  charamelas  do  Mar- 
quez, muy  ta  gente  bem  luzida  ,  &ccm  muy  to  boa  ordem 
offerecèraõ  as  fuás  efmolas.  A 16.  chegou  a  Villa  da  Cel/a, 

C  ou- 


Livro  111.  Titulo  111.  191 

Coutos  de  Alcobaça,diflante  féis  legoss, com  outra  muyta 
fo/emne  procifTaõ,  em  que  vinha  muyta  gente,&  hum  Sacer- 
dote revertido defcuyxo de hu  paliocom  huma  Cruzdereli- 
quias.  Dous brandoens  groífos,  q  tinhaõ  ambos  vinte  arra- 
teis,vinhaõ  todos  debayxo  de  hua  Cruz,  &  traziaõ  vinte  mil 
reis  de  efmola ,  que  ha  viaõ  pedido  para  as  obras  de  noíTa  Se- 
nhora. 

Referi  com  tanta  extençaõ  (contra  o  eftylo  que  leva- 
mos ncíia  obra )  o  fervor  com  que  neftas  prociííòens  fe  def- 
velavão  todos  os  povos  no  ferviçode  Maria  Santiííima  Se- 
nhora noíTa  ,  para  que  fe  veja  claramente  o  como  he  grande  a 
devoção ,  &  o  affedo  dos  Portuguezes  para  com  efla  Senho- 
rafoberana.  Muytosdeftes  que  vieraõ  no  principio,  porque 
naõ  pudéraô  então  offerecer  o  que  defejavaõ ,  fe  obrigarão 
a  voltar  fegunda  vez.  Daqui  podemos  coníiderar  também, 
quam  grande  feria  a  alegria  defia  Senhora ,  em  os  ver  chegar 
à  fua  Cafa  ,  carregados  de  offertas  ,  &  alegres,  porque  traba^ 
lhavaõ  em  feu  ferviço. 

He  a  Imagem  da  Senhora  lindifEma  ,  efiá  de  joelhos,  & 
moftra  na  proporção,  que  a  eftar  em  pé  teria  quatro  palmos 
de  alto;  he  triguejrinha,  &  na  cór  do  rofto moílra  a  fua  muy- 
ta antiguidade;  eflá  com  as  mãos  no  peyto,  moftrandooef- 
panto  em  queficou,  quando  o  Anjo  lhe  appareceo,&sflim 
tem  os  olhos  poftos  no  chaõ  com  huma  celeflial  modeflia. 
He  de  talha,mas  cobrem-na  hoje  com  preciofos  veflidos;  eftá 
recolhida  dentro  de  hum  Sacrário  fechado ,  mas  como  tem 
huma  grande,  &  fermofa  vidraça  ,  fe  vé  perfeytamentecor- 
rendo-lhe  as  cortinas  ,comqueeftá  ornado  o  Sacrário  para 
mayor  veneração-  A  Igreja  he  perfeytiífimaafiim  na  traça, 
comonaarchitechira.  Tem  alpendres  cm  roda,  com  duas 
portas  no  cruzeyro  por  onde  iahern  as  procifToens ,  &  tor- 
naõ  a  entrar,  íem  que  o  tempo  da  chuva  as  decomponha.  A 
Capeíía  mor  he  quadra  d* ,  &  fobre  quptoi  arcos  fe  levanta 
huma  meya  laranja ,  aosladcs  íh&ácão  duas  Sacriítias  \  fobre 

T  z  a  por- 


^<)l  Santuário  Mariano 

a  porta  da  Sacrifique  fica  à  parte  do  Meyo  dia,  tem  hum  ni- 
cho,aondeeftá hurra  Imagem  dogloriofoSaõ  Jofeph  como 
Menino  Jeíus  pela  não,  íaõ de  jeífo  >  mas  excellcnte  efcultu- 
ra  ;  na  parte  fi  omeyra  fica  outro  nicho  com  outra  Imagem 
do  Archanjo  Saõ  Gabriel,  (da  mefma  ir  ateria,)  que  he  a  Ima- 
gem antiga ,  que  eíla  va  na  Ermida,&  pelo  que  moflra^  parece 
que  efiava  dando  à  Senhora  aEmbayxada.  Se  a  Senhora  foy 
efeondida  no  tempo  que  os  Mouros  entrarão  em  Hefpanha, 
não  ceníla.  A  tradição  affirma,  que  depois  de  haver  ja  naquel- 
le  lugar  a  Ermida  do  Anjo,  (que  podia  bem  ferfoífe  também 
apparecida  ,  &  que  ambas  as  Imagens  occultaíTem  os  Chrif- 
tãosemdiverfos  lugares  ,  )apparecéra  a  Senhora  no  mefmo 
monte,  per  cuja  honra  oBifpo  Dom  Aymaro  reedificou  a 
Ermida  do  Anjo,  collocando  nella  a  Senhora-  Efcrevem  de 
no(Ta  Senhora  da  Encarnação  Frey  Manoel  da  Eíperança  na 
hiflor.  Seraph  pag.  j.liv-g.cap.  gi.Frcy  António  Brandão 
na  Mon.-Luf.  pag.  3.  liv.  9.  cap.  25.  &  algumas  relações  que 
fe  achão  manuferiptas  no  archivo  da  Senhora. 


TITULO     IV. 

T>a  Imagem  de  N.  Senhora  das  NeceJJidades  da  G  andar  a. 

NO  lugar  da  Gandaraeítáhua  Ermida  dedicada  aoglo- 
riofo  Martyr  Saô  Sebafliaõ ,  íituada  em  huma  margem 
do  celebre  campo  de  Ley ria-  Nella  fe  venera  huma  Imagem 
de  N.  Senhora ,  com  o  titulo  das  Neceflidades ;  refere-íe  por 
tradição,  que  naquelle  mefmo  lugar  appsrecéra ,  &  que  ja  alli 
havia  a  mcfma  Ermida  ,  que  de  antes  havia  íido  dedicada  ao 
mefmo  Santo  Martyr-  Do  tempo  não  confia,  donde  fe  colhe 
fer  também muyto  antiga  a  devoção  para  com  eflamilagro- 
fa  Senhora ,  que  fempre  foybufcada  dos  fieis,  &  com  gran- 
de frequência  ?  &  concurfo ;  porque  de  todos  aquelles  con- 
tornos 


Livro  III.  Titulo  V.  293 

tornos  a  vaõbufcar  com  novenas,  &  pagar  os  feus  votos,  õç 
promeíías  ,&  a  Senhora  fabe  pagarlhes  afua  devoção  com 
as  muytas  maravilhas ,  que  obra  a  feu  favor,como  o  teítemu- 
nhão  as  mortalhas ,  &  mais  memorias ,  que  pendem  junto  ao 
feu  Altar.  A  Imagem  da  Senhora  he  de  pedra ;  terá  dous  pal- 
mos de  alto ,  &  he  pintada  íbbre  a  mefma  efeultura;  tem  em 
os  braços  ao  Menino  Jefus ,  &  he  taõ  grande  a  fua  fermofu- 
ra ,  que  eílá  roubando  os  coraçoens  de  todos ,  os  que  a  con- 
templaõ ,  &  a  bufeaõ.  Laflima  he  coníiderar  no  defcuydo 
com  q  os  antigos  nosdeyxáraôoccultososapparecimentos 
de  muytas  Imagens  milagrofas,  quefempre  haveria  nelles 
prodígios^  que  ferviffem  para  augmento  da  noífa  devoção;  & 
também  íé  augmentaria  com  as  fuás ,  muy  to  mais  a  gloria  do 
Senhor  ,  que  obrava  as  maravilhas. 


TITULO     V. 

^Da  milagrofa  Imagem  de  nojfa  Senhora  do  Fetal  no 
lugar  do  Reguengo.. 

DUas  legoas  diftante  da  Cidade  de  Leyria  para  a  parte 
do  Nafcente ;  fe  vé  hum  grande  lugar ,  a  que  chamão  o 
Reguengo, &  em  o  feu  mefmo  termo.  Junto  a  elle  para  a  par- 
te do  Meyo  dia  ,  fe  vé  na  meya  ladeyra  de  huma  Serra  a  Igreja 
de  N.  Senhora  do  Fétal,na  qual  fe  venera  hua  milagroía  Ima- 
gem da  Mãy  de  Deos ,  cuja  origem  ,  &apparecimento  re^ 
fereatradiçaõ  (que  fe conferva  entre  os  velhos  ,&  os  mo- 
radores do  mefmo  lugar)  nefta  maneyra. 

Andava  huma  paítorinha  guardando  humas  ovelhas, 
que naõjeriaõ  muy tas,(fcgundo  a  pobreza  daquellas  terras, 
entre  hus  fétaes  ,  que  zinda  hoje  fe  vem  muy  tos  naquelle  def- 
trito,)  em  hum  íitio  aonde  hoje  eítá  huma  Ermidinha  antiga, 
a  que  chcimaô  da  Memoria,que  fc  edificou  alli,para  memoria, 
Tom.  III.  T  5  & 


294  Santuário  Mariano 

Stíinal  de  que  naqueile  próprio  lugar  foy  o  apparccímentò 
da  Mãy  de  Deos.  Andava  a  paflorinha  chorando  com  fome, 
(que  naõ  he  muy  to  que  aííim  fofle,porque  he  fumma  a  pobrc- 
^adaqueilas  terras, aonde fó pedras  fevem;  porque  deftas 
heabundantiflimotodoaquelle  defirito,  aonde  fevem  Ser- 
ras de  pedra  tam  ermas  ,  &  eflereis,  que  nellas  naõ  nafce  hu- 
ma erva , )  &  nefle  eflado  em  que  eflava  vio  hua  mulher  rouy- 
to  fermofa ,  que  fe  chegou  para  ella,  &  lhe  perguntou  por- 
que chorava.  A  que  a  menina  deu  por  reporta  :  Porque  tinha 
grande  fome.  DiíTe-lhe  a  Senhora ,  que  fofle  a  lua  mãy ,  que 
lhe  deffe  paõ.  Ao  que  a  paflorinha  reípondeo  outra  vez,  que 
fua  mãy  o  naõ  tinha.  Tornou  outra  vez  a  Senhora  a  lhe  di- 
ger  que  foffe ,  &  que  na  arca  em  que  fua  mãy  o  coflumava 
guardar  acharia  paõ,  &  que  lhe  diffeíTe  que  huma  mulher  a 
mandava.  AVifla  do  mandado  da  Senhora,  foy  a  menina,  & 
diíle  à  mãy  que  huma  mulher  lhe  diífera  lhe  deífe  paõ,  porque 
na  arca  o  tinha.  Foy  a  mãy,  Scfegundo  o  recado  que  a  filha 
trazia  achou  a  arca  cheya  de  excellente  paõ  ,  &  taõ  fermofo, 
que  logo  parecia  naõ  fer  paõ  amaffadona  terra. 

Voltou  outra  vez  a  paflorinha  às  fuás  ovelhas  confor- 
tada ja ,  &  contente,  pois  havia  achado  o  remédio  da  fua  ne- 
ceffidade,&  encontrou  outra  vez  com  a  Senhora;a  qual  conf- 
tituindo-a  fua  embayxadora  lhe  mandou ,  foíTe  aos  morado- 
res do  feu  lugar,&  lhe  diíTeíTe,que  ella  era  a  Mãy  de  Deos ,6c 
queria  fe  lhe  fizeíTe  naquelle  fetal  huma  Ermida,para  fer  nel- 
la  louvada.  Haviaõ  viflo  aquelles  aldeões  o  paõ  de  que  a  Se- 
nhora milagrofa  mente  havia  enchido  a  arca  daquella  pobre 
mulher,  (  que  he  Maria  Santiffima  hua  mefa  animada,  &  cheya 
de  paõ,  &  contem  em  íí  o  paõ  efa  vida, como  diz  Damafccno, 
&  os  Gregos  em  o  feu  Hy mno :  Menfa  animata  continem  pa- 
nem Yit*.  E  à  vifla  do  paõ  poderiaõ  dizer  conr  figo  cada  hum 
^      o  delles,  com  Jacob:  Se  efla  Senhora  nos  der  paõ  para  comer- 
mos ,  em  terra  aonde  ha  taõ  pouco ,  fera  para  nòs  a  noffa  Se- 
nhora ,  &  naõ  faltaremos  em  a  fervir. 

Forao 


Livro  HL  Titulo  V.  ipy 

Foraô  todos  alegres  ,  &  obedientes  ao  lugar  aonde  a 
paftorinha  referia  que  a  Senhora  lhe  apparecèra ,  &  manda- 
va lhe  fizeffem  Cafa,&  acháraõ  huma  Imagem  fua  muyto  lin- 
da ,  &  junto  a  ella  huma  milagrofa  fontefinha.  Reconhece- 
rão o  beneficio(Jque  Deos,&  fua  Santiflima  Mãy  lhes  fazia,  & 
fervorofamente  unidos  em  devoção ,  edificarão  à  Senhora 
huma  Cafa }  que  bem  moftra  a  pobreza  dos  Fundadores,por- 
que  apenas  caberáõ  nella  féis  ou  oy to  peíTòas  \  &  nefta  a  col* 
locarão.  Com  a  agua  daquella  fontefinha  fe  começarão  a  ex- 
perimentar logo  os  poderes  de  Maria  Santiílima  com  as  ma- 
ravilhas ,  &  milagres ,  que  o  Senhor  começou  a  obrar.  Efla 
fontefinha  ainda  hoje  fe  conferva  em  hua  cova  de  pouco  fun- 
do, &caufa  grande  admiração  aos  que  alli  vaõ,&eumead- 
mireyemver,quefobrehuma  ribanceyra  de  terra  arenofa, 
&  de  feyxos ,  com  huma  efirada  que  fica  junto ,  muyto  pro- 
funda ,  fe  pudeffe  confervar  a  agua  daquella  fontefinha;  ain- 
da aífim  fe  conferva  fem  diminuição  na  mefma  quantidade, 
fem  fahir  fora  da  cova. 

Fey  ta  a  Ermidinha ,  que  ainda  hoje  exifte ,  &  fe  confer- 
va por  memoria ,  começarão  a  crecer  tanto  os  milagres  da 
Senhora  j  que  com  asmuytas  efmolas ,  que  também  fe  foraõ 
ajuntando ,  fe  erigio  huma  nova  Igreja  ,  &  taõ  capaz,  que  fe 
pode  recolher  nella  hum  grande  numero  de  gente ,  &  ainda  a 
faz  muyto mayor  hus  fermofos  alpendres  que  tem  à  entrada. 
O  tempo  em  que  a  Senhora  fedignou  deapparecer  naquellc 
íitio,&  entre  aquelles  fétaes,  de  que  lherefultou  o  titulo, 
com  que  he  invocada ,  naõ  confta ;  masconfta  do  tempo  em 
que  fe  lhe  edificou  efta  nova  Igreja  ,que  naõ  feriaõ  muy tos  os 
annos  depois  do  feu  apparecimento  \  o  que  fc  vé  de  humas  le- 
tras, que  fe  confervaõ  cm  huma  pedra,  que  eflá  pofla  na  mef- 
ma Igreja  da  Senhora ,  &  dizem  aflim. 

Koannoik  1585.  fefe^esJa  Igreja  de  N.  Senhora 

do  Fetal  com  as  efmolas  dos  fieis  Cbriflaos  >&  fe  Vay 

reno^andoyi^fe  Vao  fazendo  obras  das  ditas  efmolte- 

T  4  Com 


196  Santuário  Mariano 

Com  quedefta  era  para  traz,  foy  a  manifeflaçaS  daquella 
Santa  Imagem.  Efla  fechada  em  hum  facrario  com  huma  vi- 
draça criílaíina ,  &  com  grande  aceyo  ,  &  perfeyçaõ ,  obra 
do  llluflriflimo  Senhor  Dom  Frey  Jofeph  de  Lencaflre , fen- 
do Bifpo  de  Leyria  ,  que  lhe  mandou  fazer  no  anno  de  1 68o. 
&  tantos,o  qual  mandou  juntamente  encarnar  denovo  a  mef- 
ma  Imagem  em  aquella  íuaCafa  por  hum  Religiofo  Arrabi- 
do,  que  ficou  pcrfeitiífima.  He  efla  Santa  Imagem  humper- 
feytiííimo  retrato,  ou  copia  da  Imagem  de  noífa  Senhora  de 
Nazareth ,  que  fe  venera  no  íitio  da  Pederneira  ,  aflí  m  no  ta  - 
manho ,  como  na  forma  em  que  cflá,com  o  Menino  JESUS 
fentado  no  regaço ,  &  com  o  concerto  que  fe  lhe  fez ,  parece 
ainda  muy to  mais  fermofa,  &perfeyta.  Verdadeyramente 
parece  efla  Santa  Imagem  AngeIical,ou  obrada  pelos  Anjos^, 
fem  embargo  de  que  alguns  quizeraõ  dizer ,  que  a  mandarão 
fazer  os  primeyros  devotos  da  Senhora  à  imitação  da  de  Na- 
zareth. Mas  a  Cafa  da  Memoria  parece  eflá  dizendo  o  con^ 
trario  ,  &  que  a  Senhora  appareceo  naquelle  lugar. 

He  a  Cafa  da  Senhora  annexa  à  Sé  de  Leyria,  &  os  Cóne- 
gos delia  aprefentaõ  o  Ermitão,  que  he  fempre  Sacerdote, 
&  de  ordinário ,  o  Cura  do  mefmo  lugar  do  Reguengo;  &  os 
direytos  Parochiaes ,  &  offertas  que  fe  fazem  à  Senhora ,  faõ 
do  Cabido.  He  grande  a  devoção,  que  toda  a  gente  daquelles 
contornos  tem  a  efla  Senhora  ,  &  affim  he  muyto  frequenta- 
da a  fua  Cafa ,  &  tem  algumas  para  abrigo ,  &  recolhimento 
dos  Romeyros,  que  vaõ  alli  ter  as  fuás  novenas, &  na  grande 
fé  com  que  a  bufeaô  em  feus  trabalhos,  &  apertos,  o  manifef- 
ta  ô  as  memorias  fem  numero,  que  pendem  das  paredes  de  íua 
Cafa,  das  maravilhas  que  obrarA  Senhora  tem  pouco  mais  de 
hum  palmo  deahura,cflando  fentada  como  fica  dito.Feflejaõ- 
nano  primeyro  Domingo  de  Outubro,  &  nefle  fe  faz  jun: 
to  à  Cafa  da  Senhora ,  huma  notável  feyra. 

TITUJ 


Livro  HL  Tini lo  VL  19? 


TITULO     VI. 

Pa  Imagem  deTSl.  Senhora  daGayola  no  lugar  das  Cortes. 

HUma  legoa  difiante  da  mefma  Cidade  de  Leyria ,  eflá 
hum  grande  lugar,  frefco,&deliciofo,  porcaufa  do 
rio  Liz  que  tem  nelle  o  feu  nafcimento,  a  que  chamaõ  as  Cor- 
tes. A  Parochia  deite  lugar  he  dedicada  à  Rainha  dos  Anjos 
debayxo  do  titulo  de  N.  Senhora  da  Gayola  7  cuja  origem ,  & 
etymologia  de  feu  nome  fe  refere  aífim,  mais  por  tradições 
confufas^queporefcrituras  autenticas.  Paftoreavaõ  huns 
ruflicos  aídeoens  por  aquelle  íitio  o  feu  gado  3  ôechegan- 
do-o  mais  aos  matos  queallihavia  ,  defcobriraõ  no  tronco 
de  huma  arvore ,  que  alguns  querem  foffe  oliveira ,  ou  zarn- 
bugeyro,  huma  Imagem  da  Mãy  de  Deos  :  naõ  confia  feella 
lhes  faltou ,  ou  fe  viraõ  algum  prodígio.  Referefe  por  tradi- 
ção;, que  alegres  com  o  achado  lhe  fizeraõ  huma  cabana  teci- 
da de  ramos  junto  à  mefma  arvore  j  &  nella  a  começarão  a  ve- 
nerar ,(  eíle  domicilio  ,quederaõ  à  Senhora  ,  parecia  mais 
gayola,q  caía,  por  fer  compofto  de  ramos  de  falgueyro,  &  de 
outras  arvores ,  )  com  o  titulo  de  Gayola  a  começarão  a  in- 
vocar ,  &  com  o  mefmo  he  ainda  hoje  venerada, 

Diriaõ  aqui  fem  duvida  as  cândidas  almas  daqueíles 
paftorinhos ,  vendo  a  Senhora  o  que  lá  do  feu  Efpofo  dizia 
a  Efpofa  Santa:  En  ipfa  tfat, EyU  eftá  a  noífa  Divina  Paflors,  cant.z 
vendo-nos  pelos  tecidos  da  fua  gayola :  Refpiciem  perfemj- 
tras  >proff>iáensp?r  cancellos,  Everdadevramentedevemos 
crer  que  a  Senhora  fe  pagaria  muyto  deíía  Cafa  de  ramos, 
q  lhe  fabricou  a  devoção  dos  paflorinhos,  pois  naõ  quiz  ou- 
tro titulo, fenaõ o  da  Gayola,  &o  da  íua choupana  déra- 
mos. Aqui  mefmo  começou  a  obrar  grandes  maravilhas  >  & 
milagres,,  &  aqui  a  vinhaõ  vifitar  os  fieis ,  até  que  com  as  cf- 

molas 


298  Santuário  Mariano 

molas  que  fe  lhe  offereciaõ,  fe  lhe  fabricou  huma  Ermida  de 
pedra  ,&  cal  y  ainda  que  pequena.  Com  as  maravilhas  que  a 
Senhora  obrava ,  fe  começou  a  povoar  aquelle  íitio ,  &  a  fa- 
bricar cafas  nelle  y  que  crefceo  em  grande  maneyra ,  &  depois 
fe  edificou  à  Senhora  hum  grande  Templo ,  que  fe  erigio  de- 
pois em  Fregueíía ,  ou  Parochia  do  mefmo  lugar. 

Era  cila  Santa  Imagem  de  madeyra,&  pode  bem  fer^que 
os  Chriftãos  fugindo  às  crueldades  dos  Mouros ,  quando  fe 
fizeraô  Senhores  de  Lcyria,&  daquellas  terras  todas,  occul- 
taííema  Santa  Imagem  notronco  daquella  arvore ,  porque 
lhe  naõfizeffem  alguma  irreverência.  Ofeu  apparecimen- 
to  fe  tem  que  fuccedéra  ha  muytos  annos,ou  muy  tos  feculos, 
por  quanto  o  lugar  moftra  muy  ta  antiguidade  nos  edifícios, 
&  a  Igreja ,  que  a  Senhora  de  prefente  tem  >  também  naõ  he 
muy  to  moderna.  E  como  ja  havia  tido  outra,  tudo  iflo  deno- 
ta antiguidade  larga.  E  como  a  Santa  Imagem  efieve  naquel- 
le  tronco  da  arvore  muytos  annos  depois ,  como  era  de  ma- 
deyra.materia  confumptivel,fe  foy  repaífando  do  caruncho; 
&  quando  fe  pudera  remediar ,  &  reparar ,  foy  tal  a  incúria, 
ou  a  inadvertência  dos  antigos,  que  a  mandarão  enterrar 
debayxo  do  Altar  mór,podendo  reparar  o  corpo  com  algum 
betume,  &defla  forte  fe  pudera  confervar  ,  &  a  teríamos  à 
vifta ,  para  a  venerarmos ,  como  a  Imagem  angelical ,  ou  mi- 
lagrofamcnte  apparecida,  &  que  os  Anjos  haviaô  confervado 
por  tantos  feculos  illefa  do  furor  dos  Mouros;  porque  elles 
a  defenderão ,  &  guardarão  ,  até  que  elía  fe  quiz  manifeílar 
aos  fíngelos  paflorinhos. 

Mandarão  em  feu  lugar  fabricar  logo  outra  de  madey- 
ra  eftofada  ,&  de  perfeytiffima  efcultura;  he  muy  to  fermofa, 
&  tem  huma  rara  mageftade ,  que  parece  rouba  os  coraçoens 
de  todos,  os  que  a  vem;  eílácom  o  Menino  JESUS  nos  bra- 
ços ,  todo  attento ,  &  inclinado  para  a  Mãy  ,  como  que  cila 
fallando  com  ella.  Eftá  collocada  em  hum  nicho  do  retabolo 
à  parte  do  Evangelho.  A  Igreja  he  grande,  &  mageílofa  com 

três 


Livro  II.  Titulo  VI.  299 

trcs  A!tares,&  huma  Capella  mayor de  abobada,  muy to ay- 
rofa ,  &  perfeyta  ,tcda  dourada ,  com  hum  excellente  reta- 
bolo ,  tambcm  dourado.  A  Senhora  hc  grande  ,  &  terá  feis 
p  aimos  ,  ou  mais  de  eflatura. 

Antigamente  fazia  muytos  milagres  ,  porque  feria  a  fé 
dos  que  a  invocavaô  mais  fervorofa  j  hoje  naô  faz  poucos  a 
Santa  Imagem,  que  fubfrituiraõ no  lugar  da  primeyra,  aos 
que  com  viva  féabufcaô.  Os  que  tem  faílio  encomendan- 
do-fe  à  Senhora  fe  achaõ  livres  da  moleília  ,  que  elle  caufa. 
Também  headvogada  contra  o  pulgaõ,  lagarta, gafanho- 
tos, &  borboleta ,  &  tem  ja  por  experiência  a  gente  daquella 
Frcgueíia,  que  dando  eflas  pragas  pelos  arredores,  nunca 
chegou  a  el/a.  AVilla  da  Azambuja  conhecendo  as  maravi- 
lhas, que  a  Senhora  obrava  com  os  moradores  do  lugar  das 
Cortes ,  em  os  livrar  do  pulgaõ ,  &  lagarta ,  fe  lhe  recomen- 
dou^ prometteo  huma  boa  efmola,  para  que  os  hvraífe  def- 
tas  pragas,que  muyto  osmoleílava:a  Senhora  os  livrou  pon- 
tualmente ;  porque  fe  vio  o  pulgaõ  morto  aos  pès  das  cepas, 
&  foraõ  a  cumprir  o  feu  voto.  Tem  a  Senhora  huma  grande 
Irmandade ,  que  a  ferve  ,&  faz  fuás  feftascom  grandeza  ;& 
aparato.  Neíta  quizeraô  entrar  também  muytos  dos  mora  • 
dores  da  Azambuja,  obrigados  dos  favores  ,  que  da  Senhora 
haviaõ  recebido. 


TITULO     VIL 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Vitoria,  perto  da  Vil- 
la  da  Batalha- 

O  Santo  Condcftavel  de  Portugal  D.  Nuno  Alvares  Pe- 
reyra,  tronco  da  Sereniífima  Cafa  de  Bragança,&grã* 
de  devoto  da  Mãv  de  Deos,em  acçaõ  degraças  da  feliz,  me- 
moranda, &  milagrofa  vitoria  de  Aljubarrota,  alcançada 

con- 


3oo  Santuário  Mariano 

contra  ElRey  D.  Joaõ  o  Primeyro  de  Cafiella  ,  mandou  eri- 
gir no  campo  da  batalha  hum  Templo ,  que  coníágrou  á  po-^ 
derofa  Guia  dos  exércitos  Maria  Santiífima,  &aoinvido 
Martyr  Saõ  Jorge,  Alferes  da  Igreja  Cathoíica  ,  de  quem 
também  era  devotiflimo,  &  a  quem  invocava  fempre  cm  to- 
das as  batalhas  em  feu  favor  %  como  fez  neíla,&  aílim  em  re- 
conhecimento,  de  que  elie  também  lhe  aífifiira  ,quiz  que  a 
Igreja  que  edificava,  foíTe  dedicada  naõ  fó  á  Rainha  dos  An- 
jos ,  mas  também  a  efíe  Santo  Martyr.  E  fer  iíto  aílim  verda- 
deyramente,  confia  de  huma  pedra^que  eílá  na  mefma  Igre- 
ja, cuja  infcripçaõ  traz  também  Jorge  Cardoío  no  feu  Agio- 
logio  Luíitano,  nefta  forma 

Era  1431.  annos,  Nuno  Afoares  'Pereyra  Condefta- 
Vel ,  mandou  fa^er  efia  Capella  à  boina  daVirgem 
Maria,  &  do  Martyr  Sao  Jorge  ;  porque  em  o  dia  em 
quefefe^  aqui  a  btíalba,  que  ElRey  de  Portugal  ou- 
Ve  com  ElRey  de  Caftella,  eíiâVa  em  ette  lugar  a 
bandeyra  do  dito  Conde  ff  aVel. 
Defta  pedra  fe  vè  ,em  comooCondeftavel  he  o  fundador 
daquella  Ermida,&  que  foy  feyta  >  ou  acabada  fete  annos  de- 
pois da  vitoria:  porque  eíhfe alcançou  no anno  do Nafci- 
mentode  Chrifbde  1386.  donde  fc 'pôde  crer  também, que 
omefmoCondeftavel  traria  comílgopara  fuadefenfa  aefta 
Santa  Imagem  ;  porque  hede  madeyraeftofada,  com  o  Me- 
nino JESUS  nos  braços,&  taõ  pequena,que  tem  pouco  mais 
dedous  palmos.  A  Imagem  de  Saõ  Jorge  hede  pedra  de  An- 
Çã,  &  eftá  no  Altar  collateral  da  pa rte  da  Epiflola  poflo  a  ca- 
vallo,  &  moftra  ter  quatro  para  cinco  palmos  de  eftatura  ;  & 
em  fer  efta  Imagem  grande,  &  de  pedra ,  &  a  Senhora  peque- 
nina, confirma  o  difcurfo,  de  que  elle  a  traria  comfigo. 

A  Senhora  eftá  collocada  no  Altar  mòr,  em  q  fe  vé  q  ella 
heaprincipalPatrona  daquellaCafa;eftá  pofiaem  hu  trono, 
&hemuyto  linda.  He  eíia  Igreja  annexaá  Matriz  da  Villa 
de  Porto  de  Mos,  em  cujo  t  ermo  fica ,  em  diftancia  de  huma 

Iegoa; 


Livro  III.  Titulo  VIL  30 1 

íegoa  y  &  meya  da  Villa  da  Batalha.  Obra  eíla  Senhora  muy- 
tos  milagres,  como  o  expcrimentaõ  ,  &  teflemunhaõ  os  cir- 
cumvizinhos -,  &  affim  a  fervem  com  fervor ,  &  devoção. 
Deyxou  oCondeftavel  aefta  Cafa  hummoyo  de  trigo  pa- 
ra o  Ermitão ,  &  huas  terras ,  que  rendem  quarenta  mil  reis, 
pela  obrigação  de  ter  aquella  Cafa  com  limpeza  3  &  sceyo:  o 
trigo  fe  paga  no  Almoxarifado  de  Leyria  ,  &  ainda  que  efía 
Igreja  he  annexa  á  Matriz  de  Porto  de  Mos ,  a  nomeação  da 
Ermitania  he  do  Padroado  Real  3  &  ElRey  he  o  que  a  provê- 
Em  1 4,  de  Agofta  vay  todos  os  annos  o  Senado  da  Carnera 
de  Porto  deMòs  com  o  Clero  em  prociffaõ  de  graças  á  Ca- 
fa da  Senhora  da  Vitoria.  Efcrevem  da  Senhora  da  Vitoria 
Rodrigo  Mendes  da  Silva  ,  na  vida  do  Condeííavel  pag.  70. 
aonde  diz,  que  o  Condeflavel  fundara  a  Igreja  de  Santa  Ma- 
ria da  Vitoria.  Cardofotom.2.  pag.  683.  &  691. 


TITULO     VIII. 

ÍDa  Imagem  de  mj/a  Senhora  do  Real  Contento  da  Batalha, 
nomeada  com  o  me/mo  titulo  cia  Batalha. 

AChavafe  ElRey  Dom  Joaõ  de  gloriofa  memoria  (naõ  fó 
por  fuás  acções  de  valor  ,  &  fortaleza  ,  mas  por  fuás 
virtudes) o  primeyrodefte  nome  ,nos  campos  de  Aljubar- 
rota, alojado  em  hum  eftrey to  arrayal ,  &  acompanhado  de 
poucos  foldados,  mas  fieis,  animofos,  &  determinados.Ti- 
nha 1  defronte  outro  Rey  também  Joaõ  no  nome  >  &  prime  yro 
deCaftel!a,que  trazia  comíigo  o  poder  de  fuás  terras, &  mui- 
ta gente  de  PortugaI,que  o  fcguia,ou  por  intereííe  próprio, 
cu  enganada  da  caufa.Era  força  vir  ás  irãos&  como  os  fuc- 
ceíTos  da  guerra  fempre  faõ  duvidoícs  ,  &r  a  batalha  da  par- 
te dos  Portuguezcs  era  arrifçada ,  pelo  pouco  nurr.eroque 
tinha  delles,  comparado  cem  o  dos  contraries ;  quecubria 

os 


3oi  Santuário  Mariano 

os  montes ,  8c  enchia  os  vallesj  vendo  ElRey  que  havia  de 
ferbufeado,  &naõ  podia  efeufar  a  batalha  fem  diferedito, 
&  perda  da  reputação ;  nefte  aperto  recorreo  ao  foccorro  do 
Cco  ,  pedindo  ao  Senhor  das  vitorias  ,  interpondo  por  fua 
medianeyra  a  Virgem  noffa  Senhora,  de  quem  era  devotifli- 
mo  ,  em  cuja  vefpora  de  fua  Affumpcão  fe  achava ,  promet- 
tendolhe  que  fe  lhe  alcançaíTc  a  vitoria  ,  lhe  edificaria  hum 
Moílcyro ,  em  que  foífe  louvada,  Foy  Deos  fervido  de  pòr 
osolhosnafuacaufa  ,&no  juftificado  delia:  porque  ficarão 
vencidos  nas  armas,os  que  venciaõnopoder,&na  confian- 
ça- Ecom  efta  vitoria  deu  Deos  também  o  Reyno  ao  Rey 
Portuguez;  porque  brevemente  foy  reduzido  todo  áfua 
obediência- 

ElRey  por  fe  naõ  moftrar  ingrato  ao  beneficio,  tratou 
logo  de  dar  á execução  o  feu  voto,  &  no  meyo  dos  cuydados 
da  guerra,  fe  nãoefquecia  das  plantas  do  edifício.  Revia  as 
traças  ,confultava  Arquitedos  ,  ajuntava  officiaes  ,  &  ga- 
nhando por  huma  parte  á  força  lugares  rebeldes  ,  por  outra 
hia  edificando  fagradas  paredes.  Depois  de  três  annos ,  que 
a  obra  corria  com  grande  augmento ,  refolveo  ElRey  dar  a- 
queile  Mofteyro  á  Ordem  de  Saõ  Domingos ,  como  fez  por 
hu  m  Alvará  feu,dadona  Cidade  do  Porto,noanno  de  1388. 
de  que  logo  a  Ordem  tomou  poífe  ,  fendo  Meflre  Geral  del- 
ia Frey  Ray  mundo  de  Ca  pua.  He  efte  Convento  em  tudo 
verdadeyramente  Convento  Real.  A  fua  Igreja  he  compa- 
rada pela  perfeyção  do  obrado  ao  Templo  de  Salamão,  tem 
trezentos  &  feífenta  palmos  de  comprido  defde  a  porta 
principal  ate  o  Altar  mor  ,  cem  palmos  de  largura ,  &  do  pa- 
vimento ate  o  ponto  da  abobada  da  nave  principal,faz  de  al- 
to cento  &  quarenta  &  féis  palmos. 

Juntoá  porta  principal  ,da  parte  de  dentro, fica  huma 
Capella,  ou  Panteon  ,  de  exceflente  ,  &  extravagante  obra, 
tín  grande  co  no  hum  grande  Templo;  faz  noventa  palmos 
cm  quadro  >  que  ElRey  efeolheo  para  feu  fepuichro ,  da  Ra- 
nha 


Livro  HL  TituloVllL  303 

nha  D.  Felippa  lua  mulher,  &  de  feus  filhos.Nefie  Pantcon, 
na  parte  principal  fe  vem  quatro  Capellas  com  fcusretaho- 
los>&  Altares,  aonde  fe  celebra;  &  na  fegunda,  que  fszfren- 
te  à  entrada  ,  fe  vem  outros  quatro  arcos  com  quatro  mau- 
foleos,  aonde  fe  vem  fepultados  cfles  quatro  Infantes,  Dom 
Pedro,  Dom  Henrique,  D,  João,  &  o  Infante  Santo  D.  Fer- 
nando. No  mcyo  fica  o  Fundador,  &  fua  mulher  a  Rainha  D« 
Felippa  y  cm  dous  túmulos  levantados,  &  ricamente  obra- 
dos. Deyxo  de  nomear  todos  os  mais  Reys ,  Príncipes ,  6c 
Infantes  ,  que  fe  vem  fepultados  naquella  Cafa  ,que  fam 
muytos. 

Detraz  daCapella  mayor  ficajoutro  Panteon ,  coufa 
taõ  loberba ,  taõ  mageftofa ,  &  taõ  primorofamente  obrada, 
que  fe  fufpendem  àfua  viíta  quantos  a  vem  ;  aquechamaõ 
as  Capellas  imperfey  tas;  he  rotundo ,  tem  fete  Capellas  im- 
perfey  tas,  q  fe  eftivera acabado,  fora  a  maravilha  do  mundo. 
Heefta  fabrica  de  tanta  perfeyçaõ  ,  &  de  tam  miúda  obra, 
que  pafmão  os  maisinfignes  ,  &  peritos  architedos,  &  artí- 
fices de  talha  ;  do  que  alli  fe  vé  obrado  em  pedra. 

Com  grande,  &  Real  magnificência  enriqueceoElRey 
Dom  Joaó  aquella  fua  Cafa,que  dedicou  à  Rainha  dos  Anjos, 
naõfódereiiquiasiníignes,  que  lhe  havia  dadooEmpera- 
dor  de  Conftantinopla  Manoel  dePaleologo ;  mas  de  orna- 
mentos amyto  preciofos  ,  &de  muy  ta  quantidade  de  prata, 
que  lhe  deu,  que  eraõ  maisdedezoyto  arrobas.  Deílaera 
muy  ta  fobre-dourada,em  que  entravaõ  vinte  &  oy  to  cálices, 
quatorze  pares  de  galhetas ,  cinco  caldey  r$s  com  feus  híífo- 
pes,  oyto  turibulos  com  féis  navetas  parla  elies,  nove  Cru- 
zes means ,  para  fervirem  nos  Altares , quatro  grandes,  das 
quaes  eraõ  três  para  as  prociíToens,  &huma  de  pé  para  o 
Altar  mór,  douscaftiçaes  grandes,  &  altos  dourados,  ou 
ceriaes,  doze  caftiçaes  para  o  Altar  mór,  féis  grandes  to- 
cheyras,  duas  delias  douradas,  ícte  alampadas  de  grande 
corpo,  &  pezo,  huma  lanterna,  cinco  cayxas  de  hoflias,  cin- 
co 


304  Santuário  Mariano 

co  porfapazes,  dous  gumis  com  feus  pratos  grandes,&  duas 
campainhas ,  &  outras  peças  mais,  tudo  de  grande  feytio. 

Os  ornamentos  com  que  cnriqucceoa  Sacnfiia,  fehojc 
fe  Szeffem,  fó  elles  importariaõ  em  mais  de  hum  milhão;  eraõ 
os  ricos  onze,todos  de  finiífimos  brocados,comcapas,fron- 
taes^panos  de  pulpito,5t  eftantes,  tudo  guarnecido  de  çane 
fas  ,  6c  fabaftos  bordados  de  ouro  ,  &  de  Imagens ,  obra  cuf- 
toíiíTima.    Alémdeftes  havia  trinta  &  dous  ornamentos  de 
varias  cores  ,  &  de  varias  fedas  ricas ,  &  euftafas ,  &  com  ri 
casguarniçoens ,  ôefobre  ifto  hurna  grande  quantidade  de 
ca  fulas  de  telas ,  veludos ,  &  outras  fedas  ricas  ,  para  o  quo. 
tidiano ,  &  grande  quantidade  de  cortinas,  &  outros  ornatos 
defta  qualidade,  com  muytos  panos  ricos,  que  fe  punhaõ  fe- 
bre as  fepulturas  nos  dias  dos  Anniverfarios  dos  Reys,  & 
dos  Príncipes.  Q^tro  ornamentos  ricos  fe  desfizeraõ,com 
o  achaque  de  quenaõ  ferviaõ  nunca,  mais  q  de  fe  moftrara 
grandeza  da  devoção  do  Fundador ,  huns  cubertos  de  efca« 
mas  de  prata  de  martello^t  ao  jun  tas,que  fe  naõ  di vifava  a  fe- 
da em  que  eftavaõ  aíTentadas  •,  &  outros  cubertos  de  ouro  taõ 
pezados,  que  naõ  havia  quem  os  pudeífe  levantar,  quanto 
mais  veflir.  E  he  laftima  q  a  ambição  de  algu  Prior  negligen- 
te oí  desfizeíTe ,  a  troco  de  remediar  as  faltas  da  fua  incúria, 
&  negligencia  ,  ou  para  fazer  alguma  obra  inútil ,  &  defne- 
ce(Taria,&  talvez  que  o  procedido  fcconfumiíTe  em  nada; 
porque  adim  fuecede  aos  que  confomem,&  diffipaõ  as  coufas 
qusfedsdicárãoaDeos,  de  que  ha  vários  exemplos.  E  he 
muyto  para  admirar ,  que  em  tempo ,em  que  as  rendas  Reaes 
erão  taõ  poucas  ,  tiveífemos  Reys  animo  para  gaftar  com 
Deos  tantas  riquezas ;  mas  também  por  iífo  mefmo  lhes  dava 
Deos,  &  tudo  lhes  fobejava,para  naõ  vexarem  feus  vaíTallos. 

Além  de  tudo  ifto  deu  mais  ao  Convento  quinze  Ima- 
gens de  prata  de  altura  de  três  palmos  para  cima,  cada  hurna 
dos  Santos  da  fua  devoção.Entreellas  hurna  de  noíía  Senho- 
ra ,  que  he  a  Senhora  da  Batalha,  que  fendo  toda  de  prata  co- 
mo 


Livro  III.  Titulo  IX.  30  f 

mo  as  mais ,  o  corpo,  &  as  roupas  faõ  douradas.  Efía  Santa 
Imagem  efíácollocada  íbbre  o  facrario  cm  o  Altar  rnór/:o-- 
mo  Senhora,  &  Tutelar  que  hedsquella  Real  Caía.  He  de 
grande  fermoíura,&  primorofamenteobrad<i,ôr  efía  Senho- 
ra he,  Santa  Maria  a  Real  da  Bataiha,ounoiTa  Senhora  da  Ba- 
talha do  Real  Convento,  queElRey  lhe  dedicou  emocam- 
poda  Batalha.  Com  efía  Santa  Imagem  tem  os  Riligiofos 
daquclla  Cafa  grande  devoção. 

Além  defía  Senhora ,  Titular  daquella  glande  Cafa,  fe 
veneraõnella  outras  duas  Imagens ,  que  fe  vém  collocadas 
nas  duas  Capellas  collateraes  da  Capella  mayor ;  a  da  parte 
do  Evangelho  he  dedicada  á  Senhora  do  Rofario,  Imagem 
grande,  &  de  vefíidos  ,magefíofa  ,  &  de  rara  fermofura,  da 
proporção  natural;eftá  em  hum  nicho  grande  ornado  de  cor- 
tinas cmomeyo  doretabolo.  Com  efía  milagrofa  Imagem 
tem  todo  aquelle  povo  grande  devoção,  cj  a  fazem  mais  cref- 
cida  ,  as  maravilhas  que  obra.  Na  parte  da  Epifíola  fe  vé ou- 
tra Imagem  da  Senhora  da  Piedade ,  quaíi  da  mefma  propor- 
ção ,como  fantiílimo  Filhodefunto  em  feus braços, muy- 
to  devota  ,&comquemomefmopovo  da  Batalha  tem  gran- 
de fé,  &  aflim  a  ella  recorrem  todos  em  feus  trabalhos  ;he  de 
cfculturademadeyra.  Ambas  efías  Imagens  parecem  muy to 
antigas,&  feriaõ  obradas  pouco  depois  da  fundação  do  Con- 
vento. Faz  memoria  da  Senhora  da  Batalha  oP.  Fr.  Luiz  de 
Souíà  na  hiftor.  de  S.  Domingos  de  Portugal  p.  1.  !.6.c.  12. 


TITULO     1%. 

Z)d  milagrofa  Imagem  de  nnjfa  Senhora  da  Lu^  do 
termo  da  Filia  de  Co^. 

COntempla  o  Profeta  Rey  a  Deos  na  mayor  ,  &  mais  le- 
vantada pompa  de  feus  ardores ,  &  diz  que  fez  para  a 
Tom.  III.  V  fua 


joó  Santuário  Mariano 

fua  grandeza  hum  doce! ,  cu  fitial  domefoio  Sol :  In  Sole  po- 
fuit  tabernaculum  fuum.  O  Sol  fendo  hum  Afiro  nobiliííimo 
deífes  Ceos  ,  &  Príncipe  dos  mais  Afiras*  goza  de  hum  dila- 
tado Império;  rms  he  em  hum  Emisferio  fomente;  porque  a- 
noytece  ao  Aíiatico  >  quando  nafce  ao  Europeo  \  carecem  os 
antípodas  das  fuás  luzts,  quando  nós  gozamos  defeusref- 
plandf  res,  &  quando  a «òs  fe  nos  efconde  a  fua  luz, os  illuf- 
traaclles.  Em  outra  cccaíiaõ  o  véoamado  Difcipulo  tam 
fervido  dos  mais  Planetas  ,  que  em  competência  íagrada- 
rrente  ambiciofa ,  todos  íhe  éíBikm  ,  o  Sol ,  a  Lua  >  &  as  Ef- 
trcllai :  Signum  mamum  apparuit  in  uelo,  mulíeramitfci  So- 
le ,  &  Luna  fub  ptdifas  (jus ,  & in  capite e)us  corona  ftella- 
YUffiduodecim.  Ja  não  tem  por  trono  fomente  ao  Sol ,  mas 
tem  também  a  Lua  ,  acompanhada  deEftrellas.  Se  quando  o 
Sol  luz  cm  hum  Emis ferio,  reyna  no  outro  a  Lua  j  &  vive 
fempre  dividido  o  Império  ,  como  nefla  occaííaô  fe  vem  jun- 
tos o  Sol ,  &  a  Lua  :  AmíBa  Sole ,  &  Luna  fub  pedibm  eju**- 
Porque  ne(Taoccaíiaô(  diz  Eernardo)  eflájaDeos  em  Ma- 
ria ,  he  ja  Maria  a  Senhora  de  toda  a  luz.  E  fe  antes  fomente 
no  circulo  do  Sol  brilhava  em  hum  de  dous  Emisferios,  ja  em 
Maria  illufira  a  ambos ,  pois  fe  compõem  o  feu  trono  do  Sol, 
&  da  Lua:  Habes  mediatrteem,  (diz  Bernardo;)  quam  tibi 
faulo  cõmendayimus  eVtdentem  expreffam,  mulkr  ,inquit7  a 
mitta  Sole,  &  Luna  fub  pedibm  ejm»  Anda  vão  aquellas  lu- 
zes divididas ,  &  em  contenda ,  antes  que  a  Senhora  da  Luz 
nafceíTe,  divididos  aquelles  Impérios.  Deos  em  oSolnam 
iiluftrava  ao  antípoda  Gentio  \  porém  tanto  que  Maria  naf- 
ceo,  jaeílão  unidas  as  luzes,  poisaomefmo  tempo  forma 
trono  do  Sol  para  luzir  ao  Hebreo ,  &  da  Lua  para  illuíirar 
ao  Gentio.  Dilatou  a  fua  gloria,  eítendeoofeu  Império, 
&  fe  antes  fem  Maria  era  o  íeu  trono  fomente  Sol,  *gora  por 
Maria  he  o  Sol  ,&  a  Lua  o  feu  trono :  Habes medtatricenu 
Aflim  opublicou  também  Simeaô,  dizendo,  quehe  Maria 
naõ  ió  gloria  para  o  povo  Hebreo ,  mas  também  luz ,  &  ref- 

plandor 


Livro  III.  Titulo  IX.  307 

planJor  para  o  povo  Gentílico  :  Lúmen  ad  re^dationem 
Gentium  ,& gloriam plebis  tu£  Ifrael. 

Junto  ao  lugar  da  Caftanheyra  ,  mas  cm  o  termo  da 
Villa  de  Aljubarrota  no  Bifpado  de  Leyria,fe  vé  huma  gran- 
de,  &  fermofa  Ermida  ,  dedicada  a  N.  Senhora  com  o  titulo 
da  Luz ,  &  fem  duvida  fe  lhe  daria  eíte  titulo ,  pela  luz  que 
defta  Senhora  receberão  os  cegos ,  aíTim  do  corpo,  como  da 
alma.  As  noticias  que  fe  achaõ  dos  feus  princípios  faõ  nef- 
ta  maneyra.  Havia  huma  pobre  mulher  naquelle  deftrito, 
ou  foffe  natural  do  lugar  do  Juncal ,  ou  da  Caftanheyra, 
(porque  naõ  confta  de  qual  foífe,  fuppoftoqucodaCafla- 
nheyra  fica  mais  perto,)  chamada  Catherina  Annes.  Era 
cila  íingela,  amante  da  verdade,  &muyto  devota  denofla 
Senhora.  Andava  efta  mulher,porqueera  muyto  pobre  co- 
lhendo lenha  hum  dia  em  hum  monte,  aquechamao  Valde 
Deos,  ( ou  foffe  que  ja  o  tivefTe ,  ou  porque  fc  lheimpoz  de- 
pois do  favor  que  a  Senhora  fez  , )  &  eftando  oceupada  nef-, 
te  trabalho  lhe  appareceo  a  Rainha  do  Ceo ,  que  fenaõdef- 
preza  de  communicar  com  os  pobres,  &  pequeninos ,  &  lhe 
perguntou  fe  queria  que  a  ajudafie.  A  mulher  como  era  An- 
gela ,  &  humilde ,  a  fua  humildade  lhe  fazia  conhecer  fer  in- 
digna de  íemelhante  favor ,  naõ  fabendo  também  com  quem 
fallava,  &  que  não  podia  haver,  quem  naquella  humilde  oc- 
cupaçaõ  aquizeffe  ajudar,  refpondeo  a  iíto:  Naõ  haveis  vós 
de  me  vir  ajudar  a  apanhar  lenha- 

Continuou  a  pobre  velha  na  fua  oceupaçaõ  com  a  fim- 
plicidadeda  fua  ordinária  vida  ,encomendandj-fc  fempre  a 
noífa  Senhora, como  tinha  de coftume,  &  fegunda  vez  lhe 
tornou  aapparecer  a  Senhora  acompanhada  de  Santa  Mar- 
tha  ,  (ha  no  lugar  da  Caftanheyra  huma  Ermida  defta  Santa, 
&affim  me  perfuado  que  era  devota  fua  ,&  que  feria  natural 
do  mefmo  lugar  ?  &  que  também  a  Smx^  a  queria  fervir  em 
companhia  da  Senhora,)>k  tornoulheafallar  dizendolhe:Ca- 
therina  fegueme;ao  que  elía  naõ  refpoadco,nem  attentou  paf- 

V  z  ra 


308  Santuário  Mariano 

ra  as  palavras  que  a  Senhora  lhe  dizia.  Terceyra  vez  lhe  ap- 
pareceo ,  &  fallou  a  Senhora  ,  que  he  amparo ,  refugio  ,  & 
remédio  dos  peccadores,dizendolhe:Caíherina  vem  calque 
cu  te  darey  a  tua  chave  que  perdeíle.  Tanto  que  nas  palavras 
da  Senhora  achou  ccnveniencia  ,  logo  Catherina  attendco, 
que  fcmpre  o  proveyto  caufa  attençaõ  em  todos.  Ficou  ad- 
mirada a  pobre  mulher  ,&  por  huma  parte  confufa,  de  faber 
que  fallava  com  elía  aquella  Senhora, que  naõ  conhecia ,  em 
hurra  chave  que  fòella  fabiaquea  havia  perdido;  &  por  ou- 
tra íiccu  mais  attonita  ,  tendo  para  fi  cj  a  naô  podia  ter  acha- 
do ;  porque  lhe  ref  pondeo  affi m  :  Eu  perdi  a  chave  no  mato, 
&naõhe  poflivelq  a  poflais  ter  achado  para  ma  dar,  Ao  que 
a  Senhora  fatisfez  comlhedara  fuameíma  chave  que  havia 
perdido.  Abrio  entáo  a  devota  mulher  os  olhos  de  fua  alma, 
&  reconheceo  que  a  Senhora  era  fervida  de  a  favorecer. 

Cheya  de  luz  em  fua  alma  ,  feguio  Catherina  Annes  a 
Virgem  Maria  Senhora  noífa ,  obedecendo  ao  feu  precey  to, 
&  em  a  raiz  do  monte,em  hum  lugar  que  a  Senhora  lhe  mof- 
trou  ,  por  ordem  da  mefma  Senhora  ,  &  acompanhada  delia, 
fízeraô  huma  cova  de  altura  de  hum  covado,  da  qual  fahio 
huma  fermofa ,  &  copiofa  fonte  ,  &  depois  delia  feyta ,  lhe 
diífe,  foíTe  aos  moradores  da  fua  terra  ,&  lhe  diffeffe,  que 
tinhaõalli  remédio  para  todas  as  enfermidades.  A  velha  ha- 
via medo  de  publicar  aquellas  maravilhas,  temendo  de  fal- 
Jar  em  coufas  de  feu  próprio  louvor;  mas  infpirada  por 
Deos,que  quer  que  os  feus  benefícios  fe  manifeíkm,  referio 
o  que  a  Senhora  havia  paífadocom  elía ,  &  lhe  havia  ordena- 
do. Foylogofeyto  aviíòaoBifpodeLeyria,  &  diante  delle 
foy  levado  hum  enfermo  pela  mefma  velha  Catherina,  o 
qual  fubitamente  ficou  de  todofaô,  &  dalíi  por  diante  to- 
dos os  enfermos  que  efta  mulher  lavava  na  mefma  fonte 
fantaj&  obrada  pelas  fanriífimas  mãos  da  Rainha  dos  Anjos, 
ficavão  fãos ,  &  livres  dos  males,  que  padeciaô,  com  que  co- 
meçou a  correr  a  gente ,  &  a  fe  augmentar  a  devoção  de  N- 

Senhora, 


Livro  III.  Titulo  IX.  309 

Senhora,  naô  ficando  a  pobre  Carherina  fem  louvor;  por- 
que a  tmhaõ  por  Santa ,  &  favorecida  da  Mãy  de  Decs. 

Tratoufe  logo  de  fe  edificar  à  Senhora  huma-Cafa  ,& 
porque  o  íitio  não  dava  lugar  à  fua  edificação ,  a  forâõ  fun- 
dar em  outro  mais  largo,  &  com  grande  capacidade  para  a  I  • 
greja  ,  &  para  as  muy  tas  cafas  de  romagem  que  também  fc 
levantarão ,  dedicando-fe  a  N.  Senhora  da  Luz ,  que  aííim 
fe  chamou  de  então  para  cá ,  ou  pela  razaõ  apontada  acima, 
ou  porque  a  Senhora  aílim  o  mandaria.Fica  cfta  Cafa  no  ter- 
mo de  Aljubarrota }  menos  de  hu  quarto  de  legoa  da  Villa  de 
Coz,  &  três  de  Leyria^  Aqui  viveo  fempre  a  Serva  de  Deos 
CatherinaAnnes^empregandofecontinuamêteemfervir^Ôc 
amar  a  N.  Senhora.  E  era  tanta  a  fua  virtude,&  defapego  das 
coufas  temporaes,  que  nunca  quiz  ter  mais  do  que  antes  ti- 
nha, &  aflim  dandofelhe  grandes  efmolas  j  todas  as  repartia 
pelos  pobres.  Dousannos  viveo  em  contínuos  agradeci- 
mentos^ acçoens  de  graças  da  mercê,  que  o  Senhor  lhe  ha- 
via feyto ,  &  fua  Santiffima  Mãy ,  &  naquella  mefma  Igreja 
eftá  fepultada  junto  ao  Altar  da  Senhora- 

Mandoufe  logo  obrar  hu  ma  Imagem  da  Senhora ,  hede 
veílidos ,  &  tem  pouco  mais  de  dous  palmos ;  mas  he  muy  to 
linda ,  &  eflá  collocada  no  meyo  do  Altar  em  hu  nicho  com- 
petente. Foy  o  Fundador  da  Igreja  (que  he  fermofa ,  &  de 
abobada  com  alpendres  em  roda  na  forma ,  em  que  hoje  fc 
vemos  da  Cafa  da  Senhora  de  Nazareth  da  Pederneyra ,  fe 
bemja  hoje  eírá  muy  te  damnificada ,  &  rrjuy  tas  das  cafas  de 
romagem  arruinadas  , )  Damiaõ  Borges ,  Fidalgo  íllufíre  do 
Confelho  delRey  ,  &  Veador  de  fua  fazeqda,que  morreo  em 
Outubro  do  anno  de  1 61 5.  &  eítá  fepultado  defronte  do  Al- 
tar da  Senhora,como  fe  veda  pedra  da  fua  fepultura.  E ain- 
da hoje  íaõ  Padroeiros  feus  defeendentes,  &o  heaopre- 
fente  Henrique  Henriques  de  Miranda. 

Em  28.  de  Outubro.dia  dos  Apoflolos  Saô  Simão, &  S. 

judas  Thadeo,  fe  faz  naquelieíitiohumafeyra  cm  louvor  da 

Tom.  III.  V  5  Senhora 


310  Santuário  Mariano 

benhora  da  Luz ,  que  he  grande  ,  &  notável ,  a  queconcor  • 
rem  de  varias  partes  muytas  pentes  de  todo  efle  Reyno.  E  f  ó 
de  gado  grande  fe  ajuntaõ  alli  vinte  mil  boys,de  que  fevaõ 
prover  todos  os  Lavradores  das  Lizirias  ,  &  do  Alentejo. 
A  té  para  eíiafeyra  havia  grandes  alpendoradas  muytobem 
feyias,  em  que  os  iVlercadoresfeguravão  as  fuás  fazendas 
das  inclemências  do  tempo ,  que  ainda  exiílem  as  mais  delias. 
A  fonte  ena  que  a  Senhora  appareceo,  ou  em  que  man- 
dou àíingela  Catherina  Annes  quecavaííe  para  que  daqueU 
le  lugar  nafceííe  huma  pifeina  de  teude,  fica  quafi  hum  quarto 
de  Iegoa  diílants  da  Igreja;  porque  o  fitio  naõ  dava  lugar  a  fe 
poder  edificar  alli.  Era  obra  perfey  tiflima,&  quando  fe  fez,fc 
diz,  importara  a  defpeza  em  duzentos  mil  reis,  &  hoje  íe  naõ 
pudera  fazer  com  dous  mil  cruzados.  Efiá  entre  dous  mon- 
tes ,  por  meyodos  quaes  paífa  no  inverno  hum  ribeyro  ,que 
levaentaõ  grande  copia  de  agua.  Junto  à  fonte  fe  fez  huma 
arca  de  trinta,  ou  quarenta  palmos  em  quadro,  rebayxando- 
fe  para  que  a  fonte  tiveífe  fahida:  efie  fitio  eflava  todo  lagea- 
docom  aííentos  em  roda,  &  na  parte  que  cahia  para  oribey* 
ro,  aonde  eftava  a  fonte ,  fe  fez  hua  arca  muy to  bem  lavrada, 
&  cuberta ,  &  fobre  a  cubertura  fe  aííentou  hum  pedeflral  da 
mefma  pedraria ,  &  fobre  elle  fe  íentou  huma  Cruz  de  oy to 
ou  dez  palmos  ;  &da  arca  fahia  por  três  bicas  de  bronze 
quantidade  de  agua.  Na  parte  oppoíla,  que  era  na  raiz  do 
monte,  eílava  hum  notável  carvalho,  que  tendo  o  tronco  no 
monte  ,  ou  fora  daquelle  átrio  quadrado  ,  (  que  diíTemos 
citava  cercado  de  affentos  cubertos  de  Ligedo  muyto  bem  la- 
vrado ,  com  feus  refpaldos  ,  &  com  duas  entradas  nos  dous 
lados  das  ilhargas  )  cujas  ramas  fe  eftendiaõ  ,  &  cubriaõ  to- 
do o  átrio,  que  parecia  hum  dccel  ou  toldo,  feyto  mais  por 
tnduíiria,do  que  obrado  por  minillerio  da  natureza,  que  era 
coufa  muyto  para  ver.  Tudo  ifto  obrado  com  tanta  curio- 
fidade,  &  perfevçaô,eftá  perdido, &  arruinados  fonte  quaíi 
feca ,  &  as  pedrarias  dcfpcda  jadas.  E  fecaríehia  pelo  pouco 

cafo 


Lhro  III.  Titulo  IX.  3 1  í 

câfo ,  que  fe  faria  de  uò  íingular  benefício.  Indo  ver  efle  íi  - 
tio  que  fica  algum  tanto  fora  da  eíixada  ,  por  huma  parte  me 
alegrey  de  o  ver  ,  que  era  muyto  frefco  com  afombrado 
carvalho,  &por outra  me  entriikci  à  viíladaruina  ,que  vi 
em  huaobra  taõ digna  de  fe  coníer var,  &  de  íe  terem  gran- 
de reverencia ,  que  a  eftar  em  povoado ,  fe  faria  delia  grande 
eílimaçaõ. 

Referefe,que  querendo  aIgunsd3quellesrufticos;(por- 
quefó  os  rufíicos  podiaõ  com  o  íeu  pouco  entendimento 
deftruir  coufa  tam  linda  )  &  camponezes  circumvizinhos 
cortar  algumas  braças  daquclle  carvalho  para  os  reparos 
dos  feus  carros,  ou  abegoarias,cahiraõ  aba  yxo  dellc  fem  po- 
derem executar  o  feu intento;  vendo- feniflo  o  muyto  que 
a  Senhora  zelava  aquella  arvore,  &  lugar,  que  quer  íeja  ref- 
peytado  de  todos.  Eeftesfucceffos,  fccahidas  temfeytoao 
carvalho  mais  í agrado ,  &  izento  de  o  cortarem. 

Começou  a  Senhora  da  Luz  a  fazer  milagres ,  &  mara- 
vilhas em  o  mez  de  Julho  de  1 60 1 .  &  fe  referem  muy tos  mi* 
lagres  em  hum  livro,  que  fe  conferva  no  cartório  da  mefma 
Cafa  da  Senhora ,  aonde  fe  vem  mais  de  oy  tenta ;  &  entre  el- 
ies ,  além  de  muy  tos  cegos ,  que  receberão  virta ,  aleijados, 
tolhidos ,  moribundos ,  enfermos  de  cezoens ,  &  de  outros 
muv  tos  achaques  jfe  refere  efte  fueceífo.  Francifco  de  A- 
raujo  Efcrivão  da  Confraria  de  nojfa  Senhora  ,  da  Irmandade 
que  depots  do  milagre  fe  formou  em  Leyria ,  aonk  era  mora- 
dorj  Vindo  para  a  Vi  lia  deCo^  a  dons  de  Agosíodomejmo 
anno  de  i6o\4S di^endolhe algumas peffoas da  mefma  Filia, 
em  como  a  Senhora  apparecéra  a  Cdthmna  Armes  junto  da 
fonte ,  que  efid  no  Vai  de  Deos ,  &  que  a  agua  delia  fa^ja  mi- 
lagres %  &nãocrendo  o  que  fe  referia  tacrefeentou,  que  fendo 
podia  dar  credito  aos  ditos  de  Cithrina  Annes.  Logo  na 
mefma  noyte ,  indo  a  re  colher  fe  najua  cama ,  lhe  deu  na  perna 
e/quer  da  hum.i  dor  de  ciática  tadexceJiVa  ,&'mtenfa ,  que 
em  toda  tila  QnáodeyxQkjoffegtf ,(?  querendo  pelamanhaa 

V  4  erguer [e 


pi  Santuário  Mariano 

erguer/e ,  não  pode,  nem  endireitar/e,  nem  firmar Je  na  perna. 
LeVanrou  fe  com  grande  trabalhojo^-fe  a  ca^alloy&foy-fe  â 
Ermida  da  Senhora,  &lbe  pedio  perdão  da  fud  incredulidade, 
&  da  culpa  que  cõmettéra  na  fua  duYida.  Dallt  fefoy  a  Santa 
Marthajque  be  a  Ermida  do  lugar  da  Catfanheyra,<fboje  eíid 
reedificada  com  grandeza ,  &  magnificência, ,  com  a  fazenda 
que  ficou  do  Tadre  Doutor  António  de  Almeida ,  que  'Deos  ha- 
ja, morador  quefoy  do  referido  lugar  da  Castanheyra )  a  bujcar 
a  Catberina  Annes  ,  <S  dabi  a  fonte ,  aonde  com  fé  felaVou 
com  bum  lenço  molhado  em  a  parte  enferma  ,is 'ficandolhe  dor- 
mente fepo^  aCaVallofemfentir  mais  a  grande  dor  ,  que  o 
moleflaVa :  itto  affirmão  muyta*  peffod*.  Até  aqui  o  affento  do 
liVro»  Da  Senhora  da  Luz,&  de  feu  apparecimento  a  Cathc- 
rina  Annes  efcreveo  Padre  Meílre  Frey  Luis  dos  Anjos  no 
feu  Jardim  de  Portugal ,  pag.  497.  num.  170.  o  Padre  An- 
tónio de  Vafconcellos  in  Defcnpt.  Regn.  Lufitania?  pag. 
545.  Faria  ,  &Soufa  na  Europa  tom.  3.  part.g.cap.  u.ôc 
outros. 


TITULO     X. 

Da  milagrofa  Imagem  denoffa  Senhora  da*  Área* ,  no 
lugar  dos  Chãos,  termo  da  Villa  de  Aljubarrota. 

JUnto  ao  lugar  dos  Chãos ,  em  o  termo  da  Villa  de  Alju- 
barrota, &  em  pouco  mais  de  hum  quarto  de  legoa  para  a 
parte  do  Nordefte  da  mefma  Villa ,  cm  os  Coutos  de  Alco- 
baça, fe  vé  huma  grande  Ermida  dedicada  à  fobcrana  Rainha 
dos  Anjos  dcbayxo  do  titulo  de  N.  Senhora  das  Areas,que 
haverá  perto  de  oy tenta  annos  que  alli  fe  edificou  \  aonde  he 
tida  cmmuyta  veneração  huma  devota  Imagem  da  Mãy  de 
Deos ,  com  eíle  titulo ,  &  aonde  concorre  de  Aljubarrota^ 
dos  lugares  circumvizinhcs  muy  ta  gente  em  alguns  dias  a 

vene  - 


Livro  II L  Titulo  X.  3 13 

venerar  a  Rainha  dos  Anjos.  A  origem,  &  princípios  delta 
fua  devoção  fe  refere  por  tradição  entre  as  pefloas  de  Al- 
jubarrota y  &  daquellas  partes  circunvizinhas ,  &  vem  a  fer 
a  flim ,  conforme  mo  referio  cm  relação  íua  huma  pcflba  no- 
bre da  mefma  Villa,  &  que  tinha  tomado  por  fua  devoçam 
o  feftejar  todos  os  annos  a  noíTa  Senhora  ,  obrigado  de  fa- 
vores, que  delia  havia  recebido ;  o  que  fc  refere  nefía  ma- 
neyra. 

Pelos  annos  de  1630.  fendo  Bifpo  de  Ley ria  D.  Dinis  de 
Me!lo,íahindo  huma  mulher  dos  Chãos,  cujo  nome  fe  igno- 
ra ,  junto  ao  Sol  pofto  ,  a  bufear  hu  cântaro  de  agua  para  fua 
cafa ,  &  perdendo  efta  humas  chaves  ,  que  levava ,  &  voltan- 
do depois  toda  afflida,  &  defconfolada  de  as  haver  perdido, 
temendo  que  poriífo  amaltrataííe  feu  marido,  homem  de 
condição  feroz,  &  terrível,  paffando  efta  junto  ao  lugar  aon- 
de fe  fundou  a  Igreja  ,  vio  eflar  huma  mulher  atontada  em 
hum  penedo ,  que  lhe  perguntou  o  que  tinha ,  &  de  que  cho- 
rava ;  ella  lhe  não  quiz  refponder ,  julgando  que  em  nada  lhe 
poderia  remediar  a  fua  pena.  E  tornando  a  voltar  com  a  mef- 
ma  anciã  ,  &  defconfolaçaõ  ,  a  mefma  mulher  lhe  inflou  a 
que  lhe  defcubriífe  o  q  tinha;a  q  a  ruflica  refpondeo,que  pa- 
ra que  lhe  havia  de  dizer  o  que  tinha  ,  fe  ella  a  naõ  havia  de 
remediar;  mas  como  inflaífe  muy  to  a  que  lhe  declaraffe  a  fua 
pena  3  porque  bem  podia  ferlharemediaíTe,  Ihcdefcubrioa 
a  fflida  mulher  a  perda  das  fuás  chaves,  &  que  a  fentia,  pelo 
muy  to  que  temia  a  má  condição  de  feu  marido,  &  cue  por  ef- 
ta  perda  a  maltratafíemuyto.  Confolou-a  a  Senhora,  cizen- 
dolhe ,  foíTc  para  caía,  &  que  lá  acharia  em  certa  parte  as  fuás 
chaves.  Foy-íe  a  mulher ,  mas  fem  fazer  muy  to  caio  do  que 
fe  lhe  dizia,  julgando  que  nampoderiaõ  eítar  notai  lugar, 
que  fe  lhe  apontava,*  queaquillo  era  fomente  confolall a  na 
fua  afflicçaõ.  Porém  ponderando  mais  devagar,  indo  an- 
dando para  fua  cafa  ,  que  o  dizerlhe  aquella  mulher  que  em 
talparteasacharia,fcmfaberdefua  cafa,  queferia  alguma 

mulher 


3  T4  Santuário  Mariano 

multar  que  adivinhava.  EcomofoíTe  ,  &  achaífc  as  chaves 
emo  lugar,  que  Iheapontára,  toda  alegre,&  fatisfeyta,  vol- 
tou ou  tra  vez  a  bufear  a  mulher ,  parecendolhe,  que  não  de- 
via fer  ceufa  ordinária,  a  peífoa  que  lhe  acudira  aofeu  traba- 
lho 7  &  ihe  defeubrira  as  fuás  chaves ,  para  lhe  dar  as  graçasj 
&  vendo-a  muy  to  fermofa  ,  &  refplandecente,  dizem  que 
lhe  perguntara  quem  era  ,  &  como  fe  chamava  ,  &  que  a  mu- 
lher lhe  reípondéra:  Eu  fou  Maria  Mãy  de  Deos ,  &  o  que 
quero  de  ti  he  que  vas  aos  moradores  da  Villa  ,  &  lhe  digas 
que  me  façaõ  aqui  huma  Igreja  com  o  titulo  de  noiTa  Senho- 
ra das  Áreas ;  fr  quem  a  ella  vier  ,  &  invocar  o  meu  nome,  o 
livrarey  das  cezoens,maleytas,&  febres, (que  naqueíle  tem- 
po padecião  muy  to  os  moradores  daquelles  povos ,  &  neítes 
males  obra  a  Senhora  naquella  Cafa  grandes  milagres)  ditas 
eftas  coufas  defappareceo  a  Senhora, 

Divulgou -fe  o  fucceíTb,  &  começou  a  concorrer  muyta 
gente  a  venerar  aquelle  penedo,  de  que  feaffirmava  fer  tro- 
no ,  &  cadeyra  da  Mãy  de  Deos,  &  delle  rafpavaõ  ,&  tiravão 
alguas  áreas,  com  asquaes  bebidas  faravão  das  febres,  &  de 
outras  muy  tas  enfermidades,os  que  com  fé  invocavaõ  a  Se- 
nhora das  Áreas.  Começou  a  ferifto  com  tanto  fervor  ,&  de- 
voção, que  acudio  o  Biípo  Dom  Dinis  de  Mello  a  examinar 
citas  coufas,  &  tendo  tudo  por  patranha  ,  Sc  antojo  da  mu- 
lher ,  mandou  levar  o  penedo  em  hu  carro  a  Aljubarrota,pa- 
raquedeyxaíTem  de  ir  fazer  aqueÍlasfuasdevoçoens>&as 
diligencias  de  rafpardelíe  as  áreas.  Foy  com  effeito  o  pene- 
do para  Aljubarrota ,  &fe  poz  na  logea  das  cafas  aondeo 
Btfpo  pouíava ,  (  que  eu  vi ,  &  o  lugar  aonde  efteve  )  porém 
pela  manhãa  naõ  appareceo  ;  porque  fe  havia  voltado  ao  feu 
lugar, donde  o  haviaõ  trazido.  Sufpeitou  o  Bifpo  que  os 
moradores  do  lugar  dos  Chãos  o vinaõ bufear,  &o!cva- 
riaõ,  porque  para  iflòdariaô  alguma  traça,  femquc  e!fe  o 
pudeiTe  fentir;  porque  o  penedo  não  he  muy  to  grande,  & 
dous  homens  opodiaõ  levar  facilmente  em  humapavioía, 

Mandou 


Livro  111.  Título  XI.  3 1  y 

Mandou-obufcar  outra  vez,&  para  q  naõ  fucccdefle  o  leva- 
rem-na,  o  mandou  fubir  ao  alto,  aonde  elle  eítava,  &  o  man- 
dou pôr  junto  âfua  cama  aonde  dormia,  &de  noyte  apal- 
pando com  as  mãos  reconheceo  que  havia  defapparecido,& 
vindo  a  manhãa,  mandando  faber  delle,  fe  achou  eftava  em  o 
mefmo  íitio.  AVifta  defle  prodígio  entendeo  o  Bifpo  que 
a  Máy  deDeosqueria  fer  venerada  naquelle  lugar,  &affim 
mandou  que  fe  lhefizeffe  a  Ermida.  E  a  pedra  fe  conferva  a- 
in  ja  hoje  debayxo  do  Altar  da  Senhora* 

Comarefoluçaõ  do  Bifpo  mandarão  logo  os  devotos 
da  Senhora  fabricar  huma  Imagem  de  talha  com  o  Menino 
nos  braços,  que  começou  aferbufcadacommayor  frequên- 
cia, &  concurfo ,  <k  à  medida  da  devoção  eraõ  as  maravilhas, 
que  Deos  alli  obrava  nos  enfermos  y  &  mais  principalmente 
nos  que  padeciaõ  cezoens ,  &  maleitas.  He  de  madeyra,& 
tem  três  palmos  de  eftatura.Fefleja-fe  a  Senhora  das  Áreas 
em  8.  de  Setembro. 


TITULO     XI. 

Da  milagroja  Imagm  da  Senhora  dos  Murúnhos  de 
<ÍQrtò  de  Mo^. 

HE  a  rnurts  huma  das  plantas  mais  celebradas ,  aííim  nas 
Divinas>como  ms  humanas  letras;  nas  Divinas  de  que 
fó aqui  tratsremos  ,  a  encarece  de  myiieri oía .  n Profeta  Za-  _ 
charias  , dizendo  :  Et  ecce^tr  afee?idens  jvp  r  eqmm  virfmn>  €*** 
&ipfe  ftabat  interrnyrteta.  De  cuja  expofiçaS  faHando  fflfft  z"$  * 
ticamente  o  Padre  ÁLapide  ,  diz  que  fignifiea  a  Chriíto, que 
veftido  da  humana  natureza,  q  recebeo  da  íòberana  mnrrei- 
ra  ,  ifto  he,  da  Virgem  Maria,  aíTiíle  entre  os  Patriarcas  ,  Sc 
Profetas  do  Velho  ,  &  NovoTeftamento  ,  como  entre  hu- 
mas  cheyrofas,odorifqras;  &  agradáveis  inuneyras.  De- 

forte 


3 1  <£  Santuário  Mariano 

forte ,  que  pelas  murtas  fe  entendem  aqui  os  goílos,  as  defi- 
cias,&  as  felicidades ,  como  o  diz  o  mefmo  ALapide,  &  aífim 
he  a  murta  o  fymbolo  dos  godos,  &  felicidades:  Myrtus 
enim  Uta,&  decora  ,  fymbolum  eft  feliátatis.  Iflo  mefmo 
jfau  ,  confirma  o  Profeta  Ifaías,  quando  profetizando  ao  povo  no- 
e*p.5S.  vas  alegres 3  lhe  dizia,  que  em  lugar  de  ortigas  lhes  nafeeriaõ 
murtas:  Tro  urtica  crefcet  myrtn*.  E  daqui  vem  que  nos  jar- 
dins fabricão,  &  formão  os  jardineyros  figuras  de  murta, 
homens  a  rmados  ,  nãos ,  cavalley ros ,  &  na  mefma  forma  a- 
ves,  &animaes,  para  a  recreação,  &para  ogofto,  &  deli- 
cia. Aífim  também  a  Virgem  Maria  entre  asmurtas  doce- 
leite  Paraifo,iftahe,collocada  entre  os  Angélicos  Efpiritos, 
que  de  fua  natureza  faõizcntos  de  formas,  &  de  partes,  po- 
dem veftirfe,  &  armarfedetodas,emobíequiodefua  fobera- 
na  Senhora ,  para  pelejar  pela  fua  honra ,  &  gloria,  pelo  bem 
efpintual  dos  feus  fervos ,  &  devotos  >  acquirindolhes  com 
fantas  infpiraçoens  as  felicidades  eternas. 

He  também  fy mbolo  a  murta  do  fuave ,  &  bom  cheyro, 

porque  he  muyto  deliciofoo  das  fuás  flores.  He  também  el- 

pecial  remédio  para  a  cura  de  muytos  achaques;  aífim  o  diz 

j.,     ,  Theodoreto:  Myrtus  eft  planta  odor  ata  babem  Vimmorbos 

'  cálidos  refrigerandi.  Aífim  Maria  Santiffimahe  murta  chey- 

rofa  }  &  cheya  de  todas  as  virtudes  -,  porque  fará  ,  &  cura  os 

mortaes  achaques  dos  vicios,  &  principalmente  o  da  fenfua- 

lidade ;  porque  defíerra  do  coração  dos  feus  devotos  todas 

asfeyasimaginaçoens:  Omnes  SatanamundiqkeVemris  ob- 

*****{•  feurat, imoVanas,&  fadas  e/fe  ojíendit-  He  Maria  Santiífi- 

mahum  abifmo  da  graça ,  hum  Oceano  da  fermofura  ,  hum 

thefouro  detodasasfoberanas  perfeiçoens:  S^je  folaVelut 

Efíber,  Affuerum  Deum  rP<itrem  placuit  ,&  inVentt  grattam 

in  oculis  ejiu ,  ut  abeoper  Gabrielem  Arcbangelum  Jalutata 

fit\  AVe  gratia  plena. 

He  também  a  murta  fymbolo  da  compayxãoí&  da  pie - 
q  $u  dade,  como  diz  São  Gregório  ;pela  particular  virtude,  que 
■    *  *  tem 


Livro  HL  Titulo  XI.  3 1 7 

tem  temperativa  de  mollficar,&  abrandar  &  aflim  interpre- 
tando aquelle  lugar  de  Iíátas  aonde  diz:  Vabo  in  folnudwem  Jfau\u 
myrtnm)  por  efta  planta  entende  a  virtude  dacompayxão, 
a  qual  quer  Deos  que  haja  em  a  fua  Igreja ,  que  era  o  deferto, 
quando  era  o  povo  Gentílico.  E  quem  maisccmpaffíva  pa- 
ra com  os  peccadores,que  Maria  ;a  qual  toda  movida  de  com- 
payxaõ,&  piedade  roga,  &  intercede  continuamente  pelos 
peccadores.  E  aífim  com  muy ta  razaõ ,  &  grande  myfterio  a 
invocaô  Senhora  dos  Murtinhos  ,os  que  lhe  impuzeraõ  efle 
titulo,  como  dando  a  entender ,  que  fó  a  efta  Senhora ,  como 
a  verdadeyra  Deofada  fermofura,&  da  graça,&  compayxaõ, 
fe  lhe  devem  dedicar  as  aras ,  que  Plinio  diz  fe  dedicarão  em 
Roma  à  falfa  deofa:  Ara  Vetusfuit  Rom*  Vemris  Myrtcrt. 
A  ellafe  devem  dedicar  as  coroas,  &  capellas  como  a  mais 
fermofa  entre  todas  as  mulheres  ,  muyto  melhor  do  que 
aquella  de  quem  Virgilio  diz  ,  que  dera  Paris  à  Gentílica  yy 
deofa  huma  grinalda  de  murta,  como  por  infignia  da  vitoria, 
&  final  da  fentença  de  fua  grande  fermofura. 

A  Villa  de  Porto  de  Moz  he  tam  antiga  ,  que  ja  ,no 
ReynadodelRey  D.  Affonfo  Henriques  tinha  Ca  pi  t2Õ  mór, 
&  pelos  annes  de  1 1 8o.  o  era  defta  Villa  o  grande  ,  &  esfor- 
çadoCapitaõ  Dom  Fuás  Roupinho;como  oaffirma  a  Monar-  Mo^p. 
chia  Luíitana.  E  era  o  feu  Caftello  de  tanta  confequencia,  3. //£•'* 
cue  ElRey  de  Merida  Gsmir  com  outros  Príncipes  Mouros  caP»  3o* 
lhe  veyo  a  pór  cerco  ,  o  qual  foy  aqui  prezo ,  &  desbaratado 
pelo  mefmo  Dom  Fuás.  Fica  efta  Villa  fituada  ao  Meyodia 
da  Cidade  de  Leyria  ,  emdiftancia  de  tresíegoas  ,  em  hum 
recofto  occidenral  de  huma  Serra  que  fe  vay  prolongando 
do  Norte  para  o  Sul,&  ao  Meyo  dia  lhe  inafee  hum  caudalofo 
rio  chamado  Lena  ,  &o  Alcéyde,  que  também  iheaugmenta 
as  fuás  correntes,  mUy  celebradas  do  Poeta  FranciícoRo- 
drigucz  Lobo ,  ja  dcllc  falíamos  no  titulo  primeyro  defte  li- 
vro. Faz  o  feucurfo  para  o  Norte,  cujas  margens  fe  vem 
povoadas  de  muytos  pomares,  que  o  fazem  fr  efco^dciicioib, 
&  abundaate  de  frutos.  Fica 


3  í8  Santuário  Mar  iam 

Fica  ao  Norte  deita  Villa  o  ícu  caftello,  que  querem  al- 
guns que  feja  outro  diverío  do  primeyro,  de  que  foy  Aícay- 
de  mor  Dom  Fuás  Roupinho ,  &  que  o  fundaffe  pela  planta 
do  de  Emaus  ,  o  Marquez  de  Valença  Dom  Affoníb ,  ( filho 
primogénito  do  primeyro  Duque  de  Bragança,  neto  dclRey 
Dom  J  oiò  o  Primeyro.ôc  do  Condeftavel  NunoAlvarez  Pe- 
reyra )  de  quem  era  a  Villa,&  ainda  hoje  perfevera  no  Eftado 
da  Cafade  Bragança.  Efte  Príncipe  foy  o  que  fundou,  &  do- 
tou a  Collegiada  de  Ourem.  Junto  ao  Caftello  da  parte  de 
fora,  fica  a  Igreja  Matriz  ,  dedicada  a  noíTa  Senhora  ,  ou 
a  Santa  Maria  dos  Murtinhos,  cuja  fabrica  publica  a  fua 
muyta  antiguidade, &  principalmente  huma  grande  Capella, 
ouPanteon,  que  fica  junto  aocoro  da  parte  do  Evangelho, 
(  porque  a  Igreja  moftra  que  teve  reformação ,  &  ao  prefente 
a  eflaõ  novamente  reedificando,)  nefta  Capella  fe  vem  algu- 
mas fepulturas  levantadas ,  ou  mauíoleos ,  que  bem  moftraõ 
ferem  de  peífoas  muytoilluftres ;  porque  nos  Templos  anti- 
gamente fóeftasfefepultavão  dentro  delles.  Naõteminf- 
cripçaõ  alguma  ,  mas  affirmão  os  velhos  damefma  terra  fe- 
rem fepulturas  de  grandesCavalleyros,  &  parentes  delRey 
Dom  Affonfo  Henriques ;  mas  fejaõ  de  quem  forem,  o  certo 
he  que  a  Capella  moftra  muy  to  mais  antiguidade  que  a  Igre- 
ja ,  fendo  também  muyto  antiga.  O  padroado  delia  foy  cou- 
ía  grande  ,  mas  ja  anda  muyto  diffipado,  poííuem-nooshcr- 
dcyros  de  Simaõ  de  Abreu. 

Do  titulo  da  Senhora,  &  de  fua  origem  naõ  pude  achar 
clareza  porque  afíim  fe  invocaííe,  querem  alguns  que efta 
Santa  Imagem  foíTe  achada  entre huns  murtaes.  E  bem  podia 
fer,&quena  primeyra  invafaõ  dos  Mouros  aefcondeíTem 
nelles  os  Chriftãos,&  que  depois  em  fua  invenção  lhe  deffem 
efte  titulo  por  razão  das  plantasJk  matas  que  a  occuítavaõ* 
He  efta  Santa  Imagem  pintada  em  taboa.  Noanno  de  1614* 
a  Confraria  da  Senhora  mandou  fazer  outra  Imagem  de  vul- 
to de  madeyracftofada,  <kdeakuradcciaco  palmos,  a  qual 

períe- 


Livro  III.  Titulo  XI.  319 

perfeverôu  alguns  annos  no  Altar  mor  da  mefma  Igreja ,  & 
delia  a  leváraõ  para  a  do  lugar  de  Alvardos,&  tinha  ja  creado 
efta  Senhora  grande  devoção  nosccraçcensdemuytosdos 
moradores,  que  lá  a  hiaõ  viíitar.  Depois  fe  mandou  fazer 
outra  Imagem, que  também,  naõfey  com  queoccafíaõ,  & 
motivo,  fecollocou  na  Mifericordia.  Ultimamente  fe  fez 
outra ,  que  perfevera  ao  prefente  em  o  mefmo  Altar  mór  ,  de 
mais  de  cinco  palmos ,  he  de  madeyra  eftofada  com  o  Meni- 
no JESUS  nos  braços.  Porém  a  primeyra,&  a  principal  Ima- 
gem da  Senhora  Santa  Maria  dos  Murtinhos  ,  he  a  pintada, 
com  cila  fe  tinha  muyta  devoção  ,  &  a  cila  recorriaõ  em  feus 
trabalhos,  &aelía  veneravaõ  pela  fua  muyta  antiguidade; 
mas  ja  hoje  efíá  mais  fria  a  devoção  ,  &  o  concurfo  com  que 
era  bufeada. 

Nefla  Igreja  (  que  he  Collegiada ,  &  tem  feis  Beneficia- 
dos, &  hum  Vigario,porque  a  reduzioElRey  Dom  Scbaííiao 
a  Commenda  )  te  guardão  em  facrario  particular  com  grande 
veneração  as  relíquias,  que  do  Convento  Augufliniano  de 
Merida ,  chamado  Cauliano  ,  trouxe  o  Santo  Eremita  Frey 
Romano  noanno  de  714.  em  companhia  delRey  Dom  Ro- 
drigo ,  ultimo  dos  Godos  ,  quando  fe  veyo  retirando  ás  par- 
tes de  PortugaI,&  foy  parar  em  a  Pederneyra,&  Monte  Sia- 
no.  E  fe  confervaõ  em  o  mefmo  cofre ,  em  que  o  Santo  Ere- 
mita Romano  as  trouxe ,  (que  não  he  cc  marfim ,  como  diffe- 
raõ alguns,  masdehuma  madeyra  muy  ténue,  forrada  de 
feda ,  &  ja  dó  tempo  muy  to  maltratado ;  o  que  eu  Vi ,  porque 
o  tive  nas  minhas  mãos,)  as  quaes  relíquias  poz  naquella 
Igreja  o  mefmo  Dom  Fuás  Roupinho,Capitaô  nr  òr  dequella 
Villa  ,  &  Senhor  daquellas  terras  até  o  mar.  E  porque  e!Ie 
foy  o  Fundador  da  primeyra  Cafa  da  Senhora  de  Nazareth, 
tema  Villade  Porto  de  Moz  o  privilegio  deter  o  primeyro 
lugar  em  celebrar  a  fefta  da  Senhora^onde  vay  em  corpo  de 
Camcra  a  14.  de  Setembro }  por  ferefíe  o  dia  em  que  fuc- 
cedeo  o  milagre. 

As 


510  Santuário  Mariano 

As  relíquias  quefeacháraõ  no  referido  cofre  \  &fc 
guardaõna  Matriz  de  Porto  de  Moz,  faõeftas:  Hum  pedaço 
do  cafco  de  Saõ  Brás  ,  da  largura  de  três  dedos;  efta  relíquia 
fe  moítra  no  dia  do  Santo,  &  feda  a  beijar  emhuma  cuftadia 
de  prata  dourada,  ricamente  lavrada.  As  mais  ainda  ettaõ  no 
cofre;  delias  a  primeyra  he,  hum  oíTo  do  tamanho  de  hum  de- 
do dos  quarenta  Martyres,eílá  emhuma  bolíinha  de  leda  a- 
ma  relia :  outra  bolíinha  de  brocado  de  ouro  amarello ,  aon- 
de eftãotrcsoíTos  pequenos ,  &  hum  pedaço  de  veíiidura, 
que  faõdas  onze  mil  Virgens.  Na  meíma  bolíinha  íe  acha 
outro  oíTo  pequeno  de  Saõ  Sebafiiaõ.  Mais  outra  bolíinha  do 
feytio  de  humcoraçaõ,  de  veludo  carmeíim,  tem  dentro  hum 
ofíb  pequeno  de  Santo  Eraímo  Biipo,  &  Martyr.  Mais  ou- 
tra bolíinha  ,  também  em  forma  de  coração ,  de  veludo  car- 
meíim, &  tem  emeima  huma  viey ra  de  prata,  tem  dentro  pós 
dos  olíbs  dos  dez  mil  Martyres.  Mais  hum  re/icario  de 
prata,  que  tem  de  huma  parte  huma  Cruz,  &  da  outra  huns 
lavores ,  naõ  fe  fabe  o  que  tem.  Mais  hum  cofre  pequenino, 
que  parece  de  aço  lavrado ,  com  hum  gonço  no  meyo,  que 
tem  dentro  hum  pequenino  de  pao  ,  naõ  fe  labe  íe  he  do  San- 
to Lenho.  Eftaõ  mais  dous  offos ,  &  outras  relíquias ,  que  fe 
naõ  fabe  o  que  faõ.  Tudoiftofoy  vifto,  &  authent  cado  pelo 
Tabelião  Joaõ  Freyre ,  por  mandado  doBifpo  deLeyriaD. 
Dinis  de  Mello ,  &  fe  conferva  no  archivo  daquella  I- 
greja.  ;     _ 


TITULO     XII. 

Damilagmfa  Imagem  de  AZ.  Senhor a  da  Pie dâde  ,da  Taro 
chiai  Igreja  de  S.  Joaõ  da  filia  de  for  to  de  Moç. 


N 


A  Parochial  Igreja  de  S.  Joaõ  Bautifta,da  Villa  de  Por- 
to de  Moz,  he  antiquiffima  a  devoção  de  Maria  San- 

tiífima 


Livro  HL  Titulo  XII.  311 

tiflirm  para  com  a  fuamilagrofa  Imagem  da  Piedade-  Efh* 
Igreja  parece  que  fe  fundou,ou  erigio  em  Parochia,  ainda  no 
tempo  d'£lRey  D«  Affonfo  Henriques  ;ou  no  reynado  de  feu 
filho  Dom  Sancho  oPrimeyro  do  nome; porque  ja  pelos  annos 
de  1400.  era  Parochia  com  Prior,&  Beneficiados.  E  fe  devia 
erigir  a  tal  Parochia  em  a  antiga  Ermida  de  N.  Senhora  da 
Piedade,  que  me  perfuado  feria  edificada  em  tempo  do  mef- 
mo  Rey  Dom  Affonfo ,  quando  Dom  Fuás  era  Capitão  mór 
de  Porto  de  Moz.  E  aífim  a  refpey  to  da  Senhora  da  Piedade, 
fe  erigiria  a  Parochia  j  porque  entaõ  feacrefeentou  a  Igreja, 
&  fe  lhe  edificou  a  Capella  mór,que  da  fua  architedura,  &  fa- 
brica fe  confirma  a  fua  muy  ta  antiguidade.E  para  q  fe  confir- 
me,  8r  prove  efta  ,  me  quiz  valer  de  huma  eferitura  ,  &  tef- 
tamento  antigo  de  hum  Cavalleyro  que  nella  eílá  fepultado. 
Pelos  annos  de  1452,  fe  celebrou  huma  eferitura  em 
Lisboa ,  &  ao  que  parece ,  por  algumas  duvidas ,  que  devi  ao 
nafcer  entre  o  Prior  ,&  Beneficiados  da  mefma  Igreja ,  com 
osteftamentosde]oaõMiguensdaCre,a  qual  fecelebrou 
a  10.  de  Julho,  &íe  acha  nella,  o  que  agora  referiremos  com 
as  íuas  mefmas  palavras.  Em  Lisboa  na  Crafta  da  Sé ,  fe  fez 
a  prefente  eferitura  perante  Chriftavão  Annes  ,  Bacharel 
em  Degredos,Vigario  geral  do  honrado  Padre,&  Senhor  D. 
Joaõ  Bifpoda  mefma  Cidade  ,  fendo  o  dito  Vigário  geral  no 
dito  lugar  em  audiência  ,  ouvindo  fey  tos,  &  partes ,  perante 
nós  Pedro  Efteves  Tabelião  porauthoridadedelRey  emef- 
ta  Cidade ,  &  teftemunhas  adiante  eferitas ,  parecerão  Mar- 
tim  AffoníòjEfcolar  em  Direyto  Canonico,Procurador  da  I- 
greja  de  Saõ  joaõ  de  Porro  de  Moz,  &c.  E  moflrcu  hum  inf- 
trumento  publico,  em  que  fe  continha, fegundo  emelle  fe.fa- 
zia  menção,  o  teor  doverdadeyro  teifymento  dejo^õ  Mi- 
guens  daCre,  fepultado  na  msima  Igreja  deSaôJ^aõ  de 
Porto  de  Moz. 

Do  que  fica  referido  fcpóde  entender,  queja  haveria 

alguns  annos  que  oteftamento  erafe;to,&  ]o*õ  Migu- ns 

Tora.  III,  X  falecido 


322  Santuário  Mariana 

falecido -/porque  referindo- fc  neiia  eferitura  oteftatnento} 
naõ  fe  declara  o  atino  cm  que  fc  fez,  o  qual  começa  afllm.  Em 
nome  de  Deos ,  amen»  Saybaõ  quantos  eíie  ttflamento  vi- 
rem ,  &  ley  ouvirem ,  que  eu  Joaõ  Miguens  da  Cre  ,  temen- 
do o  dia  7  ác  a  hora  da  morte,  que  eu  não  fey  quando  virá;po- 
rémfaço^  &  ordeno  meu  teflamento  em  minha  faude  ,  & 
com  meu  fízo  comprido  \  à  honra  de  Deos ,  &  da  Virgem  fua 
Madre  ,  &  do  Martyr  São  Vicente  ,  &  do  Anjo  Saõ  Miguel, 
emefia  maneyra.  Lego  minha  fepulturana  Capella  de  meu 
padre  ^ochaõ,  ante  o  Altdr  deífa  Capella  ,ema  Igreja  de 
Saõ  Joaõ  de  Porto  de  Moz,&  mando  a  cila  Igreja  cincoenta 
libras,com  meu  corpo,  &c.  Daqui  fe  pode  inferir  que  muy* 
tos  annos  antes  do  de  1432.  feria  fey  to  o  teftamento. 

E  continua  adiante,  inftituindo  quatro  Capellas  ,  ou 
quatro  Ca  pelfaens  emhuma  Capella,  comdifferentes  ten- 
çoens ;  porque  a  pnmeyra  era  dedicada  a  S.  Bartholomeu,  & 
afegundaaSantaMaria  Magdalena,  aterceyra  a  Saõ  Lou- 
renço ,  &  a  quarta  a  noífa  Senhora  da  Piedade  ,  a  quem  a  Ca- 
pella principalmente  era  dedicada ;  dizendo:  Deyxo  todo  o 
roeu  herdamento ,  que  hey  cm  Porto  de  Moz ,  &  rogo  a  meu 
irmaô  ^quedeyxe  ahi  o  feu;  porque  fe  mantenha  aCapella- 
nia  na  dita  Capella  de  meu  padre ,  &  de  minha  madre,  6c  pe- 
la minha  alma  ,  &  pelas  de  meus  irmãos  ,  &  daquelles  donde 
venho ,  fob  tal  condição ,  que  o  Prior ,  &  Raçocyros  de  Sam 
Joaõ  tenhaõ  huma  Capella  para  todo  fempre  ,  que  cante 
cm  efta  Capella  pelas  noífas  almas  cada  de  requiem,&  pois 
de  requiem  em  comemoração  diga  de  SantaMaria,&  faya  ca- 
da dia  fobre  os  moymentos  de  meu  padre ,  &  de  minha  ma- 
dre ,  &  meu  ,  com  Cruz ,  &  com  agua  benta ,  &  com  refpon^ 
fo,  &  fuasoraçoens  ,  &c« 

Depois  vay  efpecificando  o  que  deyxa  às  três  Capellas, 
dizendo:  Item  dos  herdamentos  que  hey  em  Santarém ,  or- 
deno em  efla  maneyra.  Deyxo  todo  o  meu  herdamento  de 
Alpiarça  para  huma  Capellania ;  item  da  Matta  para  outra 

Capei- 


Livro  III. Titulo  XII.  313 

Capellania ;  item  da  Malva  para  outra  Capellania.  Ourra 
claufula  do  meímo  teftamento  diz  affim:  Mando,&  ordeno, 
que  hum  detfes  Capellaens  cante  por  nós  cada  dia  dere- 
quiem,&ditaefta  Miffaem  commemoraçaõ,  diga  outra  de 
Santa  Maria  a  louvor  della,&  outro  Capelião  cinte  por  mim, 
&  ElRty  Dom  Dinis ,  &  por  os  Bifpos  D.  Domingos ,  &  D. 
Matheos. 

Pelos  annos  de  1530.  fe  reduzirão  eílas  Capellas  (  que 
na  fua  inftituiçaò  feriaõ  bem  rendofas  )  a  huma  fó ,  pero  Ar- 
cebifpo  de  Lisboa ,  o  que  depois  fe  confirmou  peia  Santida- 
de do  Papa  Clemente  VIL  noanno  de  15?  r.  a  18.  deOutu- 
bro,porquc  as  fazendas  no  difcurío  deite  tempo ,  parte  del- 
ias fe  alienou ,  outras  fe  unirão  a  huma  commenda,&  outras 
fe  applicáraõ  a  outras  Igrejas  ,  &  affim  fendo  aquellas  fazen- 
das muy  tas,  hoje  fótemeíU  única,  &  reduzida  Capella,  que 
ao  prefente  naõ  rende  mais  que  quinze  moyos,  fendo  antes 
mayoro  feu  rendimento. 

Os  pays  de  Joaõ  Miguens  da  Cre ,  que  fe  entende  eraõ 
peflbas  muytoilluftres ,  como  fe  vé ,  naõ  fó  das  fuás  nobres 
fepulturas » que  faõ  de  pedra ,  &  levantadas  fobrc  columnas 
em  altura  de  alguns  quatro  palmos,  &fe  vem  aos  lados  do 
Altar  daquella  Capella  denoíTa  Senhora  da  Piedade ,  cujos 
nomes  fe  naõ  fabem  ,  por  quanto  nellas  naõ  ha  inferi pçaõ  al- 
guma ,  que  o  moftre ;  &  naõ  fó  pela  magnificência  da  lua  do- 
tação j  mas  pelos  parentefeos  ,  que  mfinua  o  dotador,  dos 
Bifpos  Dom  Domingos  ,  Dom  Matheos ;  hum  de  Badalhou- 
ce,(  que  he  Badajoz,)  &  outro  da  Guarda.  Efevé  também 
que  era  bem  vifto ,  &  muyto  obrigado  a  ElRey  Dom  Dinis, 
pela  menção,  que  delle  manda  fazer.  E  como  os  pays,  ja  ha- 
via muytos  annos,que  na  Capella  da  Senhora  eíhvão  fepuU 
tados,póde-fe  entender  que  ainda  muytos  annos  antes  do  de 
1400.  foffem  nella  fepultados. 

Daqui  inferimos  que  a  Capella  da  Senhora  da  Piedade 
he  muyto  antiga  -}  porque  ja  quando  nclla  fe  mandarão  enter- 

X  z  rar 


3 1 4  Santuário  Mariano 

raros  pays  de  João  Miguens ,  a  Senhora  da  Piedade  era  nel- 
la  rnuy  to  venerada,  &  ja  naquelles  tempos  era  também  aquel- 
U  Igreja  Collegiada ,  &  tinha  Prior ,  &  féis  Beneficiados.  E 
defta  Igreja  j&  da  de  Saõ  Pedro  da  mefma  Villa,defmembrou 
o  Marquez  de  Valença  Dom  AfFonfo  Conde  de  Ourem  ,  no 
anno  de  1447.  os  Priores  com  as  fuás  terças,  para  formara 
Collegiada  , que  erigio ema  Villa de  Ourem.  Eraõ  os  Prio- 
res deftasduas  Parochias,que  ambas  eraõ  Collegiadas,  com 
féis  Beneficiados  cada  huma,a  que  chamavao  então  Raçoei- 
ros  ;  o  de  Saõ  Joa  ô ,  Dinis  Annes ,  efte  foy  eley  to  em  Chan- 
tre, &  o  de  Saõ  Pedro  Nuno  Affonfo ,  que  elegeo  o  M.irquez 
emThefoureyro  mór.  Eficáraõnasmeímas  Igrejas  por  Vi- 
gários ,  ou  Rcytores,  em  Saõ  João,  Álvaro  Vafques >  &em 
Saõ  Pedro ,  Fcrnaõ  Alves,&  cada  hum  deíles  comiaõ  os  fru- 
tos de  dous  bencficios;porque  hoje  tem  cada  huma  daquellas 
duas  Igrejis,fó  quatro  Beneficiados.  Eítes  Vigários  ou  Rey- 
tores  fe  denominaõ  hoje  Priores,que  he  o  titulo,  que  ao  pre- 
íente  lograõ,  ainda  que  naõ  tem  os  rendimentos  dos  pri- 
meyros. 

Com  as  mudanças,que  tem  havido,&  reformas  que  tem 
tido  aquella  Igreja  ,fetresladou  a  Santiflima  Imagem  da  Se- 
nhora para  aCapella  mór,&  nella  eflá  ha  muitos  annos  à  par- 
te do  Evangelho ,  &  Saõ  Joaõ  Bautiíta  à  parte  da  Epiílola.  E 
haverá  doze,  ou  quinze  annos,  que  fazendofelhe  hum  novo 
retabofo ,  a  recolherão  em  hum  nicho,  &  fecharão  com  vi- 
draças. He  efta  Santiffima  Imagem  de  efeultura ,  formada 
cm  pedra ,  &  eítá  fentada  com  o  fantiffimo  Filho  defunto  em 
feus  braços.  Ena  forma  emqueeftá  ,  fará  de  alto  três  pal- 
mos. He  devotiflima,&  infunde  grande  magoa, fccompay- 
xaõ  nos  que  contemplão  a  pena ,  &  o  fentimento ,  que  repre- 
fenta  na  morte  de  feu  fantiffimo  Filho  1  noífo  Redemptor. 
Moílraefta  Santiffima  Imagem  nafua  efeultura  a  fuamuyta 
antiguidade ,  &  a  mefma  moflra  a  Capella  em  que  efteve  em 
a  fua  fabrica,,  &  architeítura,  &  nella  fe  eflaõ  vendo  os  muy- 

tos 


Livro  III  Titulo  XII.  31  j 

tosfeculoS  que  ha,  fcy  fundada.  He  de  pedraria  como  fi- 
ca dito,  &  os  arcos  agudos,  com  columnasicordoens,  &  fo- 
lhagens^ tudo  confirma  a  grande  quantidade  de  annos,que 
hafoy  feyta  ,&ouíò  daquelles  tempos.  NeftameímaCa- 
pclla  fe  vem  os  dous  maufoleos  dos  pay  s  do  Cavalleyro  Joaõ 
Miguensda  Cre.  He  efla  Capelía  funda,&  com  ella  fe  acref- 
centou  depois  a  Igreja ,  ficando  incorporada  em  o  lado  ef; 
querdo  do  corpo  da  Igreja. 

Obra  Deos  pelos  merecimentos,  &  invocação  delia  San- 
tiffima  Imagem  da  Senhora  da  Piedade ,  muy  tos  milagres,& 
o  eflão  apregoando  os  contínuos  finaes,  &  memorias,  que  íe 
lhe  eftaõ  offerecendo  ?  a flim  de  mortalhas,  como  de  fracos, 
cabeças ,  &  outras  coufas  defte  argumento,  em  teftemunho, 
&  reconhecimento  dos  benefícios  recebidos.  Eaífim  todos 
os  moradores  daquella  Villa  ,  &feu  termo,  quando  fevem 
cm  trabalhos ,  ou  em  algumas  grandes  enfermidades ,  &  af- 
flicçoens ,  tanto  que  recorrem  à  piedade  ,  &  clemência  da- 
quella mifericordiofa  Senhora ,  logo  achaõ  no  feu  favor  ali- 
vio ,  remédio  ,&  confolaçaõ. 

Muy  tos  faõ  os  milagres  que  fe  referem,mas  como  nun- 
ca ouve  curiofidade  para  os  lançarem  cm  livro  de  memo- 
ria }  &  naõ  eftaõ  authenticos ,  por  iífo  me  efeufo  de  os  refe- 
rir. Nos  trabalhos  públicos,  quando  fe  recorre  à  piedade 
deíla  Senhora  ,  fe  vé  muy  to  prompto  o  feu  amparo,  &  favor. 
O  Vigário  da  Matriz  daquella  Villa  ,  o  Padre  Pedro  Lopes 
dos  Reys  ,  deu  por  teftemunho,  que  em  huma  grande  feca,& 
cfterilidade,  que  ouve  por  todas  aquellas  terras,  tirando -fe  a 
Senhora  da  Piedade  em  prociíTaõ ,  de  tal  forte  chovera ,  que 
fe  recolherão  todos  para  cafa  muyto  bem  molhados.  E  o 
mefmo  refere,  que  em  outra  occaíiaõ,  emqueosCeoseíta- 
vaõ  de  bronze,  fem que  fe  vifie  nelles  algum  final  de  brandu- 
ra, vendo-fe  as  fearas  perdidas,  recorrerão  à  Senhora  da 
Piedade ,  levando-a  em  prociffaô  ao  Convento  dos  Padres 
AgofKnhos  Deícalços  ,  aonde  pregara  de  repente  o  Prior 
j    Tom.  III.  £  j  do 


3 1 6  'Santuário  Mariano 

do  mefino  Convento ,  comgraode  fervor,  &  edificação  dò 
povo;  &  que  ao  íahir  da  prcciífcõ ,  para  levarema  Senhora  à 
Miiericordia ,  começara  a  chover ,  &  engroffando  mais  a  a- 
gua ,  chovera  em  taõgrandequantidade  ,que  íertmediáraõ 
as  novidades.  lílo  meírro  confirma  por  feu  tefiemunho  o 
Beneficiado  jofeph  de  Matos  Machado  ,  peíToa  muyto  an- 
tiga da  mefrra  Viila:  &  que  todas  as  vezes  que  fahira  a  Se-- 
nhora ,  fempre  alcançarão  de  noffo  Senhor  para  aquelle  po* 
voo  remédio,  quelhepediaõ. 


TITULO     XIII. 

Da  milagrofa  Imagem  de  N*  Senhora  do  RofaYio,  quefe 
Venera  na  Matri^  da  me/ma  Viila. 

HE  gratiffima  à  foberana  Rainha  da  gloria  o  ufo  ,  &  a  de* 
,  voçaõ  do  feu  fanto  Rofario  ,  que  taõ  radicada  cita  hoje 
entre  os  Catholicos ;  &  de  que  lhe  he  rmuy  to  agradável  á  Se- 
nhora, o  tem  ella  moítradomuy tas  vezes  em  os  muytos  fa- 
vores que  faz,  aos  que  com  devoção  orezaõ,&emoslivrar 
Theatr.  por  meyo delia  de  muytos  perigos.  Frequenter  (dizo  Be- 
tará      y crlinc  )  in  pericuUsprrtfentem  e)m  opem  expertifunt-  E  em 
^Hm*     comprovação  do  muyto  q  fc  agrada  dos  quefeoccupaõnef- 
tom.  st  ta  fua  devoção,  traz  muytos  exemplos,  &aflím  faõ  muytos 
?' 2Z  '    os  bens  que  os  feus  devotos  recebem;  porque  he  efta  Senho- 
ra a  raiz  de  todos  os  bens ,  como  diz  Cry  fippo  :  Radix  om* 
Serw'    nium  honor  um\  porque  ella  os  alcança  ,  muytos ,  &  grandes 
ãoMa'  a0S  fcus  dcvotos-  Mas  ta^bem  fe  pode  temer  ,  fe  offenda  a 
"  Senhora  daquelles,  que  nefia  fua devoção  forem deícuy da- 
dos, &  negligentes;  mas  fe  devotos  a  bufcarem,por  mayores 
peccadores  que  fejaõ ,  por  meyo  do  feu  fantiífimoRoíario, 
ella  lhes  valerá ;  porque  he  cita  Senhora  (como  diz  Dicnyíio 
Richdio )  SlnguUre  perditorum  refugiutytfáVocata  onntum 

perdi- 


ria. 


Livro  III.  Titulo  XII L  31? 

perditoYiim.  E  ainda  que  fe  reconheçaõ  indignos  dos  feus  h  Dhnjf: 
vores  jdla  he  a  noífa  efperança  :  Bdinqumium  ípcs,como  ^b.xÂt 
a acdamaSaõ  Lourenço Jultiniano-  AViíla  poi-s  do  muyto'*"^ 
que  a  Senhora  do  Rofario  ama  aos  que  a  fervem  ,  &  louvaõ,  ***•**• 
fe  devem  animar  os  feus  Confrades ,  para  a  fervir  fervoro-  S.Laur. 
fos ;  porque  fe  ofizerem,reconheceràõ  o  bem  que  a  Senhora  Juftin. 
fatisfaz  os  feus  obfequios.  fe rm>  de 

Ja  defcrevemos  no  titulo  u.  da  Senhora  dos  Murti-  Nat!Y* 
nhos,  Matrizda  Villa  de  Porto  de  Moz;  agora  o  fazemos  da  '  " 
Senhora  do  Rofario ,  que  fe  venera  na  mefma  Igreja;  porque 
naõ  devemos  faltar  em  fazer  delia  menção.  He  de  faber  que 
pelos  annos  de  161$.  ou  1614.  foraõ  àquella  Villa  alguns 
Religiofos  da  Ordem  dos  Prégadores,&  do  Convento  da  Ba- 
talha ,  que  difta  da  mefma  Villa  huma  legoa  ,  os  quaes  com  o 
feufantoze!o,&fervorofosSermoens  accendéraõ  nos  co- 
raçoens  dos  feus  ouvintes  huma  taõ  grande  devoção  para 
com  a  Senhora  do  Rofario,  que  aflim  a  Camera  da  mefma  Vil- 
la ,como  o  povo,fizeraõ  huma  fupplica  ao  Provincial  da  mef- 
ma Ordem ,  para  que  lhe  quizefle  fazer  o  favor  de  erigir  na- 
quella  Villa, &  Igreja  de  Santa  Maria,comaauthoridadeque 
tinha  do  Padre  Geral  da  fua  Ordem ,  huma  Confraria,  para- 
que  os  que  nelia  fe  matriculaííem  ,  pudefíem  gozar  dos  the- 
fouros  de  indulgências,  que  às  Confrarias  do  Rofario  faõ 
concedidas.  Afíim  o  fez  o  Provincial,  mandando  a  hum  Re- 
ligiofodo  referido  Convento  ,para  que  a  aííentaffe.  Para  ifto 
mandarão  fazer  os  novos  Confrades  huma  Imagem  da  Se- 
nhora ,  para  a  poderem  levar  nas  prociíToens  do  Rofario. 

He  efta  Santiífima  Imagem  obrada  de  madeyra  \  &  eito- 
fada ,  a  fua  eftatura  faõ  dous  palmos.  Eítá  eíh  Senhora  col- 
locada  hoje  no  Al  tar  mor ,  &  como  os  moradores ,  nao  que- 
ro dizer  faõ  de  limitado  animo  para  as  coufas  de  Deos  \  mas 
que  faõ  muyto  pobres ,  naõ  tiveraõ  atégora  refoluçaõ  para 
erigir  à  Senhora  Capella  própria  ,  em  que  pudeííe  criar,  & 
nclla  fer  venerada^  affim  eíiá,  como  fíca  dito,  ao  prefenfe 

X  4  no 


318  Santuário  Mariano 

no  Altar  mór  ,  íem  lugar  próprio ,  como  tem  em  outras  par- 
tes ,  para  oque  fempre  a  Senhora  concorre. 

Comefta  SantiíTima  Imagem  tem  muytas  peíTòas  da- 
quella  Viíla  muyro  grande  devoção,  &  fe  valem  da  fua  inter- 
ceíTaô ,  &  aííim  recebem  delia  grandes  favores.  Huma  notá- 
vel maravilha  obrou  a  Senhora  em  huma  donzella  nobre  da- 
quella  mefma  Villa ,  que  referirey ,  por  fer  digna  de  fe  fazer 
delia  memoria  ,&ma  referirão  algumas  peíTòas ,  &  huma 
delias  digna  de  todo  o  credito  pela  fua  author idade :Ellando 
enferma  comhumarcidentede  parleíia,  peloqualnam  íentia 
nem  movia  ametade  do  feu  corpo,  Marcelina  de  Brito  filha 
do  Capitão  António  de  Briro ,  morador  na  mefma  Villa  ,  ôc 
em  termos ,  que  o  Medico  lhe  nsô  julgava  o  poder  efeapar; 
porque  havia  quarenta  horas  que  eflava  fem  fentidos ,  nem  fe 
lhe applicavão remédios,  por eftar  incapaz  delles.  Efrando 
quafi  fem  falia  ,  pedio  efta  donzella  lhe  trouxeíTem  hua  pren- 
da da  Senhora  do  Roíario ,  de  quem  era  devetiflíma.  Seu  ir- 
mão o  Beneficiado  Manoel  de  Brito,vendo  a  fua  fé,  &  devo- 
ção ,  fe  foy  à  fua  Igreja,  &  lhe  trouxe  a  mefma  Senhora.  Suc- 
cedeoifloem  i8.de  Dezembrode  1707.  dia  da  Expe&açaõ 
de  N.  Senhora;&  applicandolhe  o  braço lcfo,  que  ellava  co; 
mo  morto,  vifivelmentefe  achou  livre  daquella  mortal  en- 
fermidade. A  efle  prodígio  fe  achou  prefente  o  Medico  o 
Doutor  Bernardo  Soares  de  Carvalho  y  o  mefmo  Beneficia- 
do Manoel  de  Brito,  CõmiíTario  do  Santo  Officio,  &  Proto- 
notario  A  poftolico/jue  foy  o  que  levou  a  Imagem  da  Senho- 
ra à  enferma,  &  três  irmaas  fuás ,  &  outras  peííbas  vizinhas. 
Todas  lcuváraô  a  Deos>&  deraõ  as  graças  â  Senhora  do  Ro« 
fario.  E  obrigados  de  taõ  grande  benefício ,  lhe  mandarão 
celebrar  huma  fefla,&fe  mandou  pintar  a  mercê,  que  a  Se- 
nhora fizera, em  hum  quadro ,  que  fe  mandou  ofFerecer  à  Se- 
nhora^ fe  vé  pender  na  Capella  mór.  Com  efta  grande  ma- 
ravilha, deviaõ  agora  os  Irmãos  do  Rofario  ferver  mais  na 
fua  devoçaõ,&  fabricar  â  Senhora  huma  Capella  propria,que 

em 


Livro  III.  Titulo  XIV.  3 19 

cm  terra  aonde  osmateriacs  cuítaõ  pouco,  nunca  a  dclpeza 
feria  muy  ta  ;&  a  Senhora  que  he  muyto  rica,  lho  retribuiria 
com  muy ta  largueza.  Feííejafe  a  Senhora  doRofarioema 
primeyra  Dominga  de  Outubro. 


TITULO     XIV. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  da  Vitoria  da  Villa  de  Ta- 
redes  junto  a^atayas. 

TEve  ElRey  Dom  Dinis  particular  cuydado  em  povoar 
o  feu  Reyno,  8c  com  mais  particularidade  as  terras  ma- 
rítimas ,  para  defender  as  fuás  eólias,  infeftadas  naquelles 
tempos  dos  Mouros  Africanos,  &  Granadinos,  cujas  arma- 
das rebateo  o  mefmo  Rey  com  grandes  danos  dos  inimi- 
gos ,  &  invafoens  que  mandava  fazer  nas  coftas  de  Berbéria. 
Eftava  além  da  Villa  da  Pederneyra,duas  legoas  para  o  Norte, 
hum  porto  baftante ,  &  accommodado  %  aflim  para  a  pefearia, 
como  para  o  commercio.Naô  quiz  ElRey  que  efliveííe  desha- 
bitado ,  &  fem  provey to;  porque  entendeo  que  lhe  convinha 
muyto  para  o  tempo,  querefidiíTe  em  Leyria ,  (quedifla  def- 
tc  lugar  três  legoas  fomente,  o  qual  íitio  cllc  frequentava 
muytas  vezes  por  occaíiaõ  da  caça  de  que  he  muyto  abun- 
dante y )  &  aflim  mandou  fazer  naquelle  lugar  huma  povoa- 
çaõ,efiando  em  Coimbra  ,a  28.de  Outubro  do  anno  de  1286.  **"*** 
porque  nefte  anno  paífou  acarta  de  povoação  para  trinta  J™ 
moradores, os quaes  teriaõ  feiscarave!as,aomenos,prcpa-  L^'^ 
radas  para  a  pefcarb$&  para  que  os  novos  povoadores  seco- 
modaflem  a  fua  cafa,lhes  mandou  dar  a  cada  hum,  hum  moyo 
de  trigo. 

Efla  Villa,q  fe  chamou  Paredes^foy  em  grande  augmen- 
to  até  o  tempo  delRey  D.  Manoel ,  em  que  os  areaes  circum- 
vizmhos ,  movidos  dos  ventos ,  que  naquelle  íitio  curfaõ  de 

todas 


$  3 d!  Santuário  Mariano 

todas  as  partes  defcubtrtos,  cubriraõ  as  caías,  &  arearão  de 
tal  forte  o  parto ,  que  fe  veyo  a  defpovoar  totalmente  a  Vil- 
h  ,&  ffciu  fomente  por  memoria  huma  Ermida  de  noíTa  Se- 
nhora, com  a  invocação  da  Vitoria,aqual  Ermida  devia  man- 
dar fazer, fem  duvida/)  mefmoRey  Dom  Dinis ,  para  Paro- 
chiadaquella  novaVilla.  Da  etymologia  deite  nome,  &  da 
caufa  porque  fe  lhe  poz  naõ  confia.  Poderá  bem  fer,queou- 
veffealíi  algum  encontro  com  os  Mouros  Piratas,  quevi- 
riaõ  aquelle  porto ,  &  com  o  favor  de  noffa  Senhora  fe  afcân- 
çaíTedelIes  alguma  vitoria,  6c que  com  eíiaoccafiaõ  felhe 
àcffe  efte  titulo.  He  eíla  Caía  da  Senhora  de  muyta  devoção 
ainda  hoje,&  de  muyta  romagem, a  que  acode  o  povo  de  Ley- 
ria  todos  os  annos,no  dia  de  fua  Natividade,  a  celebrar  a  fua 
fefta.  Eíta  Villa,  &  os  rendimentos  delia  eraô  do  Convento 
de  Alcobaça ,  que  lha  deu  ElRey  Dom  Fernando  com  a  obri- 
gação de  fe  dizer  naquelIaCafa  huma  Miíía  quotidiana  pela 
alma  delRey  Dom  Pedro  feu  pay.  Aífim  o  diz  Brandão  na 
Monarchia  Lufitana  part.  5.  Iiv.  1 6.  cap.  1 5.  aonde  faz  men- 
ção da  Senhora  da  Vitoria, 


TITULO     XV. 

Da  Imigem  de  nofa  Senhora  da  Tiedade  do  Cbao  Tardo. 


N 


Otermo  da  Vilfa  de  Porto  de  Moz,huma  Iegoa  diítan- 
,,.  ,  tedamefma  Villa,paraa  partedoOccidente  fe  vé hu- 
ma Ermida  dedicada  à  Rainha  dos  Anjos,  Maria  Santiífima, 
entre  huns  montes,  &  terras  de  charneca  ,  debayxo  do  titulo 
da  Piedade,  &  eftá  fituada  perto  de  hum  lugar,  a  que  chamaõ 
oChaol^ardOyOu  Cboupirrfo;  &  por  efb caufa  invocaõ a efU 
Santa  Imigem  ,  noíTa  Senhora  da  Piedade  do  Chaõ  Pardo,  ou 
do  Choupardo.  E  muytos  dizem  fomente,  noífa  Senhora  do 
Chaupardo  è  o  que  fazem  commummentc ,  mas  ruftica ,  & 

impro- 


Livro  III.  Titulo  XV*.  3  3 1 

impropriamente.  He  efia  Ermida  tão  antiga,q  fe  naõ  pode  a  • 
veriguar  em  que  tempo  fe  edificou ;  &  aflim  também  naõ  fa- 
bem  dizer  os  velhos ,  &  camponezes  daquclle  lugar  ,  &  def- 
trito  ,  nada  da  origem  delia  Santa  Imr  gem,nem  fe  appareceo 
alíi,  ou  fe  alguma  efpecial  devoção  obrigou  a  algum  devoto, 
a  que  mandaffe  fazer }  ckcrigirlhe  aquella  Ermida.  Eeume 
perfuadoque  aSenhora  (  pelo  que  moflra  de  antiga)  appa- 
receo  naquelle  lugar ,  &  que  alli  a  occultariaõ  os  Chriflãcs, 
quando  fugiaô  dos  Mouros ,  na  invafaõde  Efpanha ,  &  que 
por  fer  de  pedra, a  não  poderiaô  levar  comfigo-  Somente  di- 
zem os  velhos,  por  grandes  diligencias  quefefízeraõcom 
elles,que  femprcforamuyto  grande  a  devoção  para  coma- 
quella  fagrada  Imagem  ,&  que  de  Leyria  vinha  antigamente 
a  fazerlheafua  fefia  hum  Cónego,  o  qual  tinha  muy  to  efpe- 
cial devoção  para  com  efla  milagrofa  Senhora  ,  &  que  efle 
mandara  fazer  huma  caf3  junto  à  Ermida  em  que  fe  recolhia. 

O  Doutor  AntonioDuraõdeQuintanilha^quehe  Cu- 
ra daquella  Freguefia  ha  quarenta  annos  ,  &  que  examinou 
eíhscoufas  miudamente  ,  dizquenos  livrosda  fua  Igreja, 
&  Freguefia  do  lugar  do  Juncal(em  cujo  deílrito  fica  a  Ermi- 
da j  &  aonde  pertence  por  annexa )  achara  o  CompromiíTo  da 
Irmandade  da  Senhora ,  o  qual  fe  fizera,  &  confirmara  no  an- 
node  1 592,  &  que  nellefe  ordenava  ,  felhefizeífea  fuafefla 
no  dia  da  Invenção  da  Cruz ;  &  que  a  Ermida  fora  reedifica- 
da ,  &  dilatada  mais  pelos  annos  de  1650.  (pouco  mais  ou 
menos)  por  huma  Ermitoa  natura!  de  Aljubarrota  ,  mulher 
virtuofa,  a  qual  affiilia  à  Senhora  com  huma  devoção  tam 
grande ,  que  a  intimava  a  todos ;  &  que  efla  fundara  também 
humacafaemque  vivia  com ftu  quintal  ,  quedeyxára  à  Se- 
nhora ;  &  que  ornara  a  Ermida  de  pinturas  ,  &  ornamentos, 
&que  de  entaõ  para  cà  fe  augmentáramuyto  mais  o  culto, 
&  a  veneração  da  Senhora. 

A  Ermida  he  grande,  &  tem  três  Altares;  a  Senhora  ef- 
tá  collocada  no  Aitar  mó^cuja  Capelia  he  de  abobada-  A  Se. 

nhora 


3  3 l  Santuário  Mariano 

nhora  obra  muytas  maravilhas ,  &  aflim  he  frequentada  a  fua 
cafa  de  Romeyros  ,  &  para  recolhimento  deftes ,  tem  algu- 
mas cafas  de  romagem,  aonde  fe  recolhem,&  afliítem  quan- 
do vem  a  fazer  as  fuás  novenas ,  &  vem  a  vifitar  a  Senhora. 
Ja  diíTe  que  he  de  pedra  tila  Santa  Imagem  ,  tem  três  palmos 
de  eíiatura  ,  he  eftofada  ,  ou  pintada  ao  antigo,  com  as  rou- 
pas levantadas  da  efeultura  ,  &femeadas  de  roías,  &ef- 
trellas  de  ouro.  Porém  a  devoção  dos  que  a  fervem  a  veíte 
de  roupas,  &  aífim  com  cilas  fe  não  defcobre  do  Senhor,  que 
tem  morto  em  feus  braços,  mais  que  o  meyo  corpo.  Coma 
devoção  da  Senhora  fe  inftituío  naquelle  lugar  huma  fey- 
*a,  que  he  hoje  muy  to  gran  Je,  em  o  mefmo  dia  em  que  fe  fef- 
teja  a  Senhora  ,  a  três  de  Mayo.  Nos  primey ros  Sabbados  de 
cadamez  fc  faz  também  comemoração  da  Senhora  com  fua 
MiíTa  y  a  que  aífiíkm  os  Irmãos  da  fua  Irmandade.  E  nos  Do- 
mingos, &  dias  Santos  de  todo  o  anno,  fe  lhe  diz  MiíTa  tam- 
bém; que  como  os  que  habitaõ  aquelle  deftrito  faõmuyto 
Pobres ,  naõ  podem  ter  Capellaõ  afliftente- 


TITULO     XVI. 

Du  milagrofa  Imagem  de  noffa  Senhora  de  Ceiça  do  ter- 
mo de  Ourem. 

NO  termo  da  Villa  de  Ourem ,  povoação  muy  to  antiga, 
( &  celebre  pelo  feu  caftello  tao  antigo,  que  querem  fe 
fundaííe  antes  doreynado  delRey  Dom  Affonfo  Henriques, 
&  por  hum  dos  primey  ros  títulos  de  Conde  que  teve  efle 
Reyno,  )  ha  hum  lugar,  diftante,  da  Villa  huma  legoa  para 
o  Norte  ,  chamado  Ceiça  ,  cuja  Freguefiahe  dedicada  a  noíTa 
Senhora  como  mefmo  titulo  do  lugar,  &  fe  tem  por  coufa 
certa,  que  efíe  o  torro  1  da  mefma  Senhora  (também  a  invo- 
caõ  com  o  titulo  da  Purificaçaõ*)Naõ  fe  pode  averiguar  o  feu 

princi- 


Livro  III  Titulo  Wh  333 

principio ,  &  aííirn  íe  tem  por  muy  to  antigo ,  &  fe  cre  que  as 
maravilhas  da  Senhora ,he  que  deraõ  a  elle  principio^  o  no- 
me .  Ja  no  tempo  do  Condeflavel  Dom  Nuno  Alves  Pereira 
eraõ  muy  tas  as  maravilhas  ,  que  efía  Senhora  obrava,  &  a  fa- 
ma delias  afaziaõmuyto  celebre  em  tcdooRcyno,&por 
cftacaufa  tinha  para  com  ella  o  Condeflavel  grande  devo- 
ção, &aflimavifítava  muy  tas  vezes.  E  quando  ouve  de  ir 
contra  ElRey  DomJoaõoPrimeyrodeCaflella,nacccaíiaõ 
da  batalha  de  Aljubarrota  ,  foy  primeyro  a  encomendarfe  à 
Senhora  de  Ceiça,  &apcdirlhe  óíeu  favor  naquella  jorna- 
da ,  &  fahindo  delia  com  vitoria ,  foy  logo  a  darás  graças  à 
Senhora.  Deita  jornada  faz  menção  o  Poeta  Francifco  Ro- 
driguez  Lobo  na  vida  do  mefmo  Condeflavel ,  em  o  canto 
!4.comeflaOytava. 

"Depois  que  o  CondeflaVelalli  de  íc  anca. 

De  bum  trabalho  tao  grande  ,  iftao  comprido, 

'Forque  a  T>eos  tra^  na  honra ,  &  na  lembrança, 

Eattnbue  a  elle  o  fuecedido: 

Como  o  que  fano  Ceo  tinha  a  e/per  anca, 

Eera  delle  igualmente  foccorr  ido, 

A Ce iça  de  Ourem  parte  em  romaria, 

Ao  Venerando  Templo  de  Maria. 
Por  memoria  deita  grande  vitoria,que  elle  attribuhia  a  favor 
damefma  Senhora,inflituio  na  fua  Colíegiada  de  Ourem,què 
em  todos  osannos  foíTem  os  Cónegos  em  corpo  de  Cabido, 
&  a  Camera,  &  a  Freguefia  do  Olival,  em  prociíTaõ  à  Senho- 
ra ,  adarlhe  as  graças  defte  favor ,  o  que  ainda  hoje  fazem  na 
fegunda  Odava  da  Pafchoa  da  Refurrciçaõ.  Bem  podia  fer 
ter  dado  principio  o  Condeflavel  á  Colíegiada  em  fua  vida, 
«  augmentalla  feu  neto  o  Marques  de  Valença  ,  Conde  de 
Ourem ,  com  mais  Cónegos,  &  Dignidades,  porque  16.  an- 
nos  depois  da  batalha  feuniraõasduas  terças  de  Porto  de 
Moz  a  Colíegiada, 

A  Imagem  da  Senhora  he  muy  to  linda  j  terá  de  alto  cin- 


co 


334  Santuário  Mariano 

co  palmos ,  tem  fobre  o  braço  efquerdo  ao  Menino  JESUS, 
que  eílá  mamando  em  o  peyto ,  &  com  huas  moílras  de  gran- 
de anciã,  &  cambem  de  muyta  graça.  A  Senhora  temnamaõ 
direyta  hum  ramalhete,  &  na  cabeça  huma  coroa  aberta  ao 
antigo.  He  de  pedra ,  mas  de  excellente  cfcultura,  encarna- 
da ,&eítofada  de  ouro.  Eílá  collocada  no  Altar  mayor  em 
hum  nicho  no  meyo  delle.  A  Captlla  mór  he  dos  Cónegos  de 
Ourem,&  por  iffo  todas  as  offertas  faõ  luas,  que  as  arrendaõ 
em  feffenta  mil  reis ,  &  ppr  iíTo  he  maí  fabricada ,  &  ellcs  fap 
os  que  aprefentaõ  o  Parocho  na  meíma  Igreja  da  Senhora. 
Quanto  ao  titulo  de  Ceiça ,  &  íua  etymologia,  diremos 
o  que  fe  refere  pela  tradição.  Dizem  que  cila  Senhora  co- 
meçara a  íer  conhecida  ,&  venerada  de  todos  aquelfcs  po- 
vos ,  por  huma  grande  maravilha  que  alli  íuccedéra  >  &  a  Se- 
nhora obrara.  Refere-fe  que  no  lugar  das  Colmeas,hum  dos 
do  termo  da  Cidade  de  Leyria,  (que  diíla  do  lugar,  &  Ermida 
que  então  era  de  N.  Senhora  de  Ceyça  duaslegoas  &  mtya) 
andava  hu  Lavrador  lavrando,&  cultivando  a  fua  terra,aon- 
de  tambS  o  ajudava  fua  mulher  (coufa  muyto  ufada  naquellas 
partes)  em  outro, ou  femelhante  miniílerio  do  campo,&  que 
junto  a  ellcs  andava  ,  ou  tmhaõhum  filhinho  feu  de  muyto 
pouca  idade, que  tinhaõ  deyxado  brincando  com  algumas  pe- 
drinhas, ou  comoutro  entretenimento  pueril.  Neílc  tempo 
deceo  hua  águia  de  eílranha  grandeza  ,  que  lançando  as  gar- 
ras, o  arrebatou,  &  levou  ncllas.  Dizem  também,  que  jun- 
to a  Sete  Rios,  lugar  do  mefmo  termo  de  Leyria  em  a  eftrada 
de  Thomar,  pela  Serra  da  parte  do  Norte,  elláhum  íitioa 
que  chamão  o  Ninho  da  Águia ,  &  que  deíle  he  que  fahia  hu- 
ma ,  que  arrebatava  as  crianças  ,  com  que  todos  andavaõ  ate- 
morizados ,  &  cuydadofos  ,  &  q  eíla  foy  a  que  arrebatou  o  fi- 
lhinho aos  Lavradores.  Vendo  o  pay  q  a  águia  Ihç  arrebatara 
o  filho,  pegou  da  aguilhad*,  &  a  foy  fçguindo,&  gritandolhe 
até  olugar  da  Mçmarta  ,  aonde  poufou.  ( No  qtjal  fe  erigia 
depois  hua  Ermida, q  ainda  hoje  perfevera,  aonde  íç  collocou 

huma 


Livro  111. Titulo  XVI.  33  j 

huma  Imagem  pequena  de  N.  Senhora  ,  &  fica  diflante  do  lu- 
gar das  Colmeas  meya  legoa ■)  Com  as  vozes  que  o  Lavrador 
dava à águia, para  que largaíTe  a  preza*,  mas  não  ofezaífím, 
porque  levantando-íe  naõ  largou  o  menino.  Foy  voando  a- 
diante,feguindo~a  fempre  o  defconíblado  pay,  &  foy  poufar 
na  RibeyradoOlival,termo  de  Ourem,&  junto  à  Ermida  de 
N.  Senhora  da  Conceição ,  aonde  às  vozes ,  &  gritos  do  La- 
vrador fe  tornou  a  levantar,&  foy  pouíar  ulti manente  junto 
às  portas  de  N.  Senhora  de  Ceiça  ,  aonde  largou  ao  menino, 
fem  lhe  haver  feyto  algum  dano.  E  dizem  também  que  quan- 
do chegou  o  pay  a  ellejdiffera  que  alli  o  puzera  o  paffaro,fem 
lhe  fazer  mal« 

Em  memoria  defle  grande  prodigio.vay  todos  os  annos 
a  Fregueíia  das  Colmeas  em  romaria  à  Senhora  de  Ceiça  em 
hum  Domingo  de  Outubro;&  a  primeyn>  eftaçaõ  que  fazem, 
he  na  Memoria  ,  8c  a  íegunda  na  Fregueíia  da  Ribtyra  do  O- 
ltvat,  aonde  offerecero huma  ofFerta  de  trigo,  &dahivay  a 
prociffaõ  à  Senhora  de  Ceiça.  O  mefmo  fe  refere  fuecedéra 
com  outra  criança  da  Fregueíia  de  Eípite^tambem  termo  de 
Leyria  )  a  qual  largou  também  a  águia  às  portas  da  Senhora 
de  Ceiça  ,  &  em  memoria  do  beneficio  vay  também  a  Fregue- 
íia com  o  íeu  Parocho,  em  outro ,  ou  no  mefmo  Domingo  de 
Outubro,  em  prociffaõ  à  Senhora  de  Ceiça.  Defle  tempo  ern 
que  íuecedeo  efla  maravilha  até  hoje  ,  dizem  que  começara  â 
Senhora  a  obrar  as  fuás  maravilhas,  &  porcaufa  delias  co- 
meçou também  a  fer  frequentada  a  fua  Cafa  com  romagens. E 
do  clamar  o  Lavrador  à  aguia,dizendo,  Ceça,ceça,  Telhe  de- 
ra o  titulo  de  Ceiça,  alludindo  ás  palavras  do  Lavrador.  Efla 
he  a  tradiçac,confirmada  com  as  romarias  daquelles  dous  lu- 
gares ,  o  que  ainda  hoje  continuaõ^k  o  tem  taô  affentado  os 
moradores  delles  fer  iíío  aflim,  que  o  tem  como  por  verdade 
infallivel. 

E  quando  o  titulo  naõnafceffe  defle  principio,  poderia 
fer  nafceffe  de  que  os  Fundadores  primeyros  daquelía  Ermi- 
da, 


33^  Santuário  Mariano 

da ,  lho  deffem  por  devoção  da  Senhora  de  Ceiça  í  que  fe  ve^ 
nera  no  termo  de  Montemor  o  Velho,  emoBifpado  de  Co- 
imbra 3  titulo  que  refultou  do  milagre  ,  que  o  Senhor  o- 
brouemrefufcttar  todas  aquellas  creaturas ,  que  o  Abba- 
de  Joaõ  havia  degollado ,  porque  nam  vkflem  a  fer  defpojo 
dos  Mouros,  &  também  pela  vitoria  que  delles  alcançou ;  o 
que  fuecedeo  pelos  annos  de  850,  como  fe  verá  na  hiftoria 
defta  Senhora  em  o  quarto  tomo  ,  nos  Santuários  de  Co- 
imbra. 

Naõ  fó  a  Villa  de  Ourem  com  o  feu  Cabido ,  &  Senado 
da  Camera  vay  todos  os  annos  a  viíitar ,  &  venerar  a  Senho- 
ra de  Ceiça  ,  &  feftejalla ,  porque  faõ  muytas  as  que  o  fazem, 
comohe  a  Villa  de  Alvayazere ,  que  na  mefma  forma  vay  to- 
dos os  annos  em  prociílaõ  a  viíitar,  &afeftejar  a  Senhora, 
cm  odiada  AfcençaõdeChrifto,  &  a  pedtrlhe  também  agua 
quando neceífitaõ delia,  &naõfe  vaõ  femalcançar  odefpa- 
cho,  que  pedem-  E  quando  fuecede,  que  a  naõ  hajaõmifter, 
fempre  lhe  vaõ  a  dar  as  graças  (por  voto )  das  muytas  vezes 
que  lha  ha  dado,  tendo  neceffidade  delia.  Na  mefma  forma 
vaõ  outras  prociffoens  todos  os  annos ,  como  he  a  Villa  de 
Anciaõ ,  &  a  do  Pombal.  Se  algumas  mulheres  fe  vem  faltas 
de  ley  te  recorrem  à  Senhora,  &  logo  cila  he  fervida  que  o  te- 
nhaõ  em  abundância.  Também  he  advogada  das  febres,  & 
dosfaflios:  tudo  ifto  nos  confiou  de  varias  relaçoens ,  en- 
tre ellas  a  do  Padre  António  Pinheyro.  Fazem  mençaõ  da 
Senhora  de  Ceiça  de  Ourem  Francifco  Rodriguez  Lobo 
no  feu  Poema  da  vida  do  Condeftavel  canto  14.  Rodrigo 
lyíendes  da  Silva  na  Vida  y  Hechos  delgran  Condetfable 
pag.  48. 


TITULO 


Livro  lll.TiiuloWU.  337 


TITULO     XVII. 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Ocaya ,  ou  Olaya  term$ 
de  Ourem. 

NOdeftritodaFreguefia  de  N.  Senhora  da  Purificação 
de  Ceiça,  em  o  termo  da  referida  Villa  de  Ourem ,  na 
quinta  ,  ou  fazenda  de  Joaõ  de  Soufa  de  Alvim ,  fe  vé  huma 
Ermida  dedicada  à  Rainha  dos  Anjos,  aonde  he  venerada  hua 
antiga  Imagem  fua ,  a  quem  daõ  o  titulo ,  huns  da  Ocaya,ou- 
tros  da  Olaya :  quanto  ao  primeyro  naõ  pude  defeubrir  a  fua 
fignificaçaô  ,&  etymologia ;  &  no  fegundo  acho  mais  cohe- 
renciaporrazaõdc  eftar  cercada  aquella  Ermida  de  olay as, 
arvores  frefcas,&  que  com  fuás  temporans  flores  annunciaõ 
a  primavera ,  com  que  podia  bem  fer  appareceo  naquelle  íitio 
entre aquellas arvores,  &quedefeuapparecimento  Ihedef- 
fem  o  nome;&  o  q  mais  me  confirma  efte  penfa mento  he,  não 
haver  por  aquellas  partes  olayas,  mais  que  alli.  Da  origem, 
&  antiguidade  defta  Santa  Imagem  naõ  ha  quem  diga  nada  ,8c 
menos  os  Senhores  da  quinta;&  fó  dizem  todos  que  he  muy- 
to  antiga ,  &  muy to  milagrofa ,  &  que  he  grande  a  devoção, 
que  todos  lhe  tem:  &  comoaquelles  moradores  ,que  por  ai  li 
vivem,  (  que  naõ  faõ  muy  tos  )  faô  pobri  (Timos ,  &  naõ  atten  - 
dem  muy  to  a  tradiçoens ,  porque  fó  cuydaõ  da  fua  necf  ílida- 
de  ;  efta  demafiada  pobreza  daquelles  circumvizinhos  hc 
caufa  tambem,para  que  a  Igreginha  da  Senhora  naõ  feja  rica, 
nem  aparatofamente  ornada  ,  &  affim  parece  que  a  Senhora 
(como  quem  tanto  amou  a  pobreza)  naõ  quer  fer  rica  entre 
vizinhos  taõ  pobres.  Ainda  aflim  a  devoção  dos  pobrezi- 
nhos tem  a  Ermidinha  muy  to  limpa  ,  &  cavada :  &  como  os 
Curas  também  faõ  pobres,cuydáraõ  mais  de  fe  ajudar  das  ef- 
molas  ,&  offertas  da  Senhora  ,  do  que  de  adornar  comellas 
Tom-  III,  Y  ofeu 


338  Santuário  Mariano 

o  íeu  Altar.  A  Imagem  da  Senhora  hede  pedra,t€m?trcs  pal- 
mos de  eflatura  ]  &  nos  braços  o  Menino  Deos  ,  &  ella  efíá 
moftrando  na  lua  efeultura  fer  muyto  antiga,&  poderia  bem 
fer  que  cm  feu  apparecin  ento  fcffe  muyto  frequentada  a  fua 
Cafa  ,&  que  haveria  nelle  alguma  coufa  de  prodígio;  mas  o 
tempo ,  &.  a  frieza  dos  homens  tudo  acaba.  Fefteja-fe  a  cita 
Senhora  em  a  fegunda  Dominga  de  Outubro ,  &  he  annexa  à 
Fregueíia  de  Ceiça.  Bem  podia  fer  a  efcondefTem  os  Chrif- 
tãos  entre  aquellasarvores^ou  no  tronco  de  alguma  mayor, 
que  ja  fe  confumiria ,  &  que  femanifeftafle  depois. 


TITULO     XVIII. 

X)a  Imagem  de  nojfa  Senhora  de  Radecouros ,  ou  de  Rio 

de  Couros. 

HE  tam  grande  a  incúria  dos  Portuguezes  em  fazer 
memoria  de  coufas  grandes,  que  fendo  infinitas  as  que 
ha  em  Portuga! ,  admiráveis ,  &.  notáveis  ,  muy  tas  vezes  fe 
defeubrio  en  tre  os  Eftrangeyros  a  fua  grandeza,  de  que  naõ 
fizeraõ  cafo  os  naturaes ,  &  outras  as  deyxáraõ  em  hum  taõ 
grande  efquecimeijito ,  que  naõ  ha  mais  que  o  lentillas.  Tal 
comoiflo  he  o  apparccimento  ,  &  rranifeflaçaõda  milagro- 
fa  Imagem  de  Santa  Maria  de  Radecouros,ou  noífa  Senhora 
de  Rio  de  Couros ,  cuja  noticia  daremos  neíia  forma. 

No  termo  da  Villa  de  Ourem  ,  quaíi  três  legoas  para  a 
parte  do  Norte,  afaítada  da  eflrada  Real ,  que  vem  de  Co- 
imbra para  a  meíma  Villa  ,  coufa  de  hum  tiro  de  moíquete,  fe 
vé a  Igreja  de noffa  Senhora  de  Rio  de  Couros,  íítuada  na 
fralda  de  hum  monte  que  lhe  fica  ao  Nafcente,na  qual  he  ve- 
nerada humadevotirllma  Imagem,  invocada  comotitulode 
Radccouros,  ou  mais  propriamente  de  Rio  de  Couros.  E 
procurando  cu  com  grande  diligencia  noticia  de  iua  ori- 
gem, 


Livro  UlTitulo  Wlll.  339 

gem,  &  antiguidade  ,  me  naó  deraõ  coufa  de  que  pudefíe  fa- 
zer a  memoria  ,  que  defejava.  He  certo  que  efla  Santa  ima- 
gem appareceo  naquelle  lugar  ,  &  que  por  lhe  naõ  faberem  o 
titulo  que  tinha,  jhederaõ  odehuma  ribeyra  que  poralli 
paffa,caudalofa  de  agua,  com  a  qual  moem  muy  tos  moinhos, 
&  pizoens,&  porque  viviaõ  por  allimuytoseurtidores,  que 
lavavaõnaquella  ribeyra  os  feus  couros,  tinha  o  nome  de 
Rio  de  Couros.Efte  titulo  começarão  a  dará  Senhora  em  feu 
apparecimento,deque  naõ  confia  ,  o  quando,  nem  o  como 
foy,&  fazendo-  fe  cif  a  Santa  Imagem  famoía  em  prodígios, 
nemiftofoybaítante,  para  feconfervar  a  memoria  defua 
manifeflaçaõ,  &  milagrofo  apparecimento.  Só  dizem  que 
he  antiquiílima,  muyto  milagroía ,  &  de  grande  devoção. 

He  a  Igreja  deíia  Senhora  grande  ,  &  capaz  de  muyta 
gente ,  que  a  frequenta ,  com  mayor  concurfonos  Sabbados 
da  Quarefma  ,  &  em  todo  o  tempo  depois  da  Pafchoa  ,  em  os 
Domingos,  &  dias  Santos.  Feftejaõ-nacmoyto  deSetem* 
bro  dia  da  fua  Natividade ,  &  nefle  dia  (  em  que  ha  feyra  )  hc 
muyto  mayor  oconcurfo.  E  fem  embargo  de  fer  efta  Igreja 
annexaàFregueíia  deN.  Senhora  da  Purificação  dasFrey- 
xiandas ,  &  o  feu  Vigário  tem  cuydado  delia;  com  tudo,  eftá 
depoffe  das  offertas,  fcoblaçoens  o  Cabido  de  Ourem.  A 
Imagem  defta  Senhora  he  de  rara  fermoíura  ,  &  perfeita- 
mente encarnada  ,  &  tam  freíca  eftá,  que  parece  fer  acabada 
de  pouco  tempo ,  naõ  havendo  memoria  de  quando  foy  fcy- 
ta.  A  rm  teria  de  quehe  obrada,  he  pedra,  tem  em  os  braços 
ao  Menino  Deos. 

Vem-fe  naquella  Igreja  muytos  letreyros  em  pedras, 
que  moftraõ  fer  do  tempo  dos  Romanos ,  dos  quaes  eftaõ  aí  * 
guns  muyto  gaftados  ,  &  outros  que  ja  fe  naõ  podem  ler ;  6t 
parece  que  havia  alli  alguma  notável  povoação  ,  com  que  fe 
dá  a  conhecer  mnis  a  muvta  antiguidade  daquelIaErmida,oii 
que  na  fua  edificação  fedefcubriraõ  aquelles  cippos,  &iní- 
cripções  Romanas  j  porque  c*yaado.-ie  naquelles  redores  fe 

Y  z  tem 


340  Santuário  Mariano 

tem  achado  por  vezes  ofTosmuyto  grandes,  queyxadas  com 
dentes  ,  pedras  lavradas  de  alicerfes ,  pedaços  de  telhas  taõ 
groflas  ,que  tinhaõdous  dedos  em  groíío. 

Eítá  nefta  Igreja  hum  cayxaõ  grande  de  pedra,  da  qual 
fe  naõ  acha  por  todas  aquellas  partes  coufa  femelhante  \  tem 
hua  cuberta  com  quatro  encayxes  de  cada  parte ,que  moftraõ 
ferem  de  fechaduras, &  duas  pedras  com  dous  buracos,  por 
onde  dizem,  que  fe  metiaõ  humas  cadeas  de  ferro,  com 
que  os  Mouros  tinhaõ  fechado  dentro  naquella  arca  a  hum 
Chriftaõ.  E  q  eftando  efta  grande  arca,ou  cayxaõ  em  a  mefma 
Berbéria  ,  fervindo  de  cárcere  ao  tal  Chriftão,por  milagre  de 
noífa  Senhora  amanhecera  hum  dia  na  fua  Igreja  ,  aonde  ho- 
je em  dia  eítá ;  &  que  dentro  nella  viera  o  meímo  Chriftaõ' 
Efuppofto  que  naõ  ha  eferitura,  nem  certeza  de  que  iftoaf: 
fim  foy,  affirma  a  tradição  confiante  ,  de  que  aflim  foífe,  por 
toda  aquella  terra.  E  para  fe  crer  que  affi m  fuecedeo ,  ha  in- 
finitos exemplosem  as  hiftorias,  de  muy tos  milagres,  que  a 
Mky  de  Deos  tem  fcy  to  femelhantes ,  como  lemos  na  de  Pe- 
dro Martins ,  a  quem  a  Senhora  da  Luz  de  Carnide  appare- 
cco,&  trouxe  a  Lisboa,  tirando-o  da  mefma  Berbéria  aonde 
cftava  prezo. 

Os  milagres  que  Deos  tem  feyto  pela  invocação  defta 
Imagem  de  fua  Mãy  Santiílíma  ,  faõ  innumeraveis  em  todos 
os  tempos ,  o  que  ainda  hoje  continua ;  como  o  teftemunhao 
as  muytas  mortalhas,&  outras  infignias  de  cera,&  coufas  fe- 
melhantes, as  muy  tas  oíFertas  de  trigo ,  linho  ,  cera ,  &até 
telhas  lhe  vem  offerecer ,  porque  com  efta  offerta  achaõ  que 
lhetira  a  Senhora  as  verrugas.  E  aflim  hemuvto  grande  a 
devoção,  com  que  todos  concorrem  a  venerar  aquella  Santa 
Imagem  da  Máy  de  Deos. 

Entre  os  muy tos  milagres ,  que  fe  referem  da  Senhora, 
porey  hum  naõ  pouco  admirável,  &  fcy,  que  hum  Vigário 
das  Frcyxiandas,  andando  em  Lisboa  em  certo  negocio^fuc- 
cedeo  que  indo  hum  dia  na  fua  mula  rezando  humacoroaa 

cita 


Livro  ULTitufo  XIX.  341 

efla  Senhora,  com  quem  tinha  particular  devoção  ,pela  ex- 
periência do  que  cila  valia ,  aos  que  a  invocavaõ  >  &  ícr  viaõ- 
Encontrando-fccom  huma  carroça,  teve  medo  a  mula ,  que 
embaraçando-fc  entre  as  outras  da  carroça,  &  dando  com  o 
Vigário  em  terra,  paflbu  por  cima  delle  a  carroça  com  as  ro- 
das ,  &  com  fer  muyto  pefada ,  &  aííim  baftante,  para  o  dey-, 
xar  morto,  efeapou  do  perigo  fem  omenordano,  porcha- 
mar  cm  feu  favor  a  efta  poderofa  Senhora.  O  mefmo  fuece- 
deo  a  outro  homem  de  Rio  de  Couros ,  chamado  Simaô  Fer- 
rás ,  que  levando  huma  grande  pia  de  pedra  cm  dous  carros, 
queeícorregando,  ôccahindo  nomeyo  dellcs,  &oque  he 
mais,  que  o  que  hia  detraz  era  ferrado ,  que  paíTando  por  ci- 
ma delle ,  &  quebrandolhe  duas  coftelas ,  invocando  a  Se- 
nhora em  feu  favor,  fe  achou  faõ ,  &  livre  de  todo  aquelle 
grande  perigo.  Outros  muytos ,  &  notáveis  milagres  fe  re- 
ferem ,  que  fe  confervaõ  eferitos  naquella  Cafa  da  Senhora. 


TITULO     XIX. 

Da  milagrofa  Imagem  de  noffa  Senhora  da  Conceição  da 
Ribeyra  do  OltVaU 

NO  mefmo  termo  da  Villa  de  Ourem,  em  diftancia  de 
pouco  mais  de  hua  Iegoa  ;eftá  hum  lugar,  a  que  chamaõ 
a  Ribeyra  do  Olival.  Juntoaelleeftá  huma  fermofa  Ermida 
dedicada  aomyftcrio  dá  Conceição  de  Maria  SantiíTima  ,na 
qual  fe  venera  huma  devota  Imagem  fua  de  glande  devoçaõs 
a  qual  Cafa  foy  antigamente  muvto  frequentada  de  romagés 
pelas  muytas  maravilhas,  que  aíli  obrava  Deos  pela  invoca- 
ção dèfta  SantiíTima  Imagem;  porque  todos  os  que  com  de- 
voção verdadeyra,  &  fé  viva  ahiaõ  bufear  ,  achavaô  logo 
prompto  o  remédio  defeus  males,  &  principalmente  os  en- 
fermos de  maley  tas,  &  de  cezoens  ,  com  cavarem  ao  pé  do 
Tom.  III.  Y  2  feu 


34*"  Santuário  Mariana  3 

icu  Altar  terra  ,&  lançando-a  ao  peícoço,ou  bebendd.a  lo* 
go recuperava© a faude,  &  ficavaõ  livres.  Osqueaflilliaõa 
cílapoderoía  Senhora,  no  tempo  em  que  obrava  mais  fre- 
quentes maravilhas,  foraõ  taõ  pouco  curioíos,que  naõcuy- 
dáraõ  de  fazer  memoria  delias. 

A  origem  defta  Santa  Imagem  fe  refere  aíTim.  Dizem 
que  hum  homem  nobre  ,  &  virtuofo  daquellas  partes  chama* 
do  Diogo  da  Praça,  movido  de  huma  grande  devoção  que  ti- 
nha  para  com  o  myílerio  da  Conceição  puriflima  da  Senho- 
ra ,  affenrára  comfigo  de  lhe  fundar  huma  Cafa cm  aquelle  Ti- 
tio , que  he  alegre  ,  &  deliciofo ,  &  como  naõ  faítavaõ  outros 
pios  devotos,que  o  quizeraõ  acompanhar  neftes  feus  fantos 
intentos,  brevemente  fe  fez  a  Igreja,que  he  ayrofa,efpaçofa, 
&demuytoboaarchitedura.  Depois  que  teve  a  Igreja  aca* 
bada  com  toda  a  perfeyçaõ,  (porque  he  toda  azule jada,oco- 
ro  >  &  o  tedo  delia  ,qhe  forrado  de  bordo,muy  to  bem  pinta- 
do de  brutefeos  ,  &  a  Capella  mayor  de  abobada  apaynelada 
de  quadros  feytos  a  óleo ,  em  que  fe  vé  a  vida  de  N.  Senhora) 
tratou  de  collocarnella  a  Imagem  da  Senhora ,  quehedeef- 
cultura  formada  em  pedra  ,  &  tem  o  Menino  Deos  em  os 
braços,  &  tem  de  eflatura  quatro  palmos;  mas  affim  a  Ima- 
gem da  Senhora,  como  a  dofoberano  Menino  faô  per  feitiífi- 
roas.Fez-fe  a  coílocaçaõ  pelos  annos  de  1 56o.pouco  mais  ou 
menos,  &  logo  que  fe  collocou ,  começou  a  Senhora  a  obrar 
infinitas  maravilhas,  &  milagres ,  &  affim  fe  accendeo  muy- 
to  a  devoção  para  com  efía  Senhora ,  &  fe  lhefizeraõ  muy- 
tos  foros ,  &  fe  lhe  deraò  algumas  fazendas  para  rendimento 
da  (m  fabrica.  O  mefmo  Diogo  da  Praça  levado  da  fua  dtvo- 
çaõ  fundou  também  al!i  hum  Hofpital  para  peregrinos ,  para 
o  que  fez  doação  de  toda  a  fua  fazenda;  mas  o  defcuydo 
(pornaõdizeraambiçaõ)  dosque  deviaõ  com  grande  zelo 
éuydar  do  augmento  delia  foy  de  forte,  que  as  rendas  naõ  fó 
íenaõaugrnentáraô,  mas  totalmente  feconfumiraò.  Hceíía 
Igreja  do  Padroado  dn  Cafa  de  Bragança ,  &ElRey  heoque 
hoje  aprefenta  o  Ermitão-  ■  T1TU- 


Livro  HL  Titulo  XX.  ♦  343 


TITULO     XX. 

Va  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Tunficaçao  das  Frey* 

xiandte. 

PElos  annos  de  544.  fe  inftituío  na  Igreja  a  fefta  da  Puri- 
ficação da  Senhora,  dos  homens,&  dos  Anjos,  a  qual  de- 
pois que  pario,&fahio  delia  o  Sol  de  Jufliça  Chriílonoffo 
bem » &  remédio ,  ficou  mais  pura  que  oCeo ,  &  que  a  luz. 
Teve  principio  em  Conftantinopla  em  tempo  do  Emperador 
Jufliniano,  grande  devoto  deN.  Senhora,  por  occaíiaõ  de 
húma  grande  pefíe,  que  feaccendeo  naquella  Cidade ,  &  fa- 
zia nella  taõ  grande  eíirago,que  cada  dia  morriaõ  os  homens 
aos  milhares,  &  naõ  havendo  remédio  na  terra  contra  efte 
cruel  açoute,  fc  recorreo  ao  Ceo.  Nefle  tempo  foy  revelado 
a  hum  Varaô  Santo ,  que  fe  celebraííe  a  fefta  de  N.  Senhora 
da  Purificação  à  Virgem  Maria  a  2.  de  Fevereyro  ,  &  que  lo- 
go o  contagio  fe  acabaria :  celebroufe  a  fefta  a  Senhora  com 
grande  de voçaõ,&  logo  fe  aufentouaqueile  ar  maligno;por- 
que  o  purificou  a  Mãy  de  toda  a  pureza. 

No  termo  da  mefma  Villa  de  Ourem ,  pouco  mais  de 
duas  legoas  de  diftancia  para  a  parte  doNorte,fevéaFre- 
guefia ,  &  lugar  das  Freyxiandas  ,cuja  Parochia  he  dedicada 
aomyfterio  da  Purificação  da  Virgem  Maria  Senhora  noíTa; 
nella  fe  venera  huma  Imagem  defía  Senhora  muyto  devota^ 
&  muyto  antiga  ,  com  o  referido  titulo  de  fua  Purificação. 
Comefta  Santa  Imagem  tem  toda  aquella  Freguefia  muyía 
devoção,  &  as  círcumvizinhas.  He  efta  Freguefia  grande, 
&  afiim  tem  hum  Vigário  colado  ,  &  fervem  à  Senhora 
com  muyca  devoção.  A  Imagem  da  Senhora  he  de  pedra  ,  & 
da  meírna  forma ,  &  tamanho  que  he  a  Senhora  de  Ceica  ,  & 
affim  na  perfeição  de  fua  eícuhura  parecem  ambas  de  huma 

Y  4  mef- 


344  •  Santuário  M aviam 

mefma  mão  ,  &  hum  mcfmo  artífice.  De  fua  origem,  &  anti- 
guidade fenaõ  fabe  dizer  nada  ,  &  comoja  no  tempo  do 
Condeílavel  D.  Nuno  Alvarez  Pereyra  era  venerada  netfa 
Cafa  aquella  milagrofaSenhora,podia  bem  fer  tivefle  ja  muy- 
tosannosde  origem  a  fua  Cafa :  &como  no  anno  de  1486. 
fe  ganhou  a  batalha  de  Aljubarrota ,  em  que  o  Condeílavel 
foy  dar  as  graças  à  Senhora  deCeiça,  &ja  huma,&  outra 
eraõ  antigas,  podemos  crer  que  tem  ambas  de  origem  mais  de 
500,  annos.  A  Senhora  eíiá  collocada  no  meyo  do  retabo- 
lo  da  Capella  mór,  tem  o  Menino  Deos  fobre  o  braço  cf- 
querdo,  &  terá  cinco  palmos  deeftatura.  Feíkja-íeem  z* 
de  Fevereyro. 


TITULO     XXI. 

T>a  Imagem  de  TSL.  Senhora  do  Monte  na  Freguefia  d<u 
Cortes  termo  de  Leyria* 

NO  termo  da  Cidade  de  Leyria  ,  fora  do  lugar  das  Cor- 
tes,fe  vé  em  hum  cabeço  alto  huma  Ermida  2  aonde  he 
venerada  huma  milagrofa  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos  com 
o  titulo  do  Monte ,  impoíto  fem  duvida  pelo  mefmo  Fun- 
dador daquelle  Santuário,  ( fem  embargo  de  que  alguns  que- 
rem ,  que  o  feu  titulo  feja  dos  Prazeres;  mas  commummente 
Jhe  dão  o  titulo  do  Monte.)  He  efla  Santa  Imagem  de  pedra, 
roasdericaefcultura,&afíim  he  muyto  linda,  &  devota. 

A  origem  defla  Santa  Imagem  fe  refere  por  huma  viva, 
&  continuada  tradição,  que  ha  nos  moradores,  &  nos  velhos 
daquelle  deftrito  ,  &  he  neíla  maneyra.  Dizem  que  vindo 
DiogoGil ,  (homem  que  navegava ,  &  naõconfla  fe  era  Ca- 
pitão de  algum  navio^fe  Piloto,  ou  Mercador,)  &  vendo  que 
o  navio  em  que  vinha ,  em  aquelledefirito  quecorrefponde 
aquellas  coftas  da  Vieyra ,  &  Saõ  Pedro  de  Muel ,  termo  da 

Cidade 


Livro  111  Tttulo  XXL  ~w 

Cidade  de  Leyria  ,  fazia  miferavel  naufrágio,  &feperdiaõ 
todos,  fizera  voto  a  N.  Senhora,  que  feellafoffe  fervida  de 
os  livrar  daquelle  grande  perigo  em  que  fe  achavaõ,  que  elle 
lhe  promettia  de  lhe  fundar  huma  Cafa  no  mais  alto  monte, 
que  dalli  fc  defeubria  ,  &  de  donde  fe  aviflaflem  as  nãos  que 
por  aquella  parte  navegavam.  Aceitou  a  Senhora  o  reli- 
giofo  voto,&  devota  promefTa,porque  no  mefmo  ponto  íof- 
íegáraõ  os  mares ,  &  o  navio  fahio  do  grande  perigo  em  que 
cíTava  ,&  Diogo  Gil  com  feuscompanheyros  fe  viraõ  naõ  fó 
livres,  mas  reíufcitados;  porque  taõ  grande  era  o  perigo 
em  que  fe  haviaõ  viíto.  E  muyta  gloria  à  Senhora  que  lhe 
infpirou  o  faberfe  valer  delia ,  para  que  por  efte  meyo  tivef- 
fem  também  aquclles  lugares  hum  taô  grande  prefidio,&  hu- 
ma taõ  grande  bemfeytora. 

Vendo- fe  Diogo  Gil  obrigado  à  Senhora  ,  por  naõ  fal- 
tar no  complemento  de  feu  voto,  paíTado  pouco  tempo  de- 
pois que  chegou  ao  porto  de  Lisboa ,  foy  logo  a  fazer  efeo- 
Ihadofitio  emque  havia  de  dedicar  a  Cafa  àquella  Senhora, 
que  he  juntamente  confolaçaõ  dos  affligidos,  &  c  porto  dos 
que  vaõ  a  naufragar.  E  parecendolhequeaquelle  monte  era 
mais  a  propofito  ao  feu  intento ,  nelle  refolveo  fundar  a  Cafa 
à  Senhora.  E  cila  era  o  que  o  guiava;  porque  ella  era  a  que  ja 
tinha  feyto  a  efeolha  daquelle  lugar,  em  que  queria  fer  buf- 
cada  para  beneficiar  a  todos. 

Feita  a  Ermida/rollocou  logonellaa  Sagrada  Imagem, 
que  logo  que  chegou  havia  mandado  fazer  também  ,  &  a  le- 
vou nos  feus  braços  no  dia  da  fua  collocaç?õ ,  com  muyta 
devoção  A  reverencia,  no  qual  dia  lhe  fez  huma  grande  fef- 
ta-  Nefta  Ermida  fediz  MiíTa  todos  os  Dcmingos,  &  San- 
tos,^ feflas  de  N.  Senhora.  Ó  dia  emque  afcflejaô  he  na 
Dominica  in  Albis  ,  &  daqui  fe  tomaria  motivo  para  enten- 
derem que  o  titulo  da  Senhora  era  o  dos  Prazeres.  Porém  o 
feu  titulo  naõ  he  outro  fenaõ  o  do  Monte.  Tem  obrado 
muy  tos  milagres  ,  &  ainda  ao  prefente  os  faz  a  todos  aquel- 

les 


34<$  Santuário  Mariani. 

ksi  que  com  fé  invocaô  o  leu  patrocínio.  E^Diógó  Gil ,  pa* 
ra  que  a  Cafa  da  Senhora  fe  confervafle  contrais  injurias  do 
tempo ,  &  contra  as  faltas  da  devoção ,  que  ordinariamente 
faomais  prejudiciaes  aos  Templos  fagrados,  que  os  rigores 
do  tempo  quando  ella  fe  esfria,  fezeafas  naquelle  íitio ,  Sc 
comprou  fazenda  querendeífe  para  a  fabrica  da  Ermida  ,& 
ornatos  do  Altar  da  Senhora  ,  a  qual  deyxou  a  feusherdey- 
ros ,  com  o  encargo  de  repararem  a  Ermida  ,  fr  de  a  ornarem 
detudoodeque  neceflitaíTe.  Depois  dos  herdeyros,  veyo 
efta  fazenda  a  Silvério  dá  Silva  de  Alcobaça,  &  a  poffue  hoje 
feu  filho  Pedro  da  Silva.  Naô  confta  o  anno  cm  que  fe  edifi- 
cou aqueíle  Santuário ,  &  Cafa  à  Mãy  de  Deos,  mas  confor- 
me ao  que  temos  referido,  havendo  tido  tantos  poffuidores, 
fe  entende  paífará  muy  além  de  cemannos ,  que  a  Ermida  fe 
fez,  &  dedicou.  Efta  noticia  nos  deu  o  Reverendo  Cura  das 
Cortes  o  Padre  Manoel  Pinheyro,aonde  he  annexa  a  Ermida 
de  N.  Senhora  do  Monte. 


TITULO     XXIL 

Da  Imagem  àe  noffa  Senhora  do  Amparo  do  lugar  da y 
Melroeyra,  termo  da  Filia  de  Ourem. 


s 


Empre  Maria  Santíííima  foy  o  noílò  amparo,&  o  noííòa- 
livio ,  eifa  nos  ampara,  foccorre ,  &  defende  em  todos  os 
noiTos  trabalhos ,  triílezas ,  &  defconfolaçoens ,  como  Mãy 
clementiílíma  ,  que  nao  pode  fofrer  ver  aos  filhos  em  algum 
perigo,  que  os  naô  ampare  ,&  defenda  nelle.  Eaífímacon* 
felha  Ricardo  de  Saõ  Lourenço ,  que  aqueíle,  que  fe  vir  affli* 
dló,  &  attnbulado,  por  fe  ver  em  algum  perigo,recorra  logo 
a  Maria,  porque  ella  como  Mãy  amorofa  o  amparará  de  to* 
Rk.  Li.  àos\Triffatur  aJiquis  \  continuo  ad  nomen  Mana  cníit  nubi- 
caP*  Zt  imiyfcwwn  udit^eccequomodoilhmínat  okwn  ittud.,  O 

que 


Lmm  III:  Titulo  XXII.  347 

que  eira  trifte  invoque  a  Maria  j  porque  o  tnéfmo  fera  invo- 
calla ,  que  experimentar  em  íi  o  feu  amparo,lcgo  defappâre- 
eem  ,  &  (e  desfazem  as  nuvens  de  trifleza  ,  &  com  a  invoca- 
ção do  feu  fantiffimo  nome  chegará  a  ferenidade  ;  porque 
he  o  feu  nome  óleo ,  que  dá  luz,  &  defrerraas  efeuridadesdo 
animo  ^  afugenta  a  triíkza  da  alma ;  porque  cila  nos  alivia  ,& 
adoça  em  qualquer  amargura  que  fe  padeça. O  Abbade  EcK- 
berco,  f aliando  com  a  Senhora,  diz:  Tuntnomtnaú  quu  £cu,er2 
dem  potes  }qutn  recrees  :  tu  mimcjuamfim  dulcedwe  diyvútm  10  ^y% 
tibi  infe  ta  pi<e  memoria  portas  ingreder is.  Vos  òSantiifíma 
Maria  nem  podeis  fer  nomeada ,  fem  que  ampareis,  quefois 
o  doce  amparo  de  noífas  affiiçcens:  vòs  nunca  entrais  às 
portas  de  huma  pia  memoria  ,íèm  que  com  a  doçura  que  cm 
vòs  enxertou  a  Divina  mão ,  recreeis.  E  Santo  Ignacio  Mar- 
tyr  dizia:  Maria  mi  feris  y  &  afflitfis  condokbat  coaffHffay 
me  fegmter  fubveniebat.  Maria  fe  condoia  y  affligindo.-fc 
comos  mileraveis  ,  &  affliâos,  &  com  toda  a  diligencia, 
(como  amnrofa  Mãy)os  amparava  ,&  foecorria. 

Naõ  fabe  efta  Senhora  ver  aos  peccadores  opprimidos, 
fem  que  os  ampare ,  &  alivie.  Bem  o  experimentaõ  os  mora- 
dores do  lugar  da  Melroeyra.  No  termo  da  antiga,&  nobre 
Viila  de  Ourem  ja  referida,para  a  parte  do  Norte,  em  diíhn- 
ch  de  quaíi  meya  legoa,  eíiá  hum  lugar  pobre,  corno  faõ  qua- 
fi  todos  os  do  Bifpado  de  Leyria.  Nefle  lugar, em  hum  cam- 
po povoado  hoje  de  oliveyras  ,&  cercado  de  quintas,  fe  vé 
o  Santuário  de  noíTa  Senhora  do  Amparo  ,  nelle  he  venerada 
huma  devotiffima  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos ,  a  quem  in- 
vocaõcomeíte  mvfíeriofo,  &  amorofo  titulo;  porque  he 
Maria  o  noíTo  amparo.  E  todos  aquelles  moradores  experi- 
menraô  fempre  o  amparo  ,  &  os  favores  defía  Senhora,quan- 
do  recorrem  a  el!a  em  feus  trabalhos ,  &  neceílidades;  por- 
que fempre  achaõ  o  feu  amparo  ,  &  patrocínio. 

^  Efta  Ermida,  que  he  annexa  à  Collegiada,  ainda  naõ  hâ  - 
verá  cem  annos,  que  fe  erigio.  Fundou-a  hum  devoto  da  Se- 

nhora 


348  Santuário  Mariano 

nhoracomaajuda,&aífiftencia  dos  moradores  do  mefmo 
lugar  \  era  efte  natural  da  Villa  de  Santarém ,  &  fe  chamava 
Gafpar  Cordeyrode  Mendanha ,  era  Senhor  de  huma  fazen- 
da ,  que  hoje  fe  vémuyto  augmentada ,  &  que  poffue  o  Có- 
nego Manoel  Pereyra  de  Azevedo.  Efte  Gafpar  Cordeyro, 
fem  duvida ,  porque  aquelles  aldeoens  tiveíTem  alli  alguma 
Ermida,  em  que  com  mais  alivio  pudeflem  fatisfazercomo 
preceyto da  Igreja,  mandou  fazer  a  Imagem  da  Senhora, 
que  he  devotiífima.,  &  de  grande  fermofura ;  feyta  aquella  fa- 
grada  Imagem,  em  todos  fe  excitou  a  devoção,  &  todos  con- 
correrão, fegundo  a  fua  poífibilidade ,  &  lhe  íizeraõ  a  Cafa, 
em  que  hoje  he  venerada,  &  fervida;  heeíla  Santa  Imagem, 
como  fica  dito,  muytofcrmofa  ,  &mortrahuma  mageftadc 
taõ  grande  ,&  he  tanta  a  graça  que  refpira ,  que  mais  parece 
obra  das  mãos  dos  Anjos,  do  que  de  maô  humana,  &affim 
eftá  inflammando  a  todos,  osqvaõavenerallanaquellafua 
Cafa ,  em  grandes  affedtos  de  devoção.  E  todos  aquelles,  al- 
deoens ,  &  ainda  dos  lugares  circumvizinhos ,  &  da  mefma 
Villa  recorrem  à  Senhora  i  para  que  ella  os  ampare,  &  reme- 
dee  em  feus  apertos ,  &  neceflidades.  E  na  muyta  fé  com  que 
a  invocaõ ,  &  com  a  devoção  com  que  a  bufeaõ ,  confeguem 
os  defpachosdas  fuás  petiçoens,  como  o  teftemunhaõ  as 
mortalhas  >  que  fe  vem  pender  das  paredes  da  fua  Cafa-  E  a 
eftareftaSantiílíma Imagem  em  povoação  mais  grande, & 
mais  nobre ,  feria  bufeada  com  muyta  mais  continuação ,  & 
frequência. 

He  efta  Imagem  da  Senhora  do  Amparo,  de  roca  ,  &  de 
vertidos ,  eftá  com  as  mãos  levantadas,  como  quem  eliá  fem- 
pre  pedindo  ,  &  fupplicando  o  remédio,  &  o  amparo  de  feus 
filhos  os  peccadores.  A  fua  eftatura  faô  três  palmos,  dizem 
que  fe  fizera  em  Lisboa.  Eftá  co! locada  em  hum  nicho  fobre 
o  Altar  mor ,  que  naõ  tem  outro  ,  porque  he  pequena  a  Er- 
mida ,  &  pobre  como  faô  os  que  alli  vivem-  Eu  confeito  que 
entrando  nefta  Ermida,  &  vendo  a  grande  magcftade  da- 

quclla 


Livro  III.  Titulo  XXI II.  349 

quella  Senhora ,  &  a  grande  devoç  aô  q  caufa ,  que  ainda  fen- 
do taõ  tibio,  &indevotome  naõ  fabia  apartar  da  fua  prefen- 
ça ,  &  fe  tivera  lugar  de  pafTar  muy tas  vezes  por  aquellas 
partes,  fora  femprea  viíitalla. 


TITULO     XXIII. 

2)a  Imagem  de  N*  Senhora  da  Ortiga,  em  o  lugar  da 
Fátima  termo  de  Ourem. 

NOtavcis  íaõ  os  títulos ,  com  que  a  Mây  de  Deos  quer 
fer  invocada.  Que permitta efla  Senhora,  que  nós  a 
invoquemos  com  o  titulo  da  Saúde,  feja  muy  to  em  boa  hora; 
porque  ellahe  afaude  de  todo  o  mundo  viíivel,  como  diz  „ 
Joaõ  Geometra:  Saiu*  mundi  Yifibilis ;  &  a  faude  de  todos  c  s  3oa"' 
homens  ,como  a  acclama  Thcofterito:  Solai  omnium  bonii-  /™* 
num.  Que  a  invoquemos  com  o  titulo  do  Soccorro,  dos  Re-  7 de  B. 
médios,  das  Neceffidades,  do  Bom  SucceíTo/eja.porque  efla  yirg. 
Senhora  he  o  noffo  foccorro ,  o  noflb  remédio ,  a  que  reme- 
dea  as  noíTas  neceífídades,  &  todos  os  noíTos  bons  fucceflbs  Theo"* 
delia  dependem,  porque  ella  no  los  alcança ;  mas  que  permit-   ™wim 
ta  efla  Senhora  que  a  invoquemos  com  o  titulo  da  Ortiga }Cetám, 
huma  erva  que  pica  ,  &  morde  aos  que  a  tocac?  Sim;  mas  naõ 
he,  porque  ella  nos  haja  deoffender,  pois  ella  como  Mãy,naõ 
fó  nos  naõ  offende,  mas  nos  defende  de  tudo*  o  que  nos  po- 
de caufar  algum  dano.    A  ortiga  he  taõ  agreík ,  &  ruftica, 
que  efeaçamente  a  tocaõ ,como  ruflica,&  defeor tés  logo  pica, 
&  offende,&  por  iffo  delia  fe  fez  efle  IcmiDziLeVitcrft  tmgà 
adurit-  '     PtmcM 

Sem  embargo  de  tudo  iflo  obfervou  Arefío,como  refe^  ío.c^p. 
re  Piniccllo,  que  a  ortiga  muy  to  apertada  na  maõ,  não  caufa  4!-'* 
nenhum  dano,  de  que  nafceo  o  outro  titulo,  que  lhe  deraõ:  ****** 
Comprefa  non  urit.  Affim  totalmente  o  homem ,  de  fuâ  na-  sJ*Mt 

tureza 


3^0  Santuário  Mariano 

tureza  feroz ,  coftumado  ainjuriar  aosoutros,  fe  apertar 

co  ti  fortaleza  o  punho  da  mortificação,  defpirá  todos  os 

ruins,  &  eícandalofos  hábitos,  que  o  deíacredifaõ.  Coma 

meíma  razaõ  a  carne  mortificada  por  nós,  com  a  animofa  dif- 

cipíina  , aprenderá  arefrear  afua  indómita  força  de  picar. 

S.WU.  SaõNilo  a  efte  propoíito  diz:  Cornem  ruam  debilttàtobo- 

para*.    n\ s labor 'ibivs ,penitití  ver ò eam  non domari po(fe exiftima*  E 

vvm.59  mais  elegantemente  ao  noífopropofito,  o  Padre  Camerario: 

Camer.  Laditur  is  mérito  parVum  cjut  neghgit  boflhn, 

aptid  Fortiterurticas  qiúpremli ,  illejapit. 

Plicim.  Mas  deixando  o  que]  na  ortiga  he  extrinfeco ,  vamos  ao  me- 

in         dicinal  ,  ôc  virtuofo.   A  ortiga  ,  fegundo  Diofcorides,  he 

Mando  quente  no  $ .  &  feca  no  2.  grão;  adelgaça ,  &  reíolve.  Coíida 

Sjmb.  em  vinh0  9  &  bebida  abranda  a  dureza  do  ventre ,  refol  ve  os 

Díofc.    fl*tos>  fára  a  cólica ,  alimpa  os  rins ,  &  conforta  os  homens. 

lú,  4.    A  raiz  cofida  em  vinho ,  &  mel ,  fára  a  toce  fria  7  alimpa  os 

*%/£•  orgaons  do  b~>fe ,  alarga  o  peyto  ,  &  reíolve  a  inchação  da 

campainha ,  &  defte  cofimento  ,  que  he  muyto  útil ,  fe  toma 

três ,  ou  quatro  colheres  pela  manhãa ,  &  à  novte.  As  folhas 

pifadas  cem  fal,fáraõ  as  mordeduras  do  caõ  danado,  alim- 

paõ,  &cura5  as  chagas  podres, &refolvem  os  inchaços. 

Daqui  podemos  agora  tirar, que naõ  dcfpreza  aMãy 
dos  peccadores,  &  foberana  Rainha  do  Ceo,o  titulo  da  orti- 
ga, pois  tudo  o  que  a  Medicina  de  Diofcorides  achou  nella 
de  virtudes  ,  tem  eíta  Senhora ,  para  nos  curar ,  &  farar.  El- 
la  adelgaça ,  Ôc  reíolve  em  nós  as  más  inclinaçoens ,  abranda 
as  durezas  do  noflò  coração  ,  refolve  em  nós  os  Ímpetos  vi- 
ciofos ,  fára  as  cólicas  da  ira,  alimpa  os  rins , iíio  he  ,  que  ex- 
tingue em  nós  osappetites  fenfuaes,  &  alimpa  os  orgaons 
do  bofe,  iftovem  afer  com  a  virtude  da  caridade  ,  que  nos 
alcança,  &  nos  conforta  para  bem  obrar.  Efe  a  ortiga  co- 
íida em  vinho,  5c  mel  ,  tomada  pela  manhãa, &  ànoyte,  alar* 
*■*  ga  o peyto,refoive  a  inchação;  a  devoção  de  Maria  noffa  Se- 
'>  nhora/quche  doce  como  o  mel  ,&  que  alegra  como  o  gene - 

rofo 


Livro  111.  Titulo  XXUl.  351 

rofo  vinho,  ufada,&  exercitada  pela  manhãa,8c  à  noyte,pela 
meditação, rcfolvcrá  a  inchação  da  foberba,  &  dilatará  o  co- 
ração para  o  bem  obrar.  A  mefma  devoção  da  Senhora  uni- 
da como  falda  Divina  graça  ,  fára  todas  as  mordeduras  dos 
caens  danados,  &  infernaes,  fára  ,  &  cura  as  chagas,  &  as  fe- 
rida s  da  culpa  ,&  refolve  os  inchaços  do  ódio,  &  defaffeyçaõ 
do  próximo.  E  como  a  Senhora  quer  que  obremos  fegundo 
a  virtude  deíla  medicinal  erva ,  por  iíTo  fe  naô  defagrada ,  de 
que  lhe  imponhaô  o  titulo  da  Ortiga. 

No  termo  da  Villa  de  Ourem  ha  hum  lugar  muyto  an- 
tigo, porque  ainda  ficou  do  tempo  dos  Mouros,  como  o  a- 
pregoaofeunome,  que  fe  chama  Fátima  j  fica  eiíe  acOcci- 
dente  ,  ou  entre  o  Occidente ,  &  o  Sul ,  em  diftancia  de  duas 
legoas ,  pouco  mais  ou  menos.  A  fua  Parochia  he  dediesda 
à  Rainha  dos  Anjos ,  com  o  titulo  dos  Prazeres.  He  fugey- 
ta  ,&  annexa  efta  Igreja  à  nobre  Collegiada  de  Ourem.  No 
deflrito  deíla  Freguefia  eftá  hum  Cafal ,  a  quem  dsõ  o  nome 
de  Santa  Maria  ,&  nelle  fe  vé  fituado  o  Santuário  de  noífa  Se- 
nhora da  Ortiga ,  Cafa  de  muyta  romagem  }  &  que  em  tem- 
pos mais  antigos  devia  fer  muyto  mais  frequentada,  Que- 
rem aquelles  moradores,  que  tila  Ermida  da  Senhora  íeja 
ainda  muyto  mais  antiga  que  a  mefma  Collegiada ;  mas  naõ 
o  provaô,  porque  a  Collegiada  jaoera  noannode  1451.  a- 
inda  que  teve  mayoresaugmentos  no  de  1440.  mas  bem  po- 
deria ler,  que  jaaquella  íoberana  Senhora  fe  ouveffe  mani- 
fcílado. 

Referem  por  tradição  os  moradores  do  lugar  da  Fáti- 
ma, que  andando  naquelleíitio  do  Cafal  de  Santa  Maria  hu* 
ma  menina  muda ,  apafeentando  humas  ovelhinhas  \  que  naõ 
feriaõ  muy  tas,  fegundo  a  capacidade  da  pafrora,  que  as  guar- 
dava,  &  que  naquelle  feu  ruflico  cuydado  lhe  apparecéra  a 
Mãy  do  Divino  Paftor,  Maria  Santiffima",  &  que  lhe  diífera: 
Qneres  darme  hua  das  cordeyras  que  guardasrTaõ  milagro* 
fas  foraõ  eflas  palavras )  que  fó  a  voz  delias  bailou  para  def- 

crnpc- 


3  J  t  Santuário  Mariano 

empedir  osorgaonsdavóz,&doouvirà  paftorinha,  por- 
que logo  fe  lhe  dcfembaraçou  a  língua,  &pode  ouvir  para 
refponder  àquella  amorofa  Senhora,  dizendo, que  naõeíh- 
va  na  fua  maõ  o  poderlhe  dar  a  cordeyra ,  porq  pelejaria  com 
cila  feu  pay;masque  fe  ella  foffe  fervida  ,  que  lho  foíTe  dizer, 
q  ella  iria  logo.  A  Senhora  paga  da  boa  vontade  da  innocente 
paftannha,  lhe  mandou  que  lho  fofíe  dizer.  Foy  a  ditofa  fer- 
rana  a  reprefentar  ao  pay  (  que  era  o  Lavrador  do  mefmo  re- 
ferido cafa!)  a  petição  da  Senhora  ,  a  tempo  que  elle  ja  vinha 
procura! Ia  para  que  fe  recolheíTe.  Propoz  a  petiçaõ,dizen- 
do ,  que  huma  mulher  muyto  fermofa  lhe  fallára ,  &  lhe  pe- 
dira huma  cordeyra.  O  pay  reconhecendo  a  maravilha  >& 
entendendo ,  que  quem  lhe  havia  feyto  à  paflorínha  tam 
grande  beneficio,  era  mais  que  mulher ,  &  que  feria  noffa  Se- 
nhora ,  pois  via  a  menina  milagrofamente  livre  do  impedi- 
mento da  língua  ,  que  atèh  tivera  preza  3  lhe  refpondco ,  que 
àquella  mulher  naõ  queria  ovelha  ,  nem  cordeyra ;  mas  que 
lhe  fofle  ella  dizer;  porque  elle  naõ  era  merecedor  de  a  ver, 
nem  de  lhe  fallar;  que  fe  queria  que  elle  obraffe  alguma  coufa 
em  feu  ferviço,que  logo  o  faria. 

Comeftarepoíla  do  humilde  Lavrador  voltou  a  inno- 
cente pafforinha ,  que  mereceo  ver  outra  vez  ,  &  fallar  à  Se- 
nhora, &  dizendo  o  que  feu  pay  lhe  havia  dito,  lhe  diíTe  a  Se- 
nhora ,  que  ella  queria  que  naquelle  lugar  fe  lhe  fizeífc  huma 
Ermida  j  em  que  foíTe  louvada,  &  bufeada  de  todos  os  mora- 
dores daquelle  lugar,  para  nella  remediar  a  todos.  Foy  o  La- 
vrador, &  no  fitio  em  que  a  menina  dizia  que  a  Senhora  lhe 
fallára  ,  achou  fobre  hua  pedra  huma  Imagem  da  mefma  San- 
tiffimi  Virgem ,  entre  huma  mata  de  aroeyras  cercada  de  or- 
tigas; (por  cuja  caufa  dizem ,  fe  lhe  impuzera  à  Senhora  o  tí- 
tulo da  O  tiga)  veado  o  Lavrador  a  Senhora  a  adorou  com 
muy  ta  de  voçiõ.  Naõ  confia  fe  deu  parte  ao  Parocho  da  fua 
Igrej*,nemfcdallialeváraõ  para  ella;  o  que  refere  a  tradi- 
ção he;que  o  Lavrador  mandara  logo  fazer  huma  pequenina 

edicula 


Livro. II L Titulo  XXIII.  353 

edicula  ,  naõ  cm  o  lugar  cm  que  a  Senhora  o  havia  difpoiío, 
mas  em  outro  mais  afaftado,&  fez-fe  cila  taô  deprefía,  que 
brevemente  fc  tresladou  a  Senhora  à  nova  edicula  ;  mas  co- 
mo a  vontade  da  Senhora  era ,  que  fe  lhe  edtficaíTc  no  mefmo 
lugar,  o  mefmo  foy  collocalla  na  Ermidinha,  que  defappare- 
ecr  delia  logo;  porque  logo  os  Anjos  a  tresladáraõ  ao  pri- 
mey ro  fítio,  &  a  collocáraõ  fobre  aquef  le  tofco,  mas  preciofa 
trono ,  pois  fervio de  folio à  foberana  Emperatriz  do  Ceo, 5c 
da  terra  ,&a!li  aforaõ  defeubrir  outra  vez  entre  aquellas 
medicinaes  ortigas- 

A  mim  femereprefenta  ,  que  oParocho  levaria  a  Se- 
nhora para  a  fua  Igreja,ainda  que  fofife  em  depofito,até  fe  lhe 
edificar  Cafa  própria  ,  &que  a  Senhora  da  Igreja  voltaria 
por  mimíterio  dos  Anjos  ao  feu  lugar:  8c  naõ  falta  quem 
julgue  ,  que  fora  mais  de  huma  vez  a  fuga  da  Senhora,  do  lu- 
gar em  que  a  collocáraõ,  paraaquclle  feu  trono,  que  ella  ha- 
via efeolhido.  E  como  viraõ,  que  a  Senhora  repetia  as  fugas, 
ou  que  os  Anjos  a  muda  vaõ ,  fe  déraõ  por  convencidos,  de 
que  a  Senhora  queria  fer  bufeada  naquelle  lugar  das  fuás  or- 
tigas. E  aífím  tratarão  de  lhe  edificar  Cafa  no  mefmo  íitio, 
qucdefmontáraõ,  &  compuzeraõ  para  effe  effeyto.  Feyta 
efta  ,  que  nam  foy  muyto  grande ,  nem  como  pedia  a  mila- 
grofa  manifeftaçaõ  da  Senhora,  a  collocáraõ  nella, aonde  lo- 
go continuou  em  obrar  as  fuás  muy tas  ,  &  grandes  maravi- 
lhas ,  a  cuja  fama  concorriaõ  os  povos ,  a  vi  fitar  aquella  Se- 
nhora ,  &  a  pedirlhe  favores  ,  &  o  remédio  de  todas  as  fuás 
neceífidades,  aonde  todos  experimentavaõ  os  effeytos  da 
íua  clemencia;&  com  as  efmolas,que  oíferecia  a  fua  devoção, 
&com  as  que  depois  fe  foraõ  ajuntando,  fc  refolvéraõos  que 
de  mais  perto  aífiíhaõ  à  Senhora  ,  em  lhe  fazer  outra  Cafa 
muyto  mayor  ,  que  he  a  que  ao  prefente  exiik ,  &  em  que  a 
Senhora  he  fervida ,  &  venerada. 

Na  mefma  Cafa  da  Senhora, em  a  Sacriflia,dizem  fecon^ 

ferva  ainda  hoje  parte  da  mefma  pedra,  cm  que  ella  fe  mani- 

Tom.III.  Z  feftou 


3  J4  Santuário  Mariano 

feftou,  que  por  haver  íervido  de  trono  daquella  ceíeflial 
Rainha  ,  a  recolherão,  &  guardarão ,  &  parece  que  ja  hoje 
eftá  muyto  diminuida^porquea  fé,&  a  devoção  dos  Romey- 
ros a  foy  desfazendo,  coroo  dizem ,  &  levando-a  por  relí- 
quia, &  nos  pós  delia  achavaõ  o  antídoto  de  todos  osfeus 
males. 

A  Senhora  eíiá  coHocada  no  Altar  morgue  he  único  na 
mefma  Ermida ,  em  hum  nicho  de  pedra ,  he  de  efeultura  for- 
mada em  pedra,8chem  poderá  fer  que  os  Anjos  foffem  os  ar- 
tífices defta  foberana  fabrica.  A  fua  efíatura  íaõquaíi  quatro 
palmos.  Fefleja-fe  em  o  primey  ro  Domingo  de  Julho,como 
odifpõemoComproipiíToda  fua  Irmandade,  confirmado  na 
annode  1618.  na  Sede  vacante ,  fendo  Pro  vi  for,  &  Vigário 
géral,o  Chantre  Pedro  do  Rego  Beliago.Na  fua  Cafa  fc  vera 
pender  muy  tas  memorias ,  &  fináes  ,  dos  muytos,  &  gran- 
des benefícios  que  efla  mifericordiofa  Senhora  obra  a  favor 
dos feus devotos,  os  quacseítão  apregoando  a  fua  grande 
clemência  ,  &  piedade  a  com  que  nos  fabc  remediar ,  &  acu- 
dir a  todos* 


TITULO     XXIV. 

Da  miligrofa  Imagem  de  NSenbora  das  Mercês  junt* 
ao  lugar  do  Aqueidao  da  Monta  termo  de  Ourem. 


A 


Mayor  mercê  que  podem  fazer  os  Reys  da  terra^hc  def- 
*  m  pachar  logo ,  &  bem  o  que  fe  lhe  pede.  Por  efta  muyto 
mayor  liberalidade  veneramos  a  Maria  Santiffima }  que  coma 
íòberana,&  liberal  Rainha,nunca  falta  em  nos  conceder,  lo» 
go  q  a  invocamos,as  mercês  q  lhe  pedimos,  8r  taõ  promptas, 
que  a  hum  defejo  noííb  nos  refponde  com  as  mercês.  N^õ  hc 
ofeumageilolo  Tribunal  como  os  Tribunaes  dos  Rcys,  & 
Príncipes  terrcnos,nos  quaesaíEm  como  faòos  pertenden- 

tes 


Livro  ULTituk XXIV.  ^7 

tes  mais  que  as  mercês,  aílim  feefgotaafontedos  feus  bene- 
fícios ,  pela  fequiofa  multidão  dos  quebufcaõos  defpachos; 
antes  fim  no  inexhaufto  thefouroda  liberalidade  da  Virgem 
Maria  Senhora  noffa ,  faõ  as  mercês  em  taõ  grande  numero, 
que  daõfatisfaçaõ  geral  a  todas  as  pertençoens.  Eheoque 
diz  Saõ  Bernardo:  Ommbt44om?tia{dizoSmto)faãa  eft  Ma-  Piv\ 
ria,  ut  de  plenitudine  e)m  accipiant  uniyerft.  Nefte  pois  taõ  *trn* 
magnifico  Tribunal  os  affedlos  de  Maria  Santiflima  faôos 
feus  miniííros  >  o  expediente  o  feu  cuydado,  a  fua  comifera- 
çaõ ,  a  que  recebe  as  petiçoens ,  &  o  amor  he  o  prefi  dente, 
porquemfedecretaõ  todas  as  mercês.  Naõ  ha  nefle  Tribu- 
nal dias  feriados  *,  porque  como  o  amor  naõ  fabe  citar  ociofo, 
em  hum  Tribunal  emqueomefmo  amor  prefíde,  todos  os 
dias  faõ  dias  de  de  fpacho. 

Mas  que  confórmes,ò  foberana  Rainha,  que  conformes 
aos  noíTos  defejos,  faõ  as  mercês  de  hum  Tribunal  taõ  mag- 
nificoJNaõ  ha  fupplica Jnaõ  ha  petição,  naõ  ha  rogativa ,  que 
nclle  naõ  tenha,  o  que  pede ,  por  defpacho,ouaqucmfenaã 
ponha  pordefpacho ,  hum  como  pede.  Mas  como  nefte  Tri- 
bunal preíide  o  amor  j  porque  a  mefma  Senhora  que  noEu- 
angelhofe  chama  Mãy:  St abat  Mater ,  nos  diz  também  que 
he  a  Mãy  do  mefmo  amor :  Mater  pulchrjt  dtleãionisfo  Tri-  &&A 
bunalemqueoamorheoqueprcfide,  todos  os  feus  defpa-*** 
chos,  &  todas  as  fuás  mercês  Taõ  largas*  Quem  pois  à  vifta 
de  huma  taõbenigna,&  liberal  Rainha,*  Senhora,que  goíia 
de  que  lhe  peçamos,  deyxará  de  alcançar  muy  tas,  &gran- 
des  mercês  ,  quando  com  verdadeyra  fé ,  &  humildade  che- 
garmos ao  Tribunal  da  fua  clemência? 

Entre  os  muy  tos  lugares-,  que  em  feu  termo  compre*  - 
hende  a  nobre  Villa  de  Ourem,fv  :m  deiles  he  o  do  Alqueidai 
da  Mata  da  Vide, ou  Moa  ta  da  Vide, que  fica  à  parte  do  Nor  «■ 
te  da  mefma  Villa,  &  em  diílancia  de  pouco  mais  de  meya  le- 
goa.,  masnodeftrito  de  fira  illultre  Collegiada.  Junto  ao 
meírno  lugar  havia  huajaantiquifli4na  Ermida  dedicada  a  Saõ 

2  z  kLou- 


3  5  6  S autuaria  Mariano 

Lourençc,&  fcm  duvida  porque  nelia  faltava  a  May  dos  pcc- 
cadores ,  &  aquella  dementiíRmaReroediadora  das  noíías 
neceflidades,&  trabalhos,  difpoz  a  Divina  Providencia, que 
lhes  naõ  faltafle  efle  feu  amparo  aos  homens  em  aquelle  lu- 
gar. Vez-fecollocadaeftafoberana  Princefa  da  gloria  em  a 
mefma  Capella  do  Santo  Levita  ,  em  hum  nicho  dourado  em 
omcyodo  Altar.  He  eíta  devotiífima  Imagem  de  Maria  San-, 
tiffima,  a  quem  invocaõ  com  o  titulo  das  Mercês  ,  ( impoílo 
fem  duvida  pelas  muytas ,  que  logo  começou  a  obrar  a  favor 
de  todos  aquelles  que  da  fua  grande  riqueza ,  &  liberalidade 
fe  fabiaõ  valer)  de  roca  ,&  de  veflidos ,  &  tem  em  feus  bra- 
ços ao  Menino  Deos  ;  íua  eftatura  faõ  pouco  mais  de  três 
palmos- 

Sobre  a  fua  origem,  &  princípios,  a  tradição  que  ha  en- 
tre aquelles  moradcres,he,  que  pelos  annos  de  1 400.  &  tan- 
tos, (mas  naõ  fey  fe  fera  taô  antiga  a  vinda  da  Senhora;  por- 
que neftas  tradiçoens  fempre  acrefeentão  os  annos  ,&  fa- 
zem fempre  que  os  princípios  fejaõ  immemoriaes ;  mas  fejaõ 
embora  os  500.  annos  que  elles  dizem)  chegara  àquella  Er- 
mida hum  Ermitão  de  fanta  vida ,  &  que  efte  trouxera  comíi- 
go  aquella  foberana  Imagem ,  &  que  a  collocára  em  o  mefmo 
Altar  de  Saô  Lourenço  ,  &  que  ai  li  vivera ,  &  acabara  fanta- 
mente  em  o  ferviço  da  mefma  Senhora.  E  que  para  fazer  na- 
quelle  lugar  a  fua  perpetua  habitação,  levantara  humas  pa- 
redes encoftadas  à  Ermida,  da  parte  da  Epiftola,  cm  que  for- 
mou huma  caíinha  para  fua  morada ,  com  huma  janella  pe- 
quena para  a  mefma  Capella  da  Senhora ,  de  donde  feoceu- 
pava  todo  em  os  Divinos  louvores  ,  &  da  May  de  Deos.Nef- 
ta  fanta  oceupaçaô  gafiou  o  Ermitão  todos  os  annos  da  fua 
vida,&  na  fua  morte  fe  mandou  enterrar  à  vifta  da  mefma  fua 
Senhora ,  a  quem  fervorofamente  havia  fervido. 

Também  affirma  a  tradição  ,  que  depois  que  a  Senhora 
fcy  collocada  naquelle  Altar  ,mõ  fora  renovada,  fendo  que 
o  feu  fermofo  roíío  fe  confervacom  huma  graça ,  &  com  hu- 
ma 


Livro  III.  Titulo  XXIV.  w 

ma  cor  tam  fermofa  ,  &  admirável,  que  parece  fer  encarnada 
demuyto  poucos  dias.  Desde  o  primeyro  dia  emquefoy 
collocada  naquella  Ermida,  começou  logo  Deos  a  obrar  pela 
fua invocação  tantos  milagres,  que  naõtem  numero,  nem 
nunca  ouve  quem  dellesfizeífe  memoria;  mas  fem  embargo 
de  que  fe  naõ  eferevéraõ,  cm  huma  relação,  que  nos  fez  dos 
princípios  de fta  Santiffima  ,&  milagrofa  Imagem  hua  peífoa 
de  muyta  fuppofiçaõ ,  &  devotiffimo  ícu,  nos  refere  muy tos 
dos  modernos,  dos  quaes  referirey  adiante  alguns  para  ma- 
yor  honra  ,  &  louvor  da  Virgem  Senhora. 

Deitas  grandes  maravilhas ,  que  a  Senhora  das  Mercês 
continuamente  obrava ,  tomáraõ  motivo  algumas  nobres 
peíToas ,  aflim  da  Villa  de  Ourem ,  como  das  que  viviaõ  por 
aquellas  quintas  circumvizinhas  ,  &  nos  lugares  da  Ri- 
beyra  da  Mouta  da  Vjdc  ,  Alqueidaõ ,  Pinheyro ,  &  Cafaes, 
para  a  feftejarem  com  muyta  grandeza,  &  perfeyçaõ,  &  a  lhe 
erigirem  huma  Confraternidade  y  creda  com  Eftatutos ,  5c 
Compromiffo,aqual  foyapprovada  fendo  Biípo  deLeyria 
Dom  Pedro  Barbofa  pelos  annos  de  16.  a  fuafeftividade  fc 
Ihefolemniza  em    de    Eo  principal  motor  da  Irmandade 
foyoPadre  Manoel  Ferreyra  Gentil ,  que  foy  morador  no 
lugar  da  Mouta  da  Vide  ,  o  qual  eftando  enfermo  com  huma 
febre  maligna,  fem  nenhuas  efperanças  de  vida ,  &  ja  defen- 
ganado  dos  Médicos  da  terra ,  fe  valeo  das  medicinas  do 
Ceo ,  invocando  em  feu  favor  a  Senhora  das  Mercês.  E  tan- 
to que  invocou  o  feu  poderofo  nome  defapparecco  a  febre, 
&  cobrou  logo  huma  milagrofa  faude.  Efte  Padre  por  naõ 
fer  ingrato  a  tam  grande  benefício ,  como  havia  recebido, 
cheyo  de  huma  fervorofa  devoção ,  tratou  logo  de  eftabcle- 
cerefta  fua  Irmandade,  &  com  as  obrigaçoens,  que  declaraõ 
os  feus  Eftatutos ,  &  CooipromiíTo ,  de  enterrarem  aos  feus 
Irmãos  defuntos,  &  de  lhe  aíliftirem  em  fuás  doenças,  &  en- 
fermidades ,  por  repartição  do  Juiz  da  Confraria ,  &  de  aílif- 
tirem a  todo  oneceffario  para  a  folemnidade  da  fe  fta  da  Se-. 
Tom.  III,  Z  j  nhora/ 


35  8  Santuário  Mariana 

fihora.Eaffim  elegem  todos  os  annos  porjuizhumadas  pef- 
foas  mais  princípaes ,  hum  Eícrivrá ,  &  dous  Mordomos. 
Eítes  faõ  os  que  fazem  a  fefla  â  Senhora :  &  a  mefma  Irmati-» 
dadehe a  que  fabrica  a  Igreja;  porque  naõ tem  Padrocyro. 
/        Nos  pnmeyros  annos  ,  em  que  fedeu  principio  à  pró- 
digo dos  Pa  fios  na  Villa  de  Ourem,  que  efíá  aífentada  na 
Cafa  da  Mifericordia  da  mefma  Villa ,  fepedio  licença  aos 
feus  Confrades,  para  levarem  eila  Sagrada  Imagem,  para 
lhe  fervir  no  paffo  do  encontro.   Foraõ  bufcalla,  &naõfal- 
tou  quementendeffe  ,  que  a  fermofura  ,&  a  alegria  que  a  Se* 
nhora  mofíravaem  feu  fantiíTimorofto ,  naõ  parecia  muyto 
accommpdada  para  paíTo  taõdolorofo.  Levaraõ-na  parahu^ 
ma  Ermida,  de  donde  havia  defahir  emaquelle  paíTo  do  en- 
contro. Cafo  maravilhofo  !  fahiraõ  quatro  Sacerdotes  cora 
as  fuás  fobrepelizes,que  eraõ  os  que  levavaõaos  hombros  a« 
quella  Divina  Arca,  &  foy  viíla  com  hum  rofto  taô  defmaya? 
êo .,  &  com  tantas  moíiras  de  trifteza ,  &  agonia  ,que  caufou 
cm  todos  hua  grande  compunção,  &  ternura.  Dcpci^  fe  fuf- 
pendeo  o  levarem  a  Santa  Imagem  a  efla  piadofa  funçaõ,ò 
que  fe  executaria  prudenremente,por  fc  evitar  alguma  curió* 
fidade  em  efperar  milagres. 

Dous  mancebos  nobres  daquella  circumvizinhança  da 
Senhora  das  Mercês  ,  dos  quaes  hum  fe  chamava  Joícphác 
Chaves  &  Faria  ,  grandes  devotos  da  Senhora ,  &  de  muyto 
bom  procedimento,  (  que  he  a  deveçaõ  para  ella  mais  grata) 
procurarão  qut  fe  lhe  fizeííe  hum  nicho  com  toda  a  perfey- 
faõ  ,  em  que  pudeíTe  efíar  com  mais  veneração ,  &  reveren- 
cia ,  &  depois  de  acabado  ,  &  perfeytamente  dourado ,  foraÕ 
viíitar  a  Senhora  ,  &  ver  a  obra  em  hum  Ssbbado  àz  Qnaref- 
mr7  &  reparáraõ,(no  tempo  em  que  faziaõ  a  fua  oraçaô)  com 
•  goítode  verem  acabada  a  fua  obra  ,  que  citava  a  Senhora 
foando ,  &  viraõ  em  feu  rofto  humas  como  pérolas  que  coií- 
riaõ ,  &  no  rofto  do  Menino  outras  que  moftravaô  tftar  fuf- 
pcaías.  Naõ  fepode  entender  efle  myfleric.  Mas  o  ferem 

jaila- 


Livro  III.  Titulo  XXIV.  3  r9 

mifagrofas,  omoílrava  também  o  tempo,  porque  efiava  o 
dia  claro  ,  &  fereno,  &  naõ  havia  flores,  nem  couía  de  que  fc 
pudeíTe  entender  foílemnafcidasde  alguma  humidade,ou  de 
outra  caufa  natural. 

Quanto  aos  milagres  ,fó  referirey  tres,&feja  delles 
oprimeyro.  Huma  mulher  chamada  Margarida  Mendes  ,ca* 
fada  com  António  Francifco  Lavrador  ,&  do  lugar  da  Vár- 
zea ,  termo  da  mefma  Villa  de  Ourem,  eftava  de  parto  havia 
oy  to  dias  completos  fem  poder  parir ,  &  eftava  ja  com  todos 
os  Sacramentos,  quaíi  efpirando.  Neila  angujftia  chamou  pe* 
la  Senhora  das  Mercês,  pedindolhe,  que  lhe  valeíTe  naquella 
hora,  que  lhe  deíTe  vida,  &  ali  vraíTe  daquelle  perigo,  &  lhe 
promettia  de  fe  ir  pezar  a  trigo  à  fua  Cafa ,&  que  feria  para  as 
fuás  obras.  Logo  que  acabou  de  fazer  a  fua  promefTa ,  pari® 
com  bom  fucceííò ,  &  ficou  livre ,  &  em  breve  tempo  fe  fojr 
pezar  â  Igreja  da  Senhora,  &  a  darlhe  as  graças  do  beneficio 
que  lhe  havia  fey  to. 

Sejaofegundo,  o  que  refere  o  ja  nomeado  Jofeph  de 
Chaves  de  Faria ,  morador  na  fua  quinta  nova  chamada  das 
Mercês,  o  qual  fazendo  huma  cura  larga  de  huma  grave  en- 
fermidade, que  padecia, procedendo  efta  adiante,  lhe  fobre- 
veyo  hum  grande  accidente,  que  fe  teve  por  morta],  porque 
nelle  perdeo  os  fentidos ,  &  a  falia.  Foraõ  chamados  dous 
Religiofos  Capuchos  do  Convento  de  Santo  António,  que 
fica  junto  à  Villa,  &  também  em  naõdemafíada  diflancia  da 
referida  quinta  das  Mercês,  para  o  cõfeífaremjmas  acháraõ- 
no  em  forma,  que  o  naõ  podia  fazer.  EccnfeíTa  o  me fmo en- 
fermo, que  naquelle  letargo,  fó  tinha  no  coração  a  lembran- 
ça da  Senhora  das  Mercês,  ôcque  entaô  lhe  pedira  o  favor  da ' 
fua  interceíTaõ  ,&  patrocínio.  E  nomefmo  tempo  que  a  in- 
vocou intcriormente,fe  achou  por  favor  da  mefma  Senhora, 
naõ  fóreflituido aos  feus  fentidos;  mas  pode  fallar  ,&con- 
feiTar-fe  devagar  ,  &  ficou  bom ,  &  com  muy  to  alivio.  . } 

O  terceyro  prodígio  for*  que  Mariana ,  moça  folteyra, ' 
Z  4  de 


$60  Santuário  Mariano 

de  idade  de  vinte  annos,  filha  de  António  Vieyra,cafeyro  do 
referido  Jofeph  de  Chaves,  meteoíelhe  a  efla  em  hum  pé 
huma  racha  de  páo  feco,  que  lho  atraveítou,  &  lhe  ficou  den- 
trp,  deque  padeceo  graves  dores,  &  fazendoíelhe  rruytas 
medicinas,  &  remeolos/iada  aproveytou,  para  fahir  a  racha 
do  pé.  Eftava  o  Cirurgião  refoluto  a  lho  abrir  com  ferro  pa- 
ra tirar  o  páo.  Nefta  affliçaõ  em  que  fe  via  a  moça,  fe  pegou 
coma  Senhora  das  Mercês,  promettendolhe  hum  pé  de  cera, 
fe  a  livraffe  daquelle  trabalho.  Logo  por  íi  mefma  iahio  a  ra- 
cha,&  ficou  como  fe  nada  ti  vrfle,  a  ttribuindo,  como  na  ver- 
dade foy  ,  a  efpecial  favor  daquelía  foberana Rainha, que 
nunca  ceifa  de  fazer  mercês ,  aos  que  imploraõ  a  fua  clemên- 
cia. Se  ouveíTemos  de  referir  as  grandes  mercês,  &  favores, 
que  efla  Senhora  tem  fey  to  em  os  prodígios ,  que  tem  obra- 
do ,fora  nunca  acabar;  mas  baflaõ  os  referidos,  para  que  com 
elles  fe  avive  a  noffa  fé. 


TITULO     XXV. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhora  do  Tejtinho  da  Ribeyra 

do  OUVal. 

NO  fcgundotomodeftesnoífos  Santuários ,  no  titulo 
3  8.  do  fegundo  livro,  tratey  da  Senhora  do  TeíKnho, 
da  quinta  do  campo  ,  em  os  limites  de  Villa  Nova  ,que  he  do 
Conde  de  Caflello  Melhor.He  o  original  defta  Sagrada  Ima- 
gem, hum  tefiinho,  ou  hum  pedaço  das  coftas  de  huma  cal- 
deyrinha  de  agua  benta,  feyta  de  porçolana  de  barro  de  Lis- 
boa ,  na  qual  fe  vé  mcyocorpo  de  huma  Imagem  de  noíTa  Se- 
nhora ,  &  a  cabeça  do  Menino  JESUS,  como  aquelfas  que  fe 
coftumaõ  porem  osapofentos,  &  ascoflumaõ  ter  os  Reli- 
giofos  em  fuás  cellas.  Eíle  teftinho,  ou  pedaço  das  coitas  de 
humacaldeyrinha  que  fe  quebrou,  cm  que  eftaya  pintada 

huma 


Livro  III  Tituto  XW.  3^1 

huma  Imagem  ae  noíía  Senhora  ,  deu  a  Communidade  das 
Madres  Carmelitas  Defcalças  de  Santo  Alberto  (como  dey- 
xamos  referido  no  tomo  fegundo,)  o  Conde  de  Caftello 
Melhor  ,  quando  cftava  no  governo;&  oceupava  o  cfficio  de 
Efcrivaõ  da  Purtdade,&  era  o  primeyro  Minifiro  da  Magef- 
tade  do  Senhor  Rey  Dom  AfFonfo  o  Sexto,  que  fanta gloria 
haja,  Eo  Conde  a  trazia  em  hum  caxilho,  como  huma  precio- 
fa  joya  fobre  o  peyto,  para  que  a  Senhora  o  livraflc  de  todos 
Os  perigos. 

Foy  ElRey  Dom  AfFonfo  deporto  do  governo ,  &  alte- 
rando-fe  tudo  com  o  fucccíTo  da  fua  privação,  foy  precifo  ao 
Conde ,  como  valido,  para  evitar  os  perigos  em  que  os  feus 
emulos  o  podiaõ  colher ,  retirarfe  como  fez  ,  &  bufeando-fc 
o  Conde  com  exquiíitas  diligencias  de  todos  os  perigos,  & 
cilladas,  o  livrou  N.  Senhora  ,clar  a  manifeflaçaõ,  de  que  ellc 
a  amava* 

Depois  de  efeapar  de  muytos  perigos  fugindo  aos  mais 
que  temia ,  foy  dar  comíigo  ao  termo  de  Ourem ,  &  confiado 
em  noíTa  Senhora  ,  fe  entregou  à  protecção  de  hum  pobre/i- 
nho  homem  chamado  Manoel  Dias ,  a  quem  impuzeraõ  de- 
pois a  alcunha  ,  das  botinhas,  porque  era  deeflatura  muy 
pequeno,  &  trazia  fempre  humas  botas  como  aldeaõ ,  como 
eu  o  vi ,  ou  Lavradorfínho-  Foy  efíe  Manoel  Dias  taô  hon- 
rado, taô  fiel  ,&taõ  prudente,  que  em  huma  fua  pobre  caíi- 
nha  teve  valor  para  oceultar  ao  Conde  por  muy  tos  dias ,  fem 
que  peffoa  alguma  pudeííe  prefumir,  quenaqueHa  cafaou- 
veffe  outra  peftòa  mais  que  o  tal  Manoel  Dias,  afliiiindolhc 
naôcom  animo  de  hum  aldeão,  mas  com  a  urbanidade,  &  ge- 
nerofidade  de  hum  Cavalleyrõ. 

Depois  de  paliadas  muvtas  fomanas,  cm  que  ja  a  fanha 
dos  que  o  bufeavaõ,  &  o  fo^o  da  ira  dos  que  o  perfcguiao,ef- 
tava  jamais  moderada  ;  ou  porque  feentendeo  eftariajaem 
lugar  bem feguro ,  fc  tinhaõ  fufpendido  as  diligencias^  as 
pefquizasjfahio  o  Cõde  daquella  cova  ou  retiro,&  fe  paííou  a 

Elpa- 


$$%  Santuário Mariano 

Efpanha,de  donde  fe  encaminhou  ao  Reyno  de  França , parti 
meter  mais  terra  entre  meyo.  Depois  paíTou  a  Saboya,&  da- 
qui a  Inglaterra  }  aonde  noferviçoda  fereniífima  Rainha  da 
Graõ  Bretanha  obrou  taõ  grandes  finezas ,  (  como  quem  era 
taõ amante,  &  taõ  venerador  das  Magefíades  Portuguezas) 
que  chegou  a  pòr  em  perigos  a  própria  vida  ,  dizendo  aos 
que  lheaconfeihavaõdeíiitiue,  (porque  fearrifeava  a  perder 
a  vida)  que  comprara  por  todo  o  preço,  &  ainda  pelo  da  mef- 
ma  vida,  aquella  occafíaõ  de  a  íacrificar ,  por  acudir ,  &  va- 
ler à  fereniffima  Rainha  na  grande  tribulação  cm  que  fc  acha- 
va. Acçaõ  verdadeyràmente  de  animo  Portuguez,6c  de  hum 
taõ  virtuofo,  &  ilíuílre  vaífallo.  De  todos  eftes  perigoso 
livrou  noíTa  Senhora. 

Voltando  depois  o  Conde  em  paz  a  Portugal ,  &  à  fua 
çafa  ,  &  lembrado  dos  favores  que  da  Rainha  dos  Anjos  re-» 
cebéra ,  em  aquelle  lugar ,  aonde  hoje  vemos  a  fua  Cafa ,  que 
he  na  Freguelía  denofTa  Senhora  da  Purificação  da  Ribeyra 
do  Olival  termo  da  Vil  la  de  Ourem ,  de  donde  difla  duas  le- 
goas ,  mandou  em  acçaõ  de  graças ,  &  em  final  de  eterno  re- 
conhecimento daqueí les  benefícios,  levantar  a  noíTa  Senhora 
huma  Ermida,  &  nella  mandou  collocar  huma  Imagem  fua  de 
madcyra  eítofada,com  o  Menino  Deos  fentado  fobre  o  bra- 
ço efyierdo,  a  qual  faz  deeftatura  três  palmos,  &meyo, 
componio  a  Ermida  de  todos  os  ornamentos  neceííarios, 
coníignãdo  renda  própria  para  a  fua  fabrica. E  infiituio  tam- 
bém hum  i  Capella,  na  qual  he  obrigado  a  dizer  Miífa,  fó  nos 
Domingos ,  &  dias  de  preceyto.  Efla  MiíTa  vaõ  ouvir  aquel- 
lesmontanhezes,que  também  para  elles foy  aquella  obra 
infpirada  pelo  Ceo ,  paranaõ  faltarcmà  MiíTa,  porque  muy- 
tosa  naqouviaô ,  por  ficar  muyto  diílante  a  Parochia.  E  com 
eíla  Cafa  da  Senhora  podem  naõ  faltar  ao  preceyto  da  Mif- 
ía  y  a  que  muytas  vezes  mò  acudiaô ,  naõ  tanto  pela  grande 
diftancia  da  Parochia ,  quanto  pelo  ruim  tempo.  Sobre  a 
porta  principal  da  Ermida  mandou  pór  o  Conde  eíta  merno- 

m 


Livro  III.  Titulo  XW.  3*3 

ria  para  perpetua  lembrança  do  íeu  agradecimento. 

H  J    C 

XJht  per  multas  bebdomaJa*  LudoYtcus  à  Fafcon- 
cellos,  &  Soufa  Comes  Cajlelli  Melioris  in  fuis  <trum- 
ntt  una  tutela  SanB\§im<z  Virginis  ab  inVoccttione  â 
TeBulain  tutofuit ,  hocjacellum  erigi  jujfu  Anno 
1687. 


SANTU, 


3*4 
s/mv*'    «ilE^*      *Êa*       «^SP      (Mgjv»      cÊâ*v 

*sJ;a&.  «ofSãu,  >^^  ^M%s*  jsM%§*.  >&o&. 

*5^s^r  w^fs*  >§^2?s'  ww  w^s*  w  w 


SANTUÁRIO 

MARIANO, 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA. 

&  das  milagrofamentc  apparecidas. 

LIVRO    QUARTO. 

Das  Imagens  de  nojfa  Senhora  do  Bi/pado  de 
Portalegre. 

INTRODUÇAM. 

AM  taõ  poucas  as  noticias  que  fc  achaõ  dos 
princípios,  &  origem  da  Cidade  de  Portalegre, 
que  ainda  os  mais  antigos  Geógrafos  nosnaõ 
dizem  nada  delia  ;  &  nem  os  Chroniftas  de  Ef- 
panha.O  Biípo  DomFrey  Amador  Arraes;nos 
feus  Diálogos*  tem  por  verofimel ,  que  das  ruinas  da  antiga 
?  Cidade 


INTRODUZAM.  & 

Cidade  de  Medobriga ,  expugnada  pelo  exercito  dcCaflio 
Longino  , Capitão  Romano  ,  foy  povoada  ,  cujos  vefiigios 
permanecem  ainda  hoje  ao  pé  da  Villa  de  Marvão.  Qjeto- 
maífe  por  nome  Ammaya  fe  prova  de  hum  Cip~>  Romano, 
que  parece  fervia  de  bafe  a  alguma  eftatua ,  o  qual  efiá  hoje 
na  Ermida  do  Efpinto  Santo,  extra  muros  da  mefma  Cidade, 
emeujos  alicerfes  fe  achou  ,  &  diz  aflim. 

Imp.  &ef.  L.  Aurélio  Vero  Auguft. 

DiVi  Antomm  F>  (Pont.  Max-  cvnf.  2. 

Trtb.fPo.fp.(I>.  Municip.  Ammaya. 
Querem  dizer :  O  Município  de  Ammaya  erigio  erta  memo- 
ria ao  Emperador  Cefar ,  Lúcio ,  Aurélio ,  Vero ,  Auguíto, 
filho  de  Antonino,  Pontífice  Máximo,  Conful  dn?s  irczwij^ 
Tribuno  do  povo,  &  pay  da  pátria.  Eíía  opinjaõfcgucGaf  7t'a%* 
par  Barrcyros ,  &  Diogo  Mendes  de  Vafconccllos ,  os  quae?  Je  Pwi 
na  palavra  Ammaya  lem Porto  Alegre.  O  Bifpo  Arraes  a-  yafc.d$ 
crefcenta,que  Lyfias,filho  ou  Capitão  de  Bacco,bufcandore-^*/<^# 
poufona  velhice,  povoara  Portalegre,  da  gente  que  vinha  Luf. 
em  fua  companhia  j  &  que  nelle  edificara  hum  forte ,  &  hum  - 
fano,  ou  Templo  (  dos  quaes  femoflraõ  ainda  agora  as  rui  j^lI; 
nas )  confagrado  a  Diony fio ,  ou  Bacco  feu  deos  ,  &  appelli-  CA«  $t  * 
dando  a  Serra  do  nome  de  huma  fua  filha  chamada  Maya,don- 
de  fe  pegou  à  povoação  o  mefmo  nome,  com  alguma  corrup- 
ção, ou  fem  ella,aonde  dizem  ,que  Lyfías  foy  fepultado,  &c. 
Finalmente  a  tradição,  que  nas  antiguidades  tem  muyto 
fundamento  ,  &  muy ta  força ,  affirma  eflar  fundada  no  fitio, 
emquceflavaô  humas  vendas  chamadas  Portcllos,  junto  à 
Ermida  de  S.  Barthoíomcu,  cujo  nome  ainda  hoje  feconfer- 
va,&  que  do  Porto  Fitio ,  que  divide  a  Serra  de  Saô  Thomé, 
da  Cabeça  de  Moufo ,  8c  da  amenidade ,  &  frefeura  da  terra, 
fecompozonome  de  Porto  Alegre- 

Como  quer  que  feja  a  fundação  defta  alegre  Cidade,  el- 
Ia  eftá  ao  prefente  ao  pé  da  Serra  do  feu  nome ,  em  hum  fref- 
co  fitio,  regado  de  claras,  &  cxcellemcs  aguas,  povoado  de 

diverfas 


$66  INTRODUZAM. 

di  verfas  arvores ,  em  circuito  de  quaíi  três  legoas  deolí- 
vaes ,  vinhas,  pomares  ,  &  foutosdecaftanha ,  &  bravio  pa- 
ra madeyras ,  retalhado  de  aguas ,  que  brotaô  duas  mil  fon- 
tes em  feu  contorno.  De  inverno  he  fria,  mas  naõcomde- 
mafia ;  &  de  veraõ  naõ  he  mfoportavcl  com  os  calores  do  A- 
lentejo,  porque  eftes  os  tempera  o  húmido  do  feu  terreno. 
He  murada  de  muros  fortes ,  fabricados  ao  antigo ;  fuás  ar- 
mas faõ  duas  torres.  He  terra  de  grande  trato  de  panos,  taõ 
excellentes  como  os  de  Londres ,  que  a  fazem  rica,  &  abun- 
dante. Sublimou-a  ElRey  Dom  Joaõ  o  Tcrceyro  à  digni- 
dade de  Cidade  ,alcançandolhe  juntamente  do  Summo  Pon- 
tífice Júlio  Terceyro,  a  erigiíTe  em  cabeça  de  Bifpado,  8c  Ca- 
thedra!,  como  fez  por  Breve  paiTadoa2.de  Abrildoannode 
iÇÇOcomo  confta  do  fegundo  Bullario  daTorre  do  Tombo, 
pag.  57.  Foy  feu  primeyro  Bifpo  Dom  Juliaó  de  Alva  Hef- 
panhoí,  natural  de  Madrigalejo,  Capellaõ  mór  da  Rainha  D. 
Cathcrina ,  &  depois  delRcy  Dom  Sebafliaõ. 

Amayorparte  da  nova  Diocefis  fefez  das  terras  que 
craõ  do  Bifpado  da  Guarda ,  com  outras  que  pertencia©  ao 
Convento  de  Santa  Cruz  de  Coimbra,  Ficáraõ  ao  Bifpado 
da  Guarda  todas  as  terras  do  Tejo  para  alem ,  &  do  Tejo  pa- 
ra cá  a  Portalegre ;  a  faber ,  a  me fma  Cidade  ,  Caftcllo  de  Vi- 
de, Marvão,  Povoa  ,  Montalvão,  Alpalhaõ ,  Pente  do  Sor, 
Margem,  Lagomel,&  Chancellaria,  Alegrcte,Açumar,  Ar- 
ronches ,  com  outras,  &  lugares  de  menos  conta.  Compõ- 
emfe  o  feu  Cabido  de  cinco  Dignidades ,  fete  Prebendas,  & 
feismeyas,  com  doze  Capellaens,  &  outros  minifíros.  A 
CatheJral  edificou  Dom  Frey  Amador  Arraes,  he  das  mais 
perfeytas,de  Portugal,  com  três  naves,&  treze  Capellas  ri- 
camente ornadas,  em  que  fobrefahe  a  mayor,  que  he  per fey- 
tiffima.  Enriqueceo  efta  Igreja  Dom  Julião,  íeu  primeyro 
Bifpo/^que  eftá  fepultado  no  plano  da  Capella  mór)de  ricos, 
&  euftofos  ornamentos,  de  muyta  quantidade  de  prata ,  &  de 
outras  peífas  demuyco  valor ,  que  fervem  nos  Pomifícaes, 

cm 


Livro  W.  Titulo  I.  3^7 

em  qoc  entrao  muvtas  guardas,  bolfas  de  corporaes,  &  pa- 
las bordadas  de  curo  pelas  mãos  da  Rainha  Dona  Catheri- 
na  A  aílim  mais  huma  fenrofa  relíquia  do  Santo  Lenho^om 
outras  de  vários  Santos ,  &  hum  porta  paz  de  ouro. 


TITULO     I. 

Da  Imagem  de  Santa  Maria  doCaftello,  Venerada  na 
Convento  dos  Agojlmhos  Defcakos. 

QUafi  todos  os  Padres  daõ  a  Maria  Santiflíma  o  titulo 
de  Caftello,  porque  he  efla  Senhora  a  que  nos  defende, 
ampara ,  &  nos  afícgura  de  todos  os  combates  de  noífos  ini  - 
migos,cuja  íítuaçaô  he  vallada  de  híí  taô  poderofo  muro,quc 
todos  os  q  fe  acolhem  a  ella  ,  naõ  tem  q  temer  os  mais  cruéis 
inimigos:  CaHellum  muro  undique  Vaílatum  (  diz  Anfelmo.)  j»  jnm 
Heefte  muro  formado  de  piedade ,  clemência,  &  amor,  cujasy?/**, 
portas  nos  franqueaõ  a  gloria  ,  que  he  Maria  a  Porta  do  bom.  in 
Ceo,  Torta  C<eli-7  porque  ella  no  las  abrio  quando  eííavaô  fe-  E**»g. 
chadas,  &  o  tempo  em  que  no  las  abrio ,  foy  quando  illuf-  Lhc.iqI 
trou  a  terra  com  feu  nafeimento ;  com  que  com  muyta  razaô  *ern*  . 
daõ  os  Santos  Padres  à  Senhora  o  titulo  de  Caftello,&  de  fe~  **™ 
guro  Caftello,  pois  fugindo  para  elle  ,  podemos  naõ  fazer  J^ 
cafo  dos  mayores  inimigos.  'jticard. 

Em  o  coração  da  Cidade  de  Portalegre  fe  véhoje  fun-^»#* 
dado  o  Convento  de  Santa  Maria  do  Caíiello  de  Religiofos  Laur. 
Agoftinhos  Defcalços,cu ja  fundação  foy  feyt  1  a  1 4»de  Mar  Credit: 
ço  do  anno  de  1673.  porque  nefle  dia  fe  tomou  a  poífe  ,  &  Sert3* 
diíTeaprimeyra  MiíTao Padre  Frey  Fcíippe  de  Santo  Agofli  ftrnt*f, 
nho,  que  foy  o  Fundador,  &  o  que  lhe  deu  principio.  Eíla^^^ 
Ca(a  he  muy  to  antiga ;  porque  ja  do  tempo  delR^y  Dom  Di-    * 
nis  confia  , que  era  Priorado  do  Meftrado  de  Avis,  porque 
nelle  nomeou  eíte  Rey  pelos  annos  de  1 1 00.  pouco  mais,  oá; 

0:enos 


3  68  Santuário  Mariano 

metias  a  Frejr  Jaaõ  em  Prior  da  mefma  Cafa ,  fendo  Sacriflaõ 
do  Convento  de  Avis  por  provimento,  que  nelle  havia  feyto 
o  Meftre  Dom  Lourenço  Aff  info  ,como  refere  Brandão  na 
Monarchia  Luíitana  part.  ó.lib.  i8.cap.  57.  ConíU  mais, 
que  o  uítimo  Vigário ,  que  ouve  na  me  ima  Cafa  { fem  duvida 
íe  reduzio  depois  a  Vigay  raria,)  foy  Fr.  Jotó  Rodriguez,c]ue 
ofoy nelIa^6-annos,&morreono  de  1586.  aqueafíiliioa 
mayor  parte  da  nobreza  daquella  Cidade  ,  &  ofeu  Governa- 
dor, o  que  fe  vé  de  hua  fepultura,  que  efiava  na  mefma  Igre- 
ja ,  &  fe  tiro  j  em  Março  de  1 691.  que  eu  vi  levantar.  Eíía  I- 
greja  era  a  Fregueíia  mayor,  ou  a  Matriz  da  Villa,  &  quando 
ElRcy  DomJoaõoTerceyro  afublimou  àdignidade  de  Ci- 
dade ,  a  tomou  para  Cathcdral ,  fe  bemos  Prelados  daquella 
Sé  fizeraõ  eícolha  de  outro  melhor  ,  &  mais  largo  fitio  para 
a  fabrica  do  novo  Templo , que  erigio  de  excellente  fabrica, 
&  architedtura  feu  primcyro  Bifpo  Dom  Julião  de  Alva,  co- 
mo fe  vé  de  huma  infcripçaõ  ,  que  eílá  fobre  a  porta  princi- 
pal, que  dizaílim. 

Cvptt  hoc  Templum  extruian.  Tini  1556. 
Ficando  a  antiga  Im3gem  da  Senhora  doCaítcllo  em  a  mef- 
ma Igrep  ,  que  depois  oceupáraô  os  Padres  da  Companhia, 
de  donde  fe  melhorarão  para  outro  fitio,&  depois  delles  en- 
trarão os  Padres  Agoftinhos  Defcalços.  He  efta  Santa  Ima- 
gem de  pedra,fará  de  alto  coufa  de  quatro  palmos,efiá  afTen- 
tada  como  Menino  JESUS  ,  também  aífentado em  feu  rega- 
ço. Também  fazmençaõ  da  Senhora  do  Caíkllo  Jorge  Car- 
doío  no  feu  Agiol.  Lufit.  tom.  g.  pag.  248- 

TITULO     II. 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Efperawa. 

Intavaó  os  Romanos,  ou  infeulpiaõ  em  fuás  moedas 
huma  Ninfa  com  hum  itrio  na  mão  direy  ta ,  &  huma  le- 
tra 


p 


Livro  W.Tttuto  II.  '3*9 

tra  que  dizia :  Spes publica,  ou  Spcs  Auguíld,  ou  Spespopn- 
U  Romani.  O  que  os  Romanos  Gentios  fingiáõ  de  huma  fe- 
mentida d  eofa,  podemos  nós  com  mais  verdade  pintar ,  & 
infeulpirda  Rainha  dos  Anjos,  Maria  Santiflima;  porque  el- 
la  hc  acfpcrança  publica  ,  &  a  efpcrança  de  todo  o  povo 
Chriflaõj&affim  dizia  André  Cretcnfe  faudando  a  efta  Se- 
nhora :  0  om?us  fanffitatis  Sancttjime  tbrfaurel  OLhriftiâ- 
norum  propugnaculum^ér  propugnatrix  eorumtfuiin  tefpent 
collocarutl  0'thefouro  fantiffimo  de  toda  a  fantidadeSCpro- 
pugnaculo  dos  Chriftãos  ,  êc  propugnadora  de  todos  aquel- 
ies  ,  que  em  vós  põem  a  erperança! 

A  Cidade  de  Portalegrc,dc  que  acima  eferevemos,  tem 
afua  fítuaçaõ  cm  os  confins  do  Alentejo  ,  ( Província  bem 
nomeada  )  para  a  parte  do  Norte;  tem  cila  junto  a  íi  huma 
Serra  ,  que  começa  quaíi  da  Cidade  para  o  Nafcente,  para  on- 
de fe  vay  dilatando  [  alguma  coufa  inclinada  para  o  Norte  , ) 
cm  diílancia  de  pouco  mais  de  legoa ;  chama  fe  vulgarmente 
a  Serra  de  Portalegre  ;mas  melhor  lhe  pudéramos  chamar,  o 
Paraifo  de  Portalegre ;  porque  toda  cila ,  por  efpaço  demais 
de  legoa  de  largo,  &  perto  de  duas  de  comprido ,  cflá  po* 
voada  de  arvoredos  frutíferos,  &íilveflres,  &  dividida  em 
quintas  de  muyto  regalo,  aonde  fe  vem  muytos  foutos  de 
caftanha,&  outros,  que  naõ  fervem  mais  que  para  madey  ras, 
mas  de  grande  rendimento ,  &  taõ  fechados ,  que  lhe  naõ  en- 
tra nelles  o  Sol.  As  fontes  faõinnumcraveis,&  de  aguas  taõ 
claras,  Scexcellentcs  ,  que  as  naõ  ha  melhores  cm  todo  o 
mundo ,  que  recolhidas  em  tanques  de  regalo,  fervem  não  fó 
ao  gofto,  mas  à  conveniência  ,com  que  feregõ  os  pomares 
das  melhores  frutas  do  Reyno.  Delias  fontes  fe  formaó  três 
caudalofas  nbeyras,  de  grande  rendimento  ,  &  comodidade 
para  os  moradores  da  terra  7  como  fe  pode  ver  no  Bifpo  Ar<$ 
raes. 

No  deftrito  defta  Serra  ha  duas  Igrejas  Curadas)  a  pri- 

roeyra  he  dedicada  a  noffa  Senhora  da  EfperabçM  fegunda  a 

Tom.  III..  Aa  Saõ 


37*  Santuário  Mariano 

Saõ  Gregório  Magno,  ambas  de  muy  ta  antiguidade  ;  mas  a 
principal  [  &  a  que  faz  ao  noffo  inOituto ,  he  a  da  Senhora  da 
Efperança ,  Cafa  de  muyta  romagem,  &  concurfo , princi- 
palmente da  mefma  Cidade.  Neíia  Cafa  da  Senhora  aífiftiraõ 
em  feus  princípios  (  quando  fundaram  em  Portalegre} os 
Padres  da  Piedade,quc  f  oy  no  anno  de  1 522. mas  porque  lhes 
ficava  muy  to  diftante  da  Cidade  ,  &  o  lugar  era  doentio,  fc 
mudáraõ  para  o  fitio,  emque  hoje  eífoõ,que  fica  muy  to  mais 
ptrto  da  Cidade.  Nefta  Cafa  receberão  cia  Senhora  grandes 
favores  aquelles  primitivos  Padres  ,  queviviaôna  fua  com- 
panhia muy  to  alegres,  &  fatisftytos ,  porque  o  feu  fervor 
lhes  fazia  abraçar  os  rigores,  &  fugir  a  communicaçaô  das 
gentes.  Hum  deftes  foy  Fr.  Thomé  de  Portalegre ,  &  o  ou« 
iro  Fr.  Pedro  do  Souto. 

Efla  Cafa  da  Senhora  hc  antiquiffima  ,  como  affirmao 
Author  daBencdidina  Lufitana,&  o  feu  íitio  cflá  movendo  a 
devoção  j  porque  fica  em  a  quebrada  de  dous  montes  ,  cerca- 
da de  fermofos  caftanheyros,  que  ainda  fazem  o  lugar  mais 
frefco,&aprazivcl.  A  Imagem  da  Senhora  parece  fer  de  ro- 
ca ,  porque  hc  de  veftidos  ;a  fua  eflatura  fera  de  pouco  mais 
de  quatro  palmos,  tem  a  cor  trigucyra,em  que  fe  reconhece 
a  fua  antiguidade ,  o  roflo  redondo,  ss  feyçoens  groífeyras, 
os  olhos  bayxos ,  &  as  mãos  levantadas.  Naô  ha  noticia  de 
quem  fundou  aquella  Cafa ,  nem  fc  a  Senhora  appareceo  na- 
quclk  lugar,  femente  confia  que  aquella  Cafa  hc  muy  to  an- 
tiga- 

Aqui  a  efla  Ermida  fe  retirou  o  fervo  de  Deos ,  o  Padre 
Manoel  do  Rego  ,  de  quem  efereve  Jorge  Cardofo  no  íeu  A- 
giologio,  que  em  habito  de  peregrino  fazia  alli  vida  Ange* 
liça  em  companhia  do  Ermitão,  fuíkntando--c  da  limitada 
efmola  da  fua  MiflTa,  baftante  fubfidio  à  fua  muy  ta  mortifi- 
cação. Aqui  recebeo  grandes  favores  da  Rainha  d<  >s  Anjos 
Maria  Santiíli  ma, efperança  noíTa,  &  no  cabo  de  dous  annos, 
defejofo  de  padecer  por  Chrifio ,  fe  afafíou  mais  da  íua  pá- 
tria 


Livro  IV.  Titulo  III.  371 

pátria  ,&foy  a  viver  entre  os  pobres  doHofpital  de  Valha* 
dolid,  como  ornais  pequenino  delles,  exercitando-íe  na- 
quellaCafa  emmuytos  ados  de  caridade,  &  de  humildade. 
Da  Senhora  da  Efpcrança  eferevem  Jorge  Cardofo  no  feu 
Agiologio  Lufitano  tom.  2.  pag.  269.  Frey  Leaõ  de  Santo 
Thomas  na  lua  Benedi&ina  Lufitana  tom,  i.p.^.trat.rcap. 
1 5.  &  o  Padre  Monforte  na  Chronica  da  Província  da  Pieda- 
de liv.  2-  cap.  54. , 


TITULO     III. 

T>a  milagrofa  Imaçem  de  nofa  Senhora  da  EftrelU  da 
Filia  de  MarVaÕ. 

TOdos  os  filhos  da  Igreja ,  &  todos  os  Santos  invocaõ  a 
Maria  Santiffima  pela  fua  Eftrella;  porque  fema  Eftrella 
de  Maria  naõ  fe  podem  nunca  fegurar  grandes  felicidades* 
Por  iíTodiffc  Gefelberto  ,que  Maria  era  a  EftrelU ,  que  nos 
guiava  ao  feliz  porto  da  gloria:  Stella,  cujusduftu  adTa*  OefitU^ 
trtamtransfretamus.  Sempre  Maria  foy  Eftrella  para  nós  AlmU 
porque  ellahe  aquenosdifpenfa  aslu2cs,  &nos  livra  das  synAí% 
obfcuridades.  A  huma  Imagem  do  Cco,que  fc  intitula  Efpi-  £CCier 
ga da  Virgem,  Spica  Virginu^  aflinaa  Aflrologia  vinte  Ef-  €a~  ^ 
trellas  que  a  veftem,  com  duas  grandes,que  a  calçaõ*  Nefte 
numero  de  vinte  fe  compõem  afuâ  celefle  Imagem.  Atéo^"* 
nome  de  Virgem  que  tem  efta  EftrelU  *  declara  ,  que  hc  Ima-  Ue  A^ 
gem  de  Maria  ,  pois  tem  efta  a  feus  pés  duas  grandes  Eftrel-  P*r4^ 
las ;  porque  os  pés  reprefentaõ  ospaffos,  &nos  paflbs  de 
Maria  fe  vem  duas  Eftreílas  infignes.  Os  paffos  de  todos  os 
mortaes  faô  dous,hum  para  entrar  no  mundo,  &  outro  para 
fahir  do  feu  defterro.  Na  conceição  dos  homens  fe  dá  o  pri- 
meyro  pafifo  para  entrar;  quando  morrem,  fe  dá  o  ultimo  pa- 
tâ  fahir,  Maria  Santiffima  tem  tanta  Eftrella  ao  entrar ,  co- 
*  Aa  z  mo 


3  7  *  Santuário  Mar  iam 

rcoaofahir;  porque  fe  íahio  do  mundo  para  pizar  Efirellas, 
entrou  no  mundo  desfazendo-.  &deílruindo  asnoffas  fom- 
bras  ,  pizando  luzes. 

He  Marvaõ,ouoftumontuofo  íitio,  hum  braço  da- 
quella  dilatada  Serrada  quem  daõ  o  titulo  deEflrelIa,(que 
cnnobrece  a  Província  da  Beyra ,)  nefle  íitio  da  Provinda 
do  Alentejo moflra  as  meímas  qualidades,  que  oitenta  na  fua 
primey ra  origem.Com  eílas  con ferva  ncíía  parte  o  brazaõ  de 
feu  antigo  nome,  Herminio>quc  hoje eílá  viciado  em  Mar- 
vão; mas  ainda  menos  cceulto  nos  vefligios  da  famofa  Ci- 
dade de  Mcdobriga  ,  que  apparecem  nas  faldas defte  monte, 
como  titulo deHaramenha,  porfuacontemplaçaô,&rcfpei- 
to.  Sobe  Márvaõ  (  que  querem  muy  tos  o  fundaííem  os  anti- 
gos Erminios  da  Serra  da  Eftrella,  44-  annos  antes  da  vinda 
de  Chrifto  ao  mundo.Tambem  Rodrigo  Mendes  da  Silva  diz 
nas  fuás  Poblaciones ,  que  pelos  annos  de  770.  hum  Mouro 
Senhor  de  Coimbra  chamado  Marvão  o  povoara ,  &  lhe  dera 
onome,&queElRcy  Dom  Dinis  lhe  fizera  o  caftello, )  por 
cfpaçodemcyalegoa,  fendo  dehciofo,  &  ameno  competi- 
dor do  monte  Pindaro  de  TheíTalia,  que  tanto  cançou  os  dif- 
curfos  dos  Poetas  nas  defcripçoens  das  agradáveis  primave- 
ras. Epódefer ,  que  cíle  lhe  leve  muy  tas  ventagens  naef- 
peciofidade  das  plantas,&  na  copia,&  exceflencia  dos  frutos, 
produzidos  com  o  alento  que  lhes  communicaõ  diverfas ,  & 
numerofas  fontes.  Com  efles  dons,  que  lhedifpenfou  a  na- 
tureza  liberal ,  chegou  a  huma  fubhmidade  taô  grande ,  que 
delia  fe  defcobre  a  Serra  da  Efirella  ,  &  das  partes  de  Caftei- 
la  os  altos  montes  deBejar,  parecendo  efles  pela  diítancia, 
&os  circumvizinhos  pela  inferioridade,  valles humildes, 
quando  faõ  contemplados  de  fua  grande  imminencia. 

Na  meya  ladeyra,  pois,dcfte  monte,  da  parte  do  Orien- 
te, fevé  o  Santuário  de  N.  Senhora  daEilrclla  ,£Ílifíida,& 
fervida  dos  filhos  do  Serafim  Francifco ,  a  quem  logo  o  Ceo, 
quando  manifeítou  efía  Eílrella  aterra,  parece  que  osaffi- 

nou 


Livro  TV.  Titulo  HL  3  73 

nou  por  feus  Capellaens  ,  que  iemprc  com  cuydadoía  ,  &  af* 
fcétuofa  devoção  a  ferviraõ.  Foy  prodígio fa  a  manifeftaçaõ 
defta  Sacratiífima  Imagem ,  a  qual  fe  refere  mais  pelas  tradi- 
çoens  ,  do  que  por  teftemunhos  authenticos,  ou  eferituras. 
Dizem  que  na  perda  de  ElRey  Dom  Rodrigo ,  o  ultimo  dos 
Godos  ,&  na  entrada  dos  Mouros  cm  Efpanha ,  vendo  os 
moradores  de  Marvaõ ,  que  naõ  podiaô  efeapar  ao  feu  furor, 
&  barbara  crueldade ,  fe  rcfolvéraõ  a  paflar  para  as  Afturias. 
E  porque  naõ  foíTem  uf  trajadas,&  maltratadas  as  Santas  Ima- 
gens, que  veneravaô ,  ja  que  as  naõ  podiaô  levar  comíigo; 
refolvéraõ  de  as  efconder.Entreeílashuma  de  noffa  Senho- 
ra ,  que  tinhaõ  em  grande  veneração,  a  efeondéraõ  em  huma 
lapa,  que  havia  em  hum  grande  penha  fco  formado  dehuns 
grandiflimos  penedos  ,  femelhantes  em  tudo  aos  que  vemos 
na  Cafa  denoflTa  Senhora  da  Lapa  do  lugar  de  Quintella  em 
o  Bifpado  de  Lamego.  E  aflim  como  eíla  Santa  Imagem  con- 
ferva  aquelle  nome,  porcaufa  do  lugar  em  que  femanifef- 
tou;  a  (fim  a  Senhora  de  Marvaõ  tem  o  titulo  da  Eflrella,poí 
refpey  to  das  luzes  com  que  appareceo- 

Nefte  lugar  efleve  a  Imagem  da  Senhora  efeondida ,  até 
que  Marvaõ ,  &  as  mais  povoações  da  Província  do  Alente- 
jo,fereftauráraõ  de  todo,do  poder  dos  Bárbaros.  Reftaura- 
do  Marvaõ,fe  manifeflou  a  Senhora  neíta  forma. Vigiava  hu 
devoto,  &venturofopaftarinho  o  feu  rebanho  entre  es  af- 
fombros  pavorofosda  noyte,(obrigaçaõ  do  officio,&  exem- 
plo dos  paftores)  quando  começou  a  lograr  hua  copia  da  fe- 
licidade q  tiveraõ  os  de  Belém ,  &  fe  naõ  vio  aos  Anjos  com  £w.  * 
armonicas melodias, admirou  a  Rainha delles  entre  coros  8t  $• 
dejefplandecentes  luzes.  Mas  como  nas  primeyras  viflas 
naõ comprehenddfe o  prodígio,  foy  (  paliando  alguasnoy- 
tes)  ponderando, que  feria  algua  Eíírella,  fuppoftoquca  fua 
grandeza  deímedida,junta  com  a  vizinhança  do  íitio,o  fizef- 
íèm  variar  doconceyto,attribuindoJ3amyfterio  íoberano, 
aquillomefmo  que  naõ  julgava  pormyflerio.  Continuou  a 
Tom.  III.  Aa  3  vifao 


3  74  Santuário  Mariano 

viíaô ,  &  applicandoo  paílor  mais  o  diícuríò,  entrarão  ncllc 
osafíòmbros,  junto  comos  defejos-  E querendo  fahir  das 
perplexidades ,  &  regiílarcomosfcus  olhos  aquellas  ref- 
plandeceníes  luzes  ,  tomou  a  reíoluçam  do  cutro  Paftor 
~x  ,  Moy íes,  determinando-íè  a  efpecular  os  incêndios  de  huma 
*  Çarça,  que  fendo  figura  de  Maria  Santiífima,  eraõ  verdadey- 
ramentcdehuma  Çarça  os  Iuminoíòs  incêndios. 

Affim  o  reconheceo  o  noíío  fervorofo  paftar  >  porque 
fubindo  ao  aito  do  íitio  >  com  a  direcção  da  mcfma  luz  ,  che- 
gou aos  penhafeos,  8c  regiftando  ,  por  entre  brenhas,  &  pe- 
nedias ruílicas  í  que  dentro  fe  mofírava  huma  Imagem  de 
Maria  Santiífima,  verdadeyra  luz  das  direcções,  cercada  to« 
da  de  reíplandores ,  naõ  fe  atreveo  a  entrar ,  levado  do  ref- 
peyto  ;  mas  demarcou  o  íitio ,  &  de  manhãa  foy  dar  parte  do 
thefouro,que  defcubrira,&  a  chamar  os  moradores  daquella 
Villa.  Concorrerão  eftes  todos  alegres ,  &  alvoroçados ,  & 
acharão  a  Imagem  da  Virgem  Senhora.  Poftráraõ-fe  reve- 
rentes ,  dobrando  os  joelhos  em  terra  ,  dandolhe  as  graças 
pelo  favor  que  lhes  fazia  naquclle  feu  milagrofo  appareci* 
mento,  que  prognofticavaô  feria  para  grande  bem  de  toda 
aquella  terra,  &  aíTimdifpuzeraõ,  para  haverem  de  a  melho- 
rar de  íitio,  huma  prociífao,  &  nella  com  grande  feíía  ,  &  jú- 
bilos de  alegria  a  leváraõ  >  &  aforaô  collocar  na  Igreja  da 
fua  Parochia. 

No  dia  feguinte  concorrendo  todos  a  venerar  aquella 
foberana  Eftrciía ,  novamente  appnrecida  nnquelles  feus  ori- 
zontes,naõ  a  puderaõ  ver^de  que  ficáraô  muy  to  magoados,  & 
fentidos,  como  fuecederia  aos  Magos,  quando  fe  lhes  efeon- 
deo  a  me  (ma  ,  que  os  guiava.  E  coníiderando  aonde  fe  lhes  ef- 
conderia  ,  recorrerão  outra  vez  à  lapa  ,  que  por  tantos  an- 
nos  havia  íidodepofitaria  de  tantas  luzes.  Nclla  a  defeubri- 
Tâo>  porque  os  Anjos  inviíivelmente  ahaviaõ  rcitituidoà 
fui  lapinha.  E  quando  defla  fuga  da  Senhoía  fe  deviaô  dar 
por  entendidos  aquelles  moradores  ,  para  que  logoàviíta 

delia 


Livro W.  Títulolll.  375 

delia  lhe  fabricaffemaílimeímohurna  ErrriJa  ,onaofízeraõ, 
fénaõ  quefegunda  ,  Stterceyravez  aleváraõ  para  a  mcfma 
Igreja»  Mas  como  a  Senhora  declaraffecomeflas  myílerio- 
fas  fugas  o  grande  amor,  que  tinha  àquelle  lugar,&  que  por 
fer  muyto  do  feu  agrado, nelle  queria  fer  venerada,  fe  refol- 
véraõ ,  ajudados  dos  povos  circumvizinhos ,  queá  fama  da 
maravilha  concorrerão,  a  lhe  edificar  aliíhua  Igreja.  E  por- 
que a  Senhora  foíTe  melhor  aííifh  da,  por  foberano  deftino 
deliberarão  entregar  aCafa  a  alguma  dasReligioens  deftc 
Reyno  5  julgando,  que  fóafíim  ficaria  a  Senhora  bemaífifti- 
da ,  &  ajuftáraõ  foffe  à  dos  Menores. E  foraõ  os  Clauflraes, 
queeraõ  os  que  cntaõ  floreciaõ  naquelle  tempo  em  toda  a 
Efpanha. 

Qual  foffe  o  anno  deíla  invenção  miracu!ofa,na6  he  fá- 
cil de  defcubrir;masfeconfultarmos a  Bulia  da  fundação  do 
Convento ,  acharemos  nella,  que  naquelles  tempos  mcfmos, 
em  que  fe  paffou ,  refplandecia  o  foberano  Afiro  de  Maria 
com  milagres  contínuos  >  &  prodigiofos:  HtstempoyibusM 
como  logo  no  feu  apparecimento  tiveraõ  principio,  pode- 
mos conjedurar,  que  entre  hua,  &  outra  coufa,naõ  fe  mete- 
rão muytos  mezes  de  permeyo.  Demais,  que  ainda  efta  Se* 
nhora  (comodeclaraõ  as  mefmas  letras  Apoftolicas)  nam 
tinha  Igreja, nem  Oratorio,ou  Ermida ,  em  que  foffe  venera- 
da: TSLec  Ecclefia ,  nec  Oratorium  futidata  confpiáuntur.  E 
naõ  he  de  prefumir  da  piedade  Catholica,  &  fervorofa  devo- 
ção dos  Portuguezes  para  com  efta  Senhora  ,  defcançaíTc 
muyto  tempo,fem  fazer  Igreja,em  que  foffe  colloeado  àquel- 
le fantiílimo  retrato  de  Maria  Senhora  noffa.  Em  quanto  fc 
naõ  fez  o  Convento,  efbria  a  Senhora  em  algum  tugúrio/i» 
nho ,  ou  edicula  de  taboas ,  ou  na  ília  mefma  lapinha  ,que  lha 
comporiaõ  no  entretanto  ,  que  a  Igreja  fe  edificava ;  m3S 
fempre  obrando  prodígios  innumeraveis  ,  como  diz  a  mefm^ 
Bu!ia:  Vene  tnntvnerabiiía^o^o^^  attrshiaõ infinitos  devo- 
tos, naõ  fó  de  Portugal,  mas  dos  ReynosdeCaíieila.  Huns 

Aa  4  afup- 


17  &  Santuário  Mar  iam 

a  íupplicar  mercês ,  outros  a  dar  as  graças  ,  pelas  que  tinhaô 
coníeguido,  óc  todos  a  pafrnar  na  evidencia  de  novos  por- 
tentos. 

Affím  fe  experimentou  por  muytos  annos  ;  mas  hoje  ef- 
tá  em  parte  taõ  fufpenfa  a  perenidade  de  íeus  favores,  como 
vemos  em  outros  muytos  Santuários  milagroíòs:  &bem 
podemos  julgar,  queamayorcaufa,  porque  feeftancaõ  as 
fontes  dos  benefícios  celeííes  ,  nafee  deíe  apagar  a  fede  da 
devoção  nos  coraçoens  humanos ,  pois  afllm  como  a  fé  os  o- 
briga ,  também  a  nofTa  tibeza  os  fufpende. 

Efíamefmacaufa>quenosimpedio  as  maravilhas  pre- 
fentes ,  devia  fer  a  que  nos  fepultou  a  memoria  das  pafTadas, 
que  fendo  taõ  illuftres ,  (como  ainda  a  fama  confufamente 
notifica)  nos  parecerá  quenaô  poderiaõ  fer  totalmente  cf- 
guecidasfemmyíterio,&aflim  o  havíamos  de  prefumir  ,  fe 
cites  milagres  naõ  foraõ  benefícios  feytos  aos  homens,  aon- 
de  corre  parallelo  a  recepção  da  graça ,  &  extinção  da  lem- 
brança. Se  foraõ  cafligos ,  tal  vez  que  permanecefíem  fuás 
noticias ,  &  naõ  fabemos  fe  por  eíta  razaõ  fe  confervaõ  as  de 
hum  fó  mi  lagre  defla  Senhora  >  por  fer  nelle  remédio  de  hu^ 
ma  affliçaõ  terrível. 

Noannode  15*1.  ardia  no  Alentejo  com  os  incêndios 
vorazes  da  pefte,  a  Villa  de  Calkllode  Vide.  Eraõ  tantas  as 
mortes,  que  os  vivos  fe  admira vaõ  de  ter  vida.  Aílim  corre- 
rão féis  mezes ,  de  Mayo  até  Outubro  ,  naõ  íe  ouvindo  em 
Ioda  aquella  povoação  huma  fó  voz  alegre.  Mas  como  por 
diaõ  entrar  finaes  de  alegria  ,  aonde  tudo  eraõ  clamores  fu- 
Heíios,  &  gemidos  triftes  ?  De  huma  parte  fe  cuviaõ  prantos 
pelos  defuntos,  de  outra  fe  laftimavaõ  os  mefmos  enfermos, 
fc  entre  todos  anda  vaõ  efpavor  idos  com  temor  os  fios;exco- 
gitavaõ  eltes,  remédios  opportunos  ,  com  que  fe  atalhaíTc  a- 
quellemalcalamitofo,  &  defenganados  de  que  os  terrenos 
naõaproveytavaõ ,  por  naõ  terem  a  cfficacia  pertendida ,  fe 
refolvéraõ  a  implorar  o  milagrofQ  foccorro  da  Senhora  da 

"  '      ■  •■  Eflrella 


Livro  IV.  Titulo  HL  377 

Eflrell*;  E  a  noflb  ver  foy  fuperior  o  impulfo ;  porque  ja  o 
Omnipotente  tem  moftrado  ,  que  hc  Maria  Santiflima  reme-  ^enz^ 
dio  da  pefte  da  terra,  lendo  invocada  com  o  titulo  de  EflrelJa  Pt  / 
do  Ceo.   Chegado  o  primeyro  dia  de  Novembro  ,  formarão  pr0Vm 
o  Provedor,  &  Irmãos  da  Mifericordia  huma  prociíTaõ  fo  Pcrtug. 
lemne,  com  todas  as  peífoas  que  apparecéraõ,  entre  asquaes  Monfy 
hiaõ  muytas  fazendo  varias,  &  ngorofas  penitencias ;  mas 
todos  deícalços  ,  &defla  forte  caminharão  duas  legoas,  até 
ehegarem  à  Igreja  da  Senhora-  Fizeraô  todos  oraçaõ  na  pre* 
fença  daquella  foberana  Eftrella  de  Maria  , com  devotas  la- 
grimas, &  cantada  huma  MiíTa,  (que  naô  ouve  mais  detença) 
andava  a  May  de  Deosem  Caftello  de  Vide  apagando  o  con- 
tagio. Pelo  q  no  fim  do  próprio  mez  o  Juiz,  &  Vereadores,  & 
povo,  fizeraô  fegunda  prociíTaõ  ,  rendendo  as  graças  à  Vir- 
gem Santiflima  ,  por  lhes  alcançar  defeuamorofo  Filho  taô 
ampla  mifericordia,  &  deyxando  huma  fedula  autentica,que 
cer  tificaíTe  a  maravilha ,  voltáraô-fe  dando  huns  aos  outros 
os  parabéns  ,  &  à  Senhora  da  Efirella  os  vivas. 

Sobre  a  antiguidade  defte  Convento,  dizo  Padre  Gon- 
zaga ,  que  naõ  fabe  o  tempo  em  que  fe  fundou :  &  Vvandingo  Gç»*>l 
nos  feus  Annaes  da  Ordem  Seraphica,  ainda  que  tem  a  mefma  P*r**\ 
incerteza ,  declara  o  annoemque  fe  paffou  a  Bulia  ,  que  foy  f'im 
no  de  1448.  &aflim  fegundo  o  difeurfo  que  nefla  matéria  ,<,ia? 
faz  o  Padre  Frey  Fernando  da  Soledade  na  fua  hifloria  ,  di- 
zemos, que  defejando  os  moradores  de  Marvão  collocar  cm 
domicilio  próprio  a  effigie  da  foberana  Emperatriz,què  habi- 
ta em  os  celeftes  Palácios  da  eternidade,  em  trono  de  luzes 
*naccffiveis,&  juntamente  querendolhe dar  na  terra  minif- 
tros,que  correfpondeífem  aomencstm  oncme?os  qave- 
neraõnoCeo  ,  aíTemáraõem  fundar  hum  Convento  da  Or- 
dem Seráfica  ,  no  mefmo  lugar  ,em  que  tinha  apparecidoa 
Senhora  ,ou  perto  delle.  Concorriaô  todos  neflacmpreza 
fanta  com  grande  ,  &  fervorofo  animo  ;  mas  o  primeyro  mo- 
vei i  que  defpcrtava  a  piedade  commua  com  os  clamores  do 

exem- 


3  7  8  Santua  rio  Mariano 

exemplo ,  era  o  Infante  Dom  Henrique  filho  delRey  D.  Joaô 
o  Primeyro ,  o  qual  confliíumdo-fe  cabeça  do  devoto  Con- 
greííò,  fez  fupplica  em  nome  de  todos  ao  Papa  NicolaoV. 
pedindolhea  licença  neceflaria  para  a  fatisfaçaõ  de  feus  vir- 
tuofos  deíignios.  Elle  aconcedeo  fem  alguma  repugnância 
em 5.  domízde  Junhodoannode  1448.  mandando  remeti- 
da a  fua  execução  ao  Vigário  geral  do  Bifpado  da  Guarda, 
Mem.  { <]ue  naquelle  tempo  chegava  áquella  Villa )  brevemente  te- 
d*Provt  ve  o  feu  defejado  effey to.  Os  mefmos  que  procurarão  o  Con- 
do* 4lg.  vento,  deviaõ  fazer  as  obras,  para  as  quaes  também  concor- 
M-  2.     reriaô  as  efmolas  particulares  de  cada hu  ,  qferiaôcopiofas, 
f*f*7*    como  entendemos  por  hua  Bulia  do  Papa  Júlio  III.  na  qual 
fevé  que  ainda  noannode  i550.eraõcopiofas,  &  frequen- 
tes. A  Igreja  bem  moftrava  o  empenho  da  devoção  pela  fua 
grandeza ,  &  fumptuofidade ;  (que  hoje  fe  vé  renovada  co- 
mo diremos  )  amefma  participou  o  Convento,  que  era  ca- 
paz de  vinte  &  cinco,  ou  trinta  Frades,  os  quaes  naõ  tarda- 
rão rnuy  to  em  o  ir  povoar ,  porque  a  onze  de  Abril  de  1 457. 
ja  Frey  Álvaro  de  Almada,  Guardião  afíual  do  Convento  de 
Santarém,  andava  negociando  o  traslado  de  huma  Provifaõ 
jinh.    delRey  Dom  Affonfo  Quinto,  para  o  inviar  (como  dizoEf- 
deS.     crivaô)  aos  Frades,  &  Convento  de  Santa  Maria  da  Eflrclla. 
Franc.  Adevoçaõque  naquelles  tempos  tinhaõ  todos  à  Máy  de 

Ghim,  Deos> &  Senhora  da  Eflrel!a,era  couft  notável,  porque  des- 
de os  Pontífices ,  &  Reys ,  até  o  paflor  mais  pobre ,  todos 
eraõ  feus  devotos,  Choviaõ  fobre  os  moradores  daquelle 
Convento  as  indulgências  em  grande  abundância,  &  a  pou- 
co curto  logravaõnelíe  as  graças  dos  que  vifitaõ  as  Efta- 
çoens  de  Roma.  Também  os  Confrades  da  Mãy  de  Deos 
confeguiraò  de  Paulo  IV.  eflemefmo  favor  ,  o  qual  lhes  co- 
municou o  Cardeal  de  Santo  Angelo,  Raynuncio  Farneíio,  a 
,5.  de  Fevereyro  de  1 556.  &  porque  naõ  ficaffem  íem  premio 
aqueiles,  quevifitavaõa  Igreja  da  Senhora  |da  Eflrclla,  t8m- 
fceinfecxtendéraõ  as  graças  a  todos  os  que  aílifliremnelía. 

Os 


Livro  IV.  Titulo  III.  3  79 

Os  Senhores  Reys  deite  Revno  naõ  quizeraS  ficar  de  fora 
nos  lances  da  piedade  Centre  todos  avultou  muyto  a  de- 
voção delRey  Dom  João  o  Terceyro  ,  &  feu  neto  ElRey  D. 
Sebaíliaõ ,  8c  naõ  menos  a  grandeza  de  Felippe  o  Terceyro, 
que  lhe  fez  repetidas  efmolas-  Todos  entravaõ  com  animo 
generofo  nefte  commercio  dacharidade.  Mas  ainda  affim, 
naõ  foy  poderofo  o  exemplo  Real ,  para  modificar  o  eípirito 
inquieto  de  alguns  Parochos,  osquaes  vendo  que  os  fre- 
guezes  fugiaõ  das  fuás  Igrejas ,  por  aílíftir  na  da  Senhora  da 
Eftrella  ,  os  obrigarão  a  ouvir  Miffa  nellas  ,  &  a  outras  pen- 
focns  ,  de  que  efbvaõ  ifentos  ,  por  contemplação  dos  privi- 
légios da  Seráfica  Ordem ;  mas  não  lograrão  o  defignio,  co- 
mo fuccede  a  muytos,que  fazem  conftrangidos,o  que  pcdiaõ 
obrar  como  bem  inclinados. 

Os  milagres  ,  que  a  Senhora  obrou,  ja  diíTernos,  que  em 
feus  princípios  naõ  fe  podiaõ  reduzir  a  nurfleroj  hoje  nos  que 
com  verdadeyra  fé  3  &devoçam  bufcaõ  aeíte  fobcranoAf- 
tro  de  Maria  ,  fç  reconhece  a  enchente  de  mifericordias,(]ue 
nelles  influe-  He  por  todos  aquelles  deíiritos  muyto  amada  a 
Senhora  >  &  todas  as  vezes,  que  fe  ouvem  as  vozes  dos  Fra- 
des, quando  pedem  para  o  feu  Convento,  nenhum  ha  que 
não  acuda  logo  com  a  fua  efmola ;  &  quando  concorrem  ou- 
tros peditórios,  a  efmola  para  os  Frades  da  Senhora  fempre 
hemaisaventajada.  Ainda  aopreíente  concorrem  muytos 
dos  povos ,  naõ  fó  os  circumvizinhos ,  mas  ainda  os  diftan- 
tes  ,  &  de  Caftella ,  no  tempo  de  paz ,  também  vem  muytos* 

No  tempo  deíRey  Dom  Affonfo  o  Sexto }  em  que  as 
guerras  de  Portugal/*  Caftella  andavaõ  mais  acefas,  vinhaõ 
muyras  vezes  os  de  Alcântara,  junto  a  Marvão,  às  pilhages, 
fcalguas  vezes  vierão  para  faber  feachavaõ  acsnoíícsdef- 
cuydados.  Como  o  Convento  fica  fóra  da  Viila;&  cm  parte  q 
nâo  pode  kr  íoccorrido,nemdefeníiiciodella; ficava  expof- 
to  aos  exceífos  dos  foldados  3  fem  embargo  ,  «]tté  a  Senhora 
fe  fazia  muyto  temida ,  &  refpeytada  a  fua  Caía  >  &  todos  fu- 
':*  giaâ 


380  Santuário  Mariano 

giaõ  de  obrar  alguma  coufa  ,  em  que  a  pudeíícm  offender.  A- 
indaaílim  emhuma  occafíaõ  intentarão  osCafleihanos  to- 
mar  a  Villa  de  Marvão  por  interpreza,  ou  trayção  machma- 
da  por  a!gu ,  q  moftrou  fcr  pouco  amigo  da  fua  pátria.  E  chc-* 
gando  depois  da  meya  noy  te  ,  quando  fe  lhes  reprcfentou ,  q 
tinhão  bem  lograda  a  fua  diligencia ,  repentinamente  lhes  a- 
manheceo,oufeanticipou  odia.  Enefte  tempo  tocarão  os 
Religiofos  os  finos,  oudoCeo  mandou  a  Rainha  da  gloria 
aos  feus  Anjos,  que  elles  tocaíTem  a  rebate.  Ncfte  tempo  re- 
conhecerão as  íintinellas  o  inimigo ,  &  tocando-fe  na  Villa 
a  rebate,  fugirão  os  Caftelhanos  ,  naõ  fó  por  reconhecerem 
eraõ  fentidos;mis  cheyosde  temor, de  que  fahiaõos  de  Mar- 
vão no  feu  alcance  a  desbaratallos ;  reconhecendo- feneík 
fucceíTo ,  o  muy to  que  a  Senhora  vela  na  defenfa  daqucllc 
feu  povo. 

Em  outra  occafião  furtarão  os  Caííelhanos  por  traça 
a  Santiflima  Imagem  da  Senhora  ,  &  recolhida  em  hum  baul, 
ou  canaftrinha,a  levarão  para  Valença  de  Alcântara,  muyto 
fatisfeytos ,  parecendolhes  que  com  cfte  furto  nos  faziaõa 
mayor  guerra ,  &  dano  que  podião ,  &  nos  privavão  da  mais 
vigilante  fintinella.  Chegados  a  Valença,&  aberta  a  canaf- 
trinha  ou  baul,  não  acharão  nada  dentro;  porque  a  Senhora, 
ainda  quando  não  foflTe  por  de  facato ,  mas  por  obfequio,  naõ 
permittio  a  apartaffem  daquelle  lugar ,  que  ella  havia  enno- 
brecido  por  tantos  annos.  E  aflim ,  a  pezar  das  íuas  diligen- 
cias ,  permanece  na  fua  lapinha  ,  em  que  fe  manifcftou,  para 
remédio,  Sr  confolação  daquelle  povo  de  Marvão. 

Outros  referem  efte  fucceíTo  de  outra  maneyra  ,  &  di- 
zem quehuma  Senhora  grande  de  Efpanha  ,  vindo  nos  mef- 
mos  tempos  da  guerra  referida,  ou  antes  delia  ,  avifitar  a- 
quelle  Santuário  da  Senhora  da  Eftrella,  levada  da  grande 
devoção  que  lhe  tinha  ,  mandara  com  induftria  formar  ou- 
tra em  tudo  muyto  femelhante,  &  que  emhuma  das  yifitas 
gue  lhe  fazia,  a  recolhera  em  hum  baulzinho,  que  levava, 

(kfz 


Livro  IV.  Titulo  III.  381 

deyxando  cm  feu  lugar  a  que  mandara  fazer.  Eque  quando 
chegara  à  fua  cafa  ,cuydando  tinha  comíigo  a  Senhora  da  Ef- 
trella,  abrindo  o  baul,  achara  a  fua  faudade  em  premio  do  feu 
atrevimento. 

He  a  Igreja  do  Convento  muyto  grandc&  novamente 
fe  fez  de  abobada,  (o  que  não  era  antes, )  &  fe  acabou  no  an- 
node  1689.  ^ca  com  a  porta  para  oOccidente,  para  onde 
lhe  fica  a  Villa ,  &  a  Capella  mayor  ao  Oriente-  A 'parte  do 
Euangelho  em  o  cruzeyro  fica  huma  Capella  collateral  com- 
prida ,&efpaçofa  , que  corre  também  (como a  Capella  mór) 
para  o  Nafcente.  A'ilharga  deita  Capella  fica  huma  entrada 
cflreytacomo  porta,  (para  a  parte  do  Norte)  aonde caberáõ 
até  quatro  peflòas.  Dentro  defia  entrada  fica  huma  grade  de 
ferro,  que  terá  cinco  palmos  de  largo,  quehe  a  entrada  da 
Capellinhada  Senhora  j  que  também  corre  para  o  Oriente. 
NeflaCapellinha^que  fevé  muyto  perfeytamente  adorna- 
da, &  as  paredes  revertidas  de  azulejo,  efiá  collocada  a  Em- 
peratriz  da  gloria ,  a  Senhora  da  Eílrella ,  que  he  muyto  lin- 
da. Tem  de  alto dous  palmos  eícaçosj  hede  preciofaefcul- 
tura,  lavrada  em  pedra, &  na  graça  ioberana  quemoírra,eftá 
di  zendo  com  grandes  e  videncias,que  a  obra  não  he  humana, 
mas  Divina ,  porque  mais  parece  obrada  pelas  mãos  dos  An- 
jos, do  que  pelas  mãos  dos  homes;  porque  fó  aqueíles  podião 
expreíTar  tão  grande  m3geílade,&  foberania.Tcm  em  os  feus 
braços  ao  Menino  Deos  .que  ainda  que  he  pequcnino,fegun- 
do  a  proporção  da  Imagem  da  Mãy  SantiíTíma,efíá  com  muy- 
ta  graça  attendendo  para  os  q  entrao  a  adoral!o,&  a  lua  San- 
tiffimaMãy.  A's  ilhargas  defla  pequenina  Capd!a,ou  lapinha 
fe  vem  duas  alampadas  de  prata  pequenas  ,  (que  não  foy  pcf- 
íivel  poderem  fer  mayores,naquclle  efírcyto  lugares  quaes 
fempre  ardem  diante  daquclla  rutilante  Ffrrcila  de  Marb, 

-  Depois  de  ter  eferito  nefte  titulo  o  que  pude  dos 
principi os  de  nolfa  Senhora  da  Eftrelía  do  Minorka  Con- 
vento da  Villa  de  Marvão  >  fe  me  remeteo  humainquiriçam 

de 


3  S  i  Santuário  Mar  iam 

de  varias  teftemunhas,tiradas  pelo  muy  to  Reverendo  Guar- 
dião do  mefmo  Convento  ,  o  Padre  Frey  Miguel  de  Sam  Jo- 
feph  ,  &  pelo  Padre  Frey  Manoel  do  Rofario  ,  cm  que  depu- 
zerão  varias  maravilhas,  &  milagres,  que  a  Senhora  havia  o- 
brado,  muytos  dos  quaes  obrou  Deos  pela  interccffaõ  de  fua 
Santiflíma  Mãy  ,&  alguns  na  occafião  em  que  os  Caftelhanos, 
&Francezesfefizerãofenhoresdaquella  Praça  ,  na  intrufaõ 
do  Duque  dcAnjou  ema  Monarchia  de Efpanha, dos  quaes 
fucceflbs  referirey  fó  tres ;  feja  eíle  o  primcyro. 

Em  hum  Sabbado  domez  de  Junho  do  anno  de  1705. 
fuecedeo  que  hum  Capitão ,que  naquella  Praça  eftava  de  pre- 
fidio,vendo  que  os  notías  fc  chegavão  para  a  haverem  de  ref* 
taurar,  atacou  o  fino  %  que  havião  tirado  doConventoda  Se- 
nhora da  Eilrella  ,  para  lançar ,  como  morteyro  ,  contra  0$ 
noíTos  alguma  bomba ,  ou  balas ,  parecendolhe  que  aílimeo* 
molhsfuccedéra  bem  com  o  fino  da  Igreja  Matriz  da  mef- 
ma  Villa ,  que  também  carregou  ,  &  atacou ,  fem  ter  perigo, 
queomefno  lhe  fuecederia  com  o  da  Senhora  daEftrella; 
mas  não  foy  aííim  ;  porque  efte  arrebentou ,  &  fc  fez  cm  pe- 
daços ,  &  com  hum  dcllcs  perdeo  a  vida  o  Capitão ,  pagando 
o  p^uco  refpeyto  ,  que  teve  às  coufas,  que  erão  da  Cafa ,  6c 
culto  da  Senhora.  Eafliftindo  junto  aellemaisdecincocnta 
foldados,  todos  os  mais  pedaços  do  fino  forão  pelos  ares, 
femoffender  a  nenhum  delles ,  &  hum  fó  que  ficou  alh ,  foy 
o  inftrumento  do  caftigo do  mal  advertido  Capitão.  Efte  fuc- 
ccíTo  fe  attribuío  a  caíligo  da  Senhora  da  Eftrella ,  que  nam 
confentb  ,  que  com  o  fino  da  fua  Cafa  fe  pudeffc  obrar  cou- 
fa,com  que  os  Portuguezes,quc  com  tanta  devoção,* &  reve- 
rencia a  fervem  ,  &  venerão,  fofíem  oflfendidos. 

No  anno  referido  de  1705.  fc  diz  também  ,  por  fé  de 
hum  João  Peres  Caleyro  .que  indo  os  noíTos,  mandados  pelo 
Conde  de  São  João  ,  a  reílaurar  o  Convento  da  Senhora  da 
Eftrclla  em  oprimeyrodiadejulho  pela meyanoy te, tem- 
po em  que  os  calores  faõ  mais  exceffívos ,  &  feflDfe  yer ,  nem 

cfpc- 


Livro  W.  Titulo  HL  383 

efperar  alguma  brandura, ou  névoa  ,  fuccedeo,  que  fshindo 
as  companhias  do  íitio  da  Fonte  da  Pipa,  próximo  ao  cailello 
da  mefma  Praça  de  Marvão ,  caminhando  pela  cofta  na  mef- 
ma direytura  do  Convento ,  virão  os  Pay  fanos,  que  guiavaõ 
aos  foldados,  levantar  fehuma  névoa  da  parte  do  caftello  até 
às  portas  da  Villa ,  fervindo  a  névoa  como  de  impedimento, 
&  anteparo,  para  que  os  inimigos  não  pudeíTem  ver  a  gente, 
que  caminhava  em  marcha  para  o  Convento  da  Senhora  > 
nem  a  pudeíTem  offender.  E  foy  mais  de  admirar,  que  os  mo- 
radores da  Villa  naõ  viraõ  efla  nevoa/enaõ  da  parte  de  fora, 
que  parece  veyofó  a  impedir  a  vifla  aos  de  dentro.,  para  que 
naõ  pudeíTem  reconhecer  o  que  fe  Arava  fora  \  &  eils  n.  voa 
também  os  noíTos  a  viaõ  diflante  de  li.  E  he  certo  que  fc  naõ 
fora  com  efle  antcmural ,  &  reparo ,  que  padeceriaõ  os  noíTos 
grande  dano  da  mofquetaria;  porque  lhes  ficava  o  Convento 
muy  to  perto.  Efla  maravilha  fe  julgou  por  tal,  &  por  efpecial 
favor  da  Senhora  da  Eflrella,quc  quiz  defendermos  quehiaõ 
a  reftaurarafua  Caía.  Depois  que  os  noíTos  efiavaõ  jano 
Convento,&  foy  fabido  da  Praça,íe  defparou  delia  hua  peíTa 
de  bala  miúda ,  &  dando  as  balas  nas  portas  da  Igreja  ,  & 
frontefpicio ,  achando-fc  alíi  alguns  foldados  ,  a  nenhum 
offendeo. 

O  Padre  Fr.  Jofe ph  da  Eflrclla,  Sacriftaõ  do  Convento, 
&CapelIinha  da  Senhora  muytosannos,  refere  na  mefma 
inquirição ,  (  aonde  relata  varias  mercês ,  &  favores  que  a 
Senhora  fez  a  differentes  pefíbas, )  que  citando  ellc  affiflen- 
te  na  Praça ,  no  tempo  em  que  eflava  em  poder  do  inimigo, 
de  donde  hia  ,com  pcrmiffaõ,  affiftir  ao  reparo  do  Convento, 
&  a  dizer  MiíTa  à  Senhora ,  &  acender  as  fuás  alampadas;fuc- 
cedéra ,  que  em  hum  dia  lhe  naõ  confentira  o  Governador  da 
Praça  ,  que  elle  fahifTe  fera  ,  como  coflumava^  a  dizer  MiíTa, 
6c  a  prover  as  alampadas  da  Capellinha  da  Senhora^  íuecc- 
dendo  o  mcfmo  nos  dous  dias  feguintes  ,  quando  foy  no 
quarto ,  em  que  fe  lhe  permittio  o  poder  acudir  ao  feu  minif- 

terio 


384  Santuário  Mariano 

terio, achou  as alampacia  ,  naõ  fóaccfas,  mas  com  baftanfe 
azcy  te,  O  que  fe  teve  por  maravilha  da  Senhora»,  porque  naô 
erapoffivel,quepudeííem  eftaraccfas  tantos  dias,  fendo  os 
vidros  pequenos,  &  que  naõ  levão  mais  azey  te  daquelle,quc 
fe  pode  gaílar  desde  anoyteaté  pela  manhãa.  Muytos  ou- 
tros fucceííos  fe  referem  de  faudcs  milagrofas ,  em  cafos  em 
que  ja  fe  defefperava  das  melhoras/}  que  aSenhora  pode  mujr 
bem  fazer.  O  que  deyxo  por  naõ  fazer  o  titulo  mais  extenfo. 
Da  Senhora  da  Eftrcllaefcreveo  Padre  António  de  Vaícon- 
cellosinDefcriptione  Rcgni  Luíitanb  pag.  5$8.num.  12* 
&  o  Padre  Frey  Fernando  da  Soledade  nafuaHiftor.  Será- 
fica ,  parr.  3 .  liv.  g .  cap.  4.  &  7. 

TITULO     IV. 

Da  Imigem  de  nofja  Senhora  da  'íenba  extra  muros  da 
Cidade  de  Portalegre. 

IOaõGeometra  diz  que  Maria  Santiífima  he  pedra  ,ou  pe- 
nha ,  mas  penha  d  jcc ,  ou  pedra  de  mel:  P<  tra  melle,  (d  efi, 
Ce§m.   (Serboflue?ts',porquc  nos  deu  o  doce  fruto  da  vida ,  &  aquelU: 
inCat.  Senhor  que  nos  refgatou,  &  livrou  da  maldição,  cm  que 
terder.  no(fos  payS  haviaô  incorrido,  por  goftar  daquelle  fruto, que 
u  Lm.  ^cn^°  faave  a0  g°ft°  A  fermofo à  vifla,lhes euftou a  ellcs,  & 
'  a  nos  tanto  quechorar,Brque  fentir,comos  amargos  que  de- 
pois experimentarão.  Naõ  fó  he  Maria  pedra  doce  ao  pala- 
dar  da  aíma ,  mas  fuave  aos  feus  ouvidos,  &  ifto  quando  por 
noffas  ingratidões  merecíamos  caftigos.  Na  Cidade  de  Me  - 
gara  fc  refere  que  ha  huma  pedra  taõ  celebrada ,  que  fe  a  fe- 
rem com  outra  pedra,dá  vozes  como  Lyra.  Fazer  às  injurias 
confonancia,&  aos  aggravos  mulica  fó  o  fabe  executar  a  mif- 
tica  pedra  de  Maria  Santiífima,  pois  quando  os  ingratos  pec  • 
cadores  Ihecorrefpondem  ao  feu  amor  com  offenías,  cila  o 
faz  com  favores }  &  finezas.  Em 


Livro  IV  Titulo  IV.  387 

Em  huma  altiífima  Serra  que  fica  junto  à  Cidade  de  Por- 
talegre para  aparte  do Occidente, ie vé no meyo de fua al- 
ta, &  alcantilada  fubida  ,  huma  Ermida  dedicada  àEmpera- 
triz  da  gloria ,  Maria  Santiífima  ,  com  o  titulo  de  nofía  Se- 
nhora da  Penha.  Nome  tomado  daquelle  íitio  ,  cmqueefíe 
Santuário  foy  edificado.  Os  princípios  defta  Santa  Cafa  ,& 
a  origem  da  Imagem  Santiííima  ,  que  nella  he  venerada,  ( que 
íe  entende  fer  fundada  pelos  annos  de  1620.  pouco  mais  ou 
menos ,  fendo  Bifpode  Portalegre  D-  Diogo  Corrêa  ,  &  ifto 
confta  mais  pelas  tradiçoens,do  que  por  eferituras  )  faõ,  que 
hum  Ermitão  Santo  (que  por  peregrino  na  vida,o  fazem  tam- 
bém ,  que  feja  eflrangeyro  na  pátria  \  porém  certamente  era 
Portuguez,  &  porque  pela  fantidade  da  vida  cceultava  o  no- 
me ,  &  a  patria,o  tinhão  por  eflrangeyro , )  fizera  neíle  tem- 
po hua  Ermida  muyto  limitada,  &  que  nella  collocáraaquel- 
la  Santa  Imagem.  E  não  confia  fe  eíle  a  trazia  comfigo,ou  fe 
a  mandou  fazer  de  novo.  O  que  coníla  com  certeza  hc,  que 
a  Senhora  começara  logo  a  obrar  maravilhas ,  &  que  à  viíla 
delias  fe  accendéra  a  devoção  de  forte,que  por  fer  a  primeyra 
Caía  muyto  pequena ,  &  limitada,  (  como  fica  dito  )  fe  tratou 
logo  de  fc  lhe  edificar  outra  mais  grande,  &  capaz,  como  ho- 
je a  vemos ,  que  he  de  muyto  boa  architedura ,  de  abobada, 
jcom  íeu  coro  >  &  em  íi  muyto  viftofa ,  pela  linda  traça  com 
que  foy  obrada.  Tem  a  porta  principal  ao  Naicentejtendo-a 
a  primeyra  Ermida  para  o  Meyodia. 

O  zelo  de  hum  Corregedor  da  mefma  Cidade  de  Porta- 
legre, chamado  João  Zuzarte  de  Affonfeca,  que  depois  mor- 
reo em  Lisboa  Corregedor  doCivclda  Corte,  auginentou 
muyto  aquclla  Cafa  ,  o  qual  com  a  fua  fervorofa  devoção  ]  de 
tal  íorte  moveo  a  gente  da  Cidade ,  que  todos  concorriaõ 
com  as  fuás  efmolas,  para  que  a  obra  fe  fizcffe  com  mais  pref- 
fa.  Elle  mefmo,  por  dar  exemplo }  hia  a  huma  fonte  com  hu^ 
ma  quarta  a  bufear  agua  para  fe  amaflar  a  cal,  &  fua  mulher,à 
fua  imitação,  fazia  o  meimo ,  &  aflirn  à  yiiia  defte  fervorofa 
i    Tom.  III.  Bb  exem- 


386  Santuário  Mariano 

exemplo,  muy  tas  mulheres  nobres  hiaô  a  buícar  os  feus  cân- 
taros de  agua,  o  que  alegremente  faziaô  as  mais.  Até  os 
meninos  da  efcola  fazÍ3Õ  ir ,  &  também  ferviaõ  no  que  po- 
diaõ  \  íegundo  a  ília  capacidade.  Deita  forte  todos  trabaiha- 
vaõ,hunsemtrazera  pedra, outros  a  agua,outros emprei- 
ta vão  as  fuás  beílas  para  conduzir  a  cal ,6c.  a  área.  Os  pedrey- 
ros  também  davaõ  em  cada  fomana  os  feus  dias.  Mas  neíles 
tomava  o  Corregedor  por  fua  conta  odarlhes  dejantar,in- 
citando  aos  mais  homens  nobres,  fízefíem  omefmo  emou- 
trosdias. 

Nefta  forma  crefceo  a  obra  da  Igreja ,  &  fe  acabou  em 
pouco  tempo.  Vários  favores  refere  a  tradição,  fizera  noíTa 
Senhora  ao  Corregedor  >  em  premio  da  grande  devoção,  & 
íanto  zelo,  com  que  a  fervia.  Hum  foy ,  que  fazendo  jorna- 
da (  depois  de  acabar  o  feu  ofício)  com  a  fua  familia,oefpe- 
rava  huma  companhia  de  ladroens,para  o  roubar  ,  &  maltra- 
tar ;  mas  a  Senhora  permittio  que  elles  o  naõ  pudeíTem  ver, 
&  aílim  efeapou  daquelle  perigo. 

Acabou-fe  aobradeíla  fegunda  Igreja  pelos  annos  de 
1635.  fendo  Bifpo  daquella  Cidade  Dom  Joaõ  Mendes  de 
Távora ,  que  depois  foy  promovido  ao  Bifpado  de  Coimbra. 
A  Imagem  da  Senhora  he  muyto  linda ;  he  trigueyrinha  ,  & 
terá  pouco  menos  de  três  palmos  de  altura  •,  he  de  madeyra, 
&  de  muyto  boaefcultura,  eflofada.  Tem  nos  braços  ao  Me- 
nino JESUS,  que  também  he  muyto  lindo.  Adornão-nade 
ricos  mantos  de  tela ,  &  aflim  a  Senhora  ,  como  o  foberano 
Menino  *  fe  vero  coroados  de  prata.  Eliá  recolhida  em  hum 
nicho  fechado  com  vidraças ,  &  com  grande  veneração*  Efla 
Cafa he  annexa  à  Sé,2onde  pertencem  as offertas,que  os Ro- 
meyros  ,  &  devotos  offerecem  à  Senhora. 

O  Ermitão  Fundador  daquella  primeyra  Ermida,quan- 
dologocollocounellaa  Senhora,  começou  a  invocalla  com 
o  titulo  de  Penha  de  França,  à  imitação  da  que  em  Lisboa  ref- 
plandece  em  maravilhas,que  hum  Ermitão  chamado  António 

Simoens 


Livra  TV.  Titulo  IV.  3  87 

Simoens  mandou  fazer ,  também  à  imitação  da  que  fe  venera 
em  Caíklla  a  Velha ,  que  defcubrio  Simão  Vella  em  a  Serra 
de  Penha  de  França.  A  de  Lisboa  fe  venera  em  hum  Con- 
vento de  Religiofos  Eremitas  de  meu  Padre  Santo  Augufii- 
nho,  da  Província  de  noffa  Senhora  da  Graça.  Os  quaes,  pa- 
ra que  efta  fua  milagrofa  Senhora  fofle  mais  venerada,  alcan- 
çarão da  Santidade  do  Papa  Clemente  VIII.  hum  Decreto, 
para  que  nos  Reynos  ,  &  Senhorios  de  Portugal  fenaõpu* 
dcíTe  edificar  Ermida  alguma  com  o  titulo  de  Penha  de  Fran- 
ça, &  por  efle  refpeyto  tendo  noticia  da  erecção  da  nova  Er- 
mida ,  que  em  Portalegre  fe  fundara  ,para  que  a  devoção  da 
principal  Imagem  da  Senhora,  que  era  a  de  Lisboa,fe  nao  mi- 
noraffe ,  fe  mandou  por  ordem  do  Núncio ,  que  entaõ  havia, 
com  cenfuras,  que  a  Senhora  de  Penha  de  França  de  Portale- 
gre fe  invocaííe  fomente ,  NofTa  Senhora  da  Penha- 

Efla  Ermida  deu  pelos  annos  de  1 67c.  &  tantos  o  Bif- 
po  de  Portalegre  Dom  Ricardo  RuíTel  aos  Padres  Augufti- 
nhos  Defcalços  ,tirando-osdaCafade  Santa  Maria  do  Caf- 
tello,  &  depois  por  motivos  bem  leves,  lha  tornou  a  tirar  de- 
pois de  terem  feyto  baílante  defpeza  emfeaccommodarcm, 
&  aflim  fe  Voltarão  outra  vez  às  Cafas  de  Santa  Maria  ,q  craô 
fuás ,  por  compra  q  delias  ha  viaõ  feyto.  Muytosfaõ  os  mila- 
gres q  fe  referem  q  tem  obrado»  &  cada  dia  obra,mas  como  fc 
naõ  fez  grande  memoria  dellrs.nem  ie  autenticarão  ,por  eíTa 
razão  os  mò  refiro.  Tudoifío  (além  da  tradição  confiantes 
eu  fuy  ver  nefta  Cafa ,  &  a  venerar  nella  a  Senhora  da  Penha# 

, j ! 

TITULO     V. 

7)amilagrofa Imagem  deno(f<*  Senhora  dos  Milagres 
da  Filia  do  AJfumar. 

Villa  do  Affumar  efiá  (miada  em  a  Província  do  Alen- 
tejo ',  entre  as  Cidades  de  Elvas ,  &  Portalegre,  &  def- 
Bb  2  ta 


A 


388  Santuário  Mariano 

ta  aonde  pertence  fica  em  diílancia  de  três  legoas.  Neíla  Vil- 
la  he  celebre  o  Santuário  da  Senhora  dos  Milagres ,  que  he  a 
Igreja  Matriz  da  mefma  Villa  ,  &  única  Parochia  delia.  He 
efta  Santa  Imagem  tão  antiga ,  que  fe  naô  fabe  dizer  nada  de 
fua  origem,&  principios,&  fó  fabem  dizer  os  moradores  da- 
quella  terra, que  fempre  refplandecéra  em  milagres  ,  &  que 
antigamente  tinha  fomente  o  nome  de  San  ta  Maria,&  que  as 
muytas  maravilhas  que  obrava,  lhe  deraõ  o  novo  titulo  dos 
Milagres.  António  deSoufa  de  Macedo  nas  fuás  Excellen- 
cias  de  Portugal  diz ,  que  depois  que  o  grande  Nuno  Alves 
Pereyra  vencera  aos  principaes  Capitães  dcEfpanha  ema 
memorável  batalhados  Atoleyros  ,  dos quaes alcançara  hu- 
ma  gloriofa  vitoria,  pela  grande  devoção  que  tinha  aeíia  Se- 
nhora,fora  depois  a  pé,&  defcalço  à  fua  Cafa,a  darlhe  as  gra- 
ças pelo  grande  favor  que  lhe  fizera  ,  de  lhe  dar  vitoria  con- 
tra feus  inimigos,  a  qual  attribuhio  toda  ao  feu  favor.  Eq  a- 
chando  a  Cafa  da  Mãy  de  Deos  profanada ,  defcompofla ,  & 
cheyadeimmundicias,  por  haverem  metido  nella  os  Cafte- 
Jhanos  os  feus  cavallos ,  quando  por  alli  paffavaõ-,  lafíimado 
fobremaneyra  de  femelhante  impiedade ,  &  irreverência  ,& 
cfquecido  da  vitoria  pa(Tada,convertendo  a  fua  gloria  em  la- 
grimas^ fentimentos  pelo  que  via ,  elle  mefmo  movido  do 
ztlo  da  religião*  &  do  culto  que  fe  devia  à  Mãy  de  Deos, co- 
meçara logo  a  alimpalla,  fendo  o  primeyro,que  com  fingular 
humildade,  &  devoção,  pegou  das  vafíburas,  &  mais  inflru- 
mentos  da  limpeza,  com  grande  edificação  de  todos  os  que  o 
viaõ. 

He  cila  Santa  Imagem  de  roca,  &  aífim  a  adornaô  ác  vef- 
tidos ;  mas  parece  que  antigamente  era  de  efeultura ,  de  que 
deve  ainda  perfeverar  o  meyo  corpo,  por  quanto  tem  o  Me- 
nino JESUS  chegado  aopeyto;  a  fua  eíhtura  faõ  quatro 
palmos,&  meyo.  Eflácollocadaemhuma  Capella  collateral 
da  parte  da  Epiflola,emhum  nicho  fechado  com  vidraças, ôc 
anão  defcobrem  fenão  com  luzes,  pela  grande  veneração 

com 


Livro  IV.  Titulo  V.  3  89 

com  que  fe  deve  tratar ,  Imagem  tão  maravilhofa.  Feftejão  a 
Senhora  em  todas  as  fuás  fellividades  com  Miffa  cantada, 
&  Sermão ;  mas  a  fua  principal  fefta,  em  que  os  que  a  fervem 
fazem  mais  eftrondo ,  &  apparato ,  hc  em  Outubro ,  na  Do- 
minga do  Rofario.  Tem  muy tas  graças,  &  indulgências  efla 
Caía ,  que  lhe  concederão  os  Summos  Pontífices ,  &  o  Altar 
da  Senhora  he  privilegiado  cm  todos  os  dias  do  anno.  Es- 
crevem da  Senhora  dos  Milagres  vários  Authores,  &  Chro- 
niíias  defte  Reyno ,  principalmente  os  q  eferevem  do  Con- 
deftavel,  Soufa  de  Macedo  nas  fuás  Excellenciascap.  9.  Ex- 
cellencia  9.  pag.  86.  Fernão  Lopes  na  Chronica  delRey  D. 
JoaõoPrimeyro  part.  1.  cap-  95.  &  Francifco  Rodriguez 
Lobo  faz  efla  oytava ,  &  meya  em  o  canto 9. 
Defcalço,lagrimofo,  &  penitente, 
j4  pé  trtjlefe  parte  em  romaria, 
EemprocifaÕdeVota  aforte  gente, 
J^uepara  achar  aVeos  kVa  tal  guia: 
Com  bum  animo  humilde ,  &  penitente^ 
Chegão  ao  Santo  Templo  de  Maria, 
^ueao  A  fumar  cahio  ditofo  em  forte, 
Huma  legoa  dos  muros  de  Monforte. 

Onde  atra^  muy  tos  afto  s  de  humildade, 
Mofirou  aos  feus  exemplo  proVeytofo; 
J^ue  quanto  mais  ofobe  a  dignidade, 
A<Deos[e  humilha  mais  hum  generofo. 


TITULO     VI.  * 

Da  milagrosa  Imagem  de  N-Senbora  aReíonda  de  Alpalhao. 

NA  Villa  de  Alpalhao  quatro  legoas  diítante  da  Cida- 
de  de  Portalegre,  he  venerada  huma  muyto antiga, 
Tom.  III.  Bb  Z  fc 


3  $o  Santuário  Mar  iam 

&  devota  Imagem  da  Virgem  noffa  Senhora  ,comotituío  da 
Redonda  ,  o  qual  não  concorda  coma  fabrica 'da  fua  Igreja, 
como  a  da  Senhora  da  Redonda  da  Vil!a  de  Alemquer,àqual 
fc  lhe  fez  a  Igreja  rotunda  y  à imitação  do  Templo  de  Santa 
Maria  a  Rotunda  de  Roma;  ou  fe  a  teve,fedeí}ruíocoma 
tempo ;  porque  dizem  também  por  tradição.,  que  a  Igreja  que 
hoje  tem  (excepto  a  Capeliamór )  hejafegunda:  tanta  he  a 
antiguidade  delia  Santa  Imagem  ,  &  dos  feus  principies,  & 
a  fua  Capella  morim  que  eitá,  confirma  a  fua  grande  anciã- 
nidade.  E  quanto  à  origem,  &  princípios  da  Santa  Imagem, 
referem  os  moradores  daquella  Villa,  por  tradição  comi* 
nuadade  pays  a  filhos,  fer  eíla  devota  Imagem  Angelical  ,ou 
apparecida  milagrofamente ,  &  que  apparecéra  no  mefmo  lu- 
gar ,  aonde  fe  lhe  edificou  a  primeyra  Ermida,  que  ainda  hoje 
exiílc;ouaomenosaCapella  mór ,  que  por  antiga  querem 
alguns  com  pouco  fundamento,  foffc  obra  de  Mouros,  o  que 
não  pôde  fer,  porque  efíes  naõ  edificarão  Templos,  antes  os 
arruinarão ,  &  defíruiraõ. 

E  quanto  ao  apparecimento  da  Senhora,dizem  algumas 
peffoas  antigas,  fallando  do  modo  que  fora ,  que  a  Senhora 
apparecéra  emfonhos  a  humhomem  da  Amieyra,  Villa  do 
Priorado  do  Crato,&  que  efle  fonhára  ,que  no  termo  de  Al- 
palhaõ,  junto  à  Ribeyra  do  Sor,  achava  huma  Imagem  de  N. 
Senhora,  &  que  movido  interiormente  por  Deos,fora  àquel- 
íe  lugar  (acompanhado  fem  duvida  de  outras  peffoas,)  &  que 
achara  a  Imagem  da  Senhora.  Eucreyoque  a  Senhora  lhe  ap- 
pareceoemfonhos,  &que  nelles  lhe  mandou  foffeàquelle 
lugar ,  &  lhe  mandaffc  nelle  edificar  Cafa ,  em  que  foffc  vene- 
rada ,  porque  a  não  fer  aífim,  enriquecera  antes  a  fua  terra  ,  a 
Villa  da  Amieyra,com  efta  preciofa  joya,  do  que  deyxalla  em 
Alpalhaõ,  donde  elle  naô  era  natural-  Confirma-íeefta  tra- 
dição, de  fer  da  Amieyra  o  venturofo  defeubridor  defte 
lhefouro  efeondido,  em  q  todos  os  annos  vaõ  os  moradores 
da  Amieyra  çom  grande  devoção,»  &  feita  a  vifitar,  &  a  vene- 
rar 


Livro  IV  Titulo  VIL  3  9  * 

rar  a  Senhora,  aonde  lhe  cantaõ  MitTa,  &  fazem  Sermão,  pa- 
ra cuja  defpeza  alcançarão  os  Offici^es  da  Camera  da  me  ima 
Villa>humaProvifaõ  Real  ,  em  queElRcy  lhes  aífina  certa 
quantidade  para  as  defpezas  defta  fefta. 

Também  o  fcr  a  Senhora  defcuberta  emhum  campo ,  a- 
onde  citava  enterrada,moílra  fer  antiquiflima  &  que  fem du- 
vida foycccultada  naqueííe  lugar  pelos  Chriilãos,  quando 
fugiaõ  aos  Mouros,&  fer  defcuberta  depois  que  eíles  de  to- 
do foraô  lançados  fora  de  Portugal.  A  Imagem  da  Senhora 
he  de  efcultura  ,  ou  vafada  de  geffo ,  ou  de  outra  matéria  fe- 
melhantc  ,  por  quanto  he  branda,  &  muy to  alva,  &  íe  desfaz 
facilmente roçando-a.  Eftá encarnada,  &asroupas  íemea- 
das,&  ornadas  deEíírelIas  de  ouro.  He  taõ  pequena ,  que 
terá  de  alto  ao  mais  dous  palmos,  &  meyo ;  obra  muy  tas  ma- 
ravilhas, como  o  tcftemunhaô  os  íinaes  delias-  Toda  eíta  no' 
ticíanosdeu  emrelaçam  fua  o  Padre  Manoel  Luisde  Car- 
valho. 


TITULO     VIL 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  da  Graça  de  Ni/a  a  Velha. 

JOaôGeometra  em  o  feu  Hymno  chama  a  Maria  Santifli- 
ma  ,graça  das  graças  >  &  Mãy  das  graças  :Gratta  gratia*  ?"™\m 
rum  ,í?  Mater  gratiarwn.  E os  Santos  Padres  deraôtaô  ai- ^"j/ 
ta  medida  de  graça  à  ,Senhora  ,  que  naõ  duvidarão  Saõ  Boa- 
vcntnra,Santo  Epifanio,Santo  Aníelmo,  &  S. josô  Damafcf-  Boau. 
notíGrmar  de  Maria  que  teve  tmmenfa  graça :  [mmenfâ  gr  a-  tom%  l* 
tia.  E  aflimhc  muy  to  curta  reveren  ia  ^contradizer  oqu(  *°t"fuJm 
piedf  famente  íe  pode  interpretar.   Não  pôde  dafíe  infinita  /.(?"' 
em  a&o,como  eníina  Santo  Thomás:  naõ  pode  fer  infinita  i  dewg. 
qualidade  da  graça:  masofehtido  dos  Padre  she,  que  a  í  r  j§mf€ij 
capaz  o  mortal  do  immenfo,  5c  o  humano  do  infinito,  tiver*  de  txc. 

Bb  4  Maria 


39*  Santuário  Mariano 

V.  Dam.  Maria  pela  dignidade  de  Mãy  de  Deos  immenfidade  de  graça; 
orat.  i.   porque  naô  podia  negarfe  o  infinito,  a  quem  elevão  a  Mãy  do 
de  Nat.  infinito.  Bem  merece  logo  que  amemos/*  buíquemos  a  quem 
tem  tanta  abundância  de  graça  ,  para  no  la  repartir. 

A  Villa  de  Nifa,  que  he  titulo  de  Marque  z,&  do  appcl- 
lido  dos  Gamas  ,  Condes  da  Vidigueyra  ,  fica  difiante  da  Ci- 
dade de  Portalegre  féis  legoas  ,  &duas  do  rio  Tejo.  Anti- 
gamente ficava  mais  afnílada ,  do  que  hoje  a  vemos  ,  &  no  an- 
tigo  fitio  fe  confervaõ  ainda  as  Igrejas.Na  principal,  que  era 
a  Matriz  >  (  que  fica  diftante  meya  legoa  da  povoação  nova  ) 
fe  venera  huma  antiga  Imagem  de  N.  Senhora,que  intitula©, 
ISLoJfa  Senhora  de  TSLifd  a  Velha  5  efie  he  o  comum  titulo  com 
queainvocão  os  mais  daquelles  povos;  porém  o  próprio ,ôc 
o  verdadeyro  he  ,  NoíTa  éenhora  da  Graça.  Por  interceflaõ 
defta  Senhora  obra  Deos  muytos  milagres  ,  &  maravilhas, 
como  o  teftemunhaõas  muytas  ir,ortaIhas,&  outros  muytos 
finaes,  que  fe  vem  pender  de  fuás  paredes  ,de  que  a  Senhora 
he  poderofa,  para  vencer  a  morte,  &  as  enfermidades. 

Dizem  os  moradores  daquelía  terra,  queElRey  Dom 
Dinis  mandara  deftruir  aquclla  Villa,  por  fe  levantar  con- 
tra elle  ,  &  feguir  as  partes  de  feu  filho  o  Príncipe  D.  Affon- 
fo,que  foy  o  Quarto;  mas  que  conhecendo  depois naõcraõ 
culpados ,  mandara  edificar  outra  vez  a  Villa  em  o  lugar  em 
que  hoje  fe  vé.Nefla  Villa  ouve  hum  Beneficiado  da  Matriz, 
que  he  da  Ordem  de  Chrifto,  chamado  Fr.  Adaõ  Dinis ,  pef- 
foa  nobre ,  &  rica  de  bens  patrimoniaes ,  &  o  feu  Beneficio, 
que  era  rendofo  ,  o  fazia  ainda  mais  abaftado.  Efte  com  a 
abundância  dos  bes  fe  deyxou  levar  dos  vícios  ,  &  entregou 
tanto  aos  regalos ,  queveyo  acahir  em  hum  grave  peccado 
de  fenfuahdade.  Ereconhecendo  a  grande  offenfa,  que  havia 
commettido  contra  Deos,  &  contra  a  pureza  que  requeria 
o  feu  eftado  Sacerdotal,  de  tal  forte  deu  vol  ta  à  íua  vida ,  (to- 
cado da  Divina  graça)  que  deyxou  o  mundo  ,&  tudo  o  que 
nelle  poíTuía ,  &  podia  efperar  ,  com  firmes  propoíitos  de  fa- 
zer 


■Livro  IV.  Titulo  Vil.  393 

zer  penitencia,  aonde  havia  oííendido  a  Divina  Mageíhde, 
&efcandaíizado a  feus  parentes,  &naturaes.  Pelo  querc- 
nunciandonas  mãos  delRey  o  Beneficio  ,  &  repartindo  os 
feus  bens  pelos  pobres,  fe  retirou  a  huma  ceva ,  que  eílá  em 
huma  Serra,  diftante  huma  legoa  de  povoado,  chamada  de  S. 
Miguel.  Nefta  cova, por  voto  que  fez  ,  determinou  acabara 
fua  vida,  com  dura,&afpera  penitencia  ,como  o  executava. 
Aqui  perfeverou  alguns  tempos  com  grande  edificação 
de  todos  ,  os  que  o  conheciaõ,  até  que  vindo  a  viíitar  aquella 
Villa  o  Bifpo  D.  Fr.  Amador  Arrais  ,lhe  comutou  o  voto,em 
que  ferviífe  aos  feus  próximos ,  dandolhe  por  razaõ ,  que  na 
Cafa  de  N.  Senhora  da  Graça ,  ou  de  Nifa  a  Velha ,  acnde  re- 
corria muyta  gente  em  romagem,  podia  fazer  a  nofTo  Senhor 
muytomayorcsferviços.  E  obedecendo  pontual  ao  precey- 
to  daquelle  virtuofo  Prelado,  fe  recolheo  àCafa  de N.  Se- 
nhora, &  alli  gaftou  o  reílante  de  fua  vida  em  devota,  &  pro- 
funda oração  de  dia  ,  &  de  noyte  na  prefença  da  Senhora  da 
Graça  ,  derramando  fempre  rios  de  lagrimas  de  feus  olhos, 
até  fazer  covas  nos  tijolhos ,  da  continuação  de  eítar  nelles 
de  joelhos,  &  nos  de  hum  poyal  aonde  encoflava  os  cotove- 
los, quando cançava.  Ufavade  muytas  penitencias,^  mor- 
tificaçoens  ,femdarafeu  corpo  nenhum  alivio:  veíliaà  raiz 
da  carne  huma  túnica  de  afpera  çaragnça  ,  andava  defcalço, 
&  jejuava  perpetuamente  a  paô,  &agua  ,&  algumas  vezes 
eraõ  para  elle  grande  delicia ,  as  íilvefíres  ervas  do  campo. 
Com  toda  cílarigorofa  mortificação  vivia  taõ  valente, 
&  animofo ,  que  quando  hia  à  Villa  a  pedir  efmola,  (que  quafí 
toda  repartia  pelos  prezes)  levava  às  cofias  hu  bom  fe}  xe  de 
lenha.  Efte  repartia  hum  dia  pelos  pobres>&  doentes  do  Hof- 
pital,  &  outro  pelos  prezos  da  cadea.  Sobre  tudo  continuava 
oconfeflionario,  corno  lho  havia  encomendado  oBifpode 
Portalegre  ,  da  primcyra  luz  da  manhãa  até  noyte,  aonde 
era  bufeado  de  muytas  peflbas  devotas  ,  que  fe  huc  a  confef- 
far,  6c  a  aliviar  com  elle,  pela  fama  da  fua  virtude  ,  &  peni- 
tencia. 


394  Santuário  Mariam 

tenda.  Também  foy  nmyto  períegui do  do  demonio>que  fen- 
tidodafanta  vida  ,  que  obfervava ,  lhe  fazia  grande  guerra, 
apparecendolhe  em  horrendas  figuras,  &  outras  vezes  em 
forma  de  grandes  cobras,&  (erpentes;másde  toda  eíla  guer- 
ra o  livrava  a  Senhora  da  Graça  ,  que  era  para  onde  recorria 
em  todos  os  feus  trabalhos  ,  &  perfeguiçoens,  achando  fem- 
pre  no  favor  da  Senhora  alivio  ,  &  confolaçaõ  em  todas  eitas 
grandes  molefHas.  Em  fua  morte  ,  fe  mandou  enterrar  no 
adro  da  Igreja  da  Senhora  da  Graça ,  em  cuja  campa  fe  vé  o 
habito  de  Chrifto ,  &  eíle.  epitáfio* 

Aqui  ja^  Frey  A<)ao  Vinis* 
Sam  infinitos  os  milagres  ,  que  fe  referem  daquella  mila- 
grofa  Senhora ;  rnas  o  defcuydo  dos  que  osdeviaõ  por  em 
memoria, foy taõ grande,  que  fóíeachaõ  matriculados  no 
livro  da  tradição ,  &  na  lembrança  dos  que  os  receberão  ;  & 
porque  em  alguns  dos  mais  notáveis.,  que  fe  referem,poderá 
haver  algum  acreícentamento,os  deyxo  de  referir.E  íó  direy 
que  nas  commuasneccíTidades  daquella  Villa,quandofalta  a 
agua  ;oua  feca  he  m  uvta  ,  recorrendo  à  Senhora  da  Graça, 
&  tirando- a  em  prociíTaõ  até  amefma  Villa  ,  raras  vezes  fuc- 
cede  recoíherfe ,  fem  que  fe  experimente  o  deípacho  de  fuás 
petiçoens.  A  Imagem  deíla  Senhora  he  de  pedra,  &  terá  cin- 
co palmos  em  alto.  He  de  rica  efcultura,&  de  fermofura  ra- 
ra. Alguns  pintores  quizeraõ  dizer ,  queaflim  eíla  Sagrada 
Imagem, como  a  da  Senhora  dos  Prazeres,  foraôfcytasem 
Inglaterra, pela  femelhança  que  tem  com  algumas  que  vieraõ 
daquelle  Reyno,  quando  era  Catholico.  Faz  memoria  da  Se- 
nhora da  Graça  Jorge  Cardoío  no  feu  Agiologio  Luíítano 
tom.  1.  pag.  33.  &huma  relação  manuíeripta,  que  delia  nos 
inviou  Pedro  Alcanforado. 


TITULO 


Livro  IV.  Titulo  VI 11.  3  9  jr 

i 

TITULO     VIII. 

Vt  Imagem  de  Ti.Senbora  dos  Trazer  es, ou  da  Ef per  anca. 

COmpõem  Deos  ávida  dos  Juftos  com  a  variedade  de 
cafos  trifles  ,  &  de  fucceííòs  alegres,  &  aíTírn  vay  com- 
pondo ,  &  ordenando  as  fuás  vidas  ;  porque  fe  humas  vezes 
os  mortifica,  outras  os  alegra.  Com  fuaSantiífima  Mãyob- 
fervou também  Deos  efía  ordem;  para  queella  também  fofie 
em  tudo  o  noffo  exemplar  ,naõ  lhe  dando  os  goftos  nunca 
juntos  ,  mas  mifturados  com  penas,  como  fe  vé  àc.  mimos 
lugares  do  Euangelho.Efe  em  premio  das  dores  que  a  Senho- 
ra padeceo  ao  pé  da  Cruz ,  gozou  no  dia  dos  Prazeres  as  ale- 
grias da  Refurreiçaõ,  janellas  vinhaô  de  mifiura  as  fauda- 
des  y  que  antes  de  muy tos  diashavia  de  experimentar  no  da 
Afcençaô  de  feu  Santiílimo  Filho  \  vendo-o  aufentar.  E  eíte 
he  o  myíterio  da  combinação  do  Euangelho >  que  trata  da af- 
íirtencia  da  Senhora  ao  pé  da  Cruz  de  feu  amado  Filho,  com 
a  feíla  dos  Prazeres,  no  dia  de  fua  g!oriofaRefurreiçaõ:óYrf-3^4** 
batjuxta  Crucemjcfu  Mater  ejus*  l& 

Naõ  permitte  Deos  ,  que  os  feus  fervos  psdeçsc  trifle- 
zas ,  que  lhes  naõ  fejaõ  compenfadas  com  alegrias.  Se  lerdes 
a  Eícrirura  ,  achareis  que  Rachel  ao  filho  oxic  pario  ,  de  cujo 
parto  morreo,chamou2>É,//0W.,iík)hc,  filho  da  minha  perda,  G*»*&i. 
&  em  cujo  parto  perdi  a  vida  ,  q  conforme  a  interpretação  de 
Vatablo  ,  fignifica  ,  fiUm  Calamttatis.  Mas  Jacob  chamou- 
lhe  SBinjamim  :  li  eft}filtus  dextera  ,fiVe  fJimfortitudims.  .**£  * 
lftohe,  filho  de  mão  direyra,&  filho  de  felicidade  ,&  de  for  ^  "' 
taleza.O  que  ponderando  Saõ  Joaõ  C  hryfoflomo,diffe:  M<£  yoan. 
•r orem,  quem  ex  morte  Rachelis  co?iceperat)mtti^aVit  natm  chryf. 
puey.'  A  nacençade  Benjamim  coniblou  a  triítezsnsfcidn  da  hom.60 
morte  de  Rachei;  no  que  Jacob  cemo  Santo.que  era^nos  qú&«*  &*»• 

moítrar 


39^  Santuário  Mariano 

moítrar  os  lanços  da  Divina  bondade,  que  quando  dá  algum 
trab}ího,oupena  ,Iogodácomque  fe  poífaõconfolar  todas 
as  perdas. 

Reparou  Santo  Ambrofio  em  caftigar  Deos  a  Zacarias 
pay  do  Bautifta,  tirandolhe  a  falia:  5Vo  eo  quod  non  credtdifli 
' u  cr  is  teteens,  &  non  poteris  loqui.  E  quando  lha  reflituío  (fen- 
do aflimq  pslafua  pouca  fé  a  havia  perdido)  naõfófallou, 
mas  também  profetizou:  Apertam  e/l  os  Zacbari*,  &  pro- 
pbetaVit.  Que  heifto  Senhor?  de  quando  acá  Zacarias  hc 
Profeta.  Por  Sacerdote  o  tinha  eu ;  mas  naõ  fabia  delle  que 
profetizava :  'Bónus  De us ,  qtit  nonfolum  ablata rejlituityfed 
et  iam  infperata  conccdit.Naò  he  Deos  como  os  homens,  (diz 
&'*>•      Santo  Ambroíioj)  porque  fe  vos  tiraõ  hum gofto,naõ  hc  pa- 
Amhan  fa  Vosc|ar  0utro ,  fenão  para  vos  acrefeentar  a  defconfola- 
HG%      çaõ.  Mas  Deos  fe  vos  tira  huma  confolaçaõ,he  para  vos  dar 
outra  mayor  y  &  affím  naõ  fe  contentou  com  reftituir  a  Za- 
carias o  que  perdera,  fenaõque  fobre  iflòlhedeuoquenaô 
tinha,  nem  efperava.  Fallou  eflando  mudo ,  &  mayores  fo- 
raõ  os  bens  que  recebeo,  que  os  males  ,  que  lhe  precederão. 
Quando  as  Santas  Marias  vieraõ  aofepulchro  ,a  ungir 
ofagrado  corpo  do  Salvador,  diz  o  Euangelifta,  que  foy 
Aídrc.   muytoantemanhaa^ja  fahidooSol:  F aldè  mane  una  fabbato- 
16.  n.2.  rum  ,(?c.  ortojam  Sdc   Se  era  muytode  madrugada  ,como 
era  ja  o  Sol  fahido?  Saõ  Máximo  diz ,  que  neíte  dia  nafceoo 
Solmuyto  mais  cedo  docoftumado;  porque  lhe  quiz  Deos 
Sao  s     pagaratrifteza,quc  moflrounafuaPayxaõ-.N^^^/?^;/^ 
Max.    ut  Sol  in  Rofurreãione  e)ivs  gaudeat ,  in  cujus  compajfione 
ftrm,*.  condoí  ah  ,&ejr*s  mortem  lugubri  quadam  caUgine  profecu- 
jp  drh    tm  *&*$'"*  Vítam  nitidioris  íacisjplendorefufapiat,  &  tam- 
a  ud  '   <imm  ^oms  mlnittw  fiwt  tunc  obfcuratus  eB  ad  exéquias  fe- 
£*/*£.   pultur*  ,  modo corufcet tnRefurreãionis  obfequium.  Poiso 
Emif.     Sol  foy  companheyrode  Chrifloemasfuas  penas:  Tembr<z 
fatia  fmt  [up?r  univerfam  Cerram  \  era  jufto  que  também  o 
foíferu  dia  da  gloria ,  &que  quem  fc  havia  veftido  de  luto 

pela 


Livro  IV.  Titulo  VIU.  § 07 

pela  fua  morte  ,  roadrugaffe  a  lahir  galante,  para  dar  ao  mun- 
do a  alegre  nova  da  fua  vinda  ,  &da  fua  vida  :  Solem  arfai- 
(ror  in  hal  die  folito  clariorem.  ISleaJfe  eít  enim  ut  Sol  in  ejus 
Refurreãione  gaudtat,  cujm  compafionis  condolutt.  Porque  J**, 
he  pofto  em  toda  a  razaõ ,  que  o  que  foy  companhcyrona  r™m%  * 
pena ,  tenha  parte  nos  prazeres ;  &  que  quem  naõ  defempara  52a  ' 
ao  affligido ,  melhore  também  com  elle  de  efiado ,  como  diz 
Saõ  Paulo  :6VW  focij  pajfionum  eíiis  ,fic  eritis  t$  confolatio  AA . 
nis.  Cmml 

A  quem  com  mais  razaõ  fe  deve  a  principal  parte  das  a-  * 
legrias,& prazeres  da  Refurreyçaô  deChriflog!oriofo,que 
a  fua  Santiífima  Mãy,pois  excedeo  a  todos  no  fentimento  de 
fuás  dores  ,  aífiflindo  ao  pé  da  Cruz  todo  o  tempo,  que  nella 
efleve*  Por  iffo diz  Santo  Ambrofio,  que  foy  a  primeyra  que 
o  vio  refufeitado:  Viditergo  Maria  Re/urre ttionem  Tomi-  Dh. 
nijdr  prima  Vtdit ,  &  credidit :  Diz  o  Santo ,  que  a  Senhora  Ambr: 
vio,&crco.  Mas  naõ  quer  dizer,  que  a  Senhora  vio  paraAfw 
crer  o  que  antes  não  cria  ,  pois  eflava  certa  que  elle  havia  de  ÇíU 
refufeitar;  mas  vio  para  fua  confolaçaô ,  &  com  a  fua  viíla 
ficou  a  fua  alma  taô  alegre,  &  cheya  de  prazeres ,  que  a  efla 
faz  a  Igreja  fefía  ,  cm  fé  de  como  Deos  noffo  Senhor  fabe 
compenfar  os  bens ,  &  os  goflos  ,  que  tira,  com  outros  mais 
aventa jados  com  que  nos  alegra ,  &  enriquece.  E  aqui  mof- 
tra  que  os  rigores ,  &  os  pezares  com  que  trata  aos  feus  ef- 
colhidos ,  faõ  vefporas  de  lhes  fazer  novas  mercês ,  &  de  os 
encher  de  celefliaes  alegrias. 

Na  mefma  Nifa  Velha  ,  &  antiga  povoação  ja  deflruída , 
ha  outra  Igreja,que  fica  mais  abayxo  da  Matriz;(porque  efla 
fica  cm  terreno  mais  fuperior,  &  levantado)  na  qual  he  vene- 
rada outra  milagrofa  Imagem  da  foberana  Rainha  do  Ceo, 
também  de  grande  devoção  ,  &  romagem,  à  qual  concorrem 
todos  os  que  vão  em  ronwia  à  Senhora  da  Graça  ?  ou  Se- 
nhora de  Nifa  a  Velha.  He  efla  Santiflima  Imagem  também 
de  pedra,  Sc  pouco mayor  na  eflatura^uc  a  Senhora  da  Gra- 
ça. 


398  Santuário  Mariano 

ça.  Temera  Senhora  (que  hunsintitukõ  commummente 
Noffa  Senhora  dos  Prazeres,  &  outros  ihedaõ  a  invocação 
da  Efperança)  em  feus  braços  ao  doce  fruto  do  féu  ventre, 
&  moftra  ter  em  hum  dos  feus  pés  hum  efpinho,  que  moftra 
também  a  fua  amorofa  Mãy,  como  quem  lhe  pede  que  ího  ti- 
re. He  a  Senhora  de  foberana  fermofura ,  &  ambas  as  fagra- 
das  Imagens  moílraô  tanta  graça  ,  &  mageilade  ,  que  parece 
roubão  os  coraçoens  de  todos  os  que  nellas  põem  os  o!hos. 
AíTim  efta  Santa  Imagem,  como  a  da  Senhora  da  Graça  refe- 
rida ,efta5  pintadas  fobre  a  efeultura  ,  ôc  com  o  ornato  de 
Efirellas,  &  perfis  de  ouro.  Os  principios,&  a  origem  defia 
Santiflima  Imagem  faô  taõefcuros,  que  ninguém  fabe  dizer 
mais,  fenaõ  que  he  antiquiílima.  E  como  a  Villa  Velha  de  Nfc 
ia  hemuy  to  antiga,  podia  ferque  em  fua  fundação  feman- 
daffem  fazer  eftas  Imagens  por  algum  Mefire  da  Ordem  dos 
Templários  ,  para  fc  collocarem  naquellas  Igrejas ,  como 'a. 
quella  Villa  íhes  pertencia;  porque  na  extinção  dos  Cavai- 
leyros  do  Templo, fe  deraõ  as  fuás  Gommendas  à  Ordem  de 
Chrifto.  Fefteja-fe  efta  Senhora  na  Segunda  feyra  depois 
dasOytavasda  Pafchoa ,  quehe  odiados  Prazeres. 


TITULO     IX. 

<Da  Imagem  àe  nojfa  Senhor 'a, da  Lu^,do  Convento  de 
Santo  AuguHinho  de  Arronches. 

PElos  annos  de  1 T40.  faz  menção  o  Padre  Doutor  Frey 
António  Brandão  na  fua  Monarchia,  em  que  Arron- 
Hb.io.    chesfora  tomada  aos  Mouros  porElReyD.  Aítonfo  Hen- 
cap>9<    riques  fendo  ainda  Príncipe  ,  ou  por  feus  Capitaens.Depois 
dizqueElRey  Dom  Sancho  o  Segundo  a  dera  ao  Convento 
de  Santa  Cruz  de  Coimbra,  não  fó  no  Ecdefiaftico  ,  mas  no 
fecular.  E  que  no  tempo  de  Affonfo  Terceyro  a  largarão  a 

ElRey 


Livro  IV.  Titulo  IX.  399 

EtRey,  (  quanto  ao  iecular )  entendendo  j  não  Convinha  aos 
que  viviaõ  recolhidos  nos  cíauíxros  y  defender  Praças,  &  lu- 
gares fortes  ,  que  eraõ  fronteyras  do  Reyno.  Com  que  efla 
Villa  he  antiquiííima.  Fundarão  nella  os  filhos  de  Santo  Au- 
gufimhonoannode  1570,  ema  Ermida  da  Senhora  da  Luz; 
&  efla  Senhora  nas  maravilhas  >  que  obrou ,  moftrou  que  os 
aceytava  porCapellães. 

Jacobo  de  Voragine  fallando  defte  titulo  da  Luz ,  diz, 
que  ainda  quede  Chrifto  Senhor  noffo  fe  diga  ,  que  clle  he  a 
luz  do  mundo  ,  que  também  convém  o  mefmo  titulo  à  Se- 
nhora-, porque  cila  he  a  luz ,  pela  qual  o  mundo  foy  cheyo  de 
luzes,&  refplandores. Licet  (diz  o  Padre)  de  Filio  dicfnmfit:  Vorag. 
Ego  funi  lux  mundi ;  tamen  matri  concentre  pot(ft,  quia  ma-  ferm. 
ter  eít  lux  >  per  cjuam  mundus  ittwminatwt \  E  Daniel  Agrico-  s*b.  4» 
la  diz  7  que  Maria  Santiffima  he  huma  luz  refulgentiffirra^*^r# 
para  todos  os  homens;porque  em  cada  huma  de  fuás  rouy  tas 
virtudes  refplandece  admiravelmente  com  provçytoíiffi- 
mos  exemplos:  Maria  eã  luxrtfulgens  bomimbus^xemplU  _    . 
jmrum  Yirtutum.  CorH  \ 

No  Convento  dos  Eremitas  de  meu  Padre  Santo  Au -fieLB, 
guftinho  da  Villa  de  Arronches,  hebufeadacom  muyta  ve-  f^ftd. 
neraçaõ  huma  antiga  ,&  devota  Imagem  da  Rainha  dos  An-  j>. 
jos,  Maria  Santiffima  ,com  o  titulo  da  Luz,com  quem  aquel- 
la  Vilia  teve  fempre  muyta  devoção.  De  fua  origem  íe  fabe 
muyto  pouco  ,  por  fer  muyto  antiga  ,  &  fé  confia  do  tempo 
cm  que  a  Mãy  da  Divina  luz,  &  da  graça  recolheo  na  fua  Ca- 
fa  aos  feus  filhos,  os  Eremitas  de  Santo  Augufiinho,  que  foy 
como  agora  diremos  P  pelos  annos  de  1570. 

Hum  Religiofo  Eremita  de  meu  Padre  Santo  Augufli* 
nho  da  Provinda  deN.  Senhora  da  Graça,  chamado  Frey 
Hilário  dejefus  ,&  natural  da  Cidade  de  Portalegre,  affiflia 
em  o  feu  Collegio  de  Coimbra,  donde  vinha  ordinariamen- 
te na-s  ferias  ver  a  feus  pays,  &  parentes.  Era  eOe  Religiofo, 
mancebo  nos  annos,  mas  muyto  velho  nas  virtudes;  porque 

tinha 


4 oo  Santuário  Manam 

tinha  muyto  amor  de  Deos,&  muyto  zelo  da  fua  mayor Hon- 
ra i  &  gloria ,  &  com  cfle  defejava  muyto  a  faude',  das  almas. 
Comefte  picdofo  zelo  folicitouna  fua  Cidade  de  Portale- 
gre com  todas  as  veras  ,  que  ouvefíe  nella  hum  Convento 
de  Eremitas  Auguflinhos,8í  corno  era  dos  mais  nobres  delia, 
teve  muy tos  que  defejavaõ  fe  effeituaíTem  as  fuás  fantas  per- 
tençoens  \  mas  não  o  confeguio  cntaõ.  Guardava  Deos  efta 
ventura  para  mais  adiante,para  os  filhos  reformados  do  San- 
to Patriarca,  como  depois  fuccedeo  fundando  na  Igreja  de 
Santa  Maria. 

Aífiília  Frcy  Hilário  em  Coimbra  ( como  fica  dito, )  & 
vinha  fempre  nos  verões  à  fua  terra,a  titulo  de  vifitar  os  pa- 
rentes ;&  como  ardia  em  zelodoaugmento  da  fua  Religião, 
&  dobem  efpirituai  das  almas,  naõ  o  perdia  em  o  folicitar, 
fuppofto,que  em  Portalegre  não  luzia  muyto  o feu  traba- 
lho^ fervorofa  diligencia.  No  feguinteanno  indo  a  vifitar 
a  huns  parentes ,  que  tinha  em  Alegrete,  também  neila  Villa 
cuydadofamente  folicitou  o  poder  cntabolar  a  fua  perten- 
çaõ  ,  &  a  teve  muyto  adiantada ;  porém  não  fe  pode  concluir 
detodomquelle  anno;  nofeguinte  fe  fez  avifo  ao  Provin- 
cial, em  que  íe  foíTe  a  tratar  da  fundação  do  Convento ,  por- 
que eftavaõ  os  moradores  com  grande  vontade  para  receber 
os  Rcligiofos.  Foy  o  Provincial,  &  depois  de  ver  o  negocio 
concluido,baftou  hum  fó  homem, para  que  fe  naõ  effey  tuaífe. 
Guardava-os  Deos  para  outra  parte. 

Comefte  fentimento  tratou  Fr.  Hilário  de  Jefus,de  fe 
recolher  ao  feu  Collegio  de  Coimbra ;  porém  antes  de  o  fa- 
zer,fe  foy  defpedir,^  vifitar  a  outros  parentes,que  tinha  na 
Villa  de  Arronches  ,  (  que  lhe  ficava  diíiante  fó  duas  legoas) 
peíTois  também  do  mais  qualificado  da  mefma  Villa,&  foy  em 
companhia  de  hu  feu  amigo  muyto  virtuofp ,  chamado  Luís 
de  Campos ,  que  depois  foy  Inquifidor  ,&  era  irmão  de  Jor- 
ge Vas  de  Campos,  pay  da  venerável  Madre  Sor  Briíida  de 
Santo  António.  Com  eíte  feu  amigo  (citando  em  Arron- 
ches) 


Livro  IV.  Titulo  IX.  4#  i 

ches)  foy  huma  tarde  a  vifítar  a  Senhora  da  Luz,  que  era  vc  • 
neradaemhuma  Ermida  fora  da  Villa,  mas  em  pouca  difian- 
cia  delia.  Tanto  que  Frey  Hilário  chegou  ao  adro ,  logo  em 
feu  coração  fentio  huma  grande  alegria ,  &  huns  grandes  de- 
fejos,dcque  alli fe f undaífe hum  Convento  da  lua  Ordem. 
E  interiormente  o  pedio  afli m  à  Senhora  da  Luz  ,  &  a  noífo 
Senhor,  fe  foffe  para  mayor  honra,&  gloria  lua,&  bem  efpi- 
ritualdaquellepovo. 

Depois  de  vifitarem  a  Senhora  da  Luz ,  fe  recolheo  o 
Padre  Fr.Hilario  de  Jefus  a  cafa  do  feu  parente,aonde  e  Aa- 
va  poufado,&  lhe  communicou  o  feu  penfamento,  dizendo, 
que  naõ  havendo  naquelle  povo  Convento  algum  ,  feria  de 
grande  conveniência,  &  utilidade  delle,oadmittirem  alli  aos 
feus  Religiofos.Tratoufe  o  negocio  com  tanto  cuydado,que 
ElRey  Dom  Sebafliaõ  deu  logo  a  licença  ,  &  juntamente  o 
Bifpo, que  era  Dom  André  de  Noronha.  E  diípoftas  todas 
as  coufas ,  fe  tomou  polTe  da  fundação ,  em  a  mefma  Ermida 
da  Senhora  da  Luz,em2}.  dejancyro  do  anno  de  1570.  E 
porque  naô  tinhaõ  commodo  para  logo  ficarem  na  Cafa  da 
Senhora ,  em  quanto  efle  fe  preparava  ,affifliraõ  fora  até  o 
anno  de  1574.011  antes  \  porque  confia  ,  que  janefie  ferviaõ 
à  Senhora  na  fua  Cafa ,  &  à  fua  fombra  viviaõ- 

Como  ha  tantos  annos,que  fe  deu  principio  à  fundação 
do' Convento  ,  &  havia  mais  que  a  Senhora  da  Luz  era  ja  ve- 
nerada naquella  fua  Ermida  ,  naõ  fe  (abe  dar  razaõalguma 
da  fua  origem,  nem  de  quem  lhe  fundou  aquclla  Cafa.  Só 
confia  ,  fer  toda  a  devoção ,  &  confolaçaõ  dos  moradores 
daquella  Villa ;  porque  em  feus  trabaíhos,  &  apertos  recor- 
rendo à  fua  piedade  ,  achaõ  fempre  nella  alivio,  confola- 
çaõ ,  &  remédio.  A  Imagem  da  Senhora  bem  moflra  que  he 
muy to  antiga ,  he  deeícultura,  &  a  matéria  he  pedra  már- 
more, mas  per  fey  tiííimamente  obrada ;  naõ  fe  lhe  põem  mais 
que  manto ,  tem  em  feus  braços  ao  Menino  Deos  \  &  eflá  fo- 
bre  huma  peanha,em  hum  nicho  no  meyo  do  retabolo  da  Ca* 
Tom.  III.  Ce  pella 


40 1  Santuário  Matímí 

pclla  mór,  a  fua  eftaturahe  de  cinco  palmos. 


TITULO     X. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhora  da  Livraçam,  em  Caf. 
tello  de  Vide. 

AVilla  de  Caftello  de  Vide  fica  em  diftancia  da  Cidade 
de  Portalegre  três  legoas,  para  a  parte  do  Nordefte. 
Povoou-a  ElRey  D.  Dinis  quando  lhe  edificou  o  caftello,  no 
anno  de  1 5  i  o.  Nefta  Villa  he  tida  em  muy to  grande  venera- 
çaõ,hua  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos ,  a  quem  invocaõ  com 
o  titulo  da  LiVraçaõ.  A  origem  defta  Santa  Imagem,&  da  fua 
Caía ,  em  que  hoje  he  venerada/e  refere  neíla  maneyra.Ha- 
via  naquella  Villa  hum  homem  chamado  Diogo  Rodriguez, 
que  era  natural  da  mefma  Villa.  A  efte  fe  lhe  prenderão  hus 
parentes  pelo  Tribunal  do  Santo  Officio  da  Inquifiçaõ ,  pe- 
lo crime  do  Judaifmo.  Temeo  efte  que  também  o  accufaííem, 
&  prendeíTem,  &  como  parece  fe  naõ  achava  culpado,  valeo- 
fedo  favor,  &  patrocínio  de  noíTa  Senhora ,  que  a  nenhum 
peccador  defempara,quando  delia  fe  fabc  valer.E  prometteo* 
lhe ,  que  fe  o  livrafle  daquelle  trabalho  ,  que  temia,  lhe  havia 
de  dar  huma  boa  cfmola  para  a  fua  Cafa. 

Naõ  foy  efte  homem  prezo ,  nem  fe  entendeo  com  el!e, 
porque  não  haveria  caufa  para  ííTo;  ou  feria  o  mais  certo,  que 
a  Senhora  o  amparou ,  *c  defendeo,  &  o  livraria  da  culpa,  em 
que  elle  temia  fer  caftigado.  Obrigado  Diogo  Rodriguez  do 
favor ,  que  a  Senhora  lhe  havia  feyto,  &  por  não  parecer  in- 
grato ao  beneficio  ,  mandou  edificar  à  Senhora  huma  nova 
Cafa,  aonde  particularmente  pudeíTe  fer  fervida  >  &  buf- 
cada.  Acabada  a  Ermida,  fe  collocou  nella  a  Santa  Imagem 
com  grande  fefta,  &  alegria  daquelle  povo,  que  à  vifta  do  fa- 
vor, que  Diogo  Rodriguez  havia  recebido ,  fe  encendeo  em 

todo 


Livro  IV. Titulo  X.  403 

todo ,  huma  muyto  particular  devoção ,  &  a  Senhora  vendo 
a  fua  fé  ,  começou  a  obrar  muy  tas  maravilhas,  &  aflím  he  ho- 
je grande  oconcurfo  da  gente,  que  concorre  a  venerar  a  efta 
Senhora,  &  a  pedirlhe  os  queyra  livrar  dos  trabalhos»  que  te- 
mem lhes  podem  vir ,  &  dos  que  aâualmente  padecem. 

Eíta  Santa  Imagem  fe  venerava  em  huma  muyto  antiga 
Ermida,  dedicada  a  Saõ  Sebaíliaõ,quando  Diogo  Rodriguez 
fe  valeo  do  íeu  patrocínio.  E  querem  alguns  que  ja  neíta  Er- 
mida,aonde  era  venerada,  tivefle  efte  titulo.  Porém  outros 
entendem  que  o  titulo  fe  lhe  deu  depois  q  Diogo  Rodriguez 
lhe  fez  a  nova  Ermida.  E  quanto  à  primeyra  origem,  &  prin- 
cípios deita  Senhora,  como  he  muyto  antiga,  naõ  fe  fabc  di- 
zer fe  appareceo  naquella  Serra ,  òu  fe  alguma  peíToa  devota 
a  mandou  fazer ,  para  fe  collocar  na  Ermida  de  5.  Sebaíliaõ. 


TITULO     XI. 

Da  Imagem  de  N.  Senhora  da  Alegria  ,ou  dá  Jjfumpçaê. 

CElebra  a  Igreja  a  Maria  Santiflima  em  o  dia ,  queella 
gloriofa  fubio  ao  Ceo  com  tanto  gozo,  &  alegria,quan-, 
to  o  moftra  a  Igreja  no  intróito  da  MiíTa  deita  feíf  a ,  dizen- 
do: Oaudeamus  omites  in  Domino  diem  feftum  celebrantes, 
&c.  Alegremonos  todos  em  o  Senhor,  &  celebremos  com 
grandes  júbilos ,  &  alegria  os  triunfos  de  Maria ,  que  fobc 
nefte  dia  gloriofa  ao  Ceo.  E  quer  que  nefte  dia  todos  os  fi- 
lhos da  humana  geração  fe  alegrem ;  ifto  he,  todos  os  filhos 
Catholicos ,  obfervantes  da  fé,  &  todos  os  eftados,  aflím  os 
juftos ,  como  os  peccadores.  E  porque  fe  haô  de  alegrar  to- 
dos l  Porque  fubindo  Maria  hoje  em  fua  AíTumpçaô  ao  Ceo, 
deve  receber  todo  o  género  humano  huma  grande  alegria, 
porque  com  a  gloria  de  Maria  chegou  a  lograr  huma  gran- 
de, &  cabal  perfeyçaõ;  &  aflim  ouçamos  o  que  os  Anps  per- 

Cc  2  guntaõ: 


. 


404  Santuário  Mariano 

O//.3.  guntaõ :  ^e ejl tila, ( dizem cllcs) qu<*> afcenlit  ? Quem he 
efta  que  fobe?  E  três  vezes  fazem  cila  pergunta  em  os  Can- 
tares. Mas  feos  Anjos  fabcm  quem  he  ,  para  que  perguntaõ* 
Riard  Pcrguntaô  Para  tcr.a  â'cgrÍ3  9  &  gozar  de  ouvir  pronunciar 
de  S.     °  nome  ^c  Maria,  diz  Ricardo  de  Saõ  Lourenço:  Ter  quceri- 
Laur.    tur  ,  quct  eft  ijla  \  quia  duke  nomen  fibi  dffiderant  rejponderi. 
hb.  u  de  Ou  perguntaõ  admirados  trcs  vezes  de  ver  em  Maria  tanta 
Laud.    graça  ,  tanto  mérito ,  &  tanta  gloria  ,  diz  o  mefmo  Ricardo: 
B.Krg.  prima  admirado  fuit  de  magnificentia  gratine,  fecunda  de 
Rieard.  m*Vl'fiCent'ta  mtriti }  tertia  de  magnificentia  gloria.  EAl- 
/.  i2.<feberto  Magno  diz,  que  bem  conheciaõ  os  Anjos  a  Maria;mas 
Laud.    que  pergunta  vão  afíòmbrados  de  ver  em  Maria  taõeftranha 
B.Pirg.  maravilha  j  como  era  a  aíTumpçaõ  da  geração  humana  em 
...       Mâmtfoteft  efe  Vox  cueleftium  Virtutum  ftupentium  de  tam 
MégL  '  foknwi,  &  admirabili  affumptione  generis  humaniin  Beata 
LiídcPirgine. 

Laud.  Quando  Maria  fubio  ao  trono  da  gloria ,  ja  fe  podia  di- 

B.  M.    zer  ,  que  a  geração  dos  homens  tinha  ja  recebido  a  fua  cabal 
cap.  3.   perfeyçaô  ;  porque  fubindo  JESUS  Chrifto  noffo  Salvador 
ao  Ceo ,  fublimou  ao  homem  até  o  trono  da  Beatiflima  Trin- 
dade. Affim  he ,  (diz  Saõ  Leaõ)  que  fubindo  JESUS  Chrifto 
Deos,  &  Homem ,  fubio  em  JESUS  Chrifto  fobre  todos  os 
S.  Lea$  coros  dos  Anjos,  a  natureza  do  homem:  Super  omnem  crea- 
ferm.u  turarumdúeHiumdignitatem  bumani  generis natura  con- 
de <df*  fcenderet.  E  ifto  naõ  foy  fubir  o  homem?  Segudo  a  natureza, 
fim;  mas  naõ  fegundoa  fubúftencia:  Humani  generis  natura. 
He  de  fé ,  que  JESUS  Chrifto  noffo  Salvador,  he  Deos, 
&  Homem;porém  de  tal  forte  tem  em  fi  as  duas  naturezas  de 
Homem,  &Deos,  que  tem  natureza  humana ,  mas  naõ  hu- 
mana fubfiftencia;  porque  a  fubíiftencia  he  Divina.  E  aífim  a- 
indaque  he  Homem ,  naõ  he  peífoa  humana ,  fenão  Divina 
peíToa.  Pois,  diz  Saõ  Leaõ,  fubindo  Chrifto  ao  Ceo ,  levan- 
tou fobre  todos  os  Anjos  emfi  mefmo  a  natureaa humana, 
noas  naô  a  humana  peífoa,  porq  naõ  era  peífoa  humana :  Hu- 

mani 


Livro  W.  Tttulo  XI.  40; 

mani  gener is  natura  confcenderet.  Porém  hoje  fubindo  Maria 
aD  Ceo, ( diz  Alberto  Magno)  como hc  humana  peífoa,fó- 
be  a  natureza,&  a  humana  fubíiftencia,  &  por  ido  fóbe  em  a 
pcífoa  de  Maria  a  geração  dos  homens :  De  affumptione  ge- 
neris kumani  in  'Beata  Pirgine.  E aflim  hoje  he  o  dia,em  que 
os  homens  fe  devem  alegrar ,  porque  tem  a  fua  geração  em  o 
Ceo ,  o  mais  fupremo  lugar ;  pois  fc  acha  a  fua  natureza  em 
Jefu  Chrifto  à  maõ  direyta  de  feu  eterno  Pay ;  &  fe  acha  a 
naturezaA  a  fubíiftencia  em  Maria  à  mão  direyta  de  feu  Fi- 
lho. Alegre-fe  pois  a  humana  geraçaõ>&  celebre  as  glorias, 
&  as  alegrias  de  Maria  invocando-a  com  o  titulo  da  Alegria, 
pois  fe  vé  taó  fublimada ,  &  exaltada  por  efta  foberana  Se- 
nhora* 

No  arrabalde  da  Cidade  de  Portalegre  fe  vc  íituada  a  Ca- 
ía do  Efpirito  Santo ,  que  he  a  Igreja  doHofpital  da  mefma 
Cidade,  Cafa  antiquiflima.  E  nefla  Ca  fa  do  Divino  Efpirito, 
he  bufeada  ,&  fervida  com  grande  veneração  huma  devotif- 
íima  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos  ,  a  quem  daô  o  titulo  da 
Alegria, com  a  qual  tem  toda  aquella  Cidade  huma  grande 
devoção ,  &  aflim  a  feftejaõ  todos  os  annos ,  &  com  grandes 
feftas ,  de  prociííoens  de  grande  apparato,  comedias,  &  ou- 
tros alegres  feftejos,  touros,  encamifadas , &  outras  coufas 
defle  género,  &  todas  eftas  defpezas  correm  pela  devoção 
fervorofa  de  huma  nobre  Irmandade,  que  a  ferve  com  gran- 
deemulaçaõ.  O  dia  da  fua  mayor  celebridade  ,heodiade 
fua gloriofa  Affumpçaõ  a  15.  de  Agofto,  que  heodiadas 
Alegrias  da  Senhora.    \ 

De  fua  origem  naõ  pude  faber  nada  ,  nem  de  feus  prin- 
cípios, &  aflim  fe  reconhece  fer  muyta  a  fua  antiguidade  He 
eíta  Santiífima  Imagem  de  grande  eftatura  ,  porque  terá  fetc 
palmos  y  he  de  vertidos,  &  eflá  com  as  mãos  levantadas ,  em  j 

que  fe  repreíenta  o myíierio de  fua  gloriofa  Affumpçaô.  He     .-.«.  . ; 
de  grande  fermofura  ,  &  eftá  collocada  em  a  Capella  mór,& 
obramuytas  maravilhas  a  favor  dos  feus  devotos. 

Tom- III.  Ce  3  T1TU- 


4óÓ  Santuário  Martanv 


TITULO     XII. 

Da  Imagem  denoffa  Senhora  dos  Remédios  do  Contento 
de  SaÕ  Francifco. 

GOmonafcimentode  Maria  Santiffima ,  nafceo  para  to- 
dos os  filhos  de  Adaõ  o  remédio  de  feus  trabalhos,  & 
o  refugio  em  tudas  as  fuás  tribulaçoens ,  &  neceffidades ,  & 
a  (fim  foy  o  meímo  nafcer  a  Senhora ,  que  por  Deos  em  a  ter- 
ra huma  Caía  de  refugio ,  &  hua  botica  de  remédios;  porque 
naõ  he  efla  Senhora  o  remédio  dehumfó,  he  o  remédio  de 
todos  ,  he  para  pobres ,  para  peccadores ,  &  para  todos  os 
Chriftãos.  Remédio,  &  refugio  de  neceífitados  chamou  a 
Dam.i»  Maria  Santiffima  S.  Joaõ  Damafceno:  Refugium  inopum.  Re 
ParacU  fugio  ,&  remédio  dos  pobres  lhe  chama  Saõ  Boaventura? 
B.  M.    Refugium  pauperum.  Refugio }  &  remédio  de  todos  os  po- 
Bonav.  bres,  fem  exceptuar  a  algum,  lhe  chamou  Santa  Mechtildes: 
j?  A**  Refu£íum  omnium  pauperum.  E  rcfugio,&  remédio  dos  mi- 
Mccht.  ferave^s  ^e  chamou  Adaõ  Premonftratenfe:  Refugium  mife- 
Hb.  i.  *  wr««i-  Efla  mefma  Senhora  fallando  de  íimefma,odiíTe  pe- 
grat.     Io  Ecclefiaflico ,  que  o  mefmo  foy  eflar  em  a  terra,  ao  nafcer, 
€ap.  M»  9VC  nâ^ccr  remédio  ,  &  piedofo  refugio  dos  mortaes :  In  om- 
Adam   m  tenajfeti.Hugo  Cardeal  diz:  In  terra  Hat  cjuafi  refugium 
itb.  i.    omnium.  Finalmente  he  efla  Senhora  o  remédio  de  todos  os 
frrm.     que  a  bufca5  ^  &  invocão,  como  ella  o  eníinou,  dizendo,  que 
4°-    ~  a  mifericordia  de  Deos  Efurientes  impkvit  bonis  >  &  a  fua 
■xL       ju:£liça  divites  dimifit  inanes.  E  affim  naõ  fó  aos  pobres  per- 
jjL.c.  tence  a  devoção  da  Senhora  ,  mas  também  aos  ricos.   Aos 
Cd»/,    pobres  ,  porque  faõ  pobres  \  &  aos  ricos,  porque  o  poderáõ 
& M.    fer,  &  para  que  fempre  achem  em  Maria  remédio,  procurem 
fervilla  cuydadofos- 

Ng  Convento  de  Saõ  Francifco  de  PortaIegrc,hum  dos 

antigos 


Livro  IV.  T/f  «A  XII.  407 

antigos  da  Provinda  dos  Algarves,(pcrque  fcy  fundado  no 
anno  de  i  z66  &  foy  muy  to  favorecido  dos  Rcys  de  Portu- 
gal,efpecialmente  de  ElRey  Dom  Dinis)he  bufeada  com  pie- 
dofa  devoção  dos  moradores  de  toda  aquella  Cidade,  huma 
milagrofa  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos,  a  quem  invocam 
com  o  titulo  dos  Remédios  ;&  porque  efta  Senhora  com  a  íua 
poderofa  interceíTaõ  os  remedea  a  todos ,  aflim  he  para  com 
ella  muy  to  grande  a  fé,&  a  confiança  com  que  a  bufeaõ;  por- 
que em  todos  os  trabalhos  >affliçoens ,  neceííidades ,  &  tri- 
bulaçoens,oufejaõ  publicas ,  ou  particulares,  recorrendo 
a  efta  amorofa  Mãy  dos  peccadores  7  fe  experimentaõ  tam 
promptos  os  remédios ,  que  parece  $  que  eftes  fe  anticipaô 
às  petiçoens  dos  que  as  fazem. 

Tem  efta  Senhora  huma  nobre  Irmandade ,  cm  que  en- 
tra o  mais  illuftre ,  &  qualificado  daquella  Cidade ,  &  aílim  a 
fervem  com  grande  zelo ,  &  largas  defpezas  em  o  dia  da  fufi 
feflividade,  quehe  ordinariamente  emoyto  de  Setembro, 
dia  defeu  Nafcimento:&  digo  ordinariamente ;  porqueaí- 
guas  vezes  fuecedeo  fazerfe  em  outro  dia  das  fuás  feftivi-  (v 
dades.  Nefte  dia  tem  dous  Sermões ,  &  eflá  o  Senhor  mani» 
fefto,&  ha  procifTaõ  com  grande  aparato  de  fíguras.com  ou- 
tros feftcjos  mais  de  touros,  &  carreyras^  q  duraõ  por  três 
dias.  He  efta  Sagrada  Imagem  de  veftidos,  &  terá  cinco  pal- 
mos de  cftatura;  tem  em  feus  braços  ao  MeninoJefus.Defua 
antiguidade,  &  origem  naõ  pude  defeubrir  nada.  Be  poderá 
fer  foífe  collocada  naquella  Igreja  logo  em  feus  princípios. 


TITULO     XIII. 

Da  antiga  Imagem  de  N.Sevbora  da  Vitoria  }  que  fe  VeneT* 
na  Tarochia  de  Santiago  da  Cidade  de  Portalegre. 

FEfteja-fe  a  Senhora  da  Vitoria  no  dia  das  fuás  Efpcran- 
ças,  emqueefpera  alcançar  delias  para  nós  a  mayor  vi- 

Cc  4  toria, 


4o  8  Santuário  Mar  iam 

toi'ia,qnat  foy  o  vencer  com  os  feus  affeduofos  defcjos  a 
Deos,  obrigando-o  a  que  viefle  a  tratar  da  noíTa  redempçaõ* 
Ncíta  celebridade  em  que  feconfideraõ  três  motivos ,  a  fa- 
ber^os  defejos  dos  antigos  Padres  ,  as  efperanças  da  Senho- 
ra ,&  o  noííb  agradecimento  portam  foberano  favor  como 
avinda  do  Filho  de  Deos  ao  mundo.  Os  antigos  Padres  af- 
feduoíamente  pediaõ  a  Deos  a  vinda  de  feu  unigénito  Fi- 
lho \  &  ainda  que  (conforme  a  doutrina  de  Santo  ThomáSjfe 
mais  Theologos  )naõ  merecerão  que  o  Divino  Verbo  en- 
carnaíTe,  ao  menos  merecerão  fe  não  dilataííe  mais  a  obra  da 
Encarnaçaõ.Porémhoje  Maria  Santiífimaefperaonafcimen- 
to  temporal  de  feu  Santiífimo  filho,  como  no  lo  reprefenta  a 
fmt.  ú  Igreja  no  Euangelho  de  Saõ  Lucas  nefla  feflividade:  Mijfus 
eji  An gelus  Gabriel.  Comefla  eíperança  lograõ  hoje  os  fi- 
lhos da  graça,&  as  almas  devotas ,  o  q  elles  defejavaõ,  &  de 
que  tiveraõ  fó  promeíTaj  o  que  elles  pedirão,  nós  recebemos; 
&  o  que  elles  efperavaõ,nós  o  poíTuímos* 

Defejou  em  humaoccaíiaô  David  hum  púcaro  de  agua 
2.  Rt&  ^a  ciflerna  de  Bclcm:0  fiquis  mihi  daret  potu  chjua  de  cijler- 
c*p.  zy  na  a  qu<t  efi  in  BethlebemE  foy  em  occafiaõ ,  que  efta  Cidade 
eflava  íitiada  pelos  Filifteos.  Ouvindo  ifto  três  foldados 
dos  feus  mayores  amigos ,  que  (  fegundo  Saõ  Jeronymo  )  fo- 
raõ  Abifay ,  Sedab,  &  Jonatham.  Efles,  conhecido  o  defejo 
Jy/v.      de  feu  Rcy ,  Irruperunt  caBra  fbãiftbinorum,  &  bauferunt  a- 
Hiro* .  qUam  de  ci&erna  $etblebem,&  tukrunt  adTJaVtd^ompcrao 
*  f *j#-  pelo  exercito  inimigo ,  foraõ  >  &  alcançarão  contra  todas  as 
^j^difficuldades  daquella  facção  huma  grande  vitoria  ;  porquç 
■:.  '   *  trouxera  6  agua  a  David,  Grande  animo,  notável  valor  «.po- 
rém offerecendo  a  agua  ao  Rey ,  naõ  a  quiz  btbcr.N.oluit  bi- 
bere  ,fedlibayit  eam  Domino- 
-      ,  Muytas  razões  daô  os  Santos  Padres  defkfeyto,mas 

§rlt  i#  a  ^e  Sofronio  he  muyto  levantada  ,  &  ao  noífo  intento.  'Da- 
to Chr.  VtdwRegem  ajfumpttps fpirttuali fiti  aYens,aYdensquefaluta- 
N<u.  '  reaquã  ex  cifierna?qu<e  eft  in  (Bethkbem>  defiderabat;  aqmm 

autem 


Livro  IV.  Título  XIII.  4©p 

'áuHmqMmWk  myfticèexpetebat  7  &  VtVaerat  ,&  rtnnes 
qui  ex  ea  bibebant, divina  Yirtute  vividos  effiàebat.  Si  feires 
konum  çDei(a']ebat  fons  tile  Vit<t)&  quis  ejl  qui  dicit  f/tójoan» 
4.  Gfterna  buec  Sacratijimam ,  Virginem  difignabat ,  qu<£ 
tfuterum  geftura ,  &  Deum  paritura  eraty  quod  enim  htc 
trcmfigebatur,pY0pbetia>i9 figura  erat  de  CbYÍJfo,c]ui  ett  aqua 
Vit<*  omnibus  vitam  infundens.Nzò  nega  efle  Padre^q  David 
teve  fedecorporal;  mas  diz,que  fubiraõ  mais  alto  do  que  pa- 
rece os  feus  de  fejos,  &que  na6  era  fó  agua  da  material  cif- 
terna  de  Belém  a  que  o  Rey  appetecia;mas  agua  da  Belém  ef- 
piritual ,  &  celeflial  ,  que  defejava;agua  viva ,  &  que  a  todos 
osqucabebiaõ  dava  vida  conforme  ao  que  Chrifiodiííe  à 
Samaritana.  A  ciftsrna  era  a  fempre  Virgem  Maria  ,  de  cujo 
immaculado  ventre  havia  de  nafcer  Deos  f  eyto  homem.Corn 
que  eftes  defejos  de  David  foraõ  profecia  de  Chriflo ,verda- 
deyra  fonte  de  agua  viva  ,  a  qual  Saô  Lucas  em  feu  Euange- 
íhohoje  moftra  fer  comprida.  Vendo  pois  o  Santo  Rey  o 
comprimento  dos  feus  defejos,  &apoíTe  das  fuás  efperan- 
ças,queaquella  agua  trazida  de  Belém  lhe  reprefentavaJNZfl-         3j 
luit  bibere  ,  fed  UbaVit  eam  Domino.   Fez  delia  facrtácioa  2t  Re&\ 
Deos  ,  moflrando-fe  por  taõ  grande  mercê  agradecido ,  &  ca^  *** 
quanto  mais  o  fora  ,  fc  chegara  a  ter  a  poíTe  sdual  de  tanto 
bem?  E  niílo  alcançou  David  de  fi  mefmo  huma  grande  vi- 
toria vencendo  aos  defejos  ,que  tivera  daquella  agua. 

Efíes  defejos  da  Senhora  celebra  também  a  Igreja  j  por- 
que foraõ  muyto  fervorofos  ,  &  com  elles  alcançou  huma 
grande  vitoria,pois  venceo  a  Deos,  &  o  obrigou  a  que  viefíe 
mais  cedo  do  que  os  feus  defejos  o  permittiaõ,que  as  fuás  an  - 
cias  ja  naô  fofriaõ  dilaçoens.  Ora  ouçaõ.  He  tradição  de  Ra- 
binos ,  &  em  particular  de  Pedro  Affonfo  Hebreo  converti- 
do, qut  quando  veyo  o  Anjo  Saô  Gabriel  com  a  Embayxada 
à  Virgem  MãydeDeos,  faltavam  ainda  vinte  annos  para 
complemento  dos  qnatro  mil  dacreaçaõ  do  mundo,  depois 
dos  quaes  o  Filho  de  Deos  havia  de  encarnar.  E  ifio  ( dizem 

elles) 


4i3  Santuário  A! ar  iam 

elles)  fígniíicára  crear  Deos  o  Sol  no  quarto  dia:  Pecit  Deu* 
u  duo  luminária  magia,  érfactwn  eíí  Vefpere  ,  U  maw  dies 
quarttis.  Figura  clara  de  que  overdadeyro  Sol  de  Juíiiça 
Chriíio  JESUS  havia  de  nafccr  no  mundo  aos  quatro  mil 
annos de fua  formação.  Eefte  heofentido  daquellas  pala- 
MaUc.  vras  de  M  ílachias :  Orietur  nobis  Sol  juHitia  ,  0c.  Joaõ  de 
f:   M     Toledo ,  também  Hebreo ,  achou  grande  myfterio  nefía  an- 
í°^°j     ticipaçaõ  de  vinte  annos.  E  diz  que  affim  como  Deos  pelos 
trat  i    Pecca^03  do  mundo  anticipou  vinte  annos  ocafiigododi- 
ap.Pe».  luvio,  antes  do  tempo  q  tinha  fignificado  a  Noè ,  como  fe  vé 
loe.  cii  da  Efcritura, porque  tendolhe  Deos  dado  ao  homem  para  fua 
converfaõ  ,  &  penitencia  cento  &  vinte  annos:  Et  erant  dies 
€en.  6.  $ftm  centwn  Vtginti  anmrum  ;  apenas  fe  compriraõ  cem 
annos,  quando  mandou  fobre  elles  o  diluvio,  que  os  acabou; 
porque  a  ameaça  que  fe  contem  no  cap,  6.  foy  aos  quinhen- 
tos annos  de  Noè ,  &  affim  remata  ocap.  5.  dizendo:  Noe 
Vero  cwn  cjuingentorum  ejfet  annorum  ,  &c-  E  o  diluvio 
foy  aos  feiscentos  annos  do  mefmo ,  como  fe  diz  no  cap.  7. 
€tn.  7;  Anuo fexcenteftrmVitct  ]\[oe  &c.  O  que  aconteceo  (diz  Saõ 
Jeronymo  )  porque  os  homens  naõ  quizeraõ  emendar  a  vi- 
T>iv.     da:  ^hí  1  homines  poenitentiam  agere  contempfermtt ,  noluit 
Hterofi.  Deus  tempus  expecíare  decretam  ,/ed  Vtginti  annorum  fpa- 
inejutft.  tijs  am(mtatis ,  introditxit  diluVium ,  anno  centejitno  agen- 
H*br*    dst  pa  nittntU  deftinato.  De  forte  que  affim  como  pelos  pec- 
m  Qcn*  cados,  &  impenicencia  dos  homês  fe  apreífou  o  diluvio,  (diz 
o  Toledo)  pelos  merecimentos  da  Virgem  Maria  anticipou 
Deos  fua  vinda  ao  mundo  outros  vinte  annos,  antes  dos 
quatro  mil ,  em  que  era  efperado-    Eftas  fam  as  vitorias  de 
Maria  ,  que  com  os  feus  fervorofos  defejos  venceo  a  Deos, 
&  alcançou  para.  nós  a  mayor  vitoria  de  nos  alcançar  a 
redempçaõ  domundo,  &a  vinda  de  feuSantiffimo  Filhoa 
elle. 

NaParochia  do  Patraõ  das  Efpanhas  Santiago,  huma 
das  da  Cidade  de  Portalegre,  fc  venera  huma  antiga  Imagem 

da 


LrwolV.TttuloXm.  41* 

da  foberâm  Empcratriz  da  gloria ,  a  quem  daô  o  titulo  da  Vi- 
toria/rujos  princípios  faô  taõ  efcuros,  que  nada  delles  fe  po- 
de defeubrir,  nem  ainda  pela  tradição  ,  &aífímnaõícpóde 
alcançar  o  motivo  que  ouve  para  fe  lhe  impor  o  titulo  da  Vi- 
toria. E  he  de  crer  q  efle  titulo  tivefle  algum  motivo  muy  to 
particular,  para  fe  lhe  impor àquella  Santiífima  Imagem. 
Antigamente  era  rruyío  grande  a  devoção  com  que  efla  Se- 
nhora era  fervida  dos  moradores  daquella  Cidade  ,  &  tinha 
entaô  huma  muy  to  luftrofa  Irmandade;  mas  o  tempo  que  tu- 
do acaba ,  fem  perdoar  ao  fagrado,  confumio,  ou  esfriou  de 
todo  a  antiga  devoção ,  &  fó  fe  acha  efla  hoje  firme ,  &  fegu- 
ra  em  hum  nobre  Cavalheiro  daquella  Cidade  ,  chamado 
André  Zuzarte  de  Campos ,  o  qual  ha  muy  tos  annos  torrou 
à  fua  conta  o  fervir  a  Senhora  da  Vitoria,©  qual  a  fefleja  cc  m 
muy  ta  grandeza  >  &  liberalidade-  E  tenho  iflo  por  huma  ef- 
peciaJ  maravilha  da  Senhora ,  porque  à  vifla  da  indevoçaô,  & 
frieza  dos  mais,quiz  que  efle  feu  devoto  ficaífe  nefle  feu  fer- 
vor como  merecimento  de  todos. 

Fcflcja-fe  efla  Senhora  em  o  mefmo  dia  >  em  que  o  fazia 
a  fua  antiga  Irmandade  ,  que  he  no  dia  da  fua  Expc  dação,  & 
eíperanças  de  feu  Santiffimo  parto,a  dezoytode  Dezembro. 
Era  efla  Santiflíma  Imagem  antigamente  de  roca ,  &  de  vefli- 
dos ;  mas  fendo  o  Bifpo  de  Portalegre  o  Senhor  Dom  Ricar- 
do Rufiei ,  mandou  que  fe  fizefTe  de  efcultura  ;  &  sffim  fe  lhe 
mandou  fazer  hum  corpo  âe  madeyra  pelo  efeultor  Manoel 
Vaz  da  mefma  Cidade ,  acccmodandofe-Ihe  a  cabeça  da  mef- 
ma  Imagem ,  &  aíTím  ficou  perfey tiflíma.  Faz-fe  a  fefla  com 
muy  to  grande  folemnidade  ;  porque  tem  em  todo  o  dia  o  Se- 
nhor facramentado  manifeflo,  &  dous  Sermoens,&  boa  mu- 
fica.  Eflá  efla  Santiflíma  Imagem  ,  que  faz  cinco  palmos  de 
altura,  em  a  Capellacollsteralda  parte  da  Epiflola  ,  he  de 
muyta  fermofura.  Com  efla  Sagrada  Imagem  da  Senhora  da 
Vitoria  tem  os  moradores  de  Portalegre  muyta  deveçam, 
ainda  que  ja  hoje  naõ  he  taõ  frequentada,como  o  era  antiga- 
mente 


4i  *  Santuário  Mariam 

mente.  Naô  tem  Menino  nos  braços;  porque  como  o  my  f- 
terioqucreprefenta  ,  he  odaExpe&açaõ  do  parto;  por  iíTo 
cftá  com  as  mãos  levantadas  ,  como  rogando  ao  Eterno  Pa- 
dre ,,  lhe  conceda  o  ver  ja  em  feus  braços  nafcido  o  defejado 
de  todas  as  gentes  ,  &  aquelle  Senhor  que  vem  a  remir  o 
mundo. 


SANTO 


4*3 

gjgsv»      r^ív»      ff^Mv»       c£ív»      c^ívs   r  cvfgw>  •. 

>^sç*  jmàs*.  *££%§+  sçMm*.  j££%3±  >s£à§«. 
wg^  w^s*  wjfs*'  w^s*  "W^s'  w^s* 

e\5ãw>      «Acate      eJgãte       eAS5w      eAsãw»      eAgãte 

SANTUÁRIO 

MARIANO, 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA. 

&  das  milagrofamente  apparecidas. 


LIVRO    QUINTO. 

Das  Imagens  milagrofas  da  Rainha  dos  Anjos  Ma* 

ria  SantiJJima ,  que  fevener ao  nas  terras  do 

Priorado  do  Crato. 

INTRODUÇAM. 

PRIORADO  do  Crato  fundado,  pouco  mais 
ou  menos ,  pelos  annos  de  1 1 30.  porque  logo 
em  os  princípios  deita  Ordem ,  que  foy  quaíi 
pelos  annos  de  1 1 1 8.  porque  nefle  teve  prin- 
cipio a  Ordem  do  Templo,  &  como  a  Ordem 
de  Saõ  Joaò  de  Malta ,  que  em  fua  funda jaõ  fe  intitulou  dos 

Hoí- 


4i4  INTRODUZAM. 

Hofpitaleyros  ,  &  pouco  depois,  dos  Cavalleyros  de  S.JoaS 
doHofpitai ,  &  pelo  difeurfo  dos  annos  de  Saõ  Joaô  de  Ro- 
des ,  &  ultimamente  de  São  João  de  Malta ,  Ilha  em  que  ao 
prefente  cftá  a  cabeça  da  Ordem  \  &  como  os  Templários 
entrarão  cm  Portugal  na  menoridade  delRey  Dom  Affonfo 
Henriques,  &  quafi  no  mefmo  tempo  entrarão  os  Maltezes, 
por  ifíò  aífento  a  fundaçam  do  Priorado  pelos  annos  de 
li  30.  fem  embargo  de  lhe  darem  hus  o  feu  principio  noa  ri- 
no  de  1080.  &  outros.no  de  1200.  Quem  foíTe  em  Portugal 
o  primeyro  Prior,  naõ  fera  fácil  de  averiguar.  O  primeyro 
Meftre  que  teve  a  Ordem  em  Jeruíalenyiiz  Ilhefcasvque  foy 
Gerardo  ,&  queelle  a  fundara  em  tempo  de  Gclafio  Segun- 
do no  anno  de  11 19. 

Confia  o  Priorado  de  três  Villas ,  &  vários  lugares ,  & 
aldeas,de  q  he  cabeça  a  Villa  do  Crato.  Da  parte  do  Tejo  para 
o  Sul  eflaô  as  Villas  feguintes :  o  Crato,  Gáfete,To!ofa,  A- 
micyral&  Gaviaõ.  E  da  parte  dalém  do  Te]o,iílo  he,da  parte 
doNorte,eftaô  Belver^Carvoeyro,  En vendo, Proença  a  No- 
va,Cardigos,Certâa)PedrógaõdoPriorado,01eiros,Alvaro 
ainda  he  do  Priorado,em  quãto  à  jurifdiçaõ  Ecclefíaftica  ,&  no 
q  toca  aofecular,he  do  Marquez  de  Marialva.  Também  Car- 
digos pertence  ao  Priorado  fó  na  jurifdiçaõ  fecular ,  porq  no 
efpiritua!,&  Eccleíiaftico  pertence  ao  Bifpado  da  Guarda. 

O  Crato  tem  na  Villa  huma  fó  Fregueíia ;  mas  no  ter- 
mo tem  cinco.  Tem  alguns  lugares ,  &  hoje  o  mais  floren- 
te he  Flor  da  Rofa  ;  nome  impofto  do  titulo  da  milagrofa  I- 
magem  de noíía  Senhora  ,  de  quemhavemos  de  tratar, inti- 
tulada^Nofía  Senhora  àa  Flor  da  Rofa.  junto  da  mefma  Vil- 
la, aonde  eflá  o  celebre  Templo  de  nofTa  Senhora  ,  &  aonde 
querem  alguns ,  com  po  uco  fundamento ,  ou vefíe  Convento 
de  Monges  Bentos,  depois  dos  Templários  ,  ou  dos  Freyres 
Maltezes,  &eu  me  perfuado  que  aqui  nunca  refidiraõos 
Templários  ,  mas  fó  os  Maltezes.  A  Certaa  também  tem  vá- 
rios lugares  frefeos  ,&  ricos.  O  principal  he  Cernache  do 

Bom 


INTRODUZAM.  4r? 

Bom  Jardim  , aonde  efíáhumparche  demuytos  arvoredos 
de  caftanheyros  ,  pinheyros,  fovercyros,  &  zezereyros* 
que  faõ  humas  arvores,  que  dirivaõ  o  feu  nome  do  rio  Zeze- 
re,muy  to  copadas  de  ramos;&  folhas  fempre  verdes,  iguaes 
aos  loureyros  aflim  na  folha  ,  como  na  cor ;  mas  na  grande- 
za, &extençaõmayoreSj  &  alguns  comonogueyras.  Temo 
Crato  hum  Convento  de  Religiofos  Francifcos  da  Pro- 
víncia dos  Algarves ,  &  a  Certãa  outro  de  Capuchos  da  Pie- 
dade- 

Em  Gáfete  ha  hum  poço  celebre ,  aonde  fe  achaõ  crif- 
taes  muyto  grandes ;  delles  falia  o  noffo  Manoel  de  Faria, & 
Soufa.   Era  antigamente  lugar  ,  depois  Aldeã  do  Crato ,  & 
hoje  Villa.  Junto  a  Oíeyros  ha  huma  Ermida  de  noíTa  Senho- 
ra do  Moíteyro,que  pelos  veftigios  que  exiftem,  mofira  que 
foy  antigamente  Convento.  As  terras  faõ  íecas ,  &  de  muy- 
to poucos  cabedaes.  Belver  confervacom  veneração  as  cele- 
bres relíquias  de  S.  Brás ,  &  de  outros  Santos,  em  hua  Igre- 
ja dedicada  aomefmoSaõ  Brás,  que  eflá  fituada  dentro  do 
caftello.  Ealli  fe  acha  hum  fragmento  de  hum  barco  peque- 
no, que  referem  por  tradição  viera  pelo  Tejo  parar  àquella 
Villa  carregado  de  relíquias.  Saõ  ellas,  vários  oífos  de  diver- 
fos  Santos  ,&  o  mayor,  hc  hu  oífo  do  dedo  index  de  S.  Brás, 
pelo  qual  tem  Deos  feyto  grandes  maravilhas;  outro  de 
Saõ  Sebafliaõ  ,  &  innumeraveis  de  outros  Santos*  A  mayor 
relíquia ,  he  huma  ambula  de  criftal,  aonde  dizem  feconfer- 
vaõ  duas  gotas  de  leyte  de  noíTa  Senhora ,  &  huns  cabellos. 
Ha  também  hum  vafo  de  marfim  a  modo  de  cayxa  grande  de 
hoftiasique  dizem  fer  o  vafo  em  que  a  Santa  Magdalena  tra- 
zia os  unguentos  para  ungir  a  Chriiio. 

O  Prior  do  Crato  provê  as  Igrejas  de  Vigários,  &de 
Miniftros  Eccleíiafticos  ,  &  sos  feculares  os  Officios,  &  to- 
das as  Juftiças,&  tem  muytas  terras,&  defezasde  conlidera- 
vel  rendimento,que  desfruta  por  íeus  contratadores,  em  ef- 
peciai  no  Crato  ,&fcu  termo.  Nasmais  terras  tem  mu  y  tos 

prazos, 


4 1 6  Santuário  Mar  iam 

prazos  >&  cafaes  de  que  tem  de  renda  trinta,  &  tantos  mil 
cruzados  ,naõ  entrando  nefta  conta  as  ordinárias  que  paga 
a  Miniftros,  Vigários ,  Beneficiados ,  Almoxarifes  >  &  mais 
filhos  da  folha.  Ifto  he  brevemente  o  que  contem  o  Priora- 
do do  Crato }  de  que  he  Prior  o  Senhor  Infante  Dom  Fran- 
cifeo. 


TITULO     L 

T>a  hifioria  de  nojfa  Senhor*  de  Flor  da  Rofa,  do  Crato. 

ENtre  os  Concílios  mais  antigos,  fe  numera  o  Illiberita- 
no ,  que  fe  celebrou  em  Efpanha,em  Andaluzia,  que  era 
Elvira,  cujas  ruinas  ainda  hoje  exiftem  em  huma  Serra  duas 
legoas  de  Granada  ,  que  fe  chama  Serra  de  Elvira ;  alguns 
dizem  que  fe  celebrou  eíic  Concilio  no  anno  de  300.  &o 
Cardeal  Baronio  diz  que  no  anno  de  305.  doNafcimento 
de  Chrifto.  Concorrerão  nefte  Concilio  dezanove  Bifpos, 
entre  os  quacs  fe  numeraõ  três  de  Portugal,ou  da  Lufitania; 
o  primeyro  de  Évora  ,  chamado  Quidiano ;  o  fegundo  de  Sa- 
lada ,  ou  de  Alcacere  do  Sal,  por  nome  Januário  ;o  tercey- 
ro  Secundino,da  Cidade  do  Crato,que  fe  dizia  entaõ  Catra- 
leucenfe.  E  fuppoíio  que  o  tempo  confumidor  lhe  tirou  a 
efta  grande  Villa  a  prerogativa  de  Cidade  Epifcopal,  con- 
ferva  ainda  hoje  o  fer  cabeça  do  mayor  Priorado ,  que  tem  a 
Ordem  Militar  de  Saõ  Joaõ  de  Malta  ,  cuja  jurisdição ,  affim 
no  tempora^comonoefpiritua^como  fica  dito,he  taõ  gran- 
de ,  que  faz  vent agens  a  alguns  Bifpados ,  ou  a  muytos  defte 
Reyno. 

Entrarão  os  Mouros,&  deftruindo  o  fagrado,  &  o  pro- 
fano, padeceo  também  o  Crato  o  que  as  mais  povoaçoens  do 
Reyno.  Havia  junto  àquella  Villa  hum  Convento,que  tam- 
bém experimentou  o  furor  da  perfídia  Agarena.  Defte ,  pa- 
rece 


Livro  V.  Titulo  L  417 

fece,que  aufentando-íe  os  Monges,  levarão  o  que  pirdéraõ; 
êccomohuma  milagroía  ,  &  devota  Imagem  denoda  Senho- 
ra, que  havia  no  Moftcyro,por  Ter  de  pedrada  naõ  podiaõ  le- 
var, refolvéraõ,  8c  a  (Tentarão  comfigo  de  a  enterrar,  até  que 
paflaíTe  o  rigor  daquelle  açoute;  8c  como  a  Senhora  era  gran- 
de y  &  pezada ,  por fer de  pedra ,  naõ  a pudéraõ leyar  muy ta 
longe. 

He  tradição  que  depois  que  os  Mouros  foraô  lançados 
de  todo  o  Alentejo ,  apparecéra  alli  a  Senhora ,  no  mefmo  lu- 
gar cm  que  hoje  fe  vé  a  fua  Cafa.  E  ícriaõ  grandes  as  circunf- 
tanciasde  feu  apparecimenro;maso  defcuydo  daquelles  an- 
tigos Portuguezes  no  las  encubrio.  Querem  também  algtis , 
que  fofíe  naquelle  tempo  Dom  Prior  do  Crato  ,  Dom  Álvaro 
Gonçalves  Pereyra ,  &  que  efle  edificara  à  Senhora  hum 
fumptuofo  Templo  ,  &  dizem ,  que  logo  que  fc  começou  a 
edificar ,  dandolhe  principio  em  hum  monte ,  (aonde  efUva 
liuma  Ermida  de  Saõ  Bento ,  que  querem  os  Chroniflas  defta 
efclarecida  Ordem  foífe  em  tempos  mais  antigos  Convento 
feu )  naõ  pudera  ir  a  obra  por  diante;  porque  trabalhando  os 
officiacsde  dia  no  monte,  8c  recolhendo- feànoy  te,  quando 
voltavaõ  pelamanhãa  achavão  os  inftrumcntos,  8c  ferra- 
mentas ao  pé  do  monte,  no  mefmo  fitio  ,  em  que  a  milagrofa 
Imagem  da  Senhora  fe  havia  manitellado. 

AViftadiílofereíolvéraõ  então  em  mandar  edificar  a 
Igreja  no  lugar  aonde  a  Senhora  apparecco ,  &  íe  achavaõ  os 
injlrumentos,por  entender  fer  ctía  a  fua  vontade,8c  que  naõ 
queria  a  Senhora,  que  a  apartafíem  daquelle  lugar,  em  que  ef- 
tivera  tantos  annos  efeondida-  O  que  fe  executou  aílím,fem 
embargo  do  terreno  fer  muy  to  alagadiço-  E  teve  muy  to  de 
myfteno  o  querer  a  Senhora ,  que  fobre  aquel  les  mananciaes 
ficaííe  fituada  a  fUa  Cafa  ,  para  que  ddia  fe  pude  fiem  verificar 

as  palavras  de  lfaias:  J&tfrofj  pUntatajupcr  Wos  aqaa- 
xwn* 

A  etymologia  do  nome  de  Flor  da  Rofa  naõ  pude  def- 
Tom.  III.  Dd  cubrir 


4i  8  Santuário  Mariano 

cubrir  qual  fofle,  E  querendo  alguns ,  que  aquella  Cafa  naS 
começaffe  nos  Maltezes ,  mas  que  foíTem  os  fcus  primeyros 
Fundadores  os  Templários ,  &  verificada  cila  opinião,  mais 
antigo  ha  de  fero  apparecimentoda  Senhora,pois  entrarão 
muyto  depois  os  Maltezes  nos  bens  dos  Templários  ,  fe 
hc  que  os  Maltezes  naô  foraõ  fempre  os  únicos  na  poífeííaõ 
daqueik  Priorado,  como  o  tenho  por  indubitável ;  porque 
os  bens  dos  Templários  todos  foraô  à  Ordem  Militar  de 
ehrillo,  que  infiituio  ElRey  Drm  Dinis.  Outros  querem 
que  aquella  grande  obra  foíTe  reedificada  pelo  Conde  Dorn 
Nuno  Alves  Pereyra ,  &  que  clle  com  a  fua  grandeza  a  aug- 
menrára  ,  &  fizera  o  tumulo,  quealliíe  vé,defeu  pay  D. 
Álvaro  Gonçalves  Pereyra  }  que  efrá  no  corpo  da  Igreja, 
coufa  taõ  grande ,  que  querem  alguns  que  quando  o  mete- 
rão naquella  íepultura,  hia  embalfamado,  &  fentadoemhu- 
macadeyra,&queaíT5mefiá.  A  fcpultura  hefódeduaspc^ 
dras,  &  em  forma  de  tumba,  huma  que  faz  o  corpo  do  tumu- 
lo, &  outra  que  lhe  ferve  decuberta. 

Jorge  Cardofo  quer  que  a  fepultura  referida  feja  de  D. 
Gonçalo  Pereyra,  grande  Senhor  em  eftado,  &  nobreza  ?  vi- 
favò  de  Dom  Nuno  Alves  Pereyra ,  &  pay  de  feu  avo  o  Ar- 
ccbifpo  de  Braga  aflim  mefmo  Dom  Gonçalo  Pereyra ,  &  que 
clle  mandara  edificar  aquella  Cafa  para  feu  enterro.  Tanta 
fie  a  variedade ,  que  ha  de  opinioeris  nefta  matéria.  No  cru- 
zeyrofe  vé  outra  fcpultura  de  outro  gr  a  6  Pr  ipr,  mais  bayxa, 
&  com  huainfcripçaõ  ,  que  diz  quem  he  o  que  nella  eííá  fe- 
pultado.  Eita  deicança  fobre  quatro  leoens  de  pedra.  Ao- 
bra  em  fihc  muyto  grande,  &fumptuofa,  &  capaz  dehuma 
grande  familia;mas  como  a  Ordem  Militar  de  Saõ  Joaô  fó  em 
Malta  tem  os  feus  Ca valleyros  Congregados,  naô  ferve  efla 
ác  mais,  que  de  moflrar  a  grandeza  de  animo  do  feu  Funda: 
4or.   Tud©  he  pedraria,ainda  que  naõ  muyto  alva. 

A  Imagem  da  Senhora  he  de  rara  fermofura  ,  &  ve-fe 
«elia  a  encarnação  taõfrefca,  (fendo  a  San  ta  Imagem  tam 

antiga,) 


Livro  V.  Tituk  L  4151 

antiga  )  que  parece  acabada  de  pouco  tempo.  A  matéria  hc 
pedra,  como  fica  dito,  mas  de  primorofa  efeultura  ,  aonde  fe 
naõ  defcobre  a  menor  falta  ,  ou  imperfeyçaõ ,  fem  embargo 
de  que  as  roupas  faõ  pintadas,  &  douradas  de  mordente  $  a- 
onde  fe  vé  citar  cingida  de  huma  correa,  como  ufaõ  os  filhos 
de  meu  Padre  Santo  AuguíHnho ,  a  adorna  vaõ  de  ricos  ,  & 
preciofos  vefíidos.  Mas  fendo  Provi  for  do  Crato  António 
Vieyra  Ley  taõ  ,  mandou  em  a  vifita  que  fez,  que  de  nenhum 
modo  a  veíliffem^permittindo  fomente  o  poremJhe  manto  ,& 
affimostemriquiáimos.  Em  o  braço  efquerdo  tem  ao  Me- 
nino JESUS,  também  de  grande  fermofura:  ambas  as  Ima- 
gens tem  coroas  de  prata,  que  de  Malta  lhes  mandou  hum 
graõ  Meftre , ha  menos  de  cincoenta  annos.  A  Senhora  eftá 
algum  tanto  inclinada  para  aparte  direyta;aeítaturahede 
mais  de  cinco  palmos-  Finalmente  he  eíta  Santa  Imagem  de 
taõ  foberana  graça ,  &  mageítade ,  que  parece  fer  obrada  pe- 
los Anjos. 

Concorre  da  mayor  parte  do  Alentejo,  &  Beyra  muyta 
gente  a  fazer  romarias ,  &  a  ter  novenas  a  eíta  Senhora. Ho- 
je o  dia  de  fua  mayor  feftividade,he  em  a  primcyra  Seita  fey- 
ra  de  Março ;  porque  celebrando-fe  antigamente  em  o  dia  de 
fua  Encarnação,  como  nefte  dia  fe  não  podia  feflejar  em  al- 
guns annos ,  por  cahir  na  fomana  Santa ,  íè  aíFentou  ficaíTe 
dia  fixo ,  o  da  primeyra  Seita  feyra:  também  ha  nefte  dia  fey- 
Tâ,  &  fe  fazem  três  no  anno  em  obfequio  da  Senhora.  E  hc 
taô  grande  o  concurfo  da  gente ,  que  concorre  de  diverfas 
terras  na  primeyra  Seita  feyra*  que  naõ  cabe  na  Igreja,  com 
fer  baftantemente  grande» 

Os  milagres  que  obra  ,  faõ  innumcravcis  ,  de  que  faô 
fidedignas  teftemunhas  ,  as  muytas  memorias,  que  pendem 
nofeu  Templo,  affim  de  mortalhas,  como  de  cera,  &  outros 
inítrumentos; ,  que  publicaõ  o  remédio -,  que  todos  achaõ  na 
liberalidade  daqaella  Senhora  foberana.  Humreferirey  ,  & 
*oy,que  huma  mu!her,que  coílumavayeíiirA  compor  a  Se- 

Dá  z  nhora* 


'4io  Santuário  M aviam 

nhora  }  padecia  hmis  accidtntes  crucis  como  de  gota  coral; 
cflando  efta  veftindo  a  Senhora }  deulhe  o accidente,  &  com 
as  anciãs  fe  abraçou  com  a  Senhora  ,  &  foy  ella  fervida  ejue 
nunca  mais  os tiveíTc pernos  padeceííe.  Sobre  o  arco  da  Ca- 
pellamór,que  he  ôltiíílrro,  fevéhuma  Cr uz,  donde  he  tra- 
dição cahira  humdoscfficiaes  que  fizeraõaquelle  Templo, 
&  com  fer  taõ  grande  a  altura,  naõ  fez  a  menor  lcfcô,  &  aífim 
para  memoria  do  favor  >  &  milagre  i  fe  lavrou  aquella  Cruz. 
Defta  Senhora  faz  menção  FrancifcoRcdriguez  Lo- 
bo na  vida  do  Conde  ftavel  Dom  Nuno  Alves  Pereyra,  a* 
onde  em  o  canto  i.  fallando  de  Dom  Álvaro  Gonçalves  Pc- 
rcyra ,  pay  do  Condeftavel ,  diz  aflim: 

ISÍíJfa  região  fértil  Tranítagana  2 

Fe^  da  Amieyra  a  forca  bellicofa, 

E novamente  aterra  Lufitana 

Edificou  a  alegre  Flor  da  Rofa, 

Aonde  a  Virgem  pura  >  &  foberana, 

Fe^dofeunome  aCafa  mtlagrofa, 

7)a  Ordem  lhe  annexou  muy  grojfa  rtnd&% 

Ordenando  de  noVo  huma  Commenda. 
E  fallando  da  morte  do  mefmo  Dom  Álvaro  Gonçalves  em  © 
canto  3.  diz  aflim; 

Deuoef pirita  aquém  lho  tinha  dado > 

M&  Amieyra  aonde  então  Vivia, 

Dalli  à  Flor  da  Roía  foy  legado 

Com  pompa  funeral  de  Gerefia, 

TSLaquella  me/ma  Igreja  fepultado7 

Slue  ergueo  ao  Santo  TSLorne  de  Maria, 

Repoufa,láno  Ceo  ItVre  da  guerra', 

JZue  obras  dignas  do  Ceo  deyxcu  na  terra. 
Muytosefcrevcm  da  Senhora  de  Flor  da  Rofa  >  como  Ma* 
noel  de  Faria  Severim  nos  feus  manuferiptos ,  a  Eenedidi- 
na  Lufitana  tom.  j.  tratado  2.  cap.  14.  Vafconceílos  in  def- 
criptioneRegn.Lufit.pag.538.  nurou.Cardofonofeu  A- 
giologio ,  &  outros.  Tl  T  U  - 


Livro  V.  Titulo  II.  41  t 


TITULO     II. 

Da  miraculo/a  Imagem  de  noffa  Senhora  da  Piedade,  ou 
de  Rodes  na  Villa  do  Crato. 

NA  Parochial  Igreja  da  Villa  do  Crato  (que  jadiflemos 
era  umca  )  dedicada  à  Conceição  puriffima  da  Virgem 
Maria  Senhora  noíTa ,  fe  venera  huma  devotiflima  Imagem 
da  mefma  Rainha  dos  Anjos ,  a  que  daõ  o  titulo  de  NoíTa  Se- 
nhora da  Piedade ,  por  fe  ver  como  Santiffimo  Filho ,  &  Re- 
demptor  noíTo,Chrifto  JESUS,  defunto  em  feus  braços.Eftá 
efla  devotiffima  Imagem  collocada  em  huma  Capella,que  he 
a  collateral  da  parte  da  Epifíola ,  junto  da  Sacriflia.  E  neíla 
mefma  Capella  fe  venera  também  a  Imagem  do  Senhor  dos 
Paflòs;  porque  eflá  aífentada  naquella  Igreja  afua  Irman- 
dade. 

He  tradição  confiante  que  efla  Santiffima  Imagem  (8c 
a  de  Santiago  Mayor,  que  fe  venera  na  Igreja  do  Efpirito 
Santo)  fora  muy  to  celebre,  &  venerada  na  Cidade  de  Rodes, 
&  que  quando  no  anno  de  1 522.  fe  perdeo  aquella  Cidade,& 
Ilha ,  que  tomou  por  força  de  armas  o  graõ  Turco  Sohmaô, 
a  falváraõ  os  Maltezes  ,  &  o  fçu  graõ  Meítre,  que  entaõ  era 
Filipe  Viliers  Liladamo  ,  de  naçaõFrancez,  &  que  ao  de- 
pois a  mandarão  os  Maltezes  a  Portugal ,  aonde  depois  foy 
levada  para  o  Crato,  como  cabeça,que  era  deita  Militar  Or- 
dem em  o  mefmo  Reyno. 

A  Imagem  com  o  Santiffimo  Filho  morto ,  &  aífentada 
emhumacadeyra  ,  he  formada  de  huma  fó  pedra  ,  &  parece 
definiffimojafpe;a  fua  proporção  hedaeftaturaquafí  natu- 
ral, &  humana.  Tem  com  efla  Santiffima  Imagem  grande  de- 
voção todoaquelle  povo;porqueem  fuás  neceffidades,&  af- 
fliçoens ,  cila  he  para  todos  a  confolaçaõ ,  &  o  alivio.  E  fup- 
Tom.III.  Dd  5  pofto 


411  Santuário  Mariano 

pofto  que  naquclle  Templo  fe  venera ô  três  Imagens  de  Ma- 
ria Santifíima,a  da  Conceiçaõ,que  he  a  Titular,  &  a  Senhora 
do  Rofario;a  da  Piedade  he  a  quea  todos  leva  a  affeiçaõ,por- 
que  de  todos  he  bufeada ,  &  venerada.  E  (lá  pintada ,  &  dou- 
rada ao  antigo.  Também  por  devoção  lhe  põem  manto.  O- 
bra  muytos  milagres jhum  referirey  que  por  tal  fe  teve.Hum 
Religiofo  reformado  ,  natural  da  mefma  Villa  ,  tinha  desde 
menino  grande  devoção  com  efla  Senhora ;  indo  humavez 
ao  Crato ,  &  vendo  que  o  manto,  que  a  Senhora  tinha ,  eítava 
ja  velho,  defejou  de  lhe  dar  outro;  para  efta  obra  lhederaõ 
deefmolahuma  moeda  de  ouro,  euftoulhe  a  feda  vinte  & 
fcis  toftoens  7  &  para  a  guarnição  reftáraõ  fomente  vinte  & 
dous ,  que  era  muy  to  pouco  para  três  varas  &  meya  de  re  n- 
da  de  prata  \  pofla  efla  na  balança  foy  ao  chaô  com  o  pezode 
2200.  pozo  mercador  outro  pezo  proporcionado  aomuyto 
quearendamoftravapezar,&  levantou-fcaté  o  mais  alto; à 
virta  difb  pondo  outro  pezo  menor ,  fe  levantou  também  a 
renda  na  mefma  forma  ;  foy  diminuindo  os  pezos  até  chegar 
a  por  dous  grãos  >  que  era  o  menos  que  fe  podia  por ,  &  fem- 
pre  a  balança  da  renda  fubia  \  tirados  cites  pezos ,  &  ficando 
íb  osprimeyros,  defceooutra  vez  a  balança  da  renda  até 
o  chaõ>  com  que  ficáraõ  admirados  jo  mercador^m  ver  o  pou- 
co que  a  renda  pezava;&  o  Religiofo  ,do  prodígio  quea  Se- 
nh  ora  obrava ,  en)  ordem  a  que  nem  a  renda  faltafle  à  íua  o: 
bra  ^  nem  excedeffe  o  culto ,  mais  do  que  elle  tinha. 


TITULO     III. 

Damilagrofa  Imagem  de notfa Senhora doTranto , da 
Vida  dos  Envendos* 


H 


Uma  das  Villas  do  Pri  orado  do  Crato  he  a  dos  Enven- 
dos ,  das  que  ficaõ  além  do  Tejo  para  a  parte  do  Norte* 

Ncfla 


Livro  V.  Titulo  III.  413 

Neíla  Villa  he  Santuário  celebre  (emaquellss  partes)  o  em 
que  he  venerada  hua  devotiífima  Imagem  daMãy  deDeos, 
como  Santiffimo  Filho  defunto  em  feus  braços ,  a  que  àsõ 
o  titulo  do  Pranto ,  ou  dos  Prantos.  De  fua  origem  ,  &  an- 
tiguidade naõ  ha  noticias  certas;  mas  fomente  humastradi- 
çoens,que  fe  referem aífim.  Hum  Fída!go,&  Cavalleyro  do 
habito  da  Ordem  Militar  de  noflb  Senhor Jefus  Chrifto,cha- 
mado  N.  Lavado ,  natural  i  &  morador  da  Fregueíia  dos  En- 
vendos ,  tinha  grande  devoção  com  a  Rainha  dos  Anjos. 
Eíte  Fidalgo  (  com  efle  titulo  de  nobreza  o  nomea  a  relação 
que  fenos  deu  defta  Senhora  )  defejava  edificar  à  Senhora 
hutna  Cafa ,  para  collocar  nella  huma  Imagem  fua ,  que  para 
iíTo  mandou  obrar  na  Cidade  do  Porto ,  aonde  com  effrtto  fe 
fez  ,&  com  muyta  perfeição.  Vindo  a  Sagrada  Imagem,tra- 
toulogo  da  fabrica  da  Ermida,  &  acabada  ella  difpozcom 
fervorofo  cuydado  a  fua  collocaçaõ  ,  o  que  fezcomtodaa 
grandeza , &  apparato,  que  foy  poflível.  Collocada  a  Senho- 
ra ,  começou  logo  Deos  a  obrar  por  feus  merecimentos ,  5c 
interceflaõ  muy  tos  milagres. 

Correndo  os  tempos  >  veyo  eíla  Ermida,  por  muyto  an- 
tiga ,  a  arruinarfe ,  o  que  vendo  dous  moradores  da  mefma 
Villa  muyto  devotos  da  Senhora  ,  unidos  em  devoção,  lhe 
edificarão  outra,  pouco  diftãte  da  primeyra,  &  por  mais  mo- 
derna, de  muy  to  melhor  fabrica*  O  titulo  que  à  Senhora  fe 
lhe  impoz  logo  nos  feus  priricipios,  foy  o  de  NoíTa  Senhora 
de  Alcolobre ,  que  devia  fer  o  nome  daquelle  lugar  ,  &  íitio 
em  que  fe  lhe  fundou  a  fua  Cafa.  Succedeo  depois  haver  por 
aquellas  partes  huma  grande  pefte,  da  qual  morriaõ  cada  dia 
muytas  peffòas.  Nelta  grande  afflicçaõ  hiaõ  à  Cafa  da  Se- 
nhora, &  com  gemidos,  &  lagrimas  imploravaõo  feu  favor, 
&  o  remédio  daquellaneccflídade. 

Defles  prantos  quefaziaõ  naprefença  daquella  Santa 
Imagem,  fedizqueforaimpoílo  o  nome  com  que  hoje  he 
bufcada,  &  venerada,  chamandolhe  noffa  Senhora  dos  Pran- 

Dd  4  tos, 


424  Santuário  Mariano 

tos ,  ou  do  Pranto.  E  foraõ  taõ  poderofas  eflas  Iagrimás,& 
prantos  ,  que  fe  fizeraõ  à  Senhora  ,  que  movida  a  compsy- 
xaõ  a  todos  os  que  com  lagrimas  pcdiaõ  remédio,  o  alcan- 
çarão da  fua  clemência  ,  &  aífim  defapparcceo  o  contagio. 
Com  eíle  grande  favor  fc  accendeo  ainda  muyto  mais  em 
todos  a  devoção,  &  aífim  continuamente  bufcavaõ  a  Senho- 
ra em  todos  os  feus  trabalhos,  &em  todos  achavaõ,  &a- 
chaõ  hoje  promptiflimo  o  feu  remédio. 

A  Imagem  defía  Senhora  he  devctiífima ,  &  de  taõ  ex- 
cellcnteefcultura,que  parece  obrada  peloCeo.  Ke  formada 
em  pedra ,  eílá  fentada  com  o  SantiíTimo  Filho  em  os  braços, 
&  na  forma  em  que  eftá ,  faz  quatro  palmos  em  alto ;  &  o  Se- 
nhor moftra  ter  mais  de  cinco  palmos.  Sobre  a  toalha ,  que 
o  efcultor  lavrou ,  lhe  põem  outra,  &  hum  manto,  que  de  or- 
dinário he  de  cor  triíte  ,  para  mayor  demonftraçaôdaquelle 
dolorofo  myflerio.  Eftá  collocada  em  hum  nicho  nomeyo 
do  retabolo,  que  he  de  talha  >  mas  pequeno,  &  ainda  em  pre- 
to ;  porque  ou  a  pobreza  daquelles  moradores  deve  fer  tanta 
que  naõ  alcança  àquella  limitada  defpeza ;  ou  a  devoção  dos 
que  fervem ,  &  aflifíem  à  Senhora  fera  taô  fria ,  que  naô  cuy- 
daõ  muyto  defta  fua  taõ  forçofa  obrigação :  fenaõ  he  que  os 
Parochos,a  quem  aquella  Ermida  he  annexa,  cobraõ  todas  as 
offertas  da  Senhora ,  fem  advertirem  que  gaitando  parte  dei- 
las  em  ter  com  mais  aceado  culto,  &  adorno  aquelle  Al- 
tar da  Senhora,  fe  daria  cila  por  muyto  mais  obrigada ,  para 
que  as  tiveífem  muyto  mayores ',  &  fe  moveriaõ  também  os 
devotos  da  mefma  Senhora  ,  a  lhas  oíferecerem  mayores. 
Sempre  refplandeceo  aquella  milagrofa  Imagem  em  maravi- 
lhas ,  &  aífim  he  bufcada  de  todos  a^uelles  povos  circumvfc1 
zinhos  com  fervorofa  devoção. 


TITULO 


LivroV.  Titulo IV.  425 


TITULO     IV. 

T)a  milagrofa  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Eífrella^o 
Monte  do  Minhoto- 

JUnto  ao  rio  Zêzere  efiá  huma  Serra  ,  entre  as  muytas 
que  o  cercaõ  de  huma ,  &  outra  parte  ,  em  a  Fregucfía  de 
Saõ  Sebafliaô  do  lugar  de  Cernache  do  Bem  Jardim }  termo 
da  VilladaCertãa ,  aquechamãoo  Montedo  Mirhc  te.  He 
efla  Serra  muy  to  alta ,  &  povoada  de  grandes  penhafeos,  & 
da  parte  do  Zêzere  muy  to  defpenhada  ,&  Íngreme.  Ncíla 
meíma  Serra,ou  Monte  do  Minhoto,  fe  vé  huma  grande  Er- 
mida ,  edificada  fobrehuns  dosfeus  rochedos  ,  dedicada  à 
Rainha  dos  Anjos,  com  o  título  deN.  Senhora  da  Eflrella; 
titulo  a  meu  ver  impoflo  porcaufa  de  alguma  fermoía  luz, 
011  Eflrella  íingular,  que  manifeflaria  aquel/e  grande  theíbu- 
ro-porqhe  Maria  Santiflimahueflupendothefouro  da  Igre- 
ja, como  diz  Santo  Epifânio:  Thefaurm  Uupendus  Ecclefi*.  S.Epjp. 
He  efla  Ermida  muy  to  antiga  >  &  foy  edificada  naquellt  °rat.  de 
lugar  ,  com  a  occafiaõ  de  apparecer  no  mefmo  íitio  efla  Sa- l**à. 
gradalmagemda  Senhora.  IA  ffirmafe  que  em  huma  gruta,  D'*P*ri 
ou  conca vidade,que  eftá  junto  à  mefma  Ermida,  apparecéra; 
a  forma  do  feu  apparecimento  naõ  confia,  podia  bem  fer  fof- 
fe  a  alguns  cândidos  paflorinhos,  que  fendo  pelas  virtudes  S.Ephrl 
fabios ,  mereceriaõ  que  huma  Eflrella  lhes  moflrafíe  aquella in  lat*d* 
Scnhora^que  he  Eflrella  rcfplandecentiflima,  da  qual  nafceo,  *•  ^%: 
&  procedeoo  Divino  Paflor  JESUS  Chriflo,  como  diz  San-  Galy*  , 
toEphrcm  ,&  Galfrido:  Stdlafulgidijfimuy  exqua  Çhrt8m  ™fje£ 
procejit.  E^oedificaríe  aquella  Igreja  em  tal  fitio,  confiry//'/^' 
ma  a  tradição  ,  queaffirma  quealli"apparecéra,&  tarr;bem  as  cap.ij} 
maravilhas ,  que  obra,  &  obrou  fempre ,  que  faõ  muy  tas.      àts 
He  efla  Ermida  grande ,  com  Capella  mayor ,  &  dous  A7*/»* 

Altares 


416  Santuário' Mariano 

Altares  collateraes  ;& tudo  eílá  teítemunhando,que  em  feus 
princípios  feria  muyta  a  devoção  com  aquella  Caía  ,  &  que 
obraria  nella  a  mãi  de  Deos  muytos  prodígios ,  pela  invoca- 
ção de  fua  Santiífi  na  Mãy  em  aquella  fua  Imagem  da  Se- 
nhora da  Eftrelía ,  8c  a  naô  haver  taõ  grande  devoção  naquel- 
lesfeculos  paíTados  (que  pode  ferquefejiõ  muytos)  para 
com  aquella  SanriíTima  Imagem  novamente  apparecida,naõ 
fe  pudera  edificar  hum  Templo  taõ  grande  em  tal  fitio,  fup  • 
pofloqueaoprefente  fe  vé  ja  muy  tibia  a  antiga  devoção ',  o 
que  caufará  a  pobreza  daquellas  terras. 

Nosdous  Altares  collateraes,  dizem  algumas  peflòas 
antigas,  queeraò  veneradas  as  Imagens  de  Santa  Anna  em 
hum ,  Sc  em  outro  a  do  Apoftolo  Santo  André  ,  &  que  ja  ha- 
via miytos  annos  ,  que  eftas  Imagens  foraõ  mudadas  para  o 
Altar  mór ,  8c  nos  collateraes  ja  hoje  fe  não  diz  Miífa ,  por* 
que  eftaõ  nus  fem  algum  ornato.  E  procedeo  ilío  da  pobreza 
daquclles  imradores ,  &  de  não  haver  alli  Confrarias.  Tem 
também  aquella  Igreja  hum  grande  alpendre  ,  &  junto  à 
Capella  mór  ficaõ  humas  cafas ,  com  porta  de  comunicação, 
em  que  vive  o  Ermitão ,  8*  laõ  féis  as  cafas,  naõmuy  to  gran- 
des. Tem  hum  poço  junto  à  Ermida ,  oqual  nunca  féca ,  por 
mayores  que  iejaô  os  calores  doveraõ;  o  que  parece  coufa 
digna  de  reparo,por  ficar  no  alto  daquella  Serra.  E  tem  tam- 
bém huma  fonte  perenne ,  que  lança  agua  por  huma  bica. 

Junto  a  eíle  mefmo  penhafeo  ,  em  que  fe  edificou  a  Er- 
mida da  Senhora ,  ha  ainda  duas  grandes  fovereyras ,  &  hu- 
ma delias  tem  hum  tronco  muyto  grande,  que  denota  muy- 
ta antiguidade,  &  confirma  também  a  da  Igreja.  Eila  fove- 
reyra  do  tronco  grande ,  affirma  a  tradição,  que  dava  humas 
contas  ou  frutos  pretos,  como  a  zeviche,  de  que  colhiaò  os 
Romeyros,que  hiaõ  aviíitar  a  Senhora ,  &que  eites  taes 
contas,  moídas,  &  bebidas,ferviaõ  de  remédio  a  muytas  en- 
fermidades, em  toios  os  que  delias  fe  valiaõ.  Eftas  contas,& 
fru  cos  fe  acabarão  \  &  a  caufa  de  a  arvore  as  dcyxar  de  pro- 
duzir, 


Livro  V.  Titulo  IV.  427 

duzir,  dizem  tombem ,  fora  porque  o  Ermitão  daquelle  tem- 
po as  vendia :  tudo  ifto  he  tradição ,  que  fe  conferva  naquel- 
les  moradores  circumvizinhos ,  &aífim  naõ  o  aíErmo  por 
coufa  verdadeyra. 

Tem  também  osErmitaensdaquelIa  Cafa,  humacerca- 
íinha ,  &  neíta  ,  &  junto  à  Ermida  ,  fe  vem  huns  alicerfes  de 
cafas  antigas  ,  &huma  porta  tapada  de  parede  nocorpoda 
lgreja,que  moflra  hia  das  cafas  para  ella.Tarrbem  fe  diz  por 
tradiçaõ,que  naquelle  fitio  aífifiiraõ  os  Cavalleyros  Templá- 
rios. E  podia  bem  ícr  ,  que  tiveíTem  alli  Convento,  &  algum 
caílello  ,  ou  forte  >  para  delle  fe  defenderem ,  &  c fftncerem 
aos  Mouros.  Também  fe  pode  crer  ifto  por  certo  à  vifta  da 
grandeza  daquella  Igreja ,  ou  queouvefte  alli  algum  Con- 
vento de  Eremitas,  quehabitavão  aquelle lugar,  &ftrviaõ 
à  Mãy  de  Deos  naquelle  feu  Santuário.  Os  Ermitaens  defk 
Cafa  fa6  da  aprefentaçaõ  dos  Provifores  do  Priorado  do 
Crato,  os  quaes  lhedaõ  também  licença,  para  nediremeímo: 
Ia  cm  aquelles  contornos  ,  para  fe  fuflentarem. 

Naõ  temefta  Senhora  Irmandade, nem  Confraria ;  mas 
ha  naquella  Igreja  huma  que  ferve  a  Santo  André,  que  tem 
hum  Capellão,que  lhe  vay  dizer  MiíTa  todos  os  Domingos,& 
dias  Santos,  por  q  lhe  fica  a  Parqchia  em  diflancia  de  Iegoa,&: 
meya;  &  da  Ermida  os  cj  ficaõ  mais  perto,  eflaõ  em  diilancia 
dehuquartodelegoa.  Naõ  fe  faz  feita  particular à  Senhora, 
nem  tem  dia  determinado  para  ella,  porque  ízõ  os  moradores 
daquelle  deOritopobriffímos,  &  aflim  afua  muyta  pobreza 
defeulpa  a  fua  pouca  devoção :  porém  fe  ouvera  algum ,  que 
fora  mais  devoto,ou  o  Capellaõ >  q  alli  continua  a  dizer  Mif- 
fa^tivera  mais  zelo,  com  elle  pudera  dos  moradores  da  Cer- 
tãa,&  deCernache  nomear  em  cada  hu  anno  algús  mordomos., 
para  cj  feftejarTem  em  algu  dia  do  anno  a  Senhora  da  Efhella. 
Todos  aquelles  povos  circumvizinhos  tem  muyta  fé, 
&  devoção  com  efta  Senhora,  &  aflim  abufeaõ  fempre  em 
fuás  affliçoens, & neceffidades 5 & eíkscom  a occaíiaõde al- 
gum 


4*8  Santuário  Mariano 

gumefpecial  favor  ,  que  recebem  da  Senhora,  !he  fazem  alJ 
guma  fefta  votiva.  E  a  fé  com  que  o  fazem  ,  lhe  faz  confe- 
guir  os  defpachos  de  fuás  petições.  E  fendo  muy  tos  os  mila- 
gres, que  obra,  &  tem  obrado  aquella  Senhora,  nenhum 
delles  fe  tem  authenticado.  A  Imagem  da  Senhora  da  Eftrel- 
Ia  eflá  collocada  no  Altar  mór  ;  he  de  pedra  ,  &  a  fua  eftatu- 
ra  faõ  dous  palmos ,  &  quatro  dedos ,  &  he  de  tam  loberana, 
&  perfeyta  efeultura  ,  que  fe  julga  fer  obrada  pelas  mãos 
dos  AnjosTem ao  Menino Deos em feus  braços,&  elle eftá 
pegando  com  huma  mão  no  bico  do  peyto  da  Senhora  ,& 
com  tanta  graça ,  que  caufa  muyta  devoção  ,  nos  que  com  at- 
tençaõ  o  reparaô.  He  eíla  Ermida  annexa  à  Parochia  de  Saõ 
Sebaftiaõ  ,  do  lugar  deCernache  do  Bom  Jardim.  Sobre  a 
origem  defla  Sagrada  Imagem  ,  ( de  que  nada  confia )  fe  pode 
dizer,  que  aflim  como  os  Çhriftãos  efcondéraõa  Imagem  da 
Senhora  das  Dores,  ou  do  Pranto  de  Dornes,  quando  os 
Mouros  invadirão  a  Efpanha  ,  em  huma  daquellas  Serras  do 
Zêzere ;  que  o  mefmo  fariaõ  os  daquelle  deftrito,  em  occul- 
tar  também  a  Senhora  da  EftrelIa,deyxando-a  à  Divina  pro- 
videncia o  manifeftalla,  como  o  fez,  quando  cila  odifpoz;  fe 
he  que  os  Anjos,  que  fabricarão  muytas,  naõ  foraõ  os  artífi- 
ces que  fizeraõ  efta. 


TITULO     V. 

Da  milagrofa  Imagem  de  N.  Senhora  daSanguinheyra 
em  aVtlla  da  Amieyra. 

NA  Villa  da  Amieyra ,  huma  das  que  fe  comprehendem 
na  jurisdição  do  Priorado  do  Crato  ,  he  celebre  o  San- 
tuário de  noífa  Senhora  da  Sanguinheyra  ,  titulo  taõ  antigo, 
como  fepódeconfiierar  dagroíTaria  do  vocábulo.  Dizem 
os  naturaes  daquella  Villa ,  fer  cila  Senhora  advogada ,  efpe- 

cial- 


Livro  V.  TituíoV.  41$ 

ciafmcnte  das  mulheres  ,  que  tem  trabalhofos  partos  .»&  pa- 
decem fluxos  deíangue,  &  a  eíte  refpeyto  lhe  impuzeraõ 
efle  titulo  da  Sanguinheyra  ,  nome  impofio  mais  daruflici- 
dade ,  ou  fingeleza  daquelles  tempos  ,  do  que  da  policia  ,  & 
limada  frafe  com  que  hoje  fe  falia  ,  &  íedencminaõaquellas 
coufas  ,  que  merecem  grande  attcnçaõ  nos  titules >  &  nomes 
que  fc  lhes  impõem. 

Efte  Santuário  fe  vé ,  fahindo  daquella  Villa  para  a  par- 
te do  Norte,  depois  de  paflar  huma  ponte  de  peuca  confide- 
raçaõ,por  onde  corre  hum  regato  ,  mais  pobre  nas  sguas 
que!eva,doqueorioCedron  daPaleflina.  Defta  ponteie 
fobc  ao  alto  de  hum  monte,  (por  diflancia  de  cem  paílcs)  que 
podemos  chamar  o  Monte  de  Siam  ,  pois  nelle  fe  vé  a  Cafa 
daquella  Senhora,que  he  expreíía  figura  deite  celebre  monte; 
ou  monte  Ohvete ,  por  fc  Ver  cercado  de  olivey  ras;  &  cemo 
fempre  cííá  a  fua  piedade  repartindo  mifericerdias  ,  com 
mais  propriedade  fe  lhe  devia  impor  cite  nome,&  dar  o  titu- 
lo da  Oliveyra ,  ou  do  Olival,  que  feria  mais  próprio,  do  que 
o  da  Sanguinheyra  j  titulo  que  também  fe  equivoca  com  hu- 
ma arvore,  a  quedaõ  o  nome  de  fanguinho.  No  alto  dciic 
monte,  pois,  fe  vé  a  Cafa  de  Maria  Santiffima,  &  tamantiga, 
que  de  fua  fundação  fe  naõ  podem  defeubrir  nenhuns  princi* 
pios,  naõ fóde memonas,ou  eferituras  autenticas  ,  porque 
as  naõ  ha ;  mas  nem  por  tradiçoens  ,  por  naõ  haver  quem  as 
refira.  Huma  peífoadeboa  intelligencia ,  &  erudição ,  diz 
que  fe  perfuade  que  a  Ermida  da  Senhora  he  taõ  antiga,ccmo 
o  faõosChriílãos  daquella  Villa  ,  &  quer  que  aquefla  Cafa 
foííe  nos  tempos  antigos  Templo  da  fabulofa  Luciná,  deofa 
dos  Gentios ,  invocada  das  mulheres  em  feus  perigofos  par- 
tos ,  quando  clles  exifiião  naquclfas  terras-  E  feria  porque  a 
cila  Senhora  recorrem  todas  as  daquella  povoação,  &  cir- 
cunvizinhas ,em  os  feus  partos,  hoje  com  fervorofa devo- 
Çaô,&  fempre  o  fizeraõ  nos  tempos  paífados,  experimen- 
tando felices  fueceífos  no  favor  daquella  Senhora  ,  como 

quem 


43  o  Santuário  Mariano 

quem  lhos  podia  alcançar  com  mais  certeza,  do  que  aquclía 
fingida»;  &  mentirofa  divindade  o  fez  às  que  cegamente  a  in- 
vocavaõ. 

A  eftrucítura,&  fabrica  daquelle  TempIo,&  pobre  Pan- 
tcon ,  he  (  ainda  que  limitada)  proporcionada  à  fua  grande- 
zz.  Tem  Capella  mor  fechada  de  abobada ,  cujo  plano  tem 
de  comprido  até  o  gradual  treze  pés,  &  de  largo  dezafete* 
Moílra  haver  (ido  azulejada  em  algum  tempo,  &  também 
o  corpo  da  Igreja ;  neííe  tem  dous  Altares  collateraes,  &  tem 
decomprimento  trinta  &  oyto  pés ,  &  vinte  &  quatro  de  lar- 
go. Na  porta  principal  fe  levantaõ  quatro  degraos,  de  hum 
átrio ,  aonde  antigamente  eomeçavaõ  as  fuás  rogativas,  a- 
quelles  que  recorrião  a  impetrar  da  Senhora  o  remédio,  &  a 
confolaçaõ  em  feus  trabalhos ,  &  affliçoens,  aífirn  commuas, 
como  particulares.  Enelle  fe  congregavão  os  Clérigos,  & 
mais  povo,&davaô  principio  às  Ladainhas;  mas  ja  hoje  fe 
pôde  dizer,  Spind >  fkjfocàVerunt  triticumdeVotionis-,  porque 
fe  vé  tão  fria  a  devoção,  que  parece  de  todo  defappareceo 
efle  louvável  exercício,  &  em  lugar  delle  poderá  fer  íirva  a- 
quellc  fitio  aos  ociofos  de  referir  fabulas. 

Nefta  Ermida  fe  naõ  vémais  que  huma  fcpultura ,  que 
dizem  fer  de  hum  Ermitão,  que  fervia  à  Senhora-  Teve  fino, 
que  le^áraãos  Caftelhanos ,  nas  entradas  que  fizerão  na* 
quella ,  &  mais  terras  do  Priorado.  Não  tem  efta  Senhora  Ir- 
mandade ,  nem  Confraria;  o  que  procedeo  de  ter  aquella  Ca- 
ía baftante  fazenda,  que  eftava  annexa  a  huma  Capella  ,  cujo 
adminiiirador  eflava  obrigado  à  fabrica  ,  &  defpezas  da  Cafa 
da  Senhora ,  &  também  à  de  outras  três  Ermidas  ,  a  do  Sal- 
vador ,a  do  Efpirito  Santo ,  &  a  de  Santo  André.  E  vindo 
em  os  cempos  paffados  hum  Capellão ,  (querendo  que  foííe 
a  Capella  Beneficio  collado  )  quiz  tomar  po!íe  delia  5  mas 
foy  logo  lançado  fora.  E  da  fazenda  fez  depois  mercê  ElRey 
Dom  joaõ  o Qjarto  à  Cafa  da  Mifericordia  da  meíma  Villa, 
por  fer  pobre.  DeíU  renda,  que  ja  hoje  fe  vé,  qom  grande  di- 
minuição, 


Lrvro  V.  Titulo  V.  43 1 

minuiçaô3he  obrigada  a  Irmandade  da  mefma  Mifericordia  a 
fcflejar  a  Senhora ,  &  a  mandar  dizer  na  fua  Cafa  duas  MifTas 
cada  fomana  ,  para  o  que  tem  os  ornamentos  neceífarios.  He 
muy  to  para  notar  a  incúria ,  &  pouca  devoção  daquella  gen- 
te, que  cobrando  as  rendas  da  Senhora,  &  em  tempos,  em 
que  rendia  mais  %  nunca  fe  deliberarão  a  lhe  fazer  hum  reta- 
bolo  de  madeyra. 

No  Altar  mór  fevécollocada  a  Imagem  da  Senhora  da 
Sanguinheyra.  E  ja  efta  que  fe  vé  ao  prefente  ,naõ  he  a  pri- 
meyra;  ( que  naõ  fe  fabe ,  nem  confia  fe  foy  apparecida  na- 
quelle  lugar)a  que  hoje  exiftc  fe  fez  ha  pouco  mais  de  25.an- 
nos,  &  a  antiga  fe  enterrou;  porque  a  traça  a  havia  d-  sftyto, 
&  maltratado.  Mas  eíla  diligencia  nam  merece  muytasap* 
provaçoens;  porque  fe  pudera  remediar  ,  &  confervar  por 
antiga ,  &  n)ilagrofa.  He  efta  que  exifte  de  efeultura  de  ma- 
deyra ,  &  moítra  fer  de  pereyra.  Tem  quatro  palmos  de  efia- 
tura ,  eílá  em  pé  como  Divino  Infante  jefus  fentado  fobre 
o  braço  cfquerdo.  Tem  a  Senhora  em  a  maõ  direy  ta  hum  co- 
ração ,  &  o  Meninojefus  outro.  Bem  podem  os  íeus  devo- 
tosinvocar  feguramentea  efta  amorofa  May  pela  Senhora 
de  feus  coraçoens ,  &  femelhantemente  ao  foberano  Meni- 
no^Deos  de  íeu  coração :  Vem  corás  meu 

Vemfcaquelles  coraçoens  como  enfanguentados,  de 
donde  deduzem  o  feu  titulo  da  Sanguinheyra ,  &  fe  verifica 
nas  grandes  maravilhas ,  que  obra  a  favor  das  mulheres, 
quando  no  aperto  de  feus  irabalhofos  partos  ,  &  fluxos  de 
fangue,  recorrem  à  fua  piedade,  porque  logo  fe  achaõ  livres, 
&  remediadas.  Para  iílo  coftumaõ  vir  antes  de  feus  partos 
a  ter  novenas  na  Cafa  da  Senhora  ,011  accender  Ih  e  a  fua  alam- 
pada \  &  outras  que  naõ  puderaõ  fa2er  as  novenas  antes,ou 
porque  viviaõ  muy  to  diíbntes,  asvaõ  fazer  depois  em  ac- 
ção de  graças  pelos  benefícios  que  receberão.  Enãofóas 
mulheres  daquclle  povo  recorrem  a  efta  mifericordiofa 
Mãy  de  piedade,  fcverdadeyra  medicina  dos  peccadores; 

mas 


^ 


4  3 1  Santuário  Mariano 

nus  to  ias  asdoscircumvizinhos.  Finalmente  naõíó  as  que 
padecem  fluxos  de  fanguc ,  &  tem  partos  perigofos  ,  mas  to- 
dos oí  cjue  padecem  qualquer  trabalho  ,  ou  enfermidade  ,  a- 
chaõneíhEmperatriz  da  gloria  certos  os  remédios;  porque 
a  todos  fe  extende  a  íua  mifericordiofa  compayxaõ. 

Deftas  maravilhas,  que  a  Senhora  tem  obrado,  havia 
muycas  m  :morias ,  aíTin  de  cera  ,&  mortalhas ,  como  de  ou- 
tras coufas  deita  qualidade,  quefe  viaõ  pender  das  paredes 
da  íua  Capella  \  mas  cilas  ,  ou  a  pobreza ,  ou  a  ambição  dos 
queaífifttâõ  asdiminuío  de  forte,  que  faô  muyto  poucas  as 
quefevem.  E  poreftacaufa  fe  põem  raras  vezes  na  Igreja, 
ou  porq  ie  os  que  nella  aíTlftem  as  recolhem  logo,  ou  porque 
amuyta  diligencia  em  as  recolher  >  fufpendeodevotocofíu- 
mc  deasoíFcrecrr. 

Feftcjafe  a  Senhora  da  Sanguinhey  ra  no  dia  de  feu  Naf- 
cimento,  a  oy to  de  Setembro ;  5c  para  a  prociífaõ  >  que  fe  faz 
nefte  dia ,  &  no  de  Corpus  Chrifti ,  &  no  do  Efpirito  Santo, 
tem  obrigação  a  Mifericordia  de  mandar  feffentacirios,  pe- 
la inftituíçaõ  da  referida  Capella ,  pela  qual  he  também  obri- 
gada a  darcada  anno  duas  camas  ao  Hofpital  damefma  Vil- 
la.  Antigamente  fefaziaõ  as  fcftas  da  Senhora  comgrande 
pompa,  5c  perfeyçaõ  ,  naõ  fó  na  celebridade  da  Igreja ,  mas 
das  que  a  devoção  inventa  fora  s,  para  alegria  ,  &  feítejodos 
que  concorrem  ,como  eraò  comedias,danças,&-  outros  feme- 
lhantes  entretenimentos;  mas  o  tempo  ?  ou  a  pobreza  acabou 
a  antiga,  &  fervorofa  devoção.  Eítes  noticias  nos  deu  húa 
peííòadam:fmaVilla,queas  examinou  com  todo  o  cuydado. 

TITULO      VI. 

T)a  milagrofa  Imagem  deN.  Senhora  da  Confiança. 

Iftante  da  Villa  do  Pedrógão  Pequeno ,  ou  do  Príora- 
do,menos  de  hum  quarto  de  Icgoa ,  fe  vé  entre  o  Nor- 
te, 


D 


Livro  V.  Titulo  VI.  433 

te,  &  o  Nafcente  o  Santuário,  &  Caia  da  Senhora  da  Con- 
fiança, aonde  fe  venera  huma  milagrofa  Imagem  da  May  de 
Dcos  ,  a  quem  dam  eftc  myítcrioío  ,  &  devoto  titulo  4a 
Confiança,  pela  muyta  que  todos  tem  com  cila.  E  com  muy- 
ta  razaõ  íe  devia  dar  fempre  à  piedofa  Mãy  dos  peccadores, 
efte  nome  ;  porque  todos  como  filhos  devemos  chegar  a  ella 
confiados  a  efperar  os  ícus  favores.  E  como  ninguém  che- 
gou a  impiorar  o  patrocinio,  &  o  favor  defta  grande  Senho- 
ra ,  que  o  naõ  alcançafTe  ,  acertadamente  lhe  deraõ  efte  ti  tu- 
lo-Os  gregos  no  íeu  Hymno  lhe  chamão  a  confiança  dos  ho- 
mens mortaesna  prefença  do  fu  premo  Juiz:  Fiducia  morta- 
hum  erga  tkunu  Donde  confiados  no  Divino  favor  deve--  /£*• 
mos  efperar  ferabfoltoSj  &  livres  dos  noíTòs  crimes-  / 

Outros  daõà  Ca fa  da  Senhora  o  titulo  do  Calvário,  &  Unteênl 
efie  he  o  feu  verdadeyro  titulo,  &  com  toda  a  propriedade  fe  p4g.nl 
lhe  dá,  pois  he  dedicada  a  Chriíío  pofto  no  Calvário  ,  por  fer 
a  clle  dedicada ,  &  no  Altar  mór  eftá  collocada  a  fua  Santiflí- 
ma  Imagem ,  &  nelle  le  vé  crucificado ;  &  a  efta  Cafa  fe  Vây  a 
finalizar,  na  Quarefma ,  a  prociffaõ  dos  Paffos ,  &  todos  os 
que  por  devoção  os  correm ,  alli  os  acabaô. 

Fica  efta  Ermida  íituada  fobre  o  Zêzere ,  em  o  alto  de 
hummonte,que  verdadeyramentc  reprefenta  o  Monte  Cal- 
vário. Ve-fe  cercada  de  arvoredos  íil  vefíres ,  que  fazem  de 
veraôdeliciofo  aquelle  lugar  pelas  fuás  boas  fombras;&hc 
taô  imminentc,  que  delle  fe  defcobrem  muytas  Villas ,  como 
faõ  a  do  Pedrógão  Grande  ,  Figueyró  dos  Vinhos ,  Arega  , 
Certãa,  Álvaro 3  Alvares ,  Dornes,  Villa  de  Rey ,  tx  outras 
mais.  A  Ermida  he  fermofa  ,  &  tem  três  Altares;  no  Altar 
mór  eftá  o  Senhor  crucificado,como  difíemos,  que  he  o  Ora- 
go  da  Ermida  ,  &  dos  dous  collatcracs  o  da  parte  da  Epillo- 
la  he  dedicado  à  Senhora  da  Confiança  ,  aonde  fe  vé  colloca- 
da a  fua  milagrofa  Imagem. 

Dizem  que  o  Fundador  daquella  Igreja  fora  hum  Vi- 
gário da  mefma  Villa  do  Pedrógão  do  Priorado,  chamado 
^  Tom.  III.  Ee  "  Joaõ 


434  Santuário  Mariano 

]caõ  da  Cofia;  êreiie  parece  que  collocou  naõfó  a  Imagem 
do  Santo  Chrifto ,  mas  também  a  da  Senhora  da  Confiança. 
O  motivo  que  teve  para  dar  à  Senhora  efíe  titulo ,  naõ  pude- 
mos alcançar.  Tomaria  a  Senhora  por  tmedianeyra  dtfta  o- 
brada  fua  devoção,  &  com  a  confiança  de  que  com  o  feu  fa- 
vor a  poderia  acabar ,  daria  à  Senhora  efte  titulo.  E  como  a 
Cafahe  muy  to  antiga,  nsõhe  muyto ,  que  naõ  haja  ja  noticia, 
nem  memorias  dos  motivos  com  que  o  Vigário  fundou  a 
Cafa ,  nem  do  que  teve  para  dará  Senhora  efte  titulo. 

He  efta  foberana  Imagem  de  efeultura  de  madey  ra,quaíi 
da  proporção  natural  de  huma  mulher  perfey  ta.  As  mara- 
vilhas que  obra  ,  faõ  innumeraveis ,  &  afllm  he  a  fua  Cafa 
muyto  frequentada  dos  fieis ,  porque  de  muyto  diftantes  ter- 
ras he  bufeada  com  grande  devoçaõi&os  favorecidos,  &  be- 
neficiados defta  piedofa  Senhora ,  lhe  vaô  a  dar  as  graças do9 
favores,  &  mercês  que  lhes  repartio,  &  lhes  alcançou.  A  fua 
fcfta  fe  lhe  celebra  em  oy to  de  Setembro.  Ha  nefta  Igreja  hu* 
ma  Cruz  de  relíquias,  entre  as  quaes  fe  adora  huma  do  Santo 
Lenho ,  a  qual  fe  expõem  ao  povo  em  o  dia  da  Invenção,  da 
Santa  Cruz,a  três  de  Mayo. 


TITULO     VII. 
Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  de  Águas  Feras. 

N  Os  limites  da  mcfma  Villa  do  Pedrógão  do  Priorado, 
fe  véoutra  fermofa  Ermida,  &  Santuário  da  Mãy  de 
Ders  ,  diítanteda  Villa  coufn  de  hum  tiro  de  mofqiiftc,aon« 
de  fe  venera  huma  milagrofa  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos 
&l<ria  Sanriflima  ,  aqucmdaõ  o  título  deNoffa  Senhora  de 
A guas  FéraSjCuja  origem ,  &  etvmologia  defte  notável  titu- 
lo j  fe  refere  por  tradição  >  que  havendo  no  rio  Zêzere  huma 
grande  cheya  >  que  inundando  os  campos  com  ameaços  de 

grandes 


Livro  V.  Título  VIL  435 

grandes  rumas ,  invocarão  os  moradores  daquelíe  deíxnto 
o  favor  da  Mãv  de  mifer.icordia,para  que  lhes  valcífe^  pedin- 
dolhe  os  livraflc  daqucíías  feras  aguas  ,  ou  aguas  feras ;  por- 
que hc eíte no muyto arrebatado,  &fahindoda  madre  , ar- 
rebata quanto  encontra.  E  como  a  Senhota  os  livrou  da- 
quelte  grande  perigo,  a  começarão  a  invocar,  &:  denominar 
comomefmo  titulo,  com  que  alcançarão  o  defpachodaíua 
petição  ,  &  fahiraô  livres  daquelle  grande  perigo. 

Eftáíituada  eíia  Ermida  da  Senhora  junto  ahuma  ri- 
beyra  ,  quedefagua  no  mefmo  Zêzere,  em  omeyodehuín 
campo  cercado  de  oliveyras.E  também  eíh  crefeeria  tanto  q 
fe  temeíTe  a  fua  ruinajmas  a  Senhora  naó  fó  livrou  a  fua  Cafa, 
maslivrou  também  aos  feus  devotos  daquelle  grande  peri- 
go- E  desde  aquella  occaíiaõ  das  aguas  feras,  ou  arrebata- 
das ,  teve  principio  o  invocar  fe  a  Senhora  com  cfte  titulo, 
porque  maravilhofamente  os  livrou  da  fua  fereza»  Qual  fof- 
fe  o  primeyro  titulo,&  o  com  que  de  antes  fe  denominava,  ja 
hoje  fe  naõ  fabe  ,  nem  coníh  de  eferituras. 

HeeftaCafa  da  Senhora  de  Aguas  Feras  antiquilííma, 
&  tanto ,  que  confia  do  tombo  das  fazendas  do  Priorado  do 
Crato,  (aonde  pertence)  que  haverá  duzentos  Ãccincoenfa 
annos  que  deyxou  de  fer  Parochia ,  &  a  Matriz  da  mefma 
Villa ,  que  tal  vez  por  ficar  em  íitio  bayxo ,  &  no  inverno  in- 
tratável pelas  inundaçoens  das  aguas,  &diftante  da  Villa, 
amudáraõparaella,  &  também  feria  por  fer  ja  muyto  po- 
voada. Neíte  tempo  lhe  dariaô  (  por  fer  Igreja  Matriz)  o  ti- 
tulo de  Santa  Manado  Pedrógão, como  antigamente  era 
commum. 

A  Senhora  eílá  collocada  no  Altar  mór.  Fefteji  fe  cm 
a  primeyra  Oytava  do  Natal.  E  também  em  íe  fazer  a  fua  ce- 
lebridade em  eftedia  ,  haverá  algum  myflerio ,  &  caufa  ef- 
pecial ,  &  bem  poderá  fer  que  neík  dia  fuccedeíTe  o  milagre, 
em  que  a  Senhora  os  livrou  da  cheya  do  rio;  mas  como  mç> 
ha  eferituras,  que  o  abonem,  nem  tradiçoens,  que  o  íffir- 

Ee  z  mem 


43  ó  Santuário  Marianê 

imm,n2Õprdeir;Osafícverailo.  Obra noffò  SenTior  muytas 
maravilhas  pela  inttrcefíaõ  de  fua  Santiílima  Mãy  ,  br  pela' 
invocação  deíla  fua  Imagem. 


TITULO     VIII. 

Da  Imagem  de  notfa  Smhora  do  OliVal>da  Villa  da  Cer- 
tãa ,  ou  da  Graça. 

SObindo  Chrifto  ao  monte  das  Oliveyras:  Terrexit  in 
montem  oliVeti ,  diz  Auguflinho  meu  Padre  que  fubira 


ao  monte  frutuofo ,  ao  monte  do  unguento  ,  &  ao  monte  do 
r        „  chrifma:  In  montem  fruétuofum7in  montem  unguenti}in  mon- 
irath  ' tem  c^ílímatu*  Mas  aonde  havia  o  Senhor  de  efpalhar  as  lu- 
2^i„    zes  da  fua  graça,  &  doutrina,  aonde  havia  de  derramar  o  un- 
Jom.    guento  da  fua  caridade,  &  favores,  &  aonde  nos  havia  de  un- 
gir com  o  chrifma ,  &  balfamo  de  fuasmifericordias  ,  fenaõ 
no  monte  das  Oliveyras,  no  monte  do  Olivais  Aílim  Maria 
Santiílima ,  que  tem  todas  as  graças  ,  &  prerogativasde  feu 
Santiífimo  Filho ,  no  monte  das  Oliveyras  ,  &  no  monte  do 
OIivaI,em  a  fua  Caía,nunca  cefla  de  nos  encher  de  fuás  gra- 
ças, favores,  &  mifericordias.  Porque  nella  como  de  cadey- 
ranos  eftáenfínando,  &  doutrinando  ,  derramando  fobre 
nós  rios  de  graças  ,  rios  de  favores ,  &  rios  de  mifericordias. 
A  eíta  Senhora  chamou  S.Joaõ  Chryfoítomo  rio  de  graças, 
D/p.      dizendo:  Hoec  enim  elí  gratia,  qn&  dedit  coelis  gloriam ,  t er- 
Chrjf.    ris  T)eum  ,  fidem  gentibus ,  finem  Yttijs ,  vide  ordinem,  mo- 
firm.     Yiyt14  dijciplinam  Jalutemfieculis.  Efla  foberana  Senhora  hc 
**$•      a  graça ,  que  deu  a  gloria  aos  Ceos ,  à  terra  Deos ,  às  gentes 
fé,aos  viciosfim,à  vida  ordem,aos  cofíumes  doutrina^  aos 
2         íeculos  falvaçaõ.He  também  efía  Senhora  rio  de  favoresjou- 
ítrm.  àt  ?a°  a  Zenon ,  que  exclama  aflím:  0  c baritas  quàm  pia\  quàm 
fide '     opulenta.' ò  quàm  potens !  ISLihd habtt,  qui  te  non habet.  Tu 

Dewn 


Livro  V.  Titulo  Vlll.  437 

7)eum  hreViatum  paulifper  à  maiefiath  frue  wimevjítate pe- 
ff-grinàrifeciffiitu Vir  ginali  cárcere  noVem  menfibus  rcligah 
ti.  0'caridade,ò  SenrWa,òRiodemifericordias,&  de  fa- 
vores para  os  voíTos  devotos /quam  pia,  quam opulenta  ,  5c 
quam  poderofa  fois !  nada  tem  quem  avósnao  tem:  vósfi- 
zeftes » que  Deos  abreviado  hum  pouco  da  immenfídade  de 
fuamageftade  ,6c  grandeza  peregrinaffe  :  vós  o  prendeíles 
nove  mezes  em  o  cárcere  virginal  de  voíío  puriífi mo  ventre, 
E  he  Rio  de  mifericordias,  &  como  a  tal  a  acclama  Ricardo  de  • , 

Saõ  Viítor.  In  te  (diz  o  Padre)  ò  Prirgo)co?icrevit  lac  mi  feri-  ^s 
cordí&rfuia  abws  ilk}quo  CbriBus  in  plenitudtnem  £tatis  ai  prtft'or. 
tu* ejí ,nonerat aliud ,quám  mifericordUlac ,adfaciendum p%i.  in 
mifericordiam  nobtfcum.  Em  vòs,diz  Ricardo,ò  Virgem  San-  Çant. 
tiíIima,creíceoo  Ieyte  da  mifericordia  ,  porque  aquellefuf-  23. 
tento  com  que  Chrifb  fe  creou  para  a  plenitude  de  fua  idade, 
naô  era  outro,  fenaõ  o  Ieyte  da  voíTa  mifericordia,  para  com- 
nofco  exercitar  a  fua  mifericordia.  Com  muyta  razaõ  fe  cha- 
ma eíla  Senhora  Monte  de  01iveyras,&  a  Senhora  do  Olival, 
porque  nelle  fe  faz  patente  a  todos  ;  iílo  he,  cheya  de  toda  a 
efpecie de  bens  (como diz  outro  Ricardo )  efpirituaes  por  RiCardé 
mifericordia  ,  que  he  a  gloria  de  fuás  virtudes,  para  também  de  S. 
nos  encher  delia  a  todos:  Benè  oliva  fpeciofa  in  campi$\id  efl,  Laur. 
omnimoda  fpecie  fpirituali  repleta  per mifericordiamrfu*  ejl  *VH(i 
Ymutum  fuarum  gloria-  N6V' de 

A  Villa  da  Certãa  ,  huma  das  do  Priorado  do  Crato  ,he  p*  ™ 
taõ  antiga,  que  fua  fundação  fe  tem  por  obra  do  iníignc  Ca-  '*'' -! 
pitaõ  Sertório,  &  querem  que  el!e  a  fundaífe,  como  também 
a  torre  do  Zêzere  junto  à  Villa  de  Dornes ,  por  fer  aquelle  o 
único  porto  para  a  pafTagem  dos  Exércitos, por  allieípravar, 
&  dar  váo  baftante  às  paííagts:  &  querem  que  depois  da  foi* 
daçaõ,  ou  reedificado  da  Cidade  de  Évora,  (porque  dia  Ci- 
dade foy  fundada ,fegundo  a  melhor  opiniaõ,dous  mil  &  cin- 
coenta&noveannos  antes  da  redempçaõ  do  género  huma- 
no ,  &  vinda  do  Senhor  ao  mundo)  74.  annos  antes  da  vinda 
Tom.  III.  Ee  3  do 


43  8  Santuário  Mariano 

do  Salvador  ao  mundo.  Chamou-fe  Certaga,depois  Certa- 
gcm ,  &  ultimamente  Certãa.  Brevemente  viersõ  os  Roma- 
nos, (  queentaõ  governava  em  Portugal  Quinto  Metello 
Pio,&  também  Pompeo  Magno)  inimigos  deite  iliufire Ca- 
pitão, que  íendo  Romano  fe  havia  rebellado  contra  elles, 
com  mão  armada  para  lhe  deílruirem  a  fua  nova  Sertoria,  ou 
Certago,  em  cuja  contenda  trabalharão  muyto,  &íemprc 
com  pouco  fruto,  pelo  grande  valor  dos  finados ;  &  animan- 
do-fe  os  Romanos  a  hum  ultimo  aflalto  ,  ferirão  gravemente 
ao  Capitão  que  os  governava  ,  marido  de  Celinda  ,  que  ou- 
vindo que  o  marido  eflava  mal  ferido,&  que  os  Romanos  en- 
travaõ  a  Praça ,  acudioanimofa  trazendo  nas  mãos  a  mcfma 
certãa  ,em  que  eflava  frigindo  huns  ovos  para  levar  ao  mari- 
do ,  &  com  ella  pegandolhe  pelo  rabo  deu  com  tanto  valor  no 
Capitão  Romano  que  lhe  abrio  a  cabeça ,  &  também  o  efcal- 
daria  muy  bem,  &  os  mais  que  fe  chegaflem,  com  o  azey  te,  & 
ovos  \  &  jugando  com  a  certãa  ,  como  fe  foífe  montante,  im- 
pedio  aos  inimigos  a  entrada  ,  &  deu  animo  aos  mais  da  Pra- 
ça a  que  lançaííem  de  fi  aos  Romanos,que  aturdidos  do  gran- 
de valor  daquella  animofa  Portugueza  levantarão  o  campo, 
&  deyxáraô  a  empreza.  Defta  forte  vingou  aquella  género- 
fa  heroina  as  feridas  do  marido>&  livrou  a  fua  patria,dcyxan- 
do  com  tal  feyto  aos  Romanos  envergonhados,  &  vencidos. 
Daqui  veyo  a  tomar  a  Villa  por  armas  a  Certãa ,  alludindo  a 
efie  valente  feyto  de  Celinda ,  com  efla  letra  em  circuito 
Certago  fternit  Certagbie  hottes.  Depois  na  perda  de  Hefpa- 
nha  a  tomarão  os  Mouros ,  conquiftou-a  o  Conde  D.  Hen- 
rique ,  que  a  reedificou  no  anno de  1 1 1  i.oquallheconcedeo 
muyto  grandes  foros ,  &  izençoens,  para  aífim  obrigar  mais 
a  feus  habitadores. 

Fora  da  Villa  da  Certãa,  emdiftancia  de  quatro  efla- 
iios  ,  fe  vé  o  nobre  Santuário  damilagrofa  Senhora  do  O- 
lival  ,affimncmeada  demuytos,  ou  de  todos,  poreflarfi- 
tuada eíla fua Cafa entre  olivaes.  Porcos  o  feu  próprio,  & 

verda- 


Livro  V.,  Titulo  VIU.  439 

verdadeyro  titulo  be  o  de  NoífaSenhora  da  Graça. Vc-fc cíb 
Sagrada  Imagem  collocada  cm  o  Altar  como  Senhora ,  Pa- 
trona ,&Oragoquehedaquella  Caía,  &  naquelle  lugar  tftà 
obrandocontinuas  maravilhas,  &  aflím  he  hufeada,  &  vene- 
rada de  todos,  naõ  (o  dos  moradores  da  Vilia  da  Ccrtãa,mas 
de  todo  o  feu  termo  >  &  ainda  de  fóra  delle  *,  porque  faõ  con- 
tínuos os  concuríos,&  as  romagens  que  fe  fazem  àquella  Se- 
nhora ,  &  todos  vaô  buícar  na  lua  protecção,  &  favor  os  alí- 
vios de  feus  trabalhos  ,  &  o  remédio  de  fuás  affltçoens  ,  do- 
enças ,  &  enfermidades ,  &  a  Senhora ,  como  mifericordiofa 
Mãy  que  he  dos  peccadores,a  todos  acode,  &  remedea. 

He  eíte  Sagrada  Imagem  da  Rainha  dos  Anjos  de  graa- 
de  fermofura,  naõ  he  de  efcultura,he  de  roca,&  de  vertidos, 
A  fua  eftatura  faõ  quatro  para  cinco  palmos ,  tem  cm  feus 
braços  ao  Menino  Deos.  Fefteja-fc  em  15.  de  Agofto  dia  de 
fuagloriofa  Affumpçaõ,&  ainda  que  parece  o  dia  imprópria 
para  a  fua  celebridade ,  haveria  algumas  circunftancias  par- 
ticulares para  lhe  dedicarem  efte  dia.Solemnizafe  a  fua  fefta 
com  muy ta  grandeza.  Tem  eíh  Senhora  hum  Ca pellaõ,  que 
fe  intitula  Prior,  com  fuffi ciente  côngrua  ;hec  fia  Capella- 
niadaaprcfentaçaõ  dograõ  Prior  do  Crato.  He  efla  Igreja 
fermofa,&  grande ,  com  três  Altares,  o  da  Capella  mor  ,  & 
duasCapellas  collateraes.  Era  capaz  dehuma  nobre  Paro- 
chia,&  eíiá  muy  to  bem  adornada,&  tem  muyto  boas  cafas,  & 
quinta  em  que  vivem  os  Priores,  &  oficio  he  agradável,  ale- 
gre, &  delicioto,porque  fica  alguma  coula  levantado  do  mais 
terreno. 

Os  Altares,ouCapeIIascollateraes,huma  delias  he  de- 
dicada ao  Divino Efpirito,  &nellaeftá  também  huma  Ima- 
gem de :  Santo  Ouvidio;&  outra  he  dedicada  a  Santa  Cathe- 
rina  Virgem,&  Martyr,&  neí la  eítá  collocada  a  fua  Imagem* 
Junto  a  eila  Capella  eíiá  hum  nicho ,  em  que  fe  collocou  hu- 
ma Imagem  do  glorio fo  Saõ  Brás,  depois  que  a  imprudência 
de  hum  Prior  desfez  a  Imagem  que  nelle  eftava  havia  muy  tos 

Ee  4  annos 


44°  Santuário  Mariano 

armes  do  Santo  Condeíiavcl  Nuno  Alves  Pereyra.  Efle  fuc- 
cefib  refere  Jorge  Cardcíono  feu  Agiologio  part.  3.  p.  217. 
defta  msneyra:  Ha  bem  poucos  annos ,  cjuetmha  o  mejmo 
CondeflaVel  Imagem  de  >ulto  na  Igreja  de  ncjfa Senhora  do 
Qlteaí }  na  Certaa}como  nos  affirmaraõ  pcffoas  fidedignas  ,  i? 
dalli  naturaes.Era  ella  de  cera>eftatura  humana,  à  qual  recor- 
riao  os  febricitantes  de  todos  aquelles  contornos  7  &  tirando 
bum  a  migalha  de  cera  delia,  trazida  ao  pefcoço  em  nomina  por 
reliquia,cobraVaõ a pnfeytafaude.Coníidcranàohú  Prior  da 
dita  Igreja  ,  que  em  breve  a  levariaõ  em  pedaços,  tratou  am- 
biciofo  de  fe  aproveytar  do  que  peíava  ,  &  affim  a  desfez ,  & 
fundio.  E  he  fama  confiante  naquellas  partes  f  que  padecea 
o  dito  Prior  porefta  caufa  ,  &  toda  a  fua  parentela  graves 
trabalhos,  &  mifenas.  Até  aqui  Jorge  Cardofo. 

Dizemos  moradores  daquella  Villa,que  haverá  noven- 
ta annos  que  ifto  fuecedeo ;  porque  affim  o  referirão  feus 
pay  s ,  &  feria  pouco  mais  ou  menos  no  anno  de  1 604.  &  que 
ha  trinta  annos  fe  autenticarão  muytas  das  maravilhas,  que 
Deos  obrou  pelos  merecimentos  daquelle  venerável  Conde 
naquella  Gafada  Senhora  do  Olival,  por  diligencia  do  Se- 
nhor Dom  Fr.  jofeph  de  Lencaíbo  então  Bifpo  de  Leyria> 
&  depois  Inquiridor  geral ;  em  que  muytas  peífòas  daquella 
Viila  da  Certãa  depuzeraõ  de  vifta  da  venerável  Imagem,  8c 
que  era  vera  tffigie  do  Condeíhvel }  &  das  maravilhas  que 
Deos  por  mcy o  delia  obrou. 

Qjem  foífe  o  que  fundou  efla  Igreja ,  &  a  dedicou  à 
Rainha  dos  Anjos,  naõo  pudemos  faber,  &  eíle  pouco  que 
aqui  referimos  delia,  nos  naôcuftou  pequeno  trabalho  oal- 
cançallo.Eu  me  perfuado  que  eira  Igreja  a  fundaria  o  mefmo 
Condeftavel  ;  porque  o  citar  nella  aquella  fua  effigie ,  algum 
fDyíkrio  teve ,  &  por  fer  fundação  lua ,  &  cm  terra  do  Prio- 
rado, moveria  aos  grandes  Priores  de!!e  a  tomar  dcbayxo  de 
fua  protecção  aquella  Cafa  ;  pois  faô  hoje  os  Padroeyros ,  & 
®s  que  contribuem  com  a  deípeza  para  a  íua  fabrica,^  para  a 

luíicn- 


Livro  V.  Titulo  IX.  44* 

fuflentaçaõdos  Priores ,a  quemdaõhumatam  boa  côngrua. 
Da  Senhora  do  Olival  faz  menção  Jorge  Cardoío  no  feu  A- 
giologio  Luíitano  part.  ?.  pag.  217. 


TITULO     IX. 

Da  milagrofa  Imagem  de  TV.  Senhora  das  frcces  dolu- 
gar  de  Cernacbe  do  Bom  Jardim, 

LOgra  Maria  Santiflima  o  titulo  das  Preces,  ou  pelas 
oraçoens ,  &  rogativas  que  faz  a  Deos  pelo  remcdio 
dos  noííbs  trabalhos,&  apertos,ou  pela  facilidade,&  prom- 
tidaô,  com  que  defpacha  as  noflas  petições,  que  lhe  fazemos, 
quando  nos  vemos  opprimidos  de  afflições,&  de  trabalhos; 
porque  omefmo  he  vernos  efla  piedofa  Senhora  em  algum 
trabalho,  que  rogar  logo  a  Deos  pelo  remédio.  Diz  Ricar- 
do de  vSaõ  Lourenço,  &  o  Padre  Silveyra,  que  Maria  Senho- 
ra ,  &  amparo  noffo ,  era  aqueí/a  mulher  de  Cananea  que  ro- 
gou a  Chriflo,  para  que  livraíTe  afilhados  apertos  em  que  a 
punha  a  neceflidade^  que  padecia:  Virgo  Maria  (diz  o  Padre  SH^jrl 
Silveyra)  tamquam  matris  Cananea  perfariam  genns  ,pro  a   tn    *~ 
ritma  peccatrice,  tamquam  pro  filia  rogat.E  Ricardo  Lauren      ^ 
tino  diz:  Maria  eftMaterÇananecetfu*  clamat  adDeumfro  JUcardí 
filia yideíl^ anima peccatrice*  Nas  vodas  de  Cana, tanto qut  d'£* 
Maria  Santiííima  vio  a  falta  que  padeciaô  ,  os  que  íerviaô  à  LaHr* 
mefa,&  haviaõ  de  minifirar  o  vinho  aos  convidados  Jo^o  re- 
correo  a  Chriflo  rogandolhe  fupriíTe  aquella  neceíTidadc: 
Vinumnonhabent.   Prompriflimamente  nos  acode  efía  Se-  Jq**a. 
nhora  foherana  ,  quando  a  ella  rogamos  ,  &  pedimos  em  nof«  »*"»•,$• 
fos  trabalhos ,  apertos,  &  neceflidades,  &  tila  como  Mãy  a- 
moroía  logo  interpõem  as  fuás  preces,  &  rogarivas  no  tri- 
bunal de  leu  Santiffimo Filho.  Emaiscertos,parece,  í<h  os 
defpachos  das  noflas  petiçoens  a  quando  as  fazemos  à  Se- 
nhora 


44*  Santuário  Mariam 

nhora,  do  que  quando  as  fazemos  a  Chrifto.  Aos  rogos  das 
Virgens  do  Euangdho:  Domine,  Domine }  a  per  i  nobts  >  deu 
Chrifto  a  repulfa:  Me  feio  Vos ;  o  que  mb  fuecederia  por  ven- 
tura, diz  o  Padre  Mendonça,fe  os  fizerac  à  Senhora:  Si  quem- 
admodum  ,  D  mine  ^Domine  ,  inclamaVerunt ,  ttainclama- 
renú /Domina,  Domina,  tilam  fortajfe  repulfam  nonpateren- 
tur.  Com  que,  devemos  todos  fermuyto  devotos  defla  Se- 
nhora ;  fe  queremos  fer  bem  ouvidos  em  noíías  preces,  &  em 
as  noíTas  petjçoens;porque  fempre  a  noffo  favor  rnga  ,  &  pe- 
de com  efficacia  compadecida  de  noflbs  trabalhos ,  &  necef- 
íidades ,  &  tudo  nos  alcança  com  a  efficacia  das  fuás  preces. 
E  nós  à  viíla  do  feu  amor  jufto  he  recorramos  a  ella,  como  a 
noífa  piedofa  Mãy. 

Cernache  do  Bom  Jardim ,  he  hum  bom ,  f re  fco ,  &  de- 
liciofo  lugar  do  termo  da  Viíla  da  Certãa  ,  povoação  nobre, 
&com  muy  tos  vizinhos.  Junto  a  efte  lugar  eftá  humpar- 
che ,  ou  florefta  de  muy tas  arvores  filveftres ,  como  cafta  - 
nhos  ,  pinhos,  fovereyros,&  zezereyros  ,  cujo  nome  he  de- 
rivado do  rio  Zczere,  porque  em  ibas  margens  fe  vem  muy- 
tos.  Saõ  muy  to  copados  de  ramos ,  &  folha  fempre  verdes, 
iguaes  aos  loureyros  na  folha  ,  &  cor ;  mas  na  grandeza  ,  & 
extençaô  mayores,  &  quaíi  iguaes  com  as  nogueyras.  He  de- 
liciofo  aquelle  bofque ,  &  a  propriedade  de  mayor  eílimaçaõ, 
&  regalo,  que  tem  os  grandes  Priores  do  Crato.  Porém  a 
mayor  prerogativa  que  tem  eíte  alegre  lugar ,  he  o  Santuá- 
rio denola  Senhora  das  Preces;  fica  rttuada  eíia  Cafa  fóra 
dolugar,em  naõ  grande  diftancia.  Efta  Ermida  he  muyto  an- 
tiga ,  &  os  moradores  do  lugar  faõ  taõ  camponezes ,  que  fó 
dos  campos  ,  &da  terra  cuydaõ  ,  pois  perguntados  naõ  fa- 
bem  dizer  nad i  das  coufas que  tocaõà  origem,  &  antiguida  * 
de  da  Cafa  da  Senhora.  Só  affirina  a  peífoa  ,  a  quem  muyto  fe 
recomendou  efta diligencia,  que  o  titulo  das  Preces  fe  co- 
meçara a  dará  Senhora,  de  cento  &cincoenta  annos  a  efta 
partej  o  que  parece  coníiava  poreferituras  de  compra,  & 

venda. 


Livro  V.  Titulo  IX.  44 3 

venda.  Porque  até  alii  íe  invocava  elia  Santiífima  Imagem, 
Noffa  Senhora  do  Seyxo.  E  feria  porque  ella  appareceria  na- 
quelle  lugar ,  &  fe  manifeftaria  fobre  efle  para  ella  gloriofo 
trono.  E  que  naô  havia  também  quem  diffeífe  a  cauia  de  hu, 
&  outro  titulo.  E  hfíirn  fe  me  repreíenta  quanto  ao  priroeyro, 
que  fe  lhe  daria efta  invocação,  porapparecer  fobre  aquella 
pedra,ou  feyxo;  porque  defies  Santuários  feverá^quemuy- 
tas  Imagens  da  Mãy  de  Deos  fe  manifeftáraõ  fobre  efles  la- 
pideos  tronos;  fem  embargo  que  nem  a  todas  fe  lhes  deu  o 
titulo  do  trono,  mas  do  lugar  emqueapparecéraô;  &co* 
moeftamanifeftaçaõ  fera  muyto  antiga  ,  &  naô  fe  fez  me- 
moria delia  ,  totalmente  acabou;  na  tradição  dos  homens-  E 
quanto  ao  fegundo  titulo  das  Preces  com  que  hoje  he  invo- 
cada, eu  creyo  que  as  rogativas ,  &  orações  com  que  os  íeus 
devotos  implora  vaõ  o  feu  favor,  &  protecção,  eraô  tam  bem 
ouvidas  defta  mifericordiofa  Senhora, que  o  verem-fe  muy- 
to favorecidos  da  diligencia  com  que  ella  os  ouvia  ,  foy  o 
meyo  por  onde  Deos  lhes  deu  luz ,  para  julgarem  quam  im- 
próprio era  para  a  Senhora  ;  que  toda  hefuavidade,  &  bran- 
dura, o  titulo  do  Seyxo ,  &  affim  lhe  imporiaõ  o  das  Preces, 
com  que  era  rogada  dos  peccadores,  aos  quaes  logoacode,& 
osremedea  ,comoamorofa  Mãy,naõ  podendo  fofrero.feu 
amor  ver  aos  filhos  cm  trabalhos ,  fem  que  logo  lhes  nam  a- 
cuda. 

Antigamente  foy  efta  Cafa  ,&  Santuário  da  Senhora,  a 
Parochia  dolugarde  Ccrnache;  porém  crecendoellemais 
cm  moradores ,  pelos  defcõmodos  que  fe  encontravão  em  fi- 
car fora,  a  paíTáraõ  a  elle ,  &  fe  aííèntou  na  Igreja  do  Efpirito 
Santo,aonde  ainda  ao  prefente  he  ,&  a  efta  Igreja  ficou  anne- 
xa  a  Ermida^fc  Cafa  da  Senhora  das  Preces.  He  efta  SantiíTi- 
ma  Imagem  de  efcultura,formada  cm  pedra,a  fua  eftatura  íaõ 
dous  palmos,&  meyo.  He  de  excellente  manufadura;  &  em 
fer  de  pedra ,  &  taõ  pequena  como  a  Imagem  de  N.  Senhora 
da  Eftrella  do  Monte  Minhoto,fe  cõfirma  o  meu  difcurfo,de 

que 


444  Santuário  Mariano 

que  a  Sagrada  Imigem  appareceo  naquelle  íitlo  ,  &  fobrc  a* 
quelle  trono;  &  quando  os  Anjos  anaõfizefFem,  podia  fer  ja 
venerada  ern  o  tempo  dos  Godos,  &  os  Chriftãos  que  occul- 
táraô  em  huma  brenha  a  Senhora  das  Dores,  de  Domes,  oc- 
cultariaõ  a  Senrnra  da  Eftrella,  &  também  a  Senhora  das 
Preces,  &  quando  Deoso  difpoz,entaõ  amanifeftáraõ  os 
Anjos ,  &  a  expuzeraõ  aos  nofíbs  olhos. 

Feíteja-fe  efta  milagrofa  Senhora  em  quinze  de  Agof- 
to,  dia  de  fua  triunfante,&  gloriofa  AíTumpçaõ,quando  vay 
ao  Ceo  a  rogar ,  &  a  pedir  pelos  filhos  que  deyxa  em  a  terra. 
Neftedia  he  muy  to  grande  o  concuríb  da  gente  que  con- 
corre a  feftejar  a  Senhora  ,  &  deite  dia  por  diante  até  os  fins 
de  Outubro  ,  faõ  muytos  os  concurfos  dos  povos  que  vem  a 
louvar  ,  &  a  feftejar  aquella  milagrofa  Senhora;  &  eftes  con- 
curfos faõ  aventa]  ados  nos  Sabbados;  entaõ  vaõa  fatisfazer 
à  Senhora  as  fuás  promeffas  ,  a  pagarlhe  os  feus  votos ,  &  a 
pedirlhe  favores  ,queel!a  concede  toda  liberal ;  porque  to- 
dos os  dias  fe  eftaô  vendo  os  milagres  que  obra  :  naõ  refiro 
eftes  em  particular,  porque  não  ouve  até  agora  cuydado  na- 
quelles  Padres,  que  afliftem  à  Senhora;  porque  o  que  punhaõ 
cm  recolher  as  offertasps  divertia  de  eferever  as  maravilhas 
que  feobravaõ. 


SANTU- 


44J 

ff/?5^3         ff^íV»         G&fti*  CÊ^Í         «vf-?V»         <W5?Vl>  í 

',<s£sa.  >sOs«.  >s£â§«.  >áO^  >s&m&.  >sfíâs«. 

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*\iãw      e^S^a      eAGãw        <&\sãKs      «\i«te      eASãw 

SANTUÁRIO 

MARIANO. 

E     HISTORIA 

das  Imagens  milagroías  de 

NOSSA  SENHORA. 

&  das  milagrofamente  apparecidas. 

LIVRO    SEXTO. 

Das  Imagens  milagrofas  de  nofja  Senhora ,  que 
fe  venerao  na  Prelajia  de  Thomar. 

INTRODUCAM.  í 


Nobilíffima  Villa  de  Thomar ,  fundada  das 
relíquias  da  antiga,  &  nobre  Cidade  deNa- 
bancia ,  que  em  tempo  dos  Romanos,  &  Go- 
dos fov  povoação  illuflre ,  fundou  o  Mcflre 
dos  Cavalleyros  do  Templo  D.  Gualdim  Paes 
de  Marecos ,  natural  da  Cidade  de  Braga.  Mas  para  darmos 

delia 


4f<$  INTRODUZAM. 

deila  mais  intcyra  noticia  ,  tomaremos  os  feus  princípios  de 
mais  atraz  Pelos  annos  de  640, de  noíTarçdcmpçaõ/mq  vi- 
via a  gloriofa  Virgem,&;  Martyr  Santa  Evria,&  era  Príncipe 
defh  Cidade  Cafhn  1  Ido,  aind  i  eftava  Nabíncia  na  fua  gran  * 
demageilade  ,  &  .opulenta  grandeza.  Mas  chegando  aquelle 
infauíiotempoemqueos  Mouros  tomáraõ  aEfpanha ,  ou 
foíTe  porque  os  de  Nabancia  lhe  rcíuHíTem  valeroíamente, 
permittindo-oaflim  Deos  por  feusoceultos  ,  &  venerandos 
juízos,  aaífoláraõ  aqudles  bárbaros,  ôcdeftruiraõ  em  tal 
forma  ,  que  naõ  ficou  nella  pedra  febre  pedra;  &o  que  he 
mais  ,  que  os  paços  do  Príncipe  Caftinaldo,  que  eraô  muyto 
grandes  ,5c  fumptuofiflímos,delles  nemveftigiosdcyxáraõ 
da  fua  ruína.  E  lo  permittindo-o  Deos  ,  para  mayor  honra, 
&  gloria  de  fua  Santiífima  Mãy ,  &  para  confolaçaõ  dos  feus 
fieis  fervos  ,  efeapou  illefo  o  Templo ,  &  Cafa  de  Santa  Ma- 
ria do  Olival,  como  adiante  veremos. 

Depoisdepaffar  efle  grande  caftigo,  &  cruel  açoute, 
tendo  miíericordia  o  Senhor  dos  feus  fieis,  fazendo-fe  Se- 
nhor daquellas  terras  ElRey  Dom  Affonfo  Henriques  (fen- 
do ainda  Príncipe)  tomou  o  caftello  de  Ceres,  &  as  mais  ter- 
ras do  feu  deíirito  ,  dando-as  aos  Cavalleyros  do  Templo, 
para  que  as  poíTuííTem,  &defendefTemcomo  fuás.  Foyiíto 
pelos  annos  de  1 156.  &  alguns  querem  foflTe  ainda  alguns 
annos  antes.  Tomando  depois  o  mefmo  Rey  no  anno  de 
1 1 47.  a  Villa  de  Santarém  aos  Mouros,  em  que  concorrerão 
também  os  Cavalleyros  do  Templo ;  obrigado  o  Rey  do  feu 
esforço  ,  lhes  concedeo  tudo  o  que  pertencia  ao  Ecclcfiaítí- 
co,para  que  elles  o  lograífem.  No  mefmo  anno  em  25.de  Ou- 
tubro tomou  ElRey  a  Cidade  de  Lisboa  aos  Mouros  ,  &  co- 
mo logo  Ihenomeaffe  Bifpo ,  que  foy  D.  Gilberto ,  efte  ven- 
do  que  os  Templários  poífuiaõ  os  bens  Eccleíiaiiicos  de 
Santarém ,  que  lhe  pertenciaõ  como  a  Prelado  Diocefano, 
lhe  poz  píeyto,  que  continuou  por  muytos  annos  diante 
dos  Juizes  nomeados  pelo  Summo  Ponriíke,  &  depois  na 

mefma 


INTRODUZAM.  447 

mefma  Cúria  Romana  diante  de  Eugtnio  III.  Anaífafío  IV. & 
Adriano  IV.  até  que  chegando  o  anno  de  1 1 56.  cm  cj  o  Mef- 
tre  Dom  Gualdim  Paes  fcy  eleyto  em  Mefire  dos  Cavalley- 
ros deík  Reyno,  por  petição  fua  os  compoz  ElReycom  o 
Bifpode  Lisboa^&^ífimfe  largarão  ao  Eiípo  as  rendas  que  os 
Cavailcyros  pofíbíaõ  cm  Santarerrurefervando  fomente  por 
memoria  a  Igreja  de  Santiago  da  mcíma  Villa ;  &  5  o  Bifpo  di- 
mittiííe  todo  o  direyto  ,  q  podia  ter  nas  terras  de  que  era  ca- 
beça o  caftello  de  Ceres ,  que  compre hende  tudo ,  ode  que 
hoje  confia  a  Villa  deThomar,  cornadas  Pias  ,  &  Payo  dç 
Pelle  ,  das  quses  lhe  fez  ElRey  perpetua  doaçaõ. 

Efte  caflello  de  Ceres  citava  fítuedo  cm  hum  monte 
junto  à  ribeyra,  a  que  hoje  ainda  daô  o  titulo  de  Ceres,  ou 
Ceras,por  corrupção  do  primeyro  nome,  &  a  aldeã  dos  Cal- 
vinos;mas  ja  hoje  mõ  ha  mais  vefligios  deíie  callello  ,  que 
a  memoria  de  que  alliefkve;  porque  até  das  rreímas  ruínas 
triunfou  o  tempo.  Nefle  íiíio  docaflello  tinha  dedicado  a 
cega  gentilidade  hum  Templo  a  cila  fabulofa  deofa,  que  ain- 
da perfeverariaô  no  tempo  dos  Chriílãos  as  ruínas  delle,& 
por  fer  monte  em  que  havia  mais  capacidade;fe  levantou  nel- 
le  ocaíkllo  a  quederaõ  o  neme  da  fabulofa  deofa  Ceres. 
Deílecaflelíoforac  povoando  os  Cavalleyros  aqucllaster- 
ras^que  eflavaõ  para  a  parte  do  Sul,  até  que  no  anno  do  Naf- 
cimento de  nofTò  Senhor  Jefus  Chrifío  de  1 1 60.  fe  deu  prin- 
cipio à  Villa  de  Thomar,  por  fe  pagarem  o  Mefire,  &feus 
Cavalleyros  do  íitio  aonde  hoje  ella  fevé,  &  naô  aonde  ha- 
via eflado  a  antiga  ,  &  arruinada  Nabancia ;  mas  da  parte  de 
cádorioNabaô,  iííohe,da  partedoCccidtnte.  Aqui  fun- 
dou primeyro  o  a ílello  no  alto  do  monte ,  que  ihe  ficava  vi- 
2Ínho,  &  depois  a  Villa,  a  que  deu  o  nome  de  Thomas,  dedi- 
cando a  a  Santo  Thomas  /\rcebilpo  deCantuaria,  de  quem 
eradevotíffimo  ,  &  por  eítacaufa  lheimpoz  oMefireo  feu 
nome.  Sem  embargo  de  que  (  utros  digaõ(  mas  fem  nenhum 
fundamento  )  que  íe  lhe  puzera ,  Thomar  7  nome  derivado 

cio 


448  INTRODUZAM. 

do  rio,  que  ainda  que  fe  chamava  Nabaõ ,  lhe  haviaô  dade 
os  Mouros  o  nome  de  Thomar,  que  fignificava, agua  doce, 
cornoaqueaquellenoleva.  Mis  tfto  faõ  contos  de  velhas; 
porque  o  nome  que  felhe  impoz  foy  Thomas,  que  ao  depois 
por  corrupção  ficou  em  Thomar.  Outros  lhe  daõ  outra  fig- 
nificaçaõ ,  como  he  Frey  Iíidoro  de  Barreyra ;  mas  cada  hum 
tome  o  que  lhe  parecer. 

Edificado  o  caíiello  ,  &  ViUa  no  anno  de  1 1 6o.  (  outros 
querem  forte  no  anno  de  1 180.  pode  fer  fe  acabaífc  neftc 
tempo  )reynando  ainda  ElRey  Dom  Affonfo  Henriques  ,fi- 
zeraõ  o  Convento  no  íitio  aonde  eftava  aCafa  da  Senhora 
do  Olival,  &  por  reverencia  fua,quizeraô  que  a  fua  Cafa  fof- 
fea  Matriz  ,&  a  principal  Parochia  da  nova  ViUa.  EimpeT 
tráraô  o  Meftrc,  &  íeus  Cavalleyrcs  do  Papa  Bonifácio  Bul- 
ia ,  para  que  ellcs  pudeíTem  nomear  Vigário  ,  que  os  regede 
no  efpiritual  ,  que  era  o  mefmo ,  que  agora  Prelado ,  o  qual 
tinha  entaõ  o  título  de  Capellão  mor  da  Igreja  de  Santa  Ma- 
ria, Bayliada  da  Ordem  do  Templo>&  de  Santarém,  com  to- 
do o  governo  efpiritual  fobre  elles,o  que  durou  até  o  tempo 
de  fua  extinção ,que  foy  no  anno  de  1 3 1 1  .fendo  o  ultimo  Vi- 
gário de  Thomar  Martim  Affonfo. 

E  para  que  fe  fayba ,  o  como  fuecedeo  a  ruina  defta  taô 
illufire  Ordem,  direy  brevemente  a  caufa  de  fua  extinção- 
Felippe  Rey  de  França,a  quem  chamarão  o  Fermofo,  foy  am- 
biciofi/Timoiefte  cheyo  de  inveja,  &  de  cobiça,affirmaõ  muy- 
tos  ,quemachinára  adeftruíçaõdertes  Cavalleyros,  para  fc 
fazer  Senhor  dos  grandes  bens ,  &  copiofas  rendas,  que  em 
premio  de  feus  grandes  ferviços  lhe  haviaõ  dado  os  Reys; 
para  ifto  fez  que  fe  lhe  impuzeflemfeas,  &  eriormes  culpas, 
&  atrociflimos  peccados  ,qus  naõ  fe  podiaõ  provar.  Todo 
cíle  neg  x:io  tratou  com  o  Papa  Clemente  V.  a  quem  dizem 
o  fizera  Pontífice  para  cíle  effeyto  de  os  extinguir,  &  de  fc 
fazer  fenhor  do  que  elles  poíTuíaõ.  E  como  nam  era  fácil  o 
prendellos }  difpoz  Filippe  com  muy ta  diífimulaçao  a  priíaõ 

de 


INTRODUZAM.  44í? 

do  Meflre ,  &  de  outros  muytos  Cavalleyros  de  grande  no- 
me, &  de  muy  ta  qualidade ,  &  aos  mais  fez  também  prender 
por  ordem  do  mefmo  Pontificc.Muytos,&  graves  Authores 
díículpaõaos  Cavalleyros,  ôccarrcgaõ  a  ElRey  de  França, 
dizendo  ,  que  a  fua  cobiça  lhes  levantara ,  o  que  ciics  naõ  fi- 
zeraõ. 

Propuzeraõ-íhe  depois  de  prezos  ,  que  fe  lhes  daria 
perdão  geral ,  fe  largaííem  tudo  o  que  poífuíaõ  ,  freonfef- 
íaíTemque  a  fua  Ordem  era  inuti! ,  &  muyto  má  a  fua  Reli- 
gião ;  &  porque  naõ  aceytáraõeíte  iníquo  partido ,  começa- 
rão a  executar  nelles  exquifitos  tormentos  ,  &  crueldades.E 
entre  os  muytos  que  juftiçáraõ,  naõ  ouve  hum,  que  no  meyo 
do  fogo  naõ  confeííaífe ,  que  morria  fem  culpa ,  &  que  a  fua 
Religião  era  Santiffima  ,  &que  elles  aguardavaõ  inviola- 
vclmente ,  comodeviaõ. 

Leváraõ  ao  graõ  Meflre,  &  a  outros  muytos  Cavalley- 
rosprincipaes  à  Cidade  deLeaõ  diante  do  Papa  Clemente 
V.  &  do  mefmo  Rey ,  ScalIiconfcíTáraõ  algumas  coufas  das 
que  lhe  imputavaõ.  Depois  os  mandarão  ievar  a  Pariz,  pa- 
ra que  lá  publicamente  confefíaíTem ,  o  que  haviaõ  declarado 
diante  do  Papa ,  para  que  affim  juridicamente  fe  condenafle 
a  fua  Religião.  Poítos  em  Pariz^o  Mcfire  em  prefença  de  to- 
do o  povo,  &  Univeríidadc,  jurou  foIemnemente,que  tudo  o 
que  em  Leaõ  confefíara  f  era  falfo ,  &  que  o  Papa  o  havia  o- 
brigado  a  que  o  diíTeííe  ,  &  que  elle  diante  de  Deos  confeiTa- 
va,  que  elle  morria  injuftamente,&  fem  culpa, &  também  os 
mais  Cavalleyros  do  Templo ,  &  que  por  inveja ,  &  cobiça 
dos  Príncipes  ,  fe  lhes  haviaõ  levantado  aquellas  calumnias. 
Com  efía  ultima  confiílaõ  fe  deyxou  fazer  em  pedaços  o 
Meftre ,  &  os  mais  Cavalleyros ,  fofrendo  com  muyta  paci- 
ência as  tyrãnias,  &  crueldades,  que  contra  elles  fe  executa- 
vaô  por  diligencia  delRey  de  França.  Finalmente  todos  fo- 
raõ  prezos,&  mortos,  &  confifeados  feus  bens,de  que  muy- 
to fe  aproveytou  ElRey  de  Fraca  Filippe.Mas  affim  elle,  co- 
Tom-III.  Ff  ma 


45o  INTRODUZAM. 

mo  o  Papa  naõ  vi  verse  mny  to  tempo ;  porque  ambos  morre- 
rão ,  &  lá  fe  veria  j,  fc  o  que  obrarão  foy  juflo ,  ou  nnô. 

Condenados  in  juílamente  ( como  fe  prefumç)  os  Tem- 
plários pelo  Papa  Clemente  V.  à  mftancia  de  Filippe  oFer- 
moío,naõ  fó  os  de  França,mas  todos  os  que  viviaõ  nas  Efpa- 
nhãs,  adjudicou  o  Pontífice  aos  CavalJeyros  daOrdemdc 
Sa&Joaõ  do  Hofpital,  (que  fcõ  hoje  os  Maltezcs  )  as  rendas 
cjue  poffuíaõem  Efpanha,&em  Portugal.  A  iíto  íeoppuze- 
raõ  (por  fensEmbayxadores)  ElRey  Dom  Dinis  de  Portu- 
gal, Dom  AíFonfo  o  Decimo  de  Caítella  ,&  Dom  jayme  Se- 
gundo, Rí  y  de  Aragaõ.  Como  também  naõ  confentiraõ  cf- 
tes  Chrifhanifàmos  Príncipes  ,  que  em  feus  Reynos  foliem 
prezes  os  Cavalleyros  Templários,  como  ordenava  o  Papa, 
conflandolhes  de  fua  virtude ,  &  que  naõ  eraô  culpados  nos 
delitos ,  que  falfamente  fe  imputavaõ  aos  mais ,  que  viviaõ 
em  França. 

Morreoo  Papa  Clemente  V.  &fuccedeolhe  JoaõXXII. 
a  quem  ElRey  Dom  Dinis  mandou  feus  Embayxadores,  ma- 
nifeílandolhe ,  que  elle  naô  encontrava  ,  nem  contraviera  à 
applicaçaõ  dos  bens  dos  Templários  à  Ordem  deSaõJoaõ 
doHofpitai,  pelos  querer  paraíi,  íenaõ  para  oferviço  de 
Deos ,  de  fua  Santa  Igreja ,  &  defenfaõ  da  Religião  Chriflãa, 
porque  elle  tinha  no  íeu  Reyno  do  Algarve  huma  Villa  cha- 
mada Caflro  Marim ,  com  hum  caflellomuy  to  forte,  poílo 
na  fronteyra  de  Africa ,  na  qual  Villa  tinha  tençaõ  de  fundar 
huma  nova  Ordem ,  &  Milícia  de  Cavalleyros  de  Jefu  Chrif- 
to  ,  que  pele jaíTem  pela  fua fanta  fé ,  aos  quaes  daria  aqueila 
Villa,  &  cafkllo ,  5c  que  Sua  Santidade  lhes  devia  querer  ap* 
plicar  os  bens  da  Ordem  do  Templo ,  que  os  íèus  Cavalley- 
ros poífuiaõ  em  Portugal 

Pareceobem  ao  Pontífice  a  religiofa  petição  delRey, 
coiicedeolheo  quepedia,&aííimem22.  de  Março  de  1^19^ 
fe  pafTáraõ  as  Bulias  da  erecção  da  nova  Ordem.  E  no  fe- 
guiftte  anno  de  1520.  eilando  ElRey  em  Sanearem ,  eftabe- 

leceo, 


INTRODUZAM.  4yr 

leceo,  &  declarou  a  nova  Ordem,  &  Milícia  de  noííb  Senhor 
jeíu  Chriíio,  applicandolhe  todos  os  bens  da  extinta  Or- 
dem dos  Templários;  ordenando  que  os  Freyres  fizefTem 
fua  profilTaõ  pela  Regra ,  &  Eftatutos  da  Ordem  de  Calatra- 
va  ,&  que  o  Abbade  de  Alcobaça  os  viíitaííc.  Nomeou  por 
primeyro  Meftre  da  nova  Ordem  a  DomFrey  Gil  Martins, 
que  havia  fido  o  onzeno  da  Ordem  de  Aviz.  Recoíheoos 
Cavalleyros  ,  &  Meítre  do  Templo  em  a  nova  Ordem  de 
Ch  riflo,  cujo  habito  mandou  que  folie  branco,  &  a  Cruz 
vermeiha,  que  era  a  dos  Templários ,  porto  que  com  alguma 
differença  ,  porque  não  Acarte  de  todo  extinta  a  memoria  da 
fua  Orderr^que  tanto  havia  fervido  a  Deos,  &  aos  Reys  con- 
tra os  infids 

Perfeverou  a  cabeça  da  Ordem  cm  Caílro  Marim ,  que 
foy  aííinada  para  eíTe  cffey  to ,  treze  annos , donde  por  juítas 
cauras  fe  mudou ,  em  tempo  delRey  Dom  AfFonfo  o  Quarto, 
para  Thomar ,  aonde  havia  eftado  a  cabeça  da  Ordem  do 
TempIo,&  aflim  por  efíe  modo,  fendo  deftruida  aquella  Or- 
dem dos  Templários  pela  cobiça  delRevFilippe  de  França, 
foyadeChriflo  infHtuida  pela  liberalidade  delRey  D.  Di- 
nis de  Portugal.  Contmuoufe  no  efpiritual ,  &  Eccleíiafti- 
co  o  mefmo  governo  de  Prelado ,  com  o  titulo  de  Vigário  de 
Thomar ,  até  o  tempo  de  Dom  Diogo  Pinheyro,  Bifpo  do 
Funchal ,  chamando-fe  Vigário  de  Thomar ,  de  Santiago  de 
Santarém,  de  Santa  Maria  do  Zêzere ,  da  Villa  de  Alvayaze- 
re,  das  Ilhas  da  Madevra  ,  dos  Aflores,  Cabo  Verde,  &  Gui- 
né, desde  o  cabo  de  Naò  até  as  índias  Orientaes,  cuja  cabeça 
era  Santa  Maria  do  Olival ,  &nefta  forma  com  todos  eftes 
títulos  fe  paífavaõ  as  cartas  de  collaçaõ. 

Pornaõ  parecer  conveniente  aElRey  D.  Joaõ  oTer- 
cevro,queaPrelafia  de  Thomar  andaffe  unida  ao  Bifpado 
do  Funchal,  julgando  ficava  fupprimida  a  authoridade  do  ti- 
tulo de  Prelado, chamando-fe  Bifpo  do  Funchal, que  era  par- 
te della,&  pela  Builade  Calixto  IV.  fugeyto  à  Igreja  de  San- 

Ff  z  u 


451  INTRODUZAM. 

ta  Maria  do  Olival,  impetrou  do  Papa  Paulo  III.  Bulia,  para 
a  annexar  ao  Priorado  da  Ordem  de  Chrifta ;  o  que  fe  execu- 
tou no  anno  de  1529.  &  durou  até  o  de  1554.  porque  naõ 
foílegando  o  meímo  Rey  com  efla  annexaçaõ,  por  achar 
naõ  era  côveniente  ,  impetrou  depois  a  Bulia  da  defmembra- 
çaõ  do  Papa  Júlio  III.  &  aflim  ficou  fegregada  toda  a  jurisdi- 
ção Epifcopal ,  que  o  meímo  Dom  Prior  tinha  ,  por  razaõ  da 
referida  annexaçaô  da  Prelafia  pela  Bulia  de  Paulo  III.&  to- 
da a  mais  que  lhe  fora  concedida  por  Calixto  fobre  todos  os 
Freyres  ,&  Igrejas  das  Ilhas. 

Deufe  à  execução  efle  Breve  ,  nomeando  o  meímo  Rey 
logo  por  Prelado  ao  Doutor  Chriflovão  Tcyxeyra  do  feu 
Confelho,  que  exercitou  efla  jurisdição  plenária,  &  Epifco- 
pal &  fez  Confiituiçoensna  Igreja  de  Santa  Maria  do  Olival 
para  todas  as  Igrejas,  &  Freyres,que  pleno  jure  lhe  perten^ 
ceifem.  E  foy  irto  no  anno  de  iç54.pondo  Ouvidor  geral  na 
mefma  Vil!a,& outros  menores  em Caflello Branco,  Lon- 
groyxa,Nifa,  Soure,  Pombal,  Santiago  de  Santarém,  &na 
Conceyçaô  de  Lisboa,  &  em  noíTa  Senhora  doPereyro,  de 
Cinco  Villas  de  Reygada. 

Com  a  creaçaõ  dos  Bifpados  ultramarinos  fc  ficou  tirando 
depois  naquellas  partes  a  fuperioridade  dos  Prelados  ,con- 
fervando-fe  todavia  ncfleReyno  nasterras,que  pleno  jure 
pertencem  à  Ordem.  Mas  até  efla  fe  lhe  ufurpou  depois,  fi- 
cando efla  dignidade ,  &  jurisdição  no  eflado  em  que  hoje  fe 
conferva,fendo  Prelado  das  Villas  de  Thomar,  Pias,&  Payo 
de  Pelle ,  Santiago  de  Santarém  ,  a  Igreja  da  Conceyçaô  de 
Lisboa ,  &  Cinco  Villas  de  Reygada,  como  fica  dito,  cm  que 
fe  contém  vinte  Parcchias.  - 

Tem  o  Prelado  jurisdição  ordinária, como  a  dos  Bifpos, 
naõ  fó  fobre  os  Freyres,  mas  também  fobre  os  Clérigos,  & 
peífoas  feculares,immediatada  Sé  Apoflolica.  He  nomeado 
por  ElRey  como  Governador^  Adminiftradordo  Meflrado 
daOrdemdeChriíio,em  virtude  do  poder, que  paraiífo  lhe 

foy 


INTRODUZAM.  4# 

foy  concedido  pela  Bulia  do  Papa  juho  III.intitu!a*fe  Pre- 
lado da  jurisdição  Eccleíiailica,  &  quaíi  Epifcopal  da  mefma 
Vitia  de  Thomar.,  nulliusDioeccfís,,  por  auíhoridade  Apof- 
toíica  ,  &  nomeação  delRey ,  &  dos  mais  lugares ,  Igrejas,  & 
peííoas,  que  pleno  jure  pertencem  à Ordem  Militar  de  noííò 
Senhor  JESUS  Chrifto. 

Eftá  a  Villa  de  Thomar  fituada  em  huma  planície  muy- 
to  igua  1  ,que  banhaõ  da  parte  do  Oriente  as  aguas  do  rio  Na- 
bão ,  fobre  o  qual  fe  vé  huma  fermofa ,  &  nobre  ponte,  &  do 
Occidente  a  ampara,&  cinge  hum  monte,  em  cuja  mayor  al- 
tura,  continuando  com  a  obra  do  antigo  caftello  ,  fe  véo 
Real  Convento  da  Ordem  de  Chrifto  ,  cabeça  defta  Militar 
Ordem,  fabrica  Real ,  &  magnifica,  cuja  Igreja  de  extraordi- 
nária fabrica ,  &  architedura,  he  hoje  a  mefma  ,  que  edifica- 
rão os  Templários  ,ha  mais  de  çoo.annos;  defte  íitio  por  fer 
muytoalto  fe  eftaõ  contando  todas  as  ruas  da  Villa ,  &  ven- 
do os  feus  jardins.  Tem  hum  fermofo  rocio ,  a  que  chamao  a 
Várzea  grande ,  tam  efpaçofo ,  &  dilatado ,  que  fe  naõ  fabe 
que  nefte  Reyno  haja  Cidade  ,  ou  Villa  que  o  tenha  igual. 
Tem  quatro  Conventos,  hum  de  Religiofas  Clariftas  que  fi- 
ca ao  Oriente ,  o  de  Chrifto  ao  Occidente,  ao  Norte  hum  de 
Capuchos  da  Piedade,  &ao  Sul  outro  de  Francifcos  Ob- 
fervantes.  E  além  da  Igreja  Parochial  da  Senhora  doOlival, 
huma  Collegiada  dedicada  a  Saõjoaõ  Bautifta,  que  era  Ca  « 
pellaReal,  levantada  por  EÍRey  Dom  Manoel  no  anno  de 
1520.  tem  efta  Igreja  oyto  Beneficiados ,  todos  da  Ordem  de 
Chrifto ,  Vigário ,  Thefoureyro ,  &  moços  do  coro.  Aqui 
eftá  o  facrario  ,  &  pia  Bautifmaf ,  pelos  incómodos  que  fe  a- 
cháraõ  deeftar  a  Cafa  da  Senhora  do  Olival  muyto  longe,8c 
cm  parte  folitaria  ,  &  por  efta  caufa  refide  aqui  o  Cura. 

As  Igrejas  que  comprehende  Thomar ,  &  o  feu  deílri- 
to,  dedicadas  a  noífa  Senhora,  faõ  muytas,&  as  quero  no- 
mear. E  feja  a  primey ra  noífa  Senhora  do  Ohval^de  que  tra- 
taremos adiante;  z.aCafadaMifericordia  dedicada  anoto 
Tom.  III.  Ff  5  Se- 


4H  INTRODUZAM. 

Senhora  da  Graça;^. noíía  Senhora  da  Annunciada/Tonvcn* 
to  da  Província  da  Piedade;  4.  noíía  Senhora  da  Conceição, 
Ermida  fituada  em  o  alto  de  hum  monte  ,  obra  magnifica  ,  & 
mageftofa  ,de  três  naves,  toda  de  cantaria.  Tem  naCapelIa 
mor  a  Senhora  ,  &  íaõ  Padroey  ros  os  Religiofos  da  Ordem 
deChriílo;  5.N.  Senhora  do  Monte,  que  fundou  ,&  dotou 
Mnrtin  Vafques  Vilkla,  he  o  feu  Orago  noíía  Senhora  da 
Piedade ;  6.  noíía  Senhora  dos  Anjos,  Er  mida  fundada  lobre 
hum  monte-,  7.  N.  Senhora  do  O,  ou  da  Expt  daçaõ,  eíla  Er- 
mida elíá  junto  ao  rioNabaõ;  8.  N.  Senhora  da  Purificação, 
Oragi  da  Parochia  dá  Serra;  9.N.  Senhora  da  Conceição, 
Parochia  das  Olalhas,  Templo  grande ,  &  ricamente  ader- 
nado; 10.  N.  Senhora  da  Saude,Ermidano!ugarde  Alquty- 
daõ  das  Olalhas;  ii.nofTa  Senhora  da  Piedade  do  Vai  da  Ida- 
nha  ,  Ermida  daFreguefia  das  Olalhas;  12-  N-  Senhora  da 
Paz,Ermida  na  Venda  do  Rijo ,  Freguefia  das  Olalhas;  i  3.N. 
Senhora  do  Soccorro,  Ermida  em  o  lugar  de  Mouralinho,na 
Freguefia  do  Efpirito  Santo;  i^nofía  Senhora  da  Ajuda,Er- 
mida  em  o  lugar  de  Ceras,  Freguefia  de  Albiubeyra ;  i5»N« 
Senhora  doReclamador  ,  he  Parochia  do  lugar  dos  Cafaes; 
16.  noíía  Senhora  das  Lapas ,  Ermida  no  lugar  dos  Cafaes 
Novos  i  junto  ao  Nabaô;  1 7.  noíía  Senhora  do  Mildcu ,  Er- 
mida em  o  lugar  dos  Calvinns,  Freguefia  dos  Cafaes;  1  &•  N. 
Senhora  do  Roía  rio ,  Ermida  em  o  lugar  das  Olas,  Freguefia 
dos  Cafaes;  1 9.  N.  Senhora  do  Rofario ,  Ermida  no  lugar  da 
Dejuíla  ,  Freguefia  dos  Cafaes  ;  20.  noíía  Senhora  da  Con- 
ceição ,  Parochia  da  Savacheyra;  21.  noíía  Senhora  da  Pieda- 
de ,  Ermida  da  Serra  ,  Freguefia  da  Savacheyra;  22.  noíía  Se- 
nhora da  Efpersnça  de  Vai  de  Lobos,  Ermida  na  Savacheyra; 
23 «  N-  Senhora  dos  Remédios  ,  Ermida  de  Valmeãa  na  Fre- 
guefia da  Savacheyra;  24.  nolía  Senhora  das  Neves  ,  Ermida 
noíugar  daPedrcyra,  Freguefia  de  Sac  Miguel  daCarre- 
gueyra.  Todas  eíias  faõdotermodeThomarernfeu  limite. 
Na  Villa  das  Pias,  &  feu  terno,  1.  noíía  Senhora  das 

Áreas 


! 


Livro  VI.  Titulo  I.  455- 

Áreas, ou  Arenas,Parochia  em  o  ttrmo;2.  noíTa  Senhora  da 
Encarnação ,  Ermida  no  fugar  dos  Cumes,  Freguefia  de  Saõ 
Silvei  ire  dos  Chãos;  3,  nofla  Senhora  do  Defterro ,  Ermida 
no  lugar  de  Alqueydaõ  ,  Frcguefia  de  Saõ  Luis  Bifpo  de  To- 
lofa,q  he  a  Matriz.  Em  Payode  Pelle,  1.  a  fua  Parochia  dedi- 
cada ao  myílerio  da  Concciçaô>&  em  feus  princípios  fe  inti- 
tulava Santa  Maria  do  Zêzere;  2-noífa  Senhora  do  Loreto, 
Convento  de  Capuchos  da  Província  de  Santo  António. 

Deita  illuítre  Vdla  fizeraõ  fempre  grande  eítimsçaô 
os  Revs  de  Portugal  ,  &  principalmente  ElRey  D.  Manoel, 
que  depois  de  muytos  feculos  de  fua  fundação  ,  a  ampliou, 
&  ennobreceo.  Elle  foy  o  que  reedificou  o  Convento  da  Or- 
dem de  Chrifto,  que  augmentou  depois  com  obras  magnifi- 
cas Filippe  Segundo,  o  qual  celebrou  Cortes nella  no anno 
de  1581.  Duas  vezes  foy  cercada  por  ElRey  de  Marrocos  o 
Miramolim  Abon  Jofeph  ;  a  primevra  foy  no  anno  de  1 1 90. 
&  trazia  quarenta  mil  de  cavallo,  &  cincoenta  mil  de  pé.  De 
ambas  as  vezes  a  livrou  a  Senhora  do  Olival,  &  Santo  Tho- 
masde  Cantuaria ,  (em Inglaterra)  Protedor  do  Meftrc  D« 
Gualdim,&de  feusCavaíleyros ,  &aííim  auxiliados  da  Se- 
nhora ,  &  do  Santo  A rce bifpo,  fizeraõ  ao  Miramolim  levan- 
tarocerco.  Hecfla  Villacabeça de corrcyçaôcom  jurisdição 
de  quarenta  &  oy  to  Villas ,  &  hum  Concelho.  He  muy  to  a- 
bundante  de  todas  ascouíasneceíTarias  para  a  vida  humana, 
&  também  abunda  de  muytos  regalos. 


TITULO      I. 

T>a  Imagem  de  nojfa  Senhora  do  Olival  da  VdU  de 

Thomar- 


N 


O  fido  da  antiga  Colónia  de  Nabancia  Cidade  que  nos 

ieculos  paífados  foy  celebre  entre  os  Romanos,  &  Go* 

Ff  4  dos 


4j6  Santuário  Mariano 

dos  (íituada  em  pouca  diítancia  donde  hoje  vemos  a  notável 
Villa  de  Thomar ,  para  a  parte  do  Oriente  ,  lavada  das  dou- 
radas aguas  do  rio  Nabaõ  ,  cujas  crifialinas  correntes,  en- 
vol  tas,  &  afFeadas  do  prec ipitado  Zêzere ,vaõ com  impetuo- 
fo  curfo  a  augmentar  o  grande  Tejo  )  fe  fundarão  dous 
Conventos  da  Ordem  de  meu  Padre  Santo  Augufiinhopor 
S.  Frutuofo  feu  Difcipulo,que  depois  foy  Arcebiípo  de  Bra- 
ga 3  hum  defíes  era  de  Religiofos,  aonde  era  Abbade  Celio, 
em  o  qual  havia  quarenta  &  quatro  Religiofos ;  &  o  outro  de 
Religiofas , aonde  viveo  a  gloriofa  Virgem,  &  Martyr  Santa 
Eyria  ,  filha,  &  natural  da  mefma  Cidade,  ( &  naõ  falta  quem 
diganafeéra  no  termo  de  Leyria  ,  aonde  fe  vé  huma  Ermida 
fua  em  a  torre  daMaguey x  a  ,aonde  fc  lhe  faz  fefta  no  leu  dia  , 
cm  que  fe  ganha  hu  grande  jubiIeo)depois  hiria  para  Naban- 
cia,  para  a  companhia  de  fuás  tias  Caília,&  Júlia  irmãasdo 
Abbade  Celio.  A  Igreja  do  Convento  dos  Religiofos  era  de- 
dicada à  Mãy  de  Deos  a  Virgem  Maria ,  o  que  confia  da  len- 
da da  mefma  Santa,  &  he  a  mefma, que  hoje  adualmente  exif- 
le  com  o  titulo  de  Santa  Maria  do  Olival,  ou  NoíTa  Senhora 
do  Olival. 

Outros  querem  que  o  Fundador  foíTe  o  Abbade  Celio, 
&  que  foffe  o  Convento  Duplezda  Ordem  Benedidina.Fun- 
daõ  efta  fua  opinião  em  humas  inquiriçoens  de  Thomar, 
fey  tas  no  ultimo  de  Dezembro  do  anno  de  1 3 1 7.  em  que  ju- 
ra hum  Pedro  Bombo  ,  quefoíaõ  chamar  a  Santa  Maria  de 
Thomar,Santa  Maria  do  Celio,  &  que  aflim  o  jurava  como  o 
ouvira  a  feusantepaffados.Ffias  inquiriçoens  andaõ  nó  livro 
dos  Meílrados  da  Torre  do  Tombo  a  foi.  94-  mas  como  nel- 
Ias  fe  naõ  declara  que  Celio  fora  Monge  de  Saô  Bento  >  pou- 
co vai  o  teílemunho,  &  dizendo  os  mefmos  que  S.  Fruduofo 
os  fundara,  por  Conventos  de  Eremitas  fe  devem  ter,  pois 
confia  que  certamente  era  efte  Santo  Diícipulo  de  SantoAu- 
gufttnho,  como  de  fuás  Epiftolas  fe  vé  ; outros  dizem  fun- 
dára  efle  Convento  onoííoFrey  Paulo  Orofio  Diícipulo  de 

Santo 


Livro  VL  Titulo  I.  4  57 

Santo  Auguflinho.  Efta  propriedade  tem  as  coufas  grandes, 
que  todos  as  querem  para  fijmas  os  Eremitas  tem  tanto  di^ 
reyto  para  os  reconhecerem  por  feus  ,  que  as  Imagens  an- 
tigas daquella  Igreja  ,  &  principalmente  a  de  Santa  Eyria  ,  fc 
viaõ  cingidas  com  a  correa  de  Santo  Auguftinho.  Porém 
deyxadas  as  controveríias  ,  que  ha  nefta  matéria  entre  os 
noffos  Authores ,  &  os  da  Ordem  de  Saõ  Bento  ,  efla  Caía 
da  Senhora  hc  antiquiífima. 

Na  perda  de  Efpanha,  pela  invafaõdos  Sarracenos,  foy 
deílruída  efta  Cidade  de  Nabancia ,  com  outras  muytas  def- 
te  Reyno  ,  ficando  delia  fomente  algumas  ruinas.  E  íó  rf  fer- 
vou  Deos  illefo  efle  Templo  da  Senhora ,  ( o  que  devemos 
entender  foy  com  particular  ,  &  foberana  providencia  ,  para 
gloria  fua  ,  &  de  fua  Santiílima  Mãy  ,  &  confolaçaõ  dos  feus 
fieis  íervos  )  defendendo-o  das  injurias,  &afíòlaça6queos 
Mouros  fizeraõ  aos  mais  ,  em  todo  o  tempo  que  durou  o  caf- 
tigo,  &  açoute,  com  que  Deos  caftigou  os  peccados  dos  Go- 
dos. O  que  naõ  podia  ferfem  milagre,  &  verdadeiramente 
o  foy  confervarfe  efta  Cafa  ,  &  Santuário  da  Senhora  con- 
tra a  crueldade ,  &  barbara  natureza  dos  Mouros ,  que  fem- 
pre  com  mortal  ódio  perfeguem  tudo  o  que  toca  ao  Chriflia- 
nifmo.  Porque  ainda  que  as  fuás  paredes  eraõ  fortiflimas,co- 
mo  fe  vé  ainda  hoje  ,a  fua  crueldade  a  tudo  refiftia  ,  &  tudo 
aíTolava.  E  aílim  parece  que  fe  fez  efla  bendita  Imagem,  naõ 
íó  temida,  &  venerada,  mas  a  fua  Caía  reverenciada  dos 
mefmos  bárbaros  ,  com  as  maravilhas  que  obrava  • 

Junto  a  efle  Templo,  ôcCafa  da  Senhora,  eflavaõ  os 
paços  de  Caftina!do,Principe,&  Senhoreou  Governador  de 
Nabancia,  no  tempo  cm  que  vivia  Santa  Eyria,  quefegun- 
doosfinaes,&  ruinas  que  debayxo  da  terra  fe  viraô  depois 
de  muy tos  annos,eraõ  magníficos,  &  fortiflimos,&  de  gran- 
de cantaria ,  argamaças  ,  &  ladrilho  ,  &  na  mefma  forma  ou- 
tros edifícios,  que  ao  redor  delles  havia  dos  moradores,  êc 
Cavalleyros  da  mefma  Cidade.  Tudofereduzioempo  ,& 

cinza 


45  ^  Santuário  Mariano 

cinza, &  mio  confumioo  tempo;  p  >rv]ue  apetm  ficarão  as 
memorias  da  ruina.  Ènoligar âòndc  os  referidos  palácios 
dcCafHnaldoefhvaõ  ,  achou  o  Doutor  Pedro  Alvares  do 
ConlelhodelRey,  quando  fez  o  tombo  delia  Igreji  da  Se- 
nhora no  anno  de  1542.  feytahuma  cerrada  de  olival,  que 
ja  entaõ  era  dos  Padres  Thomariílas,  taõ  creícido  ,  &  de  taõ 
corpulentas  arvores ,  que  dizia  elie ,  que  parecia  haver  mais 
de  1000.  annos  eraõ  plantadas. 

Dillo  fe  confirma  mais,  fer  obra  maravilhofa  oconfer- 
vsríe  aquelle  Templo  intafio,  não  fe  achando  ja  vefligios  das 
ruinas  de  taõ  grandes  edifícios ,  &  ifb  havendo  paífado  tan- 
tos annos,  &  tantos  feculos,  porque  he  eíte o  próprio  Tem- 
plo ,em  que  a  Senhora  do  Olival  foy  collocada ,  logo  que  S. 
Fruduofo  o  edificou,  que  feria  poucos  annos  antes  do  mar- 
tyriode  Santa  Eyria ,  que  fuecedeo  no  de  65? .  E  ainda  hoje 
fevé  que  aquelle  Templo  foy  edificado  para  Convento  de 
Religiofos  ,  &  não  para  Parochia  ,  como  he  ao  prefente. De- 
pois que  paííbu  o  cafligo,  que  padeceo  a  Chriftandade  de  Ef- 
panha,&  permittio  Deos  pela  fua  mifericordia,  que  os  Chrif- 
tãoslançaíTem  fora  de  todo  aquelles  bárbaros  Sarracenos, 
tomando  EÍRey  Dom  Affonfo  Henriques  a  Villa  de  Santa- 
rém, fe  fez  juntamente  Senhor  de  todos  aquelles  contor- 
nos ,  aonde  ja  os  Cavalleyros  do  Templo  tinhaô  muytos 
caftellos  ,  &  eíiavão  ja  de  pofíe  do  de  Ceres. 

Porém  como  os  Cavalleyros  fe  pagaílem  mais  do  fítio 
de  Thomar  ,nelle  fundarão  a  Villa,  &  ocaíklloacnde  hoje 
eftá  o  Convento  ,  que  he  a  cabeça  da  Ordem  Militar  de 
Chrifto  ,  &  do  Templo  da  Senhora  fizeraô  Parochia  princi- 
pal ,&  Matriz  da  mefma  Villa,  &  Convento  de  lua  Ordem, 
&deraõlhe  o  titulo  de  Santa  Maria  do  Olival,  por  cauia  da 
cerrada  aonde  haviaõ  eííado  os  paços  de  Caflinaldo  ,  que  ef- 
tava  povoada  das  grandes  oliveyras  referidas  Querem  tam- 
bém alguns  que  o  antigo  titulo  da  Senhora  ,  foiíe  ode  fua 
AíTumpçaõ  ,  que  he  omefmo  que  ode  Santa  Maria;  porque 

antiga: 


Livro  VI.  Titulo  I.  459 

antigamente  quafi  todos  os  Templos  fc  dedicavaõà  Senho- 
ra dcbayxo  defie  feu  fantiífimo  nome  de  Maria. 

Neíle  Templo,  &  Santuário  fe  vé  a  Imagem  da  Senho- 
ra ,  &  íuppofio  íe  duvide  fe  he  efla  Sagrada  Imagem  a  melma 
que  no  tempo  de  Santa  Eyria  era  nelle  venerada, eu  julgo  fer 
a  me  ima  ,  &  fundome  nas  maravilhas  que  Deos  obrcu,con- 
fervando-a,  &  defendendo-a,&  a  fua  Cafa.,  de  qualquer  inju- 
ria, ou  menor  defacato  quefe  lhe  pudeífe  fazer  poracuel- 
les  bárbaros,  &  infiéis  Mahometanos.  He  cita  (agrada  Ima- 
gem de  efeultura  formada  em  pedra  y  com  o  Menino  Deos 
em  feus  braços  \  o  que  alguns  julgaõ  por  improprio/altando 
do  titulo  da  AiTumpçaõ;mas  naõ  o  he,pois  fempre  aquella  Se^ 
nhora  em  todos  os  teus  títulos  he  May  de  Deos.  Porque  ain- 
da  aquellas  Santas  Imagens  ,  que  vemos  com  o  titulo  de  fua 
Conceicaõ^as  veneramos  em  muy  tas  partes  com  o  Santi/TImo 
Filho  nos  braços.  Hede  grande  eftatura  ,  mas  muyto  devo- 
ta ,6c  de  elegante  fermofura,  &foberana  mageílade.  Eílá 
collocada  na  Capelía  mór  ,como  Patrona,  &  Orago  daquella 
Cafa. 

He  efte  Templo  ,&  Baíilica  da  Senhora  do  Olival,  a  ca- 
beça, Mãy  ,&  fonte  de  quafi  todas  as  Parochias  y  &  ainda  da 
meíma  Preíaíia  ,  &  Ordem  Militar  de  noífo  Senhor  Jefu 
Chriíío.  Eo começou  a  fer  pelos  annos  de  i^n.&aelias  faõ 
annexas  todas  as  Igrejas  da  Ordem,aflimdoReyno,comohe 
nofía  Senhora  da  Conceição  de  Lisboa ,  de  quem  ja  falíamos 
no  primeyro  tomo  deites  noífos  Santuários  ,  &  outras  muy- 
tas,  como  u!tramarinas,dcsde  as  conquiflas  de  Africa^IIhas, 
America  até  Aíia.E  neíla  forma  fe  paífavaõ  as  cartas  de  colla- 
çaõ  aos  Vigários  das  Igrejas. 

Saõ  muyto  grandes  as  excellencias  ,  &  prerogativas 
defte-Santuario,&Cafada  Senhora  do  Olival;  porque  naõ  fó 
foy  a  cabeça  da  Ordem  do  Templo  deite  Reyno,&  da  Ordem 
de  Chrifto, &  o  feu  Vigário  o  Prelado  de  todas  as  Igrejas  das 
Ilhas  do  mar  Oceano,  &  das  terras  firmesde  Africa,  que  fe 

defeu- 


4&>  Santuário  Mar  iam 

tíeícubriraõ  ,&  povoarão  pelo  Infante  Dom  Hcnrique;&  de 
todas  as  que  depois  fe  deícubriraõ  nas  partes  da  índia  ,  Per- 
ita* &  Arábia ,  pela  diligencia  do  Infante,  &  continuadas  de- 
pois pelos  Reys  defíc  Reyno,  cuja  jurisdição  Ecdeíiaflica 
he  defta  Ordem,  na  qual  ha  agora  pela  bondade  de  Deos  tan  - 
tos  Bifpados.  E  o  fer  o  feu  Prelado  fuperior  ao  Summo  Pon- 
tífice y  a  quem  efla  Igreja  he  immediatamente  fugeyta,  pela 
qual  razaõ  o  meímo  Summo  Pontífice  fica  fendo,  &  he  o  Bif- 
po  delia  j  &  o  que  nas  mais  fe  naõ  pode  fazer  fem  authorida- 
de>  &  approvaçaõ  do  Bifpo  Diocefano,  nefta  naõ  fe  pôde  fa- 
zer femauthoridade  ,  &  approvaçaõ  do  Papa  ,  fegundo  dif- 
pofiçacdcdireyto;  privilegio,  que  naõ  goza  outra  alguma 
Igreja  de  Efpanha ,  o  qual  lhe  concedeo  Adriano  IV.  &  Ale- 
xandre III.  &  outros  rcuytos  Pontífices. 

Tambemhe  excellencia  grande  defta  Igreja  ,  fer  a  Ca- 
beça^ a  Máv  de  outras  muy tas  que  delia  dependem,  que  faõ 
todas  as  que  ha  na  mefma  Villa  de  Thomar  ,  &  na  das  Pias,& 
Payo  de  Pclle  ,  &  feus  termos  ;  porque  tudo  era  huma  fó  Pa- 
rochia,  &  as  mais  eraõ  fuás  Capellas,  ou  Ermidas^a  cada  hu- 
ma das  quaes  fe  limitou ,  &  feparou  fua  Freguefia ,  as  quaes 
faõ  dez  líeis  com  a  de  Payo  de  Pelle  >  naõ  entrando  nefle  nu- 
mero a  da  Senhora  do  Olival. 

Nefta  Cafa  da  Senhora  ajuntou  os  Freyres^  cabeças 
da  Ordem  ,  o  Doutor  Chriílovaõ  Teyxeyra  do  Confelho 
delRey ,  no  anno  de  1 554.  fendo  Prelado  da  Ordem ,  &  nel- 
la  fez  Conflituiçoens  para  todas  as  Igrejas,&  Freyres  delia, 
que  he  também  prerogativa ,  que  fe  ajunta  às  mais  de  que 
goza. 

Desde  oMeílre  DomGualdim  Paes,  o  primeyro  que 
fezoConventonaquella  Igreja  da  fua  Ordem ,  até  o  ultimo 
quefoy  Dom  Lourenço  Martins,  todos  fe  fepultáraõ  nella. 
Alli eílá  fepultado  hum  netodelRey  D.  Dinis  chamado  E>. 
Lopo,  &  o  primeyro  Meíire  da  Ordem  deChriflo,  D»  Gil 
Martins*  &  outros  mais,  &  o  Biípo  do  Funchal  Dom  Diogo 

Pi- 


Livro  VI.  Titulo  I.  461 

Pinheyro ,  &  outras  muytas  pcííoas  iilullres. 

Tem  tile  Templo  três  naves ,  &  hoje  com  as  minas  da 
antiga  Nabancia  fe  vé  muyto  enterrada;  porque  para  defcer 
do  adro  ao  patin  da  porta  ddle  ,tem  oyto  degraos,&  da  porra 
principal  para  dentro  vaõ  outros  cyto.  Tem  eflas  naves 
quatro  pilares ,  ou  colunas  década  huma  das  partes, fobre 
que  aíTentaõ  os  arcos.  E  tem  o  corpo  da  Igreja  de  comprido 
1  ?2.  palmos.,  &  de  largo  70.  fica  a  porta  principal  para  o  Oc- 
cidente.  TemoytoCapel/as,  tresnafrontaria,  &  as  cinco 
em  a  nave  que  fica  da  parte  do  Sul ,  porque  a  quefica  da  parte 
do; Norte  naô  tem  Capellas,  em  razaõ  de  ficar  daquella  parte 
a  terra  muy  to  alta ,  &  com  as  humidades  fe  naõ  podiaõ  cotiz 
fervar. 

He  grande  a  devoção  que  o  povo  daquella  nobre  Villa 
temaeíta  Sagrada  Imagem  da  Mây  deDeos,  a  ella  recorre 
em  todas  as  fuás  neceífidades  publicas,  &  particulares ;  por- 
que em  tempos  de  calamidades  recorrem  â  Senhora  do  Oli- 
val com  devotas  prociflbens ,  a  implorar  delia  o  feu  remé- 
dio, affim  para  doenças  graves,  como  para  agua  em  tempo  de 
fecas,ou  de  Sol  em  tempo  invernofo,  &  fempre  achaõ  na  fua 
clemência  bons  defpachos  em  fuás  petiçocns.Tcm  cita  Igre- 
ja hum  Vigário  com  doze  Beneficiados  ,  hum  Thefoureyro, 
&  hum  Cura,  ( efte  afliíle  na  Igreja  de  Saõ  Joaõ  Bautifía,  )&c 
tem  quatro  moços  do  coro.  O  adro  he  mí;y  to  grande  ,  &  fe 
efknde  para  o  Norte ,  &  tem  de  comprido  mil  palmos ,  &  de 
largo  trezentos.  Nelle  fevem  muy  tas  fepulturas  com  va- 
rias armas  ,  infignias  ,  emprezas,  &  epitáfios.  Nelle  fe  vé 
também  fítuada  huma  Ermida  de  São  Pedro,  que  fby  Paro- 
chia  da  Cidade  de  Nabancia  >aonde  collumava  ir  Santa  Ey ria 
nos  dias  dos  Apofiolos  Saõ  Pcdro,&  Sao  Paulo,  como  fe  re- 
fere na  fua  lenda ;  &  outra  Ermida  da  mcfma  invocação  de  S. 
Pedro ,  &  outra  dedicada  a  Santa  Maria  Magdalena.  Efía  he 
ailluíireCafa,  &iníigne  Santuário  da  Senhora  do  Olival, 
Matnzda  Villa  de  Thomar.  Deita  Senhora  eferevem  Bran- 
dão 


4<fo  Santuário  Mariano 

daõna  Mon.  Luíit.  part.  ó.liv-  19.  cap.  1 1,  Brito  na  2.  pm. 
ca  mcfm,  Mon.  liv.  6.  cèp«  24.  Dom  Rodrigo  da  Cunha  na 
Hiflor.  de  Lisboa  parci.cap.28.  &  na  Hiftor.de  Braga  part. 
2-cap,  13.  Cardofotom.  2.  doAgioI.  pag.  68.  Fr.  Leaôna 
Bened.  Luíit.  trat.  2.  part.  4.  cap.  1 1.  &  outros  muytos. 


TITULO     II. 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Anntmciada  de  Tbomar- 

SAõ  muytos  os  Santuários  milagrofos ,  que  fe  veneraô  no 
dcftrito  ,  &  limites  da  Prelafia  de  Thomar.*  que  fuppofto 
naõcomprehende  mais  que  três  Villas,  de  que  he  cabeça  a 
mefma  de  Thomar,porque  as  mais  faõ  muy  to  limitadas,  ainda 
affim  ha  nellas  muytos  Templos  ,  &  Ermidas,  aonde  fe  vene- 
raô Imagens  milagroíiflimas  da  Mãy  de  Deos.  TemTho- 
mar  na  fua  circunferência  muytos  montes  ,  &  quafi  todos 
eftaõ  coroados  de  Templos  ,  &  Ermidas.  Tem  quatro  Con- 
ventos, que  fe  vem  compor  h uma  perfeytaCruz,  ficandolhe 
a  Villafervindo  de  centro.  Oprimeyro,  &queficaaoNaf« 
cente ,  he  dedicado  a  Santa  Eyria  Virgem,  &  Martyr,  de  Re- 
ligiofas  Terceyras  de  Saõ  Francifco.  O  legundo ,  &  que  fica 
cm  correfpondencia  ao  Occidente^e  o  de  Santa  Cruz,Con- 
ventoReal,&aprimeyra,&  principal  Cafa,&  cabeça  da  Or- 
dem de  Chrifto.  O  terecy  ro  que  fica  ao  Norte ,  he  dedicado 
à  Encarnação ,  ou  Annunciaçaõ  de  nofla  Senhora  ,  de  Reli- 
giofos  da  Província  da  Piedade.  O  quarto  que  fica  ao  Sul,  hc 
dedicado  a  S.  Francifco,  de  ReligiofosObfervantes  da  Pro- 
víncia de  Portugal. 

Da  terceyra  Cafa  dedicada  a  noíTa  Senhora ,  a  que  vul- 
garmente chamaõ  da  Annunciada,  he  a  de  ój  agora  tratamos, 
cujos  princípios  refere  oChronifta  da  Província  da  Pieda- 
de, &  he  ncíla  forma-  Fora  da  Villa  de  Thomar ,  em  hum  fi- 
do, 


Livro  VI.  Titulo  11.  463 

tio  ,que  dl  flava  meya  legoa  da  mefma  Villa,  para  a  parte  Oc- 
cidental ,  a  quechamavae  Carzedo,  havia  antigamente  nu- 
ma grande  quinta,  comhuma  Ermida  rnuy to  bailante  ,  que 
era  dedicada  à  Annunciaçaõ  do  Anjo  à  Santiflima  Virgem 
Maria  noífa  Senhora,&  por  efta  caufa  fe  chamava  aquella  Ca- 
ía ,  da  Annunciaçaõ.  Tinha  efía  quinta  boas  caías ,  pomar, 
horta,  vinhas  f  &  olivaes ,  com  muytas  terras  de  paõ,& 
huma  grande  m3ta  de  fovereyros  ,  pinhos  ,&  outras  arvores 
filveflres  para  lenha.  Tudo  iílo  poíTuía  huma  nobre  Senho- 
ra viuva, chamada Ifabel  Teyxcyra  ,  que  havia  íido  caiada 
com  Antaô  deFigueyredo,  Fidalgo  da  Caía  deiRey. 

Efta  Senhora  ,  pela  devoção  que  tinha  aos  Reljgiofos  da 
Província  da  Piedade  ,  íendo  Miniftro  Província!  delia  Fr. 
Joaõde  Albuquerque  ,  (  quemorreo  na  índia  Bifpo  de  Goa) 
emoannode  1526.  lhe  dotou  liberalmente  aqueíleíitio  com 
toda  a  fua  fazenda ,  para  fundar  nelle  hum  Convento  à^  fua 
Ordem.  E  querendo  que  iífotivefle  mayor  firmeza  ,  &  que 
osReligiofos  nunca  dalli  fe  apartaífem,  nem  pudeífemfer 
lançados  fora  contra  fua  vontade  ,  buícouhum  mcyopara 
iífomuyto  feguro,  &foy  fazer  doaçaõ  daquelle  íitioaEl- 
Rey  Dom  Joaõ  o  Terceyro ,  na  qual  diz,  que  ella  faz  doaçaõ 
ao  dito  Rey  á^  Igreja,  cafas ,  horta,  &  fonte  da  fua  quinta  de 
Carzedo,  termo  da  Villa  deThomar,com  tal  entendimento, 
&  condição,  que  o  dito  Rey,  &  Senhor  dé  as  fobreditas  cou- 
ias  aos  Padres  Capuchos  da  Província  da  Piedade ,  para  alli 
fundarem  hum  Convento. 

Aceytou  ElRey  a  doaçaõ,  que  lhe  era  feyta  ,  &Iogo 
mandou  por  hum  Alvará  de  procuração  fua  j  à  mefma  Ifabel 
Teyxeyra,  para  que  em  nome  deiRey  com  poder ,  &autho- 
ridadc,que  para  iílo  lhe  dava,  meteífe  aos  Frades  de  poífe  da- 
quelle fitio.  O  que  affim  fe  fez  ,  como  Eí  Rey  mandou-  A  qual 
íe  tomou  em  4.  de  Outubro,  do  anno  de  1528.  &  de  tudo  fe 
fizeram  eferituras,  que  leguardaô  no  archivo  do  mefmo 
Convento. 

Efla 


4&4  Santuário  Mariano 

Eíla  Cafa  da  Senhora  da  Annunctada  ainda  a  conííde- 
ro  muyto  mais  antiga  que  o  Convento ,  como  fe  vé  da  doa- 
ção ,&queaquclla  nobre  Senhora  defejofa  dequea  Mây  de 
Dcos  foííe  naquelle  lugar  muyto  melhor  fervida  ,  lhe  quiz 
dará  huns  Capellães  tarn  fantos,  &  perftytos,  julgando  que 
íoelíes  poderiaô  tratar  do  feu  culto,  &  veneração  com  mais 
cuydadojO  que  fariaõcom  grande  fervor ,  &amefma  Se- 
nhora lhoaugmentaria  ,  com  lhe  alcançar  de  feufantiflimo 
Filho  as  grandes  virtudes  ,  em  que  fempre  refplandecéraõ. 

Períiíliraô  os  Religiofos  naquelle  fitio  cento  &  deza- 
fete  annos ,  bacantes  para  terem  grande  amor  àquclla  Cafa. 
E  fem  embargo  de  que  no  veraõ  era  aqueíle  fitio  calmofo, 
por  íer  bayxo ,  &  ficar  junto  a  hum  rio,que  lhe  ficava  ao  Ori- 
ente ,  de  donde  em  as  manhãas  (diz  o  Chroniífo)  o  vento  ef- 
pirava  daquclla  parte  ,  &  infundia  nos  corpos  dos  que  o  ha- 
bita vaõ,  perniciofos vapores,  ainda  aílím  naõ  lhe  faltava 
frefeura  das  arvores ,  horta,  pomar,  &  fonte  que  brotava 
huma  grande  quantidade  de  agua.  E  além  diflo  o  folitario  do 
fitio,  que  movia  a  grande  devoção, &  tambeifi  a  prefença  da 
Senhora  da  Annunciada  ,  fazia  que  em  nada  fe  reparaffe ;  & 
como  naquelle  tempo  havia  muyto  eípirito,  efle  fazia  que  le 
naô  reconhecerem  eftes  inconvenientes,  hoje  tudo  faõ  me- 
lindres, porque  fe  acabou  o  fervor  do  efpirito ,  &em  quanto 
oouve,amáraõ  aquelle  lugar;&  tanto,que  fazendo  os  mora- 
dores de  Thomar  grandes  infiancias,  para  que  aquelles  ben- 
ditos Padres  acey taffem  junto  àVilla  outro  fitio  muyto  bom, 
nunca  pelo  muyto  amor  que  tinhaõ  à  Senhora  ,  fcàfoledade 
do  cm  que  eftavaõ ,  os  pudéraõ  mover  a  acey tar  outro  ,  por 
mayores  que  foliem  asconvcniencias,queneIIeíèencontra- 
vaõ,  &  aífim  perfiftiraô  tantos  annos. 

Depois  com  o  tempo ,  que  tudo  deftroe ,  &  quando  ja  o 
efpirito  era  menos  fervorofo,  porque  fe  havia  esfriado ,  di- 
zem que  as  paredes  do  antigo  Convento  por  velhas  amea- 
ça vaõ  ruina.  Defta  enfermidade,  que  também  as  paredes  ja 

pade- 


LivroVI.TitufoIL  46; 

padeciaõ,  fc  aprovey  taraõ  o.s  traços ,  para  dfyxarem  aquei- 
laiuafantaA  devota  Tfubaida,que  os  primitivos  tanto  a- 
máraõ,&aceytaraó  ofitioem  que  hoje  vivem;  o  qual  lhes 
deraõos  Padres  do  Real  Convento  de  Thomar ,  ficando- fc 
com  o  de  Carzeda,  que  hoje  lhes  ferve  de  boa  quinta.  E  nam 
valeoà devota  Senhora  IfabdTeyxeyra,omeyoquebufcou 
para  osconíervar  para  fempre  na^uclle  exceliente  lugar* 
que  lhes  deu. 

Fica  eíle novo  Convento  fituado  à  parte  do  Norte  da 
Vílla  de  Thomar,  como  fica  dito,em  hum  cabeço  levantado, 
&  lavado  dos  ventos ,  com  boa  cerca,  &  horta,  &  duas  fon- 
tes copiofas.  Ficou  a  Cafa  como  mefmo  titulo;  porque  trou- 
xeraõcomíigoa  Imagem  da  Senhora,  &  feria  pela  obrigarem 
a  naõ  fe  moíirar  queyxofa  de  haverem  dcfprezado  o  fitio  que 
cila  lhes  havia  dado.  Achavaõfe  nelle  fitio  fem  Padroeyro, 
&  aífím  deraõ  o  padroado  do  Convento,  ou  da  Capella  mor, 
ao  Conde  Capitão  ,  o  qual  morrendo  em  Lisboa ,  fe  mandou 
íêpultar  nella ;  foy  a  mudança  do  Convento  no  anno  de 
1645. 

Sempre efta  Cafa  foy  a  devoção  dos  moradores  de  Tho- 
mar ,  ou  fempre  foraõ  devotiflimos  defta  foberana  Senhora, 
&  agora  que  a  tem  mais  perto  ,  a  vifitaõ  com  mais  frequência; 
porque  fempre  nofeu  patrocínio  acharão  o  alivio  de  feus 
trabalhos,*  a  confolaçaõdeíuas  penas.  Ve-fe  a  Imagem  da 
Senhora collocada  cm  o  Altar  mor ,  he  fcrmofiffima,  ôc  mof- 
tra  grande  mageíbde.  Obramuvtas  maravi  has,&  a  fécim 
que  a  invocaô,  lhes  faz  reconhecer  aos  feus  devotos  o  valor 
de  fua  interceffaõ.  He  de  efculrura  de  madcyra  ,  lua  eftatu- 
rafaõ cinco  para  féis  pilmos.  Da  Senhora  da  Annunctada 
efcreveoPaare  Monforte  naChrotiica  da  Piedade  livro  3. 
cap.z. 


Tom.  III.  Gg  TITU1 


^66  Santuário  Maríam 


TITULO     III. 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Conceição  do  termo  de 

Thomar. 

EM  outro  femelhante  monte,  &  também  de  excellente 
vifta ,  fc  vé  hum  magnifico  Templo  de  três  naves,  dedi- 
cado ao  myftcrio  da  Conceição  immaculada  de  Maria  San* 
tiffima^tododeenxelheria^&obra,  em  tudo  grande,  &per- 
fcyta.  Em  fua  Capella  mór  fc  vécollocada  huma  devotiflima 
Imagem  defla  Senhora,  com  quem  toda  a  Villa  deThomar 
tem  grande  devoção-  Saô  os  Padroeyros  defte  Santuário  da 
Senhora  os  Religiofos  da  mefma  Ordem  de  Chriíto,  &  a- 
quelle  Convento,  &  cabeça  defta  Militar  Ordem,  fcaffim 
vem  a  fer  cflaCafa  da  Senhora  filiação  do  Convento ,  &ellc 
heoquecontribuc  com  todas  as  defpezas  neceííarias  para  a 
fabrica ,  8r  mais  defpezas  que  fe  fazem  no  culto  Divino,  íc 
ferviço  da  Senhora. 

He  cila  Cafa  muyto  frequentada  dos  moradores  de 
Thomar,quecom  muyta  devoção  bufeaõ  a  efta  foberana  Se- 
nhora; &  quando  a  fua  fermofura  naõ  attrahiíTc  a  fi  os  cora- 
f  oens  de  todos ,  o  alegre  de  feu  íitio ,  &  a  deliciofa  vifto  que 
delle  fe  descobre,&  a  magnificência  do  feu  Templo  baftavaõ 
para  convidar  aos  meyos  devotos»  que  os  que  faõ  devotos 
intey ros ,  ou  verdadeyramentc  devotos ,  fó  a  fermofura  da- 
cjuella  grande  Senhora  bafta  para  os  conduzir,  &  levar  à- 
quelle  feu  Santuário,  &  à  fua  foberana  prefença. 
. 


TITULO 


Livro  VI.  Titulo  IV.  467 

TITULO     IV. 
Da  Imagem  de  nqffa  Senhora  do  Monte,  ou  da  Piedade* 

NA  área ,  &  planície  de  outro  monte  do  mefmo  termo 
da  Villa  deThomar,  fe  vé  o  Santuário  de  noíía  Se- 
nhora, a  quem  daõ  o  titulo  do  Monte ,  cm  que  fe  lhe  fun  iou 
a  fua  Cafa,  fendo  o  feu  próprio  titulo  o  da  Piedade;porquc  íc 
vé  efla  Senhora  na  reprefentaçaõ  do  Calvário ,  quando  teve 
cm  teus  braços  a  feu  Santiffimo  Filho  morto ,  por  fatisfazer 
as  culpas  dos  peccadores.  O  Fundador  defla  Cafa  foy  o  Al- 
cayde  mor  da  Villa  de  Óbidos ,  Martin  Vafques  Villela  ,& 
elle  a  dotou  de  rendas  para  a  fua  fabrica  ,  &  defpezas  do  cul- 
to Divino.  Elle  mefmo  pela  grande  devoção  ,  que  tinha  a  N. 
Senhora  em  eftedolorofo  paíío,&  titulo  da  Piedade,  man- 
dou fazer  efta  Sagrada  Imagem ,  que  he  de  grande  devoção, 
&  todos  os  moradores  daquclla  Villa  frequentaõ  a  fua  Cafa, 
comfervorofosdefejos  deafervir,  &  louvar-  He  formada 
cm  pedra,  mas  de  hua  perfey  tiífima  efeultura,  &  com  a  gran- 
de magoa ,  &  íentimento  que  mnftra  na  morte  do  Santi  (limo 
Filho  ,quevé  defpedaçado  cruelmente,  &  morto  em  feus 
braços,  caufa  huma  taõ  grande  compunção  nos  que  a  vem, 
que  enternece  muyto,  ainda  aos  ecraçoens  mais  frios. 

Tem  eíta  Senhora  huma  luíVofa  Irmandade  ^  que  a  fer- 
ve com fervorofa devoção,  &muytoze!o,  &  liberalidade- 
Tem  hum  Ermiraõ  que  cuyda  do  adorno,  &aceyodofeu 
Altar.  He  o  fitio>em  que  eftá  fundado  eiie  Santuario^muyto 
agradável;  porque  fe  de  fcobre  ddie  huma  grande  diítancia 
de  terreno.  Obra  efta  Senhora  muytas  maravilhas  em  todos 
os  que  fe  valem  da  fua  interecífaõ  ,  como  o  tertemunhaõ  as 
muyras  mortalhas,&  outros  muytos  finses  A  memorias  del- 
ias ,  que  lhe  offerecéraõ  os  mefmos ,  que  receberão  os  benc- 

Gg  z  ficio% 


4^8  Santuário  Mar  iam 

íicios  ,  &  afHm  he  grande  o  concunu  da  gente  que  frequenta 
a  Cafa  da  Senhora  cm  todooanno,  aonde  vaõ  a  comprir  os 
feus  votos,  fa  tis  fazer  as íuaspromeffas,&  a  ter  as  fuás  no- 
venas- 


TITULO     V. 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  dos  Anjos  do  termo  de  Thomar. 


D 


Os  tituíos  precedentes  fe  vé ,  em  como  todos  os  mon- 
tes da  Villa  ,  &  termo  de  Thomar  íaõ  dedicados  à  Mãy 
de  Deos,  como  a  verdadeyro  Monte  de  toda  a  fantidade ,  & 
que  vence  toda  a  grandeza  dos  mais  altos  montes  ,  como  diz 
Dam  ^a°  ^oa°  Damafceno :  Mons ,  cjui  collem  omnem,  &  montem, 
orat.z.  M cft>  AngtUrum }iS bominum  fublimitatem  exuperat.  E 
ViV^foafômcomreligiofa,  &  pia  intenção  lhe  fundarão  nelles  os 
J,  M.  feus  devotos  Cafas,  em  que  fofle  fervida  ,  &  venerada ,  para 
que  delles,como  de  atalaya,  os  HvraíTe  de  feus  inimigos.  Nas 
maravilhas  q  eíla  Senhora  obra  nelles  fitios,  moflra  o  muy- 
to  que  fe  pagou  da  fua  devoção»  Em  outro  monte  muy  to  íe- 
meíhante  ao  referido  no  titulo  paffado,  &  muy  to  agradável, 
porque  delíe  fe  goza  a  vifla  de  muy  tos  orizontes  ,  &  delicio- 
fos  campos,  quintas,  &  pomares,  &  a  Villa  toda,  íe  vé  o  San- 
tuário de  noíía  Senhora  dos  Anjos,  aonde  he  venerada  huma 
milagrofa  Imagem  da  Mãy  de  Deos,com  o  titulo  da  Senhora 
dos  Anjos,  de  quem  efla  foberana  Rainha  he  Senhora.  He 
efíe  Santuário  ,  &  Cafa  da  Senhora  de  huma  fó  nave,  mas  de 
perfeytiííima  archite&ura',tcmhuns  alpendres  muyto bem 
fcytos,com colunas  de  pedraria  ,  &  cafas  de  romagem,  para 
os  que  vaõ  ter  as  fuás  novenas  ,  &  fe  recolherem  contra  os 
rigores  do  tempo ,  &  todos  recorrem  a  efta  milagrofa  Se- 
nhora ,huns  para  alcançar  delia  osbonsdcfpachos,que  pe- 
dem }&  outros  para  gratificarem  os  que  por  leu  me>  o  haõ 
recebido.  Eftá 


Livro  VI.  Titulo VI.  46$ 

Eflá  cfta  Sagrada  imagem  collocada  na  Capella  mór;he 
deefcultura  dcmadeyra,  de  avultada  eftatura ,  aonde  fevé 
lubir  ao  Ceo  no  myfterio ,  &  paffo de  íua  AíTumpçaõ  glorio, 
fa  ,levando-a  emfeus  hombrosos  ccleftiaes  Efpiritosjhe  de 
grande  fenmfura.  Tem  efia  Cafa  da  Senhora  hum  Ermitão, 
queaífirte  ao  feu  culto,  ôccuydado  do  Altar*  Tem  também 
huma  Irmandade,  que  a  ferve  com  muyta  devoção,  &  fervor; 
porque  todos  ,  &  por  todos  os  modos  fe  defejaôempregar  no 
ferviço  defta  Senhora.  SaôPadroeyros,&  Protedores  def- 
ta  Cafa  os  Prelados  de  Thomar.  Obra  efta  Senhora  muy  tas 
maravilha  s,&  milagres ,  como  o  eflaõ  acclamando  as  muy  tas 
mortalhas,&  memorias  de  cera  que  dejrxáraô  os  que  recebe* 
raõ  os  favores ,  &  benefícios. 


TITULO     VI. 

Da  Imagem  de  N«  Senhora  do  0,  ou  da  Expeãaçao. 

ALém  dos  Santuários ,  que  ficaô  referidos ,  &  que  fe  ve- 
neraô  na  circunferência  da  nobre  Villa  de  Thomar, 
fe  vem  no  feu  termo ,  &  limites  outros  muy  tos ,  de  que  ire- 
mos referindo  os  mais  notáveis.  E  fe  ja  o  primey  ro  a  Cafa  de 
noíTa  Senhora  do  O,  ou  da  Expeítaçaõ ,  fituada  junto  ao  rio 
Nabaõ,  na  Freguefía  de  Saõ  Pedro  da  Bibirriqueyra.  He  efta 
Sagrada  Imagem  muy  to  milagrofa  ,  &  aílim  concorrem  com 
muyta  devoção  a  veneralla  os  fieis,  &  a  impetrar  da  fua  cle- 
mência os  bons  defpachos  de  luas  petiçoens,  o  remédio  de 
fuás  neceífidades,&  o  alivio  de  feus  trabalhos ;  &  nos  fínaes, 
&  memorias  que  fe  vem  pender  das  paredes  da  fua  Cafa ,  fe 
confirmão  os  feus  grandes  poderes  ,  &  os  grandes  favores, 
&  benefícios ,  que  faz  aos  feus  devotos.  Eftá  collocada  no 
Altar  mór,&  com  muyta  veneração  hc  fervida  dosPadroey- 
ros.  He  de  pedraja  fua  eílatura  faõ  quatro  palmos, ve-fe  com 
Tom.  III.  Gg  3  oven- 


47o  Santuário  Marianè 

o  ventre  crefeido ,  &  a  maõ  direy  ta  fobre  elíe ,  &  na  efquer- 

da  hum  livro  aberro. 

A  origem  defta  Sagrada  Imagem  he  prodigiofa ,  &  no- 
tável s  a  qual  foy  nefta  maney  ra.  Havia  na  Villa  de  Thomar 
hum  Fidalgo  chamado  Joaõ  Gomes  da  Cofta,cafado  com  ou- 
tra Senhora  chamada  D.  Antónia  da  Coita;,  ambos  parentes, 
6c  da  nobre  família  dos  Coftas,&  Nogueyras;  eíles  Fidalgos 
ersõ  devotiífimosde  noíTa  Senhora  ,&  por  eípecial  devoção 
quelhetinhaõ,  lhe  mandarão  erigir  huma  Ermida  emafua 
quinta  ,  que  tinhaõ  junto  ao  rio  Nabaõ,  àqual  avinculáraô 
toios  os  feus  bens  em  morgado  ,  &  nella  ccllocáraõ  a  mila- 
groía  Imagem  da  Senhora  do  O,  ou  da  Expe&açaô ,  que  por 
revelação  tby  defeuberta  nefta.  forma. 

Era ,como  fica  dito,D.  Antónia  devotifôma  denoífa  Se- 
nhora, &comcfpecialidadedomyflerio  da  fua  Expcdaçaõ 
do  parto,  &  fuecedeo  fonhar  em  varias  noy  tes,  que  na  Igre- 
ja do  Sobral ,  debayxo  da  pia  da  agua  benta ,  citava  enterra- 
da huma  Imagem  da  Virgem  Maria  nofla  Senhora;  &como 
os  fonhos  foraô  repetidos  em  varias  noytes,  &  íentia  cm  feu 
coração  huns  grandes  defejos,dequefeexaminaíTea  verda- 
de del!es,&  huma  como  certeza  de  que  a  Santa  Imagem  efta- 
va  mquelle  lugar ,  pedio  a  feu  marido ,  mandaífe  cavar  no  tal 
lítio ,  para  ver  fe  defeubria  aquella  Santa  Imagem ,  q  nos  fo 
nhosíelhe  manifeftava.AViftadeftasinftancias;pedioJoaõ 
Gomes  da  Cofia  licença  a  Miguel  Perey  ra ,  que  então  era  o 
Prelado  de  Thomar ,  para  le  fazer  efta  diligencia ,  &  exame, 
&fazendo-fe  de  licença  fua  ,fedefcubrio  a  Sagrada  Imagem 
em  1 6  do  mez  de  Outubro  do  anno  de  1 626. 

Naõfe  pode  encarecer,  qual  foíTe  o  gozo,  &  a  alegria 
daquelles deus  virtuoíòs Fidalgos >  deferem  tambemafor- 
tunados,  &  ditofos  ,  q  mereceífem  a  Deos  o  ferem  os  defeu- 
bndores  defte  precioío  thefouro-  Vendo  a  devota  D.  Antó- 
nia a  Imagem  da  Senhora  ,  naõ  fefartava  deaffiftir  na  lua 
prefença,&com  os  grandes  defejos  que  tinha  de  que  fe  ex« 

puzeífe 


Livro  VI.  Titulo  VI.  47  * 

puzeífe  à  publica  veneraçcõ  dos  neis,  para  que  de  todos  foííc 
bufcada  ;&  fervida,  naõ  deícançouaréosnaõ  póremexe- 
cuçaó ,  &  aílim  fez  que  ícu  marido  pediífe  ao  mefmo  Prela- 
do de  Thomar,  lhes  deíTe  licença  para  erigir,  6c  fundar  a  Er- 
mida referida;  o  que  alcançarão  logo ,  &  no  anno  de  1 528  fe 
fundou,  &  acabada  ella ,  foycollocada  a  Sagrada  Imagem 
com  grande  feita,  &  íolemnidade ,  &  grande  alegria  de  todo 
o  povo  de  Thomar,quc  concorreo  a  eíla. 

He  hoje  o  Padroeyro  deíie  Santuário,  &  Cafa  da  Se- 
nhora do  O,  &  o  Senhor  daquelle  morgado ,  Rodrigo  Jaco- 
me  Ray  mundo  de  Noronha  , Fidalgo  da  Cafa  de  Sua  Magef- 
tade,filhodeCuftodioJacomeRaymundodeNoronha,&de 
Dona  Antónia  Francifca  de  Mendonça  ,  neto  de  Jacomc 
Raymudo  de  Noronha  quarto  neto  por  varonia  de  Andreja- 
come  Raymundo  de  Noronha ,  Commendador  da  Comenda 
das  Olhalhas  da  Ordem  de  Chriíto,&  ayo  delRey  Dom  Ma- 
noel. Defcendeo  referido  Rodrigo  Jacome,  de  Joaõ  Gomes 
da  Cofla  por  fêmea.  E  ellc  coftuma  feflejar  todos  os  annos  a 
Senhora  do  O,  por  coftume  antigo  A  o  faz  com  muyta  gran- 
deza, &  devoção  E  fera  também  obrigado  a  fazer  efta  folem- 
nidade,porque  aífim  lho  deyxariaõ  por  obrigação  teus  avós, 
ou  vifavós,j3aõ  Gomes  da  Coita  ,&  D.  Antónia  da  Coíla. 


TITULO     VIL 

Da  Imagem  de  nojfa  Senhora  da  Saúde ,  do  Jlquejdaê 
das  Olhalhas. 

NOlugardoAlqueydiõ  daFregueíia  das  Olhalhas,  fc 
véaCafa,&  Santuariodenoffa  Senhora  da  Saúde, aon* 
de  he  venerada  huma  devota  ,  &  milagrofa  Imagem  da  May 
deDeos,com  o  titulo  da  Saudc.  Santo  EphremCyro  diz  q 
he  Mana  Santiffima  a  faude  verdadeyra ,  &  eflavel  de  tod  M 

Gg  4  os 


47 l  Santuário  Mariano 

os  Chriftãos,que  fabem  recorrer  a  procuralla  na  fua  prefen- 
S.Ephr.  çv.Sahió  firma  omnium  Lhrifiianorum  adeam  recurrentium. 
inlatid.  AíTimoexperimenraõaquellesquecomverdád  yra  fé,&  de- 
is. K     voçaõ  fabem  recorrer  a efla  bendirá  Senhora  E  frõ muytos 
os  que  concorrem  em  fuás  enfermidades,  &  achaques  a  efta 
pifeina  ^  &  na  fé  com  que  o  fazem ,  fe  vc  a  promptidaõ  com 
que  a^cançaõ  de  noífo  Senhor  a  faude ,  que  pedem,  pela  in- 
tercefTaõ,&  merecimentos  de  fua  Santiíliina  Máy.  Bendita 
ella  ,  que  com  efte  titulo  de  Saúde ,  quer  que  a  buíquemos,  & 
interponhamos  os  feus  merecimentos  ,  para  a  alcançar,  naô 
fó  a  do  corpo,  mas  a  principal,  quehea  da  alma  \  em  que  fc 
tem viíta  muytas  maravilhas;  mascomo  fenaõfazcafode 
fazer  memoria  dellas,por  iíTo  naõ  podemos  referir  cafos  par- 
ticulares. 

Dos  princípios  deíle  Santuário ,  &  da  origem  deita  Se- 
nhora ,  nem  do  motivo ,  com  que  felhe  impoz  eíia  falutife- 
ra  invocação,  naõ  pudemos  defeubrir  nada,  nem  ainda  por 
tradiçoens.  Eacaufadiílo  naíce,  que  como  eftas  Ermidas 
eftaõ  em  aldeãs  de  poucos  moradores ,  &  effes  pobres ,  que 
fe  oceupaõ  iómente  no  feu  trabalho ,  &  fó  nelie  fallaõ,  &  fo- 
bre  elle  difeorrem^por  iífo  naõ  attendem  a  tradições  de  cou- 
ías ,  que  fuecedéraõ,  nem  delias  fazem  cafo.  Daqui  naícem 
as  obícuridades  com  que  fe  trataõ  as  coufas  ;  porque  naõ  ou- 
ve curiofidade  de  as  faber  ,  nem  de  as  inquirir ,  &  afíim  ficaõ 
fepultadas  nofepulchro  do  efquecimento  ,  &da  ignorân- 
cia. 


TITULO     VIII. 

Da  Ima  gr  m  de  N*Senbora  da  Tiedade  do  Vai  da  Idanha. 

^ml  A  referida  Freguefia  das  Olhalhas ,  no  tituío  paflado, 
Si  he  também muy to  frequentado  o  Santuário,  ôcCafa 

de 


Livro  VI.  Titulo  VI II.  473 

de  noflfa  Senhora  aa  Piedade  ,  que  fe  venera  em  o  lugar  do 
Vai  da  Idanha,  Fica  eiia  Ermida  em  hum  íitio  muy  to  alegre, 
&  agradável,  &  aíFm  efiá  convidando  a  bufcar  com  devoção 
aeíiamaravilhofa  Imagem  da  Mãy  de  Deos.  He  efta  Santa 
Imagem  formada  empedra  ,  com  o  Santiflimo  Filho  morto 
em  feus  braços.  He  Imagem  devotiífima,  &  caufa  muyta  ter- 
nura, &  compunção  nos  devotos  coraçoens,  quecontem- 
plaõ  a  dolorofa  pena,  que  a  Senhora  rcprefenta  naquellc  paf- 
fo  do  Calvário*  Obra  muy  tos  milagres,&  maravilhas,  &  af- 
íim  he  bufcada  dos  fieis  ,  os  quaes  com  as  fuás  romagens  fre* 
quentão  a  fua  Cafa ,  &  lhe  vaõ  a  pedir  o  alivio  de  feus  traba- 
lhos ,&  nunca  fahem  de  fua  prefença  fem  a  confolaçaõ  ,  que 
procuraõ.  Parece  muy  to  antiga  efta  Sagrada  Imagem,  mas 
ainda  queinterpuz  toda  a  diligencia  para  faber  alguma  cou- 
fa  da  lua  origem,&  princípios,  naõ  o  pude  confeguir,&  affim 
ficamos  fempre  queyxando-nos  do  defcuydo  ,  &  negligencia 
dos  paflados.  Das  maravilhas  que  obra  efta  clementiííima 
Mãy  dos  peccadores ,  fe  vem  na  fua  Cafa  alguns  íinaes,& 
memorias ,  que  o  teílemunhaõ ,  &  publicaõ  os  feus  grandes 
poderes. 


TITULO      IX. 

Da  Imagem  de  noffct  Senhora  do  Mileu>do  termo  da 
Filia  de  Thomar- 

V  Árias  faõ  as  Imagens  de  Maria  Santiflíma  \  que  neftc 
Reyno  íaõ  veneradas  com  o  titulo  do  Mileu.  Apri- 
meyra  ,&  mais  antiga,  &  bufcada  com  mais  veneração,  hc 
aqueelláemaProvinciada  Beyra  ,  em  os  arrabaldes  da  Ci- 
dade da  Guarda  >taõ  antiga  ,  que  fe  entende  fa  era  venerada 
em  tempo  dos  Godos.  Na  Província  do  Alentejo  ha  outra, 
que  he  venerada  na  Viiia  de  Veiros ',  &  eíla  de  gue  agora  tra- 
tamos* 


474  Santuário  Mariano 

íamos, do  termo  da  ViiladeThomar,aqucmos  ruílicos  er- 
radamente daõ  também  o  nome  de  Mildeu  ,  tendo  o  feu  pró- 
prio titulo  Mileu.  No  titulo  da  Senhora  do  Milcu  ,  que  fc 
venera  nos  arrabaldes  da  Cidade  da  Guarda,  fe  declara  a  ety- 
mologia  deftc  nome,  &  lá  fc  pode  ir  ver  nefle  me  faio  5 .  tomo 
Iiv\  i.tit  3. 

Quanto  à  Senhora  do  Mileu ,  que  fe  venera  no  lugar 
dosCaivinos,termoda  Villa  deThomar,ema  Fregucfíados 
Caíaes ,  he  ta6  pouca  a  noticia  que  pude  alcançar  deita  Santa 
Imagem ,  &  de  fua  origem ,  &  princípios ,  que  fó  me  conílou 
fer  Imagem  de  grande  devoção ,  &  que  muy  tas  peífoas  a  buf- 
cavaõ  ,&  fe  hiaõ  a  encomendar  a  ella  em  aquella  fua  Ermida; 
&  a  grande  fé  ,  que  os  movia  a  bufcalla  y  era  também  o  meyo 
eíficaz  ,  por  ondeconfeguiaô  os  defpachos  das  petiçoens, 
que  faziaô  à  mifericordioía  May  dos  peccadoresj  que  a  cari- 
dade defta  Senhora  he  tão  grande ,  que  para  todos  he  be- 
nigna, rica ,  liberal,  &  quem  a  tiver  a  ella,  tudo  tem ,  &  aífim 
exclamou  Zenon  fallando  com  eíta  Senhora:  0'caridade(que 
aquiheomefmoquemifericordia  )quam  pia  >quam  opulenta, 
&  quam  poderofa  fois!  nada  tem,  quem  vos  na5  tem  :  vòs  fi- 
zefles,que  Deos  abreviado  hum  pouco ,  o  prendeífes  nove 
Zenon  mezcs  no  cárcere  virginal:  C/charitas  quàmpl*,  cjuàm  0- 
ferm.de  pulenta,  ò  cjuàm  potens  !  nihil  habet  qui  te  non  babtt :  tu 
Ftde.  Deum  breVtatwn paulisper  à  maksiatis  fute  immenfitatep?- 
regrinarifeci/ti:  tuvirginali  cárcere noVem  menfibm  rele- 
gafti.Nas  poucas  noticias ,  que  fe  descobrem  dos  princípios 
deíla  Sagrada  Imagem,  &  na  falta  das  tradiçoens,  porque 
nem  por  ellas  fe  pode  defeubrir  coufa  alguma  ,  fe  pode  dif- 
correr,  quam  longa  fera  a  fua  antiguidade,^  quam  grandes, 
&  antigos  os  feus  princípios. 


TITU 


Livro  VI.  Tttuto  X.  475 


TITULO     X. 

Da  milagrofa  Imagem  de  nrjfa  Senhora  das  Lapas ,  do 
termo  de  I  bom  ar. 

EM  os  Cantares  compnra  oEfpirito  Santo  aMariaSan- 
tiffíma  a  pomba  ,  a  quai  diz  que  habita  cm  as  lapas ,  & 
concavidades  da  pedra:  Columba  meaiyi  for  atnimbus  petr#*  C^nt.u 
Notemomyfterio.  He  Maria  (diz  Santo  Ante  nino ce  Fio-  s.Am. 
rença  )  Pomba  ;  porque  nunca  teve  fel  de  peccado  :  UMimbo  p.  4.  úu 
fine  felle,  peccati.E  he  Pomba  fingular,(diíteDionyíio  Fabro)  1 5.^24. 
por  íingularmente  prefervada  da  culpa  defde  o  primeyro  Dio»jf. 
infhnte  de  fua  Conceição:  UnaeB  columba  me  a.  He  Pomba Fa^ 
(diz Guillelmo Parvo)  por  fua  fecundidade,  fendo  verda-  'j^1'. 
deyra  May  de  Jefu  Chriíto ,  Deos,  &  Homem:  EH  columba  QH™'*n 
propterfactmditatem  ,  cujuâ  pullm  fingularisfuit  Chriftm.  Cam[  u 
He  Pomba  (  diz  Adam  de  Perfenia  )  com  as  duas  azas  de  hu-  Aàâm 
mildade,&  virgindade.  DizFilippe  Abbade,  que  a  pomba  fragm. 
fomenta  aos  filhos  efiranhos :  aflim  a  charidade  deíla  Divina  $.M«r: 
Pomba  naõ  íe  nega  aos  peccadores  mais  indignos  ,  porque  Philip» 
fempre  os  ampara,  como  May,  ainda  que  elles  pelas  fuás  £*•*•* 
culpas  fe  façaô  indignos  do  nome  de  filhos.  Outra  Angular   f*  ^, 
propriedade  achou  a  efta  Divina  Pomba  >  habitadora  das  la-  y 
pas,  &  concavidades  da  pedra  .Bercorio,  &  o  tomou  de  San-  Bercor. 
to  António  de  Lisboa  J  &  he,que  as  mais  aves,  fe  lhe  maltra-  Ub.  7. 
taõ es fiihos  7 ou  lhos  tiraô  } logo  mudaõ  o ninho, com  pena,  ndnft: 
&  fentimento.   A  pomba  naõ  he  afíim;  porque  ainda  que  veja  caP  l7* 


Anton* 
de  Pad. 


lhe  maítrataõ  os  filhos ,  ainda  que  lhos  tirem,  nunca  muda  o 
ninho  noeneyo  da  fua  dor:  SíjmUis  fpolietnr  ,  antiquam  fe- 
dem  non  deferit.  0*puriílima  Senhora  ,  &  cõ  quanta  proprie  ^ 
dade  voschamou  o  Divino  Eipiriro  Pomba:  Columba  meai  j^ 
He  verdade ,  que  Maria  Santiffima  eflava  com  a  confidera- 

Çaõ 


47^  Santuário  Mariana 

çaõ  emaquellas  Upas,  oc  aberturas  , que  na  Divina  pedra 
Ch  riflo  fizeraõ  os  peccadores.  Porém  elia  como  Divina 
Pomba,  ainda  que  lhe  tiraõ ,  &  maltrataõ  ao  innocentiííimo, 
&  amado  Filho  fem  deyxar  o  feu  coração  de  fentir ,  naõ  íe  a- 
partaofeuefpirito  do  ninho  foífegado  dafua  heroyca  refig- 
naçaõ:  Antiquam  fedem  nondefent.  0'quan to  nos  devemos 
confundir ,  de  que  as  penas  arraftem  o  nolío  efpirito/  Doaõ 
embora ;  porque  para  que  eilas  fe  fintaô  as  manda  Deos  ;  mas 
finta -as  o  natural  >  fem  que  a  dor  poíTa  apartar  o  noífo  efpiri- 
to do  ninho  da  Divina  vontade,  como  o  fazia  a  Divina  Pom- 
ba Maria  ,  que  recolhida  na  fua  lapa ,  &  no  íeu  ninho ,  as  le- 
vava com  grande  reíignaçaõ. 

Em  o  lugar  dos  Cafaes  Novos  ,  junto  ao  rio  Nabaõ ,  na 
referida  Freguefía  dos  Cafaes ,  fe  vé  o  Sanruario,  &  Cafa  de 
noíía  Senhora  das  Lapas ,  na  qual  he  bufeada  comfervorofa 
devoçaõ,huma  muyto  milagrofa  Imagem  da  Rainha  dos  An- 
jos, que  íc  tem  por  Angelical ,  ou  por  obra  formada  pelas 
mãos  dos  Anjos ;  porque  naõ  parece  ,  que  nos  homens  fe  po- 
dia achar  igual  perfeyçaõ'  Hcefta  Santa  Imagem  taõ  peque- 
nina ,  que  naõ  chega  a  ter  hum  palmo;  a  matéria  de  quehe, 
tot  almctc  fe  naõ  conhece,  parece  de  marfim/m  daquella  mef- 
ma  matéria  \  de  que  fe  formou  a  Imagem  de  noffa  Senhora  dos 
Covoens  (de  quem  trataremos  no  \*  tomo^em  os  Santuários 
doBifpado  de  Coimbra)  q  he  do  mefmo  tamanho  ,&  também 
a  julgaõ  todos  por  obra  vinda  do  Ceo.  A  forma  de  feu  appa- 
recimento  naõ  pudedefeubrir  ;  q  o  defcuydoem  fazer  me- 
moria dascoufas  grandes ,  ja  hc  falta  muyto  antiga  entre  os 
Portuguezes. 

De  huma  memoria  me  confiou  que  fe  manifeílára  eíia 
Sagrada  Imagem  em  o  mefmo  tempo,  em  que  a  Senhora  dos 
Covões  apparecéra  àquellaruílica,  &  fingela  paftorinha,  q 
merceco  entre  os  feus  paftoris  cuydados  achar  femelhante 
ventura ;  a  qual  fegundo  o  que  dcyxamos  eferito  na  (ua  hif- 
toria ,  fe  manifeftou  em  o  anno  de  1400.  como  o  declarou 

na 


Livro  VI.  Titulo  X  477 

na  fuatargcta  ,  o  eruditiííimo  Chantre  de  Évora  ,  Manoel 
Severim  de  Faria.  Eaífim  como  a  Senhora  dos  Covoensíe 
manifeíiou  em  outra  Lapa  ,  de  que  veyo  a  caufa  para  fe  lhe 
impor  o  titulo  ,  ou  invocação  dos  Covoens  ,  ou  das  Lapas, 
que  hc  o  mefmo :  afTim  também  fuecederia  o  mefmo  com  ef- 
ta  Santiflíma  Imagem,  de  que  agora  tratamos, que  lhe  dariaõ 
o  titulo  das  Lapas,por  apparecer,  cu  fe  manifeftar  cm  outras 
femelhantes.  E  como  naõ  pudemos  chegar  pdloalmente  a  ef- 
te  Santuário,  naõ  pudemos  também  inquirir  bem  os  íeus 
princípios  >  em  que  pudéramos  defeubrir  alguma  tradiçaõ-E 
como  a  Senhora  fe  paga  de  apparecer  ,&  de  íe  maniíeííaras 
íingelas,  &  cândidas  paítorinhas,  me  perluado ,  que  tam- 
bém aqui  fuecederia  o  mefmo  ,  que  fuecedeo  com  a  Sagrada 
Imagem  da  Senhora  dos  Covões  ,  &  que  alguma  devota  paf- 
torinha  feria  a  feliz  inventora  defte  celeftial  thefouro,dig- 
node  todas  as  cílimaçoens. 

Na  meíma  hifloria  da  Senhora  dos  Covoens  fe  diz 
também ,  que  no  tempo  em  que  os  Mouros  tomarão  a  Efpa- 
nha,&fefizeraõfenhores  das  terras  de  Portugal  j  feoccul- 
táraõ  pelos  Chrifiãos  citas  Sagradas  Imagens  ,&  bem  podia 
ferdifpolloaflim  Dcos  para noíío  alivio  ,&confolaçaõ,inf- 
pirando-o  affim  àquelles ,  que  neíksoccultos  ,  &  efeondi- 
dos  lugares  as  depoíitáraõ,  naõ  pela  grandeza ,  &  pefado  de 
feus  vultos ,  porque  ambas  faõ  taô  pequeninas,  que  no  pey- 
to>&  feyo  fe  pediaõ  oceultar,  &  verdadey ramête  o  peyto  era 
o  lugar  próprio  defla  preciofa  jova.  Mas  feria  \  que  como  o 
açoute  daquelJa  perfeguiçaô  havia  de  durar  por  tantos  an- 
nos^,  difpoza  Divina  Providencia, que  elles  as  occultaífem 
então  naqucíles  incultos  lngares,para  cj  nós  depois  de  rouy- 
tos  íeculcs  tiveífemos  a  dita  de  as  ver ,  &  de  as  fer  vir,  &  ve- 
nerar como  a  ímigens  de  Maria  Santiffima  ,  Senhora  noflTa, 
quenos  antigos  íeculos  haviaõ  refpíandecido  em  maravi- 
lhas. Senaõ  he  também  (fegundo  a  opinião  daquelles,  que 
as  tem  por  obras  das  mãos  dos  Anjos)  que  os  artífices  do 

Ceo 


4  78  Santuário  Mariana 

Cco  as  obráraô,&  para  confolaçaõdos  feus fervos,  8c  devo- 
tos as  quiz  Deos  dar  ao  mundo,  para^com  ellas  afervorar 
aos  fieis  no  fcu  culto,  &  veneração,  manifeftHndo-aspor 
meyo  de  humas  innocentcs  paftorinhas,  que  também  feria© 
Anjos  nas  vidas. 

Heefta  Santiílima  Imagem  da  Senhora  das  Lapas  buf- 
eada^,  &:  venerada  dos  fieis  ,  que  de  varias  partes  concorrer» 
emrommaarogarlhc,&a  pedirlhe  o  remédio  de  fcus  males, 
&  o  foccorro  de  fuás  neceífi  Jades  ,  &  tudo  alcançaõ  por  fc  u 
meyo ,  &  interceffaõ ,  porque  recebem  de  Deos  muy  tos  fa- 
vores ,  &  benefícios ,  como  omanifcíláo  os  íinaes  que  delles 
fe  vem  pender  em  as  paredes  daquellc  Santuário  da  Se- 
nhora. 

Depois  de  eferever  da  milagrofa  Senhora  das  Lapas  o 
que  pude  alcançar  no  que  fica  referido  ,  me  inviou  o  Er- 
roitãoda  Virgem  Senhora  efta  nova  relação  ,  que  cm  terce- 
tos compoz  o  Doutor  Gafpar  Leytão  de  Affonfeca  ,  por  fa- 
zer obfequioà  minha  devoção»  Ecomo  digna  naõ  fó  de  a- 
companharaminha  hiftoria,mas  por  obra  dehumíugeyto 
$  quem  tanto  venero ,  não  quiz  deyxar  de  a  eferever ,  que  hc 
na  maneyra  feguinte. 
IPifaja  de  fia  inculta  kledade 

Con  pé  devoto ,  ò  fatio  fereçrino, 

()  illufire  horror  ,  &  a  f acra  antiguidade» 
Ké  te  affufie  efe  par  amo ,  indigno 

'Porefcadafe  encosta  ajuelle  monte, 

*D?fculpando  em  myjlerio  o  de/atino* 
Saindo  cedapaHor  nejfe  ori^pnte, 

*DefcarKa  dcíle  ao  pé  Jacob  pie  do  fo. 

Sem  mus  kyto ,  que  o  mármore  defronte* 
jOe/fi  rocha  pelo  âmbito  <>fcabrof 'o , 

Dirige  o  pifo  aonde  te  conVida, 

0  balcão  de  fie  pó* filo  fragofo. 
Aqui  mjla  fachada  malf  igida, 

(GalarU 


LivroVI.  Titulo X.  47? 

{Galaria  do  bojquejohiaria) 

Defpre^a  o  monte  ,  quanto  oitenta  a  Vida. 
fiefla  de  tanto  error  fabrica  Varia, 

Quanto  alenta  cunofa  a  arquiteãura, 

O  defcuydo  compõem  com  lu,^  prirftariá* 
Em  erros  logra  a  barbara  incultura, 

Jguanto  em  acertos  lavra  defvelada, 

A  Corinthia  7  &  a  Dórica  e/cultura. 
Enfinando  com  pompa  mal  ornada, 

JZucinto  a  Dédalo foy  confujaò  nobre, 

Ea  Tbefeofoy  fo  fabrica  aCirtdda* 
9or  onde  a  natureza  nos  de/cobre, 

Ser  do  nojfo  defVelo  Va  quimera , 

Quanto  em  nofa  ambição  error  fe  encobre* 
jilU  daquelle  mármore  te  efpera 

A  pirâmide  parda  x  quedo  Egypto 

TSÍa  Taleflra  a  pompa  confidera. 
J^uando  as  penhas  fataes  de  fie  dejlrito, 

'Dos  altos  Etfilitas  por  colunas 

Sobreleva  ejfe  par  amo  infinito. 
Troféosfad,cvm  que  em  bafas  o p por  tunas, 

T>i  tempo fobre  as  leys  triunfa  a  idade, 

çDas  adVerfas,  &  profperas  fortunas. 
Das  penhas  na  gentil  de/igualdade. 

Se  iguala  comfiheflre  galhardia, 

*Dos  obeltfcos  toda  a  magettade. 
guando  na  defcompôfía  ptnedta, 

Nas  erratas  da  mefma  natureza, 

Se  de  [cifra  dos  tempos  a  energia, 
guando  entre  as  elegâncias  da  rudeza, 

Effas  mudas  ruínas  do  rochedo, 

São  Vivos  Epitáfios  da  grandeza. 
Defas  grutu  no  pd  lufofegredo, 

He  cada  ecco  doj/n^o  huma  trombeta, 

Edamorte  bum  padrão  cadapenedo.   *  €amh 


4?o  Santuário  Mariam 

Caninha  mais  arriba ,  cr  nafeaeta, 
AlcoVa  que  t  ar  viger  a  fe  apmha, 
Acharás  ou'ra ejtancia mais  felécfa. 
Do  cintel  os  primores  bem  desdenha-, 
EH  a  do  me  [mo  tempoarcbitectura, 
Qn.k  be  teão  ,  i?  coluna  a  me  ima  penha* 

'Bufcando  ajfvn  razoes  fde  maisfegura, 
(porque  fefa^  artífice  do  tempo, 
Oníe  o  temor  alcança ,  a  ba^e  pura* 

7)osfeculos  fugindo  ao  contratempo, 
TSLa  contemplação  dura  por  finesa, 
J^wtdo  cabe  por  brasão  nopaffa  tempo* 

Olha  daqui  ,t?  vé  com  que  belle^a 
Se  compõem,  pelo  ef pilho  deffe  rio , 
O  Nircifo  fatal  de  tf  a  afptre^a. 

Vè  como  ejCiVna  a  efcumaocriftalfrio. 
EHarocba  mais  beija,doque  banha, 
Com  deVota  corrente  ,  l?  aljôfar  pio. 

Deyxando  c/e  ff  u  berço  a  penha  ejlranha9 
Pela  dourada  capa  das  áreas, 
Prateadas  conchas  tra\  neíia  campanha* 

Porque  affim  fe  conheça  de  fuás  Veas, 
j^ue  veftido  aqui  jó  de  peregrino, 
Caminha  em  hymm  alegre  defereas. 

Eflepois  o  NabaÕbe  cristalino, 
J^  deflas  ciar  as  fontes  por  morgado, 
Senhor ea  ejíe  bofque  tao  Divino. 

Quando  naquel/e  cume  remontado, 

Nome  [mo  ninho  nafceco  a  águia  parda, 
Como  adoptivo  irmã )  y  íifne  nevado. 

E  como  em  Ver  o  Sol  na  gruta  tarda, 
Por  ijfo  defpenbado  aqui  difcorre, 
Porque  aqui  o  mais  bdlo  Sol  a  guarda. 

Pois  de  Ha  rocha  pura  junto  corre, 


Livro  VI.  Tttulo  X  48  * 

igedepojtto  hafidojoberano 

De  buma  joya ,  em  quem  toda  a  lu^  concorre» 
guando  na  Éjpanha  o  feculo  africano 

Dilatar  foube  o  circulo  da  Lua, 

Injuria  ao  tempo ,  obfequio  ao  defengano^ 
tleffafelva  do  trato  humano  nua, 

Seguro  abrigo  a  inbofpita  a/pereba, 

Deu  atai  bem ,  com  graça  nao  commm. 
NeBe  concavo  horror ,  muda  defefa, 

Sem  dafombra  temer  fúnebres  afcos, 

Elege  aquella  Efirella  da  pureza* 
Tor  iffo  dos  turrigeros  penha/cos 

A  carcerofa  brenha  efi  d  formando 

Afelvaticafronte  hórridos  ca/cos, 
J>uandodofeyoafperrimo  brotando 

Asfetas  das  Volatiles  fer pentes, 

De  ef cálido  terror  fefica  armando* 
E  ao  corifco  das  Víboras  rompentes, 

De  mordidos  os  a/peros  penedos, 

A^uisfe  vem  nas  cumes  eminentesl 
for  iffo  dejfe  bofque  nos  enredos, 

O  notftvago  Lobo  ,<J  o  clandeflino 

Tigre,  efias  folidoens  converte  em  medosl 
Tuio  [e  arma  em  rejpeyto  peregrino, 

T>o  oráculo  gentil  >  que  apraya  illuflra, 

Daquelle  alto  penhao  Tranfnabantino. 
Quanto  em  horror  alpeflrefe  desluflra, 

Em  Verde  antemural  fe fortalece, 

Da  torre  de  David,  que  ao  mal  fefrujfra* 
Senão  da  branca  área  à  margem  dece, 

Verás  da  mão  piedofa  hum  edificio, 

Quanto  na  deVoçaÕ  ja  refplandece. 
Trasladada  do  ruflico  exercido, 

<Por  invenção  incerta ,  aqui  Maria* 

Tom  111  Hh  JTej» 


4$i  Santuário  Mar  iam  I 

Veyoago^ar  do  eterno  facrificio.  | 

Olhaeffa  Imagem  , cuja  fimpatia, 

N?  matéria  marfim  ,  &  na  pureza, 

tfor  fer  da  Torre  ebúrnea fe  avalia* 

Vé  como  na  [agrada  pequenhe^a, 

(pelajuít a  medida  da  humildade, 

'Da  pcrfeyçaofe  laVra  a  realeza. 

May  cr  vida  o  achareis  [em  igualdade, 

fio  milagrofo  nome  ,  com  que  torna, 

Em  continuo  congrjffo  à  joledade* 

Por  ijfo  de  florida  galafe  orna, 

Açanefa  da  margem  jran  [parente, 

£>ue delidos  diamantes  bem  fe adorna. 

Jguandode  Abril  na  aurora  mais  luzente, 

O  roxtnol  em  pérolas  affina 

As  lagrimas  que  entoa  docemente. 

Em  quanto  a  amante  rola  a  prata  fina 

Dorio>emturba  neVe habita tri Be, 

Bem  feca  rama  a  planta  peregrina, 

E  na  capa  payxao  tanto  perfijle, 

£>ue  he  hum  ViVo  theatro  dafaudade] 

Todo  o  bofque  onde  geme ,  &  onde  ajfttfel 

TSLa  delicia  pois  dejla  amenidade, 

A  devota  fadiga  Ufongea, 

A  quem  Já  pague,  a  amante  divindade. 

Efe  informação  clara  a  ti  te  enléa, 

No  pafiord  anual  deffe  arvoredo, 

As  gr aV ada*  cortiças  papelea. 

Onde  40  pé  dcjle  altijfimo  penedo, 

J)(fe  livroao  thefourofacrofanto, 

Tarde  feneça  o  que  traslades  cedo. 

Para  o  que  defa  fonte  o  criftalfanto 

Da  tinta,  te  renoVe  o  fabio  alento, 

A  que  etta  área  o  pò  for  me  entretanto.  ^ 

1  r  fará 


Livro  VLTitulo  XI.  4fj 

$úXá  o  rafgo  também  por  maio  portento, 

Bjtaptnareccíe >  que  napraya 

Labto  a  effa  àVe  Emperatrt^doyentQ. 
Em  quanto  na  coluna  dcflafaya 

Triunfante  padrão  t alva  a  memoria 

Ateu  ^elo  ,  que  eterno  naõdefmaya, 
Continuafelt^tao alta  kittoria, 

E  enriquece  com  ella  a  noffa  idad? \ 

Logrando  a  Vida  igual  pr  tanta  gloru, 

A9nature^% ,  que  à  pbft*.  r  idade. 

TITULO     XI. 

S)a  Imagem  de  noffa  Senhora  do  Rofari$}  do  lugar  d<as 
OUas,  termo  de  Tbomar* 

HE  a  devoção  do  Rofario  o  mayor  obfequio  p  que  pode- 
mos fazer  à  Rainha  dos  Anjos  ,  &  porque  he  tantoda 
feu agrado,  procura  onoffo  commum  inimigo  apartamos 
deita  fermofa  obra ,  &  dcfle  para  ella  muy to  agradável  fer- 
viço.  Efe  perguntarmos  porque  ha  no  mundo  tantos, que 
naõrezaõ  àfoberana  Rainha  da  gloria  o  Rofario;  refpon- 
derfenosha,  porque  aílím  como  o  demónio  emmudcceo  a- -  -  , 
quelle  homem  doEuangtlho  :  Et  illuâ crat  mutum\  aífimos 
emmudcce  a  elles:  Muttu  eft,  qui  in  Dei  lawks  lábia  fua  ape-  Eufeb. 
r/K^Wf/a^dizEufcbioEmiíTeno.  Teme  o  demónio  todas  as  £«ífi 
noíTas  onçoens  y  mas  nenhuma  perfeguc  com  tanto  ódio  co- 
mo a  oração  do  Rofario.  Leaôfe  ashií}oriasEccteíi^flicasJ& 
naõ  fó  fc  achará  o  quanto  o  demónio  perfeguio  fempre  o  Ro- 
fario ,  &  o  procurou  dellerrar  do  mundo  por  meyo  dos  here- 
ges de  todo  o  género ,  antigos ,  &  modernos ;  mas  entre  os 
mefíTRos CathoUcos  fc acharáõ  eílupendos, &  temerofos ex-» 
emplos  ,  das  traças,  &  dos  empenhos  com  que  o  demónio  fc. 
applica  com  todo  o  feu  faber ,  &  inddllria ,  para  os  apartar 

Hh  %  deíle 


4  84  Santuário  Mariano 

deíie  fanto  exercício.  A  quantos  defefperados  pela  pobreza 
offereceo,&defcubrio  thefouros  f  mas  com  acondiçaõdc 
quenaõtaviaõ  de  rezar  o  Rofario  da  Senhora.  A  quantos 
cegos  do  fenfual  appetite  prometteo  o  fim  de  feus  feyos  gof- 
tos?mas  com  a  promeíTa  de  que  as  contas  do  Rofario,  que  k- 
vavao  occulras,ashaviaõ  de  lançar  fora.  A  quantos  outros 
prometteo  outras  coufas  todas  de  grande  offenfa  de  Deos? 
mas  fempre  com  a  condição  de  que  primeyro  fe  haviaõ  dey- 
AhUoy  xar  defarmar  das  armas  da  milícia  do  Ceo.  Hu  grave  Author 
f*cor*  affirma  que  para  o  demónio  fervir  a  quem  delle  fe  quer  valer, 
o  paílo  tácito ,  ou  expreíTo  de  que  ufa ,  faõ  aquellas  palavras 
de  Sara:  Ejice  ancillam ,  é  filiam  ejm  \  entendendo  por  an* 
ciila  a  Virgem,  na  Ave  Maria,  &  por  feu  Filho,  a  Chriflo  no 
Pater  noíkr.  Até  aos  mefmos  devotos  da  Senhora ,  quando 
os  naõ  pode  apartar  da  fua  devoção ,  procura  ao  menos,  que 
deyxem  o  Rofario ,  &  o  troquem  por  outras  oraçoens.  Fi- 
nalmente ,  (  &  efle  he  o  mayor  ardil ,  &  tentação  de  todas) 
faz  que  os  que  rezaõ  o  Rofario,  o  rezem  divertidos ,  &  fem 
attençaõ  ,  que  he  outro  modo  de  emmudecer , mais  injuriofo 
&\    a  Dcos,(  como  diz  Auguftinho  meu  Padre)  porque  em  vez 
jgeo      de  failarcm  com  Deos,  fallaô  com  feus  vãos  penfamentos.  E 
paraefcapardeíks  perigos  todos,  cuydem  todososquefe 
prezaô  de  devotos  defta  foberana  Senhora,  de  a  faudar  todos 
os  dias  com  o  feu  Rofario  \  porque  eíle  heo  mayor  obfequio 
que  lhe  podem  fazer,  &  efte  o  mcyo  mais  perfey to  por  onde 
o  podem  mais  obrigar. 

OlugardasOllas  eflá  em  os  limites  daFregueíiada  I- 
greja ,  &  Parochia  de  noíía  Senhora  do  Rec!annador,(  aflím  a 
intitula  o  vulgo  ignorante ;  que  o  feu  próprio,  &  verdadey- 
ro  nome  he  Santa  Maria,  ou  Noíía  Senhora  de  Roca  de  Ama- 
dor) do  lugar  dos  Cafaes  cm  o  termo  da  Villa  de  Thomar. 
Ncfte  lugar  tem  hurn  Cavalleyro  morador  na  Viila  das  Pias 
.  chamado  Eílevac  de  Araujo  Frevtes,  huma  grande,  &  nobre 
quinta ,  &  no  deíirito  delia  junto  à  eflrada  Reai,fc  vé  o  San- 
tuário 


Livro  VL  Titulo  XI.  48  y 

tuario ,  &  Ermida  de  noíía  Senhora  do  Rofario ,  com  a  porta 
para  a  mefma  eílrada.  He  cfta  Ermida  antiquiflima,  &  o  cftá 
moftrando  a  fabrica  delia ,  &  o  portado ,  íobre  o  qual  fe  vé 
hum  efpelho  de  pedra  aberto  com  lavores  de  viola ,  &  por 
ellc  recebe  toda  a  luz ,  porque  naô  tem  outra. 

No  Altar  defla  antiga,  &  pequena  Ermida  fc  vé  colloca- 
da  a  Imagem  Santiílima  da  Senhora  do  Rofario ,  em  hum  ni- 
cho nomeyo  do  retabolo ,  que  novamente  lhe  mandou  fa< 
zeromefmoCavalleyroEftevaõ  de  Araújo  Freytcs,  deo- 
bra  liza  ,  íalomonica ,  &  muy  to  bem  pintado,  ou  fingido  de 
embutidos  *  pela  grande  devoção  que  tem  à  mefma  Senhora, 
&  por  eítar  a  Ermida  nas  fuás  terras ,  ainda  que  elf a  pertença 
também  ao  povo  do  lugar;  porque  ellehe,  o  que  fatisfazao 
Capellão  as  MiíTas ,  que  nos  Domingos,  &  dias  Santos  nella 
celebra,  para  o  que  tem  os  ornamentos  neccíTarios.  E  allí  fc 
cofhimaõ  dizer  muy  tas  MiíTas  pelos  Sacerdotes  que  paífaõ, 
a ífim  Eccleíiafticos ,  como  Reiigiofos.  E  eu  diíTc  Miíía  cm  o 
íeu  Altar,  que  he  único. 

He  efta  Santiílima  Imagem  antiquiífima  ,  (como  cila  o 
eflá  moftrando, na fua forma)  hc de efeultura  formada ern 
pedra  de  ançãa,&  a  forma  em  que  cftá  ,  he  tão  particular,quc 
devia  ter  antigamente  outro  titulo  diverfo  do  Rofario  com 
que  hoje  he  invocada  ;  o  qual  felhe  daria  com  aoccafiaõdo 
virem  por  aquellas  terras  alguns  Padres  Dominicos  a  pre- 
gar a  devoção  do  Rofario  da  Senhora  ,  &  com  ella  deyxado  o 
titulo  das  Óllas,  que  podia  fer  o  primeyrocom  que  foy  in- 
vocada,(tomado  do  mefmo  lugar.)  Da  antiguidade,&  forma 
defta  Santa  Imagem, me  perfuado  que  ella  appareceria  na- 
quelle  íitio ,  em  que  fe  lhe  erigio  a  Ermida ,  &  porque  em  fua 
manifefíaçaô  fe  lhe  naô  febia  a  invocação  que  tinha  ,  lhe  da- 
riaõ  entaô  o  titulo  das  Ollas.  E  aífentonifto;  porque  na- 
qucllesdeftritos  tem  apparccido  muytas  Imagens  da  Máy 
de  Deos,  que  certamente  deyxáraõ  efeondidas  os  Chriftãos 
na  entrada  dos  Mouros ,  quando  fe  fueraõ  fenhores  das  Ef- 
Tom»  III,  Hh  2  panhas. 


4?><S  Santuário  Mariano 

panhas.  Mas  como  o  lugar  he  pequeno  ,  &  a  gente  campó- 
neza  \  &  que  vive  do  feu  trabalho ,  fó  cuydaõ ,  &  fallaõ  no 
mefmo  que  exercitaõ ,  &  naõ  fe  lembraõ  de  mais  ,  &  por  iflò 
nem  traciic  oens  ie  achao.  Fica  também  eile  lugar  diftante  de 
Thornar  mais  de  legoa^  meyaj>&  affim  naõ  he  muy  to  fe  naõ 
poffa  defeubrir  nada  da  origem  deita  Santa  Imagem,  nem  das 
mais  qi-ie  temos  tratado  do  mefmo  termo. 


TITULO     XII. 

Das  Imagens  de  nòjfa  Senhora  do  Rofario,  da  T  ^ ,  & 

dos  Martyres ,  que  fel^eneraÕ  na  Igreja  Matri^ 

daVúlx  das  Ti  as. 

AVilladas  Pias,huroadasquecomprehemJea  Prelaílade 
Thoftiar ,  fica  ao  Norte  da  mefma  Villa  de  Thomar^  em 
diftancia  de  duas  legoas ,  &  meya ,  naõ  pequenas.  Efiá  fun- 
dada cmoreòoito  de  hum  monte ,  que  pela  parte  do  Oriente 
lhe  ferve  de  guarda-vento ,  ou  biombo ,  contra  a s  inclemen* 
cias  do  vento  A  pelotes,  ou  Subfolano.  E  tevanta-fe  efle 
monte  em  meyode  deus  valles  muyto  deíiciofosA  frefeos, 
os  quâes  correm,  prolongando  fe  de  Norte  a  Sul3em  as  fral- 
das de  duas  Serras,  huma  dá  parte  do  Oriente,  fobre  a  qual 
corre  a  eílrada  Real,  que  de  Abrantes  vay  a  Coimbra,a  quem 
acompanha  hu  dos  referidos  valles  por  diftancia  de  dez  le* 
goas,&  outra  da  parte  doOccidente,  pelo  pé  da  qual  vay 
outra  commua  eíirada ,  que  de  Lisboa  fe  continua  por  Tho* 
mar  ?  &  Ceras  até  Coimbra,  &•  ambas  vão  acabar ,  &  a  unirfs 
cm  o  Cabaço. 

Fica  eíta  Villa  imminente  a  huma  ribeyra  muy  frefes, 
que  noprimeyro  vallecinge  o  referido  monte  peio  Orien- 
te ,  Norte ,  &  Occidente ,  até  que  com  mais  err  íeidas  aguas, 
toím  o  nome  de  Cerai; ,  ou  de  Ceres ,  como  a  antiguidade  a 

denomi-, 


LivroVLTiwkXU.  487 

denominava,  o  que  v.ay  perder,  entrando  no  rio  Nabão;  &  R- 
candoíhe  a  Villa  imminente  íe  livra  de  fuás  inundaçoens, 
logrando  fuás  comodidades ,  que  fao  muytas ,  &  procedem 
da  abundância  de  fuás  aguas  ,  comasqujes  fcfertilizaõ  os 
Valles ,  que  de  huma ,  &  outra  parte  lhe  fervem  de  margens. 

Os  primeyros  íenhores  defia  Villa ,  depois  da  entrada 
dos  Mouros  emEfpanha,  íetern  por  authenticos  teftemu- 
.nhos,  foraõ  os  CavaJkyros  do  Templo  ,  aos  quaes  EiRey  D. 
Affonfo  Henriques  fez  doaçaõ  do  caftello  de  Ceres  ,  para  o 
■povoarem,&  aííirn ficou  odeíiritoda  Villa  oulugar  das  Pias, 
incluído  com  o  feu  termo  no  de  Thomar,  &  feus  moradores 
Parochianos  da  Igreja  de  Santa  Maria  doOIivaí  j  até  que  Ei- 
Rey Dom  Joaõ  o  III.  a  fez  Villa  por  feu  Alvará,  paliado  em 
•Évora  em  25.  de  Fevereyro  doanno  de  1 53  4.  Comprehende 
reíla  Villa .,  &  feu  tqrçno  três  Parochias ,  a  da  Villa ,  que  he 
dedicada  a  Saõ  Luis  Bifpo  de  Tolofa ,  a  de  noífa  Senhora  das 
-Áreas,  &.a  de  SaôSilveftre  dos  Chãos,  todas  com  Vigários, 
Jk  Coadjutores  r&  Beneficiados  Freyres,  àz  Militar  Orderp 
tdeGhriílo;  &noefpiritual  fao  fujeytas  à  PrelafiadeTho- 
mar,&  no  politico  pertence  àíua  correyçaõ.  Tem oytocen- 
tos  vizinhos 

A  primeyra,  &  principal  Igreja,  de  que  agora  tratamos, 
he  a  Matriz,  dedicada  a  Saõ  Luís  Bifpo  de  Tolofa  ^  gloria  ,& 
ornamento  da  Seráfica  Ordem  dGs  Menores.  Tem  eíla  Igre- 
ja ,  que  he  de  três  naves ,  muytas  Capeiias ,  em  huma,  &  ou- 
tra nave  collaternes.  Da  parteefquerda,quehea  daEpiíto- 
la ,  tem  três  Capeiias,  todas  dedicadas  à  Virgem  Maria  noíia 
Senhora.  Mas  antes  que  entremos  a  tratar  delias ,  daremos 
noticia  de  outra ,  que  he  muy  to  moderna.  Eíh  Sagrada  Ima- 
gem, que  tem  o  titulo ,  &  invocação  da  Conceição,  fe  collo- 
cou  em  a  tribuna  do  Altar  mór ,  com  cila  occâfiao. 

Hcaquella  Igreja  muy  to  antiga  ,  &  aflim  naó  tinha  t®c 
-bum,  em  que  fe  pudeíTe  expor  nella  com  mais  fermo  fura,  &c 
decência  o  Senhor  f«cramentado.  Para  iíio  r efolvéraõ  os  ir- 

Hh  4  mãos 


488  Santuário  Mavlan* 

mãos  da  lua  Irmandade  fazer  huma  nova  tribuna,  para  que 
nella  fe  expuzcífe  o  Senhor  nasoccafíões  occurrentes,que 
ficou  muy  to  ayrofa,  &  perfeyta.  Vendo  acabada  a  tribuna 
huma  matrona  natural  da  mefma  Villa,  chamada  Dona  Ma- 
riana de  Matos,  viuva  do  Mcílre  de  Campo  Bernardino  de 
Sequey ra  ,  quiz  que  nclla  fe  collocsfíe,  em  o  feu  trono,  huma 
Imagem  de  Maria  Ssntiffima  \  que  tinha  no  feu  oratório ,  & 
venerava  com  grande  devoção,  com  o  titulo  de  fua  Concei- 
ção puriffima.  Para  eíla  collocaçaõ  difpoz  a  mefma  D.  Ma- 
riana de  Matos  huma  grande  fefta,  de  Mifla cantada, com 
boa  mufica  j  &  Sermão,  &  fez  que  do  feu  mefmo  oratório  ía- 
hiííe  a  Imagem  da  Senhora  cm  prociflaõ  para  a  Igreja ,  aon- 
de foy  levada  cm  hum  andor  curiofamente  concertado  ,& 
comporto^por  quatro  pelToas  das  mais  nobres  da  mefma  Vil- 
la.  Solemnizoufccfla  collocaçaõ  cm  18.  de  Dezembro  do 
anno  de  1 707. 

He  cita  Sagrada  Imagem  decfcultura  de  madeyra,o- 
brada  ao  que  parece  em  Lisboa  ,  Sceftofada  com  toda  a  per- 
fey çaõ.  Eftá  fobre  hum  trono  de  Serafins ,  com  huma  mey  a 
Lua  aos  pés,  &  na  cabeça  tem  huma  perfeyta  coroa  de  pra  ta. 
Eftá  com  as  mãos  levantadas,  &  o  rofto  como  elevada,  &  ab- 
forta.  A  fua  eflatura  (  naõ  fallando  no  trono  dos  Serafins) 
íaõ  quatro  palmos ,  &  dous  dedos  ;  he  de  tanta  fermofura,  & 
moftra  t3nta  graça ,  &  magefiade ,  que  fc  clev^õ  nella  os  co- 
rações daquelles  que  a  vem ,  &  a  contcmplaõ. 

Tratando  agora  das  Imagens  antigas  ,que  fevencraõ 
nas  tres  referidas  Capellas  ,  a  primeyra  delias  hea  denoíTa 
Senhora  do  Rofario  ,  que  eftá  collocada  na  primeyra  Capei- 
la  ,  que  he  a  collateral ,  &  a  mais  próxima  à  Capella  mór.Efla 
Santiffima  Imagem  he  muyto  antiga  ,  &  fe  affirma  fer  do 
principioda  fundação  daquella  Igreja,  que  quando  naõ  feja 
mais  antiga,  fera  do  tempo  dclRey  Domjoaõ  o  Terceyro, 
quando  levantou  aquclle  lugar  à  dignidade  de  Villa  ,  que  foy 

no  anno  de  j  55  4.HC  cfta  Santiffima  Imagem  de  vcftidosA  o 

roeyo 


Livro  VI.  Tttuto  XII.  4*9 

myo  corpo ,  &  braçob  de  madeyra-  Eflá  com  as  mãos  levan- 
tadas ,  &  a  íua  efíatura  hb  cinco  palmos.  E  como  he  de  vef- 
tidos ,  lhe  põem  toucado  de  toalha  ao  antigo ,  (  como  fe  cof- 
tuma  nas  Imagens  de  vertidos,)  o  rorto  he  de  grande  fermo- 
fura ,  &  moftra  huma  foberana  mageflade.  Admira-fe  nefta 
foberana  Imagem  por  prodígio,  que  nas  occafioens  em  que  a 
veflem  de  luto ,  como  em  a  procifTaô  que  fe  faz  da  Soledade, 
(&  ainda  de  roxo)  fe  vem  neíla  as  cores  defmayadas  >  &com 
taes  mofiras  de  trifteza ,  &  fentimento , que  caufa  naõ  fó  ad«< 
miraçaõ,masmuyta  compunção  noscoraçoens  dos  que  a 
vem,&a  veneraõ.  Nas  occafioens  de  fefla  (como  na  Pafcoa) 
apparece  com  humas  cores  taõ  bellas ,  &  com  hum  roflo  taõ 
fermofo,  &  taõ  encarnado,  &  alegre ,  que  he  muy  ro  para  ad- 
mirar. EiflofemqucaspeíToas,quea  vcflem,  featrevaõ  a 
ufar  para  com  cila  de  alguma  cor  artificial.  He  fervida  efla 
Senhora  por  huma  Confraria,  queafefleja  em  o  primcyro 
Domingo  de  Outubro.  Toda  aquella  Vil! a  tem  para  cem  ef- 
ta  Senhora  huma  cordeal  devoção,  &aflimabufcaõ,  &fe 
valem  delia  em  todos  os  feus  trabalhos ,  &  affliçocns. 

A  Senhora  da  Paz ,  que  fe  vé  collocada  na  fegunda  Ca- 
pclla,hc  de  admirável  efeuítura,  também  de  madeyra,&  fen- 
do as  mais  Imagens  perfeytamente  obradas,  efta  da  Senhora 
da  Paz ,  he  de  maô  taô  valente ,  que  a  julgo  na  efeultura  com 
nmytasventagensa  todas.  Eflá  primorofamente  cftofada, 
tem  ao  Menino  Deosfobre  obraçoefquerdo,  que  também 
moftra  muy  ta  graça,  íkmuytafermofura.  Aeílatura  defla 
Santa  Imagem  ,  faô  cinco  palmos ;  eflá  collocada  nomeyodo 
retabolo  fobre  hum  throno  de  Serafins,  &  moflra  verdadey: 
ramentehuma  foberana  mageftade  ,  &  coma  fua  fermofura 
rouba  os  coraçoens.  Ambas  as  Imagens  tem  coroas  impe- 
riaes  de  prata.  A  Capclla  he  muyto  nobre  ,  he  profunda,  8c 
fechada  de  abobada ,&  eflá  pintada  de  brutefeo,  com  hum  re- 
tabolo muy  perfeyto- 

Mandou  fazer  cfta  Capella  o  Licenciado  Manoel  Godi- 
nho,, 


49°  Santuário  Mariano 

nho,pc(Iòa  das  principaes  da  mefma  Vil!a  ;oq\ialavincu!ou 
todos  os  feus  bens  em  morgado  debayxo  da]  protecção  de 
nofla  Senhora  da  Paz  >  a  quem  dedicou  huma  MiíTa  quotidia- 
na, que  fe  diz  na  mefma  Capella,  6c  fatisfaz  feu  neto  Manoel 
Godinho  Gonfalvcs  ,  Cavalkyro  do  habito  deChriito,& 
Capitão  mór  da  mefma  Villa.  Foy  fundada  no  anno  de  1 6%$. 
£co  meímoadminiflrador  acode  com  as  defpezas  da  fua  fa- 
brica, 6c  hz  todos  os  annis  a  feftiviiade  da  Senhora. 

A  ultima  Capella  he  dedicada  a  noífa  Senhora  dos  Mar- 
tyres  ,eíb  foy  fundada  pelo  Capitão  António  Ferreyra,  na- 
tural da mefma  Villa,  emoanno  de  1650.  &  nomeou  por 
primeyro  adminiltrador  delia  ao  Tenente  João  Ferreyra 
Soares  ,  &  lhe-impoz  de  obrigação  certa  quantidade  de-mif- 
fas  em  cada  fomana.  Efta  Capella  fica  à  face  da  mefma  Igre- 
ja. Tem  hum  retabolo  muyço  perfeyfo,  &  dourado.  A  Se- 
nhora cila  fobre  huma  peanha  em  cima  da  banqueta.  O  Fun- 
dador defta  Capella  devia  fer  muyto  devoto  da  Senhora  dos 
Martyres  de  Lisboa  >  que  he  a  mais  antiga  Parochia  delia,  & 
dedicada  à  Rainha  dos  Martyres;  parque  naqueíle  lugar  ef- 
teveoarrayaidoslnglezes  ,que  vteraõ  a  ajudar  a  ElRey  D. 
Affonfo  Henriques  a  tomar  a  Cidade  de  Lisboa  ,  ILvrand  o- a 
do  bárbaro  jugo  dos  Mouros,  Scnella  eftaõ  fcpultados  os 
Ingtezes,  (que  raquelfc  tempo  todos  eraõ  Chriftãos  )  os 
quaesderaõ  peia  fé  de  nolTo  Senhor  jefus  Chriílo  as  vidas 
naqueíla  occaíiaõ ,  &  derramarão  o  fangue ;  &  porque  todos 
efles ,  que  naquelias  gloriofas  batalhas  davaõ  as  vidas  pela 
fé;erao  tidos  por  Martyres ;  por  iffo  fe  dedicou  aquelía  lgre- 
ja  à  Senhora  ,  como  Rainha  que  hc  de  todos.  E  aflím  como 
na  mefma  Igreja  de  noífa  Senhora  dos  Martyres  de  Lisboa 
(cuja  Iiyagem  trouxeraõ  os  mefmos  Inglezes  na  fua  Armada) 
fevé  pintada  a  batalha  ,  &  a  expugnaçao  que  os  Chriftãos 
Portugueses,  &  Ingleses  fizeniõ  aos  Mouros;  íffimo de- 
voto Fundador  da  Capella  denoda  Senhora  dos  Martyres 
da  Viíia  das  Pias,  mandou  pintar  em  hum  quadro  grande  a 

mefma 


Livro  VI.  Titulo  XII.  49 1 

rncfma  batalha  ;  como  fe  vé  no  me  yo  do  re  tabulo;  porque  fó  - 
lhe  fica  emhayxo  o  banco,  que  correna  proporção  dospe- 
defiaes  das  duas  colunas,acnde  fe  vem  dous  quadros  peque-. 
nos,  &  cm  cima  no  mcy  o  circulo  a  Coroação  ce  ncffa  Senho- 
ra. No  referido  quadro  grande  fc  vécxcelkiuemcntc  co- 
piada a  batalha ,  &  tomada  da  Cidade  de  Lisboa. 

Efía  pintura  quando  a  vi  ,  me  pareceo  fer  do  noííò  in fi- 
ne pintor  Avelar^  &  ainda  mais  me  confirmo,  cm  que  el!e  fe- 
ria ;  porque  naquelle  mcímo  tempo  em  que  fe  fundou  a  Ca- 
pella, vivia, &  o  quadro  ainda  poderia  fer  fey  to -alguns  annos 
antes  de  feinftituir  a  Capella.  E  como  na  Igreja  de  ncíía  Se- 
nhora dos  Martyresde  Lisboa  ha  muytas  pinturas  do  Ave- 
lar, poderia  o  Capitão  António  Fcrreyra  viver  naquelle 
tempo  em  Lisboa  ,  &  ter  amizade  com  o  Avelar,  &aííimlhe< 
rogaria  lhe  fizeífe  as  pinturas  da  fuaCapcila. 

A  Imagem  da  Senhora  dos  Martyres  também  he  nuy- 
tomagefloía,he  de  efeultura  perfeytamenteobrrda,fcm  em- 
bargo que  a  encarnação,  &  dtofado  (ainda  que  feobraíTeenr 
Lisboa  )naõ  foy  de  pintor  taõ  iníigne  como  faõ  as  pinturas 
do  retabolo ,  &  nefia  parte  lhe  excede  a  encarnação  ,  &  o  d- 
toíadoda  Senhora  da  Paz,  Tem  cinco  palmos  também  de  ef- 
tatura ,  fobre  o  braço  efquerdo  defeança  o  Menino  Jdus  ,  & 
aSenhoratemnamaõdireyta  huma  palma  ,  como  Senhora,- 
que  vence  as  batalhas,  &dá  a  palma  aos  vencedores.  Efíá 
coroada  com  huma  coroa  de  prata  dourada.  Com  efla  fobe- 
rana  Rainha,  que  he  a  que  conforta  aos  Martyres, -(como  diz 
Saõ  Boaventura:  Confortatrix  Martyrum  ,')  tem  te  dos  os 


tom.  I« 


moradores  das  Pias  muyta  devoção ,  &  cila  não  faltará  em       W 
confertar  aos  feus  devotos  em  todos  os  ftus  trabalhos.      pt2,  * 

Outra  Imagem  ,  também  de  noífa  Senhora  da  Concei- 
ção ,  fefeíteja  todos  os  annos  naquelle  Templo,  cm  o  feu 
mefmodia  de  oyto  de  Dczpmbro,  com  a  folemnidade  de 
MiíTa  cantada  ,&  Sermão.  A  qual  fó  naquelle  diaapparccc 
no  Altar  mór,poí que  lielle  a  collocaõ/ó  para  fe  íhe  celebrar 

aíua 


4?  i  Santuário  Mariano 

a  iua  feftividadc.  Efta  Santa  Imigcm  tem  em  lua  Cafa ,  8c 
no  feu  oratório  o  Sargenro  mor  da  mefma  Vilia  Salvador 
Soares  Cotrim  com  grande  veneração,  &  com  tão  grande  fé 
nella ,  pelas  maravilhas  ,  &  favores  que  reconhece  lhe  tem 
feyto  em  fua  cafa ,  fc  naõ  atreve  a  apartalla  da  fua  viíla,  &  da 
fua  companhia. 

Efta  Sanra  Imagem  lhe  deyxou  em  feu  teftamento ,  íeu 
tio  o  Doutor  Joíeph  Soares  de  Araújo,  avinculada  à  Capei- 
la,  que  in.ftituío  no  anno  de  1 69}  da  qual  he  o  primeyro  ad- 
miniftrad  )r,o  meímo  Salvador  Soares  feu  fobrinho.  E  pela 
grande  devoção ,  que  o  Doutor  Jofeph  Soares  tinha  aefla 
Santa  Inrngem,  a  confer vou  fempre  em  o  feu  oratório,  &  pe- 
la mefma  devoção,  que  lhe  tinha,  aannexouàfua  Capella 
como  a  mais  principal  joya  delia ,  &  por  iífo  a  inítituio  tam- 
bém debayxo  da  fua  protecção.  He  cila  Imagem  de  admirá- 
vel efeuítura  ,  ainda  que  a  matéria  feja  barro;  a  fua  eftatura 
naõ  paíTa  de  palmo  ,  &  meyo ,  mas  nefta  pequenhez  moílra 
huma  taõ  grande  foberania,  que  admira.  Suppofto  que  o  ti- 
tulo hc  da  Conceição,  ainda  afíim  tem  em  feus  braços  o  doce 
fruto  do  feu  vent  rc,  que  hc  o  meímo  Senhor  que  ab  eterno  a 
efeolheo  por  Mãy.  Eftá  ricamente eftofada,  & collocada  em 
huma  preciofa  peanha  de  madcyra  dourada  ,  com  quatro  Se- 
rafins ,  que  fe  levanta  com  hum  grande  refplandor  f  que  a  a- 
companha  ,  &  no  alto  fe  vem  dotis  Anjos,  que  eflaõ  coroan- 
do a  Senhora  ,  tudo  eftá  com  grande  adorno,  &  perfeyçaõ. 
Todas  eftas  cinco  Imagens  faõ  admiráveis ,  &  de  grande  de- 
voção, por  iífo  as  quiz  encorporar  neftes  Santuários,  para 
que  ainda  creça  nos  feus  de  votos,  que  aqui  as  lerem,  ainda 
muy  to  mais  a  devoção  com  que  as  bufeaô,  fervem ,  &  venc«: 
raõ. 


TITU 


Livro  VI.  Titulo  XIII.  493 


TITULO     XIII. 

Da  Imagem  de  N«  Senhora  das  Áreas  ^  ou  deis  Arenas, 
fParocbia  do  Termo  da  Filia  das  Tias. 

A  Principal  Igreja,&  Parochia  do  termo  da  ViJIa  das  Pias 
hea  deque agora  tratamos,  que he dedicada à  Rainha 
dos  Anjos  debayxodo  titulo,&  invocação  de  Noífa  Senhora 
das  Áreas, que fícadiíiante  daVilIa,  entreoOecidente,ôc 
Norte  y  coufa  de  meya  legoa  ,  aonde  fe  venera  huma  muy  to 
devota  Imagem  da  Mãy  de  Deos  com  efle  titulo  das  Áreas, 
ou  Arenas ,  como  alguns  dizem  ,  de  cuja  invocação  ha  nefie 
noffo  Reyno  outras  muy  tas  Imagens ,  como  fe  pede  ver  nef- 
tesnoíTos  Santuários.  He  efta  Sagrada  Imagem  de  eílatura 
avultada  ,  porque  terá  féis  para  fete  palmos,  &  tem  em  Teus 
braços  ao  Menino  Deos,  naquella  forma  em  que  fecoflu- 
maõ  obrar  as  Imagens  de  noíía  Senhora  da  Graça  ;  he  de  eí- 
cultura  de  madeyra  ,  muytobemeftofada.  De  fua  origem, 
&  princípios  naõ  pude  defcobrir  nada,  aonde  fe  pode  enten- 
der fera  muyta  a  antiguidade  daquclla  Igreja. 

Vefeefte  Santuário ,  &Caía  da  Senhora  íítuadaema 
meyaladeyra  de  hum  monte  ,  que  dá  principio  à  Serra  da 
Guimarey  ra  ,  que  hoje  chamaõ  de  Saõ  Saturnino ,  por  caufa 
de  huma  Ermida  fua, que  no  mais  alto  delia  fe  lhe  edificou.  A 
Igreja  he  grande ,  &  fumptuoía  ,  de  três  grandes  naves  divi- 
didas com  muy  tas  coiumnas,  &  bem  poderá  ferque  efra  o- 
bra  feja  ja  reedificada  de  outra  primeyra  Igreja.  Tem  hum  a- 
droefpaçoío  ,&  povoado  de  choupos,  qiie  no  veraõ  hefitio 
muy  deliciofo  ,■&  agradável ,  &  na  entrada  hum  dilatado  pa- 
tim ,&  para  refguardo  da  porta  principal  hum  alpendre  com 
colunas  muy  togroíías  de  pedra,  &  em  cima  hum  baíl ante  co+ 
ro }  &  com  huma  grande  torre,  o  que  tudo  faz  huma  vif- 

tola, 


/ 


494  Santuário  Mariano 

toía,&  mageítofa  fachada ytudo  obra  de  muyfoboa,&  excel- 
Icnte  ãrcfmc&ura.  Na  torre, que  hecomodiíTemoscfpaçofa, 
tem  quatro  finos,  dous  dclíes  muyto  grandes, &  de  excellen- 
te  tom ,  que  fe  ouvem  de  muyto  longe. 

Além  da  Capcjla  mor,  aonde  fe  vé  a  Senhora  das  Áreas 
eollocadano  mcyo  do  retabolo,  tem  duas  Capellas  colla- 
teraes  ,  &  no  corpo  da  Igreja  mais  três ,  que  pertencem  a  di- 
verfas  Confrarias.  Chamou  fe  fempre  eíia  Igreja  desde  fua 
antiga  fundação  ,&  princípios,  Santa  Maria  das  Arenas,  da 
Villa  das  Pias,  &  cita  invocação  procederia  das  douradas  a- 
reas  de  qucabundaõaqucllas  ribeyras,  &  como  citas  áreas 
fahem  de  feus  montes,  poderia  haver  naquelles  antigos  tem- 
pos ,  mineraes  defte  preciolo  metal, &  por  eíla  caufa  alludia- 
do  a  cilas  ,  lhe  dariaô  àquella  Santiífima  Imagem  o  titulo  ,  & 
invocação  das  Áreas ,  ou  do  lugar  aonde  fe  criavaõ  >  &  fe 
defcobriaõmuytas  áreas  de  ouro. 

Com  efla  facratiffima  Imagem  de  Maria  Santifíima ,  ti- 
veraõ  fempre ,  *:  tem  ainda  hoje  todos  os  moradores  da  Villa 
das  Pias  ,  &  dos  lugares  do  feu  termo  ,  muyto  grande  devo- 
ção ,  &  affim  a  buícaõ  com  grande  fé ,  &  fervor ,  &  com  erte 
a  invocaõ  em  feus  trabalhos ,  &  ncceííídades.  E  nunca  fahem 
em  vaõ  as  cfpcranças  com  que  invocaõ  o  feu  favor,  porque  a 
Senhora  lhes  acode  como  amorofa  ,  k  piedofa  Mãy;  &  como 
nada  ha  em  efla  piedofa  Senhora,  que  naõ  efteja  chcya  de  mi- 
,  fericordia  ,  &  piedade ,  (como diz  Sâò  Bernardo:  )Plena  efe 
tem.  **  p\tfat\s  fo  gratitf,  pknx  manfuetuciinis,  &  mifericordU  om- 
Ma\.  MàqMpwtiwnt  ad  Mariam;  tudoachaõ  nellaj  aqui  vem 
á  terasfuasnovenas,a  fatisfazeros  feus  votos,&  a  pag-ras 
fuás  promefTas.  Dizem  que  aquelle  fermoío  Templo  o  fun- 
dara ElRey  Dom  Manoel ,  o  que  creyo  feria  aflím,  porque 
na  mageítade  ,  que  moftra,  dá  a  entender  ,  que  fó  hum  gran- 
de Rr.y  o  podia  edificar.  Tem  tres  portas ;  hurra  principal, 
que  olha  para  o  Mcyo  dia,  &  duas  em  os  lados  ihuma  pirão 
Nalantc,&  outra  paraoOccidentc.  Dofcuatnofcdelco- 

bre 


Livro  VI.  Titulo  XIV.  49  j 

brehumagrande,ôc  larga  porçaó  de  terra.  Nefta  Igreja  eíii- 
ve,  &  nella  adorcy  aquella  íoberana  Efpofa  do  Divino  cfpiri- 
to ,  &  trono  da  Santiffima  Trindade  >  que  me  cnuíou  grande 
devoção  ,  no  mageítofo  ,  &  agradável  de  fua  prefença. 


TITULO     XIV. 

Da  Imagem  de  Tt.Senhora  do  Ve  ff  erro, do  lugar  do  AU 
queydao  das  Tias. 

NOdeftritodalgreja  Matriz  da  Villa  das  Pias,  dedica* 
da,  como  fica  dito ,  ao  Santo  Bifpo  de  Tolofa  ,  fe  vc  o 
lugar  do  Alqueidaõ,aonde  hum  Cavalleyro  chamado  Rodri- 
go de  Sá,&  Mendonça,  tem huma grande, &  fermofa quin- 
ta ,&  nella  huma  baflante  Ermida  j  que  he  a  cabeça  dofeu 
morgado,dedicada  à  íoberana  Rainha  dos  Anjos  Maria  San- 
tiffima, dcbayxo  do  titu!o,&  invocação  do  Deflerro.  Vem* 
fe  neíla  Cafa  ,  &  Santuário  da  Senhora  as  Imagens  do  Meni- 
no Deos  ,  q  quiz  vir  a  peregrinar  no  mundo  pelo  grande  a- 
mor  com  que  ama  aos  peccadores,&  a  de  fua  Santiffima  Mãy, 
&  a  de  feu  Efpofo  Saõ  Jofeph  na  reprefenf  açaõ  de  caminhan- 
tes ,  &  peregrinos ,  quando  fahindo  do  deflerro  do  Egy pto 
caminhavaõ  para  Nazareth.  Saõ  obradas  eftas  Santas  Ima- 
gens de  efeultura  de  madeyra  ,  a  fua  proporção  naõ  paliará 
de  três  palmos;faõ  eflofadascom  perfeyçaô.  Tem  efla  Ermi- 
da Capelíaõ  atfualj  que  todos  os  dias  diz  MiíTa  nella,a  quem 
aprefenta  ,  &  paga  o  mefmo  Rodrigo  de  Sá  por  obrigação 
cio  feu  morgado. 

He  efla  Ermida  muy  to  antiga ,  &naõ  coníraoannoem 
que  foy  fundada;  masconfla  quem  a  fundou,  que  foraõ,Dio- 
godeSoufa,&fua  mulher  Catherina  Garccs  de  Olivcyra, 
pejroasnobiliífimasdaquella  mefma  Villa.  Deites  nsõ  fica- 
raõ filhos >  fcaíTím  entrou  na  fucceíTaõ  do  morgado,  &  M 

pofle 


496  Santuário  Mariano 

poifc  daquella  quinta  o  Capitão  Lucas  de  Sá,  &  Mendonça^ 
&  depois  delie  ,  feu  filho  Rodrigo  de  Sá,  &  Mendonça.  O 
motivo  que  os  Fundadores  tiveraõ  para  erigir  aquella  Ermi- 
da ,  &  para  a  uedicarem  â  Senhora  do  Dcíterro  ,  fe  naõfa- 
be ,  pretume-fc  leria  por  alguma  particular  devoção, que  tc- 
rÍ3o  para  com  cfte  rrty iterio-  E  como  eraõ  peffoas  nobres ,  8c 
ricas,  ediíicáraõ  aqueila  Ermida  nas  fuás  mefmas  cafas ,  para 
terem  nella  naô  íò  a  conveniência  de  ouvir  MitTa ,  &  os  da 
fua  família  todos  os  Domingos,  &  dias  Santos,  &  para  alivio 
também  dos  vizinhos  do  mefmo  lugar  ;  mas  para  terem  fem- 
pre  a  protecção  da  Senhora  do  Deíkrro  ,a  quem  íaberiao- 
brigarem  quanto  viverão  ,  com  muytos,  &  devotos  obíe- 
quios ',  &  o  m~íma  fará  hoje  o  me  imo  Rodrigo  de  Sá ,  que  ef- 
ta  obrigado  afervir  a  Senhora  cem  a  me  (ma  fervoroía  de- 
voção ,  que  tiveraô  os  íeus  Fundadores ,  &  a  feítejalla  todos 
©s  annos,para  aííim  merecer  da  Senhora  os  feus  favores, 

TITULO      XV. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhor  ada  Encarnação, do  lugar 
dos  Cumes ,  termo  daVtlU  das  fia*. 

NOtermo,  &  deflrito  da  referida  Villadas  Pias,  ha 
hum  lugar ,  aquechamaô  dosCumes,  que  fica  emos 
limites  da  Freguefia  de  Saõ  Silveftre.  Nefte  fe  vé  o  Santuá- 
rio, &  Ermida  denoíFa  Senhora  da  Encarnação.  Efta  Cafa 
mandou  fazer  à  fua  eufta ,  &  a  dedicou  a  noíía  Senhora ,  por 
ília  particular  devoção,  ou  obrigado  por  agradecido  de  al- 
gum efpecia!  favor, que  recebeo da mefma  Senhora,  hum 
YigariodamefmaParochta  de  Saõ  Silveftre.  Efoyiftonaõ 
ha  muytos  anms.  He  efta  Sagrada  Imagem  formada  de  ma- 
deyra,&  deperfeytacfculturaeftofadajcom  efta  Santa  Ima- 
gem tem  os  vizinhos  daquelle  lugar  muy  ta  devoção ,  &  affim 
em  feus  apertos,  &  neceflidades  recorrem  aos  feus  poderes, 

& 


DvroVLTituto  XVI.  497 

k  eom  a  grande  fé  ,  com  que  a  invocaõ,  achaõ  promptos  oi 
remédios.  Fcíkja-íecm  25.  de  Março,  &hcannexa  àmef- 
ma  Parochia  de  Saõ  SilvcflrcE  no  dia  de  lua  fcíhvidade  con- 
correm todos  os  v  izinhos  do  lugar  a  venerar ,  &  a  louvar  a- 
quella  devota  Senhora. 


TITULO     XVI. 

$6  antiga  Imagem  de  nojfa  Senhor  a  da  Conceição  >  da 
Matri^  de  (Payo  de  Telle-s. 

AFefiividade  da  Conceição  de  Maria  Santiflíma ,  hz  a 
que  os  moradores  da  terra  devem  folcmnizar  core  os 
Biayores  júbilos ,  &  alegrias  que  forem  pofllveis  à  fua  capa- 
cidade ^naófó  por  ferefía  Senhora  cm  fua  Conceição  ape- 
renne  fonte  de  todas  as  fuás  felici-dadcs ;  mas  porque  fendo 
de  credito^  de  gozo  a  toda  a  humana,&  Angélica  crcatura, 
he  a  alegria  dos  homens;  porque  ncíta  feflividade,  ou  na 
Conceição  dcíla  púriflima  creatura,  as  reconhecerão  \  por 
iffo  diffc  Rupcrto  Abbade:  Maria emifit  omnia  bona ,  quibnt  £Up*i~i 
mundus  impletur.  He  a  alegria  dos  Anjos ;  porque  tem  na  ^^7. 
terra,  quem  fe  lhes  pareça  em  a  pureza ,  &  afíim  diííc  Saõ  Vi- 
cente Ferreyra:  Statim  Ângeli  in  CtflofecertmtfefiuM  Con-  s  ^ 
ceptionis.  E  aflim  cfta  he  a  mais  celebre ,  &  a  mais  nobre  de  j*rm%  jc 
fuás  feflividades ,  que  em  honra ,  &  gloria  de  Maria  celebra  conce^ 
è  mundo,  &  a  que  illuftra,  ennobrece,  &  faz  grandes  as  mais 
feftiyidades  da  Senhora.Celebre  he  o  Naícimento  daVirgcm 
Maria,  dia  ditofifíimo  para  o  mundo,  porque  nellerccebeo 
as  primicias de  fuás  efperanças  ,  &  aquelle  em  que  fahio  a  cf- 
ta  luz  j  huma  Filha  adoptiva  de  Deos,  p2ra  fer  Mãy  natural, 
&  verdadeyra  de  feu  unigeni  to  Filho;mas  eíla  fefla  fc  realça, 
porq  a  qnafce,nunca  foy  filha  daira3como  nós  fomos  pelao- 
riginalcu/pa.  Solemne  he  a  fua  temporaneaPrefentaçaõem 
Tom.  III.  li  9 


49  8  Santuário  Mariano 

o  Santo  Templo,  pela  rica  ,  &  incxtimavel  offerta,que  a  Se- 
nhora fez  de  fi  mefma  ao  Rey  da  gloria.  Porém  naõ  fc  pode 
negar  ,  que  he  muyto  mayor;  porque  o  inferno  naô  gozou 
das  fuás  primícias  ,  quando  foy  concebida-   Digna  verda*- 
deyramente  he  de  todo  o  applauíb  a  Annunciaçaõ  de  Maria, 
acçáõ  de  grande  humildade  para  o  Divino  Verbo  ,  porque  fe 
vio  desde  entaô  veftido  da  noffa  humanidade  ;&  íingular  para 
Maria ,  pois  naquelle  ponto ,  ficou  fey  ta  Mãy  de  Deos , que 
he  o  feu  mayor  adorno;mas  he  certo,que  mayor  a pplaufo  me- 
rece ,  por  haver  chegado  a  fer  Mãy  ,  fem  haver  fido  efcrava 
do  demónio.  Santa  foy  a  fua  Viíitaçaõ,naqualadftofaIfabel 
a  nomeou  bendita  entre  todas  as  mulheres;  mas  he  muyto 
mais  Santa,  por  fe  faber  que  em  nenhum  tempo  teve  parte 
na  maldição  da  culpa.  Alegre  foy  a  fua  Punficaçaõ»  ao  mefmo 
paífo  que  humilde ,  a  cuja  ceremonia  fe  fujeytou ,  fem  fer  o- 
brigada  àquellaley;mas  mais  fcennobrece,  fem  comparação, 
com  a  memoria  de  fua  original  pureza  >  pois  de  nenhuma  pu« 
riíicaçaõ  neceílitava ,  a  que  foy  em  fua  Conceição  taõ  pura-E 
finalmente  he  muyto  eílremadamentegloriofa  a  feflividade 
da  Aflumpçaõde  Maria,&  a  fua  fubida  aos  Ceos,pois  pifan- 
do caminhos  de  Eftrellas,  paííando  por  coros  de  Anjos,  & 
adiantando-fe  a  todas  as  hierarchias  celeftes,  chegou  a  to- 
mar affento  àmaõdireyta  de  feu  SantiíTimo  Filho,  pararey- 
r»ar  eternamente,  &  triunfar  no  Empyreo.  Masefle  triunfo 
hs  muyto  mais  gloriofo,por  fer  de  quem  nunca  foy  vencida, 
antes  no  campo  da  batalha  levantou  o  trofeo  da  vitoria-    E 
aííim  todas  as  feffividadcs  deíla  Senhora  íercalçaô  coma 
de  fua  Conceição  puriíTínoa.  AfTim  o  ponderou  o  venerável 
^H  de  Anjo  da  P«z,dizendo:J^/  e  autem  feftiYttai  buic  pnfpanmdi 
kPa*   eftexwtadebititf  Que  íby  o  mefmo  que  dizer,  que  nenhu- 
,*'     ma  feíhvidade  rode  competir  com  a  grandeza  deíia  }  porque 

tn  LfiC.  •     r/  •    j    n      r    -HA      s 

tí         as  m&is  10 com  a  memoria  delia  ieiIUHtrao. 

Junto  à  Villa  de  Punhetc  (nome  dirivado  da  pugnai 
guerra,  oue  o  foberbo  Zêzere  faz  aocaudalofoTejocomas 

iuas 


Livro  VI.  Título  Wh  49$ 

fuás  foberbas,  &  impetuolas  correntes,  &  a  quem  òs  antigos 
por  efta  caufa  lhe  chamarão  Pugna  Tagi  7  ( de  donde  fè  deri- 
vou o  nome  dePanhete  àquclta  Vília)  fe  vé  fituada  enrre 
eftes  dous  referidos  rios  a  limitada  Villa  dePayo  Pelles, 
com  todo  o  feu  termo,  &  deflxno  ,&  tam  pouca  coufa  he,quc 
delia  fe  naõ  conhece  mais  que  o  nome.  Eila  Villa  pertence  à 
jurisdição  efpiritual  da  Prdafia  de  Thomar,  &  antigamente 
fe  comprehendia  no  termo  daquella  nobre  Villa  ,de  cuja  cor- 
reição he  ajnda  hoje.  Naõ  me  confiou  em  que  tempo  os  Reys 
ennobrecéram  a  efta  limitada  povoação  com  o  titulo  de 
Villa.  Podia  bem  fer,  foífc  ElRcy  Domjoaõ  o  Terccyro; 
porque  clle  foy  o  que  fez  Villa  o  lugar  das  Pias ,  &  feria  para 
mayorauthoridade  daquella  Prelafia. 

Fica  efta  Villa  fituada  ao  Sul  da  Villa  de  Thomar,  em 
difbncia  de  três  legoas,  em  as  ribey  ras  do  Tejo ,  &  pela  mef- 
ipa  parte  do  Sul  a  divide  hurna  ribeyra  ,cU  Villa  de  Tancos. 
A  Parochial  Igreja  defta  Villa  he  dedicada  ao  myíkrio  da 
Conceição  immaculada  de  Maria  Santiflima ,  &  efte  titulo 
parece  lhe  foy  dado  modernamente;  porque  nos  tempos  an- 
tigos fc intitulava  aquella  lgre]a  ,  Santa  Maria  do  Zezere,& 
com  efte  era  bufeada ,  &  venerada  aquella  Senhora.  He  muy- 
to  antiga  efta  Igreja,  &fe  vé  fituada  abayxodocaftellodo 
Zêzere, que  deu  ElRey  Dom  Aff  mfo  Henriques  aos  Cavai  - 
leyros  do  Templo, em  amcfma  occafiaõ,em  que  lhes  fez  tam-^ 
bem  doaçaõ  docaftello  de  Ceres,  hoje  Ceras- 

Deite  caftello  do  Zêzere  fe  vem  ainda  hoje  ruinas ^on- 
de o  Z:zere  entra  no  Tejo ,  em  a  foz  de  Punhete,  &  fica  efta 
Igreja  da  Senhora  da  Conceição  entre  efte  antigo  caftello, 
&  o  de  Almourol ,  que  edificou  o  Meftre  do  Templo  ,.  Dom 
GualdimPaes.  He  cila  Igreja  muyto  pequena,  &nafuafa* 
brica, & architeeflura  ,  feeílá  moftrando  afua  muytaanti^ 
guidadcNeíta  Igreja  fevécollocada  a  devota,&  antiga  Ima- 
gem de  Santa  Maria  doZczere,  a  quem  hoje  invoc  amos  com 
o  nome,  &  titulo  de  fua  Conceição  puriffima.  He  da  vulto,* 

li  z  & 


jco  Santuário  Mariana 

&  obrada  cm  madcyra  eftofada  •,  fua  cflatura  hc  grande  ,  terà 
feis  palmos ,  pouco  mais  ou  menos. 

Com  cfta  foberana  Imagem  tiveraõ  fempre  aquelles 
moradorescircumvizinhos^muyto  grande  devoção ,  &  fem 
embargo  àt  que  ainda  hoje  lha  tem ,  ja  a  devoção  fe  vé  mais 
fria>&  he  menos  o  fervor  com  que  a  bufeaõ,  merecendo  pela 
fua  antiguidade  7  &  pelas  antigas  memorias  dos  feus  favores 
ferbufeada  com  mais  fervor.  Antigamente  era  o  prefidio, 
&  a  protecção  (como  he  fempre,  porque  efta  Senhora  nunca 
diminue  o  feu  amor  para  com-nofeo  )  daquelles  contornos; 
porque  fempre  a  devoção  antiga  fe  diminue  com  a  devoção 
moderna  ,  fe  a  Divina  Providencia  com  as  maravilhas ,  que 
coftuma  obrar,  naõ  augmenta  o  calor  da  fé,  &  da  devoção, 
cm  os  frios  ,&  tíbios  coraçoens  humanos.  Tem  eíta  Igreja 
da  Senhora  Vigário  Freyre  da  mefma  Ordem  de  Chriflo, 
que  he  o  Parocho  daquelles  moradores ,  que  naõ  devem  fer 
muytos. 


TITULO     XVII. 

Dawilagrofa  Imagem  de  noffa  Senhora  do  Loveto,  do 

Convento  de  Santo  António,  a  que  Vulgar* 

mente  cbamSde  Tancos. 

DOm  Álvaro  Coutinho ,  Senhor  do  caftello  de  Almoa  • 
rol, neto  de  Dom  Vafco  Coutinho ,  primeyro  Conde 
do  Redondo  ,  foy  grande  devoto  dos  muy  to  Religiofos  Pa- 
dres da  Província  de  Santo  António,  a  que  vulgarmente 
chamaõ  dos  Capuchos  ,  que  naquelie  tempo  ainda  tinhaõ 
poucas  caías  ,  &  floreciaô  em  grande  reformação ,  &  obfer- 
vaneia,como  ainda  hoje  fazem.  Por  eílacaufa  lhes  defejou, 
para  augmento  da  mefma  nova  Provinda  edificar  hum  Con- 
vento nasíiias  terras.  Vivia  Dom  Vafco  Coutinho  no  fe» 

cafielíe 


Livro  VI.  Titulo  XVII.  f0 1 

eafiello  de  AImourol>que  vemos  fitiúdo  no  meyo  do  rio  Te- 
jo, antigo  afylo  ,  &  deíenfa  dos  Cavalíeyros  Tcmplarios^s 
quaes  daquellc  íitio  faziaõ  grande  guerra  ,  &  deflruiçaõ  nos 
Mouros.  Eaffjmquiz  efleFidalgo,nodcflritodofeucaneh 
lo ,  fe  levantaííc  huma  Cafa,em  que  noííò  Senhor  foíTe  perpe- 
tuamente louvado  ,  &  adorado ,  &  venerada  fua  Santiíílma 
Mãy.  Era  eíle  Fidalgo  devotiífímo  da  antiga,  &  miJagrofif- 
íima  Imagem  da  May  de  Dcos  ,  a  Senhora  do  Loreto^  que  na 
Marca  Anconitana,  &  Valle  de  Efpolero,  na  Umbria,he  ve- 
nerada de  todos  os  fieis,  que  com  grande  devoção  a  vaõ  buf- 
car  naquellc  feumilagrofo  Santuário, 5c em  aquella  Ange- 
lical Cafa,&  Camera  em  que  quiz  encarnar  o  Filho  de  Dcos, 
cuja  hiítoria  efereveo  Horácio  Turcelino,  &  outros  muy  tos 
Authores. 

Com  efia  fua  grande  dcvoça6,quiz  Dom  Álvaro  Couti- 
nho, que  fe  deífe  ao  novo  Convento  o  titulo  de  nofla  Senho- 
ra doLoreto.  Difpoz-fcafundaçaõ;&aíTimem  i?«dc Mar- 
ço do  anno  de  1572.  fe  lançou  a  primcyra  pedra  com  toda  a* 
quella  folemnidade ,  que  difpõem  a  Igreja.  Fica  eftc  Conven* 
toiituado  no  termo,  &  limites  da  Villa  de  Payo  Pelles,  &  cm 
pouca  diflancia  da  Villa  de  Tancos.Foy  taõ  grande  o  cuyda- 
do  do  Fundador ,  &  a  diligencia  dos  Religioíos ,  que  cm  me- 
nos naõ  de  hum  anno ,  mas  de  quinze  dias  ,  fe  poz  a  Igreja 
em  termos ,  que  no  dia  de  25.  de  Março  fc  pode  celebrar  a 
primeyra  MiíTa ,  que  foy  o  dia  da  Annunciaçaõ  da  foberana 
Rainha  dos  Anjos  ,  quando  o  Divino  Verbo  em  fuás  puriílí- 
mas  entranhas  fe  quiz  defpofar  com  aquella  bendita  alma  do 
Maria,  Efpofa,  &  May  fua.  Fez-fc  com  toda  efla  brevidade 
aquella  Igreja ,6c  Convento,por  fer  pequena,&  fcyta  de  tay- 
pas ,  &  adobes;  porque  aquelles  benditos  Padres  naõ  cuyda- 
vaõ  de  grandes  fabricas ,  fó  bufeavaô  lugar  que  os  rccolhef- 
fc  ,  6c  abngafTe  das  inclemências  do  tempo ,  &  aonde  pudef- 
fem  louvar  a  noífo  Senhor. 

Foy  o  prímcyro  que  celebrou  naquella  nova ,  &  peque- 
Tom.  III.  li  3  na 


<yOi  Santuário  Mariano 

na  Igreja,  o  venerável  Padre  Frey  Pedro  dos  Santos,  CuOo- 
dio  queenraô  era  da  Província  ,&  depois  o  primeyro  Guar- 
dião daquellc  Convento.  E  iempre  desde  aquelle  dia  até  o 
prefente,fe  feíiejou  a  Senhora  do  Loreto  em  25.  de  Março 
por  fer  o  dia  próprio  daquelle  ineffavel  myíkrio,  que  na  Ca- 
ía do  Loreto  fe  celebrou.  Affifhoà  prirneyra  celebridade  o 
mefmo  Padroeyro  Dom  Álvaro  Coutinho, &  fempreelle, 
&  todos  os  léus  deícendentes;&  fuecefíbres  da  Cafa  do  Re- 
dondo, &  morgado  de  Almourol,  tiveraõ  grande  devoção 
com  aqutila  Senhora  ,  &  com  aquelle  feu  Convento,  &  ama- 
rão nvjyto  aos  moradores  delle.  Efta  prirneyra  Igreja,como 
foy  fey  ta  de  adobes  crus,  naõ  durou  muy  to,  &aílim  noan- 
no  de  1 575.  fe  fez  outra  nova  Igreja,  pouco  mais  aventa  jada 
que  a  prirneyra ;  porque  foy  fey  ta  de  pedra  ,&  barro,  muy  to 
pobre ,&  eftrev  ta:  porém  foy  feyta  à  imitação  da  própria  Ca- 
fa de  Nazareth >  que  ainda  hi  je ,  como  hum  facrario  ,  fe  con- 
ferva  no  grande  Templo  do  Loreto;  cujas  medtdasforaõ 
trazidas  de  Itália,  &  tomadas  na  mefma  Cafa  do  Loreto^ 
pelo  Padre  Frey  Pedro  dos  Santos,  quando  foy  a  Roma  ao 
Capitulo  geral.  Porque  foy  viíitar  com  grande  devoção,  a- 
qucllemiraculofo  Santuário  Lauretano.  Porém  eflafegun- 
da  Igreja  também  fe  acabou  &  a  que  hoje  exiíte  he  terccyra, 
feyta  de  pedra  }  &cal,  com  abobada  de  tijolo,  fabricada  na 
forma  comua  das  mais  Igrejas  da  Província ,  &  nella  fc  diffe 
a  prirneyra  MiíFa  em  29.  de  Juího  de  1 685. 

Nt  fie  Convento  fe  venera  huma  milagrofíffima  Ima- 
gem da  Rainha  dos  Anjos,  com  o  titulo  de  noíTa  Senhora  do 
Loreto,  impofio  por  caufa  do  titulo  que  20  Convento  fe 
havia  dado*,a  qual  logo  que  fe  collocou  naquella  Cafa,  come- 
çou a refplandecerem  muytas maravilhas,  &  milagres:  ha- 
via fido  venerada  antigamente  dos  moradores  de  Punhete 
com  o  titulo  de  noíTa  Senhora  dos  Martyres,fcomo  diremos) 
porque  quando  aquelles  Santos  Religiofos  fundaram  o 
Convento  >  naõ  tinhaõ  ainda  Imagem  da  Senhora }  &  aílim 

efíivc- 


Livro  VI.  Titulo  WIL  joj 

eftiveraSfemella  alguns  annos.  (Ediíporia  Deos  com  alta 
providencia ,  para  os  fins  que  intentava  que  elles  fe  nao  ap- 
plicaffem  a  mandalla  fazer.)E  aííim  veyo  cila  Santiílima  Ima-] 
gem  àquelíe  Convento  na  forma  que  agora  referiremos- 

Havia  naVilIa  de  Punhete  antigamente  huma  Ermida 
dedicada  à  Rainha  dos  Anjos,  aonde  era  bufeada  com  fer- 
vorofa  devoção  de  todos  os  moradores  delia,  (pelas  muytas, 
&  grandes  maravilhas  ,&  milagres,  que  obrava)  huma  de- 
voti/Trma  Imagem  da  mefma  Senhora  ,a  quem  invocavaõ  com 
o  titulo  de  noíía  Senhora  dos  Martyres;  titulo  de  que  fe 
naõfabedararazaõ  porque aíTim  felhermpuzeífe.  Poderá 
bem  fer,  foíTe  por  cauía  de  alguma  batalha ,  que  os  Chriílaos 
em  outro  tempo  tiveflem  comos  Mouros,  &  porque  nella  a- 
cabariaô  alguns  dos  Chriftâos  em  defenfa  da  fé ,  (  que  pelo 
meímo  motivo  eraõ  julgados  por  Martyres )  fe  imporia  à 
Senhora  o  titulo ,  como  Rainha  que  he  de  todos,&  fe  lhe  de- 
dicaria entaõ  aquella  Ermida.  Os  grandes  prodígios,  que 
Deos obrava  pela  invocação  deita  Sagrada  Imagem, a  ffee- 
raõ  naõ  fó  celebre  naquella  Villa,&  feus  contornos  \  mas  ve- 
nerada ,  &  bufeada  de  outras  partes  mais  diftantes.  Era  efta 
Ermida  muyto  antiga  (que  também  confirma  o  me fmo  pen- 
famento ; )  porque  parece  tinha  muy  tos  feculos  de  duração, 
&como  feviífem  nella  os  efreitos,  quecoíiumaõcauíaros 
muytos  annos;porque  naõ  chegaífe  a  fe  arruinar,  intentarão 
os  moradores  daquella  Vtlla  edificarlhe outra  nova ,  &  mais 
magnificaCafa,&demaisexcellente  fabrica, &  architeítura, 
como  com  effeyto  o  executarão^  naõ  ha  iíto  taõ  pouco  que 
fuecedeo  ,  que  naõ  paffe  além  de  cento  &cincoentaannos. 

Acabado  o  Templo,  tratarão  os  devotos  da  Senhora 
dos  Martyres ,  de  mudar  para  elle  afua  foberana  Imagem, 
oquefizeraõcomortentofa  pompa  ,  muy  ta  devoça-õ ,  &  def- 
peza ,  defejando  todos  moíirarfe  obfequiofamente  fohcitos 
em  feu  ferviço-  Collocada  com  grande  alegria  a  foberana  I- 
magem  da  Senhora  no  feu  novo  Templo  >  no  feguinte  dia* 

li  4  aberto 


504  Santuário  Mariano 

aberto elle  ,  fenaôachou a  Sagrada  Imagem  nolugarem  que 
adeyxáraõ.  Cuydadofosos  feusdevotos,donde,ouemque 
parte eftaria  ,  &  de  quem  dofeu  Altar  a  haveria  tirsdo,  fc 
vcyo depois  a  faber,  que  os  Anjos  haviaõ  feytoofurto,  & 
que  a  Senhora  eftava  cm  a  fua  antiga  Ermida,moftrando  nef- 
U  fuga ,  que  as  vencraçoens,  que  nclla  fe  lhe  tributavaõ,  lh« 
eraõmuy  to  acey  tas.  Com  eira  noticia  feforaõ  outra  vez  à 
Ermida,  &  na  mefma  forma  ,  que  da  primeyra  vez  ,  a  torna- 
rão a  levar  para  o  novo  Templo.  Mas  a  Senhora  pelo  minif- 
terio dos mefmos  Anjos,  fegunda  vez  defappareceodelle, 
&  foy  achada  na  fua  pequena  Ermida.  Dizem  que  terceyra 
vez  fora  tresladada  efta  Arca  do  Divino  Teftamento.  Mas 
de  todas  moftrou  que  na  primeyra.,  &  antiga  Ermida,era  aon- 
de queria  fer  louvada.  E  aqui  me  confirmo ,  que  o  fangue  dos 
Marty  res,  que  naquelle  lugar  fe  derramaria ,  era  o  que  obri- 
gava à  foberana  Rainha  a  naõ  deyxar  o  lugar. 

AVilta  deftes  prodígios,  naõ  quizeraõ  os  moradores 
dePunhctc  refiftir  mais  à  vontade  deDeos,fignificadana- 
quellas  fugas  ,  pois  viaõ  tam  empenhada  aquella  Senhora 
no  amor  da  pobre  ,  &  pequena  Ermida,  Compuzeraô-na ,  & 
reparáraõ-na  o  melhor  que  foy  poffi  vel,&  nella  ficou  a  fobe- 
rana Rainha  ,  amante  da  pobreza ,  &  neíla  era  venerada ,  & 
bufeada  dos  feus  devotos ,  como  de  antes. 

Sentidos  os  moradores  daquella  Villa  de  haverem  gaf- 
tado  tanta  fazenda  na  edificação  daquelle  Templo ,  que  a  Se- 
nhora regeytára.rerolvéraõ  alguns  (difpondo-o  aflim  Deos) 
que  fe  mandaífc  fazer  a  Lisboa  outra  Imagem  muyto  perfey- 
ta  ;para  que  fe  colíocaífe  nelle- Aífím  o  coníideráraô,  &  o  pu- 
zeraô  em  execução,  como  fica  dito  no  título  29.  doprimey- 
ro  livro  dcílcterceyro  tomo,  em  os  Santuários  doBifpad© 
da  Guarda.  Collocada  a  nova,  &  fermoía  Imagem  no  feu 
fermoío,  &  fumptuofo  Templo ,  fe  lhe  foraõ  affeyçoando  de 
forte ,  que  totalmente  fe  cfquecéraõ  da  primeyra  ,  &  antiga 
©bradora  das  maravilhas.  E  foy  iflo  em  forma,  que  a  fua  Er- 
mida) 


Livro  VI.  Titulo  XVIL  jmy 

mida  ,ja  apenas  fe  abria  nos  Domingos,  &  eftava  emtcr- 
mos ,  que  brevemente  fe  viria  a  arruinar. 

Nefte  tempo,  indo  àquella  Ermida  os  Religiofos  Capu- 
chos do  Convento  da  Senhora  do  Loreto  ,  ( que  teria  ainda 
poucos  annos  de  principio)  &  vendo  a  Imagem  da  Senho- 
ra pofla  em  taô  grande  efquecimento,  &femaquella  vene- 
ração, que  fe  lhe  devia  ,queninguementravajana  fua  Cafa, 
pagos  da  fua  fermofura  ,  &  grande  devoção ,  que  infunde,  fe 
refolvéraõ  a  pedilia  ao  Vigário,  a  quem  era  annexa  a  Ermida; 
o  que  elle  lhes  concedeo  facilmente.  Naõ  fe  pode  declarar 
com  palavras ,  qual  foy  a  alegria  dos  Religiofos  com  efía  da- 
diva, foy  muyto  mayor  que  a  que  podia  ter  o  mayor  ambicio- 
fo  do  mundo  com  o  logro  da  joya  do  mais  exceífi vn  va!or. 

Leváraõ-na  logo  para  o  feu  Convento ,  &  a  collocáraõ 
no  Altar  mor,  como  lugar,  queDeos  lhe  tinha  defiinado, 
por  quanto  ainda  nclle  naõ  tinhaõ  Imagem  de  vulto,  como 
fica  dito.  Compuzeraõ-na,  &  adornáraõ-na  com  todo  aquel- 
le  concerto,que  lhe  miniftrava  a  fua  devcçaõ,&  aquellc  a  que 
podia  chegar  a  fua  pobreza.  E  parece  que  fe  pagou  a  Senho- 
ra muyto  dos  affectos  com  q  aquellcs  Santos  Religiofos,fer- 
vorofos  a  ferviaõ ,  &"  veneravaõ.  Como  o  moftrou  logo  nas 
muytas  maravilhas  ,  &  milagres,  que  começou  a  obrar,  & 
eraõ  tantos  ,que  fe  naõ  podiaõ  reduzir  a  numero,  &  aífim  co- 
meçarão também  a  fer  muytos  os  concurfos  dos  devotos  dt 
Senhora,  que  todos  emfeus  trabalhos,  &  neceíUdades  re- 
corriaõ  à  fua  piedade ,  &  a  Senhora  a  todos  remediava,  &  faç 
vorecia. 

Vendo  os  de  Punheteas  grandes  maravilhas  ,  que 
Deos  obrava  por  aquella  Santiflima  Imagem,  pezaroíos  ja  d* 
a  haverem  dado  aos  Padres  Capuchos ,  (  fem  duvida  pela  nm» 
biçaõ  do  grande  intcreffe ,  que  lhes  podia  caber,fe  a  Senhora 
as  obrara  na  fua  primey ra  Cafa ,  de  donde  a  haviaõ  por  inde- 
votos  deíterrado )  puzeraõ  pkyto  aos  Religiofos  ,  para  qu« 
&areitituiílem;mastiveraõafentença  que  mereciaõ.  Ou* 

troí 


$o6  Santuário  Mariano 

tros  querem ,  que  a  fentença  íahira  a  feu  favor ,  &que  com 
eííeyto  fe  mandara  aos  Padres  Capuchos  refiituiíTem  aos 
Ecclefiaíiicos  de  Punhete  a  facratiflima  Imagem  f  &  que  de- 
pois de  collocada  na  fua  Ermida,  a  Senhora  osdeyxára,& 
fugira  outra  vez  para  o  Convento,  aonde  os  Anjos  a  tresla- 
dáraõ  para  o  lugar,  que  aquelles  feus  devotos  Capellaens  lhe 
haviaõdado,  que  era,como  fica  dito,no  Altar  mór.  Clara  de- 
monítraçaô  de  que  a  Senhora  fe  obrigava  da  devoção, defin- 
tereffe,  aífiítencia  ,&fervorofo  obfequio  daqueiles  Santos 
Religiofos  ;  o  que  naõ  fazia  das  diligencias  dos  que  movidos 
do  intereífe  a  procuravaô  ter  por  demandas  ,&  pley tos  fal- 
tos de  jufliça. 

Tantos  eraõ  os  milagres ,  que  ( depois  de  pofíuirem  a- 
quelles  benditos  Padres  Antoninhos  a  fua  joya  pacificamen- 
te )  nofíb  Senhor  começou  a  obrar  por  feu  meyo,  que  à  fama 
dellescorriaõde  todas  as  partes  infinitos  Romeyros,  &  pe- 
regrinos ;  &  todos  achavaõ  no  patrocínio  daquella  poderofa 
Senhora  o  antídoto,  &  o  remédio  de  todos  os  feus  males.  E 
era  taõ  grande  o  concurfo,  &  a  perturbação  ,  que  com  elle 
caufavaagente  aos  Religiofos,  pela  continua  frequência  de 
entrarem ,  &  fahirem,  que  o  Guardião  que  entaô  era  do  mef- 
mo  Convento  o  venerável  Padre  Fr.  Pedro  dos  Santos,  ( q  o 
devia  fer  mais  vezes ,  ou  mais  que  hum  triennio )  por  obedi- 
ência mandou  à  Senhora  ,  naõ  fizeffe  mais  milagres.  E  ainda 
queelU  naõ  citava  obrigada  à  fua  obediência  ,  ainda  aflírn 
fufpcndeo  de  algum  modo  as  fuás  maravilhas  P  porque  dalli 
por  diante  foraô  menos.  Mas  como  he  a  única  Mãy  dos  pec- 
cadores  ,  quando  vé  a  eíles  em  trabalhos ,  naõ  fabe  a  fua  cle- 
mência deyxar  de  lhes  acudir  ,  &  de  os  remediar,  &  aífim  o 
fazia  quando  era  neceífario. 

O  anno certamente,  em  que  a  Senhora  foy  collocada  da 
primeyra  vez  em  o  Convento,  naõ  confta  certamente.  Mas 
como  o  Convento  fe  fundou  no  anno  de  1572.  poderia  fer 
quatro  >  ou  cinco  annos  depois  de  fundado ;  porque  também 

coníía 


Livro  VI  Titulo  XVUL  507 

confia  fer  cley  to  a^uclU  Guardião  Fr.  Pedro  dos  Santos  cm 
Provincial  no  anno  de  1596.  cm  15.  de  Julho  ,  &fempre 
paííariaõ  depois  alguns  triennios.  A  Imagem  da  Senhora  do 
Loreto  he  de  efculturademadeyraeíiofadajeflácoliocada 
na  Capella  mor  fobre  hum  trono  de  Anjos,  com  o  Menino 
Deos  em  feus  braços ,  &  a  fua  efíatura  he  de  pouco  mais  de 
quatro  palmos.  Da  Senhora  do  Loreto  de  Tancos  faz  men- 
ção Frey  Francifco  Brandão  na  Mon.  Lufit.  part-  5.  iiv.  17. 
cap.  12. 


TITULO     XVIII. 

Da  Imagem  de  noffa  Senhora  da  Conceição  ,  qnefe  Venera  no 
Religiojo  Contento  de  Santa  Inx  de  1  bomar. 

O  Convento  das  Religiofas  Clarifras  da  Vil/a  de  Tho- 
mar,  dedicado à gloriofa  Virgem,  &  Martyr  Santa  Iria 
noíía  Põrtugiieza,  confíderada  a  fua  antiguidade,  que  fendo 
taô  grande ,  ainda  afíim  querem  os  Padres  da  iiluíire  Ordem 
de  Saó  Bento ,  que  feja  Rcligiofa  fua  >  o  que  naõ  pode  fer  em 
nenhum  modo,  pois  antes  que  feu  Santo  Patriarca  nafcefíe, 
ja  era  Moílcyro.  Eaílímfedeve  ter  certamente  por  incubi- 
t  avel,quc  foy  da  noíTa  Ordem  Auguíliniana,  como  o  moiirsõ 
com  muyta  evidencia  os  nofibs  Eícritores;  o  que  fe  confirma 
naõ  fó  da  antiquiffíma  Imagem  da  Santa  cingida  com  a  cor- 
rea  de  meu  Padre  Santo  Auguftinho  -?  mas  do  que  agora  di- 
remos. 

Eu  naõ  queria  fazer  efla  matéria  de  controvertia;  mas 
naõ  poíTodeyxar  de  dizer  a  verd^de,&  o  qin  os  Authcrts  ef- 
crevem  nefle  particular  ,para  q  fe  reconheça  que  era  a  Santa 
Rcligiora  da  Ordem  de  Santo  Augultir  ho,  &  naõ  do  Patriar* 
ca  Saõ  Bento,o  qual  quando  nafceo,que  foy  no  anno  de  480. 
ja  havia  MoíkyroemNabância,  Oprimeyro  que  publicou 

mo- 


ço$  Santuário  Mariano 

modernamente  fcr  cila  Santa  da  Ordem  do  Patriarca  Sarn 
Bento,  íby  o  Padre  Frey  Balthezar  de  Braga,  quando  fendo 
Geral  da  Ordem  Benedi&ma  neftc  Reyno  ^ordenando  hurn 
Breviário  particular  para  ella  ,  que  fe  impnmio  em  Coimbra 
noannodc  1607.  meteoncllc  a  Santa  aos  20.  de  Outubro, 
dizendo  nas  liçoens  do  feu  officio  ,  que  fora  da  fua  Ordem,  & 
martyrizada  no  anno  de  6^1.  contra  o  parecer  do  Padre  Fr. 
Bernardo  de  Braga ,  filho,  &Chronifta  da  mefma  Congrega- 
ção Benedidina ,  como  confla  de  hum  memorial  feu,  que  elle 
porcãmiíTaõ  domefmo  Geral  fez  fobre  efte  argumento, o 
qual  fe  conferva  noarchivo  dos  Chroniftas  do  Convento 
de  noíTa  Senhora  da  Graça  de  Lisboa  ,  eíeritode  fua  própria 
letra ,  &  firmado  de  feu  mefmo  final. 

Deite  Breviário  teve  noticia  o  Padre  Frev  António  de 
Yepis,Chroniíta  da  mefma  Ordem  cmEípanha,  &  fiado  nel- 
le  ,  nomeou  a  Santa  por  ReIigio(a  fua  ,  na  fua  tcrceyra  Cen- 
túria ,  que  trazia  cntrqmãos.  E  pelo  mefmo  caminho  lhe 
chamou  também  Frcvraíua  ,  o  Padre  Meftre  FrcyLeaõde 
Santo  Thomas  no  feu  Prologo  cm  o  anno  de  1 6 1 9.O  mefmo 
feguioo  Padre  Meftre  Frcy  ífidoro  de  Barreyra  da  Ordem 
de  Chrifto  ,  &;  obfervador  da  meíma  Regra ;  mas  com  humas 
razoens  taô  frívolas,  que  moítra  nellasa  pouca  noticia  que 
tinha  das  hiftorias;  o  que  refuta  com  grande  evidencia  j& 
convence  o  noífo  Meftre  Purificação  na  primeyra  parte  da 
fua  Chronica  liv.2.  tit<  7.  moftrandolhe  como  naquelle  tem- 
po naô  havia  em  Portugal  Religiofos  Benediclinos.  Mas  pa- 
ra que  confte  que  pelos  annos  de  652. naò  tinha  entrado  ain- 
da neíte  Reyno  a  Ordem  do  Patriarca  Saô  Bento  \  veja-fe  ao 
dounfTimoChronifta  dos  Reynos  deEfpanha  Dom  Thomas 
Tamayo,  o  qual  nas  notas  que  fez  fobre  Luytprando,no  an- 
no de  6z  j.  difeutindo  a  duvida  ,  que  ha  acerca  do  monacha- 
to  de  Santo  Ildefonfo ,  hua  das  razoens  que  aponta  em  favor 
da  opinião  que  o  faz  Cónego  Regular ,  &  contra  os  Autho- 
res  que  o  fazem  Religiofo  de  Saô  Benio ,  he ,  que  em  tempo 

do 


livro  VI.  Tttulo  XV11L  509 

âo  Santo  Arcebifpo ,  (  o  qual  floreceo  alguns  annos  depois 
de  Santa  Iria)  era  ainda  muyto  pouca  a  noticia,  que  cm  Efpa- 
nha  havia  da  Ordem  de  Saô  Bento.  As  fuás  palavras  faõ  ef- 
tas:  (prrtfertim  cum  exígua  íBenedittini  Ordinis  notttia  tem- 
pere lldefonfi  in  Hiffwriafueric. D  as  quaes  naõ  fó  fe  vé ,  que 
até  o  tempo  de  Santo  Ildefonfo,naõ  fó  naô  havia  entrado  em 
Efpanha  a  Ordemde  Saõ  Bento ;  mas  que  ainda  delia  naõ  ha- 
via noticia.  Se  iflo  pois  aílim  he,  como  hc  na  verdade,  claro 
fica,  que  fe  enganarão  aquelles  Authores  >  em  fuppor  que  no 
tempo  de  Santa  Iria  todos  os  Mofleyros  de  Portugal  eraõ 
da  Ordem  de  Saõ  Bento. 

As  razoens  que  tem  os  Eremitas  de  meu  Padre  Santo 
Auguflinho ,  para  affirmar  que  foy  Religioía  noíía  ,  ou  que 
vivia  no  no(ToConvento,aonde  fuás  tias  profefTav^õ  a  Regra 
de  Santo  Auguflinho,  faõeflas.  Primeyramentehecertiííi- 
mo  (além  de  que  efte  Moíleiro  ja  havk  muytos  annos  que  era 
fundado  )  que  até  o  tempo  da  morte  da  Santa  Virgem,  &  ain  - 
da  muytos  annos  depois ,  naõ  houve  outra  Religião  em  Por- 
tugal fenaô  a  dos  Eremitas  Auguflinianos,  como  prova  o 
mefmo  Meftre  Frey  António  da  Purificação  ,  em  oanno  de 
910.  na  fua  Chronica  referida ;  &  daqui  fe  fegue  que  o  Mof- 
tcyro,  em  que  a  Santa  viveo,era  da  nofla  Ordem  Auguíiinia- 
na.  Demais  que  efte  Mofteyro  foy  fundado  muytos  annos 
antes  pelo  noflb  Paulo  Orofio  Bracarenfe,  filho,  &  difcfpujô 
de  Santo  Auguflinho.  O  mefmo  diz  Jorge  Cardofo  em  hus 
apontamentos ,  que  fez  depois  de  eferever  o  feu  primeyro 
tomo  do  Agiologio ,  &  que  vio  o  Padre  Meflre  Purificação 
no  anno  de  1 63  4.  como  elle  refere ,  nos  quacs  emenda  o  que 
havia  dito  no  Offi:io  menor ,  que  imprimio,  dos  Santos  de 
Portugal.  Também  eflá  pela  meíma  opinião  o  Padre  Frey 
Bernardo  de  Braga  acima  referido;  porque  ainda  que  nam 
declarou  que  a  Santa  fofle  noffa  ,  em  a  de  (conhecer  por  fua, 
a  reconheceo tacitamente  por  Auguflinha,viflo  que,naõ  po- 
dendo fer  Benta ,  naõ  podia  fer  de  outra  Ordem.  Êis-aqui  cm 

como. 


jio  Santuário  Mariano 

como  Smi*  Trh  foy  Relígiofa  noíia,  ou  como  viveo  nonoflb 
Convento  de  Nab  ncia  ,  &  não  da  Ordem  de  Saô  Bento,co- 
mo  o  quiz  introduzir  o  Padre  Frey  Balthezar  de  Braga  no 
feu  Breviário  ;  mas  a  cfkengano ,  (&  naõ  fey  fe  também  por 
outros )  acudio  o  Ceo  em  breves  dias ,  mandando  o  Summo 
Pontífice  Urbano  Vi  II.  prohibir  oufo  dotal  Breviário  da 
Congregação  Benedi&inadefleReyno>  mandandolhe,  c]uc 
u fadem  do  feu  antigo  da  Congregação  CaflTinenfe  ,  que  por 
outro  nome  chamaõ  de  Santa  Jultina,  no  qual  íc  naõ  faz 
mznyàò  de  Santa  Iria  ,  &  efte  he  o  que  de  prefente  ufaõ. 

Naõconfentio  Deos,que  fítio  fantificadocom  o  fanguc 
dcíla  Santa,  &illuflre  Virgem,  &com  osoffos  de  outras 
muy  tas  ,  eítiveíTe  tanto  tempo  fem  fer  morada  de  almas  Re-> 
ligiofas.  Para  iilo  infpirou  a  hurna  devora  matrona  , chama- 
da Mecia  de  Queyrós ,  mulher  que  foy  de  Pedro  Vas  de  Al- 
meyda ,  Veador  da  fazenda  do  Infante  Dom  Henrique,  que 
comprando  o  referido  íitio,  fe  recolheííe  nelle  com  três  fi- 
lhas ,  que  ha  'iaõ  fido  Damas  da  Infante  Dona  Brites ,  mãy 
delRey  Dom  Manoel,  pelos  annos  de  1476.  vivendo  alíi 
recolhida  ,  &  honeíiamente  ,  &  falecendoella  ,&duasdas 
fuás  filhas, a  ultima  que  fe  chamava  Martha  de  Chrifto,  re* 
duzio  a  Caía  à  perfeyçaõ  Rcligiofa  ,  em  que  hoje  florecc. 

Divulgada  afervorofavída  que  a  ferva  de  Deos  Mar- 
tha de  Chrilioobíervava,  acudirão  muytas  peíTòasatomar 
o  habito,  &  com  os  feus  dotes ,  &  efmolas  dos  Reys  D.  Ma- 
noel ;&  Dom  Joaõ  oTerceyro,  (quefempre  as  venerarão 
muy  to )  crefceo  a  Cafa  em  rendas,  &  em  numero  de  Religio- 
fas  ,  de  moio  que  no  anno  de  1520.  deraõ obediência  aos  Pa- 
dres Conventuaes ,  &  asrecebeo  Frey  Domingos,  Minillro 
Provincial  ,  debayxoda  fua  protecção.  Ecomo  a  ferva  de 
Doo s  Martha  vio  comprido  o  que  tanto  defejava,  de  idade  de 
70.  ann  >s  a  levou  o  Divino  Efpofo  a  defeançar ,  &  a  rece- 
ber o  premio  de  feus  trabalhos  ,  &  merecimentos  com  gran- 
dwie.itiinãiuo  das  luas  companheyras.  Tudo  ifíoconltade, 

huflj 


LivroVI.TituloXVm.  p? 

humSummariodaquella  fundação,  que  fe  conferva  no  feu 
cartório  ,  cuja  copia  alcançou  o  Licenciado  Jorge  Cardofo, 
para  fe  valer  delia  para  os  íeus  Agiologios. 

Nos  princípios  poisdefta  fundação,  feyta  naquella  Ca* 
faoufítiojquefantificáracom  o  feu  fangue  Santa  Iria,  &  de- 
corada com  o  feu  titulo  a  fua  Igreja ,  quizeraõ  as  Religiofas 
que  ainda  foíTe  muyto  mais  condecorada  coma  prefença  da 
Imagem  da  Mãy  deDeGS,  &  aflím  mandarão  fazer  huma 
com  o  myfteriofo  titulo  de  fua  purifíima  Conceição ,  a  qual 
collocáraõ  naCapellacollateralda  parte  doEuangeiho,co- 
mo  mais  nobre,  &  lugar  próprio  feu.  Heeíla  Sagrada  Irra- 
gem  de  alguns  fete  palmos  de  eflatiíra  ,  he  de  roca,  &  de  vcf- 
tidos  ,&  de  grande  fermofura,  &  mageítade.  Com  eira  Se- 
nhora tem  as  Religiofas  daquelie  Convento  muyto  grande 
devoção  ,&  a  amaõ  muyto;  porque  em  feus  trabalhos,  &  tri- 
bulaçoens  recorrendo  ao  feu  patrocínio,  achaõ  alivio  em  tu- 
do y  &  porque  cemo  hea  Mãy  dofcuEfpofo  ,  claro  cflá que 
lhes  ha  de  fazerfavoreSjôc  muytomayores  aquellas,  que  lhe 
forem  mais  fieis,  Referefeque  em  huma  grande  cheya  do  rio 
Nabaõ ,  crefeéra  efle  de  forte ,  que  entrando  a  agua  na  Igre- 
ja , chegava  atéomeyo  do  púlpito,  &cubrindo  os  Altares 
chegou  até  a  cinta  da  Sagrada  Imagem,  ficando e!!a, fendo 
de  roca  ,  em  o  feu  nicho  immovel,  como  fe  foííe  de  pedra,ou 
de  outra  matéria  muyto  grave  ,  rooflrando que  nem  a  multi- 
dão das  aguas  poderiaô  extinguir  a  fua  grande  caridade,  & 
amor  com  que  daquelie  lugar  eflá  guardando,  &  favorecen- 
do aquellas  fuás  Filhas,  &  Efpofas  de  feu  Santiffimo  Filho. 
Eu  fuyàquella  Igreja  ?  &naõ  mereci  aquellas  Religiofas  me 
fizeíTem  o  favor  de  ver  a  eíla  Senhora ,  que  tinhaõ  lá  dentro, 
por  mais  que  o  pedi. 

He  aqucíle  Templo  muvtolindoi  &  de  boa  architeclu- 
ra,  além  da  Capclla  mayor  tem  mais  quatro,duas  collateraes, 
&duasnocorpo  da  Igreja  7  a  coílareralda  parte  da  Epiítola 
he dedicada  ao Euangeiiíta amado, Imagem  de  grande  per- 

feysaõ. 


y  1 1  Santuário  Mariano 

feyçaS.  Das  outras  duas  a  pnmeyra  hc  dedicada  ao  myfleria 
da  Encarnação  ;deíla  foy  Fundador,  &  Padroeyro,  Loure®. 
fodoVallc.  A  ícgundahe  dedicada  ao  myflerio da  Cruz,  a- 
ende  fevéhuma  devotiffima,  &  perfeytiííima  Imagem  de 
Chrifto  crucificadojformada  em  pedra,  acompanhado  de  fua 
Santiffima  Mãy,  do  Difcipulo  amado ,  das  Marias, &  Difcú 
pulos  Nicodernos ,  &  Jofeph  Ab  Arimathara  ;  mas  obra  muy- 
to  íingular ,  &  preciofa ,  tudo  he  de  pedra  de  ançã ,  &  tuda 
em  branco.  Foy  o  Fundador  defta  Capella ,  &  o  feu  Padroey- 
ro  Miguel  do  Valle  afeendente  de  outro  Cavalleyro  do  mef- 
mo  nome  ,  que  ha  poucos  annos  f  alcceo-  Do  Convento  de 
Santa  Iriaefcrevem  muytos  Authores ,  como  os  da  Reiigiaô 
de  meu  Padre  Santo  AuguftmhoJ&  da  Ordem  de  Saõ  Bento^ 
fcJorgeCardofotom.  i.pag.  477. 


LAUS    DEO. 


INDEX 


5*3 


M1k 

efeãís 

INDEX 

Dos  titulos  deite  terceyro  tomo  dos 
Santuários  de  N.  Senhora. 

A 

NO/á  Senhora  dos  açores.  pag.  çr. 

2v.  Senhora  de  Aguiar,  p.  i 6o. 

2\£.  Senhora  de  Águas  Feras.  '  p*  4?  4. 

2£  Senhora  da  Alagoa  na  Filia  do  Germello  junto  a 

Guarda.  p.  41 

2V.  Senhora  da  Alegria,  ou  da  Afumpcaõde  Portale- 
gre, p.  40? 
TV-  Senhora  de  Almacave  em  Lamego.  p*  1 46 
N.Senhorado  Almortaonotermo  daIdanbaaNoVa.p*  141 
2V.  Senhora  dos  Altos  Ceos  da  Lou^a.  P'  65 
N.  Senhora  do  Amparo  }ou  dos  Meninos, de  Lamego.  />.2Q$; 
N.  Senhora  do  Amparo  do  lugar  da  Melroeyra*  p*  34^ 
N.  Senhora  dos  Anjos  da  Filia  de  I  homar.  ^.468 
N.  Senhor  a  do  Anjo  no  Convento  de  S.  Francifco  de 

Leyria.  p-  *72 

N,  Senhora  da  Annunciada  ât  Filia  de  Thomar.      p.^6i 
1S[.  Senhora  la*  Amoras  no  lugar  da  OUvejra.  p.  1 9* 

TSL,  Senhor  a  das  Áreas  no  termo  das  fiai.  /M9? 

N.  Senho*  t  das  Áreas  no  termo  de  A1  j abarrota.       p-  3 1 1 
Tom.  III.  Kk  K 


ji4  INDEX. 

AZ.  Senb  ora  da  batalha  ^Convento  de  S.  Domingos  da 

f/illa  da  rÈatalba.  />.  30 1 . 

c 

AT.  Senhora  do  Cabido  no  Convento  deSanta  Clara  da 

Guarda.  p%  44. 

AZ.  Senhora  das  Cabeeis  no  Seyxo  Amarello.  p-  94* 

AZ.  Senhora  das  Cabeças  em  (jrjaes.  p.  99. 

AZ.  Srnbora  de  Cali^  em  S.  CbnftovaõdeNogueyra.  p.220. 
AZ.  Senhora  do  Campo  em  Almendra.  p.  1 65. 

A7.  Senhora  das  Candeas  de  AVoins.  p.  1 85. 

AZ.&  nhora  da  Caridade  do  Convento  dos  Capuchos  do 

S  \r  doai.  p.  109. 

Aí.  Senhora  dosCameyros  da  Aldeã  do  Souto-  p.  127. 

AZ-  Senhora  de  Carcjuere  junto  a  Lamego.  f.147. 

N.  Senhora  do  Caftello  de  Vitla  Velha.  p.  89. 

AZ".  Senhora  do  Caftello  da  Filia  do  CaHello.  p.z$i. 

N.  Senhora  do  Caftello ,  ou  Santa  Maria  do  Caftello, 

ConVénlò de  Auguflinhos  Defcalços em  fortalegre.p.^67. 
AZ.  Senhora  de  Ce  iça  no  termo  de  (furem.  P'13z* 

AZ".  Senhora  da  Conceição  do  Convento  de  S.  Francif- 

co  de  CoVilbaa.  p.  1 14. 

AZ,  Senhora  da  Conceição  da  Ribeyra  do  Olhai-  p-^41. 

AZ.  Senhora  da  Conceição  do  termo  de  Tbomar.  p.  466. 
AZ.  Senhora  da  Conceição  da  Villa  de  Tayo  Telles,  p-  497- 
7$.  Senhor  a  da  Conceição  do  Convento  de  Santa  Lia 

de  i  bornal .  p'^07. 

AZ.  Senhora  da  Confimça  no  Pedrógão.  p-  232. 

ti.  SenhfYa  da  Conjdaçad  da  Ctdâde  da  Guarda.  p-  1 4. 

N.  Senha  a  da  Confolaçaõ  da  Fula  de  Al/ayates.       /.  1 96. 


N. 


I  ND  E  X.  ;r4 

D 

7SZ.  Senhora  do  T)efterro  do  Alqueydao  das  Tias.  p.  49^. 

ZV.  Senhora  do  Defterro  de  Lamego.  p.  237. 
N.  Senhora  do  Desterro  da  Sé  da  Cidade  da  Guarda.  p.  12. 

E 

N".  Senhora  da  Encarnação  da  Cidade  de  Leyria.  p*  274. 

2VZ.  Senhora  da  Encarnação  do  lugar  dos  Cumes.  p.  49o. 
ISL.Senhora  da  Encarnação  do  lugar  da  PoVoa  do  Rio 

de  Moinhos.  p.  6$. 

1SL.  Senhora  da  Efperança  do  termo  de  Portalegre.  ^.568. 

N.  Senhora  da  Efperança  de  Belmonte*  p.  70. 

TSL.Senhora  da  Efperança  de  Lamego.  p.  245 . 

ISL.Senhora  da  Eftrella  'de  MarVaõ.  p-171- 

M.  Senhora  da  Eftrella  do  Monte  Minhoto.  p.  425. 

F 

TSL.  Senhora  do  FaHio  no  termo  da  CoYtlhaa.  p-™7* 
AL  Senhora  do  Fetal  no  Regenguo  termo  de  Leyria.  p.  293. 

N.  Senhora  da  Flor  da  Rofa  no  Crato.  p*  4 1 6. 

G 

N.  Senhora  dd  Graça  nofitio  de  Tslifa  a  Velha.  p.  3  9*. 

N.  Senhora  da  Graça  em  (Proença  a  Velha.  p>  87. 

K.  Senhora  daGayola  no  lugar  das  Cortes  termo  de 

Leyria.  p-^97* 

1 

i\Z.  Senhor  a  do  Incendo  em  Penamacor.  p.  121. 

L 

1SL  Senhora  das  Lagens  em  Lamego.  p.24.6. 

N»  Senhora  da  Lapa  junto  a  g^antúla.  p.  155. 

Kk  z  N. 


]\6  I  N  D  E  X. 

]S [-Senhor a  das  Lapas  em  T  bom  ar.  pag.  475. 

TSL*S-nbora  da  Lapinha  na  Villa  do  Souto.  p.  258. 

TV.  Senhora  da  Lhraçaõ em  Laflello  de  Vide.  p.^oz. 

TSL,Senbora  do  Loreto  Convento  de  Religiofas  em  AU 

meyda.  p.219. 

TV.  Senhora  do  Loreto,  Convento  de  Antoninhos  em 

Tayo  Telles.  p,  çoo. 

TV  Senhora  da  Lu^  no  termo  da  Villa  de  Co^.  p.  305. 

N. Senhora  da Lu^, ConVento  de  Augujlinbos  em 

-Arronches.  /?.  598. 

M 

A7»  Senhora  dos  M.irtyres  em  V  unhe  te.  p.  136. 

TV  Senhora  da>s  Mercês  no  termo  de  Ourem.  p.  354. 

TV  Senhora  de  Mer coles  no  termo  de  Caítello  Branco,  p.  80. 
TV-  Senhora  dos  Milagres  na  Villa  de  A  (fumar.  p.  3  87. 
N- Senhora  do  MddeUyOU  Mil  eu  ter  mo  de  Tbomar.p.tyf. 
TV  Senhora  do  Mileu  junto  a  Cidade  da  Guarda.  p.  1 9» 
TV  Senhora  do  Montejunto  ao  lugar  dasCorta.  p.  344. 
TV  Senhora  do  Monte  >  ou  da  Piedade.  p.  467. 

TV".  Senhora  de  Monforte  termo  de  Tinhél.  p*  168. 

iV.  Senhora  dos  Mortinhos  em  Torto  de  Mo%.  p.  3  1 5- 

TV.  Senhora  do  Mofteyro  em  Cattello  N0V0.  p.  77* 

N.  Senhora  do  Mofteyro  junto  a  Almeyda.  p*  201. 

N 

TV.  Senhora  das  Necefidades  da  Vdla  da  Tonte.  p*  253. 
TV.  6"  nhora  das  IMeceJfidadíS  do  ConVento  de  Sam 

Franafco daGvarda*.  p.  22. 

TV.  S  nhora  daí  TSL^ceJfi  íades  da  Soalbeyra*  p*  74- 

2V.  Senhora  das  Necejidades  daGandara  termo  de 

Leyri  u  p.  292. 

N.  Senhora  das  Neves  de  Almeyda.  p.  217. 

N. 


INDEX.  Si? 

O 

N*  Senhora  do  0>  ou  da  Expt  ffaçaõ.  pag*  469. 

TV.  Senhora  da  Ocaya  termo  de  Ourem*  p.  337. 

K.  Senhora  do  Olival  em  Jhomar.  p.  455. 

2\£.  Senhora  do  OU  Vai,  ou  da  Graça  na  Certáá.  p.  43  6. 

ZV.  Senhora  da  Oliveira  no  lugar  da  Orca.  p.  29% 

]S[.  Senhora  da  Orada  em  Saõ  V  icente  da  Beyra.  p.  1 03 . 
JSL*  Senhora  da  Orada,  ou  Alagada  em  Filia  Velha.  p.  91. 

2ST-  Senhora  da  Ortiga  termo  de  Ourem.  pt  3  49. 

p 

N-  Senhora  da  Pa^  em  Lamego.  p.  242. 

N.  Senhora  da  Pena  no  Lafiello  de  Leyria.  /;.  268. 

N.  Senhora  da  Tenha  no  termo  de  Portalegre.  />•  384. 

N.  Senhora  do  Pereyro  ,  ou  Poreyro.  p.163. 

TV.  Senhora  daPiedade  no  Convento  das  Vominicas 

de  Abrantes.  p.  97. 

TSL.  Senhora  da  Piedade  das  Chaas.  p.  249. 

TSL.Senhora  da  Piedade  na  Parochia  de  SJoaõ  de  Por- 
to de  Mo^.  p.  320. 

N.  Senhora  da  Piedade  no  Choupardo  ,  ou  Cham 

Pardo.  p.  330. 

7SZ.  Sáihorá  da  Piedade  do  Vai  da  Idanhaem  Tho- 
mar- p.  472. 

N.  Senhora  da  Piedade,  ou  de  Rodes  no  Crato.  p.  42 1. 

2\L* Senhora doPranto dos  Envendos-  p.  422. 

TSL.  Senhora  do  Pranto  das  Cinco  Vdlis.  p.  200. 

TSL.  Senhora  dos  Prazeres  ,   ou  da  E\ per  anca  em 

TSLi^a.  p.  595. 

7SL.  òenhora  das  Preces  de  Gmacbe  do  Som  Jar- 
dim, p.  441. 

N*  Senhora  da  Purificação  diu  Freyxiandas*  f  •  3  4  ?• 

Ni 


jr8  INDEX. 

R 

N.  Senhora  dos  Remedias  de  Al/revida,  pag.  84 

TV>  Senhora  dos  Remédios  da  Cidade  da  Guarda*  p.  35, 

1  V.  Sen  hora  dos  Remédios, dos  Filares.  p.  1 56 

TV.  Senhora  dos  Re  médios, Convento  de  SaÕ  Franáfco 

de  furt  alegre.  p%  406 

iV.Senbora  a  Redonda  em  Àlpalhao-  p.  3  89 

TV  Senhor  ados  Remédios  fora  de  Lamego.  p.  225 

TV.  Senhora  da  Riheyra  de  Ar  novelo.  p.  208 

TV.  Senhora  da  Ribeyra,ConVento  de  Religiofas  Ter- 

ceyras.  p.  \y\ 

TV  Senhora  da  Rihyra  termo  de  dbrantes.  p.  1 1 8 

TV.  Senhora  de  Ridtcouros  termo  de  Ourem.  p.  ^  8 

TV»  Senhora  do  Rofario  das  Olas  termo  de  Thomar.  pt  482 
TV.  Senhora  do  Rofario,  da  ^a\,  &  dos  Martyres  nas 

Tias.  /?.  486 

TV.  Senhora  do  Rofario  na  Tarocbia  de  Santa  Maria 

de  (porto  de  Mo%>  p.  %z6 

s 

N.  Senhora  de  Sacaparte  em  Aifayates.  p.  1 89. 

TV  Senhora  da  Sanguinheyra  na  Amieyra.  />.  428- 

2NZ.  Senhora  da  Saúde  fora  de  Lamego.  p.  227. 

TV.  Senhora  da  Saúde  no  Alqueydao.  p.  471. 

TV  Senhora  da  Seyxa  no  lugar  de  Áreas*  p.  1 5$. 

TV  Senhora  do  Seyxo  no  Fundão*  p.  48. 

TV  Senhora  da  Serra  em  Alpedrinha.  p.  58. 

TV-  Senhora  do  Soccorro  em  Lamego.  p.  240. 

TV  Senhora  do  Souto  no  termo  da  Guarda.  p.  131. 

T 

TV-  Senhora  do  Templo  fora  da  Cidade  da  Guarda,      p.  3  2. 
TV-  Sjihora  do  Te/linho  do  termo  de  Ourem.  p.i  óo. 


INDEX. 


V 


P9 


N.  Senhora  de  Valverde  termo  de  Caflello  Branco,     p-  %i< 
TV.  Senhora  da  Vitoria  da  Villa  de  Paredes.  p.  220. 

N.  Senhora  da  Vitoria ,  ou  da  Batalha.  p%  299, 

N.  Senhora  da  Vitoria  da  Tarockia  de  Santiago  de 

Portalegre.  *  ^0?m 

N.  Senhora  do  Vifo  de  Numaõ.  p%  ZZq9 

FIM. 


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