SCOTT, Joan Wallach. "Genero:
uma categoria util de analise
historica". Educagdo & Realidade.
Porto Alegre, vol. 20, n°
jul./dez. 1995, pp. 71-99.
Revisao de Tomaz Tadeu da Silva a partir do
original ingles (SCOTT, J. W.. Gender and the
Politics of History. New York: Columbia
University Press, 1988. PP. 28-50.), de artigo
originalmente publicado em: Educagdo &
Realidade, vol. 15, n° 2, jul./dez. 1990. Tradufao
da versao francesa {Les Cahiers du Grif, n° 37/38.
Paris: Editions Tierce, 1988.) por Guacira Lopes
Louro.
Primeira versao americana:
SCOTT, J. W.. "Gender: A Useful Category
of Historical Analysis". The American
Historical Review, vol. 91, n° 5. (Dec,
1986), pp. 1053-1075.
Original ingles disponivel em JSTOR:
< http://www.jstor. orgl stable II 86437 6 >
Versao portuguesa disponivel em:
httpillwww. archive, orgl details I scott gender
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GENERO
I
I
UMA CATEGORIA UTIL DE
F
Joan Scott
"Genero (gender), s. t apenas urn ternxo gramaticai Seu uso parafalar de
pessoas ou criaturas do genero masculino oufeminino, com o significado de
sexo masculino ou feminino, constitui uma brincadeira (permissivet ou nao,
dependendo do contexto) ou urn equivoco" (Fowler, Dictionnary of Modern
English Usage, Oxford 1940).
Aquelas pessoas que se propoem a codificar os sentidos das palavras lutam
por uma causa perdida, porque as palavras, como as ideias e as coisas que elas
pretendem significar, tern uma historia. Nem os professores de Oxford nem a
Academia francesa tern sido plenamente capazes de represar, de aprisionar e
o significado, de uma forma que seja independente do jogo da inven£ao e
da imagina?ao humanas. Mary Wortley Montagu juntou mordacidade a sua
irfinica denuncia do "belo sexo" ("meu unico consolo de pertencer a este gfinero
presente artigo constitui uma versio consideravelmente revisada (com consulta ao
original em ingles) daquele publicado em Educagao & Realidade, v. 15, n.2, julidez.
1990, traduzido da versao em frances.
tern sido a certeza de nunca ter sido casada com uma delas"), ao fazer urn uso
deliberadamente erroneo da referenda gramatical. 1 Atraves dos seculos, as
pessoas utilizaram de modo figurado os termos gramaticais para evocar os tracos
de carater ou os tracos sexuais. Por exemplo, a utilizagao proposta pelo Dicti-
on nai re de la langue frangaise de 1876, e: "On ne sait de quel genre il est, s'il
est male ou femelle, se dit d'un homme tres cache, dont on ne connait pas les
sentiments." (Nao se sabe de que genero ele e, se ele e macho ou femea, diz-se
de um homem muito dissimulado, do qual nao se conhecem os sentimentos) 2 E
Gladstone fazia esta distincao em 1878: "Atenas nao tinha nada do sexo alem
do genero, nada da mulfaer alem da forma". 3 Mais recentemente — demasiado
recente para que pudesse entrar nos dicionarios ou na Encyclopedia of Social
Sciences — as feministas comecaram a utilizar a palavra "genero" mais seria-
mente, num sentido mais literal, como uma maneira de se referir a organizacao
social da relacao entre os sexos. A referenda a gramatica e ao mesmo tempo
explfcita e plena de possibilidades nao-examinadas.
Explfcita, porque o uso gramatical envolve regras formais que resultam da
atribuicao do masculino ou do feminino; plena de possibilidades nao-examinadas,
porque em muitas linguas indo-europeias ha uma terceira categoria — o sem
sexo ou o neutro. Na gramatica, o genero e compreendido como uma forma J ~
classificar fenomenos, um sistema socialmente consensual de distingdes e nao
uma descricao objeti va de tracos inerentes. Alem disso, as classificacoes sugerem
uma relacao entre categorias que torna possfveis distincoes ou agrupamentos
separados.
Na sua utilizacjlo mais recente, o termo "genero" parece ter feito sua apari9ao
inicial entre as feministas americanas, que queriam enfatizar o carter
fundamentalmente social das distincoes baseadas no sexo. A palavra indicava
uma rejeigao do determinismo biologico implfcito no uso de termos como "sexo
ou "diferenca sexual". O termo "genero" enfatizava igualmente o aspecto rela
cional das definicoes normati vas da feminilidade. Aquelas que estavam pre
f$
•:•!
padas pelo fato de que a produ^ao de estudos sobre mulheres se centrava nas
mulheres de maneira demasiado estreita e separada utilizaram o termo "genero"
para introduzir uma nocao relacional em nosso vocabulario analftico. Segundo
esta visao, as mulheres e os homens eram definidos em termos recfprocos e nao
se poderia compreender qualqur um dos sexos por meio de um estudo inteira-
mente separado. Assim, Natalie Davis afirmava, em 1975: "Penso que deverfa-
mos nos interessar pela historia tanto dos homens como das mulheres, e que nao
deverfamos tratar somente do sexo sujeitado, assim como um historiador de
classe nao pode fixar seu olhar apenas sobre os camponeses. Nosso objetivo &.
compreender a importancia dos sexos, isto e, dos grupos de genero no passado
Nosso objetivo e descobrir o leque de papeis e de simbolismos sexuais
nas diferentes sociedades e perfodos, e encontrar qual era o seu sentido e como
eles funcionavam para manter a ordem social ou para muda-la". 4
72
urn
sustentavam
fimdamentalmente os paradigmas disciplines. As pesquisadoras feministas assi-
nalaram desde o inicio amp n *ctnHr» Hoc m.,!^™,, ~* * s *
reexame
estamos
creviam
lica necessariamente a redefmi^ao e o alargamento
aquilo que e historicamente importante, para incluir ta
subjetiva quanto as atividades nublicas e nnUt\r»*
uma
i,i. F i.^a »au aunicnic uma nova mstona de mulheres mas tambem uma nova
historia". 5 A maneira pela qual esta nova historia iria, por sua vez, incluir a
expenencia das mulheres e dela dar conta dependia da medida na qual o genero
podia ser desenvolvido como uma categoria de analise. Aqui as analogias com
a classe e com a raga eram explfcitas; de fato as pesquisadoras
tinham uma visao politica mais global, invocavam regularmente a _
como cruciais para a escrita de uma nova historia. 6 O interesse pelas categories
de classe, de raga e de genero assinalava, em primeiro lugar, o envolvimento do/
a pesquisador/a com uma historia que incluia as narrativas dos/as oprimidos/as
e uma analise do sentido e da natureza de sua opressao e, em segundo lugar,
uma compreensao de que as desigualdades de poder estao organizadas ao longo
de, no minimo, tres eixos.
A litania "classe, raga e genero" sugere uma paridade entre os tr6s termos
mas, na verdade, eles nao tern urn estatuto equivalents Enquanto a categoria
"classe" tem seu fundamento na elaborada teoria de Marx (e seus desenvolvi-
mentos ulteriores) sobre a determinagao economica e a mudanga histdrica, "raga"
carregam associagoes semelhantes. E verdade que nao existe
lidade entre aqueles/as que utilizam o conceito de class*. Aloimc/
utilizam
trabalhamos
mvocamos
marxismo, implicam uma ideia de causalidade economica e uma visao do cami-
nho ao longo do qual a historia avangou dialeticamente. Nao existe nenhuma
clareza ou coerSncia desse tino nara a r.ntt>onna h^ n^ rt ,. «* M o a* „*-™~ xt„
quanto de simples referencias descritivas as relagoes entre os sexos.
Os/as historiadores/as feministas que, como a maioria dos/as historiadores/
as sao treinados/as para estarem mais a vontade com a descrigao do que com a
teoria, tern, entretanto, procurado, cada vez mais, encontrar formulag5es tedricas
utihzaveis. Eles/elas t§m feito isto ao menos por duas razoes. Em primeiro lugar,
Porque a proliferacao de estudos de caso, na historia das mulheres, parece exigir
uma perspectiva sintetica que possa explicar as continuidades e descontinuidades
e dar conta das persistentes desigualdades, assim como de experiences sociais
radicalmente diferentes, Em segundo lugar, porque a discrepancia entre a alia
qualidade dos trabaihos recentes de histdria das mulheres e seu status marginal
em relagao ao conjunto da disciplina (que pode ser avaliado pelos manuais,
programas universitarios e monografias) mosiram os limites de abordagens
que nao questionam os conceitos disciplinares dominantes ou, ao
menos, que nao problematizam esses conceitos de mode a abalar seu poder e,
talvez, a transforma-los. Para os/as historiadores/as das mulheres, nao tern sido
suficiente provar que as mulheres tiveram uma hist6ria, ou que as mulheres
participaram das principals revoltaS polfticas da civilizacao ocidental. A reacao
da maioria dos/as historiadores/as nao feministas foi o reconhecimento da historia
das mulheres e, em seguida, seu confmamento ou relega<jao a um domfnio sepa-
rado ("as mulheres tiveram uma historia scparada da dos homens, em conse-
qiiencia deixemos as feministas fazer a historia das mulheres que nao nos diz
respeito"; ou "a historia das mulheres diz respeito ao sexo e a famflia e deve ser
feita separadamente da histdria politica e economica '). No que se refere a par-
ticipa§ao das mulheres na historia, a rea?ao foi, na melhor das hip6teses, um
interesse mfnimo ("minha compreensao da Revolucao Francesa nao muda por
saber que as mulheres dela participaram"). O desaflo colocado por essas rea^oes
e, em ultima analise, um desafio teorico. Isso exige uma analise nao apenas da
rela^ao entre a experiencia masculina e a experiencia feminina no passado, mas
tambem da conexao entre a historia passada e a pratica historica presentes. Como
o genero funciona nas rela^oes sociais humanas? Como o genero da sentido a
organiza^ao e a percep^ao do conhecimento historico? As respostas a essas
questoes dependem de uma discussao do genero como categoria analitica.
i
Na sua maioria, as tentativas dos/as historiadores/as para leorizar o genero
permaneceram presas aos quadros de referenda tradicionais das ciencias sociais,
utilizando formuIa95es ha muito estabelecidas e baseadas em explica^oes causais
universais. Estas teorias tiveram, no melhor dos casos, um carater limitado,
porque elas tern tendencia a incluir generalizacoes redutivas ou demasiadamente
simples, que se opoem nao apenas a compreensao que a historia como disciplina
tern sobre a complexidade do processo de causa?ao social, mas tambem aos
•
compromissos feministas com analises que levem a mudan9a. Um exame critico
destas teorias expora seus limites e permitira propor uma abordagem alternati va.
As abordagens utilizadas pela maioria dos/as historiadores/as se dividem
em duas categorias distintas. A primeira e essencialmente descritiva; quer dizer,
ela se refere a existencia de fendmenos ou de realidades, sem interpretar, explicar
74
ou atribuir uma causalidade. O segundo uso € de ordem causal e teoriza sobre a
natureza dos fenomenos e das realidades, buscando compreender como e porque
eles tomam as formas que tern.
recente
tinham como tema a historia das
substi uiram, nos ultimos anos, nos seus tftulos o termo "mulheres" por "genero"
bm aleunS Casrw mpcmn mt« ^«„ ..*ji: ~ «. °
Em alguns casos, mesmo que essa utilizacao se refira vagamente a certos
conce.tos analft.cos, cla visa, de fato, obter o reconhecimento polftico deste
campo de pesquisas. Nessas circunstancias, o uso do termo "genero" visa sueerir
a erud.cao e a seriedade de urn trabalho , pois "genero" tern uma conotacao
ma.s objehva e neutra do que "mulheres" "Genero" parece se ajustar a termi-
nology cientifica das ciencias socials, dissociando-se, assim, da polftica (su-
pos tamente ru.dosa) do feminismo. Nessa utilizacao, o termo "genero" nao
.mphca necessanamente uma tomada de posicao sobre a desiguaJdade ou o
poder, nem tampouco designa a parte lesada (e ate" hoie invU.'v.n c ,„.„ ~
ermo h.stona das mulheres" proclama sua posicao polftica ao afirmar
(contranamente as praticas habituais) que as mulheres sao sujeitos historicos
vahdos, o termo genero" inclui as mulheres, sem Ihes nomear, e parece, assim
nao constituir uma forte ameaca. Esse uso do termo "genero" constitui urn dos
aspectos daquilo que se poderia chamar de busca de legitimidade academica
para os estudos feministas, nos anos 80.
e e apenas um aspe<
mulheres, 6 tambem
sobre as mulheres 6 necessariamente informacao sobre os homens, que um
-mphca o estudo do outro. Essa utilizacao enfatiza o fato de que o mundo das
mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele e criado nesse e por esse
mundo masculine. Esse uso rejeita a validade interpretativa da id^ia de esferas
perpetua
mito de que uma esfera, a experiencia de um sexo, tenha muito pouco ou nada a
ver com o outro sexo. Alem disso, o termo "gSnero" tambem e utilizado para
i . ' o— *■*-« " luiiiuvui v uim/,(iLiu para
Z*™£ SSl ^! ^ ° S — SCU US0 <*«* exphcuamente
encontram
para d.vessas ; formas de subordinate feminina, nos fatos de que as mulheres
unrrinTn T ^ * * ' * qUe ° S h ° menS tem uma for ?* macular
superor. Em vez d.sso, o termo "genero" torna-se uma forma de indicar
constnjeoes culturais" - a criacao inteiramente social de idelas sobre os papeis
adequados aos homens e as mulheres. Trata-se de uma forma de se refcriris
usivamente
neres. Genero e segundo esta definicao, uma categoria social imposta sobre '
um corpo sexuado.' Com a proliferacao dos estudos sobre sexo e sexualidade
genero tomou-se uma palavra particularmente util, pois oferece um meio de
aistinguir a pratica sexual dos papeis sexuais atribufdos as mulheres e aos homens
75
Ainda que os/as pesquisadores/as reconhecam a conexao entre sexo e aquilo
que os/as sociologos/as da familia chamaram de "papeis sexuais", esses/as
pesquisadores/as nao postulam um vinculo simples ou direto entre os dois. O
um sistema de relacoes que pode incluir o sexo,
uso de "genero
mas nao e diretamente determinado pelo sexo, nem
_
•
a
•
Esses usos descritivos do termo "genero" foram empregados pelos/as his-
toriadores/as, na maioria dos casos, para delimitar um novo terreno. A medida
os de
que os/as historiadores/as sociais se voltavam para novos oDjetos ae estuao, o
genero tornava relevante temas tais como mulheres, criancas, famflias e
ideologias de genero. Em outras palavras, esse uso de "genero" refere-se apenas
aquelas areas, tanto estruturais quanto ideologicas, que envolvem as relacoes
entre os sexos. Uma vez que, aparentemente, a guerra, a
omacia e
itica nao tern a ver e
com essas
coes, o genero parece nao
se aplicar a estes objetos, continuando, assim, a ser irrelevante para o pensamento
dos/as historiadores/as preocupados/as com questoes de politica e poder. Isto
tern como efeito a adesao a uma certa visao funcionalista, fundamentada, em
, na
ia e na
as na
essas relacoes sao construidas como sao, nao diz como
escrita da historia (sexualidade ou politica, familia ou nacao, mulheres ou ho-
mens), Ainda que, nessa utilizacao, o termo "genero" sublinhe o fato de que as
relacoes entre os sexos sao sociais, ele nada diz sobre as razoes pelas quais
ou como
elas mudam. No seu uso descritivo, o termo "genero" e, entao, um conceito
associado ao estudo de coisas relativas as mulheres. "Genero" e um novo tema,
um novo dominio da pesquisa historica, mas nao tern poder analftico suficiente
para questionar (e rnudar) os paradigmas historicos existentes.
Alguns/mas historiadores/as estavam, certamente, conscientes deste pro-
blema; dai os esforcos para empregar teorias que pudessem explicar o conceito
■
de genero e dar conta da mudanca historica. De fato, o desafio consistia em
reconciliar a teoria, que estava concebida em termos universais e gerais, com a
historia, que estava comprometida com o estudo da es
da mudanca fundamental. O resultado foi muito ecletico: emprestimos parciais
que enfraquecem o poder analftico de uma teoria particular ou, pior, que empre-
gam seus preceitos sem ter consciencia de suas implicacoes; ou tentativas para
dar conta da mudanca que, por terem como inspiracao teorias universais, apenas
ilustram temas invariantes; ou, ainda, estudos extremamente imaginativos, nos
quais a teoria esta, entretanto, tao escondida que esses estudos nao podem servir
de modelos para outras pesquisas. Uma vez que, com freqiiencia, nao se tern
xplicitado todas as implicacoes das teorias nas quais os/as historiadores/as
£*
tem-se inspirado, vale a pena dedicar-lhes aqui um pouco de tempo. Somente
atraves deste exercicio, pode-se avaliar a utilidade dessas teorias e, talvez,
comecar a formular uma abordagem teorica mais potente.
76
Os/as historiadores/as feministas tern empregado uma variedade de aboif
dagens na anSlise do genero, mas essas podem
teoricas. A primeira, uma tentativa inteiramente feminista, empenha-se em
explicar as origens do patriarcado
marxista e busca um compromiss
mentalmente dividida entre o pos-estruturalismo francos e as teorias anglo-
americanas de reIa?ao do objeto (object-relation theories), se inspira nessas
diferentes escolas de psicanalise para explicar a produsao e a reprodu^ao da
identidade de genero do sujeito.
As teoricas do patriarcado tSm dirigido sua aten^ao h subordina?ao das
mulheres e encontrado aexplica^ao dessa subordina^o na "necessidade" mas-
culina de dominar as mulheres. Na engenhosa adapta$ao que Mary O'Brien fez
de Hegel, ela definiu a domina^ao masculina como o efeito do desejo dos homens
de transcender sua aliena^So dos meios de reprodu^ao da especie. O princfpio
da continuidade geracional restaura a primazia da paternidade e obscurece o
trabalho real e a realidade social do esforijo das mulheres no ato de dar a luz. A
fonte da liberta^ao das mulheres reside numa "compreensao adequada do pro-
cesso de reprod^ao", numa avaliasao das contradi9oes entre a natureza do
trabalho reprodutivo das mulheres e a mistifica^ao ideologica (masculina) deste. 9
Para Sulamith Firestone, a reprodu^ao tambem era uma "amarga armadilha"
para as mulheres. No entanto, na sua analise mais materialista, a liberta9ao viria
das transforma96es na tecnologia da reprodu9§o que poderiam, num futuro nao
demasiadamente longinquo, eliminar a necessidade dos corpos femininos como
agentes da reprodu9ao da especie. 10
Se a reprodu9§o era a chave do patriarcado para algumas, para outras a
resposta se encontrava na propria sexualidade. As fortes formula9des de Cathe-
rine MacKinnon sao-lhe nao apenas caracteristicamente proprias, mas tambem
representativas de uma certa abordagem: "A sexualidade esta para o feminismo
assim como o trabalho esta para o marxismo: e aquilo que mais nos pertence e
o que todavia nos e mais subtraido". "A objetifica9ao sexual € o processo primario
de sujei9ao das mulheres. Ela liga o ato com a palavra, a constru9ao com a
expressao, a percep^ao com a efetiva9ao, o mito com a realidade. O hbmem
fode a mulher; sujeito verbo objeto". " Continuando sua analogia com Marx,
MacKinnon propoe como m&odo de analise feminista nao o materialismo
parti lhada
de objetifica9ao, sustentava ela, as mulheres sao levadas a compreender sua
identidade comum e sao conduzidas k aqao politica. Na analise de MacKinnon,
ainda que as redoes sexuais sejam definidas como sociais, nao hd nada —
salvo a desigualdade inerente k rela9ao em si mesma — que possa explicar
porque o sistema de poder funciona assim. A fonte das rela95es desiguais entre
os sexos esta, no fim das contas, nas redoes desiguais entre os sexos. Apesar
de afirmar que a desigualdade, tendo suas origens na sexualidade, est£ corporis
77
ficada em "todo um sistema de redoes sociais", ela nao explica como este
sistema funciona. 12
As teoricas do palriarcado questionaram a desigualdade entre os homens e
* , 4 # ■
as mulheres de importantes maneiras mas, para os/as histonadores/as, suas teonas
apresentam problemas. Em primeiro lugar, embora proponham uma andlise
interna ao proprio sistema de genero, elas tambem afirmam a primazia deste
sistema na organizagao social considerada em seu conjunto. Mas as teorias do
patriarcado nao mostram o que a desigualdade de genero tern a ver com as
outras desigualdades. Em segundo lugar, a analise continua baseada na diferenga
fisica, quer a dominagao tome a forma da apropriagao do trabalho reprodutivo
da mulher pelo homem quer tome a forma da objetificagao sexual das mulheres
pelos homens. Qualquer diferenga fisica assume um carater universal e imutavel,
mesmo quando as tedricas do patriarcado levam em consideragao a existencia
de mutacoes nas formas e nos sistemas de desigualdades de genero. 13 Uma teoria
que se baseia na variavel unica da diferenca fisica e problematica para os/as
historiadores/as: ela pressupoe um significado permanente ou inerente para o
corpo humano — fora de uma construgao social ou cultural — e, em conse-
qiiencia, a a-historicidade do proprio genero. Num certo sentido, a historia torna-
se um epifenomeno, fornecendo varia9oes intermindveis para o mesmo tema
imutavel de uma desigualdade de genero vista como fixa.
As/os feministas marxistas tern uma abordagem mais historica, ja que elas/
eles sao guiadas/os por uma teoria da historia. Mas, sejam quais forem as
variagoes e adaptagoes, a exigencia auto-imposta de que haja uma explicagao
**— *^*— —1^1**
• *
para o genero tern hmitado ou, ao menos, retardado o
de novas linhas de analise. Tanto no caso em que se propoe uma solugao baseada
no conceito de sistemas duais (que afirma a existencia dos dominios separados,
mas em interagao, do capitalismo e do patriarcado), quanto no caso de uma
ise baseada mais firmemente em discussoes marxistas ortodoxas sobre os
modos de produgao, a explicagao das origens e das transformagoes dos sistemas
de genero encontra-se fora da divisao sexual do trabalho. Famflias, lares e
sexualidades sao t no fim das contas, todos, produtos de modos cambiantes de
produgao. E assim que Engels conclufa suas exploragoes sobre A Origem da
Familial e ai que repousam, em ultima inst§ncia, as analises da economista
Heidi Hartmann. Hartmann enfatiza a necessidade de considerar o patriarcado e
o capitalismo como dois sistemas separados, mas em interagao. Mas a medida
em que ela desenvolve sua argumentagao, a causalidade economica torna-se
pnontana e o patnarcado esta sempre se desenvolvendo e mudando em
das relagoes de produgao. 15
Os primeiros debates entre as/os feministas marxistas giraram em torno dos
mesmos problemas: a rejeigao do essencialismo daquelas/es que sustentavam
que "as exigencias da reprodugao biologica" determinam a divisao sexual do
sob o capitalismo; a futilidade de se inserir "modos de reprodugao" nas
78
discussdes sobre os modos de produgao (a reprodu^ao permanece uma categoria
de oposi?ao e nao tern urn status equivalente ao do modo de producao); o reco-
determinam
as redoes de genero e que, de fato, a subordina?ao das mulheres 6 anterior ao
capitalismo e continua sob o socialismo; a busca, apesar de tudo, de uma expli-
ea?ao materialista que exclua as diferensas ffsicas naturais. 16 Uma tentativa
importante de sairdeste cfrculo de problemas veio de Joan Kelly, em seu ensaio
Theory
sociais e
;iam para
iciiijuin uus uois era causal, mas que os aois operam
simultaneamente para reproduzir as estruturas socio-economicas e as estruturas
de uma ordem social particular". A ideia de Kelly de
e os sistemas de genero teriam uma existencia independente constituiu uma
permanecer
quadro marxista levou-a a enfatizar o papel causal dos fatores economicos
determina^o do sistema de genero: "a rela?ao entre os sexos
opera de acordo com (e atraves das ) estruturas socio-economicas e tambem de
acordo com as estruturas de sexo-genero". n Kelly introduziu a ideia de uma
"realidade social sexualmente baseada" mas ela tendia a enfatizar o career so-
cial mais do que sexual desta realidade e, frequentemente, o "social", em sua
utiliza9ao, era concebido em termos de relates economicas de producao.
A andlise da sexualidade que foi mais longe, entre as feministas marxistas
americanas, encontra-se em Powers of Desire, urn volume de ensaios publicado
em 1983. 18 Influenciadas pela crescente atengao dada k sexualidade entre ativistas
polfticos/as e pesquisadores/as, pela insistencia do filosofo frances Michel Fou-
cault de que a sexualidade e produzida em contextos historicos, pela convicsao
de que a "revolugao sexual" contempcranea exigia uma analise seria, as autoras
centraram suas interroga?oes na "polftica sexual". Assim fazendo, elas colocaram
a questao da causalidade e propuseram uma serie de solu ? oes; de fato, o mais
instigante neste volume e a falta de unanimidade analftica, seu sentido de tensao
analftica. Se as autoras individuals tendiam a sublinhar a causalidade dos
contextos sociais (que, com frequfencia, quer dizer "economicos"), elas, nao
obstante, inclufam susestoes sobre a imoort&ncia de se estnHar a "^mihirarAn
umas
tambem um
reconhecimento crucial da necessidade de compreender "o vinculo" complexo
"entre a sociedade e uma estrutura psfquica persistente". 19 De um lado, as orga-
nizadoras desta coletanea endossam o argumento de Jessica Benjamim de que a
polftica deve conceder aten?ao "aos componentes erdticos e fantasmSticos da
humana", mas, por outro lado, nenhum outro ensaio, salvo este de Beniamim
aborda completa ou seriamente as questoes tedricas que ela levanta. 20 H£, em
^ . m *
um pressuposto tacito que percorre o volume
79
mo pode ser ampliado para incluir discussoes sobre ideologia, cultura e psicolo-
gia, e que esta ampliacao sera efetuada atraves do mesmo tipo de exame concrete
dos dados efetuados na maioria dos artigos. A vantagem de uma tal abordagem
€ que ela evita divergencias agudas de posif ao; sua des vantagem e que ela deixa
intacta uma teoria ja plenamente articulada, que remete as relates entre os
sexos as relacoes de produ^ao.
Uma compara^ao entre as tentativas exploratorias e relativamente amplas
das/os feministas marxistas americanas/os e as de suas/seus homolog
inglesas/es, mais estreitamente ligadas/os a polftica de uma tradi<jao marxista
forte e viavel, revela que as/os inglesas/es ti veram maior dificuldade em contestar
os fatores limitantes das explicates estri tamente deterministas. Essa dificuldade
pode ser vista de maneira mais espetacular nos debates recentes, surgidos na
New Left Review, entre Michele Barret e seus/suas crftieos/as, os/as quais a
acusavam de abandonar uma analise materialista da divisao sexual do trabalho
sob o capitalismo. 21 Ela pode ser vista tambem no fato de que os/as pesquisadores/
as que tinham inicialmente empreendido uma tentati va feminista de reconciliagao
entre a psicanalise e o marxismo, e que tinham insistido na possibilidade de
uma certa fusao entre os dois, escolheram hoje uma ou outra dessas posigoes
22 A dificuldade tanto para as/os feministas inglesas/es quanto para as/
os americanas/os que trabalham dentro do quadro do marxismo e evidente nos
trabalhos que mencionei aqui. O problema que elas/eles enfrentam e o inverso
daquele coiocado pela teoria do patriarcado, pois, no interior do marxismo, o
conceito de genero foi, por muito tempo, tratado como um sub-produto de
estruturas economicas cambiantes; o genero nao tinha af um status analftico
entee
Um exame da teoria psicanalftica exige uma distincao entre escolas, ja" que
se teve a tendencia de classificar as diferentes abordagens segundo as origens
nacionais de seus fundadores ou da maioria daqueles/as que as aplicam. Ha a
Escola Anglo-americana, que trabalha nos termos das teorias de relafao de objeto
iect-relation theories). Nos Estados Unidos, Nancy Chodorow e o nome
mais prontamente associado com esta abordagem. Alem disso, o trabalho de
Carol Gilligan teve um impacto muito vasto sobre a produgao cientffica
americana, incluindo a historia. O trabalho de Gilligan se inspira no de Chodorow,
embora ela esteja menos preocupada com a constru^ao do sujeito do que com o
desenvolvimento moral e o comportamento. Em contraste com a escola anglo-
americana, a escola francesa esta baseada em leituras estruturalistas e pos-
estruturalistas de Freud no contexto das teorias da linguagem (para as feministas
a figura central e Jacques Lacan).
Ambas as escolas estao preocupadas com os processos pelos quais a
identidade do sujeito e criada, ambas se centram nas primeiras etapas do
da crianca a fim de encontrar pistas sobre a formagao
identidade de genero. As teoricas das relates de objeto enfatizam a influencia
80
da experiencia concreta (a crianca ve, ouve, tern relacoes com aqueles que se
ocupam dela, em particular, obviamente, com seus pais), enquanto os/as pos-
estruturalistas enfatizam o papel central da linguagem na comunicacao, na
interpretacao e na representacao do genero, (Para os/as pos-estruturalistas, "lin-
guagem" nao designa palavras, mas sislemas de significasao — ordens simbolicas
— que precedem o domfnio real da fala, da leitura e da escrita). Uma outra
diferenca entre essas duas escolas de pensamento refere-se ao inconsciente, que
para Chodorow e, em ultima instancia, suscetivel de compreensao consciente,
enquanto que, para Lacan, nao o e. Para os/as lacanianos/as, o inconsciente e
um fator decisivo na construcao do sujeito; ademais, e o lugar da divisao sexual
«»„_ __:r- i_i»
e, por esta razao, um lugar de instabilidade constante para o sujeito "generificado
(gendered).
Nos ultimos anos, as/os historiadoras/es feministas foram atraidas/os por
essas teorias, seja porque elas servem para endossar dados especificos com base
em observacoes gerais, seja porque elas parecem oferecer uma formulacao te6rica
importante no que concerne ao genero. Cada vez mais, os/as historiadores/as
que trabalham com o conceito de "cultura feminina" citam os trabalhos de
Chodorow e Gilligan tanto como prova quanto como explica?ao de suas
interpretacoes; aquelas/es que tern problemas com a teoria feminista se voltam
para Lacan. Ao final das contas, nenhuma destas teorias me parece inteiramente
utilizavel pelos/as historiadores/as; um olhar mais atento sobre cada uma pode
ajudar a explicar por que.
Minha reserva para com a teoria de relagoes de objeto concentra-se em seu
literalismo, no fato de basear a produ9§o de identidade de genero e a genese da
transforma^ao em estruturas de interagao relativamente pequenas.Tanto a divisao
de trabalho na famflia quanto a atribui?ao real de tarefas a cada um dos pais
desempenham um papel crucial na teoria de Chodorow. O resultado dos sistemas
ocidentais dominantes e uma divisao clara entre masculino e feminino: **0 sentido
feminino do eu e fundamentalmente ligado ao mundo, o sentido masculino do
eu e fundamentalmente separado". 23 Segundo Chodorow, se os pais (homens)
estivessem mais envolvidos no cuidado com os/as filhos/as e mais presentes nas
situagoes domesticas, as consequencias do drama edipiano seriam provavelmente
diferentes. 24
Esta interpreta?ao limita o conceito de genero a esfera da famflia e a expe-
riencia domestica e, para o historiador, ela nao deixa meios para ligar esse con-
ceito (nem o indivfduo) a outros sistemas sociais, economicos, polfticos ou de
poder. Sem duvidaesta implfcito que os arranjos sociais que exigem que os pais
trabalhem e as maes executem a maioria das tarefas de cria^ao das crian5as
estruturam a organ iza^ao da famflia. Mas nao estao claras a origem nem as
razoes pelas quais eles estao articulados em termos de uma divisao sexual do
trabalho. Tampouco se discute a questao da desigualdade, por oposigao a da
assimetria. Como podemos explicar, no interior desta teoria, a persistente asso-
81
ciacao entre masculinidade e poder, o fato de que se valoriza mais a
do que a feminilidade? Como podemos explicar a forma peia qual as cnancas
parecem aprender essas associates e avaliacoes mesmo quando elas vivem
fora de lares nucleares, ou no interior de lares onde o marido e a mulher dividem
as tarefas familiares? Penso que nao podemos fazer isso sem conceder uma
certa atencao aos sistemas de significado, quer dizer, aos modos pelos quais as
represenlam o gSnero, servem-se dele para articular as regras de
relacoes sociais ou para construir o significado da experiencia. Sem significado,
nao ha experiencia; sem processo de significacao, nao ha significado.
A Iinguagem e o centro da teoria lacaniana; e a chave de acesso da crianca
a ordem simb61ica. Atraves da Iinguagem e construida a identidade generificada
(gendered). Segundo Lacan, o falo e o significante central da diferenca sexual.
\/f oc. n einnifirnAn Hn fain de.ve ser lido de maneira metaforica. O drama edipiano,
termos da interacao cultural, ja que a ameaca
de castracao representa o poder, as regras da lei (do Pai). A relacao da crianca
com a lei depende da diferenca sexual, de sua identificacao imaginativa (ou
fantasmatica) com a masculinidade ou a feminilidade. Em outras palavras, a
imDOsicao de reeras de interacao social e* inerente e especificamente generificada,
iami
Mas a identificacao de genero, mesmo que pareca sempre coerente e fixa, e, de
fato, extremamente instavel. Como sistemas de significado, as identidades
subjetivas sao processos de diferenciacao e de distingao, que exigem a supressao
de ambiguidades e de elementos de oposifao, a fun de assegurar (criar a ilusao
de) uma coerencia e (de) uma compreensao comum. A ideia de masculinidade
repousa na repressao necessaria de aspectos femininos — do potencial do sujeito
para a bissexualidade — e introduz o conflito na oposi^ao entre o masculino e o
feminino. Os desejos reprimidos estao presentes no inconsciente e constituem
uma ameafa permanente para a estabilidade da identificacao de genero, negando
sua unidade, subvertendo sua necessidade de seguran?a. Alem disso, as ideias
conscientes sobre o masculino ou o feminino nao sao fixas, uma vez que elas
variam de acordo com as utilizacoes contextuais. Sempre existe urn conflito,
pois, entre a necessidade que tern o sujeito de uma aparencia de totalidade e a
imprecisao da terminologia, seu significado relativo, sua dependencia da re-
pressao. 25 Este tipo de interpretacao torna problematicas as categorias de
u homem ,, e "mulher", ao sugerir que o masculino e o feminino nao sao caracte-
risticas inerentes, mas constructos subjetivos (ou ficcionais). Essa interpreta?ao
implica tambem que o sujeito se acha em urn processo constante de construct
e oferece um meio sistematico de interpretar o desejo consciente e inconsciente,
ao destacar a Iinguagem como um objeto apropriado de analise. Enquanto tal eu
a
* i
Entretanto, sinto-me incomodada pela fixacao exclusiva em questoes
relativas ao sujeito individual e pela tendencia a reificar, como a dimensao cen-
82
tral do genero, o antagonismo subjetivamente produzido entre homens e mulheres.
Alem do mais, mesmo que a maneira pela qual "o sujeito" e construido permanesa
aberta, a teoria tende a universalisar as categorias e as rela§6es entre masculino
e feminino. A consequencia para os/as historiadores/as e uma leitura redutiva
dos dados do passado. Mesmo que essa teoria tome em considera^ao as redoes
sociais, ao ligar a castragao a proibi9ao e a lei, ela nao permite introduzir uma
nogao de especificidade e de variabilidade histdrica. O falo e o unico significant^
o processo de constru^ao do sujeito generificado e, em ultima instancia, previsivel
j a que e sempre o mesmo. Se, como sugere a teorica do cinema Teresa de Lauretis,
temos necessidade de pensar a constru^ao da su
sociais e historicos, nao ha nenhum meio de precisar estes contextos nos termos
que propoe Lacan. De fato, mesmo na tentativa de Lauretis, a realidade social
(quer dizer, as rela^oes "materials, economicas e interpessoais que sao, de fato,
sociais e, numa perspectiva mais ampla, historicas") parece se situar fora do
sujeito. 26 O que esta faltando e uma forma de conceber a "realidade social" em
termos de genero.
O problema do antagonismo sexual nessa teoria tern dois aspectos. Em
primeiro lugar, ele projeta urn certo carater intemporal, mesmo quando est£
bem historicizado, como no caso de Sally Alexander. Sua leitura de Lacan a
conduziu a conclusao de que u o antagonismo entre os sexos e urn aspecto inevi
tavel da aquisi^ao da identidade sexual...Se o antagonismo esta sempre latente,
e possfvel que a historia nao possa oferecer nenhuma solu^ao final, mas apenas
a remoldagem e reorganizagao permanente da simboliza^ao da diferenQa e da
divisao sexual do trabalho". 27 E talvez meu incorrigfvel utopianismo que faz
com que eu duvide dessa formulagao, ou entao o fato de que eu nao soube ainda
me desfazer da episteme do que Foucault chamava de Idade Classica. Seja o
que for, a formulagao de Alexander contribui para fixar a oposigao binaria entre
masculino-feminino como a unica rela§ao possfvel e como um aspecto perma-
nente da condi^ao humana. Ela perpetua, mais do que poe em questao, aquilo
que Denise Riley designa como o "terrivel ar de constSncia da polaridade sexual".
Ela escreve: "o carater historicamente construido da oposigao (entre masculino
e feminino) produz como um de seus efeitos precisamente este ar de uma oposi^ao
invariante e monotona entre homens/mulheres". 28
E precisamente esta oposi9ao, em todo o seu tedio e monotonia, que (para
vol tar ao lado anglo-saxao) € posta em evidencia no trabalho de Carol Gilligan.
Gilligan explica as trajetorias divergentes de desenvolvimento moral seguidas
por meninos e meninas, em termos de diferen^as de "experiencia" (de realidade
vivida). Nao e surpreendente que os/as histonadores/as das mulheres
recuperado suas id£ias e as tenham utilizado para explicar as "vozes
que os trabalhos desses/as historiadores/as lhes haviam possibilitado ouvir. Os
problemas com esses emprestimos sao multiplos e eles estao logicamente
conectados. 29 O primeiro problema e um deslizamento que frequentemente ocorre
*
83
na atribuigao da causalidade: a argumentagao comega por uma afirmagao do
tipo "a experiencia das mulheres leva-as a fazer escolhas morais que dependem
de contextos e de relates" para se transformar em "as mulheres pensam e
escolhem este caminho porque elas sao mulheres". Esta implfcita nessa linha de
raciocinio uma ideia a-hist6rica, senao essencialista, de mulher. Gilligan e outros/
as extrapolaram sua describe baseada numa pequena amostra de alunas
americanas do fim do sSculo XX, a todas
evidente, principalmente, mas nao exclusivamente, nas discussoes de alguns/
mas historiadores/as da "cultura feminina" que reunem dados desde as santas
da Idade Media as militantes sindicalistas modernas e os reduzem para provar a
hipotese de Gilligan sobre a suposta preferSncia feminina universal por
estabelecer e cultivar rela^oes pessoais. 30 Esse uso das ideias de Gilligan se
r t ._ icep?
da "cultura feminina" que podem ser encontradas no simposio de Feminist Studies
de 1980. 31 De fato, uma comparagao desta serie de artigos com as teorias de
Gilligan revela a que ponto sua nogao e a-historica, definindo a categoria homem/
mulher como uma oposigao binaria universal que se auto-reproduz — fixada
sempre da mesma maneira. Ao insistir sempre nas diferen§as fixadas (no caso
de Gilligan, ao simplificar os dados atraves da utiliza?ao das mais heterogeneas
informagoes sobre o sexo e o raciocinio moral, para sublinhar a diferen^a sexual),
ministas reforcam o tipo de pensamento
insistam
elas nao examinam a oposigao binaria em si.
que
uma
termos
Devemos nos tornar mais auto-conscientes da distingao entre
nosso vocabulario analftico e o material que queremos analisar Devemos
encontrar formas (mesmo que imperfeitas) de submeter sem cessar nossas cate-
gorias a critica e nossas analises h auto-critica. Se utilizamos a defmi^ao de
desconstrugao de Jacques Derrida, essa critica significa analisar , levando em
conta o contexto, a forma pela qual opera qualquer oposigao binaria, revertendo
e deslocando sua constru^ao hierarquica, em vez de aceita-la como real ou auto-
evidente ou como fazendo parte da natureza das coisas. 32 E evidente que, num
certo sentido, as/os feministas vem fazendo isso por muitos anos. A historia do
pensamento feminista € uma hist6na da recusa oa consiru^ao ruerdu
relacao entre masculino e feminine, em seus contextos especfficos, e uma
para reverter ou deslocar suas opera?oes. Os/as historiadores/as feministas estao
teonzar
como uma categoria analftica.
84
II
A preocupagao teorica com o genero como uma categoria analftica so e-
mergiu no fim do seculo XX. Ela est£ ausente das principals abordagens de
teoria social formuladas desde o seculo XVIII ate o comedo do seculo XX. De
fato, algumas destas teorias construiram sua 16gica a partir das analogias com a
opo-si^ao entre masculino/feminino, outras reconheceram uma "questao
femiiuna", outras ainda se preocuparam com a formulasao da identidade sexual
subjetiva, mas o genero, como uma forma de falar sobre sistemas de rela§5es
sociais ou sexuais nao tinha aparecido. Esta falta poderia explicar em parte a
dificuldade que tiveram as feministas contemporaneas de incorporar o termo
"gSnero" ks abordagens te6ricas existentes e de convencer os adeptos de uma
ou outra escola te6rica de que o genero fazia parte de seu vocabulario. O termo
"gfinero" faz parte da tentativa empreendida pelas feministas contemporaneas
para reinvindicar urn certo terreno de definicao, para subhnhar a incapacidade
das teorias existentes para explicar as persistentes desigualdades entre as mulheres
e os homens. E, na minha opiniao, significativo que o uso da palavra "genero"
tenha emergido num momento de grande efervescencia epistemologica que toma
a forma, em certos casos, da mudan§a de um paradigma cientffico para um
paradigma literario, entre os/as cientistas sociais (da enfase posta na causa para
a Snfase posta no significado, confiindindo os generos da in vestigagao, segundo
a formula9ao do antrop61ogo Clifford Geertz). 33 Em outros casos, esta mudansa
toma a forma de debates teoricos entre aqueles/as que afirmam a transparencia
dos fatos e aqueles/as que enfatizam a ideia de que toda realidade e interpretada
ou construida, entre os/as que defendem e os/as que poem em questao a ideia de
que o homem e o dono racional de seu proprio destino.
No espa§o aberto por este debate, posicionadas ao lado da crftica da ciencia
desenvolvida pelas humanidades e da crftica do empirismo e do humanismo
desenvolvido pelos/as pos-estruturalistas, as feministas nao somente comegaram
a encontrar uma voz teorica propria; elas tambem encontraram aliados/as
academicos/as e polfticos/as. E dentro desse espa9o que n6s devemos articular
o genero como uma categoria analftica.
O que poderiam fazer os/as historiadores/as que, depois de tudo, viram sua
disciplina rejeitada, por alguns/mas teoricos/as recentes, como uma relfquia do
»
pensamento humanista? Nao penso que devemos deixar os arqui vos ou
o estudo do passado, mas acredito, isto sim, que devemos mudar alguns de
nossos habitos de trabalho, algumas questoes que temos colocado. Devemos
examinar atentamente nossos metodos de analise, clarificar nossas hipoteses de
trabalho, e explicar como a mudan^a ocorre. Em vez da busca de origens unicas,
temos que pensar nos processos como estando tao interconectados que nao podem
ser separados . E evidente que isolamos certos problemas para serem estudados
e que estes problemas constituem pontos de partida ou de entrada para processos
■
85
devemos
passaram
por que elas se passaram; segundo a fonnula^ao de Michelle Rosaldo, devemos
buscar nao uma causalidade geral e universal, mas uma explicayao baseada no
lumana
forma
que suas atividades adquirem atraves da interasao social concreta". 34 Para buscar
o significado, precisamos lidar com o sujeito individual, bem corao com a
onranizacao social, e articular a natureza de suas interrelacoes, pois ambos sao
cruciais para compreender como funciona o genero, como ocorre a
Finalmente, 6 preciso substituir a no?ao de que o poder social e unificado,
coerente e centralizado por algo como o conceito de poder de Michel Foucault,
entendido como constela^oes dispersas de relates desiguais, discursivamente
constituidas em "campos de for9a" sociais. 35 No interior desses processos e
estruturas
construir uma
vida, um conjunto de redoes, uma sociedade estabelecida dentro de certos
limites e dotada de uma linguagem — uma linguagem conceitual que estabele^a
fronteiras e contenha, ao mesmo tempo, a possibilidade da nega?ao, da resisten-
cia, da reinterpreta?ao e permita o jogo da inven^ao metaforica e da imagina?ao.
Minha definigao de genero tern duas partes e diversas subconjuntos, que
estao interrelacionados, mas devem ser analiticamente diferenciados. O niicleo
da defini9ao repousa numa conexao integral entre duas proposi^oes : ( 1 ) o genero
e um elemento constitutive de relates sociais baseadas nas diferengas percebidas
entre os sexos e (2) o genero e uma forma primaria de dar significado as rela^oes
de poder. As mudan^as na organiza^ao das rela^des sociais correspondem sempre
a mudan^as nas representasoes do poder, mas a mudan^a nao e unidirecional,
Como um elemento constitutive das redoes sociais baseadas nas diferen^as
percebidas,o genero implica quatro elementos interrelacionados: em primeiro
lugar, os simbolos culturalmente disponiveis que evocam representa§6es
bolicas (e com frequfincia contraditorias) — Eva e Maria como simbolos da
mulher, por exemplo, na tradigao crista ocidental — mas tambem mitos de luz e
escuridao, purifica^ao e polui^ao, inocencia e corrup^ao. Para os/as historiadores/
as, a questao importante e: que representagoes simbolicas sao invocadas, como,
e em quais contextos? Em segundo lugar, conceitos normativos que expressam
interpretagoes dos significados dos simbolos, que tentam limitar e conter suas
possibilidades metaforicas. Esses conceitos estao expressos nas doutrinas
religiosas, educativas, cientfficas, politicas ou juridicas e tomam a forma tfpica
de uma oposi^ao binaria fixa, que afirma de maneira categorica e inequfvoca o
significado do homem e da mulher, do masculino e do feminino. De fato, essas
irmi
rtamente
86
™
quais circunstancias" 6 a questao que deveria preocupar os/as historiadores/as).
A posigao que emerge como posi^ao dominante e, contudo, declarada a unica
possfvel. A historia posterior 6 escrita como se essas posi95es normativas fossem
o produto do consenso social e nao do conflito. Um exemplo desse tipo de
historia e dado por aqueles que tratam a ideologia vitoriana da dpmesticidade
como se ela tivesse sido criada em bloco, e tivesse sido contestada apenas depois
disso, inv£s de ser o objeto constante de grandes diferen^as de opiniao. Um
outro exemplo vem dos grupos religiosos fundamentalistas atuais, que querem
ligar necessariamente suas praticas a restaura^ao do papel "traditional" das
, supostamente mais autentico, embora, na realidade, haja poucos
antecedentes historicos que testemunhem a existencia inconteste de um tal papel.
O desafio da nova pesquisa historica consiste em fazer explodir essa no9ao
de fixidez, em descobrir a natureza do debate ou da repressao que leva a aparencia
uma permanencia intemporal na representagao binaria do genero. Esse tipo
de analise deve incluir uma concep9ao de politica bem como uma referenda as
■ — — ^^^-
institui^des e a organiza^ao social — este e o terceiro aspecto das relates de
genero.
Certos/as pesquisadores/as, principalmente os/as antropologos/as, t8m
restringido o uso do genero ao sistema de parentesco (centrando-se no lar e na
familia como a base da organiza^ao social). Temos necessidade de uma visao
mais ampla que inclua nao somente o parentesco mas tambem (especialmente
para as complexas sociedades modernas) o mercado de trabalho ( um mercado
de trabalho sexualmente segregado faz parte do processo de construgao de
genero), a educa^ao ( as institutes de educa^ao somente masculinas, nao mistas,
ou de co-educa^ao fazem parte do mesmo processo), o sistema politico (o sufragio
universal masculino faz parte do processo de constru9ao do genero). Nao tern
muito sentido reconduzir a for9a estas institui9oes a sua utilidade funcional para
o sistema de parentesco, ou sustentar que as redoes contemporaneas entre os
homens e as mulheres sao artefatos de sistemas anteriores de parentesco baseados
na troca de mulheres. 36 O genero 6 construido atraves do parentesco, mas nao
exclusivamente; ele e construfdo igualmente na economia e na organiza9ao
ica, que, pelo menos em nossa sociedade, operam atualmente de maneira
amplamente independente do parentesco.
O quarto aspecto do genero e a identidade subjetiva. Concordo com a ideia
da antropologa Gayle Rubin de que a psicanalise fornece uma teoria importante
sobre a reprodu9ao do genero, uma descri9ao da "transforma9ao da sexualidade
Sgica dos indivfduos enquanto passam por um processo de encultura9ao". 37
a pretensao universal da psicanalise constitui, para mim, um problema.
a teoria lacaniana possa ser util para a reflexao sobre a constru9ao da
identidade generificada, os/as historiadores/as precisam trabalhar de uma forma
mais hist6rica. Se a identidade de genero esta baseada unica e universalmente
no medo da castra$ao, nega-se a relevancia da investiga^ao historica. Alem
87
disso os homens e as mulheres reais nao cumprem sempre, nem cumprem
literalmente, os termos das prescribes de sua sociedade ou de nossas categorias
analiticas. Os/as histori adores/as precisam, em vez disso, examinar as formas
pelas quais as identidades generificadas sao substantivamente construfdas e
relacionar seus achados com toda uma s£rie de atividades, de organiza9oes e
representa^oes sociais historicamente especfficas. Nao 6 de se estranhar que as
melhores tentativas neste domfnio tenham sido, ate o presente, as biografias: a
interpreta^ao de Lou Andreas-Salome por Biddy Martin, o retrato de Catharine
• Beecher por Kathryn Sklar, a vida de Jessie Daniel Ames por Jacqueline Hall e
a reflexao de Mary Hill sobre Charlotte Perkins Gilman. 38 Mas os tratamentos
coietivos sao igualmente possfveis, como o mostram Mrinalini Sinha e Lou
Ratte, em seus respectivos estudos, sobre a constru?ao de uma identidade de
genero entre os administradores coloniais britanicos na India, e para os hindus
educados na cultura britanica que se tornaram dirigentes nacionalistas anti-
39
inipenaiistas.
A primeira parte da minha definite de genero, entao, 6 composta desses
quatro elementos e nenhum dentre eles pode operar sem os outros. No entanto
eles nao operam simultaneamente, como se um fosse urn simples reflexo do
outro. De fato, e uma questao para a pesquisa historica saber quais sao as relac, des
entre esses quatro aspectos. O esbogo que eu propus do processo de construclo
das relacoes de genero poderia ser utilizado para examinar a classe, a raja, a
etnicidade ou qualquer processo social. Meu proposito foi clarificar e especificar
como se deve pensar o efeito do genero nas relacoes sociais e institucionais,
porque essa reflexao nem sempre tem sido feita de maneira sistematica e precisa.
A teorizacao do genero, entretanto, e desenvolvida em minha segunda proposicao:
o genero e uma forma primaria de dar signiflcado as relacoes de poder. Seria
melhor dizer: o genero e um campo primario no interior do qual, ou por meio do
_
qual, o poder e articulado. O genero nao e o unico campo, mas ele parece ter
sido uma forma persistente e recorrente de possibilitar a significa ? ao do poder
no ocidente, nas tradigoes judaico-cristas e islamicas. Como tal, esta parte da
definisao poderia aparentemente pertencer a se§ao normativa de meu argumento,
isso nao ocorre, pois os conceitos de poder, embora se baseiem no genero,
nem sempre se referem literalmente ao genero em si mesmo. O sociologo frances
Pierre Bourdieu tem escrito sobre como a "di-visao do mundo", baseada em
referencias as "diferen?as biologicas, e, notadamente, aquelas que se referem a
divisao do trabalho de procria$ao e de reprodugao", operam como "a mais
fundada das ilusoes coletivas". Estabelecidos como um conjunto objetivo de
, os conceitos de genero estTuturam a percepclo e a organizacao
concreta e simbolica de toda a vida social. 40 Na medida em que essas referencias
estabelecem distribui^oes de poder (um controle ou um acesso diferencial aos
recursos materials e simbolicos), o genero torna-se implicado na concep?ao e
na constni9ao do proprio poder. O antropologo francos Maurice Godelier assim
88
o formulou: "(•*■) nao e a sexualidade que assombra a sociedade, mas antes a
sociedade que assombra a sexualidade do corpo. As diferengas entre os corpos,
relacionadas ao sexo, sao constantemente solicitadas a testemunhar as redoes
sociais e as realidades que nao tem nada a ver com a sexualidade. Nao somente
testemunhar, mas testemunhar para, ou seja, legitimar". 41
A fungao de legitimagao do genero age de varias maneiras. Bourdieu, por
exemplo, mostrou como, em certas culturas, a exploragao agrfcola era org;
segundo coneeitos de tempo e de estagao que se baseavam em definigoes
especfficas da oposigao entre masculino e feminino. Gayatri Spivak fez uma
analise perspicaz dos usos do genero e do colonialism© em certos textos de
escritoras britanicas e americanas. 42 Natalie Davis mostrou como os coneeitos
de masculino e feminino estavam relacionados a aceitagao e ao questionamento
das regras da ordem social no primeiro perfodo da Franca moderna. 43 A
historiadora Caroline Bynum deu nova luz a espiritualidade medieval pela
importancia atribufda as relagoes entre os coneeitos do masculino e do feminino
e o comportamento religioso. Seu trabalho nos permite melhor compreender as
formas pelas quais esses coneeitos orientaram a polftica das instituigoes
monasticas e as crengas individuais. 44 Os/as historiadores/as da arte abriram um
novo territorio ao extrair implicagoes sociais das representagoes literais dos
e das mulheres. 45 Essas interpretagoes estao baseadas na ideia de que as
guagens conceituais empregam a diferenciagao para estabelecer o significado
e que a diferenga sexual e uma forma primaria de dar significado a diferenciagao. 46
O genero, entao, fornece um meio de decodificar o significado e de compreender
as complexas conexoes entre varias formas de interagao humana. Quando os/as
buscam encontrar as maneiras pelas quais o conceito de genero
legitima e constroi as relagoes sociais, eles/elas comegam a compreender a
natureza reciproca do genero e da sociedade e as formas particulares e
contextualmente especfficas pelas quais a polftica constroi o genero e o genero
constroi a polftica.
A polftica e apenas uma das areas na qual o genero pode ser utilizado para
analise historica. Escolhi os exemplos seguintes, ligados a polftica e ao poder,
no sentido mais tradicional, quer dizer, naquilo que enfatizam o governo e o
Estado-nagao, por duas raz5es. Em primeiro lugar, porque se trata de um territ6rio
praticamente inexplorado, ja que o genero tem sido percebido como uma cate-
goria antitetica as tarefas serias da verdadeira polftica. Em segundo lugar, porque
a historia polftica — ainda o modo dominante de pesquisa historica — tem sido
o bastiao de resistencia a inclusao de materiais ou questoes sobre as mulheres e
o genero.
O genero tem sido utilizado literal ou analogicamente na teoria polftica
para justificar ou criticar reinado de monarcas e para expressar as relagoes entre
governantes e governados. Obviamente era de se esperar que os debates dos
contemporaneos sobre os reinados de Elizabeth I da Inglaterra e de Catarina de
89
Medici na Franca ti vessem tratado da questao da capacidade das mulheres para
a direcao polftica; mas em um perfodo onde parentesco e realeza estavam intrin-
secamente ligados, as discussoes sobre os reis homens tambem estavam
preocupadas com a masculinidade e a feminilidade. 47 As analogias com a relacao
marital dao uma estrutura para os argumentos de Jean Bodin, Robert Filmer e
John Locke. O ataque de Edmund Burke contra a Revolucao Francesa se desen-
volve ao redor de um contraste entre as harpias feias e assassinas dos sans-
culottes (as megeras do inferno, sob a forma desnaturada da mais vil das mulhe-
res) e a doce feminilidade de Maria Antonieta, que escapa a multidao "para
procurar refugio aos p6s de um rei e de um marido" e cuja beleza tinha ja inspirado
o orgulho nacional. (E em referenda ao papel apropriado ao feminine dentro da
ordem polftica que Burke escreveu: "para que possamos amar nossa patna, nossa
patria deve ser amdvel"). 48 Mas a analogia nao concerne sempre ao casamento
nem mesmo a heterossexualidade. Na teoria polftica da Idade Media islamica,
os sfmbolos do poder politico fizeram mais frequentemente alusao as relacoes
sexuais entre um homem e um rapaz, sugerindo nao somente a existencia aceitavel
de formas de sexualidade comparaveis as que descreve Foucault em seu ultimo
livro a respeito da Grecia classica, mas tambem a irrelevancia das mulheres
para qualquer nocao de polftica e de vida publica. 49
Para que este ultimo coment&io nao seja interpretado como uma afirmacao
de que a teoria polftica reflete simplesmente a organizacao social, parece irn-
portante observar que as mudancas nas relacoes de genero podem se produzir a
partir de consideracoes sobre as necessidades de Estado. Um exemplo surpre-
endente e fornecido pela argumentacao de Louis de Bonald, em 1816, sobre as
razoes pelas quais a legislacao da Revolu9ao francesa sobre o divorcio tinha
que ser rejeitada:
"Do mesmo modo que a democracia polftica permite ao povo, parte fraca da
sociedade politica, se voltar contra o poder estabelecido, tambem o divorcio,
verdadeira democracia domes tica, permite a esposa, parte fraca, rebelar-se
contra a au tor idade marital... A fim de manter o Estado fora das maos do
povo, e necessdrio manter afamiliafora das maos das esposas e dosfilhos. ' t5 °
Bonald comeca com uma analogia para estabelecer, em seguida, uma cor-
respondencia direta entre o div6rcio e a democracia. Retomando argumentos
bem mais antigos, a prop6sito da boa ordem familiar como fundamento da boa
ordem de Estado, a legislacao que implementou esta visao redefiniu os limites
da relacao marital. Da mesma maneira, em nossa epoca, as ideologias polfticas
conservadoras desejariam fazer passar toda uma serie de leis sobre a organiza?ao
e o comportamento da famflia, que mudariam as praticas atuais. A conexao
entre os regimes autoritarios e o controle das mulheres tern sido observada, mas
nao tern sido estudada a fundo. No momento crftico para a hegemonia jacobina,
durante a Revolucao francesa, no momento em que Stalin se apoderou do controle
90
da autoridade, na implementa^ao da politica nazista na Alemanha ou no triunfo
do Ayatol£ Komehini no Ira, em todas essas circunstancias, os governantes
emergentes legitimaram a domina9ao, a forga, a autoridade central e o poder
dominante como masculinos (os inimigos, os forasteiros, os subversivos e a
ueza como remininos) e literalmente traduziram esse c6digo em leis que
puseram as mulheres no seu lugar (interditando-lhes a participa^o na vida
politica, declarando o aborto i legal, impedindo o trabalho assalariado das maes,
impondo codigos de trajar para as mulheres). S! Essas a96es e o momentode sua
ocorrencia fazem pouco sentido em si mesmas; na maior parte dos casos, o
Estado nao tinha nada de imediato ou de material a ganhar com o controle das
mulheres. Essas a^oes nao fazem sentido a menos que sejam integradas numa
analise da construgao e consolida^ao do poder. Uma afirma^o de controle ou
de for?a corporificou-se numa politica sobre as mulheres. Nesses exemplos, a
diferen^a sexual foi concebida em termos da domina^ao e do controle das
mulheres. Esses exemplos podem nos dar alguma id6ia sobre os tipos de redoes
de poder que se constroem na historia moderna, mas esse tipo particular de
rela^ao nao constitui um tema politico universal. Por exemplo, sob diferentes
aspectos, os regimes democraticos do s^culo XX tambSm tern construido suas
ideologias polfticas a partirde conceitos generificados, traduzindo-os em polfticas
concretas: o estado de bem-estar, por exemplo, demonstrou seu paternalismo
protetor atraves de leis dirigidas ks mulheres e crian9as. 52 Historicamente, alguns
movimentos socialistas ou anarquistas recusaram inteiramente as metdforas de
domina^ao, apresentando de maneira imaginativa suas crfticas de regimes ou de
organiza9des sociais particulares, em termos de transforma^oes de identidades
de genero. Os socialistas ut6picos na Fran?a e na Inglaterra, nos anos 1 830 e
1 840, conceberam seus sonhos de um futuro harmonioso em termos das naturezas
complementares dos indivfduos, ilustradas pela uniao do homem e da mulher, o
"individuo social". 53 Os anarquistas europeus eram conhecidos por sua recusa
das convenijoes do casamento burgues mas tambem por suas visoes de um mundo
no qual a diferen?a sexual nao implicava hierarquia.
Trata-se de exemplos de conexoes explicitas entre genero e poder, mas eles
nao sao mais que uma parte da minha definigao de genero como uma forma
primaria de dar significado as relagoes de poder. Com freqiiencia, a aten^ao
a ao genero nao e explicita, mas constitui, nao obstante, uma parte crucial da
organiza9ao da igualdade e da desigualdade. As estruturas hierarquicas dependem
de compreensoes generalizadas das assim chamadas redoes naturais entre
homem e mulher. No seeulo XIX, o conceito de classe dependia do genero para
sua articula9ao. Quando, por exemplo, na Fran9a, os reformadores burgueses
screviam os trabalhadores em termos codificados como femininos
(subordinados, fracos, sexualmente explorados, como as prostitutas), os Ifderes
trabalhadores e socialistas respondiam insistindo na posi9ao masculina da classe
ora (produtores, fortes, protetores de suas mulheres e criancas). Os
91
-
termos desse discurso nao se retenam explicitamente ao genero, mas eram
reforcados por referencias a ele. A "codificacao" generificada de certos termos
estabelecia e "naturalizava" seus significados. Nesse processo, definicoes nor-
mativas de genero, historicamente especfficas (e tomadas como dadas) eram
reproduzidas e incorporadas na cultura da classe trabalhadora francesa. 54
O tema da guerra, da diplomacia e da aha politica surge com frequencia
quando os/as historiadores/as da historia politica tradicional poem em questao a
utilidade do genero para seu trabalho. Mas, tambem aqui, devemos olhar para
alem dos atores e do valor literal de suas palavras. As relacoes de poder entre
nagoes e a posicao dos sujeitos coloniais tern sido compreendidas (e entao
legitimadas) em termos das relacoes entre homem e mulher. A legitimacao da
sacrificar vidas de j ovens para proteger o Estado — tomou formas
ificadas, desde o apelo explicito a virilidade (a necessidade de de
mulheres e criancas que de outro modo seriam vulneraveis), ate a crenca no
dever que teriam os filhos de servir a seus dirigentes ou ao rei (seu pai), e ainda
as associates entre a masculinidade e o poderio nacional. 55 A alta politica e,
propria, um conceito generificado, pois estabelece sua importancia crucial e
seu poder publico, suas razdes de ser e a realidade de existencia de sua autoridade
superior, precisamente as custas da exclusao das mulheres do seu funcionamento.
O genero e uma das referencias recorrentes pelas quais o poder politico tern
sido concebido, legitimado e criticado. Ele nao apenas faz referenda ao signifi-
cado da oposicao homem/mulher; ele tambem o estabelece. Para proteger o
poder politico, a referenda deve parecer certa e fixa, fora de toda construcao
humana, parte da ordem natural ou divina. Desta maneira, a oposicao binaria e
o processo social das relacoes de genero tornam-se parte do proprio signiflcado
er; por em questao ou alterar qualquer de seus aspectos amea^a o sistema
inteiro.
Se as significacoes de genero e de poder se constroem reciprocamente, como
as coisas mudam? De um ponto de vista geral, a resposta e que a mudanca pode
• .
ser iniciada em muitos lugares. As revoltas polfticas de massa que lancam velhas
ordens no caos e fazem surgir novas podem revisar os termos (e por isso a
organizacao) do gSnero na sua buscade novas formas de legitimacao. Mas elas
podem nao o fazer; nocoes antigas de genero tem tambem servido para validar
novos regimes. 56 Crises demograficas, causadas pela fome, pestes ou guerras,
podem ter colocado em questao visoes normativas de casamento heterossexual
(como foi o caso em certos meios e certos paises no correr dos anos 1920); mas
elas igualmente provocaram polfticas pro-natalistas que insistiam na importancia
exclusiva das fungoes maternais e reprodutoras das mulheres. 57 Padroes
cambiantes de emprego podem levar a novas estrategias matrimoniais e a dife-
rentes possibilidades de construcao de subjetividades, mas eles tambem podem
ser vividos como novas arenas de atividade para filhas e esposas obedientes. 58
A emergencia de novos tipos de simbolos culturais pode tornar possfvel a re-
92
interpretacao ou, mesmo, a reescrita da narrativa edipiana, mas ela pode tambem
servir para reatualizar esse ternvel drama em termos ainda mais eloqiientes.
Sao os processos polfticos que vao determinar qual resultado prevalecera —
politico no sentido de que atores diferentes e significados diferentes lutam entre
si para assegurar o controle. A natureza desse processo, dos atores e de suas
a ? 6es, so pode ser deterrmnada de forma especffica, no contexto do tempo e do
espaco. Nos so podemos escrever a historia desse processo se reconhecermos
que "homem" e "mulher" sao, ao mesmo tempo, categorias vazias e transbordan-
tes. Vazias, porque nao tern nenhum significado ultimo, transcendente. Trans-
bordantes, porque mesmo quanto parecem estar fixadas, ainda contem dentro
delas definicoes alternativas, negadas ou suprimidas.
Num certo sentido, a historia polftica tern sido jogada no terreno do genero.
Trata-se de um terreno que parece fixo, mas cujo significado e contestadb e esta
em fluxo. Se tratamos a oposicao entre homem e mulher como problemitica e
nao como conhecida, como algo que e contextualmente definido, repetidamente
construfdo, entao devemos constantemente perguntar nao apenas o que esta em
jogo em proclamacoes ou debates que invocam o genero para explicar ou
suas posicoes, mas tambem como compreensoes implicitas de genero
estao sendo invocadas ou reinscritas. Qual e a relacao entre as leis sobre as
mulheres e o poder de Estado? Por que (e desde quando) as mulheres sao invi-
siveis como sujeitos historicos, ainda que saibamos que elas participaram de
grandes e pequenos eventos da historia humana? O genero legitimou a emergencia
de carreiras profissionais? 59 Para citar o tftulo de um artigo recente da feminista
francesa Luce Irigaray, o sujeito da ciencia e sexuado?^ Qual e a relaijao entre
a polftica estatal e a descoberta do crime de homosexual idade? 61 Como as insti-
tuigoes sociais incorporaram o genero nos seus pressupostos e nas suas organi-
za?6es? Houve, em algum momento, conceitos de genero verdadeiramente i-
gualitarios sobre os quais fossem projetados ou mesmo fundados sistemas
polfticos?
A exploragao dessas questoes fara emergir uma historia que oferecera no-
vas perspectivas sobre velhas questoes (como, por exemplo, 6 imposto o poder
ico, qual e o impacto da guerra sobre a sociedade), redefinira velhas questoes
em novos termos (introduzindo, por exemplo, consideracoes sobre a famflia e a
sexualidade no estudo da economia e da guerra), tornara as mulheres visfveis
como participantes ativas e criara uma distancia analftica entre a linguagem
aparentemente fixa do passado e nossa pr6pria terminologia. Alem disso, esta
nova historia abrira possibilidades para a reflexao sobre atuais estrategias
politicas feministas e o futuro (ut6pico), pois ela sugere que o gSnero deve ser
redefinido e reestruturado em conjungao com uma visao de igualdade polftica e
social que inclua nao somente o sexo, mas tambem a classe e a raca.
93
Notes
1. Oxford English Dictionary (Oxford University Press, 1961) 4.
2. E. LittnS, Dictionnaire de la iangue francaise (Paris, 1876).
3. Raymond Williams, Keywords (Nova York: Oxford University Press, 1983), p.285.
4. Natalie Zemon Davis, "Women's History in Transition: The European Case", Femi-
nist Studies (1975-76) 3:90.
5. Ann D. Gordon, Mari Jo Buhle e Nancy Shrom Dye, "The problem of Women's
History", in Berenice Carrol, ed.. Liberating Women's History (Urbana: University of
Illinois Press), p. 89.
6. O melhor e mais sutil exemplo e o de Joan Kelly, 'The Doubled Vision of Feminist
Theory", em seu Women, History and Theory (Chicago: University of Chicago Press,
1984), pp.5 1-64, especialmente p.6L
7. Para um argumento contra o uso de "genero" para enfatizar o aspecto social da diferenca
sexual, veja Moira Gates, " A Critique of the Sex/Gender Distinction", in J. Allen e P.
Patton,eds., Beyond Marxism! (Leichardt, N.S.W.: Intervention Publications, 1985)
pp. 143-60. Concordo com seu argumento de que a distincao sexo/genero atribui uma
determinacao autonoma ou transparente ao corpo, ignorando o fato de que aquilo que
sabemos sobre o corpo constitui conhecimento cultural mente produzido. '
8.Para uma diferente caracterizacao da analise feminista, veja Linda J. Nicholson, Gen-
der and history: The limits of Social Theory in the Age of the Family (Nova York:
Columbia University Press, 1 986).
9. Mary O'Brien, The Politics of Reproduction (Londres: Routledge and Kegan Paul,
1981), pp.8.15, 46.
10. Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex ( Nova York: Bantam Books, 1970). A
"amarga amardilha" 6 de O'Brien, Politics of Reproduction, p. 8.
. » *
11. Catherine McKinnon, "Femininism, Marxism, Method, and State: An Ag
Theory", Signs (1982) 7:515, 541.
12. Ibid., pp.541, 543.
1 3. Para uma interessante discussao dos pontos fortes e dos limites do termo "patriarca-
do'\veja o debate entre as historiadoras Sheila Rowbotham, Sally Alexander e Barbara
Taylor in Raphael Samuel, ed., Peoples History and Socialist Theory (Londres:
Routledge and Keagan Paul, 1981), pp. 363-73.
t
14. Friedrich Engels, The Origins of the Family, Private Property,
reimp.. Nova York: International Publishers, 1972).
1 5. Heidi Hartmann, "Capitalism, Patriarchy and Job Segregation by Sex", Sings ( 1 976)
1:168. 'The Unhappy Marriage of marxismo and Feminism: Towards a more Pro-
gressive Union", Capital and Class (1979) 8:1-33; "The Family as the Locus of
Gender, Class, and Political Struggle: The Example of Housework", Sings (1981)
6:366-94.
16. Discussoes sobre o feminismo marxista incluem: Zillah Eisenstein,
archy and the Case for Socialist Feminism (Nova ork: Longman, 1981); A. Kuhn,
"Structures of Patriarchy and Capital in the Family", in A. Wolpe, eds., Feminism
and Materialism: Women and Modes of Production (Londres: Routledge and Kegan
94
Paul, 1978); Rosalind Coward, Patriardwl Precedents (Londres: Routledge and
Kegan Paul, 1983); Hilda Scott, Does Socialism Liberate Women ? Experiences from
Eastern Europe (Boston: Beacon Press, 1974); Jane Humphries, rr Working Class
Family, Women's Liberation and Class Struggle: The Case of Nineteenth- Century
British History" Review of Radical Political Economics (1977) 9:25-41; Jane
Humphries, "Class Struggle and the Persistence of the Working Class Family", Cam-
bridge Journal of Economics (1971) 1:241-58; e veja o debate sobre o trabalho de
Humphries em Rewiew of Radical Political Economics (1980) 12:76-94.
17. Kelly, "Doubled Vision of Feminist Theory", p.6L
18. Ann Snitow, Christine Stansell e Sharon Thompson, eds., Powers of Desire: The
Politics of Sexuality (Nova York: Monthly Review Press, 1983).
19. Ellen Ross e Rayna Rapp, "Sex and Society: A Research Note from Social History
and Anthropology", in Powers of Desire.p. 53.
20. "Introduction", Powers of Desire, p. 1 2; e Jessica Benjamin, "Master and Slave: The
Fantasy of Erotic Domination", Powers of Desire, p. 297.
21 . Johanna Brenner e Maria Ramas, "Rethinking Women's Oppression", New Left Re-
view (1984) 144:33-71; Michele Barrett, '^Rethinking Women's Oppression: A Re-
ply to Brenner and Ramas", New left Review (1984) 146:123-28; Angela Weir e
Elizabeth Wilson, "The British Women's Movement", New Left Review (1984)
148:74-103; Michele Barrett, "A Reponse to Weir and Wilson", New Left Review
(1985) 150: 143-47; Jane Lewis, "The Debateon Sex and Class", New Left Review
(1985) 149:108-20. See also Hugh Armstrong e Pat Armstrong, "Beyond Sexless
Class and Classless Sex: Towards Feminist Marxism", Studies in Political Economy
(1983) 10:7-44; Hugh Armstrong e Pat Armstrong, "Comments: More on Marxist
Feminism", Studies in Political Economy (1 984) 1 5: 1 79-84; e Jane Jenson, "Gender
and Reproduction: Or, Babies and the State", trabalho inedito, junho 1985, pp. 1-7.
22. Para formulacoes tedricas iniciais, veja Papers on Patriarchy: Conference, London
76 (Londres: sem editora, 1976). Sou grata a Jane Caplan por me contar sobre a
experiencia dessa publicacao e por sua disposicao a me emprestar seu exemplar e
por partilhar suas ideias sobre isso comigo. Para a posicao psicanalitica, veja Sally
Alexander, "Women, Class and Sexual Difference", History Workshop ( 1 984) 17: 1 25-
35. Em seminanos na Universidade de Princeton, no comeco de 1 986, Juliet Mitchell
pareceu retornar a uma enfase na prioridade das analises materialistas do genero.
Para uma tentativa de ir al6m do impasse teorico do feminismo marxista, veja Cow-
ard, Patriarchal Precedents. Veja tambe'm o brilhante esforco americano nessa direcao
feito pela antropdloga Gayle Rubin, "The Traffic in Women: Notes on the Political
Economy of Sex", in Rayna R. Reiter, ed., Towards an Anthropology of Women
(Nova York: Monthly Review Press, 1975), pp. 167-68.
23. Nancy Chodorow, The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the .
of Gender (Berkeley: University of California Press,1978), p. 169.
24. "Minna descricao sugere que essas questoes relacionados ao genero podem ser
influenciadas durante o periodo do complexo de Edipo, mas elas nao sao seu tinico
foco ou efeito. A negociacao dessas questoes ocorre no contexto de processos mais
amplos de relacao com o objeto e com o ego. Esses processos mais amplos tern igual
influencia sobre a formacao da estrutura psfquica e sobre a vida psfquica e os modos
relacionais de homens e mulheres. Eles explicam os diferentes modos de identificacao
95
e orientacao em relacao aos objetos heterossexuais, para as questoes edipianas mais
assimetricas que a psicanalise descreve. Esses efeitos tal como os efeitos edipianos
mais tradicionais, sureem da organizacao assimetrica da maternidade/paternidade,
com o papel da mae como a figura primana e o distanciamento tipicamente maior do
pai e seu investimento na socializacao, especialmente nas areas que dizem respeito a
tipificacao de genero". Nancy Chodorow, The Reproduction of Mothering, p. 166.
Denise Riley, War in the Nursery (Londres: Virago, 1984). E importante observar
que existem diferencas de interpretacao e de abordagem entre Chodorow e os/as
teorieos/as britanicos/as da relacao do objeto que seguem o trabalho de D. W. Winicott
e de Melanie Klein. A abordagem de Chodorow pode ser caracterizada, de uma
forma mais apropriada, como uma teoria mais socio!6gica ou sociologizada, mas 6 a
Lente dominante atraves da qual a teoria da relacao do objeto tern sido vista pelas
mini
Riley,
Virago, 1984).
25. Juliet Mitchell e Jacqueline Rose, eds., Jacques Lacan and the Ecole Freudienne
ova York: Norton, 1983); Alexander, "Women, Class and Sexual Difference".
26. Teresa de Laurentis, Alice Doesn't: Feminism, Semiotics, Cinema (Bloomington:
Indiana University Press, 1984), p. 159.
27. Alexander, "Women, Class and Sexual Difference", p. 135
28. E.M. Denise Riley, "Summary of Preamble to Interwar Feminist History Work",
trabalho inedito, apresentado no Pembroke Center Seminar, maio 1985, p. 11. O
argumento € mais plenamente desenvolvido no brilhante livro de Riley, "Am / That
Name?: Feminism and the Category of "Women " in History (Londres: Macmillan,
1988).
29. Carol Gilligan, In a Different Voice: Psyctwhgical Theory and Women s Develop-
ment (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1982).
30. Cnticas uteis do livro de Gilligan podem ser encontradas em: J.Auerbach et aL,
"Commentary on Gilligan's In a different Voice", Feminist Studiews (1985) 11 : 149-
62, e "Women and Morality", um numero especial de Social Research (1983) 50.
Meus comentarios sobre a tendencia dos/as hi stori adores/as a citarem Gilligan devem-
se a minha leitura de manuscritos ineditos e de propostas de pesquisa. Por isso, nao
me parece justo citi-los aqui. Venho registrando essas referencias ha mais de cinco
anos, e el as sao muitas e continuam crescendo.
3 1 . Feminist Studies (1980) 6:26-64.
32. Para um discussao sucinta e acessfvel de Derrida, veja Jonathan Culler, On
Deconstruction: Theory and Criticism after structuralism (Ithaca, N.Y.:
University Press, 1982), especialmente pp. 156-79. Veja tambem Jacques Derrida,
Of Grammatology, traduzido por Gayatri Chakravotry Spivak (Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 1974); Jacques Derrida, Spurs ( Chicago; University of
Chicago Press, 1979); e a transcricao do Seminano do Pembroke, 1983 in Subjects/
objects (outono 1984).
33. Clifford Geertz, "Blurred Genres", American Scholar (1980) 49:165-79.
34. Michelle Zimbalist Rosaldo, 'The Uses and Abuses of Anthropology: Reflections
on Feminism and Cross-Cultural Understanding", Signs(\9S0) 5:400.
96
35. Michel Foucault, The History of Sexuality, vol. 1 , Introduction (Nova York: Vintage,
1980); Michel Foucault, Power/ Knowledge Selected Interviews and Other Writings,
1972-1977 (Nova York: Pantheon, 1 980).
esse argumento, veja Rubin, 'The Traffic in Women", P. 199.
37. Ibid., p. 189.
38. Biddy Martin, "Feminism, Criticism and Foucault", New German Critique (1982)
27:3-30; Kathryn Kish Sklar, Catharine Beecher: A Study in American Domesticity
(New Haven: Yale University Press,1973); Mary A. Hill, Charlotte Perkins
Gilman.The Making of a Radical Feminist, 1860-1896 (Philadelphia: Temple Uni-
versity Press, 1980); Jacqueline Dowd Hall, Revolt Against Chivalry: Jesse Daniel
Women s Campaign Against Lynching (Nova York: Columbia Univer-
sity Press, 1974.).
39. Lou Ratte\ "Gender Ambivalence in the Indian Nationalist Movement", trabalho
inedito, Pembroke Center Seminar, primavera 1983; e Mrinalina Sinha, "Manli-
ness: A Victorian Ideal and the British Imperial Elite in India", trabalho inedito,
Department of History, State University of Nova York, S^ony Brook, 1 984, e Sinha,
"The Age of Consent Act: The Ideal of Masculinity and Colonial Ideology in Late
19th Century Bengal", Proceedings, Eight International Symposium on Asian stud-
ies, !986, pp. 11 99- 121 4.
40. Pierre Bourdieu, Le Sens Pratique (Paris: Les Editions de Minuit, 1980), pp.246-47,
333-461, especialmente p. 336.
41. Maurice Godelier, "The Origins of Male Domination", New Left Review (1981)
127:17.
■
42. Gayatri Chakravorty Spivack, "Three Women's Texts and a Critique of Imperial-
ism", Critical Inquiry (1985) 12:243-46. Veja tambem Kate Millett, Sexual Politics
(Nova York: Avon, 1969). Um exame de como as referencias femininas sao tratadas
em textos importantes da fllosofia ocidental pode ser encontrado em Luce Irigaray.
peculum of the Other Woman, traduzido por Gillian C. Gill (Ithaca, N.Y.: Cornell
University Press, 1985).
43. Natalie Zemon Davis, "Women on Top", em seu Society and Culture in Early Mo-
dern France (Stanford: Stanford University Press, 1975), pp. 124-51.
44. Caroline Walker Bynum, Jesus as Mother. Studies in the Spirituality of the High Middle
Ages (Berkeley: University of California Press, 1982); Caroline Walker Bynum. t4 Fast,
Feast, and Flesh: The Religious Significance of Food to Medieval Women' 4 Represen-
tations (1985) 11:1-25; Caroline Walker Bynum, "Introduction", Religion and Gen-
der: Essays on theComplexity of Symbols (Boston: Beacon Press, 1987). *
Veja, por exemplo, T. J. Clark, The Painting of Modern Life (Nova York: Knopf,
J985).
46. A diferen^a entre os/as teoricos/as estruturalistas e os/as p6s-estruturalistas, em relacao
a essa questao, estd no grau de abertura ou fechamento das categorias de diferenca.
Na medida em que os/as p6s-estruturalistas nao fixam um significado universal para
as categorias ou para a relacao entre elas, sua abordagem parece levar com mais
facilidade ao tipo de an&lise historica que estou defendendo.
47. Rachel Weil, *The Crown Has Fallen to the Distaff: gender and Politics in the Age of
Catherine de Medici", Critical Matrix (Priceton Working Papers in Women's Stud-
97
ies) (1985) 1. Veja tambem Louis Montrose, "Shaping Fantasies: Figurations, of
.vies). UVW'A i.-*«J a ____ . # ^ t „ M# „w««. rlQQ^^ 1 -6 -94: e Lvnn
and
(ma:
(1983) 1:95-117, nm ,y/ n i ff «% W ; '*•
1* — . , {
■
Edmund
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Stolkcal Works (Oxford: B. Blackwell,1949); e John Locke, Two Tenses of
Government (1690; reimp:, Cambridge University Press, 1970):Veja tambemEl.za-
£ FTGenovese "Property andPatriarchy in Classical Bourgeois F*ba"*»*
Radical History Rmew(1977) 4:36-59; e Mary Lyndon Shan ey Marriage Con-
m and Sociaicontract in Seventeenth Century English Pohtical Though. , West-
" ---• "utterly (1979) 3:79-91.
nard Lewis pela referenda ao M Michel ftbbifc *stoiredela
-tusage desPlaisirs (Paris: Gallimard,1984). Sobre as mulheres
: ■ i.J: »*^i. m /kwiinr "•! ihf-rated Woman*: The Classical Era,
mi Po/irica/ giiater/y ( 1979 > 3:79-91.
. i -A _. .. L
1 -it a
49. Sou grata a Bern
Sexualite,Vol 2
m Kenaie bridenthal e Claudia Kooriz, eds., Becoming Visible: Women m ^
History (Boston: Houghton Miffin, 1977), pp.75-78.
50 Citado em Roderick Phillips, "Women and Family Breakdown in Eighteenth Cen-
tury France: Rouen 1780-1800", Social History (1976) ,2:217. , q <
S^Sobre a Revo,u e 2o Francesa; veja Darlene Gay Levy, Hamet Applewhite, e Mary
Durham Johnson, eds., Women in Revolutionary, 1789-1795 (rbana. I
BlinoiS Press, 1979), pp.209-20; sobre a legisla?ao sovietica, veja os
J
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52 Bfei* Wilson, IW> «* *< >«*■« *"» «^*» : 18g» Sffl
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Lynn McDougall/Trotecting Infants: The French Campaign for Matenuty Leaves,
1890S-1913", French Historical Sn^** (1913) 13:79-105, ,. : m^W KmOJ
53 . Sobre os utopicos ingleses, veja Barbara Taylor, Sv« and Ne» *nMW>* York:
Pantheon, 1983)
54. Louis Devance, "Femmei famille, travail et Moralesexuelle dans 1 hMoUj jde
io,DH :- u^fc- -, ~»rj^fetorai & fa femiiitf aw */** wi*fc (Pans: Champion,
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Gayatri Chakravorty Spivak, -Draupadi' by Mahasveta Devi", Critical «W< ' "< '
8-381-401; Homi Bhabha, 'Of Mimicry and Man: The Ambivalence of Colonial
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L«ne5: Gc^r W two World Wars (New Haven: Yale University Press 1987), pp.
,,1 26-40. Ken Inglis, "The Representadon of Gender on Australian War Memorials",
^Daedalus (1987) 116:35-59. nl- " 'riibsM a '«
98:
56. Sobre a Revolucao Francesa, veja Levy et al., Women in Revolutionary Paris. Sobrea
"m i
Revolucao Americana, veja Mary Beth NoTton,Liberty's Daughters; The Revolu-
tionary Experience of American Women (Boston: Little, Brown, 1980); Linda Kerber,
Women of the Republic (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1980);
Joan Hoff- Wilson, 'The Illusion of Change: Women and the American Revolution",
in Alfred Young, ed., The American Revolution: Explorations in the History of Ameri-
can Radicalism (Dekalb: Northern Illinois University Press, 1976), pp. 383-446.
Sobre a Terceira Republica Francesa, veja Steven Hause, Women s Suffrage and
Social Politics in the French Third Republic (Princeton: Princeton University Press,
1984). Urn tratamento extremamente interessante de um caso recente pode ser
encontrado em Maxine Molyneux, "Mobilization Without Emancipation? Women's
Interests, the State and Revolution in Nicaragua", Feminist Studies (1985) 11:227-
54.
57. Sobre a questao do pro-natalismo, veja Riley, War in the nursery, e Jenson, "Gender
and Reproduction". Sobre os anos 20, veja os ensaios contidos em Strategies des
Femmes (Paris: Editions Tierce, 1984).
58. Para interpretagoes variadas do impacto do novo trabalho sobre as mulheres, veja
Louise A. Tilly e Joan W. Scott, Women, Work and Family (Nova York: Holt, Rinehart
and Winston, 1978: Methuen, 1987); Thomas Dublin, Women at Work: The Trans-
formation of Work and Community in Lowell, Massachusetts, 1826-1860 (Nova
York: Columbia University Press, 1 979); e Edward Shorter, The Making of the Modern
Family (Nova York: Basic Book, 1975).'
59. Veja, por exemplo, Margaret Rossi ter, Women Scientists in America: Struggles and
ategies to
more:
versi
ess
, »^u
60. Luce Irigary, "Is the Subject of Science Sexed?" Cultural Critique (1985) 1:73-88.
61 . Louis Crompton, Byron and Greek Love: Homophobia in
gland (Berkeley: University of California Press, 1985). Essa questao e* tratada em
Jeffrey Weeks, Sex, Politics and Society: The Regulation of Sexuality Since 1800
(Londres: Ley man, 1981).
Publi cacao em ingles:
SCOTT, Joan. Gender on the Politics of History. New York: Columbia University Press,
1988 (p.28-50).
Publicaclo em frances:
Us Cahiers du Grif n.37/38. Paris: Editions Tierce, 1988
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Traducao de Guacira Lopes Louro, versao em frances. Revisao de Tomaz
Tadeu da Silva, de acordo com o original em ingles.
Joan Scott e professora do Institute for Advanced Study in Princeton
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