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Full text of "Sermaõ [sic] da soledade da senhora, : prégado na sé da Bahia"

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íGiluraro 


TheGiftof 

The  Associates  of 

The  John  Cárter  Brown  Lihrary 


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Oif-  1  st- 


SERMÃO 
DA  SOLEDADE 

SENHORA, 


P  RB  G  ABO 


NA  SEDA  BAHIA 

POR   SEU   AUT  HOR 

o  R-EVEREtíDO  Doutor 

JOSEPH  ANTÓNIO 

*f  SARRE, 

Meftre  em  Artes ,  Bacharel  formado  em  os  Sagrados  Ganoacs  ,  Presbytero  feca- 

lar  ,  -Cavalleiro  da  Milícia  Aurata  ,  com  o  titulo  de  Conde 

Palatino  da  Aula  Lateranenfe. 

DEDICADO,   E  OFFE  R  ECIDO 

AoSenhorCapitam 

MATTHEUS  DE  ALMEIDA, 

Cidadaõ  da  ordem  dos  Vereadores  deila  Cidade, 
EAD     SENHOR 

ANTÓNIO  BARBOSA 

DE  OLIVEIRA, 

Capitão  da  Infanteria  da  Ordenança  defta  Praça  ,  e  Cidadão 

deíla  Cidade, 

Ajtthos  Mòrdonios  da  Rcfurreiçaò  do  Senhor  ,  na  Irmandade  d^)  SantiJJlm» 

iiacr amento  da  Sé  d/i  Bahia. 

LISBOA. 

NaOfficinadeM  ANOEL  COELHO  AMADO. 

Anno  de  M.  DCC.  I.VlíI. 
Com  todas  as  licenças  necejfarias. 


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SE  NHO  R    e  A  P  í  T  A  M 

MATTHEUS  DE  ALMEIDA, 

E5ENHORCAPITAM 

ANTÓNIO  BARBOSA 

PE   OLIVEIR4, 


llf:; 


S'^'E  ;Serma;6  ,  que  V,^  M.  ^  me 
mancarão  pregar  em  a  Sé  da  ff  a- 
hia^  nejie  anno  de  1757.,  teve  a 
^  fortmià  defer  recitado  na  prefitp- 
ça  dos  dotis  Excellentijjimos  Príncipes  j  ,que  nos  goyer- 
nao^  e  damayor  parte  da  Nobrem  ^  que  a  ejia  Cidade 
exima  ^  com  tanta  felicidade^  que  fuperahundante  re- 
muneraçap  do  trakalho ,  que  me  caufou  ^  podia  fer  o  uni- 

verfal 


tÊÊmis^m 


verfalapplaufo^  com  que  foy  ouvido  ^  naS  oijlante  algu- 
ma ímpnjtura^  com  que  hum  iniquo ,  efobre  iniquo  igno^ 
ranttjftmo^  quiz  efcurecer  o  louvor  ,com  que  os  Doutos  o 
applaudtaò\  porém  como  era  fuj eito  por  muitos  princi- 
lí^^í/^^r^?^^^^ ,  naobaftou  a  fua  maledicência  para  que 
I^.M.^r  detxãffem  de  me  fazer  a  honra  de  mo  mandarem 
mprmir.  Agradecido  lho  ofereço  ^  e  dedico ,  e  a  Deos 
rogarey  retribua  a  V.  M, ''  ejie favor  com  comofas  feli- 
cidades, i    ^     j 


Rerereníe  Capellaô 


ffofepk  António  Sarre. 


Reli- 


Reliquit  me  folam.    Luc.  lo,  14, 


í'M,^'" 


Que  fa6  para  o  Ceo  os  Áftfos  5  pa= 
ra  os  Aftros  as  luzes  ,  para  a  terra 
as  plantas ,  para  as  plantas  os  fru- 
tos  5  faó  também  para   os  pays  os 
filhos^;  e  fe  os  frutos  para  as  plan-= 
tas  faó  luílre  5  as  pJantas  para  a  ter- 
ra ornato,  as  luzes  para  os  Allros  credito,  os 
Altros  para  o  Ceo  gloria,  de  femelhante  modo 
os  Mhos  para  os  pays  faó  gloria ,  credito ,  orna» 
^1%^^^^'  Oh  magoadiffima  Senhora,  oh  fen-= 
^Ía      j     ^^^^^'  Ceo  domaisluminofo  Aftro, 
Altro  da  mais  clara  luz,  terra  da  mais  faudavel 
planta ,  planta  do  mais  fazonado  fruto,  quem 
julgara  attendida  voífa  íingukr  ventura ,  e  em 
tudo  venturofa  iinguíaridade  ,  que  havia  chegar 
tempo,  em  que  fe  viíFe  taó  nublado  cíTe  Ceo, 
íaoefcurecidoeíIeÁílro,  taÓ  deferta  eíFa  terra, 
tao  desfalecida  eíTa  planta ;  mas  fó  o  íiaó  faberia 
quemignoraíle,  que  para  íioífa  rederapçaó  foy 
deltmado  deíde  a  eternidade  o  voíFo  Aftro  para 
o  eclipfe,  avoíTa  luz  para  o  horror  ^  a  voíFa 

piau- 


íá  SermaJS 

plantapara  o  golpe  ,  o  yoflbíruto  para  a  amar- 
gura ,  nafcendo  vós  pelo  mefmo  motivo  ,  fendo 
Cço  para  o  aíTombro  ,  fendo  Aftro  para  o  def- 
mayo ,  fendo  terra  para  o  defamparo  ^  Sofiào 
planta  para  a  violência,  fendo  May  de  Deos  ho- 
mem para  a  foledade. 

Nefta  noite  fe  lembra  a  Igreja  Catholica 
4a  penpfiííima  foledade  ,  em  que  ficou  Mar^^ 
fantiíRma  ,  aufente  a  alma  de  Chriíto ,  e  fepuí- 
tado  feu  cadáver  ,  retirandofe  a  rqagoadiffima 
Senhora  ao  Cenáculo ,  ao^de  derramando  co- 
piofas  lagrimas ,  a  confíderamos  neíla  noite  pe- 
nalizada corn  o  mais  rigorofo  tormento ;  mas 
como  fó  quem  padece  pode  cabalmente  expref- 
far  Q  motivo  daíua  dor,  vamos  todos  ao  Cená- 
culo ,  e  perguntemos  á  Virgem  Senhora  qual  fe- 
ja  a  origem  de  tantas  penas,  e.de  taô  çopiofaslar 
grimas. 

Magqa,diííim,a yirgeiH  5  quaite,  ^Senhora, 
ja  eaufa  ae  eílares  taô  penalizada  ,  que  em  hum 
mar  de  lagrimas  ,  parece  ,  eílais  para  acabar 
ávida,  e  exhalar  a  alma  ?  Oh  filhos ,  refponde 
^aria  fantiííima ,  pois  ainda  que  ingratos  fem- 
pre  filhos ,  p  que  finto  ,  e  choro  naminha  fole- 
dade he  hum  Ç4;ande  numero  de  perdas,  4ií,e,W 
jçgpfa  a  gufencia  de  hum  fó  objeâo  ,  mas  talquç 
em  fiçontiiiiha  muitos  bens  ,  p>oj  iíTo  a  fua  falta 
me  he  origem  de  muitos  nitres  :  era  eíle  o  meu 
gdorado  JEJSUS  ,  Pay  meu  ,  meu  FilKo  ,  e  Efpor 
fo,luz  dos  meus  olhos,  alento  do  meu  coração, 
radical  principio  da  minha  vida ,  e  formalmente 
3  minha  alma  ;  deixoume  folitaria  :  Keliquifme 
folanpj  gufentaiidafe  dpâj  Q£Qx^d  dg  minha 

pr&' 


da  Soledade  da  Senhora»  y^ 

prefença,  e  ella  feparaçaô  me  deixou  na  mais  pe- 
nofa  orfandade :  Orborpatre^  no  maiskfíimo-5.  Bemafíf, 
fo  defamparo :  Defolorjilio ,  na  mais  ínconfofa-y^^  '^"'^"^• 
rd  viuvez  :  Fiduorfponfoj  emtenebrofas  fom-  ^'^^' 
bras ,  porque  fem  a  luz  dos  meus  olhos  :  Ltmen  p^-  37-  n. 
oculorum   meorum  ^  é^  ipfum  fion  eji  mecum^ 
em  continuado  parocifmo ,  porque  fem  alento  o  ^ 
meu  coração :  Defecit  cor  meum  ,  fem  t^ida ,  por-    ''^^' 
que  eíla  de  fua  prefença  dependia  :  Tu  mihi  t}íta  Tien.  5. 
eras  lapfa  ejl  inlacummita  mea  ^  ultimamente 
fem  alma,  porque  também  o  era  minha  :  Dcmíne  Pf-  34- 1^- 
quando  resides ,  rejiitue  animam  meam  ;  e  que 
me  caufaííe  tantas  penas  ,  qtiem  era  meu  amante 
Pay  5  meu  querido  Filho ,  e  meu  adorado  Efpo- 
foS  faó  circunítaricias  aggravántiííimas  ,  e  effica- 
eiífimamente  concernentes  para    a  mayoria  in- 
comparável de  meu  fentimento.  Em  o  Horto  fe 
entregou  meu  Filho  a  vontade  defeuPay  :  Nonu\c.22./^ii 
mea  voluntas ,  fed  tuafiat ;  em  cafa  de  Pilatos  o 
entregou  o  injufto  Juiz  á  vontade  dos  Hebreos  : 
Tradidit  eum  voluntati  eorum,  A  vontade  do 
Eterno  Pay  era,  quemorreíTe  crucificado  para 
fatisfaçaó  da  fua  juftiça  :  Hoc  praceptum  accepi 
àPatre  :  a  vontade  dos  Judeos  era,  que  acabaf- 
fe  a  vida  no  patibulo  para  fatisfaçaó  da  fua  vin- 
gança :  Crucijige^  crucijigeeum.  No  Horto ,  e 
em  cafa  de  Pilatos  aceitou  o  Senhor  a  Cruz,  mas 
com  eíla  difíerença,  que  no  Horto,  preoccupado 
de  agonias  mortaes ,  foy  tao  adiva  a  afflicçaô, 
jue  regou  a  terra  com  o  feu  fangue  difundido 
pelos  poros  :  Faãus  ejlfudor  ejus ,  ftcut  guttte 
^anguinis  decurrentis  in  ferram  ,  e  em  cafa  de 
Pilatos  naô  padeceo  meu  Filho  eíle  notável  acci- 

den-. 


B  Sermão 

dente.  A  razaô  da  differença  confiftio  em  que 
no  Horto  aceitou  o  Senhor  a  Gruz  das  ma6s  de 
fcu  Eterno  Pay ,  que  o  amava  :  em  çafa  de  Pila^ 
tos  recebeo  a  Cruz  das  maôs  dos  Hebreos  ,  que 
o  âborreçiaó ;  e  hum  tormento  dado  por  querá 
aborrece ,  como  inimigo ,  he  fupportavel  ,  mas 
dado  por  quem  ama ,  como  Pay ,  he  taô  penozo, 
que  caufou  no  Horto  a  mais  intenfa  agonia  a 
Chrifto ;  e  fendo  quem  me  deixou  folitaria  ?a.f 
meu,  que naó  ignorava  a tempeílade  de  pena% 
que  me  havia  foíobrar  em  hum  mar  de  lagrimas, 
he  circunftancia  concerneiate  para  que  eu  chore 
fmi  interpolação,  e  pene  fem  alivio  em  minha 
foledade. 

Pois  fer  quem  me  deixou  Filho  meu,  he 
circunftancia  naó  menor  para  fer  immenfa  ami^s 
Ilha  dor.  He  certo  ,  que  para  remir  aos  defçen^ 
âentes  de  Adaô  determjnou  o  ¥erbo  Divino  hu- 
manarfe  ,  e  elegendome  para  fua  May  ,  tambeni. 
eu  fuy  por  elle  remida ,  mas  por  decência  da  ma^ 
ternidade  com  huma  redempçaó  mais  nobre,  que 
jos  mais ,  porque  ^  prefervaçaó  da  original  culpa 
foy  a  minha  redempçaó  ;  e  fendo  que  o  Verbo 
Divino  foy  Advogado  para  com  o  Eterno  Padre 
pelas  creaturas  da  natureza  humana ,  oíFerecen^ 
dofe  21  remillas ,  por  mim  çom  efpecialidade  aé- 
vogou  remindoine  por  determinar  fer  meu  Filho, 
do  modo  mais  amante ,  e  exceliente ;  e  naó  obf- 
tante  eíle  íingular  patrocínio,  agora  hequem 
me  deixa ,  caufandome ,  pela  razaó  ponderada ,  f 
mayor  pena.  Com  três  lanças  matou Joab  a  Ab^ 
lalaó  ,  querendo  o  Ceo,  que  para  mais  penofo 
eaftigo  gcabaíTe  aquqllç  Príncipe  a  vida  ás  maóa 

de 


rí 


da  Soledade  da  Senhora,  9 

de  quem  por  elle  advogara,  reconciliai!  d  o- o  cora 
íí^xx  pay  David ,  juftamente  irado  pela  morte  de 
Amon ,  porque  padecer  ás  maôs  de  quem  em  ou- 
tro tempo  foy  advogado ,  ep.roteftor,  Jie  occa- 
fiaó  de  acabar  com  a  mais  iiitenfa  pena  ;  e  que 
outra  coufa  a  feu  modo  me  acontece  na  minha 
foledade?  Que  mais  efficaz  podia  fer  o  patrocí- 
nio do  Divino  Verbo  ,  que  remlrme  jiaó  como 
ferva ,  ilm  como  May  ?  Porém  agora  eíle  mefmo 
Senhor ,  Filho  ^meu ,  e  meu  Advogado ,  he  quem 
me  deixa  ,  e  defampara. 

Ultimamente  fer  meu  Efpofo,  de  quem  eu 
naô  podia  efperijr  tormento  ,  fenaô  alivio,  o  que 
me  deixa  folitaria,  he  comprincipio  elEcaciíTimo 
da  minha  indizível  migoa.  Qiiando  Adaó  pec- 
çoxx ,  comendo  o  fruto  ,  que  Deqs  lhe  tinha  pro- 
hibido  ,  ao  perguníarlheí)  Senhor  o  motivo  da 
tranfgreíFaó  ,  defculpou-fe  a  íi ,  culpando  ,a  fua 
Eípoía  :  MuUer ,  quam  dedifú  nnhí-Çociam ,  de-  cen.  |. 
dít  mihi ,  ^ ccmeãí  ,  e  he  para  admirar  naó  fe 
.queixar  Adaó  daferpe:nte,  que  deo  principio  a 
íanto  mal ,  fenao  de  Eva  ,  a  quem  tanto  ,amava  ; 
mas  aíllm  havia  fer  ,  porque  a  ferpente  er-a  inimi- 
ga ,  Eva  era  fua  Efpofa  :  de  hum  inimigo  íó  fe 
pôde  efperiír  tormento  ,  de, qualquer  dosefpo- 
Ibs  fó  fe  à^i^Q^  efperar  alivio  ;  e  ao  ver  Adnó  ,  q 
tinha  recebido  o  jnaí  da  maó  de  fua  Efpofa ,  dg 
.qual  fóefperava  x)bem,  nao  fe  queixou  da  fer- 
pente ,5  fó  da  Eípoík  formou  queixa .  como  quem 
ientia  a  pena  ,  por  nafcer  de  hum  principio  -,  ^§t 
por  força  do  defpoforio  o  mio  devia  fer ,  nem 
ainda  do  menor  tormento.  De  fcmclhantemodo 
fer  Efpofo  tneUj  ^uem  ^e  ,cau.fa   cem  fcn  ay- 

A  fen- 


m 


.'"'■f 


Pfalm.  17. 
10. 


Cant.  5, 


fò  êerfnaS 

átífencia  huma  collecçaô  de  perdão ,  he  òrígeitf 
de  me  ver  fofobrada  em  htlm  mar  de  lagrimas ,  e 
de  penas  na  minha  foledade. 

Que  me  deixaíTe  folitaria ,  quem  por  me 
bufcar  fahiò  do  Eterno  Pây ,  é  inclinando  o^ 
Ceos  :  Incíinavh  Cklôs-)  &'  defcéndít^  fe  dignotr 
humanarfe  enl  meU  virginal  ventre,  conítituindo- 
me  a  nlaiiventurofa  das  mulheres  pelainfinital 
dignidade  de  May  fua  ,  e  indiftiíifilamente  Rai- 
ftha  de  todo  ocreádo  f  Q^ue  me  deixaíTe  aquellé 
Senhor,  que  huma ,  e  outra  vez  piiliou  aporta 
deííé  coràçaô  para  o  receber  :  Ap2ri  míM foror 
msa^  ap?rímthi !  Aquefle,  a  quem  eu  como  May 
tantas  vezes  alitnentey  aos  meus  virginties  peí- 

Cant  1.15.  tos:  Inter  uh  era  mea  comorahttúr\  Aquèllcj 
que  com  tanta  ternura  me  enlaçava  como  Efpofà 

Cant.  2. 6.  entre  fèus  braços  :  L^va  eju/fub  capite  meo^  é^' 
dextra  fllius  amplexàhttur  mej  he  para  a  mi- 
nha alma  dor  fem  comparação,  e  juííifícadiflimo 
motivo  do  mais  copio fò  pranto  !  Masfe  as  pe^ 
jnas  qmeinnundao  em  minha  foledade  :  IfmuW- 
daverunt  aquafuper  capai  metpn-)  me  daô  lugar 
á  queixa ,  dê  vós  me  quero  queixar  oh  adorado* 
JESUS. 

Querido  Filho,  objeíto  demeus  fuípiros^ 
termo  de  minhas  íaudades ,  e  centro  de  minhas 
lagrimas,  fe  avoíla,  e  minha  alma  feamavaô 
com  tanto  extremo  ,  que  me  parecia  ver  duas  aí- 
ínas  em  hum  fó  corpo ,  porque  razão  morrendo 
vós  no  Calvário  naó  levaffes  a  minha  aFma  em 
voíTa  companhia  ?  Junto  á  Cruz írnaginey  eu, 
quando  vos  vi  morrer  mclinando  a  cabeça ,  que 
por  mim  chamáveis  para   vos  acompanhar  na 

mor- 


ãa  Soledade  dq  Senhora,  ^    II 

tnort^  ;  mas  agora  çoiiiheço ,  q^ie  fpy  cfta  incli- 
nação 5  comp  aceíio  ,  4de  quem  ^e  mim  fe  defpé- 
dia,  porque  foíitaria  me  dei?a^a.  Senaó  ignorá- 
veis. Filho  ia  minl^a  alma ,  quantáts  pardas  com- 
figo  me  tríizia  a  volTa  fc^araçaô ,  porque  acaban- 
do a  vida  naó  levaítes  tambetn  a  eíla  amante  al- 
ma? Taó  deílituida,  e  íolitaria  deixaítes  nefta  m- 
íeneia  a  voíTa  May ,  que  fó  por  efpecial  provir 
dencia  voffa  co|i fervo   o  ^^i tal  alento  ,  com  que 
refpiro.  Oh  Eterno  Pay  ,  attendeyme  naufrag:aa- 
te  em  bum  mar  de  tantas  afflicçoensi  Lembrame 
Senhor,  que  da  vofla parte  mediíTehura  Anjo, 
iaue  eíbva  cheade  graça  ;  mas  agora  com  fuper- 
abundância  me  íinto  chea  de  amarguras.    He 
poíTivel,  Deo^  piedofo  ,  qalevos^coín padeceres 
do  defamparo  de  Agar  na  aufencia  de  feu  filho 
Jfmael,  enxugandolheas  lagrimas  com  avifta  do 
filho  ,  e  que  naô  faó  baftantes  os  caudalofos  ú<^ 
dos  meus  olhos,  para  que  íhe  reílituais  a  ím  Luz! 
Se  Agar  por  eíçrava  teve  tíiAta^iía,   eu  que  fpi| 
:voíía  eícrava  hey  de  padecer  tanta  pena  ?  Ag^f 
ía6  dítofa  ,  que  fe  achou  com  o  filho  vivo  ,  eu 
íaó  defconfolada ,  qiie  nem  ak^da  morto  p  gp^o  t 
Compgdeceivos,  pofe,  Scnlior,  da  minha  migoaj 
inovaó-vos  á  piedade  tantas  lagrimas  ,  que  ne% 
occafiaft  íaó  menos  eíicaivas,  que  as  da  mãy  de 
Tobigs ,  porque  íe  eíla  affli£la  i^aay  achou  r^Jífe- 
jdio  iip  yííla  á^  íua  prenda  ,  eu  pcnhiim  remedjo 
jgljcanço  Ba  auíencia  de  meu  qpacrido  Vúl^-  Hí- 
pinío  eoiijfokdof ,  íuave  refrigério  Jiaspen^, 
.^ue  com  yoífa  doce  afliíiencia  minorais  as  ^m^r- 
^iiras  dos  afflidos  ,  como  naó  dais  remédio  a^ 
minhas  penas,reiiituiítdome  o  Centro  das  minhas 
^        ^^       '    'A  2.    ■  ter- 


sa 


WÊ 


,,,„rvir 


12  Sermão  ' 

terntiras!  Ma^pará  que  clamo,  fe  eftá  profetÍ2rad(yj 
que  nefta  íbledade  na6  haverá  para  mim  coníbla- 
Tcen.  I.  dor  :  ]SíoneJl\  qui  confoleUir  eam  ex  omniBus 
cbaHreJHs.  Suppollo,  Cathólicos,  o  que  ouvi- 
mos 5  e  faberm^osy^ue  toca  a  cauíà  do  tormento,' 
que  a  Senhora  padece  Ba  fiia  foledade,  fè  cifra  em 
a  deixar  fèu  amado  JEStrS,  poudbrarey,  para  ex- 
citar a  voíTa  pieda:de,  o  rigor ofo  eílrrago ,  que  na 
Virgem  Senhora  feZj  e  total  perda,  q  lhe  caufou 
o  deixalla  folitaria  feu  querido  Filho  ,  pelo  q  co- 
nhecereis,  que  na  fiia  foledade  padeceo  a  Senh.o- 
ra  o  tormento  mais  rigoroíb  ,  e  exceíTivo ,  origi^ 
nado  todo  de  a  deixar  folitaria  feu  adorado^ 
JESUS  :  Reliquit  me folam\ 


o 


Principiemos . 

Primeiro  eíFeito  ,  que  naTirgem  Senhora 
caufou  a  aufencia  de  feu  querido  Filho,  íoj 
0  confiituilla  morta ,  que  efte  he  o  poder  da  fole* 
dade ,  competir  com  a  morte  na  efficacia  de  del^ 
truir  ,  e  acabar ,  naô  fendo  vida ,  fenao  morte  áth 
latada  o  vital  alento  ,  que  fè  goza ,  chorando  ar 
foledade,  quecauía  a  aufencia  de  hum  objedlo 
amado. 

No  cap.  f.  do  Geneíisefereveo  Hoy fés  o 
numero  dos  annos  ,  que  Adão  viveo  ,  e  difte  que 
foraô  novecentos  e  trinta  ,  no  fim  dos  quaes  aca- 
bou ávida  :  Faâium  ejl  omfte  tempus^  quodvixii 
jídam  anni non gentia  (^  triginta ,  í^' mortuus 
^.  Porém  muitos  Authores  graves  dizem,  que 
foraó  mil  e  trinta  :  effa  opinião  feguirao  o  Car- 
neí&kii'  dealHugo ,  o  Abulenfe,  o  Author  da  Hiíloria 

Efco^ 


Gen.  |. 


Ita  Hugo, 
Abul.inGé 


'^.':U 


ãa  Soledade  da  Senhora.  1 5 

Efcoíafticái,  e  outros.  Pois  luppoílo  efte  compu- 
to, porque  motivo  deixou  em  íilencio  o  Hifío- 
riador  íagrado  cem  annos  ,  expreíTando  fó  nove- 
centos e  trinta  ?  O  douto  Hugo  refponde :  Moy-^ 
fes  prMermiJít  cefitimi  annos  pro  morte  AbeL 
Quiz  efcrever  Moyfés  o  computo  dos  annos,  ern 
^ue  vivera  ÁdaÔ,  e  lembrandofe,  que  pela  morte 
de  Abel  ficara  aquelle  Pay  emfoledade  de  fcu; 
filho  5  chorando  por  cem  annos  fucceílivos  ,  fem 
interpolação  ,  nem  alivio  ,  naô  os  computou  en- 
tre os  annos  em  que  vive©  ,  porque  vida,  que  ví^ 
ve  hum  folitario  chorando  a  foledade  de  feu 
amado  aufente  ,  naô  he  vida ,  he  dilatada  morte.. 
Em  AdaÔ  terminou  aquella  pena  ,  e  eonfequen- 
temente  o  feu  pranto  no  fim  de  cem  annos,  e  por 
Mb  defde  entaô  he  que  aos  annos  da  fua  vida 
principiou  Moyfés  o  numero  ;  em  Maria  fantiíll- 
ma ,  porém,  nao  tem  fím  a  fua  dor,  nem  termo  as 
íuas  lagrimas  em  fua  penoziffima  foledade,  eaf- 
fím  fem  vida  a  confideramos  neíla  triíle  noitej, 
pois  quem  exiíle  folitario,  e  faudofo,  com  toda  a 
verdade  fe  pode  dizer ,  qile  eílá  morto.  Naó  o 
acrediteis,  fe  o  nao  provar. 

Nos.  fete  annos  de  fome ,  que  Jofeph  vatici- 
nou, aíTiílindo  Jacob  em  Canaácom  feus  filhos^ 
mandou  alguns  delles  a  Egypto.  para  de  lá  traze- 
rem trigo  ,  com  que  fe  alimentaíFem,  e  diz  o  Tex^ 
to  ,  que  conhecendo  Jofeph  a  feus  Irmãos  ,  elks 
o  naó  conhecerão,  e  perguntandolhe  de  que  pef- 
foas  fe  compunha  a  fua  familia,  refpendeo  Judas, 
que  na  fua  cafa  fomente  havia  feu  Pay  já  velho,  e 
hum  filho ,  que  fora  o  ultimo,  o  qual  talvez 
por  prenda,  da  velhice  era  do  Pay  o  mais  ama- 

doj, 


^mmmsssBSiSsmmiaBm 


m 


14  Sermão 

áo  5  depois  que  lhe  morrera  outro ,  que  da  mef- 

I3cn.  44.  ma  Efpofa ,  que  efte ,  lhe  ha^ia  nafcido  :  EJl  na- 
kis  PatsrfeneX')  &"  puer  parvuhis  qui  infenetu- 
te  illius  natus  ejl-,  cujus  iiterinusfrater  mortuus 
eft^  Pater  v^yotemrè  diligitenm'  Eíle  filho,  ^ 
Jijdas  dizia  eíl^jr  morto,  era  Jofeph,  com  quem 
f aliava ,  pois  de  Rachel  uaô  nafceraõ  mais  fi- 
lhos, quejofeph,  eBeijamim,;  e  tendo Jiida$ 
licoí^íelhado  a  feus  Irmãos  o  vendeíTem  aos  IC- 

^en. 37.  maelitas  para  Egypto  ;  Meliusefi ut  'penundettir 
JfmaelHís^  naó  lhe  çoaílando ,  que  Jofeph  tivef- 
fe  morrido  ,  diz  quejofeph  he  morto  :  Cujus 
Uterinus  frater  n.ôrtuus  eft.  Sem  duvida  faltou 
Judas  á  verdade  ;  mas  fallòu  verdadeiro,  porque 
advertido.  He  verdade,  que  naó  fabia  Judas,  que 
Jofeph  era  mofto  ,  ma^  tiíiha  certeza,  quejofeph 
«ílava  folitario ,  porqiie  como  tinha  paíTado  f 
Jipm  Reyno  efl:ranho,  e  neile  habitava  fem  acom?- 
panhia  de  feu  Pay  ,  a  quem  extremoíamente  ama- 
ra ,  o  mefmo  foy  conáder^r  Judas  a  Jofeph  foli- 
tario ,  e  faudofo  ,  que  reputallo  ja  defianto  ,  por 
ííFo  dá  a  Jofeph  vivo  o  titulo  de  morto  :  Ctijus 
Uferínus  frafer  mortuus  eft. 

Mas  tornemos  a  ouvillo  ,  que  ainda  confir^ 
para  efte  feu  conceito.  Prendeo  Jofeph  a  Ruben, 
dizendo  a  Judas ,  que  fó  foltaria  a  feu  Irniaé ,  f® 
trouxeíFe  á  fua  prefença  Beijamii^ ,  que  tifiha  fi- 
cado na  companhia  de  feu  Pay.  Sjippofta  ^  refor 
iuçí^o  de  Jofeph,  foy  Judas  para  Gana4,  e  tornanr 
4o  com  o  Irmaô  mais  moço  ,  difcorreo  JoíepfjL 
^rbitrio  ,  com  que  ficaíTe  Beijamim^  em  Egypto,  e 
£om  eíFeito  affim  o  tinha  determinado  \  porM 
í^l?en4oJuda§efta  dç|:eriií4-i>açaQ^^^  eu- 


da  Soleãâãè  da  Senhora,  "^  x<f 

tre  ôvitrais  coufas  lhe  diíTe  eílas  palavras  :  Se- 
iihor,  meu  Pay  Jacob  ama  com  tanto  exceíTo  a 
tile  filho,  que  fe  elle  naó  for  para  ília  companhia, 
Ihorrerá  fem  remédio ,  porque  ftia  vida  pende  da 
dè  Beijáminl ,  e  por  eíta  razaó  deixay  que  torne, 
porque  le  elle  cá  ficar,  ha  de  Jacob  morrer :  Ctmi  ^«n-  44» 
énim  aminaíllitis  ex  ejus  anima  pendeat  -^  vide- 
ritqtieetm  non  ejj^e  jiobifcum  ^  morietur.  Adver- 
ti Judas  ,  que  nao  eftá  formal ,  e  concludente  o 
difcuffo ,  com  que  requereis.  Se  a  vida  de  Jacob 
pende  da  vida  de  Beijamim ,  morrendo  o  filho, 
morrerá  também  o  Pay,  que  eftahe  a  legitima 
eonfequeneía  deduzida  deíFa  permifTa ;  porém 
ficando  Beijamim  vivo  em  Egypto  ha  de  morrer 
Jacob  em  Canaá  ,  porque  a  vida  daquelle  Pay 
pende  datída  deílefílho  ?  He  difcurfo  incohe- 
rente,  e  nada  tem  deformai  ;  mas  fallou  Juda^ 
como  difcreto.  Ficando  Beijamim  no  Egypto, 
ficava  faudofo  da  prefenea  de  Jacob  ,  e  em  fole- 
dade  de  feu  Pay ,  de  quem  naó  podia  viver  apar-  . 
tado  :  Non  poteft  puer  relifjquére  patrem  fum  ,  eGen.44. 
fez  conceito  Judas  ,  que  o  mcfmo  era  ficar  Beija- 
mim faudofo  ,  e  folítario,  que  ficar  morto  ,  e  por 
íffo  pendendo  a  vida  daquelle  Pay  da  vida  defle 
filho  ,  ficartdo  Beijamim  morto  por  íolitario,  ha- 
via também  ficar  Jacob  em  Canaá  defunto. 

Nefi:e  cohceíto  eftava  tamberti  o  Profeta 
maísfabío,  emaisfanto.  Viofe  David  atropela- 
do peia  ingratidão  de  hum  aleivofo  filho  feu ,  e 
por  menor  mal  elegeo  para  fua  refidencía  a  folí- 
daó  de  hum  deferto ,  é  íendo  o  fim  deíla  fua  re- 
fòluçaó  procurar  no  retiro  algum  alivio  á  fuâ 
pena ,  fuccedeolhe  tanto  pelo  contrario ,  que  o 

meí^ 


l^ 


^ 


SMa 


Uniíin 


mm 


ÉÊàÊÊiÊÊààm 


W0 


%6  Sermão 

mefmo  foy  yerfe  folitario ,  que  reputarfe  deíiin- 

f>falm.  142.  to  ,  como  qualquer  morto  do  íeculo  :  Colkcavi$ 

^'  me  inobfcuris  ^  Jictitmortucsf^mlL  K  poique 

motivo  le  julgou  morto  David  ,  vivendo  naquel- 

le  deferto }  A  gloffa  ordinária  refponde.    Porq 

<^M.  de     naó  podia  gozar  a  prefença  do  feu  povo  :  Collo- 

i^Y'         eavit  mg  in  ohfcuris ,  £Í^  auxiatus  efi  fufer  me 

fpirít:ís  meus ,  qtiia  non  poJj)ím  ejje  cum  pcpulo 

mjo.  Eítava  David  folitario  fem  a  companhia  dç 

Jium  povo  5  a  quem  amava  com  estremo  ,  e  nefte 

eáado  julgou-le  dellitiiido  dos  alentos  da  vida,  e 

entregue  como  morto  aos  horrores   de  hum  Í&- 

pulchro  :  ÇollocavH  me  in  obfcuris -i  id  ejl  ^  in 

ior^fbi^  [sptílchro  5  expoz  Lorino.  De  fórte,  que  fazendo 

comparação  David  de  íi  folitario ,  e  faudofo  com 

qualqiíer  mojto  do  feciilo  ,  achou ,  que  ambos 

com  igualdade  eraó  cadáveres  .  e  que  igualmente 

hum  5  e  outro  eílavaó  fepultados  ,  porque  taô 

fem  vida  eílá  o  folitario ,  como  o  morto  ,  e  com 

â  mefma  razão,  que  ao  morto  ccrrefponde  fepul- 

íura,  çorrefponde  tanibera  ao  folitario. 

Em  Arbeé,  Cidade  de  Heb.ron  na  terra  de 
Chanaá ,  morreo  Sara  Efpofa  de  Abrahaó ,  e  co- 
mo efte  eílava  em  terra  alheya  ,  pois  nella  era  eft 
trangeiro,  e  peregrino  :  Àãv^nafum-^  í!)^  pere- 
grinus  apudms^  coníla  do  cap.  23.  do  Geneíis, 
4  diíFera  aos  Chananeos :  Daíme  hum  fepulchro 
C^n.  23, 4.  para  fepultar  o  meu  morto  :  Date  mihi  jusfe- 
pulchri^  utfepeliam  mortutím  metm  :  parece  que 
íiaó  íàllou  coherente  o  Patriarca  ,  porque  corno 
naquelía  occafiaó  fó  a  Sara  fua  Efpofa  queria  fe- 
pultar, naó  havia  dizer  morto,  fenaó  morta: 
]^on  moTttmm  •)  fedmortuam  diçere  debebat ,  ,ad- 

yertiQ 


ãa  Soledade  da  Senhcra,  T7 

Tçrtio  o  DoKto /Pontevel.  Mayormente  dizendo 
Santo  Agdftinho  ,  citado  pelo  Sylveira ,  que  no. 
original  Hebreo  eftá  a  pahyrsLmorUmm  no  ge- 
^ncro  mafciílino  :  Morttmm  ibi  juxta  radicem  ^^^^^^"9^^ 
'Híehraicam  ,  fton  in  neut  ra ,  fed  in  mafcuHno  ge-  ^  ^' 
nere  ponitur.  Pois  fe  Sara  he  a  morta  ,  e  a  que  ha 
de  fer  fepultada ,  eom  quem  concordou  Abrahaó 
omortuum  no  género  Tnafculino?  Direy.  Pela 
-moríte  ,  e  fepultura  de  Sara  ficava  o  Patriarca  em 
foledade  de  fua  Eípofa ,  eneíla  feparaçao^naô  fe 
julgava  vífo  ,  íenáó  morto  ,  por  rifo  para  íi  pedia 
hum  fepukhro  :  Deite  mi M  jus  fepukhri.  E  he 
"taó  certa  efta  intcUigencia  ,  que^nomefmo  cap. 
V.9.  fe  refere ,  que  Âbrahaó  pedira  ,  e  corrfprar^ 
•dous  íepuichros  :  D  et  mihijpeltmcom  dupHceni^  Verf.^f , 
^uam  ha^bet  in  et>^remapar^e  agrifiã ,  hum  para 
ú ,  e  foy  o  primeiro,  que  ^Qáio.datennhi^  outro 
para  Sara  fua  Efpofa  defonta ,  julgando  ,  que  fc 
tSara  por  mor^a  precizara  fcpiiltura. etle  como  fem 
«duvida  por  força  -da  ftfledade  tantbem-devia  fer 
fepultado,  por  eftar em  ambos  igualmente  mortos. 
Bem  coherente  a  efte  raciocínio  foy  a  repof- 
tiujque  Chpifto  deo  áquelle  mancebo,  que  perten- 
ídendo  entrar  no  numero  ^dos  difcipulos  do  Se- 
^iior,  pedio  licença  a  Chriílo  para  ir  primeiro 
enterrar  a  feuPay  :  Permitte  me primirm  ire.  'é^  UmXvB.2%. 
fepelire  Patrem  meum  ,  e  o  Senhor  lhe  reipon- 
deo  :  deixa  que  os  mortos  enterrem  aos  feus  mor- 
tos :  DifJiite  mortuos  fepeUre  mor  Hw  s  fuoi.  O 
cnteiTar  he  acçaó  de  vivos  ,  que  os  mortos  fó  po- 
-dem  fer  enterrados  *,  logo  como  havia  verif  cai^ 
fe, que  os  mortos foíTem  fepultados  por  outros 
0ioríos,?  Mas  oh  rigor  da  íbleuade  i  O  ^ue  &- 

B  pulu 


fif 


ÍI" 


-i8  S erma  o 

pulta  á  peíTòa  amada ,  naô  fepulta  eômo  vivcíf 
enterra  fim  como  morto.  O  que  fepulta  40seí- 
tranhos^  fepulta-ros  como  vivo,  o  que  fepulta  aos 
feus ,  enterra-os  como  morto  ,  porque  tanto  faza^ 
morte,  como  a  feparaçap  do  objeflò  amado. 
Igualmente  ficaó  fepukados  o  morto ,  e  o  folita- 
rio  ,  e  por  iflo  igualmente  íicaó  mortos. 

Ay,  magoadiíFmia  Senhora  ,  como  ros  v€;J0^ 
hoje  rendida  lá  morte    na  voíTa  foledade !  Solita^ 
ria ,  e  faudofá  chorais  a  aufeneia  de  Chrifto,  port 
vós  mais  ama^o,  que  por  Adaó  Abel,  por  Jofcph 
Jacob  5  pelo  msfiíio  Pây  Bèijamim  ,  por  David  o 
feupovo,  por  AbrahaóSara  ,  e  por  todos   os 
amantes- os  amados  mais  queridos  ;  e  fe  a  aufen-t 
cia  de  Abel  conftituio' como  morto  a  Adaó  ,  a 
aufénciá  dê  Jacob  a  Jofeph ,  a  aufeneia  de  Bèijár 
mim  a;  Jacob  5  a;  aufeneia  do  feupovo  a  David, 
&  aufeneia?  de  Sara  aAbrahaô,  e   a  de  qualquer 
objedlò  amado  ao  verdadeiro  amante,  vós,  com 
razaô  incomparavelmente  erceífiva ,  eftais  morta 
im,  foledade^  que  vos  caufa  a  aufeneia  deroíío 
amado  Filho.  Mas  como  naô  haveis  eílar  morta,^^ 
quandofòlicaria,fe  na  alma  experimentais  a  pe- 
netrante ferida,  que  vos  profetizou  Simeaó  : 
^c.  2,      Tuam<  ipjitis ^animam ;  pertranfivit  gladius  !  Se 
Yos  fere  o  coração  a  efpada  da  mais  intenfa  dor , 
fendo  efíé  fonte  da  vida ,  a  quem  o  mínimo  gol- 
pe b  afta  para  matar,  como  vos  naohe/  de  confí- 
dèrar  morta ,  e  fem  vital  alento  na  voíTa  foleda- 
i  mít  ^^  ^^  ^  -^^^  mori  pater 0$^  qua  vivens  mortua  erar^ 
Vi?g" '      diíFe  Saó  Bernardo ;  e  aíTim  nefta  noite  vos  jul- 
gamos como  qualquer  morto  do  feculó  ,  poden- 
do vós  dizer ,  como  o  voílo  Progenitor  David  : 


ãaSóleãàãedâ  Senhora.  ^19 

'Cblloeavkme  inobfcuris  ^fwutmortuosfaecuH. 
Masque  diííe,  Goríio.David  !  GQmmotivomayor 
íemcomparaçáô  0;pQdeis  dizer,  porque  David 
.fentia  a  auifeneia^de  hum^povo^que  fe  compunha 
de  apuros  homens  ,  vós  chorais  aííbledade ,  em  4 
ívos  poz  a  auíencia  de  hum  OFilho^omemfDeoS) 
e  quanto  vay  de.Deos  á  creatura ,  tanto  mayor 
he  a  razaô,  porque  mais  que  elle  vos  podeis  di- 
>2;qr, morta,  e  confeiíar *na  voíTa Joledade-verd adei- 
^ra  competência  comos  cadáveres,  depois  damor- 
:te;  que  feHelli.ao.daríclhe  a  noticia  da  peida  dô 
exercito ifraélitico ,  morte  .de  feijsrfílhcs  Qphini, 
e  'Phenies  ,  e  ,apprehenla6  da  .Arca  doSonhor, 
íteve  alento ,  e  coníervou  atvida  ,  ouvindo  ader- 
ida dos  fdldado^  ,  emorte  dos€lbos  ,  ao  ouvir 
porém  a  perda  da  Arca,  ioy  ,a  dor  da  foledade , 
em  que  o  punha  a^iliaaufencia ,  taô  forte,  que  ça- 
hindo  da  caddra,  em  que  eítava  íentado,  perdeo 
o  alento ,  e  acabou  a  vida  :  Giniqueille  7iqminaf-  ^ 
f et  Arcam  Dei ,  fraSfis  cerafitihusmortMfs  ^/í ,  i« 
moílrando.,  que  íe  podia  haver  vator  ,  e vida  na 
ífòledadeA  hum  povo  >amado  ,  e  de  eílimadosfí- 
ihos  ,  na  foledade  da  Arca ,  porque  reprefeníavia 
,a  Deos ,  era  tííó  grande ,  e  tao  fbreoíb  o  ieníi- 
mento  ,  que  infaUivelmente  faltava  o  valor  ,  efe 
experimentava  acnorte  ;  v es  que  íentis  .na  voílm 
Ibledade  a  auíencia  de  bum  filho,  ^ííô  na  repre- 
^ntaçaÓ,  fim  na  realidade  Peos,  com  quanta 
çmais  raza6,  que  Pavid  ,.pcdeis  repetir  eíla  noite 
o  que  eile  diíTe  naquelle  dei  crio  :  ^CoMccavii  me 
,l«  eh fc uris ,  fictit  moriuos  Jr^ctíM-  eíreitò  tudo  d© 
dei  amparo ,  em  qiie  tos  deixou  folataria  o  voílb 
fillio  :  ^eliqtât  me  folam . 


ãi 


Reg.# 


U 


rnãm 


fiiwi 


mÊÊÊÊÊÊÈàt 


màÊÊmmÊm 


2Gr>  Sé  f mão 

MasjúlgOjque  a  todos  vos  oceorfe  huma' 
manifefta  duvida  contra  a  morte  ponderada.  Se 
a  Senhora  na  fua  foledade  eftava  viva,  com  que 
verdade  fe  diz ,  que  eílava  morta  ?  Que  eílivelFe 
viva  he  indubitável,  pois  ao  corpo  virginal  eíla- 
va unida  fua  alma,  a  qual  he  certo  fenao  defunio 
do  corpo  em  a  foledade,  confervandolhe huma^ 
efpecial  providencia  a  informação^  para  na6  aca- 
bar no  mar  das  fuás  intenfíííimas  dores;  e  fé  na- 
quelie  eílado  tinha  unidos^  corpo ,  e  alma  ,  fendo 
com  ávida  incompativcl  a  morte,  como  pode  fer, 
que  quando  folitaria  a  Virgem  Sonhora,  eílivcíFé 
naôviva,  fenaô  morta ,  d eílru ido  totalmente  o- 
fer  ,  e  a  exiílencia  ?"  Eílimo  a  duvida  peia  reír- 
poíía. 

He  verdadé,que  dê  modoordinario,  a  mor- 
te he  termo  da  vidaj,  mas  também  ha  morte  femi 
privaçaé  da  vida  ,  e  efta  he  a  mais^  tyranna  ,  e  rl^ 
goro fa  morte.  Provo  o  primeiro ,  e  logo  prova- 
is Corinth.T£y  O  fegundo.  Quotidis  morior  ,  dizia  o  Apof-^ 
H'  3í-      tolo  S.  Paulo  r  Em  todos  os  dias  perco  ávida,, 
porque  em  todos  eíles  termino  o  rigor  da  marte,. 
Bois  fe  tinha  morrido  hontem,  como  hoje  vivia^ 
efe  hòjè tinha  vida,  comohontem  tinha  perdido^ 
todo  o  vital  alento  ?  Naó  he  certo ,  que  o  viven- 
te fó  hum  a  vez  morre.  A  experiência  omoílra.. 
Pois  como  aíiirmava  S-  Paulo ,  que  da  vida  to  d  osí 
os  dias  fentia  total  falta ,  porque  em  todos  elles; 
wvia  :  Quotidie  morior  ?  Direy.  Vivia  S.  Paulo- 
fentindo  intenfa  faudade ,  porque  efíava  fepara- 
do  do  bem,  a  que  efficazmente  fe  defejava  unir; 
e  como  em  todos  os  dias  appetecia  a  prefcnçade 
Chriílo,  em  ciijà  foledade  citava ,  como  viador  : 


da  Soledade  da  S^enhora.  it 

Ctípio  di£olvl^  (^  ejjectím  Chrifio  ,  por  iíTo  eih 
todos  os  dias  ás  mrics  da  faudade  perdia  a  vida,  e 
eftava  morto  naquella  aufencia  5  fendo  taó  nova, 
e  extraordinária  efta  morte  ,  que  fem  lhe  Teparar»^^ 
a  alma,  em  todos  os  dias  o  m. atava  :  €upo  dijfol- 
1?/,   &'ejfe  cum  Chrifio  :  qtictidie  moricr.  K  a 
eíla  luz  fíca  manifeíla  a  intelligencia  de  cutrss 
palavras  de  Si  Paulo  :  Vivo  ego-^  jam  non  ego,  V\~  ^^  Galat? 
vo  eu  5  dizia  o  Apoílolo  ,   e  juntamente  morro  ,  ^"  ^^ 
iinindoíe  em  mim  vida ,  e  morte,  vivo  porque  do 
corpo  fenaófcpara  a  alma ,  morro  porque  a  alma 
pena  na  foledade,    que  lhe  craifa  a  auíencia  do> 
féu  Deos-,   e  he  tal  a  crueldade  defta  feparaçaó, 
que  por  hum  modo  extraordinário  fabe  unir,  fem- 
repugnancia  ,  com  eílragos  da  morte  ,  alentos  da. 
vida  :  Vivo  ego  y  jam  non  ego.  lílo  mefmo  a  íeu 
modo^  fuccedeo    a.  noíTo   Protoparente    Ada6, 
Formou-o  Deos,  e  animando-o  o  conílituio  Prin- 
cipe  do  Univerfo ,  e  para  íinal  de  obediência  ,  e 
fujeiçao ,  lhe  mandou  nao  comeíTe  o  fruto  da  Ar- 
vore da  Sciencia  ,  fegurandolhe  átíà^  logo ,  que 
fé  o  comefle ,  morreria  :  In  qtíoctinqtie  die  cerne-  ^ 
dBrisexeOj  morte  morieris.  Qcm^o  Aá^ò^c  áo,- 
pois  de  ter  tranfgredido  vivco  por  muitos  annos.- 
Pois  fruftroufeo  Decreto  ?  Revogou  Deos  a  fen- 
tença  ?  Nao  Senhores  :  Logo  íiccu  Adão  morto, 
e  vivo  ?  Óptima  illàçao.  Ficou  Adão  vivo  para- 
a.pena  ,  e  morto  para  o  alivio,  vivo  para  a  pena, 
porque  fentindo  penofa  foledade  no  retiro  de 
Deos,  em  que  o  poz  a  fua  culpa  :  J/yfccnditfeGm.'^ 
Admn  à  faciè  DcminiDei\  morto  para  o  alivio, 
porque  fujeito  aos  mayores  trabalhos  :  Infudore 
vidtus  tui ,  vencer  is  pane.  He  certo,  que  pelo  at- 

tribuT' 


m 


ãi  Sermão 

.tributo  da  immeníidade ,  aíTiíle  Deos  em  todo-o 
efpaçò  ,  mas  como. ao  gue  eífá  em  graça .acomp^- ■ 
íoha  Deos  Gom  efpeciataíllíleiícia ,  e  o  (jue  o  qf- 
iende  fe  retira  ,  e  põem  longe  de  Deos  ,  motivo, 
iporq,  çomo4iz  Santo  Ágoftinho,  repetio  Chrif- 
;to  o  nome  de  Saulo,  quando  lhe  fállou  caminhaii- 
do  elle  a  Damaíco ,  Saule^  Saule-,  que  como  Sau- 
ílo  a  ©SOS  oífepclm ,  eftava  do  Senhor  muito  reti- 
rado. Adaó  5  que  tinha  ao  Senhor  offeridido ,  'fi- 
cou no  mefmo  ipftante,  em  gue  peccou,  longe  de 
Deos,  e  em  foledade  de  feu  Creador  :  ^bfcmtdtt 
ife  àfacte  Bonmíi  Bei  ,  por  iíTo  |io  mefmo  dia, 
em  que  peccou  ,  fícou  mortt) ,  ainda  que  pam 
jniay  or  pena  juntamente  jijo^  íom  o-epugnar  vida, 
.e  juntamente  morte. 

Ay,  affíiétiílima  Senhora  ,  com  quanta  ma^ 
yor  razaó  que  S.  Paulo  ,  podeis  djzer  na^voíTa  fo- 
iêdade  :  F^ívo  ego  ^jammon  ej-(? ,  porque  o  Apof- 
ctolo ,  aiáda  que  faudoíb  Javií  ao. clara  de  Deos, 
.tinha  linitijvo  a  fua  foledade  na  contemplação  de 
Jyiver  Chrifto  na  fua  compatihia  :  Vwi^^ero  in 
mieChriftus  \  vós  portem  faudofa,  e  folitaria  naê 
■eftais  acompanhada  da  alma  ao  Corpo  de  -Cbrilf- 
íto  ,  obje£í:o  davoíTa  Íau4ade ,  pois  o  corpo  eílá 
-daufurado  íio  fepulchro ,  e  ra  alma  exifte  no 
centro  da  terra ;  e  fe  o  tormento,  que  çaula  a  fau- 
,dade,  femeíifura  pelo  .conhecimento  do  objedo 
aufente ,  e  amor ,  com  que  he  pelo  amante  yene- 
j*ado  ,  fendo  ovoíFo  amor,  e  conhecimento  in- 
comparavelmente mayor ,  -q  o  <Íe  S .  Paulo ,  quan- 
to vay  da  May  de  Deos  a  hum  feu  fervo^vés  com 
inuito  mais  jufti^cada  razaó  podeis  dizer  ,  que 
iViva ,  e  ^nor^a  eftais  aaefta  aufencia  efpirando  vi- 


da  Soledade  da  SefíJoora. 
va  5  e  rerpirândo  morta ,  íem  que  a  morte  vos  pri- 
ve da  vida ,  nem  a  vida  vos  livre  da  morte 
riehat^  ^'  noti pMerat  ffiori^  vivo  ego ,  jam  non 
ego.  Adão  na  fua  foledade  eíleve  vivo^e juntamen- 
te morto,  fendo  a  aufenciaídeDeos"  5  por  occa- 
íiaô  da  fua  culpa  ,  e  vós  ,  que  eílais  folitaria  por 
occafiaô  do  amor*  de  Ghrjfto  para  eOiti  cshd-^ 
itiens  ,  fendo  o  amor  mais  cruel  em  atormentar  , 
que  a  juíliça,  e  vingança  em  punir ,   com  mayof; 
razão  víveis' morrendo  ,  e  morreis*  vivendo  neíta 
penoíiíTima  foledade.  Qlíe  eíla  morte ,  Catholí- 
cos ,  que  coma  vida  fe  une  ,  feja  a  mais  tyraíina, 
e  rigoroía-  também  he  ccrtífFimo.  líum  bem  traz' 
comíígo  ávida,  eotítro  amorte ;  amorte  o  ifí* 
fèníível ,  a  vida  o^delèitofo;  mas  como  na  fole- 
dade ,  que  califa  aauíencíado  objedo  amado,  fé ^ 
èílá  o  amante  vivo  ao  tormento,  e  morto  ao  gof- 
to  ,  n ao  tem  o  folitario  o  bem  da  vida  ,  nem  O' 
Bem '  d  a  morte ,  tem  f ó  o  mal  d  a  m  o  r  te ,  e  o  m  aí- 
da  vida ,  pois  tem  o  fentimeiito  da  vida,  e  afe-- 
paraçâó'  da  morte;  Obfervây^  a  pratica  deáe  racio^ 
cinio  em  David. 

Mòrreo  AT:) falaô"  pendente  de  htíma  arvore,- 
quando  fugia  deílrifido  o  feu  cxcrcilci.com  o  quaí' 
fazia  guerra  a:  feu  Pãy,  e  dando  hum  foldado  no- 
ticia a  Dlvid  ida  morte  de  feií  filho,  diz  o  Texto, 
que  feparanda-fé  o  magoado  Pay  dos  ^  o  acom- . 
panhavaô  ,  chorara  copiofamente  a  morte  noti- 
ciada, articulando  com  intercadencia  nas  vozes, 
pela  interpoíiçaô  dos  fufpiroseílas  palavras  :  Ah- 2.  Reg,  i^ 
fliJomfili  mi  \fili  mi  ÂbfaUm^  quis  fnihitrihuat<y  '4- 
ut^egômoriarprote.  Abfalao  fílho  meu,  filho 
meuv-Abfalaô ,  q|iem  ppdéra  morrer  antes,  qiíe 


mm 


igmwíii 


Job  3-  if 


:^4  'Sevmci^ 

chorarvas  fem  alma;  melhor  me  eíMvera  Ofp^- 
der  a  rida ,  qus  o  coníer^valla  na  voíTa  aufencia; 
«menos  penoía  me  fm'a  a  morte,  que  eíla  triíle  fo- 
ledade.  ^e  poffivel,  Santo  Rey  !  Julgais  menor 
mal  o  fepararfe  de  voíTo  corpo  a  alma ,  c[ue  o  in- 
ibrma  ,  que  padecereis  a  dor  da  foledade  \  em  que 
•ellais  por  morte  de  Abfalaó !  Nao  era  elle  ingra- 
to, aleivoío,  e-voíTo  deckrack)  iíiimigo  ?  Sim,  diz 
David;  mas  meu  filho  :  grande  era  o  aftedo  com 
que  o  amava ,  e  por  iíTo  na  foledade,  em  que  ef- 
tou  pela  íuaXalta ,  experimento  o  ^peyor  da  vida, 
e  o  peyor  da  morte  :  vivo,  mas  fó  para  íentip; 
morro  ,  mas  na6  deixo  ^e  penar :  da  vida  tenho 
4)  fentimento,  da  morte  a  feparaçaô-,  e  neíla  uniaó 
de  males ,  melhor  me  eita  fepai"^rfe  ie *meu  corpo 
a  alma,  porque  neffe  caio  ficava  ao  menos  com 
^  bem  da  morte,  que  he  o  infenfível,  e  agora  fem 
ter  o  bem  da  vida ,  ou  o  bem  da  morte ,  tenho  o 
mal  de  huma  ,  e  outra ,  porque  tenho  o  fentimen- 
to ,  e  a  feparaeaó ,  e  como  mal  duplicado  me  he 
taô  penofo,que  antes  quero  a  morte  phyfica,  em 
.que  fe  perde  a  vida, que  a  morte  da  foledade,  em 
;q  com  a  vida  feune  a  morte  :  Qtnmihí  tríhtiat^ 
Mt  ego  moriar  prote ,  Jili  mi  Ãbfalojn ,  Abfaloni 
fili  mi. 

De  fem eih ante  modo  defejavajob  ,  porquê 
femelhante  pena  .padecia.  Qpando  Job  chorava 
a  morte  de  feus  filhos ,  dilíe,  que  defejava  exiíHr 
na  foledade  de  hum  fepulchro  :  Requiecerem  cuni 
Jlegikís-,  é^  cum  conftdibus-^  qui  adijicant  fibifo- 
litudines.  Parece  que  Job  com  a  adividade  da 
dor ,  eftava  delirante.  Se  eMe  chorava  a  foledade 
^GS  íilhoSj  par^  quedefej^ivamais  foledades  ?  OIi 


^a  Soledade  ãa  Senhora,  ^% 

que  acertava  Job  no  que  pedia,  fíuma  fepultura 
lie  afoledade  dos  mortos ,  huma  foledade  he  a 
f^puítura  dos  vivos;  m2&  com  eíla  difteren^a,  que 
na  foledade  de  huma  fepultura  falta  o  fentimen- 
;to ,  e  na  fepultura  de  huma  foledade  falta  a  mor- 
te >  fendo  aífim  mais  para  fentir  a  foledade  dos 
vivos  5  que  a  foledade  dos  mortos.  Na  foledade 
dos  mortos  ha  a:partaínento  fcm^dor,  na  foleda- 
de dos  vivos  fente-fe  a4or  do  ^apartamento.  A 
foledade  dos  vivos  lie^para  nella  fe  padecer,  a  fo- 
ledade d  os  mortos  he  para«nella  fe^defcançar : r^- 
/quiecer em. 'l^o,go  mais  padecia  Job  eílando  em  fo» 
Içdade  vivo ,  que  fe  eftiveíTe  em  foledade  morto-; 
pois  a2vida.;q  gozava/e  unia  ámorte,  e  morte,  ^  fe 
.une  a  vida  he  mais  rigorofa ,  e  mais  ty^ranna  mor- 
te. Além  do  que,  morto  eílaria  acompanhado  de 
feus  filhos  5  e  vivo  padecia  a  foledade  dos  filhos 
Abortos;  e  aífim  defejava  ^ara  fèu  defcanço  an- 
tes a  fepultura,  que  he  a  foledade  dos  mortos,  do 
<jue  a  foledade,  que  he  a  fepultura  dos  vivos^pois 
vivo,  e  morto,  porque folitaáo,  padecia  tormen- 
to makrigorofo  que  a  morte. 

iPela-mefma  razaô  perdendo  as  vidas  mui- 
tos do  povo  ífraelitico  ,  pedia  Thobiíis  a  Deos 
lhe  feparaíTe  do  corpo  a  alma  ,  julgando  menor 
mal  a  morte  q^ie  a  foíed ade  :  Pr^ipe  in  pace.Th^^.^,^ 
Recípe  fpfríti/mmeum  ^  e^pedit  emni  ptíéi  mori 
magis ,  quam  vwere.  Agora  S.  Bernardo  :  Vole- 
hat  cito  mori ,  ne  experiretur  amplius  pcpuH  Lyr.  U- 
Jfrael  affliâíionem^  qtda  7nuhi  de  filiis  JfraeJju- 
gulabanttír.  Pela  morte  dos  filhos  daqueíle  po- 
vo ficava  Thobâas  feín  elles  foiitario ,  e  faudofo, 
:€ fazendo  compar^açaó  entre  as  violências  éa  for 
C  iedade, 


mí^ 


20  Sermão 

kdade,  e  os  rigores  da  morte,  refolvía  íer  meno^' 
f  enofa  a.  morte ,  que  acabava  a  vida ,  que  a  mor- 
tequecom  a  vida  permanecia ,  por  illb  pedia  a^ 
Deos  lhe  tiraíle  o^  efpiríto  deííe  mundo  ,  por  naa 
ficar  nelle  fem  os  feus  amados  lolítarib  :  Praci- 
pe  in  pace  expedit  enim  mihtmorhnagts  ^  quam 
mvere. 

Ay,fènddiirima  Senhora,  fé  David  qtíando* 
em  íbledade  de  hum  ingrato^  filho  aííim  diícor- 
ria  ,   que  direis  vós  na  aufencia  de  voíTo  Filho  o 
mais  amante  ?  SaJ^bdcfejava  antesa  morte  phy- 
llca,  qpeamorte  da-íaledade  padecida  peíaau- 
fencia  de  feus  filhos  puros' homens,  como  anão 
defejareis  vós  fentindo  a  foíedade  de  voífo  Fílho^ 
Homem-Deos  ?"  Se  a  Thobias  folítario  melhor 
lhe  era  acabar ,  do  que  viver ,  também  a  vós' me- 
lhor vos  fora  paíTar  pelas  violências  da  m.orte, 
do  qu€  ficar  fentindo*  as^tyr3nnias   da  foíedade: 
Aílim ,  diíFé  S.  Bernardo,  dèfejaveis  quando  ío- 
Ur^^  ^^litariâ  :  OptaBat  nwrimagis.,  quam  viver e  pofi 
Vírg.  *      Chrifil  morUm.  Mas  já  vos  ouço  fallar  com  a^ 
morte.  Oh  morte  cruel ,  diz  a  Virgem^Senhora, 
eruel  pela  vida,  que  me  deftruiíle ,  ecruefpela^ 
vida ,  que  me  deixafte  f  Se  me  dèiíCaíte  morta  para 
o  goílb  ,  como  me  deixas  viva  para  o  tormento  ?" 
O  Filho  mortey>e  a  May  viva ,  oh  triíle  May,  oh- 
querido  Filho  !  Que  bemfe  compara  com  a  mor- 
te, e  com  o  inferno  o  amor,  porq  a  morte  acaba  a- 
vida  ,  o  inferno  perpetua  a  pena,  e  o  amor  quan* 
do  intenfo,  como  morte  acaba  o  viver ,  e  como' 
inferno  perpetua  o  penar  :  na  morte  morre-íe,  e' 
já  fé  naô  pena,  no  inferno  pena-fe,  e  já  fenao  mor- 
re^ eoamor  exercitada  morte  a  crueldade  demâ-^ 

taív 


éaSoJeãaâe  da  Senhora,  tj 

H^  5  e  do  ii^ferno  a  pqrmanencia  do  affligir.  Por 
acabar  a  yi4a  he forte ,  como, a  marte,  por  perpe- 
tuar a  pena  heduro,  como  o  infer^io  :  portis^  ut  Cant.  8.  6. 
piors  (Ble^ãío ,  duraficut  mfernm  emulatíol  Oh 
comoaíTim  íe  verifica nefta hora  comigo  IGomo 
morte  meíirou  o  amor  a  vida  no  ^artamento  de 
meu  íFilho  ,  e  como  inferno  me  çonfejva  2.  'vida 
j5ara  penar  neila  fol^dade.  Wiva,  e  morta  me  con- 
Sdero  ;  morta  ,  mas  fem  os  defcanços  ida  mortq 
Uriva,  mas  fem  os  alentos  da  vida.  ^iva  por^íinto' 
anais  ^ue  nunca ;  moxta  porf  ue  eílou  ferida  cnais 
^ue  de  morte.  W^ida,  em.que  le  achaó  as  peníbçns 
,da  morte  ;  mo^íe ,  em  que  fe  ajuntíjíô  as  fadigas 
,da  vida  ;  -finalmente  gozo  humá  vida  fempre^mor- 
jendo  , padeço  hum^  morte  mincaacííbandojhti- 
ma  morte ,  que  fi^re  a  .akna  ,  huma  vida ,  que  he  |  i|f^ii  ^ : 

ín ais  que  morte»  Pois  como  n ao  acaba  de  huma 
*yezvida  taô  penofa  ?  Oh  <juanto  defejo  exiíVir 
.cadáver  em  huma  íepultura;  pois  mais  quizeríip;a- 
,decer  o  mal  da  morte  ,  ^ue  padecer  o  cnal  da  fo- 
Jedade  ;  fendome  muito  inethor  acompanhar  a 
meu  Filho  morto, -do  que  fíc^r  fem  meu  Filho  vt- 
íVa.  Chega  pois  ,  ò  morte ,  qaie  eu  te  ^gradecerey 
^a  execiíçaó.  Mas  ay,  que  nem  a  morte  me  he  con- 
foladora  em  tanta  pena  :  continuarey  chorando 
o  fatal  eítrago  ,  q«e  em  mim  caufa  a  foledade, 
em  que  me  deixou  meu  querido  Filho  :  Reliqtiip 
mefolarn. 

A  mayor  excefio  palfou  o  Ririofo  ímpeto 
da  foledade  ,  pois  naô  fe  contentando  em  com- 
petir ,  e  exceder  na  cruddade  á  morte  ,  ficando  # 
Senhora ,  quando  folitaria  morta ,  e  juntan^ente 
tâva  5  pam  mayor  tormento  tamfeem  aniquilou  a 

C  ^  ma- 


4^ 


ém^BÊSiBmMtiÊLimmm^àÊáÊà^^ 


a'8  SermaS 

magoadiflima  Tirgem ,  deixando  efta  de  íertoda? 
o  que  era ,  e  paíTando  a  íer  o  que  nunca  fora.  Pe- 
la aniquilaçaê  perde  a  entidade  o  fer ,  que  tínha, 
e  ou  nada  refta  do  que  foy ,  ou  em  lugar  do  fer,.. 
que  teve  5  fubftitue  outrai entidade,  que  advém.. 
Por  virtude  das  palavras  da  confagraçaô  deixa  O' 
pa6  o  fer ,  que  tinha ,  ao  que  Santo  Thomaz  cha- 
ma aniquilação,  e  em  feu  lugar  advém  o  Corpo- 
vivo  de  Chriílo ,  ficando  fó  alguns  accidentes  do^ 
paó  preexiftente  v  de  femelhante  modo  deixou  %' 
Senhora  na  íbledade  de  fer  o  que  era  ,  e  adveyo- 
outra  entidade ,  ou  entidades-,  que  áquelle  íer 
fubftituiraô ,  ficando  fô  alguns  accidentes  do  que> 
fora.  De  forte  que  aílim^  como  na  coníagraçaô. 
ha  huma  transfubftanciaçaô ,  com  a  qual  fica  ani- 
quilada a  entidade  preexiftente ,  e  paíla  a  outra? 
de  novo ,  aííim  com  fúa  proporção  fuceedeo  a» 
Maria  fantiflima  na  fua  foledade ,  perdendo  o  fer/ 
antigo,  que  tinha,  e  paíFando  a  fér  o  que  naó  era^ 
ficando  por  eíte  modo  aniquilada  toda  a  grande- 
za ,  que  fora»  i^ttendaô-me  os  doutos ,  que  eare^ 
ço  muito  da.  fua  attengaó. 

PHmeiramente  era  Maria  fantiflima  Mav' 
de  Deos-,  dignidade ,  que  na  fua  linha  exhaurio  a- 
Omnipotência ,  pois-  a  mais  fenaó  pode  eftendep 
amaóDívinar,  nem  a  mais  podia  chegar  Maria» 
"Virgem?;  e  na  fua  foledade  totalmente  pcrdeo 
Tfteolôg.  ^^^  grandeza.  Concordaó  os  Theologos  em  to- 
cômuniter.  das  as  efcolàs,  que  no  triduo  da  morte  de  Chrif- 
to  deixou  a  Senhora  de  fer  May ,  porque  como^ 
pela  morte  do  RTedemptor  deixou  de  exiílir  feu 
Filho ,  e  nos  relativos  perecendo  o  termo,  fene- 
ce a, relação,  naó  exiftio  a  maternidade  em  a  Vir-^- 

gemi 


ãa  Soledade  da  Senhora.  59 

fem  Senhora  naquellemdiio.  Morta  a  May  liaé 
a  Filho,  morto  o  Filho  na6  ha  May,  porque  af 
íini  como  nao  pode  liaver  filho,  fem  exiftcneia  dá^ 
rnây  ,  também  naó  pôde  haver  may  fem  e::KÍÍleil- 
cia  do  filho;  por  iílb  eXpreíTando  Chrifto  á Se- 
nhora efta  perda,  pouco  antes  de  efpirar,  ncô  lhe 
chamou  May ,  fenao  mulher  :^  Mulkr ,  ecee filhisl^^'^'^9'^^^ 
tuus  :  eftava  a  Senhora  junto  á  Cruz  ,  ainda  May 
de  Deos,  porque  ainda  vivia  o  Filho  ;  porém  co- 
mo eílava  chegada  a  hora  de  exhalar  Chriílo  a 
alma  ,  e  a  Senhora  pela  fua  morte  ficava  deílitui- 
da  defta  grandeza  ,  quiz  o  Senhor  ãeí^âe  a  Cruz 
expreíTarlhe  a  fatal  perda  da  maternidade, que  lhe 
eílava  eminente,  por  iílo  na6  lhe  chamou  May  fe- 
nao mulher  :  Milíer. 

Bem  o  entendeo  O"  Euangeli íla  S.  Joaô,  pois 
fallando  da  foledade  da  Virgem  Senhora,  diíle,  ^ 
aufente  feu  Filho* :  Raptus  eftfilius  ejus ,  fugira  Apoc.  i^- 
a  mulher  para  a  foledade  :  Et  nmlierfugit  info- 
Utudinein  \  pois^fe  diz,  que  fe  lhe  aufen tara  o  Fi- 
lho :  Raptiís  ejl  filiuS' ej'uó\  porque  nao  diz,  que 
fora  a  May  para  a»  foledade  ;  porque  diz  fomen- 
te ,  que  fora  para  a  foledade  huma  mulher  :  Mti- 
lurfugit  infolitudinem  ?  Porque  a  Senhora  na' 
foledade  já  nao  era  May  :  em  quanto  cxiílio  o 
Filho ,  tinha  a  formalidade  de  May  de  Chriílo, 
tanto  que  morreo  o  Redemptor,  faltou  a  relação, 
e  coníequen temente  a  maternidade ,  e  alíim  ficou 
com  totalperda defta  grandeza  a  Virgem  Senho- 
ra ;  e  fe  deixou  de fer  May,  também  deixou  de 
íèr  Maria,  porque  como  a  auíen cia  de  Chriílo ■ 
lhe  deílruio  a  entidade,  também  lhe  tirou  o  no- 
me :  diga-o  S.  Boaventura,  o  qual  procurando^ 


ilitf  ii 


i 


3<5  SermaS 

i\z  fole^adea  Se.iihora  fó  achou  defpojosdanic^ 

^^Sik    4* '  e,^uíeíicia  de  Chriík)  :  Ouaro  Mariam ,  -»í^ 

;iib.8.  c.  ii,h'P^^4^  Marim  :  ínvenio  fpinas ^inverno  flage- 

V^;  I^ocuro  a  Maria  na  íbá  lbiedí*de,  (diz  ò  Dmir 

Í04'  $era%o  )  e  n^ó  a  encoi^ro  ,  jdivifo  fó  varas, 

f  efpinhos,  expre%os  do  eftrago,  xm^  em  ília  ea- 

^idáde  e^equto^  a^uíenciade  ÍQU  Filho. 

•Qimndo  hum^  teanpeítade^chçga  a  hum  jaj- 
.dim ,  naó  ha  flor  .^ue  naé  maltrate  : ' aquellas,  que 
^raó  aiate^  o  miiffe  de  ¥%ox^ ,  fiçaô  depois  eílra- 
gos  da  crueldade^:  .chega  atempeftade  a  huma 
i-of^ ,  e  leyandolhe  ag  folhag ,  que  faé  a  purpúrea 
gala  ,  xJe que íe  \^íle ,  fólhe ^eiíca  os  eípihhos^: 
achega  a  huma  afuceiHa,  e  tirandolhe  o  çaAdorjque 
he  a  pompa ,  com  que  fe  oim  ?  deixalhe  fomente 
.a  yara .  Chegou  a  .tempeftade  .d^  ;niojte ,  e  ^ufen- 
pa  de  •Chriíío  ,  e4omina;ndo  o  Jardim  ^ieliciofo 

Cai^^.  de  Maria  :  Horfui  cafwlufus  forormea fpovfa^ 
^eíle  aíHm  maltratou  a  Rofa  de  Jericó :  Qtiajp 
plantatio  rof^in  ^^r/í7<?Vq«efómqnteihe  deixou 
os  efpinhos  :  Jmenio  fpinas\  affim  ofFendeo  o 

C^Qt.  f  cândido  defla  áífucená  :  §icut  lilium.  fieuf  arnica 
fneãj  que  lhe  naó  deixou  mais  que  as  varas  :  J^t- 
fenio  flagela  ;  de  forte  ^ue  qnando  vivo  Chrif- 
^o  ,  era  Maria  fob^ana  Jardim ,  Roía ,  e  Aííuce- 
fX2i ,  mas  na  foiedade ,  e  aufenciaile  (m  filho,  d^ 
ÁíTucei^a,  Rofa,  e  Jardim  perjdeo  toda  a  fragran- 
,cia  5  íem  lhe  ficar  do  que  era  mais  que  alguns  ac- 
cidentes.  Quem  he  efta,  pergiintavaô  fufpenfas  as 
^dhas  de  Siaô  ,  quem  fera ,  de  cujo  fer  naó  divifa- 

jDant.  3.  6.  mos  ra^is  que  huns  ionges,  ou  huns  fumos  ?  Qu£ 

efiita^ qus  afcendit , fieut virgula fumi ?  A efta 

pergunta  naó  coníl^ ,  que  entaó  deífem  refpoíla^ 

'  ^ '"'  '        '  mas 


ãa  Soledade  ãa  Senhora,  íjf 

^as  Ruperto  refpondeo ,  que  eíla  era  a  Virgem 
Senhora  no  dcíerto  da  fila  íbkdade :  Qua  ejtita-i  í^"Pert.his 
qu£afc'endh  per  defertum-^  diz  o  TeXto  :  Marta 
per  defertum  afcendit  ^  quia  folitaria  ^  fúbfcre- 
veo  o  Abbade  citado ,  e  ^liando  folitaria  ,  aííim- 
eftavía  de  feú  fer  deftituida  r  Êgo  defiituta^  S^fo- 
&,  qlie  nao  r^ílaváó  de  fòa  entidade  mais  qtíe 
huns^ac€Í dentes,  que  em  rigorofos  teráios,  é  pu- 
ra frafe  fe  e^^preííaó  pelo  nortie  de  JongeS ,  ou  de 
âlmos.  Mas  qUe  diíTe  1  Até  effc^  aecideiites  che-^ 
garao  na  fofedade  a  extinguirfe ,  e  âniqililaríe. 
Aqiielle  fUmò  ,*  reriq;Uia  dó  fer  de  Alaria  ,  era  for-; 
jmal mente  aromática  e^thalaçàó  :   Virgula  fimi¥ 
ei)^r ornai tBus'mirrhíê\  é^  thtiris ;   e  porque  fé' 
de  confeiçoens  aromáticas  era  e^^haJado  aqiiellc' 
fUmo,  figura^  de  M^riafantiíli ma  na  fúa  foledâ;" 
de  ?  Direy.  Qtiando  o  fogo  abraza  a  outiva  qual- 
quer matéria  comBuíti veí ,  deÍ3ía  deíla  as  reli^ 
qiiias  nas^  cinzas ,  eniqiie  a  converte  ;  abrâzandô' 
porém  a  aromática  confeifòens ,  todas  ferefoí-- 
vem  em  exhalaçóenr odoríferas ,  que  erii  bref  e  fe* 
defvànecem ,  e^acábaô,  fem  reítarerti  feíiqtíias  M 
âbra;^àda  eittidade;  e  corrtb  a  Senhora  riaatífencia^ 
de  feii  Filho ,  aBrazado  com  fatldoíò  mccndiò^ 
feUfer,  em  fó  exhalaçaó  :  Virgula fimi' ^  q  ate- 
nuada em  fubtiliflimos  efpiritos  fe  dirigia  a  fe- 
pulttíra  do  Filho  ,  aíli  fe  confiirhjaó,  e  acatavao, 
aperfeieòatidofe  OhólbcaUÍlo  .,  qúe  pcía  aúfençia^ 
de  feu  Filho  fe  e^^eciitava  em  fiia  entidade:  dilTe-ó 
O  Ma^timo  Doutor  S.  Jeronymo  :  Bene  Maria ,  ^s*.  Híeroii: 
qmjí virgula  fimíi\    quia  coiícremata  ifitus  in^^'^^^"^^^^' 
holocauftum  incêndio  pit  amor  is  .  é^  dejiderío^ 
por  iffo  as  filhas  de  Siao  a  divizarao, quando  foli- 

taria, 


TTOFUWírÉ^tfhfci 


Ç^nt.  5. 


Ibidem, 


^-K-eg. 


f-?-  SermaS 

iraria  ,  exhakçaô  aromática ,  moftrando-fe  aíRm., 
íQue  até  os  accideates  ,  os  longes ,  e  os  fumos  .de 
fua  entidade,  como  exhaiíjçoens  4e  aromas ,  íCe- 
do  perecerão ,  e  íQtalmeiite  fe.açabaraó ,  verifi^ 
çando-fe  por  eile  modo  na  foledade  de  ^ ária 
yirgçm  lium^  rigorofa  aniquilação.. 

Poi^  a  refpeito  da  ateia ,  om  que  ha  mayar 
duvida,.pro¥afe  do.c%p.  5,  doSíÇantares..  Acha- 
vafe  Maria  fantiíTima  na  Efpoía  dos  Cantares  fi- 
gurada cora  o  feu  anior :  J.more  langueo  ,  e  ao 
msfmo  tempo  fem  o  feu  amado  :  ^i  inpeneriús 
dileòíum ,  e  entre  a^  t^Tannias  deíía  rígorofa  í b- 
ledade  articulou  eílas  paliwra^  :  ^nimamealique 
fãèia  ejl :  A  minha  ah^a  fe  líqui,da ,  iAo  he ,  fe 
desfaz.  A  rigorofa  fígnificaçaó  do  adjedivo :  X/- 
^«^/tífí^^  5  he  Relida,  .desfeita.  ;ISlas  como  pede 
feri  Se  a  alma  conMe  em  indiviziíreLnatnreza  in- 
difpeníavelde  todo  o  efpinto,5e  o  que  lic  indivizi- 
yel  naó  fe  pqde  diividir  em  partes  ,  diyidindofe 
aeílas  a  CGufa.jdelida ,  ou  desfeito ,  por  força  da 
rarefacção,  corno  podia  rarefaizerfe^au  Hquídarfe 
^  alma  da  faudofiíTima  Senhora :  Anima  mea-Uque 
faõia  eji^.  Oh  que  tudo  vence  a  foledade^  Pcdç 
efta  diyidir  em  partes  a, alma,  e pode a-arefazella. 
Tenho  duas  partes  ,  que  provar.  Notem. 

Ceando  chegou  0  tempo  de  fe  .aufentar  @ 
Profeta  Eli^s  de  feu  difcipulo  Elifeo  ^mra  |3artix 
ao  lug^,  em  que  ©conferva  apr^ovidencia  de 
Peos,  diíFe  a  feu  difcipulo :  Pqde  o  q^edefet- 
jares,  que  neita  hora  te  concederey  o  que  pedi- 
res :  Pofiula^  quod^^is-i  utfaciam  tihi^  ante qiiam 
tolar  à  te.  O  que  íb  quero  amado  Meílre  (  diífe 
,^iita6  Elifto )  he  qiie  içç  dejis  duas  partes  da  vof- 


daSoleãndeMSenhora.  % 

fa  âltna.  Afílm  inteípetraô  ia  reípolía  de  Elifeo , 
Vatabulo  ,  o  Cardeal  Caetano  ,  e  Alapide  :  Úè- 
fevro^  utfi&t  mmêdufktcjpirmsimis  ^  4diz  o 
Texto  :Obfecro^  m  dl^^  fartes ffiritm  tuiM-^^^^ 
viji  in:tres partes  mècumfan^  íobfcíeVerr^ó  òs  J^''^-  j^^^gl^ 
preditos.  Ouve  Elias  afupplica,  e  parecerido- cap. 2. 
lhe  difficultofâ  ã  graça  ,  lhe  diz  :  Difficilem  rem 
poflulati  :  Pedifte  huniã  còufa  mui  djfficil  ;  náó 
obftante  (juando  pie  apartar  de  ti,  teMs  O  que  pe- 
des í  Qtiando  tolar  à  te  erit  tibi  ^  qucã  petífU. 
i^ois  que  myílerio  tenii  o  dilatar  Elias  o  favor  pá- 
ra O  inílaflle  de  partir  •  porque  razaó  lhe  mó  ím 
logo  o  que  lhe  pede  ?  Direy.  Sabia  Elias  ,i][lie.à 
alma  he  indivizivel ,  e  por  ifro  a  primeira  viílã  Ihè 
f  areceo  a  petiçaó  diifficultofa  de  dèfpachaf  7  ítíp- 
pofto  naô  fe  poder  a  alma  dividir  :  Retn  díffcl- 
lein  poflulati  ;  mas  oecorrendolhe  í|ue  á  efte  im- 
poílível  110  poíll vel  modo  vencia   a  íbledade ,  t 
íiufencia  do  objeâo  amado  ,  dizlhe  :  Quando  etl 
ét  ti  me  apartxjr ,  confeguirás  o  que  pedes  ;  pof- 
iqtie  então  íblitarío  eu ,  e  foudoíb  ,  pofq4:tedé  m 
feparadô  ,  terey  como  em  partes  dividida  â  aima^ 
das  quaes  algumas  te  hao  de  acompanhar ,  cóffiô 
a  objedlo  do  meu  amor  :  Qtiafido tolar  àtè  efip 
tibi.  qmd peiífli.  Qiiando  O  folitnrio  fente  a  âu- 
fencia  do  feu  amado  ,  HeiH  tem  toda  a  alma  em  íi^ 
por  cftar  com  feu  q^jecido ,  nem  eílá  tod,á  cem  ^ 
t)bjeâ:o  aufenfe,  por  feiítir  em  fí :   como  ênl  pâr^ 
tes  cila  dividida  ,  aííiílindo  Aítíprcíí  parte  fnayof 
da  alma  com  feu  aitiado ,  que  comíigo  :  Jftmas.h^g. 
pliisefttthí amat ^  £juamt'hi úiíimát.  Áíf m  fue- 
cede  a  todos  os  verdadeifcs  amantes «,  (  dií:  Ssntò 
Agoílinho)  e  affifíi- fucced^eo  a-M-aiia  fantiíííiiía' 

D  Uâ 


mã: 


'I,::  :  *,, 


54  Sermai 

na  fua  foiedade,  de  cuja  alma  qnando  foMtaria, 
dizS.Joaô  Damafceno,  que  mais  eílava  no  Fi- 
sjoan.Da-iiio,  doqueemíl:  Erat  in  Filio  magis^  qmm 
infe^  conhecendofe  por  efte  modo ,  que  em  par- 
tes pode  a  foledade  dividir  a  alma,  na©  obílante 
fer  indivizivel. 

Que  polia  também  rarefazelía,  rerifícoBÍe 
Ba  Senhora. :  a  fua  alma  quando  faudofa  na  fole- 
dade consideramos  em  duas  partes  dividida  ,  hu^ 
ma,  qoie  em  íi exiftia  para  aíeatlmento,   outra 
que  affiília  com  o  Filho  por  aitror ;  pois  a  huma, 
e  outra  coníidcro^  rarefeita.  A  píirte ,  qtie  na  Se- 
nhora exiília  rarefeita  em  lagrimas- ,  a  que  aífilli^ 
eom  Chriílo  desífeita  em  exhaFaçaô.  Desiezfe,oii 
delio-fe  %  alma  faudofa  de  Maria  na  fua  foledar 
de  ,  que  efes  faô  os  próprios  termos  do  Texto  : 
Anima  ima  liquefaâía  eft ,  o  que  em  nome  da 
mefma  Senhora  diíFé  Santo  Anfelm©  :  Teta  li- 
quifiebam  pr^-  doloris  angufiia  \  e  animando  a 
parte  da  alma  para  ficar  feníivel ,  refolveofe  eíla^ 
em  lagrimas,  diííeS.  Bernarda  iZ/ísrrry/wâTí/»/  ío- 
^"^  ta  uBertas  effluebat ,  ut  carnem  cmn  §piritum 
omnern  inlacrymasdijfolviputaresí^  e  a  que  fe 
apartou,  para  ir  acompanhar  aChrifto,  obje£fo 
do  feu  amor,  reíblveoíe  em  aromática  exhalaçaój 
que  dèpreíTâ  fe  extinguio  :  Sicut  virgula fumf 
exaromatihus  mirrha^  &thuris\  in  holoeatffium 
tíSí^^r/j- ,  fobfcreveo  S.  Jeronymo  ;  efenoholo- 
caufto  tudo  fe  coníome ,  e  nada  fica ,  temos  fém^ 
repugnância  rigorofa  a  aniquilação  em^  Maria 
Virgem  na  fua  foledade,  ffcando  fóefpinhos ,  e 
iágelos ,  fubílitutos  do  fer  ,  que  fora  :  Non  in- 
vmh  Mariam^  invenio  fpinas  y  invenio  flagela^ 

tGtas 


S.  Anfelra-; 
de  lamenc 
Vírg. 


S:  Bern. 
lament. 
¥irg. 


da  Soledade  da  Senhora,     ^  J^ 

tota  liqtíffieí?am  pra  doloris  angtfflia  \  anima 
mea  Uqtie  foBa  ejl. 

Oh  Deos  rediífimo  ,  qoie  com  fumrna  equi- 
dade adminiftiais  juíliça ,  daime  licença  para  vos 
propor  efta  reílexâó.  He^poíTivel,  Deos  meu,  que 
com  o  mefmo  rigor  ^  de  que  ufava  Jofué  com  as  . 
Cidades  ii3Ímigas,que  por  armas  lujeitaya,  trateis 
vós  a  formofífíima  Odade  Maria  ^Virgem  ,  taô 
adornada  de  prendas  naturaes  ,  graça ,  e  gloria  : 
Civitas  munita  innattira^  grafia-,  &  gloria} 
JoíUé  abrazava  ,  e  deílruia  até  as  reliquiss  das 
Cidades  inimigas  :  Non  dimifit  ullas  relíquias  .^^^^^  íQ« 
vós  com  o  ince^ndio  da  foledade^brazaíles.delaí'^^' 
forte  effca  Cidade  ibrmoíiíRma,muito  voíTa  aman- 
te ,  e  confederada,  que  nem  ainda  lhe  íicaraé  as 
relíquias  do  próprio  fer ,  porque  aniquilada ,  e 
totalmente  desfeita:  Teta  liqtiijiebam  -,  át  tuôo 
ficou  deílitiiida, quando  ficou  folitaria  :  Ego  dejii-  ^ç^^  ^^ 
tnta ,  ÍTJola,  O  certo  he,  Senhor ,  <jue  neíle  fuc- 
ceííb  fe  parece  bem  .com  ii  hoíliíidade  o  amor, 
pois  o  atnor,  ao  parecer ,  fe  veftio  nefta  occaíiaó 
da  mayor  hoílilidade,  e  bem  diífe  Santo  A  lha- 
nafio  quando  chamou  ao  amor  tyranno,  e,  ainda 
que  doce  :  Amor  dulcis  tyranrMs  ,  com  mayor 
dficacia  para  deftruir ,  que  o  ódio  para  acabar. 

Oh  magoadifllma  Senhora .  aniquilada  fem 
hyperbole  vos  confidero  na  voíTa  foledade.  por- 
que totalmente  deftruida  avoífa  grandeza  ,  e  fo- 
berania  :  antes  ^  íTi^i''i'eííe  ,  c  fe  aufentaíTe  Chrif- 
to,  éreis  vos  efcolhida,  zomo^<A\ EleHa^  tit  Sol^ 
formofa,  como  a  Lua  :  Fulchra^  ut  Luva^  e  can-  c^nt.  $, 
dida,  como  a  Aurora  :  Qtiafi  Aurora  caiftivgens\ 
agora  que  eflais  folitaria,  de  gol  fó  tendes  os 

D  2  eclipy 


llí:i 


mmiii^^ 


5;4  SermaS 

eç li^fe  y  de  Lm  Qs  minguan^te^,  e  de  Aurora  i$a^ 
da  tendes,  pois  naó  vos  vejo  eí^tre  luzes ,  fejiâS 
Ecdeí:24,  entre  fombras.  Breijs  vós  porapofof  theribijato  :. 
Ego  qmfitberiMntusyÇQámaizltzáo  no  Liba-* 
no  :  Quafi^  cedrus  exaltata  fum  in  Li  Bano ,  e  fu- 
.  hlime  çiprefte  d^^  inoate  Sioi^  :  Quajl  cipre§ks^ 
in^monte  Sion  y  agora  de  theribinto  naó  rendes  a. 
dilatada  pompa  dos  ramos ,  mas  íim  o  trifte  das^, 
fombras  ;  de  cedro  n^o  tendes  nem  a  exaltação  ,, 
rfcem  o  incorruptive^  pois  totalmenètç  extinta  cob- 
íidero  a  voíTa  entidade  •,  fó  ^m  eonfervais  do  ce- 
dro a  amargura ,  de  ctprefte  falta^vos  o  lublime,  e/ 
fó  tendes  o  funeílo  ,  e  fuitebre.  Éreis  vide  :  Ego"^ 
^afiv,itis\  éreis  pomba  :  ColumBa  mea-^  éreis  ro-^ 
Lii :  Wostuturis  audita  efi  ,  agora  de  vide  fó  ten^, 
áos  as  lagrimas  ,  de  pomba  os  gemidos  ,  e  de: 
rolaosfufpiros.  Finalmente  éreis  May  de  Deos>, 
já  o  naó  fois  ;  éreis  Maria,  até  eííe  fer  vos  naó  di^ 
vifo.  na.voíFa  foledade  :  Qj^aro  Mariam^  non  i^, 
vento  Mar  iam  y  porque  rigorofamente  aniquila-, 
da  vos  coníldero  nefta  noite  ,  eíFeito  do  def am- 
paro ,  em  que  tos  deixou  voíTò  Filho*  faudofa,  fô 
lólitaria :  Reliquitmefolam. 

Mas  contra  a  ponderada  aniquilação  eftá; 
clamando  huma  evidente  duvida.  Se  a  Virgenr;, 
Senhora  penava  em  íua  foledade,  e  efíava  fenííveí 
ao  tormento,  como  pode  fer  que  eílivefíe  ani- 
quilada ?Se  a  aniquilação  de  íeu  conceito  formal 
deftroe  o  todo ,  e  todas  as  fuás  partes ,  ficando  a> 
entidade  aniquilada  a  nada  reduzida,  naó  poden^ 
do  o  nada  fentir ,  como  fentindo ,  e  chorando  ai 
Senhora  a  aufencia  de  feu  Filho,   fe  pôde  di- 
mt   aniquilada   quando   folitaria?  Reíponda. 
...  O 


da  Soledade  da  Senhora,  ^7 

O  argumento  he  verdadeiro  no  íentido  phyíico^ 
e.verdadeíra  a  aniquilação  de  Maria  Virgem  fó- 
íitaria  no  fentido  moral.   He  verdade  ,  que  a  Se- 
nhora coníervou  toda  a  entidade  de  alma  ,  e  cor- 
po ,  mas  com  juízo  prudente  ,e  bem  fundado  foy 
como  íenaó  exiêiiTe  :  Stiin  tanquam  fi  non  ejfem^  PfmlaT 
diíTe  em  nome  da  Senhora  Jeremiíis  em  Çq}ís  Tre-  j^  vSba  '" 
n<>s  ;  e  iílo  baila  para  a  verdade  da  predita  pon-  Hierem.di^ 
deraçaó.  Notay.    No  Pfaímo  115-.  falíava,  no^^^P^"^ 
fentir  de  Santo  Agoftinho,  com  o  Eterno  Padre: 
Of  Divirxo  Verbo  ,  e  dizia  :  Eu,  Senhor,  fou  voCo 
efcravo  :  Egofervus  tmís  ;  pois  feo  f^f^^í^^ravo  p^^^^  ^^ 
repugna  á  Pcílba  do  Yerbo  Divino ,  naofó  em 
quanto  Deos  ,  mas  ainda  em  quanto  homem ,  co- 
mo enílnaô  os  Theologos,  e  o  definirão  alguns^ 
Concilios,  como  affirmou  Chrifto  de  íi,  que  era 
eí cravo  a  todos  inferior  lE^^/^ri^?// /^/^/x:  op- 
prohrkim.  JjcmiÍTimn -^  <&"  ahjeciioplehis  ?  Mais. 
No  Pfalmo  21.    diíTe  Chriíio   pela  exprcíTao  dor^ 
Erofeta  Rey  :  Eu  fou  hum  pequeno  animal  da 
terra  ,  e  naô  fou  homem  :  Ego  pmi  vermis ,   ^pfaim 
mnhomo.  No  fentir  dos  Expoíitores  fallava  o 
Senhor  de  íí  padecendo  os  opprcbrics,  aíFrontas, 
e tormentos  da  fua  Paixão  fagrada  ,  e  nefíe  cita- 
do aífirma  huma  total  aniquilação  do  fer  de  ho- 
mem :  Non  homo  ^  paífàndo  na  Paixão   a  fer  vil^ 
bicho  da  x.txxQ.\Egofiimníermis.  Como  pode 
fer  .^  Se  na  Paixão  eílava  unida  ao  corpo  a  alma , 
com   partes  eífeneialmente  confiitutívas  da  ver-- 
dadeira  humanidade,   como  affirma  Chrifto  de  íl 
a:  n^gaçaô   de  homem  :  Man  homo  ?  Que  foífe 
homem  verdadeiro  o  confeíTa  a  noíFa  Fé  :  Mornos 
faâíus  efi\  e  fe  ainda naa  tinha  exhalado  a.  alma, 

eomo 


Slr 


IJMHHttáÉMMÍÉÃi 


3^  Sermão 

C0mo  aíÇrma ,  qu2  já  naó  he  homem ,  e  fó  he  aba- 
tido bicho  ?  Ego  ver  mis ,  é^*  non  homo  ?  Direy^ 
He  verdade,  que  naô  foy  efcravo  Chrifto  na  rea- 
lidade phyíiça  ,  poréu  rooralmeíite  era  como  ef- 
cravo ,  porque  ta6  humilhado  ,  e  abatido  fe  vio 
pela  humanidade  ,  a  que  defceo ,  que  efcravo  fe 
ajuizou  :  Egoferpusíutís,  Do  mefmo  modo  he 
certo ,  que  Çhriíio  era  hora^m  quando  por  nof- 
fo  amor  tolerou  as  afirontas  da  Paixaè ;  porém 
como  as  injurias  ,  e  as  afflicçoens ,  |ue  o  innun- 
davaó ,  o  conftituiaó  em  tanto  abatimento ,  que 
naó  parecia  homem ,  aíHrmou  o  Senhor  de  fi  na- 
quelle  eftado  de  homem  a  negaçaó  :  Non  homo  ^ 
e  difcorrendo  coherente^^  adverti,  que  ainda  que 
exiftia  a  Senhora  phyíicam^te  em  ília  foiedade , 
eftava  em  e^ado  taó  penofo  ,  e  de  tanto  abatia 
mento  ,  que  nada  do  que  era  parecia ,  e  aíTim  ab- 
folutamente  podia  dizer,  imitando  a  Chrifto,  que 
aniquilada  tinha  a  fua  entidade ,  e  grandeza. 

E  fendo  tanto  de  fatisfazer  eftarefpofta, 
.^inda  vos  darey  outra  mais  concludente ,  e  mais 
forte.  Querendo  S.  Paiilo  explicar  o  profundo 
abatimento  do  Yerbo  Divino  ao  aíTumir  a  natu- 
reza humana ,  diíTe  por  termos  abfolutos ,  que 
a^uelle  Senhor ,  fazendofe  homem,  ficara  exhau- 
Ad  Philip. 2.  riâo  de  tudo  o  que  era  Deos  :  Semetipfum  ex- 
?'  inanhh.  Quepafmo  I  Mao  he  certo,  que  o  Ver- 

bo Divino ,  depois  da  Incarnação ,  ficou  Deos, 
como  antes?  He  fera  duvida.  Quando  fe  fez  ho- 
mem perde©  algum  dos  attributos  divinos  ?  A 
.  Fé  enfina ,  que  naó.  Pois  com  qiie  verdade ,  e 

fundamento  dilTe  o  Apoftolo  ,  que  o  Verbo  fa- 
.2?e^dof^  homem  iiça^a  exh^urido  áo  que  tinha  de 

Deos  c 


da  Soledade  da  Sevhora.  39 

Deos  :  Semeiipfum  exinantvit  ?  Direy.  Fazen- 
dofe  homem  o  Verbo,  ficou  Deos,  mas  como  fe 
o  naô  foíTe ,  em  ordem  á  manifeílaçao  dos  attrí- 
butos ,  porque  fendo  immenfo,  fe  reduzi  o  a  humí 
lugar  ;  fendo  Eterno  ,  nafceo  efn  tempo ;  tendo 
fúpremo  domínio  em  todas  as  creaturas  ,  obede^ 
ceo  a  muitas;  fendo  independente  ,  depcndeo  de 
muitos;  finalmente  com  o  habito  de  homem  í 
Habitu  ííwenttis ,  uthcmo  ,  taó  occultos  ficarão 
os  attributos  do  Verbo,  q  naç  parecia  Deos ;  por 
iíTo  diííe  S.  Paulo ,  que  ,  q^iando  humanado,  fica^ 
ra  como  exhaurido  de  tudo  quanto  de  Deos  ti^ 
nha  ;  Semetipjtim  exinanhít. 

Pois  fe  o  Apoílolo  affirmou  aniquilação  na 
PeíToa  do  Verba,  pelo  abatimento  de  homem , 
também  nós»  podemos  confiderar ,  e  affirmar  ani- 
quilação em  Mâ:ria  Virgem  nafua  foledade,  pois 
taó  abatida  nella  exifte,  eclípfada  a  fua  formofu- 
ra ,  efcureeida  a  fua  gloria ,  e  perdida  toda  a  fua 
grandeza ,  que  he  como  fenao  exiíliíTe  \S'um  tan- 
qiiam  finon  e£'em.  Mas  ouvi  a  magoada  Senho- 
ra, que  melhor  ha  de  explicar  eâe  laílimofo  efta- 
do.  Ay,  Filhos  meus,  a  feparaçaó  de  meti  JE- 
SUS me  deixou  totalmente  deílituida  da  minha 
infinita  dignidade ,  do  níeu  nome ,  e  do  meu  fer, 
O  que  acontecea  na  fotedade  de  Noeme  ,  me 
acontece  a  mim  na  minha  foledade.  Para  a  fua  pá- 
tria tornou  a  formofa  Noeme  depois  de  dar  fe- 
pultura  a  feu  efpofo,  e  taó  outra  vinha  ,  do  que 
fora,  que  admirados  osqtieaviaó,  e  conhece- 
rão, mutuamente  fe  per8;untavaó  :  He  eíla  aquel- 
la  celebrada  Noeme :  Hac  eft  ília  Noemi  ?  Por- 
que pela  foledade,  q^ue  padecia,  taó  outra  eílava, 


i 

i 


4^  SermaS 

do  que  fora,  que  fe  duvidava  fe  fora  aquella  moS- 
ma,  que  era  :  H£C  ejiillai  A  meí  ma  pergunta 
podeis  vós  fazer  ,  vendome  em  tanta  pena :  po- 
deis perguntar  huns  aos  outros  fe  Ibâi  eu  aqueUa 
feliz  Yirgem  Mãy  de  Deos,  quepoíTui  por  nove 
mezes  em  meu  virginal  clauftro  o  Unigénito  d<^ 
f-^xj ;  fe  fou  eu  aquella  yeijturofa ,  que  na  lapa  de 
Bdem  ,  mais  que  em  pobres  panos ,  o  enfaxei  em 
affedtos  ;  fe  fou  eu  aquella  ,  que  tive  a  dita  de  o 
ievar  era  meus  braços  para  Egypto ,  e  por  tantos 
annos  vivi  em  fua  companhia,  gozando  com  inex- 
plicável jubilo  fua  divina  prefença ;  e  eu  darvos- 
hey  a  mefma  refpoíla,que  dava  a  folitaria  Noeme. 
Lá  dizia  aquella  Iblitaria  :  Na6  me  chameis  já 
Noeme ,  chamaime  a  triíle,  chey  a  de  am^arguras ;; 
f.uth.i.20.  j^oyQcetis  me  Noemi  ^fed  afnàram  :  he  verdade, 
que  eu  fuy  aquella  Noeme,  mas  ji  naó  fou  aquel- 
la que  fuy  ,  porque  a  foledade,  ém  q^ue  íiq;uey,a& 
fim  como  me  tirou  o  fer,  me  levou  também  o  no^ 
me.  Do  mefmo  modo  vos  refponderey  eu.  Efta 
Jie  aquella ,  que  foy  Máy  ,  mas  já  naó  he  aquella^ 
que  foy  :  aquella  foy  Maria  a  May  de  Deos ,  eílg 
^aó  he  Maria,  nem  he  May  ',  aquella  foy  delicio- 
fo  Paraifo,  q  Deós  plantou  para  nelle  por  aquela 
ie  Homem ,  que  havia  fer  Filho  feu  :  Flantaye^ 
fíen  2  8.  ^^^  autem  Dominus  Deus  Paradyfum  'vohípta- 
tis ,  in  quo  pcfuit  hominem ;  eíla  fie  hum  proce- 
jren.  2.13  lofo  mar  de  folnços, lagrimas ,  e  fufpiros  :  Ma- 
gna efl  velut  maré  contriâfio  tua  ;  aquella  foy  a 
l^dith  15.  gjQj.|^  jg  Jerufalem ;  f[u  gloria  Hierufalem  ;  eí- 
Tren.  1.13.  ta  he  a  mais  abatida,  e  htimiihada  :  Qtwfíiam  fa- 
in.r  1     «     ^^  fumvilis  :  aquella  foy  do  Sol  Divino  o  mais 
i^,  .taiante  gyrafol :  QccuU  met  jemper  aclDomt- 


ãa  Soledade  ãa  Senhora,  41 

,mmi ;  eíla ,  porque  tem  o  Sol  fcpultado  ,  de  gy- 
i-afcljá  nada  tem  :  efta ,  finalmente  ,  he  huma  ci- 
jfra  de  penas ,  bum  epilogo  de  mágoas,  huma  idéa 
de  fentimentos,  huma  trágica  fombra  do  que  era^ 
Jiuma  memoria  trifte  do  que  fora  :  eílas  fao  as 
cinzas  daquelle  fer,  que  em  algum  tempo  exiílio, 
e  já  agora  naó  exiíle  ;  eítrago  daquella  gKonde- 
%2i ,  que  eftá  agora  em  foledade  de  {\  mefma  :  em 
iim  naó  me  chamem  já  Maria,  chamem-me  a  fo& 
|taria,eçhea  de  amarguras ,  porque  jaeíla^peno- 
ía  foledade  fó  veraô  as  ruisias  doque  fuy,  naé 
iteraó  evidencias  do  que  fou  :  Sou  hum  compof- 
to  fem  alma,  huma  alma  fem  vida,  huma  vida  fem 
coração, hum  coração  fem  alento  ,  huma  entida- 
de fem  fer ,  em  íim  nada  fou  fem  o  meu  JESUS  , 
ique  humauniverfal  perda  me  trouxe  comíigo  a 
jauíencia,  com  q  me  deixou  íolitaria  :  %eliqiii$ 
fne  Jolam. 

Neíle  laílifuoíiíílmo  eílado  ,  em  <jue  exiíle 
Maria  fantiílima  na  fua  foledade,  que  he  como  fe 
€iaô  exiíliCe  \ Sunita^nquam  ft  non  ejjeni ,  podere- 
smoSjCatholicos,  diícorrer  arbítrio,  com  q  demog 
;íilgum  alivio  a  feu  inexplicável  tonnento:  íienhu- 
ma  outra  çoufa  ceríiírimamente  lhe  poderá  mino- 
rar  a  dor ,  e  reftituir  ao  menos  em  parte  a  entida^ 
4€ ,  grandeza ,  e  foberania,  fenaó  a  viífta  do  c^d^- 
liver ,  queocGultaa  fepultum  ,  tudo  o  mais  lhe  he 
ipenoío ,  e  concernente  á  mayoria  do  feu  tormcm- 
to.  Pois,  fentidiffim^i  Sen  hm' a,  faiky  a  effa  pedna, 
q  ao  cadáver  devoífo  Filho  occuka  «ia  fepultu- 
ra  ,  que  naó  me  perfuado  feraé  taó  pouco  reípei- 
tofas,  e  eíiicaces  as  voílas  fupplicas,  que  naó  con- 
^%aó  o  abr^rfe,  e  patentearvos  o  objc-do  do  vof- 


m 


àÉMhiíy 


íiÉlii 


ÉíàmíÊéàm 


4^  Sermão 

to  amor ,  e  o  uníco  lenitivo  da  voíTa  mágoa. 

Eílá,  Gatholicos,  determinada  Maria  fan^- 
tiífimaa  faUar  ao  fepulchro  ,  e  derramando  mui- 
tas lagrimas  lhe  diz  eílas  palawas:  Oh  pedra,  ver- 
dadeiramente de  Ara,  dá-me  ao  metj  amado,  que 
fó  na  ftia  prefença ,  e  companhia  terá  algum  ali- 
vio a  minha  pena.  Já  que  a  ventura,  entregando- 
te  unido  ao  feu  cadáver  o  ouro  da  Divindade,  te 
fez  de  tao  fupremos  quilates ,  pedra^  foberana  de 
toque ,  adverte ,  que  íb  a  mim  me  toca  dar  jazigo^ 
no  meu  coração  a  eíTe  cadáver ,  porque  fe  o  Sol 
em  hum  mar  fe  fepulta ,  fendo  o  meu  Filho  Sof 
de  Juftiça,  fé  em  i):ieu  coração  ,  mar  de  lagrima^ 
deve  eftar  fepultado^  e  naó  neííe  fepulchro  de  du^ 
i^zasv  Mas^^  ay  como  eftás  immovel !  Se  na  mor>- 
te  de  meu  Fiíha  as  mais  pedras'  fe  partirão  ,  eo»- 
mo  te  nao  partes  tu  vendome  a  mim  quaíi  morta^ 
e  fe  te  naó  movem  minhas  fupplicas ,  valermehey 
das  minhas>  dore^,  e  das  minhas  lagrimas.  Vós; 
lagrimas  impetuofas^ ,  que  do  meu  coração  fahis 
apreíFáda^  combatey  uniformesa  dureza  daquel- 
k  pedrar,  convertey  as^^  ternuras  em  violência^ 
Gonquiílay  aquelle  mármore  com  o  mefhio  impe?- 
to  ,  com  que  correis  do  coração  mais  amante  r 
tentay  fe  podeis  tirar  a  golpes  das  entranhas  deC 
ta  pedBa  a  prenda  única  das  entranhas  de  Mariav 
Oh  pedra ,  oh  mármore  ,  fé  te  naô  move  verte 
banhado  de  lagrimas-,  movate  verte  combatido^ 
de  ondas  ,  hum  mar  de  dores,  fó  nefta  aufenci^ 
e  quebrandofe  enrti  as  ondas  de  meu  coraçaÔ, 
tudo  fíca  fruftrado^e  fenaô  poíFo  confeguir  o  que 
pertendo,  e  para  fupprir  neíla  hora  a  prefença  da 
Original  he  que  vos  mandaíles  eftampar  no  meu 


ãa  Soledade  da  Senhora.  43 

coraça6 :  Vone  m^  ut  fignaculum  ftiper  cor  tuumy^^^-'^ 
eíle  eílá  hum  clariíTimo  efpelho  de  todos  os  tor- 
mentos da  voíTa  Paixaó  íagrada  :  neíle  cândido 
lenço  reverberando  fe  transfundem  as  eff  ecies,  e 
nelle  vejo  a  copia  do  voílb  cadáver.  Mas  ay,  que 
efta  viíta  me  naô  minora  apena,  ,aates  me  aug- 
menta  a  dor,  por  ver  o  eílado  laftimofo  ,  em  que 
vos  pozerao  os  homens  1  Oh  cabeça  divina. quem 
efcureceo  os  luminofos  rayos  dos  voílos  cat^el- 
los  5  tudo  nelles  eraó  ondas  de  ouro  :  Caput  ejtis 
aurum  optimum  ,  agora  tudo  ííi6  ondas  de  fan-'^"';^ 
gue  1  Já  eu  vi ,  adorado  amor,  eíla  divina  cat)e^ 
coroada  com  diadema  de  ouro,  que  cu  como  vof- 
fa  Máy  vos  formey  delia  ^^oro^\FideteRe-ç^^^ 
gem  Salomonem  in  diademate ,  quo  ccrona^vit  ii- 
hum  Mater  fua  ;  porém  agora  a  vejo  com  pene- 
trantes feridas  pelos  cruéis  efpinhos ,  com  que 
vos  coroou  a  tyraiinia  dos  homens.  Oh  olhos  di- 
vinos ,  de  quem  oCeo  tomou  a  côr ,  de  quem  o 
Ceo  recebeo  a  luz,  femelha«tcs  aos  da  pomba ,  a 
quem  ferviao  de    efpelho    rios   de  cryftallinas 
aguas  :  Occuli  ejus  -ficut  echmíb^  fuper  rhuloí  Cant.  $. 
aquarum^  como  eftais  mortos,  e  éclipfadcs  !  O 
Sol  material  em  o  occidecital  maríe  fepulta,  mas 
o  Sol  de  voíTos  olhos  fe  fcp^ulto-u  hoje  no  mar 
vermelho  ,  ou  o  vermelho  niar  de  voílb  fangue 
foy  tenebrofo  Occafo  davoíTaluz.  Ef  as  faces, 
queeraô  hum  deli  cio fo  Jardim  de  prcciçfas  flo- 
res:  Gen£  ílUus.fwut  areoU  arcmaítm  ,  ja  n^^n^^^ 
tem  m.ais  flores  que  as  que  nella  plantarão  vof- 
fos  inimigos  com  as  atrevidas  mãos  .  que  vos  de- 
lab  bofetadas.  Eíla  boca,  que  algum  dia  refpá- 
íava  fragrâncias  d^íiiynha :  Laèia  ejus  UUa  def-ihiám. 

E  %  ti^ 


^vMi 


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HÊàÊim 


liUíÃfíi^riMi 


Ibidi 


em.' 


ibidem. 


44      .  Sermão 

tilantia  myrfham ,  agora  a  vejo  defliíandb  faii?^ 
giie.  Oh  peito  fagrado ,  facrario  dos  fegredos  di- 
vinos, fé  o  Euangeiiíla  em  vós  reclinou  hontein 
eoni  grande  jubilo  da  fua  alma  :  Super  peâíuf 
Domini  in  Ccena  recuBuh  ,  agora  fobre  vés  me 
reclino  com  inexplicável  dor  do  meu  coração  K 
Eílas  mãos  foberanas  ,  que  cheas  de  ouro  ,  e  pe- 
dr^as  precioías  :  Mantis  illius  ar e£ plena  hyúcin^ 
this^  fempre  eíti verão  promptas'  para  £ivorece- 
rem  os  homens,  hoje  pelos  melmos  eílaó  trafpaf- 
fadas^-e  immoveis.  Eftes  joelhos  erao  efmaltadas> 
pyramidjssdas^  colunas  de  meu  Filho  :  Crtira  il- 
lius coltin£  mar  more  £]  e  de  diamantes,  que  erao, 
pelo  luzido,  fe  tornarão  em  mibins  pelo  encarna- 
do.. Sagrados  pés,  que  feda  rofá  de  Jericó    fof- 
tt^  planta,  agora  fó  fois pés  de  cravos-.  Se  da; 
planta   dos  pés  principiou  o  ódio  a  plantar  ty- 
rannias  :  Aí  planta  pedis  -^  ufque  adiiertibem  non 
ejlfanitas^  juílohe  q  meus  olhos  agora  reguem^ 
com  copiofás  lagrimas  plantas  tao  íagradas. 

Ay,  fentidiíFima  Senhora,  todos  ncs  vos* 
queremos  acompanhar  no  voíFó  pranto  ::  daime 
eíTe  retrato ,  por  breve  tempo  ,  que  o  quero  mof- 
trar  aos  peccadores  ,  que  fem  duvida  at tendem^ 
do-o  íícaráó  chorofòs  por  arrependidos.  Pecca^ 
dores,  fe  na  morte  de  voíTós  pays  faô  indifpen- 
faveis  as  lagrimas ;  fe  morto  o  efpofo  he  incon- 
folavelna  efpofa  a  dor  \  fe  á  viíla  da  innocencia^ 
punida  he  infallivelno  coração  mais  bárbaro  a> 
ternura,  agora  vereis  huma  verdadeira  imagem^ 
huma  fiel  copia  do  voíFo  Pay  JESUS  Chriílo  de^ 
fúnto ,  do  amante  Efpofo  das  voíFas  almas  já  ca- 
dáver, do  innocentiílimo  JESUS  crucificado^ 

CO* 


da  Soledade  ddàenhora.  ^f 

como  reo,  e  punido,  como  malfeitor  :  aíli  ve- 
ieis oseíFeitos  das  v o íFas  culpas ,  e  do  intenfò 
amor  ds  Chriílo ,  que  por  vos  amdr  tanto ,  tanto 
padeceo;  e  fe  as  eípecies^  que  entraô  pelos  olhos, 
tem  mais  efficacia ,  que  as  que  entraÔ  pelos  ouvi- 
dos ,  tendo  ouvido  neíte  fantiffimo  tempo  dá* 
Quarefma  o  que  Chriílo  padeceo  por  voíTo 
amor ,  e  as  penas ,  que  tolerou  por  voífas  culpa^j 
agora  o  vereis  no  fiel  retrato,  ^  vos  voU  moílrar.. 
Conheceis ,  Catholicos ,  a  quem  r^prefentat; 
eíla  imagem  ?  Sabeis  de  quem  he  eíla  copia  ?  He 
de  voíTo  Pay  :  he  de  voílb  Efpofo  :  he  do  inno- 
centiílimo  JESUS;  Ay,  JESUS  da  minha  alma, 
eíle  he  o  voíTo  retrato  ?  Que  aííbmbro !'  Que 
Gonâifao  !  Quem,  Senhor,  eclipfoU  a  eftes  cabei- 
los  a  cor  ?  Qusm^  a  eíles  olhos  apagou  a  luz  ?' 
Quem  a  eftas  faces  ufurpou  a  formofura  ?  Quem 
a  efta  boca  tomou  arefpiraçao  ?  Quem  aeíles^ 
Kombros  enfraqueceo  a  fortaleza  ?  Quem  a  eílas 
mãos  tirou  a  liberdade  ?  Quem  a  eíles  pés  pren- 
deo  os  movimentos  ?  Oh  atrevimento  meu,  e  que 
iàtal  mudança  exécutaíle  em  teu  amante  Pay, 
Efpofo,  e  Redemptor  !  Ay  ,  amsnte  JESUS  , 
como  todo  pareceis  outro,  do  que  éreis  :  HeW 
Víihi  qualis  eras'  quantum  mutatus  ab  tilo  :  Oh> 
com  quanta  razaô  diífeftes  ao  Eterno  Pay  ,  que 
fobre  vós  tinhao  vindo  as  ondas  da  fua  juftiça  :: 
^mfids  flucius  tuos  induxifii  fiíper  me ;  mas  o 
que  para  vós  forao  ondas  de  juAiça ,  fejaô  para 
nós  mares  de  mifericordia.  Se  eíles  olhos  conver- 
terão a  Pedro  negativo  ;  féeíla  face  fe  permittio 
a  Dimas  facinorofo  ;  fe  eíla  Boca  ^i^o  perdaô  a 
Hagdalena  peccadora  j  fe  deíle  lado  íJianou  o^ 

reme^- 


Hièi|i 


46      ^         "^^    Sermc^  O^^^m 

remédio  para  Longuinhos  cego  ;  fe  dles  brados 
r<ecebem  Pródigos  depravados;fe  eftas  maôs  aberir 
çoaó  Jacobos  teimofos ;  fe  eftes  pés  bufcao  ove- 
lhas perdidasjtodos  nós  confiados  na  voíTa  infini- 
ta piedade  imploramos  ítô  effiçacias  da  yoffa  mife- 
ricordia ,  para  q  nos  perdoeis.  Mas  ay ,  X^tholi- 
cos,  ainda  tendes  mais  q  yer ,  ainda  tildes  mais  q 
chorar :  vede  eftas  divinas  coílas  ta6  feridas  ,  e 
defpedaf  adas ;  vede  como  defcarregaraó  os  gol- 
pes aonde  defcançaraé  ^  ovelh^:  eflafoy  avoíTa 
correfpondencia ,  tomarvos  Chrifto  corno  a  ove- 
Mias  perdidas  ao^hombros,  e  multiplicar  nelles 
a  voíía  crueldade  os  golpes  ?  Mas  ay ,  que  ainda 
vejo  ferido  o  Pallor,  e  defgarradas  as  ovelhas  : 
Percutiam  Fajiorem^i^  difpergentur  opeA  Pois, 
peccadores ,  çorrey  todos  a  eftes  hombros  fagra- 
dos  ,  e  para  feres  nell^  recebidos ,  aá-rependei- 
vos  de  todas  as  volfas  culpai.  Day,  Senhor,a  vof- 
fa  face  a  eíle  povo ,  que  fe  at^gora  de  vós  fo 
gio ,  agora  já  para  VõCS  foge,  clamando  perdaô , 
piedade,  e  mifericordia.  Peccadores ,  chegay  ac^ 
pés  de  Chrifto  contritos  ,  e  arrepeadidos ,  ;€  di^ 
^eilhe  com  o  coração  contrito,  e  fincero  : 

Pay  amabiliffimo ,  Redemptor  da  minha  al- 
ma, quanto  me  peza  Senhor  de  vos  ter  oíFendido  \ 
Gh  quem  nunca  tivera  peccado ,  e  fempre  tivera 
vivido  com  aquella  reflidaó ,  que  devia  ,  como 
creatura  voila  I  Mas  fe  aíégora  me  efperaftes  pie- 
dofo,  abfolveime,  que  já  ellou  contrito  :  pezame, 
Senhor ,  pezame  de  todo  o  coração  de  ter  aggra- 
yado  a  volFa  infinita  grandeza  :  proponho  nunca 
mais  peccar ,  perdoayme  pelo  volFo  fangue,  pela 
yoffa  niorte ,  pela.yoíFa  ipfinita  mifericordi^. 


SERMAM 

DO  SANTÍSSIMO 

SACRAMENTO, 

P  R  E\  G  A  D  O 

EM  A  SOLEMNISSIMA  FESTA  DO  COR  FO  DE  DEOS 

da  Sé  Cathedral  da  Cidade  do  Salvador  Bahia  de  todos 
Gs  Santos  em  ao  de  Junho  de  1745', 

PO  R    SEU     A  U  T  H  O  R 

ANTÓNIO  DE  OLIVEIRA? 

Natmd  da  Cidade  de  Lisboa^  Sacerdote  do  Habito  de  S,  Fedrc,  Aieflrê 

cm  Artes  ,  e  Iheologo  dos  Ejiudos  Geraes  da  Companhia  de  J^/^f 
/       da  mefma  Bahia  yCnelUs  Examinador  de  Fi/ofofia porvariat 
vsz.es ^  e  Miffionario  u4pofiolico  por  Sua  Santidade^ 

O  F  F  E  R  E  C  I  DO 

AO  MESMO  SENHOR 

SACRAMENTADO 

POR  HUMIRMAM  DO  MESMO  SACRAMENTO  DA  DITA 

Sé,  que  íervio  de  Juiz  no  anno  de  1 744.  aíéefíe  de  i745'>  que  á  lua 

.cufta  o  manda  imprimir  ,  e  dá  a  luz  para  mayor  honra  ,  e  gloria 

do  meímo  Senhor  ,  em  memoria  dos  plaufiveis  cultos  ,com 

que  naiUuílre  Irmandade  do  SantiiTimo  da  mefma  Séhe 

fervido  o  íoberano  Myfterio  Euchariítico. 


LISBOA. 

Na  O^c,  aos  Herd,  de    ANTÓNIO    PEDROZO   GALRAM. 
^  Anno  M.DGG.XlVI  ^ 

€&m  Udas  as  Ucmçus  neceprí^s. 


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