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íGiluraro
TheGiftof
The Associates of
The John Cárter Brown Lihrary
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Oif- 1 st-
SERMÃO
DA SOLEDADE
SENHORA,
P RB G ABO
NA SEDA BAHIA
POR SEU AUT HOR
o R-EVEREtíDO Doutor
JOSEPH ANTÓNIO
*f SARRE,
Meftre em Artes , Bacharel formado em os Sagrados Ganoacs , Presbytero feca-
lar , -Cavalleiro da Milícia Aurata , com o titulo de Conde
Palatino da Aula Lateranenfe.
DEDICADO, E OFFE R ECIDO
AoSenhorCapitam
MATTHEUS DE ALMEIDA,
Cidadaõ da ordem dos Vereadores deila Cidade,
EAD SENHOR
ANTÓNIO BARBOSA
DE OLIVEIRA,
Capitão da Infanteria da Ordenança defta Praça , e Cidadão
deíla Cidade,
Ajtthos Mòrdonios da Rcfurreiçaò do Senhor , na Irmandade d^) SantiJJlm»
iiacr amento da Sé d/i Bahia.
LISBOA.
NaOfficinadeM ANOEL COELHO AMADO.
Anno de M. DCC. I.VlíI.
Com todas as licenças necejfarias.
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SE NHO R e A P í T A M
MATTHEUS DE ALMEIDA,
E5ENHORCAPITAM
ANTÓNIO BARBOSA
PE OLIVEIR4,
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S'^'E ;Serma;6 , que V,^ M. ^ me
mancarão pregar em a Sé da ff a-
hia^ nejie anno de 1757., teve a
^ fortmià defer recitado na prefitp-
ça dos dotis Excellentijjimos Príncipes j ,que nos goyer-
nao^ e damayor parte da Nobrem ^ que a ejia Cidade
exima ^ com tanta felicidade^ que fuperahundante re-
muneraçap do trakalho , que me caufou ^ podia fer o uni-
verfal
tÊÊmis^m
verfalapplaufo^ com que foy ouvido ^ naS oijlante algu-
ma ímpnjtura^ com que hum iniquo , efobre iniquo igno^
ranttjftmo^ quiz efcurecer o louvor ,com que os Doutos o
applaudtaò\ porém como era fuj eito por muitos princi-
lí^^í/^^r^?^^^^ , naobaftou a fua maledicência para que
I^.M.^r detxãffem de me fazer a honra de mo mandarem
mprmir. Agradecido lho ofereço ^ e dedico , e a Deos
rogarey retribua a V. M, '' ejie favor com comofas feli-
cidades, i ^ j
Rerereníe Capellaô
ffofepk António Sarre.
Reli-
Reliquit me folam. Luc. lo, 14,
í'M,^'"
Que fa6 para o Ceo os Áftfos 5 pa=
ra os Aftros as luzes , para a terra
as plantas , para as plantas os fru-
tos 5 faó também para os pays os
filhos^; e fe os frutos para as plan-=
tas faó luílre 5 as pJantas para a ter-
ra ornato, as luzes para os Allros credito, os
Altros para o Ceo gloria, de femelhante modo
os Mhos para os pays faó gloria , credito , orna»
^1%^^^^' Oh magoadiffima Senhora, oh fen-=
^Ía j ^^^^^' Ceo domaisluminofo Aftro,
Altro da mais clara luz, terra da mais faudavel
planta , planta do mais fazonado fruto, quem
julgara attendida voífa íingukr ventura , e em
tudo venturofa iinguíaridade , que havia chegar
tempo, em que fe viíFe taó nublado cíTe Ceo,
íaoefcurecidoeíIeÁílro, taÓ deferta eíFa terra,
tao desfalecida eíTa planta ; mas fó o íiaó faberia
quemignoraíle, que para íioífa rederapçaó foy
deltmado deíde a eternidade o voíFo Aftro para
o eclipfe, avoíTa luz para o horror ^ a voíFa
piau-
íá SermaJS
plantapara o golpe , o yoflbíruto para a amar-
gura , nafcendo vós pelo mefmo motivo , fendo
Cço para o aíTombro , fendo Aftro para o def-
mayo , fendo terra para o defamparo ^ Sofiào
planta para a violência, fendo May de Deos ho-
mem para a foledade.
Nefta noite fe lembra a Igreja Catholica
4a penpfiííima foledade , em que ficou Mar^^
fantiíRma , aufente a alma de Chriíto , e fepuí-
tado feu cadáver , retirandofe a rqagoadiffima
Senhora ao Cenáculo , ao^de derramando co-
piofas lagrimas , a confíderamos neíla noite pe-
nalizada corn o mais rigorofo tormento ; mas
como fó quem padece pode cabalmente expref-
far Q motivo daíua dor, vamos todos ao Cená-
culo , e perguntemos á Virgem Senhora qual fe-
ja a origem de tantas penas, e.de taô çopiofaslar
grimas.
Magqa,diííim,a yirgeiH 5 quaite, ^Senhora,
ja eaufa ae eílares taô penalizada , que em hum
mar de lagrimas , parece , eílais para acabar
ávida, e exhalar a alma ? Oh filhos , refponde
^aria fantiííima , pois ainda que ingratos fem-
pre filhos , p que finto , e choro naminha fole-
dade he hum Ç4;ande numero de perdas, 4ií,e,W
jçgpfa a gufencia de hum fó objeâo , mas talquç
em fiçontiiiiha muitos bens , p>oj iíTo a fua falta
me he origem de muitos nitres : era eíle o meu
gdorado JEJSUS , Pay meu , meu FilKo , e Efpor
fo,luz dos meus olhos, alento do meu coração,
radical principio da minha vida , e formalmente
3 minha alma ; deixoume folitaria : Keliquifme
folanpj gufentaiidafe dpâj Q£Qx^d dg minha
pr&'
da Soledade da Senhora» y^
prefença, e ella feparaçaô me deixou na mais pe-
nofa orfandade : Orborpatre^ no maiskfíimo-5. Bemafíf,
fo defamparo : Defolorjilio , na mais ínconfofa-y^^ '^"'^"^•
rd viuvez : Fiduorfponfoj emtenebrofas fom- ^'^^'
bras , porque fem a luz dos meus olhos : Ltmen p^- 37- n.
oculorum meorum ^ é^ ipfum fion eji mecum^
em continuado parocifmo , porque fem alento o ^
meu coração : Defecit cor meum , fem t^ida , por- ''^^'
que eíla de fua prefença dependia : Tu mihi t}íta Tien. 5.
eras lapfa ejl inlacummita mea ^ ultimamente
fem alma, porque também o era minha : Dcmíne Pf- 34- 1^-
quando resides , rejiitue animam meam ; e que
me caufaííe tantas penas , qtiem era meu amante
Pay 5 meu querido Filho , e meu adorado Efpo-
foS faó circunítaricias aggravántiííimas , e effica-
eiífimamente concernentes para a mayoria in-
comparável de meu fentimento. Em o Horto fe
entregou meu Filho a vontade defeuPay : Nonu\c.22./^ii
mea voluntas , fed tuafiat ; em cafa de Pilatos o
entregou o injufto Juiz á vontade dos Hebreos :
Tradidit eum voluntati eorum, A vontade do
Eterno Pay era, quemorreíTe crucificado para
fatisfaçaó da fua juftiça : Hoc praceptum accepi
àPatre : a vontade dos Judeos era, que acabaf-
fe a vida no patibulo para fatisfaçaó da fua vin-
gança : Crucijige^ crucijigeeum. No Horto , e
em cafa de Pilatos aceitou o Senhor a Cruz, mas
com eíla difíerença, que no Horto, preoccupado
de agonias mortaes , foy tao adiva a afflicçaô,
jue regou a terra com o feu fangue difundido
pelos poros : Faãus ejlfudor ejus , ftcut guttte
^anguinis decurrentis in ferram , e em cafa de
Pilatos naô padeceo meu Filho eíle notável acci-
den-.
B Sermão
dente. A razaô da differença confiftio em que
no Horto aceitou o Senhor a Gruz das ma6s de
fcu Eterno Pay , que o amava : em çafa de Pila^
tos recebeo a Cruz das maôs dos Hebreos , que
o âborreçiaó ; e hum tormento dado por querá
aborrece , como inimigo , he fupportavel , mas
dado por quem ama , como Pay , he taô penozo,
que caufou no Horto a mais intenfa agonia a
Chrifto ; e fendo quem me deixou folitaria ?a.f
meu, que naó ignorava a tempeílade de pena%
que me havia foíobrar em hum mar de lagrimas,
he circunftancia concerneiate para que eu chore
fmi interpolação, e pene fem alivio em minha
foledade.
Pois fer quem me deixou Filho meu, he
circunftancia naó menor para fer immenfa ami^s
Ilha dor. He certo , que para remir aos defçen^
âentes de Adaô determjnou o ¥erbo Divino hu-
manarfe , e elegendome para fua May , tambeni.
eu fuy por elle remida , mas por decência da ma^
ternidade com huma redempçaó mais nobre, que
jos mais , porque ^ prefervaçaó da original culpa
foy a minha redempçaó ; e fendo que o Verbo
Divino foy Advogado para com o Eterno Padre
pelas creaturas da natureza humana , oíFerecen^
dofe 21 remillas , por mim çom efpecialidade aé-
vogou remindoine por determinar fer meu Filho,
do modo mais amante , e exceliente ; e naó obf-
tante eíle íingular patrocínio, agora hequem
me deixa , caufandome , pela razaó ponderada , f
mayor pena. Com três lanças matou Joab a Ab^
lalaó , querendo o Ceo, que para mais penofo
eaftigo gcabaíTe aquqllç Príncipe a vida ás maóa
de
rí
da Soledade da Senhora, 9
de quem por elle advogara, reconciliai! d o- o cora
íí^xx pay David , juftamente irado pela morte de
Amon , porque padecer ás maôs de quem em ou-
tro tempo foy advogado , ep.roteftor, Jie occa-
fiaó de acabar com a mais iiitenfa pena ; e que
outra coufa a feu modo me acontece na minha
foledade? Que mais efficaz podia fer o patrocí-
nio do Divino Verbo , que remlrme jiaó como
ferva , ilm como May ? Porém agora eíle mefmo
Senhor , Filho ^meu , e meu Advogado , he quem
me deixa , e defampara.
Ultimamente fer meu Efpofo, de quem eu
naô podia efperijr tormento , fenaô alivio, o que
me deixa folitaria, he comprincipio elEcaciíTimo
da minha indizível migoa. Qiiando Adaó pec-
çoxx , comendo o fruto , que Deqs lhe tinha pro-
hibido , ao perguníarlheí) Senhor o motivo da
tranfgreíFaó , defculpou-fe a íi , culpando ,a fua
Eípoía : MuUer , quam dedifú nnhí-Çociam , de- cen. |.
dít mihi , ^ ccmeãí , e he para admirar naó fe
.queixar Adaó daferpe:nte, que deo principio a
íanto mal , fenao de Eva , a quem tanto ,amava ;
mas aíllm havia fer , porque a ferpente er-a inimi-
ga , Eva era fua Efpofa : de hum inimigo íó fe
pôde efperiír tormento , de, qualquer dosefpo-
Ibs fó fe à^i^Q^ efperar alivio ; e ao ver Adnó , q
tinha recebido o jnaí da maó de fua Efpofa , dg
.qual fóefperava x)bem, nao fe queixou da fer-
pente ,5 fó da Eípoík formou queixa . como quem
ientia a pena , por nafcer de hum principio -, ^§t
por força do defpoforio o mio devia fer , nem
ainda do menor tormento. De fcmclhantemodo
fer Efpofo tneUj ^uem ^e ,cau.fa cem fcn ay-
A fen-
m
.'"'■f
Pfalm. 17.
10.
Cant. 5,
fò êerfnaS
átífencia huma collecçaô de perdão , he òrígeitf
de me ver fofobrada em htlm mar de lagrimas , e
de penas na minha foledade.
Que me deixaíTe folitaria , quem por me
bufcar fahiò do Eterno Pây , é inclinando o^
Ceos : Incíinavh Cklôs-) &' defcéndít^ fe dignotr
humanarfe enl meU virginal ventre, conítituindo-
me a nlaiiventurofa das mulheres pelainfinital
dignidade de May fua , e indiftiíifilamente Rai-
ftha de todo ocreádo f Q^ue me deixaíTe aquellé
Senhor, que huma , e outra vez piiliou aporta
deííé coràçaô para o receber : Ap2ri míM foror
msa^ ap?rímthi ! Aquefle, a quem eu como May
tantas vezes alitnentey aos meus virginties peí-
Cant 1.15. tos: Inter uh era mea comorahttúr\ Aquèllcj
que com tanta ternura me enlaçava como Efpofà
Cant. 2. 6. entre fèus braços : L^va eju/fub capite meo^ é^'
dextra fllius amplexàhttur mej he para a mi-
nha alma dor fem comparação, e juííifícadiflimo
motivo do mais copio fò pranto ! Masfe as pe^
jnas qmeinnundao em minha foledade : IfmuW-
daverunt aquafuper capai metpn-) me daô lugar
á queixa , dê vós me quero queixar oh adorado*
JESUS.
Querido Filho, objeíto demeus fuípiros^
termo de minhas íaudades , e centro de minhas
lagrimas, fe avoíla, e minha alma feamavaô
com tanto extremo , que me parecia ver duas aí-
ínas em hum fó corpo , porque razão morrendo
vós no Calvário naó levaffes a minha aFma em
voíTa companhia ? Junto á Cruz írnaginey eu,
quando vos vi morrer mclinando a cabeça , que
por mim chamáveis para vos acompanhar na
mor-
ãa Soledade dq Senhora, ^ II
tnort^ ; mas agora çoiiiheço , q^ie fpy cfta incli-
nação 5 comp aceíio , 4de quem ^e mim fe defpé-
dia, porque foíitaria me dei?a^a. Senaó ignorá-
veis. Filho ia minl^a alma , quantáts pardas com-
figo me tríizia a volTa fc^araçaô , porque acaban-
do a vida naó levaítes tambetn a eíla amante al-
ma? Taó deílituida, e íolitaria deixaítes nefta m-
íeneia a voíTa May , que fó por efpecial provir
dencia voffa co|i fervo o ^^i tal alento , com que
refpiro. Oh Eterno Pay , attendeyme naufrag:aa-
te em bum mar de tantas afflicçoensi Lembrame
Senhor, que da vofla parte mediíTehura Anjo,
iaue eíbva cheade graça ; mas agora com fuper-
abundância me íinto chea de amarguras. He
poíTivel, Deo^ piedofo , qalevos^coín padeceres
do defamparo de Agar na aufencia de feu filho
Jfmael, enxugandolheas lagrimas com avifta do
filho , e que naô faó baftantes os caudalofos ú<^
dos meus olhos, para que íhe reílituais a ím Luz!
Se Agar por eíçrava teve tíiAta^iía, eu que fpi|
:voíía eícrava hey de padecer tanta pena ? Ag^f
ía6 dítofa , que fe achou com o filho vivo , eu
íaó defconfolada , qiie nem ak^da morto p gp^o t
Compgdeceivos, pofe, Scnlior, da minha migoaj
inovaó-vos á piedade tantas lagrimas , que ne%
occafiaft íaó menos eíicaivas, que as da mãy de
Tobigs , porque íe eíla affli£la i^aay achou r^Jífe-
jdio iip yííla á^ íua prenda , eu pcnhiim remedjo
jgljcanço Ba auíencia de meu qpacrido Vúl^- Hí-
pinío eoiijfokdof , íuave refrigério Jiaspen^,
.^ue com yoífa doce afliíiencia minorais as ^m^r-
^iiras dos afflidos , como naó dais remédio a^
minhas penas,reiiituiítdome o Centro das minhas
^ ^^ ' 'A 2. ■ ter-
sa
WÊ
,,,„rvir
12 Sermão '
terntiras! Ma^pará que clamo, fe eftá profetÍ2rad(yj
que nefta íbledade na6 haverá para mim coníbla-
Tcen. I. dor : ]SíoneJl\ qui confoleUir eam ex omniBus
cbaHreJHs. Suppollo, Cathólicos, o que ouvi-
mos 5 e faberm^osy^ue toca a cauíà do tormento,'
que a Senhora padece Ba fiia foledade, fè cifra em
a deixar fèu amado JEStrS, poudbrarey, para ex-
citar a voíTa pieda:de, o rigor ofo eílrrago , que na
Virgem Senhora feZj e total perda, q lhe caufou
o deixalla folitaria feu querido Filho , pelo q co-
nhecereis, que na fiia foledade padeceo a Senh.o-
ra o tormento mais rigoroíb , e exceíTivo , origi^
nado todo de a deixar folitaria feu adorado^
JESUS : Reliquit me folam\
o
Principiemos .
Primeiro eíFeito , que naTirgem Senhora
caufou a aufencia de feu querido Filho, íoj
0 confiituilla morta , que efte he o poder da fole*
dade , competir com a morte na efficacia de del^
truir , e acabar , naô fendo vida , fenao morte áth
latada o vital alento , que fè goza , chorando ar
foledade, quecauía a aufencia de hum objedlo
amado.
No cap. f. do Geneíisefereveo Hoy fés o
numero dos annos , que Adão viveo , e difte que
foraô novecentos e trinta , no fim dos quaes aca-
bou ávida : Faâium ejl omfte tempus^ quodvixii
jídam anni non gentia (^ triginta , í^' mortuus
^. Porém muitos Authores graves dizem, que
foraó mil e trinta : effa opinião feguirao o Car-
neí&kii' dealHugo , o Abulenfe, o Author da Hiíloria
Efco^
Gen. |.
Ita Hugo,
Abul.inGé
'^.':U
ãa Soledade da Senhora. 1 5
Efcoíafticái, e outros. Pois luppoílo efte compu-
to, porque motivo deixou em íilencio o Hifío-
riador íagrado cem annos , expreíTando fó nove-
centos e trinta ? O douto Hugo refponde : Moy-^
fes prMermiJít cefitimi annos pro morte AbeL
Quiz efcrever Moyfés o computo dos annos, ern
^ue vivera ÁdaÔ, e lembrandofe, que pela morte
de Abel ficara aquelle Pay emfoledade de fcu;
filho 5 chorando por cem annos fucceílivos , fem
interpolação , nem alivio , naô os computou en-
tre os annos em que vive© , porque vida, que ví^
ve hum folitario chorando a foledade de feu
amado aufente , naô he vida , he dilatada morte..
Em AdaÔ terminou aquella pena , e eonfequen-
temente o feu pranto no fim de cem annos, e por
Mb defde entaô he que aos annos da fua vida
principiou Moyfés o numero ; em Maria fantiíll-
ma , porém, nao tem fím a fua dor, nem termo as
íuas lagrimas em fua penoziffima foledade, eaf-
fím fem vida a confideramos neíla triíle noitej,
pois quem exiíle folitario, e faudofo, com toda a
verdade fe pode dizer , qile eílá morto. Naó o
acrediteis, fe o nao provar.
Nos. fete annos de fome , que Jofeph vatici-
nou, aíTiílindo Jacob em Canaácom feus filhos^
mandou alguns delles a Egypto. para de lá traze-
rem trigo , com que fe alimentaíFem, e diz o Tex^
to , que conhecendo Jofeph a feus Irmãos , elks
o naó conhecerão, e perguntandolhe de que pef-
foas fe compunha a fua familia, refpendeo Judas,
que na fua cafa fomente havia feu Pay já velho, e
hum filho , que fora o ultimo, o qual talvez
por prenda, da velhice era do Pay o mais ama-
doj,
^mmmsssBSiSsmmiaBm
m
14 Sermão
áo 5 depois que lhe morrera outro , que da mef-
I3cn. 44. ma Efpofa , que efte , lhe ha^ia nafcido : EJl na-
kis PatsrfeneX') &" puer parvuhis qui infenetu-
te illius natus ejl-, cujus iiterinusfrater mortuus
eft^ Pater v^yotemrè diligitenm' Eíle filho, ^
Jijdas dizia eíl^jr morto, era Jofeph, com quem
f aliava , pois de Rachel uaô nafceraõ mais fi-
lhos, quejofeph, eBeijamim,; e tendo Jiida$
licoí^íelhado a feus Irmãos o vendeíTem aos IC-
^en. 37. maelitas para Egypto ; Meliusefi ut 'penundettir
JfmaelHís^ naó lhe çoaílando , que Jofeph tivef-
fe morrido , diz quejofeph he morto : Cujus
Uterinus frater n.ôrtuus eft. Sem duvida faltou
Judas á verdade ; mas fallòu verdadeiro, porque
advertido. He verdade, que naó fabia Judas, que
Jofeph era mofto , ma^ tiíiha certeza, quejofeph
«ílava folitario , porqiie como tinha paíTado f
Jipm Reyno efl:ranho, e neile habitava fem acom?-
panhia de feu Pay , a quem extremoíamente ama-
ra , o mefmo foy conáder^r Judas a Jofeph foli-
tario , e faudofo , que reputallo ja defianto , por
ííFo dá a Jofeph vivo o titulo de morto : Ctijus
Uferínus frafer mortuus eft.
Mas tornemos a ouvillo , que ainda confir^
para efte feu conceito. Prendeo Jofeph a Ruben,
dizendo a Judas , que fó foltaria a feu Irniaé , f®
trouxeíFe á fua prefença Beijamii^ , que tifiha fi-
cado na companhia de feu Pay. Sjippofta ^ refor
iuçí^o de Jofeph, foy Judas para Gana4, e tornanr
4o com o Irmaô mais moço , difcorreo JoíepfjL
^rbitrio , com que ficaíTe Beijamim^ em Egypto, e
£om eíFeito affim o tinha determinado \ porM
í^l?en4oJuda§efta dç|:eriií4-i>açaQ^^^ eu-
da Soleãâãè da Senhora, "^ x<f
tre ôvitrais coufas lhe diíTe eílas palavras : Se-
iihor, meu Pay Jacob ama com tanto exceíTo a
tile filho, que fe elle naó for para ília companhia,
Ihorrerá fem remédio , porque ftia vida pende da
dè Beijáminl , e por eíta razaó deixay que torne,
porque le elle cá ficar, ha de Jacob morrer : Ctmi ^«n- 44»
énim aminaíllitis ex ejus anima pendeat -^ vide-
ritqtieetm non ejj^e jiobifcum ^ morietur. Adver-
ti Judas , que nao eftá formal , e concludente o
difcuffo , com que requereis. Se a vida de Jacob
pende da vida de Beijamim , morrendo o filho,
morrerá também o Pay, que eftahe a legitima
eonfequeneía deduzida deíFa permifTa ; porém
ficando Beijamim vivo em Egypto ha de morrer
Jacob em Canaá , porque a vida daquelle Pay
pende datída deílefílho ? He difcurfo incohe-
rente, e nada tem deformai ; mas fallou Juda^
como difcreto. Ficando Beijamim no Egypto,
ficava faudofo da prefenea de Jacob , e em fole-
dade de feu Pay , de quem naó podia viver apar- .
tado : Non poteft puer relifjquére patrem fum , eGen.44.
fez conceito Judas , que o mcfmo era ficar Beija-
mim faudofo , e folítario, que ficar morto , e por
íffo pendendo a vida daquelle Pay da vida defle
filho , ficartdo Beijamim morto por íolitario, ha-
via também ficar Jacob em Canaá defunto.
Nefi:e cohceíto eftava tamberti o Profeta
maísfabío, emaisfanto. Viofe David atropela-
do peia ingratidão de hum aleivofo filho feu , e
por menor mal elegeo para fua refidencía a folí-
daó de hum deferto , é íendo o fim deíla fua re-
fòluçaó procurar no retiro algum alivio á fuâ
pena , fuccedeolhe tanto pelo contrario , que o
meí^
l^
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Uniíin
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ÉÊàÊÊiÊÊààm
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%6 Sermão
mefmo foy yerfe folitario , que reputarfe deíiin-
f>falm. 142. to , como qualquer morto do íeculo : Colkcavi$
^' me inobfcuris ^ Jictitmortucsf^mlL K poique
motivo le julgou morto David , vivendo naquel-
le deferto } A gloffa ordinária refponde. Porq
<^M. de naó podia gozar a prefença do feu povo : Collo-
i^Y' eavit mg in ohfcuris , £Í^ auxiatus efi fufer me
fpirít:ís meus , qtiia non poJj)ím ejje cum pcpulo
mjo. Eítava David folitario fem a companhia dç
Jium povo 5 a quem amava com estremo , e nefte
eáado julgou-le dellitiiido dos alentos da vida, e
entregue como morto aos horrores de hum Í&-
pulchro : ÇollocavH me in obfcuris -i id ejl ^ in
ior^fbi^ [sptílchro 5 expoz Lorino. De fórte, que fazendo
comparação David de íi folitario , e faudofo com
qualqiíer mojto do feciilo , achou , que ambos
com igualdade eraó cadáveres . e que igualmente
hum 5 e outro eílavaó fepultados , porque taô
fem vida eílá o folitario , como o morto , e com
â mefma razão, que ao morto ccrrefponde fepul-
íura, çorrefponde tanibera ao folitario.
Em Arbeé, Cidade de Heb.ron na terra de
Chanaá , morreo Sara Efpofa de Abrahaó , e co-
mo efte eílava em terra alheya , pois nella era eft
trangeiro, e peregrino : Àãv^nafum-^ í!)^ pere-
grinus apudms^ coníla do cap. 23. do Geneíis,
4 diíFera aos Chananeos : Daíme hum fepulchro
C^n. 23, 4. para fepultar o meu morto : Date mihi jusfe-
pulchri^ utfepeliam mortutím metm : parece que
íiaó íàllou coherente o Patriarca , porque corno
naquelía occafiaó fó a Sara fua Efpofa queria fe-
pultar, naó havia dizer morto, fenaó morta:
]^on moTttmm •) fedmortuam diçere debebat , ,ad-
yertiQ
ãa Soledade da Senhcra, T7
Tçrtio o DoKto /Pontevel. Mayormente dizendo
Santo Agdftinho , citado pelo Sylveira , que no.
original Hebreo eftá a pahyrsLmorUmm no ge-
^ncro mafciílino : Morttmm ibi juxta radicem ^^^^^^"9^^
'Híehraicam , fton in neut ra , fed in mafcuHno ge- ^ ^'
nere ponitur. Pois fe Sara he a morta , e a que ha
de fer fepultada , eom quem concordou Abrahaó
omortuum no género Tnafculino? Direy. Pela
-moríte , e fepultura de Sara ficava o Patriarca em
foledade de fua Eípofa , eneíla feparaçao^naô fe
julgava vífo , íenáó morto , por rifo para íi pedia
hum fepukhro : Deite mi M jus fepukhri. E he
"taó certa efta intcUigencia , que^nomefmo cap.
V.9. fe refere , que Âbrahaó pedira , e corrfprar^
•dous íepuichros : D et mihijpeltmcom dupHceni^ Verf.^f ,
^uam ha^bet in et>^remapar^e agrifiã , hum para
ú , e foy o primeiro, que ^Qáio.datennhi^ outro
para Sara fua Efpofa defonta , julgando , que fc
tSara por mor^a precizara fcpiiltura. etle como fem
«duvida por força -da ftfledade tantbem-devia fer
fepultado, por eftar em ambos igualmente mortos.
Bem coherente a efte raciocínio foy a repof-
tiujque Chpifto deo áquelle mancebo, que perten-
ídendo entrar no numero ^dos difcipulos do Se-
^iior, pedio licença a Chriílo para ir primeiro
enterrar a feuPay : Permitte me primirm ire. 'é^ UmXvB.2%.
fepelire Patrem meum , e o Senhor lhe reipon-
deo : deixa que os mortos enterrem aos feus mor-
tos : DifJiite mortuos fepeUre mor Hw s fuoi. O
cnteiTar he acçaó de vivos , que os mortos fó po-
-dem fer enterrados *, logo como havia verif cai^
fe, que os mortos foíTem fepultados por outros
0ioríos,? Mas oh rigor da íbleuade i O ^ue &-
B pulu
fif
ÍI"
-i8 S erma o
pulta á peíTòa amada , naô fepulta eômo vivcíf
enterra fim como morto. O que fepulta 40seí-
tranhos^ fepulta-ros como vivo, o que fepulta aos
feus , enterra-os como morto , porque tanto faza^
morte, como a feparaçap do objeflò amado.
Igualmente ficaó fepukados o morto , e o folita-
rio , e por iflo igualmente íicaó mortos.
Ay, magoadiíFmia Senhora , como ros v€;J0^
hoje rendida lá morte na voíTa foledade ! Solita^
ria , e faudofá chorais a aufeneia de Chrifto, port
vós mais ama^o, que por Adaó Abel, por Jofcph
Jacob 5 pelo msfiíio Pây Bèijamim , por David o
feupovo, por AbrahaóSara , e por todos os
amantes- os amados mais queridos ; e fe a aufen-t
cia de Abel conftituio' como morto a Adaó , a
aufénciá dê Jacob a Jofeph , a aufeneia de Bèijár
mim a; Jacob 5 a; aufeneia do feupovo a David,
& aufeneia? de Sara aAbrahaô, e a de qualquer
objedlò amado ao verdadeiro amante, vós, com
razaô incomparavelmente erceífiva , eftais morta
im, foledade^ que vos caufa a aufeneia deroíío
amado Filho. Mas como naô haveis eílar morta,^^
quandofòlicaria,fe na alma experimentais a pe-
netrante ferida, que vos profetizou Simeaó :
^c. 2, Tuam< ipjitis ^animam ; pertranfivit gladius ! Se
Yos fere o coração a efpada da mais intenfa dor ,
fendo efíé fonte da vida , a quem o mínimo gol-
pe b afta para matar, como vos naohe/ de confí-
dèrar morta , e fem vital alento na voíTa foleda-
i mít ^^ ^^ ^ -^^^ mori pater 0$^ qua vivens mortua erar^
Vi?g" ' diíFe Saó Bernardo ; e aíTim nefta noite vos jul-
gamos como qualquer morto do feculó , poden-
do vós dizer , como o voílo Progenitor David :
ãaSóleãàãedâ Senhora. ^19
'Cblloeavkme inobfcuris ^fwutmortuosfaecuH.
Masque diííe, Goríio.David ! GQmmotivomayor
íemcomparaçáô 0;pQdeis dizer, porque David
.fentia a auifeneia^de hum^povo^que fe compunha
de apuros homens , vós chorais aííbledade , em 4
ívos poz a auíencia de hum OFilho^omemfDeoS)
e quanto vay de.Deos á creatura , tanto mayor
he a razaô, porque mais que elle vos podeis di-
>2;qr, morta, e confeiíar *na voíTa Joledade-verd adei-
^ra competência comos cadáveres, depois damor-
:te; que feHelli.ao.daríclhe a noticia da peida dô
exercito ifraélitico , morte .de feijsrfílhcs Qphini,
e 'Phenies , e ,apprehenla6 da .Arca doSonhor,
íteve alento , e coníervou atvida , ouvindo ader-
ida dos fdldado^ , emorte dos€lbos , ao ouvir
porém a perda da Arca, ioy ,a dor da foledade ,
em que o punha a^iliaaufencia , taô forte, que ça-
hindo da caddra, em que eítava íentado, perdeo
o alento , e acabou a vida : Giniqueille 7iqminaf- ^
f et Arcam Dei , fraSfis cerafitihusmortMfs ^/í , i«
moílrando., que íe podia haver vator , e vida na
ífòledadeA hum povo >amado , e de eílimadosfí-
ihos , na foledade da Arca , porque reprefeníavia
,a Deos , era tííó grande , e tao fbreoíb o ieníi-
mento , que infaUivelmente faltava o valor , efe
experimentava acnorte ; v es que íentis .na voílm
Ibledade a auíencia de bum filho, ^ííô na repre-
^ntaçaÓ, fim na realidade Peos, com quanta
çmais raza6, que Pavid ,.pcdeis repetir eíla noite
o que eile diíTe naquelle dei crio : ^CoMccavii me
,l« eh fc uris , fictit moriuos Jr^ctíM- eíreitò tudo d©
dei amparo , em qiie tos deixou folataria o voílb
fillio : ^eliqtât me folam .
ãi
Reg.#
U
rnãm
fiiwi
mÊÊÊÊÊÊÈàt
màÊÊmmÊm
2Gr> Sé f mão
MasjúlgOjque a todos vos oceorfe huma'
manifefta duvida contra a morte ponderada. Se
a Senhora na fua foledade eftava viva, com que
verdade fe diz , que eílava morta ? Que eílivelFe
viva he indubitável, pois ao corpo virginal eíla-
va unida fua alma, a qual he certo fenao defunio
do corpo em a foledade, confervandolhe huma^
efpecial providencia a informação^ para na6 aca-
bar no mar das fuás intenfíííimas dores; e fé na-
quelie eílado tinha unidos^ corpo , e alma , fendo
com ávida incompativcl a morte, como pode fer,
que quando folitaria a Virgem Sonhora, eílivcíFé
naôviva, fenaô morta , d eílru ido totalmente o-
fer , e a exiílencia ?" Eílimo a duvida peia reír-
poíía.
He verdadé,que dê modoordinario, a mor-
te he termo da vidaj, mas também ha morte femi
privaçaé da vida , e efta he a mais^ tyranna , e rl^
goro fa morte. Provo o primeiro , e logo prova-
is Corinth.T£y O fegundo. Quotidis morior , dizia o Apof-^
H' 3í- tolo S. Paulo r Em todos os dias perco ávida,,
porque em todos eíles termino o rigor da marte,.
Bois fe tinha morrido hontem, como hoje vivia^
efe hòjè tinha vida, comohontem tinha perdido^
todo o vital alento ? Naó he certo , que o viven-
te fó hum a vez morre. A experiência omoílra..
Pois como aíiirmava S- Paulo , que da vida to d osí
os dias fentia total falta , porque em todos elles;
wvia : Quotidie morior ? Direy. Vivia S. Paulo-
fentindo intenfa faudade , porque efíava fepara-
do do bem, a que efficazmente fe defejava unir;
e como em todos os dias appetecia a prefcnçade
Chriílo, em ciijà foledade citava , como viador :
da Soledade da S^enhora. it
Ctípio di£olvl^ (^ ejjectím Chrifio , por iíTo eih
todos os dias ás mrics da faudade perdia a vida, e
eftava morto naquella aufencia 5 fendo taó nova,
e extraordinária efta morte , que fem lhe Teparar»^^
a alma, em todos os dias o m. atava : €upo dijfol-
1?/, &'ejfe cum Chrifio : qtictidie moricr. K a
eíla luz fíca manifeíla a intelligencia de cutrss
palavras de Si Paulo : Vivo ego-^ jam non ego, V\~ ^^ Galat?
vo eu 5 dizia o Apoílolo , e juntamente morro , ^" ^^
iinindoíe em mim vida , e morte, vivo porque do
corpo fenaófcpara a alma , morro porque a alma
pena na foledade, que lhe craifa a auíencia do>
féu Deos-, e he tal a crueldade defta feparaçaó,
que por hum modo extraordinário fabe unir, fem-
repugnancia , com eílragos da morte , alentos da.
vida : Vivo ego y jam non ego. lílo mefmo a íeu
modo^ fuccedeo a. noíTo Protoparente Ada6,
Formou-o Deos, e animando-o o conílituio Prin-
cipe do Univerfo , e para íinal de obediência , e
fujeiçao , lhe mandou nao comeíTe o fruto da Ar-
vore da Sciencia , fegurandolhe átíà^ logo , que
fé o comefle , morreria : In qtíoctinqtie die cerne- ^
dBrisexeOj morte morieris. Qcm^o Aá^ò^c áo,-
pois de ter tranfgredido vivco por muitos annos.-
Pois fruftroufeo Decreto ? Revogou Deos a fen-
tença ? Nao Senhores : Logo íiccu Adão morto,
e vivo ? Óptima illàçao. Ficou Adão vivo para-
a.pena , e morto para o alivio, vivo para a pena,
porque fentindo penofa foledade no retiro de
Deos, em que o poz a fua culpa : J/yfccnditfeGm.'^
Admn à faciè DcminiDei\ morto para o alivio,
porque fujeito aos mayores trabalhos : Infudore
vidtus tui , vencer is pane. He certo, que pelo at-
tribuT'
m
ãi Sermão
.tributo da immeníidade , aíTiíle Deos em todo-o
efpaçò , mas como. ao gue eífá em graça .acomp^- ■
íoha Deos Gom efpeciataíllíleiícia , e o (jue o qf-
iende fe retira , e põem longe de Deos , motivo,
iporq, çomo4iz Santo Ágoftinho, repetio Chrif-
;to o nome de Saulo, quando lhe fállou caminhaii-
do elle a Damaíco , Saule^ Saule-, que como Sau-
ílo a ©SOS oífepclm , eftava do Senhor muito reti-
rado. Adaó 5 que tinha ao Senhor offeridido , 'fi-
cou no mefmo ipftante, em gue peccou, longe de
Deos, e em foledade de feu Creador : ^bfcmtdtt
ife àfacte Bonmíi Bei , por iíTo |io mefmo dia,
em que peccou , fícou mortt) , ainda que pam
jniay or pena juntamente jijo^ íom o-epugnar vida,
.e juntamente morte.
Ay, affíiétiílima Senhora , com quanta ma^
yor razaó que S. Paulo , podeis djzer na^voíTa fo-
iêdade : F^ívo ego ^jammon ej-(? , porque o Apof-
ctolo , aiáda que faudoíb Javií ao. clara de Deos,
.tinha linitijvo a fua foledade na contemplação de
Jyiver Chrifto na fua compatihia : Vwi^^ero in
mieChriftus \ vós portem faudofa, e folitaria naê
■eftais acompanhada da alma ao Corpo de -Cbrilf-
íto , obje£í:o davoíTa Íau4ade , pois o corpo eílá
-daufurado íio fepulchro , e ra alma exifte no
centro da terra ; e fe o tormento, que çaula a fau-
,dade, femeíifura pelo .conhecimento do objedo
aufente , e amor , com que he pelo amante yene-
j*ado , fendo ovoíFo amor, e conhecimento in-
comparavelmente mayor , -q o <Íe S . Paulo , quan-
to vay da May de Deos a hum feu fervo^vés com
inuito mais jufti^cada razaó podeis dizer , que
iViva , e ^nor^a eftais aaefta aufencia efpirando vi-
da Soledade da SefíJoora.
va 5 e rerpirândo morta , íem que a morte vos pri-
ve da vida , nem a vida vos livre da morte
riehat^ ^' noti pMerat ffiori^ vivo ego , jam non
ego. Adão na fua foledade eíleve vivo^e juntamen-
te morto, fendo a aufenciaídeDeos" 5 por occa-
íiaô da fua culpa , e vós , que eílais folitaria por
occafiaô do amor* de Ghrjfto para eOiti cshd-^
itiens , fendo o amor mais cruel em atormentar ,
que a juíliça, e vingança em punir , com mayof;
razão víveis' morrendo , e morreis* vivendo neíta
penoíiíTima foledade. Qlíe eíla morte , Catholí-
cos , que coma vida fe une , feja a mais tyraíina,
e rigoroía- também he ccrtífFimo. líum bem traz'
comíígo ávida, eotítro amorte ; amorte o ifí*
fèníível , a vida o^delèitofo; mas como na fole-
dade , que califa aauíencíado objedo amado, fé ^
èílá o amante vivo ao tormento, e morto ao gof-
to , n ao tem o folitario o bem da vida , nem O'
Bem ' d a morte , tem f ó o mal d a m o r te , e o m aí-
da vida , pois tem o fentimeiito da vida, e afe--
paraçâó' da morte; Obfervây^ a pratica deáe racio^
cinio em David.
Mòrreo AT:) falaô" pendente de htíma arvore,-
quando fugia deílrifido o feu cxcrcilci.com o quaí'
fazia guerra a: feu Pãy, e dando hum foldado no-
ticia a Dlvid ida morte de feií filho, diz o Texto,
que feparanda-fé o magoado Pay dos ^ o acom- .
panhavaô , chorara copiofamente a morte noti-
ciada, articulando com intercadencia nas vozes,
pela interpoíiçaô dos fufpiroseílas palavras : Ah- 2. Reg, i^
fliJomfili mi \fili mi ÂbfaUm^ quis fnihitrihuat<y '4-
ut^egômoriarprote. Abfalao fílho meu, filho
meuv-Abfalaô , q|iem ppdéra morrer antes, qiíe
mm
igmwíii
Job 3- if
:^4 'Sevmci^
chorarvas fem alma; melhor me eíMvera Ofp^-
der a rida , qus o coníer^valla na voíTa aufencia;
«menos penoía me fm'a a morte, que eíla triíle fo-
ledade. ^e poffivel, Santo Rey ! Julgais menor
mal o fepararfe de voíTo corpo a alma , c[ue o in-
ibrma , que padecereis a dor da foledade \ em que
•ellais por morte de Abfalaó ! Nao era elle ingra-
to, aleivoío, e-voíTo deckrack) iíiimigo ? Sim, diz
David; mas meu filho : grande era o aftedo com
que o amava , e por iíTo na foledade, em que ef-
tou pela íuaXalta , experimento o ^peyor da vida,
e o peyor da morte : vivo, mas fó para íentip;
morro , mas na6 deixo ^e penar : da vida tenho
4) fentimento, da morte a feparaçaô-, e neíla uniaó
de males , melhor me eita fepai"^rfe ie *meu corpo
a alma, porque neffe caio ficava ao menos com
^ bem da morte, que he o infenfível, e agora fem
ter o bem da vida , ou o bem da morte , tenho o
mal de huma , e outra , porque tenho o fentimen-
to , e a feparaeaó , e como mal duplicado me he
taô penofo,que antes quero a morte phyfica, em
.que fe perde a vida, que a morte da foledade, em
;q com a vida feune a morte : Qtnmihí tríhtiat^
Mt ego moriar prote , Jili mi Ãbfalojn , Abfaloni
fili mi.
De fem eih ante modo defejavajob , porquê
femelhante pena .padecia. Qpando Job chorava
a morte de feus filhos , dilíe, que defejava exiíHr
na foledade de hum fepulchro : Requiecerem cuni
Jlegikís-, é^ cum conftdibus-^ qui adijicant fibifo-
litudines. Parece que Job com a adividade da
dor , eftava delirante. Se eMe chorava a foledade
^GS íilhoSj par^ quedefej^ivamais foledades ? OIi
^a Soledade ãa Senhora, ^%
que acertava Job no que pedia, fíuma fepultura
lie afoledade dos mortos , huma foledade he a
f^puítura dos vivos; m2& com eíla difteren^a, que
na foledade de huma fepultura falta o fentimen-
;to , e na fepultura de huma foledade falta a mor-
te > fendo aífim mais para fentir a foledade dos
vivos 5 que a foledade dos mortos. Na foledade
dos mortos ha a:partaínento fcm^dor, na foleda-
de dos vivos fente-fe a4or do ^apartamento. A
foledade dos vivos lie^para nella fe padecer, a fo-
ledade d os mortos he para«nella fe^defcançar : r^-
/quiecer em. 'l^o,go mais padecia Job eílando em fo»
Içdade vivo , que fe eftiveíTe em foledade morto-;
pois a2vida.;q gozava/e unia ámorte, e morte, ^ fe
.une a vida he mais rigorofa , e mais ty^ranna mor-
te. Além do que, morto eílaria acompanhado de
feus filhos 5 e vivo padecia a foledade dos filhos
Abortos; e aífim defejava ^ara fèu defcanço an-
tes a fepultura, que he a foledade dos mortos, do
<jue a foledade, que he a fepultura dos vivos^pois
vivo, e morto, porque folitaáo, padecia tormen-
to makrigorofo que a morte.
iPela-mefma razaô perdendo as vidas mui-
tos do povo ífraelitico , pedia Thobiíis a Deos
lhe feparaíTe do corpo a alma , julgando menor
mal a morte q^ie a foíed ade : Pr^ipe in pace.Th^^.^,^
Recípe fpfríti/mmeum ^ e^pedit emni ptíéi mori
magis , quam vwere. Agora S. Bernardo : Vole-
hat cito mori , ne experiretur amplius pcpuH Lyr. U-
Jfrael affliâíionem^ qtda 7nuhi de filiis JfraeJju-
gulabanttír. Pela morte dos filhos daqueíle po-
vo ficava Thobâas feín elles foiitario , e faudofo,
:€ fazendo compar^açaó entre as violências éa for
C iedade,
mí^
20 Sermão
kdade, e os rigores da morte, refolvía íer meno^'
f enofa a. morte , que acabava a vida , que a mor-
tequecom a vida permanecia , por illb pedia a^
Deos lhe tiraíle o^ efpiríto deííe mundo , por naa
ficar nelle fem os feus amados lolítarib : Praci-
pe in pace expedit enim mihtmorhnagts ^ quam
mvere.
Ay,fènddiirima Senhora, fé David qtíando*
em íbledade de hum ingrato^ filho aííim diícor-
ria , que direis vós na aufencia de voíTo Filho o
mais amante ? SaJ^bdcfejava antesa morte phy-
llca, qpeamorte da-íaledade padecida peíaau-
fencia de feus filhos puros' homens, como anão
defejareis vós fentindo a foíedade de voífo Fílho^
Homem-Deos ?" Se a Thobias folítario melhor
lhe era acabar , do que viver , também a vós' me-
lhor vos fora paíTar pelas violências da m.orte,
do qu€ ficar fentindo* as^tyr3nnias da foíedade:
Aílim , diíFé S. Bernardo, dèfejaveis quando ío-
Ur^^ ^^litariâ : OptaBat nwrimagis., quam viver e pofi
Vírg. * Chrifil morUm. Mas já vos ouço fallar com a^
morte. Oh morte cruel , diz a Virgem^Senhora,
eruel pela vida, que me deftruiíle , ecruefpela^
vida , que me deixafte f Se me dèiíCaíte morta para
o goílb , como me deixas viva para o tormento ?"
O Filho mortey>e a May viva , oh triíle May, oh-
querido Filho ! Que bemfe compara com a mor-
te, e com o inferno o amor, porq a morte acaba a-
vida , o inferno perpetua a pena, e o amor quan*
do intenfo, como morte acaba o viver , e como'
inferno perpetua o penar : na morte morre-íe, e'
já fé naô pena, no inferno pena-fe, e já fenao mor-
re^ eoamor exercitada morte a crueldade demâ-^
taív
éaSoJeãaâe da Senhora, tj
H^ 5 e do ii^ferno a pqrmanencia do affligir. Por
acabar a yi4a he forte , como, a marte, por perpe-
tuar a pena heduro, como o infer^io : portis^ ut Cant. 8. 6.
piors (Ble^ãío , duraficut mfernm emulatíol Oh
comoaíTim íe verifica nefta hora comigo IGomo
morte meíirou o amor a vida no ^artamento de
meu íFilho , e como inferno me çonfejva 2. 'vida
j5ara penar neila fol^dade. Wiva, e morta me con-
Sdero ; morta , mas fem os defcanços ida mortq
Uriva, mas fem os alentos da vida. ^iva por^íinto'
anais ^ue nunca ; moxta porf ue eílou ferida cnais
^ue de morte. W^ida, em.que le achaó as peníbçns
,da morte ; mo^íe , em que fe ajuntíjíô as fadigas
,da vida ; -finalmente gozo humá vida fempre^mor-
jendo , padeço hum^ morte mincaacííbandojhti-
ma morte , que fi^re a .akna , huma vida , que he | i|f^ii ^ :
ín ais que morte» Pois como n ao acaba de huma
*yezvida taô penofa ? Oh <juanto defejo exiíVir
.cadáver em huma íepultura; pois mais quizeríip;a-
,decer o mal da morte , ^ue padecer o cnal da fo-
Jedade ; fendome muito inethor acompanhar a
meu Filho morto, -do que fíc^r fem meu Filho vt-
íVa. Chega pois , ò morte , qaie eu te ^gradecerey
^a execiíçaó. Mas ay, que nem a morte me he con-
foladora em tanta pena : continuarey chorando
o fatal eítrago , q«e em mim caufa a foledade,
em que me deixou meu querido Filho : Reliqtiip
mefolarn.
A mayor excefio palfou o Ririofo ímpeto
da foledade , pois naô fe contentando em com-
petir , e exceder na cruddade á morte , ficando #
Senhora , quando folitaria morta , e juntan^ente
tâva 5 pam mayor tormento tamfeem aniquilou a
C ^ ma-
4^
ém^BÊSiBmMtiÊLimmm^àÊáÊà^^
a'8 SermaS
magoadiflima Tirgem , deixando efta de íertoda?
o que era , e paíTando a íer o que nunca fora. Pe-
la aniquilaçaê perde a entidade o fer , que tínha,
e ou nada refta do que foy , ou em lugar do fer,..
que teve 5 fubftitue outrai entidade, que advém..
Por virtude das palavras da confagraçaô deixa O'
pa6 o fer , que tinha , ao que Santo Thomaz cha-
ma aniquilação, e em feu lugar advém o Corpo-
vivo de Chriílo , ficando fó alguns accidentes do^
paó preexiftente v de femelhante modo deixou %'
Senhora na íbledade de fer o que era , e adveyo-
outra entidade , ou entidades-, que áquelle íer
fubftituiraô , ficando fô alguns accidentes do que>
fora. De forte que aílim^ como na coníagraçaô.
ha huma transfubftanciaçaô , com a qual fica ani-
quilada a entidade preexiftente , e paíla a outra?
de novo , aííim com fúa proporção fuceedeo a»
Maria fantiflima na fua foledade , perdendo o fer/
antigo, que tinha, e paíFando a fér o que naó era^
ficando por eíte modo aniquilada toda a grande-
za , que fora» i^ttendaô-me os doutos , que eare^
ço muito da. fua attengaó.
PHmeiramente era Maria fantiflima Mav'
de Deos-, dignidade , que na fua linha exhaurio a-
Omnipotência , pois- a mais fenaó pode eftendep
amaóDívinar, nem a mais podia chegar Maria»
"Virgem?; e na fua foledade totalmente pcrdeo
Tfteolôg. ^^^ grandeza. Concordaó os Theologos em to-
cômuniter. das as efcolàs, que no triduo da morte de Chrif-
to deixou a Senhora de fer May , porque como^
pela morte do RTedemptor deixou de exiílir feu
Filho , e nos relativos perecendo o termo, fene-
ce a, relação, naó exiftio a maternidade em a Vir-^-
gemi
ãa Soledade da Senhora. 59
fem Senhora naquellemdiio. Morta a May liaé
a Filho, morto o Filho na6 ha May, porque af
íini como nao pode liaver filho, fem exiftcneia dá^
rnây , também naó pôde haver may fem e::KÍÍleil-
cia do filho; por iílb eXpreíTando Chrifto á Se-
nhora efta perda, pouco antes de efpirar, ncô lhe
chamou May , fenao mulher :^ Mulkr , ecee filhisl^^'^'^9'^^^
tuus : eftava a Senhora junto á Cruz , ainda May
de Deos, porque ainda vivia o Filho ; porém co-
mo eílava chegada a hora de exhalar Chriílo a
alma , e a Senhora pela fua morte ficava deílitui-
da defta grandeza , quiz o Senhor ãeí^âe a Cruz
expreíTarlhe a fatal perda da maternidade, que lhe
eílava eminente, por iílo na6 lhe chamou May fe-
nao mulher : Milíer.
Bem o entendeo O" Euangeli íla S. Joaô, pois
fallando da foledade da Virgem Senhora, diíle, ^
aufente feu Filho* : Raptus eftfilius ejus , fugira Apoc. i^-
a mulher para a foledade : Et nmlierfugit info-
Utudinein \ pois^fe diz, que fe lhe aufen tara o Fi-
lho : Raptiís ejl filiuS' ej'uó\ porque nao diz, que
fora a May para a» foledade ; porque diz fomen-
te , que fora para a foledade huma mulher : Mti-
lurfugit infolitudinem ? Porque a Senhora na'
foledade já nao era May : em quanto cxiílio o
Filho , tinha a formalidade de May de Chriílo,
tanto que morreo o Redemptor, faltou a relação,
e coníequen temente a maternidade , e alíim ficou
com totalperda defta grandeza a Virgem Senho-
ra ; e fe deixou de fer May, também deixou de
íèr Maria, porque como a auíen cia de Chriílo ■
lhe deílruio a entidade, também lhe tirou o no-
me : diga-o S. Boaventura, o qual procurando^
ilitf ii
i
3<5 SermaS
i\z fole^adea Se.iihora fó achou defpojosdanic^
^^Sik 4* ' e,^uíeíicia de Chriík) : Ouaro Mariam , -»í^
;iib.8. c. ii,h'P^^4^ Marim : ínvenio fpinas ^inverno flage-
V^; I^ocuro a Maria na íbá lbiedí*de, (diz ò Dmir
Í04' $era%o ) e n^ó a encoi^ro , jdivifo fó varas,
f efpinhos, expre%os do eftrago, xm^ em ília ea-
^idáde e^equto^ a^uíenciade ÍQU Filho.
•Qimndo hum^ teanpeítade^chçga a hum jaj-
.dim , naó ha flor .^ue naé maltrate : ' aquellas, que
^raó aiate^ o miiffe de ¥%ox^ , fiçaô depois eílra-
gos da crueldade^: .chega atempeftade a huma
i-of^ , e leyandolhe ag folhag , que faé a purpúrea
gala , xJe que íe \^íle , fólhe ^eiíca os eípihhos^:
achega a huma afuceiHa, e tirandolhe o çaAdorjque
he a pompa , com que fe oim ? deixalhe fomente
.a yara . Chegou a .tempeftade .d^ ;niojte , e ^ufen-
pa de •Chriíío , e4omina;ndo o Jardim ^ieliciofo
Cai^^. de Maria : Horfui cafwlufus forormea fpovfa^
^eíle aíHm maltratou a Rofa de Jericó : Qtiajp
plantatio rof^in ^^r/í7<?Vq«efómqnteihe deixou
os efpinhos : Jmenio fpinas\ affim ofFendeo o
C^Qt. f cândido defla áífucená : §icut lilium. fieuf arnica
fneãj que lhe naó deixou mais que as varas : J^t-
fenio flagela ; de forte ^ue qnando vivo Chrif-
^o , era Maria fob^ana Jardim , Roía , e Aííuce-
fX2i , mas na foiedade , e aufenciaile (m filho, d^
ÁíTucei^a, Rofa, e Jardim perjdeo toda a fragran-
,cia 5 íem lhe ficar do que era mais que alguns ac-
cidentes. Quem he efta, pergiintavaô fufpenfas as
^dhas de Siaô , quem fera , de cujo fer naó divifa-
jDant. 3. 6. mos ra^is que huns ionges, ou huns fumos ? Qu£
efiita^ qus afcendit , fieut virgula fumi ? A efta
pergunta naó coníl^ , que entaó deífem refpoíla^
' ^ '"' ' ' mas
ãa Soledade ãa Senhora, íjf
^as Ruperto refpondeo , que eíla era a Virgem
Senhora no dcíerto da fila íbkdade : Qua ejtita-i í^"Pert.his
qu£afc'endh per defertum-^ diz o TeXto : Marta
per defertum afcendit ^ quia folitaria ^ fúbfcre-
veo o Abbade citado , e ^liando folitaria , aííim-
eftavía de feú fer deftituida r Êgo defiituta^ S^fo-
&, qlie nao r^ílaváó de fòa entidade mais qtíe
huns^ac€Í dentes, que em rigorofos teráios, é pu-
ra frafe fe e^^preííaó pelo nortie de JongeS , ou de
âlmos. Mas qUe diíTe 1 Até effc^ aecideiites che-^
garao na fofedade a extinguirfe , e âniqililaríe.
Aqiielle fUmò ,* reriq;Uia dó fer de Alaria , era for-;
jmal mente aromática e^thalaçàó : Virgula fimi¥
ei)^r ornai tBus'mirrhíê\ é^ thtiris ; e porque fé'
de confeiçoens aromáticas era e^^haJado aqiiellc'
fUmo, figura^ de M^riafantiíli ma na fúa foledâ;"
de ? Direy. Qtiando o fogo abraza a outiva qual-
quer matéria comBuíti veí , deÍ3ía deíla as reli^
qiiias nas^ cinzas , eniqiie a converte ; abrâzandô'
porém a aromática confeifòens , todas ferefoí--
vem em exhalaçóenr odoríferas , que erii bref e fe*
defvànecem , e^acábaô, fem reítarerti feíiqtíias M
âbra;^àda eittidade; e corrtb a Senhora riaatífencia^
de feii Filho , aBrazado com fatldoíò mccndiò^
feUfer, em fó exhalaçaó : Virgula fimi' ^ q ate-
nuada em fubtiliflimos efpiritos fe dirigia a fe-
pulttíra do Filho , aíli fe confiirhjaó, e acatavao,
aperfeieòatidofe OhólbcaUÍlo ., qúe pcía aúfençia^
de feu Filho fe e^^eciitava em fiia entidade: dilTe-ó
O Ma^timo Doutor S. Jeronymo : Bene Maria , ^s*. Híeroii:
qmjí virgula fimíi\ quia coiícremata ifitus in^^'^^^"^^^^'
holocauftum incêndio pit amor is . é^ dejiderío^
por iffo as filhas de Siao a divizarao, quando foli-
taria,
TTOFUWírÉ^tfhfci
Ç^nt. 5.
Ibidem,
^-K-eg.
f-?- SermaS
iraria , exhakçaô aromática , moftrando-fe aíRm.,
íQue até os accideates , os longes , e os fumos .de
fua entidade, como exhaiíjçoens 4e aromas , íCe-
do perecerão , e íQtalmeiite fe.açabaraó , verifi^
çando-fe por eile modo na foledade de ^ ária
yirgçm lium^ rigorofa aniquilação..
Poi^ a refpeito da ateia , om que ha mayar
duvida,.pro¥afe do.c%p. 5, doSíÇantares.. Acha-
vafe Maria fantiíTima na Efpoía dos Cantares fi-
gurada cora o feu anior : J.more langueo , e ao
msfmo tempo fem o feu amado : ^i inpeneriús
dileòíum , e entre a^ t^Tannias deíía rígorofa í b-
ledade articulou eílas paliwra^ : ^nimamealique
fãèia ejl : A minha ah^a fe líqui,da , iAo he , fe
desfaz. A rigorofa fígnificaçaó do adjedivo : X/-
^«^/tífí^^ 5 he Relida, .desfeita. ;ISlas como pede
feri Se a alma conMe em indiviziíreLnatnreza in-
difpeníavelde todo o efpinto,5e o que lic indivizi-
yel naó fe pqde diividir em partes , diyidindofe
aeílas a CGufa.jdelida , ou desfeito , por força da
rarefacção, corno podia rarefaizerfe^au Hquídarfe
^ alma da faudofiíTima Senhora : Anima mea-Uque
faõia eji^. Oh que tudo vence a foledade^ Pcdç
efta diyidir em partes a, alma, e pode a-arefazella.
Tenho duas partes , que provar. Notem.
Ceando chegou 0 tempo de fe .aufentar @
Profeta Eli^s de feu difcipulo Elifeo ^mra |3artix
ao lug^, em que ©conferva apr^ovidencia de
Peos, diíFe a feu difcipulo : Pqde o q^edefet-
jares, que neita hora te concederey o que pedi-
res : Pofiula^ quod^^is-i utfaciam tihi^ ante qiiam
tolar à te. O que íb quero amado Meílre ( diífe
,^iita6 Elifto ) he qiie içç dejis duas partes da vof-
daSoleãndeMSenhora. %
fa âltna. Afílm inteípetraô ia reípolía de Elifeo ,
Vatabulo , o Cardeal Caetano , e Alapide : Úè-
fevro^ utfi&t mmêdufktcjpirmsimis ^ 4diz o
Texto :Obfecro^ m dl^^ fartes ffiritm tuiM-^^^^
viji in:tres partes mècumfan^ íobfcíeVerr^ó òs J^''^- j^^^gl^
preditos. Ouve Elias afupplica, e parecerido- cap. 2.
lhe difficultofâ ã graça , lhe diz : Difficilem rem
poflulati : Pedifte huniã còufa mui djfficil ; náó
obftante (juando pie apartar de ti, teMs O que pe-
des í Qtiando tolar à te erit tibi ^ qucã petífU.
i^ois que myílerio tenii o dilatar Elias o favor pá-
ra O inílaflle de partir • porque razaó lhe mó ím
logo o que lhe pede ? Direy. Sabia Elias ,i][lie.à
alma he indivizivel , e por ifro a primeira viílã Ihè
f areceo a petiçaó diifficultofa de dèfpachaf 7 ítíp-
pofto naô fe poder a alma dividir : Retn díffcl-
lein poflulati ; mas oecorrendolhe í|ue á efte im-
poílível 110 poíll vel modo vencia a íbledade , t
íiufencia do objeâo amado , dizlhe : Quando etl
ét ti me apartxjr , confeguirás o que pedes ; pof-
iqtie então íblitarío eu , e foudoíb , pofq4:tedé m
feparadô , terey como em partes dividida â aima^
das quaes algumas te hao de acompanhar , cóffiô
a objedlo do meu amor : Qtiafido tolar àtè efip
tibi. qmd peiífli. Qiiando O folitnrio fente a âu-
fencia do feu amado , HeiH tem toda a alma em íi^
por cftar com feu q^jecido , nem eílá tod,á cem ^
t)bjeâ:o aufenfe, por feiítir em fí : como ênl pâr^
tes cila dividida , aííiílindo Aítíprcíí parte fnayof
da alma com feu aitiado , que comíigo : Jftmas.h^g.
pliisefttthí amat ^ £juamt'hi úiíimát. Áíf m fue-
cede a todos os verdadeifcs amantes «, ( dií: Ssntò
Agoílinho) e affifíi- fucced^eo a-M-aiia fantiíííiiía'
D Uâ
mã:
'I,:: : *,,
54 Sermai
na fua foiedade, de cuja alma qnando foMtaria,
dizS.Joaô Damafceno, que mais eílava no Fi-
sjoan.Da-iiio, doqueemíl: Erat in Filio magis^ qmm
infe^ conhecendofe por efte modo , que em par-
tes pode a foledade dividir a alma, na© obílante
fer indivizivel.
Que polia também rarefazelía, rerifícoBÍe
Ba Senhora. : a fua alma quando faudofa na fole-
dade consideramos em duas partes dividida , hu^
ma, qoie em íi exiftia para aíeatlmento, outra
que affiília com o Filho por aitror ; pois a huma,
e outra coníidcro^ rarefeita. A píirte , qtie na Se-
nhora exiília rarefeita em lagrimas- , a que aífilli^
eom Chriílo desífeita em exhaFaçaô. Desiezfe,oii
delio-fe % alma faudofa de Maria na fua foledar
de , que efes faô os próprios termos do Texto :
Anima ima liquefaâía eft , o que em nome da
mefma Senhora diíFé Santo Anfelm© : Teta li-
quifiebam pr^- doloris angufiia \ e animando a
parte da alma para ficar feníivel , refolveofe eíla^
em lagrimas, diííeS. Bernarda iZ/ísrrry/wâTí/»/ ío-
^"^ ta uBertas effluebat , ut carnem cmn §piritum
omnern inlacrymasdijfolviputaresí^ e a que fe
apartou, para ir acompanhar aChrifto, obje£fo
do feu amor, reíblveoíe em aromática exhalaçaój
que dèpreíTâ fe extinguio : Sicut virgula fumf
exaromatihus mirrha^ &thuris\ in holoeatffium
tíSí^^r/j- , fobfcreveo S. Jeronymo ; efenoholo-
caufto tudo fe coníome , e nada fica , temos fém^
repugnância rigorofa a aniquilação em^ Maria
Virgem na fua foledade, ffcando fóefpinhos , e
iágelos , fubílitutos do fer , que fora : Non in-
vmh Mariam^ invenio fpinas y invenio flagela^
tGtas
S. Anfelra-;
de lamenc
Vírg.
S: Bern.
lament.
¥irg.
da Soledade da Senhora, ^ J^
tota liqtíffieí?am pra doloris angtfflia \ anima
mea Uqtie foBa ejl.
Oh Deos rediífimo , qoie com fumrna equi-
dade adminiftiais juíliça , daime licença para vos
propor efta reílexâó. He^poíTivel, Deos meu, que
com o mefmo rigor ^ de que ufava Jofué com as .
Cidades ii3Ímigas,que por armas lujeitaya, trateis
vós a formofífíima Odade Maria ^Virgem , taô
adornada de prendas naturaes , graça , e gloria :
Civitas munita innattira^ grafia-, & gloria}
JoíUé abrazava , e deílruia até as reliquiss das
Cidades inimigas : Non dimifit ullas relíquias .^^^^^ íQ«
vós com o ince^ndio da foledade^brazaíles.delaí'^^'
forte effca Cidade ibrmoíiíRma,muito voíTa aman-
te , e confederada, que nem ainda lhe íicaraé as
relíquias do próprio fer , porque aniquilada , e
totalmente desfeita: Teta liqtiijiebam -, át tuôo
ficou deílitiiida, quando ficou folitaria : Ego dejii- ^ç^^ ^^
tnta , ÍTJola, O certo he, Senhor , <jue neíle fuc-
ceííb fe parece bem .com ii hoíliíidade o amor,
pois o atnor, ao parecer , fe veftio nefta occaíiaó
da mayor hoílilidade, e bem diífe Santo A lha-
nafio quando chamou ao amor tyranno, e, ainda
que doce : Amor dulcis tyranrMs , com mayor
dficacia para deftruir , que o ódio para acabar.
Oh magoadifllma Senhora . aniquilada fem
hyperbole vos confidero na voíTa foledade. por-
que totalmente deftruida avoífa grandeza , e fo-
berania : antes ^ íTi^i''i'eííe , c fe aufentaíTe Chrif-
to, éreis vos efcolhida, zomo^<A\ EleHa^ tit Sol^
formofa, como a Lua : Fulchra^ ut Luva^ e can- c^nt. $,
dida, como a Aurora : Qtiafi Aurora caiftivgens\
agora que eflais folitaria, de gol fó tendes os
D 2 eclipy
llí:i
mmiii^^
5;4 SermaS
eç li^fe y de Lm Qs minguan^te^, e de Aurora i$a^
da tendes, pois naó vos vejo eí^tre luzes , fejiâS
Ecdeí:24, entre fombras. Breijs vós porapofof theribijato :.
Ego qmfitberiMntusyÇQámaizltzáo no Liba-*
no : Quafi^ cedrus exaltata fum in Li Bano , e fu-
. hlime çiprefte d^^ inoate Sioi^ : Quajl cipre§ks^
in^monte Sion y agora de theribinto naó rendes a.
dilatada pompa dos ramos , mas íim o trifte das^,
fombras ; de cedro n^o tendes nem a exaltação ,,
rfcem o incorruptive^ pois totalmenètç extinta cob-
íidero a voíTa entidade •, fó ^m eonfervais do ce-
dro a amargura , de ctprefte falta^vos o lublime, e/
fó tendes o funeílo , e fuitebre. Éreis vide : Ego"^
^afiv,itis\ éreis pomba : ColumBa mea-^ éreis ro-^
Lii : Wostuturis audita efi , agora de vide fó ten^,
áos as lagrimas , de pomba os gemidos , e de:
rolaosfufpiros. Finalmente éreis May de Deos>,
já o naó fois ; éreis Maria, até eííe fer vos naó di^
vifo. na.voíFa foledade : Qj^aro Mariam^ non i^,
vento Mar iam y porque rigorofamente aniquila-,
da vos coníldero nefta noite , eíFeito do def am-
paro , em que tos deixou voíTò Filho* faudofa, fô
lólitaria : Reliquitmefolam.
Mas contra a ponderada aniquilação eftá;
clamando huma evidente duvida. Se a Virgenr;,
Senhora penava em íua foledade, e efíava fenííveí
ao tormento, como pode fer que eílivefíe ani-
quilada ?Se a aniquilação de íeu conceito formal
deftroe o todo , e todas as fuás partes , ficando a>
entidade aniquilada a nada reduzida, naó poden^
do o nada fentir , como fentindo , e chorando ai
Senhora a aufencia de feu Filho, fe pôde di-
mt aniquilada quando folitaria? Reíponda.
... O
da Soledade da Senhora, ^7
O argumento he verdadeiro no íentido phyíico^
e.verdadeíra a aniquilação de Maria Virgem fó-
íitaria no fentido moral. He verdade , que a Se-
nhora coníervou toda a entidade de alma , e cor-
po , mas com juízo prudente ,e bem fundado foy
como íenaó exiêiiTe : Stiin tanquam fi non ejfem^ PfmlaT
diíTe em nome da Senhora Jeremiíis em Çq}ís Tre- j^ vSba '"
n<>s ; e iílo baila para a verdade da predita pon- Hierem.di^
deraçaó. Notay. No Pfaímo 115-. falíava, no^^^P^"^
fentir de Santo Agoftinho, com o Eterno Padre:
Of Divirxo Verbo , e dizia : Eu, Senhor, fou voCo
efcravo : Egofervus tmís ; pois feo f^f^^í^^ravo p^^^^ ^^
repugna á Pcílba do Yerbo Divino , naofó em
quanto Deos , mas ainda em quanto homem , co-
mo enílnaô os Theologos, e o definirão alguns^
Concilios, como affirmou Chrifto de íi, que era
eí cravo a todos inferior lE^^/^ri^?// /^/^/x: op-
prohrkim. JjcmiÍTimn -^ <&" ahjeciioplehis ? Mais.
No Pfalmo 21. diíTe Chriíio pela exprcíTao dor^
Erofeta Rey : Eu fou hum pequeno animal da
terra , e naô fou homem : Ego pmi vermis , ^pfaim
mnhomo. No fentir dos Expoíitores fallava o
Senhor de íí padecendo os opprcbrics, aíFrontas,
e tormentos da fua Paixão fagrada , e nefíe cita-
do aífirma huma total aniquilação do fer de ho-
mem : Non homo ^ paífàndo na Paixão a fer vil^
bicho da x.txxQ.\Egofiimníermis. Como pode
fer .^ Se na Paixão eílava unida ao corpo a alma ,
com partes eífeneialmente confiitutívas da ver--
dadeira humanidade, como affirma Chrifto de íl
a: n^gaçaô de homem : Man homo ? Que foífe
homem verdadeiro o confeíTa a noíFa Fé : Mornos
faâíus efi\ e fe ainda naa tinha exhalado a. alma,
eomo
Slr
IJMHHttáÉMMÍÉÃi
3^ Sermão
C0mo aíÇrma , qu2 já naó he homem , e fó he aba-
tido bicho ? Ego ver mis , é^* non homo ? Direy^
He verdade, que naô foy efcravo Chrifto na rea-
lidade phyíiça , poréu rooralmeíite era como ef-
cravo , porque ta6 humilhado , e abatido fe vio
pela humanidade , a que defceo , que efcravo fe
ajuizou : Egoferpusíutís, Do mefmo modo he
certo , que Çhriíio era hora^m quando por nof-
fo amor tolerou as afirontas da Paixaè ; porém
como as injurias , e as afflicçoens , |ue o innun-
davaó , o conftituiaó em tanto abatimento , que
naó parecia homem , aíHrmou o Senhor de fi na-
quelle eftado de homem a negaçaó : Non homo ^
e difcorrendo coherente^^ adverti, que ainda que
exiftia a Senhora phyíicam^te em ília foiedade ,
eftava em e^ado taó penofo , e de tanto abatia
mento , que nada do que era parecia , e aíTim ab-
folutamente podia dizer, imitando a Chrifto, que
aniquilada tinha a fua entidade , e grandeza.
E fendo tanto de fatisfazer eftarefpofta,
.^inda vos darey outra mais concludente , e mais
forte. Querendo S. Paiilo explicar o profundo
abatimento do Yerbo Divino ao aíTumir a natu-
reza humana , diíTe por termos abfolutos , que
a^uelle Senhor , fazendofe homem, ficara exhau-
Ad Philip. 2. riâo de tudo o que era Deos : Semetipfum ex-
?' inanhh. Quepafmo I Mao he certo, que o Ver-
bo Divino , depois da Incarnação , ficou Deos,
como antes? He fera duvida. Quando fe fez ho-
mem perde© algum dos attributos divinos ? A
. Fé enfina , que naó. Pois com qiie verdade , e
fundamento dilTe o Apoftolo , que o Verbo fa-
.2?e^dof^ homem iiça^a exh^urido áo que tinha de
Deos c
da Soledade da Sevhora. 39
Deos : Semeiipfum exinantvit ? Direy. Fazen-
dofe homem o Verbo, ficou Deos, mas como fe
o naô foíTe , em ordem á manifeílaçao dos attrí-
butos , porque fendo immenfo, fe reduzi o a humí
lugar ; fendo Eterno , nafceo efn tempo ; tendo
fúpremo domínio em todas as creaturas , obede^
ceo a muitas; fendo independente , depcndeo de
muitos; finalmente com o habito de homem í
Habitu ííwenttis , uthcmo , taó occultos ficarão
os attributos do Verbo, q naç parecia Deos ; por
iíTo diííe S. Paulo , que , q^iando humanado, fica^
ra como exhaurido de tudo quanto de Deos ti^
nha ; Semetipjtim exinanhít.
Pois fe o Apoílolo affirmou aniquilação na
PeíToa do Verba, pelo abatimento de homem ,
também nós» podemos confiderar , e affirmar ani-
quilação em Mâ:ria Virgem nafua foledade, pois
taó abatida nella exifte, eclípfada a fua formofu-
ra , efcureeida a fua gloria , e perdida toda a fua
grandeza , que he como fenao exiíliíTe \S'um tan-
qiiam finon e£'em. Mas ouvi a magoada Senho-
ra, que melhor ha de explicar eâe laílimofo efta-
do. Ay, Filhos meus, a feparaçaó de meti JE-
SUS me deixou totalmente deílituida da minha
infinita dignidade , do níeu nome , e do meu fer,
O que acontecea na fotedade de Noeme , me
acontece a mim na minha foledade. Para a fua pá-
tria tornou a formofa Noeme depois de dar fe-
pultura a feu efpofo, e taó outra vinha , do que
fora, que admirados osqtieaviaó, e conhece-
rão, mutuamente fe per8;untavaó : He eíla aquel-
la celebrada Noeme : Hac eft ília Noemi ? Por-
que pela foledade, q^ue padecia, taó outra eílava,
i
i
4^ SermaS
do que fora, que fe duvidava fe fora aquella moS-
ma, que era : H£C ejiillai A meí ma pergunta
podeis vós fazer , vendome em tanta pena : po-
deis perguntar huns aos outros fe Ibâi eu aqueUa
feliz Yirgem Mãy de Deos, quepoíTui por nove
mezes em meu virginal clauftro o Unigénito d<^
f-^xj ; fe fou eu aquella yeijturofa , que na lapa de
Bdem , mais que em pobres panos , o enfaxei em
affedtos ; fe fou eu aquella , que tive a dita de o
ievar era meus braços para Egypto , e por tantos
annos vivi em fua companhia, gozando com inex-
plicável jubilo fua divina prefença ; e eu darvos-
hey a mefma refpoíla,que dava a folitaria Noeme.
Lá dizia aquella Iblitaria : Na6 me chameis já
Noeme , chamaime a triíle, chey a de am^arguras ;;
f.uth.i.20. j^oyQcetis me Noemi ^fed afnàram : he verdade,
que eu fuy aquella Noeme, mas ji naó fou aquel-
la que fuy , porque a foledade, ém q^ue íiq;uey,a&
fim como me tirou o fer, me levou também o no^
me. Do mefmo modo vos refponderey eu. Efta
Jie aquella , que foy Máy , mas já naó he aquella^
que foy : aquella foy Maria a May de Deos , eílg
^aó he Maria, nem he May ', aquella foy delicio-
fo Paraifo, q Deós plantou para nelle por aquela
ie Homem , que havia fer Filho feu : Flantaye^
fíen 2 8. ^^^ autem Dominus Deus Paradyfum 'vohípta-
tis , in quo pcfuit hominem ; eíla fie hum proce-
jren. 2.13 lofo mar de folnços, lagrimas , e fufpiros : Ma-
gna efl velut maré contriâfio tua ; aquella foy a
l^dith 15. gjQj.|^ jg Jerufalem ; f[u gloria Hierufalem ; eí-
Tren. 1.13. ta he a mais abatida, e htimiihada : Qtwfíiam fa-
in.r 1 « ^^ fumvilis : aquella foy do Sol Divino o mais
i^, .taiante gyrafol : QccuU met jemper aclDomt-
ãa Soledade ãa Senhora, 41
,mmi ; eíla , porque tem o Sol fcpultado , de gy-
i-afcljá nada tem : efta , finalmente , he huma ci-
jfra de penas , bum epilogo de mágoas, huma idéa
de fentimentos, huma trágica fombra do que era^
Jiuma memoria trifte do que fora : eílas fao as
cinzas daquelle fer, que em algum tempo exiílio,
e já agora naó exiíle ; eítrago daquella gKonde-
%2i , que eftá agora em foledade de {\ mefma : em
iim naó me chamem já Maria, chamem-me a fo&
|taria,eçhea de amarguras , porque jaeíla^peno-
ía foledade fó veraô as ruisias doque fuy, naé
iteraó evidencias do que fou : Sou hum compof-
to fem alma, huma alma fem vida, huma vida fem
coração, hum coração fem alento , huma entida-
de fem fer , em íim nada fou fem o meu JESUS ,
ique humauniverfal perda me trouxe comíigo a
jauíencia, com q me deixou íolitaria : %eliqiii$
fne Jolam.
Neíle laílifuoíiíílmo eílado , em <jue exiíle
Maria fantiílima na fua foledade, que he como fe
€iaô exiíliCe \ Sunita^nquam ft non ejjeni , podere-
smoSjCatholicos, diícorrer arbítrio, com q demog
;íilgum alivio a feu inexplicável tonnento: íienhu-
ma outra çoufa ceríiírimamente lhe poderá mino-
rar a dor , e reftituir ao menos em parte a entida^
4€ , grandeza , e foberania, fenaó a viífta do c^d^-
liver , queocGultaa fepultum , tudo o mais lhe he
ipenoío , e concernente á mayoria do feu tormcm-
to. Pois, fentidiffim^i Sen hm' a, faiky a effa pedna,
q ao cadáver devoífo Filho occuka «ia fepultu-
ra , que naó me perfuado feraé taó pouco reípei-
tofas, e eíiicaces as voílas fupplicas, que naó con-
^%aó o abr^rfe, e patentearvos o objc-do do vof-
m
àÉMhiíy
íiÉlii
ÉíàmíÊéàm
4^ Sermão
to amor , e o uníco lenitivo da voíTa mágoa.
Eílá, Gatholicos, determinada Maria fan^-
tiífimaa faUar ao fepulchro , e derramando mui-
tas lagrimas lhe diz eílas palawas: Oh pedra, ver-
dadeiramente de Ara, dá-me ao metj amado, que
fó na ftia prefença , e companhia terá algum ali-
vio a minha pena. Já que a ventura, entregando-
te unido ao feu cadáver o ouro da Divindade, te
fez de tao fupremos quilates , pedra^ foberana de
toque , adverte , que íb a mim me toca dar jazigo^
no meu coração a eíTe cadáver , porque fe o Sol
em hum mar fe fepulta , fendo o meu Filho Sof
de Juftiça, fé em i):ieu coração , mar de lagrima^
deve eftar fepultado^ e naó neííe fepulchro de du^
i^zasv Mas^^ ay como eftás immovel ! Se na mor>-
te de meu Fiíha as mais pedras' fe partirão , eo»-
mo te nao partes tu vendome a mim quaíi morta^
e fe te naó movem minhas fupplicas , valermehey
das minhas> dore^, e das minhas lagrimas. Vós;
lagrimas impetuofas^ , que do meu coração fahis
apreíFáda^ combatey uniformesa dureza daquel-
k pedrar, convertey as^^ ternuras em violência^
Gonquiílay aquelle mármore com o mefhio impe?-
to , com que correis do coração mais amante r
tentay fe podeis tirar a golpes das entranhas deC
ta pedBa a prenda única das entranhas de Mariav
Oh pedra , oh mármore , fé te naô move verte
banhado de lagrimas-, movate verte combatido^
de ondas , hum mar de dores, fó nefta aufenci^
e quebrandofe enrti as ondas de meu coraçaÔ,
tudo fíca fruftrado^e fenaô poíFo confeguir o que
pertendo, e para fupprir neíla hora a prefença da
Original he que vos mandaíles eftampar no meu
ãa Soledade da Senhora. 43
coraça6 : Vone m^ ut fignaculum ftiper cor tuumy^^^-'^
eíle eílá hum clariíTimo efpelho de todos os tor-
mentos da voíTa Paixaó íagrada : neíle cândido
lenço reverberando fe transfundem as eff ecies, e
nelle vejo a copia do voílb cadáver. Mas ay, que
efta viíta me naô minora apena, ,aates me aug-
menta a dor, por ver o eílado laftimofo , em que
vos pozerao os homens 1 Oh cabeça divina. quem
efcureceo os luminofos rayos dos voílos cat^el-
los 5 tudo nelles eraó ondas de ouro : Caput ejtis
aurum optimum , agora tudo ííi6 ondas de fan-'^"';^
gue 1 Já eu vi , adorado amor, eíla divina cat)e^
coroada com diadema de ouro, que cu como vof-
fa Máy vos formey delia ^^oro^\FideteRe-ç^^^
gem Salomonem in diademate , quo ccrona^vit ii-
hum Mater fua ; porém agora a vejo com pene-
trantes feridas pelos cruéis efpinhos , com que
vos coroou a tyraiinia dos homens. Oh olhos di-
vinos , de quem oCeo tomou a côr , de quem o
Ceo recebeo a luz, femelha«tcs aos da pomba , a
quem ferviao de efpelho rios de cryftallinas
aguas : Occuli ejus -ficut echmíb^ fuper rhuloí Cant. $.
aquarum^ como eftais mortos, e éclipfadcs ! O
Sol material em o occidecital maríe fepulta, mas
o Sol de voíTos olhos fe fcp^ulto-u hoje no mar
vermelho , ou o vermelho niar de voílb fangue
foy tenebrofo Occafo davoíTaluz. Ef as faces,
queeraô hum deli cio fo Jardim de prcciçfas flo-
res: Gen£ ílUus.fwut areoU arcmaítm , ja n^^n^^^
tem m.ais flores que as que nella plantarão vof-
fos inimigos com as atrevidas mãos . que vos de-
lab bofetadas. Eíla boca, que algum dia refpá-
íava fragrâncias d^íiiynha : Laèia ejus UUa def-ihiám.
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ibidem.
44 . Sermão
tilantia myrfham , agora a vejo defliíandb faii?^
giie. Oh peito fagrado , facrario dos fegredos di-
vinos, fé o Euangeiiíla em vós reclinou hontein
eoni grande jubilo da fua alma : Super peâíuf
Domini in Ccena recuBuh , agora fobre vés me
reclino com inexplicável dor do meu coração K
Eílas mãos foberanas , que cheas de ouro , e pe-
dr^as precioías : Mantis illius ar e£ plena hyúcin^
this^ fempre eíti verão promptas' para £ivorece-
rem os homens, hoje pelos melmos eílaó trafpaf-
fadas^-e immoveis. Eftes joelhos erao efmaltadas>
pyramidjssdas^ colunas de meu Filho : Crtira il-
lius coltin£ mar more £] e de diamantes, que erao,
pelo luzido, fe tornarão em mibins pelo encarna-
do.. Sagrados pés, que feda rofá de Jericó fof-
tt^ planta, agora fó fois pés de cravos-. Se da;
planta dos pés principiou o ódio a plantar ty-
rannias : Aí planta pedis -^ ufque adiiertibem non
ejlfanitas^ juílohe q meus olhos agora reguem^
com copiofás lagrimas plantas tao íagradas.
Ay, fentidiíFima Senhora, todos ncs vos*
queremos acompanhar no voíFó pranto :: daime
eíTe retrato , por breve tempo , que o quero mof-
trar aos peccadores , que fem duvida at tendem^
do-o íícaráó chorofòs por arrependidos. Pecca^
dores, fe na morte de voíTós pays faô indifpen-
faveis as lagrimas ; fe morto o efpofo he incon-
folavelna efpofa a dor \ fe á viíla da innocencia^
punida he infallivelno coração mais bárbaro a>
ternura, agora vereis huma verdadeira imagem^
huma fiel copia do voíFo Pay JESUS Chriílo de^
fúnto , do amante Efpofo das voíFas almas já ca-
dáver, do innocentiílimo JESUS crucificado^
CO*
da Soledade ddàenhora. ^f
como reo, e punido, como malfeitor : aíli ve-
ieis oseíFeitos das v o íFas culpas , e do intenfò
amor ds Chriílo , que por vos amdr tanto , tanto
padeceo; e fe as eípecies^ que entraô pelos olhos,
tem mais efficacia , que as que entraÔ pelos ouvi-
dos , tendo ouvido neíte fantiffimo tempo dá*
Quarefma o que Chriílo padeceo por voíTo
amor , e as penas , que tolerou por voífas culpa^j
agora o vereis no fiel retrato, ^ vos voU moílrar..
Conheceis , Catholicos , a quem r^prefentat;
eíla imagem ? Sabeis de quem he eíla copia ? He
de voíTo Pay : he de voílb Efpofo : he do inno-
centiílimo JESUS; Ay, JESUS da minha alma,
eíle he o voíTo retrato ? Que aííbmbro !' Que
Gonâifao ! Quem, Senhor, eclipfoU a eftes cabei-
los a cor ? Qusm^ a eíles olhos apagou a luz ?'
Quem a eftas faces ufurpou a formofura ? Quem
a efta boca tomou arefpiraçao ? Quem aeíles^
Kombros enfraqueceo a fortaleza ? Quem a eílas
mãos tirou a liberdade ? Quem a eíles pés pren-
deo os movimentos ? Oh atrevimento meu, e que
iàtal mudança exécutaíle em teu amante Pay,
Efpofo, e Redemptor ! Ay , amsnte JESUS ,
como todo pareceis outro, do que éreis : HeW
Víihi qualis eras' quantum mutatus ab tilo : Oh>
com quanta razaô diífeftes ao Eterno Pay , que
fobre vós tinhao vindo as ondas da fua juftiça ::
^mfids flucius tuos induxifii fiíper me ; mas o
que para vós forao ondas de juAiça , fejaô para
nós mares de mifericordia. Se eíles olhos conver-
terão a Pedro negativo ; féeíla face fe permittio
a Dimas facinorofo ; fe eíla Boca ^i^o perdaô a
Hagdalena peccadora j fe deíle lado íJianou o^
reme^-
Hièi|i
46 ^ "^^ Sermc^ O^^^m
remédio para Longuinhos cego ; fe dles brados
r<ecebem Pródigos depravados;fe eftas maôs aberir
çoaó Jacobos teimofos ; fe eftes pés bufcao ove-
lhas perdidasjtodos nós confiados na voíTa infini-
ta piedade imploramos ítô effiçacias da yoffa mife-
ricordia , para q nos perdoeis. Mas ay , X^tholi-
cos, ainda tendes mais q yer , ainda tildes mais q
chorar : vede eftas divinas coílas ta6 feridas , e
defpedaf adas ; vede como defcarregaraó os gol-
pes aonde defcançaraé ^ ovelh^: eflafoy avoíTa
correfpondencia , tomarvos Chrifto corno a ove-
Mias perdidas ao^hombros, e multiplicar nelles
a voíía crueldade os golpes ? Mas ay , que ainda
vejo ferido o Pallor, e defgarradas as ovelhas :
Percutiam Fajiorem^i^ difpergentur opeA Pois,
peccadores , çorrey todos a eftes hombros fagra-
dos , e para feres nell^ recebidos , aá-rependei-
vos de todas as volfas culpai. Day, Senhor,a vof-
fa face a eíle povo , que fe at^gora de vós fo
gio , agora já para VõCS foge, clamando perdaô ,
piedade, e mifericordia. Peccadores , chegay ac^
pés de Chrifto contritos , e arrepeadidos , ;€ di^
^eilhe com o coração contrito, e fincero :
Pay amabiliffimo , Redemptor da minha al-
ma, quanto me peza Senhor de vos ter oíFendido \
Gh quem nunca tivera peccado , e fempre tivera
vivido com aquella reflidaó , que devia , como
creatura voila I Mas fe aíégora me efperaftes pie-
dofo, abfolveime, que já ellou contrito : pezame,
Senhor , pezame de todo o coração de ter aggra-
yado a volFa infinita grandeza : proponho nunca
mais peccar , perdoayme pelo volFo fangue, pela
yoffa niorte , pela.yoíFa ipfinita mifericordi^.
SERMAM
DO SANTÍSSIMO
SACRAMENTO,
P R E\ G A D O
EM A SOLEMNISSIMA FESTA DO COR FO DE DEOS
da Sé Cathedral da Cidade do Salvador Bahia de todos
Gs Santos em ao de Junho de 1745',
PO R SEU A U T H O R
ANTÓNIO DE OLIVEIRA?
Natmd da Cidade de Lisboa^ Sacerdote do Habito de S, Fedrc, Aieflrê
cm Artes , e Iheologo dos Ejiudos Geraes da Companhia de J^/^f
/ da mefma Bahia yCnelUs Examinador de Fi/ofofia porvariat
vsz.es ^ e Miffionario u4pofiolico por Sua Santidade^
O F F E R E C I DO
AO MESMO SENHOR
SACRAMENTADO
POR HUMIRMAM DO MESMO SACRAMENTO DA DITA
Sé, que íervio de Juiz no anno de 1 744. aíéefíe de i745'> que á lua
.cufta o manda imprimir , e dá a luz para mayor honra , e gloria
do meímo Senhor , em memoria dos plaufiveis cultos ,com
que naiUuílre Irmandade do SantiiTimo da mefma Séhe
fervido o íoberano Myfterio Euchariítico.
LISBOA.
Na O^c, aos Herd, de ANTÓNIO PEDROZO GALRAM.
^ Anno M.DGG.XlVI ^
€&m Udas as Ucmçus neceprí^s.
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