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Full text of "Sermaõ [sic] do Ss. sacramento : prégado na magnifica, e sumptuosa festividade, que a este mysterio consagrárão os Irmãos do Senhor da Cathedral da Bahia na domingo infra octavam do Corpo de Deos, em 31. de Mayo de 1750. Sendo juiz desta irmandade o muito reverendo senhor doutor Antonio Gonçalves Pereira ..."

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WÈÊÊÊtk* 


Wá 


NA- MAGNIFICA,  E  SUMPTUOSA  FESTIVIDADE, 
que    a    eftc  Myílerio    confagráraõ    os 


da  Cathedral  da  Bahia 

Na  Dominga  infra  Oâfavam  do  Corpo  í    Deof, 

em  31.  de  May  o  de  iy$o. 

SENDO  JUIZ   DESTA  IRMANDADE 

O  MUITO  REVERENDO  SENHOR  DOUTOR 


%,jiy 


í 


PEREIRA, 

Arcediago  da  Saneia  Sé  Metropolitana  da  Bahia,  Protonotario  Apofiolico  de  Sua  Sancii- 

dade  ,   Defembargador  Theologo  da  Relação  Eçclejiajlica  ,  Examinador  de  Conjefjb- 

res  ,  Pregadores ,  e  Ordinandos  ,  Vigai  lo  cal  lado  ,  que  foi  da  Freguesia  de  N.  Se- 

nhora  do  Rojarlo  da  Cidade ,   Vijitador  geral  Jeis  vezes  da  mcjma  Cidade  ,   e 

yí'».  Recôncavo,  Juiz  Commiífario  das  Oijpen/açoés,  Juiz  Confcrvador  dos 

Monges  da  Ordem  de  S .  Bento  ,  e  Juiz  Commlffario  Apojlolico  da 

Buiía  da  Saneia  Cruzada  em  todo  o  Arecbijpadoy^fc, 


P    O 


A  quem  íe  dedica 

R        SEU       AUCT 


O    R 


ANTÓNIO  DE  OLIVEIRA, 

Sacerdote  do  Habito  de  5.  Pedro  ,  Meftre  cm  Aries  ,  e  Theoi.rgo  dos  Ejludos  geraes  da 
Companhia   de  Jefus  da  mcfma  Cidade  da  Bahia  ,  e  nelles  Examinador  multas  ve- 
zes de  Philojophia  ,  Milionária  Apojlolico  por  Sua  Sanctidade  ,  c  de  pré/ente 
Vijiiador  da  Cidade  de  Sergipe  d'El-Rey  ,  e  do  Certaô  debaixo,  Vc, 


II 


li 
I 


Uí  ; 


*    1 


M^jLft^, 


*\    * 


A 


DEDICATÓRIA 

AO  reverendíssimo  senhor  doutor 

ANTÓNIO  GONÇALVES 

PEREIRA, 

Arcediago  da  Saneia  Sé  Metropolitana  da  Bahia,  Protonotario  ApoRolico 
de  Sua  San&idade  ,  Delembargador  Theologo  da  P,elaçaõ  Eccleílaflica, 
Examinador  de  Pre'gadores  ,  Confcílbres  ,  e  Ordinandos  ,  Juiz  Com- 
miíTario  das  Difpeníàçoes  ,  V  igano  collado  ,  que  foi  da  Matriz  de  N.  Se- 
nhora do  Roíario  delia  Cidade  ,  Vifitador  geral  feis  vezes  da  mefma 
Cidade  ,  e  feu  Recôncavo  ,  e  Commiflario  da  Bulia  da  Sandia  Cruzada 
em  todo  eíte  Arcebifpado. 

R  E  V!°     SENHOR. 


R 


,íi" 


E  N  D  O  em  alguns  Sermões 
meus ,  que  correm  imprefjos  , 
bufe  a  do  a  protecção  de  V.  M., 
dedicando-lbos  ,  feria  em  mim  de f cuido  culpável 
deixar  de  procurar  o  mefmo  Mecenas  para  efle , 

*  ii  que 


r  H ' 


que  preguei  na  Cathedral  da  Sé  cia  Bahia  em  a 
Fe  fia  grande  do  Sanelifftmo  Sacramento  ,  de  cuia 
Irmandade  era  F.  M>  dignifjitno  Juiz  \  e  como  já 
tenho  experiência  da  efpcacia  da  fua  protecção  , 
com  razoo  mayor  nefie  Sermão  ,  que  tanto  lhe  com- 
pete ,  por  fer  encommendado  por  V.  M.  ,  he  juftoy 
e  devido  o  dedique  d  fua  preclariffima  Peffoa ,  em 
cujo  obfequio  defejdra  erigir  eternos  ohelifcos  ,  e 
incontr afiáveis  monumentos ,  que  noticia  ff  em  d  po- 
fter idade  as  inextimaveis  virtudes  de  hum  Varão 
í ao  famigerado, 

He  com  razão  o  nome  de  V.  M.  applaudido 
nao  fd  nefie  Brazil ,  mas  também  em  Portugal ; 
porque  os  muitos  Sermões  ,  e  livros  ,  que  fe  im- 
primem em  Lijboa  debaixo  da  fua  protecção  ,  tem 
dado  a  conhecer  as  fuás  relevantes  prendas  na  ma- 
gnificência das  fuás  acções  ,  acompanhadas  com  o 
zelo  do  fervi ço  de  Deos.  Diga- o  a  Irmandade  de 
S.  Pedro  dos  Clérigos  ,  em  cuja  Igreja  fervipdo 
V.  M.  três  amos  fucceffivos  de  Provedor  ff  em  tan-  - 
tas  obras  com  difpendio  confideravel  da  fua  fazen- 
da ,  que^  a  pós  na  fua  ultima,  perfeição  ,  reparando 
os  rendimentos  quafi  attewuados ,  augmevtando  o 
património  ,  e  deixando  arbítrios  ,  com  que  fe  pu* 
defje  a  Irmandade  confervar  ,  de  [empenhada  e 
opulenta.  Diga-o  a  Irmandade  dos  Saneias  Paffos, 
da  qual  fendo  V.  M.  também  Provedor  ,  a  regeo 
com  tao  acertadas  direcções  ,  e  proveo  de  taÕgrof 
fos  donativos  ,  que  inda  hojefufpira  pelo  feu  pru- 
dente governo.  Digc-o  a  Irmandade  da  Saneia  Mi- 
fericordia  ..  que  elegendo  a  V.  M.  por  Provedor, 
fem  fer  Irmiô ,  adminijlrou  com  tanta  caridade, 
e  de finter efffe  os  encargos  da  fua  oceupaçao  ,  que 
vivtr d  perdurável  a  memoria  do  feu  zelo. 

Diga-o  a  Irmandade  do  Sanãiffimo  Sacra- 
mento 


mento  defia  Cat,bedral ,  em  que  nos  empregos  de 
Mordomo  da  RefiurreiçaÔ ,  e  agora  de  Juiz  ,  fem- 
pre  Iuzíg  afua  magnificência  ,  com  pios  e  Uberaes 
dispêndios  em  beneficio  do  Divino  Culto  ,  tendo  a 
gloria  de  fe  dourar  em  ofeu  tempo  o  retábulo  da 
Capella  do  S anato  Chrijío ,  a  pefar  de  muitas  con- 
troversas \  porque  como  a  experiência  tem  mo  fira- 
do -,  fò  para  a  fua  generofidade  e  direcção  fe  re- 
ferv ao  as  grandezas,  Diga-o  a  Freguezia  de  no ffa 
Senhora  do  Rofario  das  portas  do  Carmo  ,  hoje 
do  Sacramento  ,  que  com  toda  a  prudência  paro- 
chiou  V.  M.  dezafeir  annos ,  fiem  a  menor  queixa  , 
ou  nota  do  feu  procedimento  •,  acudindo  vigilante 
as  neceffidades  de  jeus  freguezes  ,  n ao  fio  com  o 
pafto  efpiritual ,  mas  também  com  repetidas  e [mo- 
las ,  di [pendendo  a  própria  fazenda  ,  e  bens  here- 
ditários para  o  ornato  dafiua  Igreja  ,  defiituida 
então  ( por  [er  novamente  ereâía  em  Freguezia  ) 
de  muitos  aprefios  tiecefiarios  para  a  decência  do 
Culto  Divino.    Ne  lia  inflituío  a  Irmandade  do 
Sattâtijpmo  Sacramento  ,  de  que  foi   o  primeiro 
Juiz  ,  difipendendo  liberalmente  para  mover  com 
0  feu  exemplo  aos  no§fos  freguezes  a  concorrerem 
para  o  augmento  ,  e  grandeza  ,  em  que  hoje  fie  vê. 

Deftes  Parochos  ,  como  V.  M. ,  quer  Chri- 
fto Senhor  nojfio  nas  fiuas  Igrejas  \  e  por  i[jo  ,  como 
empenhado  nas  fiuas  felicidades  ,  lhe  dá  vida  , 
honras  ,  e  cabedaes  ,  que  V.  M.  fiabe  género  [aman- 
te difipender  em  acções  magnificas  ,  como  pode  te- 
flemunhar  efiia  Corte  Americana  ,  naõ  fio  no  ef- 
plendor  das  funções  louváveis  e  pias  i  que  faz, 
mas  também  no  luzimento  do  trato  de  fua  Pefjoa, 
e  Cafia  das  mais  bem  ornadas  que  ha  vefiia  Cida- 
de. NaÕ  menos  devem  fer  pregoeiras  dejuas  lou- 
váveis acções  \  três  funções  Funeracs  ,  efumptuo- 

[as 


!.■;■< 


fas  Exéquias  ,  que  V.  M.  celebrou  nefta  Cidade  em 
diverfas  occafioes  a  expenfas  próprias  com  todo  o 
luzimento.  A  primeira  na  Igreja  de  noffd  Senhora 
do  Rofario  dcfta  Cidade  pela  alma  da  llluflriffi- 
ma  Senhora  D.  Marianna  de  Aleneaftre  ,  May  do 
Illufirifjimo  Senhor  Conde  de  Sabugo fa  ,  então 
Vice-Rey  defte  Eftado  ,  fendo  V.  M.  dignijfimo 
Parocho  da  dita  Igreja  :  a  fegunda  na  Igreja  de 
S»  Pedro  dos  Clérigos  ,  pela  alma  do  Excellentiffi- 
mo  e  Rever  endifflmo  Senhor  Arcebifpo  D.  Luiz 
Alvares  de  Figueiredo ,  fendo  Emeritiffimo  Pro- 
vedor da  Reverenda  Irmandade  \  e  a  terceira  na 
igreja  da  Mifer  teor  dia  ,  pela  alma  do  Rever  endif- 
fimo  Senhor  Abbade  o  Doutor  Manoel  de  Mattos 
Botelho  ,  Irmão  do  Excellentifjimo  e  Rever  endif- 
Jimo  Senhor  Arcebifpo  D.  Jofeph  Botelho  de  Mat- 
tos ,  que  Deos  guarde ,  fendo  V.M.  digniffimo  Pro- 
vedor da  Saneia  Cafa,  celebradas  todas  com  tanta 
fumptuofidade  ,  que  bajla  dizer- fe  ,  que  for  ao  offi- 
ciadas  pelas  direcções  da  fua  magnificência. 

Aqui  n ao  deixarei  em  Jllencio  huma  famofa 
acção  ,  que  em  Cabbido  obrou  a  fua  género  fida  de 
em  occafiao  ,  que  havia  chegado  a  noticia  dofalle- 
cimento  do  Excellentifjimo  e  Rever  endiffimo  Se- 
nhor Arcebifpo ,  Bifpo  da  Guarda  D.  Jofeph  Fia- 
lho. Propôs  V.  M.  ,  que  fuppofto  morre/f e  o  dito 
Excellentifjimo  Senhor  em  Li/boa ,  e  fora  defte 
Arcebifpado  ,  em  tempo  que  fe  achava  já  digni (fi- 
ntam ente  oc capada  efta  Cadeira  Ar chiepi [copal , 
debaixo  do  f nave  e  pruâenti ffim o  governo  do  Ex- 
cellentifjimo e  Rever  endiffimo  Senhor  Arcebifpo 
D.  Jofeph  Botelho  de  Mattos  ,  com  tudo  era  ju- 
Jlo  ,  que  a  hum  Arcebifpo ,  a  quem  fe  deviao  f ati- 
do fas  memorias ,  fe  fizeffem  aquellas  honras  Fu- 
neraes  ,  como  fe  coftumao  fazer  aos  mais  Prela- 
dos^ 


dos  ,  falhados  nejia  Diocefe ;  e  quando  nao ',  pedia 
licença  para  fó ',  £  #'/##  r#/?#  as  fazer  celebrar 
com  aquellas  demonfiraçoes  ,  #z/£  merecia  Prela- 
do de  tanta  veneração.  Louvarão  todos  es  Reve- 
rendi ffimos  Capitulares  a  generofa  refoluçao  de 
V.  M.\  porém  igualmente  ambiciofos  da  gloria , 
que  V.  M.  J o  queria  alcançar ,  uniformemente  con- 
correrão para  a  celebração  do  Funeral ,  que  fe  fez 
com  todo  o  luzimento  ,  e  fumptuofidade. 

Digaõ  nao  menos  féis  vi  fitas ,  em  queV.  M. 
como  Vifitador  geral  das  Igrejas  da  Cidade ,  e  feu 
recôncavo  moflrou  tal  limpeza  ,   e  defintereffe , 
que  nunca  quiz  receber  os  oitenta  mil  reis ,  que 
Sua  Magejlade  manda  dar  aos  Reverendos  Vifita- 
dor es  para  ajuda  do  cujlo.  Diga-o  também  a  oc- 
cupaçao  de  juiz  das  difpenfaçoes ,  da  qual  achan- 
do aV.  M.  digno  o  Exceli entijfimo  e  Rever  endif- 
fimo  Senhor  D.  Jofeph  Fialho  ,  e  formando  cabal 
conceito  da  fua  reâlidao  ,  e  verdade  ,  quando  fe 
aufentou  para  Portugal ,  lhe  deu  faculdade  para 
difiribuir  a  feu  arbítrio  o  dinheiro  das  multas  ap- 
plicadas  para  obras  pias  ;  e  juntamente  o  dinhei- 
ro das  efmolas ,  que  configna  Sua  Mageflade  to- 
dos os  atinos  aos  Excellentifiímos  Senhores  Arce- 
bifpos  :  o  que  tudo  fatis fez  V.  AL  com  todo  o  acer- 
to na  aufencia  do  dito  Excelhntiffimo  Prelado , 
em  cujo  nome  havia  tomado  pojfe  defie  Ar  cebif pa- 
do na  Sanâla  Sê Cathedral ,  onde  com  jubilo  uni- 
verfal  de  alegria  ,  aquelle  innumeravel  concurfo 
do  melhor  defta  Cidade  vio  a  V.  M.  afientado  na 
Cadeira  Are  hiepif copal ',  e  debaixo  de  hum  docel 
fufientar  a  Mitra ,  e  empunhar  o  Bago  ,  que  to- 
dos  lhe  prognoflicavao  foffe  algum  dia  de  pro- 
priedade. 

Diga  o  o  emprego  de  Commijfario  da  Bulia 

da 


da  S  anafa  Cruzada,  em  que  concorrendo  per  ten- 
dentes confpicuos  para  o  mefmo  emprego  ,foi  V.M. 
ef colhi  do  para  tao  importante  occupaçao  \  e  em  me- 
nos de  hum  anno  foi  tal  o  conceito  ,  que  teve  o  Re- 
ver endiffimo  e  III uflriffimoCommi (farto  geral  da 
capacidade  ,  e  inteireza  de  V.  M.  ,  que  confiando 
fia  fua  verdade  ,  lhe  mandou  fegunda  ProvifaÕ , 
dandc-lhe  todos  os  feus  poderes  ,  e  faculdades  con- 
cedidas pela  Sé  Apoflolica  ,  para  poder  compor ,  e 
fazer  afeu  arbítrio,  todas  e  quaefquer  compofi- 
foes  ,  que  fe  offerecejfèm ,  havendo  tudo  por  vali* 
do,  e  ratificado  ,  como  je  por  e lie  mefmo  f o  ff  em  ce- 
lebradas ',  faculdade  ejia  tao  ampla ,  efingular, 
que  inda  fe  nao  coneedeo  a  Commijjario  algum  ne~ 
jle  Arcebifpado. 

Diga-o  também  o  conceito  ,  e  honra ,  com  que 
a  Religião  Benediâiina,  e  feus  Religiofiffimos,Dou- 
iifjlmos  ,  e  Exemplar i (fim  os  Monges  defla  Provín- 
cia do  Brazil  elegerão  a  V.M.  para  [eu  Juiz  Con- 
f erva  dor ,  efpermdo  da  fua  Peffoa  os  recíifftmos 
diõíames,  da  fua  prudência.  D  igao  finalmente  ou- 
tras muitas  ,  e  diverfas  occupaçoes  ,  que  V.  M. 
aâminifirou  fempre  com  zelo  do  fervi ço  de  Deos^ 
e  bem  das  almas ,  havendo- fe  em  todas  com  gran- 
de capacidade  ,  fummo  acerto  ,  e geral  aceitação, 
condecorando  tao  altos  merecimentos  a  vafta  Htte- 
r atura,  que  adorna  a  Peffoa  de  V.  M. ;  porque  nas 
claffes  da  Latinidade  foi  ac  cl  amado  pelo  melhor 
Grammatico ,  e  Poeta  latino  daquelle  tempo  ,  fem- 
pre reputado  por  grande  humamfta  ,  ver  fado  na  li- 
ção de  varias  erudições  ,  e  applicado  ao  efluda 
dos  livros  mais  feleÓlos  ,  de  que  fe  compõem  a  fua 
grande  ,  e  bem  acenda  livraria.  Por  tffb  na  infii- 
tuiçao  da  Academia  Bahienfi  foi  V.  Aí.'  defigna- 
do  para  hum  dos  feus  Académicos  ,  e  logo  no- 
meado 


~* j. 


tnèado  Pr  ep dente  de  huma  das  primeiras  confe- 
rencias. 

Na  Philofopbia ,  fahindo  V.  M.  hum  dos^ 
melhores  Eftudantes  ,  e  da  primeira  graduação 
dofeu  Curfo  ,  mereceo  nos  Exames  de  Bacharel ,  e 
Meftreem  Artes  afuprema  approvaçaõ  de  Máxi- 
ma ab  omnibus  :  defendeo  as  terceiras  Conclufoês 
de  Lógica  ;  foi  Capitão  da  primeira  Meza ,  e  ul- 
tima Pedra  de  Metaphyfica ,  Arguente  público 
nas  Conclufoês  de  Philojophia  ,  e  Theologia  j  e 
no  anno  de  1724.  eleito  com  honra  Examinador  do 
Curfo  Philofophico  em  Clauftro  pleno  de  todos  os 
Meftres  ,  e  Padres  graves  do  Collegio  de  j£E$US. 
Nas  Theologias  alcançou  V.  M.  nome  taÔ  famo- 
fo ,  que  na  Especulativa  ,  e  Efcolaftica  condecorou 
as  Aulas  ;  na  Pofttiva ,  e  Afcetica  illufirou  os 
Púlpitos  ■,  e  na  Pratica  ,  ou  Moral  confeguio 
taes  applaufos  ,  que  em  três  concurfos  ,  que  fez 
para  as  Igrejas  defta  Cidade  ,  fempre  levou  as 
primeiras  ,  e  melhores  approvaçces  ;  e  no  con- 
curfo  para  a  Igreja  de  twffa  Senhora  do  Rofa- 
rio  ,  em  que  foi  provido ,  o  primeiro  voto  ab  om- 
nibus. 

Acer efe e  a  tudo  iflo  huma  modeftia  gr  a- 
ve  ,  ou  gravidade  modefta  ,  que  em  V.  M.  res- 
plandece com  hum  procedimento  admirável ,  e  gé- 
nio taÔ  dócil  ,  que  a  todos  fe  faz  grato  ,  e  ge- 
ralmente bem  quifto.  Perdoe  V.  M.  eftas  di- 
grefjoês  do  meu  affeâlo  ,  que  como  verdadeiras  , 
e  conhecidas  nejla  Cidade  ,  nao  pofjo  deixar  de  as 
tnamfejlar  nejla  Dedicatória ,  para  d  ef ofego  de 
quanto  reconheço  feus  fuperiores  méritos  ;  por- 
que d  fombra  de  tao  benéfica  Pereira  ,  e  nos  auf- 
picios  de  tanto  Numen,  nao  temerei  a  mordacida- 
de dos  Arijiarcos  ,  e  zombarei  da  maledicência 

**      s  dos 


I'       I 


dos-  Zoilos ,  fiaõ  obflante  a  improporçaõ  da  offer- 
ta  pela  humildade  da  forma  ,  para  a  grande* 
za  da  nobiliffima  Peffba  de  V.  M.  ,  que  Deos 
guarde ,  &c* 


MO 


REV.      SENHOR. 


DeV.M. 


Servo  muito  obfequiofo,  e  perpetuo  venerador 


António  de  Oliveira. 


L  I- 


SERMA 


D  O 


SS.  SACRAMENTO. 


Homo  (juidam  fecit  Cctnam 

magnatn.  S.  Lucas  no  c.  14.  n.  16. 

U I T  O  dá  quem  chega  a  dar 
tudo  quanto  tem  ;  mas  muito 
mais  dá  quem ,  depois  de  dar 
tudo  quanto  tem  ,  chega  tam- 
bém a  dar  tudo  ,  quanto  he. 
(  Senhor.  )  Muito  dá  quem 
chega  a  dar  tudo  quanto  tem  ; 
mas  muito  mais  dá  quem  ,  de- 
pois de  dar  tudo  quanto  tem  , 
chega  também  a  dar  tudo,quan- 
to  he.  Quem  chega  a  dar  tudo  quanto  tem  ,  faz 
prova  manifefta  de  liberal  grandeza  ;  mas  quem 

A  chega 


I      :i 


2  Sermai 

chega  a  dar  tudo  quanto  he ,  faz  evidente  demon- 
ftraçaó  de  fumma  liberalidade.   Dar  tudo  quanto 
tem  ,  fe  vê  na  liberal  grandeza  de  hum  Alexandre 
i.Macha-  dividindo  o  feu  Império  pelos  feus  Magnates  :  Vo- 
beor.  1.7.  c  a  vi  t  pueros  fuos  nobiies .  . .  &  divijit  Mis  re- 
gnumfuum:  Mas  dar  tudo  quanto  he  ,  depois  de 
dar  tudo  quanto  tem  ,  fó  fe  admira  na  fumma  libe- 
ralidade de  Chriílo  Senhor  noíTo  no  Sacramento, 
D.Aug.  ín  dando-fe  a  íi  próprio  a  quem  communga  .  Cum  fe 
Joann.6.  jpfafn  dar  et ,  plus  dare  non  habuit.  O  certo  he 
que  dar  tudo  quanto  tem  ,  fe  vê  na  grandeza  de 
Príncipes  ,  como  fe  vio  em  Jonathas  para  com  Da- 
vid ;  em  Pharaó  para  comjofeph;  e  em  Alfuero 
para  com  Mardocheo  :  mas  dar  tudo  quanto  he, 
fó  fe  adora  na  máxima  liberalidade  de  Deos  ,  como 
D.Thom.  fe  vê  na  Meza  do  Rey  Sacramentado  :  In  hac  menfa 
y^f^novi  Regis ',  e  na  foberana  Meza  da  Sancliflima 
panei.    Trindade  :  Menfa  Ma  Tririttatis  fuos  panes  habet 
abfconditos. 

No  Myfterio  da  San&iílima  Trindade  gera  o 

Pay  ao  Filho;  e  como  o  Pay  he  Deos,  de  tal  forte  lhe 

dá  tudo  quanto  he  (  menos  a  Paternidade )  que  dá  o 

feu  mefmo  Ser  de  Deos  ao  Filho  :  e  o  Filho  com  o 

Pay  produzindo  oEfpirito  San&o  ,  de  tal  forte  lhe 

dá  tudo  quanto  he  ,  em  quanto  Deos  ,  que  he  igual- 

in  symb.  mente  Deos  oEfpirito  San&o  :  Deus  Pater,  Deus 

s.  Athaa  piiiuj  ,  OeusSpiritus  Saneias.  Eíla  he  a  máxima 

liberalidade  de  Deos  na  foberana  Meza  da  Sanclif- 

fima  Trindnde ,  onde  ficaõ  todas  as  três  Divinas 

Peífoas  o  mefmo  Deos  :  Menfa  Ma  Trinitatis  ;  e 

efla  he ,  com  a  devida  proporção  ,  a  liberalidade 

também  máxima  de  Chriílo  Senhor  noíTo  na  Real 

Meza  do  Sacramento  ,  em  que  fica  também  Deos 

por  participação  quem  o  communga :  In  hac  menfa 

novi 


ão  8$.  Sacramento.  5  * 

noviRegis.  Na  San cTriífi ma  Trindade  o  Pay  ,  que 
heDeos,  dá  tudo  quanto  he,  em  quanto  Deos, 
ao  Filho  ;  e  o  Pay  com  o  Filho  ,  que  he  Deos  ,  dá 
tudo  quanto  he ,  em  quanto  Deos  ,  ao  Efpirito 
Saneio  :  e  no  SanctiíRmo  Sacramento  Chrifto  Se- 
nhor noflb  ,  que  he  Deos ,  dá  tudo  quanto  he  a 
quem  dignamente  o  recebe  facramentado  ,  fican- 
do quem  o  communga  o  mefmo  Deos  por  par- 
ticipação com  Chriílo  :  Vere  comedens  Deus  gflf\p:'Çhryr, 

CítUr.  injoan.^. 

Com  tudo  Deos  Pay  fó  dá  o  Ser  de  Deos  ao 
Filho  ;  e  o  Pay  com  o  Filho  fó  daó  o  Ser  de  Deos 
ao  Efpirito  Sancto  :  porém  nem  daó  ,  nem  podem 
dar  o  mefmo  Ser  de  Deos  a  mais  pefToas.  Mas  oh 
bemdita  feja  a  fumma  liberalidade  de  Chriílo  Se- 
nhor noíFo  no  Sacramento  !  que  o  que  naõ  fe  faz  , 
nem  pôde  fazer  na  Trindade,  veneramos  fazer-fe  no 
Euchariítico  Myfterio  :  porque  eftá  nelle  taó  libe- 
ral eíre  novo  Rey  ,  que  nelle  nos  dá  o  Ser  de  Deos, 
e  faz  Deofes  por  participação ,  naô  a  huma ,  nem  fó 
a  três  pefToas  ,  mas  fim  a  todas  que  dignamente  o 
recebem  :  Sumit  unus ,  fumunt  mille  ,  tantum  tfli,  D.Thom. 
quantum  tile.  Ut  bomines  Deos  faceret.  E  de  que 
modo  oftenta  Chriílo  Senhor  noífo  efta  máxima  li- 
beralidade ?  he  dando-nos  aquella  auguftiííima  Cea 
na  Meza  do  Sacramento  :  Homo  qutdam  fecit  Cce* 
nam  magnam.  He  efte  homem  Chrifto  Senhor  nojr 
fo  inftituindo  o  Sanfriílimo' Sacramento  na  noite 
da  Cea  :  Homo  eft  Chriftus  Dominus  :  e  como  a  Hug.  ír» 
Cea  he  a  do  Sacramento  :  Per  Ccenam  accipe  Eu-Luc- *4' 
chariftiam  ;  dando-fe  o  Senhor  nefta  Cea  em  comi- D-  Cyrfli» 
da  :  Caro  me  a  vere  eft  cihus ,,  quem  verdadeira-  joann.  6. 
mente  o  come  ,  fica  o  mefmo  Chrifto  :  quem  digna- 
mente recebe  o  Sanctiffimo  Sacramento  ,  já  naõ  he 

A  ii  fómen» 


I 


Euthim. 
in  Luc. 
cap.  14. 


Plill 


°4  Sermaó 

fomente  homem  ,  he  também  Deos  :  Vete  come' 

dens  Deus  efficitur. 

Euthimio  dando  a  razaó  da  grandeza  da  Cea 
do  Sacramento  diz >  que  toda  a  fua  foberania  con- 
fifte ,  em  que  nefta  Meza  gozamos  de  forte  os  Di- 
vinos conforcios  da  participação  da  Divindade  ,  e 
fubimos  a  tanta  gloria  ,  que  nada  nos  fica  mais  que 
defejar  :  EJl  magna  tila  Ccena  ;  quia  in  tila  Deo 
fruimur ,  qui  nos  adeo  glorificai ,  ut  nibil  am- 
plias optar e ,  vel defiderare  poffimus.  Logo,  infi- 
ro eu  aflim  ,  fe  nós  defejarmos  fer  Deo fes  ,  Deofes 
ficaremos  na  Meza  do  Sacramento  ?  aflim  he  ;  por- 
que eíta  he  a  fumma  liberalidade  deChrifto  Senhor 
noíTo  nefte  Sacratiflimo  Myfterio  ,  em  que  nos  dá 
tudo  quanto  he  :  e  como  he  Deos  nefte  Myfterio, 
Deos  fica  cada  hum  de  nós ,  que  dignamente  o  re- 
cebe. Grande  prodígio  na  verdade  temos  nefta  íb- 
berana  Cea  ;  porque  aflentando-nos  á  Meza  do  Sa- 
cramento homens  ,  fomos  nella  elevados  a  fer  Deo- 
fes :  Vete  comedens  Deus  efficitur.  E  por  iíTo  he 
taõ  grande  efta  Cea  ,  que  tem  por  titulo  a  Cea 
grande  :  Homo  quidamfecit  Ccenam  magnam.  Ho- 
mo eft  Cbrijlus  Dominus.  Per  Ccenam  accipe  Eu- 
charifliam.  E  que  gloriofa  femelhança  a  da  Meza 
do  Sacramento  :  In  hac  Menfa  novi  Regis  com  a 
Meza  da  Sanctiífima  Trindade  :  Menfa  tila  Trini- 
tatis  !  porque  fe  na  Meza  da  Sanctiflima  Trinda- 
de ,  quem  vê  o  Filho  ,  e  o  Efpirito  San&o  ,  vê  ao 
Pay ,  em  quanto  ao  mefmo  Ser  ,  que  todos  tem  de 
Deos  j  porque  o  Pay  dá  o  fer  Deos  ás  outras  Pef- 
foas  ;  na  Meza  do  Sacramento ,  quem  vê  aos  ho- 
mens ,  que  dignamente  o  recebem ,  vê  em  todos 
hum  homem  Deos;  porque  Deos  feito  homem  dá 
aos  homens  o  Ser  de  Deos  por  participação  :  Vere 

come- 


do  SS.  Sacramento.  y 

comedens  Deus  efficitur.  E  toda  efta  maravilha  fe 
obra  pela  comida  deita  grande  Cea.  No  principio 
do  mundo  enganou  a  ferpente  a  nofíbs  primeiros 
Pays  ,  dizendc-lhes ,  que  comendo  do  pomo  feriaó 
Deofes  :  In  quocumque  die  comederitis  . .  .  erMs  Gencf.  3. 
Jicut  Dii:  mas  nefta  Meza  com  toda  a  realidades- 
fomos  Deofes  por  participação  com  a  fagrada  co- 
mida deita  grande  Cea  :  Homo  quidam  Jecit  Coe- 
nam  magnam.  Será  pois  hoje  o  meu  aflumpto  mo- 
ítrar  em  hum  fó  difcurfo  na  Meza  do  Saruftiflimo 
Sacramento  nu  ma  nova  officina  de  Divindade ;  e 
que  a  comida  de  taó  foberana  Cea  faz  Deofes  aos 
homens  ,  que  chegando  a  ella  homens  ,  ficaô  Deo- 
fes ;  e  com  tanta  foberanía ,  que  fe  pudera  haver 
exceífo  á  Meza  da  Sandliílima  Trindade  ,  fó  pare- 
ce que  o  haveria  na  Meza  do  Sacramento  ;  por- 
que fendo  as  três  Divinas  PeíToas  hum  fó  Deos, 
Deofes  ficaô  todas  as  peíToas,  que  dignamente  rece- 
bem o  Sanclriflimo  Sacramento.  E  para  chegarmos  á 
foberanía  de  taó  alta  Meza  ,  e  vermos  os  prodígios 
de  tantaJDivindade ,  viftamo-nos  primeiro  do  orna- 
mento nupcial  da  Divina  graça. 

JÍVE    MARIA. 


f;.V 


Homo  quidam  fecit  Ccenam  magnam. 


S.  Lucas  no  lugar  citado. 


DIVINO  incêndio  por  certo  he  o  que  fe 
levanta  no  Altar  do  Sacramento  :  Ignisu\\t.6. 
in  Altari  femper  ardebit !  pois  he  nelle  Deut 
Chriíto  Bem  noíTo  taô  activo  fogo  :  Deus  igtiis  24. 

cotyu- 


Oth.  Vcn 
Embl.    A 
mat.  foi. 
22S. 


Hve 


6  Sermaí 

confumens  eft ;  quiquem  chega  ás  fragoas  do  íeu 
amor  nefta  Meza ,  fica  falamandra  abrazada  ,  que 
concebendo  em  íi  divinas  chammas ,  fe  converte  em 
vivas  lavaredas  do  mefmo  fogo ,  como  da  falaman- 
dra diz  o  Poeta : 

t*ftPT7-  Me  a  vita  per  ignes 
Crefcit ,  &>  in  mediis  ignibns  ejje  juvat. 
S.  Dionyfiodiz,  que  aílim  como  o  fogo  converte 
em  fogo  quanto  nelle  fe  abraza  5  aflim  quem  fe  ali- 
menta dò  fogo  do  Sacramento ,  nelle  fe  converte 
de  forte  ,  que  fica  com  a  própria  Imagem  ,  e  Forma 
D  Dionyf.  do  mefmo  Deos  :  Ignis  fenjibilis  ea  ,  quibus  infe- 
d.  Coeieíi.  derit ,  infuum  traducit  officium  ,  omnibusque  qno- 
modolibet  fibi  appropinquantibus  fui  confortium 
tradit  :  haud  aliter  Dominus  nofter ,  $*  Deus , 
qui  ignis  conjumens  eft  ,  nos  per  Cibum  hnnc  Sa- 
cratifjimum  in  Jui  traducit  effigiem ,  Deiformes- 
que  reddit  :  e  por  eíla  Divina  fragoa  ,  com  que  o 
fogo  do  Sacramento  converte  em  vivas  chammas* 
a  quem  dignamente  o  recebe ,  me  atrevo  a  dizer, 
que  o  Sacramento  he  huma  nova  officina  de  Divin- 
dade ,  que  faz  aos  homens  Deofes  :  Vere  comedens 
Damafc    Deus  efficiíur  :  e  o  mefmo  Sacramento  he  fogo, 
lib.  4.  de  que  diviniza  a  quem  o  recebe:  Euchariftiaejl ignis 
Fid.  c.14.  Deificam. 

Naquella  facratifíima  Meza  pôs  Chrifto  Se- 
nhor noifo  a  fens  Difcipulos  a  grande  Cea  doPaó 
facramentado  :  Homo  qui  dam  fecit  Ccenam  ma- 
gnam :  e  como  aquelle  Divino  Paõ  he  o  mefmo 
Corpo  de  Chriíto  ,  Deos  e  homem  :  Hoc  eft  Cor- 
pus me  um  ;  ficáraõ  os  doze  Sagrados  Apoftolos  fi- 
gurados em  doze  paês  ;  para  que  multiplicando  o 
Senhor  em  cada  hum  delles  a  fua  Real  Prefença, 
pudede  de  cada  hum  dizer  pela  Sagrada  Commu- 

nhaô 


do  SS.  Sacramenta:  y 

nhaó  as  mefmas  palavras  :  Hoc  eft  Corpus  meum\ 
e  defta  forte  ficafle  cada  Difcipulo  á  Meza  hum  ho- 
mem Deos  :  Vere  comedens  Deus  efficitur.  E  já 
que  temos  o  thema  de  huma  Cea :  Ccenam  magnam^ 
e  a  Fefta  de  huma  Meza :  In  hac  Menfanovi  Regis; 
bem  he  que  façamos  fobre  huma  Meza  a  evidente 
prova  daquella  Cea  ,  para  manifefta  demonftraçaó 
defta  verdade.  Falia  Deos  com  Moyfés  no  Leviti- 
co,  e  lhe  diz:  Accipies  quoque  fimilam ,  &  ro-Levit.  24, 
quês  ex  ea  duodecim  panes  .  . .  fuper  Menjam  pu-  5r 
rijftmam  coram  Domino  ftatues. 

Toma  ,  Moyfés  ,  a  flor  da  farinha  de  trigo  ,  e 
faze  doze  paês  ,  e  os  aprefenta  diante  do  Senhor 
fobre  huma  meza  puriíllma.    E  dizem  os  Expoíl- 
tores  ,  que  efte  Texto  fe  entende  dos  pães  da  pro- 
porção ,  cuja  formação  pertencia  aos  Sacerdotes : 
Htc  agitur  de  propofitione  panum ,  quorum  mate-  ifhay. 
ria  erat  farina  triticea  puriffima  ,  &  ad  officium hlc- 
Sacerdotum  pertinebat  ijios  panes  formare.  Eíta 
Meza  fem  controveríia  alguma  he  a  mais  expreífa 
figura  da  Meza  auguftiílíma  do  Sacramento  :  £z/-Aref.  in 
cbariftia  eft  panis  propofitionis  ante  faciem  Do-  ^ 
mini.  Mas  no  que  reparo  he  ,  que  fendo  o  Paô  do  ç,2J. 
Sacramento  hum  f ó ,  e  íingular  :  Htc  eft  Panis  ;jeann.$, 
diga  o  Texto  que  erao  doze  os  paês  da  propofiçaó, 
figurando  todos  o  Paó  do  Sacramento  :  Duodecim 
Panes  fuper  Menfam}  qual  fera  logo  o  Myfterio, 
porque  fendo  hum  fó  o  Paó  do  Sacramento  ,  fe  ha 
de  figurar  expreíTamente  naquella  meza  de  doze 
paês?  Mas  oh  que  admiravelmente  refponde  a  eíla 
mefma  dúvida  S.  Cyrillo  Alexandrino. 

Sabeis  porque  ,  fendo  hum  fó  o  Paó  do  Sacra- 
mento ,  mandou  Deos  pôr  naquella  Meza  doze 
paês  ?  foi  para  correfponder  a  figura  ao  figurado. 

O  figu- 


$  Sermão 

O  figurado  havia  de  fer  a  Meza  da  Cenáculo  na 
noite  da  Cea  ,  com  a  inírituiçaõ  do  Paó  do  Sacra- 
mento ,   em  que  haviaó  os  doze  Apoítolos  com- 
mungar  aquelle  Divino  Paó ,  que  Chriíto  Senhor 
noflb  a  primeira  vez  converteo  em  fua  própria  fub- 
fíancia  :  e  como  os  doze  Apoítolos  commungando 
fe  haviaó  converter  no  mefmo  Chriílo  ,  que  fe  lhes 
dava  nas  efpecies  de  paõ  ,  e  por  iílb  ficarem  como 
doze  Paes  do  Sacramento  :  efta  he  a  razaó ,  porque 
D.  Cyriii.3  figura  foi  de  huma  meza  com  doze  paês  :  Duode~ 
Alexand.  cim  panes  fuper  menfam.  Vaó  as  palavras  do  San^ 
c"to  Doutor :  Ad  imitationem  ipfius  Chrifti  panes 
appellati  funt  beati  Difcipuli  confortes  faâíi  pa- 
rtis nutrientis  nos  in  vitam  aternam.  Chriílo  que 
he  Deos  ,  e  homem  eftá  realmente  no  Sacramento 
nas  efpecies  de  paô  ?  pois  nas  efpecies  de  paõ  fe 
haô  de  também  vêr  aquelles  ,  que  chegaó  a  com- 
mungar  na  Meza  do  Sacramento  ,  pelo  qual  ficaô 
homens  Deofes  :  e  como  eraô  doze  os  Difcipulos, 
que  commungáraô  na  noite  da  Cea  o  Paô  do  Ceo; 
doze  eraó  os  paés ,  que  apparecêraô  naquella  meza, 
figura  deita  :  Duodecim  panes  fuper  menfam.  Pa- 
nes appellati  funt  beati  Difcipuli. 

Hum  he  o  Paô  do  Sacramento  ;  mas  fendo 
muitos  os  que  commungaô  eíle  Paô  ,  muitos  faó 
os  Paês,  que  apparecem  naquella  Meza.  Daquelle 
Paó  do  Sacramento ,  diz  Chriílo  Senhor  noíTo  ,  que 
he  o  feu  Corpo  :  Hoc  efi  Corpus  meum :  e  no  mef- 
mo Corpo  de  Chriílo  fe  converte  quem  fe  torna 
em  Paô  facramentado  ,  quando  recebe  o  Paõ  do 
D.Aug.  in  Sacramento  :  Corpus  Chrifti  f um us  ,  qui  Corpus 
Joan.6.  Chrifli  accipimus.  A  virtude  do  fermento  he  fer- 
mentar toda  a  maça  ;  a  virtude  do  Divino  Paó  do 
Sactamento  he  divinizar  naquella  Meza  os  que  a 

ella 


do  SS.  Sacramento.  9 

ella  chegaô ,  e  torna-los  em  Paes  facramentados. 
No  Paó  do  Sacramento  eftá  realmente  Corpo  ,  San- 
gue, Alma,  e  Divindade  ;  e  também  nos  que  com- 
mungaó  aquelle  Paó  ,  tornando-fe  em  Paes  facrr- 
mentados  ,  Te  une  a  Divindade  ,  a  Alma  ,  o  Sangue, 
e  o  Corpo  de  Chriílo  :  logo  lie  a  Meza  do  Sancíif- 
íimo  Sacramento  huma  nova  officina  de  Divindade, 
que  como  Chriíto  Senhor  noíío  nas  efpecies  de 
raó  fe  nos  dá  ,  como  Deos  e  homem  5  todo  o  que 
dignamente  o  communga  naquella  Meza  ,  fica  tam- 
bém coníHtuido  homem  Deos  :  porque  fica  também 
na  forma  de  paô  ,  imitando  o  Paó  do  Sacramento  : 
Duodecim  panes  fuper  menfam  purifftmam  coram 
Domino  ftat  ues.  A  d  imit  at  tonem  ipfius  Chrifli  pa- 
nes appellãti  funt  beali  Difcipuli ,  confortes  faâíi 
panis  nutrieníts  nos  in  vitam  Mernanu  Hic  efi 
panis  ,  qui  de  Cos  lo  defcendit. 

Agora  entendo  eu  a  razaó  ,  porque  mandan- 
do Deos  já  no  Êxodo  ao  mefmo  Moyfés  expor  na 
Meza  os  paés  da  propofíçaó  :  Pones  fuper  menfam  Exod-  a$. 
panes  propofitionis  \  fe  lê  no  Texto  Hebreo  (dizJ0- 
Pagnino  )  que  Deos  mandara  expor  na  meza  os 
paês  das  faces  :  Pones  fuper  menfam  panes  fade-  P^gnin, 
rum  \  e  continua  dizendo ,  que  eraó  pães  das  fa-  hic* 
ces  ,  ou  dos  rodos  de  Chriílo  :  Panes  facier um 
Chrifli',  porque  poíto  que  era  hum  fó  o  rollo  de 
Chnito  ,  que  fe  adora  no  PaÔ  do  Sacramento  ;  com 
tudo,  como  femultiplicaó  na  Meza  os  Paes  facra- 
mentados ,  quaes  faó  os  que  commungaó  o  Divi- 
no Paó  ;  em  todo?  ©íTes  Paês  multiplica  Chriíio  Se- 
nhor noííb  a  fua  Real  Prefença  ;  e  apparecem  todos 
feitos  o  mefmo  Chriíto,  ou  apparece  Chriílo  Senhor 
rvoflb  nas  faces  de  todos:  Pones  fuper  mevf«m  panes 
propofitionis.  Panes  facier  um  ,  facier  um  Cbriflh 

B  De 


IO 


Amar.   in 

Magn. 


Matth.46. 
4«. 


D.  Chryf. 


Sermatí 

De  tal  forte  o  Paô  do  Sacramento  converte 
em  Paes  aos  que  o  commungaô  ;  de  tal  forte  o  mef- 
mo  Chriíto  ,  que  elU  naqueile  Pa6  multiplica  a  fua 
Real  Prefença  neítes  Paes  j  e  de  tal  forte  Deos  ,  e 
homem,  que  eOá  no  Sacramento,  fe  communica 
ao  homem  ,  que  pafla  a  fer  Deos ,  quando  commun- 
ga  ;  e  tanto  apparece  nas  faces  dos  que  commun* 
gaô  o  rofto  do  mefmo  Chriíto  ,  que  neceíTaria men- 
te vê  a  ChriOo  Senhor  noílb  quem  pufer  os  olhos 
com  a  devida  attençaó  em  quem  communga  ;  e 
olhando  para  quem  communga  ,  vê  nelle  aChrifto 
Senhor  noifo.  AíTim  o  diz  huma  douta  penna  :  lia 
Eucharifl't£  efficacitate  Deus  inbomine  manet ,  ut 
qui  hominem  Eucbarijiia  refeâtum  viderit ,  vide» 
rit  in  eo  Qhriftum  opus  (it. 

Oh  que  nova  officina  de  Divindade  adora- 
mos nefta  facratiffima  Meza  !  pois  vemos,  que  pela 
comida  do  Paó  do  Sacramento  ficáraô  os  Sagrados 
Apoftolos  ta6  parecidos  a  Chriíto ,  que  indo  os 
Pharifeos  a  prender  o  Divino  Meftre  ,  e  conhecen- 
do-o  muito  bem ,  foi  necefTarip  que  Judas  o  diftin- 
guiíTe  dos  Difcipulos  pela  applicaçaô  do  ofcuío  : 
Querncumque  ofculatus  fuero  ,  ipfe  eft  ,  tenete 
eum:  porque  diz  S.  Joaõ  Chryfoítomo  ,  que  fem 
muito  particular  reflexão,  fe  naô  podiaô  os  Difci- 
pulos diítinguir  do  Meftre  pelas  faces  ;  pois  as  fa- 
ces dos  Difcipulos  por  virtude  do  Sacramento 
que  receberão  ,  moftravao  em  cada  hum  a  própria 
face  do  mefmo  Medre  :  Cbriftiferas  fácies  babe- 
bant.  Masque  muito  que  os  Pharifeos  nao  diftin- 
guiíTem  ,  qual  foíTe  o  Meftre  ,  e  quaes  os  Difcipu- 
los (  porque  Difcipulos  ,  e  Meftre  todos  fe  pare- 
ciaó  entre  íi  por  virtude  do  Sacramento),  quando  o 
mefmo  Chriíto  Senhor  noíTo  ?  que  Divinamente  fa- 

bia 


■  '  ■-.: 


do  SS.  Sacramento.  1 i 

bia  conhecer  todas  as  coufas,  reconheceo  a  amoro- 
fa  transformação  dos  que  commungaô  taõ  idênti- 
ca comíigo  mefmo  ,  que  avaliava  a  cada  hum  dos 
Difcipulos  por  fi  próprio. 

Sempre  reparei  qual  podia  fer  a  razaó ,  por- 
que Chriílo  Senhor  noflb  eítando  na  Cruz  dilie  a 
fua  May  Sancliífima  .( tratando-a  fó  como  mulher ) 
que  o  Difcipulo  Amado  S.  João  era  fen  Filho:  Mu-**™- l* 
//>r,  ecce  Filhis  tutts.  De  íbrte  que  eu  bem  enten- 
do que  perdendo  Chriílo  Senhor  nolíb  a  vida  ,  que 
dava  por  nós  ,  faltava  o  termo  para  a  relação  da 
Maternidade  da  Senhora  ,  e  por  iflb  como  acabava 
o  Filho ,  tratava  a  May  fó  por  mulher :  Mulier  ; 
mas  o  que  fempre  me  caufou  reparo  foi  ver,  que 
fendo  aquella  a  mais  precifa  occaíiaô  de  confolar 
a  fua  May  SancliíTima  ,  lhe  faça  em  lugar  da  fua 
própria  Peífoa  entrega  da  peflba  dejoaô  por  filho; 
Ecce  filhis  tuus ;  porque  fe  Chriílo  Senhor  noíTo, 
que  morria ,  era  hum  homem  Deos  ,  e  da  fua  Divi- 
na Filiação  refultava  á  Senhora  o  mayor  credito 
da  fua  Maternidade  ;  como  para  continuação  deíTa 
Maternidade  lhe  dá  a  filiação  de  hum  Difcipulo, 
que  era  fomente  homem  :  Mulier  ,  ecce  filhis 
tuus  ? 

Porém  fui  achar  muito  a  noíTo  intento  a  fa- 
tisfaçaó  delia  dúvida  em  Origenes  :  e  vede  o  myíle- 
rio  com  que  Chriílo  Senhor  no  fio  chamou  a  S.  joaô 
filho  da  Senhora.  Na  noite  da  Cea  ,  antecedente  ao 
dia  da  morte  de  Chriílo  ,  recebeo  S  Joaô  a  Chriílo 
facramentado  :  e  como  o  Sacramento  he  nova  oífi- 
ema  de  Divindade,  que  transforma  em  Deos  ro ho- 
mem que  o  recebe,  por  iíTb  clava  Joaõ  taõ  divi- 
nizada, queelleera  o  mefmo  Jesus  homem  Deos, 
por  transformação  do  Sacramento  ,  como  fe  a  mef- 

B  ii  ma 


Origfn. 
tom.   r. 
foi,  161. 


Joan.  19. 

35-  }4- 


Orig.  hic 


1 2  Sermão 

ma  Senhora  o  gerara  em  feu  nuriíTímo  ventre.  Ori- 
gines o  difte  :  Dixit  JESUS  :  Ecce  filius  tttus  .  /?£ 
fi  diceret  y  Ecce  hic  eft  JESUS  ,  quem  çenmfiik 
Sublitua  logo  Joaó  o  lugar  de  ChriOo  ,  poi«?.e<iá 
transformado  em  o  me  fino  Chrifto-  por  virrude  do 
Sacramento  :  e  fe  naô  he  já  fr  mente  homem  ,  mas 
fim  pelo  Sacramento  também  Deos  ,  feja  em  lu- 
gar de  JesUS  Chriflo  Deos  ,  e  homem  ,  acclamado 
por  Filho  da  May  de  Deos  :  Ecce  Filius  ruus. 

Oh  que  foberana  maravilha  !  fica»"  o  homem, 
que  communga  ,  taô  transformado  em  Deos  ,  que 
Deos  ,  e  homem  na  Cruz  tem  a  Joa6  por  homem 
Deos  ,  porterjoaõ  recebido  a  Chriíto  iacramenta- 
do.  Mas  oh  que  prodigiofo  Mvfterio  o  que  agora 
ouço  ao  mefmo  Origines  em  confirmação  deíla  ver- 
dade !  Sabeis  quem  he  o  que  lançou  Sangue  do 
peito  no  Myfterio  do  Calvário  ?  direis  que  foi 
Chrifto  Senhor  noííb  ?  Eu  o  digo  também  ,  e  he  de 
fé  :  e  aílirn  o  atteíla  como  teflemunha  de  vifra ,  e  de 
irrefragavel  verdade  o  mefmo  Difcipulo  Amado 
S  Joaõ ,  que  o  prefenciou  :  JJnus  milham  lancea  la- 
tus  ejur  ápwuit  *,  &  continuo  exivrt  fanguis ,  &* 
aqua.  Pois  fabei  ,  e  adm  t.ií  o  prodígio  :  fabei  que 
efle  Sangue  naó  fihio  do  lado  de  Chrifto  morto; 
•  fahio  ílm  do  peito  de  Joaõ  vivo:  Non  Chriflus  mor- 
tuus ;  fedjoamwç  vivtís  fanguinem  emifit  Oh  va- 
lha-me  o  mefmo  Deos  ,  e  Senhor  facramentado  !  Se 
o  Euangeliíra  diz,  que  foi  Chrifto,  que  lançara 
Sangue  do  peito  :  tyrts  milhiim  Imcea  lótus  ejtts 
operuit  \  como  publica  Origines  em  huma  Propo- 
íiçaó  recebida  pela  Igreja  ,  que  foi  S.  Joaó  o  que  o 
lançara  :  Non  Cbriflus  .  (ed  Jonnnes  ? 

Mas  oh  que  fe  o  Euangelifta  fallou  como  te- 
ítemunha  devifta,  Origines  Fallou  como  contem- 
plativo 


iô  SS.  Sacramento.  1 5 

plativo  dos  myíícrios.  Contemplou  Origines  pro- 
fundamente ,  que  o  mefmo  Chriflo  moitrára  o  pró- 
prio Ser  da  fua  Peflba  na  peflba  de  João  ,  quando  o 
deu  á -Senhora  pnr  Filho  :  Ecce  Tilitts  tnus  \  con- 
templou ,  quejoaó  na  noite  antecedente  recebera 
o  Sancliffímo  Sacramento  ;  e  contemplou  mais  que 
por  iflb  Joaó  era  digno  filho  da  Senhora  ,   porque  a 
virtude  do  mefmo  Sacramento  o  transformará  em 
n  mefmo  Chriflo  :  e  fuppoflo  via  que  o  Sangue  fa- 
híra  do  Lado  de  Chriflo  morto  ,  com  tudo  pura  ex- 
preíTar  a   força  da  transformação   de  Chriflo  em 
João,  arrumou  que  foi  Joaó  vivo,  e  naõ  Chriflo 
morto  ,  o  que  lançara  Sangue  do  peito  :  N.ofi  CM- 
Jius  mortuus  ,  fed  Joatmes  vivtts  Sangiànem  emi- 
Jit.  He  verdade  que  foi  Chriilo  o  que  lançou  o  San- 
gue :  Latus  ejus  aperuit  :  exivit  S&vgoú  '  mas 
hetaó  certa  e  evidente  a  transformação  de  Chriflo, 
em  quem  dignamente  o  recebe  ,  que  bem  fe  pede 
afflrmar  ,  de  quem  o  recebe  ,  o  mefmo  que  fe  hou- 
ver de  dizer  do  mefmo  Chriilo. 

JoaÓ  naó  era  Chriflo  antes  de  receber  o  Sa- 
cramento ;  mas  depois  que  o  recebeo  ,  f  cou  de  for- 
te transformado  no  mefmo  Chriflo  ,  que  pelo  mef- 
mo cafo  que  foi  Chriflo  o  que  lançou  o  Sangre. 
Exivit  8 migttis  *  por  iflb  mefmo  fe  pcóe  dizer  fem 
temeridade  ,  que  foi  Joaó  :  Nov  Ckrifflus  ,  fed 
yoannes.  Eefla  he  a  efrlcaz  virtude  da  Meza  do 
Sacramento  ,  que  como  nova  oflicina  de  Divinda- 
de ,  faz  Deofes  aos  que  a  elb  dignamente  fc  nflen- 
taó  :  Vere  comedens  Deus  cfHchift\  Sentxm-fe  em- 
bora á  Meza  do  Sacramento  homens  .  que  certa- 
mente fe  baó  de  levantar  Deofes.  Tudo  íjo  effei- 
tos  do  foberano  manjar  daqnella  giande  Cea  :  e 
Cea  taó  grande ,  que  naó  tem  com  ella  compara- 
ção 


f4  Sermai 

çâô  a  mayor  cea  de  todo  o  mundo.  A  mayor  cea, 
que  contaô  as  hiftorias ,  foi  a  que  deu  o  Imperador 
Júlio  Gefar  em  Roma  fobre  duas  mil  mezas  ,  para 
aífento  de  innumeraveis  convidados  ,  em  que  apre- 
fentou  fette  mil  pratos ,  e  hum  paõ  de  ouro  a  cada 
hum.  Mas  que  tem  que  vêr  efta  cea  com  a  Cea  do 
Sacramento  por  anthonomafia  a  Grande  :  Homo 
qnidamfecit  Cosnam  magnam  ?  porque  fe  a  cea  de 
Cefar  coube  em  Roma  lòbre  duas  mil  mezas  ,  as 
Mezas  do  Sacramento  naó  tem  numero,  e  fe  ex- 
põem a  todos  naó  fó  em  Roma  ,  mas  em  o  mun- 
do todo. 

Se  a  cea  de  Cefar  durou  huma  fó  noite ,  a 
Cea  do  Sacramento  durará  muitos  feculos  ,  em 
quanto  durar  o  mundo  :  na  cea  de  Cefar  eraó  fette 
mil  os  pratos ,  e  hum  fó  paô  de  ouro  para  cada  hum 
dos  convidados ;  os  convidados  da  Cea  do  Sacra- 
mento tem  nelle  hum  Paó  ,  que  he  thefouro  de  to- 
das as  riquezas  da  gloria  ;  e  os  fabores  deite  man- 
jar íaó  infinitos ,  e  fem  numero ,  porque  contêm 
todos  os  fabores  :  Panem  de  Cmlo  pr£fiitifli  eis , 
omne  deleâíamentum  in  fe  habentem.  Naquella  cea 
deu  Cefar  do  que  poífuia  aos  feus  convidados;  e 
nefta  Ceada  Chriíto Senhor  noííb  aos  feus convida- 
dos tudo  quanto  tem  ,  e  tudo  quanto  he.  Os  convi- 
dados da  cea  de  Cefar  ,  fentaraõ-fe  á  meza  homens, 
e  homens  fe  levantarão  da  meza  ;  e  os  convidados 
da  Cea  de  Chriíto  Senhor  noííb ,  fentaõ-fe  homens, 
e  levantaô-fe  Deofès.    Os  que  fe  aífentáraó  final- 
mente á  meza  de  Cefar  receberão  a  honra  d,:  ferem 
feus  convidados  ,  mas  naó  ficarão  com  a  regalia  de 
ferem  Imperadores  como  elle  ;  e  os  que  fe 'aíTenraó 
Meza  do  Sacramento  fobem  a  tanta  dignidade, 
que  transformaado-fe  no  mefmo  Chriílo"  Senhor 

noífo, 


âo  SS.  Sacramenta.  i  y 

noíTo  ,  c  pondo  fe  á  Meza  deite  novo  Rey  como 
homens  :  In  hac  Menja  uovi  Regis ,  fe  levantaó 
delia  como  R  eys  Divinos  :  Accedunt  homines ,  & 
difcedunt  Reges. 

Naquella  Cea,  que  Girce  deu  aos  Compa- 
nheiros de  Ulyfles  ,  fentaraõ-fe  á  meza  homens  ,  e 
levantárar-fe  Leões  por  força  de  feus  encantos : 
mas  ficara  Ó  fó  Leoês  na  apparencia: 

Carminibus  Circe  focios  mutavit  XJlyffeu 
Htnç  exaudiri  gemitus ,  traque  Leonum. 
E  na  grande  Cea  de  Chriíto  Senhor  nofíb  ,  por  for- 
ça da  communicaçaõ  da  fua  Divindade,  fentaõ-fe 
homens,  e  por  força  de  hum  a  verdadeira  transfor- 
mação Sacramental  levantaó-fe  Deofes.  Deos  no 
Sacramento  eítá  como  Leaô  Divino  ,  que  fe  con- 
verte em  doces  favos  de  mel  para  nofla  fuav idade, 
e  doçura  :  Cbrijlus  in  Eucbariflia  ejl  Leo  ,  qui 
morte  appropinqu atite  dum  Sacramevtum  infiu 
tuit ,  in  melleos  favos  longe  fuavi [ffinws  fe  ipjutn 
convertit ;  e  como  na  forma  de  Leaõ  fe  explica  o 
Ser  de  Deos  no  Sacramento  ,  diz  Saneio  Ambrofío, 
que  também  nós  fentando-nos  á  Meza  do  Sacra- 
mento homens  ,  nos  levantamos  Deofes  em  a  for- 
ma de  fagrados  Leões  :  lamquatn  Leonês  ab  Ma 
Menfa  recedamns.  Também  do  Imperador  JuOi- 
niano  referem  as  hiítorias  ,  que  para  oftentaçaÓ  da 
fua  riqueza  fizera  hum  gabinete  todo  de  ouro  ,  fen- 
do de  ouro  o  teclo  ,  de  ouro  as  paredes  ,  e  de  ouro 
o  pavimento  :  e  para  receber  os  feus  convidados  , 
de  ouro  mandou  também  fazer  as  mezas  ,  e  os  af- 
fentos  :  eraó  também  de  ouro  os  pratos  ,  e  os 
manjares. 

E  naft  faltou  quem  diflefle  que  até  os  convi- 
dados, fentando-fe  á  meza,  ficavaô  também  de  ouro; 

por- 


D.  Chryf. 
Hom,  4j. 
in  Job. 


Virg.  Ma. 


Picinel. 

UnT«.     I. 

lib.  $. 

cap.   22.' 
n.  4>6. 


D.  Ambr, 


Suid. 


Fidel. 
Theor.  6. 
*.4,n.i3. 


Lauret. 
verb.Aur 


Alphab. 
Euci:. 


O  for, 
tom.    t, 
Corv,  2. 
de  £uch. 


16  Sermdo 

porque  ficavaô  naó  ío  ricos  com  o  ouro,que  dos  pra- 
tos levavaó  ,  mas  também  pareciaõ  todos  de  ouro 
pelos  reflexos  da  cor  do  metal  rico,  quenelles  por 
todas  as  partes  fe  imprimíaó.  Mas  que  tem  que  ver 
aquelles  convidados  com  os  da  Mexa  do  Sacramen- 
to ?  porque  fe  aquelles  convidados  ficavaô  de  ouro 
fó  na  reprefentaçaó  ,  os  convidados  de  Chriíto  Se- 
nhor noíTb  para  áquella  grande  Cea  na  Meza  do 
Sacramento ,  ficaõ  todos  de  ouro  na  realidade :  por- 
que fendo  o  Sacramento  ouro  mais  refpíandecente: 
Euchariftia  eft  aurum  fulgentiftimum  ,  de  tal  for- 
te imprime  o  feu  próprio  Ser  em  quem  o  recebe , 
que  fica  cada  hum  fendo  do  mefmo  ouro.  E  a  ra- 
zão he  \  porque  fe  no  ouro  fe  fymboliza  a  Divin- 
dade :  Aurum  eft  Divinitas  ,  de  forte  communica 
Chriílo  no  Sacramento  a  fua  Divindade  a  quem 
dignamente  o  recebe ,  que  fica  transformado  em 
Deos  :  Fere  comme.lens  Deus  efftcitur.  Deos  no 
Sacramento  intitula-fe  com  varias  formas  :  já  com 
a  de  fogo  :  Deus  ignis  confumens  eft  ;  já  com  a  de 
Leaó  :  Chriftus  in  Euchariftia  eft  Leo,  ejá  com 
a  de  ouro  :  Eucbariftia  eft  aurum,  e  todas  eftas 
formas  communica  aquém  dignamente  o  recebe; 
porque  orno  neilas  formas  oceulta  o  Ser  de  Deos, 
o  Ser  de  Deos  communica  a  quem  o  recebe  digna- 
mente. 

Até  em  forma  de  ramo  de  Oliveira  ,  que  em 
nós  fe  enxerta  pela  Communhaó  ,  contemplou  Ofo- 
rio  a  Chruto  no  Sacramento:  Eucharijiia  eft  oliva 
fruóiifera ,  que  innibis  inferitur  :  e  fe  bem  re- 
pararmos n\  virtude  d^>  enxerto  ,  acharemos  ,  que 
fe  o  ramo  enxertado  dá  o  feu  mefmo  Ter  á  arvore, 
em  q  ie  fe  enxerta  ;  fétido  enxertado  em  nós  pelo 
Sacramento  aquelie  Divino  Ramo  de  Oliveira  ,  to- 
dos 


do  8$.  Sacramento.  1 7 

dos  ficamos  Oliveiras    naquella   Meza.    AÍIim  o 
contemplou  David  ,   pondo  neíla  fagrada   Meza 
propheticamente  os  olhos  :  Ft lutai  Jicut  novell favM.  117. 
Olivarum  in  circuitu  Menfa  tua.  Os  voíibs  filhos,  ?• 
Senhor  ,aquel!e$,  a  quem  como  bom  Pay  fuítentais 
á  voífa  Meza  com  a  vofla  mefma  Carne  ,  e  Sangue, 
faô  novos  ramos  de  Oliveiras  \  porque  como  vós 
fois  Oliveira  nefta  Meza  :  Euchariftia  eft  Oliva  ,  idem 
e  nella  dais  o  voíTo  Ser  aos  filhos  ,  que  alimentais,  Alph' 
também  elles  ficaô  em  novas  Oliveiras  transforma- 
dos :  Sicut  novell  a  Olivarum.  E  fena  forma  déíTa 
arvore  fe  occulta  o  Ser  de  Deos,  que  adoramos  real- 
mente nefle  Myfterio,  he  de  tal  forte  officina  de 
Divindade  ,  que  a  todos  faz  Divinos  ,  e  ficaó  Deo- 
fes  :  XJt  homines  Deos faceret  faâius  homo. 

Com  as  Aves  houve  também  já  quem  com- 
paraíle  a  Chrifto  no  Sacramento  ;  porque  huns  lhe 
chamaÔ  Águia  :  Euchariftia  eft  Aquila  awantiffi-^mc]c g 
ma  ;  outros  o  intitulaô  Phenix  :  Chriftus  in  Eu-  n  i 3\.  * 
chariftia  Phanix\  e  naó  falta  quem  o  acclame  Pe-  Efcob. 
licano  Divino  :  In  Euchariftia  Chriftus  eft  Peli-l^ã2'l0 
canus  ;  e  fendo  efias  as  principaes  Aves  ,  que  vcaó  n.  26. 
pelo  meyo  do  Ceo ,  em  forma  de  Aves  ,  diz  o  Eu- 
angeliíla  Águia,  que  chamava  hum  Anjo  fobfe  o 
Sol  aos  que  chegavaô  á  Meza  do  mefmo  Sacramen- 
to^ Vidi  Angelum  ft  atitem  in  Sole  ,  &»  clamavit  Apocai. 
vote  magna  dicens  ownibus  avibus  ,  qua  volcmt  l9-1^- 
per  médium  Cceli  :  Venite  ,  &  congregamini  a  cl 
Ccenam  magnam  Dei.  Oh  como  eftas  palavras  do 
Apocalvpfe  :  Ad  Ccenam  magnam  Dei  ,  fazem  con- 
fonancia  com  as  palavras  do  prefeníe  Euangelho : 
Homo  quidam  fecit  Ccenam  magnam  !  A  Cea  gran- 
de do  prefente  Euangelho  he  a  Meza  do  Sacramen- 
to ,  e  a  Cea  grande  do  Apocalypfe  he  do  Sancliffi- 

C  mo 


i     v 


I* 


Sermcã 


Efcob.  in 
Joan.  6. 


Ezech,  I. 
26. 

Apis  Lib. 
hic, 


Mund. 
Symb1. 


Luc.  3.  S 


Ovi  d.  Me- 
tam, 


mo  Sacramento  a  própria  Meza.  Por  iíTo  faó  Aves 
os  homens  convidados  para  as  delicias  deíla  grande 
Cea  :  Dicens  omnibus  avibus  \  porque  neíla  Cea  fe 
nos  cominunica  Chriíio  em  forma  de  Ave  ,  como 
dizEfcobar :  Chriftus  in  Euchariftia  ejl  Avis  Cos- 
leftis. 

Nem  falta  quem  entre  as  pedras  preciofas  tam- 
bém defcubriííe  naquella  Saphira  do  carro  trium- 
phante ,  que  vio  Ezechiel ,  hum  fymbolo  do  Sacra- 
mento :  Et  fuper  firmamentum  quafi  afpeõlus  la- 
pidis  Saphiri.  Hic  lápis  optime  Eucbariftiam  ad- 
timbrai.  E  quem  naô  vê  huma  admirável  circum- 
ftancia  da  Saphira  no  Sacramento  ?  o  Sacramento 
converte  em  Deos  a  quem  com  elle  fe  une ;  e  a  Sa- 
phira coíluma  também  tornar  da  fua  mefma  cor 
azul  a  toda  apedra,  que  de  outra  côr  fe  chega  a 
elía.  Pintou  Picinelo  hum  monte  de  pedras  tofcas 
de  diverfas  cores ,  e  pondo  lhe  fobre  ellas  huma 
Saphira  azul ,  de  forte  lhe  participava  a  fua  pró- 
pria côr,  que  todas  ncavaô  azues  Saphiras  ;  e  ani- 
mou o  Emblema  com  efta  letra  :  Ou<e  tangit  c£- 
ruía  reddit.  Pouco  importa  pois  que  fejaô  os  ho- 
mens tofcas  pedras  ,  e  muito  diftantes  da  Divinda- 
de de  Chriíio  ,  antes  de  comnuingarem  ;  que  tanto 
que  chegarem  a  tocar  a  Soberana  Saphira  do  Sa- 
cramento ,  logo  Chriíio  Senhor  noíío  moílra  tan- 
to poder  neíle  Myílerio ,  que  ,  como  Saphira  azul 
celeíle  ,  os  converte  em  Saphiras  celeíliaes  :  Po- 
tens  efi  Deus  de  lapidibus  iflis  [ufcitare  filios. 
Ou£  tangit  carula  reddit. 

Para  os  falfos  Deofes  da  antiguidade  moílra- 
rem  o  feu  grande  (  mas  falfo)  poder  nos  homens, 
os  convertiao  em  arvores ,  em  flores ,  em  aves ,  em 
fontes  ,  e  em  pedras.  Mas  o  noíío  Deos  ,  e  Senhor 

Sacra- 


do  SS.  Sacramento,  19 

Sacramentado  tem  tanto  poder  nefte  Myflerio,  que 
em  todas  as  formas  ,  que  o  conííderarmos  nelle , 
em  todas  transforma  os  homens  em  Deofes.  Con- 
templemos embora  ao  noíib  bom  Deos  no  Sacra- 
mento ,  na  forma  que  o  imaginar  a  no  (Ta  devoção; 
que  em  todas  eflas  formas  ha  de  também  ler  viílo 
o  homem  ,  que  dignamente  o  recebe  ;  para  que  fe 
veja  ,  que  em  toda  a  forma  fica  o  homem  fendo  o 
mefmo  Deos  :  Fere  comedens  Deus  efficitur.  Da- 
quellesdous  irmãos  Caítor ,  e  Polux  foi  tal  o  amor, 
que  fingem  os  Poetas  fe  converterão  em  eírrel- 
las  ,  para  que  Polux  divino  participaíTe  metade  da 
fua  divindade  com  Caítor  humano  :  Si  fratrem  Po- 
lux alterna  morte  redemit ;  porém  Chriíto  Senhor 
no  (To  fendo  Divina  Eítrella  no  Sacramento  :  Eu- 
chariftia  eft  Stella  luce  fulgem  ;  naô  nos  parti- 
cipa fó  metade  da  fua  Divindade  ,  mas  íim  fe  nos 
participa  todo  inteiro  :  Integer  accipitur.  Mas  pa- 
ra que  he  bufcarmos  as  innumeraveis ,  e  diverfas 
formas  ,  que  os  Auctores  fagrados  contemplaõ  pa- 
ra explicarem  os  admiráveis  prodígios  do  Sacra- 
mento ,  fe  para  o  melhor  defempenho  do  meu  af- 
fumpto  temos  o  Myfterio  da  Encarnação  do  Divi- 
no Verbo.  A  união  Sacramental  he  femelhante 
(  dizem  os  Theologos )  á  uniaô  Hvpoílhatica  ,  com 
que  o  Divino  Verbo  na  Encarnação  unío  a  íi  a  na- 
tureza humana  :  Unto  Sacram entalis ,  é»  Hypo- 
fthatica  funt  fimiles  ;  na  Encarnação  Deos  fe  fez 
homem  ,  e  unío  a  fi  hypofthaticamente  ao  homem, 
para  o  homem  fer  Deos  ,  como  diz  Saneio  A go {li- 
nho :  Deus  homo  f a  Bus  efl ,  ut  homofieret  Deus: 
logo  no  Sacramento  ,  para  os  homens  ferem  Deo- 
fes ,  Deos  une  a  íi  Sacramental  mente  os  homens. 
Logo  fe  na  Encarnação  (  como  he  certo  )  fe  fez 

C  ii  o  ho- 


íd< 


D.Thom. 


Ápijd 
Mend. 


D.  Au  ET. 


*«■ 


-ér-* 


Ámar.in 
Magnif. 

^8.  H.éo 


Idem  ibi 
n.  24. 


Idem  ibi 


20  Sermaí 

o  homem  Deos  ,  Deofes  iicaô  também  os  homens 
no  Sacramento. 

He  o  Sacramento  (  como  dizem  os  mefmos 
Theologos  )  huma  extenfaó  da  Encarnação  do  Di- 
vino Verbo  :  Eucbariftia  eft  extenfio  Incarnatio- 
nis\  e  diz  huma  douta  penna  da  íempre  doutiííi- 
ma  Companhia  de  Jesus  ,  que  fe  nos  caufa  grande 
admiração  o  encarnar  Deos  ,  para  fe  nos  dar  em 
comida  no  Sacramento,  que  nos  admiremos  mui- 
to mais  de  vêr  ,  que  fe  nos  dá  no  Sacramento  para 
renovar  ,  e  estender  a  mefma  Encarnação  :  Si  mi- 
raris  Deum  incarnai  um  ,  ut  carnem  fuam  tibi  da- 
ret  in  efcam  ,  mirare  magis  Deum  fe  tibi  identi- 
dem  comedendum  apponere  ,  ut  Incarnai ionis  pro- 
digium  in  Eucbariftia  innovaret ,  five  etiam  ex~ 
tenderei.  Logo  no  Sacramento  renova-fe  a  maravi- 
lha da  Encarnação  •,  e  como  na  Encarnação  fe  vio 
a  maravilha  de  fubir  o  homem  a  fer  Deos;  a  fer 
Deofes  fe  vê  ,  por  maravilha  ,  fubirem  os  homens 
no  Sacramento. 

Oh  que  rico  thefouro  de  Divindade  he  o  Sa- 
cramento !  de  donde  fahe  tanta  riqueza  da  mefma 
Divindade  ,  que  todos  que  enriquecem  defte  the- 
fouro ,  faõ  Deofes  :  Hic  totum  Divinitatis  ara- 
rium  exbauflum  eft.  O  prodígio  da  Encarnação 
confifte,  em  que  Deos  rica  homem,  e  o  homem 
Deos  ;  e  a  maravilhado  Sacramento  também  eftá  , 
em  que  Deos  fe  une  Sacramentalmente  aos  homens, 
e  os  homens  fícaò  Deofes  \  e  a  mayor  admiração  do 
Sacramento  confifte  ,  em  que  ,  a  quantos  o  rece- 
bem ,  fe  communica  aquella  mefma  Divindade  ,  que 
na  Encarnação  fe  communicou  a  hum  fó.  Difle-o 
a  mefma  penna  de  ouro  :  Deitas  ,  qu<e  in  My  flerto 
Incaniationis  uni  tantum  humanitati  addióíafuit, 

in  Eu- 


âo  $$.  Sacramento:  21 

in  Euchariftt£  Myfterio  omnibus  communicantibus 
Jefe  tnfunáit.  Na  Encarnação  hum  fó. homem  he 
Deos  ;  no  Sacramento  faó  Deofes  todos  os  homens, 
que  o  recebem  :  Vere  comedem  Deus  efficitur. 

Mas  que  digo  eu  ?  todos  os  que  commungaó 
faó  Deofes  ?  naó  he  de  fé  ,  que  Deos  he  hum  fó  ,  e 
naó  pode  haver  outro  Deos  ?  he  certo  ;  e  o  mefmo 
Deos  o  difle  :  Vtdete ,  quòd  ego  fim  folus ,  &  non  D**-  ?2- 
fit  altus  Deus  prster  me  :  logo  como  me  atrevo  3P" 
eu  a  tomar  por  aíTumpto  moftrar  ,  que  o  Sacramen- 
to he  huma  nova  officina  de  Divindade  ,  e  faz  Deo- 
fes a  todos  ,  que  dignamente  o  recebem  ?  Ora  direi : 
He  verdade  ,  que  ha  hum  fó  Deos  por  eíUncia  ;  e 
aííirn  nem  ha  ,  nem  pôde  haver  outro  Deos  :  Credo 
in  nnum  Detim  ;  mas  por  força  de  uniaó  ,  e  parti- 
cipação Sacramental ,  fica  fendo  Deos  todo  aquel- 
le  homem  ,  que  Deos  une  a  íl  no  Sacramento.  Na 
Encarnação  temos  hum  fó  homem  Deos  5  porque 
neíle  Myfterio  fó  hum  unío  a  fi  hypofthaticamente; 
e  como  a  uniaó  Sacramental  he  femelhante  á  Hypo- 
ithatica  ,  unindo  a  fiSacramentalmente  infinitos  ho- 
mens Deos  no  Sacramento  ,  todos  por  virtude ,  e 
participação  do  Sacramento  íicaô  Deofes.  Admirá- 
vel Texto  nos  oííerece  David  110  Pfalmo  81. 

Ego  dixi:  Dii  efiis  ,  &  filii  excelfi  omnes.  PfaUi.tfj 
Eu  difle ,  que  todos  os  que  éreis  filhos  de  Deos  , 
éreis  Deofes.  Pois  como  diz  o  Texto  fagrado  ,  que 
faó  muitos  os  Deos:  /J/V,  fe  Deos  he  hum  f ó  : 
E^o  fim  folus}  Mas  oh  que  fallava  o  Texto  fem 
duvida  dos  que  gozaõ  as  felicidades  de  filhos  de 
«Chrifto  ,  fentando-fe  á  Meza  do  Sacramento  ;  por- 
que o  Sacramento  he  de  tal  forte  foberana  officina 
de  Divindade  ,  que  fuppofto  Deos  feja  hum  fó  por 
eflencia,  com  tudo  por  participação  doiíefmo  Sa- 
cra- 


Amar,  in 
Magn, 
*.S,  n.<f. 


Idem  ihi. 


Joan.  6. 


22  Sermão 

cramento  ,  faô  Deofes  todos  os  homens ,  que  di- 
gnamente o  commungaô.  AíHm  o  diz  o  Auclor 
do  Cântico  Marianno ',  excitando  a  dúvida  ,  e  dan- 
do-lhe  a  reporta  :  At  quomodo  Dii ,  fi  imus  tan- 
tum  efi  Deus  ?  Plane  re  ipfa  mus  eji  Deus  ;  fed 
communicatione  fit  muhiplex ;  quia  nimirum  dum 
fe  hominibus  pr^Jlat  in  cibum  ,  homines  quodam- 
7710  do  De  os  facit. 

E  a  razaô  de  ferem  todos  Deofes  ,  ainda  que 
Deos  he  hum  fó  ,  vem  a  fer ;  que  como  Chriílo  no 
Sacramento  fe  transforma  nos  que  o  commungaô  , 
e  os  que  o  commungaô  fetransformaô  igualmente 
eniChrlflo,  fendo  Chriílo  no  Sacramento  Deos , 
e  homem  ,  os  homens  ,  ainda  que  fejaô  muitos  ,  pe- 
lo Sacramento  ficaô  todos  Deofes ,  como  concilie  o 
mefmo  Au  dor  :  Omnes  Deum  in  Euchariftia  co- 
medentes  dicuntur  Dii  \  &*  tamen  unus  tontum  efl 
Deus ,  qui  omnes  comedentes  infe  convertit ,  S" 
fe  omnibus  victffim  immifcet.  E  fe  bem  reparar- 
mos agora  em  fermos  filhos  de  Chriílo  Senhor  nof- 
fo  no  Sacramento  :  Eftis  fi  li  i  Excel (i  omnes  ,  acha- 
remos que  por  iíío  mefmo  fomos  Deofes  por  taõ 
grande  Myíterio  :  Ego  dixi:  Dii  eftis.  E  a  razaô  he; 
porque  o  mefmo  Chriílo  compara  a  vida  ,  que  nos 
dá  no  Sacramento  ,  como  a  filhos  ,  com  a  vida  ,  que 
corno  Filho  recebe  de  feu  Eterno  Pay  na  Trindade: 
Sicut  núfit  me  vi  vens  Pater  ,  &  ego  vivo  propter 
Patrem  \  &>  qui  manducai  me ,  &*  ipfe  vivet  pro- 
pter me. 

O  Filho  no  Myíterio  da  Trindade  recebe  do 
Pay  hu  ma  vida  Divina ,  e  o  fer  Deos  :  logo  nós  co* 
mo  filhos  de  Chriílo  no  Sacramento  recebemos  del- 
lecomo  de  Pay  vida  também  divina,  e  o  fermos 
Deofes  por  participação.  A  Divindade,  que  o  Pay 

com- 


do  SS.  Sacramento.  2$ 

communica  ao  Filho  he  comparada  com  a  luz  :  Lu- 
cem  inbabitat  inaccej]ibilem\  e  fe  a  mefma  luz, 
que  o  Pay  communica  ao  Filho  ,  he  a  que  pela  car- 
ne do  Filho  fe  communica  a  nós  no  Sacramento; 
bem  fe  fegue  que  Chriíio  no  Sacramento  nos  com- 
munica neíFa  Divina  lux  a  mefma  Divindade.  Ouvi 
o  que  diz  SancTro  Ireneo  fobre  o  Texto  de  S.  Joaõ  : 
Stcut  mifit  me  vivens  Pater  ,  diz  o  Sancto  Doutor: 
In  carne  Cbrifti  occurrit  Paterna  lux  \  &  à  carne  D-  lTen- 
ejus  rutila  venit  in  nos  :  logo  fe  o  Pay  gerou  l  ,4Cí7, 
Deos  ao  Filho ,  communicando-lhe  por  eífencia  a 
luz  da  fua  Divindade  •,  Chriíio  Senhor  noílb  no  Sa- 
cramento, communicando-nos  a  mefma  l»z  da  Di- 
vindade por  participação,  nos  eleva  á  fuperior  gran- 
deza de  fermos  Deofes. 

Entendo  que  affim  o  quiz  também  afíirmar  o 
Propheta  Ifaías  ,  dizendo-nos  a  refpeito  do  Myíte- 
rio  do  Sacramento  ,  que  nelle  havia  Chrifto   en- 
cher de  refplendores  a  noíTa  alma  :  Implebitfplen-  ifaías  $t: 
doribus  animam  tuam  ,  por  vêr  que  o  Eterno  Pay 2- 
diz  na  Trindade  ,  que  gera   feu  Unigénito  Filho 
em  foberanos  refplendores  :  In  Çphndoribus  fan-Phl  i#*. 
olor  um  .  .  .  genui  te.  Que  fe  o  Eterno  Pay  nos  ref- 3- 
plendores  da  Trindade  dá  o  fer  Deos  ao  Filho ;  nos 
refplendores  do  Sacramento  nos  coirsmunica  o  Fi- 
lho o  fermos  Deofes.  Oh  refplendores  ineffaveis 
os  da  SancTiffima  Trindade  ,  em  que  o  Eterno  Pay 
dá  o  fer  Deos  a  feu  Unigénito  Filho  !  Mas  oh  ad- 
miráveis refplendores  os  do  Sancliílimo  Sacramen- 
to ,  em  que  Chriíio  Senhor  noífo  communica  aos 
homens  o  ferem  Deofes  !  Mas  oh  que  labyrintho 
de  refplendores  !  o  fio  da  mefma  fé  me  guie ,  para- 
naó  perigar  em  tantos  abyfmos  de  inacceífiveis  lu- 
zes. Que  fe  nas  maravilhas  da  Sancliffima  Trinda- 
de 3 


,H» 


II- 


Ill 


24  Sermati 

de ,  fendo  três  âs  PeíToas  ,  que  commungaô  o  Paó 
da  Divindade  :  Suos  Panes  habet  ab [conditos  ,  fó 
huín  Deos  adoramos  por  eíTencia  \  nos  prodígios 
do  PaÔ  do  Sacramento  veneramos  tantos  Deofes 
por  participação  ,  quantas  faõ  as  PeíToas,  que  di- 
gnamente o  commungaô. 

Por  iílb  eu  digo  no  meu  aíTumpto ,  que  he 
tal  a  foberanía  do  Ruchariílico  Myfterio  ,  que  fe 
pudera  haver  excedo  á  Meza  da  Sancliffima  Trin- 
dade ,  fó  parece  que  o  haveria  na  Meza  do  Sanclif- 
íimo  Sacramento  ;  porque  parece  Deos  mais  liberal 
no  Sacramento  (  naô  na  fubftancia  ,  mas  em  quan- 
to ao  modo  ) ,  do  que  no  Myfterio  Auguftiífimo  da 
Sancliffima  Trindade.  No  Myíterio  da  Sancliffima 
Trindade  he  Deos  Pay  taô  liberal  ,  que  dá  o  feu 
mefmo  Ser  de  Deos  ao  Filho  ;  e  o  Filho  com  o  Pay 
dao  o  feu  mefmo  Ser  de  Deos  ao  Efpirito  Saneio  : 
e  com  fer  tanta  efla  fumma  liberalidade  ,  naô.ha  nas 
três  Peííbas  da  Sancliffima  Trindade  mais  que  hum 
fó  Deos  ;  porem  no  Sancliffimo  Sacramento  ,  pare- 
ce que  fóbe  a  tanto  efla  máxima  liberalidade  ,  que 
a  quantas  peíTòas  fem  numero  fe  communfca  ,  to- 
das fícàô  Deofes.  Pois,  Senhor,  he  poffivel  que 
neíTe  Sacramento  ,  por  nova  officina  de  Divindade, 
pareceis  mais  liberal ,  e  pródigo  ^do  Ser  de  Deos, 
do  que  na  Trindade  Sancliffima  ?  na  Sancliffima 
Trindade  naô  fazeis ,  nem  podeis  fazer  outro  Deos; 
e  no  Sacramento  fazeis  tantos  Deofes  ,  quantos  faó 
os  que  dignamente  vos  commungaô  ? 

O  certo  he ,  que  eíTa  Meza  parece  ter  exceífos 
á  Meza  da  Sancliffima  Trindade  \  porque  a  Trin- 
dade de  PeíToas  fe  adora  com  a  unidade  de  hum 
fó  Deos.  Mas  vós,  Senhor,  fendo  hum  fó  neílè 
Sacramento,  veneramos  nas  maravilhas  deíle  My- 
fterio 


dô  SS.  Sacramento.  2jr 

flerio  tantos  Deofes  ,  quantos  faó  os  que  vos  com- 
mungaó  dignamente.  Grande  exceíTo  parece  na 
verdade  !  fem  dúvida  que  he  neceífaria  muita  fé 
para  eíte  Myílerio  :  e  talvez  feja  eira  a  razaó  ,  por- 
que fendo  muitos  os  Myílerios  da  noífa  Saneia  Fé 
Catholica  \  o  que  fe  intitula  particular  e  expref- 
famente  Myílerio  de  Fé  he  o  Sacramento  :  Myfte- 
rium  Fidei.  Ambos  eftes  Myflerios ,  o  do  Sacra- 
mento ,  eoda  Trindade  ,  faó  igualmente  Myíte- 
rios de  Fé ;  mas  alfombra  de  forte  os  entendimen- 
tos humanos  o  crer ,  que  quem  dignamente  com- 
munga  fica  Deos  :  Vere  comedens  Deus  efficitur , 
que  fendo  alem  da  capacidade  humana  o  Myílerio 
da  San&iífíma  Trindade ,  facilmente  o  crêraõ  os 
Difcipulos  de  Chriíto  ,  depois  que  elle  lho  decla- 
rou. E  para  o  Myílerio  do  Sacramento  ,  ainda  de- 
pois que  o  mefmo  Chriíloo  manifeílou  a  feus  Dif- 
cipulos ,  eftes  lhe  acháraó  tal  elevação  de  alTom- 
bro  ,  que  lhes  cuílou  muito  a  captivar  os  entendi- 
mentos em  obfequio  de  Fé. 

Declara  Chrifto  Senhor  noíTo  o  Myílerio  da 
Sanftiílima  Trindade  a  feus  fagrados  Difcipulos ;  e 
logo  elles  com  fé  promptiífima  crêraô  taó  alto  My- 
fterio :  Baptizam  es  eos  in  nomine  Patris,&  FUii^Mmh.zS. 
&  Spiritús  Satióii  \  porque  fuppoílo  he  Myílerio  Ij?' 
muito  alem  da  capacidade  humana ;  com  tudo  como 
naò  implica,  nem  deroga  a  unidade  de  hum  fó  Deos, 
5ue  he  naturalmente  demonílravel ,  e  na  Trindade 
de  PeíToas  fe  exclúe  a  folidaó  ,  para  terem  commu- 
nicaçaó  perfeita  as  PeíToas  Divinas  ,  facilmente  fe 
capacitou  a  razaó  ,  e  fe  deu  inteira  fé  a  Myílerio 
taó  alto.  Propõem  o  mefmo  Chriílo  o  Myílerio 
do  Sacramento  aos  mefmos  Difcipulos  ,  e  lhes  de- 
clara as  fuás  amorofas  transformações:  Qui  fnan-Jo*n.6.s7. 

D  "  ducat 


2  6  Sermão 

ducat  meam  Carnem  ,  &  blbit  meum  Sanguinem, 
in  me  manet ,  &  ego  in  illo  ;  e  foi  tanto  o  peio 
de  dificuldades  ,  que  nelle  reconhecerão  ,  e  tal  o 
excedo  de  aífbmbrofos  prodigios  que  nelle  ad- 
mirarão ,  que  conio  fe  lhes  cuítára  muito  a  crer, 
diííeraó  que  fe  fazia  impercetivel  ao  entendimento 
humano  ;  e  como  a  fé  entrava  pelos  ouvidos  ,  era 
ibin.  6i.  árduo  de  ouvir  taô  pafmofo  aííbmbro  :  Multi  er- 
go audientes  ex  Difcipulis  ejus  dixerunt :  DtiruS 
ejl  hic  fer  mo  ,  &  quis  poteft  eum  audire. 

Pois  os  Difcipulos ,  que  com  taó  prompta 
fé  crêraô  logo  o  Myílerio  da  Sancliífima  Trinda- 
de ,  encontrão  tanta  repugnância  em  crer  as  ma- 
ravilhas do  Sacramento  ?  logo  he  neceííaria  mui- 
ta fé  para  crer  do  Sacramento  as  maravilhas  ;  ou 
he  o  Sacramento  por  anthonomafia  o  Myílerio  de 
Fé  :  Myflertum  Ficlet.  E  iíTo  porque  ?  he  porque 
vem  ,  que  fe  pudera  haver  excedo  á  Mezá  da 
Sancliffima  Trindade  ,  fó  parece  que  o  haveria  na 
Meza  do  SancTiffimo  Sacramento.  Pois  na  Me- 
za  do  Sacramento  faó  Deofes  todas  as  peflbas , 
que  dignamente  o  recebem  •  e  na  Meza  da  Sanclif- 
íirna  Trindade ,  fendo  três  as  PeíToas ,  que  com- 
mungaô  o  Paõ  da  Divina  EíTencia  ,  he  fó  hum 
Deos.  Eíte  parece  fer  o  motivo  para  a-mayor  fu-f- 
penfao  :  Durus  eft  htc  fermo.  Que  fendo  Deos 
na  Trindade  eírencialmente  hum  ;  no  Sacramen- 
to fejaó  Deofes  por  participação  todos  os  que 
o  recebem  !  E  que  faça  Deos ,  depois  de  fer  ho- 
mem ,  no  Sacramento  ,  aquillo  que  naô  fez  fen- 
do Deos  na  Trindade  !  Mas  como  naô  ha  de  fer  af- 
íim  ,  fe  até  no  modo  facramental ,  com  que  Deos 
eftá  no  Sacramento  ,  fe  vê  taõ  prodigiofa  maravi- 
lha.   Se  dividirmos  huma  fó  Hoília  confagrada , 

em 


do  SS.  Sacramento.  27 

em  quantos  fragmentos  a  fizermos,  em  tantos  mul- 
tiplica Chriílo  Senhor  noílo  a  fua  Real  Prefença; 
e  quantos  forem  os  milhares  de  fragmentos  da  Ho 
jfria  ,  tantos  feraó  os  milhares  das  Prefenças  Reaes 
do  mefmo  Chriílo. 

Na  Trindade  fendo  três  as  Divinas  PeíToas, 
naô  fe  multiplica  nellas  Deos  ,  e  em  todas  as  três 
he  Deos  hum  fó.  Mas  no  Sacramento  multiplica 
Deos  de  forte  as  prefenças  ,  que  em  todas  as  pre- 
fenças eftá  Realmente  Chriílo.  Affim  fendo  mui- 
tos os  que  recebem  a  Chriílo  no  Sacramento  ,  mui- 
tos faõ  os  que  ficaô  fendo  Deofes  por  participação 
deíle  Myílerio  :  Vere  comedens  Deus  efficitur.  Eu 
bem  fev  que  todas  as  maravilhas  do  Sacramento 
faô  maravilhas  de  Deos  Uno,  e  Trino  ;  e  que  o 
mefmo  Deos  ,  que  eftá  na  Meza  da  SancTiífíma 
Trindade,  he  o  que  eftá  na  Meza  do  Sacramento , 
porque  alli  eftá  o  Filho  Realmente,  e  o  Pay,  e  o 
Efpirito  Saneio  por  circumincepçaô  ;  mas  com  tu- 
do no  Sacramento ,  como  nelle  fe  uníraô  todas  as 
maravilhas  de  Deos  ,  vemos  refultar  os  prodígios, 
que  naó  refultaó  da  Trindade  \  porque  na  Trinda- 
de he  hum  fó  Deos ,  ainda  que  por  eííencia  ;  e  no 
Sacramento,  fuppoíloquefó  por  participação,  faô 
Deofes  todos  os  que  o  commungaõ  dignamente. 
Com  razaõ  chama  S.  Vicente  Ferrer  ao  Sacramen- 
to Efpelho  ,  onde  brilha  o  próprio  refplendor  da 
Luz  Eterna  ,  e  a  Mageftade  do  mefmo  Deos  :  Ho-pcnlcc"n' 
ftta  ejl  fpeculum  .  .  .  ideo  de  ifta  Hojiia  confecrd-  Fcíi.  Cor- 
tapote/t  dici ,  candor  Lucis  /Eterna ,  <tT  fpeculum  p^ís 
Jine  macula  Dei  Majejlatis.  Serm!  i. 

He  o  efpelho  aduílorio  aquelle  maravilhofo 
invento  ,  que  ,  recebendo  do  Sol  a  virtude  ,  abraza, 
e  queima  os  objectos  pela  uniaô  dos  rayos  do  mef- 

Dii  mo 


2?  Sermdo 

mo  Sol ,  que  em  íi  contêm  ,  como  fe  vio  no  efpe- 
lho  ,  com  que  Archimedes  abrazou  a  Armada  Ro- 
mana ;  e  fendo  a  virtude  do  Sol ,  a  maravilha  foi 
do  efpelho.  Aflim  também  he  toda  a  virtude  do 
Sacramento  daquelle  mefmo  Deos  ,  que  na  Trin- 
dade Sancliííi  ma  obra  aquelle  altiíTimo  Myfterio, 
e  todos  os  mais;  mas  no  Sacramento,  como  fe  em 
efpelho  unira  Chrifto  os  foberanos  rayos  das  ma- 
ravilhas de  Deos,  faz  tantos  prodígios,  como  faó  os 
de  fe  communicar  a  todos  que  o  recebem  ,  e  ferem 
Deofes.  Antes  fe  contemplarmos  nas  operações  de 
Deos  ad extra ,  ena  creaçaó  do  homem  ,  faz  Deos 
no  Sacramento  o  que  a  Trindade  naõ  fez  na  mef- 
ma  creaçaó.  Na  Trindade  diíTe  Deos ,  que  nos  que- 
i.  ria  formar  á  fua  Imagem ,  e  Semelhança  :  Faciã' 
mus  hominem  ad  imaginem  ,  &  Jimilitudinem  no- 
jiram. 

Grande  felicidade  por  certo  he  a  noíía  em 
fermos  creados  pelo  mefmo  Deos  Uno  ,  e  Trino  á 
fua  Imagem  ,  e  Semelhança.  E  pergunto  ;  pois  fi- 
camos por  ventura  feitos  Deofes  ?  naô  por  certo : 
e  fó  ficamos  fim  com  huma  alma  racional ,  e  immor- 
tal ,  com  três  potencias.  E  o  que  naô  refultou  em 
nós  da  creaçaó  pela  San&iífima  Trindade  ,  em  que 
Deos  nos  fez  á  fua  Imagem  ,  e  Semelhança  ,  refulta 
da  Communhaô  do  Sacramento  ,  em  que  Deos  Sa- 
cramentalmente  nos  afiemelha  tanto  comíigo  ,  que 
cada  hum  de  nós  pela  Sagrada  Cosnmunhaó  fica  o 
mefmo  Deos :  Vere  comedens  Deus  efficitur,  E  he 
de  reparar  que  a  Saníliííima  Trindade  nos  fez  d  fua 
Imagem  ,  e  Semelhança  ,  creando-nos  como  Deos 
vivo ;  e  noSancTriílimo  Sacramento  nos  faz  Deofes, 
eftando  nelle  Chrifto  Senhor  noíTo  também  vivo 
na  realidade,  mas  com  reprefentaçoês  de  morto.  E 

deita 


.*  ; 


Gencf. 

2&. 


do  $S.  Sacramento.  29 

defla  forte  como  naó  direi  eu  á  vifta  de  tantas  ma- 
ravilhas ,  que  também  por  fer  melhor  a  Imagem , 
que  temos  de  Deos  pelo  Sacramento  ,  do  que  a 
que  nos  deu  a  Sandhííima  Trindade  na  creaçaó  , 
parece  devemos  cantar  em  applaufos  do  Sanei  if- 
íimo  Sacramento  os  mais  elevados  e  foberanos 
elogios. 

No  feu  Apocalypfe  vio  S.  Joaó  a  Magefta- 
de  de  Deos  vivo  :  Viventi  in  faculafaculoruur,*?0^-*. 
e  diz,  que  os  Muficos  do  Ceo  lhe  cantarão  efta9, 
letra  pelo  beneficio  da  creaçaõ  :  Sois  digno  ,  ó  So- 
berano Deos  ,  e  Senhor  noíTo,  de  receber  toda  a 
gloria  ,  toda  a  honra  ,  e  toda  a  virtude  ;   porque 
vós  nos  creaftes  á  voíía  Imagem  ,  e  Semelhança  : 
Dignus  eft  ,  Domine  Deus  nofter  ,  accipere  g/o- ibin.u. 
riam  ,  é?  honor  em  ,  &  virtutem  ;  quia  tu  crea- 
Jli  nos.  Continua  o  mefmo  Euangeliíla  Propheti- 
co  as  fuás  celeftiaes  vifoés  ,  e  diz  :  Que  vira  de- 
pois o  Divino  Cordeiro  Sacramentado  com  rea- 
lidades de  vivo  fim  ,  mas  com  reprefentaçoês  de 
morto:  Vidi  Agnum  flantem  tamquam  occifum^P0^^ 
e  que  foraõ  taô  luperiores  os  júbilos ,  e  elogios  dos  ' 
melhores  Cantores  défla  Gloria  ,  que  em  milhares, 
e  milhares  de  Coros  ,  lhe  diziaõ  affim  :  Eíle  So- 
berano e  Sacratiffimo  Cordeiro,  que  fenos  com- 
munica  com  reprefentaçoês  de  morto  ,  para  nos 
augmentar  a  vida  da  graça  ,  e  nos  fazer  também 
Deofes  pelo  Sacramento  ,  he  digno  de  receber  to- 
da a  Virtude  ,  toda  a   Divindade  ,  toda  a  Sabe- 
doria ,  toda  a  Fortaleza ,  toda  a  Honra  ,  toda  a 
Gloria  ,  e  todo  o  Louvor :  Dignus  eft  Agv.us  ,  qui íbi  n- t2* 
occifus  ejl ,  accipere  Virtutem ,  &  Divinitatem^ 
&*  Sapientiam ,  &  FortituJinem ,  #*  Honor  em  , 
é*  Gloriam ,  à*  Benediõtionem* 

Pois 


|!iN, 

Ni 

$! 


I 


Ifaias 
14, 


30  Sermtío 

Pois  no  Capitulo  quarto  fó  três  títulos  dé 
Elogios  para  a  gloria  de  Deos  vivo  ,  e  no  Capitu- 
lo quinto  naó  menos  de  fettetitulos  para  a  gloria 
do  Cordeiro  com  reprefentaçoes  de  morto,  ouvio  o 
Euangelifta  Propheta  ?  Mas  quem  naõ  vê  ferem 
mais  elevados  ,  e  fuperiores  os  Elogios  ao  Cor- 
deiro Sacramentado  ,  do  que  ao  mefmo  Deos  por 
Creador  !  E  qual  poderá  fer  a  razàô  deita  mayoría  ,  e 
exceífo  de  applaufos,  e  de  louvores  ?  parece  que  po- 
derá fer  ,  porque  Deos  vivo  na  Trindade  nos  creou, 
dando-nos  fomente  a  fua  Imagem  ,  e  Semelhança  , 
mas  fem  nos  fazer  Deofes*,  e  o  Cordeiro  Sacramen- 
tado ,  ainda  que  com  reprefentaçoes  de  morto  ,  de 
forte  nos  dá  a  fua  mefma  imagem  ,  e  Semelhança, 
que  fendo  Deos  ,  e  homem  ,  nos  faz  também  ho- 
mens Deofes  pela  Sagrada  Communhaó  de  feu  Sa- 
cratiíTimo  Corpo  :  Vere  comedcns  Deus  efficitur. 
Lá  no  Apocalypfe  para  os  applaufos  dos  mais  ele- 
vados Elogios  ,  fe  ouvirão  as  mais  fuaves,  e  cano- 
ras citharas  ;  e  também  das  citharas  fe  refere ,  que 
temperadas  duas  no  mefmo  ponto  ,  e  poftas  em 
igual  proporção  de  confonancia  ,  tocada  huma  , 
foaô ambas  com  igualdade,  porque  huma  commu- 
rdca  o  feu  fom  á  outra. 

He  a  palavra  Euchariflia  em  puro  anagram- 
ma  Cithara  de  Jesus  :  Euchariflia  ,  id  eft  ,  C/- 
thara  JESU  ;  cheguemos  pois  áquella   Sagrada 
Cithara  ,   e  temperemos  as  cordas  de  noflbs  co- 
rações com  proporcionada  igualdade  ao  feu  Di- 
vino fom  i  para  que  refultando  em  nós  fua  Divi- 
na fuavidade  ,  façamos  ceíeílial  confonancia  a  taó 
elevada  doçura.  Cantemos  a  noíía  grande  felicida- 
j    de  ,  que  fe  Lúcifer  teve  para  motivo  da  fua  perdi- 
4<  çaô  ó  defeio  de  fer  femelhante  a  Deos ;  Similis  ero 
J  Altif» 


do  SS,  Sacramento:  3 1 

Altifjlmo  ;  nós  ,  pelo  mayor  lucro  de  toda  a  nof- 
fa  felicidade ,  temos  a  fortuna  de  ficarmos  naô  fó 
femelhantes,  mas  fim  transformados  em  o  mefmo 
Deos  pelos  foberanos  conforcios  daquella  Meza. 
Aprovettemo-nos  de  taô  Soberana  Cea  ,  que  Chri- 
ílo  Senhor  noíTo  nos  prepara  ,  como  diz  o  prefen- 
te  Euangelho  :  Homo  quidam  fectt  Cosnam  ma- 
gnam  ;  vidamos  logo  com  diligencia  a  veftidura 
nupcial  da  Divina  graça  *,  para  chegarmos  á  Bem- 
aventurança  de  fermos  Deofes  naquella  Meza  ,  que 
nos  da  toda  a  Gloria  :  Ad  quam  nos  perducat  Do- 
minus  Omnipotens  Pater  ,  <®«  Filius  ,  &*  Spiritus 
Sanclus.  Amen. 

FIM. 


Di-\n<\ 


— 


SERMÃO 


DA  SERÁFICA  MATRIARCA, 

E    MYSTICA    DOUTORA 


s. 


TA 


TE 

DE    JESUS, 


EXPOSTO  O  SANTÍSSIMO  SACRAMENTO, 
Na  íua  Igreja  do  Convento  da  Bahia, 

DEDICADO 

AO  PRECLAR1SS1MO  SENHOR  DOUTOR 

MANOEL  ANTÓNIO 

DA  CUNHA  DE  SOTO-MAIOR, 

Fidalgo  da  Cafa  de  S.  Magejlade ,  Cavalleiro  profejfo  na  Ordem 

de  Ghrifto ,  Chanceller  da  Relação  da  Bahia,  Provedor  Mor 

da  Fazenda  Real ,  &*c. 

POR  SEU  AUTHOR  O  R.  PADRE 

TOSE'  DE  OLIVEIRA  SERPA, 

•*  Presbytero  fecular  Bahienfe , 

Que  o  pregou  em  15.  de  Outubro  de  1751. 


LI  S  B 


Na  Officina  de  MIGUEL  MANESCAL  DA  COSTA, 

Impreífor  do  Santo  Officio. 

Anuo   M.  DCC.  LIII 

Com  todas  as  licenças  necejfarias. 


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