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ANTÓNIO FERRÃO
Sócio da Academia das Sciências de Lisboa
A TEORIA DA HISTÓRIA
E OS
PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA
SCIENTÍFICA
A CONTRIBUIÇÃO QUE PARA ESTES TEM DADO A PUBLICAÇÃO
DAS COLECÇÕES DE INÉDITOS
(Introdução geral
á Colecção de Documentos Inéditos da História de Portugal
mandada publicar pelo Governo da Republica)
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1922
9 wí
A TEORIA DA HISTORIA
PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA
SCIENTÍFIGA
OBRAS DE ANTÓNIO FERRÃO
O Marquês de Pombal e as Reformas dos Estudos Menores (191 5).
Os Arquivos da História de Portugal no Estrangeiro (1916).
Da importância dos documentos diplomáticos em História. Estudo
sucinto de alguns arquivos diplomáticos estrangeiros e na-
cionais (1917)-
A Vida e Obra Governativa do ifi Marquês de Pombal. Plano e
sutnáriosdo ifl e 2.0 volumes da publicação mandada efe-
ctuar pelo Governo da República (1917).
As Causas (ddeais» da Conflagração e a função pedagógica das
Academias scientificas após a guerra (19 18).
Gomes Freire na Rússia (igi8).
O povo na história de Portugal. A Restauração de 1640. Como se
perdeu e se reconquistou a independência (i58o-i668). (1919).
Academias e Universidades. Discurso pronunciado na sala do
Senado da Universidade de Coimbra (1919).
Prussianos de Ontem e Alemães de Hoje. As Impressões de um
diplomata Português na Corte de Berlim (i']8g-i']go). (1919)'
Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal (1920).
Gomes Freire e as virtudes da raça Portuguesa (1920).
Fernão de Magalhães e a sua viagem de circumnavegação (1921),
A educação intelectual e a fimção que nela devem desempenhar
a familia, o município e o Estado (1922).
O teatro e o animaiógrafo na educação (1922).
NO PRELO, PRESTES A APARECER
A Intendência geral da Polícia no tempo dos Franceses (Invasão
de Junot).
A cantora portuguesa Liii\a de Aguiar Todi no seu tempo.
ANTÓNIO FERRÃO
Sócio da Academia das Sciências de Lisboa
A TEORIA DA HISTÓRIA
E OS
PROGRESSOS DA HISTORIOGRAFIA
SCIENTÍFICA
A CONTRIBUÍÇÃO QUE PARA ESTES TEM DADO A PUBLICAÇÃO
DAS COLECÇÕES DE INÉDITOS
(Introdução geral
á Colecção de Documentos Inéditos da História de Portugal
mandada publicar pelo Governo da Republica)
GOIMÔRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
IQ22
■Ff
^ f 3 i.
F y7
PRELIMINAR
A obra que segue foi escrita para servir de
Introdução Geral à Colecção de Documentos
Inéditos relativos à Historia de Portugal, de cuja
elaboração o Governo da República nos encarre-
gou.
Por este trabalho de metodologia genética da
História se vê como e quanto as publicações de do-
cumentos inéditos teem contribuído para o progresso
da historiogí^afia scientifica, e teem determinado as
concepções actualmente dominantes na teoria da
história.
Assim., sendo cada ve:{ mais axiomático que sem
documentos não há história, e que tornar conhe-
cidos aqueles é trabalhar maximamente para os
progressos desta, entendeu o Governo da Repú-
blica que., além da acção desenvolvida pefàs insti-
tuições scientíficas do país, conviria promover e
subsidiar directamente a publicação de uma Cole-
cção de Inéditos da História de Portugal, a exem-
plo do que teem feito os Governos dos países estran-
geiros.
VI
Por isso, por Despacho de 3o de junho de
igi8, S. ExM^ o Ministro da Instrução y sr. dr. Al-
fredo de Magalhães, encarregava-nos de levar a
efeito esse trabalho que, sendo importante e mo-
mentoso, não só tem um valor intrínseco e próprio
como constituirá — cremos bem — uma fonte muito
útil para a investigação histórica ( i ) .
As Colecções de Inéditos teem constituído por
toda a parte, desde a Renascença, repositórios uti-
líssimos para a investigação. Não há dúvida.
Importa, porém, hoje modificar o ponto de vista e
os processos seguidos pelos antigos colectores que
se limitavam, geralmente, a elaborar as cópias e a
(i) Os titulares que se teem sucedido na pasta da Instrução
teem-nos determinado a publicação de outros trabalhos de história
e concedido as necessárias verbas para a impressão.
Já antes, por despacho ministerial de 28 de Outubro de igi5, e
decreto de 3 do mesmo mês (Diário do Governo de 18 de Novem-
bro seguinte) havíamos sido encarregados pelo então Ministro^
sr. dr. Lopes Martins, de escrever um trabalho acerca da vida e
obra do governo do primeiro Marques de Pombal. Ver o nosso
trabalho: Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, />á^. 56' a (í/
VII
faiê-las impiHmir, na maioria dos casos, sem intro-
duções, comentários ou notas.
Depois de Ranke as responsabilidades de um
editor ou colector são muito gi^andes. Desde a
busca dos documentos, e do seu estudo aírave^ das
operações críticas, até à sua publicação, os manus-
critos demandam cuidados cada ve^ mais sérios à
medida que os processos de estudo documental se
aperfeiçoam e progridem.
No trabalho que aqui apresentamos vêr-se há quais
os métodos que seguiremos na publicação dos suces-
sivos tomos desta Colecção de Inéditos^ e desde já
diremos que cada volume ou série constituirá um
todo com uma unidade: de assunto, de objecto, de
proveniência, de cronologia, ou outra.
A. F.
INTRODUÇÃO
O trabalho que a seguir tornamos público é, sob
o ponto de pista scientífico, um despretencioso e mo-
desto ensaio de teoria e de metódica da história^
precedido de um estudo -sobre a evolução da histo-
riografia, a partir da Renascença.
Sob o aspecto administrativo — porque o tem —
consiste na exposição de alguns conhecimentos e
ideas que possuímos sobre a historiografia na sua
evolução e na sua fase actual, e acerca dos métodos
e processos a seguir na publicação das Colecções
de 'documentos inéditos.
Mas, expliquemos melhor a finalidade adminis-
trativa desta obra.
Por decreto de 3o de Outubro de igi5 (D. do
G. n.° 2.04g, de 18 de Novembro seguinte); por
portarias de: 23 de Maio de 1Q14 (D. do G. de i5
seguinte), e de 4 de Janeiro de igig (D. do G. de
8 seguinte) ; e por múltiplos despachos ministeriais
temos vindo a ser encarregados, pelo Ministério
da Instrução Pública, de escrever diversas obras
de carácter histórico, bem como de desempenhar
párias comissões de serviço, e da publicação de uma
Colecção de Documentos Inéditos da História de
Portugal Na nossa obra sobre os Arquivos e as
Bibliotecas em Portugal, de pág. 56 a 67, trata-
mos largamente de tais comissões de serviço de in-
vestigações e publicações de carácter histórico pelo
que neste lugar nada mais diremos sobre tal ponto.
Porém, não temos esquecido que tais encargos
nos haviam sido conferidos muito mais, talve{, por
considerações de carácter pessoal do que em re-
sultado de qualquer concurso, ou por virtude de
outra forma pública, especial e directa, de afirmar
e demonstrar a nossa preparação scientífica para
tais trabalhos.
É certo que os 1 fossos cursos superiores — tanto
o do magistério secundário de história, geografia e
filosofia como o nosso grau universitário, em s ciên-
cias históricas, conquistado publicamente e não con-
seguido pelo cómodo favoritismo de qualquer de-
creto— justificavam, já por si, tais comissões —
todas elas gratuitas. E, igualmente, certo é que a
nossa aprovação em concurso público para o ensino
de história da Faculdade de Letras de Lisboa, e,
por último, e sobretudo, a nossa entrada para a
Academia das Sciências de Lisboa — mercê dos
trabalhos que temos publicado, especialmente sobre
história, nos punham — cremos — bem a salvo das
dúvidas de qualquer hipercrítico ou :{oilo que, por
acaso, nos tenha aparecido — o que desconhecemos
XI
— ou venha a surgir-nos, querendo ver nesta nossa
bem ingrata e difícil comissão de serviço público
qualquer favor pessoal ou choruda benesse^ quando
a verdade é que ela tem sido desempenhada sem a
menor gratificação especial e com bastantes resul-
tados morais e alguns financeiros para o país, pois
é bom que se saiba que as obras que temos publi-
cado no desempenho da nossa comissão de serviço
do Ministério da Instrução são inteira e completa
pertença do Estado, e todo o produto dos exempla-
res vendidos é receita sua.
Mas, se sob o ponto de vista moral a nossa cons-
ciência estava inteirameute segura e calma da ho-
nestidade dos nossos propósitos e da lisura dos nos-
sos actos, já sob o aspecto scientífco a questão era
diversa.
Importava dar ao país, que nos paga como seu
funcionário, uma prova do nosso estudo, uma de-
monstração dos nossos conhecimentos em tais assun-
tos, e uma satisfação não só sabre os intuitos e
objectivos de tal empresa, como àcêrca do ponto de
vista sob que a encaramos, do critério que nela se-
guimos, emfim, àcêrca do espírito da obra a rea-
lizar (i).
(i) É certo que tudo isso já se encontra patenteado, bem prá'
ticamente^ no primeiro volume desta colecção : As Impressões de
um Diplomata Português na Corte de Berlim — o qual, para não
perder a oportunidade do período da guerra com a Alemanha,
apareceu antes da presente obra que a todos devia preceder.
XII
As democracias, que devem ser regimes de má-
xima selecção, obrigam pela sua natureza e Índole
aqueles que as servem a patentear bem publica-
mente a maneira como ofa^em e os intuitos que os
dirigem. É essa a superior ra^ão de ser moral e
cívica da elaboração e da publicação deste livro.
Ao país damos conta — e não é a primeira vei
que o fademos (i) — da maneira como, neste ponto,
(i) Efectivamente, no nosso opúsculo Os arquivos da História
de Portugal no estrangeiro, ocupamo-nos, mais ou menos directa-
mente, da nossa viagem de estudo ao estrangeiro, em igi4l e no
nosso livro Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, relatamos
a obra que efectuámos quando chefiámos a Repartição de Instru-
ção Artística, do Ministério da Instrução, no que respeita aos nos-
sos depósitos públicos de manuscritos e de livros.
Também, no nosso opúsculo Da Importância dos Documentos
Diplomáticos em História, nos ocupámos das colecções documentais
de carácter diplomático existentes nos arquivos estrangeiros — al-
guns dos quais visitámos, e das espécies diplomáticas, isto é, sobre
politica externa, existentes nos tiossos depósitos.
No nosso opúsculo sobre a Restauração de 16^0, publicámos, com
as respectivas cotas, os índice dalguns rnaços do Arquivo espanhol
de Simancas, especialmente da secção dos Papéis do Estado e da
do Patronato Real, onde estão os mais importantes manuscritos
relativos à perda da independência, em i58o. Assim, temos vindo
mostrando, muito praticamente, quanto foi profícua e útil, no
ponto de vista da erudição portuguesa, a nossa viagem ao estran-
geiro— feita, aliás, inteiramente à nossa custa, o que contrasta
com o procedimento de outros que, a expensas dos cofres pú-
blicos, lá teem ido fora sem que nada hajam produzido em bene-
fício do país.
Ainda é de citar o nosso trabalho acerca de A vida e obra go-
vernativa do primeiro Marquês de Pombal, onde, com o mesmo
intuito de dar contas ao país da forma cotno o servimos, publicámos
XIII
o pimos servindo. Ele que responda se não acha
bem; e que, nesse caso, indique qualquer outro, e
melhor^ meio de, com a maior profiquidade, levar
por diante esta empresa: a publicação de docu-
mentos inéditos da história de Portugal (i).
A. F.
o plano geral, da obra sobre o eminente estadista, de que fomos en-
carregados em igi5 pelo citado decreto n.° 2.o4g, e expomos lar-
gamente os sumários dos dois primeiros volumes dessa obra.
(i) Sobre esta publicação ver na nossa já citada obra: Os Ar-
quivos e as Bibliotecas em Portugal, pág. 62 a 6'].
CAPÍTULO I
A íDíluêiiGiã da filosofia cartesiana
e do movimento scientifico da Renascença do século xvi
sobre os progressos da História
É sempre difícil — por ser mais ou menos
arbitrário — determinar duma maneira fixa o
momento exacto em que uma sciência passa da
sua fase de sincretismo ao estado de positividade
e de precisão scientifica. E se isso é verdadeiro
quanto às sciências da natureza muito mais evi-
dente se torna quando temos que encarar as sciên-
cias do espirito ou sciências humanas — muito
mais complexas que aquelas pelo seu objecto e
pelos seus métodos de estudo.
Porém, se duma forma geral podemos reportar
à antiguidade clássica o aparecimento da Mate-
mática (i), fixar o século xvii como aquele em
(i) Sobre a evolução das sciências matemáticas veja-se a de-
senvolvida História das Matemáticas, de Montucla; Chasles,
Aperçu historique siir Vorigine et dévelopement des Méthodes en
Géometrie, iSSy; Hoefer, Hist. des Maihem., 1874-1886; P. Tan-
NERY, Hist. des Mathem., nas Notions de Matliem.; Brunschvieg,
Les Etapes de les Philosophie Mathem., 1912; P. Tannery, La
I
que a Astronomia, constituída na Grécia, en-
tra na sua fase dedutiva (i), e em que surje a
Física (2); e, se se pode dizer que o século xviii
viu nascer a Química (3), como o século xix viu
aparecer a Biologia (4) e a Sociologia; não menos
Correspondance de Fermat; d'ADHÉMAR, Uosiivre mathématique
du XIX p.e siècle, 1900; E. Lebon, Les Savants du Jour.
(i) Sobre a evolução da Astronomia, vide: Cxssxm^ Del' origine
et des progrès de Vastronomie, nas Mèm. Ac. des Sc, 1666- 1669,
viu; Laplace, Exposition du syst. du Monde, i, v; Delambre, Hisí.
de V Astronomie ; Faye, Sur les origines du monde; Wolff, Les
hypothèses cosmo goniques; Baillaud, De la mèthode dans les
Sciences, 11, 1912.
(2) Para a história da Física, pode vêr-se a obra de Líber,
em 5 vol., 1810; e a Histoire de Hoefer. Não devem ser esqueci-
dos os notáveis trabalhos de Duhem sobre: Saint-Claire Deville,
Van't Hoff, Clerck, Maxwell; Levolution de la Mécanique; La
Théorie physique^ son objet et sa structure; Les Origines de la
Statique, 1 vol. 1909; La théorie physique de Platon à Galilèe,
1909.
(3) Acerca da evolução da Química, pode consultar-se, àlêm
da excelente obra de Hermann Kopp, os notáveis trabalhos de
Berthelot : Introduction à Vètude de la chimie des anciens, 1889;
Les Alchimistes grecs, 1887; Les Origines deVAlchimie, i885; La-
voisier et la révolution chimique^ 1889; Archéologie et histoire des
Sciences^ 1908. Também devem ser lidas as obras do Ghevreul:
Hist. des connaissances chimiques^ 1866; Hist. de la matière de-
piiis des grecs jusqu'à Lavoisier; As Histoires de la Chimie, de
Hoefer, Wurtz, Jaonaux, etc.
(4) Sobre os progressos da Botânica, veja-se: Adamson, His-
toire de la Botanique; Hoeffer, Histoire de la Botanique; F. Hous-
SAY, Nature et Sciences naturelles, 1908.
Sobre os progressos da Zoologia, veja-se: Blainville, Hist.
des Sciences de Vorganisation comme base de la philosophie, i858,
3 vol.; Cuvier: Hist. gen. des se. nat. depuis leur orig.jusqú'à nos
jours, 1841-3, 5 vol; os Rap. sur les progrès des se. nat. depuis
ijSg, 1810; e os 5 volumes das Etapes, onde há muita história das
sciências naturais; Hoeffer, Hist. de la Zoologie; Pouchet, £a
i
se pode afirmar que a história scientifica aparece
no período de transição que vai dos fins do sé-
culo XVI aos princípios do xvii.
Efectivamente, a Sociologia, que é uma sciên-
cia sintética por excelência, não podia consti-
tuir-se emquanto a etnografia, a etnologia, a mito-
grafia, a sciência das religiões, a pre-história, o
conhecimento das línguas e civilisaçóes orientais
— pela fundação da egiptologia e da assiriolo-
gia, — e os agrupamentos das sciências filológicas
e históricas não fornecessem todo um imenso
mundo de conhecimentos que haviam de consti-
tuir o enorme edifício da sciência contemporânea
sobre o qual a Sociologia havia de vir assentar a
cúpula das suas generalisaçóes, induções e leis.
Não quer, porém, dizer que a Política de Aris-
tóteles, o Discurso sobre Tito Lívio de Macchia-
VEL, os Princípios de uma Sciência Nova de Vico, e
as obras de Hume, Fergusson, Montesquieu e de
HoLBACH não constituam importantes elementos
preparatórios, e não marquem étapes de sucessivo
progresso na fase pre-scientífica da Sociologia;
mas o certo é que só com Augusto Comte ela
adquiriu autonomia e possibilidade de existência
como sciência abstrata.
Uma das sciências que mais contribuiu para
o aparecimento da Sociologia foi a história com
Biologie Arisioíélique, iSS5; E. Peurieb, La Philosophie Zoologi-
que avant Darwin, 1884; do mesmo, Le Transformisme; E. Gley,
Essais de Philos. et d'Hisí. de la Biologie, etc.
os seus constantes progressos quere no que res-
peita à metódica das investigações, quere no que se
refere aos seus processos de estudo : dogmático
ou descritivo, especulativo ou critico, sintético
ou filosófico.
Como já dissemos, a História entra na sua
fase scientifica na transição dos fins do século xvi
para o xvii, pois é então que se inicia, e acentua
cada vez mais, a reacção contra o Humanismo.
As consequências especulativas dos descobri-
mentos dos portugueses e espanhóis, bem como
a influência dos progressos da astronomia, da
física, da geografia e da filosofia cartesiana ha-
viam tido sobre todos os ramos do saber humano
uma reflexão preponderante no sentido objetivo
e positivo.
Alfredo Weber na sua História da Filosofia
Europêa caraterisa muito bem o movimento scien-
tifico nesse período, quando escreve: «Desde o
meiado do século xv que a Europa ocidental ia
de surpresa em surpresa. Guiada pelos sábios
gregos que se tinham fixado na Itália, ela entra
em cheio na terra prometida que os árabes lhe
haviam feito entrever em parte: a antiguidade, a
sua literatura, as suas artes, a sua filosofia. O
horizonte histórico dos nossos pais, limitado pri-
meiramente ao período católico, estende-se desde
então, e remonta, indefinidamente, àlêm das ori-
gens do cristianismo. Esta Igreja católica, fora da
qual não se via até há pouco senão trevas e bar-
baria, não figurava senão como a filha e a her-
5
deira de uma civilisação mais antiga que eia, mais
rica, mais variada, mais conforme com o génio
das raças ocidentais.
«A Europa romana e germânica sentiu em si
uma afinidade natural e íntima com estes Gregos
e estes Romanos, colocados fora da Igreja e supe-
riores a tantos respeitos aos cristãos do século xv
em todas os campos da actividade humana. O
preconceito católico, em virtude do qual não há
fora da Igreja nem salvação, nem civilisação real,
nem religião, nem moralidade desvanece-se pouco
a pouco. Então, deixa-se de ser exclusivamente
católico para se tornar homem, humanista, filan-
tropo no mais amplo sentido deste termo. Agora,
não são já, apenas, alguns fugidios reflexos que
surgem ácêrca do passado, é a história completa
da Europa árica que se desenrola ante os olhares
atónitos dos nossos antepassados com os seus
milhares de problemas políticos, literários, filo-
lógicos, arqueológicos, geográficos. D'ora avante
as sciências históricas imperfeitamente cultivadas
pela antiguidade e quási desconhecidas na Idade
Média, constituirão um importante ramo de estu-
dos, esperando o momento de se tornarem o seu
fulcro».
Isso é profundamente exacto, pois a história
vem tendendo cada vez mais a tornar-se, àlêm
de ufn importante grupo de estudos, um método
de investigação e de conhecimento em todas as
sciências, e uma fase infalível por que todas de-
vem passar na sua evolução da forma descritiva
ou dogmática para a crítica — produto da essen-
cial aplicação do método histórico-comparativo.
A seguir, esse antigo professor da Universidade
de Strasburgo continua: «Logo que o Homem
descobre a Humanidade torna-se-lhe possível
constatar a forma exacta da casa que habita, e
de que até então só havia conhecido uma das
fachadas. O universo católico limitava-se ao
mundo conhecido pelos Romanos, isto é, à bacia
do Mediterrâneo e ao sudueste da Ásia, acres-
cidos da Europa septentrional. Mas eis que
Colombo descobre o novo mundo; eis que Vasco
DA Gama dobra o cabo da Boa Esperança e
encontra o caminho marítimo das índias; eis,
sobre tudo, Magalhães que consegue dar a volta
ao mundo. Assim, vem confirmar-se, com factos
evidentes, uma hipótese já familiar aos antigos:
a nossa terra é um globo isolado por todos os
lados e girando livremente no espaço».
Mas, se a terra era agora considerada um globo
— o que marcava já uma assinalada vitória sobre
os preconceitos bíbUcos — ainda, porém, era tida
como um centro imóvel em torno do qual gravi-
tavam os corpos celestes. Mas, surge logo no
meiado do século xvi o De orbium celestium re-
volutionibus libri w, 1548, em que o seu eminente
autor, GoPERNicuM, coloca a terra na série dos
planetas que giram em torno do sol (i). Em 1609
surge em Praga a Astronojnia nova sive Física
(i) Vide H. HõFFDiNG, Philosophie Moderne, pág. 108-1 15.
7
ccelestis, de Képler, que, com a Harmonia miindi
do mesmo autor, vêem a um tempo comprovar a
verdade do sistema de Copérnico com a determi-
nação das órbitas dos planetas e a fixação da lei do
movimento destes, e contribuir para a total ruina
das concepções cosmogónicas mosaicas, que o
notável Galileo vem acelerar com as descobertas
do duplo movimento da Terra e dos satélites de
Júpiter, e com a determinação da lei das suas
revoluções.
O dr. Teófilo Braga referindo-se também a
este admirável movimento de renovação scientí-
fica, escreve: «As curiosidades do espírito leva-
vam por toda a parte ao exame da natureza; a
combustão do enxofre observada por Beecher sus-
citava a Stahl a teoria fisiológica áo phlogistico.
A descoberta do microscópio no século xvii fa-
culta ao homem uma observação no mundo dos
infinitamente pequenos, embora só muito tarde
pudesse ser aplicado à histologia, à teoria celu-
lar, à microbiologia e à síntese mineralógica. A
concepção mecânica do universo tendia a com-
pletar-se também na observação dos fenómenos
orgânicos; é assim que entre as maiores des-
cobertas do século xvii resplandece a de Harvey,
observando a circulação do sangue, descobrindo
os canais de absorção e reservatórios do chylo;
apesar dos tradicionalistas galénicos, a doutrina
de Harvey triunfou sobretudo quando cinco anos
depois da sua morte Malpighi, pelo auxílio do
microscópio^ descobriu os vasos capilares e veri-
íicou a passagem directa do sangue das artérias
para as veias» (i).
^Que faz a Igreja em face de tão extraordiná-
rio movimento de renovação scientifica? Ante
tão grandes progressos nos domínios do saber
humano, e que constituiam tão incuráveis chagas
abertas no corpo das doutrinas religiosas, ela
procura defender-se atacando com o furof dos
impotentes. Kepler é perseguido; Galileu vê-se
forçado a retratar-se; Giordano Bruno é quei-
mado em Roma, por sentença da Inquisição; e a
Campanela são infligidas as maiores torturas
nos cárceres da Inquisição de Nápoles. Durante
trinta e cinco horas sofre este filósofo os maiores
suplícios e, segundo afirma um seu contemporâ-
neo «toutes les veines et ar teres qui sont autour
du siège ayant été rompues, le sang qui coulait
des blessures ne put être arrêté».
«Mas, — continua o prof. Weber (2) — apesar
de tais resistências, as teorias novas divulgam-se,
as descobertas e as invenções multiplicam-se.
Ontem surgia a imprensa, hoje a bússola e o
telescópio. Emquanto se espera que Newton
venha completar a nova cosmologia com a teoria
da atracção universal e transformar em axioma
o que até ali não é mais que uma hipótese, as
sciências, sacudindo o jugo do scolasticismo,
(i) Dr. Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra,
t. II, pág. 443.
(2) As passagens transcritas da Hist. da Filosofia Europêa
de Weber, vêem a pág. 272-275.
avançam: a princípio com um passo tímido, e de-
pois duma maneira cada vez mais firme e segura.
Leonardo Vinci e seu compatriota Fracastor
continuam, — em física, em óptica, em mecânica
Arquimedes e os sábios de Alexandria. O francês
ViETE alarga o âmbito estreito da álgebra, que
êle aplica à geometria, e o inglês Neper inventa
os logaritmos. No campo das sciências bioló-
gicas, o belga Vésale, com o seu De corporis
humani fabrica (t553), cria a anatomia humana,
e o inglês Harvey na sua célebre obra publicada
em 1628(1), demonstra a circulação de sangue,
admitida já 80 anos antes pelo espanhol Miguel
Servet(2), e pelos italianos Realdo Colombo (3)
e André Cesalpino (4)» (5).
Como era natural estes progressos no campo
scientííico iam ter o seu infalível reflexo no do-
mínio filosófico. Não se tratava apenas dum
quantum de descobertas mais ou menos extenso
e importante por si; porque o que mais impor-
(i) A obra de Harvey foi publicada, 1628, em Francfort, sob
o título : De tnotu cordis et sanguinis.
(2) Efetivamente, já em 1546 no Christianismi restitutio Ser-
VET afirmava a existência da pequena circulação ou pulmonar.
(3) Na obra de Colombo Dere anatómica, aparecida em i558.
(4) Nas Questiones medicae, aparecidas em iSgS.
(5) Acerca da ev^olução das sciências médicas, veja-se: Brous-
SAis, Examen des docirines médicales, 1829, 4 vol.; Kunholtz,
Cours d'hist. de la Méd. et de Bibl. Mèd., iSSy; Daremberg, Hist.
des Sc. Méd., 1870, 2 vol.; A. Eymin, Médecins et Philosophes,
igoS; BoiNET, Les Docirines méd. seur évolution, 1906. Ainda as
obras clássicas seguintes: Lanth, Hist. de VAnatomie, 181 5; Mal-
GAiGNE, Hist. de la Chirurgie; Gilbert, Hist. de la Pharmacie,
1892.
IO
tava à evolução do pensamento em geral era a
marca de objectividade e a importância crescente
dos métodos de observação e de experiência:
numa palavra o carácter de positividade que se
tornava cada vez mais preponderante sobre os
preconceitos religiosos.
Apesar do concurso brilhante que os filósofos
e sábios italianos e espanhóis haviam dado para
o progresso scientifico — como acabámos de vêr
— estava reservada aos pensadores ingleses e
franceses a suprema honra de inaugurarem a filo-
sofia moderna.
E certo que antes de Francisco Bacon, de
HoBBEs e de Renato Descartes temos que colocar
GiORDANo Bruno e Campanela que iniciam a re-
novação filosófica — consequência natural da. Re-
forma religiosa e do progresso scientifico.
Alf. Weber ao iniciar o primeiro período da
Filosofia moderna, — a que chama a Idade da me-
tafisica independente^ — com o estudo da obra de
Giordano Bruno, escreve: «A renovação da
sciência do cosmos no dia seguinte da revolução
religiosa, teve por natural consequência a re-
forma filosófica, preparada muito antes pelos
sábios livres pensadores, e que surge cerca de
1600, com os sistemas audaciosamente inova-
dores de Bruno, de Bacon, de Descartes. É o
compatriota de Parménides e de Zénon, Giordano
Bruno, que abre a série» (i).
(1) Weber, ob. cit., pág. 277.
I I
Também o prof. Hõffding, da Universidade de
Copenliague^ caracterizando a filosofia de Gior-
DANO Bruno, começa logo por escrever: «Encon-
tramos em Bruno as ideas de Nicolau de Gusa,
de Telesio e de Copérnico... As ideas scientí-
ficas dos tempos modernos àcêrca do mundo fo-
ram por êle estabelecidas em algumas das suas
grandes linhas» (i). Mais adeante, continua:
«GiORDANO é um dos primeiros pensadores que
tem a clara consciência de que as grandes ideas
são devidas a uma série de continuadas expe-
riências. Êle crê ter exposto grandes ideas, mas
sabe também o que deve aos seus antecessores,
especialmente aos astrónomos, sobre cujas obser-
vações êle se apoia» (2).
É exacto. Gontudo, é com G. Bruno — como
diz Weber — que se inicia o período da filosofia
moderna; mas o pensador do De immenso et
innumerabilibiis ; e do De monade, numero et
figura, com o seu monismo e materialismo, é
principalmente um especulativo idealista e me-
tafísico (3). Existe nele, talvez, o gérmen dos
sistemas de Leibeniz^ de Hegel, e de Diderot; é
êle talvez o traço de ligação do ontologismo
moderno com as teorias dos jónios, dos eleatas
e dos neoplatónicos; mas falta-lhe a capaci-
(1) H HOFFDING, Ob. Cit., pág. II 5.
(2) Idem, ob. cit., pág. 129.
(3) Ver àcêrca de G. Biíuno a obra de Berta, Giordano Bruno
da Nola, ed. 1889.
12
dade crítica que vamos encontrar em Campa-
nela(i).
Mas, por sua vez, o pensador da Philosophia
rationalis, e, especialmente, da Universalis philo-
sophiae. . . cai no excesso oposto; e à metafísica
dogmática de Bruno vem juntar-se a metafísica
scéptica de Campanela: ambos nada objectivos
nem construtivos.
Por isso dizemos que estava reservada a Fran-
cisco Bacon e a Descartes a grande reforma do
pensamento humano no período moderno.
O ilustre historiador Weber, ao iniciar o es-
tudo da filosofia de Bacon de Vèrulam, caracterisa
muito bem o movimento filosófico moderno,
quando diz: «Em Inglaterra a reforma filosófica
recebeu do génio da raça saxónia um caracter
muito diferente do que ela havia sido na Itália.
«Sóbrio e positivo, o espírito inglês não tem
confiança nem na tradição escolástica nem nas
sínteses prematuras da metafísica independente.
A especulação italiana que depressa chega ao
auge, mas que não podendo manter-se cai de-
sencorajada no scépticismo, êle prefere a lenta e
gradual ascensão pelo caminho da experiência.
O que o impressionava no desenvolvimento que
as sciências acabavam de tomar, era que a Es-
cola e os seus métodos em nada ali figuravam;
(i) Acerca de Tommaso Campanela, da sua vida, das suas
concepções e dos martírios que sofreu, ver o magnífico estudo
de H. HoFFDiNG, ob. cii., pág. 157 e seg.
i3
era que estas conquistas da inteligência se tinham
conseguido fora dela e apesar da sua oposição.
Elas não eram devidas nem a Aristóteles, nem
a qualquer outra autoridade tradicional, mas à
natureza directamente consultada, ao contacto
imediato da razão normal com a realidade» (i).
Isso era profundamente exacto (2). Era neces-
sário pôr de parte a especulação à priori e o uso
abusivo do silogismo, utilizando, como únicos
meios de se chegar à verdade e de se fazer sciên-
cia, a observação, a experiência e a indução.
Francisco Bacon, voltando à tradição da filo-
sofia inglesa do século xiii — especialmente indi-
vidualizada em RoGER Bacon — escreve nesse
ponto de vista o seu De Dignitate et augmentis
scientiarum, e, principalmente, o célebre Novum
organum scientiarum (3).
Esse admirável corpo de doutrinas, pela sua
parte negativa e crítica, constitue o mais formi-
dável golpe que a filosofia moderna deu de início
no scolasticismo, no aristotelismo, e nos sistemas
de Pitágoras e de Platão, em resumo : na tra-
dição greco-scolástico. Pela sua parte constru-
tiva— a do segundo livro do Novum organum
— êle é bem um dos iniciadores da filosofia mo-
(i) A. Weber, ob. cit., pág. 286.
(2) HõFFDiNG refere-se arêsse período da seguinte forma: «La
science nouvelle fondeé sous le coup des expèriences et des inven-
tions de la vie pratique, devait amener un agrandissement de la
logique tradictionnelle», ob. cit., pág. 191.
(3) São as duas principais partes da Insiauraiio magna., pois
das outras quartas só se conhecem fragmentos.
í4
derna pela entronização dos métodos essenciais
para se chegar ao contiecimento scientifico e à
verdade: a observação, a experiência e a indu-
ção (i). Por isso Weber o considera como: «o
fundador da filosofia experimental, o pai do posi-
tivismo moderno considerado como filosofia,
neste sentido, que é êle o primeiro que de uma
forma clara e eloquente vem mostrar a solidarie-
dade da verdadeira filosofia com a sciência, e a
inanidade duma metafísica separada» (2).
Quando Bacon tinha 35 anos (3) nascia, na
Haia, Descartes, que, nove anos depois da morte
do seu precursor, havia de publicar a obra ver-
(i) Se para destruir a lógica escolástica ninguém apareceu
com mais energia é tenacidade que Francisco Bacon, é necessário
não esquecer os dois mais notáveis precursores do autor da Ins-
tauraiio magna: o francês Pierre de la- Rameè, e o português
Francisco Sanches, o primeiro com a sua Dialectique, o segundo
com o Qiiod nihil scitur.
Mas, a dúvida não é para o filósofo português, um fim, é um
meio, pois, como diz Hóffding a respeito «da sua obra scéptica»,
esta «não constitue senão uma introdução a uma série de traba-
lhos dum género especial e empírico». Para êle «a observação e
a experiência unidas ao juíso constituem os melhores meios de
se chegar ao conhecimento».
E quando se trata de procurar a origem, a fonte, de todo o
conhecimento, êle diz que se o conhecimento interno é mais se-
guro que qualquer outro, a experiência interna é, pelo contrário,
inferior em clareza e precisão à externa. Deste modo Francisco
Sanches que excede Bacon e Petrus Ramus é o mais directo pre-
cursor de Campanela e Descartes.
Vide Hóffding, ob. cit., pág. 195-196.
(3) Weber, ob. cit.., pág. 290.
(3) Acerca de F. Bacon, veja-se: Hóffding, ob. cit., pág, 196
e 216.
i5
dadeiramente básica do penssamento moderno :
o Discurso do Método. Ao contrário do que al-
guns teem afirmado, longe de haver oposição
entre os desígnios e objectivos da Instauratio
Magna e do Discours de la Methode, há uma ín-
tima relação que torna esta o digno complemento
daquela. Se a Instauratio é uma obra de com-
bate contra a tradição filosófica greco-escolástica,
o Discours é uma obra de construção admirável;
se a desapiedada critica da primeira contra a
tradição escolástica fecha definitivamente uma
época de especulação estéril, a matemática uni-
versal de Descartes, com os seus princípios da
evidência, da análise, da síntese, e da classifica-
ção, abre tão largos caminhos ao pensamento
humano, que ainda hoje — e já lá vão mais de
280 anos — nada mais fazemos que trilhá-los,
pouco tendo andado nessa infinita e bela estrada
do progresso mental.
Bastava, pois, o aparecimento destes dois pen-
sadores para que o século xvii marcasse o início
do pensamento moderno.
HõFFDiNG referindo-sé a esta época diz: «A
era das ideas novas e das descobertas sucede a
época das tentativas para pôr em ordem e para
sistematizar, para reduzir a multidão das ideas e
dos factos a ideas fundamentais, simples e sólidas.
Estas tentativas foram feitas com a firme con-
fiança que a verdadeira base estava achada. A
análise foi subtituida pela construção». Isto
teve uma grande importância para o pensamento,
pois este poude então ccmettre en plein jour» o
conteúdo das concepções estabelecidas pela Re-
nascença e pela nova sciência da natureza» (i).
Na série das tentativas de sistematização de
que fala o pensador dinamarquês, a primeira
grande questão que surge é o problema da exis-
tência, vindo depois o do conhecimento, e o da
classificação de valores ou o problema moral, e
se estes dois últimos tomam foros de questões
exclusivas no século xviii, o primeiro predomina
no século xvii em Descartes, Hobbes, Spinoza,
marcando Leibniz a transição para a época se-
guinte.
Mas, se o século xvii marca o inicio do pensa-
mento moderno, é com Descartes que a nova
filosofia vai aparecer, e é no Discurso do Método
que êle irá basear-se.
Tem, por isso, inteira razão o grande pensador
CouRNOT, quando, ao notar a grande importância
desse século, diz que êle «é destinado a ocupar
na história do espírito humano e em todos os
povos civilizados, — sejam quais forem as trans-
formações por que passem as opiniões, as cren-
ças, as instituições, as línguas, e o sentimento do
belo, — um logar único, sem par no passado, nem
análogo no futuro. São os progressos e as re-
novações das sciências no século xvii que lhe
(l) HÕFFDING, Ob. Cit., pág. 217.
i?
imprimem este caracter singular e excepcional de
grandeza, que nem a religião, nem a politica,
nem a filosofia, nem as letras, nem as artes lhe
comunicaram em grau tão eminente» (i).
O sr. dr. Teófilo Braga, falando também desse
século de renovação, diz admiravelmente: «O
desenvolvimento enorme das sciências indutivas
determinou a elaboração das grandes sínteses
filosóficas, que modificaram as concepções mo-
dernas, e que vieram actuar na -educação pú-
blica; os nomes de Galileu e de Harvey no campo
da renovação scientifica teem por continuado-
res no campo filosófico Bacon e Descartes (2).
Estes eminentes pensadores, completando-se mu-
tuamente, são representantes dos dois aspectos
literário e scientífico da Renascença; Bacon influe
na constituição da nova filosofia pela beleza e
colorido da sua linguagem, com que vulgarisa
importantíssimas sugestões, como a da creação
da História Literária e do estabelecimento de
Academias; Descartes unifica o processo mental
reunindo a elaboração scientifica com a filosó-
fica, que estavam separadas desde a Escola da
Alexandria» (3).
(i) Considérations sur la marche des Idées et des Événements
dans les iemps modernes, t. i, pág. 259.
(2) Acerca de Descartes e do Cartesianismo, ver, àlêm dos
trabalhos de Millet e Ziand, Hòffding, ob. cit., pág. 219-268.
(3) Dr. Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra,
t. n, pág. 438.
2
Como acabámos de vêr o renovamento scien-
tífico que se inicia nos meados do século xv e
vai até ao xvii tem como natural consequência
e salutar desfecho o aparecimento da filosofia
moderna. O eminente Lange, na sua monumen-
tal História do Materialismo, caracterisa numa
admirável síntese todo este extraordinário movi-
mento mental que em pouco mais dum século
traz ao espirito humano esse maravilhoso pro-
gresso para o compensar do longo período de
estagnamento — mas também de incubação —
de cerca de lo séculos de obscurantismo.
Diz Lange: «Se se estudar no seu conjunto, o
movimento de regeneração, de que não se pode,
quási, fixar o início nem o fim, desde o meado
do século XV até à primeira metade do século xvii,
poder-se-á reconhecer nestes dois séculos quatro
períodos, cujos limites são um pouco confusos,
mas que diferem uns dos outros pelos seus cara-
cteres principais.
«Durante o primeiro, a filologia preocupou a
Europa erudita. Foi a época de Lourenço Vala,
de Angelo Policiano, e, do grande Erasmo, que
marca a transição para a teologia. O predomínio
da teologia, proveniente das agitações da Re-
forma, asfixiou, durante algum tempo, especial-
mente na Alemanha, todo e qualquer outro in-
teresse scientífico. As sciências físicas que, desde
a época da Renascença, tinham progredido nos
í^
laboratórios silenciosos dos sábios, apareceram
no primeiro plano na época brilhante de Kepler
e de Galileu.
«Em quarto e último lugar apareceu a filosofia,
se bem que o período culminante da actividade
criadora de um Bacon e de um Descartes siga
muito de perto as grandes descobertas de Ke-
pler» (i).
*
Mas essa profunda renovação mental não se
circunscreveu apenas às sciências da natureza e
às construções sintéticas da filosofia de Bacon
de Verulam e de Descartes. Elas expandiram-se
mais, e estenderam-se até aos domínios da lite-
ratura, da filologia e, principalmente, da história.
Tem, por isso, inteira razão Ed. Fueter quando
diz que os historiadores da primeira metade do
século XVII «inspiraram-se na filosofia moderna
e nas sciências naturais tais como Descartes e
Galileo as haviam inaugurado». «O estudo da
natureza — continua, magnificamente, êle — havia
substituído as opiniões tradicionais e as observa-
ções de outrem pela experiência pessoal: muitos
historiadores sérios sentiram-se por sua vez dis-
postos a examinar mais de perto e por uma forma
mais sistemática que outrora, a credibilidade
nos factos descritos pela tradição. Poseram-se,
então, a remontar mais conscienciosamente às
(i) Lange, Histoire du Materialisme, t i, pág. 200.
'20
mais antigas fontes e, por assim dizer, à própria
natureza, e a pôr de lado os trabalhos e as opi-
niões posteriores das autoridades da escola. Co-
meçou-se, então, a fazer distinções cada vez
mais nítidas entre o€ testemunhos históricos, e a
estabelecer graus na confiança que se lhes con-
cedia.
Principiou-se ao mesmo tempo a declarar
guerra à doutrina estética da antiguidade; e re-
nunciou-se, dai em deante, a aplicar às obras
históricas o critério que só se justificava na apre-
ciação das obras primas literárias» (i).
Efectivamente, «desde Petrarca e BocÁcio- —
como diz FuETER — o mais brilhante representa-
tivo romano da historiografia retórica, que foi
Tito Lívio, havia-se tornado o mestre da histo-
riografia humanista» (2).
O Humanismo havia aparecido como reacção
às crónicas da Idade Média — que tinham as suas
raízes e modelos na História Eclesiástica de
Eusébio — obras sem arte, nem estilo, sem senti-
mento, numa palavra: sem vida. Os historia-
dores humanistas caíram no vício oposto.: abu-
saram do estilo — uns com uma pronunciada
(i) Ed. FuETER, Histoire de V Historio gr aphie moderne, trad.
por E. Jeanmaire, 1914, pág. 38i-382.
(2) Idem, Ibidem, pág. 11.
Porem, com o andar dos tempos o âmbito das fontes de inspi-
ração e estudo alarga-se. É assrm que na História de Pistoia,
aprecem já como autoridades incontroversas «scriptores graves»:
Quinto Curcio, Justino, Tito Lívio, Salústio, Plínio e Suetónio.
21
tendência poética, outros mais discursivos e
declamadores, mas todos eles sacrificando a
observação à imaginação, a especulação à emo-
ção, e a verdade à arte (i). É essa a dinastia
dos Poggio, dos Accolti, dos puristas arrevesa-
dos como Pietro Bembo, do estilista Facius, do
poeta Pontano, etc.
E certo que a princípio a historiografia huma-
nista, inspirando-se nos historiadores da anti-
guidade clássica, tinha um caracter livre e
autónomo em face da igreja cristã e dos seus
preconceitos e dogmas, mas esse carácter secular
— que era a sua melhor qualidade — perdeu-se
a partir de Leonardo Bruni.
(i) Há, comtudo, excepções, tanto mais honrosas quanto mais
raras elas são. É o caso dum Giovanni Simonetta que, no seu
estudo sobre Francisco Sforza, apresenta, a par dum estilo agra-
dável e simples, a observação exacta, um juíso político sensato e
uma informação segura.
É também o caso desse interessantíssimo Machia vel que tanto
na Viía di Casiritccio, como na excelente Isioj-ia fiorentine e no
Livro do Príncipe, àlêm dum estilo cheio de vigor e brilho e tão
adaptado aos acontecimentos que descreve, apresenta já uma
nítida compreensão da história, se bem que para ele a política é
tudo: historia ancilla scientiqe politicáe. Igualmente, Guichardin,
tanto na sua Hist. da Italta, como na Hist. Florentina, mostra,
a par do respeito pela verdade, que o levou a escolher cuidado-
samente as suas fontes de informação e a analizar o que estas lhe
diziam, um bom senso crítico e uma excelente compreensão dos
acontecimentos que estuda, analisa, descreve e comenta com bri-
lho, concisão e extrema claresa.
Acerca de Machiavel veja-se: Harald Hõffding, Hist. de la
Philosophie Moderne, trad. Bordier, i." vol., págs. 21-29.
CAPITULO II
O início da história scientíflca moderna
a) Â obra dos Beneditinos de Saint-Maur
Quando chegamos ao fim do século xvi começa
já a fazer sentir-se a reacção contra o humanismo
— que não faz mais que acentuar-se durante a
primeira metade do século xvii. O critério da
observação para se chegar à verdade, e o da
evidência como sinal único dessa verdade certa
e sabida, vão fazer tombar num crescente descré-
dito as autoridades consagradas pela tradição.
O dubito ut intelligam, que já tinha surgido nos
Bacon, vai pouco a pouco tornando-se domi-
nante como ponto de partida de toda a investi-
gação histórica.
A dúvida metódica, sistemática, radical, é eri-
gida em processo de critica negativa ao qual não
lograram resistir as mais consagradas autorida-
des do já esgotado humanismo, quer se tratasse
de Platão ou de Aristóteles, dos Padres e Dou-
tores da Igreja, dos historiadores greco-latinos,
ou dos grandes chefes e mais assinalados modê-
24
los da historiografia humanista como Bruni,
Sabellicus, Pietro Bembo, Machiavel, Guichar-
DiN e Blondus.
É mesmo contra Blondus e a sua escola que
mais se encarniça a nova tendência historiográ-
fica, se bem que o ilustre erudito da Itália illus-
trata e da Roma triumphans^ seja dos humanistas
um dos mais construtivos como excelente car-
reador de elementos históricos e arqueológicos
para a reconstituição da civilização romana, es-
pecialmente no período da decadência.
Estava destinado à França o inapreciável
mérito de pôr-se à frente das novas tendências
da historiografia scientífica do século xvii. Os
grandes peoneiros dessa magnifica empreza da
renovação scientífica surgem na Champagne com
Mabillon, ou nascem em Paris com Tillemont e
o abade Fleury, e reverdecem quer em Saint-
-Germain-des-Prés, quer em Port-Royal(i).
É possível que ao produto da actividade desses
iniciadores da nova corrente scientífica não seja
legítimo chamar, ainda, História. De resto, o
próprio Mabillon designa a sua principal obra
com o título de Annales ordinis S. Benedicti, como
o oratoriano Lecointe crismou a sua de Annales
ecclesiastici Francorum; e o próprio Tillemont,
— dos três o mais impessoal, — ao escrever
as suas Memórias de História eclesiástica, e a sua
História dos imperadores e dos outros príncipes ,..,
(i) Sainte-Beuve, Port-Royal.
25
nada mais tem em vista que expor, mais ou menos
sistematicamente e harmonicamente, as fontes do
seu assuntO; com um cuidado, um escrúpulo, e
um desejo de exactidão, que, sendo enormes,
chegam, por vezes, a ser excessivos.
E certo que a essa obra não se pode chamar
ainda História, pois melhor lhe compete o nome
de Erudição; mas o que eles fizeram em favor das
sciências auxiliares como a Diplomática, a Paleo-
grafia, a Lexicografia, a Cronologia e a Epigrafia,
tornam essa plêiade de espíritos construtivos
bem digna da nossa admiração, pelo caminho
extenso, largo e luminoso que abriram à investi-
gação histórica.
Assim, bastava o Glossarium de Du Gange; o
De re diplomática de Mabillon, e os processos de
crítica cronológica e de autenticidade das fontes
seguidas por este analista; bem como a crítica
de proveniência e de restituição e os cuidados
de verificação, classificação e disposição das
fontes seguidos por Tillemont para tornarem os
eruditos de Saint-Maur dignos da nossa admira-
ção, como bem o teem sido dos juísos favoráveis
da crítica contemporânea de Sainte-Beuve (i),
E. de Broglie (2), L. Lanson (3), e H. Stein (4).
(i) Sainte-Beuve, Port-Royal.
(2) E. de Broglie, Mabillon et la societé de Vabbaye de Saint-
-Germain-des-Prés à lajin du XVlle siècle, 1888.
(3) GusTAVE L ANSON, U érudition uionastique aux XVII ét XVIII e
siècles, nos Hommes et livres, iSgS.
(4) H. Stein, Mèlanges et Documents publiés à l'occasion du
deuxième centenaire de la mort de Mabillon, 1908.
26
Mas, os eminentes eruditos de Saint-Maur não
limitaram a sua grande actividade às sciências
auxiliares da História e aos trabalhos referentes
ao passado da Ordem de S. Bento.
Eles não chegaram às sciências auxiliares pelo
acaso das circunstâncias como pretendem fazer
crer aqueles que explicam o aparecimento do
De re diplomática libri sex, de Mabillon, so-
mente pelo conflito entre os beneditinos de Saint-
-Maur e os jesuítas, especialmente o jesuita
Papenbroeck. Se fosse essa pugna scientífica a
exclusiva causa do Tratado de Diplomática de
1681, e do suplemento de 1704, teríamos que
justificar do mesmo modo a publicação da Pa-
laeographia graeca de Bernard de Montfaucon (i),
a do Nouveau Traité de Diplomatique, de Tassin e
TousTAiN (1750-1765), que também trata da pa-
leografia latina; e da Art de vérifier les dates
(1750- 1787), em 5 volumes, etc.
Os beneditinos de Saint-Maur chegaram, pois,
à elaboração das sciências auxiliares muito cons-
cientemente, muito expontâneamente, pela razão
fácil de compreender, que elas constituíam os
essenciais instrumentos de trabalho histórico, sem
(i) É com esta obra que Montfaucon funda a paleografia
grega. E este notável erudito o primeiro, também, que apresenta
o primeiro estudo crítico completo sobre a arqueologia clássica
com a sua obra U antiquité expliqiiée et represeniée en figures,
Paris, 1719, que teve um suplemento que apareceu em 1724.
Acerca de Montfaucon veja-se: E. de Broglie, Bernard de
Montfaucon et les Bernardins, 1891.
27
os quais não era viável a construção de uma
obra séria e de confiança.
O terem notado essa necessidade, e o haverem
trabalhado na criação, organização e disposição
desses meios e processos da metódica histórica :
eis as duas causas justificativas da sua glória.
Mas — como já dissemos — não foram só as
sciências auxiliares que demoveram a atenção
dos mauristas; nem só a história da sua ordem —
com os Acta Sanctorum Ordines Sancti Benedicti
e os Anales Ordinis Sancti Benedicti ad amtum
M.CLVii — , foi objecto do seu estudo. Também
eles teem publicada uma Colecção dos Padres
gregos e latinos; alguns volumes sobre a História
da igreja, em geral; e a História eclesiástica da
França, em especial — como a Gallia Christiana;
cerca de 12 volumes duma Histoire littéraire de
la France, sendo os nove primeiros de autoria de
Dom Rivet; bastantes estudos de história local,
sendo dignos de especial menção os 5 volumes
da Histoire de la ville de Paris, de D. Félibien;
outros cinco da Histoire générale de Languedoc^
de Vaissete e Devie ; quatro duma Histoire géné-
rale et particulière de Bourgogne por Plancher ;
dois duma Histoire de Bretagne de Taillandier
e MoRiCE, etc; e mais duma dezena de volumes
duma Colecção de historiadores das Galias e da
França (Rerum gallicarum et francicarum scri-
ptores).
Mas, é a publicação de diversas colecções de
documentos inéditos que tornam os beneditinos
28
de S. Mauro merecedores aqui de especiais refe-
rências.
Referindo aos importantes trabalhos históricos
dos mauristas, diz o prof. Langlois: «As suas
empresas tão variadas obrigaram os beneditinos
a imensos trabalhos de extractos e de inventários,
não só nas ricas bibliotecas da sua Ordem mas
também nos outros depósitos da França e do
estrangeiro. No decurso desses trabalhos de
investigação, encontraram naturalmente peças
que, sem serem de natureza a figurar nas suas
* colecções, ofereciam comtudo interesse para a
história. Ora estava naturalmente indicado que
se juntassem em feixes os ramos desta espécie
num tempo em que não existia, como hoje, Re-
vistas para os receber. Desde o fim do século xvi,
os eruditos começaram com efeito, a publicar,
sob diversos títulos, colecções de Miscelânea, isto
é, de documentos não tendo outro caracter comum
que serem, na opinião do editor, interessantes e
inéditos. Os beneditinos, infatigáveis copistas
teem deixado colecções de Miscelânea, ou Spi-
. cilégios, de primeira ordem» (i).
Efectivamente, já Luc d'AcHERY havia escrito
um Spicilegium sive Collectio veterum aliquot scri-
ptorum qui in Galliae bibliothecis delituerant (2);
(i) Langlois, Manuel de Bibliographie Historique, 1901-1904,
pág. 3oi.
(2) Do Specilegio ou Colecção de d'AcHERY ha a edição de F.
de la Barre, em três volumes iu-fol. publicado em 1723. Aí, as peças
29
Mabillon colige os seus Vetera Analecta (i); Mar-
TÉNE e DuRAND constituem o seu Thesaurus no-
figuram distribuídas segundo uma determinada ordem sistemática:
teologia, história eclesiástica e profana.
No «Elogio de Louis-François-Joseph de la Barre-, publicado
no t. II da Histoire suivie de VAcademie Royale des Inscriptions et
Belles-Lettres, em 1748, depois de se falar numa colecção de Me-
dalhas dos imperadores romanos publicada por Dom Anselme
Banduri, e em que La Barre muito trabalhou, lê-se : «Quand
M. DE la Barre fút libre de ce prèmier engagement, les Libraires
de qui il commençoi à être connu, lui proposèrent de donner une
nouvelle édition du Spicilège de Dom Luc d'Achéry, qui étoit
devenu fort rare, et il s'en chargea dans la vúe de le rendre en
même temps plus ample, plus commode et plus utile.
«Ce Spicilège, ou Recueil de Pièces consistoit en treize volume
in-4, imprimez en différentes années, depuis i655 jusqu'en 1677: et
Dom Luc d'Achéry n'avoit pu y observer aucun ordre de dates ni
de matières, parce qu'il s'étoit fait une loi de publier ces Pièces
anedoctes dès qu'il en avoit rassemblé un certain nombre; de
sorte que souvent le commencement, la suite ou les fragments
d'un méme ouvrage, se trouvoient dispersez et morceléz en divers
Tomes, ce qui en rendoit Tusage très-difficile».
A seguir, o panegirista expõe qual o plano seguido por La Barre
na elaboração do Specilégio, e diz : «M. de la Barre rangea
d'abord toutes les Pièces de Tancien Spicilège dans leur ordre
naturel: il les partagea ensuite en trois corps qui forment chacun
un volume in fólio. II mit dans le premier, les Traités Dogmali-
ques, Moraux et PolémV[ues; dans le second, les morceaux qui
appartenoient á THistoire Ecclésiastique; et dans le troisiéme,
ceux qui regardoient THistpire Profane. II inféra dans les uns et
dans les autres, les Pièces découvertes depuis la premiére édition
du Spicilège: il conféra les anciennes sur plusieurs Manuscrits,
dont il eut soin de marquer les diverses leçons qui Taidérent à
corriger une infinité de fautes, et á remplir beaucoup de lacunes.
Enfin, il en éclaircit les endroits obscurs par de savantes Notes,
dont quelques — unes sont assez étendues pour mériter le nom de
Dissertations». In ob. cit., pág. 429-430.
O infatigável La Barre, foi ainda o editor do Dictionnaire
Historique de Moréry, em 6 vol., na ed. de 1725; o autor dum
Journal de Verdun; de várias comunicações à Academia de Ins-
crições, etc.
(i) A colecção de Mabillon, também foi publicada, em 1723,
por F. de la Barre, e preenche i vol., in-fol., estando as peças
distribuídas cronologicamente.
3o
vus anedoctorum (i), e o Veterum scriptorum et
monumentorum historicorum, dogmaticoriim^ mo-
ralium. Amplissima Collectio (2) ; sem se dever
omitir o Museum italicum de Mabillon, o Diarium
italkiim de Mantfaucon (3), e a Voyage littéraire
de deux religieux bénédictins de la congí^égaion
de Saint-Maur (4), que era o produto das missões
de estudo no estrangeiro.
Não podemos omitir o nome de Du Gange
autor de muitos trabalhos de compilação sobre
geografia histórica (5), arqueologia (6), história
antiga e medieval (7) geneologia (8), etc, nem
o de Baluze, do qual apareceram em Paris, de
1678 a 1715, sete volumes de Miscelânea, àlêm
doutras colecções.
(i) Esta obra apareceu em Paris, em 1717, e consta de cinco
vol., in-fólio. Alem desta colecção, Marténe e Durand projectavam
nada menos que reeditar, após a publicação do seu Thesaurus, as
principais colecções dadas a lume, desde a colecção dos textos
canónicos por Canisius, até às aparecidas no seu tempo.
(2) Essa obra foi publicada em Paris entre 1724 e 1735, e
consta de 9 volumes, in-fólio.
(3) Aparecido em 1702, em Paris.
(4) Os dois religiosos, autores da Voyage, são ainda os ope-
rosos Marténe e Durand. A obra apareceu em Paris em 17 17.
(5) Como se sabe, Du Cange tinha já pronta ou quási, uma
Description de la Gaule et de la France.
(6) Nos glossários de Du Gange, encontra-se muita arqueo-
logia, tanto clássica como medieval.
(7) A história antiga e medieval encontra-se no Glossarhim
mediae et infimae graecitatis (1688), e nos pesados nove volumes do
seu Glossarium ad scriptores mediae et infimae latiniíaiis (1678).
(8) A obra genealógica de Du Cange encontra-se no seu
Nobiliário.
3i
b) Os progressos da crítica histórica
com os Bolandistas através da historiografia racionalista
Se os Beneditinos de Saint-Maur e alguns lai-
cos como Du Cange, Baluze, Henhi e Adrien
Valois, Brussel e Thomassière, em França; Lei-
BNiz, Henrique de Bíínau e Mascov, na Alemanha ;
Muratori na Itália, e poucos mais deixaram uma
importante obra de erudição tendente a marcar
a nova orientação da historiografia moderna no
sentido do estudo cronológico, epigráfico, paleo-
gráfico e diplomático das fontes, não há dúvida
que muito havia ainda que fazer no que respei-
tava à interpretação dos documentos e à crítica
de sinceridade e de exactidão dos testemunhos.
Foi nesse sentido, principalmente, que incidiu
o trabalho dos Bolandistas ao elaborarem os seus
Acta Sanctorum. Assim, tendo eles que susten-
tar muitas vezes discussões com os Protestantes,
com os Humanistas e com os Beneditinos, os
Bolandistas ou Jesuítas viam-se forçados a de-,
fender-se com sagacidade e cuidado extremos no
terreno da crítica das fontes históricas. Daí
proveio o rigorismo com que eles faziam o estudo
dessas fontes a fim de não darem o flanco aos
adversários hábeis no que respeita à fixação mais
ou menos rigorosa de datas, nomes e factos. A
análise dos testemunhos era rigorosa como rigo-
rosa era a classificação que delas se fazia, e
metódica era a sua disposição segundo a sua
antiguidade e grau de crédito que mereciam.
32
Porém, os Bolandistas ou Jesuítas não estavam
naturalmente talhados para levarem muito longe
a sua crítica, pois do contrário chegariam a um
poíito em que os próprios princípios da sua
Ordem, e, mesmo, as bases do catolicismo,
sofreriam grave abalo. E daí por deante que
começam com muito maior despreocupação pelos
preconceitos religiosos a crítica dos eruditos laicos
como Bayle, Beaufort e Dubos.
Efectivamente, é com Pedro Ba^yle que começa
a verdadeira idade do criticismo histórico que
havia de ir encontrar os seus seguidores em Vol-
taire e nos racionalistas.
Bayle torna-se digno de figurar na súmula da
historiografia crítica do período da transição para
a época dos racionalistas, É êle o auctor do
Dictionnaire historique et critique, obra no género
da de Mareri, e da Critique générale de Vhistoire
du Calvinisme du Pire Maimbourg, onde o livre
pensador toma, por vezes, o lugar do crítico, e
o combatente anti-religioso o de historiador.
Bayle pode não ser na evolução da história uma
figura central, mas é um interessante precursor
do racionalismo, e especialmente de Voltaire.
Também, Beaufort se nos depara no início do
criticismo histórico como autor de uma Disserta-
tion sur rincertitude des cinq premiers siècles de
rhistoire romaine, edições de 1788 e lySo. O
seu negativismo crític-o leva-o exasperadamente,
a regeitar em globo as afirmações dos historia-
dores latinos desde Políbio a Tito Lívio àcêrca
33
dos primeiros tempos da história de Roma, sem
que o estado de atrazo das sciências do espirito
lhe permitisse vêr que numa lenda, num conto
ou num mito há, por vezes, um fundo de verdade
que importa descobrir e interpretar. Assim,
muito sagaz e hábil em destruir não o foi igual-
mente em criar e edificar uma obra, ou em re-
constituir o período histórico a que se dedicou.
Entretanto, aparecia o abade JoÃo Baptista
DuBos com a sua Histoire critique de l'établisse-
ment de la monarchie française dans les Gaulês,
ed. 1735. Dos três autores foi este o que me-
lhor soube aliar a um grande fundo de erudição
uma boa penetração de espirito crítico, gran-
deza de vistas e independência de juízo para es-
tudar e compreender uma época tão recuada e
obscura como a dos tempos merovíngios — que
êle descreve, e onde nota a influência da domi-
nação romana.
A sua concepção da sucessão dos factos e da
evolução histórica gradual e rítmica, e a maneira
como êle compreende, estuda e critica, o pro-
blema das origens constitucionais da França fa-
zem de DuBos um precursor dos historiadores do
século XIX, especialmente de Fustel de Coulanges.
Mas, o historismo humanista decaia irremedia-
velmente. DuBOs, historiador de transição é o
último produto dessa escola, se bem que seja já
um racionalista. Com êle morrem de vez os di-
tames dessa escola retórica, artística e estética :
muito mais brilhante que sólida, mais convin-
34
cente e catequética que verdadeira e scientííica, a
qual durante três séculos teve preponderante lugar
na literatura europeia, desde Petrarca a Bocacio,
e especialmente a partir de Goluccio Salutati e
do seu discípulo Leonardo Bruni,
Com o alvorecer do racionalismo a função crí-
tica toma uma grande importância, e tão cres-
cente ela se vai tornando pouco a pouco que,
com Kant e os neo-kantistas, chega a tornar-se
absorvente dominador : é esse o período do criti-
cismo, da hiper-crítica.
É com o racionalismo — o Anfklãrimg dos ale-
mães — que a crítica penetra na história. A ten-
dência crítica, que é a caracterisca essencial e
eponima do racionalismo, resultou da evolução
porque passou a filosofia a partir John Locke.
Harald, Hõffding, ao começar, na sua Histó-
ria da Filosofia, o estudo sobre A Filosofia inglesa
da experiência^ escreve :
«Os grandes sistemas haviam nascido da cer-
teza que existia um material suficiente e uma cla-
reza de pensamento bastante para edificar cons-
truções capazes de substituir a concepção medie-
val do mundo derrubada pela investigação da
Renascença e pelo aparecimento da sciência nova.
De resto, essa confiança não deixava de ser jus-
tificada. As descobertas, os métodos novos e
os novos princípios tinham lançado uma defini-
tiva luz acerca da direcção que o pensamento
humano devia daí por diante seguir para poder
tratar de alguns problemas mais importantes; e o
35
século XVII teve sobretudo este mérito de haver
formado^ com energia e com lógica, as hipóteses
as mais avançadas sobre as relações da natureza
espiritual com a natureza material ; mas bastava
o facto de haver muitas hipóteses possíveis a con-
siderar para tal excitar a atenção do pensador e do
crítico. Havia ainda que acrescentar que os que
construíram estes grandes sistemas com tanta
confiança e engenho tinham descutido muito a
natureza e o modo da acção do pensamento, mas
não tinham visto senão uma introdução aos seus
sistemas propriamente ditos. Com uma pressa
muito dogmática eles procuravam passar por
cima da importante questão do exame do pen-
samento para só encontrarem a solução dos eni-
gmas da existência». E continua:
«O que faz a importância da escola inglesa, tor-
nada clássica na história do pensamento, é ter
constituído um problema independente do exame
do desenvolvimento do conhecimento humano,
das formas e das hipóteses de que êle dispõe.
John Locke e seus sucessores asseguram a inde-
pendência do problema do conhecimento em face
do problema da existência — o qual nos grandes
sistemas havia deixado inteiramente na sombra
aquele». Depois, Hõffding nota: «que a filoso-
fia crítica começa com John Locke».
A seguir, o eminente pensador dinamarquês
faz notar, significativamente, que «por detrás
desta oposição puramente filosófica, entre a filo-
sofia dogmática e a filosofia crítica, há uma opo-
36
sição histórica mais extensa». E, acrescenta :
«Os sistemas filosóficos não são o único objecto
da critica : o exame critico volta-se contra todas
as autoridades, contra todos os poderes existen-
tes». E, notando que a concepção dogmática
da substância em filosofia tinha o seu paralelo na
noção da autoridade absoluta em politica, êle
escreve : «Agora, chega o século da emancipação
ao mesmo tempo que o da crítica».
Efectivamente, Locke e os seus discípulos, fa-
zem o «grande balanço das ideias», abstraindo
dos preconceitos de tradições e de autoridades,
e submetem a ura rigoroso e profundo exame
todos os princípios — incluindo os da razão sufi-
ciente de Leibnitz e Wolff, efectuando também
a revisão do problema da classificação e evalua-
ção dessas acções. Mas, deixemos o problema
moral que Locke aborda nas suas obras, e veja-
mos como êle trata do problema do pensamento.
O primeiro filósofo crítico — como lhe chama
HõFFDiNG — nega as ideias intactas, e considera
a experiência como a fonte de todo o conheci-
mento, e a sensação e a reflexão como meios de
o conseguir.
Assim, ao passo que a sensação, pelos instru-
mentos dos sentidos, nos dá a conhecer os obje-
ctos externos, é pela reflexão que conseguimos
conhecer as modificações internas, as operações
da alma. E acrescenta, que nada escapa a estes
dois meios do conhecimento até mesmo 'as mais
altas especulações da inteUgência e os mais ele-
3?
vados arroubos da imaginação. Depois de di-
vidir as ideias em simples e complexas — as pri-
meiras fornecidas por um ou mais sentidas, as
segundas elaboradas pelo espirito — ocupa-se das
operações ou faculdades da inteligência. Ai dis-
tingue por ordem as seguintes que entram na for-
mação das ideias : a) — a percepção que é o pri-
meiro grau para o conhecimento; b) — a retenção
que tem em vista conservar as ideas introduzi-
das no espirito, e trazer ante este aquelas que
depois de ali haverem estado impressas de lá
tinham desaparecido (Memória); c) — o discerni-
mento, que é a faculdade que consiste em distin-
guir nitidamente as diferentes ideas; d) — a com-
paração, que tem por fim estabelecer relações
entre os objectos, os fenómenos, as ideas; e) — a
composição^ que é o poder que tem a inteligência
de reunir muitas ideas simples, recebidas pela
sensação e reflexão, para formar ideas comple-
xas; /) — a abstracção, pela qual o espirito hu-
mano separa as ideas segundo determinados
caracteres ou circunstâncias (i).
Assini;, a filosofia de Locke, que é um estudo
critico do pensamento humano na sua dinâmica
e nas suas manifestações, não admite as ideas
inactas, nem os conhecimentos, máximas e prin-
cípios inactos.
Deste modo, é impossível conhecer qualquer
( I ) Ar.F. Weber, Hisioire de le Philosophie Europienne, pág. 36$
a 370; Harald HõFFDiNG, ob. cit.^ \.° vol,, pág. 4o3 a 408.
38
cousa fo^a, e acima, do que nos fornece a expe-
riência externa ou interna^ devendo, por isso, a
filosofia renunciar à soUição dos problemas trans-
cendentes das primitivas causas e mais remotas
origens, bem como aos da substância, da essên-
cia, e da constituição íntima dos seres, e não
podendo recorrer a outros métodos além da ob-
servação, da indução e da experiência. Não
nega Locke a existência da alma, mas afirma a
impossibilidade de conhecer se a sua existência
é material ou não, e que ela tenha a liberdade da
indiferença. Também êle admite a existência de
Deus quer, em si, pela experiência, quer pelo
princípio da causalidade dela resultante; mas
nada diz quanto à sua natureza e atributos.
A influência da filosofia crítica e do empirismo
de Locke foi enorme tanto nas sciéncias da na-
tureza como nas do espírito, especialmente sobre
a filosofia política, a história, o direito, etc. Em
compensação a filosofia panteista e determinista
de Spinosa só mais tarde resurgiu com Fichte,
Hegel e Schelling.
Deixando Shaftesbury e Hutcheson que se
preocuparam mais com o problema moral que com
o do conhecimento, e José Butler que se dedica
especialmente ao da ética religiosa, passando à
margem das ideas do crítico e racionahsta John
ToLAND, do mecanicista Newton e do idealista
Berkeley chega-se' ao sensualismo, criticismo e
relativismo de David Hume.
Hume, discípulo e continuador de Locke, en-
39
tende, como este, que os conhecimentos teem por
origem as impressões e as ideas, se bem que tudo
o que julgamos o produto do espírito — os pen-
samentos mais elevados como as ideias mais
abstractas — se possa reduzir a simples impres-
sões ou sensações.
Também para êle a ideia de Deus, com os seus
caracteres de poder, inteligência e bondade infi-
nitos, deriva da ampliação ilimitada desses cara-
cteres em nós próprios (i). Mas a parte original
da teoria do conhecimento de Hume é o estabe-
lecimento áo problema da causalidade. Se é certo
que para o eminente pensador escossês todas as
ideas resultam da sensação, também, segundo
êle, há conhecimentos que consistem apenas tna
interpretação das relações reciprocas das nossas
ideas» e são os dados pelas sciências formais —
como a lógica e as matemática.s ; e há «conheci-
mentos que nos levam além das sensações dadas
e que nos convencem da existência de alguma
cousa que não é dada».
Ora esta última espécie de conhecimentos im-
plica a existência de um princípio de causali-
dade (2). Para éle a causalidade é o resultado
da percepção de uma simples sucessão entre dois
fenómenos, e o conhecimento humano limita-se
à percepção dessa sucessão. Mas o problema de
(i) Ver : David Hume, Treaíise on Human Naíiire, capítulos i
e n ; Harald Hoffding, Histoire de la Philosophe Moderne, tomo i,
pág. 450-457.
(2) H, Hoffding, ob. cit.^ pág. 451-452.
40
causalidade é muito importante para a sua teoria
do conhecimento, pois é êle — como diz Hõff-
DiNG — o «problema da solução do qual depende
toda a apreciação da importância da sciência
positiva».
O autor dos Essays depois de mostrar que to-
das as ideas resultam da sensação, nota que elas
se costumam seriar, apresentando entre si uma
certa ligação que deixa supor que entre elas exis-
tem certos princípios segundo os quais se seguem,
agrupam e ligam as nossas ideas, como sejam os
de semelhança, contiguidade de tempo ou lugar ^ e o
de causalidade. ^ Mas são esses princípios, e es-
pecialmente o de causalidade — que é o mais
importante — noções à priori, inatas, anteriores
a toda a impressão — como, mais tarde, há de
entender Kant ? j Ou são eles sensações en-
fraquecidas, cópias de impressões correspon-
dentes ?
Para Hume entre a causa e o efeito nunca há
nenhuma ligação que possa ser notada à priori,
pois a causa e o efeito são cousas inteiramente
diferentes que nunca se encontram juntas. O
mais profundo exame nunca nos faz notar um
efeito na sua pretendida causa, e mesmo nos
casos em que a experiência nos mostra um efeito
que sucede a tal causa, a nossa inteligência pode
conceber um grande número de efeitos igual-
mente naturais. E afirma, que não existe um só
caso em que, sem o auxílio da experiência, se
possa determinar os acontecimentos quer quanto
41
à qualidade das causas, quer quanto à qualidade
dos efeitos.
Assim, a idea de causa não constitue uma
excepção à regra segundo a qual todas as nossas
ideas resultam da sensação (i). ^ Mas falta-nos
completamente toda a ideia de conexão causal
ou de poder de relacionação por não podermos
formar nenhuma ideia de cousas que nunca afe-
ctaram nem os nossos sentidos externos nem o
nosso sentimento interior? Não falta, pois, se-
gundo HuME, a idea de causa não provêm de
uma impressão isolada, da percepção de um ob-
jecto individual, mas resulta do nosso hábito de
vêr como muitas impressões e muitos objectos se
seguem numa certa ordem.
Deste modo, tal ligação à qual a experiência
nos acostumou, esta transição habitual que faz
passar a imaginação do objecto que precede pára
aquele que o costuma seguir, é — como inter-
preta Weber — o único sentimento, a única im-
pressão segundo a qual nós formamos a ideia de
poder, de causalismo, de ligação necessária.
O determinismo de Hume em psicologia passa
para a história, fazendo dele com Hobbes e Spi-
NOSA um dos fundadores da sciência histórica po-
sitiva, isto é — diz Weber — «baseada no princí-
pio da necessidade das acções humanas».
Ed. Fueter ao tratar de Hume diz que não é
(i) Wèber, Histoire de la Philosophie Européenne, 1897,
pág. 410-411.
42
fácil determinar a posição do filósofo ao lado de
Voltaire ; e depois de dizer que a cronologia das
obras dos dois escritores leva a quási poder afir-
mar-se que o Siècle de Louts XIV, de Voltaire,
foi para Hume um incitamento, logo nos declara
que é difícil estabelecer em que grau foi este in-
fluenciado por aquele, se bem que considere vero-
símil que Hume deva a Voltaire a iniciativa da
sua obra(i).
Ora a verdade, é que as ideas directrizes que
Hume nos apresenta na sua História de Ingla-
terra, em seis volumes, aparecida entre 1754 e
1763, são o desenvolvimento das que já paten-
teara nos Essays de 1749, nos Ensaios morais e
políticos de 1742, e no Tratado da natureza hu-
míi/ia publicado em 1739.
É certo que Hume aparece-nos inferior a Vol-
taire na forma de tratar os assuntos, na investi-
gação e critica das fontes, no estudo do encadea-
mento de factos, na profundeza dos juízos e co-
mentários, na compreensão da influência do meio
e dos factores económicos, e no descritivo da cul-
tura artística e do estado mental das sociedades
de que se ocupa. Mas, em compensação, estuda
bem os caracteres das personagens de que se
ocupa, tornando-se saliente como historiador psi-
cólogo, e — como diz Hõffding — «tem êle o mé-
rito de haver sido o primeiro que procurou fazer
(i) Ed Fueter, Histoire de 1'Historiographie, 19 14, pá g. 452
a 456.
43
da história alguma cousa mais que uma simples
descrição de guerras, pois ocupou-se do estado
social, dos costumes, da literatura e das artes» (i).
O seu critério generalizador levava-o a afir-
mar que é um facto reconhecido universalmente
que em todos os séculos e em todas as nações
as acções humanas apresentam um grande cará-
cter de uniformidade; que a natureza humana
tem-se mantido nos seus princípios e na sua mar-
cha ordinária; enfim, que os mesmos motivos
produzem sempre a mesma conduta, que os mes-
mos acontecimentos provêem sempre das mesmas
causas, e que «a principal utilidade da história
consiste em descobrir os princípios constantes e
universais da natureza do homem».
I ° — Voltaire e os seus seguidores na historiografia
racionalista
Se David Hume é, como historiador, ainda uma
figura d9 transição do período humanista para
o racionalista, Voltaire individualiza completa-
mente a historiografia do racionalismo.
Como aqui só nos interessam os caracteres da
historiografia racionalista que se referem aos mé-
todos e processos de investigação e crítica das
fontes nada diremos das concepções filosóficas,
religiosas e outras e dos modos de ser políticos e
sociais dessa fase do historismo moderno.
(i) HQffding, ob. cit., pág. 449.
44
Como diz FuETER a historiografia do raciona-
lismo foi fundada por Voltaire. Porém, agora, nas
obras históricas do autor do Siècle de Louis XIV,
não nos interessa a sua filosofia da história, o
seu ponto de vista administrativo, ou a impor-
tância dada por êle à cultura das belas-artes e
das sciências nos Estados, nem a sua esperança
na panaceia política do absolutismo esclarecido,
nos grandes momentos de crise nacional, nem a
apologia do predomínio da burguesia, do terceiro
estado laborioso e progressivo, e das classes
esclarecidas no governo dos povos, nem a sua
neutralidade em questões de natureza internacio-
nal, nem a sua imparcialidade em assuntos polí-
ticos.
Já é mais de atender aqui a forma como êle no
Siècle nota o encadeamento dos factos e faz o
estudo, muito completo, de uma sociedade nas
suas diversas actividades : política, financeira,
religiosa, artística, etc, e o conhecimento que
mostra da organização e funcionamento dos vá-
rios serviços do Estado. Mas o que aqui nos
importa salientar, principalmente, são os caracte-
res do método histórico de Voltaire tanto no que
se refere ao estudo das fontes como à sua crí-
tica.
Voltaire é em história um objectivo, é mesmo
o iniciador da crítica objectiva. Êle procura
estar sempre em relq-ção estreita com os documen-
tos que se ocupam dos factos que descreve, na
impossibiUdade de estar em contacto com os pró
45
prios factos. Mas êle não se limitava a colher in-
formações, a reunir testemunhos, pois punha um
extremo cuidado em estudar, analisar e criticar
as fontes a que recorria antes de as utilizar como
origem do conhecimento histórico. Tanto o seu
Siècle de Louis XIV como o Essai sur les moeurs
conteem várias passagens em que êlc, pelo seu
trabalho crítico, depois de analizar afirmações
feitas pelos historiadores que o antecederam, as
emenda e rectifica.
É extraordinária a documentação com que se
apetrechou Voltaire para escrever o Siècle de
Louis XJV. Informações verbais, leitura de cor-
respondências e de memórias, de relatórios, fo-
lhetos e panfletos : tudo procurou conhecer, re-
fletir, analizar e criticar.
Sabe-se bem que lhe forneceram informações
os d'Argenson, Richelieu, Chateauneuf, Vendome
La Fare, Caumartini, o abade Servien, a duquesa
de Maine, Villeroi, Villars, o marquês de Fenelon,
os parentes de Fouquet, de M.'"^ de Maintenon,
Bolingbroke, a duquesa de Marlborough, lord Pe-
terborough, etc. Percorreu as memórias, ainda
inéditas, de Torcy e de Villars, as de Dangeau e
de Saint-Simon, e as de Luís XIV — que lhe foram
patenteadas pelo marechal de Noailles — tudo isto
além de 200 volumes de memórias impressas, e
de manuscritos dos Arquivos do Estado que êle
teve à sua disposição como historiógrafo oficial.
E deve notar-se que tudo isso era passado a uma
fieira mais ou menos apertada, para o tempo, da
46
crítica de interpretação, de sinceridade e de exa-
tidão (i).
Mas deve tomar-se em conta que se a crítica
de Voltaire em história marca enorme avanço
sobre a do humanista Bernardo Giustiniani, do
século XV, ela apresenta-se ainda muito atrasada
no Essai sur les mosurs em relação à de Mommsen
— por exemplo — ao tratar da antiguidade clás-
sica.
Contudo, é incontestável que a influência de
Voltaire foi enorme na historiografia moderna.
Se David Hume — como já dissemos — foi, tal-
vez, menos influenciado do que afirma Ed. Fue-
ter pelas concepções historiográficas de Voltaire,
já o mesmo não se dá com os historiadores in-
gleses WiLLiAM Robertson e GiBBON — aquclc
muito mais do que este, mas ambos seguidores
de Voltaire, cada um à sua maneira.
Efectivamente, Robertson foi um muito fiel
adepto do famoso patriarca de Ferney como êle
próprio o declara na Introdução à História de
Carlos V. Esta obra — que é a melhor desse his-
toriador escossês — apresenta, contudo, diferen-
ças salientes das obras históricas de Voltaire.
A famosa Introdução da História de Carlos V
é um estudo feito com muito método, poder de
coordenação e vista de conjunto da Idade Média
desde o período feudal, anárquico e dissolvente.
(i) Vêr GusTAVE Lansom, Histoire de la Littérature Fran-
çaise, 8.* ed., pág. 694-699.
47
até à constituição das monarquias modernas.
O seu ponto de vista geral e cosmopolita — que o
afasta do particularismo insular de Hume — é uma
característica da influência de Voltaire, como o
é a forma de estudar as manifestações de vida
das sociedades, e de encarar a acção civilizadora
do clero na Idade Média e nas colónias euro-
peias da América.
Edward Gibbon, muito menos que Robertson,
também sente a iufluência de Voltaire se bem
que fique muito aquém deste na profundeza da
crítica, na capacidade de apreensão e vista do
conjunto da sociedade romana do período da de-
cadência do império. São estes os dois histo-
riadores ingleses qtie mais documentam o reflexo
do racionalismo francês.
A influência de Voltaire não deixou de chegar
à Alemanha, fazendo-se sentir nas obras de Sch-
lõzer, menos na História da Alemanha de Schmidt,
mais nos trabalhos de história política e eclesiás-
tica de Spittler, e muito exteriormente nas obras
históricas do memorialista Frederico o Grande(i).
(i) Frederico Ti não é propriamente um historiador, e muito
menos um historiador racionalista. Alem de lhe faltar uma vista
de conjunto, uma cultura geral e um saber extenso e equilibrado,
não poude abstrair o coeficiente pessoal, resultando daí que as
suas apreciações e os seus juízos são dogmáticos, peremptórios,
incompletos, unilaterais. No ponto de vista do estudo das fontes
deixa imenso a desejar, pois — como diz Fueter — «não escrupu-
lisava em alterar os textos das cartas e dos discursos que inseria
ou era retocar a seu favor a conta das suas perdas». Também, a
sua concepção da história, a forma de a escrever, e a maneira
48
2." — Montesquíeu e os seus adeptos no racionalismo
histórico
Montesquíeu e os seus seguidores como De-
LOHNE, Ferguson, Pristley 6 Heerem não nos in-
teressam aqui especialmente, pois não se ocupa-
ram das fontes históricas e da crítica documental
— assuntos estes de que principalmente aqui tra-
tamos.
Efectivamente, as Considerations sur la gran-
deur et la décadence des Romains e o Esprit des
Lois, de Montesquíeu, são muito mais obras de
filosofia politica que de história. As suas facul-
dades especulativas e a ausência de aptidão crí-
tica manifestam-se comummente nas suas genera-
lizações audaciosas, nas suas sínteses de fantasia :
umas vezes sem a menor base documental, ou-
tras assentes em testemunhos falsos que êle admi-
tia sem reflexão nem a mais pequena tentativa
de fiscalização, e só porque os escritores clássi-
cos ou outros lhos patenteavam.
de julgar os acontecimentos se ressentem dos seus sentimentos
pessoais e da sua situação política.
Frederico II, general eminente e monarca absolutista, não po-
dia encarar a história no ponto de vista popular ou burguês —
como o faziam os racionalistas. Mas, se êle só exteriormente é
um discípulo de Voltaire, e como tal se pode filiar na corrente
do racionalismo historiográfico, não há dúvida que como memo-
rialista e escritor militar é notável.
Os seus livros de Memórias^ a sua História de meu tempo, e
a História da guerra dos sete anos, são ainda hoje bons modelos
de obras de história política e militar.
49
Os seguidores de Montesquieu ocupam-sc,
como este, da lilosoíia c da filosofia da história,
e Heeren é principalmente conhecido pelas suas
obras de história politica e económica, especial-
mente de história do comércio dos povos antigos.
Assim, João Luís Delolme escreve a sua Cons-
titution de l^Angleterre; Ferguson é o autor do Es-
say ou the History of Civil Society, e da History
ofthe Progress and Termination ofthe Roman Re-
public; J. Priestley publica, em 1768, o Essay of
the flrst Principies of Government. Heeren é
mais objectivo, mostrando-se, por vezes muito
empírico na interpretação dos fenómenos ideais
ou manifestações do espírito, como sucede na sua
Geschichte der Klassischen Literatiir im Mittelalter,
e que vai até ao fim do século xv (i).
3.° — Outros historiadores do período
racionalista
Quanto a Winckelmann — o criador da histó-
ria da arte — que Fueter inclui na historiografia
(i) Porem, no que respeita à história política e económica de
Heeren deixou três obras muito importantes : as Ideas sobre a
politica, as relações e o comércio dos povos da antiguidade (dos
egípcios aos gregos) e os dois Manuais — um de história antiga, e
outro de história poh'tica e colonial da Europa moderna.
Nesses três trabalhos o seguidor de Montesquieu e o discípulo
de Adam Smith excede muitas vezes os seus modelos, rectificando
o exclusivismo moral e político do Esprit des lois, com as con-
cepções e teorias económicas do autor famoso das Investigações
acerca da natureza e causas da riquesa das nações.
4
Do
racionalista, e que nós prefeririamos considerar
como um precursor da escola romântica, o caso
é já diferente, pois na sua História da arte na
antiguidade êle mostra quanto presa e segue a
análise das fontes^ e quanto senso critico aplica
ao estudo destas (i).
Também Justus Mõser, que Ed. Fueter, só
para atender à cronologia, coloca entre os escri-
tores do período racionalista, é, quanto a nós,
um verdadeiro precursor dos historiadores realis-
tas contemporâneos pela forma scientiíica como
trata os seus assuntos, pelo critério liberal, bur-
guês e anti-etatista que mostra, pelo pouco res- '
peito em face das fórmulas e preconceitos, pela
inovação no estudo da história social, pelo nexo
que estabelece entre os factores económicos e po-
líticos no estudo das sociedades, pela subordina-
ção da história da cultura à história social, pelo
ponto de vista administrativo e constitucional
seguido no estudo da história dos povos, etc.
Enfim, um dos caracteres mais salientes do mé-
todo de estudo de Mõser é a forma objectiva e
o método crítico que êle aplicava nas suas inves-
tigações.
Referindo-se a tal escreve Fueter :
«Já os Beneditinos e os publicistas imperiais
tinham largamente usado de documentos para
esclarecer e confirmar a história. Mas ninguém
havia, como Mõser, escrito a história pelos docu-
(i) Vêr Fueter, ob. cit.^ pág. 486 e 487.
s
mentos. Foi êle o primeiro historiador para
quem tais documentos constituiram outra cousa
mais que provas em apoio de uma investigação
genealógica e arqueológica, pois eram para êle
um pedaço da história viva. Êle soube, apenas
com o auxílio deles, reconstruir personalidades e
lutas sociais, exactamente, por que não admitia a
seu testemunho tão docilmente como os Benedi-
tinos costumavam fazer. Ao passo que estes se
limitavam a perguntar se tal era ou não autên-
tico, MõSER submetia os documentos à crítica
interna, sem cair nas leviandades dos Racionalis-
tas» (i).
E precisamente a este cuidado e a esta aptidão
crítica que Mõser deve o sucesso e a resistência
da sua obra.
Outros historiadores nos apresenta o raciona-
lismo alemão e suíço, figurando entre os primei-
ros o famoso Schiller, muito mais poeta e dra-
maturgo que historiador do levantamento dos
Países-Baixos e da guerra dos trinta anos ; o sen-
timental JoHANNEs Mííller; O famoso Herder bem
conhecido pelas suas Ideas sobre a filosofia da
história e da humanidade ; o teólogo Eichhorn; e o
professor de história Schlosser — figura de tran-
sição, mais romântico que racionalista.
Da Suíça francesa é de salientar Sismondi —
(i) Histoire dela Historiographie Moderne, 19 14, pág. 4^3,
52
famigerado autor da História das repúblicas ita-
lianas na Idade Média — obra sumamente impre-
gnada do espirito, e até do estilo^ do Contrato so-
cial de J. J. Rousseau. Porém, nenhum desses
historiadores se distingue pelo estudo cuidadoso
e profundo das fontes liistóricas e pela apUcação
da critica às investigações, sendo de apontar,
apenas, Muller — bibliotecário em Cassei e his-
toriógrafo oficial — que procurou imitar, na re-
colha das fontes, os beneditinos de S. Maur — o
que fez, porém, confusamente, com pequena cri-
tica e bastante parciaUdade nacionalista (i).
(i) A sua História da Suiça é muito mais uma obra apologé-
tica que scientífica.
CAPÍTULO III
Alguns trabalhos de erudição e crítica históricas
feitos no século XYIII
Continuando o nosso estudo sobre a evolução
da erudição e da critica históricas devemos dizer
que o século xviii não limita a sua actividade
historiográfica aos escritores de síntese que aca-
bamos de enumerar ao tratar da escola raciona-
lista.
Os trabalhos de erudição, e especialmente os
de critica histórica, que na opinião de Ranke,
Sybel e NissEN só começam a ser feitos seria-
mente a partir da Renascença, sobem de impor-
tância e de perfeição durante o século xviii (i).
(i) É certo que alguns bibliólogos eminentes sustentam
que na antiguidade se praticava — e bem — a crítica das fontes.
Langlois no seu excelente Manuel de Bibliographie Historique
afirma que : «a crítica das fontes e de proveniência foram pra-
ticadas de uma forma muito brilhante, desde a época dos Ptlo-
meus, nas escolas fundadas em volta das célebres bibliotecas de
Alexandria e de Pergamo». E depois de falar da grande activi-
dade dos gramáticos e filólogos, dos editores e comentadores de
textos da Alexandria, apresenta-os como «os precursores e pro-
54
Não há dúvida que^ — como diz Langlois — «a
critica filosófica foi tão estranha aos homens da
Renascença como aos da antiguidade e da Idade
Média», mas tal já não se dá no século xvii, e,
especialmente, depois do aparecimento do Dis-
curso do Método de Descartes.
É certo, também, que o uso e abuso da aptidão
sintética na formação das ideas gerais, devido à
especulação cartesiana, sacrificou, por vezes, os
estudos de detalhe, as investigações minuciosas,
a erudição conscienciosa, substituindo tudo isso
por conceitos gerais e afirmações vagas e auda-
ciosas— o que fazia escrever ao eniinente Huete
na sua Hetiana aparecida em 1722 :
ali se forme une cabale d'apedentes, de gens
ignares et non lettrés, qui, sentant leur incapacite
et ne pourrant se resoudre á une étude assidue,
ont cherché un chemin plus court pour se mettre
au-dessus de ceux dont la comparaison les ren-
dait méprisables; ils ont entrepris de ridiculiser
Térudition».
Mas, a penetração do espirito objectivo das
totipos dos eruditos ocidentais do século xvi», e escreve : «Não
resta dúvida alguma que os grandes «filólogos» da Antiguidade
foram tão hábeis como os melhores humanistas». Também sa-
lienta a actividade dos eruditos da Idade Média. Mas tudo isso
é relativo aos trabalhos de filologia, porque referindo-se aos da
história confessa : «É verdade que os historiógrafos propriamente
ditos da Antiguidade e da Idade Média não tomaram, nos. seus
trabalhos, as precauções reflectidas que são actualmente de rigor !
Eles operaram instintivamente e por consequência, muito mal ;
mas nem to.ios". Vide ob. cit., pág. 243-245.
55
sciências de observação, que haviam progredido
muito, .no domínio da erudição vieram dar no
século xviii um novo impulso ao estudo das fontes
históricas e à aplicação dos métodos da critica
filosófica e da lógica aos conhecimentos históri-
cos.
Os trabalhos de erudição que já eram numero-
sos no século XVII aumentaram de importância
no século XVIII.
Vejamos, muito sumariamente, alguns, segundo
os países onde apareceram :
I ." Alemanha. — Na Alemanha, depois da guerra
dos Trinta anos, e devido ao impulso de Leibniz,
começaram a aparecer as colecções de documen-
tos a partir dos fins do século xvii e início do sé-
culo XVIII.
Efectivamente, em 1693 o eminente filósofo
pubhcava o Codex júris gentium diplomaticus ;
em 1700 aparecia a colecção da Mantissa docu-
mentorum (i); e como historiógrafo da casa de
Brunsw^ick-Luneburgo fez grandes investigações
nos arquivos e bibliotecas onde colheu os mate-
riais para os seus Scriptores rerum brunsvicen-
sium, de que publicou três volumes, entre 1 707 e
171 1 — obra essa que é uma colecção cheia de
informações sobre a Idade Média alemã, a his-
tória do Saxe, o governo dos guelfos, etc.
1 Ver acerca da obra de Leibniz: L. Davillé, Leibni^ historien,
essai stir Vactivité et la méthode historiques de Leibni^ (1909);^
FuETER, ob. cit.^ pág. 392,
56
Nesse mesmo ano de 1700 aparecia de Leibniz
as Accessiones historicae, quibiis potissimum conti-
nentur scriptores rerum germanicarum, et aliorum
hacteniis inediti.
Aí figuram publicados cinco trabalhos históri-
cos da Idade Média, sendo o primeiro de um cro-
nologista saxão — talvez do mosteiro de S. João
de Magdeburgo — que elaborou uma história
desde o nascimento de Cristo até 1188; o se-
gundo trabalho é uma crónica de JoÃo Vito, até
1348; o terceiro tem o título de Gesta Treviorum,
por ser atribuída ao monge Goschier, de Treves;
o quarto é uma crónica atribuída a Helmodus,
contra os dinamarqueses ; o último é a Crónica
de A Ibérico, monge das três Fontes, que vai
desde a criação do mundo até 1241, muito cheia
de genealogias e notícias diversas de famílias e
casas pouco conhecidas, pelo que foi depois muito
utilisada.
Mas não ficou por aí a actividade de Leibniz,
pois ainda elaborou uma colecção — a dos Anais
do Império do ocidente, de 768 a ioo5, que ficou
inédita e incompleta mas que é no dizer de Ch.-V.
Langlois «a sua obra prima histórica», sendo
mais tarde publicada por G. H. Pertz(i).
Mais tarde os seus discípulos — entre quais
(i) Efectivamente, entre 184'^ e 1846 aparecia em Hanover
a G. W. Leibnitii Annales imperii Occidentis Brunsvicenses, em
três volumes, com uma introdução, na ed. de Pertz. Vêr Pro-
ject d'iine édition internationale des oeuvres de Leibni^, artigo do
Journal des Savantes, de igoS ; Ch.-V. Langi ois, Manuel de Bi-
bliograpliic Hislorique, pág. 3ig.
57
figuravam Eckhart — publicavam as Origines
guelficae; e a influência da publicação de Codex
júris, de lôgS, fazia-se sentir no Corps imiversel
diplomatique du droit des gens . . . depuis Charle-
magne jusqu^à present — obra essa de Jean Du-
MONT, em oito volumes, que apareceu em Amster-
dam de 1726 a lySi, e em outras colecções.
Também, ainda devido ao exemplo de Leibniz
aparecia em 1728 o Corpus historicorum medii
aepi, de J. G. Eckhart, e de 1721 a 1745 publi-
cava-se a colecção dos Scriptores rerum austria-
cariim veteres ac gemiini; de 1728 a i83o apare-
cia a colecção dos Scriptores rerum germanicarum,
praecipue saxonicarum, por J. B. Mencke; em
1763 surgiam os Scriptores rerum. boicarum, por
A. F. voN Oefele; em 1772 os Scriptores rerum
danicarum medii aevi, de J. Langebek, etc. Em-
fim, B. Pez coligia o Thesaurus anecdotorum, que
apareceu, em sete volumes, de 1721 a 1729; as
Relliquiae manuscriptorum omnis aevi diplomatum
ac monumentorum, de J. P. Ludevv^ig, em doze
volumes, que aparecia entre 1783 a 1741, etc,
etc. (i).
Também em Francfort e Leipzig aparecia em
1699 uma «Brems Introductio a d Historiam sa-
crans utriusque Testamentis; ac precipue christia-
namy>^ por Frederico Spanheim, numa «edicio fere
nona, oranium purgatissima» (2).
(i) Vêr Ch.-V. Langlois, ob. cit.^ pág. 320.
(2) Acerca dessa obra vêr Journal des Savants, Paris, 1700,
pág.. 236 a 245, 253 a 259, e 261 a 269.
58
Entre as principais obras de carácter político
e administrativo, e que inserem documentos ou
neles se baseam, encontram-se os cinqúoenta vo-
lumes de J. J. MosER — Teutsches Staatsrecht, de
1737 a 1754; e a obra do mesmo investigador:
Staatshistorie Teutschlands unter Karl VII; os
onze volumes de Gerstlaeker — Handbuch der
teutschen Reichsgeseí^e in systematischer Ordnung,
1786 a 1793; os seis volumes de Harpprecht —
Staatsarchiv des Reichskammergerichts, de 1757 a
1785; os dois volumes das Institutions politiques
de BiEFELD, etc. ; o Exame crítico da história se-
creta da corte de Berlim, de Trenck ; as obras de
ScHLõzER e, mais especialmente, as primeiras de
Gatterer; a História da Alemanha, de Schmidt;
as Memórias, a História do meu tempo e a Histó-
ria da Guerra dos Sete anos, de Frederico II —
todas escritas e publicadas no decurso do sé-
culo xviii ; as obras de Johannes Muller — já por
nós citadas, etc, etc. E não se devem esquecer
as dezenas de volumes da História da Academia
Real das S ciências e Belas- Letras de Berlim.
Apesar de todas estas e de muitas outras gran-
des colecções viu-se logo que a publicação siste-
mática dos documentos tinha que ser uma obra
colectiva, levada a efeito por uma Academia, por
uma sociedade scientifica(i). Por isso Leibniz
(i) A erudição monástica não teve na Alemanha a mesma im-
portância e influência desfrutadas em França — país católico. Mas
na Áustria são de citar as obras saídas dos mosteiros de Melk e
de Gõttweih.
59
trabalhou no sentido de serem criadas grandes
Academias scientííicas, chegando o seu amigo von
BoiNEBURG a elaborar, em 1670, o plano de um
Colleghim universale eruditoriim in Império Ro-
mano, destinado principalmente à elaboração de
obras de bisaria.
Mais tarde, outros tentaram a fundação de um
Historisches Reichskollegium qp.e não subsistiu^ até
que, em 1 700, Leibniz conseguiu do rei Frederico I
da Prússia a criação da Sociedade das Sciências que
mais tarde, no tempo de Frederico II, em 1744,
foi reorganizada e desenvolvida, tornando-se a
Academia das Sciências e Belas-Letras da Prús-
sia, que ainda nesse século produziu importantes
colecções de inéditos sobre a história da Prússia^
a história da Alemanha na Idade Média, etc.
Mas a Alemanha não viu só aparecer nesse sé-
culo XVIII a Academia prussiana, pois também a
Academia das Sciências da Baviera foi fundada
em 1759, começando logo a pubhcar uma colec-
ção de fontes para a história desse país sob o
titulo de Monumenta boiça.
Por sua vez Goetingue viu surgir a sua Aca-
demia das Sciências, que, fundada em 1752 e
organizada em 1770, projectou logo a elabora-
ção de colecções de fontes da Idade Média alemã.
Entretanto, ia-se desenvolvendo e aperfeiçoando
o ensino universitário alemão, abrangendo os
estudos históricos, começando assim a colaborar
no progresso da historiografia scientífica.
Além do uso dos documentos, especialmente
6o
dos manuscritos, na elaboração das obras de his-
tória outros e variados eram os usos em que eles
eram aproveitados.
Assim, em 1727 e 1728 JoÃo Frederico Schan-
NAT publica dois importantes estudos sobre a aba-
dia de Fuld : um com o titulo de A Diocese e a
hierarquia de Fuld, e outro sobre a Defesa de al-
guns Diplomas dos Arquivos da Abadia de Fuld.
Numerosos são os documentos citados e trans-
critos— todos tendentes a comprovar a tese do
autor, segundo a qual a abadia de Fuld não era
uma diocese, não dependendo senão directamente
da santa sé.
Já anteriormente, em 1726, o mesmo autor ha-
via publicado um desenvolvido Tratado histórico
e jurídico sobre os feudos e vassalos pertencentes à
abadia de Fuld, igualmente baseado nos diplomas,
escrituras de doação, etc, acerca da referida aba-
dia (i).
Pelo que se acaba de vêr deve concluir-se que
foi muito importante a obra realizada, no sé-
culo xvui, pela Alemanha quanto às sciências de
erudição. É certo que muito do trabalho efe-
ctuado teve que ser revisto e refeito posterior-
mente, mas em história mais do que em outras
sciências não há obras definitivas, e as elabora-
das no século XVIII constituíram étapes essenciais
ao progresso histórico.
(i) Vêr Journal des Savants^ Paris, Janeiro de lySo, pág. 12
a 17.
6i
2.° Inglaterra. Foi regularmente importante
a obra da erudição realizada no século xviii pela
Inglaterra.
Além das colecções que sobre história da
igreja ali foram publicadas, figuram em pri-
meiro lugar a das Origines sive antiquitates eccle-
siasticae de J. Bingham, em lo volumes, aparecida
entre 1722 e 1729; os Consilia Magnae Brita-
niae et Hiberniae, de Wilkens, aparecidos em
Londres, em 1737, sendo muito importante a pu-
blicação dos documentos políticos e outros. E
certo que essa publicação nem sempre se fez cor-
rectamente como sucedeu aos Rerum anglicarum
scriptores de W. Fulman, de 1684; aos Historiae
britanicae scriptores quindecim, de Th. Gale; às
colecções de Hearne, Hall e Spark, ,etc., —
obras essas que tiveram mais tarde de ser corri-
gidas.
Quanto à história política e diplomática são
de citar, além dos «Records», de W. Prynne, apa-
recidos entre 1666 e 1668, a célebre colecção de
documentos diplomáticos dos arquivos da Chan-
cery e do Exchequer que começou a aparecer em
1704 com o título: Foedera, conventiones, Litterae
et cujusciimque generis Acta publica inter reges
Angliae et alias quosuis imperatores, reges, pon-
tífices, príncipes, vel communitates, a partir de
I lOI.
62
Esta obra elaborada por Tomas Rymer até ao
tomo XV, que atinge Julho de 1 586, foi continuada
até ao tomo xx, compreendendo os papéis sobre
ligas, tratados, alianças, capitulações^ etc, até
i654, e que apareceu em lySS (i).
Na segunda metade do século xviii era orde-
nada pelo Parlamento inglês a publicação dos
velhos «Rolos do Parlamento», com o título : Ro-
tuli parlamentorum, iit et petitiones et placita in
Parliajnento, da qual apareceram seis volumes.
Também a genealogia^ a heráldica, a história
local, a arqueologia e a história administrativa
mereceram no século xviii atenções especiais.
Quanto á arqueologia são de citar as obras
editadas pela Sociedade dos Antiquários de Lon-
dres, que desde 1 747 faz publicar a famosa cole-
cção dos Vetusta Monumenta,, e a partir de 1770
fez aparecer a famosa revista Archaeologia.
Acerca da história económica e financeira da
Inglaterra é de citar The history and antiquities of
(i) A esta edição seguiram-se mais três. A segunda também
em vinte volumes, apareceu em Londres, de 1727 a 1735 ; a ter-
ceira, em dez volumes, na Haia, de 1739 a 1745 ; a quarta — que
é a Record edition — é feita em quatro tomos de sete volumes, e
foi publicada em Londres entre 1816 e 1869.
Das edições completas a mais correcta é a terceira, conhecida
pela Diitch edition.
Para facilitar as investigações, Thomas Duefus publicou entre
1869 e i885 um quadro geral da Colecção estabelecendo a con-
cordância entre as quatro edições, é o Sillabus, in english of
Rymer's Foedera, em três grandes volumes.
63
the Exchequer, a qual foi publicada em duas edi-
ções, em 171 1 e 1769.
3.° Itália. Na Itália os trabalhos de erudição
brilharam bastante no século xviii, pois o am-
biente, as tradições politicas e literárias, as rique-
zas documentais dos acquivos, a intensa vida
política e a grande importância religiosa — tudo
se congregava para tornar rica a historiografia
no pais dos Apeninos. Se mesmo na Idade Mé-
dia foi sempre mais ou menos activa a vida do
espirito na Itália, e na Renascença chega a ser
grande, enorme o brilho que ali desfrutam as ar-
tes e as letras, é só no século xviii que lá aparece
um MuRATORi, significativamente designado pelo
«padre delia storia critica italiana» (i).
(i) É sabido que se a Reforma bastante contribuiu para estan-
car o progresso das letras e das artes, ela foi, pelas questões que
suscitou, um importante estímulo para o grande desenvolvimento
dos estudos históricos, especialmente dos de história eclesiástica.
Pertence a essa ordem de trabalhos históricos, apologéticos
e críticos, por parte do catolicismo, a célebre colecção dos Annã'
les Ecclesiastici, de César Baronius, cujo primeiro volume apare-
ceu em i588, em resposta à famosa História da Igreja^ em treze
volumes, do protestante Mathias Flacius Illyricus.
A obra de Baronius que só atinge 1198 foi continuada: por
Bzovius e Raynaldi até i565, em mais seis volumes, que aparece-
ram entre 1646 e 1677; por Laderchi, até 1571, em três volumes,
de 1728 a 1737 í e pelo P. Theiner até iSgo em outros três volu-
mes, em i856.
Deve dizer-se que a obra de Baronius gosou de boa fama e
teve grande importância através dos séculos xvii e xvnr, apesar das
64
A obra de iniciativa e o esforço de propulsão
realizados nos estudos históricos por esse arqui-
vista e bibliotecário dos duques de Modena fa-
zem lembrar muito a acção desenvolvida por
Leibniz na Alemanha, conforme já espusemos.
O erudito Luís António Muratori antes de ini-
ciar as grandes obras de conjunto havia publi-
cado, na integra ou em extracto, muitos manus-
critos das bibliotecas e arquivos italianos, espe-
cialmente da Biblioteca Ambrosiana. Pertence
a essa fase da vida de Muratori, e a esse género
de obras, as vAnecdota quae ex Ambrosianae Bi-
bliothecae Codicibus nunc primuni eruity>.
Muratori que era «in eadem Bibliotheca Am-
brosiani CoUegii Doctor», publica no primeiro
tomo, aparecido em 1697, quatro poemas de
S. Paulino, bispo de Nole, sobre o dia do nasci-
mento de S. Félix, encontrados na Biblioteca
Ambrosiana que Muratbri acompanha de muitas
notas e vinte e duas dissertações com esclareci-
grandes obras de crítica com que responderam os protestantes,
sendo das principais a do helenista Isaac Casaubon, Exercitatio-
nes in Ba?'omum. Em 1746 aparecia na imprensa de Leonardo
Venturini, do Lucas, o xix da nova edição dos Annales, com ob-
servações do padre JoÁo Domingos Mansi, o qual dirigiu também
a continuação feita por Odorico Reinaldo.
Como diz Langlois, a tradição de Baronius foi continuada em
Roma através do século xvn por uma plêiade de eruditos como
Lucas Holstenius, Leon Allatius, Ughelli, etc, sendo de citar
especialmente a colecção em nove volumes da Itália Sacra, de
Ughelli, publicada em Roma entre 1644 e 1662. É depois que
aparece Muratorl
65
mentos e comentários sobre várias passagens dos
poemas(i).
O segundo tomo das Anecdota contêm, entre
outros, os seguintes manuscritos : uma profissão
de fé de Bachiarius, pois este tendo nascido numa
região suspeita de heresia fora caluniado de heré-
tico — o que procura contestar, declarando a sua
fé sobre os pontos de doutrina do catolicismo ;
uma História de Milão de JoÃo Cermenate; um
manuscrito com uma condenação da heresia dos
Maniquêos; um afamado discurso de Eneas Síl-
vio PicoLiMiNi quando foi enviado, na qualidade
de núncio, por Nicolau V, à Boémia, Moravia e
Áustria para restabelecer a reUgião; um catá-
logo de relíquias do tempo de S. Gregório, es-
crito em papel do Egito; e duas crónicas dos reis
de Itália, sendo tais peças acompanhadas de im-
portantes notas e comentários de Muratori(2).
MuRATORi não era somente um erudito^ um in-
vestigador, era também um pensador, um filo-
sofo. Em 1745 aparecia em Venesa a sua obra
Delia for^a, delia fantaiia umana, onde êle trata
da diferença entre a inteligência e a imaginação,
da sede e funções da imaginação criadora —
«fantazia», da imaginação como manifestação
divina, da memória, dos sonhos, do sonambu-
(1) Acerca desse tomo e das notas e comentários de Mukatori
ver : Le Journal des Savants^ Paris, de 8 de Junho de 1G99, pág. 261
a 264.
(2) Sobre esse tomo ver : Ibidem^ pág. 265 a 267.
5
66
lisQio, loucura, das relações da alma com o corpo,
da filosofia moral e cristã, etc, etc.
Como Leibniz, também Muratori aconselhou a
formação de uniões, repúblicas ou ligas entre os
eruditos para a elaboração das grandes obras
que só podem ser levadas a efeito por uma acção
colectiva. E também êle, como o eminente autor
da Monadologia, dá o exemplo escrevendo obras
de erudição, e elaborando importantes colecções
como a dos Reriim italicariim scriptores [i), em
vinte e sete tomos, de 1728 a lySS (2); os quatro
(1) Esta obra, como o seu título significa, é uma colecção de
vários escritores de história da Itália, indo do ano Soo a i5oo.
Uma grande parte dos trabalhos editados por Muratori eram
inéditos mas outros já haviam sido publicados. Assim, no tomo xx
aparece, a abrir, uma História de Siena^ a partir de 1422, por JoÂo
Bando de Bartholomaeis, depois continuada, sucessivamente, por
Francisco Thomasio e Pedro Rui fio. Seguem-se : o Diário das
operações de Jacques Picinini na guerra dos venezianos com
Francisco Sforza, duque de Milão — Diário esse escrito por PoR-
CELLi, poeta e secretário de Afonso I, das Duas Sicílias; a História
de Florença por Pogge que fora publicada em italiano, e, depois
em 171 5, em latim, por Recanati, acompanhada de uma biografia
de Pogge e de eruditas notas; a História de Mântua, até 1464,
por Bartolomeu Sacco de Cremona — obra dedicada ao cardeal
de Gonzaga, e já publicada em 1765 por Pedro Lambecius; os
Anais de Placência, de António e Alberto Ripalta ; a Vida de Fí'
lipe Maria Visconti, já publicada em Milão, em 162 "í, por Pedro
Cândido Decembri; seguida de uma biografia resumida de Fran-
cisco Sforza, 4.» duque de Milão, do mesmo autor. Termina
o volume por um discurso do mesmo Pedro Cândido Decembri
com a biografia de Nicolau Picinino.
(2) Segundo confessa o próprio Muratori esta e outras das
suas obras foram-lhe inspiradas pelos trabalhos históricos de Lei-
bniz e pelos Tesouros de Graevius — o Thesaurus antiquitatum et
6?
volumes das Antiqiiitates italicae medi aevi, apare-
cidos em Milão, de 1788 a 1742, c que são uma
colecção de dissertações de história política, lite-
rária, e de história da civilização italiana na
Idade Média (i). Ainda publicou uma colecção
de Annali d" Itália, à maneira dos Anais do Impé-
rio de Leibniz (2).
Depois de Muratori é de notar JoÃo Domingos
Mansi, arcebispo de Lucques, que reeditou os
Annales de Baronius, a História eclesiástica, de
Alexandre Nocl, a Vetus et nova Ecclesiae disci-
plina^ de Thomassin, as Miscellanea^ de Baluze,
etc.
Em 1698 começou a aparecer em Roma uma
Collectanea monumentorwn veterum ecclesiae Grae-
cae ac Latinae, que haetenus in Bibliotheca Vati-
cana delituerunt .
O colector Lourenço Alexandre Zacagni, bi-
bliotecário do Vaticano, seguindo o exemplo de
LuccAs d'Acheri, da Congregação de S. Mauro
— que havia amontoado já então, em treze tomos,
uma grande quantidade de manuscritos, e o de Ma-
billon — que já publicara quatro tomos de Ana-
histcriarum Italiae, e o Thesaurus antiqintatum et historiarum
Sardiniae, Corsiae^ etc.
Acerca das influências de Leibniz sobre Muratori ver : Ci-
POLLA, Leibni^ e Muratori, Modena^ 1893; Ch. V. Langi.ois, Ma-
nuel de Bibliographie Historique^ pág. 827 a 829.
(i) Ver Gh. V. Langlois, oè. c/í., pág. 329.
(2) Segundo informa Langlois, loc. cit., estes Anais foram re-
digidos muito apressadamente, estando cheios de inexactidões, pelo
que não teem hoje valor algum.
68
ledas, do padre Labbe, de Cotellier e Baluze,
publicou também uma grande porção de inéditos
do Vaticano na citada Collectanea. Começa pelo
relato de uma conferência entre o bispo Arque-
lao e o chefe dos Maniquêos Manes.
Esse e outros dos manuscritos publicados são
acompanhados de muitas notas de Zacagni(i).
Em 1 766 era publicado em Paris o tomo iii do
importante Abrégé Chronologique de VHistoire
Générale d^Italie, depiiis la chute de 1'Empire Ro-
main en Occident . . . jusqu'au Traité d^Aix-la-
-Chapelle en i'i48, parM. de S. Marc (2).
Também, o operoso Mansi se entregou à pu-
blicação de uma colecção dos Concílios, publi-
cando primeiramente um suplemento à edição
impressa de Nicolau Coleti, em seis volumes, a
partir de 1748, e começando em 1759 a publica-
ção de uma Colecção nova — a Sacrorum Conci-
liorum nova et amplíssima Collectio, que é, segundo
diz Langlois, uma reprodução dos Concílios de
Coleti. Essa enorme colecção conhecida pela
Amplíssima, de Mansi e dos seus continuadores, em
trinta e um volumes (3), preenche a segunda me-
(i) Ver artigos bibliográficos in Journal des Savants, Paris,
1699, pág. 2i3 a 221.
(2) Acerca desse tomo que trata da História da Itália durante
o domínio de quarto imperadores da casa da Franconia e do
imperador Lotário lí, de 1027 a iiSy, ver Journal des Savants,
Paris, 1767, pág. 21 a 28.
(3) Essa obra ficou muito incorrecta. Ver o trabalho do P.
QuENTiN, J. D. Mansi et les Collections conciliaires, Paris, 1900;
Ch, V. Langlois, ob. cit., pág. 33o.
69
tade do século xviii, indo de 1759 a 1798, tendo
ficado incompleta.
O P. André Galland publicou uma importante
colecção patrística — aBibliotteca greco-latina ve-
terum patrum antiquoriimqiie scriptorum eccle-
siasticorum, em catorze volumes, de 1765 a 1781 ;
C. CoQUELiNEs editou a muito importante Bul-
larum privilegiorum ac diplomatum Romanoriim
Pontificum amplissima collectio, em vinte e oito
volumes, publicada em Roma, de 1733 a 1756, e
que a partir do tomo vi tomou o título de Bulla-
riumromantim, sendo depois continuada por Bar-
beei e outros.
A primeira metade do século xviii ainda viu
aparecer na Itália várias obras mais ou menos
importantes de história literária local, como as de
Tafuri, sobre a literatura napolitana; as de Arge-
LATi, sobre a de Milão; os trabalhos de Baudini so-
bre a literatura florentina do «Quattrocento», etc.
Na segunda metade desse século acentuam-se
os trabalhos de erudição, tendo aparecido, entre
1769 e 1771, os dois volumes de Mauro Sarti e
de Fattorini sobre a história da Universidade de
Bolonha, com o titulo De claris archigymnasii Bo-
noniensis professoribus a saeculo líll ad saecu-
lum XIV historia.
O historiador florentino Lami reuniu uma im-
portante colecção de inéditos — sobre a história
religiosa, a história bizantina e a da Toscana —
que apareceu em Florença, entre 1736 e 1769, e
compreende dezoito volumes. Os bibliotecários
70
Assemani publicaram um catálogo de manuscritos
do Vaticano e muitos documentos desse e de ou-
tros arquivos romanos ; e Bandini tornou conhe-
cidos os catálogos de manuscritos da Biblioteca
Laurentiana, e muitos manuscritos desse depósito
• — uns na íntegra, outros em extractos, resumos e
descrições (i). Na Itália não era só a história
propriamente dita que era cultivada, mas igual-
mente o eram as sciências suas auxiliares como
a arqueologia, a epigrafia, etc.
Roma, Verona e outras cidades italianas ti-
nham já na primeira metade do século xviii im-
portantes museus de arte e arqueologia. Acerca
da colecção do museo de Verona aparecia, em
1745, nessa cidade, a obra nDue Dissertaiioni de
Giuseppe Bartoli, Nella prima si da noticia dei
publico Museo d' Inscri^ioni eretto nuovamente in
Verona; e com Fuso delle Osservaiioni, delle Spe-
rien:{e in rispetto delia fisica si paragona l\iso
deWAntichita figurata e scritta relativamente alia
Storia. Nella seconda si dimostra la belle^a d^una
greca inédita Tnscri^ione collocata in questo Museo.
Essa monografia de 222 páginas é acompanhada
de cinco gravuras.
(i) São muito dignos de registo os catálogos de Baudini des-
crevendo os manuscritos gregos e latinos da biblioteca Lauren-
tiana de Florença; o Catalogus codiciim manuscriptorum graeco-
rum, latinorum et italorum Bibliothecae Laurentiana^ Florença,
1764 a 1768, em oito volumes; e a Bibliotheca Leopoldina- Lau-
rentiana, sive Catalogus manuscriptorum qui jussu Petri Leopoldi
in Laurentianam translati sunt, em três volumes, editado em Flo-
rença de 1791 a 1793.
71
Porém, uma grande parte das obras apare-
cidas na península era consagrada à história ecle-
siástica, e às biografias dos mais notáveis padres
e doutores da igreja como o Thesaurus Pontificia-
riim sacrarumque Antiquitatiim . . . , de Fr. Angelo
RoccA Cassierte, em dois volumes, aparecido em
1745; o Thesaurus antiquitatum sacrarum, publi-
cado em Venesa, por esse mesmo tempo, e —
como se diz nos sob-títulos : «contendo as obras
escolhidas dos, homens ilustres que trabalharam
para esclarecer o que se refere aos costumes, leis,
ritos sagrados e civis dos antigos homens» ; as
obras de S. Tomás d'Aquino, editadas por José
Betinelli, de Venesa, em vinte volumes, sendo a
edição dirigida pelo erudito Bernardo Maria de
RUBEIS.
4.° Espanha. Depois de um largo colapso a
bibliografia histórica espanhola apresenta-nos, a
partir dos fins do século xvii, um despertar pro-
metedor seguido de uma grande actividade atra-
vés do século xviii, como estão a atestá-lo, logo
no inicio desse período, a muito importante obra
histórica do marquês de Mondéjar(i); as obras
de João Vergara; as dos cronistas aragoneses
UsTARROz e Dormer, etc, etc. ; e os monumen-
( I ) Acerca das obras do marquês de Mondéjar vêr : o estudo de
Mayans y Siscar que precede a colecção das suas Obras, na edi-
ção de Valência de 1744; Rafael Altamira, Historia de Espana
y de la civili^^ation espanola^ 1906, tomo iii, pág. 558.
72
tais trabalhos bibliográficos de Nicolau Antó-
nio (i).
Na primeira metade do século xviii ocorrem no
pais visinho três factos que muito contribuíram
para o desenvolvimento da literatura histórica
ali : a fundação da Biblioteca Nacional de Madrid,
em 1 7 1 1 , com o título de Real Livraria^ que sob
a direcção de P. Robinet foi aberta ao público
em Março de 1712; a criação, em 17 14, da Real
Academia Espanhola, devido às diligências do'
ilustre marquês de Villena, a qual em 1726 pu-
blicava o primeiro tomo do seu grande Dicioná-
rio^ e treze anos depois o sexto e último; e o
aparecimento da Real Academia de História, em
1738, sob a direcção de Augustin de Montiano y
Luyando (2).
Além dessas, e antes delas^ outras causas con-
tribuíram para o desenvolvimento da historiogra-
fia espanhola no século xviii.
A tendência critica que vinha já do século xvii
e que foi muito reforçada pela influência dos pro-
gressos das sciências matemáticas e da natureza,
bem como a nova orientação da filosofia incidi-
ram sobre os estudos históricos, levando os eru-
ditos ao estudo cada vez mais minucioso das
(1) É NicoLAv António sem contestação o mais notável biblió-
grafo hespanhol dos fins do século xvii como o pode julgar quem
consultar a sua Bibliotheca hispana nova^ de 16/2, e a Bibliotheca
hispana vetus^ de 1696. ^
(2) Vèr Lafuente, Historia de Espana, tomo xiii, pág. SSy
a 365.
73
fontes directas, à sua destrinça e crítica, à pu-
blicação de inéditos, e ao aperfeiçoamento das
sciências auxiliares.
Também, as questões e discussões políticas e
religiosas constituíram estímulos para os estudos
históricos, e^ por tanto, um factor de progresso
de tal especialidade scientifica.
Efectivamente, é grande a actividade dos eru-
ditos espanhóis durante o reinado de Filipe V.
E certo que até ao fim do século xviii não dei-
xam de aparecer historiadores fantasistas e fal-
sários como o famoso Flores — que não hesitava
em forjar diplomas, obras de Santos Padres e
crónicas ; um Francisco Xavier Manuel de la
HuERTA, que em 1788 publicou uma fantasiosa e
absurda História primitiva; Gutièrrez Coronel,
autor de uma desdenhada Historia dei origen y
soberania dei condado y reino de Castilla (1785);
e D. Faustino Borbon — que publicou umas des-
qualificadas Cartas para ilustrar la historia de la
Espana árabe, 1796.
Mas, em contraposição a esses falsificadores de
documentos e forj adores de factos, ergue-se uma
plêiade ilustre de investigadores, de eruditos, de
críticos e de historiadores de síntese. São de
citar, em rápido curriculum, o cuidadoso e probo
colector Gregório Mayans ; o eminente Masdeu —
com a sua Historia critica de Espana; o padre
ViLLANUNO — que editou uma Suma dos Concílios
espanhóis ; Valladares — que publicou muitos
manuscritos inéditos no seu Semanário erudito;
74
o padre Escalona — que publicou dezenas de iné-
ditos na Historia dei Real monasterio de Sahagun.
Além destas obras com a reprodução de docu-
mentos, e que foram publicadas, há que ter em
conta muitas outras colecções de inéditos que
foram organizadas mas que ficaram manuscritas,
como as do padre Burriel, Velasquez, Munoz,
JovELLANos, Floranez, Vargas Ponce, etc. — co-
lecções essas existentes nos arquivos e bibliote-
cas do pais vizinho.
Além das publicações de inéditos levadas a
efeito no século xviii em Espanha, há ainda a con-
siderar a reimpressão de obras já desconhecidas
ou raras como as dos padres de Toledo ; as de
IziDORO e Prudêncio, editadas pelo padre Arenal
com eruditos prefácios ; asdeVivÊse «elBrocense»
por Mayans; as de Ginés de Sepúlveda — publi-
cadas pela Academia de História sob a direcção
do eminente Cerda y Rico ; a Crónica de D. Juan II,
que apareceu, em 1779, reimpressa por Mont-
FORT ; a colecção de Crónicas dos reis de Espa-
nha reeditada sob a direcção dos eruditos Carda,
Frei José Miguel, Florez, Llaguno; as obras de
Ambrósio Morales, publicadas pelos esforços dos
padres Florez e Cifuentes, e de Cano, etc.
Quanto às obras históricas de síntese foi tam-
bém muito importante a produtividade espanhola
no século xviiL
Assim, Ferreras escreve uma História geral da
Espanha, que foi logo traduzida em francês; o
75
frade trinitário Minana continuava a história geral
do padre Mariana, desde Fernando «o católico»,
até à morte de Filipe II e princípios do reinado
de Filipe III, e publicava ainda uma História da
entrada do exército austríaco e seus auxiliares em
Valência; Munoz escreve o primeiro tomo da
Historia dei Nuej^o Mundo; Campomanes publicou
a Antiguidade marítima de Cartago, e as Disser-
tações Históricas acerca dos Templários ; o frade
franciscano descalço Fr. Nicolau de Jesus Be-
LANDO publicou, com o título de História civil de
Espana, um relato dos acontecimentos internos
e externos do reinado de Felipe V até 1732, etc.
Também, o marquês de S. Felipe escreveu, com
o título Comentários da Guerra de Espanha, as
memórias militares, políticas, eclesiásticas e ci-
vis dos primeiros vinte e cinco anos do reinado
de Filipe V; e o famoso marquês de Mondéjar
escreveu as suas célebres obras : Discursos His-
tóricos, Advertências à História de Mariana, Noti-
cia e Juí^o dos principais escritores da história de
Espanha, Memórias históricas de Afonso Nobre e
de Afonso o Sábio, etc. Mas, é principalmente no
que respeita à história eclesiástica que é impor-
tante, neste século, a bibliografia espanhola.
Já ao findar o século xvii nos aparecia o car-
deal d'Aguirre com a sua Colecção nacional de
Concílios — a Colectio máxima Conciliorum His-
paniae; e no decorrer do seguinte figura a do pro-
fessor de teologia de Alcalá, Fr. Henrique Florez
— a famosa La Espana Sagrada, ó teatro geo-
76
grafico-historico de la Iglesia de Espana, e conti-
nuada a partir do tomo xxx, de 1775, pelo padre
Manuel Risco, etc.
Nas outras especialidades históricas são de ci-
tar as Antiguedades de Espana, de D. Francisco
DE Berganza, em dois volumes, aparecidas entre
1 7 1 9 e 1 72 1 ; e a Coleccion de las crónicas y me-
morias de los reys de Castilla, em sete volumes ( i).
As sciências auxiliares tiveram como cultores
dignos de nota : o padre Terreros, que escreveu
uma Paleografia Espanola; o paleógrafo Velas-
QUEZ, que se dedicou ao estudo da escrita ibérica;
os arqueólogos Lumiares e Pérez de Sarrió — que
publicaram vários trabalhos; Martinez Sala-
franca^ que publicou as Memorias eruditas para
la critica de Artes y Ciências.
E quanto à metódica e critica históricas devem
recordar-se os prólogos, introduções e comentá-
rios que aparecem no Aparato á la historia eclesiás-
tica de Aragon, do padre Traggia ; nas Memorias
para la historia de la poesia, do padre Sarmiento;
na Espana Sagrada, do padre Florez ; na muito
importante obra do padre jesuita Andrés — Da
origem, progressos e estado actual de toda a litera-
tura. E não devem deixar de ser invocadas a
Crisis de critices arte, do padre Miguel de S. José
(1) Sobre outras obras publicadas no século xvni, no reinado
de Carlos III, de 1738 a 1788 ver o tomo iv da Historia General
de Espana. Reinado de Carlos III, por D. Manuel Danvilla y Col-
LADO. Ver também Menendez y Pelayo, La Ciência Espanola,
tômo III ; Rafael Altamira, ob. cit.
77
(1745); as Dolências de la critica, do padre Co-
DORNiu (1760); o Norte critico, do padre Segura
(1733); as Reflexiones sobre el modo de escribir la
Historia de Espana^ de Forner; a Historia critica
de Espana y de la cultura espanola^ etc, etc.
Na bibliografia são de citar as Bibliotecas —
vetus e nopa — de Nicolau António ; a Biblioteca
espanola, de Rodriguez de Castro; a dos escrito-
res aragoneses, de Latassa ; as valencianas, de Ro-
driguez Y J1MEN0 ; a Biblioteca dos escritores do rei-
nado de Carlos Hl, por Sempere ; a Bibliografia
critica sacra e profana, do padre Miguel de San
José; as bibliografias dos jesuítas de Prat, de
Saba, etc, etc. (i).
A história de Espanha foi objecto de vários
estudos directos por parte de estrangeiros, ou de
resumos e colecções de obras de autores espa-
nhóis como a Relation historique, et galante de
rinvasion de VEspagne par les Maures, tirée des
plus célebres Auteurs de VHistoire de Espagne,
aparecida na Haya em 1699, Trata-se de uma
obra de pura ficção, cheia de lendas e inven-
ções (2).
Em 1734 apareciam os três volumes da His-
toire des Revolutions d^Espagne, depuis la destrii-
ction de VEmpire des Goths jusqu'à Ventiere et
parfaite rèunion des Royaumes de Castilla et d'A-
(i) Ver a magnífica obra de D. Rafael Altamira, História de
Espana y de la Civili^acion espanola, 191 1, tomo iv, pág. 370
a 379.
(2) Vêr Journal des Savants, 1700, pág. 319 a 332, e 335 a 341.
78
ragon en une seule marchée. Esta obra devida
ao padre José d'OrleÃs, da Companhia de Jesus,
foi publicada em Paris.
Essa obra teve como seguimento outras do
padre Arthuys(i).
5.° França. Se deixamos a França para o fim
da nossa rápida súmula sobre a historiografia do
século XVIII, é porque somos obrigados, pela im-
portância do assunto, a determo-nos aqui.
Como diz Langlois, a França foi nesse período o
principal centro dos estudos históricos domundo^
o maior foco de irradiação de exemplos, métodos
e processos de investigação e de elaboração his-
tóricas, e que em Portugal foram acolhidos e ob-
servados— como adiante se verá-.
Já no século xvii foi muito importante a acti-
vidade historiográfica francesa logo a seguir à
morte de Scaliger, e com os descendentes de
PiERRE PiTHOu como os Du Chesne (2), os Du PUY,
(i) Ver sobre esta obra Journal des Savants, Paris, 1735,
pág. 101 a 107, etc.
(2) A André du Chesne deve -se uma colecção de fontes de
história da Normandia — os Historiae Normannorum scriptores
antiqui; e começou a publicação de uma outra colecção sobre his-
tória da França desde as origens até Henrique lí ; os Historiae
Francorum scriptores..., de que sairam durante a sua vida os pri-
meiros dois volumes, e mais três publicados pelo filho François
DUCHESNE.
79
os GoDEFROY, OS padrcs Petau e Sirmond, Nicolau
Fabri de Peiresc, etc. (i).
E não é só a erudição histórica propriamente
dita que apresenta cultores, também a história
eclesiástica, e a exegese e a crítica bíblicas figuram
em grande destaque na bibliografia scientífica do
século XVIII em França, devido, entre outras cau-
sas, às controvérsias dos católicos e protestantes
no tempo de Luís XIV.
Assim, Richard Simon dedicou-se, com uma
grande erudição filológica, à critica dos textos
bíblicos, tendo publicado primeiramente a impor-
tante Histoire critique du Vieux Testament, em
1678 — que tem em vista fazer, além de uma his-
tória dos Israelitas baseada nos textos bíblicos,
uma classificação crítica e um pequeno estudo
analítico das versões dos Setenta, de S. Jerónimo,
etc. Depois, publicou uma história crítica do
Novo Testamento dividida em três partes : His-
toire critique du texte du Nouveau Testament ; a
Histoire critique des versions du Nouveau Testa-
ment; e a Histoire critique des commentaires du
Nouveau Testament {2).
( 1 ) Peiresc é um dos homens a quem a erudição francesa do
século XVII mais deve. A sua famosa Correspondance, que tem
sido publicada na Colectioii des Documents inédits, forma uma das
mais importantes fontes para o conhecimento da erudição fran-
cesa desse tempo.
(2) Acerca da forma como os importantes trabalhos de Ri-
chard Simon foram recebidos quer pela crítica protestante —
especialmente pelos chamados Teólogos da Holanda : os Vossius,
Spanheim, Jurieu, Colomiés, etc. — e sobre as enormes persegui-
8o
Apesar das lutas e perseguições de que foi ob-
jecto por parte dos protestantes, e, principalmente,
dos católicos, ainda publicou outros estudos sobre
o Novo Testamento que ficaram notáveis.
São também de citar, no século xvii, a obra de
AuBERTiN — a Eiicharistie de Vancienne Èglise ; e a
Perpétuité de la foi touchant FEiícharistie, de Ar-
MAND e NicoLE, além de outras obras dos teólo-
gos de Port-Royal, e que ficaram afamadas como
os Préjugés legitimes, o Traité de V Unité de rÉ-
glise, etc. (i).
A história eclesiástica ocupa várias obras,
sendo uma das mais importantes as Memoires
pour servir a Vhistoire eclesiastique des six premiers
síècles.
Quando se chega ao inicio do século xviii es-
coes de que foi vítima por parte dos próprios católicos seus par-
tidários, em que agiu muito antipáticamente Bossuet, até à expul-
são de SiMON da Congregação do Oratório, ver: Gh. V. Langi.ois
Manuel de Bibliographie Historique, pág. 282 a 287.
É de justiça dizer que o Oratoriano Richard Simon teve como
precursor o padre Denis Petau, jesuita, que escreveu a Theolo-
gia dogmata^ em cinco volumes, e que apareceu entre 16440 i65o.
Mas o padre Petau é inferior em erudição a Simon, se bem que
até certo ponto suprisse tal falta com uma extraordinária intui-
ção histórica.
(i) Nesta súmula, apesar de rápida, não devem ser esquecidos
a Bibliotheca veterum patrum do padre Fronton duDuc, de 1624;
as obras de Jacques Sirmond, especialmente os Concilia Antiqua
Galliae, até ao século x, em três volumes ; os importantes traba-
lhos do padre Filipe Labbe como a colecção By^antinae historiae
scriptores varii — cuja introdução, muito apreciada, é obra sua, e
os Sacrosanta concilia — colecção publicada mais tarde pelo padre
CossART, em dezoito volumes, em 1671 e 1672, e ainda agora
apreciada pelos eruditos.
8i
tavam publicados seis tomos desta obra. O to-
mo VI compreendendo a história dos donatistas
até o episcopado de Santo Agostinho, a dos aria-
nos até o reinado de Teodósio o Grande, a do
Concilio de Nicêa, etc. ; o tomo vii que abrange
o período de 828 a SyS é obra de Nain de Tél-
LEMONT (1).
São também de citar : a Histoire de tous les
cardinaux françois de naissance, ou qui ont été
promiis au Cardinalate . .., por François du Chesne
fils d' André . . . historiographe de France — obra
essa aparecida em 1699(2); a Histoire de s Con-
ciles Generaux assemblés reunis en Orient et Oci-
dent, depuis le temps des Apôtres jusquau Concile
de Trent, em dois tomos, aparecida em 1699(3);
a Histoire des Chanoines ou recherches historiques
critiques sur Vordre canonique, 1699(4); UHis-
toire ou les antiquités de 1'etat monastique et reli-
gieux, ou Von traite de rinstitut et des maximes
de ceiíx qui ont fait anciennement profession de la
pie religieuse dans le christianisme (5) ; a Histoire de
VEglise depuis J. C. jusqu^à présent, por Bosnage,
1699(6); a Histoire eclesiastique, pour servir de
continuation à celle de M. VAbbe Fleury.
(i) Ver Journal des Savants^ Paris, 1699, pág. 289 a 296; 1700,
pág. 270.
(2) Idem, 1699, P^S- ^22 a 324.
(3) Ver notícias bibliográficas in Journal des Savants, Paris,
1699, pág. 354 a 359, e 36i a 367.
(4) Idem, 473 a 479.
(5) Idem, pág. 481 a 486.
(6) Idem, 434 e 435.
6
82
Esta obra monumental, com muito mais de
trinta volumes, é um dos maiores repositój-ios de
informações que o século xviii legou à posteridade
acerca da evolução da igreja e do culto cristão (i).
Há ainda a considerar neste ramo scientiíico
as seguintes obras : Histoire de VEglise Gallicane
— obra importante que teve bastantes colabora-
dores como os padres Pedro Cláudio Fontenay,
Pedro Brumoy, Guilherme Berthier, etc. (2) ; a His-
toire de la reception dii Concite de Trente dans les
differents Etats catholiques ; e a Dissertation His-
toriqiie et critique touchant Fétat de 1'immunité ecle-
siastique, sous les empereiíres romains{2>).
Quando se chega ao século xviii a erudição bí-
blica e eclesiástica decai extraordinariamente, o
que faz dizer a Langlois : «O século xviii o mais
irreligioso dos quatro últimos séculos, foi tam-
bém o mais estéril em investigações originais so-
bre história do cristianismo «^(4).
(i) A respeito dos tomos xxxiii a xxxv, que compreendem os
anos de i562 a 1569 ver Journal des Savants de 1735, Janeiro, Fe-
vereiro, etc. O tomo XXXV é muito importante por tratar do Con-
cílio de Trento e dos reflexos deste nos diversos países católicos,
dando uma notícia mais ou menos desenvolvida da vida dos car-
deais e dos escritores religiosos e profanos falecidos nos anos
abrangidos pelo volume.
(2) Ver Journal des Savants, 1746, pág. 376, 602, etc.
(3) Idem, 1767, pág. 3,
(4) Apesar de tal decadência não se deve esquecer que no iní-
cio desse século aparece a Collectio regia máxima conciliorum^
em 171 5, com doze volumes, se continua a importante — se bem
que desigual — colecção das Acta Sanctorum, e se publicam as
obras da congregação de S. Mauro, entre as quais : o De antiquis
ecclesiae ritibus, em três volumes, de Dom Martin ; as Epistolae
83
Em compensação, no século xviii a história
política, literária, geral e local, as sciências auxi-
liares e subsidiárias da história, as colecções do-
cumentais — tudo isso apresenta em França um
grande progresso.
Foi enorme o avanço no ramo das sciências
auxiliares da história. Mabillon funda a diplo-
mática publicando em 1 704 a De re diplomática
— de que já falamos(i); D. Bernard de Montfau-
CON publica em 1708 a sua Palaeogi^afta graeca;
os eruditos Tassin e Toustain publicam, de 1750
a 1765, o Nouveau Traité de Diplomatique, em
seis volumes; e publica-se a famigerada Art de
vérifier les dates, da qual apareceram, no decurso
Romanorum Pontificum — de que saiu o volume elaborado por
Dom PiERRE CusTANT ; a continuação dos Acta Sanctorum Ordi-
nis Sancti Benedicti; a colecção dos Anna'es Ordinis Sancti Be-
nedicti ad annum MCLVII, em seis volumes, a refundição da Gal-
lia Christiana, etc.
Acerca das obras e escritores da Companhia de Jesus ver: A.
Backer, Bibliotèque des écrivains de la Compagnie de Jesus; Som-
MERvoGEL, BibUotèque de la Compagnie de Jesus.
(,i) Em 1704 apareceu, efectivamente, o in-fiol. de Mabillon,
Librorum de re diplomática supplementum. No ano anterior, em
1703, aparecia uma refutação ao De re diplomática de Maéillonj
assinada pelo padre Germon, De veteribus regum Francorum di-
plomatibus at arte secernendi antiqua diplomata a falsis ad r. p. J.
Mabillonium disceptatio.
Apesar do Beneditino Mabillon nada responder à refutação do
padre Cermon, os jesuitas pela boca deste voltaram à carga apare-
cendo em 1706 a segunda tese — De veteribus regum Francorum
diplomatibus disceptatio.
Acerca de Mabillon, das questões entre os jesuitas e os be-
neditinos, e da nova «bella diplomática» ver Gíry, Manuel de Di-
plomatique, 1894, pág. 62 e seg.
84
do século XVIII, três edições em cinco volu-
mes (i).
(i) A Art de vérifier les dates, não é só a maior obra de cro-
nologia produzida no seu tempo, mas como diz um dos seus crí-
ticos é : «o mais belo monumento de erudição do século xviii».
Já os beneditinos de S. Mauro se haviam celebrizado por ou-
tros importantes trabalhos históricos, quando D. Maurice d'An-
TiNE propôs o plano de uma obra fundamental de cronologia para
a qual tinha já muitos elementos coligidos ao ocupar-se da nova
edição do Glossário de Du Cange.
Preparado o original começou a impressão da obra, havendo
d'Antine morrido depois de impressa a tábua cronológica, o ca-
lendário perpétuo, o catálogo dos santos, e a enumeração dos
concílios. Foi a obra continuada pelo maurista D. Clement,
tendo aparecido, em ijSo, a primeira edição em um volume.
Em 1770 o mesmo D. Clement fazia aparecer a segunda edi-
ção, também em um volume, sob o plano da primeira, mas com
vários melhoramentos.
Apesar do excelente acolhimento que desfrutou a obra, não
parou o entusiasmo e o zelo de D. Clement para aperfeiçoar a
Art.
Antes, trabalhou com crescente dedicação durante treze anos.
e em 1783 a Congregação de S. Maur publicava o primeiro volume
da terceira edição, extraordinariamente ampliada; em 1784 apa-
recia o segundo e em 1787 surgia o terceiro e último tomo, sendo
em 1792 publicados os índices.
D. Clement, eleito membro da Academia das Inscrições, ainda
tentou fazer mais uma nova edição para a qual continuou a reco-
lher material, mas a Revolução Francesa veio temporariamente
impedir tal desígnio pela extinção da ordem de S. Maur. Foi o
genealogista Viton de Saint Alain que, com os apontamentos le-
gados por D. Clemont — então já falecido — quem publicou a
quarta ediçãa- em dezoito volumes in-8.°, ou cinco volumes in-4.'»,
^m 1818 e 1819. Deve notar-se que esta edição é menos perfeita
que as duas anteriores.
Acerca da contribuição de D. Maur-François d'Antine na pri-
meira edição desta obra consultar o Prefácio da segunda edição,
de 1770, pág. VIU a XI, e o antelóquio do tomo i da terceira edi-
ção.
Acerca das críticas de que a obra foi objecto, e da defesa da
85
Já nos temos referido neste trabalho às obras
de D. Bernardo Montfaucon e a outra vamos
agora aludir: Les Monumens de la Monarchie
Françoise, que começou a aparecer em Paris, em
1729, e onde êle utiliza largamente, como fontes,
monumentos de toda a natureza dos quais obteve
conhecimento.
O profundo erudito destina toda a primeira
parte da obna a descrever a forma da aclamação
dos primeiros reis de França, e os simbolos e vá-
rias figurações que eles usavam — como o nimbo
ou circulo luminoso, as coroas, a flor de liz, o
trono, o sceptro, a mão de justiça e os trajos
reais.
Esses estudos eram acompanhados de «les
figures — como diz no titulo da obra — de cha-
que regne que Tinjure des tems a épargné».
Efectivamente^ nessa obra sucedem-se estam-
pas com reproduções de monumentos, igrejas,
estátuas, figuras de capiteis e de tímpanos, de
túmulos, baixos relevos, de iluminados, tapeça-
rias, vitrais, pedras gravadas, selos, moedas, me-
dalhas, manuscritos, etc. (i).
i4rí, vêr : o Prefácio do tomo i da terceira edição de 1773, pág. xvii
e seguintes ; e o Avertissement a abrir o tomo 11 da terceira edição
de 1714. Sobre a forma como foi elaborada a obra e as fontes es-
tudadas vêr os citados Preface e Avertissement.
(1) Também a crítica interna e externa dos textos teve no
século xvin, especialmente na segunda metade, alguns cultores,
originando diversas obras, tais como os Elemens de critique, ou
recherches des différentes causes de L'altération des textus latins*
86
, Também, em 1729 aparecia o segundo volume
das Ordonnances des róis de France, desde as or-
denações de Filipe Valois até 1 355. Essa obra
iniciada por Lauriere e continuada por Denis-
Fbançois Secousse, era toda baseada em docu-
mentos inéditos.
São também de referir as seguintes obras que
não obstante o seu caracter geral, se fundamen-
taram em investigações originais : o Dictionnaire
géographique, historique et politique des Gaulês et
de la France, pelo abade Expilly; o Tableau de
VHistoire de France, depuis le commencement de la
Monar chie jus qu'à làfin du régne de Louis XIV [ i ) ;
Histoire ^e France, depuis létablissement de la
Monarchie, jusqu'au régne de Louis XIV, com
dezoito tomos até 17Õ7, começada por Villaret
e acabada por Garnier, obra cheia de erudição
avec les moyens d'en rendre la leclure plus facile, pelo abade
MOREL.
Essa obra apreciada em 1766 contêm bastantes exemplos e re-
gras para a depuração dos textos latinos alterados pelos copistas
e explica as causas dessas alterações pela_: semelhança das letras;
o abuso das abreviaturas; a ignorância dos copistas; a pouca
atenção e zelo destes, suprimindo, alterando e transpondo letras
e palavras por lapso ou para pouparem esforço; a confusão de
palavras homofonas feita pelos copistas que escreveram lob di-
tado ; a falta de pontuação ou a má distribuição desta ; e a incor-
poração no texto das notas marginais.
(1) Como se diz nos subtítulos esta obra expõe «le caractere
et les actions principales de chaque roi ; les événemens les plus
intéressans de son régne ; les hommes célebres, soit dans la paix,
soit dans la guerre ; les progrès des sciences et des arts, et les
changemens arrivés dans les moeurs, dans les différens ages de
la Mona'chic'. Esta obra em dois volumes apareceu em 1766.
87
e engenho dos seus autores, muito brilhante e
muito seguida no seu tempo (i); o Recuei! des
historiens des Gaulês et de la France, etc, etc.
Ainda quanto às sciências auxiliares e à histó-
ria administrativa é de notar a Histoire des Chan-
celiers et Gardes des Sceaux de France^ distingue:^
par les Regues de nos Monarques depuis Clóvis
premier Roy Chretien, jusques à Louis le Grand
XIV. . . Enrichie de leurs Armes ^ Blasons, et Ge-
nealogíes.
Essa obra elaborada por Francisco Duchene,
filho do afamado erudito André du Chene, foi no
seu tempo bem recebida, e prestou úteis serviços
aos investigadores e genealogistas (2).
Em 176D aparecia a obra de Gautier de Si-
bert em quatro volumes — Variations de la mo-
nar chie f rançais e dans son gouvernement politique,
civil et militaire.
Essa obra — como diz um dos seus sub-titulos
— é uma «história do Governo de França desde
Clóvis até à morte de Luís XIV, dividida em nove
épocas», sendo pois uma verdadeira história po-
litica e administrativa francesa (3).
Em 1766 aparecia em França uma obra em
dois volumes tendente a mostrar as relações entre
(i) Ver: Journal des Savants, Paris, 1767, pág. 211a 222.
(2) Idem, Paris, 25 de Maio de 1699.
(3) Idern^ ^7^7 1 pág. 46-
o direito consuetudinário usado, nos séculos ix
e X, em França e Inglaterra. Essa obra da au-
toria de David Houart, intitulava-se Anciennes
loix des français conservées dans les coiitumes an-
glaises recueillies par Littleton, tinha em vista
provar a semelhança das disposições de tal di-
reito em uso na Normandia e em toda a França
durante as duas primeiras raças dos reis deste
pais.
E digno de nota o Abrégé du commentaire ge-
neral de toutes les coutumes et des aiitres lois mu-
nicipales en usage dans les differ entes provinces du
Royaume, em dois volumes, por Jacquet ; Traíté
Historique des droits du Souverain en France, et
principalement des droits utiles et domaniaux à com-
mencer à Vétablissement de la Monarchie, em dois
volumes.
Também, entre lySS e 1766 se fizeram reim-
pressões, com muitos aditamentos, do Glossarium
ad scriptores mediae et infimae latinitatis, de Du
Gange.(i).
(i) É muito notável a obra empreencida por Du Cange na
geografia, na história, na cronologia, diplomática, paleografia, nu-
mismática e heráldica. Os seus dez volumes da geografia histó-
rica da França — obra cheia de informações e de bibliografia ; o
plano e início da colecção dos historiadores da França, com o seu
prefácio latino e importante carta genealógica tios reis de França;
as numerosíssimas dissertações acerca das Gálias antes eno tempo
dos romanos e da França durante os reis das três raças, sobre os
usos e costumes, e a respeito das cruzadas, da história de Jerusa-
lém, de Chipre, da Síria e da América ; genealogias das famílias
normandas ; muitas memórias sobre a nobreza de Inglaterra, e as
89
Quanto aos trabalhos sobre a história política
e literária da França deve dizer-se desde já que
é rica a bibliografia francesa. A obra de André
DU Chesne — de que já falamos — foi continuada
no século XVIII, depois de várias tentativas, por
D. Martin Bouquet^ bibliotecário de Saint-Ger-
main-des-Près, tendo este feito publicar, de 1787
a 1752 uma colecção dos historiadores das Gá-
lias e da França — os Rerum gallicarum et fran-
cicariim scriptores, tendo a obra sido continuada
por outros beneditinos como Dom Brial que re-
digiu os tomos xii a xviii, ficando depois a conti-
nuação dessa colecção a cargo da Academia das
Inscrições.
De história da literatura francesa o século xviii
viu aparecer os doze volumes da importante His~
toire literaire de la France, de 1733 a i763, que
chegam aos meiados do século xii — obra essa
mais tarde continuada pela Academia das Inscri-
ções (i).
famílias germânicas ; o seu famoso nobiliário ; as edições de Ville-
Hardouin e da História de S. Luís, de Joinville; o monumental
Glossário latino — já citado; o Glossário grego; a História de
Constantinopla ; o Ensaio histórico sobre a cabeça de S. João Ba-
ptista: tudo faz de Carlos du Fresne senhor Du Cange o mais
eminente erudito do século xvii.
Acerca das obras ver a Memoire Historique pour servir à l'e-
loge de Charles Dufresne sieur Du Cange^ et à 1'intelligence du
plan general de ses eludes sur 1'Histoire de France, 1766, 40 pág.;
e sobre as várias edições do Glossarium de Du Cange, ver : A.
GiRY, ob. cit., pág. 60.
(i) O título dessa história é, já por si. um verdadeiro sumário
da obra. Como ali se diz, nela «on traité de Torigine et du pro-
90
A literatura dramática francesa foi objecto de
uma desenvolvida obra mútulaáa :Histoire du
Theatre François, depuis son origine jusqu^à pre-
sente avec la Vie des plus célebres Poetes dramati-
ques (i). O tomo vi, aparecido em 1746, trata
de um dos períodos áureos do teatro francês, de
i63g a 1645, com as tragédias de Corneille, as
do pródigo La Serre, a comédia Clarisse de Ro-
TRou^ o Jodelet de Scarron, etc, etc. (2).
grès, de la décadence et du"rétablissement des sciences parmi les
Gaulois et parmi les François; du goút et du génie des uns et des
autres pour les Lettres en chaque siècle ; de leurs anciennes Eco-
les ; de rétablissement des Universités en France ; des principaux
CoUéges ; des Académies des Sciences et Belles-Lettres ; des meil-
leurs Bibliothéques anciennes et modernes ; des plus célebres Im-
primeries, et de tout ce qui a un rapport particulier à la Littera-
ture: avec les Eloges historiques des Gaulois et des François qui
s'y sont fait quelque rèputation; le Catalogue et la Ghronologie
de leurs Ecrits ; des Remarques historiques et critiques sur les
principaux Ouvrages ; le dénombrement des diíFérentes Editions;
le tout justifié par les citations des Auteurs originaux». E ac-
crescenta, quanto à autoria : «Par des Religieux Bénédictins de la
Congrégation de saint Maur».
Dessa obra'há tomos de valor desigual: uns melhores que ou-
tros. Entre os mais sólidos é de distinguir o tomo vii aparecido
em 1746, com 102 -f- 688 pág.
A desenvolvida Introdução com que abre ocupa-se de dois
pontos muito importantes da história da língua e da gramática
francesas : um sobre o latim bárbaro e popular como língua dos
gauleses, desde a conquista romana de César; o outro acerca da
diferenciação da língua francesa antes do meiado do século xii.
Ver Journal des Savants^ colecção, e, especialmente, i746>
pág. 329.
(i) Esta obra teve como antecedente a obra mais elementar e
simples, aparecida em lySS, La Bibliothéque des Theatres. Acerca
do primeiro volume da História^ ver o Journal des Savanis, Paris,
1735, pág. 68.
(2) Como se sabe, o ano de lôBg é aquele em que aparecem
91
Também, a história das sciências foi em França,
desde longa data, objecto de in;vestigaçóes e de
obras importantes. Entre estas deve colocar-se
em primeiro lugar a famosa Histoire de VAcade-
mie Royal des Sciences, dividida em duas partes :
uma destinada à História^ e outra às Memó-
rias [\).
Em 1700 aparecia a Histoire de VAcademie
Française, por Pellison, descrevendo a vida da
Academia desde a criação de Richelieu e os obs-
táculos que ela encontrou nos primeiros dois
anos de existência, a critica e sátiras de que fo-
ram alvo os primeiros vogais como as do abade
S. Germain de Morgues a que respondeu Chate-
LET, a questão do Cid de Corneille no seio da
Academia, os primeiros trabalhos para a elabo-
ração do Dicionário desde os estudos de Vauge-
LAS e Chapelain, etc, etc.
Também, a história local da França teve im-
portantes cultores entre os beneditinos, sendo de
especializar a Histoire de la ville de Paris, de Dom
FÉLiBiEN, em cinco volumes ; a Histoire générale de
Languedoc, por Dom Vaissete e Dom Devic, em
o Horácio e a Cinna de Corneille, o de 1640 é o da tragédia
Polyeucte; ode 1642 é da comédia Le Menteur. Em 1644 aparece
a Rodogiine^ e em 1645 a Théodore — que foi um insucesso, não
devido à ideia do autor — como este supunha — de haver posto
em scena criaturas e scenas pouco morais, mas por causa da
friesa e inexpressão dos caracteres — como diz o crítico do Jour-
nal des Savants, 1746, pág. 414.
(i) Ver colecção do Journal des Savants, com as notícias bi-
bliográficas anuais.
92
cinco volumes, que apareceu entre lySoe 1745(1);
a Histoire générale et particiilière de BourgognCj
em quatro volumes, de Dom Plancher; a His-
toire de Bretagne, por Dom Taillandier e Dom
MoRiCE, em dois volumes, aparecida entre 17 5o
e 1756, além de muitas outras: umas que ficaram
por terminar, outras que não passaram de iné-
ditas, como as que tratavam da Picardia, Tou-
RAiNE, PoiTOU, etc, algumas das quais se encon-
tram ainda manuscritas na Biblioteca Nacional
de Paris.
São ainda de citar os dois volumes das Me-
moires concernant Vhistoire ecclésiastique et civile
d^Auxerre, 1743, do abade Lebeuf; a Histoire de
la Ville de Paris ^ em quinze volumes, 1754 e 1755
pelo mesmo autor; a História de Nimes, por Me-
NARD, etc; os dois volumes aparecidos em 1766,
(i) Essa obra, redigida pelos beneditinos de S. Mauro, é —
como diz o seu título completo — acompanhada de «note, et
pièces justificatives ; composée sur les auteurs et les titres origi-
naux, et enrichie de divers monumens». Foi, para o seu tempo,
uma obra muito importante, mesmo modelar.
No tomo IV há a notar um bom estudo sobre a Inquisição no
Languedoc, a partir do livro 27; com notícias dos interrogatórios
mandados fazer pelo bispo de Alby, Bernardo de Castanet, de
1285 a i3oo, aos heréticos e crentes na Valdência, expondo D. Vais-
sette em que consistia esta seita, descrevendo as ceremónias da
hereticação, as penas impostas aos crentes, etc. Fala dos con-
flitos com a Inquisição, devido às violências desta, por parte das
populações de Carcassonne, Toulouse e Alby, e das perseguições
aos judeus, etc.
Acerca desta obra ver: Journal des Savants, de Fevereiro,
Março, Abril e Maio de lySS, e de Janeiro, Fevereiro, Março,
Abril e Maio e Setembro de 1746.
93
das Nouvelles recherches sur la France ou Reciieil
de Mémoires Historiques sur quelques provinces,
villes, et bourgs du royaume(i); a Memoire et con-
sultations pour servir à VHistoire de VAbbaye de
Château Châlon, por Le Riche, inspector geral
dos próprios nacionais de Franco-Gondado, apa-
recida em 1767; o conhecido Tableau de France,
contenant la description historique de ses provinces,
gouvernemens et généralités . . .,les vílles, les bourgs
et châteaux qu^elles renferment, etc. ; o Abrégéchro-
nologique de rhistoire de Lion, contenant les évé-
nements historiques de cette Ville, depuis safonda-
tion par les romainsjusqu'à nos jours . . , por Pou-
LiN DE Lumina; a Histoire du Conte de Ponthieu,
de Montueril, et de la ville d^Abville sa capitale, em
dois volumes, aparecida em 1767.
E não foi só a arqueologia e a história politica
locais que se tornaram objecto de importantes
obras; também, especialmente, desde o século xvii,
a história regional tem representantes na biblio-
grafia francesa, como se pode vêr na Historiae
Normannorum scriptores antiqui, editada por An-
dré DU Chesne — de que ja falamos.
Além de toda essa enorme obra são ainda de
especializar as colecções de inéditos publicados
quási na íntegra dos seus núcleos — quer selec-
cionados e em resumos, ou em trechos escolhi-
dos, tais como as Miscellanea ou Specilegios.
(1) Esta obra apareceu como suplemento ao L'Etat de la
France de Boulainvilliers, e à Description du royaume de Piga-
NIOL,
94
Devem citar-se : a Miscellanea, de Baluze, em
sete volumes; o Spécilegium sive Collectio vete-
rum aliquot scriptorwn qui in Galliae bibliothecis
delituerant, de Dom Luc d'Acheri — de que já
falamos; o JJiesaurus noius anecdotorum, por
Dom Martène e Dom Durand, em cinco volu-
mes ; a colecção em nove volumes, dos mesmos
autores: Veterum scriptorum et monumentorum
historicorum dogmaticorum, moralium, publicada
de 1724 a 1733.
Pertencem a este grupo de publicações a cole-
ção das Ordonnances des róis de France de la
troisiéme race recueillies par ordre chronologiqiie,
cujo primeiro tomo foi publicado em 1723 por
Larche de Laurière, e o séptimo apareceu em
1743, indo de i383 ao fim de 1394, e elaborado
por Secousse(i); e os três volumes das Notices
et Extraits des manuscrits de la Bibliotèque du Roi
et d'autres bibliotèqiies, publicados entre 1787 e
1790, pela Academia das Inscrições.
(i) Este tomo contêm as Ordonnances desde Hugo Capeto
a Filipe de Valois. Porem, a obra — viu-se depois — não satis-
fazia aos objectivos em vista. Por isso, se pensou em publicar na
íntegra uma colecção de diplomas, titulos, actos, etc, relativos à
história de França, o que só começou a ter realização em 1843
com o aparecimento do primeiro volume dos Diplomata^ chartae,
epistolae, leges^ aliaque instrumenta ad res gallo-francicas spectan-
cia..., publicados por J. M. Pardessus, tendo aparecido o se-
gundo volume em iSSg, e estando a obra entregue à Academia
das Inscrições.
Acerca da primeira forma da colecção das Ordonnances ver a
notícia bibliográfica no Journal des Savants, Paris, 1746, pág. 545
e seg.
95
Publicaram-se também diários das explorações
históricas como o Museiim e o Diarum Italicum
de Mabillon e Montfaucon ; a Voyage littéraire
de deux religieux bénédictins de la Congrégation
de Saint-Maur — obra de Marten e Durand.
Há ainda a notar a Histoire des Empereurs et
des autres princes qui ont régné durant les six pre-
miers siécles de l'Eglise; os Capitularia regum
írancorum[\)\ a Histoire de la maison d'Auver-
gne, em dois volumes, aparecida em 1708 (2), etc.
(i) Os Capitularia (oram impressos pela primeira vez em 1677,
sendo mais tarde, em 1780, feita uma reedição por Pierre de Chi-
NIAC.
(2) A antiguidade clássica não foi desdenhada pela erudição
francesa do século xviii. Ai está a atestá-lo a Histoire romaine
depuis la fondation de Roine,jusqu'á la Bataille d'Actium^ c'est-à-
-dire,jusqu'à la fin de la Republique.
Trata-se de uma obra muito extensa, e se bem que redun-
dante é muito cheia de informações preciosas para o tempo em que
apareceu. Acerca do volume xii, escrito por Crevier, ver : Jour-
nal des Savants, 1746, pág. io5 a 119.
A Histoire abrégée des impereurs romains et grecs, des impe-
ratrices, de césar s . . depuis Pompée jusqu'à la prise de Constan-
tinople par les tiircs, por Beauvais, em três volumes — obra de
história e numismática.
Outro tanto sucedeu com a antiguidade oriental que teve como
cultor de mais nomeada oficial Rolun que foi reitor da Universi-
dade de Paris. É deste autor uma Histoire ancienne des egyp-
tienSy des carthaginois, des assyriens, des babyloniens, des medes et
des perses, des maeédoniens, des grecs. Esta obra tão redun-
dante quanto ingénua e pouco crítica teve bastante nomeada e
leitura no século xviii. Ver: Journal des Savants^ 1735, pág. 84
a 89.
Também, em 1745 apareceu, publicada em Ypres, a Histoire
des anciens empires de iAsie jusqu'à la mort de Cyrus. Esta
obra da autoria de Pluymoen era precedida de uma história do
96
Das cinco Academias que formam o Instituto
de França, a que desde a sua primitiva mais tem
contribuido para o progresso das sciências de
erudição tem sido, incontestavelmente, a «Aca-
démie des Inscriptions et Belies-Lettres» (i).
Organizada pelo Regulamento de i6 de julho
de 1 70 1 , só a partir de 1 7 1 5 se torna progressiva
e florescente. Dessa data em diante até à Re-
volução, ela rivaliza, e vantajosamente, com os
beneditinos de Saint-Germain-des-Prés; e após a
sua reorganização, em 1816, até hoje essa Aca-
demia tem prestado os mais relevantes serviços
no campo das sciências históricas.
mundo desde a sua criação até à dispersão dos povos. Como diz
o crítico do Journal des Savants, quando ao seu autor faltam
fontes históricas ele supre-las por meio de conjecturas e lendas
mais ou menos verosímeis.
Vêr Journal des Savants, 1746, pág. 484.
Em 1767 aparecia na livraria Filliard, de Paris, o último volume
do Recueil d'Antiquites egyptiennes, étrusques, grecques, romai-
nes et gauloises. Esta obra, em sete volumes, devida à pena do
conde de Caylus era constituída pelas reproduções em gravuras
de monumentos da antiguidade oriental, clássica e gaulesa, com
estudos e comentários históricos e arqueológicos.
É também de invocar a Histoire 77toderne des chinois, des in-
diens, des persans, des turcs, des russiens, aparecida em 1797, em
dois volumes, em seguimento da Histoire ancienne de Rollin
(vêr Journal des Savants, ijôj, pág. 168).
(1) Acerca da evolução da Academia das Inscrições e Belas-
Letras vêr: A. Maury, L' ancienne Académie des Inscriptions et
Belies-Lettres^ 1864; Ca. V. Langlois, Manuel de Bibliographie
Historique, pág. 3 10 a 3 18, e pág. 371 a 377.
97
Além das obras já enumeradas e de muitas ou-
tras cuja citação não tem cabimento especial e
detalhado neste nosso trabalho, a Academia das
Inscrições tem publicado a Histoire de rAcademie,
as Mémoires de Littérature; e os Comptes rendus
das suas sessões ordinárias e das públicas.
Nessas publicações periódicas encontram-se nu-
merosas memórias^ comunicações, relatórios, teses,
etc, sobre história e as sciências suas auxiliares.
Assim, no segundo volume das citadas Mémoi-
res, publicado em 17 19, de mistura com um Pa-
rallele d'Homère et de Platon, do abade Massieu,
e de várias dissertações sobre as personagens das
obras de Homero, o carácter de Píndaro, a Ciro-
pédia de Xenofonte, a evolução da sátira, a lite-
ratura grega, e passagens de Cícero, de Horá-
cio, de Dionísio, de Halicarnasso, e a cronologia
da Odisseia, íiguram umas Remarques historiques
et critiques sur VAnthologie manuscrite qui est à la
Bibliothèque du Roi, por Boivin le Cadet. Tra-
ta-se de uma antologia grega cuja evolução,
desde o erudito Saumaise — que a copiou do ori-
ginal da Biblioteca de Heidelberg — até entrar
na Bibliothèque du Roi, Cadet conta, descrevendo
também a própria antologia — que era um in-fólio
com sessenta fascículos, contendo epigramas e
inscrições de túmulos.
Se bem que no tomo v não se trate de qual-
quer ponto de teoria e crítica históricas o certo é
que muitas dissertações e discursos se ocupam de
factos e costumes históricos, como os estudos sô-
7
gS
bre os juramentos antigos, pelo abade Massieu;
as tribus romanas, por Boindin; a sinfonia na
Grécia, por Burette; as máscaras e os vestuá-
rios do teatro dos antigos; a cronometria e os
relógios na Grécia e em Roma, pelo abade Sal-
lier; o luxo das senhoras romanas; a dedicação
patriótica dos romanos; e as dissertações sobre o
Miles Veíeranus, na antiguidade, pelo abade Cou-
ture; o pauperismo, e a história critica do celi-
bato, por MoRiN, et., etc.
O tomo VI ocupa-se também de diversos assun-
tos a começar na dissertação do abade Fraguier
sobre a (dronta de Sócrates, o sen pretendido ^de-
mon-»^ familiar, e os seus costumes.
Segue-se um estudo sobre os Monumentos que
teem suprido a falta da escrita e servido de memó-
rias aos primeiros historiadores, pelo abade An-
SELME — em que o autor se ocupa da tradição
oral, dos hinos e cânticos como meios de reten-
ção dos factos e da influência da música e da
poesia nos primeiros tempos da humanidade ; fala
dos mais antigos monumentos, como os labirintos
e templos, e da escrita ideográfica.
Além dos estudos sobre o paganismo, o come-
diógrafo Q. Roscius, a arte poética e os versos
entre os antigos hebreus; algumas odes de Pín-
DARO, pelo abade Massieu; alguns escritos de Teó-
CRiTo; a Ciropédia de Xenofonte no ponto de
vista da geografia, por Freret, etc, — figuram
nesse volume três comunicações do abade Vertot
sobre os reis franceses da primeira raça.
99
No tomo VIII, publicado em lySi, o abade An-
SELME insiste sobre os monumentos estudados
pelos historiadores, ocupando-se das estátuas e
colunas com os seus baixos relevos descritivos,
das oferendas aos deuses, e do comércio entre os
povos como meios de conhecimento histórico.
Nas dissertações que se seguem De Pouilly
ocupa-se da incerteza histórica dos primeiros
quatro séculos de Roma(i), e o abade Sallier es-
tuda os primeiros monumentos históricos dos ro-
manos em duas dissertações seguidas (2). Se-
guem-se os Nouveaux Essais de critique sur la
fidelité de Vhistoire, por De Pouilly — que é outro
magnífico estudo da teoria e da critica históri-
cas (3) ; e surge logo um Terceiro discurso sobre
(1) Trata-se de um estudo sobre as fontes da história de Roma
na obra de Dionísio Haucabnasso e em outras, procurando
«aporter le flambeau d'une severe critique — como escreve De
Pouilly — dans toutes les Annales des Peuples, pour y démêller ce
qu'elles renferment de douteux ou de faux». E acrescenta:
«Quelque difficile que soit cette entreprise, j'oserai néajimoins
la tenter».
Efectivamente, o autor passa pela sua fieira crítica as lendas
e tradições de que se fizerão eco os historiadores de Roma (pág. 2t
a 45 do tomo vui).
(2) Ao contrário de De Pouilly, o abade Sallier não é dotado
de espírito crítico. Por isso aos seus Discoiirs falta consistência.
Parecendo escrever para contraditar De Pouilly o autor é dotado
de uma grande credulidade, e se bem que fale das lendas e fábu-
las incríveis e absurdas «que acompanham as descripções dos
principaes acontecimentos», tudo isso não é bastante para inuti-
lizar o testemunho dos historiadores. As suas Memorias vão da
pág. 46 à pág. II o.
(3) Vai da pág. no à pág. 180. Este estudo e feito com uma
penetração de espírito e uma lucidez tão grandes que apesar de
lòo
«A certeia da história dos primeiros quatro séculos
de Roma», da autoria do abade Sallier — em que
este autor, tão redundante nas suas considerações
como magro de crítica, volta à carga contra o.
ponto de vista de De Pouilly(i).
A este segue-se outro estudo do abade Sallier
intitulado tReflexions critiques sur le caracter de
quelques historiens grecs, compare avec les histo-
riens romains», em que o autor declara suspeitar da
veracidade do testemunho dos historiadores gre-
gos quando êle é favorável ao seu pais e desfa-
vorável aos romanos, referindo-sê especialmente
a Plutarco e menos a Dion Cassius.
A última dissertação do tomo viii, acerca da
teoria da história, é a de Freret a Sobre o estudo
das antigas histórias, e sabre o grau de certeza das
suas provas. O autor, depois de falar- dos pro-
gressos da história com Scaliger, Pétan, Usse-
rius, Vossius, Marshm, Pezron, etc, refere-se às
enormes lacunas que a História nos apresenta;
decorridos 189 anos, contêm afirmações que ainda hoje teem
actualidade. As formas do raciocínio e do método históricos, as
regras a seguir na aplicação da crítica, os caracteres de um ver-
dadeiro historiador — tudo isso, seguido de muitos exemplos de
história antiga e medieval, se encontra no trabalho De Pouii.ly.
(i) Como o próprio abade Sallier põe, a pág. 182, a questão,
tratava-se de saber «se a tradição tem servido de fundamento
único aos escritores que se teem ocupado da história dos quatro
primeiros séculos de Roma; ou antes se eles, alem do socorro da
tradição, tiveram também os monumentos cujo conhecimento e
estudo lhes fornecessem os materiais e as peças justificativas das
suas descrições». Ao passo que De Pouillv é da primeira opinião,
Sallier segue este último partido.
lOl
ocupa-se dos métodos e processos do trabalho
histórico; critica como alguns escritores têem
feito história, especializando Marshm; fala dos
caracteres da filosofia do seu tempo, especial-
mente do criticismo cartesiano, entrando depois
no estudo dos fundamentos do conhecimento his-
tórico que êle reduz a duas classes : a dos Tes-
temunhos contemporâneos (actos, títulos, peças
escritas coevas dos acontecimentos de que tra-
tam, obras dos historiadores que contam o que
viram ou que baseiam os seus relatos nas Memó-
rias dos contemporâneos dos factos), e a das
Tradições, isto é, as «opiniões populares».
Lamenta depois o abuso do espirito critico,
citando Bayle como um exemplo de tal tendência,
e passa a analisar várias passagens fabulosas e
falsas das obras de vários historiadores antigos,
concluindo que, apesar disso, não devemos subir
do caso particular para o geral de considerar fa-
buloso e inventado tudo o que eles escreveram
só porque não conhecemos as fontes que consul-
taram.
A seguir, traça uma evolução da historiografia
entre os escritores da antiguidade, mostrando-se
partidário do ponto de vista do abade Sallier ao
tratar da história de Roma; e termina o seu es-
tudo por mostrar que não é possível a aplicação
do espírito geométrico e da crítica filosófica aos
estudos históricos por demasiadamente radicais
e absorventes quanto ao grau de certeza que exi-
gem, e que a história lhes não pode fornecer. -
102
No tomo XII, de 1736, figura uma série de Me-
mórias históricas, sendo uma sobre «os primei-
ros anos do reinado de Carlos YJII», outra sobre
«Guy Dauphin», uma ((justificação da conduta de
Filipe de Valois no processo de Robert d'Artois»,
e a ((explicação de um monumento de Guilherme
o conquistador — Memórias essas todas da auto-
ria de Lancelot ; e há que enumerar também três
dissertações de la Curne : uma relativa à vida e
às obras de Rigord e de Guilherme o Bretão, ou-
tra sobre o historiador Glaber do tempo de Hugo
o Capêto, e, finalmente, uma terceira «sobre a
vida e as obras de Guilherme de Nangis e dos
seus continuadores» (i).
No tomo XV, aparecido em 1741, figura, a pá-
ginas 264, uma Memória de Foncemagne com o
titulo de Examen critique d\ine opinion de M. le
Comte de Boidainvilliers siir Vancien Goiívernement
de la France, em que o autor contradita a opi-
nião de Baulainvilliers expressa na Histoire de
rancien gouvemement de la France^ 1. 1, segundo a
qual os antigos franceses elegiam não só os seus
reis como os generais que os haviam de levar à
guerra, os quais eram escolhidos entre a família
real ou fora, segundo ((O valor, a capacidade e a
reputação da honra pessoal», exemplificando isso
em Clóvis, que, apesar de sucessor de Childerico,
(i) Estas Memórias sobre alguns historiadores franceses dos
séculos XI, XII, XIII e xiv, de pág. 242 a 32o, são muito interessantes,
e mostram muita erudição do seu autor apesar da nebulosidade
do assunto nesse tempo.
io3
precisou dos sufrágios dos soldados para ser eleito
general.
Seguem-se várias Memórias sobre a historio-
grafia francesa, sendo quatro do investigador La
CuRNE de Sainte Palaye e duas de Lancelot.
A primeira Memória de La Gurne trata da
Chronique de Morigny et siir les Auteurs qiii Vont
composée, começando por uma biografia literária
e religiosa de Teulfus, monge beneditino da aba-
dia de Morigny perto de Estampes que viveu nos
fins do século xi e princípios do século xii, tendo
falecido em 1 138, e seguindo-se uma análise da
crónica com diversos comentários e informações
interessantes (i).
A segunda Memória de La Gurne é Siir la pie
dii Moine Helgaud, siir l'Epitome de la Vie dii Roí
Robert^ et sur trois Fragmens qui sont imprimes à
la suite de cette Epitome, dans la Collection des
Historiens de France{2).
A terceira Memória trata de «Deux ouvrages
historiques concernant Louis VII, intitules Tun
Gesta Ludovici VII, Regis,filii Liidovici Grossi; et
Tautre, Histoire Gloriosi Regis Ludovici, filii Lu-
(i) Da pág. 290 a 3o8.
(2) O autor traça uma rápida biografia desse historiador do
princípio do século xu, monge da abadia de Fleury ou de S. Bento
sôbre-o-Loire, e depois estuda o Epitome da história do rei Ro-
berto, que La Curne acha semelhante a um sermão ou a uma
oração fúnebre «dans le goút du siècle». Esse Epitome foi mais
tarde impresso na Colecção de Pithou, em 1596, e na de Du
Chesne, em 1641.
io4
dopici Grossi, abanno i iSj, iisqiie ad aiinum 1 165 .
Et sur les Auteurs de ces ouvrages» (i).
A quarta e última Memória deste tomo, devida
a La Curne, trata da Vida de Froissart, na qual
êle traça uma interessante biografia do famoso
cronista da segunda metade do século xiv(2).
As primeiras duas Memórias de Mr. Lancelot
tratam de Robert d'Artois, traçando uma bio-
grafia bastante desenvolvida desse príncipe que
nasceu em 1287(3).
A última Memória de Lancelot trata da «Vida
deFrançois Philelphe», descrevendo com bastante
detalhe, a vida desse professor muito erudito e di-
plomata famoso da primeira metade do século xv,
muito conhecido na Itália e considerado em Ve-
neza e Flandres onde ensinou com grande fama,
sendo amigo de Leonardo Aretino e de Cosme de
Medicis, embrulhando-se depois com este por
causa da politica, e vendo-se forçado a deixar
Florença quando o partido popular de Cosme
ficou vitorioso sôbre o dos aristocratas a que
pertencia Filelfo, pelo que este teve de ir ensi-
nar para Siena^ depois para Bolonha e Milão, etc.
(i) Esta Memória, que vai da pág. 325 aSSj, começa por uma
pequena análise das Gestas e da Historia de Liii^ VIJ, passa a
estudar a autoria dessas obras que alguns, como La Curne, atri-
buem a SuGER, se bem que êle nota que outra pessoa também ne-
las trabalhou como conclui do exame do estilo, etc. ; e termina
por informar que a História foi impressa várias vezes, analizando
a edição de Du Breul, de 1602, com faltas e interpolações, e a
de Du Chesne de 1641 — que considera a melhor
(2) In tomo citado, pág. 486 a 53o.
(3) In pág. 338 a 485.
io5
O tomo XXIII, publicado em 1769, contêm uma
série de comunicações sobre literatura, arqueo-
logia, numismática e linguística, terminando por
uma Memoire concernant les principaux monumens
de VHistoire de France, avec la notice et l'Histoire
des chroniques de Sainte" Denis, pelo operoso eru-
dito La Curne.
Aqui o autor alude às obras poéticas medie-
vais elaboradas pelos trovadores, jograis e me-
nestréis como as primeiras fontes da história de
França, e faz o elogio do cronista Gregório de
TouRs; refere-se a Eginardo — chanceler de Carlos
Magno e autor de uma Vita Caroli Magni^ e a um
astrónomo e cronista anónimo que escreveu, no
tempo de Luís o Debonnaire, uma Vita et actus
Ludovici PU. Fala da biblioteca que esses dois
monarcas legaram a Carlos b Calvo e onde figu-
ravam bastantes obras de História, entre as
quais os Anaes de Prudêncio ou de Sainte Bertin,
e que esse soberano aumentou com uma vida de
Carlos Magno por Saint-Gal e uma obra de Ni-
THARD sobre a história de França depois de Luís
o Débonnaire — que La Curne louva muito, espe-
cialmente pelo seu relato detalhado e verídico da
batalha de Fontenay. Ocupa-se dos cronistas que
se seguiram como Suger — que escreveu uma
história de Luís o Gordo ; Rigord — que foi o pri-
meiro «Historiógrafo do Rei», do tempo de Fi-
lipe Augusto ; Guilherme o Bretão — que conti-
nua a obra de Rigord; Guilherme de Nangis e
Joinville que se seguem; o anónimo monge de
io6
Saint Denis que escreveu a história de Carlos V
e de Carlos VI; e JoÃo Chartier. Fala depois nos
cargos de historiógrafos ou cronistas reais, das
catedrais e dos mosteiros, dizendo que das cró-
nicas deles provenientes as mais detalhadas,
mais extensas e mais célebres são as de S. Dinis
também chamadas pela sua importância as gran-
des Crónicas de França; e passa a estudar essas,
falando da história da expedição de Carlos Ma-
gno a Espanha — atribuída a Turpin, da reputação
que tiveram nos séculos xiii e xiv as crónicas de
Saint Denis, desses materiais que forneceram
aos historiógrafos riais, aos parlamentos, mi-
nistros e embaixadores franceses, os arquivos
dessa igreja e as crónicas que se buscavam nos
seus documentos, e terminando por um estudo
sobre as obras saldas de Saint Denis (i).
Também o tomo xxviii, aparecido em 1769?
contêm diversas comunicações sobre assuntos
históricos, tratando o erudito Foncemagne do rei-
nado de Carlos VIII e de algumas obras que dele
se ocuparam, emquanto Secousse ocupa-se da
numismática e da biografia de ^(Messire Paul de
Foix, conseiller d^Etat et archevêqiie de Toulouse;
BoNAMY escreve sobre a inundação do Sena em
Dezembro de 1740; Schepelin estuda a origem
(i) A comunicação de La Curne que neste tomo vai da pá-
gina 538 a 6o3 é escrita com muita erudição, muito cheia de ex-
celentes notas, sendo esse trabalho, apesar de breve, ainda hoje
digno de estudo para o conhecimento da historiografia francesa
desde o tempo de Carlos Magno até o século xv.
I07
da imprensa, e o nosso conhecido La Curne de
Sainte Palaye apresenta uma Memoire concernant
la lecture des anciens Romans de Chevalerie (i).
Ao passo que o tomo xxix se ocupa da reli-
gião grega, da filosofia antiga, da numismática
e arqueologia, da cronologia chinesa e da astro-
nomia ; e o XXX trata da história do Egipto, da
cronologia oriental, da «Defesa de Heródoto so-
bre as acusações de Plutarco», da literatura
grega e da história bíblica, o tomo xxxiv, publi-
cado em 1770 apresenta algumas comunicações
sobre historiografia francesa. Logo a abrir figura
uma comunicação de Levesque de la Ravalière
sobre La Vie du Sire de Joinville^ auteur dhine
histoire de S. Louis (2), seguida de uma Memoire
sur les FabliaiiXy pelo conde de Caylus, depois
uma Notice sommaire de deux volumes de poesies
françoises et latines, conserves dans la bibliothèqiie
des Carmes — Déchaux de Paris, pelo abade
Lebeufe, duas Memoires do conde de Caylus so-
bre Guilherme de Machaut, poeta e músico do
século XIV, isto é, uma biobliografia do famoso
relojoeiro do século xiv. Contêm igalmente uma
(1) Pequeno mas interessante estudo que vai de pág. 447 a
468.
(2) A obra deste foi algo discutida, e tendo o padre Hardouin
negado-Ihe autenticidade, foi esta sustentada por Bastie, sendo
ela traduzida em latim pelo padre Stiung, continuador dos bo-
landistas nas Acta Sancti Ludovici. La Ravalière traça uma de-
senvolvida biografia de Joinville que nasceu entre 1220 — como
entendia Du Cange, e 1228 ou 1229 — como queria Bastie (pág. i
a 75).
T08
dissertação sobre Jacques Dandis, por FAr.co-
net(i); duas memórias de Bonamy acerca de Jac-
ques Coeur(2); duas comunicações de Foncema-
GNE — uma sobre a origem da Casa de França, e
outra sobre a heráldica, terminando o volume
por duas memórias de La Curne Siir Vancienne
Chevalerie considerée comme iin établissement po-
litique et militaire.
(i) Trata-se do famoso Jacabus Dondus, de Pádoa, filósofo,
médico e matemático. O trabalho de Falconet fala : das obras
de Jacques sobre terapêutica — que constam de uma compilação
de remédios tirados de médicos gregos, latinos e árabes, — e ma-
téria médica; e do afamado relógio feito em 1845 e que marcava,
alem das horas, a marcha anual do sol através dos signos do Zo-
díaco, e a dos planetas, as fases da lua, os meses e até as festas
do ano.
Depois estuda a história da relojoaria desde a antiguidade orien-
tal. Pág. 217 a 249.
(2) Trata-se de um estudo baseado nos documentos do pro-
cesso de Jacques Coeur, defendendo e elogiando este ministro de
Carlos VII que foi acusado de concussão, de abuso de autoridade
e de ter feito envenenar a bela Agnés Sorel amante do rei, pro-
vando-se depois que ela morrera de parto. Pág. BSg a 409.
CAPITULO IV
A erudição e a crítica iilstóricãs no sécalo XIX,
e até à actualidade
I .° — Considerações gerais
Se, como já vimos, as concepções filosóficas e
o progresso das sciências da natureza influiram
bastante na evolução da historiografia até ao sé-
culo XVIII, ao começar o seguinte o factor politico
— mais que nos tempos de Machia vel, Guichar-
DiN e PiTTi, do medicista Nerli, e do anti-medi-
cista NoRDi, e durante o absolutismo esclarecido
— exerce uma influência importante, até à per-
turbação, na concepção da história, na técnica
da sua elaboração e na fixação dos seus fins.
Como diz Fueter: «A Revolução Francesa e
as suas consequências imediatas provocaram nas
concepções sobre o valor e a tarefa da história
uma transformação completa» (i).
Se é certo que a reacção nacionalista da his-
toriografia romântica contra o cosmopolitismo
(i) Fueter, ob. cit., pág. 5 17.
tlô
humanista encontrou, nos acontecimentos exte-
riores da politica de coligação contra a França
revolucionária, e na acção da França directorial,
consular, imperial — e ferozmente imperialista —
contra as várias nações da Europa, as suas mais
importantes causas e convincentes justificações,
não há dúvida que os conceitos da história ro-
mântica quanto à Idade Média e às diferencia-
ções nacionais provêem especialmente dos pro-
gressos da filologia e da erudição medievista (i).
A Revolução, tendo sido pervertida na sua
marcha pelo golpe de Estado do i8 brumário, e
empalmada por Napoleão, fez perder à França as
(i) Já vimos — posto que rapidamente — nos capítulos ante-
riores o suficiente para se avaliar como foi grande o zelo que se
pôs ao serviço da erudição histórica e filológica. O abandono
crescente do latim, dá-se a favor da cultura progressiva das lín-
guas nacionais. Exceptua-se durante muito tempo — ; curiosa
ironia! — um país maximamente fragmentado e desnacionalizado,
uma simples expressão geográfica e designação política : a Ale-
manha.
Aí, o latim foi cedendo o lugar, durante muito tempo ao fran-
cês em prejuízo da língua alemã, apesar das diligências naciona-
listas da Academia Frutífera de Weimar, fundada em 1617, e dos
esforços das duas Escolas da Silésia, em favor da língua pátria,
desde o poeta Opitz até Gunther.
Porém, o culto da língua nacional e a admiração da Idade Média
já nos apareciam na chamada Escola Saxónica. JoÁo Jacques
BoDMER publica, no meado do século xviii, a segunda parte dos
Nibelungen e a famosa colecção dos Minnesmger, e são impor-
tantes as contribuições de Gottsched e as vistas de Gaertner.
Gomtudo, é com Klopstock, Lessing e com Winckelmann que
a Alemanha consegue alcançar a sua autonomia literária e historio-
gráfica. Klopstock divulga muito os cantos do Edda nos quais
vê um sistema de tradições nacionais semelhantes às que apare-
cem nos poetas épicos e trágicos da Grécia.
Itl
esperanças e simpatias que despertara no espírito
dos maiores pensadores, sábios, literatos e artis-
tas do tempo como Kant, Klopstok, Goethe,
Gentz, Beethowen, etc.
A acção brutal de Napoleão na sua megaloma-
nia de dominar o mundo (i), radiando com os
seus exércitos toda a Europa, agitando-a nas
suas aspirações, vasculhando-a nos seus bens,
ferindo os povos nos seus sentimentos e nos seus
interesses materiais, fazendo e desfazendo capri-
chosamente Estados segundo as suas conveniên-
cias de momento, os seus ódios e as suas simpa-
tias de ocasião — tudo isso acordou na Europa
inteira um sentimento de reprovação e ódio por
tudo o que era francês, o que era napqleónico.
Quando se chega ao século xix a obra da Re-
volução estava aniquilada — ou quási — e a Re-
pública encontrava-se á beira de um abismo para
onde acabou de a impelir Bonaparte com o golpe
de Estado de 9 de Novembro de 1799.
Estabelecido o Consulado decenal, que pouco
depois se transforma em vitalício, a favor de Na-
poleão, logo a França entrou de novo em guerra
com a Áustria, da qual havia de sair, depois de
Montebello e Marengo, pela porta do armistício
de Steyer e das pazes de Luneville — de Feve-
reiro de 1801, e de Amiens — de Março de 1802.
Em i8o3 é a luta, na Hanover e na Holanda,
(i) Já em 23 de Outubro de 1802 numa nota de Talleyrand,
ao representante da França em Londres; Otto, se falava em «con*
quérir TEurope»,
ÍI2
com a Inglaterra. Os franceses invadem a Ho-
landa por verem nela uma amiga da Inglaterra,
e esta apossa-se de algumas colónias holandesas
por considerar a Holanda aliada da França.
Em 1804 é a guerra civil e o pronuncio de
mais uma conflagração.
De resto, se a guerra é uma indústria essencial
aos adventícios megalómanos, «Tarmée de FEm-
pire — como diz Henri Vast — cesse d'être na-
tionale pour devenir césarienne».
E continua: «Sous Tempire, elle [l'armée] ap-
partient à un homme ; elle sert passionèment tous
ses desseins ; elle concourt, sans Facquiescement
de la nétion, au bouleversement prolongé de FEu-
rope. Napoleon ne vit que par la guerre et pour
la guerre. Uarmée est son instrument, sa cho-
se(i).
Na verdade, de 1800 a 181 5 passam pelas
fileiras 3.i53:ooo franceses, sendo de computar
outros tantos das legiões estrangeiras ao serviço
de Napoleão.
Já na terceira coligação^ depois da batalha de
Austerlitz, a Prússia ficara — talvez sem dar por
isso — à mercê de Napoleão.
Essa vitória tivera um alcance moral extraor-
dinário. Ela não pusera fora de combate ape-
nas os i5:ooo austro -russos, ela matara — de des-
gosto— um dos mais sérios inimigos de poder
(i) In Lavisse e Rambaud, Histoire Générale..., tomo ix,
pág. 72.
1 1
5
napoleónico : William Pitt. E Frederico-Guí-
Iherme III, príncipe fraco, irresoiuto e dúplice,
que estava prestes a entrar na coligação austro-
-russa, surpreendido e apavorado pelo golpe de
Austerlitz vê-se forçado a mandar o seu ministro
Haugwitz felicitar Napoleão e aceitar todas as
condições que este lhe impusera.
Por isso, o imperador comentava com acre
ironia as felicitações do rei prussiano, excla-
mando : «Voici un compliment dont la fortune a
changè Tadresse».
E certo que os prussianos, envergonhados de
si próprios pela traição feita à Áustria e à Rússia
e incitados pelos seis milhões de libras dos ingle-
ses, caem no estúpido erro de enviarem um ulti-
matum a Napoleão para este renunciar à confe-
deração do Rheno — que pouco antes criara — e
abandonar completamente a Alemanha.
A ocasião que se oferecia ao imperador dos
franceses era única, e êle não era homem para a
deixar escapar. A resposta de Napoleão quanto
à coligação não se fez esperar, e os prussianos
receberam em cheio nas enormes derrotas que
sofreram em lena e Auerstaedt a réplica às suas
bravatas.
Depois dos desastres, que custaram aos prus-
sianos 22:000 homens entre mortos e feridos, o
caminho de Berlim estava aberto, e Napoleão não
se demorou de entrar ali como um sátrapa orien-
tal ou herói romano fazendo desfilar pelas ruas
da capital prussiana desarmados e prisioneiros
114
ôs cavaleiros da guarda de Frederico-Guilherme
no meio das tropas francesas triunfais e festivas.
Emíim, como dizia Enrique Heine : «Napoiéon
soufíla sur la Prusse, et la Prusse cessa d'exis-
ter».
Também H. Vast, referindo-se à entrada de
Napoleão em Berlim, escreve: «A Berlin, nul es-
prit public, nul patriotisme ; un aífaissement mo-
ral complet qui explique 1'effondrement de 1806.
Aprés lena, la presque totalité de la population
berlinoise et la presse tout entière marque une in-
diíférence complete» (i).
Mas, Napoleão abusou, abusou intensivamente,
abusou prolongadamente da sua vitória. Não
houve violência que não cometesse, extorsão que
não ordenasse, vergonha e vilipêndio que não
infligisse.
Assim, começando por ser acolhido por uns
com medo, por outros com simpatia, tempos de-
pois em todos só despertava terror e ódio.
Deste modo, não admira que por toda a parte,
e cada vez mais, o povo alemão ardesse em de-
sejos de expulsar o dominador brutal e vexante.
Já em 5 de Dezembro de 1 8 1 1 Jerónimo Bo-
naparte escrevia ao imperador: «A fermentação
é extrema; se a guerra rebentar toda a região do
Rheno ao Oder tornar-se há o foco de uma insur-
reição geral. A causa dessa fermentação não re-
(i) Lavisse e Rambaud, Histoire General, tomo ix, pág. 107
a 110.
íi5
side somente no ódio à França e no descontenta-
mento provocado pelo jugo estrangeiro; ela re-
sulta, antes, da desgraça dos tempos que vão
correndo, da ruina completa de todas as classes,
da opressão excessiva produzida pelos impostos,
das contribuições de guerra, das passagens dos
soldados, dos vexames de toda a espécie que se
repetem sem cessar. São de receiar as explosões
de desespero por parte de povos que nada teem
a perder, pois que tudo lhes foi tirado».
Efectivamente, a explosão deu-se assim que foi
encontrado o ensejo e chegado o momento opor-
tuno, e este apareceu logo a seguir à desastrosa
campanha da Rússia, de 1812, em que o famoso
Grande exército ficou pouco menos que destruído.
Mas, se a chamada Guerra da libertação alemã,
só surge depois de 1812 não quere dizer que já há
anos atrás se não viesse fazendo a sua prepara-
ção não só material como — e principalmente —
espiritual ou moral.
Sem se dever esquecer a obra reformadora de
Stein, Scharnhorst e Hardenberg, não se deve
pôr em dúvida que foram os factores de ordem
moral que criaram o estado do espirito colectivo
essencial a essa guerra insistente e temerosa até
à ferocidade contra Napoleão, que só terminou
com o completo aniquilamento do colosso no pla-
nalto de Waterloo.
É à Universidade de Berhm, fundada em 18 10
por Guilherme de Humboldt— onde ensinaram os
juristas EiCHHORN e Savigny e os historiadores
1 1
NiEHBUHR e BoECK ; é às peças patrióticas do dra-
maturgo Kleist e aos escritos de propaganda de
GoERREs; é aos cantos populares reunidos por
Brentano e AcHiM d'Arnim; é à obra dos histo-
riadores ; e é, mais imediatamente, aos famige-
rados Discursos à nação alemã, de Fichte que a
Prússia deve as suas vitórias contra o imperador,
e sua libertação.
Logo a seguir à paz de Tilsit o rei Frederico
Guilherme havia proclamado que : «O Estado de-
via suprir com as forças intelectuais as forças ma-
teriais que havia perdido». E assim foi.
A mais importante criação desse movimento
patriótico foi, sem dúvida, a obra dos seus histo-
riadores como Karl Eichorn, Savigny, os Schle-
GEL, NlEBUHR, etC.
Por isso vingado o movimento libertador será
a história — como adiante vamos vêr — uma das
sciências mais especialmente favorecidas, por
toda a forma, pelo Estado prussiano.
• Diz Guilherme Richl que no concerto das
sciências cada uma dá, por sua vez, o tom, acres-
centando que na Renascença foi a filologia clás-
sica, na época da Reforma coube a vez à teolo-
gia, depois de Locke e Spinosa prepondera a filo-
sofia^ e nos nossos dias tem a história a preemi-
nência.
Efectivamente, o século xix é bem o século da
117
história. Como escreve Langlois : «A obra his-
tórica do século XIX é, e ficará, capital quaisquer
que sejam os ulteriores destinos da erudição».
E acrescenta: «Ela é imensa, e ninguém pode
ter a pretensão de a descrever ou de a conhecer
toda» (i).
Ora se um bibliógrafo eminente como Lan-
glois vê a impossibilidade de conhecer e descre-
ver toda a obra histórica realizada no século xix.
não seremos nós que teremos a pretensão de rea-
lizar o que êle modestamente declara não poder
fazer.
O melhor conhecimento dos grandes centros
da antiga civilização oriental desde a índia ao
Egipto ; a mais completa investigação dos gran-
des focos da cultura clássica ; o mais sistemático
estudo das fontes de toda a ordem para o conhe-
cimento da Idade Média, da Renascença e da
Idade Moderna ; o enorme progresso que experi-
mentaram os arquivos, as bibliotecas e os mu-
seus de todos os países civilizados ; a progressiva
especiahzação dos estudos e dos trabalhos histó-
ricos nas Universidades e outras grandes Esco-
las, e nas Academias ; a sempre crescente protec-
ção dos governos a todas as emprezas de inves-
tigação scientiíica, especialmente de investigação
histórica; o élan patriótico que as invasões dos
exércitos napoleónicos produziram nos países que
tiveram — como o nosso — a desdita de as expe-
(i) Langlois, ob. cit., pág. SSg.
ii8
rimentarem, incitando ao estudo dos homens e
factos mais gloriosos do passado de cada povo ;
o movimento literário do romantismo que, se de-
rivou de algumas das causas já expostas foi tam-
bém, por sua vez, causa de um acréscimo de
curiosidade histórica : tudo isso explica bem o
enorme progresso dos estudos históricos através
do século XIX, e até hoje (i).
No século XIX os estudos de erudição progri-
dem em extensão e em profundesa. A história
propriamente dita, politica, económica, religiosa,
militar, filosófica, scientífica, literária e artística,
e a história geral da civilização; as sciências au-
xiliares e subsidiárias da história; enfim, os mé-
todos e processos de elaboração e de crítica his-
tóricas : tudo isso experimenta um progresso, um
desenvolvimento, uma extensão e um afinamento
enormes, extraordinários.
Como o que aqui nos interessa especialmente
é o que se refere às Colecções de Inéditos e à
metódica dos estudos históricos serão esses os
assuntos que iremos tratar a seguir.
2.° — Países de língua alemã
Nos países de língua alemã tem sido enorme o
labor realizado quanto ao estudo e à publicação
das Colecções de Inéditos.
Entre os mais importantes corpos publicados
não só na Alemanha como fora devem incluir-se
(i) Gh.-V Langlois, ob. cit., pág. 840 a 344.
119
os Monumenta Germaniae histórica. Se bem que
a primeira idea da publicação venha de 1818, do
manifesto do prof. Dumge, de Karlsruhe, logo
acolhida com entusiasmo por Stein, só em 1824
é que o erudito Pertz, discípulo de Heeren, fixou
o plano da obra.
Por êle ficavam os Monumenta Germaniae his-
tórica divididos em cinco secções : a dos Scripto-
res, das Leges., Diplomata regum et imperatorum
romanoriim, a das Epistolae, e a das Antiquitates.
Finalmente, em 1826 apareceu o primeiro vo-
lume pertencendo à colecção dos Scriptores, cons-
tando dos Anais carolingios. Depois interrom-
peu-se, recomeçando só mais tarde.
Quando se chega a 1870 haviam sido publi-
cados vinte e um volumes dos Scriptores, quatro
das Leges, e um das Diplomata pela Gesellschaft
fur altere deutsche Geschichtskunde (i).
Depois da guerra de 1870 o governo alemão
passou a proteger muito a empreza, começando
a aparecer em 1876 o primeiro tomo da segunda
série da colecção com o titulo : Neues Archiv des
(i) A consulta dos Monumenta Germanicae é essencial para
o estudo da fundação do reino da Germânia — nos séculos ix, x
e princípio do xi, o governo de Conrado duque da Francónia; a
dominação da casa de Saxe, de 919 a 1024; os reinados de Enri-
que I, dos Otões — I, II e III, — de Enrique II; etc.
Nessa Colecção vêem publicados, entre muitos outros traba-
lhos, os Annales Fuldenses ; a Chronica de Régino; a Res Gestae
saxonicae, de Widukind; os escritos de Liuteprando; a Cármen de
gestis Oddonis, de Hroswitha; a Vita Mathildis reginae, as Vitae
do bispo Bernardo de Hildesheim, do bispo Burchard, de Worms,
etc.
120
Gesellschaft fiir altere deiitsche Geschichtichts-
kunde, e ficando G. Waitz a dirigir a reorgani-
zada publicação até à sua morte, em 1888, se-
guindo-se-lhe E. Dummler até igoS.
Depois, cada secção passou a ter a sua autono-
mia, ficando com um director e demais pessoal
privativo, dividindo-se, também, cada uma delas
em sub-secçóes.
Assim, a dos Scriptores ficou dividida em Au-
tores antiquissimi — cuja publicação terminou em
1799, Scriptores reriim langobardicarum et italica-
rum, Scriptores rerum meroiingicarum, Scriptores
qui vernacida lingua usi siint, Libelli de lite impe-
ratorum etpontificum saeciilis XI et XII conscripti;
as das Leges são : Leges nationum germanicorum,
Capitularia regum Francorum, Concilia, Consti-
tutionis et acta publica imperatorum et regum, For-
mulae merovingici et Karolini aevi, etc, etc. (i).
Também, J. F. Bõhmer publicou de i83i a
1839 ^^ Re gesta chronologico-diplomatica Karo-
lorum, regum atque imperatorum romanorum (de
752 a i34']); de 1844 a 1849 apareceram os seus
Regesta Imperii, tendo-se depois publicado uma
(i) Acerca da origem e evolução dos Moniimenta Germa-
niae histórica, ver: B. Malfatti^ Dei Monumenta Germaniae his-
tórica a propósito dei loro nuovo ordinamento, Firenzo, 1877; Ch.-
V. Langi.ois, ob. cit., pág. 407 3415.
A sociedade que publica os Monumenta tem editado também
os Scriptores rerum germanicariim in iisum scholariim ex«Momi^
mentis Germaniae historieis» recusi, e os Die Geschichtsschreiber
der deutschen Vor![eit in deutscher Bearbeitung — com traduções
de textos medievais, e cuja colecção foi bastante criticada por
Wattenback, e depois por este dirigida.
121
segunda edição a partir de 1881 ; e de 1843 a
1868 surgiram quatro volumes das Fontes rerum
germanicarum.
Ph. Jaffé publicou, em i85i, os Re gesta pon-
tificum romanorum a condita Ecclesia ad annum
I ig8 — ^ depois continuados ; e de 1 864 a 1 873 seis
volumes da sua Bibliotheca rerum germanicarum.
A administração dos arquivos prussianos edi-
tou durante bastantes anos algumas dezenas de
volumes das Publicationem aus den k. preussischen
Staatsarchiven, contendo principalmente docu-
mentos e obras sobre a história interna e externa
da Prússia no período moderno, como Memórias,
correspondências diplomáticas e particulares, etc.
Muitas outras publicações teem aparecido na
Prússia como as colecções dos Anuários de obras
de arte do reino da Prússia^ os numerosos traba-
lhos de várias ordens publicados pelas «Comis-
sões históricas» regionais e locais; os Ver^eich-
niss dos manuscritos do Estado prussiano : as
colecções dos Arquivos da Guerra ; as numerosas
e importantes obras publicadas pela K. preussis-
che Historisches Institut, e entre elas a colecção
do Nuntiaturberichte aus Deutschland, a do Re-
pertorium germanicum, Regesten aus den pãpstli-
chen Archiven . . . , etc. ; os estudos publicados
pelo Instituto arqueologic do Capitólio^ criado em
Roma em 1829, etc.
Vamos vêr a seguir alguns trabalhos especiais
pela natureza dos assuntos versados, sem termos
— já se vê — nem de leve a pretensão de fazer
122
um catálogo ou índice didascálico, ideográfico
ou sistemático da opulentíssima historiografia
alemã. Iremos, somente, citar, pela índole dos
assuntos algumas colecções, ou grandes obras,
onde venham publicados na íntegra ou em extra-
tos documentos inéditos.
Assim, acerca da história das Gálias no período
merovíngio e carolingio são de notar os Annalen
des frãnkischen Reichs, de 1872 e 1877; sobre os
burgundos há Das Burgundisch-romanische koeni-
greich, de Binding; a respeito da história do im-
pério romano do oriente, e da sua decadência é
de citar a enorme colecção, dirigida por Niebuhr,
em quarenta e nove volumes, do Corpus scripto-
rum historiae by^antinae, de 1828 a 1878(1).
Também, não é de omitir a Historia Longobar-
dorum, de Paulo Dicre — sacerdote do fim do sé-
culo VIII — que figura nos Monumenta Germaniae,
de MoMMSEN, e os Jahrbiicher dos reis francos de
Simson e de Dúmmler — que é, no dizer dos me-
dievistas, um excelente trabalho de compilação
e critica sobre o século ix.
Mas, para não prolongar em demasia este tra-
balho, deixemos de parte todo o período relativo
à luta entre o sacerdócio e o império e à questão
das investiduras, desde 1040 a 1 122, aos reinados
de Frederico Barbarroxa, Enrique VI, Frede-
rico II, da Sicília — período esse que é hoje repre-
(i) Já então estavam publicadas as várias edições dos Scrip-
tores historiae by^antiniae — a de Louvre, em trinta e oito volu-
mes, de 1645 a 171 1, e a de Veneza, de 1733, em 23 volumes.
123
sentado na bibliografia histórica pela publicação
de numerosíssimos documentos, a maioria dos
quais figura na monumental colecção de Pertz
— como os Annales Altàbenses e Hersfeldenses,
os de Berthold, de Reichenau, o De bello saxo-
nico, de Brun, e várias crónicas, etc. ; as colec-
ções de legislação incluídas no tomo segundo das
Leges dos Monumenta Germaniae; a História de
Giesebrecht — com muitas transcrições documen-
tais ; as Acta imperii inédita saeculi XIII — pu-
blicadas por WiNKELMANN^ OS Regesta imperii — de
BOEHMER, etc.
Também^ o período que vai desde a queda dos
Hohenstaufen até à subida ao trono de Maximi-
iiano I — da segunda metade do século xiii. até ao
fim do século xvi — tem como fontes de estudo
uma rica documentação já hoje publicada não só
nos Monumenta Germaniae, como nas Fontes re-
rum Germanicarum — dirigidas por Boehmer, nas
Fontes reriim austriacarum — publicadas pela
Academia de Viena, na colecção das Chroniken
der deustschen Staedt, etc, etc.
O agitado período da Reforma está admira-
velmente representado na historiografia alemã do
século XIX quer pela publicação das documenta-
ções, pelos seus extractos, excerptos, citações e
índices, quer pela grande quantidade de livros e
revistas que dela teem tratado, pertencendo à
primeira categoria a Bibliotheca biographica lu-
therana, de Vogel; a Enciclopédia de Teologia
protestante, de Herzog; a colecção das obras de
t24
LuTHERO na edição de Erlangen, em sessenta e
sete volumes, de 1826 a 1879; a Analecta Luthe-
rana, de Kolde ; as colecções de documentos so-
bre esse período reunidos por Foerstemann, Balau,
Brieger, etc, etc. (i).
Mas, não é só acerca da Reforma que teem
sido numerosíssimas as obras e, até, as colecções
inteiras, aparecidas com a publicação de manus-
critos. Também a Guerra dos trinta anos que
adveio daquele importante acontecimento histó-
rico pela intolerância dos católicos reorganizados
em Trento e enquadrados e disciplinados pelos
jesuítas, e pelo calor proselitico dos calvinistas e
demais protestantes exaltados pelos actos de fa-
natismp católico de Fernando II, tem sido objecto
de muito numerosas e importantes publicações
de documentos sobre essa luta que, desde a de-
fenestração de Praga e da aclamação de Fernando
até à paz de Westfalia, absorveu completamente
— com pequenos intervalos — toda a vida da
Europa (2).
Depois de Munster e de Osnabrúck o chamado
Santo Império ficava materialmente arruinado e
(O Ver sobre a Reforma na Alemanha, em França e em In-
glaterra as bibliografias publicadas, respectivamente, por Ernest
Deniz, Ferdinand Buisson e Ch.-V. Langlois, no tomo iv da His-
toire Générale de Lavisse e Rambaud, pág. 451 a 454, 535 e 536,
fgS e 596.
(2) Não seremos nós que iremos dar, sequer de relance, tal
bibliografia que se encontra na Quellenkunde der deutschen GeS'
chichte, de Waitz ; na Histoire de la Guerre de Trente ans, de
Chervériat; na Histoire Générale^ de Lavisse e Rambaud, tomo v,
pág. 583 a 586 e seg.
Í25
desorganizado sob o ponto de vista administra-
tivo, se bem que a Alemanha protestante moral-
mente ficasse satisfeita com o estabelecimento de
statu quo religioso de Passau e Augsburgo.
A fraquesa do poder central era cada vez maior,
resultando daí uma pulverização do poder sem-
pre mais completa e manifesta. O imperador
não passava de uma palavra de protocolo; êle
era — como dizia Frederico II : «o chefe eleito de
uma nobre república de príncipes».
Mas, nesse período — que vai de 1648 a 171 5
— assiste-se a um acontecimento cujas conse-
quências mediatas chegaram até nós, e não se
sabe quando e como terminarão : vê-se o grande
eleitor do Brandeburgo transformar-se em rei na
Prússia para se tornar, na verdade, rei da Prús-
sia. Apesar de todas as promessas e de todos
os compromissos a Prússia começava com Fre-
derico I a tornar-se o núcleo de formação de uma
grande potência que teve a sua sanção imperial
em 1870, e que — di\-se — acabou em Versail-
les em 1919.
Como é de calcular este período tem sido enor-
memente estudado, dispondo de uma bibliografia
histórica muito extensa. Entre as colecções do-
cumentais limitar-nos hemos a citar os Ui'kunden
imd Aktenstucke ^ur Geschichte des kurfilrsten
Friedrich-Wilkelm von Brandenburg{\).
(i) De 1737 a 1754 apareceram os cinquenta volumes doí
Teutsches Staatsrech, de Moser.
Í26
Durante o século xviii o chamado Santo Impé-
rio não fez mais que continuar de facto a deca-
dência a que o votara o tratado de Westfalia.
Sob o ponto de vista político o projecto ideo-
lógico dos teorisantes da Idade Média transfor-
mara a Alemanha num pavoroso caos de mais de
3oo Estados com as mais diversas designações
desde os reis e arquiduques, dos condes pala-
tinos e margraves até os landgraves.
Os poderes e atribuições dos chefes de tão
adensada poeira de Estados mudavam em cada
um, indo desde o absolutismo até às máximas
liberdades republicanas e municipais, sucedendo
mesmo tais variantes de governo no interior de
algumas dessas poliformes células políticas onde
os privilégios e as imunidades das senhorias, das
abadias, ordens e capítulos monásticos e ecle-
siásticos atingiam o inconcebível em matéria po-
lítica e administrativa.
Mas, no fundo desse caos, no centro dessa ne-
bulosa, um corpo se ia organizando, tomando
vulto, constituindo pouco a pouco a sua ossatura,
adquirindo consistência até à regidez, definindo
as suas formas e deixando entrever os seus de-
sígnios e projectos.
Esse corpo era a Prússia,
Hesitante ainda com Frederico I, atravessa a
sua primeira fase de vascularização administra-
tiva com Frederico-Guilherme, e de tenteante.
torna-se firme com Frederico 11.
Como é de calcular, são numerosas e impor-
127
tantes ascolectanes documentais constituídas pela
grande erudição alemã acerca deste período.
Além das colecções do século xviii como as de
J. J. MosER — de que já falamos — a de Haeber-
LiN, a de Harpprecht, de Von Roth, etc, é de
enumerar a Correspondência Política de Frede-
rico II, com mais de trinta volumes ; as Miscel-
laneen acerca da história de Frederico-o-Grande,
editada pelos Arquivos Reais da Prússia; Acta
Borusica ou Memorias sobre a organização polí-
tica da Prússia no século xviii; as Memórias da
margrava de Baireuth ; Cartas de Frederico-
Guilherme Ia Leopoldo de Dessau, por Krauske,
igo5; a Correspondência intima de José II com
Coblent^l e Kaunit:{, por Brunner, 1871, etc, etc.
Durante a Revolução e até ao golpe de Estado
do treze vendimário que havia de tornar possível
a Napoleão o tornar-se imperador dos franceses,
são numerosíssimos os documentos de toda a
ordem — diplomas, correspondência política e
diplomática, relatórios oficiais, memórias e cor-
respondências particulares, etc. — que teem sido
publicados durante o século xix, e até 19 14.
Entre tantíssimos outros trabalhos indicaremos
apenas os Annalen Europeische, por E. Posselt ;
a colecção dos Teiitsch Staatskan^ley, em trinta
e nove partes, por J. A. Reuss ; as Mémoires tires
d es papiers d^unhomme d^Etat sur les causes secré^
tes qui ont determine la politique des cabinets dans
la guerre de la Revolution. depuis i']g2 jusqu^en
i8i5y em treze volumes, por Beauchamp e Schu-
128
bart ; as Memórias da condessa de Lichtenau, de
CusTiNE, de Massenbach ; os escritos de F. de
Gentz, de ViVENOT ; as Histórias de Van Alpen,
etc, etc.
O governo napoleónico marca para a Alema-
nha uma época de enorme perturbação e de
transformações senão profundas — como afirma
Ernest Denis — pelo menos incisivas e rápidas.
Desde a organização da confederação do Rheno,
a seguir à vitória de Austerlitz, até à ruina do
Grande Exército e à guerra da independência,
toda a vida politica alemã decorre numa cons-
tante agitação. Não admira que sejam múlti-
plos os vestígios documentais dessa época — bas-
tantes dos quais teem sido publicados (i).
Também, o lapso que vai da conferência de
Viena à revolução alemã de 1 848 é para a exis-
tência da confederação Germânica uma época de
agitação de ideas literárias, políticas e sociais.
A Prússia que, como os demais Estados ale-
mães, havia ficado arruinada, e administrativa e
economicamente desorganizada, melhora os seus
serviços e refaz as suas finanças, completando
(i) Na impossibilidade de traçarmos uma biografia, mesmo su-
cinta, deste período — o que acresceria muito este trabalho, limi-
tamo-nos a indicar algumas obras que tem boas indicações bi-
bliográficas, como : M.me de Stael, l'Allemagne; a já citada biblio-
grafia de Dahlmann-Waitz, na Quellenkunde der deutschen Ges-
chichte; a colecção da Revue Historique^ especialmente os artigois
de N. Philippson ; as monografias de Ernest Denis in Histoire
General de LaviSse e Rambaud, tomo ix, pág. 5oo a 5o6 e 583 a
622, etc,
129
essa importante obra da regeneração económica
com a criação do Zollverein.
Com a criação da Universidade de Berlim e a
organização do Ministério da Instrução o ensino
melhora e progride extraordinariamente. É a
época do teólogo Schleiermacher, dos juristas
Gans e Savigny, do filósofo Hegel, do criador da
geografia moderna Karl Ritter, de A. Boekh,
LaCHMANN e WiLKEN.
É também a época em que Bopp cria a filolo-
gia comparada, e Guilherme de Humboldt funda a
linguistica ; em que Eichhorn aparece com o seu
Journal da sciência histórica do direito e inicia a
Colecção de inscrições latinas, em que Ranke surge
com os seus trabalhos já notáveis quando se chega
à sua História dos povos romanos e germânicos, à
História dos papas (1834 a i836) e à Alemanha
na época da Reforma (1889 a 1847).
É; emfim, a época do grande renovamento dos
estudos históricos na Alemanha com o apareci-
mento da monumental colecção, algumas vezes já
aqui citada, dos Monumenta Germaniae histórica,
com a criação, nas Universidades, dos seminários
ou institutos históricos, e com a aparição dessa
geração de historiadores eminentes que vem de
Ranke, Oncken, Waitz, Droysen e Sybel até Trei-
TSCHKE.
Não admira, pois, que estes períodos que se
seguem hajam merecido aos historiadores, aos
eruditos, colectores e investigadores alemães a
mais constante atenção, enriquecendo a historio-
3o
grafia com a publicação de numerosíssimos do-
cumentos (i).
Além da Prússia os outros Estados da Alema-
nha teem os seus órgãos de erudição, os seus
arquivos e bibliotecas, as suas revistas, boletins,
anuários, etc.
Ainda na Alemanha propriamente dita há que
considerar os trabalhos da Academia de Sciên-
cias de Berlim como o Corpus inscriptionum lati-
narum — a obra prima da Academia dirigida por
MoMMSEN, e que é a grande colecção tipo das pu-
blicações do género (2); o estudo das obras de
Platão e de Aristóteles (3) ; a elaboração : do Cor-
pus scriptoriim historiae by^antinae — a chamada
Byzantina de Bonn, da famosa edição das obras
de Frederico. II elaborada pela «Commission fiir
die poHtische Gorrespondenz Friederichs des
Grossen», do Corpus inscriptionum gi^aecorum, do
(i) São tão numerosas as colecções ou obras isoladas com a
reprodução de manuscritos de toda a ordem — diplomas, relató-
rios, papéis parlamentares, memórias, diáinos, etc. — que nos limi-
tamos a remeter o leitor para a já citada obra de Dahlmann-
Waitz, para o Manuel de Bibliog?'aphie Historique, de Ch.-V.
Langlois, e para as bibliografias que seguem os capítulos de
Ernest Denis sobre a História da Alemanha, nos tomos x, xi exii
da Histoire General, de Lavisse e Rambaud.
(2) Acerca da marcha dos trabalhos na organização deste
Corpus ver: Gh.-V. Langlois, ob. cit., pág. 428 a 427.
(3) e edição académica de Aristóteles por J. Bekker, termi-
nou em i836, e o índice em 1870, A seguir publicaram-se os Co-
mentaria in Arisiotelem graeca, Supplementani aristotelicum.
i3i
Corpus inscriptionum atticarum, dos Corpos de
inscrições gregas do Peloponeso, da Cicilia, da Itá-
lia e da Europa ocidental.
São ainda de notar os trabalhos para a colec-
ção das obras dos escritores eclesiásticos gregos
até Eusébio; a Prosopografia do império romano;
a publicação das obras de Cornelius Fronto, e a
do Código Teodosiano; os trabalhos do Voca-
bularium jurisprudentiae Romanae, dos Acta Bo-
russica, etG<
Também é de citar pelos seus trabalhos de eru-
dição a Academia Real das Sciências da Baviera,
cuja Comissão histórica tem publicado impor-
tantes obras como uma Colecção das chance-
larias dos reis alemães ; outra das crónicas ale-
mãs dos séculos XIV a xvi; a vida das Hansas, de
1256 a i53o; uma colecção de cantos populares
alemães, dos séculos xiii a xvi ; e, especialmente^
a famosa colecção dos Anais da história alemã,
a partir de 714; e as duas séries do Dicionário
Biográfico^ e a colecção das monografias sobre
a História da S ciência na Alemanha.
Há ainda a lembrar a Sociedade das Sciências
de Leipzig — que tem trabalhado no Corpus glos-
sariorum latinorum; e no das inscrições etruscas;
e a Sociedade Scientífica de Gõttingue, fundada no
meado do século xviii, e que se tem ocupado de
uma edição crítica dos diplomas pontifícios até
ao governo de Inocêncio III.
Também, a Áustria tem publicado diversas
grandes colecções de obras históricas e arqueo-
l32
lógicas — principalmente as editadas pela Comis-
são de estudo dos diplomas e correspondências re-
lativas à história da Áustria^ pela Comissão central
para o exame e conservação dos monumentos his-
tóricos e artísticos - — cri-ada em 1 853, reorganizada
em 1899, e que tem publicado desde 1903 as suas
Comunicações — as Mittheilungen — e os seus
Anuários ; pelo Instituto austríaco de estudos his-
tóricos— estabelecido em Roma, desde 1880, de-
baixo da direcção da Academia das Sciências de
Viena, e que tem publicado bastos volumes de
Comunicações sobre a história da Áustria, os do-
cumentos dasnunciaturas alemãs depois de 1 559,
etc.
A Academia das Sciências de Viena tendo
sido criada em 1 847 dedicou-se logo ao trabalho
com sumo ardor. Entre outras obras importantes
publicadas por essa instituição há que salientar
as Fontes reriim austriacarum, dividida em duas
colecções : Scriptores, e Diplomataria et Acta — das
quais teem aparecido várias dezenas de volu-
mes (i); os Monumenta Conciliorum generalium
(i) Apesar de se ter resolvido, ao planear as Fontes^ que estas
só contivessem documentos até Maximiliano I, o certo é que o
corpo da Diplomataria et Acta tem publicado várias colecções de
papéis oficiais posteriores àquele reinado, isto é a iSig — em que
começou a governar Carlos V — papéis esses que constam de re-
latos dos embaixadores venezianos na Alemanha nos séculos xvi,
XVII, etc , dos documentos diplomáticos sobre o Congresso de
Soissons, de 1729 a 1752, e das fontes da história da Áustria du-
rante a Revolução francesa.
Gomo publicação periódica das FoMíes teem existido os Afliti-
vos da História Austríaca.
33
saeculi decimi qiiinti, ele. ; os Monumenta habsbiir-
gica — mais tarde abandonada ; o Corpus scrip-
torum ecclesiasticorum latinoriim — que tem pu-
blicado algumas dezenas de volumes de textos
e de inquéritos sobre manuscritos patristicos dos
depósitos italianos, espanhóis e ingleses (i); e
várias publicações de natureza bibliográfica, lexi-
cográfica, filológica, arqueológica, epigráfica, nu-
mismática, etc. (2).
Também a Suiça alemã não tem ficado indi-
ferente à publicação de colecções de documentos
inéditos se bem que a obra realizada fique muito
àquem dos desígnios e dos trabalhos em proje-
cto (3).
3.° — Inglaterra
Se bem que a laboriosidade da Inglaterra,
quantoàpublicação de inéditos, esteja muito l^^ge
(1) Trata-se da colecção da Bibliotheca patrum latinarum Itá-
lica, Hispanensis, Britannica, etc.
(2) Há ainda a recordar as obras colectivas produzidas pela
federação das Academias e Sociedades Scientíficas da Prússia,
Áustria, Baviera, Saxe e Hanover. A esse Cartel ou associação
scientífica deve-se o Thesaurus Linguae latinae, uma Enciclopé-
dia das Sciências Matemáticas, e um Dicionário da língua egípcia.
Muitos outros exemplos poderiamos dar de trabalhos feitos em
comum pela federação destas e de muitas outras instituições
scientíficas.
(3) Alem das instituições scientíficas apontadas e das obras
acima aludidas muitas outras colectividades alemãs teem publi-
cado numerosíssimas colecções de inéditos. Ver a série bem re-
cheiada, se bem que ainda incompleta, indicada por Ch.-V. Lan-
GLOis, ob. cit., pág. 443 a 469.
i34
de se poder comparar com a da Alemanha, e
fique muito àquêm das forças dos seus recursos
financeiros e das riquesas dos seus arquivos,
contudo, deve dizer-se, que no decorrer do sé-
culo XIX bastante ali se trabalhou nesse sentido.
Todo o trabalho de publicações foi precedido
em Inglaterra por uma completa reorganização
dos seus depósitos de manuscritos. A obra rea-
lizada tem sido importante, o que levou Jules
Flammermont a escrever: «Cest FAngleterre qui,
jusqu'ici, a fait dans cette voie les plus grands
progrès». E acrescenta: «En même temps que
s'opérait la réunion de tous les anciens dêpôts
d'archives londoniens dans le Public Record Of-
fice, le directeur de ce grand établissement scien-
tifique donnait une vive impulsion à la mise en
train de cette belle collection des Calendars . . . (i).
Efectivamente, entre as principais publicações
de inéditos in extenso ou em extracto, realizadas
em Inglaterra, figuram as Publications of the Re-
cord Commissioners (2), que depois se interrompe-
ram, ficando em sua vez os Calendars of Stat
Papers . . . que teem por fim descrever os docu-
(i) Ver Jules Flammermont, Les correspondances des Agents
Diploviatiques étrangers en France avant la Révolution^ in Nou-
velles Archives des Missions scientifiques et Litteraires, tomo vin,
1896, p ágil.
(2) Nesta colecção teem aparecido entre outras publicações
de vulto a reedição dos Foedera de Rymer, os Statutes of the
Realm; as colecções dos papéis mais antigos das chancelarias dos
Plantagenetas, e dos inventários dos arquivos da coroa, e o State
Paper during the reigne of Henry VIII.
i35
mentos por ordem cronológica e não da coloca-
ção nos depósitos (i).
Essa colecção dos Calendars dividiu-se em
três séries conforme as secções do Satate Paper
Office e a natureza dos serviços das antigas se-
cretarias de Estado: as Domestic Series — relati-
vas aos serviços internos do país, e das quais teem
aparecido algumas dezenas de volumes com pa-
péis dos séculos XVI, xvii e xviii; as Foreign Series
— de que se teem editado muitos volumes sobre
as relações externas da Inglaterra no século xiv;
e as Colonial Series — que igualmente tem publi-
cado muitos papéis relativos às colónias britâni-
cas (2).
(i) As descrições documentais feitas nos Calendars constam
não só da análise dos manuscritos como dos extractos, e, até, por
vezes, de longas transcrições — segundo a importância dos docu-
mentos estudados. O primeiro tomo dos Calendars apareceu em
i856.
(2) Há ainda a considerar as séries do Calendar Paper relating
to Scotland, a do Calendar State Paper s relating to Ireland, etc,
etc. — que sobem já a dezenas de volumes publicados, bem como
o Calendar oj the Patent Rolls — desde Enrique II, com dezanove
volumes; o Calendar ofthe Close Rolls — a partir de Eduardo I,
com II volumes; o Calendar of the Carew Papers^ preserved in
the Lambei/l Library — que atinge seis volumes; a famosa série
do Calendar of letters, despatches and State Papers relating to
negotiations beteween England and Spain, preserved in the Ar-
chives at Simancas (dos séculos xv e xvi, em seis volumes), devido
às investigações de Bergknroth e de Pascual de Gayangos.
Acerca desta publicação vêr Jules Flammermont, ob. cit.^
pág. nr.
São ainda de notar na mesma grande colecção a série, com
mais de dez volumes, do Calendar of State Papers and manuscri-
pts relating to english affairs, preserved in the Archives of Venise
i36
Mas, assim como se resolveu limitar a extra-
ctos ou a inventários mais ou menos analíticos
dos manuscritos o que anteriormente se costu-
mava fazer de publicar os documentos in integro
nas colecções dos Record Commissioners, também,
mais tarde resolveu-se simplificar mais a elabo-
ração dos Calendars dos ouXvos fundos ingleses,
continuando-se com o processo antigo nos inven-
tários dos manuscritos do State Paper Office.
Há ainda a citar a importante colecção dos
Annual Reports of the Deputy keeper of the Pu-
blic Record s — que atinge bastantes dezenas de
volumes, tendo publicado muitas centenas de do-
cumentos políticos, diplomáticos, administrati-
vos, etc.
Além de todos os trabalhos até agora enume-
rados tanto no texto como nas notas deste nosso
estudo, são ainda de salientar as investigações
feitas nos arquivos e bibliotecas de Roma, espe-
cialmente nos do Vaticano, pelo R. Josefh Ste-
venson(i), e continuadas por. W.-H. Bliss — de
que resultou a publicação de extractos dos des-
pachos dos núncios em Espanha, França, Flan-
dres, Alemanha dos séculos xvi e xvii, e relativos
dos séculos xiii a xvpi — cujo primeiro volume, de Rawdon Bbown,
apareceu em 1864; o Calendar of entriés in the papel registers^
illustrating the history of Great Britain and Ireland.; e o Calen-
dar of documents in France, illiístrative of the history of Great
Britain and Ireland; etc.
(1) Stevenson tem no Calendar Foreign Series estudos sobre
o reinado de Isabel.
i37
a assuntos ingleses (i), além da edição de uma
excelente colecção de cartas dos papas relativas
à história da Inglaterra e da Irlanda na Idade
Média, pelo laborioso Bliss.
Este mesmo investigador fez também, por conta
do governo inglês, estudos nos arquivos e biblio-
tecas de Stockolmo — onde copiou muitos docu-
mentos relativos à Inglaterra.
Da mesma forma^, os depósitos de manuscritos
da Dinamarca foram estudados no ponto de vista
inglês por William Dunn Macray, o qual com-
pletou as investigações de Bliss quanto aos pa-
péis dos depósitos suecos (2).
Ainda com relação a estudos feitos no estran-
geiro, por conta do governo inglês, sobre história
da Inglaterra, são de citar os de Armand Baschet
relativos ao período desde a aclamação de Enri-
que VIII até à morte da rainha Ana, especialmente
dos despachos dos embaixadores franceses em
Londres (3).
Além da Inglaterra propriamente dita também
a Escócia e a Irlanda teem as suas publicações
(i) Esses trabalhos encontram-se relatados nos Annual Re-
ports of the Deputy Keeper^ volumes 34.0, 35.°, 36.", 39», 40.°, 41.°
e 42.° Nos volumes 45.° e 48.° figuram os instrutivos Relatórios
de Bliss.
(2) In Annual Reports, volumes 45.° a 48.°
(3) Idem, volume 37.», pág. i8o a 194; e volume 39.°, de 1878,
pág. 573 a 826 — em que foi publicado o Reperíoire General de tou-
íes les dépêches et autres documents appartenant aux correspon-
dances des ambassadeurs de France successivement accrédités en
Angleterre depuis le régne d' Henry VIII jusqu'au régne de
George li, i5og-i7i4.
i38
especiais de erudição como os Scottish Record
Publications, destinadas aos documentos inéditos
da Escócia, e os efémeros Irish Record Publica-
tions para os da Irlanda.
Há ainda a notar que depois de algumas ten-
tativas abortadas dum Monumenta histórica bri-
tânica o governo inglês resolveu fazer publicar
uma colecção de crónicas e memórias da Grã-
Bretanha e Irlanda durante a Idade média com o
título, em idioma pátrio, de The Chronicles and
Memoriais of Great Britain and Irland during the
middleages, e o latinizado de Reriim britanicarum
medii aevi scriptores (i).
Além destas publicações de carácter oficial há
ainda a notar as editadas por outras instituições
e revistas, algumas das quais bastante produzi-
ram, tais como a Caxton Society e a English his-
torical Society — ambas já extintas e que publica-
ram muitos documentos, crónicas, etc. ; as The
Camden Society, the Britsh Record Society, Har-
leian Society — que teem publicado documentos
históricos do maior valor, e esta última tornou
(i) Nesta colecção teem sido publicadas as crónicas anglo-
saxónica de Mateus de Paris, Ralph de Dicét, Rooer de Hone-
den; documentos jurídicos, colecções de cartas, obras literárias,
cartulários, documentos administrativos — como The Red Book
of the Exchequer. ; municipais — como os Munhnenta Gildhallae
Londoniensis ; e os académicos — tais os Documents iUustrative of
academical lije and studies at Oxford.
Alguns dos volumes desta colecção das Chronicls and Memo-
riais teem introduções e prefácios da autoria de W. Stubbs, o
qual mais tarde os reuniu em volumes.
i39
conhecidos muitos obituários e registos monásti-
cos ; a Selden Society — que se tem especializado
na história do direito inglês; a Navy Records
Society — que tem publicado documentos dos
arquivos da marinha, etc, etc.(i).
Traçando, de uma forma muito sucinta, uma
bibliografia ideográfica, ou por assuntos, da his-
tória da Inglaterra, devemos relembrar que, se a
erudição inglesa não tem acompanhado passo a
passo a da Alemanha e da França, nem por isso
deixa de ser importante.
Assim, para o período medieval, do século v
ao XI, encontram-se publicadas, além das cróni-
cas de TwsYDEN e Selden, de Fulman e de Galle
— conhecidas desde a segunda metade do sé-
culo XVIII, as crónicas publicadas pelos Monu-
menta histórica Britânica — que tem tido uma
vida difícil, a importante colecção das Chroni-
cles and Memoriais of Great Britain and Ireland
— que tem publicado desde i858 mais de tre-
•zentos volumes (2).
(1) Acerca dos arquivos da Inglaterra e das publicações iné-
ditas levadas a efeito nesse país vêr: Jules Flammermont, ob. cii.^
1896, pág. I a V ; Gh. Bémont, Les Archives publiques de VAngle-
ierre et Vlnventaire des Papiers d'État, in Revue historique^ tômo
xLvin, de 1898; colecção dos relatórios anuais do Deputy Keeper
do Public Record Office insertos nos Parlamentary Papers^ com
apêndices e anexos contendo inventários sumários e analíticos dos
fundos estudados ; Ch.-V, Langi.ois, Manuel de Bibliographie His-
torique, pág. 488 a 504.
(2) Nas Cronicles figuram, entre tantíssimas outras : as Histo-
ria novorum, de Eadmer; a Historia Anglorum^ do arquidiácono
Henry; as crónicas de Bento de Peterborough, de Raul de Di-
ceto, a de Gervais de Cantorbéry, etc, etc. /
140
É de notar que a Royal Historical Society, a
Camden Society, a Anglia Christiana Society, e
outras instituições scientificas teem pubicado
muitas crónicas quer na íntegra quer em excer-
ptos (i).
Quanto aos diplomas — as chartae — teem sido
igualmente publicados no Codex diplomaticus aevi
saxonici, de Kemble ; no Cartularium saxonicum,
de Gray Birch — que começou a aparecer em 1 883,
além da famosa colecção de Th. Rymer de que
já falamos no capitulo anterior.
Acerca da compilação das leis desse período
são de citar a colecção Tharpe — Ancient laws and
institutes of England ~- para o período anglo-
saxónico ; os quatro volumes dos Tratados sobre
os costumes, de Houard — para o período anglo-
normando ; e os dez volumes dos Statutes of the
realm.
Quanto à história inglesa até ao século xiv, são
de citar os documentos publicados por W. Stubbs
nas suas Select charters, e os reproduzidos nos
Annales monastici, etc, e nas numerosas publica-
ções empreendidas pela antiga comissão dos Ar-
quivos públicos ingleses, desde 1800 a i836(2).
Teem, também, sido publicadas pouco a pouco
(r) Assim, a Sociedade dos Antiquários de Londres tem pu-
blicado documentos muito importantes, e feito notáveis repro-
duções na sua memorável colecção Vetusta Monumenta.
(2) Acerca da publicação dos documentos <? índices feita por
essa comissão, ver: Seargil-Bird, A guide to the principal of do-
cuments preseceved in the Public Record Office (1891).
141
numerosas crónicas acerca de Eduardo T, Eduar-
do II, da agitada vida politica inglesa no tempo
de Eduardo III, Ricardo II, Enrique IV, Enrique V,
durante a menoridade de Enrique VI — com os
expedientes do duque de Bedford, as intrigas de
Gloucester, as dificuldades de Enrique de Beau-
fort ; e acerca da Guerra das duas rosas, como as
crónicas de William de Rishanger — publicadas
por Th. Riley ; as do falso Mateus de Westmins-
ter — as Flores Historiarum ; a Historia Angli-
cana — de Bartolomeu de Cotton ; as Cronides
of the reigns of Edward I, and Edppard 11 — pu-
blicadas nas Rolls series; os Annales de Nicolau
Trevet — editadas por Th. Hog na R. Historical
Society, 1895.
Também, a colecção das Rolls series tem publi-
cado muitas crónicas sobre o século xiv, como a
Coníinuatio chronicarum, de Adão de Murimuth,
1 3o3 a 1 346; a De Gestis mirabilibus regis Educar-
di III, i322 a i356, de Robert d'Avesbuy; a de
Geofroi le Baker de Swynebroke — Chronicon
Angliae, i3o3 a i356, editada em 1880; e o
Poly chronicon, de Ranulf de Higden, até i36o,
e continuada até iSTy, na colecção das Rolls se-
ries, em nove volumes.
Igualmente, sobre os acontecimentos dos tem-
pos de Ricardo II, Enrique IV, Enrique V e a
guerra que se seguiu são de citar o Chronicon
Adae de Usk, de i3jj a 1404, publicado por
E. M. Thompson, 1 876 ; a Crónica da traição e
morte de Ricardo II, publicada na Engl. hist> SoCf
í4^
1846, por B. Williams; as Gesta Hnrici V, do
mesmo ; as Memoriais of Etiry VI, do secretário
desse rei, Bekynton, publicadas, em 1872, por
J. Williams ; a An english chronicle, por S. David,
in Camden Society, 1 856 ; ^ Chronicle, de J. Wark-
worth; as Pasten Letters, editadas, em 1872, por
J. Gaisdner — acerca da história da civilização,
especialmeme dos costumes, etc, etc.
Com relação ao reinado de Enrique VII, são
de notar a Vita regis Enrici VII, de Bernardo
André_, publicada por J. Gairdner nas Rolls se-
ries, em i858; os Materiais para a história do reino
de Enrique VII, reunidos entre os manuscritos dos
arquivos e publicados por Will. Campbell nas
Rolls series, 1873, etc.
Sobre Enrique VIII, Eduardo VI e o seu rei-
nado da «tirania protestante», e Maria Tudor ç
a odiosa reacção católica são de enunciar as co-
lecções do Calendar of letters and papers,foreing
and domestic, of the reign of Henry VIII, de
i5o9 a i538, publicado por Brewer e Gaird-
ner, em treze volumes, de 1862 a 1898; o Ca-
lendar of State papers,foreign series, ofthe reign of
Edward VI, de 1547 ^ i553, publicado por W.
B. Turnbull; e o Calendar, etc, do reinado de
Maria Tudor, i553 a i558, pelo mesmo autor,
em 1861.
Se bem que a história da Inglaterra durante
a época tremenda de Isabel Tudor e de Maria
Stuart parece não ter ainda na bibliografia inglesa,
quanto às publicações documentais, o lugar im-
143
portante que lhe assinalam os acontecimentos
sucedidos, entretanto não está inteiramente em
branco, e o mesmo sucede ao período que vai da
morte de Isabel à execução de Carlos I.
O mesmo quási pode dizer-se do período repu-
blicano e da época que vai da dissolução do ve-
lho parlamento até à restauração dos Stuarts,
com a aclamação de Carlos II.
Porém, desde o governo de Clarendon e de Dan-
bry até à morte da rainha Ana, em 1714, é muito
numerosa a documentação publicada, e que se
encontra na colecção dos Statiites of the realm,
tomos V, VI, VII e viii ; os Calendars \ of state
papers, 1649 a 1667, em dezanove volumes, pu-
blicados por EvERETT Green; as colecções de
documentos parlamentares, de Cobbett; o Ca-
lendar of the proceding of the committee for the
advance ofmoney, por Everett Freen^ em três
volumes, 1888 — acerca da República e de Crom-
w^ell; o Diary, de Burton, em quatro volumes,
1828 — sobre o mesmo período (i), etc.
De Carlos II à rainha Ana aparecem, muito ci-
tados, o Diary de Pepy, edição de 1898 ; a Cor-
respondência^ em dois volumes, de Ellis, 1829 ; a
Pripate and original^ correspondênce of Charles
Talbot, Duke ofSchrejpsbury, publicada, em 1 82 1 ,
por Coxe ; as Memoirs of John Duke of MarlbO'
(1) Sobre a época da República e de Cromwell são muito ci-
tados os Papers de Thurloe, em sete volumes, 1742, com enorme
quantidade de documentos sobre o conselho de Estado no tempO
dos Cromwells.
144
rough with his original correspondance; 1820, em
seis volumes, editadas pelo mesmo Coxe e com-
pletadas com The letters and Dispatches of J. D.
of Marlborough, edição de Murray^ 1845, etc.,.
etc.
O século XVIII inglês constitue uma época muito
importante na história geral. Com Jorge I, prín-
cipe antipático e estranho, a coroa começa a per-
der o seu velho prestigio.
Não mais monarquia de direito divino, não
mais rei omnisciente e indiscutível, pois o hanove-
riano monarca, alemão em tudo, para nada saber
desconhecia uma palavra de inglês. O prestígio
e a força moral e efectiva que a realeza ia pouco
a pouco alienando — com o parêntesis do reinado
de Jorge III — vão sendo ganhos pela câmara
electiva e pelo chefe do governo ou primeiro mi-
nistro, especialmente quando este se chamava
R. Walpole, William Pitt ou Robert Peel.
Se é durante o governo do primeiro que a In-
glaterra, atravessando um longo período pací-
fico de vinte e um anos, pode organizar-se eco-
nomicamente, é durante a ditadura do segundo
que a Inglaterra se espande, grangeando uma
forte posição internacional e adquirindo nume-
rosas colónias enquanto os Estados do continente
se esgotavam nas contínuas guerras das Suces-
sões de Espanha, da Polónia e da Áustria, guerra
dos sete anos, etc.
Mas, acima dos seus progressos materiais há
(JUe especificar que neste período aparece^ com
145
o panfleto North Briton de Wilkes e as Cartas
de JuNius, a imprensa política que pouco a pouco
vai adquirindo importância até se tornar a força
invencível que é hoje.
Tal período é representado na literatura histó-
rica inglesa por numerosas publicações de docu-
mentos, especialmente as Correspondências e as
Memórias^ sendo de citar o Calendar of Home
Office Papers, 17Õ0 a 1772, editado por Reding-
TON em 1 878 e continuado por Roberts em 1 88 1 ;
a importante colecção da Parliamentary History
of England, começada por Cobbett, e continuada
por Cavendish sob o título de Debats ofthe hoiise
of Commons (1768 a 1771), edição de Wrigth, em
dois volumes, de 1841 ; o Diary (17 14 a 1720),
de Mary Cowper, em oito volumes, 1864; as Me-
moirs of the reign of George, de Lord Hervey,
em dois volumes, 1 848 : as Historical and posthu-
mous memoirs, de Wraxall, em cinco volumes ;
as Memórias do reinado de Jorge 7//(i 760 a 1 772),
de H. Walpole, em quatro volumes, em 1894(1);
as Memórias de Chesterfield^ de 1893 ; as de Ro-
CKiNGHAM, em quatro volumes, em i852, e as de
Henry Grattan, em cinco volumes, editadas por
seu filho em 1889 ; os Papers de Grenville, i852,
em quatro volumes, etC; etc.
O período da Revolução francesa tão cheio,
na política britânica, de incidentes desde as ma-
(i) Do mesmo H. Walpole são de citar o Journal ofthe reign
(1771 a 1783), em dois volumes, edição de Doran, iSSg; e as Let-
terSi en^ nove volumes, edição de Cunningham, de 1880.
10
146
nifestaçôes das «Sociedades de correspondência»,
de Londres, em favor da Revolução, e das pugnas
parlamentares entre Fox, Burk, Tierney e o chefe
do governo Villiam Pitt até aos reflexos da morte
de Luís XVI sobre a politica inglesa ; às medidas
de repressão contra os sediciosos e perturbado-
res da ordem, especialmente os irlandeses revol-
tados; a entrada da Inglaterra nas coligações do
continente contra a Revolução francesa ; às per-
turbações populares de Londres ; à revolta das
esquadras de Portsmouth, e do Tamisa, etc, tal
período — iamos dizendo — tem a sua biblio-
grafia documental bastante rica.
Nela figuram : a Correspondence de W. Pitt, i 890;
os Diaries and correspondence of Rose, 1860; os
Discursos de Pitt, em três volumes, 18 17; os de
Fox, em seis volumes, 1 8 1 5 ; as Memoriais and
correspondance of Fox, edição de John Russell,
em três volumes, i853'; as Memoirs of the jphig
party during my times, de R, Holland, em dois
volumes, 1854; as Memoirs of the courtand cabi-
nets of George the third, edição do duque de Bu-
ckinghhm, em quatro volumes, i863; etc.
As mesmas publicações documentais podem
citar-se para a história inglesa durante a época
napoleónica.
A partir do congresso de Viena até à queda
simpática do generoso Robert Peei, em 1846 —
depois de conseguir vêr votada a lei autorizando
a entrada livre dos cereais em Inglaterra — a his-
tória deste país é agitada não só por lutas poli-
H1
ticas como por uma profunda crise económica e
por uma grave questão social — da qual o «mas-
sacre de Manchester» foi uma das mais ostensi-
vas manifestações, sem excluir os escândalos do-
mésticos entre a família real, dada a vida irregu-
lar que o libertino Jorge IV e sua esposa, a rai-
nha Carolina, levavam cada um para seu lado.
E de recordar que essa é a época de Castle-
REAGH, e Liverpool, do lord John Russel, de Can-
NiNG, do livre-cambista Huskisson — que tornou
possível o aparecimento das Trade-Unions, de
Robert Peei, do duque da Vellington, dos condes
Grey e de Shaftesbury, de 0'Connel e Cobden,
etc, etc.
E também essa a época das reformas econó-
micas e sociais dos tories, da reforma eleitoral e
da reforma social dos wighs, e das reformas mu-
nicipais, postais e escolares.
Assim, acerca desse período as obras, publi-
cando documentos, consistem nas colecções de
legislação e de papéis parlamentares e em Me-
mórias, correspondências e discursos dos políti-
cos de mais nomeados nesse tempo. Outro tanto
sucede nos períodos posteriores até à actuali-
dade.
4.° — Itália
Terminadas as lutas napoleónicas e acalmado
o nervosismo que desencadeou, especialmente
nos países do sul, a acção retrógrada e as vio-
lências intervencionistas da Santa Aliança, le-
T48
vando mais uma vez à invasão da Itália pelos
austríacos — o que provocou aí a natural reacção
de carácter liberal e patriótico, começam a apa-
recer aqui e ali, na Itália, sintomas de renasci-
mento scientífico.
Entre eles figura a criação, em Turim, em Abril
de i833, pelo rei Carlos Alberto da Regia Depu-
ta^ione sopra gli studii di Storia pátria destinada
«a trabalhar na publicação de uma colecção de
obras inéditas ou raras que interessem a história
nacional, e num « Codex diplomaticus dos nossos
Estados».
Efectivamente, essa comissão, que funcionava
na Secretaria de Estado do Interior, publicou
algumas obras muito importantes como os Monu-
menta historiae patriae — com, pelo menos, vinte
volumes; a Biblioteca storica italiana (r); e a co-
lecção das Miscellanea di storia italiane^ criada
em 1860.
Foi neste mesmo ano que foram criadas outras
três comissões de história pátria — como a de Tu-
rim, em Bolonha, Modena e Parma.
A Regia Deputa^ione per le provinde di Roma-
( I ) Na série da Biblioteca storica italiana foi publicada a im-
portante Bibliografia storica degli Stati delle Monarchia di Sa-
voia, por Manno e Promis, em seis excelentes volumes, dos quais
o primeiro trata da história geral e os outros da história local.
Essa obra que se publicou em Turim, entre 1891 e 1898, é do
melhor no género que há na Península itálica, pois contêm uma
bibliografia completa dos velhos Estados da casa reinante da Sa-
bóia.
149
gna extendendo a sua jurisdição a Bolonha, Fer-
rara, Forli e Ravena tem agrupado as suas pu-
blicações em cinco séries : Statuti, Carte, Crona-
che, Atti e Memorie, Documenti e Studi; a Deputa-
:{ione de Modena — compreendendo Modena,
Reggio-Emilia, Massa-Carrara — tem publicado
os Monumenti di storia pátria delle provinde Mo-
denesi com três corpos : Cronache, Statuti, Atti e
Memorie; a de Parma tem publicado os Monu-
menti, divididos em Chronache, Statuti, Códice di-
plomático, além de uma Bibliografia storica delle
provinde Parmensi.
Dois anos depois, por decreto de 27 de No-
vembro de 1862, era criada a Regia Deputa:{ione
sopra gli studi di Storia pátria per le provinde tos-
cane et per VUmberia; sendo anexadas, também,
então a Comissão histórica da Regia Accademia
de Luchese e a Sociedade florentina que publicou
o famoso Archivio storico italiano.
Reorganizada em 1 864 essa Deputa^ione con-
tinuou a publicar o Archivio que aparecera pela
primeira vez em 1842 «dont le role politique —
informa Langlois — avait été comparable à celui
de la Societé dos Monumenta Germaniae histórica,
en AUemagne, et dont le role scientifique est reste
de premier ordre» (i).
Ainda essa operosa Deputa^ione toscana tem
publicado a partir de 1 867 uma colecção de Do-
(i) Langlois, ob. cit,, pág. 5i5 e 5 16.
1 5o
cumenti di storia italiana^ especialmente relativa
ao passado da Toscana, Ombria e Marcas.
Além de todas estas Deputaiioni ou Comissões
de trabalhos históricos — umas, como as de Turim
e Florença, bastante subsidiadas pelo governo
depois da unificação italiana, outras a expensas
dos organismos e subscritores locais — muitas
outras instituições teem existido na Itália dedi-
cadas aos estudos e publicações da história de
Itália.
Podemos enumerar entre outras a Regia De-
puta^ione di storia pátria de Veneza (i); a Società
ligure di storia pátria, com a sede em Génova (2) ;
a Societá siciliana di storia pátria (3) ; a Societá
napoletana di storia pátria (4) ; a Societá storica
(1) Esta comissão veneziana, criada em 1873, começou três
anos depois a publicar os Monumenti di storia veneta.
Esta muito importante colecção consta de cinco séries : os
Documentos e regestos. Estatutos e leis, Crónicas, Miscellânea, e
Actas da Sociedade.
Também, a Deputapone publicou a grande e importante co-
lecção dos Diarii de Marino Sanudo, que apresentam grande im-
portância para o conhecimento da história de Itália e da história
da Europa em geral. Ainda essa comissão tem publicado a sua
Revista que era o Archivio veneto, depois de 1891 intitulado Nuovo
Archivio veneto.
(2) Esta Soc/eíá, fundada em iSSy, tem publicado os ^í/i delia
Societá ligure.
(3) A Societá siliciana, fundada em Palermo em iSyS, publica
o Archivio siorico siciliano e os Documenti per servire alia storia
di Sicilia, em quatro séries : Diplomática, Fonti dei dirito siculo,
Epigrafia, e Cronache.
(4) A Societá napoletana, criada em 187 5, tem publicado o
Archivio storica per le provinde napoletane, e os Monumenti sto-
rici.
i5i
lombarda (2) ; a Regia Societá romana di storia pá-
tria (2) ; etc, etc.
Mas, faltava um organismo que coordenasse
o trabalho dispersivo das comissões e sociedades
locais de história, emfim, que centralizasse as
funções de plano e de trabalho iniciais, e irra-
diasse acção, conseguindo de todos os organismos
locais um trabalho conjugado e sinérgico.
Foi isso que se começou a obter com a fun-
dação, em Roma, do Instituto storico italiano^ em
i883.
Caracterizando esse organismo escreve Lan-
GLOis : «O Instituto storico italiano, instalado no
Palazzo dei Lincei alia Longara, em Roma, cor-
responde ao mesmo tempo ao «Comité dos tra-
balhos históricos» que funciona junto do Mi-
nistério da Instrução pública francês e ao Comité
directivo da Sociedade dos Monumenta Germa-
niae storica» (3).
Apesar de jovem é já muito importante a folha
de serviços do Instituto. Tem êle publicado^ a
partir de 1 887, as Fontiper la storia d' Itália, com
quatro séries : Scrittori, Epistolari e regesti, Statuti,
e Leggi, sendo essa colecção geral inaugurada
pela publicação das Gesta Frederici I in Itália.
(i) A Societá lombarda, fundada em 1876, tem publicado o
Archivio storico lombardo.
(2) Foi fundada em 1877, e tem publicado o Archivio delia Re-
gia Societá romana, a sua Biblioteca., e os Monumenti paleogra-
fici di Roma, onde teem aparecido importantes colecções de di-
plomas imperiais e reais e das chancelarias italianas.
(3) Ch.-V. Langlois, ob. cit., pág. 517.
l52
Se bem que a colecção das Fonti tinha em
vista substituir e continuar os Scriptores rerum
italicarum de Muratori, da primeira metade do sé-
culo xviii, viu-se a dificuldade, senão impQssibi-
dade, de levar a efeito, sem enorme despesa e
grande demora, tão monumental e difícil aspiração
pelo que se desistiu dela, tornando-se tais Fonti
uma colecção de documentos inéditos, especial-
mente relativos à história de Itália na Idade Mé-
dia. Alem das Fonti, tem publicado o Instituto
o seu Bulletino.
Muitas outras instituições, revistas e boletins
teem aparecido consagrados aos estudos históri-
cos e bibliográficos, documentando uma vida
scientííica extensa e progressiva (i).
Se a Itália, por motivos de ordem política en-
tre os quais é de especializar a sua tardia unifica-
ção, não tem ainda uma literatura histórica muito
opulenta quanto á publicação dos seus inéditos,
e se tomarmos em consideração a riquesa docu-
mental dos seus arquivos, não há dúvida que no
decorrer do século xix, e até agora, não ficaram
completamente inactivos — como temos visto —
os prelos quanto à divulgação dos documentos.
(i) Para um mais desenvolvido conhecimento do progresso
das sciências históricas em Itália, quanto à organização dos seus
arquivos e bibliotecas, à publicação das colecções de inéditos, e ao
ensino superior da história, ler : Rivista filosófica, 1900, pág. 3 19;
Rivista storica italiana, 1 890, pág. 649 ; colecção do Bullotino do
instituto storico; Journal des Savants, 1908, pág. 491, etc. — acerca
das publicações áà Academia dei Lincei; Ch.-V. Langlois, ob.cit.,
pág. 5i3 a 524.
i53
A colecção dos Monumenta historiae, de Turim
— a que já aludimos tem publicado vários diplo-
mas, crónicas, anais, etc, tais como o Liber ju-
rium repiiblicae Januensis, editado por Ricotti ;
as Crónicas^ de Asti, etc, etc.
Outras crónicas teem aparecido no, já acima
aludido, Archivio storico italiano, como os Annali
veneti^ de Malipiero; o Chronicon de Matarazza;
a Crónica de Martin de Canal, etc.
Apesar disso, e do concurso fornecido pelos ins-
titutos históricos estrangeiros — como os da Ale-
manha, Áustria, França, etc, que teem funcionado
em Roma e publicado numerosos manuscritos dos
arquivos italianos — são ainda muito numerosas
as crónicas que estão por publicar acerca da agi-
tada história italiana dos séculos xiii, xiv até ao
fim do século xvi — à abdicação de Carlos V, à
batalha de S. Quintino e ao tratado de Cateau
Cambresis. Contudo, é de notar que acerca desse
período já estão impressos : o Chronicon de
Salimbene Parmensts, as Crónicas de Leonardo
Bruni, o De Gestis italicorum post mortem Hein-
rici VII; as Vidas dos homens ilustres do século XV,
de Vespisiano de Bisticci; o Diário de Burchard,
edição de Thuasne(i); as Relacione de gli ambas-
ciatori veneti, por Alberi, 1889 a 1862; o Carta-
gio diplomático dei I4g3 ai I4g6, por Cesare Fou-
(i) Trata-se da edição de Paris, i883 a i885, publicando, em
apêndice, vários documentos diplomáticos inéditos dos arquivos
de Florença muito importantes para a história do pontificado de
Alexandre VI.
i54
CARD ; a Storia documenta de Vene^ia^ de Romanis,
em várias edições, desde i853; os Dispacci, de
Ant. Giustinian, edição Villari, 1876; etc.
O período da dominação espanholando meiado
do século XVI ao meiado do século xvii, consti-
tuindo uma época de decadência moral e politica,
de intolerância religiosa e de desorganização eco-
nómica, é marcado na bibliografia histórica por
uma grande actividade. Porém, as colecções
documentais mais importantes são, sem dúvida,
a das Relaiioni degli ambasciatori veneti ai senato,
obra editada no século xix; e, depois, os Annali
d' Itália, de Muratori, nova edição em quarenta
volumes, de Florença, 1827 a 1882; as Relaiioni
diplomatiche delia monarchia di Savoia dalla prima
alia seconda restaura^ioite (iSSg a 18 14), edição
de Manno e Ferrero, de Turim, 1 890, continuada
sob o patrocínio do comité piemontês de história
nacional.
O século XVIII, que é em toda a Europa civili-
zada uma época de reformas, não deixou de todo
indiferentes os Estados italianos, se bem que al-
guns, como as Repúblicas de Veneza e Génova e
os domínios pontifícios teimassem em ficar divor-
ciados de tal corrente.
Porém, ao contrário desses há notar a obra
realizada no reino da Sardenha, especialmente
no tempo de Vítor-Amadeu H e menos com
Carlos-Manuel III e Vítor-Amadeu III. Mas, é
principalmente no grã-ducado da Toscana — no
tempo de Leopoldo, e no reino de Nápoles — du-
i55
rante o governo de Carlos de Bourbon, ou do seu
ministro Bernardo Tanucci que a actividade re-
formista se fez sentir.
Deste período teem aparecido, que nós saiba-
mos, entre outras obras: as Rela:(ioni diplomatiche
delia monarchia di Savoia delia prima alia seconda
restaiiraiione (lySg a 1814), Turim, 1890, etc;
Lettere di Vittorio Amadeo II a Maro^^o delia
Rocca, Turim, 1887; Cartas e outros papeis de
Clemente XIV; Memorie storiche degli ultimi cin-
quanfamti delia republica veneta, Veneza, 1854,
por Mentinelli ; d'Ayala, Memorie storico -militar i
dal 1JS4 ai 181S; Correspondência de Tanucci
com o abade Galiani, in Arch. storico napoL, to-
mos xxYiii, XXXI, e in Arch. stor. ital., tomos iii e
VI, etc, e tomos xx e xxv, etc.
A agitada época da Revolução, com os seus
reflexos na Itália, com as campanhas de Bona-
parte, as lutas, as transformações por que passou
esse pais nos pontos de vista politico e adminis-
trativo tudo isso tem hoje uma bibliografia senão
muito numerosa pelo menos muito interessante.
São de enumerar os Annali d^Itali dei iqSo ai
1861^ por Ant. Coppi; as Memórias sobre as guer-
ras dos Alpes e os acontecimentos de Piemonte . . . ,
de Thaon de Revel, Turim, 1871 ; Memorie, do-
cumenti et lettere inedite, de Melzi d'Eril, em dois
volumes, 1868; Fábio Mutinelli, Memorie stori-
che degli ultimi cinquenti anni delia republica di
Vejie{ia, Veneza, 1 85 1 ; a Historia documentata di
Vene{ia, de Romanin, em onze volumes, Veneza,
i56
i852 a 1864; o Diário romano deglianni rygS ai
^799i V^^ ^' ^' Sala, em quatro volumes, edi-
tado de 1888 a 1892; os Carteggios da rainha
Maria Carolina com o cardeal Rufo, em 1799, e
o do Cardeal Rufo com o ministro Acton, 1799.
Durante o período napoleónico a Itália — es-
pecialmente a do norte — tornou-se a principio
o calcadouro dos exércitos franceses e austríacos
em luta ; depois passa a ser um taboleiro de com-
binações políticas de Napoleão com a criação da
República cisalpina ou italiana, a anexação do
Piemonte à França, a reorganização da Repú-
blica ligúrica, e as reformas no Veneto, Toscana,
Roma e Nápoles.
A seguir, vê-se a criação do reino de Itália sob
o septro napoleónico com a vice-realeza de Eu-
génio de Beauharnais, e a sucessiva incorporação
da Venetia, Ligúria, ducado de Parma, reino da
Etrúria e Roma naquele reino, emquanto o go-
verno de Nápoles passa, sucessivamente, das
mãos de Fernando IV para as de José Bonaparte
e para as de Murat.
Entende-se que um tal período era bem de
natureza a deixar importantes vestígios não só
de carácter oficial como particular. Efectiva-
mente, foram importantes esses subsídios docu-
mentais como se pode vêr precorrendo a obra
monumental de Alberto Lumbroso, Bibliqgraphia
ragionata deWépoca napoleonica
Vencido Napoleão aumenta em Itália a agita-
ção política.
.57
É, primeiro, a revolta de Milão que, feita ao
mesmo tempo por três facções ou agrupamentos
políticos de ideais e planos diversos, e até anta-
gónicos, descamba na confusão e na desordem,
condicionando assim a dominação austríaca. Se
em Milão o príncipe Eugénio fora vencido^ em
Nápoles Murat era ainda mais infeliz, pois não
só via as suas tropas derrotadas e o seu trono
desfeito, como por fim, êle próprio caido numa
cilada era fusilado.
O período que se segue — o das Restaurações
— é ainda mais movimentado, e ainda mais des-
favorável aos desígnios da política italiana libe-
ral e una.
O absolutismo político interno de mãos dadas
com o inimigo histórico da Itália — a Áustria^ vai
pouco a pouco apossando-se, primeiramente do
governo da Lombardia e Venecia, e depois, com
Vítor Manuel I, da Sardenha, outro tanto aconte-
cendo nos Estados pontifícios e nas Duas Sicílias.
Como era de prever, essa formidável reacção
fez aparecer nos diversos Estados as associações
secretas dos carbonários onde se geraram as re-
voluções liberais que rebentaram em Nápoles, no
Piemonte, na Lombardia, na Roumanha, etc.
Mas, quer pela duplicidade de uns — como
Fernando IV, de Nápoles, quer pela versatilidade
e tibieza de outros — tais o príncipe de Carignan,
Carlos Alberto, o certo é que os governos liberais
foram efémeros, não passando alguns de tentati-
vas goradas.
i58
Porém, a estabilidade política estava longe de
ser um facto, pois logo surgiram novos conflitos,
novas rebeliões.
Segue-se, depois, o movimento, primeiro, pací-
fico, mas, em seguida, revolucionário do ^(Risor-
gimentoy), tendo em vista conseguir a liberdade e
unidade italianas.
Como é de calcular numerosos são os docu-
mentos ficados desta época, muitos dos quais
teem já sido publicados : uns no seu conjunto,
outros em extratos, trechos escolhidos, etc.
São de salientar os oito volumes de Bianchi,
Storia documentata delia diplomacia europea in
Itália^ i865 a 1872; C.Cantu, Cronistoria deWIn-
dipendem^a italiana, três volumes, 1872 a 1877 ; a
Biblioteca storica dei Risorgimento; Bianchi, San-
torre di Santarrosa; Memorie e lettere inedite,
Turim, 1877; FiORiNi, Gli scritti di Cario Alberto;
CoNFALONiERi, i\/emon>, dois volumes, 1890; Gal-
VANi, Memorie storiche intorno la pita deWarciduco
Francesco IV, i853; Pepe, Memorie intorno alia
sua pita, dois volumes, 1847; Cronache^ memorie
e documenti inediti relatipi alia ripolta di Catania
de iSB^i, Catania, 1907, etc.
5.° — Espanha
A Espanha, não obstante o atrazo em que du-
rante muitos anos permaneceu no que respeita à
reorganização dos seus arquivos e bibliotecas, ao
estado do seu ensino superior de história e à pu-
iSg
blicação das suas colecções de Inéditos, de tal
modo tem trabalhado ultimamente, com tal inten-
sidade tem procurado resarcir-se do tempo per-
dido que ela constitue hoje um muito valioso
agente do progresso dos estudos históricos e um
magnífico exemplo de esforço consciente e metó-
dico a seguir e a imitar.
Para se conhecer a importante obra efectuada
no país vizinho quanto aos serviços das bibliotecas
e arquivos basta percorrer a magnífica Revista de
Archipos, Bibliotecas y Museos. Aí se encontram,
além de numerosas notícias e informações de
toda a ordem sobre os serviços de arquivos, bi-
bliotecas e museus espanhóis e o seu pessoal,
uma magnífica colecção de catálogos, inventários
e índices dos mais importantes depósitos de ma-
nuscritos e livros, publicados em separatas da
Revista a partir de 1889 ^^'^ ^'^^ começou ali a
aparecer o inventário dos arquivos da Inquisição
de Toledo.
Emfim, grandes teem sido os trabalhos de trans-
formação realizados nos arquivos e bibliotecas
do país vizinho, tanto a respeito da arrumação e
conservação dos recheios dos grandes depósitos,
como os do Histórico-Nacional de Madrid, de^i-
mancas, Alcalá de Henarés, da coroa de Aragão
— em Barcelona, das índias — em Sevilha, etc,
como no que se refere aos serviços de inventário
e catalogação das suas peças.
Também, a Espanha não tem ficado indiferente
à publicação das grandes obras de história, es-
i6o
pecialmente das colecções de inéditos — como
adiante veremos.
Assim, de 1829 a i83o eram publicados pelo
Ministério da Fazenda quatro volumes de ma-
nuscritos de Simancas com o titulo : Coleccion de
cédulas, cartas patentes, provisiones^ reates ordenes,
y outros documentos concernientes á las províncias
vascongadas; e de i83o a i833 apareciam mais
dois volumes, em continuação dos anteriores, com
uma Colleccion de privilégios, franque^as^ exen-
ciones y fueros, concedidos a vários pueblos y cor-
porationes de la corona de Castilla.
Também, entre 1825 e 1837 aparecia a obra
monumental de Fernandez Navarrete, em cinco
volumes, com muitos documentos transcritos e
citados, Colleccion de viagesy descubrimientos que
hicieron por mar los Espanoles desde fines dei sido
XV; de 1847 a 1876 eram publicados, em Bar-
celona, quarenta volumes da Coleccion de docu-
mentos inéditos dei Archivo general de la Corona
de Aragon; e entre 1890 e 1902 Olivart publi-
cava a Coleccion de los tratados^ convénios y do-
cumentos internacionales celebrados por nuestros
gobiernos con los Estados extranjeros desde et rei-
nado de Dona Isabel II.
Também, de 1877 a 1902 a Câmara dos De-
putados espanhola publicava vinte e dois volumes
das Actas de las Cortes de Castila, estando actual-
mente essa obra a cargo da Real Academia de
História; a partir de 1842, teem já saido muito
mais de cinquenta volumes da Coleccion de do-
i6i
cumentos inéditos para la historia de Espana; e de
1892 a 1896 apareceram seis volumes da Nueva
Coleccion de documentos inéditos para la historia
de Espana y sus índias.
Emfim, de 1846 a 1870 surgiram os setenta
volumes da famosa Biblioteca de autores espano-
les desde la formación dei lenguaje hasta nuestros
dias; entre 1864 e 1884 eram publicados os qua-
renta e dois volumes da Coleccion de documentos
inéditos relativos ai descubrimieuto, conquista e
■coloni{acio7t de las posessiones espaíiolas en Ame-
rica y en Oceania, por J. F. Pacheco, Francisco
DE Gardenas e Torres de Mendoza — obra esta
que passou a estar a cargo da Real Academia de
História, tendo, desde i885 a 1900, aparecido
treze tomos da segunda série, com o novo título
de Coleccion de documentos inéditos relativos ai
descobrimiento, conquista y organiiatión de las an-
tiguas posésiones espanolas de Ultramar; de 1871
a 1S96 apareciam, em Madrid, os vinte e quatro
volumes da Coleccion de libros espanoles raros ó
curiosos; de 1872 a 1898 publicaram-se quinze
volumes de Libros de Antano; de 1880 a 1908
apareciam os cento e vinte e três volumes da afa-
mada Coleccion de escritores castellanos — obra
essa que tem continuado; de 1891 a 1902 eram
publicados vinte volumes da Coleccion de libros
raros y curiosos que tratan de America — obra
igualmente em via de publicação; e de 1897 ^
1901 apareciam seis volumes da Coleccion de es-
túdios árabes — obra esta em continuação.
II
62
Além destas grandes publicações teem apare-
cido em Espanha várias outras : umas a cargo das
Deputações provinciais, outras das sociedades
scientificas locais, das comissões de monumentos
e dos grandes organismos académicos — devendo
nesta última categoria, colocar-se em primeiro
lugar a benemérita e laboriosa Academia de His-
tória, seguida logo, para os assuntos de arte e
arqueologia, pela Real Academia Espanola, e pela
Academia de Belas Artes de S. Fernando, e tam-
bém — para a história moderna — pela Academia
das Sciências Morais e Politicas de Madrid.
Como já dissemos, é à Academia de História
de Madrid que a Espanha mais deve o recente
ressurgimento dos estudos históricos.
Tem essa instituição publicado não só as suas
Memórias (i) e o seu magnífico Boletin — que
Langlois classifica de «la meilleur, si non la seule,
Revue d'histoire naíionale que existe dans la pé-
ninsule» (2) — mas ainda numerosas obras histó-
ricas de muito valor e algumas colecções docu-
mentais.
Assim, além das Actas de las Cortes de Castilla
— a que já aludimos — tem a Academia publi-
cado a Biblioteca Arábico-hispaiía, dirigida por
D. Francisco Codera y Ribera y Tarregó — que
atingiu onze tomos; o catálogo da Colección de
fueros y cartas piieblas de Espana; os dois tomos
(i) As MemdrzíT5 da Real Academia de História compreendem
já mais de doze tomos.
(2) Ch,-Langi.ois, ob. cit., pág. 478.
i63
da Colección de Obras Arábigas de Historia y
Geografia; os vinte e quatro tomos das Cortes de
los antiguos Reinos de Aragón y de Valência y
Principado de Cataluna; a continuação da Es-
pana Sagrada — que já atinge cinquenta e dois
tomos ; o célebre Memorial Histórico Espagnol,
com quarenta e quatro tomos ; as Memorias de
Henrique IV de Castela ; e os vinte e xiois tomos
da Viaje literário á las iglesias de Espana, por
D. Jaime Villanueva, etc. (i).
Por esta simples amostra se pode avaliar como
tem sido importante a obra realizada no reino
vizinho quanto à publicação de inéditos dos seus
arquivos, sendo ainda de notar que o governo
espanhol tem feito ultimamente estudar, no ponto
de vista d'a história do pais, os arquivos estran-
geiros, especialmente os do Vaticano (2).
Como trazemos em via de publicação uma
obra especial acerca de As Sciências Históricas
em Espanha — que deve aparecer brevemente —
remetemos para aí o leitor que deseje profundar
este ponto do nosso trabalho.
(i) Alem destas obras muitas outras publicadas pela Acade-
mia, incluindo o Boletin, teem inserido bastantes dezenas de docu-
mentos dos arquivos espanhóis.
(2) São de citar: o Relatório das investigações feitas no Va-
ticano, por Ricardo de Hinojosa em 1892 e 1893, e publicado com
o título : Los Despachos de la diplomacia pontifícia en Espana.
Memoria de una Missión oficial en el Archivo secreto de la Santa
Sede, Lviii-j-425 págs. i Luciano Serrano, Causas de la guerra
entre el Papa Paulo IV y Felipe II; Enrique Pacheco de Leyva,
Relaciones vaticanas de la Hacienda espanola dei siglo X VI, etc.
104
Entretanto, iremos desde já salientar algumas
obras de maior destaque contendo documentos.
Vimos já, n@ capitulo anterior, como foi impor-
tante, no século XVIII, a publicação de documentos
acerca da história de Espanha — empreza essa
que tem continuado através do século xix.
Assim, tem hoje o vizinho reino já publicados
os Annales Compostellanos, os Annales Complo-
tenses, os Annales Toledanos, os Anales de la Co-
rona de Aragon, de Zurita, etc, isto sem falar na
História da Espanha de Ferreras, na Espanha
Sagrada, de Florez, etc.
Se das obras de carácter geral passarmos a
considerar aquelas que mais especialmente publi-
cam sistematicamente documentos encontramos
bastantes aparecidas no decorrer do século xix.
Assim, para a história de Aragão temos a Cró-
nica de Pedro el Ceremonioso, traduzida em cas-
telhano e publicada com anotações pelo eminente
erudito catalão António Bofarull, em i85o; os
Fueros de Catalwía, publicados em 1876, por
Caroleu, Pelle e Forgas; e a já monumental
Coleccion de documentos inéditos dei Archipo ge-
neral de la corona de Aragon — obra essa publi-
cada, de 1847 ^ i85i, por Prospero DE Bofarull
e Mascaro (i).
(1) Os Fueros de Aragon já haviam sido publicados em i5i7,
i65
Quanto à Navarra, a bibliografia é mais pe-
quena, sem deixar de ser valiosa, sendo de citar,
entre as obras aparecidas no século xix, a Cro-
nica de los Reys de Navarra, aparecida em 1 843 ;
uma Historia da Navarra, publicada em i832;
um Diccionario de Antiguedades de Navarra, apa-
recido em 1 843 — obras de Yanguas e Miranda.
Quanto às Castelãs, é de citar a importante
publicação sobre as Cartas de los antigiios reinos
de Leon y Castilla, feita pela Real Academia de
la Historia; e são igualmente de enumerar as
Crónicas de los reyes de Castilla^ de D. Caytano
RosEL, aparecidas nas Bibliotecas de los autores
espaíioles, etc. (i).
O século XVIII está representado na historio-
grafia espanhola não só por obras de carácter
geral como os tomos xii a xv da Historia general
de Espana^ de Lafuente na edição de 1889, e a
Historia general de Espaíía, publicada sob a di-
recção de Canovas del Castillo, sendo de espe-
cializar o trabalho de Danvila y Collado sobre
o reinado de Carlos III, como por outras obras
especiais.
São de enumerar nesta categoria as Memórias
de RiPERDA, marquês de S. Felipe, Campo-Raso,
e reimpressos em dois volumes, de 1678 a 1684; As Constituiions
y altros drets de Caihahinya apareceram em 1784, em três vo-
lumes.
(i) Vêr mais bibliografia em Lafuente, Historia, etc, edição
de Barcelona, 1889, tomos ni a xii; Rafael Altamira, Historia de
Espana y de la civili^ation espafíola, quatro tomos, etc.
i66
Floridablanca, Jovellanos; as obras de Fernan
NuNEz, Compendio hktorico de la Vida de Car-
los III; Correspondência entre Carlos III e o mar-
quês de Tanucci{\)\ Macanaz, Espana y Fr anda
en el siglo XVIII, Madrid, 187Ó; A. Danvilla,
Fernando VI y doíia Barbara de Bragança, t goS ;
Ferrer dei. Rio, Historia dei reinado de Carlos III^
quatro tomos, i856; Rodriguez Villa, Fl marque^
de la Fnsenada, 1876; Fernandez Duro, Armada
espaiíola, 1895 a iqoS, tomos vi e vii, etc. (2).
O período da Revolução Francesa bem como
a época da dominação napoleónica — que bas-
tantes reflexos tiveram sobre a Espanha — estão
(1) São ainda do século xviii algumas destas e muitas outras
obras.
(2) Deve dizer-se que muita documentação de grande valor
histórico resta ainda por publicar. Entre os inéditos são de espe-
cializar: as Memorias de Macanaz; muitos papéis do Arquivo
de Aragão sobre o reinado de Felipe V, desde a sua vizita a
Barcelona, em princípios de Outubro de 1701, e do seu juramento
nas cortes, no dia 12 desse mês, pelos foros e usos da cidade e do
principado ; papéis da Biblioteca de Salazar ; a Historia da guerra
civil, do conde de Robres-, uma Historia politica y secreta de la
Corte de Madrid desde el ingresso dei senor don Felipe V en ella
hasta la pa^ — citada por Lafuentk, in tomo xm da sua Histo-
ria; muitos manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid, Real
Academia de História, da colecção Bofarull, de Barcelona, etc,
todos de grande importância histórica.
É de citar o Arquivo de Simancas — onde há muita correspon-
dência diplomática, política e administrativa, sendo de especiali-
zar a relativa à expulsão dos jesuítas de Espanha e à extinção aí
da Companhia, vários processos da Inquisição como o do ilustre
Olavide acusado e sentenciado por ser leitor e seguidor das obras
e ideas de Voltaire e Rousseau — dos quais era amigo e corres-
pondente; a Correspondência entre Aranda e Florindablanca, etc,
etc
167
representados na historiografia moderna espa-
nhola pela publicação de algumas obras com do-
cumentos dessas épocas.
São de citar, entre outras, as seguintes : Colec-
cion de documentos inéditos pert ene cientes á la his-
toria de nuestra revolucion, Madrid, i8i3 (i); His-
toria de la guerra de Espana contra Napoleon,
escrita y publicada de ordem de S. M. (1808 a
18 14); AzANZA Y OTarril, Memorias sobre los
hechos quejustifican su conducta politica , 1 8 1 5 (2) ;
Marquez de Ayerbe, Memoria sobre la estancia de
D. Fernando . . . (3).
O período seguinte, a partir da Restauração
de Fernando VII até ao meiado do século xix,
marca, em Espanha como entre nós, uma época
de enorme agitação.
Logo a seguir à chegada de Fernando VII ao
seu reino dá-se o golpe de Estado de 4 de Maio
de 18 14, pelo qual o rei declarou abolida a Cons-
tituição de 181 2 e nulos os decretos das Cortes,
(i) Esta obra saiu anónima, sendo muitas outras — especial-
mente folhetos contra Napoleão — igualmente anónimos como :
El engano de Napoleon descubierto y castigado^ 1 808 ; Napoleon
ó el verdadero Qiiijote de la Europa, etc ;, etc.
(2) Muitas oViivas Memórias teem sido publicadas, como as de
Manuel Godoy, quatro volumes ; as de Espoz y Mina, em cinco vo-
lumes ; etc.
São também desse período numerosos opúsculos, livros, odes
e panfletos patrióticos, etc, comos as obras de Capmany : Carta
de un bueno patriota, 181 1, Centinela contra franceses, 1808; Jovel-
LANOS, Á mis compatriotas, 1811, dois volumes.
(3j Também deste período há por publicar muitos papéis de
grande valor.
6è
considerando tudo isso como cousas não reali-
zadas. É toda uma época de perseguições que
se inicia contra os liberais.
As prisões, deportações, banimentos e exílios
multiplicavam-se todos os dias depois do golpe
de Estado. Tais factos provocaram as naturais
reacções que se manifestaram por sucessivas
conspirações e sublevações todas elas infelizes
até à Revolução vitoriosa de Cadiz, de 1820.
Mas, o estado politico da Europa ocidental era
então pouco favorável ao liberalismo devido à
Santa Aliança.
Havendo as potências coligadas dado à França
a pedido instante de Montmorency e Chateau-
briand, no congresso de Verona, a incumbência
de intervir manu militari, pouco depois 100.000
franceses sob o comando do duque de Angoulême
inutilizavam toda a obra liberal. A reacção ab-
solutista foi enorme, e as represálias dos reaccio-
nários foram formidáveis, brutais, monstruosas
estando essa cruenta obra, sistematicamente rea-
lizada, a cargo de algumas instituições, especial-
mente de uma que tinha o característico titulo de
Anjo exterminador.
Assim, de reacção em reacção, de luta em luta,
se foram passando vinte, trinta, quarenta anos até
ao período de relativa acalmação que marca o
reinado de Afonso XII e a política de atracção —
eufemismo para designar suborno — do eminente
Canovas dei Castilho.
Escusado será dizer como tão agitada época
169
é úbere em documentos de toda a natureza, desde
as colecções de legislação e outros ostensivos
papéis do Estado, até às Memórias e papéis par-
ticulares, secretos e íntimos.
Figuram, entre os primeiros, os Diários das
sessões das cortes celebradas em Sevilha e Cadi{,
a colecção de Decretos dei rei D. Fernando VII
desde el principio de su reynado hasta fines de 1824,
nove volumes ; Michel J. Quin, Memórias históri-
cas sobre Fernando VTI, 1840, três volumes; mar-
quês de Miraflores, Apuntes históricos para escri-
bir la historia de Espana dei 20 ai 23; Minane,
Histoire de la Révoliition d'Espagne de I820 à
1823, Paris, 1824, dois volumes ; as obras de Mi-
RAELORES e Javier DE BuRGOs sôbre o reinado de
Isabel II, respectivamente: as Memórias e os Ana-
les; a importante obra de Pirala, Historia de la
guerra civil y de los partidos liberal y carlista,
1868 a 1870, em seis volumes; as Memórias de
D.Luís Fernandes DE Córdoba, 1837 ; etc, etc. (i).
(i) A bibliografia que acabamos de enumerar é insignificante
em relação ao grande número de obras com documentos, que se
teem publicado no vizinho reino sôbre os acontecimentos do sé-
culo que decorre desde o regresso de Fernando VII ao seu país
até à actualidade. Para melhor detalhe ver: a citada Historia
General de Espana, de Lafuente, edição de 1889, do tomo xvn
a XXV ; os vários volumes da importante Coleccion de Documentos
inéditos da historia de Espanha; Rafael Altamira J. Crevea, His-
toria de Espaiia y de la civili^ation espanola^ tô.mo iv.
Porem, de todas as obras sôbre bibliografia histórica espanhola
a melhor é o recentíssimo e magnífico trabalho de R. Sanches
Alonso, Ensayo de bibliografia sistemática de las monagrafias
im.pr essas que ilustram la historia politica nacional de Espana^
I70
Entre as publicações documentais espanholas
deve colocar-se em primeiro lugar a já monu-
mental Coleccion de Documentos Inéditos para la
Historia de Espana. Essa obra que conta já hoje
muitas dezenas de volumes merece neste nosso
trabalho uma referência especial, dados os obje-
ctivos que ela apresenta mais ou menos idênticos
aos da empreza que projectamos realizar : a pu-
blicação de documentos inéditos.
Por isso vamos dar a seguir uma noticia mais
desenvolvida dessa obra — posto que ainda as-
sim ela resulte rnuito breve em relação à impor-
tância de tal empreza.
O primeiro volume da Coleccion de Documentos
Inéditos para la Historia de Espaiía apareceu em
1842, sendo a obra dirigida pelos eruditos Martin
Fernandes Navarrete, Miguel Salva e Pedro
Sainz de Baranda, da Academia de História.
A obra é precedida de uma Advertência ou i(Pros-
pecto)^ onde os colectores acima citados expõem os
intuitos que os animam, os objectivos que teem
em vista, e fazem uma breve história das diligên-
cias realizadas no pais vizinho para a recolha,
excluídas sus relationes com America, 1919, xxi-(-448 págs. Essa
obra verdadeiramente importante menciona nada menos de 6.783
espécies, e é acompanhada de três índices : um de autores, outro
de assuntos, e um terceiro de obras citadas.
coleccionação e publicação de manuscritos de
maior valor histórico.
Assim, o Prospecto com que abre a Coleccion
alude à necessidade de fornecer aos escritores o
material de documentos necessários para as cons-
truções históricas, começando por dizer : «Tiempo
hace que los literatos mas eminentes de la nacion
echan menos una coleccion de documentos, como
los materiales indispensables para escribir nues-
tra historia ; y este deseo es tanto mas recomen-
dable quanto casi todos nuestros escritores ado-
lecen de la falta de no haber tenido presentes los
datos necesarios para componer sus libros ; ó de
haber ignorado donde se hallaban para compul-
sados, ó de haber carecido de médios para pro-
curar-se los originales ó copias fehacientes».
A seguir, enumera as diligências efectuadas nos
tempos de Carlos V, e Felipe II, Felipe V — com a
fundação da Academia de Histórta tendentes à
úncesante adquisición de materiales históricos, es-
pecialmente originales^ y obras inéditas-)^, havendo,
também, Fernando VI encarregado os eruditos
BuRRiEL e Santiago Palomares de «examinar los
archivos dei reino, copiar e formar una coleccion
de manuscritos».
No tempo de Carlos III e Carlos IV, não esmo-
receram esses trabalhos comq estão a atestá-lo as
colecções de Burriel, Abella, Traggia, Velas-
QUEZ, MuNOz, Navarrete, Sans, Vargas Ponce e
VlLLANUEVA .
Passados os tempos de agitação e de instabili-
172
dade política das invasões francesas e das lutas
civis, serenado mais o ambiente social aparece,
como dissemos, em 1842, o primeiro tomo da
Coleccion.
Depois reconhecem, com grande verdade, os
editores que uma semelhante empreza tão vasta
«só pode ser executada pelo Governo supremo
do Estado, cuja principal glória deve consistir em
conservar pela imprensa o mais honroso patrimó-
nio de uma nação, que são os feitos e os escritos
dos grandes homens que a ilustraram».
A seguir, escrevem : «En cuanto ai plano y dis-
tribution de matérias hubieramos deseado pre-
sentar los documentos por ordem cronológica;
pêro nos ha parecido inasequible atendida la
diíicultad de haberlos á la mano todos juntos . . . ».
E acrescenta : cf Atenderemos si com todo o cui-
dado á expresar el carácter de letra de los ma-
nuscritos cuando los disfrutemos en su original ó
en copias antiguas^, los archivos ó bibliotecas
donde se hallen, las personas, que los posean,
y en íin todas las circunstancias que los hagan
dignos de fe y acrediten su autenticidad».
Escrito o Prospecto, com a data de i de Outu-
bro de 1 842, segue-se uma colecção de Documen-
tos relativos a Hernan Cortês (i), contendo cinco
cartas escritas ao imperador Carlos V desde 1 5
(1) As cartas originais, e com a assinatura autografada Fer-
nando Cortês, encontram-se, segundo informa o primeiro volume,
no Arquivo Geral das índias, maços do Patronato Real.
17^
de Maio de i522 até lo de Outubro de i53o so-
bre a conquista da Nova Espanha (México), des-
cubrimento do mar do sul, e as várias expedições
mandadas executar em busca de especiarias, e
uma ao bispo de Osma.
A seguir, vêem os documentos sobre o desafio
entre o imperador Carlos V e Francisco I, de
França (i); um pequeno relato da prisão do fa-
moso António Perez, e da Princesa de Eboli (2) ;
vários documentos sobre Fernando Cortês (3) ;
uma informação que Lorenzo Carvajal deu ao
imperador Carlos V sobre as pessoas que compu-
nham o Concelho real espanhol (4); uma Instru-
cion dada por Carlos V, em 1527, a Lopes Hur-
tado de Mendonza, embaixador junto do rei de
Portugal, para solicitar a aliança deste contra a
França e Inglaterra em razão do repúdio de
D. Catarina, filha dos reis espanhóis, por seu
marido Enrique VIII (5) ; diversas cartas de Car-
los V, da imperatriZ; e do infante D. Fernando ao
arcebispo de Toledo acerca de vários assuntos, e
em especial dos socorros em dinheiro para os
(i) Consta dos parceres do Conselho de Castela, de outras
entidades e de várias pessoas sobre o assunto.
(2) Tirado das Memórias de Fr. JoÃo de S. Jerónimo, monge
do Escoriai, no tempo de Felipe II, encontrando-se o respectivo
documento, na biblioteca do Mosteiro.
(3) Os dois primeiros são cartas de Carlos V a Cortez, per-
tencentes ao Arquivo de Simancas.
(4) Esta interessante informação é copiada de um códice, in
fólio com letra do século xvi, da Biblioteca do Escoriai.
(5) É uma reprodução do tomo 78.0 da colecção Munoz da
Academia de História.
174
gastos da guerra contra o grão-turco Solimão, e
os mouros de Africa ; diversos documentos sobre
a conquista de Tunis e da Goleta por Carlos V,
em i535, e outros sobre a expedição de Argel
em I 541.
Seguem-se: uma Relação acerca da guarda dos
filhos de Francisco I de França, na fortaleza de
Pedroza, de i526 a i53i; diversos documentos
relativos a Sebastião dei Cano(i); um capitulus
das Comunidades de Castela, sem indicação da
data nem do lugar de origem ; a pequena sen-
tença contra João de Padilha, João Bravo e Fran-
cisco Maldonado-; reprodução das sentenças con-
tra Alonso de Sarabia, D. Pedro Pimentel, o
licenceado Bernardino, e Francisco Mereado ; o
traslado de uma petição de Toledo solicitando
várias prerogativas e outras vantagens ; uma es-
critura de acomodamento entre D. António de
Zuniga, prior de S. João, capitão general do reino
de Toledo; memória sobre a confiscação dos bens
de pessoas sentenciadas; mais documentos acerca
de Sebastião dei Cano; memória sobre o para-
deiro da nau Vitória em que o mesmo dei Cano
terminou a primeira viagem de circumnavegação;
(i) Trata-se de uma pequena carta de Carlos V a João Se-
bastião dei Cano, datada de Valladolid, em i3 de Setembro de
] 522, para que este lhe fosse relatar a sua viagem, seguida ali ;
outra do mesmo para o mesmo fazendo-lhe a mercê de Soo du-
cados de ouro, datada do mesmo lugar em 23 de Janeiro de oaS,
de uma ordem real autorizando o dei Cano a ter a sua guarda
do corpo, de uma outra ordem para serem pagos ao navegador
5oo ducados de ouro, e do testamento do dei Cano,
17?
um documento sobre o dote de D. Catarina, filha
dos reis católicos e tia de Carlos V quando casou
para a Inglaterra (i).
Vem, a seguir, um Despacho real de Felipe II,
a D. Martin Enriquez, vice-rei do México, deter-
minando-Ihe que remeta quantas notícias possa
adquirir das pessoas que hajam escrito sobre a
conquista e povoamento daqueles territórios, a
fim de ser elaborada a história das índias (2) ;
uma série de seis cartas a Felipe II e uma a
D. João de Ovando, presidente do Conselho das
índias escritas da cidade do México, entre 1572
e 1576, pelo médico Francisco Hernandez^ acerca
da história natural das índias^ de que o rei o en-
carregara de elaborar (3); cartas do geógrafo Fran-
cisco Dominguez a Felipe 11^ datada do México
em 3o de Dezembro de i58i, falando dos traba-
lhos que realizou, dos excessos de serviço a que
o governador o submetia, e da fraca paga que lhe
dava ; seguem-se dois documentos do Arquivo
das índias, de Sevilha, sobre as primeiras expe-
dições de Fernando Cortês que puseram termo
à conquista da Nova Espanha; e uma Relacion da
descuberta e conquista da Nova Espanha «hecha
por la Justicia y Regimiento de la nueva ciudad
de Vera-Cruz», a 10 de Julho de iSig (4).
(i) É do Arquivo de Simancas.
(2) O original está no Arquivo das índias, em Sevilha.
(3) São também papéis do Arquivo das índias.
(4) É uma reprodução do Códice cxx da Biblioteca de Víeria,
de que existe cópia na Academia de História. A reprodução é
iyô
Vera, a seguir, uma carta do «adelantado»
Diogo Velazquez queixando-se de Fernando Cor-
tês e denunciando o caso de um navio deste ha-
ver aportado à ilha Fernandina, feito um carre-
gamento secreto e seguido viagem para Espanha;
um Parecer do licenceado Aylion, na ilha Fernan-
dina, ao «adelantado» Diogo Velazquez sobre a
esquadra que este tinha preparada para ir con-
tra Fernando Cortês; duas cartas ao rei do mesmo
licenciado, em i52o, sobre o mesmo assunto;
Declaration feita na Corunha, a 29 de Abril de
i52o, pelos capitães Francisco de Montejo e
Alonso Hernandez Poríocarrero, em nome da
vila de Veracruz sobre a Armada «que hizo Diogo
Velazquez» para a descoberta da Nova Espanha,
nomeação de Cortez para capitão general dela,
etc. ; Instrução da Real Audiência de S. Do-
mingo ao bacharel Pedro Moreno fiscal dela sobre
os limites de competência e jurisdição de vários
capitães da armada, entre os quais Cortez.
Terminam este primeiro Volume as seguintes
peças: uma Relacion de «los oidores sobre lo de
la poblacion dei golfo de las Higueras, y de los
capitanes que lo pueblan, y dei armada que Cor-
tez envia sobre Olid, y de lo que ellos han pro-
precedida de um estudo breve, mas erudito, de Navarrete sobre
esta e outras Relaciones, sua proveniência, traduções latinas, ita-
lianas e francesas. Esta extensa Relacion, de pág. 417 a 472 —
que é quinta das seriadas por Navarrete — tem um preâmbulo
que parece não ser da autoria do Cortês^ mas sim posterior, tra-
balho feito por «algum curioso para mejor declarar el contenido
de lo que en ella se refiere» — diz a nota respectiva.
177
veido sobre ello» ; outra Relacion, com uma lista
dos descobridores e conquistadores da Nova Es-
panha que foram com Fernando Cortez, Panfilo
de Narvaez e outros (i) ; um capítulo, com a epí-
grafe Commiinidades de Castilla, de uma obra
manuscrita intitulada Antigiiedades y sucessos
memorables succedidos en esta miiy noble y anti-
giia villa de Simancas, por D. Manuel Bachiller,
beneficiado de Preste» (2); e uma descrição da
viagem de Felipe II a Inglaterra quando foi casar
com a rainha D. Maria, escrita por Juan de Ve-
RAONA (3).
Os outros volumes estão mais ou menos feitos
como este : reproduzem documentos sobre assun-
tos muito variados, e de datas muito diversas.
Essa composição que dá a cada volume agra-
dáveis aspectos de vivacidade e policromia histó-
ricas— digamos assim — parece-nos mais própria
de uma Revista ou de um Boletim de história que
de uma obra da natureza da Coleccion. Obras
desta índole devem — julgamos nós — ter por obje-
ctivo.pubhcar, com sistematização, colecções do-
(i) É um relato anónimo, feito entre i52o e i53o.
(2) Trata de dissençÕes havidas em Espanha em virtude das
cláusuhis do testamento da Rainha Isabel feito em Burgos e de-
pois da morte do rei Fernando-o-Católico, indo até à luta entre
o herdeiro de D. Carlos e o infante D. Fernando, o que sucedeu
em Valladolid e Simancas, descrevendo depois a chegada do rei
D. Carlos e seu governo, e as lutas que se seguiram (i53o).
(3) Trata-se de um manuscrito da Biblioteca do Escoriai.
12
iyS
cumentais importantes, com unidade e sequência,
— o que, muitas vezes, não se dá com esta.
Também, os estudos de erudição, as notas, etc,
que devem acompanhar os documentos publi-
cados, são, por vezes, algo modestos em relação
à importância dos assuntos e das espécies, e ao
consagrado mérito dos ilustres colectores e edi-.
tores da obra.
Apesar desses pequenos inconvenientes, muito
susceptíveis de melhoria, a Coleccion de Documen-
tos Inéditos para la Historia da Espana é uma
obra preciosa, tendo prestado à historiografia
espanhola os mais assinalados serviços.
6.° — França
Vimos já, de uma forma rápida, no capitulo
anterior como foi importante a obra realizada em
França durante o século xviii no domínio das
sciências de erudição.
Vamos vêr agora, de uma maneira ainda mais
sucinta, o extraordinário labor efectuado nesse
país, durante o século xix e até 19 14, no que res-
peita às publicações dos manuscritos de valor
histórico. Justo é acentuar que tão grande pro-
gresso foi principalmente devido ao concurso do
Estado quer directamente pela publicação das
Colecções de Inéditos da História de França e de
outras obras similares dirigidas e subvencionadas
pelo Ministério da Instrução, quer pelos trabalhos
publicados pelas Academias, Universidades, e
'79
Altas Escolas especiais, pelos Arquivos e Biblio-
tecas, e ainda pelas subsidiadas pelo governo
francês.
Tem, por isso, razão Langlois quando escreve :
(cAu XIX siècle, TEtat français a été três liberal
pour les études historiques. II leur a rendu des
Services deplusieurs manières,maissurtout: i.°en
administrant les dépôts publics de dociiments
(archives, bibliothèqucs et musées); 2.° en provo-
quant et en subventionnant des entreprises scien-
tiíiques dont ni Tinitiative des particuliers et des
sociétés, ni mêmes les autorités-locales, ne sau-
raient venir à bout» (i).
Em França, como nos outros países civilizados
que tomam a sério e prezam estes assuntos, as
publicações de documentos de interesse histórico
foram precedidas da reorganização dos depósitos
de manuscritos, e da elaboração — e em alguns,
até, da publicação — dos essenciais instrumentos
de investigação, ou de heurística : os inventários,
catálogos, e índices sumários e analíticos dos ar-
quivos e bibliotecas.
Se bem que já no século xviii Dom Montfau-
CON e o abade Lebeuf notassem a falta de um
catálogo de manuscritos das bibliotecas públicas
de França ainda nada se havia feito de completo
e sério quando a 22 de Novembro de i833 Guizot
expediu aos prefeitos uma circular para que os
(i) Ch.-V. Lanqi.ois, Manuel de Bibliographie Historique,
í. 348.
pág. 348.
i8o
bibliotecários do país lhe enviassem «um catá-
logo dos manuscritos de toda a espécie que esta-
vam confiados à sua guarda».
Passados oito anos Villemain renovava a pro-
posta, mostrando «a necessidade de ser fixado
sobre um plano uniforme o catálogo geral dos
manuscritos conservados nas bibliotecas públicas
dos departamentos» (i).
Isso se fez; mas a elaboração do catálogo foi
de tal forma morosa que só em 1 849 começou a
aparecer, havendo-se publicado até i885 apenas
,sete volumes sob o titulo : Catalogue general des
manuscrits des Bibliothèques publiques des dépar-
tements (2).
Em 1886, começava a publicação do famoso
Catalogue general des manuscrits des Bibliothèques
publiques de France, devido princij^almente a De-
LisLE e constituído por algumas dezenas de vo-
lumes, vindo substituir o anterior que suspendeu
a publicação (3).
(i) Até então só existia um reportório geral, útil por ser único,
inas muito omisso o de Haenel, Catalogi librorum manuscripto-
rum qui in bibliotecis Galliae, Helvetiae, Belgiae, Britanniae Ma-
gnae^ Hispaniae, Liisitaniae, asservantur, Lipsiae, 1829, mais tarde,
em i853, reimpresso com bastantes aditamentos nos tomos xl e
XLi da Nouvelle Encyclopédie theologique do abade Migne.
(2) Esse catálogo^ conhecido pelo Catalogue Villemain^ era
muito imperfeito, como demonstrou o eminente Delisle, desde
L873.
(3) Nessa colecção do Catalogue de 1886 figuram publicados
os catálogos de mais de trezentas biblotecas da província ; os ca-
tálogos dos manuscritos das bibliotecas do Arsenal, Mazarino e
Santa Genoveva, de Paris, e o Catalogue des manuscrits conserves
i8i
Também, o governo francês não ficou indife-
rente à publicação dos catálogos dos manuscritos
dos Arquivos, pois em 6 de Maio de 1841 foi
criado no Ministério do Interior uma «Comission
des archives départementales et communales»,
que em 1 847 publicou um Catalogue general des
Cartulaires des Archives départementales, logo se-
guido, um ano depois, por um Tableau general
numérique par fonds des Archives départementales
antérieiírs à ijgo.
Mas tudo isso não passava de uma série de
tentativas e ensaios. Só em 1 86 1 é que se iniciou
a importante colecção dos Inventaires-sommaires
des Archives départamentales, communales et hos-
pitalières que já deve contar cerca de cinco cen-
tenas de volumes (i). Se bem que alguns desses
Inventaires-sommaires muito deixem a desejar,
não há dúvida que entre os elaborados depois
de 1870 há aíguns muito perfeitos e que teem
sido poderosos auxiliares dos historiadores.
Se os arquivos provinciais e regionais teem
dado origem, em França, a esses e a muitos ou-
tros trabalhos de inventário não é de admirar que
os Arquivos Nacionais, de Paris, tenham já hoje
muito perfeitos e completos os inventários e ín-
dans les dépôts d' archives départementales^ communales et hospita-
lières.
Acerca destes e outros catálogos modernos percorrer a colec-
ção do Annuaire des Bibliothèques et des Archives.
(1) Acêica de tais Iiiveníaires consultar: os Rapporís dirigidos
ao Ministro da Instrução Pública pela Direcção Geral dos Arqui-
vos ; e a colecção dos Annuaires des Bibliothèques et des Archives,
1«2
dices das suas colecções, havendo-se, sobre os
seus fundos e núcleos, publicado trabalhos im-
portantes, tais -como os de A. Teulet, J. de La-
BORD e Berger, Actes dii Parlement de Paris ; de
J. Tardif, Monuments historiques; de Huillard-
Bréholles e Lecoy de la Marche, Les titres de
Vancienne maison diicale de Bourbon, em dois vo-
lumes ; a erudita obra, em três volumes, de DouéT
d'Arcq, Collection des sceaux, etc, etc.
Também, os arquivos dos Ministérios dos Es-
trangeiros, Guerra e Colónias — cujosfundos ainda
não foram incorporados nos Arquivos Nacionais,
teem as suas colecções em ordem, havendo pu-
blicado, alguns, não só inventários dos seus nú-
cleos como importantes colecções de documen-
tos (i).
Expostos, por uma forma muito breve e, por
isso, incompleta, os trabalhos realizados, oficial-
mente, em França acerca da catalogação dos ma-
nuscritos, vamos tratar agora da segunda étape
(i) Dos três ministérios acima enumerados o que maior e mais
importante obra tem realizado, nesse sentido, é o Ministério dos
Negócios Estrangeiros. Esses depósitos a cargo da 'Commis-
síon des Archives diplomatiques . .», tem dado origem à publica-
ção de três séries de obras: um Inventaire sommaire; um Inven-
taire analytique, e o Rccueil des instructions données aux embas-
sadeurs et ministres de France depuis le traiié de Westphalie jus-
qu'à la Révolution française.
Alem destas e de algumas outras obras de carácter oficial,
muitas outras teem aparecido publicando na íntegra, em parte ou
em extratos os manuscritos desse rico depósito (vêr: Langlois,
ob. cit., pág. 352 e 353; o nosso opúsculo, Da Importância dos
Documentos Diplomáticos em História.
i83
na serieção dos serviços de erudição : a publica-
ção de documentos.
Se quanto aos serviços de inventário e catalo-
gação dos manuscritos vimos a importante obra
realizada pelo governo francês, iremos mostrar
que no que se refere à publicação das peças iné-
ditas a acção do Estado tem sido igualmente ze-
losa, profícua e meritória.
Vimos já a acção desenvolvida por Guizot, em
i833, quanto à catalogação dos manuscritos.
Pois devemos acrescentar que esse eminente his-
toriador e politico, então ministro de Luís Felipe,
foi de uma persistência, de uma actividade e de
uma dedicação admiráveis ém favor da publica-
ção dos documentos históricos.
Nesse mesmo ano de i833 relatava êle ao rei:
« Só ao governo pertence ■ — quanto a mim — po-
der realizar o grande trabalho de uma publicação
geral de todos os materiais importantes e ainda
inéditos sobre a história da nossa pátria. Só o
governo possue os recursos de toda a ordem que
uma tão vasta empreza exige. Não falo já nos
meios de subvencionar as despesas que ela deve
ocasionar ; mas como guarda e depositário deste
legado precioso dos séculos passados, o Governo
pode enriquecer uma tal publicação com uma mul-
tidão de informações que simples particulares era
vão tentariam obter».
Em harmonia com o seu ponto de vista o ilus-
tre GuizoT criava, a 1 8 de Julho de 1834, um
cComité chargé de concourir à la direction et à
i84
la. surveillance des recherches et publications . . .
sur les documents inédits relatifs à rhistoire de
France».
A IO de Janeiro de i835 aparecia uma nova
Comissão que tinha por objectivos investigar e
publicar «les monuments inédits de la littérature,
de la philosophie, des sciences et des arts conside-
res dans leurs rapports avec Tliistoire general de
la France» (i).
Porem, nem todos compreenderam os desígnios
de GuizoT (2).
Em 1837, Salvandy reorganizava as Comis-
sões, dividindo-as em cinco secções correspon-
dentes às cinco classes do Instituto, e que foram :
«Langue et littérature françaises, Histoire posi-
tive ou des chroniques, Cartes et inscriptions,
Sciences, Arts et monuments, Sciences morales et
politiques».
Outras modificações experimentaram esses ser-
viços por parte dos ministros Cousin, Fortoul
Rouland, J. Ferry, etc, sendo este último que deu
a essa instituição o nome que ultimamente tem
tido : Comité des travaiix historiques et scientift-
quês.
(1) Ver X. Charmes, Le Comité des travaiix historiques et scien-
tifiques, II, pág 4, 7 e 28; Langlois, ob. cit., pág. 356 e SSy.
(2) Prosper Mérimée, que fez parte do co772//e nomeado em 10
de Janeiro de iS35, nunca tomou a sério as suas funções nessa co-
missão, levando as sessões a troçar dos desígnios de Guizot.
Ver passagens de cartas deste publicadas na Reviie de Paris, de
i5 de Maio de 1898, e algumas transcritas por I.anglois, ob. cit.,
pág. 357.
i85
Depois de i885 esse Comité tem constado das
cinco secções seguintes: «Histoire et philosophie,
Archéologie, Sciences economiques et sociales,
Siences, Géographie historique».
Vimos já que o ponto de vista de Guizot, sobre
a missão das primeiras Comissões consistia na
publicação dos documentos inéditos da história
de França. Como escreve Langlois : «A travers
toutes les vicissitudes qu'il a subies depuis sois-
sant-dix ans, il ne s'est pas écarté de ce pro-
gramme. Sa «Collection de Documents inédits»,
à laquelle ont été consacrés Ia majeur partie des
crédits considérables dont il a disposé, en fait
foi» (i).
Efectivamente, a monumental Collection de Do-
cuments inédits sur Vhistoire de France publicada
pela Comissão dos trabalhos históricos do Minis-
tério da Instrução Pública francês gosa hoje de
fama universal com as suas três centenas de vo-
lumes publicados.
E essa^ na verdade, a obra sistemática mais
grandiosa até hoje levada a efeito.
Segundo a natureza dos documentos publicados
tal Colection é dividida em seis séries :
I. — Chroniques, mémoires, journaux, récits et
compositions historiques ;
II. — Cartidaires reciieils de Charles;
III. — Correspondances et documents politiques et
administratifs ;
(i) Langlois, oí». cit., pág. 358.
iS6
IV. — Dociiments de la période répolutionnaire ;
V. — Documents politiques, philologiques^ juridi-
ques, etc;
VI. — Publications archéologiques.
Sem exagero deve dizer-se que se esta obra
no seu conjunto é verdadeiramente grandiosa,
monumental, estudada nas suas diversas séries e,
dentro destas, nos vários volumes publicados
têem sido notadas algumas desigualdades, lacu-
nas e importantes falhas, emfim, diversas imper-
feições.
Disso dão mostra as críticas dos eminentes
eruditos L. Deslisle nas suas Notices siir les ou-
vrages publiés dans la Collection de Documents
inédits; A. Franklin em Les sources de Vhistoire
deFrance; Fr. Brouillier em Ulnstitut et les Aca-
demies de province, etc.
Mas, essas e outras criticas não fizeram, de
modo algum, parar o esforço e estancar a obra^
antes tornaram aquele mais cauteloso e hábil, e
esta mais afinada e perfeita.
Nem todas as séries teem sido igualmente en-
riquecidas. A quinta parece ter parado, a sexta
está decadente, e a primeira não é o que dela se
podia esperar. Mas a segunda, terceira e quarta
séries essas têem quási exclusivamente — j e admi-
ravelmente ! — absorvido os esforços e dota-
ções do Comité, e dado origem a uma obra ver-
dadeiramente monumental. Para se avaliar a
enorme importância que tem revestido para a
"87
sciência histórica a obra levada a efeito pelo
Ministério da Instrução Pública francês com as
publicações da famosa Colection de Documents
médits siir VHistoire de France, vamos enumerar,
por séries, algumas das obras aparecidas — e
que são as seguintes :
I. — Crónicas, memórias, diários, narrativas
e composições históricas
1. — Chroniqiie d es ducs de Normandie par Be-
noit, troupère anglo-normand dii XIF siè-
de, publicada por Francisque Michel,
i836 a 1844, três volumes.
2. — Les Familles d'outre-mer de Du Cange,
publicadas por E. G. Rey, i86g, i vo-
lume.
3. — Histoire de la croisade contre les hérétiques
Albigeois, écrite en vers proj^ençaux, pu-
blicada por C. Fauriel, 1887, i volume.
4. — Histoire de la giierre de Navarre en 12^6
e 12^7 [crónica rimada], par Guillaume
Avelier de Toulouse, publicada por Fran-
cisque Michel, i856, i volume.
5. — Chroniqiie de Bertrand Du Guesclin, par
Cuvelier, troupère du XIV^ siécle, publi-
cada por E. Charrière, iSSg, 2 volumes.
6. — Chronique du religieux de Saint-Denys,
contenant le règne de Charles VI, de i38o
à 1422, traduzida e publicada por L.
Bellaguet, 1839 a i852, 6 volumes.
7. — Chroniques d'Amadi et de Strambaldi [61 5
i8^
a 1458], publicadas por R. de Mas-La-
TRiE, 1891 a 1893, 2 volumes.
8. — Mémoires de Claude Haton (i553 a i582),
publicadas por F. Bourquelot, i858, 2
volumes,
9. — Journal d^OUvier Lefèvre d" Ormesson et ex-
traits de mémoires d^ André Lefèvre d^Or-
messon [1643 a 1672], publicados por
A. Chéruel, 1860 e 1861, 2 volumes.
10. — Mémoires de Nicolas-Joseph Foucault [1641
a 17 18], publicadas por F.Baudry, 1862,
1 vol.
11. — Histoire de la giierre sainte, poème de la
troisième croisade (i igo), publicada por
G. Paris, 1897, i volume.
II. — Cartulários e colecções de diplomas
12. — Cartulaire de Vabbaye de Sainte-Père de
Chartres, publicado por B. Guérard, i 840,
2 volumes.
I 3. — Cartulaire de Vabbaye de Saint-Bertin, pu-
blicado por B. Guérard, 1840, i volume.
14. — Appendice au Cartulaire de Valbaye de
Saint-Bertin, publicado por F. Morand,
1867, I vol.
I 5. — Cartulaire de Véglise Notre-Dame de Paris
publicado por B. Guérard, Géraud, Ma-
RioN e Deloye, i85o, 4 volumes.
16. — Cartulaire de Vabbaye de Saint- Victor de
Marseille^ publicado porB. Guérard, Ma-
RiON e Delisle, 1857, 2 volumes.
189
ly. — Cartulaire de Vabbaye de Redon en Breta-
gne^ publicado por A. de Courson, i863,
I volume,
1 8. — Recueil de chartes de rabbaye de Cluny,
formado por Aug. Bernard, e publicado
por Alex Bruel, 6 tomos, 1876 a 1894,
5 volumes. /
19. — Cartulaires de Véglise cathédrale de Greno-
ble, dits Cartulaires de Saitit-Hugues,
publicados por J. Marion, 1869, i vo-
lume.
20. — Cartulaire de Savigny, suivi du petit cartu-
laire de Vabbaye d'Ainay, publicados por
Aug. Bernard, i853, 2 volumes.
21. — Cartulaire de Vabbaye de Beaulieu (en Li-
mousin), publicado por M. Deloche,i859,
I volume.
22. — Archives de l' Hôtel-Dieu de Paris (11S7 ^
i3oo), publicados por L. Brièle e E.
Coyecque, 1894, I volume.
23. — Privilèges accordês à ia couronne de France
par le Saint-Siège [1224 a 1622, publi-
cados por Ad. e J. Tardif], i855, i vo-
lume.
24. — Recueil des moniiments inédits de Vhistoire
du Tiers-État (i^'' série, region du Nord),
publicado por Augustin Thierry, i85o a
1870, 4 volumes.
25. ■ — Archives administratives de la ville de Reims
(iv a XIV séculos), publicados por P. Va-
RiN, 1839 a 1848, 3 volumes,
190
26. — Archives législatives de la ville de Reims (sé-
culos XIII a xvi), publicados por P. Varin,
1840 a i852, 4 volumes.
27. — Arcjiives administratives et législatives dela
ville de Reims. Table générale d es matiè-
res, par L. Amiel, i853, i volume.
III. — Correspondências e documentos políticos
e administrativos
28. — Lettres de róis, reines et aiitres personnages
d es cours de France et d^Angleterre, de-
puis Louis VII jusqu'à Henri IV, tirées
des archives de Londres par Bréquigny,
e publicados por J. J. Champollion-Fi-
GEAG, 1839 a 1847, 2 volumes.
29. — Roles gasçons, publicados por Francisque
MicHEL e Ch. Bémont, tomo i e suple-
mento (1242 a 1255), e tomo 11, i885, 2
volumes.
30. — Les ííOlimy), oii registres des arrêts rendus
par la Cour du roi sous les rêgnes de
Saint Louis- Philippe le Long ( 1 2 54- 1 3 1 8),
publicados pelo conde Beugnot, 1839 a
1848, 4 volumes.
3 1 . — Règlements sur les arts et métiers de Paris^
rediges au XIIF siècle sous le nom de
Livre des métiers d^Étienne Boileau, publi-
cados por G.-B. Depping, 1837, i volume.
32.— Correspondance administr ative d'Alfonse de
Poitiers, publicada por Aug. Molinier,
tomo I (1268 a 1270), 1894, I volume.
191
33. — Paris sous Philippe le Bel, notamment d*a-
prés le role de la taille de Paris en i2gi,
publicado por H. Géraud^ 1837, i vo-
lume.
34. — Procès des Templiers, publicado por J. Mi-^
CHELET, 1841, 2 volumes.
35. — Mandements et actes divers de Charles V
(1364 a i38o), analisados e publicados
por L. Delisle, 1874, i volume.
36. — ■ Itinéraires de Philippe le Hardi et de Jean
sans Peur, ducs de Boiírgogne (i363 a
1479)^ publicados por Ernest Petit,
1888, I vol.
37. — Journal des Etats généraux de France tenus
à Toiírs, en 1484^ sous le règne de Char-
les VIII, par Jehan Masselin, traduzido e
pviblicado por A. Bernier, i835, i vo-
lume.
38. — Procès-verbaux des séances du Conseil de
régence du roi Charles VIU (aoút 1484
— janv. 1485), publicados por A. Ber-
nieR;, i836, I volume.
39. — Procédures politiques du règne de Loiíis XII,
publicados por R. de Maulde, i885, i
volume.
40. — Négociations diplomatiques de la France
avec la Toscane (i3i i a 16 10), documen-
tos coligidos por GiusEPPE Canestrini e,
publicados por Abel Desjardins, 1859 a
1886, 6 volumes.
41 . ^- Négociations diplomatiques entre la Franco
192
et VAutriche durant les trente premières
années du X VI siècle, publicadas por A.
Le Glay, 1845;, 2 volumes.
42. — Négociations de la France dans le Lepant
(i5i5 a 1589), publicadas por E. Ghar-
RiÈRE^ 1848 a 1860, 4 volumes.
43. — Captivité du roi François F\ por A. Cham-
poLLiON-FiGEAC, 1847, ^ volume.
44. — Papiers d^État du cardinal de Granvelle
(i5i6 a 1 565), publicados por Ch. Weiss,
1841 a i852, 9 volumes.
45. — Lettres de Catherine de Médicis, publicadas
por Hector de la Ferrière e Baguenault
de Puchesse, tomos i a ix, 1880 a 1905,
9 volumes.
46. — Négociations^ lettres et pièces diverses rela-
tives au règne de François II, publicadas
por Louis Paris, 1841, i volume.
47. — Relations des ambassadeurs vénitiens sur les
affaires de France au XVI siècle, coleccio-
nadas e traduzidas por N. Tommaseo,
i838, 2 volumes.
48. — Procès-verbaux des États généraux de i5g3,
publicados por Aug. Bernard, 1842, i vo-
lume.
^g. — Recueil des lettres missives de Henri IV
[i562 a 16 10], publicado por Berger de
Xivrey e GuADET, 1843 a 1876, 9 volu-
mes.
^ o.— Lettres, instructions diplomatiques et papiers
d'État du cardinal Richelieu [ 1 60 8 a 1 64 2] ,
o:!
publicadas por Avi:nki., i853 a 1877, 8
volumes.
5i. — Maximes d'État et fragments politiques ^du
cardinal de Richclieu, publicados por Ga-
briel Hanotaux, 1880, I volume.
52. — Négociations, lettres et pièces relatives à la
Conférence de Loudun [ 1 6 1 5 e 1 6 1 6], pu-
blicadas porBoucHiTTÉeLEVAssEUR, 1862,
I volume.
53. — Correspondance de Henri d^Escoubleau de
Sourdis, archevêque de Bordeaux, chefdes
cojiseils du roi en Varmée napale, publicada
por EuGÈNE Sue, iSSg, 3 volumes.
54. — Lettres du cardinal .Ma^arin, pendant son
ministère [1642 a 1661], publicadas por
A. Chéruel e G. d'Avenel, 1872 a 1897,
9 volumes.
55. — Correspondance administr ative sous le règne
de Louis XIV, coligida por G.-B. Dep-
piNG, i85o a i855, 4 volumes.
56. — Mémoires des intendants sur Vétat des Géné-
ralités, dressés pour Tinstruction du duc de
Bourgogne. Tomo i^ Memoire de la Gé-
néralité de Paris, publicada por A. Bois-
lisle, 1881, I volume.
57. — Négociations relatives à la Siiccession d^Es-
pagnesous Louis XIV I1662 a 1679], pu-
blicadas por F. Mignet, i835 a 1842, 4
volumes.
58. — Mémoires militaires relatifs à la Succession
d'Espagne sous Louis XIV[ijoi a 171 3],
i3
194
publicadas pelos tenentes generais De
Vault e Pelet, i835 a 1862, 11 volu-
mes e I atlas.
59. — Corre spondance des contrôleurs généraux
des Finances avec les Intendants des Pro-
pinces, publicada por A. Boislisle, 1874
1898. 3 volumes.
60. — Remontrances dii Parlement de Paris au
XVIII siècle, publicadas por J. Flammer-
MONT. Tomos I a iii, 1888 a 1897, ^ vo-
lumes.
61. — Documents relatifs aiix comités de Champa-
gne e de Brie {XII a XIV siècle), publi-
cados por A. LONGNON.
IV. — Documentos do período revolucionário
62. — Recueil de documents relatifs à la convoca-
tion des Etats généraux de ijSg, publi-
cado por A. Brette. Tomos i a m, 1894
a 1897, 3 volumes.
63. — Corre spondance secrète du comte de Mercy-
Argenteau avec Vempereiír Joseph II et le
prince de Kaunit^ (1780 a 1790), publi-
cada por A d'Arneth e J. Flammermont,
1889 a 1891, 2 volumes.
64. — Procés-verbaux du comité d' instruction pu-
blique de rAssemblée législative^ publi-
cados por J. GuiLLAUME, 1889, um vo-
lume.
65 . — Procés-verbaux du Comité d^instruction publi-
que de la Convention nationale, publicados
ig5
por J. GuiLLAUME, tomos I a iv, 1891 ã.
1901, 4 volumes.
66. — Reciieil cies actes du Comité de salut public,
publicado por F. A. Aulard, tomos i a xxii,
1889 a 1912, 22 volumes e um índice
dos primeiros cinco.
67. — Correspondance general de Carnot, publi-
cada por Et. Charavay, tomos i a iv,
1892 a 1907, 4 volumes.
V. — Documentos filológicos, literários, filosóficos,
jurídicos, ete.
68. — Uéclaircissement de la langue française^ por
Jean Palsgrave (i 53o), publicado por F.
Génin, i852, I volume.
69. — Les quatres livres des Róis traduits en /ran-
çais du Xn siècle, publicados por Le-
Roux DE LiNCY, 1841, I volume.
70. — Le livre des Psaumes, ancienne traduction
française, publicado por Francisque Mi-
CHEL, 1876, I volume.
71. — Ouvrages inédits d'Abélard, publicadas por
Victor GousiN, i836^ i volume.
72. — Le livre dou Tresor, par Brunetto Latini,
publicado por P. Ghabaille, i863, i vo-
lume.
73. — Li livres de Jostice et plet, publicados por
P. Ghabaille, i85o, i volume.
74. — Le Mister e du siège d'Orlèans, publicado
por F. Guessard e E. de Gertain, 1862,
I volume.
iq6
75. — Lettres de Peiresc {1602 a 1637), publicadas
por Ph. Tamizey de Larroque, tomos i
a VI, 1888 a 1896, 6 volumes.
76. — Lettres de Jean Chapelain (i632 a 1672),
publicadas por Ph. Tamizey de Larroque,
1880 a i883, 2 volumes.
77. — Documents historiqiies inédits tires des colle-
ctions mamiscrites de la Bibliothèqiie roya-
le, etc, publicados por Chmpollion-Fi-
GEAC, 1841 a 1848, 4 volumes, e índicç
(1874), I volume.
78. — Melanges historiques, choix de documents,
publicados por diversas pessoas, 1873 a
1886, 5 volumes.
VI. — Publicações arqueológicas
79. — Récueil de diplomes militaires, publicado
por L. Renier, 1876, i volume.
80. — Etude sur les sarcophages chrétiens antiques
de la ville d' Aries, por Edm. Le Blant,
1878, I volume.
81. — Les sarcophages chrétiens de la Gaule, por
Edm. Le Blant, 1886, i volume, in-fol.
82. — 'Nouveau recueil des inscriptions chrétien-
nes de la Gaule antérieures ao VLIF siècle^
por Edm. Le Blant, 1892, i volume.
83. — Architecture mojiastique, por Albert Lenoir,
i852 a i856, 2 volumes.
84. — Etude sur les monuments de l^ architecture mi-
litaire des Croisés en Syrie et dans Vile de
Chipre, por Guillaume Ret, 1871, i vol.
^97
85. — Monogj^aphie de Végiise de Notre-Dame de
Noyon, por L. Vitet, e D. Ramée, 1845,
I volume, e i atlas in-fol.
86. — Monographie de la cathédrale de Chartres
[por Lassus e Amaury Duval]. Explica-
ção das estampas por J. Durand, 1867
a 1886, atlas in-fol.
87. — Notice sur les peintures de Végiise de Saint-
Savin, por P. Mérimée, 1845, i volume.
88. — Statistique monumental e (spécimen). Rap-
port sur les monuments historiques des
arrondissements de Nancy et de Toul,
por E. Grille de Beuzelin, 1837, i vo-
lume, e atlas in-fol.
89. — Statistique monumentale de Paris, por Al-
bert Lenoir, 1867, I volume, e atlas.
90. — Iconographie chrétienne. Histoire de Dieu,
por Didron, 1843, I volume.
91. — Recueil de dociiments rélatifs à rhistoire des
monnaies frappées par les róis de France,
depuis Philippe II jusqii^à François F^,
par F. DE Saulcy, tomo i [i 179 a i38o],
1879, I volume.
92. — Ifwentaire des sceaux de la collection Ciai-
rambault à la Bibliothèque nationale, por
G. Demay, i885 a 1886, 2 volumes.
93. — Inventaire du mobilier de Charles V, roi de
France [i 38o], publicado por J. Labarte,
1879, I volume.
94. — Comptes de dépenses de la construction du
châteaii de Gaillon [i5oi a i5o9], publi-
igS
cadas por A. Deville, i85o, i volume e
atlas.
95. — Comptes des bâtiments du Roi sous le règne
de Louis XIV, publicadas por J. Guif-
FREY, tomos I a V, 1881 a 1901, 5 vo-
lumes.
gô.—Inscriptions de la France du V^ au XV IIP
siècle. Ancien diocese de Paris, por F. de
GuiLHERMY e R. DE Lasteyrie, 1 878 a I 883,
5 volumes.
Além das obras que acabamos de enumerar, e
que não constituem mais que uma parte do que
tem sido publicado pelo Ministério da Instrução
Pública de França, devem ser também recordadas |
as colecções de Relatórios e instruções, bem como
os Relatos das várias comissões ao Ministro da ^
Instrução e deste ao Chefe de Estado, e as diver-
sas Instruções aos colectores, editores e anotado-
res dos Inéditos (i).
(i) Vêr os dois volumes de Melanges Historiqiies^ da Collection
de Documents Inédits siir rHistoire de France, publicados por
Champollion-Figeac, tendo o primeiro aparecido em 184! e o se-
gundo em 1843.
No primeiro volume figura um Prefácio do Editor^ onde Ch.-
FiGEAC faz uma resumida história da Collection desde o Relató-
rio de GuizoT, ao rei, de 3 1 de Dezembro de i833, até 1840 e 1841,
indicando os trabalhos feitos no tempo daquele Ministro e quais
as alterações que lhe trouxe Vítor Gousin. Seguem-se depois os
relatórios, notícias e inventários das missões de investigação en-
viadas aos vários departamentos franceses — constituindo a pri-
meira parte, ao passo que a segunda consta de textos de docu-
mentos.
1^9
Também, a comissão dos trabalhos históricos
publica uma importante colecção de Dictionnaires
topographiques des departements. Já conta bem
mais de vinte volumes, constando cada mono-
grafia de uma introdução geográfico-histórica, de
uma lista dos documentos empregados, de uma
nomenclatura muito detalhada dos nomes geo-
gráficos modernos, e de uma lista alfabética dos
nomes antigos.
Igualmente, teem sido publicados, a partir de
1861, vários volumes de Repertoires archéologi-
ques des departements^ tendo o do Aube, apare-
cido naquele ano, sido redigido por H. d'Arbois
DE Jubainville; sendo o do Oise, publicado em
1862 por WoiLLEz; o do Morbihan, em i863 por
Rosenzweig; o de Tarn, por Crozes, em i865 ; o
do jYonne, por Quantin, em 1 868 ; o do Sena,
inferior, pelo abade Gochet, em 1872 ; o de Niè-
vre, por G. de Soultrait, em 1875 ; o dos Alpes
Superiores, por Roman, em 1888, etc.
Conforme o que diz A. Fanklin na sua obra
Les sources de Vhistoire de France, e reproduz
Langlois no seu aqui tantas vezes citado Manuel
de Bibliographie Historiqiie, várias outras obras
teem sido publicadas pelo Comité dos trabalhos
históricos como as Lettres, instructions et mémoi-
nes de Colbert, i86i-i865, em dez volumes, pelo
padre Clément ; colecções de obras dos mais no-
táveis sábios franceses como CauchY; Descartes,
Fermat, Fourier, Fresnel, LagrangE;, Laplace, La-
voisiER ; os Anciens alchimistes grecs, por Berte-
200
LOT e Ch.-E. Ruelle, 1888, em três volumes (i);
o Dictionnaire de Vancienne langue française et
tous ses dialectes dii IX^ au XV^ siècle, de Fr. Go-
defroy; o Dictionnaire archéologique deja Gaule;
os Éléments de paléographie, de N. de Wailly; a
Histoire economique de la propriété, des salaires,
des denrées et de tons les prix en general depuis
Van 1200 jiisqu'en Fan iSoo, de G. d'Avenel; a
colecção áos Momiments de Vart by^antin, etc.(2).
Tem possuído esse Comité uma publicação pe-
riódica onde tem ido expondo a obra realizada
não só no que respeita aos trabalhos efectuados
nos estudos prévios e na elaboração das obras
publicadas, como pelo que se refere aos chamados
congressos ou reuniões das Societés savantes dos
departamentos franceses.
Entre tais publicações periódicas são de citar
o Bidletin archéologique du Comité des arts et mo-
niiments; os Troces verbaiix des séances du Comité
des monuments écrits; o Bulletin du Comité his-
torique des arts et monuments ; o Bulletin du Co-
mité des monuments écrits; o Bulletin du Comité
de la langue^ de V histoire et des arts ; o Bulletin
des Societés savantes, Missions scientiflqites et lit-
(i) Esta obra como Les lapidaires de 1'antiquité et du moyen
age de F. Mély, teem sido publicadas pela secção de sciências.
(2) Ver uma lista muito completa das obras publicadas pelos
Comités, até 1873, in Table Généralc des Bidletins du Comité des
Travàux Historiqucs et de la Revue des Sociétes Savants, por
OcTAVE Teissieb, iSyS, pág. viu a xn.
20I
téraires; e a Re mie d es Sociétés Savantes, a partir
de i856(i).
Esta .última — a Revue des Sociétés savantes —
consta: na i.* série, de i856 a i858, de cinco
volumes; na 2.% de iSSg a 1862, oito volumes;
na 3.% i863 e 1864, quatro volumes; na 4.^ série,
de i865 a 1869, dez volumes; etc. Estes volu-
mes conteem as actas das secções de história,
de filologia e de arqueologia ; as Memórias e Re-
latórios apresentados e lidos nas secções — alguns
dos quais constituem bons capítulos de história
e de arqueologia da França ; muitas noticias de
Memórias, Revistas e Boletins de história, arqueo-
logia e filologia ; excelentes artigos de criação
histórica e arqueológica sob a epígrafe de Études
historiques; a publicação de numerosos e impor-
tantes documentos, com boas análises e criticas
de proveniência, etc. ; relatos das descobertas de
papéis e de peças arqueológicas, de investigações,
etc. ; Noticias das obras publicadas na província
ou sobre a província; reproduções de monumentos
arqueológicos e históricos, de inscrições, sepultu-
ras pre-históricas; Rapports descritivos, analíticos
e crítitos das Comunicações feitas ao Comité pe-
los membros correspondentes do Ministério de
Instrução, sendo tais Rapports assinados pelos
nomes mais gloriosos da erudição francesa como
(i) Acerca da criação e evolução dos Comités de trabalhos
históricos do Ministério de Instrução Pública de França, vêr:
OcTAVE Teissier, Table Générale, etc, pág. 1 a viu.
202
QuiCHERAT, Leopoldo Delisle, Desnoyers, Lastey-
RiE, Ed. Barthélemy, Tardif, Boislisle, Bello-
GUET, Renan, AIex. Bertand, etc, etc. ; a lista de
membros efectivos e correspondentes das secções
dos Comités, etc.
Vamos tratar agora, muito sucintamente, da
famosa Collection de Dociiments inédits sur VHis-
toire de France publiés par les soins du Ministre de
Vlnstruction Publique, e exemplificar a importân-
cia desse notável corpo de publicações, escolhendo
algumas — mas muito poucas — das colecções do-
cumentais que o constituem, como : o Recueil des
Chartes de VAbbaye de Cluny; o Recueil des Actes
du Comité de Salut Public avec la Correspondance
officielle des représentants en Mission et le Registre
du Conseil exécutif propisoire, etc.
Esperamos poder dar, com as noticias que for-
necemos acerca da forma como estão elaboradas
essas obras, e com o mais que dizemos da mo-
numental Collection de Documents Inedits, uma
idea mais ou menos nítida, clara e exacta.
Efectivamente, fazendo parte dessa Collection,
e incluída na primeira série da História Politica^
começava, em 1876, a aparecer o Recueil des |
Chartes de VAbbaye de Cluny, formado por Au-
203
GUST Bernard, e completado, revisto e publicado
por Alexandre Bruel (i).
Havendo falecido Bernard foi encarregado Ale-
xandre Bruel que, depois de ter estudado os ma-
nuscritos da Biblioteca Nacional de Paris, fez vir
para essa cidade os cartulários originais de Cluny.
Bruel conta num excelente Prefácio, de qua-
renta e seis páginas, a obra que realizou, isto é,
expõe por uma forma concreta e detalhada as
fontes donde sairão os textos do primeiro vo-
lume. O autor devide o seu estudo em três par-
tes : a primeira destinada ao estudo dos depósitos
de originais, a segunda relativa aos depósitos de
cópias e a terceira ao dos Cartulários.
Na primeira ocupa-se dos fundos da Biblioteca
Nacional de Paris, Biblioteca e Arquivos Munici-
pais de Cluny, e do Museu Britânico. Na se-
gunda trata das cópias, isto é, dos textos repro-
duzidos, indicando onde o foram, e fazendo uma
pequena súmula. Na terceira parte ocupa-se dos
Cartulários, dos quais os mais antigos e impor-
tantes são três : o A) da Biblioteca da cidade de
Cluny — o qual estuda e descreve com muita
minúcia e erudição; o B) e C) ^que é o n." i da
Biblioteca da cidade de Cluny; o Cartulário D.,
e o E.
(i) AuGusT Bernard já havia publicado em i853, na mesma
Colleclion de Dociiments inédits o Cartulaire de Vabaye de Savi-
gny, seguido do Petií cartulaire de Vabbaye d'Ainay, em dois
volumes. O erudito Bernard, publicou, em 1861, também, uma
monografia com o plano da publicação.
^04
Seguem-se, depois, os impressos — o mais im-
portante dos quais é a colecção da Biblioteca
Cluniacensis, aparecida em 1614.
Descrito isso, com um excelente acompanha-
mento de notas muito eruditas, passa-se à trans-
crição das Chartes de VAbbaye de Cluny. A
publicação de cada documento é acompanhada
de notas com análises e criticas de carácter pa-
leográíico, diplomático, filológico, histórico, etc,
estudos de restituição dos textos, de interpreta-
ção, etc.
Ao passo que o primeiro tomo contêm as pe-
ças desde o ano de 802 a 954, o segundo consta
das que vão de 954 a 987, reproduzindo o pri-
meiro 882 espécies, e indo o segundo da peça
883 a 1727.
O terceiro tomo consta de peças que vão do
ano de 987 ao de 1027, e dos números 1.728 a
2.796; e o quarto, aparecido em 1888, abre com
uma Epistola Johannis papae XIX ad universos
ecclesiae Jideles por monachis Cluniacènsibus, de
28 de Março de 1027 — já publicada, com algumas
variantes, no Boletim Cluniacense^ pág. 2, col. 2,
e fecha com o incipit de uma Charta que Galte-
rius Chasnellus dat monachis Cluniacènsibus sancti
Dionys in Negimto Castro Ecclesiam Sancti Petri
Cetonensis, com appenditiis et relum Albis — que
é o documento n.° 3.655, de 1090, pouco mais ou
menos.
O quinto tomo desta mesma obra apareceu
em 1894, e compreende documentos que vão
205
desde 14 de Junho de 1091 a 12 10 pouco mais
ou menos. Abre com a peça n.° 3.656 que é
mais uma Charta que Pipo Leucorum episcopus,
notiim facit Widomen militen ecdcsias de Donna
Maria et Liicca Prata monasterio Cluniacensi de-
disse, e fecha com o documento n.° 4.457 — umas
Litterae Fulconis prior is Sancti Mar tini de Campis
ad abbatem cluniacensem, quibus not um facit se et
fratres ejiis renunciavisse appellationi quamfeceant.
Por sua vez, o tomo vi, e último, aparecido
em 1903, abre com a peça n.° 4.458 que é uma
Charta Hidrici, abbatis monasterii novi pietanensis,
de conpentione facta inter ipsum et abbatem clunia-
censem, super quibusdam expensis, ao que parece
de 18 de Outubro de 121 1, e existente na Biblio-
teca Nacional de Paris ; e termina com a publica-
ção do documento n.° 5.5o6, de cerca de i3oo,
que tem por titulo : Suplicatio procurator is abbatis
balmensis coram difinitoribus capituli cliiniacensisy
qua petit ut, secundum quandam litteram abbatum
balmensis et cluniacensis, balmensis abbas sedem
habeat super alios abbates ordinis post moysiacen-
sem, seguindo-se, a fechar o mesmo tomo, alguns
aditamentos a documentos anteriormente publi-
cados ; um Apêndice constante de um Inventário
dos Arquivos da Abadia de Cluny no século XV;
e um capítulo de erratas dos seis tomos do Re^
cueil (i).
(i) A abrir o tomo vi encontrasse um Prefácio do colector ê
anotador Alexandre Bruei. onde este dá conta de haverem sido
2oê
Se o Recueil des Chartes da abadia de Cluny
representa ao mesmo tempo a primeira e a se-
gunda séries da Colecção dos Inéditos da História
de França^ a quarta série está magnificamente
representada, entre outras obras, pelo Recueil des
Actes du Comité de Salut Public avec la corres-
pondance officielle des représentants en Mission et
le registre du Conseil exécutif provisoire^ publicado
por F.-A. AuLARD.
O primeiro volume desta importante obra, apa-
recido em 1889, começa por uma Introdução do
ilustre especialista da história da Revolução, Prof.
AuLARD, onde este expõe de uma forma muito su-
cinta o fim, método e plano da sua obra, descre-
vendo depois as fontes. Assim, escreve êle :
«Notre but est de publier, en les rapprochant
pour les combiner selon l'ordre chronologique,
trois series de textes :
« I .° Les déliberations et arretes du Comité de
adquiridos pelo Estado, em 1881, os diplomas e outros manuscri-
tos que se encontram hoje na Biblioteca Nacional de Paris. O
intermediário dessa aquisição foi o eminente erudito Leopoldo
Delisle, então administrador geral da Nacional, o qual logo em
1884 publicava um magnífico Inventaire des manuscrits de la Bi-
bliothèque nationale, fonds Cluni, xxv4-4i3 pág.
Depois, Bruel faz uma rápida, mas interessante, descrição
do Cartulário D, com os seus i58 fólios, de que já havia falado a
pág XXXI do tomo i, e incorporado também na Biblioteca Nacio-
nal de Paris, Nouvelles acquisitions latines^ n.° 766, e que tem por
título Cartulare antiquum monasterii Cluniacensis.
207
salut public depuis son établissement sous sa pre-
mière forme et son premier nom, c'est-à-dire, de-
puis la création du Comité de defense general (i^""
Janvier lygS), jusqu'à la fin de la Convention na-
tionale ;
«2.° La correspondance des représentants en
mission avec le Comité de defense générale, le
Comité de salut public et la Convention, ainsi
que les lettres adressées par le Comité de salut
public a ces représentants;
«3.° Le registre des délibérations du Conseil
exécutif provisoire depuis la création de ce Con-
seil (lo aoút 1792) jusqu'à sa suppression et son
remplacement par douze commissions, le 1 2 ger-
minal an II (i^"" avril 1794)».
Depois de justificar que «tais textos constituem
o próprio fundo da história governamental da
França durante a existência da Convenção na-
cional», explica que: «justapostos eles comen-
tam-se uns aos outros, e por meio deste comen-
tário mútuo e imediato dão nítidos esclareci-
mentos que faltariam se fossem publicados isola-
damente, ou mesmo uns após outros». A seguir,
explica a razão porque utilizou «rigorosamente a
ordem cronológica» (i).
(t) A seguir, Aulard fornece diversas e valiosas informações
bibliográficas, dizendo que se muitas peças que agora publica são
inéditas outras já foram impressas: umas em folhetos soltos; ou-
tras coligidas em volumes, como as que se encontram nos dois
volumes dos Arretes des Comités de la Convention nationale obli*
gatoires pour les autorités constituées, publicado no ano m ; outraS;
208
AuLARD dá, depois, informações sobre o seu
processo de trabalho, a sua imparcialidade — ou
melhor : impassibilidade — acerca da aposição das
notas no texto ou no baixo das páginas ; sobre a
ortografia, que êle actualiza, devido às faltas com
que eram escritos, até mesmo os nomes pró-
prios, seguindo na grafia destes a forma que usa-
vam os próprios nomeados.
Dá, a seguir, um esboço histórico, cronológico
e administrativo do período, dos acontecimentos
e dos órgãos do Estado de que trata.
Passando ao texto publica os documentos do
Conseil exécutif provisoire, a começar nos Decre-
tos relativos ao seu estabelecimento, e passando às
actas das suas sessões, e alternando-as, segundo
a ordem cronológica, com os relatórios -dos Re-
présentants en mission, e, depois, com as actas do
Comité de defense générale — tudo isso profusa-
mente semeado de notas. Emfim, as peças desse
finalmente, aparecidas no Moniteur^ que ainda então não era jor-
nal oficial, e que tinha por título exacto: Ga^^elte nationale ou le
Mouiteur universel, reeditado, em 1854, em trinta e dois volumes
com a designação de Réimpression de Cancien Moniteur, seule his-
toire aiithentique et inaltérée de la Révolution française depuis la
réunion des Etats généraux jusqu'au Consulat, avec notes explica-
tives.
AuLARD, depois de indicar as peças que já haviam sido antes
publicadas, descreve, largamente, as fontes inéditas do seu tra-
balho ; quais são, os documentos com as datas limites, os lugares
onde se encontram, com as respectivas cotas, etc, etc, e com
bastantes informações sobre as peças — a sua natureza, autentici-
dade, proveniência, restituição, registo, etc, etc. Isso vai da pág. n
a XII e de XI a xxxvii.
tiòc)
volume constam dos decretos estabelecendo o
Conselho executivo provisório^ aprovados na sessão
da Assemblea legislativa de iode Agosto de 1792;
e a última consiste no Relatório dos comissários
no Baixo Reno, Mosela e Meurthe, datado de
Strasburgo em 21 de Janeiro de lygS.
O segundo volume, publicado em 1889, segue
o mesmo ponto de vista, e abre com a acta das
sessões do Comité de defense general, de 22 de
Janeiro de 1793, substituindo a reprodução na
integra de alguns documentos — mas poucos —
pelo seu extracto, resumo, ou análise — como se
lhe chama na obra.
Esse volume fecha com um relatório dos Co-
missários na Mancha e no Orne para a Conven-
ção escrito — ao que parece — em Março de 1793.
Ao abrir o terceiro volume Aulard adverte-nos
que ao passo que nos anteriores os Relatórios dos
representantes em missão à Convenção nacional e
ao Comité de defesa geral foram reproduzidos,
com muito pequenas excepções, na Integra, a par-
tir deste volume só alguns desses relatos, que ao
5eu editor «semblent pleinement interessantes»,
serão totalmente publicados, ao passo que de
todos os outros será apenas feita a análise — isso
devido à abundância de tais relatórios.
Contudo, deve dizer-se que essas análises ou
extractos são mais ou menos detalhados segundo
a importância dos assuntos tratados (i).
(i) o Prof. Aulard não publicou no seu Recueil as cartas d«
•4
■21Ò
Depois, informa que como o verdadeiro as-
sunto do Recueil é o Comité de salvação pública,
êle renuncia a publicar, a não ser como comen-
tário ou a titulo de informação, «aucune des let-
tres des représentants aux autres comités et aux
ministres» (i).
A primeira peça do texto é uma acta do Comité
de defense general^ de segunda feira, i de Abril
de 1793.
A partir das pág. 82 e 112 começa a aparecer
o Comité de Salvação Pública cuja criação co-
meçara já na sessão de Convenção Nacional de
5 de Abril, e continua na do dia seguinte em que
é decretada a criação daquele comité (2). Este
terceiro volume, aparecido em 1 890, termina pelo
extracto do Relatório dos Representantes nas cos-
tas do Mediterrâneo ao Comité de Salvação Pú-
blica, datado de Perpignan, em 5 de Maio de 1 793.
O quarto tomo, publicado em 1891, inicia-se
com uma pequena acta da sessão do Comité de
Salvação Pública, de 6 de Maio de 1793, e ter-
mina com os extratos dos relatórios dos represen-
tantes do povo no exército dos Pireneus orientais
Carnot porque Etienne Gharavay estava então publicando-as na
mesma Colecção de Inéditos da História de França, sob o título
de Correspondance general de Carnot. Desta obra falamos adiante.
(i) Contudo, esclarece que abre excepção reproduzindo ou
extratando os Relatórios enviados ainda à Convenção, porque, na
verdade, é ao Comité de salvação pública que eles se dirigem,
posto que indirectamente. In ob. cit., pág. iii.
(2) O relatório das sessões de 5 e 6 e o decreto apareceram,
então, publicados no Moniteur,
2{ i
e lio exercito de Itália, respectivamente, à Con-
venção e ao Comité de Salvação Pública — am-
bos de i8 de Junho seguinte.
O quinto tomo aparece em 1892, começando
pela publicação da acta da sessão do Comité de
Salvação Pública, de 19 de Junho, e terminando
pelo extracto de um relatório dos Representantes
junto do exército dos Pireneus ao Comité de Sal-
vação Pública, datado de Perpignan, em i5 de
Agosto de 1793 (i).
O sexto tomo, impresso em 1898, inicia-se
com a publicação de um Decreto da Convenção
Nacional, aprovado na sessão de 1 5 de Agosto
de 1793, determinando que «les citoyens Legen-
dre (de Paris) et Louchet (de TAveyron) se ren-
dront sur-le-champ dans le département de la
Seine-Inférieur, en qualité de représentants du
peuple, pour rechercher les causes de la disette
des subsistances, examiner les comptes et Tadmi-
nistration des diverses autorités constituées, re-
lativement à cet objet, et prendre toutes les me-
sures qu'ils jugeront convenables pour le bien du
peuple de ces départements et Tavantage de la
Republique» (2).
(i) Em 1893 aparecia uma Table alphabetique dos cinco pri-
meiros volumes. Na Advertência o Prof. Aulard explica que de-
vendo a colecção do Recueil abranger cerca de quinze volumes,
julgou conveniente não deixar para o firrt da publicação do último
tomo a impressão do índice, antes lhe pareceu útil publicar, desde
logo, o índice alfabético ou quadro dos primei"os cinco tomos
— e que é bastante analítico.
(2) A abrir o tomo vi vem uma Advertência onde Aulard dá
212
O volume termina pelo extracto do Relatório
do Representante do povo Fabre, junto do exército
dos Pireneus orientais, ao Comité de Salvação
Pública, datado de Perpignan, em 21 de Setem-
bro de 1793, onde êle dá noticia de mais uma
vitória dos franceses sobre os espanhóis (í).
O tomo VII, que veiu à luz em 1894, começa
com a publicação de uma acta do Comité de Sal-
vação Pública, de 22 de Setembro de 1798, e ter-
mina por um desenvolvido e interessantíssimo
Relatório dos Representantes do povo Fabre, Bon-
net, Gaston e Cassanzés, junto do exército dos
Pireneus orientais, datado de Banyuls, a 24 de
Outubro de 1 793 com várias e curiosas informa^
çóes sobre o exército onde eles estavam, acerca
dos generais Dagobert e Aoust, e sobre a acção a
exercer contra a Espanha (2).
O tomo VIII, aparecido em 1895, começa por
uma acta da sessão do Comité de Salvação Pú-
blica, de 25 de Outubro de 1793 contendo sete
decretos, sendo o primeiro acerca da formação
«d'une compagnie de musiciens pour Tarmée de
várias informações, muito úteis, sobre a natureza das peças que
reproduz em extracto, mas não emite opiniões, remetendo, por
isso os leitores para a sua obra : Etudes et Leçons sur la Révolu-
tian française, iSgS.
(i) Segundo o que Aulard encontrou num outro manuscrito
dos Arquivos do Ministério da Guerra, francês, núcleo de Armée
des Pyrenées, trata-se da conquista das povoações de Prades e
Villefranche.
(2) Este tomo vii abre com um Avertissement, onde Aularo
dá várias informações sobre o Calendário Republicano, seu início,
nomenclatura, etc.
2l3
rOuest. A última peça é o extracto de dois re-
latos dos Representantes do povo : um em Le Lot,
e outro no exército dos Pireneus orientais.
O tomo IX, aparecido igualmente em 1895,
abre por uma acta do Comité de Salvação Pú-
blica, da sessão de 7 frimário do ano 11 — aos 27 de
Novembro de 1793 — contendo dez decretos com
várias providências económicas, financeiras, po-
líticas e administrativas, e termina com o extracto
de um Relatório do representante do povo, Pa-
ganel, em Le Lot, ao Comité de Salvação Pú-
blica, datado de Rieux (Alto Carona) no 1 1 ni-
vose do ano 11, ou seja 3i de Dezembro de 1793.
O tomo X, publicado em 1897, inicia-se com a
reprodução de dezaseis decretos aprovados na
sessão do Comité de Salvação Pública, de i de
Janeiro de 1794, e finaliza a pág. 790 com o ex-
traio de um Relatório do Representante do povo
na Corcega, Lacombe Saint-Michel, à Convenção
Nacional, de 8 de Fevereiro de 1 794.
O XI, aparecido também em 1897, começa pela
inserção de vinte e sete decretos aprovados na
sessão do Comité de Salvação Pública, de 2 1 plu-
viose do ano 11, isto é, de 9 de Fevereiro de 1794,
e termina com o resumo, acompanhado de algu-
mas transcrições, do Relatório do Representante
do povo no Ain, e Monte-Branco ào Comité de
Salvação Pública, datado de Chambery, 2> ven-
lose do ano 11 (i5 de Março de 1794) (i).
(t) Neste curioso Relatório o cidadão Albite responde com
214
o tomo XII, publicado em 1899, abre com a re-
produção de seis decretos aprovados no Comité
de Salvação Pública, sessão de 26 ventose do
ano II (16 de Março de 1894), e fecha, a pág. 795,
com o extracto de duas cartas do Representante
Ricord, no Var e nos Alpes Marítimos^ ao Comité
de Salvação Pública, datado de Nice em 3 floreai
do ano 11 (22 de Avril de 1794).
O tomo XIII, aparecido em 1900, começa com
a publicação, na integra, de trinta e cinco decretos
do Comité de Salvação Pública, aprovados na
sessão de 23 de Abril de 1794, e acaba, na pá-
gina 812, com um desenvolvido Relatório de So-
brany e Millaud, representantes do povo no exér-
cito dos Pireneus orientais, datado de Collioure,
no9prairial do ano 11 — ou 28 de Maio de 1794,
dando parte ao Comité de Salvação Pública das
vitórias obtidas pelos franceses sobre os espa-
nhóis com as conquistas dos redutos e postos de
Collioure, Saint-Elme, Port-Vendres, etc.
O tomo XIV, apareceu em 1901 e abre com a
publicação, na integra, de quatorze decretos do
Comité de Salvação PúbHca, aprovados na ses-
são do 10 prairial, ou 29 de Maio de 1794. Ter-
mina com a transcrição, in-extenso, do Relatório
desenvolvimento e veemência às acusações que lhe eram feitas de
perseguir, na sua circunscrição, os elementos católicos mais re-
presentativos, os frades, etc.
Albitte não concorda com a neutralidade do Estado em face
das religiões, mas com a laicização da sociedade, e invoca a sua
luta contra as superstições populares ; a sua obra em favor do
casamento dos padres, etc, etc.
2l5
de Saliceti, representante do povo no exército
de Itália, ao Comité de Salvação Pública, datado
de Port-de-la" Montagne, a 1 9 messidor do ano 11,
ou seja 7 de Julho de 1794 (i).
O volume xv, que saiu em 1903, começa com
uma acta da sessão do Comité de Salvação Pú-
blica, de 8 de Julho de 1794, contendo a repro-
dução de vinte e três decretos e a enumeração de
mais cinco, e acaba na pág. 8o5, com um Rela-
tório, na íntegra, de Jeanbon Sain-André, repre-
sentante do povo em Toulon, a Breard, membro
do Comité de Salvação Pública, datado dessa ci-
dade, no 22 thermidor ano 11, ou 9 de Agosto de
1794(2).
O tomo XVI contêm, e reproduz, extratos de pa-
péis desde 9 de Agosto de 1 794, a 2 1 de Setem-
bro seguinte (3).
O volume xvii, aparecido em 1906, inicia-se
por uma acta do Comité de Salvação Pública, da
cSeance du 5^ iour des sans-cuUotides an 11 —
(i) Port-de-la-Montagne era o nome revolucionário da cidade
de Toulon como Roclibre fora a crisma anti-monárquica de Ro-
croi.
O ofício de Saliceti, cujo original se encontra no Ministério da
Marinha de Paris, BB, 62, dá várias informações sobre as posições
da primeira e da segunda divisões no litoral, próximo de Toulon,
armamento e municiamento dessas tropas, e armamento dos na-
vios. Este 14.° volume tem 796 pág.
(2) Dá informações sobre as obras encetadas no porto de
Toulon para o melhorar, as providências para armar navios e fa-
zer guerra marítima no Mediterrâneo, etc.
(3) Na colecção desta obra existente na Biblioteca Nacional
de Lisboa não encontramos este tomo xvi.
2l6
21 setembre 1794», constando de cinco decretos,
na íntegra, e de mais quatro em simples re-
gisto.
O volume termina a pág. 83 1 por um ofício do
representante do povo, Foucher (do Cher), no
Dours, e Monte-Branco ao Comité de Salvação
Pública.
O tomo xviii, publicado em 1908, começa por
uma útil Advertência onde Aulard expõe as alte-
rações que infligiu ao seu trabalho, mercê do
estudo dia a dia dos documentos, como os lapsos
e a brevidade . que apresentavam os registos de
correspondência do Comité de Salvação Pública,
os novos núcleos descobertos, sendo uns dos
arquivos públicos, outros de depósitos particu-
lares, etc.
Depois de se referir aos extractos por êle feitos
dos documentos como as cartas dos representan-
tes do povo, diz que, indicando sempre a fonte
original; é sempre possível recorrer a esta para
conhecer o documento in-extenso.
Depois, declara que os seus resumos «n'ont été
inspirées par un esprit de parti on de these», e
acrescenta: «adversaires et amis de la Révolu-
tion trouveront dans ce recueil des éléments im-
partielement colligés».
Termina por justificar a razão porque se apres-
sou a ir publicando, antes de completo, o seu es-
tudo, e à medida que ia avançando com este, em
vista da importância e novidade do assunto, pois
estava-se «à une époque — diz êle — ou ces étu-
217
des ètaient à organiser sur une base scientifi-
que» (i).
A primeira peça consta da publicação, na ín-
tegra, de onze decretos e do registo de mais de
quarenta e um — todos do Comité de Salvação Pú-
blica, e parece que aprovados na sessão de 7 de
novembro de 1794 (2). O volume termina com a
publicação do Relatório do representante J. Fe-
raud, no exercito do Reno, ao Comité de Salva-
ção Pública, em 2 de Dezembro de 1794, dando
vários informes sobre a marcha das operações do
exército na sua ofensiva contra Mannheim e Mo-
guncia.
Otômoxix^ aparecido em 1909, abre com uma
acta do Comité de Salvação Pública do i .° nivose
do ano m, 21 de Dezembro de 1794, contendo
vários decretos na íntegra e em extracto, e termina
por um curioso relatório dos representantes do
povo em Toulbn e nos exércitos dos Alpes e de
Itália ao mesmo Comité, em 3 1 de Janeiro de
1795, informando este das intrigas que um capi-
tão chamado Jacquey, de 104.* meia brigada, fo-
mentava contra eles, pelo que foi preso.
O tomo XX, aparecido em 19 10, começa por
uma acta do Comité de Salvação Pública, de i
(i) Ó prefácio de Aulabd termina por uma lista cronológica
de decretos insertos no Suplemento ao Recueil — e que vão de
10 de Agosto de 1793 até ao fim de 1794, e da correspondência
dos representantes desde Outubro de 1792 até 14 de Dezembro
de 1794.
(2) AuLARD diz em nota que o registo não aponta, com esta
data, nenhum decreto.
2l8
de Fevereiro de 179 5, com vários decretos, e ter-
mina, a pág. 806, com um Relatório do represen-
tante Goupilleau, no exército dos Pireneus orien-
tais, informando o Comité de Salvação Pública,
em 1 1 de Março de 1795, sobre o estado do exér-
cito e fortalecimento deste, e quanto aos boatos
que corriam e às diligências feitas para a paz
franco-esp anhola .
O volume xxi, publicado em 1 9 1 1 , abre por
uma acta do Comité de Salvação Pública, de 1 2
de Março de 1795, contendo vários decretos —
uns na integra outros em registo, e fecha com
um ofício dos representantes do povo nas Bocas-
-do-Rodano, no Var, e na esquadra do Mediter-
râneo, à Convenção nacional, em 1 1 de Abril de
1770, sobre assuntos políticos, boatos de revolta
e de golpes de Estado, etc.
O tomo XXII dessa obra, ainda em publicação,
apareceu em 19 12. Começa por uma acta do
Comité de Salvação Pública, de 23 germinal do
ano III, ou 12 de Abril de 1795, com vários de-
cretos na íntegra e outros em extracto, e termina
por um ofício dos representantes junto dos exér-
citos dos Alpes e de Itália ao Comité de Salva-
ção Pública, em 9 de Maio de 1795, dando vá-
rias informações sobre as operações dos aludidos
exércitos (i).
(i) Foi este o último volume da série dos Recueils que encon-
tramos nesta colecção existente na nossa Biblioteca Nacional,
tendo este o n." 6419 azul da secção de História. A biblioteca
da Academia de Sciências já tem o xxv.
219
Como é de calcular, muito mais teríamos a di-
zer sobre esta Collection verdadeiramente monu-
mental, e que constitue um dos maiores títulos de
honra não só da historiografia francesa como,
até mesmo, da sciência mundial contemporânea.
' A reprodução das espécies manuscritas é feita
ali, quási sempre (i), de uma forma sábia e meti-
culosa, com todos os estudos prévios necessários
a uma restituição conscienciosa, rigorosa e fiel.
Os aparelhos de erudição e crítica seguidos
figuram admiravelmente expostos nas Introdu-
ções e Advertências que precedem cada grande es-
tudo.
Assim, as cartas do famoso Jean Chapelain,
membro da Academia Francesa, 1594 a 1674,
editadas em dois volumes na segunda série da
Collection tem, além de um excelente Advertisse-
ment, magníficas notas de história e bibliografia
do editor Ph.Tamizeyd.e LARROQtJE(2), e terminam,
(i) Já nos referimos a algumas críticas e observações feitas,
especialmente aos volumes primeiramente aparecidos. Mas, mesmo
esses constituem magníficos exemplos de trabalhos de erudição.
(2) Na Advertência Larroque faz a história das flutuações por
que passaram os papéis de Chapelain, especialmente as minutas
e registos da sua Correspondência, as Cartas que recebeu, etc,
desde a morte daquele, em 1674, nota as obras que se basearam so-
bre os papéis do erudito amigo de M.me de Rambouillet e da ilustre
SÉviGNÉ, como a Histoire de 1'Academie Française de Pelijsson,
as Mélanges de Littérateure de Denis-François Gamusat, etc,
220
depois da lista das Corrections et additions, por
uma Table chronologique des lettres de Chapeiam
contenues dans le manuscrit Samte-Beupe, de i632
a 1673, por outra Table alphabètique des mots qui
sont l^objet d' une note dans les lettres de Chape-
iam, e por uma última Table alphabètique des noms
de lieux et de personnes mentionnés, dans les lettres
de Chapeiam et dans les notes de l^éditeur.
Também, a Correspondência de Nicolau Cláu-
dio DE Fabri, senhor de Peiresc aos irmãos Dupuy,
que enche seis volumes, foi publicada por Ph. Ta-
MiZEY Larroque, scndo precedida de uma adver-
tência e acompanhada de magníficas notas (i).
até ao ilustre Sainte-Beuve — no seu Port-Royal e nas Causeries
du lundiy e ao bibliógrafo Rathery. Depois, fez um estudo da cole-
cção das cartas que Sainte-Beuve legou à Biblioteca Nacional de
Paris, e discreteia sobre a sua autenticidade.
Quanto às ideias, à forma, ao fundo, e ao valor histórico das
cartas de Chapelain, já E.-J.-B. Rathery disso havia tratado num
estudo do Bulletin du bibliophile, de i863, com o título de Docu-
ments relaíi/s à Jean Chapelain . . ., e volta a tratar no seu Rap'
port sur la publication de la correspondance de Chapelain, que o
erudito Tamizey de Larroque transcreveu em parte. Este, infor-
mando que a extensa correspondência de Chapelain preencheria
cinco grossos volumes impressos, diz que para encurtar tal pu-
blicação dividiu as cartas em três categorias : as cartas a repro-
duzir in-extensoy as a publicar em extracto, e aquelas que con-
veio deixar de imprimir.
Os dois volumes publicados na Colection contêm, somente, as
cartas do manuscrito de Sainte-Beuve.
(i) As cartas de Peiresc a Pedro Jacques Dupuy vão desde
1617 até 1637, sendo a primeira carta aos irmãos Dupuy de 9 de
Dezembro de 1617 e a última de 9 de Junho de 1637, atingindo
um total de 485, que estão na Biblioteca Nacional de Paris, ocu-
pando os volumes 716, 717 e 718 da Colecção Dupuy.
Na Advertência^ o editor Larroque diz não obstante as buscas
221
Da mesma forma, Etienne Gharavay ao publi-
car a Correspondance Générale de Carnot, em
quatro volumes, antccede-a de uma curta, mas
excelente, Advertência, e acompanha-a de magní-
ficas notas históricas e biográficas (i).
Quanto ao Rçcueil des monuments inédits de
tHistoire des Tiers-Etat, consta de quatro volu-
mes para a região do norte, e é obra do emi-
nente AuGUSTiN Thierry. Coutêm ela, além de um
Avant-Propos, onde é historiada a publicação do
Recueil desde as diligências feitas por ordem de
GuizoT, uma magnifica Introduction onde A.
Thierry faz a história do terceiro Estado, em
França, desde a queda da dominação romana e
das invasões do quarto e quinto séculos, com um
excelente estudo da vida social e política da popu-
lação mista galo-romana e barbaro-germânica —
dominadora, esta, nessa época, e sobre o terceiro
estado durante o feudalismo e a monarquia abso-
luta até ao século xvii, ficando a continuação da
Introduction com o estudo sobre o terceiro Estado
feitas não encontrou o grosso da correspondência dos irmSos
DuPUY, achando apenas algumas dessas cartas. Peiresc trata, na
sua Correspondência, da história antiga e da sua contemporânea,
arqueologia, bibliografia, história natural, trabalhos geográficos e
trabalhos filológicos, mostrando sempre a extrema curiosidade do
seu espírito e a sua enorme erudição.
(í) Na Advertência, Gharavay faz a história da publicação daS
Cartas de Carnot — já proposta por Albert-Duruy, e transcreve
o parecer favorável a tal impressão de Albet Sorel. Porem, a
doença e a morte de Duruv demoraram essa publicação que só
veiu a executar-se mais tarde, tendo o primeiro volume, com as
cartas de Agosto de 1792 a Março de 1793, aparecido em 189»,
222
no século XVIII e as suas relações com a realeza
e a nobreza para o segundo volume (i).
Além da Introdução ao primeiro volume, que
enche 272 páginas, figura uma pequena Adver-
tência expondo a economia e distribuição dos as-
suntos no tômOo Segue-se a primeira monogra-
fia que compreende a história municipal d'Amiens,
desde o descolamento do império romano e atra-
vés dos séculos XII, XIII e xiv (2). Vêem depois
diversos documentos em suplemento, sendo o pri-
meiro uma carta de Felipe-Augusto a Humbert
de Bourg «justicier d'Angleterre», em favor dos
comerciantes d'Amiens (3).
Antes de fechar o volume Thierry insere uma
excelente Notice des sources manuscrites de Fhis-'
toire d^Amiens — que é um estudo dos depósitos
onde estavam as peças utilizadas pelo ilustre co-
lector, tratando dos arquivos d'Amiens, da secção
de manuscritos da Biblioteca Nacional e dosAr-
(i) Efectivamente, o segundo volume, depois de um desenvol-
vido Prefácio de yS páginas sobre a história municipal da antiga
França, passa a inserir os documentos sobre a história municipal
de Amiens durante os séculos xv e xvi. O terceiro tomo contêm
os documentos de Amiens, dos séculos xvii e xviii, sendo quarto
destinado às peças sobre a história de Abbeville e as povoações
da baixa Picardia.
(2) A publicação, na íntegra dos documentos — que são 3o5,
fora os do Suplemento, que são i5 — é precedida de belos es-
tudos de carácter histórico, administrativo, económico e paleo-
gráfico acerca de cada peça, sempre com a indicação de cada.
arquivo onde Thierry os encontrou, e com as respectivas cotas
(3) Esse documento não está datado, mas entende Thierry
que ele deve ter sido escrito entre 1214 e 1223.
2 23
quivos Nacionais de Paris, e dos depósitos de
Londres — como os da Torre, de Guilt Hall e do
Museu Britânico (i).
Não nos consente a já, desmedida, extensão
deste trabalho continuar a estudar tomo a tomo,
analizar volume a volume, esta enorme e admirá-
vel Colecção dos Inéditos da História de França (2).
Porém, pelo que deixamos exposto já os nos-
sos leitores poderão formar uma ideia concreta
da importância da famosa Colecção, das normas
gerais seguidas na elaboração dos volumes, na
economia de cada um, etc, etc. (3).
Como mais adiante diremos — com a compe-
tente justificação — das numerosas colecções e
(i) Este primeiro volume, termina por três índices: uma Ta-
ble chronologique des charles, ordonnances, coutiimes, statuts, rè-
glements et autres actes contenus ou mentionnés dans ce volume ;
Table des dépôts d'Archives; uma Table analytique des matié-
res . . . ; e por um índice geral,
(2) Os nossos leitores que desejarem completar os seus co-
nhecimentos, percorrendo os múltiplos e grossos volumes deste mo-
numental corpo de publicações documentais, encontra-o num con-
junto bastante completo na Biblioteca Nacional, e na da Academia.
(3) Há ainda a notar a Collection de Documents inédits sur
Vhistoire economique de la Révolution française, publicada igual-
mente pelo Ministério de Instrução Pública de França. Nesta co-
lecção publicou o erudito professor da Sorbonrie Camille BloCM
os Cahiers de doléances des bailliage d'Orléans pour les États
généraux de i~8g, e Seb Charléty um grosso volume de xvni-732
páginas sobre os Documents relatifs à la vente des biens nationaux
no Departamento do Ródano. Ver Revue de Synthèse Historique^
tomo xni, pág. 367 a 372.
224
publicações documentais de que temos conheci-
mento foi esta a que mais nos influenciou, sendo
pois ela a que, de uma forma geral, procuramos
seguir — mas não imitar — pelos motivos de or-
dem scientífica e moral que yão expostos adeante,
no capítulo vii.
*
Se bem que a Collection de Documents Inédits
sur rHistoire de France, a cargo do Ministério
da Instrução, de Paris, seja a mais importante
das empresas do seu género de toda a França, e
das primeiras do mundo, manda a verdade que
se diga que ela não é única, mesmo nesse país.
Assim, há ali que considerar — mas com a de-
vida distância daquela Collection — como grandes
corpos de ou sobre publicações documentais, en-
tre muitas outras, os prometedores Archives de
Vhistoire religieuse de la France [i)\ a colecção
(i) Esta colecção dos Archives foi da iniciativa de Imbart de
LA TouR, e tem tido a dirigi-la os eruditos Ghatelain, Boulay
DE LA Meurthe, P. Fournier, Baudrillart e NoEL Valois.
Entre as obras de que se tem ocupado os Archives são de ci-
tar o Registre des procès-verbaux, da Faculdade de Teologia de
Paris, de i5o2 a i533, que foi recentemente estudado por Delisle,
tendo como editores os consagrados Ghatelain e Denifle ; uma
Consultation des èvêques de France sur la conduite^ à tenir à Vé-
gard des Reformes (1698) — obra baseada nos papéis dos arqui-
vos do Ministério da Guerra de Paris ; correspondência diplomática }
cartas do cardeal du Bellay — muito importantes para a história
da política religiosa de Francisco I, e para o estudo do humanismo.
Os Archives teem-se proposto publicar os manuscritos das nun-
ciaturas que estão nos arquivos do Vaticano, havendo sido encar-
regado de dirigir esse trabalho o erudito M. Madelain, antigo
jnenabro da Escola francesa em Roma.
•12b
Hauser das Soiirces de 1'Histoire de France au
XIV^ siècle; o Repertoire general des sources ma-
nuscrites de FHisfoire de Paris pendant la Revolu-
tion française{\)\ o Reciieil des instructions don-
nés aiix ambassadeurs et ministres de France depuis
les Traités deWestphalie jiisqii^à la-Revolution Fran-
çaise (2) ; o Reciieil historique des drchevêchés, évê-
chés, abbayes et prieurés de France^ dirigido por
Dom Beaunier; a colecção de Mélanges du moyen
âge — publicada pela Faculdade de Letras de Pa-
ris — em que teem colaborado A . Luchaire, Dupont
Ferrier, Poupardin, Halphen, Huckel, Beyssier,
CoRDEY, Jacquemin, Faral^ Aubert, Carru, etc. ;
o Recueil de la Société des textes — velha publica-
ção onde aparecem várias crónicas, entre as
quais a Historia Francorum de Gregório de Tours ;
a Collection des mémoires relatifs à Vhistoire de
France — onde Guizot publicou também cróni-
(i) Os tomos IV e V deste Repertoire, publicados por Tuetey
abrangem o período da Assembleia legislativa até aos dias de Se-
tembro e aos massacres dos prisioneiros de Orleans, sendo espe-
cialmente importante o iv tomo que trata da jornada de 10 de
Agosto.
A Société de 1'Histoire de Paris tem também publicado outras
obras como a Chronica Parisiense.^ do século xiv, editada por
Hei.lot.
(2) O Recueil des instructions a cargo da Comissão dos arqui-
vos diplomáticos do Ministério dos Estrangeiros francês, tem —
como se sabe — publicado já vinte volumes. O relativo às instru-
ções aos representantes da França em Portugal foi coligido pelo
visconde de Gaix de Saint-Aymour ; em Roma, conta três volumes
editados muito eruditamente por Gabriel Hanqtaux; a Espanha
compreende, também, três volumes tratados pelos espanófilos Mo*
RBL Fatio e Leonabdon, etc, etc,
i5
220
Cas, etc. (i); a antiga Collection de VHistoire des
Croisades, publiéepar VAcadémie des Inscriptions —
que tem continuado na colecção das Gestas Fran-
corum; o Chartularhim Universitatis Parisiensis,
editado por Denifle e E. Chatelain; a colecção
dos Estatutos e privilégios das Uniuersidad es fran-
cesas— reunida por M ARGEL Fournier; as publica-
ções da Société scolastique medieval; os estudos
feitos pela Société d'Histoire Moderne (2) ; o apa-
recimento recente de Les Archives de la France
monastique — destinados a continuar a obra dos
Beneditinos de S. Mauro, interrompida no tempo
da Revolução (3) ; a Société de VHistoire Contem-
poraine — que tem publicado o Diário de M.""^ de
Caienove d'Arlens, no tempo do Consulado, em
(i) São muito numerosas as obras que a Société de VHistoire
de France tem publicado com documentos dos séculos xiii, xiv,
etc, alem das reimpressões que tem feito. Entre as crónicas edi-
tadas por essa Société são de salientar as de Froissart, de Jean
Venette — que continuou a crónica de Guilherme de Nangés, a
Ciónica dos quatro primeiros Valois, a Crónica Normanda, as
Crónicas dos condes de Anjou, etc, etc.
(2) A Société d'Histoire moderne foi fundada, há dez anos,
pelos historiadores A. Mathiez e P. Muret, com E. Bourgeois na
presidência, e contou logo com a adesão de Monod^ Lanson, Hau-
SER, Andler, Aulard, H. Bebr, Chuquet, Debídours, E. Denis,
E. Lavisse, Leonardon, C. Bloch, etc
Acerca dos seus objectivos e desígnios, e dos seus trabalhos
vêr Revue de Synthése Historique, tomo iii, pág. io6; tomo x,
pág. 373; tomo XI, pág. 261, etc, etc.
(3) Também estes Archives teem em vista publicar a história
das ordens religiosas, ocupando-se principalmente das várias con-
gregações dos Beneditinos negros. Tem publicado uma revista
trimestral — Revue Mabillon — com vários estudos, crónicas, bi-
bliografia, etc.
227
1 8o3 ; as Memoires de Langeron, general dHnfan-
terie dans l'armée russe, etc.
Temo-nos referido várias vezes às publicações
docuQientais a cargo das grandes instituições e
corporações scientificas francesas como os Mi-
nistérios de Instrução e dos Estrangeiros, a Aca-
demia das Inscrições, a Universidade de Paris,
as Sociedades de História de França e de Paris,
etc. ; mas devemos notar que a França tem visto
— mais, proporcionadamente^ que qualquer outro
país, sem excluir a Alemanha — brotar por todos
os seus departamentos muitos e variadas corpo-
rações scientificas, especialmente destinadas aos
estudos de geografia, história, arqueologia, no-
mismática e heráldica locais, umas pela acção e
protecção do Estado, mas muitas outras devido
à iniciativa e ao esforço particulares.
Alguns desses focos de saber teem levado uma
vida hesitante, desigual, e por vezes, difícil ; ou-
tros teem atravessado uma existência já longa e
sempre operosa e produtiva, mas todos na me-
dida das suas forças, dos seus recursos, das suas
possibilidades, teem prestado à sciência e à
França grandes benefícios^ não só pelo rendi-
mento scientífico que teem apresentado, como
ainda pelo salutar exemplo que a sua existência
constitue.
Entre tantas outras corporações scientificas
228
provinciais são de notar em França as seguintes:
Sociedade das Siências, Belas-Letras e Artes, de
Toulon, com o seu Boletim ; a Sociedade Aca-
démica de Nantes e do departamento de Loire,
inferior, com os seus Anais; a Sociedade dos
antiquários do Oeste, com os seus boletins tri-
mestrais ; a Sociedade arqueológica^ histórica e
scientiíica, de Soissons, com o seu boletim ; a
Academia du Gard, com os seus proces-verhaux
muito importantes pelos trabalhos sobre arqueo-
logia; a Société archéologiqiie de Toiíraine, em
cujas Memórias teem sido publicados muitos do-
cumentos, entre outros, o cartulário de Cormery;
a Société d^Archeologie et d'Histoire de la Moselle
— com as suas Memórias e o seu Boletim (i).
O esforçado M. Pierre Caron, director da Re-
vue d'Histoire moderne, numa comunicação feita
há alguns anos á Société d'Histoire moderne, onde
estuda as Sociedades sábias distribuídas pelos de-
partamentos franceses, diz que as da região do
Norte (Pas-de-Calais, Somme e Norte) são vinte,
algumas das quais muito florescentes, como a
Sociedade de Bolonha e a dos Antiquários da Pi-
cardia — que teem publicado importantes tra-
balhos.
Na região de Paris há assinalar as de Versail-
les e de Pontoise. O Oise dispõe de quatro, e a
Normandia tem dois importantes centros de tra-
balho : Caen e Rouen (2). A Bretanha conta
(i) Vêr Revue des Sociéiés savantes, i863, pág. 119 3128.
(3) Caen possue: os Antiquários da Normandia, e uma Aca«
229
dezassete Sociedades, publicando, nove Revis-
tas locais, e tendo estudado muito as lutas da
Vendéa.
No centro há a destacar Poitier — que tem go-
sado uma intensa vida scientifica, Tours e Or-
leans. Na Borgonha são de lembrar as quatro
Sociedades de Dijon — com uma revista de histó-
ria local; e no Auvergne, das oito Sociedades deve
distinguir-se a de Lozère — que tem publicado
trabalhos importantes.
No Siid-oeste e no Sul há bastantes Socie-
dades, sendo as mais florescentes as de Saintes
e Bordéus ; e na região Cevenense devem citar-se
as de Dordonha, Tarn, e Lot. Toulouse está
bastante progressiva, e o mesmo, quási, se pode
dizer de Montpellier.
Mas, é no Este que as Sociedades trabalham
mais, pois das vinte e nove que ali existem, doze
teem publicado bons trabalhos. Só Nancy conta
cinco Sociedades, uma cadeira de história local,
a aqui citada Revista Annales de fEst, sendo a ci-
dade universitária que melhores serviços presta
nas investigações e publicações de história local.
Finalmente, no Siid-Este, há a pôr cm foco a
actividade da Sabóia que só à sua parte conta
seis Sociedades sábias.
Como se vê, são muito numerosas tais corpo-
demia, ocupando-se ambas muito de arqueologia ; em Roucn a So-
ciedade histórica da Normandia tem publicado bastantes trabalhos
de história local.
23o
rações, deveiido-lhes a França a publicação de
numerosas colecções documentais, monografias
e biografias históricas, estudos de arqueologia
local, etc, etc. (i).
Periodicamente, realizam essas Sociedades os
seus congressos que sempre se tornam proveito-
sos para a sciência, e constituem importantes pa-
radas scientíficas, e, por isso, excelentes e conve-
nientes manifestações da vitalidade mental fran-
cesa.
Agora mesmo ao darmos a última redacção a
este trabalho — Abril e Maio de 1921 — está-se
realizando em Paris um desses congressos — o
54.° — das Sociétés savantes de Paris e dos depar-
tamentos.
Aí, na secção de filologia e história M. Brunel
tem falado dos mais antigos diplomas franceses ;
o cónego M^UNiER ocupou-se da significação de
um certo número de palavras do patois do Mor-
van ; M. Boudois apresentou documentos inéditos
provenientes do arquivo de Richelieu acerca da
questão de Val-de-Grace (16 37) — em que andou
envolvida a rainha Ana de Áustria; M. René
Fage ocupou-se de um episódio da Fronda no
Perigord, e M. Meininger das companhias mu-
Ihousianas ao serviço da França nos séculos xvi
e XVII.
(i) Yêr Revue d'Histoire Modenie, 1901 e igo2\ Revite de Syn-
thésc Historique, tomo t, pág. 336 a 338, tomo iv, pág, 105 a 111,
etc, etc.
23l
Na secção de arqueologia, M. Espérandieu fez
comunicações sobre os mosaicos recentemente
descobertos em Nimes ; M. Marcel Aubert sobre
a igreja de Saint-Loup (Loire-et-Cher); M. Lucien
Braye, sobre o mausoléu do coração de René de
Çhalon, príncipe de Orange, na igreja de Santo
Estêvão, em Bar-le-Duc; de M. A. Leve, sobre o
castelo de Guilherme-o-Conquistador, em Bon-
neville-sôbre-Tougues (Calvados); do abade Piat
sobre as escavações feitas na igreja da Trindade,
em Vendôme; e de M. Léon Contil, acerca das
escavações efectuadas na'igreja de Notre-Dame,
em Rugles (Eure), etc.
Na secção de história moderna e contempo-
rânea, M. Destainville ocupou-se de um jornal
Les Nouvelles de Paris, que se publicou no Aube
de 1787 a 1814; M. Léon Bideau, fez uma comu-
nicação sobre os registos das deliberações da co-
muna de Rive-de-Gier (Loire), de 1787 a 1794;
M. Labrone ocupou-se dos últimos dias do mare-
chal Ney, segundo a descrição de um seu guarda;
M. L. HoNORÉ da emigração no Var (1789 a
1825); M. Heunet de Gonlel de uma seita nor-
manda no tempo do Consulado, chamada os ron-
delistas, etc.
Na secção de história da geografia, M. An-
THIAU1ME ocupou-se da evolução da sciência náu-
tica; M. P. BoissoNADE, da marinha mercante da
Rochella no tempo de Colbert ; de M. Ch. de La
RoNCiÈRE, sobre a expedição do barão de Poin-
ties em Cartagena (1697); de M. Henri Dehérain,
/
232
sobre a ocupação das ilhas Jónicas pelos franceses
do primeiro Império ; de M. Henri Ferrand sobre
o vale de Ghamonix na cartografia antiga; de
M. HiRSCHAUER^ sobre os planos de Versailes ; de
M. Lalance sobre a etimologia de certos nomes
de lugares no pais messino, etc. (i).
Nas secções de sciências económicas, e nas
sub-secções de mineralogia e geologia, de botâ-
nica, e de zoologia, etc, teem sido versados pontos
importantes interessando todos muito a França,
pois é necessário notar que tais Sociedades e tais
congressos são especial, e mesmo unicamente,
destinados a versar assuntos nacionais, isto é,
sobre a geografia, a história, etc, da França (2).
É assim, por um esforço de todos os dias, de
todos os momentos, que os povos, as nações,
progridem na paz e se preparam para vencer na
guerra.
(1) Acerca do 54.» Congresso das Sociétés savantes, ver o jor-
nal francês Le Temps de 3i de Março e de 2 de Abril de 1921.
(2) Quem quiser conhecer como tem sido acriva a vida destas
corporações scientíficas provinciais percorra os volumes publi-
cados com o título : Bibliographie des travaux historiqiies et ar-
chéologiqiies publiés par les Sociétés savantes de France. Só o
tomo IV, obra de Robert de Lasteyuie e Alexandre Vidier, consta
de XXIV -\- 726 páginas.
Compreende essa obra o quadro completo da vida scientífica
francesa desde o Instituto às mais pequenas sociedades dos de-
partamentos durante o século xix, para o que é completada tal
Bibliographie com um Suplément abrangendo os trabalhos publi-
cados de i885 a 1900, e formando o tomo v. Ver: Reviie de Syn-
thèse Historique, tomo xii, pág. 216 a 218, etc.
2:^3
E como se tudo o que deixamos exposto não
fosse mais que suficiente para comprovar a enorme
actividade da França no campo das sciências
históricas, há ainda a notar as numerosas pu-
blicações periódicas que ali teem, recentemente,
publicado, analizado ou criticado documentos.
Entre elas são de destacar, um pouco ao acaso,
as seguintes : a Bibliothèqiie deTÉcole des Chartes,
tratando, principalmente, das Idades Média e
Moderna, e onde teem aparecido numerosos car-
tulários, correspondências^ estudos de pergami-
nhos, de sigilografia, paleografia, arquivologia,
inventários e índices de manuscritos^ etc; a Re-
vue des études anciennes, para a antiguidade orien-
tal, antiguidade clássica, idade média, contendo
bons estudos de arqueologia de de W. Déonna,
e trabalhos sobre o período galo-romano de Ca-
MiLLE JuLLiAN, artigos de Perdrizet, G. Dottin,
A. Le Sarrau, Holbauy ; a Reviie des études his-
tonques, onde figuram excelentes artigos de Ch.
DE La Roncière, J. Mathorez, A. Ghuquet, R.
Lavollée, Amadeu Britsch, Ch. Prieur, J. Cart,
F. AuBERT, L. Misermont, M. Boutry, a. Cochin,
etc; a Revue Mabillon — com estudos a respeito
da ordem de Cluny; os Annales rémlutionaires^
com estudos de Albert Mathiez, G. Hardy, Fr.
Vermale — sobre Danton, Robspierre, e a crítica
do ponto de vista de Aulard, Lessueur, R. Lévy,
234
A. Feugere, Eug. Corgne, H. Buffenoir, Aug.
QuESNOT, Letaconnoux; o Bulletin d'histoire éco-
nomique de la Révoliition ; a revista La Révo-
liition Française, com excelentes artigos de Ca-
MiLLE Bloch, Aulard, P. Gáffarel, Rouff, a.
LoDS, R. AucHEL, RoussELOT, Onou, Lelieure,
A. Tuetey, Ph. Sagnae, F. Bouvier, G. Caudril-
LiER, etc, e vários documentos, extractos, re-
gistos, índices, monografias, etc. ; a Revue de
Synthèse historique — que tem publicado excelen-
tes artigos do seu director H. Berr, Xénopol,
Paul Lacombe, K. Lamprecht, e outros,, sobre a
teoria e metódica históricas, artigos de geografia
histórica francesa, monografias de natureza eco-
nómica e social, estudos bibliográficos, etc; a
Anjoii historique, publicando muitos estudos polí-
ticos, religiosos sobre Angers, sobre o comércio
e a indústria de Anjou em 1779, sobre os refle-
xos da Revolução nessa província, etc. ; a Re-
vue de V Anjou; a Repue de rAgenais; os Annales
de Bretagne, com sérios estudos de AIaurice Ber-
NARD, G. DoTHiN, R. DuRAND, sôbre arqueologia,
história, literatura e folk-lore locais; a Revue de
Gascogne; os Annales de la Société des lettres,
Sciences et arts des Alpes- Mar itimes ; a Revue de
Saintonge et d'Aunis; as Mémoires de la Société
d^émulation de Cambrai; a Revue de VHistoirede
Versailles et de Seine-et-Oise; os conhecidos An-
nales dii Midi, com artigos de A. Jeanroy sôbre
os Troveiros (trovadores) em Espanha dos sécu-
los XI ao XIV, e sôbre os trovadores de Itália ;
235
Ant. Thomas sobre e com as cartas de Carlos VI e
Carlos VII à Universidade de Toulouse, etc. (i); o
Bulletin trimestriel de la Société archéologique de
Tonraine, com artigos de Ch. de Beaumont, sobre
arqueologia e numismática ; de De Clérambault
sobre arqueologia religiosa e história eclesiástica;
E. Lainé ; Louis de Grandmaison, etc, ; as Mémoirs
de rAcadémie de Vaiicluse; as Mémoires de la So-
ciété éduenne; e o importante Recueil de la Com-
mission des arts et monuments historiques de la
Charente-Inférieiíre.
Também, devem ser citadas como muito im-
portantes publicações periódicas de natureza his-
tórica : a Reviie des études napoléoniènnes, com
estudos de Jean Monval, A. Froidenaux, G. Bour-
GiN, Ed. Chapuisat, Ed. Driault, C. Woensky, H.
RoLLiN, C."'' A. Grouard, J. Kuhn, Jorga, etc. ; a
Revue historique de la Révolution française, con-
tendo artigos de P. Heckmann, Rean Régné, J.-P.
Piegué, Ch. Vellay, G. Vautier, P.-M. Favret,
O. Karmin — sobre as finanças russas em 1812,
G. Vauthier — que publicou um inventário das
pratas de Maria Antonieta feito em 24 de Junho
(i) Os Annales de Midi são dependentes das Universidades de
Bordeaux, Toulouse e Montpellier. As Universidades francesas
publicam ainda outras Revistas. A Revue Germanique tem apa-
recido sob os auspícios das Universidades de Lille, Lyon e Nancy;
os Annales de VEst foram publicados pela Faculdade de Letras de
Nancy, havendo-se transformado depois nos Annales de VEst et
du Nord sob a égide das Faculdades de Letras de Nancy e Lille.
A Universidade da Grenoble publica também os seus Annales,
cuja colecção já vai — que nós saibamos — no xxxi tomo, etc.
236
de 1791, etc. ; a Reviie archéologique; La corres-
pondance historique et archéologique — com ma-
gníficos estudos de Jos. Cuvelier, H. Omont, A.
MoLiNiER, etc. ; Mélanges d^Archéologie et d^his-
toire; o famoso Polybiblion; Le Bibliographe mo-
derne; a Revue des Bibliothèques ; Retme archéo-
logique; o Journal des Sapants, com artigos de
H. CoRDiER, Lantier, P. Boissonnade, H. Dehérain,
J.-A. Brutails — sobre a Idade Média francesa,
Henry Lemonnier sobre os castelos de Saint-Ger-
main-en-Laye, Ch.V. Langlois, Fabia — sobre mo-
saicos romanos de Lyon ; a Revue celtique, com
artigos de d'Arbois de Jubaiville, Seymour de
Rieci, etc; La Répolution de 1848; a Revue cri-
tique d^histoire et de littérature, onde se pode vêr
o grande movimento de publicidade de documen-
tos inéditos ; o Bulletin de littérature ecclesiasti-
que; a importante revista Le Correspondant —
cheia de artigos de história uns magníficos, ou-
tros menos bons, mas todos interessantes ; Anates
des Sciences Politiques — com artigos de J. P.
Hahn, a. Viallate, Courant, J. Imbart de la
Tour, P. Pegard; a Reue Bleue; La Grande Re-
vue, a Revue de Vhistoire des religions, que com-
preende muitos e valiosos estudos de arqueolo-
gia, história, folk-lorica, etnologia, etc, como os
de G. HuET acerca da autenticidade e valor da
tradição popular, o de Deonna — sobre arqueo-
logia religioí-a, de Van Gennep — sobre hagiogra-
fia; o Bulletin critique; a Revue de Geographie,
com estudos históricos de Pierre Dornin, René
237
Henry; a Revue d'histoire diploniatique; Le Moyen
Age; o Bulletin de Correspondance hellenique; a
Revue des Étiides grecques; VAmi des Monuments
et des Arts; FeuUles d'histoire du XVII au XIX'
siècle; o boletim histórico e filológico do Comité
des travaux historiques et scientifiques ; etc.
Igualmente, são de destacar a Revue du sei-
lième siècle — isto é, a antiga Revue des Etudes ra-
belaisiennes — onde figuram magníficos estudos
de Abel Lefranc, sobre Rabelais, Jean Plattard,
H. Hausser, Lucien Romier, Armand Garnier —
com um admirável estudo em três artigos sobre
a conduta da rainha de Navarra — a rainha Mar-
got — na corte de França em i583, P. Villey —
sobre Montaigne, Paul Bondois — sobre as chan-
celarias presidiais no século xvi. L. Romier — que
publicou um magnífico artigo sobre a Saint-Bar-
thélemy (aí estuda êle os acontecimentos de Ro-
ma e a premeditação do massacre, fala da atitude
de Gregório XIII e da sua intimidade com o cardeal
da Lorena desde a chegada deste a Roma em Ju-
nho de 1572, e do crédito que êle deu sem hesi-
tação às primeiras notícias do massacre e da sua
pressa em ordenar missas e júbilos — o que deixa
supor que êle conhecia o projecto dos Guise).
Contêm ainda essa revista do século xvi, além
de muitos outros, excelentes artigos de H. Hau-
SER, Art. Tilley, Jean Baffier, Marcel Godet,
Croll, L. Sainéan — com um belo estudo sobre
a história natural na obra de Rabelais, etc,
etc. ; a Revue des questions historiques, com estu-
238
dos de história económica de Boislisle, de A. de
Ganniers — sobre Napoleão, de Delelaye — so-
bre hagiografia, L. Mirot — sobre a Idade Média
francesa, de Saint-Yves e Chavanon — sobre a
história colonial na segunda metade do século
XVII, A. de Maricourt — sobre a princesa Maria
Teresa, filha de Luís XVI, e a sua estada em Viena
de 1796 a 1799, etc, etc. ; a Revue historique de
Bordeaux, com artigos dos eruditos Paul Cour-
teault — sobre a entrada de Francisco I em Bor-
déus, em 1626, Alfred Leroux, J. Woevre, G.
Martin, Michel Lhéritier — sobre a Revolução
em Bordeos de 1789 a 1791, Labadie, acerca dos
almanaques burdeleses do século xvi ao xix, o ilus-
tre Prof. G. Girot — bem conhecido entre nós —
com importantes estudos sobre os judeos de Bor-
deos, de 1 55o à Revolução; La Revue savoisienne;
o Bulletin Hispanique; a Revue d'histoire de Lyon;
a Revue de Gascogne; a Revue africaine; o Bulle-
tin italien; Revue des Pyrenées, de Toulouse; a
Revue d^histoire, rédigée à VÉtat-Major de Varmée;
a Revue Historique, que além de magníficos arti-
gos originais, críticas e boletins de G. Monod e
muitos extractos de obras, tem publicado bastan-
tes documentos, como ainda recentemente as Acta
Tumultum Gallicorum; as Memórias de Oelsner,
relatos inéditos sôbre a Revolução, etc. ; o Bul-
letin de la Société de rhistoire du protestantisme
/rançais, com bons artigos de N. Weiss, J. Ro-
man; a famosa Revue de Paris — que tem publi-
cado muitos e variados documentos de toda a
239
natureza ; os Étiides — Revista fundada pelos
padres da Companhia de Jesus, e que tem pu-
blicado importantes artigos de Adhémar d'Alès,
de SuAU, Henri Fouqueay, Luciano Roure — so-
bre os monges do Egito do quarto século, Paul
Bernard sobre Vitória Letellier que fundou a con-
gregação das Agostinhas do Sagrado Coração de
Maria^ 1778 a 1794. E^ finalmente, abordare-
mos a velha e importante Revue des Deux-Mon-
des, que tem publicado magníficos estudos do-
cumentais de FusTEL DE Coulanges — sobre a
Idade Média; Saint-René Taillandier, Mignet,
Ch. Giraud ; L. de Carnet — sôbre a história da
Bretanha, Henrique IV, Luís XIV, a monarquia
de Luís XV, a burguesia e a Revolução; J. de
Saint-Amond — sôbre M,™" Tallien, Lamballe,
Charlote Corday, etc; Charles Aubertin — sôbre
a burguesia de Paris no século xviii; numerosos
artigos de Loménie — sôbre Beaumarchais, a sua
vida, seus escritos e o seu tempo ; A. Geffroy —
com estudos sôbre o marechal de Beauvau, Ma-
ria Antonieta; Sainte-Beuve acerca de M.'"^ Ro-
land, La Fayette, a condessa Merlin; Villemain
— sôbre o primeiro Império; G. Boissier — sôbre
Froissart, o presidente de Brosses ; Ernest Dau-
det — sôbre história contemporânea ; os duques
Alberto e Vítor de Broglie — sôbre história diplo-
mática do século xviii; Albert Sorel — acerca de
Dumouriez, história da Prússia, o cavaleiro da
Gentz, etc. ; F. Brunetière; A. Mezifres; Maxime
Du Camp — sôbre a Comuna; Albert Duruy, sô-
24Ò
bre o general Malet, o brigadeiro Mustar, da
Revolução ; Ch. de Mazade — sobre a Restaura-
ção, Luís XV, M.'"^ de Pompadour, Berryer, a
obra de Thiers; A. Bardoux; Ch. de Bemusat;
Alf. Rambaud — sobre história da Rússia ; E.
Latisse — sobre história da Alemanha; J. Clave
— sôbre a correspondência de Kléber ; Vítor du
Bled — sôbre as Memórias e a correspondência
do príncipe de Ligne ; Gabriel Hanotaux —
acerca de Richelieu; Emile Ollivier e René Pibon
— sôbre história contemporânea; Albert Vandal ;
G. Valbert — sôbre Alberoni, o congresso de
Munster, Frederico II, a Revolução, etc. ; Arnede
Barine; Ch. Benoist; C.'''^ d'Haussonville ; H.
Houssaye, Louis Madelin, ec, etc. (i).
O estado progressivo, verdadeiramente scien-
tiíico, que teem apresentado ultimamente em
França as sciências históricas — e a que elas de-
vem em grande parte a sua admirável vitória na
grande guerra, começou — pode dizer-se — perto
de 1870.
Se bem que não se possa, nem se deva, fixar a
data precisa de tal renascimento no dia seguinte
(i) Apezar de haver ficado extensa a lista das Revistas e de-
mais publicações periódicas francesas de história, não temos a
menor dúvida em afirmar que a enumeração fica muito incom-
pleta, se bem que nos pareça já suficiente para dar uma ideia do
movimento intenso e constante da historiografia francesa.
^4'
da guerra desastrosa de 1870 e 1871, não há
dúvida que as tristes consequências dessa luta
para a França constituiram um importante factor
para o progresso dos estudos históricos nesse
país.
Contudo, é essencial notar que já antes dessa
guerra a França via bem o estado de atraso em
que se encontravam as suas sciências de erudição
em relação á sua competidora — a Alemanha.
Foi essa consciência de inferioridade scientí-
íica e moral que levou Vítor Duruy a propor a
criação da Escola de Altos Estudos, como foi
essa mesma consciência que levou os eruditos
franceses à fundação, em 1866, da Remie criti-
que — que tão notáveis serviços tem prestado aos
estudos histórico-íilológicos franceses, à criação
da importante Romania, da Revue Historique,
etc, étc. (i).
Vencida a França em 1870 a 1871, brotou
unânime no espírito dos sábios franceses que a
vitória completa e decisiva da Alemanha era,
acima de tudo, o triunfo da sciência alemã, dos
seus métodos objectivos, dos seus profundos es-
tudos de detalhe. Por isso, quando, em 1876,
apareceu a Remie Historique, logo da Introdução
(i) Acerca da criação da Escola de Altos Estudos de Paris,
consultar: L Administration de 1'Instriiclion publique, de i853 a
1870; a colecção das Circulaires et instructions officielles relatives
à Vinstruction publique, do ministério Duruy; Paul Frederico,
L'Enseignement supérieur de l'Histoire, 1899, pág. 73 a 94.
16
242
escreve Monod, falando da nova orientação da
.historiografia francesa :
«On a compris le danger des généralisations
prématurées, des vastes systèmes à priori qui ont
la prétention de tout embrasser de le tout expli-
quer». E acrescenta: «On a senti que rtiistoire
doit être Fobjet d'une investigation lent et métho-
dique ou Fon avance graduellement du particu-
lier au general, du détail à Tensemble; ou Ton
éclaircisse successivement tous les points obscurs
afin d'avoir des tableaux complets et de pouvoir
établir sur des groupes de faits bien constates des
idées générales susceptibles de preuve et de véri-
fication».
Que a França inteira — desde os seus governos,
das suas Academias, das suas Universidades e
das suas Bibliotecas até aos eruditos e cultores
particulares da sciência — tem compreendido a
causa funda e intima dessa derrota e teem pro-
curado remediá-la — e a teem remediado — vê-se
bem pelo que deixamos exposto — só no ramo
das sciências históricas (i).
(i) Pois apesar de todos os progressos que temos vindo a re-
gistar em Franca, quanto às sciências históricas, ainda ali apare-
cem críticos exigentes. Pertence a esse número o erudito inves-
tigador de história local Maubice Lumoulin que numa monografia
publicada em 1899, com o título : Du groupemeui des Sociétés
savantes eti viie de travaiix comniuns, se queixava que o Estado
francês tem empreendido uma multidão de cousas sem acabar
nenhuma, que a Colecção dos Documentos Inéditos fica por acabar
por falta de créditos, outro tanto sucedendo aos Repertórios ar-
243
Apesar da relativa extensão dada aqui às pu-
blicações documentais e a outras obras históri-
cgís aparecidas em França, este estudo fica muito
incompleto em relação ao grande movimento
scientifico que ultimamente se tem notado nesse
país.
7.° — A historiografia contemporânea
em outros países
Mas não são apenas as grandes nações da Eu-
ropa, acima especializadas, que teem feito avan-
çar as sciências históricas, se bem que algumas
queológicos, ao Dicionário arqueológico da língua céltica, ao In-
ventário das riquesas artísticas^ etc.
Também o Instituto, pela mesma falta de verbas, só de longe
em longe publica algum volume de História Literária da França,
ou dos Recueils des Ordonnances des Róis de France.
E se as verbas não são suficientes para as instituições oficiais
de Paris ainda menos chegam para as provinciais, para as de Fo-
rez e de Roannais, onde o autor trabalha. Outras críticas dirige
M. DuMOuuN — aliás com a grande autoridade que lhe dão os seus
conhecimentos e os trabalhos que tem publicado.
Também^ uma ou outra vez teem surgido campanhas muito
mais políticas — reacionárias — que scientíficas contra os histo-
riadores e a métodos historiográficos da Sorbonne. Porem, tais dia-
tribes só teem resultado uma mais concludente prova da hones-
tidade e competência dos historiadores alvejados e da solidez dos
métodos de investigação e crítica seguidas no alto ensino francês.
Todas as campanhas dos polemistas como Charles Peguy,
PiERRE Lasserre, Charles Maurras, e actualmente René Benja-
min— no Echo de Parts, acerca de La Farce de la Sorbonne —
teem-se desfeito por si ante a indiferença das elites e da grande
massa culta da nação que sabe bem o que deve aos Seignobos,
Lavisse, Rambaud, Aulard, Ckoiset, etc.
delas — como a Inglaterra (i), a Itália (2), e a Es-
(i) Um dos aspectos do atraso da historiografia em Inglaterra
reside no carácter arcaico do ensino superior da história. As
suas Universidades, muito mais próprias para formar gentlemen
que para preparar sábios, não teem visto sair dos seus quadros
quer docentes quer discentes as grandes gerações de historiado-
res. Outro tanto não se dá com os helenistas e filólogos que a
Inglaterra tem produzido bons, como os Muller, Bentley, Por-
soN, etc.
Para obviar ao atrazo em tais estudos foi há tempos criada
ali uma School of advanced historical Siudies, tendo em vista,
não só uma instrução técnica aos arquivistas, como iniciar os
estudiosos das sciências históricas nos métodos de investigação
e de crítica, e preparar professores com uma forte cultura scien-
tífica em história.
Assim, segundo o plano e programa expostos pelo erudito A.-V.
Ward, presidente da Royal Historical Society^ essa escola, é mais
ou menos similar à École des Chartes e à École des Hautes Étu-
des, de Paris, e o seu ensino consta de paleografia, diplomática,
bibliografia geral, epigrafia, numismática, arqueologia, etc.
(2) O distinto historiógrafo e teórico da história Benedetto
Croce ao começar um estudo sobre a historiografia contemporâ-
nea na Itália, escreve, com verdade: «A partir de 1860 a Itália
tem-se dedicado com muito fervor à erudição história; de todos
os lados, se tem visto surgir Sociedades e Congressos de história
local; eminentes professores das Universidades teem-se esforçado
em levar os seus discípulos ao estudo minucioso dos arquivos e
à prática da crítica dos textos».
E, se quanto à teoria da história professores e alunos a teem
olhado, ali, senão com indiferença pelo menos com desconfiança,
mesmo nesse campo, depois de Augusto Vera, e, especialmente
a partir do anti-hegeliano António Labriola e de Villari, com
B. Groce, os trabalhos dos professores R. Mariano, G. Trivero,
P. R. Trojano, G. Salvenini, Giovanni Gentile, e outros, a Itália
possue hoje uma das ricas literaturas sobre a teoria, filosofia e
metódica da História. Ver : Prof. G. M. Columba, da Universi-
dade de Palermo, Histoire et mèíhode historique; B. Croce, EtU'
des rèlatives à la théorie de 1'liistoire eii Italie, in Reviie de Syn^
thèse Historique f tômo v, pá ■. 257 a 269.
245
panha(i) — só recentemente tenham, com muita
intensidade, progredido em tais estudos (2).
Também os pequenos Estados, longe de fica-
rem indiferentes a tais progressos, se teem esfor-
çado por os acompanhar, sendo imensamente di-
gnos de nota a solicitude e zelo — quási a ância
— com que os governos, as corporações scientí-
íicas, as instituições administrativas, os particu-
lares desses pequenos países, todos, numa compita
e numa emulação de sagrado amor da sciência e
das suas pátrias, teem contribuido — uns com
subvenções, outros com o esforço pessoal e co-
lectivo— para tais progressos.
(ij Acerca do progresso das sciências históricas cm Espanha
já falamos, e numa obra que trazemos no prelo sobre tal assunto
desenvolveremos o que deixamos dito. Ver : H. Léonardon, Es-
pagne^ Epoque Moderne, in Reviie de Synthèse Historique^ tomo v,
pág. 297 a 333.
(2) A falta de espaço não nos consente que tratemos da his-
toriografia nos Estados Unidos da América do Norte e no Brasil.
Entretanto, sempre diremos que na América do Norte os es-
tudos históricos estão florescentíssimos, bastando para tal se con-
cluir, ter em vista que só a American Historical Association tem
uma média de 1.900 sócios, realizando anualmente os seus con-
gressos, e pviblicando a famosa American Historical Review.
Por essa Sociedade e pelos seus Congressos tem passado o
que os Estados Unidos contam de mais notável nas sciências his-
tóricas como Henry-Charles Lea — o conhecido autor da His-
tória da Inquisição n.j Idade Média, o dr. James Suli.ivan, Fran-
klin Jamesson, W. Mac Donald — professor da Universidade de
Brown, J. M. Callaiian, James Woodbfjrn, Earle W. Dow, John
M. ViNCENT, James Breck Perkins, Henry E. Bourn, etc.
Muito numerosos são os documentos que tanto essa Sociedade
como outras de história, e as Universidades teem publicado sobre
a guerra da Secessão, o período da dominação inglesa, as rela-
ções diplomáticas com os vários Estados da Europa, etc, etc.
246
É esse espectáculo tocante e encantador que
nós vamos patentear, muito sucintamente, para
justa glorificação dos que assim teem agido, e
para estimulo e exemplo dos que pouco ou nada
teem feito.
a) Roménia
A Roménia tem visto progredir, na segunda
metade do século xix, os estudos históricos no
seu pais, graças à impulsão que já antes lhes havia
dado Miguel Cogalnicann — que, em 1887, pu-
blicou uma Historia da Dacia. Esse movimento
de nacionalização da história romena — que até
ali era, principalmente, estudada e escrita pelos
alemães da Transilvânia — foi tomado, mais
tarde, pelos historiadores Iorga, Gregório To-
ciLEsco — que fez importantes trabalhos de ar-
queologia, e A. -D. Xénopol — que tem publicado
importantes trabalhos sobre os romenos no tempo
de Trajano, duante a Idade Média, e muitos ou-
tros sobre a teoria e a metódica da História (i).
No que respeita às publicações periódicas, se
é certo que a Roménia até há tempos não as
tinha que especialmente se consagrassem à histó-
ria, não há dúvida que as Revistas Literárias se
teem ocupado muito delas como os Convorbiri
(i) Ver, sobre estes, a colecção da Reme de Synthèse Histo-
rique^ tomo i, pág. 28 e 254; tomo 11, pág. 2Ó4; tôrao iii, pág. io5
e 164; tomo IV, pág. 276; tomo viu, pág. 205; tomo ix, pág. 7;
tomo XI, pág. 129; tomo XII, pág. i. Esse eminente historiador
XÉNOPOL morreu ultimamente.
247
literare — publicados primeiro em Jassy e depois
em Bucareste, os Archwa — aparecidos em Jassy
depois de 1890, a Acta si literatura romena, pu-
blicada a partir de 1895, a Nova Revista Romene,
de Bucareste, etc.
Ainda outras publicações periódicas se ocupam
de história, como: os trab a.\hos da Academia Ro-
mena, e o Boletim do Instituto para o estudo do
sud-este europeu. Nos últimos volumes da Aca-
demia Romena são de assinalar os trabalhos de
N. loRGA sobre história moderna da Roménia,
sobre história diplomática desse pais, as relações
entre os principados romenos e a igreja de Cons-
tantinopla na segunda metade do século xvii, etc.
Também, o Buletim do Instituto para o estudo
da Europa sul-oriental publica não só vários ar-
tigos de política contemporânea como de histó-
ria moderna, sendo de citar os trabalhos de N.
Iorga; os importantes estudos de T. G. Masaryk,
J. C. FiLITTI.
b) Suíça
A Suiça é um dos países onde os trabalhos de
história teem estado mais em favor. Antoine
GuiLLAND, ao abrir o seu estudo sobre Os estudos
históricos na Suiça, começa por escrever :
«Creio bem que, guardada toda a proporção,
nenhum pais existe onde estejam tão em favor
como na Suíssa os estudos históricos» (i).
(i)' Antoine Guillanu, Les eludes historiques en Stiisse, in
Revue de Syntlièse Histohque, Fevereiro a Abril de 191 3, pág. 82.
248
Efectivamente, ali são numerosas as socieda-
des de história^ não havendo cantão que não te-
nha a sua, e até, por vezes, mais que uma ; os
eruditos são muitos ali, e muito numerosas são as
obras aparecidas.
Pode fazer-se remontar ao segundo terço do
século XVIII esse importante movimento, pondo a
iniciá-lo BoDMER e Breitinger, logo acompanhados
e seguidos por J. H. Fussli, J. R. Iselin, Pierre
OcHS; Bernard de Tscharver, a. L. de Wawen-
WYL, G. E. Haller, J. a. Gautier, Th. Bridel,
AbrahÃo Ruchat, J. a. Balthazar, Lurlauben, e
os sábios beneditinos dos conventos de Saint-
Gall-Muri e Rheinau(i).
No íim do mesmo século surge Jean Muller, o
iniciador da Histoire des Confédérés — que tanta
influência exerceu na sua época sobre o renova-
mento dos estudos históricos na Suíça, sendo
depois continuada, sucessivamente, por Glutz-
Blotzheim, Hottinger, Louis Vulliemin e Ch.
MoNNARD, tendo estes dois últimos trazido a obra
até 1 8 1 5 (2).
Em 181 1 aparece logo, em Berne, uma Socie-
dade para o estudo da História da Suíça, que
passou logo a publicar, em alemão, um boletim
(i) Sobre BoDMKRpode consultar-se a obra de G. de Reynold,
Histoire littéraire de la Suisse au XVJII siècle, segundo volume,
1912.
(2) Essa obra^ que na edição alemã conta quinze volumes, consta
na versão francesa de dezoito, aparecendo com o título de His-
toire de la confédéraíion suisse.
249
de história. Mas, como aquela Gesellschaft se
dedicasse principalmente aos estudos sobre Berne,
foi fundada em Baden, na Argovia, em 1840, a
Sociedade Geral Suiça de História^ tendente a
«agrupar os eruditos e os historiadores de todos
os cantões e, por meio de reuniões, trabalhos,
boletins e publicações, a favorecer as investiga-
ções de história nacional».
Essa Geschichtsforschende Gesellschaft des Sch-
ipeii é hoje a colectividade suíça mais florescente
no seu género, havendo-se tornado o mais intenso
foco de actividade historiográfica desse laborioso
país. São muito numerosas as publicações que
ela tem feito aparecer.
Assim, de 1843 a 1875 publicou vinte volumes
dos Arquivos de História da Suiça; de 1877 ^
191 3 trinta e cinco volumes de um importante
Jahrbuch, catorze volumes de um Boletim de his-
tória da Suíça, e vinte e cinco volumes de Quellen
— as Fontes de História da Suíça.
A partir de 1912 tem essa importante colecti-
vidade continuado a publicação das suas obras
— muitas das quais com inéditos — agrupadas
em três corpos: I. Crónicas; II. Actas ; \\\. Cor-
respondências e Memórias, tendo ainda editado
uma excelente colecção de instruções ou guias
para investigadores — Wegweiser fiir die Litera-
tur lur Schwei:{erischen Geschichte[\).
(i) Desses corpos teem continuado a aparecer diversos volu-
mes de inéditos, como os documentos sobre o burgomestre Wold-
MANN, a correspondência de Pierre Ochs, etc.
2 5o
Essa Sociedade, presidida pelo eminente his-
toriador suíço Georges de Wyss de 1854 a 1895
— ano da sua morte — tem reunido os nomes
mais ilustres da historiografia helvética, como
Kopp e von Segesser, Vulliemin, Vischer, Forel,
von Sturler, Fiala — depois bispo de Bale, Kind,
Th. e C. de Mohr, Charles Le Fort, Pierre Vau-
CHER, HuNGERBUHLEr(i).
A êsses há que acrescentar os mais recentes
eruditos e historiadores Th. de Liebnau — de Lu-
cerna ; Mayer de Knonau, Schweizer e Oeschsli
— de Zurich; Wartmann e Dieraurer — deSaint-
Gall; RoTT e Godet — -de Neuchâtel; Tabler —
de Berne; Albert Buchi — de Friburg; Edouard
Faure^ Ch. Borgeaud e V. van Berchem — de Ge-
nève.
Além da florescente Sociedade geral Suíça de
história, várias outras são as instituições de histó-
ria espalhadas pelos cantões suíços, algumas das
quais mais ou menos importantes como a Socie-
dade histórica de Zurich, e a^ mais florescente,
Antiquarische Gesellschaft dessa mesma cidade —
que tem já publicados mais de trinta volumes de
Memórias^ que constituem uma das mais impor-
tantes obras históricas da Suíça, sendo ainda de
citar os três volumes do Stadtbiicher, os nove vo-
lumes das Fontes da Historia de Zurich^ etc.
(1) Acerca da alta personalidade de Georges de Wyss, grande
erudito e notável professor, ver o elogio que dele faz Pierre Vau-
CHER, in Revue de Synthèse Historique, Fevereiro a Abril, 191 3,
pág. 85.
2 D I
Bale, é, depois de Zurich, o mais digno centro
de actividade histórica, devido, especialments, à
sua Historische und antiquarische Gesellschaft —
que, desde iSSg, tem publicado as Mémoires sur
VHistoire de Bale, desde 1 843 os Boletins, a par-
tir de 1890 tem feito aparecer o Urkundenbuch
ou Tombos da cidade de Bale, e, desde 1900, uma
revista histórica — a Basler Zeitschriftfiir Geschi-
chte und Altertumskunde {i).
Berne possue também uma Sociedade de estu-
dos históricos^ a partir de 1846, tendo publicado
— que nós saibamos — vinte e um volumes de
Arquivos, nove volumes de Fontes rerum bernen-
sium, além de crónicas, biografias, correspondên-
cias, etc.
Saint-Gall conta igualmente uma Sociedade de
história — que tem publicado, além de outras
obras, mais de trinta e um volumes de Memórias,
e onde figuram valiosas colecções de inéditos,
como os Documentos sobre a abadia de Saint-Gall ,
os Arquivos comunais de Saint-Gall, etc, etc.
Lausanne é a sede da valiosa Société d'histoire
de la Suisse romande, fundada em iSSy, e que
tem publicado cerca de cincoenta volumes de
Memórias. Ai teem aparecido estudos impor-
(1) A cidade de Bale tem visto aparecer importantes colecções
documentais como os Documentos relativos à História da im-
prensa de Bale; os Estudos e fontes de concílios ; a Colecção dos
documentos sobre a batalha de Saint Jacques ; os Documentos so-
bre a administração da cidade na Idade Média; e uma já impor-
tante colecção de crónicas.
252
tantes e muitas colecções de inéditos, como os
oito volumes dos Documents relatifs à Vhistoire du
Valais, pelo abade Gremaud ; o Registre soit Ré-
pertoire chronologique de documents relatifs à lliis-
toire de la Siiisse romande, e os Statiits de 1'ancien
evêché de Lausanne et charles municipales du pays
de Vaud, porF. Forel; os Cartulaires du Chapitre
de Lausanne et de diverses tnaisons religieuses du
Pays de Vaud, por F. de Gingins e Hisely (i).
Genève possue a sociedade histórica cantonal
mais florescente de toda a Suiça : a Société d'his-
toire et d'archéologie de Genève. Fundada em
i838, tem ela visto trabalhar nas suas publica-
ções os grandes historiadores Guilherme Faure,
Galiffe, Charles le Fort, Amadeu Roget, Pierre
Vaucher, Charles Morel, Edouardo Faure, Teó-
filo DuFOUR, Em. Rivoire, Borgeaud, etc.
Tem essa Sociedade publicado cerca de cin-
coenta volumes de Memórias e documentos^ figu-'
rando entre as espécies impressas : o Regeste
genevois, por P. Lullin e Ch. Lefort, em seis
volumes; as Charles inédites^ relatives à Vhistoire
de la ville et du diocese de Genève antèrieurement
à fannée i3i 2, dois volumes; um Recueil de lois
municipales des principales villes du diocese de Ge-
nève; os Documents iuédits relatifs à Vhistoire de
Genève, de i3i2 à i3'j8; etc.
(1) Esta Sociedade, tem como publicação, periódica a Revue
historique vaudoise, fundada em 1893, e que também tem servido
de órgão à Société vaudosie d'histoire.
253
Friburgo conta duas sociedades de história:
uma francesa, e outra alemã — cada uma das
quais com as suas publicações.
Neuchatei tem uma Sociedade de história e de
arqueologia. Ai apareceram ultimamente publi-
cados, os volumes com os Procés-verbaux des
audiences générales, e os Documents inédits siir
Giiillaume Forel et la reformation dans le comté de
Neuchatei.
Bastava o que já temos dito sobre as socieda-
des de história existentes na Suiça, e as suas res-
pectivas publicações, para se avaliar quanto é
activa a vida scientííica nesse país, e numerosos
os trabalhos que ali teem aparecido impressos
quer em grandes colecções de carácter documen-
tal quer em Boletins, Arquivos, Revistas, etc.(i).
Mas não é tudo. Além das publicações a cargo
das instituições cantonais, dos municípios, dos
particulares, etc, também o governo federal tem
feito aparecer importantes colecções como : Actes
et recès des anciennes décisions de la Confedera-
tion de i2gi à 1420, editados por Knopp; o Re-
cueil officiel des anciens recès fédéraiix jusqu'en
lygS, coligido por Mayer de Knonau, depois con-
(i) São bastantes as Revistas de história publicadas pelas So-
ciedades cantonais de história e de arqueologia, como a Revue
historique vaudoise, de Lausanne ; o Bulletin de la Société d'his-
toire et d'archéologie de Genève; os Archivés de la Société d'his'-
toire du canton de Fribourg ; os An^eiger Jur schweijcrische GeS'
chichte — que é o órgão da Sociedade suíça de história de Berne J
o Beitrage ^iir vaterlãndischem Geschichte — que tem sido o ór-
gão da Sociedade de História de Bale, etc.
254
tinuado por 5. Kaiser, J. Stricklerr Fechter,
PUPIKOFER, KOTHING, FeTSCHERIN, CtC. (l).
Além disso, ainda o governo helvético tem pro-
movido investigações nos principais arquivos da
Europa acerca das relações da Suíça com o estran-
geiro, havendo o cônsul da Suíça em Venesa, Vítor
Cérésole, realizado investigações para a publica-
ção, em 1 890, de La Republique de Venise et la
Suisse. Para o mesmo fim Edouard Rott tem tra-
balhado, a partir de 1 880, nos arquivos de Paris e
de Chantilly, havendo pubhcado, de 1900 a 191 3,
uma bem documentada obra — a Histoire de la
Représentation divlomatiquede la France auprès d es
cantons suisses, de leurs alliés et confédérés, em
seis volumes.
Também, o erudito J. Wirz tem feito demora-
das e persistentes investigações nos arquivos ita-
lianos, como os de Turim, Milão, Vaticano, Parma,
Modena e Florença.
Igualmente, o ministro da Suiça em Londres,
Daniel Bourcart, tem feito nos arquivos desta
capital importantíssimas investigações no ponto
de vista da história suíça, tendo sido estudados,
copiados, extractados ou sumariados os docu-
mentos conservados no Museu Britânico e no
Public Record Office (2).
(1) Trata-se de um reportório muito importante e extenso,
pois, se é fragmentário para o que se refere aos actos do século xiv,
é já muito desenvolvido para o século xv, e quási diário paca O
século XVI.
(2) Outras missões scientíficas teem sido inauguradas ou estão
255
É de notar que o Conselho federal concede aos
investigadores subvenções anuais variáveis. As-
sim, as de Paris atingem em média um total de
i5.ooo francos por ano, as destinadas aos inves-
tigadores nos outros países são mais pequenas,
mas ainda assim muito suficientes.
Todas as cópias provenientes das investiga-
ções em França, Itália, Inglaterra, etc, são reu-
nidas em Berne, e ai inventariadas e classificadas.
Muito, mas muito, mais poderíamos — e até,
talvez, devêssemos — dizer sobre as sciências
históricas na Suíça se não receiassemos alongar
desmedidamente este trabalho.
Mas o que ai fica parece-nos suficiente para
mostrar ao povo e ao Governo português como
num tão pequeno Estado — os particulares, os
municípios, e, especialmente, o Governo — enca-
ram, tratam, cuidam a sério e com carinho, estes
assuntos de alta cultura histórica (i).
em vésperas de o serem como as destinadas aos arquivos alemães,
espanhóis, etc.
Como se sabe, o falecido professor da Universidade de Fri-
burgo, Henri Reinhardt, fez investigações em Simancas, tendo
publicado um pequeno estudo sobre o resultado dos seus traba-
lhos nesse arquivo.
(i) Não podendo ser mais extenso diremos que, acerca dos
estudos históricos na Suíça, podem ser consultados os seguintes
trabalhos : La Siiisse aii XIXsiècle — obra publicada por um grupo
de escritores suíços sob a direcção de Skippel; G. de Wyss, His-
toire des recherches historiques et de V historio graphie en Suisse',
P. Clerge, Suisse^ in Revtie de Sinthése Historiqtie, tomo in^
pág. 226 a 238; Anioine Guii.i.and, Les Étiides Historiques en
Suisse^ Ibidem, tômo xvi, pág 82 a 98 e 293 a 3i2; Archiv fUr
schwei^erische Geschichte^ etc.
256
c) Holanda
A Holanda é um dos países que mais teem
trabalhado nas publicações de carácter histórico
e filológico, e não só ultimamente como já nos
séculos xvii e xviii.
Desde o erudito Johannes Meursius — falecido
em iõSq, — através do século xvii e seguintes as
obras de filologia e história sucedem-se inúme-
ras, se bem que — como escreve Langlois — os
sábios holandeses sejam muito mais infatigáveis
colectores de fontes e eruditos editores de Vario-
rum, que perspicaces e subtis críticos (i).
Assim, vêem-se suceder as edições Variorum
e os Tesouros de Antiguidades, sendo a colecção
destas publicações inaugurada por Graevius com
o seu Thesaurus antiquitatum romanorum — cujos
doze volumes apareceram em Utrecht entre 1 694
e 1699.
No século seguinte os trabalhos filológicos dos
helenistas e latinistas não diminuem, antes re-
nascem com o aparecimento das obras de T.
Hbmster-Luis, L. K. Valckenaer, e D. Ruhnken,
indo até aos estudos de Wyttenbac — que entrou
já — com a sua Biblioteca crítica e o seu Index
(i) Pertencem a essa categoria os colectores-editores Meur*
sius, Graevius, J. Gronavius filho, os Burmann e a sua escola.
Ao lado desses figuram, porem, homens de grande valor não
sô como eruditos, mas ainda pelas suas aptidões críticas, tais são
Nicolau, Heinsius, GRONOVius-pai, Isac Vossius, etc. Vêr: Ch.V.
Langlois, ob. cit., pág. 277, etc.
2^7
graecitatis — pelo século xix(i). Mas, não é só
na filologia eiássica que os eruditos holandeses se
teem salientado, também na arqueologia, na epi-
grafia e na numismática bastante teem deixado
de si; e outro tanto — se não mais — tem sucedido
quanto à sua actividade historiográfica.
Durante todo o século xviir foram numerosís-
simas as obras aparecidas em diversas cidades
holandesas, especialmente em Amsterdam.
Não foram só as obras de filosofia geral, mo-
ral, religiosa e politica ; de polémica e de critica,
como as de Voltaire — os Príncipes de la Philo-
sophie mor ale, ou Essai. . . siir le mérite et la vertu
de..., e tantas outras que, proibidas ou forte-
mente censuradas em França, utilizavam a to-
lerância e o asilo da Holanda para aparecerem.
Também, foi enorme a quantidade de obras
históricas aparecidas em Amsterdam. A famosa
Biblioteca Germânica, iniciada em 1720, e que
atingiu cinquenta volumes foi continuada sob o
nome de Journal litéraire d'Allemagne^ de Suisse
et du Nord, par les Aiiteurs de la Bibliothèque Ger-
manique, e, mais tarde, com o titulo de Nouvelle
Bibliothèque^ ou Histoire Littéraire de VAllemagne^
de la Suisse et des pays du Nord, pelos mesmos
autores; os dois volumes das Mémoires sécréts
tires des Archives des soui^erains de VEurope, de-
puis le regne de Henri IV, aparecidos em 1767;
os quatro volumes do abade Ladvocate, iVbw-
(i) Ver Langlois, ob. cit., pág. 277 e 278.
17
238
peaii Dictionnaire historiqiie . . . oii histoire abrégée
de tous les hommes qui se sont fait un nom par des
talents, des vertus, des forfaits, des erreiírs, etc,
etc, depuis le commencement des monde jusqu-à
nos jours; a meia dúzia de volumes das Mélanges
de Littérature, d'Histoire et de Philosophie, de
d'Alembert, ele, etc.
Publicada em Amsterdam igualmente aparecia,
na primeira metade do século xviii, uma impor-
tante colecção de biografias de franceses ilustres
com o titulo Les viés des Hommes Illustres de la
France, depuis le commencement de la Monarchie,
jusqii'à présent.
Em 1746 era publicado o tomo terceiro tra-
tando dos marechais franceses mais distintos
como Luís DE Bourbon, príncipe de Conde — desde
Frederico í a Carlos IX; Andr?: de Montalambert
— de Carlos VIÍ a Henrique II; Paul de la Bar-
THE — de Francisco I a Carlos IX; Pierre d'Aus-
suN — de Pedro Strozzl De 1724 a 1740 apa-
reciam na Haya e em Amsterdam, as Mémoires
pour servir à V histoire du XVIII siècle, em catorze
volumes, de Lamberdy.
Haya viu aparecer, entre tantissimas obras, o
Recueil historique d^actes, negotiations^ mémoires
et traitei, depuis la paix d'Utrecht jusqu^au Se-
cond Congrès de Cambray, em vinte e cinco vo-
lumes, de 1728a 1755; a História da Inglaterra^
de Rapin Thoyras, em catorze volumes ; a obra
de numismática aparecida em 1742 — a Nummo^
phylacium reginae Christinae-— «contendo — como
259
diz o título — as Medalhas de Bronze latinas,
gregas ou cunhadas nas colónias em honra dos
imperadores romanos, gravadas em 63 estampas
com muita arte e exactidãO;, por Pedro San Bár-
tolO; e publicadas pela primeira vez com o co-
mentário de Sigebert Havercamp» (i).
No século XIX a actividade dos eruditos e dos
historiadores holandeses não afrouxa. A sua
produtividade ainda melhora devido à protecção
cada vez maior concedida pelo Estado aos traba-
lhos de erudição, sendo de notar que os esforços
dos investigadores teem sido precedidos e acom-
panhados pelos trabalhos de organização e cata-
logação dos arquivos públicos.
Quanto aos estudos históricos, a cargo de cor-
porações scientificas, são de notar, pela importân-
cia das suas Memórias de história e de filologia,
a Academia Real das Sciências de Amsterdam —
a partir de i855, e a Sociedade de Estudos Histó-
ricos de Utrecht — que, fundada em i845; tem
sido o verdadeiro foco de estudos históricos na
Holanda, tendo publicado uma importante cole-
cção de fontes — crónicas e outros documentos,
especialmente do período medieval.
Além destas e de outras corporações similares
com a sede em Amsterdam, Leide e Utrecht, da
(i) Ver Journal des Savants, Paris, 1746, pág. 389.
200
reunião dos congressos de historiadores e arqui-
vistas, da existência de algumas publicações pe-
riódicas e outras de origem corporativa ou par-
ticular, de há anos a esta parte tem funcionado
uma comissão eminentemente oficial destinada à
publicação de documentos inéditos da história
neerlandesa, tendo sido impressos vários volu-
ríies, mesmo sobre a história do século xix; e,
ainda, a secção histórica do Estado-Maior do
exército tem publicado várias monografias e ou-
tras obras históricas.
Mas, como escreve, e transcreve, Ch.-Langlois,
além dos relatórios publicados anualmente pela
inspecção dos Arquivos públicos e acerca dos
trabalhos nestes efectuados, o governo holandês
«mostra ainda o seu interesse pelo estudo da his-
tória nacional fazendo estudar os arquivos estran-
geiros no ponto de vista dessa história».
Efectivamente, algumas missões de estudo teem
sido enviadas aos arquivos de Alemanha, Áus-
tria, França, Rússia, Inglaterra, Itália, Espanha,
Bélgica, etc.
Os eruditos comissionados costumam redigir
breves Relatórios do resultado das suas investi-
gações, contendo listas e inventários sumários
dos documentos relativos à Holanda (i).
Há, porém, excepções como sucede com os re-
latórios feitos por G. Busken acerca das colecções
documentais dos Arquivos do Ministério dos
(i) Ch, Langlois, ob. cit,, pág. 468 a 470.
26 I
Negócios Estrangeiros francês e da Biblioteca
Nacional de Paris — que são muito analíticos.
Mas, muito mais tem feito o governo neerlan-
dês em favor dos estudos históricos. Aí está,
para o comprovar, a Comissão real de história
fundada em 1902 pelo governo dos Países-Baixos,
e que largamente auxiliada moral e material-
mente tem produzido já uma obra notável.
Assim, tem essa comissão feito estudar com o
maior detalhe os arquivos da Itália e dos Estados
escandinavos no ponto de vista da história da
Holanda, havendo publicado os relatórios cir-
cunstanciados das missões scientííicas que execu-
taram esses estudos.
Também ela publicou uma importante colecção
de documentos relativos à história dos Países
Baixos no fim do século xviii e princípios do sé-
culo xix, editada por H. T. Golenbrander; e uma
colecção das Actas dos sínodos holandeses do
século XVII, editada por T. C. Knutel.
Porêjn, entre as mais interessantes das pu-
blicações de inéditos efectuadas por diligências
da Comissão figuram umas Relaiione Veneiiane,
de 1600 a 1795, publicadas em 1909, na Haya,
por P. J. Blok, com xxix-418 páginas.
Trata-se da publicação dos relatórios trocados
entre os embaixadores venezianos e as Províncias
Unidas, do começo do século xvii ao fim do sé-
culo XVIII.
O erudito sr. Blok em três viagens à Itália es-
tudou cuidadosamente os arquivos venezianos,
202
publicando, além dos documentos que interessa-
vam à história da Holanda, diversas descrições
das viagens de muitos embaixadores, uma vista
rápida da correspondência diplomática dos dife-
rentes residentes e enviados, fornecendo alguns
conhecimentos sobre a composição de cada em-
baixada, o seu fim e os seus resultados.
E extraordinário o manancial de informações
que nesses relatórios se encontram.
A vida politica, administrativa, económica das
Províncias Unidas; as suas forças terrestres e ma-
rítimas; o seu comércio, a sua marinha mercante,
os costumes dos habitantes, bem como a perso-
nalidade e a vida dos príncipes de Orange e de
outros ilustres personagens, tudo ai aparece des-
crito e comentado.
Eis, muito abreviadamente exposta, uma sim-
ples amostra do muito que na Holanda se tem
feito em matéria de historiografia (i).
d) Bélgica
Se bem que o reino da Bélgica, tal como hoje
o vemos, é um Estado muito recente, datando de
(i) Mas não é só no que respeita às publicações documentais
que a Holanda se tem esforçado por acompanhar o movimento
cada vez mais acentuado da elaboração das colecções de inéditos.
Também ela não tem desdenhado as questões da teoria da história.
Entre os especialistas que ali teem tratado esses assuntos des-
tacam-se o dr. J. Huizinga que, no seu curso da Universidade de
Groningue, se tem ocupado do Elemento estético das representa-
ções históricas, e o dr. Th. Bussemaker que na sua cadeira da
Universidade de Leyde tratou da Apreciação dos factos na inves-
tigação e na exposição da história.
263
i830; não há dúvida que tem procurado resar-
cir-se do tempo perdido por meio de uma pode-
rosa actividade tanto no campo scientífico como
no industrial^ social, etc.
No domínio das sciências de erudição tem sido
notável a obra realizada (i).
Compreendendo o governo belga que não é
possível ter florescente a historiografia de um
país quando os seus arquivos e bibliotecas não
teem inventariadas ou catalogadas as suas cole-
cções, um dos pontos que mais atenção lhe teem
merecido é precisamente este.
(i) Se bem que no século xvi e xvii vários nomes ilustres nos
apareçam na filologia e na história como se pode ver consultando
a obra de F. Neve, La Renaissance des lettres et Vessor de l'éru-
dition ancienne en Belgique^ Louvain, 1890, não há dúvida que é
no século xvm que a Bélgica começa vendo aparecer obras histó-
ricas importantes.
Se é certo que algumas delas, como a Chronologie Histori-
que et Universelle que contient toas les événemens rnéinorables qui
sont arrivés depuis le coinmenceinent du monde jusqu'à present,
devida a Guyot, ainda se ocupam do deus homem, da criação do
ser humano, do paraíso, da verdade dos livros de Moisés, da lín-
gua falada pelo primeiro homem, da dispersão dos filhos de Noé,
etc, etc, também conteem em si importantes repositórios de in-
formações históricas e cronológicas da primeira metade do sé-
culo xvm.
Esta obra tem a curiosa particularidade de haver aparecido
cm várias cidades, sendo o primeiro volume publicado em Bru-
xelas, em lySS; do 2.° ao 5.° em Maestrick, em 1740; o 6." em
Bruxelas, e do 7.° ao 20.° em Liège. Ver Journal des Savants^
Paris, 174D, pág. 2o3 a 210.
Acerca da historiografiabelga consultar, alêm das Introduções
das crónicas, cartillários, etc. — citadas, aqui, no texto — vêr H. ,Pi-
RENNE, Bibliographie de l'histoire de Beigique, etc ; I.ahaye, Fran-
COTTE, e De Potter, Bibliographie de ihistoire de la Beigique, etc.
264
Assim, desde 1899 teai vindo a pubiicar-se os
Inventaires des Arçhives de la Bélgique publiés
par ordre du gouvernement^ e em 1901 aparecia
o tomo I do Catalogue des manuscrits de la Bi-
bliothèque royale de Bélgique.
Quanto à publicação de documentos inéditos
deve dizer-se que em 1834 foi criada a Comission
royale d^histoire de Bélgique, constituída por mem-
bros escolhidos da Academia das Sciências e
Belas Letras da Bélgica, a fim de investigar e pu-
blicar crónicas e outros documentos belgas iné-
ditos.
Tal Comissão tem publicado a importante Col-
lection de chroniques belges inédites.
Neste corpo de publicações figura, logo em
i836, a Chronique en vers de Jean Van Heelu, ou
relation de la bataille de Woeringen, publicada
pelo Académico J. F. Willems, que começa por
um Prefácio e uma excelente Introdução com ses-
senta e cinco páginas, onde o editor, depois de
explicar em que condições fez a sua obra, traça
uma biografia de Jean Van Heelu; estuda detida-
mente o poema, ou crónica rimada flamenga,
escrito em 1291 ou 1292 — quando Margarida
de Inglaterra, já noiva de João I, era esperada
no Brabante, e para ilustração da princesa sobre
as façanhas heróicas de seu sogro; analisa os ma-
nuscritos da Crónica, as traduções ou imitações
desta; passa em revista algumas crónicas medie-
vais que descrevem a batalha de Woeringen;
trata das causas e consequências desta, da forma
265
de fazer a guerra no tempo de João I, da adminis-
tração, do comércio e dos costumes nessa época,
e da personalidade do herói do poema — João I,
sempre com suma erudição e numerosas notas e
citações.
Também, nesta colecção figura a Chronique
rimée de Philippe Mouskes, publicada pelo barão
de Reiífenherg, tendo o primeiro volume apare-
cido em i836.
A abrir esse tomo diz o seu erudito editor :
«Poucos países possuem mais documentos his-
tóricos impressos que a Bélgica, e uma simples
bibliografia com a indicação deles seria já uma
extensa obra». Mas, logo acrescenta : «Porém,
apesar do seu número e da sua extensão não bas-
tam para escrever a história, quer geral^ quer
particular de uma forma completa e profunda».
Depois, diz que para tal estudo «é sobretudo
necessário assentar nas fontes primitivas, con-
sultar os autores originais, sem desprezar estes
documentos que apresentam o carácter imediato
dos factos e com eles se identificam, ficando es-
tranhos aos artifícios literários . . . ».
É assim que o autor justifica a publicação de
escritos não elaborados para serem impressos
como descritivos históricos, tais são a crónica
de GiLBERT, preboste de Mons, do princípio do
século XIII ; a história de Jacques de Guyse; a
crónica de Edmundo de Dister ; a colecção diplo-
mática de PiERRE Van der Heyden, da primeira
metade do século xv, etc.
266
Depois de falar dos principais autores de obras
sobre história belga, ocupa-se das emprezas reli-
giosas, laicas, civis, corporativas e pessoais tendo
em vista a publicação de documentos inéditos
através dos séculos xviii e xix até ao restabeleci-
mento da Academia da Bélgica. Logo, segue
tratando das diligências que essa instituição rea-
lizou para a coleccionação e publicação de iné-
ditos, especialmente de crónicas belgas inédi-
ditas(i).
Depois, ocupa-se da língua francesa desde os
seus tempos mais remotos até o fim do século xviii,
estuda a crónica métrica de Filipe Mouskes, pas-
sando, de seguida a publicar esta (2).
Nessa colecção começou aparecendo, em iSSy,
um Recueil des chroniques de Flandre, publicado
sôb a direcção de J. J. de Smet, em 4 volumes (3).
Em 1844 o Commission dava a lume os Docu-
ments relatifs aux troubles du pays de Liege, sons
les princes-évêques Loiíis de Bourbon et Jean de
Home (1455 a iSoS), publicados por P. F. X. de
Ram.
(i) o barão de ReiíFenherg cita aqui a publicação, em 1822,
feita por Tarte, da Histoire des iroubles des Pays-Bas de Vander
Vynckt, a da Union De Bruxelles, feita em 1825, por Déponge^
etc, até à publicação da crónica de Froissart em o Panthéon lit-
teraire, por Buchon, e á Table des charles et diplomes — empreza
muito importante.
(2) A Introdução ocupa 379 pág.
(3) O quarto, e o último, volume, com o título Corpus Chro-
nicarum Flandriae apareceu em i865, e abre por um Recueil des
antiquités de Flandres, por Ph. Wielant, terminando por uma cró-
nica wmada, em flamengo, já impressa em Tubingue.
2()'-]
Em 1861 apareciam os dois volumes de Les
quato)\e livres siir VHistoire de la ville de Lou-
vain, do doutor e professor de teologia Jean Mo-
LANUS; do meiado do século xvi(i).
Em 1864 começava a aparecer uma colecção
de crónicas de Liège, consistindo nos seis volu-
mes de Ly Myreur des Histors, chroniqiie de Jean
des Preis dit d'Outremeuse, publicada pelo Acadé-
mico Ad. Borgnet (2).
Em 1854 aparecia o tomo i (2/ parte) da Chro-
nique des diics de Brabant, por Edmond de Dyn-
TER, publicada por P. F. X. de Ram, com a tradu-
ção francesa dos seis livros por Jehan Wangue-
LIN (3).
(i) Essa obra foi publicada por P. F. X. de Ram, abrindo por
uma extensa Introdução onde se estuda a vida de Molanus, os
seus escritos, e, mormente, a sua Historia inédita de Louvain.
(2) O primeiro volume abre logo com aj:rónica, e termina
com a publicação, em apêndice, de La Geste de Liège, seguindo-
se-lhe um glossário da Geste, e um índice das matérias. O tomo
segundo apareceu em 1869; o terceiro em 1878; o quarto — pu-
blicado por Stanislas Bormans — apareceu em 1877; o quinto
apareceu — posto que pareça estranho — em 1867, tal a data
da folha do rosto ; e o tomo sexto, publicado, também por St.«
Bormans, surgiu em 1880.
Alem do Myreur des histors, também a Comissão de história
da Bélgica fez sair, em 1887, o volume : a Chronique et Geste de
Jean des Preis dit d'Oiitremense, editada por Stanislas Bormans,
constante de uma magnífica Introdução sobre a personalidade de
Jeand'Outremeuse, e com uma larga e documentada análise do
poema — a famosa Geste de Liège.
A seguir à Introdução que preenche 206 páginas, vem uma
lista de Docwnents cujo texto figura na Crónica de Jean d'Outre-
MEUSE. seguindo-se o índice analítico das matériiís.
(3) O tomo segundo apareceu em 1864, e o terceiro em 1857.
2 68
Em 1 870 aparecia o primeiro volume das Chro-
niques relatives à l'Histoire de la Bélgique sons la
domination des ducs de Bourgogne, publicadas
pelo barão Kervyn de Lettenhove(i).
Já nove anos antes havia aparecido a Chroni-
que de Jean de Stavelot, publicada por Ad. Bor-
GNET, e que começa por uma Introdução onde o
editor traça uma rápida biografia do cronista,
que nasceu em Stavelot a 5 de Junho de i388,
e estuda a Chronique, que, ao que parece, dei-
xou de ser escrita por JoÃo em 1447, passando
a ser redigida — segundo a opinião de Gachet
— por Adrianus de Veteri Busco, seu confrade
na abadia de S. Lourenço (2).
Já bastantes anos antes, em 1844, sob a direc-
ção do Académico P. F. X. de Ram, eram publi-
cados os Documents relatifs aux troubles du pays
de Liege sous les princes-évêques Louis de Bourbon
et Jean de Home (1455 a i5o5), que constam de
uma crónica dos anos de 1455 a i 5 14 de João
(i) o primeiro volume contêm as crónicas dos religiosos das
Dunas : Jean Brandon, Gilles de Roye, e Adrien But; o segando
tomo, publicado em 1873, contêm os textos franceses do Livre
des Trahisons de France^ La Geste des Ducs de Bourgogne, e Le
Pastoralet.
O primeiro tomo é precedido de uma curta, mas excelente, in-
trodução, com a bibliografia dos três cronistas.
(2) A Crónica de Stavelot, apesar de haver aparecido em
1861 — três anos antes da de Outremeuse — é a continuação da
deste.
A edição termina por um glossário, seguido de três índices :
um de matérias, outro de documentos, e outro analítico e alfa-
bético de matérias.
26g
de Loos, abade de S. Lourenço ; da Compendiosa
História de Cladibus Leodiensium, por Henrique
DE Merica ou Van der Heyden ; da Historia de
Claudibiis Leodiensium de Theodoricus Pauli ; e
das Analecta Leodiensia, sive Collectio documento-
rum quorumdam, sendo esse volume precedido e
acompanhado de excelentes introduções, comen-
tários e notas.
Em 1879 o eminente Charles Piot publica o
volume das Chroniques de Brabant et de Flandre,
em flamengo, compreendendo cinco crónicas de
várias datas — do princípio do século xi aos fins
do século XVI.
Na categoria das crónicas podemos incluir o
Codex Dunensis sive Diplomatum et Chartarum
Medii Aepip editado pelo erudito Kervyn de Let-
TENHOVE, e aparecido em 187 5 (i).
Na série das Croniques belges inédites podemos
meter a Histoire des troubles des Pays-Bas, obra
de Renon ou Renom de Frange, publicada em três
volumes, precedidos cada um do seu excelente
prefácio por Charles Piot, e aparecidos : o pri-
(i) Na curta, mas excelente, Introdução de vinte e nove pá-
ginas o editor descreve a evolução do mosteiro cisterciense das
Dunas, desde a sua fundação, em 1107, os seus trabalhos literá-
rios, os seus códices de cópias, etc, pertencendo a esta categoria
o velho Codex — que é como se diz na Capa : Liber continens
copias processam et varias litteras missivas concernentes fere om-
nes abbates et Thosan et de Dunis^ escrito em 1254 por Lourenço
DE SuMECORT. O referido Codex Dunensis contem principalmente
documentos do século xiii, sendo os mais recentes anteriores a
1253, num total de 939 peças.
2^0
meiro tomo em 1886, o segundo em i88g e o ter-
ceiro em 1891, sendo esta obra escrita por Re-
NON DE Frange entre 1606 e 161 3.
No Prefácio do primeiro volume Ch. Piot es-
tuda os oito manuscritos diversos da obra, a
sua natureza, proveniência, estado actual, etc. ;
traça a biografia de Renon que desempenhou al-
tas funções administrativas no tempo da domina-
ção espanhola nos Paises-Baixos, vindo a falecer
a 29 de Agosto de 1628; e ocupa-se^ com desenvol-
vimento da obra deste — cujo título exacto era:
Histoire des causes de la désunion, revoltes et altera-
tions des Pays-Bas, e ao mesmo tempo do período
de que trata esta parte da Histoire — ^que é o da
dominação espanhola de Felipe II, até iSyS (i).
O segundo tomo, que compreende os livros
terceiro e quarto da obra de Renon, trata dos
acontecimentos de iSyô a i58o, ocupando-se o
respectivo Prefácio de resumir e comentar o cri-
tério e o descritivo do cronista ; e o terceiro, com
muitos documentos publicados em Apêndice^ vai
até i5go, sendo os três tomos acompanhados de
magníficas notas.
Também, aqui podemos considerar os Monu-
ments poiír servir à r Histoire des Provinces de Na-
tnur, de Hainaut e do Liixemburg, de que se
publicaram — que nós saibamos — oito volumes, J
fi) A Comission de Histoire de Belgiqiie já, em 1846, havia j
publicado a Relalion des troubles de Gand sons Charles- Quint, i
suivie de 33o docmnents inédits sur cet événement, editada por
Gachard.
271
sendo editados pelo barão de Reiífenberg e pre-
faciados por vários especialistas (i).
Por último falaremos das Chroniques Liègeoi-
ses, editadas pelo cónego Sylv. Balau, das quais
saiu o primeiro volume em 191 3, contendo textos
latinos anteriores a Henry de Gueldre, fragmentos
da crónica de Jean de Warnant, a crónica latina
Jean de Stavelot, a crónica do reinado de João da
Baviera, e extractos de outras sobre os fins desse
período, a Historia compendiosa de Cladibus Leo-
diensiiim, por Henric de Merica (2), com vários
aditamentos, e a desenvolvida crónica do reinado
de Jean de Horne (3).
Além da Colecção das crónicas belgas inéditas
tem a Comissão Real de História publicado de-
(1) Publica nos oito tomos: diplomas acerca de Namur e do
Hainaut, o cartulário de Casobron, os cartulários do Hainaut —
por Leon Davillers ; os tomos quarto, quinto e sexto publicam :
Le Chevalier du Cygne et Godefroid de Bouillon — por Ad. Bor-
gent; e os tomos séptimo e oitavo constam do poema Gilles de
Chin e de várias crónicas monásticas de Namur e Hainaut.
(2) Esta Crónica já foi editada por Ram, de que já falamos
nos Dociimenís rélatifs aux troubles de Liège, sendo publicada
por Mr. Balau, tom indo em atenção as variantes fornecidas por
outros manuscritos, alem dos utilizados por De Ram, e os adita-
mentos que aqueles fazem ao texto.
(3) Obra devida a um coevo dos acontecimentos que descreve,
e não assina, mas que parece ser um clérigo secular. O editor
não encontrou o texto original, reconstituindo-o segundo quatro
manuscritos dele derivados, depois de feita a competente filiação.
Ver ob, cit.., pág. 339 a 344,
á^á
zenas de volumes agrupados por colecções ou sé-
ries de: Cartulários; cartas e papéis de Estado;
índice cronológico das cartas e diplomas impres-
sos acerca da história, da Bélgica; inventários
metódicos de cartulários dos arquivos do Estado
e outros, e dos depósitos estrangeiros ; inventá-
rios dos obituários belgas, etc.
Na série dos Cartulários teem sido publicados
os de Saint-Trond, Orval, Saint-Lambert de Liè-
ge (i), as Charles du Chapitre de Samt-WaU'
(i) o Cartulaire de 1'Êglise Saint Lambert de Liège, publi-
cado primeiro por S. Bormans e E. Schoolmesters, e depois por
Ed. Poncelet, consta de cinco tomos. O primeiro apareceu em
1893, e é precedido de uma boa Introdução^ com cinquenta e duas
páginas, onde é historiada a vida da abadia desde o século ix^ nas
suas relações com o exterior. O primeiro documento é um di-
ploma de doação de 26 -de Abril de 826, sendo o último um docu-
mento de 23 de Dezembro de i25o pelo qual o abade e o convento
de Otterburg concedem ao capítulo de Saint Lambert direitos de
confraternidade, em troca da cessão dos rendimentos de Bo-
ckenheim e de outras localidades. O segundo tomo aparecido
em 1895 contêm documentos desde i5 de Março de \25i ao fim
de i3oo; e o terceiro, publicado em 1898, compreende outros de
20 de Maio de i3oi a 23 de Outubro de 1342.
Os três tomos, que publicam, in-extenso, 1.279 documentos,
contêm, cada um, um índice das peças por ordem cronológica,
e um índice alfabético dos nomes de lugares e pessoas. O tomo
quarto, vai de 4 de Janeiro de i343 a 6 de Abril de 1389 e atinge
in-integvo o documento mdcccxiii. O tomo quinto, aparecido em
191 3 e editado por Edouard Poncelet, conservador dos Arqui-
vos do Estado em Mons, não segue o mesmo critério dos seus
antecessores, pois restando-ihe um maço de 3.5oo documentos
para incluir neste quinto e último tomo viu-se forçado a substi-
tuir a publicação dos documentos na íntegra pela dos extractos
sumários, e reservando para os anexos a publicação in-extenso
dos que tivessem um interesse mais geral.
Também neste volume dasapareceu o Índice dos documentos,
•ubstituindo-o o alfabético de lugares e pessoas,
iq%
dru de Mom — que preenchem quatro volu-
mes (i).
O Cartulaire de rAbbaye d' Ourval depuis r ori-
gine de ce nionastère jiisqu^à l'année 1 365 ^íoi ledi-
tado pelo padre Hipi-olyte Gofuinet, sendo pre-
cedido de uma Introdução de trinta e oito pá-
(i) As Charles du Chapitre de Sainte-Waudru de Mons, fo-
ram coleccionadas e publicadas por Leopold Devillers, tendo
aparecido o primeiro volume em 1899, o segundo em 1903, o ter-
ceiro em 190S e o quarto em 191 3.
O primeiro volume abre por uma excelente Introdução onde
o erudito Devillers estuda, sucessivamente, a natureza dos di-
plomas que publica, os fundos que formam e os depósitos onde
se encontram — especialmente os arquivos do Estado em Mons,
a biblioteca pública da mesma cidade, os arquivos gerais de Bru-
xelas; ocupa-se do estudo, arrumação e cuidados dos arquivos de
Sainte-Waudru ; explica porquê e como se perderam as peças
primitivas ; faz a história do mosteiro, indicando os seus direitos
e prerrogativas, administração, obras que fazia, benefícios reali-
zados, a importância social do seu capítulo; e termina por falar
dos selos de alguns diplomas.
Os documentos mais antigos são publicados em extractos,
sendo o primeiro a figurar, in-extenso, um de 83 1 sobre a distri-
buição do legado de Ansegise, abade de Fontenelle. O último
do volume é o cccclxxui — que é um breve de confirmação de Ino-
cêncio IV, de i5 de Fevereiro de 1246.
Termina o volume por dois índices : um cronológico e ana-
lítico, e outro alfabético de nomes de pessoas, lugares e matérias.
O segundo tomo vai até ao documento dcgccxxi — que é uma
declaração de compra de «un bonnier d'alleu situe à Saints», pas-
sado em Mons a 6 de Novembro de 1400; o tomo terceiro vai até
ao documento mdcccxxcii — que é um compromisso de pagamento
passado em Mons a 3i de Outubro de i53o.
O quarto e último tomo terminado por Ernest Matthieu, de-
vido à morte de Devim.ers, abrange até uma carta do bispo dé
Tournai, Francois-Joseph Hirn, constatando a autenticidade duma
relíquia de santa Vaudiu e permitindo a exposição dela aos fieis,
e é datada de Mons, de 20 de Agosto de 1804.
18
1q\
ginas onde o editor descreve a abadia d'0rvai, a
sua fundação e doações que teve ; enumera e bio-
grafa rapidamente cada um dos cinquenta e dois
abades cistercienses d'Orval; trata da biblioteca
e dos arquivos do mosteiro, especializando os
cartulários do abade Henrion e do abade Mom-
NERTS, etC. (l).
Por sua vez, o Cartulaire de rAbbaye de Saint-
Trond, preenche dois tomos, sendo editado pelo
erudito arquivista Charles Piot. O primeiro vo-
lume, aparecido em 1870, começa logo pela pu-
blicação dos documentos, sendo a primeira peça,
de 7 de Abril de 1741, um diploma pelo qual
o conde Robert de Hesbaye doa à abadia a
igreja de Donek bem como essa e outras al-
deias (2).
(i) O primeiro documento do Cartulário da abadia d'Orval
publicado no volume é de 1029, onde o arcebispo de Tréves,
Poppon, lamenta os prejuízos causados, etc. O último foi o 626
de 12 de Março de i36õ pelo qual Jean de Margny, cavaleiro,
confirma a doação feita à abadia d'Orval por seu pai, etc. Se-
guem-se : ura pequeno glossário, um índice alfabético dos nomes
de pessoas e de lugares, e outro de materiais. O volume apare-
ceu em 1879.
(2) Este tomo — que e magnificamente anotado — termina
pelo documento 432, de i5 de Outubro de i366, pelo qual Otão de
Cuyck vende à abadia os seus bens feudais de Duras, e é seguido
de um índice geral. O segundo tomo, publicado em 1874, abre
por uma magnífica Introdução de noventa e nove páginas, onde o
editor estuda : a colecção documental que publica ; a constituição
da abadia de Sainte-Trond e as suas relações históricas com as
instituições locais ; a organização comunal da cidade de Sainte-
Trond, a sua vida histórica, jurisdição civil e penal, confrarias,
corporações de ofícios ; o antigo condado de Loos e os seus titu-
275
Em 1903 aparecia o tomo primeiro das Char-
les de rAbbaye de Saint-Hubert en Ardenae, pu-
blicado por GoDEFROY DE KuRTH, prccedído de uma
excelente Introdução de setenta e sete páginas,
onde o editor estuda as fontes que utilizou, de-
termina a cronologia dos abades de Saint-Hu-
bert, e expõe os métodos seguidos na factura da
colecção (i).
Emíim, para não estender mais este trabalho
limitar-nos hemos simplesmente a enumerar na
série dos Gartulários publicados : o Cartulaire des
coutes de Hamaut, por L. Devillers, em seis vo-
lumes, de 188 1 a 1896; as Chartes de rabbaye
de Saint-Martin de Tournai, por A. d'Herbomez,
em dois volumes, de 1898 a 1902; o Cartulaire
deVabbaye dii Vai-Benoit, por J. Cuvelier, 1906;
o Reciieil des Chartes de Vabbaye de Stapelot-Mal-
medy, por J. Halkin e C.-G. Roland, tomo i, em
lares ; os condes de Duras e a sua inflluência sobre a abadia ; e a
vida religiosa e administrativa desta.
Começa depois a publicação documental por um diploma de
i36ò — ao que parece, — e termina por outro datado de Liège, em
7 de Maio de iSgõ.
(i) O primeiro documento publicado é uma carta de doação
de Pepino de Herstal e de sua mulher Plectruda a Santa Bèrégisa
do Castelo de Ambres com as suas dependências para aí fundar
um mosteiro ; o último — o cccxvi — é a reprodução da cópia
de uma sentença arbitral num litígio entre o preboste de Bouilion,
Jean de Landry, e a abadia. O primeiro é de i3 de Novembro
de 687, e. o último de 3o de Maio de i35o.
Os documentos são publicados in-extenso, seguindo-se-lhe um
apêndice, e, depois, um índice cronológico das peças, e outro
alfabético de lugares e pessoas. Até 1920 não conhecemos ne-
nhum outro tomo publicado.
276
1 909 ; e, por último, o Cartulaire genealogique des
Arteuelde, por Napoleon de Pauw, 1920 (i).
Vimos já o enorme trabalho realizado com as
publicações das Crónicas e dos Cartulários, va-
mos agora notar como tem sido importante o
labor efectuado quanto à publicação dos volumes
da série da Table chronologique des chartes et di-
plomes imprimes consernant Vhistoire de la Belgi-
que.
Esse corpo de publicações começou por um
volume de XLViii-770 páginas, publicado, em 1 866,
por Alfonso Wauters.
Pelo Prefácio vê-se que a iniciativa dessa co-
(1) Trata-se de um monumental volume in-quarto, cora xvm-
924 páginas, com a documentação da genealogia do famoso bur-
guês de Gand, do século xiv Jacques van Artevelde, célebre
paladino das liberdades publicas comunais e constitucionais da
heróica e já operosa Bélgica medieval, e cuja vida de tribuno,
homem público e revolucionário encheu enormemente o período
que vai de i336 a 1349. -^ ^'^'^^ ^^ ^^f"- P^uw é o produto de
fundas investigações nos arquivos de Bruxelas, Gand, Bruges,
Ypres, Couttrai, Termonde, Lille, Paris e Londres. São três mil
documentos, alguns fac-similés, seguidos de fotografias de selos
que o paciente e operosíssimo investigador apresenta nesta obra.
O autor já anteriormente, em iSyS e 1878, havia publicado, so-
bre o seu herói, uma obra, com bastantes documentos : a Conspi-
ration sons Jacques van Artevelde (1392). Outros investigadores
e historiadores — como Voisin, Vuylsteke, Kervyn de Letenhove,
Vanderkindere — também já, anteriormente, haviam escrito sobre
Jacques d'Artevelde e o seu tempo.
É — como já dissemos — este o volume da Colecção de Car-
tulários que conhecemos como mais recentemente aparecido.
277
lecção cabe ao eminente erudito Gachard, então
arquivista geral, que a 7 de Maio de 1837 apre-
sentava um projecto para a redacção e publica-
ção da Table chronologique.
Al proposta de Gachard contêm, além da ex-
posição das razoes scientííicas de tal obra, uma
pequena, mas interessante^ história de outros
empreendimentos similares levados a efeito no
estrangeiro.
A 8 de Dezembro o rei Leopoldo assinava o
decreto determinando a obra, e a 16 de Novem-
bro de i838 era aprovada a portaria regulamen-
tando o trabalho. Ficou determinado que o
índice dos diplomas deveria conter: «Toutes
chartes, diplpmes, lettres patentes, lettres-missi-
ves, ordonannces, instructions, commissions, rè-
glements et autres actes imprimes qui concer-
nent, soit Thistoire de la Bélgique en general . . . » .
Iniciaram-se os trabalhos, mas tempo depois
interrompiam-se pela falta dos... trabalhadores.
A seguir, foi a missão confiada a Gachet, mas
este pouco depois falecia. Se bem que os fun-
cionários paleógrafos Van Rossum e Van Bruys-
SEL tivessem trabalhado na obra, foi o arquivista
Wauters que, a partir de Abril de i858, tomou
conta da empreza.
Na Introdução o editor Wauters traça um de-
senvolvido e esclarecedor descritivo da evolução
dos trabalhos históricos em geral, e especialmente
na Bélgica, das obras ali feitas nos séculos xvi, xvii
e XVIII, principalmente pelo diplomatista Albert-
278
Mire — Miraeus, — o colector Foppens, o maurista
d'Aantine, etc. ; ocupa-se da utilidade dos diplo-
mas e do emprego que deles teem feito os escrito-
res medievais e modernos, passando, depois, a
expor as diferentes categorias de actos públicos
e particulares utilizados na formação do índice
cronológico, e a indicar as maneiras de datar que
foram adoptadas.
O índice abre com a menção de um diploma
do ano de 275, pelo qual o senado romano in-
forma a cúria de Trèves que êle recuperou o di-
reito de designar o imperador, documento esse
publicado na Historiae Augiistae scriptores, sex,
de Sereveríus ; no Prodromus Historiae Trevien-
sis, de HoNTHEiM ; no Belgiiim Rotnamim, de
BoucHER, e no tomo primeiro do Recueil des his-
toriens de France.
Os últimos documentos registados são de iioo,
seguindo-se dois índices: um dos nomes de pes-
soas e outro de nomes de lugares, terminando
o volume por uma Notice Bibliographique, das
obras citadas que publicaram os documentos re-
gistados.
O tomo X, aparecido em 1904, ainda elabo-
rado por A. Wauters, é já uma obra póstuma
desse erudito. Começa pelo registo de um do-
cumento de I de Janeiro de 1 340, publicado na
Foedera de Rymer^ pelo qual Eduardo, rei de Ingla-
terra, ordena o pagamento de i25 libras e i.5oo
florins a Othão de Guyck como indemnização da
perda dos senhorios que êle possuía em França,
279
termina por um documento de i35o, pouco mais
ou menos^ contendo uma lista de nobres chama-
dos à assemblea de Cortenberg.
O tomo XI, cuja primeira parte apareceu em
1907, e a segunda em 191 2, é já elaborado por
S. BoRMANs, da Academia, e J. Halkin, professor
da Universidade de Liége. Essas duas partes
constituem o suplemento à obra de Wauters,
com documentos, indo do ano 98 a i3oo (i).
Nas três séries de Inventários dos cartulários
conservados: a) nos arquivos do Estado belgas;
b) nos depósitos não etatistas da Bélgica ; c) e nos
depósitos estrangeiros, diremos somente que a
primeira série deu origem a um volume, apare-
cido em 1895; a segunda a outro, publicado em
1 897 ; e a terceira ao volume dado a lume em
1899(2).
(1) o de 98 consiste num diploma de Trajano concedendo a
civitas e o conubiurn aos soldados de três alas e seis coortes que
acabavam de obter a honesta missio. O documento encontra-se
no Museu Arqueológico de Liège.
.(2) Pertencem também a estas categorias de obras os seguin-
tes inventários publicados pela Commission : o Inventaire analy-
tique des chartes de la coUégiale de Saint-Pierre à Liege, por E.
PoNCELET, aparecido em 1906; o Inventaire des archives farné-
siennes au point de viie de Vhistoire des Pays-Bas, por A. Cau-
CHiE e L. Van der Essèn, igt i ; e o Inventaire analytque des char-
tes de la coUégiale de Sainte-Croix à Liège, por E. Poncei.et,
tomo I, publicado em 191 1, estando no prelo o segundo tômo, bem
como o Inventaire analytique des chartes de Saint-Jean- Évangé-
liste à Liège, por L. Lahaye.
28o
Muitas outras obras importantes teem sido pu-
blicadas pela Commission Royale d^Histoire de Bél-
gique^ entre as quais citaremos, sem ter a preten-
são de as enumerar a todas : o Reciieil de dociiments
relatifs à Vhistoire de Vindustrie drapière en Flandre,
por G. EspiNAS e H. Pirenne, dois tomos, 1906 a
1 909 ; Comptes de la ville d' Ypres de 1267 à i32g,
por G. Des Marez eE. De Sagher, em dois tomos,
1 909 a 1913; as Oeuvres de Jacques de Hemri-
court. Le miroir des nobles de Hesbaye, por C.
de Borman e A. Bayot, um tomo, 191 o; Les dé-
nombrements defoyers en Brabant (XI V^ à XVF
siècle), por J. Cuvelier, 191 2 ; a Retraite et mort
de Charles- Quiiit au monastère de Yuste, por Ga-
CHARD, dois volumes, 1854 e i855; as Relations
des ambassadenrs vénitiens sur Charles- Quint et
Philippe II, por Gachard, i855 ; Synopsis actorum
Antuerpiensis, por Ram, i856; Correspondance de
Charles Quint et d^Adriens VI, por Gachard, 1859;
Actes des États généraux des Pays-Bas, 1576 a
i585; Notice chronologique^ por Gachard, dois
volumes, 1861 a i866;X)o?z Carlos et Philippe II,
por GacharD;, dois volumes, i863; Le Livre des
feiídat. du duc Jean III, por L. Galesloot, i865 ;
Le Livre des fiefs du Comté di Loo^ sous Jean
d^Arckel, por C. de Borman, 1875; Documents
inédits relatifs à Ihistoire du XVP siècle, pelo h}°
Kervyn de Letenhove, primeira parte, i883 ; Mé-
28l
moire du legat Onufriíis sur les affaires de Liège^
1468, por S. Barman; Nécrologe de Véglise Saint-
Jean à Gaud, por N. de Pauw, 1889 ; Polytiptique
de Giiillaume, abbé de St.-Trond^ por H. Pirennb,
1896 ; Le Livre des fiefs de l^église de Ltège sous
Adolphe de la Marck, por E. Poncelet, 1898;
Actes et documents anciens intéressant la Bélgi-
qiie, por Ch. Durivier, 1898, nova série, 1908;
Commentario dei coronel Francisco Verdugo de la
guerra de Frisa, por H. Lonchay, 1899; Le sou-
lèpement de la Flandre maritime, por H. Pírenne,
1900 ; La chronique liégeoise de 1402, por E. Ra-
cha, 1900; Le registre de Fr. Li:xaldius, por F.
Rachfabl, 1902; La chronique de Gislebert de
Mons, por L. Vanderkindere, 1904; Recueil des
instructions générales aux nonces de Flandre, por
A. Gauchie e R. Maere, 1904; La chronique de
Saint-Hubert dite « Cantatorium», por K. Hanquet,
1906; La librar ie de Phillipe le Boji, por G. Dou-
trepont, 1906; os Documents sur la principauté
de Liège spécialement au début du XVF siècle, por
A. Gauchie e A. Van Hove, i, 1908; as Mémoires
et documents sur la Révolution belge, por C. Buf-
FiN, dois volumes, 1 91 2.
Além de toda essa espantosa produção deve
notar-se que no prelo encontravam-se ultima-
mente dezassete volumes entre os quais figuram
o tomo XI da Table chronologique des chartes et
diplomes imprimes; o tomo iii do Recueil de docu-
ments relatifs à Vhistoire drapière; o tomo 11 dos
Diplomas das abadias de Stapelot-Malmedy ; o
2«2
tomo III das Comptes de la Ville d' Ypres; o tomo iii
das Actes de V Uíiiversité de Loupain(i); o tomo vi
(i) Alem das obras até agora enumeradas e que são, como se
tem visto, multidão, constituindo uma das mais ricas bibliotecas
históricas que a um país é dado possuir, temos ainda a salientar
o grupo das publicações universitárias, isto é, acerca da história
das Universidades belgas.
A esta categoria pertencem os dois volumes já aparecidos, e,
o terceiro no prelo, das Acies ou Procés verbaux des séances té-
nues par le Conseil de VUniversité de Louvain.
O primeiro tomo desta obra, publicado por A.Reusen, em igoS,!
compreende os documentos de 1482 a 1448 ; e o segundo, aparecido ;
em 1919, é já elaborado pelo professor da mesma Universidade
A. VAN HovE, e contem documentos desde 26 de Maio de 1445
a 17 de Agosto de 1455. A partir da pág. 451 figura uma séria de
úteis Apêndices com as indicações dos reitores, vice-reitores, asses-
sores, membros do Conselho da Universidade, decanos de Facul-
dades, nreceveurs», promotores, dictadores — que eram os inofen-
sivos escribas mal pagos e servidos, — - notários, bedéis, livreiros e
mensageiros — ou correios ; todos que tinham funcionado durante
o período de 1445 a 1455. Segue-se-lhe um índice alfabético.
Outras obras teem sido pubhcadas oficialmente sobre as Uni-
versidades belgas. Assim, em 1869 aparecia o excelente volume
de Alfonse Le Roy, L'Université de Liège^ para comemorar o pri-
meiro cincoentenário da sua fundação — que foi a 25 de Setem-
bro de 1817. Começa a obra por uma Introdução de 77 páginas
historiando a vida da Universidade, e seguindo-se-lhe listas por
ordem alfabética dos administradores, professores — cada um com
a sua bio-bibliografia, os quadros de cada Faculdade ; notas das
instalações, do material didático, dos diplomas, etc.
Também, em 1884 aparecia uma monografia do professor L.
Vanderkindere, acerca de VUniversité de Bruxelles^ para come-
morar igualmente, o primeiro cincoentenário desse instituto. O
seu autor, e professor da Faculdade de Filosofia e Letras dessa
Universidade, depois de estudar a proto-história — desde 1778 —
e as origens e a evolução da Universidade Livre, publica a lista
dos fundadores dessa Universidade, dos seus administradores, ins-
pectores, reitores, membros do conselho de administração, secre-
tários e tesoureiros, bibliotecários, professores, assistentes, pre-
paradores, agrepados, etc.
Como fugidia elucidação deve dizer-se que essa Universi-
283
do Cartulaire de Véglise de St. Lambert; o tomo ii
das Chroniqiies liégeoises, etc.
Além destes volumes de continuações teem-se
iniciado as seguintes publicações novas : Les dé-
iiombrements du duche de Luxemburg au XV^ et
au XVF siècle, por J. Grob e J. Vaunerus ; a Cor-
respondance de la Cour d^Espagne sur les affaires
des Pays-Bas au XVIF siècle, por H. Lonchey e
J. Cunelier(i); o Table onomastique de la corres-
pondance de Granpelle, por J, Wils(2); o Rapport
dade Livre foi criada para combater a influência da Univer-
sidade católica de Louvain. Ela teve uma origem essencial-
mente maçónica, pois foi na Loja dos Amis Philaniropes^ de Bru-
xelas, que em Junho de i834 — no dia da festa do soltício do
estio — Théodore Verhaegen expôs o seu projecto da criação da
Universidade Livre. Tão rápidos foram os progressos que a ideia
adquiriu que a 3 de Agosto já as as subscrições haviam rendido
25:83o francos, e, pouco depois, atingiam 45:ooo. Outros concur-
sos valiosíssimos surgiram, e a 20 de Novembro era inaugurada
solemnemente a Université Libre de Bélgique, que, em 1842,
passou a designar-se por Université Libre de Bruxelles.
(i) Como já vimos são numerosas as obras até agora publi-
cadas acerca da dominação espanhola nos Países-Baixos, e esta
não será, certamente, das menos interessantes.
(2) A correspodência de Antoiné Perrenot, cardial de Gran-
velle, preenche doze volumes, indo de i565 a i585, e constitue uma
das boas colecções publicadas pela Comissão Real de História.
Continua ela a série dos Papeis do Cardial de Granvelle, edi-
tada pela colecção dos Documents inédits sur 1'Histoire de France.
O primeiro volume da Correspondência de Granyelle, apare-
cido em 1877 ^ publicado por Edmond Poulaet, contêm cartas do
ilustre ministro de Filipe II, de 20 de Novembro de i565 a 29 de
Setembro de i566.
Os seis primeiros volumes são editados, prefaciados e ano-
tados excelentemente por Edmond Poullet, e os restantes seis
por Charles Piot.
O tômo xu e último contêm a correspondência de Granvelle,
siw les Archives de Vienne, por J. Laenen(i); a
Chroniqiie de J. Hocsen, por G. Kubth e Ursmer
Berlière, etc.
de I de Janeiro de i585 a 19 de Setembro de i586, cora 85 do-
cumentos, seguido de um Apêndice em 148 peças — sendo a úl-
tima de 17 de Dezembro de i586, terminando por um Suple-
mento com a correspondência de diversas datas.
L a esta importante correspondência que se refere o índice
onomástico de J. Wills, que está no prelo.
E também de citar, entre os bons estudos da história diplo-
mática belga, a obra de Ernest Déscailles, Un Diplomate belge
à Paris, de i83o a 1834, e publicado, em 1609, no tomo terceiro
da segunda série das Ménioires da Academia Real da Bélgica^
Classe de letras e sciências morais e políticas.
(i) Devemos ainda notar as missões de estudo realizadas por
diversos investigadores belgas em vários arquivos e bibliotecas do
estrangeiro, por determinação da Comissão Real de História.
Dessas missões teem resultado alguns trabalhos muito impor-
tantes não só de história como de heurística e de bibliografia.
Destes há que salientar os dois magníficos volumes do erudito
Gachard com o título : La Bibliotheque Nationale à Paris. No-
tices et extraits des mamiscrits qui concernent 1'histoire de Bel-
gique, e aparecidos de iSyS a 1877, onde o notável Académico
belga expõe o resultado das suas investigações na Biblioteca Na-
cional de Paris em i838 e i856^ no ponto de vista de história do
seu país. Começa por uma valiosa descripção de dois dos fun-
dos de manuscritos desse estabelecimento : o núcleo Colbert e
a colecção d'Esmans, passa a referir-se às espécies que estudou
e inventariou, classificando-as por grupos de crónicas, histórias,
relatórios e memórias; cartulários e diplomas; cartas missivas e
instruções políticas e diplomáticas. O inventário das peças é
quási sempre muito analítico e acompanhado de excelentes notas.
Já anteriormente Gachard havia elaborado um trabalho se-
melhante com relação às Bibliotecas de Madrid e do Escurial,
produto também da sua missão scientífica em Espanha em 1843,
e que constitue, como os acima referidos, um monumental vo-
lume de xxxviii -f- 678 páginas.
A esta mesma ordem de trabalhos pertence a obra de J. Lae-
NEN, acima citada.
285
Agora mesmo nos acaba de chegar às mãos o
tomo primeiro da Correspondance des Ministres
de France accrédités à Briixelles, de 1780 à i^go,
publicada pelo reitor da Universidade de Liége
EuGÈNE HuBERT. A obra, profusa e magnifica-
mente anotada, começa por uma excelente intro-
dução de setenta e quatro páginas sobre a histó-
ria politica e diplomática de França durante os
primeiros dez anos da Revolução ; indica os ar-
quivos onde estavam as peças de que trata, e
cita os manuscritos e impressos consultados.
A correspondência umas vezes é extractada, e
outras publicada na íntegra segundo a importân-
cia que as peças apresentam.
Alem de todas as obras enumeradas, dispostas
por colecções ou séries de : crónicas, cartulários,
papéis do Estado, inventários, etc, etc, outros
trabalhos importantes tem publicado a ccGommis-
sion Royale d'Histoire», sendo de salientar a Col-
lection des voyages de souverains des Pays-Bas,
publicada inicialmente por Gachard, e continuada
por PiOT.
Essa importante obra compreende quatro vo-
lumes, dos quais o primeiro, aparecido em 1876,
contêm : os itinerários dos duques de Bourgo-
nha, Filipe-o-Bravo, João-sem-Medo, FiUpe-o-
Bom, do arquiduque Maximiliano — esposo de
Maria de Borgonha, e de Filipe-o-Belo — seu
286
íilho ; o relato da primeira viagem de Filipe-o-
Belo em Espanha, em i5oi, redigido por An-
TOiNE DE Lalaing, senhor de Montigny, e o da se-
gunda no mesmo pais, em iSoy, de autor desco-
nhecido.
O segundo volume, publicado em 1874, consta
do itinerário de Carlos V, de i5o6 a i53i; Jor-
nal das Viagens de Carlos V, de 1 5 1 4 a 1 5 5 i , por
João de Vandenesse, seguido de muitos documen-
tos. O tomo III, aparecido em 1881, encerra a pri-
meira viagem de Carlos V em Espanha, de iSiy
a i5i8, por Laurent Vital; a Viagem e expedi-
ção de Carlos V a Tunis, em 1 535, por Guillaume
DE MoNTOiCHE ; ã expedição do mesmo impera-
dor a Alger, em 1541, por um anónimo; e a via-
gem da rainha Ana em Espanha, em iSyo, por
AIyXES DE COTEREAU.
Finalmente, o quarto tomo, publicado em 1 883
contêm o Jornal de viagens de Filipe II, de i 554
a 1569, por João de Vandenesse; a Viagem do
arquiduque Alberto em Espanha em 1598, por
GiLLES DU Fatng; o Itinerário d'Antoine, duc de
Brabant, de 1407 a 141 5 ; o Itinerário de João IV,
duque de Brabante, de 141 5 a 1427 ; o Itinerário
de Philippe de St. Pol, duque de Brabante, de
1427 a 1430 (i).
(i) Cada volume tem a sua Introdução própria com muitas
notas pelo decorrer da obra, sendo uma grande parte delas cons-
tituídas por citações dos próprios trabalhos da Commission.
287
Eis pois, e abreviadamente exposto, o admi-
rável labor levado a efeito pela «Commission
Royal d'Histoire de Bélgique» — que, como dis-
semos, é independente da Academia Real da Bél-
gica. Mas, isto não significa que esta instituição
não haja também trabalhado, e muito, em favor
das sciências históricas.
A antiga Academia Real das Sciências e Belas
Letras de Bruxelas, hoje tornada Academia Real
da Bélgica, é a herdeira sequente da Société litté-
raire de Bruxelles, estabelecida, em 1769, pelas
diligências do conde de Cobenzl, ministro pleni-
potenciário nos Paises-Baixos, e transformada em
Academia imperial e real das sciências e belas
letras pela imperatriz Maria-Tereza, em 1772.
Havendo interrompido os seus trabalhos em
1794, por ocasião da segunda invasão das tropas
francesas, voltou à actividade em 1816. O que
foi a actividade dessa instituição, na sua primeira
fase, pode vêr-se, rapidamente, percorrendo o
primeiro volume das Mémoires sur les questions
proposées par VAcadémie Royale des Sciences et
Belles-Lettres de Bruxelles (i).
A partir de 181 6 os trabalhos da Academia in-
tensificaram-se. O primeiro volume das Mémoi-
(1) Esse tomo, publicado em 1818, traz num Avertissement
a lista das Memórias premiadas e publicadas desde 1769 a 1794.
288
res contêm as premiadas sobre o tema Quelles
sont les places dans les dix-sept Provinces des Pays
Bas et lepays de Liège, qui depuis le septième jus-
qu'au dou:{ième siècle exclusivement, ont pu passer
poiír des villes^ e outra sobre as aplicações do va-
por de água como meio de aquecimento (i).
De então até agora atingiu muitas dezenas o
conjunto dos volumes das Memoires Coronnés^
das Memoires gerais e dos Buletins — e seus ane-
xos — das três classes que constituem" a Acade-
mia : a de Sciências, a de Letras e Sciências Mo-
rais e Políticas, e a de Belas-Artes (2).
Porém, toda essa obra, que mesmo para qual-
quer grande potência seria importante, e consti-
tuiria um grande título de orgulho, mas que para
um pequeno país, como a Bélgica, resulta monu-
mental e a torna digna da gratidão e solidaridade
de todo o mundo culto, não poude conjurar a in-
vasão alemã troculenta, brutal, destruidora que
se deu em 19 14.
Assistiu-se então a esse fenómeno estranho, pa-
(i) A cerca da história da Academia Real da Bélgica ver : Ad.
QuETELET, Centième Anniversaire de la fondation (i^j2-i8']2) —
Primiere siècle de l'Academie, 1872, e os dois tomos da obra ela-
borada e editada pela mesma instituição, e aparecida em 1872;
Academie Royale de Belgique. Centième anniversaire de fondation
(m2-i8j2).
(2) Alem das numerosas Memórias, dos Monuments de la lit-
teratureflamande^ e das obras dos grandes escritores belgas edi-
tadas pele Academia, dos vinte e um tomos da Biographe natio-
nale, e dos volumes de bibliografias académicas, catálogos da bi-
blioteca da Academia, etc , há ainda a notar o grande labor da
Secção de siciências, de que aqui nos não ocupamos.
289
radoxal, de um grande Estado que se considerava
o mais perfeito tipo da civilização humana lan-
çar-se sobre um pequeno e fraco país que tão
dedicada e levantadamente tem servido a causa
desse mesmo progresso. E mais estranho ainda
é o caso — atingindo as raias do monstruoso —
quando vemos essa mesma Alemanha sacrificar,
com uma sanha, um ódio e um ciúme canibales-
cos as próprias instituições scientificas do país
nobremente vencido, mas não convencido nem
dominado.
Uma das instituições mais vitimadas pela in-
vasão e ocupação alemãs foi, precisamente, a Aca-
demia Real da Bélgica.
Sente-se uma comoção indizível — que roça
pela indignação e pela vergonha do estado mo-
ral de uma civilização que torna possíveis tais
monstruosidades — quando se lê o Annexe aux
bulletins de la Classe des Beaux-Arts. Communi-
cations présentées à la Classe en igiS-igij^ desse
Academia, trabalho esse aparecido em 1919. Aí
figura o Rapport succint sur Fétat du Palais des
Academies après le départ des Allemands, por Louis
Le Nain.
O que se diz nesse relatório e o que se vê nas
fotografias que o acompanham é espantoso, abo-
minável. A sala dos manuscritos de Stassart e
a biblioteca que fora legada por este mesmo barão,
o gabinete da Secretaria, a sala das sessões, a
famosa sala de mármore — transformada em ca-
maratas, o fundo da sala grande — servindo de
>9
^gô
cozinha, a sala da comissão real. de História —
destinada a anexo da cosinha e a despensa : tudo
ficou arruinado, sujo^ repugnante. Os manus-
critos e livros, o medalheiro, os objectos de arte :
uns haviam sido roubados, outros destruídos; as
vidraças eetavam partidas, todas as gavetas e por-
tas arrombadas, os móveis escavacados; mutila-
dos os bustos do príncipe de Ligne, de Gachard,
Wagener, e dos filhos de Leopoldo I, etc, etc.
jEis como esses iper-cmli{ados alemães reco-
nheceram e trataram essa gloriosa Academia e
essa operosissima Comissão Real de História —
de que tanto temos falado !
Apesar de termos visto como é colossal a obra
realizada pela Academia Real Belga e pela Co-
missão de história é de prever que não se circuns-
creve ai o labor scientifico desse encantador país
no que respeita aos estudos de erudição. Outras
instituições ali existem que também, e na medida
das suas possibilidades^ teem contribuído para o
progresso de tais estudos.
Imprimem elas as suas publicações periódicas,
entre as quais citaremos as seguintes : Annales de
VAcademie d^archéologie de Bélgique^ que teem pu-
blicado artigos de L. Stroobant — sobre os ma-
gistrados do grande Conselho de MaUnes ; Les
Archives belges; o já citado Bulletin de la classe
des lettres de VAcadémie royale de Belgique —
291
com estudos de G. Kurth sobre Renis de Huy,
verdadeiro autor das fontes baptismais de S. Bar-
tolomeu de Liége, de F. Cumut — sobre o astró-
logo Julião de Laudicea, de 497, etc, etc. ; o Biil-
letin dçs commissions royales d^art et d'archeologie
de Belgique, contendo artigos de F. Lahest, de
H. ScHUERMANS sôbre as ruinas da abadia de Vil-
lers ; a Bibliothèqiie norbertine de rabbaye de Pare,
com estudos, de cronologia e biografias pelos
professores da abadia — 1426 a 1694; Bulletin de
r Institui archéologique liégeois, contendo estu-
dos de E. Poncelet sôbre os marechais do exér-
cito do bispo de Liège, etc. ; o Bulletin de la So-
ciété d'histoire et d'archéologie de Gand, que tem
publicado estudos de A. Van Worwek sôbre o
cativeiro de Jacqueline da Baviera em Gand, sô-
bre a evasão da princesa em 1425, etc. ; de P. Va-
rhaegen — sôbre a origem da indústria das ren-
das; H. Pirenne; de X. Van den Houte; de H.
Coppieters-Stochone — sôbre os primeiros chan-
celeres da Flandres no século xi, etc; o Bulletin
de la Société royale belge de géographie, que — no
n.° 2 de 1903, traz um artigo de J. Mees sôbre
A carta de Toscanelli a Christovão Colombo e o
caminho das índias. O autor sustenta contra Gon-
zales de la Rosa, Vignaud, etc, a autenticidade
da carta em questão ; o Bulletin du Cercle archéo-
logique, littéraire et artistique de Malines, tomo xii ;
Le Musée belge, com estudos de P. Graindor sô-
bre SLsInscriçôes de Ceos, de A. Steppers — sôbre
história de Roma, de J. P. Waltzing — acerca
^9^
das inscrições latinas de Namur, de V. Tourneux
— sobre a Bélgica céltica ; os Annales de la Société
historique et archéologiqiie de Tournai; o Bulletin
de la Société d'art et d^histoire de diocese de Liège^
tomo XIV, 1908; a Remie de rUniversité de Bru-
xelles; a Revue d'histoire ecclesiastique de FUiii-
versité de Loupain, etc, etc.
Eis, pois, e muito sumariamente, a enorme e
admirável colaboração que a pequena mas ope-
rosa Bélgica tem trazido ao avanço das sciências
históricas (i).
Quando um pais com esses serviços imorre-
douros à civilização é afrontado iniqua e brutal-
mente, como esse o foi, pela Alemanha, em 19 14,
nenhum coração bem formado, nenhum espírito
bastante esclarecido, nenhuma consciência im-
pregnada de sentimento de justiça pode ficar in-
diferente, pode deixar de vibrar de comoção e
de indignação ante atentados de tal ordem.
Um país que, como a Bélgica, cumpre tão dis-
tintamente a sua função de colaboração em be-
nefício do progresso humano merece não só uma
platónica admiração mas a mais efectiva solida-
(i) Os leitores que desejem consultar as obras publicadas
pelas Academias esti-angeiras, e citadas neste trabalho, encon-
tram-as, com pequenas excepçõesj na magnífica biblioteca da
Academia das Sciências de Lisboa, Também a nossa Biblioteca
Nacional tem muitas das que aqui invocamos.
293
riedade por parte de todo o mundo culto nos
momentos de perigo.
j Que outros pequenos países — e o nosso em
primeiro lugar — sigam o nobre exemplo da Bél-
gica para que nas circunstâncias graves que um
dia vejam surgir eles possam desfrutar o mesmo
ambiente de simpatias e utilizar idêntica solida-
riedade de esforços (i)!
(i) Outros países da Europa, como a Rússia, a Hungria a Po
lónia, e a Filandia, teem apresentado no decurso do século xix im-
portantes progressos na historiografia, quási sempre devido à im-
pulsão dos governos ou corporações scientíficas como as Acade-
mias, Universidades, Escolas especiais, etc.
Assim, o progresso dos estudos históricos na Hungria é devido
à Academia das Sciencias desse país, que, fundada_ em 1825, a
partir de i855 organizou uma Comissão histórica que tem publi-
cado a colecção dos Monumenta Himgriae histórica^ que se divi-
dem em quatro secções : Scriptores, Acta extera, Monumenta
Comitialia, e a Diplomataria.
A Academia publica ainda uma colecção de Arquivos Histó-
ricos— onde figuram documentos mais curtos e menos impor-
tantes que os dos Monumenta, e umas Memórias relativas às scien-
cias históricas.
Ao lado da Academia húngara, foi fundada, em 1867, a Socie-
dade de História, que publica uma Revista — os Séculos, — e uma
colecção de Biografias, e ambas essas instituições tcem publicado
colecções documentais, monografias, etc. *
Acerca da historiografia húngara ver uvcr magnífico estudo do
eminente especialista J. Kont na Revue de Synthèse Historique,
tomo 11, pág. 167 a 200.
CAPÍTULO V
As Colecções de Inéditos em Portugal (i)
I .*^ — o estudo dos manuscritos antes da fundação
da Academia de História
O modesto, mas culto, Francisco Dias Gomes
falando da nossa historiografia diz, com verdade :
«A nação portuguesa tem no seu idioma os
mais preciosos monumentos de História». E con-
tinua:
((Histórias da índia compostas por JoÃo de
Barros, Diogo do Couto, Fernão Lopes de Cas-
TANHEDE, AfONSO DE ALBUQUERQUE, Oude CStá TC-
concentrado todo o bom gosto do verdadeiro
aticismo, formam um corpo de história que visto
(i) Este capítulo é justificado imperiosamente pela natureza
(io nosso trabalho. Não quisemos deixar de o inserir, mas a ex-
tensão que este estudo já atingiu, nesta altura, torna impossível
dar-lhe o desenvolvimento que êle merece. Por isso, deve ficar
entendido que seremos aqui — e muito conscientemente — mais
que lacónicos : incompletos.
Num desenvolvido trabalho, não só descritivo como crítico,
acerta da historiografia portuguesa, que trazemos em preparação,
terá êle o desenvolvimento que merece.
296
por todos os lados, é o mais autorizado, o mais
vasto, o mais novo e interessante que nunca viu
o mundo até àqueles tempos, nem nos modernos
há esperança de outro semelhante».
. E mais adiante :
«Em uma palavra, a Nação Portuguesa po-
de-se afirmar que ensinou como se devia escre-
ver a História em língua vulgar, como já disse
um célebre autor estrangeiro».
Aparte um ou outro exagero é exacto qiie a
historiografia portuguesa é notável, sendo de la-
mentar que ela não tenha sido ainda objecto de
um desenvolvido estudo critico ou, mesmo, de
uma bibliografia metódica ( i ). E não seremos nós
que, quási já no remate do simples programa da
nossa Colecção de Inéditos — que é esta obra —
pretenderemos efectuar tão vasta, complexa e
delicada empreza, pois só nos interessa agora,
aqui, a simples menção de algumas obras histó-
ricas portuguesas que hajam publicado docu-
mentos inéditos, na integra ou em extracto (2).
(i) Com mais demora voltaremos oportunamente ao assunto.
(2) A dificuldade de conhecer, manusear, estudar hoje o nosso
património biblíaco do século xvi é acrescida pelo caso de muitas
dessas obras de autores portugueses terem sido impressas no es-
trangeiro.
Efectivamente muitos foram os portugueses que nesse século
fizeram publicar as suas obras, sendo muitas impressas em Por-
tugal, e outras no estrangeiro.
Assim, as do famoso médico Amato Lusitano, João Rodri-
gues, foram publicadas em várias cidades estrangeiras, como o
Index Dioscoridis... que saiu em Antuérpia, em i536; o In Dios-
coridis Anabar^ei de Medica matéria.. ., aparecido em Veneza em
297
A partir do século xvi temos nós vindo a pu-
blicar documentos numa dispersão aterradora
para quem um dia quizer elaborar, consciencio-
samente, uma bibliografia ou um catálogo dos
nossos manuscritos históricos impressos.
Na primeira metade do século xvii tal publica-
ção intensifica-se, figurando entre as principais
obras mais ou menos fundamentadas a Monarchia
Lu{itana, cuja primeira parte, devida à pena de
Fr. Bernardo de Brito, apareceu, pela primeira
vez, em 1597(1), a segunda parte em 1609, e a
terceira e quarta partes, redigidas por Fr. Antó-
nio Brandão, apareceram em i632 (2).
Em i6o3 apareciam os Elogios dos Reis de
Portugal — que foram reimpressos e acrescidos
em 1726, 1786 e 1825, atingindo nesta última
edição doze volumes; e em 161 6 Diogo de Paiva
DE Andrade publicava o Exame de antiguidades ;
i553 ; o Curatiomim medicinalhtm^ cujas sete centuriae foram pri-
meiro publicadas separadamente, a primeira em Florença, em
i55i, e a segunda em Veneza no ano seguinte, etc.
Outro tanto aconteceu cem a Alegatiojuris pro interdicto Ec-
clestasiico de Ambrósio Cardoso de Abreu, que, antes de aparecer
em Lisboa, em 1627, havia-se publicado em Roma em 1623 ; com as
Cartas da Etiópia do padre Gaspar Pais, publicadas em Roma e
Paris; o trabalho de Fr. Anselmo da Conceição sobre os Privi-
légios da Congregação de T/íiães, aparecido em latim, em Roma,
em iSgô.
(i) É de recordar que os quatro primeiros livros desta pri-
meira parte foram impressos no mosteiro de Alcobaça por ordem
de Frei Francisco de Santa Clara. Foi reimpressa em 1690 e
1806. Como se sabe, esta obra é de simples imaginação.
(2) A segunda parte foi reimpressa em 169O; e, incompleta-
mente, em 1808- 1809.
298
mas, já em 1600 havia aparecido a Primeira parte
das Crónicas dos Reis de Portugal de Duarte Nu-
nes DE Leão, e dez anos antes a Genealogia ...de
los Reys de Portugal, do mesmo autor.
Porém, a Crónica de D. João /, de Duarte Nu-
nes, só aparece em 1643, e a quinta parte da
Monarquia — a de Fr. Francisco Brandão — só é /
publicada sete anos depois, havendo a sexta
parte aparecido só em 1672(1).
Dois anos antes aparecia, em Paris, a obra do
diplomata Duarte Ribeiro de Macedo — Nasci-
mento e genealogia do Conde D. Henrique, Pae de
D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal.
Em i65i na oficina de Crasbeeck, de Lisboa,
apareceu a Vida de D. João de Castro, do ilustre
Jacinto Freire de Andrade, publicada em 1664,
em inglês, por Peter, Wichek e muitas vezes reim-
pressa em português (2).
Já um século antes, em i556, fora publicado
(1) Como se sabe é grandemente desigual o mérito da muito
citada colecção da Monarquia Lusitana, devido às divergentes
qualidades de Bernardo de Brito, António Brandão e Fran-
cisco Brandão — como historiadores.
Não há dúvidas que Brito, apesa r da defesa que dele faz Frei
Bernardino da Silva na Defensão da Monarquia Lu^^itana, se não
era um falsário, como Diogo de Paiva de Aí^drade lhe chamou,
era um espírito sem preparação crítica, e muito inferior ao nível,
já um tanto elevado, da historiografia do seu tempo. Ver : JoÃo
Pedro Ribeiro, Observações Diplomáticas^ pág. 82 a 84; Disser-
tações Cronológicas e Criticas, especialmente tomo iv; Barbosa
Canais, Estudos biográficos, pág. 208 ; J. Figanière, Bibliografia
Histórica Portuguesa, pág. i a 7.
(2) Ver Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, tomo 11, pág. 463
a 466; InocenciO; Dicionário, tomo iii, pág. 233, etc.
299
em Coimbra «per Joam Alverez ymprimidor da
Universidade» — como descreve Barbosa — o tão
apreciado Livro primeiro do Cerco de Diu, de
Lopo de Sousa Coutinho, e, em 1621 e 1622, o
erudito Lourenço Brandão publicava diversas
obras históricas e políticas (i). Também apare-
ciam : os estudos sobre a praça de Mazagão,
escritos, no meiado do século xvii, por Álvaro
DE Brito Rêgo (2); os trabalhos do afamado inves-
tigador António de Almeida Castelo Branco (3) ;
as cartas politicas e diplomáticas do guerreiro e
diplomata ilustre de D. João III e D. Sebastião,
Lourenço Pires de Távora, dos melados do sé-
culo XVI (4); as obras de genealogia do afamado
jurista dos fins do século xvi e princípios do sé-
culo XVII, Manuel Barbosa (5), as obras históricas
(i) Acerca de Lourenço Brandão, que Diogo Barbosa dá como
nascido em Lisboa e que quási só escreveu em espanhol, ver a
Biblioteca Lu^itana^ tomo iii, pág. 26. Inocêncio e os seus conti-
nuadores no Dicionário não aludem sequer a Lourenço Brandão,
provavelmente por não o considerarem português, se bem que no
Dicionário Portugal êle venha citado.
(2) Também acerca de Álvaro de Brito Rêgo é omisso o Di-
cionário Bibliográfico. Ver Barbosa Machado, Biblioteca..., t. iv,
pág. 10 e II ; Dicionário Portugal, tomo 11, pág. 5i5.
(3) Igual silêncio se fez no Dicionário Bibliográfico acerca
deste investigador da primeira metade do século xvii, a quem
Barbosa Machado no tomo iv da sua Biblioteca atribui cinco tra-
balhos, todos ficados — ao que parece — manuscritos.
(4) Vêr Bibliografia Lu^fitana no Dicionário Bibliográfico.
(5) No Dicionário Bibliográfico não se alude a Barbosa. As
obras Famílias do Reino de Portugal; Notas do Nobiliário do
Conde D. Pedro; e Livro da Armaria deste Reino, ficaram ma-
nuscritas segundo informa Barbosa in ob. cit., tômo iii, pág. 191 e
192.
300
do polígrafo António de Gouveia, todas estas obras
muito regularmente escritas quer quanto à base
documental que possuíam quer pela lógica e cia-!
reza que lhes teem atribuido o padre Francisco|
DA Cruz, Diogo Barbosa, Inocêncio, etc. '
A todas essas obras^ a bastantes outras que-
não citamos para não alongar este trabalho, e a
muitas mais que, naturalmente, nos falta conhe-^
cer, e que todas sairam impressas, há a acrescer^
muitas outras de carácter histórico, que ficaram |
manuscritas.
Além de algumas já citadas podemos enume-l
rar — muito a fugir — os doze volumes de genea-'|
logia de Fr. António de Madureira ;, a História do
Reino de Angola — de André Velho da Fonseca ;
a Crónica da Congregação de Santa Cru^ de
Coimbra — de D. Agostinho do Rosário; a His-
tória da índia (desde D. Garcia de Noronha até
Francisco Barreto) — de Fabiam da Mota; o
Roteiro da navegação, e carreira da índia — do
piloto Gaspar de Morais de Macedo ; a colossal
floresta genealógica em quarenta e cinco volumes,
e a monografia da vila da Certa — ambos tra-
balhos de Jacinto Leitão Manso de Lima ; a His-
tória da ilha de Ceilão, do capitão JoÃo Ribeiro
que ficou inédita em português, mas foi publi-
cada em francês em 1701 ; o perdido nobiliário
de José Cabedo de Vasconcelos, da segunda me-
tade do século xviii ; os dois tomos das Arvores
de todas as famílias nobres portuguesas e caste-
lhanas, redigidos por Lopo da Cunha, no meado
3oi
do século XVII. Também ficaram por imprimir
as Linhagens de Portugal, de D. António de
Lima — do qual diz Barbosa Machauo : «Este
Nobiliário foy sempre reputado por celebre neste
género, e como tal o louvão com grandes encó-
mios Manuel Severim de Faria . . . , Manuel de
Faria e Sousa, etc.» (i); as Famílias do Reino de
Portugal, de D. António Mascarenhas (2) ; a Chro-
nica da origem e progressos da Congregação da
índia dos Eremitas de Santo Agostinho desde o ano
de i5^2 até o de i63j em que compreende os su-
cessos do mesmo Estado, de Fr. Félix de Jesus,
missionário, agostinho, da índia, do principio do
século xyii ; as obras de Fr. Ambrósio dos Anjos,
de Fr. Faustino do Rêgo, etc, etc.
E deve notar-se que as obras acima citadas
são as de interesse histórico, pois todas as outras
deixamos de enumerar como o Florilégio Espiri-
tual — de Fr. Faustino da Madre de Deus, im-
presso em Coimbra em i656; os Sermões Pane-
gyricos e Moraes de Fr. Jacinto Pacheco — que
não se chegaram a imprimir; as modestas obras
religiosas de Jácome Carvalho do Canto — apa-
recidas entre 1610 e 1675 ; as do carmelita Fr.
João de Cristo — sobre a história da sua ordem,
(1) Ver biblioteca Lusitana, tomo i, pág. 807 e 3o8. Nem na
Bibliografia de J. Figaniere, nem no Dicionário Bibliográfico
vem citado este linhagista dos meados do século xvi.
(2) Não se deve confundir este genealogista da primeira me-
tade do século xvn com o seu homónimo da mesma época autor
de uma Relação dos procedimentos que teve . . . Inocêncio cita
esta obra, mas não fala na do genealogista citado.
^o:
da primeira metade do século xvii; os sermões
de Fr. Jorge Pinheiro, de 1620 a i63o; as ora-
ções do jurista José de Andrade de Morais, pro-
nunciadas no Brasil na primeira metade do sé-
culo XVIII ; os sermões de Fr. José de Santo An-
tónio, dos fins do século xvii ; as obras teológicas
de Fr. José de Carvalho, da segunda metade do
século XVII ; os numerosos trabalhos de José Cor-
reia DE Brito, da mesma época; os sermões de
Delgarta, do principio do século xviii, e os de Fr.
José do Espírito Santo ; os sermões pregados e
publicados na segunda metade do século xvii; as
obras de exegética e de panenética de D. Leo-
nardo de S. José, dos meados do século xvii; as
do mesmo carácter de Fr. Lopo Soares, da pri-
meira metade do século xvii; as Cartas do padre
Aires Brandão sobre as missões dos jesuítas na
índia, publicadas na segunda metade do sé-
culo XVI ; as de um outro jesuíta — Aires Sanches
— sobre as missões do Japão, pela mesma época ;
os sermões de Fr. António dos Inocentes, do prin-
cípio do século xvii, etc, ect.
2.° — Os Trabalhos da Academia Real de História
Apesar do que vimos pelas citações que fize-
mos e pelos sucintos comentários que acima dei-
xamos, não há dúvida que o primeiro grande
esforço, e sistematicamente conduzido, no sen-
tido das publicações de documentos inéditos
3o3
foi dado pela prestimosa Academia Real de His-
tória (i).
Como diz Emílio Hubner nas suas Noticias
Arqueológicas de Portugal essa Academia «apre-
sentou, pela primeira vez, investigações propria-
mente históricas em substituição à literatura, por
assim dizer monástica em que se haviam baseado
até então todas as indagações históricas e arqueo-
lógicas».
Tem razão Hubner que, para exemplificar a
sua afirmativa, cita os sudoríferos dez tomos do
Santuário Mariano, história das imagens milagro-
sas de Nossa Senhora, de Frei Agostinho de Santa
Maria, de 1707 a 1723.
Podíamos duplicar, e, até, centuplicar os exem-
plos de outras obras do género, que, de resto,
apesar da fundação e vida da Academia conti-
nuaram, ainda, aparecendo em grande número.
O que, porém, mostra a grande importância
da Academia de História é que ela publica obras
de subido valor que vitoriosamente batem outras,
estranhas, que o não teem, como o extravagante
in-fólio, de 534 páginas, de Brás Luís de Abreu
Sol nascido no ocidente e posto ao nascer do sol.
Santo António Português. Luminar maior no ceu
(1) Acerca da vida e obra da Academia Real de História, vêrs
Colecção dos Documentos e Memórias da Academia, . ., 172 1 a
1736, quinze volumes; Manuel Teles da Silva, marquês de Ale-
grete, na História da Academia Real Portuguesa, Lisboa, 1737 ; J,
Silvestre Ribeiro, Primeiros traços de uma resenha de literatura
portuguesa, pág. i32 e seg. ; do mesmo autor, História dos Esta-
belecimentos Scientificos . > ■ , tomo i, pág. 169 a 173, etc,
^04
da Igreja entre os astros menores na esfera de
Francisco, aparecido em 1725; as jeremiadas
de Frei Miguel das Almas Santas — Clamores
feitos ao Ceu, publicados em lySg; as 900 pá-
ginas da Escola de penitência, caminho de perfei-
ção, estrada segura para a vida eterna, de Frei
Martinho do Amor de Deus, aparecida em 1740;
as 5oo páginas dos Elogios dos Abades Gerais
da Congregação Beneditina, de Frei Tomás de
Aquino, dadas a lume em 1767, etc, etc.
Aparecem, então, como trabalhos dos aca-
démicos, as Notícias cronológicas da Universi-
dade^ de Leitão Ferreira, em 1729; as Memó-
rias, de José Soares da Silva, aparecidas entre
1730 e 1732; o Catálogo das rainhas, de D. José
Barbosa Machado^ em 1729; a História genealó-
gica da Casa Real e as respectivas Provas, de
António Caetano DE Sousa, aparecidas entre 1735
e 1 748 ; a Biblioteca Lusitana, de Diogo Barbosa
Machado, de 1741 a 1759, etc. (i).
Se algumas das obras saldas da Academia
Real de História e outras publicadas pelos seus
sócios e coevos também cançam a paciência do
leitor pelas redundâncias da exposição e entu-
mescências do estilo, e apresentam lacunas im-
portantes e sérios erros, não há dúvidas que.
(i) É justo não esquecer a História de Malta, de Frei Lucas
DE Santa Catarina, as Obras de Rafael Bi.uteau, que — como
escreve o dr. Teófilo Braga -r- fora da Academia, mas auxiliado
pelos três irmãos Barbosa publicou o grandioso Vocabulário da
língua portuguesa. . .», Vêr Os Árcades^ pág. i8.
3o5
muitas outras constituem imperecíveis monumen-
tos de erudição, entre as quais se devem colocar
as que acima citamos de Soares da Silva, as
de Barbosa Machado, e António Caetano de
Sousa (i).
A Academia Real de História desempenhou
uma dupla e importante função no seu tempo :
tornou possível a elaboração de monumentais
obras de história baseadas, quási sempre, nas fon-
tes em primeira mão, que, por vezes, vêem trans-
critas na íntegra; e inaugurou entre nós os pro-
cessos de investigação séria dos documentos,
conforme já então se usava em França, Espanha,
etc, e de interpretação crítica e racional dos acon-
tecimentos, pondo de parte muitos dos conceitos
religiosos e metafísicos que até então vinham,
entre nós, adulterando a história. Daí a aten-
ção que deve merecer a Academia, e o lugar que
nós aqui lhe consignamos, traçando, rapidamente,
a sua história.
Foi ela instituída por decreto de 8 de Dezem-
bro de 1720, assinalando-se-lhe como missão
mais importante que a «Academia escreva a His-
(1) É certo que João Pedro Ribeiro, ocupando-se das Provas
da História Genealógica, de Caetano de Sousa, diz que encon-
trou nelas «tantos erros e tão grosseiros que apenas se pode su-
por que ele chegasse a ler alguns monumentos que ali produziu,
tendo-se servido de pessoas inteiramente ineptas para lhe tirar
cópias». In Observações Diplomáticas.
Apesar disso, a História Genealógica e as próprias Provas cons-
tituem magníficos repositórios de dezenas de documentos cujos
originais e cópias o terremoto de 1755 destruiu.
20
3o6
tória Eclesiástica destes Reinos, e depois tudo o
que pertencer a toda a História deles, e de suas
conquistas».
Depois, resolve sobre as facilidades a dar aos
Académicos nos arquivos, de forma a serem-lhe
facultados todos os papéis que solicitarem «co-
municando-lhe os catálogos dos mesmos Arqui-
vos^ e Cartórios as pessoas, a cujo cargo estão».
Mas, não é só o diploma inicial que se ocupa
de manuscritos a estudar e a utilizar nas obras,
porque o mesmo cuidado eles merecem na «Pro-
posiçam da Academia», escrita e lida por Ma-
nuel Caetano de Sousa na sessão preparatória de
8 de Dezembro. Aí diz o relator que para redi- ^
gir a Lusitânia Sacra era, principalmente, necessá-
rio «ajuntar manuscritos, e convocar Escritores»,
para o que se deviam abrir os Arquivos ao estudo
dos Académicos. r
Igualmente, nas Reflexões sobre o estudo Aca-
démico^ esboçando-se ó plano do trabalho da Lu-
sitânia Sacra, e depois de se íixar o processo a
seguir nas citações dos impressos e manuscritos,
resolve-se que : «Como os títulos dos Arquivos
são as provas mais seguras se devem imprimir
no íim de cada volume das memórias todos os
[manuscritos] que corroborão o que o Autor re-
fere», e aduz logo: «para que assim se perpe-
tuem e se conheção os que o tempo e o lugar
deixarião sempre ocultos».
E sobre o material necessário para a elabora-
ção da projectada história sagrada de Portugal,
3o7
lá se diz : «também se pede o Index das Livrarias
grandes, principalmente dos livros manuscritos».
Quanto à história secular do nosso pais enten-
diam as Reflexões que na sua organização se de-
via seguir «quási o mesmo método».
Nas «Noticias de Conferências» da Academia,
de 5 de Janeiro de 1721, por mais dè uma vez se
fala nos trabalhos de arquivos; e nas diligências
preliminares da História eclesiástica muitas vezes
se volta a falar nesses trabalhos de heurística —
como diríamos hoje — nos arquivos das Câmaras
Eclesiásticas, das Sés, cabidos, colegiadas, mos-
teiros, igrejas, das câmaras das cidades e vilas,
ordenando o governo que se levantassem inven-
tários desses depósitos e se remetessem à Aca-
demia (i).
Uma ou outra vez a Academia se exaltava
como se vê num discurso de recepção do conde
de Assumar quando a certa altura ele diz :
«Parece que a Providência Divina reservou para
o presente século o vermos renascida em Portu-
gal uma nova Atenas^ composta de muitos mais
Sábios, do que se contavão na antiga Grécia».
Mas, não há dúvida que, na generalidade, ela
trabalhava com método e bom critério.
Aqui está, por exemplo, o padre António dos
Reis, oratoriano, que na sessão de i de Abril de
1721 pede que se solicitem do nosso embaixador
(i) Vêr a Colecção dos Docimientos, estatutos e vtais vicmó-
rias da Academia Real da História Portuguesa^ 1721, tomo i.
3o8
em Roma várias informações dos archivos do
Vaticano sobre as nomeações dos bispos de La-
mego; e o frade cisterciense, Bernardo Castelo
Branco, na mesma sessão, referiu-se às investiga-
ções de manuscritos sobre os bispos da Guarda.
Na sessão de i6 do mesmo mês o padre Bar-
tolomeu de Vasconcelos, jesuita^ dizia esperar
pelos manuscritos dos Arquivos do país para os
seus trabalhos, e outro tanto fez Diogo Barbosa
Machado ao tratar de D. Sebastião, numa expo-
sição muito erudita'(i).
Igualmente, o visconde de Asseca ao tratar de
D. Sancho e ao afirmar que este casara com
D. Mécia de Haro «disse que também se valera de
alguns manuscritos, que de Livrarias particulares
se lhe comunicarão ...» (2).
Na sessão de 3o de Abril Frei Fernando de
Abreu apresenta o catálogo dos bispos de Mi-
randa, e na de 1 3 de Maio, presidida pelo mar-
quês de Fronteira, JoÃo Carneiro de Abreu falou
das suas investigações na Torre do Tombo e nos
cartórios da Câmara e dos conventos de Lisboa,
referindo-se à falta de ordem em que estavam os
papéis nesse Arquivo (3). Nessa sessão o conde
(1) Como se vê do relato da sessão Barbosa Machado traba-
lhava então na famosa Biblioteca Lusitana.
(2) In Colecção de Documentos . . . (Esta colecção é, geral-
mente, inumerada, pelo que não citamos as páginas).
(3) Na sessão de 2 de Janeiro de 1722 o Académi^co JoÃo Cou-
ceiro DE Abreu e Castro foi mais longe, e falando sobre a neces-
sidade de uma reforma radical da Torre do Tombo, notou que
3o9
de Monsanto apresentou o catálogo dos bispos
de Portalegre.
Nas sessões seguintes Inácio de Carvalho e
Sousa apresentou o catálogo dos bispos de El-
vas; D.Jerónimo Contador de Argote continuou
a tratar das memórias de Braga; Frei Pedro Mon-
teiro ocupou-se das memórias da Inquisição, e o
João Colth das memórias do bispado de Viseu ;
D. António Caetano de Sousa referiu-se bastante
às memórias das igrejas ultramarinas; e Marti-
nho de Mendonça de Pina comunicou os manus-
critos que encontrou no cartório da Câmara da
Covilhã, e nos de Penamacor, Sabugal, Almeida,
Castelo Rodrigo, mosteiro de Aguiar, no de Sal-
zedas — cujos documentos Frei Baltazar dos Reis
recopilara, e onde se lhe deparou o catálogo dos
abades de Frei Benedito.
Também, Mendonça de Pina descreveu o que
viu no mosteiro de S. João de Tarouca, e no car-
tório do cabido de Lamego o qual principiara a
ser estudado por José Carneiro Tavares; D. An-
tónio Caetano de Sousa apresentou um catálogo
dos bispos do Funchal; o conde de Monsanto
descreveu as suas infrutuosas investigações nos
arquivos de Portalegre — já então «desbaratados,
era impossível, entre nós, fazer história séria e documentada em-
quanto perdurasse tal estado de cousas.
Vão passados 200 — j duzentos 1 — anos, e as palavras de Abreu
E Castro parecem de hoje. j Estranho país este que, na imobili-
dade de tão importantes serviços, deixa passar o melhor de dois
séculos !
3io
ou inteiramente destruidos ; de sorte que no car-
tório da Cidade achara um só pergaminho . . .
Que o cartório da Câmara Episcopal correra
ainda peor fortuna, porque dele se não salvara
papel algum . . . », ao passo que o cartório do ca-
bido estava ileso, dando a seguir outras noticias
de manuscritos encontrados nas mãos de parti-
culares, bem como de inscrições, etc.
Nas últimas sessões de 1721 Martinho de Men-
donça DE Pina e Proença falou das obras que ti-
nha em preparação, especialmente da história da
diocese de Lamego, indicando o método que se-
guia ; o dr. Bartolomeu Lourenço de Gusmão, re-
ferindo-se aos trabalhos efectuados para cumpri-
mento das missões que lhe haviam sido confiadas,
fala de «alguns documentos do Arquivo da Câ-
mara do Porto», que se lhe haviam comunicado
com as «Eras viciadas » ; representou a fiecessidade
que havia de que ou viessem os mesmos origi-
nais das províncias, ou os conferisse nelas pessoa
tão erudita, e diligente, que sobre a sua fé pu-
desse descançar quem escrevia as memórias».
Emíim, Caetano José da Silva Souto-Maior
apresenta o catálogo dos bispos de Leiria ; Diogo
Barbosa Machado comunica o catálogo dos ar-
cebispos da Baia e bispos seus sufragâneos; e
Frei Pedro Monteiro expõe o catálogo dos De-
putados -do Conselho Geral da Inquisição, no
qual figura com o número 89, e último, Nuno da
Silva Teles.
Entretanto, continuavam chegando à Acade-
3ii
mia «muitos documentos manuscritos, que tinham
vindo dos cartórios e arquivos deste Reino», do
convento de Tomar, « e dos da província de Santo
António», cópias da Torre do Tombo, dos ar-
quivos de Coimbra, papéis remetidos dos arqui-
vos do hospital das Caldas e das Câmaras de
Torres Novas, Penamacor, Santarém, Olivença,
Tomar, Alenquer, e Coimbra ; da colegiada de
Santarém, do mosteiro da Madre de Deus de
Monchique ; dos conventos de Colares^, Torres
Novas, Alverca, Setúbal, Camarate, da Madre
de Deus — de Lisboa, de Nossa Senhora do Pó-
pulo — de Braga ; excelentes notícias do convento
de Grijó ; informações de Faro, etc, etc.
Os restantes catorze volumes da colecção da
Academia continuam a apresentar importantes
trabalhos não só sobre a história geral portuguesa,
da metrópole, mas também acerca da história
ultramarina^ como se pode concluir à vista das
memórias das igrejas do Ultramar, de D. António
Caetano de Sousa; da História da América Por-
tuguesa, de Sebastião da Rocha Pita; do catálogo
dos bispos da igreja de S. Salvador da cidade de
Angra, por D. António Caetano de Sousa, etc.
Há;, porém, uma cousa que é de notar, porque
muito dignifica a historiografia portuguesa: o
estudo das fontes em pririíeira mão, a investiga-
ção dos manuscritos. E esse um característico
muito interessante dos trabalhos da Academia de
História.
Em todas as sessões, em cada comunicação,
3l2
em cada discurso académico nota-se quási sem-
pre o cuidado sumo, o disvelo constante na inves-
tigação dos documentos e no estudo cuidadoso
destes.
Esse cuidado pela investigação documental era
completado pela possível meticulosidade no es-
tudo das peças.
Na sessão de 27 de Fevereiro de 1728 — diz a
acta :
«Advertiu o Director aos Académicos que se
no exame que fizerem em qualquer Arquivo, ou
Livraria^ acharem algum manuscrito, que lhes
pareça estar errado, ainda que justamente en-
tendam que tem algum, ou alguns erros farão
. tudo presente aos Censores da Academia para
se considerar esta matéria^ por lhes não ser lícito
emendar papel algum dos que se averigua-
rem» (i).
Também os cuidados de exegese e crítica histó-
ricas eram quási sempre bastante grandes, como se
pode ver pelo estudo que incidiu sobre o famoso
concílio de Braga de 41 1, defendido por Frei Ber-
nardo DE Brito (2). E podem especiahzar- se como
excelentes Memórias : a Noticia Geral das Santas
Inquisiçoens deste reino, e suas conquistas, pelo pa-
dre Frei Pedro Monteiro^ no tomo de 1723, da
pág. 379 a 514; o Catálogo cronológico -crítico
dos bispos de Coimbra, pelo beneficiado Francisco
(i) Colecção dos Documentos e Memórias da Academia Real
de História Portuguesa, 1723, pág. 57,
(2) Ob. cit.^ pág. io5 a 214, capítulo ix.
3i3
Leitão Ferreira (i); Origem dos revedores dos
livros e qualificadores do Santo Ofício com um ca-
tálogo dos que tem havido nas Inquisições deste
Reino, pelo padre Frei Pedro Monteiro (2), etc.
O cuidado com que esses trabalhos eram ela-
borados tornava a Academia bastante acreditada
no estrangeiro. Por isso, podia dizer o seu pre-
sidente ou «Director^) — o marquês de Fronteira
— na sessão solene de 22 de Dezembro de
1724, com natural orgulho de erudito e de por-
tuguês :
«Já sabemos, que foram bem recebidas de to-
dos os doutos da Europa, os nossos Estatutos, e
bem podemos considerar os grandes alvoroços,
com que esperam ver, ou admirar o produto de
tão bem ordenados princípios».
E continua : «Mostremos, que a demora de
quatro anos antecedentes foy precisa para se des-
cobrirem, examinarem, e conferirem os docu-
mentos, que nos faltavão . . . ».
Como se vê, a nossa Academia Real de Histó-
ria continuava, e muito bem, a ligar a maior im-
portância aos documentos, considerando-os,
muito inteligentemente, como os únicos funda-
mento do conhecimento histórico.
Durante o ano de 1725 as sessões continuam
a ser preenchidas por comunicações de grande
valor, salientando-se logo, na de 2 5 de Janeiro, a
(i) Ob. cit., 1724, memória n.° xviii, com 184 pág.
(2) Ob. cit.., memória n." xx, com 42 pág.
3i4
de I). António Caetano de Sousa, expondo o
plano que seguia e o trabalho já realizado na
elaboração da sua famosa História genealógica, '|
e explicando :
«Esta obra é um mappa de pequeno ponto,
mas nele se verá toda a Historia dos nossos Rei-
nos ...» (i).
Nas sessões seguintes Nuno da Silva Teles
fala das Memórias Eclesiásticas do Bispado do
Porto; D. Manuel Caetano de Sousa refere os
trabalhos feitos para a História Eclesiástica de
Lisboa, Algarve e Porto ; Francisco Leitão Fer-
reira ocupa-se das Memórias da Santa Igreja de
Coimbra; o Conde da Ericeira trata das Memórias
Eclesiásticas de Évora; D.Jerónimo Contador de
Argote fala das Memórias Eclesiásticas Braca-
renses, etc. ;
Além de vários discursos laudatários, panegí-
ricos e outros de cortesia, nesse ano são apresen-
tadas à Academia uma Memória sobre os secre-
tários do conselho geral do Santo Oficio, desde
1569 a 1723, pelo Frei Pedro Monteiro; o Catá-
logo dos cónegos magistrais, e doutorais que a
Universidade de Coimbra apresenta nas Sés deste
Reino, pelo dr. Manuel Pereira da Silva Leal;
o Catálogo cronológico dos colegiais^ e porcionis-
tas do Colégio de S. Pedro ^ de 1574 a 1725, pelo
mesmo autor; o importantíssimo Catálogo Histó-
(1) ]n Colecção dos Documentos . . ., 1725, composição II e IV.
3.1 5
lico dos sumos pontífices, cardeais, arcebispos, e
bispos portugueses, que tiveram dioceses, ou títu-
los de Igrejas fora de Portugal, e suas conquistas,
por D. Manuel Caetano de Sousa (i).
O ano de 1726 correu bem, continuando os
académicos a apresentarem os seus trabalhos.
Entre estes figura um estudo de D. Manuel
Caetano de Sousa sobre história eclesiástica por-
tuguesa e uma exposição acerca da História
Genealógica; José do Couto Pestana trata da
rainha Santa Isabel; Frei José da Purificação
ocupa-se da Ordem de Aviz; José Soares da Silva
de D. João I, fazendo outras comunicações o pa-
dre António dos Reis, o padre Bartolomeu de
Vasconcelos, Caetano José da Silva Souto Maior,
Diogo Barbosa Machado, e Frei Fernando de
Abreu.
Porêm, desses estudos um dos mais importantes
é o Catálogo dos abades e priores do Mosteiro de
Santa Maria de Guimarães e dos priores de Nossa
Senhora da Oliveira, por D. Manuel Caetano de
Sousa (2).
Durante o ano de 1727 JoÃo Couceiro de Abreu
e Castro tratou das Memórias da Igreja de Lis-
boa ; Francisco Leitão Ferreira estudou, com
muita documentação, a história do bispado de
Coimbra ; o ilustre Diogo Barbosa Machado ocu-
(i) Esta Memória compreende 346pá^inaSj com algumas bio-
grafias muito importantes.
(2) Ver Colecção, etc, 1726, Memória XXX.
3i6
pou-se de D. Sebastião e da rainha D. Catarina,
etc.
Mas, o que caracteriza o volume dos trabalhos
da Academia neste ano é o magnifico estudo de
D. José Barbosa — Memória do colégio real de
S. Paulo da Universidade de Coimbra e dos seus
colegiais e porcionistas.
O tomo de i 728 contêm bastantes orações pa-
negíricas de membros da família real, e vários
discursos laudatórios que aqui nada nos interes-
sam. ConludO;, insere também dois excelentes
estudos de Frei Lucas de Santa Catarina acerca
do primeiro convento que teve a Ordem de Malta
em Portugal, e das relações dessa Ordem com o
nosso pafs ; Manuel de Azevedo Soares volta a
tratar, com muita erudição, da história eclesiás-
tica da Península desde a Idade Média ; e D. Je-
rónimo Contador de Argote insere o livro quarto
do seu notável trabalho — De Antiquitatibus Con-
ventus Bracaraugustani.
Não foram só os assuntos de história descri-'
tiva que ocuparam a atenção dos membros da
Academia Real de História, pois também a heu-
rística e a bibliografia estão representadas nos
volumes dos trabalhos dessa corporação.
Entre os estudos dessas especialidades deve
pôr-se em primeiro lugar, pela sua importância,
o trabalho do conde da Ericeira sobre os manus-
critos e impressos da, então, muito importante
biblioteca do conde de Vimieiro.
O trabalho do conde da Ericeira consta de
3i7
uma série de comunicações a partir do tomo de
1725.
Ai, esse erudito titular, entre outras espécies,
descreve um volume de miscelânea contendo vá-
rias noticias de factos passados no tempo de
D. Manuel e D. João III; um códice de manus-
critos constando de : Notícias de Portugal, geo-
grafia, história, casa real, genealogias, do chantre
Manuel Severim de Faria ; um volume de genea-
logias do mesmo chantre ; outro de miscelânea
onde figuram, entre outras espécies, uma carta
de Filipe II ao prior do Crato mostrando-lhe os
seus direitos à coroa de Portugal e a resposta de
D. António, informações sobre os reitores da Uni-
versidade, cartas de Afonso V — quando esteve
em França — para seu filho D. João, uma Memória
sobre as damas e criados que a infanta D. Beatriz
levou para Sabóia, etc.
Depois, tratou o conde da Ericeira de um livro
escrito com estilo sobre folhas de palma — talvez
um dos que escaparam ao auto de fé de Frei
Aleixo de Meneses sobre as obras profanas, o
códice manuscrito da Historia da ínclita Caval-
leria de Am{, de la de Santiago, de la de los Maes-
tros dei Templo em Portugal, e de la de Santa
Cru{ de Coimbra, por Frei Jerónimo Ronsau ; vá-
rios outros papéis que pertenceram a Severim
DE Faria sobre acontecimentos do tempo de
D. João II, D. Manuel, etc, até Filipe II (i).
(i) Ver o interessante sumário desses papéis na Colecção dos
Documentos e Memórias da Academia, 1726, Memória X,
3i8
No volume de 1728 o mesmo erudito ocupa-se
de outras espécies importantes da biblioteca de
Vimieiro e que, pelo referido por Ericeira, vê-se
que era muito rica em papéis sobre a história da
índia nos séculos xvi e xvii.
Depois, ano a ano o primeiro entusiasmo vai
afrouxando. Entretanto, no volume de 1729,
figura um estudo sério de Frei Lucas de Santa
Catarina sobre o mosteiro feminino de S. João
da Penitência, de Estremoz ; e a primeira parte
das importantíssimas Noticias cronológicas da
Universidade por Francisco Leitão Ferreira, com
63g páginas, compreendendo o período de 1288
a 1537.
No tomo de 1730, além das notícias das sessões,
figura como trabalho de vulto o Portugal renas-
cido, tratado histórico, crítico, cronológico pelo dr.
Frei Manuel da Rocha, com 436 páginas.
Finalmente, a partir de 1736 a Academia de
História entrava em franca decadência havendo
tido logo a sua infalível morte, se bem que dei-
xasse, como dissemos, quinze bons volumes dos
seus trabalhos, além de obras muito importantes
de vários dos seus sócios.
Como diz Lorenz (i), e o repete Pasquale Vil-
LARi, a grande transformação da história data do
(i) Lorenz, D/e Geschichstnnssenschaf in ihren Hiniptrichíim-
gen und Aufgaben kritisch erõrtet^ Beiiim, i8iS6.
Sig
século xviii. É nessa época que muito se desen-
volve a investigação, que o espirito crítico e filo-
sófico começa a dominar como uma aplicação
da dúvida metódica cartesiana. E, então, com
uma grande independência de juízo, estudam-se
os arquivos, fazem-se pesquisas arqueológicas,
avaliam-se as medalhas, as moedas e os selos, as
inscrições e as legendas, e aplica-se uma grande
actividade ao estudo de todos os povos e de todas
as épocas.
O campo da investigação aumenta ao infinito,
os preconteitos tendem cada vez mais a ser eli-
minados, a fábula cede o lugar à verdade, e a
história maravilhosa é substituída pela história
racionalista. Como escreve Villari:
«O século' XVIII teve, ainda mais que qualquer
outro, uma idea nítida da unidade moral do gé-
nero humano, e foi o primeiro a reconhecer a lei
do progresso» (i).
Gomo jcí vimos, essa magnífica Jaboriosidade,
esse admirável progresso dos estudos históricos
e de erudição que se estendeu por toda a Europa
do ocidente no século xviii não nos deixou indi-
ferentes.
Já falamos da Academia de História que, se
não teve uma longa existência, teve^ pelo menos,
uma intensa vida, e deixou belos vestígios da sua
actividade; vamos ver agora que Portugal, numa
(i) Pasquale Villari, Uhistoire cst'elle une sciencc. In Reviie de
S\-i\lhèse Historiqiie, 1901, 2." semestre, pág. i3o.
320
bela antevisão, foi dos primeiros países, senão o
primeiro, que teve em Roma e junto do Vaticano
uma missão de investigações de cuja actividade
ficou, como importante padrão, a colecção fa-
mosa da Symmicta Lusitana.
Apesar da forma muito desfavorável como Ale-
xandre Herculano, numa carta a JoÃo Pedro da
Costa Basto, se refere a esta colecção, não há
dúvida que ela constitue um importante reposi-
tório de informações de bastante valor histórico,
e, por tanto^ sempre de proveitoso manusea-
mento.
Essa obra — com o titulo genérico : Reriim lu-
sitanicarum — que existe na Biblioteca da Ajuda,
é formada actualmente por 222 volumes, e tinha
na sua primitiva 238. Tendo ido ao Brasil
quando D. João VI aU esteve, por causa das in-
vasões francesas, talvez por esse tempo, na ida e
volta, extraviaram-se os volumes indicados pela
diferença dos dois números, com excepção do
volume 1 60 que ainda existe. Este encontra-se fora
da colecção por determinação de. Herculano que
assim o resolveu por ser formado de obras im-
pressas, contendo Recursos à Santa Sé no tempo
do papa Urbano VIII^ ai por i633.
O volume I, com o título de Acta Romanorum
Pontificum, é um códice de 5 16 folhas, indo desde
1378 a 1596, isto é, do papa Urbano VII a Cle-
mente VIII.
O Volume II consta de Negoiiat. di Monsig.^^
RevJ'"-' Prospero Santa Croce Vcscovo di Chisamo,
321
di tiitto quello, chc trattô in Spagna, et in Portu-
callo in tempo di Papa Pio IV, VAnno i56o (i).
O volume iii contêm uma Relaiione dei Viag-
gio fata dali 111:''° e RJ"° Fr. Michele Bonello
Cardinalle Alexandrino . . . Legato ai li seren.'"" Be
di Francia, Spagna, Portiigallo. Colle Annota-
^ione delle Citta, Terre e Liioghi, discritto de MesJ'
Gio. Battista Vent urino de Fabriano, iSji (2).
O volume iv descreve o Inter detto de Lisbonna
cioe Transunto dei Processo deli Interdetto Gene-
rale posto a Lisbonna da Mons"'' Vescovo Ottavio
Accoramboni collectore de Papa Paulo V, ai li 27
di Giugno de 16 f 7 il quale duro 10 mesé(3).
(i) O breve de Pio IV, Ne quem honorem, ao rei, é datado de
Roma em 5 de Julho de i5go. Vem citado pelo Visconde de San-
tarém no Quadro Elementar^ tômo xiii, pág. 171. O volume 11
contêm 535 folhas.
(2) Este códice tem 423 folhas.
(3) O assunto de que trata este volume e as cópias que con-
têm são muito interessantes. Os motivos últimos da interdição
consistiram na prisão e maus tratos sofridos por Miguel Leitão,
clérigo beneficiado da Igreja de São Miguel de Alfama e pagem
da nunciatura — isto é, do dr. Marcos Teixeira, fiscal ou colector
da Santa Sé em Lisboa — e no processo judicial movido pelo Estado
ao auditor da nunciatura, mandando «prender seus criados, e to-
mar suas mulas».
A certa altura do litígio o citado colector da nunciatura é
mandado comparecer no Desembargo do Paço. Mas ele entrin-
cheirando-se nas suas prerrogativas não compareceu pelo que foi
determinado : «lhe sejão tomadas suas cavalgaduras, não indo
nellas, e tomadas suas rendas e postas em sequestro, e notificados
seus criados o não sirvam, aliás serão prezos, e os ferradores lhes
não ferrem suas cavalgaduras, nem os padeiros lhe dêem pão nem
o sirvam».
Tomada esta decisão pelo Desembargador em 20 de Junho de
21
322
Por último diremos que o penúltimo volume
— o ccxxi — é um códice, numerado, de 402 fo-
lhas, com as Acta Concilii Tridentini, pelo cardeal
Palcotti, no tempo de Pio IV ; e o último da co-
lecção, isto é, o ccxxii — que era o volume ccxxvii
da primitiva — tem por título : Brevia Deputatio-
num Vicariorum Apostolicorum in conquistis Re-
gum Lusitanorum ... i yS i . Tem no fim um re-
sumo dos Breves contidos no volume, desde 3 de
Setembro de lôSg a 19 de Janeiro de 1746(1).
Por estes breves exemplos se vê que a colecção
não é aquela «fraca obra» de que fala o ilustre
Herculano, se bem que este não deixe de classi-
ficar de «importantes e curiosos» alguns dos do-
cumentos transcritos.
Também, depois de ter sentenciado que os re-
cheios de parte da colecção são «tudo cousas
que mediocremente nos interessam», e de notar
«os inumeráveis erros e descuidos dos copistas»,
declara ainda, aludindo à colecção, que «sem que
se possa dizer que é uma cousa desprezível, está
muito longe de merecer a reputação que entre os
1617 logo a nunciatura reclama. São excomungados, pela Bula
da Ceia, o dr. Carlos Brandão Pereira, Juiz de Feitos do caso ; o
conhecido Tomé Pinheiro da Veiga e Martins Leitão — Desem-
bargadores da casa da Suplicação; e António de Oliveira Pinto
— que sérvio de meirinho das cadeias da corte; e ficaram com
interdição as igrejas, mosteiros e ermidas da capital e arrabaldes.
Há ali a notar, da pág. 3i i a 3i6, uma carta do famoso padre
Francisco Suarez sobre os direitos e prerrogativas do colector.
(1) Este códice tem 212 folhas.
:^23
eruditos se lhe tem feito ni,ais por fama do que de
visu»(i)..
*
Se bem que a actividade historiográfica não se
eclipsasse de todo entre nós depois do desapare-
cimento da Academia Real de História, o certo é
que pela falta de uma instituição protectora, como
aquela era, e dos estímulos de toda a ordem os
estudos históricos caíram em séria decadência, e,
com uma ou outra excepção, nesse estado se con-
servaram até ao aparecimento da Academia das
Sciências de Lisboa.
Durante o governo pombalino as sciências his-
tóricas não tiveram grande explendor porque a
actividade crítica do ilustre ministro contra a
Companhia de Jesus fez esgotar nas grandes obras
de polémica, como a Dedução Cronológica e Ana-
lítica, o Compêndio Histórico, e outras, o engenho
que poderia ser apUcado às obras de construção
scientííica.
Porém, não se julgue que foram de todo esté-
reis os vinte e sete anos do reinado de D. José (2).
De resto, o próprio rei, se não era dotado de
(i) Esta curiosa carta de Alexandre Herculano dirigida em
1873 ou 1874, de Val-de-Lobos, ao esforçado académico e paleó-
grafo JoÁo Pedro da Costa Basto, foi publicada no Arquivo His-
tórico Português, vol. I, 1903, pág. 369 e 370, e por nós reproduzida,
de pág. 28 a 3o, no nosso trabalho Os Arquivos da História de
Portugal no Estrangeiro.
(2) No trabalho que trazemos entre mãos acerca do primeiro
marquês de Pombal este ponto fica bastante desenvolvido.
324
uma grande curiosidade scientlfica não desde-
nhava, contudo, aparentar interesse pelos livros,
como se conclue notando que foi esse rei quem
comprou a livraria do famoso bibliófilo Nicolau
Francisco Xavier da Silva, que fora da Acade-
mia Real de História^ após a morte desse eru-
dito, em 1754, para suprir a falta da biblioteca
real desaparecida com o terremoto de lySS.
E tanto assim é, tanto esse período não é in-
teiramente, estéril para a historiografia que os
melhores engenhos que vamos encontrar mais
tarde na Academia Real das Sciências surgiram
e desenvolveram-se durante o governo pomba-
lino como Frei Manuel do Cenáculo, António Ri-
beiro DOS Santos, António Caetano do Amaral,
etc. (i).
Mas, não foi só a história propriamente dita
que então teve alguns cultores, outro tanto suce-
deu com as sciências suas auxiliares como a di-
plomática, a arqueologia, etc.
Para se avaliar da protecção do governo de
Pombal a tais estudos publicamos a seguir, na
integra, uma interessante consulta da Mesa Cen-
sória sobre o ensino da Diplomática, já nos fins
do governo de D. José, em lyyS :
«Senhor: Como as Nações illuminadas da Eu-
ropa tem feito vantajozos progressos no estudo
Diplomático pela consideração da summa utili-
(1) o magnífico arquivo da Real Mesa Censória patenteia-nos
em grande parte, a actividade mental portuguesa nesse tempo,
e comprova-nos o alto mérito de alguns dos censores.
325
dade, que lhes provem do conhecimento, e dis-
tinctas notícias dos caracteres antigos, de que se
compõem infinitos Manuscritos úteis ao publico,
por serem de Fazendas, Privilégios, Jurisdicçôes,
Foros, Leis, Doações, Noticias Históricas de ser-
viços feitos á Pátria, e de muitas outras couzas
necessárias ao decoro das Nações. Tem esta
Meza considerado ser assumpto digno de provi-
dencia o Estabelicimento de huma Cadeira Di-
plomática, servida por hum Mestre hábil, com
suííiciente numero de discípulos, que aprendam
esta disciplina, para interpetrarem os copiozos
Monumentos, de que abunda este Reino, sepul-
tados nos cartórios das Gathedraes, e Communi-
dades Collegiadas, e Regulares : Practicando-se
esta Cadeira pelas Instrucções, e de baixo da Ins-
pecção desta Meza, observando os desempenhos
do Mestre, e os progressos dos Discípulos :
«E constando ser Joze Pereira da Sylva o su-
jeito mais proporcionado para estes fins pelos
exames, e Provas, que tem dado da sua habili-
dade. Conduzida esta Meza pelas felicíssimas
experiências, que Vossa Magestade tem feito pra-
cticar em tudo quanto he relativo ao bem, e cre-
dito Nacional, anima-se a propor aVossa Mages-
tade a necessidade e a providencia que se faz
preciza em huma Matéria de tão boas consequên-
cias ; e a hum sujeito, que pode concorrer para a
verificação destas ; propondo mais o ordenado de
quatrocentos mil reis cada anno ; tendo o mesmo
Mestre, alem das Licçóes quotidianas de manhan
326
e tarde, a outra obrigação de Ler no Cartório^ e
Bibliotheca da Meza que se lhe determinar. —
Meza, vinte e quatro de Julho de mil e setecen-
tos, e setenta e cinco. — Bispo P. — Arcebispo de
Lacedemonia — Pedro Viegas de Novaes — Pr.
Joaquim de S. Anua e Silva — Fr. Fraitcisco de
Sá — Fr. Francisco Xavier de Santa Anna — Fr.
Lui{ de Santa Clara Povoa — Fr. José da Rocha
Fr. Jo^e Mayne — António S."^ M.^" Lobo da Cu-
nha— António Veríssimo de Sarre» [i).
3.° — As publicações de inéditos
da Academia das Sciêncías de Lisboa
Uma das primeiras diligências que fez o Duque
DE Lafões logo que regressou do seu exílio a Por-
tugal, em princípio de 1 779, foi relativa à funda-
ção da Academia das Sciências, havendo encon-
trado no abade Correia da Serra um entusiasta
e operoso auxiliar.
A Academia, depois de alguns trabalhos pre-
paratórios, via os seus estatutos aprovados oficial-
mente por Aviso de 24 de Dezembro desse mesmo
ano de 1779. A 20 de Junho de 1780 realizava
a sua sessão de apresentação e cumprimentos à
rainha D. Maria I, e a 5 de Julho fazia-se a ses-
são solene pública (2).
(i) Consulta da Mesa Censória, de 24 de Dezembro de 1775,
In Códice 481 do Arquivo do Ministério do Reino no Arquivo da
Torre do Tombo.
(2) Acerca das origens da Academia das Sciências de Lisboa
327
Tudo propiciava o aparecimento da Academia.
Reconhecia-se de longa data a necessidade da
criação entre nós de semelhante instituição com
uma esfera de especulação mais larga e um plano
de trabalhos muito mais vasto que a antiga, e já
extinta, Academia Real de História.
Durante o século xviii as chamadas sciências
da natureza tinham feito os mais extraordinários
progressos desde a astronomia até à botânica e
à zoologia, quer em si quer nas suas aplicações,
sem excluir as matemáticas.
Também, as sciências de espírito não haviam
estado paradas, tornando-se assim mister a cria-
ção de uma corporação que a todas envolvesse,
enquadrasse e seriasse no seu programa, e tra-
balhasse constantemente para o seu maior desen-
volvimento.
Deve lembrar-se que já alguns anos antes em
tal se havia pensado, e até legislado.
e dos primeiros anos da sua existência ver : José Silvestre Ri-
beiro, História dos Estabelecimentos Scientíficos, tômo ii, pág. 3-j
a 6i, e pág. 267 a 869; dr. Teófilo Braga, História da Universi-
dade de Coimbra, tômo iii, pág. 645 e seguintes ; Vítor Ribeiro,
O ressurgimento da raça portuguesa e a Academia de Sciências.
O ilustre Secretário Geral da Academia, sr. Coronel Cristó-
VAM Aires, tem vindo a publicar no «Boletim da 2.* Classe» dessa
instituição, a partir do 3.° fascículo do tômo xii, interessantíssi-
mos documentos de «Os primeiros sócios da Academia», como
o arcebispo de Tessalónica, Frei Inácio de S. Caetano, Soares
Barbosa, Domingos Vandelli, Monteiro da Rocha, Bento José de
Sousa Farinha, etc.
Também nós no nosso discurso de recepção na Academia
estudamos as suas origens e a sua evolução até à Revolução de
1820.
328
Efectivamente, já no livro IIÍ da parte IV dos
Estatutos pombalinos da Universidade de Coim-
bra, de 1772, se falava na criação de uma Con-
gregação geral das Sciências para o adiantamento,
progresso e perfeição das Siências Naturais, for-
mada pela reunião dos corpos docentes das facul-
dades de Medicina, Matemática e Filosofia: «con-
siderando — como diz, mais tarde, Francisco de
Lemos — que todas estas Sciências se aperfeiçoão
cada vez mais, e se enriquecem com descobri-
mentos novos, que logo devem incorporar-se nos
Cursos das Lições públicas» (i)..
No dizer do mesmo tal congregação tinha: «por
instituto trabalhar no progresso, adiantamento, e
perfeição das mesmas Sciências de modo que fe-
lizmente se tem praticado, e pratica nas Acade-
mias mais célebres da Europa, melhorando os
conhecimentos adquiridos, e adquirindo outros
de hovo, os quais se fizessem logo passar aos cur-
sos respectivos das ditas Faculdades».
Mais adiante o ilustre reitor pombalista da
Universidade salienta a alta conveniência de tais
instituições, e cita os bons resultados havidos
para a civilização com a criação da Sociedade
Real de Londres, da Academia Real das Sciên-
cias de Paris, e, mais recentemente, com a Aca-
demia de Petersburgo.
(i) D. Fkancisco de Lemos, Relação geral do Estado da Uni-
versidade de Coimbra, publicada pelo dr. Teófilo Braga, in Me-
mórias da Academia^ i." classe, tõmo vii, pág. 61.
32g
E logo acrescenta com entusiasmo :
«Por isso não há Príncipe que não mostre um
grande zelo, e disvello em honrar a Matemática,
eas mais Sciências Naturais, animando com a sua
attenção os génios sublimes; procurando attrahir
outros para os seus Estados; ennobrecendo com as
suas mãos os instrumentos Matemáticos^ e Filo-
sóficos; e empregando somas immensas em tantas
Emprezas literárias, que farão do nosso Século
uma época memorável à posteridade» (i).
O que não se pôde efectuar durante o governo
do marquês de Pombal, e logo após à morte de
D. Josée à queda daquele ministro, teve realidade
mais tarde — como acabamos já de ver.
Porém, a jovem Academia das Sciências de
Lisboa não se dedicou só às sciências matemáti-
cas, físico-químicas e naturais; mas igualmente
trabalhou, e muito afincada e proveitosamente,
em favor das sciências do espirito, sendo a his-
tória uma das mais cultivadas desde o início dos
seus trabalhos.
Também, o problema das publicações docu-
mentais foi muito cedo ali estudado e posto em
execução com a impressão de muitos documentos
inéditos.
Vamos vêr o que a tal respeito dizem as actas,
então resumidíssimas nos seus registos (2).
(i) D. Francisco de Lemos, obrcit., pág. 63.
(2) As transcrições que fazemos são copiadas do Livro do
Assento dos Sócios que assistem a cada Assemblea^ de 3o de Junho
de 1788 a 10 de Janeiro de 1798. In Arquivo da Academia das
Sciências de Lisboa.
33o
Já na sessão de 12 de Novembro de 1788 o
Académico JoÃo Guilherme Muller «Leo... húa
memoria sobre origês orienta es de palavras Por-
tuguezas. O S/ Manuel Luiz Alves o plano da
correspondência para a Medicina nacional. O S/
João de Loureiro varias observações Astronómi-
cas feitas em Pekim pelo P. André Rodrigues.
Ventilão-se as questões sobre a Ortografia. De-
rão conta os S/" do Oratório de vários Mss. da
sua Bibliotheca» (i).
Na sessão de 19 de Novembro seguinte: «O
Secretario leo algús documentos inéditos dos Car-
tórios de Aviz e Palmella».
Na «Lembrança» da «Assemblea» ou sessão
— como diríamos hoje — de 26 de Novembro,
depois de outras informações, diz-se : «Leo o Se-
cretario algús apontamentos acerca de Mss. Por-
tuguezes de Itália e Espana», — referindo-se à co-
municação do abade Correia da Serra.
Na sessão de 3 de Dezembro, depois de se tra-
tar «da demarcação da meridiana de Lisboa», in-
forma a «Lembrança» : «derãose as providencias
necessárias para a composição de hum Codex
Diplomático da Legislação portugueza, e aprezen-
tou o Secretario varias etimologias hebraicas de
(1) A essa sessão assistiram: Garção Stockler, Alves de
Carvalho, João Muller, João de Loureiro, Gosta de Macedo,
Bartolomeu Inácio Jorge, João Faustino, José de Azevedo, Joa-
quim de Foyos, António Caetano do Amaral, Jacob Crisóstomo
Proetorius, Custódio Gomes de Vilas Boas, Francisco António
Ciera e José Correia da Serra.
33i
palavras Portuguezas para se ajustarem ao tra-
balho do Sn/ MuUer» (i).
Depois, o Livro do Assento não contêm nenhuma
«Lembrança» sobre assuntos históricos até à ses-
são de 3 de Fevereiro de 1790. Acerca do que
se passou nessa «Assemblea» diz o mencionado
Livro: «LeQse a Mem. Numismática de Fr. Joa-
quim de S. Agostinho, e húa Ghronica inédita da
Conquista do Algarve. O S/ Jozé de Azevedo
hum extracto das cartas de Fr. Bartholomeu dos
Mártires q existem no Cartório de Braga» (2).
Na sessão de 10 de Fevereiro de 1790 «Leo o
S."" Joaquim de Foyos, censura das Mem. q tinhão
vindo a concurso. O S."" Jozé de Azevedo o ex-
tracto das cartas de D. Fr. Aleixo de Menezes q
existem em Braga . . . (3).
O que se passou na sessão de 17 do mesmo
mês não nos interessa, pois apenas se refere a
censuras e pareceres sobre obras.
(i) A esta sessão assistiram : Stockler, Caetano do Amaral,
José António Raposo, José Pedro Hasse de Belém, Vilas Boas,
Teodoro de Almeida, Bartolomeu da Gosta e Correia da Serra.
(2) Esta sessão esteve muito concorrida, tendo a ela compa-
recido o Duque de Lafões, Vilas Boas, Guilherme Luís António
de Valleré, Joaquim de Foyos, João de Loureiro, Joaquim Pedro
Fragoso de Sequeira, Domingos Vandelli, Alexandre António
das Neves, José António Raposo, Bartolomeu Inácio Jorge, José
DE Azevedo, Costa de Macedo, Fr. Joaquim Forjaz Alves de Car-
valho^ Giera, e Garção Stockler.
(3) A esta sessão compareceram Fragoso de Sequeira, Ra-
poso, José Bonifácio de Andrade e Silva, Vilas -Boas, Joaquim
DE Foyos, Alexandre António das Neves, Hasse de Belém, Gosta
DE Macedo, Inácio Jorge, José de Azevedo, Moura Portugal,
Vandelli, Stockler, Correia da Serra.
332
A 24 seguinte «Leo o R."'° S/ Fr. Joaquim For-
jaz um catalogo e Juizo dos Manuscritos de D. Fr.
Aleixo de Meneses que actualm.^^ existem na Li-
vraria de N/ S/^ da Graça ...» (i).
A sessão de 3 de Março foi muito importante
pela natureza e o número das questões versadas.
Falando dela, diz o Livro do Assento: «Apresen-
tou o Secretario húa carta e hum livro sobre as
febres por José Manoel Chaves, e a 4.^ parte de
Mem. sobre os vinhos de Constantino Botelho, o
Projecto de Hist. de Goa, as Descripçoês de ani-
maes, e os does Livros sobre a Religião dos Brâ-
manes.de Francisco Luiz de Menezes.
«Lerãose as Portarias de S. Mag.'^^ sobre a vi-
zita dos Cartórios, e o Avizo ao Reitor da Univ.*^^
sobre a dispensa dos Oppozitores empregados
pela Academia.
«Aprezentou o Secretario húa Mem. q concor-
ria ao premio sobre o ponto das Behetrias.
«Aprezentou o S.'" VandelU as amostras dos
chapéos e a maquina para abrir a boca dos asfi-
xiados. Leo o S.'' Cabral húa memoria sobre o
paul de Otta.
«O S."" Azevedo duas Cartas de Braga sobre o
Liber Fidei.
ccDeu conta o S.'' Joaquim de Foyos da Memo-
ria sobre a hist. da nossa Typograíia.
(i) Na sessão de 24 de Fevereiro estiveram João Faustino,
Fr. Joaquim Fobjaz, Raposo, Giera, Vii.as Boas, Fragoso de Se-
queira, Loureiro, Inácio Jorge, Azevedo, Belém, Costa de Ma-
cedo, Foyos e Stockler.
;33
« Aprezentou o Secret. a Viagem de Botany Bay
por Artur Fillips mandada de prezente pelo S/
António de Araújo de Azevedo.
«E o S/ Amaral húa medalha de prata de Tra-
jano achada em Alcácer» (i).
Nas sessões ordinárias de lo, 17 e 24 de Março,
e na do Conselho de 12 do mesmo mês são tra-
tados vários assuntos literários e apresentados
diversos trabalhos como uns subsídios para a
história dos gentios de Goa, várias Memórias so-
bre coutos e behetrias^ direito de correição, a pu-
blicação das Memórias de Literatura, um elogio
de Afonso de Albuquerque, etc.
Na sessão seguinte, de 14 de Abril; «Leo o Se-
cretario húa Memoria sobre as Façanhas no nosso
antigo direito, de José Anastácio Ribeiro de Fi-
gueiredo. Mais outra de introducção á Hist.
Nautral e civil de Bragança do Sn."" Ledesma. O
Sn.'" Gorge a censura da tradução do 2.° livro das
Georgicas. O Sn.^' Loureiro a Censura das me-
morias sobre as vinhas» (2).
Nas sessões ordinárias de 21 e 28, quanto à
(i).Á sessão ordinária de 3 de Março estiveram, presentes :
Stocki.er, Sequeira, Estêvão Cabral, Tomás António de Vila
Nova Portugal, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, João de
Loureiro, José Bonifácio de Andrade e Silva, Vilas Boas, Ciera,
MuLLER, FoYos, António Caetano do Amaral, Vandelli, Ale-
xandre António das Neves, Azevedo, Bartolomeu da Costa,
Correia da Serra.
(2) A esta sessão compareceram, entre outros, os seguintes
vogais : os Académicos José ínágio da Costa, João Faustino,
Guilherme Vallerk, Fr. Joaquim Forjaz, João Manuel de Abreu,
Manuel Ferreira da Camará,
334
classe de letras trata-se de uma tradução das
'Geórgicas^ e de uma Memória sobre Honras.
Finalmente, na sessão de 5 de Maio «Leo o
Secretario a resposta do conde de Florida Blanca
á carta de oííicio da nossa corte sobre a visita do
Escoriai e Simancas. O Discurso Preliminar das
Cronicíis(i) ... Húa memoria de Pêro Nolasco
dos Reis sobre o modo de povoar as provindas.
O S.*" Azevedo a censura do Elogio de Albuquer-
que, e de .cinco peças de Poezia. Monsenhor
Hasse a censura das Tentativas da hist. tipográ-
fica de Portugal».
Essa sessão foi muito concorrida, tendo com-
parecido o Duque de Lafões, JoÃo de Loureiro,
Costa de Macedo, Raposo Nunes Léger, Caetano
DO Amaral^ JoÃo Faustino, Manuel Ferreira da
Camará, Domingos Vandelli, José Bonifácio de
Andrade, Bartolomeu Inácio Jorge, José de Aze-
vedo, Neves Portugal, Joaquim de Foyos, Hasse,
Cisra, João Manuel de Abreu, Custódio Vilas
Boas, Stockler e Correia da Serra,
Depois, as sessões são cada vez mais concor-
ridas, faltando raras vezes o ilustre Duque de La-
fões, e nunca, até ao fim do ano, o eminente Cor-
reia DA Serra.
Nessas reuniões, entre outros estudos e diver-
sas comunicações de sciências matemáticas, físico-
(i) Trata-se do Discurso Preliminar de José Correia da
Serra que serve de Introdução à Colecção de Livros Inéditos de
História Portuguesa dos Reinados de D. João I, D. Duarte,
D. Afonso F, e D. João II — de que adiante tratamos.
335
-químicas, biológicas e suas aplicações, são apre-
sentados vários trabalhos literários e jurídicos,
como o de Anastácio de Figueiredo sobre a In-
trodução do Direito de Justiniano em Portugal; a
Memória de António Ribeiro dos Santos sobre a
Fidalguia Portuguesa (i); a Sinopse metódica da
legislação portuguesa, a partir de 1602, apresen-
tada por Alexandre António das Neves (2); e José
António de Figueiredo apresentou «algúas notas
á sua Sinopsi chronologica da Legislação anti-
ga» (3).
*
Gomo temos vindo a mostrar, a Academia desde
o seu início interessou-se muito pelas sciências
de erudição, vamos ver agora por uma forma
mais concreta a atenção que lhe mereceram os
trabalhos de história.
Efectivamente^ por aviso de 26 de Fevereiro
de 1790 eram encarregados os doutores José Fer-
reira Gordo e JoÃo Pedro Ribeiro de, por parte
da Academia, efectuarem a «indagação dos Gar-
(i) Nas sessões de 2, 9 e 16 de Junho. Na sessão de 16 «Leo
o Sr. Vandelli hQa Mem. sobre as cheas do Mondego».
(2) Os trabalhos de Alexandre das Neves e de José Anastá-
cio foram apresentados na sessão ordinária de 14 de Julho de
1790. Segundo diz a «Lembrança» também nessa ocasião «o Sr.
Muller aprezentou alguas notas ás Mem. do Sr. Ribeiro sobre os
Judeos Portuguezes».
O) Por me parecerem interessantes e julgar inéditas as pas-
sagens das actas acima transcritas aí as deixa como documenta-
ção da laboriosidade da Academia desde o seu início.
336
tórios das Gamaras, Mosteiros, e outras corpo-
rações publicas . .. ».
Em 1790 aparecia o primeiro tomo da Colec-
ção de Livros Inéditos da História Portuguesa,
Abre esse volume um Discurso Preliminar de José
Correia DA Serra, onde se justifica o aparecimento
da colecção por uma forma de tal modo inteli-
gente e verdadeira que, decorridos mais de 1 3o
anos, ainda é a mesma a que recorremos para
justificar o aparecimento da nossa Colecção de
Documentos Inéditos.
Diz o ilustre abade que os factos históricos —
«as pessoas, as acções, e as idéas» — só são co-
nhecidos pelos documentos que deixaram da sua
existência.
E escreve: «Os vestígios que de si deixarão
nos monumentos, e a narração dos contemporâ-
neos, he tudo o que delles fica».
E acrescenta, com suma verdade :
«E se porventura faltarem, não ha viveza de
engenho, nem agudeza de raciocínio, que possão
suprir a sua falta».
E, logo aduz : «São por conseguinte estes ves-
tígios, estas narrações a baze única da certeza da
nossa Historia, e os únicos materiaes que a cons-
tituem para a gente sizuda, que nella busca ins-
trucção, e não desenfado».
A seguir, fala dos livros de imaginação que
tratam do nosso passado «faltos de valor pró-
prio», e que se impõem «tão somente pela pu-
reza da Hnguagem, formosura do estilo, ordem e
337
clareza do discurso...», mas sem valor scientí-
fico, mostrando «a pouca curiozidade que entre
nós houve de remontar ás fontes primitivas».
Foi para suprir essas deficiências que a Aca-
demia resolveu publicar a sua Colecção de Iné-
ditos.
A seguir explica :
«Para conseguir este fim resolveo indagar, e
publicar os antigos livros, memorias e monumen-
tos da Monarquia, que o tempo houver pou-
pado».
E, comenta^ com verdade : «Vasta e laboriosa
empresa, único meio porem de supprir descuidos
passados, e levar a Historia Portugueza ao ponto
de perfeição, que ella merece, e de que nós neces-
sitamos».
Depois, esclarece e previne :
«Quando sahirem do pó estas testemunhas, e
hum grande numero de factos incógnitos vir a
luz dia, quando o trabalho, a paciência, o espi-
rito de crítica, e de discurso tiverem combinado
estes materiaes, e deduzido a exacta noticia dos
pontos que nos importa conhecer (porque nem
tudo o que aconteceo he digno de ser Historia,
ainda que tudo pode servir para ilustralla) então
he que poderemos sem jactância persuadimos
de saber o que Portugal tem sido, e só então huma
penna guiada pela rezão, e pelo bom gosto, po-
derá expor á nossa vista, a complicada serie das
acções passadas, e explicamos com certeza, as
cauzas que as motivarão, e os eífeitos que delias
338
se seguirão, de modo que a nós sejão de proveito,
e á posteridade de ensino».
Após êsíe Discurso do ilustre Abade Correia
aparece logo o primeiro inédito que é constituído
pelo Livro da Guerra de Ceuta, por Mateus Pi-
SANO, 1460, indo da.pág. 7 a 57. Seguem-se
ainda nesse volume : a Crónica do Senhor Rei
D. Duarte^ escrita por Rui de Pina ; e a Crónica
do Senhor Rei D. Afonso V, do mesmo autor.
O segundo tomo aparece em 1792, e contêm a
Crónica do Conde D. Pedro, por Gomes Eanes de
Azurara.
O terceiro tomo aparecia no ano seguinte, em
1793, e é preenchida pela Crónica do Conde
D. Duarte de Meneses, de Rui de Pina ; pelo Li-
vro Vermelho, do Senhor Rei D. Afonso V ; e pe-
los Fragmentos de Legislação^ escritos chamados
antigos das posses da Casa da Suplicação.
Por sua vez, o quarto tomo, publicado só em
1816^ depois de um Discurso Preliminar, e Intro-
dução às Crónicas de Fernão Lopes, inclue a Cró-
nica de el-rei D. Pedro I por Fernão Lopes ; a
Crónica de el-rei D. Fernando pelo mesmo cro-
nista; e os Foros antigos dos concelhos de Santa-
rém, S. Martinho de Mouros, Torres Novas.
Enfim, o tomo quinto, só aparecido em 1824,
contêm a Crónica dos Senhores Reis de Portugal,
por Cristóvão Rodrigues Acenheiro; e os Foros
de GrapãOj Guarda, Beja e Lamego.
Assim terminou o último volume desta muito
interessante colecção de inéditos.
339
Entretanto, já havia aparecido outra magní-
fica colecção, editada igualmente pela nossa Aca-
demia : a das Memórias de Literatura Portu-
guesa.
Efectivamente, em 1792, aparecia o primeiro
tomo dessas Memórias, inserindo, após um estudo
prévio sobre a significação lata de literatura, os
seguintes trabalhos : Memórias sabre a poesia bu-
cólica dos poetas portugueses, por Joaquim de Foios;
as Memórias sobre a forma de Governo, e costumes
dos povos que habitarão o terreno lusitano desde os
primeiros tempos conhecidos até ao estabelecimento
da Monarquia Portuguesa, por António Caetano
DO Amaral; uma Memória sobre a origem dos
nossos juízes de fora, por José Anastácio de Fi-
gueiredo; um pequeno estudo histórico e filoló-
gico do mesmo erudito' sobre a palavra façanhas ;
uma Memória sobre uma crónica inédita da con-
quista do Algarve, por Frei Joaquim de Santo
Agostinho ; um magnifico estudo sobre as Be-
etrias e as suas diferenças dos Coutos e Honras,
por José Anastácio de Figueiredo; outro excelente
estudo do mesmo académico sobre a época em
que foi introduzido em Portugal o direito Justi-
nianeu ; um estudo de Frei Joaquim Forjaz sobre
umas décadas inéditas de Diogo do Couto, encon-
tradas no convento da Graça ; e uma Memória
de numismática escrita por Frei Joaquim de Santo
Agostinho.
No tomo segundo, aparecido no mesmo ano,
continuam-se alguns estudos encetados no vo-
340
lume anterior e iniciam-se outros como as Me-
mórias sobre as fontes do Código Filipino, por
João Pedro Ribeiro; o magnífico estudo de An-
tónio Ribeiro dos Santos sobre os Judeus portu-
gueses, e mais um importante estudo de António
Caetano do Amaral sobre a história da legislação
e dos costumes no nosso país.
Ainda nesse mesmo ano de 1792 surgia o tomo
terceiro, que abre com um estudo interessantís-
simo de Ferreira Gordo sobre os manuscritos da
Biblioteca Real de Madrid e da do Escurial, e que
se ocupam do nosso país, seguido de um trabalho
filológico de António Pereira de Figueiredo sobre
as Décadas de JoÃo de Barros, etc.
Em 1793 apareciam os tomos quarto e quinto,
em 1796 foi publicado o tomo sexto, dez anos
depois aparecia o sétimo, e só muito mais tarde
era dado a público o oitavo e último.
Entretanto, já haviam aparecido, entre 1806 e
1809, os seis volumes da Colecção dos principais
autores de história portuguesa com a publicação
da Monarquia Lusitana — a que atrás nos refe-
rimos.
Vários outros corpos de publicações teem ela-
borado a Academia das Sciências de Lisboa, cons-
tando uma dessas obras da inserção, in integro,
de documentos inéditos, como os Portugaliae
monumenta histórica; e outras da publicação em
extracto, resumo, ou, simplesmente como fontes,
de manuscritos de importância.
Como já dissemos, um dos melhores exemplos
341
da primeira categoria destas colecções é consti-
tuída pelos Portugaliae momimenta que, dividida
nas cinco séries dos Scriptores, Leges consuetudi-
nes, Diplomata et Chartae, e as Inquisitiones, tem
seguido paralelamente a publicação.
Outro bom exemplo de publicações completas
de documentos é fornecido pela Colecção de mo-
numentos inéditos para a história das conquistas
dos portugueses em Africa, Ásia e América^ tendo
aí aparecido as Lendas da índia de Gaspar Cor-
reia, a Década da índia de António Bocarro, o
Livro das Monções^ e as Cartas de Afonso de Albu-
querque, etc. E ainda outro excelente modelo
do género é dado pelo Corpo Diplomático Portu-
guês, do qual se publicaram catorze tomos.
Como exemplo de obras totalmente baseadas
em documentos^, mas só inserindo deles simples
extractos ou pequenas passagens, pode dar-se
o Quadro elementar das relações políticas e diplo-
máticas de Portugal, obra essa excelente que se
interrompeu em 1860 com a publicação do tomo
XVIII.
Além de todas estas obras muitas outras de
sólida erudição tem a Academia dado a lume,
sendo esta instituição a que, por uma forma mais
elevada, metódica e intensiva, tem publicado mais
importantes documentos da história portuguesa.
342
Além da gloriosa Academia das Sciências de
Lisboa, mas muito depois e abaixo dela, outras
instituições teem acorrido a dar a sua valiosa
contribuição para o maior conhecimento das fon-
tes documentais, sendo de salientar — em rápido
curriculum — a Sociedade de Geografia de Lis-
boa ; o Instituto de Coimbra ; a Biblioteca Pú-
blica do Porto — com a sua Colecção de manuscri-
tos inéditos; a Biblioteca da Universidade de
Coimbra — com o seu Arquivo Bibliográfico, tor-
nado, actualmente, Boletim Bibliográfico; o Ar-
quivo da Torre do Tombo (i) ; a Biblioteca Na-
cional de Lisboa — ^ com o seu antigo Boletim, e,
actualmente, com os seus Anais; o excelente Ar-
quivo Histórico; a Academia de Sciências de
Portugal — instituição recente, mas que na cole-
cção dos seus Trabalhos contêm estudos muito
valiosos; a Câmara Municipal de Lisboa — que
beneméritamente teem publicado os magníficos
dezassete volumes dos Elementos para a História
do Município. ,
Além dessas instituições que, por uma forma
mais ou menos sistemática, teem vindo a publi-
car documentos inéditos são também de citar
(1) Acerca dos estabelecimentos que acabamos de apontar,
ver a nossa obra : Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, de
pág. 121 a 212.
343
as colecções de trabalhos, arquivos, anais, mcn-
sários, boletins, revistas, jornais e outras publica-
ções definitivas ou periódicas que teem divulgado
manuscritos de valor histórico.
Entre essas numerosas e variadas publicações,
inserindo documentos, são de citar, um tanto ao
acaso, os Anais das Sciências, das Artes e das Le-
tras — que formam uma colecção de dezasseis
volumes impressos em Paris, desde Julho de 1 8 1 8 ;
a Aínemo{ine Literária^ o Correio Brasiliense —
impresso em Londres no principio do século xix;
o Correio Português — publicado também, por
essa época, em Londres; o Panorama; os Anais
das sciências e letras; o Arquivo Pitoresco; a Re-
vista da Sociedade de Instrução do Porto; a Re-
vista Lusitana; a Revista, mensário de sciências e
letras do Porto; o Anuário da Universidade de
Coimbra; o Conimbricense — magnifico repositó-
rio de documentos importantíssimos para o co-
nhecimento da história moderna e contemporânea
de Portugal; a Revista Universal Lisbonense; a
Revista de Portugal; o Ocidente; a Revista Pe-
ninsular; a Revista Musical; a Arte Musical —
onde Sousa. Viterbo publicou diversos inéditos
valiosos; sl Revista de Engenharia onde foi publi-
cado, pelo Académico sr. Esteves Pereira, o Tra-
tado ou defensam da agulha de marear, de Pedro
Nunes; a Revista Militar; a antiga Revista lite-
rária, scientífica e artística do Século; os Serões
— excelente magasine onde foram publicados
muitos e bons artigos históricos com documen-
344
tacão ; a Ilustração Portuguesa ; a Revista de His-
tória, órgão da Sociedade Portuguesa de Estudos
Históricos ; etc, etc.
São de tal forma numerosas e diversas as pu-
blicações que teem dado a público manuscritos,
que é hoje uma temeridade dizer-se quando se
publica algum documento que este é inédito.
Foi para obviar a esse enorme inconveniente
que nós propusemos ao governo, pelo Ministério
da Instrução/ a elaboração de um catálogo de
manuscritos já publicados, com a natural indica-
ção dos lugares onde figuram impressos (i).
Esse trabalho verdadeiramente meritório ainda
está por fazer, e com a sua falta sofrem muito os
investigadores : primeiro por não saberem se as
fontes manuscritas do seu estudo já foram por
outros, anteriormente, conhecidas, estudadas e
publicadas, em segundo lugar porque a publica-
ção de um tal catálogo ou Índice, se fosse orde-
nado por matérias, por assuntos e por ordem
cronológica, seria um excelente guia bibliográ-
fico, uma espécie de Wegjveiser, podendo servir
de tipo o publicado por Oesterley sobre as co-
lecções de fontes medievais.
Há por aí tanto funcionário a aborrecer-se sem
ter nada que fazer, e há, pelo contrário, tanta
cousa que fazer, só faltando quem apareça a
(i) Acerca deste assunto ver o capítulo VI do nosso trabalho
Os Arquivos c as Bibliotecas em Portugal, pág. 244 a 25 1 onde
largamente expomos as nossas ideas sobre este ponto, e descre-
vemos as providências que propusemos superiormente.
345
proclamar de alto a baixo esta simples e co-
mesinha verdade : os funcionários existem e ga-
nham para desempenharem funções, e se as não
desempenham não teem direito a ganhar, pois
um decreto de nomeação equivale a um contrato
bilateral em que o funcionário oferece o seu tra-
balho e o Estado, em nome do pais, comprome-
te-se a pagar-lho.
CAPÍTULO Vi
A fase actual da metodologia Mstórica (i)
I .*' — A história no quadro geral das sciências
a) Â história nas classificações scientíficas
Vimos já, com o possível desenvolvimento com-
patível com uma obra desta natureza, como tem
sido enorme e constante^ especialmente a partir
do século XVIII, o desejo por toda a parte mani-
festado e comprovado de fazer progredir a histó-
ria por meio da publicação dos manuscritos dos
vários arquivos e bibliotecas tanto nacionais
como estrangeiros, pois os governos e as insti-
tuições scientíficas dos diversos países não se
contentando em tornar públicas as espécies dos
(i) No capítulo que vai ler-se não deve o leitor procurar as
ideas do autor sobre os assuntos aqui estudados^ porque só raras
vezes as encontrará expostas. Tivemos aqui em vista, somente»
expor, tão completamente quanto o limitado espaço nos permite,
o estado actual dos conhecimentos, as concepções, as ideas e as
opiniões mais características sobre os assuntos versados. Num
trabalho especial sobre esta matéria apresentaremos conveniente-
mente sistematizados os nossos pontos de vista, as nossas opi-
niões.
348
seus depósitos, teem irradiado missões de estudo
pelas outras nações em busca de documentos
que esclareçam melhor o seu passado nacional,
publicando não só os índices — j e por vezes bem
analíticos eles são I — das peças mais interes-
santes, como, in-extenso, ou em extractos, as
próprias peças, com as convenientes introduções
e notas.
Vimos,, também, que esse trabalho tem sido gi-
gantesco e sistematicamente conduzido na França
e na Alemanha ; que êle tem sido menos inten-
sivo, mas também importante, na Inglaterra ;
que é mais recente, mas igualmente digno de
nota, na Bélgica, Itália e Suíça ; e que êle tendo
em Espanha uma longa tradição, passou por al-
guns desfalecimentos dos quais procura agora
resarcir-se por meio de uma actividade inten-
siva, mas metódica.
Igualmente vimos que o nosso país não ficou
estranho a esse movimento, especialmente a par-
tir do reinado de D. João V, tendo não só sido
publicadas muitas espécies manuscritas dos nos-
sos depósitos, como ainda feito um despojo e
uma selecção das espécies dos Arquivos do Va-
ticano, relativas ao nosso país, que foram regis-
tadas na vasta colecção da Simicta Lusitana —
havendo assim Portugal precedido, em mais de
um século, o estabelecimento das missões, insti-
tutos e seminários de história criados em Roma,
pela Alemanha, França e Áustria.
A crescente intensidade que teem apresentado
349
os trabalhos de publicação dos documentos iné-
ditos é condicionada pela orientação cada vez
mais objectiva que teem experimentado as sciên-
cias históricas.
Vejamos agora qual o lugar da história no
quadro geral das sciências.
E a sciência um conjunto de conhecimentos
verdadeiros e certos, compreendendo duas fases
— descritiva e especulativa, — na primeira das
quais ela procura descrever os fenómenos e os
objectos, e tendendo na segunda a explicá-los
pelas suas causas e pelas suas relações. Há, por
isso, quem defina a sciência nas suas mais altas
manifestações como «um sistema de relações».
A sciência não é um todo completo, terminado,
feito. E — como lhe chama Spencer — «um
corpo organizado de verdades, sempre em au-
mento e constantemente depurado dos seus er-
ros» (i). É, assim, um organismo em eterna
formação, em constante renovamento, em per-
manente incorporação de conhecimentos depois
de conscientemente fiscalizados, verificados, isto
é, depois de tidos como certos.
O que caracteriza a sciência em geral é a exis-
tência de leis naturais ; e a lei natural consiste na
redução, por meio da análise indutiva, do parti-
cular ao geral, do complexo ao simples, do con-
tingente ao necessário.
(i) H. Spencer, Les premiers príncipes^ trad. de Guymiot, 1902,
pág. i5. ^
35o
A lei é, pois — como a define Abel Rey — «uma
relação geral, simples e necessária estabelecida
entre dois grupos de fenómenos», dos quais um
representa a causa e outro o efeito. Por sua
vez, a cansa é o «antecedente invariável, neces-
sário e incondicional de um fenómeno» (i).
Assim, a causa não é uma força — como ainda
ultimamente sustentava Xenopol, mas um sim-
ples facto bem determinável, sem o qual o efeito
não se daria nas condições em que se produziu.
Fixadas as leis naturais, estas agrupam-se,
hierarquizam- se, e subordinam-se às leis gerais
que constituem os princípios e são as bases das
sciências.
Se — como dizia Bacon — «a verdadeira sciên-
cia é a sciência das causas», consiste ela num
sistema de causas ligando-se a outras mais gerais
e importantes.
Assim, Abel Rey define a sciência, em geral,
como «a investigação metódica das leis naturais
pela determinação e sistematização das causas».
O que caracteriza a sciência moderna, posi-
tiva^ objectiva, e racional, é que ela assenta cons-
tantemente na experiência e tem sempre a possi-
bilidade de medir, sendo pois uma generalização,
uma indução, de factos comprovados experimen-
talmente e completada por uma síntese teórica e
dedutiva para subir das leis gerais às fórmulas (2).
(1) Abel Rey, Les Sciences PhilosophiqueSi pág. 556 a 56i.
(2) GuiLLAUME DE Greef, Les lois sociologiqiies, 1902, pág. 1
a 35.
35i
Havendo, ou podendo haver, tantas sciências
quantos os objectos do saber humano, e sendo
cada vez maior a divisão do trabalho scientííico
e a especialização, sem o que seria impossível
todo o progresso da sciência e das suas aplica-
ções, necessário tem sido, como uma exigência
lógica — e até pedagógica — fazer o agrupamento,
a coordenação, a serieção, a classificação das
sciências.
Ampere na Introdução à sua Philosophie des
Sciences justificava a necessidade de uma classi-
ficação das sciências para a divisão em classes
de uma academia scientifica, para a distribuição
dos livros de uma biblioteca^ para a fixação do
plano racional de uma bibliografia geral, para
a classificação das matérias de ensino nas Uni-
versidades, e para determinação dos limites mais
precisos que separam certas sciências.
Porém, além de todos esses objectivos de na-
tureza mais ou menos formal, alguns dos quais
não são completamente ^satisfeitos por nenhuma
das classificações até agora conhecidas — ■ como
o da fixação dos limites entre as sciências, — ou-
tras razões há que tornam justificável uma clas-
sificação de sciências como uma necessidade do
espirito que exige a serieção das nossas ideas c
a ordenação dos nossos conhecimentos de forma
a estabelecer a conveniente coordenação e pa-
rentesco numas e noutros.
Contudo, importa não esquecer que todas as
classificações teem um carácter mais ou menos
352
subjectivo — o que as torna arbitrárias, inconsis-
tentes e transitórias.
O próprio Spencer, na sua obra sobre a Classi-
ficação das sciências, é o primeiro a justificar a
impossibilidade de um trabalho de tal natureza
se tornar definitivo porque nem a ordem de su-
cessão nem qualquer outra que se possa seguir
em tal classificação representa a dependência ló-
gica ou a sucessão histórica das sciências — o
que, de resto, não impediu que o mesmo Spencer
apresentasse uma classificação da sua autoria,
que também não satisfaz.
CouRNOT que, tanto no Traité de l' enchainement
des idées como no Essai sur les fondements de nos
connaissances e nas Considérations sur la marche
des idées, se ocupa da metodologia histórica vê
na história um aspecto do conhecimento, mas
não um conhecimento particular, e distingue o
elemento histórico do elemento scientifico, vendo
no elemento histórico do conhecimento a exis-
tência e intervenção do acaso — que êle admite
como uma realidade e o carácter do desenvolvi-
mento das cousas, e chegando a concluir que só
há história onde intervêm o acaso.
Para Gournot a história por excelência é a his-
tória dos acontecimentos humanos, mas só dos
que se passam nas sociedades civilizadas, isto é,
das que, pelo menos em princípio, são governadas
por leis orgânicas, vendo nas instituições o jogo
de uma força interna análoga à que se manifesta
353
no mundo vegetal. No quadro das sciências
GouRNOT coloca a história entre a etnologia —
que fixa as leis da humanidade nascente, e a eco-
nomia social — que estuda as leis da humanidade
liberta da acção do tempo, significando, nas Con-
sidérations a tautologia da história estudar s^ fase
histórica da humanidade.
No período primitivo da humanidade, na fase
a que êle chama antropológica^ o homem não se
distingue da espécie^, ^.fase histórica caracteriza-se
pela existência e função das individualidades; no
período terminal, no. fase económica^ o indivíduo
desaparece na massa^ pois a difusão das ideas é
de tal forma grande e a lógica por tal forma do-
mina o instinto que a necessidade dos grandes
homens eclipsa-se.
Segundo Cournot a história não se limita ao re-
gisto dos acontecimentos, pois deve ter em vista,
pela arte, ligá-los, seriá-los, tendo assim não
um carácter scientífico, mas um carácter filo-
sófico.
Quanto à divulgação dos conhecimentos histó-
ricos entende êle que a história tem relações com
a arte para o estudo e exposição dos factoS;, e
com a filosofia — como já vimos, mas é distinta
da sciência, se bem que por vezes seja também
scientífica — como a numismática.
O sábio matemático admitia assim uma^/o-
sofia da história — a que mais tarde chamou etio-
logia histórica, cuja formação esssencial consistia
em distinguir, por meio da história comparada,
23
354
um período ou um acontecimento dos outros, e
os factos gerais dos seus subordinados descendo
até aos de maior detalhe (i).
A classificação das sciências de Adrien Naville
basea-se na concepção de três espécies de obje-
ctos scientíficos : os factos reais ; as leis ; as re-
gras ideais concebidas à priori pelo espírito. Daí
resultam três classes de sciências : i ,° — as diver-
sas espécies de histórias que descrevem e contam
os acontecimentos reais na natureza inorgânica,
orgânica e pensante; 2° — as sciências teoremá-
ticas- — que enunciam as condições necessárias
do possível; 3." — as sciências reguladoras — que
enunciam as regras segundo as quais deve condu-
zir-se á actividade humana.
A primeira classe pertencem : a estatística, a
uranografia, a geodesia, a cristalografia, etc. ; a
astronomia, a geologia, a meteorologia, etc. ; a
botânica, a zoologia e antropologia físicas ; a zoo-
logia e antropologia psíquicas; a história das lín-
guas, das artes, das literaturas, das sciências, das
ideas e instituições religiosas, civis, dos costumes,
etc. ; a geografia política ; a filosofia da história.
As sciências da segunda classe apresentam dois
caracteres: i.° são necessárias; 2.° são hipotéti-
ticas; isto é, que posta a causa o efeito segue ne-
cessáriamejite, -mas que a necessidade do efeito
está sempre subordinada à posição da causa. A
(i) Acerca deste ponto^ ver: J. Segond, Les idées deCournot
siir 1'histoire in Reviie de Synthèse Historique^ tomo x, pág. i a 9.
355
esta classe pertencem : a aritmologia, a geome-
tria, a mecânica, a física, a química, a biologia,
a psicologia, a psicofísica, a sociologia.
Quanto à terceira classe — a das sciências re-
gulativas — é justificada pela natureza da nossa
actividade — que é receptiva ou produtiva, conhe-
cimento ou invenção. Por isso, há regras ideais
da invenção que constituem a moral e as teorias
dos factos; e regras ideais do conhecimento —
que formam a lógica.
O historiador romeno Xénopol também apre-
sentou, ultimamente, uma classificação das sciên-
cias^ a qual é ainda mais arbitrária e menos con-
sistente que várias outras. Depois de dizer que
«a grande dificuldade na classificação das sciên-
cias, consiste em achar o princípio em que ela
deve assentar», e de apodar de arbitrárias as
classificações de Bacon, d'Alembert, Augusto
CoMTE, Ampere, e H. Spencer, êle indica o prin-
cípio que o guiou na sua classificação.
Segundo êle, os factos do universo, seja qual
for a sua natureza — físicos ou psíquicos, simples
ou complexos, — manifestam-se no decurso do
tempo de duas maneiras distintas : como factos
de repetição e como factos de sucessão.
p depois de dar vários exemplos de factos de
repetição — os movimentos de rotação e de trans-
lação de terra e os fenómenos deles derivados,
356
os fenÓQienos térmicos, os fenómenos químicos
observados na respiração, o aparecimento e de-
saparecimento de vegetação, os factos psicológi-
cos e lógicos do pensamento ; e os de produção,
repartição das riquezas, etc. — escreve:
«Os factos sobre os quais repousa a existência
do universo são os de repetição que se reprodu-
zem continuamente, sem mudanças importantes,
e que constituem a trama sobre a qual se bordam
os factos de sucessão».
A seguir — com uma volubilidade que descon-
certa— escreve :
«Há factos de repetição que não mudam nunca,
pelo menos no estado actual do universo, ou cu-
jas alterações são tão lentas e tão pouco notadas
que perdem toda a importância», dando como
exemplos o deslocamento do eixo polar, a eleva-
ção das costas da Noruega (i).
A seguir, diz que há outros factos que repetin-
do-se mudam a cada instante de forma, não sendo
já hoje o que eram hontem. Esses factos de re-
petição tornam-se, por isso, factos de sucessão.
E comenta: «A repetição é o fundamento de
tudo que existe ; a sucessão não é mais do que a
floração disso»; e dá depois vários exemplos de
fenómenos de sucessão, como a sucessão das ro-
(i) XÉNOPOL vem expondo estas ideas desde 1899 na sua obra
sobre os Princípios fundamentais da história, desenvoWidas de-
pois, em 1908, na Théorie de l'histoire, e mais detalhadas nçs seus
artigos da Revue de Synthèse Historique, por exemplo : sobre a
Causalité en Histoire, em 1904, e acerca de La Causalité dans la
série historique — no número de Dezembro de igiS.
357
chás e a das espécies vegetais e animais, as
transformações da linguagem, os factos históri-
cos, etc.
Falta-nos o espaço para mostrarmos quanto
tem de arbitrário tal teoria, pois todos os fenó-
menos, seja qual fôr a sua natureza^ não fazem
mais que repetir-se e todas essas repetições são
diferenciadas, isto é, todos os factos são, ao
mesmo tempo^ de repetição e de sucessão tanto
na sua estrutura como na sua evolução (i).
Indicando as diferenças entre as duas nature-
zas de factos, diz que os fenómenos de repetição
são gerais, podem reduzir-se a leis, e podem pre-
ver-se e predizer-se, ao passo que os factos de
(i) Parece-nos ser uma deficiência de visão por parte de XÉ-
NOPOL e de outros o considerarem como sciências de factos de re-
petição somente as sciências da natureza. Já Aristóteles na sua
Politica, veio com a sua teoria dos ricorsi, alem de Montesquieu,
e Chateaubriand, e mais modernamente, e scientíficamente, Adam
Smith na sua Riqueza das nações, Bopp e Dietz nas suas obras de
filologia comparada, Giddings nos seus trabalhos de direito, Bal-
DWiN nos seus estudos de psicologia, Lang nos seus estudos de
mitografia, e sociólogos como Herbert Spencer, Novicow e René
WoRMS : todos são unânimes em reconhecer a repetição dos fe-
nómenos no domínio das sciências do espírito ou sciências sociais,
isto é, na economia política e social, nas sciências filológicas, na
pedagogia, na mitografia, etc.
Gabriel Tarde, baseando-se na i'epetição dos fenómenos em
sociologia, proclama as suas leis de imitação, e na sua obra Les
lais sociales define da seguinte maneira o progresso de uma sciên-
cia dizendo que este «consiste em substituir semelhanças e repe-
tições exteriores — isto é, comparações de objectos fora dessa
sciência — por semelhanças e repetições interiores, isto é, com-
paração dentro da mesma sciência, nos seus múltiplos exemplos
e sob outros aspectos. In pág. 5o da ob. cit.
358
sucessão são sempre individuais, só se podem
agrupar em séries, e não se podem prever (i).
É sobre estes princípios que assenta a classi-
ficação de sciências de Xénopol. No seu qua-
dro as sciências dos factos de sucessão, ou sciên-
cias de séries, dividem-se em sciências históricas
reais e em sciências históricas ideais.
As primeiras estudam: o desenvolvimento do
Universo, da Terra (geologia), dos organismos ;
e o desenvolvimento do Homem (sociologia dinâ-
mica^ história propriamente dita), compreendendo
as histórias : política e social, das religiões, da
arte, da linguagem, dos costumes, da moral, do
direito^, da literatura e da filosofia.
As sciências históricas ideais compreendem : a
História 'dos conhecimentos sobre os fenómenos
(i) Xénopol no seu artigo La Causalité datis la série histori-
que, in Revue de Synthèse Historique^ Dezembro de 191 3, desen-
volve este ponto, mas sem trazer novos elementos.
Depois de insistir que as sciências da natureza são sciências
de leis e a história é uma sciência de série, tendo as primeiras,
como princípio gerador da lei, a generalização, e apresentando a
história, como origem da série, a causalidade, passa a dar vários
exemplos tomados na história romana e na de outros países bal-
cânicos para demonstrar «que a série é sempre o produto de um
encadeamento causal entre os factos que a constituem», e «'que
toda a série de história que quere ser verdadeiramente scientííica
deve poder ligar todos os factos de que ela se compõe com o fio
da causalidade sucessiva, fazendo derivar cada facto subsequente
do seu antecedente». Ver artigo cit., pág. 259 e 271.
Já num outro artigo da mesma Revue, de 1914, ele se havia
ocupado da Causalité en liisioire, e onde estudava as origens da
causa : umas vezes devida a uma força natural, outras provindo
de um facto ou causa anterior.
359
imutáveis (História das sciências de leis) — fenó-
menos esses que são objectos das histórias : das
matemáticas, da astronomia, da física, da quí-
mica, da zoologia, botânica e mineralogia^ e da
biologia ; e a história dos conhecimentos sobre
fenómenos mutáveis (história das sciências de
séries) — e que são estudadas nas histórias das
doutrinas geológicas, das doutrinas transformistas
e das doutrinas históricas.
A vista, e como comentário do seu quadro de
classificação, Xénopol, notando «a extensão da
sciência dos factos de sucessão» escreve «que a
história, no sentido largo da palavra, não é uma
sciência especial, como até agora se tem consi-
derado, sciência que deveria ser colocada ao lado
da biologia, da psicologia ou da sociologia, mas
que ela constitue um dos dois modos universais de
concepção do mundo, o modo de sucessão em face
do modo de repetição (i).
Depois de assim considerar a história, muito
mais como um método que como uma sciência
independente e especial, esclarece que a sua con-
cepção da história mostra a importância desta
«disciplina» «cujo princípio aplicado à natureza
material tem renovado o estudo desta divisão
pela idea tão fecunda da evolução».
(i) Este estudo de A. D. Xénopol foi publicado com o título
La classification des sciences et 1'Histoire, na Reviie de Syníhèse
Htstorique, tomo ii, pág. 264 a 276.
36o
Termina por chamar à história «irmã gémea»
da sciência dos factos de repetição. Mas, na
realidade, tal juízo equivale a não lhe chamar
sciência, mas uma simples forma do conhecimento,
pois não há uma sciência dos factos de repetição
mas sim sciências astronómicas, físicas, químicas
e biológicas.
E pouco mais ou menos assim que Heinrich
RiCKERT a considera como «um modo de conce-
pção do mundo», pois — como Xénopol — tam-
bém êle diz: «que a história não é uma sciência
especial que só pelo seu objecto se distinguiria
das outras sciências» (i).
Outros historiógrafos e teóricos da história,
pensando muito diferentemente de Xénopol, vão
muito longe quanto à classificação da história
como sciência e à sua incorporação no quadro
dos conhecimentos scientíficos, integrando-a no
grupo das sciências experimentais, mas distin-
guindo nestes dois sub-grupos : o das sciências
naturais — que se ocupam dos fenómenos cosmo-
lógicos e biológicos ; e o das sciências morais —
que tratam do espírito humano nas suas várias
manifestações, e dando cada estudo especial ori-
gem a uma sciência particular.
Assim, pertencem a este aglomerado a. psicolo-
gia — que é o estudo do próprio espírito humano
(i) H. RiCKERT^ Les qiiatre modes de (d'Universelo dans VHis-
toire in Rcviie de Synthèse Hisíorique, lômo ii, pág. 121 a 140.
Ver a crítica de Paul Lacombe a este artigo na mesma Revue,
tomo lu, pág. I a 9.
36i
nas suas variantes e modificações ; a linguística
— que estuda os sinais verbais e escritos que ex-
teriorizam os fenómenos psíquicos; a história —
que tem em vista estudar e descrever as mani-
festações individuais e colectivas da actividade
humana na sua evolução ou serieção através do
tempo ; a sociologia, a moral, etc.
Não há dúvida que a classificação da história
na classe das sciências experimentais — como fa-
zem Charles e Vítor Mortet no artigo Histoire,
da Grande Encyclopédie — é um tanto ambiciosa,
como se presta a equívocos o dizer-se que «o
estudo e a exposição dos factos passados é, antes
de tudo, uma obra scientífica, na qual o histo-
riador deve seguir^ tanto quanto tais factos o per-
mitam, as regras e os métodos das sciências expe-
rimentais:/).
E certo que logo adiante se diz que para haver
sciência experimental é necessário que os conhe-
cimentos que a constituem tenham por objecto
factos reais ou seres concretos susceptíveis de se-
rem constatados e analizados.
Ora o que caracteriza essencialmente a expe-
riência e a distingue da observação é que naquela
o estudo dos fenómenos não só se pode iniciar,
repetir ou interromper como se pode alterar e
modificar o dispositivo e a marcha da experiência
— o que em história é impossível fazer-se.
Mostrámos já que a classificação scientífica de
Xénopol estava longe de satisfazer, e já dissemos
que a classificação de Herbert Spencer que apa-
362
receu para rectificar a de Augusto Gomte, se bem
que em pouco mais que na nomenclatura se dis-
tinga da do pensador francês, também não sa-
tisfazia logo na chave da abóboda de todo o sis-
tema, isto é, na distribuição das sciências pelos
três grupos : sciências abstractas, sciências abs-
tracto-concretas, e sciências concretas, segundo
teem por fim estabelecer relações gerais, ou os
elementos das cousas, ou as suas propriedades
reais e particulares.
Abel Rey propôs recentemente uma outra clas-
sificação, baseando o seu trabalho na combinação
dos princípios de Comte com os de Spencer(i).
Segundo êle, as sciências dividem-se em puras
abstractas — «que só estudam as relações gerais
determinantes dos fenómenos», e as sciências
aplicadas concretas — «que procuram explicar
as formas particulares dos fenómenos e os seres
(i) Várias outras classificações de sciências teem surgido. En-
tre elas figura a do sociologista Stuart-Glennie, que divide as
sciências em três grandes categorias : a sciência do movimento ou
sciências cinéticas, a sciência da transformação ou sciências evo-
lucionais, e a sciência da socialização ou sciências éticas.
Cada uma dessas categorias apresenta três subdivisões, segundo
se passa a considerá-las no ponto de vista formal ou abstracto,
causal ou concreto, prático ou técnico. A sociologia, confundin-
do-se com a antropologia, engloba duas ordens de estudos dife-
rentes : o estudo do que é e das causas do que existe, e o estudo
do que pode e deve ser, pertencendo o primeiro desses estudos às
sciências evolucionais, e o segundo às sciências éticas. O traço de
união entre as duas ordens de sciências é constituído pela lei geral
do desenvolvimento intelectual, sendo esse o objecto da história.
Ver a primeira comunicação dos Sociological Síiidies, in vol. ii
dos Sociological Papei s, published for the Sociological Society.
363
distintos que a sciência nos apresenta». E é de
notar que em cada um destes dois grupos ou
grandes classes as sciôncias são dispostas e se-
riadas segundo o principio comteano da com-
plexidade crescente do objecto (i).
O quadro geral das sciências segundo essa clas-
sificação é o seguinte :
1. Sciências teóricas, abstractas ou puras. —
Neste grupo figuram as sciências que se ocupam
das relações que dizem respeito: i.° ao número
— como a aritmética e a álgebra; 2.° à extensão
(i) Esta, como tantas outras classificações de sciências, figura
num tratado de filosofia, dada a maneira como a filosofia é con-
cebida.
Efectivamente, a filosofia tem sido considerada, comumente,
como a sciência das sciências, sem objecto próprio, especial, ca-
racterístico, se bem que alguns pensadores lhe atribuam uma de-
marcada individualidade. Assim, o dr. Garfein-Garski na sua
obra Em neiíer Versuch ilber das Wesen dee Philosophie, ao pro-
curar estudar e fixar a natureza e a essência da filosofia, como
indica o título, entende que ela se distingue das outras sciências
não só pelo método como pelo seu objecto.
Assim, para ela a filosofia não é a tão proclamada sciência das
sciências ; ela não se limita — como querem os neo-kantistas — à
teoria do conhecimento. E se a ética, como a psicologia, é uma
sciência especial, também a filosofia o é: é a sciência da unidade,
da totalidade subjectiva.
Porém o autor dizendo que «a filosofia é um grupo de sciên-
cias que: i.° estudam o conhecimento, o sentimento, a vontade
como funções do homem-sujeito, como actos de personalidade ;
e 2.° procuram criar uma síntese do todo da realidade», não se
afasta, no fundo, muito dos que a concebem como a sciência
universal, o conjunto da sciência, isto é, «o saber completamente
unificado» — de Spencer.
Ver : Reviie de Métaphysique et de Morale, Suplemento ao nú-
mero de Março de 1910, pág. 20 e 21.
364
— coví\o\ geometria ; 3." ao movimento — como
a mecânica; 4.° às diferentes formas da energia
— como di física; 5.° à constituição dos corpos —
como a química; 6.° à vida — como a biologia;
7.° à consciência — como 8i psicologia; 8.° às so-
ciedades— como a sociologia.
II. Sciências aplicadas ou derivadas. — A este
grupo pertencem : a cosmografia^ astronomia, geo-
grafia, geologia., paleontologia, mineralogia, botâ-
nica, {oologia, antropologia, etnologia., história dos
grupos sociais, etc. (i).
Convindo recordar mais uma vez que uma clas-
sificação de sciências tem sempre um valor muito
relativo e inteiramente provisório, servindo só
até que outra surja e que satisfaça melhor às ne-
cessidades do espírito filosófico e apresente mais
lógica, dogmática, pedagógica e historicamente
a serieção e a coordenação dos vários ramos do
saber humano, é hoje norma geralmente seguida,
sem intuitos de classificação a distribuição das
sciências por três grupos (2).
O primeiro é constituído pelas sciências mate-
(1) Abel Rey, Les Sciences Philosophiques, 2.' edição, pág. 575
e 576.
(2) Também Paul Janet, no seu Tratado de Filosofia, divide
as sciências morais em quatro classes : i.» — a dos sciências filo-
sóficas.1 que se ocupam do «espírito humano considerado em si
próprio» ; e do «espírito absoluto» ou «causa primária» ; 2.* — a
das sciências sociais, que se ocupam do homem em sociedade,
como as jurídicas, políticas e económicas ; 3.= — a das sciências
filológicas^ tendo por objecto a linguagem; 4.= — a das sciências
históricas, tratando da evolução da espécie humana através dos
tempos.
365
máticas — cujo objecto é uma criação do espírito,
permitindo assim agir somente por meio do ra-
ciocínio dedutivo e chegar a raciocínios maxima-
mente certos, exactos, mas sem nenhuma objecti-
vidade (i).
O segundo é formado pelas sciências da natu-
re{a, as quais só podem ser trabalhadas por meio
do método experimental e indutivo, produzindo
resultados objectivos, os quais nunca são mais
que aproximados e prováveis.
O terceiro grupo é, finalmente, constituído pe-
las chamadas sciências do espírito, isto é, pelas
sciências morais e politicas, as quais ou são des-
critivas e históricas, ou teem por objecto a des-
coberta ideal de um conjunto de regras, de pre-
ceitos ou normas de conduta para a actividade
humana : actividade estética, lógica, moral, jurí-
dica^ política, económica, etc. (2).
Do que temos dito conclue-se que a história —
(i) O conhecido sábio alemão W. Ostwai.d no segundo fascí-
culo, de 2 5 de Março de igog, dos seus Annalen der Naturphilo-
sophie, tratando de O sistema das sciências, apresenta um ensaio
de classificação. Segundo êle as sciências dividem-se em três
grupos : fundatjtentais, físicas e biológicas.
As primeiras teem por conceito geral a ordem, e são : i.° — a
lógica e a teoria da multiplicidade ; 2.° — a matemática; 3.° — a
geometria. As sciências físicas, tendo por conceito geral a ener-
gia, compreendem ; 4.» — a mecânica ; 5." — a física ; 6." — a quí-
mica. As sciências biológicas, com o conceito geral da vida, são :
7.0 _ a fisiologia; 8.° — a psicologia ; 9.° — a culturologia.
Três ou quatro anos antes Emile Waxweiler, no seu Esquisse
d'une sociologie, considerava também a sociologia — que Ostwald
inclue na culturologia — como uma sciência biológica.
(2) Abel Rey, ob. cit., pág. 576 a SyS.
366
designação genérica para significar o grupo das
sciências históricas — é uma sciência do espirito,
uma sciência concreta e aplicada; e, sob o ponto
de vista metodológico, é uma sciência inductiva[\).
WiNDELBAND — de quem adiante falaremos bas-
tante ao tratar da concepção de valor em histó-
ria— seguido, na Alemanha, por Simmel, e por
Adrien Naville, ça Suiça, diverge de Xénopol e
RiCKERT na classificação dos conhecimentos hu-
manos em sciências de factos de repetição ou sciên-
cias da natureza, e sciências de factos de sucessão
ou sciências históricas.
WiNDELBAND agrupa as sciências experimentais
em duas grandes divisões, correspondentes às de"
XÉNOPOL : a das sciências de leis e a das sciências de
acontecimentos.
Não é difícil conjecturar — e o próprio Win-
DELBAND O dá a entender — que à sua classifica-
ção não foi extranha a influência de Leibniz com
a sua teoria das verdades eternas ou verdades
necessárias, e das verdades de facto ou verdades
ocasionais e contingentes : as primeiras sendo
objecto das sciências de leis, as segundas tornan-
do-se a matéria das sciências dos acontecimentos.
É a essa distinção leibniziana que se deve ir
procurar a filiação do pensamento de Windel-
band quando este escreve :
«A unicidade, a individualidade não sujeita à
(i) Adiante, ao tratarmos do método histórico será desenvolvido
€ste ponto. E já que falámos novamente em A. Naville devemos
dizer cjue ele em igoi publicou uma nova clasiiíicação de sciências,
367
repetição constituem, pois, contrariamente à ne-
cessidade geral, os caracteres distintivos dos fa-
ctos históricos» (i).
Apesar do que diz o seu autor chamando a esta
«divisão puramente lógica», nós vemos nela,
muito mais que na de Xénopol, uma classificação
com uma base e um alcance metodológicos, isto
é, tal classificação de sciências prende-se com «a
relação necessária que em cada uma destas existe
entre o seu método de trabalho e o seu conteúdo
objectivo» — como diz o próprio Windelband.
Quanto a nós, tal classificação não diz respeito
só à natureza íntima das sciências por ela abran-
gidas, ela é, especialmente para a história, uma
classificação de posição em relação ao progresso
das outras sciências, e principalmente das auxi-
liares. Quer dizer : todos os conjuntos de conhe-
cimentos scientificos antes de atingirem a fase de
sciências de leis, são sciências áe factos, de acon-
tecimentos; a história tem permanecido na se-
gunda fase, mas apresenta já todas as tendências,
e dá bastantes garantias, para passar à categoria
de sciência de leis — como alguns já a consideram
só lhe trocando o nome pelo de sociologia.
( I ) Ver. Windelband, La sciênce et 1'histoire devant la logique
contemporaine in Reviie de Synthèse Historique^ tomo ix, pág. i25
a 140.
368
b) A história nas suas relações com a psicologia
e a sociologia
As relações entre a história e a psicologia são
grandes, posto que não se apresentem tão íntimas
como acha Xénopol no seu trabalho sobre La
Psychologie et 1'Histoire.
Se é certo que as duas sciências teem por ob-
jecto de estudo o espírito humano, é multipla-
mente diferente a forma como cada uma pro-
cede, o método que usa, e o objectivo e fim que
teem em vista.
A psicologia estuda o espírito humano em si,
em abstracto, em geral, na sua constituição, for-
mação e evolução ; a história, — e, sobretudo, a
história do pensamento, da filosofia, da sciência,
da literatura, da arte, da religião, e emfim, a his-
tória da cultura — estuda o espírito humano nas
suas manifestações individuais, particulares, es-
peciais, características num indivíduo ou num
grupo social, nacional, religioso, político, scientí-
fico, literário ou artístico (i).
(i) H. RiCKERT na sua sua obra em alemão — Os limites de
formação das noções nas sciências naturais — nega que a psicolo-
gia tenha alguma importância para a história, escrevendo :
«Não podemos encontrar nenhum ponto de vista sob o qual a
psicologia adquirisse uma importância decisiva para o método
histórico». E já páginas antes havia escrito que se o conheci-
mento individual dos movimentos psíquicos é de grande alcance
para a história, os princípios gerais nenhum valor teem para ela,
E igualmente afirmou que o historiador só deve ser psicólogo no
sentido de que ele deve possuir o conhecimento de determinadas
acções psíquicas, mas não deve nunca transformar tais conheci-
mentos em teorias gerais.
369
Assim, a história fornece à psicologia a vasta e
complexa matéria para as suas abstracções, com-
parações, generalizações, induções, leis, teorias e
concepções ; ela é para a psicologia um enorme
arsenal de material de estudo, um imenso museu
de caracteres e de modalidades psicológicas.
Por sua vez, a psicologia — como diz Xénopol
— fornece à história não só as leis psicológicas
segundo as quais o homem sente, pensa e põe em
actividade as suas vontades, como os elementos
psicológicos individuais fornecidos pelas complei-
ções mentais particulares de cada individuo pes-
soal ou colectivo.
Apesar destas mútuas contribuições mostrarem
como é grande a relação entre as duas sciências,
a natureza do que cada uma fornece à outra,
mostra bem como elas são distintas e diferentes,
pois, seguindo Xénopol, ao passo <iue a psicolo-
gia é uma sciência de factos de repetição, de leis,
a história é uma sciência de factos mutáveis, de
factos de sucessão; é uma sciência que não pode
formular leis nem fazer previsões, mas só enca-
dear factos e seriá-los.
Mas, para Xénopol, como para outros teóricos
da história, não são sciências somente aquelas
que podem formular leis, pois há dois modos de
conceber o mundo : o modo de repetição — dando
origem às sciências de leis, e o modo de sucessão
— que origina as sciências de séries (i).
(i) In Revue de Synthèse Historique, tomo iii, pág. 104 a 106.
24
370
Paulo Lacombe pensa e escreve quási da mesma
forma sobre as relações entre a psicologia e a
história. Também para este elas prestam recí-
procos serviços, mútuos auxílios (i).
Assim como a anatomia e a fisiologia estudam
e descrevem o homem físico geral, independente de
raças, línguas, religiões e nacionalidades^ a psico-
logia tem por objecto estudar o homem psíquico,
espiritual, como sede e motor, envólucro e agente
de sensações* e de sentimentos, de ideas e de vo-
lições, tendo em vista investigar e expor todas
essas ordens de manifestações do espírito hu-
mano.
Também esse homem-espírito, de que a psico-
logia se ocupa, é um ser-fórmula, um homem-
-geral, ubicuo e permanente, independente de
raças, de religiões, de línguas e de nacionali-
dades.
E esse o homem que a psicologia entrega à
história, e que esta encorpa ou diminue, agiganta
ou efimina, decora e veste, e o torna o actor de
todas as scenas elevadas ou repelentes, o agente
de todos os actos sublimes ou hediondos, e o
motor de todos os renascimentos e progressos
como a causa de todos os regressos e desfaleci-
mentos.
(i) A obra de P. Lacombe — De VHistoire considérée comme
science — onde êle aborda este assunto, apareceu em 1894^ sendo,
por tanto, anterior à de Xénopol, se bem aquela onde este tratou
primeiro do assunto, com bastante desenvolvimento, sejam Les
Príncipes fondamentaux de l'Histoire, aparecida em 1899.
Byi
Vejamos, ainda, o que a psicologia presta à his-
tória.
Para que uma correspondência- e uma seme-
lhança históricas, e como tal reconhecidas, fiquem
explicadas scientificamente, e até mesmo se tor-
nem leis da história é necessário o concurso da
psicologia, wnuma palavra — sintetiza Lacombe
— a psicologia encerra, antes de tudo, a explica-
ção da história».
Depois, «a psicologia fornece à história um
critério, uma pedra de toque». E logo conti-
nua:
«Les constantes de Thomme, relevées par la
psychologie, permettent de vérifier la possibilite
ou la prohabilité des assertions que les annalistes
nous apportent» (i).
(i) Isto é exacto muitas vezes. Assim, nos Archives de Psy-
chologie, de Genève, número de Janeiro de 1907, vem um inte-
ressante artigo de Pierre Bunet, professor da Academia de Neu-
châtel, sobre La vocation de Socraíe, e com o significativo sub-
título Specimen d'une aplication de la science psychologique à
celle de 1'histoire. Trata-se da autenticidade do oráculo da Pi-
thia proclamando Sócrates o mais sábio dos homens, e que tem
sido acolhida com reservas, especialmente por Zeller e Gomperz,
entendendo que, longe de ter sido tal oráculo que determinou a
vocação e a fama de Sócrates, foram estas, que chegadas ao san-
tuário de Delfos condicionaram o oráculo.
Bunet explica o oráculo por causas psicológicas como um
simples caso de leitura de pensamento, bastando que Chéréphon,
amigo de Sócrates, houvesse entrado no áditon muito convicto
do grande valor do seu amigo e mesmo com a boca fechada tivesse
«soprado» involuntariamente o nome do filósofo — caso este
muito estudado e explicado pelos psicologistas — como Hansen
e Lehmann. Tal «sopro» seria facilmente percebido pelo ouvido
372
Por sua vez a história tem contribuído muito
para os progressos da psicologia. Ela, que é um
colossal repositório de factos, fornece não só
abundantes e ricos materiais para a determina-
ção dos «grandes traços gerais da humanidade»,
como os mais variados elementos «para verificar
e precisar as verdades psicológicas» (i), tornan-
dõ-se, assim, a história uma importante sciência
auxiliar da psicologia, tanto da individual como
da psicologia colectiva.
Escusado será dizer que o erudito e o historia-
dor estão em circunstâncias muito diferentes
quanto à utilização dos estudos psicológicos.
Ao passo que o erudito, que se limita ao es-
tudo externo dos documentos, da sua prove-
niência, depuração e restituição, pouco ou nada
pede à psicologia já o mesmo não se dá com o
historiador para quem os documentos são vestí-
gios dos sentimentos, das ideas e das volições de
homens, e tem, principalmente, em vista lidar com
espíritos objectivamente fixados e não esgrimir
com fantasmas sem existência real, e, nem, se-
quer, virtual.^
Para o historiador a psicologia é uma sciência
hiperstesiado dos sacerdotes — naturalmente criaturas estéricas
em fase hipnótica ou sonambólica.
Por esta forma o oráculo antecederia a fama do filósofo, e teria
sobre a vocação deste a influência que Platão lhe atribue.
Ver sobre a influência da psicologia a obra de Lébert — Le
démon de Socrate et ramulette de Pascal.
(i) Lacombe, ob. cit , pág. 28.
SyS
fundamental, necessária, essencial (i). Já Taine
disse que explicar uma revolução é fazer uma pá-
gina de psicologia, e não só o disse como o fez
na sua importante, mas muito discutível, obra :
As Origens da França Contemporânea.
Também George Simmel, na obra — Die Pro-
bleme der Geschichtsphilosophie — aparecida em
1905, apresenta o seu ponto de vista psicológico
da história. Para ele a noção de pessoa é fun-
damental em história, e as próprias rialidades
impessoais não são mais que a projecção, em tais
cousas, do pensamento que concebe a sua con-
tinuidade histórica. A sua concepção socioló-
gica é, igualmente, individual, pois, para êle, os
factos sociais não são outra cousa senão uma re-
presentação média e vaga das acções inter-indivi-
duais — as únicas que são reais, — pois as outras
não são mais que abstracções sem realidade.
Comtudo, importa não esquecer a verdade do
que escrevia Cláudio Bernard : «o conhecimento
do homem isolado não nos traria o conhecimento
de todas as instituições que resultam da sua asso-
ciação e que não podem manifestar-se senão pela
vida social» (2).
É esse facto de observação, exposto por Cláu-
dio Bernard, que Hegel erige em principio quando
afirma que uma mudança quantitativa dada num
(i) De la méthode dans les sciences. Estudo de Th. Ribot,
sobre a Psicologia, pág. 291.
(2) Cl. Bernard, Introduction à la Medicine expérimentale,
pág. 157 e i5S.
374
certo grau implica uma transformação qualita-
tiva— fórmula essa que Karl Marx e Engels
aplicam nas suas concepções sociais (i).
Porém, como G. Simmel pensam muitos outros
teóricos da história.
Assim, Eduard Meyer, no seu opúsculo sobre
a Teoria e a metódica históricas^ aparecido em
1902, também entende que a história nada tem
que ver com leis, elas não são necessárias, pois
na evolução da civilização só aparecem possibi-
lidades e probiblidades mas não leis. Em histó-
ria, como fundo e fim de estudo, só há que ter
em vista o individual; e a primeira obrigação do
historiador é estabelecer os factos.
De resto, é intuitiva a influência da psicologia
na história. Se já Vico procurava na astrono-
mia a explicação dos fenómenos humanos — os
actuais fenómenos históricos e sociológicos, e
HuxLEY encontrava fortes relações entre as com-
binações químicas dos corpos e a constituição dos
agregados humanos, os naturalistas, historiadores
e sociólogos procuram aplicar às sciéncias histó-
ricas e sociais os métodos e processos das scién-
cias naturais, nada deve surpreender que outros
homens de sciéncia utilizem na história os ensi-
namentos fornecidos pela psicologia — sciéncia
muito afim da história (2).
Também o dr. Emile Reich, professor da Uni-
(i) C. BouGLÉ, Marxisme et sociologie, in Revue de Métaphy-
sique et demorale, 1908, pág, 728 a ySo.
(2) P. LacombEj ob. cit., pág. 29 a 84.
375
versidade de Londres, tanto no seu livro Suc-
cess among the Nations como, mais tarde, num
estudo sobre Historiadores psicólogos e historia-
dores livrescos^ exigia que a história fosse tratada
no ponto de vista psicológico.
Este historiógrafo entende, como Lacombe, que
a história de uma nação «apresenta incontesta-
velmente dois elementos : um elemento constante
ou quási^ a que chamamos instituições, e um ou-
tro elemento variável, a que chamamos aconte-
cimentos».
Ora o estudo dessas instituições tem que ser
feito sob o critério psicológico, isto é, torna-se
necessário estudar os «motivos últimos que im-
pelem homens e mulheres a submeterem-se a
uma instituição, a produzirem um acontecimento,
e, de uma forma geral, a comportarem-se histori-
camente».
E após vários exemplos tendentes a demons-
trar qu»anto a interpretação psicológica esclarece
a história, escreve :
«É examinando grandes grupos de factos à luz
da história psicológica que se consegue com-
preender não só os resultados concretos e defini-
tivos, como esta massa imensa e flutuante de
factos esboçados, concebidos, parcialmente rea-
lizados, estas tendências latentes, mas poderosas,
que impelem e animam homens e mulheres débeis
— que a história propositadamente põe de parte
quando os não trata com desprêso».
Mas, caindo no extremo oposto diz : «A psico-
376
logia é, com efeito, para a história o que a dinâ-
mica é para a astronomia». E acrescenta esta
enormidade: «Se se não fizer regressar os acon-
tecimentos e as instituições à psicologia comum,
isto é, aos motivos específicos que num dado mo-
mento e num dado lugar teem guiado, necessa-
riamente, as acções humanas, a história deve re-
signar-se a ser um caos de constatações não di-
geridas» (j).
Assim, emquanto H. Rickert nega toda a intro-
missão da psicologia na história Em. Reich cai
no excesso oposto limitando a história a uma
psicologia no tempo. Poucas vezes, como neste
caso, foi melhor aplicada a frase latina do médio
tutissimus ibi.
*
Mas continuemos. A questão das relações en-
tre a psicologia e a história tem sido, pois, deba-
tida entre dois grupos de extremistas, de pessoas
com ideas^ pontos de vista e educação comple-
tamente opostos. De um lado teem estado aque-
les que, como Windelband e Rickert, entendem
que, sendo a história a sciência dos factos de su-
cessão— como define Xénopol, isto é, a sciência
dos factos concretos que não se repetem ao passo
que a psicologia é uma sciência de factos repeti-
tórios conduzindo a leis, nenhumas relações po-
dem existir entre uma e outra (2).
(i) In Revue de Synthèse Historique, tomo ix, pág. 233 a 2C8.
{2) Raymond Meumer estudando Les consequences et les appli-
377
Outros, como Gumo Villa, talvez F. Rauh,
etc, cuidam «que a evolução histórica expli-
car-se há num futuro mais ou menos próximo por
observações ou experiências de psicologia social.
Assim, a história da humanidade seria expli-
cada pela psicologia do indivíduo social, como os
fenómenos meteorológicos ou geológicos se com-
preendem pelas leis físicas verificáveis, e os fenó-
menos de embriogenia, de comprovação experi-
mental, explicam a evolução da espécie (i).
Ora as cousas não parece passarem-se como
entendem Windellband e Rickert — por outro
lado, P. Lacombb, Em. Reich ou G. Villa — por
outro, nem como opina Kurt Breysig, isto é, nem
existe uma completa separação entre a história
e a psicologia, nem esta domina aquela — como
entende Villa, sugestionado pela lei da imitação
de Baldwin e Tarde, nem a sociologia engloba a
história, e os métodos daquela sciência dominam
as investigações históricas — como quer Breysig
no primeiro volume da sua obra — Kulturgeschi-
chte der Neuieit^ — não encontrando nenhuma
diferença nem nenhum limite entre as duas sciên-
cias : a sociologia e a história (2).
cations de la psychologie não fala da história, como sciência de
aplicação psicológica, ao tratar da sociologia. Ver Revue Philo-
sophique, Janeiro de 1912, pág. 44. a 67.
( i) GuiDo Villa, PsychoJogy and History na Revista The Mo-
nist, Janeiro de 1902; F. Rauh, Revue de Synthèse Historique, i.°
semestre de 1902.
(2) Efc;ctivamente, Kurt Breysig no primeiro volume da sua
História da Civili:(ação Contemporânea^ ao tratar dos Problemas
378
Também Edouard Spranger parece querer re-
duzir toda a explicação histórica a considerações
de psicologia individual. Pois é, precisamente,
o contrário disso, isto é, a «desumanização» da
história que pretendem os sociólogos objectivos
franceses como Durkheim, Lévy-Bruhl, Simiand,
etc. Quere dizer : estes identificando a natureza
moral com a física, estudam as séries sociais pondo
de parte toda a noção de alma individual e so-
cial.
XÉNOPOL em dois artigos da Rivista italiana di
sociologia (i), tratando da Sociologia e storia, di-
ferença uma da outra dizendo que ao passo que
a sociologia estuda, elabora e descreve as leis de
repetição dos factos sociais, a história organiza
e expõe o desenvolvimento da sua série.
Assim, fiel ao seu ponto de vista já exposto nos
Princípios fundamentais de história, e que mais
tarde havia de ser desenvolvido na sua Teoria de
História, Xénopol^, nos artigos referidos^ entende
que havendo factos sociais que se repetem de
uma forma idêntica, comparando-os, abstraindo
das saas diferenças e salientando as semelhanças
consegue-se obter leis comparáveis às estabele-
cidas pelas sciências da natureza.
e regras de metódica da história universal^ considera enorme a
utilidade que a história pode tirar de adaptar ao estudo do pas-
sado as regras do método sociológico. Adiante trataremos deste
ponto.
(1) Fascículo 4.", Julho-Agôsto de 1904; fase. 3.°-4.'', pág. 3o8
a 35o, do ano seguinte.
379
Por outro lado, a série dos factos em história
não se repete porque esses fenómenos são sem-
pre diferentes pelas circunstâncias, incessante-
mente variáveis, em que se produzem, não po-
dendo, por isso, dar origem a leis, mas sim a uma
série evolutiva que o historiador pode reconsti-
tuir— mas só isso (i).
Assim, a sociologia propriamente dita seria
uma sociologia dinâmica, cujo objecto consistiria
em não explicar, nem transformar o particular
em geral, mas em seriar e relacionar os factos
sempre diversos na sua ordem de sucessão.
O que sustenta Xénopol está muito longe de
condizer com a realidade.
Se há fenómenos variáveis nas suas causas, e,
quando mesmo tenham uma mesma causa, mu-
táveis nas circunstâncias em que se produzem e
nas condições em que evolucionam, são eles os
fenómenos sociais.
Não se compreende, pois, que Xénopol com
um simplismo muito comteano, e muito longín-
quo da verdade, sustente que os fenómenos so-
ciais são redutíveis a leis e os fenómenos histó-
ricos não.
; Não serão todos eles fenómenos humanos ?
(i) Paul Lacombe, tanto na sua obra De 1'Histoire considérée
comme science^ como em artigos posteriores, sustenta, pelo con-
trário, que a sciência histórica forma se unicamente com seme-
lhanças, constâncias, actos repetidos por massas de homens e não
com actos absolutamente únicos, individuais, acidentais». Ver :
Paul Lacombe, Milieu et Race, in Reyue de Synthèse Historique,
tomo II, pág. 36, 5i, etc.
38o
^E não serão todos eles, ao mesmo tempo, fe-
nómenos sociais por se passarem num agregado
011 entre agregados humanos, e fenómenos histó-
ricos pelas simples circunstâncias de se haverem
já realizado ?
jComo se concebe que haja factos sociais que
se repetem identicamente e não haja fenómenos
históricos com os quais se dê o mesmo?
^Não tem cada sociedade a sua vida própria,
a sua estrutura e a sua evolução características,
e, se admitimos que há sociedades de estrutura
semelhante, porque não admitir também socie-
dades de evolução similar?
j Assim, porque conceber só leis para a socio-
logia estática e não para a sociologia dinâmica :
a história ?
Tudo isto são perguntas que se podem e se
teem feito, ante as concepções de Xénopol e às
quais esse autor nunca respondeu satisfatoria-
mente (i).
*
Ao contrário de Xénopol, o conhecido historia-
dor alemão Karl Lamprecht, pôe, especialmente
nas suas recentes obras, como princípio de estudo
e aplicação a interpretação psico-sociológica da
história (2). Estabelecendo como cousa demons-
(i) Ver UAnnée Sociologique, tomo xi, pág. 189 e 140.
(2) Foi efectivamente em 1901, ao publicar o primeiro volume
da sua História da Alemanha, na 3.» edição, que ele adoptou as
teorias psicológicas no estudo e interpretação da história, sendo
38i
trada «a influência que as forças psíquicas da
sociedade exercem sobre os espíritos individuais»
— na frase de Bernheim, Lamprecht deriva de
Hegel e especialmente de Augusto Comte — como
entende aquele eminente bibliógrafo e historió-
grafo, contra o que o mesmo Lamprecht protesta
afirmando a originalidade das suas concepções
em história, se bem que reconheça dever bastante
aos historiadores do século xviii, mas não só a
Condorcet, Saint-Simon e Comte, como a Her-
der, a Kant, e a Hegel (i).
Mas, não há dúvida que A. Comte foi um dos
seus grandes guias espirituais. Como se sabe, o
proclamado fundador do positivismo ao apontar
os fenómenos que condicionam a vida social enu-
mera — como diz Bernheim — as «influências na-
turais, as manifestações humanas e os elementos
fornecidos pela vida social anterior», e proclama
no prefácio dessa obra que ele expõe essas teorias e descreve a
forma como as utilizou.
Aí explica êle que quando pela primeira vez apareceu o vo-
lume a concepção psicológica da história estava pouco menos
que embrionária ao passo que ao publicar-se a terceira edição
«o movimento que arrastava a sciência histórica para o estudo das
civilizações em geral é um facto consumado e, por consequência,
os problemas levantados por uma concepção psicológica da his-
tória impõem-se fatalmente à nossa atenção . ».
Efectivamente, ao lado do título geral, e exterior, do volume,
tratando dos tempos primitivos e da idade média aparece como
sub-título correspondente; Períodos da vida simbólica, típica e
convencional, para caracterizar essa fase primária da evolução
psíquica do povo alemão.
(ij Ver K. Lamprecht^ La Science moderne de rhistoire^ in
Revue de Synthèse Historique^ tomo x, pág. 257 a 260.
382
como factor primordial da civilização, a maneira
de pensar das gerações cada vez mais tendente a
subordinar a sensibilidade à razão e o egoismo
ao altruísmo.
Ainda Comte, entendendo que cada época tem
a sua forma de pensar, e os juízos de valor —
como diríamos hoje — de cada uma abrangem
tudo — ideas, factos, homens — dando-lhe um
aspecto e uma característica semelhantes e co-
muns, salta por cima da psicologia — ao tempo
ainda muito atrazada — para chegar, pelo mé-
todo comparativo, à sua concepção dos três gran-
des estados ou fases da civilização: a teológica, a
metafísica e a positiva.
Assim, — e segundo êle — a humanidade tem
vindo a caminhar, insensivelmente e inconscien-
temente, mas com pertinácia e constância, de
etape em etape^ numa marcha de crescente racio-
nalização do pensamento, e numa maior metodi-
zação das acções humanas, isto é, num sentido
cada vez mais positivo, mais scientífico, liber-
tando a sciência e a vida humana de toda a in-
tromissão metafísica, procurando descobrir as
leis dos fenómenos pela aplicação dos métodos
positivos, e tendo em vista aplicá-las à nossa con-
duta para obter um mais seguro e melhor resul-
tado.
A sciência exacta que se ocupa da vida social
é a sociologia, que procura concluir dos fenómenos
que se passam nas sociedades humanas leis ge-
rais que, ficando fora e superiores às biológicas,
383
são encontradas pela aplicação do método com-
parativo.
Lamprecht, aproximando-se de Comte, recorre
ao processo comparativo, mas, não desdenha,
como fez aquele filósofo, a análise psicológica,
servindo-se desta como auxiliar no estudo da vida
dos homens como dos povos, e fazendo derivar a
psico-sociologia da psicologia individual.
Também, na caracterização da civilização hu-
mana na sua marcha, êle admite fases ou está-
dios — como Augusto Comte — mas com algumas
fundas diferenças do ponto de vista deste, e muito
mais aproximado de Hegel.
O historiador alemão, tomando como critério
a intensidade, cada vez mais forte e omnimoda,
da vida psíquica, indo de uma fase de passivi-
dade psicológica a outra de liberdade cada vez
mais consciente, faz passar a civilização, no que
respeita ao lado psicológico, sucessivamente, pe-
las fases do simbolismo, do tipismo, do conven-
cionalismo, do individualismo e do subjecti-
vismo (i), e no que se refere ao aspecto econó-
(i) É assim que Lamprecht no citado prefácio do primeiro
volume da terceira edição da História da Alemanha enuncia a se-
guinte lei que caracteriza a fase antiga do povo alemão :
«Os períodos da vida simbólica, convencional, individual e
subjectiva descobertos primeiro na evolução do povo alemão são
de um valor [de um alcance ou aplicação] absolutamente geral e,
encontram-se na evolução de todos os povos do globo, sem ex-
cepção». Esses períodos — acrescenta — já decorridos na época
de César e de Tácito foram precedidos de uma fase a que chama
idade da fantasia.^ da imaginação.
384
mico, do estado da economia primitiva ao da
economia natural — colectiva e individualista, —
e ao da economia monetária nos mesmos dois
graus (i).
O que melhor caracteriza a orientação de Lam-
PRECHT na metodologia histórica, é a forma como
êle aplica nos seus últimos trabalhos, por exem-
plo na citada História da Alemanha^ o método
sócio-psicológico, pois — como para Comte —
para o historiador alemão a história é uma parte
da Sociologia, sendo ainda em Comte — quer di-
rectamente, quer pela divulgação de Sainte-Beuve
e de Taine — que Lamprecht se inspira quando
procura estabelecer as relações entre o indivíduo
e a massa e prender um e outro ao meio.
Mais do que nota Ernest Bernheim, deve di-
zer-se que se Lamprecht não é original também
o não foi Comte, que, quanto à concepção socio-
lógica da história, se inspirou em Condorcet.
(i) Um dos pontos mais alterados na referida edição foi o re-
lativo à história económica, beneficiando largamente dos progres-
sos da economia política, da história do direito, etc, mas exterio-
r^ando os seus resultados e leis, pois, como êle escreve: «não é
o desenvolvimento das instituições económicas, mas antes a evo-
lução do sentido económico que é o objecto próprio, central, da
história económica».
E assim que êle estabebce uma espécie de paralelismo psí-
quico-económico, mais ou menos similar ao psico-físico, para ca-
racterizar a civilização intelectual e a civilização material «ambas
visivelmente conexas — como êle escreve — porque apropria cro-
nologia dos seus períodos era idêntica dos dois lados».
Assim, nota êle «a necessidade de uma transformação da his-
tória económica coincidindo com a necessidade de uma recons-
trução psicológica da sciência dos graus primitivos de civilização».
385
Efectivamente, a chamada por Bernheim «50-
cialiiação da concepção relativa à história» brota
expontânea, com a soberania popular, na revo-
lução francesa, mas é Condorcet quem no seu
notável Esquisse d'un tableau historiqiie des pro-
grès de Vesprit humain^ aparecido em i 795, torna
consciente esse facto, salientando-o, e explican-
do-o.
Essa concepção sociológica que, com Lampre-
CHET e outros, caracteriza a historiografia con-
temporânea foi formulada pela primeira vez —
ao que parece — naquela obra pelo seguinte
modo :
«A história não se tem ocupado até agora se^
não de algims homens : os que constituem verda-
deiramente o género humano, a massa das famí-
lias^ os que quási não vivem mais que do seu tra-
balho, esses teem sido esquecidos, e mesmo entre
os que entregando-se aos negócios públicos, tra-
balham não para si próprios, mas para a socie-
dade, só os chefes atraíram a atenção dos histo-
riadores» (i).
Bernheim, comentando as palavras de Condor-
cet e salientando que essa separação cada vez
menor entre o indivíduo e a massa que se nota
(i) Acêfca de Condorcet, das suas ideas e da sua acção na
Revolução, ver: Marc Frayssinet, La Republique des Girondins;
Alengry, Condorcet guide de la Révolution française ; Aulard,
Histoire politique de la Révolution française.
Para Condorcet o conhecimento das massas, das sociedades,
era uma sciência baseada em factos, fundada na experiência,
a5
386
na política, nasciência e na arte reflectiu-se enor-
memente na sciência histórica, escreve :
«As influências tão grandes quão variadas que,
reforçando-se ou combatendo-se mutuamente,
teem conseguido, no decurso do século xix, trans-
formar a nossa sciência numa sciência genética,
e pôr-lhe novos problemas não podem ser ex-
postas nem numeradas aqui; diremos somente
que todos estes problemas se resumem no que
havia sido traçado por Condorcet e que consiste
em considerar o lado social da história — o que
CoMTE pela primeira vez realizou por uma forma
sistemática fazendo da história . . . uma parte da
sociologia» (i).
Na verdade, a historiografia francesa do sé-
culo XIX, é impulsionada, com limitadas excep-
ções, pela concepção sociológica, e em Inglaterra
é o eminente Bugkle o que mais se salienta como
intérprete de tal ponto de vista.
Na Alemanha, a escola de Ranke continua in-
dividualista e pragmática, e foi contra ela que se
ergueu Lamprecht.
A evolução histórica é, pois, nesse ponto de
vista, o produto da «uniformidade regular dos
processos psíquicos e das condições naturais».
Por essa forma, as actividades individuais, não
sendo autónomas, não passam de simples fun-
ções de manifestações gregárias, colectivas.
(i) Ernest Bernheim, La Science Historique Moderne, in Revue
de Synthèse Historique, tomo x, pág. i32 e i33.
387
(j Mas, será caso de perguntar de que natureza
é a dependência dos indivíduos em relação aos
agregados sócio-psicológicos, e qual o grau dessa
dependência ?
A isso Lamprecht responde, indirectamente,
dizendo que os próprios génios que precedem o
seu tempo não estão inteiramente fora dele, an-
tes são dêie dependentes, estão encerrados na sua
época (i).
(i) Gomo se sabe teem sido muito divergentes os critérios
seguidos no estudo e apreciação do génio e da genialidade. O
ponto de vista antropológico de um Lombroso, de um Richet, de
um RoNCARONi, difere enormemente do critério psico-sociológíco
de um Meyer ou de um Baldwin, e do ponto de vista socioló-
gico de um Spencer, de um Taine ou de um Nordau, etc.
E assim, tais critérios oscilam entre os pontos limites do con-
ceito mecanista — segundo o qual o génio e as suas manifesta-
ções estão inteiramente ligados às condições materiais e morais
do meio, e a concepção da quási absoluta liberdade e indepen-
dência do génio, apresentando este como um milagre da criação.
Mas, in médio stat virtus.
O produto do génio consta de um conjunto de manifestações
psíquicas que a sciência actual estuda com relativa exactidão, e,
portanto, fora do conceito de milagre, de acaso, de acidente. O
génio implica, necessariamente, um certo quantum de espontanei-
dade, que consiste, não na sua independência em face das condi-
ções físicas e sociais, mas na maneira essencial, particular, ori-
ginal, como êle adapta a si e utiliza tais condições orgânicas é
sociais.
Ora, tal originalidade do génio é o produto de uma síntese par-
ticular e excepcional dessas condições na sua reflexão ou influên-
cia sobre os homens de génio.
Assim, o génio com os seus caracteres de individualidade,
originalidade, espontaneidade e liberdade escapa, em grande parte,
à inliuência da hereditariedade, da estabilidade e do determinismo.
A infiuência do génio sobre a multidão explica-se por esta se
ver nele reflectida, nos seus desejos, aspirações ou necessidade»,
388
Com relação ao comum dos homens essa pri-
são, essa ligação e essa dependência são enor-
mes, tornando-se todo o ser humano o produto
das condições da sua época, ou, pelo menos, a sua
actividade é por estas limitada. Comtudo, tal
dependência longe de ser uniforme para todos os
homens e em todos os meios, varia de indivíduo
para indivíduo, de um meio para outro, e de
época para época.
Assim, quanto mais inferior é o indivíduo em
relação ao meio maior será a influência deste so-
bre êle, e, também, nas sociedades inferiores essa
influência é muito maior.
Porém, na determinação dessa dependência é
impossível fixar leis^ fórmulas, princípios, porque
só se podem registar factos.
As fases da evolução dos indivíduos ou dos
povos não são por toda a parte exactamente as
mesmas, pois há diferenças individuais e sociais
qualitativas no desenvolvimento histórico, não
havendo paralelismo entre a evolução da psico-
porque êle sabe dar uma expressão precisa, concreta e nítida ao
que no espírito da multidão existe com uma forma vaga e indefi-
nida.
Ver: R. Nazzaby, Le moderne íeorie dei génio, 1904, etc.
P. Rossi, na sua obra Os sugestiona dor es e a multidão, estuda
muito mais os meneurs imediatos como os oradores políticos e re-
ligiosos, e os autores que os sugestionadores mediatos que são os
verdadeiros homens de génio.
Ver Revue de Syntlièse Historique, tomo viii, pág. 144 a 146.
Acerca de A concepção sociológica do génio, ver a obra de
Draghicesco, Du role de Vindividu dans le déterminisme social,
J904, pág. 272 a 337.
389
logia geral de um agregado social ou de um povo
e a história objectiva desse mesmo agregado e
desse mesmo povo (i).
Quanto às relações entre os factores materiais
e os psíquicos na evolução intima das nacionali-
dades Lamprecht segue, mas bastante de longe,
Marx, pois ao passo que este afirma a depen-
dência causal e completa dos valores morais em
relação aos factores económicos, variando, osci-
lando com estes, Lamprecht limita-se a afirmar
uma simples relação entre os valores morais de
uma sociedade ou de um povo e as suas trans-
formações politicas ou históricas e sociais (2).
Mas aqui, como em outros pontos, Lamprecht
hesita, oscila, contradiz-se, pois, logo a seguir à
declaração que não segue a doutrina pura de
(i) Se é certo que as fases da evolução dos povos não se teem
feito paralelamente, não há dúvida que como diz Lamprecht, no
seu citado prefácio: «o movimento da história universal desenro-
la-se como alguma cousa de único acima do desenvolvimento
típico das comunidades sempre especificamente dotadas».
E, logo acrescenta : «E o que de uma forma geral imprime ao
movimento da história universal o seu carácter singular, é que as
comunidades humanas particulares na recíproca e simultânea pene-
tração das suas civilizações como nos renascimentos de civiliza-
zões passadas fecundam-se de tal maneira que sempre algumas,
pelo menos, das civilizações posteriores, ainda que passando pelos
mesmos estádios da evolução distinguem-se, comtudo, das civili-
zações anteriores ao mesmo tempo pela maior riqueza e pela mais
acentuada complexidade dos seus fenómenos».
Mas, logo adita que nesses «enriquecimentos sucessivos da alma
humana» só muito provisoriamente se pode reconhecer «uma mar-
cha clara da civilização», e «uma certa finalidade».
{2) Este ponto já foi mais ou menos tratado numa das notas
anteriores.
igo
Marx e dos marxistas, êle afirma — como um fiel
discípulo do autor do Capital — que o progresso
económico, e, portanto, o progresso social são os
motivos fundamentais do desenvolvimento nor-
mal das nações, não tendo os outros factos mais
que uma importância secundária, e, só por excep-
ção à regra geral, excedem, em influência, aque-
les, motivos.
Acentuando mais as ideas de Lamprecht acerca
da concepção sociológica ou sócio-psiquica da
história, a propósito das relações entre a massa
e o herói — grande homem — como as circuns-
tâncias externas e as acções individuais eminen-
tes,— diremos que o autor da História da Alema-
nha tal importância dá a esse ponto que faz dele
— como Bernheim — o principal problema me-
todológico da história moderna e contemporâ-
nea.
Mas, entende que não sendo possível fechar ou
concretizar a sua resolução em leis ou fórmulas
definidas e fixas, é possível indicar, sem receio
de erro, e de uma forma geral, que a solução
de tal problema se vai fazendo no sentido de uma
decrescente importância dos factores individuais
e no de um aumento constante de poder das
acções sócio-psíquicas.
Repetindo que as relações entre as massas e
os grandes homens devem ir sendo determinadas
de uma forma empírica para cada fase da civili-
zação, êle escreve :
«As fases primitivas apresentam-nos, com
Sgi
efeito, a associação da necessidade empírica, no
sentido da dependência externa dos indivíduos,
com a liberdade arbitrária. Nas fases superio-
res, encontramo-nos em presença de uma liber-
dade empírica maior em relação ao meio exte-
rior— por um lado, e de uma independência
interior, consciente, e maior, em relação às tra-
dições do passado — de outro. Por isso, penso
que a cada época se deve aplicar sua fórmula
particular^ mas que tal fórmula, não podendo re-
sumir-se em duas palavras, resulta da maneira
como o historiador, descrevendo-a, trata de uma
dada época» (i).
Mas acha êle que será possível passar das re-
lações temporárias e variáveis em cada fase da
civilização para as relações superiores e cons-
tantes entre a massa e o indivíduo. E propõe,
como único — e exaustivo — meio o seguinte:
principiar por separar todas as relações particu-
lares, temporárias, para o que é essencial fazer
um estudo profundo da história da civilização
de todos os povos superiores desde os seus iní-
cios ; a seguir, comparar entre si todas as rela-
ções temporárias, a fim de descobrir o que nelas
há de diferente e de comum, considerando os
caracteres comuns resultantes de tal selecção
como fazendo parte do grupo das relações cons-
tantes.
É para esse estudo — complexo e difícil — que
(i) K. Lamprecht, in loc. cit.
392
deve tender na sua evolução lógica a história da
civilização contemporânea (i).
Não falta — especialmente entre os sociologis-
tas — -quem afirme que cada época, cada século,
cada geração necessita refazer a história para seu
próprio uso, adaptando-a aos seus sentimentos,
às suas ideas e às suas aspirações (2). E como
no período actual as questões sociais são prepon-
derantes, e estão por toda a parte na ordem do
dia, natural é que o ponto de vista social vá in-
fluenciar aqueles que estudam o passado humano.
Assim, enquanto os historiadores cuidam de
aplicar o método histórico à sociologia (3), outros
(i) O aparecimento da Deutsche Geschichte^ de Lampre-
CHT, originou uma enorme discussão, e deu azo a uma impor-
tante bibliografia com muito mais de loo peças, onde os apolo-
gistas da concepção individualista da história e os da concepção
colectivista — partidários de Lamprecht — figuraram em acesa
polémica.
Esse acontecimento ficou conhecido pela designação de Luta
acerca da história considerada scientificamente, e a que Von Bu-
Low chamou, com espírito, recordando a famosa questão lite-
rária da segunda metade do século xviii, intraduzívelmente : Der
Lamprechtsche Sturm-and-Drang.
Passados trinta anos após o aparecimento do primeiro volume
da obra de Lamprecht, em 1891, o critério colectivista ou socio-
lógico desse historiador tem vindo a impôr-se cada vez mais, e o
período da discussão e implantação das suas ideas marca uma das
mais importantes épocas do movimento bibliográfico alemão, a
partir da segunda metade do século xix.
{%) Este ponto de vista que implica uma concepção de valores
em história será estudado adiante ao tratarmos especialmente de
tal concepção.
(3) É o que faz Ch. Seignobos na sua obra La Méthode his-
torique appliquée aux sciences sociales, de que adiante nos ocupa-
remos. Ver artigo de Henri Berr, Les rapports de Vhistoire et
des sciences sociales, in Revue de Synthèse Historique, tomo iv»
pág. 293 a 3o2.
393
pensam, ao contrário, utilizar o método socioló-
gico em história. E isso que faz — como já dis-
mos — KuRT Breysig na sua História da cipili^a-
ção contemporânea.
No primeiro volume, destinado a generalidades
sobre os Problemas e regras para a elaboração de
história universal, Breysig esforça-se por mostrar
a utilidade da aplicação do método sociológico
à história, pois só êle pode dar a esta uma noção
de conjunto dos acontecimentos e obter uma sín-
tese das diversas formas da actividade humana :
artística, scientííica, política, etc.
Com esse método adquire-se uma noção mais
geral e completa da evolução dos povos, podendo
daí tirar-se consequências mais exactas.
O outro argumento de Breysig e dos sociologis-
tas consiste em afirmar que são ilusórios os li-
mites entre a história e a sociologia, pois é fictícia
toda a separação entre os factos humanos do
passado e os factos humanos do presente.
Ser presente ou ser passado não implica uma
diferença de natureza interna, mas sim de cará-
cter exterior, isto é, uma diferença de posição
em relação a um dado observador.
Segundo este critério não há factos históricos
por sua natureza, mas simplesmente por acidente,
por posição no tempo.
Levando longe tal critério Breysig conclue que
a história não é uma sciência com objecto pró-
prio, com individualidade, pelo menos uma sciên-
cia como as outras, e o seu método deve dife-
394
rençar-se radicalmente dos métodos das outras
sciências ( i ). Faltando à história um objecto pró-
prio, especial, característico, pode ela entrar na
sociologia, como também entende Simmel.
E com esse critério que Breysig trata, no se-
(i) O sociologista italiano Gesare Rivera na sua obra // de-
terminisme sociológico. Saggio critico d'uno programma di so-
ciologia scientifica, aparecido em igoS, entende que a sociologia,
não obstante a complexidade do seu objecto de estudo, pode
constituir uma sciência, compreendendo todos os factos psíquicos
desde a língua até à religião, dos factos de natureza económica
aos de carácter moral, da arte à política. Ela implica o estudo
das leis e das relações psíquicas entre os seres humanos que for-
mam uma sociedade.
Assim, a sociologia sendo uma sciência basea-se em fenóme-
nos gerais, isto^é, em leis, repetindo-se ao infinito.
Mas, ao contrário do que seria de esperar o autor não admite
a previsão em sociologia, porque êle compreende tal previsão
como uma antevisão de factos e não como a natural consequên-
cia de fenómenos regidos por leis — por aquelas leis, de resto,
que êle próprio considera as bases da sociologia.
Quanto às relações da sociologia com a história elas são nu-
las, e quanto mais a sociologia fôr uma sciência maior será a sua
distância da história.
Assim, esta, ocupando-se de factos particulares e mutáveis, de
acontecimentos variáveis, não pode constituir-se em uma sciência
porque tais factos, tais acontecimentos, não provêem de causas
gerais, nem se podem submeter a leis. Por isso os factos históri-
cos não podem ser determinados e ainda menos previstos.
O historiador^romeno A. -D. XÉNOPOLao criticar esta obra con-
sidera «como absolutamente erróneos no ponto de vista lógico»
os princípios e concepções de M. Rivera sobre a sciência. E
explica: «a sciência prosegue ... a investigação da verdade em
duas direcções : o estabelecimento dos fenómenos e a investiga-
ção das causas. As sciências de repetição são muito mais aptas
para descobrir o primeiro género de verdades, a história o se-
gundo». E conclue : «A história é, pois, também uma sciência».
Ver Revue de Synthése Historique, tomo xii, fág. 191 a 196..
395
gundo volume, Da Antiguidade e da Idade Média
para comprovar a sua teoria favorita da maior
libertação colectiva, do maior individualismo das
massas — o Massenindividualismus.
Pensando de uma forma muito diversa está
Arvid Grotenfelt^ professor da Universidade de
Helsingfors — de quem várias vezes tratamos
neste capítulo. Esse teórico da história numa
obra sua acerca da Classificação de valores em
história (i) começa logo por dizer que a história
não é um simples armazém de materiais, e mos-
tra-se inclinado para os adeptos da escola nova
de história, que entendem que esta é uma sciên-
cia de leis.
Insistindo, volta a dizer que a história não tem
só por objecto recolher factos isolados, ela tem
também por missão ligá-los, seriá-los, estudar a
evolução na sua origem e unidade, emíim, é uma
sciência genética. Mas, ela não se limita a ligar
factos isolados, também estabelece relações entre
os factores individuais e as forças colectivas.
Assim, a sciência da evolução, da dinâmica
das sociedades, e a sciência da sistematização e da
estática sociais, teem naturais relações recípro-
cas, isto é, entre a história e a sociologia se há
completa separação não existe uma completa e
fundamental distinção.
Porém, como diz Grotenfelt «a história e a
(i) Die Wertschciípmg in der Geschichte. Eiiie kritische Un-
tersuchung, Leipzig, 1903, vii-228 pág.
396
sociologia não poderiam fundir-se numa só dis-
ciplina. A diferença reside na tendência da in-
vestigação, no fim último que o trabalhador
judicioso deve sempre ter ante os olhos como
farol condutor».
E Grotenfelt, continuando a caracterizar a
distinção entre a história e a sociologia, entende,
em oposição aos historiadores sociologistas, que
quando a história encontra generalizações e leis,
ela deve relegá-las para a sociologia, pois é esta
a sciência do geral, e, por isso, só a ela dizem
respeito.
Assim, êle, falando da obra de Buckle, não
nega que a história possa descobrir «relações per-
manentes, generalizadas», mas quando se vai
além de tal descoberta, de tal constatação, en-
tra-se nos domínios da sociologia, porque é esta
a sciência das generalizações.
Como se vé, Grotenfelt, dando à sociologia,
como objecto, a função de investigar o geral, con-
funde-a com a antiga filosofia da história.
Nas mesmas águas de Grotenfelt navega o
dr. J. GoLDFRiEDRicH que, na sua História das ideas
na Alemanha^ também considera a história como
uma sociologia particularizada, vendo, contudo,
entre elas relações recíprocas.
Assim, nesse corpo scientífico, uma é um es-
queleto a outra fornece a carne e o sangue. Numa
predomina o característico, o típico, o perma-
nente, na outra domina o variável, o singular.
São duas manifestações do mesmo objectivo,
397
dois meios para alcançar o mesmo fim : o conhe-
cimento da vida histórica, da vida social, hu-
mana.
Da mesma forma que Grotenfelt, Goldfrie-
DRiCH — como muito acertadamente nota M. Henri
Berr — tem uma noção incompleta da história,
parecendo não conceber a existência da síntese
histórica, isto é, «da investigação do geral em
história» — o que o leva a confundir esta com a
sociologia.
Para êle a evolução histórica é, essencialmente,
um problema de psicologia, e estudá-la é procurar
conhecer como a humanidade tem vindo a passar
da inconsciência à reflexão através dos momentos
vários da diferenciação e da integração sociais^
da divisão do trabalho, e da associação, da liber-
tação do pensamento, etc.
Com muita mais razão se expressa Henri
Berr, quando, ao falar das relações entre as duas
sciências, diz «que a sociologia para se constituir
deve ser, antes de tudo, um estudo positivo do
que é social em história». E acrescenta «... que
ela deve partir dos dados concretos da história».
Mas, como ela só se ocupa do que é social em
história vê-se logo que não esgota a história, por-
que nesta sciência há muita cousa que não sendo
social não pode ser incorporada naquela, emfim,
que a sociologia não deve ter a pretensão de en-
globar e de absorver a história confundindo-se
com esta.
Na história há que considerar, além do ponto
398
de vista e dos métodos de erudição e de crítica,
com que faz os seus estudos e que, por completo,
a distinguem da sociologia, todo o capitulo espe-
cial relativo ao estudo das grandes individuali-
dades — o que faz entrar a história em especiais
relações com a psicologia.
Assim, a história ocupa-se dos factos ou com-
parando-os, independentemente dos lugares e do
tempo onde e em que se teem passado, para neles
descobrir as semelhanças e determinar os cara-
cteres gerais que os distinguem e singularizam,
ou só abstraindo do lugar para «descobrir o ge-
ral na sucessão dos acontecimentos particulares»,
ou, ainda, agrupando os factos em relação a um
critério de unidade — como os grandes homens,
povos, épocas e instituições, — ecolocando-os em
série.
Quanto à primeira modalidade do trabalho
histórico não há dúvida que ela permite senão a
fusão pelo menos a confusão da história com a
sociologia ; porém, os dois outros objectivos da
história diferençam esta por completo daquela.
Mas, necessário é não cair em outro exagero,
concluindo que em história tudo se reduz á psi-
cologia : psicologia colectiva — no estudo dos po-
vos; psicologia social — para o estudo compara-
tivo das sociedades; e psicologia individual —
destinada ao estudo dos grandes homens de acção
e do pensamento (i).
(i) Alêm disso há que considerar as aplicações especiais à
^99
É nesse extremo que cai Henri Berr quando
escreve :
«L'étude des séries historiques, doit aboutir à
la psychologie des grands hommes d'action et
de pensée, des individualités ethniques, des mo-
ments critiques deFliistoire».
E a seguir : «De Tensemble de ces études, de
Télaboration de cette psychologie historique, dé-
pend non seulement Tintelligence du passe, mais
la direction de Tavenir» (2). ~
Como se tem visto são muitas e fortes as oscila-
história dos trabalhos de psicologia individual, como, entre ou-
tros, o que se refere à psicologia do testemunho. Se bem que já
no fim século xviii se notassem as alterações, as deformações,
inconscientes da memória, foi especialmente no século xix, com
NiEBURH e Ranke, que se começou a estudar o depoimento histó-
rico.
Hoje, tal estudo é do domínio da psicologia experimental.
Ver vários artigos de Binet e Henri sobre a Sugestibilidade,
a memória das palavras e frases, etc; de Glaparède sobre a Psi'
cologia dojiií^o, Larguier be Bancels sobre a Psicologiajudiciá-
ria : todos na colecção do Année psychologique ; a Sugestibilité,
de Binet; o Lehrbuch...^ de Bernheim ; La psicologie du iémoi-
gnage en Histoire, de André Fribourg, in Revue de Synthèse
Historique^ tomo xii, pág. 262 a 277 ; Nouvelles expériences sur
le témóignage, por André Fribourg, in Revue citada, tomo xiv,
pág. i58 a 167.
Consultar, também, o artigo de Bernheim nos Beitrãge Zur
Psychologie des Aussage de L, W. Stern, Leipzig, 1907, tomo 11
pág. no a 117; acerca de As relações da metodologia histórica
com o testamento, onde o eminente metodologista nota o pro-
veito que a crítica das fontes históricas, com os seus numerosís-
simos estudos rigorosamente feitos e fiscalizados, pode dar e re-
ceber dos trabalhos de psicologia sobre o testemunho, a fidelidade
das recordações, as «influências sugestivas» que incidem sobre a
testemunha, etc.
(a) In Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 436,
40Ô
çôes de critério na caracterização da história, na
fixação dos seus limites e na compreensão das suas
relações com as sciências psicológicas, com a so-
ciologia e com a politica.
Não admira que sejam tão divergentes as opi-
niões entre os historiadores, os sociólogos e psi-
cologistas se mesmo dentro de cada sciência as
opiniões estão longe de se combinarem e ajusta-
rem. Na sociologia, por exemplo, há uma grande
diversidade de pontos de vista, de critérios e de
correntes.
Assim, a sociologia de Durkheim não é igual à
de De Greef ; e qualquer destas é diferente da de
JIené Worms, de E. Roberty, etc.
Vejamos êste^ por exemplo. No seu Nouveau
programme de sociologie, aparecido em 1904,
Roberty afasta-se tanto dos que querem redu-
zir os fenómenos sociológicos a fenómenos bioló-
gicos como dos que querem identificar a sciência
social com a psicologia, considerando a sociolo-
gia com uma sciência autónoma com o seu lugar
fixado na hierarquia scientifica.
A inter-acção psico-fisica, determinando a pas-
sagem da vida orgânica à super-orgânica ; deter-
mina a inter-acção psicológica, e faz aparecer o
objecto da sociologia. Mas logo os psicologistas
respondem que a distinção entre fenómenos psico-
-fisicos e psicológicos não é de natureza, mas sim
de grati, pelo que a separação entre as duas or-
dens de manifestações é tão subtil como artifi-
cial,
401
Admitindo que o fenómeno super-orgânico —
objecto dos estudos sociais — não possa reduzir-se
e confundir-se com o fenómeno vital, biológico,
orgânico, não há dúvida que a êle pode reduzir-se
um fenómeno de natureza psicológica — como
entendem alguns, ou concluir, que este sai da-
quele— como querem outros, ou, ainda, fazendo
derivar o fenómeno sociológico ao mesmo tempo
que a manifestação psicológica — como opinam
bastantes.
Sucede, por vezes, que quanto mais os homens
de sciência procuram distinguir a psicologia co-
lectiva da psicologia social, e ambas da sociolo-
gia, fixando a cada uma os seus objectivos e
os seus limites, maior é a confusão que dai re-
sulta.
Tal o caso da obra de Pascuale Rossi — So-
ciologia e psicologia colettiva, pubhcada em 1904.
Este, vendo que, num outro seu trabalho, apa-
recido em igoo, sobre Psicologia colectipa, havia
estabelecido, com a sua teoria das multidões ex-
táticas e dinâmicas, concentradas e dispersas no
tempo e no espaço, uma muito regular confusão
entre a psicologia colectiva, a psicologia social e
a sociologia, escreveu a segunda obra para deli-
mitar o âmbito de cada uma (i).
(i) o mesmo intuito tem o sociólogo romeno M. Draghi-
CESCO, alem de tantos outros cultores das sciências sociais. Tam-
bém este professor da Universidade de Bucarest, na sua obra
Du role de 1'individu dans le déterminisme social, procura na se-
gunda parte estudar as relações entre a psicologia e a sociologia^
3Ó
402
Assim, a psicologia colectiva teria por objecto
a multidão instável ou pouco estável que se cria
entre um povo e se manifesta de uma forma in-
variável, com os seus caracteres gerais, hiperor-
gânicos, atávicos, e independentemente das con-
dições da raça e das circunstâncias de tempo ,£
de meio.
A psicologia social ocupar-se hia da multidão
estável, permanente, formada pelo povo, e por-
tanto mais complexa, mas também muito mais
duradoura.
Acerca da sociologia, ocupar-se hia esta do
agregado social organizado, primeiro de uma
forma inconsciente e automática, e, depois de
uma maneira mais consciente e reflectida — como
quere De Greef, e tem por fim coordenar e sin-
tetizar os dados fornecidos pelas duas sciências
anteriores.
Mas só as criaturas superficiais e pouco refle-
xivas, os tipos psicológicos verbais, se poderão
satisfazer com tais diferenciações e com tal fixação
de caracteres, deixando jogo de perguntar quais
são os caracteres hiperorgânicos, atávicos, etc, e
onde acabam eles para começarem os adquiridos
no decorrer da civilização.
Muitos, muitíssimos, argumentos, e tantíssimas
perguntas se poderiam fazer aos Rossi, aos Naz-
e não obstante encher 1 5o páginas de considerações e argumentos
o certo é que não se fica melhor instruído ao acabar o capítulo
que ao começá-lo.
4o3
ZARi, aos De Gheef, aos Tarde, aos Roberty, aos
ScHAFFLE, às quais responderiam outros pontos
duvidosos e incertos numa discussão vaga e aprio-
rística. E o que sucede na citada obra de E. Ro-
berty— Noupeau programme de sociologie, apa-
recida em 1904.
Aí tudo é confuso, tergiversante, nebuloso desde
as concepções até à nomenclatura. E assim, pro-
curando o autor estabelecer a natureza do facto
social, determinar o método sociológico è traçar
a lei geral da evolução social, êle, muito mais que
o cumprimento dos objectivos que a si próprio
impôs, só consegue fazer uma obra complexa,
vaga, metafísica e apriorística.
O facto social é para êle anterior ao facto psi-
cológico, considerando-o como um facto superor-
gânico, isto é, como a floração última e a mais
complexa da vida, produto de uma interacção
de cérebros, que desenvolveria a consciência in-
dividual, e da interacção das consciências indivi-
duais que produziria o pensamento individual
superior e a vida social vasta e complexa.
Roberty tratando do método sociológico é
ainda mais vago e obscuro, e quanto à tendência
da evolução social é francamente arbitrário e ca-
prichoso no seu simplismo. Para êle, a história
consiste numa única evolução, sendo esta o re-
sultado da diferenciação de quatro modos de acti-
vidade social: o pensamento analítico — a sciên-
cia ; o sintético e apodíiico — a religião e a filo-
sofia; o pensamento simbólico e romântico — a
404
arte; e o pensamento prático e teleológico — a
acção, que na sua origem se confundiam (i).
Xénopol no seu estudo sobre a Sociologia e a
história, insistindo sempre que a sociologia estuda
as leis de repetição dos fenómenos sociais ao
passo que a história se limita a registar o desen-
volvimento deles em série, no tempo, isto é, os
factos sociais repetindo-se podem dar origem a
leis gerais, ao passo que os factos históricos, sem-
pre diferentes, não se repetem, sucedem -se, e a
história deve limitar-se a encadeá-los em série e
a descrevê-los.
Eduardo Spranger, depois de notar a natureza
psicológica do conhecimento histórico, entende
que sendo os factos históricos o produto da acti-
vidade individual é por meio da psicologia que
em última razão se devem explicar tais factos.
(i) O mesmo autor numa outra obra — Une sociologie d'action,
— aparecida em 1908, procurando as «origens sociais da razão e
as origens racionais da acção», continua a manter, como no Noit-
veau programme de sociologie^ a distinção entre a interacção
psico-física e a psicologia, tendo sempre em vista elevar a so-
ciologia à categoria de uma «sciência fundamental do espírito».
Também, aqui continua a afirmar que o psicológico vem do
social, e que ele é não só a matéria sobre a qual se exerce a
acção social como o produto de uma tal acção, explicando, assim,
'O fenomenalisrao social como uma sucessão de estudos psíquicos,
de modificações experimentadas nas ideas, nos desejos e nas von-
tades. Ao contrário dos pragmatistas, ele sustenta que o conheci-
mento tem uma acção preponderante na vida social, sendo a
essencial condição de todos os outros modos do pensamento, e
que a acção é condicionada pela sciência, pela filosofia e pela arte.
Ver a análise da obra de Roberty pelo dr. Jankelevitch, in
Revue de Synthèse Historiqiie^ Abril de 1909, pág. 190 a 195.
40 5
Assim, os conceitos dos historiadores não teem
valor objectivo, não podendo^ portanto, dar ori-
gem a leis gerais.
Está- se, pois, muito longe de um acordo ou,
pelo menos, de uma harmonia de vistas, princi-
palmente acerca dos limites das três sciências :
psico-sociologia ou psicologia-colectiva, a sociologia
e a história.
Nas exposições dos livros, nos artigos das re-
vistas, nas comunicações às instituições scientífi-
cas, e, principalmente, nas discussões dos con-
gressos, vê-se por toda a parte e a cada momento
surgirem os conceitos, as teorias, as opiniões,
mais divergentes e fantásticas.
Quem percorrer os relatos dos vinte e tal con-
gressos da Associação Histórica Americana^ dos
Congi^essos Internacionais de História, das reu-
niões dos historiadores alemães, franceses, ingle-
ses e italianos, sempre notará_, e por toda a parte,
intermináveis discussões com idênticos comentá-
rios, e repetidos argumentos.
Nesses relatos encontrará, como questões cró-
nicas e assuntos obrigatórios, os sociólogos a afir-
marem que a história não é uma sciência, mas
sim um colossal depósito, um enorme arsenal, de
factos pacientemente descobertos, formulados,
classificados, faltando-lhes a função explicativa e
uma enunciação das causalidades; mais dizem
eles que a sociologia presta à história os maiores
benefícios, além de uma teleologia, os quadros
de síntese, as teorias e as leis que vão tornar
4o6
úteis, eficazes e vivos os apontoados de factos
que a história organiza.
Outras vezes, dizem esses sociologistas, a histó-
ria mete-se, abusivamente, a fazer generalizações
quando a sua função é de estudar o particular, o
individual.
Assim, mais ou menos, se teem expressado o
prof. F. H. GiDDiNGs, de Golumbia ; o prof. Al-
BioN W. Small, da Universidade de Chicago, etc.
Para o prof. Lester Ward, do Smithsonian
Institution, a sociologia é uma sciência ao passo
que a história não o é ; aquela assenta sobre um
encadeamento causal e a história sobre uma sé-
rie de factos; emfim, a «história é uma ocupação
agradável e um amável passa-tempo» (i).
Quanto a P. Barth e a alguns outros sociolo-
gistas, pretendem estes identificar a sociologia
com a filosofia da história, e admitem o conhe-
cimento individual, mas como base indispensável
para admissão de leis naturais na vida da hu-
manidade (2).
Quanto aos historiadores, respondem eles que
a história é, cada vez mais, uma sciência, e uma
sciência dia a dia mais objectiva, baseada no
(i) Outros teem dito da história cousas muito peiores. Assim,
Peladan no seu pequeno estudo sobre Le secret de Jeanne d'Arc,
diz :
«L'histoire est rnrement vraie ; elle se colore dans le cerveau
d'une homme passionné, qui plaide, en sa narration, par un client
abstrait».
(2) P. Barth defende tais ideas no seu Die Sociologie ais
Geschichtsphilosophie.
407
estudo dos documentos — que são os vestígios
dos factos passados, que os vai estudando, clas-
sificando, seriando com a mesma meticulosidade
que o naturalista põe na investigação e classifica-
ção dos seus exemplares de estudo.
Passando à crítica dizem eles que a sociologia
abusa muitas vezes das generalizações, esgotando
a sua actividade em construir e derrubar teorias
e leis, torturando os factos para os fazer caber
nos moldes mais ou menos estreitos das hipóte-
ses ; emfim, como diz o prof. Emerton, da Uni-
versidade de Harw^ard, a sociologia é um fan-
tasma da antiga inimiga da história : a filosofia
da história.
As mesmas questões surgem no velho conti-
nente entre Von Bullow, Friedrich Gottl, Lam-
PRECHT, e muitos outros — na Alemanha ; entre
Lacombe e XÉNOPOL ; com Simiand, com Seignobos,
Hauser, Mantoux, Henri Berr — em França; com
Benedetto Croce — na Itália, etc. (i).
Também Henri Berr, na sua obra La synthése
en histoire, tem muito a peito o propósito de dis-
tinguir a história da sociologia, especialmente na
parte em que melhor se podiam identificar e con-
fundir essas duas sciências : na síntese histórica.
(i) Acerca das relações da história com a sociologia e a po-
lítica segundo Maxime Kovalevsky, ver um artigo de E. Tarbou-
RiECH na Revue du Móis, n." 5, de lo de Maio de 1906. Como já
antes o havia dito um teórico da História — H. Berr : «le politi-
que ideal, c'est Thistorien parfait».
Ao tratarmos da metodologia histórica este ponto será versado
mais especialmente.
4o8
E se bem que êle distinga, na ordem dos fa-
ctos históricos, o domínio da contingência do da
necessidade, vendo no domínio geral, do perma-
nente e do necessário em história — e que se
pode traduzir em leis — o próprio domínio da
sociologia, êle logo acrescenta que o que dife-
rença a história desta sciênpia é que ela no seu
estudo dos factos não pode abstrair do variável,
do individual, do contingente, do imprevisível.
Dissemos há pouco que P. Barth e outros iden-
tificam a sociologia com e^ filosofia de história, e
iremos ver, quando tratarmos dos objectivos da
história, que H. Rickert passa insensivelmente
para esta partindo da história universal.
2.° — A História. Sua natureza, seus objectivos,
sua aplicação
a) Â história como sciência e como arte
Agrupada a história entre as sciênciás socio-
lógicas, vamos ver muito abreviadamente como
teem sido diversos os critérios sob que ela tem
sido considerada e estudada.
Para uns a história é uma sciência exacta como
as sciênciás naturais (i); para outros é uma sciên-
(i) o ilustre Du Bois Raymond aplicando à história o método
das sciênciás naturais descutiu com Liebig se o império romano
teria sossobrado se os romanos houvessem conhecido as proprie-
dades agrológicas do ácido fosfórico e houvessem aplicado este
em tornar fecundo o seu solo estéril, ou se conhecessem o uso
da pólvora pelo qual repeliriam facilmente os bárbaros.
BucKLE ao escrever a História da Civilização em Inglaterra
409__
cia especulativa — a iiistória filosófica ou filosofia
da história; para outros ela é, ainda, uma sciência
normativa — uma sciência moral, estudando o
passado sob o ponto de vista ético, e traçando
normas ou ditames da conduta humana (i); para
os estetas não passa de uma obra de arte; para
os escritores de uma obra literária; emfim, para
outros a história é uma sciência de aplicação como
a politica, chegando Freeman — nos seus Métodos
dos estudos históricos — a escrever «que a histó-
ria é a politica do passado como a política é a
história do presente».
Para alguns ingleses, como o prof. Seeley,
toda a obra de história deve dar a solução de
algum problema politico, como já antes para Bu-
considerava a história como uma sciência exacta baseada na esta-
tística.
Pelo contrário, Lorenz e Bernheim sustentam que a história
não é nem será nunca uma sciência exacta nem uma sciência na-
tural.
(i) Como se sabe, Durkheim e os sociologistas seus discípulos
como os moralistas Lévy-Bruhl, Rauh, etc, teem feito todas as
tentativas e procurado todos os meios para aplicar aos factos so-
ciais e às chamadas sciências morais os métodos de investigação
e de exame seguidos nos estudos dos fenómenos matemáticos,
físico-químicos e biológicos.
Para Lévy-Bruhl o fenómeno moral é um fenómeno interno,
psicológico, e um reflexo da realidade social, por isso observável,
e até mensurável.
Para outros a moral é uma sciência especulativa e normativa.
Deve, porem, dizer-se que contra a história como sciência mo-
ral e normativa da conduta humana levantam-se alguns mora-
li-ítas como o próprio Rauh na sua Expérience morale^ pág. 53.
Durkheim e Lévy-Bruhl procuram tirar da sociologia, regras
da acção humana.
410
CKLE, ela, baseada na estatística, "era uma sciên-
cia do governo dos povos.
Já vimos que Freeman tem, mais ou menos,
esse critério, outro tanto sucedendo com Dahl-
MANN e Lorenz.
Para Bruno Gebhardt — na sua obra História
e Arte — a história deve ressaltar da combinação
da investigação dos factos — mister scientiíico,
com a sua exposição e descripção — obra de arte.
Mas, a história é essencialmente uma obra de
arte, pois para encontrar por detrás dos factos o
seu espírito e para o expor é necessário um po-
der divinitório, sendo por isso uma espécie de
criação poética (i). Só a imaginação é capaz de
descobrir e reproduzir esse espírito, só ela é ca-
paz de descobrir os personagens — mas não de
criá-los que é função do poeta e do roman-
cista (2).
(i) H. RiCKERT na sua obra várias vezes citada neste capítulo
— Die Gren^en des naturwissenschaftlichen Begriffsbildung. . . —
que é, como indica o seu sub-título, uma Introdução às sciências
históricas — e, tratando da arte da história, diz ele : «para o artista
a arte é o fim, emquanto que para o historiador ela não é mais
que o meio, pois o fim é a verdade».
Depois, uma obra de arte é sempre limitada, ao passo que a
seriação e o desenvolvimento histórico são infinitos. Para fazer
com elementos históricos uma obra de arte — um drama, um ro-
mance, um quadro — é necessário separar os acontecimentos das
suas raízes, e amputá-los das sequências e consequências, porque
— como ele diz : «A arte isola, ao passo que a história liga».
(2) CouRNOT, no seu Essai sur les fondements de nos connais-
sances, cap. xx, diz que a história tem grandes relações com a arte,
pois é pelo sentimento da continuidade e sequência dos factos
que o historiador compreende a ligação entre os acontecimentos,
I
41 I
Por isso, tal imaginação deve ser sopeada, rec-
tificada, corrigida peia experiência, pela reali-
dade.
Com, e pela imaginação, o historiador conse-
gue descobrir, encontrar, o verdadeiro espírito
dos agentes pessoais dos acontecimentos históri-
cos, profundar as suas intenções, justificar e
explicar os seus actos, discernir a harmonia dos
acontecimentos onde à primeira vista só se nota
a desordem, reconstituir a unidade na variedade,
emfim, poder «compreender e representar a rea-
lidade histórica» (i).
Um pouco como Gebhardt, Ranke também não
desdenha a imaginação, pois, por ela, pelo espí-
rito divinitório, atinge-se, por vezes, melhor e
mais depressa o espírito dos factos, as suas forças
ocultas, que por meio de uma demonstração rigo-
rosa.
nota o nexo entre as séries de factos baralhados, e estabelece as
grandes linhas primárias com as suas ramificações e variantes.
É pela arte que o historiador pode descobrir, surpreender, uma
fisionomia, alem do interesse dramático que a história apresenta.
(i) Acerca do papel que pode desempenhar a imaginação nos
trabalhos de reconstituição histórica, ver um estudo de Xénopol
— LHmagination en histoire — inserto na Reviie de Synthèse His-
torique, números de Fevereiro e Abril de 1909. O autor, depois
de tratar da função que ela tem desempenhado nas sciências natu-
rais, na paleontologia, na paleografia, na paleobolânica, na paleo-
zoologia, etc, para a reconstituição dos seres, dos acidentes e
meios físicos desaparecidos, ocupa-se do trabalho da imaginação
em história, trabalho tanto mais importante quanto mais raros
são os documentos e outros vestígios dos tempos passados.
412
- Para o eminente autor da história dos papas,
a história sendo para todos os efeitos uma sciên-
cia, e sempre baseada na investigação documen-
tal, também é uma arte, e não só pela utilização,
muito fiscalizada da imaginação, como ainda
pela forma, pelo aspecto literário que deve ter a
exposição e o descritivo históricos (i).
Por sua vez Almann — num artigo da Revista
de História^ de Sybel, em i885 — vê na história
só uma sciência e não uma arte, pois a forma lite-
rária, e até artística, que possa ter a sua exposição
não constitue uma característica da história, pois
outro tanto se deve dar com a exposição filosó-
fica, etc. (2).
Também, sendo a história uma sciência que
só pela investigação e a crítica pode chegar à
verdade não é admissível qualquer papel funda-
mental da imaginação.
Quanto ao campo de investigação e ao objecto
(i) FusTEL DE CouLANGES, pclo contrário, escrevia: «II n'y a
pas de divination en histoire. Le meilleur historien est celui qui
voit le plus profondément et le plus exactement».
(2) Bernheim e Lorenz também entendem que a forma lite-
rária é uma cousa muito secundária em história, e que à medida
que os métodos scientíficos de investigação e crítica se vão aper-
feiçoando, a história vai perdendo o seu carácter de obra da arte
para se tornar só uma obra de sciência.
Acerca dos critérios de Guilherme Humboldt e de Ehrardt
com relação à história como obra de arte, e do papel da ima-
ginação em história, ver : Pasquale Villari, L'histoire estelle une
Science? in Revue de Synthèse Historique, tomo in, pág 128 e 129.
Neste nosso estudo temos seguido um pouco êsse magnífico tra-
balho de P. ViLLARI.
4i3
de estudo da historiografia não liá maior con-
vergência de vistas. Ao passo que Guilherme
HuMBOLDT, Bernheim, Ehrardt, ctc, entendem
que as multidões e a civilização em geral como
os indivíduos — ou unidades psicológicas;: — tudo
deve ser objecto da história, para Moritz Ritter
«o ponto central das investigações históricas deve
ser o Estado, porque essas investigações não se
ocupam do homem senão nas suas relações com
o Estado».
Outro tanto diz o professor Schaefers, da Uni-
versidade deTubingue, para o qual o Estado tem
sido, é, e continuará sendo, o ponto obrigado
para a solução de um infinito número de ques-
tões, pelo seu estudo a história fica com elemen-
tos para considerar e julgar os factos particulares.
Da mesma forma teem pensado Mommsen, Xé-
NOPOL, etc. Digamos ainda alguma coisa deste
último.
Xénopol, publicando em 1908 a sua obra La
Théorie de VHistoire, desenvolvia entre as ideas
que lhe eram mais caras, e que já abordara, em
1 899, nos seus Príncipes fundamentanx del^histoire,
o da diferença entre a história e as outras sciên-
cias.
Ao passo que as outras sciências estudam os
fenómenos que se repetem, mercê da permanência
e coexistência das forças que os produzem e que,
assim, «incidem constantemente em condições
sensivelmente idênticas» no tempo e no espaço,
os fenómenos históricos nunca se repetem, não
4i4
fazendo mais que seguir-sC; suceder-se, pois que
ainda que as mesmas forças os produzissem as
circunstâncias já se haviam de tal modo modifi-
cado, as condições eram já tão diferentes, que os
efeitos não podiam jamais ser idênticas.
Daqui conclue Xénopol que as primeiras — as
sciências dos fenómenos de repetição — são as
únicas que podem formular leis, e estas marcam,
apenas, as relações entre os fenómenos e as suas
causas, porque o que melhor as caracteriza é a
uniformidade e a inalterabilidade desses fenóme-
nos independentemente das condições de tempo
e lugar (i).
Por sua vez, a história, como a sciência dos
fenómenos de sucessão, não admite leis, porque
a causa é diferente do efeito, exercendo a sua
acção em condições constantemente mutáveis,
não existindo, assim, uniformidade nos fenóme-
nos.
Mas, se em história não existe — para Xénopol
(i) Acerca das chamadas, por Xénopol e outros, sciências de
repetição ou sciências de leis às sciências da natureza deve di-
zer-se que as cousas não se passam em tais agrupamentos scien-
tíficos com o simplismo que esses teóricos consideram.
Rigorosamente, scientíficamente, não há na natureza uma pura
e exacta repetição de fenómenos ou de estados de corpos. Como
entende Etienne Rabaud na sua obra Le transformisme et Vex-
perience, e considera o ilustre biologista Félix Le Dantec in Re-
vue Philosophique, 1912, n.° 6, pág. 652 :
«En sciences naturelles, le corps qui sert de sujet d'expérience
ne se trouve jamais deux fois identique à lui même dans rhistoire
du monde. II change à chaque instant de sa vie, et il diffère, à
chaque instant aussi, de teus ses congéneres».
41 5
— a generalização dos actos, a condensação dos
fenómenos em leis, há a possibilidade da sua fixa-
ção e diferenciação em séries (i).
Assim, ao passo que as outras sciências teem
por fim descobrir as leis dos fenómenos que es-
tudam, a historia tem por objecto estabelecer as
séries dos acontecimentos, isto é, ligar estes entre
si e relacioná-los com as suas causas, ou, melhor,
com a unidade de causa, mostrando, por esta
forma, que o movimento é um só e mesmo, e a
evolução uma única e mesma (2).
(i) Mr. G. Vailati, professor de história da mecânica da Uni-
versidade de Turim, numa comunicação ao congresso internacio-
nal de história, realizado em Roma, há alguns anos, acerca
de A possibilidade de aplicar o conceito de causa e de efeito nas
sciências históricas, diz que sendo costume afirmar a inferioridade
em solidez, das leis históricas em relação com as das sciências
matemáticas e físicas, isso não é assim, pois as leis físicas, quí-
micas e das restantes sciências da natureza apresentam também
excepções. Estas leis são necessárias, mas só quando se deduzem
logicamente de outras, terminando tal cadeia por alguma cousa
que não apresenta necessidades lógicas. Elas enunciam analo-
gias e regularidades semelhantes às que se notarri nos fenómenos
sociais. Quere dizer que nem a influência da vontade humana
nem os fenómenos sociais podem constituir prova ou carácter
especial que mostre as leis sociais menos seguras que as leis físi-
cas. Por outra forma : a realização ou não realização de um dado
facto devido à intervenção da vontade humana em nada altera a
conexão desse facto com o seu antecedente constante.
(2) Acerca da complexa questão de causa e dos princípios de
causalidade nos factos de repetição e nos fenómenos de sucessão
ou históricos, ver : um estudo, também, de A.-D. Xénopol in Re-
vue de Synthèse Historique, tomo viu, pág. 265 a agS ; tomo ix,
pág. 7 a 2i; e a seguinte obra do mesmo autor: Príncipes fun-
damentaux de l'histoire, pág. i5z, etc.
Também, o historiador italiano Benedetto Ckoce fez aeêrca de
4i6
Essa evolução é, emfim, o produto de uma
causa profunda, de uma força interna, e eterna
de renovação.
Como se vê, para Xénopol o princípio da cau-
salidade é essencial em história, isto é, na sciên-
cia dos factos de sucessão.
Efectivamente, a sciência procura explicar es-
tes, e é a esse instinto que corresponde o con-
ceito de causalidade a que Em. Meyerson — na
sua Identité et réalité — chama «ilusão causal».
Mas, como diz Meyerson, o principio de cau-
salidade constitue no organismo scientiíico o fa-
ctor explicativo, e o principio da explicação é a
redução progressiva à identidade. Ora, se não
existe uma íntima relação lógica entre o principio
de causalidade e o princípio das leis, parece não
o princípio de causalidade em historiografia^ uma comunicação
ao citado Congresso internacional de história em Roma, onde
mostra como é múltipla e equívoca a significação dada à palavra
cama.
O filósofo, o naturalista e o historiador cada um forma da
história o seu conceito especial. Definindo-se a história como a
oinvestigação das causas dos factos», diz que investigar a causa
em história consiste em ligar o facto individual ao conjunto de
todos os factos individuais aceitáveis historicamente e constituindo
a sua verdadeira individualidade.
Assim, para M. Croce dizer que a história procura descobrir
as causas dos factos equivale a dizer, de uma forma geral, que
ela procura a verdade. Mas, é necessário especificar qual a na-
tureza dessa verdade, dessa causalidade, pois não basta a conce-
pção geral da causalidade compreendida como uma verdade, antes
é necessário procurar as formas próprias, específicas da causali-
dade, que, segundo os casos, pode ser estética, histórica, natu-
ral, filosófica, etc.
4'7
restar dúvida que este último é a consequência
do primeiro.
Assim, admitindo na história, desde já, o prin-
cípio de causalidade «e que não é mais que o prin-
cípio de identidade aplicado ao tempos, temos
nós que admitir nessa sciência o princípio da le-
galidade^ isto é, o princípio das leis — o que XÉ-
NOPOL contesta.
Tudo — ou quási tudo — nestes princípios de
XÉNOPOL é muito discutível, porque, na verdade,
não há dois fenómenos, de qualquer natureza que
seja, que se repitam integralmente, nas mesmas
condições, e não se pode admitir sem sumo exame
a força interna que promove a evolução (i).
Se, como acabamos de ver em XénopÒl, a his-
tória diferença-se das outras sciências pela natu-
reza especial do objecto do seu estudo, não fal-
tam pensadores que chegam a expressar que a
história não é uma sciência mas um processo do
conhecimento, e que não há uma sciência da
história mas sim uma lógica da história (2).
(i) Ver L'Année Sociologique^ tomo xi, pág. 49 a 5i ; Xéno-
POL, Sociologia e história^ in Revista italiana de psicologia^ tomo x,
pág. 5i5 a 541.
(2) De outros agrupamentos de conhecimentos tem-se dito o
mesmo. É o caso da Moral — à qual se tem negado o carácter
scienlífico. Mas, importa ter em atenção que o homem de sciên-
cia, que é especialista, quando sai fora dos seus estudos ordiná-
rios nem sempre vê claro.
Entre centenas de exemplos apraz-nos considerar o caso do
27
4i8
Esse ponto de vista tem sido ultimamente bas-
tante seguido na Alemanha pelos filósofos, e cons-
titue, como vamos ver, a principal característica
da terceira fase da actividade historiográfica
alemã.
Como se sabe, tem sido muito importante, ul-
timamente, na Alemanha, o movimento respei-
tante à teoria da história.
Se bem que — como diz Henri Berr — nunca
os alemães abandonassem os estudos teóricos re-
ferentes à história, não há dúvida que através
do século XIX, com excepção de Ranke e dos seus
discípulos, de Waitz, Sybel, etc.,- a principal ca-
racterística da historiografia alemã é a obra de
erudição (i).
Assim, quando Eduardo Mayer publicou a sua
Geschichte des Alterhums e a monografia Acerca da
teoria e da metódica da história Von Below nota
a sensação que tais estudos — especialmente a
Introdução do primeiro — despertaram na Ale-
manha.
eminente matemático Henri Poincaké que no seu livro Surla va-
leur de la science nega à moral uma existência scientífica, dizendo
«que a verdade scientífica que se demonstra não pode, por título
nenhum, aproximar-se da verdade moral que se sente».
Ora, as cousas não se passam hoje, em Moral, com simplismo
paiadamesco que julgava H. PoivcARÉ. Ver Abel Rey, Les Scien-
ces Philosophiques; J. M. I.ahv, De la valeur pratique d'une mo-
rale fondée siir la science, in Revue Philosophiqiie, de Fevereiro de
1912 ; La Conscience collective et le bien obligatoire, por A. Bauer,
in Revue Philosophique, Junho de 191 2.
(i) Ver a comunicação de M. Henri Berr in Bulletin de la
Société d'Histoire Moderne, Maio de igoS, pág. 174 a 176, e na
Revue de Synthèse Historiquef tomo x, pág. 369 a 372,
\
419
A evolução da teoria e da metódica da história
na Alemanha contemporânea pode dividii*-se em
três fases : a primeira tem como características a
luta entre Schafer e Gothein, aí por alturas de
1890, sobre qual era mais importante se a histó-
ria política se a história da civilização.
A segunda fase é marcada pela defesa do ponto
de vista sociológico ou colectivista da história
feita por Lamprecht e pelos seus discípulos.
A terceira etape de tal evolução, que começa
aí por 1900, tem como característica — joh pa-
radoxo!— a própria falta de características, de
distintivos, a ausência de uniformidade nos pon-
tos de vista de, entre outros, Bernheim, Lampre-
cht, Breysíg, Ed. Mayer, Lindner, Windelband,
Rickert, Simmel, Goldfriedrich, Grotenfelt,
GOTTL, etc.
Porém, dos factos.mais evidentes no meio desta
desorientação, desta multiplicidade de opiniões
e conceitos individuais, o que melhor se tem no-
tado consiste na colaboração cada vez maior dos
filósofos e pensadores nos estudos sobre a teoria
da história, pretendendo alguns deles criar uma
lógica da história, tendo como ponto de partida
os dados da história tradicional.
Efectivamente, partindo da observação comum
que à actividade expontânea em todos os campos
se segue a reflexão, e que após a prática em todos
os ramos da actividade humana vem a lógica,
também esses historiadores filósofos, como Dil-
THEY, Windelband, Eucken, Hensel, Rickert,
420
MuNSTERBERG, Grotenfelt, c Gottl, entendem
que é chegado o momento de se criar a lógica da
história, e fazendo a revisão da obra dos grandes
historiadores, desde Thucidides a Ranke, con-
cluem que a história, sendo um objecto da acti-
vidade mental dos homens, não é, comtudo, uma
sciência, ou, pelo menos, uma sciência do tipo
naturalista, pois ao passo que tal espécie de sciên-
cia tem como caracteres o geral, a necessidade
e a causalidade, na história domina o individual^
a contingência e a finalidade.
Vejamos agora, entre esse grupo de pensado-
res, de lógicos, qual o conceito de Frederico
Gottl acerca da história, e quais os motivos por-
que êle não considera esta uma sciência.
Frederico Gottl, teórico alemão da história,
entende que a história é diferente da sciência, e
que as próprias sciências que tratam da evolução
da natureza, como a geologia e a biologia, nada
teem de contacto com a história.
Insistindo pela completa diferença entre a geo-
logia histórica e a história humana, assinala a
descontinuidade, a heterogeneidade entre a na-
tureza e a história. Citando os nomes de Droy-
SEN, Bernheim, Lorenz, Ed. Mayer, Schuppe e
Stammler, observa que, apesar da divergência
de pontos de vista entre esses historiadores, há
uma cousa em que todos estão de acordo : na
421
emancipação do pensamento histórico do pensa-
mento scientífico, na autonomia do conhecimento
histórico. A história nada tem de comam com
a sciência.
O que caracteriza os factos históricos é que
eles são explicáveis no ponto de vista do pensa-
mento lógico e das suas leis.
Por isso, no homem há dois seres : o homem
da paleontologia — objecto da sciência, e o ho-
mem histórico — objecto da lógica. Mas, não
se imagine que, para Gottl, o conhecimento
scientífico está mais próximo da realidade que o
conhecimento histórico, porque a teoria do co-
nhecimento tende a estabelecer, cada vez melhor,
o alcance e a perfeição do conhecimento histó-
rico.
Assim, ao passo que na vida vívida — que é o
objecto da sciência entre o real e o facto inter-
póe-se um processo intelectual — factível e falí-
vel, o conhecimento histórico tem por objecto
a própria realidade.
Com a história atinge-se o máximo da reali-
dade empírica, e os seus limites são marcados
pelos limites dessa realidade, pelos limites do
verdadeiro conhecimento.
Apesar de bastante discutida por Bernheim e
outros tal teoria de Gottl — que marca um renas-
cimento da filosofia idealista da história na Ale-
manha — não constitue um caso isolado, pois ela
tem os seus defensores como Windelband e ou-
tros.
422
Vimos que F. Gottl cita Eduardo Meyer como
um dos que, pensando como êle, sustentam que
a história nada tem de comum com a sciência.
Efectivamente, aquele antigo prof. da Univer-
sidade de Halie, no seu opúsculo intitulado Zur
Theorie iind Methodic der Geschichte^ Geschichts-
philosophische Untersuchung{\)^ declara perem-
ptoriamente que : a História não é uma sciência
sistemática^ — ela é, até certo ponto, uma arte,
— -e refuta os que afirmam que a história não é
estruturalmente diversa das sciências da natu-
reza (2).
Entende êle que se se admitir que a história e
a natureza são regidas por leis terão que ser eli-
minados o acaso, a vontade livre e as ideas in-
dividuais, para só se cuidar exclusivamente dos
fenómenos da massa, das fórmulas — e, especial-
mente, da psicologia social (3).
Ora, para Mayer o acaso e a vontade livre re-
presentam factores importantes em história ; e o
acaso não está para êle, como para Gournot, em
(1) Trata-se de uma brochura de 56 páginas aparecida em
Halle, em 1902.
(2) Sendo a história uma arte há nela, como em toda a acti-
vidade criadora, alguma cousa que não se ensina; o historiador
como o artista, não necessita refletir sobre o que faz.
Assim, — para Mayer — fazer a história é mais uma questão
do instinto, de inspiração, que de razão. Um historiador pode ser
óptimo quanto à investigação e ter ideas erróneas na interpretação
e comentário ; e, pelo contrário, pode ser um mau historiador com
ideas exactas.
(3) Eduardo Meyer a propósito da interpretação colectivista,
oupsico-sociológica, da história critica bastante Karl Lamprecht.
423
contradição com a causalidade^ pois êle é a in-
tersecção de grupos de factos independentes,
aparecendo, mesmo, onde reinam as leis natu-
rais (i).
Segundo êle, a história é feita de acasos, al-
guns dos quais se prolongam durante centenas
ou milhares de anos.
É preciso estudá-la na sua essência e não cui-
dar de criar histórias novas.
Quanto às chamadas leis históricas, é isso um
abuso de expressão : o que existe não são leis,
são possibilidades e probabilidades.
Às leis naturais, como as biológicas, são para
o historiador simples hipóteses ; mesmo se exis-
tissem leis da vida histórica logo que fossem des-
cobertas deixavam de pertencer à história ; elas,
mesmo para o historiador, seriam hipóteses e não
objecto de investigação histórica. O fundo e o
fim de toda a investigação histórica é o singular,
é o individual, na história universal; por isso, não
são legítimas nem a história por unidades nacio-
nais nem a história por unidades geográficas —
como entendem Ratzel, Helmolt e Vidal de La-
BLACHE (2).
(i) Gomo se sabe, em biologia o papel do acaso tem crescido
de importância especialmente desde a teoria de Hugo de Vries
que afirma que as variações sporíivas, por salto, ou por viiitações,
oposta,às variações por gradações incensíveis, são obra do acíTío,
não resultando directamente da acção do meio sobre os seres, ou,
melhor, da reacção adaptativa dos seres às mudanças de meio, ao
contrário do que pensavam Lamark e Darwin.
(a) Se, quanto às obras de Ratzel e de Vidal de La Blache
424
A primeira obrigação do historiador consiste
em estabelecer os factos que se deram, pois a
exposição histórica deve ser subordinada à des-
coberta desses documentos. Mas, como o nú-
mero de documentos é enorme a tarefa principal
deve versar sobre a escolha desses factos, sepa-
rando de todos conhecidos só os factos históricos.
Ed. Meyer encontra-se, nesse ponto, precipi-
tado na grave questão da classificação de valores^
considerando como histórico o que tem sido efi-
caz, o que tem sido sucesso — o mrksam.
Porém, não basta. Como muitos factos teem
sido eficazes serão estes escolhidos pelo maior
interesse histórico que representam, sendo de re-
cordar aqui que, para esse historiador, o centro
da investigação e da exposição históricas é a
são elas bem conhecidas entre nós, já o mesmo não sucede à
Weltgeschichte dirigida pelo dr. Hans F. Elmolt.
Esta, que é, como o seu título indica, uma História do Mundo^
da Humanidade, foi elaborada, nos seus nove volumes, sob uma
base geográfica. O primeiro volume, aparecido em 1899, começa
por expor ideas gerais e por tratar da pre-história americana ; o
segundo volume, aparecido em 1902, trata da Oceania e da Ásia
central; o terceiro, publicado em 1899-1901, ocupa-se da Ásia
ocidental e da África; o quarto, dado a público em 1899, trata
dos países mediterrâneos ; o quinto, publicado em 1904- 1905, trata
da Europa oriental; o sexto, aparecido em 1906, destina-se à his-
tória da Europa central e setentrional; o sétimo e o oitavo apa-
recidos, respectivamente, em 1900 e 1902-1903, ocupam-se da
Europa ocidental, sendo o último destinado a aditamentos, índi-
ces, etc.
Emfim, essa obra até ao oitavo volume foi redigida por trinta
e sete especialistas, sendo, no seu ponto de vista, a obra mais no-
tável até agora aparecida.
42 5
actividade politica nas condições actuais da ci-
vilização (i).
A história não considera o gerai senão como
uma hipótese, pois só trata do individual, do
novo, do mutável; só se ocupa das -particulari-
dades, das singularidades realizadas.
O historiador tem, por isso, uma função senão
totalmente negativa pelo menos limitativa : êle
deve marcar e indicar os limites dentro dos quais
estão circunscritas as possibilidades infinitas das
singularidades históricas (2).
^E devem as cousas assim continuar? Não
devem.
Há bastantes anos, Louis Bourdeau publicava
uma obra que teve então larga repercussão, e deu
aso a importantes discussões — VHistoire et les
Historiem. Essai critique sur Vhistoire considérée
comme science positive.
Aí diz o autor que a história necessita ser re-
feita, ou, melhor ainda, ser feita — porque o não
está, e censura os historiadores por estes não ha-
verem até agora fixado o objecto da história^, nem
limitado o quadro das suas investigações, nem
(i) Gomo se vê, Meyer, dando um lugar proeminente à his-
rória política, e manifestando se partidário da história por instinto,
por inspiração, mostra ser um tradicionalista e um adepto de
Thucidides, declarando mesmo que a única forma de tratar a his-
tória e os problemas históricos é a que Thucidides utilizou, forne-
cendo na sua obra um modelo ainda por igualar.
(2) Ver acerca do opúsculo de Ed. Mayer um artigo crítico
de Henri Berr na Reviie de Synthèse Historique, tomo viii,
pág. 372 a 375.
426
estabelecido os métodos do seu estudo para che-
garem a resultados certos, e nota que eles teem
estudado preferentemente as personalidades cé-
lebres— estadistas, inventores, artistas, sábios,
heróis— - «esquecendo que para conhecer bem o
género humano é necessário estudá-lo na sua
condição média».
Critica, também, a tendência dos historiógrafos
em se limitarem, quási exclusivamente, ao estudo
dos acontecimentos mais importantes, e, como
que prevendo, mais de dez anos antes, o apareci-
mento das teorias de Xénopol censura-os por se
limitarem ao estudo dos «factos singulares» —
guerras, actos de soberanos, revoluções — quando
deviam ocupar-se dos «factos regulares» ou «fa-
ctos de função» que diariamente se reproduzem,
como os movimentos da população, estado de ri-
quesa, costumes, ideas, etc.
Também, critica as divisões arbitrárias e ca-
prichosas que traçam os historiadores para limi-
tação dos seus estudos — uma época, um país,
um acontecimento, um personagem, — quando
estas divisões «só lhes servem para separar o que
os interessa do que lhes é indiferente», e isso com
prejuízo da conexão das ideas e coordenação dos
factos. Da mesma forma, é criticado o método
narrativo que limita o estudo aos factos e pes-
soas «singulares», e quási sempre sem precisão
nem certesa, pois tal estudo é feito vulgarmente
através de «testemunhas» que não merecem con-
fiança.
427
Se na parte crítica das ideas de Bourdeau há
muito de verdadeiro e de justificável quanto á
parte dogmática, ou construtiva a obra desse
autor deixa imenso a desejar, pois êle é vítima
de um erro — enorme pelas suas proporções, e
grave pelas suas consequências : confunde a his-
tória com a sociologia.
Assim, dizendo que a história deve estudar as
massas e não os heróis, e os factos regulares e
não os excepcionais, entende, igualmente, que ela
deverá estudar a humanidade não por épocas nem
regiões, mas pelos «seis grandes aspectos da vida
humana: a indústria, a paixão, a arte, a sciência,
a morahdade e a associação».
Concebendo assim a história êle define-a como
«a sciência dos desenvolvimentos da razão».
Emfim, ao método narrativo êle opõe o método
estatístico que é um «método matemático, pois não
se trata de descrever factos, mas sim de constatar
a sua extensão e a sua frequência», por enumera-
ções. O objectivo do historiador consistiria, assim,
em «coligir e interpretar dados estatísticos sobre
os factos da vida comum» , determinando o quanto,
a densidade e o movimento da população: a pro-
dução, a circulação e repartição das riquezas ; o
número de artistas e das obras de arte, dos sá-
bios, das escolas, dos jornais ; e estudará os factos
da vida moral pelas estatísticas da criminalidade,
demografia, funções políticas, orçamentos, etc. (i).
(i) Mas os actos da vida social, os fenémenos da vida cole-
428
Pelo emprego da estatística, fria e calma, im-
paciente e neutral, a história será pela primeira
vez uma sciência, e poderá formular leis : leis de
ordem — que agrupariam os fenómenos seme-
lhantes para indicarem os factos gerais e persis-
tentes; e as leis de relação — que expressariam as
ligações entre as diversas espécies de fenómenos,
e estando acima de todas elas a lei suprema do
progresso (i).
Assim, a história seria uma sciência à qual não
faltaria o poder de previsão, pois lá escreve êle :
«a faculdade de prever, com certeza, é o sinal
pelo qual se reconhece que uma sciência está
feita». E, ao passo que a história narrativa é
incapaz da previsão, «a história das funções é a
única capaz de predizer o certo».
Ora, seria sobre essa previsão que se basea-
riam duas sciências ainda imperfeitas : a moral e
a política.
ctiva estão muito longe de serem apenas esses. O autor esque-
ceu-se de todo esse mundo de fenómenos espirituais : as conce-
pções religiosas, filosóficas, artísticas, literárias ; teorias e leis
scientíficas; conceitos morais e políticos, etc. — existências essas
que a estatística não pode atingir nem fixar, porque só a análise
as pode estudar e conhecer.
(i) Segundo Bordeau «o progresso parece efectuar-se na ra-
zão directa da soma dos ganhos anteriormente realizados e na
inversa dos obstáculos que se opõem à sua difusão no mundo».
Também, mais tarde, para Wundt — no seu Systh. de Phil. —
entre os fins da filosofia figura a harmonização global entre os
resultados das sciências especiais, e, para E. Mach — em La con-
naissance et Verreur — a característica da sciência consistia na
redução e na economia do esforço. ,^
429
Passados mais de trinta anos a importante
obra de Louis Bourdeau caiu no esquecimento.
Muitas das suas ideas teem sido inconsciente-
mente redescobertas, e outras furtivamente pla-
giadas ; e como nessa obra de notável previsão
há muito digno de nota por isso não a quisemos
passar em silêncio.
O que êle prevê para a história está-o reali-
zando já, e cada vez mais, a sociologia, pois
aquela está ainda muito longe da sua fase mate-
mática ; mas, não há dúvida que quando compa-
ramos as concepções dele com as ideas de Xéno-
POL naquelas encontra-se a garra, nestas o simples
dedo.
Ao tratarmos da história no quadro geral das
sciências vimos já como Cournot a colocava en-
tre a etnologia e a economia social, e via na his-
tória não um conhecimento particular nem uma
sciência especial, mas um aspecto do conheci-
mento, um processo de estudo e de registo dos
acontecimentos ocorridos nas sociedades civili-
zadas.
Ao contrário dos partidários da história-sciên-
cia, Cournot entende que o que caracteriza a
história é a intervenção do acaso, não havendo
história sem este, mas também não existindo só,
exclusivamente, com êle.
Ora, se esses são os seus pontos de vista quanto
à história geral, não deixam de sê-lo também
quanto à história das sciências.
Na verdadeira história não existe para CouR-
4^0
NOT nem o capricho puro nem a fatalidade exclu-
siva, antes ela é uma combinação da necessidade
com o acaso, oscilando entre uma e outro.
Há, pois, uma fase histórica na combinação das
sociedades como no progresso das sciências, que
precede a fase scientífica. A incidência do acaso
com a necessidade, ou fatalidade, nessa evolução
e nesse progresso é que caracterizam a fase ou o
estado histórico.
Assim, para o grande sábio se as descobertas
scientificas fossem simples produtos do acaso su-
cedendo-se indiferentemente e sem ordem lógica
ou cronológica não haveria história das sciências,
mas sim anais scientíficos (i).
Por sua vez, no outro extremo, se a eclosão
das descobertas se desse numa ordem rigorosa-
mente lógica, seriando-as por uma forma neces-
sária^ sem a intervenção do acaso^, também não
havia história das sciências, mas sim um simples
quadro cronológico das descobertas (2).
Ora, a verdade é que à medida que o trabalho
scientifico se organiza, que aumenta o número e
se intensifica e aperfeiçoa a qualidade dos culto-
res da sciência o acaso vai sendo cada vez mais
eliminado ou recuado.
A continuarem assim as cousas as sciências te-
riam dentro de algum tempo saído da sua fase
histórica, para uu\a fase de necessidade^ e a história
(i) CouRNOT, Mater ialisme, Vitalisme, Rationalisme, 1875,
pág. 23o.
(3) Jdem, ipág. 22g, 23 ly etc.
43 1
das sciências teria, por sua vez, passado à his-
tória (i).
Ora, se bem que a observação tenha um grande
fundo de exactidão e o juízo de Cournot uma
grande parte de justeza, pois, como também no-
tou Cláudio Bernard, o acaso teve um conside-
rável papei na origem dos conhecimentos huma-
nos, não há dúvida que as cousas não se passam
com aquele rigorismo, nem o pensamento humano
caminha com aquele carácter rectilíneo e inflexí-
vel que Cournot admitia.
Também hoje o acaso tem a sua cota nas des-
cobertas como se viu nas de Roentgen (2). O
acaso é hoje, emfim, universalmente admitido e
considerado em sciéncia (3).
Também, não é rigorosa a diferença de cara-
cterísticas na evolução das sciências nos sécu-
los XVII, XVIII e XIX, e a passagem das sciências da
(i) Cournot, Considérations sur le marche des idées, 187a,
tomo I, pág. 8, 262 e 263.
(2) Ver F. Mentré, Le hasard dans les découvertes scientifi-
ques^ in Revue de Pilosophie, i de Julho de 1904.
(3) A teoria do acaso, a que alguns pensadores chamam o
princípio do contingente, está, cada vez mais, especialmente a par-
tir de Cournot, na ordem do dia dos estudos filosóficos.
Ver um artigo de G. Lechalas, Hasard et détérminisme, in
Revue de Metaphysiqiie et de mor ale, 1906, pág. 109 a 114; e no
mesmo volume um artigo de F. Mentré sobre o acaso em mate-
mática, pág 375 a 38o.
Apesar de ser enorme a literatura ultimamente aparecida so-
bre o acaso, nem todas as obras são igualmente úteis e de con-
fiança. Tal é o que se passa com o volume Le Hasard, de Ca-
MiLLE Revel, aparecido — basta que se diga — na «librairie géné»
rale des sciences occultes», em 1905,
4^2
sua fase histórica para a de gaveta ou quadro cr o-
nológico das descobertas é um caso-limite para que
se tende, mas que, recuando sempre, nunca se
atingirá.
F. Mentré, comentando as asserções de Cour-
NOT, escreve acerca da história :
«A liistória scientiíica do século xix não requere
um método novo, mas somente mais habilidade
e clarividência: o método analítico longe de ser
característico do século xix pode também ser
aplicado ao xvii e xviii».
Mentré substitue os três estados de Gomte e as
três fases da evolução scientífica de Gournot por
outra fórmula, partindo do ponto de vista «que a
cultura scientífica tem atravessado uma série de
fases correlativas da evolução do mundo ociden-
tal».
Assim, a origem e os primeiros tempos da ci-
vilização são caracterizados por uma fase indis-
tinta e caótica ; a essa confusão segue-se uma
época de limitação geográfica, de centralização
local : um período nacional durante o qual a sciên-
cia se eleva, dignifica e torna-se o monopólio de
uma nação, sendo uma instituição do Estado;
depois, surge a fase internacional quando a civi-
lização se alarga, e a sciência se torna global,
mundial — tal é a característica da época con-
temporânea (i).
(i) Ver F. Mentré, ixiRevue de Synthèse Hisíorique, tomo xf,
pág. 14.
433
Apesar do muito que se tem escrito sobre as
sciências históricas numerosas são as dúvidas
que sobre elas subsistem, e ainda mais numerosos
os critérios sob que teem sido encaradas, e con-
sideradas quanto à sua natureza, objecto e fins.
Por isso, os scépticos em história constituem
uma bigarrada multidão. Uns crêem que na
vida das sociedades humanas tudo tem aconte-
cido por acaso, e que por isso, na impossibili-
dade de conhecerem a verdade, de apreenderem
a certeza os acontecimentos históricos devem li-
mitar-se às anedotas mais ou menos divertidas
dos memori alistas e às biografias tanto quanto
possível amenas das grandes figuras políticas,
dos homens de Estado e de sociedade. Outros
entendem que a história é, e deve ser, uma ma-
téria de funda ponderação, de cogitação séria, e
que a principal, senão única, missão do historia-
dor deve consistir em procurar nos acontecimen-
tos os desígnios da Providência, da qual — crêem
eles — são produtos e manifestações, e em «adi-
vinhar os enigmas do destino» — como diz Al-
BERT SOREL (l).
(i) Já se vai estando longe do tempo em que o teórico da his-
tória Tailliar, publicava, em 1867, uma obra em i53 páginas, si-
gnificativamente intitulada ! Les lois de Dicu daiis 1'hisioire ou
Essai sur les lois providencielles qui régissent les nations et le
genre humain.
Para o autor a sciência dos factos não é tudo em história, pois
acima dela reside a filosofia da história que é a sciência das leis,
que dirigem as sociedades humanas na sua evolução. Essas leis
28
4^4
Outros, muito afins dos acontecimentos, enten -
dem que a história não é mais que a biografia
dos grandes homens, e que estes individualizando
a Providência, servindo Deus, são as causas úni-
cas dos acontecimentos humanos, os agentes ex-
clusivos da vida das sociedades (i).
Assim, para os primeiros há fenómenos sem
causa, para os outros há, principalmente, causas,
ao passo que na história scientifica, onde domi-
nam os princípios da causalidade e da evolução,
as causas e os efeitos identificam-se, pois o efeito
de uma causa anterior é, por sua vez, a causa de
um efeito seguinte.
Assim, a questão do finalismo histórico apa-
rece cheia de complexas divergências, e produto
de princípios desconcertantes e de critérios ma-
ximamente opostos.
Ora, tal diferença de critérios, provêm da di-
são providenciais, levando umas à decadência e à dissolução, ou-
tras à renovação e ao progresso, sendo a civilização uma resul-
tante de todas essas forças da Providência.
(i) O historiador americano W. R. Thayer, professor da Uni-
versidade de Harward, apresentou ao último Congresso Interna-
cional de História, efectuado em Roma, uma comunicação acerca
da Biography^ the basis of hisíory, onde são combatidas as ten-
dências generalizadoras e a orientação sociológica da historiografia
actual, e é defendida a biografia como subsídio essencial das obras
de história.
Ao que parece é esta uma das tendências dos historiógrafos
saxões, partidários convictos do individualismo na vida política e
social como em história. Já Carlyle afirmava que a história é
«uma soma de biografias», e que o seu objectivo consistia em
estudar e descrever o desenvolvimento das diversas individuali-
dades nacionais.
435
versidade de processos de encarar a vida das so-
ciedades, e estes são condicionados, principal-
mente, peia educação morai e social, pela prepa-
ração scientífica e pelos preconceitos religiosos e
políticos não recalcados para o sub-consciente,
nem abstraídos por parte de quem estuda os
acontecimentos humanos.
Tal como os náufragos que não vêem a imen-
sidade do oceano que os cerca para só sentirem
a corrente que os impele, eles não sabendo ou
podendo diferenciar-se da multidão que os cerca,
acompanham a onda, e, incapazes de se altearem
para abraçarem o conjunto e conceberem as cau-
sas e efeitos, a orientação e o sentido gerais da
marcha da sociedade de que fazem parte apenas
vêem aqueles com quem mais proximamente se
acotovelam e relacionam, e só os comovem os
fenómenos que se lhes apresentam como mais
estranhos, mais inesperados, mais tumultuosos e
bulhentos.
É essa a noção limitada dos factos próximos,
dos pequenos incidentes, dos infinitíssimos deta-
lhes que tira ao observador, e comentador dos
acontecimentos humanos a aptidão crítica para
bem os considerar e julgar com larguesa, com
justesa, com verdade.
Como, com razão, diz Albert Sorel^ o histo-
riador só deve considerar os factos consumados;
estudar esses factos no seu início, na sua evolu-
ção, no seu fim ; notar as relações deles com ou-
tros que os condicionem e determinem; separa-
436
-los segundo a antiguidade das origens, a maior
continuidade da sua marcha, e perduração dos
seus efeitos; e comparar os permanentes, e esta-
belecer as relações entre eles, isto é, procurar ex-
plicá-los (i).
Como temos visto, não é só quanto à natureza
narrativa da história — que Ranke lhe assinala, —
nem sobre a função causal ou expUcativa — que
Albert Sorel e outros lhe destinam — que exis-
tem divergências.
Também, acerca do seu carácter scientiíico —
como temos notado — surgem dúvidas e diferen-
ças de opinião até mesmo entre os próprios pro-
fissionais da história, os historiadores práticos —
como lhe chamam os alemães para os diferença-
rem dos filósofos, dos lógicos, emfim, dos teori-
zantes da história.
Entre esses é de destacar a opinião do notável
helenista A. Croiset.
Para êste a história não é uma sciência, se bem
que os seus métodos de investigação, de explica-
ção e de narração tenham um cunho scientiíico.
Assim, diz êle : «Querer fazer da história uma
rigorosa sciência, é talvez negar-lhe o direito à
existência, O que há de scientifico na história,
é o seu desejo de investigar a verdade; é o espí-
rito geral do seu método critico ; é o seu esforço
para descrever bem os factos, para só aproximar
(i) Albert Sorel, Nouveaiix essais d'histoire et de critique,
1898, pág. 4.
437
casos análogos e estabelecer induçóes sobre as
observações exactas e rigorosamente escolhidas;
é, emfim, a prudente reserva das suas afirmações,
e a consciência que tem de incluir hipóteses no
conhecimento propriamente dito da realidade» (i).
E continua: «Mas seria contrário à própria
natureza das cousas recusar-se-lhe uma parte de
intuição, de predição ou profecia subjectiva, sem
o que ela ver-se hia reduzida a maioria das ve-
zes a ficar muda, ou^ na melhor das hipóteses a
coleccionar documentos estéreis e a pô-los em
séries sem significação».
E logo : «Deve-se,. pois, confessar é, somente,
uma meia sciência, e que nela a arte tem um
enorme lugar não só na disposição e descrição,
como se admite geralmente, como na própria
investigação da verdade, e na compreensão das
relações existentes entre os factos».
E mais adiante: «Tirar à história toda esta
parte de intuição, de indução rápida. e conjectu-
ral seria não fazer dela uma sciência rigorosa —
cousa impossível : seria suprimi-la» (2).
Mas, se a admissão de hipóteses para a aqui-
sição dos conhecimentos reais da história não
caracteriza essa sciência, porquanto esse processo
é extensivo às chamadas sciências da natureza,
(i) Ao tratarmos do método histórico veremos que as outras
sciências desde a astronomia às sciências biológicas acumulam as
hipóteses, os princípios e os postulados sem que por isso se lhes
negue o carácter legítimo de rigorosas sciências.
(2) A. Groiset, Les Démocraties antiques, pág. 7 a 9.
438
também o papel da imaginação, da indução, da
inspiração, e a função da arte ^- como sinónimo
de criação — não se circunscrevem à história por-
que são igualmente extensivas às outras sciências
quando se quere subir do simples trabalho de ve-
rificação, de enumeração e classificação ao da
invenção e descoberta, e ao da criação de teorias,
da indução de leis ou do estabelecimento de ideas
gerais. Tudo isso é o produto da actividade cria-
dora do espírito.
Sem a imaginação, tanto com os seus factores
intelectuais como com os afectivos — estes como
fermentos e impulsões daqueles, e sem esse inde-
finível determinante, inconsciente no total ou em
parte, repentino e impessoal: a inspiração, não
era só o trabalho de criação histórica que seria
impossível — como diz A. Croiset — ^ também as
invenções e descobertas no domínio das sciências
da natureza, e as criações artísticas, teriam dei-
xado de dar-se (i).
Consultem-se aqueles que, mercê do seu poder
de criação teem feito avançar a sciéncia e pro-
gredir a arte^ desde Galileu e Newton a Dubois-
Reymond, e eles o dirão (2).
Como diz Abel Rey : «Todas as grandes desco-
bertas scientíficas teem sido preparadas por uma
série de associações por semelhança, bruscas e re-
(i) T. RiBOT, Vimagination créatrice.
(2) Abel Rey, Les Sciences Philosophyques, 2.* edição, pág. 295
a 314.
439
pentinas nas quais se reconhecem claramente os
processos da imaginação e da inspiração...».
Quere dizer : tudo o que se invoca para concluir
que a história não é uma sciência — as hipóte-
ses como bases de conhecimentos, raciocínios por
analogia, o trabalho e o produto da imaginação
criadora, e da inspiração, a ficção — tudo isso
aparece igualmente nas sciências da natureza,
tudo isso figura como elementos essenciais à cria-
ção scientiíica.
Daqui só há a concluir que a história é uma
sciência que tem permanecido na sua fase de acu-
mulação de materiais e de descrição de factos, e
que se prepara para atingir o estádio superior de
sciência de leis, de sciência causal, de sciência ge-
nética (i).
Como já vimos, tem-se falado muito no carácter
artístico da história.
Gabriel Monod — . entre tantos outros — diz
que a história é «uma arte neste sentido que a
maneira de expor os resultados das investigações
históricas dependerá muito do talento, do tempe-
ramento, das qualidades intelectuais de cada his-
toriador» (2).
Mas, ainda aí não vemos em que a história
se distinga das outras sciências, mas só nota-
(i) As leis históricas a que aqui nos referimos não são leis as
económicas e sociológicas que Louis Rordeau previu, nem aquelas
«leis eternas» a que se refere Xénopol.
(2) In De la Méthode dans les Sciences, 1910, pág. 370.
440
mos em que os bons escritores se diferençam dos
maus(i).
O talento, o temperamento, as qualidades inte-
lectuais que Gabriel Monod exige ao historiador
cada sciência as pede também para os seus cul-
tores.
Parece-nos que^ sob o ponto de vista artístico,
há uma diferença muito maior entre as obras de
Ranke, deFusTEL, de Rénan, de Michellet, de Sy-
BEL, de MoMMSEN, de Lamprecht, de Lavisse, de
Seignobos, e de Rambaud e as de qualquer histo-
riador medíocre, que entre as daqueles e as dos
grandes escritores das sciências da natureza —
como Laplace^ Darwin, Huxley, Cláudio Ber-
nard, Haeckel e Dubois-Reymond.
b) Objectivo da história
A história, ou melhor a historiografia — que é
a descrição dos acontecimentos históricos — não
deve ser feita à luz de outros princípios que os
da verdade e da exactidão objectiva, e ao calor
de outras ideas que as da sciência.
Mas nem sempre — ou quási nunca — assim
tem sucedido ; antes, a história tem-se prestado a
servir de refúgio à poUtica, e o inexgotável repo-
sitório de ideas e factos que a constituem tem-se
tornado o inexaurível arsenal ao dispor dos
(i) Já vimos como H. Rickert distingue, por completo, a His-
tória da Arte.
441
mais diversos partidos e das mais opostas fa-
cções (i).
Tem sido à história que as escolas filosóficas,
as correntes scientificas, as agremiações religio-
sas, os partidos políticos e os agrupamentos
sociais teem ido pedir elementos para a defesa
dos princípios e ideas e para o ataque das ideas
e princípios dos contrários (2).
Tem sido, emfim, a história que tem servido
de permanente forja para trabalhar teorias, tem-
perar princípios e afiar argumentos (3).
Assim, poucos, ou -nulos, são os países onde
(i) Como se sabe, foi em apoio das suas concepções políticas
que COMMINES, GuICHARDIN, MaCHIAVEL, BoSSUET, BOULAINVILLIERS
— para só falar dos historiógrafos franceses antigos — escreveram
as suas obras, como também foi em defesa da sua obra política,
para satisfação dos seus rancores pessoais ou para ataque dos seus
adversários que Villehardouin, Montluc, d'Aubigné, Sully, Retz,
Saint-Simon, etc, escreveram as suas obras.
(2) Gomo se sabe, Plutarco, Salústio, Tito Lívio, Tácito
— para só falar dos clássicos — tiveram especialmente em vista
tirar da história ensinamentos morais, cívicos e patrióticos.
Por sua vez, Maizeray, Velly, Anquetil, entre outros, culti-
varam a história de França para nela encontrarem temas de re-
flexões morais ou para exercícios literários.
(3) Assim, várias são as interpretações que se teem dado à his-
tória : políticas, económicas, religiosas, etc, cada autor querendo
ver nessa sciência a comprovação do ponto de vista da sua escola,
ou, simplesmente, das suas ideas pessoais.
Sobre a interpretação política da história ver um artigo do
prof. Fr. Geny, in Revue de Synthèse Hisíorique, 2° semestre de
1902, pág. 168 a 199.
Acerca do ponto de vista económico em história procorrer a
obra de Edwin R.-A. Seligman, Uinterpretation économique de
1'Histoire.
442
se tem deixado de utilizar a história com intuitos
políticos. Sem remontar à política historiográ-
fica de Machia VEL, para só nos balisarmos no ma-
quiavélico Voltaire, diremos que foi este um dos
escritores do século xviii que mais utilizaram a
história como campo de provas para as suas teses
racionalistas contra o obscurantismo político e o
intolerantismo religioso, e em favor do progresso
e da civilização pelo despotismo esclarecido (i).
Outro tanto se pode dizer do voltairiano David
HuME, em Inglaterra; e, ninguém negará o ponto
de vista politico de Frederico II.
Quanto aos trabalhos de Montesquieu, estão
eles por tal forma imbuídos de teorias políticas que
alguns escritores não se furtam a declarar que a
obra dele, como Uesprit des lois, pertence muito
mais à história das sciências políticas que à his-
tória da historiografia (2).
E, se o ponto de vista social domina a obra de
J. J. Rousseau, e o pendor sentimental e demofilo
(i) Taine dizia que na literatura do século xviii as personali-
dades dos diversos países são puras abstracções, que o público não
tinha o sentimento histórico, e que o homem por toda a parte é
o mesmo. Em Voltaire, como em Robertson e Gibbon há quási
tudo : erudição, crítica, conhecimento das instituições, etc. Só
não há uma cousa : almas.
O que mais falta à historiografia do século xviii é aquela ima-
ginação simpática — de que fala Taine, — segundo a qual o escri-
tor se transporta em outrem, e essa é a qualidade mais necessária
do historiador.
Ver: Taine, Origines..., tomo r, pág. 218 e 219.
(2) Ed. Fueter, Histoire de f Historio gr aphie Moderne, 1914,
pág. 475.
443
caracteriza a fugidia obra histórica de Schiller,
com Herder vêem-se surgir, posto que ainda em-
brionariamente, as teorias da «indestrutibilidade
dos caracteres espirituais das raças», e da exis-
tência das unidades nacionais — o que em muito
preparou o aparecimento das ideas filosóíico-
-politicas de Hegel.
Se, com Walter Scott e Barante, a história
é apenas narrativa, preocupando-se muito mais
com a côr local que com os fundamentos históri-
cos e a crítica das fontes, com Augustin Thierry
já aparece a ideia política contra a velha nobreza
oligárquica e em favor do povo — como era pró-
prio da burguesia liberal da Restauração da qual
provinha o historiador e para a qual escrevia (i).
Com Michelet renova-se e intensifica-se o
ponto de vista sentimental e demoíilo de Rous-
seau e Thierry, e proporciona-se o aparecimento
de um género literário novo, depois continuado
(i) Gomo se sabe, Augustin Thierry foi para os estudos his-
tóricos como quem se abriga num refúgio moral sentindo sangrar
o seu coração de patriota ao ver a França invadida e ocupada
pelas tropas estrangeiras após a derrocada napoleónica. Então, o
assunto que ao seu espírito de révanche melhor quadrou foi a
invasão e a conquista de Inglaterra pelos normandos. Ele pró-
prio confessa que dominado pelas suas ideas quis ser historiador
à maneira da escola filosófica do século xviii, isto é, pretendia
tirar da sua narração uma série sistemática de provas em favor
das suas convicções. Foi então que se lhe depararam os roman-
ces de Walter-Scott que tanto o entusiasmaram, especialmente
o Ivanhoe — que é, no género, uma obra prima.
Sobre Aug. Thierry ver um estudo Camille Jullien in Revue
de Synthèse Historique, tomo xiii, pág. i25 a 142.
444
em Ed. Quinet : o da história apologética, o da
epopeia nacional em prosa (i).
Porém, se Michelet é um historiador muito
parcial e optimista, e muito apaixonado do seu
assunto, isto é, da França, cujo passado estuda
e descreve emocional e artisticamente, [quer ao
poetisar a Idade Média quer ao imaginar a Revo-
lução, se tal daltonismo espiritual leva esse pro-
feta da democracia — como lhe chama Lanson —
a mudar a cor às situações e o carácter aos per-
sonagens, nenhum mal resultou à humanidade
desses excessos românticos, antes, proporcionou à
civilização uma bela colecção de obras enorme-
mente belas e sugestivas : ora empolgantes pela
sua grandesa, ora comoventes pelo seu senti-
mento, mas sempre encantadoras e dulcificantes.
Mas^ o nacionalismo de Michelet nada tem de
agressivo como o seu liberalismo nada tem de
rude, porque um e outro são feitos de sentimento
e gerados pelo amor na sua forma mais elevada
e espiritual : o amor da pátria como condensação
do amor da humanidade.
(i) GmzoT e Tocqueville são mais historiadores de ideas, de
estados de espírito colectivo que historiógrafos poh'ticos. Mas,
nem por isso um e outro deixam de levar para as suas obras os
seus princípios doutrinários : o primeiro no ponto de vista das
classes médias ; o segundo, mais desassombradamente, pensando,
caracterizando, julgando como filósofo, mas sem esquecer que era
legitimista e cristão.
Ver o volume de Bardoux e o capítulo de Crozals acerca de
GuizoT, e a obras de Eugène d'Eichtlhal, A. de Tocqueville et la
démocratie libérale.
445
Outro tanto já não se pode dizer do naciona-
lismo e da ideologia política dos historiadores
alemães contemporâneos.
Na verdade, um dos graves defeitos da histo-
riografia alemã contemporânea é — como se sabe
o preconceito hiper-nacionalista e pangermanista,
o partido tomado politico, faccioso e exclusivista
que tem sugestionado e animado os historiadores
de Alêm-Reno.
Desde Niebuhr — o famoso criador da Univer-
sidade de Berlim — que a historiografia alemã
deixou de reclamar aquela lealdade e aquela ho-
nestidade que FiCHTE exigia a quem quisesse es-
tudar e fazer história.
O próprio Niebuhr, iniciador magnífico dessa
plêiade notável de filólogos que vai até Bopp,
DiETZ e Grimm, esse mesmo, — neutral e scientista
puro, — ao estudar a história de Roma não pode
fugir ao desejo de ver e mostrar nela o modelo
do desenvolvimento nacional e um bom exemplo
de um Estado forte e centralizador.
Também Ranke — homem de sciência, mode-
rado e imparcial — abrangendo largo e fundo os
assuntos políticos, vê nos sucessos da Alemanha,
em 1 870, não apenas a vitória de um povo so-
bre outro, mas a vitória de uma política sôbr.e
outra política, de uma civilização sobre outra.
Mommsen começou por onde acabou Ranke :
por meter a política na história, procurando fa-
zer desta uma simples demonstração e ilustração
das suas ideas políticas.
446
Também para este Roma não é ura simples
objecto de estudo, mas o modelo a seguir de um
Estado que progrediu, que civilizou por meio da
guerra; e Cesar é mais que uma figura a Comen-
tar : é um grande homem a seguir, porque êle in-
dividualiza o génio politico e um governo ideal.
Assim, MoMMSEN torna-se como que um mensa-
geiro de Nietzsche e da sua teoria do sôbre-ho-
mem. Mas, de todos é Sybel e é Treitschke as
duas figuras máximas da historiografia pangerma-
nista contemporânea.
Falando do primeiro escreve, com razão, Guil-
LAND : «Com Sybel vamos encontrar um historia-
dor que subordina tudo às suas ideas, e para o
qual todas as circunstâncias do passado vão ser-
vir de pretexto para provar a excelência das ins-
tituições dos HohenzoUern e a verdade dos prin-
cípios da politica nacional liberal» (i).
Efectivamente, Sybel, tanto na sua História da
Europa no tempo da Revolução^ como na sua Re-
vista Histórica e na História da fundação do impé-
rio alemão faz da história um simples pretexto
para se lançar contra a França, para fazer a apo-
logia do domínio prussiano e o elogio da dinastia
de HohenzoUern e de outros sãos princípios polí-
ticos.
Mas, Sybel não é único na maneira falsíssima
de fazer da história uma tribuna política em de-
fesa do pan-germanismo, êle é. apenas o guia, o
(i) A. GuiLLAND, L'AUemagnenouyelle eíses historienS/Tpág.iSi
447
chefe da escola de um grande número de profes-
sores, historiadores e outros publicistas, dos quais
os mais notáveis são os universitários Haeusser,
DrOYSEN e DUNCKER.
Com Treitschke as ideas politicas que haviam
accionado os seus antecessores e contemporâ-
neos mais velhos refinam, condensam-se, subli-
mam-se(i).
É êle que sustenta''esta heresia scientifica : «A
história pura e imparcial não pode convir a uma
nação apaixonada e guerreira» ; e outro historia-
dor, GiESEBRECHT, uão se peja de escrever : «A
nossa sciência não deve ser cosmopolita, mas
alemã» (2).
Foi essa história requisitório contra o estran-
geiro, foi essa história apologética das institui-
ções e das ambições prussianas, foi essa sistemá-
tica e ominosa contrafacção da sciência que
impeliu a Alemanha toda — governantes e gover-
nados— para a guerra, e que atirou a humani-
dade para o estado em que se encontra.
(i) Gomo vai longe o tempo em que Ranke, escrevendo o seu
Testamento histórico, dizia que a característica do espírito alemão
era a sua concepção universal da história; ao passo que esta na
Itália era oratória, na Inglaterra era constitucional, e na França
era nacional I
De restOj na própria obra do universalista Ranke há muita
apologia do prussianismo como se pode ver lendo a obra de Guil-
LAND.
(2) Consultar, alem da ob. cit. de Guilland, Ed. Fueter, His-
toire de V Historio graphie Moderne, pág. 661 a 696; Charles Andl-
LER, Le Pangerntanisme continental sous Guillaume I, primeiro'
volume ; e o nosso trabalho .45 Causas «Ideais» da Conflagração.
448
Temo-nos ocupado até agora bastante com a
história dos factos, dos acontecimentos e dos ho-
mens, trataremos agora muito rapidamente da
história das ide as.
Efectivamente, além da história dos aconte-
cimentos há que ter em vista a história das ideas
que por toda a parte tem ficado mais ou menos
abandonada com excepção da Alemanha onde
de há anos a esta parte vêem aparecendo obras
sobre esse importante capitulo da história, como
A História das ideas na Alemanha, do dr. J. Gol-
dfriederich; um estudo sobre David Hume e a
concepção impirista da história, de J. Goldstein;
o famoso Manual de Metodologia Histórica^ de
Ernest Bernheim, etc.
A França não tem visto aparecer com frequên-
cia estudos desta natureza, se bem que ultima-
mente a história da filosofia, a história das reli-
giões, a história das sciéncias — com os trabalhos
de Paul Tannery e de Lalande, a história da me-
dicina — com os estudos publicados em La France
médicale, e a história literária hajam tido os seus
cultores e tenham dado origem a obras impor-
tantes, especialmente em história da religião e da
literatura, não sucedendo já outro tanto com a
história das ideas políticas.
Contudo, nada mais desrasoável. As ideas ou
sejam tomadas num sentido intelectual — como
Hegel, num ponto de vista estético — como fez
Guilherme de Humboldt ou sob um critério mo-
ral— como em Fichte, elas teem uma acção, uma
449
influência, um poder enormes, por vezes decisivos,
e, até, seculares.
Elas são os imponderáveis que, bem no fundo,
bem no intimo, dirigem o mundo, porque, como
diz Bernheim, «na vida dos povos como na vida
moral dos indivíduos, as impulsões ideais teem o
seu lugar e a sua importância; elas não são ilu-
sões nas quais se crê ou deixa de crer, elas são
elementos psi-sociais, de uma absoluta realidade^
que devem ser estudados ou observados com cui-
dado».
Acabamos de falar da história das ideas da qual
se pode passar quási essencialmente k filosofia da
história, sendo de notar que P. Barth confunde
esta com a sociologia, e H. Rickert identifica-a
com a história universal.
Tratemos dela agora em breves palavras.
(iMas, é justificado, é legitimo^ falar hoje da
filosofia da história ?
R. EucKEN num estudo sobre esse assunto pu-
blicado, em 1907, na Sistematização Filosófica de
HiNNEBURG, diz que sim, devendo-se reservar à
filosofia uma função especial, distinta da das
sciências. É com Herder que aparece o nome,
a expressão, se bem que muito antes deste já
existisse a cousa, o objecto desse estudo.
Mas^ ao passo que o século xviii era essencial-
mente filosófico o XIX foi principalmente histó-
rico.
Com o avançar dos tempos a história tem sem-
pre crescido de importância quer pela sucessiva
29
45o
perfeição dos seus métodos e processos, quer pela
enorme acumulação de materiais.
Hoje, na história, dominam três pontos de
vista : o técnico — que é, para muitos, um produto
dos métodos das sciências naturais ; o económico
— que é uma aplicação do comtismo ; e o evo-
lucionista— que resulta do ponto de vista mate-
rialista de Marx e Engels.
Actualmente, a filosofia da história debate-se
entre as tendências de duas escolas antagónicas :
a idealista^ e a naturalista — esta modelada nas
sciências da natureza.
Não podendo Eucken negar que ao passo que
a primeira tem vindo a perder terreno de ano a
ano, a tendência naturalista está progressiva, de-
clara que a história não se pode fechar numa con-
cepção determinista.
E percorrendo a história da humanidade, a
história da civilização, que Eucken vai encontrar
a filosofia no contacto da vida material com a
cultura espiritual, aquela sempre mutável e esta
sucessiva, íntima, permanente.
Seguindo, quási, o ponto de vista de Eucken
está H. RiCKERT que, na sua Geschichtsphilosophie,
identifica esta com a história universal, pois, de-
vido à extensão do seu objectivo, ocupando-se
ela só das questões gerais sintetiza os factos, sobe
das comparações às deduções, faz generalizações
e induções, e conclui ideas, e examinando como
estas se seguem e se desenvolvem no tempo chega
ao estabelecimento dos princípios sobre os quais
45 1
repousa tal desenvolvimento, entrando assim nos
domínios da filosofia da história (i).
Por último, o espírito humano analisa e classi-
fica os caracteres de tais princípios, observa e
conclui sobre a natureza do conhecimento histó-
rico, dando origem a uma terceira forma da filo-
sofia da história: a lógica da história (2).
Assim, para Rickert há íntima correlação en-
tre a história universal — que fornece os factos; a
filosofia da história — que estabelece os princípios
e as ideas geradoras e evolutivas do desenvolvi-
mento da humanidade; e a lógica da história —
que estuda a natureza íntima dos factos de su-
cessão e do conhecimento histórico, e caracteriza
este, distinguindo-o das restantes formas do co-
nhecimento scientífico (3).
c) Definições de história
Para se definir um fenómeno, uma idea, e até
uma sciência, recorre-se muitas vezes ao conceito
da causalidade.
Assim, a causa torna-se uma forma, um meio
de aplicação, de designação, de definição. Ela
(1) Os princípios, que constituem a matéria áa filosofia da his-
tória, resultam das leis gerais e do sentido geral da vida histórica.
{2) Xénopol prefere, como mais exacta, a expressão lógica
da sucessão.
(3) Alem do que já temos dito sobre as teorias de Rickert,
adiante será este ponto desenvolvido quando tratarmos da me-
tódica da história e da noção do valor em história.
452
é, não para a metafísica — como entende o filó-
sofo KiESEWETER — mas para a psicologia o que
o principio da razão suficiente é para a lógica ;
este é o principio fundamental do pensamento,
aquele é-o da experiência.
Por isso, se a causalidade pode ser posta de
parte quando se trata da arte, da religião e de
outras criações de espírito quando as descreve-
mos, isto é, quando as estudamos somente nas
suas manifestações, já o mesmo não se dá quando
se trata da sciência.
Esta, sendo produto do «reflexo do mundo ex-
terno» na inteligência humana, «a reprodução
intelectual do Universo — como diz Xénopol, —
e consistindo no conjunto de conhecimentos bèm
verificados, dispostos e coordenados em sistemas
de ideas^ necessita a cada momento de recorrer
à causalidade, exactamente porque não se trata
de «possibilidades ideais», mas da própria «rea-
lidade, da qual a sciência nos apresenta o quadro
sistemático» — como diz Boutroux.
Tem-se identificado o conceito de causa com a
noção de lei^ o que faz dizer a Wundt — no seu
estudo Acerca da noção da lei —que «quando se
encontra a fórmula geral de uma classe de factos,
isto é, uma lei, estabelece-se sempre implici-
tamente uma relação definida de causa para
efeito » .
Também Fonsegrive — em A causalidade efi-
ciente— diz que a lei consiste na «relação entre
dois fenómenos, dos quais um é tomado como
453
causa e o outro como efeito», e outros, muitos
outros, dizem o mesmo por outras palavras.
É contra todos eles que se ergue Xénopol clas-
sificando de erro tais fórmulas, e dizendo que :
«entre a lei e a causa há uma diferença radical: a
lei constata o modo de realização de um fenó-
meno; a causa dá a explicação deste» (i).
Se bem que alguns homens de sciência — como
Cláudio Bernard, e vários filósofos — como Au-
gusto CoMTE, procurem limitar o conhecimento
scientifico ás leis, ao como das cousas, e ponham
de parte o porque, as causas dos fenómenos, não
há dúvida que a mais completa explicação do
um fenómeno e o estado mais avançado de uma
sciência caracterizam-se determinando não só as
leis como as causas.
ScHOPENHAUER, coufundindo, ao que parece, o
princípio da razão suficiente com o da causali-
dade, entende que o porquê é a base de toda a
sciência, e diz que a diferença entre a sciência e
o simples agrupamento de conhecimentos con-
siste no encadeamento destes tendo como base o
porquê.
Muitos outros filósofos e homens de sciência
teem pensado e escrito a mesma cousa.
Mas, não há dúvida que muitas sciências teem-se
limitado até hoje a constatar e a demonstrar fa-
ctos, acontecimentos, pondo de parte as explica-
(i) A. -D. XÉNOPOL, La Causalité dans la succession, in Revue
de Syntèse Historique, tomo viu, pág. 265 a 295.
454
çôes causais, ou limitando-se a atirar estas para
o campo das hipóteses, e constituindo com elas
a. filosofia da sciência, ou^ mais modestamente, a
teoria dos factos. .
Seguindo aqui o ponto de vista de Windelband
— já acima exposto — com a sua classificação de
sciências de leis e sciências de factos^ e repetindo
o que então dissemos, isto é, que tal classificação
não tem um carácter lógico, mas sim metodoló-
gico e histórico, diremos que todas as sciências
iniciam-se por uxnoi fase descritiva, ou narrativa ( i ),
por um estádio naturalista, para depois subirem
à mais alta : à fase genética, à categoria de sciên-
cia de leis (2).
(\) A história narrativa, «viva e variada», não é um simples
produto do período romântico — como diz Camille Julian, numa
lição da Escola de Altos EIstudos, dj Paris, sobre Augustin
Thierry. Ela não constitui só a característica das Lettres^ dos
Études, da Conquête de l' Angleterre e dos Recits des Temps tnéro-
vingiens de Augustin Thierry, nem das obras de Bakante, Thiers,
MiGNET et Michelft: ela marca uma fase da evolução geral da
historiografia.
O que nessas, e noutras, obras há de caracteristicamente ro-
mântico é a tendência dos seus autores para o período medievo,
e a atracção da cor local. É assim que Thiers não pode já ser
considerado um historiador romântico com o seu «style placide
et... Tallure grave et prudente», e, comtudo, a sua história é des-
critiva, narrativa.
(2) Para nós, e aqui, sciências de leis., sciências de causas e
sciências genéticas são a mesma cousa, pois as leis são, quanto a
nós, não «muitas vezes» — como quere Xbnopol — mas sempre a
manifestação, a expressão, de relações causais, entendendo-se que
englobamos aqui não só as causas directas como as indirectas, as
secundárias, as mediatas, mas sem cuidarmos das causas últi-
mas e das qualitas occulta que, segundo Schopenhauer, caracteri-
455
Muitas das sciências existentes ainda não pas-
saram da segunda fase, continuando a serem
sciências descritivas, sciências de factos. Em tal fase
está ainda, no pensar de muitos, a história.
De poucas sciências se tem dado — como da
história — as definições mais divergentes e mais
opostas. Desde J. J. Rousseau, que no livro iv do
Emite diz que a história é um tecido de mentiras,
«a arte de escolher entre muitas cousas falsas a
que mais se assemelhe à verdade» (i), até Ranke
— que via nos acontecimentos históricos conflitos
de vontades humanas, onde as naturezas fortes
teem a decisão, e na historiografia o meio de
contar o que aconteceu, isto é, um conjunto de
memórias, atéTREiTSCHKE, Xénopol, Rickert, Lam-
PRECHT, Seignobos, Bernheim, H. Berr ou La-
coMBE, tem-se dito, bastante, muito, imenso; em-
fim, como que usando as duas línguas de Esopo
dela se tem dito tudo de bem e tudo de mal.
Ai está, por exemplo, o que escreveu sobre a
história esse paradoxal insigne que foi Nietzche.
Efectivamente, este num opúsculo — Von Nut-
:(en und Nachtheil des Historie fiir des Leben —
e onde o original pensador discreteia — como diz
zam as forças elementares da natureza, convindo não esquecer o
princípio discutível e discutido de Boutroux, segundo o qual «a
causa de um fenómeno é ainda um fenómeno».
(i) Que diferença entre esta leviandade de J. J. Rousseau e o
que sustenta um dos mais eminentes historiadores profissionais —
FusTEL DE CouLANGES — quaudo diz que a história é não só uma
sciência como a mais difícil das sciências.
456
o título — «acerca da vantagem ou inconveniente
da história sobre a vida», manifesta-se excessi-
vamente contra a cultura histórica, que classifica
de doença, de mania, de idea fixa, e a que chama
historicite.
Segundo Nietzche, a história, além de outros
malefícios, destrói toda a possível felicidade, pro-
curando pautar a nossa vida presente pela do
passado, quando para se ser feliz o que é neces-
sário é saber-se viver dentro do seu tempo. E,
dando como argumento as crianças que são feli-
zes porque não conhecem a história, compara os
adultos aos ruminantes que passam a existência
a pensar no passado — o que lhes tira toda a ori-
ginalidade de carácter, todo o poder da plastici-
dade do espírito.
Pára que um grande artista produza uma ver-
dadeira obra de arte, para que um general ganhe
uma batalha, para que, emfim, quem quer que
seja tenha uma compreensão verdadeira da gran-
deza e da liberdade tem de esquecer, de abstrair,
por uns momentos a história, o passado, para só
viver no presente, para só sentir e pensar o que
é actual.
Nós somos enciclopédios históricos ambulan-
tes. A sciência que devia seguir a natureza ex-
pontânea mata esta ; ora a sciência deve, sobre-
tudo, servir para a vida, como a história o devia
fazer, e não faz.
Assim, à força de respeitarmos o passado não
sabemos, não ousamos, transformá-lo em ali-
457
mento do espírito. O homem necessita não só
do Histórico — que nos leva para o passado, e do
Jn-histórico — que nos faz viver no presente, como
do Sôbre-histórico — que lança as nossas vistas
do finito ao infinito, isto é, do finito ao que dá
ao ser o carácter da eternidade : à arte e à reli-
gião.
Pelo contrário, Grotenfelt assinala à história
o seu importante lugar no quadro dos conheci-
mentos humanos, e a sua função na civilização
actual. ,
Como ele diz na sua Classificação de valores
em história: «A característica da história, tal como
ela tem sido tratada durante dez mil anos, é ou-
tro ponto de vista diferente do critério da civili-
zação e do progresso».
E escreve mais : «No centro dos estudos histó-
ricos, no futuro como no passado, subsistirá ne-
cessariamente esta função : fazer compreender,
representar, de uma forma evidente e completa, a
evolução histórica do ponto em estudo, e pene-
trar o conteúdo espiritual desta evolução».
Mas, como êle diz, a história tende a tornar-se
cada vez mais objectiva, mas ficará sempre sub-
jectiva numa certa medida, porque mesmo o his-
toriador prático, por muito impessoal e objectivo
que queira ser, ficará subordinado, sempre e ins-
tintivamente, ao ponto de vista, ao espírito, aos
palores do seu tempo, do seu meio, da sua nação,
da sua sociedade, etc.
Entretanto, logo acrescenta que a parte da sub-
458
jectividade que a história contêm não lhe tira o
seu carácter scientiíico.
XÉNOPOL, a quem, no ponto de vista histórico,
só interessam os factos diferentes, e, entre eles,
o que é dessemelhante, em vez de só cuidar das
semelhanças — pois é com elas que se constituem
as sciências — conclui que a história não é uma
sciência de factos de repetição, isto é, uma sciên-
cia de leis, mas sim uma sciência de factos de su-
cessão — uma sciência de séries (i). A verdade
é que nada existe de mais subjectivo, de mais
arbitrário, de mais irreal.
Se o naturalista, o químico, o físico, o astró-
nomo, levassem o seu poder de abstracção a só
considerarem os fenómenos diferentes, ou, nos
fenómenos idênticos, só as diferenças muito se-
cundárias ou de detalhe — condicionadas por cir-
cunstâncias conhecidas, teria esse especialista das
(i) Diz XÉNOPOL que f'a essência da história» é a diferença na
sucessão, e depois de dizer que a «scintilação das estrelas se re-
pete continuamente sem alterações notórias»^ diz que «a própria
idea da uniformidade de sucessão — que Stuart Mill admitia na
sua Lógica — é impossível de conceber. A sucessão não é nunca
composta de uniformidades, mas sempre de diferenças».
■Ora quem garante aXÉNOPOL que a tal scintilação das estrelas
não se dá com alterações fundamentais. E tão fundamentais elas
podem ser que pode um observador continuar a ver num certo
ponto do ceu a scintilação de uma estrela muito tempo depois
de ela haver mudado de lugar.
Os raios da estrela a da constelação de Centauro levaram
três anos e meio a chegar até nós, e os das a e P — da Cabra —
levam setenta anos, etc. Como se vê, é bem precária a teoria da
repetição continua e uniforme dos fenómenos astronómicos.
459
sciências naturais, da química, da física ou da
astronomia, de negar também a tais sciências o
carácter de sciências de fenómenos de repetição.
Mas, o que desconcerta mais é que Xénopol,
apesar do que expressa, admite leis de sucessão.
Ora, se para êle um facto sucessivo «é aquele
que devido a influências diversas se modifica no
tempo» (i), e se para êle — como para Spencer —
«a lei é, pois, a ordem regular com a qual se con-
formam as manifestações de um poder ou de uma
força», se «o carácter essencial de uma lei é que
ela não poderá nunca apresentar excepção», e
ainda se «a condição essencial de uma lei é a sua
independência do elemento do tempo, isto é, a
sua eternidade», não se compreende como admi-
tir leis do que só apresenta excepções, do que
muda a todos os instantes, isto é, dos factos dis-
semelhantes, dos factos de sucessão.
Assim, conservando a definição de leis e man-
tendo a definição de história dadas por Xénopol
conclui-se que as leis.são impossíveis na história.
(i) Ao contrário do que afirmam Xénopol e Rikhert há nas
acções humanas suficiíínte uniformidade para possibilitar a exis-
tência da sciência histórica.
Já David Húme, seguindo, de resto, Hobbes e Spinosa, notava
a uniformidade das acções humanas, independente do lugar e do
tempo. Para êle, tal uniformidade constitui um facto universal
bem reconhecido, notando sempre que os mesmos motivos pro-
duzem idênticos resultados, e que os mesmos acontecimentos pro-
vêem das mesmas causas.
É esse princípio da uniformidade e necessidade das acções
humanas que constitui uma das bases da sciência histórica posi-
tiva.
460
ou a história não é o que aquele diz que ela seja,
mas sim, também, uma sciência de factos, de repe-
tição, ainda que de repetição diferenciada.
E o mais interessante é que o historiador Xé-
NOPOL, depois de fazer tal classificação, por um
simples trabalho de abstracção e de generaliza-
ção, isto é, meramente subjectivo, sem a menor
base real vem-nos dizer que «a sciência não é se-
não a reprodução intelectual da natureza no espi-
rito, é o reflexo da razão das cousas na razão hu-
mana».
E mais adiante : «as leis que regem os fenóme-
nos não são o produto, mas sim a natureza in-
tima do universo de que o espirito é chegado a
apropriar-se depois de esforços inusitados». E
em comentário : «E esta penetração dos segredos
da natureza objectiva pelo espírito que constitue
a sciência».
A coordenar as antagónicas afirmativas de XÉ-
NOPOL dir-se hia que a natureza íntima do uni-
verso e a natureza objectiva^ separam a existência
da vida em dois mundos completamente diversos :
o dos factos de repetição e o dos factos de suces-
são (i).
Em face de tal classificação e de tais defini-
ções, seria caso para perguntar a que grupo per-
(i) Ver: Xénopol, Les príncipes fondamentaux de Vhistoire,
1899; do mesmo, Les faits de repétition et les faits de succession,
mRevue de Synthèse Historique, 1900, pág. 121 a i36; do mesmo,
Race et Milieu, Ibidem., pág. 254 a 264 ; Lacombe, La Science de
Vhistoire d'après M. Xénopol., Ibidem^ pág. 28 a 5i.
461
tencem a geologia e a geografia física. Se a geo-
física «é o estudo do presente à luz do passado»
o que por toda a parte se vê no relevo da super-
fície terrestre como do fundo dos mares é a maior
diversidade dos aspectos : a maior divergência
a mais completa dissemetria das curvas de alti-
tude e de profundidade, a infinidade de extratos,
de formas, de aspectos que apresentam tanto as
zonas hipsométricas como as batimétricas — o
que tem feito derruir a velha teoria das linhas di-
visórias das águas, das ossaturas continentais
constituídas pelos grandes sistemas de monta-
nhas, etc.
Mas, não é só o estudo de conjunto dos grandes
perfis do modelado terrestre que acusam uma
irregularidade e uma variedade desnorteantes, o
mesmo se dá no que respeita aos fenómenos geo-
lógicos, pois — como escreve Alb. Lapparent —
«a composição das massas minerais que suportam
a paisagem vegetal do globo varia de um para o
outro ponto e, num mesmo ponto, varia com a
profundidade» (i).
Ora, se tudo é assim parece não haver dúvida
que o modelado da crosta terrestre emersa ou sub-
mersa é a consequência ou o produto de causas
estruturais — endogenéticas, epigenéticas e tectó-
nicas — diferentes, especiais, locais, parecendo
que tais sciências devem entrar no grupo das
(i) Ai.BERT LArPARENT, TrãUé dc Geologie, 5/ edição, pág. 3.
462
sciências de fenómenos de sucessão de Xéno-
POL (i).
Comtudo, à medida que se vão estudando
cada vez melhor as causas estruturais da forma
da Terra e analisando mais detidamente os fenó-
menos que se vão passando dia a dia nos diver-
sos acidentes da superfície, como as montanhas,
vales, rios, lagos, ilhas, vulcões, etc, vão-se no-
tando harmonias de formas, semelhanças de cau-
sas, identidades de circunstâncias, emíim, repeti-
ções de fenómenos.
E isso que se tem visto no estudo dos ciclos de
erosão, ou melhor, dos ciclos de actividade gené-
tica e tectónica passivas — a que Morris Davis
chama ciclos vitais — fazendo evolucionar uma
região de um relevo muito acentuado até o seu
nivelamento, ou achatamento, final com a madú-
ridade da sua bacia hidrográfica e a formação
das peneplanícies; é isso que se observa na evo-
lução dos rios até à fixação do seu perfil de equi-
líbrio, na marcha dos fenómenos glaciários, na
(i) M. XÉNOPOL, para exemplificar a aplicação da sua teoria
das séries históricas ao estudo de um ponto da história da Ro-
ménia publicou na Revue de Synthêse Historique^ tomo xiii, da
pág. 298 a 3ii, um artigo sobre Le régne du prince Alexandre
Jean I (Cou^a).
Agrupa os factos que estuda em treze séries, se bem que tal
divisão do assunto e tal agrupamento e classificação das séries
de pontos sejam o produto de um simples critério subjectivo, sem
qualquer base real.
De resto, tais agrupamentos de factos nada teem de original,
pois qualquer outro historiador o faria, com uma ou outra va-
riante, sem lhe chamar séries.
463
modelação das margens oceânicas, na acção da
erosão ou degradação eólica e hídrica, e na de
reconstrução, acumulação, sedimentação e estra-
tificação, etc.
Os próprios fenómenos de diastrofismo, isto é,
os da formação da superfície por causas tectóni-
cas, estão hoje agrupados pelas suas origens, na-
tureza, consequências e aspectos.
São essas identidades, essas repetições de fenó-
menos que teem permitido o aparecimento das
leis, teorias e ideas gerais sobre os perfis da su-
perfície da terra, as formações das montanhas e
dos lagos, a vida dos rios, as causas e localiza-
ções dos fenómenos vulcânicos e sísmicos, etc.
Assim, a geologia, como a geografia, é hoje
uma sciência de factos de repetição, uma sciência
de leis.
Deste modo, a definição que Xénopol dá da
história é maximamente falível porque é exclusi-
vamente artificial, uma pura. criação do seu espí-
rito.
Como diz A. Bauer, no seu estudo sociológico
sobre as evoluções, e o repete o sociologista Jan-
KELEviTCH, olhaudo mais profunda e intimamente
as cousas, o que não é susceptível de se reprodu-
zir e o que não se pode repetir em história são os
acontecimentos propriamente ditos, isto é, o as-
pecto, o lado objectivo, exterior, material, da histó-
ria. Mas, quanto às causas íntimas, aos agentes
internos, aos motores espirituais, às ideas-fôrças:
essas repetem-se, reproduzem-se, refazem-se.
464
Assim, por exemplo, o sociólogo inglês Stuart-
-Glennie no terceiro dos seus Sociological Studies,
publicados no volume segundo dos Sociological
Papers, published for the Sociological Societhy, de
Londres, indica a rítmica a que estão sujeitas as
grandes revoluções morais que, de 5 00 em 5oo
anos, se vão produzindo a seguir aos conflitos
entre o Oriente e o Ocidente — acontecimentos
esses que teem exercido uma enorme influência
nos progressos da civilização, tais como a época
de Giro-o-Grande; o conflito entre o império ro-
mano e a Judea; a luta entre o islamismo e a
Europa cristã; o estabelecimento dos turcos na
Europa^, e, por último, a guerra russo-japonesa.
Apesar de tudo isso ser muito discutível não
deixa ser engenhosa e pacientemente estudada
essa manifestação de rítmica histórica por parte
de Stuart-Glennie,
j E que dizer das concepções, das teorias, das
ideas gerais pelas quais a filosofia procura inves-
tigar, interpretar e explicar os problemas da ori-
gem e do fim do universo, da vida, do homem!
jNão tem apresentado todo esse mundo de
ideas ás suas oscilações, as suas manifestações
periódicas, as suas variantes temporárias, os seus
ritmos ?
Assim, basta notar, pelo que se refere aos fe-
nómenos de carácter biológico, as oscilações por
que teem passado desde Aristóteles e Lucrécio^
até hoje, a explicação dos fenómenos da vida,
oscilando entre a causalidade mecânica e o vita-
465 •
lismo teleológico, se bem que as reaparições, os
renovamentos periódicos de tais interpretações
apresentem variantes tanto no espírito scientífico
como nos fundamentos positivos, e sempre em
harmonia com as ideas e os conhecimentos da
época e do meio em que e onde despertam.
É assim que a causalidade mecânica dos fenó-
menos biológicos não é exposta e defendida pela
mesma forma por Lucrécio, Bacon, Descartes e
Spinosa — para salientar os filósofos, — nem por
Harvey, Borelli, Leuwenhoek, Sv^ammesdan ou
Malpighi — para falar dos naturalistas. Outro
tanto se poderia dizer das interpretações vitalis-
tàs de Stahl e Wolf, de Blumembach e Barthez.
Mas, não há dúvida que se entre esses meca-
nistas, como nos mais modernos Magendie, Flou-
rens e Claude Bernard, há variantes de detalhe,
há, mesmo, pontos novos de orientação filosófica,
e um cada vez mais rico material scientífico, não
há dúvida — iamos dizendo — que no fundo, no
íntimo, as concepções são as mesmas, as ideas
gerais são idênticas.
(j Os corsi e os recorsi de Vico não explicarão
tais ritmos?
Temos visto CDmo são divergentes, por vezes
opostos, e até contraditórios, os conceitos que se
teem apresentado acerca da história e as defini-
ções que teem sido emitidas sobre esta sciência.
Ao passo que para alguns a história não só
não constitui, nem nunca constituirá, uma sciên-
cia, tornando-se até, por vezes, um motivo de
3o
466
blague literária — como já vimos com J. J. Rous-
seau,— para outros, pelo contrário, ela é muito,
é quási tudo, ela forma a base essencial da siste-
matização dos conhecimentos.
Efectivamente, quando, em 1907, Hinneberg
publicou a Systematische philosophie^ colocou a
abrir o estudo de W. Dilthey sobre Considera-
ções gerais^ que recorre à história para provar a
unidade da filosofia, pois sendo esta uma função
viva do homem e da sociedade forçoso é recor-
rer à história para reconhecer através da multi-
plicidade e da variedade das concepções a série
e o encadeamento históricos.
E é assim que se chega a concluir a decadência
da metafísica e o progresso da função filosó-
fica com a sua tripla obra de sistematização —
que consiste em estabelecer, fundamentar e unifi-
car as sciências particulares ; corresponder às ne-
cessidades da humanidade de encontrar um ponto
fixo, um estalão, no sentido da vida; e procurar
a razão de ser desta.
3.° — A metodologia genética da história
a) Â metodologia genética e a metodologia pedagógica
Assinalado o lugar da história no quadro geral
dos conhecimentos humanos e definida ela como
a sciência que estuda «o conjunto das manifesta-
ções da actividade e do pensamento humanos,
consideradas na sua sucessão, no seu desenvol-
vimento e nas suas relações de conexidade ou de
467
dependência», vamos ver agora qual o método
que essa sciência tem usado predominantemente
na sua constituição e nas suas aquisições.
Acerca de cada sciência há a considerar duas
espécies de metodologias : a metodologia genética
e a metodologia pedagógica.
Ao passo que esta última estuda e ensaia os
métodos e processos a utilizar na transmissão, no
ensino, na divulgação de cada sciência, a meto-
dologia genética de uma especialidade scientífica
estuda e indica os métodos e processos a utilizar
na sua génese, na sua constituição, nos seus pro-
gressos.
Se no ensino ou divulgação de uma sciência
não houvesse que ter em conta a noção do tempo
e outros factores, a metódica genética, a metó-
dica pedagógica e a evolução histórica coincidi-
rião, e a sciência seria ensinada pela ordem por
que se veiu organizando e desenvolvendo, e uti-
lizados os métodos e processos da sua constitui-
ção.
É esse, em grande parte, o método da redesco-
berta e do ensino activo, especialmente preconi-
zado e seguido na instrução superior, pois tal
lorma de ensino- demanda da parte de quem o
ministra invulgares aptidões de criação scientí-
fica e da parte de quem o tenha que receber uma
cultura geral e uma boa ginástica do espírito,
além de que uma tal forma de estudo só pode ser
viável em cursos muito especializados, demorados
e de um pequeno número de estudantes.
468
E, exposta a diferença entre as duas metodolo-
gias, vejamos como se ctiega ao método das sciên-
cias de espirito.
Sabe-se que o método das sciências matemá-
ticas é — mas não exclusivamente — um método
de dedução formal, indo do geral para o parti-
cular^ ou melhor, indo de uma proposição para
outra de extensão semelhante, e de uma razão
para a sua natural consequência. E dizemos :
não exclusivamente, porque como quere H. Poin-
CARÉ — entre outros matemáticos —no decurso
da dedução figuram definições e raciocínios por
recorrência, ou induções, sendo principalmente
a esses elementos não-dedutivos que as matemá-
ticas devem os seus enormes avanços (i).
b) O princípio evolucionista nas sciências naturais
Se bem que Lyell — como diz Lapparent —
reagindo contra os exageros da doutrina dos ca-
taclismos de CuviER apresente, no seu livro Prin-
cípios de Biologia, as teorias das causas actuais e
da evolução lenta, mas contínua, da face da
Terra (2), é, principalmente, com Darwin que a
teoria da evolução se torna mais concreta, e
cresce de importância e de aplicação.
Efectivamente — como afirmam Yves Delage e
GoLDSMiTH — foi só uo fim do século xviii e prin-
(i) Ver Maximilien Winter, Note sur Vintuiiion en Mathéma-
tiques, in Revue de Métaphysique et de Morale, 1908, pág. 921
a 925.
(2) Lapparent, Traité de Geologie, 1906, tomo i, pág. 11 e 12.
4^9
cípios do XIX que a idea evolucionista começou
a dominar nas sciências naturais (i).
É certo que já no século xvii a invenção do
microscópio e a descoberta da circulação fizeram
entrar tais sciências numa fase de acentuado pro-
gresso^ mas é só no século seguinte que o estudo
da embriologia e de outros capítulos especiais da
sciência, e o grande número de descrições e es-
tudos de detalhe proporcionaram uma enorme
acumulação de material que só esperava quem o
organizasse, sistematizasse e soubesse tirar dele
os ensinamentos convenientes (2). Coube parte
dessa missão primeiro a Lineu e depois a Cuvier(3).
A Lineu devem as sciências biológicas uma
classificação metódica, fácil e cómoda, se bem
que artificial; mas os seus efeitos criacionistas —
segundo os quais atribula ao Ser infinito a cria-
ção de tantas formas distintas quantas espécies
(i) Ver: Delage e Goldsmith, Les Théories de révolution,
pág. 9.
(2) Haeffer, Histoire de la Zoologia.
(3) Garl Stumpf nos seus Philosophische Reden und Vortrãge,
aparecidos em 1910, nota que, sob o ponto de vista histórico, a
teoria da evolução penetrou no pensamento humano pelas sciên-
cias do espírito — como a linguística, a história do direito — e
não pelas sciências da natureza, e isso desde a antiguidade.
Gomtudo, foi só depois da aplicação das ideas transformistas
às sciências cosmológicas e biológicas que a filosofia e a moral
notaram a importância do evolucionismo e utilizaram este. Se
na moral o evolucionismo abriu novas e importantes vistas foi,
especialmente, na psicologia que a teoria da evolução exerceu
grande influência, e ainda no que se refere às relações do indiví-
duo com o meio, às condições de adaptação ao meio, percepção
dos sentidos, movimentos voluntários, etc.
47Q
diferentes, — ocupavam bastante o eminente lu-
gar que êle podia ter na história das sciências
naturais.
Mas, é justo recordar que para êle o homem
longe de ter um lugar à parte na classificação
zoológica aparece entre os animais antropomor-
fos — o que faz dele um precursor do transfor-
mismo.
Com CuviER as concepções transformistas so-
frem fundos golpes, mercê das suas teorias da fixa-
ção das espécies e do desaparecimento violento
e rápido de várias formas, e aparecimento de
outras devido às revoluções do globo, isto é, às
catástrofes geológicas.
Porém, estava reservado a um pensador ge-
nial e a um poeta na mais elevada acepção da
palavra — a Goethe — a iniciação das noções
transformistas. Foi êle, efectivamente, quem, na
sua obra Metamorfoses das plantas, aparecida em
1790, diz que no estudo e comparação dos ór-
gãos deve salientar-se o que lhes é comum e a
sua forma original^ e considerar todas as formas
estudadas como produtos de tais modificações ou
metamorfoses.
Por essa forma explica que em botânica todos
os órgãos de uma planta resultam da metamor-
fose de um só : a folha, como em zoologia o crâ-
neo é uma continuação e transformação da co-
luna vertebral (i).
(i) Ao mesmo tempo Oken apresentava também a sua teoria
vertebral do crâneo.
471
Foi, porém, Lamarck o primeiro que tornou
precisa a concepção transformista na sua Philo-
sophie Zoologiqiie, publicada em i8og(i). Aí
trata êle da mutação das espécies sob a influên-
cia do meio, do género de vida, do clima, da tem-
peratura, da atmosfera, e do meio vivo formado
pelas espécies vizinhas (2).
Também, em zoologia não foram os órgãos
que condicionaram os hábitos e faculdades par-
ticulares de cada animal, antes, pelo contrário,
foram os seus hábitos a sua maneira de viver e
as circunstâncias em que se encontraram os indi-
víduos de que êle provem que, com o tempo, pro-
duziram a forma do seu corpo, o número e o
estado dos seus órgãos, etc.
Igualmente, as espécies derivam umas das ou-
tras pela transmissão hereditária com as variações
impostas pelas condições naturais. E o homem,
longe de constituir um ser á parte, é o simples re-
sultado da transformação dos quadrumanos, não
tendo as suas faculdades mentais nenhuma ori-
gem superior e sobrenatural, pois entre o homem
e o animal não há uma diferença de qualitativo,
mas só de quantitativo.
(1) DeI.AGE e GOLDSMITH, ob. cit., pág. 14.
(2) Acerca de Lamarck, ver a importante obra de Marcel
Landrieu — Lamarcky le fondateur dii transformisme, sa vie, son
ceuvre, 1909, cxni-480 pág. É um trabalho notável, constituindo
mais que a simples biografia do famoso naturalista, porque é
uma verdadeira história natural do seu espírito, pois acompanha
passo a passo a sua mocidade, a sua educação, os seus estudos,
o aparecimento das suas ideas e concepções, e dos seus trabalhos.
472
Estavam, pois, estabelecidos os grandes prin-
cípios da causalidade e da evolução que dai por
diante iam ser cada vez melhor constatados e
comprovados. E certo que o famoso duelo scien-
tifico entre Estevão Geoffroy Saint-Hilaire e
CuviER na Academia das Sciências de Paris, em
i83o, deu um aparente e transitório sucesso a
esta ; mas o concurso dos geólogos, especialmente
de Lyell, as descobertas da paleontologia, da
pre-história, etc, vieram mostrar cada vez me-
lhor que a razão estava do lado dos transfor-
mistas.
c) o princípio da evolução em história
Em história tem sido cada vez mais preponde-
rante o critério evolucionista das sciências natu-
rais.
Mas, como diz Lacombe, não se imagine que
os naturalistas criaram tal teoria pensando na
história (i), nem que essa evolução é «une force
intérieur qui pousse la nature à se transformer
indéíiniment» — como sustenta Xénopol ; e ainda
«que c'est précisement la force de Tévolution qui
le [un individu mieux donné] dote le mieux pour
faire avancer les formes de la vie dans la voie du
progrès» (2).
Nada disso. Substituir os milagres dos pro-
(i) Lacombe, Milieu et race, in Reviie de Synthèse Historique^
190Í, pág. 35.
(2) Xénopol, Race et milieu. in Revue de Synthèse Historique,
1900, pág. 254 a 264.
473
videncialistas ou as virtudes dos metafísicos pelas
entidades e forças interiores de Xénopol é reinci-
dir no mesmo erro, é insistir numa tautologia^ di-
zendo que a evolução é a consequência da força
evolucionista.
Xénopol é um partidário, e muito exclusivista,
da história pragmática e diplomática, muito mais
que Ranke ou Mommsen. Por isso, êle vê na au-
toridade pública, no governo, no Estado, a prin-
cipal condição do progresso humano, e «dans le
dévelopement sociale et politique, que constitue
la vie de TEtat, Télément principal de Thistoire» (i ).
O ilustre historiador romeno levando ao má-
ximo o gosto das analogias e a miragem das for-
ças ocultas chega a escrever : «Dans chaque règne
1'évolution emploie un certain nombre de forces
secondaires par ie jeu desquelles elle se réalise.
Dans le règne de Tinorganique, ce sont les forces
mêmes qui soutiennent Texistence: les forces mé-
(i) o recern-falecido historiador romeno Xénopol, muito ilus-
tre, bem conhecido, e algo discutido entre os historiadores pro-
fissionais e os teóricos da história, apresenta por vezes teorias
muito abstratas, e admite a existência de entidades metafísicas
que o espirito objectivo e de positividade da sciência contempo-
rânea repele inteiramente.
Assim, são cada vez mais inadmissíveis o seu conceito de raça
e, ainda mais, do espirito e do génio da raça, e as suas hipóteses
acerca do meio, segundo as quais o meio físico condiciona o de-
senvolvimento dos povos, e o meio intelectual influe sobre esse
desenvolvimento, sendo um dos principais agentes, e, ainda, que o
espírito e o génio da raça de um povo dão origem ao meio moral.
Ora todas essas concepções inatas recalcam, por vezes, Xé-
nopol para o grupo dos metafísicos das teorias históricas.
474
caniques, physiqnes et chimiques . . . dans le règne
de la vie matérielle ces sont : le milieu intérieur,
rinstinct de conservation, la lutte pour Texistence,
la sélection, la ségregation, rémigration, le croi-
sement» (i).
Quanto à família humana, escreve: «Dans le
règne de 1'esprit les forces sont : i ." Le milieu in-
tellectuelle ; 2.° Tinstinct de conservation avec ses
conséquences ; a) la tendance à Fexpansion ; b) la
lutte pour 1'existence ; c) la réaction contre Tac-
tion; 3.° la tendance à 1'imitation ; 4.° la force
spéciale de Tindividualité ; 5.° le hasard».
Como se vê, há aqui forças a mais. E, como
ainda isso não fosse suficiente para dar à citada
obra de Xénopol um aspecto nebuloso, muito
mais próprio do trabalho de um filósofo, e espe-
cialmente de um metafísico, que de um historia-
dor, ainda êle admite com um carácter teleológico
— que nos desconcerta —toda uma série confusa
as leis históricas : abstractas e concretas, leis de
coexistência e leis de sucessão.
Diz Grotenfelt na sua Classificação de valores
em história, que «não é possível tratar da história
da humanidade sem fazer intervir os conceitos de
evolução e de progresso».
Também, por vezes, se dá à evolução uma côr
de apreciação, de estimativa. Ora, o verdadeiro
sentido scientífico da evolução consiste na mu-
dança continuada numa direcção determinada.
(i) A. -D. XÉNOPOL, Les príncipes fondamentaux de 1'histoire,
pág. 285, etc.
475
MoRiTZ Hartmman, como já antes Mach — diz
Jankelevitch — entende que «a lei da economia
do pensamento humano exige que apliquemos ao
estudo dos fenómenos sociais e históricos os mes-
mos processos e métodos que estão em uso no
estudo dos fenómenos naturais» (i).
Porêm^ ao passo que nas sciências naturais a
teleologia e os conceitos metafísicos foram com-
pletamente postos de parte, em sociologia e nas
sciências sociais tal não se dá ainda quer pela
complexidade delas quer pelo estado nascente em
que se encontram.
Comtudo, é de notar que já no estudo da vida
pre-histórica e dos fenómenos etnográficos tem- se
posto de parte os pontos de vista finalista^e psi-
cológico para só se atender à explicação causal.
Os pensadores e homens de sciência estão
dando crescente importância ao papel do acaso
em sociologia, e, especialmente, no estudo dos
povos primitivos, e pondo de parte a teleologia.
Assim, os dois grandes móveis que condicio-
nam a evolução do mundo biológico, — como a
concorrência vital e a adaptação das espécies, —
significam os factos de observaçãojmediata de
determinados indivíduos serem mais capazes que
(i) Carl Stumpf, na sua obra PhUosophische Reden itnd Vor-
tràge, ao tratar de A idea da evolução na filosofia contemporânea,
salienta — como já dissemos — os progressos que a noção de
evolução tem proporcionado à psicologia, e diz que, sob o ponto
de vista histórico, tal teoria penetrou na corrente do pensamento
contemporâneo não pelas sciências da natureza mas sim veiculada
pelas sciências do espírito, tais a linguística e a história.
476
outros de resistirem a influências nocivas do meio
e de solicitarem desse meio determinados ele-
mentos, e não demonstram, por forma alguma
— como entendem os teleologistas — o desejo de
atingir quaisquer determinados fins úteis ao indi-
víduo ou à espécie.
Assim, postas de parte, cada vez mais, as hi-
póteses de finalidade, e admitido, com Mach, Bu-
CHER e von der Steinen, a acção ou, pelo menos,
a explicação do acaso, chega-se à concepção do
mecanicismo da vida social e daí da vida polí-
tica, e portanto da existência histórica da huma-
nidade.
Se as questões das raças são simples fenóme-
nos de adaptação e da influência do meio, fora
de toda a influência superior^ mística e mítica,
conclui-se que a organização e evolução dos
agrupamentos humanos com a sua trajectória
hesitante e contingente através do tempo são fun-
ções do acaso, do acaso que os pôs em presença
de condições favoráveis ou não à sua persistên-
cia e ao seu desenvolvimento.
É ainda a adaptação e a concorrência vital
que explicam a divisão do trabalho e a luta de
classes, e são elas que determinam a forma ou a
evolução histórica pela concorrência dos dois
princípios: o de natureza estática e o de carácter
dinâmico, tornados depois, segundo a fórmula da
vida política das sociedades civiUzadas, em ordem
e progresso.
477
d) O método das sciêncías naturais e o método
das sciêncías históricas
Se bastantes historiadores, já a partir dos fins
do século XVIII e através do século xix, teem pre-
tendido aplicar à história os métodos das scicn-
cias, e estudar as sociedades humanas com o
mesmo espirito com que se investigam e conside-
ram os aglomerados da flora e da fauna, outros
há que negam tal ponto de vista e que repelem
tal misoneismo de métodos de estudo (i).
E, porêm^ de notar que não faltam ainda hoje
teóricos da história que aproximam as sciências
biológicas das históricas (2).
(1) Entre os que repelem tal misoneismo encontra-se o dr.
Jankelevitch que num Esscii de critique sociologiqiie du darwi-
nisme, publicado na Revue Philosophique, dê Maio de 19 12, atri-
bue ao darwinismo a emiscuição de princípios e leis da biologia
nas sciências sociais e, como reflexo, da influência de critério
dela no estudo e elaboração das sciências sociológicas.
Entretanto, o autor reconhece um terreno comum à biologia e
sociologia : o da biologia social, ou sciência da população.
(2) Bernheim, em várias passagens do seu Manual de metodo-
logia histórica, identifica a história com as sciências naturais, di-
zendo que quando se trata de conhecer o desenvolvimento dos
seres vivos, mesmo no campo da natureza, aparece o conheci-
mento do individual que é o facto característico do conhecimento
histórico.
Mais adiante, escreve que para se considerar a teoria darwi-
nista da descendência como uma vitória da sciência não se pode
negar o mesmo carácter scientífico à história que pela mesma
forma procede.
Assim, a história é tão sciência como a biologia «que tem por
objecto a explicação causal dos fenómenos do desenvolvimento
orgânico».
RiCKERT entende, também, que o método das sciências natu-
rais e o da história se interpenetram e correspondem, pois a bio-
478
Mas^ a maioria, talvez, segue um critério
oposto.
Entre os que mais tenazmente teem negado a
aplicação profícua dos métodos naturalistas às
sciências históricas encontram-se Xénopol e Hein-
RICH RlCKERT (l).
Já por várias vezes temos tratado neste capí-
tulo do ilustre romeno, ocupemo-nos, por agora,
do segundo : de H. Rickert (2).
logia filogenética não é mais que uma exposição histórica dos
fenómenos corporais. Ver Revue de Synthèse Historique, tomo xi,
pág. 146.
Efectivamente, entre a história orgânica ou natural e a história
humana há manifestos princípios de identidade, pois os princí-
pios do individual e do não-repetitório caracterizam toda a evo-
lução, seja ela cósmica, biológica, humana ou social.
Assim, tais sciências da natureza são ao mesmo tempo sciên-
cias de sucessão no tempo e de repetição no espaço.
(i) Ver: L'idée d'iine philosophie sociale comme synthèse des
Sciences historiqiies et sociales, artigo de W.-K. Kozlowski in Re-
vue de Synthèse Historique, Outubro de 1908, pág. i33.
(i) Também o professor Fougeres, da Faculdade de Letras da
Universidade de Paris, num discurso pronunciado naquela escola,
perguntava em 1904 se a história pode exigir o título de sciência
«apropriando-se indevidamente dos processos ou teorias de certas
sciências da natureza». E respondia que não.
Explicava êle : «As modalidades práticas da investigação, as
aplicações do método são determinadas pelo carácter especial do
objecto estudado ; elas não podem ser adaptadas tais quais ao
estudo de um objecto diferente. O historiador, o sociólogo que
se vangloriam de aplicar às suas investigações o método e a ter-
minologia do naturalista cedem a uma ilusão pseudo-scientífica e
entonam-se com aparências verbais».
A seguir, aconselha aos historiadores que, em vez de se inspi-
rarem nos processos respeitantes às outras sciências, utilizem so-
mente os da própria sciência: a história.
Já, anteriormente, num discurso pronunciado também na Sor-
bonne, G. Lanson havia manifestado as mesmas ideas.
479
Efectivamente, Rickert num estudo seu sobre
Os quatro modos de « O Universal em História » ,
argumenta largamente contra a utilização nas
sciências históricas dos processos usados pelos
químicos e pelos zoologistas, primeiro porque
«os grandes historiadores de todos os tempos
empregaram um método completamente diferente
do das sciências naturais», segundo, porque «as
sciências da natureza e a história diferem de tal
modo entre si pela sua mais intima essência que
elas não podem de nenhuma forma usar do mesmo
método». Acrescenta que «o historiador vê as
cousas sob outro ponto de vista que o cultor das
sciências naturais, e que é precisamente nessa
distinção do ponto de vista que reside a signi-
ficação da sua obra».
A seguir, aduz ainda «que a história não é uma
sciência especial que se distinga das outras sciên-
cias apenas pelo seu objecto», mas que ela é «um
modo da concepção do mundo — como lhe chama
Xénopol». E conclui o seu raciocínio escrevendo :
«A história seria pois destruída na sua essência
e na sua significação pelo emprego do método
das sciências naturais».
E, mais adiante, acrescenta que entre a história
e as outras sciências, e em particular as sciên-
cias naturais, existe «um contraste fundamen-
tal» (i).
Ora, se Rickert tem razão quando distingue a
(i) In Reviie de Synthèse Historique, tomo ii, pág. 122.
48o
história dos outros agrupamentos scientíficos,
nenhuma justificação de peso pode apresentar
quando afirma que entre' uma e outras existe o
tal «contraste fundamental».
A afirmativa do historiador alemão basea-se
numa falsa concepção que êle — como Xénopol
— tem da história.
Assim, sustenta Rickert que as outras sciên-
cias são sciências do universal, que «a expressão
do Universal é o fim constante das sciências na-
turais», ao passo que o particular, o individual,
é a característica da história, como esta tem sido
escrita até agora — acrescenta cautelosamente (i).
Por esta forma chega êle a definir — como já sa-
bemos — a história : «A sciência do individual, do
que se produ^ uma ve^, em oposição às sciências
naturais que teem por objecto o universal, o que
reaparece sempre com os mesmos caracteres» (2).
Mas Rickert não fica por ali^ e vai de raciocí-
nio em raciocínio até negar à história carácter
scientífico, pois lá escreve êle: «se nos afastarmos
do Universal a sciência torna-se impossível», e
adita : «toda a sciência tem necessidade do Uni-
versal» (3).
(i) Rickert já em outra obra — a que aludimos neste capítulo
— acerca de Os limites da formação dos conceitos à maneira das
sciências naturais, introdução lógica às sciências históricas, apare-
cida em Fribourg-en-Brisgau, em 1896, estabelecia a diferença en-
tre a história e as sciências naturais.
(2) In Reviie de Synthèse Historíqiie, tomo 11, pág. i-iò.
(3) Rickert, mais tarde, na Filosofia da História, aparecida
48 1
Mas, reparando a que consequências o podia
levar a extensão do seu raciocínio, esclarece que
w o facto de toda a sciência ter necessidade do
Universal não prova que toda a sciência tenha
igualmente por objecto construir um sistema de
conceitos universais, como o fazem as sciências
naturais e a psicologia». E acrescenta: «A ex-
pressão Universal é, certamente, muito equivoca».
Comtudo, longe de desfazer o equívoco au-
menta-o sempre, constantemente, através do seu
estudo e não deixa de dizer mais adiante que o
Universal é indispensável a toda a sciência. Mas,
fiquemos socegados que à história não falta o
tal Universal, antes pelo contrário.
RiCKERT propóe-se mostrar no seu artigo «que
não há menos de quatro modos diferentes do Uni-
versal em toda a exposição histórica».
Efectivamente, constatando que os juízos em
história, como nas outras sciências, são sempre
universais vê aí o primeiro modo do Universal,
pois a história como a poesia exprimem o indivi-
dual por meio de sinais gerais. Mas logo acres-
em Heidelberg, em igoS, insiste que a identificação que se faz da
história com as outras sciências de leis resulta de um equívoco.
Assim, tem-se entendido que, necessitando a história explicar
a sucessão dos factos pelo recurso à lei da causalidade — que é
uma forma lógica — faz-se entrar esse organismo na categoria
das disciplinas que assentam em ideas gerais ou leis, porque se
confunde a idea de causalidade com a de lei. Se é certo que a
relação causal tem geralmente uma aparência de lei, não há dú-
vida que ela em história não passa daí, pois tal relação de causa-
lidade é sempre individual, porque em cada caso só se explica
um fenómeno.
3i
482
centa que ao passo que «para as sciências natu-
rais o universal é ojim, para a história êle é, pelo
contrário o meio, e o seu fim será a expressão do
individual» (i).
Quanto ao segundo modo do Universal é êle
constituído pelo critério da escolha, pelo princi-
pio da selecção, tendo em vista concluir «quais
são os estados e os acontecimentos individuais
verdadeiramente essenciais».
Ora, o autor diz que nas sciências naturais
esse principio de selecção encontra-se em «a
comparação dos objectos para pôr em relevo os
(i) Xénopol apesar de acompanhar muita vez Henrique Ri-
CKERT nas suas teorias e nos seus pontos de vista não deixa de
notar uma importante lacuna neste ponto da concepção do afa-
mado professor da Universidade de Fribourg.
Ao passo que este dá ao individual uma significação íntima,
objectiva, estrutural, Xénopol depois de dizer, e logicamente, que
o elemento característico do facto histórico é o tempo, e que a
história desenvolvendo-se no tempo só por esta noção se pode
explicar, esclarece que «não é o conhecimento do individual só
por si que determina o conhecimento da história, mas sim o das
transformações que o tempo impõe aos fenómenos da realidade».
E, mais adiante : «O individual, pois, na concepção histórica,
é uma consequência da intervenção modificadora do tempo».
E ainda : «... ela só estuda o individual como produto das
transformações do tempo«. In Revue Philosophique, Outubro de
1900.
Assim, para Xénopol o que indxviduali-^a os fenómenos em
história — factos, homens, sociedades — é que eles são indivíduos
em função do tempo, isto é, o mesmo indivíduo — pessoa ou
agregado — constitue nos diversos momentos uma serieção de
indivíduos sob o ponto de vista histórico. Como se vê, Rickert
é muito confuso neste ponto.
Ver Xénopol, Les sciences naturelles et riiistoire^ in Revue de
Syntèse Historique, tomo v, pág. 279 a 282.
483
caracteres idênticos». E acrescenta imediata-
mente : «Quem vê claramente isso nota logo a di-
ferença entre a história e as sciências naturais».
Ora, exactamente porque nós não vemos que
a comparação seja um principio de selecção limi-
tado ao domínio das sciências naturais, antes, se
nos depara o método comparativo aplicado a
todas as sciências desde as matemáticas às sciên-
cias sociais, é que estamos longe de ver clara-
mente que seja precisamente a comparação que
diferença a história das sciências naturais. Mas,
adiante.
Depois, insiste Rickert que «não há senão uma
sciência que quere abraçar da mesma forma toda
a realidade, que possa ter interesse em construir
todo um sistema de conceitos gerais».
E logo adita : «Mas a história renunciou sem-
pre a uma exposição universal desta natureza».
E continua : «Os acontecimentos e os objectos
pelos quais a história se interessa distinguem- se
precisamente pelo seu carácter particular e indi-
vidual das cousas com os quais as sciências na-
turais os reuniriam sob um mesmo conceito
geral».
Rickert não nega que a história também com-
pare, que ela compare homens e povos ; mas, se
faz isso não é para descobrir neles «os caracteres
universais da humanidade», antes sim para con-
cluir o caso individual, o caso particular e «hu-
mano».
Porem, a história só se pode ocupar do que tem
484
uma importância universal, ao que logo responde
subtilmente Rickert, dizendo: «O que tem uma
importância universal não tem, necessariamente,
um conteúdo universal», acrescentando, sibilina-
mente : «a história tratará das cousas individuais
e particulares, precisamente por que ela tem por
objecto o que oferece uma importância univer-
sal».
A seguir, o teórico alemão deixa escapar algu-
mas palavras sobre a teoria do grande homem,
escrevendo : cA existência é importante para
todos graças aos principais caracteres que o dis-
tinguem de todos».
Ora a nós — e estamos em boa companhia com
A. GoMTE, Teófilo Braga, Paul Lacombe, etc. —
sempre nos pareceu, exactamente ao contrário
do que afirma Rickert, que o grande homem seja
no campo da arte, da sciência, e da acção poli-
tica, social ou outra — só o é porque individua-
liza os sentimentos, as aspirações, ou as necessi-
dades do seu meio social.
Mas há mais. Diz, e muito bem^ Paul La-
combe : «Para que um homem excepcional pro-
duza uma acção fecunda em consequências, é
necessário que êle tenha em torno de si uma certa
quantidade de similitudes».
E acrescenta : «E é destas similitudes que êle
se utiliza para estabelecer a novidade — que não
é nunca absolutamente nova».
E insiste: «Quando um homem excepcional
vence, é porque êle s'est aidé contra a parte re-
485
sistente do meio de uma outra parte deste meio,
de um certo número de homens tendo entre si, e
consigo próprios^ sentimentos comuns, ou ideas,
ou aspirações ou hábitos comuns» (i).
E esta — parece-nos — a boa doutrina. O ho-
mem que RiCKERT admite, em história, com os
caracteres distintos de todos os outros homens
não é o homem da história : é um ser anormal,
uma unidade de museu, um homem de manicó-
mio. Mas, prosigamos.
O segundo modo do Universal, em história,
conforme o teorizante alemão, consiste no princí-
pio universal de selecção pelo qual se distingue
o que é histórico do que o não é. Mas, nota que
esse princípio de escolha não é o objecto ou fim
da história, é o meio que ela utiliza, ao contrário
do que sucede nas sciências naturais.
Porém, RiCKERT cai logo em nova dificuldade,
pois negando ao objecto e fim da história carac-
teres de universalidade, torna pessoal, e por isso
arbitrária, a solução do problema da determina-
ção dos valores, isto é, da selecção do que é es-
sencialmente histórico» (2).
Efectivamente, como para Rickert, só é histó-
rico o que tem uma compreensão universal^ sucede
que o que para uns poderá ter esse alcance para
outros pode deixar de tê-lo.
(i) Paui. Lacombe, UHistoire comme science, in Revue de Syn-
ihèse Historique^ tomo iii, pág. 4.
(2) Adiante trataremos deste importante problema da deter-
minação dos valores em história.
486
O terceiro modo do universal em história é cons-
tituído pela noção do meio uno e universal, e do
conjunto de um facto ou de um objecto com os
outros, da sua influência mútua, da sua depen-
dência reciproca.
Assim, quem diz história diz «complexus uni-
versal». Mas, logo explica que isso não passa da
relação de uma parte com o todo, e não da relação
de um exemplar com o conceito universal — o que
é próprio das sciências naturais.
A seguir Rickert, sempre subtil, distingue um
todo concreto de um conceito abstracto^ como se a
noção do todo não fosse um conceito, e a expres-
são conceito abstracto não fosse pleonástica.
O quarto modo do Universal consiste, segundo
Rickert, na universalidade dos conceitos em his-
tória, isto é, na admissão de «conceitos de con-
teúdo universal» para representarem ou exprimi-
rem o «complexus universal», o meio total e o
ser colectivo que constituem o terceiro modo do
Universal — de que já tratamos.
Mas, para Rickert, «o todo é bem alguma
cousa de individual» e na representação do com-
plexus universal, «a cada parte individual corres-
ponde um conceito individual». E ainda: «os
conceitos do Universal e do particular são —
j quem tal diria ! — relativos^), e admite — j cousa
extranhamente subtil! — um conceito universal
mais universal que outro conceito universal.
Todavia, acrescenta logo, se a história admite
também a formação de conceitos gerais como as
487
sciências naturais, só estas podem permitir a for-
mação de um sistema desses conceitos.
Eis, pois, sucintamente expostos, os quatro fa-
mosos modos do Universal em história, que não
passam de outros tantos simples e verdadeiros
modos do relativo e do particular {i).
Como se acaba de ver, tudo nesta teoria de
RiCKERT é muito engenhoso e subtil, mas não tem
uma base verdadeira, real, objectiva.
A história de que êle tanto fala e que tanto
distingue das sciências da natureza, é ainda a
velha história chamada dos factos e dos homens
mais importantes.
Mas, mesmo essa história narrativa, mesmo
essa história discritiva, não apresenta, como sciên-
cia, uma grande diferença das sciências naturais
como insistentemente afirma Rickert. Assim
como êle compreende a história esta é a sciência
do individual, do què não se repete. Mas o que
parece suceder uma só vez não é, na maioria das
vezes, senão uma repetição de casos anterior-
mente sucedidos, com uma ou outra variante.
Por sua vez as sciências da natureza estão
muito longe de ser simplesmente sciências de re-
petição como acham Xénopol e Rickert, pois as
mudanças de meio e de momento imprimem va-
riantes aos fenómenos.
(i) Ver: Henrich Rickert, Les quatre modes de V Universel
dans 1'Histoire, in Revue de Synthèse Historiqiie, tomo 11, pág. 121
a 140.
488
Também, o que dissemos acerca dos grandes
homens mostra as ilusões de Rickert quanto à
sua teoria do individual em história.
jDe resto, se tudo em história fosse individual,
novo, irrepetível para que estudar a história se-
não por simples passa-tempo ! j Para quê tanto
trabalho acumulado se os estudos históricos não
nos fornecem precedentes para a compreensão e
o juízo dos acontecimentos seguintes, emíim, para
a previsão de factos ! ( i )
c) o método histórico
Apesar de estar ainda por escrever a história
do método histórico não há dúvida que foi só no
século XIX que a historiografia começou a ser pre-
parada, elaborada e escrita por uma forma mais
objectiva, metódica, scientífica.
Gomo se sabe, durante muito tempo a história
foi escrita com intenções políticas, religiosas e
morais, ou com objectivos filosóficos e artísticos,
e, por isso, quási sempre por uma forma parcial,
apaixonada, tendenciosa. Só ultimamente é que
a história começou a ser considerada, e, por
tanto, cultivada e escrita como um género literá-
rio, com um objecto inconfundível, com um fim
próprio, em si, isto é, como uma sciência.
Mas, repetimos, só no decurso do século xix é
(i) De resto, o próprio historiógrafo alemão não deixa de re-
conhecer— i era o que fahava 1 — que o campo das sciências da
natureza não é imutável, se bem que se altere muito menos rapi-
damente que o domínio das sciências do espírito.
489
que se deu corpo ao pensamento antigo de Vico,
segundo o qual fora do tempo e do espaço não há
verdade absoluta, mas uma verdade viva e mó-
vel através das formas individuais e concretas da
história, assinalando ao conhecimento dos factos
históricos o mesmo valor que ao conhecimento
do verdadeiro.
Modernamente, em que a história deixou de
ser um meio de discussão e divulgação de ideas
políticas, e princípios religiosos ou outros, para
constituir, já por si, um fim, natural é que mui-
tas atenções se voltassem para ela e lhe fixas-
sem um método e um conjunto de regras pró-
prias do seu objecto e consentâneas com os seus
fins.
Efectivamente, foi só com o forte desenvolvi-
mento dos estudos históricos no século xix que se
tornou possível o aparecimento das obras de me-
todologia como o Manual de Metodologia Histó-
rica de Bernheim, a Introdução aos estudos histó-
ricos de Langlois e Seignobos, etc.
Antes disso, desde Aristóteles até Voltaire e
MoNTESQUiEu, as obras que apareceram de teoria
da história^ nada deixavam antever sobre a orien-
tação que tais estudos haviam de tomar mais
tarde e o carácter e os assuntos das obras acima
citadas.
Como diz GiovANNi Gentile numa interessante
Contribution à 1'histoire de la métode historique:
«durante todo o período do classicismo renovado
que vai dos séculos xvi ao xviii as teorias historio-
490
gráficas giraram em volta do conceito da história
e da arte da representação histórica» (i).
É exacto, além de que não apresentam origi-
nalidade, pois, das conhecidas, quási todas são,
com fracas variantes, meros desenvolvimentos dos
capítulos IX e XXI da Poética de Aristóteles, do
De Oratore e do Brutus de Cícero, das Institu-
tiones de Quintiliano, etc.
São, entretanto, numerosos os trabalhos de tal
natureza aparecidos desde os fins da primeira
metade do século xvi (2).
Assim, em 1 548 aparecia, em Florença, a obra
de Gristoforo Mileo De scribenda universitatis
rerum história^ e no mesmo ano e na mesma ci-
dade publicava-se o De scribenda historia de Fran-
CESco RoBORTELLi ; com o título de De Conscri-
benda história aparecia em Bolonha, em i563, a
obra de Cecco Ventura; em iSõq publicava-se
(i) In Revue de Synthèse Historique, segundo semestre de
1902, pág. 129 a i52.
(2) Karl Lamprecht, depois de dividir o método histórico em
método superior e inferior, e de afirmar que este último com-
preende as operações destinadas ao estudo das fontes e dos docu-
mentos, diz que esse método inferior, depois de várias hesitações,
começou a ser apHcado nos séculos xv e xvi, mas que só no sé-
culo XIX, com os trabalhos de crítica das fontes, de Schlõzer e
NiEBUHR, quanto à historiografia alemã, é que êle «foi fixado nos
seus pontos essenciais».
Foi só no século xviii — diz o mesmo historiador — que «se
começou a abranger com uma vista mais geral o desenvolvimento
da história da Europa, e no mesmo tempo se passou por um pro-
gresso contínuo quanto às comparações até então em uso, às apro-
ximações gerais mais extensas. . .».
In Revue de Synthèse Historique, 1900, pág. 21 a 23,
491
em Anvers um outro De scribenda historia^ sendo
seu autor António Viperano; e em 1674 aparecia
em Roma o De ratione scribendce historiae.
Já anteriormente, em 1620, viu a luz em Paris
um Discours des vertus et d es vices de Vhistoire et
de la manière de la bien écrire, de Le Roy de Gom-
BERViLLE ; em 1623, publicava-se em Leyde a
obra de Voss — De arte histórica^, seu de historiae
natura historiaeque scribendae praeceptis; e, em
1 69 1 , Paris via aparecer o tratado De la manière
d'écrire Vhistoire nos Divers traités de Métaphisi-
que, d'Histoire et de Politique.
O historiógrafo depois de citar estas obras
comenta-as, escrevendo :
«Como se vê, trata-se sempre da maneira de
escrever e não da forma de reconstruir a história,
de redescobrir a verdade histórica ; era sempre
um conjunto de preceitos respeitantes à forma, e
não um método respeitante à aquisição da maté-
ria histórica».
Actualmente, as operações básicas do conheci-
mento histórico cifram-se na heurística — ou in-
vestigação dos documentos, na crítica — ou depu-
ração deles, e na construção histórica — que é a
série de operações sintéticas tendo por íim orga-
nizar as fontes isoladas, testemunhadas pelos do-
cumentos, num corpo de sciência. Mas, isso só
actualmente se dá porque nos tempos e nas obras
a que nos reportamos acima, supondo-se já co-
nhecida a verdade histórica, só se cuidava da
forma, da disposição mais ou menos lógica, hábil
492
e artística, e do descritivo melhor ou piormente
imaginado.
Qaere dizer: a. Ars histórica dos teóricos desse
tempo começava onde acaba actualmente a me-
todologia — o que equivale a dizer que não cui-
davam em tal departamento do trabalho histo-
riográfico.
Exposta, em poucas palavras, a evolução do
método histórico e notadas as diferenças profun-
das, radicais, entre o ponto de vista, os intuitos,
as características, as operações lógicas ou ideais
e materiais ou objectivas, da antiga ^rí histórica
e do actual método histórico, é chegado o ensejo
de estudarmos este mais de perto, com algum de-
talhe e com a possível precisão.
Sendo a história a sciência das sociedades hu-
manas civilizadas o método histórico só às sciên-
cias do espírito humano se pode aplicar. Ele
deve, como faz o método positivo, o método ex-
perimental, abandonar tudo o que se refira à
essência das cousas, à sua natureza íntima, à sua
origem primeira, à sua finalidade, e limitar-se —
o que já é bastante — a estudar as diversas ma-
nifestações da actividade humana no passado,
bem como as do pensamento, e as do sentimento
religioso, moral e estético, definindo as suas rela-
ções, as suas características, e deduzindo, até, as
as suas leis(i).
(i) Ver Abel Rey, Les Sciences Philosophiques, 2." edição,
pág. ji3&yiç).
493
O método histórico nas suas três séries de ope-
rações— analíticas, críticas e sintéticas — é um
método positivo, concreto, scientííico. Se alguns
espíritos metafísicos teem querido dirigir o mé-
todo histórico noutro sentido a responsabilidade
é deles e não do método (i).
Porém, o professor inglês Sidgwick, levando
muito longe a sua crítica ao método histórico, diz
que este tem tido em mira solucionar os proble-
mas filosóficos, como se tal método pretendesse
satisfazer as questões insolúveis sobre a imorta-
lidade da alma, a existência de Deus, a origem
dos seres, etc.
Não. Esse método não pretende entrar no
estudo de tais problemas nem, sequer, interferir
no campo da moral como sciência normativa da
conduta humana, julgando os homens e os acon-
tecimentos sob o ponto de vista ético.
Os juízos de valor em história — como adiante
(i) Efectivamente, é grande a confusão quanto ao significado
concedido à expressão método histórico. Ao passo que os eru-
ditos e os investigadores o definem como um conjunto de regras
e processos de investigação, de crítica, de síntese e reconstitui-
ção históricas^ para os teóricos, e para os antigos filósofos da
história já assim não é.
Outros, emfim, classificam a história como uma sciência indu-
tiva especial. É neste sentido que, parafraseando Voltaire que
dizia que em literatura todos os géneros são bons excepto o gé-
nero enfadonho, escreve Fustel de Coulanges que em história
todos os géneros são bons, com excepção do género falso, acres-
centando que «todos os métodos são bons comtanto que o espí-
rito scientifico domine e vivifique». In Reviie de Synthèse His-
toriqiie, tomo vn, pág. 261.
494
veremos — não pretendem julgar sobre a signi-
ficação e o alcance moral seja do que for: eles
cuidam só de considerar o que é e o que deixa
de ser assunto histórico, isto é, só tratam de es-
pecificar os limites do conhecimento histórico.
Mas, nem por isso o método histórico deixa de
ser útil e necessário, porque se êle é incapaz de
resolver os problemas das origens, da natureza e
fim da humanidade, e o da essência do ser hu-
mano também o método experimental, que é a
última perfeição no campo da objectividade, não
resolve as questões sobre a essência da força, do
calor, da luz e da electricidade, e ninguém negará
à mecânica, à termologia, à óptica e à electro-
logia os foros de sciências.
O que é interessante é que acoimando-se o
método histórico ora de metafísico ora de inútil
logo se diz — di-lo Sidgwick — • que é na ética,
como na politica, que se encontram algumas das
verdades absolutas que devem dirigir as socie-
dades para os seus últimos objectivos e fins ; e,
porque tais fins não são nem leis nem fenómenos,
o método histórico nada lem com eles. Por isso,
se a história pode ser um auxiliar da moral e da
política, especialmente desta última, a sciência
política não pode basear-se na história (i).
(i) Também o historiador alemão Karl Lampbecht num seu
estudo sobre o método histórico na Alemanha sustenta que «para
compreender um século nos seus detalhes é necessário conhecê-lo
no seu conjunto, isto é, conhecer o seu carácter psicológico e o
seu estado de civilização». In Revue de Synthèse Historique, 1900,
pág. 27.
495
A história pode dizer-nos o que tem sucedido
e pode acontecer, mas não pode aconselhar o que
aqui e agora se deve fazer.
Deste modo, concluem alguns que não consti-
tuindo a história a verdadeira base scientifica da
politica, deve procurar-se tal base fora dela, no
conhecimento da finalidade das sociedades.
Assim, ao passo que Freemann e Seeley con-
fundem a história com a política, Sidgwick nega
que a história possa servir de base àquela.
Como diz o professor Pasquale Villari, e é
certo, está aí o ponto fraco da teoria dêste. Na
verdade, se a história não pode constituir a base
da política, pois esta deve concluir-se do fim úl-
timo de uma sociedade, não há dúvida que é à
metafísica que se devem ir buscar os elementos
para formar tais bases, que assim ficarão muito
movediças e contingentes.
Ora isso é, pelo menos, um paradoxo, porque
a base de tal sciência política nada teria de scien-
tífico, e assim a política variaria segundo os sis-
temas e as escolas filosóficas — o que nunca se
viu nem se pode admitir.
Só o estudo da sociedade pode servir de base
à política — que tem por objectivo dirigir, gover-
nar e administrar os agregados humanos organi-
zados em Estados. E o estudo das sociedades
nas suas diversas formas de governo e de admi-
nistração, nas suas manifestações especulativas,
políticas, económicas e sociais, é o objecto da
história^ da etnografia, e, sob uma forma sinté-
490
tica, da sociologia. É, pois, a história que fa-
zendo-nos conhecer o caminho percorrido pela
humanidade e a marcha da civilização, nos for-
nece os elementos para as previsões.
SiDGWiCK insiste que se é certo que a história for-
nece esses elementos não fornece — nem o pode
fazer, por não ser uma filoscfia — regras de con-
duta sem as quais a politica nunca poderá con-
cluir qual a orientação e o sentido a dar às so-
ciedades nem os objectivos aos quais a vida des-
tas deve satisfazer.
Pasquale Villari corrobora tais dificuldades
da questão, e acha que «há um elemento que es-
capa igualmente ao rigor do método histórico e
ao do método experimental, sendo isso que im-
pede que as sciências sociais e morais atinjam a
certeza e a precisão que poderam alcançar as
sciências matemáticas e naturais».
Até aí está bem; mas o que é estranho é que
o eminente professor italiano recorra para resol-
ver a questão a um elemento maximamente sub-^
jectivo, e, por tanto, transitório, contingente e
precário : a consciência.
Assim, escreve êle : «Mas o problema não se
resolverá;, julgo eu, sem à obra da razão e da
sciência se juntar a da consciência, que também
revela verdades».
E para justificar o estranho apelo à consciên-
cia escreve: «Tal como os fenómenos de arte
ficam inconcebíveis, inexplicáveis só pela sciência
sem o sentimento do belo, do mesmo modo ficam
497
incompreensíveis os fenómenos morais e sociais
sem o sentimento do bem e do dever que nasce,
que cresce, age em nós pela sua virtude intrín-
seca e não apenas pela força do raciocínio».
E sem mais nada explicar, depois de haver
eriçado de dificuldades lógicas a sua justificação,
como que sentindo remorsos por tal afirmativa,
escreve : «Não é isso um conhecimento scientí-
fico, mas é o mais seguro, ou, pelo menos, o
único ao qual possamos recorrer emquanto a
sciência não tiver encontrado um meio de resol-
ver por outra forma o problema» (i).
Uma das mais altas funções da sciência e da
filosofia — que é o saber totalmente unificado —
deve ter em vista, sem cortar a continuidade e a
coordenação das sciências, fixar, tão precisa e
concretamente quanto possível, o objecto ou ob-
jectos de cada uma, os métodos e processos que
elas utilizam, e os hmites que as circunscrevem
cada uma e a separam das outras.
Ora, uma das sciências que mais envolvida
está ainda em obscuridades, e que mais mistu-
rada e mais confundida com as outras tem sido,
é, sem dúvida a história — substantivo verdadei-
ramente colectivo para significar todo o grupo de
sciências que estudam o passado e a evolução da
humanidade.
É, pois, necessário delimitar o âmbito da his-
(i) Pasqiiale Villari, L'histoire esi-elle une science? in i?e-
vue de Synthèse Historique, tomo iv, pág. \y5 a 190.
32
498
tória ou, melhor, das sciências históricas, e escla-
recer, determinar e fixar a natureza e os caracte-
res do método histórico.
Nem as sciências da natureza devem pretender
aplicar estritamente os seus métodos caracterís-
ticos às sciências do espirito, e, portanto, à his-
tória; nem esta deve, por sua vez, tentar aplicar
o método histórico às sciências naturais. A his-
tória não será nunca uma filosofia, uma sciência
natural ou matemática — disse Pasquale Villari.
E necessário que a história não pretenda ser
mais que o que é na realidade, para ser inteira-
mente e completamente o que deve ser.
Como disse Fustel de Coulanges — e é exacto
— cada sciência tem os seus meios de investiga-
ção que lhe são peculiares. A geometria tem a
dedução, a química tem a experimentação, a geo-
logia tem a observação. A história não tem ne-
nhum desses propriamente, mas utiliza a análise,
a síntese, a indução e a generalização.
Porém, é pelo estudo dos factos que ela atinge
o seu fim. Esses factos, pela própria natureza
de tal sciência, nunca lhe são presentes, tendo
que os estudar por intermédio dos seus vestígios,
dos seus indícios, através dos testemunhos deles,
isto é, dos documentos (i).
(i) Os irmãos Mortet classificavam os documentos ou fontes
históricas pela forma que está hoje generalizada, e que é a se-
guinte: i.° restos materiais do passado — constituídos por pe-
daços de ossos, utensílios, vestuário, armas, edifícios, obras de
arte e industriais j 3.° documentos simbólicos — que constituem os
499
Se bem que não seja a história a única sciên-
cia que utiliza o testemunho, pois o mesmo fazem
a geologia, a paleontologia, a psicologia, a peda-
gogia e a jurisprudência, não há dúvida que é
êle que constitui a base única do conhecimento
histórico, isto é, do conhecimento do passado (i).
Ao passo que as outras sciências enumeradas
se podem ocupar dos factos no momento preciso
em que eles se realizam, com excepção das sciên-
cias paleogeográíicas, etc, a história — pela sua
índole, como sciência deposição no tempo em rela-
ção ao investigador — só se ocupa dos aconteci-
mentos depois deles se haverem passado, tendo
como objectivo reconstituí-los na sua integridade,
e, até, possivelmente, na sua integridade.
sinais representativos das impressões psicológicas sentidas pelos
contemporâneos, e que se podem dividir em monumentos figurados
— como baixos relevos, pinturas, medalhas, moedas, selos, etc.j
ou em documentos escritos para constatar factos, descrevê-los ou
apreciá-los — como as inscrições, documentos oficiais, anais, cró-
nicas, descrições, memórias, correspondências, obras literárias,
etc. ; 3.° vestígios morais, isto é, restos do passado que sobrevi-
vem na linguagem, as crenças, os usos, as tradições orais, etc».
In voe. Histoire, da Grande Encyclopédie, tomo xx.
(i) Já deixamos dito a pág. 899 a crescente importância que
estão tendo em história os estudos sobre a psicologia do testemu-
nho. Acerca da história desses estudos ver os artigos de Ber-
NHEiM e de André de Fribourg aí citados.
Se bem que sobre esta questão um ou outro autor houvesse
já sugerido algumas ideas, ela só começou a ser estudada depois
de Ranke haver recomendado que : «antes de tudo procure-se sa-
ber, de todas as testemunhas, qual é a que possue um conhecimento
geral das cousas» ; e só muito modernamente é que se teem feito
sobre o assunto trabalhos sistemáticos, em que hão colaborado
a psico-pedagogia e a psicologia judiciária.
Soo
Sendo, assim, a história uma sciência especial,
sui generisy nem aplica um método puramente
dedutivo e demonstrativo, nem um método ex-
clusivamente indutivo e experimental. Isto é,
ela nem é uma sciência exclusivamente de dedu-
ção, nem completamente de demonstração ; ela
não parte de definições, nem se inicia sobre axio-
mas, emfim, não emprega o silogismo; e se o ra-
ciocínio acompanha o labor mental da investiga-
ção histórica, não é essencial: é um mero auxiliar,
posto que, por vezes, importante (i).
Não há dúvida qae o método histórico vive em
grande parte do método indutivo ; mas este apre-
senta na história uma forma especial, original,
pois ao passo que a indução pura conduz dos
factos às leiS; isto é, aos mesmos factos generali-
zados, em história o caso é diferente, pois par-
te-se de factos, não para os mesmos factos gene-
ralizados, nem para leis : mas para factos dife-
rentes dos primeiros. Quere dizer: partindo dos
documentos, dos testemunhos^ chega-se aos acon-
tecimentos que eles conteem imediatamente^ ou que
indirectamente supõem, outro tanto sucedendo à
geologia, á paleobotânica, e à paleozoologia.
Contudo, nem por isso o método indutivo
(i) Como se sabe, os documentos nãç fornecem, muitas vezes,
factos suficientes para conhecimento dos acontecimentos pas-
sados. Se a história fosse uma sciência de observação directa,
como a botânica e a zoologia, novas observações preencheriam
as lacunas ; mas tal é impossível em história, por isso diz Sei-
GNOBOS : «procura-se extender o conhecimento empregando o ra*
ciocínio». In Introduction aiix Eíitdes Historiques^ pág. 218,
5oi
deixa de constituir o elemento predominante do
método histórico, pois, como diz Paul Janet, se
«a indução, como lhe chamava Bacon, é a in-
terpretação da natureza, o método histórico é a
interpretação do testemunho humano^) (i).
^Mas, poderá dai concluir-se que a história é
uma sciência exclusivamente indutiva ? Não
pode. Razão tem por isso P. Lacombe quando,
estudando Os métodos da história, escíeve: «A
psicologia presta-se a um uso duplo : pode-se ir
dela para a história, ou voltar da história para
ela; praticar o método indutivo e ascendente ou
o método dedutivo e descendente» (2).
Se, como já dissemos, o método histórico não
parte de axiomas pode iniciar-se por hipóteses.
Ora, a concepção de uma hipótese inicial é um
produto da lógica dedutiva que deve ter como
trabalho sequente «a verificação pelos factos».
Mas, em história não é possível a experiência à
maneira das sciências da natureza, pois só é viá-
vel a observação.
É aí, quanto a nós, que reside a grande dife-
rença entre as sciências históricas e as da natu-
reza, e não no estabelecimento de hipóteses, pois
isso é comum ás duas classes de sciências. Mas,
ao passo que as sciências da natureza dispõem
da experiência, como excelente meio de verifica-
ção, a história só utiliza a observação.
(i) Paul Janet, Traiié de Philosophie, iSgS, pág. Sog.
(2) P. Laccmbe, De l'Histoire considerée comme science, 1894
pág. 53.
502
Para comprovar que em história o subjecti-
vismo é dominante tem-se dito que a investiga-
ção dos documentos, e, por aí, que o estudo dos
factos eram sempre antecedidos não só de juízos
de valor no espírito dos historiógrafos — como
os da importância do assunto e da conveniência
do seu estudo — como de ideas preconcebidas
sobre a natureza dos factos, sua importância, etc.
Assim, se procurava provar que o historiador
não ia pedir aos documentos conhecimentos no-
vos, mas somente a verificação, a constatação,
das suas hipóteses, dos produtos da sua imagi-
nação, quando não das criações da sua vontade.
Mas, tais ideas preconcebidas que se quere ver no
espírito dos historiadores encontram-se no dos
cultores das sciências da natureza.
Desde Newton a Kant, e de Humboldt a Poin-
CARÉ, é opinião predominante que o experimen-
tador é sempre conduzido para a experiência e
nela é guiado superiormente por ideas preconce-
bidas a que se teem dado vários nomes : intui-
ções, meias-intuições, hipóteses, etc.
Karl Lamprecht, ocupando-se de O método
histórico na Alemanha, distingue — parece-nos
sem necessidade — no método histórico uma forma
superior e umà forma inferior. Segundo tal teoria
o método superior só intervém «onde se trata de
dominar os factos dados e às suas relações, e de
abranger com o olhar um mais vasto horizonte.
Quanto ao método histórico inferior — de que
já falamos — «compreende todas as operações
5o3
destinadas a patentear os materiais históricos
libertos de tudo o que os desnatura, e a eviden-
ciar a-sua imediata conexão». E continua a ca-
racterizá-lo : «E pois com esse método que se
devem relacionar todos os processos cujo emprego
é necessário para descobrir as fontes e os docu-
mentos, estabelecer as suas relações recíprocas,
mostrar quais as suas dependências em relação
ao tempo a que pertencem, e, finalmente, deter-
minar os dados simples e positivos que ressaltam
de tais materiais históricos assim obtidos».
Quere-nos parecer que se pode dispensar tal
divisão do método histórico^ pois o verdadeiro
método em história reside nas operações que
Lamprecht assinala como constituindo o método
inferior — ao qual nós chamaríamos, preferente-
mente, método objectivo, e que, assim, é consti-
tuído por todo o conjunto de operações imediatas
ou analíticas, necessárias ao estudo dos testemu-
nhos, dos documentos, e, por aí, ao conhecimento
dos factos, e pelo grupo de operações mediatas,
ou sintéticas, essenciais à construção histórica.
É a este, ao grupo de operações sintéticas^ que
cabe as atribuições que Lamprecht destina ao seu
método histórico superior.
Como diz GusTAVE Lanson, e é hoje prática se-
guida, os estudos literários teem pedido à histó-
ria os seus métodos, havendo-os utilizado larga-
mente. É a essa intervenção que a história deve
os seus grandes e rápidos sucessos. Mas, neces-
sário é não esquecer que ao passo que a história
5 04
procura conhecer os factos, os estados da cons-
ciência colectiva e os centros da civilização, ad-
quiridos indirectamente, e por «meios exteriores»,
a história literária, a como história da arte, estuda
directamente os factos, os estados de alma.
Assim, o método histórico ganha visivelmente
terreno, como o prova a tendência de estudar as
monografias e biografias, não segundo uma ordem
analítica, mas, simultaneamente, a vida e a obra
de um autor, num justificável paralelismo bio-
bibliográfico, no qual cada parte da obra aparece
como um facto da vida, prolongamento natural
de uma certa energia sob certas pressões ou por
sugestões determinadas.
A outra aplicação do método histórico tem
sido feita no direito, e especialmente no direito
comparado, aplicação essa hoje muito mais com-
pleta e eficaz que na escola de Savigny e Pruchta.
Efectivamente^ ao contrário das concepções
actuais, essa escola considerava tal evolução do
direito como tendo por base as tradições, sem
tomar em conta as mfluências estranhas e queria
ver nesse desenvolvimento uma consequência ex-
clusiva das forças orgânicas 4íiacionais, sem que
nela interferisse a vontade colectiva com a sua
função dirigente.
Assim, os costumes, ós forais, eram as únicas
fontes do direito, atendendo-se pouco à legislação
geral, à estrangeira, à romana, visigótica, etc.
A escola histórica moderna, mercê do método
histórico comparativo, tem mostrado que o di-
5o5
reito desenvolve-se não só no sentido das tradi-
ções históricas, mas, em grande parte, pela acção
das influências estrangeiras, melhor ou peor se-
gundo o conjunto do espírito, do critério e da cons-
ciência jurídica nacional, e em harmonia com o
conjunto do seu sistema jurídico.
4.° — A história e a concepção de valor
a) A concepção de valor na Filosofia
Como diz A. Lalande, a noção de valor que
foi primeiramente utilizada pelas sciências eco-
nómicas tem tomado ultimamente uma impor-
tância cada vez maior em filosofia. Actualmente,
depois das obras de Nietzche e dos estudos da
análise psicológica de Meinong^ d'Ehrenfels, de
Kreibig e de Munsterberg, os termos bem e mal,
direito e dever, regra e fim deixaram de ser usa-
dos para se falar quási só no valor da vida, e
todos — pensadores ou simples criaturas empíri-
cas— anceiam «porque se renovem as formas da
verdade».
A justificação qiie apresentam os pensadores e
que Lalande reproduz é que «a idea de valor,
em particular, apresenta a grande vantagem de
pôr muito em relevo, por um lado o carácter
finalista que apresenta todo o pensamento vivo ;
por outro, o paralelismo formal das sciências nor-
mativas, e a solidariedade dos problemas que as
constituem».
Contudo, é necessário ter em atenção, saber
5o6
prever e evitar tanto quanto possível os equívo-
cos, mesmo os erros, que podem provir da teo-
ria dos valores.
Assim, é sabido que todo o valor, é, em certo
sentido, e em grande parte, subjectivo, é um fa-
cto da consciência, e a sua classificação e hierar-
quização é sempre mais ou menos um produto
da apreciação subjectiva, de juízos pessoais.
Porém, se assim é, se todo o valor é «um sen-
tido atribuído a um conjunto de estados de cons-
ciência», se é ao mesmo tempo pensamento e
idea^ sujeito e objecto, emfim, se êle se apresenta
como o produto de um espírito de essência teleo-
lógica, não há dúvida que esse valor deixará de
ser meramente subjectivo, e passará a ser objectivo,
se como valor passar também a ser considerado
ou se o sujeito de apreciação lhe atribuir a mesma
condição de valor para as outras pessoas.
Daí se conclui outra dificuldade : um valor pode
ser considerado só em relação ao sujeito que o
considera, e sem atenção pelo que os outros
pensam sobre êle, ou, pelo contrário, um valor é
reconhecido e classificado por outros.
No primeiro caso, o valor é considerado em
abstrato, mas o segundo é tido por concreto e
real, ao contrário do anterior em que se dá ao
valor um carácter ideal [\). Ainda necessário é
ter em atenção que um valor pode ser imediato
(i) Há que ter em vista que um valor também se classifica de
ideal quando êle é afirmado em princípio, em tese, independente-
mente da sua existência,
5o7
ou intrínseco, sendo tido por categórico ; e deri-
vado, ou instrumental, tendo uma existência si-
milar às dos imperativos hipotéticos de Kant (i).
Assim, a teoria dos valores é já por si difícil, ne-
cessitando-se de um espírito subtil e de uma con-
tenção grande para a apreender e compreender
em toda a sua profundeza ; mas ainda há que
atender que tal teoria é complexa, pois variados
são os objectos a que ela se pode aplicar.
Deste modo, Fonsegrive num estudo acerca
das Recherches sur la théorie des valeurs, distingue
cinco espécies diferentes de juízos de valores, po-
dendo sê-lo de valores económicos, estéticos, in-
telectuais, morais e religiosos.
Pondo de parte os valores económicos todas
as outras espécies são de carácter filosófico, ou
melhor, são divisões, detalhes, especializações de
valores filosóficos (2).
(i) Ver a tal respeito: a obra de W. Urban, Valuations, it
nature and laws, being an introduction to the general Theorie of
value, 1909; e um artigo de A. Lauande, La Theorie des valeurs,
in Revue Philosophique, i." semestre de 1910, pág. 3o4 a 3ii.
(2) Contudo, deve dizer-se que de todos esses valores os que
teem uma base verdadeiramente objectiva e são por toda a gente
reconhecidos são os valores económicos. Há, porem, que notar
que mesmo nos juízos de valor económico existe muitas vezes o
factor subjectivo.
Assim, na venda, aquisição ou reaquisição de um objecto en-
tra uma grande parte das vezes em conta o factor subjectivo,
pelo qual ao objecto é dado um valor pessoal, ideal, moral que
só existe para os que o consideram, exemplos : uma jóia de fa-
mília, uma recordação, etc
5o8
b) A noção de valor em história
Depois de havermos estudado o lugar da his-
tória no quadro geral das sciências, de termos
notado os pontos de contacto e de diferença en-
tre ela e as sciências da natureza, e de havermos
definido a sua natureza como sciência descritiva
e como sciência indutiva e o seu carácter exterior
como sciência e arte, vamos estudar nela a con-
cepção de valor, isto é, qual a base, o móbil, o
intuito e o fim da apreciação e da estimação de
valores em história (i).
A exemplo do que sucede com outras sciências
sociais — como a moral, — ■ não faltam teóricos da
história, como Bernheim, que preconizem a cria-
ção da concepção de palor em história a fim de
joeirar, seleccionar e escolher na infinita comple-.
xidade da vida histórica apenas o que constitue
o tecido essencial da evolução material e moral
das sociedades.
Mas, grandes são as dificuldades para se es-
(i) Ora o valor que nós aqui consideramos nem é o da moral
e muito menos é o das sciências económicas. Não há dúvida que,
como diz G. SiMMEF,. a categoria de valor, ou ponto de vista prá-
tico, e a categoria do ser, ou ponto de vista teórico, não se po-
dem deduzir simplesmente do conceito de objecto, mas também
não se podem classificar à priori, dizendo — como ele — sem
outra base que o valor é subjectivo e a realidade é objectiva.
Nada disso. O valor é também objectivo, mas de uma objecti-
vidade especial. Ele está fora e acima do dualismo do sujeito e
do objecto, mas não é uma categoria metafísica — como quere
Simmel: é uma entidade lógica.
Ver G. Simmel, Melanges de philosophie relativiste, Gap. III.
5o9
tabelecer os jin:(os de valor em história. Ao
passo que nas sciências da natureza tal selecção
não é difícil de realizar, pois as operações de ge-
neralização e o critério das leis sociais servem de
normas em tal classificação e selecção, já o mesmo
não sucede em história, pois ai o coeficiente pes-
soal e a tara subjectiva com o seu índice de fina-
lismo intervém na apreciação e escolha dos fa-
ctos.
Por isso, como entende Bernheim^ — no seu
Manual de metodologia histórica — os juízos de
palor são condicionados por «este elemento psico-
-teleológico que é inerente às acções humanas e
comporta absolutamente o conhecimento e apre-
ciação dos fins, dos meios e dos motivos, assim
como das suas mútuas relações.
Seguindo Bernheim, o hegeliano Windelband
dá, como características dos factos históricos, o
exclusivismo, a individualidade, a unicidade, isto
é, a sua não repetição, isso ligado a uma relação
de palor, como entende Rickert, a qual tem
como ponto de reparo e como base a vida da
espécie (i).
Efectivamente, este notável teórico da história,
dividindo as sciências em dois grupos — as sciên-
cias naturais e as sciências históricas — distingue
— como já vimos — aquelas destas, dizendo que
as primeiras só consideram e estudam os ele-
(i) Ver na Revue de Synthèse Historique, tomo ix, pág i25a
140, o estudo de Windelband — já por nós citado — acerca de A
Sciência e a História ante a lógica contemporânea,
5io
mentos gerais da realidade, e as segundas só se
ocupam dos elementos individuais desta.
Mas a história não se ocupa do individual só
porque o é, ela submete os factos a um mais ele-
vado princípio de selecção : ao dos valores da
cultura, dos valores de civilização.
Assim, a historiografia só se ocupará dos fa-
ctos individuais, e, de entre estes, só dos que
constam e representam valores de cultura, dos
que servem a civilização.
RicKERT na primeira parte dos seus Die Gren-
len, que tèm em vista — como diz o titulo com-
pleto da sua obra — estudar Os limites da forma-
ção das noções nas sciências naturais, e constitue
uma Introdução lógica às sciências históricas, tra-
tou de mostrar que o método das sciências natu-
rais não é aplicável à história, na segunda parte
da mesma obra tem em vista expor a essência
lógica da história.
Para êle a noção mais importante em história
é a noção de valor — der Wert (i). E esta que
ensina a distinguir, em história, «o que é essen-
cial do que o não é», devendo em tais juízos in-
tervirem noções teleológicas (2).
(1) Mais tarde, na Geschichtsphilosophie, insiste na questão de
Valor em história, desenvolvendo bastante este ponto.
(2) Também na citada Geschichtsphilosophie êle insiste pelo
particularismo dos juízos de valor em história, pois lá diz a pá-
ginas 77 que : «se nós consideramos algumas cousas de uma forma
individual, a sua particularidade deve ser em relação com um
certo valor que a nenhum outro objecto pertence».
Nas sciências naturais não se diz o mesmo. Nestas as con-
5ii
E aí que Rickert vai procurar uma das cara-
cterísticas da história, quando diz que ao passo
que nas sciências naturais a noção de valor não
é chamada a intervir, a noção histórica é sempre
relacionada a um valor, pois quando se estuda,
se considera uma evolução, é sempre no ponto de
vista humano que a consideramos, isto é, se ela
possui ou representa um valor para a cultura, para
a civilização, para o espírito humano, e escreve :
«Só pode ser exposta historicamente uma enti-
dade què pode ser colocada numa relação de va-
lor», e tendo já sessenta páginas antes escrito
que o que são as leis gerais para as sciências na-
turais são-o para a história os valores reconhe-
cidos j^or todos os homens (i).
cepções gerais teem ligado a si valores que não dependem dos
objectos particulares, mas sim da parte comum a elas, podendo
uns exemplares substituir outros da mesma espécie. É o caso
da lei geral da queda dos corpos, pois esta queda interessa-nos
porque não depende dos objectos particulares mas engloba-os a
todos, podendo nós substituir uns exemplares, como pedras, pe-
daços de ferro, bocados de madeira, etc, por outros, tais como
bocados de chumbo, cobre, papéis, terra, etc, porque em todos a
lei é verdadeira.
(i) Nesta sua obra Rickert continua a ver na noção de valor
a característica da história, escrevendo, a páginas 78, «que as
sciências em geral são independentes da noção de valor emquanto
que as do indivíduo não podem existir sem ela».
Com tal exclusivismo não concorda Xénopol que entende que
Rickert, a tal respeito, «vai muito longe», querendo fazer da idea
de valor «um carácter distintivo da história». Depois, aduz : «que
esta noção é igualmente muito importante nas sciências de leis».
E insiste que : «o elemento de valor. .. não pertence exclusi-
vamente à história».
Ver Revue de Synthèse Historique, tomo xii, pág. 348 a 355.
5l2
Tudo isto é enormemente falível, precário.
ji Como admitir valores reconhecidos por todos
os homens?
De resto, é o mesmo Rfckert que se encarrega
de deitar abaixo o seu próprio castelo de abstra-
cções, admitindo valores que — segundo êle o diz
- — 7ÍÓS não podemos apreciar.
^ Se nós não podemos apreciar como podere-
mos reconhecer ? <: Ou nós^ isto é o próprio au-
tor, não estamos no colectivo todos?
Tem razão Xénopol quando se insurg*e contra
tão vaga concepção.
Na verdade, nada de mais contingente e mu-
tável que uma tal noção de valor, porque numa
serieção de fenómenos o que para uns tem valor,
e um certo valor, para outros tem valor diverso,
ou não tem nenhum.
Por esta forma, a noção de valor sendo intei-
ramente relativa não poderá distinguir o que é
importante em história do que o não é. Ora o
relativo e o contingente nunca constituíram ba-
ses scientiíicas fosse do que fosse, pois para tal
íim só podem servir princípios, máximas e axio-
mas absolutos.
Também, não é inteiramente exacto o que diz
RiCKERT quando afirma que a noção de valor é
particular às sciências históricas. Como diz Xé-
nopol, «toda a sciência é uma operação do espí-
rito humano e o homem só se ocupa do que para
êle tem valor».
Assim, em todas as sciências o homem só se
5i3
ocupa do que lhe interessa, do que para êle é im-
portante, e essencial, do que para êle tem valor.
O que, segundo Xénopol, distingue a história das
sciências naturais não é pois, va noção valor em
si^ mas sim as mudanças às quais ela está sujeita
no curso da duração ^^^ pois «o elemento essencial
da história é o desenvolvimento no tempo (i).
WiNDELBAND, procuraudo concretizar o seu sis-
tema de valores em história, fez destes o produto da
concepção moral, e diz que o conceito da história
não se baseia sobre valores particulares^ indivi-
duais, e prestando-se a uma análise psicológica,
mas sobre determinações racionais, supra-indivi-
duais, dos valores.
Depois, distingue ahistória-sciência da histó-
ria-memórias, dizendo que o que caracteriza a pri-
meira é «a selecção dos factos que aquela faz, a
sua concepção das mútuas dependências, a sua
síntese dos materiais isolados de um lado, e dos
valores tendo um carácter geral e necessário do~
outro».
Assim, a história-sciência, isto é, como sciência
de cultura, só é possível quando a existem valores
com um alcance e uma aplicação gerais que nos
fornecem a razão da escolha e a da síntese dos
factos».
Mas, sendo a moral a sciência filosófica dos
valores gerais, é ela — como já havia dito Sch-
(i) XÉNOPOL^ Les Sciences naturelles et 1'histoire, in Revue de
Syníhèse Historique^ tomo iv, pág. 282 a 385.
33
5 14
LEiERMACHER — que constituc a teoria do conheci-
mento histórico.
Porém, o inconveniente das concepções de Ri-
CKERT, como das de Windelband, de Bernheim e
de Grotenfelt^ é que, devendo ser a história uma
sciência cada vez mais objectiva, ela passa a ser,
pelas concepções de valor, eminentemente subje-
ctiva, pessoal, arbitrária, pois o quadro de valores,
isto é, o quadro de interesses muda de indivíduo
para individuo (i). O que mais admira é que Ri-
CKERT não circunscreve, por vezes, à história e às
outras sciências morais a noção de valor, pois ad-
mite esta mesma nas sciências naturais, dizendo
que também nestas se deve separar da multidão
de materiais o que for considerado importante, e,
por isso, o que depe ser estudado. E dizemos
por vezes, porque em outras passagens da mesma
obra circunscreve à história a noção de valor.
>
Xénopol, notando essa contradição, acha que
são comuns às sciências naturais e morais os va-
lores culturais e não de interesse scientifico, de-
vendo ser aquela a interpretação de Rickert do
valor em história (2).
(1) Grotenfelt, na sua obra, em alemão, sobre a Classifica-
ção de valores em história, é o primeiro a considerar na noção de
valor o elemento pessoal, até mesmo — como salienta Xénopol —
guando é aplicado o mais indirectamente possível, pela relação dos
factos com os valores gerais da humanidade.
(2) É de notar que Rickert, na sua já citada obra distingue a
apreciação prática da relação teórica de um facto ou de uma per-
sonalidade com um valor cultural, recor/jen dando ao historiador
que é em função dessa relação que ele deve apreciar os factosi
5i5
Com Grotenfelt, — outro teórico da história,
— subsistem as hesitações.
Efectivamente^ este no seu estudo Acerca da
classificação de valores na técnica histórica (i),
mostra que a história procura ficar objectiva e
imparcial sem por isso deixar de notar que ela
é forçada a certa apreciação dos acontecimentos.
Mas, como é impossível ocupar-se de tudo o his-
toriador tem que fazer uma escolha do que o in-
teressa ; mas é nesse critério da escolha que estão
os perigos, pois aí interveem as concepções,
as ideas e os sentimentos pessoais de quem faz a
selecção.
Ora, intervindo aí um factor subjectivo de tal
importância, êle vê em perigo a objectividade da
história., A forma de fugir mais ou menos à alte-
rabilidade e mutação de critérios consistiria em
estabelecer um princípio supremo — como o fim
absoluto do universo — pelo qual fossem aferidos
os factos particulares.
Todavia, o autor vê a impossibilidade de fixar
scientíficamente tal princípio, pois quem isso
tentasse teria de recorrer à filosofia, onde do-
mina uma inextricável confusão de escolas e teo-
rias.
Em vista disso Grotenfelt tem de recorrer a
(i) In Archive filr systematische Philosophie^ tomo viii, 1902.
Este estudo de Grotenfelt foi desenvolvido, no ano seguinte,
dando origem a uma obra especial : — Die Werísclnitpmg in der
Geschichte. Eine Kritische Untersuchung — de que já falámos.
5i6
Ranke que já, em 1824, no prefácio da sua His-
tória dos povos latinos e germânicos, explicava :
«Tem-se atribuído à história a função de jul-
gar o passado, de esclarecer os contemporâneos
sobre o futuro : a presente obra não tem tão altas
pretensões ; ela quere mostrar simplesmente como
as cousas se passaram».
Esse método aplicou Ranke a todas as suas
outras obras se bem que não deixasse de consi-
derar os acontecimentos que estudava em relação
a um certo número de princípios ou ideas directi-
vas — as leitende Ideen — ideas sempre norteadas
pela concepção da civilização progressiva oci-
dental (i).
Mas, ainda aqui, segundo o método de Ranke
e dos seus discípulos, se dava a intervenção do
factor subjectivo. A forma de estabelecer um
princípio de selecção, um critério de escolha seria
recorrer a um ponto de vista puramente quan-
titativo, e, portanto, objectivo, e separar os fa-
ctos preponderantes, principais, dos secundários
ou acessórios, escolhendo só aqueles, isto é, os
mais importantes, os que tiverem consequências
mais prolongadas e vastas, reflexões mais nume-
rosas. Mas, ainda aí interviria o factor subje-
ctivo, pois a distinção entre os acontecimentos
(i) M. Thadeus Korzon, sócio da Academia das Sciências de
Cracóvia, seguindo o ponto de vista de Ranke, fez uma comunica-
ção no Congresso Internacional de História, efectuado em Roma,
em 1903, tomando o progresso como critério da história, e defi-
nindo esta como «a sciência da civilização».
5.7
principais e os secundários seria um caso de in-
terpretação pessoal (i).
Assim, é impossível separar uma obra do seu
autor, pois as ideas, e, até^ os sentimentos deste
^ — e os da sua época coados através do seu espí-
rito— entrarão fatalmente nos seus trabalhos, res-
tando só, como único recurso possível, que cada
autor não se abandone ao seu instinto, às suas
ideas, mas que, por um fenómeno de desdobra-
mento psíquico, fiscalize e depure estas.
Continuando a avaliar as ideas de Arvid Gro-
TENFELT uota-se que êle, apesar de ver na sua
noção de valor um elemento mais ou menos pes-
soal, nem por isso deixa de o considerar como
um princípio de selecção scientífica análogo ao
princípio da generalização, se bem que adiante
logo mostra, apreensivamente, como tal elemento
de valor vem alterar, e pôr em perigo, o carácter
e o valor scientífico da história.
Apesar disso, Grotenfelt não engeita o seu
princípio diferencial que o leva a distinguir as
sciências naturais da história, dizendo que ao
passo que aquelas «teem como principio de se-
lecção as noções e as leis gerais, na história o
princípio de selecção reside no valor que o histo-
(i) Acerca do objectivismo e do subjectivismo em história ver
uma comunicação apresentada por M. Benedetto CROCEno Con-
gresso Internacional das Sciências Históricas, de Roma, em igoS,
e publicada sob o título : L' Altitude subjective et Valtitude objective
datis la composition historique, in Revue de Synthèse Historique,
tomo VII, pág. 261 a 265.
5i8
riador concede a certos factos ou a certas séries
de factos».
A coexistência de tais noções — a subjectiva de
valor e a objectiva da história como sciência — não
só contrárias como contraditórias, força Groten-
FELT a considerar na «nossa sciência» — a histó-
ria— uma bifurcação^ ficando de um lado a ne-
cessidade absoluta de uma apreciação de palor dos
factos históricos; do outro a tendência scientíjica
tendo em vista reduzir ao mínimo a influência da-
quele elemento subjectivo {i).
Mas, tal bifurcação não passa de uma imagem
de estilo, pois êle considera na exposição e no
desenvolvimento das ideas dos verdadeiros his-
toriadores «a marca de um carácter scientifico
bem determinado ainda que se deva reconhecer
ali, também, uma certa apreciação subjectiva e
não scientifica das cousas, no ponto de vista da
concepção geral da história» (2).
E como continua vendo que a coexistência per-
(i) o que se nota nesta concepção, de bifurcação, de Groten-
FELT, como na do desdobramento de Rickert é a influência da
Moral com a sua divisão, em moral teórica — ou o estudo e enun-
ciado dos princípios e das leis morais; e em moral prática — ou
estabelecimento das regras de conduta humana.
(2) Também, Grotenfelt escreve que quando se estudam os
grandes mestres da história «a selecção e a aplicação do valor aos
factos opera-se por uma forma inconsciente e instintiva...».
Por isso, êle, mais tarde, na sua Die Weríschãt^ung in der
Geschichte, insiste que é impossível a um historiador «despojar
o seu eu», mesmo quando se trata de Ranke, pois este mesmo
mistura involuntariamente, sem dar por isso, os seus sentimentos
e ideas, a sua pessoa, nas suas obras.
5 ig
manece, e com ela a contradição subsiste, mas,
querendo continuar a dizer que «a influência do
valor só condiciona a selecção da matéria e não
suprime o carácter scientífico da história», Gro-
TENFELT tem, por fim, esta conclusão que é um
verdadeiro grito de alma: «mas se sciência pura
só' é possível onde existe a verdade objectiva,
não se pode pretender que a história seja uma sciên-
cia pura.
De tudo isto conclue Xénopol que «a noção de
valor não pode ser utilizada na constituição scien-
tlfica da história». E para isso invoca os motivos
seguintes : « i .° Porque tal noção é extranha ao
domínio da lógica, sendo de natureza moral;
2." Porque tal noção não pode ser absoluta; e a
sciência não pode basear-se no relativo ; 3 .° Porque
se se lhe confere uma acepção de interesse scien-
tífico ela fica pertencendo a todo o domínio do
conhecimento, e não pode constituir uma caracte-
rística da história ; 4.° Porque, se se toma tal no-
ção num sentido de valor cultural ela aplica-se a
todo o domínio das sciências do espírito, tanto
às sciências de leis como às sciências históricas ;
5." Porque, neste último caso, ela é tirada só do
desenvolvimento do espírito, não pode aplicar-se
a toda a evolução» (i).
Ora, longe do que proclama Xénopol quando
escreve que «tal noção de valor é inútil para cons-
(i) A.-D. XÉNOPOL, La notion de valeur en histoire, in Revue
de Synthèse Historique, tômoix,pág. 129 a 149.
520
tituir a história num sistema scientííico de ver-
dades» (i), parece-nos que ela tem o seu lugar e
a sua função em história, mas um lugar e uma
função muito diferentes que as que ela apresenta
em moral.
Pode, talvez, mesmo dizer-se que foi o poder
de sugestão da noção de valor em moral que le-
vou Bernheim, Rickert, Windelband, Grotenfelt
e XÉNOPOL a encararem pela maneira como o fa-
zem, tal noção em história.
Ao contrário do que teem dito alguns teóricos
da história a noção de valor deve ter um sentido
muito diferente do de interesse do nosso espirito
pelos fenómenos materiais ou morais que caem
sob a nossa atenção. Foi, precisamente, o erro
de se haver considerado o valor como sinónimo
de interesse do espirito que tornou tal noção me-
ramente pessoal, subjectiva, arbitrária^ e, por-
tanto, anti-scientífica.
Ora, nem a noção de valor nas sciências de
leis, isto é, nas sciências da natureza, reside —
parece-nos — na apreciação das noções gerais
concluídas por essas sciências, nem em história
ela consiste — quanto a nós — na estimação «dos
grandes clichés da cultura humana».
Se assim não fosse, se a sciência dependesse
de tal noção de valor não haveria tantas e tais
sciências quantos e tais fossem os objectos do
i) XÉNOPOL, ibidem, pág. 149.
521
conhecimento, mas segundo os sujeitos, os espí-
ritos, que estudam os fenómenos.
Deste modo, não haveria uma física, uma quí-
mica, um grupo de sciências médicas e outro de
sciências históricas; mas haveria a física do sr. A,
a química do sr. B, a medicina segundo o sr. G,
a história segundo o sr. D. Tomando as cousas
neste sentido aa nota pessoal é inseperável da
idea de valor» — como diz Xénopol. Mas, tal
não deve suceder.
Ora, as hesitações de Rickert, as contradições
de Grotenfelt e de alguns outros lógicos da his-
tória, os comentários de Xénopol e as tendências
ecléticas de outros devem desaparecer, e desapa-
receriam se à iiocão de valor se desse um sentido
>
mais definido, rigoroso e claro na impossibilidade
de ser preciso e nítido como é — por exemplo
— o do sistema de unidades c, g, s, da física.
O erro da noção de valor por parte de alguns
teóricos da história resulta do seu erro de con-
cepção da história.
Assim, Bernheim define a história expositiva-
mente, quási como outros explicam a moral, isto
é, como o estudo e a exposição seguida das
acções do género humano «no seu encadeamento
causal» ; eWiNDELBAND vê nela só o lado exterior,
considerando-a como o conjunto das memórias
da humanidade. Rickert faz da história uma
idea mais profunda, vendo nela uma sciência que
se ocupa em primeiro lugar dos fenómenos espi-
rituais, que estuda o desenvolvimento exclusivo
522
da vida do espírito humano, proclamando tam-
bém que a história é uma sciência do espirito (i).
Mas, ao passo que os dois primeiros teóricos
parecem formar da história uma noção muito
exterior e superficial, Rickert cai no extremo
oposto, fazendo dela uma idea, a um tempo muito
abstrata, e muito limitada e especial. E que na
evolução da humanidade não se deve, apenas, ter
em vista a evolução do espírito, pois este, sendo
a mais alta expressão da evolução humana e a
última manifestação da vida individual e cole-
ctiva, é antecedido pela evolução material —
económica, política, etc. — da humanidade.
(i) Também, nos, já por nós citados, Grer^en Rickert escreve
que «três factos determinam o carácter da história: i." os seres
de valor são seres espirituais ; 2° os valores gerais são valores
humanos ; 3.° os valores humanos são valores sociais. Os va-
lores culturais tornam possíveis a história, e o desenvolvimento
histórico produz só valores culturais»,
Xpnopol, io loç. cit., pág. 145.
CAPÍTULO VII
A nossa colecção de documentos inéditos
1.° — A análise e a síntese em história
Expusemos no capítulo antecedente qual o lu-
gar da história no quadro geral das sciências. e
vimos quais as concepções de Cournot, Xénopol,
H. RiCKERT, Karl Lamprecht e vários outros teó-
ricos e práticos da história sobre a natureza
scientífica e o carácter de precisão em história.
Também^ notámos qual a influência que teve
na metodologia genética da história o principio
de evolução tirado das sciências naturais, e, por
sua vez, qual a aplicação de tal principio aos
problemas das sciências da natureza e ás ques-
tões das sciências do espírito ; e salientámos qual
o grau de relação entre a história e a psicologia
e a sociologia, expondo sucintamente os pontos
de vista de H. Rickert, Xénopol, Paul Lacombe,
Taine, George Simmel, Ed. Mayer, Emile Reich,
GuiDO ViLLA, KuRT Breysig, Spranger, Bernheim,
etc, e a interpretação psico-sociológica da his-
tória segundo K. Lamprecht.
Vimos que, se são grandes as variantes de cri-
524
tério, não são elas em menor número no que res-
peita à natureza, objectivo e aplicações da história ;
tratámos, com algum desenvolvimento, do método
histórico ; e, por último, ocupámo-nos da noção
de «valor» em história. É ainda a um ponto da
metódica histórica que nos vamos referir aqui,
tratando da função da análise e da síntese nessa
sciência.
É hoje um principio geralmente estabelecido
em história que esta deve começar pela análise,
não passando à síntese senão quando aquela tiver
terminado as suas funções.
Segundo Boutroux essas ideas vêem da íiloso-
íia do século xviii, á qual já, por sua vez, assen-
tava em LocKE e em Francisco Bacon, pois este
«distinguindo radicalmente os factos e as leis, e
condenando a hipótese na investigação destas
últimas, prescreve que primeiro se elaborem qua-
dros completos de factos antes de procurar as
leis que deles devem resultar» (i).
Parece-nos bem escusado ir — como o emi-
nente pensador francês — a Bacon procurar a in-
fluência do empirismo na história, pois, mais evi-
dente e lógico se nos mostra o ascendente do
espírito objectivo das sciências da natureza sobre
as sciências históricas.
É certo que, dizia Rénan : «Emquanto todas
as partes da sciência não estiverem esclarecidas
(i) Ver Artigo sobre Histoire et synthèse^ in Revue de Syn-
thèse Historique, i^oO; pág. 9.
525
por meio de monografias especiais, os trabalhos
de carácter geral são prematuros», e que, jà, es-
crevia Fustel de Coulanges: «É preciso toda uma
vida de análise por uma hora de síntese» ; mas
não há dúvida que tais afirmativas não podem
ser consideradas rigorosamente, ao pé da letra,
sob pena de ser impossível a síntese e, daí, toda
a sciência. E os próprios que tal disseram se-
riam os primeiros a terem que confessar que o
que fizeram, o que escreveram, não era sciência,
pois não podiam ter a pretensão de haverem
esgotado as análises dos assuntos sobre que
escreveram.
Antes, tais apriorismos devem ser considerados,
apenas, como prevenções e conselhos de prudên-
cia, querendo significar — como escreve Boutroux
— «que toda a antecipação do espírito é neces-
sariamente temerária, se não tivermos nenhuma
razão de supor que nas cousas haja ordem e ló-
gica» (i).
Assim, aplicando a anáhse e praticando o es-
tudo de detalhe não se deve esquecer, como
essencial complemento, a utilização da síntese, a
vista de conjunto, pois, como diz aquele pensa-
dor, «na realidade as duas operações são soli-
dárias e inseparáveis, porque o pensamento hu-
mano quando age vê as cousas como partes for-
mando todos, e como todos divisíveis em partes.
Pensar, é, precisamente, considerar o múltiplo
(i) In ob. cii , pág. IO.
526
em relação ao uno, e o uno em relação ao múl-
tiplo» (i).
Tem razão Boutroux. A análise e a síntese
supõem-se reciprocamente.
Como êle diz, e como nós havemos de praticar
nos volumes desta colecção, da massa dos docu-
mentos devem extrair-se certas ordens de factos
que pareçam mais dignos de serem salientados,
sendo para isso necessário que se entre no estudo,
na análise documental com os conhecimentos
dos grandes acontecimentos, dos factos gerais,
que, por serem os primeiros e mais seguramente
conhecidos, devem servir de guias no estudo e
determinação dos pequenos. Assim, o detalhe
será, senão descoberto, pelo menos conhecido
pelo conjunto, e o conhecimento resultará do so-
matório e da síntese dos conhecimentos de de-
talhe.
Depois, para bem conhecer e compreender os
acontecimentos é essencial estabelecer as relações
>
causais entre os factos, e essas relações só ressal-
tam de conhecimentos psicológicos, históricos e
sociológicos — os quais, pela sua natureza, são
gerais e sintéticos.
Mas, há mais. Gomo diz — com inteira razão
— o eminente pensador que vimos seguindo :
«Eníin, c'est un besoin três vif et três legitime
chez Fhistorien, que de se rendre compte et
d'informer son lecteur de la signiíication et de
(i) Ibidem, pág. ii.
527
la porte des résultats qu'il a obtenu». E aduz :
«Cest à cette oeuvre de condensation et de sim-
pliíication compréhensive que se reconnaissent
les esprits vigoureux, ceux qui savent transmuter
les faits en idées sans rien laisser perdre de leur
substance». E continua, luminosamente : «Cest
ce travail qui est vraiment Ia prise de possession
des documents historiques par rintelligence hu-
maine, comme la réduction des phénoménes phy-
siques en formules matématiques est la prIse de
possession de la matière» (i).
A primeira operação do trabalho histórico é,
poiâ,uma manifestação de carácter analítico, con-
sistindo na busca e recolha dos documentos ou
heurística, e na análise e crítica de cada um.
De resto, tal carácter analítico não é uma par-
ticularidade da história, pois outro tanto sucede
nas sciências da natureza. É sempre do agru-
pamento de observações e experiências e da sua
comparação que resultam as leis e princípios
sobre os quais assenta cada sciência.
Mas, a particularidade da história consiste em
fazer todo esse trabalho analítico indirectamente
sobre factos passados e com o material consti-
tuído pelos resíduos, vestígios ou traços — 09
documentos — desses factos, sem que seja possí-
vel exercer sobre estes qualquer fiscalização por
eles não serem repetitórios, hmitando-se toda a
inspecção aos documentos.
(i) E. BouTROux, ob. cii.t pág, ia.
528
Tal característica do trabalho histórico implica
por parte dos eruditos e historiadores qualidades
pessoais importantes não só no que respeita ao
saber, mas à acuidade da inteligência, à intuição
do espírito, sem, contudo, se dever chegar às pro-
fecias e adivinhações.
Dizia, cora razão, Fustel de Goulanges : «II n'y
a pas de divination en histoire. Le meilleur his-
torien est celui qui voit le plus profondément et
le plus exactement».
Assim, o trabalho histórico demanda da parte
de quem o efectua especiais qualidades de inteli-
gênci-a, uma subtilesa e um esprit de Jinesse enor-
mes, perfeitos, vivos.
Tratando do espírito da investigação escreve
ainda Fustel de Goulanges : «La recherche n'est
pas la compilation». E, explica : «II y a des éru-
dits, et son sans mérite qui se bornent à recueil-
lir, à noter ; ils font la compilation ; il y en a d'au-
tres qui, tout en recueillant et notant ne se con-
tentent pas de ce qui s'oífre, sondent, regardent
audessous des textes, fouillent sous les apparences
premières ; ils font de la recherche. II y a de
même en chimie et en toute ácience des compila-
teurs, des chercheurs»(i).
Mas, não basta realizar as operações analíticas
da colheita de documentos e as do estudo minu-
cioso e crítico de cada um. Necessário é reunir,
dispor, seriar, organizar, esses documentos em
\\) Ver Revue de Syntèse Historique^ tômcrii, pág, 255.
529
corpo de sciência» e os factos de que eles tratam
em «corpo de realidade», isto é, necessário se
torna realizar o trabalho sintético (i).
Porém, é de recordar que essas duas formas
do trabalho histórico são inseparáveis para a
elaboração de uma obra próxima da perfeição e
completa. Apenas com as operações analíticas
não se pode conseguir a construção da obra his-
tórica, pois só pela* ligação dos disjecta membra
é possível organizar um corpo de verdades e insu-
flar-lhe vida e espírito : esta é a missão do tra-
balho sintético.
Separar essas duas modalidades do trabalho
histórico é arriscar ou a solidez dos seus funda-
mentos ou a perfeição e íinaUdade da própria
obra.
Só o trabalho de análise documental e só os
estudos de erudição não bastam para a recons-
tituição de um facto ou de uma época, nem para
a vivificação de um personagem.
Mas, de pouco valem, pela falta de solidez e
pela fraqueza de exactidão os trabalhos só de
síntese, e que vivem apenas de uma crítica reno-
vada e de uma nova interpretação dos dados já
existentes. E este mais ou menos o caso da fa-
mosa obra de Guilherme Ferrero, A grandeza e
decadência dos romanos
(i) Ver Ernest Bernheim> Manual de Metódica Histórica (em
alemão) ; Lanolois e Seignobos, Introdução aos Estudos Históricos
(em francês).
53o
O Dr. S. Jankelevitch, fazendo a crítica da
obra de Guilherme Ferrero — A grandeza e de-
cadência dos romanos. I A Conquista — apresenta
ideas e arrisca algumas afirmações de carácter ge-
ral sobre a teoria da história que, sendo susceptí-
veis de discussão por estarem longe de corres-
ponder à verdade — na nossa opinião, — são de
citar porque apresentam um ponto de vista que^
longe de ser exclusivo desta crítica, é hoje alguma
cousa seguido.
Escreve Jankelevitch :
«Se o grau de precisão dos nossos conheci-
mentos relativos ao passado não dependesse se-
não do número de textos, de fontes, de docu-
mentos utilizados em favor de tais conhecimentos,
haveria mais de um período histórico acerca do
qual estaríamos no direito de afirmar que o co-
nhecíamos de uma íorma perfeita, imutável, ne
varietur,
«Contudo, parece que tal assim não é porque
a cada instante vemos aparecer novos trabalhos
relativos a períodos que pareciam ser o melhor
conhecidos e que, cousa interessante, não se
apoiam sobre nenhum documento novo, sobre
nenhum texto inédito.
«(iQual é, pois, o elemento verdadeiramente
novo que estes trabalhos apresentam, em que é
que eles vêem enriquecer os nossos conhecimen-
tos, qual a sua utilidade teórica ou prática ?
«A resposta a estas perguntas não apresentará
nenhuma dificuldade se se quiser admitir que ao
53i
lado da erudição que forma a base dos estudos
históricos, há a síntese que é o seu complemento,
e que tem por fim reunir os materiais fornecidos
pela erudição tendo em vista uma interpretação
de conjunto».
E continua :
«Ora, se a erudição constitue a parte por assim
dizer impessoal, objectiva, permanente dos estu-
dos históricos, a síntese é a pai te subjectiva, va-
riável, deles, não dependendo as suas variações
do capricho ou das preferências puramente pes-
soais do historiador, mas do meio histórico no
qual êle vive, dos grandes problemas sociais e
políticos que agitam a sua época e que, desco-
nhecidos dos historiadores que o tinham prece-
dido, inspiram-lhe analogias novas, permitindo
aplicar ao passado um ponto de vista igualmente
novo».
E acrescenta :
«E, pois, de presumir que dos nossos dias espe-
cialmente, em que a era por assim dizer a analítica
dos estudos históricos pode considerar-se cerrada
o número de trabalhos consagrados à síntese irá
aumentando à proporção que novos problemas
surjam, os quais, alargando a nossa experiência
histórica pessoal, actual, nos permitirão apreen-
der o passado numa síntese ao mesmo tempo
mais vasta e mais compreensiva».
É esse processo sintético e psicológico que G.
Ferrero procura aplicar na sua obra monumental
sobre a história de Roma, reduzindo esta a uma
532
luta de classes, ao produto de uma acção interna
que teve como consequências : a transformação da
tradicional república aristocrática e agrícola num
grande império mercantil e democrático, a subs-
tituição da antiga hierarquia social e política,
baseada na tradição, por uma outra organização
mais aberta e flexuosa — mercantil, plutocr ática
— baseada na posse.
Em história, mais que em qualquer outra sciên-
cia, é necessário o maior cuidado com as cons-
truções subjectivas, imaginosas, onde pode haver
muita intuição, muito engenho, mas tudo isso
nada mais faz que comprometer a confiança numa
obra quando a esta falta uma grande e sólida
base documental.
Já vimos no capítulo anterior que a imagina-
ção apresenta na reconstituição histórica um im-
portante papel, e, até, no pensar de alguns, uma
função dominante. É certo que não desdenhamos
o papel da actividade criadora do espírito em
história, sabendo que tal actividade não é origi-
nariamente criadora, pois ela tira os seus ele-
mentos de construção das recordações conser-
vadas no nosso espírito ou directamente dos fa-
ctos a que asssistimos e de que tratamos — como
nas memórias, autobiografias, etc. — ou da lei-
tura e estudo de documentos ; mas essencial se
torna não confiar muito, e, ainda menos, só, na
imaginação, antes importa, no mais alto grau,
fiscalizar esta.
Ora isso nem sempre tem sido feito entre nós
533
— por exemplo — mesmo no período contempo-
râneo. Mas não é só por cá que se tem abusado
da imaginação em história, tirando juízos, con-
cluindo afirmações, de puras hipóteses, de meras
conjecturas criadas em todas as suas partes pela
imaginativa dos seus autores. Também a histo-
riografia contemporânea estrangeira nos apre-
senta— e bem numerosas vezes — casos idênticos.
Assim, na Introdução ao primeiro número da
Repue Historiqiie, escrevia Gabriel Monod, em
1876, dizendo que a França estava num período
ade preparação, de elaboração de materiais que
servirão depois para construir edifícios históricos
mais vastos». E, segue: «Les esprits générali-
sateurs, les artistes, viendront à leur tour mais
animes de reserve et de prudence, ne se servant
que de matériaux éprouvés et authentiques, et
laissant volontairement inachevées les parties de
Tédifice que la science ne peut retrouver et dont
rimagination seule peut deviner vaguement les
formes probables» (i).
Também Renan escrevia : «Aussi long temps
que toutes les parties de la science ne seront pas
élucidées par des monografies spéciales, les tra-
vaux seront prématurés», e é bem conhecida e já
foi por nós, aqui, citada a frase de Fustel de Cou-
LANGEs: «II faut toute une vie d'analysc pour une
heure de syntèse».
(i) Ver nessa Reviie^ primeiro ano, pág. 34 e 35.
534
2." — Âs publicações documentais
A primeira forma do trabalho analítico consiste
nas diligências sobre a Hauristica, isto é, nas
opecaçôes tendentes a conhecer onde estão os
documentos sobre determinado assunto e quais
são, e a fazer o seu estudo.
Apesar do que diz Seignobos, na Introdiiction
aux études historiques, é cada vez mais definida
a divisão do trabalho em história. O 'erudito^ ou
historiador de análise^ tende cada vez mais a tor-
nar-se o investigador das fontes em primeira mão,
o seu critico maximamente minucioso e reflexivo,
e o editor das colecções de documentos inéditos ;
o historiador de síntese, ou, simplesmente, histo-
riador, reserva para si o trabalho de construção
sintética sobre os dados fornecidos pelo erudito
nas suas análises.
Por isso, é cada vez maior a obra de publica-
ção de documentos inéditos levada a efeito em
todos os países civilizados — como já vimos nos
capítulos anteriores. Efectivamente, teem sido
encontrados e publicados documentos preciosos
que teem vindo renovar a história, trazendo no-
vos conhecimentos os quais hão feito surgir no
espírito dos historiadores novos critérios.
Apesar de tais normas bem objectivas e críticas
do trabalho histórico terem a sanção geral e o
aplauso unânime uma outra voz — ontem mais,
e hoje muito menos — se levanta aqui e acolá
535
contra a chamada cassa ao inédito. Entre essas
vozes dispersas encontra-se a de Brunetière —
figura de grande valor na historiografia da litera-
tura francesa, e que por isso nós vamos patentear,
tanto mais que o ponto de vista desse historiador
é o de todos que se teem erguido contra o que
chamam : o abuso dos inéditos.
No decurso desta obra temos visto quão grande
tem sido a importância que se tem dado às pu-
blicações documentais. E, não admira que isso
tenha sucedido.
Na história política, militar, diplomática, eco-
nómica e social os documentos são os traços, os
vestígios e as provas objectivas que teem deixado
as ideas e os actos humanos.
E, pois, pelos documentos, pelas fontes, que
podemos adquirir conhecimentos e formar ideas
sobre os factos passados. E, se o fim ideal da
história consiste — como diz G. Monod — em re-
constituir, na série dos tempos, a vida integral da
humanidade, ou, pelo menos, na reconstituição
parcelar do passado humano numa das suas ma-
nifestações, não há dúvida que sem documentos
nada disso será possível.
Por isso, é opinião universalmente estabelecida
que a precisão e o rigor dos conhecimentos his-
tóricos crescem na razão directa dos conheci-
mentos documentais.
Porém, na história das ideas, e na história
literária, a importância dos documentos inéditos
não é tão essencial e-tão importante como nas
536
outras especialidades históricas, se bem que, tam-
bém, sem o socorro dos documentos se não possa
fazer critica literáfia sem fazer história.
Assim, Sainte-Beuve podia notar, com mal in-
sofrido despeito, a febre que já no seu tempo
lavrava da descoberta e da publicação de docu-
mentos ; e, depois, F. Brunetière — muito mais
critico literário e historiador de síntese que inves-
tigador— censurava^ há quarenta anos, com al-
gum azedume, «la fureur des inedits», referindo-se
a aTenvahissement d'une vaine et fausse érudition
dans le domaine des lettres, ou même de This-
toire».
A seguir, Brunetière diz que aos olhos de um de-
cifrador de textos ou de um editor de inéditos que
importa a: «scienceet conscience, íinesse dugoút,
súreté du tact, art de choisir, art de composer, ima-
gination du style, bonheur de Texpression, esprit
ou grâce, éloquence ou force, tout ce qui s'est ja-
dis nommé du nom de talent, ou de génie même» ?
E, assim, depois de enumerar as qualidades
que devem caracterizar, segundo êle, um histo-
riador literário — e que são as suas próprias cara-
cterísticas, — êle lá chega a fazer uma concessão
mais ou menos generosa, escrevendo: «Ce n'est
pas, à la vérité, que les documents inédits ne puis-
sent quelquefois, en littérature comme en histoire,
servir de quelque chose».
E, depois de aludir às descobertas de docu-
mentos que teem esclarecido a biografia de Vol-
taire e à «história da vida e das obras de Mo-
537
LiÈRE», e de dizer que apesar disso tais descobertas
não influíram no conhecimento e apreciação ge-
rais dos autores e das obras escreve : «J'accorde-
rai donc qu'un document inédit ne manque tou-
jours d'intérêt». E acrescenta: «Je dirai plus :
on se résignerait même, et Ton subirait volon-
tiers ce débordement de paperasses s'il n'y avait
rien autre chose à faire, et que nos érudits, avant
de proceder à ces inventaires d'archives, nous
eussent donné toul ce que nous sommes en droit
d'attendre et d'exiger d'eux».
Passa a afirmar que «cette chasse auxinédits»
desvia a crítica e a própria erudição do seu con-
veniente caminho, e dando vários exemplos das
lacunas que então, em i883, experimentava a
historiografia literária francesa, êle incita os eru-
ditos a «commencerpourlegrosdeTouvrage», em
vez de esgotarem a «publier leurs petitspapiers».
No seu desenvolvido estudo Brunetière passa
a referir-se aos incidentes erroneamente atribuídos
a certos escritores por aqueles que levam a vida
a investigar papéis, em vez de lerem e de estu-
darem as obras dos próprios escritores (i), e isto
(i) Brunetière cita o caso curioso do investigador Louis-
-AuGUSTE Ménard ter publicado, como versos inéditos de Bossuet,
cerca de Soo ou 400 que figuravam já em todas as boas edições
ultimamente publicadas das obras do famoso orador sagrado. Du-
rante uma semana ninguém deu por isso, gastando se o tempo e
o esforço a discutir a autenticidade dos versos. O mesmo Mé-
nard pouco tempo depois revelava como inéditas fábulas de La
FoNTAiNE os medíocres Contes Galans que já estavam impressos
há mais de 200 anos, e eram da autoria de M,""* de Villedieu,
538
sem tomar em conta a fabricação e falsificação
de inéditos; e, depois, manifesta-se contra a pu-
blicação das pequenas notas, esboços, ensaios
de escritores e oradores que nada adiantam no
conhecimento e apreciação das obras, e podem
embaciar o prestígio dos seus autores (i).
Aqueles que desejam «renovar» os assuntos de
estudo, êle recomenda: «Lisons un peu plus d'a-
bord, lisons surtout plus consciencieusement», no-
tando quantas cousas novas havia ainda a encon-
trar na Correspondance de Grimm, no Année litté-
raire de Fréron, no Journal encyclòpedique de P.
Rousseau (2). E, depois de dizer que se aos histo-
riadores não basta ler, profundar as obras, rece-
ber delas a impressão directa, e de nada dizer que
nesse estudo não se haja pensado por si próprio,
nota que há um outro meio de renovar os assuntos
e que consiste em : «les étudier dans Thistoire
autant qu'en eux-mêmes, de les suivre à travers
les révolutions du gôut, d'en épuiser enfin la di-
versité d'aspects, et par le souci du détail cara-
ctéristique d'y introduire en quelque sorte Tani-
mation de la vie». Exemplifica que foi isso que
fez Sainte-Beuve no seu admirável Port-Royal,
e pedíamos acrescentar que foram esses os pro-
()) È o caso de certas pequenas obras de Corneille, Molière
e La Fontaine.
(2) É o caso da Histoire de la littér ature française, da Desiré
NiSAUD, que é quási exclusivamente o produto da «leitura cons-
cienciosa» das obras dos escritores franceses.
539
cessos de trabalho seguidos pelo próprio Brune-
TIÈRE.
Com esse ponto de vista não admira que a
Saint-Beuve, ao Taine da Histoire de la littérature
anglaise, e ao mesmo Brunetière pouca falta
fizessem os documentos inéditos.
Esses e outros autores do género foram muito
mais críticos que historiadores, e quási-nada in-
vestigadores. O que os interessou foram as obras
em si, a sua belesa, o seu poder de expressão, a
sua força emocinal. Mas, isso não é história : é
critica. E o próprio Brunetière lá o diz, quando
indica o objecto próprio da critica: «interpréter
les oeuvres, et à mesure qu'elles vivent plus long-
temps, trouver des raisons plus profondes pour
expliquer cette vitalité». Se a história se limi-
tasse às questões de critica literária talvez se po-
desse dizer — e ainda assim só incompletamente
— com Brunetière: «On ne voit pas bien ce
qu'ont à faire, en tout cela, les documents iné-
dits» (i).
Vamos tratar agora das especializações no
domínio do trabalho histórico, e, especialmente,
da diferença de objectivos e de métodos de es-
tudo entre os historiadores e os eruditos.
( I ) o estudo de Brunetière, a que nos temos vindo reportando,
foi publicado, com o título de La Fureur des InédUs na Revue
des Deux Mondes, de i de Outubro de 1 883.
540
Ainda que Georges Bohn diga que «as grandes
descobertas em sciência são raras vezes devidas
a especialistas», e que «os especialistas nunca
exerceram uma profunda influência no movi-
mento das ideas, não sendo entre eles que se
tem recrutado os verdadeiros inventores» (i), o
certo é que a vastidão da sciência leva-nos, for-
ça-nos, impele-nos para o especialismo.
Não há dúvida que, como diz M. Bohn : «E
necessário uma cultura geral para formar artistas
e sábios verdadeiramente originais»; mas não é
essa cultura geral incompatível com a especiali-
zação, antes se completam, servindo aquela de
quadro geral e esta de detalhe de um ponto desse
quadro de cultura.
Também, não é de esquecer a conclusão de Le
Dantec : «il n'y a nulle part, dans le champ de la
connaissance, de barrière que limite le domaine
propre de la science». E já muitos anos antes
escrevia Fustel de Coulanges: «A en croire cer-
tains esprits, il faut borner le travail à un point
particulier, à une ville, à un événement, à un
personnage, tout au plus à une génération d'hom-
mes. J'appelerai cette méthode le spécialisme».
Logo justifica e pergunta : «EUe a ses mérites
et son utilité ; elle peut reunir sur chaque point
des renseignements nombreux et súrs. Mais
est-ce bien la le tout de la science ? Supposez
cent spécialistes se partageant par lots le passe
(i) In Mercwe de France, de i de Fevereiro de 1921, pág. 772.
541
de la France; croyez-vous qu'à la fin ils auront
fait rhistoire de la France I^ J'en doute bcau-
coup : il leur manquera au moins le lien des
fails; or ce lien est aussi une vérilé historique» (2).
Também, o eminente pensador e pedagogista
LiARD diz nas Pages éparses, sobre o mesmo
assunto: «Especialidades, sem dúvida alguma
que são precisas na sciência... Mas a especia-
lidade não é a separação; a distinção não é o
isolamento. Pelo contrário, quanto mais a sciên-
cia penetra no detalhe infinito das cousas mais
são necessárias as fontes de reparo e as vistas de
conjunto. O especialismo exclusivo é uma mão
que pulveriza as ideas. É-lhe preciso um cor-
rectivo: as concepções gerais. O especialismo
estreito que não se liga a ideas mais largas não
apreende senão um muito limitado canto da reali-
dade, sem a compreender, porque compreendê-la
é ligá-la ao conjunto. Tudo o que vive é uno ;
tudo o que evolue é-o igualmente ; e é não ver
senão um dos efeitos da evolução considerar so-
mente as distinções que ele estabelece».
Não há dúvida que é á divisão da matéria de
estudo, que é ao especialismo corrente que a
sciência e as suas aplicações devem os seus pro-
gressos, convindo — como entende Liard — não
abstrair inteiramente das ideas de conjunto, e,
antes, ter como correctivo as concepções gerais.
Em história sucede o mesmo.
(2) Vef .• Revue de Synthèse Historique, tomo n^ pág. zSg,
$42
Devidp à complexidade e delicadeza do tra-
balho histórico, sucessivamente mais vasto e exi-
gente, é cada vez mais essencial a divisão de tal
tarefa por duas ordens de obreiros : o erudito e
o historiador.
É certo que essa separação de funções já existia,
mas o motivo actual de tal divisão de trabalho
é diferente do outrora apresentado e justificado.
Não são apenas as funções inteiramente diver-
sas do historiador e do erudito que justificam tal
divisão de trabalho, o que também condiciona
esta — ou deve condicioná-la — é a especial pre-
paração scientífica e técnica, e, ainda, o tempe-
ramento e as tendências de espirito dos que se
dedicam aos estudos históricos.
O erudito necessita ter conhecimentos scientí-
ficos e técnicos especiais, e muito profundos, sobre
os períodos e os assuntos de que trata, e, antes
de tudo isso, deve dispor de um temperamento
frio^ minucioso e paciente, e ser dotado de um
fundo espirito analítico, do amor do detalhe.
O historiador, por sua vez, reclama uma boa
cultura geral, uma inteligência vasta, aptidões
generalizadoras de espírito e um grande poder de
síntese.
Apesar disso, nem o erudito deve abstrair do
trabalho de síntese nem o historiador deve des-
denhar os estudos de detalhe, as operações da
crítica documental a que bastas vezes terá de re-
correr.
Há, assim, uma interpenetração de campos e de
543
normas de trabalho que importa sempre ter em
vista. Os volumes desta Colecção de inéditos —
que é uma obra de erudição • — irão provar pra-
ticamente que isso assim é, pois a pessoa en-
carregada de uma obra de tal natureza não se
quere — nem se deve — limitar a ser puramente
um colector e editor de documentos (i).
Em todo o caso, não há dúvida que se pode
delimitar a erudição da história, que se podem
estabelecer balizas entre as funções do erudito e
as do historiador (2).
3.** — Â nossa colecção de documentos inéditos
da história de Portugal
Apesar do que possam dizer os seguidores de
Brunetière contra a divulgação dos inéditos tais
publicações por toda a parte se vêem multipli-
cando. O que, de resto, é inteiramente lógico.
Considerando que sem documentos não há
história, tudo o que venha a realizar-se no sen-
tido de tornar conhecidos estes, é contribuir, im-
plicitamente, para os progressos de tal sciência,
aumentando-lhe as suas possibilidades de certeza
e o seu grau de exactidão.
(i) Quem percorrer o primeiro volume desta colecção, já pu-
blicado — As Impressões de um Diplomata Português na Corte de
Berlim — encontrará na primeira parte e nas notas desse trabalho
muita história geral da Prússia, e até dos países da Europa Cen-
tral.
(2) Ver sobre este ponto, as excelentes considerações deLAN-
OLOts e Seignobos, ob. cif., pág. 92 a 1 16.
544
Temos visto neste trabalho como tem sido im-
portante a obra realizada em favor das publica-
ções documentais, e acabamos de estudar a jus-
tificação filosófica e scientifica de tais publicações
com o critério crescentemente objectivo — que
passando das sciências da natureza para as do
espirito se tem tornado cada vez mais predomi-
nante em história.
Mas, não foram só esses motivos de carácter
geral que nos levaram a propor e a empreender
esta delicada, complexa e pesada tarefa. Ou-
tros, igualmente importantes, foram os móveis da
nossa iniciativa — e o são da nossa obra — de-
vendo salientar, entre os principais: um de ca-
rácter scientífico, e outro de natureza moral. Isto
é, além de procurarmos contribuir para um mais
completo esclarecimento dos factos da nossa his-
tória, pela publicação dos documentos, temos,
também, em mira um objectivo moral^ educativo
— a incidência sobre o espirito público num sen-
tido patriótico, liberal e progressivo — e, é óbvio,
— sem excluir ou esquecer jamais a verdade.
O empreendimento que temos em vista realizar
é ao mesmo tempo uma obra de erudição e uma
obra de história. Nisso se diferença da maioria
das empresas similares realizadas no estrangeiro,
ê que teem produzido quási exclusivamente —
pode dizer-se — obras de erudição.
Esta nossa será uma obra de erudição, porque
ao realizá-la temos em vista patentear os doeu-
ftientos — que são os vestígios dos factos passados,
545
— aproximar estes e restabelecê-los no seu con-
junto e nas suas consequências, quere dizer : temos
em vista procurar a realidade histórica. Mas,
procuraremos que também deste empreendimento
resulte uma obra de história, e esse carácter ser-
-Ihe há dado pela interpretação não só dos docu-
mentos como dos factos que aqueles descrevem.
Assim, à realidade histórica fornecida pelo es-
tudo e publicação dos documentos virá acrescer
a verdade histórica proveniente da interpretação
dos factos registados nos documentos e da coor-
denação daqueles com outros já conhecidos.
Como diz P. Lacombe : «L'érudition et rhistoire
sont deux moments distincts d'un même ouvrage.
Sans érudition, pas d'histoire ; mais sans Fhistoire
íinaie, ['érudition ressemble à une bâtisse inache-
vée, à qu'il manque ce qui la justifie, la possibilite
d'être habitable». E mais adiante: wNon seule-
ment, sans Thistoire, Férudition serait une chose
assez vaine, mais elle peut devenir un danger pour
Tesprit humain».(i).
Assim, esforçando-nos por publicar em cada
volume ou série de volumes as colecções docu-
mentais que formem um conjunto e tenham uni-
dade— seja esta de proveniência, de assunto ou
de cronologia — serão essas obras geralmente di-
vididas em duas partes : a primeira destinada à
interpretação, comentário e crítica dos assuntos
(i) P. Lacombe, De VHistoire considérée comme science, 1894,
pág. X.
35
Í4^
emergentes dos documentos publicados e até
mesmo, por vezes, dos próprios documentos em
si ; a segunda parte destina-se à publicação, quási
sempre in-extenso, dos conjuntos documentais,
reservando especialmente para esta o estudo crí-
tico de tais documentos.
Assim, não se tratará, nesta colecção, simples-
mente, da edição de documentos segundo as re-
gras prescritas em tais ordens de trabalhos, tra-
tar-se há, também, da interpretação política,
social, económica, scientífica, religiosa e moral,
dos assuntos versados, segundo a natureza destes.
Como diz George Simmel: «Se não colocásse-
mos um sentido por trás de todo o acontecimento
histórico, uma intenção por trás de todo o acto
exterior, um sentimento por trás de toda a deter-
minação externa, não haveria história; só a inter-
pretação lhe confere uma significação» (i).
Diz, com um aspecto de triunfador, Max Nor-
DAU que a interpretação é arbitrária e puramente
subjectiva, e, por tanto contrária à sciência(2).
A história não vale só por si, e como simples
repositório descritivo de acontecimentos pas-
sados, mas sim pela lição moral que conteem os
factos que ela encerra e descreve. E, se isso é
exacto por toda a parte com mais razão o deve
ser nas democracias. É que aí o historiador não
(i) G Simmel, Die Problema der Geschichtsphilosophie^ 1892,
pág. 43.
(3) Max Nordau, Le Sens de VHistoire, 1910, pág. 7, 8, 10,47.
SI
54^
se deve limitar a ser um homem de sciência, máú
deve esforçar-se por ser também um educador e
um homem de coração.
E — e assim deve ser — às obras de alta eru-
dição que os prefessores de ensino primário, de
ensino médio e, até, de ensino superior vão buscar
o alimento das suas lições, das suas prelecções e
dos seus discursos docentes e extra-escolares ; e
os autores dos compêndios e manuais de ensino
é aí que vão procurar o socalco das suas obras
didácticas.
Thiers no prefácio da sua História do Consu-
lado e do Império apresenta como objectivo da
história a reprodução fiel do passado sem nada se
lhe juntar, acrescentando que a história deve ser
como um grande espelho, e de uma transparência
tão perfeita que seja capaz de reíletir por tal forma
os objectos expostos que se julgue vê-los através
do quadro do espelho, sem que se dê pelo vidro.
Contra tal forma de conceber a história mani-
festa-se Michelet perguntando : ^ O historiador
não deve ter alma nem consciência ? ^ Ele deve
ficar indiferente, impassível, ante a luta eterna da
virtude contra o vício, da liberdade contra o des-
potismo ? E logo retruca : ; Não 1 O historiador
deve conduzir os homens para o bem. E, ainda,
acrescenta que: «a história dá-nos uma lição,
eterna ; ela ensina que a virtude e a liberdade
estão destinadas a triunfar. Não é possível, em
presença de tudo isto, ficar indiferente».
Contudo, é de notar que o ponto de vista de
548
MiCHELET constitue uma recrudescência da eterna
questão sobre a natureza e o verdadeiro fim da
arte.
Ora, a verdade é que a obra de arte deve ten-
der, acima de tudo, a apresentar-se a nós como
uma criação do espírito do artista, e em história
nada disso se deve dar. Efectivamente, se. po-
demos exigir da arte que «transforme os objectos
naturais em substância do espírito do artista para
depois os reproduzir, expressando neles os seus
sentimentos e as suas ideas, com a história nada
disso se passa.
Continuam ainda na ordem do dia das discus-
sões sobre os intuitos e desígnios da história: se
esta deve ter apenas um fim didático de elucida-
ção sobre o passado, de reconstituição de per-
sonagens e factos idos ; ou se ela também deve
ter objectivos de carácter moral, não deixando
ainda hoje este critério sobre os objectivos morais
da história de ser compartilhado por muita gente.
Por isso, não basta que tal alimento seja sadio
e que os materiais sejam sólidos: é essencial que
os elementos a utilizar por esses vulgarizadores
sejam, além de convenientemente escolhidos e
fiscalizados no ponto de vista da sciéncia e da
moral, comentados e expostos, tendo quanto pos-
sível em atenção os intuitos educativos e sempre
a exactidão histórica, a precisão scientífica.
Como diz Caron a história é uma sciéncia di*
fícil, é mesmo a mais difícil das sciências. Para
a cultivar é necessário ter, a par de uma educa-
549
ção geral, a técnica especial que ela demanda, e,
se se deseja profundá-la num dos seus departa-
mentos, é essencial ter os conhecimentos imedia-
mente necessários e relativos ao ramo particular
em estudo.
Assim, para se investigar e escrever acerca da
história económica, financeira, política, diplomá-
tica ou militar, essencial é ter uma muito con-
creta cultura sobre os fenómenos de ordem eco-
nómica e financeira e de natureza politica, acerca
da vida diplomática e da técnica das relações
internacionais, e ainda sobre as grandes linhas
das sciências militares — a orgânica, a táctica e
a estratégia, a administração militar, etc.
Além de todo esse mundo de qualidades e apti-
dões ainda o historiador necessita um grande
poder de abstracção e um espírito inteiramente
livre de preconceitos, pois^ como dizia Fustel de
CouLANGEs: «o espírito de investigação e de dú-
vida é incompatível com toda a idea preconce-
bida, com toda a crença exclusiva, com todo o
espírito de partido . . . ».
Digamos, de uma forma sucinta, o método que
tencionamos seguir na edição dos documentos.
Por três formas se podem fazer as publicações
documentais : ou as colecções das peças são pu-
blicadas na íntegra, ou delas se fazem apenas
catálogos sumários e índices, ou, emíim, se pu-
55o
blicam de tais espécies os inventários analíticos
— como, mais ou menos, teem feito o governo
inglês com a impressão dos Calendars, os edito-
res franceses de alguns volumes dos Documents
inedits^ etc.
Esses três métodos serão por nós seguidos con-
juntamente (i).
Assim, os documentos de grande valor histó-
rico ou paleográfico, ou, ainda, os muito raros,
e, especialmente, os dos arquivos particulares se-
rão publicados in-extenso. Aqueles que não são
raros ou não apresentam grande importância
histórica e os que repetem mais ou menos outros
já insertos, emfim, os documentos que não apresen-
tam nenhuma matéria nova, serão, simplesmente,
registados ou, quando muito, extractados (2).
Emíim, os documentos que apresentam ma-
téria nova ou pontos de vista novos sobre assun-
tos já tratados em outros documentos reprodu-
zidos, e, especialmente, aqueles que se encontram
nos arquivos públicos, esses serão anali:(ados, re-
sumidos, extractados.
Quanto à metódica a seguir no estudo analí-
tico e crítico das peças e na economia das obras
e distribuição dos assuntos, serão observados os
processos em uso para tais estudos.
Ao contrário do historiador, em geral, e, espe-
(i) Ver sobre tal ponto este trabalho, de pág. 178 a 243.
(2) Ver : Langlois e Seignobos, Introdution aux étiides histo-
riqiies, 3.» edição, pág G4 e 65 ; um artigo de J. Bédier in Rcvue
des Deux Mondes, de i5 de Fevereiro de 189^.
Ô5i
cialmente, do historiador de síntese que vai dos
assuntos a tratar para as fontes destes, isto é,
dos factos para os documentos que deles se ocu-
pam, nós, como editores de documentos, iremos,
geralmente, destes para os assuntos que eles ver-
sam, para os factos que eles expõem.
Assim, ao passo que para o historiador de sín-
tese o trabalho de heurística é precedido pela
escolha do assunto e por ela condicionado, o co-
lector de manuscritos, o editor de documentos, pro-
cede por forma completamente oposta. Encon-
trado um conjunto documental de fundo interesse
histórico ou grande valor paleográfico passa-se
ao seu estudo minucioso, sem o menor partido
tomado, isto é, abstraindo por completo de quais-
quer princípios, ideas ou pontos de vista precon-
cebidos.
Esse esforço de inibição espiritual constitue
um dos pontos essenciais reclamados no trabalho
histórico.
Segue-se a leitura no sentido literal mais per-
feito de cada documento, desdobrando-se para
isso, a personalidade do investigador, de forma
que este se coloque no estricto ponto de vista do
autor do documento, do gerador do testemunho,
e ao mesmo tempo realize as operações críticas
essenciais. A primeira destas deve ter em vista
fazer a restituição das espécies quando os textos
hajam sido alterados; segue-se a crítica sobre a
proveniência dos documentos — os seus autores,
a data, os pontos de origem e a natureza das in-
552
formações e dos informadores, e a proveniência
de tais documentos (i).
Depurado, mesmo limpo, o manuscrito, e co-
nhecidas não só a proveniência dos textos como
as fontes de informação para a elaboração deles,
importa reunir e classificar metodicamente os do-
cumentos, tratar da disposição em série dos tex-
tos, das fontes, fazendo esse agrupamento ou sob
o ponto de vista cronológico, ou do lugar de ori-
gem, do assunto ou espécie, ou da forma (2).
Terminada a critica externa, ou critica de eru-
dição, dos documentos — que é uma crítica pre-
paratória, — passa-se à crítica interna, íntima, dos
documentos; ao estudo — através e por meio des-
ses documentos — do espírito e do coração que
os ditou.
Pertence ao grupo de operações especiais desse
estudo a crítica de interpretação, tendo em vista
conhecer, com a maior certeza possível, o que o
documento quere significar, o que o seu autor
tem querido dizer — tudo isso estudado com o
(i) Este ponto é muito importante para evitar fraudes, como
exemplifica Langlois e Seignobos na Introduction, ao tratar das
falsificações de Vrain Lucas de autógrafos atribuídos a Vercin-
GETORix, Cleópatra e Maria Madalena.
(2) É de notar que a classificação das fontes faz-se de forma
diversa, segundo se trata da obra de um historiador ou do tra-
balho de um erudito^ de um colector de fontes, de um editor de
textos ou de um elaborador de registos.
Acerca do desenvolvimento dos processos de crítica externa
dos documentos diremos que serão por nós seguidas, tanto quanto
possível, as regras aconselhadas nos Manuais de Metodologia como
o de Bernheim, Langlois e Seignobos.
553
maior esforço de abstracção, de forma que o in-
vestigador não leia um texto através das suas
impressões e em função do seu ponto de vista
e das suas opiniões, mas só com o fim exclusivo
de conhecer as ideas do autor.
Feita a crítica filológica e histórica da interpre-
tação que se pode chamar hermenêutica — quando
aplicada aos documentos de natureza profana, e
exegese — quando se trata de textos religiosos,
passa-se à chamada crítica de exactidão e de sin-
ceridade (i).
Tem ela em vista saber se o autor do tesmu-
nho ter-se há enganado ou se terá pretendido enga-
nar, devendo em tal trabalho partir-se sempre da
desconfiança metódica, que corresponde em filo-
sofia à dúvida metódica cartesiana. Contudo,
aqui necessário é não abusar da hipercritica, como
no estudo anterior importa não exagerar a hi-
perhermenêutica (2).
Esta colecção de publicações de que acabamos
de traçar o programa por uma forma geral e co-
leante — como é mister em tais casos — desti-
(i) Ver artigo de Louis Daviixé, La comparaison etlaméthode
comparalive, en particulier dans les étiides historiques, in Revite
de Synthèse Historique^ Dezembro de 191 3, pág. 217 a 25/.
(2) Para o desenvolvimento dos processos críticos acima apon-
tados temos seguido, e continuaremos seguindo, os já citados
Manuais de Bernhiíim, Langlois e Seignobos e os artigos de Louis
Davillé na Revue de Synthèse Historique.
Em cada volume de inéditos que formos publicando e a pro-
pósito dos casos especiais que nos venham surgindo daremos as
convenientes informações.
^54
na-se a esclarecer pontos iaiportantes relativos
aos diversos períodos da nossa história, e, espe-
cialmente, acerca das épocas moderna e contem-
porânea. E, isso explica-se.
E cada vez mai& acentuada a importância que
por toda a parte se vem dando aos estudos de
história moderna e contemporânea, quer devido
à reconhecida influência dos acontecimentos que
a constituem sobre os factos actuais, quer devido
a tais períodos haverem sido até agora os menos
devassados, ao contrário do sucedido com a Idade
Média e a Renascença, quer, ainda, porque só no
decorrer do século xix e no deste teem sido tor-
nadas públicas numerosas e importantes cole-
cções documentais sobre os acontecimentos a
partir do século xvi, e se tem feito a preparação
escolar dos profissionais da história moderna.
Deixamos já largamente exemplificado nos ca-
pítulos anteriores quanta atenção mereceram, nos
países da mais alta erudição, aos historiadores
isolados e às corporações académicas e monás-
ticas, através dos séculos xviii e xix, os estudos de
história clássica, medieval e da Renascença; e,
também, já vimos como a partir da segunda me-
tade do século XIX os estudos de história moderna
vêem ganhando notoriedade e importância.
Efectivamente, pelo que se refere à preparação
profissional dos historiadores modernos, e to-
mando o exemplo da França, é de notar que até há
pouco ali não existiam nem organismos especiais
para o ensino profundo desse período histórico e
555
da sua metodologia, nem centros de trabalho pre-
parados para a investigação especialista.
Pelo contrário, os orientalistas tinham, para
isso, o Colégio de França e a Escola de Altos
Estudos, e os historiadores clássicos prepara-
vam-se quer em Atenas — para os trabalhos de his-
tória grega e do helenismo, quer em Roma — para
os de história latina. Por sua vez, os medie-
vistas recrutavam-se na famosa «École des Char-
les» que acaba de completar um século da sua
gloriosa vida.
Dai, tem resultado que os trabalhos de história
moderna e contemporânea teem sido versados
quási exclusivamente por homens de letras, pu-
blicistas, jornalistas, emfim, por amadores que
teem cultivado a história no ponto de vista da
anedota, do assunto de ocasião, da história ga-
lante, da vida das cortes e dos salões, dos cos-
tumes, das modas, etc.
Esses trabalhos, alguns — mas poucos — ba-
seados em fontes de primeira mão, mas a maio-
ria versando generalidades e tomando por base
uma lenda, uma historieta, um conto, um dt{-se
com algum recorte histórico, teem-se imposto ao
agrado público quer pelo poder de sugestão dos
assuntos tratados, quer pela factura breve, gra-
ciosa e elegante, e pelo estilo correntio, ghssante
e claro, quando não brilhante e inspirado.
Até há pouco a história moderna era só assim
tratada em artigos de jornal e de revista, em cró-
nicas de magaiine, ou em livros, havendo ela coni
556
o seu prestígio de sciência ao alcance de todos ^ os
seus encantos de lenda, e com o seu pitoresco e
a sua patine dos tempos recuados contribuído
imenso para o sucesso de muita obra e para
glória e proveito pecuniário de muito escritor.
Ao contar ao público tais anedotas curiosas,
tais lendas pitorescas, tais histórias galantes e por
vezes picantes e frescas o único objectivo dos
autores consiste em interessar, em divertir. Por
isso, tais autores e tais obras longe de dirigirem,
orientarem, educarem o gosto do público, antes
são por este orientados e dirigidos.
Vai, pois, sendo tempo de pôr termo a tal es-
tado de cousas, isto é, vai sendo tempo de fazer
da história moderna e contemporânea objecto de
estudos sérios e documentados, ainda que ao lado
desses trabalhos sólidos pela sua documentação
e profundos pelos seus comentários continuem
a surgir os outros, leves, graciosos, sugestivos,
mas feitos por e para diletantes, por e para ama-
dores de fino gosto e de delicado espírito.
Porém, ao passo que no nosso país é este ainda
o modo quási exclusivo de tratar a história mo-
derna e contemporânea, lá fora vai êle sendo
substituído, cada vez mais, pela história-sciência,
sem esquecer que a própria história-galante, a
própria história-anedota vai evolucionando e ten-
dendo cada vez mais para a história objectiva e
scientífica.
A França que sofreu, também, de tal exclusi-
vismo viu as cousas modificarem-se completa-
557
mente com o aparecimento da Repiie des Quês-
tions Historiques, da Revuedes Études Historiqiies,
da Polybiblion, da Reviie Historique, da Repue
dlíistoire moderne et contemporaine, da Repue de
Synthèse Historique, e com a publicação de uma
admirável multidão de obras que documentam
o alto mérito dessa plêiade de historiadores con-
temporâneos como Lavisse, Rambaud, Seignobos,
G. MoNOD, Emile Bourgeois, Lanson, Aulard, An-
DLER, Chuquet, Debidour, H. Leonardon, E. Denis,
H.Berr, Abel Lefranc, G. Weill — para só falar
dos epónimos(i).
Pierre Caron falando dos trabalhos de história
moderna distingue duas escolas : a conservadora,
mais antiga, com uma certa tradição e muitas
obras já publicadas — mas de valor desigual, por
serem, raramente trabalhos de profissionais ; e a
escola liberal — mais recente^ por emquanto me-
nos rica em bibliografia, mas tendo já produzido
obras cheias de solidez, de documentação, de pro-
fundeza, e quási todas escritas por profissionais
da história, isto é, por eruditos, arquivistas, bi-
bliólogos e professores de história (2).
Entre nós, quási a mesma distinção se poderia
fazer.
Uma das cousas que nunca esquecemos — e
(1) Ver : P. Caron e Ph. Sagnac, LV/aí actuei des études d'hiá-
íoire moderne en France, 1902; Pierre Caron, Des conditionS
actuelles dii travail d'hisloire moderne en France, in Revue de
Synthèse Historique, tomo xi, pág. 261 a 274.
(2) P. Caron, art. cii. da Revue de Synthèse Historique,
5$â
muito menos o faremos nesta colecção — é a no-
ção da solidariedade, que nos ensina a ter res-
peito pelo trabalho dos outros e a utilizar — com
a indicação da competente paternidade e autoria
— esse trabalho, quando se nos afigure adequado
e nele tenhamos confiança.
Não há nada de mais irracional e, por isso,
menos justificável que o critério individualista
em sciência, como se esta não fosse só por si, e
em qualquer dos múltiplos ramos, uma demons-
tração, uma prova e um produto da solidarie-
dade. «A sciência apareceu-nos — escreve Henry
MicHEL — como um grande esforço colectivo. Os
mais laboriosos e os melhor apetrechados limi-
tam-se, envaidecendo-se, de para ela trazerem
uma simples contribuição» (i). Se tal é exacto
em todos os ramos da sciência ainda mais incon-
troverso é tratando-se de história.
Na realidade, por muito profundas que sejam as
investigações e por muito cuidadas que hajam
sido as operações de crítica, de reconstituição e
de síntese históricas nada mais se pode afirmar
que : o trabalho feito e o resultado obtido são sim-
ples elementos, pequenas fracções, de verdade, e
nunca a verdade inteira, completa, decisiva, abso-
luta— pois tais caracteres são incompatíveis com
a relatividade da sciência.
E assim, com essas duas noções — a da neces-
sária solidariedade dos autores de trabalhos his-
(i) Em Le Temps, de 25 de Maio de igoS.
559
tóricos e a da relatividade dos conhecimentos —
caminharemos na elaboração desta nossa obra e
na apreciação da dos outros.
Mostrámos já como são diferentes os objecti-
vos, a missão e a finalidade do erudito e do his-
toriador, e, — como se sabe — na metódica do tra-
balho histórico, o trabalho do erudito deve logi-
camente preceder a obra do historiador.
Os objectivos do erudito constam da busca das
fontes em primeira mão — que é o desígnio da
heurística^ — e da investigação interna e externa
dos documentos pelos processos de critica esta-
belecida ; a sua grande missão reside na publici-
dade das peças descobertas e criticadas; e a sua
alta finalidade consiste em fornecer ao historiador
a matéria para os seus estudos, a base das suas
sínteses.
Assim, os progressos da historiografia num
país dependem directa e essencialmente da pu-
blicação dos documentos que o historiador há de
utilizar.
Se bem que — como já vimos nos capítulos
anteriores — teem-se incumbido dessa benemérita
função as mais diversas colectividades — como
as comunidades religiosas, as academias scientí-
íicas, os municípios, etc. — não há dúvida que é
aos governos que compete tão difícil e cara, mas
benemérita, missão.
56o
Quando, em i883, o insigne historiador Gui-
zoT pretendia organizar elevadamente, patrióti-
camente, junto do Ministério de Instrução Pública
de França uma «Comissão encarregada de tra-
balhar na direcção e inspecção das investigações
e publicações . . . sobre os documentos inéditos
relativos à história de França», escrevia ele:
«Au Gouvernement seul il appartient, selon moi,
de pouvoir accomplir le grand travail d'une pu-
blication générale de tous les matériaux impor-
tantes et encore inédits sur Thistoire de notre pa-
trie. Le Gouvernement seul posséde les ressour-
ces de tout genre qu'exige cette vaste entreprise.
Je ne parle même pas des moyens de subvenir
aux dépenses qu'elle doit entrainer; mais, comme
gardien et dépositaire de ces legs précieux des
siècles passes, le Gouvernement peut enrichir une
telle publication d'une foule d'éclaircissements que
de simples particuliers tenteraient en vain d'ob-
tenir. .. ».
Tinha razão o notável autor da História da
Civilização na Europa. E aos governos a quem,
principalmente, incumbe a alta missão de realizar
tão importante obra, pois, só eles dispõem das
necessários meios materiais de a levar a efeito.
Na verdade, só o governo de um grande país,
pela iniciativa de uma eminente figura — como
GuizOT — e com o espirito de continuidade que a
tal empresa dedicaram os sucessivos ministros,
desde Salvandy, como Cousin, Fortoul, Rouland,
J. Ferry e seus sucessores, podia directa ou indi*
56i
rectamente levar a efeito tão gigantesca obra que
conta já por centenas os volumes de Documentos
inéditos publicados.
Porém, não é a França o único pais que tem
efectuado tão benemérita obra ; outras nações —
e algumas bem pequenas como a Bélgica, a Ho-
landa, e a Suíça — teem feito outro tanto.
Foi, pois, confiado na experiência cada vez mais
generalizada no estrangeiro, que nós incluímos
num projecto de lei para a criação do Ministério
de Instrução Pública, que elaborámos em Março
de 191 2, e que foi apresentado ao Parlamento,
um artigo 4.° onde se lê:
«Art. 4.° No Ministério de Instrução Pública
funcionarão também diversas comissões de tra-
balhos scientiíicos como sejam: comissões de
estudos filológicos para a factura de uma história
da literatura, de um dicionário, de uma gramá-
tica histórica e actual da Ungua portuguesa e de
edições anotadas dos principais escritores nacio-
nais; de estudos geográficos para a organização
de uma completa geografia de Portugal e Colónias
desde o estudo paleogeográfico até à parte an-
tropo-social; de estudos históricos para a factura
de uma história da civiHzação portuguesa, para
a organização do nosso folklore poético e musi-
cal, e para a elaboração de um catálogo descri-
tivo dos nossos monumentos e objectos de arte;
de estudos antropológicos e etnológicos para o
estudo do tipo, raça e costumes do povo portu-
guês; de estudos demográficos, económicos e so-
36
562
ciais; além da criação de outras comissões que
sejam julgadas convenientes».
Parece-nos pleonasmo escusado dizer que o
nosso projecto do Ministério, limitou a sua exis-
tência às colunas do Diário do Governo, indo pa-
rar ao cesto das cousas inoportunas. O projecto
que se tornou lei foi oUtro muito diferente no
nosso, dai resultando que sistematicamente nada
se tem feito sobre os assuntos versados no trans-
crito artigo.
Assim, passados dez anos continuamos a não
ter um dicionário oficial da língua, uma gramá-
tica portuguesa completa, uma edição anotada
dos nossos escritores mais eminentes, uma geo-
grafia portuguesa, um completo /o/Â; /ore poético
e musical, emfim — j vergonha suma 1 — uma his-
tória de Portugal.
Mais tarde, em 1 9 1 8, num Relatório apresentado
superiormente, após nos referirmos ao enorme
progresso dos estudos históricos, principalmente,
depois de Leopoldo Ranke, e com Schaeffer, e
aos progressos da metódica, e da critica históri-
cas, escrevíamos:
«Também, seguem esse ponto de vista, entre
outros, Waitz, Gesebreckt, Freemann, Wolf,
Flathe, Droysen, Karl Ritter, Gurtius, Gervi-
Nus, Sybel, Dahlman, Hauser, Treischke, Dun-
ker, Freytag, Janssen, etc. — na Alemanha;
Macaulay, Filay, BucklE;, Loeky e Stephen — na
Inglaterra; Guizot, Tocqueville, Taine, Sorel e
56^
outros historiadores franceses contemporâneos
como MoNOD, Seignobos, La visse, Rambaud, De-
BIDOUR, AULARD, BaRBEY, F. FaUCHILLE, R. WaD-
DINGTON, L. PlNGAUD, G. HaNOTAUX, MoREL-FaTIO,
Geoffroy de Grandemaison, etc.
«Em harmonia com essa metódica da historio-
grafia contemporânea os governos dos grandes e
pequenos Estados passaram a organizar os seus
arquivos políticos, diplomáticos e militares em
função dos estudos históricos : pondo em ordem
as suas colecções e os seus núcleos; inventariando
e catalogando as suas espécies ; e publicando sis-
tematicamente aqueles fundos que mais impor-
tância e interesse apresentam para o conheci-
mento dos acontecimentos e dos homens mais
marcantes do passado. -
«E não se imagine que é necessário recorrer
aos exemplos da França (i); e, especialmente, da
(i) Vidé o nosso trabalho: Da Importância dos Documentos
Diplomáticos em História^ pág. 22 a 32 ; X. Charmes, Le Comité
des travaux histoí-iques et scientijiques — onde trata das investiga-
ções e publicações efectuadas pelo Ministério do Interior e da
Instrução Pública de França ; Laurencin-Ghapelle, Les Archives
de la Guerre, historiques et administratives, Paris, 1898; os Rela-
tórios anuais do administrador geral da Biblioteca Nacional de
Paris, publicados no Annuaire des Bibliothèques et Archives, na
Revue des Bibliothèques, e na Bibliotheque de 1'Ecole des Chartes
— pelo que respeita aos inventários e catálogos da secção de
manuscritos da Biblioteca Nacional de Paris, ultimamente estu-
dados e publicados por Henri Omont.
Acerca dos trabalhos publicados pelo Ministério dos Estran-
geiros francês devem ser consultadas as séries de : Inventaire
sommaire ; Inventaire analytique ; e Recueil des instructions données
aux ambassadeurs, etc.
564
Inglaterra — que dispõe da magnífica organiza-
ção do State Paper Office e do Foreign Office
Records, que pode orgulliar-se com a publicação
dos Calendars of the mss., e citar, como exemplo,
os importantes trabalhos da Royal Comission on
historical maniiscripts; ou da Itália que dispõe de
uma excelente organização de bibliotecas e arqui-
vos, e pode ufanar-se da notável, obra de Mazza-
TiNTi e dos seus colaboradores e seguidores —
Gli Ar chivi delia Storia d^ Itália.
«Tambêni; pequenos países, como a operosa
Holanda (i), a minúscula Suíça (2), e a industriosa
(t) Na Holanda o governo tera-se interessado sumamente pelo
progresso das sciências históricas, não só impulsionando as inves-
tigações dos arquivos dos Países-^Baixos como ainda encarregando
eruditos e historiadores de estudarem as bibliotecas e os arquivos
estrangeiros da Alemanha, Áustria, França, Rússia, Inglaterra,
Itália, Espanha, Bélgica e Países escandinavos, no ponto de vista
da história nacional, redigindo relatórios com os comentários su-
mários e analíticos (segundo a importância das espécies) das peças
relativas à história holandesa.
A Sociedade de História^ de Utrecht, tem publicado uma impor-
tante Colecção de fontes históricas, constituída por crónicas e di-
versos manuscritos de grande valor histórico, sendo também muito
profícua a obra dos congressos de historiadores que ali se efectuam
periodicamente.
Vide artigo de P. J. Blok na Revue Historique^ tomo lix (iSgS),
pág. i33 e tomo lxxxi (1903) ; Ch.-V. Langlois, Manuel de Biblio-
graphie Historique, pág. 468 a 472.
(2) Também, o governo da Suíça tem feito estudar nos arqui-
vos estrangeiros as espécies de importância para a sua história,
sendo de citar o trabalho que E. Rott tem publicado com o título
de Inventaire-sommaire des documents relatifs à l'histoire de Suisse
conserves dans les archives et les biblioihèques de Paris. O go-
verno, as cidades e os cantões teem feito publicar colecções de iné-
565
Bélgica (i), oferecem-nos modelos excelentes de
solicitude e inteligência, no que respeita a tal
ordem de trabalhos.
«Assim, para citar, de fugida, só a Bélgica basta
atentar nas dezenas de volumes publicados por
ordem do governo sob o titulo de «Documents
inâdits», e onde Gachard, Charles Paillard, Ch.
PiOT, e muitos outros teem coligido milhares de
manuscritos até então inéditos (2).
«Seria escusado dizer que em Portugal pouco
se tem feito sobre tais assuntos, continuando por
catalogar muitas das mais importantes colecções
Q fundos dos nossos mais valiosos arquivos; e
ditos relativos à história geral dá Federação, e à história local
(provincial, cantonal, municipal, etc).
Vide Revue Historique, tomo lxxxiii (igoS), pág. 447 ; Langlois,
ob. cit., pág. 422.
(i) O governo belga, tem feito publicar, alem da Colecção
dos Inventários dos Cartulários e obituários belgas, dos Inventai-
res des Archives de la Bélgique, do Catalogue des mss. de la Bibl.
R. de Bélgique, a importante Collection de chroniques belges iné-
dites, onde, ao contrário do que o seu título faz supor, teem apa-
recido impressas colecções de cartas e papéis de Estado, como a
Correspondência de Granvelle, as Relações politicas dos Países
-Baixos com a Inglaterra no tempo de Filipe II, etc, etc, sendo
a maioria destes trabalhos levada a efeito, directamente, pela
Commission Royale d^Histoire de Bélgique.
Alem desta Colecção diversos outros corpos scientíficos como a
Academia das Sciências e Belas-Letras da Bélgica, a Sociedade de
História da Bélgica, a Sociedade de História Provincial e o Se-
minário de P. Frederic, em Gand, teem publicado importantes
colecções e Corpos de documentos inéditos sobre a história da
Bélgica.
(2) Estes pontos já ficaram bastante desenvolvidos no capí-
tulo IV desta obra, pág. loq a 293.
566
nada — pode dizer-se — tem sido publicado dos
seus recheios» (i).
(i) Ver o nosso volume Os Arquivos e as Bibliotecas em Por-
tugal, 1920, pág. 63 e 64.
Depois de escrito, em 1918, o que aqui transcrevemos alguma
cousa — mas muito pouco — se tem feito no sentido da publica-
ção de documentos inéditos.
Assim, a Biblioteca Nacional de Lisboa, com muita solicitude,
publicou ultimamente o famoso Processo dos Távoras, e prepara
a edição do processo contra o Marquês de Pombal, que, por nossa
iniciativa e diligências, foi transferido do Ministério da Justiça para
a secção de manuscritos desse estabelecimento.
Devemos elucidar que pelo Decreto n." 2.049, ^^ ^^ ^^ Outu-
bro de 1915 [Diário do Governo de 18 de Novembro), encarre-
gou-nos o Governo de fazermos uma obra, em seis volumes, so-
bre a vida e governo do Marquês de Pombal. O sexto volume
era precisamente destinado a O Processo contra o Marquês de
Pombal. Mas, apesar de estar pronto o original de todos os vo-
lumes da colecção, nunca foi inscrita no Orçamento a mais insi-
gnificante verba para a impressão de tal trabalho.
Ver: a nossa brochura A vida e obra governativa do i.° Mar-
quês de Pombal. Plano e sumários do i.° e 2.° volumes da publica-
ção mandada efectuar pelo Governo da República., i9'7i e o ci-
tado volume Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal, 1920,
pág. 56 a 61.
A gloriosa Academia das Sciências de Lisboa tem continuado
a putílicar muitos inéditos.
Também nós alguma cousa fizemos nesse sentido. O nosso
volume As Impressões de um Diplomata Português na Corte de
Berlim — que é a primeira obra desta Colecção de Inéditos —
publica, e muito anotados, 44 ofícios de D. Alexandre de Sousa
Holstein, quando ministro de Portugal em Berlim. Em outros
trabalhos nossos como : Gomes Freire na Rússia, Gornes Freire
e as virtudes da raça portugueses, publicamos igualmente bas-
tantes documentos inéditos.
Também, ultimamente, se teem feito reimpressões de obras
raras e importantes, salientando-se nessa benemérita empresa a
biblioteca Nacional de Lisboa, com a magnifica edição fac-simile
e crítica da i.» edição ^dos Lusíadas, acompanhada de um notá-
vel estudo do prof. sr. dr. José Maria Rodrigues ; e com a reim-
567
Depois de um breve final seguia-se a proposta
para ser levada a efeito pelo Ministério da Ins-
trução Pública a elaboração de — pelo menos —
duas colecções de trabalhos: uma destinada à
publicação prefaciada e anotada de Documentos
inéditos relativos à história de Portugal; e outra à
publicação de Biografias de portugueses ilustres.
Por despacho de 3o de Junho de 19 19 éramos
encarregados de efectuar as referidas publicações,
íixando-se logo a competente verba anual para a
impressão dos trabalhos, a fim de ser levada a
efeito uma obra tão necessária e executado tão
patriótico quão espontâneo despacho. De então
para cá muitos outros despachos ministeriais teem
sido lançados sobre estes trabalhos— uns encar-
regando-nos da elaboração de diversos volumes
de Documentos inéditos e de outras obras de his-
tória; outros concedendo-nos as necessárias ver-
bas para a sua impressão. ^
Em 1 9 1 9, sendo Ministro da Instrução o sr. Leo-
nardo Coimbra apresentámos e lemos a este sr.
um projecto de decreto, com força de lei, criando
no nosso Ministério da Instrução um departa-
mento administrativo similar aos existentes nos
Ministérios da Instrução do estrangeiro.
pressão do Marco Paulo, de Valentim Fernandes, com um bom
estudo do erudito académico sr. Esteves Pereira.
Pela mesma forma digna de elogio tem procedido a Imprensa
da Universidade de Coimbra, que, cumulativamente com os tra-
balhos cuja publicação lhe é^confiada, ainda tem feito, ultima-
mente, importantes reimpressões.
568
O sr. Leonardo Coimbra leu atenta e demorada-
mente todo o projecto de decreto, fazendo-lhe al-
gumas emendas, todas favoráveis à nossa comis-
são. Assim, alterou uma disposição, fixando-nos
uma gratificação especial, a qual consta do | 3.°
doartigo 8.°, e, acabando de ler atentamente todo
o projecto, mandou-o logo passar a limpo, a papel
de decreto, para ir à assinatura. Efectivamente,
tanto esse decreto como o da nossa nomeação
para tal serviço foram, ambos, assinados por Sua
Excelência o Chefe de Estado e, ambos, foram
referendados pelo ministro sr. Leonardo Coimbra.
Porém, uma intriga de secretaria, daquelas em
que é úbere a burocracia indígena, impediu que
fosse por diante tal empresa (i).
Emfim, deixou de se fazer uma obra que sem-
pre nos pareceu que seria útil aos estudos histó-
ricos e ao pais, honraria Portugal, e traria à Re-
pública uma boa aura nos meios cultos estran-
geiros (2).
(i) Pelo que nos informaram depois ficámos sabendo que fo-
ram os funcionários do Ministério da Instrução, sr. José Maria
Queiroz Veloso e Francisco Alberto da Costa Cabral, que impe-
diram que o decreto fosse para o Diário do Governo. . O sr. Leo-
nardo Coimbra, complacente, acedeu, naturalmente por motivos
que êle e nós muito bem sabemos, aos manejos da intriga, desa-
parecendo depois o Decreto, mas ficando a cópia destinada ao
Diário, com a nota de remessa para a Imprensa Nacional assi-
nada pelo sr. Leonardo Coimbra.
(2) Para a elaboração e remessa das nossas obras, feitas por
ordem e subvenção do Ministério da Instrução, estamos actual-
mente em relações com os Archives Nationales, a École Natio-
nale des Lliartes, a Bibliothèque Naiionale, a Bibliothèque Sainte-
569
Mas, nem todos assim o entenderam, especial-
mente aqueles que mais a peito deviam desejar
que um tal empreendimento fosse levado a efeito.
Porém, nem por isso a obra deixará de ir-se
realizando, se bem que muito mais lenta e con-
tingentemente que se existisse um diploma que a
determinasse e regulamentasse.
E para que o país, que é quem deve ser o juís
em última instância nesta lamentável questão de
hissope, não julgue que os já aludidos funcio-
nários, tornados pontífices máximos das virtudes
espartanas da República, procuraram evitar
algum grosso escândalo, publicamos a seguir,
e na íntegra, o projecto de Decreto que criava
no Ministério da Instrução a Direcção dos Tra-
balhos Históricos — e que constituirá o fecho desta
nossa obra.
Considerando, que uma das melhores formas de educar mo-
ralmente um povo consiste em dar-lhe a consciência da sua vida
histórica, fora de preconceitos anti-scientíficos e de concepções
metafísicas ;
-Geneviève, a Sarbonne — de Paris ; o Public Record Office^ o
British Museum, a Guildhall Library — de Londres ; a Bibliothè-
que Royale de Belgique, o Ministère des Affaires Etrangéres
belga, a Université Libre de Briixelles, a Université de Louvain
— na Bélgica ; a Biblioteca Pública de Berne, e a Biblioteca Uni-
versitária de Berne ; a Biblioteca Nacional de Madrid, a Real Aca-
demia de História; alem de outros estabelecimentos.
Igualmente, temos estado em relações com vários eruditos e
bibliólogos estrangeiros, como o sr. Jeromêno Becker, de Ma-
drid ; o sr. Henri Stein, director do Bibliographe Moderne, de
Paris ; o sr. Iorga, eminente historiador e professor romeno,
alem de diversa correspondência que temos trazido com vários
professores estrangeiros, revistas de especialidade, etc
Syo
Considerando, que, sendo os documentos as únicas bases do
conhecimento histórico, muito importa publicar manuscritos iné-
ditos valiosos com as convenientes introduções e notas, bem como
reimprimir os documentos conhecidos, mas que apresentem grande
importância histórica e sejam raros;
Considerando, outrossim, que muito importa tornar conhecidos
tanto os homens que, pelos seus actos ou pelos seus escritos, bem
serviram a pátria no sentido do maior progresso da sua civiliza-
ção, bem como os acontecimentos da história nacional ;
Convindo inventariar nas bibliotecas e arquivos estrangeiros
as espécies relativas à história de Portugal e fazer publicar, alem
dos inventários, as próprias espécies em resumo ou in-extenso,
segundo a importância que apresentem para o conhecimento da
história pátria ;
O Governo da República decreta e eu promulgo, para valer
como lei, o seguinte :
CAPÍTULO I
Da natureza dos serviços
Artigo 1 ." É criada no Ministério da Instrução Pública a Di-
recção dos Trabalhos Históricos.
Art. 2."* A esta Direcção compete :
a) Promover investigações e publicações sobre as sciências de
erudição histórico-bibliográfica ;
b) Propor as diligências necessárias para que se faça o balanço
geral da livraria portuguesa e se melhorem os serviços de inven-
tariação e catalogação dos depósitos públicos de manuscritos e
livros eruditos ;
c) Reunir os elementos necessários para a história da biblio-
grafia e bibliografia da história portuguesas ;
d) Fazer investigar nas bibliotecas e arquivos estrangeiros as
espécies manuscritas e biblíacas que maior importância apresentem
para o conhecimento da história pátria, publicando os inventários
dessas espécies bem como aquelas que tenham maior interesse
histórico ;
e) Propor e efectuar todas as diligências convenientes ao maior
progresso dos estudos históricos no país.
Art. 3.° A Direcção dos Trabalhos Históricos terá a seu
cargo, especialmente, a publicação dos seguintes corpos :
a) Colecção de documentos inéditos da História de Portu-
gal;
571
b) Colecção de biografias de portugueses ilustres ;
c) Colecção de monografias históricas ;
d) Colecção de Arquivos da História de Portugal no estran-
geiro e inventários das espécies relativas a Portugal e existentes
nas bibliotecas e arquivos estrangeiros.
§ único. Na publicação dos inéditos da História de Portugal
dar-se há a conveniente precedência às colecções que constituam
os recheios dos arquivos particulares.
Art. 4.° A Direcção terá como publicação periódica um Bo-
letim de História e Bibliografia.
Art. 5.» Junto da Direcção funcionarão as comissões e servi-
ços especiais que o Director entenda conveniente propor, para o
que poderá solicitar o concurso dos funcionários do Ministério e
suas dependências e dos investigadores que julgue necessários.
Art. 6." Para o mais completo desempenho dos serviços de
investigações e publicações históricas, ao Director destes serviços
bem como aos seus colaboradores serão concedidas todas as faci-
lidades para consulta, estudo e requisição das obras nas biblio-
tecas e arquivos do Estado, seja qual fpr o Ministério de que
dependam,
CAPÍTULO II
Do pessoal
Art. 7.» Dada a natureza especial dos serviços a cargo desta
Direcção Geral o pessoal será o seguinte :
a) Um Director dos serviços, de serventia vitalícia ;
b) Um empregado de secretaria ou dactilógrafa ;
c) Um empregado menor.
§ único. Para conveniência dos serviços especiais a cargo
desta Direcção técnica poderão ser deles encarregados funcionários
do Ministério ou suas dependências, bem como investigadores
estranhos ao Ministério, aos quais serão abonadas gratificações
em harmonia com a importância e valor dos trabalhos efectuados.
Art. 8.» O cargo de Director será vitalício, e nele será pro-
vido um chefe de repartição do Ministério da Instrução Pública
que haja escrito trabalhos históricos e bibliográficos, e tenha um
curso superior.
§1." O Director despacha directamente com o Ministro.
§ 2° O Director logo que o solicite será dispensado dos ser-
viços da repartição para que tenha sido designado sem que por
isso sofra quaisquer descontos nos seus vencimentos nem dimi-
572
nuição nos seus direitos e prerrogativas, fazendo-se a substituição
desse funcionário em harmonia com o disposto no artigo 12." do
decreto com força de lei de i3 de Março de 1919.
§ 3." Os vencimentos do Director são idênticos aos dos che-
fes de repartição do Ministério da Instrução Pública, tendo mais
esse funcionário o direito à gratificação de exercício de 400ÍÍ&00
anuais quando em Lisboa, e à de 60^00 mensais quando saia da
capital, em serviço (i).
Art. 9." Para pagamento de gratificações e salários, e para
despesas de tipografia poderá despender-se, anualmente, até à
quantia de i .8ooíJf>oo (2).
Art. io.° Ao Director compete :
1° Representar o Ministério da Instrução Pública nos con-
gressos e conferências sobre sciências históricas e geográficas.
2." Organizar congressos, conferências, e reuniões periódicas de
historiadores, bibliólogos, etc.
3." Propor todas as medidas e dirigir todos os serviços ten-
dentes à efectividade das atribuições que o artigo 2." confere a
esta Direcção.
4.» Fazer parte, como vogal de qualidade, de todas as comis-
sões oficiais de reforma de ensino, programas, livros, etc, que
versem sobre sciências históricas.
5." Propor ao Ministro as obras a publicar.
6.<^ Propor e realizar todas as diligências tendentes ao progre-
dimento das sciências históricas e à maior valorização dos ma-
nuscritos dos depósitos do país.
7.° Dirigir a publicação dos trabalhos, encarregando-se de
elaborar aqueles sobre cujos assuntos tenha feito estudos especiais,
e propondo os eruditos e historiadores especialistas para a elabo-
ração dos outros.
8." Dirigir todos os serviços do Boletim.
9.» Estimular e auxiliar por todos os meios possíveis a funda-
ção de instituições scientíficas provinciais, destinadas, principal-
mente, aos estudos de história, arqueologia, filologia, folklore re-
gionais.
IO." Propor ou dar parecer sobre as colectividades ou pessoas
a quem devam ser oferecidas as obras publicadas por esta Di-
recção.
(1) Esta verba foi fixada pelo sr. dr. Leonardo Coimbra.
(2) Esta verba foi inscrita pelo sr. dr. Leonardo Coimbra.
573
Art. ii.° O Director será substituído nos seus impedimentos
legais por quem o Ministro determinar.
Art. 12.» As publicações desta Direcção serão remetidas às
Academias e outras instituições scientíficas, bem como às biblio-
tecas, do estrangeiro e do país.
Art. i3.° Para ocorrer ao pagamento das despesas que re-
sultam da execução deste diploma fica o Governo autorizado a
abrir os créditos necessários ou a realizar transferêncios de verb.ns
no orçamento do Ministério da Instrução F'ública, independente-
mente de quaisquer disposições em contrário.
Art. 14.» Este decreto entra imediatamente em vigor e revoga
a legislação em contrário.
Determina-se portanto a todas as autoridades a quem o co-
nhecimento e a execução do presente decreto com força de lei
pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteira-
mente como nele se contêm.
Os Ministros de todas as Repartições o façam publicar.
Paços do Governo da República, em 24 de Abril de 1919.
índice
Pág.
Preliminar v
Introdução ix
CAPITULO I
A influência da filosofia cartesiana e do movimento scientifico
da Renascença do século XVI sobre os progressos da história i
CAPÍTULO II
O início da história scientífica moderna :
a) A obra dos Beneditinos de Saint-Maur 23
b) Os progressos da crítica histórica, com os Bolandistas,
e através da historiografia racionalista 3i
I." — Voltaire e os seus seguidores na histo-
riografia racionalista 43
2." — MoMTESQUiEU 6 OS seus adcptos no racio-
nalismo histórico 48
3." — Outros historiadores do período raciona-
lista . '. 49
CAPÍTULO III
Alguns trabalhos de erudição e crítica históricas feitos no sé-
culo XVIII 53
CAPÍTULO IV
A erudição e a crítica históricas no século XIX, e até à actuali-
dade:
i." — Considerações gerais 109
2.° — Países de língua alemã 118
576
Pág.
3.» — Inglaterra i33
4.° — Itália .- . • 147
5.° — Espanha i58
6.° — França 178
7." — A historiografia contemporânea em outros pai-
se's 243
a) Roménia 246
b) Suíça 247
c) Holanda 256
d) Bélgica 262
CAPÍTULO V
As colecções de inéditos em Portugal :
I.» — O estudo dos manuscritos antes da fundação da
Academia de História 295
2.° — Os trabalhos da Academia Real de História. . . . 3o2
3." — As publicações de inéditos da Academia das Sciên-
cias de Lisboa 326
CAPÍTULO VI
A fase actual da metodologia histórica :
I ." — A história no quadro geral das sciências 347
a) A história nas classificações scientíficas. . . 347
b) A história nas suas relações com a psicolo-
gia e a sociologia 368
2.° — A História. Sua natureza, seus objectivos, sua
aplicação :
a) A História como sciência e como arte. . 408
b) Objectivos da História 440
c) Definições de História 45 1
3.° — A metodologia genética da História :
a) A metodologia genética e a metodologia pe-
dagógica 466
b) O princípio evolucionista nas sciências natu-
rais] 46S
c) O princípio da evolução em História . . . 472
d) O método das sciências naturais e o método
das sciências históricas 477
e) O método histórico 488
^77
Pág.
4.° — A História e a concepção de valor :
a) A concepção de valor na Filosofia 5o5
b) A noção de valor em História 5o8
CAPÍTULO VII
A nossa colecção de documentos inéditos :
i." — A análise e a síntese em História 523
2.9 — As publicações documentais 534
3.° — A nossa colecção de documentos inéditos da his-
tória de Portugal 543
37
ERRATAS (i)
Página
Linha
Onde se lê :
Deve ler-se :
3
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contribuiram
4
I e 2
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. . . com os Bolan-
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historiografia. . .
historiografia
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Maréri
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34
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Harald, Hõfíding
Harald Hoffding
35
9
descutido
discutido
37
3
sentidas
sentidos
64
19
Muratbri
Muratori
83 - nota
7 e 8
Biblioteque
Bibliothèque
lòo e loi
19 e 3
Marshn
Marsham
112
14
nétion
nation
140 -nota
6
preseceved
preserved
142
I
Hnrici
Henrici
166 -nota
última
Florindablanca
Floridablanca
195
21
Le
Li
J99
27
mémoines
mémoires
216
23
on
ou
240
10
Pibon
Pichon
240
18
elas
éla
(i) Alem destas, outras gralhas estão semeadas pelo nosso tra-
balho, como: descutido, por discutido ; europienne, por européene;
Velington, por Wellington; Justinianeo, por Justiniano ; abóboda,
por abóbada; fundamentaux, por fondamentaux, etc.
8o
Página
Linha
Onde se lê:
Deve ler-se :
258
4
des
du
281
4
Pirennh
Pirenne
288
14
Crasbek
Craesbeck
298
17
Peter, Wichet
Peter Vichet
358 -nota
8
outros
vários
376
i5
ibi
ibis
386
18
Bugkle
Buckle
399 -nota.
10
Be Bancels
De Bancels
399 - nota
20
testamento
testemunho
424
1 1
sido
tido
433
9
e que por isso
e que, por isso
437
i3
confessar é
confessar, ela é
438
'9
artísticas, teriam
artísticas teriam
447
3
Haeusser
Hausser
449
i3
essencialmente
insensivelmente
469 - nota
3
Haeflfer
Hoefer
478 - nota
i3
(0
(2)
489
12
voltassem
voltaram
489^
i3
fixassem
fixaram
499
i5
integridade
integralidade
535
última
tão importantes
tão absorventes
OBRAS DE ANTÓNIO FERRÃO
O Marquês de Pombal e as Reformas dos Estudos Menores (191 5).
Os Arquivos da História de Portugal no Estrangeiro (1916).
Da importância dos documentos diplomáticos em História. Estudo
sucinto de alguns arquivos diplomáticos estrangeiros e na-
, cionais (igiy).
A Vida e Obra Governativa do ifi Marquês de Pombal. Plano e
sumários do i.o e 2.0 volumes da publicação mandada efe-
ctuar pelo Governo da República (19 17).
As Causas «Ideais» da Conflagração e a função pedagógica das
Academias scientifiças após a guerra (1918).
Gomes Freire na Rússia (1918).
O povo na história de Portugal. A Restauração de 1640. Como se
perdeu e se reconquistou a independência (i58o-i668). (1919).
Academias e Universidades. Discurso pronunciado na sala do
Senado da Universidade de Coimbra (1919).
Prussianos de Ontem e Alemães de Hoje. As Impressões de um
diplomata Português na Corte de Berlim fij8g-iygo). (1919).
Os Arquivos e as Bibliotecas em Portugal (1920).
Gomes Freire e as virtudes da raça Portuguesa (1920).
Fernão de Magalhães e a sua viagem de circumnavegação (1921).
A educação intelectual e a função que nela devem desempenhar
a familia, o município e o Estado (1922).
O teatro e o animatógrafo na educação (1922).
NO PRELO, PRESTES A APARECER
A Intendência geral da Policia no tempo dos Franceses (Invasão
de Junot).
A cantora portuguesa Lui^a de Aguiar Todi no seu tempo.
JAN 2 -MS^S
LIBRARY OF CONGRESS
O 015 900 584 7 ' •
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