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Full text of "A teoria da história e os progressos da historiografia scientífica; a coleccões de inéditos"

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ANTÓNIO    FERRÃO 

Sócio  da  Academia  das  Sciências  de  Lisboa 


A  TEORIA  DA  HISTÓRIA 


E  OS 


PROGRESSOS  DA  HISTORIOGRAFIA 
SCIENTÍFICA 


A  CONTRIBUIÇÃO  QUE  PARA  ESTES  TEM  DADO  A  PUBLICAÇÃO 
DAS  COLECÇÕES  DE  INÉDITOS 

(Introdução  geral 

á  Colecção  de  Documentos  Inéditos  da  História  de  Portugal 

mandada  publicar  pelo  Governo  da  Republica) 


COIMBRA 

IMPRENSA    DA    UNIVERSIDADE 
1922 


9  wí 


A  TEORIA  DA  HISTORIA 


PROGRESSOS  DA  HISTORIOGRAFIA 
SCIENTÍFIGA 


OBRAS  DE  ANTÓNIO  FERRÃO 


O  Marquês  de  Pombal  e  as  Reformas  dos  Estudos  Menores  (191 5). 

Os  Arquivos  da  História  de  Portugal  no  Estrangeiro  (1916). 

Da  importância  dos  documentos  diplomáticos  em  História.  Estudo 
sucinto  de  alguns  arquivos  diplomáticos  estrangeiros  e  na- 
cionais (1917)- 

A  Vida  e  Obra  Governativa  do  ifi  Marquês  de  Pombal.  Plano  e 
sutnáriosdo  ifl  e  2.0  volumes  da  publicação  mandada  efe- 
ctuar pelo  Governo  da  República  (1917). 

As  Causas  (ddeais»  da  Conflagração  e  a  função  pedagógica  das 
Academias  scientificas  após  a  guerra  (19 18). 

Gomes  Freire  na  Rússia  (igi8). 

O  povo  na  história  de  Portugal.  A  Restauração  de  1640.  Como  se 
perdeu  e  se  reconquistou  a  independência  (i58o-i668).  (1919). 

Academias  e  Universidades.  Discurso  pronunciado  na  sala  do 
Senado  da  Universidade  de  Coimbra  (1919). 

Prussianos  de  Ontem  e  Alemães  de  Hoje.  As  Impressões  de  um 
diplomata  Português  na  Corte  de  Berlim  (i']8g-i']go).  (1919)' 

Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal  (1920). 

Gomes  Freire  e  as  virtudes  da  raça  Portuguesa  (1920). 

Fernão  de  Magalhães  e  a  sua  viagem  de  circumnavegação  (1921), 

A  educação  intelectual  e  a  fimção  que  nela  devem  desempenhar 
a  familia,  o  município  e  o  Estado  (1922). 

O  teatro  e  o  animaiógrafo  na  educação  (1922). 

NO  PRELO,  PRESTES  A  APARECER 

A  Intendência  geral  da  Polícia  no  tempo  dos  Franceses  (Invasão 
de  Junot). 

A  cantora  portuguesa  Liii\a  de  Aguiar  Todi  no  seu  tempo. 


ANTÓNIO    FERRÃO 

Sócio  da  Academia   das  Sciências  de  Lisboa 


A  TEORIA  DA  HISTÓRIA 

E  OS 

PROGRESSOS  DA  HISTORIOGRAFIA 
SCIENTÍFICA 

A   CONTRIBUÍÇÃO   QUE  PARA  ESTES  TEM   DADO  A  PUBLICAÇÃO 
DAS  COLECÇÕES  DE  INÉDITOS 

(Introdução  geral 

á  Colecção  de  Documentos  Inéditos  da  História  de  Portugal 

mandada  publicar  pelo  Governo  da  Republica) 


GOIMÔRA 

IMPRENSA    DA    UNIVERSIDADE 
IQ22 


■Ff 


^   f  3  i. 

F      y7 


PRELIMINAR 


A  obra  que  segue  foi  escrita  para  servir  de 
Introdução  Geral  à  Colecção  de  Documentos 
Inéditos  relativos  à  Historia  de  Portugal,  de  cuja 
elaboração  o  Governo  da  República  nos  encarre- 
gou. 

Por  este  trabalho  de  metodologia  genética  da 
História  se  vê  como  e  quanto  as  publicações  de  do- 
cumentos inéditos  teem  contribuído  para  o  progresso 
da  historiogí^afia  scientifica,  e  teem  determinado  as 
concepções  actualmente  dominantes  na  teoria  da 
história. 

Assim.,  sendo  cada  ve:{  mais  axiomático  que  sem 
documentos  não  há  história,  e  que  tornar  conhe- 
cidos aqueles  é  trabalhar  maximamente  para  os 
progressos  desta,  entendeu  o  Governo  da  Repú- 
blica que.,  além  da  acção  desenvolvida  pefàs  insti- 
tuições scientíficas  do  país,  conviria  promover  e 
subsidiar  directamente  a  publicação  de  uma  Cole- 
cção de  Inéditos  da  História  de  Portugal,  a  exem- 
plo do  que  teem  feito  os  Governos  dos  países  estran- 
geiros. 


VI 


Por  isso,  por  Despacho  de  3o  de  junho  de 
igi8,  S.  ExM^  o  Ministro  da  Instrução y  sr.  dr.  Al- 
fredo de  Magalhães,  encarregava-nos  de  levar  a 
efeito  esse  trabalho  que,  sendo  importante  e  mo- 
mentoso, não  só  tem  um  valor  intrínseco  e  próprio 
como  constituirá  —  cremos  bem  —  uma  fonte  muito 
útil  para  a  investigação  histórica  ( i ) . 

As  Colecções  de  Inéditos  teem  constituído  por 
toda  a  parte,  desde  a  Renascença,  repositórios  uti- 
líssimos para  a  investigação.  Não  há  dúvida. 
Importa,  porém,  hoje  modificar  o  ponto  de  vista  e 
os  processos  seguidos  pelos  antigos  colectores  que 
se  limitavam,  geralmente,  a  elaborar  as  cópias  e  a 


(i)  Os  titulares  que  se  teem  sucedido  na  pasta  da  Instrução 
teem-nos  determinado  a  publicação  de  outros  trabalhos  de  história 
e  concedido  as  necessárias  verbas  para  a  impressão. 

Já  antes,  por  despacho  ministerial  de  28  de  Outubro  de  igi5,  e 
decreto  de  3  do  mesmo  mês  (Diário  do  Governo  de  18  de  Novem- 
bro seguinte)  havíamos  sido  encarregados  pelo  então  Ministro^ 
sr.  dr.  Lopes  Martins,  de  escrever  um  trabalho  acerca  da  vida  e 
obra  do  governo  do  primeiro  Marques  de  Pombal.  Ver  o  nosso 
trabalho:  Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal, />á^. 56' a (í/ 


VII 


faiê-las  impiHmir,  na  maioria  dos  casos,  sem  intro- 
duções, comentários  ou  notas. 

Depois  de  Ranke  as  responsabilidades  de  um 
editor  ou  colector  são  muito  gi^andes.  Desde  a 
busca  dos  documentos,  e  do  seu  estudo  aírave^  das 
operações  críticas,  até  à  sua  publicação,  os  manus- 
critos demandam  cuidados  cada  ve^  mais  sérios  à 
medida  que  os  processos  de  estudo  documental  se 
aperfeiçoam  e  progridem. 

No  trabalho  que  aqui  apresentamos  vêr-se  há  quais 
os  métodos  que  seguiremos  na  publicação  dos  suces- 
sivos tomos  desta  Colecção  de  Inéditos^  e  desde  já 
diremos  que  cada  volume  ou  série  constituirá  um 
todo  com  uma  unidade:  de  assunto,  de  objecto,  de 
proveniência,  de  cronologia,  ou  outra. 


A.  F. 


INTRODUÇÃO 


O  trabalho  que  a  seguir  tornamos  público  é,  sob 
o  ponto  de  pista  scientífico,  um  despretencioso  e  mo- 
desto ensaio  de  teoria  e  de  metódica  da  história^ 
precedido  de  um  estudo -sobre  a  evolução  da  histo- 
riografia, a  partir  da  Renascença. 

Sob  o  aspecto  administrativo  — porque  o  tem  — 
consiste  na  exposição  de  alguns  conhecimentos  e 
ideas  que  possuímos  sobre  a  historiografia  na  sua 
evolução  e  na  sua  fase  actual,  e  acerca  dos  métodos 
e  processos  a  seguir  na  publicação  das  Colecções 
de 'documentos  inéditos. 

Mas,  expliquemos  melhor  a  finalidade  adminis- 
trativa desta  obra. 

Por  decreto  de  3o  de  Outubro  de  igi5  (D.  do 
G.  n.°  2.04g,  de  18  de  Novembro  seguinte);  por 
portarias  de:  23  de  Maio  de  1Q14  (D.  do  G.  de  i5 
seguinte),  e  de  4  de  Janeiro  de  igig  (D.  do  G.  de 
8  seguinte) ;  e  por  múltiplos  despachos  ministeriais 
temos  vindo  a  ser  encarregados,  pelo  Ministério 
da  Instrução  Pública,  de  escrever  diversas  obras 
de  carácter  histórico,  bem  como  de  desempenhar 


párias  comissões  de  serviço,  e  da  publicação  de  uma 
Colecção  de  Documentos  Inéditos  da  História  de 
Portugal  Na  nossa  obra  sobre  os  Arquivos  e  as 
Bibliotecas  em  Portugal,  de  pág.  56  a  67,  trata- 
mos largamente  de  tais  comissões  de  serviço  de  in- 
vestigações e  publicações  de  carácter  histórico  pelo 
que  neste  lugar  nada  mais  diremos  sobre  tal  ponto. 

Porém,  não  temos  esquecido  que  tais  encargos 
nos  haviam  sido  conferidos  muito  mais,  talve{,  por 
considerações  de  carácter  pessoal  do  que  em  re- 
sultado de  qualquer  concurso,  ou  por  virtude  de 
outra  forma  pública,  especial  e  directa,  de  afirmar 
e  demonstrar  a  nossa  preparação  scientífica  para 
tais  trabalhos. 

É  certo  que  os  1  fossos  cursos  superiores  —  tanto 
o  do  magistério  secundário  de  história,  geografia  e 
filosofia  como  o  nosso  grau  universitário,  em  s ciên- 
cias históricas,  conquistado  publicamente  e  não  con- 
seguido pelo  cómodo  favoritismo  de  qualquer  de- 
creto— justificavam,  já  por  si,  tais  comissões  — 
todas  elas  gratuitas.  E,  igualmente,  certo  é  que  a 
nossa  aprovação  em  concurso  público  para  o  ensino 
de  história  da  Faculdade  de  Letras  de  Lisboa,  e, 
por  último,  e  sobretudo,  a  nossa  entrada  para  a 
Academia  das  Sciências  de  Lisboa  —  mercê  dos 
trabalhos  que  temos  publicado,  especialmente  sobre 
história,  nos  punham  —  cremos  —  bem  a  salvo  das 
dúvidas  de  qualquer  hipercrítico  ou  :{oilo  que,  por 
acaso,  nos  tenha  aparecido  —  o  que  desconhecemos 


XI 


—  ou  venha  a  surgir-nos,  querendo  ver  nesta  nossa 
bem  ingrata  e  difícil  comissão  de  serviço  público 
qualquer  favor  pessoal  ou  choruda  benesse^  quando 
a  verdade  é  que  ela  tem  sido  desempenhada  sem  a 
menor  gratificação  especial  e  com  bastantes  resul- 
tados morais  e  alguns  financeiros  para  o  país,  pois 
é  bom  que  se  saiba  que  as  obras  que  temos  publi- 
cado no  desempenho  da  nossa  comissão  de  serviço 
do  Ministério  da  Instrução  são  inteira  e  completa 
pertença  do  Estado,  e  todo  o  produto  dos  exempla- 
res vendidos  é  receita  sua. 

Mas,  se  sob  o  ponto  de  vista  moral  a  nossa  cons- 
ciência estava  inteirameute  segura  e  calma  da  ho- 
nestidade dos  nossos  propósitos  e  da  lisura  dos  nos- 
sos actos,  já  sob  o  aspecto  scientífco  a  questão  era 
diversa. 

Importava  dar  ao  país,  que  nos  paga  como  seu 
funcionário,  uma  prova  do  nosso  estudo,  uma  de- 
monstração dos  nossos  conhecimentos  em  tais  assun- 
tos, e  uma  satisfação  não  só  sabre  os  intuitos  e 
objectivos  de  tal  empresa,  como  àcêrca  do  ponto  de 
vista  sob  que  a  encaramos,  do  critério  que  nela  se- 
guimos, emfim,  àcêrca  do  espírito  da  obra  a  rea- 
lizar (i). 


(i)  É  certo  que  tudo  isso  já  se  encontra  patenteado,  bem  prá' 
ticamente^  no  primeiro  volume  desta  colecção :  As  Impressões  de 
um  Diplomata  Português  na  Corte  de  Berlim  —  o  qual,  para  não 
perder  a  oportunidade  do  período  da  guerra  com  a  Alemanha, 
apareceu  antes  da  presente  obra  que  a  todos  devia  preceder. 


XII 


As  democracias,  que  devem  ser  regimes  de  má- 
xima selecção,  obrigam  pela  sua  natureza  e  Índole 
aqueles  que  as  servem  a  patentear  bem  publica- 
mente a  maneira  como  ofa^em  e  os  intuitos  que  os 
dirigem.  É  essa  a  superior  ra^ão  de  ser  moral  e 
cívica  da  elaboração  e  da  publicação  deste  livro. 

Ao  país  damos  conta  —  e  não  é  a  primeira  vei 
que  o  fademos  (i)  —  da  maneira  como,  neste  ponto, 


(i)  Efectivamente,  no  nosso  opúsculo  Os  arquivos  da  História 
de  Portugal  no  estrangeiro,  ocupamo-nos,  mais  ou  menos  directa- 
mente, da  nossa  viagem  de  estudo  ao  estrangeiro,  em  igi4l  e  no 
nosso  livro  Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal,  relatamos 
a  obra  que  efectuámos  quando  chefiámos  a  Repartição  de  Instru- 
ção Artística,  do  Ministério  da  Instrução,  no  que  respeita  aos  nos- 
sos depósitos  públicos  de  manuscritos  e  de  livros. 

Também,  no  nosso  opúsculo  Da  Importância  dos  Documentos 
Diplomáticos  em  História,  nos  ocupámos  das  colecções  documentais 
de  carácter  diplomático  existentes  nos  arquivos  estrangeiros  —  al- 
guns dos  quais  visitámos,  e  das  espécies  diplomáticas,  isto  é,  sobre 
politica  externa,  existentes  nos  tiossos  depósitos. 

No  nosso  opúsculo  sobre  a  Restauração  de  16^0,  publicámos,  com 
as  respectivas  cotas,  os  índice  dalguns  rnaços  do  Arquivo  espanhol 
de  Simancas,  especialmente  da  secção  dos  Papéis  do  Estado  e  da 
do  Patronato  Real,  onde  estão  os  mais  importantes  manuscritos 
relativos  à  perda  da  independência,  em  i58o.  Assim,  temos  vindo 
mostrando,  muito  praticamente,  quanto  foi  profícua  e  útil,  no 
ponto  de  vista  da  erudição  portuguesa,  a  nossa  viagem  ao  estran- 
geiro—  feita,  aliás,  inteiramente  à  nossa  custa,  o  que  contrasta 
com  o  procedimento  de  outros  que,  a  expensas  dos  cofres  pú- 
blicos, lá  teem  ido  fora  sem  que  nada  hajam  produzido  em  bene- 
fício do  país. 

Ainda  é  de  citar  o  nosso  trabalho  acerca  de  A  vida  e  obra  go- 
vernativa do  primeiro  Marquês  de  Pombal,  onde,  com  o  mesmo 
intuito  de  dar  contas  ao  país  da  forma  cotno  o  servimos,  publicámos 


XIII 


o  pimos  servindo.  Ele  que  responda  se  não  acha 
bem;  e  que,  nesse  caso,  indique  qualquer  outro,  e 
melhor^  meio  de,  com  a  maior  profiquidade,  levar 
por  diante  esta  empresa:  a  publicação  de  docu- 
mentos inéditos  da  história  de  Portugal  (i). 


A.  F. 


o  plano  geral,  da  obra  sobre  o  eminente  estadista,  de  que  fomos  en- 
carregados em  igi5  pelo  citado  decreto  n.°  2.o4g,  e  expomos  lar- 
gamente os  sumários  dos  dois  primeiros  volumes  dessa  obra. 

(i)  Sobre  esta  publicação  ver  na  nossa  já  citada  obra:  Os  Ar- 
quivos e  as  Bibliotecas  em  Portugal,  pág.  62  a  6']. 


CAPÍTULO  I 

A  íDíluêiiGiã  da  filosofia  cartesiana 

e  do  movimento  scientifico  da  Renascença  do  século  xvi 

sobre  os  progressos  da  História 

É  sempre  difícil  —  por  ser  mais  ou  menos 
arbitrário  —  determinar  duma  maneira  fixa  o 
momento  exacto  em  que  uma  sciência  passa  da 
sua  fase  de  sincretismo  ao  estado  de  positividade 
e  de  precisão  scientifica.  E  se  isso  é  verdadeiro 
quanto  às  sciências  da  natureza  muito  mais  evi- 
dente se  torna  quando  temos  que  encarar  as  sciên- 
cias do  espirito  ou  sciências  humanas  —  muito 
mais  complexas  que  aquelas  pelo  seu  objecto  e 
pelos  seus  métodos  de  estudo. 

Porém,  se  duma  forma  geral  podemos  reportar 
à  antiguidade  clássica  o  aparecimento  da  Mate- 
mática (i),  fixar  o  século  xvii  como  aquele  em 


(i)  Sobre  a  evolução  das  sciências  matemáticas  veja-se  a  de- 
senvolvida História  das  Matemáticas,  de  Montucla;  Chasles, 
Aperçu  historique  siir  Vorigine  et  dévelopement  des  Méthodes  en 
Géometrie,  iSSy;  Hoefer,  Hist.  des  Maihem.,  1874-1886;  P.  Tan- 
NERY,  Hist.  des  Mathem.,  nas  Notions  de  Matliem.;  Brunschvieg, 
Les  Etapes  de  les  Philosophie  Mathem.,  1912;  P.  Tannery,  La 

I 


que  a  Astronomia,  constituída  na  Grécia,  en- 
tra na  sua  fase  dedutiva  (i),  e  em  que  surje  a 
Física  (2);  e,  se  se  pode  dizer  que  o  século  xviii 
viu  nascer  a  Química  (3),  como  o  século  xix  viu 
aparecer  a  Biologia  (4)  e  a  Sociologia;  não  menos 


Correspondance  de  Fermat;  d'ADHÉMAR,  Uosiivre  mathématique 
du  XIX  p.e  siècle,  1900;  E.  Lebon,  Les  Savants  du  Jour. 

(i)  Sobre  a  evolução  da  Astronomia,  vide:  Cxssxm^  Del' origine 
et  des  progrès  de  Vastronomie,  nas  Mèm.  Ac.  des  Sc,  1666- 1669, 
viu;  Laplace,  Exposition  du  syst.  du  Monde,  i,  v;  Delambre,  Hisí. 
de  V Astronomie ;  Faye,  Sur  les  origines  du  monde;  Wolff,  Les 
hypothèses  cosmo goniques;  Baillaud,  De  la  mèthode  dans  les 
Sciences,  11,  1912. 

(2)  Para  a  história  da  Física,  pode  vêr-se  a  obra  de  Líber, 
em  5  vol.,  1810;  e  a  Histoire  de  Hoefer.  Não  devem  ser  esqueci- 
dos os  notáveis  trabalhos  de  Duhem  sobre:  Saint-Claire  Deville, 
Van't  Hoff,  Clerck,  Maxwell;  Levolution  de  la  Mécanique;  La 
Théorie  physique^  son  objet  et  sa  structure;  Les  Origines  de  la 
Statique,  1  vol.  1909;  La  théorie  physique  de  Platon  à  Galilèe, 
1909. 

(3)  Acerca  da  evolução  da  Química,  pode  consultar-se,  àlêm 
da  excelente  obra  de  Hermann  Kopp,  os  notáveis  trabalhos  de 
Berthelot  :  Introduction  à  Vètude  de  la  chimie  des  anciens,  1889; 
Les  Alchimistes  grecs,  1887;  Les  Origines  deVAlchimie,  i885;  La- 
voisier  et  la  révolution  chimique^  1889;  Archéologie  et  histoire  des 
Sciences^  1908.  Também  devem  ser  lidas  as  obras  do  Ghevreul: 
Hist.  des  connaissances  chimiques^  1866;  Hist.  de  la  matière  de- 
piiis  des  grecs  jusqu'à  Lavoisier;  As  Histoires  de  la  Chimie,  de 
Hoefer,  Wurtz,  Jaonaux,  etc. 

(4)  Sobre  os  progressos  da  Botânica,  veja-se:  Adamson,  His- 
toire de  la  Botanique;  Hoeffer,  Histoire  de  la  Botanique;  F.  Hous- 
SAY,  Nature  et  Sciences  naturelles,  1908. 

Sobre  os  progressos  da  Zoologia,  veja-se:  Blainville,  Hist. 
des  Sciences  de  Vorganisation  comme  base  de  la  philosophie,  i858, 
3  vol.;  Cuvier:  Hist.  gen.  des  se.  nat.  depuis  leur  orig.jusqú'à  nos 
jours,  1841-3,  5  vol;  os  Rap.  sur  les  progrès  des  se.  nat.  depuis 
ijSg,  1810;  e  os  5  volumes  das  Etapes,  onde  há  muita  história  das 
sciências  naturais;  Hoeffer,  Hist.  de  la  Zoologie;  Pouchet,  £a 


i 


se  pode  afirmar  que  a  história  scientifica  aparece 
no  período  de  transição  que  vai  dos  fins  do  sé- 
culo XVI  aos  princípios  do  xvii. 

Efectivamente,  a  Sociologia,  que  é  uma  sciên- 
cia  sintética  por  excelência,  não  podia  consti- 
tuir-se  emquanto  a  etnografia,  a  etnologia,  a  mito- 
grafia,  a  sciência  das  religiões,  a  pre-história,  o 
conhecimento  das  línguas  e  civilisaçóes  orientais 
—  pela  fundação  da  egiptologia  e  da  assiriolo- 
gia,  —  e  os  agrupamentos  das  sciências  filológicas 
e  históricas  não  fornecessem  todo  um  imenso 
mundo  de  conhecimentos  que  haviam  de  consti- 
tuir o  enorme  edifício  da  sciência  contemporânea 
sobre  o  qual  a  Sociologia  havia  de  vir  assentar  a 
cúpula  das  suas  generalisaçóes,  induções  e  leis. 

Não  quer,  porém,  dizer  que  a  Política  de  Aris- 
tóteles, o  Discurso  sobre  Tito  Lívio  de  Macchia- 
VEL,  os  Princípios  de  uma  Sciência  Nova  de  Vico,  e 
as  obras  de  Hume,  Fergusson,  Montesquieu  e  de 
HoLBACH  não  constituam  importantes  elementos 
preparatórios,  e  não  marquem  étapes  de  sucessivo 
progresso  na  fase  pre-scientífica  da  Sociologia; 
mas  o  certo  é  que  só  com  Augusto  Comte  ela 
adquiriu  autonomia  e  possibilidade  de  existência 
como  sciência  abstrata. 

Uma  das  sciências  que  mais  contribuiu  para 
o  aparecimento  da  Sociologia  foi  a  história  com 


Biologie  Arisioíélique,  iSS5;  E.  Peurieb,  La  Philosophie  Zoologi- 
que  avant  Darwin,  1884;  do  mesmo,  Le  Transformisme;  E.  Gley, 
Essais  de  Philos.  et  d'Hisí.  de  la  Biologie,  etc. 


os  seus  constantes  progressos  quere  no  que  res- 
peita à  metódica  das  investigações,  quere  no  que  se 
refere  aos  seus  processos  de  estudo :  dogmático 
ou  descritivo,  especulativo  ou  critico,  sintético 
ou  filosófico. 

Como  já  dissemos,  a  História  entra  na  sua 
fase  scientifica  na  transição  dos  fins  do  século  xvi 
para  o  xvii,  pois  é  então  que  se  inicia,  e  acentua 
cada  vez  mais,  a  reacção  contra  o  Humanismo. 
As  consequências  especulativas  dos  descobri- 
mentos dos  portugueses  e  espanhóis,  bem  como 
a  influência  dos  progressos  da  astronomia,  da 
física,  da  geografia  e  da  filosofia  cartesiana  ha- 
viam tido  sobre  todos  os  ramos  do  saber  humano 
uma  reflexão  preponderante  no  sentido  objetivo 
e  positivo. 

Alfredo  Weber  na  sua  História  da  Filosofia 
Europêa  caraterisa  muito  bem  o  movimento  scien- 
tifico  nesse  período,  quando  escreve:  «Desde  o 
meiado  do  século  xv  que  a  Europa  ocidental  ia 
de  surpresa  em  surpresa.  Guiada  pelos  sábios 
gregos  que  se  tinham  fixado  na  Itália,  ela  entra 
em  cheio  na  terra  prometida  que  os  árabes  lhe 
haviam  feito  entrever  em  parte:  a  antiguidade,  a 
sua  literatura,  as  suas  artes,  a  sua  filosofia.  O 
horizonte  histórico  dos  nossos  pais,  limitado  pri- 
meiramente ao  período  católico,  estende-se  desde 
então,  e  remonta,  indefinidamente,  àlêm  das  ori- 
gens do  cristianismo.  Esta  Igreja  católica,  fora  da 
qual  não  se  via  até  há  pouco  senão  trevas  e  bar- 
baria, não  figurava  senão  como  a  filha  e  a  her- 


5 


deira  de  uma  civilisação  mais  antiga  que  eia,  mais 
rica,  mais  variada,  mais  conforme  com  o  génio 
das  raças  ocidentais. 

«A  Europa  romana  e  germânica  sentiu  em  si 
uma  afinidade  natural  e  íntima  com  estes  Gregos 
e  estes  Romanos,  colocados  fora  da  Igreja  e  supe- 
riores a  tantos  respeitos  aos  cristãos  do  século  xv 
em  todas  os  campos  da  actividade  humana.  O 
preconceito  católico,  em  virtude  do  qual  não  há 
fora  da  Igreja  nem  salvação,  nem  civilisação  real, 
nem  religião,  nem  moralidade  desvanece-se  pouco 
a  pouco.  Então,  deixa-se  de  ser  exclusivamente 
católico  para  se  tornar  homem,  humanista,  filan- 
tropo no  mais  amplo  sentido  deste  termo.  Agora, 
não  são  já,  apenas,  alguns  fugidios  reflexos  que 
surgem  ácêrca  do  passado,  é  a  história  completa 
da  Europa  árica  que  se  desenrola  ante  os  olhares 
atónitos  dos  nossos  antepassados  com  os  seus 
milhares  de  problemas  políticos,  literários,  filo- 
lógicos, arqueológicos,  geográficos.  D'ora  avante 
as  sciências  históricas  imperfeitamente  cultivadas 
pela  antiguidade  e  quási  desconhecidas  na  Idade 
Média,  constituirão  um  importante  ramo  de  estu- 
dos, esperando  o  momento  de  se  tornarem  o  seu 
fulcro». 

Isso  é  profundamente  exacto,  pois  a  história 
vem  tendendo  cada  vez  mais  a  tornar-se,  àlêm 
de  ufn  importante  grupo  de  estudos,  um  método 
de  investigação  e  de  conhecimento  em  todas  as 
sciências,  e  uma  fase  infalível  por  que  todas  de- 
vem passar  na  sua  evolução  da  forma  descritiva 


ou  dogmática  para  a  crítica  —  produto  da  essen- 
cial aplicação  do  método  histórico-comparativo. 

A  seguir,  esse  antigo  professor  da  Universidade 
de  Strasburgo  continua:  «Logo  que  o  Homem 
descobre  a  Humanidade  torna-se-lhe  possível 
constatar  a  forma  exacta  da  casa  que  habita,  e 
de  que  até  então  só  havia  conhecido  uma  das 
fachadas.  O  universo  católico  limitava-se  ao 
mundo  conhecido  pelos  Romanos,  isto  é,  à  bacia 
do  Mediterrâneo  e  ao  sudueste  da  Ásia,  acres- 
cidos da  Europa  septentrional.  Mas  eis  que 
Colombo  descobre  o  novo  mundo;  eis  que  Vasco 
DA  Gama  dobra  o  cabo  da  Boa  Esperança  e 
encontra  o  caminho  marítimo  das  índias;  eis, 
sobre  tudo,  Magalhães  que  consegue  dar  a  volta 
ao  mundo.  Assim,  vem  confirmar-se,  com  factos 
evidentes,  uma  hipótese  já  familiar  aos  antigos: 
a  nossa  terra  é  um  globo  isolado  por  todos  os 
lados  e  girando  livremente  no  espaço». 

Mas,  se  a  terra  era  agora  considerada  um  globo 
—  o  que  marcava  já  uma  assinalada  vitória  sobre 
os  preconceitos  bíbUcos  —  ainda,  porém,  era  tida 
como  um  centro  imóvel  em  torno  do  qual  gravi- 
tavam os  corpos  celestes.  Mas,  surge  logo  no 
meiado  do  século  xvi  o  De  orbium  celestium  re- 
volutionibus  libri  w,  1548,  em  que  o  seu  eminente 
autor,  GoPERNicuM,  coloca  a  terra  na  série  dos 
planetas  que  giram  em  torno  do  sol  (i).  Em  1609 
surge  em  Praga  a  Astronojnia  nova  sive  Física 


(i)     Vide  H.  HõFFDiNG,  Philosophie  Moderne,  pág.  108-1 15. 


7 


ccelestis,  de  Képler,  que,  com  a  Harmonia  miindi 
do  mesmo  autor,  vêem  a  um  tempo  comprovar  a 
verdade  do  sistema  de  Copérnico  com  a  determi- 
nação das  órbitas  dos  planetas  e  a  fixação  da  lei  do 
movimento  destes,  e  contribuir  para  a  total  ruina 
das  concepções  cosmogónicas  mosaicas,  que  o 
notável  Galileo  vem  acelerar  com  as  descobertas 
do  duplo  movimento  da  Terra  e  dos  satélites  de 
Júpiter,  e  com  a  determinação  da  lei  das  suas 
revoluções. 

O  dr.  Teófilo  Braga  referindo-se  também  a 
este  admirável  movimento  de  renovação  scientí- 
fica,  escreve:  «As  curiosidades  do  espírito  leva- 
vam por  toda  a  parte  ao  exame  da  natureza;  a 
combustão  do  enxofre  observada  por  Beecher  sus- 
citava a  Stahl  a  teoria  fisiológica  áo  phlogistico. 
A  descoberta  do  microscópio  no  século  xvii  fa- 
culta ao  homem  uma  observação  no  mundo  dos 
infinitamente  pequenos,  embora  só  muito  tarde 
pudesse  ser  aplicado  à  histologia,  à  teoria  celu- 
lar, à  microbiologia  e  à  síntese  mineralógica.  A 
concepção  mecânica  do  universo  tendia  a  com- 
pletar-se  também  na  observação  dos  fenómenos 
orgânicos;  é  assim  que  entre  as  maiores  des- 
cobertas do  século  xvii  resplandece  a  de  Harvey, 
observando  a  circulação  do  sangue,  descobrindo 
os  canais  de  absorção  e  reservatórios  do  chylo; 
apesar  dos  tradicionalistas  galénicos,  a  doutrina 
de  Harvey  triunfou  sobretudo  quando  cinco  anos 
depois  da  sua  morte  Malpighi,  pelo  auxílio  do 
microscópio^  descobriu  os  vasos  capilares  e  veri- 


íicou  a  passagem  directa  do  sangue  das  artérias 
para  as  veias»  (i). 

^Que  faz  a  Igreja  em  face  de  tão  extraordiná- 
rio movimento  de  renovação  scientifica?  Ante 
tão  grandes  progressos  nos  domínios  do  saber 
humano,  e  que  constituiam  tão  incuráveis  chagas 
abertas  no  corpo  das  doutrinas  religiosas,  ela 
procura  defender-se  atacando  com  o  furof  dos 
impotentes.  Kepler  é  perseguido;  Galileu  vê-se 
forçado  a  retratar-se;  Giordano  Bruno  é  quei- 
mado em  Roma,  por  sentença  da  Inquisição;  e  a 
Campanela  são  infligidas  as  maiores  torturas 
nos  cárceres  da  Inquisição  de  Nápoles.  Durante 
trinta  e  cinco  horas  sofre  este  filósofo  os  maiores 
suplícios  e,  segundo  afirma  um  seu  contemporâ- 
neo «toutes  les  veines  et  ar  teres  qui  sont  autour 
du  siège  ayant  été  rompues,  le  sang  qui  coulait 
des  blessures  ne  put  être  arrêté». 

«Mas,  —  continua  o  prof.  Weber  (2) —  apesar 
de  tais  resistências,  as  teorias  novas  divulgam-se, 
as  descobertas  e  as  invenções  multiplicam-se. 
Ontem  surgia  a  imprensa,  hoje  a  bússola  e  o 
telescópio.  Emquanto  se  espera  que  Newton 
venha  completar  a  nova  cosmologia  com  a  teoria 
da  atracção  universal  e  transformar  em  axioma 
o  que  até  ali  não  é  mais  que  uma  hipótese,  as 
sciências,   sacudindo   o  jugo    do    scolasticismo, 


(i)  Dr.  Teófilo  Braga,  História  da  Universidade  de  Coimbra, 
t.  II,  pág.  443. 

(2)  As  passagens  transcritas  da  Hist.  da  Filosofia  Europêa 
de  Weber,  vêem  a  pág.  272-275. 


avançam:  a  princípio  com  um  passo  tímido,  e  de- 
pois duma  maneira  cada  vez  mais  firme  e  segura. 
Leonardo  Vinci  e  seu  compatriota  Fracastor 
continuam,  —  em  física,  em  óptica,  em  mecânica 
Arquimedes  e  os  sábios  de  Alexandria.  O  francês 
ViETE  alarga  o  âmbito  estreito  da  álgebra,  que 
êle  aplica  à  geometria,  e  o  inglês  Neper  inventa 
os  logaritmos.  No  campo  das  sciências  bioló- 
gicas, o  belga  Vésale,  com  o  seu  De  corporis 
humani  fabrica  (t553),  cria  a  anatomia  humana, 
e  o  inglês  Harvey  na  sua  célebre  obra  publicada 
em  1628(1),  demonstra  a  circulação  de  sangue, 
admitida  já  80  anos  antes  pelo  espanhol  Miguel 
Servet(2),  e  pelos  italianos  Realdo  Colombo  (3) 
e  André  Cesalpino  (4)»  (5). 

Como  era  natural  estes  progressos  no  campo 
scientííico  iam  ter  o  seu  infalível  reflexo  no  do- 
mínio filosófico.  Não  se  tratava  apenas  dum 
quantum  de  descobertas  mais  ou  menos  extenso 
e  importante  por  si;  porque  o  que  mais  impor- 


(i)  A  obra  de  Harvey  foi  publicada,  1628,  em  Francfort,  sob 
o  título :  De  tnotu  cordis  et  sanguinis. 

(2)  Efetivamente,  já  em  1546  no  Christianismi  restitutio  Ser- 
VET  afirmava  a  existência  da  pequena  circulação  ou  pulmonar. 

(3)  Na  obra  de  Colombo  Dere  anatómica,  aparecida  em  i558. 

(4)  Nas  Questiones  medicae,  aparecidas  em  iSgS. 

(5)  Acerca  da  ev^olução  das  sciências  médicas,  veja-se:  Brous- 
SAis,  Examen  des  docirines  médicales,  1829,  4  vol.;  Kunholtz, 
Cours  d'hist.  de  la  Méd.  et  de  Bibl.  Mèd.,  iSSy;  Daremberg,  Hist. 
des  Sc.  Méd.,  1870,  2  vol.;  A.  Eymin,  Médecins  et  Philosophes, 
igoS;  BoiNET,  Les  Docirines  méd.  seur  évolution,  1906.  Ainda  as 
obras  clássicas  seguintes:  Lanth,  Hist.  de  VAnatomie,  181 5;  Mal- 
GAiGNE,  Hist.  de  la  Chirurgie;  Gilbert,  Hist.  de  la  Pharmacie, 
1892. 


IO 


tava  à  evolução  do  pensamento  em  geral  era  a 
marca  de  objectividade  e  a  importância  crescente 
dos  métodos  de  observação  e  de  experiência: 
numa  palavra  o  carácter  de  positividade  que  se 
tornava  cada  vez  mais  preponderante  sobre  os 
preconceitos  religiosos. 

Apesar  do  concurso  brilhante  que  os  filósofos 
e  sábios  italianos  e  espanhóis  haviam  dado  para 
o  progresso  scientifico  —  como  acabámos  de  vêr 
—  estava  reservada  aos  pensadores  ingleses  e 
franceses  a  suprema  honra  de  inaugurarem  a  filo- 
sofia moderna. 

E  certo  que  antes  de  Francisco  Bacon,  de 
HoBBEs  e  de  Renato  Descartes  temos  que  colocar 
GiORDANo  Bruno  e  Campanela  que  iniciam  a  re- 
novação filosófica  —  consequência  natural  da.  Re- 
forma religiosa  e  do  progresso  scientifico. 

Alf.  Weber  ao  iniciar  o  primeiro  período  da 
Filosofia  moderna, — a  que  chama  a  Idade  da  me- 
tafisica  independente^  —  com  o  estudo  da  obra  de 
Giordano  Bruno,  escreve:  «A  renovação  da 
sciência  do  cosmos  no  dia  seguinte  da  revolução 
religiosa,  teve  por  natural  consequência  a  re- 
forma filosófica,  preparada  muito  antes  pelos 
sábios  livres  pensadores,  e  que  surge  cerca  de 
1600,  com  os  sistemas  audaciosamente  inova- 
dores de  Bruno,  de  Bacon,  de  Descartes.  É  o 
compatriota  de  Parménides  e  de  Zénon,  Giordano 
Bruno,  que  abre  a  série»  (i). 


(1)     Weber,  ob.  cit.,  pág.  277. 


I  I 


Também  o  prof.  Hõffding,  da  Universidade  de 
Copenliague^  caracterizando  a  filosofia  de  Gior- 
DANO  Bruno,  começa  logo  por  escrever:  «Encon- 
tramos em  Bruno  as  ideas  de  Nicolau  de  Gusa, 
de  Telesio  e  de  Copérnico...  As  ideas  scientí- 
ficas  dos  tempos  modernos  àcêrca  do  mundo  fo- 
ram por  êle  estabelecidas  em  algumas  das  suas 
grandes  linhas»  (i).  Mais  adeante,  continua: 
«GiORDANO  é  um  dos  primeiros  pensadores  que 
tem  a  clara  consciência  de  que  as  grandes  ideas 
são  devidas  a  uma  série  de  continuadas  expe- 
riências. Êle  crê  ter  exposto  grandes  ideas,  mas 
sabe  também  o  que  deve  aos  seus  antecessores, 
especialmente  aos  astrónomos,  sobre  cujas  obser- 
vações êle  se  apoia»  (2). 

É  exacto.  Gontudo,  é  com  G.  Bruno  —  como 
diz  Weber  —  que  se  inicia  o  período  da  filosofia 
moderna;  mas  o  pensador  do  De  immenso  et 
innumerabilibiis ;  e  do  De  monade,  numero  et 
figura,  com  o  seu  monismo  e  materialismo,  é 
principalmente  um  especulativo  idealista  e  me- 
tafísico (3).  Existe  nele,  talvez,  o  gérmen  dos 
sistemas  de  Leibeniz^  de  Hegel,  e  de  Diderot;  é 
êle  talvez  o  traço  de  ligação  do  ontologismo 
moderno  com  as  teorias  dos  jónios,  dos  eleatas 
e    dos   neoplatónicos;   mas  falta-lhe   a   capaci- 


(1)  H    HOFFDING,  Ob.  Cit.,  pág.   II 5. 

(2)  Idem,  ob.  cit.,  pág.  129. 

(3)  Ver  àcêrca  de  G.  Biíuno  a  obra  de  Berta,  Giordano  Bruno 

da  Nola,  ed.  1889. 


12 


dade  crítica  que  vamos  encontrar  em  Campa- 
nela(i). 

Mas,  por  sua  vez,  o  pensador  da  Philosophia 
rationalis,  e,  especialmente,  da  Universalis  philo- 
sophiae.  .  .  cai  no  excesso  oposto;  e  à  metafísica 
dogmática  de  Bruno  vem  juntar-se  a  metafísica 
scéptica  de  Campanela:  ambos  nada  objectivos 
nem  construtivos. 

Por  isso  dizemos  que  estava  reservada  a  Fran- 
cisco Bacon  e  a  Descartes  a  grande  reforma  do 
pensamento  humano  no  período  moderno. 

O  ilustre  historiador  Weber,  ao  iniciar  o  es- 
tudo da  filosofia  de  Bacon  de  Vèrulam,  caracterisa 
muito  bem  o  movimento  filosófico  moderno, 
quando  diz:  «Em  Inglaterra  a  reforma  filosófica 
recebeu  do  génio  da  raça  saxónia  um  caracter 
muito  diferente  do  que  ela  havia  sido  na  Itália. 

«Sóbrio  e  positivo,  o  espírito  inglês  não  tem 
confiança  nem  na  tradição  escolástica  nem  nas 
sínteses  prematuras  da  metafísica  independente. 
A  especulação  italiana  que  depressa  chega  ao 
auge,  mas  que  não  podendo  manter-se  cai  de- 
sencorajada no  scépticismo,  êle  prefere  a  lenta  e 
gradual  ascensão  pelo  caminho  da  experiência. 
O  que  o  impressionava  no  desenvolvimento  que 
as  sciências  acabavam  de  tomar,  era  que  a  Es- 
cola e  os  seus  métodos  em  nada  ali  figuravam; 


(i)  Acerca  de  Tommaso  Campanela,  da  sua  vida,  das  suas 
concepções  e  dos  martírios  que  sofreu,  ver  o  magnífico  estudo 
de  H.  HoFFDiNG,  ob.  cii.,  pág.  157  e  seg. 


i3 


era  que  estas  conquistas  da  inteligência  se  tinham 
conseguido  fora  dela  e  apesar  da  sua  oposição. 
Elas  não  eram  devidas  nem  a  Aristóteles,  nem 
a  qualquer  outra  autoridade  tradicional,  mas  à 
natureza  directamente  consultada,  ao  contacto 
imediato  da  razão  normal  com  a  realidade»  (i). 

Isso  era  profundamente  exacto  (2).  Era  neces- 
sário pôr  de  parte  a  especulação  à  priori  e  o  uso 
abusivo  do  silogismo,  utilizando,  como  únicos 
meios  de  se  chegar  à  verdade  e  de  se  fazer  sciên- 
cia,  a  observação,  a  experiência  e  a  indução. 

Francisco  Bacon,  voltando  à  tradição  da  filo- 
sofia inglesa  do  século  xiii  —  especialmente  indi- 
vidualizada em  RoGER  Bacon  —  escreve  nesse 
ponto  de  vista  o  seu  De  Dignitate  et  augmentis 
scientiarum,  e,  principalmente,  o  célebre  Novum 
organum  scientiarum  (3). 

Esse  admirável  corpo  de  doutrinas,  pela  sua 
parte  negativa  e  crítica,  constitue  o  mais  formi- 
dável golpe  que  a  filosofia  moderna  deu  de  início 
no  scolasticismo,  no  aristotelismo,  e  nos  sistemas 
de  Pitágoras  e  de  Platão,  em  resumo :  na  tra- 
dição greco-scolástico.  Pela  sua  parte  constru- 
tiva—  a  do  segundo  livro  do  Novum  organum 
—  êle  é  bem  um  dos  iniciadores  da  filosofia  mo- 


(i)     A.  Weber,  ob.  cit.,  pág.  286. 

(2)  HõFFDiNG  refere-se  arêsse  período  da  seguinte  forma:  «La 
science  nouvelle  fondeé  sous  le  coup  des  expèriences  et  des  inven- 
tions  de  la  vie  pratique,  devait  amener  un  agrandissement  de  la 
logique  tradictionnelle»,  ob.  cit.,  pág.  191. 

(3)  São  as  duas  principais  partes  da  Insiauraiio  magna.,  pois 
das  outras  quartas  só  se  conhecem  fragmentos. 


í4 


derna  pela  entronização  dos  métodos  essenciais 
para  se  chegar  ao  contiecimento  scientifico  e  à 
verdade:  a  observação,  a  experiência  e  a  indu- 
ção (i).  Por  isso  Weber  o  considera  como:  «o 
fundador  da  filosofia  experimental,  o  pai  do  posi- 
tivismo moderno  considerado  como  filosofia, 
neste  sentido,  que  é  êle  o  primeiro  que  de  uma 
forma  clara  e  eloquente  vem  mostrar  a  solidarie- 
dade da  verdadeira  filosofia  com  a  sciência,  e  a 
inanidade  duma  metafísica  separada»  (2). 

Quando  Bacon  tinha  35  anos  (3)  nascia,  na 
Haia,  Descartes,  que,  nove  anos  depois  da  morte 
do  seu  precursor,  havia  de  publicar  a  obra  ver- 


(i)  Se  para  destruir  a  lógica  escolástica  ninguém  apareceu 
com  mais  energia  é  tenacidade  que  Francisco  Bacon,  é  necessário 
não  esquecer  os  dois  mais  notáveis  precursores  do  autor  da  Ins- 
tauraiio  magna:  o  francês  Pierre  de  la-  Rameè,  e  o  português 
Francisco  Sanches,  o  primeiro  com  a  sua  Dialectique,  o  segundo 
com  o  Qiiod  nihil  scitur. 

Mas,  a  dúvida  não  é  para  o  filósofo  português,  um  fim,  é  um 
meio,  pois,  como  diz  Hóffding  a  respeito  «da  sua  obra  scéptica», 
esta  «não  constitue  senão  uma  introdução  a  uma  série  de  traba- 
lhos dum  género  especial  e  empírico».  Para  êle  «a  observação  e 
a  experiência  unidas  ao  juíso  constituem  os  melhores  meios  de 
se  chegar  ao  conhecimento». 

E  quando  se  trata  de  procurar  a  origem,  a  fonte,  de  todo  o 
conhecimento,  êle  diz  que  se  o  conhecimento  interno  é  mais  se- 
guro que  qualquer  outro,  a  experiência  interna  é,  pelo  contrário, 
inferior  em  clareza  e  precisão  à  externa.  Deste  modo  Francisco 
Sanches  que  excede  Bacon  e  Petrus  Ramus  é  o  mais  directo  pre- 
cursor de  Campanela  e  Descartes. 

Vide  Hóffding,  ob.  cit.,  pág.  195-196. 

(3)     Weber,  ob.  cit..,  pág.  290. 

(3)  Acerca  de  F.  Bacon,  veja-se:  Hóffding,  ob.  cit.,  pág,  196 
e  216. 


i5 


dadeiramente  básica  do  penssamento  moderno : 
o  Discurso  do  Método.  Ao  contrário  do  que  al- 
guns teem  afirmado,  longe  de  haver  oposição 
entre  os  desígnios  e  objectivos  da  Instauratio 
Magna  e  do  Discours  de  la  Methode,  há  uma  ín- 
tima relação  que  torna  esta  o  digno  complemento 
daquela.  Se  a  Instauratio  é  uma  obra  de  com- 
bate contra  a  tradição  filosófica  greco-escolástica, 
o  Discours  é  uma  obra  de  construção  admirável; 
se  a  desapiedada  critica  da  primeira  contra  a 
tradição  escolástica  fecha  definitivamente  uma 
época  de  especulação  estéril,  a  matemática  uni- 
versal de  Descartes,  com  os  seus  princípios  da 
evidência,  da  análise,  da  síntese,  e  da  classifica- 
ção, abre  tão  largos  caminhos  ao  pensamento 
humano,  que  ainda  hoje  —  e  já  lá  vão  mais  de 
280  anos  —  nada  mais  fazemos  que  trilhá-los, 
pouco  tendo  andado  nessa  infinita  e  bela  estrada 
do  progresso  mental. 

Bastava,  pois,  o  aparecimento  destes  dois  pen- 
sadores para  que  o  século  xvii  marcasse  o  início 
do  pensamento  moderno. 

HõFFDiNG  referindo-sé  a  esta  época  diz:  «A 
era  das  ideas  novas  e  das  descobertas  sucede  a 
época  das  tentativas  para  pôr  em  ordem  e  para 
sistematizar,  para  reduzir  a  multidão  das  ideas  e 
dos  factos  a  ideas  fundamentais,  simples  e  sólidas. 
Estas  tentativas  foram  feitas  com  a  firme  con- 
fiança que  a  verdadeira  base  estava  achada.  A 
análise  foi  subtituida  pela  construção».  Isto 
teve  uma  grande  importância  para  o  pensamento, 


pois  este  poude  então  ccmettre  en  plein  jour»  o 
conteúdo  das  concepções  estabelecidas  pela  Re- 
nascença e  pela  nova  sciência  da  natureza»  (i). 
Na  série  das  tentativas  de  sistematização  de 
que  fala  o  pensador  dinamarquês,  a  primeira 
grande  questão  que  surge  é  o  problema  da  exis- 
tência, vindo  depois  o  do  conhecimento,  e  o  da 
classificação  de  valores  ou  o  problema  moral,  e 
se  estes  dois  últimos  tomam  foros  de  questões 
exclusivas  no  século  xviii,  o  primeiro  predomina 
no  século  xvii  em  Descartes,  Hobbes,  Spinoza, 
marcando  Leibniz  a  transição  para  a  época  se- 
guinte. 


Mas,  se  o  século  xvii  marca  o  inicio  do  pensa- 
mento moderno,  é  com  Descartes  que  a  nova 
filosofia  vai  aparecer,  e  é  no  Discurso  do  Método 
que  êle  irá  basear-se. 

Tem,  por  isso,  inteira  razão  o  grande  pensador 
CouRNOT,  quando,  ao  notar  a  grande  importância 
desse  século,  diz  que  êle  «é  destinado  a  ocupar 
na  história  do  espírito  humano  e  em  todos  os 
povos  civilizados,  —  sejam  quais  forem  as  trans- 
formações por  que  passem  as  opiniões,  as  cren- 
ças, as  instituições,  as  línguas,  e  o  sentimento  do 
belo,  —  um  logar  único,  sem  par  no  passado,  nem 
análogo  no  futuro.  São  os  progressos  e  as  re- 
novações das  sciências  no  século  xvii  que  lhe 


(l)      HÕFFDING,  Ob.  Cit.,  pág.   217. 


i? 


imprimem  este  caracter  singular  e  excepcional  de 
grandeza,  que  nem  a  religião,  nem  a  politica, 
nem  a  filosofia,  nem  as  letras,  nem  as  artes  lhe 
comunicaram  em  grau  tão  eminente»  (i). 

O  sr.  dr.  Teófilo  Braga,  falando  também  desse 
século  de  renovação,  diz  admiravelmente:  «O 
desenvolvimento  enorme  das  sciências  indutivas 
determinou  a  elaboração  das  grandes  sínteses 
filosóficas,  que  modificaram  as  concepções  mo- 
dernas, e  que  vieram  actuar  na  -educação  pú- 
blica; os  nomes  de  Galileu  e  de  Harvey  no  campo 
da  renovação  scientifica  teem  por  continuado- 
res no  campo  filosófico  Bacon  e  Descartes  (2). 
Estes  eminentes  pensadores,  completando-se  mu- 
tuamente, são  representantes  dos  dois  aspectos 
literário  e  scientífico  da  Renascença;  Bacon  influe 
na  constituição  da  nova  filosofia  pela  beleza  e 
colorido  da  sua  linguagem,  com  que  vulgarisa 
importantíssimas  sugestões,  como  a  da  creação 
da  História  Literária  e  do  estabelecimento  de 
Academias;  Descartes  unifica  o  processo  mental 
reunindo  a  elaboração  scientifica  com  a  filosó- 
fica, que  estavam  separadas  desde  a  Escola  da 
Alexandria»  (3). 


(i)     Considérations  sur  la  marche  des  Idées  et  des  Événements 
dans  les  iemps  modernes,  t.  i,  pág.  259. 

(2)  Acerca  de  Descartes  e  do  Cartesianismo,  ver,  àlêm  dos 
trabalhos  de  Millet  e  Ziand,  Hòffding,  ob.  cit.,  pág.  219-268. 

(3)  Dr.  Teófilo  Braga,  História  da  Universidade  de  Coimbra, 
t.  n,  pág.  438. 

2 


Como  acabámos  de  vêr  o  renovamento  scien- 
tífico  que  se  inicia  nos  meados  do  século  xv  e 
vai  até  ao  xvii  tem  como  natural  consequência 
e  salutar  desfecho  o  aparecimento  da  filosofia 
moderna.  O  eminente  Lange,  na  sua  monumen- 
tal História  do  Materialismo,  caracterisa  numa 
admirável  síntese  todo  este  extraordinário  movi- 
mento mental  que  em  pouco  mais  dum  século 
traz  ao  espirito  humano  esse  maravilhoso  pro- 
gresso para  o  compensar  do  longo  período  de 
estagnamento  —  mas  também  de  incubação  — 
de  cerca  de  lo  séculos  de  obscurantismo. 

Diz  Lange:  «Se  se  estudar  no  seu  conjunto,  o 
movimento  de  regeneração,  de  que  não  se  pode, 
quási,  fixar  o  início  nem  o  fim,  desde  o  meado 
do  século  XV  até  à  primeira  metade  do  século  xvii, 
poder-se-á  reconhecer  nestes  dois  séculos  quatro 
períodos,  cujos  limites  são  um  pouco  confusos, 
mas  que  diferem  uns  dos  outros  pelos  seus  cara- 
cteres principais. 

«Durante  o  primeiro,  a  filologia  preocupou  a 
Europa  erudita.  Foi  a  época  de  Lourenço  Vala, 
de  Angelo  Policiano,  e,  do  grande  Erasmo,  que 
marca  a  transição  para  a  teologia.  O  predomínio 
da  teologia,  proveniente  das  agitações  da  Re- 
forma, asfixiou,  durante  algum  tempo,  especial- 
mente na  Alemanha,  todo  e  qualquer  outro  in- 
teresse scientífico.  As  sciências  físicas  que,  desde 
a  época  da  Renascença,  tinham  progredido  nos 


í^ 


laboratórios  silenciosos  dos  sábios,  apareceram 
no  primeiro  plano  na  época  brilhante  de  Kepler 
e  de  Galileu. 

«Em  quarto  e  último  lugar  apareceu  a  filosofia, 
se  bem  que  o  período  culminante  da  actividade 
criadora  de  um  Bacon  e  de  um  Descartes  siga 
muito  de  perto  as  grandes  descobertas  de  Ke- 
pler» (i). 

* 

Mas  essa  profunda  renovação  mental  não  se 
circunscreveu  apenas  às  sciências  da  natureza  e 
às  construções  sintéticas  da  filosofia  de  Bacon 
de  Verulam  e  de  Descartes.  Elas  expandiram-se 
mais,  e  estenderam-se  até  aos  domínios  da  lite- 
ratura, da  filologia  e,  principalmente,  da  história. 
Tem,  por  isso,  inteira  razão  Ed.  Fueter  quando 
diz  que  os  historiadores  da  primeira  metade  do 
século  XVII  «inspiraram-se  na  filosofia  moderna 
e  nas  sciências  naturais  tais  como  Descartes  e 
Galileo  as  haviam  inaugurado».  «O  estudo  da 
natureza — continua,  magnificamente,  êle  —  havia 
substituído  as  opiniões  tradicionais  e  as  observa- 
ções de  outrem  pela  experiência  pessoal:  muitos 
historiadores  sérios  sentiram-se  por  sua  vez  dis- 
postos a  examinar  mais  de  perto  e  por  uma  forma 
mais  sistemática  que  outrora,  a  credibilidade 
nos  factos  descritos  pela  tradição.  Poseram-se, 
então,  a  remontar  mais  conscienciosamente  às 


(i)    Lange,  Histoire  du  Materialisme,  t  i,  pág.  200. 


'20 


mais  antigas  fontes  e,  por  assim  dizer,  à  própria 
natureza,  e  a  pôr  de  lado  os  trabalhos  e  as  opi- 
niões posteriores  das  autoridades  da  escola.  Co- 
meçou-se,  então,  a  fazer  distinções  cada  vez 
mais  nítidas  entre  o€  testemunhos  históricos,  e  a 
estabelecer  graus  na  confiança  que  se  lhes  con- 
cedia. 

Principiou-se  ao  mesmo  tempo  a  declarar 
guerra  à  doutrina  estética  da  antiguidade;  e  re- 
nunciou-se,  dai  em  deante,  a  aplicar  às  obras 
históricas  o  critério  que  só  se  justificava  na  apre- 
ciação das  obras  primas  literárias»  (i). 

Efectivamente,  «desde  Petrarca  e  BocÁcio- — 
como  diz  FuETER  —  o  mais  brilhante  representa- 
tivo romano  da  historiografia  retórica,  que  foi 
Tito  Lívio,  havia-se  tornado  o  mestre  da  histo- 
riografia humanista»  (2). 

O  Humanismo  havia  aparecido  como  reacção 
às  crónicas  da  Idade  Média  —  que  tinham  as  suas 
raízes  e  modelos  na  História  Eclesiástica  de 
Eusébio — obras  sem  arte,  nem  estilo,  sem  senti- 
mento, numa  palavra:  sem  vida.  Os  historia- 
dores humanistas  caíram  no  vício  oposto.:  abu- 
saram   do    estilo  —  uns  com  uma  pronunciada 


(i)  Ed.  FuETER,  Histoire  de  V  Historio  gr  aphie  moderne,  trad. 
por  E.  Jeanmaire,  1914,  pág.  38i-382. 

(2)     Idem,  Ibidem,  pág.  11. 

Porem,  com  o  andar  dos  tempos  o  âmbito  das  fontes  de  inspi- 
ração e  estudo  alarga-se.  É  assrm  que  na  História  de  Pistoia, 
aprecem  já  como  autoridades  incontroversas  «scriptores  graves»: 
Quinto  Curcio,  Justino,  Tito  Lívio,  Salústio,  Plínio  e  Suetónio. 


21 


tendência  poética,  outros  mais  discursivos  e 
declamadores,  mas  todos  eles  sacrificando  a 
observação  à  imaginação,  a  especulação  à  emo- 
ção, e  a  verdade  à  arte  (i).  É  essa  a  dinastia 
dos  Poggio,  dos  Accolti,  dos  puristas  arrevesa- 
dos  como  Pietro  Bembo,  do  estilista  Facius,  do 
poeta  Pontano,  etc. 

E  certo  que  a  princípio  a  historiografia  huma- 
nista, inspirando-se  nos  historiadores  da  anti- 
guidade clássica,  tinha  um  caracter  livre  e 
autónomo  em  face  da  igreja  cristã  e  dos  seus 
preconceitos  e  dogmas,  mas  esse  carácter  secular 
—  que  era  a  sua  melhor  qualidade  —  perdeu-se 
a  partir  de  Leonardo  Bruni. 


(i)  Há,  comtudo,  excepções,  tanto  mais  honrosas  quanto  mais 
raras  elas  são.  É  o  caso  dum  Giovanni  Simonetta  que,  no  seu 
estudo  sobre  Francisco  Sforza,  apresenta,  a  par  dum  estilo  agra- 
dável e  simples,  a  observação  exacta,  um  juíso  político  sensato  e 
uma  informação  segura. 

É  também  o  caso  desse  interessantíssimo  Machia vel  que  tanto 
na  Viía  di  Casiritccio,  como  na  excelente  Isioj-ia  fiorentine  e  no 
Livro  do  Príncipe,  àlêm  dum  estilo  cheio  de  vigor  e  brilho  e  tão 
adaptado  aos  acontecimentos  que  descreve,  apresenta  já  uma 
nítida  compreensão  da  história,  se  bem  que  para  ele  a  política  é 
tudo:  historia  ancilla  scientiqe politicáe.  Igualmente,  Guichardin, 
tanto  na  sua  Hist.  da  Italta,  como  na  Hist.  Florentina,  mostra, 
a  par  do  respeito  pela  verdade,  que  o  levou  a  escolher  cuidado- 
samente as  suas  fontes  de  informação  e  a  analizar  o  que  estas  lhe 
diziam,  um  bom  senso  crítico  e  uma  excelente  compreensão  dos 
acontecimentos  que  estuda,  analisa,  descreve  e  comenta  com  bri- 
lho, concisão  e  extrema  claresa. 

Acerca  de  Machiavel  veja-se:  Harald  Hõffding,  Hist.  de  la 
Philosophie  Moderne,  trad.  Bordier,  i."  vol.,  págs.  21-29. 


CAPITULO  II 
O  início  da  história  scientíflca  moderna 

a)    Â  obra  dos  Beneditinos  de  Saint-Maur 

Quando  chegamos  ao  fim  do  século  xvi  começa 
já  a  fazer  sentir-se  a  reacção  contra  o  humanismo 
—  que  não  faz  mais  que  acentuar-se  durante  a 
primeira  metade  do  século  xvii.  O  critério  da 
observação  para  se  chegar  à  verdade,  e  o  da 
evidência  como  sinal  único  dessa  verdade  certa 
e  sabida,  vão  fazer  tombar  num  crescente  descré- 
dito as  autoridades  consagradas  pela  tradição. 

O  dubito  ut  intelligam,  que  já  tinha  surgido  nos 
Bacon,  vai  pouco  a  pouco  tornando-se  domi- 
nante como  ponto  de  partida  de  toda  a  investi- 
gação histórica. 

A  dúvida  metódica,  sistemática,  radical,  é  eri- 
gida em  processo  de  critica  negativa  ao  qual  não 
lograram  resistir  as  mais  consagradas  autorida- 
des do  já  esgotado  humanismo,  quer  se  tratasse 
de  Platão  ou  de  Aristóteles,  dos  Padres  e  Dou- 
tores da  Igreja,  dos  historiadores  greco-latinos, 
ou  dos  grandes  chefes  e  mais  assinalados  modê- 


24 


los  da  historiografia  humanista  como  Bruni, 
Sabellicus,  Pietro  Bembo,  Machiavel,  Guichar- 
DiN  e  Blondus. 

É  mesmo  contra  Blondus  e  a  sua  escola  que 
mais  se  encarniça  a  nova  tendência  historiográ- 
fica, se  bem  que  o  ilustre  erudito  da  Itália  illus- 
trata  e  da  Roma  triumphans^  seja  dos  humanistas 
um  dos  mais  construtivos  como  excelente  car- 
reador  de  elementos  históricos  e  arqueológicos 
para  a  reconstituição  da  civilização  romana,  es- 
pecialmente no  período  da  decadência. 

Estava  destinado  à  França  o  inapreciável 
mérito  de  pôr-se  à  frente  das  novas  tendências 
da  historiografia  scientífica  do  século  xvii.  Os 
grandes  peoneiros  dessa  magnifica  empreza  da 
renovação  scientífica  surgem  na  Champagne  com 
Mabillon,  ou  nascem  em  Paris  com  Tillemont  e 
o  abade  Fleury,  e  reverdecem  quer  em  Saint- 
-Germain-des-Prés,  quer  em  Port-Royal(i). 

É  possível  que  ao  produto  da  actividade  desses 
iniciadores  da  nova  corrente  scientífica  não  seja 
legítimo  chamar,  ainda,  História.  De  resto,  o 
próprio  Mabillon  designa  a  sua  principal  obra 
com  o  título  de  Annales  ordinis  S.  Benedicti,  como 
o  oratoriano  Lecointe  crismou  a  sua  de  Annales 
ecclesiastici  Francorum;  e  o  próprio  Tillemont, 
—  dos  três  o  mais  impessoal,  —  ao  escrever 
as  suas  Memórias  de  História  eclesiástica,  e  a  sua 
História  dos  imperadores  e  dos  outros  príncipes ,.., 


(i)     Sainte-Beuve,  Port-Royal. 


25 


nada  mais  tem  em  vista  que  expor,  mais  ou  menos 
sistematicamente  e  harmonicamente,  as  fontes  do 
seu  assuntO;  com  um  cuidado,  um  escrúpulo,  e 
um  desejo  de  exactidão,  que,  sendo  enormes, 
chegam,  por  vezes,  a  ser  excessivos. 

E  certo  que  a  essa  obra  não  se  pode  chamar 
ainda  História,  pois  melhor  lhe  compete  o  nome 
de  Erudição;  mas  o  que  eles  fizeram  em  favor  das 
sciências  auxiliares  como  a  Diplomática,  a  Paleo- 
grafia, a  Lexicografia,  a  Cronologia  e  a  Epigrafia, 
tornam  essa  plêiade  de  espíritos  construtivos 
bem  digna  da  nossa  admiração,  pelo  caminho 
extenso,  largo  e  luminoso  que  abriram  à  investi- 
gação histórica. 

Assim,  bastava  o  Glossarium  de  Du  Gange;  o 
De  re  diplomática  de  Mabillon,  e  os  processos  de 
crítica  cronológica  e  de  autenticidade  das  fontes 
seguidas  por  este  analista;  bem  como  a  crítica 
de  proveniência  e  de  restituição  e  os  cuidados 
de  verificação,  classificação  e  disposição  das 
fontes  seguidos  por  Tillemont  para  tornarem  os 
eruditos  de  Saint-Maur  dignos  da  nossa  admira- 
ção, como  bem  o  teem  sido  dos  juísos  favoráveis 
da  crítica  contemporânea  de  Sainte-Beuve  (i), 
E.  de  Broglie  (2),  L.  Lanson  (3),  e  H.  Stein  (4). 


(i)    Sainte-Beuve,  Port-Royal. 

(2)  E.  de  Broglie,  Mabillon  et  la  societé  de  Vabbaye  de  Saint- 
-Germain-des-Prés  à  lajin  du  XVlle  siècle,  1888. 

(3)  GusTAVE  L ANSON,  U érudition  uionastique  aux  XVII  ét  XVIII e 
siècles,  nos  Hommes  et  livres,  iSgS. 

(4)  H.  Stein,  Mèlanges  et  Documents  publiés  à  l'occasion  du 
deuxième  centenaire  de  la  mort  de  Mabillon,  1908. 


26 


Mas,  os  eminentes  eruditos  de  Saint-Maur  não 
limitaram  a  sua  grande  actividade  às  sciências 
auxiliares  da  História  e  aos  trabalhos  referentes 
ao  passado  da  Ordem  de  S.  Bento. 

Eles  não  chegaram  às  sciências  auxiliares  pelo 
acaso  das  circunstâncias  como  pretendem  fazer 
crer  aqueles  que  explicam  o  aparecimento  do 
De  re  diplomática  libri  sex,  de  Mabillon,  so- 
mente pelo  conflito  entre  os  beneditinos  de  Saint- 
-Maur  e  os  jesuítas,  especialmente  o  jesuita 
Papenbroeck.  Se  fosse  essa  pugna  scientífica  a 
exclusiva  causa  do  Tratado  de  Diplomática  de 
1681,  e  do  suplemento  de  1704,  teríamos  que 
justificar  do  mesmo  modo  a  publicação  da  Pa- 
laeographia  graeca  de  Bernard  de  Montfaucon  (i), 
a  do  Nouveau  Traité  de  Diplomatique,  de  Tassin  e 
TousTAiN  (1750-1765),  que  também  trata  da  pa- 
leografia latina;  e  da  Art  de  vérifier  les  dates 
(1750- 1787),  em  5  volumes,  etc. 

Os  beneditinos  de  Saint-Maur  chegaram,  pois, 
à  elaboração  das  sciências  auxiliares  muito  cons- 
cientemente, muito  expontâneamente,  pela  razão 
fácil  de  compreender,  que  elas  constituíam  os 
essenciais  instrumentos  de  trabalho  histórico,  sem 


(i)  É  com  esta  obra  que  Montfaucon  funda  a  paleografia 
grega.  E  este  notável  erudito  o  primeiro,  também,  que  apresenta 
o  primeiro  estudo  crítico  completo  sobre  a  arqueologia  clássica 
com  a  sua  obra  U antiquité  expliqiiée  et  represeniée  en  figures, 
Paris,  1719,  que  teve  um  suplemento  que  apareceu  em  1724. 

Acerca  de  Montfaucon  veja-se:  E.  de  Broglie,  Bernard  de 
Montfaucon  et  les  Bernardins,  1891. 


27 


os  quais  não  era  viável  a  construção  de  uma 
obra  séria  e  de  confiança. 

O  terem  notado  essa  necessidade,  e  o  haverem 
trabalhado  na  criação,  organização  e  disposição 
desses  meios  e  processos  da  metódica  histórica : 
eis  as  duas  causas  justificativas  da  sua  glória. 

Mas  —  como  já  dissemos  —  não  foram  só  as 
sciências  auxiliares  que  demoveram  a  atenção 
dos  mauristas;  nem  só  a  história  da  sua  ordem  — 
com  os  Acta  Sanctorum  Ordines  Sancti  Benedicti 
e  os  Anales  Ordinis  Sancti  Benedicti  ad  amtum 
M.CLVii  — ,  foi  objecto  do  seu  estudo.  Também 
eles  teem  publicada  uma  Colecção  dos  Padres 
gregos  e  latinos;  alguns  volumes  sobre  a  História 
da  igreja,  em  geral;  e  a  História  eclesiástica  da 
França,  em  especial  —  como  a  Gallia  Christiana; 
cerca  de  12  volumes  duma  Histoire  littéraire  de 
la  France,  sendo  os  nove  primeiros  de  autoria  de 
Dom  Rivet;  bastantes  estudos  de  história  local, 
sendo  dignos  de  especial  menção  os  5  volumes 
da  Histoire  de  la  ville  de  Paris,  de  D.  Félibien; 
outros  cinco  da  Histoire  générale  de  Languedoc^ 
de  Vaissete  e  Devie  ;  quatro  duma  Histoire  géné- 
rale et  particulière  de  Bourgogne  por  Plancher  ; 
dois  duma  Histoire  de  Bretagne  de  Taillandier 
e  MoRiCE,  etc;  e  mais  duma  dezena  de  volumes 
duma  Colecção  de  historiadores  das  Galias  e  da 
França  (Rerum  gallicarum  et  francicarum  scri- 
ptores). 

Mas,  é  a  publicação  de  diversas  colecções  de 
documentos  inéditos  que  tornam  os  beneditinos 


28 


de  S.  Mauro  merecedores  aqui  de  especiais  refe- 
rências. 

Referindo  aos  importantes  trabalhos  históricos 
dos  mauristas,  diz  o  prof.  Langlois:  «As  suas 
empresas  tão  variadas  obrigaram  os  beneditinos 
a  imensos  trabalhos  de  extractos  e  de  inventários, 
não  só  nas  ricas  bibliotecas  da  sua  Ordem  mas 
também  nos  outros  depósitos  da  França  e  do 
estrangeiro.  No  decurso  desses  trabalhos  de 
investigação,  encontraram  naturalmente  peças 
que,  sem  serem  de  natureza  a  figurar  nas  suas 
*  colecções,  ofereciam  comtudo  interesse  para  a 
história.  Ora  estava  naturalmente  indicado  que 
se  juntassem  em  feixes  os  ramos  desta  espécie 
num  tempo  em  que  não  existia,  como  hoje,  Re- 
vistas para  os  receber.  Desde  o  fim  do  século  xvi, 
os  eruditos  começaram  com  efeito,  a  publicar, 
sob  diversos  títulos,  colecções  de  Miscelânea,  isto 
é,  de  documentos  não  tendo  outro  caracter  comum 
que  serem,  na  opinião  do  editor,  interessantes  e 
inéditos.  Os  beneditinos,  infatigáveis  copistas 
teem  deixado  colecções  de  Miscelânea,  ou  Spi- 
.  cilégios,  de  primeira  ordem»  (i). 

Efectivamente,  já  Luc  d'AcHERY  havia  escrito 
um  Spicilegium  sive  Collectio  veterum  aliquot  scri- 
ptorum  qui  in  Galliae  bibliothecis  delituerant  (2); 


(i)  Langlois,  Manuel  de  Bibliographie  Historique,  1901-1904, 
pág.  3oi. 

(2)  Do  Specilegio  ou  Colecção  de  d'AcHERY  ha  a  edição  de  F. 
de  la  Barre,  em  três  volumes  iu-fol.  publicado  em  1723.  Aí,  as  peças 


29 


Mabillon  colige  os  seus  Vetera  Analecta  (i);  Mar- 
TÉNE  e  DuRAND  constituem  o  seu   Thesaurus  no- 


figuram  distribuídas  segundo  uma  determinada  ordem  sistemática: 
teologia,  história  eclesiástica  e  profana. 

No  «Elogio  de  Louis-François-Joseph  de  la  Barre-,  publicado 
no  t.  II  da  Histoire  suivie  de  VAcademie  Royale  des  Inscriptions  et 
Belles-Lettres,  em  1748,  depois  de  se  falar  numa  colecção  de  Me- 
dalhas dos  imperadores  romanos  publicada  por  Dom  Anselme 
Banduri,  e  em  que  La  Barre  muito  trabalhou,  lê-se :  «Quand 
M.  DE  la  Barre  fút  libre  de  ce  prèmier  engagement,  les  Libraires 
de  qui  il  commençoi  à  être  connu,  lui  proposèrent  de  donner  une 
nouvelle  édition  du  Spicilège  de  Dom  Luc  d'Achéry,  qui  étoit 
devenu  fort  rare,  et  il  s'en  chargea  dans  la  vúe  de  le  rendre  en 
même  temps  plus  ample,  plus  commode  et  plus  utile. 

«Ce  Spicilège,  ou  Recueil  de  Pièces  consistoit  en  treize  volume 
in-4,  imprimez  en  différentes  années,  depuis  i655  jusqu'en  1677:  et 
Dom  Luc  d'Achéry  n'avoit  pu  y  observer  aucun  ordre  de  dates  ni 
de  matières,  parce  qu'il  s'étoit  fait  une  loi  de  publier  ces  Pièces 
anedoctes  dès  qu'il  en  avoit  rassemblé  un  certain  nombre;  de 
sorte  que  souvent  le  commencement,  la  suite  ou  les  fragments 
d'un  méme  ouvrage,  se  trouvoient  dispersez  et  morceléz  en  divers 
Tomes,  ce  qui  en  rendoit  Tusage  très-difficile». 

A  seguir,  o  panegirista  expõe  qual  o  plano  seguido  por  La  Barre 
na  elaboração  do  Specilégio,  e  diz :  «M.  de  la  Barre  rangea 
d'abord  toutes  les  Pièces  de  Tancien  Spicilège  dans  leur  ordre 
naturel:  il  les  partagea  ensuite  en  trois  corps  qui  forment  chacun 
un  volume  in  fólio.  II  mit  dans  le  premier,  les  Traités  Dogmali- 
ques,  Moraux  et  PolémV[ues;  dans  le  second,  les  morceaux  qui 
appartenoient  á  THistoire  Ecclésiastique;  et  dans  le  troisiéme, 
ceux  qui  regardoient  THistpire  Profane.  II  inféra  dans  les  uns  et 
dans  les  autres,  les  Pièces  découvertes  depuis  la  premiére  édition 
du  Spicilège:  il  conféra  les  anciennes  sur  plusieurs  Manuscrits, 
dont  il  eut  soin  de  marquer  les  diverses  leçons  qui  Taidérent  à 
corriger  une  infinité  de  fautes,  et  á  remplir  beaucoup  de  lacunes. 
Enfin,  il  en  éclaircit  les  endroits  obscurs  par  de  savantes  Notes, 
dont  quelques  —  unes  sont  assez  étendues  pour  mériter  le  nom  de 
Dissertations».     In  ob.  cit.,  pág.  429-430. 

O  infatigável  La  Barre,  foi  ainda  o  editor  do  Dictionnaire 
Historique  de  Moréry,  em  6  vol.,  na  ed.  de  1725;  o  autor  dum 
Journal  de  Verdun;  de  várias  comunicações  à  Academia  de  Ins- 
crições, etc. 

(i)  A  colecção  de  Mabillon,  também  foi  publicada,  em  1723, 
por  F.  de  la  Barre,  e  preenche  i  vol.,  in-fol.,  estando  as  peças 
distribuídas  cronologicamente. 


3o 


vus  anedoctorum  (i),  e  o  Veterum  scriptorum  et 
monumentorum  historicorum,  dogmaticoriim^  mo- 
ralium.  Amplissima  Collectio  (2) ;  sem  se  dever 
omitir  o  Museum  italicum  de  Mabillon,  o  Diarium 
italkiim  de  Mantfaucon  (3),  e  a  Voyage  littéraire 
de  deux  religieux  bénédictins  de  la  congí^égaion 
de  Saint-Maur  (4),  que  era  o  produto  das  missões 
de  estudo  no  estrangeiro. 

Não  podemos  omitir  o  nome  de  Du  Gange 
autor  de  muitos  trabalhos  de  compilação  sobre 
geografia  histórica  (5),  arqueologia  (6),  história 
antiga  e  medieval  (7)  geneologia  (8),  etc,  nem 
o  de  Baluze,  do  qual  apareceram  em  Paris,  de 
1678  a  1715,  sete  volumes  de  Miscelânea,  àlêm 
doutras  colecções. 


(i)  Esta  obra  apareceu  em  Paris,  em  1717,  e  consta  de  cinco 
vol.,  in-fólio.  Alem  desta  colecção,  Marténe  e Durand projectavam 
nada  menos  que  reeditar,  após  a  publicação  do  seu  Thesaurus,  as 
principais  colecções  dadas  a  lume,  desde  a  colecção  dos  textos 
canónicos  por  Canisius,  até  às  aparecidas  no  seu  tempo. 

(2)  Essa  obra  foi  publicada  em  Paris  entre  1724  e  1735,  e 
consta  de  9  volumes,  in-fólio. 

(3)  Aparecido  em  1702,  em  Paris. 

(4)  Os  dois  religiosos,  autores  da  Voyage,  são  ainda  os  ope- 
rosos Marténe  e  Durand.     A  obra  apareceu  em  Paris  em  17 17. 

(5)  Como  se  sabe,  Du  Cange  tinha  já  pronta  ou  quási,  uma 
Description  de  la  Gaule  et  de  la  France. 

(6)  Nos  glossários  de  Du  Gange,  encontra-se  muita  arqueo- 
logia, tanto  clássica  como  medieval. 

(7)  A  história  antiga  e  medieval  encontra-se  no  Glossarhim 
mediae  et  infimae  graecitatis  (1688),  e  nos  pesados  nove  volumes  do 
seu  Glossarium  ad  scriptores  mediae  et  infimae  latiniíaiis  (1678). 

(8)  A  obra  genealógica  de  Du  Cange  encontra-se  no  seu 
Nobiliário. 


3i 


b)    Os  progressos  da  crítica  histórica 
com  os  Bolandistas  através  da  historiografia  racionalista 

Se  os  Beneditinos  de  Saint-Maur  e  alguns  lai- 
cos como  Du  Cange,  Baluze,  Henhi  e  Adrien 
Valois,  Brussel  e  Thomassière,  em  França;  Lei- 
BNiz,  Henrique  de  Bíínau  e  Mascov,  na  Alemanha ; 
Muratori  na  Itália,  e  poucos  mais  deixaram  uma 
importante  obra  de  erudição  tendente  a  marcar 
a  nova  orientação  da  historiografia  moderna  no 
sentido  do  estudo  cronológico,  epigráfico,  paleo- 
gráfico  e  diplomático  das  fontes,  não  há  dúvida 
que  muito  havia  ainda  que  fazer  no  que  respei- 
tava à  interpretação  dos  documentos  e  à  crítica 
de  sinceridade  e  de  exactidão  dos  testemunhos. 

Foi  nesse  sentido,  principalmente,  que  incidiu 
o  trabalho  dos  Bolandistas  ao  elaborarem  os  seus 
Acta  Sanctorum.  Assim,  tendo  eles  que  susten- 
tar muitas  vezes  discussões  com  os  Protestantes, 
com  os  Humanistas  e  com  os  Beneditinos,  os 
Bolandistas  ou  Jesuítas  viam-se  forçados  a  de-, 
fender-se  com  sagacidade  e  cuidado  extremos  no 
terreno  da  crítica  das  fontes  históricas.  Daí 
proveio  o  rigorismo  com  que  eles  faziam  o  estudo 
dessas  fontes  a  fim  de  não  darem  o  flanco  aos 
adversários  hábeis  no  que  respeita  à  fixação  mais 
ou  menos  rigorosa  de  datas,  nomes  e  factos.  A 
análise  dos  testemunhos  era  rigorosa  como  rigo- 
rosa era  a  classificação  que  delas  se  fazia,  e 
metódica  era  a  sua  disposição  segundo  a  sua 
antiguidade  e  grau  de  crédito  que  mereciam. 


32 


Porém,  os  Bolandistas  ou  Jesuítas  não  estavam 
naturalmente  talhados  para  levarem  muito  longe 
a  sua  crítica,  pois  do  contrário  chegariam  a  um 
poíito  em  que  os  próprios  princípios  da  sua 
Ordem,  e,  mesmo,  as  bases  do  catolicismo, 
sofreriam  grave  abalo.  E  daí  por  deante  que 
começam  com  muito  maior  despreocupação  pelos 
preconceitos  religiosos  a  crítica  dos  eruditos  laicos 
como  Bayle,  Beaufort  e  Dubos. 

Efectivamente,  é  com  Pedro  Ba^yle  que  começa 
a  verdadeira  idade  do  criticismo  histórico  que 
havia  de  ir  encontrar  os  seus  seguidores  em  Vol- 
taire e  nos  racionalistas. 

Bayle  torna-se  digno  de  figurar  na  súmula  da 
historiografia  crítica  do  período  da  transição  para 
a  época  dos  racionalistas,  É  êle  o  auctor  do 
Dictionnaire  historique  et  critique,  obra  no  género 
da  de  Mareri,  e  da  Critique  générale  de  Vhistoire 
du  Calvinisme  du  Pire  Maimbourg,  onde  o  livre 
pensador  toma,  por  vezes,  o  lugar  do  crítico,  e 
o  combatente  anti-religioso  o  de  historiador. 
Bayle  pode  não  ser  na  evolução  da  história  uma 
figura  central,  mas  é  um  interessante  precursor 
do  racionalismo,  e  especialmente  de  Voltaire. 

Também,  Beaufort  se  nos  depara  no  início  do 
criticismo  histórico  como  autor  de  uma  Disserta- 
tion  sur  rincertitude  des  cinq  premiers  siècles  de 
rhistoire  romaine,  edições  de  1788  e  lySo.  O 
seu  negativismo  crític-o  leva-o  exasperadamente, 
a  regeitar  em  globo  as  afirmações  dos  historia- 
dores latinos  desde  Políbio  a  Tito  Lívio  àcêrca 


33 


dos  primeiros  tempos  da  história  de  Roma,  sem 
que  o  estado  de  atrazo  das  sciências  do  espirito 
lhe  permitisse  vêr  que  numa  lenda,  num  conto 
ou  num  mito  há,  por  vezes,  um  fundo  de  verdade 
que  importa  descobrir  e  interpretar.  Assim, 
muito  sagaz  e  hábil  em  destruir  não  o  foi  igual- 
mente em  criar  e  edificar  uma  obra,  ou  em  re- 
constituir o  período  histórico  a  que  se  dedicou. 

Entretanto,  aparecia  o  abade  JoÃo  Baptista 
DuBos  com  a  sua  Histoire  critique  de  l'établisse- 
ment  de  la  monarchie  française  dans  les  Gaulês, 
ed.  1735.  Dos  três  autores  foi  este  o  que  me- 
lhor soube  aliar  a  um  grande  fundo  de  erudição 
uma  boa  penetração  de  espirito  crítico,  gran- 
deza de  vistas  e  independência  de  juízo  para  es- 
tudar e  compreender  uma  época  tão  recuada  e 
obscura  como  a  dos  tempos  merovíngios  —  que 
êle  descreve,  e  onde  nota  a  influência  da  domi- 
nação romana. 

A  sua  concepção  da  sucessão  dos  factos  e  da 
evolução  histórica  gradual  e  rítmica,  e  a  maneira 
como  êle  compreende,  estuda  e  critica,  o  pro- 
blema das  origens  constitucionais  da  França  fa- 
zem de  DuBos  um  precursor  dos  historiadores  do 
século  XIX,  especialmente  de  Fustel  de  Coulanges. 

Mas,  o  historismo  humanista  decaia  irremedia- 
velmente. DuBOs,  historiador  de  transição  é  o 
último  produto  dessa  escola,  se  bem  que  seja  já 
um  racionalista.  Com  êle  morrem  de  vez  os  di- 
tames dessa  escola  retórica,  artística  e  estética  : 
muito  mais  brilhante  que   sólida,  mais  convin- 


34 


cente  e  catequética  que  verdadeira  e  scientííica,  a 
qual  durante  três  séculos  teve  preponderante  lugar 
na  literatura  europeia,  desde  Petrarca  a  Bocacio, 
e  especialmente  a  partir  de  Goluccio  Salutati  e 
do  seu  discípulo  Leonardo  Bruni, 

Com  o  alvorecer  do  racionalismo  a  função  crí- 
tica toma  uma  grande  importância,  e  tão  cres- 
cente ela  se  vai  tornando  pouco  a  pouco  que, 
com  Kant  e  os  neo-kantistas,  chega  a  tornar-se 
absorvente  dominador :  é  esse  o  período  do  criti- 
cismo,  da  hiper-crítica. 

É  com  o  racionalismo  —  o  Anfklãrimg  dos  ale- 
mães —  que  a  crítica  penetra  na  história.  A  ten- 
dência crítica,  que  é  a  caracterisca  essencial  e 
eponima  do  racionalismo,  resultou  da  evolução 
porque  passou  a  filosofia  a  partir  John  Locke. 

Harald,  Hõffding,  ao  começar,  na  sua  Histó- 
ria da  Filosofia,  o  estudo  sobre  A  Filosofia  inglesa 
da  experiência^  escreve : 

«Os  grandes  sistemas  haviam  nascido  da  cer- 
teza que  existia  um  material  suficiente  e  uma  cla- 
reza de  pensamento  bastante  para  edificar  cons- 
truções capazes  de  substituir  a  concepção  medie- 
val do  mundo  derrubada  pela  investigação  da 
Renascença  e  pelo  aparecimento  da  sciência  nova. 
De  resto,  essa  confiança  não  deixava  de  ser  jus- 
tificada. As  descobertas,  os  métodos  novos  e 
os  novos  princípios  tinham  lançado  uma  defini- 
tiva luz  acerca  da  direcção  que  o  pensamento 
humano  devia  daí  por  diante  seguir  para  poder 
tratar  de  alguns  problemas  mais  importantes;  e  o 


35 


século  XVII  teve  sobretudo  este  mérito  de  haver 
formado^  com  energia  e  com  lógica,  as  hipóteses 
as  mais  avançadas  sobre  as  relações  da  natureza 
espiritual  com  a  natureza  material ;  mas  bastava 
o  facto  de  haver  muitas  hipóteses  possíveis  a  con- 
siderar para  tal  excitar  a  atenção  do  pensador  e  do 
crítico.  Havia  ainda  que  acrescentar  que  os  que 
construíram  estes  grandes  sistemas  com  tanta 
confiança  e  engenho  tinham  descutido  muito  a 
natureza  e  o  modo  da  acção  do  pensamento,  mas 
não  tinham  visto  senão  uma  introdução  aos  seus 
sistemas  propriamente  ditos.  Com  uma  pressa 
muito  dogmática  eles  procuravam  passar  por 
cima  da  importante  questão  do  exame  do  pen- 
samento para  só  encontrarem  a  solução  dos  eni- 
gmas da  existência».     E  continua: 

«O  que  faz  a  importância  da  escola  inglesa,  tor- 
nada clássica  na  história  do  pensamento,  é  ter 
constituído  um  problema  independente  do  exame 
do  desenvolvimento  do  conhecimento  humano, 
das  formas  e  das  hipóteses  de  que  êle  dispõe. 
John  Locke  e  seus  sucessores  asseguram  a  inde- 
pendência do  problema  do  conhecimento  em  face 
do  problema  da  existência  —  o  qual  nos  grandes 
sistemas  havia  deixado  inteiramente  na  sombra 
aquele».  Depois,  Hõffding  nota:  «que  a  filoso- 
fia crítica  começa  com  John  Locke». 

A  seguir,  o  eminente  pensador  dinamarquês 
faz  notar,  significativamente,  que  «por  detrás 
desta  oposição  puramente  filosófica,  entre  a  filo- 
sofia dogmática  e  a  filosofia  crítica,  há  uma  opo- 


36 


sição  histórica  mais  extensa».  E,  acrescenta  : 
«Os  sistemas  filosóficos  não  são  o  único  objecto 
da  critica :  o  exame  critico  volta-se  contra  todas 
as  autoridades,  contra  todos  os  poderes  existen- 
tes». E,  notando  que  a  concepção  dogmática 
da  substância  em  filosofia  tinha  o  seu  paralelo  na 
noção  da  autoridade  absoluta  em  politica,  êle 
escreve  :  «Agora,  chega  o  século  da  emancipação 
ao  mesmo  tempo  que  o  da  crítica». 

Efectivamente,  Locke  e  os  seus  discípulos,  fa- 
zem o  «grande  balanço  das  ideias»,  abstraindo 
dos  preconceitos  de  tradições  e  de  autoridades, 
e  submetem  a  ura  rigoroso  e  profundo  exame 
todos  os  princípios  —  incluindo  os  da  razão  sufi- 
ciente de  Leibnitz  e  Wolff,  efectuando  também 
a  revisão  do  problema  da  classificação  e  evalua- 
ção  dessas  acções.  Mas,  deixemos  o  problema 
moral  que  Locke  aborda  nas  suas  obras,  e  veja- 
mos como  êle  trata  do  problema  do  pensamento. 

O  primeiro  filósofo  crítico  —  como  lhe  chama 
HõFFDiNG  —  nega  as  ideias  intactas,  e  considera 
a  experiência  como  a  fonte  de  todo  o  conheci- 
mento, e  a  sensação  e  a  reflexão  como  meios  de 
o  conseguir. 

Assim,  ao  passo  que  a  sensação,  pelos  instru- 
mentos dos  sentidos,  nos  dá  a  conhecer  os  obje- 
ctos externos,  é  pela  reflexão  que  conseguimos 
conhecer  as  modificações  internas,  as  operações 
da  alma.  E  acrescenta,  que  nada  escapa  a  estes 
dois  meios  do  conhecimento  até  mesmo  'as  mais 
altas  especulações  da  inteUgência  e  os  mais  ele- 


3? 


vados  arroubos  da  imaginação.  Depois  de  di- 
vidir as  ideias  em  simples  e  complexas  —  as  pri- 
meiras fornecidas  por  um  ou  mais  sentidas,  as 
segundas  elaboradas  pelo  espirito  —  ocupa-se  das 
operações  ou  faculdades  da  inteligência.  Ai  dis- 
tingue por  ordem  as  seguintes  que  entram  na  for- 
mação das  ideias  :  a) — a  percepção  que  é  o  pri- 
meiro grau  para  o  conhecimento;  b)  —  a  retenção 
que  tem  em  vista  conservar  as  ideas  introduzi- 
das no  espirito,  e  trazer  ante  este  aquelas  que 
depois  de  ali  haverem  estado  impressas  de  lá 
tinham  desaparecido  (Memória);  c)  —  o  discerni- 
mento, que  é  a  faculdade  que  consiste  em  distin- 
guir nitidamente  as  diferentes  ideas;  d)  —  a  com- 
paração, que  tem  por  fim  estabelecer  relações 
entre  os  objectos,  os  fenómenos,  as  ideas;  e)  —  a 
composição^  que  é  o  poder  que  tem  a  inteligência 
de  reunir  muitas  ideas  simples,  recebidas  pela 
sensação  e  reflexão,  para  formar  ideas  comple- 
xas;  /)  —  a  abstracção,  pela  qual  o  espirito  hu- 
mano separa  as  ideas  segundo  determinados 
caracteres  ou  circunstâncias  (i). 

Assini;,  a  filosofia  de  Locke,  que  é  um  estudo 
critico  do  pensamento  humano  na  sua  dinâmica 
e  nas  suas  manifestações,  não  admite  as  ideas 
inactas,  nem  os  conhecimentos,  máximas  e  prin- 
cípios inactos. 

Deste  modo,  é  impossível  conhecer  qualquer 


( I )  Ar.F.  Weber,  Hisioire  de le  Philosophie  Europienne,  pág.  36$ 
a  370;  Harald  HõFFDiNG,  ob.  cit.^  \.°  vol,,  pág.  4o3  a  408. 


38 


cousa  fo^a,  e  acima,  do  que  nos  fornece  a  expe- 
riência externa  ou  interna^  devendo,  por  isso,  a 
filosofia  renunciar  à  soUição  dos  problemas  trans- 
cendentes das  primitivas  causas  e  mais  remotas 
origens,  bem  como  aos  da  substância,  da  essên- 
cia, e  da  constituição  íntima  dos  seres,  e  não 
podendo  recorrer  a  outros  métodos  além  da  ob- 
servação, da  indução  e  da  experiência.  Não 
nega  Locke  a  existência  da  alma,  mas  afirma  a 
impossibilidade  de  conhecer  se  a  sua  existência 
é  material  ou  não,  e  que  ela  tenha  a  liberdade  da 
indiferença.  Também  êle  admite  a  existência  de 
Deus  quer,  em  si,  pela  experiência,  quer  pelo 
princípio  da  causalidade  dela  resultante;  mas 
nada  diz  quanto  à  sua  natureza  e  atributos. 

A  influência  da  filosofia  crítica  e  do  empirismo 
de  Locke  foi  enorme  tanto  nas  sciéncias  da  na- 
tureza como  nas  do  espírito,  especialmente  sobre 
a  filosofia  política,  a  história,  o  direito,  etc.  Em 
compensação  a  filosofia  panteista  e  determinista 
de  Spinosa  só  mais  tarde  resurgiu  com  Fichte, 
Hegel  e  Schelling. 

Deixando  Shaftesbury  e  Hutcheson  que  se 
preocuparam  mais  com  o  problema  moral  que  com 
o  do  conhecimento,  e  José  Butler  que  se  dedica 
especialmente  ao  da  ética  religiosa,  passando  à 
margem  das  ideas  do  crítico  e  racionahsta  John 
ToLAND,  do  mecanicista  Newton  e  do  idealista 
Berkeley  chega-se'  ao  sensualismo,  criticismo  e 
relativismo  de  David  Hume. 

Hume,  discípulo  e  continuador  de  Locke,  en- 


39 


tende,  como  este,  que  os  conhecimentos  teem  por 
origem  as  impressões  e  as  ideas,  se  bem  que  tudo 
o  que  julgamos  o  produto  do  espírito  —  os  pen- 
samentos mais  elevados  como  as  ideias  mais 
abstractas  —  se  possa  reduzir  a  simples  impres- 
sões ou  sensações. 

Também  para  êle  a  ideia  de  Deus,  com  os  seus 
caracteres  de  poder,  inteligência  e  bondade  infi- 
nitos, deriva  da  ampliação  ilimitada  desses  cara- 
cteres em  nós  próprios  (i).  Mas  a  parte  original 
da  teoria  do  conhecimento  de  Hume  é  o  estabe- 
lecimento áo problema  da  causalidade.  Se  é  certo 
que  para  o  eminente  pensador  escossês  todas  as 
ideas  resultam  da  sensação,  também,  segundo 
êle,  há  conhecimentos  que  consistem  apenas  tna 
interpretação  das  relações  reciprocas  das  nossas 
ideas»  e  são  os  dados  pelas  sciências  formais  — 
como  a  lógica  e  as  matemática.s  ;  e  há  «conheci- 
mentos que  nos  levam  além  das  sensações  dadas 
e  que  nos  convencem  da  existência  de  alguma 
cousa  que  não  é  dada». 

Ora  esta  última  espécie  de  conhecimentos  im- 
plica a  existência  de  um  princípio  de  causali- 
dade (2).  Para  éle  a  causalidade  é  o  resultado 
da  percepção  de  uma  simples  sucessão  entre  dois 
fenómenos,  e  o  conhecimento  humano  limita-se 
à  percepção  dessa  sucessão.     Mas  o  problema  de 


(i)  Ver  :  David  Hume,  Treaíise  on  Human  Naíiire,  capítulos  i 
e  n ;  Harald  Hoffding,  Histoire  de  la  Philosophe  Moderne,  tomo  i, 
pág.  450-457. 

(2)  H,  Hoffding,  ob.  cit.^  pág.  451-452. 


40 


causalidade  é  muito  importante  para  a  sua  teoria 
do  conhecimento,  pois  é  êle  —  como  diz  Hõff- 
DiNG — o  «problema  da  solução  do  qual  depende 
toda  a  apreciação  da  importância  da  sciência 
positiva». 

O  autor  dos  Essays  depois  de  mostrar  que  to- 
das as  ideas  resultam  da  sensação,  nota  que  elas 
se  costumam  seriar,  apresentando  entre  si  uma 
certa  ligação  que  deixa  supor  que  entre  elas  exis- 
tem certos  princípios  segundo  os  quais  se  seguem, 
agrupam  e  ligam  as  nossas  ideas,  como  sejam  os 
de  semelhança,  contiguidade  de  tempo  ou  lugar ^  e  o 
de  causalidade.  ^  Mas  são  esses  princípios,  e  es- 
pecialmente o  de  causalidade  —  que  é  o  mais 
importante  —  noções  à  priori,  inatas,  anteriores 
a  toda  a  impressão  —  como,  mais  tarde,  há  de 
entender  Kant  ?  j  Ou  são  eles  sensações  en- 
fraquecidas, cópias  de  impressões  correspon- 
dentes ? 

Para  Hume  entre  a  causa  e  o  efeito  nunca  há 
nenhuma  ligação  que  possa  ser  notada  à  priori, 
pois  a  causa  e  o  efeito  são  cousas  inteiramente 
diferentes  que  nunca  se  encontram  juntas.  O 
mais  profundo  exame  nunca  nos  faz  notar  um 
efeito  na  sua  pretendida  causa,  e  mesmo  nos 
casos  em  que  a  experiência  nos  mostra  um  efeito 
que  sucede  a  tal  causa,  a  nossa  inteligência  pode 
conceber  um  grande  número  de  efeitos  igual- 
mente naturais.  E  afirma,  que  não  existe  um  só 
caso  em  que,  sem  o  auxílio  da  experiência,  se 
possa  determinar  os  acontecimentos  quer  quanto 


41 


à  qualidade  das  causas,  quer  quanto  à  qualidade 
dos  efeitos. 

Assim,  a  idea  de  causa  não  constitue  uma 
excepção  à  regra  segundo  a  qual  todas  as  nossas 
ideas  resultam  da  sensação  (i).  ^  Mas  falta-nos 
completamente  toda  a  ideia  de  conexão  causal 
ou  de  poder  de  relacionação  por  não  podermos 
formar  nenhuma  ideia  de  cousas  que  nunca  afe- 
ctaram nem  os  nossos  sentidos  externos  nem  o 
nosso  sentimento  interior?  Não  falta,  pois,  se- 
gundo HuME,  a  idea  de  causa  não  provêm  de 
uma  impressão  isolada,  da  percepção  de  um  ob- 
jecto individual,  mas  resulta  do  nosso  hábito  de 
vêr  como  muitas  impressões  e  muitos  objectos  se 
seguem  numa  certa  ordem. 

Deste  modo,  tal  ligação  à  qual  a  experiência 
nos  acostumou,  esta  transição  habitual  que  faz 
passar  a  imaginação  do  objecto  que  precede  pára 
aquele  que  o  costuma  seguir,  é  —  como  inter- 
preta Weber  —  o  único  sentimento,  a  única  im- 
pressão segundo  a  qual  nós  formamos  a  ideia  de 
poder,  de  causalismo,  de  ligação  necessária. 

O  determinismo  de  Hume  em  psicologia  passa 
para  a  história,  fazendo  dele  com  Hobbes  e  Spi- 
NOSA  um  dos  fundadores  da  sciência  histórica  po- 
sitiva, isto  é  —  diz  Weber —  «baseada  no  princí- 
pio da  necessidade  das  acções  humanas». 

Ed.  Fueter  ao  tratar  de  Hume  diz  que  não  é 


(i)  Wèber,   Histoire  de  la   Philosophie   Européenne,    1897, 
pág.  410-411. 


42 


fácil  determinar  a  posição  do  filósofo  ao  lado  de 
Voltaire  ;  e  depois  de  dizer  que  a  cronologia  das 
obras  dos  dois  escritores  leva  a  quási  poder  afir- 
mar-se  que  o  Siècle  de  Louts  XIV,  de  Voltaire, 
foi  para  Hume  um  incitamento,  logo  nos  declara 
que  é  difícil  estabelecer  em  que  grau  foi  este  in- 
fluenciado por  aquele,  se  bem  que  considere  vero- 
símil que  Hume  deva  a  Voltaire  a  iniciativa  da 
sua  obra(i). 

Ora  a  verdade,  é  que  as  ideas  directrizes  que 
Hume  nos  apresenta  na  sua  História  de  Ingla- 
terra, em  seis  volumes,  aparecida  entre  1754  e 
1763,  são  o  desenvolvimento  das  que  já  paten- 
teara nos  Essays  de  1749,  nos  Ensaios  morais  e 
políticos  de  1742,  e  no  Tratado  da  natureza  hu- 
míi/ia  publicado  em  1739. 

É  certo  que  Hume  aparece-nos  inferior  a  Vol- 
taire na  forma  de  tratar  os  assuntos,  na  investi- 
gação e  critica  das  fontes,  no  estudo  do  encadea- 
mento de  factos,  na  profundeza  dos  juízos  e  co- 
mentários, na  compreensão  da  influência  do  meio 
e  dos  factores  económicos,  e  no  descritivo  da  cul- 
tura artística  e  do  estado  mental  das  sociedades 
de  que  se  ocupa.  Mas,  em  compensação,  estuda 
bem  os  caracteres  das  personagens  de  que  se 
ocupa,  tornando-se  saliente  como  historiador  psi- 
cólogo, e  —  como  diz  Hõffding —  «tem  êle  o  mé- 
rito de  haver  sido  o  primeiro  que  procurou  fazer 


(i)  Ed  Fueter,  Histoire  de  1'Historiographie,  19 14,  pá g.  452 
a  456. 


43 


da  história  alguma  cousa  mais  que  uma  simples 
descrição  de  guerras,  pois  ocupou-se  do  estado 
social,  dos  costumes,  da  literatura  e  das  artes»  (i). 
O  seu  critério  generalizador  levava-o  a  afir- 
mar que  é  um  facto  reconhecido  universalmente 
que  em  todos  os  séculos  e  em  todas  as  nações 
as  acções  humanas  apresentam  um  grande  cará- 
cter de  uniformidade;  que  a  natureza  humana 
tem-se  mantido  nos  seus  princípios  e  na  sua  mar- 
cha ordinária;  enfim,  que  os  mesmos  motivos 
produzem  sempre  a  mesma  conduta,  que  os  mes- 
mos acontecimentos  provêem  sempre  das  mesmas 
causas,  e  que  «a  principal  utilidade  da  história 
consiste  em  descobrir  os  princípios  constantes  e 
universais  da  natureza  do  homem». 


I  °  —  Voltaire  e  os  seus  seguidores  na  historiografia 
racionalista 


Se  David  Hume  é,  como  historiador,  ainda  uma 
figura  d9  transição  do  período  humanista  para 
o  racionalista,  Voltaire  individualiza  completa- 
mente a  historiografia  do  racionalismo. 

Como  aqui  só  nos  interessam  os  caracteres  da 
historiografia  racionalista  que  se  referem  aos  mé- 
todos e  processos  de  investigação  e  crítica  das 
fontes  nada  diremos  das  concepções  filosóficas, 
religiosas  e  outras  e  dos  modos  de  ser  políticos  e 
sociais  dessa  fase  do  historismo  moderno. 


(i)   HQffding,  ob.  cit.,  pág.  449. 


44 


Como  diz  FuETER  a  historiografia  do  raciona- 
lismo foi  fundada  por  Voltaire.  Porém,  agora,  nas 
obras  históricas  do  autor  do  Siècle  de  Louis  XIV, 
não  nos  interessa  a  sua  filosofia  da  história,  o 
seu  ponto  de  vista  administrativo,  ou  a  impor- 
tância dada  por  êle  à  cultura  das  belas-artes  e 
das  sciências  nos  Estados,  nem  a  sua  esperança 
na  panaceia  política  do  absolutismo  esclarecido, 
nos  grandes  momentos  de  crise  nacional,  nem  a 
apologia  do  predomínio  da  burguesia,  do  terceiro 
estado  laborioso  e  progressivo,  e  das  classes 
esclarecidas  no  governo  dos  povos,  nem  a  sua 
neutralidade  em  questões  de  natureza  internacio- 
nal, nem  a  sua  imparcialidade  em  assuntos  polí- 
ticos. 

Já  é  mais  de  atender  aqui  a  forma  como  êle  no 
Siècle  nota  o  encadeamento  dos  factos  e  faz  o 
estudo,  muito  completo,  de  uma  sociedade  nas 
suas  diversas  actividades :  política,  financeira, 
religiosa,  artística,  etc,  e  o  conhecimento  que 
mostra  da  organização  e  funcionamento  dos  vá- 
rios serviços  do  Estado.  Mas  o  que  aqui  nos 
importa  salientar,  principalmente,  são  os  caracte- 
res do  método  histórico  de  Voltaire  tanto  no  que 
se  refere  ao  estudo  das  fontes  como  à  sua  crí- 
tica. 

Voltaire  é  em  história  um  objectivo,  é  mesmo 
o  iniciador  da  crítica  objectiva.  Êle  procura 
estar  sempre  em  relq-ção  estreita  com  os  documen- 
tos que  se  ocupam  dos  factos  que  descreve,  na 
impossibiUdade  de  estar  em  contacto  com  os  pró 


45 


prios  factos.  Mas  êle  não  se  limitava  a  colher  in- 
formações, a  reunir  testemunhos,  pois  punha  um 
extremo  cuidado  em  estudar,  analisar  e  criticar 
as  fontes  a  que  recorria  antes  de  as  utilizar  como 
origem  do  conhecimento  histórico.  Tanto  o  seu 
Siècle  de  Louis  XIV  como  o  Essai  sur  les  moeurs 
conteem  várias  passagens  em  que  êlc,  pelo  seu 
trabalho  crítico,  depois  de  analizar  afirmações 
feitas  pelos  historiadores  que  o  antecederam,  as 
emenda  e  rectifica. 

É  extraordinária  a  documentação  com  que  se 
apetrechou  Voltaire  para  escrever  o  Siècle  de 
Louis  XJV.  Informações  verbais,  leitura  de  cor- 
respondências e  de  memórias,  de  relatórios,  fo- 
lhetos e  panfletos  :  tudo  procurou  conhecer,  re- 
fletir,  analizar  e  criticar. 

Sabe-se  bem  que  lhe  forneceram  informações 
os  d'Argenson,  Richelieu,  Chateauneuf,  Vendome 
La  Fare,  Caumartini,  o  abade  Servien,  a  duquesa 
de  Maine,  Villeroi,  Villars,  o  marquês  de  Fenelon, 
os  parentes  de  Fouquet,  de  M.'"^  de  Maintenon, 
Bolingbroke,  a  duquesa  de  Marlborough,  lord  Pe- 
terborough,  etc.  Percorreu  as  memórias,  ainda 
inéditas,  de  Torcy  e  de  Villars,  as  de  Dangeau  e 
de  Saint-Simon,  e  as  de  Luís  XIV  —  que  lhe  foram 
patenteadas  pelo  marechal  de  Noailles  — tudo  isto 
além  de  200  volumes  de  memórias  impressas,  e 
de  manuscritos  dos  Arquivos  do  Estado  que  êle 
teve  à  sua  disposição  como  historiógrafo  oficial. 
E  deve  notar-se  que  tudo  isso  era  passado  a  uma 
fieira  mais  ou  menos  apertada,  para  o  tempo,  da 


46 


crítica  de  interpretação,  de  sinceridade  e  de  exa- 
tidão  (i). 

Mas  deve  tomar-se  em  conta  que  se  a  crítica 
de  Voltaire  em  história  marca  enorme  avanço 
sobre  a  do  humanista  Bernardo  Giustiniani,  do 
século  XV,  ela  apresenta-se  ainda  muito  atrasada 
no  Essai  sur  les  mosurs  em  relação  à  de  Mommsen 
—  por  exemplo  —  ao  tratar  da  antiguidade  clás- 
sica. 

Contudo,  é  incontestável  que  a  influência  de 
Voltaire  foi  enorme  na  historiografia  moderna. 

Se  David  Hume  —  como  já  dissemos  — foi,  tal- 
vez, menos  influenciado  do  que  afirma  Ed.  Fue- 
ter  pelas  concepções  historiográficas  de  Voltaire, 
já  o  mesmo  não  se  dá  com  os  historiadores  in- 
gleses WiLLiAM  Robertson  e  GiBBON  —  aquclc 
muito  mais  do  que  este,  mas  ambos  seguidores 
de  Voltaire,  cada  um  à  sua  maneira. 

Efectivamente,  Robertson  foi  um  muito  fiel 
adepto  do  famoso  patriarca  de  Ferney  como  êle 
próprio  o  declara  na  Introdução  à  História  de 
Carlos  V.  Esta  obra — que  é  a  melhor  desse  his- 
toriador escossês  —  apresenta,  contudo,  diferen- 
ças salientes  das  obras  históricas  de  Voltaire. 

A  famosa  Introdução  da  História  de  Carlos  V 
é  um  estudo  feito  com  muito  método,  poder  de 
coordenação  e  vista  de  conjunto  da  Idade  Média 
desde  o  período  feudal,  anárquico  e  dissolvente. 


(i)  Vêr  GusTAVE  Lansom,  Histoire  de  la  Littérature  Fran- 
çaise,  8.*  ed.,  pág.  694-699. 


47 


até  à  constituição  das  monarquias  modernas. 
O  seu  ponto  de  vista  geral  e  cosmopolita  —  que  o 
afasta  do  particularismo  insular  de  Hume  —  é  uma 
característica  da  influência  de  Voltaire,  como  o 
é  a  forma  de  estudar  as  manifestações  de  vida 
das  sociedades,  e  de  encarar  a  acção  civilizadora 
do  clero  na  Idade  Média  e  nas  colónias  euro- 
peias da  América. 

Edward  Gibbon,  muito  menos  que  Robertson, 
também  sente  a  iufluência  de  Voltaire  se  bem 
que  fique  muito  aquém  deste  na  profundeza  da 
crítica,  na  capacidade  de  apreensão  e  vista  do 
conjunto  da  sociedade  romana  do  período  da  de- 
cadência do  império.  São  estes  os  dois  histo- 
riadores ingleses  qtie  mais  documentam  o  reflexo 
do  racionalismo  francês. 

A  influência  de  Voltaire  não  deixou  de  chegar 
à  Alemanha,  fazendo-se  sentir  nas  obras  de  Sch- 
lõzer,  menos  na  História  da  Alemanha  de  Schmidt, 
mais  nos  trabalhos  de  história  política  e  eclesiás- 
tica de  Spittler,  e  muito  exteriormente  nas  obras 
históricas  do  memorialista  Frederico  o  Grande(i). 


(i)  Frederico  Ti  não  é  propriamente  um  historiador,  e  muito 
menos  um  historiador  racionalista.  Alem  de  lhe  faltar  uma  vista 
de  conjunto,  uma  cultura  geral  e  um  saber  extenso  e  equilibrado, 
não  poude  abstrair  o  coeficiente  pessoal,  resultando  daí  que  as 
suas  apreciações  e  os  seus  juízos  são  dogmáticos,  peremptórios, 
incompletos,  unilaterais.  No  ponto  de  vista  do  estudo  das  fontes 
deixa  imenso  a  desejar,  pois  —  como  diz  Fueter  —  «não  escrupu- 
lisava  em  alterar  os  textos  das  cartas  e  dos  discursos  que  inseria 
ou  era  retocar  a  seu  favor  a  conta  das  suas  perdas».  Também,  a 
sua  concepção  da  história,  a  forma  de  a  escrever,  e  a  maneira 


48 


2."  —  Montesquíeu  e  os  seus  adeptos  no  racionalismo 
histórico 

Montesquíeu  e  os  seus  seguidores  como  De- 
LOHNE,  Ferguson,  Pristley  6  Heerem  não  nos  in- 
teressam aqui  especialmente,  pois  não  se  ocupa- 
ram das  fontes  históricas  e  da  crítica  documental 
—  assuntos  estes  de  que  principalmente  aqui  tra- 
tamos. 

Efectivamente,  as  Considerations  sur  la  gran- 
deur  et  la  décadence  des  Romains  e  o  Esprit  des 
Lois,  de  Montesquíeu,  são  muito  mais  obras  de 
filosofia  politica  que  de  história.  As  suas  facul- 
dades especulativas  e  a  ausência  de  aptidão  crí- 
tica manifestam-se  comummente  nas  suas  genera- 
lizações audaciosas,  nas  suas  sínteses  de  fantasia : 
umas  vezes  sem  a  menor  base  documental,  ou- 
tras assentes  em  testemunhos  falsos  que  êle  admi- 
tia sem  reflexão  nem  a  mais  pequena  tentativa 
de  fiscalização,  e  só  porque  os  escritores  clássi- 
cos ou  outros  lhos  patenteavam. 


de  julgar  os  acontecimentos  se  ressentem  dos  seus  sentimentos 
pessoais  e  da  sua  situação  política. 

Frederico  II,  general  eminente  e  monarca  absolutista,  não  po- 
dia encarar  a  história  no  ponto  de  vista  popular  ou  burguês  — 
como  o  faziam  os  racionalistas.  Mas,  se  êle  só  exteriormente  é 
um  discípulo  de  Voltaire,  e  como  tal  se  pode  filiar  na  corrente 
do  racionalismo  historiográfico,  não  há  dúvida  que  como  memo- 
rialista  e  escritor  militar  é  notável. 

Os  seus  livros  de  Memórias^  a  sua  História  de  meu  tempo,  e 
a  História  da  guerra  dos  sete  anos,  são  ainda  hoje  bons  modelos 
de  obras  de  história  política  e  militar. 


49 


Os  seguidores  de  Montesquieu  ocupam-sc, 
como  este,  da  lilosoíia  c  da  filosofia  da  história, 
e  Heeren  é  principalmente  conhecido  pelas  suas 
obras  de  história  politica  e  económica,  especial- 
mente de  história  do  comércio  dos  povos  antigos. 

Assim,  João  Luís  Delolme  escreve  a  sua  Cons- 
titution  de  l^Angleterre;  Ferguson  é  o  autor  do  Es- 
say  ou  the  History  of  Civil  Society,  e  da  History 
ofthe  Progress  and  Termination  ofthe  Roman  Re- 
public;  J.  Priestley  publica,  em  1768,  o  Essay  of 
the  flrst  Principies  of  Government.  Heeren  é 
mais  objectivo,  mostrando-se,  por  vezes  muito 
empírico  na  interpretação  dos  fenómenos  ideais 
ou  manifestações  do  espírito,  como  sucede  na  sua 
Geschichte  der  Klassischen  Literatiir  im  Mittelalter, 
e  que  vai  até  ao  fim  do  século  xv  (i). 

3.°  —  Outros  historiadores  do  período 
racionalista 

Quanto  a  Winckelmann  —  o  criador  da  histó- 
ria da  arte — que  Fueter  inclui  na  historiografia 


(i)  Porem,  no  que  respeita  à  história  política  e  económica  de 
Heeren  deixou  três  obras  muito  importantes :  as  Ideas  sobre  a 
politica,  as  relações  e  o  comércio  dos  povos  da  antiguidade  (dos 
egípcios  aos  gregos)  e  os  dois  Manuais  —  um  de  história  antiga,  e 
outro  de  história  poh'tica  e  colonial  da  Europa  moderna. 

Nesses  três  trabalhos  o  seguidor  de  Montesquieu  e  o  discípulo 
de  Adam  Smith  excede  muitas  vezes  os  seus  modelos,  rectificando 
o  exclusivismo  moral  e  político  do  Esprit  des  lois,  com  as  con- 
cepções e  teorias  económicas  do  autor  famoso  das  Investigações 
acerca  da  natureza  e  causas  da  riquesa  das  nações. 
4 


Do 


racionalista,  e  que  nós  prefeririamos  considerar 
como  um  precursor  da  escola  romântica,  o  caso 
é  já  diferente,  pois  na  sua  História  da  arte  na 
antiguidade  êle  mostra  quanto  presa  e  segue  a 
análise  das  fontes^  e  quanto  senso  critico  aplica 
ao  estudo  destas  (i). 

Também  Justus  Mõser,  que  Ed.  Fueter,  só 
para  atender  à  cronologia,  coloca  entre  os  escri- 
tores do  período  racionalista,  é,  quanto  a  nós, 
um  verdadeiro  precursor  dos  historiadores  realis- 
tas contemporâneos  pela  forma  scientiíica  como 
trata  os  seus  assuntos,  pelo  critério  liberal,  bur- 
guês e  anti-etatista  que  mostra,  pelo  pouco  res- ' 
peito  em  face  das  fórmulas  e  preconceitos,  pela 
inovação  no  estudo  da  história  social,  pelo  nexo 
que  estabelece  entre  os  factores  económicos  e  po- 
líticos no  estudo  das  sociedades,  pela  subordina- 
ção da  história  da  cultura  à  história  social,  pelo 
ponto  de  vista  administrativo  e  constitucional 
seguido  no  estudo  da  história  dos  povos,  etc. 
Enfim,  um  dos  caracteres  mais  salientes  do  mé- 
todo de  estudo  de  Mõser  é  a  forma  objectiva  e 
o  método  crítico  que  êle  aplicava  nas  suas  inves- 
tigações. 

Referindo-se  a  tal  escreve  Fueter  : 

«Já  os  Beneditinos  e  os  publicistas  imperiais 

tinham  largamente  usado  de   documentos  para 

esclarecer  e  confirmar  a  história.     Mas  ninguém 

havia,  como  Mõser,  escrito  a  história  pelos  docu- 


(i)  Vêr  Fueter,  ob.  cit.^  pág.  486  e  487. 


s 


mentos.  Foi  êle  o  primeiro  historiador  para 
quem  tais  documentos  constituiram  outra  cousa 
mais  que  provas  em  apoio  de  uma  investigação 
genealógica  e  arqueológica,  pois  eram  para  êle 
um  pedaço  da  história  viva.  Êle  soube,  apenas 
com  o  auxílio  deles,  reconstruir  personalidades  e 
lutas  sociais,  exactamente,  por  que  não  admitia  a 
seu  testemunho  tão  docilmente  como  os  Benedi- 
tinos costumavam  fazer.  Ao  passo  que  estes  se 
limitavam  a  perguntar  se  tal  era  ou  não  autên- 
tico, MõSER  submetia  os  documentos  à  crítica 
interna,  sem  cair  nas  leviandades  dos  Racionalis- 
tas» (i). 

E  precisamente  a  este  cuidado  e  a  esta  aptidão 
crítica  que  Mõser  deve  o  sucesso  e  a  resistência 
da  sua  obra. 


Outros  historiadores  nos  apresenta  o  raciona- 
lismo alemão  e  suíço,  figurando  entre  os  primei- 
ros o  famoso  Schiller,  muito  mais  poeta  e  dra- 
maturgo que  historiador  do  levantamento  dos 
Países-Baixos  e  da  guerra  dos  trinta  anos ;  o  sen- 
timental JoHANNEs  Mííller;  O  famoso  Herder  bem 
conhecido  pelas  suas  Ideas  sobre  a  filosofia  da 
história  e  da  humanidade ;  o  teólogo  Eichhorn;  e  o 
professor  de  história  Schlosser  —  figura  de  tran- 
sição, mais  romântico  que  racionalista. 

Da  Suíça  francesa  é  de  salientar  Sismondi  — 


(i)  Histoire  dela  Historiographie  Moderne,  19 14,  pág.  4^3, 


52 


famigerado  autor  da  História  das  repúblicas  ita- 
lianas na  Idade  Média  —  obra  sumamente  impre- 
gnada do  espirito,  e  até  do  estilo^  do  Contrato  so- 
cial de  J.  J.  Rousseau.  Porém,  nenhum  desses 
historiadores  se  distingue  pelo  estudo  cuidadoso 
e  profundo  das  fontes  liistóricas  e  pela  apUcação 
da  critica  às  investigações,  sendo  de  apontar, 
apenas,  Muller  —  bibliotecário  em  Cassei  e  his- 
toriógrafo oficial  —  que  procurou  imitar,  na  re- 
colha das  fontes,  os  beneditinos  de  S.  Maur  —  o 
que  fez,  porém,  confusamente,  com  pequena  cri- 
tica e  bastante  parciaUdade  nacionalista  (i). 


(i)  A  sua  História  da  Suiça  é  muito  mais  uma  obra  apologé- 
tica que  scientífica. 


CAPÍTULO  III 


Alguns  trabalhos  de  erudição  e  crítica  históricas 
feitos  no  século  XYIII 

Continuando  o  nosso  estudo  sobre  a  evolução 
da  erudição  e  da  critica  históricas  devemos  dizer 
que  o  século  xviii  não  limita  a  sua  actividade 
historiográfica  aos  escritores  de  síntese  que  aca- 
bamos de  enumerar  ao  tratar  da  escola  raciona- 
lista. 

Os  trabalhos  de  erudição,  e  especialmente  os 
de  critica  histórica,  que  na  opinião  de  Ranke, 
Sybel  e  NissEN  só  começam  a  ser  feitos  seria- 
mente a  partir  da  Renascença,  sobem  de  impor- 
tância e  de  perfeição  durante  o  século  xviii  (i). 


(i)  É  certo  que  alguns  bibliólogos  eminentes  sustentam 
que  na  antiguidade  se  praticava  —  e  bem  —  a  crítica  das  fontes. 
Langlois  no  seu  excelente  Manuel  de  Bibliographie  Historique 
afirma  que :  «a  crítica  das  fontes  e  de  proveniência  foram  pra- 
ticadas de  uma  forma  muito  brilhante,  desde  a  época  dos  Ptlo- 
meus,  nas  escolas  fundadas  em  volta  das  célebres  bibliotecas  de 
Alexandria  e  de  Pergamo».  E  depois  de  falar  da  grande  activi- 
dade dos  gramáticos  e  filólogos,  dos  editores  e  comentadores  de 
textos  da  Alexandria,  apresenta-os  como  «os  precursores  e  pro- 


54 


Não  há  dúvida  que^ — como  diz  Langlois —  «a 
critica  filosófica  foi  tão  estranha  aos  homens  da 
Renascença  como  aos  da  antiguidade  e  da  Idade 
Média»,  mas  tal  já  não  se  dá  no  século  xvii,  e, 
especialmente,  depois  do  aparecimento  do  Dis- 
curso do  Método  de  Descartes. 

É  certo,  também,  que  o  uso  e  abuso  da  aptidão 
sintética  na  formação  das  ideas  gerais,  devido  à 
especulação  cartesiana,  sacrificou,  por  vezes,  os 
estudos  de  detalhe,  as  investigações  minuciosas, 
a  erudição  conscienciosa,  substituindo  tudo  isso 
por  conceitos  gerais  e  afirmações  vagas  e  auda- 
ciosas—  o  que  fazia  escrever  ao  eniinente  Huete 
na  sua  Hetiana  aparecida  em  1722  : 

ali  se  forme  une  cabale  d'apedentes,  de  gens 
ignares  et  non  lettrés,  qui,  sentant  leur  incapacite 
et  ne  pourrant  se  resoudre  á  une  étude  assidue, 
ont  cherché  un  chemin  plus  court  pour  se  mettre 
au-dessus  de  ceux  dont  la  comparaison  les  ren- 
dait  méprisables;  ils  ont  entrepris  de  ridiculiser 
Térudition». 

Mas,  a  penetração  do  espirito  objectivo  das 


totipos  dos  eruditos  ocidentais  do  século  xvi»,  e  escreve  :  «Não 
resta  dúvida  alguma  que  os  grandes  «filólogos»  da  Antiguidade 
foram  tão  hábeis  como  os  melhores  humanistas».  Também  sa- 
lienta a  actividade  dos  eruditos  da  Idade  Média.  Mas  tudo  isso 
é  relativo  aos  trabalhos  de  filologia,  porque  referindo-se  aos  da 
história  confessa  :  «É  verdade  que  os  historiógrafos  propriamente 
ditos  da  Antiguidade  e  da  Idade  Média  não  tomaram,  nos.  seus 
trabalhos,  as  precauções  reflectidas  que  são  actualmente  de  rigor  ! 
Eles  operaram  instintivamente  e  por  consequência,  muito  mal ; 
mas  nem  to.ios".    Vide  ob.  cit.,  pág.  243-245. 


55 


sciências  de  observação,  que  haviam  progredido 
muito,  .no  domínio  da  erudição  vieram  dar  no 
século  xviii  um  novo  impulso  ao  estudo  das  fontes 
históricas  e  à  aplicação  dos  métodos  da  critica 
filosófica  e  da  lógica  aos  conhecimentos  históri- 
cos. 

Os  trabalhos  de  erudição  que  já  eram  numero- 
sos no  século  XVII  aumentaram  de  importância 
no  século  XVIII. 

Vejamos,  muito  sumariamente,  alguns,  segundo 
os  países  onde  apareceram : 

I ."  Alemanha.  — Na  Alemanha,  depois  da  guerra 
dos  Trinta  anos,  e  devido  ao  impulso  de  Leibniz, 
começaram  a  aparecer  as  colecções  de  documen- 
tos a  partir  dos  fins  do  século  xvii  e  início  do  sé- 
culo XVIII. 

Efectivamente,  em  1693  o  eminente  filósofo 
pubhcava  o  Codex  júris  gentium  diplomaticus ; 
em  1700  aparecia  a  colecção  da  Mantissa  docu- 
mentorum  (i);  e  como  historiógrafo  da  casa  de 
Brunsw^ick-Luneburgo  fez  grandes  investigações 
nos  arquivos  e  bibliotecas  onde  colheu  os  mate- 
riais para  os  seus  Scriptores  rerum  brunsvicen- 
sium,  de  que  publicou  três  volumes,  entre  1 707  e 
171 1  — obra  essa  que  é  uma  colecção  cheia  de 
informações  sobre  a  Idade  Média  alemã,  a  his- 
tória do  Saxe,  o  governo  dos  guelfos,  etc. 


1  Ver  acerca  da  obra  de  Leibniz:  L.  Davillé,  Leibni^  historien, 
essai  stir  Vactivité  et  la  méthode  historiques  de  Leibni^  (1909);^ 
FuETER,  ob.  cit.^  pág.  392, 


56 


Nesse  mesmo  ano  de  1700  aparecia  de  Leibniz 
as  Accessiones  historicae,  quibiis  potissimum  conti- 
nentur  scriptores  rerum  germanicarum,  et  aliorum 
hacteniis  inediti. 

Aí  figuram  publicados  cinco  trabalhos  históri- 
cos da  Idade  Média,  sendo  o  primeiro  de  um  cro- 
nologista  saxão — talvez  do  mosteiro  de  S.  João 
de  Magdeburgo  —  que  elaborou  uma  história 
desde  o  nascimento  de  Cristo  até  1188;  o  se- 
gundo trabalho  é  uma  crónica  de  JoÃo  Vito,  até 
1348;  o  terceiro  tem  o  título  de  Gesta  Treviorum, 
por  ser  atribuída  ao  monge  Goschier,  de  Treves; 
o  quarto  é  uma  crónica  atribuída  a  Helmodus, 
contra  os  dinamarqueses ;  o  último  é  a  Crónica 
de  A  Ibérico,  monge  das  três  Fontes,  que  vai 
desde  a  criação  do  mundo  até  1241,  muito  cheia 
de  genealogias  e  notícias  diversas  de  famílias  e 
casas  pouco  conhecidas,  pelo  que  foi  depois  muito 
utilisada. 

Mas  não  ficou  por  aí  a  actividade  de  Leibniz, 
pois  ainda  elaborou  uma  colecção  —  a  dos  Anais 
do  Império  do  ocidente,  de  768  a  ioo5,  que  ficou 
inédita  e  incompleta  mas  que  é  no  dizer  de  Ch.-V. 
Langlois  «a  sua  obra  prima  histórica»,  sendo 
mais  tarde  publicada  por  G.  H.  Pertz(i). 

Mais  tarde  os   seus  discípulos  —  entre  quais 

(i)  Efectivamente,  entre  184'^  e  1846  aparecia  em  Hanover 
a  G.  W.  Leibnitii  Annales  imperii  Occidentis  Brunsvicenses,  em 
três  volumes,  com  uma  introdução,  na  ed.  de  Pertz.  Vêr  Pro- 
ject d'iine  édition  internationale  des  oeuvres  de  Leibni^,  artigo  do 
Journal  des  Savantes,  de  igoS  ;  Ch.-V.  Langi  ois,  Manuel  de  Bi- 
bliograpliic  Hislorique,  pág.  3ig. 


57 


figuravam  Eckhart  —  publicavam  as  Origines 
guelficae;  e  a  influência  da  publicação  de  Codex 
júris,  de  lôgS,  fazia-se  sentir  no  Corps  imiversel 
diplomatique  du  droit  des  gens  . . .  depuis  Charle- 
magne  jusqu^à  present  —  obra  essa  de  Jean  Du- 
MONT,  em  oito  volumes,  que  apareceu  em  Amster- 
dam  de  1726  a  lySi,  e  em  outras  colecções. 

Também,  ainda  devido  ao  exemplo  de  Leibniz 
aparecia  em  1728  o  Corpus  historicorum  medii 
aepi,  de  J.  G.  Eckhart,  e  de  1721  a  1745  publi- 
cava-se  a  colecção  dos  Scriptores  rerum  austria- 
cariim  veteres  ac  gemiini;  de  1728  a  i83o  apare- 
cia a  colecção  dos  Scriptores  rerum  germanicarum, 
praecipue  saxonicarum,  por  J.  B.  Mencke;  em 
1763  surgiam  os  Scriptores  rerum.  boicarum,  por 
A.  F.  voN  Oefele;  em  1772  os  Scriptores  rerum 
danicarum  medii  aevi,  de  J.  Langebek,  etc.  Em- 
fim,  B.  Pez  coligia  o  Thesaurus  anecdotorum,  que 
apareceu,  em  sete  volumes,  de  1721  a  1729;  as 
Relliquiae  manuscriptorum  omnis  aevi  diplomatum 
ac  monumentorum,  de  J.  P.  Ludevv^ig,  em  doze 
volumes,  que  aparecia  entre  1783  a  1741,  etc, 
etc.  (i). 

Também  em  Francfort  e  Leipzig  aparecia  em 
1699  uma  «Brems  Introductio  a  d  Historiam  sa- 
crans  utriusque  Testamentis;  ac  precipue  christia- 
namy>^  por  Frederico  Spanheim,  numa  «edicio  fere 
nona,  oranium  purgatissima»  (2). 


(i)  Vêr  Ch.-V.  Langlois,  ob.  cit.^  pág.  320. 
(2)  Acerca  dessa  obra  vêr  Journal  des  Savants,  Paris,  1700, 
pág..  236  a  245,  253  a  259,  e  261  a  269. 


58 


Entre  as  principais  obras  de  carácter  político 
e  administrativo,  e  que  inserem  documentos  ou 
neles  se  baseam,  encontram-se  os  cinqúoenta  vo- 
lumes de  J.  J.  MosER —  Teutsches  Staatsrecht,  de 
1737  a  1754;  e  a  obra  do  mesmo  investigador: 
Staatshistorie  Teutschlands  unter  Karl  VII;  os 
onze  volumes  de  Gerstlaeker  —  Handbuch  der 
teutschen  Reichsgeseí^e  in  systematischer  Ordnung, 
1786  a  1793;  os  seis  volumes  de  Harpprecht  — 
Staatsarchiv  des  Reichskammergerichts,  de  1757  a 
1785;  os  dois  volumes  das  Institutions  politiques 
de  BiEFELD,  etc. ;  o  Exame  crítico  da  história  se- 
creta da  corte  de  Berlim,  de  Trenck  ;  as  obras  de 
ScHLõzER  e,  mais  especialmente,  as  primeiras  de 
Gatterer;  a  História  da  Alemanha,  de  Schmidt; 
as  Memórias,  a  História  do  meu  tempo  e  a  Histó- 
ria da  Guerra  dos  Sete  anos,  de  Frederico  II  — 
todas  escritas  e  publicadas  no  decurso  do  sé- 
culo xviii ;  as  obras  de  Johannes  Muller  —  já  por 
nós  citadas,  etc,  etc.  E  não  se  devem  esquecer 
as  dezenas  de  volumes  da  História  da  Academia 
Real  das  S ciências  e  Belas- Letras  de  Berlim. 

Apesar  de  todas  estas  e  de  muitas  outras  gran- 
des colecções  viu-se  logo  que  a  publicação  siste- 
mática dos  documentos  tinha  que  ser  uma  obra 
colectiva,  levada  a  efeito  por  uma  Academia,  por 
uma  sociedade  scientifica(i).     Por  isso  Leibniz 


(i)  A  erudição  monástica  não  teve  na  Alemanha  a  mesma  im- 
portância e  influência  desfrutadas  em  França  —  país  católico.  Mas 
na  Áustria  são  de  citar  as  obras  saídas  dos  mosteiros  de  Melk  e 
de  Gõttweih. 


59 


trabalhou  no  sentido  de  serem  criadas  grandes 
Academias  scientííicas,  chegando  o  seu  amigo  von 
BoiNEBURG  a  elaborar,  em  1670,  o  plano  de  um 
Colleghim  universale  eruditoriim  in  Império  Ro- 
mano, destinado  principalmente  à  elaboração  de 
obras  de  bisaria. 

Mais  tarde,  outros  tentaram  a  fundação  de  um 
Historisches  Reichskollegium  qp.e  não  subsistiu^  até 
que,  em  1  700,  Leibniz  conseguiu  do  rei  Frederico  I 
da  Prússia  a  criação  da  Sociedade  das  Sciências  que 
mais  tarde,  no  tempo  de  Frederico  II,  em  1744, 
foi  reorganizada  e  desenvolvida,  tornando-se  a 
Academia  das  Sciências  e  Belas-Letras  da  Prús- 
sia, que  ainda  nesse  século  produziu  importantes 
colecções  de  inéditos  sobre  a  história  da  Prússia^ 
a  história  da  Alemanha  na  Idade  Média,  etc. 

Mas  a  Alemanha  não  viu  só  aparecer  nesse  sé- 
culo XVIII  a  Academia  prussiana,  pois  também  a 
Academia  das  Sciências  da  Baviera  foi  fundada 
em  1759,  começando  logo  a  pubhcar  uma  colec- 
ção de  fontes  para  a  história  desse  país  sob  o 
titulo  de  Monumenta  boiça. 

Por  sua  vez  Goetingue  viu  surgir  a  sua  Aca- 
demia das  Sciências,  que,  fundada  em  1752  e 
organizada  em  1770,  projectou  logo  a  elabora- 
ção de  colecções  de  fontes  da  Idade  Média  alemã. 
Entretanto,  ia-se  desenvolvendo  e  aperfeiçoando 
o  ensino  universitário  alemão,  abrangendo  os 
estudos  históricos,  começando  assim  a  colaborar 
no  progresso  da  historiografia  scientífica. 

Além  do  uso  dos  documentos,  especialmente 


6o 


dos  manuscritos,  na  elaboração  das  obras  de  his- 
tória outros  e  variados  eram  os  usos  em  que  eles 
eram  aproveitados. 

Assim,  em  1727  e  1728  JoÃo  Frederico  Schan- 
NAT  publica  dois  importantes  estudos  sobre  a  aba- 
dia de  Fuld :  um  com  o  titulo  de  A  Diocese  e  a 
hierarquia  de  Fuld,  e  outro  sobre  a  Defesa  de  al- 
guns Diplomas  dos  Arquivos  da  Abadia  de  Fuld. 

Numerosos  são  os  documentos  citados  e  trans- 
critos—  todos  tendentes  a  comprovar  a  tese  do 
autor,  segundo  a  qual  a  abadia  de  Fuld  não  era 
uma  diocese,  não  dependendo  senão  directamente 
da  santa  sé. 

Já  anteriormente,  em  1726,  o  mesmo  autor  ha- 
via publicado  um  desenvolvido  Tratado  histórico 
e  jurídico  sobre  os  feudos  e  vassalos  pertencentes  à 
abadia  de  Fuld,  igualmente  baseado  nos  diplomas, 
escrituras  de  doação,  etc,  acerca  da  referida  aba- 
dia (i). 

Pelo  que  se  acaba  de  vêr  deve  concluir-se  que 
foi  muito  importante  a  obra  realizada,  no  sé- 
culo xvui,  pela  Alemanha  quanto  às  sciências  de 
erudição.  É  certo  que  muito  do  trabalho  efe- 
ctuado teve  que  ser  revisto  e  refeito  posterior- 
mente, mas  em  história  mais  do  que  em  outras 
sciências  não  há  obras  definitivas,  e  as  elabora- 
das no  século  XVIII  constituíram  étapes  essenciais 
ao  progresso  histórico. 


(i)  Vêr  Journal  des  Savants^  Paris,  Janeiro  de  lySo,  pág.  12 
a  17. 


6i 


2.°  Inglaterra.  Foi  regularmente  importante 
a  obra  da  erudição  realizada  no  século  xviii  pela 
Inglaterra. 

Além  das  colecções  que  sobre  história  da 
igreja  ali  foram  publicadas,  figuram  em  pri- 
meiro lugar  a  das  Origines  sive  antiquitates  eccle- 
siasticae  de  J.  Bingham,  em  lo  volumes,  aparecida 
entre  1722  e  1729;  os  Consilia  Magnae  Brita- 
niae  et  Hiberniae,  de  Wilkens,  aparecidos  em 
Londres,  em  1737,  sendo  muito  importante  a  pu- 
blicação dos  documentos  políticos  e  outros.  E 
certo  que  essa  publicação  nem  sempre  se  fez  cor- 
rectamente como  sucedeu  aos  Rerum  anglicarum 
scriptores  de  W.  Fulman,  de  1684;  aos  Historiae 
britanicae  scriptores  quindecim,  de  Th.  Gale;  às 
colecções  de  Hearne,  Hall  e  Spark,  ,etc.,  — 
obras  essas  que  tiveram  mais  tarde  de  ser  corri- 
gidas. 

Quanto  à  história  política  e  diplomática  são 
de  citar,  além  dos  «Records»,  de  W.  Prynne,  apa- 
recidos entre  1666  e  1668,  a  célebre  colecção  de 
documentos  diplomáticos  dos  arquivos  da  Chan- 
cery  e  do  Exchequer  que  começou  a  aparecer  em 
1704  com  o  título:  Foedera,  conventiones,  Litterae 
et  cujusciimque  generis  Acta  publica  inter  reges 
Angliae  et  alias  quosuis  imperatores,  reges,  pon- 
tífices, príncipes,   vel  communitates,    a    partir   de 

I  lOI. 


62 


Esta  obra  elaborada  por  Tomas  Rymer  até  ao 
tomo  XV,  que  atinge  Julho  de  1 586,  foi  continuada 
até  ao  tomo  xx,  compreendendo  os  papéis  sobre 
ligas,  tratados,  alianças,  capitulações^  etc,  até 
i654,  e  que  apareceu  em  lySS  (i). 

Na  segunda  metade  do  século  xviii  era  orde- 
nada pelo  Parlamento  inglês  a  publicação  dos 
velhos  «Rolos  do  Parlamento»,  com  o  título :  Ro- 
tuli  parlamentorum,  iit  et  petitiones  et  placita  in 
Parliajnento,  da  qual  apareceram  seis  volumes. 

Também  a  genealogia^  a  heráldica,  a  história 
local,  a  arqueologia  e  a  história  administrativa 
mereceram  no  século  xviii  atenções  especiais. 

Quanto  á  arqueologia  são  de  citar  as  obras 
editadas  pela  Sociedade  dos  Antiquários  de  Lon- 
dres, que  desde  1 747  faz  publicar  a  famosa  cole- 
cção dos  Vetusta  Monumenta,,  e  a  partir  de  1770 
fez  aparecer  a  famosa  revista  Archaeologia. 

Acerca  da  história  económica  e  financeira  da 
Inglaterra  é  de  citar  The  history  and  antiquities  of 


(i)  A  esta  edição  seguiram-se  mais  três.  A  segunda  também 
em  vinte  volumes,  apareceu  em  Londres,  de  1727  a  1735 ;  a  ter- 
ceira, em  dez  volumes,  na  Haia,  de  1739  a  1745  ;  a  quarta  —  que 
é  a  Record  edition  —  é  feita  em  quatro  tomos  de  sete  volumes,  e 
foi  publicada  em  Londres  entre  1816  e  1869. 

Das  edições  completas  a  mais  correcta  é  a  terceira,  conhecida 
pela  Diitch  edition. 

Para  facilitar  as  investigações,  Thomas  Duefus  publicou  entre 
1869  e  i885  um  quadro  geral  da  Colecção  estabelecendo  a  con- 
cordância entre  as  quatro  edições,  é  o  Sillabus,  in  english  of 
Rymer's  Foedera,  em  três  grandes  volumes. 


63 


the  Exchequer,  a  qual  foi  publicada  em  duas  edi- 
ções, em  171 1  e  1769. 


3.°  Itália.  Na  Itália  os  trabalhos  de  erudição 
brilharam  bastante  no  século  xviii,  pois  o  am- 
biente, as  tradições  politicas  e  literárias,  as  rique- 
zas documentais  dos  acquivos,  a  intensa  vida 
política  e  a  grande  importância  religiosa  —  tudo 
se  congregava  para  tornar  rica  a  historiografia 
no  pais  dos  Apeninos.  Se  mesmo  na  Idade  Mé- 
dia foi  sempre  mais  ou  menos  activa  a  vida  do 
espirito  na  Itália,  e  na  Renascença  chega  a  ser 
grande,  enorme  o  brilho  que  ali  desfrutam  as  ar- 
tes e  as  letras,  é  só  no  século  xviii  que  lá  aparece 
um  MuRATORi,  significativamente  designado  pelo 
«padre  delia  storia  critica  italiana»  (i). 


(i)  É  sabido  que  se  a  Reforma  bastante  contribuiu  para  estan- 
car o  progresso  das  letras  e  das  artes,  ela  foi,  pelas  questões  que 
suscitou,  um  importante  estímulo  para  o  grande  desenvolvimento 
dos  estudos  históricos,  especialmente  dos  de  história  eclesiástica. 

Pertence  a  essa  ordem  de  trabalhos  históricos,  apologéticos 
e  críticos,  por  parte  do  catolicismo,  a  célebre  colecção  dos  Annã' 
les  Ecclesiastici,  de  César  Baronius,  cujo  primeiro  volume  apare- 
ceu em  i588,  em  resposta  à  famosa  História  da  Igreja^  em  treze 
volumes,  do  protestante  Mathias  Flacius  Illyricus. 

A  obra  de  Baronius  que  só  atinge  1198  foi  continuada:  por 
Bzovius  e  Raynaldi  até  i565,  em  mais  seis  volumes,  que  aparece- 
ram entre  1646  e  1677;  por  Laderchi,  até  1571,  em  três  volumes, 
de  1728  a  1737  í  e  pelo  P.  Theiner  até  iSgo  em  outros  três  volu- 
mes, em  i856. 

Deve  dizer-se  que  a  obra  de  Baronius  gosou  de  boa  fama  e 
teve  grande  importância  através  dos  séculos  xvii  e  xvnr,  apesar  das 


64 


A  obra  de  iniciativa  e  o  esforço  de  propulsão 
realizados  nos  estudos  históricos  por  esse  arqui- 
vista e  bibliotecário  dos  duques  de  Modena  fa- 
zem lembrar  muito  a  acção  desenvolvida  por 
Leibniz  na  Alemanha,  conforme  já  espusemos. 

O  erudito  Luís  António  Muratori  antes  de  ini- 
ciar as  grandes  obras  de  conjunto  havia  publi- 
cado, na  integra  ou  em  extracto,  muitos  manus- 
critos das  bibliotecas  e  arquivos  italianos,  espe- 
cialmente da  Biblioteca  Ambrosiana.  Pertence 
a  essa  fase  da  vida  de  Muratori,  e  a  esse  género 
de  obras,  as  vAnecdota  quae  ex  Ambrosianae  Bi- 
bliothecae  Codicibus  nunc  primuni  eruity>. 

Muratori  que  era  «in  eadem  Bibliotheca  Am- 
brosiani  CoUegii  Doctor»,  publica  no  primeiro 
tomo,  aparecido  em  1697,  quatro  poemas  de 
S.  Paulino,  bispo  de  Nole,  sobre  o  dia  do  nasci- 
mento de  S.  Félix,  encontrados  na  Biblioteca 
Ambrosiana  que  Muratbri  acompanha  de  muitas 
notas  e  vinte  e  duas  dissertações  com  esclareci- 


grandes  obras  de  crítica  com  que  responderam  os  protestantes, 
sendo  das  principais  a  do  helenista  Isaac  Casaubon,  Exercitatio- 
nes  in  Ba?'omum.  Em  1746  aparecia  na  imprensa  de  Leonardo 
Venturini,  do  Lucas,  o  xix  da  nova  edição  dos  Annales,  com  ob- 
servações do  padre  JoÁo  Domingos  Mansi,  o  qual  dirigiu  também 
a  continuação  feita  por  Odorico  Reinaldo. 

Como  diz  Langlois,  a  tradição  de  Baronius  foi  continuada  em 
Roma  através  do  século  xvn  por  uma  plêiade  de  eruditos  como 
Lucas  Holstenius,  Leon  Allatius,  Ughelli,  etc,  sendo  de  citar 
especialmente  a  colecção  em  nove  volumes  da  Itália  Sacra,  de 
Ughelli,  publicada  em  Roma  entre  1644  e  1662.  É  depois  que 
aparece  Muratorl 


65 


mentos  e  comentários  sobre  várias  passagens  dos 
poemas(i). 

O  segundo  tomo  das  Anecdota  contêm,  entre 
outros,  os  seguintes  manuscritos :  uma  profissão 
de  fé  de  Bachiarius,  pois  este  tendo  nascido  numa 
região  suspeita  de  heresia  fora  caluniado  de  heré- 
tico —  o  que  procura  contestar,  declarando  a  sua 
fé  sobre  os  pontos  de  doutrina  do  catolicismo ; 
uma  História  de  Milão  de  JoÃo  Cermenate;  um 
manuscrito  com  uma  condenação  da  heresia  dos 
Maniquêos;  um  afamado  discurso  de  Eneas  Síl- 
vio PicoLiMiNi  quando  foi  enviado,  na  qualidade 
de  núncio,  por  Nicolau  V,  à  Boémia,  Moravia  e 
Áustria  para  restabelecer  a  reUgião;  um  catá- 
logo de  relíquias  do  tempo  de  S.  Gregório,  es- 
crito em  papel  do  Egito;  e  duas  crónicas  dos  reis 
de  Itália,  sendo  tais  peças  acompanhadas  de  im- 
portantes notas  e  comentários  de  Muratori(2). 

MuRATORi  não  era  somente  um  erudito^  um  in- 
vestigador, era  também  um  pensador,  um  filo- 
sofo. Em  1745  aparecia  em  Venesa  a  sua  obra 
Delia  for^a,  delia  fantaiia  umana,  onde  êle  trata 
da  diferença  entre  a  inteligência  e  a  imaginação, 
da  sede  e  funções  da  imaginação  criadora  — 
«fantazia»,  da  imaginação  como  manifestação 
divina,  da  memória,  dos  sonhos,  do  sonambu- 


(1)  Acerca  desse  tomo  e  das  notas  e  comentários  de  Mukatori 
ver  :  Le  Journal  des  Savants^  Paris,  de  8  de  Junho  de  1G99,  pág.  261 
a  264. 

(2)  Sobre  esse  tomo  ver :  Ibidem^  pág.  265  a  267. 
5 


66 


lisQio,  loucura,  das  relações  da  alma  com  o  corpo, 
da  filosofia  moral  e  cristã,  etc,  etc. 

Como  Leibniz,  também  Muratori  aconselhou  a 
formação  de  uniões,  repúblicas  ou  ligas  entre  os 
eruditos  para  a  elaboração  das  grandes  obras 
que  só  podem  ser  levadas  a  efeito  por  uma  acção 
colectiva.  E  também  êle,  como  o  eminente  autor 
da  Monadologia,  dá  o  exemplo  escrevendo  obras 
de  erudição,  e  elaborando  importantes  colecções 
como  a  dos  Reriim  italicariim  scriptores  [i),  em 
vinte  e  sete  tomos,  de  1728  a  lySS  (2);  os  quatro 


(1)  Esta  obra,  como  o  seu  título  significa,  é  uma  colecção  de 
vários  escritores  de  história  da  Itália,  indo  do  ano  Soo  a  i5oo. 

Uma  grande  parte  dos  trabalhos  editados  por  Muratori  eram 
inéditos  mas  outros  já  haviam  sido  publicados.  Assim,  no  tomo  xx 
aparece,  a  abrir,  uma  História  de  Siena^  a  partir  de  1422,  por  JoÂo 
Bando  de  Bartholomaeis,  depois  continuada,  sucessivamente,  por 
Francisco  Thomasio  e  Pedro  Rui  fio.  Seguem-se  :  o  Diário  das 
operações  de  Jacques  Picinini  na  guerra  dos  venezianos  com 
Francisco  Sforza,  duque  de  Milão — Diário  esse  escrito  por  PoR- 
CELLi,  poeta  e  secretário  de  Afonso  I,  das  Duas  Sicílias;  a  História 
de  Florença  por  Pogge  que  fora  publicada  em  italiano,  e,  depois 
em  171 5,  em  latim,  por  Recanati,  acompanhada  de  uma  biografia 
de  Pogge  e  de  eruditas  notas;  a  História  de  Mântua,  até  1464, 
por  Bartolomeu  Sacco  de  Cremona  —  obra  dedicada  ao  cardeal 
de  Gonzaga,  e  já  publicada  em  1765  por  Pedro  Lambecius;  os 
Anais  de  Placência,  de  António  e  Alberto  Ripalta  ;  a  Vida  de  Fí' 
lipe  Maria  Visconti,  já  publicada  em  Milão,  em  162 "í,  por  Pedro 
Cândido  Decembri;  seguida  de  uma  biografia  resumida  de  Fran- 
cisco Sforza,  4.»  duque  de  Milão,  do  mesmo  autor.  Termina 
o  volume  por  um  discurso  do  mesmo  Pedro  Cândido  Decembri 
com  a  biografia  de  Nicolau  Picinino. 

(2)  Segundo  confessa  o  próprio  Muratori  esta  e  outras  das 
suas  obras  foram-lhe  inspiradas  pelos  trabalhos  históricos  de  Lei- 
bniz e  pelos  Tesouros  de  Graevius  —  o  Thesaurus  antiquitatum  et 


6? 


volumes  das  Antiqiiitates  italicae  medi  aevi,  apare- 
cidos em  Milão,  de  1788  a  1742,  c  que  são  uma 
colecção  de  dissertações  de  história  política,  lite- 
rária, e  de  história  da  civilização  italiana  na 
Idade  Média  (i).  Ainda  publicou  uma  colecção 
de  Annali  d" Itália,  à  maneira  dos  Anais  do  Impé- 
rio de  Leibniz  (2). 

Depois  de  Muratori  é  de  notar  JoÃo  Domingos 
Mansi,  arcebispo  de  Lucques,  que  reeditou  os 
Annales  de  Baronius,  a  História  eclesiástica,  de 
Alexandre  Nocl,  a  Vetus  et  nova  Ecclesiae  disci- 
plina^ de  Thomassin,  as  Miscellanea^  de  Baluze, 
etc. 

Em  1698  começou  a  aparecer  em  Roma  uma 
Collectanea  monumentorwn  veterum  ecclesiae  Grae- 
cae  ac  Latinae,  que  haetenus  in  Bibliotheca  Vati- 
cana  delituerunt . 

O  colector  Lourenço  Alexandre  Zacagni,  bi- 
bliotecário do  Vaticano,  seguindo  o  exemplo  de 
LuccAs  d'Acheri,  da  Congregação  de  S.  Mauro 
—  que  havia  amontoado  já  então,  em  treze  tomos, 
uma  grande  quantidade  de  manuscritos,  e  o  de  Ma- 
billon  —  que  já  publicara  quatro  tomos  de  Ana- 


histcriarum  Italiae,  e  o  Thesaurus  antiqintatum  et  historiarum 
Sardiniae,  Corsiae^  etc. 

Acerca  das  influências  de  Leibniz  sobre  Muratori  ver :  Ci- 
POLLA,  Leibni^  e  Muratori,  Modena^  1893;  Ch.  V.  Langi.ois,  Ma- 
nuel de  Bibliographie  Historique^  pág.  827  a  829. 

(i)  Ver  Gh.  V.  Langlois,  oè.  c/í.,  pág.  329. 

(2)  Segundo  informa  Langlois,  loc.  cit.,  estes  Anais  foram  re- 
digidos muito  apressadamente,  estando  cheios  de  inexactidões,  pelo 
que  não  teem  hoje  valor  algum. 


68 


ledas,  do  padre  Labbe,  de  Cotellier  e  Baluze, 
publicou  também  uma  grande  porção  de  inéditos 
do  Vaticano  na  citada  Collectanea.  Começa  pelo 
relato  de  uma  conferência  entre  o  bispo  Arque- 
lao  e  o  chefe  dos  Maniquêos  Manes. 

Esse  e  outros  dos  manuscritos  publicados  são 
acompanhados  de  muitas  notas  de  Zacagni(i). 

Em  1 766  era  publicado  em  Paris  o  tomo  iii  do 
importante  Abrégé  Chronologique  de  VHistoire 
Générale  d^Italie,  depiiis  la  chute  de  1'Empire  Ro- 
main  en  Occident .  .  .  jusqu'au  Traité  d^Aix-la- 
-Chapelle  en  i'i48,  parM.  de  S.  Marc  (2). 

Também,  o  operoso  Mansi  se  entregou  à  pu- 
blicação de  uma  colecção  dos  Concílios,  publi- 
cando primeiramente  um  suplemento  à  edição 
impressa  de  Nicolau  Coleti,  em  seis  volumes,  a 
partir  de  1748,  e  começando  em  1759  a  publica- 
ção de  uma  Colecção  nova  —  a  Sacrorum  Conci- 
liorum  nova  et  amplíssima  Collectio,  que  é,  segundo 
diz  Langlois,  uma  reprodução  dos  Concílios  de 
Coleti.  Essa  enorme  colecção  conhecida  pela 
Amplíssima,  de  Mansi  e  dos  seus  continuadores,  em 
trinta  e  um  volumes  (3),  preenche  a  segunda  me- 


(i)  Ver  artigos  bibliográficos  in  Journal  des  Savants,  Paris, 
1699,  pág.  2i3  a  221. 

(2)  Acerca  desse  tomo  que  trata  da  História  da  Itália  durante 
o  domínio  de  quarto  imperadores  da  casa  da  Franconia  e  do 
imperador  Lotário  lí,  de  1027  a  iiSy,  ver  Journal  des  Savants, 
Paris,  1767,  pág.  21  a  28. 

(3)  Essa  obra  ficou  muito  incorrecta.  Ver  o  trabalho  do  P. 
QuENTiN,  J.  D.  Mansi  et  les  Collections  conciliaires,  Paris,  1900; 
Ch,  V.  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  33o. 


69 


tade  do  século  xviii,  indo  de  1759  a  1798,  tendo 
ficado  incompleta. 

O  P.  André  Galland  publicou  uma  importante 
colecção  patrística  —  aBibliotteca  greco-latina  ve- 
terum  patrum  antiquoriimqiie  scriptorum  eccle- 
siasticorum,  em  catorze  volumes,  de  1765  a  1781 ; 
C.  CoQUELiNEs  editou  a  muito  importante  Bul- 
larum  privilegiorum  ac  diplomatum  Romanoriim 
Pontificum  amplissima  collectio,  em  vinte  e  oito 
volumes,  publicada  em  Roma,  de  1733  a  1756,  e 
que  a  partir  do  tomo  vi  tomou  o  título  de  Bulla- 
riumromantim,  sendo  depois  continuada  por  Bar- 
beei e  outros. 

A  primeira  metade  do  século  xviii  ainda  viu 
aparecer  na  Itália  várias  obras  mais  ou  menos 
importantes  de  história  literária  local,  como  as  de 
Tafuri, sobre  a  literatura  napolitana;  as  de  Arge- 
LATi,  sobre  a  de  Milão;  os  trabalhos  de  Baudini  so- 
bre a  literatura  florentina  do  «Quattrocento»,  etc. 

Na  segunda  metade  desse  século  acentuam-se 
os  trabalhos  de  erudição,  tendo  aparecido,  entre 
1769  e  1771,  os  dois  volumes  de  Mauro  Sarti  e 
de  Fattorini  sobre  a  história  da  Universidade  de 
Bolonha,  com  o  titulo  De  claris  archigymnasii  Bo- 
noniensis  professoribus  a  saeculo  líll  ad  saecu- 
lum  XIV  historia. 

O  historiador  florentino  Lami  reuniu  uma  im- 
portante colecção  de  inéditos  —  sobre  a  história 
religiosa,  a  história  bizantina  e  a  da  Toscana  — 
que  apareceu  em  Florença,  entre  1736  e  1769,  e 
compreende  dezoito  volumes.     Os  bibliotecários 


70 


Assemani  publicaram  um  catálogo  de  manuscritos 
do  Vaticano  e  muitos  documentos  desse  e  de  ou- 
tros arquivos  romanos  ;  e  Bandini  tornou  conhe- 
cidos os  catálogos  de  manuscritos  da  Biblioteca 
Laurentiana,  e  muitos  manuscritos  desse  depósito 
• — uns  na  íntegra,  outros  em  extractos,  resumos  e 
descrições  (i).  Na  Itália  não  era  só  a  história 
propriamente  dita  que  era  cultivada,  mas  igual- 
mente o  eram  as  sciências  suas  auxiliares  como 
a  arqueologia,  a  epigrafia,  etc. 

Roma,  Verona  e  outras  cidades  italianas  ti- 
nham já  na  primeira  metade  do  século  xviii  im- 
portantes museus  de  arte  e  arqueologia.  Acerca 
da  colecção  do  museo  de  Verona  aparecia,  em 
1745,  nessa  cidade,  a  obra  nDue  Dissertaiioni  de 
Giuseppe  Bartoli,  Nella  prima  si  da  noticia  dei 
publico  Museo  d' Inscri^ioni  eretto  nuovamente  in 
Verona;  e  com  Fuso  delle  Osservaiioni,  delle  Spe- 
rien:{e  in  rispetto  delia  fisica  si  paragona  l\iso 
deWAntichita  figurata  e  scritta  relativamente  alia 
Storia.  Nella  seconda  si  dimostra  la  belle^a  d^una 
greca  inédita  Tnscri^ione  collocata  in  questo  Museo. 
Essa  monografia  de  222  páginas  é  acompanhada 
de  cinco  gravuras. 


(i)  São  muito  dignos  de  registo  os  catálogos  de  Baudini  des- 
crevendo os  manuscritos  gregos  e  latinos  da  biblioteca  Lauren- 
tiana de  Florença;  o  Catalogus  codiciim  manuscriptorum  graeco- 
rum,  latinorum  et  italorum  Bibliothecae  Laurentiana^  Florença, 
1764  a  1768,  em  oito  volumes;  e  a  Bibliotheca  Leopoldina- Lau- 
rentiana, sive  Catalogus  manuscriptorum  qui  jussu  Petri  Leopoldi 
in  Laurentianam  translati  sunt,  em  três  volumes,  editado  em  Flo- 
rença de  1791  a  1793. 


71 


Porém,  uma  grande  parte  das  obras  apare- 
cidas na  península  era  consagrada  à  história  ecle- 
siástica, e  às  biografias  dos  mais  notáveis  padres 
e  doutores  da  igreja  como  o  Thesaurus  Pontificia- 
riim  sacrarumque  Antiquitatiim  . . . ,  de  Fr.  Angelo 
RoccA  Cassierte,  em  dois  volumes,  aparecido  em 
1745;  o  Thesaurus  antiquitatum  sacrarum,  publi- 
cado em  Venesa,  por  esse  mesmo  tempo,  e  — 
como  se  diz  nos  sob-títulos :  «contendo  as  obras 
escolhidas  dos, homens  ilustres  que  trabalharam 
para  esclarecer  o  que  se  refere  aos  costumes,  leis, 
ritos  sagrados  e  civis  dos  antigos  homens»  ;  as 
obras  de  S.  Tomás  d'Aquino,  editadas  por  José 
Betinelli,  de  Venesa,  em  vinte  volumes,  sendo  a 
edição  dirigida  pelo  erudito  Bernardo  Maria  de 

RUBEIS. 


4.°  Espanha.  Depois  de  um  largo  colapso  a 
bibliografia  histórica  espanhola  apresenta-nos,  a 
partir  dos  fins  do  século  xvii,  um  despertar  pro- 
metedor seguido  de  uma  grande  actividade  atra- 
vés do  século  xviii,  como  estão  a  atestá-lo,  logo 
no  inicio  desse  período,  a  muito  importante  obra 
histórica  do  marquês  de  Mondéjar(i);  as  obras 
de  João  Vergara;  as  dos  cronistas  aragoneses 
UsTARROz  e  Dormer,  etc,  etc. ;  e  os  monumen- 


( I )  Acerca  das  obras  do  marquês  de  Mondéjar  vêr :  o  estudo  de 
Mayans  y  Siscar  que  precede  a  colecção  das  suas  Obras,  na  edi- 
ção de  Valência  de  1744;  Rafael  Altamira,  Historia  de  Espana 
y  de  la  civili^^ation  espanola^  1906,  tomo  iii,  pág.  558. 


72 


tais  trabalhos  bibliográficos  de  Nicolau  Antó- 
nio (i). 

Na  primeira  metade  do  século  xviii  ocorrem  no 
pais  visinho  três  factos  que  muito  contribuíram 
para  o  desenvolvimento  da  literatura  histórica 
ali :  a  fundação  da  Biblioteca  Nacional  de  Madrid, 
em  1 7 1 1 ,  com  o  título  de  Real  Livraria^  que  sob 
a  direcção  de  P.  Robinet  foi  aberta  ao  público 
em  Março  de  1712;  a  criação,  em  17 14,  da  Real 
Academia  Espanhola,  devido  às  diligências  do' 
ilustre  marquês  de  Villena,  a  qual  em  1726  pu- 
blicava o  primeiro  tomo  do  seu  grande  Dicioná- 
rio^ e  treze  anos  depois  o  sexto  e  último;  e  o 
aparecimento  da  Real  Academia  de  História,  em 
1738,  sob  a  direcção  de  Augustin  de  Montiano  y 
Luyando  (2). 

Além  dessas,  e  antes  delas^  outras  causas  con- 
tribuíram para  o  desenvolvimento  da  historiogra- 
fia espanhola  no  século  xviii. 

A  tendência  critica  que  vinha  já  do  século  xvii 
e  que  foi  muito  reforçada  pela  influência  dos  pro- 
gressos das  sciências  matemáticas  e  da  natureza, 
bem  como  a  nova  orientação  da  filosofia  incidi- 
ram sobre  os  estudos  históricos,  levando  os  eru- 
ditos ao  estudo  cada  vez  mais  minucioso   das 


(1)  É  NicoLAv  António  sem  contestação  o  mais  notável  biblió- 
grafo  hespanhol  dos  fins  do  século  xvii  como  o  pode  julgar  quem 
consultar  a  sua  Bibliotheca  hispana  nova^  de  16/2,  e  a  Bibliotheca 
hispana  vetus^  de  1696.  ^ 

(2)  Vèr  Lafuente,  Historia  de  Espana,  tomo  xiii,  pág.  SSy 
a  365. 


73 


fontes  directas,  à  sua  destrinça  e  crítica,  à  pu- 
blicação de  inéditos,  e  ao  aperfeiçoamento  das 
sciências  auxiliares. 

Também,  as  questões  e  discussões  políticas  e 
religiosas  constituíram  estímulos  para  os  estudos 
históricos,  e^  por  tanto,  um  factor  de  progresso 
de  tal  especialidade  scientifica. 

Efectivamente,  é  grande  a  actividade  dos  eru- 
ditos espanhóis  durante  o  reinado  de  Filipe  V. 

E  certo  que  até  ao  fim  do  século  xviii  não  dei- 
xam de  aparecer  historiadores  fantasistas  e  fal- 
sários  como  o  famoso  Flores  —  que  não  hesitava 
em  forjar  diplomas,  obras  de  Santos  Padres  e 
crónicas ;  um  Francisco  Xavier  Manuel  de  la 
HuERTA,  que  em  1788  publicou  uma  fantasiosa  e 
absurda  História  primitiva;  Gutièrrez  Coronel, 
autor  de  uma  desdenhada  Historia  dei  origen  y 
soberania  dei  condado  y  reino  de  Castilla  (1785); 
e  D.  Faustino  Borbon  —  que  publicou  umas  des- 
qualificadas Cartas  para  ilustrar  la  historia  de  la 
Espana  árabe,  1796. 

Mas,  em  contraposição  a  esses  falsificadores  de 
documentos  e  forj adores  de  factos,  ergue-se  uma 
plêiade  ilustre  de  investigadores,  de  eruditos,  de 
críticos  e  de  historiadores  de  síntese.  São  de 
citar,  em  rápido  curriculum,  o  cuidadoso  e  probo 
colector  Gregório  Mayans  ;  o  eminente  Masdeu  — 
com  a  sua  Historia  critica  de  Espana;  o  padre 
ViLLANUNO  —  que  editou  uma  Suma  dos  Concílios 
espanhóis ;  Valladares  —  que  publicou  muitos 
manuscritos  inéditos  no  seu  Semanário  erudito; 


74 


o  padre  Escalona  —  que  publicou  dezenas  de  iné- 
ditos na  Historia  dei  Real  monasterio  de  Sahagun. 
Além  destas  obras  com  a  reprodução  de  docu- 
mentos, e  que  foram  publicadas,  há  que  ter  em 
conta  muitas  outras  colecções  de  inéditos  que 
foram  organizadas  mas  que  ficaram  manuscritas, 
como  as  do  padre  Burriel,  Velasquez,  Munoz, 
JovELLANos,  Floranez,  Vargas  Ponce,  etc.  —  co- 
lecções essas  existentes  nos  arquivos  e  bibliote- 
cas do  pais  vizinho. 

Além  das  publicações  de  inéditos  levadas  a 
efeito  no  século  xviii  em  Espanha,  há  ainda  a  con- 
siderar a  reimpressão  de  obras  já  desconhecidas 
ou  raras  como  as  dos  padres  de  Toledo ;  as  de 
IziDORO  e  Prudêncio,  editadas  pelo  padre  Arenal 
com  eruditos  prefácios ;  asdeVivÊse  «elBrocense» 
por  Mayans;  as  de  Ginés  de  Sepúlveda  —  publi- 
cadas pela  Academia  de  História  sob  a  direcção 
do  eminente  Cerda  y  Rico  ;  a  Crónica  de  D.  Juan  II, 
que  apareceu,  em  1779,  reimpressa  por  Mont- 
FORT ;  a  colecção  de  Crónicas  dos  reis  de  Espa- 
nha reeditada  sob  a  direcção  dos  eruditos  Carda, 
Frei  José  Miguel,  Florez,  Llaguno;  as  obras  de 
Ambrósio  Morales,  publicadas  pelos  esforços  dos 
padres  Florez  e  Cifuentes,  e  de  Cano,  etc. 

Quanto  às  obras  históricas  de  síntese  foi  tam- 
bém muito  importante  a  produtividade  espanhola 
no  século  xviiL 

Assim,  Ferreras  escreve  uma  História  geral  da 
Espanha,  que  foi  logo  traduzida  em  francês;  o 


75 


frade  trinitário  Minana  continuava  a  história  geral 
do  padre  Mariana,  desde  Fernando  «o  católico», 
até  à  morte  de  Filipe  II  e  princípios  do  reinado 
de  Filipe  III,  e  publicava  ainda  uma  História  da 
entrada  do  exército  austríaco  e  seus  auxiliares  em 
Valência;  Munoz  escreve  o  primeiro  tomo  da 
Historia  dei  Nuej^o  Mundo;  Campomanes  publicou 
a  Antiguidade  marítima  de  Cartago,  e  as  Disser- 
tações Históricas  acerca  dos  Templários ;  o  frade 
franciscano  descalço  Fr.  Nicolau  de  Jesus  Be- 
LANDO  publicou,  com  o  título  de  História  civil  de 
Espana,  um  relato  dos  acontecimentos  internos 
e  externos  do  reinado  de  Felipe  V  até  1732,  etc. 

Também,  o  marquês  de  S.  Felipe  escreveu,  com 
o  título  Comentários  da  Guerra  de  Espanha,  as 
memórias  militares,  políticas,  eclesiásticas  e  ci- 
vis dos  primeiros  vinte  e  cinco  anos  do  reinado 
de  Filipe  V;  e  o  famoso  marquês  de  Mondéjar 
escreveu  as  suas  célebres  obras :  Discursos  His- 
tóricos, Advertências  à  História  de  Mariana,  Noti- 
cia e  Juí^o  dos  principais  escritores  da  história  de 
Espanha,  Memórias  históricas  de  Afonso  Nobre  e 
de  Afonso  o  Sábio,  etc.  Mas,  é  principalmente  no 
que  respeita  à  história  eclesiástica  que  é  impor- 
tante, neste  século,  a  bibliografia  espanhola. 

Já  ao  findar  o  século  xvii  nos  aparecia  o  car- 
deal d'Aguirre  com  a  sua  Colecção  nacional  de 
Concílios  —  a  Colectio  máxima  Conciliorum  His- 
paniae;  e  no  decorrer  do  seguinte  figura  a  do  pro- 
fessor de  teologia  de  Alcalá,  Fr.  Henrique  Florez 
—  a  famosa  La  Espana  Sagrada,  ó  teatro  geo- 


76 


grafico-historico  de  la  Iglesia  de  Espana,  e  conti- 
nuada a  partir  do  tomo  xxx,  de  1775,  pelo  padre 
Manuel  Risco,  etc. 

Nas  outras  especialidades  históricas  são  de  ci- 
tar as  Antiguedades  de  Espana,  de  D.  Francisco 
DE  Berganza,  em  dois  volumes,  aparecidas  entre 
1 7 1 9  e  1 72 1  ;  e  a  Coleccion  de  las  crónicas  y  me- 
morias de  los  reys  de  Castilla,  em  sete  volumes  ( i). 

As  sciências  auxiliares  tiveram  como  cultores 
dignos  de  nota :  o  padre  Terreros,  que  escreveu 
uma  Paleografia  Espanola;  o  paleógrafo  Velas- 
QUEZ,  que  se  dedicou  ao  estudo  da  escrita  ibérica; 
os  arqueólogos  Lumiares  e  Pérez  de  Sarrió  —  que 
publicaram  vários  trabalhos;  Martinez  Sala- 
franca^  que  publicou  as  Memorias  eruditas  para 
la  critica  de  Artes  y  Ciências. 

E  quanto  à  metódica  e  critica  históricas  devem 
recordar-se  os  prólogos,  introduções  e  comentá- 
rios que  aparecem  no  Aparato  á  la  historia  eclesiás- 
tica de  Aragon,  do  padre  Traggia  ;  nas  Memorias 
para  la  historia  de  la  poesia,  do  padre  Sarmiento; 
na  Espana  Sagrada,  do  padre  Florez  ;  na  muito 
importante  obra  do  padre  jesuita  Andrés  —  Da 
origem,  progressos  e  estado  actual  de  toda  a  litera- 
tura. E  não  devem  deixar  de  ser  invocadas  a 
Crisis  de  critices  arte,  do  padre  Miguel  de  S.  José 


(1)  Sobre  outras  obras  publicadas  no  século  xvni,  no  reinado 
de  Carlos  III,  de  1738  a  1788  ver  o  tomo  iv  da  Historia  General 
de  Espana.  Reinado  de  Carlos  III,  por  D.  Manuel  Danvilla  y  Col- 
LADO.  Ver  também  Menendez  y  Pelayo,  La  Ciência  Espanola, 
tômo  III ;  Rafael  Altamira,  ob.  cit. 


77 


(1745);  as  Dolências  de  la  critica,  do  padre  Co- 
DORNiu  (1760);  o  Norte  critico,  do  padre  Segura 
(1733);  as  Reflexiones  sobre  el  modo  de  escribir  la 
Historia  de  Espana^  de  Forner;  a  Historia  critica 
de  Espana  y  de  la  cultura  espanola^  etc,  etc. 

Na  bibliografia  são  de  citar  as  Bibliotecas  — 
vetus  e  nopa  —  de  Nicolau  António  ;  a  Biblioteca 
espanola,  de  Rodriguez  de  Castro;  a  dos  escrito- 
res aragoneses,  de  Latassa  ;  as  valencianas,  de  Ro- 
driguez Y  J1MEN0 ;  a  Biblioteca  dos  escritores  do  rei- 
nado de  Carlos  Hl,  por  Sempere  ;  a  Bibliografia 
critica  sacra  e  profana,  do  padre  Miguel  de  San 
José;  as  bibliografias  dos  jesuítas  de  Prat,  de 
Saba,  etc,  etc.  (i). 

A  história  de  Espanha  foi  objecto  de  vários 
estudos  directos  por  parte  de  estrangeiros,  ou  de 
resumos  e  colecções  de  obras  de  autores  espa- 
nhóis como  a  Relation  historique,  et  galante  de 
rinvasion  de  VEspagne  par  les  Maures,  tirée  des 
plus  célebres  Auteurs  de  VHistoire  de  Espagne, 
aparecida  na  Haya  em  1699,  Trata-se  de  uma 
obra  de  pura  ficção,  cheia  de  lendas  e  inven- 
ções (2). 

Em  1734  apareciam  os  três  volumes  da  His- 
toire  des  Revolutions  d^Espagne,  depuis  la  destrii- 
ction  de  VEmpire  des  Goths  jusqu'à  Ventiere  et 
parfaite  rèunion  des  Royaumes  de  Castilla  et  d'A- 


(i)  Ver  a  magnífica  obra  de  D.  Rafael  Altamira,  História  de 
Espana  y  de  la  Civili^acion  espanola,  191 1,  tomo  iv,  pág.  370 
a  379. 

(2)  Vêr  Journal  des  Savants,  1700,  pág.  319  a  332,  e  335  a  341. 


78 


ragon  en  une  seule  marchée.  Esta  obra  devida 
ao  padre  José  d'OrleÃs,  da  Companhia  de  Jesus, 
foi  publicada  em  Paris. 

Essa   obra  teve   como  seguimento  outras  do 
padre  Arthuys(i). 


5.°  França.  Se  deixamos  a  França  para  o  fim 
da  nossa  rápida  súmula  sobre  a  historiografia  do 
século  XVIII,  é  porque  somos  obrigados,  pela  im- 
portância do  assunto,  a  determo-nos  aqui. 

Como  diz  Langlois,  a  França  foi  nesse  período  o 
principal  centro  dos  estudos  históricos  domundo^ 
o  maior  foco  de  irradiação  de  exemplos,  métodos 
e  processos  de  investigação  e  de  elaboração  his- 
tóricas, e  que  em  Portugal  foram  acolhidos  e  ob- 
servados—  como  adiante  se  verá-. 

Já  no  século  xvii  foi  muito  importante  a  acti- 
vidade historiográfica  francesa  logo  a  seguir  à 
morte  de  Scaliger,  e  com  os  descendentes  de 
PiERRE  PiTHOu  como  os  Du  Chesne  (2),  os  Du  PUY, 


(i)  Ver  sobre  esta  obra  Journal  des  Savants,  Paris,  1735, 
pág.  101  a  107,  etc. 

(2)  A  André  du  Chesne  deve -se  uma  colecção  de  fontes  de 
história  da  Normandia — os  Historiae  Normannorum  scriptores 
antiqui;  e  começou  a  publicação  de  uma  outra  colecção  sobre  his- 
tória da  França  desde  as  origens  até  Henrique  lí ;  os  Historiae 
Francorum  scriptores...,  de  que  sairam  durante  a  sua  vida  os  pri- 
meiros dois  volumes,  e  mais  três  publicados  pelo  filho  François 

DUCHESNE. 


79 


os  GoDEFROY,  OS  padrcs  Petau  e  Sirmond,  Nicolau 
Fabri  de  Peiresc,  etc.  (i). 

E  não  é  só  a  erudição  histórica  propriamente 
dita  que  apresenta  cultores,  também  a  história 
eclesiástica,  e  a  exegese  e  a  crítica  bíblicas  figuram 
em  grande  destaque  na  bibliografia  scientífica  do 
século  XVIII  em  França,  devido,  entre  outras  cau- 
sas, às  controvérsias  dos  católicos  e  protestantes 
no  tempo  de  Luís  XIV. 

Assim,  Richard  Simon  dedicou-se,  com  uma 
grande  erudição  filológica,  à  critica  dos  textos 
bíblicos,  tendo  publicado  primeiramente  a  impor- 
tante Histoire  critique  du  Vieux  Testament,  em 
1678  —  que  tem  em  vista  fazer,  além  de  uma  his- 
tória dos  Israelitas  baseada  nos  textos  bíblicos, 
uma  classificação  crítica  e  um  pequeno  estudo 
analítico  das  versões  dos  Setenta,  de  S.  Jerónimo, 
etc.  Depois,  publicou  uma  história  crítica  do 
Novo  Testamento  dividida  em  três  partes :  His- 
toire  critique  du  texte  du  Nouveau  Testament ;  a 
Histoire  critique  des  versions  du  Nouveau  Testa- 
ment; e  a  Histoire  critique  des  commentaires  du 
Nouveau  Testament  {2). 


( 1 )  Peiresc  é  um  dos  homens  a  quem  a  erudição  francesa  do 
século  XVII  mais  deve.  A  sua  famosa  Correspondance,  que  tem 
sido  publicada  na  Colectioii  des  Documents  inédits,  forma  uma  das 
mais  importantes  fontes  para  o  conhecimento  da  erudição  fran- 
cesa desse  tempo. 

(2)  Acerca  da  forma  como  os  importantes  trabalhos  de  Ri- 
chard Simon  foram  recebidos  quer  pela  crítica  protestante  — 
especialmente  pelos  chamados  Teólogos  da  Holanda  :  os  Vossius, 
Spanheim,  Jurieu,  Colomiés,  etc.  —  e  sobre  as  enormes  persegui- 


8o 


Apesar  das  lutas  e  perseguições  de  que  foi  ob- 
jecto por  parte  dos  protestantes,  e,  principalmente, 
dos  católicos,  ainda  publicou  outros  estudos  sobre 
o  Novo  Testamento  que  ficaram  notáveis. 

São  também  de  citar,  no  século  xvii,  a  obra  de 
AuBERTiN  —  a  Eiicharistie  de  Vancienne  Èglise ;  e  a 
Perpétuité  de  la  foi  touchant  FEiícharistie,  de  Ar- 
MAND  e  NicoLE,  além  de  outras  obras  dos  teólo- 
gos de  Port-Royal,  e  que  ficaram  afamadas  como 
os  Préjugés  legitimes,  o  Traité  de  V  Unité  de  rÉ- 
glise,  etc.  (i). 

A  história  eclesiástica  ocupa  várias  obras, 
sendo  uma  das  mais  importantes  as  Memoires 
pour  servir  a  Vhistoire  eclesiastique  des  six  premiers 
síècles. 

Quando  se  chega  ao  inicio  do  século  xviii  es- 


coes de  que  foi  vítima  por  parte  dos  próprios  católicos  seus  par- 
tidários, em  que  agiu  muito  antipáticamente  Bossuet,  até  à  expul- 
são de  SiMON  da  Congregação  do  Oratório,  ver:  Gh.  V.  Langi.ois 
Manuel  de  Bibliographie  Historique,  pág.  282  a  287. 

É  de  justiça  dizer  que  o  Oratoriano  Richard  Simon  teve  como 
precursor  o  padre  Denis  Petau,  jesuita,  que  escreveu  a  Theolo- 
gia  dogmata^  em  cinco  volumes,  e  que  apareceu  entre  16440  i65o. 

Mas  o  padre  Petau  é  inferior  em  erudição  a  Simon,  se  bem  que 
até  certo  ponto  suprisse  tal  falta  com  uma  extraordinária  intui- 
ção histórica. 

(i)  Nesta  súmula,  apesar  de  rápida,  não  devem  ser  esquecidos 
a  Bibliotheca  veterum  patrum  do  padre  Fronton  duDuc,  de  1624; 
as  obras  de  Jacques  Sirmond,  especialmente  os  Concilia  Antiqua 
Galliae,  até  ao  século  x,  em  três  volumes ;  os  importantes  traba- 
lhos do  padre  Filipe  Labbe  como  a  colecção  By^antinae  historiae 
scriptores  varii  —  cuja  introdução,  muito  apreciada,  é  obra  sua,  e 
os  Sacrosanta  concilia  —  colecção  publicada  mais  tarde  pelo  padre 
CossART,  em  dezoito  volumes,  em  1671  e  1672,  e  ainda  agora 
apreciada  pelos  eruditos. 


8i 


tavam  publicados  seis  tomos  desta  obra.  O  to- 
mo VI  compreendendo  a  história  dos  donatistas 
até  o  episcopado  de  Santo  Agostinho,  a  dos  aria- 
nos até  o  reinado  de  Teodósio  o  Grande,  a  do 
Concilio  de  Nicêa,  etc. ;  o  tomo  vii  que  abrange 
o  período  de  828  a  SyS  é  obra  de  Nain  de  Tél- 
LEMONT  (1). 

São  também  de  citar :  a  Histoire  de  tous  les 
cardinaux  françois  de  naissance,  ou  qui  ont  été 
promiis  au  Cardinalate . ..,  por  François  du  Chesne 
fils  d' André  . . .  historiographe  de  France  —  obra 
essa  aparecida  em  1699(2);  a  Histoire  de s  Con- 
ciles  Generaux  assemblés  reunis  en  Orient  et  Oci- 
dent,  depuis  le  temps  des  Apôtres  jusquau  Concile 
de  Trent,  em  dois  tomos,  aparecida  em  1699(3); 
a  Histoire  des  Chanoines  ou  recherches  historiques 
critiques  sur  Vordre  canonique,  1699(4);  UHis- 
toire  ou  les  antiquités  de  1'etat  monastique  et  reli- 
gieux,  ou  Von  traite  de  rinstitut  et  des  maximes 
de  ceiíx  qui  ont  fait  anciennement  profession  de  la 
pie  religieuse  dans  le  christianisme  (5) ;  a  Histoire  de 
VEglise  depuis  J.  C.  jusqu^à  présent,  por  Bosnage, 
1699(6);  a  Histoire  eclesiastique,  pour  servir  de 
continuation  à  celle  de  M.  VAbbe  Fleury. 


(i)  Ver  Journal  des  Savants^  Paris,  1699,  pág.  289  a  296;  1700, 
pág.  270. 

(2)  Idem,  1699,  P^S-  ^22  a  324. 

(3)  Ver  notícias  bibliográficas  in  Journal  des  Savants,  Paris, 
1699,  pág.  354  a  359,  e  36i  a  367. 

(4)  Idem,  473  a  479. 

(5)  Idem,  pág.  481  a  486. 

(6)  Idem,  434  e  435. 
6 


82 


Esta  obra  monumental,  com  muito  mais  de 
trinta  volumes,  é  um  dos  maiores  repositój-ios  de 
informações  que  o  século  xviii  legou  à  posteridade 
acerca  da  evolução  da  igreja  e  do  culto  cristão  (i). 

Há  ainda  a  considerar  neste  ramo  scientiíico 
as  seguintes  obras  :  Histoire  de  VEglise  Gallicane 
—  obra  importante  que  teve  bastantes  colabora- 
dores como  os  padres  Pedro  Cláudio  Fontenay, 
Pedro  Brumoy,  Guilherme  Berthier,  etc.  (2) ;  a  His- 
toire de  la  reception  dii  Concite  de  Trente  dans  les 
differents  Etats  catholiques ;  e  a  Dissertation  His- 
toriqiie  et  critique  touchant  Fétat  de  1'immunité  ecle- 
siastique,  sous  les  empereiíres  romains{2>). 

Quando  se  chega  ao  século  xviii  a  erudição  bí- 
blica e  eclesiástica  decai  extraordinariamente,  o 
que  faz  dizer  a  Langlois  :  «O  século  xviii  o  mais 
irreligioso  dos  quatro  últimos  séculos,  foi  tam- 
bém o  mais  estéril  em  investigações  originais  so- 
bre história  do  cristianismo «^(4). 


(i)  A  respeito  dos  tomos  xxxiii  a  xxxv,  que  compreendem  os 
anos  de  i562  a  1569  ver  Journal  des  Savants  de  1735,  Janeiro,  Fe- 
vereiro, etc.  O  tomo  XXXV  é  muito  importante  por  tratar  do  Con- 
cílio de  Trento  e  dos  reflexos  deste  nos  diversos  países  católicos, 
dando  uma  notícia  mais  ou  menos  desenvolvida  da  vida  dos  car- 
deais e  dos  escritores  religiosos  e  profanos  falecidos  nos  anos 
abrangidos  pelo  volume. 

(2)  Ver  Journal  des  Savants,  1746,  pág.  376,  602,  etc. 

(3)  Idem,  1767,  pág.  3, 

(4)  Apesar  de  tal  decadência  não  se  deve  esquecer  que  no  iní- 
cio desse  século  aparece  a  Collectio  regia  máxima  conciliorum^ 
em  171 5,  com  doze  volumes,  se  continua  a  importante  —  se  bem 
que  desigual  —  colecção  das  Acta  Sanctorum,  e  se  publicam  as 
obras  da  congregação  de  S.  Mauro,  entre  as  quais :  o  De  antiquis 
ecclesiae  ritibus,  em  três  volumes,  de  Dom  Martin  ;  as  Epistolae 


83 


Em  compensação,  no  século  xviii  a  história 
política,  literária,  geral  e  local,  as  sciências  auxi- 
liares e  subsidiárias  da  história,  as  colecções  do- 
cumentais —  tudo  isso  apresenta  em  França  um 
grande  progresso. 

Foi  enorme  o  avanço  no  ramo  das  sciências 
auxiliares  da  história.  Mabillon  funda  a  diplo- 
mática publicando  em  1 704  a  De  re  diplomática 
—  de  que  já  falamos(i);  D.  Bernard  de  Montfau- 
CON  publica  em  1708  a  sua  Palaeogi^afta  graeca; 
os  eruditos  Tassin  e  Toustain  publicam,  de  1750 
a  1765,  o  Nouveau  Traité  de  Diplomatique,  em 
seis  volumes;  e  publica-se  a  famigerada  Art  de 
vérifier  les  dates,  da  qual  apareceram,  no  decurso 


Romanorum  Pontificum  —  de  que  saiu  o  volume  elaborado  por 
Dom  PiERRE  CusTANT ;  a  continuação  dos  Acta  Sanctorum  Ordi- 
nis  Sancti  Benedicti;  a  colecção  dos  Anna'es  Ordinis  Sancti  Be- 
nedicti  ad  annum  MCLVII,  em  seis  volumes,  a  refundição  da  Gal- 
lia  Christiana,  etc. 

Acerca  das  obras  e  escritores  da  Companhia  de  Jesus  ver:  A. 
Backer,  Bibliotèque  des  écrivains  de  la  Compagnie  de  Jesus;  Som- 
MERvoGEL,  BibUotèque  de  la  Compagnie  de  Jesus. 

(,i)  Em  1704  apareceu,  efectivamente,  o  in-fiol.  de  Mabillon, 
Librorum  de  re  diplomática  supplementum.  No  ano  anterior,  em 
1703,  aparecia  uma  refutação  ao  De  re  diplomática  de  Maéillonj 
assinada  pelo  padre  Germon,  De  veteribus  regum  Francorum  di- 
plomatibus  at  arte  secernendi  antiqua  diplomata  a  falsis  ad  r.  p.  J. 
Mabillonium  disceptatio. 

Apesar  do  Beneditino  Mabillon  nada  responder  à  refutação  do 
padre  Cermon,  os  jesuitas  pela  boca  deste  voltaram  à  carga  apare- 
cendo em  1706  a  segunda  tese  —  De  veteribus  regum  Francorum 
diplomatibus  disceptatio. 

Acerca  de  Mabillon,  das  questões  entre  os  jesuitas  e  os  be- 
neditinos, e  da  nova  «bella  diplomática»  ver  Gíry,  Manuel  de  Di- 
plomatique,  1894,  pág.  62  e  seg. 


84 


do   século   XVIII,    três    edições    em   cinco    volu- 
mes (i). 


(i)  A  Art  de  vérifier  les  dates,  não  é  só  a  maior  obra  de  cro- 
nologia produzida  no  seu  tempo,  mas  como  diz  um  dos  seus  crí- 
ticos é :  «o  mais  belo  monumento  de  erudição  do  século  xviii». 

Já  os  beneditinos  de  S.  Mauro  se  haviam  celebrizado  por  ou- 
tros importantes  trabalhos  históricos,  quando  D.  Maurice  d'An- 
TiNE  propôs  o  plano  de  uma  obra  fundamental  de  cronologia  para 
a  qual  tinha  já  muitos  elementos  coligidos  ao  ocupar-se  da  nova 
edição  do  Glossário  de  Du  Cange. 

Preparado  o  original  começou  a  impressão  da  obra,  havendo 
d'Antine  morrido  depois  de  impressa  a  tábua  cronológica,  o  ca- 
lendário perpétuo,  o  catálogo  dos  santos,  e  a  enumeração  dos 
concílios.  Foi  a  obra  continuada  pelo  maurista  D.  Clement, 
tendo  aparecido,  em  ijSo,  a  primeira  edição  em  um  volume. 

Em  1770  o  mesmo  D.  Clement  fazia  aparecer  a  segunda  edi- 
ção, também  em  um  volume,  sob  o  plano  da  primeira,  mas  com 
vários  melhoramentos. 

Apesar  do  excelente  acolhimento  que  desfrutou  a  obra,  não 
parou  o  entusiasmo  e  o  zelo  de  D.  Clement  para  aperfeiçoar  a 
Art. 

Antes,  trabalhou  com  crescente  dedicação  durante  treze  anos. 
e  em  1783  a  Congregação  de  S.  Maur  publicava  o  primeiro  volume 
da  terceira  edição,  extraordinariamente  ampliada;  em  1784  apa- 
recia o  segundo  e  em  1787  surgia  o  terceiro  e  último  tomo,  sendo 
em  1792  publicados  os  índices. 

D.  Clement,  eleito  membro  da  Academia  das  Inscrições,  ainda 
tentou  fazer  mais  uma  nova  edição  para  a  qual  continuou  a  reco- 
lher material,  mas  a  Revolução  Francesa  veio  temporariamente 
impedir  tal  desígnio  pela  extinção  da  ordem  de  S.  Maur.  Foi  o 
genealogista  Viton  de  Saint  Alain  que,  com  os  apontamentos  le- 
gados por  D.  Clemont  —  então  já  falecido  —  quem  publicou  a 
quarta  ediçãa-  em  dezoito  volumes  in-8.°,  ou  cinco  volumes  in-4.'», 
^m  1818  e  1819.  Deve  notar-se  que  esta  edição  é  menos  perfeita 
que  as  duas  anteriores. 

Acerca  da  contribuição  de  D.  Maur-François  d'Antine  na  pri- 
meira edição  desta  obra  consultar  o  Prefácio  da  segunda  edição, 
de  1770,  pág.  VIU  a  XI,  e  o  antelóquio  do  tomo  i  da  terceira  edi- 
ção. 

Acerca  das  críticas  de  que  a  obra  foi  objecto,  e  da  defesa  da 


85 


Já  nos  temos  referido  neste  trabalho  às  obras 
de  D.  Bernardo  Montfaucon  e  a  outra  vamos 
agora  aludir:  Les  Monumens  de  la  Monarchie 
Françoise,  que  começou  a  aparecer  em  Paris,  em 
1729,  e  onde  êle  utiliza  largamente,  como  fontes, 
monumentos  de  toda  a  natureza  dos  quais  obteve 
conhecimento. 

O  profundo  erudito  destina  toda  a  primeira 
parte  da  obna  a  descrever  a  forma  da  aclamação 
dos  primeiros  reis  de  França,  e  os  simbolos  e  vá- 
rias figurações  que  eles  usavam  —  como  o  nimbo 
ou  circulo  luminoso,  as  coroas,  a  flor  de  liz,  o 
trono,  o  sceptro,  a  mão  de  justiça  e  os  trajos 
reais. 

Esses  estudos  eram  acompanhados  de  «les 
figures  —  como  diz  no  titulo  da  obra  —  de  cha- 
que  regne  que  Tinjure  des  tems  a  épargné». 

Efectivamente^  nessa  obra  sucedem-se  estam- 
pas com  reproduções  de  monumentos,  igrejas, 
estátuas,  figuras  de  capiteis  e  de  tímpanos,  de 
túmulos,  baixos  relevos,  de  iluminados,  tapeça- 
rias, vitrais,  pedras  gravadas,  selos,  moedas,  me- 
dalhas, manuscritos,  etc.  (i). 


i4rí,  vêr  :  o  Prefácio  do  tomo  i  da  terceira  edição  de  1773,  pág.  xvii 
e  seguintes  ;  e  o  Avertissement  a  abrir  o  tomo  11  da  terceira  edição 
de  1714.  Sobre  a  forma  como  foi  elaborada  a  obra  e  as  fontes  es- 
tudadas vêr  os  citados  Preface  e  Avertissement. 

(1)  Também  a  crítica  interna  e  externa  dos  textos  teve  no 
século  xvin,  especialmente  na  segunda  metade,  alguns  cultores, 
originando  diversas  obras,  tais  como  os  Elemens  de  critique,  ou 
recherches  des  différentes  causes  de  L'altération  des  textus  latins* 


86 


,  Também,  em  1729  aparecia  o  segundo  volume 
das  Ordonnances  des  róis  de  France,  desde  as  or- 
denações de  Filipe  Valois  até  1 355.  Essa  obra 
iniciada  por  Lauriere  e  continuada  por  Denis- 
Fbançois  Secousse,  era  toda  baseada  em  docu- 
mentos inéditos. 

São  também  de  referir  as  seguintes  obras  que 
não  obstante  o  seu  caracter  geral,  se  fundamen- 
taram em  investigações  originais  :  o  Dictionnaire 
géographique,  historique  et  politique  des  Gaulês  et 
de  la  France,  pelo  abade  Expilly;  o  Tableau  de 
VHistoire  de  France,  depuis  le  commencement  de  la 
Monar  chie  jus  qu'à  làfin  du  régne  de  Louis  XIV  [  i ) ; 
Histoire  ^e  France,  depuis  létablissement  de  la 
Monarchie,  jusqu'au  régne  de  Louis  XIV,  com 
dezoito  tomos  até  17Õ7,  começada  por  Villaret 
e  acabada  por  Garnier,  obra  cheia  de  erudição 


avec  les  moyens  d'en  rendre  la  leclure  plus  facile,  pelo  abade 

MOREL. 

Essa  obra  apreciada  em  1766  contêm  bastantes  exemplos  e  re- 
gras para  a  depuração  dos  textos  latinos  alterados  pelos  copistas 
e  explica  as  causas  dessas  alterações  pela_:  semelhança  das  letras; 
o  abuso  das  abreviaturas;  a  ignorância  dos  copistas;  a  pouca 
atenção  e  zelo  destes,  suprimindo,  alterando  e  transpondo  letras 
e  palavras  por  lapso  ou  para  pouparem  esforço;  a  confusão  de 
palavras  homofonas  feita  pelos  copistas  que  escreveram  lob  di- 
tado ;  a  falta  de  pontuação  ou  a  má  distribuição  desta ;  e  a  incor- 
poração no  texto  das  notas  marginais. 

(1)  Como  se  diz  nos  subtítulos  esta  obra  expõe  «le  caractere 
et  les  actions  principales  de  chaque  roi ;  les  événemens  les  plus 
intéressans  de  son  régne ;  les  hommes  célebres,  soit  dans  la  paix, 
soit  dans  la  guerre ;  les  progrès  des  sciences  et  des  arts,  et  les 
changemens  arrivés  dans  les  moeurs,  dans  les  différens  ages  de 
la  Mona'chic'.    Esta  obra  em  dois  volumes  apareceu  em  1766. 


87 


e  engenho  dos  seus  autores,  muito  brilhante  e 
muito  seguida  no  seu  tempo (i);  o  Recuei!  des 
historiens  des  Gaulês  et  de  la  France,  etc,  etc. 


Ainda  quanto  às  sciências  auxiliares  e  à  histó- 
ria administrativa  é  de  notar  a  Histoire  des  Chan- 
celiers  et  Gardes  des  Sceaux  de  France^  distingue:^ 
par  les  Regues  de  nos  Monarques  depuis  Clóvis 
premier  Roy  Chretien,  jusques  à  Louis  le  Grand 
XIV. . .  Enrichie  de  leurs  Armes  ^  Blasons,  et  Ge- 
nealogíes. 

Essa  obra  elaborada  por  Francisco  Duchene, 
filho  do  afamado  erudito  André  du  Chene,  foi  no 
seu  tempo  bem  recebida,  e  prestou  úteis  serviços 
aos  investigadores  e  genealogistas  (2). 

Em  176D  aparecia  a  obra  de  Gautier  de  Si- 
bert  em  quatro  volumes  —  Variations  de  la  mo- 
nar chie  f rançais e  dans  son  gouvernement  politique, 
civil  et  militaire. 

Essa  obra  —  como  diz  um  dos  seus  sub-titulos 
—  é  uma  «história  do  Governo  de  França  desde 
Clóvis  até  à  morte  de  Luís  XIV,  dividida  em  nove 
épocas»,  sendo  pois  uma  verdadeira  história  po- 
litica e  administrativa  francesa  (3). 

Em  1766  aparecia  em  França  uma  obra  em 
dois  volumes  tendente  a  mostrar  as  relações  entre 


(i)  Ver:  Journal  des  Savants,  Paris,  1767,  pág.  211a  222. 

(2)  Idem,  Paris,  25  de  Maio  de  1699. 

(3)  Idern^  ^7^7 1  pág.  46- 


o  direito  consuetudinário  usado,  nos  séculos  ix 
e  X,  em  França  e  Inglaterra.  Essa  obra  da  au- 
toria de  David  Houart,  intitulava-se  Anciennes 
loix  des  français  conservées  dans  les  coiitumes  an- 
glaises  recueillies  par  Littleton,  tinha  em  vista 
provar  a  semelhança  das  disposições  de  tal  di- 
reito em  uso  na  Normandia  e  em  toda  a  França 
durante  as  duas  primeiras  raças  dos  reis  deste 
pais. 

E  digno  de  nota  o  Abrégé  du  commentaire  ge- 
neral de  toutes  les  coutumes  et  des  aiitres  lois  mu- 
nicipales  en  usage  dans  les  differ entes  provinces  du 
Royaume,  em  dois  volumes,  por  Jacquet  ;  Traíté 
Historique  des  droits  du  Souverain  en  France,  et 
principalement  des  droits  utiles  et  domaniaux  à  com- 
mencer  à  Vétablissement  de  la  Monarchie,  em  dois 
volumes. 

Também,  entre  lySS  e  1766  se  fizeram  reim- 
pressões, com  muitos  aditamentos,  do  Glossarium 
ad  scriptores  mediae  et  infimae  latinitatis,  de  Du 
Gange.(i). 


(i)  É  muito  notável  a  obra  empreencida  por  Du  Cange  na 
geografia,  na  história,  na  cronologia,  diplomática,  paleografia,  nu- 
mismática e  heráldica.  Os  seus  dez  volumes  da  geografia  histó- 
rica da  França  —  obra  cheia  de  informações  e  de  bibliografia  ;  o 
plano  e  início  da  colecção  dos  historiadores  da  França,  com  o  seu 
prefácio  latino  e  importante  carta  genealógica  tios  reis  de  França; 
as  numerosíssimas  dissertações  acerca  das  Gálias  antes  eno  tempo 
dos  romanos  e  da  França  durante  os  reis  das  três  raças,  sobre  os 
usos  e  costumes,  e  a  respeito  das  cruzadas,  da  história  de  Jerusa- 
lém, de  Chipre,  da  Síria  e  da  América ;  genealogias  das  famílias 
normandas ;  muitas  memórias  sobre  a  nobreza  de  Inglaterra,  e  as 


89 


Quanto  aos  trabalhos  sobre  a  história  política 
e  literária  da  França  deve  dizer-se  desde  já  que 
é  rica  a  bibliografia  francesa.  A  obra  de  André 
DU  Chesne  —  de  que  já  falamos  —  foi  continuada 
no  século  XVIII,  depois  de  várias  tentativas,  por 
D.  Martin  Bouquet^  bibliotecário  de  Saint-Ger- 
main-des-Près,  tendo  este  feito  publicar,  de  1787 
a  1752  uma  colecção  dos  historiadores  das  Gá- 
lias  e  da  França  —  os  Rerum  gallicarum  et  fran- 
cicariim  scriptores,  tendo  a  obra  sido  continuada 
por  outros  beneditinos  como  Dom  Brial  que  re- 
digiu os  tomos  xii  a  xviii,  ficando  depois  a  conti- 
nuação dessa  colecção  a  cargo  da  Academia  das 
Inscrições. 

De  história  da  literatura  francesa  o  século  xviii 
viu  aparecer  os  doze  volumes  da  importante  His~ 
toire  literaire  de  la  France,  de  1733  a  i763,  que 
chegam  aos  meiados  do  século  xii  —  obra  essa 
mais  tarde  continuada  pela  Academia  das  Inscri- 
ções (i). 


famílias  germânicas ;  o  seu  famoso  nobiliário ;  as  edições  de  Ville- 
Hardouin  e  da  História  de  S.  Luís,  de  Joinville;  o  monumental 
Glossário  latino  —  já  citado;  o  Glossário  grego;  a  História  de 
Constantinopla ;  o  Ensaio  histórico  sobre  a  cabeça  de  S.  João  Ba- 
ptista: tudo  faz  de  Carlos  du  Fresne  senhor  Du  Cange  o  mais 
eminente  erudito  do  século  xvii. 

Acerca  das  obras  ver  a  Memoire  Historique  pour  servir  à  l'e- 
loge  de  Charles  Dufresne  sieur  Du  Cange^  et  à  1'intelligence  du 
plan  general  de  ses  eludes  sur  1'Histoire  de  France,  1766,  40  pág.; 
e  sobre  as  várias  edições  do  Glossarium  de  Du  Cange,  ver :  A. 
GiRY,  ob.  cit.,  pág.  60. 

(i)  O  título  dessa  história  é,  já  por  si.  um  verdadeiro  sumário 
da  obra.    Como  ali  se  diz,  nela  «on  traité  de  Torigine  et  du  pro- 


90 


A  literatura  dramática  francesa  foi  objecto  de 
uma  desenvolvida  obra  mútulaáa  :Histoire  du 
Theatre  François,  depuis  son  origine  jusqu^à  pre- 
sente avec  la  Vie  des  plus  célebres  Poetes  dramati- 
ques  (i).  O  tomo  vi,  aparecido  em  1746,  trata 
de  um  dos  períodos  áureos  do  teatro  francês,  de 
i63g  a  1645,  com  as  tragédias  de  Corneille,  as 
do  pródigo  La  Serre,  a  comédia  Clarisse  de  Ro- 
TRou^  o  Jodelet  de  Scarron,  etc,  etc.  (2). 


grès,  de  la  décadence  et  du"rétablissement  des  sciences  parmi  les 
Gaulois  et  parmi  les  François;  du  goút  et  du  génie  des  uns  et  des 
autres  pour  les  Lettres  en  chaque  siècle  ;  de  leurs  anciennes  Eco- 
les ;  de  rétablissement  des  Universités  en  France ;  des  principaux 
CoUéges  ;  des  Académies  des  Sciences  et  Belles-Lettres ;  des  meil- 
leurs  Bibliothéques  anciennes  et  modernes ;  des  plus  célebres  Im- 
primeries,  et  de  tout  ce  qui  a  un  rapport  particulier  à  la  Littera- 
ture:  avec  les  Eloges  historiques  des  Gaulois  et  des  François  qui 
s'y  sont  fait  quelque  rèputation;  le  Catalogue  et  la  Ghronologie 
de  leurs  Ecrits ;  des  Remarques  historiques  et  critiques  sur  les 
principaux  Ouvrages ;  le  dénombrement  des  diíFérentes  Editions; 
le  tout  justifié  par  les  citations  des  Auteurs  originaux».  E  ac- 
crescenta,  quanto  à  autoria :  «Par  des  Religieux  Bénédictins  de  la 
Congrégation  de  saint  Maur». 

Dessa  obra'há  tomos  de  valor  desigual:  uns  melhores  que  ou- 
tros. Entre  os  mais  sólidos  é  de  distinguir  o  tomo  vii  aparecido 
em  1746,  com  102 -f- 688  pág. 

A  desenvolvida  Introdução  com  que  abre  ocupa-se  de  dois 
pontos  muito  importantes  da  história  da  língua  e  da  gramática 
francesas :  um  sobre  o  latim  bárbaro  e  popular  como  língua  dos 
gauleses,  desde  a  conquista  romana  de  César;  o  outro  acerca  da 
diferenciação  da  língua  francesa  antes  do  meiado  do  século  xii. 

Ver  Journal  des  Savants^  colecção,  e,  especialmente,  i746> 
pág.  329. 

(i)  Esta  obra  teve  como  antecedente  a  obra  mais  elementar  e 
simples,  aparecida  em  lySS,  La  Bibliothéque  des  Theatres.  Acerca 
do  primeiro  volume  da  História^  ver  o  Journal  des  Savanis,  Paris, 
1735,  pág.  68. 

(2)  Como  se  sabe,  o  ano  de  lôBg  é  aquele  em  que  aparecem 


91 


Também,  a  história  das  sciências  foi  em  França, 
desde  longa  data,  objecto  de  in;vestigaçóes  e  de 
obras  importantes.  Entre  estas  deve  colocar-se 
em  primeiro  lugar  a  famosa  Histoire  de  VAcade- 
mie  Royal  des  Sciences,  dividida  em  duas  partes  : 
uma  destinada  à  História^  e  outra  às  Memó- 
rias [\). 

Em  1700  aparecia  a  Histoire  de  VAcademie 
Française,  por  Pellison,  descrevendo  a  vida  da 
Academia  desde  a  criação  de  Richelieu  e  os  obs- 
táculos que  ela  encontrou  nos  primeiros  dois 
anos  de  existência,  a  critica  e  sátiras  de  que  fo- 
ram alvo  os  primeiros  vogais  como  as  do  abade 
S.  Germain  de  Morgues  a  que  respondeu  Chate- 
LET,  a  questão  do  Cid  de  Corneille  no  seio  da 
Academia,  os  primeiros  trabalhos  para  a  elabo- 
ração do  Dicionário  desde  os  estudos  de  Vauge- 
LAS  e  Chapelain,  etc,  etc. 

Também,  a  história  local  da  França  teve  im- 
portantes cultores  entre  os  beneditinos,  sendo  de 
especializar  a  Histoire  de  la  ville  de  Paris,  de  Dom 
FÉLiBiEN,  em  cinco  volumes ;  a  Histoire  générale  de 
Languedoc,  por  Dom  Vaissete  e  Dom  Devic,  em 


o  Horácio  e  a  Cinna  de  Corneille,  o  de  1640  é  o  da  tragédia 
Polyeucte;  ode  1642  é  da  comédia  Le  Menteur.  Em  1644  aparece 
a  Rodogiine^  e  em  1645  a  Théodore  —  que  foi  um  insucesso,  não 
devido  à  ideia  do  autor  —  como  este  supunha  —  de  haver  posto 
em  scena  criaturas  e  scenas  pouco  morais,  mas  por  causa  da 
friesa  e  inexpressão  dos  caracteres  —  como  diz  o  crítico  do  Jour- 
nal des  Savants,  1746,  pág.  414. 

(i)  Ver  colecção  do  Journal  des  Savants,  com  as  notícias  bi- 
bliográficas anuais. 


92 

cinco  volumes,  que  apareceu  entre  lySoe  1745(1); 
a  Histoire  générale  et  particiilière  de  BourgognCj 
em  quatro  volumes,  de  Dom  Plancher;  a  His- 
toire de  Bretagne,  por  Dom  Taillandier  e  Dom 
MoRiCE,  em  dois  volumes,  aparecida  entre  17 5o 
e  1756,  além  de  muitas  outras:  umas  que  ficaram 
por  terminar,  outras  que  não  passaram  de  iné- 
ditas, como  as  que  tratavam  da  Picardia,  Tou- 
RAiNE,  PoiTOU,  etc,  algumas  das  quais  se  encon- 
tram ainda  manuscritas  na  Biblioteca  Nacional 
de  Paris. 

São  ainda  de  citar  os  dois  volumes  das  Me- 
moires  concernant  Vhistoire  ecclésiastique  et  civile 
d^Auxerre,  1743,  do  abade  Lebeuf;  a  Histoire  de 
la  Ville  de  Paris ^  em  quinze  volumes,  1754  e  1755 
pelo  mesmo  autor;  a  História  de  Nimes,  por  Me- 
NARD,  etc;  os  dois  volumes  aparecidos  em  1766, 


(i)  Essa  obra,  redigida  pelos  beneditinos  de  S.  Mauro,  é  — 
como  diz  o  seu  título  completo  —  acompanhada  de  «note,  et 
pièces  justificatives ;  composée  sur  les  auteurs  et  les  titres  origi- 
naux,  et  enrichie  de  divers  monumens».  Foi,  para  o  seu  tempo, 
uma  obra  muito  importante,  mesmo  modelar. 

No  tomo  IV  há  a  notar  um  bom  estudo  sobre  a  Inquisição  no 
Languedoc,  a  partir  do  livro  27;  com  notícias  dos  interrogatórios 
mandados  fazer  pelo  bispo  de  Alby,  Bernardo  de  Castanet,  de 
1285  a  i3oo,  aos  heréticos  e  crentes  na  Valdência,  expondo  D.  Vais- 
sette  em  que  consistia  esta  seita,  descrevendo  as  ceremónias  da 
hereticação,  as  penas  impostas  aos  crentes,  etc.  Fala  dos  con- 
flitos com  a  Inquisição,  devido  às  violências  desta,  por  parte  das 
populações  de  Carcassonne,  Toulouse  e  Alby,  e  das  perseguições 
aos  judeus,  etc. 

Acerca  desta  obra  ver:  Journal  des  Savants,  de  Fevereiro, 
Março,  Abril  e  Maio  de  lySS,  e  de  Janeiro,  Fevereiro,  Março, 
Abril  e  Maio  e  Setembro  de  1746. 


93 


das  Nouvelles  recherches  sur  la  France  ou  Reciieil 
de  Mémoires  Historiques  sur  quelques  provinces, 
villes,  et  bourgs  du  royaume(i);  a  Memoire  et  con- 
sultations  pour  servir  à  VHistoire  de  VAbbaye  de 
Château  Châlon,  por  Le  Riche,  inspector  geral 
dos  próprios  nacionais  de  Franco-Gondado,  apa- 
recida em  1767;  o  conhecido  Tableau  de  France, 
contenant  la  description  historique  de  ses  provinces, 
gouvernemens  et  généralités . .  .,les  vílles,  les  bourgs 
et  châteaux  qu^elles  renferment,  etc. ;  o  Abrégéchro- 
nologique  de  rhistoire  de  Lion,  contenant  les  évé- 
nements  historiques  de  cette  Ville,  depuis  safonda- 
tion  par  les  romainsjusqu'à  nos  jours . .  ,  por  Pou- 
LiN  DE  Lumina;  a  Histoire  du  Conte  de  Ponthieu, 
de  Montueril,  et  de  la  ville  d^Abville  sa  capitale,  em 
dois  volumes,  aparecida  em  1767. 

E  não  foi  só  a  arqueologia  e  a  história  politica 
locais  que  se  tornaram  objecto  de  importantes 
obras;  também,  especialmente,  desde  o  século  xvii, 
a  história  regional  tem  representantes  na  biblio- 
grafia francesa,  como  se  pode  vêr  na  Historiae 
Normannorum  scriptores  antiqui,  editada  por  An- 
dré DU  Chesne  — de  que  ja  falamos. 

Além  de  toda  essa  enorme  obra  são  ainda  de 
especializar  as  colecções  de  inéditos  publicados 
quási  na  íntegra  dos  seus  núcleos  —  quer  selec- 
cionados e  em  resumos,  ou  em  trechos  escolhi- 
dos, tais  como  as  Miscellanea  ou  Specilegios. 


(1)  Esta   obra   apareceu  como  suplemento  ao  L'Etat  de  la 
France  de  Boulainvilliers,  e  à  Description  du  royaume  de  Piga- 

NIOL, 


94 


Devem  citar-se :  a  Miscellanea,  de  Baluze,  em 
sete  volumes;  o  Spécilegium  sive  Collectio  vete- 
rum  aliquot  scriptorwn  qui  in  Galliae  bibliothecis 
delituerant,  de  Dom  Luc  d'Acheri  —  de  que  já 
falamos;  o  JJiesaurus  noius  anecdotorum,  por 
Dom  Martène  e  Dom  Durand,  em  cinco  volu- 
mes ;  a  colecção  em  nove  volumes,  dos  mesmos 
autores:  Veterum  scriptorum  et  monumentorum 
historicorum  dogmaticorum,  moralium,  publicada 
de  1724  a  1733. 

Pertencem  a  este  grupo  de  publicações  a  cole- 
ção  das  Ordonnances  des  róis  de  France  de  la 
troisiéme  race  recueillies  par  ordre  chronologiqiie, 
cujo  primeiro  tomo  foi  publicado  em  1723  por 
Larche  de  Laurière,  e  o  séptimo  apareceu  em 
1743,  indo  de  i383  ao  fim  de  1394,  e  elaborado 
por  Secousse(i);  e  os  três  volumes  das  Notices 
et  Extraits  des  manuscrits  de  la  Bibliotèque  du  Roi 
et  d'autres  bibliotèqiies,  publicados  entre  1787  e 
1790,  pela  Academia  das  Inscrições. 


(i)  Este  tomo  contêm  as  Ordonnances  desde  Hugo  Capeto 
a  Filipe  de  Valois.  Porem,  a  obra  —  viu-se  depois  —  não  satis- 
fazia aos  objectivos  em  vista.  Por  isso,  se  pensou  em  publicar  na 
íntegra  uma  colecção  de  diplomas,  titulos,  actos,  etc,  relativos  à 
história  de  França,  o  que  só  começou  a  ter  realização  em  1843 
com  o  aparecimento  do  primeiro  volume  dos  Diplomata^  chartae, 
epistolae,  leges^  aliaque  instrumenta  ad  res  gallo-francicas  spectan- 
cia...,  publicados  por  J.  M.  Pardessus,  tendo  aparecido  o  se- 
gundo volume  em  iSSg,  e  estando  a  obra  entregue  à  Academia 
das  Inscrições. 

Acerca  da  primeira  forma  da  colecção  das  Ordonnances  ver  a 
notícia  bibliográfica  no  Journal  des  Savants,  Paris,  1746,  pág.  545 
e  seg. 


95 


Publicaram-se  também  diários  das  explorações 
históricas  como  o  Museiim  e  o  Diarum  Italicum 
de  Mabillon  e  Montfaucon  ;  a  Voyage  littéraire 
de  deux  religieux  bénédictins  de  la  Congrégation 
de  Saint-Maur  —  obra  de  Marten  e  Durand. 

Há  ainda  a  notar  a  Histoire  des  Empereurs  et 
des  autres  princes  qui  ont  régné  durant  les  six  pre- 
miers  siécles  de  l'Eglise;  os  Capitularia  regum 
írancorum[\)\  a  Histoire  de  la  maison  d'Auver- 
gne,  em  dois  volumes,  aparecida  em  1708  (2),  etc. 


(i)  Os  Capitularia  (oram  impressos  pela  primeira  vez  em  1677, 
sendo  mais  tarde,  em  1780,  feita  uma  reedição  por  Pierre  de  Chi- 

NIAC. 

(2)  A  antiguidade  clássica  não  foi  desdenhada  pela  erudição 
francesa  do  século  xviii.  Ai  está  a  atestá-lo  a  Histoire  romaine 
depuis  la  fondation  de  Roine,jusqu'á  la  Bataille  d'Actium^  c'est-à- 
-dire,jusqu'à  la  fin  de  la  Republique. 

Trata-se  de  uma  obra  muito  extensa,  e  se  bem  que  redun- 
dante é  muito  cheia  de  informações  preciosas  para  o  tempo  em  que 
apareceu.  Acerca  do  volume  xii,  escrito  por  Crevier,  ver :  Jour- 
nal des  Savants,  1746,  pág.  io5  a  119. 

A  Histoire  abrégée  des  impereurs  romains  et  grecs,  des  impe- 
ratrices,  de  césar s .  .  depuis  Pompée  jusqu'à  la  prise  de  Constan- 
tinople  par  les  tiircs,  por  Beauvais,  em  três  volumes  —  obra  de 
história  e  numismática. 

Outro  tanto  sucedeu  com  a  antiguidade  oriental  que  teve  como 
cultor  de  mais  nomeada  oficial  Rolun  que  foi  reitor  da  Universi- 
dade de  Paris.  É  deste  autor  uma  Histoire  ancienne  des  egyp- 
tienSy  des  carthaginois,  des  assyriens,  des  babyloniens,  des  medes  et 
des  perses,  des  maeédoniens,  des  grecs.  Esta  obra  tão  redun- 
dante quanto  ingénua  e  pouco  crítica  teve  bastante  nomeada  e 
leitura  no  século  xviii.  Ver:  Journal  des  Savants^  1735,  pág.  84 
a  89. 

Também,  em  1745  apareceu,  publicada  em  Ypres,  a  Histoire 
des  anciens  empires  de  iAsie  jusqu'à  la  mort  de  Cyrus.  Esta 
obra  da  autoria  de  Pluymoen  era  precedida  de  uma  história  do 


96 


Das  cinco  Academias  que  formam  o  Instituto 
de  França,  a  que  desde  a  sua  primitiva  mais  tem 
contribuido  para  o  progresso  das  sciências  de 
erudição  tem  sido,  incontestavelmente,  a  «Aca- 
démie  des  Inscriptions  et  Belies-Lettres»  (i). 

Organizada  pelo  Regulamento  de  i6  de  julho 
de  1 70 1 ,  só  a  partir  de  1 7 1  5  se  torna  progressiva 
e  florescente.  Dessa  data  em  diante  até  à  Re- 
volução, ela  rivaliza,  e  vantajosamente,  com  os 
beneditinos  de  Saint-Germain-des-Prés;  e  após  a 
sua  reorganização,  em  1816,  até  hoje  essa  Aca- 
demia tem  prestado  os  mais  relevantes  serviços 
no  campo  das  sciências  históricas. 


mundo  desde  a  sua  criação  até  à  dispersão  dos  povos.  Como  diz 
o  crítico  do  Journal  des  Savants,  quando  ao  seu  autor  faltam 
fontes  históricas  ele  supre-las  por  meio  de  conjecturas  e  lendas 
mais  ou  menos  verosímeis. 

Vêr  Journal  des  Savants,  1746,  pág.  484. 

Em  1767  aparecia  na  livraria  Filliard,  de  Paris,  o  último  volume 
do  Recueil  d'Antiquites  egyptiennes,  étrusques,  grecques,  romai- 
nes  et  gauloises.  Esta  obra,  em  sete  volumes,  devida  à  pena  do 
conde  de  Caylus  era  constituída  pelas  reproduções  em  gravuras 
de  monumentos  da  antiguidade  oriental,  clássica  e  gaulesa,  com 
estudos  e  comentários  históricos  e  arqueológicos. 

É  também  de  invocar  a  Histoire  77toderne  des  chinois,  des  in- 
diens,  des  persans,  des  turcs,  des  russiens,  aparecida  em  1797,  em 
dois  volumes,  em  seguimento  da  Histoire  ancienne  de  Rollin 
(vêr  Journal  des  Savants,  ijôj,  pág.  168). 

(1)  Acerca  da  evolução  da  Academia  das  Inscrições  e  Belas- 
Letras  vêr:  A.  Maury,  L' ancienne  Académie  des  Inscriptions  et 
Belies-Lettres^  1864;  Ca.  V.  Langlois,  Manuel  de  Bibliographie 
Historique,  pág.  3 10  a  3 18,  e  pág.  371  a  377. 


97 


Além  das  obras  já  enumeradas  e  de  muitas  ou- 
tras cuja  citação  não  tem  cabimento  especial  e 
detalhado  neste  nosso  trabalho,  a  Academia  das 
Inscrições  tem  publicado  a  Histoire  de  rAcademie, 
as  Mémoires  de  Littérature;  e  os  Comptes  rendus 
das  suas  sessões  ordinárias  e  das  públicas. 

Nessas  publicações  periódicas  encontram-se  nu- 
merosas memórias^  comunicações,  relatórios,  teses, 
etc,  sobre  história  e  as  sciências  suas  auxiliares. 

Assim,  no  segundo  volume  das  citadas  Mémoi- 
res, publicado  em  17 19,  de  mistura  com  um  Pa- 
rallele  d'Homère  et  de  Platon,  do  abade  Massieu, 
e  de  várias  dissertações  sobre  as  personagens  das 
obras  de  Homero,  o  carácter  de  Píndaro,  a  Ciro- 
pédia  de  Xenofonte,  a  evolução  da  sátira,  a  lite- 
ratura grega,  e  passagens  de  Cícero,  de  Horá- 
cio, de  Dionísio,  de  Halicarnasso,  e  a  cronologia 
da  Odisseia,  íiguram  umas  Remarques  historiques 
et  critiques  sur  VAnthologie  manuscrite  qui  est  à  la 
Bibliothèque  du  Roi,  por  Boivin  le  Cadet.  Tra- 
ta-se  de  uma  antologia  grega  cuja  evolução, 
desde  o  erudito  Saumaise  —  que  a  copiou  do  ori- 
ginal da  Biblioteca  de  Heidelberg  —  até  entrar 
na  Bibliothèque  du  Roi,  Cadet  conta,  descrevendo 
também  a  própria  antologia — que  era  um  in-fólio 
com  sessenta  fascículos,  contendo  epigramas  e 
inscrições  de  túmulos. 

Se  bem  que  no  tomo  v  não  se  trate  de  qual- 
quer ponto  de  teoria  e  crítica  históricas  o  certo  é 
que  muitas  dissertações  e  discursos  se  ocupam  de 
factos  e  costumes  históricos,  como  os  estudos  sô- 
7 


gS 


bre  os  juramentos  antigos,  pelo  abade  Massieu; 
as  tribus  romanas,  por  Boindin;  a  sinfonia  na 
Grécia,  por  Burette;  as  máscaras  e  os  vestuá- 
rios do  teatro  dos  antigos;  a  cronometria  e  os 
relógios  na  Grécia  e  em  Roma,  pelo  abade  Sal- 
lier;  o  luxo  das  senhoras  romanas;  a  dedicação 
patriótica  dos  romanos;  e  as  dissertações  sobre  o 
Miles  Veíeranus,  na  antiguidade,  pelo  abade  Cou- 
ture;  o  pauperismo,  e  a  história  critica  do  celi- 
bato, por  MoRiN,  et.,  etc. 

O  tomo  VI  ocupa-se  também  de  diversos  assun- 
tos a  começar  na  dissertação  do  abade  Fraguier 
sobre  a  (dronta  de  Sócrates,  o  sen  pretendido  ^de- 
mon-»^  familiar,  e  os  seus  costumes. 

Segue-se  um  estudo  sobre  os  Monumentos  que 
teem  suprido  a  falta  da  escrita  e  servido  de  memó- 
rias aos  primeiros  historiadores,  pelo  abade  An- 
SELME  —  em  que  o  autor  se  ocupa  da  tradição 
oral,  dos  hinos  e  cânticos  como  meios  de  reten- 
ção dos  factos  e  da  influência  da  música  e  da 
poesia  nos  primeiros  tempos  da  humanidade ;  fala 
dos  mais  antigos  monumentos,  como  os  labirintos 
e  templos,  e  da  escrita  ideográfica. 

Além  dos  estudos  sobre  o  paganismo,  o  come- 
diógrafo  Q.  Roscius,  a  arte  poética  e  os  versos 
entre  os  antigos  hebreus;  algumas  odes  de  Pín- 
DARO,  pelo  abade  Massieu;  alguns  escritos  de  Teó- 
CRiTo;  a  Ciropédia  de  Xenofonte  no  ponto  de 
vista  da  geografia,  por  Freret,  etc,  —  figuram 
nesse  volume  três  comunicações  do  abade  Vertot 
sobre  os  reis  franceses  da  primeira  raça. 


99 


No  tomo  VIII,  publicado  em  lySi,  o  abade  An- 
SELME  insiste  sobre  os  monumentos  estudados 
pelos  historiadores,  ocupando-se  das  estátuas  e 
colunas  com  os  seus  baixos  relevos  descritivos, 
das  oferendas  aos  deuses,  e  do  comércio  entre  os 
povos  como  meios  de  conhecimento  histórico. 

Nas  dissertações  que  se  seguem  De  Pouilly 
ocupa-se  da  incerteza  histórica  dos  primeiros 
quatro  séculos  de  Roma(i),  e  o  abade  Sallier  es- 
tuda os  primeiros  monumentos  históricos  dos  ro- 
manos em  duas  dissertações  seguidas  (2).  Se- 
guem-se  os  Nouveaux  Essais  de  critique  sur  la 
fidelité  de  Vhistoire,  por  De  Pouilly  —  que  é  outro 
magnífico  estudo  da  teoria  e  da  critica  históri- 
cas (3) ;  e  surge  logo  um  Terceiro  discurso  sobre 


(1)  Trata-se  de  um  estudo  sobre  as  fontes  da  história  de  Roma 
na  obra  de  Dionísio  Haucabnasso  e  em  outras,  procurando 
«aporter  le  flambeau  d'une  severe  critique  —  como  escreve  De 
Pouilly  —  dans  toutes  les  Annales  des  Peuples,  pour  y  démêller  ce 
qu'elles  renferment  de  douteux  ou  de  faux».    E  acrescenta: 

«Quelque  difficile  que  soit  cette  entreprise,  j'oserai  néajimoins 
la  tenter». 

Efectivamente,  o  autor  passa  pela  sua  fieira  crítica  as  lendas 
e  tradições  de  que  se  fizerão  eco  os  historiadores  de  Roma  (pág.  2t 
a  45  do  tomo  vui). 

(2)  Ao  contrário  de  De  Pouilly,  o  abade  Sallier  não  é  dotado 
de  espírito  crítico.  Por  isso  aos  seus  Discoiirs  falta  consistência. 
Parecendo  escrever  para  contraditar  De  Pouilly  o  autor  é  dotado 
de  uma  grande  credulidade,  e  se  bem  que  fale  das  lendas  e  fábu- 
las incríveis  e  absurdas  «que  acompanham  as  descripções  dos 
principaes  acontecimentos»,  tudo  isso  não  é  bastante  para  inuti- 
lizar o  testemunho  dos  historiadores.  As  suas  Memorias  vão  da 
pág.  46  à  pág.  II o. 

(3)  Vai  da  pág.  no  à  pág.  180.  Este  estudo  e  feito  com  uma 
penetração  de  espírito  e  uma  lucidez  tão  grandes  que  apesar  de 


lòo 


«A  certeia  da  história  dos  primeiros  quatro  séculos 
de  Roma»,  da  autoria  do  abade  Sallier  —  em  que 
este  autor,  tão  redundante  nas  suas  considerações 
como  magro  de  crítica,  volta  à  carga  contra  o. 
ponto  de  vista  de  De  Pouilly(i). 

A  este  segue-se  outro  estudo  do  abade  Sallier 
intitulado  tReflexions  critiques  sur  le  caracter  de 
quelques  historiens  grecs,  compare  avec  les  histo- 
riens  romains»,  em  que  o  autor  declara  suspeitar  da 
veracidade  do  testemunho  dos  historiadores  gre- 
gos quando  êle  é  favorável  ao  seu  pais  e  desfa- 
vorável aos  romanos,  referindo-sê  especialmente 
a  Plutarco  e  menos  a  Dion  Cassius. 

A  última  dissertação  do  tomo  viii,  acerca  da 
teoria  da  história,  é  a  de  Freret  a  Sobre  o  estudo 
das  antigas  histórias,  e  sabre  o  grau  de  certeza  das 
suas  provas.  O  autor,  depois  de  falar-  dos  pro- 
gressos da  história  com  Scaliger,  Pétan,  Usse- 
rius,  Vossius,  Marshm,  Pezron,  etc,  refere-se  às 
enormes  lacunas  que  a  História  nos  apresenta; 


decorridos  189  anos,  contêm  afirmações  que  ainda  hoje  teem 
actualidade.  As  formas  do  raciocínio  e  do  método  históricos,  as 
regras  a  seguir  na  aplicação  da  crítica,  os  caracteres  de  um  ver- 
dadeiro historiador  —  tudo  isso,  seguido  de  muitos  exemplos  de 
história  antiga  e  medieval,  se  encontra  no  trabalho  De  Pouii.ly. 
(i)  Como  o  próprio  abade  Sallier  põe,  a  pág.  182,  a  questão, 
tratava-se  de  saber  «se  a  tradição  tem  servido  de  fundamento 
único  aos  escritores  que  se  teem  ocupado  da  história  dos  quatro 
primeiros  séculos  de  Roma;  ou  antes  se  eles,  alem  do  socorro  da 
tradição,  tiveram  também  os  monumentos  cujo  conhecimento  e 
estudo  lhes  fornecessem  os  materiais  e  as  peças  justificativas  das 
suas  descrições».  Ao  passo  que  De  Pouillv  é  da  primeira  opinião, 
Sallier  segue  este  último  partido. 


lOl 


ocupa-se  dos  métodos  e  processos  do  trabalho 
histórico;  critica  como  alguns  escritores  têem 
feito  história,  especializando  Marshm;  fala  dos 
caracteres  da  filosofia  do  seu  tempo,  especial- 
mente do  criticismo  cartesiano,  entrando  depois 
no  estudo  dos  fundamentos  do  conhecimento  his- 
tórico que  êle  reduz  a  duas  classes :  a  dos  Tes- 
temunhos contemporâneos  (actos,  títulos,  peças 
escritas  coevas  dos  acontecimentos  de  que  tra- 
tam, obras  dos  historiadores  que  contam  o  que 
viram  ou  que  baseiam  os  seus  relatos  nas  Memó- 
rias dos  contemporâneos  dos  factos),  e  a  das 
Tradições,  isto  é,  as  «opiniões  populares». 

Lamenta  depois  o  abuso  do  espirito  critico, 
citando  Bayle  como  um  exemplo  de  tal  tendência, 
e  passa  a  analisar  várias  passagens  fabulosas  e 
falsas  das  obras  de  vários  historiadores  antigos, 
concluindo  que,  apesar  disso,  não  devemos  subir 
do  caso  particular  para  o  geral  de  considerar  fa- 
buloso e  inventado  tudo  o  que  eles  escreveram 
só  porque  não  conhecemos  as  fontes  que  consul- 
taram. 

A  seguir,  traça  uma  evolução  da  historiografia 
entre  os  escritores  da  antiguidade,  mostrando-se 
partidário  do  ponto  de  vista  do  abade  Sallier  ao 
tratar  da  história  de  Roma;  e  termina  o  seu  es- 
tudo por  mostrar  que  não  é  possível  a  aplicação 
do  espírito  geométrico  e  da  crítica  filosófica  aos 
estudos  históricos  por  demasiadamente  radicais 
e  absorventes  quanto  ao  grau  de  certeza  que  exi- 
gem, e  que  a  história  lhes  não  pode  fornecer.  - 


102 


No  tomo  XII,  de  1736,  figura  uma  série  de  Me- 
mórias históricas,  sendo  uma  sobre  «os  primei- 
ros anos  do  reinado  de  Carlos  YJII»,  outra  sobre 
«Guy  Dauphin»,  uma  ((justificação  da  conduta  de 
Filipe  de  Valois  no  processo  de  Robert  d'Artois», 
e  a  ((explicação  de  um  monumento  de  Guilherme 
o  conquistador  —  Memórias  essas  todas  da  auto- 
ria de  Lancelot  ;  e  há  que  enumerar  também  três 
dissertações  de  la  Curne :  uma  relativa  à  vida  e 
às  obras  de  Rigord  e  de  Guilherme  o  Bretão,  ou- 
tra sobre  o  historiador  Glaber  do  tempo  de  Hugo 
o  Capêto,  e,  finalmente,  uma  terceira  «sobre  a 
vida  e  as  obras  de  Guilherme  de  Nangis  e  dos 
seus  continuadores»  (i). 

No  tomo  XV,  aparecido  em  1741,  figura,  a  pá- 
ginas 264,  uma  Memória  de  Foncemagne  com  o 
titulo  de  Examen  critique  d\ine  opinion  de  M.  le 
Comte  de  Boidainvilliers  siir  Vancien  Goiívernement 
de  la  France,  em  que  o  autor  contradita  a  opi- 
nião de  Baulainvilliers  expressa  na  Histoire  de 
rancien  gouvemement  de  la  France^  1. 1,  segundo  a 
qual  os  antigos  franceses  elegiam  não  só  os  seus 
reis  como  os  generais  que  os  haviam  de  levar  à 
guerra,  os  quais  eram  escolhidos  entre  a  família 
real  ou  fora,  segundo  ((O  valor,  a  capacidade  e  a 
reputação  da  honra  pessoal»,  exemplificando  isso 
em  Clóvis,  que,  apesar  de  sucessor  de  Childerico, 


(i)  Estas  Memórias  sobre  alguns  historiadores  franceses  dos 
séculos  XI,  XII,  XIII  e  xiv,  de  pág.  242  a  32o,  são  muito  interessantes, 
e  mostram  muita  erudição  do  seu  autor  apesar  da  nebulosidade 
do  assunto  nesse  tempo. 


io3 


precisou  dos  sufrágios  dos  soldados  para  ser  eleito 
general. 

Seguem-se  várias  Memórias  sobre  a  historio- 
grafia francesa,  sendo  quatro  do  investigador  La 
CuRNE  de  Sainte  Palaye  e  duas  de  Lancelot. 

A  primeira  Memória  de  La  Gurne  trata  da 
Chronique  de  Morigny  et  siir  les  Auteurs  qiii  Vont 
composée,  começando  por  uma  biografia  literária 
e  religiosa  de  Teulfus,  monge  beneditino  da  aba- 
dia de  Morigny  perto  de  Estampes  que  viveu  nos 
fins  do  século  xi  e  princípios  do  século  xii,  tendo 
falecido  em  1 138,  e  seguindo-se  uma  análise  da 
crónica  com  diversos  comentários  e  informações 
interessantes  (i). 

A  segunda  Memória  de  La  Gurne  é  Siir  la  pie 
dii  Moine  Helgaud,  siir  l'Epitome  de  la  Vie  dii  Roí 
Robert^  et  sur  trois  Fragmens  qui  sont  imprimes  à 
la  suite  de  cette  Epitome,  dans  la  Collection  des 
Historiens  de  France{2). 

A  terceira  Memória  trata  de  «Deux  ouvrages 
historiques  concernant  Louis  VII,  intitules  Tun 
Gesta  Ludovici  VII,  Regis,filii  Liidovici  Grossi;  et 
Tautre,  Histoire  Gloriosi  Regis  Ludovici,  filii  Lu- 


(i)  Da  pág.  290  a  3o8. 

(2)  O  autor  traça  uma  rápida  biografia  desse  historiador  do 
princípio  do  século  xu,  monge  da  abadia  de  Fleury  ou  de  S.  Bento 
sôbre-o-Loire,  e  depois  estuda  o  Epitome  da  história  do  rei  Ro- 
berto, que  La  Curne  acha  semelhante  a  um  sermão  ou  a  uma 
oração  fúnebre  «dans  le  goút  du  siècle».  Esse  Epitome  foi  mais 
tarde  impresso  na  Colecção  de  Pithou,  em  1596,  e  na  de  Du 
Chesne,  em  1641. 


io4 


dopici  Grossi,  abanno  i iSj,  iisqiie  ad  aiinum  1 165 . 
Et  sur  les  Auteurs  de  ces  ouvrages»  (i). 

A  quarta  e  última  Memória  deste  tomo,  devida 
a  La  Curne,  trata  da  Vida  de  Froissart,  na  qual 
êle  traça  uma  interessante  biografia  do  famoso 
cronista  da  segunda  metade  do  século  xiv(2). 

As  primeiras  duas  Memórias  de  Mr.  Lancelot 
tratam  de  Robert  d'Artois,  traçando  uma  bio- 
grafia bastante  desenvolvida  desse  príncipe  que 
nasceu  em  1287(3). 

A  última  Memória  de  Lancelot  trata  da  «Vida 
deFrançois  Philelphe»,  descrevendo  com  bastante 
detalhe,  a  vida  desse  professor  muito  erudito  e  di- 
plomata famoso  da  primeira  metade  do  século  xv, 
muito  conhecido  na  Itália  e  considerado  em  Ve- 
neza e  Flandres  onde  ensinou  com  grande  fama, 
sendo  amigo  de  Leonardo  Aretino  e  de  Cosme  de 
Medicis,  embrulhando-se  depois  com  este  por 
causa  da  politica,  e  vendo-se  forçado  a  deixar 
Florença  quando  o  partido  popular  de  Cosme 
ficou  vitorioso  sôbre  o  dos  aristocratas  a  que 
pertencia  Filelfo,  pelo  que  este  teve  de  ir  ensi- 
nar para  Siena^  depois  para  Bolonha  e  Milão,  etc. 


(i)  Esta  Memória,  que  vai  da  pág.  325  aSSj,  começa  por  uma 
pequena  análise  das  Gestas  e  da  Historia  de  Liii^  VIJ,  passa  a 
estudar  a  autoria  dessas  obras  que  alguns,  como  La  Curne,  atri- 
buem a  SuGER,  se  bem  que  êle  nota  que  outra  pessoa  também  ne- 
las trabalhou  como  conclui  do  exame  do  estilo,  etc. ;  e  termina 
por  informar  que  a  História  foi  impressa  várias  vezes,  analizando 
a  edição  de  Du  Breul,  de  1602,  com  faltas  e  interpolações,  e  a 
de  Du  Chesne  de  1641  —  que  considera  a  melhor 

(2)  In  tomo  citado,  pág.  486  a  53o. 

(3)  In  pág.  338  a  485. 


io5 


O  tomo  XXIII,  publicado  em  1769,  contêm  uma 
série  de  comunicações  sobre  literatura,  arqueo- 
logia, numismática  e  linguística,  terminando  por 
uma  Memoire  concernant  les  principaux  monumens 
de  VHistoire  de  France,  avec  la  notice  et  l'Histoire 
des  chroniques  de  Sainte" Denis,  pelo  operoso  eru- 
dito La  Curne. 

Aqui  o  autor  alude  às  obras  poéticas  medie- 
vais elaboradas  pelos  trovadores,  jograis  e  me- 
nestréis como  as  primeiras  fontes  da  história  de 
França,  e  faz  o  elogio  do  cronista  Gregório  de 
TouRs;  refere-se  a  Eginardo — chanceler  de  Carlos 
Magno  e  autor  de  uma  Vita  Caroli  Magni^  e  a  um 
astrónomo  e  cronista  anónimo  que  escreveu,  no 
tempo  de  Luís  o  Debonnaire,  uma  Vita  et  actus 
Ludovici  PU.  Fala  da  biblioteca  que  esses  dois 
monarcas  legaram  a  Carlos  b  Calvo  e  onde  figu- 
ravam bastantes  obras  de  História,  entre  as 
quais  os  Anaes  de  Prudêncio  ou  de  Sainte  Bertin, 
e  que  esse  soberano  aumentou  com  uma  vida  de 
Carlos  Magno  por  Saint-Gal  e  uma  obra  de  Ni- 
THARD  sobre  a  história  de  França  depois  de  Luís 
o  Débonnaire  —  que  La  Curne  louva  muito,  espe- 
cialmente pelo  seu  relato  detalhado  e  verídico  da 
batalha  de  Fontenay.  Ocupa-se  dos  cronistas  que 
se  seguiram  como  Suger  —  que  escreveu  uma 
história  de  Luís  o  Gordo ;  Rigord  —  que  foi  o  pri- 
meiro «Historiógrafo  do  Rei»,  do  tempo  de  Fi- 
lipe Augusto ;  Guilherme  o  Bretão  —  que  conti- 
nua a  obra  de  Rigord;  Guilherme  de  Nangis  e 
Joinville  que  se  seguem;  o  anónimo  monge  de 


io6 


Saint  Denis  que  escreveu  a  história  de  Carlos  V 
e  de  Carlos  VI;  e  JoÃo  Chartier.  Fala  depois  nos 
cargos  de  historiógrafos  ou  cronistas  reais,  das 
catedrais  e  dos  mosteiros,  dizendo  que  das  cró- 
nicas deles  provenientes  as  mais  detalhadas, 
mais  extensas  e  mais  célebres  são  as  de  S.  Dinis 
também  chamadas  pela  sua  importância  as  gran- 
des Crónicas  de  França;  e  passa  a  estudar  essas, 
falando  da  história  da  expedição  de  Carlos  Ma- 
gno a  Espanha  —  atribuída  a  Turpin,  da  reputação 
que  tiveram  nos  séculos  xiii  e  xiv  as  crónicas  de 
Saint  Denis,  desses  materiais  que  forneceram 
aos  historiógrafos  riais,  aos  parlamentos,  mi- 
nistros e  embaixadores  franceses,  os  arquivos 
dessa  igreja  e  as  crónicas  que  se  buscavam  nos 
seus  documentos,  e  terminando  por  um  estudo 
sobre  as  obras  saldas  de  Saint  Denis (i). 

Também  o  tomo  xxviii,  aparecido  em  1769? 
contêm  diversas  comunicações  sobre  assuntos 
históricos,  tratando  o  erudito  Foncemagne  do  rei- 
nado de  Carlos  VIII  e  de  algumas  obras  que  dele 
se  ocuparam,  emquanto  Secousse  ocupa-se  da 
numismática  e  da  biografia  de  ^(Messire  Paul  de 
Foix,  conseiller  d^Etat  et  archevêqiie  de  Toulouse; 
BoNAMY  escreve  sobre  a  inundação  do  Sena  em 
Dezembro  de  1740;  Schepelin  estuda  a  origem 


(i)  A  comunicação  de  La  Curne  que  neste  tomo  vai  da  pá- 
gina 538  a  6o3  é  escrita  com  muita  erudição,  muito  cheia  de  ex- 
celentes notas,  sendo  esse  trabalho,  apesar  de  breve,  ainda  hoje 
digno  de  estudo  para  o  conhecimento  da  historiografia  francesa 
desde  o  tempo  de  Carlos  Magno  até  o  século  xv. 


I07 


da  imprensa,  e  o  nosso  conhecido  La  Curne  de 
Sainte  Palaye  apresenta  uma  Memoire  concernant 
la  lecture  des  anciens  Romans  de  Chevalerie  (i). 

Ao  passo  que  o  tomo  xxix  se  ocupa  da  reli- 
gião grega,  da  filosofia  antiga,  da  numismática 
e  arqueologia,  da  cronologia  chinesa  e  da  astro- 
nomia ;  e  o  XXX  trata  da  história  do  Egipto,  da 
cronologia  oriental,  da  «Defesa  de  Heródoto  so- 
bre as  acusações  de  Plutarco»,  da  literatura 
grega  e  da  história  bíblica,  o  tomo  xxxiv,  publi- 
cado em  1770  apresenta  algumas  comunicações 
sobre  historiografia  francesa.  Logo  a  abrir  figura 
uma  comunicação  de  Levesque  de  la  Ravalière 
sobre  La  Vie  du  Sire  de  Joinville^  auteur  dhine 
histoire  de  S.  Louis  (2),  seguida  de  uma  Memoire 
sur  les  FabliaiiXy  pelo  conde  de  Caylus,  depois 
uma  Notice  sommaire  de  deux  volumes  de  poesies 
françoises  et  latines,  conserves  dans  la  bibliothèqiie 
des  Carmes  —  Déchaux  de  Paris,  pelo  abade 
Lebeufe,  duas  Memoires  do  conde  de  Caylus  so- 
bre Guilherme  de  Machaut,  poeta  e  músico  do 
século  XIV,  isto  é,  uma  biobliografia  do  famoso 
relojoeiro  do  século  xiv.     Contêm  igalmente  uma 


(1)  Pequeno  mas  interessante  estudo  que  vai  de  pág.  447  a 
468. 

(2)  A  obra  deste  foi  algo  discutida,  e  tendo  o  padre  Hardouin 
negado-Ihe  autenticidade,  foi  esta  sustentada  por  Bastie,  sendo 
ela  traduzida  em  latim  pelo  padre  Stiung,  continuador  dos  bo- 
landistas  nas  Acta  Sancti  Ludovici.  La  Ravalière  traça  uma  de- 
senvolvida biografia  de  Joinville  que  nasceu  entre  1220  —  como 
entendia  Du  Cange,  e  1228  ou  1229  —  como  queria  Bastie  (pág.  i 
a  75). 


T08 


dissertação  sobre  Jacques  Dandis,  por  FAr.co- 
net(i);  duas  memórias  de  Bonamy  acerca  de  Jac- 
ques Coeur(2);  duas  comunicações  de  Foncema- 
GNE — uma  sobre  a  origem  da  Casa  de  França,  e 
outra  sobre  a  heráldica,  terminando  o  volume 
por  duas  memórias  de  La  Curne  Siir  Vancienne 
Chevalerie  considerée  comme  iin  établissement  po- 
litique et  militaire. 


(i)  Trata-se  do  famoso  Jacabus  Dondus,  de  Pádoa,  filósofo, 
médico  e  matemático.  O  trabalho  de  Falconet  fala  :  das  obras 
de  Jacques  sobre  terapêutica  —  que  constam  de  uma  compilação 
de  remédios  tirados  de  médicos  gregos,  latinos  e  árabes,  —  e  ma- 
téria médica;  e  do  afamado  relógio  feito  em  1845  e  que  marcava, 
alem  das  horas,  a  marcha  anual  do  sol  através  dos  signos  do  Zo- 
díaco, e  a  dos  planetas,  as  fases  da  lua,  os  meses  e  até  as  festas 
do  ano. 

Depois  estuda  a  história  da  relojoaria  desde  a  antiguidade  orien- 
tal.   Pág.  217  a  249. 

(2)  Trata-se  de  um  estudo  baseado  nos  documentos  do  pro- 
cesso de  Jacques  Coeur,  defendendo  e  elogiando  este  ministro  de 
Carlos  VII  que  foi  acusado  de  concussão,  de  abuso  de  autoridade 
e  de  ter  feito  envenenar  a  bela  Agnés  Sorel  amante  do  rei,  pro- 
vando-se  depois  que  ela  morrera  de  parto.    Pág.  BSg  a  409. 


CAPITULO  IV 


A  erudição  e  a  crítica  iilstóricãs  no  sécalo  XIX, 
e  até  à  actualidade 

I .°  —  Considerações  gerais 

Se,  como  já  vimos,  as  concepções  filosóficas  e 
o  progresso  das  sciências  da  natureza  influiram 
bastante  na  evolução  da  historiografia  até  ao  sé- 
culo XVIII,  ao  começar  o  seguinte  o  factor  politico 

—  mais  que  nos  tempos  de  Machia vel,  Guichar- 
DiN  e  PiTTi,  do  medicista  Nerli,  e  do  anti-medi- 
cista  NoRDi,  e  durante  o  absolutismo  esclarecido 

—  exerce  uma  influência  importante,  até  à  per- 
turbação, na  concepção  da  história,  na  técnica 
da  sua  elaboração  e  na  fixação  dos  seus  fins. 

Como  diz  Fueter:  «A  Revolução  Francesa  e 
as  suas  consequências  imediatas  provocaram  nas 
concepções  sobre  o  valor  e  a  tarefa  da  história 
uma  transformação  completa»  (i). 

Se  é  certo  que  a  reacção  nacionalista  da  his- 
toriografia romântica  contra  o  cosmopolitismo 


(i)  Fueter,  ob.  cit.,  pág.  5 17. 


tlô 


humanista  encontrou,  nos  acontecimentos  exte- 
riores da  politica  de  coligação  contra  a  França 
revolucionária,  e  na  acção  da  França  directorial, 
consular,  imperial  —  e  ferozmente  imperialista  — 
contra  as  várias  nações  da  Europa,  as  suas  mais 
importantes  causas  e  convincentes  justificações, 
não  há  dúvida  que  os  conceitos  da  história  ro- 
mântica quanto  à  Idade  Média  e  às  diferencia- 
ções nacionais  provêem  especialmente  dos  pro- 
gressos da  filologia  e  da  erudição  medievista  (i). 
A  Revolução,  tendo  sido  pervertida  na  sua 
marcha  pelo  golpe  de  Estado  do  i8  brumário,  e 
empalmada  por  Napoleão,  fez  perder  à  França  as 


(i)  Já  vimos  —  posto  que  rapidamente  —  nos  capítulos  ante- 
riores o  suficiente  para  se  avaliar  como  foi  grande  o  zelo  que  se 
pôs  ao  serviço  da  erudição  histórica  e  filológica.  O  abandono 
crescente  do  latim,  dá-se  a  favor  da  cultura  progressiva  das  lín- 
guas nacionais.  Exceptua-se  durante  muito  tempo  —  ;  curiosa 
ironia!  —  um  país  maximamente  fragmentado  e  desnacionalizado, 
uma  simples  expressão  geográfica  e  designação  política :  a  Ale- 
manha. 

Aí,  o  latim  foi  cedendo  o  lugar,  durante  muito  tempo  ao  fran- 
cês em  prejuízo  da  língua  alemã,  apesar  das  diligências  naciona- 
listas da  Academia  Frutífera  de  Weimar,  fundada  em  1617,  e  dos 
esforços  das  duas  Escolas  da  Silésia,  em  favor  da  língua  pátria, 
desde  o  poeta  Opitz  até  Gunther. 

Porém,  o  culto  da  língua  nacional  e  a  admiração  da  Idade  Média 
já  nos  apareciam  na  chamada  Escola  Saxónica.  JoÁo  Jacques 
BoDMER  publica,  no  meado  do  século  xviii,  a  segunda  parte  dos 
Nibelungen  e  a  famosa  colecção  dos  Minnesmger,  e  são  impor- 
tantes as  contribuições  de  Gottsched  e  as  vistas  de  Gaertner. 

Gomtudo,  é  com  Klopstock,  Lessing  e  com  Winckelmann  que 
a  Alemanha  consegue  alcançar  a  sua  autonomia  literária  e  historio- 
gráfica. Klopstock  divulga  muito  os  cantos  do  Edda  nos  quais 
vê  um  sistema  de  tradições  nacionais  semelhantes  às  que  apare- 
cem nos  poetas  épicos  e  trágicos  da  Grécia. 


Itl 


esperanças  e  simpatias  que  despertara  no  espírito 
dos  maiores  pensadores,  sábios,  literatos  e  artis- 
tas do  tempo  como  Kant,  Klopstok,  Goethe, 
Gentz,  Beethowen,  etc. 

A  acção  brutal  de  Napoleão  na  sua  megaloma- 
nia de  dominar  o  mundo  (i),  radiando  com  os 
seus  exércitos  toda  a  Europa,  agitando-a  nas 
suas  aspirações,  vasculhando-a  nos  seus  bens, 
ferindo  os  povos  nos  seus  sentimentos  e  nos  seus 
interesses  materiais,  fazendo  e  desfazendo  capri- 
chosamente Estados  segundo  as  suas  conveniên- 
cias de  momento,  os  seus  ódios  e  as  suas  simpa- 
tias de  ocasião  —  tudo  isso  acordou  na  Europa 
inteira  um  sentimento  de  reprovação  e  ódio  por 
tudo  o  que  era  francês,  o  que  era  napqleónico. 

Quando  se  chega  ao  século  xix  a  obra  da  Re- 
volução estava  aniquilada  —  ou  quási  —  e  a  Re- 
pública encontrava-se  á  beira  de  um  abismo  para 
onde  acabou  de  a  impelir  Bonaparte  com  o  golpe 
de  Estado  de  9  de  Novembro  de  1799. 

Estabelecido  o  Consulado  decenal,  que  pouco 
depois  se  transforma  em  vitalício,  a  favor  de  Na- 
poleão, logo  a  França  entrou  de  novo  em  guerra 
com  a  Áustria,  da  qual  havia  de  sair,  depois  de 
Montebello  e  Marengo,  pela  porta  do  armistício 
de  Steyer  e  das  pazes  de  Luneville  —  de  Feve- 
reiro de  1801,  e  de  Amiens  —  de  Março  de  1802. 

Em  i8o3  é  a  luta,  na  Hanover  e  na  Holanda, 


(i)  Já  em  23  de  Outubro  de  1802  numa  nota  de  Talleyrand, 
ao  representante  da  França  em  Londres;  Otto,  se  falava  em  «con* 
quérir  TEurope», 


ÍI2 


com  a  Inglaterra.  Os  franceses  invadem  a  Ho- 
landa por  verem  nela  uma  amiga  da  Inglaterra, 
e  esta  apossa-se  de  algumas  colónias  holandesas 
por  considerar  a  Holanda  aliada  da  França. 

Em  1804  é  a  guerra  civil  e  o  pronuncio  de 
mais  uma  conflagração. 

De  resto,  se  a  guerra  é  uma  indústria  essencial 
aos  adventícios  megalómanos,  «Tarmée  de  FEm- 
pire  —  como  diz  Henri  Vast  —  cesse  d'être  na- 
tionale  pour  devenir  césarienne». 

E  continua:  «Sous  Tempire,  elle  [l'armée]  ap- 
partient  à  un  homme ;  elle  sert  passionèment  tous 
ses  desseins ;  elle  concourt,  sans  Facquiescement 
de  la  nétion,  au  bouleversement  prolongé  de  FEu- 
rope.  Napoleon  ne  vit  que  par  la  guerre  et  pour 
la  guerre.  Uarmée  est  son  instrument,  sa  cho- 
se(i). 

Na  verdade,  de  1800  a  181 5  passam  pelas 
fileiras  3.i53:ooo  franceses,  sendo  de  computar 
outros  tantos  das  legiões  estrangeiras  ao  serviço 
de  Napoleão. 

Já  na  terceira  coligação^  depois  da  batalha  de 
Austerlitz,  a  Prússia  ficara  —  talvez  sem  dar  por 
isso — à  mercê  de  Napoleão. 

Essa  vitória  tivera  um  alcance  moral  extraor- 
dinário. Ela  não  pusera  fora  de  combate  ape- 
nas os  i5:ooo  austro -russos,  ela  matara  — de  des- 
gosto—  um  dos  mais  sérios  inimigos  de  poder 


(i)  In  Lavisse  e  Rambaud,  Histoire   Générale...,  tomo  ix, 
pág.  72. 


1 1 


5 


napoleónico :  William  Pitt.  E  Frederico-Guí- 
Iherme  III,  príncipe  fraco,  irresoiuto  e  dúplice, 
que  estava  prestes  a  entrar  na  coligação  austro- 
-russa,  surpreendido  e  apavorado  pelo  golpe  de 
Austerlitz  vê-se  forçado  a  mandar  o  seu  ministro 
Haugwitz  felicitar  Napoleão  e  aceitar  todas  as 
condições  que  este  lhe  impusera. 

Por  isso,  o  imperador  comentava  com  acre 
ironia  as  felicitações  do  rei  prussiano,  excla- 
mando :  «Voici  un  compliment  dont  la  fortune  a 
changè  Tadresse». 

E  certo  que  os  prussianos,  envergonhados  de 
si  próprios  pela  traição  feita  à  Áustria  e  à  Rússia 
e  incitados  pelos  seis  milhões  de  libras  dos  ingle- 
ses, caem  no  estúpido  erro  de  enviarem  um  ulti- 
matum  a  Napoleão  para  este  renunciar  à  confe- 
deração do  Rheno  —  que  pouco  antes  criara  —  e 
abandonar  completamente  a  Alemanha. 

A  ocasião  que  se  oferecia  ao  imperador  dos 
franceses  era  única,  e  êle  não  era  homem  para  a 
deixar  escapar.  A  resposta  de  Napoleão  quanto 
à  coligação  não  se  fez  esperar,  e  os  prussianos 
receberam  em  cheio  nas  enormes  derrotas  que 
sofreram  em  lena  e  Auerstaedt  a  réplica  às  suas 
bravatas. 

Depois  dos  desastres,  que  custaram  aos  prus- 
sianos 22:000  homens  entre  mortos  e  feridos,  o 
caminho  de  Berlim  estava  aberto,  e  Napoleão  não 
se  demorou  de  entrar  ali  como  um  sátrapa  orien- 
tal ou  herói  romano  fazendo  desfilar  pelas  ruas 
da  capital  prussiana  desarmados  e  prisioneiros 


114 


ôs  cavaleiros  da  guarda  de  Frederico-Guilherme 
no  meio  das  tropas  francesas  triunfais  e  festivas. 

Emíim,  como  dizia  Enrique  Heine  :  «Napoiéon 
soufíla  sur  la  Prusse,  et  la  Prusse  cessa  d'exis- 
ter». 

Também  H.  Vast,  referindo-se  à  entrada  de 
Napoleão  em  Berlim,  escreve:  «A  Berlin,  nul  es- 
prit  public,  nul  patriotisme ;  un  aífaissement  mo- 
ral complet  qui  explique  1'effondrement  de  1806. 
Aprés  lena,  la  presque  totalité  de  la  population 
berlinoise  et  la  presse  tout  entière  marque  une  in- 
diíférence  complete»  (i). 

Mas,  Napoleão  abusou,  abusou  intensivamente, 
abusou  prolongadamente  da  sua  vitória.  Não 
houve  violência  que  não  cometesse,  extorsão  que 
não  ordenasse,  vergonha  e  vilipêndio  que  não 
infligisse. 

Assim,  começando  por  ser  acolhido  por  uns 
com  medo,  por  outros  com  simpatia,  tempos  de- 
pois em  todos  só  despertava  terror  e  ódio. 

Deste  modo,  não  admira  que  por  toda  a  parte, 
e  cada  vez  mais,  o  povo  alemão  ardesse  em  de- 
sejos de  expulsar  o  dominador  brutal  e  vexante. 

Já  em  5  de  Dezembro  de  1 8 1 1  Jerónimo  Bo- 
naparte escrevia  ao  imperador:  «A  fermentação 
é  extrema;  se  a  guerra  rebentar  toda  a  região  do 
Rheno  ao  Oder  tornar-se  há  o  foco  de  uma  insur- 
reição geral.     A  causa  dessa  fermentação  não  re- 


(i)  Lavisse  e  Rambaud,  Histoire  General,  tomo  ix,  pág.  107 
a  110. 


íi5 


side  somente  no  ódio  à  França  e  no  descontenta- 
mento provocado  pelo  jugo  estrangeiro;  ela  re- 
sulta, antes,  da  desgraça  dos  tempos  que  vão 
correndo,  da  ruina  completa  de  todas  as  classes, 
da  opressão  excessiva  produzida  pelos  impostos, 
das  contribuições  de  guerra,  das  passagens  dos 
soldados,  dos  vexames  de  toda  a  espécie  que  se 
repetem  sem  cessar.  São  de  receiar  as  explosões 
de  desespero  por  parte  de  povos  que  nada  teem 
a  perder,  pois  que  tudo  lhes  foi  tirado». 

Efectivamente,  a  explosão  deu-se  assim  que  foi 
encontrado  o  ensejo  e  chegado  o  momento  opor- 
tuno, e  este  apareceu  logo  a  seguir  à  desastrosa 
campanha  da  Rússia,  de  1812,  em  que  o  famoso 
Grande  exército  ficou  pouco  menos  que  destruído. 

Mas,  se  a  chamada  Guerra  da  libertação  alemã, 
só  surge  depois  de  1812  não  quere  dizer  que  já  há 
anos  atrás  se  não  viesse  fazendo  a  sua  prepara- 
ção não  só  material  como  —  e  principalmente  — 
espiritual  ou  moral. 

Sem  se  dever  esquecer  a  obra  reformadora  de 
Stein,  Scharnhorst  e  Hardenberg,  não  se  deve 
pôr  em  dúvida  que  foram  os  factores  de  ordem 
moral  que  criaram  o  estado  do  espirito  colectivo 
essencial  a  essa  guerra  insistente  e  temerosa  até 
à  ferocidade  contra  Napoleão,  que  só  terminou 
com  o  completo  aniquilamento  do  colosso  no  pla- 
nalto de  Waterloo. 

É  à  Universidade  de  Berhm,  fundada  em  18 10 
por  Guilherme  de  Humboldt— onde  ensinaram  os 
juristas  EiCHHORN  e  Savigny  e  os  historiadores 


1 1 


NiEHBUHR  e  BoECK ;  é  às  peças  patrióticas  do  dra- 
maturgo Kleist  e  aos  escritos  de  propaganda  de 
GoERREs;  é  aos  cantos  populares  reunidos  por 
Brentano  e  AcHiM  d'Arnim;  é  à  obra  dos  histo- 
riadores ;  e  é,  mais  imediatamente,  aos  famige- 
rados Discursos  à  nação  alemã,  de  Fichte  que  a 
Prússia  deve  as  suas  vitórias  contra  o  imperador, 
e  sua  libertação. 

Logo  a  seguir  à  paz  de  Tilsit  o  rei  Frederico 
Guilherme  havia  proclamado  que  :  «O  Estado  de- 
via suprir  com  as  forças  intelectuais  as  forças  ma- 
teriais que  havia  perdido».     E  assim  foi. 

A  mais  importante  criação  desse  movimento 
patriótico  foi,  sem  dúvida,  a  obra  dos  seus  histo- 
riadores como  Karl  Eichorn,  Savigny,  os  Schle- 

GEL,  NlEBUHR,  etC. 

Por  isso  vingado  o  movimento  libertador  será 
a  história  —  como  adiante  vamos  vêr  —  uma  das 
sciências  mais  especialmente  favorecidas,  por 
toda  a  forma,  pelo  Estado  prussiano. 


•  Diz  Guilherme  Richl  que  no  concerto  das 
sciências  cada  uma  dá,  por  sua  vez,  o  tom,  acres- 
centando que  na  Renascença  foi  a  filologia  clás- 
sica, na  época  da  Reforma  coube  a  vez  à  teolo- 
gia, depois  de  Locke  e  Spinosa  prepondera  a  filo- 
sofia^  e  nos  nossos  dias  tem  a  história  a  preemi- 
nência. 

Efectivamente,  o  século  xix  é  bem  o  século  da 


117 


história.  Como  escreve  Langlois  :  «A  obra  his- 
tórica do  século  XIX  é,  e  ficará,  capital  quaisquer 
que  sejam  os  ulteriores  destinos  da  erudição». 

E  acrescenta:  «Ela  é  imensa,  e  ninguém  pode 
ter  a  pretensão  de  a  descrever  ou  de  a  conhecer 
toda»  (i). 

Ora  se  um  bibliógrafo  eminente  como  Lan- 
glois vê  a  impossibilidade  de  conhecer  e  descre- 
ver toda  a  obra  histórica  realizada  no  século  xix. 
não  seremos  nós  que  teremos  a  pretensão  de  rea- 
lizar o  que  êle  modestamente  declara  não  poder 
fazer. 

O  melhor  conhecimento  dos  grandes  centros 
da  antiga  civilização  oriental  desde  a  índia  ao 
Egipto ;  a  mais  completa  investigação  dos  gran- 
des focos  da  cultura  clássica ;  o  mais  sistemático 
estudo  das  fontes  de  toda  a  ordem  para  o  conhe- 
cimento da  Idade  Média,  da  Renascença  e  da 
Idade  Moderna ;  o  enorme  progresso  que  experi- 
mentaram os  arquivos,  as  bibliotecas  e  os  mu- 
seus de  todos  os  países  civilizados ;  a  progressiva 
especiahzação  dos  estudos  e  dos  trabalhos  histó- 
ricos nas  Universidades  e  outras  grandes  Esco- 
las, e  nas  Academias ;  a  sempre  crescente  protec- 
ção dos  governos  a  todas  as  emprezas  de  inves- 
tigação scientiíica,  especialmente  de  investigação 
histórica;  o  élan  patriótico  que  as  invasões  dos 
exércitos  napoleónicos  produziram  nos  países  que 
tiveram  —  como  o  nosso  —  a  desdita  de  as  expe- 


(i)  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  SSg. 


ii8 


rimentarem,  incitando  ao  estudo  dos  homens  e 
factos  mais  gloriosos  do  passado  de  cada  povo ; 
o  movimento  literário  do  romantismo  que,  se  de- 
rivou de  algumas  das  causas  já  expostas  foi  tam- 
bém, por  sua  vez,  causa  de  um  acréscimo  de 
curiosidade  histórica :  tudo  isso  explica  bem  o 
enorme  progresso  dos  estudos  históricos  através 
do  século  XIX,  e  até  hoje  (i). 

No  século  XIX  os  estudos  de  erudição  progri- 
dem em  extensão  e  em  profundesa.  A  história 
propriamente  dita,  politica,  económica,  religiosa, 
militar,  filosófica,  scientífica,  literária  e  artística, 
e  a  história  geral  da  civilização;  as  sciências  au- 
xiliares e  subsidiárias  da  história;  enfim,  os  mé- 
todos e  processos  de  elaboração  e  de  crítica  his- 
tóricas :  tudo  isso  experimenta  um  progresso,  um 
desenvolvimento,  uma  extensão  e  um  afinamento 
enormes,  extraordinários. 

Como  o  que  aqui  nos  interessa  especialmente 
é  o  que  se  refere  às  Colecções  de  Inéditos  e  à 
metódica  dos  estudos  históricos  serão  esses  os 
assuntos  que  iremos  tratar  a  seguir. 

2.°  —  Países  de  língua  alemã 

Nos  países  de  língua  alemã  tem  sido  enorme  o 
labor  realizado  quanto  ao  estudo  e  à  publicação 
das  Colecções  de  Inéditos. 

Entre  os  mais  importantes  corpos  publicados 
não  só  na  Alemanha  como  fora  devem  incluir-se 


(i)  Gh.-V  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  840  a  344. 


119 


os  Monumenta  Germaniae  histórica.  Se  bem  que 
a  primeira  idea  da  publicação  venha  de  1818,  do 
manifesto  do  prof.  Dumge,  de  Karlsruhe,  logo 
acolhida  com  entusiasmo  por  Stein,  só  em  1824 
é  que  o  erudito  Pertz,  discípulo  de  Heeren,  fixou 
o  plano  da  obra. 

Por  êle  ficavam  os  Monumenta  Germaniae  his- 
tórica divididos  em  cinco  secções :  a  dos  Scripto- 
res,  das  Leges.,  Diplomata  regum  et  imperatorum 
romanoriim,  a  das  Epistolae,  e  a  das  Antiquitates. 

Finalmente,  em  1826  apareceu  o  primeiro  vo- 
lume pertencendo  à  colecção  dos  Scriptores,  cons- 
tando dos  Anais  carolingios.  Depois  interrom- 
peu-se,  recomeçando  só  mais  tarde. 

Quando  se  chega  a  1870  haviam  sido  publi- 
cados vinte  e  um  volumes  dos  Scriptores,  quatro 
das  Leges,  e  um  das  Diplomata  pela  Gesellschaft 
fur  altere  deutsche  Geschichtskunde (i). 

Depois  da  guerra  de  1870  o  governo  alemão 
passou  a  proteger  muito  a  empreza,  começando 
a  aparecer  em  1876  o  primeiro  tomo  da  segunda 
série  da  colecção  com  o  titulo :  Neues  Archiv  des 


(i)  A  consulta  dos  Monumenta  Germanicae  é  essencial  para 
o  estudo  da  fundação  do  reino  da  Germânia  —  nos  séculos  ix,  x 
e  princípio  do  xi,  o  governo  de  Conrado  duque  da  Francónia;  a 
dominação  da  casa  de  Saxe,  de  919  a  1024;  os  reinados  de  Enri- 
que I,  dos  Otões  —  I,  II  e  III,  —  de  Enrique  II;  etc. 

Nessa  Colecção  vêem  publicados,  entre  muitos  outros  traba- 
lhos, os  Annales  Fuldenses ;  a  Chronica  de  Régino;  a  Res  Gestae 
saxonicae,  de  Widukind;  os  escritos  de  Liuteprando;  a  Cármen  de 
gestis  Oddonis,  de  Hroswitha;  a  Vita  Mathildis  reginae,  as  Vitae 
do  bispo  Bernardo  de  Hildesheim,  do  bispo  Burchard,  de  Worms, 
etc. 


120 


Gesellschaft  fiir  altere  deiitsche  Geschichtichts- 
kunde,  e  ficando  G.  Waitz  a  dirigir  a  reorgani- 
zada publicação  até  à  sua  morte,  em  1888,  se- 
guindo-se-lhe  E.  Dummler  até  igoS. 

Depois,  cada  secção  passou  a  ter  a  sua  autono- 
mia, ficando  com  um  director  e  demais  pessoal 
privativo,  dividindo-se,  também,  cada  uma  delas 
em  sub-secçóes. 

Assim,  a  dos  Scriptores  ficou  dividida  em  Au- 
tores antiquissimi —  cuja  publicação  terminou  em 
1799,  Scriptores  reriim  langobardicarum  et  italica- 
rum,  Scriptores  rerum  meroiingicarum,  Scriptores 
qui  vernacida  lingua  usi  siint,  Libelli  de  lite  impe- 
ratorum  etpontificum  saeciilis  XI et  XII  conscripti; 
as  das  Leges  são :  Leges  nationum  germanicorum, 
Capitularia  regum  Francorum,  Concilia,  Consti- 
tutionis  et  acta  publica  imperatorum  et  regum,  For- 
mulae  merovingici  et  Karolini  aevi,  etc,  etc.  (i). 

Também,  J.  F.  Bõhmer  publicou  de  i83i  a 
1839  ^^  Re  gesta  chronologico-diplomatica  Karo- 
lorum,  regum  atque  imperatorum  romanorum  (de 
752  a  i34']);  de  1844  a  1849  apareceram  os  seus 
Regesta  Imperii,  tendo-se  depois  publicado  uma 


(i)  Acerca  da  origem  e  evolução  dos  Moniimenta  Germa- 
niae  histórica,  ver:  B.  Malfatti^  Dei  Monumenta  Germaniae  his- 
tórica a  propósito  dei  loro  nuovo  ordinamento,  Firenzo,  1877;  Ch.- 
V.  Langi.ois,  ob.  cit.,  pág.  407  3415. 

A  sociedade  que  publica  os  Monumenta  tem  editado  também 
os  Scriptores  rerum  germanicariim  in  iisum  scholariim  ex«Momi^ 
mentis  Germaniae  historieis»  recusi,  e  os  Die  Geschichtsschreiber 
der  deutschen  Vor![eit  in  deutscher  Bearbeitung  —  com  traduções 
de  textos  medievais,  e  cuja  colecção  foi  bastante  criticada  por 
Wattenback,  e  depois  por  este  dirigida. 


121 


segunda  edição  a  partir  de  1881  ;  e  de  1843  a 
1868  surgiram  quatro  volumes  das  Fontes  rerum 
germanicarum. 

Ph.  Jaffé  publicou,  em  i85i,  os  Re  gesta  pon- 
tificum  romanorum  a  condita  Ecclesia  ad  annum 
I  ig8  — ^  depois  continuados ;  e  de  1 864  a  1 873  seis 
volumes  da  sua  Bibliotheca  rerum  germanicarum. 

A  administração  dos  arquivos  prussianos  edi- 
tou durante  bastantes  anos  algumas  dezenas  de 
volumes  das  Publicationem  aus  den  k.  preussischen 
Staatsarchiven,  contendo  principalmente  docu- 
mentos e  obras  sobre  a  história  interna  e  externa 
da  Prússia  no  período  moderno,  como  Memórias, 
correspondências  diplomáticas  e  particulares,  etc. 

Muitas  outras  publicações  teem  aparecido  na 
Prússia  como  as  colecções  dos  Anuários  de  obras 
de  arte  do  reino  da  Prússia^  os  numerosos  traba- 
lhos de  várias  ordens  publicados  pelas  «Comis- 
sões históricas»  regionais  e  locais;  os  Ver^eich- 
niss  dos  manuscritos  do  Estado  prussiano :  as 
colecções  dos  Arquivos  da  Guerra  ;  as  numerosas 
e  importantes  obras  publicadas  pela  K.  preussis- 
che  Historisches  Institut,  e  entre  elas  a  colecção 
do  Nuntiaturberichte  aus  Deutschland,  a  do  Re- 
pertorium  germanicum,  Regesten  aus  den  pãpstli- 
chen  Archiven . . . ,  etc. ;  os  estudos  publicados 
pelo  Instituto  arqueologic  do  Capitólio^  criado  em 
Roma  em  1829,  etc. 

Vamos  vêr  a  seguir  alguns  trabalhos  especiais 
pela  natureza  dos  assuntos  versados,  sem  termos 
— já  se  vê  —  nem  de  leve  a  pretensão  de  fazer 


122 


um  catálogo  ou  índice  didascálico,  ideográfico 
ou  sistemático  da  opulentíssima  historiografia 
alemã.  Iremos,  somente,  citar,  pela  índole  dos 
assuntos  algumas  colecções,  ou  grandes  obras, 
onde  venham  publicados  na  íntegra  ou  em  extra- 
tos  documentos  inéditos. 

Assim,  acerca  da  história  das  Gálias  no  período 
merovíngio  e  carolingio  são  de  notar  os  Annalen 
des  frãnkischen  Reichs,  de  1872  e  1877;  sobre  os 
burgundos  há  Das  Burgundisch-romanische  koeni- 
greich,  de  Binding;  a  respeito  da  história  do  im- 
pério romano  do  oriente,  e  da  sua  decadência  é 
de  citar  a  enorme  colecção,  dirigida  por  Niebuhr, 
em  quarenta  e  nove  volumes,  do  Corpus  scripto- 
rum  historiae  by^antinae,  de  1828  a  1878(1). 

Também,  não  é  de  omitir  a  Historia  Longobar- 
dorum,  de  Paulo  Dicre  —  sacerdote  do  fim  do  sé- 
culo VIII  —  que  figura  nos  Monumenta  Germaniae, 
de  MoMMSEN,  e  os  Jahrbiicher  dos  reis  francos  de 
Simson  e  de  Dúmmler  —  que  é,  no  dizer  dos  me- 
dievistas,  um  excelente  trabalho  de  compilação 
e  critica  sobre  o  século  ix. 

Mas,  para  não  prolongar  em  demasia  este  tra- 
balho, deixemos  de  parte  todo  o  período  relativo 
à  luta  entre  o  sacerdócio  e  o  império  e  à  questão 
das  investiduras,  desde  1040  a  1 122,  aos  reinados 
de  Frederico  Barbarroxa,  Enrique  VI,  Frede- 
rico II,  da  Sicília  —  período  esse  que  é  hoje  repre- 


(i)  Já  então  estavam  publicadas  as  várias  edições  dos  Scrip- 
tores  historiae  by^antiniae  —  a  de  Louvre,  em  trinta  e  oito  volu- 
mes, de  1645  a  171 1,  e  a  de  Veneza,  de  1733,  em  23  volumes. 


123 


sentado  na  bibliografia  histórica  pela  publicação 
de  numerosíssimos  documentos,  a  maioria  dos 
quais  figura  na  monumental  colecção  de  Pertz 
—  como  os  Annales  Altàbenses  e  Hersfeldenses, 
os  de  Berthold,  de  Reichenau,  o  De  bello  saxo- 
nico,  de  Brun,  e  várias  crónicas,  etc. ;  as  colec- 
ções de  legislação  incluídas  no  tomo  segundo  das 
Leges  dos  Monumenta  Germaniae;  a  História  de 
Giesebrecht  —  com  muitas  transcrições  documen- 
tais ;  as  Acta  imperii  inédita  saeculi  XIII —  pu- 
blicadas por  WiNKELMANN^  OS  Regesta  imperii —  de 

BOEHMER,  etc. 

Também^  o  período  que  vai  desde  a  queda  dos 
Hohenstaufen  até  à  subida  ao  trono  de  Maximi- 
iiano  I  —  da  segunda  metade  do  século  xiii.  até  ao 
fim  do  século  xvi  —  tem  como  fontes  de  estudo 
uma  rica  documentação  já  hoje  publicada  não  só 
nos  Monumenta  Germaniae,  como  nas  Fontes  re- 
rum  Germanicarum  —  dirigidas  por  Boehmer,  nas 
Fontes  reriim  austriacarum  —  publicadas  pela 
Academia  de  Viena,  na  colecção  das  Chroniken 
der  deustschen  Staedt,  etc,  etc. 

O  agitado  período  da  Reforma  está  admira- 
velmente representado  na  historiografia  alemã  do 
século  XIX  quer  pela  publicação  das  documenta- 
ções, pelos  seus  extractos,  excerptos,  citações  e 
índices,  quer  pela  grande  quantidade  de  livros  e 
revistas  que  dela  teem  tratado,  pertencendo  à 
primeira  categoria  a  Bibliotheca  biographica  lu- 
therana,  de  Vogel;  a  Enciclopédia  de  Teologia 
protestante,  de  Herzog;  a  colecção  das  obras  de 


t24 


LuTHERO  na  edição  de  Erlangen,  em  sessenta  e 
sete  volumes,  de  1826  a  1879;  a  Analecta  Luthe- 
rana,  de  Kolde  ;  as  colecções  de  documentos  so- 
bre esse  período  reunidos  por  Foerstemann,  Balau, 
Brieger,  etc,  etc.  (i). 

Mas,  não  é  só  acerca  da  Reforma  que  teem 
sido  numerosíssimas  as  obras  e,  até,  as  colecções 
inteiras,  aparecidas  com  a  publicação  de  manus- 
critos. Também  a  Guerra  dos  trinta  anos  que 
adveio  daquele  importante  acontecimento  histó- 
rico pela  intolerância  dos  católicos  reorganizados 
em  Trento  e  enquadrados  e  disciplinados  pelos 
jesuítas,  e  pelo  calor  proselitico  dos  calvinistas  e 
demais  protestantes  exaltados  pelos  actos  de  fa- 
natismp  católico  de  Fernando  II,  tem  sido  objecto 
de  muito  numerosas  e  importantes  publicações 
de  documentos  sobre  essa  luta  que,  desde  a  de- 
fenestração  de  Praga  e  da  aclamação  de  Fernando 
até  à  paz  de  Westfalia,  absorveu  completamente 
—  com  pequenos  intervalos  —  toda  a  vida  da 
Europa  (2). 

Depois  de  Munster  e  de  Osnabrúck  o  chamado 
Santo  Império  ficava  materialmente  arruinado  e 


(O  Ver  sobre  a  Reforma  na  Alemanha,  em  França  e  em  In- 
glaterra as  bibliografias  publicadas,  respectivamente,  por  Ernest 
Deniz,  Ferdinand  Buisson  e  Ch.-V.  Langlois,  no  tomo  iv  da  His- 
toire  Générale  de  Lavisse  e  Rambaud,  pág.  451  a  454,  535  e  536, 
fgS  e  596. 

(2)  Não  seremos  nós  que  iremos  dar,  sequer  de  relance,  tal 
bibliografia  que  se  encontra  na  Quellenkunde  der  deutschen  GeS' 
chichte,  de  Waitz  ;  na  Histoire  de  la  Guerre  de  Trente  ans,  de 
Chervériat;  na  Histoire  Générale^  de  Lavisse  e  Rambaud,  tomo  v, 
pág.  583  a  586  e  seg. 


Í25 


desorganizado  sob  o  ponto  de  vista  administra- 
tivo, se  bem  que  a  Alemanha  protestante  moral- 
mente ficasse  satisfeita  com  o  estabelecimento  de 
statu  quo  religioso  de  Passau  e  Augsburgo. 

A  fraquesa  do  poder  central  era  cada  vez  maior, 
resultando  daí  uma  pulverização  do  poder  sem- 
pre mais  completa  e  manifesta.  O  imperador 
não  passava  de  uma  palavra  de  protocolo;  êle 
era  —  como  dizia  Frederico  II :  «o  chefe  eleito  de 
uma  nobre  república  de  príncipes». 

Mas,  nesse  período  —  que  vai  de  1648  a  171 5 
—  assiste-se  a  um  acontecimento  cujas  conse- 
quências mediatas  chegaram  até  nós,  e  não  se 
sabe  quando  e  como  terminarão  :  vê-se  o  grande 
eleitor  do  Brandeburgo  transformar-se  em  rei  na 
Prússia  para  se  tornar,  na  verdade,  rei  da  Prús- 
sia. Apesar  de  todas  as  promessas  e  de  todos 
os  compromissos  a  Prússia  começava  com  Fre- 
derico I  a  tornar-se  o  núcleo  de  formação  de  uma 
grande  potência  que  teve  a  sua  sanção  imperial 
em  1870,  e  que  —  di\-se — acabou  em  Versail- 
les  em  1919. 

Como  é  de  calcular  este  período  tem  sido  enor- 
memente estudado,  dispondo  de  uma  bibliografia 
histórica  muito  extensa.  Entre  as  colecções  do- 
cumentais limitar-nos  hemos  a  citar  os  Ui'kunden 
imd  Aktenstucke  ^ur  Geschichte  des  kurfilrsten 
Friedrich-Wilkelm  von  Brandenburg{\). 


(i)  De  1737  a  1754  apareceram  os  cinquenta  volumes  doí 
Teutsches  Staatsrech,  de  Moser. 


Í26 


Durante  o  século  xviii  o  chamado  Santo  Impé- 
rio não  fez  mais  que  continuar  de  facto  a  deca- 
dência a  que  o  votara  o  tratado  de  Westfalia. 

Sob  o  ponto  de  vista  político  o  projecto  ideo- 
lógico dos  teorisantes  da  Idade  Média  transfor- 
mara a  Alemanha  num  pavoroso  caos  de  mais  de 
3oo  Estados  com  as  mais  diversas  designações 
desde  os  reis  e  arquiduques,  dos  condes  pala- 
tinos e  margraves  até  os  landgraves. 

Os  poderes  e  atribuições  dos  chefes  de  tão 
adensada  poeira  de  Estados  mudavam  em  cada 
um,  indo  desde  o  absolutismo  até  às  máximas 
liberdades  republicanas  e  municipais,  sucedendo 
mesmo  tais  variantes  de  governo  no  interior  de 
algumas  dessas  poliformes  células  políticas  onde 
os  privilégios  e  as  imunidades  das  senhorias,  das 
abadias,  ordens  e  capítulos  monásticos  e  ecle- 
siásticos atingiam  o  inconcebível  em  matéria  po- 
lítica e  administrativa. 

Mas,  no  fundo  desse  caos,  no  centro  dessa  ne- 
bulosa, um  corpo  se  ia  organizando,  tomando 
vulto,  constituindo  pouco  a  pouco  a  sua  ossatura, 
adquirindo  consistência  até  à  regidez,  definindo 
as  suas  formas  e  deixando  entrever  os  seus  de- 
sígnios e  projectos. 

Esse  corpo  era  a  Prússia, 

Hesitante  ainda  com  Frederico  I,  atravessa  a 
sua  primeira  fase  de  vascularização  administra- 
tiva com  Frederico-Guilherme,  e  de  tenteante. 
torna-se  firme  com  Frederico  11. 

Como  é  de  calcular,  são  numerosas  e  impor- 


127 


tantes  ascolectanes  documentais  constituídas  pela 
grande  erudição  alemã  acerca  deste  período. 

Além  das  colecções  do  século  xviii  como  as  de 
J.  J.  MosER —  de  que  já  falamos  —  a  de  Haeber- 
LiN,  a  de  Harpprecht,  de  Von  Roth,  etc,  é  de 
enumerar  a  Correspondência  Política  de  Frede- 
rico II,  com  mais  de  trinta  volumes ;  as  Miscel- 
laneen  acerca  da  história  de  Frederico-o-Grande, 
editada  pelos  Arquivos  Reais  da  Prússia;  Acta 
Borusica  ou  Memorias  sobre  a  organização  polí- 
tica da  Prússia  no  século  xviii;  as  Memórias  da 
margrava  de  Baireuth  ;  Cartas  de  Frederico- 
Guilherme  Ia  Leopoldo  de  Dessau,  por  Krauske, 
igo5;  a  Correspondência  intima  de  José  II  com 
Coblent^l  e  Kaunit:{,  por  Brunner,  1871,  etc,  etc. 

Durante  a  Revolução  e  até  ao  golpe  de  Estado 
do  treze  vendimário  que  havia  de  tornar  possível 
a  Napoleão  o  tornar-se  imperador  dos  franceses, 
são  numerosíssimos  os  documentos  de  toda  a 
ordem  —  diplomas,  correspondência  política  e 
diplomática,  relatórios  oficiais,  memórias  e  cor- 
respondências particulares,  etc.  —  que  teem  sido 
publicados  durante  o  século  xix,  e  até  19 14. 

Entre  tantíssimos  outros  trabalhos  indicaremos 
apenas  os  Annalen  Europeische,  por  E.  Posselt  ; 
a  colecção  dos  Teiitsch  Staatskan^ley,  em  trinta 
e  nove  partes,  por  J.  A.  Reuss  ;  as  Mémoires  tires 
d  es  papiers  d^unhomme  d^Etat  sur  les  causes  secré^ 
tes  qui  ont  determine  la  politique  des  cabinets  dans 
la  guerre  de  la  Revolution.  depuis  i']g2  jusqu^en 
i8i5y  em  treze  volumes,  por  Beauchamp  e  Schu- 


128 


bart  ;  as  Memórias  da  condessa  de  Lichtenau,  de 
CusTiNE,  de  Massenbach  ;  os  escritos  de  F.  de 
Gentz,  de  ViVENOT ;  as  Histórias  de  Van  Alpen, 
etc,  etc. 

O  governo  napoleónico  marca  para  a  Alema- 
nha uma  época  de  enorme  perturbação  e  de 
transformações  senão  profundas  —  como  afirma 
Ernest  Denis  —  pelo  menos  incisivas  e  rápidas. 
Desde  a  organização  da  confederação  do  Rheno, 
a  seguir  à  vitória  de  Austerlitz,  até  à  ruina  do 
Grande  Exército  e  à  guerra  da  independência, 
toda  a  vida  politica  alemã  decorre  numa  cons- 
tante agitação.  Não  admira  que  sejam  múlti- 
plos os  vestígios  documentais  dessa  época  —  bas- 
tantes dos  quais  teem  sido  publicados  (i). 

Também,  o  lapso  que  vai  da  conferência  de 
Viena  à  revolução  alemã  de  1 848  é  para  a  exis- 
tência da  confederação  Germânica  uma  época  de 
agitação  de  ideas  literárias,  políticas  e  sociais. 

A  Prússia  que,  como  os  demais  Estados  ale- 
mães, havia  ficado  arruinada,  e  administrativa  e 
economicamente  desorganizada,  melhora  os  seus 
serviços  e  refaz  as  suas  finanças,  completando 


(i)  Na  impossibilidade  de  traçarmos  uma  biografia,  mesmo  su- 
cinta, deste  período  —  o  que  acresceria  muito  este  trabalho,  limi- 
tamo-nos  a  indicar  algumas  obras  que  tem  boas  indicações  bi- 
bliográficas, como :  M.me  de  Stael,  l'Allemagne;  a  já  citada  biblio- 
grafia de  Dahlmann-Waitz,  na  Quellenkunde  der  deutschen  Ges- 
chichte;  a  colecção  da  Revue  Historique^  especialmente  os  artigois 
de  N.  Philippson  ;  as  monografias  de  Ernest  Denis  in  Histoire 
General  de  LaviSse  e  Rambaud,  tomo  ix,  pág.  5oo  a  5o6  e  583  a 
622,  etc, 


129 


essa  importante  obra  da  regeneração  económica 
com  a  criação  do  Zollverein. 

Com  a  criação  da  Universidade  de  Berlim  e  a 
organização  do  Ministério  da  Instrução  o  ensino 
melhora  e  progride  extraordinariamente.  É  a 
época  do  teólogo  Schleiermacher,  dos  juristas 
Gans  e  Savigny,  do  filósofo  Hegel,  do  criador  da 
geografia  moderna  Karl  Ritter,  de  A.  Boekh, 

LaCHMANN  e  WiLKEN. 

É  também  a  época  em  que  Bopp  cria  a  filolo- 
gia comparada,  e  Guilherme  de  Humboldt  funda  a 
linguistica ;  em  que  Eichhorn  aparece  com  o  seu 
Journal  da  sciência  histórica  do  direito  e  inicia  a 
Colecção  de  inscrições  latinas,  em  que  Ranke  surge 
com  os  seus  trabalhos  já  notáveis  quando  se  chega 
à  sua  História  dos  povos  romanos  e  germânicos,  à 
História  dos  papas  (1834  a  i836)  e  à  Alemanha 
na  época  da  Reforma  (1889  a  1847). 

É;  emfim,  a  época  do  grande  renovamento  dos 
estudos  históricos  na  Alemanha  com  o  apareci- 
mento da  monumental  colecção,  algumas  vezes  já 
aqui  citada,  dos  Monumenta  Germaniae  histórica, 
com  a  criação,  nas  Universidades,  dos  seminários 
ou  institutos  históricos,  e  com  a  aparição  dessa 
geração  de  historiadores  eminentes  que  vem  de 
Ranke,  Oncken,  Waitz,  Droysen  e  Sybel  até  Trei- 

TSCHKE. 

Não  admira,  pois,  que  estes  períodos  que  se 
seguem  hajam  merecido  aos  historiadores,  aos 
eruditos,  colectores  e  investigadores  alemães  a 
mais  constante  atenção,  enriquecendo  a  historio- 


3o 


grafia  com  a  publicação  de  numerosíssimos  do- 
cumentos (i). 


Além  da  Prússia  os  outros  Estados  da  Alema- 
nha teem  os  seus  órgãos  de  erudição,  os  seus 
arquivos  e  bibliotecas,  as  suas  revistas,  boletins, 
anuários,  etc. 

Ainda  na  Alemanha  propriamente  dita  há  que 
considerar  os  trabalhos  da  Academia  de  Sciên- 
cias  de  Berlim  como  o  Corpus  inscriptionum  lati- 
narum  —  a  obra  prima  da  Academia  dirigida  por 
MoMMSEN,  e  que  é  a  grande  colecção  tipo  das  pu- 
blicações do  género  (2);  o  estudo  das  obras  de 
Platão  e  de  Aristóteles  (3) ;  a  elaboração :  do  Cor- 
pus scriptoriim  historiae  by^antinae — a  chamada 
Byzantina  de  Bonn,  da  famosa  edição  das  obras 
de  Frederico. II  elaborada  pela  «Commission  fiir 
die  poHtische  Gorrespondenz  Friederichs  des 
Grossen»,  do  Corpus  inscriptionum  gi^aecorum,  do 


(i)  São  tão  numerosas  as  colecções  ou  obras  isoladas  com  a 
reprodução  de  manuscritos  de  toda  a  ordem  —  diplomas,  relató- 
rios, papéis  parlamentares,  memórias,  diáinos,  etc.  —  que  nos  limi- 
tamos a  remeter  o  leitor  para  a  já  citada  obra  de  Dahlmann- 
Waitz,  para  o  Manuel  de  Bibliog?'aphie  Historique,  de  Ch.-V. 
Langlois,  e  para  as  bibliografias  que  seguem  os  capítulos  de 
Ernest  Denis  sobre  a  História  da  Alemanha,  nos  tomos  x,  xi  exii 
da  Histoire  General,  de  Lavisse  e  Rambaud. 

(2)  Acerca  da  marcha  dos  trabalhos  na  organização  deste 
Corpus  ver:  Gh.-V.  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  428  a  427. 

(3)  e  edição  académica  de  Aristóteles  por  J.  Bekker,  termi- 
nou em  i836,  e  o  índice  em  1870,  A  seguir  publicaram-se  os  Co- 
mentaria in  Arisiotelem  graeca,  Supplementani  aristotelicum. 


i3i 


Corpus  inscriptionum  atticarum,  dos  Corpos  de 
inscrições  gregas  do  Peloponeso,  da  Cicilia,  da  Itá- 
lia e  da  Europa  ocidental. 

São  ainda  de  notar  os  trabalhos  para  a  colec- 
ção das  obras  dos  escritores  eclesiásticos  gregos 
até  Eusébio;  a  Prosopografia  do  império  romano; 
a  publicação  das  obras  de  Cornelius  Fronto,  e  a 
do  Código  Teodosiano;  os  trabalhos  do  Voca- 
bularium  jurisprudentiae  Romanae,  dos  Acta  Bo- 
russica,  etG< 

Também  é  de  citar  pelos  seus  trabalhos  de  eru- 
dição a  Academia  Real  das  Sciências  da  Baviera, 
cuja  Comissão  histórica  tem  publicado  impor- 
tantes obras  como  uma  Colecção  das  chance- 
larias dos  reis  alemães ;  outra  das  crónicas  ale- 
mãs dos  séculos  XIV  a  xvi;  a  vida  das  Hansas,  de 
1256  a  i53o;  uma  colecção  de  cantos  populares 
alemães,  dos  séculos  xiii  a  xvi ;  e,  especialmente^ 
a  famosa  colecção  dos  Anais  da  história  alemã, 
a  partir  de  714;  e  as  duas  séries  do  Dicionário 
Biográfico^  e  a  colecção  das  monografias  sobre 
a  História  da  S ciência  na  Alemanha. 

Há  ainda  a  lembrar  a  Sociedade  das  Sciências 
de  Leipzig  —  que  tem  trabalhado  no  Corpus  glos- 
sariorum  latinorum;  e  no  das  inscrições  etruscas; 
e  a  Sociedade  Scientífica  de  Gõttingue,  fundada  no 
meado  do  século  xviii,  e  que  se  tem  ocupado  de 
uma  edição  crítica  dos  diplomas  pontifícios  até 
ao  governo  de  Inocêncio  III. 

Também,  a  Áustria  tem  publicado  diversas 
grandes  colecções  de  obras  históricas  e  arqueo- 


l32 


lógicas  —  principalmente  as  editadas  pela  Comis- 
são de  estudo  dos  diplomas  e  correspondências  re- 
lativas à  história  da  Áustria^  pela  Comissão  central 
para  o  exame  e  conservação  dos  monumentos  his- 
tóricos e  artísticos  - —  cri-ada  em  1 853,  reorganizada 
em  1899,  e  que  tem  publicado  desde  1903  as  suas 
Comunicações  —  as    Mittheilungen  —  e    os    seus 
Anuários ;  pelo  Instituto  austríaco  de  estudos  his- 
tóricos—  estabelecido  em  Roma,  desde  1880,  de- 
baixo da  direcção  da  Academia  das  Sciências  de 
Viena,  e  que  tem  publicado  bastos  volumes  de 
Comunicações  sobre  a  história  da  Áustria,  os  do- 
cumentos dasnunciaturas  alemãs  depois  de  1 559, 
etc. 

A  Academia  das  Sciências  de  Viena  tendo 
sido  criada  em  1 847  dedicou-se  logo  ao  trabalho 
com  sumo  ardor.  Entre  outras  obras  importantes 
publicadas  por  essa  instituição  há  que  salientar 
as  Fontes  reriim  austriacarum,  dividida  em  duas 
colecções :  Scriptores,  e  Diplomataria  et  Acta  —  das 
quais  teem  aparecido  várias  dezenas  de  volu- 
mes (i);  os  Monumenta  Conciliorum  generalium 


(i)  Apesar  de  se  ter  resolvido,  ao  planear  as  Fontes^  que  estas 
só  contivessem  documentos  até  Maximiliano  I,  o  certo  é  que  o 
corpo  da  Diplomataria  et  Acta  tem  publicado  várias  colecções  de 
papéis  oficiais  posteriores  àquele  reinado,  isto  é  a  iSig  —  em  que 
começou  a  governar  Carlos  V  —  papéis  esses  que  constam  de  re- 
latos dos  embaixadores  venezianos  na  Alemanha  nos  séculos  xvi, 
XVII,  etc ,  dos  documentos  diplomáticos  sobre  o  Congresso  de 
Soissons,  de  1729  a  1752,  e  das  fontes  da  história  da  Áustria  du- 
rante a  Revolução  francesa. 

Gomo  publicação  periódica  das  FoMíes  teem  existido  os  Afliti- 
vos da  História  Austríaca. 


33 


saeculi  decimi  qiiinti,  ele. ;  os  Monumenta  habsbiir- 
gica  —  mais  tarde  abandonada ;  o  Corpus  scrip- 
torum  ecclesiasticorum  latinoriim  —  que  tem  pu- 
blicado algumas  dezenas  de  volumes  de  textos 
e  de  inquéritos  sobre  manuscritos  patristicos  dos 
depósitos  italianos,  espanhóis  e  ingleses  (i);  e 
várias  publicações  de  natureza  bibliográfica,  lexi- 
cográfica, filológica,  arqueológica,  epigráfica,  nu- 
mismática, etc.  (2). 

Também  a  Suiça  alemã  não  tem  ficado  indi- 
ferente à  publicação  de  colecções  de  documentos 
inéditos  se  bem  que  a  obra  realizada  fique  muito 
àquem  dos  desígnios  e  dos  trabalhos  em  proje- 
cto (3). 

3.°  —  Inglaterra 

Se  bem  que  a  laboriosidade  da  Inglaterra, 
quantoàpublicação  de  inéditos,  esteja  muito  l^^ge 


(1)  Trata-se  da  colecção  da  Bibliotheca  patrum  latinarum  Itá- 
lica, Hispanensis,  Britannica,  etc. 

(2)  Há  ainda  a  recordar  as  obras  colectivas  produzidas  pela 
federação  das  Academias  e  Sociedades  Scientíficas  da  Prússia, 
Áustria,  Baviera,  Saxe  e  Hanover.  A  esse  Cartel  ou  associação 
scientífica  deve-se  o  Thesaurus  Linguae  latinae,  uma  Enciclopé- 
dia das  Sciências  Matemáticas,  e  um  Dicionário  da  língua  egípcia. 

Muitos  outros  exemplos  poderiamos  dar  de  trabalhos  feitos  em 
comum  pela  federação  destas  e  de  muitas  outras  instituições 
scientíficas. 

(3)  Alem  das  instituições  scientíficas  apontadas  e  das  obras 
acima  aludidas  muitas  outras  colectividades  alemãs  teem  publi- 
cado numerosíssimas  colecções  de  inéditos.  Ver  a  série  bem  re- 
cheiada,  se  bem  que  ainda  incompleta,  indicada  por  Ch.-V.  Lan- 
GLOis,  ob.  cit.,  pág.  443  a  469. 


i34 


de  se  poder  comparar  com  a  da  Alemanha,  e 
fique  muito  àquêm  das  forças  dos  seus  recursos 
financeiros  e  das  riquesas  dos  seus  arquivos, 
contudo,  deve  dizer-se,  que  no  decorrer  do  sé- 
culo XIX  bastante  ali  se  trabalhou  nesse  sentido. 

Todo  o  trabalho  de  publicações  foi  precedido 
em  Inglaterra  por  uma  completa  reorganização 
dos  seus  depósitos  de  manuscritos.  A  obra  rea- 
lizada tem  sido  importante,  o  que  levou  Jules 
Flammermont  a  escrever:  «Cest  FAngleterre  qui, 
jusqu'ici,  a  fait  dans  cette  voie  les  plus  grands 
progrès».  E  acrescenta:  «En  même  temps  que 
s'opérait  la  réunion  de  tous  les  anciens  dêpôts 
d'archives  londoniens  dans  le  Public  Record  Of- 
fice, le  directeur  de  ce  grand  établissement  scien- 
tifique  donnait  une  vive  impulsion  à  la  mise  en 
train  de  cette  belle  collection  des  Calendars . . .  (i). 

Efectivamente,  entre  as  principais  publicações 
de  inéditos  in  extenso  ou  em  extracto,  realizadas 
em  Inglaterra,  figuram  as  Publications  of  the  Re- 
cord Commissioners  (2),  que  depois  se  interrompe- 
ram, ficando  em  sua  vez  os  Calendars  of  Stat 
Papers  . . .  que  teem  por  fim  descrever  os  docu- 


(i)  Ver  Jules  Flammermont,  Les  correspondances  des  Agents 
Diploviatiques  étrangers  en  France  avant  la  Révolution^  in  Nou- 
velles  Archives  des  Missions  scientifiques  et  Litteraires,  tomo  vin, 
1896,  p  ágil. 

(2)  Nesta  colecção  teem  aparecido  entre  outras  publicações 
de  vulto  a  reedição  dos  Foedera  de  Rymer,  os  Statutes  of  the 
Realm;  as  colecções  dos  papéis  mais  antigos  das  chancelarias  dos 
Plantagenetas,  e  dos  inventários  dos  arquivos  da  coroa,  e  o  State 
Paper  during  the  reigne  of  Henry  VIII. 


i35 


mentos  por  ordem  cronológica  e  não  da  coloca- 
ção nos  depósitos  (i). 

Essa  colecção  dos  Calendars  dividiu-se  em 
três  séries  conforme  as  secções  do  Satate  Paper 
Office  e  a  natureza  dos  serviços  das  antigas  se- 
cretarias de  Estado:  as  Domestic  Series  —  relati- 
vas aos  serviços  internos  do  país,  e  das  quais  teem 
aparecido  algumas  dezenas  de  volumes  com  pa- 
péis dos  séculos  XVI,  xvii  e  xviii;  as  Foreign  Series 
—  de  que  se  teem  editado  muitos  volumes  sobre 
as  relações  externas  da  Inglaterra  no  século  xiv; 
e  as  Colonial  Series  —  que  igualmente  tem  publi- 
cado muitos  papéis  relativos  às  colónias  britâni- 
cas (2). 


(i)  As  descrições  documentais  feitas  nos  Calendars  constam 
não  só  da  análise  dos  manuscritos  como  dos  extractos,  e,  até,  por 
vezes,  de  longas  transcrições  —  segundo  a  importância  dos  docu- 
mentos estudados.  O  primeiro  tomo  dos  Calendars  apareceu  em 
i856. 

(2)  Há  ainda  a  considerar  as  séries  do  Calendar  Paper  relating 
to  Scotland,  a  do  Calendar  State  Paper s  relating  to  Ireland,  etc, 
etc.  —  que  sobem  já  a  dezenas  de  volumes  publicados,  bem  como 
o  Calendar  oj  the  Patent  Rolls  —  desde  Enrique  II,  com  dezanove 
volumes;  o  Calendar  ofthe  Close  Rolls  —  a  partir  de  Eduardo  I, 
com  II  volumes;  o  Calendar  of  the  Carew  Papers^  preserved  in 
the  Lambei/l  Library  —  que  atinge  seis  volumes;  a  famosa  série 
do  Calendar  of  letters,  despatches  and  State  Papers  relating  to 
negotiations  beteween  England  and  Spain,  preserved  in  the  Ar- 
chives  at  Simancas  (dos  séculos  xv  e  xvi,  em  seis  volumes),  devido 
às  investigações  de  Bergknroth  e  de  Pascual  de  Gayangos. 

Acerca  desta  publicação  vêr  Jules  Flammermont,  ob.  cit.^ 
pág.  nr. 

São  ainda  de  notar  na  mesma  grande  colecção  a  série,  com 
mais  de  dez  volumes,  do  Calendar  of  State  Papers  and  manuscri- 
pts  relating  to  english  affairs,  preserved  in  the  Archives  of  Venise 


i36 


Mas,  assim  como  se  resolveu  limitar  a  extra- 
ctos ou  a  inventários  mais  ou  menos  analíticos 
dos  manuscritos  o  que  anteriormente  se  costu- 
mava fazer  de  publicar  os  documentos  in  integro 
nas  colecções  dos  Record  Commissioners,  também, 
mais  tarde  resolveu-se  simplificar  mais  a  elabo- 
ração dos  Calendars  dos  ouXvos  fundos  ingleses, 
continuando-se  com  o  processo  antigo  nos  inven- 
tários dos  manuscritos  do  State  Paper  Office. 

Há  ainda  a  citar  a  importante  colecção  dos 
Annual  Reports  of  the  Deputy  keeper  of  the  Pu- 
blic Record  s —  que  atinge  bastantes  dezenas  de 
volumes,  tendo  publicado  muitas  centenas  de  do- 
cumentos políticos,  diplomáticos,  administrati- 
vos, etc. 

Além  de  todos  os  trabalhos  até  agora  enume- 
rados tanto  no  texto  como  nas  notas  deste  nosso 
estudo,  são  ainda  de  salientar  as  investigações 
feitas  nos  arquivos  e  bibliotecas  de  Roma,  espe- 
cialmente nos  do  Vaticano,  pelo  R.  Josefh  Ste- 
venson(i),  e  continuadas  por.  W.-H.  Bliss  —  de 
que  resultou  a  publicação  de  extractos  dos  des- 
pachos dos  núncios  em  Espanha,  França,  Flan- 
dres, Alemanha  dos  séculos  xvi  e  xvii,  e  relativos 


dos  séculos  xiii  a  xvpi — cujo  primeiro  volume,  de  Rawdon  Bbown, 
apareceu  em  1864;  o  Calendar  of  entriés  in  the  papel  registers^ 
illustrating  the  history  of  Great  Britain  and  Ireland.;  e  o  Calen- 
dar of  documents  in  France,  illiístrative  of  the  history  of  Great 
Britain  and  Ireland;  etc. 

(1)  Stevenson  tem  no  Calendar  Foreign  Series  estudos  sobre 
o  reinado  de  Isabel. 


i37 


a  assuntos  ingleses  (i),  além  da  edição  de  uma 
excelente  colecção  de  cartas  dos  papas  relativas 
à  história  da  Inglaterra  e  da  Irlanda  na  Idade 
Média,  pelo  laborioso  Bliss. 

Este  mesmo  investigador  fez  também,  por  conta 
do  governo  inglês,  estudos  nos  arquivos  e  biblio- 
tecas de  Stockolmo  —  onde  copiou  muitos  docu- 
mentos relativos  à  Inglaterra. 

Da  mesma  forma^,  os  depósitos  de  manuscritos 
da  Dinamarca  foram  estudados  no  ponto  de  vista 
inglês  por  William  Dunn  Macray,  o  qual  com- 
pletou as  investigações  de  Bliss  quanto  aos  pa- 
péis dos  depósitos  suecos  (2). 

Ainda  com  relação  a  estudos  feitos  no  estran- 
geiro, por  conta  do  governo  inglês,  sobre  história 
da  Inglaterra,  são  de  citar  os  de  Armand  Baschet 
relativos  ao  período  desde  a  aclamação  de  Enri- 
que VIII  até  à  morte  da  rainha  Ana,  especialmente 
dos  despachos  dos  embaixadores  franceses  em 
Londres  (3). 

Além  da  Inglaterra  propriamente  dita  também 
a  Escócia  e  a  Irlanda  teem  as  suas  publicações 


(i)  Esses  trabalhos  encontram-se  relatados  nos  Annual  Re- 
ports  of  the  Deputy  Keeper^  volumes  34.0,  35.°,  36.",  39»,  40.°,  41.° 
e  42.°  Nos  volumes  45.°  e  48.°  figuram  os  instrutivos  Relatórios 
de  Bliss. 

(2)  In  Annual  Reports,  volumes  45.°  a  48.° 

(3)  Idem,  volume  37.»,  pág.  i8o  a  194;  e  volume  39.°,  de  1878, 
pág.  573  a  826  —  em  que  foi  publicado  o  Reperíoire  General  de  tou- 
íes  les  dépêches  et  autres  documents  appartenant  aux  correspon- 
dances  des  ambassadeurs  de  France  successivement  accrédités  en 
Angleterre  depuis  le  régne  d' Henry  VIII  jusqu'au  régne  de 
George  li,  i5og-i7i4. 


i38 


especiais  de  erudição  como  os  Scottish  Record 
Publications,  destinadas  aos  documentos  inéditos 
da  Escócia,  e  os  efémeros  Irish  Record  Publica- 
tions  para  os  da  Irlanda. 

Há  ainda  a  notar  que  depois  de  algumas  ten- 
tativas abortadas  dum  Monumenta  histórica  bri- 
tânica o  governo  inglês  resolveu  fazer  publicar 
uma  colecção  de  crónicas  e  memórias  da  Grã- 
Bretanha  e  Irlanda  durante  a  Idade  média  com  o 
título,  em  idioma  pátrio,  de  The  Chronicles  and 
Memoriais  of  Great  Britain  and  Irland  during  the 
middleages,  e  o  latinizado  de  Reriim  britanicarum 
medii  aevi  scriptores  (i). 

Além  destas  publicações  de  carácter  oficial  há 
ainda  a  notar  as  editadas  por  outras  instituições 
e  revistas,  algumas  das  quais  bastante  produzi- 
ram, tais  como  a  Caxton  Society  e  a  English  his- 
torical  Society  —  ambas  já  extintas  e  que  publica- 
ram muitos  documentos,  crónicas,  etc. ;  as  The 
Camden  Society,  the  Britsh  Record  Society,  Har- 
leian  Society  —  que  teem  publicado  documentos 
históricos  do  maior  valor,  e  esta  última  tornou 


(i)  Nesta  colecção  teem  sido  publicadas  as  crónicas  anglo- 
saxónica  de  Mateus  de  Paris,  Ralph  de  Dicét,  Rooer  de  Hone- 
den;  documentos  jurídicos,  colecções  de  cartas,  obras  literárias, 
cartulários,  documentos  administrativos  —  como  The  Red  Book 
of  the  Exchequer. ;  municipais  —  como  os  Munhnenta  Gildhallae 
Londoniensis ;  e  os  académicos  —  tais  os  Documents  iUustrative  of 
academical  lije  and  studies  at  Oxford. 

Alguns  dos  volumes  desta  colecção  das  Chronicls  and  Memo- 
riais teem  introduções  e  prefácios  da  autoria  de  W.  Stubbs,  o 
qual  mais  tarde  os  reuniu  em  volumes. 


i39 


conhecidos  muitos  obituários  e  registos  monásti- 
cos ;  a  Selden  Society  —  que  se  tem  especializado 
na  história  do  direito  inglês;  a  Navy  Records 
Society  —  que  tem  publicado  documentos  dos 
arquivos  da  marinha,  etc,  etc.(i). 

Traçando,  de  uma  forma  muito  sucinta,  uma 
bibliografia  ideográfica,  ou  por  assuntos,  da  his- 
tória da  Inglaterra,  devemos  relembrar  que,  se  a 
erudição  inglesa  não  tem  acompanhado  passo  a 
passo  a  da  Alemanha  e  da  França,  nem  por  isso 
deixa  de  ser  importante. 

Assim,  para  o  período  medieval,  do  século  v 
ao  XI,  encontram-se  publicadas,  além  das  cróni- 
cas de  TwsYDEN  e  Selden,  de  Fulman  e  de  Galle 

—  conhecidas  desde  a  segunda  metade  do  sé- 
culo XVIII,  as  crónicas  publicadas  pelos  Monu- 
menta  histórica  Britânica  —  que  tem  tido  uma 
vida  difícil,  a  importante  colecção  das  Chroni- 
cles  and  Memoriais  of  Great  Britain  and  Ireland 

—  que  tem  publicado  desde  i858  mais  de  tre- 
•zentos  volumes  (2). 

(1)  Acerca  dos  arquivos  da  Inglaterra  e  das  publicações  iné- 
ditas levadas  a  efeito  nesse  país  vêr:  Jules  Flammermont,  ob.  cii.^ 
1896,  pág.  I  a  V ;  Gh.  Bémont,  Les  Archives  publiques  de  VAngle- 
ierre  et  Vlnventaire  des  Papiers  d'État,  in  Revue  historique^  tômo 
xLvin,  de  1898;  colecção  dos  relatórios  anuais  do  Deputy  Keeper 
do  Public  Record  Office  insertos  nos  Parlamentary  Papers^  com 
apêndices  e  anexos  contendo  inventários  sumários  e  analíticos  dos 
fundos  estudados ;  Ch.-V,  Langi.ois,  Manuel  de  Bibliographie  His- 
torique,  pág.  488  a  504. 

(2)  Nas  Cronicles  figuram,  entre  tantíssimas  outras  :  as  Histo- 
ria novorum,  de  Eadmer;  a  Historia  Anglorum^  do  arquidiácono 
Henry;  as  crónicas  de  Bento  de  Peterborough,  de  Raul  de  Di- 
ceto,  a  de  Gervais  de  Cantorbéry,  etc,  etc.  / 


140 


É  de  notar  que  a  Royal  Historical  Society,  a 
Camden  Society,  a  Anglia  Christiana  Society,  e 
outras  instituições  scientificas  teem  pubicado 
muitas  crónicas  quer  na  íntegra  quer  em  excer- 
ptos  (i). 

Quanto  aos  diplomas  —  as  chartae  —  teem  sido 
igualmente  publicados  no  Codex  diplomaticus  aevi 
saxonici,  de  Kemble  ;  no  Cartularium  saxonicum, 
de  Gray  Birch  —  que  começou  a  aparecer  em  1 883, 
além  da  famosa  colecção  de  Th.  Rymer  de  que 
já  falamos  no  capitulo  anterior. 

Acerca  da  compilação  das  leis  desse  período 
são  de  citar  a  colecção  Tharpe  —  Ancient  laws  and 
institutes  of  England  ~-  para  o  período  anglo- 
saxónico ;  os  quatro  volumes  dos  Tratados  sobre 
os  costumes,  de  Houard  —  para  o  período  anglo- 
normando ;  e  os  dez  volumes  dos  Statutes  of  the 
realm. 

Quanto  à  história  inglesa  até  ao  século  xiv,  são 
de  citar  os  documentos  publicados  por  W.  Stubbs 
nas  suas  Select  charters,  e  os  reproduzidos  nos 
Annales  monastici,  etc,  e  nas  numerosas  publica- 
ções empreendidas  pela  antiga  comissão  dos  Ar- 
quivos públicos  ingleses,  desde  1800  a  i836(2). 

Teem,  também,  sido  publicadas  pouco  a  pouco 


(r)  Assim,  a  Sociedade  dos  Antiquários  de  Londres  tem  pu- 
blicado documentos  muito  importantes,  e  feito  notáveis  repro- 
duções na  sua  memorável  colecção  Vetusta  Monumenta. 

(2)  Acerca  da  publicação  dos  documentos  <?  índices  feita  por 
essa  comissão,  ver:  Seargil-Bird,  A  guide  to  the  principal  of  do- 
cuments  preseceved  in  the  Public  Record  Office  (1891). 


141 


numerosas  crónicas  acerca  de  Eduardo  T,  Eduar- 
do II,  da  agitada  vida  politica  inglesa  no  tempo 
de  Eduardo  III,  Ricardo  II,  Enrique  IV,  Enrique  V, 
durante  a  menoridade  de  Enrique  VI  —  com  os 
expedientes  do  duque  de  Bedford,  as  intrigas  de 
Gloucester,  as  dificuldades  de  Enrique  de  Beau- 
fort ;  e  acerca  da  Guerra  das  duas  rosas,  como  as 
crónicas  de  William  de  Rishanger  —  publicadas 
por  Th.  Riley  ;  as  do  falso  Mateus  de  Westmins- 
ter —  as  Flores  Historiarum ;  a  Historia  Angli- 
cana —  de  Bartolomeu  de  Cotton  ;  as  Cronides 
of  the  reigns  of  Edward  I,  and  Edppard  11 — pu- 
blicadas nas  Rolls  series;  os  Annales  de  Nicolau 
Trevet  —  editadas  por  Th.  Hog  na  R.  Historical 
Society,  1895. 

Também,  a  colecção  das  Rolls  series  tem  publi- 
cado muitas  crónicas  sobre  o  século  xiv,  como  a 
Coníinuatio  chronicarum,  de  Adão  de  Murimuth, 
1 3o3  a  1 346;  a  De  Gestis  mirabilibus  regis  Educar- 
di III,  i322  a  i356,  de  Robert  d'Avesbuy;  a  de 
Geofroi  le  Baker  de  Swynebroke  —  Chronicon 
Angliae,  i3o3  a  i356,  editada  em  1880;  e  o 
Poly chronicon,  de  Ranulf  de  Higden,  até  i36o, 
e  continuada  até  iSTy,  na  colecção  das  Rolls  se- 
ries, em  nove  volumes. 

Igualmente,  sobre  os  acontecimentos  dos  tem- 
pos de  Ricardo  II,  Enrique  IV,  Enrique  V  e  a 
guerra  que  se  seguiu  são  de  citar  o  Chronicon 
Adae  de  Usk,  de  i3jj  a  1404,  publicado  por 
E.  M.  Thompson,  1 876 ;  a  Crónica  da  traição  e 
morte  de  Ricardo  II,  publicada  na  Engl.  hist>  SoCf 


í4^ 


1846,  por  B.  Williams;  as  Gesta  Hnrici  V,  do 
mesmo ;  as  Memoriais  of  Etiry  VI,  do  secretário 
desse  rei,  Bekynton,  publicadas,  em  1872,  por 
J.  Williams  ;  a  An  english  chronicle,  por  S.  David, 
in  Camden  Society,  1 856 ;  ^  Chronicle,  de  J.  Wark- 
worth;  as  Pasten  Letters,  editadas,  em  1872,  por 
J.  Gaisdner  —  acerca  da  história  da  civilização, 
especialmeme  dos  costumes,  etc,  etc. 

Com  relação  ao  reinado  de  Enrique  VII,  são 
de  notar  a  Vita  regis  Enrici  VII,  de  Bernardo 
André_,  publicada  por  J.  Gairdner  nas  Rolls  se- 
ries, em  i858;  os  Materiais  para  a  história  do  reino 
de  Enrique  VII,  reunidos  entre  os  manuscritos  dos 
arquivos  e  publicados  por  Will.  Campbell  nas 
Rolls  series,  1873,  etc. 

Sobre  Enrique  VIII,  Eduardo  VI  e  o  seu  rei- 
nado da  «tirania  protestante»,  e  Maria  Tudor  ç 
a  odiosa  reacção  católica  são  de  enunciar  as  co- 
lecções do  Calendar  of  letters  and  papers,foreing 
and  domestic,  of  the  reign  of  Henry  VIII,  de 
i5o9  a  i538,  publicado  por  Brewer  e  Gaird- 
ner, em  treze  volumes,  de  1862  a  1898;  o  Ca- 
lendar of  State papers,foreign  series,  ofthe  reign  of 
Edward  VI,  de  1547  ^  i553,  publicado  por  W. 
B.  Turnbull;  e  o  Calendar,  etc,  do  reinado  de 
Maria  Tudor,  i553  a  i558,  pelo  mesmo  autor, 
em  1861. 

Se  bem  que  a  história  da  Inglaterra  durante 
a  época  tremenda  de  Isabel  Tudor  e  de  Maria 
Stuart  parece  não  ter  ainda  na  bibliografia  inglesa, 
quanto  às  publicações  documentais,  o  lugar  im- 


143 


portante  que  lhe  assinalam  os  acontecimentos 
sucedidos,  entretanto  não  está  inteiramente  em 
branco,  e  o  mesmo  sucede  ao  período  que  vai  da 
morte  de  Isabel  à  execução  de  Carlos  I. 

O  mesmo  quási  pode  dizer-se  do  período  repu- 
blicano e  da  época  que  vai  da  dissolução  do  ve- 
lho parlamento  até  à  restauração  dos  Stuarts, 
com  a  aclamação  de  Carlos  II. 

Porém,  desde  o  governo  de  Clarendon  e  de  Dan- 
bry  até  à  morte  da  rainha  Ana,  em  1714,  é  muito 
numerosa  a  documentação  publicada,  e  que  se 
encontra  na  colecção  dos  Statiites  of  the  realm, 
tomos  V,  VI,  VII  e  viii ;  os  Calendars  \  of  state 
papers,  1649  a  1667,  em  dezanove  volumes,  pu- 
blicados por  EvERETT  Green;  as  colecções  de 
documentos  parlamentares,  de  Cobbett;  o  Ca- 
lendar  of  the  proceding  of  the  committee  for  the 
advance  ofmoney,  por  Everett  Freen^  em  três 
volumes,  1888  —  acerca  da  República  e  de  Crom- 
w^ell;  o  Diary,  de  Burton,  em  quatro  volumes, 
1828  —  sobre  o  mesmo  período  (i),  etc. 

De  Carlos  II  à  rainha  Ana  aparecem,  muito  ci- 
tados, o  Diary  de  Pepy,  edição  de  1898  ;  a  Cor- 
respondência^ em  dois  volumes,  de  Ellis,  1829 ;  a 
Pripate  and  original^  correspondênce  of  Charles 
Talbot,  Duke ofSchrejpsbury,  publicada,  em  1 82 1 , 
por  Coxe  ;  as  Memoirs  of  John  Duke  of  MarlbO' 


(1)  Sobre  a  época  da  República  e  de  Cromwell  são  muito  ci- 
tados os  Papers  de  Thurloe,  em  sete  volumes,  1742,  com  enorme 
quantidade  de  documentos  sobre  o  conselho  de  Estado  no  tempO 
dos  Cromwells. 


144 


rough  with  his  original  correspondance;  1820,  em 
seis  volumes,  editadas  pelo  mesmo  Coxe  e  com- 
pletadas com  The  letters  and  Dispatches  of  J.  D. 
of  Marlborough,  edição  de  Murray^  1845,  etc.,. 
etc. 

O  século  XVIII  inglês  constitue  uma  época  muito 
importante  na  história  geral.  Com  Jorge  I,  prín- 
cipe antipático  e  estranho,  a  coroa  começa  a  per- 
der o  seu  velho  prestigio. 

Não  mais  monarquia  de  direito  divino,  não 
mais  rei  omnisciente  e  indiscutível,  pois  o  hanove- 
riano  monarca,  alemão  em  tudo,  para  nada  saber 
desconhecia  uma  palavra  de  inglês.  O  prestígio 
e  a  força  moral  e  efectiva  que  a  realeza  ia  pouco 
a  pouco  alienando  —  com  o  parêntesis  do  reinado 
de  Jorge  III  —  vão  sendo  ganhos  pela  câmara 
electiva  e  pelo  chefe  do  governo  ou  primeiro  mi- 
nistro, especialmente  quando  este  se  chamava 
R.  Walpole,  William  Pitt  ou  Robert  Peel. 

Se  é  durante  o  governo  do  primeiro  que  a  In- 
glaterra, atravessando  um  longo  período  pací- 
fico de  vinte  e  um  anos,  pode  organizar-se  eco- 
nomicamente, é  durante  a  ditadura  do  segundo 
que  a  Inglaterra  se  espande,  grangeando  uma 
forte  posição  internacional  e  adquirindo  nume- 
rosas colónias  enquanto  os  Estados  do  continente 
se  esgotavam  nas  contínuas  guerras  das  Suces- 
sões de  Espanha,  da  Polónia  e  da  Áustria,  guerra 
dos  sete  anos,  etc. 

Mas,  acima  dos  seus  progressos  materiais  há 
(JUe  especificar  que  neste  período  aparece^  com 


145 


o  panfleto  North  Briton  de  Wilkes  e  as  Cartas 
de  JuNius,  a  imprensa  política  que  pouco  a  pouco 
vai  adquirindo  importância  até  se  tornar  a  força 
invencível  que  é  hoje. 

Tal  período  é  representado  na  literatura  histó- 
rica inglesa  por  numerosas  publicações  de  docu- 
mentos, especialmente  as  Correspondências  e  as 
Memórias^  sendo  de  citar  o  Calendar  of  Home 
Office  Papers,  17Õ0  a  1772,  editado  por  Reding- 
TON  em  1 878  e  continuado  por  Roberts  em  1 88 1 ; 
a  importante  colecção  da  Parliamentary  History 
of  England,  começada  por  Cobbett,  e  continuada 
por  Cavendish  sob  o  título  de  Debats  ofthe  hoiise 
of  Commons  (1768  a  1771),  edição  de  Wrigth,  em 
dois  volumes,  de  1841  ;  o  Diary  (17 14  a  1720), 
de  Mary  Cowper,  em  oito  volumes,  1864;  as  Me- 
moirs  of  the  reign  of  George,  de  Lord  Hervey, 
em  dois  volumes,  1 848  :  as  Historical  and posthu- 
mous  memoirs,  de  Wraxall,  em  cinco  volumes ; 
as  Memórias  do  reinado  de  Jorge  7//(i  760  a  1 772), 
de  H.  Walpole,  em  quatro  volumes,  em  1894(1); 
as  Memórias  de  Chesterfield^  de  1893  ;  as  de  Ro- 
CKiNGHAM,  em  quatro  volumes,  em  i852,  e  as  de 
Henry  Grattan,  em  cinco  volumes,  editadas  por 
seu  filho  em  1889 ;  os  Papers  de  Grenville,  i852, 
em  quatro  volumes,  etC;  etc. 

O  período  da  Revolução  francesa  tão  cheio, 
na  política  britânica,  de  incidentes  desde  as  ma- 


(i)  Do  mesmo  H.  Walpole  são  de  citar  o  Journal  ofthe  reign 
(1771  a  1783),  em  dois  volumes,  edição  de  Doran,  iSSg;  e  as  Let- 
terSi  en^  nove  volumes,  edição  de  Cunningham,  de  1880. 
10 


146 


nifestaçôes  das  «Sociedades  de  correspondência», 
de  Londres,  em  favor  da  Revolução,  e  das  pugnas 
parlamentares  entre  Fox,  Burk,  Tierney  e  o  chefe 
do  governo  Villiam  Pitt  até  aos  reflexos  da  morte 
de  Luís  XVI  sobre  a  politica  inglesa ;  às  medidas 
de  repressão  contra  os  sediciosos  e  perturbado- 
res da  ordem,  especialmente  os  irlandeses  revol- 
tados; a  entrada  da  Inglaterra  nas  coligações  do 
continente  contra  a  Revolução  francesa ;  às  per- 
turbações populares  de  Londres ;  à  revolta  das 
esquadras  de  Portsmouth,  e  do  Tamisa,  etc,  tal 
período  —  iamos  dizendo  —  tem  a  sua  biblio- 
grafia documental  bastante  rica. 

Nela  figuram :  a  Correspondence  de  W.  Pitt,  i  890; 
os  Diaries  and  correspondence  of  Rose,  1860;  os 
Discursos  de  Pitt,  em  três  volumes,  18 17;  os  de 
Fox,  em  seis  volumes,  1 8 1 5  ;  as  Memoriais  and 
correspondance  of  Fox,  edição  de  John  Russell, 
em  três  volumes,  i853';  as  Memoirs  of  the  jphig 
party  during  my  times,  de  R,  Holland,  em  dois 
volumes,  1854;  as  Memoirs  of  the  courtand  cabi- 
nets  of  George  the  third,  edição  do  duque  de  Bu- 
ckinghhm,  em  quatro  volumes,  i863;  etc. 

As  mesmas  publicações  documentais  podem 
citar-se  para  a  história  inglesa  durante  a  época 
napoleónica. 

A  partir  do  congresso  de  Viena  até  à  queda 
simpática  do  generoso  Robert  Peei,  em  1846  — 
depois  de  conseguir  vêr  votada  a  lei  autorizando 
a  entrada  livre  dos  cereais  em  Inglaterra  —  a  his- 
tória deste  país  é  agitada  não  só  por  lutas  poli- 


H1 

ticas  como  por  uma  profunda  crise  económica  e 
por  uma  grave  questão  social  —  da  qual  o  «mas- 
sacre de  Manchester»  foi  uma  das  mais  ostensi- 
vas manifestações,  sem  excluir  os  escândalos  do- 
mésticos entre  a  família  real,  dada  a  vida  irregu- 
lar que  o  libertino  Jorge  IV  e  sua  esposa,  a  rai- 
nha Carolina,  levavam  cada  um  para  seu  lado. 

E  de  recordar  que  essa  é  a  época  de  Castle- 
REAGH,  e  Liverpool,  do  lord  John  Russel,  de  Can- 
NiNG,  do  livre-cambista  Huskisson  —  que  tornou 
possível  o  aparecimento  das  Trade-Unions,  de 
Robert  Peei,  do  duque  da  Vellington,  dos  condes 
Grey  e  de  Shaftesbury,  de  0'Connel  e  Cobden, 
etc,  etc. 

E  também  essa  a  época  das  reformas  econó- 
micas e  sociais  dos  tories,  da  reforma  eleitoral  e 
da  reforma  social  dos  wighs,  e  das  reformas  mu- 
nicipais, postais  e  escolares. 

Assim,  acerca  desse  período  as  obras,  publi- 
cando documentos,  consistem  nas  colecções  de 
legislação  e  de  papéis  parlamentares  e  em  Me- 
mórias, correspondências  e  discursos  dos  políti- 
cos de  mais  nomeados  nesse  tempo.  Outro  tanto 
sucede  nos  períodos  posteriores  até  à  actuali- 
dade. 

4.°  — Itália 

Terminadas  as  lutas  napoleónicas  e  acalmado 
o  nervosismo  que  desencadeou,  especialmente 
nos  países  do  sul,  a  acção  retrógrada  e  as  vio- 
lências intervencionistas  da  Santa  Aliança,   le- 


T48 


vando  mais  uma  vez  à  invasão  da  Itália  pelos 
austríacos  —  o  que  provocou  aí  a  natural  reacção 
de  carácter  liberal  e  patriótico,  começam  a  apa- 
recer aqui  e  ali,  na  Itália,  sintomas  de  renasci- 
mento scientífico. 

Entre  eles  figura  a  criação,  em  Turim,  em  Abril 
de  i833,  pelo  rei  Carlos  Alberto  da  Regia  Depu- 
ta^ione  sopra  gli  studii  di  Storia  pátria  destinada 
«a  trabalhar  na  publicação  de  uma  colecção  de 
obras  inéditas  ou  raras  que  interessem  a  história 
nacional,  e  num  «  Codex  diplomaticus  dos  nossos 
Estados». 

Efectivamente,  essa  comissão,  que  funcionava 
na  Secretaria  de  Estado  do  Interior,  publicou 
algumas  obras  muito  importantes  como  os  Monu- 
menta  historiae  patriae  —  com,  pelo  menos,  vinte 
volumes;  a  Biblioteca  storica  italiana  (r);  e  a  co- 
lecção das  Miscellanea  di  storia  italiane^  criada 
em  1860. 

Foi  neste  mesmo  ano  que  foram  criadas  outras 
três  comissões  de  história  pátria  —  como  a  de  Tu- 
rim, em  Bolonha,  Modena  e  Parma. 

A  Regia  Deputa^ione  per  le  provinde  di  Roma- 


( I )  Na  série  da  Biblioteca  storica  italiana  foi  publicada  a  im- 
portante Bibliografia  storica  degli  Stati  delle  Monarchia  di  Sa- 
voia,  por  Manno  e  Promis,  em  seis  excelentes  volumes,  dos  quais 
o  primeiro  trata  da  história  geral  e  os  outros  da  história  local. 

Essa  obra  que  se  publicou  em  Turim,  entre  1891  e  1898,  é  do 
melhor  no  género  que  há  na  Península  itálica,  pois  contêm  uma 
bibliografia  completa  dos  velhos  Estados  da  casa  reinante  da  Sa- 
bóia. 


149 


gna  extendendo  a  sua  jurisdição  a  Bolonha,  Fer- 
rara, Forli  e  Ravena  tem  agrupado  as  suas  pu- 
blicações em  cinco  séries :  Statuti,  Carte,  Crona- 
che,  Atti  e  Memorie,  Documenti  e  Studi;  a  Deputa- 
:{ione  de  Modena  —  compreendendo  Modena, 
Reggio-Emilia,  Massa-Carrara  —  tem  publicado 
os  Monumenti  di  storia  pátria  delle  provinde  Mo- 
denesi  com  três  corpos :  Cronache,  Statuti,  Atti  e 
Memorie;  a  de  Parma  tem  publicado  os  Monu- 
menti, divididos  em  Chronache,  Statuti,  Códice  di- 
plomático, além  de  uma  Bibliografia  storica  delle 
provinde  Parmensi. 

Dois  anos  depois,  por  decreto  de  27  de  No- 
vembro de  1862,  era  criada  a  Regia  Deputa:{ione 
sopra  gli  studi  di  Storia  pátria  per  le  provinde  tos- 
cane  et  per  VUmberia;  sendo  anexadas,  também, 
então  a  Comissão  histórica  da  Regia  Accademia 
de  Luchese  e  a  Sociedade  florentina  que  publicou 
o  famoso  Archivio  storico  italiano. 

Reorganizada  em  1 864  essa  Deputa^ione  con- 
tinuou a  publicar  o  Archivio  que  aparecera  pela 
primeira  vez  em  1842  «dont  le  role  politique  — 
informa  Langlois  —  avait  été  comparable  à  celui 
de  la  Societé  dos  Monumenta  Germaniae  histórica, 
en  AUemagne,  et  dont  le  role  scientifique  est  reste 
de  premier  ordre»  (i). 

Ainda  essa  operosa  Deputa^ione  toscana  tem 
publicado  a  partir  de  1 867  uma  colecção  de  Do- 


(i)  Langlois,  ob.  cit,,  pág.  5i5  e  5 16. 


1 5o 


cumenti  di  storia  italiana^  especialmente  relativa 
ao  passado  da  Toscana,  Ombria  e  Marcas. 

Além  de  todas  estas  Deputaiioni  ou  Comissões 
de  trabalhos  históricos — umas,  como  as  de  Turim 
e  Florença,  bastante  subsidiadas  pelo  governo 
depois  da  unificação  italiana,  outras  a  expensas 
dos  organismos  e  subscritores  locais  —  muitas 
outras  instituições  teem  existido  na  Itália  dedi- 
cadas aos  estudos  e  publicações  da  história  de 
Itália. 

Podemos  enumerar  entre  outras  a  Regia  De- 
puta^ione  di  storia  pátria  de  Veneza  (i);  a  Società 
ligure  di  storia  pátria,  com  a  sede  em  Génova  (2) ; 
a  Societá  siciliana  di  storia  pátria  (3) ;  a  Societá 
napoletana  di  storia  pátria  (4) ;  a  Societá  storica 


(1)  Esta  comissão  veneziana,  criada  em  1873,  começou  três 
anos  depois  a  publicar  os  Monumenti  di  storia  veneta. 

Esta  muito  importante  colecção  consta  de  cinco  séries :  os 
Documentos  e  regestos.  Estatutos  e  leis,  Crónicas,  Miscellânea,  e 
Actas  da  Sociedade. 

Também,  a  Deputapone  publicou  a  grande  e  importante  co- 
lecção dos  Diarii  de  Marino  Sanudo,  que  apresentam  grande  im- 
portância para  o  conhecimento  da  história  de  Itália  e  da  história 
da  Europa  em  geral.  Ainda  essa  comissão  tem  publicado  a  sua 
Revista  que  era  o  Archivio  veneto,  depois  de  1891  intitulado  Nuovo 
Archivio  veneto. 

(2)  Esta  Soc/eíá,  fundada  em  iSSy,  tem  publicado  os  ^í/i  delia 
Societá  ligure. 

(3)  A  Societá  siliciana,  fundada  em  Palermo  em  iSyS,  publica 
o  Archivio  siorico  siciliano  e  os  Documenti  per  servire  alia  storia 
di  Sicilia,  em  quatro  séries  :  Diplomática,  Fonti  dei  dirito  siculo, 
Epigrafia,  e  Cronache. 

(4)  A  Societá  napoletana,  criada  em  187 5,  tem  publicado  o 
Archivio  storica  per  le  provinde  napoletane,  e  os  Monumenti  sto- 
rici. 


i5i 


lombarda  (2) ;  a  Regia  Societá  romana  di  storia  pá- 
tria (2) ;  etc,  etc. 

Mas,  faltava  um  organismo  que  coordenasse 
o  trabalho  dispersivo  das  comissões  e  sociedades 
locais  de  história,  emfim,  que  centralizasse  as 
funções  de  plano  e  de  trabalho  iniciais,  e  irra- 
diasse acção,  conseguindo  de  todos  os  organismos 
locais  um  trabalho  conjugado  e  sinérgico. 

Foi  isso  que  se  começou  a  obter  com  a  fun- 
dação, em  Roma,  do  Instituto  storico  italiano^  em 
i883. 

Caracterizando  esse  organismo  escreve  Lan- 
GLOis :  «O  Instituto  storico  italiano,  instalado  no 
Palazzo  dei  Lincei  alia  Longara,  em  Roma,  cor- 
responde ao  mesmo  tempo  ao  «Comité  dos  tra- 
balhos históricos»  que  funciona  junto  do  Mi- 
nistério da  Instrução  pública  francês  e  ao  Comité 
directivo  da  Sociedade  dos  Monumenta  Germa- 
niae  storica»  (3). 

Apesar  de  jovem  é  já  muito  importante  a  folha 
de  serviços  do  Instituto.  Tem  êle  publicado^  a 
partir  de  1 887,  as  Fontiper  la  storia  d' Itália,  com 
quatro  séries :  Scrittori,  Epistolari  e  regesti,  Statuti, 
e  Leggi,  sendo  essa  colecção  geral  inaugurada 
pela  publicação  das  Gesta  Frederici  I  in  Itália. 


(i)  A  Societá  lombarda,  fundada  em  1876,  tem  publicado  o 
Archivio  storico  lombardo. 

(2)  Foi  fundada  em  1877,  e  tem  publicado  o  Archivio  delia  Re- 
gia Societá  romana,  a  sua  Biblioteca.,  e  os  Monumenti  paleogra- 
fici  di  Roma,  onde  teem  aparecido  importantes  colecções  de  di- 
plomas imperiais  e  reais  e  das  chancelarias  italianas. 

(3)  Ch.-V.  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  517. 


l52 


Se  bem  que  a  colecção  das  Fonti  tinha  em 
vista  substituir  e  continuar  os  Scriptores  rerum 
italicarum  de  Muratori,  da  primeira  metade  do  sé- 
culo xviii,  viu-se  a  dificuldade,  senão  impQssibi- 
dade,  de  levar  a  efeito,  sem  enorme  despesa  e 
grande  demora,  tão  monumental  e  difícil  aspiração 
pelo  que  se  desistiu  dela,  tornando-se  tais  Fonti 
uma  colecção  de  documentos  inéditos,  especial- 
mente relativos  à  história  de  Itália  na  Idade  Mé- 
dia. Alem  das  Fonti,  tem  publicado  o  Instituto 
o  seu  Bulletino. 

Muitas  outras  instituições,  revistas  e  boletins 
teem  aparecido  consagrados  aos  estudos  históri- 
cos e  bibliográficos,  documentando  uma  vida 
scientííica  extensa  e  progressiva  (i). 

Se  a  Itália,  por  motivos  de  ordem  política  en- 
tre os  quais  é  de  especializar  a  sua  tardia  unifica- 
ção, não  tem  ainda  uma  literatura  histórica  muito 
opulenta  quanto  á  publicação  dos  seus  inéditos, 
e  se  tomarmos  em  consideração  a  riquesa  docu- 
mental dos  seus  arquivos,  não  há  dúvida  que  no 
decorrer  do  século  xix,  e  até  agora,  não  ficaram 
completamente  inactivos  —  como  temos  visto  — 
os  prelos  quanto  à  divulgação  dos  documentos. 


(i)  Para  um  mais  desenvolvido  conhecimento  do  progresso 
das  sciências  históricas  em  Itália,  quanto  à  organização  dos  seus 
arquivos  e  bibliotecas,  à  publicação  das  colecções  de  inéditos,  e  ao 
ensino  superior  da  história,  ler  :  Rivista  filosófica,  1900,  pág.  3 19; 
Rivista  storica  italiana,  1 890,  pág.  649 ;  colecção  do  Bullotino  do 
instituto  storico;  Journal  des  Savants,  1908,  pág.  491,  etc.  —  acerca 
das  publicações  áà  Academia  dei  Lincei;  Ch.-V.  Langlois,  ob.cit., 
pág.  5i3  a  524. 


i53 


A  colecção  dos  Monumenta  historiae,  de  Turim 
—  a  que  já  aludimos  tem  publicado  vários  diplo- 
mas, crónicas,  anais,  etc,  tais  como  o  Liber  ju- 
rium  repiiblicae  Januensis,  editado  por  Ricotti  ; 
as  Crónicas^  de  Asti,  etc,  etc. 

Outras  crónicas  teem  aparecido  no,  já  acima 
aludido,  Archivio  storico  italiano,  como  os  Annali 
veneti^  de  Malipiero;  o  Chronicon  de  Matarazza; 
a  Crónica  de  Martin  de  Canal,  etc. 

Apesar  disso,  e  do  concurso  fornecido  pelos  ins- 
titutos históricos  estrangeiros  —  como  os  da  Ale- 
manha, Áustria,  França,  etc,  que  teem  funcionado 
em  Roma  e  publicado  numerosos  manuscritos  dos 
arquivos  italianos  —  são  ainda  muito  numerosas 
as  crónicas  que  estão  por  publicar  acerca  da  agi- 
tada história  italiana  dos  séculos  xiii,  xiv  até  ao 
fim  do  século  xvi —  à  abdicação  de  Carlos  V,  à 
batalha  de  S.  Quintino  e  ao  tratado  de  Cateau 
Cambresis.  Contudo,  é  de  notar  que  acerca  desse 
período  já  estão  impressos  :  o  Chronicon  de 
Salimbene  Parmensts,  as  Crónicas  de  Leonardo 
Bruni,  o  De  Gestis  italicorum  post  mortem  Hein- 
rici  VII;  as  Vidas  dos  homens  ilustres  do  século  XV, 
de  Vespisiano  de  Bisticci;  o  Diário  de  Burchard, 
edição  de  Thuasne(i);  as  Relacione  de gli  ambas- 
ciatori  veneti,  por  Alberi,  1889  a  1862;  o  Carta- 
gio  diplomático  dei  I4g3  ai  I4g6,  por  Cesare  Fou- 


(i)  Trata-se  da  edição  de  Paris,  i883  a  i885,  publicando,  em 
apêndice,  vários  documentos  diplomáticos  inéditos  dos  arquivos 
de  Florença  muito  importantes  para  a  história  do  pontificado  de 
Alexandre  VI. 


i54 


CARD ;  a  Storia  documenta  de  Vene^ia^  de  Romanis, 
em  várias  edições,  desde  i853;  os  Dispacci,  de 
Ant.  Giustinian,  edição  Villari,  1876;  etc. 

O  período  da  dominação  espanholando  meiado 
do  século  XVI  ao  meiado  do  século  xvii,  consti- 
tuindo uma  época  de  decadência  moral  e  politica, 
de  intolerância  religiosa  e  de  desorganização  eco- 
nómica, é  marcado  na  bibliografia  histórica  por 
uma  grande  actividade.  Porém,  as  colecções 
documentais  mais  importantes  são,  sem  dúvida, 
a  das  Relaiioni  degli  ambasciatori  veneti  ai  senato, 
obra  editada  no  século  xix;  e,  depois,  os  Annali 
d' Itália,  de  Muratori,  nova  edição  em  quarenta 
volumes,  de  Florença,  1827  a  1882;  as  Relaiioni 
diplomatiche  delia  monarchia  di  Savoia  dalla  prima 
alia  seconda  restaura^ioite  (iSSg  a  18 14),  edição 
de  Manno  e  Ferrero,  de  Turim,  1 890,  continuada 
sob  o  patrocínio  do  comité  piemontês  de  história 
nacional. 

O  século  XVIII,  que  é  em  toda  a  Europa  civili- 
zada uma  época  de  reformas,  não  deixou  de  todo 
indiferentes  os  Estados  italianos,  se  bem  que  al- 
guns, como  as  Repúblicas  de  Veneza  e  Génova  e 
os  domínios  pontifícios  teimassem  em  ficar  divor- 
ciados de  tal  corrente. 

Porém,  ao  contrário  desses  há  notar  a  obra 
realizada  no  reino  da  Sardenha,  especialmente 
no  tempo  de  Vítor-Amadeu  H  e  menos  com 
Carlos-Manuel  III  e  Vítor-Amadeu  III.  Mas,  é 
principalmente  no  grã-ducado  da  Toscana  —  no 
tempo  de  Leopoldo,  e  no  reino  de  Nápoles  —  du- 


i55 


rante  o  governo  de  Carlos  de  Bourbon,  ou  do  seu 
ministro  Bernardo  Tanucci  que  a  actividade  re- 
formista se  fez  sentir. 

Deste  período  teem  aparecido,  que  nós  saiba- 
mos, entre  outras  obras:  as  Rela:(ioni diplomatiche 
delia  monarchia  di  Savoia  delia  prima  alia  seconda 
restaiiraiione  (lySg  a  1814),  Turim,  1890,  etc; 
Lettere  di  Vittorio  Amadeo  II  a  Maro^^o  delia 
Rocca,  Turim,  1887;  Cartas  e  outros  papeis  de 
Clemente  XIV;  Memorie  storiche  degli  ultimi  cin- 
quanfamti  delia  republica  veneta,  Veneza,  1854, 
por  Mentinelli  ;  d'Ayala,  Memorie  storico -militar i 
dal  1JS4  ai  181S;  Correspondência  de  Tanucci 
com  o  abade  Galiani,  in  Arch.  storico  napoL,  to- 
mos xxYiii,  XXXI,  e  in  Arch.  stor.  ital.,  tomos  iii  e 
VI,  etc,  e  tomos  xx  e  xxv,  etc. 

A  agitada  época  da  Revolução,  com  os  seus 
reflexos  na  Itália,  com  as  campanhas  de  Bona- 
parte, as  lutas,  as  transformações  por  que  passou 
esse  pais  nos  pontos  de  vista  politico  e  adminis- 
trativo tudo  isso  tem  hoje  uma  bibliografia  senão 
muito  numerosa  pelo  menos  muito  interessante. 
São  de  enumerar  os  Annali  d^Itali  dei  iqSo  ai 
1861^  por  Ant.  Coppi;  as  Memórias  sobre  as  guer- 
ras dos  Alpes  e  os  acontecimentos  de  Piemonte . . . , 
de  Thaon  de  Revel,  Turim,  1871  ;  Memorie,  do- 
cumenti  et  lettere  inedite,  de  Melzi  d'Eril,  em  dois 
volumes,  1868;  Fábio  Mutinelli,  Memorie  stori- 
che degli  ultimi  cinquenti  anni  delia  republica  di 
Vejie{ia,  Veneza,  1 85 1  ;  a  Historia  documentata  di 
Vene{ia,  de  Romanin,  em  onze  volumes,  Veneza, 


i56 


i852  a  1864;  o  Diário  romano  deglianni  rygS  ai 
^799i  V^^  ^'  ^'  Sala,  em  quatro  volumes,  edi- 
tado de  1888  a  1892;  os  Carteggios  da  rainha 
Maria  Carolina  com  o  cardeal  Rufo,  em  1799,  e 
o  do  Cardeal  Rufo  com  o  ministro  Acton,  1799. 

Durante  o  período  napoleónico  a  Itália  —  es- 
pecialmente a  do  norte  —  tornou-se  a  principio 
o  calcadouro  dos  exércitos  franceses  e  austríacos 
em  luta ;  depois  passa  a  ser  um  taboleiro  de  com- 
binações políticas  de  Napoleão  com  a  criação  da 
República  cisalpina  ou  italiana,  a  anexação  do 
Piemonte  à  França,  a  reorganização  da  Repú- 
blica ligúrica,  e  as  reformas  no  Veneto,  Toscana, 
Roma  e  Nápoles. 

A  seguir,  vê-se  a  criação  do  reino  de  Itália  sob 
o  septro  napoleónico  com  a  vice-realeza  de  Eu- 
génio de  Beauharnais,  e  a  sucessiva  incorporação 
da  Venetia,  Ligúria,  ducado  de  Parma,  reino  da 
Etrúria  e  Roma  naquele  reino,  emquanto  o  go- 
verno de  Nápoles  passa,  sucessivamente,  das 
mãos  de  Fernando  IV  para  as  de  José  Bonaparte 
e  para  as  de  Murat. 

Entende-se  que  um  tal  período  era  bem  de 
natureza  a  deixar  importantes  vestígios  não  só 
de  carácter  oficial  como  particular.  Efectiva- 
mente, foram  importantes  esses  subsídios  docu- 
mentais como  se  pode  vêr  precorrendo  a  obra 
monumental  de  Alberto  Lumbroso,  Bibliqgraphia 
ragionata  deWépoca  napoleonica 

Vencido  Napoleão  aumenta  em  Itália  a  agita- 
ção política. 


.57 


É,  primeiro,  a  revolta  de  Milão  que,  feita  ao 
mesmo  tempo  por  três  facções  ou  agrupamentos 
políticos  de  ideais  e  planos  diversos,  e  até  anta- 
gónicos, descamba  na  confusão  e  na  desordem, 
condicionando  assim  a  dominação  austríaca.  Se 
em  Milão  o  príncipe  Eugénio  fora  vencido^  em 
Nápoles  Murat  era  ainda  mais  infeliz,  pois  não 
só  via  as  suas  tropas  derrotadas  e  o  seu  trono 
desfeito,  como  por  fim,  êle  próprio  caido  numa 
cilada  era  fusilado. 

O  período  que  se  segue  —  o  das  Restaurações 
—  é  ainda  mais  movimentado,  e  ainda  mais  des- 
favorável aos  desígnios  da  política  italiana  libe- 
ral e  una. 

O  absolutismo  político  interno  de  mãos  dadas 
com  o  inimigo  histórico  da  Itália  —  a  Áustria^  vai 
pouco  a  pouco  apossando-se,  primeiramente  do 
governo  da  Lombardia  e  Venecia,  e  depois,  com 
Vítor  Manuel  I,  da  Sardenha,  outro  tanto  aconte- 
cendo nos  Estados  pontifícios  e  nas  Duas  Sicílias. 

Como  era  de  prever,  essa  formidável  reacção 
fez  aparecer  nos  diversos  Estados  as  associações 
secretas  dos  carbonários  onde  se  geraram  as  re- 
voluções liberais  que  rebentaram  em  Nápoles,  no 
Piemonte,  na  Lombardia,  na  Roumanha,  etc. 

Mas,  quer  pela  duplicidade  de  uns  —  como 
Fernando  IV,  de  Nápoles,  quer  pela  versatilidade 
e  tibieza  de  outros  —  tais  o  príncipe  de  Carignan, 
Carlos  Alberto,  o  certo  é  que  os  governos  liberais 
foram  efémeros,  não  passando  alguns  de  tentati- 
vas goradas. 


i58 


Porém,  a  estabilidade  política  estava  longe  de 
ser  um  facto,  pois  logo  surgiram  novos  conflitos, 
novas  rebeliões. 

Segue-se,  depois,  o  movimento,  primeiro,  pací- 
fico, mas,  em  seguida,  revolucionário  do  ^(Risor- 
gimentoy),  tendo  em  vista  conseguir  a  liberdade  e 
unidade  italianas. 

Como  é  de  calcular  numerosos  são  os  docu- 
mentos ficados  desta  época,  muitos  dos  quais 
teem  já  sido  publicados :  uns  no  seu  conjunto, 
outros  em  extratos,  trechos  escolhidos,  etc. 

São  de  salientar  os  oito  volumes  de  Bianchi, 
Storia  documentata  delia  diplomacia  europea  in 
Itália^  i865  a  1872;  C.Cantu,  Cronistoria  deWIn- 
dipendem^a  italiana,  três  volumes,  1872  a  1877  ;  a 
Biblioteca  storica  dei  Risorgimento;  Bianchi,  San- 
torre  di  Santarrosa;  Memorie  e  lettere  inedite, 
Turim,  1877;  FiORiNi,  Gli scritti  di  Cario  Alberto; 
CoNFALONiERi,  i\/emon>,  dois  volumes,  1890;  Gal- 
VANi,  Memorie  storiche  intorno  la  pita  deWarciduco 
Francesco  IV,  i853;  Pepe,  Memorie  intorno  alia 
sua  pita,  dois  volumes,  1847;  Cronache^  memorie 
e  documenti  inediti  relatipi  alia  ripolta  di  Catania 
de  iSB^i,  Catania,  1907,  etc. 

5.°  —  Espanha 

A  Espanha,  não  obstante  o  atrazo  em  que  du- 
rante muitos  anos  permaneceu  no  que  respeita  à 
reorganização  dos  seus  arquivos  e  bibliotecas,  ao 
estado  do  seu  ensino  superior  de  história  e  à  pu- 


iSg 


blicação  das  suas  colecções  de  Inéditos,  de  tal 
modo  tem  trabalhado  ultimamente,  com  tal  inten- 
sidade tem  procurado  resarcir-se  do  tempo  per- 
dido que  ela  constitue  hoje  um  muito  valioso 
agente  do  progresso  dos  estudos  históricos  e  um 
magnífico  exemplo  de  esforço  consciente  e  metó- 
dico a  seguir  e  a  imitar. 

Para  se  conhecer  a  importante  obra  efectuada 
no  país  vizinho  quanto  aos  serviços  das  bibliotecas 
e  arquivos  basta  percorrer  a  magnífica  Revista  de 
Archipos,  Bibliotecas  y  Museos.  Aí  se  encontram, 
além  de  numerosas  notícias  e  informações  de 
toda  a  ordem  sobre  os  serviços  de  arquivos,  bi- 
bliotecas e  museus  espanhóis  e  o  seu  pessoal, 
uma  magnífica  colecção  de  catálogos,  inventários 
e  índices  dos  mais  importantes  depósitos  de  ma- 
nuscritos e  livros,  publicados  em  separatas  da 
Revista  a  partir  de  1889  ^^'^  ^'^^  começou  ali  a 
aparecer  o  inventário  dos  arquivos  da  Inquisição 
de  Toledo. 

Emfim,  grandes  teem  sido  os  trabalhos  de  trans- 
formação realizados  nos  arquivos  e  bibliotecas 
do  país  vizinho,  tanto  a  respeito  da  arrumação  e 
conservação  dos  recheios  dos  grandes  depósitos, 
como  os  do  Histórico-Nacional  de  Madrid,  de^i- 
mancas,  Alcalá  de  Henarés,  da  coroa  de  Aragão 
—  em  Barcelona,  das  índias  — em  Sevilha,  etc, 
como  no  que  se  refere  aos  serviços  de  inventário 
e  catalogação  das  suas  peças. 

Também,  a  Espanha  não  tem  ficado  indiferente 
à  publicação  das  grandes  obras  de  história,  es- 


i6o 


pecialmente  das  colecções  de  inéditos  —  como 
adiante  veremos. 

Assim,  de  1829  a  i83o  eram  publicados  pelo 
Ministério  da  Fazenda  quatro  volumes  de  ma- 
nuscritos de  Simancas  com  o  titulo :  Coleccion  de 
cédulas,  cartas  patentes,  provisiones^  reates  ordenes, 
y  outros  documentos  concernientes  á  las  províncias 
vascongadas;  e  de  i83o  a  i833  apareciam  mais 
dois  volumes,  em  continuação  dos  anteriores,  com 
uma  Colleccion  de  privilégios,  franque^as^  exen- 
ciones  y  fueros,  concedidos  a  vários  pueblos  y  cor- 
porationes  de  la  corona  de  Castilla. 

Também,  entre  1825  e  1837  aparecia  a  obra 
monumental  de  Fernandez  Navarrete,  em  cinco 
volumes,  com  muitos  documentos  transcritos  e 
citados,  Colleccion  de  viagesy  descubrimientos  que 
hicieron  por  mar  los  Espanoles  desde  fines  dei  sido 
XV;  de  1847  a  1876  eram  publicados,  em  Bar- 
celona, quarenta  volumes  da  Coleccion  de  docu- 
mentos inéditos  dei  Archivo  general  de  la  Corona 
de  Aragon;  e  entre  1890  e  1902  Olivart  publi- 
cava a  Coleccion  de  los  tratados^  convénios  y  do- 
cumentos internacionales  celebrados  por  nuestros 
gobiernos  con  los  Estados  extranjeros  desde  et  rei- 
nado de  Dona  Isabel  II. 

Também,  de  1877  a  1902  a  Câmara  dos  De- 
putados espanhola  publicava  vinte  e  dois  volumes 
das  Actas  de  las  Cortes  de  Castila,  estando  actual- 
mente essa  obra  a  cargo  da  Real  Academia  de 
História;  a  partir  de  1842,  teem  já  saido  muito 
mais  de  cinquenta  volumes  da  Coleccion  de  do- 


i6i 


cumentos  inéditos  para  la  historia  de  Espana;  e  de 
1892  a  1896  apareceram  seis  volumes  da  Nueva 
Coleccion  de  documentos  inéditos  para  la  historia 
de  Espana  y  sus  índias. 

Emfim,  de  1846  a  1870  surgiram  os  setenta 
volumes  da  famosa  Biblioteca  de  autores  espano- 
les  desde  la  formación  dei  lenguaje  hasta  nuestros 
dias;  entre  1864  e  1884  eram  publicados  os  qua- 
renta e  dois  volumes  da  Coleccion  de  documentos 
inéditos  relativos  ai  descubrimieuto,  conquista  e 
■coloni{acio7t  de  las  posessiones  espaíiolas  en  Ame- 
rica y  en  Oceania,  por  J.  F.  Pacheco,  Francisco 
DE  Gardenas  e  Torres  de  Mendoza  —  obra  esta 
que  passou  a  estar  a  cargo  da  Real  Academia  de 
História,  tendo,  desde  i885  a  1900,  aparecido 
treze  tomos  da  segunda  série,  com  o  novo  título 
de  Coleccion  de  documentos  inéditos  relativos  ai 
descobrimiento,  conquista  y  organiiatión  de  las  an- 
tiguas posésiones  espanolas  de  Ultramar;  de  1871 
a  1S96  apareciam,  em  Madrid,  os  vinte  e  quatro 
volumes  da  Coleccion  de  libros  espanoles  raros  ó 
curiosos;  de  1872  a  1898  publicaram-se  quinze 
volumes  de  Libros  de  Antano;  de  1880  a  1908 
apareciam  os  cento  e  vinte  e  três  volumes  da  afa- 
mada Coleccion  de  escritores  castellanos  —  obra 
essa  que  tem  continuado;  de  1891  a  1902  eram 
publicados  vinte  volumes  da  Coleccion  de  libros 
raros  y  curiosos  que  tratan  de  America  —  obra 
igualmente  em  via  de  publicação;  e  de  1897  ^ 
1901  apareciam  seis  volumes  da  Coleccion  de  es- 
túdios árabes — obra  esta  em  continuação. 
II 


62 


Além  destas  grandes  publicações  teem  apare- 
cido em  Espanha  várias  outras :  umas  a  cargo  das 
Deputações  provinciais,  outras  das  sociedades 
scientificas  locais,  das  comissões  de  monumentos 
e  dos  grandes  organismos  académicos  —  devendo 
nesta  última  categoria,  colocar-se  em  primeiro 
lugar  a  benemérita  e  laboriosa  Academia  de  His- 
tória, seguida  logo,  para  os  assuntos  de  arte  e 
arqueologia,  pela  Real  Academia  Espanola,  e  pela 
Academia  de  Belas  Artes  de  S.  Fernando,  e  tam- 
bém —  para  a  história  moderna  —  pela  Academia 
das  Sciências  Morais  e  Politicas  de  Madrid. 

Como  já  dissemos,  é  à  Academia  de  História 
de  Madrid  que  a  Espanha  mais  deve  o  recente 
ressurgimento  dos  estudos  históricos. 

Tem  essa  instituição  publicado  não  só  as  suas 
Memórias  (i)  e  o  seu  magnífico  Boletin  —  que 
Langlois  classifica  de  «la  meilleur,  si  non  la  seule, 
Revue  d'histoire  naíionale  que  existe  dans  la  pé- 
ninsule»  (2)  —  mas  ainda  numerosas  obras  histó- 
ricas de  muito  valor  e  algumas  colecções  docu- 
mentais. 

Assim,  além  das  Actas  de  las  Cortes  de  Castilla 
—  a  que  já  aludimos  —  tem  a  Academia  publi- 
cado a  Biblioteca  Arábico-hispaiía,  dirigida  por 
D.  Francisco  Codera  y  Ribera  y  Tarregó  —  que 
atingiu  onze  tomos;  o  catálogo  da  Colección  de 
fueros  y  cartas  piieblas  de  Espana;  os  dois  tomos 


(i)  As  MemdrzíT5  da  Real  Academia  de  História  compreendem 
já  mais  de  doze  tomos. 

(2)  Ch,-Langi.ois,  ob.  cit.,  pág.  478. 


i63 


da  Colección  de  Obras  Arábigas  de  Historia  y 
Geografia;  os  vinte  e  quatro  tomos  das  Cortes  de 
los  antiguos  Reinos  de  Aragón  y  de  Valência  y 
Principado  de  Cataluna;  a  continuação  da  Es- 
pana Sagrada  —  que  já  atinge  cinquenta  e  dois 
tomos ;  o  célebre  Memorial  Histórico  Espagnol, 
com  quarenta  e  quatro  tomos ;  as  Memorias  de 
Henrique  IV  de  Castela ;  e  os  vinte  e  xiois  tomos 
da  Viaje  literário  á  las  iglesias  de  Espana,  por 
D.  Jaime  Villanueva,  etc.  (i). 

Por  esta  simples  amostra  se  pode  avaliar  como 
tem  sido  importante  a  obra  realizada  no  reino 
vizinho  quanto  à  publicação  de  inéditos  dos  seus 
arquivos,  sendo  ainda  de  notar  que  o  governo 
espanhol  tem  feito  ultimamente  estudar,  no  ponto 
de  vista  d'a  história  do  pais,  os  arquivos  estran- 
geiros, especialmente  os  do  Vaticano  (2). 

Como  trazemos  em  via  de  publicação  uma 
obra  especial  acerca  de  As  Sciências  Históricas 
em  Espanha  —  que  deve  aparecer  brevemente  — 
remetemos  para  aí  o  leitor  que  deseje  profundar 
este  ponto  do  nosso  trabalho. 


(i)  Alem  destas  obras  muitas  outras  publicadas  pela  Acade- 
mia, incluindo  o  Boletin,  teem  inserido  bastantes  dezenas  de  docu- 
mentos dos  arquivos  espanhóis. 

(2)  São  de  citar:  o  Relatório  das  investigações  feitas  no  Va- 
ticano, por  Ricardo  de  Hinojosa  em  1892  e  1893,  e  publicado  com 
o  título :  Los  Despachos  de  la  diplomacia  pontifícia  en  Espana. 
Memoria  de  una  Missión  oficial  en  el  Archivo  secreto  de  la  Santa 
Sede,  Lviii-j-425  págs.  i  Luciano  Serrano,  Causas  de  la  guerra 
entre  el  Papa  Paulo  IV y  Felipe  II;  Enrique  Pacheco  de  Leyva, 
Relaciones  vaticanas  de  la  Hacienda  espanola  dei  siglo  X  VI,  etc. 


104 


Entretanto,  iremos  desde  já  salientar  algumas 
obras  de  maior  destaque  contendo  documentos. 

Vimos  já,  n@  capitulo  anterior,  como  foi  impor- 
tante, no  século  XVIII,  a  publicação  de  documentos 
acerca  da  história  de  Espanha  —  empreza  essa 
que  tem  continuado  através  do  século  xix. 

Assim,  tem  hoje  o  vizinho  reino  já  publicados 
os  Annales  Compostellanos,  os  Annales  Complo- 
tenses,  os  Annales  Toledanos,  os  Anales  de  la  Co- 
rona de  Aragon,  de  Zurita,  etc,  isto  sem  falar  na 
História  da  Espanha  de  Ferreras,  na  Espanha 
Sagrada,  de  Florez,  etc. 

Se  das  obras  de  carácter  geral  passarmos  a 
considerar  aquelas  que  mais  especialmente  publi- 
cam sistematicamente  documentos  encontramos 
bastantes  aparecidas  no  decorrer  do  século  xix. 

Assim,  para  a  história  de  Aragão  temos  a  Cró- 
nica de  Pedro  el  Ceremonioso,  traduzida  em  cas- 
telhano e  publicada  com  anotações  pelo  eminente 
erudito  catalão  António  Bofarull,  em  i85o;  os 
Fueros  de  Catalwía,  publicados  em  1876,  por 
Caroleu,  Pelle  e  Forgas;  e  a  já  monumental 
Coleccion  de  documentos  inéditos  dei  Archipo  ge- 
neral de  la  corona  de  Aragon  —  obra  essa  publi- 
cada, de  1847  ^  i85i,  por  Prospero  DE  Bofarull 
e  Mascaro  (i). 


(1)  Os  Fueros  de  Aragon  já  haviam  sido  publicados  em  i5i7, 


i65 


Quanto  à  Navarra,  a  bibliografia  é  mais  pe- 
quena, sem  deixar  de  ser  valiosa,  sendo  de  citar, 
entre  as  obras  aparecidas  no  século  xix,  a  Cro- 
nica  de  los  Reys  de  Navarra,  aparecida  em  1 843 ; 
uma  Historia  da  Navarra,  publicada  em  i832; 
um  Diccionario  de  Antiguedades  de  Navarra,  apa- 
recido em  1 843  —  obras  de  Yanguas  e  Miranda. 

Quanto  às  Castelãs,  é  de  citar  a  importante 
publicação  sobre  as  Cartas  de  los  antigiios  reinos 
de  Leon  y  Castilla,  feita  pela  Real  Academia  de 
la  Historia;  e  são  igualmente  de  enumerar  as 
Crónicas  de  los  reyes  de  Castilla^  de  D.  Caytano 
RosEL,  aparecidas  nas  Bibliotecas  de  los  autores 
espaíioles,  etc.  (i). 

O  século  XVIII  está  representado  na  historio- 
grafia espanhola  não  só  por  obras  de  carácter 
geral  como  os  tomos  xii  a  xv  da  Historia  general 
de  Espana^  de  Lafuente  na  edição  de  1889,  e  a 
Historia  general  de  Espaíía,  publicada  sob  a  di- 
recção de  Canovas  del  Castillo,  sendo  de  espe- 
cializar o  trabalho  de  Danvila  y  Collado  sobre 
o  reinado  de  Carlos  III,  como  por  outras  obras 
especiais. 

São  de  enumerar  nesta  categoria  as  Memórias 
de  RiPERDA,  marquês  de  S.  Felipe,  Campo-Raso, 


e  reimpressos  em  dois  volumes,  de  1678  a  1684;  As  Constituiions 
y  altros  drets  de  Caihahinya  apareceram  em  1784,  em  três  vo- 
lumes. 

(i)  Vêr  mais  bibliografia  em  Lafuente,  Historia,  etc,  edição 
de  Barcelona,  1889,  tomos  ni  a  xii;  Rafael  Altamira,  Historia  de 
Espana y  de  la  civili^ation  espafíola,  quatro  tomos,  etc. 


i66 


Floridablanca,  Jovellanos;  as  obras  de  Fernan 
NuNEz,  Compendio  hktorico  de  la  Vida  de  Car- 
los III;  Correspondência  entre  Carlos  III  e  o  mar- 
quês de  Tanucci{\)\  Macanaz,  Espana  y  Fr  anda 
en  el  siglo  XVIII,  Madrid,  187Ó;  A.  Danvilla, 
Fernando  VI y  doíia  Barbara  de  Bragança,  t  goS  ; 
Ferrer  dei.  Rio,  Historia  dei  reinado  de  Carlos  III^ 
quatro  tomos,  i856;  Rodriguez  Villa,  Fl  marque^ 
de  la  Fnsenada,  1876;  Fernandez  Duro,  Armada 
espaiíola,  1895  a  iqoS,  tomos  vi  e  vii,  etc.  (2). 

O  período  da  Revolução  Francesa  bem  como 
a  época  da  dominação  napoleónica — que  bas- 
tantes reflexos  tiveram  sobre  a  Espanha  —  estão 


(1)  São  ainda  do  século  xviii  algumas  destas  e  muitas  outras 
obras. 

(2)  Deve  dizer-se  que  muita  documentação  de  grande  valor 
histórico  resta  ainda  por  publicar.  Entre  os  inéditos  são  de  espe- 
cializar: as  Memorias  de  Macanaz;  muitos  papéis  do  Arquivo 
de  Aragão  sobre  o  reinado  de  Felipe  V,  desde  a  sua  vizita  a 
Barcelona,  em  princípios  de  Outubro  de  1701,  e  do  seu  juramento 
nas  cortes,  no  dia  12  desse  mês,  pelos  foros  e  usos  da  cidade  e  do 
principado  ;  papéis  da  Biblioteca  de  Salazar  ;  a  Historia  da  guerra 
civil,  do  conde  de  Robres-,  uma  Historia  politica y  secreta  de  la 
Corte  de  Madrid  desde  el  ingresso  dei  senor  don  Felipe  V  en  ella 
hasta  la  pa^  —  citada  por  Lafuentk,  in  tomo  xm  da  sua  Histo- 
ria; muitos  manuscritos  da  Biblioteca  Nacional  de  Madrid,  Real 
Academia  de  História,  da  colecção  Bofarull,  de  Barcelona,  etc, 
todos  de  grande  importância  histórica. 

É  de  citar  o  Arquivo  de  Simancas  —  onde  há  muita  correspon- 
dência diplomática,  política  e  administrativa,  sendo  de  especiali- 
zar a  relativa  à  expulsão  dos  jesuítas  de  Espanha  e  à  extinção  aí 
da  Companhia,  vários  processos  da  Inquisição  como  o  do  ilustre 
Olavide  acusado  e  sentenciado  por  ser  leitor  e  seguidor  das  obras 
e  ideas  de  Voltaire  e  Rousseau  —  dos  quais  era  amigo  e  corres- 
pondente; a  Correspondência  entre  Aranda  e  Florindablanca,  etc, 
etc 


167 


representados  na  historiografia  moderna  espa- 
nhola pela  publicação  de  algumas  obras  com  do- 
cumentos dessas  épocas. 

São  de  citar,  entre  outras,  as  seguintes  :  Colec- 
cion  de  documentos  inéditos  pert  ene  cientes  á  la  his- 
toria de  nuestra  revolucion,  Madrid,  i8i3  (i);  His- 
toria de  la  guerra  de  Espana  contra  Napoleon, 
escrita  y  publicada  de  ordem  de  S.  M.  (1808  a 
18 14);  AzANZA  Y  OTarril,  Memorias  sobre  los 
hechos  quejustifican  su  conducta  politica ,  1 8 1 5  (2) ; 
Marquez  de  Ayerbe,  Memoria  sobre  la  estancia  de 
D.  Fernando  . . .  (3). 

O  período  seguinte,  a  partir  da  Restauração 
de  Fernando  VII  até  ao  meiado  do  século  xix, 
marca,  em  Espanha  como  entre  nós,  uma  época 
de  enorme  agitação. 

Logo  a  seguir  à  chegada  de  Fernando  VII  ao 
seu  reino  dá-se  o  golpe  de  Estado  de  4  de  Maio 
de  18 14,  pelo  qual  o  rei  declarou  abolida  a  Cons- 
tituição de  181 2  e  nulos  os  decretos  das  Cortes, 


(i)  Esta  obra  saiu  anónima,  sendo  muitas  outras — especial- 
mente folhetos  contra  Napoleão  —  igualmente  anónimos  como  : 
El  engano  de  Napoleon  descubierto  y  castigado^  1 808 ;  Napoleon 
ó  el  verdadero  Qiiijote  de  la  Europa,  etc ;,  etc. 

(2)  Muitas  oViivas  Memórias  teem  sido  publicadas,  como  as  de 
Manuel  Godoy,  quatro  volumes  ;  as  de  Espoz  y  Mina,  em  cinco  vo- 
lumes ;  etc. 

São  também  desse  período  numerosos  opúsculos,  livros,  odes 
e  panfletos  patrióticos,  etc,  comos  as  obras  de  Capmany  :  Carta 
de  un  bueno  patriota,  181 1,  Centinela  contra  franceses,  1808;  Jovel- 
LANOS,  Á  mis  compatriotas,  1811,  dois  volumes. 

(3j  Também  deste  período  há  por  publicar  muitos  papéis  de 
grande  valor. 


6è 


considerando  tudo  isso  como  cousas  não  reali- 
zadas. É  toda  uma  época  de  perseguições  que 
se  inicia  contra  os  liberais. 

As  prisões,  deportações,  banimentos  e  exílios 
multiplicavam-se  todos  os  dias  depois  do  golpe 
de  Estado.  Tais  factos  provocaram  as  naturais 
reacções  que  se  manifestaram  por  sucessivas 
conspirações  e  sublevações  todas  elas  infelizes 
até  à  Revolução  vitoriosa  de  Cadiz,  de  1820. 

Mas,  o  estado  politico  da  Europa  ocidental  era 
então  pouco  favorável  ao  liberalismo  devido  à 
Santa  Aliança. 

Havendo  as  potências  coligadas  dado  à  França 
a  pedido  instante  de  Montmorency  e  Chateau- 
briand,  no  congresso  de  Verona,  a  incumbência 
de  intervir  manu  militari,  pouco  depois  100.000 
franceses  sob  o  comando  do  duque  de  Angoulême 
inutilizavam  toda  a  obra  liberal.  A  reacção  ab- 
solutista foi  enorme,  e  as  represálias  dos  reaccio- 
nários foram  formidáveis,  brutais,  monstruosas 
estando  essa  cruenta  obra,  sistematicamente  rea- 
lizada, a  cargo  de  algumas  instituições,  especial- 
mente de  uma  que  tinha  o  característico  titulo  de 
Anjo  exterminador. 

Assim,  de  reacção  em  reacção,  de  luta  em  luta, 
se  foram  passando  vinte,  trinta,  quarenta  anos  até 
ao  período  de  relativa  acalmação  que  marca  o 
reinado  de  Afonso  XII  e  a  política  de  atracção  — 
eufemismo  para  designar  suborno  —  do  eminente 
Canovas  dei  Castilho. 

Escusado  será  dizer  como  tão  agitada  época 


169 


é  úbere  em  documentos  de  toda  a  natureza,  desde 
as  colecções  de  legislação  e  outros  ostensivos 
papéis  do  Estado,  até  às  Memórias  e  papéis  par- 
ticulares, secretos  e  íntimos. 

Figuram,  entre  os  primeiros,  os  Diários  das 
sessões  das  cortes  celebradas  em  Sevilha  e  Cadi{, 
a  colecção  de  Decretos  dei  rei  D.  Fernando  VII 
desde  el  principio  de  su  reynado  hasta  fines  de  1824, 
nove  volumes ;  Michel  J.  Quin,  Memórias  históri- 
cas sobre  Fernando  VTI,  1840,  três  volumes;  mar- 
quês de  Miraflores,  Apuntes  históricos  para  escri- 
bir  la  historia  de  Espana  dei  20  ai  23;  Minane, 
Histoire  de  la  Révoliition  d'Espagne  de  I820  à 
1823,  Paris,  1824,  dois  volumes  ;  as  obras  de  Mi- 
RAELORES  e  Javier  DE  BuRGOs  sôbre  o  reinado  de 
Isabel  II,  respectivamente:  as  Memórias  e  os  Ana- 
les;  a  importante  obra  de  Pirala,  Historia  de  la 
guerra  civil  y  de  los  partidos  liberal  y  carlista, 
1868  a  1870,  em  seis  volumes;  as  Memórias  de 
D.Luís  Fernandes  DE  Córdoba,  1837  ;  etc,  etc.  (i). 


(i)  A  bibliografia  que  acabamos  de  enumerar  é  insignificante 
em  relação  ao  grande  número  de  obras  com  documentos,  que  se 
teem  publicado  no  vizinho  reino  sôbre  os  acontecimentos  do  sé- 
culo que  decorre  desde  o  regresso  de  Fernando  VII  ao  seu  país 
até  à  actualidade.  Para  melhor  detalhe  ver:  a  citada  Historia 
General  de  Espana,  de  Lafuente,  edição  de  1889,  do  tomo  xvn 
a  XXV ;  os  vários  volumes  da  importante  Coleccion  de  Documentos 
inéditos  da  historia  de  Espanha;  Rafael  Altamira  J.  Crevea,  His- 
toria de  Espaiia  y  de  la  civili^ation  espanola^  tô.mo  iv. 

Porem,  de  todas  as  obras  sôbre  bibliografia  histórica  espanhola 
a  melhor  é  o  recentíssimo  e  magnífico  trabalho  de  R.  Sanches 
Alonso,  Ensayo  de  bibliografia  sistemática  de  las  monagrafias 
im.pr essas  que  ilustram  la  historia  politica  nacional  de  Espana^ 


I70 


Entre  as  publicações  documentais  espanholas 
deve  colocar-se  em  primeiro  lugar  a  já  monu- 
mental Coleccion  de  Documentos  Inéditos  para  la 
Historia  de  Espana.  Essa  obra  que  conta  já  hoje 
muitas  dezenas  de  volumes  merece  neste  nosso 
trabalho  uma  referência  especial,  dados  os  obje- 
ctivos que  ela  apresenta  mais  ou  menos  idênticos 
aos  da  empreza  que  projectamos  realizar :  a  pu- 
blicação de  documentos  inéditos. 

Por  isso  vamos  dar  a  seguir  uma  noticia  mais 
desenvolvida  dessa  obra  —  posto  que  ainda  as- 
sim ela  resulte  rnuito  breve  em  relação  à  impor- 
tância de  tal  empreza. 

O  primeiro  volume  da  Coleccion  de  Documentos 
Inéditos  para  la  Historia  de  Espaiía  apareceu  em 
1842,  sendo  a  obra  dirigida  pelos  eruditos  Martin 
Fernandes  Navarrete,  Miguel  Salva  e  Pedro 
Sainz  de  Baranda,  da  Academia  de  História. 

A  obra  é  precedida  de  uma  Advertência  ou  i(Pros- 
pecto)^  onde  os  colectores  acima  citados  expõem  os 
intuitos  que  os  animam,  os  objectivos  que  teem 
em  vista,  e  fazem  uma  breve  história  das  diligên- 
cias realizadas  no  pais  vizinho  para  a  recolha, 


excluídas  sus  relationes  com  America,  1919,  xxi-(-448  págs.  Essa 
obra  verdadeiramente  importante  menciona  nada  menos  de  6.783 
espécies,  e  é  acompanhada  de  três  índices  :  um  de  autores,  outro 
de  assuntos,  e  um  terceiro  de  obras  citadas. 


coleccionação   e  publicação  de  manuscritos  de 
maior  valor  histórico. 

Assim,  o  Prospecto  com  que  abre  a  Coleccion 
alude  à  necessidade  de  fornecer  aos  escritores  o 
material  de  documentos  necessários  para  as  cons- 
truções históricas,  começando  por  dizer :  «Tiempo 
hace  que  los  literatos  mas  eminentes  de  la  nacion 
echan  menos  una  coleccion  de  documentos,  como 
los  materiales  indispensables  para  escribir  nues- 
tra  historia ;  y  este  deseo  es  tanto  mas  recomen- 
dable  quanto  casi  todos  nuestros  escritores  ado- 
lecen  de  la  falta  de  no  haber  tenido  presentes  los 
datos  necesarios  para  componer  sus  libros ;  ó  de 
haber  ignorado  donde  se  hallaban  para  compul- 
sados, ó  de  haber  carecido  de  médios  para  pro- 
curar-se  los  originales  ó  copias  fehacientes». 

A  seguir,  enumera  as  diligências  efectuadas  nos 
tempos  de  Carlos  V,  e  Felipe  II,  Felipe  V — com  a 
fundação  da  Academia  de  Histórta  tendentes  à 
úncesante  adquisición  de  materiales  históricos,  es- 
pecialmente originales^  y  obras  inéditas-)^,  havendo, 
também,  Fernando  VI  encarregado  os  eruditos 
BuRRiEL  e  Santiago  Palomares  de  «examinar  los 
archivos  dei  reino,  copiar  e  formar  una  coleccion 
de  manuscritos». 

No  tempo  de  Carlos  III  e  Carlos  IV,  não  esmo- 
receram esses  trabalhos  comq  estão  a  atestá-lo  as 
colecções  de  Burriel,  Abella,  Traggia,  Velas- 
QUEZ,  MuNOz,  Navarrete,  Sans,  Vargas  Ponce  e 

VlLLANUEVA . 

Passados  os  tempos  de  agitação  e  de  instabili- 


172 


dade  política  das  invasões  francesas  e  das  lutas 
civis,  serenado  mais  o  ambiente  social  aparece, 
como  dissemos,  em  1842,  o  primeiro  tomo  da 
Coleccion. 

Depois  reconhecem,  com  grande  verdade,  os 
editores  que  uma  semelhante  empreza  tão  vasta 
«só  pode  ser  executada  pelo  Governo  supremo 
do  Estado,  cuja  principal  glória  deve  consistir  em 
conservar  pela  imprensa  o  mais  honroso  patrimó- 
nio de  uma  nação,  que  são  os  feitos  e  os  escritos 
dos  grandes  homens  que  a  ilustraram». 

A  seguir,  escrevem  :  «En  cuanto  ai  plano  y  dis- 
tribution  de  matérias  hubieramos  deseado  pre- 
sentar  los  documentos  por  ordem  cronológica; 
pêro  nos  ha  parecido  inasequible  atendida  la 
diíicultad  de  haberlos  á  la  mano  todos  juntos  . . .  ». 
E  acrescenta :  cf  Atenderemos  si  com  todo  o  cui- 
dado á  expresar  el  carácter  de  letra  de  los  ma- 
nuscritos cuando  los  disfrutemos  en  su  original  ó 
en  copias  antiguas^,  los  archivos  ó  bibliotecas 
donde  se  hallen,  las  personas,  que  los  posean, 
y  en  íin  todas  las  circunstancias  que  los  hagan 
dignos  de  fe  y  acrediten  su  autenticidad». 

Escrito  o  Prospecto,  com  a  data  de  i  de  Outu- 
bro de  1 842,  segue-se  uma  colecção  de  Documen- 
tos relativos  a  Hernan  Cortês (i),  contendo  cinco 
cartas  escritas  ao  imperador  Carlos  V  desde  1 5 


(1)  As  cartas  originais,  e  com  a  assinatura  autografada  Fer- 
nando Cortês,  encontram-se,  segundo  informa  o  primeiro  volume, 
no  Arquivo  Geral  das  índias,  maços  do  Patronato  Real. 


17^ 


de  Maio  de  i522  até  lo  de  Outubro  de  i53o  so- 
bre a  conquista  da  Nova  Espanha  (México),  des- 
cubrimento  do  mar  do  sul,  e  as  várias  expedições 
mandadas  executar  em  busca  de  especiarias,  e 
uma  ao  bispo  de  Osma. 

A  seguir,  vêem  os  documentos  sobre  o  desafio 
entre  o  imperador  Carlos  V  e  Francisco  I,  de 
França  (i);  um  pequeno  relato  da  prisão  do  fa- 
moso António  Perez,  e  da  Princesa  de  Eboli  (2) ; 
vários  documentos  sobre  Fernando  Cortês  (3) ; 
uma  informação  que  Lorenzo  Carvajal  deu  ao 
imperador  Carlos  V  sobre  as  pessoas  que  compu- 
nham o  Concelho  real  espanhol  (4);  uma  Instru- 
cion  dada  por  Carlos  V,  em  1527,  a  Lopes  Hur- 
tado  de  Mendonza,  embaixador  junto  do  rei  de 
Portugal,  para  solicitar  a  aliança  deste  contra  a 
França  e  Inglaterra  em  razão  do  repúdio  de 
D.  Catarina,  filha  dos  reis  espanhóis,  por  seu 
marido  Enrique  VIII  (5) ;  diversas  cartas  de  Car- 
los V,  da  imperatriZ;  e  do  infante  D.  Fernando  ao 
arcebispo  de  Toledo  acerca  de  vários  assuntos,  e 
em  especial  dos  socorros  em  dinheiro  para  os 


(i)  Consta  dos  parceres  do  Conselho  de  Castela,  de  outras 
entidades  e  de  várias  pessoas  sobre  o  assunto. 

(2)  Tirado  das  Memórias  de  Fr.  JoÃo  de  S.  Jerónimo,  monge 
do  Escoriai,  no  tempo  de  Felipe  II,  encontrando-se  o  respectivo 
documento,  na  biblioteca  do  Mosteiro. 

(3)  Os  dois  primeiros  são  cartas  de  Carlos  V  a  Cortez,  per- 
tencentes ao  Arquivo  de  Simancas. 

(4)  Esta  interessante  informação  é  copiada  de  um  códice,  in 
fólio  com  letra  do  século  xvi,  da  Biblioteca  do  Escoriai. 

(5)  É  uma  reprodução  do  tomo  78.0  da  colecção  Munoz  da 
Academia  de  História. 


174 


gastos  da  guerra  contra  o  grão-turco  Solimão,  e 
os  mouros  de  Africa ;  diversos  documentos  sobre 
a  conquista  de  Tunis  e  da  Goleta  por  Carlos  V, 
em  i535,  e  outros  sobre  a  expedição  de  Argel 
em  I  541. 

Seguem-se:  uma  Relação  acerca  da  guarda  dos 
filhos  de  Francisco  I  de  França,  na  fortaleza  de 
Pedroza,  de  i526  a  i53i;  diversos  documentos 
relativos  a  Sebastião  dei  Cano(i);  um  capitulus 
das  Comunidades  de  Castela,  sem  indicação  da 
data  nem  do  lugar  de  origem ;  a  pequena  sen- 
tença contra  João  de  Padilha,  João  Bravo  e  Fran- 
cisco Maldonado-;  reprodução  das  sentenças  con- 
tra Alonso  de  Sarabia,  D.  Pedro  Pimentel,  o 
licenceado  Bernardino,  e  Francisco  Mereado ;  o 
traslado  de  uma  petição  de  Toledo  solicitando 
várias  prerogativas  e  outras  vantagens ;  uma  es- 
critura de  acomodamento  entre  D.  António  de 
Zuniga,  prior  de  S.  João,  capitão  general  do  reino 
de  Toledo;  memória  sobre  a  confiscação  dos  bens 
de  pessoas  sentenciadas;  mais  documentos  acerca 
de  Sebastião  dei  Cano;  memória  sobre  o  para- 
deiro da  nau  Vitória  em  que  o  mesmo  dei  Cano 
terminou  a  primeira  viagem  de  circumnavegação; 


(i)  Trata-se  de  uma  pequena  carta  de  Carlos  V  a  João  Se- 
bastião dei  Cano,  datada  de  Valladolid,  em  i3  de  Setembro  de 
]  522,  para  que  este  lhe  fosse  relatar  a  sua  viagem,  seguida  ali ; 
outra  do  mesmo  para  o  mesmo  fazendo-lhe  a  mercê  de  Soo  du- 
cados de  ouro,  datada  do  mesmo  lugar  em  23  de  Janeiro  de  oaS, 
de  uma  ordem  real  autorizando  o  dei  Cano  a  ter  a  sua  guarda 
do  corpo,  de  uma  outra  ordem  para  serem  pagos  ao  navegador 
5oo  ducados  de  ouro,  e  do  testamento  do  dei  Cano, 


17? 


um  documento  sobre  o  dote  de  D.  Catarina,  filha 
dos  reis  católicos  e  tia  de  Carlos  V  quando  casou 
para  a  Inglaterra  (i). 

Vem,  a  seguir,  um  Despacho  real  de  Felipe  II, 
a  D.  Martin  Enriquez,  vice-rei  do  México,  deter- 
minando-Ihe  que  remeta  quantas  notícias  possa 
adquirir  das  pessoas  que  hajam  escrito  sobre  a 
conquista  e  povoamento  daqueles  territórios,  a 
fim  de  ser  elaborada  a  história  das  índias  (2) ; 
uma  série  de  seis  cartas  a  Felipe  II  e  uma  a 
D.  João  de  Ovando,  presidente  do  Conselho  das 
índias  escritas  da  cidade  do  México,  entre  1572 
e  1576,  pelo  médico  Francisco  Hernandez^  acerca 
da  história  natural  das  índias^  de  que  o  rei  o  en- 
carregara de  elaborar (3);  cartas  do  geógrafo  Fran- 
cisco Dominguez  a  Felipe  11^  datada  do  México 
em  3o  de  Dezembro  de  i58i,  falando  dos  traba- 
lhos que  realizou,  dos  excessos  de  serviço  a  que 
o  governador  o  submetia,  e  da  fraca  paga  que  lhe 
dava ;  seguem-se  dois  documentos  do  Arquivo 
das  índias,  de  Sevilha,  sobre  as  primeiras  expe- 
dições de  Fernando  Cortês  que  puseram  termo 
à  conquista  da  Nova  Espanha;  e  uma  Relacion  da 
descuberta  e  conquista  da  Nova  Espanha  «hecha 
por  la  Justicia  y  Regimiento  de  la  nueva  ciudad 
de  Vera-Cruz»,  a  10  de  Julho  de  iSig  (4). 


(i)  É  do  Arquivo  de  Simancas. 

(2)  O  original  está  no  Arquivo  das  índias,  em  Sevilha. 

(3)  São  também  papéis  do  Arquivo  das  índias. 

(4)  É  uma  reprodução  do  Códice  cxx  da  Biblioteca  de  Víeria, 
de  que  existe  cópia  na  Academia  de  História.    A  reprodução  é 


iyô 


Vera,  a  seguir,  uma  carta  do  «adelantado» 
Diogo  Velazquez  queixando-se  de  Fernando  Cor- 
tês e  denunciando  o  caso  de  um  navio  deste  ha- 
ver aportado  à  ilha  Fernandina,  feito  um  carre- 
gamento secreto  e  seguido  viagem  para  Espanha; 
um  Parecer  do  licenceado  Aylion,  na  ilha  Fernan- 
dina, ao  «adelantado»  Diogo  Velazquez  sobre  a 
esquadra  que  este  tinha  preparada  para  ir  con- 
tra Fernando  Cortês;  duas  cartas  ao  rei  do  mesmo 
licenciado,  em  i52o,  sobre  o  mesmo  assunto; 
Declaration  feita  na  Corunha,  a  29  de  Abril  de 
i52o,  pelos  capitães  Francisco  de  Montejo  e 
Alonso  Hernandez  Poríocarrero,  em  nome  da 
vila  de  Veracruz  sobre  a  Armada  «que  hizo  Diogo 
Velazquez»  para  a  descoberta  da  Nova  Espanha, 
nomeação  de  Cortez  para  capitão  general  dela, 
etc. ;  Instrução  da  Real  Audiência  de  S.  Do- 
mingo ao  bacharel  Pedro  Moreno  fiscal  dela  sobre 
os  limites  de  competência  e  jurisdição  de  vários 
capitães  da  armada,  entre  os  quais  Cortez. 

Terminam  este  primeiro  Volume  as  seguintes 
peças:  uma  Relacion  de  «los  oidores  sobre  lo  de 
la  poblacion  dei  golfo  de  las  Higueras,  y  de  los 
capitanes  que  lo  pueblan,  y  dei  armada  que  Cor- 
tez envia  sobre  Olid,  y  de  lo  que  ellos  han  pro- 


precedida  de  um  estudo  breve,  mas  erudito,  de  Navarrete  sobre 
esta  e  outras  Relaciones,  sua  proveniência,  traduções  latinas,  ita- 
lianas  e  francesas.  Esta  extensa  Relacion,  de  pág.  417  a  472  — 
que  é  quinta  das  seriadas  por  Navarrete  —  tem  um  preâmbulo 
que  parece  não  ser  da  autoria  do  Cortês^  mas  sim  posterior,  tra- 
balho feito  por  «algum  curioso  para  mejor  declarar  el  contenido 
de  lo  que  en  ella  se  refiere»  —  diz  a  nota  respectiva. 


177 


veido  sobre  ello»  ;  outra  Relacion,  com  uma  lista 
dos  descobridores  e  conquistadores  da  Nova  Es- 
panha que  foram  com  Fernando  Cortez,  Panfilo 
de  Narvaez  e  outros  (i) ;  um  capítulo,  com  a  epí- 
grafe Commiinidades  de  Castilla,  de  uma  obra 
manuscrita  intitulada  Antigiiedades  y  sucessos 
memorables  succedidos  en  esta  miiy  noble  y  anti- 
giia  villa  de  Simancas,  por  D.  Manuel  Bachiller, 
beneficiado  de  Preste»  (2);  e  uma  descrição  da 
viagem  de  Felipe  II  a  Inglaterra  quando  foi  casar 
com  a  rainha  D.  Maria,  escrita  por  Juan  de  Ve- 
RAONA  (3). 


Os  outros  volumes  estão  mais  ou  menos  feitos 
como  este  :  reproduzem  documentos  sobre  assun- 
tos muito  variados,  e  de  datas  muito  diversas. 

Essa  composição  que  dá  a  cada  volume  agra- 
dáveis aspectos  de  vivacidade  e  policromia  histó- 
ricas—  digamos  assim — parece-nos  mais  própria 
de  uma  Revista  ou  de  um  Boletim  de  história  que 
de  uma  obra  da  natureza  da  Coleccion.  Obras 
desta  índole  devem — julgamos  nós — ter  por  obje- 
ctivo.pubhcar,  com  sistematização,  colecções  do- 


(i)  É  um  relato  anónimo,  feito  entre  i52o  e  i53o. 

(2)  Trata  de  dissençÕes  havidas  em  Espanha  em  virtude  das 
cláusuhis  do  testamento  da  Rainha  Isabel  feito  em  Burgos  e  de- 
pois da  morte  do  rei  Fernando-o-Católico,  indo  até  à  luta  entre 
o  herdeiro  de  D.  Carlos  e  o  infante  D.  Fernando,  o  que  sucedeu 
em  Valladolid  e  Simancas,  descrevendo  depois  a  chegada  do  rei 
D.  Carlos  e  seu  governo,  e  as  lutas  que  se  seguiram  (i53o). 

(3)  Trata-se  de  um  manuscrito  da  Biblioteca  do  Escoriai. 
12 


iyS 


cumentais  importantes,  com  unidade  e  sequência, 
—  o  que,  muitas  vezes,  não  se  dá  com  esta. 

Também,  os  estudos  de  erudição,  as  notas,  etc, 
que  devem  acompanhar  os  documentos  publi- 
cados, são,  por  vezes,  algo  modestos  em  relação 
à  importância  dos  assuntos  e  das  espécies,  e  ao 
consagrado  mérito  dos  ilustres  colectores  e  edi-. 
tores  da  obra. 

Apesar  desses  pequenos  inconvenientes,  muito 
susceptíveis  de  melhoria,  a  Coleccion  de  Documen- 
tos Inéditos  para  la  Historia  da  Espana  é  uma 
obra  preciosa,  tendo  prestado  à  historiografia 
espanhola  os  mais  assinalados  serviços. 

6.°  —  França 

Vimos  já,  de  uma  forma  rápida,  no  capitulo 
anterior  como  foi  importante  a  obra  realizada  em 
França  durante  o  século  xviii  no  domínio  das 
sciências  de  erudição. 

Vamos  vêr  agora,  de  uma  maneira  ainda  mais 
sucinta,  o  extraordinário  labor  efectuado  nesse 
país,  durante  o  século  xix  e  até  19 14,  no  que  res- 
peita às  publicações  dos  manuscritos  de  valor 
histórico.  Justo  é  acentuar  que  tão  grande  pro- 
gresso foi  principalmente  devido  ao  concurso  do 
Estado  quer  directamente  pela  publicação  das 
Colecções  de  Inéditos  da  História  de  França  e  de 
outras  obras  similares  dirigidas  e  subvencionadas 
pelo  Ministério  da  Instrução,  quer  pelos  trabalhos 
publicados  pelas  Academias,   Universidades,   e 


'79 


Altas  Escolas  especiais,  pelos  Arquivos  e  Biblio- 
tecas, e  ainda  pelas  subsidiadas  pelo  governo 
francês. 

Tem,  por  isso,  razão  Langlois  quando  escreve : 

(cAu  XIX  siècle,  TEtat  français  a  été  três  liberal 
pour  les  études  historiques.  II  leur  a  rendu  des 
Services  deplusieurs  manières,maissurtout:  i.°en 
administrant  les  dépôts  publics  de  dociiments 
(archives,  bibliothèqucs  et  musées);  2.°  en  provo- 
quant  et  en  subventionnant  des  entreprises  scien- 
tiíiques  dont  ni  Tinitiative  des  particuliers  et  des 
sociétés,  ni  mêmes  les  autorités-locales,  ne  sau- 
raient  venir  à  bout»  (i). 

Em  França,  como  nos  outros  países  civilizados 
que  tomam  a  sério  e  prezam  estes  assuntos,  as 
publicações  de  documentos  de  interesse  histórico 
foram  precedidas  da  reorganização  dos  depósitos 
de  manuscritos,  e  da  elaboração  —  e  em  alguns, 
até,  da  publicação  —  dos  essenciais  instrumentos 
de  investigação,  ou  de  heurística :  os  inventários, 
catálogos,  e  índices  sumários  e  analíticos  dos  ar- 
quivos e  bibliotecas. 

Se  bem  que  já  no  século  xviii  Dom  Montfau- 
CON  e  o  abade  Lebeuf  notassem  a  falta  de  um 
catálogo  de  manuscritos  das  bibliotecas  públicas 
de  França  ainda  nada  se  havia  feito  de  completo 
e  sério  quando  a  22  de  Novembro  de  i833  Guizot 
expediu  aos  prefeitos  uma  circular  para  que  os 


(i)  Ch.-V.  Lanqi.ois,  Manuel    de   Bibliographie  Historique, 

í.  348. 


pág.  348. 


i8o 


bibliotecários  do  país  lhe  enviassem  «um  catá- 
logo dos  manuscritos  de  toda  a  espécie  que  esta- 
vam confiados  à  sua  guarda». 

Passados  oito  anos  Villemain  renovava  a  pro- 
posta, mostrando  «a  necessidade  de  ser  fixado 
sobre  um  plano  uniforme  o  catálogo  geral  dos 
manuscritos  conservados  nas  bibliotecas  públicas 
dos  departamentos»  (i). 

Isso  se  fez;  mas  a  elaboração  do  catálogo  foi 
de  tal  forma  morosa  que  só  em  1 849  começou  a 
aparecer,  havendo-se  publicado  até  i885  apenas 
,sete  volumes  sob  o  titulo :  Catalogue  general  des 
manuscrits  des  Bibliothèques  publiques  des  dépar- 
tements  (2). 

Em  1886,  começava  a  publicação  do  famoso 
Catalogue  general  des  manuscrits  des  Bibliothèques 
publiques  de  France,  devido  princij^almente  a  De- 
LisLE  e  constituído  por  algumas  dezenas  de  vo- 
lumes, vindo  substituir  o  anterior  que  suspendeu 
a  publicação  (3). 


(i)  Até  então  só  existia  um  reportório  geral,  útil  por  ser  único, 
inas  muito  omisso  o  de  Haenel,  Catalogi  librorum  manuscripto- 
rum  qui  in  bibliotecis  Galliae,  Helvetiae,  Belgiae,  Britanniae  Ma- 
gnae^  Hispaniae,  Liisitaniae,  asservantur,  Lipsiae,  1829,  mais  tarde, 
em  i853,  reimpresso  com  bastantes  aditamentos  nos  tomos  xl  e 
XLi  da  Nouvelle  Encyclopédie  theologique  do  abade  Migne. 

(2)  Esse  catálogo^  conhecido  pelo  Catalogue  Villemain^  era 
muito  imperfeito,  como  demonstrou  o  eminente  Delisle,  desde 
L873. 

(3)  Nessa  colecção  do  Catalogue  de  1886  figuram  publicados 
os  catálogos  de  mais  de  trezentas  biblotecas  da  província ;  os  ca- 
tálogos dos  manuscritos  das  bibliotecas  do  Arsenal,  Mazarino  e 
Santa  Genoveva,  de  Paris,  e  o  Catalogue  des  manuscrits  conserves 


i8i 


Também,  o  governo  francês  não  ficou  indife- 
rente à  publicação  dos  catálogos  dos  manuscritos 
dos  Arquivos,  pois  em  6  de  Maio  de  1841  foi 
criado  no  Ministério  do  Interior  uma  «Comission 
des  archives  départementales  et  communales», 
que  em  1 847  publicou  um  Catalogue  general  des 
Cartulaires  des  Archives  départementales,  logo  se- 
guido, um  ano  depois,  por  um  Tableau  general 
numérique  par  fonds  des  Archives  départementales 
antérieiírs  à  ijgo. 

Mas  tudo  isso  não  passava  de  uma  série  de 
tentativas  e  ensaios.  Só  em  1 86 1  é  que  se  iniciou 
a  importante  colecção  dos  Inventaires-sommaires 
des  Archives  départamentales,  communales  et  hos- 
pitalières  que  já  deve  contar  cerca  de  cinco  cen- 
tenas de  volumes (i).  Se  bem  que  alguns  desses 
Inventaires-sommaires  muito  deixem  a  desejar, 
não  há  dúvida  que  entre  os  elaborados  depois 
de  1870  há  aíguns  muito  perfeitos  e  que  teem 
sido  poderosos  auxiliares  dos  historiadores. 

Se  os  arquivos  provinciais  e  regionais  teem 
dado  origem,  em  França,  a  esses  e  a  muitos  ou- 
tros trabalhos  de  inventário  não  é  de  admirar  que 
os  Arquivos  Nacionais,  de  Paris,  tenham  já  hoje 
muito  perfeitos  e  completos  os  inventários  e  ín- 


dans  les  dépôts  d' archives  départementales^  communales  et  hospita- 
lières. 

Acerca  destes  e  outros  catálogos  modernos  percorrer  a  colec- 
ção do  Annuaire  des  Bibliothèques  et  des  Archives. 

(1)  Acêica  de  tais  Iiiveníaires  consultar:  os  Rapporís  dirigidos 
ao  Ministro  da  Instrução  Pública  pela  Direcção  Geral  dos  Arqui- 
vos ;  e  a  colecção  dos  Annuaires  des  Bibliothèques  et  des  Archives, 


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dices  das  suas  colecções,  havendo-se,  sobre  os 
seus  fundos  e  núcleos,  publicado  trabalhos  im- 
portantes, tais -como  os  de  A.  Teulet,  J.  de  La- 
BORD  e  Berger,  Actes  dii  Parlement  de  Paris ;  de 
J.  Tardif,  Monuments  historiques;  de  Huillard- 
Bréholles  e  Lecoy  de  la  Marche,  Les  titres  de 
Vancienne  maison  diicale  de  Bourbon,  em  dois  vo- 
lumes ;  a  erudita  obra,  em  três  volumes,  de  DouéT 
d'Arcq,  Collection  des  sceaux,  etc,  etc. 

Também,  os  arquivos  dos  Ministérios  dos  Es- 
trangeiros, Guerra  e  Colónias — cujosfundos  ainda 
não  foram  incorporados  nos  Arquivos  Nacionais, 
teem  as  suas  colecções  em  ordem,  havendo  pu- 
blicado, alguns,  não  só  inventários  dos  seus  nú- 
cleos como  importantes  colecções  de  documen- 
tos (i). 

Expostos,  por  uma  forma  muito  breve  e,  por 
isso,  incompleta,  os  trabalhos  realizados,  oficial- 
mente, em  França  acerca  da  catalogação  dos  ma- 
nuscritos, vamos  tratar  agora  da  segunda  étape 


(i)  Dos  três  ministérios  acima  enumerados  o  que  maior  e  mais 
importante  obra  tem  realizado,  nesse  sentido,  é  o  Ministério  dos 
Negócios  Estrangeiros.  Esses  depósitos  a  cargo  da  'Commis- 
síon  des  Archives  diplomatiques  . .»,  tem  dado  origem  à  publica- 
ção de  três  séries  de  obras:  um  Inventaire  sommaire;  um  Inven- 
taire  analytique,  e  o  Rccueil  des  instructions  données  aux  embas- 
sadeurs  et  ministres  de  France  depuis  le  traiié  de  Westphalie  jus- 
qu'à  la  Révolution  française. 

Alem  destas  e  de  algumas  outras  obras  de  carácter  oficial, 
muitas  outras  teem  aparecido  publicando  na  íntegra,  em  parte  ou 
em  extratos  os  manuscritos  desse  rico  depósito  (vêr:  Langlois, 
ob.  cit.,  pág.  352  e  353;  o  nosso  opúsculo,  Da  Importância  dos 
Documentos  Diplomáticos  em  História. 


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na  serieção  dos  serviços  de  erudição :  a  publica- 
ção de  documentos. 

Se  quanto  aos  serviços  de  inventário  e  catalo- 
gação dos  manuscritos  vimos  a  importante  obra 
realizada  pelo  governo  francês,  iremos  mostrar 
que  no  que  se  refere  à  publicação  das  peças  iné- 
ditas a  acção  do  Estado  tem  sido  igualmente  ze- 
losa, profícua  e  meritória. 

Vimos  já  a  acção  desenvolvida  por  Guizot,  em 
i833,  quanto  à  catalogação  dos  manuscritos. 
Pois  devemos  acrescentar  que  esse  eminente  his- 
toriador e  politico,  então  ministro  de  Luís  Felipe, 
foi  de  uma  persistência,  de  uma  actividade  e  de 
uma  dedicação  admiráveis  ém  favor  da  publica- 
ção dos  documentos  históricos. 

Nesse  mesmo  ano  de  i833  relatava  êle  ao  rei: 
«  Só  ao  governo  pertence  ■ —  quanto  a  mim  —  po- 
der realizar  o  grande  trabalho  de  uma  publicação 
geral  de  todos  os  materiais  importantes  e  ainda 
inéditos  sobre  a  história  da  nossa  pátria.  Só  o 
governo  possue  os  recursos  de  toda  a  ordem  que 
uma  tão  vasta  empreza  exige.  Não  falo  já  nos 
meios  de  subvencionar  as  despesas  que  ela  deve 
ocasionar ;  mas  como  guarda  e  depositário  deste 
legado  precioso  dos  séculos  passados,  o  Governo 
pode  enriquecer  uma  tal  publicação  com  uma  mul- 
tidão de  informações  que  simples  particulares  era 
vão  tentariam  obter». 

Em  harmonia  com  o  seu  ponto  de  vista  o  ilus- 
tre GuizoT  criava,  a  1 8  de  Julho  de  1834,  um 
cComité  chargé  de  concourir  à  la  direction  et  à 


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la.  surveillance  des  recherches  et  publications .  . . 
sur  les  documents  inédits  relatifs  à  rhistoire  de 
France». 

A  IO  de  Janeiro  de  i835  aparecia  uma  nova 
Comissão  que  tinha  por  objectivos  investigar  e 
publicar  «les  monuments  inédits  de  la  littérature, 
de  la  philosophie,  des  sciences  et  des  arts  conside- 
res dans  leurs  rapports  avec  Tliistoire  general  de 
la  France»  (i). 

Porem,  nem  todos  compreenderam  os  desígnios 
de  GuizoT  (2). 

Em  1837,  Salvandy  reorganizava  as  Comis- 
sões, dividindo-as  em  cinco  secções  correspon- 
dentes às  cinco  classes  do  Instituto,  e  que  foram : 
«Langue  et  littérature  françaises,  Histoire  posi- 
tive ou  des  chroniques,  Cartes  et  inscriptions, 
Sciences,  Arts  et  monuments,  Sciences  morales  et 
politiques». 

Outras  modificações  experimentaram  esses  ser- 
viços por  parte  dos  ministros  Cousin,  Fortoul 
Rouland,  J.  Ferry,  etc,  sendo  este  último  que  deu 
a  essa  instituição  o  nome  que  ultimamente  tem 
tido :  Comité  des  travaiix  historiques  et  scientift- 
quês. 


(1)  Ver  X.  Charmes,  Le  Comité  des  travaiix  historiques  et  scien- 
tifiques,  II,  pág  4,  7  e  28;  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  356  e  SSy. 

(2)  Prosper  Mérimée,  que  fez  parte  do  co772//e  nomeado  em  10 
de  Janeiro  de  iS35,  nunca  tomou  a  sério  as  suas  funções  nessa  co- 
missão, levando  as  sessões  a  troçar  dos  desígnios  de  Guizot. 

Ver  passagens  de  cartas  deste  publicadas  na  Reviie  de  Paris,  de 
i5  de  Maio  de  1898,  e  algumas  transcritas  por  I.anglois,  ob.  cit., 
pág.  357. 


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Depois  de  i885  esse  Comité  tem  constado  das 
cinco  secções  seguintes:  «Histoire  et  philosophie, 
Archéologie,  Sciences  economiques  et  sociales, 
Siences,  Géographie  historique». 

Vimos  já  que  o  ponto  de  vista  de  Guizot,  sobre 
a  missão  das  primeiras  Comissões  consistia  na 
publicação  dos  documentos  inéditos  da  história 
de  França.  Como  escreve  Langlois  :  «A  travers 
toutes  les  vicissitudes  qu'il  a  subies  depuis  sois- 
sant-dix  ans,  il  ne  s'est  pas  écarté  de  ce  pro- 
gramme.  Sa  «Collection  de  Documents  inédits», 
à  laquelle  ont  été  consacrés  Ia  majeur  partie  des 
crédits  considérables  dont  il  a  disposé,  en  fait 
foi»  (i). 

Efectivamente,  a  monumental  Collection  de  Do- 
cuments inédits  sur  Vhistoire  de  France  publicada 
pela  Comissão  dos  trabalhos  históricos  do  Minis- 
tério da  Instrução  Pública  francês  gosa  hoje  de 
fama  universal  com  as  suas  três  centenas  de  vo- 
lumes publicados. 

E  essa^  na  verdade,  a  obra  sistemática  mais 
grandiosa  até  hoje  levada  a  efeito. 

Segundo  a  natureza  dos  documentos  publicados 
tal  Colection  é  dividida  em  seis  séries  : 

I.  —  Chroniques,  mémoires,  journaux,  récits  et 

compositions  historiques ; 
II.  —  Cartidaires  reciieils  de  Charles; 
III.  —  Correspondances  et  documents  politiques  et 
administratifs ; 


(i)  Langlois,  oí».  cit.,  pág.  358. 


iS6 


IV.  —  Dociiments  de  la  période  répolutionnaire ; 
V.  —  Documents  politiques,  philologiques^  juridi- 

ques,  etc; 
VI.  —  Publications  archéologiques. 

Sem  exagero  deve  dizer-se  que  se  esta  obra 
no  seu  conjunto  é  verdadeiramente  grandiosa, 
monumental,  estudada  nas  suas  diversas  séries  e, 
dentro  destas,  nos  vários  volumes  publicados 
têem  sido  notadas  algumas  desigualdades,  lacu- 
nas e  importantes  falhas,  emfim,  diversas  imper- 
feições. 

Disso  dão  mostra  as  críticas  dos  eminentes 
eruditos  L.  Deslisle  nas  suas  Notices  siir  les  ou- 
vrages  publiés  dans  la  Collection  de  Documents 
inédits;  A.  Franklin  em  Les  sources  de  Vhistoire 
deFrance;  Fr.  Brouillier  em  Ulnstitut  et  les  Aca- 
demies  de  province,  etc. 

Mas,  essas  e  outras  criticas  não  fizeram,  de 
modo  algum,  parar  o  esforço  e  estancar  a  obra^ 
antes  tornaram  aquele  mais  cauteloso  e  hábil,  e 
esta  mais  afinada  e  perfeita. 

Nem  todas  as  séries  teem  sido  igualmente  en- 
riquecidas. A  quinta  parece  ter  parado,  a  sexta 
está  decadente,  e  a  primeira  não  é  o  que  dela  se 
podia  esperar.  Mas  a  segunda,  terceira  e  quarta 
séries  essas  têem  quási  exclusivamente —  j  e  admi- 
ravelmente !  —  absorvido  os  esforços  e  dota- 
ções do  Comité,  e  dado  origem  a  uma  obra  ver- 
dadeiramente monumental.  Para  se  avaliar  a 
enorme  importância  que  tem  revestido  para  a 


"87 


sciência  histórica  a  obra  levada  a  efeito  pelo 
Ministério  da  Instrução  Pública  francês  com  as 
publicações  da  famosa  Colection  de  Documents 
médits  siir  VHistoire  de  France,  vamos  enumerar, 
por  séries,  algumas  das  obras  aparecidas  —  e 
que  são  as  seguintes : 

I.  —  Crónicas,  memórias,  diários,  narrativas 
e  composições  históricas 

1.  —  Chroniqiie  d  es  ducs  de  Normandie  par  Be- 

noit,  troupère  anglo-normand  dii  XIF  siè- 
de,  publicada  por  Francisque  Michel, 
i836  a  1844,  três  volumes. 

2.  —  Les  Familles   d'outre-mer  de  Du    Cange, 

publicadas  por  E.  G.  Rey,  i86g,  i  vo- 
lume. 

3.  —  Histoire  de  la  croisade  contre  les  hérétiques 

Albigeois,  écrite  en  vers  proj^ençaux,  pu- 
blicada por  C.  Fauriel,  1887,  i  volume. 

4.  —  Histoire  de  la  giierre  de  Navarre  en  12^6 

e  12^7  [crónica  rimada],  par  Guillaume 
Avelier  de  Toulouse,  publicada  por  Fran- 
cisque Michel,  i856,  i  volume. 

5. —  Chroniqiie  de  Bertrand  Du  Guesclin,  par 
Cuvelier,  troupère  du  XIV^  siécle,  publi- 
cada por  E.  Charrière,  iSSg,  2  volumes. 

6. —  Chronique  du  religieux  de  Saint-Denys, 
contenant  le  règne  de  Charles  VI,  de  i38o 
à  1422,  traduzida  e  publicada  por  L. 
Bellaguet,  1839  a  i852,  6  volumes. 

7.  —  Chroniques  d'Amadi  et  de  Strambaldi  [61 5 


i8^ 


a  1458],  publicadas  por  R.  de  Mas-La- 
TRiE,  1891  a  1893,  2  volumes. 

8.  —  Mémoires  de  Claude  Haton  (i553  a  i582), 

publicadas  por  F.  Bourquelot,  i858,  2 
volumes, 

9.  —  Journal  d^OUvier  Lefèvre  d" Ormesson  et  ex- 

traits  de  mémoires  d^ André  Lefèvre  d^Or- 
messon  [1643  a  1672],  publicados  por 
A.  Chéruel,  1860  e  1861,  2  volumes. 

10.  —  Mémoires  de  Nicolas-Joseph  Foucault  [1641 

a  17 18],  publicadas  por  F.Baudry,  1862, 

1  vol. 

11.  —  Histoire  de  la  giierre  sainte,  poème  de  la 

troisième  croisade  (i  igo),  publicada  por 
G.  Paris,  1897,  i  volume. 

II.  —  Cartulários  e  colecções  de  diplomas 

12.  —  Cartulaire  de  Vabbaye  de  Sainte-Père  de 

Chartres,  publicado  por  B.  Guérard,  i  840, 

2  volumes. 

I  3.  —  Cartulaire  de  Vabbaye  de  Saint-Bertin,  pu- 
blicado por  B.  Guérard,  1840,  i  volume. 

14. —  Appendice  au  Cartulaire  de  Valbaye  de 
Saint-Bertin,  publicado  por  F.  Morand, 
1867,  I  vol. 

I  5.  —  Cartulaire  de  Véglise  Notre-Dame  de  Paris 
publicado  por  B.  Guérard,  Géraud,  Ma- 
RioN  e  Deloye,  i85o,  4  volumes. 

16. —  Cartulaire  de  Vabbaye  de  Saint- Victor  de 
Marseille^  publicado  porB.  Guérard,  Ma- 
RiON  e  Delisle,  1857,  2  volumes. 


189 


ly.  —  Cartulaire  de  Vabbaye  de  Redon  en  Breta- 
gne^  publicado  por  A.  de  Courson,  i863, 
I  volume, 

1 8.  —  Recueil  de  chartes  de  rabbaye  de   Cluny, 

formado  por  Aug.  Bernard,  e  publicado 
por  Alex  Bruel,  6  tomos,  1876  a  1894, 
5  volumes.  / 

19.  —  Cartulaires  de  Véglise  cathédrale  de  Greno- 

ble,  dits  Cartulaires  de  Saitit-Hugues, 
publicados  por  J.  Marion,  1869,  i  vo- 
lume. 

20.  —  Cartulaire  de  Savigny,  suivi  du  petit  cartu- 

laire de  Vabbaye  d'Ainay,  publicados  por 
Aug.  Bernard,  i853,  2  volumes. 

21.  —  Cartulaire  de  Vabbaye  de  Beaulieu  (en  Li- 

mousin),  publicado  por  M.  Deloche,i859, 
I  volume. 

22.  —  Archives  de  l' Hôtel-Dieu  de  Paris  (11S7  ^ 

i3oo),  publicados  por  L.  Brièle  e  E. 
Coyecque,  1894,  I  volume. 

23.  —  Privilèges  accordês  à  ia  couronne  de  France 

par  le  Saint-Siège  [1224  a  1622,  publi- 
cados por  Ad.  e  J.  Tardif],  i855,  i  vo- 
lume. 

24.  —  Recueil  des  moniiments  inédits  de  Vhistoire 

du  Tiers-État  (i^''  série,  region  du  Nord), 
publicado  por  Augustin  Thierry,  i85o  a 
1870,  4  volumes. 

25.  ■ — Archives  administratives  de  la  ville  de  Reims 

(iv  a  XIV  séculos),  publicados  por  P.  Va- 
RiN,  1839  a  1848,  3  volumes, 


190 


26.  —  Archives  législatives  de  la  ville  de  Reims  (sé- 

culos XIII  a  xvi),  publicados  por  P.  Varin, 
1840  a  i852,  4  volumes. 

27.  —  Arcjiives  administratives  et  législatives  dela 

ville  de  Reims.  Table  générale  d  es  matiè- 
res,  par  L.  Amiel,  i853,  i  volume. 

III.  —  Correspondências  e  documentos  políticos 
e  administrativos 

28.  —  Lettres  de  róis,  reines  et  aiitres  personnages 

d  es  cours  de  France  et  d^Angleterre,  de- 
puis  Louis  VII  jusqu'à  Henri  IV,  tirées 
des  archives  de  Londres  par  Bréquigny, 
e  publicados  por  J.  J.  Champollion-Fi- 
GEAG,  1839  a  1847,  2  volumes. 

29.  —  Roles  gasçons,  publicados  por  Francisque 

MicHEL  e  Ch.  Bémont,  tomo  i  e  suple- 
mento (1242  a  1255),  e  tomo  11,  i885,  2 
volumes. 

30.  —  Les  ííOlimy),  oii  registres  des  arrêts  rendus 

par  la  Cour  du  roi  sous  les  rêgnes  de 
Saint  Louis- Philippe  le  Long  ( 1 2 54- 1 3 1 8), 
publicados  pelo  conde  Beugnot,  1839  a 
1848,  4  volumes. 

3 1 .  —  Règlements  sur  les  arts  et  métiers  de  Paris^ 

rediges  au  XIIF  siècle  sous  le  nom  de 
Livre  des  métiers  d^Étienne  Boileau,  publi- 
cados por  G.-B.  Depping,  1837,  i  volume. 
32.—  Correspondance  administr ative  d'Alfonse  de 
Poitiers,  publicada  por  Aug.  Molinier, 
tomo  I  (1268  a  1270),  1894,  I  volume. 


191 


33.  —  Paris  sous  Philippe  le  Bel,  notamment  d*a- 

prés  le  role  de  la  taille  de  Paris  en  i2gi, 
publicado  por  H.  Géraud^  1837,  i  vo- 
lume. 

34.  —  Procès  des  Templiers,  publicado  por  J.  Mi-^ 

CHELET,  1841,  2  volumes. 

35.  —  Mandements  et  actes  divers  de  Charles  V 

(1364  a  i38o),  analisados  e  publicados 
por  L.  Delisle,  1874,  i  volume. 

36. — ■  Itinéraires  de  Philippe  le  Hardi  et  de  Jean 
sans  Peur,  ducs  de  Boiírgogne  (i363  a 
1479)^  publicados  por  Ernest  Petit, 
1888,  I  vol. 

37.  —  Journal  des  Etats  généraux  de  France  tenus 
à  Toiírs,  en  1484^  sous  le  règne  de  Char- 
les VIII,  par  Jehan  Masselin,  traduzido  e 
pviblicado  por  A.  Bernier,  i835,  i  vo- 
lume. 

38. — Procès-verbaux  des  séances  du  Conseil  de 
régence  du  roi  Charles  VIU  (aoút  1484 
— janv.  1485),  publicados  por  A.  Ber- 
nieR;,  i836,  I  volume. 

39.  —  Procédures  politiques  du  règne de  Loiíis  XII, 

publicados  por  R.  de  Maulde,  i885,  i 
volume. 

40.  —  Négociations   diplomatiques  de  la   France 

avec  la  Toscane  (i3i  i  a  16 10),  documen- 
tos coligidos  por  GiusEPPE  Canestrini  e, 
publicados  por  Abel  Desjardins,  1859  a 
1886,  6  volumes. 

41 .  ^- Négociations  diplomatiques  entre  la  Franco 


192 


et  VAutriche  durant  les  trente  premières 
années  du  X  VI  siècle,  publicadas  por  A. 
Le  Glay,  1845;,  2  volumes. 

42.  —  Négociations  de  la  France  dans  le  Lepant 

(i5i5  a  1589),  publicadas  por  E.  Ghar- 
RiÈRE^  1848  a  1860,  4  volumes. 

43.  —  Captivité  du  roi  François  F\  por  A.  Cham- 

poLLiON-FiGEAC,  1847,  ^  volume. 

44.  — Papiers   d^État  du   cardinal  de  Granvelle 

(i5i6  a  1 565),  publicados  por  Ch.  Weiss, 
1841  a  i852,  9  volumes. 

45.  —  Lettres  de  Catherine  de  Médicis,  publicadas 

por  Hector  de  la  Ferrière  e  Baguenault 
de  Puchesse,  tomos  i  a  ix,  1880  a  1905, 
9  volumes. 

46.  —  Négociations^  lettres  et  pièces  diverses  rela- 

tives  au  règne  de  François  II,  publicadas 
por  Louis  Paris,  1841,  i  volume. 

47.  — Relations  des  ambassadeurs  vénitiens  sur  les 

affaires  de  France  au  XVI siècle,  coleccio- 
nadas e  traduzidas  por  N.  Tommaseo, 
i838,  2  volumes. 

48.  —  Procès-verbaux  des  États  généraux  de  i5g3, 

publicados  por  Aug.  Bernard,  1842,  i  vo- 
lume. 

^g.  —  Recueil  des  lettres  missives  de  Henri  IV 
[i562  a  16 10],  publicado  por  Berger  de 
Xivrey  e  GuADET,  1843  a  1876,  9  volu- 
mes. 

^  o.— Lettres,  instructions  diplomatiques  et  papiers 
d'État  du  cardinal  Richelieu  [  1 60 8  a  1 64 2] , 


o:! 


publicadas  por  Avi:nki.,  i853  a  1877,  8 
volumes. 

5i.  —  Maximes  d'État  et  fragments  politiques  ^du 
cardinal  de  Richclieu,  publicados  por  Ga- 
briel Hanotaux,  1880,  I  volume. 

52.  —  Négociations,  lettres  et  pièces  relatives  à  la 
Conférence  de  Loudun  [  1 6 1 5  e  1 6 1 6],  pu- 
blicadas porBoucHiTTÉeLEVAssEUR,  1862, 
I  volume. 

53. —  Correspondance  de  Henri  d^Escoubleau  de 
Sourdis,  archevêque  de  Bordeaux,  chefdes 
cojiseils  du  roi  en  Varmée  napale,  publicada 
por  EuGÈNE  Sue,  iSSg,  3  volumes. 

54.  —  Lettres  du  cardinal  .Ma^arin,  pendant  son 

ministère  [1642  a  1661],  publicadas  por 
A.  Chéruel  e  G.  d'Avenel,  1872  a  1897, 
9  volumes. 

55.  —  Correspondance  administr ative  sous  le  règne 

de  Louis  XIV,  coligida  por  G.-B.  Dep- 
piNG,  i85o  a  i855,  4  volumes. 

56.  —  Mémoires  des  intendants  sur  Vétat  des  Géné- 

ralités,  dressés pour  Tinstruction  du  duc  de 
Bourgogne.  Tomo  i^  Memoire  de  la  Gé- 
néralité  de  Paris,  publicada  por  A.  Bois- 
lisle,  1881,  I  volume. 

57.  —  Négociations  relatives  à  la  Siiccession  d^Es- 

pagnesous  Louis  XIV I1662  a  1679],  pu- 
blicadas por  F.  Mignet,  i835  a  1842,  4 
volumes. 

58.  —  Mémoires  militaires  relatifs  à  la  Succession 

d'Espagne  sous  Louis  XIV[ijoi  a  171 3], 

i3 


194 


publicadas  pelos  tenentes  generais  De 
Vault  e  Pelet,  i835  a  1862,  11  volu- 
mes e  I  atlas. 

59.  —  Corre spondance  des  contrôleurs  généraux 

des  Finances  avec  les  Intendants  des  Pro- 
pinces,  publicada  por  A.  Boislisle,  1874 
1898.  3  volumes. 

60.  —  Remontrances  dii  Parlement  de  Paris  au 

XVIII  siècle,  publicadas  por  J.  Flammer- 
MONT.  Tomos  I  a  iii,  1888  a  1897,  ^  vo- 
lumes. 

61.  —  Documents  relatifs  aiix  comités  de  Champa- 

gne  e  de  Brie  {XII  a  XIV  siècle),  publi- 
cados por  A.  LONGNON. 


IV.  —  Documentos  do  período  revolucionário 

62.  —  Recueil  de  documents  relatifs  à  la  convoca- 
tion  des  Etats  généraux  de  ijSg,  publi- 
cado por  A.  Brette.  Tomos  i  a  m,  1894 
a  1897,  3  volumes. 

63. —  Corre  spondance  secrète  du  comte  de  Mercy- 
Argenteau  avec  Vempereiír  Joseph  II  et  le 
prince  de  Kaunit^  (1780  a  1790),  publi- 
cada por  A  d'Arneth  e  J.  Flammermont, 
1889  a  1891,  2  volumes. 

64.  —  Procés-verbaux  du  comité  d' instruction  pu- 

blique de  rAssemblée  législative^  publi- 
cados por  J.  GuiLLAUME,  1889,  um  vo- 
lume. 

65 .  —  Procés-verbaux  du  Comité  d^instruction publi- 

que de  la  Convention  nationale,  publicados 


ig5 


por  J.  GuiLLAUME,  tomos  I  a  iv,  1891  ã. 
1901,  4  volumes. 

66.  —  Reciieil  cies  actes  du  Comité  de  salut public, 

publicado  por  F.  A.  Aulard,  tomos  i  a  xxii, 
1889  a  1912,  22  volumes  e  um  índice 
dos  primeiros  cinco. 

67.  —  Correspondance  general  de  Carnot,  publi- 

cada por  Et.  Charavay,  tomos  i  a  iv, 
1892  a  1907,  4  volumes. 

V.  —  Documentos  filológicos,  literários,  filosóficos, 
jurídicos,  ete. 

68.  —  Uéclaircissement  de  la  langue française^  por 

Jean  Palsgrave  (i  53o),  publicado  por  F. 
Génin,  i852,  I  volume. 

69.  —  Les  quatres  livres  des  Róis  traduits  en /ran- 

çais du  Xn  siècle,  publicados  por  Le- 
Roux  DE  LiNCY,  1841,  I  volume. 

70.  —  Le  livre  des  Psaumes,  ancienne  traduction 

française,  publicado  por  Francisque  Mi- 
CHEL,  1876,  I  volume. 

71.  —  Ouvrages  inédits  d'Abélard,  publicadas  por 

Victor  GousiN,  i836^  i  volume. 

72.  —  Le  livre  dou  Tresor,  par  Brunetto  Latini, 

publicado  por  P.  Ghabaille,  i863,  i  vo- 
lume. 

73.  —  Li  livres  de  Jostice  et plet,  publicados  por 

P.  Ghabaille,  i85o,  i  volume. 

74.  —  Le  Mister e  du  siège  d'Orlèans,  publicado 

por  F.  Guessard  e  E.  de  Gertain,  1862, 
I  volume. 


iq6 


75.  —  Lettres  de  Peiresc  {1602  a  1637),  publicadas 

por  Ph.  Tamizey  de  Larroque,  tomos  i 
a  VI,  1888  a  1896,  6  volumes. 

76.  —  Lettres  de  Jean  Chapelain  (i632  a   1672), 

publicadas  por  Ph.  Tamizey  de  Larroque, 
1880  a  i883,  2  volumes. 

77.  —  Documents  historiqiies  inédits  tires  des  colle- 

ctions  mamiscrites  de  la  Bibliothèqiie  roya- 
le,  etc,  publicados  por  Chmpollion-Fi- 
GEAC,  1841  a  1848,  4  volumes,  e  índicç 
(1874),  I  volume. 

78.  —  Melanges  historiques,  choix  de  documents, 

publicados  por  diversas  pessoas,  1873  a 
1886,  5  volumes. 

VI.  —  Publicações  arqueológicas 

79.  —  Récueil  de  diplomes  militaires,   publicado 

por  L.  Renier,  1876,  i  volume. 

80.  —  Etude  sur  les  sarcophages  chrétiens  antiques 

de  la  ville  d' Aries,  por  Edm.  Le  Blant, 
1878,  I  volume. 

81.  —  Les  sarcophages  chrétiens  de  la  Gaule,  por 

Edm.  Le  Blant,  1886,  i  volume,  in-fol. 
82. — 'Nouveau  recueil  des   inscriptions  chrétien- 
nes  de  la  Gaule  antérieures  ao  VLIF  siècle^ 
por  Edm.  Le  Blant,  1892,  i  volume. 

83.  —  Architecture  mojiastique,  por  Albert  Lenoir, 

i852  a  i856,  2  volumes. 

84.  —  Etude  sur  les  monuments  de  l^ architecture  mi- 

litaire  des  Croisés  en  Syrie  et  dans  Vile  de 
Chipre,  por  Guillaume  Ret,  1871,  i  vol. 


^97 

85.  —  Monogj^aphie  de  Végiise  de  Notre-Dame  de 

Noyon,  por  L.  Vitet,  e  D.  Ramée,  1845, 
I  volume,  e  i  atlas  in-fol. 

86.  —  Monographie  de  la  cathédrale  de  Chartres 

[por  Lassus  e  Amaury  Duval].  Explica- 
ção das  estampas  por  J.  Durand,  1867 
a  1886,  atlas  in-fol. 

87.  —  Notice  sur  les peintures  de  Végiise  de  Saint- 

Savin,  por  P.  Mérimée,  1845,  i  volume. 

88.  —  Statistique  monumental e  (spécimen).    Rap- 

port  sur  les  monuments  historiques  des 
arrondissements  de  Nancy  et  de  Toul, 
por  E.  Grille  de  Beuzelin,  1837,  i  vo- 
lume, e  atlas  in-fol. 

89.  —  Statistique  monumentale  de  Paris,  por  Al- 

bert  Lenoir,  1867,  I  volume,  e  atlas. 

90.  —  Iconographie  chrétienne.  Histoire  de  Dieu, 

por  Didron,  1843,  I  volume. 

91.  —  Recueil  de  dociiments  rélatifs  à  rhistoire  des 

monnaies  frappées  par  les  róis  de  France, 
depuis  Philippe  II  jusqii^à  François  F^, 
par  F.  DE  Saulcy,  tomo  i  [i  179  a  i38o], 
1879,  I  volume. 

92.  —  Ifwentaire  des  sceaux  de  la  collection  Ciai- 

rambault  à  la  Bibliothèque  nationale,  por 
G.  Demay,  i885  a  1886,  2  volumes. 

93.  —  Inventaire  du  mobilier  de  Charles  V,  roi  de 

France  [i  38o],  publicado  por  J.  Labarte, 
1879,  I  volume. 

94.  —  Comptes  de  dépenses  de  la  construction  du 

châteaii  de  Gaillon  [i5oi  a  i5o9],  publi- 


igS 


cadas  por  A.  Deville,  i85o,  i  volume  e 
atlas. 

95.  —  Comptes  des  bâtiments  du  Roi  sous  le  règne 
de  Louis  XIV,  publicadas  por  J.  Guif- 
FREY,  tomos  I  a  V,  1881  a  1901,  5  vo- 
lumes. 

gô.—Inscriptions  de  la  France  du  V^  au  XV IIP 
siècle.  Ancien  diocese  de  Paris,  por  F.  de 
GuiLHERMY  e  R.  DE  Lasteyrie,  1 878  a  I  883, 
5  volumes. 


Além  das  obras  que  acabamos  de  enumerar,  e 
que  não  constituem  mais  que  uma  parte  do  que 
tem  sido  publicado  pelo  Ministério  da  Instrução 
Pública  de  França,  devem  ser  também  recordadas  | 
as  colecções  de  Relatórios  e  instruções,  bem  como 
os  Relatos  das  várias  comissões  ao  Ministro  da  ^ 
Instrução  e  deste  ao  Chefe  de  Estado,  e  as  diver- 
sas Instruções  aos  colectores,  editores  e  anotado- 
res dos  Inéditos  (i). 


(i)  Vêr  os  dois  volumes  de  Melanges  Historiqiies^  da  Collection 
de  Documents  Inédits  siir  rHistoire  de  France,  publicados  por 
Champollion-Figeac,  tendo  o  primeiro  aparecido  em  184!  e  o  se- 
gundo em  1843. 

No  primeiro  volume  figura  um  Prefácio  do  Editor^  onde  Ch.- 
FiGEAC  faz  uma  resumida  história  da  Collection  desde  o  Relató- 
rio de  GuizoT,  ao  rei,  de  3 1  de  Dezembro  de  i833,  até  1840  e  1841, 
indicando  os  trabalhos  feitos  no  tempo  daquele  Ministro  e  quais 
as  alterações  que  lhe  trouxe  Vítor  Gousin.  Seguem-se  depois  os 
relatórios,  notícias  e  inventários  das  missões  de  investigação  en- 
viadas aos  vários  departamentos  franceses  —  constituindo  a  pri- 
meira parte,  ao  passo  que  a  segunda  consta  de  textos  de  docu- 
mentos. 


1^9 


Também,  a  comissão  dos  trabalhos  históricos 
publica  uma  importante  colecção  de  Dictionnaires 
topographiques  des  departements.  Já  conta  bem 
mais  de  vinte  volumes,  constando  cada  mono- 
grafia de  uma  introdução  geográfico-histórica,  de 
uma  lista  dos  documentos  empregados,  de  uma 
nomenclatura  muito  detalhada  dos  nomes  geo- 
gráficos modernos,  e  de  uma  lista  alfabética  dos 
nomes  antigos. 

Igualmente,  teem  sido  publicados,  a  partir  de 
1861,  vários  volumes  de  Repertoires  archéologi- 
ques  des  departements^  tendo  o  do  Aube,  apare- 
cido naquele  ano,  sido  redigido  por  H.  d'Arbois 
DE  Jubainville;  sendo  o  do  Oise,  publicado  em 
1862  por  WoiLLEz;  o  do  Morbihan,  em  i863  por 
Rosenzweig;  o  de  Tarn,  por  Crozes,  em  i865  ;  o 
do  jYonne,  por  Quantin,  em  1 868 ;  o  do  Sena, 
inferior,  pelo  abade  Gochet,  em  1872 ;  o  de  Niè- 
vre,  por  G.  de  Soultrait,  em  1875 ;  o  dos  Alpes 
Superiores,  por  Roman,  em  1888,  etc. 

Conforme  o  que  diz  A.  Fanklin  na  sua  obra 
Les  sources  de  Vhistoire  de  France,  e  reproduz 
Langlois  no  seu  aqui  tantas  vezes  citado  Manuel 
de  Bibliographie  Historiqiie,  várias  outras  obras 
teem  sido  publicadas  pelo  Comité  dos  trabalhos 
históricos  como  as  Lettres,  instructions  et  mémoi- 
nes  de  Colbert,  i86i-i865,  em  dez  volumes,  pelo 
padre  Clément  ;  colecções  de  obras  dos  mais  no- 
táveis sábios  franceses  como  CauchY;  Descartes, 
Fermat,  Fourier,  Fresnel,  LagrangE;,  Laplace,  La- 
voisiER ;  os  Anciens  alchimistes  grecs,  por  Berte- 


200 


LOT  e  Ch.-E.  Ruelle,  1888,  em  três  volumes  (i); 
o  Dictionnaire  de  Vancienne  langue  française  et 
tous  ses  dialectes  dii  IX^  au  XV^  siècle,  de  Fr.  Go- 
defroy;  o  Dictionnaire  archéologique  deja  Gaule; 
os  Éléments  de  paléographie,  de  N.  de  Wailly;  a 
Histoire  economique  de  la  propriété,  des  salaires, 
des  denrées  et  de  tons  les  prix  en  general  depuis 
Van  1200  jiisqu'en  Fan  iSoo,  de  G.  d'Avenel;  a 
colecção  áos  Momiments  de  Vart  by^antin,  etc.(2). 
Tem  possuído  esse  Comité  uma  publicação  pe- 
riódica onde  tem  ido  expondo  a  obra  realizada 
não  só  no  que  respeita  aos  trabalhos  efectuados 
nos  estudos  prévios  e  na  elaboração  das  obras 
publicadas,  como  pelo  que  se  refere  aos  chamados 
congressos  ou  reuniões  das  Societés  savantes  dos 
departamentos  franceses. 

Entre  tais  publicações  periódicas  são  de  citar 
o  Bidletin  archéologique  du  Comité  des  arts  et  mo- 
niiments;  os  Troces  verbaiix  des  séances  du  Comité 
des  monuments  écrits;  o  Bulletin  du  Comité  his- 
torique  des  arts  et  monuments ;  o  Bulletin  du  Co- 
mité  des  monuments  écrits;  o  Bulletin  du  Comité 
de  la  langue^  de  V histoire  et  des  arts ;  o  Bulletin 
des  Societés  savantes,  Missions  scientiflqites  et  lit- 


(i)  Esta  obra  como  Les  lapidaires  de  1'antiquité  et  du  moyen 
age  de  F.  Mély,  teem  sido  publicadas  pela  secção  de  sciências. 

(2)  Ver  uma  lista  muito  completa  das  obras  publicadas  pelos 
Comités,  até  1873,  in  Table  Généralc  des  Bidletins  du  Comité  des 
Travàux  Historiqucs  et  de  la  Revue  des  Sociétes  Savants,  por 
OcTAVE  Teissieb,  iSyS,  pág.  viu  a  xn. 


20I 


téraires;  e  a  Re  mie  d  es  Sociétés  Savantes,  a  partir 
de  i856(i). 

Esta  .última  —  a  Revue  des  Sociétés  savantes  — 
consta:  na  i.*  série,  de  i856  a  i858,  de  cinco 
volumes;  na  2.%  de  iSSg  a  1862,  oito  volumes; 
na  3.%  i863  e  1864,  quatro  volumes;  na  4.^  série, 
de  i865  a  1869,  dez  volumes;  etc.  Estes  volu- 
mes conteem  as  actas  das  secções  de  história, 
de  filologia  e  de  arqueologia  ;  as  Memórias  e  Re- 
latórios apresentados  e  lidos  nas  secções  —  alguns 
dos  quais  constituem  bons  capítulos  de  história 
e  de  arqueologia  da  França ;  muitas  noticias  de 
Memórias,  Revistas  e  Boletins  de  história,  arqueo- 
logia e  filologia ;  excelentes  artigos  de  criação 
histórica  e  arqueológica  sob  a  epígrafe  de  Études 
historiques;  a  publicação  de  numerosos  e  impor- 
tantes documentos,  com  boas  análises  e  criticas 
de  proveniência,  etc. ;  relatos  das  descobertas  de 
papéis  e  de  peças  arqueológicas,  de  investigações, 
etc. ;  Noticias  das  obras  publicadas  na  província 
ou  sobre  a  província;  reproduções  de  monumentos 
arqueológicos  e  históricos,  de  inscrições,  sepultu- 
ras pre-históricas;  Rapports  descritivos,  analíticos 
e  crítitos  das  Comunicações  feitas  ao  Comité  pe- 
los membros  correspondentes  do  Ministério  de 
Instrução,  sendo  tais  Rapports  assinados  pelos 
nomes  mais  gloriosos  da  erudição  francesa  como 


(i)  Acerca  da  criação  e  evolução  dos  Comités  de  trabalhos 
históricos  do  Ministério  de  Instrução  Pública  de  França,  vêr: 
OcTAVE  Teissier,  Table  Générale,  etc,  pág.  1  a  viu. 


202 


QuiCHERAT,  Leopoldo  Delisle,  Desnoyers,  Lastey- 
RiE,  Ed.  Barthélemy,  Tardif,  Boislisle,  Bello- 
GUET,  Renan,  AIex.  Bertand,  etc,  etc. ;  a  lista  de 
membros  efectivos  e  correspondentes  das  secções 
dos  Comités,  etc. 


Vamos  tratar  agora,  muito  sucintamente,  da 
famosa  Collection  de  Dociiments  inédits  sur  VHis- 
toire  de  France  publiés  par  les  soins  du  Ministre  de 
Vlnstruction  Publique,  e  exemplificar  a  importân- 
cia desse  notável  corpo  de  publicações,  escolhendo 
algumas — mas  muito  poucas  —  das  colecções  do- 
cumentais que  o  constituem,  como :  o  Recueil  des 
Chartes  de  VAbbaye  de  Cluny;  o  Recueil  des  Actes 
du  Comité  de  Salut  Public  avec  la  Correspondance 
officielle  des  représentants  en  Mission  et  le  Registre 
du  Conseil  exécutif  propisoire,  etc. 

Esperamos  poder  dar,  com  as  noticias  que  for- 
necemos acerca  da  forma  como  estão  elaboradas 
essas  obras,  e  com  o  mais  que  dizemos  da  mo- 
numental Collection  de  Documents  Inedits,  uma 
idea  mais  ou  menos  nítida,  clara  e  exacta. 


Efectivamente,  fazendo  parte  dessa  Collection, 
e  incluída  na  primeira  série  da  História  Politica^ 
começava,   em   1876,  a  aparecer  o  Recueil  des    | 
Chartes  de  VAbbaye  de  Cluny,  formado  por  Au- 


203 


GUST  Bernard,  e  completado,  revisto  e  publicado 
por  Alexandre  Bruel  (i). 

Havendo  falecido  Bernard  foi  encarregado  Ale- 
xandre Bruel  que,  depois  de  ter  estudado  os  ma- 
nuscritos da  Biblioteca  Nacional  de  Paris,  fez  vir 
para  essa  cidade  os  cartulários  originais  de  Cluny. 

Bruel  conta  num  excelente  Prefácio,  de  qua- 
renta e  seis  páginas,  a  obra  que  realizou,  isto  é, 
expõe  por  uma  forma  concreta  e  detalhada  as 
fontes  donde  sairão  os  textos  do  primeiro  vo- 
lume. O  autor  devide  o  seu  estudo  em  três  par- 
tes :  a  primeira  destinada  ao  estudo  dos  depósitos 
de  originais,  a  segunda  relativa  aos  depósitos  de 
cópias  e  a  terceira  ao  dos  Cartulários. 

Na  primeira  ocupa-se  dos  fundos  da  Biblioteca 
Nacional  de  Paris,  Biblioteca  e  Arquivos  Munici- 
pais de  Cluny,  e  do  Museu  Britânico.  Na  se- 
gunda trata  das  cópias,  isto  é,  dos  textos  repro- 
duzidos, indicando  onde  o  foram,  e  fazendo  uma 
pequena  súmula.  Na  terceira  parte  ocupa-se  dos 
Cartulários,  dos  quais  os  mais  antigos  e  impor- 
tantes são  três :  o  A)  da  Biblioteca  da  cidade  de 
Cluny  —  o  qual  estuda  e  descreve  com  muita 
minúcia  e  erudição;  o  B)  e  C)  ^que  é  o  n."  i  da 
Biblioteca  da  cidade  de  Cluny;  o  Cartulário  D., 
e  o  E. 


(i)  AuGusT  Bernard  já  havia  publicado  em  i853,  na  mesma 
Colleclion  de  Dociiments  inédits  o  Cartulaire  de  Vabaye  de  Savi- 
gny,  seguido  do  Petií  cartulaire  de  Vabbaye  d'Ainay,  em  dois 
volumes.  O  erudito  Bernard,  publicou,  em  1861,  também,  uma 
monografia  com  o  plano  da  publicação. 


^04 


Seguem-se,  depois,  os  impressos — o  mais  im- 
portante dos  quais  é  a  colecção  da  Biblioteca 
Cluniacensis,  aparecida  em  1614. 

Descrito  isso,  com  um  excelente  acompanha- 
mento de  notas  muito  eruditas,  passa-se  à  trans- 
crição das  Chartes  de  VAbbaye  de  Cluny.  A 
publicação  de  cada  documento  é  acompanhada 
de  notas  com  análises  e  criticas  de  carácter  pa- 
leográíico,  diplomático,  filológico,  histórico,  etc, 
estudos  de  restituição  dos  textos,  de  interpreta- 
ção, etc. 

Ao  passo  que  o  primeiro  tomo  contêm  as  pe- 
ças desde  o  ano  de  802  a  954,  o  segundo  consta 
das  que  vão  de  954  a  987,  reproduzindo  o  pri- 
meiro 882  espécies,  e  indo  o  segundo  da  peça 
883  a  1727. 

O  terceiro  tomo  consta  de  peças  que  vão  do 
ano  de  987  ao  de  1027,  e  dos  números  1.728  a 
2.796;  e  o  quarto,  aparecido  em  1888,  abre  com 
uma  Epistola  Johannis  papae  XIX  ad  universos 
ecclesiae  Jideles  por  monachis  Cluniacènsibus,  de 
28  de  Março  de  1027 — já  publicada,  com  algumas 
variantes,  no  Boletim  Cluniacense^  pág.  2,  col.  2, 
e  fecha  com  o  incipit  de  uma  Charta  que  Galte- 
rius  Chasnellus  dat  monachis  Cluniacènsibus  sancti 
Dionys  in  Negimto  Castro  Ecclesiam  Sancti  Petri 
Cetonensis,  com  appenditiis  et  relum  Albis  —  que 
é  o  documento  n.°  3.655,  de  1090,  pouco  mais  ou 
menos. 

O  quinto  tomo  desta  mesma  obra  apareceu 
em    1894,   e  compreende   documentos  que  vão 


205 


desde  14  de  Junho  de  1091  a  12  10  pouco  mais 
ou  menos.  Abre  com  a  peça  n.°  3.656  que  é 
mais  uma  Charta  que  Pipo  Leucorum  episcopus, 
notiim  facit  Widomen  militen  ecdcsias  de  Donna 
Maria  et  Liicca  Prata  monasterio  Cluniacensi  de- 
disse,  e  fecha  com  o  documento  n.°  4.457  —  umas 
Litterae  Fulconis  prior  is  Sancti  Mar  tini  de  Campis 
ad  abbatem  cluniacensem,  quibus  not  um  facit  se  et 
fratres  ejiis  renunciavisse  appellationi  quamfeceant. 
Por  sua  vez,  o  tomo  vi,  e  último,  aparecido 
em  1903,  abre  com  a  peça  n.°  4.458  que  é  uma 
Charta  Hidrici,  abbatis  monasterii  novi  pietanensis, 
de  conpentione  facta  inter  ipsum  et  abbatem  clunia- 
censem, super  quibusdam  expensis,  ao  que  parece 
de  18  de  Outubro  de  121 1,  e  existente  na  Biblio- 
teca Nacional  de  Paris ;  e  termina  com  a  publica- 
ção do  documento  n.°  5.5o6,  de  cerca  de  i3oo, 
que  tem  por  titulo  :  Suplicatio  procurator is  abbatis 
balmensis  coram  difinitoribus  capituli  cliiniacensisy 
qua  petit  ut,  secundum  quandam  litteram  abbatum 
balmensis  et  cluniacensis,  balmensis  abbas  sedem 
habeat  super  alios  abbates  ordinis  post  moysiacen- 
sem,  seguindo-se,  a  fechar  o  mesmo  tomo,  alguns 
aditamentos  a  documentos  anteriormente  publi- 
cados ;  um  Apêndice  constante  de  um  Inventário 
dos  Arquivos  da  Abadia  de  Cluny  no  século  XV; 
e  um  capítulo  de  erratas  dos  seis  tomos  do  Re^ 
cueil  (i). 


(i)  A  abrir  o  tomo  vi  encontrasse  um  Prefácio  do  colector  ê 
anotador  Alexandre  Bruei.  onde  este  dá  conta  de  haverem  sido 


2oê 


Se  o  Recueil  des  Chartes  da  abadia  de  Cluny 
representa  ao  mesmo  tempo  a  primeira  e  a  se- 
gunda séries  da  Colecção  dos  Inéditos  da  História 
de  França^  a  quarta  série  está  magnificamente 
representada,  entre  outras  obras,  pelo  Recueil  des 
Actes  du  Comité  de  Salut  Public  avec  la  corres- 
pondance  officielle  des  représentants  en  Mission  et 
le  registre  du  Conseil  exécutif  provisoire^  publicado 
por  F.-A.  AuLARD. 

O  primeiro  volume  desta  importante  obra,  apa- 
recido em  1889,  começa  por  uma  Introdução  do 
ilustre  especialista  da  história  da  Revolução,  Prof. 
AuLARD,  onde  este  expõe  de  uma  forma  muito  su- 
cinta o  fim,  método  e  plano  da  sua  obra,  descre- 
vendo depois  as  fontes.     Assim,  escreve  êle  : 

«Notre  but  est  de  publier,  en  les  rapprochant 
pour  les  combiner  selon  l'ordre  chronologique, 
trois  series  de  textes : 

« I .°  Les  déliberations  et  arretes  du  Comité  de 


adquiridos  pelo  Estado,  em  1881,  os  diplomas  e  outros  manuscri- 
tos que  se  encontram  hoje  na  Biblioteca  Nacional  de  Paris.  O 
intermediário  dessa  aquisição  foi  o  eminente  erudito  Leopoldo 
Delisle,  então  administrador  geral  da  Nacional,  o  qual  logo  em 
1884  publicava  um  magnífico  Inventaire  des  manuscrits  de  la  Bi- 
bliothèque  nationale,  fonds  Cluni,  xxv4-4i3  pág. 

Depois,  Bruel  faz  uma  rápida,  mas  interessante,  descrição 
do  Cartulário  D,  com  os  seus  i58  fólios,  de  que  já  havia  falado  a 
pág  XXXI  do  tomo  i,  e  incorporado  também  na  Biblioteca  Nacio- 
nal de  Paris,  Nouvelles  acquisitions  latines^  n.°  766,  e  que  tem  por 
título  Cartulare  antiquum  monasterii  Cluniacensis. 


207 


salut  public  depuis  son  établissement  sous  sa  pre- 
mière  forme  et  son  premier  nom,  c'est-à-dire,  de- 
puis la  création  du  Comité  de  defense  general  (i^"" 
Janvier  lygS),  jusqu'à  la  fin  de  la  Convention  na- 
tionale ; 

«2.°  La  correspondance  des  représentants  en 
mission  avec  le  Comité  de  defense  générale,  le 
Comité  de  salut  public  et  la  Convention,  ainsi 
que  les  lettres  adressées  par  le  Comité  de  salut 
public  a  ces  représentants; 

«3.°  Le  registre  des  délibérations  du  Conseil 
exécutif  provisoire  depuis  la  création  de  ce  Con- 
seil (lo  aoút  1792)  jusqu'à  sa  suppression  et  son 
remplacement  par  douze  commissions,  le  1 2  ger- 
minal an  II  (i^""  avril  1794)». 

Depois  de  justificar  que  «tais  textos  constituem 
o  próprio  fundo  da  história  governamental  da 
França  durante  a  existência  da  Convenção  na- 
cional», explica  que:  «justapostos  eles  comen- 
tam-se  uns  aos  outros,  e  por  meio  deste  comen- 
tário mútuo  e  imediato  dão  nítidos  esclareci- 
mentos que  faltariam  se  fossem  publicados  isola- 
damente, ou  mesmo  uns  após  outros».  A  seguir, 
explica  a  razão  porque  utilizou  «rigorosamente  a 
ordem  cronológica»  (i). 


(t)  A  seguir,  Aulard  fornece  diversas  e  valiosas  informações 
bibliográficas,  dizendo  que  se  muitas  peças  que  agora  publica  são 
inéditas  outras  já  foram  impressas:  umas  em  folhetos  soltos;  ou- 
tras coligidas  em  volumes,  como  as  que  se  encontram  nos  dois 
volumes  dos  Arretes  des  Comités  de  la  Convention  nationale  obli* 
gatoires  pour  les  autorités  constituées,  publicado  no  ano  m ;  outraS; 


208 


AuLARD  dá,  depois,  informações  sobre  o  seu 
processo  de  trabalho,  a  sua  imparcialidade  —  ou 
melhor :  impassibilidade — acerca  da  aposição  das 
notas  no  texto  ou  no  baixo  das  páginas ;  sobre  a 
ortografia,  que  êle  actualiza,  devido  às  faltas  com 
que  eram  escritos,  até  mesmo  os  nomes  pró- 
prios, seguindo  na  grafia  destes  a  forma  que  usa- 
vam os  próprios  nomeados. 

Dá,  a  seguir,  um  esboço  histórico,  cronológico 
e  administrativo  do  período,  dos  acontecimentos 
e  dos  órgãos  do  Estado  de  que  trata. 

Passando  ao  texto  publica  os  documentos  do 
Conseil  exécutif  provisoire,  a  começar  nos  Decre- 
tos relativos  ao  seu  estabelecimento,  e  passando  às 
actas  das  suas  sessões,  e  alternando-as,  segundo 
a  ordem  cronológica,  com  os  relatórios -dos  Re- 
présentants  en  mission,  e,  depois,  com  as  actas  do 
Comité  de  defense  générale  —  tudo  isso  profusa- 
mente semeado  de  notas.     Emfim,  as  peças  desse 


finalmente,  aparecidas  no  Moniteur^  que  ainda  então  não  era  jor- 
nal oficial,  e  que  tinha  por  título  exacto:  Ga^^elte  nationale  ou  le 
Mouiteur  universel,  reeditado,  em  1854,  em  trinta  e  dois  volumes 
com  a  designação  de  Réimpression  de  Cancien  Moniteur,  seule  his- 
toire  aiithentique  et  inaltérée  de  la  Révolution  française  depuis  la 
réunion  des  Etats  généraux  jusqu'au  Consulat,  avec  notes  explica- 
tives. 

AuLARD,  depois  de  indicar  as  peças  que  já  haviam  sido  antes 
publicadas,  descreve,  largamente,  as  fontes  inéditas  do  seu  tra- 
balho ;  quais  são,  os  documentos  com  as  datas  limites,  os  lugares 
onde  se  encontram,  com  as  respectivas  cotas,  etc,  etc,  e  com 
bastantes  informações  sobre  as  peças  —  a  sua  natureza,  autentici- 
dade, proveniência,  restituição,  registo,  etc,  etc.  Isso  vai  da  pág.  n 
a  XII  e  de  XI  a  xxxvii. 


tiòc) 


volume  constam  dos  decretos  estabelecendo  o 
Conselho  executivo  provisório^  aprovados  na  sessão 
da  Assemblea  legislativa  de  iode  Agosto  de  1792; 
e  a  última  consiste  no  Relatório  dos  comissários 
no  Baixo  Reno,  Mosela  e  Meurthe,  datado  de 
Strasburgo  em  21  de  Janeiro  de  lygS. 

O  segundo  volume,  publicado  em  1889,  segue 
o  mesmo  ponto  de  vista,  e  abre  com  a  acta  das 
sessões  do  Comité  de  defense  general,  de  22  de 
Janeiro  de  1793,  substituindo  a  reprodução  na 
integra  de  alguns  documentos  —  mas  poucos  — 
pelo  seu  extracto,  resumo,  ou  análise  —  como  se 
lhe  chama  na  obra. 

Esse  volume  fecha  com  um  relatório  dos  Co- 
missários na  Mancha  e  no  Orne  para  a  Conven- 
ção escrito —  ao  que  parece  —  em  Março  de  1793. 

Ao  abrir  o  terceiro  volume  Aulard  adverte-nos 
que  ao  passo  que  nos  anteriores  os  Relatórios  dos 
representantes  em  missão  à  Convenção  nacional  e 
ao  Comité  de  defesa  geral  foram  reproduzidos, 
com  muito  pequenas  excepções,  na  Integra,  a  par- 
tir deste  volume  só  alguns  desses  relatos,  que  ao 
5eu  editor  «semblent  pleinement  interessantes», 
serão  totalmente  publicados,  ao  passo  que  de 
todos  os  outros  será  apenas  feita  a  análise  —  isso 
devido  à  abundância  de  tais  relatórios. 

Contudo,  deve  dizer-se  que  essas  análises  ou 
extractos  são  mais  ou  menos  detalhados  segundo 
a  importância  dos  assuntos  tratados  (i). 


(i)  o  Prof.  Aulard  não  publicou  no  seu  Recueil  as  cartas  d« 
•4 


■21Ò 


Depois,  informa  que  como  o  verdadeiro  as- 
sunto do  Recueil  é  o  Comité  de  salvação  pública, 
êle  renuncia  a  publicar,  a  não  ser  como  comen- 
tário ou  a  titulo  de  informação,  «aucune  des  let- 
tres  des  représentants  aux  autres  comités  et  aux 
ministres»  (i). 

A  primeira  peça  do  texto  é  uma  acta  do  Comité 
de  defense  general^  de  segunda  feira,  i  de  Abril 
de  1793. 

A  partir  das  pág.  82  e  112  começa  a  aparecer 
o  Comité  de  Salvação  Pública  cuja  criação  co- 
meçara já  na  sessão  de  Convenção  Nacional  de 
5  de  Abril,  e  continua  na  do  dia  seguinte  em  que 
é  decretada  a  criação  daquele  comité  (2).  Este 
terceiro  volume,  aparecido  em  1 890,  termina  pelo 
extracto  do  Relatório  dos  Representantes  nas  cos- 
tas do  Mediterrâneo  ao  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, datado  de  Perpignan,  em  5  de  Maio  de  1 793. 

O  quarto  tomo,  publicado  em  1891,  inicia-se 
com  uma  pequena  acta  da  sessão  do  Comité  de 
Salvação  Pública,  de  6  de  Maio  de  1793,  e  ter- 
mina com  os  extratos  dos  relatórios  dos  represen- 
tantes do  povo  no  exército  dos  Pireneus  orientais 


Carnot  porque  Etienne  Gharavay  estava  então  publicando-as  na 
mesma  Colecção  de  Inéditos  da  História  de  França,  sob  o  título 
de  Correspondance  general  de  Carnot.  Desta  obra  falamos  adiante. 

(i)  Contudo,  esclarece  que  abre  excepção  reproduzindo  ou 
extratando  os  Relatórios  enviados  ainda  à  Convenção,  porque,  na 
verdade,  é  ao  Comité  de  salvação  pública  que  eles  se  dirigem, 
posto  que  indirectamente.     In  ob.  cit.,  pág.  iii. 

(2)  O  relatório  das  sessões  de  5  e  6  e  o  decreto  apareceram, 
então,  publicados  no  Moniteur, 


2{  i 


e  lio  exercito  de  Itália,  respectivamente,  à  Con- 
venção e  ao  Comité  de  Salvação  Pública  — am- 
bos de  i8  de  Junho  seguinte. 

O  quinto  tomo  aparece  em  1892,  começando 
pela  publicação  da  acta  da  sessão  do  Comité  de 
Salvação  Pública,  de  19  de  Junho,  e  terminando 
pelo  extracto  de  um  relatório  dos  Representantes 
junto  do  exército  dos  Pireneus  ao  Comité  de  Sal- 
vação Pública,  datado  de  Perpignan,  em  i5  de 
Agosto  de  1793  (i). 

O  sexto  tomo,  impresso  em  1898,  inicia-se 
com  a  publicação  de  um  Decreto  da  Convenção 
Nacional,  aprovado  na  sessão  de  1 5  de  Agosto 
de  1793,  determinando  que  «les  citoyens  Legen- 
dre  (de  Paris)  et  Louchet  (de  TAveyron)  se  ren- 
dront  sur-le-champ  dans  le  département  de  la 
Seine-Inférieur,  en  qualité  de  représentants  du 
peuple,  pour  rechercher  les  causes  de  la  disette 
des  subsistances,  examiner  les  comptes  et  Tadmi- 
nistration  des  diverses  autorités  constituées,  re- 
lativement  à  cet  objet,  et  prendre  toutes  les  me- 
sures qu'ils  jugeront  convenables  pour  le  bien  du 
peuple  de  ces  départements  et  Tavantage  de  la 
Republique»  (2). 


(i)  Em  1893  aparecia  uma  Table  alphabetique  dos  cinco  pri- 
meiros volumes.  Na  Advertência  o  Prof.  Aulard  explica  que  de- 
vendo a  colecção  do  Recueil  abranger  cerca  de  quinze  volumes, 
julgou  conveniente  não  deixar  para  o  firrt  da  publicação  do  último 
tomo  a  impressão  do  índice,  antes  lhe  pareceu  útil  publicar,  desde 
logo,  o  índice  alfabético  ou  quadro  dos  primei"os  cinco  tomos 
—  e  que  é  bastante  analítico. 

(2)  A  abrir  o  tomo  vi  vem  uma  Advertência  onde  Aulard  dá 


212 


O  volume  termina  pelo  extracto  do  Relatório 
do  Representante  do  povo  Fabre,  junto  do  exército 
dos  Pireneus  orientais,  ao  Comité  de  Salvação 
Pública,  datado  de  Perpignan,  em  21  de  Setem- 
bro de  1793,  onde  êle  dá  noticia  de  mais  uma 
vitória  dos  franceses  sobre  os  espanhóis  (í). 

O  tomo  VII,  que  veiu  à  luz  em  1894,  começa 
com  a  publicação  de  uma  acta  do  Comité  de  Sal- 
vação Pública,  de  22  de  Setembro  de  1798,  e  ter- 
mina por  um  desenvolvido  e  interessantíssimo 
Relatório  dos  Representantes  do  povo  Fabre,  Bon- 
net,  Gaston  e  Cassanzés,  junto  do  exército  dos 
Pireneus  orientais,  datado  de  Banyuls,  a  24  de 
Outubro  de  1 793  com  várias  e  curiosas  informa^ 
çóes  sobre  o  exército  onde  eles  estavam,  acerca 
dos  generais  Dagobert  e  Aoust,  e  sobre  a  acção  a 
exercer  contra  a  Espanha  (2). 

O  tomo  VIII,  aparecido  em  1895,  começa  por 
uma  acta  da  sessão  do  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, de  25  de  Outubro  de  1793  contendo  sete 
decretos,  sendo  o  primeiro  acerca  da  formação 
«d'une  compagnie  de  musiciens  pour  Tarmée  de 


várias  informações,  muito  úteis,  sobre  a  natureza  das  peças  que 
reproduz  em  extracto,  mas  não  emite  opiniões,  remetendo,  por 
isso  os  leitores  para  a  sua  obra :  Etudes  et  Leçons  sur  la  Révolu- 
tian  française,  iSgS. 

(i)  Segundo  o  que  Aulard  encontrou  num  outro  manuscrito 
dos  Arquivos  do  Ministério  da  Guerra,  francês,  núcleo  de  Armée 
des  Pyrenées,  trata-se  da  conquista  das  povoações  de  Prades  e 
Villefranche. 

(2)  Este  tomo  vii  abre  com  um  Avertissement,  onde  Aularo 
dá  várias  informações  sobre  o  Calendário  Republicano,  seu  início, 
nomenclatura,  etc. 


2l3 


rOuest.  A  última  peça  é  o  extracto  de  dois  re- 
latos dos  Representantes  do  povo :  um  em  Le  Lot, 
e  outro  no  exército  dos  Pireneus  orientais. 

O  tomo  IX,  aparecido  igualmente  em  1895, 
abre  por  uma  acta  do  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, da  sessão  de  7  frimário  do  ano  11  —  aos  27  de 
Novembro  de  1793  —  contendo  dez  decretos  com 
várias  providências  económicas,  financeiras,  po- 
líticas e  administrativas,  e  termina  com  o  extracto 
de  um  Relatório  do  representante  do  povo,  Pa- 
ganel,  em  Le  Lot,  ao  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, datado  de  Rieux  (Alto  Carona)  no  1 1  ni- 
vose  do  ano  11,  ou  seja  3i  de  Dezembro  de  1793. 

O  tomo  X,  publicado  em  1897,  inicia-se  com  a 
reprodução  de  dezaseis  decretos  aprovados  na 
sessão  do  Comité  de  Salvação  Pública,  de  i  de 
Janeiro  de  1794,  e  finaliza  a  pág.  790  com  o  ex- 
traio de  um  Relatório  do  Representante  do  povo 
na  Corcega,  Lacombe  Saint-Michel,  à  Convenção 
Nacional,  de  8  de  Fevereiro  de  1 794. 

O  XI,  aparecido  também  em  1897,  começa  pela 
inserção  de  vinte  e  sete  decretos  aprovados  na 
sessão  do  Comité  de  Salvação  Pública,  de  2 1  plu- 
viose  do  ano  11,  isto  é,  de  9  de  Fevereiro  de  1794, 
e  termina  com  o  resumo,  acompanhado  de  algu- 
mas transcrições,  do  Relatório  do  Representante 
do  povo  no  Ain,  e  Monte-Branco  ào  Comité  de 
Salvação  Pública,  datado  de  Chambery,  2>  ven- 
lose  do  ano  11  (i5  de  Março  de  1794)  (i). 


(t)  Neste  curioso  Relatório  o  cidadão  Albite  responde  com 


214 


o  tomo  XII,  publicado  em  1899,  abre  com  a  re- 
produção de  seis  decretos  aprovados  no  Comité 
de  Salvação  Pública,  sessão  de  26  ventose  do 
ano  II  (16  de  Março  de  1894),  e  fecha,  a  pág.  795, 
com  o  extracto  de  duas  cartas  do  Representante 
Ricord,  no  Var  e  nos  Alpes  Marítimos^  ao  Comité 
de  Salvação  Pública,  datado  de  Nice  em  3  floreai 
do  ano  11  (22  de  Avril  de  1794). 

O  tomo  XIII,  aparecido  em  1900,  começa  com 
a  publicação,  na  integra,  de  trinta  e  cinco  decretos 
do  Comité  de  Salvação  Pública,  aprovados  na 
sessão  de  23  de  Abril  de  1794,  e  acaba,  na  pá- 
gina 812,  com  um  desenvolvido  Relatório  de  So- 
brany  e  Millaud,  representantes  do  povo  no  exér- 
cito dos  Pireneus  orientais,  datado  de  Collioure, 
no9prairial  do  ano  11  —  ou  28  de  Maio  de  1794, 
dando  parte  ao  Comité  de  Salvação  Pública  das 
vitórias  obtidas  pelos  franceses  sobre  os  espa- 
nhóis com  as  conquistas  dos  redutos  e  postos  de 
Collioure,  Saint-Elme,  Port-Vendres,  etc. 

O  tomo  XIV,  apareceu  em  1901  e  abre  com  a 
publicação,  na  integra,  de  quatorze  decretos  do 
Comité  de  Salvação  PúbHca,  aprovados  na  ses- 
são do  10  prairial,  ou  29  de  Maio  de  1794.  Ter- 
mina com  a  transcrição,  in-extenso,  do  Relatório 


desenvolvimento  e  veemência  às  acusações  que  lhe  eram  feitas  de 
perseguir,  na  sua  circunscrição,  os  elementos  católicos  mais  re- 
presentativos, os  frades,  etc. 

Albitte  não  concorda  com  a  neutralidade  do  Estado  em  face 
das  religiões,  mas  com  a  laicização  da  sociedade,  e  invoca  a  sua 
luta  contra  as  superstições  populares ;  a  sua  obra  em  favor  do 
casamento  dos  padres,  etc,  etc. 


2l5 


de  Saliceti,  representante  do  povo  no  exército 
de  Itália,  ao  Comité  de  Salvação  Pública,  datado 
de  Port-de-la"  Montagne,  a  1 9  messidor  do  ano  11, 
ou  seja  7  de  Julho  de  1794  (i). 

O  volume  xv,  que  saiu  em  1903,  começa  com 
uma  acta  da  sessão  do  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, de  8  de  Julho  de  1794,  contendo  a  repro- 
dução de  vinte  e  três  decretos  e  a  enumeração  de 
mais  cinco,  e  acaba  na  pág.  8o5,  com  um  Rela- 
tório, na  íntegra,  de  Jeanbon  Sain-André,  repre- 
sentante do  povo  em  Toulon,  a  Breard,  membro 
do  Comité  de  Salvação  Pública,  datado  dessa  ci- 
dade, no  22  thermidor  ano  11,  ou  9  de  Agosto  de 
1794(2). 

O  tomo  XVI  contêm,  e  reproduz,  extratos  de  pa- 
péis desde  9  de  Agosto  de  1 794,  a  2 1  de  Setem- 
bro seguinte  (3). 

O  volume  xvii,  aparecido  em  1906,  inicia-se 
por  uma  acta  do  Comité  de  Salvação  Pública,  da 
cSeance  du  5^  iour  des  sans-cuUotides  an  11  — 


(i)  Port-de-la-Montagne  era  o  nome  revolucionário  da  cidade 
de  Toulon  como  Roclibre  fora  a  crisma  anti-monárquica  de  Ro- 
croi. 

O  ofício  de  Saliceti,  cujo  original  se  encontra  no  Ministério  da 
Marinha  de  Paris,  BB,  62,  dá  várias  informações  sobre  as  posições 
da  primeira  e  da  segunda  divisões  no  litoral,  próximo  de  Toulon, 
armamento  e  municiamento  dessas  tropas,  e  armamento  dos  na- 
vios.   Este  14.°  volume  tem  796  pág. 

(2)  Dá  informações  sobre  as  obras  encetadas  no  porto  de 
Toulon  para  o  melhorar,  as  providências  para  armar  navios  e  fa- 
zer guerra  marítima  no  Mediterrâneo,  etc. 

(3)  Na  colecção  desta  obra  existente  na  Biblioteca  Nacional 
de  Lisboa  não  encontramos  este  tomo  xvi. 


2l6 


21  setembre  1794»,  constando  de  cinco  decretos, 
na  íntegra,  e  de  mais  quatro  em  simples  re- 
gisto. 

O  volume  termina  a  pág.  83 1  por  um  ofício  do 
representante  do  povo,  Foucher  (do  Cher),  no 
Dours,  e  Monte-Branco  ao  Comité  de  Salvação 
Pública. 

O  tomo  xviii,  publicado  em  1908,  começa  por 
uma  útil  Advertência  onde  Aulard  expõe  as  alte- 
rações que  infligiu  ao  seu  trabalho,  mercê  do 
estudo  dia  a  dia  dos  documentos,  como  os  lapsos 
e  a  brevidade .  que  apresentavam  os  registos  de 
correspondência  do  Comité  de  Salvação  Pública, 
os  novos  núcleos  descobertos,  sendo  uns  dos 
arquivos  públicos,  outros  de  depósitos  particu- 
lares, etc. 

Depois  de  se  referir  aos  extractos  por  êle  feitos 
dos  documentos  como  as  cartas  dos  representan- 
tes do  povo,  diz  que,  indicando  sempre  a  fonte 
original;  é  sempre  possível  recorrer  a  esta  para 
conhecer  o  documento  in-extenso. 

Depois,  declara  que  os  seus  resumos  «n'ont  été 
inspirées  par  un  esprit  de  parti  on  de  these»,  e 
acrescenta:  «adversaires  et  amis  de  la  Révolu- 
tion  trouveront  dans  ce  recueil  des  éléments  im- 
partielement  colligés». 

Termina  por  justificar  a  razão  porque  se  apres- 
sou a  ir  publicando,  antes  de  completo,  o  seu  es- 
tudo, e  à  medida  que  ia  avançando  com  este,  em 
vista  da  importância  e  novidade  do  assunto,  pois 
estava-se  «à  une  époque  —  diz  êle  —  ou  ces  étu- 


217 


des  ètaient  à  organiser  sur  une  base  scientifi- 
que»  (i). 

A  primeira  peça  consta  da  publicação,  na  ín- 
tegra, de  onze  decretos  e  do  registo  de  mais  de 
quarenta  e  um  —  todos  do  Comité  de  Salvação  Pú- 
blica, e  parece  que  aprovados  na  sessão  de  7  de 
novembro  de  1794  (2).  O  volume  termina  com  a 
publicação  do  Relatório  do  representante  J.  Fe- 
raud,  no  exercito  do  Reno,  ao  Comité  de  Salva- 
ção Pública,  em  2  de  Dezembro  de  1794,  dando 
vários  informes  sobre  a  marcha  das  operações  do 
exército  na  sua  ofensiva  contra  Mannheim  e  Mo- 
guncia. 

Otômoxix^  aparecido  em  1909,  abre  com  uma 
acta  do  Comité  de  Salvação  Pública  do  i .°  nivose 
do  ano  m,  21  de  Dezembro  de  1794,  contendo 
vários  decretos  na  íntegra  e  em  extracto,  e  termina 
por  um  curioso  relatório  dos  representantes  do 
povo  em  Toulbn  e  nos  exércitos  dos  Alpes  e  de 
Itália  ao  mesmo  Comité,  em  3 1  de  Janeiro  de 
1795,  informando  este  das  intrigas  que  um  capi- 
tão chamado  Jacquey,  de  104.*  meia  brigada,  fo- 
mentava contra  eles,  pelo  que  foi  preso. 

O  tomo  XX,  aparecido  em  19 10,  começa  por 
uma  acta  do  Comité  de  Salvação  Pública,  de  i 


(i)  Ó  prefácio  de  Aulabd  termina  por  uma  lista  cronológica 
de  decretos  insertos  no  Suplemento  ao  Recueil  —  e  que  vão  de 
10  de  Agosto  de  1793  até  ao  fim  de  1794,  e  da  correspondência 
dos  representantes  desde  Outubro  de  1792  até  14  de  Dezembro 
de  1794. 

(2)  AuLARD  diz  em  nota  que  o  registo  não  aponta,  com  esta 
data,  nenhum  decreto. 


2l8 


de  Fevereiro  de  179  5,  com  vários  decretos,  e  ter- 
mina, a  pág.  806,  com  um  Relatório  do  represen- 
tante Goupilleau,  no  exército  dos  Pireneus  orien- 
tais, informando  o  Comité  de  Salvação  Pública, 
em  1 1  de  Março  de  1795,  sobre  o  estado  do  exér- 
cito e  fortalecimento  deste,  e  quanto  aos  boatos 
que  corriam  e  às  diligências  feitas  para  a  paz 
franco-esp  anhola . 

O  volume  xxi,  publicado  em  1 9 1 1 ,  abre  por 
uma  acta  do  Comité  de  Salvação  Pública,  de  1 2 
de  Março  de  1795,  contendo  vários  decretos  — 
uns  na  integra  outros  em  registo,  e  fecha  com 
um  ofício  dos  representantes  do  povo  nas  Bocas- 
-do-Rodano,  no  Var,  e  na  esquadra  do  Mediter- 
râneo, à  Convenção  nacional,  em  1 1  de  Abril  de 
1770,  sobre  assuntos  políticos,  boatos  de  revolta 
e  de  golpes  de  Estado,  etc. 

O  tomo  XXII  dessa  obra,  ainda  em  publicação, 
apareceu  em  19 12.  Começa  por  uma  acta  do 
Comité  de  Salvação  Pública,  de  23  germinal  do 
ano  III,  ou  12  de  Abril  de  1795,  com  vários  de- 
cretos na  íntegra  e  outros  em  extracto,  e  termina 
por  um  ofício  dos  representantes  junto  dos  exér- 
citos dos  Alpes  e  de  Itália  ao  Comité  de  Salva- 
ção Pública,  em  9  de  Maio  de  1795,  dando  vá- 
rias informações  sobre  as  operações  dos  aludidos 
exércitos  (i). 


(i)  Foi  este  o  último  volume  da  série  dos  Recueils  que  encon- 
tramos nesta  colecção  existente  na  nossa  Biblioteca  Nacional, 
tendo  este  o  n."  6419  azul  da  secção  de  História.  A  biblioteca 
da  Academia  de  Sciências  já  tem  o  xxv. 


219 


Como  é  de  calcular,  muito  mais  teríamos  a  di- 
zer sobre  esta  Collection  verdadeiramente  monu- 
mental, e  que  constitue  um  dos  maiores  títulos  de 
honra  não  só  da  historiografia  francesa  como, 
até  mesmo,  da  sciência  mundial  contemporânea. 
'  A  reprodução  das  espécies  manuscritas  é  feita 
ali,  quási  sempre  (i),  de  uma  forma  sábia  e  meti- 
culosa, com  todos  os  estudos  prévios  necessários 
a  uma  restituição  conscienciosa,  rigorosa  e  fiel. 

Os  aparelhos  de  erudição  e  crítica  seguidos 
figuram  admiravelmente  expostos  nas  Introdu- 
ções e  Advertências  que  precedem  cada  grande  es- 
tudo. 

Assim,  as  cartas  do  famoso  Jean  Chapelain, 
membro  da  Academia  Francesa,  1594  a  1674, 
editadas  em  dois  volumes  na  segunda  série  da 
Collection  tem,  além  de  um  excelente  Advertisse- 
ment,  magníficas  notas  de  história  e  bibliografia 
do  editor  Ph.Tamizeyd.e  LARROQtJE(2),  e  terminam, 


(i)  Já  nos  referimos  a  algumas  críticas  e  observações  feitas, 
especialmente  aos  volumes  primeiramente  aparecidos.  Mas,  mesmo 
esses  constituem  magníficos  exemplos  de  trabalhos  de  erudição. 

(2)  Na  Advertência  Larroque  faz  a  história  das  flutuações  por 
que  passaram  os  papéis  de  Chapelain,  especialmente  as  minutas 
e  registos  da  sua  Correspondência,  as  Cartas  que  recebeu,  etc, 
desde  a  morte  daquele,  em  1674,  nota  as  obras  que  se  basearam  so- 
bre os  papéis  do  erudito  amigo  de  M.me  de  Rambouillet  e  da  ilustre 
SÉviGNÉ,  como  a  Histoire  de  1'Academie  Française  de  Pelijsson, 
as  Mélanges  de  Littérateure  de  Denis-François  Gamusat,  etc, 


220 


depois  da  lista  das  Corrections  et  additions,  por 
uma  Table  chronologique  des  lettres  de  Chapeiam 
contenues  dans  le  manuscrit  Samte-Beupe,  de  i632 
a  1673,  por  outra  Table  alphabètique  des  mots  qui 
sont  l^objet  d' une  note  dans  les  lettres  de  Chape- 
iam, e  por  uma  última  Table  alphabètique  des  noms 
de  lieux  et  de  personnes  mentionnés,  dans  les  lettres 
de  Chapeiam  et  dans  les  notes  de  l^éditeur. 

Também,  a  Correspondência  de  Nicolau  Cláu- 
dio DE  Fabri,  senhor  de  Peiresc  aos  irmãos  Dupuy, 
que  enche  seis  volumes,  foi  publicada  por  Ph.  Ta- 
MiZEY  Larroque,  scndo  precedida  de  uma  adver- 
tência e  acompanhada  de  magníficas  notas  (i). 


até  ao  ilustre  Sainte-Beuve  —  no  seu  Port-Royal  e  nas  Causeries 
du  lundiy  e  ao  bibliógrafo  Rathery.  Depois,  fez  um  estudo  da  cole- 
cção das  cartas  que  Sainte-Beuve  legou  à  Biblioteca  Nacional  de 
Paris,  e  discreteia  sobre  a  sua  autenticidade. 

Quanto  às  ideias,  à  forma,  ao  fundo,  e  ao  valor  histórico  das 
cartas  de  Chapelain,  já  E.-J.-B.  Rathery  disso  havia  tratado  num 
estudo  do  Bulletin  du  bibliophile,  de  i863,  com  o  título  de  Docu- 
ments  relaíi/s  à  Jean  Chapelain . . .,  e  volta  a  tratar  no  seu  Rap' 
port  sur  la  publication  de  la  correspondance  de  Chapelain,  que  o 
erudito  Tamizey  de  Larroque  transcreveu  em  parte.  Este,  infor- 
mando que  a  extensa  correspondência  de  Chapelain  preencheria 
cinco  grossos  volumes  impressos,  diz  que  para  encurtar  tal  pu- 
blicação dividiu  as  cartas  em  três  categorias  :  as  cartas  a  repro- 
duzir in-extensoy  as  a  publicar  em  extracto,  e  aquelas  que  con- 
veio  deixar  de  imprimir. 

Os  dois  volumes  publicados  na  Colection  contêm,  somente,  as 
cartas  do  manuscrito  de  Sainte-Beuve. 

(i)  As  cartas  de  Peiresc  a  Pedro  Jacques  Dupuy  vão  desde 
1617  até  1637,  sendo  a  primeira  carta  aos  irmãos  Dupuy  de  9  de 
Dezembro  de  1617  e  a  última  de  9  de  Junho  de  1637,  atingindo 
um  total  de  485,  que  estão  na  Biblioteca  Nacional  de  Paris,  ocu- 
pando os  volumes  716,  717  e  718  da  Colecção  Dupuy. 

Na  Advertência^  o  editor  Larroque  diz  não  obstante  as  buscas 


221 


Da  mesma  forma,  Etienne  Gharavay  ao  publi- 
car a  Correspondance  Générale  de  Carnot,  em 
quatro  volumes,  antccede-a  de  uma  curta,  mas 
excelente,  Advertência,  e  acompanha-a  de  magní- 
ficas notas  históricas  e  biográficas  (i). 

Quanto  ao  Rçcueil  des  monuments  inédits  de 
tHistoire  des  Tiers-Etat,  consta  de  quatro  volu- 
mes para  a  região  do  norte,  e  é  obra  do  emi- 
nente AuGUSTiN  Thierry.  Coutêm  ela,  além  de  um 
Avant-Propos,  onde  é  historiada  a  publicação  do 
Recueil  desde  as  diligências  feitas  por  ordem  de 
GuizoT,  uma  magnifica  Introduction  onde  A. 
Thierry  faz  a  história  do  terceiro  Estado,  em 
França,  desde  a  queda  da  dominação  romana  e 
das  invasões  do  quarto  e  quinto  séculos,  com  um 
excelente  estudo  da  vida  social  e  política  da  popu- 
lação mista  galo-romana  e  barbaro-germânica  — 
dominadora,  esta,  nessa  época,  e  sobre  o  terceiro 
estado  durante  o  feudalismo  e  a  monarquia  abso- 
luta até  ao  século  xvii,  ficando  a  continuação  da 
Introduction  com  o  estudo  sobre  o  terceiro  Estado 


feitas  não  encontrou  o  grosso  da  correspondência  dos  irmSos 
DuPUY,  achando  apenas  algumas  dessas  cartas.  Peiresc  trata,  na 
sua  Correspondência,  da  história  antiga  e  da  sua  contemporânea, 
arqueologia,  bibliografia,  história  natural,  trabalhos  geográficos  e 
trabalhos  filológicos,  mostrando  sempre  a  extrema  curiosidade  do 
seu  espírito  e  a  sua  enorme  erudição. 

(í)  Na  Advertência,  Gharavay  faz  a  história  da  publicação  daS 
Cartas  de  Carnot  —  já  proposta  por  Albert-Duruy,  e  transcreve 
o  parecer  favorável  a  tal  impressão  de  Albet  Sorel.  Porem,  a 
doença  e  a  morte  de  Duruv  demoraram  essa  publicação  que  só 
veiu  a  executar-se  mais  tarde,  tendo  o  primeiro  volume,  com  as 
cartas  de  Agosto  de  1792  a  Março  de  1793,  aparecido  em  189», 


222 


no  século  XVIII  e  as  suas  relações  com  a  realeza 
e  a  nobreza  para  o  segundo  volume  (i). 

Além  da  Introdução  ao  primeiro  volume,  que 
enche  272  páginas,  figura  uma  pequena  Adver- 
tência expondo  a  economia  e  distribuição  dos  as- 
suntos no  tômOo  Segue-se  a  primeira  monogra- 
fia que  compreende  a  história  municipal  d'Amiens, 
desde  o  descolamento  do  império  romano  e  atra- 
vés dos  séculos  XII,  XIII  e  xiv  (2).  Vêem  depois 
diversos  documentos  em  suplemento,  sendo  o  pri- 
meiro uma  carta  de  Felipe-Augusto  a  Humbert 
de  Bourg  «justicier  d'Angleterre»,  em  favor  dos 
comerciantes  d'Amiens  (3). 

Antes  de  fechar  o  volume  Thierry  insere  uma 
excelente  Notice  des  sources  manuscrites  de  Fhis-' 
toire  d^Amiens  —  que  é  um  estudo  dos  depósitos 
onde  estavam  as  peças  utilizadas  pelo  ilustre  co- 
lector, tratando  dos  arquivos  d'Amiens,  da  secção 
de  manuscritos  da  Biblioteca  Nacional  e  dosAr- 


(i)  Efectivamente,  o  segundo  volume,  depois  de  um  desenvol- 
vido Prefácio  de  yS  páginas  sobre  a  história  municipal  da  antiga 
França,  passa  a  inserir  os  documentos  sobre  a  história  municipal 
de  Amiens  durante  os  séculos  xv  e  xvi.  O  terceiro  tomo  contêm 
os  documentos  de  Amiens,  dos  séculos  xvii  e  xviii,  sendo  quarto 
destinado  às  peças  sobre  a  história  de  Abbeville  e  as  povoações 
da  baixa  Picardia. 

(2)  A  publicação,  na  íntegra  dos  documentos  —  que  são  3o5, 
fora  os  do  Suplemento,  que  são  i5  —  é  precedida  de  belos  es- 
tudos de  carácter  histórico,  administrativo,  económico  e  paleo- 
gráfico  acerca  de  cada  peça,  sempre  com  a  indicação  de  cada. 
arquivo   onde  Thierry  os  encontrou,  e  com  as  respectivas  cotas 

(3)  Esse  documento  não  está  datado,  mas  entende  Thierry 
que  ele  deve  ter  sido  escrito  entre  1214  e  1223. 


2  23 


quivos  Nacionais  de  Paris,  e  dos  depósitos  de 
Londres  —  como  os  da  Torre,  de  Guilt  Hall  e  do 
Museu  Britânico  (i). 

Não  nos  consente  a  já,  desmedida,  extensão 
deste  trabalho  continuar  a  estudar  tomo  a  tomo, 
analizar  volume  a  volume,  esta  enorme  e  admirá- 
vel Colecção  dos  Inéditos  da  História  de  França  (2). 

Porém,  pelo  que  deixamos  exposto  já  os  nos- 
sos leitores  poderão  formar  uma  ideia  concreta 
da  importância  da  famosa  Colecção,  das  normas 
gerais  seguidas  na  elaboração  dos  volumes,  na 
economia  de  cada  um,  etc,  etc.  (3). 


Como  mais  adiante  diremos  —  com  a  compe- 
tente justificação  —  das  numerosas  colecções  e 


(i)  Este  primeiro  volume,  termina  por  três  índices:  uma  Ta- 
ble  chronologique  des  charles,  ordonnances,  coutiimes,  statuts,  rè- 
glements  et  autres  actes  contenus  ou  mentionnés  dans  ce  volume ; 
Table  des  dépôts  d'Archives;  uma  Table  analytique  des  matié- 
res  . . . ;  e  por  um  índice  geral, 

(2)  Os  nossos  leitores  que  desejarem  completar  os  seus  co- 
nhecimentos, percorrendo  os  múltiplos  e  grossos  volumes  deste  mo- 
numental corpo  de  publicações  documentais,  encontra-o  num  con- 
junto bastante  completo  na  Biblioteca  Nacional,  e  na  da  Academia. 

(3)  Há  ainda  a  notar  a  Collection  de  Documents  inédits  sur 
Vhistoire  economique  de  la  Révolution  française,  publicada  igual- 
mente pelo  Ministério  de  Instrução  Pública  de  França.  Nesta  co- 
lecção publicou  o  erudito  professor  da  Sorbonrie  Camille  BloCM 
os  Cahiers  de  doléances  des  bailliage  d'Orléans  pour  les  États 
généraux  de  i~8g,  e  Seb  Charléty  um  grosso  volume  de  xvni-732 
páginas  sobre  os  Documents  relatifs  à  la  vente  des  biens  nationaux 
no  Departamento  do  Ródano.  Ver  Revue  de  Synthèse  Historique^ 
tomo  xni,  pág.  367  a  372. 


224 


publicações  documentais  de  que  temos  conheci- 
mento foi  esta  a  que  mais  nos  influenciou,  sendo 
pois  ela  a  que,  de  uma  forma  geral,  procuramos 
seguir  —  mas  não  imitar  —  pelos  motivos  de  or- 
dem scientífica  e  moral  que  yão  expostos  adeante, 
no  capítulo  vii. 

* 

Se  bem  que  a  Collection  de  Documents  Inédits 
sur  rHistoire  de  France,  a  cargo  do  Ministério 
da  Instrução,  de  Paris,  seja  a  mais  importante 
das  empresas  do  seu  género  de  toda  a  França,  e 
das  primeiras  do  mundo,  manda  a  verdade  que 
se  diga  que  ela  não  é  única,  mesmo  nesse  país. 

Assim,  há  ali  que  considerar  —  mas  com  a  de- 
vida distância  daquela  Collection  —  como  grandes 
corpos  de  ou  sobre  publicações  documentais,  en- 
tre muitas  outras,  os  prometedores  Archives  de 
Vhistoire  religieuse  de  la  France [i)\  a  colecção 


(i)  Esta  colecção  dos  Archives  foi  da  iniciativa  de  Imbart  de 
LA  TouR,  e  tem  tido  a  dirigi-la  os  eruditos  Ghatelain,  Boulay 
DE  LA  Meurthe,  P.  Fournier,  Baudrillart  e  NoEL  Valois. 

Entre  as  obras  de  que  se  tem  ocupado  os  Archives  são  de  ci- 
tar o  Registre  des  procès-verbaux,  da  Faculdade  de  Teologia  de 
Paris,  de  i5o2  a  i533,  que  foi  recentemente  estudado  por  Delisle, 
tendo  como  editores  os  consagrados  Ghatelain  e  Denifle  ;  uma 
Consultation  des  èvêques  de  France  sur  la  conduite^  à  tenir  à  Vé- 
gard  des  Reformes  (1698)  — obra  baseada  nos  papéis  dos  arqui- 
vos do  Ministério  da  Guerra  de  Paris ;  correspondência  diplomática } 
cartas  do  cardeal  du  Bellay  —  muito  importantes  para  a  história 
da  política  religiosa  de  Francisco  I,  e  para  o  estudo  do  humanismo. 

Os  Archives  teem-se  proposto  publicar  os  manuscritos  das  nun- 
ciaturas  que  estão  nos  arquivos  do  Vaticano,  havendo  sido  encar- 
regado de  dirigir  esse  trabalho  o  erudito  M.  Madelain,  antigo 
jnenabro  da  Escola  francesa  em  Roma. 


•12b 


Hauser  das  Soiirces  de  1'Histoire  de  France  au 
XIV^  siècle;  o  Repertoire  general  des  sources  ma- 
nuscrites  de  FHisfoire  de  Paris  pendant  la  Revolu- 
tion  française{\)\  o  Reciieil  des  instructions  don- 
nés  aiix  ambassadeurs  et  ministres  de  France  depuis 
les  Traités  deWestphalie  jiisqii^à  la-Revolution  Fran- 
çaise  (2) ;  o  Reciieil  historique  des  drchevêchés,  évê- 
chés,  abbayes  et  prieurés  de  France^  dirigido  por 
Dom  Beaunier;  a  colecção  de  Mélanges  du  moyen 
âge  —  publicada  pela  Faculdade  de  Letras  de  Pa- 
ris —  em  que  teem  colaborado  A .  Luchaire,  Dupont 
Ferrier,  Poupardin,  Halphen,  Huckel,  Beyssier, 
CoRDEY,  Jacquemin,  Faral^  Aubert,  Carru,  etc. ; 
o  Recueil  de  la  Société  des  textes  —  velha  publica- 
ção onde  aparecem  várias  crónicas,  entre  as 
quais  a  Historia  Francorum  de  Gregório  de  Tours  ; 
a  Collection  des  mémoires  relatifs  à  Vhistoire  de 
France  —  onde  Guizot  publicou  também  cróni- 


(i)  Os  tomos  IV  e  V  deste  Repertoire,  publicados  por  Tuetey 
abrangem  o  período  da  Assembleia  legislativa  até  aos  dias  de  Se- 
tembro e  aos  massacres  dos  prisioneiros  de  Orleans,  sendo  espe- 
cialmente importante  o  iv  tomo  que  trata  da  jornada  de  10  de 
Agosto. 

A  Société  de  1'Histoire  de  Paris  tem  também  publicado  outras 
obras  como  a  Chronica  Parisiense.^  do  século  xiv,  editada  por 
Hei.lot. 

(2)  O  Recueil  des  instructions  a  cargo  da  Comissão  dos  arqui- 
vos diplomáticos  do  Ministério  dos  Estrangeiros  francês,  tem  — 
como  se  sabe  —  publicado  já  vinte  volumes.  O  relativo  às  instru- 
ções aos  representantes  da  França  em  Portugal  foi  coligido  pelo 
visconde  de  Gaix  de  Saint-Aymour ;  em  Roma,  conta  três  volumes 
editados  muito  eruditamente  por  Gabriel  Hanqtaux;  a  Espanha 
compreende,  também,  três  volumes  tratados  pelos  espanófilos  Mo* 
RBL  Fatio  e  Leonabdon,  etc,  etc, 
i5 


220 


Cas,  etc.  (i);  a  antiga  Collection  de  VHistoire  des 
Croisades,  publiéepar  VAcadémie  des  Inscriptions — 
que  tem  continuado  na  colecção  das  Gestas  Fran- 
corum;  o  Chartularhim  Universitatis  Parisiensis, 
editado  por  Denifle  e  E.  Chatelain;  a  colecção 
dos  Estatutos  e  privilégios  das  Uniuersidad  es  fran- 
cesas—  reunida  por  M ARGEL  Fournier;  as  publica- 
ções da  Société  scolastique  medieval;  os  estudos 
feitos  pela  Société  d'Histoire  Moderne  (2) ;  o  apa- 
recimento recente  de  Les  Archives  de  la  France 
monastique  —  destinados  a  continuar  a  obra  dos 
Beneditinos  de  S.  Mauro,  interrompida  no  tempo 
da  Revolução  (3) ;  a  Société  de  VHistoire  Contem- 
poraine  —  que  tem  publicado  o  Diário  de  M.""^  de 
Caienove  d'Arlens,  no  tempo  do  Consulado,  em 


(i)  São  muito  numerosas  as  obras  que  a  Société  de  VHistoire 
de  France  tem  publicado  com  documentos  dos  séculos  xiii,  xiv, 
etc,  alem  das  reimpressões  que  tem  feito.  Entre  as  crónicas  edi- 
tadas por  essa  Société  são  de  salientar  as  de  Froissart,  de  Jean 
Venette  —  que  continuou  a  crónica  de  Guilherme  de  Nangés,  a 
Ciónica  dos  quatro  primeiros  Valois,  a  Crónica  Normanda,  as 
Crónicas  dos  condes  de  Anjou,  etc,  etc. 

(2)  A  Société  d'Histoire  moderne  foi  fundada,  há  dez  anos, 
pelos  historiadores  A.  Mathiez  e  P.  Muret,  com  E.  Bourgeois  na 
presidência,  e  contou  logo  com  a  adesão  de  Monod^  Lanson,  Hau- 
SER,  Andler,  Aulard,  H.  Bebr,  Chuquet,  Debídours,  E.  Denis, 
E.  Lavisse,  Leonardon,  C.  Bloch,  etc 

Acerca  dos  seus  objectivos  e  desígnios,  e  dos  seus  trabalhos 
vêr  Revue  de  Synthése  Historique,  tomo  iii,  pág.  io6;  tomo  x, 
pág.  373;  tomo  XI,  pág.  261,  etc,  etc. 

(3)  Também  estes  Archives  teem  em  vista  publicar  a  história 
das  ordens  religiosas,  ocupando-se  principalmente  das  várias  con- 
gregações dos  Beneditinos  negros.  Tem  publicado  uma  revista 
trimestral  —  Revue  Mabillon  —  com  vários  estudos,  crónicas,  bi- 
bliografia, etc. 


227 


1 8o3  ;  as  Memoires  de  Langeron,  general  dHnfan- 
terie  dans  l'armée  russe,  etc. 


Temo-nos  referido  várias  vezes  às  publicações 
docuQientais  a  cargo  das  grandes  instituições  e 
corporações  scientificas  francesas  como  os  Mi- 
nistérios de  Instrução  e  dos  Estrangeiros,  a  Aca- 
demia das  Inscrições,  a  Universidade  de  Paris, 
as  Sociedades  de  História  de  França  e  de  Paris, 
etc. ;  mas  devemos  notar  que  a  França  tem  visto 
— mais,  proporcionadamente^  que  qualquer  outro 
país,  sem  excluir  a  Alemanha  —  brotar  por  todos 
os  seus  departamentos  muitos  e  variadas  corpo- 
rações scientificas,  especialmente  destinadas  aos 
estudos  de  geografia,  história,  arqueologia,  no- 
mismática  e  heráldica  locais,  umas  pela  acção  e 
protecção  do  Estado,  mas  muitas  outras  devido 
à  iniciativa  e  ao  esforço  particulares. 

Alguns  desses  focos  de  saber  teem  levado  uma 
vida  hesitante,  desigual,  e  por  vezes,  difícil ;  ou- 
tros teem  atravessado  uma  existência  já  longa  e 
sempre  operosa  e  produtiva,  mas  todos  na  me- 
dida das  suas  forças,  dos  seus  recursos,  das  suas 
possibilidades,  teem  prestado  à  sciência  e  à 
França  grandes  benefícios^  não  só  pelo  rendi- 
mento scientífico  que  teem  apresentado,  como 
ainda  pelo  salutar  exemplo  que  a  sua  existência 
constitue. 

Entre  tantas  outras  corporações   scientificas 


228 


provinciais  são  de  notar  em  França  as  seguintes: 
Sociedade  das  Siências,  Belas-Letras  e  Artes,  de 
Toulon,  com  o  seu  Boletim ;  a  Sociedade  Aca- 
démica de  Nantes  e  do  departamento  de  Loire, 
inferior,  com  os  seus  Anais;  a  Sociedade  dos 
antiquários  do  Oeste,  com  os  seus  boletins  tri- 
mestrais ;  a  Sociedade  arqueológica^  histórica  e 
scientiíica,  de  Soissons,  com  o  seu  boletim ;  a 
Academia  du  Gard,  com  os  seus  proces-verhaux 
muito  importantes  pelos  trabalhos  sobre  arqueo- 
logia;  a  Société  archéologiqiie  de  Toiíraine,  em 
cujas  Memórias  teem  sido  publicados  muitos  do- 
cumentos, entre  outros,  o  cartulário  de  Cormery; 
a  Société  d^Archeologie  et  d'Histoire  de  la  Moselle 
—  com  as  suas  Memórias  e  o  seu  Boletim  (i). 

O  esforçado  M.  Pierre  Caron,  director  da  Re- 
vue  d'Histoire  moderne,  numa  comunicação  feita 
há  alguns  anos  á  Société  d'Histoire  moderne,  onde 
estuda  as  Sociedades  sábias  distribuídas  pelos  de- 
partamentos franceses,  diz  que  as  da  região  do 
Norte  (Pas-de-Calais,  Somme  e  Norte)  são  vinte, 
algumas  das  quais  muito  florescentes,  como  a 
Sociedade  de  Bolonha  e  a  dos  Antiquários  da  Pi- 
cardia —  que  teem  publicado  importantes  tra- 
balhos. 

Na  região  de  Paris  há  assinalar  as  de  Versail- 
les  e  de  Pontoise.  O  Oise  dispõe  de  quatro,  e  a 
Normandia  tem  dois  importantes  centros  de  tra- 
balho :   Caen  e   Rouen  (2).     A  Bretanha    conta 

(i)  Vêr  Revue  des  Sociéiés  savantes,  i863,  pág.  119  3128. 

(3)  Caen  possue:  os  Antiquários  da  Normandia,  e  uma  Aca« 


229 


dezassete  Sociedades,  publicando,  nove  Revis- 
tas locais,  e  tendo  estudado  muito  as  lutas  da 
Vendéa. 

No  centro  há  a  destacar  Poitier  —  que  tem  go- 
sado  uma  intensa  vida  scientifica,  Tours  e  Or- 
leans.  Na  Borgonha  são  de  lembrar  as  quatro 
Sociedades  de  Dijon  —  com  uma  revista  de  histó- 
ria local;  e  no  Auvergne,  das  oito  Sociedades  deve 
distinguir-se  a  de  Lozère  —  que  tem  publicado 
trabalhos  importantes. 

No  Siid-oeste  e  no  Sul  há  bastantes  Socie- 
dades, sendo  as  mais  florescentes  as  de  Saintes 
e  Bordéus ;  e  na  região  Cevenense  devem  citar-se 
as  de  Dordonha,  Tarn,  e  Lot.  Toulouse  está 
bastante  progressiva,  e  o  mesmo,  quási,  se  pode 
dizer  de  Montpellier. 

Mas,  é  no  Este  que  as  Sociedades  trabalham 
mais,  pois  das  vinte  e  nove  que  ali  existem,  doze 
teem  publicado  bons  trabalhos.  Só  Nancy  conta 
cinco  Sociedades,  uma  cadeira  de  história  local, 
a  aqui  citada  Revista  Annales  de  fEst,  sendo  a  ci- 
dade universitária  que  melhores  serviços  presta 
nas  investigações  e  publicações  de  história  local. 

Finalmente,  no  Siid-Este,  há  a  pôr  cm  foco  a 
actividade  da  Sabóia  que  só  à  sua  parte  conta 
seis  Sociedades  sábias. 

Como  se  vê,  são  muito  numerosas  tais  corpo- 


demia,  ocupando-se  ambas  muito  de  arqueologia  ;  em  Roucn  a  So- 
ciedade histórica  da  Normandia  tem  publicado  bastantes  trabalhos 
de  história  local. 


23o 


rações,  deveiido-lhes  a  França  a  publicação  de 
numerosas  colecções  documentais,  monografias 
e  biografias  históricas,  estudos  de  arqueologia 
local,  etc,  etc.  (i). 

Periodicamente,  realizam  essas  Sociedades  os 
seus  congressos  que  sempre  se  tornam  proveito- 
sos para  a  sciência,  e  constituem  importantes  pa- 
radas scientíficas,  e,  por  isso,  excelentes  e  conve- 
nientes manifestações  da  vitalidade  mental  fran- 
cesa. 

Agora  mesmo  ao  darmos  a  última  redacção  a 
este  trabalho  —  Abril  e  Maio  de  1921  — está-se 
realizando  em  Paris  um  desses  congressos  —  o 
54.°  —  das  Sociétés  savantes  de  Paris  e  dos  depar- 
tamentos. 

Aí,  na  secção  de  filologia  e  história  M.  Brunel 
tem  falado  dos  mais  antigos  diplomas  franceses ; 
o  cónego  M^UNiER  ocupou-se  da  significação  de 
um  certo  número  de  palavras  do  patois  do  Mor- 
van  ;  M.  Boudois  apresentou  documentos  inéditos 
provenientes  do  arquivo  de  Richelieu  acerca  da 
questão  de  Val-de-Grace  (16 37)  —  em  que  andou 
envolvida  a  rainha  Ana  de  Áustria;  M.  René 
Fage  ocupou-se  de  um  episódio  da  Fronda  no 
Perigord,  e  M.  Meininger  das  companhias  mu- 
Ihousianas  ao  serviço  da  França  nos  séculos  xvi 
e  XVII. 


(i)  Yêr  Revue  d'Histoire  Modenie,  1901  e  igo2\  Revite  de  Syn- 
thésc  Historique,  tomo  t,  pág.  336  a  338,  tomo  iv,  pág,  105  a  111, 
etc,  etc. 


23l 


Na  secção  de  arqueologia,  M.  Espérandieu  fez 
comunicações  sobre  os  mosaicos  recentemente 
descobertos  em  Nimes ;  M.  Marcel  Aubert  sobre 
a  igreja  de  Saint-Loup  (Loire-et-Cher);  M.  Lucien 
Braye,  sobre  o  mausoléu  do  coração  de  René  de 
Çhalon,  príncipe  de  Orange,  na  igreja  de  Santo 
Estêvão,  em  Bar-le-Duc;  de  M.  A.  Leve,  sobre  o 
castelo  de  Guilherme-o-Conquistador,  em  Bon- 
neville-sôbre-Tougues  (Calvados);  do  abade  Piat 
sobre  as  escavações  feitas  na  igreja  da  Trindade, 
em  Vendôme;  e  de  M.  Léon  Contil,  acerca  das 
escavações  efectuadas  na'igreja  de  Notre-Dame, 
em  Rugles  (Eure),  etc. 

Na  secção  de  história  moderna  e  contempo- 
rânea, M.  Destainville  ocupou-se  de  um  jornal 
Les  Nouvelles  de  Paris,  que  se  publicou  no  Aube 
de  1787  a  1814;  M.  Léon  Bideau,  fez  uma  comu- 
nicação sobre  os  registos  das  deliberações  da  co- 
muna de  Rive-de-Gier  (Loire),  de  1787  a  1794; 
M.  Labrone  ocupou-se  dos  últimos  dias  do  mare- 
chal Ney,  segundo  a  descrição  de  um  seu  guarda; 
M.  L.  HoNORÉ  da  emigração  no  Var  (1789  a 
1825);  M.  Heunet  de  Gonlel  de  uma  seita  nor- 
manda no  tempo  do  Consulado,  chamada  os  ron- 
delistas,  etc. 

Na  secção  de  história  da  geografia,  M.  An- 
THIAU1ME  ocupou-se  da  evolução  da  sciência  náu- 
tica; M.  P.  BoissoNADE,  da  marinha  mercante  da 
Rochella  no  tempo  de  Colbert  ;  de  M.  Ch.  de  La 
RoNCiÈRE,  sobre  a  expedição  do  barão  de  Poin- 
ties  em  Cartagena  (1697);  de  M.  Henri  Dehérain, 


/ 

232 


sobre  a  ocupação  das  ilhas  Jónicas  pelos  franceses 
do  primeiro  Império ;  de  M.  Henri  Ferrand  sobre 
o  vale  de  Ghamonix  na  cartografia  antiga;  de 
M.  HiRSCHAUER^  sobre  os  planos  de  Versailes ;  de 
M.  Lalance  sobre  a  etimologia  de  certos  nomes 
de  lugares  no  pais  messino,  etc.  (i). 

Nas  secções  de  sciências  económicas,  e  nas 
sub-secções  de  mineralogia  e  geologia,  de  botâ- 
nica, e  de  zoologia,  etc,  teem  sido  versados  pontos 
importantes  interessando  todos  muito  a  França, 
pois  é  necessário  notar  que  tais  Sociedades  e  tais 
congressos  são  especial,  e  mesmo  unicamente, 
destinados  a  versar  assuntos  nacionais,  isto  é, 
sobre  a  geografia,  a  história,  etc,  da  França  (2). 

É  assim,  por  um  esforço  de  todos  os  dias,  de 
todos  os  momentos,  que  os  povos,  as  nações, 
progridem  na  paz  e  se  preparam  para  vencer  na 
guerra. 


(1)  Acerca  do  54.»  Congresso  das  Sociétés  savantes,  ver  o  jor- 
nal francês  Le  Temps  de  3i  de  Março  e  de  2  de  Abril  de  1921. 

(2)  Quem  quiser  conhecer  como  tem  sido  acriva  a  vida  destas 
corporações  scientíficas  provinciais  percorra  os  volumes  publi- 
cados com  o  título  :  Bibliographie  des  travaux  historiqiies  et  ar- 
chéologiqiies  publiés  par  les  Sociétés  savantes  de  France.  Só  o 
tomo  IV,  obra  de  Robert  de  Lasteyuie  e  Alexandre  Vidier,  consta 
de  XXIV  -\-  726  páginas. 

Compreende  essa  obra  o  quadro  completo  da  vida  scientífica 
francesa  desde  o  Instituto  às  mais  pequenas  sociedades  dos  de- 
partamentos durante  o  século  xix,  para  o  que  é  completada  tal 
Bibliographie  com  um  Suplément  abrangendo  os  trabalhos  publi- 
cados de  i885  a  1900,  e  formando  o  tomo  v.  Ver:  Reviie  de  Syn- 
thèse  Historique,  tomo  xii,  pág.  216  a  218,  etc. 


2:^3 


E  como  se  tudo  o  que  deixamos  exposto  não 
fosse  mais  que  suficiente  para  comprovar  a  enorme 
actividade  da  França  no  campo  das  sciências 
históricas,  há  ainda  a  notar  as  numerosas  pu- 
blicações periódicas  que  ali  teem,  recentemente, 
publicado,  analizado  ou  criticado  documentos. 

Entre  elas  são  de  destacar,  um  pouco  ao  acaso, 
as  seguintes  :  a  Bibliothèqiie  deTÉcole  des  Chartes, 
tratando,  principalmente,  das  Idades  Média  e 
Moderna,  e  onde  teem  aparecido  numerosos  car- 
tulários,  correspondências^  estudos  de  pergami- 
nhos, de  sigilografia,  paleografia,  arquivologia, 
inventários  e  índices  de  manuscritos^  etc;  a  Re- 
vue  des  études  anciennes,  para  a  antiguidade  orien- 
tal, antiguidade  clássica,  idade  média,  contendo 
bons  estudos  de  arqueologia  de  de  W.  Déonna, 
e  trabalhos  sobre  o  período  galo-romano  de  Ca- 
MiLLE  JuLLiAN,  artigos  de  Perdrizet,  G.  Dottin, 
A.  Le  Sarrau,  Holbauy  ;  a  Reviie  des  études  his- 
tonques,  onde  figuram  excelentes  artigos  de  Ch. 
DE  La  Roncière,  J.  Mathorez,  A.  Ghuquet,  R. 
Lavollée,  Amadeu  Britsch,  Ch.  Prieur,  J.  Cart, 
F.  AuBERT,  L.  Misermont,  M.  Boutry,  a.  Cochin, 
etc;  a  Revue  Mabillon  —  com  estudos  a  respeito 
da  ordem  de  Cluny;  os  Annales  rémlutionaires^ 
com  estudos  de  Albert  Mathiez,  G.  Hardy,  Fr. 
Vermale  —  sobre  Danton,  Robspierre,  e  a  crítica 
do  ponto  de  vista  de  Aulard,  Lessueur,  R.  Lévy, 


234 


A.  Feugere,  Eug.  Corgne,  H.  Buffenoir,  Aug. 
QuESNOT,  Letaconnoux;  o  Bulletin  d'histoire  éco- 
nomique  de  la  Révoliition ;  a  revista  La  Révo- 
liition  Française,  com  excelentes  artigos  de  Ca- 
MiLLE  Bloch,  Aulard,  P.  Gáffarel,  Rouff,  a. 
LoDS,  R.  AucHEL,  RoussELOT,  Onou,  Lelieure, 
A.  Tuetey,  Ph.  Sagnae,  F.  Bouvier,  G.  Caudril- 
LiER,  etc,  e  vários  documentos,  extractos,  re- 
gistos, índices,  monografias,  etc. ;  a  Revue  de 
Synthèse  historique  —  que  tem  publicado  excelen- 
tes artigos  do  seu  director  H.  Berr,  Xénopol, 
Paul  Lacombe,  K.  Lamprecht,  e  outros,,  sobre  a 
teoria  e  metódica  históricas,  artigos  de  geografia 
histórica  francesa,  monografias  de  natureza  eco- 
nómica e  social,  estudos  bibliográficos,  etc;  a 
Anjoii  historique,  publicando  muitos  estudos  polí- 
ticos, religiosos  sobre  Angers,  sobre  o  comércio 
e  a  indústria  de  Anjou  em  1779,  sobre  os  refle- 
xos da  Revolução  nessa  província,  etc. ;  a  Re- 
vue  de  V Anjou;  a  Repue  de  rAgenais;  os  Annales 
de  Bretagne,  com  sérios  estudos  de  AIaurice  Ber- 
NARD,  G.  DoTHiN,  R.  DuRAND,  sôbre  arqueologia, 
história,  literatura  e  folk-lore  locais;  a  Revue  de 
Gascogne;  os  Annales  de  la  Société  des  lettres, 
Sciences  et  arts  des  Alpes- Mar itimes ;  a  Revue  de 
Saintonge  et  d'Aunis;  as  Mémoires  de  la  Société 
d^émulation  de  Cambrai;  a  Revue  de  VHistoirede 
Versailles  et  de  Seine-et-Oise;  os  conhecidos  An- 
nales dii  Midi,  com  artigos  de  A.  Jeanroy  sôbre 
os  Troveiros  (trovadores)  em  Espanha  dos  sécu- 
los XI  ao  XIV,  e  sôbre  os  trovadores  de  Itália ; 


235 


Ant.  Thomas  sobre  e  com  as  cartas  de  Carlos  VI  e 
Carlos  VII  à  Universidade  de  Toulouse,  etc.  (i);  o 
Bulletin  trimestriel  de  la  Société  archéologique  de 
Tonraine,  com  artigos  de  Ch.  de  Beaumont,  sobre 
arqueologia  e  numismática ;  de  De  Clérambault 
sobre  arqueologia  religiosa  e história  eclesiástica; 
E.  Lainé  ;  Louis  de  Grandmaison,  etc, ;  as  Mémoirs 
de  rAcadémie  de  Vaiicluse;  as  Mémoires  de  la  So- 
ciété éduenne;  e  o  importante  Recueil  de  la  Com- 
mission  des  arts  et  monuments  historiques  de  la 
Charente-Inférieiíre. 

Também,  devem  ser  citadas  como  muito  im- 
portantes publicações  periódicas  de  natureza  his- 
tórica :  a  Reviie  des  études  napoléoniènnes,  com 
estudos  de  Jean  Monval,  A.  Froidenaux,  G.  Bour- 
GiN,  Ed.  Chapuisat,  Ed.  Driault,  C.  Woensky,  H. 
RoLLiN,  C."''  A.  Grouard,  J.  Kuhn,  Jorga,  etc. ;  a 
Revue  historique  de  la  Révolution  française,  con- 
tendo artigos  de  P.  Heckmann,  Rean  Régné,  J.-P. 
Piegué,  Ch.  Vellay,  G.  Vautier,  P.-M.  Favret, 
O.  Karmin  —  sobre  as  finanças  russas  em  1812, 
G.  Vauthier  —  que  publicou  um  inventário  das 
pratas  de  Maria  Antonieta  feito  em  24  de  Junho 


(i)  Os  Annales  de  Midi  são  dependentes  das  Universidades  de 
Bordeaux,  Toulouse  e  Montpellier.  As  Universidades  francesas 
publicam  ainda  outras  Revistas.  A  Revue  Germanique  tem  apa- 
recido sob  os  auspícios  das  Universidades  de  Lille,  Lyon  e  Nancy; 
os  Annales  de  VEst  foram  publicados  pela  Faculdade  de  Letras  de 
Nancy,  havendo-se  transformado  depois  nos  Annales  de  VEst  et 
du  Nord  sob  a  égide  das  Faculdades  de  Letras  de  Nancy  e  Lille. 

A  Universidade  da  Grenoble  publica  também  os  seus  Annales, 
cuja  colecção  já  vai —  que  nós  saibamos  —  no  xxxi  tomo,  etc. 


236 


de  1791,  etc. ;  a  Reviie  archéologique;  La  corres- 
pondance  historique  et  archéologique  —  com  ma- 
gníficos estudos  de  Jos.  Cuvelier,  H.  Omont,  A. 
MoLiNiER,  etc. ;  Mélanges  d^Archéologie  et  d^his- 
toire;  o  famoso  Polybiblion;  Le  Bibliographe  mo- 
derne;  a  Revue  des  Bibliothèques ;  Retme  archéo- 
logique; o  Journal  des  Sapants,  com  artigos  de 
H.  CoRDiER,  Lantier,  P.  Boissonnade,  H.  Dehérain, 
J.-A.  Brutails  —  sobre  a  Idade  Média  francesa, 
Henry  Lemonnier  sobre  os  castelos  de  Saint-Ger- 
main-en-Laye,  Ch.V.  Langlois,  Fabia —  sobre  mo- 
saicos romanos  de  Lyon ;  a  Revue  celtique,  com 
artigos  de  d'Arbois  de  Jubaiville,  Seymour  de 
Rieci,  etc;  La  Répolution  de  1848;  a  Revue  cri- 
tique d^histoire  et  de  littérature,  onde  se  pode  vêr 
o  grande  movimento  de  publicidade  de  documen- 
tos inéditos ;  o  Bulletin  de  littérature  ecclesiasti- 
que;  a  importante  revista  Le  Correspondant  — 
cheia  de  artigos  de  história  uns  magníficos,  ou- 
tros menos  bons,  mas  todos  interessantes ;  Anates 
des  Sciences  Politiques  —  com  artigos  de  J.  P. 
Hahn,  a.  Viallate,  Courant,  J.  Imbart  de  la 
Tour,  P.  Pegard;  a  Reue  Bleue;  La  Grande  Re- 
vue, a  Revue  de  Vhistoire  des  religions,  que  com- 
preende muitos  e  valiosos  estudos  de  arqueolo- 
gia, história,  folk-lorica,  etnologia,  etc,  como  os 
de  G.  HuET  acerca  da  autenticidade  e  valor  da 
tradição  popular,  o  de  Deonna  —  sobre  arqueo- 
logia religioí-a,  de  Van  Gennep  —  sobre  hagiogra- 
fia;  o  Bulletin  critique;  a  Revue  de  Geographie, 
com  estudos  históricos  de  Pierre  Dornin,  René 


237 


Henry;  a  Revue  d'histoire  diploniatique;  Le Moyen 
Age;  o  Bulletin  de  Correspondance  hellenique;  a 
Revue  des  Étiides  grecques;  VAmi  des  Monuments 
et  des  Arts;  FeuUles  d'histoire  du  XVII  au  XIX' 
siècle;  o  boletim  histórico  e  filológico  do  Comité 
des  travaux  historiques  et  scientifiques ;  etc. 

Igualmente,  são  de  destacar  a  Revue  du  sei- 
lième  siècle — isto  é,  a  antiga  Revue  des  Etudes  ra- 
belaisiennes  —  onde  figuram  magníficos  estudos 
de  Abel  Lefranc,  sobre  Rabelais,  Jean  Plattard, 
H.  Hausser,  Lucien  Romier,  Armand  Garnier  — 
com  um  admirável  estudo  em  três  artigos  sobre 
a  conduta  da  rainha  de  Navarra  — a  rainha  Mar- 
got  —  na  corte  de  França  em  i583,  P.  Villey  — 
sobre  Montaigne,  Paul  Bondois  —  sobre  as  chan- 
celarias presidiais  no  século  xvi.  L.  Romier  —  que 
publicou  um  magnífico  artigo  sobre  a  Saint-Bar- 
thélemy  (aí  estuda  êle  os  acontecimentos  de  Ro- 
ma e  a  premeditação  do  massacre,  fala  da  atitude 
de  Gregório  XIII  e  da  sua  intimidade  com  o  cardeal 
da  Lorena  desde  a  chegada  deste  a  Roma  em  Ju- 
nho de  1572,  e  do  crédito  que  êle  deu  sem  hesi- 
tação às  primeiras  notícias  do  massacre  e  da  sua 
pressa  em  ordenar  missas  e  júbilos  —  o  que  deixa 
supor  que  êle  conhecia  o  projecto  dos  Guise). 

Contêm  ainda  essa  revista  do  século  xvi,  além 
de  muitos  outros,  excelentes  artigos  de  H.  Hau- 
SER,  Art.  Tilley,  Jean  Baffier,  Marcel  Godet, 
Croll,  L.  Sainéan  —  com  um  belo  estudo  sobre 
a  história  natural  na  obra  de  Rabelais,  etc, 
etc. ;  a  Revue  des  questions  historiques,  com  estu- 


238 


dos  de  história  económica  de  Boislisle,  de  A.  de 
Ganniers  —  sobre  Napoleão,  de  Delelaye  —  so- 
bre hagiografia,  L.  Mirot  —  sobre  a  Idade  Média 
francesa,  de  Saint-Yves  e  Chavanon  —  sobre  a 
história  colonial  na  segunda  metade  do  século 
XVII,  A.  de  Maricourt  —  sobre  a  princesa  Maria 
Teresa,  filha  de  Luís  XVI,  e  a  sua  estada  em  Viena 
de  1796  a  1799,  etc,  etc. ;  a  Revue  historique  de 
Bordeaux,  com  artigos  dos  eruditos  Paul  Cour- 
teault — sobre  a  entrada  de  Francisco  I  em  Bor- 
déus, em  1626,  Alfred  Leroux,  J.  Woevre,  G. 
Martin,  Michel  Lhéritier  —  sobre  a  Revolução 
em  Bordeos  de  1789  a  1791,  Labadie,  acerca  dos 
almanaques  burdeleses  do  século  xvi  ao  xix,  o  ilus- 
tre Prof.  G.  Girot  —  bem  conhecido  entre  nós  — 
com  importantes  estudos  sobre  os  judeos  de  Bor- 
deos, de  1 55o  à  Revolução;  La  Revue  savoisienne; 
o  Bulletin  Hispanique;  a  Revue  d'histoire  de  Lyon; 
a  Revue  de  Gascogne;  a  Revue  africaine;  o  Bulle- 
tin italien;  Revue  des  Pyrenées,  de  Toulouse;  a 
Revue  d^histoire,  rédigée  à  VÉtat-Major  de  Varmée; 
a  Revue  Historique,  que  além  de  magníficos  arti- 
gos originais,  críticas  e  boletins  de  G.  Monod  e 
muitos  extractos  de  obras,  tem  publicado  bastan- 
tes documentos,  como  ainda  recentemente  as  Acta 
Tumultum  Gallicorum;  as  Memórias  de  Oelsner, 
relatos  inéditos  sôbre  a  Revolução,  etc. ;  o  Bul- 
letin de  la  Société  de  rhistoire  du  protestantisme 
/rançais,  com  bons  artigos  de  N.  Weiss,  J.  Ro- 
man;  a  famosa  Revue  de  Paris — que  tem  publi- 
cado muitos  e  variados  documentos  de  toda  a 


239 


natureza ;  os  Étiides  —  Revista  fundada  pelos 
padres  da  Companhia  de  Jesus,  e  que  tem  pu- 
blicado importantes  artigos  de  Adhémar  d'Alès, 
de  SuAU,  Henri  Fouqueay,  Luciano  Roure  —  so- 
bre os  monges  do  Egito  do  quarto  século,  Paul 
Bernard  sobre  Vitória  Letellier  que  fundou  a  con- 
gregação das  Agostinhas  do  Sagrado  Coração  de 
Maria^  1778  a  1794.  E^  finalmente,  abordare- 
mos a  velha  e  importante  Revue  des  Deux-Mon- 
des,  que  tem  publicado  magníficos  estudos  do- 
cumentais de  FusTEL  DE  Coulanges  —  sobre  a 
Idade  Média;  Saint-René  Taillandier,  Mignet, 
Ch.  Giraud  ;  L.  de  Carnet  —  sôbre  a  história  da 
Bretanha,  Henrique  IV,  Luís  XIV,  a  monarquia 
de  Luís  XV,  a  burguesia  e  a  Revolução;  J.  de 
Saint-Amond  —  sôbre  M,™"  Tallien,  Lamballe, 
Charlote  Corday,  etc;  Charles  Aubertin  —  sôbre 
a  burguesia  de  Paris  no  século  xviii;  numerosos 
artigos  de  Loménie  —  sôbre  Beaumarchais,  a  sua 
vida,  seus  escritos  e  o  seu  tempo ;  A.  Geffroy  — 
com  estudos  sôbre  o  marechal  de  Beauvau,  Ma- 
ria Antonieta;  Sainte-Beuve  acerca  de  M.'"^  Ro- 
land,  La  Fayette,  a  condessa  Merlin;  Villemain 
—  sôbre  o  primeiro  Império;  G.  Boissier  —  sôbre 
Froissart,  o  presidente  de  Brosses ;  Ernest  Dau- 
det  —  sôbre  história  contemporânea ;  os  duques 
Alberto  e  Vítor  de  Broglie  —  sôbre  história  diplo- 
mática  do  século  xviii;  Albert  Sorel  —  acerca  de 
Dumouriez,  história  da  Prússia,  o  cavaleiro  da 
Gentz,  etc. ;  F.  Brunetière;  A.  Mezifres;  Maxime 
Du  Camp  —  sôbre  a  Comuna;  Albert  Duruy,  sô- 


24Ò 


bre  o  general  Malet,  o  brigadeiro  Mustar,  da 
Revolução ;  Ch.  de  Mazade  —  sobre  a  Restaura- 
ção, Luís  XV,  M.'"^  de  Pompadour,  Berryer,  a 
obra  de  Thiers;  A.  Bardoux;  Ch.  de  Bemusat; 
Alf.  Rambaud  —  sobre  história  da  Rússia ;  E. 
Latisse  —  sobre  história  da  Alemanha;  J.  Clave 

—  sôbre  a  correspondência  de  Kléber ;  Vítor  du 
Bled  —  sôbre  as  Memórias  e  a  correspondência 
do  príncipe  de  Ligne ;  Gabriel  Hanotaux  — 
acerca  de  Richelieu;  Emile  Ollivier  e  René  Pibon 

—  sôbre  história  contemporânea;  Albert  Vandal  ; 
G.  Valbert  —  sôbre  Alberoni,  o  congresso  de 
Munster,  Frederico  II,  a  Revolução,  etc. ;  Arnede 
Barine;  Ch.  Benoist;  C.'''^  d'Haussonville  ;  H. 
Houssaye,  Louis  Madelin,  ec,  etc.  (i). 


O  estado  progressivo,  verdadeiramente  scien- 
tiíico,  que  teem  apresentado  ultimamente  em 
França  as  sciências  históricas  —  e  a  que  elas  de- 
vem em  grande  parte  a  sua  admirável  vitória  na 
grande  guerra,  começou  —  pode  dizer-se — perto 
de  1870. 

Se  bem  que  não  se  possa,  nem  se  deva,  fixar  a 
data  precisa  de  tal  renascimento  no  dia  seguinte 


(i)  Apezar  de  haver  ficado  extensa  a  lista  das  Revistas  e  de- 
mais publicações  periódicas  francesas  de  história,  não  temos  a 
menor  dúvida  em  afirmar  que  a  enumeração  fica  muito  incom- 
pleta, se  bem  que  nos  pareça  já  suficiente  para  dar  uma  ideia  do 
movimento  intenso  e  constante  da  historiografia  francesa. 


^4' 


da  guerra  desastrosa  de  1870  e  1871,  não  há 
dúvida  que  as  tristes  consequências  dessa  luta 
para  a  França  constituiram  um  importante  factor 
para  o  progresso  dos  estudos  históricos  nesse 
país. 

Contudo,  é  essencial  notar  que  já  antes  dessa 
guerra  a  França  via  bem  o  estado  de  atraso  em 
que  se  encontravam  as  suas  sciências  de  erudição 
em  relação  á  sua  competidora  —  a  Alemanha. 

Foi  essa  consciência  de  inferioridade  scientí- 
íica  e  moral  que  levou  Vítor  Duruy  a  propor  a 
criação  da  Escola  de  Altos  Estudos,  como  foi 
essa  mesma  consciência  que  levou  os  eruditos 
franceses  à  fundação,  em  1866,  da  Remie  criti- 
que —  que  tão  notáveis  serviços  tem  prestado  aos 
estudos  histórico-íilológicos  franceses,  à  criação 
da  importante  Romania,  da  Revue  Historique, 
etc,  étc.  (i). 

Vencida  a  França  em  1870  a  1871,  brotou 
unânime  no  espírito  dos  sábios  franceses  que  a 
vitória  completa  e  decisiva  da  Alemanha  era, 
acima  de  tudo,  o  triunfo  da  sciência  alemã,  dos 
seus  métodos  objectivos,  dos  seus  profundos  es- 
tudos de  detalhe.  Por  isso,  quando,  em  1876, 
apareceu  a  Remie  Historique,  logo  da  Introdução 


(i)  Acerca  da  criação  da  Escola  de  Altos  Estudos  de  Paris, 
consultar:  L Administration  de  1'Instriiclion  publique,  de  i853  a 
1870;  a  colecção  das  Circulaires  et  instructions  officielles  relatives 
à  Vinstruction  publique,  do  ministério  Duruy;  Paul  Frederico, 
L'Enseignement  supérieur  de  l'Histoire,  1899,  pág.  73  a  94. 
16 


242 


escreve  Monod,  falando  da  nova  orientação  da 
.historiografia  francesa : 

«On  a  compris  le  danger  des  généralisations 
prématurées,  des  vastes  systèmes  à  priori  qui  ont 
la  prétention  de  tout  embrasser  de  le  tout  expli- 
quer».  E  acrescenta:  «On  a  senti  que  rtiistoire 
doit  être  Fobjet  d'une  investigation  lent  et  métho- 
dique  ou  Fon  avance  graduellement  du  particu- 
lier  au  general,  du  détail  à  Tensemble;  ou  Ton 
éclaircisse  successivement  tous  les  points  obscurs 
afin  d'avoir  des  tableaux  complets  et  de  pouvoir 
établir  sur  des  groupes  de  faits  bien  constates  des 
idées  générales  susceptibles  de  preuve  et  de  véri- 
fication». 

Que  a  França  inteira  —  desde  os  seus  governos, 
das  suas  Academias,  das  suas  Universidades  e 
das  suas  Bibliotecas  até  aos  eruditos  e  cultores 
particulares  da  sciência  —  tem  compreendido  a 
causa  funda  e  intima  dessa  derrota  e  teem  pro- 
curado remediá-la  —  e  a  teem  remediado — vê-se 
bem  pelo  que  deixamos  exposto  —  só  no  ramo 
das  sciências  históricas  (i). 


(i)  Pois  apesar  de  todos  os  progressos  que  temos  vindo  a  re- 
gistar em  Franca,  quanto  às  sciências  históricas,  ainda  ali  apare- 
cem críticos  exigentes.  Pertence  a  esse  número  o  erudito  inves- 
tigador de  história  local  Maubice  Lumoulin  que  numa  monografia 
publicada  em  1899,  com  o  título :  Du  groupemeui  des  Sociétés 
savantes  eti  viie  de  travaiix  comniuns,  se  queixava  que  o  Estado 
francês  tem  empreendido  uma  multidão  de  cousas  sem  acabar 
nenhuma,  que  a  Colecção  dos  Documentos  Inéditos  fica  por  acabar 
por  falta  de  créditos,  outro  tanto  sucedendo  aos  Repertórios  ar- 


243 


Apesar  da  relativa  extensão  dada  aqui  às  pu- 
blicações documentais  e  a  outras  obras  históri- 
cgís  aparecidas  em  França,  este  estudo  fica  muito 
incompleto  em  relação  ao  grande  movimento 
scientifico  que  ultimamente  se  tem  notado  nesse 
país. 

7.°  —  A  historiografia  contemporânea 
em  outros  países 

Mas  não  são  apenas  as  grandes  nações  da  Eu- 
ropa, acima  especializadas,  que  teem  feito  avan- 
çar as  sciências  históricas,  se  bem  que  algumas 


queológicos,  ao  Dicionário  arqueológico  da  língua  céltica,  ao  In- 
ventário das  riquesas  artísticas^  etc. 

Também  o  Instituto,  pela  mesma  falta  de  verbas,  só  de  longe 
em  longe  publica  algum  volume  de  História  Literária  da  França, 
ou  dos  Recueils  des  Ordonnances  des  Róis  de  France. 

E  se  as  verbas  não  são  suficientes  para  as  instituições  oficiais 
de  Paris  ainda  menos  chegam  para  as  provinciais,  para  as  de  Fo- 
rez  e  de  Roannais,  onde  o  autor  trabalha.  Outras  críticas  dirige 
M.  DuMOuuN  —  aliás  com  a  grande  autoridade  que  lhe  dão  os  seus 
conhecimentos  e  os  trabalhos  que  tem  publicado. 

Também^  uma  ou  outra  vez  teem  surgido  campanhas  muito 
mais  políticas — reacionárias  —  que  scientíficas  contra  os  histo- 
riadores e  a  métodos  historiográficos  da  Sorbonne.  Porem,  tais  dia- 
tribes só  teem  resultado  uma  mais  concludente  prova  da  hones- 
tidade e  competência  dos  historiadores  alvejados  e  da  solidez  dos 
métodos  de  investigação  e  crítica  seguidas  no  alto  ensino  francês. 

Todas  as  campanhas  dos  polemistas  como  Charles  Peguy, 
PiERRE  Lasserre,  Charles  Maurras,  e  actualmente  René  Benja- 
min—  no  Echo  de  Parts,  acerca  de  La  Farce  de  la  Sorbonne  — 
teem-se  desfeito  por  si  ante  a  indiferença  das  elites  e  da  grande 
massa  culta  da  nação  que  sabe  bem  o  que  deve  aos  Seignobos, 
Lavisse,  Rambaud,  Aulard,  Ckoiset,  etc. 


delas  —  como  a  Inglaterra  (i),  a  Itália  (2),  e  a  Es- 


(i)  Um  dos  aspectos  do  atraso  da  historiografia  em  Inglaterra 
reside  no  carácter  arcaico  do  ensino  superior  da  história.  As 
suas  Universidades,  muito  mais  próprias  para  formar  gentlemen 
que  para  preparar  sábios,  não  teem  visto  sair  dos  seus  quadros 
quer  docentes  quer  discentes  as  grandes  gerações  de  historiado- 
res. Outro  tanto  não  se  dá  com  os  helenistas  e  filólogos  que  a 
Inglaterra  tem  produzido  bons,  como  os  Muller,  Bentley,  Por- 
soN,  etc. 

Para  obviar  ao  atrazo  em  tais  estudos  foi  há  tempos  criada 
ali  uma  School  of  advanced  historical  Siudies,  tendo  em  vista, 
não  só  uma  instrução  técnica  aos  arquivistas,  como  iniciar  os 
estudiosos  das  sciências  históricas  nos  métodos  de  investigação 
e  de  crítica,  e  preparar  professores  com  uma  forte  cultura  scien- 
tífica  em  história. 

Assim,  segundo  o  plano  e  programa  expostos  pelo  erudito  A.-V. 
Ward,  presidente  da  Royal  Historical  Society^  essa  escola,  é  mais 
ou  menos  similar  à  École  des  Chartes  e  à  École  des  Hautes  Étu- 
des,  de  Paris,  e  o  seu  ensino  consta  de  paleografia,  diplomática, 
bibliografia  geral,  epigrafia,  numismática,  arqueologia,  etc. 

(2)  O  distinto  historiógrafo  e  teórico  da  história  Benedetto 
Croce  ao  começar  um  estudo  sobre  a  historiografia  contemporâ- 
nea na  Itália,  escreve,  com  verdade:  «A  partir  de  1860  a  Itália 
tem-se  dedicado  com  muito  fervor  à  erudição  história;  de  todos 
os  lados,  se  tem  visto  surgir  Sociedades  e  Congressos  de  história 
local;  eminentes  professores  das  Universidades  teem-se  esforçado 
em  levar  os  seus  discípulos  ao  estudo  minucioso  dos  arquivos  e 
à  prática  da  crítica  dos  textos». 

E,  se  quanto  à  teoria  da  história  professores  e  alunos  a  teem 
olhado,  ali,  senão  com  indiferença  pelo  menos  com  desconfiança, 
mesmo  nesse  campo,  depois  de  Augusto  Vera,  e,  especialmente 
a  partir  do  anti-hegeliano  António  Labriola  e  de  Villari,  com 
B.  Groce,  os  trabalhos  dos  professores  R.  Mariano,  G.  Trivero, 
P.  R.  Trojano,  G.  Salvenini,  Giovanni  Gentile,  e  outros,  a  Itália 
possue  hoje  uma  das  ricas  literaturas  sobre  a  teoria,  filosofia  e 
metódica  da  História.  Ver :  Prof.  G.  M.  Columba,  da  Universi- 
dade de  Palermo,  Histoire  et  mèíhode  historique;  B.  Croce,  EtU' 
des  rèlatives  à  la  théorie  de  1'liistoire  eii  Italie,  in  Reviie  de  Syn^ 
thèse  Historique f  tômo  v,  pá  ■.  257  a  269. 


245 


panha(i) — só  recentemente  tenham,  com  muita 
intensidade,  progredido  em  tais  estudos  (2). 

Também  os  pequenos  Estados,  longe  de  fica- 
rem indiferentes  a  tais  progressos,  se  teem  esfor- 
çado por  os  acompanhar,  sendo  imensamente  di- 
gnos de  nota  a  solicitude  e  zelo  —  quási  a  ância 
—  com  que  os  governos,  as  corporações  scientí- 
íicas,  as  instituições  administrativas,  os  particu- 
lares desses  pequenos  países,  todos,  numa  compita 
e  numa  emulação  de  sagrado  amor  da  sciência  e 
das  suas  pátrias,  teem  contribuido  —  uns  com 
subvenções,  outros  com  o  esforço  pessoal  e  co- 
lectivo—  para  tais  progressos. 


(ij  Acerca  do  progresso  das  sciências  históricas  cm  Espanha 
já  falamos,  e  numa  obra  que  trazemos  no  prelo  sobre  tal  assunto 
desenvolveremos  o  que  deixamos  dito.  Ver  :  H.  Léonardon,  Es- 
pagne^  Epoque  Moderne,  in  Reviie  de  Synthèse  Historique^  tomo  v, 
pág.  297  a  333. 

(2)  A  falta  de  espaço  não  nos  consente  que  tratemos  da  his- 
toriografia nos  Estados  Unidos  da  América  do  Norte  e  no  Brasil. 

Entretanto,  sempre  diremos  que  na  América  do  Norte  os  es- 
tudos históricos  estão  florescentíssimos,  bastando  para  tal  se  con- 
cluir, ter  em  vista  que  só  a  American  Historical  Association  tem 
uma  média  de  1.900  sócios,  realizando  anualmente  os  seus  con- 
gressos, e  pviblicando  a  famosa  American  Historical  Review. 

Por  essa  Sociedade  e  pelos  seus  Congressos  tem  passado  o 
que  os  Estados  Unidos  contam  de  mais  notável  nas  sciências  his- 
tóricas como  Henry-Charles  Lea  —  o  conhecido  autor  da  His- 
tória da  Inquisição  n.j  Idade  Média,  o  dr.  James  Suli.ivan,  Fran- 
klin Jamesson,  W.  Mac  Donald  —  professor  da  Universidade  de 
Brown,  J.  M.  Callaiian,  James  Woodbfjrn,  Earle  W.  Dow,  John 
M.  ViNCENT,  James  Breck  Perkins,  Henry  E.  Bourn,  etc. 

Muito  numerosos  são  os  documentos  que  tanto  essa  Sociedade 
como  outras  de  história,  e  as  Universidades  teem  publicado  sobre 
a  guerra  da  Secessão,  o  período  da  dominação  inglesa,  as  rela- 
ções diplomáticas  com  os  vários  Estados  da  Europa,  etc,  etc. 


246 


É  esse  espectáculo  tocante  e  encantador  que 
nós  vamos  patentear,  muito  sucintamente,  para 
justa  glorificação  dos  que  assim  teem  agido,  e 
para  estimulo  e  exemplo  dos  que  pouco  ou  nada 
teem  feito. 

a)  Roménia 

A  Roménia  tem  visto  progredir,  na  segunda 
metade  do  século  xix,  os  estudos  históricos  no 
seu  pais,  graças  à  impulsão  que  já  antes  lhes  havia 
dado  Miguel  Cogalnicann  —  que,  em  1887,  pu- 
blicou uma  Historia  da  Dacia.  Esse  movimento 
de  nacionalização  da  história  romena  —  que  até 
ali  era,  principalmente,  estudada  e  escrita  pelos 
alemães  da  Transilvânia  —  foi  tomado,  mais 
tarde,  pelos  historiadores  Iorga,  Gregório  To- 
ciLEsco  — que  fez  importantes  trabalhos  de  ar- 
queologia, e  A. -D.  Xénopol  —  que  tem  publicado 
importantes  trabalhos  sobre  os  romenos  no  tempo 
de  Trajano,  duante  a  Idade  Média,  e  muitos  ou- 
tros sobre  a  teoria  e  a  metódica  da  História  (i). 

No  que  respeita  às  publicações  periódicas,  se 
é  certo  que  a  Roménia  até  há  tempos  não  as 
tinha  que  especialmente  se  consagrassem  à  histó- 
ria, não  há  dúvida  que  as  Revistas  Literárias  se 
teem  ocupado  muito  delas  como  os  Convorbiri 


(i)  Ver,  sobre  estes,  a  colecção  da  Reme  de  Synthèse  Histo- 
rique^  tomo  i,  pág.  28  e  254;  tomo  11,  pág.  2Ó4;  tôrao  iii,  pág.  io5 
e  164;  tomo  IV,  pág.  276;  tomo  viu,  pág.  205;  tomo  ix,  pág.  7; 
tomo  XI,  pág.  129;  tomo  XII,  pág.  i.  Esse  eminente  historiador 
XÉNOPOL  morreu  ultimamente. 


247 


literare  —  publicados  primeiro  em  Jassy  e  depois 
em  Bucareste,  os  Archwa  —  aparecidos  em  Jassy 
depois  de  1890,  a  Acta  si  literatura  romena,  pu- 
blicada a  partir  de  1895,  a  Nova  Revista  Romene, 
de  Bucareste,  etc. 

Ainda  outras  publicações  periódicas  se  ocupam 
de  história,  como:  os  trab  a.\hos  da  Academia  Ro- 
mena, e  o  Boletim  do  Instituto  para  o  estudo  do 
sud-este  europeu.  Nos  últimos  volumes  da  Aca- 
demia Romena  são  de  assinalar  os  trabalhos  de 
N.  loRGA  sobre  história  moderna  da  Roménia, 
sobre  história  diplomática  desse  pais,  as  relações 
entre  os  principados  romenos  e  a  igreja  de  Cons- 
tantinopla na  segunda  metade  do  século  xvii,  etc. 

Também,  o  Buletim  do  Instituto  para  o  estudo 
da  Europa  sul-oriental  publica  não  só  vários  ar- 
tigos de  política  contemporânea  como  de  histó- 
ria moderna,  sendo  de  citar  os  trabalhos  de  N. 
Iorga;  os  importantes  estudos  de  T.  G.  Masaryk, 

J.  C.  FiLITTI. 

b)  Suíça 

A  Suiça  é  um  dos  países  onde  os  trabalhos  de 
história  teem  estado  mais  em  favor.  Antoine 
GuiLLAND,  ao  abrir  o  seu  estudo  sobre  Os  estudos 
históricos  na  Suiça,  começa  por  escrever : 

«Creio  bem  que,  guardada  toda  a  proporção, 
nenhum  pais  existe  onde  estejam  tão  em  favor 
como  na  Suíssa  os  estudos  históricos»  (i). 


(i)' Antoine   Guillanu,  Les  eludes  historiques  en    Stiisse,  in 
Revue  de  Syntlièse  Histohque,  Fevereiro  a  Abril  de  191 3,  pág.  82. 


248 


Efectivamente,  ali  são  numerosas  as  socieda- 
des de  história^  não  havendo  cantão  que  não  te- 
nha a  sua,  e  até,  por  vezes,  mais  que  uma ;  os 
eruditos  são  muitos  ali,  e  muito  numerosas  são  as 
obras  aparecidas. 

Pode  fazer-se  remontar  ao  segundo  terço  do 
século  XVIII  esse  importante  movimento,  pondo  a 
iniciá-lo  BoDMER  e  Breitinger,  logo  acompanhados 
e  seguidos  por  J.  H.  Fussli,  J.  R.  Iselin,  Pierre 
OcHS;  Bernard  de  Tscharver,  a.  L.  de  Wawen- 
WYL,  G.  E.  Haller,  J.  a.  Gautier,  Th.  Bridel, 
AbrahÃo  Ruchat,  J.  a.  Balthazar,  Lurlauben,  e 
os  sábios  beneditinos  dos  conventos  de  Saint- 
Gall-Muri  e  Rheinau(i). 

No  íim  do  mesmo  século  surge  Jean  Muller,  o 
iniciador  da  Histoire  des  Confédérés  —  que  tanta 
influência  exerceu  na  sua  época  sobre  o  renova- 
mento  dos  estudos  históricos  na  Suíça,  sendo 
depois  continuada,  sucessivamente,  por  Glutz- 
Blotzheim,  Hottinger,  Louis  Vulliemin  e  Ch. 
MoNNARD,  tendo  estes  dois  últimos  trazido  a  obra 
até  1 8 1 5  (2). 

Em  181 1  aparece  logo,  em  Berne,  uma  Socie- 
dade para  o  estudo  da  História  da  Suíça,  que 
passou  logo  a  publicar,  em  alemão,  um  boletim 


(i)  Sobre  BoDMKRpode  consultar-se  a  obra  de  G.  de  Reynold, 
Histoire  littéraire  de  la  Suisse  au  XVJII siècle,  segundo  volume, 
1912. 

(2)  Essa  obra^  que  na  edição  alemã  conta  quinze  volumes,  consta 
na  versão  francesa  de  dezoito,  aparecendo  com  o  título  de  His- 
toire de  la  confédéraíion  suisse. 


249 


de  história.  Mas,  como  aquela  Gesellschaft  se 
dedicasse  principalmente  aos  estudos  sobre  Berne, 
foi  fundada  em  Baden,  na  Argovia,  em  1840,  a 
Sociedade  Geral  Suiça  de  História^  tendente  a 
«agrupar  os  eruditos  e  os  historiadores  de  todos 
os  cantões  e,  por  meio  de  reuniões,  trabalhos, 
boletins  e  publicações,  a  favorecer  as  investiga- 
ções de  história  nacional». 

Essa  Geschichtsforschende  Gesellschaft  des  Sch- 
ipeii  é  hoje  a  colectividade  suíça  mais  florescente 
no  seu  género,  havendo-se  tornado  o  mais  intenso 
foco  de  actividade  historiográfica  desse  laborioso 
país.  São  muito  numerosas  as  publicações  que 
ela  tem  feito  aparecer. 

Assim,  de  1843  a  1875  publicou  vinte  volumes 
dos  Arquivos  de  História  da  Suiça;  de  1877  ^ 
191 3  trinta  e  cinco  volumes  de  um  importante 
Jahrbuch,  catorze  volumes  de  um  Boletim  de  his- 
tória da  Suíça,  e  vinte  e  cinco  volumes  de  Quellen 

—  as  Fontes  de  História  da  Suíça. 

A  partir  de  1912  tem  essa  importante  colecti- 
vidade continuado  a  publicação  das  suas  obras 

—  muitas  das  quais  com  inéditos — agrupadas 
em  três  corpos:  I.  Crónicas;  II.  Actas ;  \\\.  Cor- 
respondências e  Memórias,  tendo  ainda  editado 
uma  excelente  colecção  de  instruções  ou  guias 
para  investigadores —  Wegweiser  fiir  die  Litera- 
tur  lur  Schwei:{erischen  Geschichte[\). 


(i)  Desses  corpos  teem  continuado  a  aparecer  diversos  volu- 
mes de  inéditos,  como  os  documentos  sobre  o  burgomestre  Wold- 
MANN,  a  correspondência  de  Pierre  Ochs,  etc. 


2  5o 


Essa  Sociedade,  presidida  pelo  eminente  his- 
toriador suíço  Georges  de  Wyss  de  1854  a  1895 

—  ano  da  sua  morte  —  tem  reunido  os  nomes 
mais  ilustres  da  historiografia  helvética,  como 
Kopp  e  von  Segesser,  Vulliemin,  Vischer,  Forel, 
von  Sturler,  Fiala  —  depois  bispo  de  Bale,  Kind, 
Th.  e  C.  de  Mohr,  Charles  Le  Fort,  Pierre  Vau- 

CHER,  HuNGERBUHLEr(i). 

A  êsses  há  que  acrescentar  os  mais  recentes 
eruditos  e  historiadores  Th.  de  Liebnau  —  de  Lu- 
cerna ;  Mayer  de  Knonau,  Schweizer  e  Oeschsli 

—  de  Zurich;  Wartmann  e  Dieraurer  —  deSaint- 
Gall;  RoTT  e  Godet — -de  Neuchâtel;  Tabler — 
de  Berne;  Albert  Buchi  —  de  Friburg;  Edouard 
Faure^  Ch.  Borgeaud  e  V.  van  Berchem  —  de  Ge- 
nève. 

Além  da  florescente  Sociedade  geral  Suíça  de 
história,  várias  outras  são  as  instituições  de  histó- 
ria espalhadas  pelos  cantões  suíços,  algumas  das 
quais  mais  ou  menos  importantes  como  a  Socie- 
dade histórica  de  Zurich,  e  a^  mais  florescente, 
Antiquarische  Gesellschaft  dessa  mesma  cidade  — 
que  tem  já  publicados  mais  de  trinta  volumes  de 
Memórias^  que  constituem  uma  das  mais  impor- 
tantes obras  históricas  da  Suíça,  sendo  ainda  de 
citar  os  três  volumes  do  Stadtbiicher,  os  nove  vo- 
lumes das  Fontes  da  Historia  de  Zurich^  etc. 


(1)  Acerca  da  alta  personalidade  de  Georges  de  Wyss,  grande 
erudito  e  notável  professor,  ver  o  elogio  que  dele  faz  Pierre  Vau- 
CHER,  in  Revue  de  Synthèse  Historique,  Fevereiro  a  Abril,  191 3, 
pág.  85. 


2  D  I 


Bale,  é,  depois  de  Zurich,  o  mais  digno  centro 
de  actividade  histórica,  devido,  especialments,  à 
sua  Historische  und  antiquarische  Gesellschaft  — 
que,  desde  iSSg,  tem  publicado  as  Mémoires  sur 
VHistoire  de  Bale,  desde  1 843  os  Boletins,  a  par- 
tir de  1890  tem  feito  aparecer  o  Urkundenbuch 
ou  Tombos  da  cidade  de  Bale,  e,  desde  1900,  uma 
revista  histórica  —  a  Basler  Zeitschriftfiir  Geschi- 
chte  und  Altertumskunde  {i). 

Berne  possue  também  uma  Sociedade  de  estu- 
dos históricos^  a  partir  de  1846,  tendo  publicado 
—  que  nós  saibamos  —  vinte  e  um  volumes  de 
Arquivos,  nove  volumes  de  Fontes  rerum  bernen- 
sium,  além  de  crónicas,  biografias,  correspondên- 
cias, etc. 

Saint-Gall  conta  igualmente  uma  Sociedade  de 
história  —  que  tem  publicado,  além  de  outras 
obras,  mais  de  trinta  e  um  volumes  de  Memórias, 
e  onde  figuram  valiosas  colecções  de  inéditos, 
como  os  Documentos  sobre  a  abadia  de  Saint-Gall , 
os  Arquivos  comunais  de  Saint-Gall,  etc,  etc. 

Lausanne  é  a  sede  da  valiosa  Société  d'histoire 
de  la  Suisse  romande,  fundada  em  iSSy,  e  que 
tem  publicado  cerca  de  cincoenta  volumes  de 
Memórias.     Ai  teem  aparecido  estudos  impor- 


(1)  A  cidade  de  Bale  tem  visto  aparecer  importantes  colecções 
documentais  como  os  Documentos  relativos  à  História  da  im- 
prensa de  Bale;  os  Estudos  e  fontes  de  concílios ;  a  Colecção  dos 
documentos  sobre  a  batalha  de  Saint  Jacques ;  os  Documentos  so- 
bre a  administração  da  cidade  na  Idade  Média;  e  uma  já  impor- 
tante colecção  de  crónicas. 


252 


tantes  e  muitas  colecções  de  inéditos,  como  os 
oito  volumes  dos  Documents  relatifs  à  Vhistoire  du 
Valais,  pelo  abade  Gremaud  ;  o  Registre  soit  Ré- 
pertoire  chronologique  de  documents  relatifs  à  lliis- 
toire  de  la  Siiisse  romande,  e  os  Statiits  de  1'ancien 
evêché  de  Lausanne  et  charles  municipales  du  pays 
de  Vaud,  porF.  Forel;  os  Cartulaires  du  Chapitre 
de  Lausanne  et  de  diverses  tnaisons  religieuses  du 
Pays  de  Vaud,  por  F.  de  Gingins  e  Hisely  (i). 

Genève  possue  a  sociedade  histórica  cantonal 
mais  florescente  de  toda  a  Suiça :  a  Société  d'his- 
toire  et  d'archéologie  de  Genève.  Fundada  em 
i838,  tem  ela  visto  trabalhar  nas  suas  publica- 
ções os  grandes  historiadores  Guilherme  Faure, 
Galiffe,  Charles  le  Fort,  Amadeu  Roget,  Pierre 
Vaucher,  Charles  Morel,  Edouardo  Faure,  Teó- 
filo DuFOUR,  Em.  Rivoire,  Borgeaud,  etc. 

Tem  essa  Sociedade  publicado  cerca  de  cin- 
coenta  volumes  de  Memórias  e  documentos^  figu-' 
rando  entre  as  espécies  impressas :  o  Regeste 
genevois,  por  P.  Lullin  e  Ch.  Lefort,  em  seis 
volumes;  as  Charles  inédites^  relatives  à  Vhistoire 
de  la  ville  et  du  diocese  de  Genève  antèrieurement 
à  fannée  i3i 2,  dois  volumes;  um  Recueil  de  lois 
municipales  des  principales  villes  du  diocese  de  Ge- 
nève; os  Documents  iuédits  relatifs  à  Vhistoire  de 
Genève,  de  i3i2  à  i3'j8;  etc. 


(1)  Esta  Sociedade,  tem  como  publicação,  periódica  a  Revue 
historique  vaudoise,  fundada  em  1893,  e  que  também  tem  servido 
de  órgão  à  Société  vaudosie  d'histoire. 


253 


Friburgo  conta  duas  sociedades  de  história: 
uma  francesa,  e  outra  alemã  —  cada  uma  das 
quais  com  as  suas  publicações. 

Neuchatei  tem  uma  Sociedade  de  história  e  de 
arqueologia.  Ai  apareceram  ultimamente  publi- 
cados, os  volumes  com  os  Procés-verbaux  des 
audiences  générales,  e  os  Documents  inédits  siir 
Giiillaume  Forel  et  la  reformation  dans  le  comté  de 
Neuchatei. 

Bastava  o  que  já  temos  dito  sobre  as  socieda- 
des de  história  existentes  na  Suiça,  e  as  suas  res- 
pectivas publicações,  para  se  avaliar  quanto  é 
activa  a  vida  scientííica  nesse  país,  e  numerosos 
os  trabalhos  que  ali  teem  aparecido  impressos 
quer  em  grandes  colecções  de  carácter  documen- 
tal quer  em  Boletins,  Arquivos,  Revistas,  etc.(i). 

Mas  não  é  tudo.  Além  das  publicações  a  cargo 
das  instituições  cantonais,  dos  municípios,  dos 
particulares,  etc,  também  o  governo  federal  tem 
feito  aparecer  importantes  colecções  como :  Actes 
et  recès  des  anciennes  décisions  de  la  Confedera- 
tion  de  i2gi  à  1420,  editados  por  Knopp;  o  Re- 
cueil  officiel  des  anciens  recès  fédéraiix  jusqu'en 
lygS,  coligido  por  Mayer  de  Knonau,  depois  con- 


(i)  São  bastantes  as  Revistas  de  história  publicadas  pelas  So- 
ciedades cantonais  de  história  e  de  arqueologia,  como  a  Revue 
historique  vaudoise,  de  Lausanne ;  o  Bulletin  de  la  Société  d'his- 
toire  et  d'archéologie  de  Genève;  os  Archivés  de  la  Société  d'his'- 
toire  du  canton  de  Fribourg ;  os  An^eiger  Jur  schweijcrische  GeS' 
chichte  —  que  é  o  órgão  da  Sociedade  suíça  de  história  de  Berne  J 
o  Beitrage  ^iir  vaterlãndischem  Geschichte  —  que  tem  sido  o  ór- 
gão da  Sociedade  de  História  de  Bale,  etc. 


254 


tinuado  por  5.  Kaiser,  J.  Stricklerr  Fechter, 

PUPIKOFER,  KOTHING,  FeTSCHERIN,   CtC.  (l). 

Além  disso,  ainda  o  governo  helvético  tem  pro- 
movido investigações  nos  principais  arquivos  da 
Europa  acerca  das  relações  da  Suíça  com  o  estran- 
geiro, havendo  o  cônsul  da  Suíça  em  Venesa,  Vítor 
Cérésole,  realizado  investigações  para  a  publica- 
ção, em  1 890,  de  La  Republique  de  Venise  et  la 
Suisse.  Para  o  mesmo  fim  Edouard  Rott  tem  tra- 
balhado, a  partir  de  1 880,  nos  arquivos  de  Paris  e 
de  Chantilly,  havendo  pubhcado,  de  1900  a  191 3, 
uma  bem  documentada  obra  —  a  Histoire  de  la 
Représentation  divlomatiquede  la  France  auprès  d  es 
cantons  suisses,  de  leurs  alliés  et  confédérés,  em 
seis  volumes. 

Também,  o  erudito  J.  Wirz  tem  feito  demora- 
das e  persistentes  investigações  nos  arquivos  ita- 
lianos, como  os  de  Turim,  Milão,  Vaticano,  Parma, 
Modena  e  Florença. 

Igualmente,  o  ministro  da  Suiça  em  Londres, 
Daniel  Bourcart,  tem  feito  nos  arquivos  desta 
capital  importantíssimas  investigações  no  ponto 
de  vista  da  história  suíça,  tendo  sido  estudados, 
copiados,  extractados  ou  sumariados  os  docu- 
mentos conservados  no  Museu  Britânico  e  no 
Public  Record  Office  (2). 


(1)  Trata-se  de  um  reportório  muito  importante  e  extenso, 
pois,  se  é  fragmentário  para  o  que  se  refere  aos  actos  do  século  xiv, 
é  já  muito  desenvolvido  para  o  século  xv,  e  quási  diário  paca  O 
século  XVI. 

(2)  Outras  missões  scientíficas  teem  sido  inauguradas  ou  estão 


255 


É  de  notar  que  o  Conselho  federal  concede  aos 
investigadores  subvenções  anuais  variáveis.  As- 
sim, as  de  Paris  atingem  em  média  um  total  de 
i5.ooo  francos  por  ano,  as  destinadas  aos  inves- 
tigadores nos  outros  países  são  mais  pequenas, 
mas  ainda  assim  muito  suficientes. 

Todas  as  cópias  provenientes  das  investiga- 
ções em  França,  Itália,  Inglaterra,  etc,  são  reu- 
nidas em  Berne,  e  ai  inventariadas  e  classificadas. 

Muito,  mas  muito,  mais  poderíamos  —  e  até, 
talvez,  devêssemos  —  dizer  sobre  as  sciências 
históricas  na  Suíça  se  não  receiassemos  alongar 
desmedidamente  este  trabalho. 

Mas  o  que  ai  fica  parece-nos  suficiente  para 
mostrar  ao  povo  e  ao  Governo  português  como 
num  tão  pequeno  Estado  —  os  particulares,  os 
municípios,  e,  especialmente,  o  Governo  —  enca- 
ram, tratam,  cuidam  a  sério  e  com  carinho,  estes 
assuntos  de  alta  cultura  histórica (i). 


em  vésperas  de  o  serem  como  as  destinadas  aos  arquivos  alemães, 
espanhóis,  etc. 

Como  se  sabe,  o  falecido  professor  da  Universidade  de  Fri- 
burgo,  Henri  Reinhardt,  fez  investigações  em  Simancas,  tendo 
publicado  um  pequeno  estudo  sobre  o  resultado  dos  seus  traba- 
lhos nesse  arquivo. 

(i)  Não  podendo  ser  mais  extenso  diremos  que,  acerca  dos 
estudos  históricos  na  Suíça,  podem  ser  consultados  os  seguintes 
trabalhos :  La  Siiisse  aii  XIXsiècle — obra  publicada  por  um  grupo 
de  escritores  suíços  sob  a  direcção  de  Skippel;  G.  de  Wyss,  His- 
toire  des  recherches  historiques  et  de  V historio graphie  en  Suisse', 
P.  Clerge,  Suisse^  in  Revtie  de  Sinthése  Historiqtie,  tomo  in^ 
pág.  226  a  238;  Anioine  Guii.i.and,  Les  Étiides  Historiques  en 
Suisse^  Ibidem,  tômo  xvi,  pág  82  a  98  e  293  a  3i2;  Archiv  fUr 
schwei^erische  Geschichte^  etc. 


256 


c)  Holanda 

A  Holanda  é  um  dos  países  que  mais  teem 
trabalhado  nas  publicações  de  carácter  histórico 
e  filológico,  e  não  só  ultimamente  como  já  nos 
séculos  xvii  e  xviii. 

Desde  o  erudito  Johannes  Meursius  —  falecido 
em  iõSq,  —  através  do  século  xvii  e  seguintes  as 
obras  de  filologia  e  história  sucedem-se  inúme- 
ras, se  bem  que  —  como  escreve  Langlois  —  os 
sábios  holandeses  sejam  muito  mais  infatigáveis 
colectores  de  fontes  e  eruditos  editores  de  Vario- 
rum,  que  perspicaces  e  subtis  críticos (i). 

Assim,  vêem-se  suceder  as  edições  Variorum 
e  os  Tesouros  de  Antiguidades,  sendo  a  colecção 
destas  publicações  inaugurada  por  Graevius  com 
o  seu  Thesaurus  antiquitatum  romanorum  —  cujos 
doze  volumes  apareceram  em  Utrecht  entre  1 694 
e  1699. 

No  século  seguinte  os  trabalhos  filológicos  dos 
helenistas  e  latinistas  não  diminuem,  antes  re- 
nascem com  o  aparecimento  das  obras  de  T. 
Hbmster-Luis,  L.  K.  Valckenaer,  e  D.  Ruhnken, 
indo  até  aos  estudos  de  Wyttenbac  — que  entrou 
já  —  com  a  sua  Biblioteca  crítica  e  o  seu  Index 


(i)  Pertencem  a  essa  categoria  os  colectores-editores  Meur* 
sius,  Graevius,  J.  Gronavius  filho,  os  Burmann  e  a  sua  escola. 

Ao  lado  desses  figuram,  porem,  homens  de  grande  valor  não 
sô  como  eruditos,  mas  ainda  pelas  suas  aptidões  críticas,  tais  são 
Nicolau,  Heinsius,  GRONOVius-pai,  Isac  Vossius,  etc.  Vêr:  Ch.V. 
Langlois,  ob.  cit.,  pág.  277,  etc. 


2^7 


graecitatis  —  pelo  século  xix(i).  Mas,  não  é  só 
na  filologia  eiássica  que  os  eruditos  holandeses  se 
teem  salientado,  também  na  arqueologia,  na  epi- 
grafia e  na  numismática  bastante  teem  deixado 
de  si;  e  outro  tanto  —  se  não  mais  —  tem  sucedido 
quanto  à  sua  actividade  historiográfica. 

Durante  todo  o  século  xviir  foram  numerosís- 
simas as  obras  aparecidas  em  diversas  cidades 
holandesas,  especialmente  em  Amsterdam. 

Não  foram  só  as  obras  de  filosofia  geral,  mo- 
ral, religiosa  e  politica ;  de  polémica  e  de  critica, 
como  as  de  Voltaire  —  os  Príncipes  de  la  Philo- 
sophie  mor  ale,  ou  Essai. . .  siir  le  mérite  et  la  vertu 
de...,  e  tantas  outras  que,  proibidas  ou  forte- 
mente censuradas  em  França,  utilizavam  a  to- 
lerância e  o  asilo  da  Holanda  para  aparecerem. 

Também,  foi  enorme  a  quantidade  de  obras 
históricas  aparecidas  em  Amsterdam.  A  famosa 
Biblioteca  Germânica,  iniciada  em  1720,  e  que 
atingiu  cinquenta  volumes  foi  continuada  sob  o 
nome  de  Journal  litéraire  d'Allemagne^  de  Suisse 
et  du  Nord,  par  les  Aiiteurs  de  la  Bibliothèque  Ger- 
manique,  e,  mais  tarde,  com  o  titulo  de  Nouvelle 
Bibliothèque^  ou  Histoire  Littéraire  de  VAllemagne^ 
de  la  Suisse  et  des  pays  du  Nord,  pelos  mesmos 
autores;  os  dois  volumes  das  Mémoires  sécréts 
tires  des  Archives  des  soui^erains  de  VEurope,  de- 
puis  le  regne  de  Henri  IV,  aparecidos  em  1767; 
os  quatro  volumes  do  abade  Ladvocate,  iVbw- 


(i)  Ver  Langlois,  ob.  cit.,  pág.  277  e  278. 
17 


238 


peaii  Dictionnaire  historiqiie . . .  oii  histoire  abrégée 
de  tous  les  hommes  qui  se  sont  fait  un  nom  par  des 
talents,  des  vertus,  des  forfaits,  des  erreiírs,  etc, 
etc,  depuis  le  commencement  des  monde  jusqu-à 
nos  jours;  a  meia  dúzia  de  volumes  das  Mélanges 
de  Littérature,  d'Histoire  et  de  Philosophie,  de 
d'Alembert,  ele,  etc. 

Publicada  em  Amsterdam  igualmente  aparecia, 
na  primeira  metade  do  século  xviii,  uma  impor- 
tante colecção  de  biografias  de  franceses  ilustres 
com  o  titulo  Les  viés  des  Hommes  Illustres  de  la 
France,  depuis  le  commencement  de  la  Monarchie, 
jusqii'à  présent. 

Em  1746  era  publicado  o  tomo  terceiro  tra- 
tando dos  marechais  franceses  mais  distintos 
como  Luís  DE  Bourbon,  príncipe  de  Conde  —  desde 
Frederico  í  a  Carlos  IX;  Andr?:  de  Montalambert 
— de  Carlos  VIÍ  a  Henrique  II;  Paul  de  la  Bar- 
THE  —  de  Francisco  I  a  Carlos  IX;  Pierre  d'Aus- 
suN  —  de  Pedro  Strozzl  De  1724  a  1740  apa- 
reciam na  Haya  e  em  Amsterdam,  as  Mémoires 
pour  servir  à  V histoire  du  XVIII siècle,  em  catorze 
volumes,  de  Lamberdy. 

Haya  viu  aparecer,  entre  tantissimas  obras,  o 
Recueil  historique  d^actes,  negotiations^  mémoires 
et  traitei,  depuis  la  paix  d'Utrecht  jusqu^au  Se- 
cond  Congrès  de  Cambray,  em  vinte  e  cinco  vo- 
lumes, de  1728a  1755;  a  História  da  Inglaterra^ 
de  Rapin  Thoyras,  em  catorze  volumes ;  a  obra 
de  numismática  aparecida  em  1742  —  a  Nummo^ 
phylacium  reginae  Christinae-—  «contendo — como 


259 


diz  o  título  —  as  Medalhas  de  Bronze  latinas, 
gregas  ou  cunhadas  nas  colónias  em  honra  dos 
imperadores  romanos,  gravadas  em  63  estampas 
com  muita  arte  e  exactidãO;,  por  Pedro  San  Bár- 
tolO;  e  publicadas  pela  primeira  vez  com  o  co- 
mentário de  Sigebert  Havercamp»  (i). 


No  século  XIX  a  actividade  dos  eruditos  e  dos 
historiadores  holandeses  não  afrouxa.  A  sua 
produtividade  ainda  melhora  devido  à  protecção 
cada  vez  maior  concedida  pelo  Estado  aos  traba- 
lhos de  erudição,  sendo  de  notar  que  os  esforços 
dos  investigadores  teem  sido  precedidos  e  acom- 
panhados pelos  trabalhos  de  organização  e  cata- 
logação dos  arquivos  públicos. 

Quanto  aos  estudos  históricos,  a  cargo  de  cor- 
porações scientificas,  são  de  notar,  pela  importân- 
cia das  suas  Memórias  de  história  e  de  filologia, 
a  Academia  Real  das  Sciências  de  Amsterdam  — 
a  partir  de  i855,  e  a  Sociedade  de  Estudos  Histó- 
ricos de  Utrecht  —  que,  fundada  em  i845;  tem 
sido  o  verdadeiro  foco  de  estudos  históricos  na 
Holanda,  tendo  publicado  uma  importante  cole- 
cção de  fontes  —  crónicas  e  outros  documentos, 
especialmente  do  período  medieval. 

Além  destas  e  de  outras  corporações  similares 
com  a  sede  em  Amsterdam,  Leide  e  Utrecht,  da 


(i)  Ver  Journal  des  Savants,  Paris,  1746,  pág.  389. 


200 


reunião  dos  congressos  de  historiadores  e  arqui- 
vistas, da  existência  de  algumas  publicações  pe- 
riódicas e  outras  de  origem  corporativa  ou  par- 
ticular, de  há  anos  a  esta  parte  tem  funcionado 
uma  comissão  eminentemente  oficial  destinada  à 
publicação  de  documentos  inéditos  da  história 
neerlandesa,  tendo  sido  impressos  vários  volu- 
ríies,  mesmo  sobre  a  história  do  século  xix;  e, 
ainda,  a  secção  histórica  do  Estado-Maior  do 
exército  tem  publicado  várias  monografias  e  ou- 
tras obras  históricas. 

Mas,  como  escreve,  e  transcreve,  Ch.-Langlois, 
além  dos  relatórios  publicados  anualmente  pela 
inspecção  dos  Arquivos  públicos  e  acerca  dos 
trabalhos  nestes  efectuados,  o  governo  holandês 
«mostra  ainda  o  seu  interesse  pelo  estudo  da  his- 
tória nacional  fazendo  estudar  os  arquivos  estran- 
geiros no  ponto  de  vista  dessa  história». 

Efectivamente,  algumas  missões  de  estudo  teem 
sido  enviadas  aos  arquivos  de  Alemanha,  Áus- 
tria, França,  Rússia,  Inglaterra,  Itália,  Espanha, 
Bélgica,  etc. 

Os  eruditos  comissionados  costumam  redigir 
breves  Relatórios  do  resultado  das  suas  investi- 
gações, contendo  listas  e  inventários  sumários 
dos  documentos  relativos  à  Holanda  (i). 

Há,  porém,  excepções  como  sucede  com  os  re- 
latórios feitos  por  G.  Busken  acerca  das  colecções 
documentais  dos   Arquivos   do   Ministério  dos 


(i)  Ch,  Langlois,  ob.  cit,,  pág.  468  a  470. 


26  I 


Negócios  Estrangeiros  francês  e  da  Biblioteca 
Nacional  de  Paris  —  que  são  muito  analíticos. 

Mas,  muito  mais  tem  feito  o  governo  neerlan- 
dês em  favor  dos  estudos  históricos.  Aí  está, 
para  o  comprovar,  a  Comissão  real  de  história 
fundada  em  1902  pelo  governo  dos  Países-Baixos, 
e  que  largamente  auxiliada  moral  e  material- 
mente tem  produzido  já  uma  obra  notável. 

Assim,  tem  essa  comissão  feito  estudar  com  o 
maior  detalhe  os  arquivos  da  Itália  e  dos  Estados 
escandinavos  no  ponto  de  vista  da  história  da 
Holanda,  havendo  publicado  os  relatórios  cir- 
cunstanciados das  missões  scientííicas  que  execu- 
taram esses  estudos. 

Também  ela  publicou  uma  importante  colecção 
de  documentos  relativos  à  história  dos  Países 
Baixos  no  fim  do  século  xviii  e  princípios  do  sé- 
culo xix,  editada  por  H.  T.  Golenbrander;  e  uma 
colecção  das  Actas  dos  sínodos  holandeses  do 
século  XVII,  editada  por  T.  C.  Knutel. 

Porêjn,  entre  as  mais  interessantes  das  pu- 
blicações de  inéditos  efectuadas  por  diligências 
da  Comissão  figuram  umas  Relaiione  Veneiiane, 
de  1600  a  1795,  publicadas  em  1909,  na  Haya, 
por  P.  J.  Blok,  com  xxix-418  páginas. 

Trata-se  da  publicação  dos  relatórios  trocados 
entre  os  embaixadores  venezianos  e  as  Províncias 
Unidas,  do  começo  do  século  xvii  ao  fim  do  sé- 
culo XVIII. 

O  erudito  sr.  Blok  em  três  viagens  à  Itália  es- 
tudou cuidadosamente  os  arquivos  venezianos, 


202 


publicando,  além  dos  documentos  que  interessa- 
vam à  história  da  Holanda,  diversas  descrições 
das  viagens  de  muitos  embaixadores,  uma  vista 
rápida  da  correspondência  diplomática  dos  dife- 
rentes residentes  e  enviados,  fornecendo  alguns 
conhecimentos  sobre  a  composição  de  cada  em- 
baixada, o  seu  fim  e  os  seus  resultados. 

E  extraordinário  o  manancial  de  informações 
que  nesses  relatórios  se  encontram. 

A  vida  politica,  administrativa,  económica  das 
Províncias  Unidas;  as  suas  forças  terrestres  e  ma- 
rítimas; o  seu  comércio,  a  sua  marinha  mercante, 
os  costumes  dos  habitantes,  bem  como  a  perso- 
nalidade e  a  vida  dos  príncipes  de  Orange  e  de 
outros  ilustres  personagens,  tudo  ai  aparece  des- 
crito e  comentado. 

Eis,  muito  abreviadamente  exposta,  uma  sim- 
ples amostra  do  muito  que  na  Holanda  se  tem 
feito  em  matéria  de  historiografia  (i). 

d)  Bélgica 

Se  bem  que  o  reino  da  Bélgica,  tal  como  hoje 
o  vemos,  é  um  Estado  muito  recente,  datando  de 


(i)  Mas  não  é  só  no  que  respeita  às  publicações  documentais 
que  a  Holanda  se  tem  esforçado  por  acompanhar  o  movimento 
cada  vez  mais  acentuado  da  elaboração  das  colecções  de  inéditos. 
Também  ela  não  tem  desdenhado  as  questões  da  teoria  da  história. 

Entre  os  especialistas  que  ali  teem  tratado  esses  assuntos  des- 
tacam-se  o  dr.  J.  Huizinga  que,  no  seu  curso  da  Universidade  de 
Groningue,  se  tem  ocupado  do  Elemento  estético  das  representa- 
ções históricas,  e  o  dr.  Th.  Bussemaker  que  na  sua  cadeira  da 
Universidade  de  Leyde  tratou  da  Apreciação  dos  factos  na  inves- 
tigação e  na  exposição  da  história. 


263 


i830;  não  há  dúvida  que  tem  procurado  resar- 
cir-se  do  tempo  perdido  por  meio  de  uma  pode- 
rosa actividade  tanto  no  campo  scientífico  como 
no  industrial^  social,  etc. 

No  domínio  das  sciências  de  erudição  tem  sido 
notável  a  obra  realizada  (i). 

Compreendendo  o  governo  belga  que  não  é 
possível  ter  florescente  a  historiografia  de  um 
país  quando  os  seus  arquivos  e  bibliotecas  não 
teem  inventariadas  ou  catalogadas  as  suas  cole- 
cções, um  dos  pontos  que  mais  atenção  lhe  teem 
merecido  é  precisamente  este. 


(i)  Se  bem  que  no  século  xvi  e  xvii  vários  nomes  ilustres  nos 
apareçam  na  filologia  e  na  história  como  se  pode  ver  consultando 
a  obra  de  F.  Neve,  La  Renaissance  des  lettres  et  Vessor  de  l'éru- 
dition  ancienne  en  Belgique^  Louvain,  1890,  não  há  dúvida  que  é 
no  século  xvm  que  a  Bélgica  começa  vendo  aparecer  obras  histó- 
ricas importantes. 

Se  é  certo  que  algumas  delas,  como  a  Chronologie  Histori- 
que  et  Universelle  que  contient  toas  les  événemens  rnéinorables  qui 
sont  arrivés  depuis  le  coinmenceinent  du  monde  jusqu'à  present, 
devida  a  Guyot,  ainda  se  ocupam  do  deus  homem,  da  criação  do 
ser  humano,  do  paraíso,  da  verdade  dos  livros  de  Moisés,  da  lín- 
gua falada  pelo  primeiro  homem,  da  dispersão  dos  filhos  de  Noé, 
etc,  etc,  também  conteem  em  si  importantes  repositórios  de  in- 
formações históricas  e  cronológicas  da  primeira  metade  do  sé- 
culo xvm. 

Esta  obra  tem  a  curiosa  particularidade  de  haver  aparecido 
cm  várias  cidades,  sendo  o  primeiro  volume  publicado  em  Bru- 
xelas, em  lySS;  do  2.°  ao  5.°  em  Maestrick,  em  1740;  o  6."  em 
Bruxelas,  e  do  7.°  ao  20.°  em  Liège.  Ver  Journal  des  Savants^ 
Paris,  174D,  pág.  2o3  a  210. 

Acerca  da  historiografiabelga  consultar,  alêm  das  Introduções 
das  crónicas,  cartillários,  etc.  —  citadas,  aqui,  no  texto  —  vêr  H.  ,Pi- 
RENNE,  Bibliographie  de  l'histoire  de  Beigique,  etc  ;  I.ahaye,  Fran- 
COTTE,  e  De  Potter,  Bibliographie  de  ihistoire  de  la  Beigique,  etc. 


264 


Assim,  desde  1899  teai  vindo  a  pubiicar-se  os 
Inventaires  des  Arçhives  de  la  Bélgique  publiés 
par  ordre  du  gouvernement^  e  em  1901  aparecia 
o  tomo  I  do  Catalogue  des  manuscrits  de  la  Bi- 
bliothèque  royale  de  Bélgique. 

Quanto  à  publicação  de  documentos  inéditos 
deve  dizer-se  que  em  1834  foi  criada  a  Comission 
royale  d^histoire  de  Bélgique,  constituída  por  mem- 
bros escolhidos  da  Academia  das  Sciências  e 
Belas  Letras  da  Bélgica,  a  fim  de  investigar  e  pu- 
blicar crónicas  e  outros  documentos  belgas  iné- 
ditos. 

Tal  Comissão  tem  publicado  a  importante  Col- 
lection  de  chroniques  belges  inédites. 

Neste  corpo  de  publicações  figura,  logo  em 
i836,  a  Chronique  en  vers  de  Jean  Van  Heelu,  ou 
relation  de  la  bataille  de  Woeringen,  publicada 
pelo  Académico  J.  F.  Willems,  que  começa  por 
um  Prefácio  e  uma  excelente  Introdução  com  ses- 
senta e  cinco  páginas,  onde  o  editor,  depois  de 
explicar  em  que  condições  fez  a  sua  obra,  traça 
uma  biografia  de  Jean  Van  Heelu;  estuda  detida- 
mente o  poema,  ou  crónica  rimada  flamenga, 
escrito  em  1291  ou  1292  —  quando  Margarida 
de  Inglaterra,  já  noiva  de  João  I,  era  esperada 
no  Brabante,  e  para  ilustração  da  princesa  sobre 
as  façanhas  heróicas  de  seu  sogro;  analisa  os  ma- 
nuscritos da  Crónica,  as  traduções  ou  imitações 
desta;  passa  em  revista  algumas  crónicas  medie- 
vais que  descrevem  a  batalha  de  Woeringen; 
trata  das  causas  e  consequências  desta,  da  forma 


265 


de  fazer  a  guerra  no  tempo  de  João  I,  da  adminis- 
tração, do  comércio  e  dos  costumes  nessa  época, 
e  da  personalidade  do  herói  do  poema  —  João  I, 
sempre  com  suma  erudição  e  numerosas  notas  e 
citações. 

Também,  nesta  colecção  figura  a  Chronique 
rimée  de  Philippe  Mouskes,  publicada  pelo  barão 
de  Reiífenherg,  tendo  o  primeiro  volume  apare- 
cido em  i836. 

A  abrir  esse  tomo  diz  o  seu  erudito  editor : 

«Poucos  países  possuem  mais  documentos  his- 
tóricos impressos  que  a  Bélgica,  e  uma  simples 
bibliografia  com  a  indicação  deles  seria  já  uma 
extensa  obra».  Mas,  logo  acrescenta :  «Porém, 
apesar  do  seu  número  e  da  sua  extensão  não  bas- 
tam para  escrever  a  história,  quer  geral^  quer 
particular  de  uma  forma  completa  e  profunda». 

Depois,  diz  que  para  tal  estudo  «é  sobretudo 
necessário  assentar  nas  fontes  primitivas,  con- 
sultar os  autores  originais,  sem  desprezar  estes 
documentos  que  apresentam  o  carácter  imediato 
dos  factos  e  com  eles  se  identificam,  ficando  es- 
tranhos aos  artifícios  literários . . .  ». 

É  assim  que  o  autor  justifica  a  publicação  de 
escritos  não  elaborados  para  serem  impressos 
como  descritivos  históricos,  tais  são  a  crónica 
de  GiLBERT,  preboste  de  Mons,  do  princípio  do 
século  XIII ;  a  história  de  Jacques  de  Guyse;  a 
crónica  de  Edmundo  de  Dister  ;  a  colecção  diplo- 
mática de  PiERRE  Van  der  Heyden,  da  primeira 
metade  do  século  xv,  etc. 


266 


Depois  de  falar  dos  principais  autores  de  obras 
sobre  história  belga,  ocupa-se  das  emprezas  reli- 
giosas, laicas,  civis,  corporativas  e  pessoais  tendo 
em  vista  a  publicação  de  documentos  inéditos 
através  dos  séculos  xviii  e  xix  até  ao  restabeleci- 
mento da  Academia  da  Bélgica.  Logo,  segue 
tratando  das  diligências  que  essa  instituição  rea- 
lizou para  a  coleccionação  e  publicação  de  iné- 
ditos, especialmente  de  crónicas  belgas  inédi- 
ditas(i). 

Depois,  ocupa-se  da  língua  francesa  desde  os 
seus  tempos  mais  remotos  até  o  fim  do  século  xviii, 
estuda  a  crónica  métrica  de  Filipe  Mouskes,  pas- 
sando, de  seguida  a  publicar  esta  (2). 

Nessa  colecção  começou  aparecendo,  em  iSSy, 
um  Recueil  des  chroniques  de  Flandre,  publicado 
sôb  a  direcção  de  J.  J.  de  Smet,  em  4  volumes  (3). 

Em  1844  o  Commission  dava  a  lume  os  Docu- 
ments  relatifs  aux  troubles  du  pays  de  Liege,  sons 
les  princes-évêques  Loiíis  de  Bourbon  et  Jean  de 
Home  (1455  a  iSoS),  publicados  por  P.  F.  X.  de 
Ram. 


(i)  o  barão  de  ReiíFenherg  cita  aqui  a  publicação,  em  1822, 
feita  por  Tarte,  da  Histoire  des  iroubles  des  Pays-Bas  de  Vander 
Vynckt,  a  da  Union  De  Bruxelles,  feita  em  1825,  por  Déponge^ 
etc,  até  à  publicação  da  crónica  de  Froissart  em  o  Panthéon  lit- 
teraire,  por  Buchon,  e  á  Table  des  charles  et  diplomes  —  empreza 
muito  importante. 

(2)  A  Introdução  ocupa  379  pág. 

(3)  O  quarto,  e  o  último,  volume,  com  o  título  Corpus  Chro- 
nicarum  Flandriae  apareceu  em  i865,  e  abre  por  um  Recueil  des 
antiquités  de  Flandres,  por  Ph.  Wielant,  terminando  por  uma  cró- 
nica wmada,  em  flamengo,  já  impressa  em  Tubingue. 


2()'-] 


Em  1861  apareciam  os  dois  volumes  de  Les 
quato)\e  livres  siir  VHistoire  de  la  ville  de  Lou- 
vain,  do  doutor  e  professor  de  teologia  Jean  Mo- 
LANUS;  do  meiado  do  século  xvi(i). 

Em  1864  começava  a  aparecer  uma  colecção 
de  crónicas  de  Liège,  consistindo  nos  seis  volu- 
mes de  Ly  Myreur  des  Histors,  chroniqiie  de  Jean 
des  Preis  dit  d'Outremeuse,  publicada  pelo  Acadé- 
mico Ad.  Borgnet  (2). 

Em  1854  aparecia  o  tomo  i  (2/  parte)  da  Chro- 
nique  des  diics  de  Brabant,  por  Edmond  de  Dyn- 
TER,  publicada  por  P.  F.  X.  de  Ram,  com  a  tradu- 
ção francesa  dos  seis  livros  por  Jehan  Wangue- 
LIN  (3). 


(i)  Essa  obra  foi  publicada  por  P.  F.  X.  de  Ram,  abrindo  por 
uma  extensa  Introdução  onde  se  estuda  a  vida  de  Molanus,  os 
seus  escritos,  e,  mormente,  a  sua  Historia  inédita  de  Louvain. 

(2)  O  primeiro  volume  abre  logo  com  aj:rónica,  e  termina 
com  a  publicação,  em  apêndice,  de  La  Geste  de  Liège,  seguindo- 
se-lhe  um  glossário  da  Geste,  e  um  índice  das  matérias.  O  tomo 
segundo  apareceu  em  1869;  o  terceiro  em  1878;  o  quarto — pu- 
blicado por  Stanislas  Bormans  —  apareceu  em  1877;  o  quinto 
apareceu  —  posto  que  pareça  estranho  —  em  1867,  tal  a  data 
da  folha  do  rosto  ;  e  o  tomo  sexto,  publicado,  também  por  St.« 
Bormans,  surgiu  em  1880. 

Alem  do  Myreur  des  histors,  também  a  Comissão  de  história 
da  Bélgica  fez  sair,  em  1887,  o  volume :  a  Chronique  et  Geste  de 
Jean  des  Preis  dit  d'Oiitremense,  editada  por  Stanislas  Bormans, 
constante  de  uma  magnífica  Introdução  sobre  a  personalidade  de 
Jeand'Outremeuse,  e  com  uma  larga  e  documentada  análise  do 
poema  —  a  famosa  Geste  de  Liège. 

A  seguir  à  Introdução  que  preenche  206  páginas,  vem  uma 
lista  de  Docwnents  cujo  texto  figura  na  Crónica  de  Jean  d'Outre- 
MEUSE.  seguindo-se  o  índice  analítico  das  matériiís. 

(3)  O  tomo  segundo  apareceu  em  1864,  e  o  terceiro  em  1857. 


2  68 


Em  1 870  aparecia  o  primeiro  volume  das  Chro- 
niques  relatives  à  l'Histoire  de  la  Bélgique  sons  la 
domination  des  ducs  de  Bourgogne,  publicadas 
pelo  barão  Kervyn  de  Lettenhove(i). 

Já  nove  anos  antes  havia  aparecido  a  Chroni- 
que  de  Jean  de  Stavelot,  publicada  por  Ad.  Bor- 
GNET,  e  que  começa  por  uma  Introdução  onde  o 
editor  traça  uma  rápida  biografia  do  cronista, 
que  nasceu  em  Stavelot  a  5  de  Junho  de  i388, 
e  estuda  a  Chronique,  que,  ao  que  parece,  dei- 
xou de  ser  escrita  por  JoÃo  em  1447,  passando 
a  ser  redigida  —  segundo  a  opinião  de  Gachet 
—  por  Adrianus  de  Veteri  Busco,  seu  confrade 
na  abadia  de  S.  Lourenço  (2). 

Já  bastantes  anos  antes,  em  1844,  sob  a  direc- 
ção do  Académico  P.  F.  X.  de  Ram,  eram  publi- 
cados os  Documents  relatifs  aux  troubles  du  pays 
de  Liege  sous  les  princes-évêques  Louis  de  Bourbon 
et  Jean  de  Home  (1455  a  i5o5),  que  constam  de 
uma  crónica  dos  anos  de  1455  a  i  5 14  de  João 


(i)  o  primeiro  volume  contêm  as  crónicas  dos  religiosos  das 
Dunas  :  Jean  Brandon,  Gilles  de  Roye,  e  Adrien  But;  o  segando 
tomo,  publicado  em  1873,  contêm  os  textos  franceses  do  Livre 
des  Trahisons  de  France^  La  Geste  des  Ducs  de  Bourgogne,  e  Le 
Pastoralet. 

O  primeiro  tomo  é  precedido  de  uma  curta,  mas  excelente,  in- 
trodução, com  a  bibliografia  dos  três  cronistas. 

(2)  A  Crónica  de  Stavelot,  apesar  de  haver  aparecido  em 
1861  —  três  anos  antes  da  de  Outremeuse  —  é  a  continuação  da 
deste. 

A  edição  termina  por  um  glossário,  seguido  de  três  índices : 
um  de  matérias,  outro  de  documentos,  e  outro  analítico  e  alfa- 
bético de  matérias. 


26g 


de  Loos,  abade  de  S.  Lourenço ;  da  Compendiosa 
História  de  Cladibus  Leodiensium,  por  Henrique 
DE  Merica  ou  Van  der  Heyden  ;  da  Historia  de 
Claudibiis  Leodiensium  de  Theodoricus  Pauli  ;  e 
das  Analecta  Leodiensia,  sive  Collectio  documento- 
rum  quorumdam,  sendo  esse  volume  precedido  e 
acompanhado  de  excelentes  introduções,  comen- 
tários e  notas. 

Em  1879  o  eminente  Charles  Piot  publica  o 
volume  das  Chroniques  de  Brabant  et  de  Flandre, 
em  flamengo,  compreendendo  cinco  crónicas  de 
várias  datas  —  do  princípio  do  século  xi  aos  fins 
do  século  XVI. 

Na  categoria  das  crónicas  podemos  incluir  o 
Codex  Dunensis  sive  Diplomatum  et  Chartarum 
Medii  Aepip  editado  pelo  erudito  Kervyn  de  Let- 
TENHOVE,  e  aparecido  em  187  5  (i). 

Na  série  das  Croniques  belges  inédites  podemos 
meter  a  Histoire  des  troubles  des  Pays-Bas,  obra 
de  Renon  ou  Renom  de  Frange,  publicada  em  três 
volumes,  precedidos  cada  um  do  seu  excelente 
prefácio  por  Charles  Piot,  e  aparecidos :  o  pri- 


(i)  Na  curta,  mas  excelente,  Introdução  de  vinte  e  nove  pá- 
ginas o  editor  descreve  a  evolução  do  mosteiro  cisterciense  das 
Dunas,  desde  a  sua  fundação,  em  1107,  os  seus  trabalhos  literá- 
rios, os  seus  códices  de  cópias,  etc,  pertencendo  a  esta  categoria 
o  velho  Codex  —  que  é  como  se  diz  na  Capa :  Liber  continens 
copias  processam  et  varias  litteras  missivas  concernentes  fere  om- 
nes  abbates  et  Thosan  et  de  Dunis^  escrito  em  1254  por  Lourenço 
DE  SuMECORT.  O  referido  Codex  Dunensis  contem  principalmente 
documentos  do  século  xiii,  sendo  os  mais  recentes  anteriores  a 
1253,  num  total  de  939  peças. 


2^0 


meiro  tomo  em  1886,  o  segundo  em  i88g  e  o  ter- 
ceiro em  1891,  sendo  esta  obra  escrita  por  Re- 
NON  DE  Frange  entre  1606  e  161 3. 

No  Prefácio  do  primeiro  volume  Ch.  Piot  es- 
tuda os  oito  manuscritos  diversos  da  obra,  a 
sua  natureza,  proveniência,  estado  actual,  etc. ; 
traça  a  biografia  de  Renon  que  desempenhou  al- 
tas funções  administrativas  no  tempo  da  domina- 
ção espanhola  nos  Paises-Baixos,  vindo  a  falecer 
a  29  de  Agosto  de  1628;  e  ocupa-se^  com  desenvol- 
vimento da  obra  deste  —  cujo  título  exacto  era: 
Histoire  des  causes  de  la  désunion,  revoltes  et  altera- 
tions  des  Pays-Bas,  e  ao  mesmo  tempo  do  período 
de  que  trata  esta  parte  da  Histoire — ^que  é  o  da 
dominação  espanhola  de  Felipe  II,  até  iSyS  (i). 

O  segundo  tomo,  que  compreende  os  livros 
terceiro  e  quarto  da  obra  de  Renon,  trata  dos 
acontecimentos  de  iSyô  a  i58o,  ocupando-se  o 
respectivo  Prefácio  de  resumir  e  comentar  o  cri- 
tério e  o  descritivo  do  cronista ;  e  o  terceiro,  com 
muitos  documentos  publicados  em  Apêndice^  vai 
até  i5go,  sendo  os  três  tomos  acompanhados  de 
magníficas  notas. 

Também,  aqui  podemos  considerar  os  Monu- 
ments  poiír  servir  à  r Histoire  des  Provinces  de  Na- 
tnur,  de  Hainaut  e  do  Liixemburg,  de  que  se 
publicaram  —  que  nós  saibamos  —  oito  volumes,  J 


fi)  A  Comission  de  Histoire  de  Belgiqiie  já,  em  1846,  havia  j 
publicado  a  Relalion  des  troubles  de  Gand  sons  Charles- Quint,  i 
suivie  de  33o  docmnents  inédits  sur  cet  événement,  editada  por 
Gachard. 


271 


sendo  editados  pelo  barão  de  Reiífenberg  e  pre- 
faciados por  vários  especialistas  (i). 

Por  último  falaremos  das  Chroniques  Liègeoi- 
ses,  editadas  pelo  cónego  Sylv.  Balau,  das  quais 
saiu  o  primeiro  volume  em  191 3,  contendo  textos 
latinos  anteriores  a  Henry  de  Gueldre,  fragmentos 
da  crónica  de  Jean  de  Warnant,  a  crónica  latina 
Jean  de  Stavelot,  a  crónica  do  reinado  de  João  da 
Baviera,  e  extractos  de  outras  sobre  os  fins  desse 
período,  a  Historia  compendiosa  de  Cladibus  Leo- 
diensiiim,  por  Henric  de  Merica  (2),  com  vários 
aditamentos,  e  a  desenvolvida  crónica  do  reinado 
de  Jean  de  Horne  (3). 


Além  da  Colecção  das  crónicas  belgas  inéditas 
tem  a  Comissão  Real  de  História  publicado  de- 


(1)  Publica  nos  oito  tomos:  diplomas  acerca  de  Namur  e  do 
Hainaut,  o  cartulário  de  Casobron,  os  cartulários  do  Hainaut  — 
por  Leon  Davillers  ;  os  tomos  quarto,  quinto  e  sexto  publicam  : 
Le  Chevalier  du  Cygne  et  Godefroid  de  Bouillon  —  por  Ad.  Bor- 
gent;  e  os  tomos  séptimo  e  oitavo  constam  do  poema  Gilles  de 
Chin  e  de  várias  crónicas  monásticas  de  Namur  e  Hainaut. 

(2)  Esta  Crónica  já  foi  editada  por  Ram,  de  que  já  falamos 
nos  Dociimenís  rélatifs  aux  troubles  de  Liège,  sendo  publicada 
por  Mr.  Balau,  tom  indo  em  atenção  as  variantes  fornecidas  por 
outros  manuscritos,  alem  dos  utilizados  por  De  Ram,  e  os  adita- 
mentos que  aqueles  fazem  ao  texto. 

(3)  Obra  devida  a  um  coevo  dos  acontecimentos  que  descreve, 
e  não  assina,  mas  que  parece  ser  um  clérigo  secular.  O  editor 
não  encontrou  o  texto  original,  reconstituindo-o  segundo  quatro 
manuscritos  dele  derivados,  depois  de  feita  a  competente  filiação. 
Ver  ob,  cit..,  pág.  339  a  344, 


á^á 


zenas  de  volumes  agrupados  por  colecções  ou  sé- 
ries de:  Cartulários;  cartas  e  papéis  de  Estado; 
índice  cronológico  das  cartas  e  diplomas  impres- 
sos acerca  da  história,  da  Bélgica;  inventários 
metódicos  de  cartulários  dos  arquivos  do  Estado 
e  outros,  e  dos  depósitos  estrangeiros ;  inventá- 
rios dos  obituários  belgas,  etc. 

Na  série  dos  Cartulários  teem  sido  publicados 
os  de  Saint-Trond,  Orval,  Saint-Lambert  de  Liè- 
ge  (i),  as   Charles  du    Chapitre  de  Samt-WaU' 


(i)  o  Cartulaire  de  1'Êglise  Saint  Lambert  de  Liège,  publi- 
cado primeiro  por  S.  Bormans  e  E.  Schoolmesters,  e  depois  por 
Ed.  Poncelet,  consta  de  cinco  tomos.  O  primeiro  apareceu  em 
1893,  e  é  precedido  de  uma  boa  Introdução^  com  cinquenta  e  duas 
páginas,  onde  é  historiada  a  vida  da  abadia  desde  o  século  ix^  nas 
suas  relações  com  o  exterior.  O  primeiro  documento  é  um  di- 
ploma de  doação  de  26  -de  Abril  de  826,  sendo  o  último  um  docu- 
mento de  23  de  Dezembro  de  i25o  pelo  qual  o  abade  e  o  convento 
de  Otterburg  concedem  ao  capítulo  de  Saint  Lambert  direitos  de 
confraternidade,  em  troca  da  cessão  dos  rendimentos  de  Bo- 
ckenheim  e  de  outras  localidades.  O  segundo  tomo  aparecido 
em  1895  contêm  documentos  desde  i5  de  Março  de  \25i  ao  fim 
de  i3oo;  e  o  terceiro,  publicado  em  1898,  compreende  outros  de 
20  de  Maio  de  i3oi  a  23  de  Outubro  de  1342. 

Os  três  tomos,  que  publicam,  in-extenso,  1.279  documentos, 
contêm,  cada  um,  um  índice  das  peças  por  ordem  cronológica, 
e  um  índice  alfabético  dos  nomes  de  lugares  e  pessoas.  O  tomo 
quarto,  vai  de  4  de  Janeiro  de  i343  a  6  de  Abril  de  1389  e  atinge 
in-integvo  o  documento  mdcccxiii.  O  tomo  quinto,  aparecido  em 
191 3  e  editado  por  Edouard  Poncelet,  conservador  dos  Arqui- 
vos do  Estado  em  Mons,  não  segue  o  mesmo  critério  dos  seus 
antecessores,  pois  restando-ihe  um  maço  de  3.5oo  documentos 
para  incluir  neste  quinto  e  último  tomo  viu-se  forçado  a  substi- 
tuir a  publicação  dos  documentos  na  íntegra  pela  dos  extractos 
sumários,  e  reservando  para  os  anexos  a  publicação  in-extenso 
dos  que  tivessem  um  interesse  mais  geral. 

Também  neste  volume  dasapareceu  o  Índice  dos  documentos, 
•ubstituindo-o  o  alfabético  de  lugares  e  pessoas, 


iq% 


dru   de    Mom  —  que    preenchem    quatro    volu- 
mes (i). 

O  Cartulaire  de  rAbbaye  d'  Ourval  depuis  r ori- 
gine de  ce  nionastère  jiisqu^à  l'année  1 365 ^íoi  ledi- 
tado  pelo  padre  Hipi-olyte  Gofuinet,  sendo  pre- 
cedido de  uma  Introdução  de  trinta  e  oito  pá- 


(i)  As  Charles  du  Chapitre  de  Sainte-Waudru  de  Mons,  fo- 
ram coleccionadas  e  publicadas  por  Leopold  Devillers,  tendo 
aparecido  o  primeiro  volume  em  1899,  o  segundo  em  1903,  o  ter- 
ceiro em  190S  e  o  quarto  em  191 3. 

O  primeiro  volume  abre  por  uma  excelente  Introdução  onde 
o  erudito  Devillers  estuda,  sucessivamente,  a  natureza  dos  di- 
plomas que  publica,  os  fundos  que  formam  e  os  depósitos  onde 
se  encontram  —  especialmente  os  arquivos  do  Estado  em  Mons, 
a  biblioteca  pública  da  mesma  cidade,  os  arquivos  gerais  de  Bru- 
xelas;  ocupa-se  do  estudo,  arrumação  e  cuidados  dos  arquivos  de 
Sainte-Waudru ;  explica  porquê  e  como  se  perderam  as  peças 
primitivas ;  faz  a  história  do  mosteiro,  indicando  os  seus  direitos 
e  prerrogativas,  administração,  obras  que  fazia,  benefícios  reali- 
zados, a  importância  social  do  seu  capítulo;  e  termina  por  falar 
dos  selos  de  alguns  diplomas. 

Os  documentos  mais  antigos  são  publicados  em  extractos, 
sendo  o  primeiro  a  figurar,  in-extenso,  um  de  83 1  sobre  a  distri- 
buição do  legado  de  Ansegise,  abade  de  Fontenelle.  O  último 
do  volume  é  o  cccclxxui  —  que  é  um  breve  de  confirmação  de  Ino- 
cêncio IV,  de  i5  de  Fevereiro  de  1246. 

Termina  o  volume  por  dois  índices  :  um  cronológico  e  ana- 
lítico, e  outro  alfabético  de  nomes  de  pessoas,  lugares  e  matérias. 

O  segundo  tomo  vai  até  ao  documento  dcgccxxi  —  que  é  uma 
declaração  de  compra  de  «un  bonnier  d'alleu  situe  à  Saints»,  pas- 
sado em  Mons  a  6  de  Novembro  de  1400;  o  tomo  terceiro  vai  até 
ao  documento  mdcccxxcii  —  que  é  um  compromisso  de  pagamento 
passado  em  Mons  a  3i  de  Outubro  de  i53o. 

O  quarto  e  último  tomo  terminado  por  Ernest  Matthieu,  de- 
vido à  morte  de  Devim.ers,  abrange  até  uma  carta  do  bispo  dé 
Tournai,  Francois-Joseph  Hirn,  constatando  a  autenticidade  duma 
relíquia  de  santa  Vaudiu  e  permitindo  a  exposição  dela  aos  fieis, 
e  é  datada  de  Mons,  de  20  de  Agosto  de  1804. 
18 


1q\ 


ginas  onde  o  editor  descreve  a  abadia  d'0rvai,  a 
sua  fundação  e  doações  que  teve ;  enumera  e  bio- 
grafa rapidamente  cada  um  dos  cinquenta  e  dois 
abades  cistercienses  d'Orval;  trata  da  biblioteca 
e  dos  arquivos  do  mosteiro,  especializando  os 
cartulários  do  abade  Henrion  e  do  abade  Mom- 

NERTS,  etC.  (l). 

Por  sua  vez,  o  Cartulaire  de  rAbbaye  de  Saint- 
Trond,  preenche  dois  tomos,  sendo  editado  pelo 
erudito  arquivista  Charles  Piot.  O  primeiro  vo- 
lume, aparecido  em  1870,  começa  logo  pela  pu- 
blicação dos  documentos,  sendo  a  primeira  peça, 
de  7  de  Abril  de  1741,  um  diploma  pelo  qual 
o  conde  Robert  de  Hesbaye  doa  à  abadia  a 
igreja  de  Donek  bem  como  essa  e  outras  al- 
deias (2). 


(i)  O  primeiro  documento  do  Cartulário  da  abadia  d'Orval 
publicado  no  volume  é  de  1029,  onde  o  arcebispo  de  Tréves, 
Poppon,  lamenta  os  prejuízos  causados,  etc.  O  último  foi  o  626 
de  12  de  Março  de  i36õ  pelo  qual  Jean  de  Margny,  cavaleiro, 
confirma  a  doação  feita  à  abadia  d'Orval  por  seu  pai,  etc.  Se- 
guem-se :  ura  pequeno  glossário,  um  índice  alfabético  dos  nomes 
de  pessoas  e  de  lugares,  e  outro  de  materiais.  O  volume  apare- 
ceu em  1879. 

(2)  Este  tomo  —  que  e  magnificamente  anotado  —  termina 
pelo  documento  432,  de  i5  de  Outubro  de  i366,  pelo  qual  Otão  de 
Cuyck  vende  à  abadia  os  seus  bens  feudais  de  Duras,  e  é  seguido 
de  um  índice  geral.  O  segundo  tomo,  publicado  em  1874,  abre 
por  uma  magnífica  Introdução  de  noventa  e  nove  páginas,  onde  o 
editor  estuda  :  a  colecção  documental  que  publica  ;  a  constituição 
da  abadia  de  Sainte-Trond  e  as  suas  relações  históricas  com  as 
instituições  locais ;  a  organização  comunal  da  cidade  de  Sainte- 
Trond,  a  sua  vida  histórica,  jurisdição  civil  e  penal,  confrarias, 
corporações  de  ofícios ;  o  antigo  condado  de  Loos  e  os  seus  titu- 


275 


Em  1903  aparecia  o  tomo  primeiro  das  Char- 
les de  rAbbaye  de  Saint-Hubert  en  Ardenae,  pu- 
blicado por  GoDEFROY  DE  KuRTH,  prccedído  de  uma 
excelente  Introdução  de  setenta  e  sete  páginas, 
onde  o  editor  estuda  as  fontes  que  utilizou,  de- 
termina a  cronologia  dos  abades  de  Saint-Hu- 
bert, e  expõe  os  métodos  seguidos  na  factura  da 
colecção  (i). 

Emíim,  para  não  estender  mais  este  trabalho 
limitar-nos  hemos  simplesmente  a  enumerar  na 
série  dos  Gartulários  publicados :  o  Cartulaire  des 
coutes  de  Hamaut,  por  L.  Devillers,  em  seis  vo- 
lumes, de  188 1  a  1896;  as  Chartes  de  rabbaye 
de  Saint-Martin  de  Tournai,  por  A.  d'Herbomez, 
em  dois  volumes,  de  1898  a  1902;  o  Cartulaire 
deVabbaye  dii  Vai-Benoit,  por  J.  Cuvelier,  1906; 
o  Reciieil  des  Chartes  de  Vabbaye  de  Stapelot-Mal- 
medy,    por  J.  Halkin  e  C.-G.  Roland,  tomo  i,  em 


lares ;  os  condes  de  Duras  e  a  sua  inflluência  sobre  a  abadia ;  e  a 
vida  religiosa  e  administrativa  desta. 

Começa  depois  a  publicação  documental  por  um  diploma  de 
i36ò  —  ao  que  parece,  —  e  termina  por  outro  datado  de  Liège,  em 
7  de  Maio  de  iSgõ. 

(i)  O  primeiro  documento  publicado  é  uma  carta  de  doação 
de  Pepino  de  Herstal  e  de  sua  mulher  Plectruda  a  Santa  Bèrégisa 
do  Castelo  de  Ambres  com  as  suas  dependências  para  aí  fundar 
um  mosteiro  ;  o  último  —  o  cccxvi  —  é  a  reprodução  da  cópia 
de  uma  sentença  arbitral  num  litígio  entre  o  preboste  de  Bouilion, 
Jean  de  Landry,  e  a  abadia.  O  primeiro  é  de  i3  de  Novembro 
de  687,  e.  o  último  de  3o  de  Maio  de  i35o. 

Os  documentos  são  publicados  in-extenso,  seguindo-se-lhe  um 
apêndice,  e,  depois,  um  índice  cronológico  das  peças,  e  outro 
alfabético  de  lugares  e  pessoas.  Até  1920  não  conhecemos  ne- 
nhum outro  tomo  publicado. 


276 

1 909 ;  e,  por  último,  o  Cartulaire  genealogique  des 
Arteuelde,  por  Napoleon  de  Pauw,  1920  (i). 


Vimos  já  o  enorme  trabalho  realizado  com  as 
publicações  das  Crónicas  e  dos  Cartulários,  va- 
mos agora  notar  como  tem  sido  importante  o 
labor  efectuado  quanto  à  publicação  dos  volumes 
da  série  da  Table  chronologique  des  chartes  et  di- 
plomes imprimes  consernant  Vhistoire  de  la  Belgi- 
que. 

Esse  corpo  de  publicações  começou  por  um 
volume  de  XLViii-770  páginas,  publicado,  em  1 866, 
por  Alfonso  Wauters. 

Pelo  Prefácio  vê-se  que  a  iniciativa  dessa  co- 


(1)  Trata-se  de  um  monumental  volume  in-quarto,  cora  xvm- 
924  páginas,  com  a  documentação  da  genealogia  do  famoso  bur- 
guês de  Gand,  do  século  xiv  Jacques  van  Artevelde,  célebre 
paladino  das  liberdades  publicas  comunais  e  constitucionais  da 
heróica  e  já  operosa  Bélgica  medieval,  e  cuja  vida  de  tribuno, 
homem  público  e  revolucionário  encheu  enormemente  o  período 
que  vai  de  i336  a  1349.  -^  ^'^'^^  ^^  ^^f"-  P^uw  é  o  produto  de 
fundas  investigações  nos  arquivos  de  Bruxelas,  Gand,  Bruges, 
Ypres,  Couttrai,  Termonde,  Lille,  Paris  e  Londres.  São  três  mil 
documentos,  alguns  fac-similés,  seguidos  de  fotografias  de  selos 
que  o  paciente  e  operosíssimo  investigador  apresenta  nesta  obra. 

O  autor  já  anteriormente,  em  iSyS  e  1878,  havia  publicado,  so- 
bre o  seu  herói,  uma  obra,  com  bastantes  documentos  :  a  Conspi- 
ration  sons  Jacques  van  Artevelde  (1392).  Outros  investigadores 
e  historiadores  —  como  Voisin,  Vuylsteke,  Kervyn  de  Letenhove, 
Vanderkindere  —  também  já,  anteriormente,  haviam  escrito  sobre 
Jacques  d'Artevelde  e  o  seu  tempo. 

É  — como  já  dissemos  —  este  o  volume  da  Colecção  de  Car- 
tulários que  conhecemos  como  mais  recentemente  aparecido. 


277 


lecção  cabe  ao  eminente  erudito  Gachard,  então 
arquivista  geral,  que  a  7  de  Maio  de  1837  apre- 
sentava um  projecto  para  a  redacção  e  publica- 
ção da  Table  chronologique. 

Al  proposta  de  Gachard  contêm,  além  da  ex- 
posição das  razoes  scientííicas  de  tal  obra,  uma 
pequena,  mas  interessante^  história  de  outros 
empreendimentos  similares  levados  a  efeito  no 
estrangeiro. 

A  8  de  Dezembro  o  rei  Leopoldo  assinava  o 
decreto  determinando  a  obra,  e  a  16  de  Novem- 
bro de  i838  era  aprovada  a  portaria  regulamen- 
tando o  trabalho.  Ficou  determinado  que  o 
índice  dos  diplomas  deveria  conter:  «Toutes 
chartes,  diplpmes,  lettres  patentes,  lettres-missi- 
ves,  ordonannces,  instructions,  commissions,  rè- 
glements  et  autres  actes  imprimes  qui  concer- 
nent,  soit  Thistoire  de  la  Bélgique  en  general . . .  » . 

Iniciaram-se  os  trabalhos,  mas  tempo  depois 
interrompiam-se  pela  falta  dos...  trabalhadores. 

A  seguir,  foi  a  missão  confiada  a  Gachet,  mas 
este  pouco  depois  falecia.  Se  bem  que  os  fun- 
cionários paleógrafos  Van  Rossum  e  Van  Bruys- 
SEL  tivessem  trabalhado  na  obra,  foi  o  arquivista 
Wauters  que,  a  partir  de  Abril  de  i858,  tomou 
conta  da  empreza. 

Na  Introdução  o  editor  Wauters  traça  um  de- 
senvolvido e  esclarecedor  descritivo  da  evolução 
dos  trabalhos  históricos  em  geral,  e  especialmente 
na  Bélgica,  das  obras  ali  feitas  nos  séculos  xvi,  xvii 
e  XVIII,  principalmente  pelo  diplomatista  Albert- 


278 


Mire — Miraeus,  —  o  colector  Foppens,  o  maurista 
d'Aantine,  etc. ;  ocupa-se  da  utilidade  dos  diplo- 
mas e  do  emprego  que  deles  teem  feito  os  escrito- 
res medievais  e  modernos,  passando,  depois,  a 
expor  as  diferentes  categorias  de  actos  públicos 
e  particulares  utilizados  na  formação  do  índice 
cronológico,  e  a  indicar  as  maneiras  de  datar  que 
foram  adoptadas. 

O  índice  abre  com  a  menção  de  um  diploma 
do  ano  de  275,  pelo  qual  o  senado  romano  in- 
forma a  cúria  de  Trèves  que  êle  recuperou  o  di- 
reito de  designar  o  imperador,  documento  esse 
publicado  na  Historiae  Augiistae  scriptores,  sex, 
de  Sereveríus  ;  no  Prodromus  Historiae  Trevien- 
sis,  de  HoNTHEiM ;  no  Belgiiim  Rotnamim,  de 
BoucHER,  e  no  tomo  primeiro  do  Recueil  des  his- 
toriens  de  France. 

Os  últimos  documentos  registados  são  de  iioo, 
seguindo-se  dois  índices:  um  dos  nomes  de  pes- 
soas e  outro  de  nomes  de  lugares,  terminando 
o  volume  por  uma  Notice  Bibliographique,  das 
obras  citadas  que  publicaram  os  documentos  re- 
gistados. 

O  tomo  X,  aparecido  em  1904,  ainda  elabo- 
rado por  A.  Wauters,  é  já  uma  obra  póstuma 
desse  erudito.  Começa  pelo  registo  de  um  do- 
cumento de  I  de  Janeiro  de  1 340,  publicado  na 
Foedera  de  Rymer^  pelo  qual  Eduardo,  rei  de  Ingla- 
terra, ordena  o  pagamento  de  i25  libras  e  i.5oo 
florins  a  Othão  de  Guyck  como  indemnização  da 
perda  dos  senhorios  que  êle  possuía  em  França, 


279 

termina  por  um  documento  de  i35o,  pouco  mais 
ou  menos^  contendo  uma  lista  de  nobres  chama- 
dos à  assemblea  de  Cortenberg. 

O  tomo  XI,  cuja  primeira  parte  apareceu  em 
1907,  e  a  segunda  em  191 2,  é  já  elaborado  por 
S.  BoRMANs,  da  Academia,  e  J.  Halkin,  professor 
da  Universidade  de  Liége.  Essas  duas  partes 
constituem  o  suplemento  à  obra  de  Wauters, 
com  documentos,  indo  do  ano  98  a  i3oo  (i). 


Nas  três  séries  de  Inventários  dos  cartulários 
conservados:  a)  nos  arquivos  do  Estado  belgas; 
b)  nos  depósitos  não  etatistas  da  Bélgica ;  c)  e  nos 
depósitos  estrangeiros,  diremos  somente  que  a 
primeira  série  deu  origem  a  um  volume,  apare- 
cido em  1895;  a  segunda  a  outro,  publicado  em 
1 897 ;  e  a  terceira  ao  volume  dado  a  lume  em 
1899(2). 


(1)  o  de  98  consiste  num  diploma  de  Trajano  concedendo  a 
civitas  e  o  conubiurn  aos  soldados  de  três  alas  e  seis  coortes  que 
acabavam  de  obter  a  honesta  missio.  O  documento  encontra-se 
no  Museu  Arqueológico  de  Liège. 

.(2)  Pertencem  também  a  estas  categorias  de  obras  os  seguin- 
tes inventários  publicados  pela  Commission :  o  Inventaire  analy- 
tique  des  chartes  de  la  coUégiale  de  Saint-Pierre  à  Liege,  por  E. 
PoNCELET,  aparecido  em  1906;  o  Inventaire  des  archives  farné- 
siennes  au  point  de  viie  de  Vhistoire  des  Pays-Bas,  por  A.  Cau- 
CHiE  e  L.  Van  der  Essèn,  igt  i  ;  e  o  Inventaire  analytque des  char- 
tes de  la  coUégiale  de  Sainte-Croix  à  Liège,  por  E.  Poncei.et, 
tomo  I,  publicado  em  191 1,  estando  no  prelo  o  segundo  tômo,  bem 
como  o  Inventaire  analytique  des  chartes  de  Saint-Jean- Évangé- 
liste  à  Liège,  por  L.  Lahaye. 


28o 


Muitas  outras  obras  importantes  teem  sido  pu- 
blicadas pela  Commission  Royale  d^Histoire  de Bél- 
gique^  entre  as  quais  citaremos,  sem  ter  a  preten- 
são de  as  enumerar  a  todas :  o  Reciieil  de  dociiments 
relatifs  à  Vhistoire  de  Vindustrie  drapière  en  Flandre, 
por  G.  EspiNAS  e  H.  Pirenne,  dois  tomos,  1906  a 
1 909 ;  Comptes  de  la  ville  d'  Ypres  de  1267  à  i32g, 
por  G.  Des  Marez  eE.  De  Sagher,  em  dois  tomos, 
1 909  a  1913;  as  Oeuvres  de  Jacques  de  Hemri- 
court.  Le  miroir  des  nobles  de  Hesbaye,  por  C. 
de  Borman  e  A.  Bayot,  um  tomo,  191  o;  Les  dé- 
nombrements  defoyers  en  Brabant  (XI V^  à  XVF 
siècle),  por  J.  Cuvelier,  191 2  ;  a  Retraite  et  mort 
de  Charles- Quiiit  au  monastère  de  Yuste,  por  Ga- 
CHARD,  dois  volumes,  1854  e  i855;  as  Relations 
des  ambassadenrs  vénitiens  sur  Charles- Quint  et 
Philippe  II,  por  Gachard,  i855  ;  Synopsis  actorum 
Antuerpiensis,  por  Ram,  i856;  Correspondance  de 
Charles  Quint  et  d^Adriens  VI,  por  Gachard,  1859; 
Actes  des  États  généraux  des  Pays-Bas,  1576  a 
i585;  Notice  chronologique^  por  Gachard,  dois 
volumes,  1861  a  i866;X)o?z  Carlos  et  Philippe  II, 
por  GacharD;,  dois  volumes,  i863;  Le  Livre  des 
feiídat.  du  duc  Jean  III,  por  L.  Galesloot,  i865  ; 
Le  Livre  des  fiefs  du  Comté  di  Loo^  sous  Jean 
d^Arckel,  por  C.  de  Borman,  1875;  Documents 
inédits  relatifs  à  Ihistoire  du  XVP  siècle,  pelo  h}° 
Kervyn  de  Letenhove,  primeira  parte,  i883 ;  Mé- 


28l 


moire  du  legat  Onufriíis  sur  les  affaires  de  Liège^ 
1468,  por  S.  Barman;  Nécrologe  de  Véglise  Saint- 
Jean  à  Gaud,  por  N.  de  Pauw,  1889 ;  Polytiptique 
de  Giiillaume,  abbé  de  St.-Trond^  por  H.  Pirennb, 
1896 ;  Le  Livre  des  fiefs  de  l^église  de  Ltège  sous 
Adolphe  de  la  Marck,  por  E.  Poncelet,  1898; 
Actes  et  documents  anciens  intéressant  la  Bélgi- 
qiie,  por  Ch.  Durivier,  1898,  nova  série,  1908; 
Commentario  dei  coronel  Francisco  Verdugo  de  la 
guerra  de  Frisa,  por  H.  Lonchay,  1899;  Le  sou- 
lèpement  de  la  Flandre  maritime,  por  H.  Pírenne, 
1900 ;  La  chronique  liégeoise  de  1402,  por  E.  Ra- 
cha, 1900;  Le  registre  de  Fr.  Li:xaldius,  por  F. 
Rachfabl,  1902;  La  chronique  de  Gislebert  de 
Mons,  por  L.  Vanderkindere,  1904;  Recueil  des 
instructions  générales  aux  nonces  de  Flandre,  por 
A.  Gauchie  e  R.  Maere,  1904;  La  chronique  de 
Saint-Hubert dite  «  Cantatorium»,  por  K.  Hanquet, 
1906;  La  librar ie  de  Phillipe  le  Boji,  por  G.  Dou- 
trepont,  1906;  os  Documents  sur  la  principauté 
de  Liège  spécialement  au  début  du  XVF  siècle,  por 
A.  Gauchie  e  A.  Van  Hove,  i,  1908;  as  Mémoires 
et  documents  sur  la  Révolution  belge,  por  C.  Buf- 
FiN,  dois  volumes,  1 91 2. 

Além  de  toda  essa  espantosa  produção  deve 
notar-se  que  no  prelo  encontravam-se  ultima- 
mente dezassete  volumes  entre  os  quais  figuram 
o  tomo  XI  da  Table  chronologique  des  chartes  et 
diplomes  imprimes;  o  tomo  iii  do  Recueil  de  docu- 
ments relatifs  à  Vhistoire  drapière;  o  tomo  11  dos 
Diplomas  das  abadias  de   Stapelot-Malmedy ;  o 


2«2 


tomo  III  das  Comptes  de  la  Ville  d'  Ypres;  o  tomo  iii 
das  Actes  de  V Uíiiversité  de  Loupain(i);  o  tomo  vi 

(i)  Alem  das  obras  até  agora  enumeradas  e  que  são,  como  se 
tem  visto,  multidão,  constituindo  uma  das  mais  ricas  bibliotecas 
históricas  que  a  um  país  é  dado  possuir,  temos  ainda  a  salientar 
o  grupo  das  publicações  universitárias,  isto  é,  acerca  da  história 
das  Universidades  belgas. 

A  esta  categoria  pertencem  os  dois  volumes  já  aparecidos,  e, 
o  terceiro  no  prelo,  das  Acies  ou  Procés  verbaux  des  séances  té- 
nues par  le  Conseil  de  VUniversité  de  Louvain. 

O  primeiro  tomo  desta  obra,  publicado  por  A.Reusen,  em  igoS,! 
compreende  os  documentos  de  1482  a  1448  ;  e  o  segundo,  aparecido  ; 
em  1919,  é  já  elaborado  pelo  professor  da  mesma  Universidade 
A.  VAN  HovE,  e  contem  documentos  desde  26  de  Maio  de  1445 
a  17  de  Agosto  de  1455.  A  partir  da  pág.  451  figura  uma  séria  de 
úteis  Apêndices  com  as  indicações  dos  reitores,  vice-reitores,  asses- 
sores, membros  do  Conselho  da  Universidade,  decanos  de  Facul- 
dades, nreceveurs»,  promotores,  dictadores  —  que  eram  os  inofen- 
sivos escribas  mal  pagos  e  servidos,  — -  notários,  bedéis,  livreiros  e 
mensageiros  —  ou  correios  ;  todos  que  tinham  funcionado  durante 
o  período  de  1445  a  1455.     Segue-se-lhe  um  índice  alfabético. 

Outras  obras  teem  sido  pubhcadas  oficialmente  sobre  as  Uni- 
versidades belgas.  Assim,  em  1869  aparecia  o  excelente  volume 
de  Alfonse  Le  Roy,  L'Université  de  Liège^  para  comemorar  o  pri- 
meiro cincoentenário  da  sua  fundação  —  que  foi  a  25  de  Setem- 
bro de  1817.  Começa  a  obra  por  uma  Introdução  de  77  páginas 
historiando  a  vida  da  Universidade,  e  seguindo-se-lhe  listas  por 
ordem  alfabética  dos  administradores,  professores  —  cada  um  com 
a  sua  bio-bibliografia,  os  quadros  de  cada  Faculdade ;  notas  das 
instalações,  do  material  didático,  dos  diplomas,  etc. 

Também,  em  1884  aparecia  uma  monografia  do  professor  L. 
Vanderkindere,  acerca  de  VUniversité  de  Bruxelles^  para  come- 
morar igualmente,  o  primeiro  cincoentenário  desse  instituto.  O 
seu  autor,  e  professor  da  Faculdade  de  Filosofia  e  Letras  dessa 
Universidade,  depois  de  estudar  a  proto-história  —  desde  1778  — 
e  as  origens  e  a  evolução  da  Universidade  Livre,  publica  a  lista 
dos  fundadores  dessa  Universidade,  dos  seus  administradores,  ins- 
pectores, reitores,  membros  do  conselho  de  administração,  secre- 
tários e  tesoureiros,  bibliotecários,  professores,  assistentes,  pre- 
paradores, agrepados,  etc. 

Como   fugidia  elucidação   deve   dizer-se  que   essa  Universi- 


283 


do  Cartulaire  de  Véglise  de  St.  Lambert;  o  tomo  ii 
das  Chroniqiies  liégeoises,  etc. 

Além  destes  volumes  de  continuações  teem-se 
iniciado  as  seguintes  publicações  novas :  Les  dé- 
iiombrements  du  duche  de  Luxemburg  au  XV^  et 
au  XVF  siècle,  por  J.  Grob  e  J.  Vaunerus  ;  a  Cor- 
respondance  de  la  Cour  d^Espagne  sur  les  affaires 
des  Pays-Bas  au  XVIF  siècle,  por  H.  Lonchey  e 
J.  Cunelier(i);  o  Table  onomastique  de  la  corres- 
pondance  de  Granpelle,  por  J,  Wils(2);  o  Rapport 


dade  Livre  foi  criada  para  combater  a  influência  da  Univer- 
sidade católica  de  Louvain.  Ela  teve  uma  origem  essencial- 
mente maçónica,  pois  foi  na  Loja  dos  Amis  Philaniropes^  de  Bru- 
xelas, que  em  Junho  de  i834  —  no  dia  da  festa  do  soltício  do 
estio  —  Théodore  Verhaegen  expôs  o  seu  projecto  da  criação  da 
Universidade  Livre.  Tão  rápidos  foram  os  progressos  que  a  ideia 
adquiriu  que  a  3  de  Agosto  já  as  as  subscrições  haviam  rendido 
25:83o  francos,  e,  pouco  depois,  atingiam  45:ooo.  Outros  concur- 
sos valiosíssimos  surgiram,  e  a  20  de  Novembro  era  inaugurada 
solemnemente  a  Université  Libre  de  Bélgique,  que,  em  1842, 
passou  a  designar-se  por  Université  Libre  de  Bruxelles. 

(i)  Como  já  vimos  são  numerosas  as  obras  até  agora  publi- 
cadas acerca  da  dominação  espanhola  nos  Países-Baixos,  e  esta 
não  será,  certamente,  das  menos  interessantes. 

(2)  A  correspodência  de  Antoiné  Perrenot,  cardial  de  Gran- 
velle,  preenche  doze  volumes,  indo  de  i565  a  i585,  e  constitue  uma 
das  boas  colecções  publicadas  pela  Comissão  Real  de  História. 

Continua  ela  a  série  dos  Papeis  do  Cardial  de  Granvelle,  edi- 
tada pela  colecção  dos  Documents  inédits  sur  1'Histoire  de  France. 

O  primeiro  volume  da  Correspondência  de  Granyelle,  apare- 
cido em  1877  ^  publicado  por  Edmond  Poulaet,  contêm  cartas  do 
ilustre  ministro  de  Filipe  II,  de  20  de  Novembro  de  i565  a  29  de 
Setembro  de  i566. 

Os  seis  primeiros  volumes  são  editados,  prefaciados  e  ano- 
tados excelentemente  por  Edmond  Poullet,  e  os  restantes  seis 
por  Charles  Piot. 

O  tômo  xu  e  último  contêm  a  correspondência  de  Granvelle, 


siw  les  Archives  de  Vienne,  por  J.  Laenen(i);  a 
Chroniqiie  de  J.  Hocsen,  por  G.  Kubth  e  Ursmer 
Berlière,  etc. 


de  I  de  Janeiro  de  i585  a  19  de  Setembro  de  i586,  cora  85  do- 
cumentos, seguido  de  um  Apêndice  em  148  peças  —  sendo  a  úl- 
tima de  17  de  Dezembro  de  i586,  terminando  por  um  Suple- 
mento com  a  correspondência  de  diversas  datas. 

L  a  esta  importante  correspondência  que  se  refere  o  índice 
onomástico  de  J.  Wills,  que  está  no  prelo. 

E  também  de  citar,  entre  os  bons  estudos  da  história  diplo- 
mática belga,  a  obra  de  Ernest  Déscailles,  Un  Diplomate  belge 
à  Paris,  de  i83o  a  1834,  e  publicado,  em  1609,  no  tomo  terceiro 
da  segunda  série  das  Ménioires  da  Academia  Real  da  Bélgica^ 
Classe  de  letras  e  sciências  morais  e  políticas. 

(i)  Devemos  ainda  notar  as  missões  de  estudo  realizadas  por 
diversos  investigadores  belgas  em  vários  arquivos  e  bibliotecas  do 
estrangeiro,  por  determinação  da  Comissão  Real  de  História. 

Dessas  missões  teem  resultado  alguns  trabalhos  muito  impor- 
tantes não  só  de  história  como  de  heurística  e  de  bibliografia. 

Destes  há  que  salientar  os  dois  magníficos  volumes  do  erudito 
Gachard  com  o  título :  La  Bibliotheque  Nationale  à  Paris.  No- 
tices  et  extraits  des  mamiscrits  qui  concernent  1'histoire  de  Bel- 
gique,  e  aparecidos  de  iSyS  a  1877,  onde  o  notável  Académico 
belga  expõe  o  resultado  das  suas  investigações  na  Biblioteca  Na- 
cional de  Paris  em  i838  e  i856^  no  ponto  de  vista  de  história  do 
seu  país.  Começa  por  uma  valiosa  descripção  de  dois  dos  fun- 
dos de  manuscritos  desse  estabelecimento  :  o  núcleo  Colbert  e 
a  colecção  d'Esmans,  passa  a  referir-se  às  espécies  que  estudou 
e  inventariou,  classificando-as  por  grupos  de  crónicas,  histórias, 
relatórios  e  memórias;  cartulários  e  diplomas;  cartas  missivas  e 
instruções  políticas  e  diplomáticas.  O  inventário  das  peças  é 
quási  sempre  muito  analítico  e  acompanhado  de  excelentes  notas. 

Já  anteriormente  Gachard  havia  elaborado  um  trabalho  se- 
melhante com  relação  às  Bibliotecas  de  Madrid  e  do  Escurial, 
produto  também  da  sua  missão  scientífica  em  Espanha  em  1843, 
e  que  constitue,  como  os  acima  referidos,  um  monumental  vo- 
lume de  xxxviii -f- 678  páginas. 

A  esta  mesma  ordem  de  trabalhos  pertence  a  obra  de  J.  Lae- 
NEN,  acima  citada. 


285 


Agora  mesmo  nos  acaba  de  chegar  às  mãos  o 
tomo  primeiro  da  Correspondance  des  Ministres 
de  France  accrédités  à  Briixelles,  de  1780  à  i^go, 
publicada  pelo  reitor  da  Universidade  de  Liége 
EuGÈNE  HuBERT.  A  obra,  profusa  e  magnifica- 
mente anotada,  começa  por  uma  excelente  intro- 
dução de  setenta  e  quatro  páginas  sobre  a  histó- 
ria politica  e  diplomática  de  França  durante  os 
primeiros  dez  anos  da  Revolução ;  indica  os  ar- 
quivos onde  estavam  as  peças  de  que  trata,  e 
cita  os  manuscritos  e  impressos  consultados. 

A  correspondência  umas  vezes  é  extractada,  e 
outras  publicada  na  íntegra  segundo  a  importân- 
cia que  as  peças  apresentam. 


Alem  de  todas  as  obras  enumeradas,  dispostas 
por  colecções  ou  séries  de :  crónicas,  cartulários, 
papéis  do  Estado,  inventários,  etc,  etc,  outros 
trabalhos  importantes  tem  publicado  a  ccGommis- 
sion  Royale  d'Histoire»,  sendo  de  salientar  a  Col- 
lection  des  voyages  de  souverains  des  Pays-Bas, 
publicada  inicialmente  por  Gachard,  e  continuada 
por  PiOT. 

Essa  importante  obra  compreende  quatro  vo- 
lumes, dos  quais  o  primeiro,  aparecido  em  1876, 
contêm :  os  itinerários  dos  duques  de  Bourgo- 
nha,  Filipe-o-Bravo,  João-sem-Medo,  FiUpe-o- 
Bom,  do  arquiduque  Maximiliano  —  esposo  de 
Maria   de  Borgonha,   e    de    Filipe-o-Belo  —  seu 


286 


íilho ;  o  relato  da  primeira  viagem  de  Filipe-o- 
Belo  em  Espanha,  em  i5oi,  redigido  por  An- 
TOiNE  DE  Lalaing,  senhor  de  Montigny,  e  o  da  se- 
gunda no  mesmo  pais,  em  iSoy,  de  autor  desco- 
nhecido. 

O  segundo  volume,  publicado  em  1874,  consta 
do  itinerário  de  Carlos  V,  de  i5o6  a  i53i;  Jor- 
nal das  Viagens  de  Carlos  V,  de  1 5 1 4  a  1 5  5  i ,  por 
João  de  Vandenesse,  seguido  de  muitos  documen- 
tos. O  tomo  III,  aparecido  em  1881,  encerra  a  pri- 
meira viagem  de  Carlos  V  em  Espanha,  de  iSiy 
a  i5i8,  por  Laurent  Vital;  a  Viagem  e  expedi- 
ção de  Carlos  V  a  Tunis,  em  1 535,  por  Guillaume 
DE  MoNTOiCHE ;  ã  expedição  do  mesmo  impera- 
dor a  Alger,  em  1541,  por  um  anónimo;  e  a  via- 
gem da  rainha  Ana  em  Espanha,  em  iSyo,  por 

AIyXES  DE  COTEREAU. 

Finalmente,  o  quarto  tomo,  publicado  em  1 883 
contêm  o  Jornal  de  viagens  de  Filipe  II,  de  i  554 
a  1569,  por  João  de  Vandenesse;  a  Viagem  do 
arquiduque  Alberto  em  Espanha  em  1598,  por 
GiLLES  DU  Fatng;  o  Itinerário  d'Antoine,  duc  de 
Brabant,  de  1407  a  141 5  ;  o  Itinerário  de  João  IV, 
duque  de  Brabante,  de  141 5  a  1427  ;  o  Itinerário 
de  Philippe  de  St.  Pol,  duque  de  Brabante,  de 
1427  a  1430  (i). 


(i)  Cada  volume  tem  a  sua  Introdução  própria  com  muitas 
notas  pelo  decorrer  da  obra,  sendo  uma  grande  parte  delas  cons- 
tituídas por  citações  dos  próprios  trabalhos  da  Commission. 


287 


Eis  pois,  e  abreviadamente  exposto,  o  admi- 
rável labor  levado  a  efeito  pela  «Commission 
Royal  d'Histoire  de  Bélgique» — que,  como  dis- 
semos, é  independente  da  Academia  Real  da  Bél- 
gica. Mas,  isto  não  significa  que  esta  instituição 
não  haja  também  trabalhado,  e  muito,  em  favor 
das  sciências  históricas. 

A  antiga  Academia  Real  das  Sciências  e  Belas 
Letras  de  Bruxelas,  hoje  tornada  Academia  Real 
da  Bélgica,  é  a  herdeira  sequente  da  Société  litté- 
raire  de  Bruxelles,  estabelecida,  em  1769,  pelas 
diligências  do  conde  de  Cobenzl,  ministro  pleni- 
potenciário nos  Paises-Baixos,  e  transformada  em 
Academia  imperial  e  real  das  sciências  e  belas 
letras  pela  imperatriz  Maria-Tereza,  em  1772. 

Havendo  interrompido  os  seus  trabalhos  em 
1794,  por  ocasião  da  segunda  invasão  das  tropas 
francesas,  voltou  à  actividade  em  1816.  O  que 
foi  a  actividade  dessa  instituição,  na  sua  primeira 
fase,  pode  vêr-se,  rapidamente,  percorrendo  o 
primeiro  volume  das  Mémoires  sur  les  questions 
proposées  par  VAcadémie  Royale  des  Sciences  et 
Belles-Lettres  de  Bruxelles  (i). 

A  partir  de  181 6  os  trabalhos  da  Academia  in- 
tensificaram-se.     O  primeiro  volume  das  Mémoi- 


(1)  Esse  tomo,  publicado  em   1818,  traz  num  Avertissement 
a  lista  das  Memórias  premiadas  e  publicadas  desde  1769  a  1794. 


288 


res  contêm  as  premiadas  sobre  o  tema  Quelles 
sont  les  places  dans  les  dix-sept  Provinces  des  Pays 
Bas  et  lepays  de  Liège,  qui  depuis  le  septième  jus- 
qu'au  dou:{ième  siècle  exclusivement,  ont  pu  passer 
poiír  des  villes^  e  outra  sobre  as  aplicações  do  va- 
por de  água  como  meio  de  aquecimento  (i). 

De  então  até  agora  atingiu  muitas  dezenas  o 
conjunto  dos  volumes  das  Memoires  Coronnés^ 
das  Memoires  gerais  e  dos  Buletins  —  e  seus  ane- 
xos —  das  três  classes  que  constituem"  a  Acade- 
mia :  a  de  Sciências,  a  de  Letras  e  Sciências  Mo- 
rais e  Políticas,  e  a  de  Belas-Artes  (2). 

Porém,  toda  essa  obra,  que  mesmo  para  qual- 
quer grande  potência  seria  importante,  e  consti- 
tuiria um  grande  título  de  orgulho,  mas  que  para 
um  pequeno  país,  como  a  Bélgica,  resulta  monu- 
mental e  a  torna  digna  da  gratidão  e  solidaridade 
de  todo  o  mundo  culto,  não  poude  conjurar  a  in- 
vasão alemã  troculenta,  brutal,  destruidora  que 
se  deu  em  19 14. 

Assistiu-se  então  a  esse  fenómeno  estranho,  pa- 


(i)  A  cerca  da  história  da  Academia  Real  da  Bélgica  ver :  Ad. 
QuETELET,  Centième  Anniversaire  de  la  fondation  (i^j2-i8']2)  — 
Primiere  siècle  de  l'Academie,  1872,  e  os  dois  tomos  da  obra  ela- 
borada e  editada  pela  mesma  instituição,  e  aparecida  em  1872; 
Academie  Royale  de  Belgique.  Centième  anniversaire  de  fondation 
(m2-i8j2). 

(2)  Alem  das  numerosas  Memórias,  dos  Monuments  de  la  lit- 
teratureflamande^  e  das  obras  dos  grandes  escritores  belgas  edi- 
tadas pele  Academia,  dos  vinte  e  um  tomos  da  Biographe  natio- 
nale,  e  dos  volumes  de  bibliografias  académicas,  catálogos  da  bi- 
blioteca da  Academia,  etc ,  há  ainda  a  notar  o  grande  labor  da 
Secção  de  siciências,  de  que  aqui  nos  não  ocupamos. 


289 


radoxal,  de  um  grande  Estado  que  se  considerava 
o  mais  perfeito  tipo  da  civilização  humana  lan- 
çar-se  sobre  um  pequeno  e  fraco  país  que  tão 
dedicada  e  levantadamente  tem  servido  a  causa 
desse  mesmo  progresso.  E  mais  estranho  ainda 
é  o  caso  —  atingindo  as  raias  do  monstruoso  — 
quando  vemos  essa  mesma  Alemanha  sacrificar, 
com  uma  sanha,  um  ódio  e  um  ciúme  canibales- 
cos as  próprias  instituições  scientificas  do  país 
nobremente  vencido,  mas  não  convencido  nem 
dominado. 

Uma  das  instituições  mais  vitimadas  pela  in- 
vasão e  ocupação  alemãs  foi,  precisamente,  a  Aca- 
demia Real  da  Bélgica. 

Sente-se  uma  comoção  indizível  —  que  roça 
pela  indignação  e  pela  vergonha  do  estado  mo- 
ral de  uma  civilização  que  torna  possíveis  tais 
monstruosidades  —  quando  se  lê  o  Annexe  aux 
bulletins  de  la  Classe  des  Beaux-Arts.  Communi- 
cations présentées  à  la  Classe  en  igiS-igij^  desse 
Academia,  trabalho  esse  aparecido  em  1919.  Aí 
figura  o  Rapport  succint  sur  Fétat  du  Palais  des 
Academies  après  le  départ  des  Allemands,  por  Louis 
Le  Nain. 

O  que  se  diz  nesse  relatório  e  o  que  se  vê  nas 
fotografias  que  o  acompanham  é  espantoso,  abo- 
minável. A  sala  dos  manuscritos  de  Stassart  e 
a  biblioteca  que  fora  legada  por  este  mesmo  barão, 
o  gabinete  da  Secretaria,  a  sala  das  sessões,  a 
famosa  sala  de  mármore  —  transformada  em  ca- 
maratas, o  fundo  da  sala  grande  —  servindo  de 
>9 


^gô 


cozinha,  a  sala  da  comissão  real.  de  História  — 
destinada  a  anexo  da  cosinha  e  a  despensa  :  tudo 
ficou  arruinado,  sujo^  repugnante.  Os  manus- 
critos e  livros,  o  medalheiro,  os  objectos  de  arte  : 
uns  haviam  sido  roubados,  outros  destruídos;  as 
vidraças  eetavam  partidas,  todas  as  gavetas  e  por- 
tas arrombadas,  os  móveis  escavacados;  mutila- 
dos os  bustos  do  príncipe  de  Ligne,  de  Gachard, 
Wagener,  e  dos  filhos  de  Leopoldo  I,  etc,  etc. 

jEis  como  esses  iper-cmli{ados  alemães  reco- 
nheceram e  trataram  essa  gloriosa  Academia  e 
essa  operosissima  Comissão  Real  de  História  — 
de  que  tanto  temos  falado ! 


Apesar  de  termos  visto  como  é  colossal  a  obra 
realizada  pela  Academia  Real  Belga  e  pela  Co- 
missão de  história  é  de  prever  que  não  se  circuns- 
creve ai  o  labor  scientifico  desse  encantador  país 
no  que  respeita  aos  estudos  de  erudição.  Outras 
instituições  ali  existem  que  também,  e  na  medida 
das  suas  possibilidades^  teem  contribuído  para  o 
progresso  de  tais  estudos. 

Imprimem  elas  as  suas  publicações  periódicas, 
entre  as  quais  citaremos  as  seguintes  :  Annales  de 
VAcademie  d^archéologie  de  Bélgique^  que  teem  pu- 
blicado artigos  de  L.  Stroobant  —  sobre  os  ma- 
gistrados do  grande  Conselho  de  MaUnes ;  Les 
Archives  belges;  o  já  citado  Bulletin  de  la  classe 
des  lettres  de  VAcadémie  royale  de  Belgique  — 


291 


com  estudos  de  G.  Kurth  sobre  Renis  de  Huy, 
verdadeiro  autor  das  fontes  baptismais  de  S.  Bar- 
tolomeu de  Liége,  de  F.  Cumut  —  sobre  o  astró- 
logo Julião  de  Laudicea,  de  497,  etc,  etc. ;  o  Biil- 
letin  dçs  commissions  royales  d^art  et  d'archeologie 
de  Belgique,  contendo  artigos  de  F.  Lahest,  de 
H.  ScHUERMANS  sôbre  as  ruinas  da  abadia  de  Vil- 
lers ;  a  Bibliothèqiie  norbertine  de  rabbaye  de  Pare, 
com  estudos,  de  cronologia  e  biografias  pelos 
professores  da  abadia —  1426  a  1694;  Bulletin  de 
r Institui  archéologique  liégeois,  contendo  estu- 
dos de  E.  Poncelet  sôbre  os  marechais  do  exér- 
cito do  bispo  de  Liège,  etc. ;  o  Bulletin  de  la  So- 
ciété  d'histoire  et  d'archéologie  de  Gand,  que  tem 
publicado  estudos  de  A.  Van  Worwek  sôbre  o 
cativeiro  de  Jacqueline  da  Baviera  em  Gand,  sô- 
bre a  evasão  da  princesa  em  1425,  etc. ;  de  P.  Va- 
rhaegen  —  sôbre  a  origem  da  indústria  das  ren- 
das; H.  Pirenne;  de  X.  Van  den  Houte;  de  H. 
Coppieters-Stochone  —  sôbre  os  primeiros  chan- 
celeres da  Flandres  no  século  xi,  etc;  o  Bulletin 
de  la  Société  royale  belge  de  géographie,  que  —  no 
n.°  2  de  1903,  traz  um  artigo  de  J.  Mees  sôbre 
A  carta  de  Toscanelli  a  Christovão  Colombo  e  o 
caminho  das  índias.  O  autor  sustenta  contra  Gon- 
zales  de  la  Rosa,  Vignaud,  etc,  a  autenticidade 
da  carta  em  questão  ;  o  Bulletin  du  Cercle  archéo- 
logique, littéraire  et  artistique  de  Malines,  tomo  xii ; 
Le  Musée  belge,  com  estudos  de  P.  Graindor  sô- 
bre SLsInscriçôes  de  Ceos,  de  A.  Steppers  —  sôbre 
história  de  Roma,  de  J.  P.  Waltzing  —  acerca 


^9^ 


das  inscrições  latinas  de  Namur,  de  V.  Tourneux 
—  sobre  a  Bélgica  céltica  ;  os  Annales  de  la  Société 
historique  et  archéologiqiie  de  Tournai;  o  Bulletin 
de  la  Société  d'art  et  d^histoire  de  diocese  de  Liège^ 
tomo  XIV,  1908;  a  Remie  de  rUniversité  de  Bru- 
xelles;  a  Revue  d'histoire  ecclesiastique  de  FUiii- 
versité  de  Loupain,  etc,  etc. 


Eis,  pois,  e  muito  sumariamente,  a  enorme  e 
admirável  colaboração  que  a  pequena  mas  ope- 
rosa Bélgica  tem  trazido  ao  avanço  das  sciências 
históricas  (i). 

Quando  um  pais  com  esses  serviços  imorre- 
douros  à  civilização  é  afrontado  iniqua  e  brutal- 
mente, como  esse  o  foi,  pela  Alemanha,  em  19 14, 
nenhum  coração  bem  formado,  nenhum  espírito 
bastante  esclarecido,  nenhuma  consciência  im- 
pregnada de  sentimento  de  justiça  pode  ficar  in- 
diferente, pode  deixar  de  vibrar  de  comoção  e 
de  indignação  ante  atentados  de  tal  ordem. 

Um  país  que,  como  a  Bélgica,  cumpre  tão  dis- 
tintamente a  sua  função  de  colaboração  em  be- 
nefício do  progresso  humano  merece  não  só  uma 
platónica  admiração  mas  a  mais  efectiva  solida- 


(i)  Os  leitores  que  desejem  consultar  as  obras  publicadas 
pelas  Academias  esti-angeiras,  e  citadas  neste  trabalho,  encon- 
tram-as,  com  pequenas  excepçõesj  na  magnífica  biblioteca  da 
Academia  das  Sciências  de  Lisboa,  Também  a  nossa  Biblioteca 
Nacional  tem  muitas  das  que  aqui  invocamos. 


293 


riedade  por  parte  de  todo  o  mundo  culto  nos 
momentos  de  perigo. 

j  Que  outros  pequenos  países  —  e  o  nosso  em 
primeiro  lugar  —  sigam  o  nobre  exemplo  da  Bél- 
gica para  que  nas  circunstâncias  graves  que  um 
dia  vejam  surgir  eles  possam  desfrutar  o  mesmo 
ambiente  de  simpatias  e  utilizar  idêntica  solida- 
riedade de  esforços  (i)! 


(i)  Outros  países  da  Europa,  como  a  Rússia,  a  Hungria  a  Po 
lónia,  e  a  Filandia,  teem  apresentado  no  decurso  do  século  xix  im- 
portantes progressos  na  historiografia,  quási  sempre  devido  à  im- 
pulsão dos  governos  ou  corporações  scientíficas  como  as  Acade- 
mias, Universidades,  Escolas  especiais,  etc. 

Assim,  o  progresso  dos  estudos  históricos  na  Hungria  é  devido 
à  Academia  das  Sciencias  desse  país,  que,  fundada_  em  1825,  a 
partir  de  i855  organizou  uma  Comissão  histórica  que  tem  publi- 
cado a  colecção  dos  Monumenta  Himgriae  histórica^  que  se  divi- 
dem em  quatro  secções  :  Scriptores,  Acta  extera,  Monumenta 
Comitialia,  e  a  Diplomataria. 

A  Academia  publica  ainda  uma  colecção  de  Arquivos  Histó- 
ricos—  onde  figuram  documentos  mais  curtos  e  menos  impor- 
tantes que  os  dos  Monumenta,  e  umas  Memórias  relativas  às  scien- 
cias históricas. 

Ao  lado  da  Academia  húngara,  foi  fundada,  em  1867,  a  Socie- 
dade de  História,  que  publica  uma  Revista  —  os  Séculos,  —  e  uma 
colecção  de  Biografias,  e  ambas  essas  instituições  tcem  publicado 
colecções  documentais,  monografias,  etc.  * 

Acerca  da  historiografia  húngara  ver  uvcr  magnífico  estudo  do 
eminente  especialista  J.  Kont  na  Revue  de  Synthèse  Historique, 
tomo  11,  pág.  167  a  200. 


CAPÍTULO  V 


As  Colecções  de  Inéditos  em  Portugal (i) 


I  .*^  —  o  estudo  dos  manuscritos  antes  da  fundação 
da  Academia  de  História 


O  modesto,  mas  culto,  Francisco  Dias  Gomes 
falando  da  nossa  historiografia  diz,  com  verdade : 

«A  nação  portuguesa  tem  no  seu  idioma  os 
mais  preciosos  monumentos  de  História».  E  con- 
tinua: 

((Histórias  da  índia  compostas  por  JoÃo  de 
Barros,  Diogo  do  Couto,  Fernão  Lopes  de  Cas- 

TANHEDE,  AfONSO  DE  ALBUQUERQUE,  Oude  CStá  TC- 

concentrado   todo  o  bom  gosto   do  verdadeiro 
aticismo,  formam  um  corpo  de  história  que  visto 


(i)  Este  capítulo  é  justificado  imperiosamente  pela  natureza 
(io  nosso  trabalho.  Não  quisemos  deixar  de  o  inserir,  mas  a  ex- 
tensão que  este  estudo  já  atingiu,  nesta  altura,  torna  impossível 
dar-lhe  o  desenvolvimento  que  êle  merece.  Por  isso,  deve  ficar 
entendido  que  seremos  aqui — e  muito  conscientemente  —  mais 
que  lacónicos :  incompletos. 

Num  desenvolvido  trabalho,  não  só  descritivo  como  crítico, 
acerta  da  historiografia  portuguesa,  que  trazemos  em  preparação, 
terá  êle  o  desenvolvimento  que  merece. 


296 


por  todos  os  lados,  é  o  mais  autorizado,  o  mais 
vasto,  o  mais  novo  e  interessante  que  nunca  viu 
o  mundo  até  àqueles  tempos,  nem  nos  modernos 
há  esperança  de  outro  semelhante». 
.  E  mais  adiante : 
«Em  uma  palavra,  a  Nação  Portuguesa  po- 
de-se  afirmar  que  ensinou  como  se  devia  escre- 
ver a  História  em  língua  vulgar,  como  já  disse 
um  célebre  autor  estrangeiro». 

Aparte  um  ou  outro  exagero  é  exacto  qiie  a 
historiografia  portuguesa  é  notável,  sendo  de  la- 
mentar que  ela  não  tenha  sido  ainda  objecto  de 
um  desenvolvido  estudo  critico  ou,  mesmo,  de 
uma  bibliografia  metódica  ( i ).  E  não  seremos  nós 
que,  quási  já  no  remate  do  simples  programa  da 
nossa  Colecção  de  Inéditos  — que  é  esta  obra  — 
pretenderemos  efectuar  tão  vasta,  complexa  e 
delicada  empreza,  pois  só  nos  interessa  agora, 
aqui,  a  simples  menção  de  algumas  obras  histó- 
ricas portuguesas  que  hajam  publicado  docu- 
mentos inéditos,  na  integra  ou  em  extracto  (2). 


(i)  Com  mais  demora  voltaremos  oportunamente  ao  assunto. 

(2)  A  dificuldade  de  conhecer,  manusear,  estudar  hoje  o  nosso 
património  biblíaco  do  século  xvi  é  acrescida  pelo  caso  de  muitas 
dessas  obras  de  autores  portugueses  terem  sido  impressas  no  es- 
trangeiro. 

Efectivamente  muitos  foram  os  portugueses  que  nesse  século 
fizeram  publicar  as  suas  obras,  sendo  muitas  impressas  em  Por- 
tugal, e  outras  no  estrangeiro. 

Assim,  as  do  famoso  médico  Amato  Lusitano,  João  Rodri- 
gues, foram  publicadas  em  várias  cidades  estrangeiras,  como  o 
Index  Dioscoridis...  que  saiu  em  Antuérpia,  em  i536;  o  In  Dios- 
coridis  Anabar^ei  de  Medica  matéria..  .,  aparecido  em  Veneza  em 


297 


A  partir  do  século  xvi  temos  nós  vindo  a  pu- 
blicar documentos  numa  dispersão  aterradora 
para  quem  um  dia  quizer  elaborar,  consciencio- 
samente, uma  bibliografia  ou  um  catálogo  dos 
nossos  manuscritos  históricos  impressos. 

Na  primeira  metade  do  século  xvii  tal  publica- 
ção intensifica-se,  figurando  entre  as  principais 
obras  mais  ou  menos  fundamentadas  a  Monarchia 
Lu{itana,  cuja  primeira  parte,  devida  à  pena  de 
Fr.  Bernardo  de  Brito,  apareceu,  pela  primeira 
vez,  em  1597(1),  a  segunda  parte  em  1609,  e  a 
terceira  e  quarta  partes,  redigidas  por  Fr.  Antó- 
nio Brandão,  apareceram  em  i632  (2). 

Em  i6o3  apareciam  os  Elogios  dos  Reis  de 
Portugal  —  que  foram  reimpressos  e  acrescidos 
em  1726,  1786  e  1825,  atingindo  nesta  última 
edição  doze  volumes;  e  em  161 6  Diogo  de  Paiva 
DE  Andrade  publicava  o  Exame  de  antiguidades ; 


i553  ;  o  Curatiomim  medicinalhtm^  cujas  sete  centuriae  foram  pri- 
meiro publicadas  separadamente,  a  primeira  em  Florença,  em 
i55i,  e  a  segunda  em  Veneza  no  ano  seguinte,  etc. 

Outro  tanto  aconteceu  cem  a  Alegatiojuris  pro  interdicto  Ec- 
clestasiico  de  Ambrósio  Cardoso  de  Abreu,  que,  antes  de  aparecer 
em  Lisboa,  em  1627,  havia-se  publicado  em  Roma  em  1623 ;  com  as 
Cartas  da  Etiópia  do  padre  Gaspar  Pais,  publicadas  em  Roma  e 
Paris;  o  trabalho  de  Fr.  Anselmo  da  Conceição  sobre  os  Privi- 
légios da  Congregação  de  T/íiães,  aparecido  em  latim,  em  Roma, 
em  iSgô. 

(i)  É  de  recordar  que  os  quatro  primeiros  livros  desta  pri- 
meira parte  foram  impressos  no  mosteiro  de  Alcobaça  por  ordem 
de  Frei  Francisco  de  Santa  Clara.  Foi  reimpressa  em  1690  e 
1806.     Como  se  sabe,  esta  obra  é  de  simples  imaginação. 

(2)  A  segunda  parte  foi  reimpressa  em  169O;  e,  incompleta- 
mente, em  1808- 1809. 


298 


mas,  já  em  1600  havia  aparecido  a  Primeira  parte 
das  Crónicas  dos  Reis  de  Portugal  de  Duarte  Nu- 
nes DE  Leão,  e  dez  anos  antes  a  Genealogia  ...de 
los  Reys  de  Portugal,  do  mesmo  autor. 

Porém,  a  Crónica  de  D.  João  /,  de  Duarte  Nu- 
nes, só  aparece  em  1643,  e  a  quinta  parte  da 
Monarquia  —  a  de  Fr.  Francisco  Brandão  —  só  é  / 
publicada   sete   anos   depois,  havendo    a    sexta 
parte  aparecido  só  em  1672(1). 

Dois  anos  antes  aparecia,  em  Paris,  a  obra  do 
diplomata  Duarte  Ribeiro  de  Macedo  —  Nasci- 
mento e  genealogia  do  Conde  D.  Henrique,  Pae  de 
D.  Afonso  Henriques,  primeiro  Rei  de  Portugal. 

Em  i65i  na  oficina  de  Crasbeeck,  de  Lisboa, 
apareceu  a  Vida  de  D.  João  de  Castro,  do  ilustre 
Jacinto  Freire  de  Andrade,  publicada  em  1664, 
em  inglês,  por  Peter,  Wichek  e  muitas  vezes  reim- 
pressa em  português  (2). 

Já  um  século  antes,  em  i556,  fora  publicado 


(1)  Como  se  sabe  é  grandemente  desigual  o  mérito  da  muito 
citada  colecção  da  Monarquia  Lusitana,  devido  às  divergentes 
qualidades  de  Bernardo  de  Brito,  António  Brandão  e  Fran- 
cisco Brandão  —  como  historiadores. 

Não  há  dúvidas  que  Brito,  apesa  r  da  defesa  que  dele  faz  Frei 
Bernardino  da  Silva  na  Defensão  da  Monarquia  Lu^^itana,  se  não 
era  um  falsário,  como  Diogo  de  Paiva  de  Aí^drade  lhe  chamou, 
era  um  espírito  sem  preparação  crítica,  e  muito  inferior  ao  nível, 
já  um  tanto  elevado,  da  historiografia  do  seu  tempo.  Ver  :  JoÃo 
Pedro  Ribeiro,  Observações  Diplomáticas^  pág.  82  a  84;  Disser- 
tações Cronológicas  e  Criticas,  especialmente  tomo  iv;  Barbosa 
Canais,  Estudos  biográficos,  pág.  208 ;  J.  Figanière,  Bibliografia 
Histórica  Portuguesa,  pág.  i  a  7. 

(2)  Ver  Barbosa  Machado,  Biblioteca  Lusitana,  tomo  11,  pág.  463 
a  466;  InocenciO;  Dicionário,  tomo  iii,  pág.  233,  etc. 


299 

em  Coimbra  «per  Joam  Alverez  ymprimidor  da 
Universidade»  —  como  descreve  Barbosa  —  o  tão 
apreciado  Livro  primeiro  do  Cerco  de  Diu,  de 
Lopo  de  Sousa  Coutinho,  e,  em  1621  e  1622,  o 
erudito  Lourenço  Brandão  publicava  diversas 
obras  históricas  e  políticas  (i).  Também  apare- 
ciam :  os  estudos  sobre  a  praça  de  Mazagão, 
escritos,  no  meiado  do  século  xvii,  por  Álvaro 
DE  Brito  Rêgo (2);  os  trabalhos  do  afamado  inves- 
tigador António  de  Almeida  Castelo  Branco  (3) ; 
as  cartas  politicas  e  diplomáticas  do  guerreiro  e 
diplomata  ilustre  de  D.  João  III  e  D.  Sebastião, 
Lourenço  Pires  de  Távora,  dos  melados  do  sé- 
culo XVI  (4);  as  obras  de  genealogia  do  afamado 
jurista  dos  fins  do  século  xvi  e  princípios  do  sé- 
culo XVII,  Manuel  Barbosa  (5),  as  obras  históricas 


(i)  Acerca  de  Lourenço  Brandão,  que  Diogo  Barbosa  dá  como 
nascido  em  Lisboa  e  que  quási  só  escreveu  em  espanhol,  ver  a 
Biblioteca  Lu^itana^  tomo  iii,  pág.  26.  Inocêncio  e  os  seus  conti- 
nuadores no  Dicionário  não  aludem  sequer  a  Lourenço  Brandão, 
provavelmente  por  não  o  considerarem  português,  se  bem  que  no 
Dicionário  Portugal  êle  venha  citado. 

(2)  Também  acerca  de  Álvaro  de  Brito  Rêgo  é  omisso  o  Di- 
cionário Bibliográfico.  Ver  Barbosa  Machado,  Biblioteca...,  t.  iv, 
pág.  10  e  II ;  Dicionário  Portugal,  tomo  11,  pág.  5i5. 

(3)  Igual  silêncio  se  fez  no  Dicionário  Bibliográfico  acerca 
deste  investigador  da  primeira  metade  do  século  xvii,  a  quem 
Barbosa  Machado  no  tomo  iv  da  sua  Biblioteca  atribui  cinco  tra- 
balhos, todos  ficados  —  ao  que  parece  —  manuscritos. 

(4)  Vêr  Bibliografia  Lu^fitana  no  Dicionário  Bibliográfico. 

(5)  No  Dicionário  Bibliográfico  não  se  alude  a  Barbosa.  As 
obras  Famílias  do  Reino  de  Portugal;  Notas  do  Nobiliário  do 
Conde  D.  Pedro;  e  Livro  da  Armaria  deste  Reino,  ficaram  ma- 
nuscritas segundo  informa  Barbosa  in  ob.  cit.,  tômo  iii,  pág.  191  e 
192. 


300 


do  polígrafo  António  de  Gouveia,  todas  estas  obras 
muito  regularmente  escritas  quer  quanto  à  base 
documental  que  possuíam  quer  pela  lógica  e  cia-! 
reza  que  lhes  teem  atribuido  o  padre  Francisco| 
DA  Cruz,  Diogo  Barbosa,  Inocêncio,  etc.  ' 

A  todas  essas  obras^  a  bastantes  outras  que- 
não  citamos  para  não  alongar  este  trabalho,  e  a 
muitas  mais  que,  naturalmente,  nos  falta  conhe-^ 
cer,  e  que  todas  sairam  impressas,  há  a  acrescer^ 
muitas  outras  de  carácter  histórico,  que  ficaram  | 
manuscritas. 

Além  de  algumas  já  citadas  podemos  enume-l 
rar  —  muito  a  fugir  —  os  doze  volumes  de  genea-'| 
logia  de  Fr.  António  de  Madureira  ;,  a  História  do 
Reino  de  Angola  —  de  André  Velho  da  Fonseca  ; 
a  Crónica  da  Congregação  de  Santa  Cru^  de 
Coimbra  —  de  D.  Agostinho  do  Rosário;  a  His- 
tória da  índia  (desde  D.  Garcia  de  Noronha  até 
Francisco  Barreto)  —  de  Fabiam  da  Mota;  o 
Roteiro  da  navegação,  e  carreira  da  índia  —  do 
piloto  Gaspar  de  Morais  de  Macedo  ;  a  colossal 
floresta  genealógica  em  quarenta  e  cinco  volumes, 
e  a  monografia  da  vila  da  Certa  —  ambos  tra- 
balhos de  Jacinto  Leitão  Manso  de  Lima  ;  a  His- 
tória da  ilha  de  Ceilão,  do  capitão  JoÃo  Ribeiro 
que  ficou  inédita  em  português,  mas  foi  publi- 
cada em  francês  em  1701  ;  o  perdido  nobiliário 
de  José  Cabedo  de  Vasconcelos,  da  segunda  me- 
tade do  século  xviii ;  os  dois  tomos  das  Arvores 
de  todas  as  famílias  nobres  portuguesas  e  caste- 
lhanas, redigidos  por  Lopo  da  Cunha,  no  meado 


3oi 


do  século  XVII.  Também  ficaram  por  imprimir 
as  Linhagens  de  Portugal,  de  D.  António  de 
Lima  —  do  qual  diz  Barbosa  Machauo  :  «Este 
Nobiliário  foy  sempre  reputado  por  celebre  neste 
género,  e  como  tal  o  louvão  com  grandes  encó- 
mios Manuel  Severim  de  Faria . . . ,  Manuel  de 
Faria  e  Sousa,  etc.»  (i);  as  Famílias  do  Reino  de 
Portugal,  de  D.  António  Mascarenhas  (2) ;  a  Chro- 
nica  da  origem  e  progressos  da  Congregação  da 
índia  dos  Eremitas  de  Santo  Agostinho  desde  o  ano 
de  i5^2  até  o  de  i63j  em  que  compreende  os  su- 
cessos do  mesmo  Estado,  de  Fr.  Félix  de  Jesus, 
missionário,  agostinho,  da  índia,  do  principio  do 
século  xyii ;  as  obras  de  Fr.  Ambrósio  dos  Anjos, 
de  Fr.  Faustino  do  Rêgo,  etc,  etc. 

E  deve  notar-se  que  as  obras  acima  citadas 
são  as  de  interesse  histórico,  pois  todas  as  outras 
deixamos  de  enumerar  como  o  Florilégio  Espiri- 
tual —  de  Fr.  Faustino  da  Madre  de  Deus,  im- 
presso em  Coimbra  em  i656;  os  Sermões  Pane- 
gyricos  e  Moraes  de  Fr.  Jacinto  Pacheco  —  que 
não  se  chegaram  a  imprimir;  as  modestas  obras 
religiosas  de  Jácome  Carvalho  do  Canto  —  apa- 
recidas entre  1610  e  1675  ;  as  do  carmelita  Fr. 
João  de  Cristo  —  sobre  a  história  da  sua  ordem, 


(1)  Ver  biblioteca  Lusitana,  tomo  i,  pág.  807  e  3o8.  Nem  na 
Bibliografia  de  J.  Figaniere,  nem  no  Dicionário  Bibliográfico 
vem  citado  este  linhagista  dos  meados  do  século  xvi. 

(2)  Não  se  deve  confundir  este  genealogista  da  primeira  me- 
tade do  século  xvn  com  o  seu  homónimo  da  mesma  época  autor 
de  uma  Relação  dos  procedimentos  que  teve . . .  Inocêncio  cita 
esta  obra,  mas  não  fala  na  do  genealogista  citado. 


^o: 


da  primeira  metade  do  século  xvii;  os  sermões 
de  Fr.  Jorge  Pinheiro,  de  1620  a  i63o;  as  ora- 
ções do  jurista  José  de  Andrade  de  Morais,  pro- 
nunciadas no  Brasil  na  primeira  metade  do  sé- 
culo XVIII ;  os  sermões  de  Fr.  José  de  Santo  An- 
tónio, dos  fins  do  século  xvii ;  as  obras  teológicas 
de  Fr.  José  de  Carvalho,  da  segunda  metade  do 
século  XVII ;  os  numerosos  trabalhos  de  José  Cor- 
reia DE  Brito,  da  mesma  época;  os  sermões  de 
Delgarta,  do  principio  do  século  xviii,  e  os  de  Fr. 
José  do  Espírito  Santo  ;  os  sermões  pregados  e 
publicados  na  segunda  metade  do  século  xvii;  as 
obras  de  exegética  e  de  panenética  de  D.  Leo- 
nardo de  S.  José,  dos  meados  do  século  xvii;  as 
do  mesmo  carácter  de  Fr.  Lopo  Soares,  da  pri- 
meira metade  do  século  xvii;  as  Cartas  do  padre 
Aires  Brandão  sobre  as  missões  dos  jesuítas  na 
índia,  publicadas  na  segunda  metade  do  sé- 
culo XVI ;  as  de  um  outro  jesuíta  —  Aires  Sanches 
—  sobre  as  missões  do  Japão,  pela  mesma  época ; 
os  sermões  de  Fr.  António  dos  Inocentes,  do  prin- 
cípio do  século  xvii,  etc,  ect. 


2.°  — Os  Trabalhos  da  Academia  Real  de  História 

Apesar  do  que  vimos  pelas  citações  que  fize- 
mos e  pelos  sucintos  comentários  que  acima  dei- 
xamos, não  há  dúvida  que  o  primeiro  grande 
esforço,  e  sistematicamente  conduzido,  no  sen- 
tido   das   publicações  de  documentos  inéditos 


3o3 


foi  dado  pela  prestimosa  Academia  Real  de  His- 
tória (i). 

Como  diz  Emílio  Hubner  nas  suas  Noticias 
Arqueológicas  de  Portugal  essa  Academia  «apre- 
sentou, pela  primeira  vez,  investigações  propria- 
mente históricas  em  substituição  à  literatura,  por 
assim  dizer  monástica  em  que  se  haviam  baseado 
até  então  todas  as  indagações  históricas  e  arqueo- 
lógicas». 

Tem  razão  Hubner  que,  para  exemplificar  a 
sua  afirmativa,  cita  os  sudoríferos  dez  tomos  do 
Santuário  Mariano,  história  das  imagens  milagro- 
sas de  Nossa  Senhora,  de  Frei  Agostinho  de  Santa 
Maria,  de  1707  a  1723. 

Podíamos  duplicar,  e,  até,  centuplicar  os  exem- 
plos de  outras  obras  do  género,  que,  de  resto, 
apesar  da  fundação  e  vida  da  Academia  conti- 
nuaram, ainda,  aparecendo  em  grande  número. 

O  que,  porém,  mostra  a  grande  importância 
da  Academia  de  História  é  que  ela  publica  obras 
de  subido  valor  que  vitoriosamente  batem  outras, 
estranhas,  que  o  não  teem,  como  o  extravagante 
in-fólio,  de  534  páginas,  de  Brás  Luís  de  Abreu 
Sol  nascido  no  ocidente  e  posto  ao  nascer  do  sol. 
Santo  António  Português.  Luminar  maior  no  ceu 


(1)  Acerca  da  vida  e  obra  da  Academia  Real  de  História,  vêrs 
Colecção  dos  Documentos  e  Memórias  da  Academia, . .,  172 1  a 
1736,  quinze  volumes;  Manuel  Teles  da  Silva,  marquês  de  Ale- 
grete, na  História  da  Academia  Real  Portuguesa,  Lisboa,  1737  ;  J, 
Silvestre  Ribeiro,  Primeiros  traços  de  uma  resenha  de  literatura 
portuguesa,  pág.  i32  e  seg. ;  do  mesmo  autor,  História  dos  Esta- 
belecimentos  Scientificos .  >  ■ ,  tomo  i,  pág.  169  a  173,  etc, 


^04 


da  Igreja  entre  os  astros  menores  na  esfera  de 
Francisco,  aparecido  em  1725;  as  jeremiadas 
de  Frei  Miguel  das  Almas  Santas  —  Clamores 
feitos  ao  Ceu,  publicados  em  lySg;  as  900  pá- 
ginas da  Escola  de  penitência,  caminho  de  perfei- 
ção, estrada  segura  para  a  vida  eterna,  de  Frei 
Martinho  do  Amor  de  Deus,  aparecida  em  1740; 
as  5oo  páginas  dos  Elogios  dos  Abades  Gerais 
da  Congregação  Beneditina,  de  Frei  Tomás  de 
Aquino,  dadas  a  lume  em  1767,  etc,  etc. 

Aparecem,  então,  como  trabalhos  dos  aca- 
démicos, as  Notícias  cronológicas  da  Universi- 
dade^ de  Leitão  Ferreira,  em  1729;  as  Memó- 
rias, de  José  Soares  da  Silva,  aparecidas  entre 
1730  e  1732;  o  Catálogo  das  rainhas,  de  D.  José 
Barbosa  Machado^  em  1729;  a  História  genealó- 
gica da  Casa  Real  e  as  respectivas  Provas,  de 
António  Caetano  DE  Sousa,  aparecidas  entre  1735 
e  1 748 ;  a  Biblioteca  Lusitana,  de  Diogo  Barbosa 
Machado,  de  1741  a  1759,  etc.  (i). 

Se  algumas  das  obras  saldas  da  Academia 
Real  de  História  e  outras  publicadas  pelos  seus 
sócios  e  coevos  também  cançam  a  paciência  do 
leitor  pelas  redundâncias  da  exposição  e  entu- 
mescências  do  estilo,  e  apresentam  lacunas  im- 
portantes  e   sérios   erros,   não  há  dúvidas  que. 


(i)  É  justo  não  esquecer  a  História  de  Malta,  de  Frei  Lucas 
DE  Santa  Catarina,  as  Obras  de  Rafael  Bi.uteau,  que  —  como 
escreve  o  dr.  Teófilo  Braga  -r-  fora  da  Academia,  mas  auxiliado 
pelos  três  irmãos  Barbosa  publicou  o  grandioso  Vocabulário  da 
língua  portuguesa. . .»,    Vêr  Os  Árcades^  pág.  i8. 


3o5 


muitas  outras  constituem  imperecíveis  monumen- 
tos de  erudição,  entre  as  quais  se  devem  colocar 
as  que  acima  citamos  de  Soares  da  Silva,  as 
de  Barbosa  Machado,  e  António  Caetano  de 
Sousa  (i). 

A  Academia  Real  de  História  desempenhou 
uma  dupla  e  importante  função  no  seu  tempo : 
tornou  possível  a  elaboração  de  monumentais 
obras  de  história  baseadas,  quási  sempre,  nas  fon- 
tes em  primeira  mão,  que,  por  vezes,  vêem  trans- 
critas na  íntegra;  e  inaugurou  entre  nós  os  pro- 
cessos de  investigação  séria  dos  documentos, 
conforme  já  então  se  usava  em  França,  Espanha, 
etc,  e  de  interpretação  crítica  e  racional  dos  acon- 
tecimentos, pondo  de  parte  muitos  dos  conceitos 
religiosos  e  metafísicos  que  até  então  vinham, 
entre  nós,  adulterando  a  história.  Daí  a  aten- 
ção que  deve  merecer  a  Academia,  e  o  lugar  que 
nós  aqui  lhe  consignamos,  traçando,  rapidamente, 
a  sua  história. 

Foi  ela  instituída  por  decreto  de  8  de  Dezem- 
bro de  1720,  assinalando-se-lhe  como  missão 
mais  importante  que  a  «Academia  escreva  a  His- 


(1)  É  certo  que  João  Pedro  Ribeiro,  ocupando-se  das  Provas 
da  História  Genealógica,  de  Caetano  de  Sousa,  diz  que  encon- 
trou nelas  «tantos  erros  e  tão  grosseiros  que  apenas  se  pode  su- 
por que  ele  chegasse  a  ler  alguns  monumentos  que  ali  produziu, 
tendo-se  servido  de  pessoas  inteiramente  ineptas  para  lhe  tirar 
cópias».    In  Observações  Diplomáticas. 

Apesar  disso,  a  História  Genealógica  e  as  próprias  Provas  cons- 
tituem magníficos  repositórios  de   dezenas  de  documentos  cujos 
originais  e  cópias  o  terremoto  de  1755  destruiu. 
20 


3o6 


tória  Eclesiástica  destes  Reinos,  e  depois  tudo  o 
que  pertencer  a  toda  a  História  deles,  e  de  suas 
conquistas». 

Depois,  resolve  sobre  as  facilidades  a  dar  aos 
Académicos  nos  arquivos,  de  forma  a  serem-lhe 
facultados  todos  os  papéis  que  solicitarem  «co- 
municando-lhe  os  catálogos  dos  mesmos  Arqui- 
vos^ e  Cartórios  as  pessoas,  a  cujo  cargo  estão». 

Mas,  não  é  só  o  diploma  inicial  que  se  ocupa 
de  manuscritos  a  estudar  e  a  utilizar  nas  obras, 
porque  o  mesmo  cuidado  eles  merecem  na  «Pro- 
posiçam  da  Academia»,  escrita  e  lida  por  Ma- 
nuel Caetano  de  Sousa  na  sessão  preparatória  de 
8  de  Dezembro.  Aí  diz  o  relator  que  para  redi-  ^ 
gir  a  Lusitânia  Sacra  era,  principalmente,  necessá- 
rio «ajuntar  manuscritos,  e  convocar  Escritores», 
para  o  que  se  deviam  abrir  os  Arquivos  ao  estudo 
dos  Académicos.  r 

Igualmente,  nas  Reflexões  sobre  o  estudo  Aca- 
démico^ esboçando-se  ó  plano  do  trabalho  da  Lu- 
sitânia Sacra,  e  depois  de  se  íixar  o  processo  a 
seguir  nas  citações  dos  impressos  e  manuscritos, 
resolve-se  que :  «Como  os  títulos  dos  Arquivos 
são  as  provas  mais  seguras  se  devem  imprimir 
no  íim  de  cada  volume  das  memórias  todos  os 
[manuscritos]  que  corroborão  o  que  o  Autor  re- 
fere», e  aduz  logo:  «para  que  assim  se  perpe- 
tuem e  se  conheção  os  que  o  tempo  e  o  lugar 
deixarião  sempre  ocultos». 

E  sobre  o  material  necessário  para  a  elabora- 
ção da  projectada  história  sagrada  de  Portugal, 


3o7 

lá  se  diz  :  «também  se  pede  o  Index  das  Livrarias 
grandes,  principalmente  dos  livros  manuscritos». 

Quanto  à  história  secular  do  nosso  pais  enten- 
diam as  Reflexões  que  na  sua  organização  se  de- 
via seguir  «quási  o  mesmo  método». 

Nas  «Noticias  de  Conferências»  da  Academia, 
de  5  de  Janeiro  de  1721,  por  mais  dè  uma  vez  se 
fala  nos  trabalhos  de  arquivos;  e  nas  diligências 
preliminares  da  História  eclesiástica  muitas  vezes 
se  volta  a  falar  nesses  trabalhos  de  heurística  — 
como  diríamos  hoje  —  nos  arquivos  das  Câmaras 
Eclesiásticas,  das  Sés,  cabidos,  colegiadas,  mos- 
teiros, igrejas,  das  câmaras  das  cidades  e  vilas, 
ordenando  o  governo  que  se  levantassem  inven- 
tários desses  depósitos  e  se  remetessem  à  Aca- 
demia (i). 

Uma  ou  outra  vez  a  Academia  se  exaltava 
como  se  vê  num  discurso  de  recepção  do  conde 
de  Assumar  quando  a  certa  altura  ele  diz  : 

«Parece  que  a  Providência  Divina  reservou  para 
o  presente  século  o  vermos  renascida  em  Portu- 
gal uma  nova  Atenas^  composta  de  muitos  mais 
Sábios,  do  que  se  contavão  na  antiga  Grécia». 
Mas,  não  há  dúvida  que,  na  generalidade,  ela 
trabalhava  com  método  e  bom  critério. 

Aqui  está,  por  exemplo,  o  padre  António  dos 
Reis,  oratoriano,  que  na  sessão  de  i  de  Abril  de 
1721  pede  que  se  solicitem  do  nosso  embaixador 


(i)  Vêr  a  Colecção  dos  Docimientos,  estatutos  e  vtais  vicmó- 
rias  da  Academia  Real  da  História  Portuguesa^  1721,  tomo  i. 


3o8 


em  Roma  várias  informações  dos  archivos  do 
Vaticano  sobre  as  nomeações  dos  bispos  de  La- 
mego; e  o  frade  cisterciense,  Bernardo  Castelo 
Branco,  na  mesma  sessão,  referiu-se  às  investiga- 
ções de  manuscritos  sobre  os  bispos  da  Guarda. 

Na  sessão  de  i6  do  mesmo  mês  o  padre  Bar- 
tolomeu de  Vasconcelos,  jesuita^  dizia  esperar 
pelos  manuscritos  dos  Arquivos  do  país  para  os 
seus  trabalhos,  e  outro  tanto  fez  Diogo  Barbosa 
Machado  ao  tratar  de  D.  Sebastião,  numa  expo- 
sição muito  erudita'(i). 

Igualmente,  o  visconde  de  Asseca  ao  tratar  de 
D.  Sancho  e  ao  afirmar  que  este  casara  com 
D.  Mécia  de  Haro  «disse  que  também  se  valera  de 
alguns  manuscritos,  que  de  Livrarias  particulares 
se  lhe  comunicarão  ...»  (2). 

Na  sessão  de  3o  de  Abril  Frei  Fernando  de 
Abreu  apresenta  o  catálogo  dos  bispos  de  Mi- 
randa, e  na  de  1 3  de  Maio,  presidida  pelo  mar- 
quês de  Fronteira,  JoÃo  Carneiro  de  Abreu  falou 
das  suas  investigações  na  Torre  do  Tombo  e  nos 
cartórios  da  Câmara  e  dos  conventos  de  Lisboa, 
referindo-se  à  falta  de  ordem  em  que  estavam  os 
papéis  nesse  Arquivo  (3).     Nessa  sessão  o  conde 


(1)  Como  se  vê  do  relato  da  sessão  Barbosa  Machado  traba- 
lhava então  na  famosa  Biblioteca  Lusitana. 

(2)  In  Colecção  de  Documentos  . . .  (Esta  colecção  é,  geral- 
mente, inumerada,  pelo  que  não  citamos  as  páginas). 

(3)  Na  sessão  de  2  de  Janeiro  de  1722  o  Académi^co  JoÃo  Cou- 
ceiro DE  Abreu  e  Castro  foi  mais  longe,  e  falando  sobre  a  neces- 
sidade de  uma   reforma  radical  da  Torre  do  Tombo,  notou  que 


3o9 


de  Monsanto  apresentou  o  catálogo  dos  bispos 
de  Portalegre. 

Nas  sessões  seguintes  Inácio  de  Carvalho  e 
Sousa  apresentou  o  catálogo  dos  bispos  de  El- 
vas; D.Jerónimo  Contador  de  Argote  continuou 
a  tratar  das  memórias  de  Braga;  Frei  Pedro  Mon- 
teiro ocupou-se  das  memórias  da  Inquisição,  e  o 
João  Colth  das  memórias  do  bispado  de  Viseu ; 
D.  António  Caetano  de  Sousa  referiu-se  bastante 
às  memórias  das  igrejas  ultramarinas;  e  Marti- 
nho de  Mendonça  de  Pina  comunicou  os  manus- 
critos que  encontrou  no  cartório  da  Câmara  da 
Covilhã,  e  nos  de  Penamacor,  Sabugal,  Almeida, 
Castelo  Rodrigo,  mosteiro  de  Aguiar,  no  de  Sal- 
zedas  —  cujos  documentos  Frei  Baltazar  dos  Reis 
recopilara,  e  onde  se  lhe  deparou  o  catálogo  dos 
abades  de  Frei  Benedito. 

Também,  Mendonça  de  Pina  descreveu  o  que 
viu  no  mosteiro  de  S.  João  de  Tarouca,  e  no  car- 
tório do  cabido  de  Lamego  o  qual  principiara  a 
ser  estudado  por  José  Carneiro  Tavares;  D.  An- 
tónio Caetano  de  Sousa  apresentou  um  catálogo 
dos  bispos  do  Funchal;  o  conde  de  Monsanto 
descreveu  as  suas  infrutuosas  investigações  nos 
arquivos  de  Portalegre  — já  então  «desbaratados, 


era  impossível,  entre  nós,  fazer  história  séria  e  documentada  em- 
quanto  perdurasse  tal  estado  de  cousas. 

Vão  passados  200  —  j  duzentos  1  —  anos,  e  as  palavras  de  Abreu 
E  Castro  parecem  de  hoje.  j  Estranho  país  este  que,  na  imobili- 
dade de  tão  importantes  serviços,  deixa  passar  o  melhor  de  dois 
séculos ! 


3io 


ou  inteiramente  destruidos ;  de  sorte  que  no  car- 
tório da  Cidade  achara  um  só  pergaminho  .  .  . 
Que  o  cartório  da  Câmara  Episcopal  correra 
ainda  peor  fortuna,  porque  dele  se  não  salvara 
papel  algum . . .  »,  ao  passo  que  o  cartório  do  ca- 
bido estava  ileso,  dando  a  seguir  outras  noticias 
de  manuscritos  encontrados  nas  mãos  de  parti- 
culares, bem  como  de  inscrições,  etc. 

Nas  últimas  sessões  de  1721  Martinho  de  Men- 
donça DE  Pina  e  Proença  falou  das  obras  que  ti- 
nha em  preparação,  especialmente  da  história  da 
diocese  de  Lamego,  indicando  o  método  que  se- 
guia ;  o  dr.  Bartolomeu  Lourenço  de  Gusmão,  re- 
ferindo-se  aos  trabalhos  efectuados  para  cumpri- 
mento das  missões  que  lhe  haviam  sido  confiadas, 
fala  de  «alguns  documentos  do  Arquivo  da  Câ- 
mara do  Porto»,  que  se  lhe  haviam  comunicado 
com  as  «Eras  viciadas » ;  representou  a  fiecessidade 
que  havia  de  que  ou  viessem  os  mesmos  origi- 
nais das  províncias,  ou  os  conferisse  nelas  pessoa 
tão  erudita,  e  diligente,  que  sobre  a  sua  fé  pu- 
desse descançar  quem  escrevia  as  memórias». 

Emíim,  Caetano  José  da  Silva  Souto-Maior 
apresenta  o  catálogo  dos  bispos  de  Leiria ;  Diogo 
Barbosa  Machado  comunica  o  catálogo  dos  ar- 
cebispos da  Baia  e  bispos  seus  sufragâneos;  e 
Frei  Pedro  Monteiro  expõe  o  catálogo  dos  De- 
putados -do  Conselho  Geral  da  Inquisição,  no 
qual  figura  com  o  número  89,  e  último,  Nuno  da 
Silva  Teles. 

Entretanto,  continuavam  chegando  à  Acade- 


3ii 


mia  «muitos  documentos  manuscritos,  que  tinham 
vindo  dos  cartórios  e  arquivos  deste  Reino»,  do 
convento  de  Tomar,  « e  dos  da  província  de  Santo 
António»,  cópias  da  Torre  do  Tombo,  dos  ar- 
quivos de  Coimbra,  papéis  remetidos  dos  arqui- 
vos do  hospital  das  Caldas  e  das  Câmaras  de 
Torres  Novas,  Penamacor,  Santarém,  Olivença, 
Tomar,  Alenquer,  e  Coimbra ;  da  colegiada  de 
Santarém,  do  mosteiro  da  Madre  de  Deus  de 
Monchique ;  dos  conventos  de  Colares^,  Torres 
Novas,  Alverca,  Setúbal,  Camarate,  da  Madre 
de  Deus  —  de  Lisboa,  de  Nossa  Senhora  do  Pó- 
pulo  —  de  Braga ;  excelentes  notícias  do  convento 
de  Grijó ;  informações  de  Faro,  etc,  etc. 

Os  restantes  catorze  volumes  da  colecção  da 
Academia  continuam  a  apresentar  importantes 
trabalhos  não  só  sobre  a  história  geral  portuguesa, 
da  metrópole,  mas  também  acerca  da  história 
ultramarina^  como  se  pode  concluir  à  vista  das 
memórias  das  igrejas  do  Ultramar,  de  D.  António 
Caetano  de  Sousa;  da  História  da  América  Por- 
tuguesa, de  Sebastião  da  Rocha  Pita;  do  catálogo 
dos  bispos  da  igreja  de  S.  Salvador  da  cidade  de 
Angra,  por  D.  António  Caetano  de  Sousa,  etc. 

Há;,  porém,  uma  cousa  que  é  de  notar,  porque 
muito  dignifica  a  historiografia  portuguesa:  o 
estudo  das  fontes  em  pririíeira  mão,  a  investiga- 
ção dos  manuscritos.  E  esse  um  característico 
muito  interessante  dos  trabalhos  da  Academia  de 
História. 

Em  todas  as  sessões,  em  cada  comunicação, 


3l2 


em  cada  discurso  académico  nota-se  quási  sem- 
pre o  cuidado  sumo,  o  disvelo  constante  na  inves- 
tigação dos  documentos  e  no  estudo  cuidadoso 
destes. 

Esse  cuidado  pela  investigação  documental  era 
completado  pela  possível  meticulosidade  no  es- 
tudo das  peças. 

Na  sessão  de  27  de  Fevereiro  de  1728  —  diz  a 
acta : 

«Advertiu  o  Director  aos  Académicos  que  se 
no  exame  que  fizerem  em  qualquer  Arquivo,  ou 
Livraria^  acharem  algum  manuscrito,  que  lhes 
pareça  estar  errado,  ainda  que  justamente  en- 
tendam que  tem  algum,  ou  alguns  erros  farão 
.  tudo  presente  aos  Censores  da  Academia  para 
se  considerar  esta  matéria^  por  lhes  não  ser  lícito 
emendar  papel  algum  dos  que  se  averigua- 
rem» (i). 

Também  os  cuidados  de  exegese  e  crítica  histó- 
ricas eram  quási  sempre  bastante  grandes,  como  se 
pode  ver  pelo  estudo  que  incidiu  sobre  o  famoso 
concílio  de  Braga  de  41 1,  defendido  por  Frei  Ber- 
nardo DE  Brito  (2).  E  podem  especiahzar-  se  como 
excelentes  Memórias :  a  Noticia  Geral  das  Santas 
Inquisiçoens  deste  reino,  e  suas  conquistas,  pelo  pa- 
dre Frei  Pedro  Monteiro^  no  tomo  de  1723,  da 
pág.  379  a  514;  o  Catálogo  cronológico -crítico 
dos  bispos  de  Coimbra,  pelo  beneficiado  Francisco 


(i)  Colecção  dos  Documentos  e  Memórias  da  Academia  Real 
de  História  Portuguesa,  1723,  pág.  57, 
(2)   Ob.  cit.^  pág.  io5  a  214,  capítulo  ix. 


3i3 


Leitão  Ferreira  (i);  Origem  dos  revedores  dos 
livros  e  qualificadores  do  Santo  Ofício  com  um  ca- 
tálogo dos  que  tem  havido  nas  Inquisições  deste 
Reino,  pelo  padre  Frei  Pedro  Monteiro  (2),  etc. 

O  cuidado  com  que  esses  trabalhos  eram  ela- 
borados tornava  a  Academia  bastante  acreditada 
no  estrangeiro.  Por  isso,  podia  dizer  o  seu  pre- 
sidente ou  «Director^)  —  o  marquês  de  Fronteira 
—  na  sessão  solene  de  22  de  Dezembro  de 
1724,  com  natural  orgulho  de  erudito  e  de  por- 
tuguês : 

«Já  sabemos,  que  foram  bem  recebidas  de  to- 
dos os  doutos  da  Europa,  os  nossos  Estatutos,  e 
bem  podemos  considerar  os  grandes  alvoroços, 
com  que  esperam  ver,  ou  admirar  o  produto  de 
tão  bem  ordenados  princípios». 

E  continua :  «Mostremos,  que  a  demora  de 
quatro  anos  antecedentes  foy  precisa  para  se  des- 
cobrirem, examinarem,  e  conferirem  os  docu- 
mentos, que  nos  faltavão  . . .  ». 

Como  se  vê,  a  nossa  Academia  Real  de  Histó- 
ria continuava,  e  muito  bem,  a  ligar  a  maior  im- 
portância aos  documentos,  considerando-os, 
muito  inteligentemente,  como  os  únicos  funda- 
mento do  conhecimento  histórico. 

Durante  o  ano  de  1725  as  sessões  continuam 
a  ser  preenchidas  por  comunicações  de  grande 
valor,  salientando-se  logo,  na  de  2  5  de  Janeiro,  a 


(i)  Ob.  cit.,  1724,  memória  n.°  xviii,  com  184  pág. 
(2)  Ob.  cit..,  memória  n."  xx,  com  42  pág. 


3i4 


de   I).  António   Caetano  de  Sousa,   expondo   o 
plano  que  seguia  e  o  trabalho  já  realizado  na 
elaboração  da  sua  famosa  História  genealógica,  '| 
e  explicando : 

«Esta  obra  é  um  mappa  de  pequeno  ponto, 
mas  nele  se  verá  toda  a  Historia  dos  nossos  Rei- 
nos ...»  (i). 

Nas  sessões  seguintes  Nuno  da  Silva  Teles 
fala  das  Memórias  Eclesiásticas  do  Bispado  do 
Porto;  D.  Manuel  Caetano  de  Sousa  refere  os 
trabalhos  feitos  para  a  História  Eclesiástica  de 
Lisboa,  Algarve  e  Porto ;  Francisco  Leitão  Fer- 
reira ocupa-se  das  Memórias  da  Santa  Igreja  de 
Coimbra;  o  Conde  da  Ericeira  trata  das  Memórias 
Eclesiásticas  de  Évora;  D.Jerónimo  Contador  de 
Argote  fala  das  Memórias  Eclesiásticas  Braca- 
renses, etc. ; 

Além  de  vários  discursos  laudatários,  panegí- 
ricos e  outros  de  cortesia,  nesse  ano  são  apresen- 
tadas à  Academia  uma  Memória  sobre  os  secre- 
tários do  conselho  geral  do  Santo  Oficio,  desde 
1569  a  1723,  pelo  Frei  Pedro  Monteiro;  o  Catá- 
logo dos  cónegos  magistrais,  e  doutorais  que  a 
Universidade  de  Coimbra  apresenta  nas  Sés  deste 
Reino,  pelo  dr.  Manuel  Pereira  da  Silva  Leal; 
o  Catálogo  cronológico  dos  colegiais^  e  porcionis- 
tas  do  Colégio  de  S.  Pedro ^  de  1574  a  1725,  pelo 
mesmo  autor;  o  importantíssimo  Catálogo  Histó- 


(1)  ]n  Colecção  dos  Documentos .  . .,  1725,  composição  II  e  IV. 


3.1 5 


lico  dos  sumos  pontífices,  cardeais,  arcebispos,  e 
bispos  portugueses,  que  tiveram  dioceses,  ou  títu- 
los de  Igrejas  fora  de  Portugal,  e  suas  conquistas, 
por  D.  Manuel  Caetano  de  Sousa  (i). 

O  ano  de  1726  correu  bem,  continuando  os 
académicos  a  apresentarem  os  seus  trabalhos. 

Entre  estes  figura  um  estudo  de  D.  Manuel 
Caetano  de  Sousa  sobre  história  eclesiástica  por- 
tuguesa e  uma  exposição  acerca  da  História 
Genealógica;  José  do  Couto  Pestana  trata  da 
rainha  Santa  Isabel;  Frei  José  da  Purificação 
ocupa-se  da  Ordem  de  Aviz;  José  Soares  da  Silva 
de  D.  João  I,  fazendo  outras  comunicações  o  pa- 
dre António  dos  Reis,  o  padre  Bartolomeu  de 
Vasconcelos,  Caetano  José  da  Silva  Souto  Maior, 
Diogo  Barbosa  Machado,  e  Frei  Fernando  de 
Abreu. 

Porêm,  desses  estudos  um  dos  mais  importantes 
é  o  Catálogo  dos  abades  e  priores  do  Mosteiro  de 
Santa  Maria  de  Guimarães  e  dos  priores  de  Nossa 
Senhora  da  Oliveira,  por  D.  Manuel  Caetano  de 
Sousa  (2). 

Durante  o  ano  de  1727  JoÃo  Couceiro  de  Abreu 
e  Castro  tratou  das  Memórias  da  Igreja  de  Lis- 
boa ;  Francisco  Leitão  Ferreira  estudou,  com 
muita  documentação,  a  história  do  bispado  de 
Coimbra ;  o  ilustre  Diogo  Barbosa  Machado  ocu- 


(i)  Esta  Memória  compreende  346pá^inaSj  com  algumas  bio- 
grafias muito  importantes. 

(2)  Ver  Colecção,  etc,  1726,  Memória  XXX. 


3i6 


pou-se  de  D.  Sebastião  e  da  rainha  D.  Catarina, 
etc. 

Mas,  o  que  caracteriza  o  volume  dos  trabalhos 
da  Academia  neste  ano  é  o  magnifico  estudo  de 
D.  José  Barbosa  —  Memória  do  colégio  real  de 
S.  Paulo  da  Universidade  de  Coimbra  e  dos  seus 
colegiais  e  porcionistas. 

O  tomo  de  i  728  contêm  bastantes  orações  pa- 
negíricas de  membros  da  família  real,  e  vários 
discursos  laudatórios  que  aqui  nada  nos  interes- 
sam. ConludO;,  insere  também  dois  excelentes 
estudos  de  Frei  Lucas  de  Santa  Catarina  acerca 
do  primeiro  convento  que  teve  a  Ordem  de  Malta 
em  Portugal,  e  das  relações  dessa  Ordem  com  o 
nosso  pafs ;  Manuel  de  Azevedo  Soares  volta  a 
tratar,  com  muita  erudição,  da  história  eclesiás- 
tica da  Península  desde  a  Idade  Média ;  e  D.  Je- 
rónimo Contador  de  Argote  insere  o  livro  quarto 
do  seu  notável  trabalho  —  De  Antiquitatibus  Con- 
ventus  Bracaraugustani. 

Não  foram  só  os  assuntos  de  história  descri-' 
tiva  que  ocuparam  a  atenção  dos  membros  da 
Academia  Real  de  História,  pois  também  a  heu- 
rística e  a  bibliografia  estão  representadas  nos 
volumes  dos  trabalhos  dessa  corporação. 

Entre  os  estudos  dessas  especialidades  deve 
pôr-se  em  primeiro  lugar,  pela  sua  importância, 
o  trabalho  do  conde  da  Ericeira  sobre  os  manus- 
critos e  impressos  da,  então,  muito  importante 
biblioteca  do  conde  de  Vimieiro. 

O  trabalho  do  conde  da  Ericeira   consta   de 


3i7 


uma  série  de  comunicações  a  partir  do  tomo  de 
1725. 

Ai,  esse  erudito  titular,  entre  outras  espécies, 
descreve  um  volume  de  miscelânea  contendo  vá- 
rias noticias  de  factos  passados  no  tempo  de 
D.  Manuel  e  D.  João  III;  um  códice  de  manus- 
critos constando  de :  Notícias  de  Portugal,  geo- 
grafia, história,  casa  real,  genealogias,  do  chantre 
Manuel  Severim  de  Faria  ;  um  volume  de  genea- 
logias do  mesmo  chantre ;  outro  de  miscelânea 
onde  figuram,  entre  outras  espécies,  uma  carta 
de  Filipe  II  ao  prior  do  Crato  mostrando-lhe  os 
seus  direitos  à  coroa  de  Portugal  e  a  resposta  de 
D.  António,  informações  sobre  os  reitores  da  Uni- 
versidade, cartas  de  Afonso  V  —  quando  esteve 
em  França  —  para  seu  filho  D.  João,  uma  Memória 
sobre  as  damas  e  criados  que  a  infanta  D.  Beatriz 
levou  para  Sabóia,  etc. 

Depois,  tratou  o  conde  da  Ericeira  de  um  livro 
escrito  com  estilo  sobre  folhas  de  palma  —  talvez 
um  dos  que  escaparam  ao  auto  de  fé  de  Frei 
Aleixo  de  Meneses  sobre  as  obras  profanas,  o 
códice  manuscrito  da  Historia  da  ínclita  Caval- 
leria  de  Am{,  de  la  de  Santiago,  de  la  de  los  Maes- 
tros dei  Templo  em  Portugal,  e  de  la  de  Santa 
Cru{  de  Coimbra,  por  Frei  Jerónimo  Ronsau  ;  vá- 
rios outros  papéis  que  pertenceram  a  Severim 
DE  Faria  sobre  acontecimentos  do  tempo  de 
D.  João  II,  D.  Manuel,  etc,  até  Filipe  II  (i). 

(i)  Ver  o  interessante  sumário  desses  papéis  na  Colecção  dos 
Documentos  e  Memórias  da  Academia,  1726,  Memória  X, 


3i8 


No  volume  de  1728  o  mesmo  erudito  ocupa-se 
de  outras  espécies  importantes  da  biblioteca  de 
Vimieiro  e  que,  pelo  referido  por  Ericeira,  vê-se 
que  era  muito  rica  em  papéis  sobre  a  história  da 
índia  nos  séculos  xvi  e  xvii. 

Depois,  ano  a  ano  o  primeiro  entusiasmo  vai 
afrouxando.  Entretanto,  no  volume  de  1729, 
figura  um  estudo  sério  de  Frei  Lucas  de  Santa 
Catarina  sobre  o  mosteiro  feminino  de  S.  João 
da  Penitência,  de  Estremoz ;  e  a  primeira  parte 
das  importantíssimas  Noticias  cronológicas  da 
Universidade  por  Francisco  Leitão  Ferreira,  com 
63g  páginas,  compreendendo  o  período  de  1288 
a  1537. 

No  tomo  de  1730,  além  das  notícias  das  sessões, 
figura  como  trabalho  de  vulto  o  Portugal  renas- 
cido, tratado  histórico,  crítico,  cronológico  pelo  dr. 
Frei  Manuel  da  Rocha,  com  436  páginas. 

Finalmente,  a  partir  de  1736  a  Academia  de 
História  entrava  em  franca  decadência  havendo 
tido  logo  a  sua  infalível  morte,  se  bem  que  dei- 
xasse, como  dissemos,  quinze  bons  volumes  dos 
seus  trabalhos,  além  de  obras  muito  importantes 
de  vários  dos  seus  sócios. 


Como  diz  Lorenz  (i),  e  o  repete  Pasquale  Vil- 
LARi,  a  grande  transformação  da  história  data  do 


(i)  Lorenz,  D/e  Geschichstnnssenschaf  in  ihren  Hiniptrichíim- 
gen  und  Aufgaben  kritisch  erõrtet^  Beiiim,  i8iS6. 


Sig 


século  xviii.  É  nessa  época  que  muito  se  desen- 
volve a  investigação,  que  o  espirito  crítico  e  filo- 
sófico começa  a  dominar  como  uma  aplicação 
da  dúvida  metódica  cartesiana.  E,  então,  com 
uma  grande  independência  de  juízo,  estudam-se 
os  arquivos,  fazem-se  pesquisas  arqueológicas, 
avaliam-se  as  medalhas,  as  moedas  e  os  selos,  as 
inscrições  e  as  legendas,  e  aplica-se  uma  grande 
actividade  ao  estudo  de  todos  os  povos  e  de  todas 
as  épocas. 

O  campo  da  investigação  aumenta  ao  infinito, 
os  preconteitos  tendem  cada  vez  mais  a  ser  eli- 
minados, a  fábula  cede  o  lugar  à  verdade,  e  a 
história  maravilhosa  é  substituída  pela  história 
racionalista.     Como  escreve  Villari: 

«O  século' XVIII  teve,  ainda  mais  que  qualquer 
outro,  uma  idea  nítida  da  unidade  moral  do  gé- 
nero humano,  e  foi  o  primeiro  a  reconhecer  a  lei 
do  progresso»  (i). 

Gomo  jcí  vimos,  essa  magnífica  Jaboriosidade, 
esse  admirável  progresso  dos  estudos  históricos 
e  de  erudição  que  se  estendeu  por  toda  a  Europa 
do  ocidente  no  século  xviii  não  nos  deixou  indi- 
ferentes. 

Já  falamos  da  Academia  de  História  que,  se 
não  teve  uma  longa  existência,  teve^  pelo  menos, 
uma  intensa  vida,  e  deixou  belos  vestígios  da  sua 
actividade;  vamos  ver  agora  que  Portugal,  numa 


(i)  Pasquale  Villari,  Uhistoire  cst'elle  une  sciencc.  In  Reviie  de 
S\-i\lhèse  Historiqiie,  1901,  2."  semestre,  pág.  i3o. 


320 


bela  antevisão,  foi  dos  primeiros  países,  senão  o 
primeiro,  que  teve  em  Roma  e  junto  do  Vaticano 
uma  missão  de  investigações  de  cuja  actividade 
ficou,  como  importante  padrão,  a  colecção  fa- 
mosa da  Symmicta  Lusitana. 

Apesar  da  forma  muito  desfavorável  como  Ale- 
xandre Herculano,  numa  carta  a  JoÃo  Pedro  da 
Costa  Basto,  se  refere  a  esta  colecção,  não  há 
dúvida  que  ela  constitue  um  importante  reposi- 
tório de  informações  de  bastante  valor  histórico, 
e,  por  tanto^  sempre  de  proveitoso  manusea- 
mento. 

Essa  obra  —  com  o  titulo  genérico :  Reriim  lu- 
sitanicarum  —  que  existe  na  Biblioteca  da  Ajuda, 
é  formada  actualmente  por  222  volumes,  e  tinha 
na  sua  primitiva  238.  Tendo  ido  ao  Brasil 
quando  D.  João  VI  aU  esteve,  por  causa  das  in- 
vasões francesas,  talvez  por  esse  tempo,  na  ida  e 
volta,  extraviaram-se  os  volumes  indicados  pela 
diferença  dos  dois  números,  com  excepção  do 
volume  1 60  que  ainda  existe.  Este  encontra-se  fora 
da  colecção  por  determinação  de.  Herculano  que 
assim  o  resolveu  por  ser  formado  de  obras  im- 
pressas, contendo  Recursos  à  Santa  Sé  no  tempo 
do  papa  Urbano  VIII^  ai  por  i633. 

O  volume  I,  com  o  título  de  Acta  Romanorum 
Pontificum,  é  um  códice  de  5  16  folhas,  indo  desde 
1378  a  1596,  isto  é,  do  papa  Urbano  VII  a  Cle- 
mente VIII. 

O  Volume  II  consta  de  Negoiiat.  di  Monsig.^^ 
RevJ'"-'  Prospero  Santa  Croce  Vcscovo  di  Chisamo, 


321 


di  tiitto  quello,  chc  trattô  in  Spagna,  et  in  Portu- 
callo  in  tempo  di  Papa  Pio  IV,  VAnno  i56o  (i). 

O  volume  iii  contêm  uma  Relaiione  dei  Viag- 
gio  fata  dali  111:''°  e  RJ"°  Fr.  Michele  Bonello 
Cardinalle  Alexandrino . . .  Legato  ai  li  seren.'""  Be 
di  Francia,  Spagna,  Portiigallo.  Colle  Annota- 
^ione  delle  Citta,  Terre  e  Liioghi,  discritto  de  MesJ' 
Gio.  Battista  Vent urino  de  Fabriano,  iSji  (2). 

O  volume  iv  descreve  o  Inter detto  de  Lisbonna 
cioe  Transunto  dei  Processo  deli  Interdetto  Gene- 
rale  posto  a  Lisbonna  da  Mons"''  Vescovo  Ottavio 
Accoramboni  collectore  de  Papa  Paulo  V,  ai  li  27 
di  Giugno  de  16 f  7  il  quale  duro  10  mesé(3). 


(i)  O  breve  de  Pio  IV,  Ne  quem  honorem,  ao  rei,  é  datado  de 
Roma  em  5  de  Julho  de  i5go.  Vem  citado  pelo  Visconde  de  San- 
tarém no  Quadro  Elementar^  tômo  xiii,  pág.  171.  O  volume  11 
contêm  535  folhas. 

(2)  Este  códice  tem  423  folhas. 

(3)  O  assunto  de  que  trata  este  volume  e  as  cópias  que  con- 
têm são  muito  interessantes.  Os  motivos  últimos  da  interdição 
consistiram  na  prisão  e  maus  tratos  sofridos  por  Miguel  Leitão, 
clérigo  beneficiado  da  Igreja  de  São  Miguel  de  Alfama  e  pagem 
da  nunciatura  —  isto  é,  do  dr.  Marcos  Teixeira,  fiscal  ou  colector 
da  Santa  Sé  em  Lisboa  —  e  no  processo  judicial  movido  pelo  Estado 
ao  auditor  da  nunciatura,  mandando  «prender  seus  criados,  e  to- 
mar suas  mulas». 

A  certa  altura  do  litígio  o  citado  colector  da  nunciatura  é 
mandado  comparecer  no  Desembargo  do  Paço.  Mas  ele  entrin- 
cheirando-se  nas  suas  prerrogativas  não  compareceu  pelo  que  foi 
determinado :  «lhe  sejão  tomadas  suas  cavalgaduras,  não  indo 
nellas,  e  tomadas  suas  rendas  e  postas  em  sequestro,  e  notificados 
seus  criados  o  não  sirvam,  aliás  serão  prezos,  e  os  ferradores  lhes 
não  ferrem  suas  cavalgaduras,  nem  os  padeiros  lhe  dêem  pão  nem 
o  sirvam». 

Tomada  esta  decisão  pelo  Desembargador  em  20  de  Junho  de 
21 


322 


Por  último  diremos  que  o  penúltimo  volume 
—  o  ccxxi  —  é  um  códice,  numerado,  de  402  fo- 
lhas, com  as  Acta  Concilii  Tridentini,  pelo  cardeal 
Palcotti,  no  tempo  de  Pio  IV ;  e  o  último  da  co- 
lecção, isto  é,  o  ccxxii  —  que  era  o  volume  ccxxvii 
da  primitiva  —  tem  por  título  :  Brevia  Deputatio- 
num  Vicariorum  Apostolicorum  in  conquistis  Re- 
gum  Lusitanorum ...  i yS  i .  Tem  no  fim  um  re- 
sumo dos  Breves  contidos  no  volume,  desde  3  de 
Setembro  de  lôSg  a  19  de  Janeiro  de  1746(1). 

Por  estes  breves  exemplos  se  vê  que  a  colecção 
não  é  aquela  «fraca  obra»  de  que  fala  o  ilustre 
Herculano,  se  bem  que  este  não  deixe  de  classi- 
ficar de  «importantes  e  curiosos»  alguns  dos  do- 
cumentos transcritos. 

Também,  depois  de  ter  sentenciado  que  os  re- 
cheios de  parte  da  colecção  são  «tudo  cousas 
que  mediocremente  nos  interessam»,  e  de  notar 
«os  inumeráveis  erros  e  descuidos  dos  copistas», 
declara  ainda,  aludindo  à  colecção,  que  «sem  que 
se  possa  dizer  que  é  uma  cousa  desprezível,  está 
muito  longe  de  merecer  a  reputação  que  entre  os 


1617  logo  a  nunciatura  reclama.  São  excomungados,  pela  Bula 
da  Ceia,  o  dr.  Carlos  Brandão  Pereira,  Juiz  de  Feitos  do  caso ;  o 
conhecido  Tomé  Pinheiro  da  Veiga  e  Martins  Leitão  —  Desem- 
bargadores da  casa  da  Suplicação;  e  António  de  Oliveira  Pinto 
—  que  sérvio  de  meirinho  das  cadeias  da  corte;  e  ficaram  com 
interdição  as  igrejas,  mosteiros  e  ermidas  da  capital  e  arrabaldes. 

Há  ali  a  notar,  da  pág.  3i  i  a  3i6,  uma  carta  do  famoso  padre 
Francisco  Suarez  sobre  os  direitos  e  prerrogativas  do  colector. 

(1)  Este  códice  tem  212  folhas. 


:^23 


eruditos  se  lhe  tem  feito  ni,ais  por  fama  do  que  de 
visu»(i).. 

* 

Se  bem  que  a  actividade  historiográfica  não  se 
eclipsasse  de  todo  entre  nós  depois  do  desapare- 
cimento da  Academia  Real  de  História,  o  certo  é 
que  pela  falta  de  uma  instituição  protectora,  como 
aquela  era,  e  dos  estímulos  de  toda  a  ordem  os 
estudos  históricos  caíram  em  séria  decadência,  e, 
com  uma  ou  outra  excepção,  nesse  estado  se  con- 
servaram até  ao  aparecimento  da  Academia  das 
Sciências  de  Lisboa. 

Durante  o  governo  pombalino  as  sciências  his- 
tóricas não  tiveram  grande  explendor  porque  a 
actividade  crítica  do  ilustre  ministro  contra  a 
Companhia  de  Jesus  fez  esgotar  nas  grandes  obras 
de  polémica,  como  a  Dedução  Cronológica  e  Ana- 
lítica, o  Compêndio  Histórico,  e  outras,  o  engenho 
que  poderia  ser  apUcado  às  obras  de  construção 
scientííica. 

Porém,  não  se  julgue  que  foram  de  todo  esté- 
reis os  vinte  e  sete  anos  do  reinado  de  D.  José  (2). 

De  resto,  o  próprio  rei,  se  não  era  dotado  de 


(i)  Esta  curiosa  carta  de  Alexandre  Herculano  dirigida  em 
1873  ou  1874,  de  Val-de-Lobos,  ao  esforçado  académico  e  paleó- 
grafo JoÁo  Pedro  da  Costa  Basto,  foi  publicada  no  Arquivo  His- 
tórico Português,  vol.  I,  1903,  pág.  369  e  370,  e  por  nós  reproduzida, 
de  pág.  28  a  3o,  no  nosso  trabalho  Os  Arquivos  da  História  de 
Portugal  no  Estrangeiro. 

(2)  No  trabalho  que  trazemos  entre  mãos  acerca  do  primeiro 
marquês  de  Pombal  este  ponto  fica  bastante  desenvolvido. 


324 


uma  grande  curiosidade  scientlfica  não  desde- 
nhava, contudo,  aparentar  interesse  pelos  livros, 
como  se  conclue  notando  que  foi  esse  rei  quem 
comprou  a  livraria  do  famoso  bibliófilo  Nicolau 
Francisco  Xavier  da  Silva,  que  fora  da  Acade- 
mia Real  de  História^  após  a  morte  desse  eru- 
dito, em  1754,  para  suprir  a  falta  da  biblioteca 
real  desaparecida  com  o  terremoto  de  lySS. 

E  tanto  assim  é,  tanto  esse  período  não  é  in- 
teiramente, estéril  para  a  historiografia  que  os 
melhores  engenhos  que  vamos  encontrar  mais 
tarde  na  Academia  Real  das  Sciências  surgiram 
e  desenvolveram-se  durante  o  governo  pomba- 
lino como  Frei  Manuel  do  Cenáculo,  António  Ri- 
beiro DOS  Santos,  António  Caetano  do  Amaral, 
etc.  (i). 

Mas,  não  foi  só  a  história  propriamente  dita 
que  então  teve  alguns  cultores,  outro  tanto  suce- 
deu com  as  sciências  suas  auxiliares  como  a  di- 
plomática, a  arqueologia,  etc. 

Para  se  avaliar  da  protecção  do  governo  de 
Pombal  a  tais  estudos  publicamos  a  seguir,  na 
integra,  uma  interessante  consulta  da  Mesa  Cen- 
sória sobre  o  ensino  da  Diplomática,  já  nos  fins 
do  governo  de  D.  José,  em  lyyS  : 

«Senhor:  Como  as  Nações  illuminadas  da  Eu- 
ropa tem  feito  vantajozos  progressos  no  estudo 
Diplomático  pela  consideração  da  summa  utili- 


(1)  o  magnífico  arquivo  da  Real  Mesa  Censória  patenteia-nos 
em  grande  parte,  a  actividade  mental  portuguesa  nesse  tempo, 
e  comprova-nos  o  alto  mérito  de  alguns  dos  censores. 


325 


dade,  que  lhes  provem  do  conhecimento,  e  dis- 
tinctas  notícias  dos  caracteres  antigos,  de  que  se 
compõem  infinitos  Manuscritos  úteis  ao  publico, 
por  serem  de  Fazendas,  Privilégios,  Jurisdicçôes, 
Foros,  Leis,  Doações,  Noticias  Históricas  de  ser- 
viços feitos  á  Pátria,  e  de  muitas  outras  couzas 
necessárias  ao  decoro  das  Nações.  Tem  esta 
Meza  considerado  ser  assumpto  digno  de  provi- 
dencia o  Estabelicimento  de  huma  Cadeira  Di- 
plomática, servida  por  hum  Mestre  hábil,  com 
suííiciente  numero  de  discípulos,  que  aprendam 
esta  disciplina,  para  interpetrarem  os  copiozos 
Monumentos,  de  que  abunda  este  Reino,  sepul- 
tados nos  cartórios  das  Gathedraes,  e  Communi- 
dades  Collegiadas,  e  Regulares :  Practicando-se 
esta  Cadeira  pelas  Instrucções,  e  de  baixo  da  Ins- 
pecção desta  Meza,  observando  os  desempenhos 
do  Mestre,  e  os  progressos  dos  Discípulos : 

«E  constando  ser  Joze  Pereira  da  Sylva  o  su- 
jeito mais  proporcionado  para  estes  fins  pelos 
exames,  e  Provas,  que  tem  dado  da  sua  habili- 
dade. Conduzida  esta  Meza  pelas  felicíssimas 
experiências,  que  Vossa  Magestade  tem  feito  pra- 
cticar  em  tudo  quanto  he  relativo  ao  bem,  e  cre- 
dito Nacional,  anima-se  a  propor  aVossa  Mages- 
tade a  necessidade  e  a  providencia  que  se  faz 
preciza  em  huma  Matéria  de  tão  boas  consequên- 
cias ;  e  a  hum  sujeito,  que  pode  concorrer  para  a 
verificação  destas ;  propondo  mais  o  ordenado  de 
quatrocentos  mil  reis  cada  anno ;  tendo  o  mesmo 
Mestre,  alem  das  Licçóes  quotidianas  de  manhan 


326 


e  tarde,  a  outra  obrigação  de  Ler  no  Cartório^  e 
Bibliotheca  da  Meza  que  se  lhe  determinar.  — 
Meza,  vinte  e  quatro  de  Julho  de  mil  e  setecen- 
tos, e  setenta  e  cinco.  —  Bispo  P.  —  Arcebispo  de 
Lacedemonia  —  Pedro  Viegas  de  Novaes  —  Pr. 
Joaquim  de  S.  Anua  e  Silva  —  Fr.  Fraitcisco  de 
Sá  —  Fr.  Francisco  Xavier  de  Santa  Anna  —  Fr. 
Lui{  de  Santa  Clara  Povoa  —  Fr.  José  da  Rocha 
Fr.  Jo^e  Mayne  —  António  S."^  M.^"  Lobo  da  Cu- 
nha—  António  Veríssimo  de  Sarre»  [i). 

3.°  —  As  publicações  de  inéditos 
da  Academia  das  Sciêncías  de  Lisboa 

Uma  das  primeiras  diligências  que  fez  o  Duque 
DE  Lafões  logo  que  regressou  do  seu  exílio  a  Por- 
tugal, em  princípio  de  1 779,  foi  relativa  à  funda- 
ção da  Academia  das  Sciências,  havendo  encon- 
trado no  abade  Correia  da  Serra  um  entusiasta 
e  operoso  auxiliar. 

A  Academia,  depois  de  alguns  trabalhos  pre- 
paratórios, via  os  seus  estatutos  aprovados  oficial- 
mente por  Aviso  de  24  de  Dezembro  desse  mesmo 
ano  de  1779.  A  20  de  Junho  de  1780  realizava 
a  sua  sessão  de  apresentação  e  cumprimentos  à 
rainha  D.  Maria  I,  e  a  5  de  Julho  fazia-se  a  ses- 
são solene  pública  (2). 


(i)  Consulta  da  Mesa  Censória,  de  24  de  Dezembro  de  1775, 
In  Códice  481  do  Arquivo  do  Ministério  do  Reino  no  Arquivo  da 
Torre  do  Tombo. 

(2)  Acerca  das  origens  da  Academia  das  Sciências  de  Lisboa 


327 


Tudo  propiciava  o  aparecimento  da  Academia. 
Reconhecia-se  de  longa  data  a  necessidade  da 
criação  entre  nós  de  semelhante  instituição  com 
uma  esfera  de  especulação  mais  larga  e  um  plano 
de  trabalhos  muito  mais  vasto  que  a  antiga,  e  já 
extinta,  Academia  Real  de  História. 

Durante  o  século  xviii  as  chamadas  sciências 
da  natureza  tinham  feito  os  mais  extraordinários 
progressos  desde  a  astronomia  até  à  botânica  e 
à  zoologia,  quer  em  si  quer  nas  suas  aplicações, 
sem  excluir  as  matemáticas. 

Também,  as  sciências  de  espírito  não  haviam 
estado  paradas,  tornando-se  assim  mister  a  cria- 
ção de  uma  corporação  que  a  todas  envolvesse, 
enquadrasse  e  seriasse  no  seu  programa,  e  tra- 
balhasse constantemente  para  o  seu  maior  desen- 
volvimento. 

Deve  lembrar-se  que  já  alguns  anos  antes  em 
tal  se  havia  pensado,  e  até  legislado. 


e  dos  primeiros  anos  da  sua  existência  ver :  José  Silvestre  Ri- 
beiro, História  dos  Estabelecimentos  Scientíficos,  tômo  ii,  pág.  3-j 
a  6i,  e  pág.  267  a  869;  dr.  Teófilo  Braga,  História  da  Universi- 
dade de  Coimbra,  tômo  iii,  pág.  645  e  seguintes ;  Vítor  Ribeiro, 
O  ressurgimento  da  raça  portuguesa  e  a  Academia  de  Sciências. 

O  ilustre  Secretário  Geral  da  Academia,  sr.  Coronel  Cristó- 
VAM  Aires,  tem  vindo  a  publicar  no  «Boletim  da  2.*  Classe»  dessa 
instituição,  a  partir  do  3.°  fascículo  do  tômo  xii,  interessantíssi- 
mos documentos  de  «Os  primeiros  sócios  da  Academia»,  como 
o  arcebispo  de  Tessalónica,  Frei  Inácio  de  S.  Caetano,  Soares 
Barbosa,  Domingos  Vandelli,  Monteiro  da  Rocha,  Bento  José  de 
Sousa  Farinha,  etc. 

Também  nós  no  nosso  discurso  de  recepção  na  Academia 
estudamos  as  suas  origens  e  a  sua  evolução  até  à  Revolução  de 
1820. 


328 


Efectivamente,  já  no  livro  IIÍ  da  parte  IV  dos 
Estatutos  pombalinos  da  Universidade  de  Coim- 
bra, de  1772,  se  falava  na  criação  de  uma  Con- 
gregação geral  das  Sciências  para  o  adiantamento, 
progresso  e  perfeição  das  Siências  Naturais,  for- 
mada pela  reunião  dos  corpos  docentes  das  facul- 
dades de  Medicina,  Matemática  e Filosofia:  «con- 
siderando —  como  diz,  mais  tarde,  Francisco  de 
Lemos  —  que  todas  estas  Sciências  se  aperfeiçoão 
cada  vez  mais,  e  se  enriquecem  com  descobri- 
mentos novos,  que  logo  devem  incorporar-se  nos 
Cursos  das  Lições  públicas»  (i).. 

No  dizer  do  mesmo  tal  congregação  tinha:  «por 
instituto  trabalhar  no  progresso,  adiantamento,  e 
perfeição  das  mesmas  Sciências  de  modo  que  fe- 
lizmente se  tem  praticado,  e  pratica  nas  Acade- 
mias mais  célebres  da  Europa,  melhorando  os 
conhecimentos  adquiridos,  e  adquirindo  outros 
de  hovo,  os  quais  se  fizessem  logo  passar  aos  cur- 
sos respectivos  das  ditas  Faculdades». 

Mais  adiante  o  ilustre  reitor  pombalista  da 
Universidade  salienta  a  alta  conveniência  de  tais 
instituições,  e  cita  os  bons  resultados  havidos 
para  a  civilização  com  a  criação  da  Sociedade 
Real  de  Londres,  da  Academia  Real  das  Sciên- 
cias de  Paris,  e,  mais  recentemente,  com  a  Aca- 
demia de  Petersburgo. 


(i)  D.  Fkancisco  de  Lemos,  Relação  geral  do  Estado  da  Uni- 
versidade de  Coimbra,  publicada  pelo  dr.  Teófilo  Braga,  in  Me- 
mórias da  Academia^  i."  classe,  tõmo  vii,  pág.  61. 


32g 


E  logo  acrescenta  com  entusiasmo : 

«Por  isso  não  há  Príncipe  que  não  mostre  um 
grande  zelo,  e  disvello  em  honrar  a  Matemática, 
eas  mais  Sciências  Naturais,  animando  com  a  sua 
attenção  os  génios  sublimes;  procurando  attrahir 
outros  para  os  seus  Estados;  ennobrecendo  com  as 
suas  mãos  os  instrumentos  Matemáticos^  e  Filo- 
sóficos; e  empregando  somas  immensas  em  tantas 
Emprezas  literárias,  que  farão  do  nosso  Século 
uma  época  memorável  à  posteridade»  (i). 

O  que  não  se  pôde  efectuar  durante  o  governo 
do  marquês  de  Pombal,  e  logo  após  à  morte  de 
D.  Josée  à  queda  daquele  ministro,  teve  realidade 
mais  tarde  —  como  acabamos  já  de  ver. 

Porém,  a  jovem  Academia  das  Sciências  de 
Lisboa  não  se  dedicou  só  às  sciências  matemáti- 
cas, físico-químicas  e  naturais;  mas  igualmente 
trabalhou,  e  muito  afincada  e  proveitosamente, 
em  favor  das  sciências  do  espirito,  sendo  a  his- 
tória uma  das  mais  cultivadas  desde  o  início  dos 
seus  trabalhos. 

Também,  o  problema  das  publicações  docu- 
mentais foi  muito  cedo  ali  estudado  e  posto  em 
execução  com  a  impressão  de  muitos  documentos 
inéditos. 

Vamos  vêr  o  que  a  tal  respeito  dizem  as  actas, 
então  resumidíssimas  nos  seus  registos  (2). 


(i)  D.  Francisco  de  Lemos,  obrcit.,  pág.  63. 

(2)  As  transcrições  que  fazemos  são  copiadas  do  Livro  do 
Assento  dos  Sócios  que  assistem  a  cada  Assemblea^  de  3o  de  Junho 
de  1788  a  10  de  Janeiro  de  1798.  In  Arquivo  da  Academia  das 
Sciências  de  Lisboa. 


33o 


Já  na  sessão  de  12  de  Novembro  de  1788  o 
Académico  JoÃo  Guilherme  Muller  «Leo...  húa 
memoria  sobre  origês  orienta  es  de  palavras  Por- 
tuguezas.  O  S/  Manuel  Luiz  Alves  o  plano  da 
correspondência  para  a  Medicina  nacional.  O  S/ 
João  de  Loureiro  varias  observações  Astronómi- 
cas feitas  em  Pekim  pelo  P.  André  Rodrigues. 
Ventilão-se  as  questões  sobre  a  Ortografia.  De- 
rão  conta  os  S/"  do  Oratório  de  vários  Mss.  da 
sua  Bibliotheca»  (i). 

Na  sessão  de  19  de  Novembro  seguinte:  «O 
Secretario  leo  algús  documentos  inéditos  dos  Car- 
tórios de  Aviz  e  Palmella». 

Na  «Lembrança»  da  «Assemblea»  ou  sessão 
—  como  diríamos  hoje  —  de  26  de  Novembro, 
depois  de  outras  informações,  diz-se :  «Leo  o  Se- 
cretario algús  apontamentos  acerca  de  Mss.  Por- 
tuguezes  de  Itália  e  Espana»,  — referindo-se  à  co- 
municação do  abade  Correia  da  Serra. 

Na  sessão  de  3  de  Dezembro,  depois  de  se  tra- 
tar «da  demarcação  da  meridiana  de  Lisboa»,  in- 
forma a  «Lembrança»  :  «derãose  as  providencias 
necessárias  para  a  composição  de  hum  Codex 
Diplomático  da  Legislação  portugueza,  e  aprezen- 
tou  o  Secretario  varias  etimologias  hebraicas  de 


(1)  A  essa  sessão  assistiram:  Garção  Stockler,  Alves  de 
Carvalho,  João  Muller,  João  de  Loureiro,  Gosta  de  Macedo, 
Bartolomeu  Inácio  Jorge,  João  Faustino,  José  de  Azevedo,  Joa- 
quim de  Foyos,  António  Caetano  do  Amaral,  Jacob  Crisóstomo 
Proetorius,  Custódio  Gomes  de  Vilas  Boas,  Francisco  António 
Ciera  e  José  Correia  da  Serra. 


33i 


palavras  Portuguezas  para  se  ajustarem  ao  tra- 
balho do  Sn/  MuUer»  (i). 

Depois,  o  Livro  do  Assento  não  contêm  nenhuma 
«Lembrança»  sobre  assuntos  históricos  até  à  ses- 
são de  3  de  Fevereiro  de  1790.  Acerca  do  que 
se  passou  nessa  «Assemblea»  diz  o  mencionado 
Livro:  «LeQse  a  Mem.  Numismática  de  Fr.  Joa- 
quim de  S.  Agostinho,  e  húa  Ghronica  inédita  da 
Conquista  do  Algarve.  O  S/  Jozé  de  Azevedo 
hum  extracto  das  cartas  de  Fr.  Bartholomeu  dos 
Mártires  q  existem  no  Cartório  de  Braga»  (2). 

Na  sessão  de  10  de  Fevereiro  de  1790  «Leo  o 
S.""  Joaquim  de  Foyos,  censura  das  Mem.  q  tinhão 
vindo  a  concurso.  O  S.""  Jozé  de  Azevedo  o  ex- 
tracto das  cartas  de  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes  q 
existem  em  Braga . . .  (3). 

O  que  se  passou  na  sessão  de  17  do  mesmo 
mês  não  nos  interessa,  pois  apenas  se  refere  a 
censuras  e  pareceres  sobre  obras. 


(i)  A  esta  sessão  assistiram  :  Stockler,  Caetano  do  Amaral, 
José  António  Raposo,  José  Pedro  Hasse  de  Belém,  Vilas  Boas, 
Teodoro  de  Almeida,  Bartolomeu  da  Gosta  e  Correia  da  Serra. 

(2)  Esta  sessão  esteve  muito  concorrida,  tendo  a  ela  compa- 
recido o  Duque  de  Lafões,  Vilas  Boas,  Guilherme  Luís  António 
de  Valleré,  Joaquim  de  Foyos,  João  de  Loureiro,  Joaquim  Pedro 
Fragoso  de  Sequeira,  Domingos  Vandelli,  Alexandre  António 
das  Neves,  José  António  Raposo,  Bartolomeu  Inácio  Jorge,  José 
DE  Azevedo,  Costa  de  Macedo,  Fr.  Joaquim  Forjaz  Alves  de  Car- 
valho^ Giera,  e  Garção  Stockler. 

(3)  A  esta  sessão  compareceram  Fragoso  de  Sequeira,  Ra- 
poso, José  Bonifácio  de  Andrade  e  Silva,  Vilas -Boas,  Joaquim 
DE  Foyos,  Alexandre  António  das  Neves,  Hasse  de  Belém,  Gosta 
DE  Macedo,  Inácio  Jorge,  José  de  Azevedo,  Moura  Portugal, 
Vandelli,  Stockler,  Correia  da  Serra. 


332 


A  24  seguinte  «Leo  o  R."'°  S/  Fr.  Joaquim  For- 
jaz  um  catalogo  e  Juizo  dos  Manuscritos  de  D.  Fr. 
Aleixo  de  Meneses  que  actualm.^^  existem  na  Li- 
vraria de  N/  S/^  da  Graça ...»  (i). 

A  sessão  de  3  de  Março  foi  muito  importante 
pela  natureza  e  o  número  das  questões  versadas. 
Falando  dela,  diz  o  Livro  do  Assento:  «Apresen- 
tou o  Secretario  húa  carta  e  hum  livro  sobre  as 
febres  por  José  Manoel  Chaves,  e  a  4.^  parte  de 
Mem.  sobre  os  vinhos  de  Constantino  Botelho,  o 
Projecto  de  Hist.  de  Goa,  as  Descripçoês  de  ani- 
maes,  e  os  does  Livros  sobre  a  Religião  dos  Brâ- 
manes.de  Francisco  Luiz  de  Menezes. 

«Lerãose  as  Portarias  de  S.  Mag.'^^  sobre  a  vi- 
zita  dos  Cartórios,  e  o  Avizo  ao  Reitor  da  Univ.*^^ 
sobre  a  dispensa  dos  Oppozitores  empregados 
pela  Academia. 

«Aprezentou  o  Secretario  húa  Mem.  q  concor- 
ria ao  premio  sobre  o  ponto  das  Behetrias. 

«Aprezentou  o  S.'"  VandelU  as  amostras  dos 
chapéos  e  a  maquina  para  abrir  a  boca  dos  asfi- 
xiados. Leo  o  S.''  Cabral  húa  memoria  sobre  o 
paul  de  Otta. 

«O  S.""  Azevedo  duas  Cartas  de  Braga  sobre  o 
Liber  Fidei. 

ccDeu  conta  o  S.''  Joaquim  de  Foyos  da  Memo- 
ria sobre  a  hist.  da  nossa  Typograíia. 


(i)  Na  sessão  de  24  de  Fevereiro  estiveram  João  Faustino, 
Fr.  Joaquim  Fobjaz,  Raposo,  Giera,  Vii.as  Boas,  Fragoso  de  Se- 
queira, Loureiro,  Inácio  Jorge,  Azevedo,  Belém,  Costa  de  Ma- 
cedo, Foyos  e  Stockler. 


;33 


« Aprezentou  o  Secret.  a  Viagem  de  Botany  Bay 
por  Artur  Fillips  mandada  de  prezente  pelo  S/ 
António  de  Araújo  de  Azevedo. 

«E  o  S/  Amaral  húa  medalha  de  prata  de  Tra- 
jano  achada  em  Alcácer»  (i). 

Nas  sessões  ordinárias  de  lo,  17  e  24  de  Março, 
e  na  do  Conselho  de  12  do  mesmo  mês  são  tra- 
tados vários  assuntos  literários  e  apresentados 
diversos  trabalhos  como  uns  subsídios  para  a 
história  dos  gentios  de  Goa,  várias  Memórias  so- 
bre coutos  e  behetrias^  direito  de  correição,  a  pu- 
blicação das  Memórias  de  Literatura,  um  elogio 
de  Afonso  de  Albuquerque,  etc. 

Na  sessão  seguinte,  de  14  de  Abril;  «Leo  o  Se- 
cretario húa  Memoria  sobre  as  Façanhas  no  nosso 
antigo  direito,  de  José  Anastácio  Ribeiro  de  Fi- 
gueiredo. Mais  outra  de  introducção  á  Hist. 
Nautral  e  civil  de  Bragança  do  Sn.""  Ledesma.  O 
Sn.'"  Gorge  a  censura  da  tradução  do  2.°  livro  das 
Georgicas.  O  Sn.^'  Loureiro  a  Censura  das  me- 
morias sobre  as  vinhas»  (2). 

Nas  sessões  ordinárias  de  21  e  28,  quanto  à 


(i).Á  sessão  ordinária  de  3  de  Março  estiveram,  presentes  : 
Stocki.er,  Sequeira,  Estêvão  Cabral,  Tomás  António  de  Vila 
Nova  Portugal,  Joaquim  Pedro  Gomes  de  Oliveira,  João  de 
Loureiro,  José  Bonifácio  de  Andrade  e  Silva,  Vilas  Boas,  Ciera, 
MuLLER,  FoYos,  António  Caetano  do  Amaral,  Vandelli,  Ale- 
xandre António  das  Neves,  Azevedo,  Bartolomeu  da  Costa, 
Correia  da  Serra. 

(2)  A  esta  sessão  compareceram,  entre  outros,  os  seguintes 
vogais  :  os  Académicos  José  ínágio  da  Costa,  João  Faustino, 
Guilherme  Vallerk,  Fr.  Joaquim  Forjaz,  João  Manuel  de  Abreu, 
Manuel  Ferreira  da  Camará, 


334 


classe   de   letras  trata-se  de  uma  tradução  das 
'Geórgicas^  e  de  uma  Memória  sobre  Honras. 

Finalmente,  na  sessão  de  5  de  Maio  «Leo  o 
Secretario  a  resposta  do  conde  de  Florida  Blanca 
á  carta  de  oííicio  da  nossa  corte  sobre  a  visita  do 
Escoriai  e  Simancas.  O  Discurso  Preliminar  das 
Cronicíis(i)  ...  Húa  memoria  de  Pêro  Nolasco 
dos  Reis  sobre  o  modo  de  povoar  as  provindas. 
O  S.*"  Azevedo  a  censura  do  Elogio  de  Albuquer- 
que, e  de  .cinco  peças  de  Poezia.  Monsenhor 
Hasse  a  censura  das  Tentativas  da  hist.  tipográ- 
fica de  Portugal». 

Essa  sessão  foi  muito  concorrida,  tendo  com- 
parecido o  Duque  de  Lafões,  JoÃo  de  Loureiro, 
Costa  de  Macedo,  Raposo  Nunes  Léger,  Caetano 
DO  Amaral^  JoÃo  Faustino,  Manuel  Ferreira  da 
Camará,  Domingos  Vandelli,  José  Bonifácio  de 
Andrade,  Bartolomeu  Inácio  Jorge,  José  de  Aze- 
vedo, Neves  Portugal,  Joaquim  de  Foyos,  Hasse, 
Cisra,  João  Manuel  de  Abreu,  Custódio  Vilas 
Boas,  Stockler  e  Correia  da  Serra, 

Depois,  as  sessões  são  cada  vez  mais  concor- 
ridas, faltando  raras  vezes  o  ilustre  Duque  de  La- 
fões, e  nunca,  até  ao  fim  do  ano,  o  eminente  Cor- 
reia DA  Serra. 

Nessas  reuniões,  entre  outros  estudos  e  diver- 
sas comunicações  de  sciências  matemáticas,  físico- 


(i)  Trata-se  do  Discurso  Preliminar  de  José  Correia  da 
Serra  que  serve  de  Introdução  à  Colecção  de  Livros  Inéditos  de 
História  Portuguesa  dos  Reinados  de  D.  João  I,  D.  Duarte, 
D.  Afonso  F,  e  D.  João  II —  de  que  adiante  tratamos. 


335 


-químicas,  biológicas  e  suas  aplicações,  são  apre- 
sentados vários  trabalhos  literários  e  jurídicos, 
como  o  de  Anastácio  de  Figueiredo  sobre  a  In- 
trodução do  Direito  de  Justiniano  em  Portugal;  a 
Memória  de  António  Ribeiro  dos  Santos  sobre  a 
Fidalguia  Portuguesa  (i);  a  Sinopse  metódica  da 
legislação  portuguesa,  a  partir  de  1602,  apresen- 
tada por  Alexandre  António  das  Neves  (2);  e  José 
António  de  Figueiredo  apresentou  «algúas  notas 
á  sua  Sinopsi  chronologica  da  Legislação  anti- 
ga» (3). 

* 

Gomo  temos  vindo  a  mostrar,  a  Academia  desde 
o  seu  início  interessou-se  muito  pelas  sciências 
de  erudição,  vamos  ver  agora  por  uma  forma 
mais  concreta  a  atenção  que  lhe  mereceram  os 
trabalhos  de  história. 

Efectivamente^  por  aviso  de  26  de  Fevereiro 
de  1790  eram  encarregados  os  doutores  José  Fer- 
reira Gordo  e  JoÃo  Pedro  Ribeiro  de,  por  parte 
da  Academia,  efectuarem  a  «indagação  dos  Gar- 


(i)  Nas  sessões  de  2,  9  e  16  de  Junho.  Na  sessão  de  16  «Leo 
o  Sr.  Vandelli  hQa  Mem.  sobre  as  cheas  do  Mondego». 

(2)  Os  trabalhos  de  Alexandre  das  Neves  e  de  José  Anastá- 
cio foram  apresentados  na  sessão  ordinária  de  14  de  Julho  de 
1790.  Segundo  diz  a  «Lembrança»  também  nessa  ocasião  «o  Sr. 
Muller  aprezentou  alguas  notas  ás  Mem.  do  Sr.  Ribeiro  sobre  os 
Judeos  Portuguezes». 

O)  Por  me  parecerem  interessantes  e  julgar  inéditas  as  pas- 
sagens das  actas  acima  transcritas  aí  as  deixa  como  documenta- 
ção da  laboriosidade  da  Academia  desde  o  seu  início. 


336 


tórios  das  Gamaras,  Mosteiros,  e  outras  corpo- 
rações publicas . .. ». 

Em  1790  aparecia  o  primeiro  tomo  da  Colec- 
ção de  Livros  Inéditos  da  História  Portuguesa, 
Abre  esse  volume  um  Discurso  Preliminar  de  José 
Correia  DA  Serra,  onde  se  justifica  o  aparecimento 
da  colecção  por  uma  forma  de  tal  modo  inteli- 
gente e  verdadeira  que,  decorridos  mais  de  1 3o 
anos,  ainda  é  a  mesma  a  que  recorremos  para 
justificar  o  aparecimento  da  nossa  Colecção  de 
Documentos  Inéditos. 

Diz  o  ilustre  abade  que  os  factos  históricos  — 
«as  pessoas,  as  acções,  e  as  idéas»  — só  são  co- 
nhecidos pelos  documentos  que  deixaram  da  sua 
existência. 

E  escreve:  «Os  vestígios  que  de  si  deixarão 
nos  monumentos,  e  a  narração  dos  contemporâ- 
neos, he  tudo  o  que  delles  fica». 

E  acrescenta,  com  suma  verdade : 

«E  se  porventura  faltarem,  não  ha  viveza  de 
engenho,  nem  agudeza  de  raciocínio,  que  possão 
suprir  a  sua  falta». 

E,  logo  aduz :  «São  por  conseguinte  estes  ves- 
tígios, estas  narrações  a  baze  única  da  certeza  da 
nossa  Historia,  e  os  únicos  materiaes  que  a  cons- 
tituem para  a  gente  sizuda,  que  nella  busca  ins- 
trucção,  e  não  desenfado». 

A  seguir,  fala  dos  livros  de  imaginação  que 
tratam  do  nosso  passado  «faltos  de  valor  pró- 
prio», e  que  se  impõem  «tão  somente  pela  pu- 
reza da  Hnguagem,  formosura  do  estilo,  ordem  e 


337 


clareza  do  discurso...»,  mas  sem  valor  scientí- 
fico,  mostrando  «a  pouca  curiozidade  que  entre 
nós  houve  de  remontar  ás  fontes  primitivas». 

Foi  para  suprir  essas  deficiências  que  a  Aca- 
demia resolveu  publicar  a  sua  Colecção  de  Iné- 
ditos. 

A  seguir  explica  : 

«Para  conseguir  este  fim  resolveo  indagar,  e 
publicar  os  antigos  livros,  memorias  e  monumen- 
tos da  Monarquia,  que  o  tempo  houver  pou- 
pado». 

E,  comenta^  com  verdade :  «Vasta  e  laboriosa 
empresa,  único  meio  porem  de  supprir  descuidos 
passados,  e  levar  a  Historia  Portugueza  ao  ponto 
de  perfeição,  que  ella  merece,  e  de  que  nós  neces- 
sitamos». 

Depois,  esclarece  e  previne  : 

«Quando  sahirem  do  pó  estas  testemunhas,  e 
hum  grande  numero  de  factos  incógnitos  vir  a 
luz  dia,  quando  o  trabalho,  a  paciência,  o  espi- 
rito de  crítica,  e  de  discurso  tiverem  combinado 
estes  materiaes,  e  deduzido  a  exacta  noticia  dos 
pontos  que  nos  importa  conhecer  (porque  nem 
tudo  o  que  aconteceo  he  digno  de  ser  Historia, 
ainda  que  tudo  pode  servir  para  ilustralla)  então 
he  que  poderemos  sem  jactância  persuadimos 
de  saber  o  que  Portugal  tem  sido,  e  só  então  huma 
penna  guiada  pela  rezão,  e  pelo  bom  gosto,  po- 
derá expor  á  nossa  vista,  a  complicada  serie  das 
acções  passadas,  e  explicamos  com  certeza,  as 
cauzas  que  as  motivarão,  e  os  eífeitos  que  delias 


338 


se  seguirão,  de  modo  que  a  nós  sejão  de  proveito, 
e  á  posteridade  de  ensino». 

Após  êsíe  Discurso  do  ilustre  Abade  Correia 
aparece  logo  o  primeiro  inédito  que  é  constituído 
pelo  Livro  da  Guerra  de  Ceuta,  por  Mateus  Pi- 
SANO,  1460,  indo  da.pág.  7  a  57.  Seguem-se 
ainda  nesse  volume :  a  Crónica  do  Senhor  Rei 
D.  Duarte^  escrita  por  Rui  de  Pina  ;  e  a  Crónica 
do  Senhor  Rei  D.  Afonso  V,  do  mesmo  autor. 

O  segundo  tomo  aparece  em  1792,  e  contêm  a 
Crónica  do  Conde  D.  Pedro,  por  Gomes  Eanes  de 
Azurara. 

O  terceiro  tomo  aparecia  no  ano  seguinte,  em 
1793,  e  é  preenchida  pela  Crónica  do  Conde 
D.  Duarte  de  Meneses,  de  Rui  de  Pina  ;  pelo  Li- 
vro Vermelho,  do  Senhor  Rei  D.  Afonso  V ;  e  pe- 
los Fragmentos  de  Legislação^  escritos  chamados 
antigos  das  posses  da  Casa  da  Suplicação. 

Por  sua  vez,  o  quarto  tomo,  publicado  só  em 
1816^  depois  de  um  Discurso  Preliminar,  e  Intro- 
dução às  Crónicas  de  Fernão  Lopes,  inclue  a  Cró- 
nica de  el-rei  D.  Pedro  I  por  Fernão  Lopes  ;  a 
Crónica  de  el-rei  D.  Fernando  pelo  mesmo  cro- 
nista; e  os  Foros  antigos  dos  concelhos  de  Santa- 
rém, S.  Martinho  de  Mouros,  Torres  Novas. 

Enfim,  o  tomo  quinto,  só  aparecido  em  1824, 
contêm  a  Crónica  dos  Senhores  Reis  de  Portugal, 
por  Cristóvão  Rodrigues  Acenheiro;  e  os  Foros 
de  GrapãOj  Guarda,  Beja  e  Lamego. 

Assim  terminou  o  último  volume  desta  muito 
interessante  colecção  de  inéditos. 


339 


Entretanto,  já  havia  aparecido  outra  magní- 
fica colecção,  editada  igualmente  pela  nossa  Aca- 
demia :  a  das  Memórias  de  Literatura  Portu- 
guesa. 

Efectivamente,  em  1792,  aparecia  o  primeiro 
tomo  dessas  Memórias,  inserindo,  após  um  estudo 
prévio  sobre  a  significação  lata  de  literatura,  os 
seguintes  trabalhos  :  Memórias  sabre  a  poesia  bu- 
cólica dos  poetas  portugueses,  por  Joaquim  de  Foios; 
as  Memórias  sobre  a  forma  de  Governo,  e  costumes 
dos  povos  que  habitarão  o  terreno  lusitano  desde  os 
primeiros  tempos  conhecidos  até  ao  estabelecimento 
da  Monarquia  Portuguesa,  por  António  Caetano 
DO  Amaral;  uma  Memória  sobre  a  origem  dos 
nossos  juízes  de  fora,  por  José  Anastácio  de  Fi- 
gueiredo; um  pequeno  estudo  histórico  e  filoló- 
gico do  mesmo  erudito'  sobre  a  palavra  façanhas ; 
uma  Memória  sobre  uma  crónica  inédita  da  con- 
quista do  Algarve,  por  Frei  Joaquim  de  Santo 
Agostinho  ;  um  magnifico  estudo  sobre  as  Be- 
etrias  e  as  suas  diferenças  dos  Coutos  e  Honras, 
por  José  Anastácio  de  Figueiredo;  outro  excelente 
estudo  do  mesmo  académico  sobre  a  época  em 
que  foi  introduzido  em  Portugal  o  direito  Justi- 
nianeu ;  um  estudo  de  Frei  Joaquim  Forjaz  sobre 
umas  décadas  inéditas  de  Diogo  do  Couto,  encon- 
tradas no  convento  da  Graça ;  e  uma  Memória 
de  numismática  escrita  por  Frei  Joaquim  de  Santo 
Agostinho. 

No  tomo  segundo,  aparecido  no  mesmo  ano, 
continuam-se  alguns  estudos  encetados  no  vo- 


340 


lume  anterior  e  iniciam-se  outros  como  as  Me- 
mórias sobre  as  fontes  do  Código  Filipino,  por 
João  Pedro  Ribeiro;  o  magnífico  estudo  de  An- 
tónio Ribeiro  dos  Santos  sobre  os  Judeus  portu- 
gueses, e  mais  um  importante  estudo  de  António 
Caetano  do  Amaral  sobre  a  história  da  legislação 
e  dos  costumes  no  nosso  país. 

Ainda  nesse  mesmo  ano  de  1792  surgia  o  tomo 
terceiro,  que  abre  com  um  estudo  interessantís- 
simo de  Ferreira  Gordo  sobre  os  manuscritos  da 
Biblioteca  Real  de  Madrid  e  da  do  Escurial,  e  que 
se  ocupam  do  nosso  país,  seguido  de  um  trabalho 
filológico  de  António  Pereira  de  Figueiredo  sobre 
as  Décadas  de  JoÃo  de  Barros,  etc. 

Em  1793  apareciam  os  tomos  quarto  e  quinto, 
em  1796  foi  publicado  o  tomo  sexto,  dez  anos 
depois  aparecia  o  sétimo,  e  só  muito  mais  tarde 
era  dado  a  público  o  oitavo  e  último. 

Entretanto,  já  haviam  aparecido,  entre  1806  e 
1809,  os  seis  volumes  da  Colecção  dos  principais 
autores  de  história  portuguesa  com  a  publicação 
da  Monarquia  Lusitana  —  a  que  atrás  nos  refe- 
rimos. 

Vários  outros  corpos  de  publicações  teem  ela- 
borado a  Academia  das  Sciências  de  Lisboa,  cons- 
tando uma  dessas  obras  da  inserção,  in  integro, 
de  documentos  inéditos,  como  os  Portugaliae 
monumenta  histórica;  e  outras  da  publicação  em 
extracto,  resumo,  ou,  simplesmente  como  fontes, 
de  manuscritos  de  importância. 

Como  já  dissemos,  um  dos  melhores  exemplos 


341 


da  primeira  categoria  destas  colecções  é  consti- 
tuída pelos  Portugaliae  momimenta  que,  dividida 
nas  cinco  séries  dos  Scriptores,  Leges  consuetudi- 
nes,  Diplomata  et  Chartae,  e  as  Inquisitiones,  tem 
seguido  paralelamente  a  publicação. 

Outro  bom  exemplo  de  publicações  completas 
de  documentos  é  fornecido  pela  Colecção  de  mo- 
numentos inéditos  para  a  história  das  conquistas 
dos  portugueses  em  Africa,  Ásia  e  América^  tendo 
aí  aparecido  as  Lendas  da  índia  de  Gaspar  Cor- 
reia, a  Década  da  índia  de  António  Bocarro,  o 
Livro  das  Monções^  e  as  Cartas  de  Afonso  de  Albu- 
querque, etc.  E  ainda  outro  excelente  modelo 
do  género  é  dado  pelo  Corpo  Diplomático  Portu- 
guês, do  qual  se  publicaram  catorze  tomos. 

Como  exemplo  de  obras  totalmente  baseadas 
em  documentos^,  mas  só  inserindo  deles  simples 
extractos  ou  pequenas  passagens,  pode  dar-se 
o  Quadro  elementar  das  relações  políticas  e  diplo- 
máticas de  Portugal,  obra  essa  excelente  que  se 
interrompeu  em  1860  com  a  publicação  do  tomo 

XVIII. 

Além  de  todas  estas  obras  muitas  outras  de 
sólida  erudição  tem  a  Academia  dado  a  lume, 
sendo  esta  instituição  a  que,  por  uma  forma  mais 
elevada,  metódica  e  intensiva,  tem  publicado  mais 
importantes  documentos  da  história  portuguesa. 


342 


Além  da  gloriosa  Academia  das  Sciências  de 
Lisboa,  mas  muito  depois  e  abaixo  dela,  outras 
instituições  teem  acorrido  a  dar  a  sua  valiosa 
contribuição  para  o  maior  conhecimento  das  fon- 
tes documentais,  sendo  de  salientar  —  em  rápido 
curriculum  —  a  Sociedade  de  Geografia  de  Lis- 
boa ;  o  Instituto  de  Coimbra ;  a  Biblioteca  Pú- 
blica do  Porto  —  com  a  sua  Colecção  de  manuscri- 
tos inéditos;  a  Biblioteca  da  Universidade  de 
Coimbra  —  com  o  seu  Arquivo  Bibliográfico,  tor- 
nado, actualmente,  Boletim  Bibliográfico;  o  Ar- 
quivo da  Torre  do  Tombo  (i) ;  a  Biblioteca  Na- 
cional de  Lisboa — ^  com  o  seu  antigo  Boletim,  e, 
actualmente,  com  os  seus  Anais;  o  excelente  Ar- 
quivo Histórico;  a  Academia  de  Sciências  de 
Portugal  —  instituição  recente,  mas  que  na  cole- 
cção dos  seus  Trabalhos  contêm  estudos  muito 
valiosos;  a  Câmara  Municipal  de  Lisboa  —  que 
beneméritamente  teem  publicado  os  magníficos 
dezassete  volumes  dos  Elementos  para  a  História 
do  Município.  , 

Além  dessas  instituições  que,  por  uma  forma 
mais  ou  menos  sistemática,  teem  vindo  a  publi- 
car documentos   inéditos   são  também  de  citar 


(1)  Acerca  dos  estabelecimentos  que  acabamos  de  apontar, 
ver  a  nossa  obra :  Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal,  de 
pág.  121  a  212. 


343 


as  colecções  de  trabalhos,  arquivos,  anais,  mcn- 
sários,  boletins,  revistas,  jornais  e  outras  publica- 
ções definitivas  ou  periódicas  que  teem  divulgado 
manuscritos  de  valor  histórico. 

Entre  essas  numerosas  e  variadas  publicações, 
inserindo  documentos,  são  de  citar,  um  tanto  ao 
acaso,  os  Anais  das  Sciências,  das  Artes  e  das  Le- 
tras —  que  formam  uma  colecção  de  dezasseis 
volumes  impressos  em  Paris,  desde  Julho  de  1 8 1 8 ; 
a  Aínemo{ine  Literária^  o  Correio  Brasiliense  — 
impresso  em  Londres  no  principio  do  século  xix; 
o  Correio  Português  —  publicado  também,  por 
essa  época,  em  Londres;  o  Panorama;  os  Anais 
das  sciências  e  letras;  o  Arquivo  Pitoresco;  a  Re- 
vista da  Sociedade  de  Instrução  do  Porto;  a  Re- 
vista Lusitana;  a  Revista,  mensário  de  sciências  e 
letras  do  Porto;  o  Anuário  da  Universidade  de 
Coimbra;  o  Conimbricense  —  magnifico  repositó- 
rio de  documentos  importantíssimos  para  o  co- 
nhecimento da  história  moderna  e  contemporânea 
de  Portugal;  a  Revista  Universal  Lisbonense;  a 
Revista  de  Portugal;  o  Ocidente;  a  Revista  Pe- 
ninsular; a  Revista  Musical;  a  Arte  Musical  — 
onde  Sousa.  Viterbo  publicou  diversos  inéditos 
valiosos;  sl  Revista  de  Engenharia  onde  foi  publi- 
cado, pelo  Académico  sr.  Esteves  Pereira,  o  Tra- 
tado ou  defensam  da  agulha  de  marear,  de  Pedro 
Nunes;  a  Revista  Militar;  a  antiga  Revista  lite- 
rária, scientífica  e  artística  do  Século;  os  Serões 
—  excelente  magasine  onde  foram  publicados 
muitos  e  bons  artigos  históricos  com  documen- 


344 


tacão ;  a  Ilustração  Portuguesa ;  a  Revista  de  His- 
tória, órgão  da  Sociedade  Portuguesa  de  Estudos 
Históricos ;  etc,  etc. 

São  de  tal  forma  numerosas  e  diversas  as  pu- 
blicações que  teem  dado  a  público  manuscritos, 
que  é  hoje  uma  temeridade  dizer-se  quando  se 
publica  algum  documento  que  este  é  inédito. 

Foi  para  obviar  a  esse  enorme  inconveniente 
que  nós  propusemos  ao  governo,  pelo  Ministério 
da  Instrução/  a  elaboração  de  um  catálogo  de 
manuscritos  já  publicados,  com  a  natural  indica- 
ção dos  lugares  onde  figuram  impressos  (i). 

Esse  trabalho  verdadeiramente  meritório  ainda 
está  por  fazer,  e  com  a  sua  falta  sofrem  muito  os 
investigadores :  primeiro  por  não  saberem  se  as 
fontes  manuscritas  do  seu  estudo  já  foram  por 
outros,  anteriormente,  conhecidas,  estudadas  e 
publicadas,  em  segundo  lugar  porque  a  publica- 
ção de  um  tal  catálogo  ou  Índice,  se  fosse  orde- 
nado por  matérias,  por  assuntos  e  por  ordem 
cronológica,  seria  um  excelente  guia  bibliográ- 
fico, uma  espécie  de  Wegjveiser,  podendo  servir 
de  tipo  o  publicado  por  Oesterley  sobre  as  co- 
lecções de  fontes  medievais. 

Há  por  aí  tanto  funcionário  a  aborrecer-se  sem 
ter  nada  que  fazer,  e  há,  pelo  contrário,  tanta 
cousa  que  fazer,   só  faltando   quem   apareça   a 


(i)  Acerca  deste  assunto  ver  o  capítulo  VI  do  nosso  trabalho 
Os  Arquivos  c  as  Bibliotecas  em  Portugal,  pág.  244  a  25 1  onde 
largamente  expomos  as  nossas  ideas  sobre  este  ponto,  e  descre- 
vemos as  providências  que  propusemos  superiormente. 


345 


proclamar  de  alto  a  baixo  esta  simples  e  co- 
mesinha  verdade :  os  funcionários  existem  e  ga- 
nham para  desempenharem  funções,  e  se  as  não 
desempenham  não  teem  direito  a  ganhar,  pois 
um  decreto  de  nomeação  equivale  a  um  contrato 
bilateral  em  que  o  funcionário  oferece  o  seu  tra- 
balho e  o  Estado,  em  nome  do  pais,  comprome- 
te-se  a  pagar-lho. 


CAPÍTULO  Vi 

A  fase  actual  da  metodologia  Mstórica  (i) 

I  .*'  —  A  história  no  quadro  geral  das  sciências 

a)  Â  história  nas  classificações  scientíficas 

Vimos  já,  com  o  possível  desenvolvimento  com- 
patível com  uma  obra  desta  natureza,  como  tem 
sido  enorme  e  constante^  especialmente  a  partir 
do  século  XVIII,  o  desejo  por  toda  a  parte  mani- 
festado e  comprovado  de  fazer  progredir  a  histó- 
ria por  meio  da  publicação  dos  manuscritos  dos 
vários  arquivos  e  bibliotecas  tanto  nacionais 
como  estrangeiros,  pois  os  governos  e  as  insti- 
tuições scientíficas  dos  diversos  países  não  se 
contentando  em  tornar  públicas  as  espécies  dos 


(i)  No  capítulo  que  vai  ler-se  não  deve  o  leitor  procurar  as 
ideas  do  autor  sobre  os  assuntos  aqui  estudados^  porque  só  raras 
vezes  as  encontrará  expostas.  Tivemos  aqui  em  vista,  somente» 
expor,  tão  completamente  quanto  o  limitado  espaço  nos  permite, 
o  estado  actual  dos  conhecimentos,  as  concepções,  as  ideas  e  as 
opiniões  mais  características  sobre  os  assuntos  versados.  Num 
trabalho  especial  sobre  esta  matéria  apresentaremos  conveniente- 
mente sistematizados  os  nossos  pontos  de  vista,  as  nossas  opi- 
niões. 


348 


seus  depósitos,  teem  irradiado  missões  de  estudo 
pelas  outras  nações  em  busca  de  documentos 
que  esclareçam  melhor  o  seu  passado  nacional, 
publicando  não  só  os  índices  —  j  e  por  vezes  bem 
analíticos  eles  são  I  —  das  peças  mais  interes- 
santes, como,  in-extenso,  ou  em  extractos,  as 
próprias  peças,  com  as  convenientes  introduções 
e  notas. 

Vimos,,  também,  que  esse  trabalho  tem  sido  gi- 
gantesco e  sistematicamente  conduzido  na  França 
e  na  Alemanha ;  que  êle  tem  sido  menos  inten- 
sivo, mas  também  importante,  na  Inglaterra ; 
que  é  mais  recente,  mas  igualmente  digno  de 
nota,  na  Bélgica,  Itália  e  Suíça ;  e  que  êle  tendo 
em  Espanha  uma  longa  tradição,  passou  por  al- 
guns desfalecimentos  dos  quais  procura  agora 
resarcir-se  por  meio  de  uma  actividade  inten- 
siva, mas  metódica. 

Igualmente  vimos  que  o  nosso  país  não  ficou 
estranho  a  esse  movimento,  especialmente  a  par- 
tir do  reinado  de  D.  João  V,  tendo  não  só  sido 
publicadas  muitas  espécies  manuscritas  dos  nos- 
sos depósitos,  como  ainda  feito  um  despojo  e 
uma  selecção  das  espécies  dos  Arquivos  do  Va- 
ticano, relativas  ao  nosso  país,  que  foram  regis- 
tadas na  vasta  colecção  da  Simicta  Lusitana  — 
havendo  assim  Portugal  precedido,  em  mais  de 
um  século,  o  estabelecimento  das  missões,  insti- 
tutos e  seminários  de  história  criados  em  Roma, 
pela  Alemanha,  França  e  Áustria. 

A  crescente  intensidade  que  teem  apresentado 


349 


os  trabalhos  de  publicação  dos  documentos  iné- 
ditos é  condicionada  pela  orientação  cada  vez 
mais  objectiva  que  teem  experimentado  as  sciên- 
cias  históricas. 

Vejamos  agora  qual  o  lugar  da  história  no 
quadro  geral  das  sciências. 

E  a  sciência  um  conjunto  de  conhecimentos 
verdadeiros  e  certos,  compreendendo  duas  fases 
—  descritiva  e  especulativa,  —  na  primeira  das 
quais  ela  procura  descrever  os  fenómenos  e  os 
objectos,  e  tendendo  na  segunda  a  explicá-los 
pelas  suas  causas  e  pelas  suas  relações.  Há,  por 
isso,  quem  defina  a  sciência  nas  suas  mais  altas 
manifestações  como  «um  sistema  de  relações». 

A  sciência  não  é  um  todo  completo,  terminado, 
feito.  E  —  como  lhe  chama  Spencer  —  «um 
corpo  organizado  de  verdades,  sempre  em  au- 
mento e  constantemente  depurado  dos  seus  er- 
ros» (i).  É,  assim,  um  organismo  em  eterna 
formação,  em  constante  renovamento,  em  per- 
manente incorporação  de  conhecimentos  depois 
de  conscientemente  fiscalizados,  verificados,  isto 
é,  depois  de  tidos  como  certos. 

O  que  caracteriza  a  sciência  em  geral  é  a  exis- 
tência de  leis  naturais ;  e  a  lei  natural  consiste  na 
redução,  por  meio  da  análise  indutiva,  do  parti- 
cular ao  geral,  do  complexo  ao  simples,  do  con- 
tingente ao  necessário. 


(i)  H.  Spencer,  Les premiers príncipes^  trad.  de  Guymiot,  1902, 
pág.  i5.  ^ 


35o 


A  lei  é,  pois  —  como  a  define  Abel  Rey  —  «uma 
relação  geral,  simples  e  necessária  estabelecida 
entre  dois  grupos  de  fenómenos»,  dos  quais  um 
representa  a  causa  e  outro  o  efeito.  Por  sua 
vez,  a  cansa  é  o  «antecedente  invariável,  neces- 
sário e  incondicional  de  um  fenómeno»  (i). 

Assim,  a  causa  não  é  uma  força  —  como  ainda 
ultimamente  sustentava  Xenopol,  mas  um  sim- 
ples facto  bem  determinável,  sem  o  qual  o  efeito 
não  se  daria  nas  condições  em  que  se  produziu. 

Fixadas  as  leis  naturais,  estas  agrupam-se, 
hierarquizam-  se,  e  subordinam-se  às  leis  gerais 
que  constituem  os  princípios  e  são  as  bases  das 
sciências. 

Se  —  como  dizia  Bacon  —  «a  verdadeira  sciên- 
cia  é  a  sciência  das  causas»,  consiste  ela  num 
sistema  de  causas  ligando-se  a  outras  mais  gerais 
e  importantes. 

Assim,  Abel  Rey  define  a  sciência,  em  geral, 
como  «a  investigação  metódica  das  leis  naturais 
pela  determinação  e  sistematização  das  causas». 

O  que  caracteriza  a  sciência  moderna,  posi- 
tiva^ objectiva,  e  racional,  é  que  ela  assenta  cons- 
tantemente na  experiência  e  tem  sempre  a  possi- 
bilidade de  medir,  sendo  pois  uma  generalização, 
uma  indução,  de  factos  comprovados  experimen- 
talmente e  completada  por  uma  síntese  teórica  e 
dedutiva  para  subir  das  leis  gerais  às  fórmulas  (2). 


(1)  Abel  Rey,  Les  Sciences  PhilosophiqueSi  pág.  556  a  56i. 

(2)  GuiLLAUME  DE  Greef,   Les  lois  sociologiqiies,  1902,  pág.  1 
a  35. 


35i 


Havendo,  ou  podendo  haver,  tantas  sciências 
quantos  os  objectos  do  saber  humano,  e  sendo 
cada  vez  maior  a  divisão  do  trabalho  scientííico 
e  a  especialização,  sem  o  que  seria  impossível 
todo  o  progresso  da  sciência  e  das  suas  aplica- 
ções, necessário  tem  sido,  como  uma  exigência 
lógica  —  e  até  pedagógica  —  fazer  o  agrupamento, 
a  coordenação,  a  serieção,  a  classificação  das 
sciências. 

Ampere  na  Introdução  à  sua  Philosophie  des 
Sciences  justificava  a  necessidade  de  uma  classi- 
ficação das  sciências  para  a  divisão  em  classes 
de  uma  academia  scientifica,  para  a  distribuição 
dos  livros  de  uma  biblioteca^  para  a  fixação  do 
plano  racional  de  uma  bibliografia  geral,  para 
a  classificação  das  matérias  de  ensino  nas  Uni- 
versidades, e  para  determinação  dos  limites  mais 
precisos  que  separam  certas  sciências. 

Porém,  além  de  todos  esses  objectivos  de  na- 
tureza mais  ou  menos  formal,  alguns  dos  quais 
não  são  completamente  ^satisfeitos  por  nenhuma 
das  classificações  até  agora  conhecidas  — ■  como 
o  da  fixação  dos  limites  entre  as  sciências,  —  ou- 
tras razões  há  que  tornam  justificável  uma  clas- 
sificação de  sciências  como  uma  necessidade  do 
espirito  que  exige  a  serieção  das  nossas  ideas  c 
a  ordenação  dos  nossos  conhecimentos  de  forma 
a  estabelecer  a  conveniente  coordenação  e  pa- 
rentesco numas  e  noutros. 

Contudo,  importa  não  esquecer  que  todas  as 
classificações  teem  um  carácter  mais  ou  menos 


352 


subjectivo  —  o  que  as  torna  arbitrárias,  inconsis- 
tentes e  transitórias. 

O  próprio  Spencer,  na  sua  obra  sobre  a  Classi- 
ficação das  sciências,  é  o  primeiro  a  justificar  a 
impossibilidade  de  um  trabalho  de  tal  natureza 
se  tornar  definitivo  porque  nem  a  ordem  de  su- 
cessão nem  qualquer  outra  que  se  possa  seguir 
em  tal  classificação  representa  a  dependência  ló- 
gica ou  a  sucessão  histórica  das  sciências  —  o 
que,  de  resto,  não  impediu  que  o  mesmo  Spencer 
apresentasse  uma  classificação  da  sua  autoria, 
que  também  não  satisfaz. 

CouRNOT  que,  tanto  no  Traité  de  l' enchainement 
des  idées  como  no  Essai  sur  les  fondements  de  nos 
connaissances  e  nas  Considérations  sur  la  marche 
des  idées,  se  ocupa  da  metodologia  histórica  vê 
na  história  um  aspecto  do  conhecimento,  mas 
não  um  conhecimento  particular,  e  distingue  o 
elemento  histórico  do  elemento  scientifico,  vendo 
no  elemento  histórico  do  conhecimento  a  exis- 
tência e  intervenção  do  acaso  — que  êle  admite 
como  uma  realidade  e  o  carácter  do  desenvolvi- 
mento das  cousas,  e  chegando  a  concluir  que  só 
há  história  onde  intervêm  o  acaso. 

Para  Gournot  a  história  por  excelência  é  a  his- 
tória dos  acontecimentos  humanos,  mas  só  dos 
que  se  passam  nas  sociedades  civilizadas,  isto  é, 
das  que,  pelo  menos  em  princípio,  são  governadas 
por  leis  orgânicas,  vendo  nas  instituições  o  jogo 
de  uma  força  interna  análoga  à  que  se  manifesta 


353 


no  mundo  vegetal.  No  quadro  das  sciências 
GouRNOT  coloca  a  história  entre  a  etnologia  — 
que  fixa  as  leis  da  humanidade  nascente,  e  a  eco- 
nomia social  —  que  estuda  as  leis  da  humanidade 
liberta  da  acção  do  tempo,  significando,  nas  Con- 
sidérations  a  tautologia  da  história  estudar  s^  fase 
histórica  da  humanidade. 

No  período  primitivo  da  humanidade,  na  fase 
a  que  êle  chama  antropológica^  o  homem  não  se 
distingue  da  espécie^,  ^.fase  histórica  caracteriza-se 
pela  existência  e  função  das  individualidades;  no 
período  terminal,  no.  fase  económica^  o  indivíduo 
desaparece  na  massa^  pois  a  difusão  das  ideas  é 
de  tal  forma  grande  e  a  lógica  por  tal  forma  do- 
mina o  instinto  que  a  necessidade  dos  grandes 
homens  eclipsa-se. 

Segundo  Cournot  a  história  não  se  limita  ao  re- 
gisto dos  acontecimentos,  pois  deve  ter  em  vista, 
pela  arte,  ligá-los,  seriá-los,  tendo  assim  não 
um  carácter  scientífico,  mas  um  carácter  filo- 
sófico. 

Quanto  à  divulgação  dos  conhecimentos  histó- 
ricos entende  êle  que  a  história  tem  relações  com 
a  arte  para  o  estudo  e  exposição  dos  factoS;,  e 
com  a  filosofia  —  como  já  vimos,  mas  é  distinta 
da  sciência,  se  bem  que  por  vezes  seja  também 
scientífica  —  como  a  numismática. 

O  sábio  matemático  admitia  assim  uma^/o- 
sofia  da  história  —  a  que  mais  tarde  chamou  etio- 
logia histórica,  cuja  formação  esssencial  consistia 
em  distinguir,  por  meio  da  história  comparada, 

23 


354 


um  período  ou  um  acontecimento  dos  outros,  e 
os  factos  gerais  dos  seus  subordinados  descendo 
até  aos  de  maior  detalhe  (i). 

A  classificação  das  sciências  de  Adrien  Naville 
basea-se  na  concepção  de  três  espécies  de  obje- 
ctos scientíficos :  os  factos  reais ;  as  leis ;  as  re- 
gras ideais  concebidas  à priori  pelo  espírito.  Daí 
resultam  três  classes  de  sciências :  i ,°  —  as  diver- 
sas espécies  de  histórias  que  descrevem  e  contam 
os  acontecimentos  reais  na  natureza  inorgânica, 
orgânica  e  pensante;  2°  —  as  sciências  teoremá- 
ticas- — que  enunciam  as  condições  necessárias 
do  possível;  3."  —  as  sciências  reguladoras  —  que 
enunciam  as  regras  segundo  as  quais  deve  condu- 
zir-se  á  actividade  humana. 

A  primeira  classe  pertencem :  a  estatística,  a 
uranografia,  a  geodesia,  a  cristalografia,  etc. ;  a 
astronomia,  a  geologia,  a  meteorologia,  etc. ;  a 
botânica,  a  zoologia  e  antropologia  físicas  ;  a  zoo- 
logia e  antropologia  psíquicas;  a  história  das  lín- 
guas, das  artes,  das  literaturas,  das  sciências,  das 
ideas  e  instituições  religiosas,  civis,  dos  costumes, 
etc. ;  a  geografia  política ;  a  filosofia  da  história. 

As  sciências  da  segunda  classe  apresentam  dois 
caracteres:  i.°  são  necessárias;  2.°  são  hipotéti- 
ticas;  isto  é,  que  posta  a  causa  o  efeito  segue  ne- 
cessáriamejite,  -mas  que  a  necessidade  do  efeito 
está  sempre  subordinada  à  posição  da  causa.   A 


(i)  Acerca  deste  ponto^  ver:  J.  Segond,  Les  idées  deCournot 
siir  1'histoire  in  Reviie  de  Synthèse  Historique^  tomo  x,  pág.  i  a  9. 


355 


esta  classe  pertencem  :  a  aritmologia,  a  geome- 
tria, a  mecânica,  a  física,  a  química,  a  biologia, 
a  psicologia,  a  psicofísica,  a  sociologia. 

Quanto  à  terceira  classe  —  a  das  sciências  re- 
gulativas  —  é  justificada  pela  natureza  da  nossa 
actividade  —  que  é  receptiva  ou  produtiva,  conhe- 
cimento ou  invenção.  Por  isso,  há  regras  ideais 
da  invenção  que  constituem  a  moral  e  as  teorias 
dos  factos;  e  regras  ideais  do  conhecimento  — 
que  formam  a  lógica. 


O  historiador  romeno  Xénopol  também  apre- 
sentou, ultimamente,  uma  classificação  das  sciên- 
cias^ a  qual  é  ainda  mais  arbitrária  e  menos  con- 
sistente que  várias  outras.  Depois  de  dizer  que 
«a  grande  dificuldade  na  classificação  das  sciên- 
cias, consiste  em  achar  o  princípio  em  que  ela 
deve  assentar»,  e  de  apodar  de  arbitrárias  as 
classificações  de  Bacon,  d'Alembert,  Augusto 
CoMTE,  Ampere,  e  H.  Spencer,  êle  indica  o  prin- 
cípio que  o  guiou  na  sua  classificação. 

Segundo  êle,  os  factos  do  universo,  seja  qual 
for  a  sua  natureza  —  físicos  ou  psíquicos,  simples 
ou  complexos,  —  manifestam-se  no  decurso  do 
tempo  de  duas  maneiras  distintas :  como  factos 
de  repetição  e  como  factos  de  sucessão. 

p  depois  de  dar  vários  exemplos  de  factos  de 
repetição  —  os  movimentos  de  rotação  e  de  trans- 
lação de  terra  e  os  fenómenos  deles  derivados, 


356 


os  fenÓQienos  térmicos,  os  fenómenos  químicos 
observados  na  respiração,  o  aparecimento  e  de- 
saparecimento de  vegetação,  os  factos  psicológi- 
cos e  lógicos  do  pensamento ;  e  os  de  produção, 
repartição  das  riquezas,  etc.  —  escreve: 

«Os  factos  sobre  os  quais  repousa  a  existência 
do  universo  são  os  de  repetição  que  se  reprodu- 
zem continuamente,  sem  mudanças  importantes, 
e  que  constituem  a  trama  sobre  a  qual  se  bordam 
os  factos  de  sucessão». 

A  seguir  —  com  uma  volubilidade  que  descon- 
certa—  escreve : 

«Há  factos  de  repetição  que  não  mudam  nunca, 
pelo  menos  no  estado  actual  do  universo,  ou  cu- 
jas alterações  são  tão  lentas  e  tão  pouco  notadas 
que  perdem  toda  a  importância»,  dando  como 
exemplos  o  deslocamento  do  eixo  polar,  a  eleva- 
ção das  costas  da  Noruega  (i). 

A  seguir,  diz  que  há  outros  factos  que  repetin- 
do-se  mudam  a  cada  instante  de  forma,  não  sendo 
já  hoje  o  que  eram  hontem.  Esses  factos  de  re- 
petição tornam-se,  por  isso,  factos  de  sucessão. 

E  comenta:  «A  repetição  é  o  fundamento  de 
tudo  que  existe ;  a  sucessão  não  é  mais  do  que  a 
floração  disso»;  e  dá  depois  vários  exemplos  de 
fenómenos  de  sucessão,  como  a  sucessão  das  ro- 


(i)  XÉNOPOL  vem  expondo  estas  ideas  desde  1899  na  sua  obra 
sobre  os  Princípios  fundamentais  da  história,  desenvoWidas  de- 
pois, em  1908,  na  Théorie  de  l'histoire,  e  mais  detalhadas  nçs  seus 
artigos  da  Revue  de  Synthèse  Historique,  por  exemplo :  sobre  a 
Causalité  en  Histoire,  em  1904,  e  acerca  de  La  Causalité  dans  la 
série  historique  —  no  número  de  Dezembro  de   igiS. 


357 


chás  e  a  das  espécies  vegetais  e  animais,  as 
transformações  da  linguagem,  os  factos  históri- 
cos, etc. 

Falta-nos  o  espaço  para  mostrarmos  quanto 
tem  de  arbitrário  tal  teoria,  pois  todos  os  fenó- 
menos, seja  qual  fôr  a  sua  natureza^  não  fazem 
mais  que  repetir-se  e  todas  essas  repetições  são 
diferenciadas,  isto  é,  todos  os  factos  são,  ao 
mesmo  tempo^  de  repetição  e  de  sucessão  tanto 
na  sua  estrutura  como  na  sua  evolução  (i). 

Indicando  as  diferenças  entre  as  duas  nature- 
zas de  factos,  diz  que  os  fenómenos  de  repetição 
são  gerais,  podem  reduzir-se  a  leis,  e  podem  pre- 
ver-se  e  predizer-se,  ao  passo  que  os  factos  de 


(i)  Parece-nos  ser  uma  deficiência  de  visão  por  parte  de  XÉ- 
NOPOL  e  de  outros  o  considerarem  como  sciências  de  factos  de  re- 
petição somente  as  sciências  da  natureza.  Já  Aristóteles  na  sua 
Politica,  veio  com  a  sua  teoria  dos  ricorsi,  alem  de  Montesquieu, 
e  Chateaubriand,  e  mais  modernamente,  e  scientíficamente,  Adam 
Smith  na  sua  Riqueza  das  nações,  Bopp  e  Dietz  nas  suas  obras  de 
filologia  comparada,  Giddings  nos  seus  trabalhos  de  direito,  Bal- 
DWiN  nos  seus  estudos  de  psicologia,  Lang  nos  seus  estudos  de 
mitografia,  e  sociólogos  como  Herbert  Spencer,  Novicow  e  René 
WoRMS :  todos  são  unânimes  em  reconhecer  a  repetição  dos  fe- 
nómenos no  domínio  das  sciências  do  espírito  ou  sciências  sociais, 
isto  é,  na  economia  política  e  social,  nas  sciências  filológicas,  na 
pedagogia,  na  mitografia,  etc. 

Gabriel  Tarde,  baseando-se  na  i'epetição  dos  fenómenos  em 
sociologia,  proclama  as  suas  leis  de  imitação,  e  na  sua  obra  Les 
lais  sociales  define  da  seguinte  maneira  o  progresso  de  uma  sciên- 
cia  dizendo  que  este  «consiste  em  substituir  semelhanças  e  repe- 
tições exteriores  —  isto  é,  comparações  de  objectos  fora  dessa 
sciência  —  por  semelhanças  e  repetições  interiores,  isto  é,  com- 
paração dentro  da  mesma  sciência,  nos  seus  múltiplos  exemplos 
e  sob  outros  aspectos.     In  pág.  5o  da  ob.  cit. 


358 


sucessão  são  sempre  individuais,  só  se  podem 
agrupar  em  séries,  e  não  se  podem  prever  (i). 

É  sobre  estes  princípios  que  assenta  a  classi- 
ficação de  sciências  de  Xénopol.  No  seu  qua- 
dro as  sciências  dos  factos  de  sucessão,  ou  sciên- 
cias de  séries,  dividem-se  em  sciências  históricas 
reais  e  em  sciências  históricas  ideais. 

As  primeiras  estudam:  o  desenvolvimento  do 
Universo,  da  Terra  (geologia),  dos  organismos ; 
e  o  desenvolvimento  do  Homem  (sociologia  dinâ- 
mica^ história  propriamente  dita),  compreendendo 
as  histórias :  política  e  social,  das  religiões,  da 
arte,  da  linguagem,  dos  costumes,  da  moral,  do 
direito^,  da  literatura  e  da  filosofia. 

As  sciências  históricas  ideais  compreendem :  a 
História 'dos  conhecimentos  sobre  os  fenómenos 


(i)  Xénopol  no  seu  artigo  La  Causalité  datis  la  série  histori- 
que,  in  Revue  de  Synthèse  Historique^  Dezembro  de  191 3,  desen- 
volve este  ponto,  mas  sem  trazer  novos  elementos. 

Depois  de  insistir  que  as  sciências  da  natureza  são  sciências 
de  leis  e  a  história  é  uma  sciência  de  série,  tendo  as  primeiras, 
como  princípio  gerador  da  lei,  a  generalização,  e  apresentando  a 
história,  como  origem  da  série,  a  causalidade,  passa  a  dar  vários 
exemplos  tomados  na  história  romana  e  na  de  outros  países  bal- 
cânicos para  demonstrar  «que  a  série  é  sempre  o  produto  de  um 
encadeamento  causal  entre  os  factos  que  a  constituem»,  e  «'que 
toda  a  série  de  história  que  quere  ser  verdadeiramente  scientííica 
deve  poder  ligar  todos  os  factos  de  que  ela  se  compõe  com  o  fio 
da  causalidade  sucessiva,  fazendo  derivar  cada  facto  subsequente 
do  seu  antecedente».     Ver  artigo  cit.,  pág.  259  e  271. 

Já  num  outro  artigo  da  mesma  Revue,  de  1914,  ele  se  havia 
ocupado  da  Causalité  en  liisioire,  e  onde  estudava  as  origens  da 
causa  :  umas  vezes  devida  a  uma  força  natural,  outras  provindo 
de  um  facto  ou  causa  anterior. 


359 


imutáveis  (História  das  sciências  de  leis) —  fenó- 
menos esses  que  são  objectos  das  histórias :  das 
matemáticas,  da  astronomia,  da  física,  da  quí- 
mica, da  zoologia,  botânica  e  mineralogia^  e  da 
biologia ;  e  a  história  dos  conhecimentos  sobre 
fenómenos  mutáveis  (história  das  sciências  de 
séries)  —  e  que  são  estudadas  nas  histórias  das 
doutrinas  geológicas,  das  doutrinas  transformistas 
e  das  doutrinas  históricas. 

A  vista,  e  como  comentário  do  seu  quadro  de 
classificação,  Xénopol,  notando  «a  extensão  da 
sciência  dos  factos  de  sucessão»  escreve  «que  a 
história,  no  sentido  largo  da  palavra,  não  é  uma 
sciência  especial,  como  até  agora  se  tem  consi- 
derado, sciência  que  deveria  ser  colocada  ao  lado 
da  biologia,  da  psicologia  ou  da  sociologia,  mas 
que  ela  constitue  um  dos  dois  modos  universais  de 
concepção  do  mundo,  o  modo  de  sucessão  em  face 
do  modo  de  repetição  (i). 

Depois  de  assim  considerar  a  história,  muito 
mais  como  um  método  que  como  uma  sciência 
independente  e  especial,  esclarece  que  a  sua  con- 
cepção da  história  mostra  a  importância  desta 
«disciplina»  «cujo  princípio  aplicado  à  natureza 
material  tem  renovado  o  estudo  desta  divisão 
pela  idea  tão  fecunda  da  evolução». 


(i)  Este  estudo  de  A.  D.  Xénopol  foi  publicado  com  o  título 
La  classification  des  sciences  et  1'Histoire,  na  Reviie  de  Syníhèse 
Htstorique,  tomo  ii,  pág.  264  a  276. 


36o 


Termina  por  chamar  à  história  «irmã  gémea» 
da  sciência  dos  factos  de  repetição.  Mas,  na 
realidade,  tal  juízo  equivale  a  não  lhe  chamar 
sciência,  mas  uma  simples  forma  do  conhecimento, 
pois  não  há  uma  sciência  dos  factos  de  repetição 
mas  sim  sciências  astronómicas,  físicas,  químicas 
e  biológicas. 

E  pouco  mais  ou  menos  assim  que  Heinrich 
RiCKERT  a  considera  como  «um  modo  de  conce- 
pção do  mundo»,  pois  —  como  Xénopol  —  tam- 
bém êle  diz:  «que  a  história  não  é  uma  sciência 
especial  que  só  pelo  seu  objecto  se  distinguiria 
das  outras  sciências»  (i). 

Outros  historiógrafos  e  teóricos  da  história, 
pensando  muito  diferentemente  de  Xénopol,  vão 
muito  longe  quanto  à  classificação  da  história 
como  sciência  e  à  sua  incorporação  no  quadro 
dos  conhecimentos  scientíficos,  integrando-a  no 
grupo  das  sciências  experimentais,  mas  distin- 
guindo nestes  dois  sub-grupos  :  o  das  sciências 
naturais  —  que  se  ocupam  dos  fenómenos  cosmo- 
lógicos  e  biológicos ;  e  o  das  sciências  morais  — 
que  tratam  do  espírito  humano  nas  suas  várias 
manifestações,  e  dando  cada  estudo  especial  ori- 
gem a  uma  sciência  particular. 

Assim,  pertencem  a  este  aglomerado  a.  psicolo- 
gia —  que  é  o  estudo  do  próprio  espírito  humano 


(i)  H.  RiCKERT^  Les  qiiatre  modes  de  (d'Universelo  dans  VHis- 
toire  in  Rcviie  de  Synthèse  Hisíorique,  lômo  ii,  pág.  121  a  140. 
Ver  a  crítica  de  Paul  Lacombe  a  este  artigo  na  mesma  Revue, 
tomo  lu,  pág.  I  a  9. 


36i 


nas  suas  variantes  e  modificações ;  a  linguística 

—  que  estuda  os  sinais  verbais  e  escritos  que  ex- 
teriorizam os  fenómenos  psíquicos;  a  história  — 
que  tem  em  vista  estudar  e  descrever  as  mani- 
festações individuais  e  colectivas  da  actividade 
humana  na  sua  evolução  ou  serieção  através  do 
tempo ;  a  sociologia,  a  moral,  etc. 

Não  há  dúvida  que  a  classificação  da  história 
na  classe  das  sciências  experimentais  —  como  fa- 
zem Charles  e  Vítor  Mortet  no  artigo  Histoire, 
da  Grande  Encyclopédie  —  é  um  tanto  ambiciosa, 
como  se  presta  a  equívocos  o  dizer-se  que  «o 
estudo  e  a  exposição  dos  factos  passados  é,  antes 
de  tudo,  uma  obra  scientífica,  na  qual  o  histo- 
riador deve  seguir^  tanto  quanto  tais  factos  o  per- 
mitam, as  regras  e  os  métodos  das  sciências  expe- 
rimentais:/). 

E  certo  que  logo  adiante  se  diz  que  para  haver 
sciência  experimental  é  necessário  que  os  conhe- 
cimentos que  a  constituem  tenham  por  objecto 
factos  reais  ou  seres  concretos  susceptíveis  de  se- 
rem constatados  e  analizados. 

Ora  o  que  caracteriza  essencialmente  a  expe- 
riência e  a  distingue  da  observação  é  que  naquela 
o  estudo  dos  fenómenos  não  só  se  pode  iniciar, 
repetir  ou  interromper  como  se  pode  alterar  e 
modificar  o  dispositivo  e  a  marcha  da  experiência 

—  o  que  em  história  é  impossível  fazer-se. 
Mostrámos  já  que  a  classificação  scientífica  de 

Xénopol  estava  longe  de  satisfazer,  e  já  dissemos 
que  a  classificação  de  Herbert  Spencer  que  apa- 


362 


receu  para  rectificar  a  de  Augusto  Gomte,  se  bem 
que  em  pouco  mais  que  na  nomenclatura  se  dis- 
tinga da  do  pensador  francês,  também  não  sa- 
tisfazia logo  na  chave  da  abóboda  de  todo  o  sis- 
tema, isto  é,  na  distribuição  das  sciências  pelos 
três  grupos :  sciências  abstractas,  sciências  abs- 
tracto-concretas,  e  sciências  concretas,  segundo 
teem  por  fim  estabelecer  relações  gerais,  ou  os 
elementos  das  cousas,  ou  as  suas  propriedades 
reais  e  particulares. 

Abel  Rey  propôs  recentemente  uma  outra  clas- 
sificação, baseando  o  seu  trabalho  na  combinação 
dos  princípios  de  Comte  com  os  de  Spencer(i). 

Segundo  êle,  as  sciências  dividem-se  em  puras 
abstractas  —  «que  só  estudam  as  relações  gerais 
determinantes  dos  fenómenos»,  e  as  sciências 
aplicadas  concretas  —  «que  procuram  explicar 
as  formas  particulares  dos  fenómenos  e  os  seres 


(i)  Várias  outras  classificações  de  sciências  teem  surgido.  En- 
tre elas  figura  a  do  sociologista  Stuart-Glennie,  que  divide  as 
sciências  em  três  grandes  categorias  :  a  sciência  do  movimento  ou 
sciências  cinéticas,  a  sciência  da  transformação  ou  sciências  evo- 
lucionais, e  a  sciência  da  socialização  ou  sciências  éticas. 

Cada  uma  dessas  categorias  apresenta  três  subdivisões,  segundo 
se  passa  a  considerá-las  no  ponto  de  vista  formal  ou  abstracto, 
causal  ou  concreto,  prático  ou  técnico.  A  sociologia,  confundin- 
do-se  com  a  antropologia,  engloba  duas  ordens  de  estudos  dife- 
rentes :  o  estudo  do  que  é  e  das  causas  do  que  existe,  e  o  estudo 
do  que  pode  e  deve  ser,  pertencendo  o  primeiro  desses  estudos  às 
sciências  evolucionais,  e  o  segundo  às  sciências  éticas.  O  traço  de 
união  entre  as  duas  ordens  de  sciências  é  constituído  pela  lei  geral 
do  desenvolvimento  intelectual,  sendo  esse  o  objecto  da  história. 

Ver  a  primeira  comunicação  dos  Sociological  Síiidies,  in  vol.  ii 
dos  Sociological  Papei  s,  published  for  the  Sociological  Society. 


363 


distintos  que  a  sciência  nos  apresenta».  E  é  de 
notar  que  em  cada  um  destes  dois  grupos  ou 
grandes  classes  as  sciôncias  são  dispostas  e  se- 
riadas segundo  o  principio  comteano  da  com- 
plexidade crescente  do  objecto  (i). 

O  quadro  geral  das  sciências  segundo  essa  clas- 
sificação é  o  seguinte : 

1.  Sciências  teóricas,  abstractas  ou  puras. — 
Neste  grupo  figuram  as  sciências  que  se  ocupam 
das  relações  que  dizem  respeito:  i.°  ao  número 
—  como  a  aritmética  e  a  álgebra;  2.°  à  extensão 


(i)  Esta,  como  tantas  outras  classificações  de  sciências,  figura 
num  tratado  de  filosofia,  dada  a  maneira  como  a  filosofia  é  con- 
cebida. 

Efectivamente,  a  filosofia  tem  sido  considerada,  comumente, 
como  a  sciência  das  sciências,  sem  objecto  próprio,  especial,  ca- 
racterístico, se  bem  que  alguns  pensadores  lhe  atribuam  uma  de- 
marcada individualidade.  Assim,  o  dr.  Garfein-Garski  na  sua 
obra  Em  neiíer  Versuch  ilber  das  Wesen  dee  Philosophie,  ao  pro- 
curar estudar  e  fixar  a  natureza  e  a  essência  da  filosofia,  como 
indica  o  título,  entende  que  ela  se  distingue  das  outras  sciências 
não  só  pelo  método  como  pelo  seu  objecto. 

Assim,  para  ela  a  filosofia  não  é  a  tão  proclamada  sciência  das 
sciências  ;  ela  não  se  limita  —  como  querem  os  neo-kantistas  —  à 
teoria  do  conhecimento.  E  se  a  ética,  como  a  psicologia,  é  uma 
sciência  especial,  também  a  filosofia  o  é:  é  a  sciência  da  unidade, 
da  totalidade  subjectiva. 

Porém  o  autor  dizendo  que  «a  filosofia  é  um  grupo  de  sciên- 
cias que:  i.°  estudam  o  conhecimento,  o  sentimento,  a  vontade 
como  funções  do  homem-sujeito,  como  actos  de  personalidade ; 
e  2.°  procuram  criar  uma  síntese  do  todo  da  realidade»,  não  se 
afasta,  no  fundo,  muito  dos  que  a  concebem  como  a  sciência 
universal,  o  conjunto  da  sciência,  isto  é,  «o  saber  completamente 
unificado»  — de  Spencer. 

Ver  :  Reviie  de  Métaphysique  et  de  Morale,  Suplemento  ao  nú- 
mero de  Março  de  1910,  pág.  20  e  21. 


364 


—  coví\o\  geometria ;  3."  ao  movimento  —  como 
a  mecânica;  4.°  às  diferentes  formas  da  energia 

—  como  di  física;  5.°  à  constituição  dos  corpos  — 
como  a  química;  6.°  à  vida  —  como  a  biologia; 
7.°  à  consciência  —  como  8i  psicologia;  8.°  às  so- 
ciedades—  como  a  sociologia. 

II.  Sciências  aplicadas  ou  derivadas.  —  A  este 
grupo  pertencem  :  a  cosmografia^  astronomia,  geo- 
grafia, geologia.,  paleontologia,  mineralogia,  botâ- 
nica, {oologia,  antropologia,  etnologia.,  história  dos 
grupos  sociais,  etc.  (i). 

Convindo  recordar  mais  uma  vez  que  uma  clas- 
sificação de  sciências  tem  sempre  um  valor  muito 
relativo  e  inteiramente  provisório,  servindo  só 
até  que  outra  surja  e  que  satisfaça  melhor  às  ne- 
cessidades do  espírito  filosófico  e  apresente  mais 
lógica,  dogmática,  pedagógica  e  historicamente 
a  serieção  e  a  coordenação  dos  vários  ramos  do 
saber  humano,  é  hoje  norma  geralmente  seguida, 
sem  intuitos  de  classificação  a  distribuição  das 
sciências  por  três  grupos  (2). 

O  primeiro  é  constituído  pelas  sciências  mate- 


(1)  Abel  Rey,  Les  Sciences  Philosophiques,  2.'  edição,  pág.  575 
e  576. 

(2)  Também  Paul  Janet,  no  seu  Tratado  de  Filosofia,  divide 
as  sciências  morais  em  quatro  classes  :  i.»  —  a  dos  sciências  filo- 
sóficas.1  que  se  ocupam  do  «espírito  humano  considerado  em  si 
próprio» ;  e  do  «espírito  absoluto»  ou  «causa  primária»  ;  2.* —  a 
das  sciências  sociais,  que  se  ocupam  do  homem  em  sociedade, 
como  as  jurídicas,  políticas  e  económicas ;  3.=  —  a  das  sciências 
filológicas^  tendo  por  objecto  a  linguagem;  4.=  —  a  das  sciências 
históricas,  tratando  da  evolução  da  espécie  humana  através  dos 
tempos. 


365 


máticas  —  cujo  objecto  é  uma  criação  do  espírito, 
permitindo  assim  agir  somente  por  meio  do  ra- 
ciocínio dedutivo  e  chegar  a  raciocínios  maxima- 
mente certos,  exactos,  mas  sem  nenhuma  objecti- 
vidade (i). 

O  segundo  é  formado  pelas  sciências  da  natu- 
re{a,  as  quais  só  podem  ser  trabalhadas  por  meio 
do  método  experimental  e  indutivo,  produzindo 
resultados  objectivos,  os  quais  nunca  são  mais 
que  aproximados  e  prováveis. 

O  terceiro  grupo  é,  finalmente,  constituído  pe- 
las chamadas  sciências  do  espírito,  isto  é,  pelas 
sciências  morais  e  politicas,  as  quais  ou  são  des- 
critivas e  históricas,  ou  teem  por  objecto  a  des- 
coberta ideal  de  um  conjunto  de  regras,  de  pre- 
ceitos ou  normas  de  conduta  para  a  actividade 
humana :  actividade  estética,  lógica,  moral,  jurí- 
dica^  política,  económica,  etc.  (2). 

Do  que  temos  dito  conclue-se  que  a  história  — 


(i)  O  conhecido  sábio  alemão  W.  Ostwai.d  no  segundo  fascí- 
culo, de  2  5  de  Março  de  igog,  dos  seus  Annalen  der  Naturphilo- 
sophie,  tratando  de  O  sistema  das  sciências,  apresenta  um  ensaio 
de  classificação.  Segundo  êle  as  sciências  dividem-se  em  três 
grupos  :  fundatjtentais,  físicas  e  biológicas. 

As  primeiras  teem  por  conceito  geral  a  ordem,  e  são  :  i.° — a 
lógica  e  a  teoria  da  multiplicidade  ;  2.°  — a  matemática;  3.°  — a 
geometria.  As  sciências  físicas,  tendo  por  conceito  geral  a  ener- 
gia, compreendem  ;  4.»  —  a  mecânica  ;  5."  —  a  física  ;  6."  —  a  quí- 
mica. As  sciências  biológicas,  com  o  conceito  geral  da  vida,  são  : 
7.0 _ a  fisiologia;  8.°  —  a  psicologia ;  9.°  —  a  culturologia. 

Três  ou  quatro  anos  antes  Emile  Waxweiler,  no  seu  Esquisse 
d'une  sociologie,  considerava  também  a  sociologia  —  que  Ostwald 
inclue  na  culturologia  —  como  uma  sciência  biológica. 

(2)  Abel  Rey,  ob.  cit.,  pág.  576  a  SyS. 


366 


designação  genérica  para  significar  o  grupo  das 
sciências  históricas  — é  uma  sciência  do  espirito, 
uma  sciência  concreta  e  aplicada;  e,  sob  o  ponto 
de  vista  metodológico,  é  uma  sciência  inductiva[\). 

WiNDELBAND  —  de  quem  adiante  falaremos  bas- 
tante ao  tratar  da  concepção  de  valor  em  histó- 
ria—  seguido,  na  Alemanha,  por  Simmel,  e  por 
Adrien  Naville,  ça  Suiça,  diverge  de  Xénopol  e 
RiCKERT  na  classificação  dos  conhecimentos  hu- 
manos em  sciências  de  factos  de  repetição  ou  sciên- 
cias da  natureza,  e  sciências  de  factos  de  sucessão 
ou  sciências  históricas. 

WiNDELBAND  agrupa  as  sciências  experimentais 
em  duas  grandes  divisões,  correspondentes  às  de" 
XÉNOPOL :  a  das  sciências  de  leis  e  a  das  sciências  de 
acontecimentos. 

Não  é  difícil  conjecturar  —  e  o  próprio  Win- 
DELBAND  O  dá  a  entender  —  que  à  sua  classifica- 
ção não  foi  extranha  a  influência  de  Leibniz  com 
a  sua  teoria  das  verdades  eternas  ou  verdades 
necessárias,  e  das  verdades  de  facto  ou  verdades 
ocasionais  e  contingentes :  as  primeiras  sendo 
objecto  das  sciências  de  leis,  as  segundas  tornan- 
do-se  a  matéria  das  sciências  dos  acontecimentos. 

É  a  essa  distinção  leibniziana  que  se  deve  ir 
procurar  a  filiação  do  pensamento  de  Windel- 
band  quando  este  escreve : 

«A  unicidade,  a  individualidade  não  sujeita  à 


(i)  Adiante,  ao  tratarmos  do  método  histórico  será  desenvolvido 
€ste  ponto.  E  já  que  falámos  novamente  em  A.  Naville  devemos 
dizer  cjue  ele  em  igoi  publicou  uma  nova  clasiiíicação  de  sciências, 


367 


repetição  constituem,  pois,  contrariamente  à  ne- 
cessidade geral,  os  caracteres  distintivos  dos  fa- 
ctos históricos»  (i). 

Apesar  do  que  diz  o  seu  autor  chamando  a  esta 
«divisão  puramente  lógica»,  nós  vemos  nela, 
muito  mais  que  na  de  Xénopol,  uma  classificação 
com  uma  base  e  um  alcance  metodológicos,  isto 
é,  tal  classificação  de  sciências  prende-se  com  «a 
relação  necessária  que  em  cada  uma  destas  existe 
entre  o  seu  método  de  trabalho  e  o  seu  conteúdo 
objectivo»  — como  diz  o  próprio  Windelband. 

Quanto  a  nós,  tal  classificação  não  diz  respeito 
só  à  natureza  íntima  das  sciências  por  ela  abran- 
gidas, ela  é,  especialmente  para  a  história,  uma 
classificação  de  posição  em  relação  ao  progresso 
das  outras  sciências,  e  principalmente  das  auxi- 
liares. Quer  dizer :  todos  os  conjuntos  de  conhe- 
cimentos scientificos  antes  de  atingirem  a  fase  de 
sciências  de  leis,  são  sciências  áe  factos,  de  acon- 
tecimentos;  a  história  tem  permanecido  na  se- 
gunda fase,  mas  apresenta  já  todas  as  tendências, 
e  dá  bastantes  garantias,  para  passar  à  categoria 
de  sciência  de  leis  —  como  alguns  já  a  consideram 
só  lhe  trocando  o  nome  pelo  de  sociologia. 


( I )  Ver.  Windelband,  La  sciênce  et  1'histoire  devant  la  logique 
contemporaine  in  Reviie  de  Synthèse  Historique^  tomo  ix,  pág.  i25 
a  140. 


368 


b)  A  história  nas  suas  relações  com  a  psicologia 
e  a  sociologia 

As  relações  entre  a  história  e  a  psicologia  são 
grandes,  posto  que  não  se  apresentem  tão  íntimas 
como  acha  Xénopol  no  seu  trabalho  sobre  La 
Psychologie  et  1'Histoire. 

Se  é  certo  que  as  duas  sciências  teem  por  ob- 
jecto de  estudo  o  espírito  humano,  é  multipla- 
mente diferente  a  forma  como  cada  uma  pro- 
cede, o  método  que  usa,  e  o  objectivo  e  fim  que 
teem  em  vista. 

A  psicologia  estuda  o  espírito  humano  em  si, 
em  abstracto,  em  geral,  na  sua  constituição,  for- 
mação e  evolução  ;  a  história,  —  e,  sobretudo,  a 
história  do  pensamento,  da  filosofia,  da  sciência, 
da  literatura,  da  arte,  da  religião,  e  emfim,  a  his- 
tória da  cultura  —  estuda  o  espírito  humano  nas 
suas  manifestações  individuais,  particulares,  es- 
peciais, características  num  indivíduo  ou  num 
grupo  social,  nacional,  religioso,  político,  scientí- 
fico,  literário  ou  artístico  (i). 


(i)  H.  RiCKERT  na  sua  sua  obra  em  alemão —  Os  limites  de 
formação  das  noções  nas  sciências  naturais  —  nega  que  a  psicolo- 
gia tenha  alguma  importância  para  a  história,  escrevendo  : 

«Não  podemos  encontrar  nenhum  ponto  de  vista  sob  o  qual  a 
psicologia  adquirisse  uma  importância  decisiva  para  o  método 
histórico».  E  já  páginas  antes  havia  escrito  que  se  o  conheci- 
mento individual  dos  movimentos  psíquicos  é  de  grande  alcance 
para  a  história,  os  princípios  gerais  nenhum  valor  teem  para  ela, 
E  igualmente  afirmou  que  o  historiador  só  deve  ser  psicólogo  no 
sentido  de  que  ele  deve  possuir  o  conhecimento  de  determinadas 
acções  psíquicas,  mas  não  deve  nunca  transformar  tais  conheci- 
mentos em  teorias  gerais. 


369 


Assim,  a  história  fornece  à  psicologia  a  vasta  e 
complexa  matéria  para  as  suas  abstracções,  com- 
parações, generalizações,  induções,  leis,  teorias  e 
concepções ;  ela  é  para  a  psicologia  um  enorme 
arsenal  de  material  de  estudo,  um  imenso  museu 
de  caracteres  e  de  modalidades  psicológicas. 

Por  sua  vez,  a  psicologia  —  como  diz  Xénopol 

—  fornece  à  história  não  só  as  leis  psicológicas 
segundo  as  quais  o  homem  sente,  pensa  e  põe  em 
actividade  as  suas  vontades,  como  os  elementos 
psicológicos  individuais  fornecidos  pelas  complei- 
ções mentais  particulares  de  cada  individuo  pes- 
soal ou  colectivo. 

Apesar  destas  mútuas  contribuições  mostrarem 
como  é  grande  a  relação  entre  as  duas  sciências, 
a  natureza  do  que  cada  uma  fornece  à  outra, 
mostra  bem  como  elas  são  distintas  e  diferentes, 
pois,  seguindo  Xénopol,  ao  passo  <iue  a  psicolo- 
gia é  uma  sciência  de  factos  de  repetição,  de  leis, 
a  história  é  uma  sciência  de  factos  mutáveis,  de 
factos  de  sucessão;  é  uma  sciência  que  não  pode 
formular  leis  nem  fazer  previsões,  mas  só  enca- 
dear factos  e  seriá-los. 

Mas,  para  Xénopol,  como  para  outros  teóricos 
da  história,  não  são  sciências  somente  aquelas 
que  podem  formular  leis,  pois  há  dois  modos  de 
conceber  o  mundo  :  o  modo  de  repetição  —  dando 
origem  às  sciências  de  leis,  e  o  modo  de  sucessão 

—  que  origina  as  sciências  de  séries  (i). 


(i)  In  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  iii,  pág.  104  a  106. 
24 


370 


Paulo  Lacombe  pensa  e  escreve  quási  da  mesma 
forma  sobre  as  relações  entre  a  psicologia  e  a 
história.  Também  para  este  elas  prestam  recí- 
procos serviços,  mútuos  auxílios  (i). 

Assim  como  a  anatomia  e  a  fisiologia  estudam 
e  descrevem  o  homem  físico  geral,  independente  de 
raças,  línguas,  religiões  e  nacionalidades^  a  psico- 
logia tem  por  objecto  estudar  o  homem  psíquico, 
espiritual,  como  sede  e  motor,  envólucro  e  agente 
de  sensações*  e  de  sentimentos,  de  ideas  e  de  vo- 
lições, tendo  em  vista  investigar  e  expor  todas 
essas  ordens  de  manifestações  do  espírito  hu- 
mano. 

Também  esse  homem-espírito,  de  que  a  psico- 
logia se  ocupa,  é  um  ser-fórmula,  um  homem- 
-geral,  ubicuo  e  permanente,  independente  de 
raças,  de  religiões,  de  línguas  e  de  nacionali- 
dades. 

E  esse  o  homem  que  a  psicologia  entrega  à 
história,  e  que  esta  encorpa  ou  diminue,  agiganta 
ou  efimina,  decora  e  veste,  e  o  torna  o  actor  de 
todas  as  scenas  elevadas  ou  repelentes,  o  agente 
de  todos  os  actos  sublimes  ou  hediondos,  e  o 
motor  de  todos  os  renascimentos  e  progressos 
como  a  causa  de  todos  os  regressos  e  desfaleci- 
mentos. 


(i)  A  obra  de  P.  Lacombe  —  De  VHistoire  considérée  comme 
science  —  onde  êle  aborda  este  assunto,  apareceu  em  1894^  sendo, 
por  tanto,  anterior  à  de  Xénopol,  se  bem  aquela  onde  este  tratou 
primeiro  do  assunto,  com  bastante  desenvolvimento,  sejam  Les 
Príncipes  fondamentaux  de  l'Histoire,  aparecida  em  1899. 


Byi 


Vejamos,  ainda,  o  que  a  psicologia  presta  à  his- 
tória. 

Para  que  uma  correspondência-  e  uma  seme- 
lhança históricas,  e  como  tal  reconhecidas,  fiquem 
explicadas  scientificamente,  e  até  mesmo  se  tor- 
nem leis  da  história  é  necessário  o  concurso  da 
psicologia,  wnuma  palavra  —  sintetiza  Lacombe 
—  a  psicologia  encerra,  antes  de  tudo,  a  explica- 
ção da  história». 

Depois,  «a  psicologia  fornece  à  história  um 
critério,  uma  pedra  de  toque».  E  logo  conti- 
nua: 

«Les  constantes  de  Thomme,  relevées  par  la 
psychologie,  permettent  de  vérifier  la  possibilite 
ou  la  prohabilité  des  assertions  que  les  annalistes 
nous  apportent»  (i). 


(i)  Isto  é  exacto  muitas  vezes.  Assim,  nos  Archives  de  Psy- 
chologie, de  Genève,  número  de  Janeiro  de  1907,  vem  um  inte- 
ressante artigo  de  Pierre  Bunet,  professor  da  Academia  de  Neu- 
châtel,  sobre  La  vocation  de  Socraíe,  e  com  o  significativo  sub- 
título Specimen  d'une  aplication  de  la  science  psychologique  à 
celle  de  1'histoire.  Trata-se  da  autenticidade  do  oráculo  da  Pi- 
thia  proclamando  Sócrates  o  mais  sábio  dos  homens,  e  que  tem 
sido  acolhida  com  reservas,  especialmente  por  Zeller  e  Gomperz, 
entendendo  que,  longe  de  ter  sido  tal  oráculo  que  determinou  a 
vocação  e  a  fama  de  Sócrates,  foram  estas,  que  chegadas  ao  san- 
tuário de  Delfos  condicionaram  o  oráculo. 

Bunet  explica  o  oráculo  por  causas  psicológicas  como  um 
simples  caso  de  leitura  de  pensamento,  bastando  que  Chéréphon, 
amigo  de  Sócrates,  houvesse  entrado  no  áditon  muito  convicto 
do  grande  valor  do  seu  amigo  e  mesmo  com  a  boca  fechada  tivesse 
«soprado»  involuntariamente  o  nome  do  filósofo  —  caso  este 
muito  estudado  e  explicado  pelos  psicologistas  —  como  Hansen 
e  Lehmann.    Tal  «sopro»  seria  facilmente  percebido  pelo  ouvido 


372 


Por  sua  vez  a  história  tem  contribuído  muito 
para  os  progressos  da  psicologia.  Ela,  que  é  um 
colossal  repositório  de  factos,  fornece  não  só 
abundantes  e  ricos  materiais  para  a  determina- 
ção dos  «grandes  traços  gerais  da  humanidade», 
como  os  mais  variados  elementos  «para  verificar 
e  precisar  as  verdades  psicológicas»  (i),  tornan- 
dõ-se,  assim,  a  história  uma  importante  sciência 
auxiliar  da  psicologia,  tanto  da  individual  como 
da  psicologia  colectiva. 

Escusado  será  dizer  que  o  erudito  e  o  historia- 
dor estão  em  circunstâncias  muito  diferentes 
quanto  à  utilização  dos  estudos  psicológicos. 

Ao  passo  que  o  erudito,  que  se  limita  ao  es- 
tudo externo  dos  documentos,  da  sua  prove- 
niência, depuração  e  restituição,  pouco  ou  nada 
pede  à  psicologia  já  o  mesmo  não  se  dá  com  o 
historiador  para  quem  os  documentos  são  vestí- 
gios dos  sentimentos,  das  ideas  e  das  volições  de 
homens,  e  tem,  principalmente,  em  vista  lidar  com 
espíritos  objectivamente  fixados  e  não  esgrimir 
com  fantasmas  sem  existência  real,  e,  nem,  se- 
quer, virtual.^ 

Para  o  historiador  a  psicologia  é  uma  sciência 


hiperstesiado  dos  sacerdotes  —  naturalmente  criaturas  estéricas 
em  fase  hipnótica  ou  sonambólica. 

Por  esta  forma  o  oráculo  antecederia  a  fama  do  filósofo,  e  teria 
sobre  a  vocação  deste  a  influência  que  Platão  lhe  atribue. 

Ver  sobre  a  influência  da  psicologia  a  obra  de  Lébert  —  Le 
démon  de  Socrate  et  ramulette  de  Pascal. 

(i)  Lacombe,  ob.  cit ,  pág.  28. 


SyS 


fundamental,  necessária,  essencial  (i).  Já  Taine 
disse  que  explicar  uma  revolução  é  fazer  uma  pá- 
gina de  psicologia,  e  não  só  o  disse  como  o  fez 
na  sua  importante,  mas  muito  discutível,  obra  : 
As  Origens  da  França  Contemporânea. 

Também  George  Simmel,  na  obra  —  Die  Pro- 
bleme  der  Geschichtsphilosophie  —  aparecida  em 
1905,  apresenta  o  seu  ponto  de  vista  psicológico 
da  história.  Para  ele  a  noção  de  pessoa  é  fun- 
damental em  história,  e  as  próprias  rialidades 
impessoais  não  são  mais  que  a  projecção,  em  tais 
cousas,  do  pensamento  que  concebe  a  sua  con- 
tinuidade histórica.  A  sua  concepção  socioló- 
gica é,  igualmente,  individual,  pois,  para  êle,  os 
factos  sociais  não  são  outra  cousa  senão  uma  re- 
presentação média  e  vaga  das  acções  inter-indivi- 
duais  —  as  únicas  que  são  reais,  —  pois  as  outras 
não  são  mais  que  abstracções  sem  realidade. 

Comtudo,  importa  não  esquecer  a  verdade  do 
que  escrevia  Cláudio  Bernard  :  «o  conhecimento 
do  homem  isolado  não  nos  traria  o  conhecimento 
de  todas  as  instituições  que  resultam  da  sua  asso- 
ciação e  que  não  podem  manifestar-se  senão  pela 
vida  social»  (2). 

É  esse  facto  de  observação,  exposto  por  Cláu- 
dio Bernard,  que  Hegel  erige  em  principio  quando 
afirma  que  uma  mudança  quantitativa  dada  num 


(i)  De  la  méthode  dans  les  sciences.  Estudo  de  Th.  Ribot, 
sobre  a  Psicologia,  pág.  291. 

(2)  Cl.  Bernard,  Introduction  à  la  Medicine  expérimentale, 
pág.  157  e  i5S. 


374 


certo  grau  implica  uma  transformação  qualita- 
tiva—  fórmula  essa  que  Karl  Marx  e  Engels 
aplicam  nas  suas  concepções  sociais  (i). 

Porém,  como  G.  Simmel  pensam  muitos  outros 
teóricos  da  história. 

Assim,  Eduard  Meyer,  no  seu  opúsculo  sobre 
a  Teoria  e  a  metódica  históricas^  aparecido  em 
1902,  também  entende  que  a  história  nada  tem 
que  ver  com  leis,  elas  não  são  necessárias,  pois 
na  evolução  da  civilização  só  aparecem  possibi- 
lidades e  probiblidades  mas  não  leis.  Em  histó- 
ria, como  fundo  e  fim  de  estudo,  só  há  que  ter 
em  vista  o  individual;  e  a  primeira  obrigação  do 
historiador  é  estabelecer  os  factos. 

De  resto,  é  intuitiva  a  influência  da  psicologia 
na  história.  Se  já  Vico  procurava  na  astrono- 
mia a  explicação  dos  fenómenos  humanos  —  os 
actuais  fenómenos  históricos  e  sociológicos,  e 
HuxLEY  encontrava  fortes  relações  entre  as  com- 
binações químicas  dos  corpos  e  a  constituição  dos 
agregados  humanos,  os  naturalistas,  historiadores 
e  sociólogos  procuram  aplicar  às  sciéncias  histó- 
ricas e  sociais  os  métodos  e  processos  das  scién- 
cias naturais,  nada  deve  surpreender  que  outros 
homens  de  sciéncia  utilizem  na  história  os  ensi- 
namentos fornecidos  pela  psicologia  — sciéncia 
muito  afim  da  história  (2). 

Também  o  dr.  Emile  Reich,  professor  da  Uni- 


(i)  C.  BouGLÉ,  Marxisme  et  sociologie,  in  Revue  de  Métaphy- 
sique  et  demorale,  1908,  pág,  728  a  ySo. 
(2)  P.  LacombEj  ob.  cit.,  pág.  29  a  84. 


375 


versidade  de  Londres,  tanto  no  seu  livro  Suc- 
cess  among  the  Nations  como,  mais  tarde,  num 
estudo  sobre  Historiadores  psicólogos  e  historia- 
dores livrescos^  exigia  que  a  história  fosse  tratada 
no  ponto  de  vista  psicológico. 

Este  historiógrafo  entende,  como  Lacombe,  que 
a  história  de  uma  nação  «apresenta  incontesta- 
velmente dois  elementos  :  um  elemento  constante 
ou  quási^  a  que  chamamos  instituições,  e  um  ou- 
tro elemento  variável,  a  que  chamamos  aconte- 
cimentos». 

Ora  o  estudo  dessas  instituições  tem  que  ser 
feito  sob  o  critério  psicológico,  isto  é,  torna-se 
necessário  estudar  os  «motivos  últimos  que  im- 
pelem homens  e  mulheres  a  submeterem-se  a 
uma  instituição,  a  produzirem  um  acontecimento, 
e,  de  uma  forma  geral,  a  comportarem-se  histori- 
camente». 

E  após  vários  exemplos  tendentes  a  demons- 
trar qu»anto  a  interpretação  psicológica  esclarece 
a  história,  escreve : 

«É  examinando  grandes  grupos  de  factos  à  luz 
da  história  psicológica  que  se  consegue  com- 
preender não  só  os  resultados  concretos  e  defini- 
tivos, como  esta  massa  imensa  e  flutuante  de 
factos  esboçados,  concebidos,  parcialmente  rea- 
lizados, estas  tendências  latentes,  mas  poderosas, 
que  impelem  e  animam  homens  e  mulheres  débeis 
—  que  a  história  propositadamente  põe  de  parte 
quando  os  não  trata  com  desprêso». 

Mas,  caindo  no  extremo  oposto  diz :  «A  psico- 


376 


logia  é,  com  efeito,  para  a  história  o  que  a  dinâ- 
mica é  para  a  astronomia».  E  acrescenta  esta 
enormidade:  «Se  se  não  fizer  regressar  os  acon- 
tecimentos e  as  instituições  à  psicologia  comum, 
isto  é,  aos  motivos  específicos  que  num  dado  mo- 
mento e  num  dado  lugar  teem  guiado,  necessa- 
riamente, as  acções  humanas,  a  história  deve  re- 
signar-se  a  ser  um  caos  de  constatações  não  di- 
geridas» (j). 

Assim,  emquanto  H.  Rickert  nega  toda  a  intro- 
missão da  psicologia  na  história  Em.  Reich  cai 
no  excesso  oposto  limitando  a  história  a  uma 
psicologia  no  tempo.  Poucas  vezes,  como  neste 
caso,  foi  melhor  aplicada  a  frase  latina  do  médio 
tutissimus  ibi. 

* 

Mas  continuemos.  A  questão  das  relações  en- 
tre a  psicologia  e  a  história  tem  sido,  pois,  deba- 
tida entre  dois  grupos  de  extremistas,  de  pessoas 
com  ideas^  pontos  de  vista  e  educação  comple- 
tamente opostos.  De  um  lado  teem  estado  aque- 
les que,  como  Windelband  e  Rickert,  entendem 
que,  sendo  a  história  a  sciência  dos  factos  de  su- 
cessão—  como  define  Xénopol,  isto  é,  a  sciência 
dos  factos  concretos  que  não  se  repetem  ao  passo 
que  a  psicologia  é  uma  sciência  de  factos  repeti- 
tórios  conduzindo  a  leis,  nenhumas  relações  po- 
dem existir  entre  uma  e  outra  (2). 


(i)  In  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  ix,  pág.  233  a  2C8. 
{2)  Raymond  Meumer  estudando  Les  consequences  et  les  appli- 


377 


Outros,  como  Gumo  Villa,  talvez  F.  Rauh, 
etc,  cuidam  «que  a  evolução  histórica  expli- 
car-se  há  num  futuro  mais  ou  menos  próximo  por 
observações  ou  experiências  de  psicologia  social. 

Assim,  a  história  da  humanidade  seria  expli- 
cada pela  psicologia  do  indivíduo  social,  como  os 
fenómenos  meteorológicos  ou  geológicos  se  com- 
preendem pelas  leis  físicas  verificáveis,  e  os  fenó- 
menos de  embriogenia,  de  comprovação  experi- 
mental, explicam  a  evolução  da  espécie  (i). 

Ora  as  cousas  não  parece  passarem-se  como 
entendem  Windellband  e  Rickert  —  por  outro 
lado,  P.  Lacombb,  Em.  Reich  ou  G.  Villa  —  por 
outro,  nem  como  opina  Kurt  Breysig,  isto  é,  nem 
existe  uma  completa  separação  entre  a  história 
e  a  psicologia,  nem  esta  domina  aquela  —  como 
entende  Villa,  sugestionado  pela  lei  da  imitação 
de  Baldwin  e  Tarde,  nem  a  sociologia  engloba  a 
história,  e  os  métodos  daquela  sciência  dominam 
as  investigações  históricas  —  como  quer  Breysig 
no  primeiro  volume  da  sua  obra  —  Kulturgeschi- 
chte  der  Neuieit^  —  não  encontrando  nenhuma 
diferença  nem  nenhum  limite  entre  as  duas  sciên- 
cias :   a  sociologia  e  a  história  (2). 


cations  de  la  psychologie  não  fala  da  história,  como  sciência  de 
aplicação  psicológica,  ao  tratar  da  sociologia.  Ver  Revue  Philo- 
sophique,  Janeiro  de  1912,  pág.  44.  a  67. 

( i)  GuiDo  Villa,  PsychoJogy  and  History  na  Revista  The  Mo- 
nist,  Janeiro  de  1902;  F.  Rauh,  Revue  de  Synthèse  Historique,  i.° 
semestre  de  1902. 

(2)  Efc;ctivamente,  Kurt  Breysig  no  primeiro  volume  da  sua 
História  da  Civili:(ação  Contemporânea^  ao  tratar  dos  Problemas 


378 


Também  Edouard  Spranger  parece  querer  re- 
duzir toda  a  explicação  histórica  a  considerações 
de  psicologia  individual.  Pois  é,  precisamente, 
o  contrário  disso,  isto  é,  a  «desumanização»  da 
história  que  pretendem  os  sociólogos  objectivos 
franceses  como  Durkheim,  Lévy-Bruhl,  Simiand, 
etc.  Quere  dizer :  estes  identificando  a  natureza 
moral  com  a  física,  estudam  as  séries  sociais  pondo 
de  parte  toda  a  noção  de  alma  individual  e  so- 
cial. 

XÉNOPOL  em  dois  artigos  da  Rivista  italiana  di 
sociologia  (i),  tratando  da  Sociologia  e  storia,  di- 
ferença uma  da  outra  dizendo  que  ao  passo  que 
a  sociologia  estuda,  elabora  e  descreve  as  leis  de 
repetição  dos  factos  sociais,  a  história  organiza 
e  expõe  o  desenvolvimento  da  sua  série. 

Assim,  fiel  ao  seu  ponto  de  vista  já  exposto  nos 
Princípios  fundamentais  de  história,  e  que  mais 
tarde  havia  de  ser  desenvolvido  na  sua  Teoria  de 
História,  Xénopol^,  nos  artigos  referidos^  entende 
que  havendo  factos  sociais  que  se  repetem  de 
uma  forma  idêntica,  comparando-os,  abstraindo 
das  saas  diferenças  e  salientando  as  semelhanças 
consegue-se  obter  leis  comparáveis  às  estabele- 
cidas pelas  sciências  da  natureza. 


e  regras  de  metódica  da  história  universal^  considera  enorme  a 
utilidade  que  a  história  pode  tirar  de  adaptar  ao  estudo  do  pas- 
sado as  regras  do  método  sociológico.  Adiante  trataremos  deste 
ponto. 

(1)  Fascículo  4.",  Julho-Agôsto  de  1904;  fase.  3.°-4.'',  pág.  3o8 
a  35o,  do  ano  seguinte. 


379 


Por  outro  lado,  a  série  dos  factos  em  história 
não  se  repete  porque  esses  fenómenos  são  sem- 
pre diferentes  pelas  circunstâncias,  incessante- 
mente variáveis,  em  que  se  produzem,  não  po- 
dendo, por  isso,  dar  origem  a  leis,  mas  sim  a  uma 
série  evolutiva  que  o  historiador  pode  reconsti- 
tuir—  mas  só  isso  (i). 

Assim,  a  sociologia  propriamente  dita  seria 
uma  sociologia  dinâmica,  cujo  objecto  consistiria 
em  não  explicar,  nem  transformar  o  particular 
em  geral,  mas  em  seriar  e  relacionar  os  factos 
sempre  diversos  na  sua  ordem  de  sucessão. 

O  que  sustenta  Xénopol  está  muito  longe  de 
condizer  com  a  realidade. 

Se  há  fenómenos  variáveis  nas  suas  causas,  e, 
quando  mesmo  tenham  uma  mesma  causa,  mu- 
táveis nas  circunstâncias  em  que  se  produzem  e 
nas  condições  em  que  evolucionam,  são  eles  os 
fenómenos  sociais. 

Não  se  compreende,  pois,  que  Xénopol  com 
um  simplismo  muito  comteano,  e  muito  longín- 
quo da  verdade,  sustente  que  os  fenómenos  so- 
ciais são  redutíveis  a  leis  e  os  fenómenos  histó- 
ricos não. 

;  Não  serão  todos  eles  fenómenos  humanos  ? 


(i)  Paul  Lacombe,  tanto  na  sua  obra  De  1'Histoire  considérée 
comme  science^  como  em  artigos  posteriores,  sustenta,  pelo  con- 
trário, que  a  sciência  histórica  forma  se  unicamente  com  seme- 
lhanças, constâncias,  actos  repetidos  por  massas  de  homens  e  não 
com  actos  absolutamente  únicos,  individuais,  acidentais».  Ver  : 
Paul  Lacombe,  Milieu  et  Race,  in  Reyue  de  Synthèse  Historique, 
tomo  II,  pág.  36,  5i,  etc. 


38o 


^E  não  serão  todos  eles,  ao  mesmo  tempo,  fe- 
nómenos sociais  por  se  passarem  num  agregado 
011  entre  agregados  humanos,  e  fenómenos  histó- 
ricos pelas  simples  circunstâncias  de  se  haverem 
já  realizado  ? 

jComo  se  concebe  que  haja  factos  sociais  que 
se  repetem  identicamente  e  não  haja  fenómenos 
históricos  com  os  quais  se  dê  o  mesmo? 

^Não  tem  cada  sociedade  a  sua  vida  própria, 
a  sua  estrutura  e  a  sua  evolução  características, 
e,  se  admitimos  que  há  sociedades  de  estrutura 
semelhante,  porque  não  admitir  também  socie- 
dades de  evolução  similar? 

j  Assim,  porque  conceber  só  leis  para  a  socio- 
logia estática  e  não  para  a  sociologia  dinâmica : 
a  história  ? 

Tudo  isto  são  perguntas  que  se  podem  e  se 
teem  feito,  ante  as  concepções  de  Xénopol  e  às 
quais  esse  autor  nunca  respondeu  satisfatoria- 
mente (i). 

* 

Ao  contrário  de  Xénopol,  o  conhecido  historia- 
dor alemão  Karl  Lamprecht,  pôe,  especialmente 
nas  suas  recentes  obras,  como  princípio  de  estudo 
e  aplicação  a  interpretação  psico-sociológica  da 
história  (2).     Estabelecendo  como  cousa  demons- 


(i)  Ver  UAnnée  Sociologique,  tomo  xi,  pág.  189  e  140. 

(2)  Foi  efectivamente  em  1901,  ao  publicar  o  primeiro  volume 
da  sua  História  da  Alemanha,  na  3.»  edição,  que  ele  adoptou  as 
teorias  psicológicas  no  estudo  e  interpretação  da  história,  sendo 


38i 


trada  «a  influência  que  as  forças  psíquicas  da 
sociedade  exercem  sobre  os  espíritos  individuais» 
—  na  frase  de  Bernheim,  Lamprecht  deriva  de 
Hegel  e  especialmente  de  Augusto  Comte  — como 
entende  aquele  eminente  bibliógrafo  e  historió- 
grafo, contra  o  que  o  mesmo  Lamprecht  protesta 
afirmando  a  originalidade  das  suas  concepções 
em  história,  se  bem  que  reconheça  dever  bastante 
aos  historiadores  do  século  xviii,  mas  não  só  a 
Condorcet,  Saint-Simon  e  Comte,  como  a  Her- 
der,  a  Kant,  e  a  Hegel  (i). 

Mas,  não  há  dúvida  que  A.  Comte  foi  um  dos 
seus  grandes  guias  espirituais.  Como  se  sabe,  o 
proclamado  fundador  do  positivismo  ao  apontar 
os  fenómenos  que  condicionam  a  vida  social  enu- 
mera —  como  diz  Bernheim  —  as  «influências  na- 
turais, as  manifestações  humanas  e  os  elementos 
fornecidos  pela  vida  social  anterior»,  e  proclama 


no  prefácio  dessa  obra  que  ele  expõe  essas  teorias  e  descreve  a 
forma  como  as  utilizou. 

Aí  explica  êle  que  quando  pela  primeira  vez  apareceu  o  vo- 
lume a  concepção  psicológica  da  história  estava  pouco  menos 
que  embrionária  ao  passo  que  ao  publicar-se  a  terceira  edição 
«o  movimento  que  arrastava  a  sciência  histórica  para  o  estudo  das 
civilizações  em  geral  é  um  facto  consumado  e,  por  consequência, 
os  problemas  levantados  por  uma  concepção  psicológica  da  his- 
tória impõem-se  fatalmente  à  nossa  atenção  .  ». 

Efectivamente,  ao  lado  do  título  geral,  e  exterior,  do  volume, 
tratando  dos  tempos  primitivos  e  da  idade  média  aparece  como 
sub-título  correspondente;  Períodos  da  vida  simbólica,  típica  e 
convencional,  para  caracterizar  essa  fase  primária  da  evolução 
psíquica  do  povo  alemão. 

(ij  Ver  K.  Lamprecht^  La  Science  moderne  de  rhistoire^  in 
Revue  de  Synthèse  Historique^  tomo  x,  pág.  257  a  260. 


382 


como  factor  primordial  da  civilização,  a  maneira 
de  pensar  das  gerações  cada  vez  mais  tendente  a 
subordinar  a  sensibilidade  à  razão  e  o  egoismo 
ao  altruísmo. 

Ainda  Comte,  entendendo  que  cada  época  tem 
a  sua  forma  de  pensar,  e  os  juízos  de  valor  — 
como  diríamos  hoje  —  de  cada  uma  abrangem 
tudo  —  ideas,  factos,  homens  —  dando-lhe  um 
aspecto  e  uma  característica  semelhantes  e  co- 
muns, salta  por  cima  da  psicologia  —  ao  tempo 
ainda  muito  atrazada — para  chegar,  pelo  mé- 
todo comparativo,  à  sua  concepção  dos  três  gran- 
des estados  ou  fases  da  civilização:  a  teológica,  a 
metafísica  e  a  positiva. 

Assim,  —  e  segundo  êle  —  a  humanidade  tem 
vindo  a  caminhar,  insensivelmente  e  inconscien- 
temente, mas  com  pertinácia  e  constância,  de 
etape  em  etape^  numa  marcha  de  crescente  racio- 
nalização do  pensamento,  e  numa  maior  metodi- 
zação  das  acções  humanas,  isto  é,  num  sentido 
cada  vez  mais  positivo,  mais  scientífico,  liber- 
tando a  sciência  e  a  vida  humana  de  toda  a  in- 
tromissão metafísica,  procurando  descobrir  as 
leis  dos  fenómenos  pela  aplicação  dos  métodos 
positivos,  e  tendo  em  vista  aplicá-las  à  nossa  con- 
duta para  obter  um  mais  seguro  e  melhor  resul- 
tado. 

A  sciência  exacta  que  se  ocupa  da  vida  social 
é  a  sociologia,  que  procura  concluir  dos  fenómenos 
que  se  passam  nas  sociedades  humanas  leis  ge- 
rais que,  ficando  fora  e  superiores  às  biológicas, 


383 


são  encontradas  pela  aplicação  do  método  com- 
parativo. 

Lamprecht,  aproximando-se  de  Comte,  recorre 
ao  processo  comparativo,  mas,  não  desdenha, 
como  fez  aquele  filósofo,  a  análise  psicológica, 
servindo-se  desta  como  auxiliar  no  estudo  da  vida 
dos  homens  como  dos  povos,  e  fazendo  derivar  a 
psico-sociologia  da  psicologia  individual. 

Também,  na  caracterização  da  civilização  hu- 
mana na  sua  marcha,  êle  admite  fases  ou  está- 
dios —  como  Augusto  Comte  —  mas  com  algumas 
fundas  diferenças  do  ponto  de  vista  deste,  e  muito 
mais  aproximado  de  Hegel. 

O  historiador  alemão,  tomando  como  critério 
a  intensidade,  cada  vez  mais  forte  e  omnimoda, 
da  vida  psíquica,  indo  de  uma  fase  de  passivi- 
dade psicológica  a  outra  de  liberdade  cada  vez 
mais  consciente,  faz  passar  a  civilização,  no  que 
respeita  ao  lado  psicológico,  sucessivamente,  pe- 
las fases  do  simbolismo,  do  tipismo,  do  conven- 
cionalismo, do  individualismo  e  do  subjecti- 
vismo (i),  e  no  que  se  refere  ao  aspecto  econó- 


(i)  É  assim  que  Lamprecht  no  citado  prefácio  do  primeiro 
volume  da  terceira  edição  da  História  da  Alemanha  enuncia  a  se- 
guinte lei  que  caracteriza  a  fase  antiga  do  povo  alemão  : 

«Os  períodos  da  vida  simbólica,  convencional,  individual  e 
subjectiva  descobertos  primeiro  na  evolução  do  povo  alemão  são 
de  um  valor  [de  um  alcance  ou  aplicação]  absolutamente  geral  e, 
encontram-se  na  evolução  de  todos  os  povos  do  globo,  sem  ex- 
cepção». Esses  períodos  —  acrescenta  —  já  decorridos  na  época 
de  César  e  de  Tácito  foram  precedidos  de  uma  fase  a  que  chama 
idade  da  fantasia.^  da  imaginação. 


384 


mico,  do  estado  da  economia  primitiva  ao  da 
economia  natural  —  colectiva  e  individualista, — 
e  ao  da  economia  monetária  nos  mesmos  dois 
graus  (i). 

O  que  melhor  caracteriza  a  orientação  de  Lam- 
PRECHT  na  metodologia  histórica,  é  a  forma  como 
êle  aplica  nos  seus  últimos  trabalhos,  por  exem- 
plo na  citada  História  da  Alemanha^  o  método 
sócio-psicológico,  pois  —  como  para  Comte  — 
para  o  historiador  alemão  a  história  é  uma  parte 
da  Sociologia,  sendo  ainda  em  Comte  —  quer  di- 
rectamente, quer  pela  divulgação  de  Sainte-Beuve 
e  de  Taine  —  que  Lamprecht  se  inspira  quando 
procura  estabelecer  as  relações  entre  o  indivíduo 
e  a  massa  e  prender  um  e  outro  ao  meio. 

Mais  do  que  nota  Ernest  Bernheim,  deve  di- 
zer-se  que  se  Lamprecht  não  é  original  também 
o  não  foi  Comte,  que,  quanto  à  concepção  socio- 
lógica da  história,  se  inspirou  em  Condorcet. 


(i)  Um  dos  pontos  mais  alterados  na  referida  edição  foi  o  re- 
lativo à  história  económica,  beneficiando  largamente  dos  progres- 
sos da  economia  política,  da  história  do  direito,  etc,  mas  exterio- 
r^ando  os  seus  resultados  e  leis,  pois,  como  êle  escreve:  «não  é 
o  desenvolvimento  das  instituições  económicas,  mas  antes  a  evo- 
lução do  sentido  económico  que  é  o  objecto  próprio,  central,  da 
história  económica». 

E  assim  que  êle  estabebce  uma  espécie  de  paralelismo  psí- 
quico-económico,  mais  ou  menos  similar  ao  psico-físico,  para  ca- 
racterizar a  civilização  intelectual  e  a  civilização  material  «ambas 
visivelmente  conexas  —  como  êle  escreve  —  porque  apropria  cro- 
nologia dos  seus  períodos  era  idêntica  dos  dois  lados». 

Assim,  nota  êle  «a  necessidade  de  uma  transformação  da  his- 
tória económica  coincidindo  com  a  necessidade  de  uma  recons- 
trução psicológica  da  sciência  dos  graus  primitivos  de  civilização». 


385 


Efectivamente,  a  chamada  por  Bernheim  «50- 
cialiiação  da  concepção  relativa  à  história»  brota 
expontânea,  com  a  soberania  popular,  na  revo- 
lução francesa,  mas  é  Condorcet  quem  no  seu 
notável  Esquisse  d'un  tableau  historiqiie  des  pro- 
grès  de  Vesprit  humain^  aparecido  em  i  795,  torna 
consciente  esse  facto,  salientando-o,  e  explican- 
do-o. 

Essa  concepção  sociológica  que,  com  Lampre- 
CHET  e  outros,  caracteriza  a  historiografia  con- 
temporânea foi  formulada  pela  primeira  vez  — 
ao  que  parece  —  naquela  obra  pelo  seguinte 
modo : 

«A  história  não  se  tem  ocupado  até  agora  se^ 
não  de  algims  homens  :  os  que  constituem  verda- 
deiramente o  género  humano,  a  massa  das  famí- 
lias^ os  que  quási  não  vivem  mais  que  do  seu  tra- 
balho, esses  teem  sido  esquecidos,  e  mesmo  entre 
os  que  entregando-se  aos  negócios  públicos,  tra- 
balham não  para  si  próprios,  mas  para  a  socie- 
dade, só  os  chefes  atraíram  a  atenção  dos  histo- 
riadores» (i). 

Bernheim,  comentando  as  palavras  de  Condor- 
cet e  salientando  que  essa  separação  cada  vez 
menor  entre  o  indivíduo  e  a  massa  que  se  nota 


(i)  Acêfca  de  Condorcet,  das  suas  ideas  e  da  sua  acção  na 
Revolução,  ver:  Marc  Frayssinet,  La  Republique  des  Girondins; 
Alengry,  Condorcet  guide  de  la  Révolution  française ;  Aulard, 
Histoire  politique  de  la  Révolution  française. 

Para  Condorcet  o  conhecimento  das  massas,  das  sociedades, 
era  uma  sciência  baseada  em  factos,  fundada  na  experiência, 
a5 


386 


na  política,  nasciência  e  na  arte  reflectiu-se  enor- 
memente na  sciência  histórica,  escreve  : 

«As  influências  tão  grandes  quão  variadas  que, 
reforçando-se  ou  combatendo-se  mutuamente, 
teem  conseguido,  no  decurso  do  século  xix,  trans- 
formar a  nossa  sciência  numa  sciência  genética, 
e  pôr-lhe  novos  problemas  não  podem  ser  ex- 
postas nem  numeradas  aqui;  diremos  somente 
que  todos  estes  problemas  se  resumem  no  que 
havia  sido  traçado  por  Condorcet  e  que  consiste 
em  considerar  o  lado  social  da  história  —  o  que 
CoMTE  pela  primeira  vez  realizou  por  uma  forma 
sistemática  fazendo  da  história  . . .  uma  parte  da 
sociologia»  (i). 

Na  verdade,  a  historiografia  francesa  do  sé- 
culo XIX,  é  impulsionada,  com  limitadas  excep- 
ções, pela  concepção  sociológica,  e  em  Inglaterra 
é  o  eminente  Bugkle  o  que  mais  se  salienta  como 
intérprete  de  tal  ponto  de  vista. 

Na  Alemanha,  a  escola  de  Ranke  continua  in- 
dividualista e  pragmática,  e  foi  contra  ela  que  se 
ergueu  Lamprecht. 

A  evolução  histórica  é,  pois,  nesse  ponto  de 
vista,  o  produto  da  «uniformidade  regular  dos 
processos  psíquicos  e  das  condições  naturais». 

Por  essa  forma,  as  actividades  individuais,  não 
sendo  autónomas,  não  passam  de  simples  fun- 
ções de  manifestações  gregárias,  colectivas. 


(i)  Ernest  Bernheim,  La  Science  Historique  Moderne,  in  Revue 
de  Synthèse  Historique,  tomo  x,  pág.  i32  e  i33. 


387 


(j  Mas,  será  caso  de  perguntar  de  que  natureza 
é  a  dependência  dos  indivíduos  em  relação  aos 
agregados  sócio-psicológicos,  e  qual  o  grau  dessa 
dependência  ? 

A  isso  Lamprecht  responde,  indirectamente, 
dizendo  que  os  próprios  génios  que  precedem  o 
seu  tempo  não  estão  inteiramente  fora  dele,  an- 
tes são  dêie  dependentes,  estão  encerrados  na  sua 
época  (i). 


(i)  Gomo  se  sabe  teem  sido  muito  divergentes  os  critérios 
seguidos  no  estudo  e  apreciação  do  génio  e  da  genialidade.  O 
ponto  de  vista  antropológico  de  um  Lombroso,  de  um  Richet,  de 
um  RoNCARONi,  difere  enormemente  do  critério  psico-sociológíco 
de  um  Meyer  ou  de  um  Baldwin,  e  do  ponto  de  vista  socioló- 
gico de  um  Spencer,  de  um  Taine  ou  de  um  Nordau,  etc. 

E  assim,  tais  critérios  oscilam  entre  os  pontos  limites  do  con- 
ceito mecanista  —  segundo  o  qual  o  génio  e  as  suas  manifesta- 
ções estão  inteiramente  ligados  às  condições  materiais  e  morais 
do  meio,  e  a  concepção  da  quási  absoluta  liberdade  e  indepen- 
dência do  génio,  apresentando  este  como  um  milagre  da  criação. 
Mas,  in  médio  stat  virtus. 

O  produto  do  génio  consta  de  um  conjunto  de  manifestações 
psíquicas  que  a  sciência  actual  estuda  com  relativa  exactidão,  e, 
portanto,  fora  do  conceito  de  milagre,  de  acaso,  de  acidente.  O 
génio  implica,  necessariamente,  um  certo  quantum  de  espontanei- 
dade, que  consiste,  não  na  sua  independência  em  face  das  condi- 
ções físicas  e  sociais,  mas  na  maneira  essencial,  particular,  ori- 
ginal, como  êle  adapta  a  si  e  utiliza  tais  condições  orgânicas  é 
sociais. 

Ora,  tal  originalidade  do  génio  é  o  produto  de  uma  síntese  par- 
ticular e  excepcional  dessas  condições  na  sua  reflexão  ou  influên- 
cia sobre  os  homens  de  génio. 

Assim,  o  génio  com  os  seus  caracteres  de  individualidade, 
originalidade,  espontaneidade  e  liberdade  escapa,  em  grande  parte, 
à  inliuência  da  hereditariedade,  da  estabilidade  e  do  determinismo. 

A  infiuência  do  génio  sobre  a  multidão  explica-se  por  esta  se 
ver  nele  reflectida,  nos  seus  desejos,  aspirações  ou  necessidade», 


388 


Com  relação  ao  comum  dos  homens  essa  pri- 
são, essa  ligação  e  essa  dependência  são  enor- 
mes, tornando-se  todo  o  ser  humano  o  produto 
das  condições  da  sua  época,  ou,  pelo  menos,  a  sua 
actividade  é  por  estas  limitada.  Comtudo,  tal 
dependência  longe  de  ser  uniforme  para  todos  os 
homens  e  em  todos  os  meios,  varia  de  indivíduo 
para  indivíduo,  de  um  meio  para  outro,  e  de 
época  para  época. 

Assim,  quanto  mais  inferior  é  o  indivíduo  em 
relação  ao  meio  maior  será  a  influência  deste  so- 
bre êle,  e,  também,  nas  sociedades  inferiores  essa 
influência  é  muito  maior. 

Porém,  na  determinação  dessa  dependência  é 
impossível  fixar  leis^  fórmulas,  princípios,  porque 
só  se  podem  registar  factos. 

As  fases  da  evolução  dos  indivíduos  ou  dos 
povos  não  são  por  toda  a  parte  exactamente  as 
mesmas,  pois  há  diferenças  individuais  e  sociais 
qualitativas  no  desenvolvimento  histórico,  não 
havendo  paralelismo  entre  a  evolução  da  psico- 


porque  êle  sabe  dar  uma  expressão  precisa,  concreta  e  nítida  ao 
que  no  espírito  da  multidão  existe  com  uma  forma  vaga  e  indefi- 
nida. 

Ver:  R.  Nazzaby,  Le  moderne  íeorie  dei  génio,  1904,  etc. 

P.  Rossi,  na  sua  obra  Os  sugestiona  dor  es  e  a  multidão,  estuda 
muito  mais  os  meneurs  imediatos  como  os  oradores  políticos  e  re- 
ligiosos, e  os  autores  que  os  sugestionadores  mediatos  que  são  os 
verdadeiros  homens  de  génio. 

Ver  Revue  de  Syntlièse  Historique,  tomo  viii,  pág.  144  a  146. 

Acerca  de  A  concepção  sociológica  do  génio,  ver  a  obra  de 
Draghicesco,  Du  role  de  Vindividu  dans  le  déterminisme  social, 
J904,  pág.  272  a  337. 


389 


logia  geral  de  um  agregado  social  ou  de  um  povo 
e  a  história  objectiva  desse  mesmo  agregado  e 
desse  mesmo  povo  (i). 

Quanto  às  relações  entre  os  factores  materiais 
e  os  psíquicos  na  evolução  intima  das  nacionali- 
dades Lamprecht  segue,  mas  bastante  de  longe, 
Marx,  pois  ao  passo  que  este  afirma  a  depen- 
dência causal  e  completa  dos  valores  morais  em 
relação  aos  factores  económicos,  variando,  osci- 
lando com  estes,  Lamprecht  limita-se  a  afirmar 
uma  simples  relação  entre  os  valores  morais  de 
uma  sociedade  ou  de  um  povo  e  as  suas  trans- 
formações politicas  ou  históricas  e  sociais  (2). 

Mas  aqui,  como  em  outros  pontos,  Lamprecht 
hesita,  oscila,  contradiz-se,  pois,  logo  a  seguir  à 
declaração  que  não  segue  a  doutrina  pura  de 


(i)  Se  é  certo  que  as  fases  da  evolução  dos  povos  não  se  teem 
feito  paralelamente,  não  há  dúvida  que  como  diz  Lamprecht,  no 
seu  citado  prefácio:  «o  movimento  da  história  universal  desenro- 
la-se  como  alguma  cousa  de  único  acima  do  desenvolvimento 
típico  das  comunidades  sempre  especificamente  dotadas». 

E,  logo  acrescenta  :  «E  o  que  de  uma  forma  geral  imprime  ao 
movimento  da  história  universal  o  seu  carácter  singular,  é  que  as 
comunidades  humanas  particulares  na  recíproca  e  simultânea  pene- 
tração das  suas  civilizações  como  nos  renascimentos  de  civiliza- 
zões  passadas  fecundam-se  de  tal  maneira  que  sempre  algumas, 
pelo  menos,  das  civilizações  posteriores,  ainda  que  passando  pelos 
mesmos  estádios  da  evolução  distinguem-se,  comtudo,  das  civili- 
zações anteriores  ao  mesmo  tempo  pela  maior  riqueza  e  pela  mais 
acentuada  complexidade  dos  seus  fenómenos». 

Mas,  logo  adita  que  nesses  «enriquecimentos  sucessivos  da  alma 
humana»  só  muito  provisoriamente  se  pode  reconhecer  «uma  mar- 
cha clara  da  civilização»,  e  «uma  certa  finalidade». 

{2)  Este  ponto  já  foi  mais  ou  menos  tratado  numa  das  notas 
anteriores. 


igo 


Marx  e  dos  marxistas,  êle  afirma  —  como  um  fiel 
discípulo  do  autor  do  Capital  —  que  o  progresso 
económico,  e,  portanto,  o  progresso  social  são  os 
motivos  fundamentais  do  desenvolvimento  nor- 
mal das  nações,  não  tendo  os  outros  factos  mais 
que  uma  importância  secundária,  e,  só  por  excep- 
ção à  regra  geral,  excedem,  em  influência,  aque- 
les, motivos. 

Acentuando  mais  as  ideas  de  Lamprecht  acerca 
da  concepção  sociológica  ou  sócio-psiquica  da 
história,  a  propósito  das  relações  entre  a  massa 
e  o  herói  —  grande  homem  —  como  as  circuns- 
tâncias externas  e  as  acções  individuais  eminen- 
tes,—  diremos  que  o  autor  da  História  da  Alema- 
nha tal  importância  dá  a  esse  ponto  que  faz  dele 
—  como  Bernheim  —  o  principal  problema  me- 
todológico da  história  moderna  e  contemporâ- 
nea. 

Mas,  entende  que  não  sendo  possível  fechar  ou 
concretizar  a  sua  resolução  em  leis  ou  fórmulas 
definidas  e  fixas,  é  possível  indicar,  sem  receio 
de  erro,  e  de  uma  forma  geral,  que  a  solução 
de  tal  problema  se  vai  fazendo  no  sentido  de  uma 
decrescente  importância  dos  factores  individuais 
e  no  de  um  aumento  constante  de  poder  das 
acções  sócio-psíquicas. 

Repetindo  que  as  relações  entre  as  massas  e 
os  grandes  homens  devem  ir  sendo  determinadas 
de  uma  forma  empírica  para  cada  fase  da  civili- 
zação, êle  escreve : 

«As    fases    primitivas    apresentam-nos,    com 


Sgi 


efeito,  a  associação  da  necessidade  empírica,  no 
sentido  da  dependência  externa  dos  indivíduos, 
com  a  liberdade  arbitrária.  Nas  fases  superio- 
res, encontramo-nos  em  presença  de  uma  liber- 
dade empírica  maior  em  relação  ao  meio  exte- 
rior—  por  um  lado,  e  de  uma  independência 
interior,  consciente,  e  maior,  em  relação  às  tra- 
dições do  passado —  de  outro.  Por  isso,  penso 
que  a  cada  época  se  deve  aplicar  sua  fórmula 
particular^  mas  que  tal  fórmula,  não  podendo  re- 
sumir-se  em  duas  palavras,  resulta  da  maneira 
como  o  historiador,  descrevendo-a,  trata  de  uma 
dada  época»  (i). 

Mas  acha  êle  que  será  possível  passar  das  re- 
lações temporárias  e  variáveis  em  cada  fase  da 
civilização  para  as  relações  superiores  e  cons- 
tantes entre  a  massa  e  o  indivíduo.  E  propõe, 
como  único  —  e  exaustivo  —  meio  o  seguinte: 
principiar  por  separar  todas  as  relações  particu- 
lares, temporárias,  para  o  que  é  essencial  fazer 
um  estudo  profundo  da  história  da  civilização 
de  todos  os  povos  superiores  desde  os  seus  iní- 
cios ;  a  seguir,  comparar  entre  si  todas  as  rela- 
ções temporárias,  a  fim  de  descobrir  o  que  nelas 
há  de  diferente  e  de  comum,  considerando  os 
caracteres  comuns  resultantes  de  tal  selecção 
como  fazendo  parte  do  grupo  das  relações  cons- 
tantes. 

É  para  esse  estudo  —  complexo  e  difícil  —  que 


(i)  K.  Lamprecht,  in  loc.  cit. 


392 


deve  tender  na  sua  evolução  lógica  a  história  da 
civilização  contemporânea  (i). 

Não  falta  —  especialmente  entre  os  sociologis- 
tas — -quem  afirme  que  cada  época,  cada  século, 
cada  geração  necessita  refazer  a  história  para  seu 
próprio  uso,  adaptando-a  aos  seus  sentimentos, 
às  suas  ideas  e  às  suas  aspirações  (2).  E  como 
no  período  actual  as  questões  sociais  são  prepon- 
derantes, e  estão  por  toda  a  parte  na  ordem  do 
dia,  natural  é  que  o  ponto  de  vista  social  vá  in- 
fluenciar aqueles  que  estudam  o  passado  humano. 

Assim,  enquanto  os  historiadores  cuidam  de 
aplicar  o  método  histórico  à  sociologia  (3),  outros 


(i)  O  aparecimento  da  Deutsche  Geschichte^  de  Lampre- 
CHT,  originou  uma  enorme  discussão,  e  deu  azo  a  uma  impor- 
tante bibliografia  com  muito  mais  de  loo  peças,  onde  os  apolo- 
gistas da  concepção  individualista  da  história  e  os  da  concepção 
colectivista  —  partidários  de  Lamprecht  —  figuraram  em  acesa 
polémica. 

Esse  acontecimento  ficou  conhecido  pela  designação  de  Luta 
acerca  da  história  considerada  scientificamente,  e  a  que  Von  Bu- 
Low  chamou,  com  espírito,  recordando  a  famosa  questão  lite- 
rária da  segunda  metade  do  século  xviii,  intraduzívelmente :  Der 
Lamprechtsche  Sturm-and-Drang. 

Passados  trinta  anos  após  o  aparecimento  do  primeiro  volume 
da  obra  de  Lamprecht,  em  1891,  o  critério  colectivista  ou  socio- 
lógico desse  historiador  tem  vindo  a  impôr-se  cada  vez  mais,  e  o 
período  da  discussão  e  implantação  das  suas  ideas  marca  uma  das 
mais  importantes  épocas  do  movimento  bibliográfico  alemão,  a 
partir  da  segunda  metade  do  século  xix. 

{%)  Este  ponto  de  vista  que  implica  uma  concepção  de  valores 
em  história  será  estudado  adiante  ao  tratarmos  especialmente  de 
tal  concepção. 

(3)  É  o  que  faz  Ch.  Seignobos  na  sua  obra  La  Méthode  his- 
torique  appliquée  aux  sciences  sociales,  de  que  adiante  nos  ocupa- 
remos. Ver  artigo  de  Henri  Berr,  Les  rapports  de  Vhistoire  et 
des  sciences  sociales,  in  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  iv» 
pág.  293  a  3o2. 


393 


pensam,  ao  contrário,  utilizar  o  método  socioló- 
gico em  história.  E  isso  que  faz — como  já  dis- 
mos  —  KuRT  Breysig  na  sua  História  da  cipili^a- 
ção  contemporânea. 

No  primeiro  volume,  destinado  a  generalidades 
sobre  os  Problemas  e  regras  para  a  elaboração  de 
história  universal,  Breysig  esforça-se  por  mostrar 
a  utilidade  da  aplicação  do  método  sociológico 
à  história,  pois  só  êle  pode  dar  a  esta  uma  noção 
de  conjunto  dos  acontecimentos  e  obter  uma  sín- 
tese das  diversas  formas  da  actividade  humana : 
artística,  scientííica,  política,  etc. 

Com  esse  método  adquire-se  uma  noção  mais 
geral  e  completa  da  evolução  dos  povos,  podendo 
daí  tirar-se  consequências  mais  exactas. 

O  outro  argumento  de  Breysig  e  dos  sociologis- 
tas  consiste  em  afirmar  que  são  ilusórios  os  li- 
mites entre  a  história  e  a  sociologia,  pois  é  fictícia 
toda  a  separação  entre  os  factos  humanos  do 
passado  e  os  factos  humanos  do  presente. 

Ser  presente  ou  ser  passado  não  implica  uma 
diferença  de  natureza  interna,  mas  sim  de  cará- 
cter exterior,  isto  é,  uma  diferença  de  posição 
em  relação  a  um  dado  observador. 

Segundo  este  critério  não  há  factos  históricos 
por  sua  natureza,  mas  simplesmente  por  acidente, 
por  posição  no  tempo. 

Levando  longe  tal  critério  Breysig  conclue  que 
a  história  não  é  uma  sciência  com  objecto  pró- 
prio, com  individualidade,  pelo  menos  uma  sciên- 
cia como  as  outras,  e  o  seu  método  deve  dife- 


394 

rençar-se  radicalmente  dos  métodos  das  outras 
sciências  ( i ).  Faltando  à  história  um  objecto  pró- 
prio, especial,  característico,  pode  ela  entrar  na 
sociologia,  como  também  entende  Simmel. 

E  com  esse  critério  que  Breysig  trata,  no  se- 


(i)  O  sociologista  italiano  Gesare  Rivera  na  sua  obra  //  de- 
terminisme  sociológico.  Saggio  critico  d'uno  programma  di  so- 
ciologia scientifica,  aparecido  em  igoS,  entende  que  a  sociologia, 
não  obstante  a  complexidade  do  seu  objecto  de  estudo,  pode 
constituir  uma  sciência,  compreendendo  todos  os  factos  psíquicos 
desde  a  língua  até  à  religião,  dos  factos  de  natureza  económica 
aos  de  carácter  moral,  da  arte  à  política.  Ela  implica  o  estudo 
das  leis  e  das  relações  psíquicas  entre  os  seres  humanos  que  for- 
mam uma  sociedade. 

Assim,  a  sociologia  sendo  uma  sciência  basea-se  em  fenóme- 
nos gerais,  isto^é,  em  leis,  repetindo-se  ao  infinito. 

Mas,  ao  contrário  do  que  seria  de  esperar  o  autor  não  admite 
a  previsão  em  sociologia,  porque  êle  compreende  tal  previsão 
como  uma  antevisão  de  factos  e  não  como  a  natural  consequên- 
cia de  fenómenos  regidos  por  leis  —  por  aquelas  leis,  de  resto, 
que  êle  próprio  considera  as  bases  da  sociologia. 

Quanto  às  relações  da  sociologia  com  a  história  elas  são  nu- 
las, e  quanto  mais  a  sociologia  fôr  uma  sciência  maior  será  a  sua 
distância  da  história. 

Assim,  esta,  ocupando-se  de  factos  particulares  e  mutáveis,  de 
acontecimentos  variáveis,  não  pode  constituir-se  em  uma  sciência 
porque  tais  factos,  tais  acontecimentos,  não  provêem  de  causas 
gerais,  nem  se  podem  submeter  a  leis.  Por  isso  os  factos  históri- 
cos não  podem  ser  determinados  e  ainda  menos  previstos. 

O  historiador^romeno  A. -D.  XÉNOPOLao  criticar  esta  obra  con- 
sidera «como  absolutamente  erróneos  no  ponto  de  vista  lógico» 
os  princípios  e  concepções  de  M.  Rivera  sobre  a  sciência.  E 
explica:  «a  sciência  prosegue  ...  a  investigação  da  verdade  em 
duas  direcções :  o  estabelecimento  dos  fenómenos  e  a  investiga- 
ção das  causas.  As  sciências  de  repetição  são  muito  mais  aptas 
para  descobrir  o  primeiro  género  de  verdades,  a  história  o  se- 
gundo».   E  conclue :    «A  história  é,  pois,  também  uma  sciência». 

Ver  Revue  de  Synthése  Historique,  tomo  xii,  fág.  191  a  196.. 


395 


gundo  volume,  Da  Antiguidade  e  da  Idade  Média 
para  comprovar  a  sua  teoria  favorita  da  maior 
libertação  colectiva,  do  maior  individualismo  das 
massas  —  o  Massenindividualismus. 

Pensando  de  uma  forma  muito  diversa  está 
Arvid  Grotenfelt^  professor  da  Universidade  de 
Helsingfors  —  de  quem  várias  vezes  tratamos 
neste  capítulo.  Esse  teórico  da  história  numa 
obra  sua  acerca  da  Classificação  de  valores  em 
história  (i)  começa  logo  por  dizer  que  a  história 
não  é  um  simples  armazém  de  materiais,  e  mos- 
tra-se  inclinado  para  os  adeptos  da  escola  nova 
de  história,  que  entendem  que  esta  é  uma  sciên- 
cia  de  leis. 

Insistindo,  volta  a  dizer  que  a  história  não  tem 
só  por  objecto  recolher  factos  isolados,  ela  tem 
também  por  missão  ligá-los,  seriá-los,  estudar  a 
evolução  na  sua  origem  e  unidade,  emíim,  é  uma 
sciência  genética.  Mas,  ela  não  se  limita  a  ligar 
factos  isolados,  também  estabelece  relações  entre 
os  factores  individuais  e  as  forças  colectivas. 

Assim,  a  sciência  da  evolução,  da  dinâmica 
das  sociedades,  e  a  sciência  da  sistematização  e  da 
estática  sociais,  teem  naturais  relações  recípro- 
cas, isto  é,  entre  a  história  e  a  sociologia  se  há 
completa  separação  não  existe  uma  completa  e 
fundamental  distinção. 

Porém,  como  diz  Grotenfelt  «a  história  e  a 


(i)  Die  Wertschciípmg  in  der  Geschichte.  Eiiie  kritische  Un- 
tersuchung,  Leipzig,  1903,  vii-228  pág. 


396 


sociologia  não  poderiam  fundir-se  numa  só  dis- 
ciplina. A  diferença  reside  na  tendência  da  in- 
vestigação, no  fim  último  que  o  trabalhador 
judicioso  deve  sempre  ter  ante  os  olhos  como 
farol  condutor». 

E  Grotenfelt,  continuando  a  caracterizar  a 
distinção  entre  a  história  e  a  sociologia,  entende, 
em  oposição  aos  historiadores  sociologistas,  que 
quando  a  história  encontra  generalizações  e  leis, 
ela  deve  relegá-las  para  a  sociologia,  pois  é  esta 
a  sciência  do  geral,  e,  por  isso,  só  a  ela  dizem 
respeito. 

Assim,  êle,  falando  da  obra  de  Buckle,  não 
nega  que  a  história  possa  descobrir  «relações  per- 
manentes, generalizadas»,  mas  quando  se  vai 
além  de  tal  descoberta,  de  tal  constatação,  en- 
tra-se  nos  domínios  da  sociologia,  porque  é  esta 
a  sciência  das  generalizações. 

Como  se  vé,  Grotenfelt,  dando  à  sociologia, 
como  objecto,  a  função  de  investigar  o  geral,  con- 
funde-a  com  a  antiga  filosofia  da  história. 

Nas  mesmas  águas  de  Grotenfelt  navega  o 
dr.  J.  GoLDFRiEDRicH  que,  na  sua  História  das  ideas 
na  Alemanha^  também  considera  a  história  como 
uma  sociologia  particularizada,  vendo,  contudo, 
entre  elas  relações  recíprocas. 

Assim,  nesse  corpo  scientífico,  uma  é  um  es- 
queleto a  outra  fornece  a  carne  e  o  sangue.  Numa 
predomina  o  característico,  o  típico,  o  perma- 
nente, na  outra  domina  o  variável,  o  singular. 

São  duas  manifestações  do  mesmo  objectivo, 


397 


dois  meios  para  alcançar  o  mesmo  fim :  o  conhe- 
cimento da  vida  histórica,  da  vida  social,  hu- 
mana. 

Da  mesma  forma  que  Grotenfelt,  Goldfrie- 
DRiCH  — como  muito  acertadamente  nota  M.  Henri 
Berr — tem  uma  noção  incompleta  da  história, 
parecendo  não  conceber  a  existência  da  síntese 
histórica,  isto  é,  «da  investigação  do  geral  em 
história»  —  o  que  o  leva  a  confundir  esta  com  a 
sociologia. 

Para  êle  a  evolução  histórica  é,  essencialmente, 
um  problema  de  psicologia,  e  estudá-la  é  procurar 
conhecer  como  a  humanidade  tem  vindo  a  passar 
da  inconsciência  à  reflexão  através  dos  momentos 
vários  da  diferenciação  e  da  integração  sociais^ 
da  divisão  do  trabalho,  e  da  associação,  da  liber- 
tação do  pensamento,  etc. 

Com  muita  mais  razão  se  expressa  Henri 
Berr,  quando,  ao  falar  das  relações  entre  as  duas 
sciências,  diz  «que  a  sociologia  para  se  constituir 
deve  ser,  antes  de  tudo,  um  estudo  positivo  do 
que  é  social  em  história».  E  acrescenta  «...  que 
ela  deve  partir  dos  dados  concretos  da  história». 

Mas,  como  ela  só  se  ocupa  do  que  é  social  em 
história  vê-se  logo  que  não  esgota  a  história,  por- 
que nesta  sciência  há  muita  cousa  que  não  sendo 
social  não  pode  ser  incorporada  naquela,  emfim, 
que  a  sociologia  não  deve  ter  a  pretensão  de  en- 
globar e  de  absorver  a  história  confundindo-se 
com  esta. 

Na  história  há  que  considerar,  além  do  ponto 


398 


de  vista  e  dos  métodos  de  erudição  e  de  crítica, 
com  que  faz  os  seus  estudos  e  que,  por  completo, 
a  distinguem  da  sociologia,  todo  o  capitulo  espe- 
cial relativo  ao  estudo  das  grandes  individuali- 
dades —  o  que  faz  entrar  a  história  em  especiais 
relações  com  a  psicologia. 

Assim,  a  história  ocupa-se  dos  factos  ou  com- 
parando-os,  independentemente  dos  lugares  e  do 
tempo  onde  e  em  que  se  teem  passado,  para  neles 
descobrir  as  semelhanças  e  determinar  os  cara- 
cteres gerais  que  os  distinguem  e  singularizam, 
ou  só  abstraindo  do  lugar  para  «descobrir  o  ge- 
ral na  sucessão  dos  acontecimentos  particulares», 
ou,  ainda,  agrupando  os  factos  em  relação  a  um 
critério  de  unidade  —  como  os  grandes  homens, 
povos,  épocas  e  instituições,  —  ecolocando-os  em 
série. 

Quanto  à  primeira  modalidade  do  trabalho 
histórico  não  há  dúvida  que  ela  permite  senão  a 
fusão  pelo  menos  a  confusão  da  história  com  a 
sociologia ;  porém,  os  dois  outros  objectivos  da 
história  diferençam  esta  por  completo  daquela. 

Mas,  necessário  é  não  cair  em  outro  exagero, 
concluindo  que  em  história  tudo  se  reduz  á  psi- 
cologia :  psicologia  colectiva  —  no  estudo  dos  po- 
vos; psicologia  social  —  para  o  estudo  compara- 
tivo das  sociedades;  e  psicologia  individual  — 
destinada  ao  estudo  dos  grandes  homens  de  acção 
e  do  pensamento  (i). 


(i)  Alêm  disso  há  que  considerar  as  aplicações  especiais  à 


^99 


É  nesse  extremo  que  cai  Henri  Berr  quando 
escreve  : 

«L'étude  des  séries  historiques,  doit  aboutir  à 
la  psychologie  des  grands  hommes  d'action  et 
de  pensée,  des  individualités  ethniques,  des  mo- 
ments  critiques  deFliistoire». 

E  a  seguir :  «De  Tensemble  de  ces  études,  de 
Télaboration  de  cette  psychologie  historique,  dé- 
pend  non  seulement  Tintelligence  du  passe,  mais 
la  direction  de  Tavenir»  (2).  ~ 

Como  se  tem  visto  são  muitas  e  fortes  as  oscila- 


história  dos  trabalhos  de  psicologia  individual,  como,  entre  ou- 
tros, o  que  se  refere  à  psicologia  do  testemunho.  Se  bem  que  já 
no  fim  século  xviii  se  notassem  as  alterações,  as  deformações, 
inconscientes  da  memória,  foi  especialmente  no  século  xix,  com 
NiEBURH  e  Ranke,  que  se  começou  a  estudar  o  depoimento  histó- 
rico. 

Hoje,  tal  estudo  é  do  domínio  da  psicologia  experimental. 

Ver  vários  artigos  de  Binet  e  Henri  sobre  a  Sugestibilidade, 
a  memória  das  palavras  e  frases,  etc;  de  Glaparède  sobre  a  Psi' 
cologia  dojiií^o,  Larguier  be  Bancels  sobre  a  Psicologiajudiciá- 
ria :  todos  na  colecção  do  Année  psychologique ;  a  Sugestibilité, 
de  Binet;  o  Lehrbuch...^  de  Bernheim  ;  La  psicologie  du  iémoi- 
gnage  en  Histoire,  de  André  Fribourg,  in  Revue  de  Synthèse 
Historique^  tomo  xii,  pág.  262  a  277 ;  Nouvelles  expériences  sur 
le  témóignage,  por  André  Fribourg,  in  Revue  citada,  tomo  xiv, 
pág.  i58  a  167. 

Consultar,  também,  o  artigo  de  Bernheim  nos  Beitrãge  Zur 
Psychologie  des  Aussage  de  L,  W.  Stern,  Leipzig,  1907,  tomo  11 
pág.  no  a  117;  acerca  de  As  relações  da  metodologia  histórica 
com  o  testamento,  onde  o  eminente  metodologista  nota  o  pro- 
veito que  a  crítica  das  fontes  históricas,  com  os  seus  numerosís- 
simos estudos  rigorosamente  feitos  e  fiscalizados,  pode  dar  e  re- 
ceber dos  trabalhos  de  psicologia  sobre  o  testemunho,  a  fidelidade 
das  recordações,  as  «influências  sugestivas»  que  incidem  sobre  a 
testemunha,  etc. 

(a)  In  Revue  de  Synthèse  Historique,  1900,  pág.  436, 


40Ô 


çôes  de  critério  na  caracterização  da  história,  na 
fixação  dos  seus  limites  e  na  compreensão  das  suas 
relações  com  as  sciências  psicológicas,  com  a  so- 
ciologia e  com  a  politica. 

Não  admira  que  sejam  tão  divergentes  as  opi- 
niões entre  os  historiadores,  os  sociólogos  e  psi- 
cologistas  se  mesmo  dentro  de  cada  sciência  as 
opiniões  estão  longe  de  se  combinarem  e  ajusta- 
rem. Na  sociologia,  por  exemplo,  há  uma  grande 
diversidade  de  pontos  de  vista,  de  critérios  e  de 
correntes. 

Assim,  a  sociologia  de  Durkheim  não  é  igual  à 
de  De  Greef  ;  e  qualquer  destas  é  diferente  da  de 
JIené  Worms,  de  E.  Roberty,  etc. 

Vejamos  êste^  por  exemplo.  No  seu  Nouveau 
programme  de  sociologie,  aparecido  em  1904, 
Roberty  afasta-se  tanto  dos  que  querem  redu- 
zir os  fenómenos  sociológicos  a  fenómenos  bioló- 
gicos como  dos  que  querem  identificar  a  sciência 
social  com  a  psicologia,  considerando  a  sociolo- 
gia com  uma  sciência  autónoma  com  o  seu  lugar 
fixado  na  hierarquia  scientifica. 

A  inter-acção  psico-fisica,  determinando  a  pas- 
sagem da  vida  orgânica  à  super-orgânica  ;  deter- 
mina a  inter-acção  psicológica,  e  faz  aparecer  o 
objecto  da  sociologia.  Mas  logo  os  psicologistas 
respondem  que  a  distinção  entre  fenómenos  psico- 
-fisicos  e  psicológicos  não  é  de  natureza,  mas  sim 
de  grati,  pelo  que  a  separação  entre  as  duas  or- 
dens de  manifestações  é  tão  subtil  como  artifi- 
cial, 


401 


Admitindo  que  o  fenómeno  super-orgânico  — 
objecto  dos  estudos  sociais  —  não  possa  reduzir-se 
e  confundir-se  com  o  fenómeno  vital,  biológico, 
orgânico,  não  há  dúvida  que  a  êle  pode  reduzir-se 
um  fenómeno  de  natureza  psicológica  —  como 
entendem  alguns,  ou  concluir,  que  este  sai  da- 
quele—  como  querem  outros,  ou,  ainda,  fazendo 
derivar  o  fenómeno  sociológico  ao  mesmo  tempo 
que  a  manifestação  psicológica  —  como  opinam 
bastantes. 

Sucede,  por  vezes,  que  quanto  mais  os  homens 
de  sciência  procuram  distinguir  a  psicologia  co- 
lectiva da  psicologia  social,  e  ambas  da  sociolo- 
gia, fixando  a  cada  uma  os  seus  objectivos  e 
os  seus  limites,  maior  é  a  confusão  que  dai  re- 
sulta. 

Tal  o  caso  da  obra  de  Pascuale  Rossi  —  So- 
ciologia e psicologia  colettiva,  pubhcada  em  1904. 

Este,  vendo  que,  num  outro  seu  trabalho,  apa- 
recido em  igoo,  sobre  Psicologia  colectipa,  havia 
estabelecido,  com  a  sua  teoria  das  multidões  ex- 
táticas e  dinâmicas,  concentradas  e  dispersas  no 
tempo  e  no  espaço,  uma  muito  regular  confusão 
entre  a  psicologia  colectiva,  a  psicologia  social  e 
a  sociologia,  escreveu  a  segunda  obra  para  deli- 
mitar o  âmbito  de  cada  uma  (i). 


(i)  o  mesmo  intuito  tem  o  sociólogo  romeno  M.  Draghi- 
CESCO,  alem  de  tantos  outros  cultores  das  sciências  sociais.  Tam- 
bém este  professor  da  Universidade  de  Bucarest,  na  sua  obra 
Du  role  de  1'individu  dans  le  déterminisme  social,  procura  na  se- 
gunda parte  estudar  as  relações  entre  a  psicologia  e  a  sociologia^ 

3Ó 


402 


Assim,  a  psicologia  colectiva  teria  por  objecto 
a  multidão  instável  ou  pouco  estável  que  se  cria 
entre  um  povo  e  se  manifesta  de  uma  forma  in- 
variável, com  os  seus  caracteres  gerais,  hiperor- 
gânicos,  atávicos,  e  independentemente  das  con- 
dições da  raça  e  das  circunstâncias  de  tempo  ,£ 
de  meio. 

A  psicologia  social  ocupar-se  hia  da  multidão 
estável,  permanente,  formada  pelo  povo,  e  por- 
tanto mais  complexa,  mas  também  muito  mais 
duradoura. 

Acerca  da  sociologia,  ocupar-se  hia  esta  do 
agregado  social  organizado,  primeiro  de  uma 
forma  inconsciente  e  automática,  e,  depois  de 
uma  maneira  mais  consciente  e  reflectida  —  como 
quere  De  Greef,  e  tem  por  fim  coordenar  e  sin- 
tetizar os  dados  fornecidos  pelas  duas  sciências 
anteriores. 

Mas  só  as  criaturas  superficiais  e  pouco  refle- 
xivas, os  tipos  psicológicos  verbais,  se  poderão 
satisfazer  com  tais  diferenciações  e  com  tal  fixação 
de  caracteres,  deixando  jogo  de  perguntar  quais 
são  os  caracteres  hiperorgânicos,  atávicos,  etc,  e 
onde  acabam  eles  para  começarem  os  adquiridos 
no  decorrer  da  civilização. 

Muitos,  muitíssimos,  argumentos,  e  tantíssimas 
perguntas  se  poderiam  fazer  aos  Rossi,  aos  Naz- 


e  não  obstante  encher  1 5o  páginas  de  considerações  e  argumentos 
o  certo  é  que  não  se  fica  melhor  instruído  ao  acabar  o  capítulo 
que  ao  começá-lo. 


4o3 


ZARi,  aos  De  Gheef,  aos  Tarde,  aos  Roberty,  aos 
ScHAFFLE,  às  quais  responderiam  outros  pontos 
duvidosos  e  incertos  numa  discussão  vaga  e  aprio- 
rística.  E  o  que  sucede  na  citada  obra  de  E.  Ro- 
berty—  Noupeau  programme  de  sociologie,  apa- 
recida em  1904. 

Aí  tudo  é  confuso,  tergiversante,  nebuloso  desde 
as  concepções  até  à  nomenclatura.  E  assim,  pro- 
curando o  autor  estabelecer  a  natureza  do  facto 
social,  determinar  o  método  sociológico  è  traçar 
a  lei  geral  da  evolução  social,  êle,  muito  mais  que 
o  cumprimento  dos  objectivos  que  a  si  próprio 
impôs,  só  consegue  fazer  uma  obra  complexa, 
vaga,  metafísica  e  apriorística. 

O  facto  social  é  para  êle  anterior  ao  facto  psi- 
cológico, considerando-o  como  um  facto  superor- 
gânico,  isto  é,  como  a  floração  última  e  a  mais 
complexa  da  vida,  produto  de  uma  interacção 
de  cérebros,  que  desenvolveria  a  consciência  in- 
dividual, e  da  interacção  das  consciências  indivi- 
duais que  produziria  o  pensamento  individual 
superior  e  a  vida  social  vasta  e  complexa. 

Roberty  tratando  do  método  sociológico  é 
ainda  mais  vago  e  obscuro,  e  quanto  à  tendência 
da  evolução  social  é  francamente  arbitrário  e  ca- 
prichoso no  seu  simplismo.  Para  êle,  a  história 
consiste  numa  única  evolução,  sendo  esta  o  re- 
sultado da  diferenciação  de  quatro  modos  de  acti- 
vidade social:  o  pensamento  analítico  —  a  sciên- 
cia ;  o  sintético  e  apodíiico  —  a  religião  e  a  filo- 
sofia; o  pensamento  simbólico  e  romântico  —  a 


404 


arte;  e  o  pensamento  prático  e  teleológico  —  a 
acção,  que  na  sua  origem  se  confundiam  (i). 

Xénopol  no  seu  estudo  sobre  a  Sociologia  e  a 
história,  insistindo  sempre  que  a  sociologia  estuda 
as  leis  de  repetição  dos  fenómenos  sociais  ao 
passo  que  a  história  se  limita  a  registar  o  desen- 
volvimento deles  em  série,  no  tempo,  isto  é,  os 
factos  sociais  repetindo-se  podem  dar  origem  a 
leis  gerais,  ao  passo  que  os  factos  históricos,  sem- 
pre diferentes,  não  se  repetem,  sucedem -se,  e  a 
história  deve  limitar-se  a  encadeá-los  em  série  e 
a  descrevê-los. 

Eduardo  Spranger,  depois  de  notar  a  natureza 
psicológica  do  conhecimento  histórico,  entende 
que  sendo  os  factos  históricos  o  produto  da  acti- 
vidade individual  é  por  meio  da  psicologia  que 
em  última  razão  se  devem  explicar  tais  factos. 


(i)  O  mesmo  autor  numa  outra  obra  —  Une  sociologie  d'action, 
—  aparecida  em  1908,  procurando  as  «origens  sociais  da  razão  e 
as  origens  racionais  da  acção»,  continua  a  manter,  como  no  Noit- 
veau  programme  de  sociologie^  a  distinção  entre  a  interacção 
psico-física  e  a  psicologia,  tendo  sempre  em  vista  elevar  a  so- 
ciologia à  categoria  de  uma  «sciência  fundamental  do  espírito». 

Também,  aqui  continua  a  afirmar  que  o  psicológico  vem  do 
social,  e  que  ele  é  não  só  a  matéria  sobre  a  qual  se  exerce  a 
acção  social  como  o  produto  de  uma  tal  acção,  explicando,  assim, 
'O  fenomenalisrao  social  como  uma  sucessão  de  estudos  psíquicos, 
de  modificações  experimentadas  nas  ideas,  nos  desejos  e  nas  von- 
tades. Ao  contrário  dos  pragmatistas,  ele  sustenta  que  o  conheci- 
mento tem  uma  acção  preponderante  na  vida  social,  sendo  a 
essencial  condição  de  todos  os  outros  modos  do  pensamento,  e 
que  a  acção  é  condicionada  pela  sciência,  pela  filosofia  e  pela  arte. 

Ver  a  análise  da  obra  de  Roberty  pelo  dr.  Jankelevitch,  in 
Revue  de  Synthèse  Historiqiie^  Abril  de  1909,  pág.  190  a  195. 


40  5 


Assim,  os  conceitos  dos  historiadores  não  teem 
valor  objectivo,  não  podendo^  portanto,  dar  ori- 
gem a  leis  gerais. 

Está- se,  pois,  muito  longe  de  um  acordo  ou, 
pelo  menos,  de  uma  harmonia  de  vistas,  princi- 
palmente acerca  dos  limites  das  três  sciências : 
psico-sociologia  ou  psicologia-colectiva,  a  sociologia 
e  a  história. 

Nas  exposições  dos  livros,  nos  artigos  das  re- 
vistas, nas  comunicações  às  instituições  scientífi- 
cas,  e,  principalmente,  nas  discussões  dos  con- 
gressos, vê-se  por  toda  a  parte  e  a  cada  momento 
surgirem  os  conceitos,  as  teorias,  as  opiniões, 
mais  divergentes  e  fantásticas. 

Quem  percorrer  os  relatos  dos  vinte  e  tal  con- 
gressos da  Associação  Histórica  Americana^  dos 
Congi^essos  Internacionais  de  História,  das  reu- 
niões dos  historiadores  alemães,  franceses,  ingle- 
ses e  italianos,  sempre  notará_,  e  por  toda  a  parte, 
intermináveis  discussões  com  idênticos  comentá- 
rios, e  repetidos  argumentos. 

Nesses  relatos  encontrará,  como  questões  cró- 
nicas e  assuntos  obrigatórios,  os  sociólogos  a  afir- 
marem que  a  história  não  é  uma  sciência,  mas 
sim  um  colossal  depósito,  um  enorme  arsenal,  de 
factos  pacientemente  descobertos,  formulados, 
classificados,  faltando-lhes  a  função  explicativa  e 
uma  enunciação  das  causalidades;  mais  dizem 
eles  que  a  sociologia  presta  à  história  os  maiores 
benefícios,  além  de  uma  teleologia,  os  quadros 
de  síntese,  as  teorias  e  as  leis  que  vão  tornar 


4o6 


úteis,  eficazes  e  vivos  os  apontoados  de  factos 
que  a  história  organiza. 

Outras  vezes,  dizem  esses  sociologistas,  a  histó- 
ria mete-se,  abusivamente,  a  fazer  generalizações 
quando  a  sua  função  é  de  estudar  o  particular,  o 
individual. 

Assim,  mais  ou  menos,  se  teem  expressado  o 
prof.  F.  H.  GiDDiNGs,  de  Golumbia  ;  o  prof.  Al- 
BioN  W.  Small,  da  Universidade  de  Chicago,  etc. 

Para  o  prof.  Lester  Ward,  do  Smithsonian 
Institution,  a  sociologia  é  uma  sciência  ao  passo 
que  a  história  não  o  é ;  aquela  assenta  sobre  um 
encadeamento  causal  e  a  história  sobre  uma  sé- 
rie de  factos;  emfim,  a  «história  é  uma  ocupação 
agradável  e  um  amável  passa-tempo»  (i). 

Quanto  a  P.  Barth  e  a  alguns  outros  sociolo- 
gistas, pretendem  estes  identificar  a  sociologia 
com  a  filosofia  da  história,  e  admitem  o  conhe- 
cimento individual,  mas  como  base  indispensável 
para  admissão  de  leis  naturais  na  vida  da  hu- 
manidade (2). 

Quanto  aos  historiadores,  respondem  eles  que 
a  história  é,  cada  vez  mais,  uma  sciência,  e  uma 
sciência  dia  a  dia  mais  objectiva,  baseada  no 


(i)  Outros  teem  dito  da  história  cousas  muito  peiores.  Assim, 
Peladan  no  seu  pequeno  estudo  sobre  Le  secret  de  Jeanne  d'Arc, 
diz : 

«L'histoire  est  rnrement  vraie  ;  elle  se  colore  dans  le  cerveau 
d'une  homme  passionné,  qui  plaide,  en  sa  narration,  par  un  client 
abstrait». 

(2)  P.  Barth  defende  tais  ideas  no  seu  Die  Sociologie  ais 
Geschichtsphilosophie. 


407 


estudo  dos  documentos  —  que  são  os  vestígios 
dos  factos  passados,  que  os  vai  estudando,  clas- 
sificando, seriando  com  a  mesma  meticulosidade 
que  o  naturalista  põe  na  investigação  e  classifica- 
ção dos  seus  exemplares  de  estudo. 

Passando  à  crítica  dizem  eles  que  a  sociologia 
abusa  muitas  vezes  das  generalizações,  esgotando 
a  sua  actividade  em  construir  e  derrubar  teorias 
e  leis,  torturando  os  factos  para  os  fazer  caber 
nos  moldes  mais  ou  menos  estreitos  das  hipóte- 
ses ;  emfim,  como  diz  o  prof.  Emerton,  da  Uni- 
versidade de  Harw^ard,  a  sociologia  é  um  fan- 
tasma da  antiga  inimiga  da  história :  a  filosofia 
da  história. 

As  mesmas  questões  surgem  no  velho  conti- 
nente entre  Von  Bullow,  Friedrich  Gottl,  Lam- 
PRECHT,  e  muitos  outros  —  na  Alemanha ;  entre 
Lacombe  e  XÉNOPOL ;  com  Simiand,  com  Seignobos, 
Hauser,  Mantoux,  Henri  Berr  —  em  França;  com 
Benedetto  Croce  —  na  Itália,  etc.  (i). 

Também  Henri  Berr,  na  sua  obra  La  synthése 
en  histoire,  tem  muito  a  peito  o  propósito  de  dis- 
tinguir a  história  da  sociologia,  especialmente  na 
parte  em  que  melhor  se  podiam  identificar  e  con- 
fundir essas  duas  sciências  :  na  síntese  histórica. 


(i)  Acerca  das  relações  da  história  com  a  sociologia  e  a  po- 
lítica segundo  Maxime  Kovalevsky,  ver  um  artigo  de  E.  Tarbou- 
RiECH  na  Revue  du  Móis,  n."  5,  de  lo  de  Maio  de  1906.  Como  já 
antes  o  havia  dito  um  teórico  da  História  —  H.  Berr  :  «le  politi- 
que ideal,  c'est  Thistorien  parfait». 

Ao  tratarmos  da  metodologia  histórica  este  ponto  será  versado 
mais  especialmente. 


4o8 


E  se  bem  que  êle  distinga,  na  ordem  dos  fa- 
ctos históricos,  o  domínio  da  contingência  do  da 
necessidade,  vendo  no  domínio  geral,  do  perma- 
nente e  do  necessário  em  história  —  e  que  se 
pode  traduzir  em  leis  —  o  próprio  domínio  da 
sociologia,  êle  logo  acrescenta  que  o  que  dife- 
rença a  história  desta  sciênpia  é  que  ela  no  seu 
estudo  dos  factos  não  pode  abstrair  do  variável, 
do  individual,  do  contingente,  do  imprevisível. 

Dissemos  há  pouco  que  P.  Barth  e  outros  iden- 
tificam a  sociologia  com  e^  filosofia  de  história,  e 
iremos  ver,  quando  tratarmos  dos  objectivos  da 
história,  que  H.  Rickert  passa  insensivelmente 
para  esta  partindo  da  história  universal. 

2.°  —  A  História.  Sua  natureza,  seus  objectivos, 
sua  aplicação 

a)  Â  história  como  sciência  e  como  arte 

Agrupada  a  história  entre  as  sciênciás  socio- 
lógicas, vamos  ver  muito  abreviadamente  como 
teem  sido  diversos  os  critérios  sob  que  ela  tem 
sido  considerada  e  estudada. 

Para  uns  a  história  é  uma  sciência  exacta  como 
as  sciênciás  naturais  (i);  para  outros  é  uma  sciên- 


(i)  o  ilustre  Du  Bois  Raymond  aplicando  à  história  o  método 
das  sciênciás  naturais  descutiu  com  Liebig  se  o  império  romano 
teria  sossobrado  se  os  romanos  houvessem  conhecido  as  proprie- 
dades agrológicas  do  ácido  fosfórico  e  houvessem  aplicado  este 
em  tornar  fecundo  o  seu  solo  estéril,  ou  se  conhecessem  o  uso 
da  pólvora  pelo  qual  repeliriam  facilmente  os  bárbaros. 

BucKLE  ao  escrever  a  História  da  Civilização  em  Inglaterra 


409__ 

cia  especulativa  —  a  iiistória  filosófica  ou  filosofia 
da  história;  para  outros  ela  é,  ainda,  uma  sciência 
normativa  —  uma  sciência  moral,  estudando  o 
passado  sob  o  ponto  de  vista  ético,  e  traçando 
normas  ou  ditames  da  conduta  humana  (i);  para 
os  estetas  não  passa  de  uma  obra  de  arte;  para 
os  escritores  de  uma  obra  literária;  emfim,  para 
outros  a  história  é  uma  sciência  de  aplicação  como 
a  politica,  chegando  Freeman  — nos  seus  Métodos 
dos  estudos  históricos  —  a  escrever  «que  a  histó- 
ria é  a  politica  do  passado  como  a  política  é  a 
história  do  presente». 

Para  alguns  ingleses,  como  o  prof.  Seeley, 
toda  a  obra  de  história  deve  dar  a  solução  de 
algum  problema  politico,  como  já  antes  para  Bu- 


considerava  a  história  como  uma  sciência  exacta  baseada  na  esta- 
tística. 

Pelo  contrário,  Lorenz  e  Bernheim  sustentam  que  a  história 
não  é  nem  será  nunca  uma  sciência  exacta  nem  uma  sciência  na- 
tural. 

(i)  Como  se  sabe,  Durkheim  e  os  sociologistas  seus  discípulos 
como  os  moralistas  Lévy-Bruhl,  Rauh,  etc,  teem  feito  todas  as 
tentativas  e  procurado  todos  os  meios  para  aplicar  aos  factos  so- 
ciais e  às  chamadas  sciências  morais  os  métodos  de  investigação 
e  de  exame  seguidos  nos  estudos  dos  fenómenos  matemáticos, 
físico-químicos  e  biológicos. 

Para  Lévy-Bruhl  o  fenómeno  moral  é  um  fenómeno  interno, 
psicológico,  e  um  reflexo  da  realidade  social,  por  isso  observável, 
e  até  mensurável. 

Para  outros  a  moral  é  uma  sciência  especulativa  e  normativa. 

Deve,  porem,  dizer-se  que  contra  a  história  como  sciência  mo- 
ral e  normativa  da  conduta  humana  levantam-se  alguns  mora- 
li-ítas   como  o  próprio   Rauh  na  sua  Expérience  morale^  pág.  53. 

Durkheim  e  Lévy-Bruhl  procuram  tirar  da  sociologia,  regras 
da  acção  humana. 


410 

CKLE,  ela,  baseada  na  estatística,  "era  uma  sciên- 
cia  do  governo  dos  povos. 

Já  vimos  que  Freeman  tem,  mais  ou  menos, 
esse  critério,  outro  tanto  sucedendo  com  Dahl- 
MANN  e  Lorenz. 

Para  Bruno  Gebhardt  —  na  sua  obra  História 
e  Arte  —  a  história  deve  ressaltar  da  combinação 
da  investigação  dos  factos  —  mister  scientiíico, 
com  a  sua  exposição  e  descripção  —  obra  de  arte. 

Mas,  a  história  é  essencialmente  uma  obra  de 
arte,  pois  para  encontrar  por  detrás  dos  factos  o 
seu  espírito  e  para  o  expor  é  necessário  um  po- 
der divinitório,  sendo  por  isso  uma  espécie  de 
criação  poética  (i).  Só  a  imaginação  é  capaz  de 
descobrir  e  reproduzir  esse  espírito,  só  ela  é  ca- 
paz de  descobrir  os  personagens  —  mas  não  de 
criá-los  que  é  função  do  poeta  e  do  roman- 
cista (2). 


(i)  H.  RiCKERT  na  sua  obra  várias  vezes  citada  neste  capítulo 

—  Die  Gren^en  des  naturwissenschaftlichen  Begriffsbildung. . .  — 
que  é,  como  indica  o  seu  sub-título,  uma  Introdução  às  sciências 
históricas  —  e,  tratando  da  arte  da  história,  diz  ele  :  «para  o  artista 
a  arte  é  o  fim,  emquanto  que  para  o  historiador  ela  não  é  mais 
que  o  meio,  pois  o  fim  é  a  verdade». 

Depois,  uma  obra  de  arte  é  sempre  limitada,  ao  passo  que  a 
seriação  e  o  desenvolvimento  histórico  são  infinitos.  Para  fazer 
com  elementos  históricos  uma  obra  de  arte  —  um  drama,  um  ro- 
mance, um  quadro  —  é  necessário  separar  os  acontecimentos  das 
suas  raízes,  e  amputá-los  das  sequências  e  consequências,  porque 

—  como  ele  diz :  «A  arte  isola,  ao  passo  que  a  história  liga». 

(2)  CouRNOT,  no  seu  Essai  sur  les  fondements  de  nos  connais- 
sances,  cap.  xx,  diz  que  a  história  tem  grandes  relações  com  a  arte, 
pois  é  pelo  sentimento  da  continuidade  e  sequência  dos  factos 
que  o  historiador  compreende  a  ligação  entre  os  acontecimentos, 


I 


41  I 


Por  isso,  tal  imaginação  deve  ser  sopeada,  rec- 
tificada, corrigida  peia  experiência,  pela  reali- 
dade. 

Com,  e  pela  imaginação,  o  historiador  conse- 
gue descobrir,  encontrar,  o  verdadeiro  espírito 
dos  agentes  pessoais  dos  acontecimentos  históri- 
cos, profundar  as  suas  intenções,  justificar  e 
explicar  os  seus  actos,  discernir  a  harmonia  dos 
acontecimentos  onde  à  primeira  vista  só  se  nota 
a  desordem,  reconstituir  a  unidade  na  variedade, 
emfim,  poder  «compreender  e  representar  a  rea- 
lidade histórica»  (i). 

Um  pouco  como  Gebhardt,  Ranke  também  não 
desdenha  a  imaginação,  pois,  por  ela,  pelo  espí- 
rito divinitório,  atinge-se,  por  vezes,  melhor  e 
mais  depressa  o  espírito  dos  factos,  as  suas  forças 
ocultas,  que  por  meio  de  uma  demonstração  rigo- 
rosa. 


nota  o  nexo  entre  as  séries  de  factos  baralhados,  e  estabelece  as 
grandes  linhas  primárias  com  as  suas  ramificações  e  variantes. 

É  pela  arte  que  o  historiador  pode  descobrir,  surpreender,  uma 
fisionomia,  alem  do  interesse  dramático  que  a  história  apresenta. 

(i)  Acerca  do  papel  que  pode  desempenhar  a  imaginação  nos 
trabalhos  de  reconstituição  histórica,  ver  um  estudo  de  Xénopol 
—  LHmagination  en  histoire  —  inserto  na  Reviie  de  Synthèse  His- 
torique,  números  de  Fevereiro  e  Abril  de  1909.  O  autor,  depois 
de  tratar  da  função  que  ela  tem  desempenhado  nas  sciências  natu- 
rais, na  paleontologia,  na  paleografia,  na  paleobolânica,  na  paleo- 
zoologia,  etc,  para  a  reconstituição  dos  seres,  dos  acidentes  e 
meios  físicos  desaparecidos,  ocupa-se  do  trabalho  da  imaginação 
em  história,  trabalho  tanto  mais  importante  quanto  mais  raros 
são  os  documentos  e  outros  vestígios  dos  tempos  passados. 


412 


-  Para  o  eminente  autor  da  história  dos  papas, 
a  história  sendo  para  todos  os  efeitos  uma  sciên- 
cia,  e  sempre  baseada  na  investigação  documen- 
tal, também  é  uma  arte,  e  não  só  pela  utilização, 
muito  fiscalizada  da  imaginação,  como  ainda 
pela  forma,  pelo  aspecto  literário  que  deve  ter  a 
exposição  e  o  descritivo  históricos  (i). 

Por  sua  vez  Almann  —  num  artigo  da  Revista 
de  História^  de  Sybel,  em  i885 — vê  na  história 
só  uma  sciência  e  não  uma  arte,  pois  a  forma  lite- 
rária, e  até  artística,  que  possa  ter  a  sua  exposição 
não  constitue  uma  característica  da  história,  pois 
outro  tanto  se  deve  dar  com  a  exposição  filosó- 
fica, etc.  (2). 

Também,  sendo  a  história  uma  sciência  que 
só  pela  investigação  e  a  crítica  pode  chegar  à 
verdade  não  é  admissível  qualquer  papel  funda- 
mental da  imaginação. 

Quanto  ao  campo  de  investigação  e  ao  objecto 


(i)  FusTEL  DE  CouLANGES,  pclo  contrário,  escrevia:  «II  n'y  a 
pas  de  divination  en  histoire.  Le  meilleur  historien  est  celui  qui 
voit  le  plus  profondément  et  le  plus  exactement». 

(2)  Bernheim  e  Lorenz  também  entendem  que  a  forma  lite- 
rária é  uma  cousa  muito  secundária  em  história,  e  que  à  medida 
que  os  métodos  scientíficos  de  investigação  e  crítica  se  vão  aper- 
feiçoando, a  história  vai  perdendo  o  seu  carácter  de  obra  da  arte 
para  se  tornar  só  uma  obra  de  sciência. 

Acerca  dos  critérios  de  Guilherme  Humboldt  e  de  Ehrardt 
com  relação  à  história  como  obra  de  arte,  e  do  papel  da  ima- 
ginação em  história,  ver  :  Pasquale  Villari,  L'histoire  estelle  une 
Science?  in  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  in,  pág  128  e  129. 
Neste  nosso  estudo  temos  seguido  um  pouco  êsse  magnífico  tra- 
balho de  P.  ViLLARI. 


4i3 


de  estudo  da  historiografia  não  liá  maior  con- 
vergência de  vistas.  Ao  passo  que  Guilherme 
HuMBOLDT,  Bernheim,  Ehrardt,  ctc,  entendem 
que  as  multidões  e  a  civilização  em  geral  como 
os  indivíduos  —  ou  unidades  psicológicas;:  —  tudo 
deve  ser  objecto  da  história,  para  Moritz  Ritter 
«o  ponto  central  das  investigações  históricas  deve 
ser  o  Estado,  porque  essas  investigações  não  se 
ocupam  do  homem  senão  nas  suas  relações  com 
o  Estado». 

Outro  tanto  diz  o  professor  Schaefers,  da  Uni- 
versidade deTubingue,  para  o  qual  o  Estado  tem 
sido,  é,  e  continuará  sendo,  o  ponto  obrigado 
para  a  solução  de  um  infinito  número  de  ques- 
tões, pelo  seu  estudo  a  história  fica  com  elemen- 
tos para  considerar  e  julgar  os  factos  particulares. 

Da  mesma  forma  teem  pensado  Mommsen,  Xé- 
NOPOL,  etc.  Digamos  ainda  alguma  coisa  deste 
último. 

Xénopol,  publicando  em  1908  a  sua  obra  La 
Théorie  de  VHistoire,  desenvolvia  entre  as  ideas 
que  lhe  eram  mais  caras,  e  que  já  abordara,  em 
1 899,  nos  seus  Príncipes fundamentanx  del^histoire, 
o  da  diferença  entre  a  história  e  as  outras  sciên- 
cias. 

Ao  passo  que  as  outras  sciências  estudam  os 
fenómenos  que  se  repetem,  mercê  da  permanência 
e  coexistência  das  forças  que  os  produzem  e  que, 
assim,  «incidem  constantemente  em  condições 
sensivelmente  idênticas»  no  tempo  e  no  espaço, 
os  fenómenos  históricos  nunca  se  repetem,  não 


4i4 


fazendo  mais  que  seguir-sC;  suceder-se,  pois  que 
ainda  que  as  mesmas  forças  os  produzissem  as 
circunstâncias  já  se  haviam  de  tal  modo  modifi- 
cado, as  condições  eram  já  tão  diferentes,  que  os 
efeitos  não  podiam  jamais  ser  idênticas. 

Daqui  conclue  Xénopol  que  as  primeiras  —  as 
sciências  dos  fenómenos  de  repetição  —  são  as 
únicas  que  podem  formular  leis,  e  estas  marcam, 
apenas,  as  relações  entre  os  fenómenos  e  as  suas 
causas,  porque  o  que  melhor  as  caracteriza  é  a 
uniformidade  e  a  inalterabilidade  desses  fenóme- 
nos independentemente  das  condições  de  tempo 
e  lugar  (i). 

Por  sua  vez,  a  história,  como  a  sciência  dos 
fenómenos  de  sucessão,  não  admite  leis,  porque 
a  causa  é  diferente  do  efeito,  exercendo  a  sua 
acção  em  condições  constantemente  mutáveis, 
não  existindo,  assim,  uniformidade  nos  fenóme- 
nos. 

Mas,  se  em  história  não  existe  —  para  Xénopol 


(i)  Acerca  das  chamadas,  por  Xénopol  e  outros,  sciências  de 
repetição  ou  sciências  de  leis  às  sciências  da  natureza  deve  di- 
zer-se  que  as  cousas  não  se  passam  em  tais  agrupamentos  scien- 
tíficos  com  o  simplismo  que  esses  teóricos  consideram. 

Rigorosamente,  scientíficamente,  não  há  na  natureza  uma  pura 
e  exacta  repetição  de  fenómenos  ou  de  estados  de  corpos.  Como 
entende  Etienne  Rabaud  na  sua  obra  Le  transformisme  et  Vex- 
perience,  e  considera  o  ilustre  biologista  Félix  Le  Dantec  in  Re- 
vue  Philosophique,  1912,  n.°  6,  pág.  652  : 

«En  sciences  naturelles,  le  corps  qui  sert  de  sujet  d'expérience 
ne  se  trouve  jamais  deux  fois  identique  à  lui  même  dans  rhistoire 
du  monde.  II  change  à  chaque  instant  de  sa  vie,  et  il  diffère,  à 
chaque  instant  aussi,  de  teus  ses  congéneres». 


41 5 


—  a  generalização  dos  actos,  a  condensação  dos 
fenómenos  em  leis,  há  a  possibilidade  da  sua  fixa- 
ção e  diferenciação  em  séries  (i). 

Assim,  ao  passo  que  as  outras  sciências  teem 
por  fim  descobrir  as  leis  dos  fenómenos  que  es- 
tudam, a  historia  tem  por  objecto  estabelecer  as 
séries  dos  acontecimentos,  isto  é,  ligar  estes  entre 
si  e  relacioná-los  com  as  suas  causas,  ou,  melhor, 
com  a  unidade  de  causa,  mostrando,  por  esta 
forma,  que  o  movimento  é  um  só  e  mesmo,  e  a 
evolução  uma  única  e  mesma  (2). 


(i)  Mr.  G.  Vailati,  professor  de  história  da  mecânica  da  Uni- 
versidade de  Turim,  numa  comunicação  ao  congresso  internacio- 
nal de  história,  realizado  em  Roma,  há  alguns  anos,  acerca 
de  A  possibilidade  de  aplicar  o  conceito  de  causa  e  de  efeito  nas 
sciências  históricas,  diz  que  sendo  costume  afirmar  a  inferioridade 
em  solidez,  das  leis  históricas  em  relação  com  as  das  sciências 
matemáticas  e  físicas,  isso  não  é  assim,  pois  as  leis  físicas,  quí- 
micas e  das  restantes  sciências  da  natureza  apresentam  também 
excepções.  Estas  leis  são  necessárias,  mas  só  quando  se  deduzem 
logicamente  de  outras,  terminando  tal  cadeia  por  alguma  cousa 
que  não  apresenta  necessidades  lógicas.  Elas  enunciam  analo- 
gias e  regularidades  semelhantes  às  que  se  notarri  nos  fenómenos 
sociais.  Quere  dizer  que  nem  a  influência  da  vontade  humana 
nem  os  fenómenos  sociais  podem  constituir  prova  ou  carácter 
especial  que  mostre  as  leis  sociais  menos  seguras  que  as  leis  físi- 
cas. Por  outra  forma  :  a  realização  ou  não  realização  de  um  dado 
facto  devido  à  intervenção  da  vontade  humana  em  nada  altera  a 
conexão  desse  facto  com  o  seu  antecedente  constante. 

(2)  Acerca  da  complexa  questão  de  causa  e  dos  princípios  de 
causalidade  nos  factos  de  repetição  e  nos  fenómenos  de  sucessão 
ou  históricos,  ver :  um  estudo,  também,  de  A.-D.  Xénopol  in  Re- 
vue  de  Synthèse  Historique,  tomo  viu,  pág.  265  a  agS ;  tomo  ix, 
pág.  7  a  2i;  e  a  seguinte  obra  do  mesmo  autor:  Príncipes  fun- 
damentaux  de  l'histoire,  pág.  i5z,  etc. 

Também,  o  historiador  italiano  Benedetto  Ckoce  fez  aeêrca  de 


4i6 


Essa  evolução  é,  emfim,  o  produto  de  uma 
causa  profunda,  de  uma  força  interna,  e  eterna 
de  renovação. 

Como  se  vê,  para  Xénopol  o  princípio  da  cau- 
salidade é  essencial  em  história,  isto  é,  na  sciên- 
cia  dos  factos  de  sucessão. 

Efectivamente,  a  sciência  procura  explicar  es- 
tes, e  é  a  esse  instinto  que  corresponde  o  con- 
ceito de  causalidade  a  que  Em.  Meyerson  —  na 
sua  Identité  et  réalité — chama   «ilusão  causal». 

Mas,  como  diz  Meyerson,  o  principio  de  cau- 
salidade constitue  no  organismo  scientiíico  o  fa- 
ctor explicativo,  e  o  principio  da  explicação  é  a 
redução  progressiva  à  identidade.  Ora,  se  não 
existe  uma  íntima  relação  lógica  entre  o  principio 
de  causalidade  e  o  princípio  das  leis,  parece  não 


o  princípio  de  causalidade  em  historiografia^  uma  comunicação 
ao  citado  Congresso  internacional  de  história  em  Roma,  onde 
mostra  como  é  múltipla  e  equívoca  a  significação  dada  à  palavra 
cama. 

O  filósofo,  o  naturalista  e  o  historiador  cada  um  forma  da 
história  o  seu  conceito  especial.  Definindo-se  a  história  como  a 
oinvestigação  das  causas  dos  factos»,  diz  que  investigar  a  causa 
em  história  consiste  em  ligar  o  facto  individual  ao  conjunto  de 
todos  os  factos  individuais  aceitáveis  historicamente  e  constituindo 
a  sua  verdadeira  individualidade. 

Assim,  para  M.  Croce  dizer  que  a  história  procura  descobrir 
as  causas  dos  factos  equivale  a  dizer,  de  uma  forma  geral,  que 
ela  procura  a  verdade.  Mas,  é  necessário  especificar  qual  a  na- 
tureza dessa  verdade,  dessa  causalidade,  pois  não  basta  a  conce- 
pção geral  da  causalidade  compreendida  como  uma  verdade,  antes 
é  necessário  procurar  as  formas  próprias,  específicas  da  causali- 
dade, que,  segundo  os  casos,  pode  ser  estética,  histórica,  natu- 
ral, filosófica,  etc. 


4'7 


restar  dúvida  que  este  último  é  a  consequência 
do  primeiro. 

Assim,  admitindo  na  história,  desde  já,  o  prin- 
cípio de  causalidade  «e  que  não  é  mais  que  o  prin- 
cípio de  identidade  aplicado  ao  tempos,  temos 
nós  que  admitir  nessa  sciência  o  princípio  da  le- 
galidade^ isto  é,  o  princípio  das  leis — o  que  XÉ- 
NOPOL  contesta. 

Tudo  —  ou  quási  tudo  —  nestes  princípios  de 
XÉNOPOL  é  muito  discutível,  porque,  na  verdade, 
não  há  dois  fenómenos,  de  qualquer  natureza  que 
seja,  que  se  repitam  integralmente,  nas  mesmas 
condições,  e  não  se  pode  admitir  sem  sumo  exame 
a  força  interna  que  promove  a  evolução  (i). 


Se,  como  acabamos  de  ver  em  XénopÒl,  a  his- 
tória diferença-se  das  outras  sciências  pela  natu- 
reza especial  do  objecto  do  seu  estudo,  não  fal- 
tam pensadores  que  chegam  a  expressar  que  a 
história  não  é  uma  sciência  mas  um  processo  do 
conhecimento,  e  que  não  há  uma  sciência  da 
história  mas  sim  uma  lógica  da  história  (2). 


(i)  Ver  L'Année  Sociologique^  tomo  xi,  pág.  49  a  5i  ;  Xéno- 
POL,  Sociologia  e  história^  in  Revista  italiana  de  psicologia^  tomo  x, 
pág.  5i5  a  541. 

(2)  De  outros  agrupamentos  de  conhecimentos  tem-se  dito  o 
mesmo.  É  o  caso  da  Moral  —  à  qual  se  tem  negado  o  carácter 
scienlífico.  Mas,  importa  ter  em  atenção  que  o  homem  de  sciên- 
cia, que  é  especialista,  quando  sai  fora  dos  seus  estudos  ordiná- 
rios nem  sempre  vê  claro. 

Entre  centenas  de  exemplos  apraz-nos  considerar  o  caso  do 
27 


4i8 


Esse  ponto  de  vista  tem  sido  ultimamente  bas- 
tante seguido  na  Alemanha  pelos  filósofos,  e  cons- 
titue,  como  vamos  ver,  a  principal  característica 
da  terceira  fase  da  actividade  historiográfica 
alemã. 

Como  se  sabe,  tem  sido  muito  importante,  ul- 
timamente, na  Alemanha,  o  movimento  respei- 
tante à  teoria  da  história. 

Se  bem  que  —  como  diz  Henri  Berr  —  nunca 
os  alemães  abandonassem  os  estudos  teóricos  re- 
ferentes à  história,  não  há  dúvida  que  através 
do  século  XIX,  com  excepção  de  Ranke  e  dos  seus 
discípulos,  de  Waitz,  Sybel,  etc.,-  a  principal  ca- 
racterística da  historiografia  alemã  é  a  obra  de 
erudição  (i). 

Assim,  quando  Eduardo  Mayer  publicou  a  sua 
Geschichte  des  Alterhums  e  a  monografia  Acerca  da 
teoria  e  da  metódica  da  história  Von  Below  nota 
a  sensação  que  tais  estudos  —  especialmente  a 
Introdução  do  primeiro  —  despertaram  na  Ale- 
manha. 


eminente  matemático  Henri  Poincaké  que  no  seu  livro  Surla  va- 
leur  de  la  science  nega  à  moral  uma  existência  scientífica,  dizendo 
«que  a  verdade  scientífica  que  se  demonstra  não  pode,  por  título 
nenhum,  aproximar-se  da  verdade  moral  que  se  sente». 

Ora,  as  cousas  não  se  passam  hoje,  em  Moral,  com  simplismo 
paiadamesco  que  julgava  H.  PoivcARÉ.  Ver  Abel  Rey,  Les  Scien- 
ces Philosophiques;  J.  M.  I.ahv,  De  la  valeur  pratique  d'une  mo- 
rale  fondée  siir  la  science,  in  Revue  Philosophiqiie,  de  Fevereiro  de 
1912  ;  La  Conscience  collective  et  le  bien  obligatoire,  por  A.  Bauer, 
in  Revue  Philosophique,  Junho  de  191 2. 

(i)  Ver  a  comunicação  de  M.  Henri  Berr  in  Bulletin  de  la 
Société  d'Histoire  Moderne,  Maio  de  igoS,  pág.  174  a  176,  e  na 
Revue  de  Synthèse  Historiquef  tomo  x,  pág.  369  a  372, 


\ 


419 


A  evolução  da  teoria  e  da  metódica  da  história 
na  Alemanha  contemporânea  pode  dividii*-se  em 
três  fases :  a  primeira  tem  como  características  a 
luta  entre  Schafer  e  Gothein,  aí  por  alturas  de 
1890,  sobre  qual  era  mais  importante  se  a  histó- 
ria política  se  a  história  da  civilização. 

A  segunda  fase  é  marcada  pela  defesa  do  ponto 
de  vista  sociológico  ou  colectivista  da  história 
feita  por  Lamprecht  e  pelos  seus  discípulos. 

A  terceira  etape  de  tal  evolução,  que  começa 
aí  por  1900,  tem  como  característica  —  joh  pa- 
radoxo!—  a  própria  falta  de  características,  de 
distintivos,  a  ausência  de  uniformidade  nos  pon- 
tos de  vista  de,  entre  outros,  Bernheim,  Lampre- 
cht, Breysíg,  Ed.  Mayer,  Lindner,  Windelband, 
Rickert,  Simmel,  Goldfriedrich,  Grotenfelt, 
GOTTL,  etc. 

Porém,  dos  factos.mais  evidentes  no  meio  desta 
desorientação,  desta  multiplicidade  de  opiniões 
e  conceitos  individuais,  o  que  melhor  se  tem  no- 
tado consiste  na  colaboração  cada  vez  maior  dos 
filósofos  e  pensadores  nos  estudos  sobre  a  teoria 
da  história,  pretendendo  alguns  deles  criar  uma 
lógica  da  história,  tendo  como  ponto  de  partida 
os  dados  da  história  tradicional. 

Efectivamente,  partindo  da  observação  comum 
que  à  actividade  expontânea  em  todos  os  campos 
se  segue  a  reflexão,  e  que  após  a  prática  em  todos 
os  ramos  da  actividade  humana  vem  a  lógica, 
também  esses  historiadores  filósofos,  como  Dil- 
THEY,  Windelband,    Eucken,    Hensel,    Rickert, 


420 


MuNSTERBERG,  Grotenfelt,  c  Gottl,  entendem 
que  é  chegado  o  momento  de  se  criar  a  lógica  da 
história,  e  fazendo  a  revisão  da  obra  dos  grandes 
historiadores,  desde  Thucidides  a  Ranke,  con- 
cluem que  a  história,  sendo  um  objecto  da  acti- 
vidade mental  dos  homens,  não  é,  comtudo,  uma 
sciência,  ou,  pelo  menos,  uma  sciência  do  tipo 
naturalista,  pois  ao  passo  que  tal  espécie  de  sciên- 
cia tem  como  caracteres  o  geral,  a  necessidade 
e  a  causalidade,  na  história  domina  o  individual^ 
a  contingência  e  a  finalidade. 


Vejamos  agora,  entre  esse  grupo  de  pensado- 
res, de  lógicos,  qual  o  conceito  de  Frederico 
Gottl  acerca  da  história,  e  quais  os  motivos  por- 
que êle  não  considera  esta  uma  sciência. 

Frederico  Gottl,  teórico  alemão  da  história, 
entende  que  a  história  é  diferente  da  sciência,  e 
que  as  próprias  sciências  que  tratam  da  evolução 
da  natureza,  como  a  geologia  e  a  biologia,  nada 
teem  de  contacto  com  a  história. 

Insistindo  pela  completa  diferença  entre  a  geo- 
logia histórica  e  a  história  humana,  assinala  a 
descontinuidade,  a  heterogeneidade  entre  a  na- 
tureza e  a  história.  Citando  os  nomes  de  Droy- 
SEN,  Bernheim,  Lorenz,  Ed.  Mayer,  Schuppe  e 
Stammler,  observa  que,  apesar  da  divergência 
de  pontos  de  vista  entre  esses  historiadores,  há 
uma  cousa  em  que  todos  estão  de  acordo :  na 


421 


emancipação  do  pensamento  histórico  do  pensa- 
mento scientífico,  na  autonomia  do  conhecimento 
histórico.  A  história  nada  tem  de  comam  com 
a  sciência. 

O  que  caracteriza  os  factos  históricos  é  que 
eles  são  explicáveis  no  ponto  de  vista  do  pensa- 
mento lógico  e  das  suas  leis. 

Por  isso,  no  homem  há  dois  seres :  o  homem 
da  paleontologia  —  objecto  da  sciência,  e  o  ho- 
mem histórico  —  objecto  da  lógica.  Mas,  não 
se  imagine  que,  para  Gottl,  o  conhecimento 
scientífico  está  mais  próximo  da  realidade  que  o 
conhecimento  histórico,  porque  a  teoria  do  co- 
nhecimento tende  a  estabelecer,  cada  vez  melhor, 
o  alcance  e  a  perfeição  do  conhecimento  histó- 
rico. 

Assim,  ao  passo  que  na  vida  vívida  —  que  é  o 
objecto  da  sciência  entre  o  real  e  o  facto  inter- 
póe-se  um  processo  intelectual  —  factível  e  falí- 
vel, o  conhecimento  histórico  tem  por  objecto 
a  própria  realidade. 

Com  a  história  atinge-se  o  máximo  da  reali- 
dade empírica,  e  os  seus  limites  são  marcados 
pelos  limites  dessa  realidade,  pelos  limites  do 
verdadeiro  conhecimento. 

Apesar  de  bastante  discutida  por  Bernheim  e 
outros  tal  teoria  de  Gottl  —  que  marca  um  renas- 
cimento da  filosofia  idealista  da  história  na  Ale- 
manha —  não  constitue  um  caso  isolado,  pois  ela 
tem  os  seus  defensores  como  Windelband  e  ou- 
tros. 


422 


Vimos  que  F.  Gottl  cita  Eduardo  Meyer  como 
um  dos  que,  pensando  como  êle,  sustentam  que 
a  história  nada  tem  de  comum  com  a  sciência. 

Efectivamente,  aquele  antigo  prof.  da  Univer- 
sidade de  Halie,  no  seu  opúsculo  intitulado  Zur 
Theorie  iind  Methodic  der  Geschichte^  Geschichts- 
philosophische  Untersuchung{\)^  declara  perem- 
ptoriamente que :  a  História  não  é  uma  sciência 
sistemática^  —  ela  é,  até  certo  ponto,  uma  arte, 
— -e  refuta  os  que  afirmam  que  a  história  não  é 
estruturalmente  diversa  das  sciências  da  natu- 
reza (2). 

Entende  êle  que  se  se  admitir  que  a  história  e 
a  natureza  são  regidas  por  leis  terão  que  ser  eli- 
minados o  acaso,  a  vontade  livre  e  as  ideas  in- 
dividuais, para  só  se  cuidar  exclusivamente  dos 
fenómenos  da  massa,  das  fórmulas  —  e,  especial- 
mente, da  psicologia  social  (3). 

Ora,  para  Mayer  o  acaso  e  a  vontade  livre  re- 
presentam factores  importantes  em  história ;  e  o 
acaso  não  está  para  êle,  como  para  Gournot,  em 


(1)  Trata-se  de  uma  brochura  de  56  páginas  aparecida  em 
Halle,  em  1902. 

(2)  Sendo  a  história  uma  arte  há  nela,  como  em  toda  a  acti- 
vidade criadora,  alguma  cousa  que  não  se  ensina;  o  historiador 
como  o  artista,  não  necessita  refletir  sobre  o  que  faz. 

Assim,  —  para  Mayer  —  fazer  a  história  é  mais  uma  questão 
do  instinto,  de  inspiração,  que  de  razão.  Um  historiador  pode  ser 
óptimo  quanto  à  investigação  e  ter  ideas  erróneas  na  interpretação 
e  comentário  ;  e,  pelo  contrário,  pode  ser  um  mau  historiador  com 
ideas  exactas. 

(3)  Eduardo  Meyer  a  propósito  da  interpretação  colectivista, 
oupsico-sociológica,  da  história  critica  bastante  Karl  Lamprecht. 


423 


contradição  com  a  causalidade^  pois  êle  é  a  in- 
tersecção de  grupos  de  factos  independentes, 
aparecendo,  mesmo,  onde  reinam  as  leis  natu- 
rais (i). 

Segundo  êle,  a  história  é  feita  de  acasos,  al- 
guns dos  quais  se  prolongam  durante  centenas 
ou  milhares  de  anos. 

É  preciso  estudá-la  na  sua  essência  e  não  cui- 
dar de  criar  histórias  novas. 

Quanto  às  chamadas  leis  históricas,  é  isso  um 
abuso  de  expressão :  o  que  existe  não  são  leis, 
são  possibilidades  e  probabilidades. 

Às  leis  naturais,  como  as  biológicas,  são  para 
o  historiador  simples  hipóteses ;  mesmo  se  exis- 
tissem leis  da  vida  histórica  logo  que  fossem  des- 
cobertas deixavam  de  pertencer  à  história ;  elas, 
mesmo  para  o  historiador,  seriam  hipóteses  e  não 
objecto  de  investigação  histórica.  O  fundo  e  o 
fim  de  toda  a  investigação  histórica  é  o  singular, 
é  o  individual,  na  história  universal;  por  isso,  não 
são  legítimas  nem  a  história  por  unidades  nacio- 
nais nem  a  história  por  unidades  geográficas  — 
como  entendem  Ratzel,  Helmolt  e  Vidal  de  La- 

BLACHE  (2). 


(i)  Gomo  se  sabe,  em  biologia  o  papel  do  acaso  tem  crescido 
de  importância  especialmente  desde  a  teoria  de  Hugo  de  Vries 
que  afirma  que  as  variações  sporíivas,  por  salto,  ou  por  viiitações, 
oposta,às  variações  por  gradações  incensíveis,  são  obra  do  acíTío, 
não  resultando  directamente  da  acção  do  meio  sobre  os  seres,  ou, 
melhor,  da  reacção  adaptativa  dos  seres  às  mudanças  de  meio,  ao 
contrário  do  que  pensavam  Lamark  e  Darwin. 

(a)  Se,  quanto  às  obras  de  Ratzel  e  de  Vidal  de  La  Blache 


424 


A  primeira  obrigação  do  historiador  consiste 
em  estabelecer  os  factos  que  se  deram,  pois  a 
exposição  histórica  deve  ser  subordinada  à  des- 
coberta desses  documentos.  Mas,  como  o  nú- 
mero de  documentos  é  enorme  a  tarefa  principal 
deve  versar  sobre  a  escolha  desses  factos,  sepa- 
rando de  todos  conhecidos  só  os  factos  históricos. 

Ed.  Meyer  encontra-se,  nesse  ponto,  precipi- 
tado na  grave  questão  da  classificação  de  valores^ 
considerando  como  histórico  o  que  tem  sido  efi- 
caz, o  que  tem  sido  sucesso  —  o  mrksam. 

Porém,  não  basta.  Como  muitos  factos  teem 
sido  eficazes  serão  estes  escolhidos  pelo  maior 
interesse  histórico  que  representam,  sendo  de  re- 
cordar aqui  que,  para  esse  historiador,  o  centro 
da  investigação  e   da  exposição  históricas  é  a 


são  elas  bem  conhecidas  entre  nós,  já  o  mesmo  não  sucede  à 
Weltgeschichte  dirigida  pelo  dr.  Hans  F.  Elmolt. 

Esta,  que  é,  como  o  seu  título  indica,  uma  História  do  Mundo^ 
da  Humanidade,  foi  elaborada,  nos  seus  nove  volumes,  sob  uma 
base  geográfica.  O  primeiro  volume,  aparecido  em  1899,  começa 
por  expor  ideas  gerais  e  por  tratar  da  pre-história  americana ;  o 
segundo  volume,  aparecido  em  1902,  trata  da  Oceania  e  da  Ásia 
central;  o  terceiro,  publicado  em  1899-1901,  ocupa-se  da  Ásia 
ocidental  e  da  África;  o  quarto,  dado  a  público  em  1899,  trata 
dos  países  mediterrâneos  ;  o  quinto,  publicado  em  1904- 1905,  trata 
da  Europa  oriental;  o  sexto,  aparecido  em  1906,  destina-se  à  his- 
tória da  Europa  central  e  setentrional;  o  sétimo  e  o  oitavo  apa- 
recidos, respectivamente,  em  1900  e  1902-1903,  ocupam-se  da 
Europa  ocidental,  sendo  o  último  destinado  a  aditamentos,  índi- 
ces, etc. 

Emfim,  essa  obra  até  ao  oitavo  volume  foi  redigida  por  trinta 
e  sete  especialistas,  sendo,  no  seu  ponto  de  vista,  a  obra  mais  no- 
tável até  agora  aparecida. 


42  5 


actividade  politica  nas  condições  actuais  da  ci- 
vilização (i). 

A  história  não  considera  o  gerai  senão  como 
uma  hipótese,  pois  só  trata  do  individual,  do 
novo,  do  mutável;  só  se  ocupa  das -particulari- 
dades, das  singularidades  realizadas. 

O  historiador  tem,  por  isso,  uma  função  senão 
totalmente  negativa  pelo  menos  limitativa :  êle 
deve  marcar  e  indicar  os  limites  dentro  dos  quais 
estão  circunscritas  as  possibilidades  infinitas  das 
singularidades  históricas  (2). 

^E  devem  as  cousas  assim  continuar?  Não 
devem. 

Há  bastantes  anos,  Louis  Bourdeau  publicava 
uma  obra  que  teve  então  larga  repercussão,  e  deu 
aso  a  importantes  discussões  — VHistoire  et  les 
Historiem.  Essai  critique  sur  Vhistoire  considérée 
comme  science  positive. 

Aí  diz  o  autor  que  a  história  necessita  ser  re- 
feita, ou,  melhor  ainda,  ser  feita  —  porque  o  não 
está,  e  censura  os  historiadores  por  estes  não  ha- 
verem até  agora  fixado  o  objecto  da  história^,  nem 
limitado  o  quadro  das  suas  investigações,  nem 


(i)  Gomo  se  vê,  Meyer,  dando  um  lugar  proeminente  à  his- 
rória  política,  e  manifestando  se  partidário  da  história  por  instinto, 
por  inspiração,  mostra  ser  um  tradicionalista  e  um  adepto  de 
Thucidides,  declarando  mesmo  que  a  única  forma  de  tratar  a  his- 
tória e  os  problemas  históricos  é  a  que  Thucidides  utilizou,  forne- 
cendo na  sua  obra  um  modelo  ainda  por  igualar. 

(2)  Ver  acerca  do  opúsculo  de  Ed.  Mayer  um  artigo  crítico 
de  Henri  Berr  na  Reviie  de  Synthèse  Historique,  tomo  viii, 
pág.  372  a  375. 


426 


estabelecido  os  métodos  do  seu  estudo  para  che- 
garem a  resultados  certos,  e  nota  que  eles  teem 
estudado  preferentemente  as  personalidades  cé- 
lebres—  estadistas,  inventores,  artistas,  sábios, 
heróis— -  «esquecendo  que  para  conhecer  bem  o 
género  humano  é  necessário  estudá-lo  na  sua 
condição  média». 

Critica,  também,  a  tendência  dos  historiógrafos 
em  se  limitarem,  quási  exclusivamente,  ao  estudo 
dos  acontecimentos  mais  importantes,  e,  como 
que  prevendo,  mais  de  dez  anos  antes,  o  apareci- 
mento das  teorias  de  Xénopol  censura-os  por  se 
limitarem  ao  estudo  dos  «factos  singulares»  — 
guerras,  actos  de  soberanos,  revoluções  —  quando 
deviam  ocupar-se  dos  «factos  regulares»  ou  «fa- 
ctos de  função»  que  diariamente  se  reproduzem, 
como  os  movimentos  da  população,  estado  de  ri- 
quesa,  costumes,  ideas,  etc. 

Também,  critica  as  divisões  arbitrárias  e  ca- 
prichosas que  traçam  os  historiadores  para  limi- 
tação dos  seus  estudos  —  uma  época,  um  país, 
um  acontecimento,  um  personagem,  —  quando 
estas  divisões  «só  lhes  servem  para  separar  o  que 
os  interessa  do  que  lhes  é  indiferente»,  e  isso  com 
prejuízo  da  conexão  das  ideas  e  coordenação  dos 
factos.  Da  mesma  forma,  é  criticado  o  método 
narrativo  que  limita  o  estudo  aos  factos  e  pes- 
soas «singulares»,  e  quási  sempre  sem  precisão 
nem  certesa,  pois  tal  estudo  é  feito  vulgarmente 
através  de  «testemunhas»  que  não  merecem  con- 
fiança. 


427 


Se  na  parte  crítica  das  ideas  de  Bourdeau  há 
muito  de  verdadeiro  e  de  justificável  quanto  á 
parte  dogmática,  ou  construtiva  a  obra  desse 
autor  deixa  imenso  a  desejar,  pois  êle  é  vítima 
de  um  erro  —  enorme  pelas  suas  proporções,  e 
grave  pelas  suas  consequências :  confunde  a  his- 
tória com  a  sociologia. 

Assim,  dizendo  que  a  história  deve  estudar  as 
massas  e  não  os  heróis,  e  os  factos  regulares  e 
não  os  excepcionais,  entende,  igualmente,  que  ela 
deverá  estudar  a  humanidade  não  por  épocas  nem 
regiões,  mas  pelos  «seis  grandes  aspectos  da  vida 
humana:  a  indústria,  a  paixão,  a  arte,  a  sciência, 
a  morahdade  e  a  associação». 

Concebendo  assim  a  história  êle  define-a  como 
«a  sciência  dos  desenvolvimentos  da  razão». 

Emfim,  ao  método  narrativo  êle  opõe  o  método 
estatístico  que  é  um  «método  matemático,  pois  não 
se  trata  de  descrever  factos,  mas  sim  de  constatar 
a  sua  extensão  e  a  sua  frequência»,  por  enumera- 
ções. O  objectivo  do  historiador  consistiria,  assim, 
em  «coligir  e  interpretar  dados  estatísticos  sobre 
os  factos  da  vida  comum» ,  determinando  o  quanto, 
a  densidade  e  o  movimento  da  população:  a  pro- 
dução, a  circulação  e  repartição  das  riquezas ;  o 
número  de  artistas  e  das  obras  de  arte,  dos  sá- 
bios, das  escolas,  dos  jornais ;  e  estudará  os  factos 
da  vida  moral  pelas  estatísticas  da  criminalidade, 
demografia,  funções  políticas,  orçamentos,  etc.  (i). 


(i)  Mas  os  actos  da  vida  social,  os  fenémenos  da  vida  cole- 


428 


Pelo  emprego  da  estatística,  fria  e  calma,  im- 
paciente e  neutral,  a  história  será  pela  primeira 
vez  uma  sciência,  e  poderá  formular  leis :  leis  de 
ordem  —  que  agrupariam  os  fenómenos  seme- 
lhantes para  indicarem  os  factos  gerais  e  persis- 
tentes; e  as  leis  de  relação  —  que  expressariam  as 
ligações  entre  as  diversas  espécies  de  fenómenos, 
e  estando  acima  de  todas  elas  a  lei  suprema  do 
progresso  (i). 

Assim,  a  história  seria  uma  sciência  à  qual  não 
faltaria  o  poder  de  previsão,  pois  lá  escreve  êle : 
«a  faculdade  de  prever,  com  certeza,  é  o  sinal 
pelo  qual  se  reconhece  que  uma  sciência  está 
feita».  E,  ao  passo  que  a  história  narrativa  é 
incapaz  da  previsão,  «a  história  das  funções  é  a 
única  capaz  de  predizer  o  certo». 

Ora,  seria  sobre  essa  previsão  que  se  basea- 
riam duas  sciências  ainda  imperfeitas :  a  moral  e 
a  política. 


ctiva  estão  muito  longe  de  serem  apenas  esses.  O  autor  esque- 
ceu-se  de  todo  esse  mundo  de  fenómenos  espirituais :  as  conce- 
pções religiosas,  filosóficas,  artísticas,  literárias ;  teorias  e  leis 
scientíficas;  conceitos  morais  e  políticos,  etc.  —  existências  essas 
que  a  estatística  não  pode  atingir  nem  fixar,  porque  só  a  análise 
as  pode  estudar  e  conhecer. 

(i)  Segundo  Bordeau  «o  progresso  parece  efectuar-se  na  ra- 
zão directa  da  soma  dos  ganhos  anteriormente  realizados  e  na 
inversa  dos  obstáculos  que  se  opõem  à  sua  difusão   no  mundo». 

Também,  mais  tarde,  para  Wundt  —  no  seu  Systh.  de  Phil.  — 
entre  os  fins  da  filosofia  figura  a  harmonização  global  entre  os 
resultados  das  sciências  especiais,  e,  para  E.  Mach  —  em  La  con- 
naissance  et  Verreur  —  a  característica  da  sciência  consistia  na 
redução  e  na  economia  do  esforço.  ,^ 


429 


Passados  mais  de  trinta  anos  a  importante 
obra  de  Louis  Bourdeau  caiu  no  esquecimento. 
Muitas  das  suas  ideas  teem  sido  inconsciente- 
mente redescobertas,  e  outras  furtivamente  pla- 
giadas ;  e  como  nessa  obra  de  notável  previsão 
há  muito  digno  de  nota  por  isso  não  a  quisemos 
passar  em  silêncio. 

O  que  êle  prevê  para  a  história  está-o  reali- 
zando já,  e  cada  vez  mais,  a  sociologia,  pois 
aquela  está  ainda  muito  longe  da  sua  fase  mate- 
mática ;  mas,  não  há  dúvida  que  quando  compa- 
ramos as  concepções  dele  com  as  ideas  de  Xéno- 
POL  naquelas  encontra-se  a  garra,  nestas  o  simples 
dedo. 

Ao  tratarmos  da  história  no  quadro  geral  das 
sciências  vimos  já  como  Cournot  a  colocava  en- 
tre a  etnologia  e  a  economia  social,  e  via  na  his- 
tória não  um  conhecimento  particular  nem  uma 
sciência  especial,  mas  um  aspecto  do  conheci- 
mento, um  processo  de  estudo  e  de  registo  dos 
acontecimentos  ocorridos  nas  sociedades  civili- 
zadas. 

Ao  contrário  dos  partidários  da  história-sciên- 
cia,  Cournot  entende  que  o  que  caracteriza  a 
história  é  a  intervenção  do  acaso,  não  havendo 
história  sem  este,  mas  também  não  existindo  só, 
exclusivamente,  com  êle. 

Ora,  se  esses  são  os  seus  pontos  de  vista  quanto 
à  história  geral,  não  deixam  de  sê-lo  também 
quanto  à  história  das  sciências. 

Na  verdadeira  história  não  existe  para  CouR- 


4^0 


NOT  nem  o  capricho  puro  nem  a  fatalidade  exclu- 
siva, antes  ela  é  uma  combinação  da  necessidade 
com  o  acaso,  oscilando  entre  uma  e  outro. 

Há,  pois,  uma  fase  histórica  na  combinação  das 
sociedades  como  no  progresso  das  sciências,  que 
precede  a  fase  scientífica.  A  incidência  do  acaso 
com  a  necessidade,  ou  fatalidade,  nessa  evolução 
e  nesse  progresso  é  que  caracterizam  a  fase  ou  o 
estado  histórico. 

Assim,  para  o  grande  sábio  se  as  descobertas 
scientificas  fossem  simples  produtos  do  acaso  su- 
cedendo-se  indiferentemente  e  sem  ordem  lógica 
ou  cronológica  não  haveria  história  das  sciências, 
mas  sim  anais  scientíficos  (i). 

Por  sua  vez,  no  outro  extremo,  se  a  eclosão 
das  descobertas  se  desse  numa  ordem  rigorosa- 
mente lógica,  seriando-as  por  uma  forma  neces- 
sária^ sem  a  intervenção  do  acaso^,  também  não 
havia  história  das  sciências,  mas  sim  um  simples 
quadro  cronológico  das  descobertas  (2). 

Ora,  a  verdade  é  que  à  medida  que  o  trabalho 
scientifico  se  organiza,  que  aumenta  o  número  e 
se  intensifica  e  aperfeiçoa  a  qualidade  dos  culto- 
res da  sciência  o  acaso  vai  sendo  cada  vez  mais 
eliminado  ou  recuado. 

A  continuarem  assim  as  cousas  as  sciências  te- 
riam dentro  de  algum  tempo  saído  da  sua  fase 
histórica,  para  uu\a fase  de  necessidade^  e  a  história 


(i)   CouRNOT,    Mater ialisme,    Vitalisme,   Rationalisme,    1875, 
pág.  23o. 

(3)  Jdem,  ipág.  22g,  23 ly  etc. 


43 1 


das  sciências  teria,  por  sua  vez,  passado  à  his- 
tória (i). 

Ora,  se  bem  que  a  observação  tenha  um  grande 
fundo  de  exactidão  e  o  juízo  de  Cournot  uma 
grande  parte  de  justeza,  pois,  como  também  no- 
tou Cláudio  Bernard,  o  acaso  teve  um  conside- 
rável papei  na  origem  dos  conhecimentos  huma- 
nos, não  há  dúvida  que  as  cousas  não  se  passam 
com  aquele  rigorismo,  nem  o  pensamento  humano 
caminha  com  aquele  carácter  rectilíneo  e  inflexí- 
vel que  Cournot  admitia. 

Também  hoje  o  acaso  tem  a  sua  cota  nas  des- 
cobertas como  se  viu  nas  de  Roentgen  (2).  O 
acaso  é  hoje,  emfim,  universalmente  admitido  e 
considerado  em  sciéncia  (3). 

Também,  não  é  rigorosa  a  diferença  de  cara- 
cterísticas na  evolução  das  sciências  nos  sécu- 
los XVII,  XVIII  e  XIX,  e  a  passagem  das  sciências  da 


(i)  Cournot,  Considérations  sur  le  marche  des  idées,  187a, 
tomo  I,  pág.  8,  262  e  263. 

(2)  Ver  F.  Mentré,  Le  hasard  dans  les  découvertes  scientifi- 
ques^  in  Revue  de  Pilosophie,  i  de  Julho  de  1904. 

(3)  A  teoria  do  acaso,  a  que  alguns  pensadores  chamam  o 
princípio  do  contingente,  está,  cada  vez  mais,  especialmente  a  par- 
tir de  Cournot,  na  ordem  do  dia  dos  estudos  filosóficos. 

Ver  um  artigo  de  G.  Lechalas,  Hasard  et  détérminisme,  in 
Revue  de  Metaphysiqiie  et  de  mor  ale,  1906,  pág.  109  a  114;  e  no 
mesmo  volume  um  artigo  de  F.  Mentré  sobre  o  acaso  em  mate- 
mática, pág  375  a  38o. 

Apesar  de  ser  enorme  a  literatura  ultimamente  aparecida  so- 
bre o  acaso,  nem  todas  as  obras  são  igualmente  úteis  e  de  con- 
fiança. Tal  é  o  que  se  passa  com  o  volume  Le  Hasard,  de  Ca- 
MiLLE  Revel,  aparecido  —  basta  que  se  diga  —  na  «librairie  géné» 
rale  des  sciences  occultes»,  em  1905, 


4^2 


sua  fase  histórica  para  a  de  gaveta  ou  quadro  cr  o- 
nológico  das  descobertas  é  um  caso-limite  para  que 
se  tende,  mas  que,  recuando  sempre,  nunca  se 
atingirá. 

F.  Mentré,  comentando  as  asserções  de  Cour- 
NOT,  escreve  acerca  da  história : 

«A  liistória  scientiíica  do  século  xix  não  requere 
um  método  novo,  mas  somente  mais  habilidade 
e  clarividência:  o  método  analítico  longe  de  ser 
característico  do  século  xix  pode  também  ser 
aplicado  ao  xvii  e  xviii». 

Mentré  substitue  os  três  estados  de  Gomte  e  as 
três  fases  da  evolução  scientífica  de  Gournot  por 
outra  fórmula,  partindo  do  ponto  de  vista  «que  a 
cultura  scientífica  tem  atravessado  uma  série  de 
fases  correlativas  da  evolução  do  mundo  ociden- 
tal». 

Assim,  a  origem  e  os  primeiros  tempos  da  ci- 
vilização são  caracterizados  por  uma  fase  indis- 
tinta e  caótica ;  a  essa  confusão  segue-se  uma 
época  de  limitação  geográfica,  de  centralização 
local :  um  período  nacional  durante  o  qual  a  sciên- 
cia  se  eleva,  dignifica  e  torna-se  o  monopólio  de 
uma  nação,  sendo  uma  instituição  do  Estado; 
depois,  surge  a  fase  internacional  quando  a  civi- 
lização se  alarga,  e  a  sciência  se  torna  global, 
mundial  —  tal  é  a  característica  da  época  con- 
temporânea (i). 


(i)  Ver  F.  Mentré,  ixiRevue  de  Synthèse  Hisíorique,  tomo  xf, 
pág.  14. 


433 


Apesar  do  muito  que  se  tem  escrito  sobre  as 
sciências  históricas  numerosas  são  as  dúvidas 
que  sobre  elas  subsistem,  e  ainda  mais  numerosos 
os  critérios  sob  que  teem  sido  encaradas,  e  con- 
sideradas quanto  à  sua  natureza,  objecto  e  fins. 

Por  isso,  os  scépticos  em  história  constituem 
uma  bigarrada  multidão.  Uns  crêem  que  na 
vida  das  sociedades  humanas  tudo  tem  aconte- 
cido por  acaso,  e  que  por  isso,  na  impossibili- 
dade de  conhecerem  a  verdade,  de  apreenderem 
a  certeza  os  acontecimentos  históricos  devem  li- 
mitar-se  às  anedotas  mais  ou  menos  divertidas 
dos  memori alistas  e  às  biografias  tanto  quanto 
possível  amenas  das  grandes  figuras  políticas, 
dos  homens  de  Estado  e  de  sociedade.  Outros 
entendem  que  a  história  é,  e  deve  ser,  uma  ma- 
téria de  funda  ponderação,  de  cogitação  séria,  e 
que  a  principal,  senão  única,  missão  do  historia- 
dor deve  consistir  em  procurar  nos  acontecimen- 
tos os  desígnios  da  Providência,  da  qual  —  crêem 
eles  —  são  produtos  e  manifestações,  e  em  «adi- 
vinhar os  enigmas  do  destino» — como  diz  Al- 

BERT  SOREL  (l). 


(i)  Já  se  vai  estando  longe  do  tempo  em  que  o  teórico  da  his- 
tória Tailliar,  publicava,  em  1867,  uma  obra  em  i53  páginas,  si- 
gnificativamente intitulada  !  Les  lois  de  Dicu  daiis  1'hisioire  ou 
Essai  sur  les  lois  providencielles  qui  régissent  les  nations  et  le 
genre  humain. 

Para  o  autor  a  sciência  dos  factos  não  é  tudo  em  história,  pois 
acima  dela  reside  a  filosofia  da  história  que  é  a  sciência  das  leis, 
que  dirigem  as  sociedades  humanas  na  sua  evolução.  Essas  leis 
28 


4^4 


Outros,  muito  afins  dos  acontecimentos,  enten  - 
dem  que  a  história  não  é  mais  que  a  biografia 
dos  grandes  homens,  e  que  estes  individualizando 
a  Providência,  servindo  Deus,  são  as  causas  úni- 
cas dos  acontecimentos  humanos,  os  agentes  ex- 
clusivos da  vida  das  sociedades  (i). 

Assim,  para  os  primeiros  há  fenómenos  sem 
causa,  para  os  outros  há,  principalmente,  causas, 
ao  passo  que  na  história  scientifica,  onde  domi- 
nam os  princípios  da  causalidade  e  da  evolução, 
as  causas  e  os  efeitos  identificam-se,  pois  o  efeito 
de  uma  causa  anterior  é,  por  sua  vez,  a  causa  de 
um  efeito  seguinte. 

Assim,  a  questão  do  finalismo  histórico  apa- 
rece cheia  de  complexas  divergências,  e  produto 
de  princípios  desconcertantes  e  de  critérios  ma- 
ximamente opostos. 

Ora,  tal  diferença  de  critérios,  provêm  da  di- 


são  providenciais,  levando  umas  à  decadência  e  à  dissolução,  ou- 
tras à  renovação  e  ao  progresso,  sendo  a  civilização  uma  resul- 
tante de  todas  essas  forças  da  Providência. 

(i)  O  historiador  americano  W.  R.  Thayer,  professor  da  Uni- 
versidade de  Harward,  apresentou  ao  último  Congresso  Interna- 
cional de  História,  efectuado  em  Roma,  uma  comunicação  acerca 
da  Biography^  the  basis  of  hisíory,  onde  são  combatidas  as  ten- 
dências generalizadoras  e  a  orientação  sociológica  da  historiografia 
actual,  e  é  defendida  a  biografia  como  subsídio  essencial  das  obras 
de  história. 

Ao  que  parece  é  esta  uma  das  tendências  dos  historiógrafos 
saxões,  partidários  convictos  do  individualismo  na  vida  política  e 
social  como  em  história.  Já  Carlyle  afirmava  que  a  história  é 
«uma  soma  de  biografias»,  e  que  o  seu  objectivo  consistia  em 
estudar  e  descrever  o  desenvolvimento  das  diversas  individuali- 
dades nacionais. 


435 


versidade  de  processos  de  encarar  a  vida  das  so- 
ciedades, e  estes  são  condicionados,  principal- 
mente, peia  educação  morai  e  social,  pela  prepa- 
ração scientífica  e  pelos  preconceitos  religiosos  e 
políticos  não  recalcados  para  o  sub-consciente, 
nem  abstraídos  por  parte  de  quem  estuda  os 
acontecimentos  humanos. 

Tal  como  os  náufragos  que  não  vêem  a  imen- 
sidade do  oceano  que  os  cerca  para  só  sentirem 
a  corrente  que  os  impele,  eles  não  sabendo  ou 
podendo  diferenciar-se  da  multidão  que  os  cerca, 
acompanham  a  onda,  e,  incapazes  de  se  altearem 
para  abraçarem  o  conjunto  e  conceberem  as  cau- 
sas e  efeitos,  a  orientação  e  o  sentido  gerais  da 
marcha  da  sociedade  de  que  fazem  parte  apenas 
vêem  aqueles  com  quem  mais  proximamente  se 
acotovelam  e  relacionam,  e  só  os  comovem  os 
fenómenos  que  se  lhes  apresentam  como  mais 
estranhos,  mais  inesperados,  mais  tumultuosos  e 
bulhentos. 

É  essa  a  noção  limitada  dos  factos  próximos, 
dos  pequenos  incidentes,  dos  infinitíssimos  deta- 
lhes que  tira  ao  observador,  e  comentador  dos 
acontecimentos  humanos  a  aptidão  crítica  para 
bem  os  considerar  e  julgar  com  larguesa,  com 
justesa,  com  verdade. 

Como,  com  razão,  diz  Albert  Sorel^  o  histo- 
riador só  deve  considerar  os  factos  consumados; 
estudar  esses  factos  no  seu  início,  na  sua  evolu- 
ção, no  seu  fim ;  notar  as  relações  deles  com  ou- 
tros que  os  condicionem  e  determinem;  separa- 


436 


-los  segundo  a  antiguidade  das  origens,  a  maior 
continuidade  da  sua  marcha,  e  perduração  dos 
seus  efeitos;  e  comparar  os  permanentes,  e  esta- 
belecer as  relações  entre  eles,  isto  é,  procurar  ex- 
plicá-los (i). 

Como  temos  visto,  não  é  só  quanto  à  natureza 
narrativa  da  história  —  que  Ranke  lhe  assinala,  — 
nem  sobre  a  função  causal  ou  expUcativa  —  que 
Albert  Sorel  e  outros  lhe  destinam  —  que  exis- 
tem divergências. 

Também,  acerca  do  seu  carácter  scientiíico  — 
como  temos  notado  —  surgem  dúvidas  e  diferen- 
ças de  opinião  até  mesmo  entre  os  próprios  pro- 
fissionais da  história,  os  historiadores  práticos  — 
como  lhe  chamam  os  alemães  para  os  diferença- 
rem dos  filósofos,  dos  lógicos,  emfim,  dos  teori- 
zantes  da  história. 

Entre  esses  é  de  destacar  a  opinião  do  notável 
helenista  A.  Croiset. 

Para  êste  a  história  não  é  uma  sciência,  se  bem 
que  os  seus  métodos  de  investigação,  de  explica- 
ção e  de  narração  tenham  um  cunho  scientiíico. 

Assim,  diz  êle :  «Querer  fazer  da  história  uma 
rigorosa  sciência,  é  talvez  negar-lhe  o  direito  à 
existência,  O  que  há  de  scientifico  na  história, 
é  o  seu  desejo  de  investigar  a  verdade;  é  o  espí- 
rito geral  do  seu  método  critico ;  é  o  seu  esforço 
para  descrever  bem  os  factos,  para  só  aproximar 


(i)  Albert  Sorel,  Nouveaiix  essais  d'histoire  et  de  critique, 
1898,  pág.  4. 


437 


casos  análogos  e  estabelecer  induçóes  sobre  as 
observações  exactas  e  rigorosamente  escolhidas; 
é,  emfim,  a  prudente  reserva  das  suas  afirmações, 
e  a  consciência  que  tem  de  incluir  hipóteses  no 
conhecimento  propriamente  dito  da  realidade»  (i). 

E  continua:  «Mas  seria  contrário  à  própria 
natureza  das  cousas  recusar-se-lhe  uma  parte  de 
intuição,  de  predição  ou  profecia  subjectiva,  sem 
o  que  ela  ver-se  hia  reduzida  a  maioria  das  ve- 
zes a  ficar  muda,  ou^  na  melhor  das  hipóteses  a 
coleccionar  documentos  estéreis  e  a  pô-los  em 
séries  sem  significação». 

E  logo :  «Deve-se,.  pois,  confessar  é,  somente, 
uma  meia  sciência,  e  que  nela  a  arte  tem  um 
enorme  lugar  não  só  na  disposição  e  descrição, 
como  se  admite  geralmente,  como  na  própria 
investigação  da  verdade,  e  na  compreensão  das 
relações  existentes  entre  os  factos». 

E  mais  adiante:  «Tirar  à  história  toda  esta 
parte  de  intuição,  de  indução  rápida. e  conjectu- 
ral seria  não  fazer  dela  uma  sciência  rigorosa  — 
cousa  impossível :  seria  suprimi-la»  (2). 

Mas,  se  a  admissão  de  hipóteses  para  a  aqui- 
sição dos  conhecimentos  reais  da  história  não 
caracteriza  essa  sciência,  porquanto  esse  processo 
é  extensivo  às  chamadas  sciências  da  natureza, 


(i)  Ao  tratarmos  do  método  histórico  veremos  que  as  outras 
sciências  desde  a  astronomia  às  sciências  biológicas  acumulam  as 
hipóteses,  os  princípios  e  os  postulados  sem  que  por  isso  se  lhes 
negue  o  carácter  legítimo  de  rigorosas  sciências. 

(2)  A.  Groiset,  Les  Démocraties  antiques,  pág.  7  a  9. 


438 


também  o  papel  da  imaginação,  da  indução,  da 
inspiração,  e  a  função  da  arte  ^-  como  sinónimo 
de  criação  —  não  se  circunscrevem  à  história  por- 
que são  igualmente  extensivas  às  outras  sciências 
quando  se  quere  subir  do  simples  trabalho  de  ve- 
rificação, de  enumeração  e  classificação  ao  da 
invenção  e  descoberta,  e  ao  da  criação  de  teorias, 
da  indução  de  leis  ou  do  estabelecimento  de  ideas 
gerais.  Tudo  isso  é  o  produto  da  actividade  cria- 
dora do  espírito. 

Sem  a  imaginação,  tanto  com  os  seus  factores 
intelectuais  como  com  os  afectivos  —  estes  como 
fermentos  e  impulsões  daqueles,  e  sem  esse  inde- 
finível determinante,  inconsciente  no  total  ou  em 
parte,  repentino  e  impessoal:  a  inspiração,  não 
era  só  o  trabalho  de  criação  histórica  que  seria 
impossível  —  como  diz  A.  Croiset — ^  também  as 
invenções  e  descobertas  no  domínio  das  sciências 
da  natureza,  e  as  criações  artísticas,  teriam  dei- 
xado de  dar-se  (i). 

Consultem-se  aqueles  que,  mercê  do  seu  poder 
de  criação  teem  feito  avançar  a  sciéncia  e  pro- 
gredir a  arte^  desde  Galileu  e  Newton  a  Dubois- 
Reymond,  e  eles  o  dirão  (2). 

Como  diz  Abel  Rey  :  «Todas  as  grandes  desco- 
bertas scientíficas  teem  sido  preparadas  por  uma 
série  de  associações  por  semelhança,  bruscas  e  re- 


(i)  T.  RiBOT,  Vimagination  créatrice. 

(2)  Abel  Rey,  Les  Sciences  Philosophyques,  2.*  edição,  pág.  295 
a  314. 


439 


pentinas  nas  quais  se  reconhecem  claramente  os 
processos  da  imaginação  e  da  inspiração...». 

Quere  dizer :  tudo  o  que  se  invoca  para  concluir 
que  a  história  não  é  uma  sciência  —  as  hipóte- 
ses como  bases  de  conhecimentos,  raciocínios  por 
analogia,  o  trabalho  e  o  produto  da  imaginação 
criadora,  e  da  inspiração,  a  ficção  —  tudo  isso 
aparece  igualmente  nas  sciências  da  natureza, 
tudo  isso  figura  como  elementos  essenciais  à  cria- 
ção scientiíica. 

Daqui  só  há  a  concluir  que  a  história  é  uma 
sciência  que  tem  permanecido  na  sua  fase  de  acu- 
mulação de  materiais  e  de  descrição  de  factos,  e 
que  se  prepara  para  atingir  o  estádio  superior  de 
sciência  de  leis,  de  sciência  causal,  de  sciência  ge- 
nética (i). 

Como  já  vimos,  tem-se  falado  muito  no  carácter 
artístico  da  história. 

Gabriel  Monod  — .  entre  tantos  outros  —  diz 
que  a  história  é  «uma  arte  neste  sentido  que  a 
maneira  de  expor  os  resultados  das  investigações 
históricas  dependerá  muito  do  talento,  do  tempe- 
ramento, das  qualidades  intelectuais  de  cada  his- 
toriador» (2). 

Mas,  ainda  aí  não  vemos  em  que  a  história 
se   distinga  das  outras  sciências,  mas  só  nota- 


(i)  As  leis  históricas  a  que  aqui  nos  referimos  não  são  leis  as 
económicas  e  sociológicas  que  Louis  Rordeau  previu,  nem  aquelas 
«leis  eternas»  a  que  se  refere  Xénopol. 

(2)  In  De  la  Méthode  dans  les  Sciences,  1910,  pág.  370. 


440 


mos  em  que  os  bons  escritores  se  diferençam  dos 
maus(i). 

O  talento,  o  temperamento,  as  qualidades  inte- 
lectuais que  Gabriel  Monod  exige  ao  historiador 
cada  sciência  as  pede  também  para  os  seus  cul- 
tores. 

Parece-nos  que^  sob  o  ponto  de  vista  artístico, 
há  uma  diferença  muito  maior  entre  as  obras  de 
Ranke,  deFusTEL,  de  Rénan,  de  Michellet,  de  Sy- 
BEL,  de  MoMMSEN,  de  Lamprecht,  de  Lavisse,  de 
Seignobos,  e  de  Rambaud  e  as  de  qualquer  histo- 
riador medíocre,  que  entre  as  daqueles  e  as  dos 
grandes  escritores  das  sciências  da  natureza  — 
como  Laplace^  Darwin,  Huxley,  Cláudio  Ber- 
nard,  Haeckel  e  Dubois-Reymond. 

b)  Objectivo  da  história 

A  história,  ou  melhor  a  historiografia  —  que  é 
a  descrição  dos  acontecimentos  históricos  —  não 
deve  ser  feita  à  luz  de  outros  princípios  que  os 
da  verdade  e  da  exactidão  objectiva,  e  ao  calor 
de  outras  ideas  que  as  da  sciência. 

Mas  nem  sempre  —  ou  quási  nunca  —  assim 
tem  sucedido ;  antes,  a  história  tem-se  prestado  a 
servir  de  refúgio  à  poUtica,  e  o  inexgotável  repo- 
sitório de  ideas  e  factos  que  a  constituem  tem-se 
tornado    o    inexaurível    arsenal    ao    dispor   dos 


(i)  Já  vimos  como  H.  Rickert  distingue,  por  completo,  a  His- 
tória da  Arte. 


441 


mais  diversos  partidos  e  das  mais  opostas  fa- 
cções (i). 

Tem  sido  à  história  que  as  escolas  filosóficas, 
as  correntes  scientificas,  as  agremiações  religio- 
sas, os  partidos  políticos  e  os  agrupamentos 
sociais  teem  ido  pedir  elementos  para  a  defesa 
dos  princípios  e  ideas  e  para  o  ataque  das  ideas 
e  princípios  dos  contrários  (2). 

Tem  sido,  emfim,  a  história  que  tem  servido 
de  permanente  forja  para  trabalhar  teorias,  tem- 
perar princípios  e  afiar  argumentos  (3). 

Assim,  poucos,  ou  -nulos,  são  os  países  onde 


(i)  Como  se  sabe,  foi  em  apoio  das  suas  concepções  políticas 

que   COMMINES,  GuICHARDIN,   MaCHIAVEL,  BoSSUET,  BOULAINVILLIERS 

—  para  só  falar  dos  historiógrafos  franceses  antigos  — escreveram 
as  suas  obras,  como  também  foi  em  defesa  da  sua  obra  política, 
para  satisfação  dos  seus  rancores  pessoais  ou  para  ataque  dos  seus 
adversários  que  Villehardouin,  Montluc,  d'Aubigné,  Sully,  Retz, 
Saint-Simon,  etc,  escreveram  as  suas  obras. 

(2)  Gomo  se  sabe,  Plutarco,  Salústio,  Tito  Lívio,  Tácito 

—  para  só  falar  dos  clássicos  —  tiveram  especialmente  em  vista 
tirar  da  história  ensinamentos  morais,  cívicos  e  patrióticos. 

Por  sua  vez,  Maizeray,  Velly,  Anquetil,  entre  outros,  culti- 
varam a  história  de  França  para  nela  encontrarem  temas  de  re- 
flexões morais  ou  para  exercícios  literários. 

(3)  Assim,  várias  são  as  interpretações  que  se  teem  dado  à  his- 
tória :  políticas,  económicas,  religiosas,  etc,  cada  autor  querendo 
ver  nessa  sciência  a  comprovação  do  ponto  de  vista  da  sua  escola, 
ou,  simplesmente,  das  suas  ideas  pessoais. 

Sobre  a  interpretação  política  da  história  ver  um  artigo  do 
prof.  Fr.  Geny,  in  Revue  de  Synthèse  Hisíorique,  2°  semestre  de 
1902,  pág.  168  a  199. 

Acerca  do  ponto  de  vista  económico  em  história  procorrer  a 
obra  de  Edwin  R.-A.  Seligman,  Uinterpretation  économique  de 
1'Histoire. 


442 


se  tem  deixado  de  utilizar  a  história  com  intuitos 
políticos.  Sem  remontar  à  política  historiográ- 
fica de  Machia VEL,  para  só  nos  balisarmos  no  ma- 
quiavélico  Voltaire,  diremos  que  foi  este  um  dos 
escritores  do  século  xviii  que  mais  utilizaram  a 
história  como  campo  de  provas  para  as  suas  teses 
racionalistas  contra  o  obscurantismo  político  e  o 
intolerantismo  religioso,  e  em  favor  do  progresso 
e  da  civilização  pelo  despotismo  esclarecido  (i). 

Outro  tanto  se  pode  dizer  do  voltairiano  David 
HuME,  em  Inglaterra;  e,  ninguém  negará  o  ponto 
de  vista  politico  de  Frederico  II. 

Quanto  aos  trabalhos  de  Montesquieu,  estão 
eles  por  tal  forma  imbuídos  de  teorias  políticas  que 
alguns  escritores  não  se  furtam  a  declarar  que  a 
obra  dele,  como  Uesprit  des  lois,  pertence  muito 
mais  à  história  das  sciências  políticas  que  à  his- 
tória da  historiografia  (2). 

E,  se  o  ponto  de  vista  social  domina  a  obra  de 
J.  J.  Rousseau,  e  o  pendor  sentimental  e  demofilo 


(i)  Taine  dizia  que  na  literatura  do  século  xviii  as  personali- 
dades dos  diversos  países  são  puras  abstracções,  que  o  público  não 
tinha  o  sentimento  histórico,  e  que  o  homem  por  toda  a  parte  é 
o  mesmo.  Em  Voltaire,  como  em  Robertson  e  Gibbon  há  quási 
tudo :  erudição,  crítica,  conhecimento  das  instituições,  etc.  Só 
não  há  uma  cousa  :  almas. 

O  que  mais  falta  à  historiografia  do  século  xviii  é  aquela  ima- 
ginação simpática  —  de  que  fala  Taine,  —  segundo  a  qual  o  escri- 
tor se  transporta  em  outrem,  e  essa  é  a  qualidade  mais  necessária 
do  historiador. 

Ver:  Taine,  Origines...,  tomo  r,  pág.  218  e  219. 

(2)  Ed.  Fueter,  Histoire  de  f  Historio  gr  aphie  Moderne,  1914, 
pág.  475. 


443 


caracteriza  a  fugidia  obra  histórica  de  Schiller, 
com  Herder  vêem-se  surgir,  posto  que  ainda  em- 
brionariamente, as  teorias  da  «indestrutibilidade 
dos  caracteres  espirituais  das  raças»,  e  da  exis- 
tência das  unidades  nacionais  —  o  que  em  muito 
preparou  o  aparecimento  das  ideas  filosóíico- 
-politicas  de  Hegel. 

Se,  com  Walter  Scott  e  Barante,  a  história 
é  apenas  narrativa,  preocupando-se  muito  mais 
com  a  côr  local  que  com  os  fundamentos  históri- 
cos e  a  crítica  das  fontes,  com  Augustin  Thierry 
já  aparece  a  ideia  política  contra  a  velha  nobreza 
oligárquica  e  em  favor  do  povo  —  como  era  pró- 
prio da  burguesia  liberal  da  Restauração  da  qual 
provinha  o  historiador  e  para  a  qual  escrevia  (i). 

Com  Michelet  renova-se  e  intensifica-se  o 
ponto  de  vista  sentimental  e  demoíilo  de  Rous- 
seau e  Thierry,  e  proporciona-se  o  aparecimento 
de  um  género  literário  novo,  depois  continuado 


(i)  Gomo  se  sabe,  Augustin  Thierry  foi  para  os  estudos  his- 
tóricos como  quem  se  abriga  num  refúgio  moral  sentindo  sangrar 
o  seu  coração  de  patriota  ao  ver  a  França  invadida  e  ocupada 
pelas  tropas  estrangeiras  após  a  derrocada  napoleónica.  Então,  o 
assunto  que  ao  seu  espírito  de  révanche  melhor  quadrou  foi  a 
invasão  e  a  conquista  de  Inglaterra  pelos  normandos.  Ele  pró- 
prio confessa  que  dominado  pelas  suas  ideas  quis  ser  historiador 
à  maneira  da  escola  filosófica  do  século  xviii,  isto  é,  pretendia 
tirar  da  sua  narração  uma  série  sistemática  de  provas  em  favor 
das  suas  convicções.  Foi  então  que  se  lhe  depararam  os  roman- 
ces de  Walter-Scott  que  tanto  o  entusiasmaram,  especialmente 
o  Ivanhoe  —  que  é,  no  género,  uma  obra  prima. 

Sobre  Aug.  Thierry  ver  um  estudo  Camille  Jullien  in  Revue 
de  Synthèse  Historique,  tomo  xiii,  pág.  i25  a  142. 


444 


em  Ed.  Quinet  :  o  da  história  apologética,  o  da 
epopeia  nacional  em  prosa  (i). 

Porém,  se  Michelet  é  um  historiador  muito 
parcial  e  optimista,  e  muito  apaixonado  do  seu 
assunto,  isto  é,  da  França,  cujo  passado  estuda 
e  descreve  emocional  e  artisticamente,  [quer  ao 
poetisar  a  Idade  Média  quer  ao  imaginar  a  Revo- 
lução, se  tal  daltonismo  espiritual  leva  esse  pro- 
feta da  democracia  —  como  lhe  chama  Lanson  — 
a  mudar  a  cor  às  situações  e  o  carácter  aos  per- 
sonagens, nenhum  mal  resultou  à  humanidade 
desses  excessos  românticos,  antes,  proporcionou  à 
civilização  uma  bela  colecção  de  obras  enorme- 
mente belas  e  sugestivas :  ora  empolgantes  pela 
sua  grandesa,  ora  comoventes  pelo  seu  senti- 
mento, mas  sempre  encantadoras  e  dulcificantes. 

Mas^  o  nacionalismo  de  Michelet  nada  tem  de 
agressivo  como  o  seu  liberalismo  nada  tem  de 
rude,  porque  um  e  outro  são  feitos  de  sentimento 
e  gerados  pelo  amor  na  sua  forma  mais  elevada 
e  espiritual :  o  amor  da  pátria  como  condensação 
do  amor  da  humanidade. 


(i)  GmzoT  e  Tocqueville  são  mais  historiadores  de  ideas,  de 
estados  de  espírito  colectivo  que  historiógrafos  poh'ticos.  Mas, 
nem  por  isso  um  e  outro  deixam  de  levar  para  as  suas  obras  os 
seus  princípios  doutrinários :  o  primeiro  no  ponto  de  vista  das 
classes  médias  ;  o  segundo,  mais  desassombradamente,  pensando, 
caracterizando,  julgando  como  filósofo,  mas  sem  esquecer  que  era 
legitimista  e  cristão. 

Ver  o  volume  de  Bardoux  e  o  capítulo  de  Crozals  acerca  de 
GuizoT,  e  a  obras  de  Eugène  d'Eichtlhal,  A.  de  Tocqueville  et  la 
démocratie  libérale. 


445 


Outro  tanto  já  não  se  pode  dizer  do  naciona- 
lismo e  da  ideologia  política  dos  historiadores 
alemães  contemporâneos. 

Na  verdade,  um  dos  graves  defeitos  da  histo- 
riografia alemã  contemporânea  é — como  se  sabe 
o  preconceito  hiper-nacionalista  e  pangermanista, 
o  partido  tomado  politico,  faccioso  e  exclusivista 
que  tem  sugestionado  e  animado  os  historiadores 
de  Alêm-Reno. 

Desde  Niebuhr  — o  famoso  criador  da  Univer- 
sidade de  Berlim  —  que  a  historiografia  alemã 
deixou  de  reclamar  aquela  lealdade  e  aquela  ho- 
nestidade que  FiCHTE  exigia  a  quem  quisesse  es- 
tudar e  fazer  história. 

O  próprio  Niebuhr,  iniciador  magnífico  dessa 
plêiade  notável  de  filólogos  que  vai  até  Bopp, 
DiETZ  e  Grimm,  esse  mesmo,  —  neutral  e  scientista 
puro,  —  ao  estudar  a  história  de  Roma  não  pode 
fugir  ao  desejo  de  ver  e  mostrar  nela  o  modelo 
do  desenvolvimento  nacional  e  um  bom  exemplo 
de  um  Estado  forte  e  centralizador. 

Também  Ranke  —  homem  de  sciência,  mode- 
rado e  imparcial  —  abrangendo  largo  e  fundo  os 
assuntos  políticos,  vê  nos  sucessos  da  Alemanha, 
em  1 870,  não  apenas  a  vitória  de  um  povo  so- 
bre outro,  mas  a  vitória  de  uma  política  sôbr.e 
outra  política,  de  uma  civilização  sobre  outra. 

Mommsen  começou  por  onde  acabou  Ranke  : 
por  meter  a  política  na  história,  procurando  fa- 
zer desta  uma  simples  demonstração  e  ilustração 
das  suas  ideas  políticas. 


446 


Também  para  este  Roma  não  é  ura  simples 
objecto  de  estudo,  mas  o  modelo  a  seguir  de  um 
Estado  que  progrediu,  que  civilizou  por  meio  da 
guerra;  e  Cesar  é  mais  que  uma  figura  a  Comen- 
tar :  é  um  grande  homem  a  seguir,  porque  êle  in- 
dividualiza o  génio  politico  e  um  governo  ideal. 

Assim,  MoMMSEN  torna-se  como  que  um  mensa- 
geiro de  Nietzsche  e  da  sua  teoria  do  sôbre-ho- 
mem.  Mas,  de  todos  é  Sybel  e  é  Treitschke  as 
duas  figuras  máximas  da  historiografia  pangerma- 
nista  contemporânea. 

Falando  do  primeiro  escreve,  com  razão,  Guil- 
LAND  :  «Com  Sybel  vamos  encontrar  um  historia- 
dor que  subordina  tudo  às  suas  ideas,  e  para  o 
qual  todas  as  circunstâncias  do  passado  vão  ser- 
vir de  pretexto  para  provar  a  excelência  das  ins- 
tituições dos  HohenzoUern  e  a  verdade  dos  prin- 
cípios da  politica  nacional  liberal»  (i). 

Efectivamente,  Sybel,  tanto  na  sua  História  da 
Europa  no  tempo  da  Revolução^  como  na  sua  Re- 
vista Histórica  e  na  História  da  fundação  do  impé- 
rio alemão  faz  da  história  um  simples  pretexto 
para  se  lançar  contra  a  França,  para  fazer  a  apo- 
logia do  domínio  prussiano  e  o  elogio  da  dinastia 
de  HohenzoUern  e  de  outros  sãos  princípios  polí- 
ticos. 

Mas,  Sybel  não  é  único  na  maneira  falsíssima 
de  fazer  da  história  uma  tribuna  política  em  de- 
fesa do  pan-germanismo,  êle  é. apenas  o  guia,  o 


(i)  A.  GuiLLAND,  L'AUemagnenouyelle  eíses historienS/Tpág.iSi 


447 


chefe  da  escola  de  um  grande  número  de  profes- 
sores, historiadores  e  outros  publicistas,  dos  quais 
os  mais  notáveis  são  os  universitários  Haeusser, 

DrOYSEN  e  DUNCKER. 

Com  Treitschke  as  ideas  politicas  que  haviam 
accionado  os  seus  antecessores  e  contemporâ- 
neos mais  velhos  refinam,  condensam-se,  subli- 
mam-se(i). 

É  êle  que  sustenta''esta  heresia  scientifica :  «A 
história  pura  e  imparcial  não  pode  convir  a  uma 
nação  apaixonada  e  guerreira»  ;  e  outro  historia- 
dor, GiESEBRECHT,  uão  se  peja  de  escrever :  «A 
nossa  sciência  não  deve  ser  cosmopolita,  mas 
alemã»  (2). 

Foi  essa  história  requisitório  contra  o  estran- 
geiro, foi  essa  história  apologética  das  institui- 
ções e  das  ambições  prussianas,  foi  essa  sistemá- 
tica e  ominosa  contrafacção  da  sciência  que 
impeliu  a  Alemanha  toda —  governantes  e  gover- 
nados—  para  a  guerra,  e  que  atirou  a  humani- 
dade para  o  estado  em  que  se  encontra. 


(i)  Gomo  vai  longe  o  tempo  em  que  Ranke,  escrevendo  o  seu 
Testamento  histórico,  dizia  que  a  característica  do  espírito  alemão 
era  a  sua  concepção  universal  da  história;  ao  passo  que  esta  na 
Itália  era  oratória,  na  Inglaterra  era  constitucional,  e  na  França 
era  nacional  I 

De  restOj  na  própria  obra  do  universalista  Ranke  há  muita 
apologia  do  prussianismo  como  se  pode  ver  lendo  a  obra  de  Guil- 

LAND. 

(2)  Consultar,  alem  da  ob.  cit.  de  Guilland,  Ed.  Fueter,  His- 
toire  de  V Historio graphie  Moderne,  pág.  661  a  696;  Charles  Andl- 
LER,  Le  Pangerntanisme  continental  sous  Guillaume  I,  primeiro' 
volume ;  e  o  nosso  trabalho  .45  Causas  «Ideais»  da  Conflagração. 


448 


Temo-nos  ocupado  até  agora  bastante  com  a 
história  dos  factos,  dos  acontecimentos  e  dos  ho- 
mens, trataremos  agora  muito  rapidamente  da 
história  das  ide  as. 

Efectivamente,  além  da  história  dos  aconte- 
cimentos há  que  ter  em  vista  a  história  das  ideas 
que  por  toda  a  parte  tem  ficado  mais  ou  menos 
abandonada  com  excepção  da  Alemanha  onde 
de  há  anos  a  esta  parte  vêem  aparecendo  obras 
sobre  esse  importante  capitulo  da  história,  como 
A  História  das  ideas  na  Alemanha,  do  dr.  J.  Gol- 
dfriederich;  um  estudo  sobre  David  Hume  e  a 
concepção  impirista  da  história,  de  J.  Goldstein; 
o  famoso  Manual  de  Metodologia  Histórica^  de 
Ernest  Bernheim,  etc. 

A  França  não  tem  visto  aparecer  com  frequên- 
cia estudos  desta  natureza,  se  bem  que  ultima- 
mente a  história  da  filosofia,  a  história  das  reli- 
giões, a  história  das  sciéncias  —  com  os  trabalhos 
de  Paul  Tannery  e  de  Lalande,  a  história  da  me- 
dicina —  com  os  estudos  publicados  em  La  France 
médicale,  e  a  história  literária  hajam  tido  os  seus 
cultores  e  tenham  dado  origem  a  obras  impor- 
tantes, especialmente  em  história  da  religião  e  da 
literatura,  não  sucedendo  já  outro  tanto  com  a 
história  das  ideas  políticas. 

Contudo,  nada  mais  desrasoável.  As  ideas  ou 
sejam  tomadas  num  sentido  intelectual  —  como 
Hegel,  num  ponto  de  vista  estético  —  como  fez 
Guilherme  de  Humboldt  ou  sob  um  critério  mo- 
ral—  como  em  Fichte,  elas  teem  uma  acção,  uma 


449 


influência,  um  poder  enormes,  por  vezes  decisivos, 
e,  até,  seculares. 

Elas  são  os  imponderáveis  que,  bem  no  fundo, 
bem  no  intimo,  dirigem  o  mundo,  porque,  como 
diz  Bernheim,  «na  vida  dos  povos  como  na  vida 
moral  dos  indivíduos,  as  impulsões  ideais  teem  o 
seu  lugar  e  a  sua  importância;  elas  não  são  ilu- 
sões nas  quais  se  crê  ou  deixa  de  crer,  elas  são 
elementos  psi-sociais,  de  uma  absoluta  realidade^ 
que  devem  ser  estudados  ou  observados  com  cui- 
dado». 

Acabamos  de  falar  da  história  das  ideas  da  qual 
se  pode  passar  quási  essencialmente  k  filosofia  da 
história,  sendo  de  notar  que  P.  Barth  confunde 
esta  com  a  sociologia,  e  H.  Rickert  identifica-a 
com  a  história  universal. 

Tratemos  dela  agora  em  breves  palavras. 

(iMas,  é  justificado,  é  legitimo^  falar  hoje  da 
filosofia  da  história  ? 

R.  EucKEN  num  estudo  sobre  esse  assunto  pu- 
blicado, em  1907,  na  Sistematização  Filosófica  de 
HiNNEBURG,  diz  que  sim,  devendo-se  reservar  à 
filosofia  uma  função  especial,  distinta  da  das 
sciências.  É  com  Herder  que  aparece  o  nome, 
a  expressão,  se  bem  que  muito  antes  deste  já 
existisse  a  cousa,  o  objecto  desse  estudo. 

Mas^  ao  passo  que  o  século  xviii  era  essencial- 
mente filosófico  o  XIX  foi  principalmente  histó- 
rico. 

Com  o  avançar  dos  tempos  a  história  tem  sem- 
pre crescido  de  importância  quer  pela  sucessiva 

29 


45o 


perfeição  dos  seus  métodos  e  processos,  quer  pela 
enorme  acumulação  de  materiais. 

Hoje,  na  história,  dominam  três  pontos  de 
vista :  o  técnico  —  que  é,  para  muitos,  um  produto 
dos  métodos  das  sciências  naturais ;  o  económico 
—  que  é  uma  aplicação  do  comtismo ;  e  o  evo- 
lucionista—  que  resulta  do  ponto  de  vista  mate- 
rialista de  Marx  e  Engels. 

Actualmente,  a  filosofia  da  história  debate-se 
entre  as  tendências  de  duas  escolas  antagónicas : 
a  idealista^  e  a  naturalista  —  esta  modelada  nas 
sciências  da  natureza. 

Não  podendo  Eucken  negar  que  ao  passo  que 
a  primeira  tem  vindo  a  perder  terreno  de  ano  a 
ano,  a  tendência  naturalista  está  progressiva,  de- 
clara que  a  história  não  se  pode  fechar  numa  con- 
cepção determinista. 

E  percorrendo  a  história  da  humanidade,  a 
história  da  civilização,  que  Eucken  vai  encontrar 
a  filosofia  no  contacto  da  vida  material  com  a 
cultura  espiritual,  aquela  sempre  mutável  e  esta 
sucessiva,  íntima,  permanente. 

Seguindo,  quási,  o  ponto  de  vista  de  Eucken 
está  H.  RiCKERT  que,  na  sua  Geschichtsphilosophie, 
identifica  esta  com  a  história  universal,  pois,  de- 
vido à  extensão  do  seu  objectivo,  ocupando-se 
ela  só  das  questões  gerais  sintetiza  os  factos,  sobe 
das  comparações  às  deduções,  faz  generalizações 
e  induções,  e  conclui  ideas,  e  examinando  como 
estas  se  seguem  e  se  desenvolvem  no  tempo  chega 
ao  estabelecimento  dos  princípios  sobre  os  quais 


45 1 


repousa  tal  desenvolvimento,  entrando  assim  nos 
domínios  da  filosofia  da  história  (i). 

Por  último,  o  espírito  humano  analisa  e  classi- 
fica os  caracteres  de  tais  princípios,  observa  e 
conclui  sobre  a  natureza  do  conhecimento  histó- 
rico, dando  origem  a  uma  terceira  forma  da  filo- 
sofia da  história:  a  lógica  da  história  (2). 

Assim,  para  Rickert  há  íntima  correlação  en- 
tre a  história  universal  —  que  fornece  os  factos;  a 
filosofia  da  história  —  que  estabelece  os  princípios 
e  as  ideas  geradoras  e  evolutivas  do  desenvolvi- 
mento da  humanidade;  e  a  lógica  da  história  — 
que  estuda  a  natureza  íntima  dos  factos  de  su- 
cessão e  do  conhecimento  histórico,  e  caracteriza 
este,  distinguindo-o  das  restantes  formas  do  co- 
nhecimento scientífico  (3). 

c)  Definições  de  história 

Para  se  definir  um  fenómeno,  uma  idea,  e  até 
uma  sciência,  recorre-se  muitas  vezes  ao  conceito 
da  causalidade. 

Assim,  a  causa  torna-se  uma  forma,  um  meio 
de  aplicação,  de  designação,  de  definição.     Ela 


(1)  Os  princípios,  que  constituem  a  matéria  áa  filosofia  da  his- 
tória, resultam  das  leis  gerais  e  do  sentido  geral  da  vida  histórica. 

{2)  Xénopol  prefere,  como  mais  exacta,  a  expressão  lógica 
da  sucessão. 

(3)  Alem  do  que  já  temos  dito  sobre  as  teorias  de  Rickert, 
adiante  será  este  ponto  desenvolvido  quando  tratarmos  da  me- 
tódica da  história  e  da  noção  do  valor  em  história. 


452 


é,  não  para  a  metafísica  —  como  entende  o  filó- 
sofo KiESEWETER  —  mas  para  a  psicologia  o  que 
o  principio  da  razão  suficiente  é  para  a  lógica ; 
este  é  o  principio  fundamental  do  pensamento, 
aquele  é-o  da  experiência. 

Por  isso,  se  a  causalidade  pode  ser  posta  de 
parte  quando  se  trata  da  arte,  da  religião  e  de 
outras  criações  de  espírito  quando  as  descreve- 
mos, isto  é,  quando  as  estudamos  somente  nas 
suas  manifestações,  já  o  mesmo  não  se  dá  quando 
se  trata  da  sciência. 

Esta,  sendo  produto  do  «reflexo  do  mundo  ex- 
terno» na  inteligência  humana,  «a  reprodução 
intelectual  do  Universo  —  como  diz  Xénopol,  — 
e  consistindo  no  conjunto  de  conhecimentos  bèm 
verificados,  dispostos  e  coordenados  em  sistemas 
de  ideas^  necessita  a  cada  momento  de  recorrer 
à  causalidade,  exactamente  porque  não  se  trata 
de  «possibilidades  ideais»,  mas  da  própria  «rea- 
lidade, da  qual  a  sciência  nos  apresenta  o  quadro 
sistemático»  —  como  diz  Boutroux. 

Tem-se  identificado  o  conceito  de  causa  com  a 
noção  de  lei^  o  que  faz  dizer  a  Wundt  —  no  seu 
estudo  Acerca  da  noção  da  lei  —que  «quando  se 
encontra  a  fórmula  geral  de  uma  classe  de  factos, 
isto  é,  uma  lei,  estabelece-se  sempre  implici- 
tamente uma  relação  definida  de  causa  para 
efeito  » . 

Também  Fonsegrive  —  em  A  causalidade  efi- 
ciente—  diz  que  a  lei  consiste  na  «relação  entre 
dois  fenómenos,  dos  quais  um  é  tomado  como 


453 


causa  e  o  outro  como  efeito»,  e  outros,  muitos 
outros,  dizem  o  mesmo  por  outras  palavras. 

É  contra  todos  eles  que  se  ergue  Xénopol  clas- 
sificando de  erro  tais  fórmulas,  e  dizendo  que  : 
«entre  a  lei  e  a  causa  há  uma  diferença  radical:  a 
lei  constata  o  modo  de  realização  de  um  fenó- 
meno;  a  causa  dá  a  explicação  deste»  (i). 

Se  bem  que  alguns  homens  de  sciência  —  como 
Cláudio  Bernard,  e  vários  filósofos  —  como  Au- 
gusto CoMTE,  procurem  limitar  o  conhecimento 
scientifico  ás  leis,  ao  como  das  cousas,  e  ponham 
de  parte  o  porque,  as  causas  dos  fenómenos,  não 
há  dúvida  que  a  mais  completa  explicação  do 
um  fenómeno  e  o  estado  mais  avançado  de  uma 
sciência  caracterizam-se  determinando  não  só  as 
leis  como  as  causas. 

ScHOPENHAUER,  coufundindo,  ao  que  parece,  o 
princípio  da  razão  suficiente  com  o  da  causali- 
dade, entende  que  o  porquê  é  a  base  de  toda  a 
sciência,  e  diz  que  a  diferença  entre  a  sciência  e 
o  simples  agrupamento  de  conhecimentos  con- 
siste no  encadeamento  destes  tendo  como  base  o 
porquê. 

Muitos  outros  filósofos  e  homens  de  sciência 
teem  pensado  e  escrito  a  mesma  cousa. 

Mas,  não  há  dúvida  que  muitas  sciências  teem-se 
limitado  até  hoje  a  constatar  e  a  demonstrar  fa- 
ctos, acontecimentos,  pondo  de  parte  as  explica- 


(i)  A. -D.  XÉNOPOL,   La  Causalité  dans  la  succession,  in  Revue 
de  Syntèse  Historique,  tomo  viu,  pág.  265  a  295. 


454 


çôes  causais,  ou  limitando-se  a  atirar  estas  para 
o  campo  das  hipóteses,  e  constituindo  com  elas 
a.  filosofia  da  sciência,  ou^  mais  modestamente,  a 
teoria  dos  factos.  . 

Seguindo  aqui  o  ponto  de  vista  de  Windelband 
—  já  acima  exposto  —  com  a  sua  classificação  de 
sciências  de  leis  e  sciências  de  factos^  e  repetindo 
o  que  então  dissemos,  isto  é,  que  tal  classificação 
não  tem  um  carácter  lógico,  mas  sim  metodoló- 
gico e  histórico,  diremos  que  todas  as  sciências 
iniciam-se  por  uxnoi  fase  descritiva,  ou  narrativa  ( i ), 
por  um  estádio  naturalista,  para  depois  subirem 
à  mais  alta  :  à  fase  genética,  à  categoria  de  sciên- 
cia de  leis  (2). 


(\)  A  história  narrativa,  «viva  e  variada»,  não  é  um  simples 
produto  do  período  romântico  —  como  diz  Camille  Julian,  numa 
lição  da  Escola  de  Altos  EIstudos,  dj  Paris,  sobre  Augustin 
Thierry.  Ela  não  constitui  só  a  característica  das  Lettres^  dos 
Études,  da  Conquête  de  l' Angleterre  e  dos  Recits  des  Temps  tnéro- 
vingiens  de  Augustin  Thierry,  nem  das  obras  de  Bakante,  Thiers, 
MiGNET  et  Michelft:  ela  marca  uma  fase  da  evolução  geral  da 
historiografia. 

O  que  nessas,  e  noutras,  obras  há  de  caracteristicamente  ro- 
mântico é  a  tendência  dos  seus  autores  para  o  período  medievo, 
e  a  atracção  da  cor  local.  É  assim  que  Thiers  não  pode  já  ser 
considerado  um  historiador  romântico  com  o  seu  «style  placide 
et...  Tallure  grave  et  prudente»,  e,  comtudo,  a  sua  história  é  des- 
critiva, narrativa. 

(2)  Para  nós,  e  aqui,  sciências  de  leis.,  sciências  de  causas  e 
sciências  genéticas  são  a  mesma  cousa,  pois  as  leis  são,  quanto  a 
nós,  não  «muitas  vezes»  —  como  quere  Xbnopol  —  mas  sempre  a 
manifestação,  a  expressão,  de  relações  causais,  entendendo-se  que 
englobamos  aqui  não  só  as  causas  directas  como  as  indirectas,  as 
secundárias,  as  mediatas,  mas  sem  cuidarmos  das  causas  últi- 
mas e  das  qualitas  occulta  que,  segundo  Schopenhauer,  caracteri- 


455 


Muitas  das  sciências  existentes  ainda  não  pas- 
saram da  segunda  fase,  continuando  a  serem 
sciências  descritivas,  sciências  de  factos.  Em  tal  fase 
está  ainda,  no  pensar  de  muitos,  a  história. 

De  poucas  sciências  se  tem  dado  — como  da 
história  —  as  definições  mais  divergentes  e  mais 
opostas.  Desde  J.  J.  Rousseau,  que  no  livro  iv  do 
Emite  diz  que  a  história  é  um  tecido  de  mentiras, 
«a  arte  de  escolher  entre  muitas  cousas  falsas  a 
que  mais  se  assemelhe  à  verdade»  (i),  até  Ranke 
—  que  via  nos  acontecimentos  históricos  conflitos 
de  vontades  humanas,  onde  as  naturezas  fortes 
teem  a  decisão,  e  na  historiografia  o  meio  de 
contar  o  que  aconteceu,  isto  é,  um  conjunto  de 
memórias,  atéTREiTSCHKE,  Xénopol,  Rickert,  Lam- 
PRECHT,  Seignobos,  Bernheim,  H.  Berr  ou  La- 
coMBE,  tem-se  dito,  bastante,  muito,  imenso;  em- 
fim,  como  que  usando  as  duas  línguas  de  Esopo 
dela  se  tem  dito  tudo  de  bem  e  tudo  de  mal. 

Ai  está,  por  exemplo,  o  que  escreveu  sobre  a 
história  esse  paradoxal  insigne  que  foi  Nietzche. 

Efectivamente,  este  num  opúsculo  —  Von  Nut- 
:(en  und  Nachtheil  des  Historie  fiir  des  Leben  — 
e  onde  o  original  pensador  discreteia  —  como  diz 


zam  as  forças  elementares  da  natureza,  convindo  não  esquecer  o 
princípio  discutível  e  discutido  de  Boutroux,  segundo  o  qual  «a 
causa  de  um  fenómeno  é  ainda  um  fenómeno». 

(i)  Que  diferença  entre  esta  leviandade  de  J.  J.  Rousseau  e  o 
que  sustenta  um  dos  mais  eminentes  historiadores  profissionais  — 
FusTEL  DE  CouLANGES  —  quaudo  diz  que  a  história  é  não  só  uma 
sciência  como  a  mais  difícil  das  sciências. 


456 


o  título —  «acerca  da  vantagem  ou  inconveniente 
da  história  sobre  a  vida»,  manifesta-se  excessi- 
vamente contra  a  cultura  histórica,  que  classifica 
de  doença,  de  mania,  de  idea  fixa,  e  a  que  chama 
historicite. 

Segundo  Nietzche,  a  história,  além  de  outros 
malefícios,  destrói  toda  a  possível  felicidade,  pro- 
curando pautar  a  nossa  vida  presente  pela  do 
passado,  quando  para  se  ser  feliz  o  que  é  neces- 
sário é  saber-se  viver  dentro  do  seu  tempo.  E, 
dando  como  argumento  as  crianças  que  são  feli- 
zes porque  não  conhecem  a  história,  compara  os 
adultos  aos  ruminantes  que  passam  a  existência 
a  pensar  no  passado  —  o  que  lhes  tira  toda  a  ori- 
ginalidade de  carácter,  todo  o  poder  da  plastici- 
dade do  espírito. 

Pára  que  um  grande  artista  produza  uma  ver- 
dadeira obra  de  arte,  para  que  um  general  ganhe 
uma  batalha,  para  que,  emfim,  quem  quer  que 
seja  tenha  uma  compreensão  verdadeira  da  gran- 
deza e  da  liberdade  tem  de  esquecer,  de  abstrair, 
por  uns  momentos  a  história,  o  passado,  para  só 
viver  no  presente,  para  só  sentir  e  pensar  o  que 
é  actual. 

Nós  somos  enciclopédios  históricos  ambulan- 
tes. A  sciência  que  devia  seguir  a  natureza  ex- 
pontânea mata  esta ;  ora  a  sciência  deve,  sobre- 
tudo, servir  para  a  vida,  como  a  história  o  devia 
fazer,  e  não  faz. 

Assim,  à  força  de  respeitarmos  o  passado  não 
sabemos,   não    ousamos,    transformá-lo   em  ali- 


457 


mento  do  espírito.  O  homem  necessita  não  só 
do  Histórico  —  que  nos  leva  para  o  passado,  e  do 
Jn-histórico  —  que  nos  faz  viver  no  presente,  como 
do  Sôbre-histórico  —  que  lança  as  nossas  vistas 
do  finito  ao  infinito,  isto  é,  do  finito  ao  que  dá 
ao  ser  o  carácter  da  eternidade :  à  arte  e  à  reli- 
gião. 

Pelo  contrário,  Grotenfelt  assinala  à  história 
o  seu  importante  lugar  no  quadro  dos  conheci- 
mentos humanos,  e  a  sua  função  na  civilização 
actual.  , 

Como  ele  diz  na  sua  Classificação  de  valores 
em  história:  «A  característica  da  história,  tal  como 
ela  tem  sido  tratada  durante  dez  mil  anos,  é  ou- 
tro ponto  de  vista  diferente  do  critério  da  civili- 
zação e  do  progresso». 

E  escreve  mais  :  «No  centro  dos  estudos  histó- 
ricos, no  futuro  como  no  passado,  subsistirá  ne- 
cessariamente esta  função :  fazer  compreender, 
representar,  de  uma  forma  evidente  e  completa,  a 
evolução  histórica  do  ponto  em  estudo,  e  pene- 
trar o  conteúdo  espiritual  desta  evolução». 

Mas,  como  êle  diz,  a  história  tende  a  tornar-se 
cada  vez  mais  objectiva,  mas  ficará  sempre  sub- 
jectiva numa  certa  medida,  porque  mesmo  o  his- 
toriador prático,  por  muito  impessoal  e  objectivo 
que  queira  ser,  ficará  subordinado,  sempre  e  ins- 
tintivamente, ao  ponto  de  vista,  ao  espírito,  aos 
palores  do  seu  tempo,  do  seu  meio,  da  sua  nação, 
da  sua  sociedade,  etc. 

Entretanto,  logo  acrescenta  que  a  parte  da  sub- 


458 


jectividade  que  a  história  contêm  não  lhe  tira  o 
seu  carácter  scientiíico. 

XÉNOPOL,  a  quem,  no  ponto  de  vista  histórico, 
só  interessam  os  factos  diferentes,  e,  entre  eles, 
o  que  é  dessemelhante,  em  vez  de  só  cuidar  das 
semelhanças  —  pois  é  com  elas  que  se  constituem 
as  sciências  —  conclui  que  a  história  não  é  uma 
sciência  de  factos  de  repetição,  isto  é,  uma  sciên- 
cia  de  leis,  mas  sim  uma  sciência  de  factos  de  su- 
cessão —  uma  sciência  de  séries  (i).  A  verdade 
é  que  nada  existe  de  mais  subjectivo,  de  mais 
arbitrário,  de  mais  irreal. 

Se  o  naturalista,  o  químico,  o  físico,  o  astró- 
nomo, levassem  o  seu  poder  de  abstracção  a  só 
considerarem  os  fenómenos  diferentes,  ou,  nos 
fenómenos  idênticos,  só  as  diferenças  muito  se- 
cundárias ou  de  detalhe  —  condicionadas  por  cir- 
cunstâncias conhecidas,  teria  esse  especialista  das 


(i)  Diz  XÉNOPOL  que  f'a  essência  da  história»  é  a  diferença  na 
sucessão,  e  depois  de  dizer  que  a  «scintilação  das  estrelas  se  re- 
pete continuamente  sem  alterações  notórias»^  diz  que  «a  própria 
idea  da  uniformidade  de  sucessão  —  que  Stuart  Mill  admitia  na 
sua  Lógica —  é  impossível  de  conceber.  A  sucessão  não  é  nunca 
composta  de  uniformidades,  mas  sempre  de  diferenças». 

■Ora  quem  garante  aXÉNOPOL  que  a  tal  scintilação  das  estrelas 
não  se  dá  com  alterações  fundamentais.  E  tão  fundamentais  elas 
podem  ser  que  pode  um  observador  continuar  a  ver  num  certo 
ponto  do  ceu  a  scintilação  de  uma  estrela  muito  tempo  depois 
de  ela  haver  mudado  de  lugar. 

Os  raios  da  estrela  a  da  constelação  de  Centauro  levaram 
três  anos  e  meio  a  chegar  até  nós,  e  os  das  a  e  P  —  da  Cabra  — 
levam  setenta  anos,  etc.  Como  se  vê,  é  bem  precária  a  teoria  da 
repetição  continua  e  uniforme  dos  fenómenos  astronómicos. 


459 


sciências  naturais,  da  química,  da  física  ou  da 
astronomia,  de  negar  também  a  tais  sciências  o 
carácter  de  sciências  de  fenómenos  de  repetição. 

Mas,  o  que  desconcerta  mais  é  que  Xénopol, 
apesar  do  que  expressa,  admite  leis  de  sucessão. 

Ora,  se  para  êle  um  facto  sucessivo  «é  aquele 
que  devido  a  influências  diversas  se  modifica  no 
tempo»  (i),  e  se  para  êle  —  como  para  Spencer  — 
«a  lei  é,  pois,  a  ordem  regular  com  a  qual  se  con- 
formam as  manifestações  de  um  poder  ou  de  uma 
força»,  se  «o  carácter  essencial  de  uma  lei  é  que 
ela  não  poderá  nunca  apresentar  excepção»,  e 
ainda  se  «a  condição  essencial  de  uma  lei  é  a  sua 
independência  do  elemento  do  tempo,  isto  é,  a 
sua  eternidade»,  não  se  compreende  como  admi- 
tir leis  do  que  só  apresenta  excepções,  do  que 
muda  a  todos  os  instantes,  isto  é,  dos  factos  dis- 
semelhantes, dos  factos  de  sucessão. 

Assim,  conservando  a  definição  de  leis  e  man- 
tendo a  definição  de  história  dadas  por  Xénopol 
conclui-se  que  as  leis.são  impossíveis  na  história. 


(i)  Ao  contrário  do  que  afirmam  Xénopol  e  Rikhert  há  nas 
acções  humanas  suficiíínte  uniformidade  para  possibilitar  a  exis- 
tência da  sciência  histórica. 

Já  David  Húme,  seguindo,  de  resto,  Hobbes  e  Spinosa,  notava 
a  uniformidade  das  acções  humanas,  independente  do  lugar  e  do 
tempo.  Para  êle,  tal  uniformidade  constitui  um  facto  universal 
bem  reconhecido,  notando  sempre  que  os  mesmos  motivos  pro- 
duzem idênticos  resultados,  e  que  os  mesmos  acontecimentos  pro- 
vêem das  mesmas  causas. 

É  esse  princípio  da  uniformidade  e  necessidade  das  acções 
humanas  que  constitui  uma  das  bases  da  sciência  histórica  posi- 
tiva. 


460 


ou  a  história  não  é  o  que  aquele  diz  que  ela  seja, 
mas  sim,  também,  uma  sciência  de  factos,  de  repe- 
tição, ainda  que  de  repetição  diferenciada. 

E  o  mais  interessante  é  que  o  historiador  Xé- 
NOPOL,  depois  de  fazer  tal  classificação,  por  um 
simples  trabalho  de  abstracção  e  de  generaliza- 
ção, isto  é,  meramente  subjectivo,  sem  a  menor 
base  real  vem-nos  dizer  que  «a  sciência  não  é  se- 
não a  reprodução  intelectual  da  natureza  no  espi- 
rito, é  o  reflexo  da  razão  das  cousas  na  razão  hu- 
mana». 

E  mais  adiante  :  «as  leis  que  regem  os  fenóme- 
nos não  são  o  produto,  mas  sim  a  natureza  in- 
tima do  universo  de  que  o  espirito  é  chegado  a 
apropriar-se  depois  de  esforços  inusitados».  E 
em  comentário  :  «E  esta  penetração  dos  segredos 
da  natureza  objectiva  pelo  espírito  que  constitue 
a  sciência». 

A  coordenar  as  antagónicas  afirmativas  de  XÉ- 
NOPOL  dir-se  hia  que  a  natureza  íntima  do  uni- 
verso e  a  natureza  objectiva^  separam  a  existência 
da  vida  em  dois  mundos  completamente  diversos : 
o  dos  factos  de  repetição  e  o  dos  factos  de  suces- 
são (i). 

Em  face  de  tal  classificação  e  de  tais  defini- 
ções, seria  caso  para  perguntar  a  que  grupo  per- 


(i)  Ver:  Xénopol,  Les  príncipes  fondamentaux  de  Vhistoire, 
1899;  do  mesmo,  Les  faits  de  repétition  et  les  faits  de  succession, 
mRevue  de  Synthèse  Historique,  1900,  pág.  121  a  i36;  do  mesmo, 
Race  et  Milieu,  Ibidem.,  pág.  254  a  264 ;  Lacombe,  La  Science  de 
Vhistoire  d'après  M.  Xénopol.,  Ibidem^  pág.  28  a  5i. 


461 


tencem  a  geologia  e  a  geografia  física.  Se  a  geo- 
física «é  o  estudo  do  presente  à  luz  do  passado» 
o  que  por  toda  a  parte  se  vê  no  relevo  da  super- 
fície terrestre  como  do  fundo  dos  mares  é  a  maior 
diversidade  dos  aspectos :  a  maior  divergência 
a  mais  completa  dissemetria  das  curvas  de  alti- 
tude e  de  profundidade,  a  infinidade  de  extratos, 
de  formas,  de  aspectos  que  apresentam  tanto  as 
zonas  hipsométricas  como  as  batimétricas  —  o 
que  tem  feito  derruir  a  velha  teoria  das  linhas  di- 
visórias das  águas,  das  ossaturas  continentais 
constituídas  pelos  grandes  sistemas  de  monta- 
nhas, etc. 

Mas,  não  é  só  o  estudo  de  conjunto  dos  grandes 
perfis  do  modelado  terrestre  que  acusam  uma 
irregularidade  e  uma  variedade  desnorteantes,  o 
mesmo  se  dá  no  que  respeita  aos  fenómenos  geo- 
lógicos, pois  —  como  escreve  Alb.  Lapparent  — 
«a  composição  das  massas  minerais  que  suportam 
a  paisagem  vegetal  do  globo  varia  de  um  para  o 
outro  ponto  e,  num  mesmo  ponto,  varia  com  a 
profundidade»  (i). 

Ora,  se  tudo  é  assim  parece  não  haver  dúvida 
que  o  modelado  da  crosta  terrestre  emersa  ou  sub- 
mersa é  a  consequência  ou  o  produto  de  causas 
estruturais  —  endogenéticas,  epigenéticas  e  tectó- 
nicas —  diferentes,  especiais,  locais,  parecendo 
que  tais   sciências  devem  entrar  no  grupo   das 


(i)  Ai.BERT  LArPARENT,  TrãUé  dc  Geologie,  5/  edição,  pág.  3. 


462 


sciências  de  fenómenos  de  sucessão  de  Xéno- 
POL  (i). 

Comtudo,  à  medida  que  se  vão  estudando 
cada  vez  melhor  as  causas  estruturais  da  forma 
da  Terra  e  analisando  mais  detidamente  os  fenó- 
menos que  se  vão  passando  dia  a  dia  nos  diver- 
sos acidentes  da  superfície,  como  as  montanhas, 
vales,  rios,  lagos,  ilhas,  vulcões,  etc,  vão-se  no- 
tando harmonias  de  formas,  semelhanças  de  cau- 
sas, identidades  de  circunstâncias,  emíim,  repeti- 
ções de  fenómenos. 

E  isso  que  se  tem  visto  no  estudo  dos  ciclos  de 
erosão,  ou  melhor,  dos  ciclos  de  actividade  gené- 
tica e  tectónica  passivas  —  a  que  Morris  Davis 
chama  ciclos  vitais  —  fazendo  evolucionar  uma 
região  de  um  relevo  muito  acentuado  até  o  seu 
nivelamento,  ou  achatamento,  final  com  a  madú- 
ridade  da  sua  bacia  hidrográfica  e  a  formação 
das  peneplanícies;  é  isso  que  se  observa  na  evo- 
lução dos  rios  até  à  fixação  do  seu  perfil  de  equi- 
líbrio, na  marcha  dos  fenómenos  glaciários,  na 


(i)  M.  XÉNOPOL,  para  exemplificar  a  aplicação  da  sua  teoria 
das  séries  históricas  ao  estudo  de  um  ponto  da  história  da  Ro- 
ménia publicou  na  Revue  de  Synthêse  Historique^  tomo  xiii,  da 
pág.  298  a  3ii,  um  artigo  sobre  Le  régne  du  prince  Alexandre 
Jean  I  (Cou^a). 

Agrupa  os  factos  que  estuda  em  treze  séries,  se  bem  que  tal 
divisão  do  assunto  e  tal  agrupamento  e  classificação  das  séries 
de  pontos  sejam  o  produto  de  um  simples  critério  subjectivo,  sem 
qualquer  base  real. 

De  resto,  tais  agrupamentos  de  factos  nada  teem  de  original, 
pois  qualquer  outro  historiador  o  faria,  com  uma  ou  outra  va- 
riante, sem  lhe  chamar  séries. 


463 


modelação  das  margens  oceânicas,  na  acção  da 
erosão  ou  degradação  eólica  e  hídrica,  e  na  de 
reconstrução,  acumulação,  sedimentação  e  estra- 
tificação, etc. 

Os  próprios  fenómenos  de  diastrofismo,  isto  é, 
os  da  formação  da  superfície  por  causas  tectóni- 
cas, estão  hoje  agrupados  pelas  suas  origens,  na- 
tureza, consequências  e  aspectos. 

São  essas  identidades,  essas  repetições  de  fenó- 
menos que  teem  permitido  o  aparecimento  das 
leis,  teorias  e  ideas  gerais  sobre  os  perfis  da  su- 
perfície da  terra,  as  formações  das  montanhas  e 
dos  lagos,  a  vida  dos  rios,  as  causas  e  localiza- 
ções dos  fenómenos  vulcânicos  e  sísmicos,  etc. 

Assim,  a  geologia,  como  a  geografia,  é  hoje 
uma  sciência  de  factos  de  repetição,  uma  sciência 
de  leis. 

Deste  modo,  a  definição  que  Xénopol  dá  da 
história  é  maximamente  falível  porque  é  exclusi- 
vamente artificial,  uma  pura. criação  do  seu  espí- 
rito. 

Como  diz  A.  Bauer,  no  seu  estudo  sociológico 
sobre  as  evoluções,  e  o  repete  o  sociologista  Jan- 
KELEviTCH,  olhaudo  mais  profunda  e  intimamente 
as  cousas,  o  que  não  é  susceptível  de  se  reprodu- 
zir e  o  que  não  se  pode  repetir  em  história  são  os 
acontecimentos  propriamente  ditos,  isto  é,  o  as- 
pecto, o  lado  objectivo,  exterior,  material,  da  histó- 
ria. Mas,  quanto  às  causas  íntimas,  aos  agentes 
internos,  aos  motores  espirituais,  às  ideas-fôrças: 
essas  repetem-se,  reproduzem-se,  refazem-se. 


464 


Assim,  por  exemplo,  o  sociólogo  inglês  Stuart- 
-Glennie  no  terceiro  dos  seus  Sociological  Studies, 
publicados  no  volume  segundo  dos  Sociological 
Papers,  published  for  the  Sociological  Societhy,  de 
Londres,  indica  a  rítmica  a  que  estão  sujeitas  as 
grandes  revoluções  morais  que,  de  5  00  em  5oo 
anos,  se  vão  produzindo  a  seguir  aos  conflitos 
entre  o  Oriente  e  o  Ocidente  —  acontecimentos 
esses  que  teem  exercido  uma  enorme  influência 
nos  progressos  da  civilização,  tais  como  a  época 
de  Giro-o-Grande;  o  conflito  entre  o  império  ro- 
mano e  a  Judea;  a  luta  entre  o  islamismo  e  a 
Europa  cristã;  o  estabelecimento  dos  turcos  na 
Europa^,  e,  por  último,  a  guerra  russo-japonesa. 

Apesar  de  tudo  isso  ser  muito  discutível  não 
deixa  ser  engenhosa  e  pacientemente  estudada 
essa  manifestação  de  rítmica  histórica  por  parte 
de  Stuart-Glennie, 

j  E  que  dizer  das  concepções,  das  teorias,  das 
ideas  gerais  pelas  quais  a  filosofia  procura  inves- 
tigar, interpretar  e  explicar  os  problemas  da  ori- 
gem e  do  fim  do  universo,  da  vida,  do  homem! 

jNão  tem  apresentado  todo  esse  mundo  de 
ideas  ás  suas  oscilações,  as  suas  manifestações 
periódicas,  as  suas  variantes  temporárias,  os  seus 
ritmos  ? 

Assim,  basta  notar,  pelo  que  se  refere  aos  fe- 
nómenos de  carácter  biológico,  as  oscilações  por 
que  teem  passado  desde  Aristóteles  e  Lucrécio^ 
até  hoje,  a  explicação  dos  fenómenos  da  vida, 
oscilando  entre  a  causalidade  mecânica  e  o  vita- 


465    • 

lismo  teleológico,  se  bem  que  as  reaparições,  os 
renovamentos  periódicos  de  tais  interpretações 
apresentem  variantes  tanto  no  espírito  scientífico 
como  nos  fundamentos  positivos,  e  sempre  em 
harmonia  com  as  ideas  e  os  conhecimentos  da 
época  e  do  meio  em  que  e  onde  despertam. 

É  assim  que  a  causalidade  mecânica  dos  fenó- 
menos biológicos  não  é  exposta  e  defendida  pela 
mesma  forma  por  Lucrécio,  Bacon,  Descartes  e 
Spinosa  —  para  salientar  os  filósofos, — nem  por 
Harvey,  Borelli,  Leuwenhoek,  Sv^ammesdan  ou 
Malpighi  —  para  falar  dos  naturalistas.  Outro 
tanto  se  poderia  dizer  das  interpretações  vitalis- 
tàs  de  Stahl  e  Wolf,  de  Blumembach  e  Barthez. 

Mas,  não  há  dúvida  que  se  entre  esses  meca- 
nistas,  como  nos  mais  modernos  Magendie,  Flou- 
rens  e  Claude  Bernard,  há  variantes  de  detalhe, 
há,  mesmo,  pontos  novos  de  orientação  filosófica, 
e  um  cada  vez  mais  rico  material  scientífico,  não 
há  dúvida  —  iamos  dizendo  —  que  no  fundo,  no 
íntimo,  as  concepções  são  as  mesmas,  as  ideas 
gerais  são  idênticas. 

(j  Os  corsi  e  os  recorsi  de  Vico  não  explicarão 
tais  ritmos? 

Temos  visto  CDmo  são  divergentes,  por  vezes 
opostos,  e  até  contraditórios,  os  conceitos  que  se 
teem  apresentado  acerca  da  história  e  as  defini- 
ções que  teem  sido  emitidas  sobre  esta  sciência. 

Ao  passo  que  para  alguns  a  história  não  só 
não  constitui,  nem  nunca  constituirá,  uma  sciên- 
cia, tornando-se  até,  por  vezes,  um  motivo  de 
3o 


466 


blague  literária  —  como  já  vimos  com  J.  J.  Rous- 
seau,—  para  outros,  pelo  contrário,  ela  é  muito, 
é  quási  tudo,  ela  forma  a  base  essencial  da  siste- 
matização dos  conhecimentos. 

Efectivamente,  quando,  em  1907,  Hinneberg 
publicou  a  Systematische  philosophie^  colocou  a 
abrir  o  estudo  de  W.  Dilthey  sobre  Considera- 
ções gerais^  que  recorre  à  história  para  provar  a 
unidade  da  filosofia,  pois  sendo  esta  uma  função 
viva  do  homem  e  da  sociedade  forçoso  é  recor- 
rer à  história  para  reconhecer  através  da  multi- 
plicidade e  da  variedade  das  concepções  a  série 
e  o  encadeamento  históricos. 

E  é  assim  que  se  chega  a  concluir  a  decadência 
da  metafísica  e  o  progresso  da  função  filosó- 
fica com  a  sua  tripla  obra  de  sistematização  — 
que  consiste  em  estabelecer,  fundamentar  e  unifi- 
car as  sciências  particulares ;  corresponder  às  ne- 
cessidades da  humanidade  de  encontrar  um  ponto 
fixo,  um  estalão,  no  sentido  da  vida;  e  procurar 
a  razão  de  ser  desta. 

3.°  —  A  metodologia  genética  da  história 
a)  Â  metodologia  genética  e  a  metodologia  pedagógica 

Assinalado  o  lugar  da  história  no  quadro  geral 
dos  conhecimentos  humanos  e  definida  ela  como 
a  sciência  que  estuda  «o  conjunto  das  manifesta- 
ções da  actividade  e  do  pensamento  humanos, 
consideradas  na  sua  sucessão,  no  seu  desenvol- 
vimento e  nas  suas  relações  de  conexidade  ou  de 


467 


dependência»,  vamos  ver  agora  qual  o  método 
que  essa  sciência  tem  usado  predominantemente 
na  sua  constituição  e  nas  suas  aquisições. 

Acerca  de  cada  sciência  há  a  considerar  duas 
espécies  de  metodologias :  a  metodologia  genética 
e  a  metodologia  pedagógica. 

Ao  passo  que  esta  última  estuda  e  ensaia  os 
métodos  e  processos  a  utilizar  na  transmissão,  no 
ensino,  na  divulgação  de  cada  sciência,  a  meto- 
dologia genética  de  uma  especialidade  scientífica 
estuda  e  indica  os  métodos  e  processos  a  utilizar 
na  sua  génese,  na  sua  constituição,  nos  seus  pro- 
gressos. 

Se  no  ensino  ou  divulgação  de  uma  sciência 
não  houvesse  que  ter  em  conta  a  noção  do  tempo 
e  outros  factores,  a  metódica  genética,  a  metó- 
dica pedagógica  e  a  evolução  histórica  coincidi- 
rião,  e  a  sciência  seria  ensinada  pela  ordem  por 
que  se  veiu  organizando  e  desenvolvendo,  e  uti- 
lizados os  métodos  e  processos  da  sua  constitui- 
ção. 

É  esse,  em  grande  parte,  o  método  da  redesco- 
berta e  do  ensino  activo,  especialmente  preconi- 
zado e  seguido  na  instrução  superior,  pois  tal 
lorma  de  ensino-  demanda  da  parte  de  quem  o 
ministra  invulgares  aptidões  de  criação  scientí- 
fica e  da  parte  de  quem  o  tenha  que  receber  uma 
cultura  geral  e  uma  boa  ginástica  do  espírito, 
além  de  que  uma  tal  forma  de  estudo  só  pode  ser 
viável  em  cursos  muito  especializados,  demorados 
e  de  um  pequeno  número  de  estudantes. 


468 


E,  exposta  a  diferença  entre  as  duas  metodolo- 
gias, vejamos  como  se  ctiega  ao  método  das  sciên- 
cias  de  espirito. 

Sabe-se  que  o  método  das  sciências  matemá- 
ticas é  —  mas  não  exclusivamente  —  um  método 
de  dedução  formal,  indo  do  geral  para  o  parti- 
cular^  ou  melhor,  indo  de  uma  proposição  para 
outra  de  extensão  semelhante,  e  de  uma  razão 
para  a  sua  natural  consequência.  E  dizemos : 
não  exclusivamente,  porque  como  quere  H.  Poin- 
CARÉ  —  entre  outros  matemáticos —no  decurso 
da  dedução  figuram  definições  e  raciocínios  por 
recorrência,  ou  induções,  sendo  principalmente 
a  esses  elementos  não-dedutivos  que  as  matemá- 
ticas devem  os  seus  enormes  avanços  (i). 

b)  O  princípio  evolucionista  nas  sciências  naturais 

Se  bem  que  Lyell  —  como  diz  Lapparent  — 
reagindo  contra  os  exageros  da  doutrina  dos  ca- 
taclismos de  CuviER  apresente,  no  seu  livro  Prin- 
cípios de  Biologia,  as  teorias  das  causas  actuais  e 
da  evolução  lenta,  mas  contínua,  da  face  da 
Terra  (2),  é,  principalmente,  com  Darwin  que  a 
teoria  da  evolução  se  torna  mais  concreta,  e 
cresce  de  importância  e  de  aplicação. 

Efectivamente  —  como  afirmam  Yves  Delage  e 
GoLDSMiTH  —  foi  só  uo  fim  do  século  xviii  e  prin- 


(i)  Ver  Maximilien  Winter,  Note  sur  Vintuiiion  en  Mathéma- 
tiques,  in  Revue  de  Métaphysique  et  de  Morale,  1908,  pág.  921 
a  925. 

(2)  Lapparent,  Traité  de  Geologie,  1906,  tomo  i,  pág.  11  e  12. 


4^9 


cípios  do  XIX  que  a  idea  evolucionista  começou 
a  dominar  nas  sciências  naturais (i). 

É  certo  que  já  no  século  xvii  a  invenção  do 
microscópio  e  a  descoberta  da  circulação  fizeram 
entrar  tais  sciências  numa  fase  de  acentuado  pro- 
gresso^ mas  é  só  no  século  seguinte  que  o  estudo 
da  embriologia  e  de  outros  capítulos  especiais  da 
sciência,  e  o  grande  número  de  descrições  e  es- 
tudos de  detalhe  proporcionaram  uma  enorme 
acumulação  de  material  que  só  esperava  quem  o 
organizasse,  sistematizasse  e  soubesse  tirar  dele 
os  ensinamentos  convenientes  (2).  Coube  parte 
dessa  missão  primeiro  a  Lineu  e  depois  a  Cuvier(3). 

A  Lineu  devem  as  sciências  biológicas  uma 
classificação  metódica,  fácil  e  cómoda,  se  bem 
que  artificial;  mas  os  seus  efeitos  criacionistas  — 
segundo  os  quais  atribula  ao  Ser  infinito  a  cria- 
ção de  tantas  formas  distintas  quantas  espécies 


(i)  Ver:  Delage  e  Goldsmith,  Les  Théories  de  révolution, 
pág.  9. 

(2)  Haeffer,  Histoire  de  la  Zoologia. 

(3)  Garl  Stumpf  nos  seus  Philosophische  Reden  und  Vortrãge, 
aparecidos  em  1910,  nota  que,  sob  o  ponto  de  vista  histórico,  a 
teoria  da  evolução  penetrou  no  pensamento  humano  pelas  sciên- 
cias do  espírito  —  como  a  linguística,  a  história  do  direito  —  e 
não  pelas  sciências  da  natureza,  e  isso  desde  a  antiguidade. 

Gomtudo,  foi  só  depois  da  aplicação  das  ideas  transformistas 
às  sciências  cosmológicas  e  biológicas  que  a  filosofia  e  a  moral 
notaram  a  importância  do  evolucionismo  e  utilizaram  este.  Se 
na  moral  o  evolucionismo  abriu  novas  e  importantes  vistas  foi, 
especialmente,  na  psicologia  que  a  teoria  da  evolução  exerceu 
grande  influência,  e  ainda  no  que  se  refere  às  relações  do  indiví- 
duo com  o  meio,  às  condições  de  adaptação  ao  meio,  percepção 
dos  sentidos,  movimentos  voluntários,  etc. 


47Q 

diferentes,  —  ocupavam  bastante  o  eminente  lu- 
gar que  êle  podia  ter  na  história  das  sciências 
naturais. 

Mas,  é  justo  recordar  que  para  êle  o  homem 
longe  de  ter  um  lugar  à  parte  na  classificação 
zoológica  aparece  entre  os  animais  antropomor- 
fos  —  o  que  faz  dele  um  precursor  do  transfor- 
mismo. 

Com  CuviER  as  concepções  transformistas  so- 
frem fundos  golpes,  mercê  das  suas  teorias  da  fixa- 
ção das  espécies  e  do  desaparecimento  violento 
e  rápido  de  várias  formas,  e  aparecimento  de 
outras  devido  às  revoluções  do  globo,  isto  é,  às 
catástrofes  geológicas. 

Porém,  estava  reservado  a  um  pensador  ge- 
nial e  a  um  poeta  na  mais  elevada  acepção  da 
palavra  —  a  Goethe  —  a  iniciação  das  noções 
transformistas.  Foi  êle,  efectivamente,  quem,  na 
sua  obra  Metamorfoses  das  plantas,  aparecida  em 
1790,  diz  que  no  estudo  e  comparação  dos  ór- 
gãos deve  salientar-se  o  que  lhes  é  comum  e  a 
sua  forma  original^  e  considerar  todas  as  formas 
estudadas  como  produtos  de  tais  modificações  ou 
metamorfoses. 

Por  essa  forma  explica  que  em  botânica  todos 
os  órgãos  de  uma  planta  resultam  da  metamor- 
fose de  um  só :  a  folha,  como  em  zoologia  o  crâ- 
neo  é  uma  continuação  e  transformação  da  co- 
luna vertebral  (i). 


(i)  Ao  mesmo  tempo  Oken  apresentava  também  a  sua  teoria 
vertebral  do  crâneo. 


471 


Foi,  porém,  Lamarck  o  primeiro  que  tornou 
precisa  a  concepção  transformista  na  sua  Philo- 
sophie  Zoologiqiie,  publicada  em  i8og(i).  Aí 
trata  êle  da  mutação  das  espécies  sob  a  influên- 
cia do  meio,  do  género  de  vida,  do  clima,  da  tem- 
peratura, da  atmosfera,  e  do  meio  vivo  formado 
pelas  espécies  vizinhas  (2). 

Também,  em  zoologia  não  foram  os  órgãos 
que  condicionaram  os  hábitos  e  faculdades  par- 
ticulares de  cada  animal,  antes,  pelo  contrário, 
foram  os  seus  hábitos  a  sua  maneira  de  viver  e 
as  circunstâncias  em  que  se  encontraram  os  indi- 
víduos de  que  êle  provem  que,  com  o  tempo,  pro- 
duziram a  forma  do  seu  corpo,  o  número  e  o 
estado  dos  seus  órgãos,  etc. 

Igualmente,  as  espécies  derivam  umas  das  ou- 
tras pela  transmissão  hereditária  com  as  variações 
impostas  pelas  condições  naturais.  E  o  homem, 
longe  de  constituir  um  ser  á  parte,  é  o  simples  re- 
sultado da  transformação  dos  quadrumanos,  não 
tendo  as  suas  faculdades  mentais  nenhuma  ori- 
gem superior  e  sobrenatural,  pois  entre  o  homem 
e  o  animal  não  há  uma  diferença  de  qualitativo, 
mas  só  de  quantitativo. 


(1)  DeI.AGE  e  GOLDSMITH,  ob.  cit.,  pág.  14. 

(2)  Acerca  de  Lamarck,  ver  a  importante  obra  de  Marcel 
Landrieu  —  Lamarcky  le  fondateur  dii  transformisme,  sa  vie,  son 
ceuvre,  1909,  cxni-480  pág.  É  um  trabalho  notável,  constituindo 
mais  que  a  simples  biografia  do  famoso  naturalista,  porque  é 
uma  verdadeira  história  natural  do  seu  espírito,  pois  acompanha 
passo  a  passo  a  sua  mocidade,  a  sua  educação,  os  seus  estudos, 
o  aparecimento  das  suas  ideas  e  concepções,  e  dos  seus  trabalhos. 


472 


Estavam,  pois,  estabelecidos  os  grandes  prin- 
cípios da  causalidade  e  da  evolução  que  dai  por 
diante  iam  ser  cada  vez  melhor  constatados  e 
comprovados.  E  certo  que  o  famoso  duelo  scien- 
tifico  entre  Estevão  Geoffroy  Saint-Hilaire  e 
CuviER  na  Academia  das  Sciências  de  Paris,  em 
i83o,  deu  um  aparente  e  transitório  sucesso  a 
esta  ;  mas  o  concurso  dos  geólogos,  especialmente 
de  Lyell,  as  descobertas  da  paleontologia,  da 
pre-história,  etc,  vieram  mostrar  cada  vez  me- 
lhor que  a  razão  estava  do  lado  dos  transfor- 
mistas. 

c)  o  princípio  da  evolução  em  história 

Em  história  tem  sido  cada  vez  mais  preponde- 
rante o  critério  evolucionista  das  sciências  natu- 
rais. 

Mas,  como  diz  Lacombe,  não  se  imagine  que 
os  naturalistas  criaram  tal  teoria  pensando  na 
história  (i),  nem  que  essa  evolução  é  «une  force 
intérieur  qui  pousse  la  nature  à  se  transformer 
indéíiniment»  —  como  sustenta  Xénopol  ;  e  ainda 
«que  c'est  précisement  la  force  de  Tévolution  qui 
le  [un  individu  mieux  donné]  dote  le  mieux  pour 
faire  avancer  les  formes  de  la  vie  dans  la  voie  du 
progrès»  (2). 

Nada  disso.     Substituir  os  milagres  dos  pro- 


(i)  Lacombe,  Milieu  et  race,  in  Reviie  de  Synthèse  Historique^ 
190Í,  pág.  35. 

(2)  Xénopol,  Race  et  milieu.  in  Revue  de  Synthèse  Historique, 
1900,  pág.  254  a  264. 


473 


videncialistas  ou  as  virtudes  dos  metafísicos  pelas 
entidades  e  forças  interiores  de  Xénopol  é  reinci- 
dir no  mesmo  erro,  é  insistir  numa  tautologia^  di- 
zendo que  a  evolução  é  a  consequência  da  força 
evolucionista. 

Xénopol  é  um  partidário,  e  muito  exclusivista, 
da  história  pragmática  e  diplomática,  muito  mais 
que  Ranke  ou  Mommsen.  Por  isso,  êle  vê  na  au- 
toridade pública,  no  governo,  no  Estado,  a  prin- 
cipal condição  do  progresso  humano,  e  «dans  le 
dévelopement  sociale  et  politique,  que  constitue 
la  vie  de  TEtat,  Télément  principal  de  Thistoire»  (i ). 

O  ilustre  historiador  romeno  levando  ao  má- 
ximo o  gosto  das  analogias  e  a  miragem  das  for- 
ças ocultas  chega  a  escrever  :  «Dans  chaque  règne 
1'évolution  emploie  un  certain  nombre  de  forces 
secondaires  par  ie  jeu  desquelles  elle  se  réalise. 
Dans  le  règne  de  Tinorganique,  ce  sont  les  forces 
mêmes  qui  soutiennent  Texistence:  les  forces  mé- 


(i)  o  recern-falecido  historiador  romeno  Xénopol,  muito  ilus- 
tre, bem  conhecido,  e  algo  discutido  entre  os  historiadores  pro- 
fissionais e  os  teóricos  da  história,  apresenta  por  vezes  teorias 
muito  abstratas,  e  admite  a  existência  de  entidades  metafísicas 
que  o  espirito  objectivo  e  de  positividade  da  sciência  contempo- 
rânea repele  inteiramente. 

Assim,  são  cada  vez  mais  inadmissíveis  o  seu  conceito  de  raça 
e,  ainda  mais,  do  espirito  e  do  génio  da  raça,  e  as  suas  hipóteses 
acerca  do  meio,  segundo  as  quais  o  meio  físico  condiciona  o  de- 
senvolvimento dos  povos,  e  o  meio  intelectual  influe  sobre  esse 
desenvolvimento,  sendo  um  dos  principais  agentes,  e,  ainda,  que  o 
espírito  e  o  génio  da  raça  de  um  povo  dão  origem  ao  meio  moral. 

Ora  todas  essas  concepções  inatas  recalcam,  por  vezes,  Xé- 
nopol para  o  grupo  dos  metafísicos  das  teorias  históricas. 


474 


caniques,  physiqnes  et  chimiques . . .  dans  le  règne 
de  la  vie  matérielle  ces  sont :  le  milieu  intérieur, 
rinstinct  de  conservation,  la  lutte  pour  Texistence, 
la  sélection,  la  ségregation,  rémigration,  le  croi- 
sement»  (i). 

Quanto  à  família  humana,  escreve:  «Dans  le 
règne  de  1'esprit  les  forces  sont :  i ."  Le  milieu  in- 
tellectuelle ;  2.°  Tinstinct  de  conservation  avec  ses 
conséquences  ;  a)  la  tendance  à  Fexpansion ;  b)  la 
lutte  pour  1'existence ;  c)  la  réaction  contre  Tac- 
tion;  3.°  la  tendance  à  1'imitation  ;  4.°  la  force 
spéciale  de  Tindividualité ;  5.°  le  hasard». 

Como  se  vê,  há  aqui  forças  a  mais.  E,  como 
ainda  isso  não  fosse  suficiente  para  dar  à  citada 
obra  de  Xénopol  um  aspecto  nebuloso,  muito 
mais  próprio  do  trabalho  de  um  filósofo,  e  espe- 
cialmente de  um  metafísico,  que  de  um  historia- 
dor, ainda  êle  admite  com  um  carácter  teleológico 
—  que  nos  desconcerta  —toda  uma  série  confusa 
as  leis  históricas :  abstractas  e  concretas,  leis  de 
coexistência  e  leis  de  sucessão. 

Diz  Grotenfelt  na  sua  Classificação  de  valores 
em  história,  que  «não  é  possível  tratar  da  história 
da  humanidade  sem  fazer  intervir  os  conceitos  de 
evolução  e  de  progresso». 

Também,  por  vezes,  se  dá  à  evolução  uma  côr 
de  apreciação,  de  estimativa.  Ora,  o  verdadeiro 
sentido  scientífico  da  evolução  consiste  na  mu- 
dança continuada  numa  direcção  determinada. 


(i)  A. -D.  XÉNOPOL,  Les  príncipes  fondamentaux  de  1'histoire, 
pág.  285,  etc. 


475 


MoRiTZ  Hartmman,  como  já  antes  Mach — diz 
Jankelevitch — entende  que  «a  lei  da  economia 
do  pensamento  humano  exige  que  apliquemos  ao 
estudo  dos  fenómenos  sociais  e  históricos  os  mes- 
mos processos  e  métodos  que  estão  em  uso  no 
estudo  dos  fenómenos  naturais»  (i). 

Porêm^  ao  passo  que  nas  sciências  naturais  a 
teleologia  e  os  conceitos  metafísicos  foram  com- 
pletamente postos  de  parte,  em  sociologia  e  nas 
sciências  sociais  tal  não  se  dá  ainda  quer  pela 
complexidade  delas  quer  pelo  estado  nascente  em 
que  se  encontram. 

Comtudo,  é  de  notar  que  já  no  estudo  da  vida 
pre-histórica  e  dos  fenómenos  etnográficos  tem- se 
posto  de  parte  os  pontos  de  vista  finalista^e  psi- 
cológico para  só  se  atender  à  explicação  causal. 

Os  pensadores  e  homens  de  sciência  estão 
dando  crescente  importância  ao  papel  do  acaso 
em  sociologia,  e,  especialmente,  no  estudo  dos 
povos  primitivos,  e  pondo  de  parte  a  teleologia. 

Assim,  os  dois  grandes  móveis  que  condicio- 
nam a  evolução  do  mundo  biológico,  —  como  a 
concorrência  vital  e  a  adaptação  das  espécies, — 
significam  os  factos  de  observaçãojmediata  de 
determinados  indivíduos  serem  mais  capazes  que 


(i)  Carl  Stumpf,  na  sua  obra  PhUosophische  Reden  itnd  Vor- 
tràge,  ao  tratar  de  A  idea  da  evolução  na  filosofia  contemporânea, 
salienta  —  como  já  dissemos  —  os  progressos  que  a  noção  de 
evolução  tem  proporcionado  à  psicologia,  e  diz  que,  sob  o  ponto 
de  vista  histórico,  tal  teoria  penetrou  na  corrente  do  pensamento 
contemporâneo  não  pelas  sciências  da  natureza  mas  sim  veiculada 
pelas  sciências  do  espírito,  tais  a  linguística  e  a  história. 


476 


outros  de  resistirem  a  influências  nocivas  do  meio 
e  de  solicitarem  desse  meio  determinados  ele- 
mentos, e  não  demonstram,  por  forma  alguma 
—  como  entendem  os  teleologistas  —  o  desejo  de 
atingir  quaisquer  determinados  fins  úteis  ao  indi- 
víduo ou  à  espécie. 

Assim,  postas  de  parte,  cada  vez  mais,  as  hi- 
póteses de  finalidade,  e  admitido,  com  Mach,  Bu- 
CHER  e  von  der  Steinen,  a  acção  ou,  pelo  menos, 
a  explicação  do  acaso,  chega-se  à  concepção  do 
mecanicismo  da  vida  social  e  daí  da  vida  polí- 
tica, e  portanto  da  existência  histórica  da  huma- 
nidade. 

Se  as  questões  das  raças  são  simples  fenóme- 
nos de  adaptação  e  da  influência  do  meio,  fora 
de  toda  a  influência  superior^  mística  e  mítica, 
conclui-se  que  a  organização  e  evolução  dos 
agrupamentos  humanos  com  a  sua  trajectória 
hesitante  e  contingente  através  do  tempo  são  fun- 
ções do  acaso,  do  acaso  que  os  pôs  em  presença 
de  condições  favoráveis  ou  não  à  sua  persistên- 
cia e  ao  seu  desenvolvimento. 

É  ainda  a  adaptação  e  a  concorrência  vital 
que  explicam  a  divisão  do  trabalho  e  a  luta  de 
classes,  e  são  elas  que  determinam  a  forma  ou  a 
evolução  histórica  pela  concorrência  dos  dois 
princípios:  o  de  natureza  estática  e  o  de  carácter 
dinâmico,  tornados  depois,  segundo  a  fórmula  da 
vida  política  das  sociedades  civiUzadas,  em  ordem 
e  progresso. 


477 

d)  O  método  das  sciêncías  naturais  e  o  método 
das  sciêncías  históricas 

Se  bastantes  historiadores,  já  a  partir  dos  fins 
do  século  XVIII  e  através  do  século  xix,  teem  pre- 
tendido aplicar  à  história  os  métodos  das  scicn- 
cias,  e  estudar  as  sociedades  humanas  com  o 
mesmo  espirito  com  que  se  investigam  e  conside- 
ram os  aglomerados  da  flora  e  da  fauna,  outros 
há  que  negam  tal  ponto  de  vista  e  que  repelem 
tal  misoneismo  de  métodos  de  estudo  (i). 

E,  porêm^  de  notar  que  não  faltam  ainda  hoje 
teóricos  da  história  que  aproximam  as  sciências 
biológicas  das  históricas  (2). 


(1)  Entre  os  que  repelem  tal  misoneismo  encontra-se  o  dr. 
Jankelevitch  que  num  Esscii  de  critique  sociologiqiie  du  darwi- 
nisme,  publicado  na  Revue  Philosophique,  dê  Maio  de  19 12,  atri- 
bue  ao  darwinismo  a  emiscuição  de  princípios  e  leis  da  biologia 
nas  sciências  sociais  e,  como  reflexo,  da  influência  de  critério 
dela  no  estudo  e  elaboração  das  sciências  sociológicas. 

Entretanto,  o  autor  reconhece  um  terreno  comum  à  biologia  e 
sociologia :  o  da  biologia  social,  ou  sciência  da  população. 

(2)  Bernheim,  em  várias  passagens  do  seu  Manual  de  metodo- 
logia histórica,  identifica  a  história  com  as  sciências  naturais,  di- 
zendo que  quando  se  trata  de  conhecer  o  desenvolvimento  dos 
seres  vivos,  mesmo  no  campo  da  natureza,  aparece  o  conheci- 
mento do  individual  que  é  o  facto  característico  do  conhecimento 
histórico. 

Mais  adiante,  escreve  que  para  se  considerar  a  teoria  darwi- 
nista  da  descendência  como  uma  vitória  da  sciência  não  se  pode 
negar  o  mesmo  carácter  scientífico  à  história  que  pela  mesma 
forma  procede. 

Assim,  a  história  é  tão  sciência  como  a  biologia  «que  tem  por 
objecto  a  explicação  causal  dos  fenómenos  do  desenvolvimento 
orgânico». 

RiCKERT  entende,  também,  que  o  método  das  sciências  natu- 
rais e  o  da  história  se  interpenetram  e  correspondem,  pois  a  bio- 


478 

Mas^  a  maioria,  talvez,  segue  um  critério 
oposto. 

Entre  os  que  mais  tenazmente  teem  negado  a 
aplicação  profícua  dos  métodos  naturalistas  às 
sciências  históricas  encontram-se  Xénopol  e  Hein- 

RICH  RlCKERT  (l). 

Já  por  várias  vezes  temos  tratado  neste  capí- 
tulo do  ilustre  romeno,  ocupemo-nos,  por  agora, 
do  segundo :  de  H.  Rickert  (2). 

logia  filogenética  não  é  mais  que  uma  exposição  histórica  dos 
fenómenos  corporais.  Ver  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  xi, 
pág.  146. 

Efectivamente,  entre  a  história  orgânica  ou  natural  e  a  história 
humana  há  manifestos  princípios  de  identidade,  pois  os  princí- 
pios do  individual  e  do  não-repetitório  caracterizam  toda  a  evo- 
lução, seja  ela  cósmica,  biológica,  humana  ou  social. 

Assim,  tais  sciências  da  natureza  são  ao  mesmo  tempo  sciên- 
cias de  sucessão  no  tempo  e  de  repetição  no  espaço. 

(i)  Ver:  L'idée  d'iine  philosophie  sociale  comme  synthèse  des 
Sciences  historiqiies  et  sociales,  artigo  de  W.-K.  Kozlowski  in  Re- 
vue de  Synthèse  Historique,  Outubro  de  1908,  pág.  i33. 

(i)  Também  o  professor  Fougeres,  da  Faculdade  de  Letras  da 
Universidade  de  Paris,  num  discurso  pronunciado  naquela  escola, 
perguntava  em  1904  se  a  história  pode  exigir  o  título  de  sciência 
«apropriando-se  indevidamente  dos  processos  ou  teorias  de  certas 
sciências  da  natureza».     E  respondia  que  não. 

Explicava  êle :  «As  modalidades  práticas  da  investigação,  as 
aplicações  do  método  são  determinadas  pelo  carácter  especial  do 
objecto  estudado  ;  elas  não  podem  ser  adaptadas  tais  quais  ao 
estudo  de  um  objecto  diferente.  O  historiador,  o  sociólogo  que 
se  vangloriam  de  aplicar  às  suas  investigações  o  método  e  a  ter- 
minologia do  naturalista  cedem  a  uma  ilusão  pseudo-scientífica  e 
entonam-se  com  aparências  verbais». 

A  seguir,  aconselha  aos  historiadores  que,  em  vez  de  se  inspi- 
rarem nos  processos  respeitantes  às  outras  sciências,  utilizem  so- 
mente os  da  própria  sciência:  a  história. 

Já,  anteriormente,  num  discurso  pronunciado  também  na  Sor- 
bonne,  G.  Lanson  havia  manifestado  as  mesmas  ideas. 


479 


Efectivamente,  Rickert  num  estudo  seu  sobre 
Os  quatro  modos  de  « O  Universal  em  História » , 
argumenta  largamente  contra  a  utilização  nas 
sciências  históricas  dos  processos  usados  pelos 
químicos  e  pelos  zoologistas,  primeiro  porque 
«os  grandes  historiadores  de  todos  os  tempos 
empregaram  um  método  completamente  diferente 
do  das  sciências  naturais»,  segundo,  porque  «as 
sciências  da  natureza  e  a  história  diferem  de  tal 
modo  entre  si  pela  sua  mais  intima  essência  que 
elas  não  podem  de  nenhuma  forma  usar  do  mesmo 
método».  Acrescenta  que  «o  historiador  vê  as 
cousas  sob  outro  ponto  de  vista  que  o  cultor  das 
sciências  naturais,  e  que  é  precisamente  nessa 
distinção  do  ponto  de  vista  que  reside  a  signi- 
ficação da  sua  obra». 

A  seguir,  aduz  ainda  «que  a  história  não  é  uma 
sciência  especial  que  se  distinga  das  outras  sciên- 
cias apenas  pelo  seu  objecto»,  mas  que  ela  é  «um 
modo  da  concepção  do  mundo  —  como  lhe  chama 
Xénopol».  E  conclui  o  seu  raciocínio  escrevendo : 
«A  história  seria  pois  destruída  na  sua  essência 
e  na  sua  significação  pelo  emprego  do  método 
das  sciências  naturais». 

E,  mais  adiante,  acrescenta  que  entre  a  história 
e  as  outras  sciências,  e  em  particular  as  sciên- 
cias naturais,  existe  «um  contraste  fundamen- 
tal» (i). 

Ora,  se  Rickert  tem  razão  quando  distingue  a 


(i)  In  Reviie  de  Synthèse  Historique,  tomo  ii,  pág.  122. 


48o 


história  dos  outros  agrupamentos  scientíficos, 
nenhuma  justificação  de  peso  pode  apresentar 
quando  afirma  que  entre'  uma  e  outras  existe  o 
tal  «contraste  fundamental». 

A  afirmativa  do  historiador  alemão  basea-se 
numa  falsa  concepção  que  êle  —  como  Xénopol 
—  tem  da  história. 

Assim,  sustenta  Rickert  que  as  outras  sciên- 
cias  são  sciências  do  universal,  que  «a  expressão 
do  Universal  é  o  fim  constante  das  sciências  na- 
turais», ao  passo  que  o  particular,  o  individual, 
é  a  característica  da  história,  como  esta  tem  sido 
escrita  até  agora  —  acrescenta  cautelosamente  (i). 

Por  esta  forma  chega  êle  a  definir  —  como  já  sa- 
bemos —  a  história :  «A  sciência  do  individual,  do 
que  se  produ^  uma  ve^,  em  oposição  às  sciências 
naturais  que  teem  por  objecto  o  universal,  o  que 
reaparece  sempre  com  os  mesmos  caracteres»  (2). 

Mas  Rickert  não  fica  por  ali^  e  vai  de  raciocí- 
nio em  raciocínio  até  negar  à  história  carácter 
scientífico,  pois  lá  escreve  êle:  «se  nos  afastarmos 
do  Universal  a  sciência  torna-se  impossível»,  e 
adita :  «toda  a  sciência  tem  necessidade  do  Uni- 
versal» (3). 


(i)  Rickert  já  em  outra  obra  —  a  que  aludimos  neste  capítulo 
—  acerca  de  Os  limites  da  formação  dos  conceitos  à  maneira  das 
sciências  naturais,  introdução  lógica  às  sciências  históricas,  apare- 
cida em  Fribourg-en-Brisgau,  em  1896,  estabelecia  a  diferença  en- 
tre a  história  e  as  sciências  naturais. 

(2)  In  Reviie  de  Synthèse  Historíqiie,  tomo  11,  pág.  i-iò. 

(3)  Rickert,  mais  tarde,  na  Filosofia  da  História,  aparecida 


48 1 


Mas,  reparando  a  que  consequências  o  podia 
levar  a  extensão  do  seu  raciocínio,  esclarece  que 
w o  facto  de  toda  a  sciência  ter  necessidade  do 
Universal  não  prova  que  toda  a  sciência  tenha 
igualmente  por  objecto  construir  um  sistema  de 
conceitos  universais,  como  o  fazem  as  sciências 
naturais  e  a  psicologia».  E  acrescenta:  «A  ex- 
pressão Universal  é,  certamente,  muito  equivoca». 

Comtudo,  longe  de  desfazer  o  equívoco  au- 
menta-o  sempre,  constantemente,  através  do  seu 
estudo  e  não  deixa  de  dizer  mais  adiante  que  o 
Universal  é  indispensável  a  toda  a  sciência.  Mas, 
fiquemos  socegados  que  à  história  não  falta  o 
tal  Universal,  antes  pelo  contrário. 

RiCKERT  propóe-se  mostrar  no  seu  artigo  «que 
não  há  menos  de  quatro  modos  diferentes  do  Uni- 
versal em  toda  a  exposição  histórica». 

Efectivamente,  constatando  que  os  juízos  em 
história,  como  nas  outras  sciências,  são  sempre 
universais  vê  aí  o  primeiro  modo  do  Universal, 
pois  a  história  como  a  poesia  exprimem  o  indivi- 
dual por  meio  de  sinais  gerais.     Mas  logo  acres- 


em  Heidelberg,  em  igoS,  insiste  que  a  identificação  que  se  faz  da 
história  com  as  outras  sciências  de  leis  resulta  de  um  equívoco. 
Assim,  tem-se  entendido  que,  necessitando  a  história  explicar 
a  sucessão  dos  factos  pelo  recurso  à  lei  da  causalidade  —  que  é 
uma  forma  lógica  —  faz-se  entrar  esse  organismo  na  categoria 
das  disciplinas  que  assentam  em  ideas  gerais  ou  leis,  porque  se 
confunde  a  idea  de  causalidade  com  a  de  lei.  Se  é  certo  que  a 
relação  causal  tem  geralmente  uma  aparência  de  lei,  não  há  dú- 
vida que  ela  em  história  não  passa  daí,  pois  tal  relação  de  causa- 
lidade é  sempre  individual,  porque  em  cada  caso  só  se  explica 
um  fenómeno. 
3i 


482 


centa  que  ao  passo  que  «para  as  sciências  natu- 
rais o  universal  é  ojim,  para  a  história  êle  é,  pelo 
contrário  o  meio,  e  o  seu  fim  será  a  expressão  do 
individual»  (i). 

Quanto  ao  segundo  modo  do  Universal  é  êle 
constituído  pelo  critério  da  escolha,  pelo  princi- 
pio da  selecção,  tendo  em  vista  concluir  «quais 
são  os  estados  e  os  acontecimentos  individuais 
verdadeiramente  essenciais». 

Ora,  o  autor  diz  que  nas  sciências  naturais 
esse  principio  de  selecção  encontra-se  em  «a 
comparação  dos  objectos  para  pôr  em  relevo  os 


(i)  Xénopol  apesar  de  acompanhar  muita  vez  Henrique  Ri- 
CKERT  nas  suas  teorias  e  nos  seus  pontos  de  vista  não  deixa  de 
notar  uma  importante  lacuna  neste  ponto  da  concepção  do  afa- 
mado professor  da  Universidade  de  Fribourg. 

Ao  passo  que  este  dá  ao  individual  uma  significação  íntima, 
objectiva,  estrutural,  Xénopol  depois  de  dizer,  e  logicamente,  que 
o  elemento  característico  do  facto  histórico  é  o  tempo,  e  que  a 
história  desenvolvendo-se  no  tempo  só  por  esta  noção  se  pode 
explicar,  esclarece  que  «não  é  o  conhecimento  do  individual  só 
por  si  que  determina  o  conhecimento  da  história,  mas  sim  o  das 
transformações  que  o  tempo  impõe  aos  fenómenos  da  realidade». 

E,  mais  adiante :  «O  individual,  pois,  na  concepção  histórica, 
é  uma  consequência  da  intervenção  modificadora  do  tempo». 

E  ainda :  «...  ela  só  estuda  o  individual  como  produto  das 
transformações  do  tempo«.  In  Revue  Philosophique,  Outubro  de 
1900. 

Assim,  para  Xénopol  o  que  indxviduali-^a  os  fenómenos  em 
história  —  factos,  homens,  sociedades  —  é  que  eles  são  indivíduos 
em  função  do  tempo,  isto  é,  o  mesmo  indivíduo  —  pessoa  ou 
agregado  —  constitue  nos  diversos  momentos  uma  serieção  de 
indivíduos  sob  o  ponto  de  vista  histórico.  Como  se  vê,  Rickert 
é  muito  confuso  neste  ponto. 

Ver  Xénopol,  Les  sciences  naturelles  et  riiistoire^  in  Revue  de 
Syntèse  Historique,  tomo  v,  pág.  279  a  282. 


483 


caracteres  idênticos».  E  acrescenta  imediata- 
mente :  «Quem  vê  claramente  isso  nota  logo  a  di- 
ferença entre  a  história  e  as  sciências  naturais». 

Ora,  exactamente  porque  nós  não  vemos  que 
a  comparação  seja  um  principio  de  selecção  limi- 
tado ao  domínio  das  sciências  naturais,  antes,  se 
nos  depara  o  método  comparativo  aplicado  a 
todas  as  sciências  desde  as  matemáticas  às  sciên- 
cias sociais,  é  que  estamos  longe  de  ver  clara- 
mente que  seja  precisamente  a  comparação  que 
diferença  a  história  das  sciências  naturais.  Mas, 
adiante. 

Depois,  insiste  Rickert  que  «não  há  senão  uma 
sciência  que  quere  abraçar  da  mesma  forma  toda 
a  realidade,  que  possa  ter  interesse  em  construir 
todo  um  sistema  de  conceitos  gerais». 

E  logo  adita :  «Mas  a  história  renunciou  sem- 
pre a  uma  exposição  universal  desta  natureza». 

E  continua  :  «Os  acontecimentos  e  os  objectos 
pelos  quais  a  história  se  interessa  distinguem- se 
precisamente  pelo  seu  carácter  particular  e  indi- 
vidual das  cousas  com  os  quais  as  sciências  na- 
turais os  reuniriam  sob  um  mesmo  conceito 
geral». 

Rickert  não  nega  que  a  história  também  com- 
pare, que  ela  compare  homens  e  povos ;  mas,  se 
faz  isso  não  é  para  descobrir  neles  «os  caracteres 
universais  da  humanidade»,  antes  sim  para  con- 
cluir o  caso  individual,  o  caso  particular  e  «hu- 
mano». 

Porem,  a  história  só  se  pode  ocupar  do  que  tem 


484 


uma  importância  universal,  ao  que  logo  responde 
subtilmente  Rickert,  dizendo:  «O  que  tem  uma 
importância  universal  não  tem,  necessariamente, 
um  conteúdo  universal»,  acrescentando,  sibilina- 
mente :  «a  história  tratará  das  cousas  individuais 
e  particulares,  precisamente  por  que  ela  tem  por 
objecto  o  que  oferece  uma  importância  univer- 
sal». 

A  seguir,  o  teórico  alemão  deixa  escapar  algu- 
mas palavras  sobre  a  teoria  do  grande  homem, 
escrevendo :  cA  existência  é  importante  para 
todos  graças  aos  principais  caracteres  que  o  dis- 
tinguem de  todos». 

Ora  a  nós  —  e  estamos  em  boa  companhia  com 
A.  GoMTE,  Teófilo  Braga,  Paul  Lacombe,  etc.  — 
sempre  nos  pareceu,  exactamente  ao  contrário 
do  que  afirma  Rickert,  que  o  grande  homem  seja 
no  campo  da  arte,  da  sciência,  e  da  acção  poli- 
tica, social  ou  outra  —  só  o  é  porque  individua- 
liza os  sentimentos,  as  aspirações,  ou  as  necessi- 
dades do  seu  meio  social. 

Mas  há  mais.  Diz,  e  muito  bem^  Paul  La- 
combe :  «Para  que  um  homem  excepcional  pro- 
duza uma  acção  fecunda  em  consequências,  é 
necessário  que  êle  tenha  em  torno  de  si  uma  certa 
quantidade  de  similitudes». 

E  acrescenta :  «E  é  destas  similitudes  que  êle 
se  utiliza  para  estabelecer  a  novidade  —  que  não 
é  nunca  absolutamente  nova». 

E  insiste:  «Quando  um  homem  excepcional 
vence,  é  porque  êle  s'est  aidé  contra  a  parte  re- 


485 


sistente  do  meio  de  uma  outra  parte  deste  meio, 
de  um  certo  número  de  homens  tendo  entre  si,  e 
consigo  próprios^  sentimentos  comuns,  ou  ideas, 
ou  aspirações  ou  hábitos  comuns»  (i). 

E  esta  —  parece-nos  —  a  boa  doutrina.  O  ho- 
mem que  RiCKERT  admite,  em  história,  com  os 
caracteres  distintos  de  todos  os  outros  homens 
não  é  o  homem  da  história :  é  um  ser  anormal, 
uma  unidade  de  museu,  um  homem  de  manicó- 
mio.     Mas,  prosigamos. 

O  segundo  modo  do  Universal,  em  história, 
conforme  o  teorizante  alemão,  consiste  no  princí- 
pio universal  de  selecção  pelo  qual  se  distingue 
o  que  é  histórico  do  que  o  não  é.  Mas,  nota  que 
esse  princípio  de  escolha  não  é  o  objecto  ou  fim 
da  história,  é  o  meio  que  ela  utiliza,  ao  contrário 
do  que  sucede  nas  sciências  naturais. 

Porém,  RiCKERT  cai  logo  em  nova  dificuldade, 
pois  negando  ao  objecto  e  fim  da  história  carac- 
teres de  universalidade,  torna  pessoal,  e  por  isso 
arbitrária,  a  solução  do  problema  da  determina- 
ção dos  valores,  isto  é,  da  selecção  do  que  é  es- 
sencialmente histórico»  (2). 

Efectivamente,  como  para  Rickert,  só  é  histó- 
rico o  que  tem  uma  compreensão  universal^  sucede 
que  o  que  para  uns  poderá  ter  esse  alcance  para 
outros  pode  deixar  de  tê-lo. 


(i)  Paui.  Lacombe,  UHistoire  comme science,  in  Revue  de  Syn- 
ihèse  Historique^  tomo  iii,  pág.  4. 

(2)  Adiante  trataremos  deste  importante  problema  da  deter- 
minação dos  valores  em  história. 


486 


O  terceiro  modo  do  universal  em  história  é  cons- 
tituído pela  noção  do  meio  uno  e  universal,  e  do 
conjunto  de  um  facto  ou  de  um  objecto  com  os 
outros,  da  sua  influência  mútua,  da  sua  depen- 
dência reciproca. 

Assim,  quem  diz  história  diz  «complexus  uni- 
versal». Mas,  logo  explica  que  isso  não  passa  da 
relação  de  uma  parte  com  o  todo,  e  não  da  relação 
de  um  exemplar  com  o  conceito  universal  —  o  que 
é  próprio  das  sciências  naturais. 

A  seguir  Rickert,  sempre  subtil,  distingue  um 
todo  concreto  de  um  conceito  abstracto^  como  se  a 
noção  do  todo  não  fosse  um  conceito,  e  a  expres- 
são conceito  abstracto  não  fosse  pleonástica. 

O  quarto  modo  do  Universal  consiste,  segundo 
Rickert,  na  universalidade  dos  conceitos  em  his- 
tória, isto  é,  na  admissão  de  «conceitos  de  con- 
teúdo universal»  para  representarem  ou  exprimi- 
rem o  «complexus  universal»,  o  meio  total  e  o 
ser  colectivo  que  constituem  o  terceiro  modo  do 
Universal  —  de  que  já  tratamos. 

Mas,  para  Rickert,  «o  todo  é  bem  alguma 
cousa  de  individual»  e  na  representação  do  com- 
plexus universal,  «a  cada  parte  individual  corres- 
ponde um  conceito  individual».  E  ainda:  «os 
conceitos  do  Universal  e  do  particular  são  — 
j  quem  tal  diria  !  —  relativos^),  e  admite  —  j  cousa 
extranhamente  subtil!  —  um  conceito  universal 
mais  universal  que  outro  conceito  universal. 

Todavia,  acrescenta  logo,  se  a  história  admite 
também  a  formação  de  conceitos  gerais  como  as 


487 


sciências  naturais,  só  estas  podem  permitir  a  for- 
mação de  um  sistema  desses  conceitos. 

Eis,  pois,  sucintamente  expostos,  os  quatro  fa- 
mosos modos  do  Universal  em  história,  que  não 
passam  de  outros  tantos  simples  e  verdadeiros 
modos  do  relativo  e  do  particular  {i). 

Como  se  acaba  de  ver,  tudo  nesta  teoria  de 
RiCKERT  é  muito  engenhoso  e  subtil,  mas  não  tem 
uma  base  verdadeira,  real,  objectiva. 

A  história  de  que  êle  tanto  fala  e  que  tanto 
distingue  das  sciências  da  natureza,  é  ainda  a 
velha  história  chamada  dos  factos  e  dos  homens 
mais  importantes. 

Mas,  mesmo  essa  história  narrativa,  mesmo 
essa  história  discritiva,  não  apresenta,  como  sciên- 
cia,  uma  grande  diferença  das  sciências  naturais 
como  insistentemente  afirma  Rickert.  Assim 
como  êle  compreende  a  história  esta  é  a  sciência 
do  individual,  do  què  não  se  repete.  Mas  o  que 
parece  suceder  uma  só  vez  não  é,  na  maioria  das 
vezes,  senão  uma  repetição  de  casos  anterior- 
mente sucedidos,  com  uma  ou  outra  variante. 

Por  sua  vez  as  sciências  da  natureza  estão 
muito  longe  de  ser  simplesmente  sciências  de  re- 
petição como  acham  Xénopol  e  Rickert,  pois  as 
mudanças  de  meio  e  de  momento  imprimem  va- 
riantes aos  fenómenos. 


(i)  Ver:  Henrich  Rickert,  Les  quatre  modes  de  V Universel 
dans  1'Histoire,  in  Revue  de  Synthèse  Historiqiie,  tomo  11,  pág.  121 
a  140. 


488 


Também,  o  que  dissemos  acerca  dos  grandes 
homens  mostra  as  ilusões  de  Rickert  quanto  à 
sua  teoria  do  individual  em  história. 

jDe  resto,  se  tudo  em  história  fosse  individual, 
novo,  irrepetível  para  que  estudar  a  história  se- 
não por  simples  passa-tempo !  j  Para  quê  tanto 
trabalho  acumulado  se  os  estudos  históricos  não 
nos  fornecem  precedentes  para  a  compreensão  e 
o  juízo  dos  acontecimentos  seguintes,  emíim,  para 
a  previsão  de  factos  !  ( i ) 

c)  o  método  histórico 

Apesar  de  estar  ainda  por  escrever  a  história 
do  método  histórico  não  há  dúvida  que  foi  só  no 
século  XIX  que  a  historiografia  começou  a  ser  pre- 
parada, elaborada  e  escrita  por  uma  forma  mais 
objectiva,  metódica,  scientífica. 

Gomo  se  sabe,  durante  muito  tempo  a  história 
foi  escrita  com  intenções  políticas,  religiosas  e 
morais,  ou  com  objectivos  filosóficos  e  artísticos, 
e,  por  isso,  quási  sempre  por  uma  forma  parcial, 
apaixonada,  tendenciosa.  Só  ultimamente  é  que 
a  história  começou  a  ser  considerada,  e,  por 
tanto,  cultivada  e  escrita  como  um  género  literá- 
rio, com  um  objecto  inconfundível,  com  um  fim 
próprio,  em  si,  isto  é,  como  uma  sciência. 

Mas,  repetimos,  só  no  decurso  do  século  xix  é 


(i)  De  resto,  o  próprio  historiógrafo  alemão  não  deixa  de  re- 
conhecer—  i  era  o  que  fahava  1  — que  o  campo  das  sciências  da 
natureza  não  é  imutável,  se  bem  que  se  altere  muito  menos  rapi- 
damente que  o  domínio  das  sciências  do  espírito. 


489 


que  se  deu  corpo  ao  pensamento  antigo  de  Vico, 
segundo  o  qual  fora  do  tempo  e  do  espaço  não  há 
verdade  absoluta,  mas  uma  verdade  viva  e  mó- 
vel através  das  formas  individuais  e  concretas  da 
história,  assinalando  ao  conhecimento  dos  factos 
históricos  o  mesmo  valor  que  ao  conhecimento 
do  verdadeiro. 

Modernamente,  em  que  a  história  deixou  de 
ser  um  meio  de  discussão  e  divulgação  de  ideas 
políticas,  e  princípios  religiosos  ou  outros,  para 
constituir,  já  por  si,  um  fim,  natural  é  que  mui- 
tas atenções  se  voltassem  para  ela  e  lhe  fixas- 
sem um  método  e  um  conjunto  de  regras  pró- 
prias do  seu  objecto  e  consentâneas  com  os  seus 
fins. 

Efectivamente,  foi  só  com  o  forte  desenvolvi- 
mento dos  estudos  históricos  no  século  xix  que  se 
tornou  possível  o  aparecimento  das  obras  de  me- 
todologia como  o  Manual  de  Metodologia  Histó- 
rica de  Bernheim,  a  Introdução  aos  estudos  histó- 
ricos  de  Langlois  e  Seignobos,  etc. 

Antes  disso,  desde  Aristóteles  até  Voltaire  e 
MoNTESQUiEu,  as  obras  que  apareceram  de  teoria 
da  história^  nada  deixavam  antever  sobre  a  orien- 
tação que  tais  estudos  haviam  de  tomar  mais 
tarde  e  o  carácter  e  os  assuntos  das  obras  acima 
citadas. 

Como  diz  GiovANNi  Gentile  numa  interessante 
Contribution  à  1'histoire  de  la  métode  historique: 
«durante  todo  o  período  do  classicismo  renovado 
que  vai  dos  séculos  xvi  ao  xviii  as  teorias  historio- 


490 


gráficas  giraram  em  volta  do  conceito  da  história 
e  da  arte  da  representação  histórica»  (i). 

É  exacto,  além  de  que  não  apresentam  origi- 
nalidade, pois,  das  conhecidas,  quási  todas  são, 
com  fracas  variantes,  meros  desenvolvimentos  dos 
capítulos  IX  e  XXI  da  Poética  de  Aristóteles,  do 
De  Oratore  e  do  Brutus  de  Cícero,  das  Institu- 
tiones  de  Quintiliano,  etc. 

São,  entretanto,  numerosos  os  trabalhos  de  tal 
natureza  aparecidos  desde  os  fins  da  primeira 
metade  do  século  xvi  (2). 

Assim,  em  1 548  aparecia,  em  Florença,  a  obra 
de  Gristoforo  Mileo  De  scribenda  universitatis 
rerum  história^  e  no  mesmo  ano  e  na  mesma  ci- 
dade publicava-se  o  De  scribenda  historia  de  Fran- 
CESco  RoBORTELLi ;  com  o  título  de  De  Conscri- 
benda  história  aparecia  em  Bolonha,  em  i563,  a 
obra  de  Cecco  Ventura;  em  iSõq  publicava-se 


(i)  In  Revue  de  Synthèse  Historique,  segundo  semestre  de 
1902,  pág.  129  a  i52. 

(2)  Karl  Lamprecht,  depois  de  dividir  o  método  histórico  em 
método  superior  e  inferior,  e  de  afirmar  que  este  último  com- 
preende as  operações  destinadas  ao  estudo  das  fontes  e  dos  docu- 
mentos, diz  que  esse  método  inferior,  depois  de  várias  hesitações, 
começou  a  ser  apHcado  nos  séculos  xv  e  xvi,  mas  que  só  no  sé- 
culo XIX,  com  os  trabalhos  de  crítica  das  fontes,  de  Schlõzer  e 
NiEBUHR,  quanto  à  historiografia  alemã,  é  que  êle  «foi  fixado  nos 
seus  pontos  essenciais». 

Foi  só  no  século  xviii  —  diz  o  mesmo  historiador  —  que  «se 
começou  a  abranger  com  uma  vista  mais  geral  o  desenvolvimento 
da  história  da  Europa,  e  no  mesmo  tempo  se  passou  por  um  pro- 
gresso contínuo  quanto  às  comparações  até  então  em  uso,  às  apro- 
ximações gerais  mais  extensas. . .». 

In  Revue  de  Synthèse  Historique,  1900,  pág.  21  a  23, 


491 


em  Anvers  um  outro  De  scribenda  historia^  sendo 
seu  autor  António  Viperano;  e  em  1674  aparecia 
em  Roma  o  De  ratione  scribendce  historiae. 

Já  anteriormente,  em  1620,  viu  a  luz  em  Paris 
um  Discours  des  vertus  et  d  es  vices  de  Vhistoire  et 
de  la  manière  de  la  bien  écrire,  de  Le  Roy  de  Gom- 
BERViLLE ;  em  1623,  publicava-se  em  Leyde  a 
obra  de  Voss — De  arte  histórica^,  seu  de  historiae 
natura  historiaeque  scribendae  praeceptis;  e,  em 
1 69 1 ,  Paris  via  aparecer  o  tratado  De  la  manière 
d'écrire  Vhistoire  nos  Divers  traités  de  Métaphisi- 
que,  d'Histoire  et  de  Politique. 

O  historiógrafo  depois  de  citar  estas  obras 
comenta-as,  escrevendo  : 

«Como  se  vê,  trata-se  sempre  da  maneira  de 
escrever  e  não  da  forma  de  reconstruir  a  história, 
de  redescobrir  a  verdade  histórica ;  era  sempre 
um  conjunto  de  preceitos  respeitantes  à  forma,  e 
não  um  método  respeitante  à  aquisição  da  maté- 
ria histórica». 

Actualmente,  as  operações  básicas  do  conheci- 
mento histórico  cifram-se  na  heurística  —  ou  in- 
vestigação dos  documentos,  na  crítica  —  ou  depu- 
ração deles,  e  na  construção  histórica  —  que  é  a 
série  de  operações  sintéticas  tendo  por  íim  orga- 
nizar as  fontes  isoladas,  testemunhadas  pelos  do- 
cumentos, num  corpo  de  sciência.  Mas,  isso  só 
actualmente  se  dá  porque  nos  tempos  e  nas  obras 
a  que  nos  reportamos  acima,  supondo-se  já  co- 
nhecida a  verdade  histórica,  só  se  cuidava  da 
forma,  da  disposição  mais  ou  menos  lógica,  hábil 


492 


e  artística,  e  do  descritivo  melhor  ou  piormente 
imaginado. 

Qaere  dizer:  a.  Ars  histórica  dos  teóricos  desse 
tempo  começava  onde  acaba  actualmente  a  me- 
todologia —  o  que  equivale  a  dizer  que  não  cui- 
davam em  tal  departamento  do  trabalho  histo- 
riográfico. 

Exposta,  em  poucas  palavras,  a  evolução  do 
método  histórico  e  notadas  as  diferenças  profun- 
das, radicais,  entre  o  ponto  de  vista,  os  intuitos, 
as  características,  as  operações  lógicas  ou  ideais 
e  materiais  ou  objectivas,  da  antiga  ^rí  histórica 
e  do  actual  método  histórico,  é  chegado  o  ensejo 
de  estudarmos  este  mais  de  perto,  com  algum  de- 
talhe e  com  a  possível  precisão. 

Sendo  a  história  a  sciência  das  sociedades  hu- 
manas civilizadas  o  método  histórico  só  às  sciên- 
cias  do  espírito  humano  se  pode  aplicar.  Ele 
deve,  como  faz  o  método  positivo,  o  método  ex- 
perimental, abandonar  tudo  o  que  se  refira  à 
essência  das  cousas,  à  sua  natureza  íntima,  à  sua 
origem  primeira,  à  sua  finalidade,  e  limitar-se  — 
o  que  já  é  bastante  —  a  estudar  as  diversas  ma- 
nifestações da  actividade  humana  no  passado, 
bem  como  as  do  pensamento,  e  as  do  sentimento 
religioso,  moral  e  estético,  definindo  as  suas  rela- 
ções, as  suas  características,  e  deduzindo,  até,  as 
as  suas  leis(i). 


(i)  Ver  Abel  Rey,  Les  Sciences  Philosophiques,  2."  edição, 
pág.  ji3&yiç). 


493 


O  método  histórico  nas  suas  três  séries  de  ope- 
rações—  analíticas,  críticas  e  sintéticas  —  é  um 
método  positivo,  concreto,  scientííico.  Se  alguns 
espíritos  metafísicos  teem  querido  dirigir  o  mé- 
todo histórico  noutro  sentido  a  responsabilidade 
é  deles  e  não  do  método  (i). 

Porém,  o  professor  inglês  Sidgwick,  levando 
muito  longe  a  sua  crítica  ao  método  histórico,  diz 
que  este  tem  tido  em  mira  solucionar  os  proble- 
mas filosóficos,  como  se  tal  método  pretendesse 
satisfazer  as  questões  insolúveis  sobre  a  imorta- 
lidade da  alma,  a  existência  de  Deus,  a  origem 
dos  seres,  etc. 

Não.  Esse  método  não  pretende  entrar  no 
estudo  de  tais  problemas  nem,  sequer,  interferir 
no  campo  da  moral  como  sciência  normativa  da 
conduta  humana,  julgando  os  homens  e  os  acon- 
tecimentos sob  o  ponto  de  vista  ético. 

Os  juízos  de  valor  em  história  —  como  adiante 


(i)  Efectivamente,  é  grande  a  confusão  quanto  ao  significado 
concedido  à  expressão  método  histórico.  Ao  passo  que  os  eru- 
ditos e  os  investigadores  o  definem  como  um  conjunto  de  regras 
e  processos  de  investigação,  de  crítica,  de  síntese  e  reconstitui- 
ção históricas^  para  os  teóricos,  e  para  os  antigos  filósofos  da 
história  já  assim  não  é. 

Outros,  emfim,  classificam  a  história  como  uma  sciência  indu- 
tiva especial.  É  neste  sentido  que,  parafraseando  Voltaire  que 
dizia  que  em  literatura  todos  os  géneros  são  bons  excepto  o  gé- 
nero enfadonho,  escreve  Fustel  de  Coulanges  que  em  história 
todos  os  géneros  são  bons,  com  excepção  do  género  falso,  acres- 
centando que  «todos  os  métodos  são  bons  comtanto  que  o  espí- 
rito scientifico  domine  e  vivifique».  In  Reviie  de  Synthèse  His- 
toriqiie,  tomo  vn,  pág.  261. 


494 


veremos  — não  pretendem  julgar  sobre  a  signi- 
ficação e  o  alcance  moral  seja  do  que  for:  eles 
cuidam  só  de  considerar  o  que  é  e  o  que  deixa 
de  ser  assunto  histórico,  isto  é,  só  tratam  de  es- 
pecificar os  limites  do  conhecimento  histórico. 

Mas,  nem  por  isso  o  método  histórico  deixa  de 
ser  útil  e  necessário,  porque  se  êle  é  incapaz  de 
resolver  os  problemas  das  origens,  da  natureza  e 
fim  da  humanidade,  e  o  da  essência  do  ser  hu- 
mano também  o  método  experimental,  que  é  a 
última  perfeição  no  campo  da  objectividade,  não 
resolve  as  questões  sobre  a  essência  da  força,  do 
calor,  da  luz  e  da  electricidade,  e  ninguém  negará 
à  mecânica,  à  termologia,  à  óptica  e  à  electro- 
logia  os  foros  de  sciências. 

O  que  é  interessante  é  que  acoimando-se  o 
método  histórico  ora  de  metafísico  ora  de  inútil 
logo  se  diz  —  di-lo  Sidgwick  — •  que  é  na  ética, 
como  na  politica,  que  se  encontram  algumas  das 
verdades  absolutas  que  devem  dirigir  as  socie- 
dades para  os  seus  últimos  objectivos  e  fins ;  e, 
porque  tais  fins  não  são  nem  leis  nem  fenómenos, 
o  método  histórico  nada  lem  com  eles.  Por  isso, 
se  a  história  pode  ser  um  auxiliar  da  moral  e  da 
política,  especialmente  desta  última,  a  sciência 
política  não  pode  basear-se  na  história  (i). 


(i)  Também  o  historiador  alemão  Karl  Lampbecht  num  seu 
estudo  sobre  o  método  histórico  na  Alemanha  sustenta  que  «para 
compreender  um  século  nos  seus  detalhes  é  necessário  conhecê-lo 
no  seu  conjunto,  isto  é,  conhecer  o  seu  carácter  psicológico  e  o 
seu  estado  de  civilização».  In  Revue  de  Synthèse  Historique,  1900, 
pág.  27. 


495 


A  história  pode  dizer-nos  o  que  tem  sucedido 
e  pode  acontecer,  mas  não  pode  aconselhar  o  que 
aqui  e  agora  se  deve  fazer. 

Deste  modo,  concluem  alguns  que  não  consti- 
tuindo a  história  a  verdadeira  base  scientifica  da 
politica,  deve  procurar-se  tal  base  fora  dela,  no 
conhecimento  da  finalidade  das  sociedades. 

Assim,  ao  passo  que  Freemann  e  Seeley  con- 
fundem a  história  com  a  política,  Sidgwick  nega 
que  a  história  possa  servir  de  base  àquela. 

Como  diz  o  professor  Pasquale  Villari,  e  é 
certo,  está  aí  o  ponto  fraco  da  teoria  dêste.  Na 
verdade,  se  a  história  não  pode  constituir  a  base 
da  política,  pois  esta  deve  concluir-se  do  fim  úl- 
timo de  uma  sociedade,  não  há  dúvida  que  é  à 
metafísica  que  se  devem  ir  buscar  os  elementos 
para  formar  tais  bases,  que  assim  ficarão  muito 
movediças  e  contingentes. 

Ora  isso  é,  pelo  menos,  um  paradoxo,  porque 
a  base  de  tal  sciência  política  nada  teria  de  scien- 
tífico,  e  assim  a  política  variaria  segundo  os  sis- 
temas e  as  escolas  filosóficas  —  o  que  nunca  se 
viu  nem  se  pode  admitir. 

Só  o  estudo  da  sociedade  pode  servir  de  base 
à  política  —  que  tem  por  objectivo  dirigir,  gover- 
nar e  administrar  os  agregados  humanos  organi- 
zados em  Estados.  E  o  estudo  das  sociedades 
nas  suas  diversas  formas  de  governo  e  de  admi- 
nistração, nas  suas  manifestações  especulativas, 
políticas,  económicas  e  sociais,  é  o  objecto  da 
história^  da  etnografia,  e,  sob  uma  forma  sinté- 


490 


tica,  da  sociologia.  É,  pois,  a  história  que  fa- 
zendo-nos  conhecer  o  caminho  percorrido  pela 
humanidade  e  a  marcha  da  civilização,  nos  for- 
nece os  elementos  para  as  previsões. 

SiDGWiCK  insiste  que  se  é  certo  que  a  história  for- 
nece esses  elementos  não  fornece  —  nem  o  pode 
fazer,  por  não  ser  uma  filoscfia — regras  de  con- 
duta sem  as  quais  a  politica  nunca  poderá  con- 
cluir qual  a  orientação  e  o  sentido  a  dar  às  so- 
ciedades nem  os  objectivos  aos  quais  a  vida  des- 
tas deve  satisfazer. 

Pasquale  Villari  corrobora  tais  dificuldades 
da  questão,  e  acha  que  «há  um  elemento  que  es- 
capa igualmente  ao  rigor  do  método  histórico  e 
ao  do  método  experimental,  sendo  isso  que  im- 
pede que  as  sciências  sociais  e  morais  atinjam  a 
certeza  e  a  precisão  que  poderam  alcançar  as 
sciências  matemáticas  e  naturais». 

Até  aí  está  bem;  mas  o  que  é  estranho  é  que 
o  eminente  professor  italiano  recorra  para  resol- 
ver a  questão  a  um  elemento  maximamente  sub-^ 
jectivo,  e,  por  tanto,  transitório,  contingente  e 
precário :  a  consciência. 

Assim,  escreve  êle :  «Mas  o  problema  não  se 
resolverá;,  julgo  eu,  sem  à  obra  da  razão  e  da 
sciência  se  juntar  a  da  consciência,  que  também 
revela  verdades». 

E  para  justificar  o  estranho  apelo  à  consciên- 
cia escreve:  «Tal  como  os  fenómenos  de  arte 
ficam  inconcebíveis,  inexplicáveis  só  pela  sciência 
sem  o  sentimento  do  belo,  do  mesmo  modo  ficam 


497 


incompreensíveis  os  fenómenos  morais  e  sociais 
sem  o  sentimento  do  bem  e  do  dever  que  nasce, 
que  cresce,  age  em  nós  pela  sua  virtude  intrín- 
seca e  não  apenas  pela  força  do  raciocínio». 

E  sem  mais  nada  explicar,  depois  de  haver 
eriçado  de  dificuldades  lógicas  a  sua  justificação, 
como  que  sentindo  remorsos  por  tal  afirmativa, 
escreve :  «Não  é  isso  um  conhecimento  scientí- 
fico,  mas  é  o  mais  seguro,  ou,  pelo  menos,  o 
único  ao  qual  possamos  recorrer  emquanto  a 
sciência  não  tiver  encontrado  um  meio  de  resol- 
ver por  outra  forma  o  problema»  (i). 

Uma  das  mais  altas  funções  da  sciência  e  da 
filosofia  —  que  é  o  saber  totalmente  unificado  — 
deve  ter  em  vista,  sem  cortar  a  continuidade  e  a 
coordenação  das  sciências,  fixar,  tão  precisa  e 
concretamente  quanto  possível,  o  objecto  ou  ob- 
jectos de  cada  uma,  os  métodos  e  processos  que 
elas  utilizam,  e  os  hmites  que  as  circunscrevem 
cada  uma  e  a  separam  das  outras. 

Ora,  uma  das  sciências  que  mais  envolvida 
está  ainda  em  obscuridades,  e  que  mais  mistu- 
rada e  mais  confundida  com  as  outras  tem  sido, 
é,  sem  dúvida  a  história  —  substantivo  verdadei- 
ramente colectivo  para  significar  todo  o  grupo  de 
sciências  que  estudam  o  passado  e  a  evolução  da 
humanidade. 

É,  pois,  necessário  delimitar  o  âmbito  da  his- 


(i)  Pasqiiale  Villari,  L'histoire  esi-elle  une  science?  in  i?e- 
vue  de  Synthèse  Historique,  tomo  iv,  pág.  \y5  a  190. 

32 


498 


tória  ou,  melhor,  das  sciências  históricas,  e  escla- 
recer, determinar  e  fixar  a  natureza  e  os  caracte- 
res do  método  histórico. 

Nem  as  sciências  da  natureza  devem  pretender 
aplicar  estritamente  os  seus  métodos  caracterís- 
ticos às  sciências  do  espirito,  e,  portanto,  à  his- 
tória; nem  esta  deve,  por  sua  vez,  tentar  aplicar 
o  método  histórico  às  sciências  naturais.  A  his- 
tória não  será  nunca  uma  filosofia,  uma  sciência 
natural  ou  matemática  —  disse  Pasquale  Villari. 

E  necessário  que  a  história  não  pretenda  ser 
mais  que  o  que  é  na  realidade,  para  ser  inteira- 
mente e  completamente  o  que  deve  ser. 

Como  disse  Fustel  de  Coulanges  —  e  é  exacto 
—  cada  sciência  tem  os  seus  meios  de  investiga- 
ção que  lhe  são  peculiares.  A  geometria  tem  a 
dedução,  a  química  tem  a  experimentação,  a  geo- 
logia tem  a  observação.  A  história  não  tem  ne- 
nhum desses  propriamente,  mas  utiliza  a  análise, 
a  síntese,  a  indução  e  a  generalização. 

Porém,  é  pelo  estudo  dos  factos  que  ela  atinge 
o  seu  fim.  Esses  factos,  pela  própria  natureza 
de  tal  sciência,  nunca  lhe  são  presentes,  tendo 
que  os  estudar  por  intermédio  dos  seus  vestígios, 
dos  seus  indícios,  através  dos  testemunhos  deles, 
isto  é,  dos  documentos  (i). 


(i)  Os  irmãos  Mortet  classificavam  os  documentos  ou  fontes 
históricas  pela  forma  que  está  hoje  generalizada,  e  que  é  a  se- 
guinte:  i.°  restos  materiais  do  passado  —  constituídos  por  pe- 
daços de  ossos,  utensílios,  vestuário,  armas,  edifícios,  obras  de 
arte  e  industriais  j  3.°  documentos  simbólicos  —  que  constituem  os 


499 


Se  bem  que  não  seja  a  história  a  única  sciên- 
cia  que  utiliza  o  testemunho,  pois  o  mesmo  fazem 
a  geologia,  a  paleontologia,  a  psicologia,  a  peda- 
gogia e  a  jurisprudência,  não  há  dúvida  que  é 
êle  que  constitui  a  base  única  do  conhecimento 
histórico,  isto  é,  do  conhecimento  do  passado  (i). 

Ao  passo  que  as  outras  sciências  enumeradas 
se  podem  ocupar  dos  factos  no  momento  preciso 
em  que  eles  se  realizam,  com  excepção  das  sciên- 
cias paleogeográíicas,  etc,  a  história — pela  sua 
índole,  como  sciência  deposição  no  tempo  em  rela- 
ção ao  investigador  —  só  se  ocupa  dos  aconteci- 
mentos depois  deles  se  haverem  passado,  tendo 
como  objectivo  reconstituí-los  na  sua  integridade, 
e,  até,  possivelmente,  na  sua  integridade. 


sinais  representativos  das  impressões  psicológicas  sentidas  pelos 
contemporâneos,  e  que  se  podem  dividir  em  monumentos  figurados 
—  como  baixos  relevos,  pinturas,  medalhas,  moedas,  selos,  etc.j 
ou  em  documentos  escritos  para  constatar  factos,  descrevê-los  ou 
apreciá-los  —  como  as  inscrições,  documentos  oficiais,  anais,  cró- 
nicas, descrições,  memórias,  correspondências,  obras  literárias, 
etc. ;  3.°  vestígios  morais,  isto  é,  restos  do  passado  que  sobrevi- 
vem na  linguagem,  as  crenças,  os  usos,  as  tradições  orais,  etc». 
In  voe.  Histoire,  da  Grande  Encyclopédie,  tomo  xx. 

(i)  Já  deixamos  dito  a  pág.  899  a  crescente  importância  que 
estão  tendo  em  história  os  estudos  sobre  a  psicologia  do  testemu- 
nho. Acerca  da  história  desses  estudos  ver  os  artigos  de  Ber- 
NHEiM  e  de  André  de  Fribourg  aí  citados. 

Se  bem  que  sobre  esta  questão  um  ou  outro  autor  houvesse 
já  sugerido  algumas  ideas,  ela  só  começou  a  ser  estudada  depois 
de  Ranke  haver  recomendado  que  :  «antes  de  tudo  procure-se  sa- 
ber, de  todas  as  testemunhas,  qual  é  a  que  possue  um  conhecimento 
geral  das  cousas»  ;  e  só  muito  modernamente  é  que  se  teem  feito 
sobre  o  assunto  trabalhos  sistemáticos,  em  que  hão  colaborado 
a  psico-pedagogia  e  a  psicologia  judiciária. 


Soo 


Sendo,  assim,  a  história  uma  sciência  especial, 
sui  generisy  nem  aplica  um  método  puramente 
dedutivo  e  demonstrativo,  nem  um  método  ex- 
clusivamente indutivo  e  experimental.  Isto  é, 
ela  nem  é  uma  sciência  exclusivamente  de  dedu- 
ção, nem  completamente  de  demonstração ;  ela 
não  parte  de  definições,  nem  se  inicia  sobre  axio- 
mas, emfim,  não  emprega  o  silogismo;  e  se  o  ra- 
ciocínio acompanha  o  labor  mental  da  investiga- 
ção histórica,  não  é  essencial:  é um  mero  auxiliar, 
posto  que,  por  vezes,  importante  (i). 

Não  há  dúvida  qae  o  método  histórico  vive  em 
grande  parte  do  método  indutivo ;  mas  este  apre- 
senta na  história  uma  forma  especial,  original, 
pois  ao  passo  que  a  indução  pura  conduz  dos 
factos  às  leiS;  isto  é,  aos  mesmos  factos  generali- 
zados, em  história  o  caso  é  diferente,  pois  par- 
te-se  de  factos,  não  para  os  mesmos  factos  gene- 
ralizados, nem  para  leis :  mas  para  factos  dife- 
rentes dos  primeiros.  Quere  dizer:  partindo  dos 
documentos,  dos  testemunhos^  chega-se  aos  acon- 
tecimentos que  eles  conteem  imediatamente^  ou  que 
indirectamente  supõem,  outro  tanto  sucedendo  à 
geologia,  á  paleobotânica,  e  à  paleozoologia. 

Contudo,    nem   por  isso   o   método   indutivo 


(i)  Como  se  sabe,  os  documentos  nãç  fornecem,  muitas  vezes, 
factos  suficientes  para  conhecimento  dos  acontecimentos  pas- 
sados. Se  a  história  fosse  uma  sciência  de  observação  directa, 
como  a  botânica  e  a  zoologia,  novas  observações  preencheriam 
as  lacunas ;  mas  tal  é  impossível  em  história,  por  isso  diz  Sei- 
GNOBOS :  «procura-se  extender  o  conhecimento  empregando  o  ra* 
ciocínio».    In  Introduction  aiix  Eíitdes  Historiques^  pág.  218, 


5oi 


deixa  de  constituir  o  elemento  predominante  do 
método  histórico,  pois,  como  diz  Paul  Janet,  se 
«a  indução,  como  lhe  chamava  Bacon,  é  a  in- 
terpretação da  natureza,  o  método  histórico  é  a 
interpretação  do  testemunho  humano^)  (i). 

^Mas,  poderá  dai  concluir-se  que  a  história  é 
uma  sciência  exclusivamente  indutiva  ?  Não 
pode.  Razão  tem  por  isso  P.  Lacombe  quando, 
estudando  Os  métodos  da  história,  escíeve:  «A 
psicologia  presta-se  a  um  uso  duplo  :  pode-se  ir 
dela  para  a  história,  ou  voltar  da  história  para 
ela;  praticar  o  método  indutivo  e  ascendente  ou 
o  método  dedutivo  e  descendente»  (2). 

Se,  como  já  dissemos,  o  método  histórico  não 
parte  de  axiomas  pode  iniciar-se  por  hipóteses. 

Ora,  a  concepção  de  uma  hipótese  inicial  é  um 
produto  da  lógica  dedutiva  que  deve  ter  como 
trabalho  sequente  «a  verificação  pelos  factos». 
Mas,  em  história  não  é  possível  a  experiência  à 
maneira  das  sciências  da  natureza,  pois  só  é  viá- 
vel a  observação. 

É  aí,  quanto  a  nós,  que  reside  a  grande  dife- 
rença entre  as  sciências  históricas  e  as  da  natu- 
reza, e  não  no  estabelecimento  de  hipóteses,  pois 
isso  é  comum  ás  duas  classes  de  sciências.  Mas, 
ao  passo  que  as  sciências  da  natureza  dispõem 
da  experiência,  como  excelente  meio  de  verifica- 
ção, a  história  só  utiliza  a  observação. 


(i)  Paul  Janet,  Traiié  de  Philosophie,  iSgS,  pág.  Sog. 
(2)  P.  Laccmbe,  De  l'Histoire  considerée  comme  science,  1894 
pág.  53. 


502 


Para  comprovar  que  em  história  o  subjecti- 
vismo é  dominante  tem-se  dito  que  a  investiga- 
ção dos  documentos,  e,  por  aí,  que  o  estudo  dos 
factos  eram  sempre  antecedidos  não  só  de  juízos 
de  valor  no  espírito  dos  historiógrafos  —  como 
os  da  importância  do  assunto  e  da  conveniência 
do  seu  estudo  —  como  de  ideas  preconcebidas 
sobre  a  natureza  dos  factos,  sua  importância,  etc. 

Assim,  se  procurava  provar  que  o  historiador 
não  ia  pedir  aos  documentos  conhecimentos  no- 
vos, mas  somente  a  verificação,  a  constatação, 
das  suas  hipóteses,  dos  produtos  da  sua  imagi- 
nação, quando  não  das  criações  da  sua  vontade. 
Mas,  tais  ideas  preconcebidas  que  se  quere  ver  no 
espírito  dos  historiadores  encontram-se  no  dos 
cultores  das  sciências  da  natureza. 

Desde  Newton  a  Kant,  e  de  Humboldt  a  Poin- 
CARÉ,  é  opinião  predominante  que  o  experimen- 
tador é  sempre  conduzido  para  a  experiência  e 
nela  é  guiado  superiormente  por  ideas  preconce- 
bidas a  que  se  teem  dado  vários  nomes :  intui- 
ções, meias-intuições,  hipóteses,  etc. 

Karl  Lamprecht,  ocupando-se  de  O  método 
histórico  na  Alemanha,  distingue  —  parece-nos 
sem  necessidade  —  no  método  histórico  uma  forma 
superior  e  umà  forma  inferior.  Segundo  tal  teoria 
o  método  superior  só  intervém  «onde  se  trata  de 
dominar  os  factos  dados  e  às  suas  relações,  e  de 
abranger  com  o  olhar  um  mais  vasto  horizonte. 

Quanto  ao  método  histórico  inferior — de  que 
já  falamos — «compreende   todas   as   operações 


5o3 


destinadas  a  patentear  os  materiais  históricos 
libertos  de  tudo  o  que  os  desnatura,  e  a  eviden- 
ciar a-sua  imediata  conexão».  E  continua  a  ca- 
racterizá-lo :  «E  pois  com  esse  método  que  se 
devem  relacionar  todos  os  processos  cujo  emprego 
é  necessário  para  descobrir  as  fontes  e  os  docu- 
mentos, estabelecer  as  suas  relações  recíprocas, 
mostrar  quais  as  suas  dependências  em  relação 
ao  tempo  a  que  pertencem,  e,  finalmente,  deter- 
minar os  dados  simples  e  positivos  que  ressaltam 
de  tais  materiais  históricos  assim  obtidos». 

Quere-nos  parecer  que  se  pode  dispensar  tal 
divisão  do  método  histórico^  pois  o  verdadeiro 
método  em  história  reside  nas  operações  que 
Lamprecht  assinala  como  constituindo  o  método 
inferior  —  ao  qual  nós  chamaríamos,  preferente- 
mente, método  objectivo,  e  que,  assim,  é  consti- 
tuído por  todo  o  conjunto  de  operações  imediatas 
ou  analíticas,  necessárias  ao  estudo  dos  testemu- 
nhos, dos  documentos,  e,  por  aí,  ao  conhecimento 
dos  factos,  e  pelo  grupo  de  operações  mediatas, 
ou  sintéticas,  essenciais  à  construção  histórica. 

É  a  este,  ao  grupo  de  operações  sintéticas^  que 
cabe  as  atribuições  que  Lamprecht  destina  ao  seu 
método  histórico  superior. 

Como  diz  GusTAVE  Lanson,  e  é  hoje  prática  se- 
guida, os  estudos  literários  teem  pedido  à  histó- 
ria os  seus  métodos,  havendo-os  utilizado  larga- 
mente. É  a  essa  intervenção  que  a  história  deve 
os  seus  grandes  e  rápidos  sucessos.  Mas,  neces- 
sário é  não  esquecer  que  ao  passo  que  a  história 


5  04 


procura  conhecer  os  factos,  os  estados  da  cons- 
ciência colectiva  e  os  centros  da  civilização,  ad- 
quiridos indirectamente,  e  por  «meios  exteriores», 
a  história  literária,  a  como  história  da  arte,  estuda 
directamente  os  factos,  os  estados  de  alma. 

Assim,  o  método  histórico  ganha  visivelmente 
terreno,  como  o  prova  a  tendência  de  estudar  as 
monografias  e  biografias,  não  segundo  uma  ordem 
analítica,  mas,  simultaneamente,  a  vida  e  a  obra 
de  um  autor,  num  justificável  paralelismo  bio- 
bibliográfico,  no  qual  cada  parte  da  obra  aparece 
como  um  facto  da  vida,  prolongamento  natural 
de  uma  certa  energia  sob  certas  pressões  ou  por 
sugestões  determinadas. 

A  outra  aplicação  do  método  histórico  tem 
sido  feita  no  direito,  e  especialmente  no  direito 
comparado,  aplicação  essa  hoje  muito  mais  com- 
pleta e  eficaz  que  na  escola  de  Savigny  e  Pruchta. 

Efectivamente^  ao  contrário  das  concepções 
actuais,  essa  escola  considerava  tal  evolução  do 
direito  como  tendo  por  base  as  tradições,  sem 
tomar  em  conta  as  mfluências  estranhas  e  queria 
ver  nesse  desenvolvimento  uma  consequência  ex- 
clusiva das  forças  orgânicas  4íiacionais,  sem  que 
nela  interferisse  a  vontade  colectiva  com  a  sua 
função  dirigente. 

Assim,  os  costumes,  ós  forais,  eram  as  únicas 
fontes  do  direito,  atendendo-se  pouco  à  legislação 
geral,  à  estrangeira,  à  romana,  visigótica,  etc. 

A  escola  histórica  moderna,  mercê  do  método 
histórico  comparativo,  tem  mostrado  que  o  di- 


5o5 

reito  desenvolve-se  não  só  no  sentido  das  tradi- 
ções históricas,  mas,  em  grande  parte,  pela  acção 
das  influências  estrangeiras,  melhor  ou  peor  se- 
gundo o  conjunto  do  espírito,  do  critério  e  da  cons- 
ciência jurídica  nacional,  e  em  harmonia  com  o 
conjunto  do  seu  sistema  jurídico. 

4.°  —  A  história  e  a  concepção  de  valor 

a)  A  concepção  de  valor  na  Filosofia 

Como  diz  A.  Lalande,  a  noção  de  valor  que 
foi  primeiramente  utilizada  pelas  sciências  eco- 
nómicas tem  tomado  ultimamente  uma  impor- 
tância cada  vez  maior  em  filosofia.  Actualmente, 
depois  das  obras  de  Nietzche  e  dos  estudos  da 
análise  psicológica  de  Meinong^  d'Ehrenfels,  de 
Kreibig  e  de  Munsterberg,  os  termos  bem  e  mal, 
direito  e  dever,  regra  e  fim  deixaram  de  ser  usa- 
dos para  se  falar  quási  só  no  valor  da  vida,  e 
todos  —  pensadores  ou  simples  criaturas  empíri- 
cas—  anceiam  «porque  se  renovem  as  formas  da 
verdade». 

A  justificação  qiie  apresentam  os  pensadores  e 
que  Lalande  reproduz  é  que  «a  idea  de  valor, 
em  particular,  apresenta  a  grande  vantagem  de 
pôr  muito  em  relevo,  por  um  lado  o  carácter 
finalista  que  apresenta  todo  o  pensamento  vivo ; 
por  outro,  o  paralelismo  formal  das  sciências  nor- 
mativas, e  a  solidariedade  dos  problemas  que  as 
constituem». 

Contudo,  é  necessário  ter  em  atenção,  saber 


5o6 


prever  e  evitar  tanto  quanto  possível  os  equívo- 
cos, mesmo  os  erros,  que  podem  provir  da  teo- 
ria dos  valores. 

Assim,  é  sabido  que  todo  o  valor,  é,  em  certo 
sentido,  e  em  grande  parte,  subjectivo,  é  um  fa- 
cto da  consciência,  e  a  sua  classificação  e  hierar- 
quização é  sempre  mais  ou  menos  um  produto 
da  apreciação  subjectiva,  de  juízos  pessoais. 

Porém,  se  assim  é,  se  todo  o  valor  é  «um  sen- 
tido atribuído  a  um  conjunto  de  estados  de  cons- 
ciência», se  é  ao  mesmo  tempo  pensamento  e 
idea^  sujeito  e  objecto,  emfim,  se  êle  se  apresenta 
como  o  produto  de  um  espírito  de  essência  teleo- 
lógica, não  há  dúvida  que  esse  valor  deixará  de 
ser  meramente  subjectivo,  e  passará  a  ser  objectivo, 
se  como  valor  passar  também  a  ser  considerado 
ou  se  o  sujeito  de  apreciação  lhe  atribuir  a  mesma 
condição  de  valor  para  as  outras  pessoas. 

Daí  se  conclui  outra  dificuldade :  um  valor  pode 
ser  considerado  só  em  relação  ao  sujeito  que  o 
considera,  e  sem  atenção  pelo  que  os  outros 
pensam  sobre  êle,  ou,  pelo  contrário,  um  valor  é 
reconhecido  e  classificado  por  outros. 

No  primeiro  caso,  o  valor  é  considerado  em 
abstrato,  mas  o  segundo  é  tido  por  concreto  e 
real,  ao  contrário  do  anterior  em  que  se  dá  ao 
valor  um  carácter  ideal  [\).  Ainda  necessário  é 
ter  em  atenção  que  um  valor  pode  ser  imediato 


(i)  Há  que  ter  em  vista  que  um  valor  também  se  classifica  de 
ideal  quando  êle  é  afirmado  em  princípio,  em  tese,  independente- 
mente da  sua  existência, 


5o7 


ou  intrínseco,  sendo  tido  por  categórico ;  e  deri- 
vado, ou  instrumental,  tendo  uma  existência  si- 
milar às  dos  imperativos  hipotéticos  de  Kant  (i). 

Assim,  a  teoria  dos  valores  é  já  por  si  difícil,  ne- 
cessitando-se  de  um  espírito  subtil  e  de  uma  con- 
tenção grande  para  a  apreender  e  compreender 
em  toda  a  sua  profundeza ;  mas  ainda  há  que 
atender  que  tal  teoria  é  complexa,  pois  variados 
são  os  objectos  a  que  ela  se  pode  aplicar. 

Deste  modo,  Fonsegrive  num  estudo  acerca 
das  Recherches  sur  la  théorie  des  valeurs,  distingue 
cinco  espécies  diferentes  de  juízos  de  valores,  po- 
dendo sê-lo  de  valores  económicos,  estéticos,  in- 
telectuais, morais  e  religiosos. 

Pondo  de  parte  os  valores  económicos  todas 
as  outras  espécies  são  de  carácter  filosófico,  ou 
melhor,  são  divisões,  detalhes,  especializações  de 
valores  filosóficos  (2). 


(i)  Ver  a  tal  respeito:   a  obra  de  W.  Urban,  Valuations,  it 
nature  and  laws,  being  an  introduction  to  the  general  Theorie  of 
value,  1909;  e  um  artigo  de  A.  Lauande,  La  Theorie  des  valeurs, 
in  Revue  Philosophique,  i."  semestre  de  1910,  pág.  3o4  a  3ii. 

(2)  Contudo,  deve  dizer-se  que  de  todos  esses  valores  os  que 
teem  uma  base  verdadeiramente  objectiva  e  são  por  toda  a  gente 
reconhecidos  são  os  valores  económicos.  Há,  porem,  que  notar 
que  mesmo  nos  juízos  de  valor  económico  existe  muitas  vezes  o 
factor  subjectivo. 

Assim,  na  venda,  aquisição  ou  reaquisição  de  um  objecto  en- 
tra uma  grande  parte  das  vezes  em  conta  o  factor  subjectivo, 
pelo  qual  ao  objecto  é  dado  um  valor  pessoal,  ideal,  moral  que 
só  existe  para  os  que  o  consideram,  exemplos  :  uma  jóia  de  fa- 
mília, uma  recordação,  etc 


5o8 


b)  A  noção  de  valor  em  história 

Depois  de  havermos  estudado  o  lugar  da  his- 
tória no  quadro  geral  das  sciências,  de  termos 
notado  os  pontos  de  contacto  e  de  diferença  en- 
tre ela  e  as  sciências  da  natureza,  e  de  havermos 
definido  a  sua  natureza  como  sciência  descritiva 
e  como  sciência  indutiva  e  o  seu  carácter  exterior 
como  sciência  e  arte,  vamos  estudar  nela  a  con- 
cepção de  valor,  isto  é,  qual  a  base,  o  móbil,  o 
intuito  e  o  fim  da  apreciação  e  da  estimação  de 
valores  em  história  (i). 

A  exemplo  do  que  sucede  com  outras  sciências 
sociais  —  como  a  moral,  — ■  não  faltam  teóricos  da 
história,  como  Bernheim,  que  preconizem  a  cria- 
ção da  concepção  de  palor  em  história  a  fim  de 
joeirar,  seleccionar  e  escolher  na  infinita  comple-. 
xidade  da  vida  histórica  apenas  o  que  constitue 
o  tecido  essencial  da  evolução  material  e  moral 
das  sociedades. 

Mas,  grandes  são  as  dificuldades  para  se  es- 


(i)  Ora  o  valor  que  nós  aqui  consideramos  nem  é  o  da  moral 
e  muito  menos  é  o  das  sciências  económicas.  Não  há  dúvida  que, 
como  diz  G.  SiMMEF,.  a  categoria  de  valor,  ou  ponto  de  vista  prá- 
tico, e  a  categoria  do  ser,  ou  ponto  de  vista  teórico,  não  se  po- 
dem deduzir  simplesmente  do  conceito  de  objecto,  mas  também 
não  se  podem  classificar  à  priori,  dizendo  —  como  ele  —  sem 
outra  base  que  o  valor  é  subjectivo  e  a  realidade  é  objectiva. 

Nada  disso.  O  valor  é  também  objectivo,  mas  de  uma  objecti- 
vidade especial.  Ele  está  fora  e  acima  do  dualismo  do  sujeito  e 
do  objecto,  mas  não  é  uma  categoria  metafísica  —  como  quere 
Simmel:  é  uma  entidade  lógica. 

Ver  G.  Simmel,  Melanges  de  philosophie  relativiste,  Gap.  III. 


5o9 


tabelecer  os  jin:(os  de  valor  em  história.  Ao 
passo  que  nas  sciências  da  natureza  tal  selecção 
não  é  difícil  de  realizar,  pois  as  operações  de  ge- 
neralização e  o  critério  das  leis  sociais  servem  de 
normas  em  tal  classificação  e  selecção,  já  o  mesmo 
não  sucede  em  história,  pois  ai  o  coeficiente  pes- 
soal e  a  tara  subjectiva  com  o  seu  índice  de  fina- 
lismo  intervém  na  apreciação  e  escolha  dos  fa- 
ctos. 

Por  isso,  como  entende  Bernheim^ — no  seu 
Manual  de  metodologia  histórica  —  os  juízos  de 
palor  são  condicionados  por  «este  elemento  psico- 
-teleológico  que  é  inerente  às  acções  humanas  e 
comporta  absolutamente  o  conhecimento  e  apre- 
ciação dos  fins,  dos  meios  e  dos  motivos,  assim 
como  das  suas  mútuas  relações. 

Seguindo  Bernheim,  o  hegeliano  Windelband 
dá,  como  características  dos  factos  históricos,  o 
exclusivismo,  a  individualidade,  a  unicidade,  isto 
é,  a  sua  não  repetição,  isso  ligado  a  uma  relação 
de  palor,  como  entende  Rickert,  a  qual  tem 
como  ponto  de  reparo  e  como  base  a  vida  da 
espécie  (i). 

Efectivamente,  este  notável  teórico  da  história, 
dividindo  as  sciências  em  dois  grupos  —  as  sciên- 
cias naturais  e  as  sciências  históricas  —  distingue 
—  como  já  vimos  —  aquelas  destas,  dizendo  que 
as  primeiras  só  consideram  e  estudam  os  ele- 


(i)  Ver  na  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  ix,  pág  i25a 
140,  o  estudo  de  Windelband  —  já  por  nós  citado  —  acerca  de  A 
Sciência  e  a  História  ante  a  lógica  contemporânea, 


5io 


mentos  gerais  da  realidade,  e  as  segundas  só  se 
ocupam  dos  elementos  individuais  desta. 

Mas  a  história  não  se  ocupa  do  individual  só 
porque  o  é,  ela  submete  os  factos  a  um  mais  ele- 
vado princípio  de  selecção :  ao  dos  valores  da 
cultura,  dos  valores  de  civilização. 

Assim,  a  historiografia  só  se  ocupará  dos  fa- 
ctos individuais,  e,  de  entre  estes,  só  dos  que 
constam  e  representam  valores  de  cultura,  dos 
que  servem  a  civilização. 

RicKERT  na  primeira  parte  dos  seus  Die  Gren- 
len,  que  tèm  em  vista  —  como  diz  o  titulo  com- 
pleto da  sua  obra  — estudar  Os  limites  da  forma- 
ção das  noções  nas  sciências  naturais,  e  constitue 
uma  Introdução  lógica  às  sciências  históricas,  tra- 
tou de  mostrar  que  o  método  das  sciências  natu- 
rais não  é  aplicável  à  história,  na  segunda  parte 
da  mesma  obra  tem  em  vista  expor  a  essência 
lógica  da  história. 

Para  êle  a  noção  mais  importante  em  história 
é  a  noção  de  valor  —  der  Wert  (i).  E  esta  que 
ensina  a  distinguir,  em  história,  «o  que  é  essen- 
cial do  que  o  não  é»,  devendo  em  tais  juízos  in- 
tervirem noções  teleológicas  (2). 


(1)  Mais  tarde,  na  Geschichtsphilosophie,  insiste  na  questão  de 
Valor  em  história,  desenvolvendo  bastante  este  ponto. 

(2)  Também  na  citada  Geschichtsphilosophie  êle  insiste  pelo 
particularismo  dos  juízos  de  valor  em  história,  pois  lá  diz  a  pá- 
ginas 77  que  :  «se  nós  consideramos  algumas  cousas  de  uma  forma 
individual,  a  sua  particularidade  deve  ser  em  relação  com  um 
certo  valor  que  a  nenhum  outro  objecto  pertence». 

Nas  sciências  naturais  não  se  diz  o  mesmo.    Nestas  as  con- 


5ii 


E  aí  que  Rickert  vai  procurar  uma  das  cara- 
cterísticas da  história,  quando  diz  que  ao  passo 
que  nas  sciências  naturais  a  noção  de  valor  não 
é  chamada  a  intervir,  a  noção  histórica  é  sempre 
relacionada  a  um  valor,  pois  quando  se  estuda, 
se  considera  uma  evolução,  é  sempre  no  ponto  de 
vista  humano  que  a  consideramos,  isto  é,  se  ela 
possui  ou  representa  um  valor  para  a  cultura,  para 
a  civilização,  para  o  espírito  humano,  e  escreve : 

«Só  pode  ser  exposta  historicamente  uma  enti- 
dade què  pode  ser  colocada  numa  relação  de  va- 
lor», e  tendo  já  sessenta  páginas  antes  escrito 
que  o  que  são  as  leis  gerais  para  as  sciências  na- 
turais são-o  para  a  história  os  valores  reconhe- 
cidos j^or  todos  os  homens  (i). 


cepções  gerais  teem  ligado  a  si  valores  que  não  dependem  dos 
objectos  particulares,  mas  sim  da  parte  comum  a  elas,  podendo 
uns  exemplares  substituir  outros  da  mesma  espécie.  É  o  caso 
da  lei  geral  da  queda  dos  corpos,  pois  esta  queda  interessa-nos 
porque  não  depende  dos  objectos  particulares  mas  engloba-os  a 
todos,  podendo  nós  substituir  uns  exemplares,  como  pedras,  pe- 
daços de  ferro,  bocados  de  madeira,  etc,  por  outros,  tais  como 
bocados  de  chumbo,  cobre,  papéis,  terra,  etc,  porque  em  todos  a 
lei  é  verdadeira. 

(i)  Nesta  sua  obra  Rickert  continua  a  ver  na  noção  de  valor 
a  característica  da  história,  escrevendo,  a  páginas  78,  «que  as 
sciências  em  geral  são  independentes  da  noção  de  valor  emquanto 
que  as  do  indivíduo  não  podem  existir  sem  ela». 

Com  tal  exclusivismo  não  concorda  Xénopol  que  entende  que 
Rickert,  a  tal  respeito,  «vai  muito  longe»,  querendo  fazer  da  idea 
de  valor  «um  carácter  distintivo  da  história».  Depois,  aduz  :  «que 
esta  noção  é  igualmente  muito  importante  nas  sciências  de  leis». 

E  insiste  que  :  «o  elemento  de  valor. ..  não  pertence  exclusi- 
vamente à  história». 

Ver  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  xii,  pág.  348  a  355. 


5l2 


Tudo  isto  é  enormemente  falível,  precário. 

ji  Como  admitir  valores  reconhecidos  por  todos 
os  homens? 

De  resto,  é  o  mesmo  Rfckert  que  se  encarrega 
de  deitar  abaixo  o  seu  próprio  castelo  de  abstra- 
cções, admitindo  valores  que  —  segundo  êle  o  diz 
- —  7ÍÓS  não  podemos  apreciar. 

^  Se  nós  não  podemos  apreciar  como  podere- 
mos reconhecer  ?  <:  Ou  nós^  isto  é  o  próprio  au- 
tor, não  estamos  no  colectivo  todos? 

Tem  razão  Xénopol  quando  se  insurg*e  contra 
tão  vaga  concepção. 

Na  verdade,  nada  de  mais  contingente  e  mu- 
tável que  uma  tal  noção  de  valor,  porque  numa 
serieção  de  fenómenos  o  que  para  uns  tem  valor, 
e  um  certo  valor,  para  outros  tem  valor  diverso, 
ou  não  tem  nenhum. 

Por  esta  forma,  a  noção  de  valor  sendo  intei- 
ramente relativa  não  poderá  distinguir  o  que  é 
importante  em  história  do  que  o  não  é.  Ora  o 
relativo  e  o  contingente  nunca  constituíram  ba- 
ses scientiíicas  fosse  do  que  fosse,  pois  para  tal 
íim  só  podem  servir  princípios,  máximas  e  axio- 
mas absolutos. 

Também,  não  é  inteiramente  exacto  o  que  diz 
RiCKERT  quando  afirma  que  a  noção  de  valor  é 
particular  às  sciências  históricas.  Como  diz  Xé- 
nopol, «toda  a  sciência  é  uma  operação  do  espí- 
rito humano  e  o  homem  só  se  ocupa  do  que  para 
êle  tem  valor». 

Assim,  em  todas  as  sciências  o  homem  só  se 


5i3 


ocupa  do  que  lhe  interessa,  do  que  para  êle  é  im- 
portante, e  essencial,  do  que  para  êle  tem  valor. 
O  que,  segundo  Xénopol,  distingue  a  história  das 
sciências  naturais  não  é  pois,  va  noção  valor  em 
si^  mas  sim  as  mudanças  às  quais  ela  está  sujeita 
no  curso  da  duração ^^^  pois  «o  elemento  essencial 
da  história  é  o  desenvolvimento  no  tempo  (i). 

WiNDELBAND,  procuraudo  concretizar  o  seu  sis- 
tema de  valores  em  história,  fez  destes  o  produto  da 
concepção  moral,  e  diz  que  o  conceito  da  história 
não  se  baseia  sobre  valores  particulares^  indivi- 
duais, e  prestando-se  a  uma  análise  psicológica, 
mas  sobre  determinações  racionais,  supra-indivi- 
duais,  dos  valores. 

Depois,  distingue  ahistória-sciência  da  histó- 
ria-memórias,  dizendo  que  o  que  caracteriza  a  pri- 
meira é  «a  selecção  dos  factos  que  aquela  faz,  a 
sua  concepção  das  mútuas  dependências,  a  sua 
síntese  dos  materiais  isolados  de  um  lado,  e  dos 
valores  tendo  um  carácter  geral  e  necessário  do~ 
outro». 

Assim,  a  história-sciência,  isto  é,  como  sciência 
de  cultura,  só  é  possível  quando  a  existem  valores 
com  um  alcance  e  uma  aplicação  gerais  que  nos 
fornecem  a  razão  da  escolha  e  a  da  síntese  dos 
factos». 

Mas,  sendo  a  moral  a  sciência  filosófica  dos 
valores  gerais,  é  ela  —  como  já  havia  dito  Sch- 


(i)  XÉNOPOL^  Les  Sciences  naturelles  et  1'histoire,  in  Revue  de 
Syníhèse  Historique^  tomo  iv,  pág.  282  a  385. 
33 


5  14 


LEiERMACHER —  que  constituc  a  teoria  do  conheci- 
mento histórico. 

Porém,  o  inconveniente  das  concepções  de  Ri- 
CKERT,  como  das  de  Windelband,  de  Bernheim  e 
de  Grotenfelt^  é  que,  devendo  ser  a  história  uma 
sciência  cada  vez  mais  objectiva,  ela  passa  a  ser, 
pelas  concepções  de  valor,  eminentemente  subje- 
ctiva, pessoal,  arbitrária,  pois  o  quadro  de  valores, 
isto  é,  o  quadro  de  interesses  muda  de  indivíduo 
para  individuo (i).  O  que  mais  admira  é  que  Ri- 
CKERT  não  circunscreve,  por  vezes,  à  história  e  às 
outras  sciências  morais  a  noção  de  valor,  pois  ad- 
mite esta  mesma  nas  sciências  naturais,  dizendo 
que  também  nestas  se  deve  separar  da  multidão 
de  materiais  o  que  for  considerado  importante,  e, 
por  isso,  o  que  depe  ser  estudado.  E  dizemos 
por  vezes,  porque  em  outras  passagens  da  mesma 
obra  circunscreve  à  história  a  noção  de  valor. 

> 

Xénopol,  notando  essa  contradição,  acha  que 
são  comuns  às  sciências  naturais  e  morais  os  va- 
lores culturais  e  não  de  interesse  scientifico,  de- 
vendo ser  aquela  a  interpretação  de  Rickert  do 
valor  em  história  (2). 


(1)  Grotenfelt,  na  sua  obra,  em  alemão,  sobre  a  Classifica- 
ção de  valores  em  história,  é  o  primeiro  a  considerar  na  noção  de 
valor  o  elemento  pessoal,  até  mesmo  —  como  salienta  Xénopol  — 
guando  é  aplicado  o  mais  indirectamente  possível, pela  relação  dos 
factos  com  os  valores  gerais  da  humanidade. 

(2)  É  de  notar  que  Rickert,  na  sua  já  citada  obra  distingue  a 
apreciação  prática  da  relação  teórica  de  um  facto  ou  de  uma  per- 
sonalidade com  um  valor  cultural,  recor/jen dando  ao  historiador 
que  é  em  função  dessa  relação  que  ele  deve  apreciar  os  factosi 


5i5 


Com  Grotenfelt,  —  outro  teórico  da  história, 
—  subsistem  as  hesitações. 

Efectivamente^  este  no  seu  estudo  Acerca  da 
classificação  de  valores  na  técnica  histórica  (i), 
mostra  que  a  história  procura  ficar  objectiva  e 
imparcial  sem  por  isso  deixar  de  notar  que  ela 
é  forçada  a  certa  apreciação  dos  acontecimentos. 
Mas,  como  é  impossível  ocupar-se  de  tudo  o  his- 
toriador tem  que  fazer  uma  escolha  do  que  o  in- 
teressa ;  mas  é  nesse  critério  da  escolha  que  estão 
os  perigos,  pois  aí  interveem  as  concepções, 
as  ideas  e  os  sentimentos  pessoais  de  quem  faz  a 
selecção. 

Ora,  intervindo  aí  um  factor  subjectivo  de  tal 
importância,  êle  vê  em  perigo  a  objectividade  da 
história.,  A  forma  de  fugir  mais  ou  menos  à  alte- 
rabilidade e  mutação  de  critérios  consistiria  em 
estabelecer  um  princípio  supremo  —  como  o  fim 
absoluto  do  universo  —  pelo  qual  fossem  aferidos 
os  factos  particulares. 

Todavia,  o  autor  vê  a  impossibilidade  de  fixar 
scientíficamente  tal  princípio,  pois  quem  isso 
tentasse  teria  de  recorrer  à  filosofia,  onde  do- 
mina uma  inextricável  confusão  de  escolas  e  teo- 
rias. 

Em  vista  disso  Grotenfelt  tem  de  recorrer  a 


(i)  In  Archive  filr  systematische  Philosophie^  tomo  viii,  1902. 

Este  estudo  de  Grotenfelt  foi  desenvolvido,  no  ano  seguinte, 
dando  origem  a  uma  obra  especial :  —  Die  Werísclnitpmg  in  der 
Geschichte.  Eine  Kritische  Untersuchung  —  de  que  já  falámos. 


5i6 


Ranke  que  já,  em  1824,  no  prefácio  da  sua  His- 
tória dos  povos  latinos  e  germânicos,  explicava  : 

«Tem-se  atribuído  à  história  a  função  de  jul- 
gar o  passado,  de  esclarecer  os  contemporâneos 
sobre  o  futuro :  a  presente  obra  não  tem  tão  altas 
pretensões ;  ela  quere  mostrar  simplesmente  como 
as  cousas  se  passaram». 

Esse  método  aplicou  Ranke  a  todas  as  suas 
outras  obras  se  bem  que  não  deixasse  de  consi- 
derar os  acontecimentos  que  estudava  em  relação 
a  um  certo  número  de  princípios  ou  ideas  directi- 
vas —  as  leitende  Ideen  —  ideas  sempre  norteadas 
pela  concepção  da  civilização  progressiva  oci- 
dental (i). 

Mas,  ainda  aqui,  segundo  o  método  de  Ranke 
e  dos  seus  discípulos,  se  dava  a  intervenção  do 
factor  subjectivo.  A  forma  de  estabelecer  um 
princípio  de  selecção,  um  critério  de  escolha  seria 
recorrer  a  um  ponto  de  vista  puramente  quan- 
titativo, e,  portanto,  objectivo,  e  separar  os  fa- 
ctos preponderantes,  principais,  dos  secundários 
ou  acessórios,  escolhendo  só  aqueles,  isto  é,  os 
mais  importantes,  os  que  tiverem  consequências 
mais  prolongadas  e  vastas,  reflexões  mais  nume- 
rosas. Mas,  ainda  aí  interviria  o  factor  subje- 
ctivo, pois  a  distinção  entre  os  acontecimentos 


(i)  M.  Thadeus  Korzon,  sócio  da  Academia  das  Sciências  de 
Cracóvia,  seguindo  o  ponto  de  vista  de  Ranke,  fez  uma  comunica- 
ção no  Congresso  Internacional  de  História,  efectuado  em  Roma, 
em  1903,  tomando  o  progresso  como  critério  da  história,  e  defi- 
nindo esta  como  «a  sciência  da  civilização». 


5.7 


principais  e  os  secundários  seria  um  caso  de  in- 
terpretação pessoal  (i). 

Assim,  é  impossível  separar  uma  obra  do  seu 
autor,  pois  as  ideas,  e,  até^  os  sentimentos  deste 
^ —  e  os  da  sua  época  coados  através  do  seu  espí- 
rito—  entrarão  fatalmente  nos  seus  trabalhos,  res- 
tando só,  como  único  recurso  possível,  que  cada 
autor  não  se  abandone  ao  seu  instinto,  às  suas 
ideas,  mas  que,  por  um  fenómeno  de  desdobra- 
mento psíquico,  fiscalize  e  depure  estas. 

Continuando  a  avaliar  as  ideas  de  Arvid  Gro- 
TENFELT  uota-se  que  êle,  apesar  de  ver  na  sua 
noção  de  valor  um  elemento  mais  ou  menos  pes- 
soal, nem  por  isso  deixa  de  o  considerar  como 
um  princípio  de  selecção  scientífica  análogo  ao 
princípio  da  generalização,  se  bem  que  adiante 
logo  mostra,  apreensivamente,  como  tal  elemento 
de  valor  vem  alterar,  e  pôr  em  perigo,  o  carácter 
e  o  valor  scientífico  da  história. 

Apesar  disso,  Grotenfelt  não  engeita  o  seu 
princípio  diferencial  que  o  leva  a  distinguir  as 
sciências  naturais  da  história,  dizendo  que  ao 
passo  que  aquelas  «teem  como  principio  de  se- 
lecção as  noções  e  as  leis  gerais,  na  história  o 
princípio  de  selecção  reside  no  valor  que  o  histo- 


(i)  Acerca  do  objectivismo  e  do  subjectivismo  em  história  ver 
uma  comunicação  apresentada  por  M.  Benedetto  CROCEno  Con- 
gresso Internacional  das  Sciências  Históricas,  de  Roma,  em  igoS, 
e  publicada  sob  o  título  :  L' Altitude  subjective  et  Valtitude  objective 
datis  la  composition  historique,  in  Revue  de  Synthèse  Historique, 
tomo  VII,  pág.  261  a  265. 


5i8 


riador  concede  a  certos  factos  ou  a  certas  séries 
de  factos». 

A  coexistência  de  tais  noções  —  a  subjectiva  de 
valor  e  a  objectiva  da  história  como  sciência  —  não 
só  contrárias  como  contraditórias,  força  Groten- 
FELT  a  considerar  na  «nossa  sciência»  —  a  histó- 
ria—  uma  bifurcação^  ficando  de  um  lado  a  ne- 
cessidade absoluta  de  uma  apreciação  de  palor  dos 
factos  históricos;  do  outro  a  tendência  scientíjica 
tendo  em  vista  reduzir  ao  mínimo  a  influência  da- 
quele elemento  subjectivo  {i). 

Mas,  tal  bifurcação  não  passa  de  uma  imagem 
de  estilo,  pois  êle  considera  na  exposição  e  no 
desenvolvimento  das  ideas  dos  verdadeiros  his- 
toriadores «a  marca  de  um  carácter  scientifico 
bem  determinado  ainda  que  se  deva  reconhecer 
ali,  também,  uma  certa  apreciação  subjectiva  e 
não  scientifica  das  cousas,  no  ponto  de  vista  da 
concepção  geral  da  história»  (2). 

E  como  continua  vendo  que  a  coexistência  per- 


(i)  o  que  se  nota  nesta  concepção,  de  bifurcação,  de  Groten- 
FELT,  como  na  do  desdobramento  de  Rickert  é  a  influência  da 
Moral  com  a  sua  divisão,  em  moral  teórica  —  ou  o  estudo  e  enun- 
ciado dos  princípios  e  das  leis  morais;  e  em  moral  prática  —  ou 
estabelecimento  das  regras  de  conduta  humana. 

(2)  Também,  Grotenfelt  escreve  que  quando  se  estudam  os 
grandes  mestres  da  história  «a  selecção  e  a  aplicação  do  valor  aos 
factos  opera-se  por  uma  forma  inconsciente  e  instintiva...». 

Por  isso,  êle,  mais  tarde,  na  sua  Die  Weríschãt^ung  in  der 
Geschichte,  insiste  que  é  impossível  a  um  historiador  «despojar 
o  seu  eu»,  mesmo  quando  se  trata  de  Ranke,  pois  este  mesmo 
mistura  involuntariamente,  sem  dar  por  isso,  os  seus  sentimentos 
e  ideas,  a  sua  pessoa,  nas  suas  obras. 


5  ig 


manece,  e  com  ela  a  contradição  subsiste,  mas, 
querendo  continuar  a  dizer  que  «a  influência  do 
valor  só  condiciona  a  selecção  da  matéria  e  não 
suprime  o  carácter  scientífico  da  história»,  Gro- 
TENFELT  tem,  por  fim,  esta  conclusão  que  é  um 
verdadeiro  grito  de  alma:  «mas  se  sciência  pura 
só'  é  possível  onde  existe  a  verdade  objectiva, 
não  se  pode  pretender  que  a  história  seja  uma  sciên- 
cia pura. 

De  tudo  isto  conclue  Xénopol  que  «a  noção  de 
valor  não  pode  ser  utilizada  na  constituição  scien- 
tlfica  da  história».    E  para  isso  invoca  os  motivos 
seguintes :  « i .°  Porque  tal  noção  é  extranha  ao 
domínio  da  lógica,   sendo   de  natureza  moral; 
2."  Porque  tal  noção  não  pode  ser  absoluta;  e  a 
sciência  não  pode  basear-se  no  relativo ;  3 .°  Porque 
se  se  lhe  confere  uma  acepção  de  interesse  scien- 
tífico ela  fica  pertencendo  a  todo  o  domínio  do 
conhecimento,  e  não  pode  constituir  uma  caracte- 
rística da  história ;  4.°  Porque,  se  se  toma  tal  no- 
ção num  sentido  de  valor  cultural  ela  aplica-se  a 
todo  o  domínio  das  sciências  do  espírito,  tanto 
às  sciências  de  leis  como  às  sciências  históricas ; 
5."  Porque,  neste  último  caso,  ela  é  tirada  só  do 
desenvolvimento  do  espírito,  não  pode  aplicar-se 
a  toda  a  evolução»  (i). 

Ora,  longe  do  que  proclama  Xénopol  quando 
escreve  que  «tal  noção  de  valor  é  inútil  para  cons- 


(i)  A.-D.  XÉNOPOL,  La  notion  de  valeur  en  histoire,  in  Revue 
de  Synthèse  Historique,  tômoix,pág.  129  a  149. 


520 


tituir  a  história  num  sistema  scientííico  de  ver- 
dades» (i),  parece-nos  que  ela  tem  o  seu  lugar  e 
a  sua  função  em  história,  mas  um  lugar  e  uma 
função  muito  diferentes  que  as  que  ela  apresenta 
em  moral. 

Pode,  talvez,  mesmo  dizer-se  que  foi  o  poder 
de  sugestão  da  noção  de  valor  em  moral  que  le- 
vou Bernheim,  Rickert,  Windelband,  Grotenfelt 
e  XÉNOPOL  a  encararem  pela  maneira  como  o  fa- 
zem, tal  noção  em  história. 

Ao  contrário  do  que  teem  dito  alguns  teóricos 
da  história  a  noção  de  valor  deve  ter  um  sentido 
muito  diferente  do  de  interesse  do  nosso  espirito 
pelos  fenómenos  materiais  ou  morais  que  caem 
sob  a  nossa  atenção.  Foi,  precisamente,  o  erro 
de  se  haver  considerado  o  valor  como  sinónimo 
de  interesse  do  espirito  que  tornou  tal  noção  me- 
ramente pessoal,  subjectiva,  arbitrária^  e,  por- 
tanto, anti-scientífica. 

Ora,  nem  a  noção  de  valor  nas  sciências  de 
leis,  isto  é,  nas  sciências  da  natureza,  reside  — 
parece-nos  —  na  apreciação  das  noções  gerais 
concluídas  por  essas  sciências,  nem  em  história 
ela  consiste  —  quanto  a  nós  —  na  estimação  «dos 
grandes  clichés  da  cultura  humana». 

Se  assim  não  fosse,  se  a  sciência  dependesse 
de  tal  noção  de  valor  não  haveria  tantas  e  tais 
sciências  quantos  e  tais  fossem  os  objectos  do 


i)  XÉNOPOL,  ibidem,  pág.  149. 


521 


conhecimento,  mas  segundo  os  sujeitos,  os  espí- 
ritos, que  estudam  os  fenómenos. 

Deste  modo,  não  haveria  uma  física,  uma  quí- 
mica, um  grupo  de  sciências  médicas  e  outro  de 
sciências  históricas;  mas  haveria  a  física  do  sr.  A, 
a  química  do  sr.  B,  a  medicina  segundo  o  sr.  G, 
a  história  segundo  o  sr.  D.  Tomando  as  cousas 
neste  sentido  aa  nota  pessoal  é  inseperável  da 
idea  de  valor» — como  diz  Xénopol.  Mas,  tal 
não  deve  suceder. 

Ora,  as  hesitações  de  Rickert,  as  contradições 
de  Grotenfelt  e  de  alguns  outros  lógicos  da  his- 
tória, os  comentários  de  Xénopol  e  as  tendências 
ecléticas  de  outros  devem  desaparecer,  e  desapa- 
receriam se  à  iiocão  de  valor  se  desse  um  sentido 
> 

mais  definido,  rigoroso  e  claro  na  impossibilidade 
de  ser  preciso  e  nítido  como  é  —  por  exemplo 
—  o  do  sistema  de  unidades  c,  g,  s,  da  física. 

O  erro  da  noção  de  valor  por  parte  de  alguns 
teóricos  da  história  resulta  do  seu  erro  de  con- 
cepção da  história. 

Assim,  Bernheim  define  a  história  expositiva- 
mente,  quási  como  outros  explicam  a  moral,  isto 
é,  como  o  estudo  e  a  exposição  seguida  das 
acções  do  género  humano  «no  seu  encadeamento 
causal»  ;  eWiNDELBAND  vê  nela  só  o  lado  exterior, 
considerando-a  como  o  conjunto  das  memórias 
da  humanidade.  Rickert  faz  da  história  uma 
idea  mais  profunda,  vendo  nela  uma  sciência  que 
se  ocupa  em  primeiro  lugar  dos  fenómenos  espi- 
rituais, que  estuda  o  desenvolvimento  exclusivo 


522 


da  vida  do  espírito  humano,  proclamando  tam- 
bém que  a  história  é  uma  sciência  do  espirito  (i). 
Mas,  ao  passo  que  os  dois  primeiros  teóricos 
parecem  formar  da  história  uma  noção  muito 
exterior  e  superficial,  Rickert  cai  no  extremo 
oposto,  fazendo  dela  uma  idea,  a  um  tempo  muito 
abstrata,  e  muito  limitada  e  especial.  E  que  na 
evolução  da  humanidade  não  se  deve,  apenas,  ter 
em  vista  a  evolução  do  espírito,  pois  este,  sendo 
a  mais  alta  expressão  da  evolução  humana  e  a 
última  manifestação  da  vida  individual  e  cole- 
ctiva, é  antecedido  pela  evolução  material  — 
económica,  política,  etc.  —  da  humanidade. 


(i)  Também,  nos,  já  por  nós  citados,  Grer^en  Rickert  escreve 
que  «três  factos  determinam  o  carácter  da  história:  i."  os  seres 
de  valor  são  seres  espirituais ;  2°  os  valores  gerais  são  valores 
humanos ;  3.°  os  valores  humanos  são  valores  sociais.  Os  va- 
lores culturais  tornam  possíveis  a  história,  e  o  desenvolvimento 
histórico  produz  só  valores  culturais», 

Xpnopol,  io  loç.  cit.,  pág.  145. 


CAPÍTULO  VII 

A  nossa  colecção  de  documentos  inéditos 

1.°  —  A  análise  e  a  síntese  em  história 

Expusemos  no  capítulo  antecedente  qual  o  lu- 
gar da  história  no  quadro  geral  das  sciências.  e 
vimos  quais  as  concepções  de  Cournot,  Xénopol, 
H.  RiCKERT,  Karl  Lamprecht  e  vários  outros  teó- 
ricos e  práticos  da  história  sobre  a  natureza 
scientífica  e  o  carácter  de  precisão  em  história. 

Também^  notámos  qual  a  influência  que  teve 
na  metodologia  genética  da  história  o  principio 
de  evolução  tirado  das  sciências  naturais,  e,  por 
sua  vez,  qual  a  aplicação  de  tal  principio  aos 
problemas  das  sciências  da  natureza  e  ás  ques- 
tões das  sciências  do  espírito  ;  e  salientámos  qual 
o  grau  de  relação  entre  a  história  e  a  psicologia 
e  a  sociologia,  expondo  sucintamente  os  pontos 
de  vista  de  H.  Rickert,  Xénopol,  Paul  Lacombe, 
Taine,  George  Simmel,  Ed.  Mayer,  Emile  Reich, 
GuiDO  ViLLA,  KuRT  Breysig,  Spranger,  Bernheim, 
etc,  e  a  interpretação  psico-sociológica  da  his- 
tória segundo  K.  Lamprecht. 

Vimos  que,  se  são  grandes  as  variantes  de  cri- 


524 


tério,  não  são  elas  em  menor  número  no  que  res- 
peita à  natureza,  objectivo  e  aplicações  da  história ; 
tratámos,  com  algum  desenvolvimento,  do  método 
histórico  ;  e,  por  último,  ocupámo-nos  da  noção 
de  «valor»  em  história.  É  ainda  a  um  ponto  da 
metódica  histórica  que  nos  vamos  referir  aqui, 
tratando  da  função  da  análise  e  da  síntese  nessa 
sciência. 

É  hoje  um  principio  geralmente  estabelecido 
em  história  que  esta  deve  começar  pela  análise, 
não  passando  à  síntese  senão  quando  aquela  tiver 
terminado  as  suas  funções. 

Segundo  Boutroux  essas  ideas  vêem  da  íiloso- 
íia  do  século  xviii,  á  qual  já,  por  sua  vez,  assen- 
tava em  LocKE  e  em  Francisco  Bacon,  pois  este 
«distinguindo  radicalmente  os  factos  e  as  leis,  e 
condenando  a  hipótese  na  investigação  destas 
últimas,  prescreve  que  primeiro  se  elaborem  qua- 
dros completos  de  factos  antes  de  procurar  as 
leis  que  deles  devem  resultar»  (i). 

Parece-nos  bem  escusado  ir  —  como  o  emi- 
nente pensador  francês —  a  Bacon  procurar  a  in- 
fluência do  empirismo  na  história,  pois,  mais  evi- 
dente e  lógico  se  nos  mostra  o  ascendente  do 
espírito  objectivo  das  sciências  da  natureza  sobre 
as  sciências  históricas. 

É  certo  que,  dizia  Rénan  :  «Emquanto  todas 
as  partes  da  sciência  não  estiverem  esclarecidas 


(i)  Ver  Artigo  sobre  Histoire  et  synthèse^  in  Revue  de  Syn- 
thèse  Historique,  i^oO;  pág.  9. 


525 


por  meio  de  monografias  especiais,  os  trabalhos 
de  carácter  geral  são  prematuros»,  e  que,  jà,  es- 
crevia Fustel  de  Coulanges:  «É  preciso  toda  uma 
vida  de  análise  por  uma  hora  de  síntese»  ;  mas 
não  há  dúvida  que  tais  afirmativas  não  podem 
ser  consideradas  rigorosamente,  ao  pé  da  letra, 
sob  pena  de  ser  impossível  a  síntese  e,  daí,  toda 
a  sciência.  E  os  próprios  que  tal  disseram  se- 
riam os  primeiros  a  terem  que  confessar  que  o 
que  fizeram,  o  que  escreveram,  não  era  sciência, 
pois  não  podiam  ter  a  pretensão  de  haverem 
esgotado  as  análises  dos  assuntos  sobre  que 
escreveram. 

Antes,  tais  apriorismos  devem  ser  considerados, 
apenas,  como  prevenções  e  conselhos  de  prudên- 
cia, querendo  significar — como  escreve  Boutroux 
—  «que  toda  a  antecipação  do  espírito  é  neces- 
sariamente temerária,  se  não  tivermos  nenhuma 
razão  de  supor  que  nas  cousas  haja  ordem  e  ló- 
gica» (i). 

Assim,  aplicando  a  anáhse  e  praticando  o  es- 
tudo de  detalhe  não  se  deve  esquecer,  como 
essencial  complemento,  a  utilização  da  síntese,  a 
vista  de  conjunto,  pois,  como  diz  aquele  pensa- 
dor, «na  realidade  as  duas  operações  são  soli- 
dárias e  inseparáveis,  porque  o  pensamento  hu- 
mano quando  age  vê  as  cousas  como  partes  for- 
mando todos,  e  como  todos  divisíveis  em  partes. 
Pensar,  é,  precisamente,  considerar  o  múltiplo 


(i)  In  ob.  cii ,  pág.  IO. 


526 


em  relação  ao  uno,  e  o  uno  em  relação  ao  múl- 
tiplo» (i). 

Tem  razão  Boutroux.  A  análise  e  a  síntese 
supõem-se  reciprocamente. 

Como  êle  diz,  e  como  nós  havemos  de  praticar 
nos  volumes  desta  colecção,  da  massa  dos  docu- 
mentos devem  extrair-se  certas  ordens  de  factos 
que  pareçam  mais  dignos  de  serem  salientados, 
sendo  para  isso  necessário  que  se  entre  no  estudo, 
na  análise  documental  com  os  conhecimentos 
dos  grandes  acontecimentos,  dos  factos  gerais, 
que,  por  serem  os  primeiros  e  mais  seguramente 
conhecidos,  devem  servir  de  guias  no  estudo  e 
determinação  dos  pequenos.  Assim,  o  detalhe 
será,  senão  descoberto,  pelo  menos  conhecido 
pelo  conjunto,  e  o  conhecimento  resultará  do  so- 
matório e  da  síntese  dos  conhecimentos  de  de- 
talhe. 

Depois,  para  bem  conhecer  e  compreender  os 

acontecimentos  é  essencial  estabelecer  as  relações 

> 

causais  entre  os  factos,  e  essas  relações  só  ressal- 
tam de  conhecimentos  psicológicos,  históricos  e 
sociológicos  —  os  quais,  pela  sua  natureza,  são 
gerais  e  sintéticos. 

Mas,  há  mais.  Gomo  diz  — com  inteira  razão 
—  o  eminente  pensador  que  vimos  seguindo  : 

«Eníin,  c'est  un  besoin  três  vif  et  três  legitime 
chez  Fhistorien,  que  de  se  rendre  compte  et 
d'informer  son  lecteur  de  la  signiíication  et  de 


(i)  Ibidem,  pág.  ii. 


527 


la  porte  des  résultats  qu'il  a  obtenu».  E  aduz : 
«Cest  à  cette  oeuvre  de  condensation  et  de  sim- 
pliíication  compréhensive  que  se  reconnaissent 
les  esprits  vigoureux,  ceux  qui  savent  transmuter 
les  faits  en  idées  sans  rien  laisser  perdre  de  leur 
substance».  E  continua,  luminosamente :  «Cest 
ce  travail  qui  est  vraiment  Ia  prise  de  possession 
des  documents  historiques  par  rintelligence  hu- 
maine,  comme  la  réduction  des  phénoménes  phy- 
siques  en  formules  matématiques  est  la  prIse  de 
possession  de  la  matière»  (i). 

A  primeira  operação  do  trabalho  histórico  é, 
poiâ,uma  manifestação  de  carácter  analítico,  con- 
sistindo na  busca  e  recolha  dos  documentos  ou 
heurística,  e  na  análise  e  crítica  de  cada  um. 

De  resto,  tal  carácter  analítico  não  é  uma  par- 
ticularidade da  história,  pois  outro  tanto  sucede 
nas  sciências  da  natureza.  É  sempre  do  agru- 
pamento de  observações  e  experiências  e  da  sua 
comparação  que  resultam  as  leis  e  princípios 
sobre  os  quais  assenta  cada  sciência. 

Mas,  a  particularidade  da  história  consiste  em 
fazer  todo  esse  trabalho  analítico  indirectamente 
sobre  factos  passados  e  com  o  material  consti- 
tuído pelos  resíduos,  vestígios  ou  traços  —  09 
documentos  —  desses  factos,  sem  que  seja  possí- 
vel exercer  sobre  estes  qualquer  fiscalização  por 
eles  não  serem  repetitórios,  hmitando-se  toda  a 
inspecção  aos  documentos. 


(i)  E.  BouTROux,  ob.  cii.t  pág,  ia. 


528 


Tal  característica  do  trabalho  histórico  implica 
por  parte  dos  eruditos  e  historiadores  qualidades 
pessoais  importantes  não  só  no  que  respeita  ao 
saber,  mas  à  acuidade  da  inteligência,  à  intuição 
do  espírito,  sem,  contudo,  se  dever  chegar  às  pro- 
fecias e  adivinhações. 

Dizia,  cora  razão,  Fustel  de  Goulanges  :  «II  n'y 
a  pas  de  divination  en  histoire.  Le  meilleur  his- 
torien  est  celui  qui  voit  le  plus  profondément  et 
le  plus  exactement». 

Assim,  o  trabalho  histórico  demanda  da  parte 
de  quem  o  efectua  especiais  qualidades  de  inteli- 
gênci-a,  uma  subtilesa  e  um  esprit  de  Jinesse  enor- 
mes, perfeitos,  vivos. 

Tratando  do  espírito  da  investigação  escreve 
ainda  Fustel  de  Goulanges  :  «La  recherche  n'est 
pas  la  compilation».  E,  explica :  «II  y  a  des  éru- 
dits,  et  son  sans  mérite  qui  se  bornent  à  recueil- 
lir,  à  noter ;  ils  font  la  compilation ;  il  y  en  a  d'au- 
tres  qui,  tout  en  recueillant  et  notant  ne  se  con- 
tentent  pas  de  ce  qui  s'oífre,  sondent,  regardent 
audessous  des  textes,  fouillent  sous  les  apparences 
premières ;  ils  font  de  la  recherche.  II  y  a  de 
même  en  chimie  et  en  toute  ácience  des  compila- 
teurs,  des  chercheurs»(i). 

Mas,  não  basta  realizar  as  operações  analíticas 
da  colheita  de  documentos  e  as  do  estudo  minu- 
cioso e  crítico  de  cada  um.  Necessário  é  reunir, 
dispor,  seriar,  organizar,  esses  documentos  em 


\\)  Ver  Revue  de  Syntèse  Historique^  tômcrii,  pág,  255. 


529 


corpo  de  sciência»  e  os  factos  de  que  eles  tratam 
em  «corpo  de  realidade»,  isto  é,  necessário  se 
torna  realizar  o  trabalho  sintético (i). 

Porém,  é  de  recordar  que  essas  duas  formas 
do  trabalho  histórico  são  inseparáveis  para  a 
elaboração  de  uma  obra  próxima  da  perfeição  e 
completa.  Apenas  com  as  operações  analíticas 
não  se  pode  conseguir  a  construção  da  obra  his- 
tórica, pois  só  pela* ligação  dos  disjecta  membra 
é  possível  organizar  um  corpo  de  verdades  e  insu- 
flar-lhe  vida  e  espírito :  esta  é  a  missão  do  tra- 
balho sintético. 

Separar  essas  duas  modalidades  do  trabalho 
histórico  é  arriscar  ou  a  solidez  dos  seus  funda- 
mentos ou  a  perfeição  e  íinaUdade  da  própria 
obra. 

Só  o  trabalho  de  análise  documental  e  só  os 
estudos  de  erudição  não  bastam  para  a  recons- 
tituição de  um  facto  ou  de  uma  época,  nem  para 
a  vivificação  de  um  personagem. 

Mas,  de  pouco  valem,  pela  falta  de  solidez  e 
pela  fraqueza  de  exactidão  os  trabalhos  só  de 
síntese,  e  que  vivem  apenas  de  uma  crítica  reno- 
vada e  de  uma  nova  interpretação  dos  dados  já 
existentes.  E  este  mais  ou  menos  o  caso  da  fa- 
mosa obra  de  Guilherme  Ferrero,  A  grandeza  e 
decadência  dos  romanos 


(i)  Ver  Ernest  Bernheim>  Manual  de  Metódica  Histórica  (em 
alemão) ;  Lanolois  e  Seignobos,  Introdução  aos  Estudos  Históricos 
(em  francês). 


53o 


O  Dr.  S.  Jankelevitch,  fazendo  a  crítica  da 
obra  de  Guilherme  Ferrero  —  A  grandeza  e  de- 
cadência dos  romanos.  I  A  Conquista  —  apresenta 
ideas  e  arrisca  algumas  afirmações  de  carácter  ge- 
ral sobre  a  teoria  da  história  que,  sendo  susceptí- 
veis de  discussão  por  estarem  longe  de  corres- 
ponder à  verdade  —  na  nossa  opinião,  —  são  de 
citar  porque  apresentam  um  ponto  de  vista  que^ 
longe  de  ser  exclusivo  desta  crítica,  é  hoje  alguma 
cousa  seguido. 

Escreve  Jankelevitch  : 

«Se  o  grau  de  precisão  dos  nossos  conheci- 
mentos relativos  ao  passado  não  dependesse  se- 
não do  número  de  textos,  de  fontes,  de  docu- 
mentos utilizados  em  favor  de  tais  conhecimentos, 
haveria  mais  de  um  período  histórico  acerca  do 
qual  estaríamos  no  direito  de  afirmar  que  o  co- 
nhecíamos de  uma  íorma  perfeita,  imutável,  ne 
varietur, 

«Contudo,  parece  que  tal  assim  não  é  porque 
a  cada  instante  vemos  aparecer  novos  trabalhos 
relativos  a  períodos  que  pareciam  ser  o  melhor 
conhecidos  e  que,  cousa  interessante,  não  se 
apoiam  sobre  nenhum  documento  novo,  sobre 
nenhum  texto  inédito. 

«(iQual  é,  pois,  o  elemento  verdadeiramente 
novo  que  estes  trabalhos  apresentam,  em  que  é 
que  eles  vêem  enriquecer  os  nossos  conhecimen- 
tos, qual  a  sua  utilidade  teórica  ou  prática  ? 

«A  resposta  a  estas  perguntas  não  apresentará 
nenhuma  dificuldade  se  se  quiser  admitir  que  ao 


53i 


lado  da  erudição  que  forma  a  base  dos  estudos 
históricos,  há  a  síntese  que  é  o  seu  complemento, 
e  que  tem  por  fim  reunir  os  materiais  fornecidos 
pela  erudição  tendo  em  vista  uma  interpretação 
de  conjunto». 

E  continua : 

«Ora,  se  a  erudição  constitue  a  parte  por  assim 
dizer  impessoal,  objectiva,  permanente  dos  estu- 
dos históricos,  a  síntese  é  a  pai  te  subjectiva,  va- 
riável, deles,  não  dependendo  as  suas  variações 
do  capricho  ou  das  preferências  puramente  pes- 
soais do  historiador,  mas  do  meio  histórico  no 
qual  êle  vive,  dos  grandes  problemas  sociais  e 
políticos  que  agitam  a  sua  época  e  que,  desco- 
nhecidos dos  historiadores  que  o  tinham  prece- 
dido, inspiram-lhe  analogias  novas,  permitindo 
aplicar  ao  passado  um  ponto  de  vista  igualmente 
novo». 

E  acrescenta  : 

«E,  pois,  de  presumir  que  dos  nossos  dias  espe- 
cialmente, em  que  a  era  por  assim  dizer  a  analítica 
dos  estudos  históricos  pode  considerar-se  cerrada 
o  número  de  trabalhos  consagrados  à  síntese  irá 
aumentando  à  proporção  que  novos  problemas 
surjam,  os  quais,  alargando  a  nossa  experiência 
histórica  pessoal,  actual,  nos  permitirão  apreen- 
der o  passado  numa  síntese  ao  mesmo  tempo 
mais  vasta  e  mais  compreensiva». 

É  esse  processo  sintético  e  psicológico  que  G. 
Ferrero  procura  aplicar  na  sua  obra  monumental 
sobre  a  história  de  Roma,  reduzindo  esta  a  uma 


532 


luta  de  classes,  ao  produto  de  uma  acção  interna 
que  teve  como  consequências :  a  transformação  da 
tradicional  república  aristocrática  e  agrícola  num 
grande  império  mercantil  e  democrático,  a  subs- 
tituição da  antiga  hierarquia  social  e  política, 
baseada  na  tradição,  por  uma  outra  organização 
mais  aberta  e  flexuosa  —  mercantil,  plutocr ática 
—  baseada  na  posse. 

Em  história,  mais  que  em  qualquer  outra  sciên- 
cia,  é  necessário  o  maior  cuidado  com  as  cons- 
truções subjectivas,  imaginosas,  onde  pode  haver 
muita  intuição,  muito  engenho,  mas  tudo  isso 
nada  mais  faz  que  comprometer  a  confiança  numa 
obra  quando  a  esta  falta  uma  grande  e  sólida 
base  documental. 

Já  vimos  no  capítulo  anterior  que  a  imagina- 
ção apresenta  na  reconstituição  histórica  um  im- 
portante papel,  e,  até,  no  pensar  de  alguns,  uma 
função  dominante.  É  certo  que  não  desdenhamos 
o  papel  da  actividade  criadora  do  espírito  em 
história,  sabendo  que  tal  actividade  não  é  origi- 
nariamente criadora,  pois  ela  tira  os  seus  ele- 
mentos de  construção  das  recordações  conser- 
vadas no  nosso  espírito  ou  directamente  dos  fa- 
ctos a  que  asssistimos  e  de  que  tratamos  —  como 
nas  memórias,  autobiografias,  etc.  —  ou  da  lei- 
tura e  estudo  de  documentos ;  mas  essencial  se 
torna  não  confiar  muito,  e,  ainda  menos,  só,  na 
imaginação,  antes  importa,  no  mais  alto  grau, 
fiscalizar  esta. 

Ora  isso  nem  sempre  tem  sido  feito  entre  nós 


533 


—  por  exemplo  —  mesmo  no  período  contempo- 
râneo. Mas  não  é  só  por  cá  que  se  tem  abusado 
da  imaginação  em  história,  tirando  juízos,  con- 
cluindo afirmações,  de  puras  hipóteses,  de  meras 
conjecturas  criadas  em  todas  as  suas  partes  pela 
imaginativa  dos  seus  autores.  Também  a  histo- 
riografia contemporânea  estrangeira  nos  apre- 
senta—  e  bem  numerosas  vezes — casos  idênticos. 

Assim,  na  Introdução  ao  primeiro  número  da 
Repue  Historiqiie,  escrevia  Gabriel  Monod,  em 
1876,  dizendo  que  a  França  estava  num  período 
ade  preparação,  de  elaboração  de  materiais  que 
servirão  depois  para  construir  edifícios  históricos 
mais  vastos».  E,  segue:  «Les  esprits  générali- 
sateurs,  les  artistes,  viendront  à  leur  tour  mais 
animes  de  reserve  et  de  prudence,  ne  se  servant 
que  de  matériaux  éprouvés  et  authentiques,  et 
laissant  volontairement  inachevées  les  parties  de 
Tédifice  que  la  science  ne  peut  retrouver  et  dont 
rimagination  seule  peut  deviner  vaguement  les 
formes  probables»  (i). 

Também  Renan  escrevia :  «Aussi  long  temps 
que  toutes  les  parties  de  la  science  ne  seront  pas 
élucidées  par  des  monografies  spéciales,  les  tra- 
vaux  seront  prématurés»,  e  é  bem  conhecida  e  já 
foi  por  nós,  aqui,  citada  a  frase  de  Fustel  de  Cou- 
LANGEs:  «II  faut  toute  une  vie  d'analysc  pour  une 
heure  de  syntèse». 


(i)  Ver  nessa  Reviie^  primeiro  ano,  pág.  34  e  35. 


534 


2." — Âs  publicações  documentais 

A  primeira  forma  do  trabalho  analítico  consiste 
nas  diligências  sobre  a  Hauristica,  isto  é,  nas 
opecaçôes  tendentes  a  conhecer  onde  estão  os 
documentos  sobre  determinado  assunto  e  quais 
são,  e  a  fazer  o  seu  estudo. 

Apesar  do  que  diz  Seignobos,  na  Introdiiction 
aux  études  historiques,  é  cada  vez  mais  definida 
a  divisão  do  trabalho  em  história.  O 'erudito^  ou 
historiador  de  análise^  tende  cada  vez  mais  a  tor- 
nar-se  o  investigador  das  fontes  em  primeira  mão, 
o  seu  critico  maximamente  minucioso  e  reflexivo, 
e  o  editor  das  colecções  de  documentos  inéditos ; 
o  historiador  de  síntese,  ou,  simplesmente,  histo- 
riador, reserva  para  si  o  trabalho  de  construção 
sintética  sobre  os  dados  fornecidos  pelo  erudito 
nas  suas  análises. 

Por  isso,  é  cada  vez  maior  a  obra  de  publica- 
ção de  documentos  inéditos  levada  a  efeito  em 
todos  os  países  civilizados  —  como  já  vimos  nos 
capítulos  anteriores.  Efectivamente,  teem  sido 
encontrados  e  publicados  documentos  preciosos 
que  teem  vindo  renovar  a  história,  trazendo  no- 
vos conhecimentos  os  quais  hão  feito  surgir  no 
espírito  dos  historiadores  novos  critérios. 

Apesar  de  tais  normas  bem  objectivas  e  críticas 
do  trabalho  histórico  terem  a  sanção  geral  e  o 
aplauso  unânime  uma  outra  voz  —  ontem  mais, 
e  hoje  muito  menos  —  se  levanta  aqui  e  acolá 


535 


contra  a  chamada  cassa  ao  inédito.  Entre  essas 
vozes  dispersas  encontra-se  a  de  Brunetière  — 
figura  de  grande  valor  na  historiografia  da  litera- 
tura francesa,  e  que  por  isso  nós  vamos  patentear, 
tanto  mais  que  o  ponto  de  vista  desse  historiador 
é  o  de  todos  que  se  teem  erguido  contra  o  que 
chamam :  o  abuso  dos  inéditos. 

No  decurso  desta  obra  temos  visto  quão  grande 
tem  sido  a  importância  que  se  tem  dado  às  pu- 
blicações documentais.  E,  não  admira  que  isso 
tenha  sucedido. 

Na  história  política,  militar,  diplomática,  eco- 
nómica e  social  os  documentos  são  os  traços,  os 
vestígios  e  as  provas  objectivas  que  teem  deixado 
as  ideas  e  os  actos  humanos. 

E,  pois,  pelos  documentos,  pelas  fontes,  que 
podemos  adquirir  conhecimentos  e  formar  ideas 
sobre  os  factos  passados.  E,  se  o  fim  ideal  da 
história  consiste  —  como  diz  G.  Monod  —  em  re- 
constituir, na  série  dos  tempos,  a  vida  integral  da 
humanidade,  ou,  pelo  menos,  na  reconstituição 
parcelar  do  passado  humano  numa  das  suas  ma- 
nifestações, não  há  dúvida  que  sem  documentos 
nada  disso  será  possível. 

Por  isso,  é  opinião  universalmente  estabelecida 
que  a  precisão  e  o  rigor  dos  conhecimentos  his- 
tóricos crescem  na  razão  directa  dos  conheci- 
mentos documentais. 

Porém,  na  história  das  ideas,  e  na  história 
literária,  a  importância  dos  documentos  inéditos 
não  é  tão  essencial  e-tão  importante  como  nas 


536 


outras  especialidades  históricas,  se  bem  que,  tam- 
bém, sem  o  socorro  dos  documentos  se  não  possa 
fazer  critica  literáfia  sem  fazer  história. 

Assim,  Sainte-Beuve  podia  notar,  com  mal  in- 
sofrido despeito,  a  febre  que  já  no  seu  tempo 
lavrava  da  descoberta  e  da  publicação  de  docu- 
mentos ;  e,  depois,  F.  Brunetière  —  muito  mais 
critico  literário  e  historiador  de  síntese  que  inves- 
tigador—  censurava^  há  quarenta  anos,  com  al- 
gum azedume,  «la  fureur  des  inedits»,  referindo-se 
a  aTenvahissement  d'une  vaine  et  fausse  érudition 
dans  le  domaine  des  lettres,  ou  même  de  This- 
toire». 

A  seguir,  Brunetière  diz  que  aos  olhos  de  um  de- 
cifrador  de  textos  ou  de  um  editor  de  inéditos  que 
importa  a:  «scienceet  conscience,  íinesse  dugoút, 
súreté  du  tact,  art  de  choisir,  art  de  composer,  ima- 
gination  du  style,  bonheur  de  Texpression,  esprit 
ou  grâce,  éloquence  ou  force,  tout  ce  qui  s'est  ja- 
dis  nommé  du  nom  de  talent,  ou  de  génie  même»  ? 

E,  assim,  depois  de  enumerar  as  qualidades 
que  devem  caracterizar,  segundo  êle,  um  histo- 
riador literário  — e  que  são  as  suas  próprias  cara- 
cterísticas, —  êle  lá  chega  a  fazer  uma  concessão 
mais  ou  menos  generosa,  escrevendo:  «Ce  n'est 
pas,  à  la  vérité,  que  les  documents  inédits  ne  puis- 
sent  quelquefois,  en  littérature  comme  en  histoire, 
servir  de  quelque  chose». 

E,  depois  de  aludir  às  descobertas  de  docu- 
mentos que  teem  esclarecido  a  biografia  de  Vol- 
taire e  à  «história  da  vida  e  das  obras  de  Mo- 


537 


LiÈRE»,  e  de  dizer  que  apesar  disso  tais  descobertas 
não  influíram  no  conhecimento  e  apreciação  ge- 
rais dos  autores  e  das  obras  escreve  :  «J'accorde- 
rai  donc  qu'un  document  inédit  ne  manque  tou- 
jours  d'intérêt».  E  acrescenta:  «Je  dirai  plus : 
on  se  résignerait  même,  et  Ton  subirait  volon- 
tiers  ce  débordement  de  paperasses  s'il  n'y  avait 
rien  autre  chose  à  faire,  et  que  nos  érudits,  avant 
de  proceder  à  ces  inventaires  d'archives,  nous 
eussent  donné  toul  ce  que  nous  sommes  en  droit 
d'attendre  et  d'exiger  d'eux». 

Passa  a  afirmar  que  «cette  chasse  auxinédits» 
desvia  a  crítica  e  a  própria  erudição  do  seu  con- 
veniente caminho,  e  dando  vários  exemplos  das 
lacunas  que  então,  em  i883,  experimentava  a 
historiografia  literária  francesa,  êle  incita  os  eru- 
ditos a  «commencerpourlegrosdeTouvrage»,  em 
vez  de  esgotarem  a  «publier  leurs  petitspapiers». 

No  seu  desenvolvido  estudo  Brunetière  passa 
a  referir-se  aos  incidentes  erroneamente  atribuídos 
a  certos  escritores  por  aqueles  que  levam  a  vida 
a  investigar  papéis,  em  vez  de  lerem  e  de  estu- 
darem as  obras  dos  próprios  escritores  (i),  e  isto 


(i)  Brunetière  cita  o  caso  curioso  do  investigador  Louis- 
-AuGUSTE  Ménard  ter  publicado,  como  versos  inéditos  de  Bossuet, 
cerca  de  Soo  ou  400  que  figuravam  já  em  todas  as  boas  edições 
ultimamente  publicadas  das  obras  do  famoso  orador  sagrado.  Du- 
rante uma  semana  ninguém  deu  por  isso,  gastando  se  o  tempo  e 
o  esforço  a  discutir  a  autenticidade  dos  versos.  O  mesmo  Mé- 
nard pouco  tempo  depois  revelava  como  inéditas  fábulas  de  La 
FoNTAiNE  os  medíocres  Contes  Galans  que  já  estavam  impressos 
há  mais  de  200  anos,  e  eram  da  autoria  de  M,""*  de  Villedieu, 


538 


sem  tomar  em  conta  a  fabricação  e  falsificação 
de  inéditos;  e,  depois,  manifesta-se  contra  a  pu- 
blicação das  pequenas  notas,  esboços,  ensaios 
de  escritores  e  oradores  que  nada  adiantam  no 
conhecimento  e  apreciação  das  obras,  e  podem 
embaciar  o  prestígio  dos  seus  autores  (i). 

Aqueles  que  desejam  «renovar»  os  assuntos  de 
estudo,  êle  recomenda:  «Lisons  un  peu  plus  d'a- 
bord,  lisons  surtout  plus  consciencieusement»,  no- 
tando quantas  cousas  novas  havia  ainda  a  encon- 
trar na  Correspondance  de  Grimm,  no  Année  litté- 
raire  de  Fréron,  no  Journal  encyclòpedique  de  P. 
Rousseau  (2).  E,  depois  de  dizer  que  se  aos  histo- 
riadores não  basta  ler,  profundar  as  obras,  rece- 
ber delas  a  impressão  directa,  e  de  nada  dizer  que 
nesse  estudo  não  se  haja  pensado  por  si  próprio, 
nota  que  há  um  outro  meio  de  renovar  os  assuntos 
e  que  consiste  em :  «les  étudier  dans  Thistoire 
autant  qu'en  eux-mêmes,  de  les  suivre  à  travers 
les  révolutions  du  gôut,  d'en  épuiser  enfin  la  di- 
versité  d'aspects,  et  par  le  souci  du  détail  cara- 
ctéristique  d'y  introduire  en  quelque  sorte  Tani- 
mation  de  la  vie».  Exemplifica  que  foi  isso  que 
fez  Sainte-Beuve  no  seu  admirável  Port-Royal, 
e  pedíamos  acrescentar  que  foram  esses  os  pro- 


())  È  o  caso  de  certas  pequenas  obras  de  Corneille,  Molière 
e  La  Fontaine. 

(2)  É  o  caso  da  Histoire  de  la  littér ature  française,  da  Desiré 
NiSAUD,  que  é  quási  exclusivamente  o  produto  da  «leitura  cons- 
cienciosa» das  obras  dos  escritores  franceses. 


539 


cessos  de  trabalho  seguidos  pelo  próprio  Brune- 

TIÈRE. 

Com  esse  ponto  de  vista  não  admira  que  a 
Saint-Beuve,  ao  Taine  da  Histoire  de  la  littérature 
anglaise,  e  ao  mesmo  Brunetière  pouca  falta 
fizessem  os  documentos  inéditos. 

Esses  e  outros  autores  do  género  foram  muito 
mais  críticos  que  historiadores,  e  quási-nada  in- 
vestigadores. O  que  os  interessou  foram  as  obras 
em  si,  a  sua  belesa,  o  seu  poder  de  expressão,  a 
sua  força  emocinal.  Mas,  isso  não  é  história  :  é 
critica.  E  o  próprio  Brunetière  lá  o  diz,  quando 
indica  o  objecto  próprio  da  critica:  «interpréter 
les  oeuvres,  et  à  mesure  qu'elles  vivent  plus  long- 
temps,  trouver  des  raisons  plus  profondes  pour 
expliquer  cette  vitalité».  Se  a  história  se  limi- 
tasse às  questões  de  critica  literária  talvez  se  po- 
desse  dizer  —  e  ainda  assim  só  incompletamente 
—  com  Brunetière:  «On  ne  voit  pas  bien  ce 
qu'ont  à  faire,  en  tout  cela,  les  documents  iné- 
dits»  (i). 


Vamos  tratar  agora  das  especializações  no 
domínio  do  trabalho  histórico,  e,  especialmente, 
da  diferença  de  objectivos  e  de  métodos  de  es- 
tudo entre  os  historiadores  e  os  eruditos. 


( I )  o  estudo  de  Brunetière,  a  que  nos  temos  vindo  reportando, 
foi  publicado,  com  o  título  de  La  Fureur  des  InédUs  na  Revue 
des  Deux  Mondes,  de  i  de  Outubro  de  1 883. 


540 


Ainda  que  Georges  Bohn  diga  que  «as  grandes 
descobertas  em  sciência  são  raras  vezes  devidas 
a  especialistas»,  e  que  «os  especialistas  nunca 
exerceram  uma  profunda  influência  no  movi- 
mento das  ideas,  não  sendo  entre  eles  que  se 
tem  recrutado  os  verdadeiros  inventores»  (i),  o 
certo  é  que  a  vastidão  da  sciência  leva-nos,  for- 
ça-nos,  impele-nos  para  o  especialismo. 

Não  há  dúvida  que,  como  diz  M.  Bohn  :  «E 
necessário  uma  cultura  geral  para  formar  artistas 
e  sábios  verdadeiramente  originais»;  mas  não  é 
essa  cultura  geral  incompatível  com  a  especiali- 
zação, antes  se  completam,  servindo  aquela  de 
quadro  geral  e  esta  de  detalhe  de  um  ponto  desse 
quadro  de  cultura. 

Também,  não  é  de  esquecer  a  conclusão  de  Le 
Dantec  :  «il  n'y  a  nulle  part,  dans  le  champ  de  la 
connaissance,  de  barrière  que  limite  le  domaine 
propre  de  la  science».  E  já  muitos  anos  antes 
escrevia  Fustel  de  Coulanges:  «A  en  croire  cer- 
tains  esprits,  il  faut  borner  le  travail  à  un  point 
particulier,  à  une  ville,  à  un  événement,  à  un 
personnage,  tout  au  plus  à  une  génération  d'hom- 
mes.     J'appelerai  cette  méthode  le  spécialisme». 

Logo  justifica  e  pergunta :  «EUe  a  ses  mérites 
et  son  utilité ;  elle  peut  reunir  sur  chaque  point 
des  renseignements  nombreux  et  súrs.  Mais 
est-ce  bien  la  le  tout  de  la  science  ?  Supposez 
cent  spécialistes  se  partageant  par  lots  le  passe 


(i)  In  Mercwe  de  France,  de  i  de  Fevereiro  de  1921,  pág.  772. 


541 


de  la  France;  croyez-vous  qu'à  la  fin  ils  auront 
fait  rhistoire  de  la  France  I^  J'en  doute  bcau- 
coup :  il  leur  manquera  au  moins  le  lien  des 
fails;  or  ce  lien  est  aussi  une  vérilé  historique»  (2). 

Também,  o  eminente  pensador  e  pedagogista 
LiARD  diz  nas  Pages  éparses,  sobre  o  mesmo 
assunto:  «Especialidades,  sem  dúvida  alguma 
que  são  precisas  na  sciência...  Mas  a  especia- 
lidade não  é  a  separação;  a  distinção  não  é  o 
isolamento.  Pelo  contrário,  quanto  mais  a  sciên- 
cia penetra  no  detalhe  infinito  das  cousas  mais 
são  necessárias  as  fontes  de  reparo  e  as  vistas  de 
conjunto.  O  especialismo  exclusivo  é  uma  mão 
que  pulveriza  as  ideas.  É-lhe  preciso  um  cor- 
rectivo: as  concepções  gerais.  O  especialismo 
estreito  que  não  se  liga  a  ideas  mais  largas  não 
apreende  senão  um  muito  limitado  canto  da  reali- 
dade, sem  a  compreender,  porque  compreendê-la 
é  ligá-la  ao  conjunto.  Tudo  o  que  vive  é  uno ; 
tudo  o  que  evolue  é-o  igualmente ;  e  é  não  ver 
senão  um  dos  efeitos  da  evolução  considerar  so- 
mente as  distinções  que  ele  estabelece». 

Não  há  dúvida  que  é  á  divisão  da  matéria  de 
estudo,  que  é  ao  especialismo  corrente  que  a 
sciência  e  as  suas  aplicações  devem  os  seus  pro- 
gressos, convindo  —  como  entende  Liard  —  não 
abstrair  inteiramente  das  ideas  de  conjunto,  e, 
antes,  ter  como  correctivo  as  concepções  gerais. 

Em  história  sucede  o  mesmo. 


(2)  Vef  .•  Revue  de  Synthèse  Historique,  tomo  n^  pág.  zSg, 


$42 


Devidp  à  complexidade  e  delicadeza  do  tra- 
balho histórico,  sucessivamente  mais  vasto  e  exi- 
gente, é  cada  vez  mais  essencial  a  divisão  de  tal 
tarefa  por  duas  ordens  de  obreiros :  o  erudito  e 
o  historiador. 

É  certo  que  essa  separação  de  funções  já  existia, 
mas  o  motivo  actual  de  tal  divisão  de  trabalho 
é  diferente  do  outrora  apresentado  e  justificado. 
Não  são  apenas  as  funções  inteiramente  diver- 
sas do  historiador  e  do  erudito  que  justificam  tal 
divisão  de  trabalho,  o  que  também  condiciona 
esta  —  ou  deve  condicioná-la  —  é  a  especial  pre- 
paração scientífica  e  técnica,  e,  ainda,  o  tempe- 
ramento e  as  tendências  de  espirito  dos  que  se 
dedicam  aos  estudos  históricos. 

O  erudito  necessita  ter  conhecimentos  scientí- 
ficos  e  técnicos  especiais,  e  muito  profundos,  sobre 
os  períodos  e  os  assuntos  de  que  trata,  e,  antes 
de  tudo  isso,  deve  dispor  de  um  temperamento 
frio^  minucioso  e  paciente,  e  ser  dotado  de  um 
fundo  espirito  analítico,  do  amor  do  detalhe. 

O  historiador,  por  sua  vez,  reclama  uma  boa 
cultura  geral,  uma  inteligência  vasta,  aptidões 
generalizadoras  de  espírito  e  um  grande  poder  de 
síntese. 

Apesar  disso,  nem  o  erudito  deve  abstrair  do 
trabalho  de  síntese  nem  o  historiador  deve  des- 
denhar os  estudos  de  detalhe,  as  operações  da 
crítica  documental  a  que  bastas  vezes  terá  de  re- 
correr. 

Há,  assim,  uma  interpenetração  de  campos  e  de 


543 


normas  de  trabalho  que  importa  sempre  ter  em 
vista.  Os  volumes  desta  Colecção  de  inéditos  — 
que  é  uma  obra  de  erudição  • —  irão  provar  pra- 
ticamente que  isso  assim  é,  pois  a  pessoa  en- 
carregada de  uma  obra  de  tal  natureza  não  se 
quere  — nem  se  deve  —  limitar  a  ser  puramente 
um  colector  e  editor  de  documentos  (i). 

Em  todo  o  caso,  não  há  dúvida  que  se  pode 
delimitar  a  erudição  da  história,  que  se  podem 
estabelecer  balizas  entre  as  funções  do  erudito  e 
as  do  historiador  (2). 

3.**  — Â  nossa  colecção  de  documentos  inéditos 
da  história  de  Portugal 

Apesar  do  que  possam  dizer  os  seguidores  de 
Brunetière  contra  a  divulgação  dos  inéditos  tais 
publicações  por  toda  a  parte  se  vêem  multipli- 
cando.    O  que,  de  resto,  é  inteiramente  lógico. 

Considerando  que  sem  documentos  não  há 
história,  tudo  o  que  venha  a  realizar-se  no  sen- 
tido de  tornar  conhecidos  estes,  é  contribuir,  im- 
plicitamente, para  os  progressos  de  tal  sciência, 
aumentando-lhe  as  suas  possibilidades  de  certeza 
e  o  seu  grau  de  exactidão. 


(i)  Quem  percorrer  o  primeiro  volume  desta  colecção,  já  pu- 
blicado —  As  Impressões  de  um  Diplomata  Português  na  Corte  de 
Berlim  —  encontrará  na  primeira  parte  e  nas  notas  desse  trabalho 
muita  história  geral  da  Prússia,  e  até  dos  países  da  Europa  Cen- 
tral. 

(2)  Ver  sobre  este  ponto,  as  excelentes  considerações  deLAN- 
OLOts  e  Seignobos,  ob.  cif.,  pág.  92  a  1 16. 


544 


Temos  visto  neste  trabalho  como  tem  sido  im- 
portante a  obra  realizada  em  favor  das  publica- 
ções documentais,  e  acabamos  de  estudar  a  jus- 
tificação filosófica  e  scientifica  de  tais  publicações 
com  o  critério  crescentemente  objectivo  —  que 
passando  das  sciências  da  natureza  para  as  do 
espirito  se  tem  tornado  cada  vez  mais  predomi- 
nante em  história. 

Mas,  não  foram  só  esses  motivos  de  carácter 
geral  que  nos  levaram  a  propor  e  a  empreender 
esta  delicada,  complexa  e  pesada  tarefa.  Ou- 
tros, igualmente  importantes,  foram  os  móveis  da 
nossa  iniciativa  —  e  o  são  da  nossa  obra  —  de- 
vendo salientar,  entre  os  principais:  um  de  ca- 
rácter scientífico,  e  outro  de  natureza  moral.  Isto 
é,  além  de  procurarmos  contribuir  para  um  mais 
completo  esclarecimento  dos  factos  da  nossa  his- 
tória, pela  publicação  dos  documentos,  temos, 
também,  em  mira  um  objectivo  moral^  educativo 

—  a  incidência  sobre  o  espirito  público  num  sen- 
tido patriótico,  liberal  e  progressivo  —  e,  é  óbvio, 

—  sem  excluir  ou  esquecer  jamais  a  verdade. 

O  empreendimento  que  temos  em  vista  realizar 
é  ao  mesmo  tempo  uma  obra  de  erudição  e  uma 
obra  de  história.  Nisso  se  diferença  da  maioria 
das  empresas  similares  realizadas  no  estrangeiro, 
ê  que  teem  produzido  quási  exclusivamente  — 
pode  dizer-se  —  obras  de  erudição. 

Esta  nossa  será  uma  obra  de  erudição,  porque 
ao  realizá-la  temos  em  vista  patentear  os  doeu- 
ftientos  —  que  são  os  vestígios  dos  factos  passados, 


545 


—  aproximar  estes  e  restabelecê-los  no  seu  con- 
junto e  nas  suas  consequências,  quere  dizer :  temos 
em  vista  procurar  a  realidade  histórica.  Mas, 
procuraremos  que  também  deste  empreendimento 
resulte  uma  obra  de  história,  e  esse  carácter  ser- 
-Ihe  há  dado  pela  interpretação  não  só  dos  docu- 
mentos como  dos  factos  que  aqueles  descrevem. 

Assim,  à  realidade  histórica  fornecida  pelo  es- 
tudo e  publicação  dos  documentos  virá  acrescer 
a  verdade  histórica  proveniente  da  interpretação 
dos  factos  registados  nos  documentos  e  da  coor- 
denação daqueles  com  outros  já  conhecidos. 

Como  diz  P.  Lacombe  :  «L'érudition  et  rhistoire 
sont  deux  moments  distincts  d'un  même  ouvrage. 
Sans  érudition,  pas  d'histoire ;  mais  sans  Fhistoire 
íinaie,  ['érudition  ressemble  à  une  bâtisse  inache- 
vée,  à  qu'il  manque  ce  qui  la  justifie,  la  possibilite 
d'être  habitable».  E  mais  adiante:  wNon  seule- 
ment,  sans  Thistoire,  Férudition  serait  une  chose 
assez  vaine,  mais  elle  peut  devenir  un  danger  pour 
Tesprit  humain».(i). 

Assim,  esforçando-nos  por  publicar  em  cada 
volume  ou  série  de  volumes  as  colecções  docu- 
mentais que  formem  um  conjunto  e  tenham  uni- 
dade—  seja  esta  de  proveniência,  de  assunto  ou 
de  cronologia  —  serão  essas  obras  geralmente  di- 
vididas em  duas  partes  :  a  primeira  destinada  à 
interpretação,  comentário  e  crítica  dos  assuntos 


(i)  P.  Lacombe,  De  VHistoire  considérée  comme  science,  1894, 
pág.  X. 

35 


Í4^ 


emergentes  dos  documentos  publicados  e  até 
mesmo,  por  vezes,  dos  próprios  documentos  em 
si ;  a  segunda  parte  destina-se  à  publicação,  quási 
sempre  in-extenso,  dos  conjuntos  documentais, 
reservando  especialmente  para  esta  o  estudo  crí- 
tico de  tais  documentos. 

Assim,  não  se  tratará,  nesta  colecção,  simples- 
mente, da  edição  de  documentos  segundo  as  re- 
gras prescritas  em  tais  ordens  de  trabalhos,  tra- 
tar-se  há,  também,  da  interpretação  política, 
social,  económica,  scientífica,  religiosa  e  moral, 
dos  assuntos  versados,  segundo  a  natureza  destes. 

Como  diz  George  Simmel:  «Se  não  colocásse- 
mos um  sentido  por  trás  de  todo  o  acontecimento 
histórico,  uma  intenção  por  trás  de  todo  o  acto 
exterior,  um  sentimento  por  trás  de  toda  a  deter- 
minação externa,  não  haveria  história;  só  a  inter- 
pretação lhe  confere  uma  significação»  (i). 

Diz,  com  um  aspecto  de  triunfador,  Max  Nor- 
DAU  que  a  interpretação  é  arbitrária  e  puramente 
subjectiva,  e,  por  tanto  contrária  à  sciência(2). 

A  história  não  vale  só  por  si,  e  como  simples 
repositório  descritivo  de  acontecimentos  pas- 
sados, mas  sim  pela  lição  moral  que  conteem  os 
factos  que  ela  encerra  e  descreve.  E,  se  isso  é 
exacto  por  toda  a  parte  com  mais  razão  o  deve 
ser  nas  democracias.     É  que  aí  o  historiador  não 


(i)  G  Simmel,  Die  Problema  der  Geschichtsphilosophie^  1892, 
pág.  43. 

(3)  Max  Nordau,  Le  Sens  de  VHistoire,  1910,  pág.  7,  8,  10,47. 


SI 


54^ 


se  deve  limitar  a  ser  um  homem  de  sciência,  máú 
deve  esforçar-se  por  ser  também  um  educador  e 
um  homem  de  coração. 

E  —  e  assim  deve  ser  —  às  obras  de  alta  eru- 
dição que  os  prefessores  de  ensino  primário,  de 
ensino  médio  e,  até,  de  ensino  superior  vão  buscar 
o  alimento  das  suas  lições,  das  suas  prelecções  e 
dos  seus  discursos  docentes  e  extra-escolares ;  e 
os  autores  dos  compêndios  e  manuais  de  ensino 
é  aí  que  vão  procurar  o  socalco  das  suas  obras 
didácticas. 

Thiers  no  prefácio  da  sua  História  do  Consu- 
lado e  do  Império  apresenta  como  objectivo  da 
história  a  reprodução  fiel  do  passado  sem  nada  se 
lhe  juntar,  acrescentando  que  a  história  deve  ser 
como  um  grande  espelho,  e  de  uma  transparência 
tão  perfeita  que  seja  capaz  de  reíletir  por  tal  forma 
os  objectos  expostos  que  se  julgue  vê-los  através 
do  quadro  do  espelho,  sem  que  se  dê  pelo  vidro. 

Contra  tal  forma  de  conceber  a  história  mani- 
festa-se  Michelet  perguntando  :  ^  O  historiador 
não  deve  ter  alma  nem  consciência  ?  ^  Ele  deve 
ficar  indiferente,  impassível,  ante  a  luta  eterna  da 
virtude  contra  o  vício,  da  liberdade  contra  o  des- 
potismo ?  E  logo  retruca  :  ;  Não  1  O  historiador 
deve  conduzir  os  homens  para  o  bem.  E,  ainda, 
acrescenta  que:  «a  história  dá-nos  uma  lição, 
eterna ;  ela  ensina  que  a  virtude  e  a  liberdade 
estão  destinadas  a  triunfar.  Não  é  possível,  em 
presença  de  tudo  isto,  ficar  indiferente». 

Contudo,  é  de  notar  que  o  ponto  de  vista  de 


548 


MiCHELET  constitue  uma  recrudescência  da  eterna 
questão  sobre  a  natureza  e  o  verdadeiro  fim  da 
arte. 

Ora,  a  verdade  é  que  a  obra  de  arte  deve  ten- 
der, acima  de  tudo,  a  apresentar-se  a  nós  como 
uma  criação  do  espírito  do  artista,  e  em  história 
nada  disso  se  deve  dar.  Efectivamente,  se. po- 
demos exigir  da  arte  que  «transforme  os  objectos 
naturais  em  substância  do  espírito  do  artista  para 
depois  os  reproduzir,  expressando  neles  os  seus 
sentimentos  e  as  suas  ideas,  com  a  história  nada 
disso  se  passa. 

Continuam  ainda  na  ordem  do  dia  das  discus- 
sões sobre  os  intuitos  e  desígnios  da  história:  se 
esta  deve  ter  apenas  um  fim  didático  de  elucida- 
ção sobre  o  passado,  de  reconstituição  de  per- 
sonagens e  factos  idos ;  ou  se  ela  também  deve 
ter  objectivos  de  carácter  moral,  não  deixando 
ainda  hoje  este  critério  sobre  os  objectivos  morais 
da  história  de  ser  compartilhado  por  muita  gente. 

Por  isso,  não  basta  que  tal  alimento  seja  sadio 
e  que  os  materiais  sejam  sólidos:  é  essencial  que 
os  elementos  a  utilizar  por  esses  vulgarizadores 
sejam,  além  de  convenientemente  escolhidos  e 
fiscalizados  no  ponto  de  vista  da  sciéncia  e  da 
moral,  comentados  e  expostos,  tendo  quanto  pos- 
sível em  atenção  os  intuitos  educativos  e  sempre 
a  exactidão  histórica,  a  precisão  scientífica. 

Como  diz  Caron  a  história  é  uma  sciéncia  di* 
fícil,  é  mesmo  a  mais  difícil  das  sciências.  Para 
a  cultivar  é  necessário  ter,  a  par  de  uma  educa- 


549 


ção  geral,  a  técnica  especial  que  ela  demanda,  e, 
se  se  deseja  profundá-la  num  dos  seus  departa- 
mentos, é  essencial  ter  os  conhecimentos  imedia- 
mente  necessários  e  relativos  ao  ramo  particular 
em  estudo. 

Assim,  para  se  investigar  e  escrever  acerca  da 
história  económica,  financeira,  política,  diplomá- 
tica ou  militar,  essencial  é  ter  uma  muito  con- 
creta cultura  sobre  os  fenómenos  de  ordem  eco- 
nómica e  financeira  e  de  natureza  politica,  acerca 
da  vida  diplomática  e  da  técnica  das  relações 
internacionais,  e  ainda  sobre  as  grandes  linhas 
das  sciências  militares  —  a  orgânica,  a  táctica  e 
a  estratégia,  a  administração  militar,  etc. 

Além  de  todo  esse  mundo  de  qualidades  e  apti- 
dões ainda  o  historiador  necessita  um  grande 
poder  de  abstracção  e  um  espírito  inteiramente 
livre  de  preconceitos,  pois^  como  dizia  Fustel  de 
CouLANGEs:  «o  espírito  de  investigação  e  de  dú- 
vida é  incompatível  com  toda  a  idea  preconce- 
bida, com  toda  a  crença  exclusiva,  com  todo  o 
espírito  de  partido  . . .  ». 


Digamos,  de  uma  forma  sucinta,  o  método  que 
tencionamos  seguir  na  edição  dos  documentos. 

Por  três  formas  se  podem  fazer  as  publicações 
documentais :  ou  as  colecções  das  peças  são  pu- 
blicadas na  íntegra,  ou  delas  se  fazem  apenas 
catálogos  sumários  e  índices,  ou,  emíim,  se  pu- 


55o 


blicam  de  tais  espécies  os  inventários  analíticos 
—  como,  mais  ou  menos,  teem  feito  o  governo 
inglês  com  a  impressão  dos  Calendars,  os  edito- 
res franceses  de  alguns  volumes  dos  Documents 
inedits^  etc. 

Esses  três  métodos  serão  por  nós  seguidos  con- 
juntamente (i). 

Assim,  os  documentos  de  grande  valor  histó- 
rico ou  paleográfico,  ou,  ainda,  os  muito  raros, 
e,  especialmente,  os  dos  arquivos  particulares  se- 
rão publicados  in-extenso.  Aqueles  que  não  são 
raros  ou  não  apresentam  grande  importância 
histórica  e  os  que  repetem  mais  ou  menos  outros 
já  insertos,  emfim,  os  documentos  que  não  apresen- 
tam nenhuma  matéria  nova,  serão,  simplesmente, 
registados  ou,  quando  muito,  extractados  (2). 

Emíim,  os  documentos  que  apresentam  ma- 
téria nova  ou  pontos  de  vista  novos  sobre  assun- 
tos já  tratados  em  outros  documentos  reprodu- 
zidos, e,  especialmente,  aqueles  que  se  encontram 
nos  arquivos  públicos,  esses  serão  anali:(ados,  re- 
sumidos, extractados. 

Quanto  à  metódica  a  seguir  no  estudo  analí- 
tico e  crítico  das  peças  e  na  economia  das  obras 
e  distribuição  dos  assuntos,  serão  observados  os 
processos  em  uso  para  tais  estudos. 

Ao  contrário  do  historiador,  em  geral,  e,  espe- 


(i)  Ver  sobre  tal  ponto  este  trabalho,  de  pág.  178  a  243. 

(2)  Ver :  Langlois  e  Seignobos,  Introdution  aux  étiides  histo- 
riqiies,  3.»  edição,  pág  G4  e  65 ;  um  artigo  de  J.  Bédier  in  Rcvue 
des  Deux  Mondes,  de  i5  de  Fevereiro  de  189^. 


Ô5i 


cialmente,  do  historiador  de  síntese  que  vai  dos 
assuntos  a  tratar  para  as  fontes  destes,  isto  é, 
dos  factos  para  os  documentos  que  deles  se  ocu- 
pam, nós,  como  editores  de  documentos,  iremos, 
geralmente,  destes  para  os  assuntos  que  eles  ver- 
sam, para  os  factos  que  eles  expõem. 

Assim,  ao  passo  que  para  o  historiador  de  sín- 
tese o  trabalho  de  heurística  é  precedido  pela 
escolha  do  assunto  e  por  ela  condicionado,  o  co- 
lector de  manuscritos,  o  editor  de  documentos,  pro- 
cede por  forma  completamente  oposta.  Encon- 
trado um  conjunto  documental  de  fundo  interesse 
histórico  ou  grande  valor  paleográfico  passa-se 
ao  seu  estudo  minucioso,  sem  o  menor  partido 
tomado,  isto  é,  abstraindo  por  completo  de  quais- 
quer princípios,  ideas  ou  pontos  de  vista  precon- 
cebidos. 

Esse  esforço  de  inibição  espiritual  constitue 
um  dos  pontos  essenciais  reclamados  no  trabalho 
histórico. 

Segue-se  a  leitura  no  sentido  literal  mais  per- 
feito de  cada  documento,  desdobrando-se  para 
isso,  a  personalidade  do  investigador,  de  forma 
que  este  se  coloque  no  estricto  ponto  de  vista  do 
autor  do  documento,  do  gerador  do  testemunho, 
e  ao  mesmo  tempo  realize  as  operações  críticas 
essenciais.  A  primeira  destas  deve  ter  em  vista 
fazer  a  restituição  das  espécies  quando  os  textos 
hajam  sido  alterados;  segue-se  a  crítica  sobre  a 
proveniência  dos  documentos  —  os  seus  autores, 
a  data,  os  pontos  de  origem  e  a  natureza  das  in- 


552 


formações  e  dos  informadores,  e  a  proveniência 
de  tais  documentos  (i). 

Depurado,  mesmo  limpo,  o  manuscrito,  e  co- 
nhecidas não  só  a  proveniência  dos  textos  como 
as  fontes  de  informação  para  a  elaboração  deles, 
importa  reunir  e  classificar  metodicamente  os  do- 
cumentos, tratar  da  disposição  em  série  dos  tex- 
tos, das  fontes,  fazendo  esse  agrupamento  ou  sob 
o  ponto  de  vista  cronológico,  ou  do  lugar  de  ori- 
gem, do  assunto  ou  espécie,  ou  da  forma  (2). 

Terminada  a  critica  externa,  ou  critica  de  eru- 
dição, dos  documentos  —  que  é  uma  crítica  pre- 
paratória, —  passa-se  à  crítica  interna,  íntima,  dos 
documentos;  ao  estudo — através  e  por  meio  des- 
ses documentos  —  do  espírito  e  do  coração  que 
os  ditou. 

Pertence  ao  grupo  de  operações  especiais  desse 
estudo  a  crítica  de  interpretação,  tendo  em  vista 
conhecer,  com  a  maior  certeza  possível,  o  que  o 
documento  quere  significar,  o  que  o  seu  autor 
tem  querido  dizer  —  tudo  isso  estudado  com  o 


(i)  Este  ponto  é  muito  importante  para  evitar  fraudes,  como 
exemplifica  Langlois  e  Seignobos  na  Introduction,  ao  tratar  das 
falsificações  de  Vrain  Lucas  de  autógrafos  atribuídos  a  Vercin- 
GETORix,  Cleópatra  e  Maria  Madalena. 

(2)  É  de  notar  que  a  classificação  das  fontes  faz-se  de  forma 
diversa,  segundo  se  trata  da  obra  de  um  historiador  ou  do  tra- 
balho de  um  erudito^  de  um  colector  de  fontes,  de  um  editor  de 
textos  ou  de  um  elaborador  de  registos. 

Acerca  do  desenvolvimento  dos  processos  de  crítica  externa 
dos  documentos  diremos  que  serão  por  nós  seguidas,  tanto  quanto 
possível,  as  regras  aconselhadas  nos  Manuais  de  Metodologia  como 
o  de  Bernheim,  Langlois  e  Seignobos. 


553 


maior  esforço  de  abstracção,  de  forma  que  o  in- 
vestigador não  leia  um  texto  através  das  suas 
impressões  e  em  função  do  seu  ponto  de  vista 
e  das  suas  opiniões,  mas  só  com  o  fim  exclusivo 
de  conhecer  as  ideas  do  autor. 

Feita  a  crítica  filológica  e  histórica  da  interpre- 
tação que  se  pode  chamar  hermenêutica  —  quando 
aplicada  aos  documentos  de  natureza  profana,  e 
exegese  —  quando  se  trata  de  textos  religiosos, 
passa-se  à  chamada  crítica  de  exactidão  e  de  sin- 
ceridade (i). 

Tem  ela  em  vista  saber  se  o  autor  do  tesmu- 
nho  ter-se  há  enganado  ou  se  terá  pretendido  enga- 
nar, devendo  em  tal  trabalho  partir-se  sempre  da 
desconfiança  metódica,  que  corresponde  em  filo- 
sofia à  dúvida  metódica  cartesiana.  Contudo, 
aqui  necessário  é  não  abusar  da  hipercritica,  como 
no  estudo  anterior  importa  não  exagerar  a  hi- 
perhermenêutica  (2). 

Esta  colecção  de  publicações  de  que  acabamos 
de  traçar  o  programa  por  uma  forma  geral  e  co- 
leante — como  é  mister   em   tais   casos  —  desti- 


(i)  Ver  artigo  de  Louis  Daviixé,  La  comparaison  etlaméthode 
comparalive,  en  particulier  dans  les  étiides  historiques,  in  Revite 
de  Synthèse  Historique^  Dezembro  de  191 3,  pág.  217  a  25/. 

(2)  Para  o  desenvolvimento  dos  processos  críticos  acima  apon- 
tados temos  seguido,  e  continuaremos  seguindo,  os  já  citados 
Manuais  de  Bernhiíim,  Langlois  e  Seignobos  e  os  artigos  de  Louis 
Davillé  na  Revue  de  Synthèse  Historique. 

Em  cada  volume  de  inéditos  que  formos  publicando  e  a  pro- 
pósito dos  casos  especiais  que  nos  venham  surgindo  daremos  as 
convenientes  informações. 


^54 


na-se  a  esclarecer  pontos  iaiportantes  relativos 
aos  diversos  períodos  da  nossa  história,  e,  espe- 
cialmente, acerca  das  épocas  moderna  e  contem- 
porânea.    E,  isso  explica-se. 

E  cada  vez  mai&  acentuada  a  importância  que 
por  toda  a  parte  se  vem  dando  aos  estudos  de 
história  moderna  e  contemporânea,  quer  devido 
à  reconhecida  influência  dos  acontecimentos  que 
a  constituem  sobre  os  factos  actuais,  quer  devido 
a  tais  períodos  haverem  sido  até  agora  os  menos 
devassados,  ao  contrário  do  sucedido  com  a  Idade 
Média  e  a  Renascença,  quer,  ainda,  porque  só  no 
decorrer  do  século  xix  e  no  deste  teem  sido  tor- 
nadas públicas  numerosas  e  importantes  cole- 
cções documentais  sobre  os  acontecimentos  a 
partir  do  século  xvi,  e  se  tem  feito  a  preparação 
escolar  dos  profissionais  da  história  moderna. 

Deixamos  já  largamente  exemplificado  nos  ca- 
pítulos anteriores  quanta  atenção  mereceram,  nos 
países  da  mais  alta  erudição,  aos  historiadores 
isolados  e  às  corporações  académicas  e  monás- 
ticas, através  dos  séculos  xviii  e  xix,  os  estudos  de 
história  clássica,  medieval  e  da  Renascença;  e, 
também,  já  vimos  como  a  partir  da  segunda  me- 
tade do  século  XIX  os  estudos  de  história  moderna 
vêem  ganhando  notoriedade  e  importância. 

Efectivamente,  pelo  que  se  refere  à  preparação 
profissional  dos  historiadores  modernos,  e  to- 
mando o  exemplo  da  França,  é  de  notar  que  até  há 
pouco  ali  não  existiam  nem  organismos  especiais 
para  o  ensino  profundo  desse  período  histórico  e 


555 


da  sua  metodologia,  nem  centros  de  trabalho  pre- 
parados para  a  investigação  especialista. 

Pelo  contrário,  os  orientalistas  tinham,  para 
isso,  o  Colégio  de  França  e  a  Escola  de  Altos 
Estudos,  e  os  historiadores  clássicos  prepara- 
vam-se  quer  em  Atenas — para  os  trabalhos  de  his- 
tória grega  e  do  helenismo,  quer  em  Roma — para 
os  de  história  latina.  Por  sua  vez,  os  medie- 
vistas  recrutavam-se  na  famosa  «École  des  Char- 
les» que  acaba  de  completar  um  século  da  sua 
gloriosa  vida. 

Dai,  tem  resultado  que  os  trabalhos  de  história 
moderna  e  contemporânea  teem  sido  versados 
quási  exclusivamente  por  homens  de  letras,  pu- 
blicistas, jornalistas,  emfim,  por  amadores  que 
teem  cultivado  a  história  no  ponto  de  vista  da 
anedota,  do  assunto  de  ocasião,  da  história  ga- 
lante, da  vida  das  cortes  e  dos  salões,  dos  cos- 
tumes, das  modas,  etc. 

Esses  trabalhos,  alguns  —  mas  poucos  —  ba- 
seados em  fontes  de  primeira  mão,  mas  a  maio- 
ria versando  generalidades  e  tomando  por  base 
uma  lenda,  uma  historieta,  um  conto,  um  dt{-se 
com  algum  recorte  histórico,  teem-se  imposto  ao 
agrado  público  quer  pelo  poder  de  sugestão  dos 
assuntos  tratados,  quer  pela  factura  breve,  gra- 
ciosa e  elegante,  e  pelo  estilo  correntio,  ghssante 
e  claro,  quando  não  brilhante  e  inspirado. 

Até  há  pouco  a  história  moderna  era  só  assim 
tratada  em  artigos  de  jornal  e  de  revista,  em  cró- 
nicas de  magaiine,  ou  em  livros,  havendo  ela  coni 


556 


o  seu  prestígio  de  sciência  ao  alcance  de  todos ^  os 
seus  encantos  de  lenda,  e  com  o  seu  pitoresco  e 
a  sua  patine  dos  tempos  recuados  contribuído 
imenso  para  o  sucesso  de  muita  obra  e  para 
glória  e  proveito  pecuniário  de  muito  escritor. 

Ao  contar  ao  público  tais  anedotas  curiosas, 
tais  lendas  pitorescas,  tais  histórias  galantes  e  por 
vezes  picantes  e  frescas  o  único  objectivo  dos 
autores  consiste  em  interessar,  em  divertir.  Por 
isso,  tais  autores  e  tais  obras  longe  de  dirigirem, 
orientarem,  educarem  o  gosto  do  público,  antes 
são  por  este  orientados  e  dirigidos. 

Vai,  pois,  sendo  tempo  de  pôr  termo  a  tal  es- 
tado de  cousas,  isto  é,  vai  sendo  tempo  de  fazer 
da  história  moderna  e  contemporânea  objecto  de 
estudos  sérios  e  documentados,  ainda  que  ao  lado 
desses  trabalhos  sólidos  pela  sua  documentação 
e  profundos  pelos  seus  comentários  continuem 
a  surgir  os  outros,  leves,  graciosos,  sugestivos, 
mas  feitos  por  e  para  diletantes,  por  e  para  ama- 
dores de  fino  gosto  e  de  delicado  espírito. 

Porém,  ao  passo  que  no  nosso  país  é  este  ainda 
o  modo  quási  exclusivo  de  tratar  a  história  mo- 
derna e  contemporânea,  lá  fora  vai  êle  sendo 
substituído,  cada  vez  mais,  pela  história-sciência, 
sem  esquecer  que  a  própria  história-galante,  a 
própria  história-anedota  vai  evolucionando  e  ten- 
dendo cada  vez  mais  para  a  história  objectiva  e 
scientífica. 

A  França  que  sofreu,  também,  de  tal  exclusi- 
vismo viu  as  cousas  modificarem-se  completa- 


557 

mente  com  o  aparecimento  da  Repiie  des  Quês- 
tions  Historiques,  da  Revuedes  Études  Historiqiies, 
da  Polybiblion,  da  Reviie  Historique,  da  Repue 
dlíistoire  moderne  et  contemporaine,  da  Repue  de 
Synthèse  Historique,  e  com  a  publicação  de  uma 
admirável  multidão  de  obras  que  documentam 
o  alto  mérito  dessa  plêiade  de  historiadores  con- 
temporâneos como  Lavisse,  Rambaud,  Seignobos, 
G.  MoNOD,  Emile  Bourgeois,  Lanson,  Aulard,  An- 
DLER,  Chuquet,  Debidour,  H.  Leonardon,  E.  Denis, 
H.Berr,  Abel  Lefranc,  G.  Weill  —  para  só  falar 
dos  epónimos(i). 

Pierre  Caron  falando  dos  trabalhos  de  história 
moderna  distingue  duas  escolas  :  a  conservadora, 
mais  antiga,  com  uma  certa  tradição  e  muitas 
obras  já  publicadas  —  mas  de  valor  desigual,  por 
serem,  raramente  trabalhos  de  profissionais ;  e  a 
escola  liberal  —  mais  recente^  por  emquanto  me- 
nos rica  em  bibliografia,  mas  tendo  já  produzido 
obras  cheias  de  solidez,  de  documentação,  de  pro- 
fundeza, e  quási  todas  escritas  por  profissionais 
da  história,  isto  é,  por  eruditos,  arquivistas,  bi- 
bliólogos  e  professores  de  história  (2). 

Entre  nós,  quási  a  mesma  distinção  se  poderia 
fazer. 

Uma  das  cousas  que  nunca   esquecemos  —  e 


(1)  Ver  :  P.  Caron  e  Ph.  Sagnac,  LV/aí  actuei  des  études  d'hiá- 
íoire  moderne  en  France,  1902;  Pierre  Caron,  Des  conditionS 
actuelles  dii  travail  d'hisloire  moderne  en  France,  in  Revue  de 
Synthèse  Historique,  tomo  xi,  pág.  261  a  274. 

(2)  P.  Caron,  art.  cii.  da  Revue  de  Synthèse  Historique, 


5$â 


muito  menos  o  faremos  nesta  colecção  —  é  a  no- 
ção da  solidariedade,  que  nos  ensina  a  ter  res- 
peito pelo  trabalho  dos  outros  e  a  utilizar  —  com 
a  indicação  da  competente  paternidade  e  autoria 
—  esse  trabalho,  quando  se  nos  afigure  adequado 
e  nele  tenhamos  confiança. 

Não  há  nada  de  mais  irracional  e,  por  isso, 
menos  justificável  que  o  critério  individualista 
em  sciência,  como  se  esta  não  fosse  só  por  si,  e 
em  qualquer  dos  múltiplos  ramos,  uma  demons- 
tração, uma  prova  e  um  produto  da  solidarie- 
dade. «A  sciência  apareceu-nos — escreve  Henry 
MicHEL  —  como  um  grande  esforço  colectivo.  Os 
mais  laboriosos  e  os  melhor  apetrechados  limi- 
tam-se,  envaidecendo-se,  de  para  ela  trazerem 
uma  simples  contribuição»  (i).  Se  tal  é  exacto 
em  todos  os  ramos  da  sciência  ainda  mais  incon- 
troverso é  tratando-se  de  história. 

Na  realidade,  por  muito  profundas  que  sejam  as 
investigações  e  por  muito  cuidadas  que  hajam 
sido  as  operações  de  crítica,  de  reconstituição  e 
de  síntese  históricas  nada  mais  se  pode  afirmar 
que :  o  trabalho  feito  e  o  resultado  obtido  são  sim- 
ples elementos,  pequenas  fracções,  de  verdade,  e 
nunca  a  verdade  inteira,  completa,  decisiva,  abso- 
luta—  pois  tais  caracteres  são  incompatíveis  com 
a  relatividade  da  sciência. 

E  assim,  com  essas  duas  noções  —  a  da  neces- 
sária solidariedade  dos  autores  de  trabalhos  his- 


(i)  Em  Le  Temps,  de  25  de  Maio  de  igoS. 


559 


tóricos  e  a  da  relatividade  dos  conhecimentos  — 
caminharemos  na  elaboração  desta  nossa  obra  e 
na  apreciação  da  dos  outros. 


Mostrámos  já  como  são  diferentes  os  objecti- 
vos, a  missão  e  a  finalidade  do  erudito  e  do  his- 
toriador, e,  —  como  se  sabe  —  na  metódica  do  tra- 
balho histórico,  o  trabalho  do  erudito  deve  logi- 
camente preceder  a  obra  do  historiador. 

Os  objectivos  do  erudito  constam  da  busca  das 
fontes  em  primeira  mão  — que  é  o  desígnio  da 
heurística^  —  e  da  investigação  interna  e  externa 
dos  documentos  pelos  processos  de  critica  esta- 
belecida ;  a  sua  grande  missão  reside  na  publici- 
dade das  peças  descobertas  e  criticadas;  e  a  sua 
alta  finalidade  consiste  em  fornecer  ao  historiador 
a  matéria  para  os  seus  estudos,  a  base  das  suas 
sínteses. 

Assim,  os  progressos  da  historiografia  num 
país  dependem  directa  e  essencialmente  da  pu- 
blicação dos  documentos  que  o  historiador  há  de 
utilizar. 

Se  bem  que  —  como  já  vimos  nos  capítulos 
anteriores  —  teem-se  incumbido  dessa  benemérita 
função  as  mais  diversas  colectividades  —  como 
as  comunidades  religiosas,  as  academias  scientí- 
íicas,  os  municípios,  etc.  —  não  há  dúvida  que  é 
aos  governos  que  compete  tão  difícil  e  cara,  mas 
benemérita,  missão. 


56o 


Quando,  em  i883,  o  insigne  historiador  Gui- 
zoT  pretendia  organizar  elevadamente,  patrióti- 
camente,  junto  do  Ministério  de  Instrução  Pública 
de  França  uma  «Comissão  encarregada  de  tra- 
balhar na  direcção  e  inspecção  das  investigações 
e  publicações  . . .  sobre  os  documentos  inéditos 
relativos  à  história  de  França»,  escrevia  ele: 

«Au  Gouvernement  seul  il  appartient,  selon  moi, 
de  pouvoir  accomplir  le  grand  travail  d'une  pu- 
blication  générale  de  tous  les  matériaux  impor- 
tantes et  encore  inédits  sur  Thistoire  de  notre  pa- 
trie.  Le  Gouvernement  seul  posséde  les  ressour- 
ces  de  tout  genre  qu'exige  cette  vaste  entreprise. 
Je  ne  parle  même  pas  des  moyens  de  subvenir 
aux  dépenses  qu'elle  doit  entrainer;  mais,  comme 
gardien  et  dépositaire  de  ces  legs  précieux  des 
siècles  passes,  le  Gouvernement  peut  enrichir  une 
telle  publication  d'une  foule  d'éclaircissements  que 
de  simples  particuliers  tenteraient  en  vain  d'ob- 
tenir. .. ». 

Tinha  razão  o  notável  autor  da  História  da 
Civilização  na  Europa.  E  aos  governos  a  quem, 
principalmente,  incumbe  a  alta  missão  de  realizar 
tão  importante  obra,  pois,  só  eles  dispõem  das 
necessários  meios  materiais  de  a  levar  a  efeito. 

Na  verdade,  só  o  governo  de  um  grande  país, 
pela  iniciativa  de  uma  eminente  figura  —  como 
GuizOT  —  e  com  o  espirito  de  continuidade  que  a 
tal  empresa  dedicaram  os  sucessivos  ministros, 
desde  Salvandy,  como  Cousin,  Fortoul,  Rouland, 
J.  Ferry  e  seus  sucessores,  podia  directa  ou  indi* 


56i 


rectamente  levar  a  efeito  tão  gigantesca  obra  que 
conta  já  por  centenas  os  volumes  de  Documentos 
inéditos  publicados. 

Porém,  não  é  a  França  o  único  pais  que  tem 
efectuado  tão  benemérita  obra  ;  outras  nações  — 
e  algumas  bem  pequenas  como  a  Bélgica,  a  Ho- 
landa, e  a  Suíça  —  teem  feito  outro  tanto. 

Foi,  pois,  confiado  na  experiência  cada  vez  mais 
generalizada  no  estrangeiro,  que  nós  incluímos 
num  projecto  de  lei  para  a  criação  do  Ministério 
de  Instrução  Pública,  que  elaborámos  em  Março 
de  191 2,  e  que  foi  apresentado  ao  Parlamento, 
um  artigo  4.°  onde  se  lê: 

«Art.  4.°   No  Ministério  de  Instrução  Pública 
funcionarão  também  diversas  comissões  de  tra- 
balhos  scientiíicos  como   sejam:    comissões   de 
estudos  filológicos  para  a  factura  de  uma  história 
da  literatura,  de  um  dicionário,  de  uma  gramá- 
tica histórica  e  actual  da  Ungua  portuguesa  e  de 
edições  anotadas  dos  principais  escritores  nacio- 
nais; de  estudos  geográficos  para  a  organização 
de  uma  completa  geografia  de  Portugal  e  Colónias 
desde  o  estudo  paleogeográfico  até  à  parte  an- 
tropo-social;  de  estudos  históricos  para  a  factura 
de  uma  história  da  civiHzação  portuguesa,  para 
a  organização  do  nosso  folklore  poético  e  musi- 
cal, e  para  a  elaboração  de  um  catálogo  descri- 
tivo dos  nossos  monumentos  e  objectos  de  arte; 
de  estudos  antropológicos  e  etnológicos  para  o 
estudo  do  tipo,  raça  e  costumes  do  povo  portu- 
guês; de  estudos  demográficos,  económicos  e  so- 
36 


562 


ciais;  além  da  criação  de  outras  comissões  que 
sejam  julgadas  convenientes». 

Parece-nos  pleonasmo  escusado  dizer  que  o 
nosso  projecto  do  Ministério,  limitou  a  sua  exis- 
tência às  colunas  do  Diário  do  Governo,  indo  pa- 
rar ao  cesto  das  cousas  inoportunas.  O  projecto 
que  se  tornou  lei  foi  oUtro  muito  diferente  no 
nosso,  dai  resultando  que  sistematicamente  nada 
se  tem  feito  sobre  os  assuntos  versados  no  trans- 
crito artigo. 

Assim,  passados  dez  anos  continuamos  a  não 
ter  um  dicionário  oficial  da  língua,  uma  gramá- 
tica portuguesa  completa,  uma  edição  anotada 
dos  nossos  escritores  mais  eminentes,  uma  geo- 
grafia portuguesa,  um  completo /o/Â;  /ore  poético 
e  musical,  emfim  —  j  vergonha  suma  1  —  uma  his- 
tória de  Portugal. 

Mais  tarde,  em  1 9 1 8,  num  Relatório  apresentado 
superiormente,  após  nos  referirmos  ao  enorme 
progresso  dos  estudos  históricos,  principalmente, 
depois  de  Leopoldo  Ranke,  e  com  Schaeffer,  e 
aos  progressos  da  metódica,  e  da  critica  históri- 
cas, escrevíamos: 

«Também,  seguem  esse  ponto  de  vista,  entre 
outros,  Waitz,  Gesebreckt,  Freemann,  Wolf, 
Flathe,  Droysen,  Karl  Ritter,  Gurtius,  Gervi- 
Nus,  Sybel,  Dahlman,  Hauser,  Treischke,  Dun- 
ker,  Freytag,  Janssen,  etc.  —  na  Alemanha; 
Macaulay,  Filay,  BucklE;,  Loeky  e  Stephen  —  na 
Inglaterra;  Guizot,  Tocqueville,  Taine,  Sorel  e 


56^ 


outros   historiadores   franceses   contemporâneos 
como  MoNOD,  Seignobos,  La  visse,  Rambaud,  De- 

BIDOUR,    AULARD,   BaRBEY,    F.  FaUCHILLE,    R.  WaD- 
DINGTON,  L.   PlNGAUD,  G.   HaNOTAUX,  MoREL-FaTIO, 

Geoffroy  de  Grandemaison,  etc. 

«Em  harmonia  com  essa  metódica  da  historio- 
grafia contemporânea  os  governos  dos  grandes  e 
pequenos  Estados  passaram  a  organizar  os  seus 
arquivos  políticos,  diplomáticos  e  militares  em 
função  dos  estudos  históricos :  pondo  em  ordem 
as  suas  colecções  e  os  seus  núcleos;  inventariando 
e  catalogando  as  suas  espécies ;  e  publicando  sis- 
tematicamente aqueles  fundos  que  mais  impor- 
tância e  interesse  apresentam  para  o  conheci- 
mento dos  acontecimentos  e  dos  homens  mais 
marcantes  do  passado.  - 

«E  não  se  imagine  que  é  necessário  recorrer 
aos  exemplos  da  França  (i);  e,  especialmente,  da 


(i)  Vidé  o  nosso  trabalho:  Da  Importância  dos  Documentos 
Diplomáticos  em  História^  pág.  22  a  32 ;  X.  Charmes,  Le  Comité 
des  travaux  histoí-iques  et  scientijiques  —  onde  trata  das  investiga- 
ções e  publicações  efectuadas  pelo  Ministério  do  Interior  e  da 
Instrução  Pública  de  França  ;  Laurencin-Ghapelle,  Les  Archives 
de  la  Guerre,  historiques  et  administratives,  Paris,  1898;  os  Rela- 
tórios anuais  do  administrador  geral  da  Biblioteca  Nacional  de 
Paris,  publicados  no  Annuaire  des  Bibliothèques  et  Archives,  na 
Revue  des  Bibliothèques,  e  na  Bibliotheque  de  1'Ecole  des  Chartes 
—  pelo  que  respeita  aos  inventários  e  catálogos  da  secção  de 
manuscritos  da  Biblioteca  Nacional  de  Paris,  ultimamente  estu- 
dados e  publicados  por  Henri  Omont. 

Acerca  dos  trabalhos  publicados  pelo  Ministério  dos  Estran- 
geiros francês  devem  ser  consultadas  as  séries  de  :  Inventaire 
sommaire ;  Inventaire  analytique ;  e  Recueil  des  instructions  données 
aux  ambassadeurs,  etc. 


564 


Inglaterra  —  que  dispõe  da  magnífica  organiza- 
ção do  State  Paper  Office  e  do  Foreign  Office 
Records,  que  pode  orgulliar-se  com  a  publicação 
dos  Calendars  of  the  mss.,  e  citar,  como  exemplo, 
os  importantes  trabalhos  da  Royal  Comission  on 
historical  maniiscripts;  ou  da  Itália  que  dispõe  de 
uma  excelente  organização  de  bibliotecas  e  arqui- 
vos, e  pode  ufanar-se  da  notável,  obra  de  Mazza- 
TiNTi  e  dos  seus  colaboradores  e  seguidores  — 
Gli  Ar chivi  delia  Storia  d^ Itália. 

«Tambêni;  pequenos  países,  como  a  operosa 
Holanda  (i),  a  minúscula  Suíça (2),  e  a  industriosa 


(t)  Na  Holanda  o  governo  tera-se  interessado  sumamente  pelo 
progresso  das  sciências  históricas,  não  só  impulsionando  as  inves- 
tigações dos  arquivos  dos  Países-^Baixos  como  ainda  encarregando 
eruditos  e  historiadores  de  estudarem  as  bibliotecas  e  os  arquivos 
estrangeiros  da  Alemanha,  Áustria,  França,  Rússia,  Inglaterra, 
Itália,  Espanha,  Bélgica  e  Países  escandinavos,  no  ponto  de  vista 
da  história  nacional,  redigindo  relatórios  com  os  comentários  su- 
mários e  analíticos  (segundo  a  importância  das  espécies)  das  peças 
relativas  à  história  holandesa. 

A  Sociedade  de  História^  de  Utrecht,  tem  publicado  uma  impor- 
tante Colecção  de  fontes  históricas,  constituída  por  crónicas  e  di- 
versos manuscritos  de  grande  valor  histórico,  sendo  também  muito 
profícua  a  obra  dos  congressos  de  historiadores  que  ali  se  efectuam 
periodicamente. 

Vide  artigo  de  P.  J.  Blok  na  Revue  Historique^  tomo  lix  (iSgS), 
pág.  i33  e  tomo  lxxxi  (1903) ;  Ch.-V.  Langlois,  Manuel  de  Biblio- 
graphie  Historique,  pág.  468  a  472. 

(2)  Também,  o  governo  da  Suíça  tem  feito  estudar  nos  arqui- 
vos estrangeiros  as  espécies  de  importância  para  a  sua  história, 
sendo  de  citar  o  trabalho  que  E.  Rott  tem  publicado  com  o  título 
de  Inventaire-sommaire  des  documents  relatifs  à  l'histoire  de  Suisse 
conserves  dans  les  archives  et  les  biblioihèques  de  Paris.  O  go- 
verno, as  cidades  e  os  cantões  teem  feito  publicar  colecções  de  iné- 


565 


Bélgica  (i),  oferecem-nos  modelos  excelentes  de 
solicitude  e  inteligência,  no  que  respeita  a  tal 
ordem  de  trabalhos. 

«Assim,  para  citar,  de  fugida,  só  a  Bélgica  basta 
atentar  nas  dezenas  de  volumes  publicados  por 
ordem  do  governo  sob  o  titulo  de  «Documents 
inâdits»,  e  onde  Gachard,  Charles  Paillard,  Ch. 
PiOT,  e  muitos  outros  teem  coligido  milhares  de 
manuscritos  até  então  inéditos  (2). 

«Seria  escusado  dizer  que  em  Portugal  pouco 
se  tem  feito  sobre  tais  assuntos,  continuando  por 
catalogar  muitas  das  mais  importantes  colecções 
Q  fundos  dos  nossos  mais  valiosos  arquivos;  e 


ditos  relativos  à  história  geral  dá  Federação,  e  à  história  local 
(provincial,  cantonal,  municipal,  etc). 

Vide  Revue  Historique,  tomo  lxxxiii  (igoS),  pág.  447 ;  Langlois, 
ob.  cit.,  pág.  422. 

(i)  O  governo  belga,  tem  feito  publicar,  alem  da  Colecção 
dos  Inventários  dos  Cartulários  e  obituários  belgas,  dos  Inventai- 
res  des  Archives  de  la  Bélgique,  do  Catalogue  des  mss.  de  la  Bibl. 
R.  de  Bélgique,  a  importante  Collection  de  chroniques  belges  iné- 
dites,  onde,  ao  contrário  do  que  o  seu  título  faz  supor,  teem  apa- 
recido impressas  colecções  de  cartas  e  papéis  de  Estado,  como  a 
Correspondência  de  Granvelle,  as  Relações  politicas  dos  Países 
-Baixos  com  a  Inglaterra  no  tempo  de  Filipe  II,  etc,  etc,  sendo 
a  maioria  destes  trabalhos  levada  a  efeito,  directamente,  pela 
Commission  Royale  d^Histoire  de  Bélgique. 

Alem  desta  Colecção  diversos  outros  corpos  scientíficos  como  a 
Academia  das  Sciências  e  Belas-Letras  da  Bélgica,  a  Sociedade  de 
História  da  Bélgica,  a  Sociedade  de  História  Provincial  e  o  Se- 
minário de  P.  Frederic,  em  Gand,  teem  publicado  importantes 
colecções  e  Corpos  de  documentos  inéditos  sobre  a  história  da 

Bélgica. 

(2)  Estes  pontos  já  ficaram  bastante  desenvolvidos  no  capí- 
tulo IV  desta  obra,  pág.  loq  a  293. 


566 


nada  —  pode  dizer-se  —  tem  sido  publicado  dos 
seus  recheios»  (i). 


(i)  Ver  o  nosso  volume  Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Por- 
tugal, 1920,  pág.  63  e  64. 

Depois  de  escrito,  em  1918,  o  que  aqui  transcrevemos  alguma 
cousa  —  mas  muito  pouco  —  se  tem  feito  no  sentido  da  publica- 
ção de  documentos  inéditos. 

Assim,  a  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  com  muita  solicitude, 
publicou  ultimamente  o  famoso  Processo  dos  Távoras,  e  prepara 
a  edição  do  processo  contra  o  Marquês  de  Pombal,  que,  por  nossa 
iniciativa  e  diligências,  foi  transferido  do  Ministério  da  Justiça  para 
a  secção  de  manuscritos  desse  estabelecimento. 

Devemos  elucidar  que  pelo  Decreto  n."  2.049,  ^^  ^^  ^^  Outu- 
bro de  1915  [Diário  do  Governo  de  18  de  Novembro),  encarre- 
gou-nos  o  Governo  de  fazermos  uma  obra,  em  seis  volumes,  so- 
bre a  vida  e  governo  do  Marquês  de  Pombal.  O  sexto  volume 
era  precisamente  destinado  a  O  Processo  contra  o  Marquês  de 
Pombal.  Mas,  apesar  de  estar  pronto  o  original  de  todos  os  vo- 
lumes da  colecção,  nunca  foi  inscrita  no  Orçamento  a  mais  insi- 
gnificante verba  para  a  impressão  de  tal  trabalho. 

Ver:  a  nossa  brochura  A  vida  e  obra  governativa  do  i.°  Mar- 
quês de  Pombal.  Plano  e  sumários  do  i.°  e  2.°  volumes  da  publica- 
ção mandada  efectuar  pelo  Governo  da  República.,  i9'7i  e  o  ci- 
tado volume  Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal,  1920, 
pág.  56  a  61. 

A  gloriosa  Academia  das  Sciências  de  Lisboa  tem  continuado 
a  putílicar  muitos  inéditos. 

Também  nós  alguma  cousa  fizemos  nesse  sentido.  O  nosso 
volume  As  Impressões  de  um  Diplomata  Português  na  Corte  de 
Berlim  —  que  é  a  primeira  obra  desta  Colecção  de  Inéditos  — 
publica,  e  muito  anotados,  44  ofícios  de  D.  Alexandre  de  Sousa 
Holstein,  quando  ministro  de  Portugal  em  Berlim.  Em  outros 
trabalhos  nossos  como :  Gomes  Freire  na  Rússia,  Gornes  Freire 
e  as  virtudes  da  raça  portugueses,  publicamos  igualmente  bas- 
tantes documentos  inéditos. 

Também,  ultimamente,  se  teem  feito  reimpressões  de  obras 
raras  e  importantes,  salientando-se  nessa  benemérita  empresa  a 
biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  com  a  magnifica  edição  fac-simile 
e  crítica  da  i.»  edição  ^dos  Lusíadas,  acompanhada  de  um  notá- 
vel estudo  do  prof.  sr.  dr.  José  Maria  Rodrigues  ;  e  com  a  reim- 


567 

Depois  de  um  breve  final  seguia-se  a  proposta 
para  ser  levada  a  efeito  pelo  Ministério  da  Ins- 
trução Pública  a  elaboração  de  — pelo  menos  — 
duas  colecções  de  trabalhos:  uma  destinada  à 
publicação  prefaciada  e  anotada  de  Documentos 
inéditos  relativos  à  história  de  Portugal;  e  outra  à 
publicação  de  Biografias  de  portugueses  ilustres. 
Por  despacho  de  3o  de  Junho  de  19 19  éramos 
encarregados  de  efectuar  as  referidas  publicações, 
íixando-se  logo  a  competente  verba  anual  para  a 
impressão  dos  trabalhos,  a  fim  de  ser  levada  a 
efeito  uma  obra  tão  necessária  e  executado  tão 
patriótico  quão  espontâneo  despacho.     De  então 
para  cá  muitos  outros  despachos  ministeriais  teem 
sido  lançados  sobre  estes  trabalhos— uns  encar- 
regando-nos  da  elaboração  de  diversos  volumes 
de  Documentos  inéditos  e  de  outras  obras  de  his- 
tória; outros  concedendo-nos  as  necessárias  ver- 
bas para  a  sua  impressão.  ^ 

Em  1 9 1 9,  sendo  Ministro  da  Instrução  o  sr.  Leo- 
nardo Coimbra  apresentámos  e  lemos  a  este  sr. 
um  projecto  de  decreto,  com  força  de  lei,  criando 
no  nosso  Ministério  da  Instrução  um  departa- 
mento administrativo  similar  aos  existentes  nos 
Ministérios  da  Instrução  do  estrangeiro. 


pressão  do  Marco  Paulo,  de  Valentim  Fernandes,  com  um  bom 
estudo  do  erudito  académico  sr.  Esteves  Pereira. 

Pela  mesma  forma  digna  de  elogio  tem  procedido  a  Imprensa 
da  Universidade  de  Coimbra,  que,  cumulativamente  com  os  tra- 
balhos cuja  publicação  lhe  é^confiada,  ainda  tem  feito,  ultima- 
mente, importantes  reimpressões. 


568 


O  sr.  Leonardo  Coimbra  leu  atenta  e  demorada- 
mente todo  o  projecto  de  decreto,  fazendo-lhe  al- 
gumas emendas,  todas  favoráveis  à  nossa  comis- 
são. Assim,  alterou  uma  disposição,  fixando-nos 
uma  gratificação  especial,  a  qual  consta  do  |  3.° 
doartigo  8.°,  e,  acabando  de  ler  atentamente  todo 
o  projecto,  mandou-o  logo  passar  a  limpo,  a  papel 
de  decreto,  para  ir  à  assinatura.  Efectivamente, 
tanto  esse  decreto  como  o  da  nossa  nomeação 
para  tal  serviço  foram,  ambos,  assinados  por  Sua 
Excelência  o  Chefe  de  Estado  e,  ambos,  foram 
referendados  pelo  ministro  sr.  Leonardo  Coimbra. 
Porém,  uma  intriga  de  secretaria,  daquelas  em 
que  é  úbere  a  burocracia  indígena,  impediu  que 
fosse  por  diante  tal  empresa  (i). 

Emfim,  deixou  de  se  fazer  uma  obra  que  sem- 
pre nos  pareceu  que  seria  útil  aos  estudos  histó- 
ricos e  ao  pais,  honraria  Portugal,  e  traria  à  Re- 
pública uma  boa  aura  nos  meios  cultos  estran- 
geiros (2). 


(i)  Pelo  que  nos  informaram  depois  ficámos  sabendo  que  fo- 
ram os  funcionários  do  Ministério  da  Instrução,  sr.  José  Maria 
Queiroz  Veloso  e  Francisco  Alberto  da  Costa  Cabral,  que  impe- 
diram que  o  decreto  fosse  para  o  Diário  do  Governo.  .  O  sr.  Leo- 
nardo Coimbra,  complacente,  acedeu,  naturalmente  por  motivos 
que  êle  e  nós  muito  bem  sabemos,  aos  manejos  da  intriga,  desa- 
parecendo depois  o  Decreto,  mas  ficando  a  cópia  destinada  ao 
Diário,  com  a  nota  de  remessa  para  a  Imprensa  Nacional  assi- 
nada pelo  sr.  Leonardo  Coimbra. 

(2)  Para  a  elaboração  e  remessa  das  nossas  obras,  feitas  por 
ordem  e  subvenção  do  Ministério  da  Instrução,  estamos  actual- 
mente em  relações  com  os  Archives  Nationales,  a  École  Natio- 
nale  des  Lliartes,  a  Bibliothèque  Naiionale,  a  Bibliothèque  Sainte- 


569 


Mas,  nem  todos  assim  o  entenderam,  especial- 
mente aqueles  que  mais  a  peito  deviam  desejar 
que  um  tal  empreendimento  fosse  levado  a  efeito. 

Porém,  nem  por  isso  a  obra  deixará  de  ir-se 
realizando,  se  bem  que  muito  mais  lenta  e  con- 
tingentemente que  se  existisse  um  diploma  que  a 
determinasse  e  regulamentasse. 

E  para  que  o  país,  que  é  quem  deve  ser  o  juís 
em  última  instância  nesta  lamentável  questão  de 
hissope,  não  julgue  que  os  já  aludidos  funcio- 
nários, tornados  pontífices  máximos  das  virtudes 
espartanas  da  República,  procuraram  evitar 
algum  grosso  escândalo,  publicamos  a  seguir, 
e  na  íntegra,  o  projecto  de  Decreto  que  criava 
no  Ministério  da  Instrução  a  Direcção  dos  Tra- 
balhos Históricos  —  e  que  constituirá  o  fecho  desta 
nossa  obra. 

Considerando,  que  uma  das  melhores  formas  de  educar  mo- 
ralmente um  povo  consiste  em  dar-lhe  a  consciência  da  sua  vida 
histórica,  fora  de  preconceitos  anti-scientíficos  e  de  concepções 
metafísicas ; 


-Geneviève,  a  Sarbonne  —  de  Paris ;  o  Public  Record  Office^  o 
British  Museum,  a  Guildhall  Library  —  de  Londres ;  a  Bibliothè- 
que  Royale  de  Belgique,  o  Ministère  des  Affaires  Etrangéres 
belga,  a  Université  Libre  de  Briixelles,  a  Université  de  Louvain 
—  na  Bélgica ;  a  Biblioteca  Pública  de  Berne,  e  a  Biblioteca  Uni- 
versitária de  Berne ;  a  Biblioteca  Nacional  de  Madrid,  a  Real  Aca- 
demia de  História;  alem  de  outros  estabelecimentos. 

Igualmente,  temos  estado  em  relações  com  vários  eruditos  e 
bibliólogos  estrangeiros,  como  o  sr.  Jeromêno  Becker,  de  Ma- 
drid ;  o  sr.  Henri  Stein,  director  do  Bibliographe  Moderne,  de 
Paris ;  o  sr.  Iorga,  eminente  historiador  e  professor  romeno, 
alem  de  diversa  correspondência  que  temos  trazido  com  vários 
professores  estrangeiros,  revistas  de  especialidade,  etc 


Syo 


Considerando,  que,  sendo  os  documentos  as  únicas  bases  do 
conhecimento  histórico,  muito  importa  publicar  manuscritos  iné- 
ditos valiosos  com  as  convenientes  introduções  e  notas,  bem  como 
reimprimir  os  documentos  conhecidos,  mas  que  apresentem  grande 
importância  histórica  e  sejam  raros; 

Considerando,  outrossim,  que  muito  importa  tornar  conhecidos 
tanto  os  homens  que,  pelos  seus  actos  ou  pelos  seus  escritos,  bem 
serviram  a  pátria  no  sentido  do  maior  progresso  da  sua  civiliza- 
ção, bem  como  os  acontecimentos  da  história  nacional ; 

Convindo  inventariar  nas  bibliotecas  e  arquivos  estrangeiros 
as  espécies  relativas  à  história  de  Portugal  e  fazer  publicar,  alem 
dos  inventários,  as  próprias  espécies  em  resumo  ou  in-extenso, 
segundo  a  importância  que  apresentem  para  o  conhecimento  da 
história  pátria ; 

O  Governo  da  República  decreta  e  eu  promulgo,  para  valer 
como  lei,  o  seguinte : 

CAPÍTULO  I 
Da  natureza  dos  serviços 

Artigo  1 ."  É  criada  no  Ministério  da  Instrução  Pública  a  Di- 
recção dos  Trabalhos  Históricos. 

Art.  2."*    A  esta  Direcção  compete  : 

a)  Promover  investigações  e  publicações  sobre  as  sciências  de 
erudição  histórico-bibliográfica ; 

b)  Propor  as  diligências  necessárias  para  que  se  faça  o  balanço 
geral  da  livraria  portuguesa  e  se  melhorem  os  serviços  de  inven- 
tariação e  catalogação  dos  depósitos  públicos  de  manuscritos  e 
livros  eruditos ; 

c)  Reunir  os  elementos  necessários  para  a  história  da  biblio- 
grafia e  bibliografia  da  história  portuguesas ; 

d)  Fazer  investigar  nas  bibliotecas  e  arquivos  estrangeiros  as 
espécies  manuscritas  e  biblíacas  que  maior  importância  apresentem 
para  o  conhecimento  da  história  pátria,  publicando  os  inventários 
dessas  espécies  bem  como  aquelas  que  tenham  maior  interesse 
histórico ; 

e)  Propor  e  efectuar  todas  as  diligências  convenientes  ao  maior 
progresso  dos  estudos  históricos  no  país. 

Art.  3.°  A  Direcção  dos  Trabalhos  Históricos  terá  a  seu 
cargo,  especialmente,  a  publicação  dos  seguintes  corpos  : 

a)  Colecção  de  documentos  inéditos  da  História  de  Portu- 
gal; 


571 


b)  Colecção  de  biografias  de  portugueses  ilustres  ; 

c)  Colecção  de  monografias  históricas ; 

d)  Colecção  de  Arquivos  da  História  de  Portugal  no  estran- 
geiro e  inventários  das  espécies  relativas  a  Portugal  e  existentes 
nas  bibliotecas  e  arquivos  estrangeiros. 

§  único.  Na  publicação  dos  inéditos  da  História  de  Portugal 
dar-se  há  a  conveniente  precedência  às  colecções  que  constituam 
os  recheios  dos  arquivos  particulares. 

Art.  4.°  A  Direcção  terá  como  publicação  periódica  um  Bo- 
letim de  História  e  Bibliografia. 

Art.  5.»  Junto  da  Direcção  funcionarão  as  comissões  e  servi- 
ços especiais  que  o  Director  entenda  conveniente  propor,  para  o 
que  poderá  solicitar  o  concurso  dos  funcionários  do  Ministério  e 
suas  dependências  e  dos  investigadores  que  julgue  necessários. 

Art.  6."  Para  o  mais  completo  desempenho  dos  serviços  de 
investigações  e  publicações  históricas,  ao  Director  destes  serviços 
bem  como  aos  seus  colaboradores  serão  concedidas  todas  as  faci- 
lidades para  consulta,  estudo  e  requisição  das  obras  nas  biblio- 
tecas e  arquivos  do  Estado,  seja  qual  fpr  o  Ministério  de  que 
dependam, 

CAPÍTULO  II 
Do  pessoal 

Art.  7.»  Dada  a  natureza  especial  dos  serviços  a  cargo  desta 
Direcção  Geral  o  pessoal  será  o  seguinte  : 

a)  Um  Director  dos  serviços,  de  serventia  vitalícia ; 

b)  Um  empregado  de  secretaria  ou  dactilógrafa ; 

c)  Um  empregado  menor. 

§  único.  Para  conveniência  dos  serviços  especiais  a  cargo 
desta  Direcção  técnica  poderão  ser  deles  encarregados  funcionários 
do  Ministério  ou  suas  dependências,  bem  como  investigadores 
estranhos  ao  Ministério,  aos  quais  serão  abonadas  gratificações 
em  harmonia  com  a  importância  e  valor  dos  trabalhos  efectuados. 

Art.  8.»  O  cargo  de  Director  será  vitalício,  e  nele  será  pro- 
vido um  chefe  de  repartição  do  Ministério  da  Instrução  Pública 
que  haja  escrito  trabalhos  históricos  e  bibliográficos,  e  tenha  um 
curso  superior. 

§1."    O  Director  despacha  directamente  com  o  Ministro. 

§  2°  O  Director  logo  que  o  solicite  será  dispensado  dos  ser- 
viços da  repartição  para  que  tenha  sido  designado  sem  que  por 
isso  sofra  quaisquer  descontos  nos  seus  vencimentos  nem  dimi- 


572 


nuição  nos  seus  direitos  e  prerrogativas,  fazendo-se  a  substituição 
desse  funcionário  em  harmonia  com  o  disposto  no  artigo  12."  do 
decreto  com  força  de  lei  de  i3  de  Março  de  1919. 

§  3."  Os  vencimentos  do  Director  são  idênticos  aos  dos  che- 
fes de  repartição  do  Ministério  da  Instrução  Pública,  tendo  mais 
esse  funcionário  o  direito  à  gratificação  de  exercício  de  400ÍÍ&00 
anuais  quando  em  Lisboa,  e  à  de  60^00  mensais  quando  saia  da 
capital,  em  serviço  (i). 

Art.  9."  Para  pagamento  de  gratificações  e  salários,  e  para 
despesas  de  tipografia  poderá  despender-se,  anualmente,  até  à 
quantia  de  i  .8ooíJf>oo  (2). 

Art.  io.°    Ao  Director  compete  : 

1°  Representar  o  Ministério  da  Instrução  Pública  nos  con- 
gressos e  conferências  sobre  sciências  históricas  e  geográficas. 

2."  Organizar  congressos,  conferências,  e  reuniões  periódicas  de 
historiadores,  bibliólogos,  etc. 

3."  Propor  todas  as  medidas  e  dirigir  todos  os  serviços  ten- 
dentes à  efectividade  das  atribuições  que  o  artigo  2."  confere  a 
esta  Direcção. 

4.»  Fazer  parte,  como  vogal  de  qualidade,  de  todas  as  comis- 
sões oficiais  de  reforma  de  ensino,  programas,  livros,  etc,  que 
versem  sobre  sciências  históricas. 

5."  Propor  ao  Ministro  as  obras  a  publicar. 

6.<^  Propor  e  realizar  todas  as  diligências  tendentes  ao  progre- 
dimento  das  sciências  históricas  e  à  maior  valorização  dos  ma- 
nuscritos dos  depósitos  do  país. 

7.°  Dirigir  a  publicação  dos  trabalhos,  encarregando-se  de 
elaborar  aqueles  sobre  cujos  assuntos  tenha  feito  estudos  especiais, 
e  propondo  os  eruditos  e  historiadores  especialistas  para  a  elabo- 
ração dos  outros. 

8."  Dirigir  todos  os  serviços  do  Boletim. 

9.»  Estimular  e  auxiliar  por  todos  os  meios  possíveis  a  funda- 
ção de  instituições  scientíficas  provinciais,  destinadas,  principal- 
mente, aos  estudos  de  história,  arqueologia,  filologia,  folklore  re- 
gionais. 

IO."  Propor  ou  dar  parecer  sobre  as  colectividades  ou  pessoas 
a  quem  devam  ser  oferecidas  as  obras  publicadas  por  esta  Di- 
recção. 


(1)  Esta  verba  foi  fixada  pelo  sr.  dr.  Leonardo  Coimbra. 

(2)  Esta  verba  foi  inscrita  pelo  sr.  dr.  Leonardo  Coimbra. 


573 


Art.  ii.°  O  Director  será  substituído  nos  seus  impedimentos 
legais  por  quem  o  Ministro  determinar. 

Art.  12.»  As  publicações  desta  Direcção  serão  remetidas  às 
Academias  e  outras  instituições  scientíficas,  bem  como  às  biblio- 
tecas, do  estrangeiro  e  do  país. 

Art.  i3.°  Para  ocorrer  ao  pagamento  das  despesas  que  re- 
sultam da  execução  deste  diploma  fica  o  Governo  autorizado  a 
abrir  os  créditos  necessários  ou  a  realizar  transferêncios  de  verb.ns 
no  orçamento  do  Ministério  da  Instrução  F'ública,  independente- 
mente de  quaisquer  disposições  em  contrário. 

Art.  14.»  Este  decreto  entra  imediatamente  em  vigor  e  revoga 
a  legislação  em  contrário. 

Determina-se  portanto  a  todas  as  autoridades  a  quem  o  co- 
nhecimento e  a  execução  do  presente  decreto  com  força  de  lei 
pertencer,  o  cumpram  e  façam  cumprir  e  guardar  tão  inteira- 
mente como  nele  se  contêm. 

Os  Ministros  de  todas  as  Repartições  o  façam  publicar. 

Paços  do  Governo  da  República,  em  24  de  Abril  de  1919. 


índice 


Pág. 

Preliminar v 

Introdução ix 


CAPITULO  I 

A  influência  da  filosofia  cartesiana  e  do  movimento  scientifico 
da  Renascença  do  século  XVI  sobre  os  progressos  da  história        i 

CAPÍTULO  II 

O  início  da  história  scientífica  moderna : 

a)  A  obra  dos  Beneditinos  de  Saint-Maur 23 

b)  Os  progressos  da  crítica  histórica,  com  os  Bolandistas, 

e  através  da  historiografia  racionalista 3i 

I."  —  Voltaire  e  os  seus  seguidores  na  histo- 
riografia racionalista 43 

2."  —  MoMTESQUiEU  6  OS  seus  adcptos  no  racio- 
nalismo histórico 48 

3."  —  Outros  historiadores  do  período  raciona- 
lista .  '. 49 

CAPÍTULO  III 

Alguns  trabalhos  de  erudição  e  crítica  históricas  feitos  no  sé- 
culo XVIII 53 

CAPÍTULO  IV 

A  erudição  e  a  crítica  históricas  no  século  XIX,  e  até  à  actuali- 
dade: 

i."  —  Considerações  gerais 109 

2.°  —  Países  de  língua  alemã 118 


576 


Pág. 

3.»  —  Inglaterra i33 

4.°  —  Itália .-  .  •  147 

5.°  —  Espanha i58 

6.°  —  França 178 

7."  —  A  historiografia  contemporânea  em  outros  pai- 

se's 243 

a)  Roménia 246 

b)  Suíça 247 

c)  Holanda 256 

d)  Bélgica 262 

CAPÍTULO  V 

As  colecções  de  inéditos  em  Portugal : 

I.»  —  O  estudo  dos  manuscritos  antes  da  fundação  da 

Academia  de  História 295 

2.°  —  Os  trabalhos  da  Academia  Real  de  História.  .  .  .     3o2 
3."  —  As  publicações  de  inéditos  da  Academia  das  Sciên- 

cias  de  Lisboa 326 

CAPÍTULO  VI 

A  fase  actual  da  metodologia  histórica  : 

I ."  —  A  história  no  quadro  geral  das  sciências 347 

a)  A  história  nas  classificações  scientíficas.  .  .     347 

b)  A  história  nas  suas  relações  com  a  psicolo- 

gia e  a  sociologia 368 

2.°  —  A  História.    Sua  natureza,  seus   objectivos,  sua 
aplicação  : 

a)  A  História  como  sciência  e  como  arte.  .  408 

b)  Objectivos  da  História 440 

c)  Definições  de  História 45 1 

3.°  —  A  metodologia  genética  da  História : 

a)  A  metodologia  genética  e  a  metodologia  pe- 

dagógica       466 

b)  O  princípio  evolucionista  nas  sciências  natu- 

rais]      46S 

c)  O  princípio  da  evolução  em  História      .  .  .     472 

d)  O  método  das  sciências  naturais  e  o  método 

das  sciências  históricas 477 

e)  O  método  histórico 488 


^77 

Pág. 
4.°  —  A  História  e  a  concepção  de  valor  : 

a)  A  concepção  de  valor  na  Filosofia 5o5 

b)  A  noção  de  valor  em  História 5o8 

CAPÍTULO  VII 

A  nossa  colecção  de  documentos  inéditos : 

i."  —  A  análise  e  a  síntese  em  História 523 

2.9  —  As  publicações  documentais 534 

3.°  —  A  nossa  colecção  de  documentos  inéditos  da  his- 
tória de  Portugal 543 


37 


ERRATAS  (i) 


Página 

Linha 

Onde  se  lê : 

Deve  ler-se : 

3 

26 

contribuiu 

contribuiram 

4 

I  e  2 

quere 

quer 

9 -nota 

1 1 

seur 

leur 

i5 

18 

andado 

avançado 

3i 

título 

. ..  com  os 

Bolan- 

. . .  com  os  Bolan- 

distas  através  da 

distas  e  através  da 

historiografia. . . 

historiografia 

32 

18 

Mareri 

Maréri 

32 

19 

Pire 

Père 

34 

»7 

Harald,  Hõfíding 

Harald  Hoffding 

35 

9 

descutido 

discutido 

37 

3 

sentidas 

sentidos 

64 

19 

Muratbri 

Muratori 

83  -  nota 

7  e  8 

Biblioteque 

Bibliothèque 

lòo  e  loi 

19  e  3 

Marshn 

Marsham 

112 

14 

nétion 

nation 

140 -nota 

6 

preseceved 

preserved 

142 

I 

Hnrici 

Henrici 

166 -nota 

última 

Florindablanca 

Floridablanca 

195 

21 

Le 

Li 

J99 

27 

mémoines 

mémoires 

216 

23 

on 

ou 

240 

10 

Pibon 

Pichon 

240 

18 

elas 

éla 

(i)  Alem  destas,  outras  gralhas  estão  semeadas  pelo  nosso  tra- 
balho, como:  descutido,  por  discutido  ;  europienne,  por  européene; 
Velington,  por  Wellington;  Justinianeo,  por  Justiniano  ;  abóboda, 
por  abóbada;  fundamentaux,  por  fondamentaux,  etc. 


8o 


Página 

Linha 

Onde  se  lê: 

Deve  ler-se  : 

258 

4 

des 

du 

281 

4 

Pirennh 

Pirenne 

288 

14 

Crasbek 

Craesbeck 

298 

17 

Peter,  Wichet 

Peter  Vichet 

358 -nota 

8 

outros 

vários 

376 

i5 

ibi 

ibis 

386 

18 

Bugkle 

Buckle 

399 -nota. 

10 

Be  Bancels 

De  Bancels 

399  -  nota 

20 

testamento 

testemunho 

424 

1 1 

sido 

tido 

433 

9 

e  que  por  isso 

e  que,  por  isso 

437 

i3 

confessar  é 

confessar,  ela  é 

438 

'9 

artísticas,  teriam 

artísticas  teriam 

447 

3 

Haeusser 

Hausser 

449 

i3 

essencialmente 

insensivelmente 

469  -  nota 

3 

Haeflfer 

Hoefer 

478  -  nota 

i3 

(0 

(2) 

489 

12 

voltassem 

voltaram 

489^ 

i3 

fixassem 

fixaram 

499 

i5 

integridade 

integralidade 

535 

última 

tão  importantes 

tão  absorventes 

OBRAS  DE  ANTÓNIO  FERRÃO 


O  Marquês  de  Pombal  e  as  Reformas  dos  Estudos  Menores  (191 5). 
Os  Arquivos  da  História  de  Portugal  no  Estrangeiro  (1916). 
Da  importância  dos  documentos  diplomáticos  em  História.   Estudo 

sucinto  de  alguns  arquivos  diplomáticos  estrangeiros  e  na- 
,  cionais  (igiy). 
A  Vida  e  Obra  Governativa  do  ifi  Marquês  de  Pombal.    Plano  e 

sumários  do  i.o  e  2.0  volumes  da  publicação  mandada  efe- 
ctuar pelo  Governo  da  República  (19 17). 
As  Causas  «Ideais»  da  Conflagração  e  a  função  pedagógica  das 

Academias  scientifiças  após  a  guerra  (1918). 
Gomes  Freire  na  Rússia  (1918). 
O  povo  na  história  de  Portugal.   A  Restauração  de  1640.   Como  se 

perdeu  e  se  reconquistou  a  independência  (i58o-i668).  (1919). 
Academias  e   Universidades.    Discurso  pronunciado  na  sala  do 

Senado  da  Universidade  de  Coimbra  (1919). 
Prussianos  de  Ontem  e  Alemães  de  Hoje.  As  Impressões  de  um 

diplomata  Português  na  Corte  de  Berlim  fij8g-iygo).  (1919). 
Os  Arquivos  e  as  Bibliotecas  em  Portugal  (1920). 
Gomes  Freire  e  as  virtudes  da  raça  Portuguesa  (1920). 
Fernão  de  Magalhães  e  a  sua  viagem  de  circumnavegação  (1921). 
A  educação  intelectual  e  a  função  que  nela  devem  desempenhar 

a  familia,  o  município  e  o  Estado  (1922). 
O  teatro  e  o  animatógrafo  na  educação  (1922). 

NO  PRELO,  PRESTES  A  APARECER 

A  Intendência  geral  da  Policia  no  tempo  dos  Franceses  (Invasão 
de  Junot). 

A  cantora  portuguesa  Lui^a  de  Aguiar  Todi  no  seu  tempo. 


JAN  2 -MS^S 


LIBRARY  OF  CONGRESS 

O  015  900  584  7    '    • 


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