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Deposited iii Librauy of tho
iSljeologual Sciuinart}, Princcton.
This Book Belongs To
WILLIAM I. JAMES,
OF
Tom's River, Ocean County, New Jersey.
And is one of a UVr^^r -f
boota it. variou, langnage, coUeoted by tbe lai.
Capt,R.0B.BpDoto,..,. «r,1,eT;.S.N.vv.i=Ui.
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FEB 13 1918
ITAMENTO VELHO
ADUZIDO EM PORTUGUEZ
SEGUNDO
VULGATA LATINA.
TESTAMENtcyVELHO ^
TRADUZIDO EM p{o R T UijlJ Í 2l 1913
S E G U N h O
A VULGATA LATINA^S^
ILLUSTRADO DE PREFAÇÕES,
NOTAS,
E LIÇÕES VARIANTES
POR
ANTONIO PEREIRA
DE FIGUEIREDO.
T O M. Xí.
QUE CONTÉM
OS PROVÉRBIOS , O ECCLESIASTES,
E O CÂNTICO DOS CÂNTICOS.
Se imunda Lnprejsão revlfla , e retocada pelo mejmo Áuthor»
LISBOA
NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA.
M« DCC. XCIX.
Com licm^a da Meza do De f embargo do Pa^o ,
e Privilegio Real.
Vende-fe na loja da Viuva Bertrand e Filho , Merca-
dores de Livroi , junto á Igreja doi Martyres ao ChiaJo
cm Litboa,
\
Foi taixado eíle livro cm quatrocentos
reis. Lisboa 14 de Março de 1799.
Com quatro Rubricas.
índice
DOS
capítulos,
ue fe contém neftes tres Livros,
PROVÉRBIOS.
VP. I. Defenho dejle Livro. Tomar o
enfim, fugir da companhia dos mãos.
vir a vo^ da Sabedoria. Pag. i.
II. Receber as inftrucções. Pedir a
ç dória. Vantajens que J 'e achão napof"
iella. p. 8.
lil. l^ão efquecer dos preceitos da
edoria. Pôr em Deos toda a fua con-
ff a. Não fer Jabio a feus próprios
IS. Honrar dos feus bens ao Senhor,
o recujar o caftigo. Louvores da Ja-
'oria. Felicidade dos que a pojjuem.
zer bem a feu próximo.. Não lhe fa^
' mal nenhum. p. 12.
IV. Salamão exhorta os homens d
edoria y como feu pai mefmo o exhor»
, Guardar a difciplina. Fugir o ca-
lho dos ímpios. Felicidade dos jufios ,
dicidade dos mãos. Guardar o feu co-
^ão. Vigiar fobre a lingua. Regular
jeus pajfos, p. í^.
cap»
II
I N DI CS
CAP. V. Não fe deixar ir atrás dos ar*
tificios da mulher adultera. Entregar-
fe ãjua efpofa, Confequencias funejlas do
adultério, p. 23,
CAP. VI. Obrigações do que deo caução
por outro, O preguiçojo excitado ao tra-
ha lho, Ruina do que fêmea dijcordtas,
Aproveitar fe da injirucção. Defender^
fe da mulher adultera. p. 27.
CaP. VI . Exhortação ao amor da fahe*
dória, Defender-Je dos artifícios da mu-
lher adultera. Infelicidade daquelles que
Je deixão cativar delia. p. 32.
CAP. VI I. A jabedoria convidando os ho-
mens a que venhão a ella , e recebão as
Juas inftrucções. Excellencia da fabedo-
ria, Ella ejid em Deos des de toda a
eternidade. As juas delicias são eflar
com os homens. Felicidade dos que a
ouvem. Infelicidade dos que a aborre-
cem, p. 36.
CAP. IX. A fabedoria edificou para fi hu-
^ ma cafa , preparou hum banquete , e con^
vidou para elle os homens. Dejgraçado
o que dej prezar o feu convite. A mulher
infenfata também chama afi os homens,
Defgraçado o que fe deixar vencer dos
feus attraSíivos. p. 42,
CAP. X. Do filho Jabio , e do infenfato-y
do
dosCapittjlos. ih
{f}n , e do tmpio ; do diligente , e do
uiçofo\ da caridade^ t do odio\ da
e da md língua. p. 46.
^I. Vantajens dos juflo^ ^ e dos Ja-
, por contrapojição ás infelicidades
ndos y e dos infen fatos. p. 5-1.
Amar a correcção. Cultivar a
uie. Sorte dos bons , e dos mãos. Do
m lahoriofo. Do fahio , e do infen-
Dos bens , e dos males caujados
lingua. p. 5* 6.
CHI. O filho fabio , ou infenfaío. Re»
' que deve haver nas palavras, O
' rico , e o rico pobre. Breve dura-
io ejplendor dos ímpios. Bens adqui-
muito depreffa. Pajfar a vida com
bios. Ca/ligar a feus filho/. Cubica
ndos injaciavel. p. 62.
ÍIV. Dijferentes caraSíeres dosfã'
, e dos infen fatos. Sorte indiff crente
uflos , e dos injuflos. Trabalho. Te-
de Deos. Paciência. Compadecer-Je
^ohres. 6^.
ÍV. Brandura nas palavras. Doei'
ie d 9 correcções. ViElima dos ún-
Tudo he conhecido de Deos. Rui na
fob^rbos. O preguiço fo , o injenjato ,
pio contrapqftos ao diligente , ao fa-
ao juflo. p. 7^*
CAP.
ir Índice
CAP. XVI. Deos dtjpõe da língua^ e dos
fajfos do homem. Ira , e clemência do
Rei, Males que caufa a foberha, Cami"
nho funejia que parece bom. Deos regu^
la , e conduz as fortes, p. 8o.
CAP. XVII. Deos prova os corações. Não
dejprez-ar ao pobre. Juízos injujios abo-
mináveis diante de Deos, O amigo he-o
em todo o tempo. O infen/ato pajfa por
Jabio ^ em quanto não falia, p. 88.
CAP. XV III. Do amigo infiel. Da confian-
ça do jufio , e da do rico. Soberba , $
humiliação. Frutos da lingua, A boa ,
e a má mulher. Do homem fociavel, p. 94.
CAP. XIX. Do pobre , e do rico. Da tef
temunha falfa. Da ira , e da benevolên-
cia do Rei, A mulher prudente he hum
dom de Deos, Correcção aos filhos, TV-
mor de Deos, Caftigos refervados para
os ímpios, p. 100.
CAP. XX. O vinho origem de defordens.
Do homem preguiço] o, O pezo dobre
abominável. Perigo das fianças. Hon-
rar feus pais. Não dar mal por mal.
Os grandes males pedem grandes remé-
dios, p. 106.
CAP. XXI. O coração do Rei na mão de
Deos, A preguiça , origem de mi ferias.
Infelicidade daquelles , que tem o cora-
ção
DOS Capítulos. v
'.ro para os pobres, Vantajeris da
^ e da fabedoria. Saúde he hum
9 Senhor, p. 113.
[II. Preço da boa reputação, Van-
do coração puro, Exhortação d
yia. Não opprmir ao pobre. Não
redir os antigos limites, p. 119.
nil. Sobriedade d meza dos Gran-
ado bufcar riquezas. Não oppri-
os pu pi lios, EJiar firme no temor
s. Fugir das mulheres di£olut as y
ebedice, 126.
[IV. Não invejar a profper idade
ios. Não efiimar jenão a fabedo-
^fler-Je no tempo da afflicção. Não
>zijar com a ruina dos feus ini^
Temer a Deos , e ao Rei, Evitar
uiça, p. 13:5.
[V. O coração dos Reis impene^
Não fe exaltar a ft mejmo, Pa^
dita a propofito, Pr orne j] a fem
Trifleza do coração. Fazer bem
imigos. Por freio d curiofida^
p. 141.
lVI. Do infenfato. Do que fe crê
Do preguiçofo. Do faljo amigo,
i Hngua, Do que encobre ojèu
p. 149.
LVII. Não fe gloriar na ejperan-
VI Inotce
ça do futuro, /)o.t bons confelhos, Tra-
halhar por adquirir a fabedoria. Do fer^
vo fiel. Os louvores são a prova do co-
ração. Obrigações dos pajlores. p. 157.
CAP.' XXVIII. Confiafiça do jufto. Simpli-
cidade do pobre. Do temor df Deos. Da
ociofidade. Do que julga injujlamente.
Do que fe enjoberbece. Do reino dos
mios, p. 164.
CAP. XXIX. Daquelle , que defpreza as
correcções. Da ruina dos mãos. Da cor*
recção dos filhos. Das injírucçÕes dos
Profetas, Do homem Joberbo, Do temor
dos homens, p. 172.
C '^P. XXX. A fabedoria he hum dom de
Deos, Damnos que na f cem das riqueza? ,
e da pobreza. Progénies execráveis, Fi"
lhas da fanguechuga, Coufas infaciaveis.
Coufas de/conhecidas. Coujas injuppor-
taveis, Coufas muito fabias. Coujas que
anàão bem, p. 178.
CAP. XXXI. JnJlrucçÕes , que Salamão
recebe o de fua mãi, Elie ex horta os ho*
viens a não fe fazerem pródigos com as
mulheres \, e o? Reis a evitarem a bebe^
diffie. Mas elle recommenda o ufo do vi-
nho ao'! que eflão t rifles. Elogia da mu-
Ih^r forte , tecido de ver/os acrojltcos
alfabéticos» p. 189-
DOS Capítulos, vii
iCCLESIASTES.
. Tudo o que ha de telhas alai'
?e vaidade. Nada ha novo dtbai'
l. Omefmo efludo^ e conhechnen^
Hencias he vão , e traz comfigo
e anciedade. p. 201.
V aidade dos deleites , das rique*
•j" edifícios , e de enthefourar pa-
herdeiro defconhecido, p. 207.
Todas as coufas tem feu tempo.
> das coufas naturaes he vão,
^ns , e os brutos morrem igual"
p. 216.
Calúmnias , violências , e ciu^
homens ^ huns contra os outros,
de dos infenfatos» Loucura dos
Utilidades da vida focial. Vai-
Poder Soberano, Obediência pre-
7 os facrificios, p. 223.
^er circumfpcEío nas fuas pala^
ymprir os feus votos. Não fe ef-
de ver atropellada a jufliça. O
9 nunca fe farta. O rico defgra»
fua mefma opulência, p. 228.
Defgraçada condição do avaren^
tendo bens não oufa gozar dei'
p. 235-.
CAP,
yiii Índice
CAP. VII. Aboa reputação. Utilidade das
correcções. Utilidade da fabedoria. l^ao
ha juflo 5 que não peque, DeJ prezar os
difcurfos dos homens. A mulher perju"
dicial, p. 279.
CAP. VIII. lííão fe apartar dos Manda-
mentos de Deos, Paciência de Deos,
Afflicção dos jujlos. Projperidade dos
mãos, p. 248.
CAP. IX. Ninguém fabe fe he digno
amor , ou de odio. Igual condição de
bons , e de mãos nejle Mundo. Sabedoria
do pobre, p. 254.
CAP. X. Confequencias funejlas da impru-
dência. Imprudentes , e ef cravos eleva-
dos á Dignidade. CaraÚer do maldi-
zente. Rei menino. Príncipes glotSes.
Não dizer mal do Rei. p. 261.
CAP. XI. Dar efmola. Obras de Deos in-
cógnitas. Ter continuamente diante dos
olhos o Juízo de Deos. Vaidade da mo*
cidade. p. 269.
CAP. XII. Não ejperar pela velhice pata
fervir a Deos. Enigma da velhice. Vai"
da de das coufas do Mundo. Temer a Deos ,
e objervar os feus Mandamentos, p. 274.
CAP.
os Capítulos.
CO DOS CÂNTICOS
E SALAMÂO.
Defejos que tem a Igreja de
fr a Chrifto. Delicias que acha
20, Favores que recebe, Ella
s fuas imperfeições. EJias são
'a malicia do demónio. Temor
não fe extravie ella , quando
Jefus na terra, Defejos de o
9 Ceo. 287.
Amabilidades de Chriflo , e da
a Ejpofa, Louvores que elle lhe
res que lhe faz. Cuidado , que
ira que nada perturbe a ale-
icego , que efta tem nelle, p. 300.
DeJaJJocego da alma ^ de que fe
Chrifio, Esforços que ella de-
pelo achar. Cuidado que deve
mfervallo. Como em Chrifto tem
'Jeu defcanço, At tenção de Chri*
mpedir que ninguém lho per-
p. 310.
Chrifto louvando , e admirando
\as , que elle mefmo depofitou
reja , e nas almas fantas , que
lheo para fi : louvando , e admi'
r virtudes exteriores , que nel-
X
las apparecem \ mas dando a uantajem
d caridade , que ejld efcondida no cô*
ração, p. 316.
CAP. V. Anciã que tem a Igreja de rece-
her a Chrijlo ^ e de o ver recolher os fru-
tos , que elle produzio nella^ Bondade
com que Chrijlo rej ponde aos dejejos da
Igreja, Ternuras que diz para induzir
as almas a que o recebão, Defgraça das
que recusão abrir» lhe a porta do feu co-
ração , quando elle bate. Elias depois o
bufcão 5 mas não no achão. Trabalhos que
pajjou nifto, Defcripção que faz das per-
f eições do Efpofo. p. 327.
CAP. VI. A Igreja he como o jardim de
Chrijlo. 'Neila acha Chrijlo as fuas de-
licias. Lindezas da Igreja, Ella he o
único objeíio do amor de Chrijlo, A fua
felicidade faz a admiração dos Anjos.
Ella ao mejmo tempo he a alegria do
Ceo , e o terror das Potejlades do In-
ferno, p. 340»
CAP. VIÍ. A Igreja na terra compÕe-fe
de bons , e mãos, Ella a hum mefmo tem-
po ejld em alegria , e em trijle^a ; em
efperança , e em temor. No Ceo he toda
pura , e toda fermofa. A fua alegria , e
a fua felicidade são alli perfeitas ^ eel—
la ^ faz asedlicias do Rei CelejliaL To
DOS Capitvlos. yi
*Jejo da Igreja n^Jle Mmdo he
com Chrijto jeu t jpofo , e àãt-
mais lenjivets mojiras da Jua.
e do feu amor, p. ^52,
I. Amor da Igreja por Chrijio ,
'ifío para com a Igreja. Força ^
'ficia dejie amor, p. 3C4.
PRE-
F A Ç Ã o
SOBRE
^RO DOS PROVÉRBIOS.
tres Livros que nos ficarão dc
alamão , efte dos Provérbios he
maior , e o mais importante-
íduzio Salamão a breves fenten-
explicou por varias comparações
ss toda a Doutrina dos coftu-
orque fc deve regular o homem
quer eftado. A brevidade deo
itos fentcnciofos o nome de Pro-
que sao as que os Gregos cha-
mes. As comparações o de P^-
que são as que os Hebreos
Mifchlé.
fcritura nos diz, III. Reg. IV".
Lie Salamão compozera tres mií
s. E ainda que nefte Livro dos
os não chegão a mil as que
3, nenhuma razão ha para du-
s , queeftas fazem parte daquel-
mil. Nem por iflb com tudo
por certo , que quanto á coor-
XL A di-
dinação em que eftc Livro hoje fe acha ,
e qaúiiro a todas , e cada hunia das fuas
fentcnças , feja clle inteiramente Obra
de Salamão : antes pelo contrario nos
parece mais provável, que fendo deSá-
lamão ao menos a maior parte das fen-
tcnças 5 a coordinação foíTe feita por
outros.
Os fundamentos para aílim os jul-
garmos, sao eftes. Primo ; no Capitu-
lo XXV. vcrfo I. vem eftas palavras:
EJias são também Parábolas de Salamão ,
as qua?s tranfcrevêrão os fervos d^Eze-
quias Rei de Judã, Sobre o que refe-
re Anaítifio Niceno , Efcritor do feti-
mo feculo , na Q^ellão XXXIX. fo-
brc aEfcritiira, ofentimento emqueef-
ti verão os dous grandes Padres S. Hip-
polyto Martyr do feculo terceiro, eEu-
febio de Cefarea do quarto. Que he,
que no Reinado d'Ezequias fe appli-
cárao vários homens , que cfte Rei de-
putou para ilfo , a fazer efcolha das
Obras de Salamão, e a feparar as qne
crão mais úteis, e de maior edificação,
das
Sobre o Liv. dos Proverb. in
0 não erão tanto , nem conti-
ufa que foíTe própria a reformar
mes j e a inftruir os Povos. Que
efte Plano, fe efcolheo d'entre
í Cânticos de Salamão fomente
que nós hoje temos, intitula-
fua excellencia o Cântico dos
: e das fuas Parábolas , as que
lem nefte Livro dos Provérbios,
^idò : No Capitulo XXX. verfo
a Vulgata diz : Palavras do que
, filho do que arrevefa f abe do-
m o Hebreo por nomes pro-
Palavras d' Agiir filho de lakeb*
Iguns Interpretes julgão , que
1 nome dc outro Profeta , que
2 Salamão.
iò: Nefta Obra achao-fe muitas
s repetidas. Como no Capitu-
verfo 12. Ha hum caminho ^ qm
ireito aos homens : e com tudo o
guia para a morte. A qual fe
no Cap. XVI. verfo 25-, E no
Xí. verfo 9. Melhor he efiar af-
a hum canto do telhado , do qu^
A ii ha^
IV PllEFAqAO
habitar com hima mulher litigio fa mma cafa
commtim, A qual fe repete no Cap. XXV.
verlb 24. Ê aflíni outras muitas. Ella
repetição nao fó prova , que não foi Sa-
lamão o que coordinou todas as fenten-
ças defte Livro ; mas também, que nef-
ta CoiBpilação trabalhou mais de hum,
e em diverlos tempos.
Oiiartò 5 & ultimo : Nefta Obra
achã0'fe doze , ou treze fenrenças , que
lendo- fe nos Setenta , e na Vulgata , ral-
tão com tudo no Hcbreo , e algumas
delias também na Versão de S.Jerony-
mo. Nós as apontaremos nos feus ref-
peftivos lagares: como também outras ,
que não íeachão nem noHebreo, nem
no Grego.
Hama antiga Nota fobre a Prefa-
ção de S. Jeronymo aos Livros de Sa-
lamão, que no Tomo I. das Obras def-
te Santo Padre traz Martianay ao Ca-
pitulo V. dos Provérbios , pag. 943,
diz que eftes Additamentos aoHebreo,
que fe encontrão no Grego, são da mão
dos Setenta , huns poftos para maior cla-
re-
50BRE O LiV. DOS PrOVE^B. T
) fentido , outros ajuntados de
livros para edificação dos Lei-
tudo o referido colhemos moder-
iticos comCaliTict, que o Livro
iverhios tal qual hoje íe conlerva ,
la Collecção formada de diverfas
çoes , que corrião entre os Ju-
í feitas por divcrfos fujeitos , e em
s tempos, das fentenças dcSala-
e talvez que também das de ou-
critores Sagrados. O que fecon-
advertindo-fe , que algum^as das
as que vem nos Setenta , e fal-
Hebreo , fe achao no Livro do
aftico : eque do Capitulo XXIV.
1,2. por diante , he notabiliflima
pofição de verfos, que fe obfer-
Texto Grego da Edição Roma-
le fecrê fcr o genuino dosSeten-
refpeito do Original Hebreo.
ja como for, na Synagoga, e na
fempre o Livro dos Provérbios
por hum Livro Canónico, epor
os trcs y que tem por Author a
Sa-
vr Pref. sob. o Liv. dos Prov.
Salamão. E fe nós tivermos bem apren-
dido as fentenças , que infpirado por
Deos efcreveohum tão grande homem ,
não teremos mais que deíejar , do que
pertence á Filofofia dos coltumes ; ou a
confideremos quanto ao Eítado Econó-
mico 5 ou quanto ao Eítado Politico,
ou quanto ao Eftado Monaftico , ou Pri-
vado. Por iíTo os antigos Padres, co-
mo attefta Eufebio no Livro IV. da
Hiftoria Ecclefiaílica , Cap. 22. chama-
vão ao Livro dos Provérbios Panaretosy
que quer dizer , CoUecção abbreviada
de todas as Regras da Moral , e Inftruc-
ção para a prática de todas as virtudes.
Finalmente S. Balilio na Queftão , ou
Pergunta XV. dasfuas diíFufas Regras,
he de parecer , que , para eftas máximas
importantiílimas le imprimirem des da
tenra idade no coração do homem , as
devião logo aprender os meninos , afim
de poderem , já fe vê , lançar mão de
tão folidos, e necellarios Diftames para
governo, e direcção da vida.
LI-
LIVRO
OVERBÍOS,
HEBREO MASLOTH.
A P I T U L O 1.
defte Livro, Tomar o enfim, Fu»
a companhia dos mãos. Ouvir
a voz da Sabedoria.
J A R A B o L A s de Salamao , fi-
lho de David , Rei d'If-
racl.
) Para fe aprender a fabedoria ,
iplina 5
pa-
ra fe aprender a fabedoria. Neftas Para-
-no Grego , que , figni ficando compara'
fcme l bancas y vem atomar-íc noMentido
as graves e cheias de íabedoria , cuja in-
Jie algum tanto cfcura e iccondita) fc
t Pr o V EB BIOS.
3 (h) para fe entenderem as pala-
vras da prudência , e receber a inftruc'
çao da doutrina , a juftiça , e o juizo,
e a equidade ; ^
prcfcreve a norma e regra das acções humanas , c
por confeguinte fe intima náo a vá e mundana,
mas a verdadeira fabedcria , que confiftc no co-
nhecimento de Deos , no temor e refpeito , com
que deve fer adorado e fervido pela prática da vir-
mde. Releva também advertir que a palavra , que
na língua Grega e Hcbrea correíponde a difcipH*
fia 5 fii^nifica náo fó o enfino que fe dá de pala-
vra , fenáo o que vai acompanhado de reprehensáo
ccaftigo, como faz hum pai com feus filhos; por-
que o homem depois da primeira quéda ficou em
láo efpeíTas rrévas fepultado , que para atinar com
o caTiinho da falvaçáo neceflira náo fó que Deos
o inftrua e illuftre , mas ainda que muitas vezes
com o tropel das calamidades e tribulações , que
lhe envia , o chegue a punir para fua emenda;
quando náo he para o purificar dalguns defeitos, e
fazel-lo aííim merecer mais refulgente coroa de flo-
ria. PEUErRA.
(h) Náo fó ncíle Livro , mas nos feguintes vem
quafi a fignificar o meímo as palavras jf^í/^fífor/^ , c
prudência ; como também jujli^a , juizo , e cquida.-
4e. Todas elhs fe referem á obrigaçáo , que in-
cumbe, ao homem de uniformemente dirigir cada
huma de C^rs acções pelos preceitos da Lei do Se-
nhor. A fcienciã , dowrhia , e ititclligencia , de que
falia o Texto, íignificáo cm çommum o conbeci-
Capitulo I. 3
) a fim de fe dar aos pequeni-
:ia ; fciencia e entendimento ao
).
' fabio ouvindo-as , ficará mais
s entendendo-as , {d) poíluirá o
tinará com a parábola e fua in-
yão j com as palavras dos fa-
feus (e) enigmas,
'ra o temor do Senhor h-e o prin-
i fabedoria : os infenfatos def-
. fabedoria ^ e a doutrina.
Ou-
jdo quanto involve cila indirpenfavel obri*
REIRA.
fim dc Je dar aos pequmnos ajiucia, Toma-
ucia em boa parte por efpcrtcza , difcri-
rnimcnto , para conhecer , e evirar qual-
o. Pelos pequeninos fe entendem os fimpH-
10 lhes chama o Apoftolo I. Corinth. XIV.
•5 no penjar : pelos mancebos , aquelles ,
i feito progreííos na virtude , ou verdar
cia. Pereira.
ffuirá o léme : Como deftro Piloto no
mundo faberá perfeitamente a arte dc fc
fi , e aos outros. Pereira.
'\gmas, Taes, como os que fe encontrão
os Juizes XIV. 12. nolll. dojRcisX. Iç
]UÍel XVII. 2, PSREIRA.
4 Provérbios.
8 Ouve, filho meu, a inftrucção dc
teu pai , e não largues a Lei de tua
mãi :
9 para fe accrefccntar engraçado
adorno á tua cabeça , e hum coUar ao
teu pefcoço.
10 Filho meu, fe os peccadores te
attrahirem com os feus aíFagos , não
condeíccndas com elles.
11 Se te diflerem : Vem comnof-
co; façamos embofcadas para derramar
fangue ; armemos laços fecretos ao in-
nocente , que nos não fez mal algum :
12 devoremo-lo vivo (/) como o
fepulcro , e inteiro como ao que dá
comíigo no calabouço.
1 3 Nifto acharemos toda a forte de
bens 5 e de preciofidades ; encheremos
as noíTas calas de dcfpojos.
14 Deita comnolco a tua forte ; feja
huma fó a bolfa de nós todos.
Fi-
(/) Como o fepulcro, Oa também , como o m-
ferno. Faz-fe aqui, fegundo parece , allusáo aofuc-
ccíTo. dc Dathan , c Abiron relatado já noUvK) dos
Números, XVÍ. 55. Pereira.
Capitulo I. 5*
ilho meu, não vás com clles;^
de andar pelas fuas varedas.
Drque os feus pés correm para
: fe dão preíTa a derramar ian-
las de balde fe lança a rede.
>s olhos dos que tem azas.
les mefmos fazem traições con-
próprio fangue, e tramão en-
1 ruina de fuas próprias almas,
aes são os caminhos de todos
tos: elles furprendem as almas
'flão poffuidos defta paixão,
fabedoria enfina de fora ; ella
a fua voz nas praças públicas,
la grita á tefta das AíTem-
povo ; (g) á entrada das por-
dade profere as fuas palavras ,
:é quando amareis , á crian-
fancia , e os infenfatos cubi-
ça-
ntrada das portas da Cidade, He allu-
0 coliume de eftarem os Miniftros c
ra brevidade do defpacho ás porcas das
LEI KA,
6 Provérbios.
çaráó as coufas que lhes são nocivas , c
os imprudentes aborrecerão a fciencia ?
23 Convertei-vos á minha correc-
ção : eis-aqui vou eu a propôr-vos já o
meu efpirito , e a intimar- vos as minhas
palavras.
24 Porque eu vos chamei , e vós
não quizeftes ouvir-me ; cftendi a mi-
nha mão , e não houve quem olhaíTe
para mim.
. 2$ Defprezaftes todos os meus con-
felhos , e não fizeftes cafo das minhas
reprehensões.
26 Pois eu me rirei tamhcm navof-
fa morte , e zombarei de vós, quando
vos fucceder, o que temieis.
- 27 Quando vos aflaltar a calamida-
ide repentina , e colher a morte como
hum temporal : quando vier fobre vós
a tribulação e a anguftia :
28 então me invocarão clles , e eu
não os ouvirei : (h) levantar-fe-hão de
madrugada j e não me acharão:
P0Í5
(h) Levantar-fe-hão de madrugada, Hc cftc hum
Hebraiímo^ c]ue íigtiiíica fazer 4S mais agonizadas
Capitulo L 7
isque elles aborrecerão as in-
e não abraçarão o temor do
m fe fubmettêrão ao meu con-
lefacreditárão toda a minha re-
I,
omeráo pois os frutos do feu
, e fartar-fe-hão dos feus con-
) A aversão dos meninos os
e a profperidade dos infenfa-
rá a perder.
[as aquelle que me ouvir , def-
em temor , e gozará da abun-
e bens , fem receio de mal al-
CA-
e os maiores esforços para chegar ao
Te pertende. Pereira.
'versão dos meti ino s ^^'C, A aversão que
( que náo conhecem o que lhes he pro-
?m ao cornar os meus coníelhgs. Oc
s.
8
Prover BI os.
CAPITULO ir,
4
Receber a injlrucção. Pedir a fabedoria»
Vantagens que fe achão na pojje delia.
I Ilho meu , fe tu receberes as
JL minhas palavras , e tiveres os
meus mandamentos efcondidos dentro
do teu coração ;
2 de forte que o teu ouvido ouça
attento, o que a fabedoria lhe diz: in-
clina o teu coração a conhecer a pru-
dência.
3 Porque fe tu invocares a fabedo-
ria , e inclinares o teu coração para a
prudência :
4 fe a bufcares como o dinheiro ,
c cavares pela achar, como os que def-
enterrão thefouros :
c então comprehenderãs tu o te-
mor do Senhor , e acharás a fciencia
de Dcos:
6 porque o Senhor he o que dá a
fabedoria , e da fua boca he que fahe a
prudência , e a fciencia.
Capitulo 11. f
[Ic refervará a falvaçao para os
reftos ; e protegerá aos que cst-
(a) em fimplicidade ;
) fendo cUe mefmo o que guar-
ircdas da juftiça , e o que eftá
fobre os caminhos dos Santos,
ntao conhecerás tu a j^iftiça , e o
a equidade , e todas as varedas
boas.
Se
n fimplicidade. Com firts^elcza , candura ,
dc de coraçáo , aos de vida inculpável e
fivel , cujos dcfejos sáo todos de agradar
EREIRA.
ndo elle mejmo o que guarda as varedas d.t
que a Vulgara diznefte vetfo 8. Servans
iitiae , ata Saci com o que precedèra no
r.idientes fimplicuer. E allim traduz am-
rfos defte moJo : Elle referva a falva-
s que sao refios : e protegerá aos que an-
iplicidadc , guardando as varedas da jufil-
fe defviando do caminho dos Santos. Eu
a de Carriercs , rcteri o fervans do vcr-
o Senhor, que he o nominativo ao ver-
rd , que precedeo no 7. e ifto náo tantO
^ervans no fingular , e gradientes no plu-
:5uc bem adverti, que o Author daVul-
ela a cada pado as regras da Grammati-
3or me parecer eftc o íentido mais facil.j
10 Provérbios.
10 Se a fabedoria entrar no teu co-
ração , e a fciencia agradar á tua alma •
11 o coiifelho te guardará , e a pru-
dência te confervará ;
12 a fim de feres livre do caminho
máo 5 e dos homens que fallão coufas
perverfas ;
13 que deixâo o caminho direito,
e andâo por caminhos tenebrofos :
14 que le alegrão depois de terem
feito o mal , e triunfão nas peiores
coufas :
15* cujos caminhos são todos cor-
rompidos, cujos paíTos são infames.
16 (c) A fim dc feres livre da mu-
lher alheia , e da eftranha , que ufa dc
palavras brandas,
17 (d) e deixa o guia da fua pu-
berdade ,
(f) A fim de feres livre di mulher alheia , e^r.
Tudo quanto aqui fe diz da mulher adultera c
mundana em fcntido próprio e litteral, fe entende
também no translato da corrupção do íeculo reprc-
ícntada igualmente pela meretriz do Apocalypfe,
oue brinda a todos os habitadores da terra com o
dourado cálice das fuas abominações. Pereira.
Çd) E deixa o guia da fua puberdade. Larga fc»
Capitulo II. ir
fe tem efquecido (e) do pa£l:o
►eos. Porquanto (/) a fua cafa
ara a morte, e as fuas varedas
infernos :
odos CS que tem trato com
não voltarão , nem tomarão as
da yida.
^ira que andes pelo bom cami-
ão largues as varedas dos juftos.
?orque os que são rectos , ha-
la terra , e nelia permaneceráó
lÍCCS.
XI. B Po-
larido , que he cabeça da mulher , fegun-
Io I. Corinth. XI. ^. com o qual ti-
fado quando era donzclla. Pereira.
) pa^o do feu Deos, Da fé , ou lealdade ,
romettèra , quando com elle contrahio o
o 5 tomando a Deos por teftemunha , co*
va de Malaquias II. 14.; e mais que tu-
gaçáo de manter a alliança que havia fei-
mcfmo Senhor. Pereira.
f Jua cafa pende para a morte, O Hebreo
e para os gigantes : 'ú\o he , para 0$ in*
|ue são a morada dos gigantes. Com o
rda o que fe diz adiante no Capitulo IX»
Pereira.
ío voltarão : Sem o auxilio da graça pre^
Pereira*
iz Proverbt o sl
2 2 Porém os ímpios fcrao arranca-
dos de íima da terra : e os que obrão
iniquamente ferão delia exterminados.
CAPITULO IIL
Não efquecer dos preceitos da f abe dor ia.
Pôr em Deos toda a Jva confiança. Não
fer fabio a feus próprios olhos. Honrar
dos feus bens ao Senhor, Não recufar o
cafligo. Louvores da Jabedoria, Felicida-
de dos que a pofftdem. Fazer bem a feu
próximo. Não lhe fazer mal nenhum.
1 T7^ Ilho meu , não te efqueças da
JL minha Lei , e o teu coração
guarde os meus preceitos:
2 porque elles te accrefcentaráo lar-
gos dias, e annos de vida, e paz.
3 Não te defamparem a mifericor-
dia , e a verdade, poe-nas como hum
Collar á roda do teu pefcoço , e grava-as
fobre as taboas do teu coração:
4 c acharás graça , e fabia condu-
fta diante de Deos, e dos homens.
- y Tem confiança em Deos de todo
o
Capitulo III. 1 5
o teu coração, e não te eítribes na tua
prudência.
6 Traze-o no penfamento em todos
os teus caminhos , e elle mefmo diri-
girá os teus paííbs.
7 Não fejas fabio a teus próprios
olhos : teme a Deos , e aparta-te do mal :
8 pois ifto fera faude (a) para o teu
cmbigo , e a regadura dos teus oíTos.
9 Honra ao Senhor com a tua fa-
'zcnà^j e dá-lhe das primicias de todos
os teus frutos:
10 e fe encherão os teus celleiros
d« fartura , e trasbordarão de vinho os
teus lagares.
11 Não rejeites, filho meu, a cor-
recção do Senhor : nem caias em aba-
timento y quando por elle es caftigado :
B ii por-
(a) Para o teu emhigo,ó'j» Tanto ao embígo,
como á regadura , ou turano , e íucco nurricnte dos
oíTos com razáo fe attribue a faude: áquellc, poc
fer o canal 5 por onde o homem Te alimenta no ven-
tre materno, e porque a fua quebradura hc mortal:
a efta , por fer hum final de grande vigor e robuftez.
Pódc também aqui o embico denotar a parte inferioC
dalma, c a concupiícencia da carne. Pereira,
14 Provérbios.
12 porque o Senhor caftiga aquelle^
a quem ama : e acha nelle a fua com-
placência , como hum pai em feu filho.
13 Bemaventurado o homem , que
achou a fabedoria ^ e que eftá rico dc
prudência :
14 melhor he a fua acquifiçâo, do
que o tráfico da prata , e leus frutos
melhores do que o ouro mais fino , e
mais depurado :
mais preciofa hc que todas as
riquezas : e tudo o mais que fe defeja,
não fe pode comparar com ella.
16 Q?) Na fua direita eftá a longu-
ra dos dias , e as riquezas , c a gloria
na fua efquerda.
17 Os feus caminhos são caminhos
fermofos , e de paz todas as fuas va-
redas.
18 (c) He arvore da vida para aquel-
les,
Qj) Na fua direita. Pela mão direita fe dão a
entender os bens eternos , pela efquerda os tempo-
faes. Pereira.
(c) He arvore da vida ^ eí^c. Omermo que erâ
( fcgundo Santo Agoltinho no Livro XIII. da Cidade
de Deos , Capicuio XX.) no Paraífo ccrieai a arvore
Capitulo III. 15*
les, que lançareTi mão delia : e bem-
aventurado o que a não largar.
19 O Senhor fundou aterra pela fa-
bedoria, eftabeleceo os Ceos pela pru-
dência.
20 {ã) Pelafua fabedoria he que os
abyfmos fe romperão , e fe condensão
as nuvens em orvalho.
21 Filho meu , não fe te efcôem
cftas coufas de diante dos teus olhos:
Guarda a Lei , e o confelho :
22 e terá vida a tua alma , e en-
graçado adorno a tua garganta :
23 então andarás tu com confian-
ça pelo teu caminho , e o teu pe não
tropeçará :
fe
da vida , he no Paraifo crpiritaal Ja Igreja a fabedoria
de Dcos : aquella tornava immorral o corpo do ho-
mem, conícrvando-o na mefma idade; eíta livra a
íua alma da velhice do peccado , guardando-a para
a vida ererna. Pereira.
(r/) Pela fua fabedoria he que os abyfmos fe rottt'
pcrão. Dos abyímos , ou das agu2s 00 mar, que
penetrão, como por vèas , pelas entranhas, c oc-
cultos meatos da terra , he cjue rebentão as fontes
e rios : dos condcnfados vapores , que fobem ao ar ,
fc fórmáo as nuvens, as quacs fe refoWcm cmcha-
va, que fertiliza a terra. Pereira.
i6 Provérbios.
24 fe dormires ^ não temerás : tu
delcançarás , e o teu fomno lerá tran-
i]ui!lo :
25- nao te aíTuíles do repentino pa-
vor j nem das poderofas arremettidas ,
que venháo lobre ti , dos ímpios.
26 Porque o Senhor eftará ao teu
lado, e clle guardará o teu pé para não
feres apanhado no laço.
27 Não impidas que faça bem a-
quelle que pode : fe tu podes , faze-o
tu mefmo também.
28 Náo digas ao teu amigo: Vai 5
e torna : á manhã te darei : quando tu
lhe podes dar logo.
29 Não traces fizer mal ao teu ami-
go, tendo elle confiança em ti.
30 (e) Não faças proceífo contra
qualquer homem fem motivo , quando
elle te não fez mal nenhum.
31 Não invejes o homem injuílo,
nem imites os feus caminhos :
por-
(e) Não faças procejfo contra , <ò'C, He digno
de fe trazer á memoria o cjue fobre ifto advcrcc
S.Paulo L ad Connth.VI.7. Pereira.
Capitulo III. 17
32 porque abominação do Senhor
he todo (/) o enganador, c a fua con-
veifaçao he com os íimplices.
33 Haverá (g) indigência na cafa
do ímpio enviada pelo Senhor : porém
as habitações dos juílos feruo abençoa-
das.
34 Elie efcarnccerá dos efcarnece-
dores , e dará graça aos manfos.
35' Os lábios pofiuiráõ a gloria: a
exaltação dos infeníatos ícrá a fua igno-
minia.
CA"
(/) o enganador, A palavra illufor da Vulga-
ta fe deve tomar no fentido dc preverjo , como traz
o Hcbreo ; ou tranfgreffor da Ui , como fe lê nos
Setenta. Pereira.
(g) Indigência. Os Setenta km ntiJdiçSo de
Deos ; c o rocfmo fe acha no texto Hebrco. Pfi-
Prover bios.
CAPITULO IV.
Salamão exhorta os homens á fahedoria ,
como jcu pai mefmo o exhortou. Guardar
a difciplina. Fugir o caminho dos Ímpios.
Felicidade dos jujlos , infelicidade dos
mdos. Guardar o fett coração. Vigiar
fobre a Ungua, Regular os feus pajf 7S.
1 Uvi , filhos , as inftfucçoes de
hum pai , e eftai attentos para
conhecerdes a prudência.
2 (a) Contribuir-vos-hei com hum
bom dom , não deixeis a minha Lei,
3 Porque eu fui também filho de
meu pai , (b) tenrinho , e (c) unigénito
diante de minha mãi :
e
(a) Contribair-vos hei com ham bom dom. O He-
br€0 le: Porque excellente doutrinavas tenho dado,
C^m a Vul^ara concorJáo os Setenta. Pereira.
(b) Tenrinho. Refcrc-fc efta palavra ou á ter-,
nura com -juc Salamáo era amado , ou á íua tenra
idade, ou ao mimo da fua creaçáo , ou em fim á
docilidade '^o feu natural. Pereira.
(c) Unigénito. Tendo fido quatro os filhos, que
David teve Je B^rfabé já fai mu^lier, conocjnlta
da Sagrada íliíbria 3 LÍ^aral. III. 5. : SaiaHiáo íoi,
Capitulo IV. i 9
4 e elle me cnfinava , e dizia : O
teu coração receba as minhas palavras,
guarda os meus preceitos , e vivirás.
5- PolTue a labedoria, poflue a pru-
dência : não te efqueças , nem te def-
vics das palavras da minha boca.
6 Não na largues , e ella te guar-
dara : ama-a , c ella te confervará.
7 (d) PoiTue tu a fabedoria , que
efte hc o principio da meíma fabedo-
ria 5 e adquire a prudência com todas
as tuas poíles :
8 arrebata-a , e ella te exaltará :
ella te dará gloria , quando a tiveres
abraçado :
9 ella dará á tua cabeça augmentos
de graças , (e) e te cobrirá com huma
inclyta coroa. ^
Ou-
fcmprc ornais amado Jc fcus país. PoriíTo oSal-
XTioXLlV. dedicado ao cafamento de Salamáo, tem
por titulo: Cântico pelo amado. Bossuet.
(^) PqPue tu a fabedoria. O homem afanando
e adquirindo o dom da fabedoria , moftra nifto mef-
, mo já hum principio de fabedoria , c merece con-
feguilla ; porém o que olha para ella com indiffe-
lença 5 faz-fe indiano de a obter c poíTuir. Pereira.
(e) £ te cobrirá com huma inclyta coroa. Por
20
Provérbios.
10 Ouve 5 filho meu , e recebe as
minhas palavras , para que fe te multi-
pliquem os annos da tua vida.
11 Eu te moftrarei o caminho da
fabedoria , guiar-te-hei pelas varedas da
equidade :
12 nas quaes , depois que tiveres
entrado, não fe eftreitarao os teus paf-
fos, e correndo não terás tropeço.
13 Péga-te bem ádifciplina , nao a
largues : guarda-a , porque ella he a
tua vida.
14 Não te deleites nas varedas dos
ímpios , nem te agrade o caminho dos
máos.
ij Foge delle , e não paíTes por
elle : defvia-te , e deixa-o :
16 porque elles não dormem, fem
terem feito mal : e fe defraudão do fo-
mno , fe não tem armado alguma fan-
cadilha :
cl-
cfta coroa , que ao mefmo tempo nos cobre e pro-
tege como noíTo cfplcndor e defcnfa , entendem
commummcnte os Padres a caridade. Pretendem
alguns que atéqui são palavras de Dftvíd repetidas
por Salamáo. Pekeira,
Capitulo IV. :í i
17 ellcs comem o pão da impieda-
de 5 e bebem o vinho da iniquidade. •
18 Mas a vareda dos juftos , como
luz que refplandece , vai adiante , c
crelce até o dia perfeito.
19 O caminho dos ímpios he te-
ncbrofo : elles não fabem aonde vão
cahir.
20 Filho meu, efcuta os meus dif-
curfos, e inclina o teu ouvido para as
minhas exprefsóes :
21 ellas não fe tirem de diante dos
teus olhos 5 conferva-as no meio do teu
coração :
22 porque ellas são vida para os
que as achão , e faude para toda a carne.
23 Applica-te com todo o cuidado
poílível á guarda do teu coração , por-
que delle he que procede a vida.
24 Remove de ti a boca maligna,
e eftejão longe de ti os lábios que de-
trahem.
25- Os teus olhos olhem direitos,
e as tuas pálpebras precedão os teus
22 Provérbios.
26 Dirige a vareda , exn que pões
os teus pés 5 e todos os teus caminhos
ferao firmes.
27 (f) Nâo declines nem para a
direita, nem para a cfquerda : retira o
teu pé do mal. (g) Porque o Senhor co-
nhece os caminhos , que eftão á direi-
ta: c os que eftao á cfquerda, são huns
caminhos de perdição. Mas elle mefmo
endireitará as tuas carreiras, e guiando
prolongará em paz os teus caminhos.
CA-
(/) Não dedities , ebr. Confiftc num meio a
virtude , apartandofe dos extremos. O caminho á
direita he ode Deos , cjue fc oppóc á injuftiça : mas
ainda ncfte mefmo caminho dc Deos he ncccíTa-
rio náo declinar nem á direita , nem á efquerda ,
fegundo a intelli^cncia dos Padres , e enrrelles em
vários lugares Santo Agoftinho. Declina-fe á direi-
ta , quando nos enfobcrbecemos com as boas obras ,
que praticamos; e á cfquerda , quando nellasaíFrou-
xamos. Por onde fó deve trilhar-fe cfte caminho
entre a prefumpçáo e a defidia. Pereíka.
(^) Porque o Senhor conhece os caminhos , ó^c.
Todo eíle verfo , com que fe termina o preíentc
Capitulo , falta no Hebrco : mas trazcm-no os Scr
tenta. Pereira,
Provérbios.
CAPITULO V.
IJão Je deixar ir atras dos artificios da,
mulher adultera. Entregar-fe d fua
^fpofa* Confequencias funejlas
do adultério,
I TTp Ilho meu 5 attende á minha fa-
JL bedoria , e inclina o teu ou-
vido para a minha prudência,
2 a fim de vigiares febre a guarda
dos teus penfamentos , e para que os
teus lábios confcrvem huma exaíla dif-
ciplina. {a) Não te deixes ir atrás dos
artificios da mulher:
3 porque os lábios daproftituta são
como o favo donde corre o mel , e a
íua garganta he mais luftrofa , do que
b azeite:
4 mas o feu fim he amargofo como
o abfinthio, e talhante como a efpada
de dous gumes.
^ Os feus pés defcem á morte , e
os feus paíTos baixao até os infernos.
El-
(jo) Não te deixes ir atrdí , é^c. Eftas pala-
vra* náo vem noHebrco^ mas cilas fe achão nos
^4 Provérbios.
6 Elles não andão pela vareda da
vida , os feus paíTos são vagabundos ,
e ininveftigaveis.
7 Agora pois , filho meu , ouve-
me , e não te apartes das palavras da
minha boca.
8 Alonga delia o teu caminho , e
não chegues ás portas de fua cafa.
9 Nao dês a tua honra ás alheias ,
nem os teus annos á cruel:
10 para que não fucceda que os ef-
tranhos enriqueção dos teus bens, (b) e
que os teus trabalhos eftejão na caía d*
outrem ,
11 e que tu gemas no fim , quando
tiveres confumido as tuas carnes , e o
teu corpo , e digas :
12 Porque deteftei eu a difciplina,
e porque nao cedco ás reprehensões o
meu coração,
1 2 nem ouvi a voz dos que me en-
fi-
Setenta , e a ordem do Texto as pede. Pereira.
(b) E que os teus trabalhos , &c. Ifto hc , a
fazenda e cabedaes , que tens adquirido com a toa
induâria e ttabalho. Pereira,
Capitulo V. 7.$
finavao , nem appliquei aos Mcílres o
meu ouvido ?
14 (c) Quafi que em todo o mal
me achei , no meio da Igreja ^ c da
Synagoga.
15' (d) Bebe da agua da tua cifter-
na^ c das correntes do teu poço.
1 6 (e) Corrão fóra os regatos da tua
fonte , e tu reparte as tuas aguas nas ruas.
17 (f) PoíTue-as tu fó , e não te-
nhão parte nellas os eftranhos.
A
(f) Quaft qus em todo o tnal me achei , ^c,
Eíiàs palavras argucm o dcípèjo , e a devaflidáo
dos coftumes de muitos , que pouco falta para fe
entregarem publicamente ao exccíío das fuás cri-
minofas paixões. Também , como querem al-
guns , podem fer palavras de hum peccador , que
cahe na conca do mal paíTado , e fe converte a Deos
de todo o coração. Porém commummente fe en-
tendem da falfa penitencia dos que parece que de-
teftáo as culpas , mas eíRcazmente náo tratáo dc fe
emendar delias. Pkreira.
(íi) Bebe da agu4 da tua cijlerna. Com eífa
elegante , e decentiílima metáfora quer dar a en-
tender Salamáo , que o homem fe contente com a
fua legitima jnulher. Bossuet.
(e) Coníofóraos regatos da tua fonte. Ifto he,
íejáo muitos os filhos que tenhas delia. Bossuet.
(/) Poífuc-as tu fó, 'Ifto he , fej^o eíTcs filhos
Provérbio^.
18 (g) A tua veia feja bemdita, (•
vive alegre com a mulher que toaiaílc ,
fendo moço:
19 ella feja para ti (h) a corça que
muito amas , e o teu engraçadiflimo
yeadinho: os fcus peitos te embebedem
em todo o tempo, (/) no leu amor, buf-
ca fempre o teu prazer.
20 Porque te deixas , filho meu ^
enganar da alheia, e repoufas no feio
d' huma outra ?
21 O Senhor olha attentamente pa-
ra os caminhos do homem , e confide-
ra todos os feus paíTos.
22 As fuas mefmas iniquidades pren-
dem
fruto d' hum cafto matrimonio , em que fó tu te-»
nhãs parte com tua mulher. Bossuet.
(^) A tux veia feja hemdita. líio he, abençoe
Dcos a tua mulher com a defcjada fecundidade.
BoSSUET.
(/;) A corça que muito mas , (ò^c, Allude ás
cxprefsóes amorofas , de que os maridos usáo , fal-
lando com fuas mulhefes. Bossuet.
(í) No [eu amor bufca fcmp^e o teu prazer. Não
commettendo adultério com outras , e obfervando
riáo como confelho , mas como pr?cciro a m xin^a
do Apoílolo I, ad Corinth.VlI. 2^. ^o. Pereira.
Capitulo V. 27
deni ao ímpio , e he apertado com as
ataduras dos feus peccados.
23 Elle morrerá , porque não ad-
mittio a correcção , e fe achará enga-
nado pelo exceilo da fua loucura.
CAPITULO VI.
Obrigações ão que deo caução por outro,
0 preguiço fo excitado ao trabalho. Ruí-
na do que fêmea dlfcordlas. Aprovei'
tar-fe da infirucçao, Defender-fe damu*
lher adultera,
1 {a) T7^ Ilho meu , fé ficares por lia-
JL dor do teu amigo, {b) déf-
te por elle a rua mão a hum eílranhò ^
2 tu te metteíte no laço com as
palavras da tua boca , e ficafte prezò
pelas tuas próprias exprefsóes.
Tom.XL C Fa-
{à) Filho meu , . Náo fe condemnão aqui as
fianças, que do noíTo prettimo requerem as leis da
caridade, mas fó as incautas , e imprudentes. Pe-
reira.
Qb) Défte y&'c, He, como bem fe deixa vcr^
allusáo ao coítumc de tocar a direita do credor a-
quelle ^ que tomava fobrc fi a fiança , em fmal dá
palavra dàda. Pereira^
a8 Provérbio?.
3 Faze pois , filho meu, o que tt
digo j e livra-re a ti mefmo: pois que
cahifte nas mãos do teu próximo. Dif-
corre dMiuma para outra parte , apref-
fa-te, defpcrta ao teu amigo:
4 não deixes entrcgarem-fe os teus
olhos aofomno, nem dormitem as tuas
pálpebras.
j Salva-tc como huma corça que
efcapa da mão , e como hum paíTaro
que foge dentre as mãos do armador.
6 Vai ter , ó preguiçofo , com a
formiga, e confidera os feus caminhos,
e aprende delia a fabedoria:
7 a qual não tendo conduftor, nem
meftre 5 nem principe,
8 taz o feu provimento no eflio , e
ajunta no tempo da feifa de que fe fuf-
tentar.
9 Até quando dormirás tu , ó pre-
guiçofo ? Quando te levantarás do t^u
fomno ?
10 Hum poucochinho dormirás , ou-
tro poucochinho dormirarás, outro pou-
cochmho cruzarás as mãos para dor-
mires :
e
Capitulo VÍ.
11 e virá fobre ti a indigência, co-
mo hum caminheiro, ca pobreza, como
hum homem armado. Se tu porém fores
dihgentc, virá a tua méue como huma
fonte , e a pobreza fugirá longe de ti.
12 (^) O homem apoftata he hum
homem inútil , caminha com boca per-
vcrfa ,
13 el!e faz íínaes com os olhos ^
bate com o pé, falia com os dedos,
14 com coração depravado maqui-
na o mal , e em todo o tempo fcmca
difturbios :
15" a elle tal virá dc repente a fua
perdição, « de improvifo fera quebran-
tado, e não terá mais d' ahi por diante
remédio.
16 Seis são ascoufas, que o Senhor
aborrece, e a fua alma dctefta a fetima.
17 Olhos altivos , lingua mentn'o-
fa , mãos que derramão langue inno^
cente,
C ii co-
(c) o homem apoffata , e^c. He o que fe rcbcl-
h contra Deos , lacudindo o jugo da Tua Lei. No
Hebreo fe lò: Homem de Belial , que he o mefmo
que dizer : Homem do diabo , pois aílim traduz a
Vuigaca. III. Reg. XXL Pereira.
30 Provérbios.
18 coração que maquina malvadifli-
mos projedos , pés velozes para correr
ao mal ,
19 teftcmunha falfa que profere
mentiras, (d) e o que fêmea dilcordias
entre feus irmãos.
20 Conferva, filho meu, os precei-
tos de teu pai , e não largues a lei de
tua mãi.
21 Traze-os incelTantemente atados
ao teu coração, e poílos á roda da tua
garganta.
22 Quando andares, elles te acom-
panhem : quando dormires , elles tc
guardem , e em acordando , falia com
elles :
23 porque o mandamento he huma
candeia , e a Lei huma luz , ca repre-
hensão da difciplina o caminho da vida:
pa-
{(1) E o que [eme a difcordias , ó-c. Eíla he a
fctitna couía , Cjuc Deos aborrece e dcrcfta muito
mais , que todas as féis que ficáo apontadas , por-
que o mexeriqueiro e íemcador de llzanias rompe
os laços da caricade enire o próximo, a qual he o
fim dos Mandamentos , L ad Timoth. I. 5. e faz
apagar o leu fogo , que Tefu Chníto quer que fc
£tèc nos corações humanos. Luc. XII. 4^. F^ríika*
Capitulo VI. 3 r
24 para que te guardem da má
mulher , e da lingua lilongeira da ef-
tranha.
2 5" Nao cobice o teu coração a fua
fermofura , nem tc deixes prender dos
fcus acenos :
26 porque o preço da meretriz ape-
nas he de hum páo : mas a mulher ca-
tiva a alaia do homem , a qual nao
tem preço.
27 Acafo pode o homem efconder
o fogo no feu feio , fem que ardão os
fcus veflidos?
28 Ou pode elle andar porfimadas
brazas, fem que fc queime a planta de
fcus pés?
29 Aílím, o que fe chega á mulher
de feu próximo, não ficará limpo , de-
pois de a tocar.
30 Nao he grande culpa , quando
algum furtar : porque furta para faciar
a fua (/) esfameada alma :
tam-
(/) Eifameadd alma. Ifto he , o feu esfamcado
ventre. Compara-fc aqui o furro com o adultério ,
e moftra-fe qus a gravidade dcftc hc maior, que
a daquelle. Pereika.
32 Provérbios.
31 também depois de colhido ás
rrãos, pagará fere vezes cm dobro , c
entregará todos os bens de ília cafa.
32 Porém o que he adultero, per-
derá a fua alma por caufa da loucura
do feu coração :
33 elle ajunta pnra 11 a infâmia,
e a ignominia , e o feu opprobrio nao
fe apagará nunca:
34 porque o ciúme , e o furor do
mando náo lhe perdoará no dia da vin-
gança :
3J nem elle fe dobrará aos rogos
de nenhum , nem receberá em fatisfa-
ção prefentes, ainda que fejão em mui
grande numero,
CAPITULO VIL
Exhortação ao amor da fabedoria. Defeiu
der-fe dos artificios da mulher adul-
tera. Infelicidade daquelles , que
Je deixa o cativar delia,
i llho meu , guarda as minhas
JL palavras , e efconde dentro de
ti os meus preceitos. Filho
ob-
Capitulo VíI. 33
a obferva os meus mandamentos ,
e vivirás : c guarda a minha Lei como
a menina do teu olho :
3 trazc-a ataJa aos teus dedos,
Cx^crcve-a nas taboas do teu coração.
4 Dize á fabedoria , tu es mi-
nha irmã ; e chama á prudência a tua
amiga ,
5* para que te guarde da mulher ef-
tranha , e da alheia, que adoça as fuas
palavras.
6 Porque des da janella da minha
cafa me tenho poílo a olhar por entre
as grades,
7 e vejo aos incautos, coníidero a
hum mancebo infenfato,
8 que paíTa pela rua junto da ef-
quina, e pelo pé da cafa daquella anda
9 fendo já ef:uro, quando o dia fe
vai acabando, nas trevas e obfcuridade
da noite.
10 E eis-que lhe fahe ao encontro
eíla mulher, ornada á moda das profti-
tutas , prevenida para caçar as almas,
falladora , e andeja ,
1 1 não lhe foíFrendo o coração ef-
tar
34 Provérbios.
tar queda , nem podendo ter os pés
dentro em caía ,
1 2 pondo-fe d'embofcada humas ve^-
zes fora , outras nas praças ^ outras ás
efquinas.
13 E tendo mão no mancebo , o
beija , e com hum a cara fem vergonha
lhe faz caricias, dizendo:
14 Pela tua faude oiTereci viíllmas ,
hoje dei cumprimento aos meus votos :
15 poriflb te fahi ao encontro, de-
fejando ver-te , e eis-que te achei.
16 (d) Fiz íobre cordoes a minha
cama , cobri-a com colchas bordadas
do Egypto :
1 7 perfumei a minha çamara de myr-
ra , d'aJoe, e de cinnamòmo.
18 Vem , embriaguemo-nos de a-
niores, e gozemos das delicias defcja-
das, até que amanheça o dia :
19 porque meu marido nao eíla em
fua cafa, foi fazer huma jornada muito
dilatada :
le-
(4) Fizfobre cordoes j ^c, Ifto Iie, fiz a mi-
nha c<ima fobrc cordões, faixas, ou cinus, e náo
fobre taboaSj para âcar mais branda. Pereika.
Capitulo VII. 35'
20 levou comfigo hum faquitel de
dinheiro: lá para o dia da lua cheia he
que ha de voltar a fua cafa.
21 Mctteo-o aíTim na rede com os
fcus lonc;os difcurfos^, c o arraftou com
as li Ion ias dos feus lábios.
22 Segue-a logo como boi que he
levado ao facrificio , e como cordeiro
que vai faltando, e ignora o nelcio que
he arrallado para huma prizao,
23 até que huma fetta lhe trafpaf-
fa o fígado : como ave que apreíTada
corre ao laço , e não fabe que íe trata
do perigo da fua vida.
24 Ouve-me pois agora , filho meu,
c eftá attento ás palavras da minha boca.
25* Não fe deixe arrafíar o teu ef-
pirito a ir pelos caminhos defta mu-
lher : nem tu te deixes enganar das fuas
varedas:
26 porque a muitos derribou feri-
dos , (b) e os mais fortes por ella fo-
rão mortos.
Ca-
Qj) E os mais fortes , ò^c. Como forão , por
exemplo , Sansáa , David , e o raeímo Salamáo.
PcfiLEiKA.
36 Provérbios.
27 Caminhos do inferno são a fua
caía , que penetráo até ás entranhas da
morte.
CAPITULO VIIL
A fabedoria convidando os homens a que
venhão a ella , e recebao as Juas injlruc-
coes. Excellencia da fabedoria, hlla ef-
tá em Deos des de toda a eternidade.
As fuas delicias são ejiar com os ho-
mens, Felicidade dos que a ouvem. In-
felicidade dos que a aborrecem.
I T3 Or ventura a fabedoria não ef-
JL tá clamando, e a prudência não
faz ouvir a fua voz ?
2 No mais alto e elevado das emi-
nências ao longo do caminho , nomeio
das varedas pofta em pé ,
3 junto ás portas da Cidade , na
niefma entrada, falia, dizendo:
4 A vós , ó homens , he que cu ef-
tou clamando , e aos filhos dos homens
he que fe dirige a minha voz.
5 Aprendei , ó pequeninos, a allucia ,
c vós, infenfatoSj preítai-me attenção.
Ou-
Capitulo VIII. 37
6 Ouvi , porque tenho de vos fal-
lar acerca de grandes coufas : e os meus
lábios le abriráò para annunciarem o
que he refto.
7 {a) A minha garganta meditará a
verdade , e os meus lábios deteftaráo
ao ímpio.
8 {b) Juftos são todos os meus dif-
curfos 5 nelles não ha coufa má , nem
depravada :
9 reftos são para os intelligentes ,
e de equidade para os que achão lei-
encia.
10 Recebei as minhas inftrucçóes
com maior golto, do que le recebeíTeis
dinheiro: eícolhei antes a doutrina , que
o ouro.
1 1 Porque melhor he a fabedoria ,
que todas as riquezas de mais fubido
valor : e tudo quanto *he appetecivel,
com ella fe nao pode comparar.
Eu
(^) A minha ^ar^antd meditará, Ifto he , a mi-
nha língua fàllará. Menoquio.
(P) Jujios são todos os mus difcurfos Não
involvcm erro , como os dos fabios do Mundo. Eial
he o caraòtcr da Divina Sabedoria. Pereira.
38 Provebbios.
12 Eu a fabeJoria habito noconfe-
lho, eme acho prefente aos peníiimen-
tos judiciofos.
13 O temor do Senhor aborrece o
mal : eu detefto a arrogância , e a fo-
berba , e o caminho corrompido y e a
boca de duas línguas.
14 Meu he o confclho , e a equi-
dade , minha he a prudência , minha
he a fortaleza.
15: Por mim reinâo os Reis, e por,
mim decretão os Legisladores o que
he jufto.
16 Por mim impcrao os Principes ,
e por mim he que os poderofos decre-
tão a juftiça.
17 Eu amo aos que me amão: e os
que vigião des de manha por me buf-
carem , achar-me-hão.
18 Comigo eftão as riquezas , e a
gloria, (c) a magnifica opulência , e a
juftiça.
19 Porque melhor he o meu fruto
que o ouro, e que a pedra prcciofa , e
as
(c) A magnifica opulência, O Hcbrco Iç: E a
òputcncia ejlavei Pereika.
Capitulo VIIL 59
as minhas producções melhores que_a
prata efcolhida.
20 Eu ando nos caminhos da juílí-
ça , no meio das varedas do juizo,
21 para enriquecer aos que me a-
mão, epara encher (^) os feus thefouros.
22 \e) O Senhor me poffuio no prin-
cipio de feus caminhos, des do princi-
pio antes que creaíTe coufa alguma.
23 Des da eternidade (/) fui con-
fti-
{d) Os feus thefouros, Vcja-fe IfaiasXXXÍII. ^.
Pereira.
(e) O Senhor me pojjuio no principio , ^c, Poffuir
aqui fignifica gerar em írafe Hebraica , e aííim o
vertco Auuila , que foi o mais literal de todos os
Interpretes em Grego. Aílim lemos no Genefis IV.
1. dizer Eva , quando pario a Caim : Eu pojjui
bum homem porDeos: ifto hc, eu gerei hum tilho.
Todo efte lugar porém dos Provérbios na intelli-
gencia de todos os Padres Gregos , c Latinos , diz
refpeito á Sabedoria Cferna do Verbo do Pai, á fe-
gunda Pcííoa da Santillima Trindade , da qual diíTe
S. Joáo no Evangelho: No principio era o Verbo ,
€ 0 Verbo ejiava cm Deos , e o Verbo era, Deos, To*
das as coufas forao feitas por elle. Ora tudo o mais
que atcqui fe diíTe da íabcdoria , cntende-fe tanto
da que eftá em Deos , como da que por fua graça
fe communica aos homens. Pereira.
(/) Fui conjiituida. Lê oHebteo. TiveoPrin*
cipado. Pereira.
40 PROVEKBIOS.
ftituida , e des do principio ^ antes da
terra fer creada.
24 Ainda náo havia os abyfmos,
e eu eftava já concebida : ainda as fon-
tes das aguas não tinhão arrebentado :
25- ainda fc não tinhao aíTentado
os montes fobre a fua pczada maíTa :
antes d' haver outeiros , era eu dada
á luz :
26 ainda elle não tinha feito a ter-
ra 5 nem os rios , nem tinha firmado o
Mundo fobrc os feus Pólos.
27 Quando elle preparava osCeos .,
eu me achava prefente : quando com
lei certa , (g) e dentro do feu âmbito
encerrava os abyfmos :
28 (h) quando firmava lá no alto a
região ethérea , e quando equilibrava as
fontes das aguas :
quan-
C^) E dentro do feu âmbito , e$?'f. O Hebrco lê :
Quando , como com hum compaíTo , defcrevia hum
circulo fobre a fuperjicie do abyfmo, das aguas, dos
mares. Pereira.
(ib) Quando firmava , é^c. Ifto hc , quando fir-
mava a rc^iáo do fogo, ou do nr, ou o ceo eíirel-
hdo ; c quando , como lê o Hebrco , fortificando
as fontes do abyfmOy íuípendia como hum pezo as.
Capitulo VIIL 41
i<) quando circumfcrcvia ao mar o
feu termo, e punha Lei ás aguas, para
que nao paffaíTem os leus limites : (/)
quando fuftentava pendentes os funda-
mentos da terra.
30 Eftava eu com elle regulando y
todas as coufas : e cada dia me delei-
tava 5 brincando em todo o tempo di-
ante delle ;
31 (/) brincando na redondeza da
terra , (;;;) e achando as minhas delicias
em eftar com os filhos dos homens.
32 Agora pois , filhos , ouvi-me:
Bemaventurados os que guardão os
meus caminhos.
Ou-
aguas nas nuvens, paniquc fe não derramaíTem de
golpe fobre a terra , como fe efcrevc no Livro dc
Job XXVí. 8. Pereira.
(1) Quando fujlemava, e^c. Veja-fc o mefmo
Job XXVÍ. 7. e Ifaias XL. 12. Pereira.
(/) Bmcmdo na redondeza da terra. Por eftc
termo de brincar fe indica a facilidade , a varieda-
de, e a fermofura da obra. Bossuet.
(m) E ach.wdo as minhas delicias , &c. Aqui
fc maniFefca já Encarnada a Divina Sabedoria , iílo
he, a PcíToa do Filho , conforme aquillo dc Ba-
ruc, III. 18. Depois dcflas coufas foi elle vijlo na
tma^j viveo com os homens. Pereira.
4- Provérbios.
33 Ouvi a inftrucção , e fede fa-
bios, e não queirais rejeitalla.
34 Bemaventurado o homem , que
me ouve , e que vela todos os dias á
entrada da minha cafa, c que eftá feito
efpia ás ombreiras da minha porta.
35' Aquelle que me achar , achará
a vida 5 c haverá do Senhor afalvação:
3 6 aquelle porém que peccar con-
tra mim , fará mal á fua alma. Todos
os que me aborrecem , amão a morte.
CAPITULO IX.
A fabedoria edificou para fi huma cafa ,
preparou hum banquete , e convidou pã"
ra elle os homens, Defgraçado o que def-
prezar o feu convite, A mulher infenfa-
ta também chama a fi os homens, Def-
graçado o que fe deixar vencer dos feus
attraclivos,
I (^a) A Sabedoria edificou para li
jLjl. huma cafa ^ cortou íete cch
lumnas.
Im-
{a) A fabedoria edificou para fí huma cafa,é>^c^
Os Samos Padres fcconhecem aaui a Sabedofia Eu*
Capitulo IX. 43
1 Immolou as fuas vidimas , prepa-
rou o vinho, e difpoz a lua meza.
3 Enviou as fuas efcravas a chamar
á fortaleza , e ás muralhas da Cidade:
4 Todo o que he íimples , venha
a mim. E aos infenfatos diíTe :
5 Vinde , comei o pão , que cu vos
dou , e bebei o vinho que vos pre-
parei.
6 Deixai a infância, e vivei, e an-
dai pelos caminhos da prudência.
7 Aquelle que inftrue ao mofador,
a fi mefmo fe faz injúria : e aquelle ^
que reprehende ao ímpio ^ a íi mefmo
fe deshonra.
8 Nao reprehendas ao mofador,
para que elle te nao aborreça : repre-
hende ao fabio, e elle te amará.
9 (b) Dá occaliáo ao fabio , e fc
Tom. XI. D lhe
Cârnadâ , que he ]cfu Chrifto , edificando a fua Igre-
ja , firmando-a íobre os fete dons do Efpirito San-
to, regalando-a com a viétima da fua Humanida-
de facramcntada , debaixo das efpecies de páo , c •
vinho , e conduzindo-a a eftc divino Banquete poc
xneio dos Miniftros Evangélicos. Pereíra.
{^b) Da occafido ao fabio. Ifto he ^ dc apren-
der. MSN0(^UI0.
I
'44 P R o V E B B I o Ç.
lhe accrefcentara fabedoria. Enfina ao
jufto, c fe aprcirará em aprender.
10 O principio da fabedoria hc o
temor do Senhor : e a fciencia dos San-
tos 5 he a prudência.
1 1 Porque por mim fe augmentará
o numero dos teus dias, e eu ajuntarei
novos annos á tua vida.
12 Sc fores fabio , para ti mefmo
o feras : e fe fores mofador , tu fó ex-
perimentarás o mal.
13 A mulher infenfata, e gritadei-
ra 5 e cheia de attraòlivos , (c) e que de
todo não fabe nada ,
14 aíTentou-fe á porta de fua cafa
fobre huma cadeira , num lugar alto da
Cidade ,
15- para chamar aos que palFavao
pela eftrada, eque hião andando o feu
caminho 5 dizendo :
16 O que he fimples , decline pa-
ra mim. E ao infenfato diíTc cila:
17 As aguas furtivas são mais do-
ces,
(c) E que de todo mo fabe fiada. Os Scccnu
Icm: Que não çonheçe vergonha. Terei r a.
Capitulo IX. 45*
ces , e o páo tomado ás eíbondldas he
mais goítofoi
18 Mas elle ignorou ^ (^) que os gi-
gantes eílao com ella ^ e que os feus
convidados fe achão nas profundezas
do inferno.
D ii CA-
(íí) Que os gigantes efiío com dia, Aquelles gi-
gantes, de quem o Sabio já diíTe no Cap, II. vcr-
10 iH. que a mulher corrompida, c adultera era a
porta da cafa dos gigantes , que ella conduzia ao
inferno , c aos quacs também Job póe no inferno ,
gemendo debaixo das aguas. Job XXVI. 5. Aílim
Calmet , o qual julga que ncftc lugar allude o Sa^
bio aos gigantes antediluvianos , que forão precipi-
tados no inferno pelos attra(Slivos do deleite car-
tial , fegundo o que fe lê no Capitulo VI. do Ge-
nefis. Deftes mefmos torna a repetir Salamão no
Capitulo XXI. vcrfo \6. O homem, que fe extraviar
do cminbo da doutrina , terã por morada a Ajfem"
blea dos gigantes. Outros com de Carrieres enten-^
dem por cites gigantes os mefmos demonioSí Ps-
KEIRA.
Provérbios.
CAPITULO X.
T)o filho fabio , e do infenfato ; do juflo ,
e do Ímpio ; do diligente , e do prc"
guiçofo ; da caridade ^ e do odio\
da boa , e da má lingua,
{d) Parábolas de Salamão.
I {tí) Filho fabio a feu pai dá
alegria : porém o filho in-
fenfato he a trifteza de fua mãi.
2 Os thefouros da impiedade de
nada fcrviráõ : mas a juftiça livrará da
morte.
O
{a) Paral^olis de Salamão. Eftc titulo não fe
lè na Versão dos Setenii , nem na Vulgata de Xif-
toV. mas lè-fc noHebreo, no Caldeo , na Versáo
de S. Jefonymo, e na Vulgata de Clemente VlII.
que he a de que acflualmtnte uíamos , depois de
íupprimida a de Xiíto V. Calmet.
{h) O Filho jabio , <ò'C. A équi fomos exhor-
lados a lançar máo do cftudj da fabedoria cm ge-
ral , que confiftc no conhecimento da verdade , c
cm acertar a cumprir com a vontade do Senhor:
d aqui por dimic , por meio de huma quafi conii-
nuaJa aniitliele entre o bem c o mal, íe nos inti-
máo preceiros e regras cfpcciacs para abraçar todo
O género de vircudes ^ etu^ir dos vícios. Pereira*
C A P I T 17 L o X, 47
3 o Senhor não affíigirá com fome
a alma do julto , e desíará as traições
dos ímpios.
4 A mão remilTa tem produzido in-
digência : mas a mão dos fortes adquire
riquezas.
(c) Aquelle , que fe eftriba em
mentiras , fuftenta-íe de ventos : e efte
mefmo corre atrás dos paíTaros que voão.
j Aquelle, que ajunta no tempo da
mélfe 5 he filho íabio : mas o que ron-
ca no eílio, he filho da confusão.
6 A benção do Senhor he fobre a
cabeça do jufto : mas a iniquidade dos
ímpios cobre-lhes o roíto.
7 A memoria do jufto ferá acom-
panhada de louvores : e o nome dos
ímpios apodrecerá.
8 O homem , que he fabio do co-
ração , recebe os avilos : e o infenfuto
he ferido pelos lábios.
9 Aquelle , que anda em ílmplici-
da-
(f) Aquelle ^ que fe ellriba em mentirai yé-c. Efte
verfo não vem no riebreo , nem no Grego , nem
na nova Edição de S. Jcronymo , nem num gran-
de nuniero de ManuícriiQg Lacinos. Cai.met.
48 Provérbios.
dade , anda aíFoutamentc : aquelle po-
rém c]ue perverte os feus caminhos, fe-
ra deicuberto.
10 (d) O que dá d'olho , caufará
dor : e o infenfato ferá efiimulado pe-
los lábios. ....
11 A boca do jufto he veia de vida :
e aboca dosmáos elconde a iniquidade.
12 O odio excita reixas : e a cari-
dade cobre todos os deliílos.
13 Nos lábios do fabio fe acha a
fabedoria : e a vara fobrç as collas da-
quelle, que não tem tenfo.
14 Os fabios efcondcm a fciencia :
mas a boca do infenfato eftá próxima
á confusão.
15 (^) O cabedal do rico hz a ci-
da-
(d) O que dá d' olho , éc Vcia-fc o Cap. VI.
1 3. c o Ecclcfiaaico XXVIÍ. 2^.
CO o cabedal do rico , ^-f . Aos ricos , que põem
toda a fua confiança nas riquezas,* avifa S. Paulo
I. ad Timoth. VI. 17. dc que fendo eíbs incertas e
inconíl.;n!e5 , devem fó collocar aquclla enn Dcos
vivo : e aos pobres , que defconfiáo do foccorro
Divino, pron:icttc o mcfmo Chriíto que por fua
conra rorrc o acoJir-Ihes , e remediallos , como
atteUa S. Mattheus VI. 25. e fc repete noutros lu-
gares da Eícriiura. Pereíka.
Capitulo X. 49
dade da fua fortaleza : a indigência dos
pobres os enche de pavor.
ló A obra do jufto conduz á vida :
mas o fruto do ímpio tende aopeccado.
17 O que guarda adifciplina, eftá
no caminho da vida : o que porém nao
faz cafo das reprehensóes , extravia-fe.
18 Os lábios mentirofos efcondem
o odio: aquelle que abertamente ultra-
ja 5 he hum infenfato.
19 No muito fallar não faltará pec-
cado : mas o que modera os feus lá-
bios, he prudentiíiimo.
20 A lingua do jufto he huma pra-
ta depurada : mas o coração dos ímpios
he de nenhum preço.
21 Os lábios do jufto enfináo amui-
tlílimos : mas os que são ignorantes ,
morrerão na indigência de coração.
22 A benção do Senhor faz os ri-
cos y e não fe achará com elles a af-
flicção.
25 o infenfato commette o crime
como por galhofa : (/) mas a fabedo-
ria he para o homem prudência.
O
(/) -^^^ afabedoria he para o homm prudeti'
yo Provérbios.
24 O que o ímpio teme , iíTo virá
fobrelle : aos juftos fe lhes concederá
o feu defejo.
25 O ímpio dcfappareccrá , como
huma tempeUade que paíTa : mas o juf-
to fera como hum fundamento eterno.
26 Qual o vinagre para os dentes,
e o fumo para os olhos , tal he o pre-
guiçofo para aquelles, que o mandarão.
27 O temor do Senhor prolongará
os dias : e os annos dos ímpios fcrao
abbreviados.
28 A expe6laçao dos juízos he ale-
gria : mas a efperança dos ímpios pe-
recerá.
29 O caminho do Senhor he a for-
taleza do innocente : e pavor para os
que obrão mal.
30 Ojuílo nao fcrá nunca abalado:
porém os ímpios não habitarão íobre a
terra.
31 A boca do juíto frutificará fa-
bedoria : a lingua dos máos perecerá.
Os
eia, Porque a fabedorla , que vem de Deos , infun-
de no h jmem inteliigencia , e fallo prudeiue para
Xabcr çvUaí o mil , c abraçar o bem. Pereira.
C A P I T U L o X. ft
32 Os lábios dos juftos confiderão
o que póJe (g) agradar : e a boca dos
ímpios coulas perverfas.
(g) J gradar : Ifto hc , a Dcos , c aos ho-
mens dc virtude. Pereixa.
CAPITULO XL
Vantagens dos juflos , e dos fahios , por
contrapojição ás infelicidades dosmdos,
e dos injen/atos.
I A Balança enganofa , he abomi-
jljL nação diante do Senhor : (a)
e o pezo jufto , he a fua vontade.
2 Onde houver foberba , ahi haverá
também ignominia: onde porém ha hu-
mildade , ahi ha igualmente fabedoria.
3 A fimplicidade dos juftos condu-
zi-los-ha felizmente: e os enganos dos
perverfos lerão a fua ruina.
4 As riquezas não ferviráo de nada
no dia da vingança: mas a juftiça livra-
rá da morte.
A
(d) E opczo jufto ^ hç a fua vontade. Os Seten-
ta vericm ; E o pezo jufw lhe he aceito^ PsreiraíI
Provérbios.
$ A juftiça do fimples fará feliz o
feu caminho : e pela fua impiedade fe
precipitará o ímpio.
6 A juftiça dos reflos livral-los-ha :
e em feus mefmos laços ferão apanha-
dos os iniquos.
7 Morto o homem ímpio , nâo ref-
tará mais efperança alguma : e a expe-
ftação dos ambiciofos perecerá.
8 (<^).0 jufto foi livre da anguf-
tia : e o ímpio fera entregue em lugar
delle:
9 O fingidor com a boca engana ao
feu amigo : mas os juítos ferão livres
pela íciencia.
T:,i;or; ;Nos bens dos juftos exultará a
cidade : e na perdição dos ímpios ha-
verá acção de graças.
II A cidade ferá exaltada pela ben-
ção dos juftos : e deftruida pela boca
dos ímpios.
iz O que nãotemfenfo, (í:)defpre-
za
(b) O jujlo foi livre , ó^c, Efta verdade com-
prováo os exemplos de Mardoqueo , de David , dc
Uaniel, deSufanna, c deomros muitos. Pereira.
(f) Defpreza^^^c, Quando cahc nalgum erro,
ou íalca. Menoquio.
Capitulo XI.
7a ao fcLi amigo : mas o homem pru-
dcnrc calar-fc-ha.
13 O Gue anda com dobreza, def-
cobrc os fegredos : mas o que hc de
conição leal , cala o que o amigo lhe
confiou.
14 Onde não ha quem governe ,
perecerá o povo : onde porém ha mui-
tos confelhos , ahi haverá falvação.
15' Aquelle, que fe faz refponfavei
por hum eflranho , cahirá na defventu-
ra : mas o que evita os laços , eftará
em fegurança.
16 (d) A mulher de engraçada com-
poílura alcançará gloria : e os robuftos
terão riquezas.
17 O homem caritativo faz bem i
fua alma : mas o que he cruel , repel-
le até os feus mefmos propinquos.
18 O ímpio faz obra^ que não fub-
fiíl
(íí) A mulher de engraçada compofiura , <^c,
Compara-rc aqui a mulher dotada de feimofura c
virtude com o homem induSriofo. Acjuella faz-fe a
itdo? recommendavcl , como fe diz de Judith ,
Cap. Vllí. 7. 8. : eôe com o feu ttabclho e agca-
cia desfruu os bens, que adquire. Pereira.
5'4 Provérbio^.
filte : mas para o que fcmea juftiça ha
(e) fiel rccompenfa.
19 A clemência abre o caminho
para a vida : e o feguimento dos ma-
les conduz para a morte.
20 O Senhor abomina o coração
corrompido: e o feu affefto he para os
que andáo em fimplicidade.
21 O máo não ferá innocente, ain-
da quando tiver huma mão fobre ou-
tra : mas a linhagem dos juftos fciá
íàlva.
22 A mulher fermofa , e infenfata
he com ) hum annel d'ouro na tromba
d' huma porca.
^3 {f ) O defejo dos juftos eliende-
fe a todo o bem : a expeílação dos ím-
pios he o furor.
24 Huns repartem o que he feu, c
ficão mais ricos : outros arrebatão o que
náo he feu, e lempre eftão em pobreza.
A
(e) Fielj&c» lao he, firme, fcgura, c cfta-
vel. Pereira.
(/) O dejejo dos juftos , <ò^c. Ojufto põe fcm-
pTC a mira na obfervancia da Lei de Ueos ; o ímpio
fó efpera o que lhe diòla o furor das íuas paixões;
ou a indignação 3 c vingança Divina. Pekeira.
Capitulo XI. y jr
ajr A alma, que faz bem, (g) fera
cngrolFada : e o que embriaga , tam-
bém ferá embriagado.
26 O que efconde o trigo , ferá amal-
diçoado entre ospóvos: e a benção vi-
rá fobre a cabeça dos que o vendem.
27 Aquelle, que anda vendo como
fará bem , he ditofo em fe levantar ao
romper da manhã : aquelle porém que
anda bufcando como fará mal, ferá del-
le opprimido.
28 O que confia nas fuas riquezas,
cahirá : mas os juftos abrolharão como
a arvore , que tem a folha fempre verde.
29 O que traz a fua cafa inquieta ,
não poíTuirá fenao ventos : e o que he
infenfato , fervirá ao fabio.
30 O fruto dojufto he arvore devi-
da :(h)co que ampara as almas , he fabio.
Sc
(g) Ser d engrojfada, Funda-fe efta exprcfsáo
«m fer a banha , ou groíTura fymbolo da Graça,
c Divinas confolaçóes. Pôde conferir-fc o lugar dc
David no Salmo LXII. v.6. Pereira.
Q)) E o que ampara as almas , &c, O Hebreo
lè : £ o que ca^a almas , lucrando-as para Dcos ,
lamo pelo Teu exemplo , como pela doutrina ^ com
^ue as ínílrue. Pereika.
f4 Provérbios.
; 31 Se o jufto he punido na terra ^
quanto mais o ímpio, e o peccador?
CAPITULO XIL
Amar a correcção. Cultivar a piedade*
Sorte dos hons , e dos mãos. Do homem
laboriofo. Do fahio , e do infenfato. Dos
bens , e dos males caufados pela língua*
• ^ A Qi?elle , que ama a difcipli-
-ZjL na 5 ama a fciencia : mas a
que aborrece as reprehensoes , he hum
infenfato.
2 Aquellc , que he bom , terá do
Senhor graqa : mas o que põe a con-
fiança nos feus próprios penfamentos,
obra como ímpio.
3 O homem nâo fe corroborará pe-
la impiedade : e a raiz dos juftos não
fera abalada.
4 A mulher diligente he a coroa
de feu marido : e a que obra coufiis di-
gnas de confusão , (a) far-Ihe-ha apo^'
drecer os oíTos.
Os
(jC) Far-lhe-ha apodrecer os ofos. Pch trifteza^,
c continuo dilTabor , que lhe cau/àraV Os Sctentsn
Capitulo XII. 57
5" Os penfamentos dos juftos são
cheios de juftiça : e os confelhos dos
ímpios são cheios de fraudulencia.
6 As palavras dos ímpios armão trai-
ções , a fim de verter fangue : a boca
dos juftos Q?) fera a que os livre.
7 {c) Tranftorna aos ímpios, e não
fubíiftiráo : mas a cafa dos juítos per-
manecerá firme.
8 O homem ferá conhecido pela
fua doutrina : mas o que he vão , e não
tem fenfo, eftará expoílo ao defprezo.
9 Mais vai o pobre, que ainda af-
fim tem o que lhe bafta para paíTar, do
que o jaítanciofo , e neceíTitado de pão.
10 (d) O jufto attende pela vida
dos feus animaes : mas as entranhas dos
ímpios são cruéis.
A-
Icm : E afim como no maâeiro dã a polilha ; ajjlm
também vai dejiniindo ao homem a mulher maléfica.
Pereira.
(^b) Será a que os livre. Ifto hc , a que livre os
innoccntef , que sáo o alvo dos feus tiros. Pereira.
(c) Tranjiorna aos Ímpios , ^r. Os Setenta km :
Para onde quer que Je voltar o ímpio , ferã exter-
minado. Semelhante conceito fc encontra no Sal-
mo ClII.y. ^6, Pereika.
(í/) O jufto attende pela vida dos feus animaes ^ ò*c*
5*8 Provérbios.
II Aquelle, que lavra a fua terra ^
ferá farto depao: mas o que fe entrega
ao ocio, he quanto pode fcr infenfato-
{é) Aquelle , que faz gofto de fc
demorar embeber vinho, deixa affron-
ta nas fuas (/) fortificações.
iz O delejo do ímpio he apoiar-fe
na força dos que sao os pciores de to*
dos : mas a raiz dos jultos cada vez
lança mais garfos.
I 3 Pelos peccados dos lábios fe vai
appropinquando a ruina ao máo : porém
o juíto efcapará dos tranfes mais aper*
tados.
Ca-
Atiendc pelos fcus animafs, c tem conta com clles >
pondo grande cuidado cm náo lerem fatigados mais
do que he jufto , cem que lhes náo falte coufa al-
guma necclTaria. Mekoquio.
(e) Jíjuelle , que Jaz gojio de fe demorar em
btber vinho , ^c. tfte vcrfo não fe lê no Hebreo ,
nem cm S. Jeronymo , mas vem nos Setenta. Cal-
MET.
(/) Fortificações, O homem cjue não vive rc-
giítradamento , e cjue paíTa muiçdS ví zes dias intci-
fos em banquetes, c tavernas, que aílim podemos
interpretar ns palavras do Texto vini demorationes ^
põe hum granrle labco na Tua caía; eícnio Tolda-
do (o qual parrce que principalmenre aqui he rc-
prchendido ) tambcm deixa a fua aífronca na Foua'
Capitulo XII.
^4 (g) Cada hum ferá cheio de
bens , conforme for o fruto da fua bo-
ca, e fer-lhc-ha dada a retribuição con-
forme foríím as obras das fuas mãos.
15' O caminho do infenfato he di-
reito aos feus olhos : o que porém he
fabio , ouve os confelhos.
16 O fátuo logo moítra a fua ira : mas
o que diífimula a injuria , he prudente.
17 Aqueile, que affirma o que bem
fabe, (h) he hum manifeftador de jufti-
ça : mas o que mente , he iiuma tefte-
munha enganadora.
1 8 Ha quem promette , e como fe-
rido com huma efpada , he pela con-
fciencia eftimulado : mas a lingua dos
fabios he faude.
19 O lábio de verdade ferá fempre
Tom. XI. E con-
Icza ou Praça , que defende , quando fobrellc dá
d'improviro o inimigo , achando-o ailim defapcrcc-
bido. Pereíra.
(^) Cada hum fera cheio , ^c. Cada hum recei
berá de Deos o premio do fruto , que tiver feito no
próximo com a faudavel c fama doutrina , que lhe
fugzcrir. Pereira.
ifi) He hum manifcjlador de jufti^a, i^c, He
delator juUo , e verdadeiro q íeu depoimento*
6o Provérbios.
confiante: mas ateftemunha que he in-
confiderada , urde huma linguagem de
mentira.
20 No coração dos que pensão ma-
les ha engano : porém áquelles , que
lem coníelhos de paz , íegue o gozo.
2T Não entriftecerá ao julto coufa
alguma , qualquer que for a que lhe
acontecer : mas os ímpios eftarao che-
ios de mal.
22 Os lábios mentirofos são abo-
minação para o Senhor : mas os que
obrão fielmente , lhe agradão.
23 O homem fagaz encobre a fci-
encia : o coração do infipiente aprelTa-
íe a manifcftar a fua eftulticia.
24 A mão dos fortes dominará: po-
rém a que he remiíTa , ferá fujeita a pa-
gar tributos.
25" A melancolia no coração do ho-
mem o abaterá, (/) e com boas palavras
fe alegrará.
A-
(t) E com boas palavras fe alegrará. Ifto he ,
com as palavras , que lhe dilíercm , para O conío*
kr na íua atfiicçáo. Pikeira.
Capitulo XII. 6t
16 Aquelle , que por amor do feu
amigo nao faz cafo de paíTar por algu-
ma perda, hejufto: mas o caminho dos
ímpios (/) feduzil-los-ha.
27 (m) O fraudulento não achará
ganância : e o cabedal do homem fera
ouro preciofo,
28 A vida eftá na vareda da jufti-
ça : mas o caminho que he defcami-
nhoy guia para a morte.
E ii CA-
(/) Seduzillos-ha. Os ímpios, que fó bufcáo o
fcu interelTe , náo atccndcndo ao do próximo , tam-
bém quando neceílitarcm de áuxilio náo acharão
quem os foccorra , permittindo-o Dcos aííim , em
calli^o da fua dcshumanidade. Pereika.
(m) O fraudulento , (ô-c. Como o ufurario , ou
qualquer outro , que tudo quanto anda afanando e
adquirindo he por meios illiciros , d'onde vem o fe-
rem pouco íeguras as íuas riquezas: pelo conjrrario
as do homem diligente , que procura grangeallas
com reólidáo de confciencia , ficáo fendo prcciofas
como o ouro , cm razão da fua maior firmeza , c
cftabilidadc. Filk^iaa,
Provérbios.
CAPITULO XIIL
d filho fabio^ ou infeufato. Referva que
de-ve haver nas palavras. O pobre rico^
e o rico pobre. Breve duração do es-
plendor dos ímpios. Bens adquiridos
muito deprejfa. Pajfara vida com os
fabios. Cafiigar a feus filhos. Cubiça
das mãos inJaciaveL
I (d) Filho fabio he a doutrina
do pai : o que he porem
mofador , não ouve quando o repre-
hendcm.
^ O homem fera farto de bens pe-
lo fruto da fua boca : mas a alma dos
prevaricadores he cheia d' iniquidade.
3 Aquelle , que guarda a fua boca ,
guarda a fua alma : mas o que he in-
confidcrado para fallar, fentirá males.
4 (b) O preguiçofo quer , e nao
quer :
{ã) O filho fabio he a doutrina do pai. Iftò he ,
reluz nellc a doutrina do pai , por quem foi edu-
cado. Mf.noquio.
(/>) O preguiçofo quer , e nao quer. Muda con-
tinuamente de propofifo acovardado pelo trabalho,
que fe lhe rcprcícnta pcnoío , e piocraítinando qm*
âi
Capitulo XIII. 63
quer: mas a alma dos que trabalhão en-
goidarn.
5- O jufto deteftará a palavra men-
ti roía : {c) mas o ímpio confunde , e
ferá confundido.
6 A juftiça guarda o caminho do
innocente : mas a impiedade faz dar
íancadilha ao peccador.
7 Ha hum que parece rico , não
tendo nada: e ha outro que parece po-
bre , achando-fe no meio de muitas ri-
quezas.
8 O refgate da vida do homem são
as fijas riquezas: (d) mas o que he po*
bre 5 nuo fupporta a increpaçao.
A
trofím nos feus bons defcjos , nunca , ou raras ve-
zes chega a pollos por obra. pERErRA.
(f) Mas o Ímpio confunde^ <ô-c, Confunde-fe,
cnvergonha-fe , e deíacrcdica-íe a fi m^fmo , e ferá
igualmente confundido e envergonhado pelos que
chcgáo a podcllo arguir dc mentirofo. Pereíra.
(à) Mas o que he pobre , íp-c. Náo podendo re-
mir o pobre a fua vexaçáo por falta de polTes , a
tudo c a todos cede no centro da Tua defgraça; o
que náo acontece dc ordinário ás pciToas abaftadas ,
que até das enfermidades c da morte fe podem li-
vrar por meio de mui caros e fubidos medicamen-
tos. O Hebreo lè : £ o pobre não ouve ameaça : c
ncíie feniido quer dizer, que a fua mefma pobre-
64 Provérbios.
9 A luz dos juftos alegra : mas a
candeia dos ímpios apagar-fe-ha.
10 Entre os foberbos fempre ha
contendas : mas os que tudo fazem com
confelho, rcgem-fc pela fabedoria.
11 (e) Os bens, quefeajuntão mui-
to depreíTa , diminuir-fe-hao : mas os
que íe colhem á mão pouco a pouco ,
multiplicar-fe-hão.
I^ A efperança que fe retarda affli-
ge a alma : o dcícjo que fe cumpre he
huma arvore de vida.
13 (/) Aquelle, que detrahe d' al-
guma couTa , por li mefmo fe obriga
para o futuro : mas o que teme o pre-
ceito , andará cm paz.
As
za o defende , c põe longe dos perigos c revezes ,
que fobrcvcm aos opulentos. Pereira.
(e) Os bens , que fe djuntao muito dcpreffa , é^c.
Trata-fe aqui da riqueza bem , ou mal adquirida.
Pereira.
(/) Aquelle, que detrahe d al^tima coufa , <ò^c,
O Hebrco lè : O que de [preza a palavra de Deos ,
andará em perdição , (ò^c. Daqui fe colhe o fenti-
do da Vulgata , que he ficar o dcfprezador da lei
fujeito á pena , que ella prcfcrevc contra 0$ feus
tranfgrcííorcs. Pereira.
li
Capitulo XIIL 6$
(g) As almas dolofas errâo nos pec-
caJos: mas osjullos são compaílivos, e
usão de mifericordia.
14 A lei do fabio he huma fonte
devida, para evitar (h) a ruina da morte»
A boa doutrina dará graça :
(/) no caminho dos defprezadores ha
voragem.
16 O homem prudente tudo faz
com confelho : mas o que he infenfato
dclcobre a fua loucura.
17 (/) Omeníageiro do ímpio cahi-
rá
(g) Às almas dolofas , ò*c. Eftc verfo não
vem no Hcbreo , nem em S. Jcronymo , nem em
muiras Edições Latinas , nem em vários Exem-
plares Gregos. Os que o trazem Gregos 5 c Latinos,
irazem-no depois dos verfos 9. ou 12. Calmet.
(h) A ruina da morte. Ou, como fc lè noHe-
breo , os Idços da morte , ifto he , o peccado , c
íuâs occafióes. Pereira.
(í) No caminho dos deípi-ezadores ha voragem.
Os que deíprczáo a folida e fanra doutrina , sáo
bem como hum tragadouro c abyfmo dc perdição.
No Hcbreo íc lê : O bom entendimento conciliará
^raca : mas o caminho dos prevaricadores he duro.
Pereira.
(/) O menfageiro do ímpio cahird no mal. A li-
ção dos Setenta he : Hum Rei temerário cahirÁ em
males : mas hum enviado fabio o livrará. Hum Em-
'66 Provérbios.
rá no mal : mas o embaixador fiel he
faude.
18 Aquelle , que deixa a difcipli-
na 5 experimentará indigência , e igno-
minia ; mas o que fe fujeita a quem o
rcprchende, fcrá glorificado.
19 O defejo, no cafo que fe cum-
pra , deleita a alma : os infenfatos de-
teftao aos que fogem o mal.
20 Aquelle , que anda com os fa-
bios , fera fabio : o amigo dos infenfa-
tos far-fe-ha femelhante a elles.
21 O mal perfegue aos peccado-
res : e os bens ferão a recompçnfa dos
juílos.
22 O homem virtuofo deixa por
herdeiros a feus filhos , e feus netos:
(ni) e os bens do peccador eftao rcfer-
vados para o jufto.
Nos
baíxâdor de circumfpccçáo c prudência he a faude
c confervaçáo dos Póvos ; porque dirige tudo ao
maior bem do Eftado , c á juftiça dos feus intc-
ICÍTcs. Pereira.
(m) L os bens do peccador efião refervidos pira
o jufto, Confira-fc o Evangelho de S. Mattheus
fU) Capiíulo XXV. V. 28. Pereira.
Capitulo XIII. ^7
23 Nos campos , que feherdão dos
pais j nafcem abundantes frutos : (jí) e
eftes vem a ajuntar-fe para outros por
falta de juizo.
24 Aquelle , que perdoa á vara ,
aborrece feu filho : mas o que o ama ,
çontinuadamente o corrige.
(0) O jufto come, e enche afua
alma : mas o ventre dos ímpios he ia-
faciavel.
CA-
(n) E ejles vem a ajuntár-fe para outros , é*c.
A Vulgata diz aqui : eb* aliis congregamur abfque
judicio. O que Saci verte: os outros fe ajamâo jem
juizo. Porém efíando em dativo aliis , não fei co-
mo eílc fe pôde traduzir bem por nominativo os
outros. Eu encoftei-me á letra , e grammatica do
Texto, feguindo a Calmet. Pereira.
(o) O jufio come , <ò'C. O jufto de tudo tira
proveito para fe adiantar no caminho da virtude :
mas o ímpio , como fe acha deftituido do vcrdadei»
ro alimento d alma , que he a caridade , náo no
podendo faciar os bens lemporacs a que afpira ,
iempre eftá com fome , fegundo a cxprcísáo do
Texto Hebreo, Pekeirív,
49
Provérbios.
CAPITULO XIV.
Differejítes caraSleres dos fabios , e doí
injen fatos. Sorte differ ente dos jujios ^ e
dos injujlos. Trabalho, Temor de Deos,
Paciência. Compadecer-fe dos pobres.
1 (a) A Mulher prudente edifica
XjL a fua cafa : a infipientc
deftruirá ainda com as fuas mãos a que
cftá já feita.
1 Aquelle , que anda pelo caminho
direito , e que teme a Deos , he def-
prezado pelo outro, que anda pelo ca-
minho infame.
3 (b) Na boca do infcnfato eftá a
vara da foberba : mas os lábios dos fa-
bios são os que os confervão.
On-
(j) jí mulher prudente edifica a fua cafa. Promove
os bens delia com a fua vigilância, zelo, acercado
governo, e boa educação defeus filhos. Pereira.
{b) Na boca do infenfato ejid a vara da foberba.
Na lingua tem o infeníato a origem do merecido
caftigo da fua foberba , ou porque fc atreve a fa-
zer-íe juiz do próximo , chegando a infamar até os
mefmos innocentes ; ou porque as fuas converfa-
çócs o patentcâo mais digno dciifo, que dcaitcn-
çáo« Pekeira.
É
Capitulo XIV. 6^
'4 (c) Onde não ha bois , defpeja-
da eftá a abegoaria : mas onele ha muir
tas fearas , ahi cftá manifcfta a força
do boi.
5 A teftcmunha fiel não mente : mas
a teílemunha dolofa profere a mentira.
6 O mofador bufca a fabcdoria , c
não a acha : a doutrina dos prudentes
he fácil.
7 Caminha ao contrario do homem
infenfato, pois não fabe as palavras da
prudência.
8 A fabedoria do homem fagaz he
comprehender bem o feu caminho : e a
imprudência dos infenfatos he errante.
9 O infenfato zomba com o pecca-
do 5 e entre os juftos morará a graça.
10 Quando o coração conhece bem
a amargura da fua ahna , não fe miftu-
rará o eftranho na fua alegria.
1 1 A cafa dos ímpios fera deftrui-
da: mas as tendas dos juftos floreceráó.
Ha
(c) Onde não ha bois , ^c. Além do fcntido lite-
ral , podcm-fe cftas palavras applicar ao fruto , que
fazem na fcara da Igreja os Operários do Evange-
lho. PtREIRA.
70 Provérbios.
12 (d) Ha hum caminho , que pa-
rece direito ao homem : e no cabo elle
guia para a morte.
13 O rizo fera mifturado com a
dor, e ao gofto fuccede a trifteza.
14 {e) O infenfato fera farto dos
feus caminhos: e o homem virtuofo fi-
cará fuperior a elle.
15' O innocente dá credito a tudo
o que fe lhe diz: o fagaz confidera os
fcus paflbs.
Ao
(d) Ha ham caminho , que parece direito ao ho'
mem , eb-f. Eíta mefma femença fc repete adiante
no Capitulo XVI. vcífo25. Ella fe verifica da fal-*
fa piedade , da falfa penitencia , do zelo indifcrc-
10 , da doutrina fó apparentemente provável. E
tanto os Confultores , como os Confulentes a de-
vem trazer fempre na memoria , para fc náo dei-
xarem enganar de probabilidades , quando efta$
mais tendem a lifongear as paixões humanas , do
que a fomentar a folida piedade. Pereira.
(e) O infenfato fera farto dos feus caminhos , é-c,
Caftigaráó ao infenfato os fcus cottumes y c até fi-
car defgraçadamentc farto receberá o pago , que
mereceo pelas fuas depravadas acções. Ou , pofto
que o infenfato fe farte das fuas paixões, c daquel-
las coufas que defcjou , ferá todavia cie muito me-
lhor condição o homem virtuofo , que foi apôs
hum género de bens fcm controverfia muito mais
cxcellcnte. Menoquio.
Capitulo XIV. 7 1
(f ) Ao filho , que não he fincc-
ro , nada lhe fahirá bem : mas o fervo
que tem juizo, fcrá affortunado em to-
das as fuas emprezas , e terá o que de-
feja nos feus caminhos.
16 O fabio teme , e defvia-fe do
mal : o infenfato pafla adiante , e dá-
fe por feguro.
17 O impaciente fará acções de lou-
cura: e o homem difllmulado he odiofo.
18 Os imprudentes pofluiráo a lou-
cura : (g) e os fagazes efperaráõ a fci-
cncia.
19 Eftaráó deitados por terra os
máos diante dos bons : e os ímpios di-
ante das portas dos juftos.
20 O pobre he odiofo até ao feu
pa-
(/) jIo filho 5 qúe nao he fwcero , &'C. Eftc
vcrlo não fc lê no Hcbreo , nem na versão de S. Je-
ronymo , nem nos Setenta do Cardeal Ximenes ,
nem nos de Xifto V. > nem nos Manu feri tos Lati-
nos , nem em varias Edições da Vulgata ; mas tra-
2cm-no alguns Exemplares Gregos , c Latinos no
Capitulo XIH. verío i;. Calmet.
(^) E os fagazes efperaráõ a fciencia. A liçáo
do Texto Hebreo he; £ os prudentes feçoroaráo da
fâbedoria, P^rkira.
72 Provérbios.
parente mais chegado : porém os ami-
gos dos ticos ferão muitos.
2 1 Aquelle , que defpreza ao feu
próximo, pecca: mas o que fe compa-
dece do pobre , fera bemaventurado.
(h) Aquelle, que crê no Senhor,
ama a mifericordia.
^z Os que obrao o mal , errão : a
mifericordia , e a verdade são as que
nos adquirem os bens.
23 (/) Em todo o trabalho haverá
abundância : mas onde ha muitiíEmas
palavras, ahi frequentemente fe acha a
indigência.
24 (/) As riquezas dos fabios são a
fua coroa : a fatuidade dos infenfatos
he imprudência.
A
(lo) Jí^ueUe , que cré no Senhor , ^o-c. Eftc ver- 1
fo falta no Hebrco , e em S. Jcronymo , e no Gre-
go , e nos amigos Manufcritos Latinos. Calmet.
(/) Em todo o trabMo , ^-c. A abundância hc
filha do trabalho c da induíiría , a indigência porém ,
das palavras dcfacompanhadas de obras. PERErRA.
{[) As riquezas dos fabios , e^T. Os fabios com
liberalidade e honra íabem ufar das riquezas, quan-
do as convertem c dcípendem íabiamenre em pro-
veito dos outros : mas os iníeníatos ícznprc lâo
Capitulo XIV. 73
1^ Ateftemunha fiel livra as almas:
a que porém he dobre , profere men^
tiras.
26 No temor do Senhor ha confi-
ança cheia de fortaleza , e fcus filhos
teráo eíperança.
27 O temor do Senhor he huma
fonte de vida , para que fe defviem da
ruina da morte.
28 Na multidão do povo eftá a di-
gnidade do Rei : e na pouquidade da
plebe a ignominia do Principe.
29 O que he paciente , governa-fe
com muita prudência: o que porém he
impaciente , aílignala a fua loucura.
30 (;;;) A íaude do coração he a
vida da carne : a inveja he a podridão
dos oíTos.
31 («) O que calumnía ao necefll-
ta-
fenfaros ; e cm todas as coufas , que imprehendcm ,
maniícftáo a fua demência. Calmet,
(m) A faude do corarão , ^c. O fcntido he ,
cjuc a faude do corpo depende muito da rrancjuilli-
dadc do cfpirito , c que a inveia róc os oíTos , c
cm certo modo os apodrece. Mekoquio,
(fi) O que çalumia , Ilto hc , o que injuria
74 Provérbios.
tado, infulta ao que ocreou: mas hon-
ra-o aquelle , que fe compadece do po-
bre.
32 O ímpio fera expellido na fua
malícia : mas o jufto efpera na fua
morte.
3 3 A fabedoria defcança no cora-
ção do prudente, {0) e elle inítruirá to-
dos os ignorantes.
34 A juftiça exalta as Nações : mas
o peccado faz miferaveis os Povos.
35- O Miniftro intelligentc he acei-
to ao Rei: o inútil, fentirá afua ira.
CA-
com affrontofa contumclia ao neceííitado , fó por-
que o hc , infulra , ou , como á letra diz o Tex-
to , lança cm rofto ao feu mefmo Creador a pobre-
za i porque diz Chrifto: O que a hum deftes peque*
ríinos fzejíes , a mim o fizejles : ou porque parece
leprchender e condcrrinar a Deos , que difpoz , quiz ,
c permittio que foííc pobre. Pereíka,
(0) E elle inftruird, <ò*c. O Hebreo : E ferd
tonhecída no meio dos infenjatos. Os Setenta : £ no
çora^ão dos infenjatos ff não divifa. PfiasiEA.
li
Provérbios. 7f
CAPITULO XV.
Brandura nas palaz^as. Docilidade ds cor^
recçÕes, PlSíimas dos ímpios. Tudo he co^
nhtcido de Deos, Ruína dosjoberkos^ O
p^eguiçofo ^ o infenjato , o ímpio contra*^
pofio río diligente y ao fabio ^ ao jujlo,
I A Refpofta branda quebra a ira:
JTjl. a palavra dura fufcita o furor.
2 A lingua dos fabios orna afcien-
cia ; a boca dos infenfatos toda fe des-
faz em dizer loucuras.
3 Os olhos do Senhor em todo o
lugar contemplão aos bons , e aos máoSi
4 A lingua pacifica he huma arvo-
re devida: mas a que hc immoderada^
quebrantará o efpirito.
5- O infenfato faz efcarneo da correc-
ção de feu pai : mas o que toma para íi
as reprehensões , far-fe-ha mais avifado.
(a) Na abundante juíliça ha huma
grandiílima força : mas os penfamentos
dos ímpios ferão delarraigados*
Tom. XI. F Á
{a) Na abaudante jufiiça , é^c. Efte verfo nãcJ
íc acha no Hebreo, nem cm S. Jcronymo ^ c falta
76 Provérbios.
6 A cafa do jufto he mui grande
fortaleza : e nos frutos do ímpio não ha
fenão turbação.
7 Os lábios dos fabios diíFundiráõ
a fciencia: {b) o coração dos infenfatos
fera dillemelhante.
8 As viftimas dos ímpios são abo-
mináveis ao Senhor : os votos dos juf-
tos o aplacão.
9 O caminho do ímpio he abomi-
nação para o Senhor: o que fegue ajuf-
tiça^L he amado delle.
10 (c) A doutrina he má para o que
deixa o caminho da vida : aquelle, que
aborrece as rcprehensões , morrerá.
11 {d) O inferno, e a perdição ef-
tão diante do Senhor : quanto mais oeí^
tarão os corações dos filhos dos homens ?
O
rambem em muitos Exemplares Gregos , e Latn
nos. Ca LM ET.
{b) O coração dos infenfatos , (ò^c, O Hcbrco :
iVio ajjím o coração dos infenfatos. Pereira.
(f") doutrina he mâ^ ÍD'C. O Hebrco : O caf^
t\%0 he duro, (ifto he, defabrido , afpcro, e peza-
do) para o que deixa ^ é^c. Pereira.
{d) O inferno , e a perdição , <ò'C. Por inferno
emcnríe BoíTuct aqui , c noutros lu^arrs , que já
pafsáíáo, a íepulcura, ou a morce, Psrsira*
Capitulo XV; ' 'J'f
12 O homem (^) peftilentc não amá
a quem o reprehende : nem vai bufcar
aos lábios.
1 3 O coração contente alegra o fem-
blante : com a tníteza d'alma fe abate
o cfpirito.
14 O coração dofabio bufca a dou-
trina : e a boca dos inlenfatos fe apafcen-
ta de imperícia.
15 Todos os dias do pobre são
máos : a alma tranquilla he como hum
banquete contínuo.
16 Com o temor do Senhor mais
Val o pouco 5 do que os grandes thcr?
fouros , que nunca já mais facião.
17 Mais vai ler chamado com affe-
íto a comer humas hervas, do que a
comer hum gordo novilho com defamor.
18 O homem iracundo provoca a
reixas : o que he paciente , aplaca as
que fe tem já excitado.
19 O caminho dos preguiçofos he
como huma feve d'efpinhos : o cami-
nho dos juftos he fem tropeço.
F ii O
(e) Pejlilente. Ifto hc , máo , perverfo , ou como fc
pòdc verter íegundo o Hebreo^e/c^rMffe^onPEREiXA.
78 Pfoveíibios.
20 O filho fabio alegra a feu pai:
e o homem infenfato defpreza a fua mai*
21 A loucura he gofto para o in-
fenfato : e o varão prudente mede os
feus paíTos.
22 Os penfamentos fedilEpão, on-
de não ha (/) confelho : mas onde ha
muitos confelheiros , fe confirmão.
23 (g) Alegra-le o homem na fen-
tença da fua boca : mas a palavra op-
portuna he a melhor.
24 (h) A vareda da vida eftá fobre
o inftruido , para fe dcfviar do mais pro-
fundo do inferno.
25 O Senhor demolirá a cafa dos
fo-
) Confelho, O Hebrco : Onde não ha fegre*
(h. Pereira.
(^) Akgra-[e o homem , ó^r. Cada hum facil-
mente fe fatisfaz , c dá por bem pago do feu dito ,
c feniimento ; mas hc fe fallou a tempo, e com
acerto. Pereira.
(b) A vareda da vida, ó^c. Faz-fe aqui huma
antithcfe entre o caminho que leva o homem para
o Ceo > e o que o precipita no inferno. Aquellc,
que he inftruido na fcicncia dafalvaçáo, referindo
ao agrado de Dcos todas as fuas acções , trilha o
primeiro , para fc livrar da extrema ruína do fe^ua-
do. Pereira.
Capitulo XV. 79
foberbos : (/) e firmará os termos da
viuva.
26 Osma'os penfamentos são aabo-
ininação do Senhor : e a palavra pura ,
como muito agradável , lerá por elle
approvada.
27 Aquelle , que vai atrás da ava-
reza , perturba a fua cafa : o que porém
aborrece as dadivas , vivirá.
(/) Os peccados purificáo-fe pela
mifcricordia , e pela fé : e todo o homem
evita o mal por meio do temor do Senhor.
28 A alma do jufto medita a obe-
diência : a boca dos ímpios trasborda
em males.
29 O Senhor eftá lònge dos ímpios:
e elle attenderá ás orações dos juftos.
30 A luz dos olhos alegra a alma:
a boa reputação engorda os oíTos.
O
(/) E fimard os temos da viuva. Os termos ,
ou marcos do campo da viuva , que intentava arran-
car o foberbo. Menoquio.
(/) Os peccados purificão-fe , (^c, Eftc verfo fal-
ta aqui noHcbreoi mas cllc o traz no Capitulo fc-
guintc verfo 6. onde a Vulgata também o repe»
ic. Os Setenta trazem-no aqui , c omittera-no alli.
Ca LM ET.
8o Provérbios.
31 O ouvido que ouve asreprehen-s
^oes (ni) de vida , terá a faa morada no
meio dos fabios.
32 Aquelle, que rejeita a difcipli-
na, defpreza a fua alma : mas o que
eftá pelas reprehensões , he polTuidor
do feu coração.
33 O temor do Senhor 5 he a difci-
plina da fabedoria : e a humildade pre-r
çede á gloria.
(m) Deyidd, Ifto he, faudavcis. Pereira.
CAPITULO XVI.
Deos dífpoe da língua^ edospaffos da ho-
mem. Ira , e clemência do ReL Males
que caufa a foherba. Caminho funejio
que parece bom. Deos regula , e conduz,
as fortes,
I ia) TP| A parte do homem eftá o
JL^ preparar a fua alma : e da
parte do Senhor ogovernar-Ihe alingua.
To-
{a) Da parte do homem , é^c. Contra todas as
traças e difpoíiçócs humanas prevalecerão fcmpre
03 Decretos Divinos. Propõe o homem depois de
grande ponderação dizer huma coufa , c ao tempo
que a vai proferir, diípóc Deos muitas vçzcs ^uc
Capitulo XVI. 2i
1 (b) Todos os caminhos do ho-
mem eUão patentes aos feus olhos : o
Senhor péza os efpiritos.
3 (c) Delcobre ao Senhor as tuas
obras ,
fallc em fcntido bem dívcrfo , do que premeditara.
O exemplo dos edificadores da lorre de Babel , cujas
línguas fc confundirão. Genef. XI. 7. o das maldi-
ções dc Balaão trocadas em bençáos. Numer. XXIIÍ.
8. II. o doconfelho infamado de Aquitofel. Reg,
L. 11. Cap. XV. ^ I. XVII. 14. o da Divina permif-
$áo dc náo ferem conteílcs as f alfas tettcmunhas
contra Chriíèo. Mare. XIV. 5Í». todos eftcs illuftráo
o prefencc lugar, dcquc abufaváo os Inimigos da
Graça para provarem que o principio da íalvaçáo
do homern dependia das forças do feu alvedrio;
propofiçáo diametralmente oppofta á doutrina da
meíma Efcritura , dos Padres , e decisões dos Con-
cilios ; porque , a náo fer ajudado o homem da
Graça prevenientc , náo poderia fazer huma boa
obra , nem ter fequer hum penfamento merecedor
de rccompenfa. Confira-fe com cftc o vcrficulo 9
do prefence Capitulo, c o 24 do XX. Pereira.
(U) Todos os caminhos , e^c. O Hcbrco diz:
Todos 05 caminhos do hoynem sao puros a feus olhas»
Cuida cada hum que nada ha , fenáo puro e irre-
prchcnfivel nos feus coftumes ; porem Deos he fó
o verdadeiro Juiz , que refervou para fi efte juizo ,
e conhecimento. Pereira.
(c) Defcohre ao Senhor , «b-c. O Hebreo diz :
Folvs (ou rf/ere) ao Senhor as tuas obras y e fica-
rão firmes os teus penfamemos. Pereira.
8i
Provérbios.
obras , e feráo dirigidos os teus penfà-^
mentos.
4 (d) Tudo fez o Senhor por cau-
fa de fi mefmo : (e) até ao ímpio para
o dia mao.
5: Todo o arrogante he a abomina-í
ção do Senhor : ainda quando eltiver
com huma mão fobre outra , não he in-^
nocente.
(/) O principio do caminho bom
he praticar a juftiça: e diante de Deos
he mais aceita, do que immolar hoftias,
A
(d) Tudo fez o Senhor por caufa de fi mefmo.
Ifto he para manifeftaçáo da fua gloria , do ícu
poder , c dos outros feus divinos Attributos. He
ncfta matéria digno de fe ler o Padre Bernardes no
principio do feu Tratado, intitulado: Últimos fins
do Homem , onde ellc difcorre fobre a Predrftina-
çáo , c Reprovação , náo como hum íimples Afce-
tico , mas como hum grande Theologo. Pereira.
(e) Até ao impio p ira o dia máo, He o que
Deos dilTe , fallanjo com Faraó : Idcirco autcm po-
Jui tCy utojiendam in te fortitudinemmeam , <ò^nar^
retur nomen meuminomni terra. A caufa porque eu
te conftuui , foi para moftrar o meu poder , e para que
ò meu nome fe}a celebrado em toda a terra, ( Exod.
IX. 16.) Do qualTexto fe valeo S. Paulo para de-,
moftrar o mefmo affumpto. Rom. IX. 17. Bossuet.
(/-) ^ principio do caminho bom , é^c. Eftc vcr-
íiculo náo íc encontra no Hcbreo. PfiREiRA.
Capitulo XVL 83
6 A iniquidade rime-fe pela miferi-
cordia , e pela verdade : e o mal evita-
fe pelo temor do Senhor.
7 Quando os caminhos do homem
agradarem ao Senhor , até reduzirá á
paz os feus inimigos.
8 Melhor he o pouco com juftiça,
do que muitos frutos com iniquidade.
9 (g) O coração do homem difpóe
ofeu caminho: mas da parte do Senhor
eftá dirigir os feus paíTos.
I o (^) A adivinhação fe acha nos lábios
do Rei 5 a fua boca não errará nojuizo.
Os
(g) o coração do homem , &c, O fcntido dcíle
vcríiculo hc o mcfmo , que o do primeiro deftc
Capitulo. Pereira.
(h) A adivinharão , ó^c. Falia o Sabio das infpi-
taçóes 5 que Deos coítuma dar aos Reis táo claras
no manejo do feu governo, que parece adivinháo,
quando dcciíivamente mandão , ou prohibem al-
guma coufa. Também íe entende erte lugar das
palavras do Rei , que são como hum oráculo de
Dcos , cujo Lugar-tcnente fe chama fobrc a terra,
He o que diíTc aquella mulher a David: Tuautem^
Domine mi Rex , fapkns es , fim habet fapicntiam
Angelus Dei, utintelligas omnia fuper terram. Tu,
meu Senhor Rei , es íabio , e a tua fabedoria hc
como a que tem hum Anjo de Deos para conhcce-
ics tudo fobre aterra. II. Reg,XlV.20. Pereira,
84 Provérbios.
11 Os juízos do Senhor sao pezo ,
e balança: c(í) todas as fuas obras são
as pedras do facco.
12 Os que obrâo impiamente são
abomináveis ao Rei: porque oThrono
fe firma com a juftiça.
1 3 (/) A vontade dos Reis são os
lábios juftos : o que falia coufas rcítas ,
ferá amado.
14 (m) A indignação do Rei são
huns correios da morte : e o varão fabio
a aplacará.
15' Na alegria do femblante do Rei
eftá a vida : e a fua clemência , he co-
mo a chuva ferodea.
16 Pofluc a fabedoria, pois que el-
la he melhor do que o ouro : e adqui-
re a prudência , pois que ella he mais
preciofa do que a prata.
A
(í) Todas as fuas obras são as pedras do facco,
Alludc ao coftumc dos antigos , que para pczarcm
trazíáo pedras mettidas num facco. Bossubt.
(/) A vontade dos Reis , ^c. Requerem os
Reis juftiça e verdade nos que fc chegão á fua
prefença. Calmet.
(m) A indígua^â^o do Rei, ^c. Aqui fe podem
trazer á memoria os exemplos de Abigail com Da-
vid, e de AÍTuero com Aman. Pereira.
Capítulo XVL
17 A vareda dos juftos aparta os
males: o que guarda a íua alma, con-
ferva o feu caminho.
1 8 A foberba precede á ruina ; e o
efpirito eleva-fe antes da queda.
19 Mais vai fer humilhado com os
manfos , do que repartir defpojos com
os foberbos.
20 (fi) O que he hábil no emprc-
hendido negocio, achará bens: e o que
efpera no Senhor, he bemaventurado.
21 (p) O que he fabio decoração,
fera chamado prudente : e o que hedoce
nofallar, receberá coufas maiores.
A
(w) o que he hábil , <à^c. D' outro modo con-
forme á leira , ferá : O injiruido m palavra ( ifto
he 5 de Dcos) achara bem , ó^c. O fentido do Hc-
breo , e também da Vulgata he , que todo o que
maneja qualquer negocio com intelligencia e co-
nhecimento , fahirá bem delle porém o que de
tal maneira põe a fua confiança em Dcos , que
nâo faz firmeza na íua induftria , eíTe he o ditoío
e bemaventurado. Pereira.
(0) O que he fabio ^ <ò'c, O fabio cordato gran-
geará nomeada de prudente ; mas o que á fua fa-
bcdoria accrefcentar eloquência , muito maior ferá
o feu merecimento , pela vantajem , que terá de
cníinar e perfuadireos outros , como dá a entender o
H-breo,quediz: E a doç^ura. dos f eus lábios accref-
çCntarãÇou authorizará) a fua doutrina, Perbira.
86 Provérbios.
22 A erudição do que a poíTae, he
huma fonte de vida : a doutrina dos in-
fenfatos he fatuidade.
^3 ip) ^ coração do fabio inftruirá
a fua boca : e accrefccntará graça aos
feus lábios.
24 As palavras compoílas são hum
favo de mel : a doçura d' alma he a
faude dos oíTos.
25' Ha hum caminho, que parece
ao homem que he direito : e com tudo
o feu fim guia para a morte.
26 A alma do que trabalha , para fi
trabalha , porque a fua boca o conftran-
geo a ilTo.
27 Q varão ímpio (5) cava o mal ,
e nos feus lábios fe vai ateando (r) o
fago. ^ ^
(p) O coráÇAO do fahio , iS^r. A fabedoria rcf-
plandccc nas palavras do homem fabio , c pelo in-
dicio dos feus difcurfos vem acntender-fe que ellc
dentro n alma poííue a mcfma fabedoria. Calmkt.
(^) Cdva o mal, Efta locução, cavíir o mal^
íignifica obrar o mal fcriamcnte e com fadiga : def-
enierrallo como fe defenterra hum thefouro: occu-
par-fe todo ncllc. Calmet.
(r) O fogo, Efte he o fogo da difcordia , da
dctracçáo, da maledicência, c calumnia, com que
Capitulo XVI. 87
18 O homem perverfo move plei-
tos : e o verbofo divide os Príncipes.
29 O homem iniquo (s) attrahe ao
feu amigo: e o conduz por hum cami-
nho não bom.
30 (/) Aquelle, que cogita em mal-
vados projeftos com os olhos efpanta-
dos , executa o mal , mordendo os feus
beiços.
31 Coroa de dignidade he a velhi-
ce , (m) a qual fe achará nos caminhos da
juftiça.
os ímpios tífnão toda a roda e curfo da vida do
próximo , fendo elles os mefmos que miferavcl-
mentc cííáo inflammados com cite fogo infernal,
fcgundo a exprcfsáo de Sant-Iago na fua Cathoii-
ca III. 6. Pereira.
(í) Attrahs ^ <b*c. Ou ammammenta , convi-
da com lifonja. La^o he frequcntativo de laQio y
donde vem os compoftos aWiclo , illicio , ó^c. co-
mo já advertio Mcnoquio a efte lugar. Pereira.
(í) Aquclle que cogita , é^c. Todos eítcs géf-
tos do corpo , que Salamáo aqui ao paíTo que def-
crcve , condcmna , coftumáo fer indícios de hum
animo mal intencionado, edefuriofas paixões cor-
rompido. Pereira.
(u) A qual fe achará , O relativo qu.ie
tanto fe pòdc referir a corona , como a fenetius.
Pereiua.
88 Provérbios.
32 O homem paciente vai mais ^
do que o valerofo : (a;) e o que domi-
na o feu animo 5 do que o éxpugnador
de Cidades.
33 Os bilhetes da forte lançâo-fe
numa dobra do veftido, (z) mas o Se-
nhor he quem os tempera.
(x) E o que domind o feu animo, Efta locução i
O que domina o feu animo ^ ou jfegundoo Hcbrco,
no feu efpirito , exprime , domar , fopear os appc-
tites , c paixões. Calmet.
(z) Mas o Senhor he quem os tempéra, Aflim
fuccedeo nas eleições dc Saul , de Matnias , c d ou-
tros» E o intento dc Salamáo hc moftrar que as
coufas mais duvidofas , e incertas a Divina Provi-
oencia as dirige a certos fins , que ella fabe ; e qué
nada no mundo fuccede por acafo. Bossuetw
CAPITULO xvir.
Deos prova os corações. Não de/prezar
ao pobre. "Juízos injujlos abomináveis
dia?2te de T>eos. O amigo he-o ern todo
o tempo, O infenfato pajfa por fabio ,
em qua7íto não falia,
I X X Um bocado depãofecco com
JlJl alegria , vai mais do que hus
ma.
Capitulo XVII. 89
ma cafa cheia de (a) viílimas com pe-
lejas.
2 O fervo com juizo dominará os
filhos infen fatos , c repartirá a herança
entre os irmãos.
3 Bem como a prata fe prova no
fogo , e o ouro no crifol : affim o Se-
nhor prova os corações.
4 O máo obedece á Hngua iníqua,
e o enganador dá ouvidos aos lábios
mentirolos.
5: (b) Aquelle , que defpreza ao po-
bre , infulta ao feu Creador : e o que
fc alegra com a ruina do outro, não fi-
cará im punido.
6 Os filhos dos filhos são a coroa
dos velhos: e a gloria dos filhos são os
pais delles.
7 (r) As palavras compoftas não
con-
(a) Fiélimas, Alludc o Sabio ao rito de pode-
rem antigamente nos facrificios pacíficos tomar hu-
iTia pane das carnes das vidimas , para fazer o
banquete do coftume na companhia dos convida-
dos. Veja-íc o Levitico VII. ip. c confira- fc o
Cap. VII. 14. deíle mefmo Livro. Pereira.
(b) Âquelle ^ que defpreza ao pobre , é^c, Con-
fira-íe o Cap. XIV. ^1. Pereira.
(e) As palavras , Nem o fallar de cou*
Provérbios.
convém áo infenfato: nem a hum Prin^
cipe o lábio mentirofo.
8 A expectação de quem efpera , hè
huma pérola belliílima : para qualquer*
parte que elle fe volte, obra com pru-
dência.
9 Aquelle, que encobre o deliíloj
bufca amizades: (d) o que por outro
teor o repete, lepara os unidos.
10 Ao homem prudente ferve-lhe
mais huma reprehensão, do que ao in-
íenfato hum cento de golpes.
11 O máo íempre anda bufcando
difturbios : {é) mas o Anjo cruel íerá
enviado contra elle.
He
fas graves , c com authoridade cftá bem ao infcm
fato ; nem o mentir , e faltar ao que promcttco,
diz bem num Principe. Pereira.
{à) O que por outro teor o repete , ó-f. ]á ac*
crercentando , lá diminuindo , e expondo-o revcfti-
do de mui differentes circumftancias. Pereira.
(e-) Mas o Anjo cruel , eb-c . Por eftc Anjo cruel
entendem huns o Anjo de morre, ou o Anjo exter-
minador , cjue Deos envia para caíligo dos pecca-
dores : qual o que matou a todos os primogénitos
do Egypio 5 c qual o que dcíhuío o exercito de
Scnnaqucribi ou elle feja Anjo bom, ou feja Anjo
máo. Outros por Anjo cruel entendem a má novarj
ou a mcfcna morte. Pereira.
Capitulo XVII. 91
11 He melhor encontrar a huma ur-
fa , á qual foráo roubados os leus filhi-
nhos, do que a hum iníenfato^ que fe
fia na fua loucura.
13 Não fe apartará o mal da caía
daquelle, que dá males por bens.
14 (/) O que dá fahida á agua
reprefada , he origem de contendas : e
antes de padecer a aíFronta^ defampa-
ra a juftiça.
Tom. XI. G A-
(/) o que dã fahida , <5^c. O homem , que pela
fua maledicência trava de razoes com outrem , mo-
tivando alguma dilTcnsáo , he fcmelhantc áquelle,
que deftapa , ou foltâ a agua retida , que , augmcn*
tando cada vez mais a fua enchente , alaga tudo:
e , fe acontece fazercm-lhe qualquer injuria , he
porque elle deo primeiro cauia a iíío , tendo já
peccado contra a juftiç,?. Também , fcgundo Cal-
met . pôde ter efte lugar outro fentido , e hè , que
havendo na Palcftina poucas aguas , e orÍPÍnando-
fe por ilTo muitos litígios , aquellc que fazia enca*
minhar para dentro da fua fazenda a levada das
aguas d algum ribeiro com dcirimenro dos vizinhos ,
bufcava deíie modo mcttcr em caía huma deman-
da , que fcm dúvida hia a perder. Admoeíla-o pois
o Sabio a que deixe a cauía , antes de fe começar
o pleito : e que fe componha com o contrario , pri-
meiro que fe dê a íentença , a qual he força que
eíle meímo tema fahir-lhe contra. He eíh intelli-
gcncia fundada no Hebreo , que diz : Qum Jolta as
pi Provérbios.
1$ Aquelle, que jullifica so ímpio,
c aquelle 5 que condemna aojufto, am-
bos são abomináveis diante de Deos.
16 De que ferve ao infenfato o ter
grandes riquezas , fe elle não pôde
comprar com cilas a fabedoria?
(g) Aquelle, que levanta muito al-
to a lua cafa , bulca a fua ruina : e o
que evita aprender, cahirá nos males.
17 Aquelle , que he amigo, he-o
em todo o tempo: e o irmão conhccc-
fe nos tranfes apertados.
18 O homem infenfato baterá com
as mãos, (h) quando fe declarar fiador
pelo feu amigo.
A-
aguas he principio de contenda; e tu , ames qoe fe
mova o pleito y deixd-e, A mrfma doutrina íc acha
cm S. Maithcus no Capirulo V. vcrfo 25, c em S. Lu-
cas XU. 58. A cerca das contendas delta natureza
vcjáo-íe no Geneíis XXVI. 20. as que houve entre
os Pdíiores dellaac, c osd-Abimelcc Rei dos Fi-
liftheos cm G rara. Pekeira.
(g) Aciuelle , que levanta muito alto a fua ca-
fa, ò c. Eltcverío, cm que fe rcprthendem os que
por foberba ou querem avultir no Mundo, ou rc-
cusáo aprcn irr a sá doutrina que /c lhes propõe ,
não vem no Hcbrto, nem em S. Jeronymo , mai
acha-<e nos S renta. Calmet.
(/;) QuAndo fe declarar faJor ^ &ç. Já o fabio
Capitulo XVII. 93
19 Aquclle, que medita difcordias,
ama as rcixas : e o que levanta a fua por-
ta 5 bufca a fua ruina.
20 O que he de coração perverfo,
nâo achará o bem : e o que tem a lín-
gua dobre, cahirá no mal.
21 Oinfenfato nafceo para ignomi-
nia fua: pois nem o pai le alegrará com
o filho eftulto.
22 O animo alegre faz a idade fló-
rida : o efpirito trifte fécca os oílos.
23 O ímpio recebe prefentes (/) do
feio , para perverter as varedas da juf-
tiça.
24 A fabedoria reluz no roílo dó
prudente : os olhos dos inlenfatos (/) nas
extremidades da terra.
G ii O
deixou aflima explicada fobrc cfte ponto a fua men-
te no Capitulo Ví. i. 2. ^. Pereira.
(í) Do feio. Ou fendo Juiz aceita as dadivas do
feio , ifto hc , ás efcondidas c fccretamente da máo
dos litigantes j ou , íendo parte , as toma do feu feio
para as dar ao Juiz , a fim de torcer eíic a vara da
juftiça. Menoquio.
(/) Niis extremidades da terra. Como fc diíTc-
ra : e pelo contrario os olhos dos infenfatos sáo va-
abundos , porque elles os voltáo de continuo para
uma c para outra parte. MBNoquig,
94 Provérbios.
^ 25' O filho infenfato he a indigna-
-ção dopai: e a d )r damãique o gerou.
2 6 Nâo he bom fazer damno ao
jufto: nem ferir ao Príncipe, que julga
-fegundo a juíliça.
27 Aquelle, que he moderado nas
fuas palavras , he douto , e prudente :
e o homem erudito {m) hc de efpirito
preciofo.
18 Até o infenfato paífará por fa-
bio, fe eftiver calado : e por intelligen-
te, fe cerrar os íeus lábios.
(>??) He de efpirito preciofo, O homem fabío
guarda com muita cautela , como coufas preciofas,
os fcus pcnfamcntos. Dá com ifto Salamáo a en-
tender que o fabio deve conter a lingua cm filcn-
cio, Qufallarcom grande circumfpccçáo. Calnet.
CAPITULO XVIII.
Do amigo infieL Da confiança do jufto , e
da do rico. Soberba , e humiliação. Fru-
tos da língua, A boa , e a md
mulher. Do homem joci ave L
I Qye quer deixar-fe do feu
amigo , bufca-ihe as occa-
fi-
Capitulo XVIII. 95^
líocs : (a) elle ferá coberto d'oppro-
brio em todo o tempo.
2 i) inícnfato nao recebe as pala-
vras da prudência: fe tu lhe não falla-
res em correlpondencia das coulaSj que
pafsâo dentro no teu coração.
3 O ímpio, depois d' haver chega-
do ao profundo dospéccados, tudo def-
preza : mas a ignominia , e o opprobrio
o vão feguindo.
4 As palavras fahem dahoca (è) do
varão, como huma agua profunda: e a
fonte da faSedoria he como a torrente ^
que trasborda.
5* Não he bom guardar refpeito á
peíToa do íaipio , (r) .para te defviares
da verdade do juizo.
6 Os lábios do infénfato mettem-fe
em difputas : e a fua boca provoca a
contendas.
A
(^a) Elle ferá coberto ^&*c. Todos cenfuraráô o
fcu mo io d' obrar 5 com que dcfamparou ao amigo.
Mekoquio.
{b) Do varão, Ifto hc , do varão fabio. Ps-
REI RA.
[c) Para tedefviares , e^r. O Hebrco lê: para
psrdcr a caufa do jufto em Juízo. Pereira.
ç6 Provérbios.
7 A boca do infenfato (d) fere-o a
elle mefmo: e os feus lábios sao a rui-
na da fua alma,
8 As palavras do homem delingua
dobre parecem íingelas : mas ellas pe«
nctrão aré o íntimo das entranhas.
(e) O temor abate ao preguiçofo :
mas as almas dos effeminados terão fome.
9 Aquelle , que he molle , e frou-
xo no feu trabalho, he (/) irmão, do
que diífipa as fuas obras.
10 (g) O Nome do Senhor he hu*
ma torre fortilEma : a elle mefmo fe
acolhe o jufto , e ferá exaltado.
o
(d) Fere-o a elle mefmo. Ou mais a letra : he
o feu quebrantamento. Póde-fe dizer , que he como
hum maitello , que o piza , e cfmigalha. O Hc-
breo lê: A boca do infenfato he o feu terror: e os
feus lábios sao hum la^o p.íra a fua alma. PERErRA.
(e) O temor abate ao preguícofo , &•€. Eftever-
fo náo fe acha no Hebreo , nem em S. Jeronymo,
mas trazem-no os Setenta. Calmet.
(/) Irmão , do que diflipa , &c. Ifto he , feme-
Ihance ao que diílipa as Tuas obras i porque tam-
bém frater fe toma por aqucíle , que he íeme-
Ihante a outro aflim em boa , como cm má parte.
Pereira.
(g) O Nome do Senhor , <ò c. O Nome do Se-
nhor vem aqui a íigniíicar o melmo Senhor ^ ou a
Capitulo XVIII. 97
11 (h) O cabedal do rico he a Ci-
dade da lua fortaleza , e huma como
groíTa niuraiha, que o cerca.
12 O coração do homem eleva-fe
antes de fer quebrantado: e humilha-f(r
antes de fer glorificado.
I 3 Aquelle , que refponde antes d'ou-
vir, moílra Ter hum infenfato, e digno
de confusão.
14 (/) O efpirito do homem foftem
a fua debilidade: masquem poderá fof-
ter a hum efpirito , que facilmente fe
deixa levar da ira ?
O
fua ajuda e patrocínio , que Hc huma como torre
forriífima, na qual rcfugiando-fe o juôo, ficará fo-
brancciro a todos os ataques e arrcmcttidas de feus
inimigos. Pereira.
{h) O cabedal do rico , é^c, Confira-fe com cfta
fcntcnça o que já o Sabio deixou dito no Capitu-
lo X. verfo r^. Pereítia.
(Q O efpirito do homem , é^r. O Hebreo diz :
O efpirito do homem (it^o hc , o vigor do fcu ani-
mo) fojiem a enfermidade dclle: (vem a dizer, fof-
tcm-no nas entcrmidades do ícu corpo) mas que-
brantado o animo , e abatido o efpirito , tjuem o fof-
tcrã , ou quem o alentará. Do lentido da Vulgara
pouco difterem os Setenta, que Icm: O fervo pru-
dente mitiga o furor do varão : ( ou do amo , a quem
ferve ) mas quem poderá jofrer o homem impaciente ?
Proverbíos.
I j o coração prudenre polFuirá a fcien-
cia:e o ouvido dos fabios bulca a doutrina.^
16 O prclente , que hum hoinem
faz , abre-lhe hum dilatado caminho,
e dá-ihe lugar diante dos Príncipes.
17 (/) Ó jufto he o primeiro , que
a fi mcfmo ie accufa : vem depois o
leu amigo, e elle o fondará.
18 A forte apazigua as diffcrenças ,
e decide ainda entre os podcroíbs.
19 O irmão , que he ajudado por
fcu irmão, he como huma cidade forte:
e os feus juizos são como os ferro-
lhos das cidades.
20 (w) Do fruto da boca do homem
fc
(/) o jufto he o primeiro que a fi mcfmo fe accu'
fa. OHebrco íaz hum ícntiuo muiro divcrío , qual
hc o que fc íe^ue : O que primeiro juftifiíã a fiia
cãuf/t , pvcce mais jujlo. f^em depois o feu Jocio (os
Scícnta dizem , o Jeu advnfario) c cffe o fotidará-,
ilto hc , c eítc dcícobrirá o vicio da caula. Bossue r.
(m) E os feus juízos , <òr. Allim como pela
concórdia fc acháo firmes as caías dos particulares ;
aHim lambem a Cidade pela Juíilça íka mais bem
fc^MT^ , do <]»ic íe eftivera muito bem fechada , ou
afferroihada. Menoquio.
(wj Do fruto da boca, <b*c. As palavras do que
falia são para cIlc hum;i foatc c origem ou dc bens ,
ou dc males. Calmet.
Capitulo XVllI. 99
fe encherá o feu ventre : e os renovos
dos leus lábios o fartarão.
21 A morte, e a vida eftão no pa-
der da lingua : os que a amao , come-
rão dos leus frutos.
22 Aquellc, que achou a huma mu-
lher boa j achou o bem : e receberá do
Senhor hum manancial d' alegria.
(o) Aquelle , que expelTe^a huma
mulher virtuofa , expelle o bem : mas
o que retcm a adultera, he hum infea-^
fato , e hum ímpio. j
23 O pobre fallará com fúpplicas:
e o rico lhe refponderá eoín afpereza.
24 (p) O homem amável no trato,,
fcrá mais . amigo , do que hum irn^ao.
- ^^^^ • ^ * ' €'A-
(0) Jquelíe , que expclIe a huma mulher virtuofd ,
eí^c. Eftc vcrib falra no Hcbreo , e em vários Ma-
nufcritos Latines , c na Edição do Cardeal Xime-
nes 5 e na de Xiílo V. , e na nova de S. Jeronymo j
mas clle fcacha nos Setenta , c muitos Padres o ci-
tarão, Calmet.
(p) O homem amável , ^c, Aquelle , que he
humano , bcniçno , e fuavc , e que nas neceflida-
des acode ao amigo pofto em afflicçáo , he maif
amado que hum parente , c ainda que hum irmão,
Menoqvio.
xoo
Provérbios.
CAPITULO XIX.
Do pobre y e do rico. Da teflemunha falfa.
Da ira , e da benevolência do Rei. A mu-
lher prudente he hum dom de Deos, Cor*
recção aos filhos. Temor de Deos. Cafii^
gos referva dos para os ímpios.
I IV/f Elhor he o pobre , que anda
jj/JL na fua íimplicidade , do que
(4) o rico (b) torcendo os leus beiços ,
e fendo infenfato.
a Onde não ha fciencia d' alma,
não ha bem : e o que pelo ardimento
dos pés he apreíTado, tropeçará.
3 A eftulticia do homem arma fan-
cadilha aos feus paíTos : (c) e elle ferve
no feu coração contra Deos.
As
(jí) o rico. A palavra dives , rico , não fc lè
no Hcbrco , no Caldco , nos Setenta , nem em va-
fias Edições Latinas. Os Setenta da Edição Ro-
mana totalmente omiccem ot primeiros dous verfí-
culos defte Capitulo ; porém não falcão na do Car-
deal Ximenes. Calmet.
(b) Torcendo os feus beijos. Para engantr. Pt-
RlIKA.
(f) E elle ferve , ^c. Agafta-fc comra Deos,
attribuindo nào áfua cftuUicia, como devera, mas
Capitulo XIX.
lOX
4 As riquezas multiplicão muito os
amigos: mas do pobre ainda aquelles,
que teve , fe íeparao.
5 A teftemunha falfa náo ficará im^
punida : e o que falia mentiras , náo
efcapará.
6 São muitos os que honrão a pef-
foa do poderofo, e os que são amigos
do que (d) reparte dadivas.
7 Os irmãos do homem pobre abor-
recêrão-no : e fobr^illo ainda os feus ami-
gos fe retirarão longe delle.
Aquelle , que não bufca fenâo pa-
lavras , nao terá nada :
8 mas o que he poíTuidor de enten-
dimento, ama a fua alma, e o confer-
vador da prudência achará bens.
9 A teftemunha falia não ficará impu-
nida : e o que falia mentiras , perecerá.
10 (e) Ao infcnfato não eftão bem
as
ao mefmo Dcos , o terem fuccedido mal os feus
negócios. Menoqtjio.
(d) Reparte dadivas, Confira-fc com efte o ver-
fo 4. aflima. Pereíra.
(e) Ao infenfdto nao ejiao bem as delicias. O
infenfato náo íabc ufar dos deleites : abafa delles
fem lei , nem medida , por cuja caufa neíTcs mcí-
102 Provérbios.
ãs delicias : (/)neniao fervo odomitiar
aos Príncipes.
1 1 A doutrina do homem conhccc-
fe pela paciência : e a fua gloria he
paíTur por fima das injúrias a elle
feitas.
12 Aflirn como hc terrível o bra-
mido do leão , aílim também o he
a ira do Rei : e do mefmo moda
^ue o orvalho cahe fobre a herva , af-
lirn'anima igualmente o fcu ar prazen-
teiro.
' 1^ O filho infenfato he a dor do
pai : e a mulher amiga de litigios he
Como o telhado , que eftá revendo con-
tinuamente (g) em gotteiras. >
14 Os pais dão calas e riquezas:
po-
mos goftos achará a ruina da fua alma , c da fua
faudc. Calmei.
(/) Nem ao fervo, ^'C, Hc cfta huma das cou-
fas , que , fcgundo o meímo Salamáo adiante XXX.
21. diz, perturba , inverte , revolta , e confunde-
o Mando. Pereira.
Çg) Em gotteiras, Aííim como as gotteiras con-
tinuas do telhado arruináo o edifício ; aííim tam-
bém inquieta e defordcna a familia a mulher con-
tenciofa. Pereira.
Capitulo XIX. 103
(h) porem o Senhor dá propriamente
huma mulher de prudência.
15' A preguiça dá de fi fomno , e
a alma froxa terá fome.
16 Aquelle, que guarda o manda-
mento, guarda a fua alma : o que po-
rém não faz cafo do feu caminho, pa-
decerá a morte.
17 O que fe compadece do pobre,
dá o feu dinheiro a juro ao Senhor: c
efte lhe tornará com onzena o que elle
lhe tiver empreitado.
18 Gaftiga a teu filho (/) em quan-
to ha cfperanca da emenda : mas não
chegue a tua feveridade ao excelfo de
lhe dares a morte.
19 (/) O que he impaciente fup-
por-
(/;) Porém o Senhor , ó c. Com cfte lugar tem
alIoga Jo os Santos PaJrcs, para provarem que náo
he licito aos Cacholicos celebrar matrimónios com
malSeres infiéis. Calmet.
CO Em cjuanto ha efperança. Efte he o fendido ,
qu? do Hrbreo txprimio de Carricrcs. A V^ul^^ta
diz , ne defpe^es : o que Saci verteo , e não dtfep
percs. Confirao-fe os lufares do Apofto!o aos Éte-
íios 1. e aos CoioíTcnffs ÍII. 21. Pereira.
(/) Oquehe imptcieníe , <ò'C. O fentido da Vul-
gaca parece fer , que iodo aqucUe , que náo íopê*
ÍÓ4 Provérbios.
portará o damno : e quando o deixar,
accrefcentará outro.
ao Ouve o confelho , e recebe a
correcção , para que fejas fabio no fim
da tua vida.
21 No coração do homem fe forjão
muitos pcnfamentos : mas a vontade do
Senhor permanecerá.
2 2 O homem neceffitado hc com-
paílivo : e melhor he o pobre ^ do que
o homem mentirofo.
23 O temor do Senhor conduz á
vi-
a ira , experimentará muito» males , e quando fc
livrar d' hum , virá , náo fe emendando, a cahif
noutro. Alguns , entendendo efte lu^ar do filho ,
traduzem : E fe roubar , accrefctntard outro roubo.
Porque, fe o pai defefperado já da emenda do fi-
lho , deixa de o caftigar , experimentará os triftes
cífeitos da fua falta de p?íciencia nos multiplicados
roubos , c]ue o mcfmo filho livremente for com-
meiíendo , até acabar a vida num patíbulo. Mas
indo a traducçáo encoftada aoHebrco, fegundo at
Notas, (]ue propuzcráo BoíTuet , e Calmet ; c fe-
gundo no corpo o cxprimio de Carrierrs , póde-fe
verter cílc lu^ar do fct^uin c modo : Porque aqueU
U , que he ajjim impaciente , foffrerâ a pena que me*
tece : e fe tu o deixas iwpunido , elle continuará a
fazer peior, Pekeira.
Capitulo XIX. loj'
vida : e na abundância nadará (m) fem
a viíita pcílima.
24 Opreguiçofo efconde a fua mâo
debaixo do íobaco , c não quer ter o
trabalho de a levar á boca.
z$ (ti) Caftigado o peftilente, far*
fe-ha mais fabio o infenfato: mas ferc-
prehenderes ao fabio, elle entenderá o
avifo.
26 Aquelle , que afflige a feu pai,
e que faz fugir a fua mãi , he infame,
c defgraçado.
27 Não ceíTes , filho , de ouvir a dou-
trina, nem ignores as palavras da fcicncia.
A
(m) Sem a vipta pejftma. De tal forte , que ne-
nhuma calamidade tranítornc o feu caminho. Dcos
náo no vifitará , quando cftívcr irado : vivifá fegu-
ro c em paz. Muitos Códices Latinos Icm : Âbfque
vifttatione pejjimi : Sem a vifitd do peffimo : ifto hc ,
do demónio. O demónio náo no vencerá. Se Deos
permittc que o jufto feja tentado , como Job , c
Tobias , elle fahirá vencedor da batalha : com efta
experiência ficará cada vez mais provada a fua vir-
tude. Calmet.
(n) Cainhado opeflilente^ &c. Aos máos fer-
ve de efcarmcnto o caítigo que vem executai nos
malfeitores , perverfos , e facinorofos ; mas ao ho-
mem fizudo e avifado bafta , para fe emendar hu-
ma leve rcprchcnsáo , ou avifo. Pereira.
loá Provérbios.
J: 28 A teftemunha iníqua íaz zom-^
bana da juftiça : e a boca dos ímpios
devora a iniquidade,
29 (í?) Apparclhados eftão os juízos
para os mofadores : e os martellos ba-
tentes para os corpos dos infenfatos.
, (0) Apparelhaàos eftão os juizes , ó c. Vem nifto
à dizer o Sabio , que a todos os mríos , e ímpios
aguarda ocafti^o proporcionado e correfpondcnre á
grandeza, e enormidade dos leus crimes. Pereira.
CAPITULO XX.
O vinho , origem de àefordens. Do homem
freguiçofo, O pezo dobre abominável.
Perigo das fianças. Honrar a feus pais»
Não dar mal por mal. Os grandes ma^
/es pedem grandes remédios»
1 Vinho he huma coufii luxurio-
í a , e a embriaguez he cheia
de delordens : todo aquelle, que nifto
poe o feu gofto, não fera fabio.
2 Affim como fobrcfalta o rugida
do leão , aílim também o terror que in-
funde o Rei : aquelle, que o irrita con-
tra a fua alma pecca.
O
Capitulo XX. 107
5 O homem , que fe fepara de con-
tendas , tem efta (a) gloria : mas todos
os imprudentes fe involvem no que lhes
traz a lua confusão.
4 O preguiçolb não quiz lavrar por
caufa do frio : elle mendigará pois no
verão 5 enao fc lhe dará coufa alguma.
5' O confelho he no coração do ho-
mem como a agua profunda : mas o ho-
mem fabio dahi (b) o tirará. •
6 São muitos os homens , que fe
chamão mifericordiofos : mas quem acha-
rá hum homem fiel?
7 O jufto, que anda na fua fimpli-
cidade , deixará depois de li bemaven-
turados a feus filhos.
8 O Rei, que ellá aíTenrado no feu
throno de juftiça ^ diílípa todo o mal
fó com o feu olhar.
9 Quem pode dizer : O meu cora-
ção eftá puro , eu eftou ifcnto de pec-
cadò ?
Tom. XI. H Hum
{a) Gloria. Ou á letra honra. Porém gloria hc
a liçio do Hcbrco. Pereira.
{p) O tirará. Ifto hc , íondará o Sabio o mais
profundo , penetrará o mais rccondilo do cçrajá^
dos outros, PeiVEiaA.
io8 Provérbios.
10 (c) Hum pezo , e outro pezo,
huma medida , e outra medida : são
duas coufas abomináveis diante de Deos.
1 1 Pelas fuas inclinações fe conhe-
ce no menino 5 fe as fuas obras haverão
de fer puras e reâas.
12 O ouvido que ouve , e o olho
que vê , ambas eftas coufas fez o Senhor.
13 Não queiras fer amigo do fomno,
para que- a pobreza te não opprima : abre
os teus olhos, e sê farto de pão.
14 Ifto não vai nada , ifto não vai
nada , diz todo o homem que vai a com-
prar: e depois dc fe retirar, elle então
íe gloriará.
15- Ha ouro , e grande quantidade
de pedras preciofas : e os lábios (d) da
fciencia são hum vafo preciofo.
16 Tira o veftido áquellc , que fi-
cou
(c) Hum pezo , ó^c. Não fó condem na e pro-
hibc aqvii o Sabio juntamente com o engano dos
falfos pczos e medidas todas as fraudes nocommcr-
cio, mas ainda a accepçáo de peíToas , e o rigor,
com que rraram.os os mais , lendo para nós indul-
gentes. Perfira.
(íí) Da fciencia, Ifto hc , do homem fabio c
do^uenie. Psriiha.
Capitulo XX. x 09
cou por fiador d* hum defconhccido , e
leva-lhe de cafa o penhor , pois elle fe
obrigou por eftranhos.
17 O pao da mentira he goflofo ao
homem : porém ao depois a fua boca
{e) fera cheia d'arêa.
18 Os penfamentos roborao-fe pe-
los confelhos : e as guerras devem fer
governadas (/) com os lemes.
19 Nao te familiarizes com aquel-
le 5 que revela os fegredos , e que anda
com fingimento ^ e que abre muito os
feus lábios.
20 Aquelle 5 que amaldiçoa a feu
H ii pai,
(e) Será cheia d' arêa. Como o pao dc mentira
he páo adquirido por meios iiiicicos , náo hc d cf-
pantar , que , fem embargo dc fer goftofo , ape-
nas ellc comido 5 fique aboca trincando arèa, ter-
ia, ou miúdo burgalháo 5 com que fe quebrem os
dentes, que he ode que Tc lamentava Jeremias nos
Threnos III. \6. Por onde o ímpio , ainda que fe
utiliza por algum tempo deftes bens táo injuftamentc
havidos , com o receio íempre da fua inconftancia ,
de ordinário vem fobrcUe na vida caftigos , e, o que
hc peior , na morte a condemnaçáo eterna. Pereira.
( f) Com 05 lemes. Ifto he , com prudência , ví-
gilancja, induíhia , c coníelho ; porque tanto caio
devem fazer osGeneraes doconfclho, como o Pi-
loto do leme. Pereira.
lio Provérbios.
pai 5 e a fua mãi , apagar-fe-lhe-Iia a fua
candeia no meio das trevas.
21 A herança, que hum fe apreíTa
â adquirir no principio , carecerá de
benção no fim.
22 Não digas: Darci mal por mal :
efpera pelo Senhor, e elle te livrará.
23 Ter hum pezo , e outro pezo,
he abominação diante de Deos : a ba-
lança enganofa não he boa.
24 (g) Os paíTos do homem são di-
rigidos pelo Senhor : mas que homem
pode comprehender o feu mefmo ca-
minho ?
25* He huma ruina para o homem
.(h) devorar os Santos (/) e depois re-
tratar os votos.
O
C?) Os pnffos do homem , &c. Confira-fc Jere-
mias no Capitulo X. verfo 2^. Pereira.
(h) Devorar os Santos, li\o he , furtar as cou-
fas fanras, quaes sáo as confagradas a Deos , e con-
vertei-las cm feu ufo. Efte he o Temido que fc co-
lhe do HebrfO. Bossuet.
(1) £ depois retratar os votos. Em lugar do que
lemos na Vulk^ata , ç^- poft vota retraãare ^ tem o
Hebreo, ò^poji vota cavUuri: O que BoíTuet ex-
põe, vota irrita faccre variis interpretationibus ; ifto
he, eludir com varias mierpretaçóes os votos, quç
Ga p I t u l o XX.
III
26 O Rei fabio diílipa osmaos, (/)
e encerra-os debaixo da curva abobada.
27 (771) O efpiraculo do homem he
huma lucerna do Senhor^ a qual efqua-
dri-
tmHas feito para tc dares pordcíobrigado delles. O
mcírrio advcrtio Calmet , depois de traduzir eílc
período , como eu o traduzi , Icguindo a letra do
Tcxro. Com tudo Saci, e dc Carrirrcs vertem af-
fim : huma ruina pira o homem devorar os San-
tos , e depois cuidar em Jazsr votos, Nelie íentido
oretraílare vota da Vulgata náo fignifica retratares
votos depois de feitos ; mas fim cuidar em os fazer
® para expiar as rapinas commettidas contra a Igreja.
Ambas as interpretações deo Boííuet por prováveis.
Pereira.
(/) Eenccrra-os debaixo da mvi abobada. He o
que foa a letra da Vulgata , incw vat fuper eosfor^
nicem : e aflim o cxpoz BoíTuer , entendendo por cita
abobada o cárcere. Mas como fornicem , que propria-
mente fignifica a abobada , ou caía abobadada , fe
pódc também tomar pelo arco ; e porque onde a
Vulgata poz fornicem , traz o Hebreo rotam , que
quer dizer a roda , todos os Francezes vertem aquel-
le , iiicurvat fuper eos fornicem , dizendo aííim :
e elle cs faz paffar por baixo do árco dofeu triunfo.
Pereira.
(m) O efpiraculo do homem, ò^c. Iftohe, o fô-
lego 5 aílbpro , ou refpiradouro do homem , hc a
alma, que Deos lhe infundio (Genef. II. 7.) co-
mo hrol j com a luz do qual pudeíTe elle dcfco-
brir e fondar os mais occultos cfcondrijos do fetj
coração. Pereira.
Jiz Provérbios.
drinha todos os fegredos do (n) feu in-
terior.
28 (0) A mifericordia , e a verda-
de guardão ao Rei , e o leu throno fc
firma com a clemência.
29 (p) A alegria dos mancebos he
a força delles : e a dignidade dos ve-
lhos são as fuas cans.
30 (q) Os males alimpar-fe-hão pe-
lo
(n) Do fcu interior. A' letra fc traduzirá : do feu
ventre , o qual na Efcricura fc roma enire outras accc-
pçóes pela alma, ou coração, Veja-fc oLivro Vlll.
dos Moraes de S. Gregorio Magno Cap. XXX. fo-
bre Job, e o Livro XÍII. Cap. LV. Pereira.
(0) ^ mifericordia e a verdade , (b ç, lílo he ,
a clemência c a juftiça. Menoquio.
(/?) A alegria dos mancebos , &^c. A Mocida-
de gloria-fe da robuftcz das fuas forças: A Velhi-
ce da madureza , da fabedoria , da experiência da
fciencia. Calmet.
(^) Os males , ò^c. Os ímpios corrigem-fe com
os caftigos : o infenfato náo terá cura , fenáo com
a rcprehensáo mais grave que fc lhe der, ecom a
íeveridadc da pena que fc lhe applicar. He intelli-
gencia lireral de Calmet; porem S. Gregorio Ma-
gno explicando efte lugar no Livro XXIH. dos Mo-
raes, Cap. XXÍ. dizaflim: Pelo livido das feridas
infinúa o Sabio a correcção do caftigo do corpo ;
c as cfni»Hs no mais íecreto do ventre sáo os inter-
nos ^oip s n'. lm>i, que fc fazem pela interior com-
punjáj c arrependimento dos peccados. Pereira.
Capitulo XXI. 113
lo livido das feridas : e pelas chagas
no mais fccreto do ventre.
CAPITULO XXI.
O coração do Rei na mão de Deos. A pre-
guiça , origem de miferias. Infelicidade
daqueUes , que tem o coração duro para
os pobres. V intagens da jujiiça , e da
fahedoria. Saúde he hum doni dú Senhor,
1 {o) A Sfim como fe fazem os re-
XjL partimeíitos das aguas , af-
fim o coração do Rei fe acha na mão
do Senhor : elle o incHnará para qual-
quer parte que quizer.
2 Todo o caminho do homem lhe
parece a clle direito : mas o Senhor pe-
za os corações.
3 Fazer mifericordia , e juftiça hc
mais agradável ao Senhor , do que as
viftimas. .
A
(4) Affimcomo yò^c. Pela comparação dos Cul-
tivadores de jardins , e hortas , que , repartindo a
agua pelos regueiros , a encaminháo aonde que-
rem , moftra o Sabio, que também Deos inclina
o coração dos Reis aonde muiro lhe apraz, c tem
decretado , fem que para iíTo lhes imprima violen-
cia alguma no feu alvedrio. Pereira.
114 Provérbios.
4 A fobcrba do coração faz altivos
os olhos : {b) a candeia dos ímpios he
o peccado.
5: Os pcnfamentos do homem ro-
bufto produzem fempre abundância :
mas todo o preguiçolo eílá fempre em
pobreza.
6 Aquelle, que ajunta hum thefou-
ro com huma lingua de mentira , he
vão , e fcm juizo , e dará comligo nos
laços da morte.
7 As rapinas dos ímpios levallo5-hão
á fua ruina , porque não quizerão obrar
fegundo a juftiça.
8 O caminho perverfo do homem ,
he hum caminho cílranho : mas quan-
do o homem he puro , são reítas as
fuas obras.
9 Melhor he cftar aíTentado (r) a
hum canto do eirado , do que habitar
com
(f) A candeia dos mpici he o peccado. Todo o
luzimcnio , auge , grandeza , c proípcridadc dos
ímpios náo hcmíiis que peccado; porque a fua ma-
lícia 03 Fez avultar no Mundo , c os continua de-
pois a nuífir na fobcrb;» , origem dc todos os ma-
les. P&REiRA.
(f) A bum canto dQ eirado. Na Palcftina c na
Capitulo XXL 115'
com huma mulher litigiofa numa cala
commum.
10 A alma do ímpio defeja o mal,
não fe compadecerá do feu próximo.
1 1 Quando o homem peftilente for
caftigado j o fimples ficará dahi mais
fabio : e íe elle adherir ao homem fa-
bio, adquirirá a fciencia.
1 2 O jufto confidera com applica-
ção a cafa do ímpio , para retrahir os
ímpios do mal.
1 3 Aquelle , que tapa os feus ouvi-
dos ao clamor do pobre , eíTe mefmo
também clamará, e não ferá ouvido.
14 O prefente fecreto extingue as
iras : e a dadiva (d) que fe mette no
feio d' outrem , a maior indignação. -
15' O jufto acha a fua alegria na
prática da juíliça : mas os que commet-
rem a iniquidade, eftao cm pavor. ^
Egypro as cafas cm lugar de telhados tinháo eira-
dos. He pois o fentido , que mais vai tranquilla-
mente viver fujcito ás injurias c inclemências do
ar, do que abrigado numa cafa, tendo deportas a
dentro huma mulher litÍ2;jora. Pereira.
{d) Que Je mette no feio d' outrem. A refpeito
do quanto podem as dadivas , confiráo-fe allim aos-
Capítulos XVII. 25. e XVIII. 16. Pereira.
ii6 Provérbios.
16 O homem , que fe extraviar do
caminho da doutrina , terá por morada
a AíTemblea dos gigantes.
17 Aquclle , que ama os banque-
tes , vivirá na indigência : o que ama o
vinho 5 e a meza efplendida , não en-
riquecerá.
18 (^) O ímpio he entregue em lu-
gar do jufto : e o iniquo em lugar dos
rcftos.
19 Melhor he habitar numa terra
erma , do que com huma mulher rixo-
fa , c iracunda.
20 Na cafa do jufto ha hum the-
fouro appetecivel , e ha azeite : mas o
homem imprudente diffipará tudo.
21 Aquelle, que exercita a juftiça ,
e a mifericordia, achará vida, juftiça,
e gloria.
(e) O iwpio he entregue y Caftigado o que
peccou , Deos fe aplaca para com os mais. lUuura
bem o prefcntc lu^ar o íucccílo de Acan , apedre-
jado o qoal , avcrfus ejl furor Domini ab eii , ifto
he, apartoihfe de fimadelles o furor do Senhor ^ co-
mo fc lê no Livro deJofucVlI. 16. Confira-fc af-
fiina o Capitulo XI, vcrfo 8. Pereira.
Capitulo XXI. 117
22 (/) Ofabio fez-fe fenhor da Ci-
dade dos valentes , e deftruio a força,
em que ella confiava.
23 Aquelle , que guarda a fua bo-
ca, e a fua lingua , guarda a fua alma
das maiores afílicções.
24 O foberbo , e o prefumido he
chamado ignorante, porque eftando ira-
do , faz acções infolentes.
25: Os defejos ma tão ao preguiço-
fo : porque as fuas mãos não quizerão
fazer nada:
26 elle paffa todo o dia a cubiçar,
e a defcjar: mas o que he jufto, dará,
e não ceflará.
27 As vi£limas dos ímpios são abo-
mináveis , porque o que offerecem hc
dos feus crimes.
28 A tcftcmunha mentirofa perece-
rá:
(/) O Sabio y ó^c. Enílna o Sabio que á forta-
leza do corpo Jeva gtande exceíTo a fabcdoria ; porque
varias vezes fuccede ferem muitas Cidades bem guar-
necidas tomadas por eílratagema e ardií , as quaes
não poderia a força reduzir ao poder do Conquif-
lador , que lhe dá o alTalto. líto he o que fe diz
na Sabedoria VI. 2. Melhor he afabedoria do que as
forcas , e o homem prudente do qae o forte. Meu o qu i o.
Provérbios.
rá : (g) o homem obediente contará a
yiéíoria.
29 O homem ímpio (h) moftra no
feu roílo huma fegurança defavergo-
nhada : mas o que he refto , emenda o
feu caminho.
30 Não ha fabedoria , não ha pru-
dência , não ha confelho contra o Se-
nhor.
• '3-í (/■) O Cavallo prepara-fe para o
dia
(g). O homem obediente y ó^c. O que obedece a
Deos, á Lei, á razão, aos Superiores , alcançará
viéloria de fcus adverfarios , de Satanás , e dc fi mef-
mo. Allim fc coftuma explicar cite lu^ar. Atécjui
sáo palavras de Calmet , confervando o fenrido que
oíFercce a Vulgata. Porém o Hcbreo lê : O varão ,
que ouve , ifto hc , o que relata , e depóe o que vio
e ouvio , fallard viãoriofamente , fará triunfar a ver-
dade , fallando fempre pela mefma boca , e often-
tando-fe em todo o tempo c lugar como huma fiel
e verídica teftemunba. Pereira.
Moftra no jcu rojto , 'ò-c. O ímpio cérra-
j teima , e obftinado fc confirma no íeu mâo pro-
pofito ; e náo duvidando motar defcaradamente das
íaudaveis advertências que lhe fazem , a:é dcíende
o mal cjue fez , querendo fempre achar eíc.tpúla a
Icus vícios. Pfkeira.
(í) O Cavallo , ^'C. Debalde fe fazem os appa-
ratos da guerra ; debalde fc ajuntáo as carroças , c
a cavdllaria j porqac náo he o foldado , náo he o
Capitulo XXIL 119
dia da batalha: mas o Senhor he o que
dá a vidoria.
Cavallo o que di a viéloria , mas fó Dcos. ( Sal-
mo XXXII. vcrfo 17.) Entre os Hcbrcos , c os po-
vos Orientaes náo fe fazia ufo de cavallos , fenáo
para a guerra. O boi era deftinado para a cultura
dos campos , e para levar os carros ordinários i o
jumento, c o camelo para as cargas, para os far-
dos 5 para a jornada : o cavallo fó para a guerra fc
refcrvava. Calmet.
CAPITULO xxir.
Preço da boa reputação. Vantagens do
coração furo, Exhortação d Jabe dória.
Não opprimir o pobre. Não tranfgre-
dir os antigos limites.
I lY/f' Ais vai o bom nome , do que
jLyJL muitas riquezas : (a) a ami-
zade he mais eílimavel, do que a pra-
ta ^ e o ouro.
O
{d) A amizade^ é^c. A' letra fc traduzirá : a
boa gracu , ifto he , a boa acceiraçáo , o fer acceito
c agradável a Dcos, e aos homens, como explica
Menoqiiio. Delie lugar fe infere que muito mais
grave peccado he o da detracçáo , que o do furto;
orque , fe a nomeada de cada hum , ou boa fama
c de mais fubidos quilates do que o ouro, e vai
120
Provérbios.
2 (b) O rico , e o pobre fe encon
tráráo : d' hum , e d' outro he creador
o Senhor.
3 O homem fagaz vio o mal , e
furtou-fe a clle : o imprudente paíTou
adiante, e recebeo o damno.
4 (c) O fim da modeftia he o te-
mor do Senhor 5 as riquezas, e a glo-
ria, e a vida.
5 (d) As armas , e as efpadas acháo-
fe no caminho do perverío : aquelle po-
rém que guarda a fua ahna , retira-fe
longe delias. ^
mais do que as riquezas ; todo aquellc , que defacre-
dira o próximo , defpojanJo o da reputação que
tem adquirido, maior damno Ihccaufa, do que fc
lhe roubara a fazenda. Perfira.
(^) O rico , ô-f. Ou o fentido he , que 08 ri-
cos e os pobres, em razão de crcaturas dcftinadas
para o rrefmo fim , são iguaes diante de Deos ,. que
fó attcnde á fua virtude , e ao amor com que o fer-
vem ; ou que rodos dependem mutuamente huns
dos outros, o rico dopreftimo do pobre, c o pobre
do foccorro e amparo do rico. Pekeira,
(f) O Jim da modejiid, é)'C. Ilto he , o fruto,
ou pcrki^áo do julto comectímento , c da humil-
dade interior do clptriio. Pfbkira.
{à) As nrmas , e efpadas , évf. O Hebreo
diz : Efpinhas , e laços no caminho do pervirfo,
ou efpinhos , e laços. Caj.m£t.
Capitulo XXII.
121
6 (e) He provérbio : O homem , fc-
gundo o caminho que tomou fendo man-
cebo, dellc fenão apartará , quando for
velho.
7 O rico manda aos pobres: eoque
toma empreitado, fervo he do que lhe
empreita.
8 Aquelle, que femca a iniquidade,
fegará males, (/) e ferá ferido pela va-
ra da fua ira.
9 Aquelle , que he propenfo a fa-
zer mifericordia , ferá abençoado : por-
que deo dos feus pães ao pobre.
is) Aquelle, que faz prefentes,
alcançará viíloria , e honra : mas elle
rouba a alma dos que os recebem.
Lan-
(e) He provérbio. Como nem no Hebreo , nem
nos Setenta , nem no Caldeo fe lem eftas pala-
vras: He provérbio ^ adverte Calmet, que S. jero-
nymo entendeo devei-las accrefcentar aqui , para
que os Leitores tomaíTem melhor o pezo a eíta
máxima impartanilílima da educação. Pereira.
(f) E ferd ferido , <ò^c. Ou á letra , e ferã acabado ,
ifío he , confumido , perdido , arruinado. Pereira.
( ) Aquelle , que faz prefentes , é^c. Efte ver-
íb náo fe acha no Hebreo , nem em S. Jeronymo ,
e falta rambem cm varias Ediçóci Latinas ; mas
trazcm-no os Setenta. Calmet.
122 PrOVEKBIOS.
10 Liinça fóra ao mofador, c com
clle fe irá a difputa , e ceflaráó as que*-
relias, e as contumelias.
11 Aquelle, que ama a candura do
coração , terá por amigo ao Rei por
caufa da fincera graça dosfeus lábios.
12 Os olhos do Senhor guardão a
fciencia : mas as palavras do iniquo sao
poftas por terra.
13 (^) O preguiçofo diz: O leão
eftá lá fóra , ferei morto no meio das
ruas.
14 Aboca da mulher alheia he hu-
ma cova profunda : aquelle contra quem
o Senhor eftá irado, cahirá nella.
15' A loucura eftá atada ao coração
do menino , e a vara da difciplina a
afFugentará.
16 Aquelle, que calumnía ao pobre
para accrefcentar as fuas riquezas, elle
mefmo dará a outro mais rico , e virá
a fer neccíTitado.
In-
o fregukofo ^ ò'C. Não ha efcufa , pretex-
to , ou fubteríugio , que os preguiçoíos náo alle-
guem para íe livrarem , c verem íorros do traba-
lho. Pereira.
Capitulo XXII. 115
17 Inclina o teu ouvido, c ouve as
palavras da labedoria : e applica o teu
coração á minha doutrina :
Io tu a terás por fcrmofu , quando
a guardares dentro (/) do teu ventre, c
cila fe efpalhará pelos teus lábios:
1 9 para que ponhas no Senhor a tua
confiança, por cuja caufa também eu ta
moftrci hoje»
ao Eis-aqui eftou eu mefmo que ta
defcrevi (/) emtrcs maneiras, compen-"
famentos e com fcicncia:
21 para te moftrar (fii) a firmeza , e
as palavras da verdade , (n) a fim de
Tom. XI. I re-
(í) Do teu ventre. Ifto hç , do teu coração , da
tua alma. PERctuA.
(/) £m tres maneiras. Ifto he , em muitas ma-
neira» , com toda a exacçâo c diligencia , iaculcan-
do-ta e repeiindo'ta frequentemente. Huns enten-
dem cfte lugar das tres partes da fabedoría , Mo-
ral , Natural e Theologica , fcgundo ella fe confí-
derava entre 0$ Hebrcos. Outros fuppóe que sáo
aqui defignados os ires Livros dos Provérbios , do
Ecclefiaftcs , do Cântico dos Cânticos. Alguns por
fim querem antes que fe refira aos tres fentidos da
Efcritara, Literal, Typico , Allegorico. Peaeira.
(w) j4 firmeza. Ifto hc , a folidcz da doutrina.
PEREIP.A.
(n) AJimdi ref ponderes , ^r. A fim dccor-
124 Provérbios.
refponderes com eftas coufas áquelles ,
que te enviarão.
22 Nãt) faças violência ao pobre,
porque he pobre : (o) nem opprimas em
juizo ao que não tem nada :
23 porque o Senhor ha de julgar
a fua caufa , e ha de trafpafliir aos que
trafpafsárão a lua alma.
24 Não queiras ler amigo do ho-
mem iracundo, nem andes com o ho-
mem furiolo:
25 por não fucceder que aprendas
as fuas varcdas , e dês á tua alma algum
motivo de cahir.
Não
refponderes á expeílaçáo c}c| que tc enviarão a
aprender os meus diétames j ou para cumprires com
as obrigações do miniftcrio , que le for impfto>
ou para que poíías dat sáo confclho aos que 10 pe-
direm, duvidoros e perplexos. Pereira.
(0) Nem opprhms em juizo y <ò c. Ainda que o
Texto Latino diz : neque comeras egetwm in porta ,
iodos expõem aqBcIlc m porta peio juizo : porque
hc notório por outros muitos lugares da Efcriiura ,
c ainda dos Provérbios, que osTribunacs, em que
íc julgavào as caufas , eráo antigamente ás portas
da Cidade, E aílim leremos no Capitulo XXXI.
verío 2:5. Nobilis in portis vir ejus : o que todos
traduzem juftamentc afíim : Seu marido fera illuf*
tn ruis Ajfmbkas dos jTo/z^j. Pire ira.
l
Capitulo XXII. iij'
26 Não tc allies com aquelles , que
fe obrigão aperrando as mãos , e que fe
offerecem por fiadores para refponder
pelas dividas d' outrem :
27 porque fe tu não tens com que
pagar , (p) que razão ha para que te ti-
rem a coberta da tua cama?
28 (q) Não pafles além dos antigos
limites, que puzerão teus pais.
29 Vifte a hum homem , (r) que
faz as fuas obras com velocidade ? Efte
I ii te-
(p) C^f razão ha , ^r. Por que motivo tc
inetces no aperto de que, pedindo-ce o credor o di-
nheiro, tc vejas obrigado, por lhe náo poderes fa-
lisfazer , a coníentir que tc faça apprehensáo no
incfmo cobertor da tua cama? Menoquio.
(q) Não pijfes , eb-c. Prohibe-fc aqui o ap-
propriar-íe qualquer alguma parte da herdade , ou
campo alheio com a mudança dos marcos , o que
hc contra a Lei do Deuteronoroio XIX. 14. ou
também o querer innovar máximas diíFcrentes da-
qucllas , que fe bebem no Depofito da Fe , e na
conftanie Tradição , diàtame, que impugna o pre-
ceito do Apoftolo aTimothco na Epiíiola I. Cap.VL
verfo 2C. Pereira.
(r) Qu€ faz as fuas obras com velocidade ? A' le-
tra fe traduzirá : f^ifle hum homem veloz ( ifto he ,
pontual , aélivo , prompio ) na fua obra í Diante
dos Reis fe levantará firme ^ enao efiara diante dos
de baixa ejiofa. Pereira.
120 PROVEKBIOS.
terá cabimento com os Reis , e não fi-
cará no andar da plebe.
CAPITULO XXIII.
Sobriedade á meza dos Grandes. Não buj-
car riquezas. Não oppnmir aos pupil^
los. EJl ar firme no temor deDeos, Fu-
gir das mulheres dijfolutas ^ e da bebe-
diJTe.
I ij Uando te aíTcntares a comer
^SL^ com o Príncipe , confidera com
attenção o que fe te poz diante:
a {a) e põe huma faca na tua gar-
ganta , fe he todavia que eftás fenhor
da tua alma :
3 não defejes os manjares daquel-
le 5 onde fe acha o pão da mentira.
4 Não te fatigues por férrico: mas
poe termo {V) á tua prudência.
Não
(rf) E poe huma faca na tua garganta. Quer
dizer , e reprime a gula , ou corça o appctitc tíeí^
ordenado. Bossuet.
(b) A tua prudência, Devc-fe entender iflo da
prudência , ou induítria , de que fc valem os ho-
mens para ajuntar riquezas, da qual íaila o SalvA'*
dgr cm S. Lucas XVI. 8. Menoí^ujo.
Capitu to XXIII. 127
$ Nâo ergas os teus olhos para hu-
mas riquezas, que tu não podes ter : por-
que ellas tomaráó azas como de águia ,
c voarão para o Ceo.
6 Não comas com o homem inve-
joíb, enão appeteças os feus manjares:
7 (c) porque á femelhança de adi-
vinho j e conjedturador , faz juizo do
que ignora.
Come , e bebe , te dirá elle :
(d) mas o feu coração não eílá comtigo.
o (e) Tu vomitarás os manjares que
tiveres comido : e perderás os teus fa-
bios diícurfos.
Não
(c) Porque dfemelban^a de adivinho , ó-c. Por-
Íjuc lo^o que te alTcncares á mcza , lá dentro com-
igo, como conjcciurador do futuro , e adivinho,
penfará , c avaliará o quanto has de comer; e quan-
do comeres , contará quaíi todos os bocados , que
mettcrcs na boca , eftando com cuidado de lhe não
fazeres muito gaíío cm demazia. Menoquio.
Q{) Mas o f^u corai^do , ó*c. Ifto hc , nào diz
de veras que comas , e bebas , mas fò por ccrcmo-
nia c cumprimento. Pirura,
(e) Tu vomitarás , ^c. Conhcccndo-lhc tu o
caraaer que tem de avarento , e a má vontade,
com que te põe á Tua meza , não fó defejarás, fc
puderas , lançar-lhc alli toda a comida para lha náa
IcvAres comtigo \ mas ainda te aiiepcndcrái da cot»
12? Provérbios.
9 Não falles aos ouvidos dos infen-
fatos: porque elles defprezaráó a dou-
trina das tuas palavras.
10 (/) Não toques nos limites dos
pequeninos : e não entres no campo
dos pupillos:
11 f^) porque o Teu propinquo he
poderofo : e elle melmo fe fará con-
tra ti o defenfor da fua caufa.
12 Entre o teu coração na doutri-
na : e os teus ouvidos nas palavras da
fciencia.
13 Não fubtrahas a correcção ao
menino: porque fe tu o fuftigares com
â vara, elle não morrerá.
Tu
tczã , c fabia converfaçáo , dos chiftcs , graças ,
facécias , e agudos donaires , que com elle , c dian-
te dclle efpcrdiçaíte. Pereíha.
Çf) Nio toqm , «5^f. Confira-fc aflima o Ca-
pitulo XXII. verfo 28. Periiua.
(g) Porque o feu propinquo he pederofo. Quem
feja efte propinquo poderofo , que defende , c vin-
ga das injúrias o pobre , declaráo os Setenta , ver-
tendo aqui : Porque o Senhor , qae he o feu Redem^
ftor , he poderofo, O mcfmo Dcos logo he o po-
derofo luror do pobre ; e ifto pelo direito do parcn-
tefco que tem com elle , por fe ter feito homem
como elle, e pobre por amor dcllc. Fbrsiaa.
Capitulo XXIII. 129
14 Tu o fuftigarás com a vara : e
livrarás a fua alma do inferno.
!> Filho meu , fe o teu animo for
fabio , o meu coração fe alegrará com-
tigo :
16 e os meus rins exultarão de pra-
zer, quando os teus lábios tiverem pro-
ferido o que he rctio.
17 O teu coração nao tenha inveja
aos peccadores : mas confcrva-te no te-
mor do Senhor todo o dia :
18 porque terás efperança , quando
chegar o teu ultimo dia , e não te ferá
roubada a tua expectação.
19 Ouve , filho meu , e sê fabio :
e conduze a tua alma pelo caminho di-
reito.
20 Não te queiras achar nos ban-
quetes dos grandes bebedores , nem nas
comezainas daquelles , (h) que fazem
vir os manjares para comerem de com-
panhia :
Que fazem vir os manjares pari comerem de
eompsnhia. Os Setenta , c depois delles Theodociâo
o emendem não fimplesmcnte dos quf fe banque-
tcáo juntos , mas dos que fe banqueteio juntos ,
concorrendo cada hum com o feu unto para prato :
13© Provérbios.
21 porque paflando o tempo em be-
ber , e em contribuir com os feus efco-
tes, elles fe arruinaráó, (/) e a fua dor-
mente preguiça veftir-fe-ha de trapos.
22 Ouve a teu pai, que te gerou:
c não defprezes a tua mái, quando for
velha.
2 3 (/) Compra a verdade , e não
queiras vender a fabcdoria , nem a dou-
trina, nem a intelligencia.
24 O pai do jufto falta de prazer :
o que gerou ao fabio terá nelle a fua
alegria.
Nef-
que ifto quer dizer a palavra Symbola , de que usão
os referidos Interpretes Gregos , e que também foi
adoptada na lingua Latina : aqucUa quantia , com
que cada hum dos convidados contribue da fua par-
te para o banquete , por hum fó termo ainda no
Portuguez fe chama ejcote. Peru ha.
Cl) E á fua dormente preguiça , ^c, O pregui-
colo reduzido por ultimo á extrema falta do ncccf*
iario , andará feico pobre andrajofo. Calmit.
(/) Comprd d verdade , &c. Compra a verda-
de, a fe , a íinceridade , a igualdade ainda que feja
com o mais exorbitante difpcndio de todas as toas
coufas : e fe alcançares a fabcdoria , guardada cui-
dadofaroente , c olha não na vendas por preço aU
gum^ ou a largues de ti. Psrbíra.
Ca TITULO XXIII. 131
2^ Nefta alegria viva teu pai , e
tua mâi , e a que te gerou , exulte.
26 Dá-me , filho meu, o teu cora-
ção : c os teus olhos guardem os meus
caminhos.
27 Porque a mulher proftituta he hu-
ma cova profunda : e a alheia he hum
poço cftreito.
28 Ella eftá d'embofcada no ca-
minho , como hum falteador y c ella
matará aos que vir defapcrcebidos.
29 A quem fe dirá : Defgraçado
dc ti? ao pai de quem fe dirá : Def^
graçado de ti ? para quem feráo as bu-
lhas ? para quem os precipicios } para
quem as feridas fem caufa } para quem
(m) a névoa dos olhos?
30 Para quem , fenâo para aquel-
les , que levão o tempo a beber vinho,
e tem o feu gofto em defpejar os copos ?
31 Não olhes para o vinho , quan-
do te começa a parecer louro , quando
bri^
fm) ^ A névoa dos olhos ? O Hebreo diz : a ver-
melbidSo ( incendiada) da olhos , que deslumbra , e
oífufca a víâa. Perxika»
f^z Provérbios.
brilhar no vidro a fua cor : ellc entra
fua vem ente ,
32 mas no fim morderá como huma
ferpente, e diíFundirá o feu veneno co-
mo hum bafilifco.
33 Os teus olhos verão (;/) as a-
Iheias , e o teu coração faliará pala-
vras defregradas.
34 E tu feras como hum homem
dormente no meio do mar , e como
hum piloto fopico , (0) que perdeo o
leme :
35r e dirás: Efpancarão-me , mas a
mim não me doêo : arraftarão-me , mas
eu não fenti : (p) quando defpertarei
eu, e quando acharei mais vinho para
beber?
CA-
(«) alheias. Tilo he , as mulheres alheias ,
cobiçando-as. O vinho atiça a concupifcencia , c
dcftcrra o pejo , guc faz conter os olhos dentro dos
limites da modeftia. Calme r.
(0) Que perdeo o leme. Da razão , c por confc-
quencia o devido comportamento. PERErRA.
Cp) Quando defpertarei eu ? Os Setenta lem :
Quando romperá a madrugada pira ir bufcar oú-
tm , com quem entreter o tempo, Pirkira.
Provekbios. 133
CAPITULO XXIV.
Não invejar a profperidade dos mdos. Não
ejlimtir fenao d fabedoria, Sojler-fe no
tempo da afjiicção. Não Je regozijar com
a ruina dos feus inimigos. Temer a Deos ,
e ao Rei, Evitar a preguiça.
I Âo tenhas inveja aos homens
JL^iiiáos, nem defejes eftar com
elles :
2 porque o feu efph-ito medita ra-
pinas , e os feus lábios fallao enganos.
3 A cafa fundar-fe-ha com a fabe-
dória , e fortificar-fe-ha com a pru-
dência.
4 Pela doutrina (a) encher-fe-hao as
defpenfas de roda a fubílancia precioía ,
e fermofiílima.
5- O varão fabio he forte : e o va-
rão douto , robuíto e valente.
6 Porque a guerra pela boa ordem
fe maneja : c a falvação achar-fe-ha on-
de ha muitos confelhos.
Pa-
(4) Encher-fe-h/ío ^ ó^c, Ifto hc , todas as ofH-
cínas , c quartos da cafa fc encherão de todos os
bens, c alfaias de grande valor , c de mui refulgen-
te fcrmofurã. Pckii&a.
134 Provérbios.
7 Para o infenfato he árdua a fabc-
doria , (b) elle não abrirá na porta a fua
boca.
8 Aquelle, que anda cuidando em
fazer males, ferá chamado infenfato.
9 O penfamento do infenfato he o
peccado : e o detraílor he a abomma-
ção dos homens.
10 (c) Se tu perderes a efperança
defcorçoado no dia da anguftia : ferá
mingoada a tua fortaleza.
1 1 Tira do perigo aquelles , que
são levados á morte : c não céíTcs de
livrar aos que são arraítados {d) ao de-
goUadouro.
Se
(b) Elie não abrira , ó^c. Ou , de nenhum mo-
do poderá rcr aíTento nos Tribunaes para adminif-
irar a juítiça ás porcas da Cidade , por falta d^ fa-
bedoria , que náo chegou a alcançar ; ou fendo alíi
preícntado como réo j n?.o poderá desfazer as objec-
ções da parte que o accufa, por fe achar deílituido
das luzes e amparo da mcfma fabedoria. Pereira.
(c) Se tu perderes a efperança , eb-f. O feniido
hc , que vem a fer pequena a fortaleza , e a paciên-
cia daquellesj que deícorçoão á viíta dcquaefquer
adverfidades , c que dcfefperáo de melhorar dc cf-
tado. Menoquio.
(d) Ao degolladouro. A' carnificina , ou ao pa-
tíbulo , para íc lhes tirar a vida. O que fc deve cn*
Capitulo XXIV. ijy
II Se tu diíTeres : As forças (e) nao
me ajudao : o mefmo que hc inlpeítor
do coração , o conhece , e ao guarda-
dor da tua alma nada le efconde , e
elle retribuirá ao homem (f) fegundo
as luas obras.
1 3 (g) Come , filho meu , do mel ,
porque he bom , e do favo , porque hc
dociíEmo á tua garganta :
14 tal fera também para a tua al-
ma a doutrina da fabedoria : quando tu
a achares , terás eíperança na tua ulti-
ma hora , e a tua efperança não pere-
cerá.
Não
tender , fc forem innoccntcs , c não tiverem quem
lhes acuda. Vcja-fe o Salmo LXXXI. 4. Pereira.
(e) Não me ajudão. Para livrar o innocenie rc-
Cítindo aos calumniadores , c aos que injuftamen-
ic o opprimem. Atéqui Menoquio. O Hebreo diz :
Nao conhcí^O a ejie. Pereira.
(/) '^^g'^ndo as fuas obras. Deos que vè, c co-
nhece o coração do hom?m , c aré onde fe eften-
dem as fuas torças , lhe dará o premio ou caf-
ligo , fegundo o que obrar com feu próximo. Pe-
KKIRA.
(^^ Come , &c, Appctecc os frutos da fabedo-
ria , c quando os tiveres alcançado , goza dellcs ,
porque sáo mais doces para a alma , do que he o
favo de mel ao paladar, Mbnoqvio.
1^6 Provefbios.
15' Não armes traições ao jufto, e
não andes bulcando a impiedade na fua
caía, nem perturbes o feu repoufo.
16 (h) Porque o jufto cahirá fete
vezes, c tornar-íe-ha a levantar: porém
os ímpios ferão precipitados no mal.
17 Não tc alegres , quando cahir
o
(Jf) Porque o jujlo , ò^c. Aqui fe accrefcenta vul-
armentc no dia ; liçáo , que nem fe acha no He-
reo, nem nos Setenta , nem nos Manufcritos,
nem nos Exemplares impreíTos com a devida cor-
recção. Tem dous fentidos efte lugar. O primeiro
he j que , náo obftante cahir o juíío muitas vezes
em faltas leves , por ferem inevitáveis á fragilidade
humana , elle todavia ajudado logo com a graça dc
Deos Ic levantará , e por confequencia náo achará
nellc o maldizente coufa grave , de que o pofla ac-
cufar ; ao mefmo tempo que 03 ímpios fe precipi-
tarão no mal, paradellc nunca mais fe Icvrintarem ;
o fegundo , que hc de Santo Agoftinho no Livro Xí.
da Cidade de Deos Capitulo XXXÍ. mo(lra que as
palavras do Texto fe entendem náo das culpas c
pcccados , fenáo das tribulações , que nos fazem hu-
milhar. Funda-fe eíta intelligencia em que , na opi-
nião de alguns apontados porCalmet o verbo, que
íign.nca no Hebreo cahir , quando fe oppóe a ou-
tro que quer dizer levantar , nunca denota queda
cm crime , mas fim em calamidades. Veja-fe Ifa-
iasXXlV. 20. Jeremias XXV. 27. Amos VIII. 14-
Miqueas VII. 8. com o Salmo KK^VL v. 24. i5«
Pkheira.
Capitulo XXIV. 137
o teu inimigo , nem o teu coração fc
regozije com afua ruina:
18 por nao íucceder que o Senhor
o veja , e que ifto lhe deíagrade , (i) e
que tire de fima delle a fua ira.
19 (/) Não andes cm competência
com os homens peíEmos , nem invejes
aos ímpios :
20 porque os mãos nao tem efpe-
rança alguma para o futuro , e a can-
deia dos ímpios apagar-ic-ha.
21 Teme , filho rneu , ao Senhor,
c ao Rei : c não te miílures com os de-
traftores :
22 porque de repente fe levantará
a fua perdição: {m) e quem fabe a ruí-
na de ambos?
O
(í) Eque tire de [ma delle a fua ira, E a def-
afogue contra ti. Pereira.
(/) Não andes em competência com os homens péf-
fwios, Imiiando-os. Pereira.
(m) £ quem [abe a ruina de ambos ? Ifto he ,
daquellc , que não refpcita a Dcos , e do que nega
fujciçáo ao Rd. Outros expõe afíim : Quem po-
deiá alcançar com o entendimento a vingança , que
Dcos e o Rei , eltes dous poderes já le fabc táo
fortes e formidáveis , háo de exercitar contra o mal-
dizente e o blasfemo^ Calmet,
138 Provérbios.
23 O que vou a dizer, he também
para os fabios : Não he bom fazer ac-
cepção de peíToas nos juizos.
24 Aquelles, que dizem ao ímpio:
(?/) Tu es jufto: ferão amaldiçoados dos
Povos 5 e dcteftados das tribus.
ajr Aquelles , que o reprchendem ,
fcrão louvados : c virá fobrellcs a benção.
26 Aquelle , que dá huma rcfpofta
direita, (0) dará hum beijo na boca.
27 (p) Prepara de fora a tua obra ^
e lavra cuidadofamente o teu campo :
para que depois edifiques a tua cafa.
Não
(«) Tu es jufto. Confíra-fc Ifaias V. 23. Pe-
HtlRA.
(o) DarÁ hum beijo na boca, Ifto he, dará hu-
ma prova da fua amizade , bem aílim como o ofculo
hc hum final dcUa entre os amigos. O Sabio ex-
plica adiante XXVIII. 2^. com mais clareza efta
mcíma -/erdade. Saci.
(p) Prepara de fora , ^c, Hc efte , fcgundo
IVlcnoquio c outros , hum preceito de economia ,
que enfina dever-fc , antes de levantar cafas cm po-
voado , tratar da cultura do campo. Mas tomado
no fentido allegorico vem a dizer , que ninguém ha
de lançar máo d huma empreza , fem que primci-
10 coniidere muito de vagar fe tem fufficientes for-
ças para a levar ao cabo, Veja-fc S. Lucas XIV. i^f
Fereika.
^1
Capitulo líXlV. 139
28 Não fejas teftemunha (q) em
vão contra o teu próximo: nem feduzas
a ninguém com os teus lábios.
29 Não digas : (r) Como elle me
fez a mim , alEm farei eu a clle : torna-
rei a cada hum fegundo as fuas obras.
30 Eu palfei pelo campo do homem
preguiçofo ^ e pela vinha do homem
infenfato :
31 e eis-que achei que tudo cftava
cheio d* ortigas, e que os efpinhos co-
brião a fua fuperficie , e que o muro dc
pedra eftava cahido.
Tom.XI. K O
(^) Em vão. Ou , como lem os Setenta , Jalfd,
Pereira. — *
(r) Como elle m: fez d mim. Depois da prohi-
biçáo do odio , como já fc vio aíiima noverío 17.
piohibc-fe também aqui a vingança. Nem a Lei do
talião, que fe acha no Lcvitico XXIV. ip. 20. fc
oppóc a cfta doutrina ; porque , tomada á letra ,
nunca vinha jamais a approvar a vingança , mas a
coartalla e pnr-lhc limites ; fendo eíti , como pon-
dera Sanro Agottinho fobre o Salmo GVIII. le af-
fim fc pôde dizer, a juftiça dos injuftos : Hxc ^ ff
dici potejl y injujiorwn jufihia eji : c 9. entender-Íc
n'outro fentido , mandava íó que fc proporcionaf-
fc com efcrupulofa igualdade a pena com o delito.
De qualquer modo que fc coníiderc a mencionada
Lei, dizia fó rcfpcito aos Juizes c Magiftrados , cf-
140 Provérbios.
32 O que tendo euvifto, (s) pullo
no meu coraqão , e defte exemplo apren-
di a difciplina.
33 Hum. pouco 5 diíTe eu comigo,
dor-
tabcleccndo huma regra certa para os caftigos pú-
blicos. Pereira.
(5) Pullo no meu corarão. Ifto he , dcpoíírci den-
tro no meu coração eftc reparo , e á vitta do que
obfervára , tomei exemplo para me corrigir , c fa-
zer mais vigilante e circumlpeílo na reforma da mi-
nha vida. Os Setenta lem : Por ultimo eu tenho fei-
to penitencia , e tenho pofto a mira em elegei a cor-
recção y ou O caftigo. rieilas palavras inferem S. Cy-
rillo Jerofolymitano CatecheJ.ll. Illuminandorum , De
pxnitentia , <ò' remijjione peccatcrum , (ò^ de Adverfa-
rio , Cap. XIII. e S. Jeronymo lebre o Cap. XLllí,
d' Ezequiel , que Salamáo depois do peccado fize-
ra penitencia , c fe falvára. E verdadeiramente o
campo cheio d' ortigas, a vinha coberta d' eípinhos ,
c o muro derrubado , parece que sáo humas repre-
fentaçóes , e figuras da fua queda , pela quai de-
pois afHrma ter feito penitencia 3 mas fallando aqui
Salamáo , como querem outros, cm pefloa d' hum
homem que , vendo o campo d' outro homem prc-
guiçofo , coberto d' ortigas , com eíte exemplo fc
cxhorta a fi mefmo a lançar máo do trabalho com
grande diligencia , para evitar a deshonra da pre-
guiça e da pobreza ; fica fem maior vigor aquella
inteiligencia , que favorece a penitencia de Salamáo
deduzida defte lugar. Veja-íc a Nota que vem na
Edição Bcnedié>ina fobre a opinião dcS. Cyrillo já
allcgado, com o que /obre o mefrro aíTumpto dife
Capitulo XXIV. 141
dormirás , outro breve efpaço dormita-
rás , outro poucochinho cruzarás as mãos ,
para defcançares :
34 c virá fobre ti a indigência, co-
mo hum caminheiro , e a mendiguez co-
mo hum homem armado.
frrão outros Padres allegados no Diãmarium Ma*
niiale Biblicum de Calmet com as Annotaçóes dc
Áquila na palavra Salomon. Peaeira.
CAPITULO XXV.
O coração dos Reis impenetrável. Não Je
exaltar a Jl mefmo. Palavra dita a pro*
pofito. Promeff^a j em efeito, Trijleza do
coração. Fazer bem aos inimigos. Pôr
freio d curiofidade.
I ¥7^ Stas são também Parábolas de
JL4 Salamao , {d) as quaes tranfcre-
verão os fervos d' Ezcauias Rei de Judá.
K ii A
{a) As íjuaes tranfcrevêrão os fervos d' Ezequias ,
ó^c. Salamáo tinha compofto muitas Obras , que
náo chegarão a nós : as mefmas Parábolas , que
clle efcreveo , diz a Efcritura , que foráo trefi mil :
(III. Rcg. IV. ^2.) c delias náo feconferváo hojè,
fenáo as que temos no prefente Livro dos Provérbios ,
que náo chegáo a mil : pois que o numero dos feus
142' Provérbios.
2 (b) A gloria de Deos he encobrir
a palavra , e a gloria dos Reis he in-
veítigar o difcuríb.
O
verfos hc fó de 915. As outras foráo-fc cfqucccn-
do , como menos importantes : e nào as quizeráo
os Meftres da Synagoga mettcr no Canon das Sa-
gradas Efcrituras , julga Tottado que por lerem
mais curiofas , e mais próprias a moílrar a grande-
za do génio do Author , do que utcis para os cof-
tumes 5 c próprias para a cdifia^çáo. Colligíráo-fe
pois as que parecèráo mais neccííarias , c cíbs íe
metieráo na cIíÍTc dos Livtos Samos. As que nós
lemos neíte Capitulo, e nos íeguintes , íorèo com-
piladas pelos íervos do Rei Ezequias; iílohe, por
aqucUes íabios , a qcem Ezequias encarregou dcfta
cfcoiha, os quacs podiáo ítTlfaias, Eliacim , Sob-
na , Joahe, muito conhecidos , e célebres na Cor-
te d' Ezequias. ( IV. Rcg. XVII í. 26.) Calmet.
(b) A gloria de Deos , é^ f . Ou o fentido he ,
que pertence á gloria e magcftade de Deos enco-
brir a palavra , iílo he , efconder as razões dos íeus
juizes e confcíhos ; porque, fendo cllc dc todos o
Senhor Supremo , náo tem íuperior , ou igual , a
quem fcja obrigado a dar conta. A eua inierprcia-
çáo correrponie ao contrario a outra parte da fcn-
tença: j4 gloria dos Reis he invejtigar o difcurfo ^
como fe diilèra ; He decorofo aos Reis invcítigar,
c ter á máo as razoes e os fun. lamentos dos Icus
decretos, para que pofsáo tapar a boca aos íeus ca-
lumniadores. Ou , íegundo outra intclligc ncia , vem
a infmuar, que diz refp ito á gloria dc Deos , o
náo fc entender com facilidade a Sagrada Eícniui
Capitulo XXV. 143
3 (c) O Cco na fua altura , e a ter-
ra na (ua profundidade , e o coração do
Rei he inexcrutavel.
4 Tira a ferrugem da prata , e fa-
hirá hum vafo purillimo :
5 tira a impiedade da prefença do
Rei , e o íeu Throno fe firmará na juíliça.
6 Não apparcças ufano diante do
Rei , e não te ponhas no lugar dos
Grandes.
7 Porque melhor he que te digão :
Sobe para cá ; do que feres humilhado
diante do Frincipe.
8 Não defcubras logo no principio
da contenda , (d) o que virão os teus
próprios olhos : por não te fucceder,
que depois de teres tirado a honra ao
teu
ti ; c qac toca á honra dos Reis averiguar os fcus
occukos fentidos. Minoquio.
(f) O Ceo nt fua altura , ú^c, Aííim como hc
diííicultofo inveftigar a diíhncia que vai do Ceo á
terra , ou a altura do Cco , e a profundidade da ter»
ra ; alíim também o hc querer fondar o coração
do Rei. Menoquio.
(íi) O que virio os teus próprios olhos. Sc fabes
alguma coufa que redunda cm dcfcrcdito do teu
próximo , cáU-a , c nâo lha lances logo em rofto.
Pereira*
144 Provérbios.
teu amigo, não poíTas depois tornar a
reparar-lha.
9 Trata o teu negocio com o teu
smigo , e não defcubras o teu fegredo
a hum eftranlio:
10 porque não fucceda que te in-
fulte, logo que o ouvir, cnão cefle de
to lançar em rofto.
{e) A graça e a amizíide livrão: con-
ferva-as para ti , para que não caias cm
defprezo.
11 (/) Aquelle, que profere a pa-
lavra a feu tempo , he como huns po-
mos de ouro em leitos de prata.
12 {g) Aquelle , que argue ao fa-
bio , e ao ouvido obediente , he como
hu-
(e) A grã(^a , e a amizíide livrão , ^c. Eftc
Tcrfo falta no Hcbreo , e por iíTo o omittio tam-
bém S. Jeronymo na fua vcrsáo : mas irazcm-no os
Setenta. Calmet.
(/) Aquelle, que profere, ^c. O homem, que
falia a tempo, eapropolico diftin^ue-fc , brilha, c
realça tanto entre os mais , quanto os pomos de
ouro imitados Jaarte cm fórma de maçanetas afFer-
mofeáo os leitos de prata , fobre cujos balauftres
fe acháo ou e n gaita ios , ou pendentes. Confira- fc
o Livro d' Eft^cr , 1.6. Pereira.
(^) Aquelle , que argue , é> c. Aííim como a
brilhante mar^arita orna muito a arrecada de ouro^
Capitulo XXV. 1 45'
humas arrecadas de ouro, e huma bri-
lhante pérola.
13 O embaixador fiel he para quem
o enviou, o que he a frieza da neve no
tempo da Teifa , ellc dá defcanço á al-
ma de feu amo.
14 O homem , que fe gloria , e não
cumpre as promeíTas , he como o ven-
to, e as nuvens , que não trazem chuva.
15* O Príncipe mitigar-tc-ha pela
paciência , e a lingua branda quebran-
tará a dureza.
16 (h) Achafte mel , come o que
te bafta , para que não fucceda , que
depois de farto o vomites.
17 Retira o teu pé da cafa do teu
próximo, para que não fucceda que elle
de cnfaftiado tc aborreça.
18 Aquelle, que diz hum falfo tef-
temunho contra o feu próximo, he hum
dar-
em que eftá cngaftada ; do mefmo modo a fabia
advertência címalta o oavido obediente , que ou-
ve cOTi cfFeito a reprehensáo , que fc lhe dá.
Menoquío.
Achajic mel , &^c. Como fe diíTera : Ufa
de mediania em todas as coufas , e principalmente
luqucllas, que delcitáo oí fcntidos. Mewoquio.
1^6 Provérbios.
dardo, c huma efpada, e huma frécha
penetrante.
19 Quem cfpera no desleal no dia
da anguftia , procura fazer força num
dente podre, e num pé canfado,
20 (/) e perde a capa num dia de frio.
(/) Aquelle , que canta canções a
hum coração peíllmo, he como o vina-
gre que fe lança no nitro. l
(m) Aífim como a polilha come o
veftido , e o caruncho a madeira : do
mefmo modo róc a trifteza o coração
do homem.
21 Se o teu inimigo tiver fome ,
da-
(/) E perde a capa , éNf. E fucccder-Ihc-h« o
mcfmo que acontece ao que perde a capa num dia
de frio. Pereira.
(/) Aquelle y que canta , ót. Aflim como o
nitro mifturado, e diíTolvido no vinagre fica muito
afpero , c infupportavel ao palndar ; aílim tam-
bém importuna o que fe põe a cantar intempcftí-
vamente cantigis a hum homem que tem o cora-
ção affliélo(que efte he ofentido doHcbreo, onde
a Vulgata diz , cordi pejjimo , como advertem Bof-
fuet e de Carriercs) em vez de o aliviar , muito mais
o atormenta e afflige. Pereira.
jijjimcomo a polilha ^ (ò^c. Falta cílc verfo
no Hebreo , e na Versão dc S. Jcronymo i mas
vem nos Setenta. Calm£t.
Capitulo XXV. 1 47
dá-lhe de comer: fc tiver lede, dá-llie
agua para beber :
22 (;/) porque affini amontoarás bra-
zas vivas fobre a faa cabeça , e o Se-
nhor te dará a paga.
23 O vento do aquilão diíEpa as
chuvas , e o rofto trifte a lingua mal-
dizente.
24 He melhor eftar aíTentado a hum
canto do eirado , do que habitar com hu-
ma mulher litigioía numa cafacommum.
25* Tão faborofa he a agua fria á
alma que tem fede , como he huma boa
nova que vem d' hum paiz remoto.
26 O jufto (í?) que cahe diante do
ímpio, he como huma fonte, que tur-
varão com o pé , e como huma veia
d' agua que corromperão.
Af-
(n) Porque aljim , ó^-c. Amontoarás brazas vi-
vas , como explica Menoquio , nio dc ira , ou de
vingança , mas de caridade c d' amor , que o in-
flamme para te amar em correfpondencia. Confira-
íc S.Paulo aos Romanos XI í. 20. Pereira.
(0) Que cahe diante do ímpio. O jufto , que ca-
he ou em peccado . ou em tribulação , ou em pu-
fiUanimidade de efpirito diante do ímpio, e á força
das Tuas perfuasóes e artifícios, náo fc atrevendo a
impugnallo , o que diz principalmente refpeito aos
148 Provérbios.
27 Aflim como nao he bom o mel
paraaquelle, que o come em dcmazia:
(p) aflim o que hc efquadrinhador da
mageftade , ferá opprimido da gloria.
28 Aífim como hehuma Cidade to-
da aberta , e que não eftá cercada de
muros, affim he o homem que quando
falia não pode conter o feu efpirito.
CA-
Pcftores d' Almas ( Ezequiel XXXIV. 18. 19.) fica
de todo o ponto affrontado , e coberto d' ignomi-
nia y porque o feu peccado ferve de tropeço ao ím-
pio: as calamidades que padece , lhe dáo occaíião
de negar a Providencia i e o feu apoucado animo
faz com que omefmo impio cada vez mais fe per-
verta , encontrando nelle baixa lifonja , quando de-
via achar valor e conft^ncia. Pereira.
Cp) ^JJim o que he efquadrinhador , ^r. Eílc
lugar coíluma-fe explicar daqucllcs , que , levados
de maior curiofidade e oufadia , pertendem cfqua-
drinhar os myfterios da noíTa Religião , e penetrar
os cfcondrijos dos caminhos do Senhor. A rcfulgen-
cia da mageftade do Senhor os deixará deslumbra-
dos : ficaráó opprimidos com o pezo da íua gloria ,
c abforptos no abyfmo dos feus arcanos. Deos re-
quer de nós huma humilde, inteira, e religiofa fu-
jeiçáo. Quando nós pelo teítcmunho da Igreja fa-
bemos que alguma coufa fe funda na divina reve-
lação , e na authoridadc da Fé , nenhum motivo
rcfta He duvidar ; c he força que logo lhe fujcitemos
o noíTo entendimento c o noíTo animo. Calmet.
Provérbios.
149
CAPITULO XXVI.
Do infenfato. Do que fe crê fabio. Do pre-
guiço fo. Do falfo amigo. Da má lingua.
Do que encobre o feu odio.
I A Sfim como a neve he impro-
jL\^ pria no eftio , e as chuvas no
tempo da feifa : aíllm a gloria (a) eftá
mal a hum infenfato.
2 Como hum paíTaro que voa dMiu-
ma parte para outra , e hum pardal que
corre para onde quer: aííim a maldição
proferida fem motivo (b) cahirá fobre o
que a profere.
3 O açoute he para ocavallo, (c) e
o freio para o afno , e a vara para as
cofias dos infenfatos.
Não
{a) Eftâ mal a hum infenfato. As honras , a
gloria , as dignidades , a authoridadc náo cíião
bem num infenfato , mat até fervem de detrimen-
to igualmente a ellc , e ao Eftado. Calmet.
(/7) Cahird fohre o que a profere. Ou também
noutro fentido : affvn a maldição proferida fem mo-
tivo contra alguém , pajfdrã por fwia delle em claro ,
iíto he, náo cahirá ncUe. Pereira.
(c) ^ E o freio para o afno. Quem fe oppôc a
que náo pgíTâ e afno fer governado por freio , cof-
Tjo Provérbios.
4 (d) Não refpondas ao louco fe-
gundo a fua loucura , por não vires a
fer leu íemelhante.
j Refponde ao louco fcgundo a fua
loucura , para que elle não fique enten-
dendo que he lábio.
6 Aquelle, que envia as fuas pala-
vras por intervenção d' hum menfagci-
ro infenfato , (é) fica manco dos pés ^ e
bebendo a iniquidade.
Bem
rumando, fcj^undo o ufo daquella idade, as mais
auchorizadas perfonagens a andarem montadas cm
aínos^ Veja-íe o Livro dosjuizes, V. lO.X. 4. XII.
14. atécjui í?áo palavras dc Calmct ; mas outros ver-
tem o camui por cabrefto. Pereira.
{d) Nâo refpondas ao louco , <ò^c. Aqui diz-fe ,
que fi não refponda ao louco : no vcrlb feguinie ,
íjfus fe refponda. E hum dito náo fc oppóc ao ou-
tro , atti'ndidas as divcrfas circumíhncias dc tem-
po , e de lu^ar que poJem occorrer : fcgundo as
<]uaes circunítancias humas vezes fera bom defprczar
ao louco , outras vezes rcconvencello. Bossuet.
(e) fica manco y <ò^c. Aquclle , que commeitc
a execução dos feus negócios a hum infenfato, c
lhe dá inrtrucçócs fazendo-o fen internuncio , náo
fó moltra fer coxo , porque melhor lhe fora ir pef-
foalmente , mas ainda tem dc ficar na peíToa do tal
medianeiro aífrontado pelos erros cm que elle c^-
hir, tudo em caftigo da fua imprudência, c tcmc-
lidadc. Pekiira.
Capitulo XXVI. 15-1
7 Bem como ao coxo não ferve de
nada ter as pernas bem feitas : aíTim
(/) nao diz bem a parábola na boca
dos inícnfatos.
8 Aílim como obra o que lança hu-
ma pedra (g) no montão de Mercúrio:
aíIIm também fe porta o que dá honra
ao infeníato.
A
(/) Não diz bem /t parábola , <ò^c, Ifto he ,
náo di-zem bem as fcntenças graves. Perkíra.
(^) A^o mamão de Mercúrio. A versão de S. Jc-
ronymo também diz aqui , como a Vulgata: Sicut
^ui viittít lapidem in acervam Mercurii. Mí'S no He-
breo náo ap|Xirece o nome de Mercúrio. E a pala-
vra Afargemah , que nelle vem aqui , os Seren a a
vcnhr'a.Q por fwida ^ dizendo: Aquelle ^ qmdà gloria
a hum infenfato , hefemelhante ao que ata hunia pedra
a buma funda. E Caímet duvida que já em tempo de
Salamáo eltiveíTcm cm ufo na Judéa eftcs niontóes
<lc pedras em honra de Mercúrio. Mas nem por
iíío le accommoda a que o Hebreo Margcmah fe
verta bem por funda : e quer que fó fignifique hum
montão de pedras , qual o que fe fazia fobrc hum
homem , que tiveíTe fido apedrejado , e que ficafíe
fcpultado debaixo das pedras do fcu mcfmo fup-,
plicio , como fucccdeo ;W\ccan , ]ofué \'IÍ. 26. c
ao Rei de Hai , VIII. 29. e muito depois a
Abfaláo 11. Rcg. XVITÍ. 17. O feniido he , que
aílim como nas encruzilhadas fc erigiáo cííatuaí
a Mercúrio dcos dos viandantes, e eltcs indo paf-
fando lançaváo pedras em fua honra num montão ^
1^2 Provérbios.
9 A parábola na boca dos infenfa-
tos, he como (h) fe nafceíTe hum efpi-
nheiro na mão d' hum homem embria-
gado.
10 A fentcnça do juiz decide as
caufas: e aquelle , que impõe filencioa
hum infenfato, apazigua as contendas.
11 O imprudente , que repete a fua
lou-
çuc fe formava junto delias , vindo as tacs pedras
a fervir para depois tirar a vida aos que cráo fen-
icnciados a morrerem apedrejados: do mefmo modo
quem, podendo, metteavara da Juftiça namáo do
infenfato , cntrcgando-lhe o governo e ajurifdicçàa
fobre os outros , he o mefmo que dar-lhe todas as
mais fortes armas , para dilacerar a Republica , c
armallo de funda , para com ella pôr cm confusão
e ruina os meímos, cuja confcrvaçáo e bem devia
promover, e felicitar. Pereira.
(/?) Se nafcejfc hum cfpítiheiro , é^c. Do mefmo
modo que o homem embriagado fe pegar em eípi-
nhos , fe ferirá nclles , aílim também o infenfato ,
íe quizer fallar coufas fubhmes , manifeftará mais
a fua demência , encravando-fe além difto com os
feus mcfmos ditos. De maneira que aílim como
feria monftruofidade nafcer em femclhanre parte
hum cípinheiro , do meímo modo o he achar-fe a
fentcnça ou diro agudo na boca do infenfato. Me-
noquio tem para fi que neíte lugar o verbo nafcer
póde-fe tomar também na íignificaçáo de Achar-fc,
Pereira.
Capitulo XXVI. i f j
loucura , he como o cão , que torna ou-
tra vez ao que tinha vomitado.
12 Tens viilo a hum homem , que
crê de li que he fabio? maior efperan-
ça terá do que elle (/) hum ignorante.
^3 (J) O preguiçofodiz : o leão eftá
no caminho, e a leoa nas paííagens :
14 bem como a porta rola fobre a
fua couceira , aíEm fe revolve o pregui-
çofo no leu leito.
15- (m) Opreguiçofo efconde a máo
debaixo do leu lobaco , e dá-lhe mui-
to trabalho , quando a tiver de levar á
boca.
16 Opreguiçofo parece-lhe que he
mais fabio (w; do que fete homens, que
não dizem coufa , que não feja acertada.
Af-
(/) Hum ignorante. Porque n?,o fc fiando de íi ,
c tomando conlelho com quem lho pôde dar, náo
cahirá cm tantos erros , ou abufos , como o pre-
fumido e arrogante. Pereira.
(/) O prcguicofo diz , V'cja-re o Capítu-
lo XXII. verío i ^. Pereira.
(m) O prcguicofo efccndc , ó-c. Veja-fc aíiima
O Capitulo XIX. verfo 24. Pereira.
(n) Do que fete homens , ^c. Até os Authores
profanos chamáo ror ironia a hum homem dcftc
iotc o oitavo dos labioí , Sapientum odavus (Ho-
154 Provérbios
17 AíTim como eftá em perigo a-
quelle , que toma a hum cão pelas ore-
lhas , do mefmo modo* o que paíTando
fe impacienta , e mette numa bulha ,
que he com outrem.
1 8 Aílim como he culpável o que ati-
ra frechadas, e lançadas (í?) para matar:
19 do mefmo modo o he aquelle ,
que ufando de fraude prejudica ao fcu
amigo: e depois de ter fido apanhado,
diz : Eu o fazia por brinco.
20 Qiiando não houver mais lenha,
apagar-fe-ha o fogo , e defterrado que
feja o mexeriqueiro , apaziguar-le-hão
as contendas.
21 AíFim como os carvões são para
as brazas , e a lenha para o fogo , do
mefmo modo he homem iracundo para
excitar difputas.
rácio na Sátira IH. do Livro II. vcrfo uX\ ) pro-
vérbio, àc que fc valêráo 0$ noíTos Eícritores , co-
mo Fr. Heitor Pinto na Imagem da Vida Chiiftá
a ppg. da Ediçáo de 4. c ao qual corrcfpondc
O Portu^uez: Sabe como fcte pelliteiros. Pereira.
(o) Para matar. Ou capazes de matar , finçin-
do-fe louco, íegundo diz oHehreo, ou com o pre-
texto de fe divertir , ícndo na realidade a fua inten*
çáo matar. Pereira.
Capitulo XXVI. 15-5*
n As palavras do mexeriqueiro pa-
recem lingelas, mas ellas penetrão até
o íntimo (p) das entranhas.
^3 (í) Os lábios inchados juntos a
hum coração peffimo, sao tanto monta
como fe quizeras adornar com prata bai-
xa hum valo de barro.
24 (r) Pelos Teus lábios fe dá a co-
nhecer o inimigo , quando no Coraçãci
tramar enganos.
Tom. XI. L Quan-
(p) Das entranhas. A' letra , do ventre. Confira-,
fc allima o Capitulo XVIII. 8. Pereira.
(^) Qí lábios inchados , Os antigos punháo
nos vafos de barro tapadouras e coberturas de prata.
Alludindo pois a cftc coítume , como pretende Cal-
xnet , compara aqui o Sabio a hum vafo dc barro
o coração pcííimo ; e á prata fcm eftar ainda limpa
da cfcoria os lábios ( que sáo como a cobertura do
cor.içáo) altivos e arrogantes. O Hebreo diz : A
prata dc efcorias , ijue cobre hum vafo de bãrro , he
como 05 lábios ardentes , e o coração máo. Os Seten-
ta lem : A mata dada com dolo , deve-fe reputar cO'
fno hum vafo de barro : os lábios brarídos , lifonjeU
K)3, occultno hum corai^ão trifie. Pereira,
• (r) Pelos [eus labiõs ^ ó^c. Pelo feu difcurfo,'
^elas fuás palavras: por quanto , ainda que ponha
todo o esforço cm occultar os Teus enganos , toda-
via fempre fc lhe defcobrem naa palavras , ou no
fcmblante , ou nos géí^05 alguns finaes dcmalda*
dc. Mt'>oqxjio.
1^6 Provérbios.
15- Quando elle te fallar num tom
humilde, não te fies nelle , (s) porque
tem fete malícias no feu coração.
26 Aquelle, que occulta o feu odio
debaixo d'huma apparencia fingida ^
fera defcoberta a fua malícia na AlTemr
blea pública.
27 (/) Aquellc, que abre a cova,
cahirá nella : e a pedra virá rolando ío-
bre aquelle que a boliu.
28 A lingua enganadora não ama a
verdade : e a boca lúbrica he caufa dc
ruinas.
CA-
(5) PcrqiK tem fete w alicias m feu coração ,
Sete abominações , diz o Hebrco. E toma-fc o
numero dc fete para íignificar muitas vezes. Co-
mo no Capitulo XXIV. vcrfo 1 6. O jujlo cahirá fete
ViT^S, Pereira.
(O Aquelle , que abre a cova , ^'f. Coníira-fc
O SalmQ VII. 16. PsRsiRA,
Provérbios. 15*7
CAPITULO xxvir.
Não fe gloriar na efperança do futuro.
Dos bons confclhos. Trabalhar por ad»
quirir a fabtdcria. Do fervo fiel. Os
lowvores são a prova do coração* Obri"
gaçÕes dos paftores*
I IVTÃo te glories pelo dia d*ama-
Jl.^ nhã , não fabendo que coufa
dará de fi o dia leguinte.
2 Seja outro o que te louve, enão
a tua boca : feja hum eftranho , e não
os teus próprios lábios.
3 A pedra he pezada, e a arca he
carregada: mas a ira do infenfato péza
mais 5 do que huma, e outra.
4 {a) A ira não tem mifericordia ,
nem o furor que rompe : mas quem po-
derá fupportar {b) o impeto d* hum
homem concitado }
L ii Me-
(a) A ira, òc. Náo tem mifericôrdia a ira,
tíem o furor que rompe e cegamente obra , em
<juanto o irado eftá na maior íbrça c arrojo da fua
cólera. Pereira.
{b) O ímpeto d' hum homem coíicitado ? O Hc-
bico mz: Áçmldadc huma (xçandejçmia , hum
lyS Provérbios.
5- Melhor he a correcção manifefta ,
do que o amor efcondido.
6 Melhores são as feridas feitas
pelo que ama , do que os ofculos frau-
dulentos do que quer mal.
7 A alma farta pizará o favo de
mel: e a alma faminta até o amargo to-
mará por doce.
8 (c) Affim como periga a ave que
fe paffa do feu ninho a outra parte , do
mefmo modo o homem que deixa o feu
lugar.
9 Com o perfume e variedade de
cheiros fe deleita o coração: e com os
bons confelhos do amigo fc banha a al-
ma em doçura.
Náo
furor , huma inumla^ão : mas qum parará diante da
inveja ? Os Setenta Jem : A indignação he cruel , e
a ira aguda ( de agudos fios ) : tuas o ciúme nada
fupporta. Fe R Er RA.
(c) A[[im como periga , ó^c. O fentido he que
fe expôs a muitos incommodos c perigos aquellc ,
que abandona o feu clbdo e a fua vocação , pois
nc femelhantc ás aves, que ao tempo que voáo do
ninho, evagucáo d' huma para outra parte, ou são
apíínhadas com vifco , ou por algum outro modo
fc f4zcm preza dos caçadores. ÍMeiío^^vio*
Capitulo XXVII. i^^
10 Não largues o teu amigo, nem
o amigo de teu pai : e nao entres na
cafa de teu irmão (d) no dia em que
eftiveres afflidlo.
(e) Melhor he o vizinho ao pé, do
que o irmão ao longe.
11 Trabalha, filho meu , por ad-
quirir a fabedoria, e alegra o meu co-
ração , a fim de poderes refponder ao
que te impropéra.
12 (/) Oaftuto vendo o mal, fc ef-
condeo : os fimplices paíTando adiante
fupportárão o damno.
13 {g) Tira o veílido áquelle, que
fi-
(íf) No dia em que eftiveres affliclo. A' letra :
No dia dl tua ajfliccio. Hc pois o fentido , que
muitas vezes acontece achar-fe maior agazalho ,
benevolência c foccorro num amigo íiel c verda-
deiro , do que num irmáo , que olha os outros
conf\ indifFerença ; e que por ilTo a amizade fincera
de taes peíToas deve confervar-fe , como hum bem
hereditário nas famílias. Pereira.
(e) Melhor he o vizinho ao pé , (^c. Eftc ver-
fo náo fc acha hoje no Hebrco , mas trazcm-no
os Setenta, c S. Jeronymo. Pereira,
(/ ) O a [luto. Confira-fc allima o Capitulo XXI í.
^, Pereira.
(j^) Tira o veflido , Confira- fe allima o
Capiciilo XX, 16, PEREikiA.
1 6o Provérbios.
ficou por fiador d' hum eftranho : e le*
va-lhe de cafa os penhores , que ellc
obrigou pelos outros.
14 Aquclle, que louva o feu vizi-
nho a grandes vozes levantando-fc dc
noite, fera femelhaatc (ô) ao que diz
mal delle.
. Os telhados que gotejao (/) em
tempo dlnverno, e a mulher litigiofa
eílão em igual parallclo:
16 (/) aquelle , que a pretende re-
ter, he como fe quizeíFe fazer parar o
vento, e elle trabalhará porque o azei-
te não efcorra da fua mão.
17 O ferro aguça-fe com o ferro,
c o
Q)) Ao que diz mil delle. Porque nâ verdade
o mefmo he louvar a outrem importuna e intem-
peftivamente , qu« dizer mal delle , aíFrontando-o.
Pereiaa.
(i) Em tempo d' Inverno. A' letra : em dU dc
frio» O Hebrco: em tempo dcchirva. Confira-fc af-
íima o Capitulo XÍX. i^. Pereira.
(/) Aquelle^ que d pretende reter ^ ò^c, O que
jtitcnta rcp'i;nir c conter a tal mulher dentro dos
limites da modrraçáo , he como fe quizeííe ler máo
na fufia do venro , ou apertar nella o azeite ícm,
^ue de todo chegue a efcorrcr. Pereira.
Capitulo XXVIL i6i
(m) e o homem aguça a face do fca
amigo.
18 Aquclle , que guarda a figuei-
ra , comerá do feu fruto : (//) e o que
he guarda do feu Senhor , fera glori-
ficado.
19 Aílim como na agua refplan-
dece o rofto dos que fe eílao vendo
nella , aífim os corações dos homens
são defcubertos aos prudentes.
20 O inferno, e a perdição nunca
fe enchem : aífim também os olhos dos
homens são infíciaveis.
21 Do modo que a prati he pro-
vada no vafo de derreter , e o ouro na
fornalha ; aífim o homem he provada
pela boca do que o louva.
O
Qn) E o honem aguia , Ou o fentido
He, qtjc os hoTiJns, que difcrcpáo huns dos ou-
tros, fc coftarnk) irritar, c incitar á ira; ou que
huns pelo exemplo c prcfcnça dos outros fe exci-
táo á perfeição c prática das virtudes. Pereira.
(n) E o que hc guarda , e^r. Aquelle , que
põe todo o cuidado em íervir a feu Senhor com
fumma fidelidade e diligencia , depois de fer au-
gmcntadolcom ooftos e cargos honoriticos , recebe-
fá o premio. Calmet.
102 Provekbios.
{6) o coração do iniquo bufca o
mal : e o coração reílo bufca a Icien-
cia.
22 Setupizares o imprudente num
gral , como fe pizao os grãos de ceva-
da ^ ferindo-os de fima a mão do mef-
mo gral , não íc lhe tirará a fua eítul-
ticií.
23 (/?) Conhece diligentemente de
vifta o teu gado , c coníidera os teus
rebanhos :
24 {q) porque nem fempre terás
poder fobrelles : mas fer-te-ha dada
huma coroa em geração e geração.
A-
(0) o coração do iniquo, <ò*c. Faltai eftc verfo
noHebreo, c crn S. jetonymo , mas vem nos Se-
tema. Pereira.
(p) Conhece diligentcmetite , (á^c. Efte preceito
económico dirii^ido ao Pa-i de famílias para ver com
íeus próprios olhos , e examinar peíToalmentc o
cdzia dos feas ^aJoi . adverte aqui tambcm por
huma alíe:^arí% ^os Príncipes , e Superiores Ecclc-
íiart cos aobri^içáo que tem de actender pelo bem
dos fcus fubl ::oç. Pereira.
(q) Por ]:ie nem fempre y fò^c. Náo governarás
fempre aos outros , náo feras fempre Príncipe , ou
nlo cx. rcitarás o Ma^iílrado , ferá neceíTario que dês
conta do icu goycrno. Oa í'c dá a eoxender que.
Capitulo XXVIL
1^ Abrírâo-fe os prados , g appa-
recêrão as verdes Hervas , (r) e reco-
Iheo-fe o feno dos montes.
26 Os cordeiros sâo para te vefti-
res : e os cabritos para o preço do
campo.
27 Bafte-te o leite das cabras pa-
ra o teu fuftento , e para o que a tua
cafa houver miíter j e para o fuftento
de tuas efcravas.
C A- 1
fc deve preferir a vida paftoril á vida Politica ; por-
que , além d' outras commodidades , de que logo
falia 5 tem a vida paftoril huma grande prerogati-
va , e hr , que, perdendo-fe facilmente as honras,
a que afpiráo os que vivem nas Cidades , e paí-
fando d huns para outros; as riquezas que fe ad-
quirem pela induftria c arte paftoril, tem perma-
nência, e pafsáo aos outros herdeiros. M ekoquio,
(r) E rccolheo-fe o feno dos montes. Para fuf-
tento do gado ; o que tudo sáo commod idades da
vida paftoril. Pereira.
Provei^bios.
CAPITULO XXVIII.
Confiança dojujlo. Simplicidade do pobre.
Do temor de Deos, Da ocio/ldade. Do
' (jue julga injuflamente. Do que fe en-
foberbece. Do reino dos mios.
I ímpio foge , (a) fem qac nin-
guem o perliga : o jijfto po-
rém como leão aflFouto, eftirá fem ter-
ror.
2 Por caufa dos peccados da terra
(b) sâo muitos os Principes delh : {c) c
por
(jC) Sem que ninguém o per fi^^. Porque o maior
perfeguidor c algoz do ímpio sáo os rcoiorfos da
fua própria confcicncia. C)ifiráo-fe os exemplos
d' Adio Gencf. III. 8: de Cain Ibid. IV. 14 : a?
ameaças de Dcos ao Povo d Ifrael, que feacháa
jio Levidco XXVI. ^6. e finalmente o eoniínuo
iobrc-falto e pavor do ímpio , cuja defcripçáo fc
no Livro de Job XV. 21. Peneira.
(b) Sâo muhos os Principes delld. Morrem dc-
prelTa , c facccdcm huns aos outros , donde cof-
lumáo naíccr difcordias e fcdiçôes na Republica.
Menoquio.
' (c) E por caufa da fabedoria do homem. Pot
raufa da fabedoria do Principe reinante , e dos Con»
íclheiros, que ícm a ícu lado. MEífoquio.
Capitulo XXVIII. líy
por caufa da fabedoria do homem j
{d) e pela fciencia das coufas que le
dizem , fera mais dilatada a vida do
Príncipe.
3 O homem pobre , (e) que ca-
lumnía aos outros pobres ^ he feme-
Ihante a huma chuva impetuofa , na qual
fe apparelha a fome.
4 AqueIIes,que deixão a Lei , lou-
vão o ímpio : os que aguardão, irritão-
fe contra elle.
5' Os homens máos não cuidão no
que he jufto : mas os que bufcão o Se-
nhor , advertem em tudo.
Me-
(d) E pela f ciência dds coufis que fe dizem. Por
canil da opportunidadc dos confclhos, que fe dáo
para o bom regime da Repablica , por meio dos
quaes fe póe treio aos peccados do Povo. Mhno-
(e) Que calumma aos outros pobres, évf. Ou o
fcntido hs , que o Povo , quando com guerras ci-
vis , ou defavcnças particulares fe enfurece contra
os feus conterrâneos e femelhanres , colluma dila-
cerar a Republica ; ou que todo aquelle , que , fen-
do d antes pobre , he promovido a algum cargo
ik graidc authoridade e dependência , levado as
mais das vezes do dcfejo infacisvel d enriquecer,
vem a perder o Eftado , e os pobres dcllc cQm as
/uas excorsò;:8. Pêreika.
i66 Provérbios.
6 Melhor he o pobre , que anda na
fiia fimplicidade , do que o rico, que
anda por caminhos perverfos.
7 Aquellc, que guarda a Lei, he
fiUio fabio : mas o que luftenta comi-
lões, (/) confunde a feu pai.
8 Aquelle , que amonroa riquezas
por meio d^ufuras , e intereíTes injuf-
tos , (g) ajunta-as para o que ha de íer
liberal com os pobres.
9 Daquelle, que defvia os fcus ou-
vidos para nao ourir a Lei , (/?) a mef-
ma oração ferá execravel.
10 Aquelle , que feduz os juftos,
le-
(/) Confunde a fcu pjií. Ou porque o faz en-
vergonhar e entriíteccr; ou porque moftra que Tc
deí cuidou em lhe fuggerir as máximas d' huma boa
educação. Pereira.
(V) AjuntX'íís ^ He por certo coufa mui
rara, que os bens mal adquiridos cheguem aos her-
deiros ou filhos do uíurario. Veja-fe aílima o Ca-
pitulo XIII. 22. o lugar do Ecclcfiaftes II. 26. c o
de Job XXVII. 16. i-. Calmet.
Q)) A mefmaor/icío ferá execravel. Como elle
não quer abrir , nem applicar os ouvidos á Lei de
Deos , aílim Deos , caftigando-o com a exaóliíli-
ma igualdade da fua Juftiça , náo no attenjc tani:
bem nas fuas orações. Pereíka.
Capitulo XXVIII. 1Ó7
(í) levando-os a hum máo caminho,
cahirá nofoíTo, que elle mefmo abrio:
c os fimpliccs polTuiráõ os feus bens.
1 1 O homem rico parecc-lhe que
he fabio : mas o pobre 5 que he pru-
dente, (/) fondallo-ha.
12 (m) Na exulração dos juftos ha
muita gloria : reinando os ímpios , acon-
tecem as ruinas dos homens.
13 Aquelle , que efconde as fuas
maldades 5 não ferá bem luccedido:
aquel-
(1) Levatido-os a hum vuio cmthho .é"C, A' le-
tra : no })uio caminho j ficará na fua morte derruba-
do ^ itto hc, achará na morte a íiia ultima ruína.
Por onde na traducçáo das palavras in intcritu fuo
çorrmt me encoftei ao Texto Hebrco. Pereira.
(/} Sondãllo-ha, Explorará íc aííim he. O Cal-
deo, defprczallo-hiU Os Setenta: ccnfúrallo-ha. O
pobre prudente , íe debater ou difpuiar com o ri-
co , examinará , calculará a fua fabedoria , e fará
ver que he pouca, ou nenhuma. Menoquio.
(jn) Na exultacão dos juftos , eb'f. Quando os
juUoa fobem ao auge da íua profperidade , rcfulta
dahi grande proveito c gloria á Republica ; mas fe
os ímpios tomáo as rédeas do governo , todas as
pcíToas , principalmente as de merecimento e dc
bem, fogem da fua lyrannia, vindo aflim a ficar
perdido e cxpoUo á ultima decadência o Eítado,
r68
Provérbios.
(«) aquelle porém que as confeíTar ^
e fe retirar delias , alcançará mileri-
còrdia.
14 Bemaventurado o homem, que
fempre eftá (0) com temor : mas o que
he de coração duro , cahirá no mal.
15 HumPrincípe ímpio fobre hum
Po-
(jí) Aquelle porém que as cotijejjar , ó-f. Af-
fim como aqueile , que , depois de ler juftamcntc
reprehendido , quer ainda cfcuíar a culpa , c aic
encobrir o mal que commettco , moftra que hc
incorrigível , c por confequcncia incíipaz de me-
lhoramento i do mcfmo modo o que reconhecer c
confeíTar os feus erros , e fe emendar delles , al-
cançará dos homens indulgência , e de Deos per-
dão e mifericorJia. Ora tanto do lugar doEccle-
fiaftico cm o Capitulo IV. vcrfo ^ i , como do pre-
fente dos Provérbios colhem commummenie os
Efcritores documentos importantilhmos ainda para
aconfifsáo facramcntal. Deftc dos Provérbios col-
ligem duas condições que ella deve ter effenciacs ,
huma he a manifcítaçáo humilde e fmcéra dos
peccados ; a outra o refoluto e firme propofíto dc
nunca mais os tornar a commettcr : daquelle do
Eceleíiaftico prováo a grande circumfpecção , que
deve haver na efcolha dos Directores c ConfelTo-
res. Plreira.
(o) Com temor. Com remor e defconfiança de
ofF( ndcr a Deos nalgum penfamento , palavra , oa
acçáo. Confira-íc oLivrodeJobIX. 28. Pereira*'
Capitulo XXVIII. 169
Povo pobre , he hum leão que ruge,
e hum urfo que tem fome.
16 Hum Príncipe falto de prudên-
cia opprimirá a muitos pelas fuas ca-
lúmnias : mas os dias do que aborre-
ce a avareza , ferão prolongados.
17 Se o homem, que porcalumnia
derrama o fangue de qualquer peflba,
fugir até fearremeçar no folio ^ nin-
guém o íoftem.
18 Aquelle, que anda em íimplici->
dade^ fera falvo : o que anda por ca-
minhos pervcrfos , {q) cahirá por ha-
ma vez. ; .
19 Aquelie , que lavra afua terra,
terá fartura de pao : mas o que ama a
ociofidade, eílará cheio de indigência.
20 O homem £el fera muito lou-
vado : mas. o que dá prefla a fe enri-
quecer 5 (r) não ferá innocente.
A-
(p) Ninguém o foflem. Ninguém fe compade*.
ccrá (klie , ninguém deterá , ou demorará o feu
iinpcto , ou a fua carreira. Menoqvio.
(^) Cahirâ porhuma vez, Cahirá íem efperan-
ça alguma dc Ic rornar a levantar , 01a cahirá em
fim nalguma occaíiáo. Calmkt.
(r) Naq ff rd ítinQçm^. A razáo he , porque^
tjo Provérbios.
, 2 1 Aquelle, que quando julga, guar-
da refpeito á pelToa , não faz bem í
hum tal homem até defampara a ver-
dade por hum bocado de pão.
21 O homem , que fe aprelFa por
enriquecer , e tem inveja aos outros ,
(s) não fabe que ha de vir íobrelle a
pobreza.
23 Aquellc , que reprehende a hum
homem, achará depois graça para com
elle , muito mais do que aquelloutro,
que o engana com as hfonjas da Tua
língua.
24 Aquelle , que tira alguma cou-
fa a feu pai , e a fua mãi , e diz que
ifto não he peccado , (/) tem parte no
crime dos homicidas.
A-
fegundo o Apòftolo na T. Epíft. a Timorh. VI. 9. os
que querem faier-fe ricos , cabem tia tentaç^Jto e n0
laco do diabo , e em muitos dejejos inúteis c penii'
ciofos , que precipitão os homens no abyfmo da mor*
t€ e da perdição. Pereira.
(í) iVio fabe que ha de vir fobrelle a pobreza.
Com a moítc que náo tarda , c que o delpoja dc
iodos os bens da vida. Pereira.
(t) Tem parte no crime dos homicidas. Por dous
naotivos , ou porque lhes tira 0$ meios da íua fob-
íiítcncu > ou porque , náo ic podendo fundar íc
Capitulo XXVIII. 171
2) Aqiiclle , que fe jnfta , e que
fe incha de fobcrba , excita conten-
das: mas o que efpcra no Senhor, fe-
rá curado.
26 Aquelle, que confia no feu co-
ração , he luim infenfato : mas o que
anda fabiamente , lerá com eíFeito
falvo.
27 Aquelle^ que dá ao pobre, não
terá necelEdade : aquellej, que o def-
preza , quando lhe pede j cahirá em
penúria.
28 («) Quando os ímpios forem ele-
vados , efconder-fe-hão os homens :
quando elles perecerem , multiplicar-
fc-hão os juftos.
Tom. XI. M CA-
não no direito da herança para pcrtender que não
ha peccado nos taes furtos , moftra Ter já de feui
pais homicida no defcjo. Pereira.
(«) Quando os ímpios^ ò^c. Confira- fc aííima
9 ycrfo iz do prcfcmc Capitulo* Píheira.
tjl Provérbios
CAPITULO XXIX.
Daquelle , que defpreza as correcções.
iJa ruina dos ma os. Da correcção
dos filhos. Das hfiruccÕes dos Profe-
tas, Do homem Joberbo. Do temor dos
homens,
i Ç Obre aquelle homem, quedef-
i3 preza com huma cerviz dura a
quem o reprehende , virá de repente a
fua total ruina : (a) e não terá mais re-
médio.
2 Na multiplicação dos juftos fe
alegrará o vulgo : quando os ímpios
tomarem o governo , gemerá o povo.
3 O homem que ama a fabedo-
ria , alegra a fcu pai : o que porem
fuftcnta proftitutas , perderá os feus
bens.
4 O Rei jufto faz florecer o feu
Eftado : o homem avarento deítruil-
]o-ha.
5 O homem j que ^ quando falia ao
feu
(^) E ti4P tcrâ mâls r media. A' letra : t nSo
no Jeguirá a faudc, Psrejj^a.
Capitulo XXIX. 175
feu amigo, ufa de huma linguagem li-
fonjeira , e fingida , arma huma rede
aos fcus paíTos.
6 Ao homem peccador iniquo Q?) in-
volverá o laço: e o jufto(d:) louvará, e
fc regozijará.
7 O jufto toma conhecimento da
caufa dos pobres : {d) o ímpio ignora a
fcicncia.
8 Os homens peftilentes deftroem a
Cidade : os fabios porém apartão {e) o
furor.
9 Se o homem fabio difputar com
o infenfaro , ou elle fe agaíle , ou fc
ria, (f) não achará defcanço.
10 Os homens fanguinarios aborre-
M li cem
(J?) InvoJverã o laço. Cahirá no mcfmo laço
que tiver íwmàóo a ouirem. Pereira.
(f) Louvará. Dará graças a Deos como vinga-
dor das maldades, c fc alegrará por ficar livre dc
perigo. Wenoquio.
(^d) O Ímpio ignora â fcicncia. Não trata de
tomar conhecimento das caufas dos pobres , ou dc
as promover. MEKoquig.
(e) O furor. A ira dc Dcos , ou do Príncipe;
Wenoquio.
(/) Não acharã defcanço. Porque fc o fabío
k çi4i| íc cxaipcr» oinícnUto; fc Ccnáo.
174 Provérbios.
cem (g) o fim pies : mas os juftos pro-
curao confervar-lhe a vida.
1 1 (Z?) O infenfato produz logo tu-
do o que tem no íeu efpirito: o fabio
não fe aprelTa , mas referva-fe para o
depois.
12 O Principe , que ouve de boa-
inente as palavras da mentira, (/) íó
os ímpios tem por Aíinifíros.
13 (/) O pobre , e o credor fe en-
con-
agaftar; mas fc*acaro fe rir, o infenfato dá-fcpor
dcíprczado, e por iííò mais indignadamente fe ir-
fita. Menoqvio.
(g) O fímples. O jiifto , o reílo , o fincéro ,
por ferem já fe fabe de coíiumes mui diílemc-
Ihantes. Mekoquio.
{h) O infenfato produz , &c. Diz logo tudo
quanto fabe, tudo quanto concebe no feu clpiriro;
porém o fabio obia com moderação , náo falia te-
merariamente , nem cítcnia a Tua fcicncia. Aiéqui
Menoquio : mas os Seícnta lem : Toda a fiia ira
def afoga o rnfinfato : porém o falno a dijlribue por
partes , indo fopeando os Icus impulfos, e repri-
mindo todo o defejo dc vingança. Pereira.
(/) Sd os ímpios tem por Mtnijíros. Mais á le-
tra : tem A feu lado todos os Miniftros Ímpios ^ ou
todos os Mir.ijtros que tem são ímpios. Pereira.
Q) O pobre , e o credor , <ò'C, Confira-fe alíima
O Capitulo XXI L 2. P£R£ÍKA..
Capitulo XXIX. 175'
contrárão : o Senhor he o que allumía
huiii , e outro.
14 (^anJo o Rei julga os povos
conforme a verdade, o feu Throno fc-
rá firmado para fempre.
15' A vara , e a correcção dão fa-
bedoria : o menino porém que he dei-
xado á fua vontade ferve de confusão
a fua mãi.
1 6 Com a multiplicação dos ímpios
fe multiplicarão as maldades: (ni) e os
juftos verão a fua ruina.
17 Cria bem a teu filho , e con-
folar-te-ha, e fervira de delicias á tua
alma.
18 Quando faltar (n) a profecia,
dillipar-fe-ha o povo : aquellc porém
que guarda a Lei , he bemaventurado.
(vi) E 05 jufios 5 ó'C. Os juftos por mercê dc
Deos confervados , e fobrevivendo aos ímpios , vc-
r^o fer executada contra cUes a divina vingança.
Mehoquio.
(n) A profecia. Tem eftc lugar deus fcntidos:
hum he , que quando vieíTem a faltar Profetas na
Mepublica dos ]udcos , não tendo eífes com quem
íe aconfelhaíTem nos negócios de maior tomo c
importância , ficaria perdido o Povo i por náo ter
^usai lhe dccUralTs a vpntadc dg Senljor : © o\i%
176 Provérbios.
19 O efcravo (0) nâo pódc fer cn-
finado por palavras: porque elle enten-
de o que tu dizes, e defpreza refpon-
der.
ao Viíle hum homem precipitado
no fallar? mais fe devem delle efperar
loucuras, do que emenda.
21 AqucUe, que cria delicadamen-
te o feu criado defda infância, ao de-
pois expcrimentallo-ha contumaz.
22 O homem iracundo excita rci-
xas : e o que facihnente fe indigna ,
fera mais propcnfo a peccar.
23 Ao foberbo fegue a humilia-
ção: e ao humilde d'efpirito receberá
a gloria.
14 Aquelle , que fe aíTocia com o
la-
tio , que he moral , tomando-fc nclle o termo
profecíit pela decUr^ao , ou explica^í» da palavra
de Deos , moílra c cnfina que fe corrompe e per-
verte o Povo , quan Jo náo tem Miniftros c Sa-
cerdotes que lhe preguem e intimem os preceitos
da Lei , e os ínftruáo nas obrigações indifpcnfa-
ve/s da verdadeira Religião. Pereira.
(0) Nho pode fer enfmado por palavras , é^e.
Was íim cum caftigo ; o que íc entende quando
cV todo hc dcfobcdientc , c i^áo acode quando o
chamáo. Pereika,
Capitulo XXIX. 177
ladrão , aborrece a fua própria alma:
(p) ouve ao que o toina para juramen-
to, e nada denuncia.
25- Aquelle , {q) que teme ao ho-
mem, depreíTa cahirá: o que efpera no
Senhor, (r) fera levantado.
26 (j) Sao muitos os que bufcâo a
face do Principe: mas do Senhor fahe
o juizo de cada hum.
27 Os jaílos abomináo o homem
ímpio : c os ímpios abominaD a-
quellcs, que fe achâo no caminho di-
reito.
O
(p) Ouve ao que o toma para Juramento , é'e,
A Lei condcmnava ao que , ícndo cfconjurado
pelo nome de Deos , náo dcfcobriííe o que fabia.
Lcvir. V. I. Pereira.
{q) Que teme ao homem , <6-f. Ifto he , mais
do que a Dcos. Menoquio.
(r) Será levantado. Dos males, cm que tal-,
vez haja cabido. MaNoquio.
(í) São muitos^ <ò'C, Bjfcáo muitos o favor,
c a protecção dos Príncipes , devendo antes rollici-
tar a amizade de Dcos, que fendo o Supremo Ar-
bitro do Univerfo, c o Juiz inflexivcl c inexorá-
vel de todos os h«mens , inclina o coração dos So-
beranos para 03 fcus dcfpichos aonde muito lhe
apraz fegunjo as difpofiçõcs da fua Providencia.
P£RE1RA.
I7& Proverbio-5.
(t) o filho, que guarda a palavra,
ferá ifento da perdição.
(f) O filho j que guarda a pilavra , ^'C. Fal-
ta no Heòreo, e em S. Jcronynio , mas acha-fc
nos detenta. He pois o fcntido , que todo o ho-
ir.cm , que obferva os documentos atequi propof-
los c inculcidos ncítí Sagrado Livro , tem de fi-
car livre da perdição , c ruina do corpo , c prin-
cipalmente da morte d" alma. Eíla he a inrelligen-
cia mais fimplc-s c natural das preícntes palavras ^
íegundo Mcnoquio. Pereira.
CAPITULO XXX.
Jlfãbedoria he hum do7n de Deos, Damms
que nafcem das riquezas , e da pobreza.
Progénies execráveis. Filhas da fajjgue^
chuga, Coufas injaciaveis. Coufas defcO'
nhecidas. Co ufas infupportaveis. Coujas
muito fabias. Coujas que andão bem,
I {p) T) Alavras do que congrega ,
1 Élho do que arrevcía la-
bedoria.
Vi-
((C) Palavras do que cofigre^a ^é^c. O Hebrco
tem ai^ui : Palavras d' Âgur filho dc lah^ch. O Au-
thor da Vulgata em lugar deites nomes próprios
poz as fuas interpretações. A dúvida he : Quem
são cftes que o Hebrco chama >4^mí', e hk^h. A
Capitulo XXX. 1 79
(h) Visão , que expoz hum varão ,
com quem eftá Deos ^ e que tendo fi-
do confortado pela aíTiftencia de Deos
que refide nelle , diífe :
2 (c) Eu lou o mais infenfato dos
homens , (d) c a fabedoria dos homens
nao eíti comigo.
3 Eu não aprendi {é) a fabedoria,
e
maior pirte dos moiernos Expofitoffs tomão ef-
tes no nes por no.-nes próprios de dous homens,
diverfos dc Salamáo , e de David. Muitos Pa-
dres pelo contrario , e com cUcs alguns Gom-
niencadores, quereji qu^Salamao fe defií^ne aqui
p°lo nome do quz congrega ; da mefma forte que
no principio d) L'vro dj Ecclefíaítes toma cUe o
nome d' Ccclefíajtss , qac qu^r dizer o DireClor
da y^ffemblet : e que debaixo do nome do qut
arrevefa fabcdorii , fe defigne David , que cheio
do Êfpirito de Deos efpalhou da fja boca hum
grande nuncro de Santos Cíntico^c. Pereira.
(b) Fisão que expoz hu n vírao , ó^c. O He*
breo profe.^ue aqui : Profecia , cjue ejie homem
dirigio a ItbicI ^ e a U:il. Pereira.
(c) Eu fou,&'C. Sollicitado talvez por feus difcipu-
los para que FallatTe , refponde o Author com efta mo-
deftia, própria das pefToas do feu caraéier. Pereira.
(d) E d fabedoria dos homens , ó^c. A fabedo-
ria adquirida pelo eítudo , qual fc acha nalguns
homens doutos. Menoquio,
(e) Â fabedoria. O conhecimento das coufas
tiaturacs c humanas, Mino^íui».
i8o Provérbios.
e não conheci (f) a ícieiícia dos San-
tos.
4 Quem fubio ao Ceo, (g) e def-
eco delle.^ quem reteve (A) o vento
nas fuas mãos? (/) quem atou as aguas,
como num veftido ? (/)qucm firmou
to-
(/) A [ciência dos Santos, A fcicncia das cou-
fas íantas c divinas. Ou a icicncia , que houve nos
Santos Profetas , c ha nos Santos Anjos. Meno-
QUIO.
(^) E defceo delle ? Niílo moftra o Authot
que fó Dcos foi qucrn lhe infpirou as vcrdadcf
que vai a proferir e publicar. Pereira.
(/j) O vento. Quem he aqucllc , que tem co-
mo na fua mio os ventos c as tempcftadcs , para
as fazer levantar , c acalmar do modo que lhe
apraz? Saci.
(í) Quem atou as aguts ^ é^c, Ci,je homem
pôde tanto , que rufpcnda as aguas nas nuvens,
que tendo-at como involtas num veftido embara-
ce que náo corráo, Tenío no tempo, e do modo
que ellc mefmo quizer ? Ou antes : Que homem
pòJe encerrar as aguas dentro no alvej do mar,
c reprimillas aííim com demarcados limites , co-
mo fe as contivcííc numa dobra do feu veftido?
Calmet.
(/) Qjem firmo 9,0* c. A' letra: Qjem levantou
todos os termos da terra ? Ifto he , quem firmou a
terra febre o feu mefmo pezo , c com perfeito
cquilibrio Ihc dco por bafe o feu próprio centro?
Pekeira.
Capitulo XXX. i8i
toJa aexteasâo da terra ? qual he ofeu
n )me? (;«) e qual he o nome de feu
filho, fe he que o fabes ?
5 Toda a palavra de Deos he («) pu-
ri-
(m) E qual hc o nome de feu filho ? Efta per-
gunta fobrc o nomr do Pai , c do Filho denota ,
que a eterna geração do Verbo da fubftancia do
Pai he imperceptível , c incompreheníivel a todo
o entendimento crcado. Ora oGaldeo, o Syria-
co , e os tres Interpretes Áquila , Symmaco , c
Theoiociáo , todos uniformemente lem como traz
a Vulgata no fíngular ; quod nomen fiUi cjus ?
e qual he o nome de feu filho ? Só os Setenta
Icm no plural : ^ quod nomen filiis ejus ? c que
nome tem os feus filhos? A caufa delta mudan-
ça náo fe fabc ao certo. BolTact difcorrc , que o
porem os Setenta o plural pelo íingular , feria
porque fendo o nafcimento do Verbo hum myftc-
rio táo alto , c táo pojco conhecido ainda entre
o vulgo dos Hebreo5 , teneráo elles que efta
daufula oíFenJeíTe os Gentios. Porque do mefmo
modo difcorrèra S. Jeronymo , que fora efta a cau-
fa , porque os mcfmos Setenta , lendo no Hebreo
de Ifaiás, IX. 6. , que o nome do Menino, que
havia de nafccr dr\ Virgem, feria chamar-fe o Ad^
miravel , o Confelheiro , o Deos , o Forte , aterra-
dos com a ma^elhdc de táo grandes Títulos,
fubftituíráo cm leu lugar outros menos pompofos.
Pereira.
(m) Purifica.U ao fogo. Ido he, m-iito depu-
rada, e limpa de rodo o vicÍQ dc falfidíidc , c de
corrupção. Me-no<íuio,
iSz Provérbios.
rifícada ao fogo : elle he hum efcudo
para os que cfperão nelle :
6 {o) nao accrefcentcs nada ás fuas
palavras , para nao feres por iíTo repre-
hendido, e achado mentirofo.
7 Duas coufas são as que te pedi :
não mas negues, antes que morra.
8 Alonga de mim a vaidade , e as
palavras de mentira :
Não me dês nem a pobreza , nem
as riquezas : dá-mc fomente o que me
for neceíTario para viver :
9 para que nao fucceda que eftan-
do farto , feja eu tentado a te renun-
ciar, e a dizer : Quem he o Senhor?
ou que conftrangido da indigência me
ponha a fartar, e viole por hum jura-
mento o nome de meu Deos.
10 (/?) Não accufes o fervo diante
de
(o) NÃO acmfcentes , ó^c. Eftas palavras de-
vem continuar-fe com o vcrficulo antecedente nef-
tc fentido : A palavra dc Deos , he hum metal p«-
rifícado ao fogo : olha , náo lhe accrefcentes na-
da , para que o náo adulteres com alguma efcoria.
Veja-fe o Dsutcronomio IV. 2.XII. ?2. Calmet.
(p) Não accufes o fervo , ò^c, Ifto fe ha dc
cmeadcr , quando fc accofa O fervo fem caufa
Capitulo XXX. 183
de feu Senhor , para que não fuçceda
ama!diçoar-te elle , {q) c cahires tu.
1 1 (r) Ha huma progénie que amal-
diçoa a feu pai , c que r:ão abençoa a
fua mái.
12 Ha huma progénie que crê de
11 que he pura , e com tudo elia não eftá
limpa das fuas manchas.
13 Ha huma progénie , {/) cujos
olhos são altivos , c as fuas pálpebras
levantadas para lima.
14 Ha huma progénie, (í). que em
lugar de dentes tem efpadas , c mafti-
mui urgente , ou dc defeitos leves , c muitas ve-
zes de crimes forjados c inventados pela calum-
nia, porque todo o que aíKm obra , moítra náo
ter caridade com as pcíToas de femclhante condi-
ção. Pereira.
(//) E cahires tu. Punindo Deos a tua cruelda-
de. Menoquio.
(r) Ha hmn/t progénie , <é?-c. Como fc diíTera :
Devem-fe deieftar as relés d' homens , que já vou
a expor. Menoquio.
(í) Cujos olkos são altivos. Que he o geílo
dos foberbos. Menoquio.
(/) Que em lugar de dentes tem efpadas. En-
tendem os homens cruéis e avarentos , que dcfpe-
daçáo 03 pobres como com dentes de fera, cujos
^cntC3 sào como efpadas. íJsxsQvie.
184 PllOVERBIOS.
ga com os feus queixaes para devorar
os que não tem nada na terra ^ c que
são pobres entre os homens.
15' {li) Duas são as filhas da fangui-
chuga, que dizem: Traze, traze.
Ha rres coulas , que são iniacia-
veis, c huma quarta que nunca diz : Bafta.
16 (a:) o Inferno , (jy) e a boca
da madre 5 e a terra que íe não farta
d' agua : do raefmo modo o fogo nun-
ca diz : Bafta.
17 Quanto ao olho do que efcar-
ncce de feu pai ^ e defpreza (isr) a pa-
ridura de fua mãi , arranquem-no os
corvos , que andão á borda das torren-
tes, e comão-no os filhos da águia.
Trcs
(u> Duas são , ó-f. Pelo nome de fanguichu-
j^a íc entende a depravada cubiça, qne rcm duai
filhas , a avareza , e a ambiçáo. Elias nunca di-
zem : Bafia , nem jamais fc faciáo i c tal he a
inrcrpreraçso do cni£;ma. Calmet.
(x) O Itijernoy <ò^c. O Inferno pode também
aqui fignificar o fepulcro , ou a morte. PEREtHA.
()') E a boca da madre. Pode entender-fe da
meretriz , ou da mulher libidinofa ; mas o Hebreo
parece defignar antes a mulher efteril. Calmet.
(z) A paridura de fua mtiK O Hebreo diz;
4í okdiençia qut dm a fua mH, PiRpt^A.
Capitulo XXX. 185'
18 Tres coufas me são difficulto-
fas d' entender , e huma quarta he pa-
ra mim inteiramente incógnita:
19 {aa) O caminho da águia no ar^
o caminho da cobra ibbre a terra , o
caminho da náo no meio do mar, e o
caminho do homem na fua mocidade.
20 {f?b) Tal he também o caminho
da
(jiÀ) O caminho dá águia no ar , «^c. Eis-nqui
as quatro coufas que náo chegou a comprchcnd;;r
o mcfmo Salamáo. O caminho d' águia no ar,
qpe cila rompe vifivclmcntc , c cllc invifivclmen-
te ff torna a unir c fechar : o caminho da cobra ,
ou fcrpcntc fobrc a pedra , que nát> deixa raílo:
o caminho da náo no meio do mar , cuja cAcira
confundem logo , c apagáo as ondas: o caminho
do homem na mocidade , cuja incrível inconftan-
cia o náo deixa fazer firmeza cm coufa alguma.
O Hebreo neíle lugar diz : O caminho do homem
na donzella , donde ▼ieráo muitos Interpretes mo-
dernos a entender cftas palavras como huma pro-
fecia da Incarnação do Verbo nas puriflimas en-
tranhas da Virgem Maria Senhora noffa , fundados
cm que o termo Hebreo Halmah , que figniíica a
Firgcm , ou DonzelU , o qual fe lè aqui , he o
mcimo que fe encontra no Texto d' Ifaias VII. 14.
Ecce Firgo concipiet. Sem embargo diílo , parece
<jue he mais naiural o fcntido á letra. Pereira.
(^bh) TaI he, fò-c, líto he , femelhantcmcncc
náo chego a alcançar, JkliNoqvig,
i8ó' Provérbios.
da mulher adultera, a qual (cc) come,
e alimpando a fua boca , diz : Eu,
não fiz mal nenhum.
2 1 A terra eítremece com tres cou-
fas , e a quarta nao na pode eila íup-,
portar :
22 Com hum efcravo, quando elle
reinar : com hum infenfato 5 quando
eftiver farto de comer:
23 com huma mulher odiofa , quan-
do hum homem a receber : e com hu-
ma efcrava , quando efta vier a ficar
herdeira de fua fcnhors.
24 Qiiatro coufas ha na terra , que
são muito pequenas , e que são mais
fabias do que os mefmos fabios.
2^ As formigas , aquelle fraco po-
vo 5 que faz o feu provimento durante
a méíTc :
26 os coelhos , aquella débil tropa ,
que faz a fua habitação nos rochedos:
27 os gafanhotos , que não tem
.Reij eque todavia fahem todos orde-
nados em feus efquadrões :
a
(cc) Come. Com honcftidadc e deccnciâ çx?
primio huma acçáo torpe. Mknoíjvio,
Capitulo XXX. 1S7
a8 (rW) a fanmanriga, que fe foftem
ms Tuas mãos , e que móia nos Pala-
cios dos Reis.
29 Ha três coufas , que andâo
bem 5 chuma quarta, que anda magni-
ficamente :
30 O leão, o mais forte dos ani-
maes , de nada que encontre terá me-
do:
31 o gallo , {ee) que anda mui fe-
nhor de fi : e o carneiro : {ff) e hum
Rei , a quem nada reíifte.
Tom. XI. N Tal
(dà") A f iranuntig,^, Commammentc Jiellio
fc traduz por cfga , [aramantiga , como no Levi-
tico Xl. ^o. Muitos interpretes julgáráo que a p;i-
lavra que feacha no Hcbreo dcíignava a faugut/u-'
gA (ou ran^uicliUí^a ) ou o hogio , uu a aranha y
masc|uçneftc higitr feia cfta ukima, opinião hc,
cm que concordáo a maior parte dos Eícxitores.
Pereira.
(tff) Que anda mui fetihor de fi. Ou, que and*
com palTo arrogante , ou que íempre anda prom*
pto para as contendas com os feus icmcihântes.
Pereira.
(ff) EhtnnRei, é^c, A Vulgata diz á letra:
nem ha Rei , que lhe refijia , versão , que nem
fazia bom fcn tido , nem delia rcfuliaváo as quatro
coufas propoítas , porque então viriáo a fcr trcs.
Foi pois ncccíUiig Icgmc o Hcbcco^, como já cn-
i?8 Provérbios.
32 Tal homem ha , que pareceo
hum infeníato, (gg) depois que foi ele-
vado a huma lublime ordem : porque
fe elle tivelFc tido inrelligencia , teria
pofto a mão na fua boca.
33 Aquelle , que com força efprc-
me a teta para tirar leite , faz lahir
delia {hh) hum fucco crallo : e aquel-
le, que fe aíFoa muito forte, tira fati-
gue: e aquelle 5 que excita a ira, pro-
duz difcordias.
CA-
trc outros fez Saci. Já fc vè que o Icáo dcnor»
c enfina a fortaleza , o gallo a vigilância, o car-
neiro o cuidado da famiiia ou do rebanho 9 c o
Rei a magnanimidade. Perfíra.
te) i^^pois que foi elevado , ^c, Confira-fc
âílima o Capitulo III. vcrfo ^5. Pereira.
(kh) Hum fucco craffo. A' letra : manteiga. Se-
melhante a todas eíhs couías he o homem , que
á pura força das Tuas más palavras , e fenirazoes
vai exercitando a outro na paciência , até que O
faz romper nalgum cxccííg. Pereira.
Provérbios
CAPITULO XXXI.
Injlrucçõts , que Salamâo recebeo de fua
inãL Elie exhorta os homens a não Je
fazerem pródigos com as mulheres \ e
os Reis a evitarem a bebedtjje. Mas eU
le recommenda o ufo do vinho aos que ef-
tão trifles, Elogin da mulher forte ^ te-
cido de uerfos acrojticos alfabéticos.
I W T) Alavras do Rei Lamuel.
JL (/;) Visão , pela qual o in-
ftiuio fua mãi.
2 Que re direi eu , meu amado
filho , que te direi eu , amado fruto
das minhas entranhas , que te direi eu,
querido objeóío dos meus deícjos ?
N ii Nao
(4) Palavras do Rei LavmeL A opinião mais
conftanie , c mais bem recebida entre os Expoíi-
torcs, hc tjuc Lamuel hc omcfmo Salamáo, cha-
mado acjui Lmuel , cjue em Hcbrco quer dizec
JDeos com e//e , por caufa da paz, c prolperidadc,
que no fcu tempo gozáráo os Judcos : c que a mái
ue o inftruio , he Bcríabc : cm reconhecimento
o que , lhe taz o meímo Salamáo o magnifico
elogio da mulher forre. Pereiwa.
Q) Fisão, Douifina recebida por huma revcf
IÇO Provérbios
3 Nao dês os teus bens a mulhe-
res , nem empregues as tuas riquezas
(c) em delkuir Pvcis.
4 Níío dês, óLamuel, nao dês vi-
nho aos Reis : porque não ha fegrcdo,
onde reina a bebediíTe :
5' c para que nao fucccda , que el-
]es bebão , e fe elqueçâo da juftiça ,
e tranftornem a equidade na caula dos
filhos do pobre.
6 iMas dá aos que eftao affliftos
(d) hum licor capaz de os embiiiigar,
c vinho aos que efcSo em amargura de
coração :
* pa-
(f) JEm dejiruir Reis, Para mover diTcordia» 9
c arear guerras injufta? , forjando rebelliócs con'
rra o teu Soberano. Mas o Hcbrco pôde tam-
bém ter ette ícntido : Náo te entregues aos delei-
tes , porque eftragáo as forças do corpo , c abbrc-
viáo os dias da vida , nem ponhas a tua afFeiçáo
nas mulheres , porque iíto coíluma fer perniciofo
aos Reis. Nas quaes palavras , que sáo como hum
vaticínio , adverte Calmet ferem prognofticados os
males , que cftaváo immincntes a Salamáo. P»-
JlEtKA.
(d) Hum licor. A' letra cerveja , que fc toma
por tudo o que pó^c ennbriag;ir. Ninguém julgue
|}ois que Salamão pcrmiuc a^ui o cxccílívo uío.
Capitulo XXXI. 19 r
7 para que elles bebão , e fe ef-
queção da fua pobreza , e percao para
íempre a memoria da íua dor.
8 Abre a tua boca a favor do mu-
do, e para defenderes as caufas de to-
dos os filhos que pafsao :
9 abre. a tua boca , ordena o que
he jafto, e faze jufiiça ao pobre, e ao
neceílitado.
A L E P H.
10 Quem achará huma mulher for-
te ? (e) feu preço excede a tudo o que
vem de remontadas diftancias y e dos
mais remotos confins da terra.
Beth.
11 O coração de feu marido poe
a fua confiança nella , e elle não ne-
ceílitará de defpojos.
Ghi-
do vinho , mas fim o parco c moderado , fó quan-
to baftcpara dcíabafar o animo, e alegrar o anguf-
liado e entriítecido coração. Pereira.
(e) Seu pnp^ ó^c. Porque fc íuppóe que tu-
do <juanto fc traz dc paizrs remotos he de gran-
de valor e eftima. No Hebrco d' aqai até o fim
sáo acrofticos os verficulos : motivo porque me rc-
folvi também a apontar aqui as letras daqucllc
Alfâbcco. Fkivki&a»
1^2 PrOVEKBIOS,
G H I M E L.
12 Ella lhe tornará o bem , e não
o mal em todos os dias da fua vida.
D A L E T H.
13 Bufcou lã, e linho, e o traba-
lhou com a induftria de fuas mãos.
H E.
14 Fez-fe como a na'o do negoci-
ante, que traz de longe o feu pão.
O U A U.
ij E fe levantou de noite , (/) e
repartio a preza aos feus domefticos,
(g) Q o fuftento as fuas efcravas.
Z A I N.
16 Conliderou hum campo, e com-
prou-o : plantou huma vinha do fruto
das fuas mãos.
H E T H.
17 Cingio os feus rins de fortale-
za, e corroborou o feu braço.
Te-
(/) E rrpanio a prezi , f^^c. Por preza en-
tendem todos aqui a raçáo proporcionada a cada
hum. Pereira.
Of) £ O fujknto. A* leira: e of mantimentos^
para os creadoj , c para o ^ado. Os Setenia di-
zem: a tarefa para aquellc dia» Peueikai,
Capitulo XXXL 193
T E T H.
18 (h) Tomou-lhe o gofto , c vío
que a fua negociação he boa : (/) a fua
candeia não íe apagará de noite.
I o D.
19 Ella metteo a fua mão a cou-
fas fortes , e os feus dedos pegarão no
fufo.
C H A P H.
20 Abrio a fua mão para o necef-
fitâdo 5 e eftendco os feus braços para
o pobre.
L A ívl E D.
21 Não temerá que venhão fobre
a fua familia (/) os rigores da neve :
porque todos os feus domefticos tra-
zem veftidos forrados,
M E M.
22 Ella fez para fi móveis de ta-.
pe-
(h) Tomihlhe o j^ojio, Ella mcfma aprcndc3
por experiência. Minoquio.
(í) J fui andeia não fe apagará de noite. Tf-
to hc , velará huma grande parte da noite appli-
cada com c^eada* ao trabalho. Pckura.
(O rigores da neve. A' letra : os frios (n\i
frialdade s ) da neve , iíto hc , as injurias do Invcw
194 Provérbios.
peçaría : ella fe veftio d' hollanda , c
de purpura.
N o U N.
23 Seu marido fera illuflre (w) na
AíTemblea dos juizes , quando cftiver
aíTentado com os Senadores da terra.
S A M E G H.
24 Ella fez delicados lenços , e
vendeo-os , («) c entregou hum cinto
ao Cananeo.
A I N.
25' A fortaleza , c a fermofura hc
o de que elia fe reveíle, e ella rirá no
ultimo dia.
P H E.
16 Ella abrio a fua boca (p) i fa-
be-
(m) N/l ÂJJemhl eidos iuizes. A' letra : n^J por-
f45, ifto he, da Cidade. Para qualificar a nobre-
za do mariJo da mulher forte diz squi o Sabio,
que terá alTento nas portas com os Confelheiros c
Juizes da terra. Hc allusáo a crtarem naqacUc tem-
po os Tribunacs e os Miniftros ás portas da Cida-
de. Pereira.
(n) £ entregou hum cinto ao Candneo. Para o
vender por conta delia na fua Província. Pereira.
(o) Afabedoria, O Hcbreo ó\z com fabedoria y
porque todas as palavw , que profçrç §áQ com
Capitulo XXXI. ip)
bcdoria, c a Lei da clemência eftá na
ftia lingua.
T S A D E.
27 Confiderou as varedas da fua
cafa, e nao comco o pão ociofa.
K o u P H.
28 Levantarão-fe leus filhos, e ac-
clamárão-na ditoíiifima : levantou-fe feu
marido , e louvou-a.
R E s s.
29 Muitas filhas ajuntarão rique-
zas : tu excedcftc a todas.
S s I N.
30 A graça he enganadora , c a
fermofura he vã : a mulher, que teme
ao Senhor, eíTa he a que ferá louvada.
T H A u.
3 1 Dai-lhc do fruto das fuas mãos :
e as fuas obras a louvem (/?) naAíTem-
blca dos juizes.
grande refguardo , circumfpccçáo , c prudência.
Pereira.
(p) Na AJfemblea dos juizes. A' letra : nas per*
tas, E tal he o caradter da mulher cafada , que
pinta aqui Salamáo : huma mulher , que , ajun-
tando , como fe deve fuppor , a honeftidadc com
9 ícu diítinóto naícimcnto , fc oílcnta fcmprc ze-
1^6 Provérbios.
lofa da gloria de Deos , a quem teme , e do au*
gmenro da fua caía , e familia , que governa : por-
t^ndo-fc vigilante nas fuas obrigações, circumfpc-
61a c prudente na educação dos filhos , e no man-
do fobre os ícus domefticos , cheia de manli-
dáo para com o próximo , de caridade para com
os pobres, fujeita em tudo a fcu marido, recolhi^
da quaíi de contínuo cm fua cafa , fazendo tim-
bre das virtudes do próprio fcxo , ella merece o
elogio que lhe dá o Sabio : Que cotiftderou as va*
redas da fua cafa^ e nao comco o pío ociofa. Pa-
KEIKA.
Fim do Livro dos Provérbios.
PRE
PREFAÇÃO
SOBRE O LIVRO
D O
ECCLESI ASTES.
A Tradição confiante de Hebreos ,
eChriítáos fcmpre attribuio ef-
te livro a Salamão. E ella fe
confirma ineluàlavelmentc do Titulo,
que forma o feu principio : Palavras
do Eccleftaftes , filho de David , Rei de Je-
rufalem : principalmente conferindo-fe
eftas palavras do verfo i. com as fe-
guintes do verfo 16. Eis-me aqui feito
hum homem grande , e que a todos os que
\ antes de mim houve em Jerufalem^ excedi
j em fabedoria.
I O mefmo fe convence do que le-
mos no Capitulo XII. verfo 9. O Eccle^
fiafles como era muito fahio , enfinou o Po-
^ vo ^ e contou o que tinha feito : e invefii^
I gando compoz muitas Parábolas,
Com ifto fica refutado o fentimento
\ de Grocio , que deo efte Livro por Obra
í feita depois do cativeiro de Babylonia.
Os
198 PREPAqXo.
Os Hebreos ( Cegando nota S. Jc-
ronymo) accrefcentão , que pelo que
Salamao efcreveo noíím do ultimo Ca-
pitulo, he que efte leu Livro fe julgou
digno de íe mecter no Catalogo das
Divinas Efcrituras. Porque depois de
ter dado por vans as creaturas de Dcos ,
c reputado por nada tudo o que íe paf-
fa debaixo do Sol : depois de ter pre-
terido a tudo o mais o gozo das deli-
cias, concluio o feu Livro, dizendo:
Que ijio era o tudo do homem , temer a
Deos y e obfervar os feus Mandamentos,
Masporniais que os modernos Epi-
curcos le queirão valer da autlioridadc
deftc Livro, para porem o ultimo fim,
ou bemaventurança do homem na vida
rec^alada , e nos deleites fenfuaes : Elie
fc deve ter por tão infpirado , c canóni-
co afiim na parte , como no todo. O pon-
to eftá em faber , e querer diftinguir
nefte divino Livro o que Salamao nel-
]c cfcreve em nome , e em pelloa dos
Libertinos , do que efcreve de íua pró-
pria fentença : diftinguir quando cUe
folia abfoiutamentc , ou quando falia
com-
Pb EF Aq A o. 199
comparativamente : diítinguir a objec-
ção da foluçao.
He certo que ifto he difficultofo.
Mas para o LibcrtiriO , ou Matcrialiíia
não abufar da authoridade deíle Livro,
bafta rcfleflir que Salamão, depois de
defenganar a todos com o fcu exemplo ,
c experiência, que por mais que o ho-
mem fe engolfe , e deleite na poíFc dos
bens do m.undo , nunca o feu elpirito
ha de deixar de fcntir inquietação , e
anciedade : a todos cxhorta a que fe
lembrem da morte , e do juizo : sífir-
mando que depois da morte ha de o
homem dar conta a Deos de tudo o
que fez 5 bom , ou máo : e ifto fem dú-
vida , para, fegundo os merecimentos
das obras , fcr premiado , ou punido.
Ora hum Efcritor, que aíTim con-
cluc a fua Obra, tanto nao favorece o
ímpio fyftema dos noíTos Epicureos , que
antes o deítroe pelos alicerícs. Porque
fuppondo, ou fingindo fuppór os Epi-
cuicos , que a alma do homem acaba
com o corpo ; e que aíEm o que refta
ao homem he desfrutar, em quanto vi-
ve,
2C0 PREFAqXo.
ve, os prazeres , e palFatempos deftc
mundo : Salarnao ao contrario , tendo
primeiramente ponderado a vaidade def-
íes prazeres , c pafíatempos, adverte
por uhimo , que o tudo do hofheni he
temer a Deos , e ohfcrvar osfeus Manda-
mentos, E ifto j porque tudo o que o ho-
mem tiver feito em fua vida , o ha dc Deos
chamar a juizo, Qut prova mais clara
da immoi talidade danoíTa alma, eque
depois defta vida morral nos relia ain-
da outra , que ha dc durar para fcmpre?
Por líTo he muiro para notar , que
fempre que Salarnao exaggera a vaida-
de de todas as coiifas do mundo, ac-
crefccnta elle as palavras , debaixo do So/,
como modificativas , ou rellriíiivas do
que diz. Porque o feu intento heretra-
hir o homem de pôr o feu ultimo fim
no gozo dascoufas terrenas, c clcval-
lo ao conhecinicnto , e reflexão , de que
para outro fim mais nobre, e mais fu-
perior o creou Deos ; e que eíle fim
ultimo do homem nao he outro, lenão
o mefmo Creador.
lOI
ECCLESIASTES,
EM HEBREO COHELETH.
CAPITULO I.
T udo o que ha de telhas abaixo hc va:^
dade, Isada ha naio df baixo do Sol. O
tr.efmo ejiudo , e conhecimento das (ciên-
cias he -úão , etraz comfigo trabalho ^
€ anciedade,
I (rt) Alavras do Ecclcdaílcs , fí-
Jr^^lho de David, Rei de Je-
ruíalcm.
Vai-
{£) Palavras do Ecckfiajles. Ifto hc , do Pré-
?;ador: nome, que Salamáo Te appTopriou por cau-
a dos Dilcurfos , ou Sermões que íazia na AíTem-
blea do Povo. Porque Ecclefiajies forma fc de £cc}e-
ftd , que quer dizer AíTemblea , Congregação , A-
juntamente. No Hebreo Ccheleih he nome femini-
no , que literalmente quer dizer : j4 que falia em
público , e deve fupprir-fc a Divina Sabedoria. Pc-
rém es Setenta , e depois dclles os Latinos , dcf-
prczido o género , lhe fizciáo correfpondcr o ter-
202 ECCLESIASTES.
2 {b) Vaidade de vaidades , dilTe
o Eccleliaftes : vaidade de vaidades, e
tudo vaidade.
3 Que tira mais o homem de todo
o feu trabalho , com que le afl^diga
debaixo do Sol?
4 {c) Huma geração paíTa , c ou-
tra geração lhe luccede : {d) mas a ter-
ra permanece lempre firme.
O
mo Grego Ecclep.ijles, qup vem, como já dific,
a fiojnifícar o Orader y ou Pregador. Pereira.
FAÍdade de vaidAdes. Todos oi Interpre-
tes Grc,^o3 , á excepção dos Serenta , cm lugar
de vaidade de vaidades , verter áo vapor de vapores.
MáS o nome de vaidade , de que fc ferviráo os
Setenta , he ainda mais exprcííivo j porque íigni-
fica hiima coufa vuc he ainda menos , do que o
v-ipor; a faber, o nada dos nadas, ou hum me-
ro nad-í. Pereira.
(c) Hunut (reraçao pijfa , cí^f. Primeiro exem-
plo , ou prova da vaidade das couías do mundo,
a inconíhncia das gerações , que fucceiíivamcnrc
váo correndo , c fuccedendo humas ás outrzs. Se-
gundo exemplo', o Sol em hum continuado gyro.
Terceiro exemplo , o vento ora aíToprando d hu-
ma parte , ora doutra. Quarto exemplo , os rios
entrando no mar , e tornando a fahir delle. No que
tudo falia Salamáo , fegundo as opiniões vulgares
entre os homens. Pereira.
(d) Mas a tçrra pennaneçç fmpre famc, Quç
Capitulo I. 203
5* (e) O Sol nafce , e fe poe , e tor-
na ao lugar, donde partio: e renafccn-
do ahi,
6 faz o fcu gyro pelo Meio dia , e
depois le dobra para o Norte : (/) o
vento corre , viíltando tudo em roda ,
e volta fobre íi meímo em longos cir-
cuitos.
Tom.XI. O To-
coufa ha mais vá no meio defía vaidade , que
permanecer aterra, que to\ feita porcauía do ho-
mem , c tornar-fe de repente em pó o meímo ho*
mem íenhor da terra? S. Jeronymo.
(e) O Soi nafce , e fe põe , <ò^c, Notc-fe que
nclte verío inJica Salamâo os dous movimentos ,
que no Sol reconhecem os Aftronomos. Hum di-
urno, e quotidiAno de Nafccnte a Poenre, quan-
do diz; OSolnafce, efepÕe. Outro annual d' hum
Trópico a outro pelos diíiercntcs fignos do Zodia-
co, quando diz : Faz o feit gyro pele Meio dia^
e depois fe dobra para o Norte. Calmet.
(/) O vento. A Opinião mais bem recebida he
que a palavra Jpiricus le toma aqui pelo vento ;
ainda que até S. Jcronymo a applica ao Sol , que
he como a alma do Mundo , que com o feu calor
c aClividadc o vivifica , c que retrocede o feu gy-
ro , tornando em certo mo Jo fobre fcus paíTos na
revolução que faz entre Oá Trópicos. Mas a ref-
pcito da inltabilidadc da vida do homem , e das
coufas do Mundo confira-fe Saní-Iago na Epiílola
204 ECCLESIASTES.
7 Todos os rios cntrao no mar,
(g) c o mar nem por iíTo trasborda : os
rios tornão ao mefmo lugar donde la-
hcm 5 para tornarem a correr.
8 Todas as couías são difEcels: o
homem nao nas pode explicar com pa-
lavras. O olho não le farta de ver ^ nem
o ouvido fe enche d'cícutar.
9 Que he o que foi ? he o mefmo
que o que ha de fer. Que he o que fe fez ?
he o mefmo que o que fe iia de fazer.
10 Nao ha nada que fcja novo de-
baixo do Sol, e ninguém pode dizer:
Eis-aqui eftá huma coufa nova : por-
que cila já a houve nos feculos , que
pafsárao antes de nós.
11 (/;) Não ha memoria do que já
foi : mas nem ainda haverá recordação
das coufas , que tem de fucccder de-
pois
Cj^) E G már mm por i[fo trashrãa. E ellc tras-
bordaria 5 fe os rios , c]nc cntráo neile , não tor-
naíTcm pelos occulios nieaios da rcrra ás fontes
das íuas origens. Bossvkt.
ih) NÃO ha memoria do que jã foi. Ou mais á
letra , das primeiras coiif.ís. Porque a nirfma anti-
guidade coítuma abolir os nomes e as acções do«
homens. Meko^uio.
Capitulo L 205'
pois de nós , entre aquelles , que liao
de exiilir em tempo a ellas muito pof-
terior.
iz Eu o Ecclcíiaftes fui Rei d'If-
racl em Jerufalem ,
13 e propuz no meu coração in-
quirir e invcíiigar labiamenre codas as
couias 5 que le fazem debaixo do Sol.
Efta (/) peílima occupaçao deo Deos
aos filhos dos homens , para que fe oc-
cupaíTem cella.
14 Eu vi tudo o que fe pafla de-
baixo do Sol, e eis-que achei que tudo
era vaidade, e afflicção d'erpirito.
15- Os perveríos difficultolamente
fe corrigem , e o numero dos infenfa-
tos he infinito.
16 Eu fallei no meu coração, di-
zendo : Eis-me aqui feito hum homem
grande, e que a todos os que antes de
mim houve em Jerufalem , excedi em
O ii fa-
(i) Peíjimi occupaçao. Aqui pejjíms hc o mef-
mo ^ue trabalhjfx , moleJLt ; vindo a fer huma
como pena c caítigo da curioíidade humana o tra-
balho 5 a canícira , c a fadiga , que coma cada
hum para averiguar as couías, de que deíeja ficai
kicacc. Pereira.
206 EcCLESIASTES.
fcbddoria : e o meu efpirito contem-
plou iTiuitas coufas com grande atten-
ção, e eu aprendi muito.
17 E appliquei o meu coração a
faber a prudência, c a doutrina , e os
erros 5 e acftulticia: e vim a conhecer
que ainda nifto havia trabalho , e af-
flicção do efpirito ;
18 por quanto na muita fabedoria
(í) ha muita indignação : e o que ac-
crefcenta a fciencia , (ni) também ac-
crefcentà o trabalho.
CA-
(/) Ha muita indignação. Efta indignação pro-
cede, dc que sáo muitas as coulas, que fogem ao
líoíTo conhecimento , e cíTas as maiores ; e porque
o homem cftudiofo fente muito , que a fabedoria
eíteja táo efcondida , de forte que a náo pôde al-
cançar, fem hum faílidioío , c ímprobo trabalho.
S. JSRONYMO.
(m) Também accrejcenta o trabalho. Ou porque
quanto hum mais alcançou de conhecimentos,
tanto mais fcrá o de que fc lhe pcçáo contas :
ou porque , quanto os conhecimentos sáo maio-
tes , tanto mais fe levaniáo dúvidas , que no$ fa- ,
tigáo, c affii^cin. BossuET.
Egglesiastes.
207
CAPITULO 11.
Vaidade dos deleites ^ das riquezas^ dos
edifícios , e de enthejourar para hum
herdeiro defconhecidij,
r ¥7^ U diíTe no meu coração: Irei,
-Li e engoltar-me-hei em delicias ,
c gozarei de toda a cafta de bens. Mas
vi que também ifto era vaidade.
2 {a) Reputei o rifo por hum er-
ro: e diíTe ao gofto: {b) Porque te en-
ganas tu aííim vãmente ?
3 (c) Penfei dentro no meu cora-
ção
(a) Reputei o rifo por hu n erro. O divertimen-
to hc o dcos doM.mdo. Nío fe pôde calcar me-
lhor aos pés cite iaolo , do qae perfuadindo-fe ca-
da hum qae o rifo , e o prazer hc hum grande
erro , c que tudo o que parece dar alegria no fe-
culo , nío hc mais que huma illusáo > e huma
mentira. Saci.
(h) Porque te enginas tú ãfíim vãmente ? A
meu refpeito , querendo-me accrahir c lifonjear
com as tuas oíFercai, que cu con ieço ferem vans ,
I apparentes , e mentirofas» Falia o fabio por huma
' profopopeia. Pereira.
1 (c) Penfei, Tendo conhecido \i cíle engano;
' Pe&bika*
io8 Ecclesiastes.
ção apartar (d) do vinho (e) a minha
carne, a fim de paíTar o meu animo á
fabedoria, e evitar a eítulticia , até ver
que coufa foíTe util aos filhos dos ho-
mens: em que occupaçáo tem elles ne-
ceflidade de Ic empregar debaixo do
Sol (/) desfrutando o numero dos dias
de fija vida. it-
Ira-
(J) Do vinho. Pelo nome de vinho e de em-
briaguez enrcndc todo o género de dcleice , e prin-
cipalmente o do gofto , e os prazeres do taèto ,
que feguem a efte. Mekoquio,
(e) A minha carne, A mim mefmo , os meus
fcntiJos. Menoquio.
(/) Desfrutando y ^c. Ifto he , em quanto
vivem fobre a terra. O Hebreo diz : Refolvi-me
dentro no meu corarão a attrahir ao vinho a, minha
carne (a entregar-mc ao regalo dos banqucces , c ao
cxquííi o das iguarias) dirigindo o meu cfpirito com
Jabedoría ( mas com regra , e moderação ) e reten-
do a loucura ( coníor.nando-me tod<wia no appara-
to exterior com 03 caprichos do mundo , c com
o exceíTo dos prazeres em que principalmente vi-
vem as pcíTo.13 d'a!ra jerarquia) até ver onde ( fc
achava) ^fle bem dos filhos d' Adxo ^ em que fe occu-
pavão debaixo do Ceo no numero dos dias de fua vidd
( ludo para ver fe a felicidade a que aípiráo os ho-
mens , eftava poftri , onde elles a fazem confiftir,
c coiiumáo bufcar). E eíia explicação tirada do
Hebreo he , fegundo Cilmet , a que faZ melhor
íentido neílc lugar. Pereira,
Capítulo II. 205^
4 Tracei as minhas obras com to-
da a magiiificencia 5 edifiquei para mim
cafas , e plantei vinhas ;
5 fiz jardins e pomares , e puz nel-
Ics arvores de toda a efpecie ;
6 e conilrui cm minha utilidade
(g) depofitos d' aguas para regar o bof-
que (h) de novo arvoredo :
7 poffui fcrvos e fervas , e tive
(/) muita famiha; também gados maio-
res , e grandes rebanhos d' ovelhas ,
mais do que todos os que houve antes
de mim em Jerulalem :
8 amontoei para meu ufo prata , e
ouro , (/) e as riquezas dos Reis e das
Províncias : para melifonjearem os ou-
vi-
(g) IXyofttos d'aguas. Ifto he , lagos , prezas ,
leccptacalos d' aguas. Pereira,
(/?') De novo arvoredo. A' letra: das arvores cjue
brotzvãf). Pereira.
(í) Miklut fjmilia. O Hcbrco : Comprei efcra-
voí , € efcravas , e tive filhos decaja, Diftingue os
cfcravos compradiços dos crioulos. Calmet.
(/) E ds riquezas dos Reis , e das Províncias.
Vem Salamáo aqui a iníinu.ir as páreas , que lhe»
pagaváo os Reis feus tributírios, o rendimento das
Pfovincias , os direitos do Gommercio , a herança
Uqs immenfos thcfouros de íeu pai Dàvid, c tod*
aio ECCLESI ASTES.
vidos efcolhi Muíicos e Cantarinas ^ e
tudo ornais que faz as delicias dos fi-
lhos dos homens, (;;;) raças, e jarros,
de que fe compõe huma copa para o
Jferviço do vinho :
9 e venci em riquezas a todos os
que forão antes de mim em Jerufalcm :
perfeverou também comigo («) a fabe-
doria.
10 E nao neguei aos meus olhos
cou-
a fomma d' ouro, com outras preciofidades mais,'
de que lhe chegaváo carregadas as frotas d' Ofir.
PERHIUA.
(m) Tai^ is , O termo Kebrco hc d' incer-
ta e varia íigniti-açáo. Os Setenta vertem: copei-
ros^ e copeiraf. Outro?: cativa , e cativas. Alguns:
wíOÇ/í, e mocas. Ostros: Jufi.ciencia , e fufficiencias y
ifto he, tuJo o que fe pódc peJIr de boca, e ter
em abundância. Ouiros : fymfouit , e fymfotnas ,
m fica fimples , e concertos demuíica. Porem Cai-
iret o entende dos cawpos cultivados , e incultos^
á letra : campo , c cat}ip05 , vilto íer a Agricultura
hum dos principies cuidados dos Reis daquelle
tempo , e náo haver quem repugne a cfta fignifi-
cnçÁo da r:'feri Ja palavra. Peru k a.
(^/) Â jahedoria. Falia Salamáo aqui da fabe-
doria , que Lz fim o homem douto , porém náo
jufto , c que fubfiíle n' alma depois do peccado,
como pcrmancceo nos Anjos rebeldes dcpoi$ da
íua cabida. Saci,
Capitulo II, 21 r
coufa alguaia de todas quantas elles
deleiáráo : nem prohibi ao meu cora-
çi5o que gozaíTe de todo o prazer, e fe
dcleitaíTe nas coulas, que eu lhe tinha
preparado : e affenrei que feria efta a
minha (o) forte ^ fe eu desfrut4íre o
meu trabalho.
11 E tendo voltado os olhos a to-
das as obras , que haviao feito as mi-
nhas mãos , e aos trabalhos , em que
cu debalde tinha luado ; vi em tudo
vaidade c afflicção de animo , c que
nada havia permanente debaixo do
Sol.
12 Paílei á contemplação da fabe-
doria , e dos erros , c da cltulticia ( que
he o homem , diíTe eu , (/?) para poder
feguir ao Rei feu Creador?)
e
(0) Sorte. A' tetra : parte y que nas Efcrituras
fc toma trcmicntemente pelo bem mais amado,
em cuja conto midadc fe diz no Salmo XV\ 5: O
Senhor he a pirte da minha herança. Menoquio.
(p) Pãvíi poder feguir ^'0^. lUo he , <jue vem
a íer to ia a icib.doria do homLTr. , para alcançar
a de Deos , Crçador , e Supremo Arbitro do Uni-
vcrfo ^ Qj , legundo o Heb^-^o , cjuc homem ha ,
que poíTà fazer ioda* cilas experiências çomíí
212 EcGLESIASTES.
1 3 e reconheci que a fabedoria le-
vava tanta vantagem áeftulticia^ quan-
to a luz diíFerc das trévas.
14 Os olhos do fabio eftao {q) na
fua cabeça : o infenlato anda em tré-
vas: e aprendi (r) que era huma mel-
ma a morte d' hum , e d' outro.
15- E diíFe dentro no meu coração:
Se huma ha de fer a morte do infenla-
to e a minha, de que me Terve ter-me
eu apphcado com maior defvelo á la-
bedoria ? E tendo converfado fobre ifto
com a minha alma , adverti que tam-
bém ifto era vaidade.
1 6 Porque a memoria do fabio , da
mcfmo modo que a do infenfato, nao
fera para fcmpre, e os tempos futuros
tudo fepultaráo igualmente no efque-
cimento: tanto morre o douto , como o
indouto.
E
as tenho feito, eu , que fou Rei, c Rei tão po^
deroío ? Pereira.
(jO Na fua cabeça. Tem olhos, c vè. Meno-
(r) Que era huma mcfma, ó^c. Que tanto ef-
tiva fujcito á morte o fabio , como o ignorante.
Capitulo II. 213
17 E por iíTo a minha vida fe me
tornou faftidiofa , vendo que toda a
forte de males ha debaixo do Sol , e
que tudo he vaidade e afflicçao d' ef-
pi ri to.
18 Em confequencia do que , de-
teílei toda a minha induftria, com que
trabalhei diligentiíEmamente debaixo
do Sol , para haver de ter depois de
mim hum herdeiro ,
19 (s) que ignoro fe ha de fer fa-
bio , ou infenfaco , mas elle ferá fe-
nhor dos meus trabalhos , em que eu
fuei , e me aíFadiguei : e ha coufa que
feja tão va ?
20 Por onde abri mao de todas ef-
tas coufas , e o meu coração renunciou
tudo o que era d'alli por diante aíFadi-
gar-fe debaixo do Sol. p^^
(O Qwe ignoro fe ha de fer fabio , é^c, O que
Salamáo temia , iíTo \hr veio a fucceder , tendo
por herdeiro , e fucceíTor a Robcão feu filho , que
propagou na fua Naçáo a cítulticia , íegundo o
que diz o Ecclefiaíbco XLVII. 26, Et finem ha-
huh Salomon cum p ttrihus fuis , ^ dereítquit poji
fe de femine fuo gentis Jiultitiam , ó^imminutum i
prudemia Roboam ^ qui avenit gemm çonfilio fuo.
214 EcCLESt ASTES,
2 1 Porque depois d' hum ter tra-
balhado com fabedoria, e doutrina , e
diligencia , vem a deixar tudo o que
adquirio a hum homem ociofo : e ifto
he também vaidade , c hum grande mal.
2 2 Por quanto que proveito tirará
o homem d^ todo o feu trabalho , e da
afflicção d' efpirito , com que he ator-
mentado debaixo do Sol ?
23 Todos os feus dias são cheios
de dores, e d' amarguras, nem fequcr
de noite defcança com o penfamento:
e acafo não he ifto vaidade? •
24 (/) Não he melhor comer , e
beber , (ii) e fazer bem á fua alma do
fruto de feus trabalhos? {x). mas ifto
vem da mâo de Deos. ^ _
(í) Nío he melhor comer , e behtr , ò^c, En-;
tende-fc do que privar-fc do uío dos bens , para
es deixar a hum herdeiro infcnfato. Periira.
(0) E fazer bem , ó'C. A' letra : e dar a conhe-
cer d fuá alma os bens de feus próprios trabalhos ?
utilizando-fc com a devida moderação dos tacs bent
que tiver com o feu mediano trabalho adcjuirido ,
c rendendo a Deos, como Author de to\os cUes,
immenlas graças por eftes dons da fua liberalidade.
00 Mas ijio vetn da mao dc Deos. Como fc
Capitulo II. 215'
Quem fe fartará , e gozará de
toda a lorte de delicias , tanto como
eu ?
26 Dcos ao homem (y) bom na
fua prcfcnça dco fabedoria , e íciencia ,
e alegria : mas ao peccador deo aííiic-
ção, e cuidado íuperfluo, para que clle
ajunte mais e mais, e adquira bens Ib-
bre bens, e os deixe a hum homem,
que agradou a Deos : mas ainda ifto hc
vaidade , e hum tormento do cípirito
bem inútil.
CA-
didera : Ifto de ter hum o herdeiro que quer. Ou
também : Quando Dcos tiver concedido ao ho-
mem cabedaes para viver ifenio das injurias ca po-
breza , deverá cfte desfrurallos com acções de gra-
ças ao fcu Bemfeitor Soberano. Ou : Sc Deos he
quem dá ao homem todos os bens da vida , por-
que ha de julgar eftc fcr contra o beneplácito da-
uelle Supremo Arbitro gozar elle com a fua boa
iftribuiçáo c ufo , dos mencionados bens, e con-
verter cm proveito próprio os benefícios da Mu-
nificência do meímo Soberano Ente , não fazen-
do confiftir nos bens caducos ou prazeres munda-
nos a fua felicidade? Pereira.
(>) Bom yia fua prefeni^4. Ao homem que lhe
2l6
ECCLESIASTES.
CAPITULO III.
Todas as coujas tem feu tempo. O ejludo
das coujas naturaes he vão. Os homens ,
e os brutos morrem igualmente.
I Odas as coufas tem feu tem-
JL po , e todas paísao debaixo
do Ceo, fegundo o termo que a cada
huma foi prefcripto.
2 Ha tempo de nafcer , e tempo
de morrer. Ha tempo de plantar , e
temjpo d' arrancar o que fe plantou.
3 Ha tempo {a) de matar, e tem-
po de f,arar. Ha tempo de deftruir, e
tempo d' edificar.
4 Ha tempo de chorar , e tempo
(h) de rir. Ha tempo (r) de Ic affligir,
e tempo de faltar de gofto.
De matar. Como he na guerra jufta , ou
ainda no tempo da paz, quando os criminofos sáo
caítigados com o ultimo íupplicio. Menoqvio.
(/?) De rir, O tempo de chorar he o da vida
prefente , ao qual fe fcgue a duração da eterna ,
cm que os Bcmavcniurados fe regozijarão para
Tempre com o immenlo pezo da gloria que oa
cerca. pEREiBA.
CO ^ffgiry ó'C» A' letra dc fe carpir i
Capitulo IIÍ. 217
5 Ha iQmpo(d) d'efpalhar pedras,
c tempo de as ajuntar. Ha tempo f^) dc
dar abraços, e tempo de fe pôr longe
dclles.
6 Ha tempo d' adquirir , e tempo
de perder. Ha tempo de guardar , e
tempo (/) de lançar fora.
7 Ha tempo de rafgar, e tem-
po de cozer. Ha tempo de calar , e
tempo de fallar.
Ha
f de bailar. O choro , de que aílima fe faz men-
ção, íignifica as lagrimas , que derramamos em
particular; mas o verbo píangeridi denota aqu hum
pranto mais folemne , qual le fazia nos funeraes.
IlI.Reg.XIV. 1^: Jcrem. XVI.4 : Zachar. XII.
10. 12, Menoquio,
(d) D' efpalh.ir , ó c. Quando fc quer demolir
hum edifício. Pôde ler também ailusáo aos fundi-
bularios daquelle tempo cm acção de peleja, c a
todos os mais que por meio de máquina? lançaváo
pedras, ouaocoílume dos vencedores que enchiáo
de pedras os campos do inimigo para ficarem in-
cultos. Pereira.
(e) De dar abraços, Dc fe cíÇít , ou de con-
trahir, e conciliar amizades. Menoquio.
(f ) De lançar fora. Como quando fe alija 20
mar a carga no meio da cempeftade. Menoquio.
(g) De rafgar. Os veftidos , como faziáo os
Hcbreos cm final dc trilicza , cu quando ouviáo
2l8 EcCLESIASTES.
8 Ha tempo (h) d' amor, e tempa
d*odlo. Ha tempo de guerra, e tem-
po de paz.
9 (/) Que tem mais o homem de
todo o feu trabalho?
10 Eu vi a afíiicção que Dcos deo
aos filhos dos homens, para que fe en-
chao delia.
11 Tudo o que elle fez, he bom
(/) em feu tempo, e entregou o Mun-
do ás fuas difputas, fem que o homem
poífa conhecer as obras, que Deos fez
defdo principio até o fim.
12 E eu reconheci , (ni) que nâo
ha-
alguma blasfémia contra Dcos , ou lhes noticia-
váo ter acontecido alguma defgraça. Pereira.
(/?) D' amor , ^c, Dc exercitar as obras dc
fnifcricordia , c as c]uc requer a juíliça , punindo
aos malfeitores com deteliaçáo dos ícus crimes»
Pereira.
(O Que tem mais o homem , <ò^c. Confira-fc
aflima o Capitulo I. verfo ^. c 11. 22. Pereira.
(/) Em feít tempo. Tudo o que Deos fez he
bom , com tíin^o que íc ufe dilTo a feu tempo, c
àà maneira que Dcos o ordena. TuJo he bom pa-
ia os bons, como diz S. Paulo (a Tito I. 15.) as
fuas palavras sáo : Tudo he puro para os que sia
puros. Saci.
(m) Qm^ não havia çoufa melhor , Náo?
Capitulo III. 219
havia coufa melhor , do que alegrar-fe
o homem , e fazei bem , em quanto
lhe dura a vida.
I 3 Porque todo o homem , que co-
me, c bebe, e que (7;) tira o bem do
íeu trabalho, recebe iíto por hum dom
de Deos.
14 Eu aprendi que todas as obras,
que Deos tez , (o) nerfeverão para fem-
pre : nós não pouemos accrefcentar ,
Tom. XI. P nem
quçr perfua Jir com ifto Salamáo , que faça o hc-
mcm o que cm l faias dizem 03 ímpios: Comamos ^
€ babamos , [-uí-lJus 4 manhã havemos dc morrer : mas
íim que, conio enfina o Apoliole: £m tendo que
comer , e que vejiir , nos demos com ijio por comen-
tes y o que he na verdade hum dom de Deos, fe-
gundo íc diz no verfo i?,. S. Jekonymo»
(/i) T/n/, A' letra : vê. Pekeik.-^.
(o) Perfeverão para fempre. Humas , porque
fcmprc háo de durar como o Ceo , a cerra, as
aguas , o» montes : outras porque na Tua mcTrna
inconilancia obferváo femprf huma cena regula-
ridade, e uniformidade. Ou também , porque , co-
mo nota Sanro Agoítinho no Livro i. das Ccnff-
iões, Cap. VI. a mefma inftabilidade , e mutabili-
dade das creaturas tem em Deos as fuás certas , c
invariáveis caufas. j^pud te rerum onmium injfabh
Hum funt c^ufac , 6- rerim omnium mutdUium im-
tnutabiies m^vient origines , çí?^ ownimn irra::onalium ,
^ tmpor.ilium fcntfiitçrnas vivum rationes. r^KEJ/A.
210 EcCLESI ASTIS.
nem tirar nada ao que Deos fez , (p) a
fim de que elle feja remido.
15 (í) O Que foi feito , iíTo mef-
mo permanece : as coufas que buo de
fer , já forão : (r) e Deos renova áquil-
lo, que paílbu.
16 Eu vi debaixo do Sol a impie-
dade (s) no lugar do juizo , e a iniqui-
dade no lagar da juíliça.
E
(p) j4 fim de que elle feja temido. Porque a cer-
ta ordem com que D?03 diípoz, e governa todas
as coufas , hè huma prova de c^ue ha Proviílcn-
cia: c efte conhecimento da Providencia de Deos
no governo do Mundo , faz que os homens o ic-
máo. S. ]eron\mo.
(<7) O que foi Iftohe, todas as coufas orça-
das durão ou cm fi mefmas , como por exemplo
os Aftros, ou na fua cfpecíe , como osanimaes,
plantas 5 c ourrris, fem que fubftancia aíguma já-
mais íc anniquilc , renovando Deos ou'.rtíim as
qi:c paf^iáráo com a producçáo d' outras íemclhan-
ics, ou da mefma efpecie. Pereira,
(r) E Deos renova aquillo , que pajfou. O He-
breo 5 0$ Setenta , e com e!Ics a Vui:^^ra antiga
dizem aqui : E Deos bufcarÁ ao que he perfejuido.
O que deve fervir de confclaçáo, diz S. Jcrony-
mo , ao que perfevera no marryrio. Perfira.
(5) No lugar do jwzo. Xos mcfmos Tribunaes
dos Juizes , que dcviáo fer dcfcníorcs declarados
da juitiça. MsNoquio.
Capitulo III. 221
17 E cu dilTc no meu coração : Deos
julgará o jufto, e o ímpio, (t) e cntao
fcrá o tempo de todas as coufas.
18 liu diíTe no meu coração acerca
dos fiihos dos homens , que Dcos os pro-
vava , elhes moftrava, que erão(?/j fe-
melhantes aos brutos.
19 (;v) Por iiTo huma he a morte
dos homens, e dos brutos, c dehuns,
e outros he igual a condição: do mef-
mo modo que morre o hcmem. , allim
morrem também os brutos : todos ref-
pirão da mefma forre, e o homem não
tem nada de mais , do que o bruto:
tudo eííá íujcito á vaidade ,
20 (j) c todos elles caminhão a
P ii hum
(í) E tnúo fcrd , &c. EntáoDeos, que hc o
Supremo ]uiz, tomara conras a toJos , aos juftos,
c aos ímpios , rcmunerando-os , ou punindo-os fc-
gundo as íuas obras. Pereira.
(w) Semelhantes aos brutos. Quanto á parte ani-
mal , e vida fcnfitiva. Periiea.
(x) Por ilJo hunu he a morte dos koniens , e dos
brutos. Devc-fc tambcm iíto entender , quanto ao
corpo , que nos homens he láo material, c cor-
luptivcl , como nos brutos. Pereira.
(>) £ todos elles caminhão a hum liigár. Ifto
he á morte, o homem, c juntamente 01 brutos.
Calmet,
222
ECCLESIASTES.
hum lugar : (s) de terra forao Feitos ,
e em terra fe tornao do mefmo modo.
21 {ad) Quem labe fe o cípirito dos
filhos d' Adão lubirá para fima , e íe o
efpirito dos brutos dcfcerá para baixo?
22 E eu reconheci que nada havia
melhor , do que (bb) alegra r-íe o ho-
mem
(x) Di terra fo^ão feitos , eb-r. Da terra nada
fc ícz 5 fcnáo o corpo : c do corpo hc que afíi-
gnaladamentc íc diz n.) Gcncfis : £s terra , e em
terra te has de tornar. Daqui fe nos faz claro, que
quanto á fragilidade do corpo > fomos como os
brutos. S. Jekonymo.
(^ad) Quem [abe , Ninguém entenda que
Salamão com cita pergunta pó:; cm dúvida a im-
mortaiidade ú alma ; porque cllc mefmo refpon-
derá adiante com cxpreíTa , e abfoluta decisão no
Capitulo XII. 5. 7i mas fim que oa dá com ella
a entender a difíiculdade que tem os morracs d' al-
cançar a evidencia da cicrna duraçáo do eípiíito,
ou que falia da fciencia cxpcrimcnt-íl das coufas ,
fegundo a qual ninguém fabc para onde vai a al-
ma do homem quando íahc do corpo. Ora o pro-
nome Qiiis na Elcritura , fegundo vimos, e adver-
te aqui Menoquio , toma-fe náo por coufa impof-
fivel , mas por coufa diíficultofa , como no lugar
<i' I faias LI I í. 8. Quis enarrabit i no do Salmo XfV.
I. Quis habitabic ? no dc Jeremias XVII. s;. Quis
COgnofcet"! Pereira.
{bb) Akgrar-fc o homem , òt. Confira-fe afli- c
ma o Capiraio II. 24, Pekeira.
EcC LES I x\ST ES. 223
mem nas fuás obras, e que efta era a
parte que lhe cabia. Porque quem o
poderá pôr em eftado de conhecer , o
que ha de fer depois delle ?
CAPITULO IV.
Calúmmas , violências , e ciúmes dos ho*
mens , huns coiUra os outros. Ociofida*
de dos iijJenfãtQS. Loucura dos avaros.
Utilidade da vida focial. Vaidade do
Poder Soberano, Obediência preferível
aos facrificios,
I T7^ U me voltei para outras cou-
JLjf fas , e vi as calúmtiias , que
fe pafsao debaixo do Sol , c as lagri-
mas dos innocentes , cque ninguém os
confolava : nem elles podião refiftir á
violência dos que os vexavão , deíti-
tuidos de todo o foccorro.
2 (d) E louvei mais os mortos , do
que os vivos :
e
(4) E louvei^ ^c. Ido he , preferi o eftado
dos mortos ao dos vivos, cm razão d'eftarem já
livres aquclics das mifcrias , calamidades , injufti-
ças, c contradicçôes dorvlundo, ásquacs cfte8 fc
acháo d: todg o ponco fujcitos. Pereira.
Í24 EcCLESIASTES.
3 e reputei mais venturofo do que
huns j e outros , ao que ainda nao hc
nado , c qu'^ não tem viílo os males,
que íe fazem debaixo do Sol.
4 Contemplei dc novo todos os
trabalhos dos homens , e fiz reparo
(b) em que as fuas induftrias fc achão ex-
poftas á inveja do próximo : e niílo ha
também vaidade , e cuidado fuperíluo.
5' O inícnfato cruza as fuas mãos,
(c) e come as fuas carnes, dizendo:
6 Mais vai hum punhadinho com
defcanço, do que ambas as mãos cheias
com trabalho , e afnicção do animo.
7 Tornando a conliderar , achei
ainda outra vaidade debaixo do Sol :
8 ha hum tal , que he fó , e que
não tem ninguém comíigo, nem filho,
nem
Çb) Em que as fuas ifiduflrias , <!^c. Amando
qualquer a fua própria cxcellencia , o j tem inveja
aos i^uaes porque cftcj fc põem hombro por
hombro com elle ; oa aos inferiores, para que o
nâo igaalern ; o j aos fupcriorci , por lhes náo fcc
igual. Santo Acostinho.
(r) E co ne as fu.is carnes, Hyperbole para íi-
gnificar huma fo.ne extrema. Eorcntido he , que
o infe.ifato pre^uiçofo a fi meOmo fevai definhan-
do dc pura nccellidadej c incrcia. Pekkika.
Capitulo IV. 225'
nem irmão, cqae tv)Javia nao ceíu de
trabalhar, nem os íeus olhos fe fartao
de riquezas: (d) nem h/, eíla reSexao,
dizendo : Para quem trabalíio eu , c
defraudo a minh^ alma, dos bens da
vida? niíto ha também vaidade, e af-
flicção (e) mirciabiliíllma.
9 Melhor he pois eílarem dous
juntos , (/) do que eftar hum fó :
porque tem a conveniência da fua fo-
ciedade :
10 fc hum cahir, o outro o fofte-
rá : ai do que cftá fó: porque quando
c-hir, nao tem quem o levante.
E
(ã) Nem faz cfta reflexh , dizendo: Eíta clau-
fula ajuatou-a o Inrcrprcte Latiao a feu arbítrio
para maior clareza do que fc fcgue. Porque cila
fc náo acha nem Hebreo , nem nos Setenta ,
nem na antiga Vulgata , de que íc fcrviráo Saa-
10 Ambrofio , e S. Jeronymo. Bossuet.
(^) ÁíiCerxbiliJmi. h letra : pe([imi. Pf.rsira.
(f) Bo que ejlar hum Jo. Eítt fociedadc re-
cOTimcndada logo pelo mcínno D^os na creaçáo
do homem Genef. II. 18. nada tira aos louvores ,
nem ao merecimento da vida folitaria , que fup-
porto náo he para todos , nem conforme á lei
comTia-n c natural , he cerramente para aqucllai
Almu perfeitas , aquém oEfpirito do Senhor cha-
ma por cfte caminho. Pireira,
22á EcCLESTASTES.
11 E fc dormirem dous juntos ,
ciles íe aauentjráô mutuamente : mas
hum íó, (g) como íe ha de aquentar?
12 E íe algum prevalecer contra
hum, dous lhe rcfiílem : (h) o cordel
triplicado diíHculiofamente fe quebra.
13 Melhor hehum moço j^obrc , c
fabio, do que hum Rei velho , e in-
fenlato , que nao íabe prever nada pa-
ra o futuro.
14 (i) Porque ás vezes fahe hum
do cárcere, e dos ferros psra ferRei:
e outro que nafceo Rei , he confumi-
do da pobreza.
^ Eu
(^) Como fc ha de aquentará Denota o Sabio
com efta expieísío o auxilio, com que mutua e
reciprocamente fc ajudão e foccorrcFíi os que vi-
vem juntos, e no meio d?, fociedaae. Pereira.
(/;) O cordel i é^c. Dizendo aqui Salamáo que
diflicultofamcntc íc rompe o cordão de irc8 fios,
vem com cíi:c provérbio a moftrar as grandes van-
tagens c uiili jades, que rcíulráo da perfeita uniáo
e concórdia; c, mcis que tudo, da íntima c fer-
vente crridadc , com. a qual animados os mortaes
fazem car.) a feus inimigos , e vencem os obftaau-
los, que encontrão na carreira da vida. Pereira.
(/') Porque às vezes fahe hum do cárcere , í^t.
Eíla pri.T.cira parte hc quaíi o que fuccedeo a
Jolc: a ícgunda o que fuccedeo a Job. Bcssvet,
Capitulo IV. 227
E'J vi toJos os viventes , que
paffeao debaixo do Sol (/) com o mo-
ço , que tem o fegundo lugar , e que
depois ha de ter o primeiro.
ló (w) Todos os que forão antes
delle , sáo hum Povo infinito em nu-
mero : e os que depois hao de exif-
tir , não fe hão* de nelle regozijar:
mas até ifto he vaidade , c affiicção
d' efpirito.
Vê
(/) Com o moço , que tem o fi^undo lugar, Ifto
he , com o Príncipe Herdeiro. Porque , como lá
dilTc hum antigo , sào mais os qae adoráo ao Sol
que nafcc, do q-jc ao que fe pôj. Boísukt.
(m) Tedos os que forao , Á^c. P^.rece ícr cfta
huma iiçáo que da o Sabio principalmente a qual-
<jucr Píinc pc mancebo , pura nio crcar azas dc
Vaidade , p^vonea iJolc c rcvcndo-fe no fcquito
dos Aulicos, e vivai do Povo, e ifto por duas ra-
zões. Huma, por^^ue entre a multidão in;iumcra-
vcl d' homens , qae antes delle houve no <Mundo ,
c h.i de cxiftir depois, de nenhuin foi ou fcrá co-
nhecido , nem por confequrnci i acatado , vindo
aííim a defapparecer a v:fta daqu^lia multiJáj im*
menfa opcfaeno numero dos que ocortejáo: ou-
tra , por que 08 mefmos que adualmente o obfe-
queáo , cm elle fubindo ao Throno , ainda que
íe desfiçáo c defentranSím no excerior cm zelo
do íeu frrviço , perdem-lhe logo a inclinação , c
cntíio 4 hfonjeat o Pxmcipc Herdeiro , ganhando-
aiS EcCLtSIASTES.
1 7 (/;) Vê onde pões o reu pé , quan-
do entras na Caía deDeos, c chega-
tc para ouvires. Porque muito melhor
he a obediência , do que as viítimas
dos infenfatos , que nío conhecem o
mal que fazem.
CA-
lhe a graça para osfini que psrtcndem. Logo he
vaidade alegrar-fc com o favor do Povo. FEREfRA.
(n) Ve onde pões o teu pè , é^•f. Recommcn-
da-lc aqui nio íò a modcítia e compoftura extc-
lior do corpo, mas cambem o refpciro interior do
cfpirito, com que fc deve enrrarnaCufa de Deos ,
nos lugares dedicados ao Culto Divino , para tri-
butar aquclle Supremo Ente finceroí cultos de Re-
ligião , ouvindo cada hum alli a fua fanta pala-
vra , para a obfervar c cumprir. Ora des do prc-
ícnte vcrficulo até ao nono do Capitulo V. falia
Salamáo do rcfpcito c culto a Deos devido , e al-
guns já d aqui pnncipiáo o fobrcdito Capituio.
Perbiha.
ECCLESIASTES.
CAPITULO V.
Ser circunfpeão nas fuas palavras, Cuni'
prir os feus votos. Não fe ejpantar de
ver atropeUada a juftiça. O avarento
nunca fe farta. O rico defgraçado na
fua mefma opulência.
I (a) 1\TÃ^ digas nada inconfide-
radamente , nem o teu
coração fe apreíFe a proferir palavras
diante de Djos. Porque Deos ellá no
Ceo 5 e ta fobre a terra : por tanto
fejao poucas as taas razoes.
2 Aos muitos cuidados feguem-fc
os fonhos , e no muito fallar achar-fe-
ha a cftulticia.
Se
(4) Ntío digis nada , é*c, Oa o fcntido hc ,
que a cfíicacia da oração náo coníifte nas muitas
palavras , como fc vè em S. Matthcus VI. 7.
mas fim nos affedos d' alma c purrza do coração ;
oa que fe proceda com muita cautela c circumípc-
da aiverrencia, quanlo fe falia ou trata de Ocos,
c dns coufas Divinas. Funda-fc cftc íentido nas
palavras : por tanto fejâo pouças as tuas razoes»
Calmet.
lyO ECCLESIA-STES.
3 (b) Se fizefte algiun voto a Dcos ,
trata de o cumprir logo : porque lhe
dclagrada a promclia iníícl , e impru-
dente: mas cumpre tudo o que tiveres
promettido :
4 c muito melhor he não fazer
voto algum, do que, depois de o fa-
zer, nao cumprir o promettido.
5* (c) Nao dês com a leveza da
tua lingua occafião á tua carne de ca-
hir
(p) Se fizefle , ó-c. Confira-fc o Dcutcrono-
inio XXIII. 21. PERtriKA.
(O Não dès com a leveza, da tua lingua ,
Quer dizer : Náo abafes das tuas palavras para
cahircs cm pcccacio Ja carne, como fizem os que
dizem : Nao ha providencia : ifto hc , náo ha
Qcrm veja , nem quem f.iiba diíto. Eftc hc o fen-
tido que Bolluct dá , e coo» cllc Saci ás palavras
da \^u!-i^ata Latina : Ne dedcris os iuwn , ut pccca-
re fadas carnem tuam, Ojuos atando o que Ic aca-
bou dc dizer no 4. 5 c no fobre os voros feito*
a Dcos , vertem alíim do Hebreo : Não chámes
com as frívolas cfcujas dá tun boca o cajiigo do pcc'
cado fobre a tua carne , ift<:> hc , fobre ti mefmo »
c íobrc teus Hlhos. E não digas diante do Anjo^
que ijio de nno cumprires o promettido a Deo^ , he
hum peccado d ignorância. Para que he exporcs-tea
que Dcos fe irrite contraias tuas ptUvras , e def--
uua as obras das tuas maos ? Plb.íika.
Capitulo V. 231
hir cm pcccado: (d) nem digas dian-
te do Anjo: Nao ha providencia: por-
que não fucccda talvez que Deos ira-
do contra as tuas palavras, diíiipe to-
das as obras das tuas mãos.
6 Onde ha muitos fonlios , ha mui-
tas vaidades , e palavras ícm numero :
mas tu teme a Deos.
7 Sc vires a opprefsao dos po-
bres , e a violência que reina nos juí-
zos, e que l'e atropela inteiramente a
juftiça nalguma Província , não te ad-
mires deíle procedimento': (e) porque
o
(d) Nem digas diante do Anjo , (á^c, Poc
Ânjo entende aqui S. Jeronymo o Anjo da guarda
de cada hum. Outros fegundo o ícnndo que aíli-
ma puzcmas do Hebreo, enrcndem o Sacerdoce.
Porque he ordinário na Efcricura chamar aos Sa-
cerdotes Anjos , como em Malaquias II. 7. , no
Apocalypfc I. 20. E com citei ro aos Sacerdoies
hc que pertencia julgar na matéria dos votos, e
do Teu cumprimento. Pereira.
(c) Porque o que ejiá alto , ^f. Vem a dizer
o Sabio que , totccndo-fe a vara da Jufíiça tantas
vezes no Mundo , c náo remediando eíta violên-
cia nem Magiftrados menores, nem maiores, nem
osmefmos Soberanos, a ninguém deve caufar iílo
admiração ; porque fobrc todos cílcs governa o
Supremo Arbitro do Univcrfo , que a iodos clles
EcCLESIASTES.
o que cílá alto, tem affima de fi oiitro
niais alto j e íobr'eÍLes ha ainda ou-
tros mais elevados ,
8 e ha de mais a mais hum Rei,
cjuc impera lobre toda aterra, que lhe
eflá fujeita.
9 O avarento nunca jám?is fc far-
tará de dinheiro : e o que ama as ri-
quezas j nao tircrá delias fruto : logo
também ifto he vaidade.
10 Onde ha muitos bens, ha tam-
bém muitos que os comâo. E de que
lervem elles a quem os poíTue , fe-
não de ver com leus olhos muitas ri-
quezas ?
1 1 O fomno he doce para o tra-
balhador, oueliccoma pouco, ou mui-
to : porém a fartura do rico he a mef-
ma que o não deixa dormir.
12 Ainda ha outra enfermidade
bem má , q-jc cu tcnlio vifto debaixo
do Sol : as riquezas confervadas (/) pa-
ra mal de leu dono.
Por-
dará cm fim o premio , ou caftígo merecido. Pe*
RE IRA.
(f) Para mal de fsu dono, Poííjuc a muitoa
Capitulo V. 233
13 Porque ellas acabao (g) com
fumma afilicçao : {h) elle gerou lium
filho, que fc ha cie ver reduzido á ul-
tima pobreza.
14 Do modo que elle fahio nú do
ventre de fua mai , aílim mefmo ha dc
voltar 5 e não ha de levar nada comfi-
go do feu trabalho.
15 Enfermidade he eíla de todo o
ponto mil eravel : do modo que veio ,
aíIim voltará. De que lhe ferve logo
ter trabalhado para o vento?
16 Elle todos os dias da fua vida
(/) comeo ás efcuras , e com muitos
cuidados, c em miferia, e trifteza.
17 Ifto he pois o que me pareceo
bem ,
fcrvíráo de ruina as fuás riquezas , que deráo oc?
cafiáo a traições c latrocínios. MtKOQuio,
(jç) Com fumma ajfUcCdO, A' letra: com hiima
gfflicção peffims, ifto he, com grandíHima dor da-
queiies que as haviáo poiTuido. Mekoqujo,
(/?) £lle gerou hum filho. As riquezas muitas
vezes acsbio anics que pofsáo Ter deixadas cm
herança aos filhos. Mencquio.
(/) Comeo as efcuras. Coftutne dos que por
avarentos goítáo de comer fós , c náo querem que
outros vcjáo as fuás mefquinharias. Calmet.
234 ECCLESIASTES.
bem , (/) que hum coma , e beba , e
tire com alegria o fruto do feu traba-
lho, com que ellc melmo íe aíFadigou
debaixo do Sol durante o prazo dos
dias da fua vida , que Deos lhe deo,
e cila he a íua parte.
1 8 E para todo o homem , a
quem Deos tem dado riqueziis , e fa-
zenda , e lhe tem concedido faculda-
de para que coma delias, e destrute a
fua parte , e viva aiegre do feu tra-
balho: ifto paia o tal, digo, he hum
dom de Deos.
151 (;;;) Porque nao fe lembrará mui-
to
(O ^-^^"^ ^^^'^ ' ^ beba, e^-c. Ifto não hc
convidar Salamáo os homens a levarem bod vida ,
rnrregando-íc aos deleites: pois que ellc nos moC-
irou jamais d' huma vez a vaidade , c o nada dei-
ta cafta dc paíTa;empo3 : mas juftamcntc prefere Síí-
lamào huma vida locegada , c alegre no modera-
do ufo dos bens temporaes , áqiiella dos avaren-
tos, e dos que para ajuntarem dcixáo de comer,
ou tem pena do meímo que comem, j^d compa-
raciotiem ejus , qui hi curarum teuebris vejcitur , nW"
liarem dicit ejjt eum y qui fríiefmibus Jruitur,t,]v,'
mONYMO.
(wí) Porque não fe lembrar d , ^c. Em quanto
cfiá occupado nos commodos deita vúia , dos quae»
E CCLES I ASTES, 235'
to dos dias da lua vida, viílo que Deos
occupa de dclicius o ícu coração.
Jionfftamrntc çoza , não lhe viráõ á lembrança,
nem fe lhe rcpreicntaraó aos olhos, e ao entendi-
mento as miícrias , que tem por coftume fazei
dcfagradavcl a vida dos moriací. AÍENoquio.
CAPITULO VI.
Defgraçada condição do av are ti to , que
tendo bens não oufa gozar de lies,
1 X T A ainda outro mal , que c«
i i tenho viílo debaixo do Sol^
e ordinário por cerro entre os homens :
2 hum homem , a quem Deos deo
riquezas , c fazenda , e honra , e nada
faita á fua alma de quantas coufas de-
feja : e Deos não lhe concedeo facul-
dade para coiner d'ahi, mas virá hum
homem eftranho a devorar tudo. Ifto
hc huma vaidade, e grande miferia.
3 Se alguém tiver gerado já hum
cento de filhos, e viver muitos annos,
e contar mais dias de idade , e a fua
alma fenao utilizar dos bens, que pof-
^ Tom. XI. fue,
1^6 ECCLESI ASTES.
fuc, (a) c carecer de fepultura: deftc
homein não duvido cu affirmar , que
hum aborto he melhor do que ellc.
4 (h) Porque hum tal veio ao Mun-
do de balde , e caminha para as tre-
vas^ e o feu nome ficará fepultado no
efquecimcnto.
5* Elie não vio o Sol, nem conhc-
ceo a difiancia , {c) que vai do bem
ao mal :
6 ainda quando elle tivclTe vivido
dous mil cnnos, Icelle nao gozou dos
feus bens : por ventura não le aprcíTa
tudo (d) a hum mefmo lugar ?
To-
(4) E cÂrecer de fepultura. Ou por não gozar
na realidade das ultimas honras da fepultura; ou
por íer mettido nclta fem a decência d' hum luzi-
do funeral , e acompanhamento devido á fua pcf-
foa. Pereira.
(b) Porque hum tãl , 'ò^c. Falia aqui o Sabio,
íegundo a melhor intelligencia , do aborto , com-
parando com clle o avarento. Pereira.
(O Qiit \6à do bem ao mal. O avarento hc dc
peior condição que o abortivo , rm que efte fe ca-
feceo dc bens , também carecco dc males ; mas
aquclle experimentou muitos malei c incommo-
do» , nem com tudo iíTo quiz ter a fatisfaçáo dc
gozar d' algum bem. Mvn-x^uio.
. Ql) A hum mefmo Ivgár ? Ao fepulcro. Pirei ra.
Capitulo VI. i-^j
' 7 Todo o trabalho do homem hc
para a lua boca : (e) mas a fua ahna
não fe encherá com iíTo.
8 Que tem o fabio de mais , do
que o inícnfato? e que tem de mais o
pobre, fenão que elle (/) caminha pa-
ra o lugar, onde eflá a vida ?
9 (g) Álelhorhcver o que fe defe-
ja , do que defejar o que íe ignora.
Mas também ifto he vaidade , e prc-
fumpção do efpirito.
10 (h) Aquelle , que ha de fer,
C^ii hc
(c) Mas a fua alma, (&'C. A alma do homem
creada para a truiçáo dos bens eternos , hc certo
que fe náo poderá jamais faciar com o ahmcnto ,
que hc dado ao corpo , c em attençáo do qual tra-
balh.-? o mefmo homem toda a fua vida. Pereira.
(/) Cmifihét, 'ò-c. Trata dc adquirir pela fua
indullria o que lhe he neceíTario para manter a vi-
da ; ou no fentido mor<3l , procura ir cm demanda
do lu^ar da fua felicidade , que he o Ceo , ondtí
poderá gozar da verdadeira vida. Peueira.
(^) Melhor he ver , ^c. Melhor he gozar ca-
da hum do que tem prefente , do que futtentar-ftf
d' huma vi cfperança : melhor he ter o que fc dc-
feja , do que defejar o que íc náo tem. Calmet.
. (h) Aquelle, que ha de fer , &c. Como ícdif-
íjcra , 05 homens fcmprc nafccm fcmelhantes a«f
^38 ECCLESIASTBS.
(i) he já chamado pelo feu nome : c
fabe-fe que elle hc (/) homem , c que
não pódc difputar em juizo (ni) contra
quem he mais forte do que elle.
1 1 São em mui grande numero as
palavras , (?/) e tem na difputa muita
vaidade.
CA-
fcus antepaíTados , cobertos de fragilidade e mife-
ria ; vindo a fcr por iíío vá toda a preicnçáo dos
ricos c foberbos , que fe querem elevar ibbrc a
condição humana. Confira-fe affima o Capitulo I.
p. 10. Menoquio.
(/) He jd chamado , <ò^c. Ifto he , fabc-fe já
corro íc ha de chamar ; c qual ha de ícr. Meno-
(/) Homem, Fraco , e formado de terra , e que
cm terra Ir ha dc tornar. Menoquio.
(m) Contra qutm he mais forte do que elle, Le-
vaniar-fe contra Deos , c p6r-fe arca partida com
çllc. Menoquio.
. (w) E tem na difputa, ó-c. Para confirmação
e prova da vaid^jde cega , e do pouco ou nenhum
pezo dis difpuias dos homens, vcja-fe allima o
ÇapitUlO III. 11. PEREIKA,
EcCLESIASTES. 239
CAPITULO VII.
A bofi reputação. Utilidade das correc^
çoes, IJ ti lida de da f abe dor ia. Não ha
jufio , que 7íão peque, De fprtzar os dip
cirrfos dos homens, A mulher prejudicial.
I Uc neceíTidade tem o homem
de buliar o que he affima del-
]e, quando elle ignora o que
lhe he conducente na fua vida , em
quanto dura o prazo dos dias da fua
peregrinação, e o tempo que paíTa co-
mo íombra ? Ou quem lhe poderá mof-
trar , que he o que eftá para fucceder
depois dellc debaixo do Sol?
2 Melhor he o bom nome, do que
os balíamos preciofos : {a) e o dia da
morte, do que o dia do nafcimento.
3 Melhor he ir á cafa que eftá d c
nojo, do que á cafa onde íe dá ban-
quete: porque naquella he hum adver-
ti-
{à) E o dia da morte , ^c. Ifto fe entende
da morte do jufto, aqualhe fim de mifcrias , e
principio de felicidades. Confira-fe também O A-
poftolo aos Romanos VIII. 21. Pereika.
240 ECCLESI AST ES.
tido do fim dc todos os homens , c o
que eftá vivo confidera no que hum dia
lhe ha de acontecer.
4 {b) Melhor hc a ira , do que o
rifo : porque pela trifteza que appare-
ce no roito, fe corrige o animo do de-
linquente.
5- O coração dos fabios eftá {c) on-
de fe acha a trifteza , e o coração dos
infenfatos onde íc acha a alegria.
6 Melhor hc fer rcprchendido pe-
lo fabio 5 do que fer enganado pela
adulação dos infenfatos :
7 porque alFim como fe ouve ao
longe a eftalada que fazem os efpi-
nhos ardendo debaixo d'huma panei-
la , do mefmo modo o rifo do infcn-
fato: mas também ifto he vaidade.
8 A calúmnia turba o f^bio , c
cl-
(F) Melhor he a irA, iy^c. lílo he , para a
emenda do próximo , vai mais a fcveridadc do
femblantc dc quem reprehende , do que o rofto
alegre de quem liTonjca. Pi-refra.
(f) Onda fe acha a trijiezx. Porque cg fabios
são peíToas graves e fcvcras , não livianas c incli-
tudas ao rifo. Mekoqvio,
Capitulo VIL 241
ella (d) abaterá a firmeza do feu co-
ração.
9 (e) Melhor he o fim dodifcurfo,
do que o principio. Melhor he o ho-
mem paciente 5 do que o arrogante.
10 Não íejas veloz (/) em te ira-
res : porque a ira dcícança no feio do
infcnfato.
Não
Çd) Abaterá , ò-c. Como a calumnia faz abai
ter o coração , c pôr ao íabio cm precipício de pcc-
c:ir , daqui vem o pedir David a Deos que o li-
vre da$ calumnias dos homens , para obfervar o$
fcus Mandamentos , como Tc vc no Salmo CXVHL
134. Pbreira.
(e) Aídhor ht o fim do difcurfo , &c, O fen-
tido he , qne náo bafta começar o bem , mas
que he neceíTírio Icvallo ao cabo , ou, fegundo ou-
tra imelligencia , que mais vai pôr fim ás con-
tendas , altercações , e debates com o próximo ,
do que principiar , c mover contra clle taes difcor-
dias, e defavcnças. Porém a expoíição mais lite-
ral moftra que tanto para o que falia , como para
o que ouve he melhor o fim que o principio do
difcurfo. Por quanto aqucilc vê-fc já dcfaííombra-
do e forro do cuidado , que teve no principio ;
côe dá-fe por bem pago do trabalho , que tomou,
de ouvir o que defej;jva, e de ficar fabendo o que
lhe convinha. Pekeira.
(/) Em te irares. A ira fcmprc anda junta
com a fobciba. S. Jsrontmo.
14^ EcCLESIASTES.
11 Não digas: Donde vem que os
primeiros tempos foráo melhores do
que são ugora ? porque Temelhante per-
gunta (g) hc indifcreta.
12 A fabedoria he mais util com
as riquezas , e aproveita mais {bj aos
que vem o Sol.
13 Porque aílim como a fabedoria
protege, aCÍim protege o dinheiro : mas
a erudição , c a fabedoria tem ifto dc
mais , que cilas dão vida ao feu pof-
fuidor.
I 4 Confidera as obras de Deos ,
porque (;) ninguém pôde corrigir a
quem ellc deíprezou.
(g) He indifcreta. Porque os homens pelai fuás
viriu les, ou vicios , he que fazem veniurolos , ou
infcliccs com varia féric d' acontecimentos os fe-
culos cm que vivem. Pereira.
(/í) Jos que vem o Sol, Aos homens , aos vi-
vcn es. MEKoQuto.
(í) Ninguém pode corrigir ^ íd-c, Hc para ad-
mitar o poder, e a juttiça dc Deos, que diftribue
os íeus dons, do modo que quci , e a quem mui-
to lhe apraz. Se qualquer homem nafcc com al-
gum defar da namrcza , náo ha induítria humana
que lho poíTa remediar. Se todos os homens jun-
ps quizcrem converter hum ímpio obftinado no
ínal , caprcza hc cfta , que náo háo dc coníc'»
Capitulo VII. 243
15* Goza dos bens no dia bom , c
prccavê o máo dia : porque Deos affim
como fez efte, aífim também fez aquel-
le , fem que o homem ache contra elle
juítificadas queixas.
16 Eu também vi ifto nos dias da
minha vaidade: O juílo perece na fua
juíliça, e o ímpio vive muito tempo na
fua malicia.
17 (/) Não fcjas muito juílo: nem
fejas mais fabio do que he neceíTario,
para que não venhas a fer eftupido.
18 (m) Não te obílines nas acções
criminofas: e não fcjas infenfato, para
que
guir 5 cm quanto Deos o não dirpuzer a iíTo com
a lua graça. Pereira.
(l) NÃO fejas muito jufto. Qual he o que tu-
do quer le var pelo rigor do Dirciro ; o que fem-
pre fe moftra defeontcnte , e carrancudo \ o que
nada perdoa , e principalmente o que fe atormen^
ta a fi mcfmo com cfcrupulos, que chegâo a Tu-
pefttiçáo. S.Jeronymo.
(m) Nio re obftwes nas accoe> criminofas. Ifto
he, náo te deixes tilar muito (empo no mal , ac-
cumulando peccados febre peccndos. Porque de-
vemos procurar levantar-nos logo depois da primei-
ra queda , c náo imitar aquelles , de quem efcreve
5. Paulo , Eph. IV. 19. que hema vez que fe apar-»
244 EcCLESI ASTES.
que nao venhas a morrer (?;) no tempo
que não he teu.
19 Bom he que tu fuftentcs o juf-
to, mas também nao retires a tua mão
daquelle , que o não he : porque o que
teme a D^n^s , nada defpreza.
20 A íahedoria fez o lábio mais
forre , do que dez Principes d'huma
Cidade.
21 Porque não ha homem jufto fr-
i>re a terra , que faça o bem ^ c que
não peque.
22 Mas também não inclines o teu
coração a ouvir todas as palavras que
fe dizem : para que não ouçab talvez
p teu fervo dizer mal de ti :
23 porque fabes na tua confcien-
cia ,
táráo da regra , fc cntrcgão aos vicios , como def-
cfpcrados. Bossuit.
(n) No tempo que não he teu. Que documento
importantiHimo part os monaes ! O homem entáo
fc diz morrer no tempo que não he [eu , quando o
apanha a morte defacautelado e defapercebido , por
iíTo mcfmo que a náo foube prevenir morrendo ao
Mundo , c vivendo fó para Deos , anres que ella
che^aíTc. Lo?o aquellc , que allim no fizer , po-
derá chamar íeu o tempo cm que morrer. Pereira*
Capitulo VII. 245'
cia , que tambcm tu muitas vezes tens
áiío mal d' outros.
24 Tudo tentei por adquirir a fa-
bedoria. Eu diíTe : Far-mc-hei fa-
bio : (0) c cila fc retirou para longe
de mim
25* muito mais do que d' antes ef-
tava : e por certo que a íua profundi-
dade he grande, quem na poderá fon-
dar?
26 Eudifcorri dentro no meu ef-
pirito por todas as coufas para faber ,
econliderar, e bulcar a fabedoria , e a
razão de tudo : e para conhecer a im-
piedade do infcnfato, e o erro dos im-
prudentes :
27 e achei que he mais amargofa,
do que a morte, a mulher, a qual he
laço de caçadores , e o feu coração re-
de 5 as luas mãos cadeias. Aquelle,
que agrada a Deos , fugirá delia : o
que porém he peccador , ferá delia
apanhado.
Eis-
(e) E eUi fe retirou , é^c. Quanto mais hum
homem aproveita na fabcdoria , tanto mais reco-
nhece que cftá longe delia. Pkkeira.
2^6 ECCLESIASTES.
28 Eis-aqui o que eu achei, diz o
Ecclcíiaíks , depois de ter conferido,
huma coufa com outra para achar hu-
ma raZwlo,
29 que ainda a minha alma hufca ,
e não pude achar, (p) Entre mil ho-
mens achei eu hum , mas de todas as
mulheres, nem huma fó achei.
30 O que eu unicamente achei ,
he , (q) que Deos creou o homem refto ,
e
' (p) Entre mil homens achei eu hum. Sobenten-
<le-lc que folie fabio. E da mefma forte , quando
profci^ue : mis de todas as mulheres , tiem humx Já
achei : fobentende-íe que fabia foíTe. Porque io-
das, commenta S. Jeronymo , me conduzirão á
luxuria, c náo á virtude. Bossuet.
(q) Que Deos creou o homem reão. Como hoje
náo naíce já o homem redto , mas propenfo ao
mal ; fegue-fe que por alguma dcfordcm em que
cahio o primeiro homem, fc derivou aos feus dcf-
cendcntcs a corrupção da vida. E eíh corrupção
propagada por todo o género humano , he a que
a Igreja Catholica chama pcccado original. Logo
cftc Texto igualmente dcíhoe o erro dos dous
Princípios , hum do bem , outro do mal , que
depois do5 M;ircionitas fuftcnráráo os Maniqueos ;
c odos Pelagianos , que fuppondo natureza do ho- *
mem a concupifcencia , ncgaváo que o homem fe
achade hoje diverfo do que fora na íua creaçáo,
Pekeika.
Capitulo VlT. 247
(r) eque clle rr.efmo fe metteo em in-
finitas queftõcs. Qiiem he tal (j) como
o fabio? e quem conheceo a íbluçãô
dcfta palavra?
CA-
(r) Eque elle mefmo fe metteo einirfinitas quej-
toes. Daqui temos que a fonte da noíTa dcfgraça
foi a vá curioíidade de noíTos primeiros pais , a
quem tendo Dcos poíto hum preceito clariffimo,
elles fc puzeráo a queítionar fe fe devia eftar por
elle, dando ouvido? á temerária pergunta do Ten-
tador : Cur praecepit vobis Deus , ut non comederetis
lie omni ligno Paradifi ? Porque vos mandou Deos ,
que não comeíTeis de ioda a arvore do Paraifo?
Gen. III. I. BossusT.
(í) Como o fabio ? líto hc , quem fe poderá
comparar com Salamáo , que , fendo táo íabio ,
háo chegou a dar foluçáo a eftes enigmas? Ou,
quem ferá dotado de tanta fabedoria , que poíTadef-
baftar c decidir as diíHculdades , que atéqui fe tem
propolto? MsNo(2uio,
248
EcCLESIASTES.
CAPITULO VIII.
Não fe apartar doí Mandamentos de
Deos, Paciência de Deus» Afjliccãa
dos jujlos, Frofperidade dos mJos,
I A Sabedoria do homem reluz
-/"^ no feu roflo , e o Todo Po-
derofo (a) mudará a fua face.
2 Quanto a mim (b) cu ob fervo a
boca do Rei , e os preceitos que Deos
poz com juramento. ]<lao
(a) Mudara a fua face. Fará com que mude
o ar fio femblante fegundo as occafiócs qne fe oF-
fcrecercm , aTc^rando Tc , como diz o Apoftolo
(aos Romanos XI í. is'. ) com os que [z al-^gráo,
c chor.mJo com os que chorão. Os iSetenia lem ,
t O defavagonhado por fua cara fcrá aborrecido.
Pereira.
(J?) Eú oh fervo d boca do Rei , óc. Dcfte mo-
do traduzem todos cite vcrfo da \'ulf,ata, adver-
tindo que Salamáo falia aqui cm nome do fabio ;
c que pela boca do Rei fe entendem acui as fuas
ordens ; c que pelos preceitos que Dcos poz com ju'
rar)iento , fe entendem os preceitos do Decaindo da-
dos por Nloyícs no Monte Sinay , quando Deos fez
alliança com o feu Povo , prometiendo-lhc debai-
xo de jutcimenro , que clL- feria fcmprc o feu Deos ,
e o Teu Protcdloí , com tanto que cUcs ihç foi-
Capitulo VIIL 249
. 3 (c) Náo te apreíTes a fahir dc
diante da fua face, e não permaneças
na obra má , porque elle fará tudo o
que quizer:
4 (d) c a fua palavra he cheia de
poder: (e) e ninguém lhe pode dizer:
Porque fazes iílo aílim?
A-
fcm fieis. Mas o Oripjnal Hctrreo offerece outro
fentido , porque diz aííim : Eu digo : Olfèrva a
boca do Rei , e ejiã attento à Lá do juramento ^
que Ihcdéfie em nome de Deos, Ncftcs termos o ju-
ramento , dc c]ue falia o Texto , nâo he o jura-
mento feito por Dcos aos homens , mas o juramen-
to, que osjudcos faziáo aos fcus Reis de lhe guar-
darem fidelidade: como lemos que ofizeríoaDa-
vid, II. Reg. V. ^, aSalamáo, I. Parai. XXIX.
24.3 a Jojada, IV. Reg;. XL 17. E daqui fe co-
nhecerá também a antiguidade , e religião do ju-
ramento de fidelidade dos valTallos a rcfpeito dos
feus Reis. PEREtRA.
(c) N.zo te aprejjes , a^c. Se ofFendefte ao teu
Soberano , congraça-te logo com elle, dando-lhc
fatisfaçáo do aggravo , antes que tc caftigue. Pe-
REIRA.
(d) E a fua palavra, Ifto he, a palavra
io Rei , como expreííamentc declara o Hcbreo.
Pereira.
(e) E ninguém lhe pode dizer : Porque fdT.es
ilh affim ? Eftas palavras, que a Efcritura fo diz
lio Rei para denotar o fcu Poder deípotico , appli-
I^O EcCLESIASTES.
" f Aquclle , qu2 guarda o preceito ^
não experimentará mal algum. O cora*
ção do fai)io conhece o cjae deve re-
Iponder , e em que tempo.
6 Todas as coulas tem fcu tempo,
e liia opportunidade, e hc muita a af*
flicção do homem :
7 porque ignora ns coufas pafia-
das , e pjr nenhum menfageiro pode
laber as futuras.
r 8 Náo eftá na mão do homem im-
j3edir que o elpirito deixe o corpo,
nem elle tem poder fobre o dia da
morte, nem felhe dão tréguas (f) na
guer-
cão 0$ Canoniílas com hum manifcílo abufo ao
Summo Pontífice , cotio íc cllc FoiTe táo defpoti-
co c abíoiuto na I.^rcja , como o he hum Rei na
Republica. Pereira.
(/) Na guerr.i yò^c. A qual as doenças, e a
meíma moric, ou antes Deos por meio d^s doen-
ças move contra cilc. Ora nefte tempo náo ha lu-
gar de defcanço, mas, inftínjo o confli>::lo , hc
força vencer , ou morrer na batalha. Atéqui Meno-
quio , o qual tarnbem advcrt- que muitos enterv,
dcm eíle iu^ar (além da s;uerrq , que os Príncipes
CvTyrannos coftjmáo fazer contra o% que fe op-
póc ás fuás Icís) do tropel de tentações maiorcí
que nunca , de que o fiomem fe vè combatido na-
quclla hora arnícadiílima. Pereira.
Capitulo VIII. 25-1
guerra que o ameaça , (g) nem ao ím-
pio falvará a fua impiedade.
9 Todas eftas couías coníiderel eu ,
e appliquei o meu coração a diícernir
todas as obras que fe fazem debaixo
do Sol. Algumas vezes tem huiia ho-
mem dominio fobre outro para defgra-
ça fua.
10 Eu vi os ímpios (h) fepultados :
osquaes ainda quando viviao, (/) efta-
vão no lugar fanto , e erao louvad js na
Cidade , como fe as fuas obras tivef-
fem fido juftas : mas também iíto he
vaidade.
1 1 Por quanto o nao fe proferir lo-
Tom. XI. R go
(^) Nem ao impio , ó c. Por mais que o ím-
pio queira riícar da memoria os horrores da mor-
te , o rigor das contas , e a eternidade de penas
que o aguardáo na outra vida , n^dá difro lhe vâ-
lerá para deixar de fe perder , e condemnar. Pe-
KEIRA.
(h) Sepultados. Com mu ira honra , c com
grande íumpcuoniade de funv ral. Menoquio.
(1) Efiavão no liig.tr fanto. Eráo tidos pelo
vul^o na conta de fiintos^ e rcfpcitados por raes ,
cm atrençáo do leu , ao que parecia , irreprehcn--
fivel proceJimcnto , fendo maliciofos hypocritaí.
-Z^Z ECCLESIASTES.
go fentença contra os máos , he caufa
de commerterem os filhos dos homens
crimes fem temor algum.
12 Com tudo poriíTo mefmoque o
peccador commette cem vezes o mal ,
e he tolerado com paciência , tenho eu
conhecido que ferao bem fuccedidos
os tementes a Dcos ^ que refpeitão a
fua face.
13 (/) Mal o haja o ímpio , nem
fejão prolongados os dias da fua vida,
mas como fombra paíTem os que não
temem a face do Senhor.
14 Ainda fe acha outra vaidade
que fuccede fobre a terra. Ha juftos,
aos quaes provêm males , como fe el-
les
(/) Mal o haja o ímpio, Eftas palavras podem
muito bem tomar-íe , conforme a intcUigcncia
deCalmet, como hama imprecação contra os ím-
pios , ou ajuntar-fe ao veríic_iilo antecedente nef-
ic fentido : Conheci que havlío de fer felices todos
aquelles , que temem e refpeitão ao Senhor , e que
os ímpios de nenhuma felicidade haviao de gozar.
Porém Menoauio tundado no Hebreo , onde não
ha lal imprecação , entende fó eftas palavras fem
cila, dizendo que o que nós temos no noíTo Tex-
to he antes hama prcdicçáo do que ha de fcr , do
que huma imprecação. Pekeira.
Capitulo VIII. 25*3
les tiveflem feito obras de ímpios : e
ha ímpios , que vivem tão feguros , co-
mo fe tiveírem feito acções de juftos :
mas eu creio que também ifto he hu-
ma coufa mui vã.
ly Por tanto louvei a alegria ,
(m) vifto não ter o homem debaixo do
Sol outro bem , íenão comer , e be-
ber , e folgar : e poder levar comíigo
ifto fó do feu trabalho que aturou nos
dias da fua vida , os quaes Deos lhe
deo debaixo do Sol.
16 E appliquei o meu coração a
conhecer a fabedoria , c a notar (n) a
diílracção que vaguêa na terra: homem
ha , que nem de dia , nem de noite con-
cilia fomno a feas olhos.
17 E vim a entender , que o ho-
mem não podia achar razão alguma
R li de
(m) Vifto não ter o homem , &c. Aííim o crco
Salamáo , íallando em nome , e em peííoa dos ím-
pios, ou fallando do que lhe vinha ao pcnfamen-
to , quando andava engolfado nos váos prazeres
dcíle Mundo. Bossukt, e Calmet.
(n) J díftr acção que v^guéa Tia terra. Ifto hc ,
asoccupaçócs que divertem o coração do homem,
c que o tazem andar inquieto , foUcito , c defvc-
kdo cm coda a carreira da íua vida. Pereira.
25'4 EcCLESTASTES.
ide todas aquellas obras de Deos , que
fc fazem debaixo do Sol : pois quanto
mais trabalhar pela deícobrir j tanto
menos a achará : ainda que o mefmo
fabio diga que a conhece , elle a não
poderá achar.
CAPITULO IX.
Ninguém fabe fe he digno amor ^ ou de
adio. Igual co 72 dição de bons , e de mãos
7íejle Mundo, Sabedoria do pobre.
1 T7^ U revolvi todas eftas coufas
JCino meu coração, para diligen-
temente as entender : {a) Ha juftos , e
fabios , e as fuas obras cíláo na mão
de Deos : (b) e com tudo nao fabe o
homem fe he digno d' amor , ou dc
odio :
mas
{a) Ha juftos e fabios , é-c. D outra maneira :
Os juftos , e os fabios , e as fuas obras , eftao na
mão de Deos. Sacf.
(^) E com tudo não fabe o homem , Efte
he hum dos Textos , cm que o Concilio Tridcntino
SeíT. VI. Cap. IX. c Can. XIIÍ. fe fundou para
definir contra os Proreftantes, que ninguém neftc
Mundo , por mais jufto que pareça , pódc fabct
Capitulo IX. 25-^
2 mas tudo fe relerva incerto pa-
ra o futuro , {c) vifto acontecerem to-
das as couías igualmente ao jullo e ao
ímpio, ao bom e ao máo , ao puro e
ao impuro, aoque íacrifica viclimas, e
ao que deíprcza os íacrincios : aiTim
como he tratado o bom , aílim tam-
bém he o peccador : do modo que o
he o perjuro , aíGm no he também a-
quelle , que jura verdade.
3 Ifto he (d) o que ha de peior
entre tudo o que fe palfa debaixo do
Sol, o fuccederem a todos as mefmas
coufas : daqui vem que não fó os co-
rações dos filhos dos homens (e) fe en-
chem
que cftá em graça de Deos, fem efpecial revela-
ção que diíío tenha. Pereira.
(O y^fio nconteccrem todas /IS coufas , ó c. Por-
que permitte Dcos que promifcuamente a bons c
máos aconteçào proíperidades e defventuras. Me-
/ÍOQUIC.
(jí) O que ha de peiov. Em razão de ncgirem
os mundanos a Providencia , vendo que Deos com
igualdade ufa deftc Attributo para com bons c
máos i e de inferirem por iílo que podem correr
á rédea folta cm fcguimenio dos fcus appetites.
Pereíka.
{j) Sc enchem de malícia , ^c. Os ímpios ,
vendo que fc obfcrva a mefma lei da Providencia
EcCLESI A STES.
chem de malícia, e de delprezo, du-
rante a fua vida, mas também que de-
pois difto ferão conduzidos aos Infer-
nos.
4 {f) Não ha ninguém , que viva
fempre, nem que tenha efperança dif-
to : mais vai hum cao vivo , do que
hum leáo morto.
5' Porque os que eftâo vivos fabem
que hão de morrer , porém os mortos
não fabem mais nada, nem d'alli por
diante elles tem alguma recompenfa :
porque a fua memoria ficou entregue
ao efquecimento.
6 Também o amor , e o odio , e
as invejas perecerão juntamente (g) com
os
para com os bons e máos , fazem-fe mais obfti-
nados na maldade, c aííim pcrfcveráo nella até á
morce , dando comfigo no Inferno , que hc o para-
deiro dos que morrem mal. Calmet.
(/) Não ha ninguém , 'ò'C. Neítc , c nos fc-
guinres vcrfos continua Salamáo em difcorrer fe-
gundo os princípios dos mundanos , que põem to-
da a felicidade do homem na vida prefente , e no
logro dos bens temporaes , como fe depois da
mone náo reftaíTe mais nada que gozar, nem que
padecer. Pereira.
(g) Cem os mefmos. lílo hc , com os me imos
mortos. Pereira,
Capitulo IX. 25*7
os mefmos , nem elles tem parte nef-
tc leculo, nem tão pouco em obra al-
guma, que fe faz debaixo do Sol.
7 Vai pois , e come o teu pão com
alegria 5 e bebe comgoftooteu vinho:
porque a Dcos jgradao as tuas obras.
8 (Z?) Os teus veílidos lejao em
todo o tempo brancos , e não falte o
oleo que unte a tua cabeça.
9 Goza da vida (i) com a mulher
*que amas por todos os dias (/) da tua
vida inftaVel , os quaes te forão dados
debaixo do Sol por todo o tempo da
tua vaidade : porque eíla he a tua par-
te na vida , e no teu trabalho , com
que te affadigas debaixo do Sol.
Obra
(h) Os teus vejiidos fejao , ^c. Os veftidos
brancos , c a cabeça banhada de oleo são os fmacs
de regozijo. Saci.
(/) Com a mulher , <ò^c. Por mulher entende
S. ]cronymo cm fentido myftico a fabcdoria , que
deve fer amada , e que ferve d' alivio , ajuda , c
coníolaçáo ao homem nos trabalhos da vida. Pe-
reira.
(/) Da tua vida injiavel. A' letra: da vida da
tua injlabilidade ,\í\o he, por todos os dias da du-
ração do teu fer inftavcl , ou da tua frágil , cadu-
ca , e tranfitoria exiftencia. Pereira.
25'8 ECCLESI ASTES.
10 (;;;) Obra com prefteza tudo
qiiíinto pode fazer a tua mao : porque
na fcpultura 5 para onde tu te apreíTas,
não haverá nem obra, nem razão , nem
fabedoria , nem fcicncia.
11 Eu me voltei para outra coufa ,
e vi que debaixo do Sol não he o pre-
mio para os que melhor (;;) correm ,
nem a guerra para os que são mais for-
tes , nem o pão para os que são mais
fabios , nem as riquezas para os que
são mais doutos, nem a boa acceitação
para os qw são mais hábeis artificcs:
(o) mas que tudo fe faz por encontro,
e por cafualidade.
O
Cw) Obrd com prejieza tudo , ^'C, Quer dizer
no ícnrido dos ímpios : Dá-te prcíTa a gozar dc
todos os divertimentos , e de todos os deleites,
viíto fer tão breve a vida , c acabar tudo com ella.
Também fe podem explicar eftas palavras da pre-
paração , (]ue todo o homem deve fazer para a
Erernida'ie , procurando feriamenre aproveitar-fc
dos precioíos momentos de vida , que Deos lhe
dá para iíTo. Pere ra.
(w) Correm, Confira-fc S. Paulo na I. aos de
Corintlio IX. 24. fallando também dos que corrido
no eftádio. Pereira.
(0) Mas que tudo fe {az por encontro , e por
cafualidade. Argumento ^ c conclusão dos ímpios.
Capitulo IX. 2^^
12 O homem náo fabe que fim fe-
ra o feu : mas do modo que os peixes
são apanhados no anzol , e aíllm como
as aves cahem no laço , aílim os ho-
mens fc achão prezos (p) no tempo
máo, quando efte der fobrelles de ini-
provifo.
13 Vi também debaixo do Sol
hum eíFeito de fabedoria que já vou
a dizer, e que eu approvei por muito
grande :
14 havia huma pequena cidade, e
nella fe achavão poucos homens : veio
contra ella hum grande Rei , e em
torno da mefma fe entrincheirou, e fez
ao redor as fuas fortificações , e ficou
aflim completo o affedio.
. E
cm cujo nome vai ainda difcorrendo Salamão. Por-
que quando clle falia , fegundo os fcus próprios
fentimentos , já nós o ouvimos dizer nos Provér-
bios XVI. Que os bilhetes das fortes fe metton
na dobra do vejtido , mas que Deos he o que os
tempera. Boa prova de que tudo ncfte Mundo he
governado pela Divina Providencia , e nada fucce-
de por acalo. Pereira.
(p) No tempo mão , òt. Ifto he , no tempo
da morre , quando ella apanha os homens incau-
tos, c dcfaperccbidos. Pereiíla,
EcCLESIASTES.
15' E achou- fe nella hum homem
pobre e fabio , e livrou a cidade peJa
ília fabedoria , e nenhum depois difto
fe lembrou mais daquelle homem po-
bre.
16 E dizia eu , que a fabedoria
era rhelhor do que a fortaleza : como
foi logo defprezada a fabedoria do po-
bre, e como não foráo ouvidas asfuas
palavras ?
17 {q) As palavras dos fabios são
ouvidas em íilencio , mais do que o
clamor do Príncipe entre os infenlatos.
18 Melhor he a fabedoria, do que
as armas da gente de guerra : (r) c a-
quel-
(^) As palavras dos fahios , e5>'f. Quando ru
vires a qualquer na Igreja feito decldmador , c
com hum certo ar de attraélivo afíeciado, e com
íionaire de palavras excitar os applaufos , provocar
os íifos , e mover os ouvintes a affcclos de ale-
gria , fabe que ifto hc hum fmal da iníipienc a ,
tanto daquelle que falia , como daqucUes que ou-
vem. S. Jeronymo.
(r) E aquelUj que peccar , ^c. Nenhuma re-
gra , ou diciamc de prudência deve defprezar o
íabio, para que fenáo venháo a feguir d" ahi mui-
tos e grandes males , tanio a fi , como ao Eftado,
Também no fentido Moral , o peccador quando
Capitulo X. 161
quclle , que peccar numa fó coufa ,
perderá muitos bens.
commette hum peccado , faz-fe réo dc muitos.
Ou , fcgundo Menoquio , poJendo-fe efte lugar
verter do Hcbreo : hum fó peccador perderá muito
bem y parece fer efta huma antíthefe do que ficou
dito , a qual moílra que aflim como hum fó ho-
mem fabio póJe falvar huma Cidade ; aífim tam-
bém pelo peccaJo d' hum íó pôde ella perecer , c
acabar. Acan he hum dos que fe podem apontar
por exemplo deíla verdade , Jofuc VII. 5. Pk-
KEIRA.
CAPITULO X.
Co7ífequencias funejlas da imprudência.
Imprudentes , e ef cr avos elevados à
Dignidade, Caraéler do maldizente.
Rei menino. Príncipes glotoes. Não
dizer mal do Rei,
i (a) AS m.ofcas que morrem no
XjLbalfamo, fazem-lhe per-
der
(4) j^s mofcas , &-c, O feniido deftc lugar fc-
gundo o Hebreo, he, que aflim como quando íc
acha qualquer mofca dentro d" algum licor , por
mais deliciofo que feja , logo faz enjoo a quem
no vè ; do mefmo modo a menor imprudência ,
ou razáo fóra de tempo , ferve de dcfcredico e dcf-
202
ECCLESIASTES.
•der a fuavidade do cheiro, (h) Huma
parvoíce ainda que pequena, e de pou-
ca dura , dá occalião a não fe fazer ca-
io da fabedoria, nem da gloria.
2 O coração do fabio (c) eftá na
fua mão direita, e o coração do infcn-
fato na fua cfquerda.
3 Mas até o imprudente j que vai
pe-
luftre ao fabio. Ou tambcm conforme outra expo-
ílção : Toda a prudência junta com fin^eleza ,
candura , c rectidão fem malícia nem artificio , a
qual os mundanos reputáo de ordinário por fatui-
dade , vai mais do que a fabedoria or^ulhoía , c
floria ufana dos que debaixo do pretexto de de-
iPender a própria honra não fofFrcm injuria algu-
ma , c com a capa de honeftidade encobrem a
ambição que tem reconcentrada no feu efpirito.
Pereira.
(^) Huma parvoíce , é-c. A' letra : Mais pre-
cíofa he do tjue a fabedoria e do que a floria, a pe-
qúena ejiulticia e atempo. Náo ha couía mais cer-
ta , como pondera Calmet. P^raquehum fej?. ver-
dadeiramente fabio, hc ncceíTario que o Mundo o
tenha por infenfaro ; donde fe vè o quáo oppof-
tas c contrarias sáo as maxinas do feculo as da
verdadeira fabedoria. Pereira.
(c) EftÁ na fua mío direita. líto he , o cora-
ção do fabio inclina-fe c tende ao bem , e o do
infenfato ao mal. Já fe vè que a máo direiía fi-
gnifica as boas obras, e o bom inâituto dc vida,
c a cfquerda o contrario. Pereira.
Capitulo X. 263
pelo feu caminho , fendo elle hum in-
lenfato, a todos reputa como taes.
4 (d) Se o elpirito daquelle , que
tem o poder, fe elevar fobre ti , não
lar-
(^) Se o efpirito daqmlk , qaetm o poder ^fe
elevar fobre ti , ^c. Quer dizer : Se o efpirito ,
por exemplo , de malícia , dc inveja , de calumnia ,
ou hum fopcrior intratável e de aípera condição,
fe ekvdr fobre ti , tiao lar<rues o teu pojio : procu-
ra confcrvar-tc com humildade , reíignaçáo , e pa-
ciência noeft,:docm que te achas, oífcreccndo tu-
do a Deos. Porque ejie reuiedio tecurnrâ dos waiores
peccados : a mefma perturbação c anguíliá , que
te caufarem , fervirá ás mui efhcaz medicamento
para curai as maiores e mais perigofas enfermida-
des da tua alma: Ou ícgundo paraírazca de Câr-
lieres com approvaçáo de BoíTuet , e de CdJmct:
Se o animo do Príncipe fe te moftrar benévolo,
e favorável , elcvando-te a alguma dignidade ^ não
largues o teu pofio^ ii\o he, não te enfoberbeças
porcrta honra: porque o remédio , de que tu ufas
nerta occafiáo contra a fobcrba , te curará dos ma-
iores peccados, e te fará evitar grandiflimos ma-
les. Outros entendendo por cfte efpirito que tem
o poder, o efpirito maligno, expõe alíim iodo o
verlo : Se o efpirito das trévas , o Príncipe defte
Mundo , o Chefe das Poteftades do Inferne; fe ele-
var fobre ti, fazcndo-te fuccumbir á tentação , c
cahir em peccado , não deixes por iíTo o leu lu-
gar , náo defefperes d' alcançar perdão ; recorre á
penitencia , como a rem<"dio dos teus males , c
cila le curará dc todos. Ou também : Sc tu fores
2 64 EcCLESIASTES.
largues o teu pofto : {e) porque cfte re-
médio te curará dos maiores peccados.
5' Ha hum mal , que eu vi debai-
xo do Sol 5 fahindo (/) como por erro
da prefença do Príncipe :
6 evem a fer, o imprudente conf-
tituido numa fublime dignidade , {g) e
os ricos allentados em baixo.
7 Eu vi (/;) os efcravos a cavallo ,
(/) e os Príncipes andando a pé fobre
^terra como efcravos. ^
tentado para deixares o caminho da virtude , não
largues a vida começada ; tem-te firme na ma pri-
meira refoluçáo. Aííim expõe Santo Ambrofio,
S. Jeronymo , S. Gregorio Magno , e S. B-rnardo ,
citados por Calmet. Mas o primeiro fentido pare-
ce mais literal. Pereira.
(e) Porque efie r médio , ó-c. A' letra : porejue
a cura fará ceffar os maiores peccados. Pereira.
(/) Como por erro. Os Setenta: como involun-
tariametite ; porque de ordinário náo acertáo os
Principes em darem os empregos aos beneméri-
tos , mas fò aos que sáo menos dignos , por cau-
ía das falfas c fubrepticias informações que rece-
bem dos fujeitos. Pereira.
(^) E os ricos , eb'f. Os homens recommen-
daveis pela fua doutrina , virtudes , merecimentos ,
dotes do efpirito. Menoquio.
(/?) Os efcravos , Os homens de baixa esfera ,
ou de animo lervil. Menoquio.
(1) E os Príncipes, Toma-fc aqui cfta palavra
Capitulo X. 16^
8 (/) Aquelle , que abrio huma co-
va 5 cahirá nella : {m) e o que desfaz
a feve , mordello-ha a cobra.
9 (;;) Aquelle , que tranfporta pe-
dras, lerá maltratado delias : e o que
racha (0) lenha , ferido fcrá das lafcas.
10 (p) Se o ferro eftiver embota-
do 5 e elie não for a amolar para fe
pôr como dantes, mas fe ainda em li-
ma fe fizer mais rombo , com muito
trabalho fe aífiará , aílim depois da in-
duftria fe feguirá a fabedoria.
Princípes no mefmo feniido , em que afiima fc
acha a de ricos. Mrwoquio.
(/) Aqmlle y qae abrio, Confira-fe o Sal-
mo VIÍ. i6. Provcrb. XXVI. 27. XXVIII. 10.
Pereira.
(w) E O que desfaz , ó'C. Aquelle , que ácf-
ampara as doutrinas que teus pais lhe enfindráo,
que quebra as leis d\ Patria , e que pretende ar-
ruinar oefta^o da Republica, ou a ordem da Re-
ligião , expòe-fe a hum graviflimo perigo. Gal-
MET.
(w) Aquelle, que trjttifporta pedras , <^c. FTc
allcgoria , que moftra rHundar em prejuizo pró-
prio a acçio do que faz mal a outro. Pereira.
(o) Lcnht. Tft3 he, arvores alheias, damnifi-
cando o lono delias. Pekeika.
(p) Se o ferro j Aflim como a machadi-
2^6 EcCLESIASTES*
11 (q) Aquelle , que detrahe oc-
cultamente d' outrem , não hc menos
do que huma ferpente , que morde á
calada.
12 As palavras 5 que fahem da bo-
ca do fabio , são cheias de graça : e
os lábios do infenfato precipitai lo-hão.
13 As fuas primeiras palavras são
huma parvoice , e as ultimas que lhe
fahem da boca, são hum erro pélUmo.
14 O infenfato todo fe efpraia em
fallar. O homem não fabe, que he o
que foi antes dcUe : e quem lhe po-
derá indicar , que he o que fcrá de-
pois ?
ly O trabalho dos infenfatos affli-
gira aquelles , (r) que não fabem ir á
Cidade.
Def.
nlia , ou a efpada , não fc lhe dando ufo , cria
ferrugem , c perde o fio para cortar ; do mcTmo
modo o engenho cultivado nai fciencias, no cafo
que fe interrompa o cftudo da íabedoria , fica tam-
bém rombo e obtufo. Menoquio.
{q) Aqudk ^qiie detrahe y óy. A' letra. Se hw
tm ferpente morder fem ruido , nada tem de menos
doQue aquelle ^ que detrahe occultamcnte. Pereira,
(r) Que não fabem ir á Cidade, lílo he , náo
fabcin nem ainda as coufas mais obvias , c mais
Capitulo X.
16 (j) Dcfgraçada de ti , terra ^
cujo Rei he menino , e cujos Prínci-
pes comem de manhã.
17 Ditofa a terra , cujo Rei he
d^huma família ílluftre , e cujos Prín-
cipes comem a feu tempo para refaze-
rem as forças , e não para lifonjcarem
o appctite.
18 Pela preguiça fe irá abatendo
pouco a pouco o madeiramento do te-
£lo , e pela debilidade das mãos virá
a chover cm toda a cafa.
19 Os homens empregão (t) o pão ,
e o vinho no feu prazer , («) vivendo
Tom. XI. S pa-
conhecidas. He hum Provérbio , que correfponcíe
ao nofío : Eíiar m rua , e nao ver as afãs. Pereira.
(j) Dcfgra^ada de ti, terra , ^c. He o quo
depois tornou a repetir Deos por líaias , III. 4#
Dabo pueros Príncipes eorum : Eu lhes darei Prín-
cipes meninos. Pekeiia.
(í) O pão ^ iò'c. O páo c o vinho íignificâo
lodus 3S delicias da comida e bebida. Menoquio.
(li) Vivenio ^ ^c. Ou , a fim de paffarem A
vid4 em banquetes , o que vem a dar no mel mo
fenciJo. Falia o fabio daquelíes , cujo Deos , co-
mo diz o Apoftolo aos Filippcníes III. kj. hc o
feu ventre. Pereirj,.
268
Egclesiastes.
para fe banquetearem : (x) e todas as
coufas obedecem ao dinheiro.
20 Não digas mal do Rei , ainda
no teu penfamento , c não falles mal
do rico, ainda no retiro da tua camará :
(y) porque até as aves do Cco Icvaráo
a tua voz (z) e o que tem pennas da-
rá noticia do teu ícntimento.
CA-
(x) E todas as coufas ohedecm ao dinheiro. To-
dos os homens dc todas as idades fabem itto , e o
prova a experiência de rodos os feculos. Neíte Rei-
no da cubiça c da avareza nada ha que fe náo
eíFeituc, alcance, vença por dinheiro. Tudo con-
feguirá o que liver cabedaes e riquezas. Calmet,
Çy) Porque até as aves , ó^c. Nem por penfa-
mento fe deve dizer mal do Rei, mas íaliar deile
fempre com obfcquio c refpcito. A hypeibole das
aves moftra o quáo deprcíTa chega , como voan-
do, aos ouvidos do Rei o mal que fe diz dclle,
deícoberto pelos exploradores, clpias, ou cicutas
que íe querrm introduzir a fi por meio da ruina
dos outros. Nefta conformidade he que os Portu-
guczes fe explicáo, dizendo: As paredes tem ou*
vidos. PlRKlKA.
(z) £ o que tem pennas, io-c. As aves : He
fcpeiiçáo he4ucntcmcnic ulada pelos Hcbreos,
Men oquio.
ECCLESIASTES. zó^
CAPITULO XI.
Dar efmoJa. Obras de Deos incógnitas.
Ter continuamente diante dos olhos o
'Juízo de Deos, Vaidade da mocidade,
^ (^) X" Ança o teu pao fobre as
■J À aguas que pafsáo : porque
depois de muitos tempos o acharás.
2. (Z') Reparte delle com ícte , e
S ii ain-
{a) Líinca o teu pao, óc, A todos os pobres,
que pafsáo como a corrente d' hutn rio , da címo-
la, ícm cfperar delles recompcnfa alguma tempo-
ral ; porque no tremendo dia da rclurreiçao dos
mortos , cila te aproveitará para entrares na Bem-
avcnrurança. Ora pelas Mguís fe entende a multi-
dão de homens ainJi noutros luí^ares da Efcricu-
ra. Veja-fe o Livro II. dos Reis XIV. 14: com o
Apocalypfe XVII. 15. Pereira.
(Jf) Ripme dclle com fete , e aittda com oito. Qncc
dizer, reparte com to.ios os ncccllitados : que he
o que também depois diíTe Chrifto, Lur. V^I. ^o.
Omni petemi te, tribue : Dá a todo aquí"lle , que
te pedir. Poz Salamâo o numero definitivo pelo
indefinido; fete ^ ou oito, por muitos, Aíiim Mi-
qucas, V. 5, Septem paftorcs , é-o^o primates:
Sete Paftores, c oito Magnates ; iílo hc, muito*?.
Donde infere S. Jcronymo , que fe deve fn'oreccc
a todos , fem diffcrcn^a : Indifci ete façiendum be*
tiè, Fereiua.
^70 ECCLESI ASTES.
ainda com oito: (c) porque nâo fabcs
que mal eftará para vir fobre â terra.
3 (d) Se as nuvens elli verem carre-
gadas, ellas derraraaráo chuva fobre a
terra. Sc a arvore cahir para a parte
do Meio dia , ou para a do Norte,
(e) em qualquer lugar , onde cahir,
ahi ficará.
4 (/) O que obferva o vento, não
femêa : e o que confidera as nuvens ,
nunca fegará.
(f) Porque tiao [abes que mal , f^c. Do qual
tc poderá livrar a címola , fcgundo o que diz o
Ecclefiaftico XXIX. 15. e o Salmo XL. i. Atéqui
Menoquio. Porém Calmet aponta a razáo de que
podendo vir a empobrecer o rico , deve agora h-,
zer aos outros o mefmo que eJlc então ha de de-
ícjar também lhe façáo. Pereira.
(d) Sc as nuvens, c^r. Do mefmo modo que
as nuvens derramáo agua indiíFerentemente fobre
a terra ; afiim também os ricos devem moftrar,
por meio de liberacs efmolas , o feu enternecido
animo , e entranhas de piedade para com todos os
pobres. Pereira.
(c) Em qualquer lugar , onde cithir , cb-r. On-
de quer que tu cahires derribado pela iempeft:dc
da morte, ?hi permanecerás para fen-pre : Martis
tempefiate fuhveifus , ubicumque cecideris , ibi jugi",
ter remanehts, S. Jerokymo.
(/) O qus obferva o vento , à-c. Neftas pala-
Capitulo XI. 271
5* Do modo que tu ignoras , (g) qual
feja o caminho do eípirito , e de qae
forte fe com paginem os oíTos no ven-
tre da pejada ; aíTim também nao co-
nheces as obras de Dcos , (/;) que he
o Creador de todas as coufas.
6 (í) Semêa de manha a tua fe-
mente , e de tarde não ccíTe a tua mão
de fazer o mefmo : porque não fabes
qual das duas antes nafcerá , fe efta ,
ou aqueila : e le ambas nafcercm a
hum tempo , fera melhor. ^
vras condemna o Sabio a malícia , c o ignorante
cfcrjpulo de muitos ricos, que íe cfcuiáo de dar
crmoia por náo fazerem mais deípezas do que
tem, ou porque lhes pôde faltar para o futuro, ou
por outros quaef'^uer pretextas nafcidos da fua ava-
rrza , deixando allim de lucrar a rerompenfa, que
pelo bem feito aos pobres haviáo fem duvida al-
guma de merecer. Pereira.
(g) Quál feja o caminho do cf pirita. Ifto he,
como fe infunda a alma no corpo , e o anime.
Outros entendera a palavra efpiriío pelo vsnto.
Pereira.
(h) Que he o Creador detod.ts ascoufâs. E que
por iiTo te póJc dar por muitos meios da Tua Pro-
videncia cabedaes para dcfpendercs com os pobres.
Menoquio.
0) ScmèA demiuhâ^ ò-c. De peia manha até
á noicc , ou dcs da mocidade ate á velhice , numa
ECCLESIASTES.
7 (/) A luz he doce , e he coufa
deleitavel aos olhos o ver o Sol.
8 Seohoaiem viver muitos annos,
e cm todos cUes le alegrar , {m) deve
trazer á lembrança o tempo tenebrofo ,
c os muitos dias : pois quando elles
vierem , ferão convencidas de vaidade
as coulas paffadas.
palavra des do ufo dc razão até á ultima boquea-
da , hc obrigado o homem a íazcr náo fó efta da
cfmola , mas todas as mais boas obras que Dcos
requer delie ; porque náo fabe fe agradaráó mais
ao mefmo Senhor as primeiras ou as ultimas , ou
igualmente humas e outras , o que melhor íerá ,
para merecer alua Graça. Pereira.
(/) A luz he doce, ó-c. Ainda que o homem
nelte Mundo viva cheio de gorto e de prazer,
nem por iíTo deve apartar dc íi a lembrança da
morte. Pereira.
(jn) Deve trr.zer ã lembrança o tempo tenehrê'
fo, ó-c, líto he , o tempo da mnrte. Aqui co-
meça a foluçáo d^íS duvidas , c objecções , que
Salamáo fe propunha , quando em nome dos ím-
pios parecia que louvava a vida voiupcuoía. De-
pois de pondcr.ir com os ímpios as conveniências
da vida reg^hda , elle por ultimo lhes lerrbra
a mort? , cm que vem a parar todos os delcifes ,
c pjilTitempos , por que os mundanos tanto fc
dcrvel:o; c drpois da morte, a conta que háo dc
dar a Deos dc tudo o que fizcráo , c gozáráo.
F&A£1KA.
Capitulo XI. 273
9 («) Rcgozi j4-te pois , ó mance-
bo, na tua mocidade, c viva em ale-
gria o teu coração na flor de teus an-
nos j e anda conforme os caminhos do
teu coração , e fegundo os defejos em
que pôcm a mira os teus olhos : mas
labe que Deos te firá dar conta no
feu juizo de todas eftas coufas.
10 Lança fora do teu coração a
ira , e alonga da tua (íarne a malicia.
Porque a mocidade j e o deleite são
humas coufas vans.
CA-
(n) Regozija-te pois , ó mancebo , ^'C, Hc hu-
ina ironia , com que Salamáo confirma o feu def-
cngano. Como quem diz : Alcgra-rc pois , ò man-
cebo, fe hc q :e te podes alegrar á vifta da mor-
te. Celebra elTes teus váos , c paíTageiros diverti-
mentos : mas fabc que ha ds vir hum dia , em
que de todos has de dar conca a Deos. I^creika.
274 EcGLESIASTES.
CAPITULO XIL
Não efperar pela vflhíce para ftrvir a
Deos. Enigma da velhice. Vaidade das
coufas do Alu77do, Temer a Deos , e
objtrvar os feus Mandamentos.
I Embra-te do teu Creador nos
jLidias da tua mocidade , antes
que venha {a) o tempo da afflicçao, e
cheguem os annos , de que tu digas:
Ella idade não me agrada :
2 (]?) antes que íc efcureça o Sol ,
e a luz, e a Lua, e aseftrellas, e tor-
nem a vir as nuvens depois da chuva :
3 {c) quando os guardas de tua ca-
ía
(jk) O tempo da afflic^So, O tempo da velhice:
MenO(^uio.
(/'J ydtues que Je efcure^d o Sol , e a luz, ò^c.
Dcbkixo d' huma cnigmarica allcgoria dcícrcvc
Salamáo dcfdo vcrfo 2. até o 6. os trittes effci-
los , que a velhice vai caufando no homem , co-
meçando pela falta dc viíta , c pelos coniinuos
defluxos. Pereira.
(c) Quando os guardas de tua cafa, é^c. ífto
he , as máos , ou os b^ços , que foráo fcitoi
p^ra defe nder o corpo. E os homens m^isfortes^f
<^f. Ifto he , as pernas , c as coxas , que fui-lcti-.
Capitulo XIL 275:
fa começarem a tremer , e os homens
mais fortes a vergar, e eftivercm ocio-
fos em apoucado numero os que moem ,
e os que vem pelos buracos principia-
rem a cobrir-le de trevas :
4 (d) e quando íe fecharem as por-
tas na /ua , pela voz baixa do que
móe 5 c fe levantarem ao canto da
ave, e todas as filhas da harmonia en-
íurdccerem.
5- (e) Elles terão medo também
dos lugares altos , e temeráó no ca-
mi-
táo o corpo. Os que mcem , ou os moedores , ^y.
lílo hc , os. dcnicí. E os que vem pelos buracos ,
iilo hc, os olhos. Pereira.
(d) E quando fe fecharem as portas na rua. Ifto
hc, os lábios, ou os beiços , que cahindo os den-
tes, fe fecháo, c náo dcixáo Idhir bem a voz. E
fe levantarem ao canto da ave. Como lem o íono
leve , levan áo-fe os velhos ao cantar do gailo. E
todas as filhas da harmonia enfw decerem. Por falta
ouvir eíUo os velhos privacos de perceber a
fuavidade dos concertos mullcos. Pereira.
(f) Elles terão medo tamoim dos lugares altos ^
^'C. Pela tr.iqueza, em que fe acháo, remem os
ví^lhos os lugares altos, porque IhvS cuft,^ fubil-
los ; c temem os planos , porque eftes melmos
fc lhes reprefeniáo cfcabroíos. PeaEiÊA.
276 ECC LESI ASTES.
minho, (/) a amendoeira florecerá, o
gafanhoto engordará , c a alcaparra fe
extinguirá : porque o homem ira para
a cafa da fua eternidade , e carpindo
ao redor delle, o irão acompanhando
pelas ruas.
6 (g) Antes que fe rompa o cor-
dão
(/) j4 amendoeira florecerá, Branqur;ar-Ihcs-
háo os cabclios , expóeS. Jcronymo. O gafanhoto
engordará: itto hc , fcgundo BolTucc : as coufas
ainda mais pe^]uenas lhes parecerão muiro avulta-
das. Outros em lu^^ir de gafanhoto gordo , ver-
tem o artelho inchado , como traz o Caldeo , fi-
gnificando a gota que dá nos velhos, ou ns per-
nas inchadas pelo decúbito dos humores. E a ai»
caparra fe extinguirá. Por alcaparra entendem aqui
muitos com S. Jcronymo o appctite, ou a concu-
pifcencia : outros a aclividadc dos cfpiritos ani-
maes. Pereira.
Q^) yíntes que fe rompa o cordão de prata , ér-r.
Muitas e varias são as intelligencias deite lugtr.
O que parece mais provável he , que fe entenda
por cordão de prata a cfpinhal medulla , que naf-
ce do cérebro, e vai pelo meio do efpinhaço até
o oíTo facro , fahindo delia huma grande quanti-
dade de nervos , que fe diftribuem quafi por to-
das as partes do corpo , chamando-fe com muita
propriedade de prata efte cordáo por caufa da fo-
lidcz c alvura dos mefmos nervos : pela fitta de
ouro que fc retira , ifto hc , que fc encolhe e ar-
fuga fc entendem as meninges^c^t sáo duas mcm-
Capitulo XII. 277
dao de prata , e fe retire afitta de ou-
ro , e fc quebre a cantara fobre a fon-
te , c fe desfaça a roda fobrc a cif-
terna ,
7 (h) c o pó fc torne na fua terra
donde era , e o eípirito volte para
Dcos 5 que o deo.
Vai-
branas que involvem o cérebro , a que dáo o nome
de pia-mater , e dura-mater ou , legundo outros ,
denota aqui a mencionada Jitta a bexiga do fel ,
ainda que a palavra Hebrea , a que correfponde
phiali , pódc igualmente denotar o esfinder : por
cantara fe tomáo os rins , e a bexiga da ourina :
peia roda em fim a cabeça fobre a cavidade do
peito íigni ficado pela cijterna. Seja pois qualquer
que for o fcntido deitas exprefsóes , he certo que
iodas ellas vem qu^fi a apontar com o dedo , e
moílrar ao oliio a morte, a feparaçâo d' alma do
corpo, a que eftcve unida. Pereira.
(^h) E o pó fe torne na, fua, urra , éi'c. Eftá
de todo decifrado o enigma. O feu objcòto he a
máquina do corpo humano , tornando-fe na ter-
ra , de que fora formado ; mas a alma como cf-
piritual , e immorial , voltando para Deos, que a
tinha crcado do nada. Com a expoíiçáo pois do
enigma nos dá Salamáo também nefte vcrfo a fo-
luçáo daquella queftáo , que ellc propuzcra no
Cip. ÍII. verfozí. Quem fahe fe o efpirito dos fi-
lhos de Adio fóbe para fimt , e fe o efpirito dos
brutos defce para baixo^. Porque aijui decide Sala-
máo , que na morte do homem cada hum dos
278 ECGLESI ASTES.
8 Vaidade de vaidades , difle o
Ecclefiaftes , e tudo vaidade.
9 O Ecclefiaftes como era muito
fabio, enfinou o Povo, e contou o que
tinha feito , e inveftigando compoz
muitas Parábolas.
10 Elie bufcou palavras úteis , e
efcreveo difcurfos ajuftadiíUmos , e
cheios de verdade.
1 1 (í) As palavras dos fabios sao
como huns eftimulos , e como huns
cra-
dous extremos , que eíTencialmentc o conftiiuiáo
torna para donde tinha vindo : o corpo como for-
mado do limo da terra , torna-fc cm terra , c a al-
ma como produzida por Deos do nada volta p/íra
Dcos , em quanto volta para Ter delle julgada fe-
gundo os fcus merecimentos. Logo a alma náo
morre com o corpo , mas fica permanecendo vi-
va , e immortal. E confequentemente p^Io que
Sálamáo efcreve neíte ultimo Capitulo de fua pró-
pria lentença , fc conhece que tudo o que elle nos
Capitulos antecedentes dilTcra apparentemente em
contrario , ou era fallando por modo de quem
difputa , e argumenta por iniagar a verdade, ou
era fallando em nome, e em pcíToa dos ímpios,
que punháo o íeu ultimo fim no gozo dos delei-
tes fenfuaes , negando a Providencia de Deos , c
a immortalidade d alma. Pereira.
(i) yÍ5 palavras dos fabios , 'i^^c. Entende Sa-
lamáo as Sagradas Efcrimras, c aa Tradições, que
\
Capitulo XII. 279
crâvos profundamente pregados , que
por meio do confelho dos Meftres nos
íbrão communicadâs pelo único Paftor.
12 Não buíques pois, filho meu,
mais (/) coufa alguma fora deftas. Não
fc poe termo cm multiplicar livros: e
a meditação frequente he afflicção da
carne.
1 3 Ouçamos todos juntos o fim
deftc difcurfo. (m) Teme a Deos , e
obferva os feus Alandamentos : porque
iílo he o tudo do homem :
e
pelo minifteriodos Meftres como por huma fuc-
ccfsáo contínua , c propagação Ecclcfiaítica fo-
ráo dadas , c communicadás aos Fieis por Deos
fcu único Paftor , c Author principal das mcTrnas
Efcrituras. Atéqui Menoquio. Porém o tiiulo de
Mcftre, como diz Calmec , vem muito ao jufto,
e compete com muita propriedade também ao
iriçfmo Salamáo , por ter collegido nos Provérbios
toda a Doutrina Moral da Lei , c toda a erudição
dos Anr'>os. Pereira.
(/) Couft alguma. Ifto h? , melhor. Porque
ainda que fe efcreváo livros innumeraveis , toda-
via nem todos são úteis , c gafta-fe muito tempo
na fua liçáo , c cançáo-fc os olhos c o entendi-
ment'>. Menoquio.
Teme 4 Deos , e ohfcrva os feus Manda»
vumos. Se o temer a Dtoi , e ohjcrvar os feus Man*
a8o E CG L ES I A S T E S.
14 (;/) e de tudo quanto fe com-
mctte fará Deos dar conta no fcu Juí-
zo em a t tenção dc todo o erro , feja
boa ou má effa coufa , qualquer que
for.
Fim do Livro Ecclesiastes.
PRE.
dmcntos , he o fim defte Livro : logo o que Sa-
lamáo dcs do principio rcpetio tarras vezes , íju€
evA vaidade ' tudo o que fe pafava debâixo do Sol ^
íe deve entender , excepto o temer a Deos , e
obfervar os feus Mandamentos, Forque iíio (pro-
fegue clle ) tanto náo he vaidade , que antes he
o tudo do homem, Reconheçáo logo , c confeíTem
os nolíos Epictíreos , iílo he , os Libertinos , e
Materialiftis , que o intento dcSal.uTiío neílc Li-
vro não foi approvar, e pcrfuadir a fatisfaçáo dos
appctites i mas dar por vaidade tudo o que fe náo
cncaminhalíe a fervir a Deos para o goz^r eterna-
mente , como ultimo fim , para que fomos orça-
dos, Perfiha.
(m) E de tudo , ó^c. Todas as obras do ho-
mem chamará Deos a Juizo , náo fó para cafti-
gar as más , e premiar as boas , ícnáo tambrm
para neftas ultimas punir as imperfeições com que
foráo feitas. O Hebreo diz : Porque toda a obra
fará Deos vir a juizo , com tudo o que hc oeculto ,
ou feja boniy ou feja mão, Pereiea.
PREFAÇÃO
SOBRE O
CÂNTICO DOS CÂNTICOS.
ESte divino Livro chania-fe em a
frafe Hebraica o Câníko dos Cân-
ticos por caufa da fua excellen-
cia , e fublimidade ; bem como namef-
ma frafe fc diz o Deos dos Deofes , o
Rei dos Reis , o Ce o dos Ceos, E chama-
le affim por fer efte Cântico o mais ex-
celi ente , não fó dos que compozSala-
mão, (que, como lemos na Efcritura ,
III. Reg. IV. 32. , chegarão a mil c fin-
co, ou, como dizem os Setenta, finco
mil) fcnâo o mais excellentc de todos
quantos ha. Nelle defcreve Salamão
em eftilo de EcIoQ^a , e em forma de
Epithalamio , o feu cafamento , e caflos
amores com n Princeza do Egypto , fi-
lha do Rei Faraó, de que também faz
menção a Efcriturí! , III. Reg. III. i. Os
Interlocutores nefte Drama são o Efpo-
fo , a Efpofa , e as Filhas de Jerufalem ,
debaixo de cujo nome fe entendem as
Damas , ou companheiras da Efpofa.
Ora
282 Prefação.
Ora a função das vodas cnrre os Hc-
breos coftumava durar fete dias, como
fe colhe do que Labão diíTc a Jacob,
Gen.XXIX. 27. e do que fe lê do ca-
famento de Sansão 5 Jud. XIV. 14. if.
17. Eftes mefmos iete dias porém são
os que o grande BoíTuet achou afsás
claramente notados no prefente Poema
Nupcial, cos que elie teve cuidado dc
ir apontando nos refpeftivos lugares do
fcu Commentario: no que depois o fe-
guírão Duhamel , Calmet, c o Abbade
de Vence , o qual neftes fere dias dco
por figuradas fete diverfas idades da
Igreja Catholica. Porque he de faber,
que ainda que no fcntido hiftorico hc
ellc Cântico hum Epithalamio , que Sa-
lamâo compoz aofeu cafamento com a
Filha dc Faraó ; a Tradição conftan-
te de todos os Santos Padres tem , c
enfina , que na figura dcfte cafamento
deSalamao comaPrinccza doEgypto,
intentou o Efpirito Santo exprimir ou-
tros Defpoforios muito mais illuftres, e
elevados , quaes são os do Verbo En-
carnado com a Natureza humana , cont
a
PREFAqSo. 283
a Igreja , c com cada huma das almas
jullas. E aíTim o quinto Concilio Ge-
ral , que foi o fegundo de Conítantino-
pia, na Collação IV. deo por huma he-
relia de Theodoro Bifpo de Mopfuef-
tia , inliftir eíte de tal forte no fentido
exterior do Cântico dos Cânticos, que
excluia o efpiritual , c myftico; quan-
do a eíle fegundo he que toda a Igreja
reconhecera fempre peio fentido , que
o Efpirito Santo principalmente inten-
tara lignificar.
Segundo eftâ conftante Tradição dos
Maiores, cfcrevia juftamente S.Bernar-
do no Sermão I. fobre os Cânticos : O
Rei Saiam ao , ftngular na fabedoria , fubli-
tm fia gloria , afjiuente em riquezas , fe-
guro na paz , infpirado divinamente , can^
toii nefle Livro os louvores de Chrifto , t
da Igreja , e o Sacramento dos Defpcfo-
rios eternos , e exultando de alegria den-
tro no feu efpirito compoz em forma de
agradável elogio , pofto que figurado , a
poética defcripção dejie Epithalamio , en-
cobrindo até elle mefmo , d maneira de
Moyfés , a fuaface , por ferem raros na-
Tom. XI. T qutl-
284 Prefação.
quelle tempo os qtte tinhão forças para com
41 face defcoberta chegarem acorrer as cor-
tinas a hiima tão grande gloria como ejla.
Ao mencionado fentido pois todo
cfpiritual , e myftico , he que devem
elevar o íeu coração todos os que le-
rem efte divino Cântico : confideran-
do nelle não as finezas, e deleites do
amor carnal entre hum Efpofo , c hu-
ma Efpofa humanos ; mas fim as fine-
zas do amor eterno do Filho de Deos
para com a fua Igreja, c as inefFaveis
delicias , que elle tem preparado no
Ceo para os efcolhidos. Todo o que
não ler com efta difpofição, c precau-
ção efte Livro , em lugar de achar
nellc hum efpirito , que vivifique ,
achará huma letra que mate. Por ifio
os antigos Hebreos , Prefidentes da
Synagoga , como depois de Origenes
attefta S. Jeronymo na Prefação fo-
bre Ezequiel , não permittião a lição
dcfte Cântico dos Cânticos, fenão aos
que já tiveflem trmta annos de idade.
É Gerfon diz , que antes defta ida-
de o não lião no íeu tempo nem os
mcf-
P BEFAqXo, 285'
mcfmos Doutores. Pela mefma razão
tanto devem fugir todos do carnal ,
c impudico Comrr.entario de Grocio ,
que conhderando impiamente cite Epi-
thalamio , como fe foíTe o de Theo-
crito , feito ás Núpcias ãe Meneldo , e
Hélena , fe põe a explicallo todo num
fentido profano ; quanto cingir-fe á
idéa, que dos myfticos amores do Ef-
pofo, edaEfpofa nos deo o Padre de
Carrieres no Summario de cada Capi-
tulo, que hc a mefma que nefta noíTa
Versão propomos, fcgundo o Efpirito
da Santa Igreja.
T ii CAN-
(a) CÂNTICO DOS CÂNTICOS
(l>) DE SALAMÃO,
EM HEBREO SCHIR HASCHIRIM.
CAPITULO I.
De(^^]o.^ que tem a Igreja de fe unir a
Chrifl:», Delicias que acha Jíefla união.
Favores que rec^he. Eíla conf-ffa as puas
im^y^r feições. EJlas são effeitos da ma-
licia do demónio. Temor que tem , não
fe extravie ella , quando bufe a a Jefus
na terra* Dejejos de o pojjuir no Ceo.
A Esposa.
I (c) A Ppliquc cllc os lábios ,
/jL djiido-rrie o ofculo da fiia
boca : {d) porque os reus
peitos são melhores do que o vinho,
fra-
{d) Cmico dos Canú-o^. 0<; que coordiná-
fáo o Breviário Romano no? Oflícios da Vifita-
çáo , e daA iumpçáo dcN.)iTa Senhoril, puzeráo
a cfte Livro hun ritu'o do p^ur.d : Cwicos dos
Cânticos : fera dúvida porque coníidcráráo cm cada
288 Cântico dos Cânticos.
2 fragrantes como os mais prccio-
fos
Capitulo feu Cântico. Porém O.igenes tinha defap-
provado efte modo de citar ; porque via que tanto
o Hebreo , corno a Versão dos Setenta iraziáo o
íin^iílar , que he o mermo Tiiulo que o Author
da^'''ulgata Latina ramoem coníervou. Piruka.
{b) Ve Salamao. C^uc quer dizer , Padf.co : no-
me, que, con)0 obferva ii. Bernardo , quddrabtm
ao principio do Livro , que começa pelo íinal da
paz, que he o olculo. Pereira.
(f) ^ppltque elle os lábios , ó-f. A que aqui
fulpira peio olculo doEfpofo, hc a Syna^oga , e
he a Igreja : a Synagoga delejando ardentemente
a Incarnação do IJivino Verbo , ou a vinda do
Mcílias : a Igreja ardendo em defejos de o ver
gloriôfo na pátria cclellial. Santo Ambro^w. A bo-
ca , que dá aqui o ofculo , he o \'crbo Incarna-
do. A que o recebe , he a carne , que o Verbo
toma. E o ofculo , que fe fórma igualmente de
quem no dá , c de quem no recebe , he a União das
duas Naturczjs na PeíToa deChrifto, Mediador dc
Deos , c dos Homens. S.Bernardo.
{d) Porque os teus peitos y Alguns vertem
do Hebreo: Porque os teus amores são vielhores do
que o vinho. Pelo que , íc os Setenta , a quem íc-
guio a\^ulgu3, vcrtèráo peitos ^ foi para fignifica-
rem pela merafora de peitos as fuavidades , c de-
licias , que a Rfpofa ^cha no amor do Efpofo. E
p comparar cila os cfFeiíos deíèe amor aos efícrtos
do vinho , hc , porque delle licor cípecialmentc hc
que diz a Efcritura , Sal. CHI. \6. que alegra o co-
ra^to do homem, E a clle compara a mcTrna Ef-
critura a bcmavcnturança eterna dos jullos , quan*
Capitulo!. iSj^
fos balíamos, {e) O teu nome he co-
mo o oleo derramado : (/) por iíTo
as donzellmhas te amarão.
Le-
do diz , Sal. XXXV. 9. Elks fe embrUgaráo tia
fartura da tun c.tfa : e tu lhes darás a beber da tor^
rente das tuas ticlicias. Saci. Também poi peitos
entendem os i-^adres aaibos 03 Teítamenios , que ,
lendo como duas Fontes dc celeftial doutrina,
que leváo o homem á vida eterna , bem clara-
mente manitcíUo o exceíTo do amor de Jeíu Chri-
fto , caíto Efpofo das Almas jultas., promettido
ao Mundo no Velho, c dado cm Hm no Novo,
Ou ainda fe podem por clles denotar , como diz
S. Bernardo (no Sermão IX. íobre os Cantares , Sec-
ção 5.) as enchentes da mifericordia do Divino Ef-
pofo para com as almas , que elle cfpera , e foíFrc
com huma paciência infinita . em quanto íc acháo
fubmergidas na culpa ; equc depois recebe entre os
feus braços, com huma bondade admirável , quan-
do tornáo a elle pela penitencia. Pereira.
(«) O teu nome, é^c. O fragrante cheiro dc
Chrifto , que quer dizer Ungido , derramado do
feio dos Divinos Oráculos e lagrados Livros da Ef-
critura , enchco largamente a extensão de to Jo o
Orbe ; c o nome do mcfmo Reparador do géne-
ro humano he hum preciofo balfamo , que eftá
diftillado por toda a terra. Calmet.
( O Por ilfo as donzjUinhxs te amarão. He o
mcfmo que dizer te amao , porque , ícgundo ad-
verte Vatablo , he pretérito Hebreo em lugar dc
prefcnte. Ora as donzellinhas de que aqui fe falia ,
sáo no fcntido hiílorico as Damas, ou companhci*
i^or Cântico dos Cânticos.
3 Leva-me tu : nós correremos apôs
de ti ao cheiro dos teus balfamos. O
Rei me intioduzio (g) nas fuas def-
penfas : (h) nós nos regozijaremos , e
nos
rasdaErpofa; no fcntido erpiritual, fegundo San-
to Ambrofio, c S.Gregorio Papa, sáo as almas,
que tendo-fc defpojado da velhice do homem pec-
cador , foráo renovadas pela agua do Baptifmo.
Saci.
Qf) Nas fua^ defpcjifas. Inflammada no arden-
te deícjo do obje-Ho porque tanto fuípira , e fe-
gundo o uío da língua Hcbrea , falia aqui a DTpo-
ía 5 como fe tivera alcançado de pretérito o que
ainda efpcra para o futuro , pela certeza e firme
confiança que tem de confcgair ifío melmo. As
defpenfas , retretes , recamaras , cm fim o mais
fagrado e inrerior dos gabinetes , em que o Rei in-
troduzio a Efpofa, ou a Efpofa efpera que o Rei
a introduza , sáo os theíouros inexhauriveis da fua
fabedoria , caridade , mifericordia , e de todos os Teus
infinitos Attributos ; como também os myfterios
mais recônditos da Religião , de que lhe dá o co-
nhecimento importante á fua eterna felicidade, re-
partindo com cila o dom da intclligcncia daEfcri-
tura , e o das enchentes da fua Graça , com que
jullifica os peccadorci. Pereira.
(/;) Nos tios regozijaremos ,ó'C. Sáo exprefsóes
das companheiras da Éfpoía , ou da mefma Efpo-
fa, fadando cm nome das companheiras. Ainda
que a Amada tenha íó entrado nas defpenfas , ou
gabinetes interiores do Pa'acio doEfpofo, todavia
folgáo çom cíb fua entrada as companheiras y e
Capitulo I. 291
nos alegraremos em ti , lembradas de
CjUe os teus peitos são melhores do
í^ue o vinho: os reftos te amão.
4 (/) Eu fou trigueira , mas fer-
mofa , ó filhas dejerufalem , affim co-
mo as tjndas de Cedar ^ como os pa-
vilhões de Salamão.
Não
difto dáo os parabéns á irsefma Efpofa , como fc
cilas tofícm as próprias , que livelTem fido intro-
duzidas a receber tanta honra, cmdadt nao
tem inveja, nem mulacão , diz o Apoítolo na 1.
aos dc Corintho XIII. 4. Calmet.
(í) Eu fou trigueira, mas Jenncfa. Chama-fc
trigueira , oa á letra , negra a Igreja , por caufa da
fragilidade dos que a compõem , que sáo os ho-
mens mortaes, e fujeitos ao pcccado. Mas ella hc
femofa por beneficio da graçâ , dc que o Divino
Efpolo a orna. Saci, As corripnraçóes dc que a
Eípofa fc ferve para comprovarem, a pezar dafua
cor fuíca , a própria belleza , não podem fer mais
adequadas ; porque náo fó as tendas de Cedar,
ifto he, dos Cedarenos ou Agarenos, Árabes , c
Ifmaelitas , ou , fegundo cfcrevem os Hebreoj ,
"Nómades , chamados aílim , como adverte Vata-
b!o, dc Cedar, fegundo filho dcifmael (osquacs
ofaváo delias por náo rercm hibitoçáo fixa, ou
domicilio certo) pofto que tecidas de pelo de ca-
bra , c denegridas até pelas inclemências do tem-
po , encerraváo dentro grandes thefcuros j mas
lambem os pavilhões dc Salamáo , ain là que por
fòra cobertos dc pcllcs ^ para o dcviJo leiguar-
2^2 Cântico dos Cânticos.
D. 5: (/) Não olheis para o eu ff r
morena, {m) porque o Sol me mudou
a cor : («) os filhos de minha mãi fe
le-
do c reparo , cráo todavia por dentro rccamadoí
dc ouro , c rcvcítidos dc tapeçarias c cortinados
prcciofiflimos , c dc táo labido valor todas as mais
alfaias que alli fe achaváo, como convinha á pcf-
íoa d' hum Rei de tanta opulência , c fobcrania.
Pereira.
(/) Náo olheis para o eu fer morena , . Hc
muito das mulheres deículpar a mudança da cor
do rofto , e refundir noutros a caufa delia. Aflim
crta j em cuja pcílba fe íiguráo as almas fieis ,
póc a defculpa de fcr fufca em dizer , que fora
obrigada por Teus irmãos a guardar-lhcs as vinhas,
ainda quando ella por delicada náo guardava a
fua. líio porém parece competir aos Paíforcs do
Rebanho de Chriíto, aos quaes a caridade frater-
na obriga a 'guardar a vinha do Senhor , que hc
2 Igreja , quando elles julgáo que náo tem forçai
para íc guardar a fi mcímos: c defta neccflidade,
cm que íe vem , de tratar com os homens do fccu-
lo , contrahem l^uas manchas. Que he o de que mui-
tas vezes fe lamentáráo Santo A^oftinho, S.Gre-
gorio, c S. Ivo de Chartres, fuípirando por eíta
caufa pelo retiro dos defcrtos. Bossuet.
(pi) Porque o Sol me mudou a còr. Pelo Sol fc
pôde aqui entender a leniaçáo vehementc , com-
parada ao ardor do meio dia, ou ao demónio meri"
diano , como lhe chamou o Profeta , Sal. XC. 6»
Bossuet.
(n) Os filhos de minhd mai fs levantdrio con-
Capitulo T. 293
levantárão contra mim , elles me pu-
zerno por guarda nas vinhas : eu não
guardei a minha vmha.
6 {o) Amado da minha alma ,
{p) aponta-me, onde he que tu apaf-
cen-
tra mim. Na Nota (/) virros que por eftes irmãos
da Llpcfa cniencèra o ^rf-ndc Bcllucr os próximos
Seculares , de cujo trato fuccedia contrahirem íuas
manchas os próprios Paílores. Agora aponto ou-
tra interpretação , que ainda parece mais natural,
c hc de S. Bernardo. Quer d^zcr pois a Eípofa ,
que a caufa d' ella fe achar dene^.rida , he porque
os filhos dc fua mái, ifto he , os Judeos filhos da
Synago^a , e irmãos da Is;rej3t , a combatèrào com
as íuas perfeguiçôes : mas que iíto meímo con-
tribuio para a fua fermoíura , em quanto contri-
buio para a Igreja íer guarda não já d' hum Povo
particular , como era o Judaico , mas de todos os
Póvos, que pela fua conversão vicráo a fer como
vinhas , que a Igreja fe vio obrigada a cultivar,
e a guardar , depois que abandonou a guarda da
fua própria vinljã por caufa da infidelidade, c re-
probação dos fecs irmãos os ]udccs. Pereira.
(o) y^wado da minha alma , "ò c. A' letra : Tu ,
a quem ama a minha alma , apotita-^rte , &c, Pe-
REIHA.
(p) j^pcnta-mc , onde he que tu , e^f . A Igreja
na peíToa de cada hum dos feus filhos pede a feu
Divino Eípofo, que lhe aflifta fempre com abri-
lhante luz da verdade, c da juftiça , fi^nificada no
Meio dia ; para que ella nunta perca dc vifta cfta
294 Cantfco dos Cânticos.
ccntas o teu gado , onde te encoftas
pelo meio dia , para que não entre eu
a andar feita huma vagabunda arrás
dos rebanhos de teus companheiros.
O Esposo.
7 {q) Se tu te não conheces, ó fer-
mofiílima entre asmullieres, íahe, cvai
em feguimento das pi/.adas dos reba-
nhos , e apafcenta os teus cabritos ao pé
<^as cabanas dos paftores. ^,
luz , c^eixanJo-fc ir atrás ou das vans doutrinas dos
Filofofos , ou dos perniciofos erros dos Hereges,
Santo Ambrósio, e S. Berkardo.
QO Se tu te nao conheces , ú-c. Ainda que tir
fej« fermofiííima , e pela tua íingular bcllcza
amada por mim teu tLípofo fobrc todas as mu-
lheres; íe tu te náo conheceres, c náo guardares
com todo o cuidado o teu coração ; fe náo evita-
res fer vifta dos mancebos , fahirás para fóra do
meu thalamo , e irás apafcenrar os cabritos , que
hão de eftar á efquerda. Sis licet pulchra , ^ in-
ter omnfs multeres fpecies dua dúí^a*yr d me fponfo
tuo i nift te co<^)wveris , eí?- omnt cufiodia (crvave-
ris cor ^uun -j nifi otulos juvenum fufi^eris ^ cgredie'
ris de fhdamo mco , eb* pafce\ ha^dos . cjui (i tf uri
funt d fnidris. S.^Jercnymo a tuíloqwo. Deite lu-
g^r pois tirão o" Padres fr rcm gr,ín JiHimo8 os ma-
les , que n.^fcem de fe r\\o conhecer a alma a íi
m.-fma , ifto h?, de náo alvertir para a nobrezi
ddfua origem, e para o alio âm a que íoi deiti'*
Capitulo I. 2(;5'
8 (r) A' minha cavalleria nos car-
ros de Faraó eu te alTemelhei , amiga
minhâ.
As
nada. Ailim Origencs nefte paíTo , e Sanro Aeof-
linho no Strmao 50. De vtrbis Dominu Tal he o
fcntijo da Vul j;=ita : porem como aqucllc te junro
ao fí ignoras he na opiniáo de muitos Interpretes
hum pkondfmo , que nclte lugar vem do Hcbreo
ícmclhdfue ás adjecçóes íyllabicas en re os L. ti-
nos 5 por exemplo Tute , que vem a fer o ir ef-
nio que Tu ipfe , poiiem-fe tamhem entender as
fobreditas palavras do fcguinte modo: Se tu igno-
ras onde cu palTo a íélta , vai feguindo as piza-
das do- tejs rebanhos: apafcenta-os aparte. Nclta
reíjK)lb derabrida , íècca , e efquiva dá a enten-
der o típofo a fua AmaJa, fegundo a conjeélura
de Calmet, que náo eitava bem á mefma deixar
de íaber o iut;ar do retiro , em que elle fe acha-
va , pois devia , para náo eítar numa táo repie-
henfivel ignorância , em toda a parte feguillo com
os olhos, para onde quer que íe apartalTc ; mmo
também nunca jáma's ver-fe por hum íò rrcmen-
to feparada da fua companhia ; expofla de rrais
a mats ao perigo de andar vagabunda atrás de re-
banhos alheios. Oonie Te và a mui extremosa c
inteira fidelidade , vigilante cuidado , e contínua
attençáo que Dcos requer daquellas Almas , que
huTid vez fe conf.^^ráráo ao ftiu fer viço , para fe
náo extraviarem por qualquer principio do cami-
nho da *'erda<e. Pereira.
(r) A minha cav.ilieria , ó c. No Apocalypfe
<ie i;.Joáo o cavalltí branco, lobrc que monta o
296 Cântico dos Cânticos.
9 (s) As tuas faces tem toda a
lindeza aíEm como a da rola : o teu
pcícoço a dos mais ricos collares.
10 (i) Nós te faremos humas ca-
dci-
Verbo àc Deoç , íignifica as almas bemavcntura-
das , que fe fubmeitcm pacificamente ao jcgo do
Senhor, prompras a ir para onâc quer que eilc as
leve. Origem s. No fcr ti Jo l:rer«il porém, íegunco
Menoqnio, he corro fe cilTera : Nada deves te-
mer das traições dosp.iílores , ou da violência dos
inimigos; porque na ^oriaíeza cs fcmclhante á mi-
nha cavalleria , e aos meus carros armados c fal-
catos , que eu comprei a Far^ó , ou que cile me
deo em prefcnte no E^ypto, donde cu os trouxe.
O que tuJo convém por hum modo admirável á
Igreja Militante, contra a qual náo poviícm as por-
tas do Inferno prevalecer com todos os fcus eslor-
ços. Daqui fe deve advertir para outros muitos
lugares que os Efpofos falláo ás vezes náo como
Partorcs 5 cujo c^radler neíl-e Livro reprcfcnâo ,
mas como Príncipes que vcrdadciramcnie sáo. Pb-
FEIRA.
(a) Js tuas faces tan tod.i a Iwàeia affim co*
mo d (ia rola. A fermofura das mulheres elta prin-
cipalmente nas face?. A rola rcpr^íenn no pefco-
ço huma irelcla dc vermelho, e branco, que lhe
Cà multa graça. A mefmi rola todos fabem que
bc o íymbolo da fidelrdade conjugal. Com efta
cxprefsáo pois fe declara o El polo namorado da
Efpofa pelo ícu rubor , pela lua candura , pela
íua caÔic^adc. Pereira.
(O iVc^í t€ faremos hwim cad<ÍA5 de ouro^ 6^.
Capitulo I. 297
deias de ouro, marchetadas de ponti-
nhos de prata.
A Esposa.
1 1 («) Quando o Rei eftava no feu
repoufo , deo o meu nardo o feu cheiro.
12 O meu amado he para mim
(x) como hum ramalhete de myrrha ,
clle morará entre os meus peitos.
O
Tenho achado cm vários Authores noíTos traduzi-
rem arrecadas , o que no Texto Latino le diz mu-
renulas, E com eíFcito S. Gregorio Magno alíim
o entende, expondo murenulas por inaures. Porém
S. Jcronymo tratando a matéria de propofito na
Carta 15. a Marcella , e com elle o noíTo San-
to Ifidoro de Sevilha no Livro XIX. das Origens,
Cap. ^i. ambos eníináo que murenulas fc deve aqui
tomnr por cadeias do pefcoco. E na expofiçáo dc
S. Bernardo , o ouro deitas cadeias fignifica a ca-
fidade; a prata, a palavra de Deos. Falia aqui o
Efpofo no plural em razão de talvez fe ajuntai
com os companheiros das vodas , piomeitendo á
fua Conforte cftes atavios e adereços , que sao fi-
gura das graças c dons, de que Deos adorna a íua
Igreja. Pemeira.
(u) Quindo o Rei efiavi no feu repoufo , éfc.
Ao fubir GKriíèo ao Ceo fe diíFundio por toda a
terra o fuave cheiro do Evangelho , c das virtu-
des. S. Grrgorio.
(x) Como hum ra maíhm àç myrrha. Pela jnyirba
298 Cântico dos Cânticos.
13 O meu amado he para mim
como hum cacho (jy) de chypre , que
íc acha nas vinhas d' Engaddi.
tom que fe coftumão cmbalfamar os mortos, en-
tendem os Pi Jres a morte , c fepultura de Chri-
fto , c inherente a cila a mrrtificaçáo , ou peni-
tencia cliriílá. As Damas delicadas trazem rama-
lhetes de flores íjo peito : cu , diz a Efpofa , náo
quero outro ramalhete ao peito , que náo feja o
meu Efpofo. Boffuet. Ora f/jfciculus viyrrhae parece
propriamente fi^nificar hum mólhinho , ou fcixezi-
nho de folhas , raminhos, ou flores de myrrha ata-
do e junto num ramalhete. Aicqui A Lapide ; porem,
fecundo o Hebrco , pôde entender-fe d* huma bol-
íinha , ou frafquinho cheio do licor de myrrha,
que a? donzellas coftum;íváo trazer ao peito para
recrear o oIf;íí>o , como fc^ue Calmet. Pereira.
()>) De chypre. Aqui chypre náo hc a Ilha Chy«
prc, mas fim hum arbuílo aromático, de que fal-
ia Plínio no Livro XII. Cap. 24. As fuás folhas,
como adverte Calmet, pareccm-fe com as da oli-
veira ; lança huma flor branca c cheiroia , del-
Ic pendem os feus frutos á mr>ncira de cachos , c
de fragrância também fuaviílima. Fra celebre En-
jpaddi , anrií^a Cidade da Paleltina junto do mar
Morto na Tribu de Judá , pelos jardins que pro-
duziáo o balfamo; e defte lugar fe vè que o foi
lambem pelo chypre , que fc crcava nas fuas vi-
nhas, o qual a Efpofa dá aqui a entender que era
o melhor : Outros entendem pela palavra Hchrea
cópher, náo o chypre^ mas o aUanfor , ou SLalfcriÂ.
Pereira.
Capitulo L ipp
O Esposo.
14 Oh, como tu es fermofj , ami-
ga minha , como tu es bella ! (z) oS
teus oliios são como os das pombas.
A Esposa.
15' Oh, como tu es fermofo, ama-
do meu , è gentil, (aa) O noíTo leito
cftá alcatifado de fiores:
16 as traves das noíTas cafas são
de cedro, os noíTos teftos de cyprefte.
Tom. XI. V CA-
(z) Os teus olhos sao como os das pombas. Ifto
hc , huns olhos cheios d' amor , de fuavidade , dc
modeftia. Bossuet.
Çad) O mjfo leito eflá alcatifado de flores. O
leito alcatifado de flores íigniíica a paZ da Igreja
depois das perfeguiçócs : as traves de cedro a for-
taleza : os tcéios de cyprcfte o ornavo das virtu^
des. Santo Thomaz,
50Q Cântico dos Cânticos.
CAPITULO II.
jímah ilida de s de Chrijlo , e da Igreja fua
Ejpofa, Louvores que elle lhe dá, Fa*
vores que lhe faz. Cuidado , que tem ,
•para que nada perturbe a alegria , e
Jocego , que ella tem nelle,
O E s r o s o.
I (a) jj^ U fou a flor do campo , e a
-IT^i açucena dos valles.
2 Bem como he a açucena entre
os efpinhos , {b) aíllm he a minha ami-
ga entre as filhas.
A E s p o s A.
3 Bem como he (c) a maceira en-
tre
{a) Eu fia a for do campo. O Hcbrco tem
com mais efpecificaçáo : Eu Jou a roja do campo
de Saron , campo ( ainda que do mcímo nome fe
conhecem outros mais na Judéa) entre Joppc c
Cefaréa , o qual paíTou como a provérbio para íi-
gnificar hum terreno fértil e aprazível. São pois ef-
tas palavras huma profecia da Incarnação do Ver-
bo, de como havia de nafccr d' huma Virgem ,
ícm ter Pai fobrc a terra. Pereira.
{b) Jffim hc a minha miga entre as flhas. Ifto
he , a Igr^-ja entre as feitas heréticas. Theodoreto.
(c) A maçeirx mre as arvores dos hofques, A
Capitulo II. 301
tre as arvores dos bofques, aílim hc o
meu amado entre os filhos. Eu me af-
fentei {d) debaixo da fombra daquelle,
a quem tanto tinha defejadd : e o feu
fruto he doce á minha garganta.
4 (e) Elie me fez entrar na adega,
onde mette o feu vinho, (f) ordenou
cm mim a caridade.
$ Acudi-me com confortativos dc
V li • fio-
arvore fruélifcra , e cultivada entre as filveftres , e
incultas. BossuET.
- {d) Debaixo da fombra daquelle , a quem , ó^c.
No fentido hiftorico allude a Efpofa ao coftumc
nupcial , que era cobrir o Efpofo a Efpofa , como
lá dizia Ruth a Booz, (Ruth III. 9.) Lan^a d
tm capa fobre tvim : ifto he , numa frafe honcf-
ra , e cheia dc pudor : Admittc-me no teu leito.
No fentido myftico íignifica efta íombra a graça
do Efpirito Santo , que fecundou a Virgem Mái j
ou a efpecial protecção de Deos j em que as al-
itjas puras tem todo o feu defc;ínço. Bgssuft.
(e) Elie me fez entrar na ade^a. Ou á letra í
Elie me introduzia tia cella vinaria. O Divino Ef-
pofo embriagou a Efpofa com as fuavillimas deli-
cias do feu amor. Bossuet.
(/) Ordenou em mim a caridade. A caridade
bem re2;ulada confifte em amar ao próximo por
amor de Deos; c em amar de tal forte a Dcosj
que por amor de Deos fe negue hum a fi meímo*
Justo Bispo d' Urcil,
302 Cântico dos Cânticos.
flores , trazei-me pomos , que me alen-
tem : porque desfaleço d' amor.
6 (g) A lua mão eíquerda fe poz
já debaixo da minha cabeça , e a fua
mão direita me abraçará depois.
O Esposo.
7 (h) Eu vos conjuro, filhas dcjc-
ru-
(g) A fua mao efquerda , é'c. Com efte abra-
ço do Efpoío he fignitícada a afíiftcncia c o foc-
corro , com que Jelu Chrifto acode á Igreja fua
Efpofa. D' outra maneira : a máo efquerda denota
os bens temporaes , a direita os eternos. Vcjáo-fc
os Provérbios III. i6. Ora hc de faber, que to-
do o Efpofo entre os Hebreos , ao menos cm os
primeiros fcte dias das vodas , também (como as
Efpofas o eráo das fuas Companheiras ) coftumava
fcr affiftido de dia e de noite d' outros Mancebos
da fua idade , que dcftinados para cíie fim o cor-
icjaváo c obfcquiaváo , tendo o nome de Compa-
nheiros e Amigos do Efpofo ; e nefte efpaço de
tempo fe náo viáo os recentemente defpofacos fe-
náo com muita cautela e relguardo. E por quanto
as viftas de Salamáo com lua Eípofa fazem nef-
tes fere dias ou noites o aiTumpto Hiítorico dos
oito Capítulos do prefente Epithalamio ; por iíTo,
conforme a divisão de BolTuct, ir-fc-hào apontan-
do no-i refpeálivos lugares cada hum deftcs dias,
dos quae<: acaba aqui o primeiro. Pereira.
Eu VOS çonjurOi filhas dejçrufalem ; pelas
Capitulo II. 305
rufalcm , pelas cabras montezas , c vea-
dos do campo , que iiao perturbeis á
mi-
cabras montezas , ó^c. Eftas filhas de '^erufalem sáo
as Damas , que acompanháo a Eípofa. E o con-
jurallas o Érpofo pelos veados , e cabras momezas ^
denota que as Donzelias da jadéa eráo apaixona-
das pelo exercício Ja caça, bem como dasErp.-ir-
tanas , e Fcnicias o fuppõe \'irgilio no primeiro
Livro da Eneida. Ora o coílume deftas Damas da
Efpola era cantarem deus Epithalamios aos ETco-
los : hum á tafdinha , quando elles eltaváo para
fe recolher; outro de manhã, quando a Efpoía íe
havia de levantar. Aííim íe cc4he de Theocriro
no Idyliio 18. , tm que clle delcrevc as vodas dc
Helena com Meneláo. Conjura pois o Eípofo as
Damas da Efpofa , c as conjura pelo que ell.is
mais amaváo , que era a caça dc montaria ; que
náo acordem com o feu canto a Efpofa , mas a
deixem dormir quanto tempo el!a quízcr. Ifto he
quanto so fcntido hiílorico. Qu^mto ao efpirituaí ,
cfte náo querer o ETpofo que as Damas acordem
a Efpofa , he prohibir qne os Inimigos da Igreja
a náo inquietem dos feus fanros exercícios: ou hc
náo querer , que quando a alma fanta eftá abfor-
pta na contemplação das coufas celeftes , a tirem
delia os mundano». Náo hc com tudo a fua rcn-
çáo prohibir abfolutamcnte , que ella náo tr;:e
nunca do bem dos próximos ; mas íím deixar á
fua vontade, que ella de fi mcfma defperte. Por-
que das almas perfeitas he faber difcernir , dizem
S. Gregorio , e S. Bernardo , qusndo fe devem
applicar aos a6Ios da vida contemplativa, quanjo
aos da vida aótiya. Pereira.
304 Cântico dos Cânticos.
miíiha amada o feu dcfcanço , nem na
façais deípertar , até que ella fe quei-
ra erguer.
A Esposa.
o (/) Aquella he a voz do meu
amado , ei-lo ahi vem faltando íobre
os morttes, atravelTando os oiteiros.
9 O meu amado he fcmelhante a
huma cabra monteza , e a hum veadi-
nho. (/) Ei-lo ahi eftá poíto por detrás
da
(í) Aquella hc a voz , ó c. Em todas as ida-
des fez Deos ouvir a fua voz , c deo a conhecer
aos homens a fua vontade por meio dos Patriarcas
c Profetas, c nos últimos tempos pelo Santo Pre-
curfor, a quem Ifaias nomeadamente chama f^oz ,
Luc. III. 4. e em fim por feu próprio Filho, co-
mo diz o Apoftolo aos Hebreos í. 2. Xa ligeire-
za , com que o Efpofo vem como faltando de
monte em monte, e pníTando os oiteiros em cla-
ro, hc denotida a prcíTa que cile fe dá fempre a
focccrrer as Almas juftas , c pariicularmcnre a
com que náo dilatou mais a reparação do Mun-
do , vindo a clle morrer numa Cruz com o dcfe-
jo de falvar a todos, e abatendo aííim o orgulho
dos Poderofos do fecnlo , c a ioberba dos mun*
danos , que nefte lugar fe rcprefcntio nos mon-
tes, e oirciros. Pereira.
(/) FA-lo ahi cjiã pofto por detrás da nojja pi-
rede. Que parede he cita : He a Lei velha , cva-
Capitulo II. 30?
da noíTa parede , olhando pelas janel-
lâs 5 eílcndendo a vifta por entre as
gelozias.
10 Eis-ahi o meu amado, que me
diz(m): Levanta-tt:, aprcfla-te, amiga
minha , pomba minha , fermofa mi-
nha j e vem.
1 1 («) PoreTie já paíTou o inver-
no
cuada pela morte de Chrifto , para que ac<ibadas
as inimizades , Te ajunraíícm os Gentios com os
Judcos a formar huma mcfma , c huma fó Igre-
ja. He a Humanidade de Chriíto poíh por dian-
te da Divindade. He a parede que mcdea en:re
nòs, eChnfto; entre nós ainda morraes , e Chri-
fto já gloriofo. BossuET.
(m) Levanta- te , ^t. Segundo o cftado das
Almas, aííim Deos a cada huma delias chama por
differente maneira , dizendo á que fe acha preza
com os griihóes da culpa , c o quer feguir : Le-
vanta-te ,i que vai aproveitando na vida cfpiritual :
Aprejfa-tc ; á que o ferve já no poífivel gráo de
perteiçáo : P^em, Por onde mui adequadamente
correfpondcL aqui á primeira o nome de amiga , pois
o defeja fer de feu Efpofo : á fegunda o de pom»
ba, cm razáo da candura e pureza dos fcus cofta-
mes : á terceira o de fermofi , pelo cfmaltc reful-
gente de todas as virtudes finccras e Heróicas , de
que eftá ornada. Pereira.
(^n) Porque jd pajfou o inverno, Ifto he , o
tempo dâ perfcguiçáo , o tempo da tentação. Jp-
3o6 Cântico dos Cânticos.
no 5 já fe forão^ e cefsárão de todo as
chuvas.
12 Apparecêrão as flores na noíTa
terra, chegou o tempo da poda : ou-
vio-fc na noíTa terra a voz da rola :
13 (0) a figueira começou a dar os
feus primeiros figos : as vinhas eilan-
do em flor lançarão o feu cheiro. Lc-
vanta-te , amiga minha , fcrmofa mi-
nha, e vem :
pom-
parecêrSo as flores nanoffa terra. Apparecco a ale-
gre , e fuípirada paz. Checou o tempo da poda, O
icmpo de cortar pelos peccadus , de moderar as
paixões. OuvÍ0'fe na nojja terra a voz da rola, A
voz daquella ave amiga da fclidáo , c habitante dos
alros: daquflla ave fideliHima, c caftiflima aman-
te, c]ue nunca admitte íenáo a hum conforte: da-
quella ave, que mais geme, ecomo que fufpira ,
do que canra. Bossuet.
(o) A figueira começou a dar os feus primeiras
fi jOí, Pelos fií^os verdes fe entendem aqui todos os
Juftos do anti.:o Tcftamcnto , c depois delles to-
dos os Apcftjlos e Difcipulos de Jefu Chrifto j e
pel^.s vinhas , como diz Mcnoquio , as Igrejas dos
Gentios , que largamente diffundíráo o cheiro da
Fé Catholica pela conversáo de tantos milhares
d' almas emt5o pouco tempo. Convida pois o Ef-
pofo a Eípcfa a que fe altere com os menciona-
dos irutos da íua colheita. Pereira,
Capitulo II. 307
14 (/?) pomba minha 5 tu nas aber-
turas da pedra , na caverna do muro
enfoíTo , moítra-mc a tua face , soe a
tua voz dentro nos meus ouvidos : por-
que a tua voz he doce , e a tua Sice
graciofa.
A-
(p) Pomba minha , (ò^c. O coíliime ordinário
das pombas campeftres he irem fazer o ninho
dentro da concavidade das penhas , ou abertura
das paredes do campo, líto poíio , convida aqui
o Efpofo a fua mui prezada Elpoía , a que vá
afliftir com ellc no retiro da folidão , fem che-
gar a conhecer oucro amor íenáo o feu , refugi-
ando-fe naquellc lugar , onde ihe fcrá mui delei-
tofa a fua vifta , c mais fcave a fua voz. E tal
he o femido literal ; porém no myílico a pedra
de que aqui fe Falia , he Chrifto ; as aberturas da
pedra sáo as chagas das máos e pés : a caverna
do muro 5 ou da maceria (que também he termo
Portuguez) figniíica a chaga do lado , fegundo
a intelligencia dos Padre?. E neíla conformidade
exhorta o Efpofo a Efpofa , a que repoufe nas
fuas chagas , onde ficará fegura das aves infer-
nacs , que fcmpre andão arrapinando; e também
achará o foccorro , amiparo , e confolação que
defeja ; dando-lhe a certeza de que lhe ferá mui
agradável a fua vifta , e a fja voz interrompida
de foluços c gemidos, quando implorar a fua Mi-
fericordia , em razáo da fervente caridade , que
lhe moftra , e por querer alli , qual outra pomba ,
crear os feus filhinhos , ifto he , os bo:is ^pcnfa-
joS Cântico dos Cânticos,
15' {q) Apanhai-nos as rapofas pe-
queninas, qúc deftroem as vinhas: por-
que a noíFa vinha eftá já em flor.
16 (r) O meu amado he para mim ,
e eu para elle , (s) que fe apafcenta
entre as açucenas
^ ate
mcnros , e enternecidos affeélos , que tanto lhe
agradáo , e fobre maneira o lilongeâo. Pereira.
{q) Jpanhai-nos as rapofas , ò-c. Falia o Eí-
poío com os feus Amigos e Companheiros. E por
cilas pequenas rapcj^ts , que cUe manJa apanhar ,
cnccndem os Padres os Hereges, que de ordinário
são homens aftutos , e indomelticaveís ; e também
a obrigação que ha de quebrar a cabeça aos ví-
cios , como inilnúa o Salmo CXXXVI. í2. em
quanto são pequeninos , para que náo crefçáo c fe
façáo grandes. Dirigc-fe pois ella exhortaçáo aos
Anjos como Tutelares d;i Igreja, c aos Apottolos ,
e feus SucceíTores. Pereira.
(r) O meu amado he p/ira mim , e eu para elle.
Poucos são os que podem dizer ; O meu ámtdo he
para mim, e eu para elle. Afíim no diz aquelle,
que de todos os feus fentidos eftá unido a Deos ,
c náo fabe cuidar noutro objeéto. Náo aquelle , a
quem náo bafta o Filho de Deos , cm quem fc
acha tudo. Náo aquelle , que tendo-fc-lhe man-
dado 5 que vendeíTe todos os feus bens , e os délTc
aos pobres , fc entrifteceo. Mas dillo aquelle , que
pôde dizer com Pedro : Eis-iqui deixámos nós tudo ,
€ fomos em teu feguimento. Santo Ambrósio.
(O Que fe apafcenta entre as açucenas. Em fen-
tido p^íiivo : que íc faborèa dc eílar com os fi-
Capitulo II. 309
17 (t) até que fopre o dia , e de-
clinem as íombras. Volta : sê íeme-
Ihante ^ amado meu , á cabra monte-
za , e ao veadinho , que corre fobrc os
montes (u) de Bether. CA-
Ihos dos homens , achanJo niílo as faas delicias ;
ou cin adlivo 5 fcgundo o Hebrco , c os Setenta :
que apafceuta o [eu rebanho entre as dCiiceuds , ifto
he, que náo deíampara , coítio Paíior ctecno que
he, as fuas ovelhas, cncaminhando-as iempre aos
amenos prados das Sagradas Efcrituras , dos Sacra-
mentos , das Virtudes. Pereira.
(í) yíté que fopre o dia , Porque o vento
fcmprc coftuma refrefcar mais ou menos Tobrc a
tarde , quando o Sol vai cahindo , e a fombra dos
montes crcfcen^o. Alguns vertem: até que aponte ^
ou rompa o dia ; mas tudo vem a dar nelte fentido:
Que Deos , pondo a fua complacência em íe com-
municar ás Almas puras figni fica ias nas açucenas,
procura illuftrallas na cfcura noite deite Mundo ,
até que lhes amanheça o ditoío dia da fempitcrna
claridade. Per fira.
(u) De Bether. Que , fegundo Cilmet , he o
mefmo que Bethoron Cidade edificada por Sala-
mâo na Tribu de Benjamin , onde também Adri-
comio diz que cftaváo os montes de Bether. Mui-
tos traduzem do Hebreo montes de divisão , por-
que o coftumáo fer d' algumas terras ; ou de in-
cisão, por fç tirar por meio delia o cheirofo licor
dos arbuftos , que nelles fe criáo. Os Setenta ver-
terão fobre montes de cavidades , pcla^ ca vernofas
aberturas que nelles ha. Nefte verfo dá íim Bof-
1 fuct ao íegundo dia das vodas. Pereira.
310 Cântico dos Cânticos.
CAPITULO iir.
Defaffocego da alma ^ de que fe aufentou
Chrijlo. Esforços- que ella dez-e fazer
pelo achar. Cuidado que drce ter em
confervallo. Como em Chrijlo tem a aU
ma o [eu defcauço. Ât tenção de Chrijlo
era impedir que ninguém lho perturbe,
A Esposa.
I Xj^U bufquci de noite no meu
jLj leito aquclle , a quem ama a
minha alma : {a) bufquci-o ^ e não no
achei.
2 (h) Lcvantar-mc-hci , e rodearei
a Cidade: bufcarei pelas ruas, e pra-
ças públicas aquclle , a quem ama a
minha alma : bufquei-o , e não no
achei.
Os
(4) Bufquei-o , e nSo no achei. Não achou a Ef-
pofa ao Efpofo , porque o bufcou no leito , iíto
hc, no lugar do dcfcanço , das delicias, da magni-
ficência : c quem cjuizcr achar a Chrilto , dcve-o
bufcar na Cruz , na humildade , na paciência , na
mortificação. Allim Caííiodoro com Santo Ambro-
fio. Calmet.
{h) Levantár-mt-bei , e rodearei a Cidade , &c.
Capitulo III. 311
3 (c) Os guardas , que rondão a Ci-
dade j me encontrarão, e eu lhes dif-
fc : Viftes por ventura aquelle , a quem
ama a minha alma ?
4 A poucos paíTcs , que me ti-
nha apartado delles 5 achei eu aquel-
le, a quem ama a minha alma : affer-
rei delle : nem no largarei , (d) até o
não introduzir em cafa de minha mãi ,
e levar á camará daquella , que me
gerou.
Efte he o cftado d' afflicçáo , e de defaíTocego ,
em que algumas vezes Ic acháo as almas mais
perfeitas , quando defamparadas até certo tempo
do Divino EfpcÃo , cxpcrimcntáo huma folidáo,
e fecura , tanto mais pcnofa , quanto antes foráo
maiores as doçuras , e finezas , de que tinháo
goftado. BossuET.
(c) Os guardas , íjue rondao a Cidade , (i>'C. Eis-
zqui deíignados os Paltores da Igreja , e o feu cíii-
cio : qur hc vigií^r íobrc a Cidade dc Oeos , e
moltrar com a palavra da doutrina , onde hc que
cUe fc ha de achar. Bossust.
(^) Até o não introduiir em cafa de minha tnai.
Sem abfurdo fe pôde crer , que ajuftada a filha
de Faraó para calar com Salamáo , c partida a cíTc
fim para Jerufalem , a acomp^nhára lua mái , em
cujo quarto , fcgundo o coíiumc , efperava eila
celebrar as vodas com o Efpofo. Todos cftes paf-
íos porém da Efpofa , bufcando oEfpoío, até que
JI2 Cântico dos Cânticos.
O Esposo.
5- (e) Eu vos conjuro, filhas dcje-
rufalcm, pelas cabras montezas , e vea-
dos do campo , que não perturbeis á
minha amada o feu defcanço, nem na
façais dclpertar, até que ella fe quei-
ra erguer.
As Filhas de Jerusalém.
^ (f) Quem he efta , que fóbe
pelo defcrto , como huma varinha de
turno compofta d' aromas demyrrha, e
d'incenfo, e de toda a cafta dc polvi-
lhos odoriferos ?
Eis-
achanco-o o foftem , e não deixa fahir dc Teus
braços ; coníidcra S, Bernardo cumpridos á letra
na Saiíta Magdalena , figura da Igreja , quando
biáTrou, e achou a Chrifto rcfufcitado. Bossuet.
(e) Eu vos conjuro y&c. Veja- íe o Capitulo II.
V.7. Pereira.
(/) QuQm he efta 9 'que fohe pelo deferto , é^c,
O íicbreo itm : Quem he tjta , que Je levanta do
deferto , como huma eolumna de fumo d' aromas ,
é^'í'. Exclamação de quem fe admira de ver a Na-
tureza humana fublimada á ineffavel dignidade dc »
fazer por virtude da uniáo hypoftatica ao Ver-'
bo huma mefma Peíloa com o Filho de Dcos.^
Capitulo III. 313
7 Eis-aqui o leito de Salamão,
(g) ao qual rodeao feíTenta valentes
dos mais fortes d'ífrael:
8 armados todos d'efpíidas, emui
peritos para a guerra : fobre a fua coxa
cftá pendente a efpada de cada hum
por caufa dos temores nodurnos.
9 O Rei Salamao fez (h) huma
cadeirinha de madeira do Libano :
fez-
Porquc nofentir dos Santoa Padres ncfta varinha ,
ou colwiwa de fumo d' aromas fe fymboliza o fa-
crificio , que Chrifto offcrecco na Cruz ao Eterno
Pai , ao qual facrificio da Humanidade , figurada
na myrrha , dava todo o valor a união da Divin-
dade figurada no incetifo , que fó a Deos fe ofFc-
rece. Saci.
(^) j4o qual rodeao fe[[ènta valentes , &c. Efte
era o coítumc dos antigos, ter guardas na cama-
rá 5 onde dormiáo. Dionyíiod' HalicarnalTo LivAV.
64. os Tuppoe na camará de Lucrécia , quanco
nella entrou Tarquinio , íem fer prefentiJo. E ifto
mefmo reconhece Ovídio , quando diz : Et tha^
Iami cujios qui jacet ante fores. Calmet.
(/?) Huma cadeirinha de madeira do Libano. Ifío
he , de pão de cedro. E côa cadeirinha , ou como
vertem os Fraocezes , liteira , e outros carroça triun-
fal , e throno portátil , a que também no Portu-
guez os mefmos chamáo Férculo , no qual efte
grande Monarca fahia a palTear pela Corte de Jc-
lufalcm , quando íe queria moftrar *aos yaflillos com
314 Cântico dos Cânticos.
10 fez-lhe ascolumnas de prata , o
reclinatorio de ouro , a fubida de pur-
pura : o meio de tudo arnou-o (/) do
que ha de mais preciofo, cm attençâo
ás filhas de Jcrulalem :
fa-
toda a oftentaçao áe pompa c magcftacfe, Fércu*
lo, que todavia Caimcr, leguindo a muitos Intér-
pretes modernos , quer antes que fcja o leito ou
thãiamo riupcial ; cíia. cadeirinha , digo , fignifica
no fencir dcS. Gregorio Papa a Igreja fabricada
de madeira de cedro pela incorruptibilidade dos
Santos , firmada íobrc as columnas dos Apofto-
los , c ornada de toda a preciofidade das virtude»
dos Martyres , ConFeííores, e Virgens. Pereira.
(O Do que ha de mais preciofo. Aflim todos
os Francezes i porque coníiroem em accufativo do
plural o media da Vulgata , e toroáo o ablativo
varimc na íignificaçáo de carefiia. Mas nem pot
iíTo íe deve rejeitar a outra versáo , o meio de tu-
do ornou'0 elle da caridade , que parece a mais
conforme ao Hcbrco , fecundo obferva BoíTuct,
Ora a cadeirinha aqui fignifica a Igreja : a madei-
ra , ou le/ihos do Libano de natureza incorrupti-
vci , a ercrna duração dos feus Santos , ou os Gen-
tios, e Idólatras, que regenerados pelo Baptifmo,
c rendidos á voz do Senhor , conforme a profecia
de David, Salm. XXVIII. 5. vicráo principalmen-
ic a formar o grande Corpo da Igreja Catholica:
as columnas de prata os Apoftolos, e feus Succef-
farcs : o reclinatorio ^ encoíto, ou efpaldar, a Fé:
a fubida de purpura , ifto hc , os dcgráos cobertos
Capitulo III. 315:
II fahi , filhas de Sião , e vede
ao Rei Salamão com o diadema (/) de
Tom. XI. X que
de purpura, e, fegun^o outros , a almofada ou
toxim , ou céo da cortina de purpura , o íanguc
dos Martyrcs : o meio de tudo ornado do que ha de
mais prcciofo , a refiilgencia de todas as brilhan-
tes virtudes , de que fe prmalta o interior da Igre-
ja ; ou o meio de tudo ornado da caridade^ oamoc
de Jefu Chrifto , que he a mefma caridade.
I. Joan. IV. 8. ainda que outros dáo outras intel-
ligencias. Pereira.
(/) De que fua mãi o coroou. Sabendo Berfa-
bé que Adonias filho de David , c dc Maggith
pertendia reinar depois de feu pai , e f^zia para
iíTo partido com muitos Grandes da Corte ; acon-
felhada pelo Profeta Nathan , foi ter com David j
e depois de lhe reprefentar a promcíTa jurada , que
elle lhe tinha feito , de que quem lhe havia de
fuceeder no Reino , feria Salamáo filho d' am-
bos ; obteve que David mandaíTe ung»r , e accla-
mar Rei a Salamão, como lo;;o efFedi vãmente íe
executou. III. Reg. í. :59. Nefte fentido hiítoríco ,
o diadema, de que a mái coroou ao filho , pode-
rá dizcr-fc que foi a coroa do Reino, que Berfa-
bc procurou para Salarráo fen fiiho. No fentido
cfpiritunl , fegundo S. Gregorio Magno , e fegun-
do o Venerável Beda , eflc diadema he a Hu«ma-
«idadc, de que a Virgem Mái coroou a feu Filho,
quando clle , tomando carne das fuás puriílimas,
c caftiííimas entranhas j fc dcfpofou com a noíTa
Natureza, Ou he , fecundo Thcodoreto , e Caíííc-
doro , a coroa d' cfpinhcs , de que a Syn«5goga
31 6 Cântico dos Cânticos.
que fua mái o coroou no dia do feu
cafamento, e no dia do jubilo de leu
coração.
coroou 3 Chrlfto no dia de fua Paixão , que foi
o em que clle fe deípofou com a Igreja, Pekeika.
CAPITULO IV.
Chriflo louvando , e admirando as belle^
zas , ^ue elle mefmo depofitou na fua.
Igreja , e nas almas fantas , que ellc
ejcolheo para Ji : louvando , e admirando
as virtudes exteriores , que nellas ap"
parecem^ 'mas dando a vantajem á ca*
ridade ^ que ejld tf condida no coração.
O Esposo.
H como es fcrmofa amlq^a
minha , como es bella ! Os
teus olhos sao como os das pombas ,
[a) fcin fallar no que eftá efcondido
den-
{à) Sem faUâr no que e(lâ efcondido dentro.
Duas vezes ntlte Capiíuio ula o Erpofo drfta ex-
prelsáo, e terceira no Capitulo Vf. verfo ^. Em
todos oiiquat-s luí^ares, o que a Vulgara diz, ahf"
que eo quod intrinfecus htct ^ he conforme ?o He-
treo , e a V^er>áo de S. Jf ronymo. Mas o? Seten-
ta dizem: praeur fiknmm tuum, além do teu
Capitulo IV. 317
dentro, (b) Os teus cabellos são como
X ii os
Icncío. E aflim lia também nos Teus Códices La-
tinos Santo Ambrofio. Segundo o Texto da Vul-
gata , o que o Efpofo diz que cftá occuíto no in-
terior da Eípofa , interpiecáo huns , que he a Di-
vindade efcondida debaixo da Humanidade aíTum-
pta pelo Divino Verbo ; outros que hc a pureza
d' alma , a reòlidáo das intenções , a meditação das
verdades famas , em fim a caridade, que a Eípo-
ía, figura da Igreja , tem efcondida no coração,
como próprio lugar delia, e em que hz coníiftir
a fua principal gloria c fermofura , Salmo XLÍV\
15. Segundo o Texto dos Setenta, louva o Ef-
pofo o filencio da Efpofa , c neftc filcncio a fua
humildade cm occultar tantos dotes admiráveis , a
fua modeftia , o feu pudor , a fua referva nos
difcurfos. Pereira,
(b) Os teus cabellos são como os rebanhos das
cabras .... de Galaid. Tudo o que nelte Capita-
lo IV. diz o Efpofo dos cabellos, dos dentes , c
das faces da Efpofa , torna elle a repetir no Capi-
tulo W, Galaad hc huma terra da banda dalém
do ]ordáo , na fronteira da Arábia deferta , cujas
cabras cráo muito fermofas , etinháo o pello mui-
to fino, muito luzidio, e táo comprido, que lhes
dava pelo chão. Santo Ambrofio, reparando que
os cabclloi tem a raiz pegada á cabeça , e eftáo
no mais alto lugar , e delle tomáo a fubftancia ;
diz que por elles fe denota a fanta elevação das
almas juftas , que fe fuflc-ntáo do que ha dc mais
fublime na palavra do Verbo , que he o feu Che-
fe. S. Gregorio Papa , e Aponio dão outra expo-
fifáo mais fimples , dizendo que os cabellos da
3i8 Cântico dos Cânticos.
os rebanhos das cabras , (c) que fubí-
rão do monte de Galaad.
a (d) Os teus dentes são como os
rebanhos das ovelhas tofquiadas , que
fubírão do lavatório todas com dous
cordeirinhos gémeos , e nenhuma ha
eíleril entre ellas.
Os
Efpofa fignificao a multidão dos Fieis, compara-
dos a bum rebanho numerofiílimo , e gordiílirao.
Pereira.
(c) Que fubírão do monte de Galaad. Subir do
iwnte parece huma linguagem imprópria. Mas
aflim mefmo o diz o Texto da Vulgata : Quat
afcenderunt de monte Galaad, O cafo he , que Je-
rufalem eftava fituada íobre huma eminência : de
forte c]ue dc qualquer parte que fe vieíTe a ella ,
ou de Galaad 5 ou daldumea, ou de Babylonia ,
ou do Egypco , fempre fe havia de fubir. Pois
eis-ahi como em muito bom fentido fe diz , que
as cabras , que vinháo de Galaad , fubião do mon*
te \ em quanto tendo vindo do monte de Galaad y
íubiáo a Jerufalem. Por onde Calmet , em lugar
ácque fubir. ío do monte de Galaad , vcrteo que van
do monte de Galaad , exprimindo por prcícnte o
que no Texto hc pretérito. Pereira.
Ql) Os teus dentes sao como os rebanhos das
ovelhas tofquiadas , <ò'C, Nas comparações náo hc
neccíTario que tudo feja exaólo , nem que a tU"
do refponda huma rigoroía proporção de partes. E
aflim aqui bafta notar , que o que nefte verfo
quer dizer o Eípofo, hc^ que os dentes daEípQ^
Capitulo IV. 319
3 (e) Os teus lábios são como hu-
ma fitta d' efcarlate : e o teu fallar he
do-
fa são brancos , são iguaes , c são bem difpoílos,
fcm lhe faltar nenhum, ou por podre, ou por ca-
bido. Eftes dentes porém ou fe confidcrcm na Hu-
manidade de Chriíto , ou na Igreja, sáo , no
pcnfamcnto de Santo Agoftinho , os de que cllc
íe ferve para fallar aos homens : sáo os dentes dos
Apoftolos, c varões Apoítolicos , que trilhão , c
maftigáo bem o alimento erpiritual da palavra de
Dcos , que dáo aos próximos , para que efles fe
não cngafguem , nem aíío^uem com a groíTura ,
ou dureza das doutrinas , ou improporcionadas , ou
mal exportas. Segundo o mcfmo S^nto Agofti-
nho , as ovelhas tofquiidas podem íignificar as al-
mas juftas, que fe defcarregáráo do pczo do fe-
culo. E como ellas pelo Baptifmo he que crêráo
cm Chrifto, por iíTo fe diz, que fuhirao do lava-
tório. E o levarem todas feus dous cordeinnhos gC'
meos , íignifica que toda a doutrina de Chrifto , c
de feus Miniílros , tende á obíervancia dos dous
Preceiros parecidos entre fi , que sáo o do amor
de Deos , c o do amor do próximo. Em fim o
nao haver nenhuma efteril ent^-e ellas denota , con-
forme a intelligencia de S. Gregorio Magno , que
nenhum Pregador Evangélico merece eftc titulo ,
fc he dcfcuidado e rcmilTo em gerar filhos efpiri-
taaes para a igreja. Sací.
- (e) Os teus lábios sao como huma fitta d' efcar-
Ute^ Afermofura dos lábios confiftc em ferem pe-
quenos , miúdos , vermelhos , c fechados , de
foite que fc pofsáo comparar a huma pequena ti-
jio Cântico dos Cânticos.
doce. (/) Aílim como he o vermelho
da romã partida , affim he o nácar das
tuas faces , fem fallar no que cftá eí-
condido dentro.
4 (s) O pefcoço he como a tor-
re de David , que foi edificada (h) com
feus baluartes : (/) delia eíláo penden-
tes
ra 5 ou jitta d' efcarJate, O que no fcntir dos Pa-
dres he hum fy^mbolo do Tangue de Chrifto , e da
fua cxcrcmofa caridade para com os homens, cu*
jos eíFeitos reluzem nos lábios da fua Efpofa , que
he a Igreja. Saci.
(/") Jíjim como he o vemelho da mm p ir ti-
da. Peia figura, cpela cor; íymbolo do pejo, c
niodefti.i da Erpofa. Saci.
{g) O teu pefcoço he como a torre de Div:d. AU
to, c direito para denotar hum animo, que ló cui-
da no que he lá de íima. Bossuet.
(/;) Comfeus baluartes. Com hombros propor-
cionados, ou com bons encontros. Porque a que
he verdadeiramente fcrmofa , não deve ter huma
cflarura clguia, ecomo de junco ; mas efpadduda ,
e magcílofa. Eojfuet, E eftes baluartes íignificáo o
amor da pureza , a conftancia , e a inviolável fi-
delidade da Eípofa. Saci.
(/) Della cjião pendentes mil e feudos. Muitos col-
lares , ou muitas joias , que pendiáo do pefcoço da
Efpofa para ornato feu , bem como das torres cof-
tumaváo cftar pendentes muitos cfcudos em final
de vidlo'ia. O que he huma imagem da força in-
vencível, c da gloria da Efpofa, Saci e Calmit*
Capitulo IV. 321
tes mil efcudos, (/) toda a armadura
dos esforçados.
$ Os teus dous peitos (w) são co-
mo dous filhinhos gémeos da cabra
monteza , que íe apafcentão entre as
açucenas ,
6 ate que íopre o dia, e declinem
as
(/) Toda a armadura dos esforçados. Por eftas
anuas dos esfor(^ados entende B^íluct as prendas
dos amantes , que a Eípoía trazia pendentes lobre
o peito , como srmas , ou defpojos dos vencidos.
No íeniido myftico , que aqui confideráo S. Gre-
gorio dc NyíTa , e Santo Ambroíio , fignificáo os
iroféos 5 que a Igreja alcançou dos poderofos do
Inferno 5 c do Mundo. Pereiba.
(m) São como dous filhinhos gcmcos da cabra
monteza. Ou mais á letra : são como dous cabriti-
nhos momezes , filhos gémeos da mefma mai. Será
pela fua ternura que os dous peitos da Eípofa íe
comparáo a dous filhinhos gémeos da cabra mcn-
leza? Ou fera porque á maneira de dous animai^s-
zinho» gémeos , eíláo reípirando , e como pullan-
do deb-«ixo do feu veílido ? Ou ferá finalmente ,
porque como bravios náo querem fer tocados , e
fò o Efpofo confentem que lhes ponha a máo ?
Efte ultimo diícurfo moftra bem , quanto a caíli-
dade da Efpofa hc fevéra , e inacceíiivel. BoJJuet.
No fcntir de Santo AgoUinho os dous peitos da Ef-
pofa sáo os dous Teftamentos, No de Saci , os
dous filhinhos gémeos dacdbra monteza sáo os dous
PÓV0S3 judaico, c Gentílico. Peksira.
322 C ANTIGO DOS CanTICOS.
as fombras , {n) eu irei ao monte da
inyrrha , e ao oiteiro do incenfo.
7 (o) Toda tu es fermofa , amiga
minha, e em ti não ha mácula.
8 {p) Vem do Libano , Erpofu
minha , vem do Libano^ vem : ferás
CO-
(ji) Eu Irei ad monte da myn ha , e5?r. Ncfte
monte de myrrhá entende S. Gregorio dc NyíTa o
monte Calvário: no oiteiro d' incenfo , a Afccnsão
de Chrifto ao Ceo por virtude própria , como ver-
dadeiro Filho, que er^ de Deo<. S. Gregorio Pa-
pa emende pelo monte de myrrha, o alto gráo de
mortificação , a que fe náo chega Tem os esforços
d' huma fanta violência. Pelo oiteiro 'd' incenjo a
humdde elevação das almas íanras , orando. Pe*
REIRA.
(o) Toda tu es fermofa, ó^c. Quando o Efpo-
fo chama tod.i íermoía, e fcm mancha a Igreja,
he porque a confidera não já no elèado de viado-
ra , onde ainda osm.iis Tantos cahem em fuas fal-
tas ; mas no eftauo de comprchenfora , no qual a
Igreja appsrecerá fcm mácula , nem ru^a , como
diz o Apoftolo, Eph.V. 27. Santo Agostinho;
( p) Fem do Lihuno .... vem do íilto d' Âma*
ná , <b'C. Aqui temos a Igreja formada dcjudeos,
c de Gentios. Porque nos Profetas compara-fe Jc-
rufalem ao Libano , de cujas madeiras quaíi toda
ella era edificada. Os outros montes d' Amana ,
Sanir, e Hermon , como habitados de beftas fe-
ias , fi;;uráo 03 matos maninhos da Gentilidade,
ou da IdoUtría. Saci.
Capitulo IV. 323
Coroada do alto d' Amana , do cume
de Sanir, e d' Hermon ^ das cavernas
dos leões , dos montes dos leopardos.
9 {q) Tu ferifte o meu coração,
irmã minha Efpola , tu ferifte o meu
coração com hum dos teus olhos , c
com hum cabello do teu pefcoço.
10 (r) Que lindos são os teus pei-
tos,
((j) Tu fcrijlc o meu coração ; ; . . com hum dos
teus olhos , Os Setenta dizem : Cor abjlulijti
mbis : Tu nos roubafte o coração. E allim lia
também Santo Ambrofio nos feus Códices Lati-
nos. Com hum dos teus olhos , quer dizer , com
hum fó olhar. E ifto denota , que de nada fe na-
mora Deos tanto , como d' hum olho ftmples , fe-
gundo o que Chrifto diz no Evangelho , Luc. Xí.
:;4. Se o teu olho for fimples , todo o teu corpo fe-
ra lumimfo, O que o Eípofo acere fccnta , e com
hum cabello do teu pcfcoco , pòde-fe entender d' hu-
ma trança , que dcíce da cabeça ao psfcoço. E
efte cabello , ou eíta trança , fegundo Theodoic-
to, he a caridade. Pereira.
(r) Que litidos são os teus peitos ! O Hebreo tem
os teus amores. He porém dc noror que o Efpofo ,
fallando dos peitos da Eípofa , diz dcUes o mef-
mo que a Elpofa tinha dito dos peitos do Efpo-
fo. O que moítra que nclle Divino Myíèerio da
união efpiritual do Efpofo com a Efpofa , o que
pertence a hum , pertence a outro ; e que parte
do que fe diz de Chrifto, fe póJe dizer da Igre-
ja por cífeito daquelle Sacramento ineíFavcl , de
324 Cântico dos Cânticos.
tos, irmã minha Efpofa ! os teus pei-
tos são mais fcrmoíos , do que o vi-
nho, e o cheiro dos teus balíamos ex-
cede o de todos os aromas.
II Cs tejs lábios ^ ó Efpofa , são
co-
que falia S. Pâulo , que canfa no homem novo ,
bem como no velho , o que íc diz no principio
do Genefis, e o que o mcímo Chrifto depois re-
petio : Qíie os dons mo saj mais do que himia Jó
cinie. Hc também digno da nolla rcdexáo cha-
mar Chrifto d Igreja náo fó [u^ Efpcft ^ mas tam-
bém fua irmã. E ifto por caufa da Natureza hu-
mana , que he a mefma em Chrifto , que nos ou-
tros homens , de que a Igreja íe compõe. E af-
íím chama S. Paulo a Chriíto , o Primogénito en-
tre vmi:os irmãos, E o mefmo Chr lio chamou
feus irmãos aos Apoftolos. Deve-fe igualmente no-
tar que o cheiro dos baljamos he a hagrancia da
fantida ie , e de todo o género de virtudes ; e no
verío feguinte que o mel c o leite , a que fe com-
paráo os lábios da Efpoía , íígnificáo a fuave do-
çura , e a cândida pureza da palavra de Ucos , c
da fabedoria das Eícrituras , com que a Santa Ma-
dre Igreja coftuma alimentar feus filhos, para que
náo pereçáo ; c finalmente que os vertidos di
Igreja, conforme o que dizo Apoftolo na fegunda
aos de CorinthoV. \. denotão as boas obras, fu-
bindo ao Ceo o cheiro dos mefmos vcílidos por
meio da oração fignificada no incenfo , como fc
vè do Salmo CXL. 2. Sobre os antigos perfuma-
rem os veftidos veja-Ic o Genefis XXVII. 27. c o
Sa' mo XLIV. lO. Pereira.
Capitulo IV. 325-
como hum favo , c]ue diftilla doçura,
o mel , e o Jeite eílao debaixo da tua
língua : e o cheiro dos teus vcftidos he
como o cheiro do incenfo.
12 (j) Jardim fechado es irmã mi-
nha Efpofa, jardim fechado, fonte fel-
lada.
1 3 (t) As tuas producçoes são hum
jardim de romans com frutos de ma-
ceiras. Chypres com o nardo,
o
(5) Jardim fechido es , éf^c. Depois de lou-
var a fcrmoíura da Eípofa , e a fuavidade das fuas
palavras , palia o Eípofo a celebrar a fua inteire-
za , e caftidade. E o que fe diz da Efpofa , fe
póje applicar á Igreja. Ella he o jardim fechado y
onde não entra erro algum. Ella o po^o das aguas
vivas pelo profundo , e íalutifero da íua doutrina ,
a qual com Ímpeto corre do Líbano por caufa da
cfficacia da divina palavra. Bossuf.t.
(t) As tuas producçoes y ó^c. A' letra: Os teus
lani^amemos , ifto he , renovos , pimpolhos. Com-
para fe aqui a Efpofa a hum jardim , ou vergel , que
produz pLntas carregadas dos mais fazonados c
deliciofos frutos. Pelas romans fe entende com-
mummente a caridade ; pelas maçans os frutos do
amor Divino j pelo chypre a contemplação das
coufas celcltiaes ; pelo nardo , duas vezes repeti-
do, a cfperança cm Deos , e adefconfimça de íi
próprio ; pelo açafroo a fé ; pela canna a^omaticd
í(de que falia Plínio no Livro XII. Cap. 22.) a pru-
3 2Ó Cântico dos Cânticos.
14 o nardo e o açafrão , a canna
aromática e o cinnamomo com todas
as arvores do Líbano , a myrrha e a
áloe com todos os balfamos da pri-
meira ellimação.
15 A fonte dos jardins : o poço
das aguas vivas, que com impeto cor-
rem do Libano.
16 (jt) Levanta-te , Aquilão , e
vem tu , vento do Meio dia , alfopra
de
dencia ; pelo cinnamomo a juftiça ; pela myrrha , e
Áloe a fortaleza , e a temperança ; pelas arvores do
Líbano o complexo de todas as demais virtudes i
em fim pelos balfamos da primeira ejlima^io os
ados e afFeélos das outras virtudes , que ás men*
cionadas andáo annexas e infeparavelmcnte uni-
das. Pereira,
(w) Levanta-te , é^c. Ou o Efpofo defcja com
cfta apóftroFc aos ventos , que aíToprem alternada-
mente o Norte c o Auftro , para que fe exhalcm
os aromas de táo fragrante jardim por toda a par-
te ; ou que fe retire o Norte , o qual póie íigni-
ficar o diabo , para que náo murche , fequc , ou
queime as fuás flores , que sáo as virtudes ; c ve-
nha o Auftro para as alentar e fomentar , fazen-
do-lhes crefcer a fermofura. Pelo Auftro entendem
os Padres o Efpirito Santo íobre os Apoftolos e
Difcipulos no dia de Pentccoftes. Ultimamente
pela contrariedade dcftes ventos entende o grande
Boíluec a cempcftadc das pcríeguiçóes , nas quaei
Cântico dos Cânticos. 327
de todos os lados no meu jardim , e
corrão os feus aromas.
fe tem cfpalhado por todo o Mundo a fama de
tantos Martyrios. Pereira.
CAPITULO V.
Anciã que tem a Igreja de receber a Chri^
fio ^ e de o ver recolher os frutos , que
elle produzia nella. Bondade com que
Chriflo rej ponde aos dejejos da Igreja.
Ternuras que diz para induzir as al-
mas a que o receba o, Defgraça das que
recusão abrir- lhe a porta do feu cora-
ção , quando elle bate. Elias depois o
bufcão , mas não no achão. Trabalhos
que paffou nifio, Defcripção que faz das
perfeições do Efpofo,
A Esposa.
I {d) "\ 7" Enha o meu Amado para
V o feu jardim ^ e coma o
fruto das fuas maceiras. q
(4) Venha o meú jimaão , f. As primeiras
palavras defte verficulo íe acháo no Hebreo uni^
das com as ultimas do Capitulo antecedente. Com
cftas palavras pois convida a Efpofa ao Eípofo
para que vá ter com cUa, O jardim hc a Igreja :
328 Cântico dos Cânticos.
O Esposo.
{b) Eu vim para o meu jardim , irmã
minha Efpofa: feguei a minha myrrha
com os meus aromas: comi o favo com
o meu mel; bebi o meu vinho com o
meu leite : comei, amigos , e bebei ,
e embriagai-vos , cariflimos. ^
os pomos são as boas obras dos cfcolhidos , que
ncftc jaruim , como arvores , florecem , c fruiifi-
câo. Delias, como dc manjar deliciofiflimo , fc
nutre Chrifto. Menoquio,
{b^ Eu vim j <ò^c. Acode promptamentc o Ef-
pofo aos rogos, c defejos da Efpofa , o que al-
guns dos Padres entendem da Incarnação do Ver-
bo , explicando fcr cfte hum como delejo da Sy-
nagoga , ou da natureza humana , que pede ao
Verbo do Padre que venha para o feu jardim , c
qac fc ajunte á natureza humana, para a livrar da
cfterilidade , e a íízer fértil dos frutos da graça ,
c benção, A eftas fcrvorofas fiipplicas lefponde o
Verbo, e cumpre ião anciofos i^effjos crm a fua
Incarnação, dizendo: Eu vim fira o tf.eu jardim ^
ifto he, para o feio da Virgem. Cnlmet, Já le vê
que chama Chrifto aqui imã i fua Amada, pela
natureza que com cila lhe hc commum , e Efpofa
pelo dcfpoforio da fc. Denomina amidos aos juf«
tos, e carifjimos aos perfeitos. Pc)a w^rr/;^ enten-
de o Baptifmo , pelos aromas os Dons do Efpiri*
to Santo. No favo fc fymbo!iza o Corpo dc Jeftl
Chiífto orgâtnizado nas puriílimas entranhas d<i
Capitulo V,
329
A Esposa.
^ {c) Eu durmo , e o meu coração
véla : eis a voz do meu Amado , que
bate , dizendo : {d) Abre-me, irmã mi-
nha , amiga minha , pomba minha ,
immaculada minha : porque a minha
cabeça cftá cheia d' orvalho, e me ef-
tão correndo pelos anneis do cabello
as pottas das noites.
^ Eu
Virgem Maria ; no w.el a cclcftial doçura , que
fe percebe deite favo s no vinho o calis faudavcl
do Sangue do Senhor j no leite a doutrina dos fc-
g^cdos da divina palavra. Aqui dá íim Boííuec ao
terceiro dia das voda9. Pereira.
(f) Eu durmo , <ú>c. Neíta quarta noite veio o
Elpolo mais tnriic do que coftumava , eftando já
a Efpofa recolhida, e quafí pe£;ada no fomno. A-
penas ellc bateo á porta , e bradou, ella o ouvio ,
dizendo : Eis a voz do mu Amado , que bate. Ne-
nhuma couía ha mais viva , prompra , atrenta , ou
induítriola do que o amor. A alma occupad^ no
cuidado do íeu Deos , fempre ouve com vigilân-
cia as fuas vozes , e obedece aos íeus avilos.
Calmet.
(d) Âhre-me y é^c. Pafma a admiração, e per-
áe o nome o encarecimemo á vifta do cuidado,
?ae moftra aqui o Erpofo para follicirar o bem da
Çrejd , e da íaUaçáo dc cada huma das almas.
Çoxn palavras da maior cemura lhe diz : Ahre me ,
330 Cânticos dos Cani^ícos.
3 (e) Eu me defpojei da minha
faia , como a vcftirei cu ? Lavei os
meus pés , como os tornarei a çujar?
4 (/) O meu Amado metteo a fua
máo
imi minha , dá-mc õ devido lu^ar em teu coração
pcirque , íc te chamo ima minha , bem vês que
hc por mc ter feito homem , por amrr de ti , vef-
tindc-me da tua natureza ; amiga minha , por te
havtr reconciliado por meio da minha morte com
meu Pai , e rcftituido á fua amizade ; pomba mi-
nha ^ porque te bafejei com a graça do meu Divi-
no Eípiriro ; immaculada minha , porque cm fim
dcrrarrei fobrc ti fctc fontes de ^raça , que são os
Sacramentos, para tua juítiíicaçáo , c mais dons,
de que te enriqueci , em ordem á vida eterna^
Pereira.
(e) Eu mc defpojei da minha faia , e5? f. Eu
dcípi o homem velho, como o veítirei? No qual
feniido diz S. Paulo, Rom. VI. 2. Nós que effa-
mos mortos aopccc^do, como viviremcs ainda tiellei
Os Santos Padres obfervão que as almas grandes,
quando cfíáo no repoufo da contemplação , tcí
mem algumss vezes , que fahindo a obras exte-
riores fc não manchem ; porque todo o ícu meda
hc , que náo percáo a graça , que huma vez al-
cançarão. Mas quando o Kfpofo manda , que dú*
vida pôde haver que a Efpofa fc deve levantar í
BoSSVET.
(/) O meu Amado mcttco a mão pela freflai
Pela írefta da porta. Na qual acçáo do Eípofo fc
figura Chrifto , bufcando pelos toques da fua gra^
Capitulo V. 331
mao pela frelta , e as minhas entra-
nhas eftremecêrão ao eílrondo que el-
le fez.
5- Eu me levantei para abrir ao
meu Amado: (g) as minhas mãos dif-
tillárSo myrrha , e os meus dedos ef-
tavão cheios da myrrha mais preciofa.
Tom. XL Y Eu
ça cniiada em nós , c commovendo o interior das
noíTas almas. Boffuet, Trabalhando pois o Erpofo
por abrir a porta , foíTe por huma frcfta , ou gre-
la delia , para ver fe corria o ferrolho , ou a travcf-
fa dc madeira , que por dentro a fechava , Tegun-
do o ufo dos Hcbreos daquellc tempo , o qual
ainda hoje cm dia fe pratica nas caías dos pobres
das Aldeãs; folTc , como querem outros, por hum
poftiguinho , que havia na mcfma porca ; o certo
hc que em tudo iíto moftra elle a eíHcacia da fua
Graça em querer abrandar corações empederni-
dos , c movcllos a que logo acudáo á íua voca-
ção. Pereira.
Çg) minhas àiftillârSo myrrha, Náo fó
com o regalo dos mais finos cheiros fe deitaváo as
pamas na cama, como aquella , de que falia Sa*
lamáo nos Provérbios VIÍ. 17. que dizia: Eu bor^
rifei o meu Lito de myrrha , Áloe , e cinnamomo , íc-
gundo a explicação de Bofíuet ; mas ainda podia
aqui a Efpofa, conforme a intelligencia d' outros,
ao peg^r no ferrolho , encher as rráos daquellc
preciofo balfamo, de que o Efpofo o untara com
o contaclo das íuas. Vcja-fe Saci íallando do p^í-.
33^ Cântico dos Cânticos.
6 Eu abri a minha porta ao meu
Amado, tirando-lhe o ferrolho : {h) mas
e!le já íc tinha ido, e era já paílado a
outra parte. A minha alma iedcrreteo,
(/) aflim que elle fallou: (/) bufquei-o,
mas não no achei : chamei-o , e elle
me não rclpondeo.
A-
fume de Maria entre os Orientae? , e Calrret ex-
pondo lambem o coftume que tinháo os Roma-
nos de untarem as umbreiras das portas nos feus
cafamentos , donde veio chamarcm-fe as mulheres
caiadas uxores , como fe fe dilTera utixicres , fobrc o
que pode ver-fe igualmente Santo líidoro no Li-
vro IX. das fuás Origrns , Capitulo 8. de Conjugiis ,
c Lucrécio no Livro IV. verío 117^. Pereika.
Mas elle jã fe tinh/t ido. ÁHim caftiga
Dcos as almas , que náo acodem logo aos toques
das fuas Tantas infpiraçóes. Bossuet.
(/) ^JJim que elle fallou, E verdadeiramente
fallou o hlpofo neíla occafiáo , reprchcn.^endo a
tardança da Eípofa até com a fua retirada. Pe-
ixeira.
(/) Bufíjuei-o 5 mas nSo no /fchei. Eu te buf-
quei , mas náo te pofío achar , fenáo querendo tu
fcr achado. E tu certamente queres íer achado ;
mas queres que te bufqucm por muito tempo;
qu res que andem em teu alcance com muita di-
ligencia : náo qu res que te bufque quem dorme ;
náo quere«5 que ande em teu alcance quem cítá
deitado. Santo ámbrosio.
Capitulo V. 333
7 {m) Âchárão-me os guardas , que
rondão a Cidade : derão-me , e feri-
rão-me: (;/) tirárão-me o meu manto os
guardas das muralhas.
8 Eu vos conjuro , filhas de Jeru-
falem , que , fe encontrardes ao meu
Amado , lhe façais a faber que eílou
enferma d' amor.
As Filhas de Jerusalém.
9 (0) Qual he o que tu chamas A-
mado entre todos os Amados , ó mu-
Y ii lher
(m) Âchârão-me , é^c. Sahe de noirr a Efpo-
fa cm bufca do Efpofo , como já fizera no Capl-
tu!o III. 2. mas dcfta ícgunda vez he maltratada
c ferida. Efte lugar explicáo os Padres como fi-
gura das injurias , e da íevicia , com que tem fi-
do maltratada a Igreja na pciToa dos ConkíTores
c Martyres pela fúria dos Imperadores , dos Reis
probnos, dos hereges, dos rcifmaticos , dos Ím-
pios, e d' outros fcus perfeguidores. Calmet.
(n) Tiráran-me o meu mimo. Ainda que a Vul-
gata diz, pãUium mewn y e o nome piliiiim fe cof-
luma tomar pela cap4 , eu verti mamo ; porque
acho que Santo Ambrofio, e Filo C^rpacio o en-
tendera doveftido, que cobria a cabf^ça. Pereisla.
(0) Qual he , &^c. As filhas de Jerufalem,
ms quaes fe rcprcícntáa as Almas juftas p fazem
334 Cântico dos Cânticos,
lher a mais fcrmofa de todas ? Qual
he o teu Amado entre todos os outros,
por cuja contemplação nos conjurafte
tu defte modo ?
A Esposa.
10 (/?) O meu Amado he cândido,
e rubicundo, efcolhido entre milhares.
11 (^) A fua cabeça he o ouro
mais fubido : os leus cabellos são co-
mo os ramos novos das palmeiras, ne-
gros como hum corvo.
^ Os
aqui efta duplicada pergunta , não porque deixem
de conhecer o Eípofo j mas para que fc regozi-
jem e faborecm com a repetição das occaíiócs dc
exaltar as fuas perfeitilíimas excellcncias , c pre-
rogaiivas , inflammando-fe cada vez mais no amor ,
que por tantos ticulos lhe he devido. Perviea.
(p) O meu jimddo he cândido , e rubicundo,
Candido pela Divindade , que na Eícritura fe cha-
ma : Candura da luz eterna , Sap. VII. 26. Ru-
bicundo por caufa do Myft.rio da Incarnação, e
Paixão òc Gfiriíto , cuio vellido chama por iflb
vejiído vermelho Haias LXIII. 2. Bossuet.
iq) A fua cabeia he o ouro mais fubido. Por-
que, fecundo a explicação dc BoíTuet , a cabeça
de Chrifto he Dros. Caput enim Chrijii Deus,
I. Cor. XI. 5. Os çabellos denotáo, no commaq|(^^
Capitulo V. 335'
12 (r) Os feus olhos são como as
pombas , que , tendo os feus ninhos
ao pé dos regatos das aguas, (s) eftao
lavadas em leite, e le acháo d'aíiento
junto das mais largas correntes dos rios.
As
fentimento dos Pddres , a multidão ínnumeravel
dos Santos unidos a Chriílo fua Cabeça , cujo
adorno sáo principalmente as afíignaladas vi(florias
que alcançáo de todos os feus inimigos pela paci-
ência das tribulações , e perfeverança no bem.
Outros entendem pelos melmos cahcllos os confe-
Ihos Divinos , que fe dizem fer negros , porque
sáo para nós impenetráveis e incógnitos. No Hc-
breo fe náo acháo as palavras elatae pahi^rum , c
nos Setenta fe lê a primeira elatae , que lem a
penúltima breve, a qual be huma planta aroma-
tica , de que faz menção Plínio XIÍ. 28. Pereira.
(r) Os feus olhos, tb-r. O nome columbae eftá
aqui em nominativo do plural , e náo em gcniti-
vo do fingular, como alguns o vertem , fegundo
fc vè do Hebrco , e dos Setenta. Comparáo-fe
pois os olhos do Efpofo á pomba cândida , por-
que sáo fermofos , caítos , puros , Tantos , con-
forme a intelligencia de Menoquio. Pelos olhos do
Erpofo fe entende a fua Sabedoria , c Providencia.
Pereira.
(5) EJlao lavadas em leite. Fazendo eftas pom-
bas os feus ninhoj ao pé das correntes das aguas ,
e lavando-fe ncllas muitas vezes , parecem aos
oihos de quem nas vê táo brancas, como íc çom
leite fe tivcíTcm iavado. Pereira.
33 ó Cântico dos Cânticos.
13 (t) As fuas faces são comohuns
canteiros de plantas aromáticas, plan-
tadas pelos que conficionao os cheiros.
(li) Os feus lábios são huns lirios , que
diftillão (.v) a mais preciofa myrrha.
14 (jy) As fu?.s mãos s3o de ouro
fei-
(í) jés fuas faces , ó^c. Nas faces he íjgnifíca-
da a mageíiâde milhirada com brandura , e a rr.o-
dcftia cheia de gravidade ; sáo reprcfcntadas em
fim todas as perfeições Divinas, e humanas. Pe-
KEIHA.
(u) Os feus Uhios , ô-c. Compara os labíos
do Efpofo com os lirios de cor de purpura , cjue
sáo na Syria os mais cftimados. He aqui louvada
a fuavidadc e doçura das palavras do Efpofo, em
cujos lábios fe derramou a graça. Salm. XLIV. ^.
c dc quem fe diíTe : Nunca jârmis homem f aliou
afpm como efie homem: Joan. VII. 4^. e numa rcf-
polla que S. Pedro lhe dco : Tu tens palavras
de vtda cerna. íd. VI. 69. Mencquio.
(x) ^ mais preciofa myrrha. Os lábios dc
Chrifto difliillaváo myrrha , porque rcprehcndia os
peccadores, e os exhorrava á penirencia, eá mor-
tificação. Menoquio. Tíra-fe daqui hum documen-
to imporrantiílimo aos Oradores Evangélicos , para
que, levados do defejo de confcguir o applaufo
dos homens, não feparem jamais da fu3ve doçu-
ra da Divina palavra a fevcridadc dos Mandamen-
tos da Lei do Senhor. Pereira.
O) As fuas mãoSf <á^c. Pelas mãos de ouro.
Capitulo V. 337
fl'itas notornj, cheias de jacinthos. O
feu ventre he de marfim , guarnecida
de lanras.
As
ifto he , de preço infinito , fc entendem as obras
portentofas , c]ne fez o Verbo Eterno fobre a terra
para falv.-içáo do género humano. Chamáo-fc tor-
neadas ^ ou feius ao torno, pelo roliça, e affufa-
do dos dedos ; no cjue fe vem a figniticar a perfei-
ção, e ajuftaJo das boa> obras, fegonio BoíTuet.
Os Padres, tomando em íenti lo aòlivo a pal.^vra
tomatiles , a explicáo da induftria , e facilidade,
com que Deos fò com o aceno da fua vontade ,
c impeno da fua voz , num momento faz cum-
prir no Ceo e na terra os decretos da fua Provi-
dencia. Também o eftrcm cheias de jacinthos de-
noiáo os effe tos da Divina Mifericordia para com-
nofco , a inflammada caridade , a cândida pureza ,
a celeílial fabedoria , os dons do Eíp-rito Santo.
No ventre de marfim fe fymboliza a incorruptibili-
dade , e a perfeita pureza da carne de Jefu Chrifto :
nas fafiras por ultimo a refulgencia dis acções Di-
vinas , que no meio da fraqueza do fen corpo mor-
tal fe divifava. O Hebrco diz : fiias mios são
como anneis de ouro , íjiic tem erigajtada a pedr.t
tharfís. As fuás entranhas sao como hum luftrofo
marfim , ou huma pyxidc dc mariim , ou eftáo
fechadas como num vafo de marfim cravado dc
lafirasi explicação, que approva Calmct. Quanto
á pedra tharfís , aflim chamada da Província cm
que fe acha , he ella d' huma cor entre roxa e
branca, fegundo adcfcripção dc certo Hebrco an-
tigo por nome Aivcnccio. Pereíka.
338 Cantíco nos Cântico?.
(z) As fuas pernas são humas
columnas de mármore , que eftão fuf-
tentadas fobre bafes de ouro. (ao) A
fua figura he como a do Libano , elle
he efcolhido corno os cedros.
16 (bb) A fua garganta he fuavif-
/
(z) jis Juds pernas , ó^c. Pelas pernas ( cuja
bem airofa proporção , alvura , íolidez , firmeza ,
c grolTura dá a entender a Efpofa ) fc denotáo os
palies c acções da vida de Jefu Chrifto fobre a
terra ; c pelas bafes de ouro , a caridade c mais
virtudes , em que todas eráo fundadas. Alguns Pa-
dres explicáo efte lugar dos Apoltolos , que sáo as
columnas da Igreja , Matth. XVI. 18. Paul. I. ad
Coriníh. III. 10. ad Galar. II. p. adEphef. II. 20.
cujo fundamento he o mefmo Chriílo , conforme
diz o mencionado Apoftolo ad Corlnth. III. tí.
Também o feu corpo myftico eftriba em dous
pés , que vem a fer o amor de Deos , e do pró-
ximo , tendo por bafe de ouro a Fe , e a Efpe-
rança, que dando-lhe huma fòlida , c inconculTa
firmeza, o fuftemáo, fortalecem, reforçáo. Pe-
heira.
(^aa) A fua figura^ ^c. Aílím como o Liba-
no excede na altura aos outros montes , e o ce-
dro leva grande vantajem ás demais arvores dos
bofques ; aílim aquelle , a quem amo , fobrepuja
tamííem aos outros homens na altura , na gala do
corpo, na fuavidade dos coftumes. Calmct.
(bb) A fua garganta Ix fuavijjima. PcU do-
Capitulo V. 339
Cma , (cc) e todo elle he para fe defe-
jar: tal he o meu Amado , e tal o que
he verdadeiramente meu amigo , filhas
de Jerufalem.
As Filhas de Jerusalém.
17 {dã) Para onde foi o teu Amado,
ótu, que es a mais fermofa de todas as
mu-
çura das palavras , pelo agradável hálito , pela
fuavidâde da voz. Bossuet.
(cc) E todo elle he para je defejar : Todo hc
para í'e defejar , cm confcquencia das ch a m mas do
amor , que atêa no coração de quem teve huma
vez a dita de o conhecer ; porque elle he em fim
o defcjado de todas as Gentes , Aggaei 11. 8. ca
faudade dos oueiros eternos , Genef. XLIX. i6.
Pereira.
(í/íí) Para onde foi o teu Amado ^ é^c. Reco-
nhecendo aqucllas donzellas por certo a juftifica-
da razão , que tinha a Efpofa para com todos os
aíTcclos d' alma prezar o feu Amado ; pedem-lhc
novamente que lhe diga onde elle eftá , fe o fa-
be , para lho ajudarem a bufcar , indo em fua com-
panhia. Daqui fe vê , como explica Saci , que to-
das as Igrejas , que são como nafcidas da Igreja
Apoftolica , não tem podido bufcar com feguran-
ça ao Efpofo , fenáo na união c feguindo a dou-
trina , c as pizadas da Igreja primitiva , fundada
pelos Santos Apoftolos , que foráo c fecão até o
340 Cântico dos Cânticos.
mulheres? para onde fe retirou o teu
Amado? e nós o bufcarenios comrigo.
fim dos feculos o fundamento do edifício efpirí-
tual dc rodos os ChriíHos. Veja-fc S. Paulo, aos
òcLfcfo II. ilf. 20. Pereira.
CAPITULO VI.
^ ^S^^J^ ^^^^^ o jardim de Chriflo,
Neila acha Chrijlo as Juas delicias.
Lindezas da Igreja, Ella he o único oh-
jeSlo do amor de Chrijlo. A fua felici-
dade faz a admiração dos Anjos, lulla
ao mefmo tempo he a alegria do Ceo , e 9
terror das Potejlades do Inferno.
A Esposa.
I {a) Meu Amado defceo ao
fcu jardim , ao canteiro
das plantas aromáticas , (b) para fc
apaf-
(/i) O meu Amado defceo ao feu jardim. Como
fe difíera : Não fei para onde foi o meu Efpoío;
mas fiifpciro , que dcíceo ás aréolas do feu jar-
dim aromático. Menoçuio.
(^) Para fe apafcent.ir nos jardim, A Efpofa ,
depois de nomear no fin^ular o jardim , a que fuf-
pcitava trr defciJo o Efpofj , que no fcntir de
todos os Padres , c Interpretes hc a Igreja Ca-
Capitulo VI. 341
apafcentar nos jardins , (r) e para co-
lher açucenas.
2 (d) Eu fou para o meu Amado,
e o meu Amado he para mim, elle he
taJ , que fe apafcenta entre as açucenas.
O Esposo.
3 (e) Fermofa es ^ amign minha ,
fuave 5 e engraçada como Jerufalem :
ter-
tholica , nomea no plural os jardins , em que o
Eípofo fe apafcenta , que sáo as Igrejas particu-
lares, de que fe fórma effa univerfal Igreja. Saci.
(c) E para colher a:ucenas. Ifto he , para tirar
das miferias deita vida , e collocar no Ceo aqucl-
las almas, que adquirirão a perfeita pureza, figu-
rada na candura , e cheiro da açucena. S. Grego-
rio Magno,
(d) Eu fou para o meu Amado , é-c, He o mef-
mo que já dillc aHima no Capitulo II. verfo 16.
Em quanto a Efpofa forma tenção de entrar no
jardim , vê ao Eípofo , e rompe neílas palavras.
Menoquio.
(e) Fermofa es , é^r. O Hcbreo : Fermofa (ifto
he y adornada de vircudes de todo o género) es ^
amiga minha , como Therfa , engrá(^ad^ como 'Je-
-rufalem, Therfa era huma Cidade célebre naTribu
d' Efraim , Jofué XII. 24. c Metrópole da mcf-
ma Rc2;iáo, antes de fc fundar Samaria. AUi ha-
viáo eftabelecido a fua Corte Jeroboáo , e os pri-
meiros Reis d ICracL IIL Reg.XlV. 17. XV.
34^ Cântico dos Cânticos.*
(/) terrível como hum exercito bem
ordenado pofto em campo.
4 Aparta os teus olhos de mim ,
por-
A amenidade do lítio lhe tinha feito dar cfte no-
me dc Therfa , ou Thirzi , ifto he , cariflima , ju-
cunda. Também entre as Cidades do Oriente era
Jcrufaíem a mais fermofa. Por onde compara Sa-
lamáo com juftificado motivo a Efpofa com as
duas Cidades mais fermofas do fcu domínio. A
Igreja de Chriíto he fermofa , como Jcrufalcm ,
náo a da terra , mas a do Ceo , Patria de todos os
que sáo verdadeiros filhos da mefma Igreja. Sem
embargo de íer efta vida hum deferto , e de an-
darmos ncfte Mundo feitos peregrinos ; ainda af-
íim todos aquelles , que feguem no feu culto a
communháo e a doutrina da Igreja Catholica , c
com grande defvclo trabalhão por ferem membros
deftc corpo nobiliflimo, cuja Cabeça he Chrifto ,
já com a fua efperança tem prevenido a poffc da
celeftial Jeru falem ; já sáo contados entre os fami-
liares de Dcos , e Cidadãos do Ceo , fegundo a
cxprefsâo do Apoftolo ad EphefAl. 19. Calmet.
(/ ) Terrível , ó'c. Ou terrível como hum exer-
cito formado im batalha. Ou , fegundo o Hebreo ,
com 08 fcus eílandarres defpregados , ou bandeiras
tendidas. No que fc dá a entender o quanto devem
cftar prevenidos contra as embofcadas de feus ad-
verfarios todos 01 mortaes , cuja vida he fobre a
terra huma contínua milicia e combate. Job VII. i.
vindo aflim a compor a Igreja por iílb chamada
Militante, Pelo que he efta , como nota Boííuet ,
hama imagem da Igreja Catholica, cuja doutrina.
Capitulo VI. 343
(g) porque elles são os que me fizerão
vo-
c fantidadc hc formidável a todas as Poteftades do
Inferno , c do Mundo ; formidável aos demónios ,
e aof tyrannos j formidável aos erros, e aos vi-^
cios. Pereira.
(g) Porque elles sSo os que me fizerao voar, Hc
á letra o que diz a Vulgata com os Setenta : Quia
ípfi me avolare fecerunt. He como fe diíTera o Ef-
pofo : Se tu queres que cu fique na tua prefença ,
abaixa os teus olhos , não os ponhas em mim ,
porque náo poíTo fupportar o fogo , c vivacidade
que delles fahe. Exprefsáo delicada , e liíbngeira ,
que dá huma nobre idca da belleza , e da magef-
tade da F/pofa. Alguns Padres, comoTheodorc-
to , S. Gregorio , c Beda , explicáo iílo dos que
querem penetrar com demaziada curiofidade os
Myfterios da Religião , aos quaes diz Chrifto que
apartem dahi os olhos, fenáo que elle fe retirará.
Mas o que parece mais n?.tural , he entender ef-
las palavras doFfpofo nomefmo fentido, em que
Deos dizia a Moyrés , Exod. XXXII. 10. Nao
me rosques , mo detenhas o furor do meu bra(^o ;
deixa-me de{iruir efie Povo ingrato^ e rebelde. Nas
quací palavras o que Deos intentava era excitar a
Moyfés a ro^ir ainda com maior ardor pelo Po-
vo. Da mefma forte , quando o Senhor diz a
Jeremias , que lhe náo falle mais nos Judeos , c
i que náo quer que Jeremias lhe rogue mais por el-
I les ; ifto he , como fe o Senhor diíTeíTc a Jere-
' mias : Se tu continuas a pedir , eu náo poderei
; refiftir ás tuas infâncias. He cita huma agradável
I violência , i'\z Tertulliano , que as almas fantas
I ^em a Deoj. Bossvet , s Calvet.
I
I
344 Cântico dos Cânticos.
voar. ih) Os teus cabellos são como o
rebanho das cabras , que apparecêrão
de Galaad.
5* Os teus dentes são como hum
rebanho d' ovelhas ^ que fubírão do la-
vatório, tendo todas feus dous cordei-
rinhos gémeos, e nenhuma entre ellas
he eíleril.
6 AíTim como he a cafca da romã,
aíllm são as tuas faces , não fallando
no que cílá efcondido dentro de ti.
7 (/) SãofeíTenta as Rainhas, eoi-
ten-
(h) Os teus cdbellos , ó^c. Ncfte , e nos dous
verficulos fcguintes repete o Eípofo os mcrmos
louvores , que já aílima tinha apregoado da Efpo-
fa no Capitulo IV. verf. i. 2. i^. Calmet.
(/) São feffenta as Rainhas^ é^c. Como en-
tre os Judeos na moeda corrente daquellcs tempos
era tolerada a polygamía , além d' ourra» razoes
myfteriofas, até pelo defejo , e erperança que li-
nháo de íerem pais do Meííias ; por efta «aufa fe
viáo nos Palacios dos Reis d' Ifrael as que aqui fc
chamáo Rainhas , que eráo filhas dos Príncipes
vizinhos , e mulheres da primeira ordem ; as que ]
fc chamáo concubina^ , que , fuppofto ferem mu»
Iheres legitimas , eráo da fegunda ordem , e d' in*'
ferior condição , c defpofadas com menos folem-
nidade , náo gozando por iíío da honra , e privi-
legio das primeiras, Gencf.XXV.^. XXXV, 22;
I
' Capitulo VI. 345r
tenta as concubinas , ,e hum numero
fem numero de moças.
Ha-
as que fe cíiamão moinas , que ou crão as Damas ,
que eftâváo deltinadas para delias le efcolhercm
as que haviáo de fer Rainhas, ifto he, mulheres
da primeira ordem , como fc vê com pouca dif-
ferença no cafo d AíTuero, Efther II. 2. ^.4. 12 ;
óu as ferventes do Paço. Hc também de notar
que não lendo fó feíTenta Rainhas , e o icnra con-
cubinas Salr.máo , como confia do terceiro Livro
dos Reis XI. ^. entendem huns , entrcUcs Saci,
que o fentido deftas palavras he geral , c que fc
náo appiicáo cm particular a Salamáo, tomando-
fe aqui o numero definido pelo indefinido : ou-
tros, como Calmet , fcguem que Salanrão, quan-
do efcreveo efte Livro , ainda náo tinha tão ex-
ceííivo numero de mulheres , como depois veio a
: ter , o qual numero fobre grande multidão delias
I ferem eítrangeiras junto com a cubiça do dinhei-
; roj centra a prohibiçáo expreíTa da Lei de Deutc-
\ ronomio XVII. 17. he que deo a través com tão
\ grande Monarca noabyfmo da íua ruina. lílo pof-
! to, diz Salamáo, fegundo a intelligcncia de 13of-
\ fuet e Calmet , que fendo tantas as que rlle tem
: para oftentaçáo da fua magnificência, huma fó he
I comtudo a que elle mais ama , e mais diftingue ,
!; que he a filha de Faraó, com quem prime ro ca-
[ íou. No fenrido efpiritual eftas rres ordens fignifi-
I cão os trcs eltados das almas : de forte que debai-
xo do nome òc Jíainh^s fe enten-iáo as almas per-
; feitas ; debaixo do nome de concubinas , as que
fc váo adiantando no caminho da virtude 3 dcbai-
34<^ Cântico dos Canticx)S.
8 Hiima fó he a minha pomba , a
minha perfeita , (/) ella he a única
para fua mai , efcolhida pela que lhe
deo o ler. {pi) As filhas a víráo , e
el-
xo do nome de moç^as , as que principiáo, A única
porém , ou a crpccinímentc amada , hc a pcífei-
tiílima enrre as perfeitas , que já parece que vive
com o feu Eípolo no Ceo : c cfta hc hum fym-
bo!o da Igreja Triunfante. Também fe pôde allc-
§ori2ar que efta única, ou efta perfciiiílíma entre
as ptitciícis , hc a Igreja Romana ; a9 fejjcnta Rai-
nhas as Igrejas Metropolitanas; as oitenta concubi'
tias as Epiícopaes ; as mocas fem numero as Pa-
roquias. Pereira.
(/) £lla he a única para fua mãi , ^f. Allim
como qualquer pomba deve ter por mài , fcgundo
a ordem natural , outra pomba ; do meímo modo
a Igreja, fendo a pomba , de que aqui fe falia,
tem myíticíimcntc por mái a Divina Pomba , o
Efpirito Santo , que no dia de Pentecoftes a for-
rrou, deixando-a aílim animada para moílrar fet
cm tudo fruto , e obra do fcu amor. Também no
fentir dos Padres ainda por efta rrái fe pôde en-
tender a Jerufalem celeftial , ou Igreja Triunfan-
te , cujo modelo e exemplo imitando com grande
cuidado a Militante , procura fazcr-fe digna de rei-
nar, como ella, com Jefu Chrifto. Sací.
(w) j4s filhas a virão , e5? e. D' aqui fe vè o
fupremo auge do merecimento daEfpoía , c a van-
lajem que levava ás outras , que aílim a engrande-
cem , moftrando neftes fcus elogios a vontade qué
as acompanha de siípirar ás pci leilões que ncUa
Capitulo VI. 347
cilas a apregoarão pela mais bemaven-
turada : vírao-na as Rainhas 5 e as con-
cubinas , e lhe derao muitos louvores,
9 Qijem he efta , que vai cami-
nhando (w) como a aurora quando fe le-
vanta , fermofa como a Lua , efcolhi-
da como o Sol , (c?) terrivel como hum
exercito bem ordenado pofto em cam-
P^' A E s p o s A.
10 {p) Eu defci ao jardim das no-
gueiras , para ver os pomos dos val-
Tom.XL Z lesj
admirão , c cíc gozarem da fúa felicidade , que
tanto as aíTombra , arrebara c encanta. E cfte he,
fegundo Boííuet , o fim do quarto dia. Pereira.
(w) Como a aurora ^ ^c. A Igreja foi como
Aurora antes da Lei Efcrita , como Lua debaixo
da mefma Lei dc iMoyfcs, como Sol debaixo da
Luz do Evangelho. Menoquio.
(0) Terrivel , ^c, Vcja-fe aííima o verfo 5.
PeREÍ RA.
(p) Eu defci ^ úx. Tendo já no verfo antece-
dente o Efpofo , ou , como querem outros , o coro
das filhas de Jerufalem , acabado por meio d' hu-
ma auxeíis de comparar a Efpofa com o clarão
da Aurora , com a luz da Lua , e com a rcful-
gcncia do Sol , cheia toda de formidável fobera-
ría c ixiagcftâde j icfponde agora a meíma Efpo*
348 Cântico dos Cânticos.
les , e para examinar fe a vinha tinha
lançado flor , e fe as romans tinhão
brotado.
Eu
fa, dizendo: Que o ver-fe ella aíTemelhada neíla
fua diiofa elevação ao refplendor de tantas luzes ,
he por haver defcido primeiro ao mais profundo
do abatimento e da humildade (como do íea pró-
prio Éfpofo affirma o Apoílolo aos de Efcfo IV.
9. ) e tolerado com reíignaçáo as amarguras da
vida preícnte , fignificada no jardim dds noguei'
ras , tendo procurado náo fó tomar á fua conta o
cuidado dos feus irmãos, o qual fe denota no exa-
me dos pomos dos valles , mas ainda o de promo-
ver a prácica e oexercicio das virtudes fignificadas
nos outros fratos de que aqui fe faz mcnçáo ; vin-
do a ter a Eípfa neÔa defcida o fim dc vifitar c
aperfeiçoar os frutos da vinha do Senhor. E tal
he a intelligencia dos Interpretes , que fazem aqui
fallar a Efpofa. Porém outros, parecendo-lhes fer
aílim mais natural , introduzem a fallar o Efpofó
acudindo a fatisfazer ao reparo que havia dc fazer
a Elpofa em lhe ter dado a ella o trabalho de o
bufcar , pois fc retirára da fua porta j e ncfta con-
formidade faz a faber oEfpoío á fua Amada que,
cm quanto ella fe demorou em lha abrir , defeco
cUc a examinar o citado do fcu jardim , para dac
as nccelTarias providencias a tudo quanto houvef-
fe mifter. Rcprefcniáo-fe pois neftas palavras at
duas Igrejas , a do Antigo , e a do Novo Teíla-
mento. E verdadeiramente o Meflias , vindo á
Synagoga , fe manifcílou a todos como ul , cum?
Capitulo VI. 349
II (q) Eu não no foube : a minha ^
alma toda me fez turbar por caufa daS
quadrígas d'Aminadab.
Z ii As
pTÍnJo as figuras e profecias , que dclle eftaváo
feitas , e quebrando a cafca da noz , viílo correi
as cortinai ao fentido da letra. Ora ?s arvores de
fruto plantadas nos valles, que clle principalmen-
te veio vifitar , denotáo as Almas humildes c an-
ciofas que efperaváo pela íua vinda. Também a
Caía d' Ifracl (IGii. V. 7.) he íignificada na vi-
nha , que veio ver fe fiorecia ; mas porque cila foi
cfcafTa no fruto que deo , entrou a cultivalla com
grande trabalho, paciência , c manfídáo , elegen-
do os Apoílolos 5 figurados nas romans , dos
quaes fe ícrvio , como de homens , que daváo eí-
pcrança de mais copiofo fruto , para fazer foar as
trombetas do Evangelho aos ouvidos da Gentili-
dade por rodo o globo da terra. Pereira.
\^q) Eu nao no fouhe , fó^c. Paliando aqui a
Efpofa , vem eífa a dizer alíim : Em quanto eu
me occupo nefte exercício de caridade, náo fou-
be o coTJo fiquei fóra de mim mcíma fobreíal-
tada e efpavorida ; porque náo tratando troais
que do bem e falvaçáo de meus irmãos , deráó
lodos fobre mim, como incitados pelo demónio,
<fue era o feu cabeça , c que para me perturbar ,
fc valia delles , como de quadrígas d' Aminadab.
Julça-fe que cite devia de fer al^í^um Capitão fa-
itiofo pela vflocidaJe das fuas carroças. A-
quila , Symmaco , e o Author da chamada Quin-
Ú Ediçáo 3 tomiáráo Amírtaíab náo como nome
35:0 Cântico dos Cânticos.
As Filhas de Jerusalém.
1 2 Volta , volta (r) ó Sulamítis :
vol-
proprio , mas como appellativo , vertendo por cau'
ja das carroças do condutor do Povo : o que Thco-
doreto, como adverte Calmec, entende do demó-
nio. Príncipe do Mundo. Também oscjue no vcr-
fo antecedente íizeráo fallar o Efpofo , pondo cf-
tas palavras na boca da Efpofa , como Menoquio ,
fazem-na refponder do feguime modo: Náo fabía
que linhas dcfcido ao jardim das nogueiras ; fe o
íoubera , ter-mc-hia livrado d' hum grande cuidar
do ; pois temi que te fuccedeiTe de noite algum
defaftre no cafo que te encontraíTei com as qua-
drígas d' Aminadab , c elle , como fe foíTe hum
vadio j te maltrataííe. Nas quaes palavras , toma-
das em fcntido myftico , fe enrende a Synagoga
confeíTando algum dia , quando fe converter , a
íua voluntária cegueira e ignorância de náo conhe-
cer o Meííias que a vifitou , perturbando-fe por
ver que o Povo dos Gentios o rcconhccco e ado-
rou , vindo ella por iíTo a permanecer , e a obftinar-
fe cada vez mais na fua incredulidade. A fallar
porem neíte verfo o Efpofo , virá , fegundo Cal-
met, a dizer : Náo íei como ifto foi : o que fci
he , que cheguei ao jardim das nogueiras com hu-
ma velocidade tal , como fe arrebatadamente fora
levado pelas quadrígas d' Aminadab. Pereira.
(r) O' Sulamítis. Nome feminino , que íigni-
fica o mcfmo que pacifica , fegundo verteo Áqui-
la : para que o nome da Efpofa CQncordc com 9
Capitulo VI. 35'!
volta , volta , para que nós te mire-
mos.
CA-
do Eípofo , que hc SaUmao , ejuc tambcm quer
dizer pacifico, fcgundo BolTuet. As companheiras
da Efpofa vendo que ella fe hia já retirando com
o feu Amado , lhe pedem com agonizadas e re-
petidas inftancias que pare, c fe deixe ver delias,
que tanto gofto faziáo diíTo , e táo encantadas ef-
taváo da fua gentil prefença. E tal he a intellí-
gencia literal de Calmet , a qual ainda clle corro-
bora mais com as primeiras palavras do verfo pri-
meiro do Capitulo fcguinte da Vulgata , que no
Hebreo c nos Setenta dizem : Que vereis vós , ^c.
No fcntido myftico julga-fe , que as Almas fieis ,
leprelcntadas nas filhas dejerufalem , com ancio-
íos defejos (que bem manifcíiáo na palavra vol-
ta quatro vezes repetida) convidáo aqui a Syna-
goga , cuja figura , fegundo o mefmo Calmet ,
vem a fer Sulamitis , e a exhortáo a que reco-
nheça o íeu verdadeiro Meflias , para náo per-
der por mais tempo o gozar da fua formofura.
35"^ Cântico dos Cânticos.
CAPITULO VII.
A Igreja na terra co npôe-fe àe bons ^ c
PUÍ os, Ella a hum nirfmo tempo eflá em
alegria^ e em írijleza \ em efperança ^
e em temor. No Ceo he toda pura , e
toda fermofa, A fua alegria , e a fua
felicidade são alli perfeitas ^ e ella faz
as delicias do Rei CelefiiaL Todo o de-
fejo da Igreja nefte Mundo he unir-fe
com Chrtfio feu Efpofo , e dar-lhe as
mais f enfreeis mojiras da fua grati-
dão ^ e do feu amor,
O Esposo.
I W í ^ Ue verás tu na Su-
1 emitis 5 fenão córos
dc mufica nu campo dos cxerciroíí ?
a^c
{&) Que ver As tu tia Sul mi tis , é>^e. Dc Car-
rlcres póe eftc ver lo na boca da Eípofa , c os fc-
guinics aic o verío lo. cxclufi vãmente na das fi-
lhas dc Jcrufalcm, Eu fegui a figuração dc Cal-
mct , fem reprovar a dos outros. As palavras da
Vul^ta dizem á letra: Que verás tu na Sulamítis y
fenao córos de arraiaes 1 He pois o fcniido que na
convertida Synagoga fó fc veráo córos c cfqua-
drQcs dc gcncc , que , cmbraçando o cfcudo óà
Capitulo VII. 3 5*3
(J?) Qje airofos são os teus paflbs ,
ó filha do Príncipe , no calçado que
trazes ! {c) As juntas das tuas coxas
são
Fé , não fó peleje contra os inimigos do Efpo-
fo refoluta a derramar o próprio fangue ; mas en-
toe cânticos de entranhivcl jubilo para engrande-
cer o verdadeiro e único Reparador do género hu-
mano. Ou também , fegundo outros , que nas
mãos da Eípofa , que he a Igreja , fe vem armas
para combater contra os inimigos doEfpofo, e naf
boca íc lhe ouvem cânticos d' acções dc graças
cm reconhecimento de que Deos , fegundo a cx-
prefsâo do Apoftolo nalí. aos dc Corintho II. 14.
a fdz fempre triunfir em Jefu Chrifto. Pereira.
Q>) Ouc airofos sao os teus j^ã[fo^ ... no calqtt-
do que trazes ! Eftes airoíos paífos da Efpofa sáo
os que a Igreja deo com os pés dos Apoftolos,
levando ©Evangelho a todas as partes do Mundo,
fegundo aquillo d ifaias, LU. 7., c de Nahum ,
I. 15. citado ao mefmo propofito por S. Paulo,
Rom. X. 15. Que fermofos são os pés dos que an^
mnciao a paz , dos que annunciao todos os bens,
O calçado da Efpofa íignifica nos Apoílolos a dif-
pofição , c prrparaçáo interior com que ellcs dif-
corrêráo por toda a terra , refolutos a diífeminar
a verdade , a pczar de todos os obitaculos. Saci ,
e BoSSUET.
(c) As juntas dãs tuas coxas , (^'C, S. Grego-
rio Magno , c S. Bruno d' Aíti allegorizão , que
pelas duas coxas da Efpofa fc devem entender os
dous Póvos Judaico c Gentílico , que a Igreja gc-
35'4 Cântico dos Cakticos.
são como huns collares ^ que forao fa-
bricados por mão de meftre.
2 (d) O teu embigo he huma taça
feita ao torno , que nunca cftá dcfpro-
vi-
rou para lefu Chrifto , chamando-os á Fé : pelas
fuas juntas a uníáo dos mcfmos dous Pó vos. Qu-
iros com Calmet sáo dc parecer , que eftas juntst
íignificáo o encadeamento das virtudes humas com
QUtras. Pekeira,
(^) O teu embigo j ^c. Oveftido muito fino,
c tranfparente , de que ufaváo as mulheres, dava
lugar a que fc lhes divifaíTe o embigo , como ain-
da hoje íe vè em varias Eftatuas antigas. E os
Orientaes , ainda por amor da faude , coftumaváo
ungir iodo o corpo , e principalmente o embigo,
de cheiros preciofos. Daqui vem comparar-fe o
mbigo da Efpofa a huma taça feita ao torno , c
cheia de licor. Ora o mbigo na frafe da Efcritu-
ra loma-fc por hum nafcimento efcuro , c fordido ,
fegundo aquillo de Ezequiel , XVI. ^ 4. 5 Palian-
do da Synagoga : A tua raiz vem da terra de Ca-
naan : e no dia do teu nafcimento vão te foi corta-
do o embigo^ nem tu folie lavada na agua para f ai-
vacao. Por tanto o embigo da Efpofa , que parece
dcíignar o feu nafcimento , e o peccado que to-
dos contrahimos no noíTo primeiro pai , hc náa
fomente cortado ^ mas cheio d" hum excelicnte
licor, como para íígnificar a extinção dos pecca-
dos , c a abundante intusáo da graça. Calmet c
BOSSUET,
Capitulo VII. 35*5'
vida de licor, (e) O teu ventre he co-
mo hum monte de trigo cercado d' açu-
cenas.
3 (/) Os teus dous peitos são co-
mo dous cabritinhos gémeos filhos da
cabra monteza.
4 is) ^ pefcoço he como hu-
ma torre de marfim. Os teus olhos são
CO-
CO O teu ventre , ^C, He claro , que o com-
parar-fe o ventre da Efpafa a hum monte de tri'
go , hc por caufa da fertilidade da Igreja; c que
o dizcr-fe cíTe monte de trigo cercado d' açU"
cenas , hc por caufa da candura da caftidade ;
pois que a Igreja hc tão cafta , como fecunda.
BOSSUET.
(/) Os teus dous peitos , ó-c. Veja-fe aflima
o Capitelo IV. 5. Pereira.
(^) O teu pefcoço , &'C. Pelo pefcoço da Efpo-
fa sáo fi^nilicados os Pregoeiros e Doutores Evan-
gélicos , órgãos da voz c da doutrina da Igreja :
pelos olhos fc entendem ou os Prelado?, Bilpos,
c Pc. flores 5 que sáo como fcntinellas e fobrcrol-
das da Igreja ; ou a redla intenção com que clU
obra , ou a perfpicacia , que moflra cm penetrar
os Divinos Myfterios : peio nariz hc fymbolizada
cm fim a agudeza do juizo , a prudência , e o
difccrnimcnto dos cfpiritos , e das difFerente^ caf-
tas dc lepra , o íaber diíFercnçar as virtudes dos
Vicios^ o erro da verdade. Pereira,
35'ó Cântico dos Cânticos.
como Qo) as pifcinas d' Hefcbon , que
eftão fituadas á porta da filha da mul-
tidão. O teu nariz hc como a torre do
Libano, que olha para Damafco.
5" (/) A tua cabeça he como o mon-
te
(h) Âs pifcinas d' Hefebon. Por cftas pifcinas
d' Hefebon sao , conforme a intclligencia dos In-
terpretes , denotadas as aguas do Baptiffno , ou as
do fegundo Baptifmo labonofo da Penitencia : pela
porta, junto da qual ellas ellaváo, chamada aqui,
por hum Hebraiímo , da filha da multidão , ifto he ,
aonde coítumava concorrer huma grande immen-
fidadc de Povo , fe entende . como explica Mc-
noquio , Jefu Chrifto , que a fi mefmo íe denomi-
nou porta das ovelhas , Joan. X. 7. por onde ne-
ceíTariamente devem de entrar todos os que háo
de fer moradores do Reino dos Ceos. Quanto á
torre , com a qual , fegundo o coftume das com-
parações dos Orientaes , he aííemelhado aqui o
nariz da Efpofa , o qual tomaváo ainda aquelles
Póvos pela grandeza , gloria , brio , e elevação
de pcnlamentos , Icvantava-fe ella fobre o monte
Líbano , c fervia aos Judeos como d' atalaia nas
fronteiras de Damafco, para defcortinarem dalli os
movimentos dos Syrioi feus inimigos , que mui-
tas vezes coftumaváo entrar na Judéa a fazer fuas
invasões e arremetidas. Pereira.
(/) A tua cabeia he como o monte Carmelo , (é^c.
Comparando aqui o Efpofo a cabeça da Efpoía ao
Carmelo , monte da Palcftina , que ficava na Triba
Capitulo VIL 3^7
te Carmelo : (/) e os cabcllos da tua
cabeça são como a purpura do Rei
(m) atada , e tinta duas vezes nos ca-
naes dos tintureiros. ^ ^
Quão
d' líTacar , elevado c ameno pelas vinhas , e arvo-
res, de^quc fe vcltia , fempre viçofas e ff uéli feras ;
motha fer eila mais alta , ornada , e fermola do que
â das outras mulheres. Ora a Cabeça da Igreja , co-
mo diz o Apoftolo aos de Efeío V. 2 ^. hc Chrifto ,
que pe.Q merecimento da fua Paixáo , e afFrontofa
ignominia da fua Morte , foi exaltado á immenfa
gloria de Redcmptor do Mundo, triunfando do In-
ferno , e enchendo de todos os bens e dons imaginá-
veis aos membros da mefma Igreja , como fc vê do
mencionado Apoftolo , Roman, VIII. ^2. Pereira.
(/) E os cabellos , Veja-íe aílima o Ca-
pitulo IV. I. Pereira.
(rn) Atãda , e úntA duas vezes nos canaes dos
tintureiros, A Vulgara diz fomente vitíãa canali-
bus , atada nos canaes. O Hcbreo he que accref-
ccnta , in purpurariorum canalibus alligata , ut bis
tir\gAtur : atada nos can \es dos tintureiros para fer
tinta du^s vezes. E allim vertem aqui todos os Fran-
cezes. Comparáo-fe pois neftc Iug=».r os cabellos da
Efpofa com as meadas de feda , ou de lá , que fe
deítináo para tecer os mantos e purpuras Reaes. Chri-
fto, como explica Menoquio , fendo todo tinto de
purpura pela caridade , atando ao madeiro da Cruz
nos canaes de fuas feridas aos verdadeiros Fieis ,
ue sáo como os cabellos , que da cabeça pen-
em , c nclla tem a fua raiz , tinge-os duas vezes
358 Cântico dos Cânticos.
6 (n) Quão fermofa , e quáo en-
graçada es y (0) ó Cariíllma , nas deli-
cias !
7 (Z^) A tua cftatura he aíTeme-
Iha-
cõm o dobrado luftrc do amor dc Ocos, c do
próximo. Alguns, fcguindo a propriedade da lín-
gua Hcbrca , interpretão eftc lugar do reguinte mo-
do: E 05 cabetlos da tua cabeça são como purpura :
o Rei fe acha atado ( ou prezo ) aos canaes y vem
a dizer , pendente dos mefmos cabcllos por amor
c afFeiçáo da engraçada lindeza , que nelics acha.
Outros , entendendo conforme aos Setenta a pa-
lavra Rehatim (que fcgundo já adverrio A Lapide ,
tanto pôde fignificar no H^breo canaes , como tra-
ves^ náo duvidáo verter aflim: A madeixa da tua
cabeça he como purpura : o Rei atado em pão 5 atra-
vejfados , ou como purpura de Rei atado em pâos
dtravc(fados : no que fe vem a declarar a Craciíi-
xâo 5 c o derramamento do Sangue de Jefu Chri-
íto, e fe denota que os pcnfamentos c meditações
da Igreja fe tingem no mencionado Sangue dc táo
amorofo Redempior. Pereira.
(«) Quão fermofa , Cb-f. Nefte eplfoncma , ou
exclamação falia o Efpofo , fegundo Saci , e Bof-
fuet , que o moftra pelo verfo 8. Outros fazem
aqui faltar as Companheiras da Efpofa. Pereira,
(0) O' Carijfma , nas delicias. O Hebreo tem :
Amor nas delicias , como fe ditlera : Meu deleite ,
meu amor, minhas delicias. As delicias de Chrifto
são eftar com os filhos dos homens. Menoquio.
(p) A tua ejiatura , ó^c, Aflim como ò tronr
Capitulo VII. 35*9
lhada a huma palmeira , e os teus pei-
tos a dous cachos d' uvas.
8 {q) Eu diíTe : Subirei á palmei-
ra , e colherei os feus frutos : e os teus
peitos ferão como dous cachos d' uvas:
e o cheiro da tua boca , como o dos
pomos.
A
CO da palmeira com fin^ular idade única entre tod^s
as outras arvores vai íubindo e crefcendo , com©
huma efckda , de degráo cm degráo , e cada dc-
gráo deíles o vai adquirindo de palma em palma
pelo nafcimento de cada huma ; do mefmo modo
os verdadeiros membros da Igreja , cuja figura rc-
prefenta aqui a Efpoía , fazem por crefccr de vir-
tude em virtude até ao mais alto gráo de perfei-
ção , iíto hc , como explica Saci , até chegarem ao
cftado d' hum varão perfeito , á medida da idade
c da plenitude , fecundo a qual Jefu Chrifto deve
cm nós fer formado , que hc a exprefsâo do A-
poftolo aos de Efefo IV. 12. 15. 15. Ora como
na Paleftina era coftume pôrem-fc juntas e arri-
marcm-fe as vides ás palmeiras, por iíTo daqui vi-
nha citarem dos ramos deitas pendentes os raci-
inos , ou cachos d' uvas , a que são comparados
os peitos da Eípefa , nos quaes fe denotâo os dous
Teítamemos , e também os dous preceitos do amoc
de Deos , c do próximo. Coníira-fc affima o Ca-
pitulo IV. 5. Pereira.
(ly) Eu dijfe , ^c. Proferindo aqui côas pala-
yias huma das donzelhs 3 comg querem alguns ^
3ÓO Cântico dos Cantícos.
9 (r) A tua garganta he como o
melhor vinho , digno de fer bebido
j-e-
ou todas , porém de tal maneira que cada huma
as diga } elo que lhe refpeita a fi cm particular ,
vem deite modo a reconhecer na Eípofa os ma*
ravilhofos dotes , dc que eftá ornada , c a cuja
panicipaçio elbs de fátlo afpiráo , dcfcjando an-
fiofamente verem- Te banhadas em táo fuavcs deli-
cias. Também os Póvos rcprefcmajos , fegundo
outros , naquella , que aqui falia , movidos da
^ande fecundidade , graduação , c bcUeza da Ef-
pofa mcílrâo com ardennlfimo deícjo todo o ffu
esforço para chegarem a polTuir tanto bem. Mas
ciwre os que fazem aqui fallar o Efpofo nenhum
explica o prcfente lugar melhor , nem com mais
unção , do que S. Gregorio Maçno peias fcguin-
tes palavras : O Efpofo dijfe verdadeiramente ^ue
fubit u , c com efFcito fubio como o tinha dito >
porque tendo rçfolvido antes de todos os feculos
o morrer , para nos livrar da morte , c tcndo-o
também declarado pelos feus Profetas , cllc o
cumprio no fim dos tempos por hum cffeito da
fua mifericordiíi. Subio pois fobre a p.thneíra ^ eco*
lheo os feus frutos ; porque tendo fido crávido , e
pcfto na Cruz (que era a arvore e o inftrumento
do feu triunfo , como a palma he o final da vido-
íia) achou na realidade alli o fruto da vida , e o
eolheo para no-lo dar. Aííim fe vio cumprir então
o que fe íegue : os teus peitos ferao como dous
cachos d' uvas ; porque pela Cruz , c pela Morte
<lc Jcfu ChiiUo, 08 peitos daEfpofa, que sáo Q%
Capitulo VII. 361
pelo meu Amado, e ruminado entre os
feus lábios 5 e os feus dentes.
A Esposa.
10 (i) Eu fou para o meu Amado,
e cUe para mim he que fe volta.
11 (t) Vem , Amado meu , faia-
mos ao campo, moremos nas quintas.
Le-
dous Tcftamentos , e os dous preceitos da carida-
de , enfenhorcando-re dos noílbs corações , os rem
embriagado com hum vinho novo, e os tem feito
cfqueccr , como a S. Paulo , dc tudo o que dei-
xaváo atrás , para náo eftender o penfamcnto,
nem afpirar mais, ícnáo ao que citava diante. Pe-
KCIRA.
(r) j4 tua garganta , No verfo antece»
dente o cheiro da boca da Efpoía vem a íignificar
a pré^açáo do Evangelho ; nefte hc louvada a
fua g.trganta , por fahir delia a voz. fuaviííima da
Divina palavra , a cuja meditação , c prática ex-
horta o Efpofo aos membros da Igreja , para que
repaíTando com a memoria , e ruminando muito
devagar as verdades Tantas da Religião , fe pof-
sáo aproveitar delias em todos os tranfes da vi-
da. Pbrfira.
(j) Eu fou , Vefâo*fe aílima os Capifu*
los n. 16. VI. 2. Aqui acaba, fegundo a divisão
de BoíTuct, o d»» qoimo. Pereií^a.
(O Fem , Ornado mu^ Dcfcjando a Ef-
3^2 Cântico dos Cânticos.
12 (li) Levantemo-nos dc manhã
para ir ás vinhas, vejamos. fe a vinha
tem lançado flor , fe as flores produ-
zem frutos , fe as romans cílão já em
flor : (x) alh te darei os meus peitos.
As
pofa, figura da Igreja, trabalhar na falvaçáo das
almas , como numa dilatada feara , e vaíio cam-
po, que Dcos cultiva pelas fadigas de fcus Operá-
rios , fegundo a trafe do Apoftolo na primeira aos
dc Corintho III. 9 i c vendo que , a pezar de fer
plantado c regado náo pode frutificar ette campo,
íem o concurío da Graça do mefmo Senhor ( Id.
ibid. verf. 6. ) convida a ícu Efpofo a que faia
com ella ao campo a fim dc a ajudar nefta glo-
riofa empreza , na qual fe involve o louvor náo
íó daqueiles que trocáráo as Cidades pelo defcr-
to , mas dos que fizcráo e fazem do povoado cr-
iTiO ; como também fc tira hum documento para
os que pregão a Divina palavra , que he , o acu-
direm á gente das Aldeãs, por mais fáfara, mon-
tanhcza , e rude que feja , repartindo-lhe o cfpi-
litual fultcnto. Pereira.
(w) Levantemo-nos , e'?^. Moftra a Efpoía o
feu cuidado follicito no defcjo de ajudar os pro-
5cimos, c principalmente os de novo convertidos ^
aos quaes dcfigna pelo nome de vinha , e de ro-
mans cm flor. Menoquio.
. (x) jilli te darei os mus peitos. A Igreja dá
a Chrifto os peitos , quando com o leite da fau-
davel doutrina apafcenta os filhos, ^uc no mefmo
Chrijfto gerou. Menoí^vio,
Capitulo VIL 3Ó3
1 3 (j) As mandragoras derão o fcu
cheiro» (z) Nós temos ás noíTas portas
toda a cafta de pomos : eu tenho guar-
dado para ti , Amado meu (aa) os no-
vos , e os velhos.
Tom. XL Aa C A-
(^) j4s mandragoras da ao o [eu cheiro. Do que
fe refere no Genelis XXX. 14. cias mandragoras
que Ruben dco a Lia , e do que efcreve Piinío
no Livro XXVL Cap. 1 5. as mandragoras tem vir-
tude de fecundar. Por onde no fentir d' alguns há-
beis Interpreres, o dizer a Efpofa que as niandrâ"
goras derão o feu cheiro , hc huma exprefsáo figu-
rada , que quer dizer, que eftá próximo o tempo
da grande fecundidade da Igreja. Pereira.
(z) Nós temos as nojfas portas , 'ó^c. Vem aqui
a denotar-fc que o fruto efpiritual , que fe preten-
de , náo he neceíTario que fe vá bufcar muito lon-
ge ; porque em toda a parte fe ofFerscem mil oc-
cafiócs de lucrar almas para Deos. Menoquio.
Çaa) Os tíovos , e os velhos, Eftes pomos no-
vos , e velhos , fegundo Santo Ambrofio , sâo os
preceitos do velho , e novo Teftamento : fegundo
S. Bruno d' Afti , os juftos , tanto da Lei velha»
como da nova. Psreii^a,
Cântico dos Cânticos.
CAPITULO VIII.
A^nor da Igreja por Chrifto , e de ChrU
fio para com a Igreja. Força , r ex*
celkncia dejle amor.
A Esposa.
I (^) Uem mc fará tão ditofa ,
que te tenha a ti por ir-
mão, pendente já despei-
tos de minha mãi , para que eu te ache
de fora , e te dê o fufpirado olculo,
e ninguém mais me defpreze.
2 Eu te tomarei , (b) e te levarei
a
(ji) Quem me fará tSo ditofa , íjúe , ^ c. São
palavras com qut a Efpofa em nome dos juftos
da Lei velha , fufpira pela vinda do Divino Ver-
bo feito Homem. Saci e Calmet.
(/>) E tc levará a cafa de minha mâi. No quar-
lo da mái d' hum do> deus Noivos hc que fe ce-
Icbríiváo as vodas. E aílim lemos no fim do Ca-
pitulo XXIV. do Genefis , que Ifaac introduzira
na tenda de fua mái Sara a Rehccca, e que a!li
íc dcfposára com ella. A caía pois de fua mri ,
aonde a Efpofa diz que havia de levar oEfpofo,
hc a da Synago^a ^ dc que Chiillo , ícgundo a
Capitulo VIII. 365'
a cafa de minha mãi, tu lá me enfina-
rás , e eu te darei a beber (c) hum vi-
nho de confeição aromática , e hum li-
cor novo das minhas romans.
3 (d) A fua mão efquerda fe poz
já debaixo da minha cabeça , e a íiia
máo direita me abrasará depois.
O Esposo.
4 (e) Eu vos conjuro, filhas deje-
Aa ii ru-
carne, c aEfpofa, cráp filhos > e onde Chrifto fe
defpofou com a Igreja , c lhe deo as fâudaviis li-
ções da Doutrina Evangélica. Saci e Calmet.
(O Hum vinho de confeição arom^ttica, Calmec
tem para fi , que cfte vinho confecion^do era o
incrmo que S. Marcos (XV. 2:5.) chama vinho de
-tiiyrrhd ; c o meímo que Oftas (XIV. 8.) cha-
ma vinho do Libano , ou íi' incaifo , e que efie era
o Neãar dos an.igos. No fcntido cfpirima! eftcv/-
tího confccionado , c efte licor novo das romans ,
podem fignificar a caridade dos Chriliáos , a forta-
leza doí Martyres , a pcrfeverança dos ConfclTores ,
a modcftia das Virgens ; e em fumma , todas
as virtudes , que o Salvador nos enfinou de pala-
vra, e com oexerrplo. Aílim o entendem S. Gre-
gorio Magno, Caíhodoro, c Beda. Pereira.
(d) yl fua mão efqmrdu , <ò'C, Veja-fe aííima
4> Capitulo II. verO) 6. Pereira.
• (O £u vos çotijuro f &ç. Vcjáo-fe aíliiua c$
^66 Cântico dos Cânticos.
rufalem , que não perturbeis á minha
Amada o feu defcanço, nem na façais
defpertar até que cila íc queira er-
guer.
As Filhas de Jerusalém.
5' {f) Q^^em he cfta , que fóbc do
deferto inundando delicias , firmada
fobre o feu Amado ?
O
Capitulof? TT. 7. e TÍI. 5. Aqui dá fim o grande
Boiruec ao fexto dia das vodas. Pereira.
(/) Qlf^^ ^ft^ j ^í"' Aíiim que a Eípofa dcf-
pcrta , e vè ao leu Amado , fcm rcpuar nos rcfpci-
105 humanos, como parece, logo felhe lança nos
braços, e deite modo íultemada porcllc volta do
deferto para a Cidade , applaudrndo c engrande-
cendo com altos elogios a forte da mcfma Eípo-
fa as filhas de Jeruíalem poíTuidas de admiração c
aíTombro. Ifto quanto ao fentido literal. Porém
no cípirirual , feo;undo Saci , rcprelenta-fe neftc
lugar a Jefu CNriíio , que em peífoa levando dc
braço a Igreja, fua Efpofa , com cntranhavcl , e
reciproco affeéto a conduz ao Ceo , como a ca-
mará nupcial , em que a íua alliança deve rece-
ber o ultimo complemento. Inundando delicias ,
iíto he , cheia tanto da doçura da fua palavra,
como da nnçáo do ff^u Efpiriio c da fua Graça.
Firmada jobre o feu Amado , ifto he , pondo uni»
camcnte alua confiança no foçcorro dcjefu Chri«
Capitulo VIII. 3<$7
O E s ? o s o.
(g) Eu te defpeitei debaixo da ma-
ceira : alli he que tua mãi foi corrom-
pida , alli he que perdco a fua pureza
a que te gerou.
6 (h) Póe-me a mim como hum fel-
lo
fto , acha na fua Graça a força de fahir defte def-
tcrro , e de fe elevar ao Ceo , que he a fua pá-
tria. Pereira.
^ (^g) Eu te defpertei debdxo díi maceira. No-
tão aqui alguns Interpretes , que antij^amemc ,
quando hum era levado em iriunfo , lhe coftuma-
váo dizer alguma coufa , que toíTc capaz de repri-
mir ncllc a inchação d' cipiriro , que tanta gloria
lhe poderia caufar. Aflim o Efpofo , como que-
rendo tirar á Efpofa todo o motivo de fe enfobcr-
becer com as acciamaçóes , e efpantos , que da
fua gloria faziáo as filhas de Jerufalem , lhe traZ
á memoria a defgraça de fua mái Eva , que dei-
xando-fe feduzir da ferpentc , comeo do pomo
vedado , c perdeo a inteireza , e innoccncia ori-
ginal ; c ncíh lembrança a adverte do peccado ,
cm que foi concebida , c no qual ella Efpofa ja-
zia morta , antes que elle a refufcitaíle com a fua
vin ]a ao Mundo. Pereira.
C^) Põe-me a mim como bum fello , ó^c. Miu-
dinho ao coftume de trazerem naquelie tempo va-
íofinhos dc cheiro pendentes fobrc o peito , e bra-
308 Cântico dos CANTrcm
lo fobre o teu coração, como hum fel-
lo fobre o teu braço : porque o amor
he valente como a morte , o zelo do
amor he inflexível , como o Inferno :
as
cclctcs nos braços , qne ornavão de retratos e fi-
guras , principalmenie das quz eráo mais do íeu
gotto , vem a dizer á Erpofa o Teu Amado: Tra-
ze fempre náo fò no teu coração imprcíTa e gra-
vada a minha imagem , para que os teus penfa-
mentos fe diriiáo unicamente a mim , fcm dares
entrada a outrem ; mas ainda eículpida no teu
braço , para que todas as acções , que obr;ires,
fejáo pa a maior gloria minba. Por quanto, bem
podes fazer iílo ajudada da Graça , com a qual eu
tt conforto , ponderando que o amor vence tu-
do , e applana todas ais difficuldadcs , fendo fe-
rnèihante á morte , que tu Jo doma , c o feu zêlo
è ciúme táo duro e inflexível , como o mefmo
fcpulcro, ou fogo devorante do Inferno; porque,
fendo a caridade heróica , antes quer foífrer a
ínorrc , e , o que mais he , o mefmo Inferno ,
dp que oíícnder a hum objeéfo , em que toda
íe deve empregar , e que tanro lho merece, co-
rro cu a ti , pelas finezas , e extremos do amor ,
que fempre te moílrei , cujo incêndio hc tão
randc, cuja» chammas fahem táo vivas, c com
uma tal adividaJe abrazadoras, que nem todas
2S aguas, nrm fios inteiros as poderão apagar. O
que tudo bi-m moítra o verdadeiro eintenfo amor,
<]uc Dcos requer dos homens , como àiyida , cm
Capitulo VIIL 369
as fuas alampadas são humas alampa-
das de fogo, c de chammas.
7 As muitas aguas não pudérao
extinguir a caridade , nem os rios te-
rão força para a aíFogar : (i) fe hum
homem der todas as riquezas de fua
cafa pelo amor , elle as defprezará,
como fe não tivera dado nada.
A Esposa.
8 (/) A noíTa irmã he pequena , e
não
que realmente lhe eftão pelas immenfas finezas,
que obrou a feu rcrpeito , chegando a morrer por
elles numa Cruz a fim de os fazer herdeiros da
fua Gloria. Pereira,
(/) Se hum homem der todas as ritjuezas , ó^c,
O amor he hum bem tio extraordinário , e táo
preciofo , que nenhum^a coufa ablolutamente igua-
la o feu preço. Aquelle , que defpender todos
os fcus cabcdaes , para gozar do amor , avalial-
los-ha como hum puro nada , com tanto que che-
gue ao complemento dos Teus dcíejos. O que to-
davia reverifica unicamente da caridade, com que
Deos he bufcado , e da eterna Bemaventurança.
Calmet.
(O ^ nojfa irml he vequenã , e lúo tem peitos.
Qdcr dizer, que náo cítá ainda capjz dc caiar. E
por efta irmã ainda pequena , c fcm peitos , enten-
370 Cântico dos Cânticos.
não tem peitos. Qae faremos nós i
noíTa irmã (m) no dia , em que fe lhe
ha de fallar ?
O E
s p o s o.
9 (;/) Se ella he hum muro , edifi-
quemos fobrella baluartes de prata: fe
he huma porta , guarneçamo-la com
taboas de cedro,
A
òc Santo Thomaz a Igreja , que começava a for-
mar-fc dos Gentios convertidos no principio da
pregação dos Apoíblos. Pkrrira.
(w) No dia , em que fe lhe ha dc fallar, Ifto he ,
no dia , cm que fe hadc tratar do leu cafamcnto,
como explica Santo Ambrofio. Pereira.
(w) Se ella he hum n/uro, ó^c. Como fe diíTe-
ra ; Se a tua irmã he hum muro , ifto he , fe o
muro da infideliJade , fe o amor profano a fepa-
ra dc nós , edijiquemos fohrclU baluartes de pra-
ta , troquemos cfte amor nocivo num amor fan-
to. Não lhe tiremos o feu amor , façamo-lho
porem fomente mudar d' objeílo. Aicqui tem cf-
tado apartada dc nós por hum amor dcfordena-
do á$ creaturas ; pois feparemo-la agora das crca-
turas por outro . no mais alto gráo intenfo e per-
feito ao Crcador. Se tem fido huma porta fran-
queada c aberta a feus inimigos , c a todos os
objeólos , que lhe podiáo occafíonar a própria ruí-
na , folhccmo-la dc madeira dc cedro , para to-
Capitulo VIII. 371
A Esposa.
10 (p) Eu fou hum muro : e os
meus peitos são como huma torre ,
{p) defde que me tenho na fua pre-
fença tornado bem como huma que
acha paz.
O
Ihcr a entrada aos que , debaixo do pretexto de
amalla , sáo caufa da fua perdição. He pois de-
notada aqui no cedro , por fer madeira incorruptí-
vel , a caridade, que^ fegundo o Apoftolo na I.
aos de Corintho XIII. 8. nunca fe acabará ; e que
faz o Athléta Ghriftáo digno d' alcançar ( Id. ibid.
IX. 25. ) a coroa incorrupta da Imortalidade. Veja-
fe Saci. Pereii^a.
(0) Eu fou hum muro y ^c. Vem aqui a de-
clarar a Efpoía que ella reconhece por experiên-
cia própria tudo quanto acaba de dizer o feu Ama-
do. Atéqui , diz el!a fegundo Calmet , fui huma
muralha deíiituida de torres e falta de guarnição;
mas apenas fui decretada Efpofa para o meu Ama-
do , crefcêrão logo os meus pcicos á maneira de
torres , e conciliei o amor c a graça do meu Ef-
pofo. Pereira.
(p) Defde que me tenho ^ <D'c. Ifto he, defde
?[uc achei paz diante de meu Efpofo ; porque pela
ua graça hc que fou o que fou. Mij-oquío.
372' Cântico dos Cânticos.
O Esposo,
II (f) O Pacifico teve hum a vi-
nha (r) naquella, que tem Povos: clle
a entregou aos guardas , cada homem
dá (s) mil Gelos de prata pelo fruto
que delia tira»
A
(íj) o Pacifico , ò^c, Ifto he , Salamão. Por-
que ncftcs dous vcrfos falia o Eípofo ( outros fe-
gucm que falia a Eípofa ) como hum pafíor , que
compara a fua vinha com a de outro. A vinha
de Salamáo reprefenta a Synagoga ; a vinha do
Efpofo a Igreja. Pereira.
(r) NaqudUy que tem Povos, O que a Vul-
gata cxpoz em termos communs , in ex quae ha-
het populos , trazem o Hebrco , e os Setenta por
nomes próprios , in Baal-Hamon, O que Calmcr
prefume que hc a terra d' Engaddi febre o mar
morto : outros que he a Hamon , de que fe faz
menção no primeiro Livro dos Paralípómenos VI.
76. na Triba de Ncftali para a parte da Fenicia.
Pereira.
(5) Mil fidos de prata. Que , fegundo a re-
ducçáo de Calmet , fazem com pouca difFerença
mil feisccntas c vinte c huma libras de França ,
c na moeda Portugueza montão a duzentos e fef-
fenta mil reis , viíto corrcfpondcr o valor de ca-
da íiclo ( que rinha vinte óbolos Leviíic. XXVIÍ.
25. ) a duzentos c íclíema reis , com o já íe ad
Capitulo VIII. 373
12 A minha vinha eílá diante de
mim.
vertio no Êxodo XXX. i;. Ora cfta vinha, que
Sàlamáo entregou aos guardas , ifto he , que ar-
rendou aos que haviáo de culiivalla , fendo na
prcfentc ficção , conforme o que fica diro , figu-
ra da Synagoga , bem fe deixa ver que todos os
fcus frutos nenhjma comparação tem com os da
Vinha do Efpofo , iíto hc , com os da Igreja. Por
quanto , fcm embargo de fcr a referida Synagoga
mui celebrada pela fua grandeza e antiguidade , pelas
íingularcs promeíTas que Deos lhe fez , pela com-
prida e longa ferie de Patriarcas e Profetas que a cn-
grandccèráo, e por varias outras prerogativas , que
táo prodigiofamentc a condecorarão ; confiando
d' hum pequeno numero de juttos , veio em fim
a refpon jer ao Senhor da vinha com labrufcas era
lugar d' uvas. Ifaias V. 4. c a crucificar cm peííoa
o Filho do mefmo Deos , que arrendou a fua vi-
nha aquém melhor a cultivaíTe ( Matth. XXI. 41.)
tirando do Povo Judaico o brazáo de o terem por
feu Rei , e paífando-fe para os Gentios , que pro-
duzidem frutos. ( IJ. ibid. 4^. ) De mar»eira que
deixou a Synagoga de fazer eftas projucçò?s dc
boas obras reprefentádas nos mil fidos de prata devi-
dos a Salamáo pcU fua vinha ; porém náo aílim a
Igreja , que fundada por J^^fu Chrifto , e fcus Apof-
I tolos primeiros Operários de táo eílendida vinha,
I pofto que náo deiíe femprc frutos iguacs , nunca
faltou com tudo á fidelidade p%ra com fcu Efpofo,
! que fempre a tem diante de íi , cultivando-a e!le mef-
! mo , e prometiendo-lhe a fua aiEftencia até á con-
I
374 Cântico dos Cânticos.
niim. (t) Tu j ó Pacifico , tirarás da
tua vinha mil ficlos , e os que a guar-
dão, e lhe colhero os frutos, duzentos.
^ 3 W j ^ que habitas nos
jardins, os teus amigos eftão attentos:
faze-me ouvir a tua voz.
A
fummação dos feculos. ( íd. XXVITI. 20. ) Tam-
bém cita vinha, pelo que diz reípeito a cada hum,
lic a íua alma, que todos devem cultivar com o
exercício das boas obras , para chegarem a confe-
guir o premio eterno. Pekeira.
(í) Tu y o Pacifico , <ò'c. O Hebreo , e os Se-
tenta n©$ obrigáo a verter em vocativo , o que sl
Vulgata traz em genitivo , mille tui pacifici. De-
pois que o guarda da vinha pagar ao Senhor dei-
la mil fidos 5 ficará com a quinra parte que sáo
duzentos , e efte he o feu lucro. Vem pois aqui
a denotar-fe o jufto galardão que ha de cada hum
ler da fua vigilância c fidelidade. PERErRA.
(«) O' tu, a que habitas nos jardim , &c, O Ef-
pofo , rematando já o coUoquio da ultima noite
com a fua Amada , lhe pede , fcgundo a mais na-
tural conjectura de Calmet , que lhe dê licença
para fe retirar , por íer já dia , e fe acharem allí
c$ feus amidos e companhei ros das vodai , que os
cftaváo muito bem venJo, c efcutando. Ao que a
Efpola lhe dá em reípofta que aperte opaíTo cor-
rendo como a cabra monteza , e os veadinhos fo-
brr os montes dos aromas , que o mefmo Inter-
prete íuppóc íêrcm os que no Capitulo II. 17.
Capitulo VIII. 375'
A Esposa.
14 Foge, Amado meu , e faze-te
femelhante a huma cabra monteza , e
aos veadinhos íobre os montes dos
aromas.
são chamados montes de Bethér , e no IV. 6. mon-
te deniyrrha^ e oheiro d' imerifo , que crão fitios,
onde o Efpofo coftumava fazer iodos os dias ho-
ras , guando tornava de tarde a ir fallar com a
Efpofa. Eftc o fentido literal. Quanto ao efpiri-
tual , Jefu Chrifto , antes que fc vá dcíle Mun-
do, exhorta a Igreja fua Efpofa, náo fó a que o
íollicítc com 06 fcus votos e orações , promctten-
do acudir-lhe e defcndella contra os inimigos que
lhe fazem guerra ; mas também a que defempc-
nhe o minifterio da pregação da verdade , annun-
ciando a todos com zelo ardente os preceitos da
Lei , a recompenfa da fua obfcrvancia , o prazer
da vida eterna. Tendo ouvido huma lal promcíía
c recommen dação a Efpofa , refponde com gran-
de fcgurança cjue , depois de fcu Efpofo confum-
mar todos os Myfterios da Redcmpção , logo fc
dè preffa a fubir no meio defte feu gloriofo tnun-
fo aos montes da jcrufalem C^lefte , defejando e!Ia
mefma ir já na fua companhia , afim de comple-
tamente celebrar o defpoforio efpiritual , que as al-
mas juftís comcçáo aqui na terra, c vão acabar no
Ceo. FiREiRA.
FiM DO Cântico dos Cânticos.
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