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Full text of "Testamento Velho : traduzido em portuguez segundo a Vulgata latina, illustrado de prefações, notas, elições variantes"

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-Sà^  '^J^ 


Deposited  iii  Librauy  of  tho 
iSljeologual  Sciuinart},  Princcton. 


This  Book  Belongs  To 

WILLIAM  I.  JAMES, 

OF 

Tom's  River,  Ocean  County,  New  Jersey. 

And  is  one  of  a  UVr^^r  -f 

boota  it.  variou,  langnage,  coUeoted  by  tbe  lai. 
Capt,R.0B.BpDoto,..,.  «r,1,eT;.S.N.vv.i=Ui. 


r 


FEB  13  1918 


ITAMENTO  VELHO 

ADUZIDO  EM  PORTUGUEZ 

SEGUNDO 

VULGATA  LATINA. 


TESTAMENtcyVELHO  ^ 

TRADUZIDO    EM    p{o  R  T  UijlJ  Í  2l  1913 

S  E  G  U  N  h  O 
A  VULGATA  LATINA^S^ 

ILLUSTRADO  DE  PREFAÇÕES, 
NOTAS, 
E  LIÇÕES  VARIANTES 
POR 

ANTONIO  PEREIRA 

DE  FIGUEIREDO. 

T  O  M.  Xí. 

QUE  CONTÉM 

OS  PROVÉRBIOS  ,  O  ECCLESIASTES, 
E  O  CÂNTICO  DOS  CÂNTICOS. 

Se  imunda  Lnprejsão  revlfla  ,  e  retocada  pelo  mejmo  Áuthor» 


LISBOA 
NA  REGIA  OFFICINA  TYPOGRAFICA. 

M«  DCC.  XCIX. 

Com  licm^a  da  Meza  do  De f embargo  do  Pa^o , 
e  Privilegio  Real. 


Vende-fe  na  loja  da  Viuva  Bertrand  e  Filho  ,  Merca- 
dores de  Livroi  ,  junto  á  Igreja  doi  Martyres  ao  ChiaJo 
cm  Litboa, 


\ 


Foi  taixado  eíle  livro  cm  quatrocentos 
reis.  Lisboa  14  de  Março  de  1799. 

Com  quatro  Rubricas. 


índice 


DOS 

capítulos, 

ue  fe  contém  neftes  tres  Livros, 
PROVÉRBIOS. 

VP.  I.  Defenho  dejle  Livro.  Tomar  o 

enfim,  fugir  da  companhia  dos  mãos. 
vir  a  vo^  da  Sabedoria.         Pag.  i. 

II.  Receber  as  inftrucções.  Pedir  a 
ç dória.  Vantajens  que  J  'e  achão  napof" 
iella.  p.  8. 

lil.  l^ão  efquecer  dos  preceitos  da 
edoria.  Pôr  em  Deos  toda  a  fua  con- 
ff  a.  Não  fer  Jabio  a  feus  próprios 
IS.  Honrar  dos  feus  bens  ao  Senhor, 
o  recujar  o  caftigo.  Louvores  da  Ja- 
'oria.  Felicidade  dos  que  a  pojjuem. 
zer  bem  a  feu  próximo..  Não  lhe  fa^ 
'  mal  nenhum.  p.  12. 

IV.  Salamão  exhorta  os  homens  d 
edoria  y  como  feu  pai  mefmo  o  exhor» 
,  Guardar  a  difciplina.  Fugir  o  ca- 
lho dos  ímpios.  Felicidade  dos  jufios  , 
dicidade  dos  mãos.  Guardar  o  feu  co- 
^ão.  Vigiar  fobre  a  lingua.  Regular 
jeus  pajfos,  p.  í^. 

cap» 


II 


I N  DI  CS 


CAP.  V.  Não  fe  deixar  ir  atrás  dos  ar* 
tificios  da  mulher  adultera.  Entregar- 
fe  ãjua  efpofa,  Confequencias  funejlas  do 
adultério,  p.  23, 

CAP.  VI.  Obrigações  do  que  deo  caução 
por  outro,  O preguiçojo  excitado  ao  tra- 
ha  lho,  Ruina  do  que  fêmea  dijcordtas, 
Aproveitar  fe  da  injirucção.  Defender^ 
fe  da  mulher  adultera.  p.  27. 

CaP.  VI  .  Exhortação  ao  amor  da  fahe* 
dória,  Defender-Je  dos  artifícios  da  mu- 
lher adultera.  Infelicidade  daquelles  que 
Je  deixão  cativar  delia.  p.  32. 

CAP.  VI  I.  A  jabedoria  convidando  os  ho- 
mens a  que  venhão  a  ella  ,  e  recebão  as 
Juas  inftrucções.  Excellencia  da fabedo- 
ria,  Ella  ejid  em  Deos  des  de  toda  a 
eternidade.  As  juas  delicias  são  eflar 
com  os  homens.  Felicidade  dos  que  a 
ouvem.  Infelicidade  dos  que  a  aborre- 
cem, p.  36. 

CAP.  IX.  A  fabedoria  edificou  para  fi  hu- 

^  ma  cafa ,  preparou  hum  banquete ,  e  con^ 
vidou  para  elle  os  homens.  Dejgraçado 
o  que  dej prezar  o  feu  convite.  A  mulher 
infenfata  também  chama  afi  os  homens, 
Defgraçado  o  que  fe  deixar  vencer  dos 
feus  attraSíivos.  p.  42, 

CAP.  X.  Do  filho  Jabio  ,  e  do  infenfato-y 

do 


dosCapittjlos.  ih 

{f}n  ,  e  do  tmpio  ;  do  diligente  ,  e  do 
uiçofo\  da  caridade^  t  do  odio\  da 

e  da  md  língua.  p.  46. 

^I.  Vantajens  dos  juflo^  ^  e  dos  Ja- 
,  por  contrapojição  ás  infelicidades 
ndos  y  e  dos  infen fatos.  p.  5-1. 

Amar  a  correcção.  Cultivar  a 
uie.  Sorte  dos  bons  ,  e  dos  mãos.  Do 
m  lahoriofo.  Do  fahio ,  e  do  infen- 

Dos  bens  ,  e  dos  males  caujados 
lingua.  p.  5*  6. 

CHI.  O  filho  fabio  ,  ou  infenfaío.  Re» 
'  que  deve  haver  nas  palavras,  O 
'  rico ,  e  o  rico  pobre.  Breve  dura- 
io  ejplendor  dos  ímpios.  Bens  adqui- 

muito  depreffa.  Pajfar  a  vida  com 
bios.  Ca/ligar  a  feus  filho/.  Cubica 
ndos  injaciavel.  p.  62. 

ÍIV.  Dijferentes  caraSíeres  dosfã' 
,  e  dos  infen fatos.  Sorte  indiff crente 
uflos ,  e  dos  injuflos.  Trabalho.  Te- 
de  Deos.  Paciência.  Compadecer-Je 
^ohres.  6^. 
ÍV.  Brandura  nas  palavras.  Doei' 
ie  d  9  correcções.    ViElima  dos  ún- 

Tudo  he  conhecido  de  Deos.  Rui  na 
fob^rbos.  O  preguiço  fo  ,  o  injenjato  , 
pio  contrapqftos  ao  diligente ,  ao  fa- 

ao  juflo.  p.  7^* 

CAP. 


ir  Índice 

CAP.  XVI.  Deos  dtjpõe  da  língua^  e  dos 
fajfos  do  homem.  Ira  ,  e  clemência  do 
Rei,  Males  que  caufa  a  foberha,  Cami" 
nho  funejia  que  parece  bom.  Deos  regu^ 
la  ,  e  conduz  as  fortes,  p.  8o. 

CAP.  XVII.  Deos  prova  os  corações.  Não 
dejprez-ar  ao  pobre.  Juízos  injujios  abo- 
mináveis diante  de  Deos,  O  amigo  he-o 
em  todo  o  tempo.  O  infen/ato  pajfa  por 
Jabio  ^  em  quanto  não  falia,         p.  88. 

CAP.  XV III.  Do  amigo  infiel.  Da  confian- 
ça do  jufio  ,  e  da  do  rico.  Soberba  ,  $ 
humiliação.  Frutos  da  lingua,  A  boa , 
e  a  má  mulher.  Do  homem  fociavel,  p.  94. 

CAP.  XIX.  Do  pobre ,  e  do  rico.  Da  tef 
temunha  falfa.  Da  ira  ,  e  da  benevolên- 
cia do  Rei,  A  mulher  prudente  he  hum 
dom  de  Deos,  Correcção  aos  filhos,  TV- 
mor  de  Deos,  Caftigos  refervados  para 
os  ímpios,  p.  100. 

CAP.  XX.  O  vinho  origem  de  defordens. 
Do  homem  preguiço] o,  O  pezo  dobre 
abominável.  Perigo  das  fianças.  Hon- 
rar feus  pais.  Não  dar  mal  por  mal. 
Os  grandes  males  pedem  grandes  remé- 
dios, p.  106. 

CAP.  XXI.  O  coração  do  Rei  na  mão  de 
Deos,  A  preguiça  ,  origem  de  mi  ferias. 
Infelicidade  daquelles  ,  que  tem  o  cora- 
ção 


DOS  Capítulos.  v 

'.ro  para  os  pobres,  Vantajeris  da 
^  e  da  fabedoria.  Saúde  he  hum 
9  Senhor,  p.  113. 

[II.  Preço  da  boa  reputação,  Van- 

do  coração  puro,  Exhortação  d 
yia.  Não  opprmir  ao  pobre.  Não 
redir  os  antigos  limites,  p.  119. 
nil.  Sobriedade  d  meza  dos  Gran- 
ado bufcar  riquezas.  Não  oppri- 
os  pu pi  lios,  EJiar  firme  no  temor 
s.  Fugir  das  mulheres  di£olut as  y 
ebedice,  126. 
[IV.  Não  invejar  a  profper idade 
ios.  Não  efiimar  jenão  a  fabedo- 
^fler-Je  no  tempo  da  afflicção.  Não 
>zijar  com  a  ruina  dos  feus  ini^ 
Temer  a  Deos ,  e  ao  Rei,  Evitar 
uiça,  p.  13:5. 

[V.  O  coração  dos  Reis  impene^ 

Não  fe  exaltar  a  ft  mejmo,  Pa^ 
dita  a  propofito,    Pr  orne j] a  fem 

Trifleza  do  coração.  Fazer  bem 
imigos.  Por  freio   d  curiofida^ 

p.  141. 

lVI.  Do  infenfato.  Do  que  fe  crê 
Do  preguiçofo.  Do  faljo  amigo, 
i  Hngua,    Do  que  encobre  ojèu 

p.  149. 

LVII.  Não  fe  gloriar  na  ejperan- 


VI  Inotce 

ça  do  futuro,  /)o.t  bons  confelhos,  Tra- 
halhar  por  adquirir  a  fabedoria.  Do  fer^ 
vo  fiel.  Os  louvores  são  a  prova  do  co- 
ração. Obrigações  dos  pajlores.  p.  157. 

CAP.'  XXVIII.  Confiafiça  do  jufto.  Simpli- 
cidade do  pobre.  Do  temor  df  Deos.  Da 
ociofidade.  Do  que  julga  injujlamente. 
Do  que  fe  enjoberbece.  Do  reino  dos 
mios,  p.  164. 

CAP.  XXIX.  Daquelle  ,  que  defpreza  as 
correcções.  Da  ruina  dos  mãos.  Da  cor* 
recção  dos  filhos.  Das  injírucçÕes  dos 
Profetas,  Do  homem  Joberbo,  Do  temor 
dos  homens,  p.  172. 

C  '^P.  XXX.  A  fabedoria  he  hum  dom  de 
Deos,  Damnos  que  na f cem  das  riqueza? , 
e  da  pobreza.  Progénies  execráveis,  Fi" 
lhas  da  fanguechuga,  Coufas  infaciaveis. 
Coufas  de/conhecidas.  Coujas  injuppor- 
taveis,  Coufas  muito  fabias.  Coujas  que 
anàão  bem,  p.  178. 

CAP.  XXXI.  JnJlrucçÕes  ,  que  Salamão 
recebe  o  de  fua  mãi,  Elie  ex  horta  os  ho* 
viens  a  não  fe  fazerem  pródigos  com  as 
mulheres  \,  e  o?  Reis  a  evitarem  a  bebe^ 
diffie.  Mas  elle  recommenda  o  ufo  do  vi- 
nho ao'!  que  eflão  t rifles.  Elogia  da  mu- 
Ih^r  forte  ,  tecido  de  ver/os  acrojltcos 
alfabéticos»  p.  189- 


DOS  Capítulos,  vii 


iCCLESIASTES. 

.  Tudo  o  que  ha  de  telhas  alai' 
?e  vaidade.  Nada  ha  novo  dtbai' 
l.  Omefmo  efludo^  e  conhechnen^ 
Hencias  he  vão  ,  e  traz  comfigo 
e  anciedade.  p.  201. 

V aidade  dos  deleites  ,  das  rique* 
•j"  edifícios ,  e  de  enthefourar  pa- 
herdeiro  defconhecido,  p.  207. 
Todas  as  coufas  tem  feu  tempo. 
>  das  coufas  naturaes  he  vão, 
^ns  ,  e  os  brutos  morrem  igual" 

p.  216. 

Calúmnias  ,  violências  ,  e  ciu^ 
homens  ^  huns  contra  os  outros, 
de  dos  infenfatos»  Loucura  dos 
Utilidades  da  vida  focial.  Vai- 
Poder  Soberano,  Obediência  pre- 
7 os  facrificios,  p.  223. 

^er  circumfpcEío  nas  fuas  pala^ 
ymprir  os  feus  votos.  Não  fe  ef- 
de  ver  atropellada  a  jufliça.  O 
9  nunca  fe  farta.  O  rico  defgra» 
fua  mefma  opulência,  p.  228. 
Defgraçada  condição  do  avaren^ 
tendo  bens  não  oufa  gozar  dei' 

p.  235-. 

CAP, 


yiii  Índice 

CAP.  VII.  Aboa  reputação.  Utilidade  das 
correcções.  Utilidade  da  fabedoria.  l^ao 
ha  juflo  5  que  não  peque,  DeJ prezar  os 
difcurfos  dos  homens.  A  mulher  perju" 
dicial,  p.  279. 

CAP.  VIII.  lííão  fe  apartar  dos  Manda- 
mentos de  Deos,  Paciência  de  Deos, 
Afflicção  dos  jujlos.  Projperidade  dos 
mãos,  p.  248. 

CAP.  IX.  Ninguém  fabe  fe  he  digno 
amor  ,  ou  de  odio.  Igual  condição  de 
bons  ,  e  de  mãos  nejle  Mundo.  Sabedoria 
do  pobre,  p.  254. 

CAP.  X.  Confequencias  funejlas  da  impru- 
dência. Imprudentes  ,  e  ef cravos  eleva- 
dos á  Dignidade.  CaraÚer  do  maldi- 
zente.  Rei  menino.  Príncipes  glotSes. 
Não  dizer  mal  do  Rei.  p.  261. 

CAP.  XI.  Dar  efmola.  Obras  de  Deos  in- 
cógnitas. Ter  continuamente  diante  dos 
olhos  o  Juízo  de  Deos.  Vaidade  da  mo* 
cidade.  p.  269. 

CAP.  XII.  Não  ejperar  pela  velhice  pata 
fervir  a  Deos.  Enigma  da  velhice.  Vai" 
da  de  das  coufas  do  Mundo.  Temer  a  Deos , 
e  objervar  os  feus  Mandamentos,  p.  274. 


CAP. 


os  Capítulos. 


CO  DOS  CÂNTICOS 
E  SALAMÂO. 

Defejos  que  tem  a  Igreja  de 
fr  a  Chrifto.  Delicias  que  acha 
20,  Favores  que  recebe,  Ella 
s  fuas  imperfeições.  EJias  são 
'a  malicia  do  demónio.  Temor 
não  fe  extravie  ella  ,  quando 
Jefus  na  terra,  Defejos  de  o 
9  Ceo.  287. 
Amabilidades  de  Chriflo  ,  e  da 
a  Ejpofa,  Louvores  que  elle  lhe 
res  que  lhe  faz.  Cuidado  ,  que 
ira  que  nada  perturbe  a  ale- 
icego  ,  que  efta  tem  nelle,  p.  300. 
DeJaJJocego  da  alma  ^  de  que  fe 
Chrifio,  Esforços  que  ella  de- 
pelo  achar.  Cuidado  que  deve 
mfervallo.  Como  em  Chrifto  tem 
'Jeu  defcanço,  At  tenção  de  Chri* 
mpedir  que  ninguém  lho  per- 

p.  310. 

Chrifto  louvando  ,  e  admirando 
\as  ,  que  elle  mefmo  depofitou 
reja  ,  e  nas  almas  fantas  ,  que 
lheo  para  fi  :  louvando ,  e  admi' 
r  virtudes  exteriores  ,  que  nel- 


X 


las  apparecem  \  mas  dando  a  uantajem 
d  caridade  ,  que  ejld  efcondida  no  cô* 
ração,  p.  316. 

CAP.  V.  Anciã  que  tem  a  Igreja  de  rece- 
her  a  Chrijlo  ^  e  de  o  ver  recolher  os  fru- 
tos ,  que  elle  produzio  nella^  Bondade 
com  que  Chrijlo  rej ponde  aos  dejejos  da 
Igreja,  Ternuras  que  diz  para  induzir 
as  almas  a  que  o  recebão,  Defgraça  das 
que  recusão  abrir»  lhe  a  porta  do  feu  co- 
ração ,  quando  elle  bate.  Elias  depois  o 
bufcão  5  mas  não  no  achão.  Trabalhos  que 
pajjou  nifto,  Defcripção  que  faz  das  per- 
f  eições  do  Efpofo.  p.  327. 

CAP.  VI.  A  Igreja  he  como  o  jardim  de 
Chrijlo.  'Neila  acha  Chrijlo  as  fuas  de- 
licias. Lindezas  da  Igreja,  Ella  he  o 
único  objeíio  do  amor  de  Chrijlo,  A  fua 
felicidade  faz  a  admiração  dos  Anjos. 
Ella  ao  mejmo  tempo  he  a  alegria  do 
Ceo  ,  e  o  terror  das  Potejlades  do  In- 
ferno, p.  340» 

CAP.  VIÍ.  A  Igreja  na  terra  compÕe-fe 
de  bons  ,  e  mãos,  Ella  a  hum  mefmo  tem- 
po ejld  em  alegria  ,  e  em  trijle^a ;  em 
efperança ,  e  em  temor.  No  Ceo  he  toda 
pura  ,  e  toda  fermofa.  A  fua  alegria ,  e 
a  fua  felicidade  são  alli  perfeitas  ^  eel— 
la ^  faz  asedlicias  do  Rei  CelejliaL  To 


DOS  Capitvlos.  yi 

*Jejo  da  Igreja  n^Jle  Mmdo  he 
com  Chrijto  jeu  t  jpofo  ,  e  àãt- 
mais  lenjivets  mojiras  da  Jua. 

e  do  feu  amor,  p.  ^52, 

I.  Amor  da  Igreja  por  Chrijio , 
'ifío  para  com  a  Igreja.  Força  ^ 
'ficia  dejie  amor,  p.  3C4. 


PRE- 


F  A  Ç  Ã  o 

SOBRE 

^RO  DOS  PROVÉRBIOS. 

tres  Livros  que  nos  ficarão  dc 
alamão  ,  efte  dos  Provérbios  he 

maior  ,  e  o  mais  importante- 
íduzio  Salamão  a  breves  fenten- 
explicou  por  varias  comparações 
ss  toda  a  Doutrina  dos  coftu- 
orque  fc  deve  regular  o  homem 
quer  eftado.  A  brevidade  deo 
itos  fentcnciofos  o  nome  de  Pro- 

que  sao  as  que  os  Gregos  cha- 
mes.  As  comparações  o  de  P^- 
que  são  as  que  os  Hebreos 

Mifchlé. 

fcritura  nos  diz,  III.  Reg.  IV". 
Lie  Salamão  compozera  tres  mií 
s.  E  ainda  que  nefte  Livro  dos 
os  não  chegão  a  mil  as  que 
3,  nenhuma  razão  ha  para  du- 
s  ,  queeftas  fazem  parte  daquel- 
mil.  Nem  por  iflb  com  tudo 
por  certo  ,  que  quanto  á  coor- 
XL  A  di- 


dinação  em  que  eftc  Livro  hoje  fe  acha  , 
e  qaúiiro  a  todas ,  e  cada  hunia  das  fuas 
fentcnças  ,  feja  clle  inteiramente  Obra 
de  Salamão  :  antes  pelo  contrario  nos 
parece  mais  provável,  que  fendo  deSá- 
lamão  ao  menos  a  maior  parte  das  fen- 
tcnças 5  a  coordinação  foíTe  feita  por 
outros. 

Os  fundamentos  para  aílim  os  jul- 
garmos, sao  eftes.  Primo  ;  no  Capitu- 
lo XXV.  vcrfo  I.  vem  eftas  palavras: 
EJias  são  também  Parábolas  de  Salamão  , 
as  qua?s  tranfcrevêrão  os  fervos  d^Eze- 
quias  Rei  de  Judã,  Sobre  o  que  refe- 
re Anaítifio  Niceno  ,  Efcritor  do  feti- 
mo  feculo  ,  na  Q^ellão  XXXIX.  fo- 
brc  aEfcritiira,  ofentimento  emqueef- 
ti verão  os  dous  grandes  Padres  S.  Hip- 
polyto  Martyr  do  feculo  terceiro,  eEu- 
febio  de  Cefarea  do  quarto.  Que  he, 
que  no  Reinado  d'Ezequias  fe  appli- 
cárao  vários  homens ,  que  cfte  Rei  de- 
putou para  ilfo  ,  a  fazer  efcolha  das 
Obras  de  Salamão,  e  a  feparar  as  qne 
crão  mais  úteis,  e  de  maior  edificação, 

das 


Sobre  o  Liv.  dos  Proverb.  in 

0  não  erão  tanto  ,  nem  conti- 
ufa  que  foíTe  própria  a  reformar 
mes  j  e  a  inftruir  os  Povos.  Que 

efte  Plano,  fe  efcolheo  d'entre 
í  Cânticos  de  Salamão  fomente 

que  nós  hoje  temos,  intitula- 

fua  excellencia  o  Cântico  dos 
:  e  das  fuas  Parábolas  ,  as  que 
lem  nefte  Livro  dos  Provérbios, 
^idò  :  No  Capitulo  XXX.  verfo 
a  Vulgata  diz  :  Palavras  do  que 

,  filho  do  que  arrevefa  f abe  do- 
m  o  Hebreo  por  nomes  pro- 
Palavras  d'  Agiir  filho  de  lakeb* 
Iguns  Interpretes  julgão  ,  que 

1  nome  dc  outro  Profeta ,  que 

2  Salamão. 

iò:  Nefta  Obra  achao-fe  muitas 
s  repetidas.  Como  no  Capitu- 
verfo  12.  Ha  hum  caminho  ^  qm 
ireito  aos  homens  :  e  com  tudo  o 
guia  para  a  morte.  A  qual  fe 
no  Cap.  XVI.  verfo  25-,  E  no 
Xí.  verfo  9.  Melhor  he  efiar  af- 
a  hum  canto  do  telhado  ,  do  qu^ 
A  ii  ha^ 


IV  PllEFAqAO 

habitar  com  hima  mulher  litigio fa  mma  cafa 
commtim,  A  qual  fe  repete  no  Cap.  XXV. 
verlb  24.  Ê  aflíni  outras  muitas.  Ella 
repetição  nao  fó  prova ,  que  não  foi  Sa- 
lamão  o  que  coordinou  todas  as  fenten- 
ças  defte  Livro ;  mas  também,  que  nef- 
ta  CoiBpilação  trabalhou  mais  de  hum, 
e  em  diverlos  tempos. 

Oiiartò  5  &  ultimo  :  Nefta  Obra 
achã0'fe  doze ,  ou  treze  fenrenças ,  que 
lendo- fe  nos  Setenta ,  e  na  Vulgata  ,  ral- 
tão  com  tudo  no  Hcbreo  ,  e  algumas 
delias  também  na  Versão  de  S.Jerony- 
mo.  Nós  as  apontaremos  nos  feus  ref- 
peftivos  lagares:  como  também  outras , 
que  não  íeachão  nem  noHebreo,  nem 
no  Grego. 

Hama  antiga  Nota  fobre  a  Prefa- 
ção de  S.  Jeronymo  aos  Livros  de  Sa- 
lamão,  que  no  Tomo  I.  das  Obras  def- 
te  Santo  Padre  traz  Martianay  ao  Ca- 
pitulo V.  dos  Provérbios  ,  pag.  943, 
diz  que  eftes  Additamentos  aoHebreo, 
que  fe  encontrão  no  Grego,  são  da  mão 
dos  Setenta ,  huns  poftos  para  maior  cla- 

re- 


50BRE  O  LiV.  DOS  PrOVE^B.  T 

)  fentido  ,  outros  ajuntados  de 
livros  para  edificação  dos  Lei- 

tudo  o  referido  colhemos  moder- 
iticos  comCaliTict,  que  o  Livro 
iverhios  tal  qual  hoje  íe  conlerva , 
la  Collecção  formada  de  diverfas 
çoes  ,  que  corrião  entre  os  Ju- 
í  feitas  por  divcrfos  fujeitos ,  e  em 
s  tempos,  das  fentenças  dcSala- 
e  talvez  que  também  das  de  ou- 
critores  Sagrados.  O  que  fecon- 
advertindo-fe ,  que  algum^as  das 
as  que  vem  nos  Setenta  ,  e  fal- 
Hebreo  ,  fe  achao  no  Livro  do 
aftico  :  eque  do  Capitulo  XXIV. 
1,2.  por  diante  ,  he  notabiliflima 
pofição  de  verfos,  que  fe  obfer- 
Texto  Grego  da  Edição  Roma- 
le  fecrê  fcr  o  genuino  dosSeten- 
refpeito  do  Original  Hebreo. 
ja  como  for,  na  Synagoga,  e  na 
fempre  o  Livro  dos  Provérbios 
por  hum  Livro  Canónico,  epor 
os  trcs  y  que  tem  por  Author  a 

Sa- 


vr     Pref.  sob.  o  Liv.  dos  Prov. 

Salamão.  E  fe  nós  tivermos  bem  apren- 
dido as  fentenças  ,  que  infpirado  por 
Deos  efcreveohum  tão  grande  homem  , 
não  teremos  mais  que  deíejar  ,  do  que 
pertence  á  Filofofia  dos  coltumes ;  ou  a 
confideremos  quanto  ao  Eítado  Econó- 
mico 5  ou  quanto  ao  Eítado  Politico, 
ou  quanto  ao  Eftado  Monaftico ,  ou  Pri- 
vado.   Por  iíTo  os  antigos  Padres,  co- 
mo attefta  Eufebio  no  Livro  IV.  da 
Hiftoria  Ecclefiaílica ,  Cap.  22.  chama- 
vão  ao  Livro  dos  Provérbios  Panaretosy 
que  quer  dizer  ,  CoUecção  abbreviada 
de  todas  as  Regras  da  Moral ,  e  Inftruc- 
ção  para  a  prática  de  todas  as  virtudes. 
Finalmente  S.  Balilio  na  Queftão  ,  ou 
Pergunta  XV.  dasfuas  diíFufas  Regras, 
he  de  parecer ,  que ,  para  eftas  máximas 
importantiílimas  le  imprimirem  des  da 
tenra  idade  no  coração  do  homem  ,  as 
devião  logo  aprender  os  meninos  ,  afim 
de  poderem  ,  já  fe  vê  ,  lançar  mão  de 
tão  folidos,  e  necellarios  Diftames  para 
governo,  e  direcção  da  vida. 


LI- 


LIVRO 

OVERBÍOS, 

HEBREO  MASLOTH. 
A  P  I  T  U  L  O  1. 

defte  Livro,  Tomar  o  enfim,  Fu» 
a  companhia  dos  mãos.  Ouvir 
a  voz  da  Sabedoria. 

J  A  R  A  B  o  L  A  s  de  Salamao  ,  fi- 
lho de  David  ,  Rei  d'If- 
racl. 

)  Para  fe  aprender  a  fabedoria , 
iplina  5 

pa- 

ra  fe  aprender  a  fabedoria.  Neftas  Para- 
-no  Grego  ,  que  ,  figni ficando  compara' 
fcme l bancas  y  vem  atomar-íc  noMentido 
as  graves  e  cheias  de  íabedoria  ,  cuja  in- 
Jie  algum  tanto  cfcura  e  iccondita)  fc 


t  Pr  o  V  EB  BIOS. 

3  (h)  para  fe  entenderem  as  pala- 
vras  da  prudência  ,  e  receber  a  inftruc' 
çao  da  doutrina  ,  a  juftiça  ,  e  o  juizo, 
e  a  equidade  ;  ^ 

prcfcreve  a  norma  e  regra  das  acções  humanas ,  c 
por  confeguinte  fe  intima  náo  a  vá  e  mundana, 
mas  a  verdadeira  fabedcria  ,  que  confiftc  no  co- 
nhecimento de  Deos  ,  no  temor  e  refpeito  ,  com 
que  deve  fer  adorado  e  fervido  pela  prática  da  vir- 
mde.  Releva  também  advertir  que  a  palavra  ,  que 
na  língua  Grega  e  Hcbrea  correíponde  a  difcipH* 
fia  5  fii^nifica  náo  fó  o  enfino  que  fe  dá  de  pala- 
vra ,  fenáo  o  que  vai  acompanhado  de  reprehensáo 
ccaftigo,  como  faz  hum  pai  com  feus  filhos;  por- 
que o  homem  depois  da  primeira  quéda  ficou  em 
láo  efpeíTas  rrévas  fepultado  ,  que  para  atinar  com 
o  caTiinho  da  falvaçáo  neceflira  náo  fó  que  Deos 
o  inftrua  e  illuftre  ,  mas  ainda  que  muitas  vezes 
com  o  tropel  das  calamidades  e  tribulações  ,  que 
lhe  envia  ,  o  chegue  a  punir  para  fua  emenda; 
quando  náo  he  para  o  purificar  dalguns  defeitos,  e 
fazel-lo  aííim  merecer  mais  refulgente  coroa  de  flo- 
ria. PEUErRA. 

(h)  Náo  fó  ncíle  Livro ,  mas  nos  feguintes  vem 
quafi  a  fignificar  o  meímo  as  palavras  jf^í/^fífor/^ ,  c 
prudência  ;  como  também  jujli^a  ,  juizo ,  e  cquida.- 
4e.  Todas  elhs  fe  referem  á  obrigaçáo  ,  que  in- 
cumbe, ao  homem  de  uniformemente  dirigir  cada 
huma  de  C^rs  acções  pelos  preceitos  da  Lei  do  Se- 
nhor. A  fcienciã ,  dowrhia ,  e  ititclligencia  ,  de  que 
falia  o  Texto,  íignificáo  cm  çommum  o  conbeci- 


Capitulo  I.  3 

)  a  fim  de  fe  dar  aos  pequeni- 
:ia ;  fciencia  e  entendimento  ao 
). 

'  fabio  ouvindo-as  ,  ficará  mais 
s  entendendo-as ,  {d)  poíluirá  o 

tinará  com  a  parábola  e  fua  in- 
yão  j  com  as  palavras  dos  fa- 
feus  (e)  enigmas, 
'ra  o  temor  do  Senhor  h-e  o  prin- 
i  fabedoria  :  os  infenfatos  def- 
.  fabedoria  ^  e  a  doutrina. 

Ou- 

jdo  quanto  involve  cila  indirpenfavel  obri* 

REIRA. 

fim  dc Je  dar  aos  pequmnos  ajiucia,  Toma- 
ucia  em  boa  parte  por  efpcrtcza  ,  difcri- 
rnimcnto ,  para  conhecer ,  e  evirar  qual- 
o.  Pelos  pequeninos  fe  entendem  os  fimpH- 
10  lhes  chama  o  Apoftolo  I.  Corinth.  XIV. 
•5  no  penjar :  pelos  mancebos  ,  aquelles , 
i  feito  progreííos  na  virtude  ,  ou  verdar 
cia.  Pereira. 

ffuirá  o  léme  :  Como  deftro  Piloto  no 
mundo  faberá  perfeitamente  a  arte  dc  fc 

fi ,  e  aos  outros.  Pereira. 
'\gmas,  Taes,  como  os  que  fe  encontrão 
os  Juizes  XIV.  12.  nolll.  dojRcisX.  Iç 

]UÍel  XVII.  2,  PSREIRA. 


4  Provérbios. 

8  Ouve,  filho  meu,  a  inftrucção  dc 
teu  pai  ,  e  não  largues  a  Lei  de  tua 
mãi : 

9  para  fe  accrefccntar  engraçado 
adorno  á  tua  cabeça  ,  e  hum  coUar  ao 
teu  pefcoço. 

10  Filho  meu,  fe  os  peccadores  te 
attrahirem  com  os  feus  aíFagos  ,  não 
condeíccndas  com  elles. 

11  Se  te  diflerem  :  Vem  comnof- 
co;  façamos  embofcadas  para  derramar 
fangue  ;  armemos  laços  fecretos  ao  in- 
nocente  ,  que  nos  não  fez  mal  algum : 

12  devoremo-lo  vivo  (/)  como  o 
fepulcro  ,  e  inteiro  como  ao  que  dá 
comíigo  no  calabouço. 

1 3  Nifto  acharemos  toda  a  forte  de 
bens  5  e  de  preciofidades  ;  encheremos 
as  noíTas  calas  de  dcfpojos. 

14  Deita  comnolco  a  tua  forte ;  feja 
huma  fó  a  bolfa  de  nós  todos. 

Fi- 

(/)  Como  o  fepulcro,  Oa  também  ,  como  o  m- 
ferno.  Faz-fe  aqui,  fegundo  parece ,  allusáo  aofuc- 
ccíTo.  dc  Dathan  ,  c  Abiron  relatado  já  noUvK)  dos 
Números,  XVÍ.  55.  Pereira. 


Capitulo  I.  5* 

ilho  meu,  não  vás  com  clles;^ 
de  andar  pelas  fuas  varedas. 
Drque  os  feus  pés  correm  para 
:  fe  dão  preíTa  a  derramar  ian- 

las  de  balde  fe  lança  a  rede. 
>s  olhos  dos  que  tem  azas. 
les  mefmos  fazem  traições  con- 
próprio  fangue,  e  tramão  en- 
1  ruina  de  fuas  próprias  almas, 
aes  são  os  caminhos  de  todos 
tos:  elles  furprendem  as  almas 
'flão  poffuidos  defta  paixão, 
fabedoria  enfina  de  fora ;  ella 
a  fua  voz  nas  praças  públicas, 
la  grita  á  tefta   das  AíTem- 
povo ;  (g)  á  entrada  das  por- 
dade  profere  as  fuas  palavras , 

:é  quando  amareis  ,  á  crian- 
fancia  ,  e  os  infenfatos  cubi- 

ça- 

ntrada  das  portas  da  Cidade,  He  allu- 
0  coliume  de  eftarem  os  Miniftros  c 
ra  brevidade  do  defpacho  ás  porcas  das 

LEI  KA, 


6  Provérbios. 

çaráó  as  coufas  que  lhes  são  nocivas ,  c 
os  imprudentes  aborrecerão  a  fciencia  ? 

23  Convertei-vos  á  minha  correc- 
ção :  eis-aqui  vou  eu  a  propôr-vos  já  o 
meu  efpirito ,  e  a  intimar- vos  as  minhas 
palavras. 

24  Porque  eu  vos  chamei  ,  e  vós 
não  quizeftes  ouvir-me  ;  cftendi  a  mi- 
nha mão  ,  e  não  houve  quem  olhaíTe 
para  mim. 

.  2$  Defprezaftes  todos  os  meus  con- 
felhos  ,  e  não  fizeftes  cafo  das  minhas 
reprehensões. 

26  Pois  eu  me  rirei  tamhcm  navof- 
fa  morte  ,  e  zombarei  de  vós,  quando 
vos  fucceder,  o  que  temieis. 
-  27  Quando  vos  aflaltar  a  calamida- 
ide  repentina  ,  e  colher  a  morte  como 
hum  temporal  :  quando  vier  fobre  vós 
a  tribulação  e  a  anguftia  : 

28  então  me  invocarão  clles  ,  e  eu 
não  os  ouvirei  :  (h)  levantar-fe-hão  de 
madrugada j  e  não  me  acharão: 

P0Í5 

(h)  Levantar-fe-hão  de  madrugada,  Hc  cftc  hum 
Hebraiímo^  c]ue  íigtiiíica  fazer  4S  mais  agonizadas 


Capitulo  L  7 

isque  elles  aborrecerão  as  in- 
e  não  abraçarão  o  temor  do 

m  fe  fubmettêrão  ao  meu  con- 
lefacreditárão  toda  a  minha  re- 
I, 

omeráo  pois  os  frutos  do  feu 
,  e  fartar-fe-hão  dos  feus  con- 

)  A  aversão  dos  meninos  os 
e  a  profperidade  dos  infenfa- 
rá  a  perder. 

[as  aquelle  que  me  ouvir  ,  def- 
em  temor ,  e  gozará  da  abun- 
e  bens ,  fem  receio  de  mal  al- 


CA- 

e  os  maiores  esforços  para  chegar  ao 

Te  pertende.  Pereira. 
'versão  dos  meti  ino s  ^^'C,  A  aversão  que 
(  que  náo  conhecem  o  que  lhes  he  pro- 
?m  ao  cornar  os  meus  coníelhgs.  Oc 
s. 


8 


Prover  BI  os. 


CAPITULO  ir, 

4 

Receber  a  injlrucção.    Pedir  a  fabedoria» 
Vantagens  que  fe  achão  na  pojje  delia. 

I         Ilho  meu  ,  fe  tu  receberes  as 
JL    minhas  palavras  ,  e  tiveres  os 
meus  mandamentos  efcondidos  dentro 
do  teu  coração ; 

2  de  forte  que  o  teu  ouvido  ouça 
attento,  o  que  a  fabedoria  lhe  diz:  in- 
clina o  teu  coração  a  conhecer  a  pru- 
dência. 

3  Porque  fe  tu  invocares  a  fabedo- 
ria ,  e  inclinares  o  teu  coração  para  a 
prudência  : 

4  fe  a  bufcares  como  o  dinheiro , 
c  cavares  pela  achar,  como  os  que  def- 
enterrão  thefouros : 

c  então  comprehenderãs  tu  o  te- 
mor do  Senhor  ,  e  acharás  a  fciencia 
de  Dcos: 

6  porque  o  Senhor  he  o  que  dá  a 
fabedoria ,  e  da  fua  boca  he  que  fahe  a 
prudência ,  e  a  fciencia. 


Capitulo  11.  f 

[Ic  refervará  a  falvaçao  para  os 
reftos  ;  e  protegerá  aos  que  cst- 
(a)  em  fimplicidade ; 
)  fendo  cUe  mefmo  o  que  guar- 
ircdas  da  juftiça  ,  e  o  que  eftá 

fobre  os  caminhos  dos  Santos, 
ntao  conhecerás  tu  a  j^iftiça  ,  e  o 

a  equidade  ,  e  todas  as  varedas 

boas. 

Se 

n  fimplicidade.  Com  firts^elcza  ,  candura  , 
dc  de  coraçáo  ,  aos  de  vida  inculpável  e 
fivel ,  cujos  dcfejos  sáo  todos  de  agradar 

EREIRA. 

ndo  elle  mejmo  o  que  guarda  as  varedas  d.t 
que  a  Vulgara  diznefte  vetfo  8.  Servans 
iitiae ,  ata  Saci  com  o  que  precedèra  no 
r.idientes  fimplicuer.  E  allim  traduz  am- 
rfos  defte  moJo  :  Elle  referva  a  falva- 
s  que  sao  refios  :  e  protegerá  aos  que  an- 
iplicidadc ,  guardando  as  varedas  da  jufil- 
fe  defviando  do  caminho  dos  Santos.  Eu 
a  de  Carriercs  ,  rcteri  o  fervans  do  vcr- 
o Senhor,  que  he  o  nominativo  ao  ver- 
rd ,  que  precedeo  no  7.  e  ifto  náo  tantO 
^ervans  no  fingular ,  e  gradientes  no  plu- 
:5uc  bem  adverti,  que  o  Author  daVul- 
ela  a  cada  pado  as  regras  da  Grammati- 
3or  me  parecer  eftc  o  íentido  mais  facil.j 


10  Provérbios. 

10  Se  a  fabedoria  entrar  no  teu  co- 
ração ,  e  a  fciencia  agradar  á  tua  alma  • 

11  o  coiifelho  te  guardará  ,  e  a  pru- 
dência te  confervará  ; 

12  a  fim  de  feres  livre  do  caminho 
máo  5  e  dos  homens  que  fallão  coufas 
perverfas ; 

13  que  deixâo  o  caminho  direito, 
e  andâo  por  caminhos  tenebrofos : 

14  que  le  alegrão  depois  de  terem 
feito  o  mal  ,  e  triunfão  nas  peiores 
coufas : 

15*  cujos  caminhos  são  todos  cor- 
rompidos, cujos  paíTos  são  infames. 

16  (c)  A  fim  dc  feres  livre  da  mu- 
lher alheia ,  e  da  eftranha  ,  que  ufa  dc 
palavras  brandas, 

17  (d)  e  deixa  o  guia  da  fua  pu- 
berdade , 

(f)  A  fim  de  feres  livre  di  mulher  alheia  ,  e^r. 
Tudo  quanto  aqui  fe  diz  da  mulher  adultera  c 
mundana  em  fcntido  próprio  e  litteral,  fe  entende 
também  no  translato  da  corrupção  do  íeculo  reprc- 
ícntada  igualmente  pela  meretriz  do  Apocalypfe, 
oue  brinda  a  todos  os  habitadores  da  terra  com  o 
dourado  cálice  das  fuas  abominações.  Pereira. 

Çd)  E  deixa  o  guia  da  fua  puberdade.  Larga  fc» 


Capitulo  II.  ir 

fe  tem  efquecido  (e)  do  pa£l:o 
►eos.  Porquanto  (/)  a  fua  cafa 
ara  a  morte,  e  as  fuas  varedas 
infernos : 

odos  CS  que  tem  trato  com 
não  voltarão  ,  nem  tomarão  as 
da  yida. 

^ira  que  andes  pelo  bom  cami- 
ão largues  as  varedas  dos  juftos. 
?orque  os  que  são  rectos  ,  ha- 
la  terra ,  e  nelia  permaneceráó 

lÍCCS. 

XI.  B  Po- 

larido ,  que  he  cabeça  da  mulher ,  fegun- 
Io  I.  Corinth.  XI.  ^.  com  o  qual  ti- 
fado  quando  era  donzclla.  Pereira. 
)  pa^o  do  feu  Deos,  Da  fé ,  ou  lealdade  , 
romettèra ,  quando  com  elle  contrahio  o 
o  5  tomando  a  Deos  por  teftemunha  ,  co* 
va  de  Malaquias  II.  14.;  e  mais  que  tu- 
gaçáo  de  manter  a  alliança  que  havia  fei- 
mcfmo  Senhor.  Pereira. 
f  Jua  cafa  pende  para  a  morte,  O  Hebreo 
e  para  os  gigantes :  'ú\o  he ,  para  0$  in* 
|ue  são  a  morada  dos  gigantes.  Com  o 
rda  o  que  fe  diz  adiante  no  Capitulo  IX» 
Pereira. 

ío  voltarão  :  Sem  o  auxilio  da  graça  pre^ 
Pereira* 


iz  Proverbt  o  sl 

2  2  Porém  os  ímpios  fcrao  arranca- 
dos de  íima  da  terra  :  e  os  que  obrão 
iniquamente  ferão  delia  exterminados. 

CAPITULO  IIL 

Não  efquecer  dos  preceitos  da  f abe  dor  ia. 
Pôr  em  Deos  toda  a  Jva  confiança.  Não 
fer  fabio  a  feus  próprios  olhos.  Honrar 
dos  feus  bens  ao  Senhor,  Não  recufar  o 
cafligo.  Louvores  da  Jabedoria,  Felicida- 
de dos  que  a  pofftdem.  Fazer  bem  a  feu 
próximo.  Não  lhe  fazer  mal  nenhum. 

1   T7^  Ilho  meu ,  não  te  efqueças  da 
JL    minha  Lei  ,  e  o  teu  coração 
guarde  os  meus  preceitos: 

2  porque  elles  te  accrefcentaráo  lar- 
gos dias,  e  annos  de  vida,  e  paz. 

3  Não  te  defamparem  a  mifericor- 
dia  ,  e  a  verdade,  poe-nas  como  hum 
Collar  á  roda  do  teu  pefcoço  ,  e  grava-as 
fobre  as  taboas  do  teu  coração: 

4  c  acharás  graça  ,  e  fabia  condu- 
fta  diante  de  Deos,  e  dos  homens. 

-  y    Tem  confiança  em  Deos  de  todo 

o 


Capitulo  III.  1 5 

o  teu  coração,  e  não  te  eítribes  na  tua 
prudência. 

6  Traze-o  no  penfamento  em  todos 
os  teus  caminhos  ,  e  elle  mefmo  diri- 
girá os  teus  paííbs. 

7  Não  fejas  fabio  a  teus  próprios 
olhos :  teme  a  Deos ,  e  aparta-te  do  mal : 

8  pois  ifto  fera  faude  (a)  para  o  teu 
cmbigo ,  e  a  regadura  dos  teus  oíTos. 

9  Honra  ao  Senhor  com  a  tua  fa- 
'zcnà^j  e  dá-lhe  das  primicias  de  todos 
os  teus  frutos: 

10  e  fe  encherão  os  teus  celleiros 
d«  fartura ,  e  trasbordarão  de  vinho  os 
teus  lagares. 

11  Não  rejeites,  filho  meu,  a  cor- 
recção do  Senhor :  nem  caias  em  aba- 
timento y  quando  por  elle  es  caftigado : 

B  ii  por- 

(a)  Para  o  teu  emhigo,ó'j»  Tanto  ao  embígo, 
como  á  regadura ,  ou  turano ,  e  íucco  nurricnte  dos 
oíTos  com  razáo  fe  attribue  a  faude:  áquellc,  poc 
fer  o  canal  5  por  onde  o  homem  Te  alimenta  no  ven- 
tre materno,  e  porque  a  fua  quebradura  hc  mortal: 
a  efta  ,  por  fer  hum  final  de  grande  vigor  e  robuftez. 
Pódc  também  aqui  o  embico  denotar  a  parte  inferioC 
dalma,  c  a  concupiícencia  da  carne.  Pereira, 


14  Provérbios. 

12  porque  o  Senhor  caftiga  aquelle^ 
a  quem  ama  :  e  acha  nelle  a  fua  com- 
placência ,  como  hum  pai  em  feu  filho. 

13  Bemaventurado  o  homem  ,  que 
achou  a  fabedoria  ^  e  que  eftá  rico  dc 
prudência  : 

14  melhor  he  a  fua  acquifiçâo,  do 
que  o  tráfico  da  prata  ,  e  leus  frutos 
melhores  do  que  o  ouro  mais  fino  ,  e 
mais  depurado : 

mais  preciofa  hc  que  todas  as 
riquezas  :  e  tudo  o  mais  que  fe  defeja, 
não  fe  pode  comparar  com  ella. 

16  Q?)  Na  fua  direita  eftá  a  longu- 
ra  dos  dias  ,  e  as  riquezas  ,  c  a  gloria 
na  fua  efquerda. 

17  Os  feus  caminhos  são  caminhos 
fermofos  ,  e  de  paz  todas  as  fuas  va- 
redas. 

18  (c)  He  arvore  da  vida  para  aquel- 

les, 

Qj)  Na  fua  direita.  Pela  mão  direita  fe  dão  a 
entender  os  bens  eternos ,  pela  efquerda  os  tempo- 
faes.  Pereira. 

(c)  He  arvore  da  vida  ^  eí^c.  Omermo  que  erâ 
(  fcgundo  Santo  Agoltinho  no  Livro  XIII.  da  Cidade 
de  Deos ,  Capicuio  XX.)  no  Paraífo  ccrieai  a  arvore 


Capitulo  III.  15* 

les,  que  lançareTi  mão  delia  :  e  bem- 
aventurado  o  que  a  não  largar. 

19  O  Senhor  fundou  aterra  pela  fa- 
bedoria,  eftabeleceo  os  Ceos  pela  pru- 
dência. 

20  {ã)  Pelafua  fabedoria  he  que  os 
abyfmos  fe  romperão  ,  e  fe  condensão 
as  nuvens  em  orvalho. 

21  Filho  meu  ,  não  fe  te  efcôem 
cftas  coufas  de  diante  dos  teus  olhos: 
Guarda  a  Lei ,  e  o  confelho : 

22  e  terá  vida  a  tua  alma  ,  e  en- 
graçado adorno  a  tua  garganta  : 

23  então  andarás  tu  com  confian- 
ça pelo  teu  caminho  ,  e  o  teu  pe  não 
tropeçará  : 

fe 

da  vida  ,  he  no  Paraifo  crpiritaal  Ja  Igreja  a  fabedoria 
de  Dcos :  aquella  tornava  immorral  o  corpo  do  ho- 
mem, conícrvando-o  na  mefma  idade;  eíta  livra  a 
íua  alma  da  velhice  do  peccado ,  guardando-a  para 
a  vida  ererna.  Pereira. 

(r/)  Pela  fua  fabedoria  he  que  os  abyfmos  fe  rottt' 
pcrão.  Dos  abyímos  ,  ou  das  agu2s  00  mar,  que 
penetrão,  como  por  vèas  ,  pelas  entranhas,  c  oc- 
cultos  meatos  da  terra  ,  he  cjue  rebentão  as  fontes 
e  rios :  dos  condcnfados  vapores  ,  que  fobem  ao  ar , 
fc  fórmáo  as  nuvens,  as  quacs  fe  refoWcm  cmcha- 
va,  que  fertiliza  a  terra.  Pereira. 


i6  Provérbios. 

24  fe  dormires  ^  não  temerás  :  tu 
delcançarás  ,  e  o  teu  fomno  lerá  tran- 
i]ui!lo : 

25-  nao  te  aíTuíles  do  repentino  pa- 
vor j  nem  das  poderofas  arremettidas , 
que  venháo  lobre  ti ,  dos  ímpios. 

26  Porque  o  Senhor  eftará  ao  teu 
lado,  e  clle  guardará  o  teu  pé  para  não 
feres  apanhado  no  laço. 

27  Não  impidas  que  faça  bem  a- 
quelle  que  pode  :  fe  tu  podes  ,  faze-o 
tu  mefmo  também. 

28  Náo  digas  ao  teu  amigo:  Vai  5 
e  torna  :  á  manhã  te  darei :  quando  tu 
lhe  podes  dar  logo. 

29  Não  traces  fizer  mal  ao  teu  ami- 
go, tendo  elle  confiança  em  ti. 

30  (e)  Não  faças  proceífo  contra 
qualquer  homem  fem  motivo  ,  quando 
elle  te  não  fez  mal  nenhum. 

31  Não  invejes  o  homem  injuílo, 
nem  imites  os  feus  caminhos : 

por- 

(e)  Não  faças  procejfo  contra ,  <ò'C,  He  digno 
de  fe  trazer  á  memoria  o  cjue  fobre  ifto  advcrcc 
S.Paulo  L  ad  Connth.VI.7.  Pereira. 


Capitulo  III.  17 

32  porque  abominação  do  Senhor 
he  todo  (/)  o  enganador,  c  a  fua  con- 
veifaçao  he  com  os  íimplices. 

33  Haverá  (g)  indigência  na  cafa 
do  ímpio  enviada  pelo  Senhor  :  porém 
as  habitações  dos  juílos  feruo  abençoa- 
das. 

34  Elie  efcarnccerá  dos  efcarnece- 
dores  ,  e  dará  graça  aos  manfos. 

35'  Os  lábios  pofiuiráõ  a  gloria:  a 
exaltação  dos  infeníatos  ícrá  a  fua  igno- 
minia. 


CA" 

(/)  o  enganador,  A  palavra  illufor  da  Vulga- 
ta fe  deve  tomar  no  fentido  dc  preverjo ,  como  traz 
o  Hcbreo ;  ou  tranfgreffor  da  Ui ,  como  fe  lê  nos 
Setenta.  Pereira. 

(g)  Indigência.  Os  Setenta  km  ntiJdiçSo  de 
Deos ;  c  o  rocfmo  fe  acha  no  texto  Hebrco.  Pfi- 


Prover  bios. 


CAPITULO  IV. 

Salamão  exhorta  os  homens  á  fahedoria , 
como  jcu pai  mefmo  o  exhortou.  Guardar 
a  difciplina.  Fugir  o  caminho  dos  Ímpios. 
Felicidade  dos  jujlos  ,  infelicidade  dos 
mdos.  Guardar  o  fett  coração.  Vigiar 
fobre  a  Ungua,  Regular  os  feus  pajf  7S. 

1  Uvi ,  filhos  ,  as  inftfucçoes  de 

hum  pai ,  e  eftai  attentos  para 
conhecerdes  a  prudência. 

2  (a)  Contribuir-vos-hei  com  hum 
bom  dom  ,  não  deixeis  a  minha  Lei, 

3  Porque  eu  fui  também  filho  de 
meu  pai ,  (b)  tenrinho ,  e  (c)  unigénito 
diante  de  minha  mãi : 

e 

(a)  Contribair-vos  hei  com  ham  bom  dom.  O  He- 
br€0  le:  Porque  excellente  doutrinavas  tenho  dado, 
C^m  a  Vul^ara  concorJáo  os  Setenta.  Pereira. 

(b)  Tenrinho.  Refcrc-fc  efta  palavra  ou  á  ter-, 
nura  com  -juc  Salamáo  era  amado ,  ou  á  íua  tenra 
idade,  ou  ao  mimo  da  fua  creaçáo ,  ou  em  fim  á 
docilidade  '^o  feu  natural.  Pereira. 

(c)  Unigénito.  Tendo  fido  quatro  os  filhos,  que 
David  teve  Je  B^rfabé  já  fai  mu^lier,  conocjnlta 
da  Sagrada  íliíbria  3  LÍ^aral.  III.  5.  :  SaiaHiáo  íoi, 


Capitulo  IV.  i  9 

4  e  elle  me  cnfinava ,  e  dizia  :  O 
teu  coração  receba  as  minhas  palavras, 
guarda  os  meus  preceitos ,  e  vivirás. 

5-  PolTue  a  labedoria,  poflue  a  pru- 
dência :  não  te  efqueças  ,  nem  te  def- 
vics  das  palavras  da  minha  boca. 

6  Não  na  largues  ,  e  ella  te  guar- 
dara :  ama-a ,  c  ella  te  confervará. 

7  (d)  PoiTue  tu  a  fabedoria  ,  que 
efte  hc  o  principio  da  meíma  fabedo- 
ria 5  e  adquire  a  prudência  com  todas 
as  tuas  poíles : 

8  arrebata-a  ,  e  ella  te  exaltará  : 
ella  te  dará  gloria  ,  quando  a  tiveres 
abraçado : 

9  ella  dará  á  tua  cabeça  augmentos 

de  graças  ,  (e)  e  te  cobrirá  com  huma 

inclyta  coroa.  ^ 

Ou- 

fcmprc  ornais  amado  Jc  fcus  país.  PoriíTo  oSal- 
XTioXLlV.  dedicado  ao  cafamento  de  Salamáo,  tem 
por  titulo:  Cântico  pelo  amado.  Bossuet. 

(^)    PqPue  tu  a  fabedoria.  O  homem  afanando 
e  adquirindo  o  dom  da  fabedoria  ,  moftra  nifto  mef- 
,  mo  já  hum  principio  de  fabedoria  ,  c  merece  con- 
feguilla  ;  porém  o  que  olha  para  ella  com  indiffe- 
lença  5  faz-fe  indiano  de  a  obter  c  poíTuir.  Pereira. 
(e)   £  te  cobrirá  com  huma  inclyta  coroa.  Por 


20 


Provérbios. 


10  Ouve  5  filho  meu  ,  e  recebe  as 
minhas  palavras ,  para  que  fe  te  multi- 
pliquem os  annos  da  tua  vida. 

11  Eu  te  moftrarei  o  caminho  da 
fabedoria  ,  guiar-te-hei  pelas  varedas  da 
equidade : 

12  nas  quaes  ,  depois  que  tiveres 
entrado,  não  fe  eftreitarao  os  teus  paf- 
fos,  e  correndo  não  terás  tropeço. 

13  Péga-te  bem  ádifciplina  ,  nao  a 
largues  :  guarda-a  ,  porque  ella  he  a 
tua  vida. 

14  Não  te  deleites  nas  varedas  dos 
ímpios ,  nem  te  agrade  o  caminho  dos 
máos. 

ij  Foge  delle  ,  e  não  paíTes  por 
elle :  defvia-te  ,  e  deixa-o : 

16  porque  elles  não  dormem,  fem 
terem  feito  mal :  e  fe  defraudão  do  fo- 
mno  ,  fe  não  tem  armado  alguma  fan- 
cadilha  : 

cl- 

cfta  coroa ,  que  ao  mefmo  tempo  nos  cobre  e  pro- 
tege como  noíTo  cfplcndor  e  defcnfa  ,  entendem 
commummcnte  os  Padres  a  caridade.  Pretendem 
alguns  que  atéqui  são  palavras  de  Dftvíd  repetidas 
por  Salamáo.  Pekeira, 


Capitulo  IV.  :í  i 

17  ellcs  comem  o  pão  da  impieda- 
de 5  e  bebem  o  vinho  da  iniquidade.  • 

18  Mas  a  vareda  dos  juftos ,  como 
luz  que  refplandece  ,  vai  adiante  ,  c 
crelce  até  o  dia  perfeito. 

19  O  caminho  dos  ímpios  he  te- 
ncbrofo  :  elles  não  fabem  aonde  vão 
cahir. 

20  Filho  meu,  efcuta  os  meus  dif- 
curfos,  e  inclina  o  teu  ouvido  para  as 
minhas  exprefsóes : 

21  ellas  não  fe  tirem  de  diante  dos 
teus  olhos  5  conferva-as  no  meio  do  teu 
coração : 

22  porque  ellas  são  vida  para  os 
que  as  achão ,  e  faude  para  toda  a  carne. 

23  Applica-te  com  todo  o  cuidado 
poílível  á  guarda  do  teu  coração  ,  por- 
que delle  he  que  procede  a  vida. 

24  Remove  de  ti  a  boca  maligna, 
e  eftejão  longe  de  ti  os  lábios  que  de- 
trahem. 

25-  Os  teus  olhos  olhem  direitos, 
e  as  tuas  pálpebras   precedão  os  teus 


22  Provérbios. 

26  Dirige  a  vareda  ,  exn  que  pões 
os  teus  pés  5  e  todos  os  teus  caminhos 
ferao  firmes. 

27  (f)  Nâo  declines  nem  para  a 
direita,  nem  para  a  cfquerda :  retira  o 
teu  pé  do  mal.  (g)  Porque  o  Senhor  co- 
nhece os  caminhos  ,  que  eftão  á  direi- 
ta: c  os  que  eftao  á cfquerda,  são  huns 
caminhos  de  perdição.  Mas  elle  mefmo 
endireitará  as  tuas  carreiras,  e  guiando 
prolongará  em  paz  os  teus  caminhos. 


CA- 

(/)  Não  dedities ,  ebr.  Confiftc  num  meio  a 
virtude  ,  apartandofe  dos  extremos.  O  caminho  á 
direita  he  ode  Deos  ,  cjue  fc  oppóc  á  injuftiça  :  mas 
ainda  ncfte  mefmo  caminho  dc  Deos  he  ncccíTa- 
rio  náo  declinar  nem  á  direita  ,  nem  á  efquerda , 
fegundo  a  intelli^cncia  dos  Padres  ,  e  enrrelles  em 
vários  lugares  Santo  Agoftinho.  Declina-fe  á  direi- 
ta ,  quando  nos  enfobcrbecemos  com  as  boas  obras  , 
que  praticamos;  e  á cfquerda  ,  quando nellasaíFrou- 
xamos.  Por  onde  fó  deve  trilhar-fe  cfte  caminho 
entre  a  prefumpçáo  e  a  defidia.  Pereíka. 

(^)  Porque  o  Senhor  conhece  os  caminhos ,  ó^c. 
Todo  eíle  verfo  ,  com  que  fe  termina  o  preíentc 
Capitulo ,  falta  no  Hebrco :  mas  trazcm-no  os  Scr 
tenta.  Pereira, 


Provérbios. 


CAPITULO  V. 

IJão  Je  deixar  ir  atras  dos  artificios  da, 
mulher  adultera.  Entregar-fe  d  fua 
^fpofa*  Confequencias  funejlas 
do  adultério, 

I  TTp  Ilho  meu  5  attende  á  minha  fa- 
JL   bedoria  ,  e  inclina  o  teu  ou- 
vido para  a  minha  prudência, 

2  a  fim  de  vigiares  febre  a  guarda 
dos  teus  penfamentos  ,  e  para  que  os 
teus  lábios  confcrvem  huma  exaíla  dif- 
ciplina.  {a)  Não  te  deixes  ir  atrás  dos 
artificios  da  mulher: 

3  porque  os  lábios  daproftituta  são 
como  o  favo  donde  corre  o  mel  ,  e  a 
íua  garganta  he  mais  luftrofa  ,  do  que 
b  azeite: 

4  mas  o  feu  fim  he  amargofo  como 
o  abfinthio,  e  talhante  como  a  efpada 
de  dous  gumes. 

^  Os  feus  pés  defcem  á  morte  ,  e 
os  feus  paíTos  baixao  até  os  infernos. 

El- 

(jo)  Não  te  deixes  ir  atrdí ,  é^c.  Eftas  pala- 
vra* náo  vem  noHebrco^  mas  cilas  fe  achão  nos 


^4  Provérbios. 

6  Elles  não  andão  pela  vareda  da 
vida  ,  os  feus  paíTos  são  vagabundos , 
e  ininveftigaveis. 

7  Agora  pois  ,  filho  meu  ,  ouve- 
me  ,  e  não  te  apartes  das  palavras  da 
minha  boca. 

8  Alonga  delia  o  teu  caminho  ,  e 
não  chegues  ás  portas  de  fua  cafa. 

9  Nao  dês  a  tua  honra  ás  alheias , 
nem  os  teus  annos  á  cruel: 

10  para  que  não  fucceda  que  os  ef- 
tranhos  enriqueção  dos  teus  bens,  (b)  e 
que  os  teus  trabalhos  eftejão  na  caía  d* 
outrem , 

11  e  que  tu  gemas  no  fim ,  quando 
tiveres  confumido  as  tuas  carnes  ,  e  o 
teu  corpo  ,  e  digas  : 

12  Porque  deteftei  eu  a  difciplina, 
e  porque  nao  cedco  ás  reprehensões  o 
meu  coração, 

1 2    nem  ouvi  a  voz  dos  que  me  en- 

fi- 

Setenta ,  e  a  ordem  do  Texto  as  pede.  Pereira. 

(b)  E  que  os  teus  trabalhos  ,  &c.  Ifto  hc  ,  a 
fazenda  e  cabedaes ,  que  tens  adquirido  com  a  toa 
induâria  e  ttabalho.  Pereira, 


Capitulo  V.  7.$ 

finavao  ,  nem  appliquei  aos  Mcílres  o 
meu  ouvido  ? 

14  (c)  Quafi  que  em  todo  o  mal 
me  achei  ,  no  meio  da  Igreja  ^  c  da 
Synagoga. 

15'  (d)  Bebe  da  agua  da  tua  cifter- 
na^  c  das  correntes  do  teu  poço. 

1 6  (e)  Corrão  fóra  os  regatos  da  tua 
fonte ,  e  tu  reparte  as  tuas  aguas  nas  ruas. 

17  (f)  PoíTue-as  tu  fó  ,  e  não  te- 
nhão  parte  nellas  os  eftranhos. 

A 

(f)  Quaft  qus  em  todo  o  tnal  me  achei  ,  ^c, 
Eíiàs  palavras  argucm  o  dcípèjo  ,  e  a  devaflidáo 
dos  coftumes  de  muitos ,  que  pouco  falta  para  fe 
entregarem  publicamente  ao  exccíío  das  fuás  cri- 
minofas  paixões.  Também  ,  como  querem  al- 
guns ,  podem  fer  palavras  de  hum  peccador ,  que 
cahe  na  conca  do  mal  paíTado ,  e  fe  converte  a  Deos 
de  todo  o  coração.  Porém  commummente  fe  en- 
tendem da  falfa  penitencia  dos  que  parece  que  de- 
teftáo  as  culpas  ,  mas  eíRcazmente  náo  tratáo  dc  fe 
emendar  delias.  Pkreira. 

(íi)  Bebe  da  agu4  da  tua  cijlerna.  Com  eífa 
elegante  ,  e  decentiílima  metáfora  quer  dar  a  en- 
tender Salamáo ,  que  o  homem  fe  contente  com  a 
fua  legitima jnulher.  Bossuet. 

(e)  Coníofóraos  regatos  da  tua  fonte.  Ifto  he, 
íejáo  muitos  os  filhos  que  tenhas  delia.  Bossuet. 

(/)   Poífuc-as  tu  fó,  'Ifto  he  ,  fej^o  eíTcs  filhos 


Provérbio^. 


18  (g)  A  tua  veia  feja  bemdita,  (• 
vive  alegre  com  a  mulher  que  toaiaílc , 
fendo  moço: 

19  ella  feja  para  ti  (h)  a  corça  que 
muito  amas  ,  e  o  teu  engraçadiflimo 
yeadinho:  os  fcus  peitos  te  embebedem 
em  todo  o  tempo,  (/)  no  leu  amor,  buf- 
ca  fempre  o  teu  prazer. 

20  Porque  te  deixas  ,  filho  meu  ^ 
enganar  da  alheia,  e  repoufas  no  feio 
d'  huma  outra  ? 

21  O  Senhor  olha  attentamente  pa- 
ra os  caminhos  do  homem  ,  e  confide- 
ra  todos  os  feus  paíTos. 

22  As  fuas  mefmas  iniquidades  pren- 

dem 

fruto  d'  hum  cafto  matrimonio  ,  em  que  fó  tu  te-» 
nhãs  parte  com  tua  mulher.  Bossuet. 

(^)  A  tux  veia  feja  hemdita.  líio  he,  abençoe 
Dcos  a  tua  mulher  com  a  defcjada  fecundidade. 

BoSSUET. 

(/;)  A  corça  que  muito  mas  ,  (ò^c,  Allude  ás 
cxprefsóes  amorofas  ,  de  que  os  maridos  usáo  ,  fal- 
lando  com  fuas  mulhefes.  Bossuet. 

(í)  No  [eu  amor  bufca  fcmp^e  o  teu  prazer.  Não 
commettendo  adultério  com  outras  ,  e  obfervando 
riáo  como  confelho ,  mas  como  pr?cciro  a  m  xin^a 
do  Apoílolo  I, ad  Corinth.VlI.  2^.  ^o.  Pereira. 


Capitulo  V.  27 

deni  ao  ímpio  ,  e  he  apertado  com  as 
ataduras  dos  feus  peccados. 

23  Elle  morrerá  ,  porque  não  ad- 
mittio  a  correcção  ,  e  fe  achará  enga- 
nado pelo  exceilo  da  fua  loucura. 

CAPITULO  VI. 

Obrigações  ão  que  deo  caução  por  outro, 

0  preguiço fo  excitado  ao  trabalho.  Ruí- 
na do  que  fêmea  dlfcordlas.  Aprovei' 
tar-fe  da  infirucçao,  Defender-fe  damu* 
lher  adultera, 

1  {a)  T7^  Ilho  meu  ,  fé  ficares  por  lia- 

JL  dor  do  teu  amigo,  {b)  déf- 
te  por  elle  a  rua  mão  a  hum  eílranhò  ^ 

2  tu  te  metteíte  no  laço  com  as 
palavras  da  tua  boca  ,  e  ficafte  prezò 
pelas  tuas  próprias  exprefsóes. 

Tom.XL  C  Fa- 

{à)  Filho  meu ,  .  Náo  fe  condemnão  aqui  as 
fianças,  que  do  noíTo  prettimo  requerem  as  leis  da 
caridade,  mas  fó  as  incautas  ,  e  imprudentes.  Pe- 
reira. 

Qb)  Défte  y&'c,  He,  como  bem  fe  deixa  vcr^ 
allusáo  ao  coítumc  de  tocar  a  direita  do  credor  a- 
quelle  ^  que  tomava  fobrc  fi  a  fiança  ,  em  fmal  dá 
palavra  dàda.  Pereira^ 


a8  Provérbio?. 

3  Faze  pois  ,  filho  meu,  o  que  tt 
digo  j  e  livra-re  a  ti  mefmo:  pois  que 
cahifte  nas  mãos  do  teu  próximo.  Dif- 
corre  dMiuma  para  outra  parte  ,  apref- 
fa-te,  defpcrta  ao  teu  amigo: 

4  não  deixes  entrcgarem-fe  os  teus 
olhos  aofomno,  nem  dormitem  as  tuas 
pálpebras. 

j  Salva-tc  como  huma  corça  que 
efcapa  da  mão  ,  e  como  hum  paíTaro 
que  foge  dentre  as  mãos  do  armador. 

6  Vai  ter  ,  ó  preguiçofo  ,  com  a 
formiga,  e  confidera  os  feus  caminhos, 
e  aprende  delia  a  fabedoria: 

7  a  qual  não  tendo  conduftor,  nem 
meftre  5  nem  principe, 

8  taz  o  feu  provimento  no  eflio ,  e 
ajunta  no  tempo  da  feifa  de  que  fe  fuf- 
tentar. 

9  Até  quando  dormirás  tu  ,  ó  pre- 
guiçofo ?  Quando  te  levantarás  do  t^u 
fomno  ? 

10  Hum  poucochinho  dormirás  ,  ou- 
tro poucochinho  dormirarás,  outro  pou- 
cochmho  cruzarás  as  mãos  para  dor- 
mires : 

e 


Capitulo  VÍ. 

11  e  virá  fobre  ti  a  indigência,  co- 
mo hum  caminheiro,  ca  pobreza,  como 
hum  homem  armado.  Se  tu  porém  fores 
dihgentc,  virá  a  tua  méue  como  huma 
fonte ,  e  a  pobreza  fugirá  longe  de  ti. 

12  (^)  O  homem  apoftata  he  hum 
homem  inútil  ,  caminha  com  boca  per- 
vcrfa , 

13  el!e  faz  íínaes  com  os  olhos  ^ 
bate  com  o  pé,  falia  com  os  dedos, 

14  com  coração  depravado  maqui- 
na o  mal  ,  e  em  todo  o  tempo  fcmca 
difturbios : 

15"  a  elle  tal  virá  dc  repente  a  fua 
perdição,  «  de  improvifo  fera  quebran- 
tado, e  não  terá  mais  d'  ahi  por  diante 
remédio. 

16  Seis  são  ascoufas,  que  o  Senhor 
aborrece,  e  a  fua  alma  dctefta  a  fetima. 

17  Olhos  altivos  ,  lingua  mentn'o- 
fa  ,  mãos  que  derramão  langue  inno^ 
cente, 

C  ii  co- 

(c)  o  homem  apoffata ,  e^c.  He  o  que  fe  rcbcl- 
h  contra  Deos ,  lacudindo  o  jugo  da  Tua  Lei.  No 
Hebreo  fe  lò:  Homem  de  Belial ,  que  he  o  mefmo 
que  dizer  :  Homem  do  diabo  ,  pois  aílim  traduz  a 
Vuigaca.  III.  Reg.  XXL  Pereira. 


30  Provérbios. 

18  coração  que  maquina  malvadifli- 
mos  projedos ,  pés  velozes  para  correr 
ao  mal , 

19  teftcmunha  falfa  que  profere 
mentiras,  (d)  e  o  que  fêmea  dilcordias 
entre  feus  irmãos. 

20  Conferva,  filho  meu,  os  precei- 
tos de  teu  pai  ,  e  não  largues  a  lei  de 
tua  mãi. 

21  Traze-os  incelTantemente  atados 
ao  teu  coração,  e  poílos  á  roda  da  tua 
garganta. 

22  Quando  andares,  elles  te  acom- 
panhem :  quando  dormires  ,  elles  tc 
guardem  ,  e  em  acordando  ,  falia  com 
elles  : 

23  porque  o  mandamento  he  huma 
candeia  ,  e  a  Lei  huma  luz ,  ca  repre- 
hensão  da  difciplina  o  caminho  da  vida: 

pa- 

{(1)  E  o  que  [eme a  difcordias  ,  ó-c.  Eíla  he  a 
fctitna  couía ,  Cjuc  Deos  aborrece  e  dcrcfta  muito 
mais  ,  que  todas  as  féis  que  ficáo  apontadas ,  por- 
que o  mexeriqueiro  e  íemcador  de  llzanias  rompe 
os  laços  da  caricade  enire  o  próximo,  a  qual  he  o 
fim  dos  Mandamentos  ,  L  ad  Timoth.  I.  5.  e  faz 
apagar  o  leu  fogo  ,  que  Tefu  Chníto  quer  que  fc 
£tèc  nos  corações  humanos.  Luc.  XII.  4^.  F^ríika* 


Capitulo  VI.  3  r 

24  para  que  te  guardem  da  má 
mulher  ,  e  da  lingua  lilongeira  da  ef- 
tranha. 

2  5"  Nao  cobice  o  teu  coração  a  fua 
fermofura ,  nem  tc  deixes  prender  dos 
fcus  acenos : 

26  porque  o  preço  da  meretriz  ape- 
nas he  de  hum  páo  :  mas  a  mulher  ca- 
tiva a  alaia  do  homem  ,  a  qual  nao 
tem  preço. 

27  Acafo  pode  o  homem  efconder 
o  fogo  no  feu  feio  ,  fem  que  ardão  os 
fcus  veflidos? 

28  Ou  pode  elle  andar  porfimadas 
brazas,  fem  que  fc  queime  a  planta  de 
fcus  pés? 

29  Aílím,  o  que  fe  chega  á  mulher 
de  feu  próximo,  não  ficará  limpo  ,  de- 
pois de  a  tocar. 

30  Nao  he  grande  culpa  ,  quando 
algum  furtar  :  porque  furta  para  faciar 
a  fua  (/)  esfameada  alma  : 

tam- 

(/)  Eifameadd  alma.  Ifto  he  ,  o  feu  esfamcado 
ventre.  Compara-fc  aqui  o  furro  com  o  adultério , 
e  moftra-fe  qus  a  gravidade  dcftc  hc  maior,  que 
a  daquelle.  Pereika. 


32  Provérbios. 

31  também  depois  de  colhido  ás 
rrãos,  pagará  fere  vezes  cm  dobro  ,  c 
entregará  todos  os  bens  de  ília  cafa. 

32  Porém  o  que  he  adultero,  per- 
derá a  fua  alma  por  caufa  da  loucura 
do  feu  coração : 

33  elle  ajunta  pnra  11  a  infâmia, 
e  a  ignominia  ,  e  o  feu  opprobrio  nao 
fe  apagará  nunca: 

34  porque  o  ciúme  ,  e  o  furor  do 
mando  náo  lhe  perdoará  no  dia  da  vin- 
gança : 

3J  nem  elle  fe  dobrará  aos  rogos 
de  nenhum  ,  nem  receberá  em  fatisfa- 
ção  prefentes,  ainda  que  fejão  em  mui 
grande  numero, 

CAPITULO  VIL 

Exhortação  ao  amor  da  fabedoria.  Defeiu 
der-fe  dos  artificios  da  mulher  adul- 
tera. Infelicidade  daquelles ,  que 
Je  deixa  o  cativar  delia, 

i         llho  meu  ,  guarda  as  minhas 
JL   palavras  ,  e  efconde  dentro  de 
ti  os  meus  preceitos.  Filho 

ob- 


Capitulo  VíI.  33 

a  obferva  os  meus  mandamentos , 
e  vivirás  :  c  guarda  a  minha  Lei  como 
a  menina  do  teu  olho : 

3  trazc-a  ataJa  aos  teus  dedos, 
Cx^crcve-a  nas  taboas  do  teu  coração. 

4  Dize  á  fabedoria  ,  tu  es  mi- 
nha irmã  ;  e  chama  á  prudência  a  tua 
amiga , 

5*  para  que  te  guarde  da  mulher  ef- 
tranha  ,  e  da  alheia,  que  adoça  as  fuas 
palavras. 

6  Porque  des  da  janella  da  minha 
cafa  me  tenho  poílo  a  olhar  por  entre 
as  grades, 

7  e  vejo  aos  incautos,  coníidero  a 
hum  mancebo  infenfato, 

8  que  paíTa  pela  rua  junto  da  ef- 
quina,  e  pelo  pé  da  cafa  daquella  anda 

9  fendo  já  ef:uro,  quando  o  dia  fe 
vai  acabando,  nas  trevas  e  obfcuridade 
da  noite. 

10  E  eis-que  lhe  fahe  ao  encontro 
eíla  mulher,  ornada  á  moda  das  profti- 
tutas  ,  prevenida  para  caçar  as  almas, 
falladora ,  e  andeja  , 

1 1  não  lhe  foíFrendo  o  coração  ef- 

tar 


34  Provérbios. 

tar  queda  ,  nem  podendo  ter  os  pés 
dentro  em  caía , 

1 2  pondo-fe  d'embofcada  humas  ve^- 
zes  fora  ,  outras  nas  praças  ^  outras  ás 
efquinas. 

13  E  tendo  mão  no  mancebo  ,  o 
beija  ,  e  com  hum  a  cara  fem  vergonha 
lhe  faz  caricias,  dizendo: 

14  Pela  tua  faude  oiTereci  viíllmas , 
hoje  dei  cumprimento  aos  meus  votos : 

15  poriflb  te  fahi  ao  encontro,  de- 
fejando  ver-te ,  e  eis-que  te  achei. 

16  (d)  Fiz  íobre  cordoes  a  minha 
cama  ,  cobri-a  com  colchas  bordadas 
do  Egypto  : 

1 7  perfumei  a  minha  çamara  de  myr- 
ra ,  d'aJoe,  e  de  cinnamòmo. 

18  Vem  ,  embriaguemo-nos  de  a- 
niores,  e  gozemos  das  delicias  defcja- 
das,  até  que  amanheça  o  dia  : 

19  porque  meu  marido  nao  eíla  em 
fua  cafa,  foi  fazer  huma  jornada  muito 
dilatada : 

le- 

(4)  Fizfobre  cordoes  j  ^c,  Ifto  Iie,  fiz  a  mi- 
nha c<ima  fobrc  cordões,  faixas,  ou  cinus,  e  náo 
fobre  taboaSj  para  âcar  mais  branda.  Pereika. 


Capitulo  VII.  35' 

20  levou  comfigo  hum  faquitel  de 
dinheiro:  lá  para  o  dia  da  lua  cheia  he 
que  ha  de  voltar  a  fua  cafa. 

21  Mctteo-o  aíTim  na  rede  com  os 
fcus  lonc;os  difcurfos^,  c  o  arraftou  com 
as  li  Ion  ias  dos  feus  lábios. 

22  Segue-a  logo  como  boi  que  he 
levado  ao  facrificio  ,  e  como  cordeiro 
que  vai  faltando, e  ignora  o  nelcio  que 
he  arrallado  para  huma  prizao, 

23  até  que  huma  fetta  lhe  trafpaf- 
fa  o  fígado  :  como  ave  que  apreíTada 
corre  ao  laço  ,  e  não  fabe  que  íe  trata 
do  perigo  da  fua  vida. 

24  Ouve-me  pois  agora  ,  filho  meu, 
c  eftá  attento  ás  palavras  da  minha  boca. 

25*  Não  fe  deixe  arrafíar  o  teu  ef- 
pirito  a  ir  pelos  caminhos  defta  mu- 
lher :  nem  tu  te  deixes  enganar  das  fuas 
varedas: 

26  porque  a  muitos  derribou  feri- 
dos ,  (b)  e  os  mais  fortes  por  ella  fo- 
rão  mortos. 

Ca- 

Qj)  E  os  mais  fortes ,  ò^c.  Como  forão  ,  por 
exemplo  ,  Sansáa  ,  David ,  e  o  raeímo  Salamáo. 

PcfiLEiKA. 


36  Provérbios. 

27  Caminhos  do  inferno  são  a  fua 
caía ,  que  penetráo  até  ás  entranhas  da 
morte. 

CAPITULO  VIIL 

A  fabedoria  convidando  os  homens  a  que 
venhão  a  ella  ,  e  recebao  as Juas  injlruc- 
coes.  Excellencia  da  fabedoria,  hlla  ef- 
tá  em  Deos  des  de  toda  a  eternidade. 
As  fuas  delicias  são  ejiar  com  os  ho- 
mens, Felicidade  dos  que  a  ouvem.  In- 
felicidade dos  que  a  aborrecem. 

I  T3  Or  ventura  a  fabedoria  não  ef- 
JL   tá  clamando,  e  a  prudência  não 
faz  ouvir  a  fua  voz  ? 

2  No  mais  alto  e  elevado  das  emi- 
nências ao  longo  do  caminho ,  nomeio 
das  varedas  pofta  em  pé , 

3  junto  ás  portas  da  Cidade  ,  na 
niefma  entrada,  falia,  dizendo: 

4  A  vós  ,  ó  homens  ,  he  que  cu  ef- 
tou  clamando ,  e  aos  filhos  dos  homens 
he  que  fe  dirige  a  minha  voz. 

5  Aprendei ,  ó  pequeninos,  a  allucia  , 
c  vós,  infenfatoSj  preítai-me  attenção. 

Ou- 


Capitulo  VIII.  37 

6  Ouvi ,  porque  tenho  de  vos  fal- 
lar  acerca  de  grandes  coufas :  e  os  meus 
lábios  le  abriráò  para  annunciarem  o 
que  he  refto. 

7  {a)  A  minha  garganta  meditará  a 
verdade  ,  e  os  meus  lábios  deteftaráo 
ao  ímpio. 

8  {b)  Juftos  são  todos  os  meus  dif- 
curfos  5  nelles  não  ha  coufa  má  ,  nem 
depravada  : 

9  reftos  são  para  os  intelligentes , 
e  de  equidade  para  os  que  achão  lei- 
encia. 

10  Recebei  as  minhas  inftrucçóes 
com  maior  golto,  do  que  le  recebeíTeis 
dinheiro:  eícolhei  antes  a  doutrina  ,  que 
o  ouro. 

1 1  Porque  melhor  he  a  fabedoria  , 
que  todas  as  riquezas  de  mais  fubido 
valor  :  e  tudo  quanto  *he  appetecivel, 
com  ella  fe  nao  pode  comparar. 

Eu 

(^)  A  minha  ^ar^antd  meditará,  Ifto  he ,  a  mi- 
nha língua  fàllará.  Menoquio. 

(P)  Jujios  são  todos  os  mus  difcurfos  Não 
involvcm  erro ,  como  os  dos  fabios  do  Mundo.  Eial 
he  o  caraòtcr  da  Divina  Sabedoria.  Pereira. 


38  Provebbios. 

12  Eu  a  fabeJoria  habito  noconfe- 
lho,  eme  acho  prefente  aos  peníiimen- 
tos  judiciofos. 

13  O  temor  do  Senhor  aborrece  o 
mal  :  eu  detefto  a  arrogância  ,  e  a  fo- 
berba  ,  e  o  caminho  corrompido  y  e  a 
boca  de  duas  línguas. 

14  Meu  he  o  confclho  ,  e  a  equi- 
dade ,  minha  he  a  prudência  ,  minha 
he  a  fortaleza. 

15:    Por  mim  reinâo  os  Reis,  e  por, 
mim  decretão  os   Legisladores  o  que 
he  jufto. 

16  Por  mim  impcrao  os  Principes , 
e  por  mim  he  que  os  poderofos  decre- 
tão a  juftiça. 

17  Eu  amo  aos  que  me  amão:  e  os 
que  vigião  des  de  manha  por  me  buf- 
carem ,  achar-me-hão. 

18  Comigo  eftão  as  riquezas  ,  e  a 
gloria,  (c)  a  magnifica  opulência  ,  e  a 
juftiça. 

19  Porque  melhor  he  o  meu  fruto 
que  o  ouro,  e  que  a  pedra  prcciofa  ,  e 

as 

(c)  A  magnifica  opulência,  O  Hcbrco  Iç:  E  a 
òputcncia  ejlavei  Pereika. 


Capitulo  VIIL  59 

as  minhas  producções  melhores  que_a 
prata  efcolhida. 

20  Eu  ando  nos  caminhos  da  juílí- 
ça ,  no  meio  das  varedas  do  juizo, 

21  para  enriquecer  aos  que  me  a- 
mão,  epara  encher  (^)  os  feus  thefouros. 

22  \e)  O  Senhor  me  poffuio  no  prin- 
cipio de  feus  caminhos,  des  do  princi- 
pio antes  que  creaíTe  coufa  alguma. 

23  Des  da  eternidade  (/)  fui  con- 

fti- 

{d)  Os  feus  thefouros,  Vcja-fe  IfaiasXXXÍII.  ^. 
Pereira. 

(e)  O  Senhor  me  pojjuio  no  principio ,  ^c,  Poffuir 
aqui  fignifica  gerar  em  írafe  Hebraica  ,  e  aííim  o 
vertco  Auuila  ,  que  foi  o  mais  literal  de  todos  os 
Interpretes  em  Grego.  Aílim  lemos  no  Genefis  IV. 
1.  dizer  Eva  ,  quando  pario  a  Caim  :  Eu  pojjui 
bum  homem  porDeos:  ifto  hc,  eu  gerei  hum  tilho. 
Todo  efte  lugar  porém  dos  Provérbios  na  intelli- 
gencia  de  todos  os  Padres  Gregos ,  c  Latinos ,  diz 
refpeito  á  Sabedoria  Cferna  do  Verbo  do  Pai,  á  fe- 
gunda  Pcííoa  da  Santillima  Trindade  ,  da  qual  diíTe 
S.  Joáo  no  Evangelho:  No  principio  era  o  Verbo , 
€  0  Verbo  ejiava  cm  Deos ,  e  o  Verbo  era,  Deos,  To* 
das  as  coufas  forao  feitas  por  elle.  Ora  tudo  o  mais 
que  atcqui  fe  diíTe  da  íabcdoria  ,  cntende-fe  tanto 
da  que  eftá  em  Deos ,  como  da  que  por  fua  graça 
fe  communica  aos  homens.  Pereira. 

(/)  Fui  conjiituida.  Lê  oHebteo.  TiveoPrin* 
cipado.  Pereira. 


40  PROVEKBIOS. 

ftituida  ,  e  des  do  principio  ^  antes  da 
terra  fer  creada. 

24  Ainda  náo  havia  os  abyfmos, 
e  eu  eftava  já  concebida :  ainda  as  fon- 
tes das  aguas  não  tinhão  arrebentado  : 

25-  ainda  fc  não  tinhao  aíTentado 
os  montes  fobre  a  fua  pczada  maíTa : 
antes  d'  haver  outeiros  ,  era  eu  dada 
á  luz : 

26  ainda  elle  não  tinha  feito  a  ter- 
ra 5  nem  os  rios  ,  nem  tinha  firmado  o 
Mundo  fobrc  os  feus  Pólos. 

27  Quando  elle  preparava  osCeos  ., 
eu  me  achava  prefente  :  quando  com 
lei  certa  ,  (g)  e  dentro  do  feu  âmbito 
encerrava  os  abyfmos  : 

28  (h)  quando  firmava  lá  no  alto  a 
região  ethérea  ,  e  quando  equilibrava  as 
fontes  das  aguas : 

quan- 

C^)  E  dentro  do  feu  âmbito ,  e$?'f.  O  Hebrco  lê : 
Quando ,  como  com  hum  compaíTo ,  defcrevia  hum 
circulo  fobre  a  fuperjicie  do  abyfmo,  das  aguas,  dos 
mares.  Pereira. 

(ib)  Quando  firmava ,  é^c.  Ifto  hc ,  quando  fir- 
mava a  rc^iáo  do  fogo,  ou  do  nr,  ou  o  ceo  eíirel- 
hdo  ;  c  quando ,  como  lê  o  Hebrco  ,  fortificando 
as  fontes  do  abyfmOy  íuípendia  como  hum  pezo  as. 


Capitulo  VIIL  41 

i<)  quando  circumfcrcvia  ao  mar  o 
feu  termo,  e  punha  Lei  ás  aguas,  para 
que  nao  paffaíTem  os  leus  limites  :  (/) 
quando  fuftentava  pendentes  os  funda- 
mentos da  terra. 

30  Eftava  eu  com  elle  regulando  y 
todas  as  coufas  :  e  cada  dia  me  delei- 
tava 5  brincando  em  todo  o  tempo  di- 
ante delle  ; 

31  (/)  brincando  na  redondeza  da 
terra ,  (;;;)  e  achando  as  minhas  delicias 
em  eftar  com  os  filhos  dos  homens. 

32  Agora  pois  ,  filhos  ,  ouvi-me: 
Bemaventurados  os  que  guardão  os 
meus  caminhos. 

Ou- 

aguas  nas  nuvens,  paniquc  fe  não  derramaíTem  de 
golpe  fobre  a  terra ,  como  fe  efcrevc  no  Livro  dc 
Job  XXVí.  8.  Pereira. 

(1)  Quando  fujlemava,  e^c.  Veja-fc  o  mefmo 
Job  XXVÍ.  7.  e  Ifaias  XL.  12.  Pereira. 

(/)  Bmcmdo  na  redondeza  da  terra.  Por  eftc 
termo  de  brincar  fe  indica  a  facilidade  ,  a  varieda- 
de,  e  a  fermofura  da  obra.  Bossuet. 

(m)  E  ach.wdo  as  minhas  delicias  ,  &c.  Aqui 
fc  maniFefca  já  Encarnada  a  Divina  Sabedoria ,  iílo 
he,  a  PcíToa  do  Filho  ,  conforme  aquillo  dc  Ba- 
ruc, III.  18.  Depois  dcflas  coufas  foi  elle  vijlo  na 
tma^j  viveo  com  os  homens.  Pereira. 


4-  Provérbios. 

33  Ouvi  a  inftrucção  ,  e  fede  fa- 
bios,  e  não  queirais  rejeitalla. 

34  Bemaventurado  o  homem  ,  que 
me  ouve  ,  e  que  vela  todos  os  dias  á 
entrada  da  minha  cafa,  c  que  eftá  feito 
efpia  ás  ombreiras  da  minha  porta. 

35'  Aquelle  que  me  achar  ,  achará 
a  vida  5  c  haverá  do  Senhor  afalvação: 

3  6  aquelle  porém  que  peccar  con- 
tra mim  ,  fará  mal  á  fua  alma.  Todos 
os  que  me  aborrecem  ,  amão  a  morte. 

CAPITULO  IX. 

A  fabedoria  edificou  para  fi  huma  cafa , 
preparou  hum  banquete ,  e  convidou  pã" 
ra  elle  os  homens,  Defgraçado  o  que  def- 
prezar  o  feu  convite,  A  mulher  infenfa- 
ta  também  chama  a  fi  os  homens,  Def- 
graçado o  que  fe  deixar  vencer  dos  feus 
attraclivos, 

I  (^a)    A    Sabedoria  edificou  para  li 
jLjl.  huma  cafa  ^  cortou  íete  cch 

lumnas. 

Im- 

{a)  A  fabedoria  edificou  para  fí  huma  cafa,é>^c^ 
Os  Samos  Padres  fcconhecem  aaui  a  Sabedofia  Eu* 


Capitulo  IX.  43 

1  Immolou  as  fuas  vidimas ,  prepa- 
rou o  vinho,  e  difpoz  a  lua  meza. 

3  Enviou  as  fuas  efcravas  a  chamar 
á  fortaleza  ,  e  ás  muralhas  da  Cidade: 

4  Todo  o  que  he  íimples  ,  venha 
a  mim.  E  aos  infenfatos  diíTe  : 

5  Vinde  ,  comei  o  pão ,  que  cu  vos 
dou  ,  e  bebei  o  vinho  que  vos  pre- 
parei. 

6  Deixai  a  infância,  e  vivei,  e  an- 
dai pelos  caminhos  da  prudência. 

7  Aquelle  que  inftrue  ao  mofador, 
a  fi  mefmo  fe  faz  injúria  :  e  aquelle  ^ 
que  reprehende  ao  ímpio  ^  a  íi  mefmo 
fe  deshonra. 

8  Nao  reprehendas  ao  mofador, 
para  que  elle  te  nao  aborreça  :  repre- 
hende ao  fabio,  e  elle  te  amará. 

9  (b)  Dá  occaliáo  ao  fabio  ,  e  fc 
Tom.  XI.  D  lhe 

Cârnadâ  ,  que  he  ]cfu  Chrifto  ,  edificando  a  fua  Igre- 
ja ,  firmando-a  íobre  os  fete  dons  do  Efpirito  San- 
to, regalando-a  com  a  viétima  da  fua  Humanida- 
de facramcntada  ,  debaixo  das  efpecies  de  páo ,  c  • 
vinho  ,  e  conduzindo-a  a  eftc  divino  Banquete  poc 
xneio  dos  Miniftros  Evangélicos.  Pereíra. 

{^b)  Da  occafido  ao  fabio.  Ifto  he  ^  dc  apren- 
der. MSN0(^UI0. 


I 


'44  P  R  o  V  E  B  B  I  o  Ç. 

lhe  accrefcentara  fabedoria.  Enfina  ao 
jufto,  c  fe  aprcirará  em  aprender. 

10  O  principio  da  fabedoria  hc  o 
temor  do  Senhor  :  e  a  fciencia  dos  San- 
tos 5  he  a  prudência. 

1 1  Porque  por  mim  fe  augmentará 
o  numero  dos  teus  dias,  e  eu  ajuntarei 
novos  annos  á  tua  vida. 

12  Sc  fores  fabio  ,  para  ti  mefmo 
o  feras  :  e  fe  fores  mofador  ,  tu  fó  ex- 
perimentarás o  mal. 

13  A  mulher  infenfata,  e  gritadei- 
ra  5  e  cheia  de  attraòlivos ,  (c)  e  que  de 
todo  não  fabe  nada , 

14  aíTentou-fe  á  porta  de  fua  cafa 
fobre  huma  cadeira ,  num  lugar  alto  da 
Cidade , 

15-  para  chamar  aos  que  palFavao 
pela  eftrada,  eque  hião  andando  o  feu 
caminho  5  dizendo : 

16  O  que  he  fimples ,  decline  pa- 
ra mim.  E  ao  infenfato  diíTc  cila: 

17  As  aguas  furtivas  são  mais  do- 

ces, 

(c)  E  que  de  todo  mo  fabe  fiada.  Os  Scccnu 
Icm:  Que  não  çonheçe  vergonha.  Terei r a. 


Capitulo  IX.  45* 

ces  ,  e  o  páo  tomado  ás  eíbondldas  he 
mais  goítofoi 

18  Mas  elle  ignorou  ^  (^)  que  os  gi- 
gantes eílao  com  ella  ^  e  que  os  feus 
convidados  fe  achão  nas  profundezas 
do  inferno. 


D  ii  CA- 

(íí)  Que  os  gigantes  efiío  com  dia,  Aquelles  gi- 
gantes, de  quem  o  Sabio  já  diíTe  no  Cap,  II.  vcr- 
10  iH.  que  a  mulher  corrompida,  c  adultera  era  a 
porta  da  cafa  dos  gigantes  ,  que  ella  conduzia  ao 
inferno ,  c  aos  quacs  também  Job  póe  no  inferno  , 
gemendo  debaixo  das  aguas.  Job  XXVI.  5.  Aílim 
Calmet ,  o  qual  julga  que  ncftc  lugar  allude  o  Sa^ 
bio  aos  gigantes  antediluvianos ,  que  forão  precipi- 
tados no  inferno  pelos  attra(Slivos  do  deleite  car- 
tial ,  fegundo  o  que  fe  lê  no  Capitulo  VI.  do  Ge- 
nefis.  Deftes  mefmos  torna  a  repetir  Salamão  no 
Capitulo  XXI.  vcrfo  \6.  O  homem,  que  fe  extraviar 
do  cminbo  da  doutrina ,  terã  por  morada  a  Ajfem" 
blea  dos  gigantes.  Outros  com  de  Carrieres  enten-^ 
dem  por  cites  gigantes  os  mefmos  demonioSí  Ps- 

KEIRA. 


Provérbios. 


CAPITULO  X. 

T)o  filho  fabio  ,  e  do  infenfato  ;  do  juflo  , 
e  do  Ímpio  ;  do  diligente ,  e  do  prc" 
guiçofo  ;  da  caridade  ^  e  do  odio\ 
da  boa ,  e  da  má  lingua, 

{d)  Parábolas  de  Salamão. 

I  {tí)  Filho  fabio  a  feu  pai  dá 

alegria  :  porém  o  filho  in- 
fenfato he  a  trifteza  de  fua  mãi. 

2  Os  thefouros  da  impiedade  de 
nada  fcrviráõ :  mas  a  juftiça  livrará  da 
morte. 

O 

{a)  Paral^olis  de  Salamão.  Eftc  titulo  não  fe 
lè  na  Versão  dos  Setenii ,  nem  na  Vulgata  de  Xif- 
toV.  mas  lè-fc  noHebreo,  no  Caldeo ,  na  Versáo 
de  S.  Jefonymo,  e  na  Vulgata  de  Clemente  VlII. 
que  he  a  de  que  acflualmtnte  uíamos  ,  depois  de 
íupprimida  a  de  Xiíto  V.  Calmet. 

{h)  O  Filho  jabio  ,  <ò'C.  A  équi  fomos  exhor- 
lados  a  lançar  máo  do  cftudj  da  fabedoria  cm  ge- 
ral ,  que  confiftc  no  conhecimento  da  verdade ,  c 
cm  acertar  a  cumprir  com  a  vontade  do  Senhor: 
d  aqui  por  dimic ,  por  meio  de  huma  quafi  conii- 
nuaJa  aniitliele  entre  o  bem  c  o  mal,  íe  nos  inti- 
máo  preceiros  e  regras  cfpcciacs  para  abraçar  todo 
O  género  de  vircudes  ^  etu^ir  dos  vícios.  Pereira* 


C  A  P  I  T  17  L  o    X,  47 

3  o  Senhor  não  affíigirá  com  fome 
a  alma  do  julto  ,  e  desíará  as  traições 
dos  ímpios. 

4  A  mão  remilTa  tem  produzido  in- 
digência :  mas  a  mão  dos  fortes  adquire 
riquezas. 

(c)  Aquelle  ,  que  fe  eftriba  em 
mentiras  ,  fuftenta-íe  de  ventos :  e  efte 
mefmo  corre  atrás  dos  paíTaros  que  voão. 

j  Aquelle,  que  ajunta  no  tempo  da 
mélfe  5  he  filho  íabio  :  mas  o  que  ron- 
ca no  eílio,  he  filho  da  confusão. 

6  A  benção  do  Senhor  he  fobre  a 
cabeça  do  jufto  :  mas  a  iniquidade  dos 
ímpios  cobre-lhes  o  roíto. 

7  A  memoria  do  jufto  ferá  acom- 
panhada de  louvores  :  e  o  nome  dos 
ímpios  apodrecerá. 

8  O  homem  ,  que  he  fabio  do  co- 
ração ,  recebe  os  avilos  :  e  o  infenfuto 
he  ferido  pelos  lábios. 

9  Aquelle  ,  que  anda  em  ílmplici- 

da- 

(f)  Aquelle  ^  que  fe  ellriba  em  mentirai  yé-c.  Efte 
verfo  não  vem  no  riebreo  ,  nem  no  Grego ,  nem 
na  nova  Edição  de  S.  Jcronymo ,  nem  num  gran- 
de nuniero  de  ManuícriiQg  Lacinos.  Cai.met. 


48  Provérbios. 

dade  ,  anda  aíFoutamentc  :  aquelle  po- 
rém c]ue  perverte  os  feus  caminhos,  fe- 
ra deicuberto. 

10  (d)  O  que  dá  d'olho  ,  caufará 
dor :  e  o  infenfato  ferá  efiimulado  pe- 
los lábios.  .... 

11  A  boca  do  jufto  he  veia  de  vida  : 
e  aboca  dosmáos  elconde  a  iniquidade. 

12  O  odio  excita  reixas  :  e  a  cari- 
dade cobre  todos  os  deliílos. 

13  Nos  lábios  do  fabio  fe  acha  a 
fabedoria  :  e  a  vara  fobrç  as  collas  da- 
quelle,  que  não  tem  tenfo. 

14  Os  fabios  efcondcm  a  fciencia : 
mas  a  boca  do  infenfato  eftá  próxima 
á  confusão. 

15  (^)  O  cabedal  do  rico  hz  a  ci- 

da- 

(d)  O  que  dá  d' olho ,  éc  Vcia-fc  o  Cap.  VI. 
1 3.  c  o  Ecclcfiaaico  XXVIÍ.  2^. 

CO  o  cabedal  do  rico ,  ^-f .  Aos  ricos ,  que  põem 
toda  a  fua  confiança  nas  riquezas,*  avifa  S.  Paulo 
I.  ad  Timoth.  VI.  17.  dc  que  fendo  eíbs  incertas  e 
inconíl.;n!e5  ,  devem  fó  collocar  aquclla  enn  Dcos 
vivo  :  e  aos  pobres  ,  que  defconfiáo  do  foccorro 
Divino,  pron:icttc  o  mcfmo  Chriíto  que  por  fua 
conra  rorrc  o  acoJir-Ihes  ,  e  remediallos  ,  como 
atteUa  S.  Mattheus  VI.  25.  e  fc  repete  noutros  lu- 
gares da  Eícriiura.  Pereíka. 


Capitulo  X.  49 

dade  da  fua  fortaleza :  a  indigência  dos 
pobres  os  enche  de  pavor. 

ló  A  obra  do  jufto  conduz  á  vida  : 
mas  o  fruto  do  ímpio  tende  aopeccado. 

17  O  que  guarda  adifciplina,  eftá 
no  caminho  da  vida :  o  que  porém  nao 
faz  cafo  das  reprehensóes ,  extravia-fe. 

18  Os  lábios  mentirofos  efcondem 
o  odio:  aquelle  que  abertamente  ultra- 
ja 5  he  hum  infenfato. 

19  No  muito  fallar  não  faltará  pec- 
cado  :  mas  o  que  modera  os  feus  lá- 
bios, he  prudentiíiimo. 

20  A  lingua  do  jufto  he  huma  pra- 
ta depurada  :  mas  o  coração  dos  ímpios 
he  de  nenhum  preço. 

21  Os  lábios  do  jufto  enfináo  amui- 
tlílimos  :  mas  os  que  são  ignorantes , 
morrerão  na  indigência  de  coração. 

22  A  benção  do  Senhor  faz  os  ri- 
cos y  e  não  fe  achará  com  elles  a  af- 
flicção. 

25  o  infenfato  commette  o  crime 
como  por  galhofa :  (/)  mas  a  fabedo- 
ria  he  para  o  homem  prudência. 

O 

(/)   -^^^  afabedoria  he  para  o  homm  prudeti' 


yo  Provérbios. 

24  O  que  o  ímpio  teme  ,  iíTo  virá 
fobrelle  :  aos  juftos  fe  lhes  concederá 
o  feu  defejo. 

25  O  ímpio  dcfappareccrá  ,  como 
huma  tempeUade  que  paíTa :  mas  o  juf- 
to  fera  como  hum  fundamento  eterno. 

26  Qual  o  vinagre  para  os  dentes, 
e  o  fumo  para  os  olhos  ,  tal  he  o  pre- 
guiçofo  para  aquelles,  que  o  mandarão. 

27  O  temor  do  Senhor  prolongará 
os  dias  :  e  os  annos  dos  ímpios  fcrao 
abbreviados. 

28  A  expe6laçao  dos  juízos  he  ale- 
gria :  mas  a  efperança  dos  ímpios  pe- 
recerá. 

29  O  caminho  do  Senhor  he  a  for- 
taleza do  innocente  :  e  pavor  para  os 
que  obrão  mal. 

30  Ojuílo  nao  fcrá  nunca  abalado: 
porém  os  ímpios  não  habitarão  íobre  a 
terra. 

31  A  boca  do  juíto  frutificará  fa- 
bedoria :  a  lingua  dos  máos  perecerá. 

Os 

eia,  Porque  a  fabedorla ,  que  vem  de  Deos ,  infun- 
de no  h  jmem  inteliigencia ,  e  fallo  prudeiue  para 
Xabcr  çvUaí  o  mil  ,  c  abraçar  o  bem.  Pereira. 


C  A  P  I  T  U  L  o    X.  ft 

32  Os  lábios  dos  juftos  confiderão 
o  que  póJe  (g)  agradar :  e  a  boca  dos 
ímpios  coulas  perverfas. 

(g)  J gradar  :  Ifto  hc  ,  a  Dcos  ,  c  aos  ho- 
mens dc  virtude.  Pereixa. 

CAPITULO  XL 

Vantagens  dos  juflos  ,  e  dos  fahios  ,  por 
contrapojição  ás  infelicidades  dosmdos, 
e  dos  injen/atos. 

I     A    Balança  enganofa ,  he  abomi- 
jljL  nação  diante  do  Senhor  :  (a) 
e  o  pezo  jufto ,  he  a  fua  vontade. 

2  Onde  houver  foberba  ,  ahi  haverá 
também  ignominia:  onde  porém  ha  hu- 
mildade ,  ahi  ha  igualmente  fabedoria. 

3  A  fimplicidade  dos  juftos  condu- 
zi-los-ha  felizmente:  e  os  enganos  dos 
perverfos  lerão  a  fua  ruina. 

4  As  riquezas  não  ferviráo  de  nada 
no  dia  da  vingança:  mas  a  juftiça  livra- 
rá da  morte. 

A 

(d)  E  opczo  jufto  ^  hç  a  fua  vontade.  Os  Seten- 
ta vericm ;  E  o  pezo  jufw  lhe  he  aceito^  PsreiraíI 


Provérbios. 

$  A  juftiça  do  fimples  fará  feliz  o 
feu  caminho  :  e  pela  fua  impiedade  fe 
precipitará  o  ímpio. 

6  A  juftiça  dos  reflos  livral-los-ha  : 
e  em  feus  mefmos  laços  ferão  apanha- 
dos os  iniquos. 

7  Morto  o  homem  ímpio  ,  nâo  ref- 
tará  mais  efperança  alguma  :  e  a  expe- 
ftação  dos  ambiciofos  perecerá. 

8  (<^).0  jufto  foi  livre  da  anguf- 
tia  :  e  o  ímpio  fera  entregue  em  lugar 
delle: 

9  O  fingidor  com  a  boca  engana  ao 
feu  amigo  :  mas  os  juítos  ferão  livres 
pela  íciencia. 

T:,i;or;  ;Nos  bens  dos  juftos  exultará  a 
cidade  :  e  na  perdição  dos  ímpios  ha- 
verá acção  de  graças. 

II  A  cidade  ferá  exaltada  pela  ben- 
ção dos  juftos  :  e  deftruida  pela  boca 
dos  ímpios. 

iz    O  que  nãotemfenfo,  (í:)defpre- 

za 

(b)  O  jujlo  foi  livre  ,  ó^c,  Efta  verdade  com- 
prováo  os  exemplos  de  Mardoqueo ,  de  David ,  dc 
Uaniel,  deSufanna,  c  deomros  muitos.  Pereira. 

(f)  Defpreza^^^c,  Quando  cahc nalgum  erro, 
ou  íalca.  Menoquio. 


Capitulo  XI. 

7a  ao  fcLi  amigo  :  mas  o  homem  pru- 
dcnrc  calar-fc-ha. 

13  O  Gue  anda  com  dobreza,  def- 
cobrc  os  fegredos  :  mas  o  que  hc  de 
conição  leal  ,  cala  o  que  o  amigo  lhe 
confiou. 

14  Onde  não  ha  quem  governe  , 
perecerá  o  povo :  onde  porém  ha  mui- 
tos confelhos  ,  ahi  haverá  falvação. 

15'  Aquelle,  que  fe  faz  refponfavei 
por  hum  eflranho  ,  cahirá  na  defventu- 
ra  :  mas  o  que  evita  os  laços  ,  eftará 
em  fegurança. 

16  (d)  A  mulher  de  engraçada  com- 
poílura  alcançará  gloria  :  e  os  robuftos 
terão  riquezas. 

17  O  homem  caritativo  faz  bem  i 
fua  alma  :  mas  o  que  he  cruel  ,  repel- 
le  até  os  feus  mefmos  propinquos. 

18  O  ímpio  faz  obra^  que  não  fub- 

fiíl 

(íí)  A  mulher  de  engraçada  compofiura  ,  <^c, 
Compara-rc  aqui  a  mulher  dotada  de  feimofura  c 
virtude  com  o  homem  induSriofo.  Acjuella  faz-fe  a 
itdo?  recommendavcl  ,  como  fe  diz  de  Judith , 
Cap.  Vllí.  7.  8. :  eôe  com  o  feu  ttabclho  e  agca- 
cia  desfruu  os  bens,  que  adquire.  Pereira. 


5'4  Provérbio^. 
filte  :  mas  para  o  que  fcmea  juftiça  ha 
(e)  fiel  rccompenfa. 

19  A  clemência  abre  o  caminho 
para  a  vida  :  e  o  feguimento  dos  ma- 
les conduz  para  a  morte. 

20  O  Senhor  abomina  o  coração 
corrompido:  e  o  feu  affefto  he  para  os 
que  andáo  em  fimplicidade. 

21  O  máo  não  ferá  innocente,  ain- 
da quando  tiver  huma  mão  fobre  ou- 
tra :  mas  a  linhagem  dos  juftos  fciá 
íàlva. 

22  A  mulher  fermofa  ,  e  infenfata 
he  com  )  hum  annel  d'ouro  na  tromba 
d' huma  porca. 

^3  {f )  O  defejo  dos  juftos  eliende- 
fe  a  todo  o  bem :  a  expeílação  dos  ím- 
pios he  o  furor. 

24  Huns  repartem  o  que  he  feu,  c 
ficão  mais  ricos  :  outros  arrebatão  o  que 
náo  he  feu,  e  lempre  eftão  em  pobreza. 

A 

(e)  Fielj&c»  lao  he,  firme,  fcgura,  c  cfta- 
vel.  Pereira. 

(/)  O  dejejo  dos  juftos ,  <ò^c.  Ojufto  põe  fcm- 
pTC  a  mira  na  obfervancia  da  Lei  de  Ueos  ;  o  ímpio 
fó  efpera  o  que  lhe  diòla  o  furor  das  íuas  paixões; 
ou  a  indignação  3  c  vingança  Divina.  Pekeira. 


Capitulo  XI.  y  jr 

ajr  A  alma,  que  faz  bem,  (g)  fera 
cngrolFada  :  e  o  que  embriaga  ,  tam- 
bém ferá  embriagado. 

26  O  que  efconde  o  trigo ,  ferá  amal- 
diçoado entre  ospóvos:  e  a  benção  vi- 
rá fobre  a  cabeça  dos  que  o  vendem. 

27  Aquelle,  que  anda  vendo  como 
fará  bem  ,  he  ditofo  em  fe  levantar  ao 
romper  da  manhã  :  aquelle  porém  que 
anda  bufcando  como  fará  mal,  ferá  del- 
le  opprimido. 

28  O  que  confia  nas  fuas  riquezas, 
cahirá  :  mas  os  juftos  abrolharão  como 
a  arvore  ,  que  tem  a  folha  fempre  verde. 

29  O  que  traz  a  fua  cafa  inquieta  , 
não  poíTuirá  fenao  ventos  :  e  o  que  he 
infenfato  ,  fervirá  ao  fabio. 

30  O  fruto  dojufto  he  arvore  devi- 
da :(h)co  que  ampara  as  almas ,  he  fabio. 

Sc 

(g)  Ser  d  engrojfada,  Funda-fe  efta  exprcfsáo 
«m  fer  a  banha  ,  ou  groíTura  fymbolo  da  Graça, 
c  Divinas  confolaçóes.  Pôde  conferir-fc  o  lugar  dc 
David  no  Salmo  LXII.  v.6.  Pereira. 

Q))  E  o  que  ampara  as  almas ,  &c,  O  Hebreo 
lè  :  £  o  que  ca^a  almas  ,  lucrando-as  para  Dcos , 
lamo  pelo  Teu  exemplo ,  como  pela  doutrina  ^  com 
^ue  as  ínílrue.  Pereika. 


f4  Provérbios. 

;   31    Se  o  jufto  he  punido  na  terra  ^ 
quanto  mais  o  ímpio,  e  o  peccador? 

CAPITULO  XIL 

Amar  a  correcção.  Cultivar  a  piedade* 
Sorte  dos  hons  ,  e  dos  mãos.  Do  homem 
laboriofo.  Do  fahio ,  e  do  infenfato.  Dos 
bens ,  e  dos  males  caufados  pela  língua* 

•  ^    A   Qi?elle  ,  que  ama  a  difcipli- 
-ZjL  na  5  ama  a  fciencia  :  mas  a 
que  aborrece  as  reprehensoes  ,  he  hum 
infenfato. 

2  Aquellc  ,  que  he  bom  ,  terá  do 
Senhor  graqa  :  mas  o  que  põe  a  con- 
fiança nos  feus  próprios  penfamentos, 
obra  como  ímpio. 

3  O  homem  nâo  fe  corroborará  pe- 
la impiedade  :  e  a  raiz  dos  juftos  não 
fera  abalada. 

4  A  mulher  diligente  he  a  coroa 
de  feu  marido :  e  a  que  obra  coufiis  di- 
gnas de  confusão  ,  (a)  far-Ihe-ha  apo^' 
drecer  os  oíTos. 

Os 

(jC)  Far-lhe-ha  apodrecer  os  ofos.  Pch  trifteza^, 
c  continuo  dilTabor  ,  que  lhe  cau/àraV  Os  Sctentsn 


Capitulo  XII.  57 

5"  Os  penfamentos  dos  juftos  são 
cheios  de  juftiça  :  e  os  confelhos  dos 
ímpios  são  cheios  de  fraudulencia. 

6  As  palavras  dos  ímpios  armão  trai- 
ções ,  a  fim  de  verter  fangue  :  a  boca 
dos  juftos  Q?)  fera  a  que  os  livre. 

7  {c)  Tranftorna  aos  ímpios,  e  não 
fubíiftiráo  :  mas  a  cafa  dos  juítos  per- 
manecerá firme. 

8  O  homem  ferá  conhecido  pela 
fua  doutrina  :  mas  o  que  he  vão ,  e  não 
tem  fenfo,  eftará  expoílo  ao  defprezo. 

9  Mais  vai  o  pobre,  que  ainda  af- 
fim  tem  o  que  lhe  bafta  para  paíTar,  do 
que  o  jaítanciofo ,  e  neceíTitado  de  pão. 

10  (d)  O  jufto  attende  pela  vida 
dos  feus  animaes :  mas  as  entranhas  dos 
ímpios  são  cruéis. 

A- 

Icm  :  E  afim  como  no  maâeiro  dã  a  polilha ;  ajjlm 
também  vai  dejiniindo  ao  homem  a  mulher  maléfica. 
Pereira. 

(^b)  Será  a  que  os  livre.  Ifto  hc ,  a  que  livre  os 
innoccntef ,  que  sáo  o  alvo  dos  feus  tiros.  Pereira. 

(c)  Tranjiorna  aos  Ímpios ,  ^r.  Os  Setenta  km  : 
Para  onde  quer  que  Je  voltar  o  ímpio  ,  ferã  exter- 
minado. Semelhante  conceito  fc  encontra  no  Sal- 
mo ClII.y.  ^6,  Pereika. 

(í/)   O  jufto  attende  pela  vida  dos  feus  animaes ^  ò*c* 


5*8  Provérbios. 

II  Aquelle,  que  lavra  a  fua  terra  ^ 
ferá  farto  depao:  mas  o  que  fe  entrega 
ao  ocio,  he  quanto  pode  fcr  infenfato- 
{é)  Aquelle ,  que  faz  gofto  de  fc 
demorar  embeber  vinho,  deixa  affron- 
ta  nas  fuas  (/)  fortificações. 

iz  O  delejo  do  ímpio  he  apoiar-fe 
na  força  dos  que  sao  os  pciores  de  to* 
dos  :  mas  a  raiz  dos  jultos  cada  vez 
lança  mais  garfos. 

I  3  Pelos  peccados  dos  lábios  fe  vai 
appropinquando  a  ruina  ao  máo :  porém 
o  juíto  efcapará  dos  tranfes  mais  aper* 
tados. 

Ca- 

Atiendc  pelos  fcus  animafs,  c  tem  conta  com  clles  > 
pondo  grande  cuidado  cm  náo  lerem  fatigados  mais 
do  que  he  jufto ,  cem  que  lhes  náo  falte  coufa  al- 
guma necclTaria.  Mekoquio. 

(e)  Jíjuelle  ,  que  Jaz  gojio  de  fe  demorar  em 
btber  vinho ,  ^c.  tfte  vcrfo  não  fe  lê  no  Hebreo  , 
nem  cm  S.  Jeronymo ,  mas  vem  nos  Setenta.  Cal- 

MET. 

(/)  Fortificações,  O  homem  cjue  não  vive  rc- 
giítradamento ,  e  cjue  paíTa  muiçdS  ví  zes  dias  intci- 
fos  em  banquetes,  c  tavernas,  que  aílim  podemos 
interpretar  ns  palavras  do  Texto  vini  demorationes  ^ 
põe  hum  granrle  labco  na  Tua  caía;  eícnio  Tolda- 
do (o  qual  parrce  que  principalmenre  aqui  he  rc- 
prchendido  )  tambcm  deixa  a  fua  aífronca  na  Foua' 


Capitulo  XII. 

^4  (g)  Cada  hum  ferá  cheio  de 
bens  ,  conforme  for  o  fruto  da  fua  bo- 
ca,  e  fer-lhc-ha  dada  a  retribuição  con- 
forme foríím  as  obras  das  fuas  mãos. 

15'  O  caminho  do  infenfato  he  di- 
reito aos  feus  olhos  :  o  que  porém  he 
fabio ,  ouve  os  confelhos. 

16  O  fátuo  logo  moítra  a  fua  ira  :  mas 
o  que  diífimula  a  injuria ,  he  prudente. 

17  Aqueile,  que  affirma  o  que  bem 
fabe,  (h)  he  hum  manifeftador  de  jufti- 
ça :  mas  o  que  mente  ,  he  iiuma  tefte- 
munha  enganadora. 

1 8  Ha  quem  promette ,  e  como  fe- 
rido com  huma  efpada  ,  he  pela  con- 
fciencia  eftimulado  :  mas  a  lingua  dos 
fabios  he  faude. 

19  O  lábio  de  verdade  ferá  fempre 
Tom.  XI.  E  con- 

Icza  ou  Praça ,  que  defende  ,  quando  fobrellc  dá 
d'improviro  o  inimigo ,  achando-o  ailim  defapcrcc- 
bido.  Pereíra. 

(^)  Cada  hum  fera  cheio ,  ^c.  Cada  hum  recei 
berá  de  Deos  o  premio  do  fruto ,  que  tiver  feito  no 
próximo  com  a  faudavel  c  fama  doutrina ,  que  lhe 
fugzcrir.  Pereira. 

ifi)  He  hum  manifcjlador  de  jufti^a,  i^c,  He 
delator  juUo  ,  e  verdadeiro  q  íeu  depoimento* 


6o  Provérbios. 

confiante:  mas  ateftemunha  que  he  in- 
confiderada  ,  urde  huma  linguagem  de 
mentira. 

20  No  coração  dos  que  pensão  ma- 
les ha  engano  :  porém  áquelles  ,  que 
lem  coníelhos  de  paz  ,  íegue  o  gozo. 

2T  Não  entriftecerá  ao  julto  coufa 
alguma  ,  qualquer  que  for  a  que  lhe 
acontecer  :  mas  os  ímpios  eftarao  che- 
ios de  mal. 

22  Os  lábios  mentirofos  são  abo- 
minação para  o  Senhor  :  mas  os  que 
obrão  fielmente ,  lhe  agradão. 

23  O  homem  fagaz  encobre  a  fci- 
encia  :  o  coração  do  infipiente  aprelTa- 
íe  a  manifcftar  a  fua  eftulticia. 

24  A  mão  dos  fortes  dominará:  po- 
rém a  que  he  remiíTa  ,  ferá  fujeita  a  pa- 
gar tributos. 

25"  A  melancolia  no  coração  do  ho- 
mem o  abaterá,  (/)  e  com  boas  palavras 
fe  alegrará. 

A- 

(t)  E  com  boas  palavras  fe  alegrará.  Ifto  he , 
com  as  palavras ,  que  lhe  dilíercm ,  para  O  conío* 
kr  na  íua  atfiicçáo.  Pikeira. 


Capitulo  XII.  6t 

16  Aquelle  ,  que  por  amor  do  feu 
amigo  nao  faz  cafo  de  paíTar  por  algu- 
ma perda,  hejufto:  mas  o  caminho  dos 
ímpios  (/)  feduzil-los-ha. 

27  (m)  O  fraudulento  não  achará 
ganância  :  e  o  cabedal  do  homem  fera 
ouro  preciofo, 

28  A  vida  eftá  na  vareda  da  jufti- 
ça  :  mas  o  caminho  que  he  defcami- 
nhoy  guia  para  a  morte. 


E  ii  CA- 

(/)  Seduzillos-ha.  Os  ímpios,  que  fó  bufcáo  o 
fcu  interelTe  ,  náo  atccndcndo  ao  do  próximo  ,  tam- 
bém quando  neceílitarcm  de  áuxilio  náo  acharão 
quem  os  foccorra  ,  permittindo-o  Dcos  aííim ,  em 
calli^o  da  fua  dcshumanidade.  Pereika. 

(m)  O  fraudulento ,  (ô-c.  Como  o  ufurario ,  ou 
qualquer  outro ,  que  tudo  quanto  anda  afanando  e 
adquirindo  he  por  meios  illiciros ,  d'onde  vem  o  fe- 
rem pouco  íeguras  as  íuas  riquezas:  pelo  conjrrario 
as  do  homem  diligente  ,  que  procura  grangeallas 
com  reólidáo  de  confciencia ,  ficáo  fendo  prcciofas 
como  o  ouro ,  cm  razão  da  fua  maior  firmeza ,  c 
cftabilidadc.  Filk^iaa, 


Provérbios. 


CAPITULO  XIIL 

d  filho  fabio^  ou  infeufato.  Referva  que 
de-ve  haver  nas  palavras.  O  pobre  rico^ 
e  o  rico  pobre.  Breve  duração  do  es- 
plendor dos  ímpios.  Bens  adquiridos 
muito  deprejfa.  Pajfara  vida  com  os 
fabios.  Cafiigar  a  feus  filhos.  Cubiça 
das  mãos  inJaciaveL 

I  (d)  Filho  fabio  he  a  doutrina 

do  pai  :  o  que  he  porem 
mofador  ,  não  ouve  quando  o  repre- 
hendcm. 

^  O  homem  fera  farto  de  bens  pe- 
lo fruto  da  fua  boca  :  mas  a  alma  dos 
prevaricadores  he  cheia  d' iniquidade. 

3  Aquelle  ,  que  guarda  a  fua  boca  , 
guarda  a  fua  alma  :  mas  o  que  he  in- 
confidcrado  para  fallar,  fentirá  males. 

4  (b)  O  preguiçofo  quer  ,  e  nao 

quer : 

{ã)  O  filho  fabio  he  a  doutrina  do  pai.  Iftò  he , 
reluz  nellc  a  doutrina  do  pai  ,  por  quem  foi  edu- 
cado. Mf.noquio. 

(/>)  O  preguiçofo  quer  ,  e  nao  quer.  Muda  con- 
tinuamente de  propofifo  acovardado  pelo  trabalho, 
que  fe  lhe  rcprcícnta  pcnoío  ,  e  piocraítinando  qm* 


âi 


Capitulo  XIII.  63 

quer:  mas  a  alma  dos  que  trabalhão  en- 
goidarn. 

5-  O  jufto  deteftará  a  palavra  men- 
ti roía  :  {c)  mas  o  ímpio  confunde  ,  e 
ferá  confundido. 

6  A  juftiça  guarda  o  caminho  do 
innocente  :  mas  a  impiedade  faz  dar 
íancadilha  ao  peccador. 

7  Ha  hum  que  parece  rico  ,  não 
tendo  nada:  e  ha  outro  que  parece  po- 
bre ,  achando-fe  no  meio  de  muitas  ri- 
quezas. 

8  O  refgate  da  vida  do  homem  são 
as  fijas  riquezas:  (d)  mas  o  que  he  po* 
bre  5  nuo  fupporta  a  increpaçao. 

A 

trofím  nos  feus  bons  defcjos ,  nunca  ,  ou  raras  ve- 
zes chega  a  pollos  por  obra.  pERErRA. 

(f)  Mas  o  Ímpio  confunde^  <ô-c,  Confunde-fe, 
cnvergonha-fe ,  e  deíacrcdica-íe  a  fi  m^fmo  ,  e  ferá 
igualmente  confundido  e  envergonhado  pelos  que 
chcgáo  a  podcllo  arguir  dc  mentirofo.  Pereíra. 

(à)  Mas  o  que  he  pobre  ,  íp-c.  Náo  podendo  re- 
mir o  pobre  a  fua  vexaçáo  por  falta  de  polTes  ,  a 
tudo  c  a  todos  cede  no  centro  da  Tua  defgraça;  o 
que  náo  acontece  dc  ordinário  ás  pciToas  abaftadas  , 
que  até  das  enfermidades  c  da  morte  fe  podem  li- 
vrar por  meio  de  mui  caros  e  fubidos  medicamen- 
tos. O  Hebreo  lè :  £  o  pobre  não  ouve  ameaça :  c 
ncíie  feniido  quer  dizer,  que  a  fua  mefma  pobre- 


64  Provérbios. 

9  A  luz  dos  juftos  alegra  :  mas  a 
candeia  dos  ímpios  apagar-fe-ha. 

10  Entre  os  foberbos  fempre  ha 
contendas  :  mas  os  que  tudo  fazem  com 
confelho,  rcgem-fc  pela  fabedoria. 

11  (e)  Os  bens,  quefeajuntão  mui- 
to depreíTa  ,  diminuir-fe-hao  :  mas  os 
que  íe  colhem  á  mão  pouco  a  pouco , 
multiplicar-fe-hão. 

I^  A  efperança  que  fe  retarda  affli- 
ge  a  alma  :  o  dcícjo  que  fe  cumpre  he 
huma  arvore  de  vida. 

13  (/)  Aquelle,  que  detrahe  d' al- 
guma couTa  ,  por  li  mefmo  fe  obriga 
para  o  futuro  :  mas  o  que  teme  o  pre- 
ceito ,  andará  cm  paz. 

As 

za  o  defende ,  c  põe  longe  dos  perigos  c  revezes , 
que  fobrcvcm  aos  opulentos.  Pereira. 

(e)  Os  bens ,  que  fe  djuntao  muito  dcpreffa ,  é^c. 
Trata-fe  aqui  da  riqueza  bem  ,  ou  mal  adquirida. 
Pereira. 

(/)  Aquelle,  que  detrahe  d  al^tima  coufa ,  <ò^c, 
O  Hebrco  lè :  O  que  de  [preza  a  palavra  de  Deos , 
andará  em  perdição ,  (ò^c.  Daqui  fe  colhe  o  fenti- 
do  da  Vulgata  ,  que  he  ficar  o  dcfprezador  da  lei 
fujeito  á  pena ,  que  ella  prcfcrevc  contra  0$  feus 
tranfgrcííorcs.  Pereira. 


li 


Capitulo  XIIL  6$ 

(g)  As  almas  dolofas  errâo  nos  pec- 
caJos:  mas  osjullos  são  compaílivos,  e 
usão  de  mifericordia. 

14  A  lei  do  fabio  he  huma  fonte 
devida,  para  evitar  (h)  a  ruina  da  morte» 
A  boa  doutrina  dará  graça  : 
(/)  no  caminho  dos  defprezadores  ha 
voragem. 

16  O  homem  prudente  tudo  faz 
com  confelho  :  mas  o  que  he  infenfato 
dclcobre  a  fua  loucura. 

17  (/)  Omeníageiro  do  ímpio  cahi- 

rá 

(g)  Às  almas  dolofas  ,  ò*c.  Eftc  verfo  não 
vem  no  Hcbreo ,  nem  em  S.  Jcronymo ,  nem  em 
muiras  Edições  Latinas  ,  nem  em  vários  Exem- 
plares Gregos.  Os  que  o  trazem  Gregos  5  c  Latinos, 
irazem-no  depois  dos  verfos  9.  ou  12.  Calmet. 

(h)  A  ruina  da  morte.  Ou,  como  fc  lè  noHe- 
breo  ,  os  Idços  da  morte  ,  ifto  he  ,  o  peccado  ,  c 
íuâs  occafióes.  Pereira. 

(í)  No  caminho  dos  deípi-ezadores  ha  voragem. 
Os  que  deíprczáo  a  folida  e  fanra  doutrina  ,  sáo 
bem  como  hum  tragadouro  c  abyfmo  dc  perdição. 
No  Hcbreo  íc  lê  :  O  bom  entendimento  conciliará 
^raca  :  mas  o  caminho  dos  prevaricadores  he  duro. 
Pereira. 

(/)  O  menfageiro  do  ímpio  cahird  no  mal.  A  li- 
ção dos  Setenta  he  :  Hum  Rei  temerário  cahirÁ  em 
males :  mas  hum  enviado  fabio  o  livrará.  Hum  Em- 


'66  Provérbios. 

rá  no  mal  :  mas  o  embaixador  fiel  he 
faude. 

18  Aquelle  ,  que  deixa  a  difcipli- 
na  5  experimentará  indigência ,  e  igno- 
minia ;  mas  o  que  fe  fujeita  a  quem  o 
rcprchende,  fcrá  glorificado. 

19  O  defejo,  no  cafo  que  fe  cum- 
pra ,  deleita  a  alma  :  os  infenfatos  de- 
teftao  aos  que  fogem  o  mal. 

20  Aquelle  ,  que  anda  com  os  fa- 
bios ,  fera  fabio  :  o  amigo  dos  infenfa- 
tos far-fe-ha  femelhante  a  elles. 

21  O  mal  perfegue  aos  peccado- 
res :  e  os  bens  ferão  a  recompçnfa  dos 
juílos. 

22  O  homem  virtuofo  deixa  por 
herdeiros  a  feus  filhos  ,  e  feus  netos: 
(ni)  e  os  bens  do  peccador  eftao  rcfer- 
vados  para  o  jufto. 

Nos 

baíxâdor  de  circumfpccçáo  c  prudência  he  a  faude 
c  confervaçáo  dos  Póvos  ;  porque  dirige  tudo  ao 
maior  bem  do  Eftado  ,  c  á  juftiça  dos  feus  intc- 
ICÍTcs.  Pereira. 

(m)  L  os  bens  do  peccador  efião  refervidos  pira 
o  jufto,  Confira-fc  o  Evangelho  de  S.  Mattheus 
fU)  Capiíulo  XXV.  V.  28.  Pereira. 


Capitulo  XIII.  ^7 

23  Nos  campos  ,  que  feherdão  dos 
pais  j  nafcem  abundantes  frutos :  (jí)  e 
eftes  vem  a  ajuntar-fe  para  outros  por 
falta  de  juizo. 

24  Aquelle  ,  que  perdoa  á  vara  , 
aborrece  feu  filho  :  mas  o  que  o  ama , 
çontinuadamente  o  corrige. 

(0)  O  jufto  come,  e  enche  afua 
alma  :  mas  o  ventre  dos  ímpios  he  ia- 
faciavel. 

CA- 


(n)  E  ejles  vem  a  ajuntár-fe  para  outros  ,  é*c. 
A  Vulgata  diz  aqui  :  eb*  aliis  congregamur  abfque 
judicio.  O  que  Saci  verte:  os  outros  fe  ajamâo  jem 
juizo.  Porém  efíando  em  dativo  aliis ,  não  fei  co- 
mo eílc  fe  pôde  traduzir  bem  por  nominativo  os 
outros.  Eu  encoftei-me  á  letra  ,  e  grammatica  do 
Texto,  feguindo  a  Calmet.  Pereira. 

(o)  O  jufio  come  ,  <ò'C.  O  jufto  de  tudo  tira 
proveito  para  fe  adiantar  no  caminho  da  virtude  : 
mas  o  ímpio ,  como  fe  acha  deftituido  do  vcrdadei» 
ro  alimento  d  alma  ,  que  he  a  caridade  ,  náo  no 
podendo  faciar  os  bens  lemporacs  a  que  afpira , 
iempre  eftá  com  fome  ,  fegundo  a  cxprcísáo  do 
Texto  Hebreo,  Pekeirív, 


49 


Provérbios. 


CAPITULO  XIV. 

Differejítes  caraSleres  dos  fabios  ,  e  doí 
injen fatos.  Sorte  differ ente  dos  jujios  ^  e 
dos  injujlos.  Trabalho,  Temor  de  Deos, 
Paciência.  Compadecer-fe  dos  pobres. 

1  (a)  A  Mulher  prudente  edifica 
XjL  a  fua  cafa  :  a  infipientc 
deftruirá  ainda  com  as  fuas  mãos  a  que 
cftá  já  feita. 

1  Aquelle ,  que  anda  pelo  caminho 
direito  ,  e  que  teme  a  Deos  ,  he  def- 
prezado  pelo  outro,  que  anda  pelo  ca- 
minho infame. 

3  (b)  Na  boca  do  infcnfato  eftá  a 
vara  da  foberba :  mas  os  lábios  dos  fa- 
bios são  os  que  os  confervão. 

On- 

(j)  jí  mulher  prudente  edifica  a  fua  cafa.  Promove 
os  bens  delia  com  a  fua  vigilância,  zelo,  acercado 
governo,  e  boa  educação  defeus  filhos.  Pereira. 

{b)  Na  boca  do  infenfato  ejid  a  vara  da  foberba. 
Na  lingua  tem  o  infeníato  a  origem  do  merecido 
caftigo  da  fua  foberba ,  ou  porque  fc  atreve  a  fa- 
zer-íe  juiz  do  próximo ,  chegando  a  infamar  até  os 
mefmos  innocentes  ;  ou  porque  as  fuas  converfa- 
çócs  o  patentcâo  mais  digno  dciifo,  que  dcaitcn- 
çáo«  Pekeira. 


É 


Capitulo  XIV.  6^ 

'4  (c)  Onde  não  ha  bois  ,  defpeja- 
da  eftá  a  abegoaria :  mas  onele  ha  muir 
tas  fearas  ,  ahi  cftá  manifcfta  a  força 
do  boi. 

5  A  teftcmunha  fiel  não  mente  :  mas 
a  teílemunha  dolofa  profere  a  mentira. 

6  O  mofador  bufca  a  fabcdoria  ,  c 
não  a  acha  :  a  doutrina  dos  prudentes 
he  fácil. 

7  Caminha  ao  contrario  do  homem 
infenfato,  pois  não  fabe  as  palavras  da 
prudência. 

8  A  fabedoria  do  homem  fagaz  he 
comprehender  bem  o  feu  caminho :  e  a 
imprudência  dos  infenfatos  he  errante. 

9  O  infenfato  zomba  com  o  pecca- 
do  5  e  entre  os  juftos  morará  a  graça. 

10  Quando  o  coração  conhece  bem 
a  amargura  da  fua  ahna  ,  não  fe  miftu- 
rará  o  eftranho  na  fua  alegria. 

1 1  A  cafa  dos  ímpios  fera  deftrui- 
da:  mas  as  tendas  dos  juftos  floreceráó. 

Ha 

(c)  Onde  não  ha  bois ,  ^c.  Além  do  fcntido  lite- 
ral ,  podcm-fe  cftas  palavras  applicar  ao  fruto ,  que 
fazem  na  fcara  da  Igreja  os  Operários  do  Evange- 
lho. PtREIRA. 


70  Provérbios. 

12  (d)  Ha  hum  caminho  ,  que  pa- 
rece direito  ao  homem :  e  no  cabo  elle 
guia  para  a  morte. 

13  O  rizo  fera  mifturado  com  a 
dor,  e  ao  gofto  fuccede  a  trifteza. 

14  {e)  O  infenfato  fera  farto  dos 
feus  caminhos:  e  o  homem  virtuofo  fi- 
cará fuperior  a  elle. 

15'  O  innocente  dá  credito  a  tudo 
o  que  fe  lhe  diz:  o  fagaz  confidera  os 
fcus  paflbs. 

Ao 

(d)  Ha  ham  caminho ,  que  parece  direito  ao  ho' 
mem ,  eb-f.  Eíta  mefma  femença  fc  repete  adiante 
no  Capitulo  XVI.  vcífo25.  Ella  fe  verifica  da  fal-* 
fa  piedade  ,  da  falfa  penitencia  ,  do  zelo  indifcrc- 
10  ,  da  doutrina  fó  apparentemente  provável.  E 
tanto  os  Confultores ,  como  os  Confulentes  a  de- 
vem trazer  fempre  na  memoria  ,  para  fc  náo  dei- 
xarem enganar  de  probabilidades  ,  quando  efta$ 
mais  tendem  a  lifongear  as  paixões  humanas  ,  do 
que  a  fomentar  a  folida  piedade.  Pereira. 

(e)  O  infenfato  fera  farto  dos  feus  caminhos ,  é-c, 
Caftigaráó  ao  infenfato  os  fcus  cottumes  y  c  até  fi- 
car defgraçadamentc  farto  receberá  o  pago  ,  que 
mereceo  pelas  fuas  depravadas  acções.  Ou ,  pofto 
que  o  infenfato  fe  farte  das  fuas  paixões,  c  daquel- 
las  coufas  que  defcjou  ,  ferá  todavia  cie  muito  me- 
lhor condição  o  homem  virtuofo  ,  que  foi  apôs 
hum  género  de  bens  fcm  controverfia  muito  mais 
cxcellcnte.  Menoquio. 


Capitulo  XIV.  7 1 
(f )  Ao  filho  ,  que  não  he  fincc- 
ro  ,  nada  lhe  fahirá  bem  :  mas  o  fervo 
que  tem  juizo,  fcrá  affortunado  em  to- 
das as  fuas  emprezas ,  e  terá  o  que  de- 
feja  nos  feus  caminhos. 

16  O  fabio  teme  ,  e  defvia-fe  do 
mal  :  o  infenfato  pafla  adiante  ,  e  dá- 
fe  por  feguro. 

17  O  impaciente  fará  acções  de  lou- 
cura: e  o  homem  difllmulado  he  odiofo. 

18  Os  imprudentes  pofluiráo  a  lou- 
cura :  (g)  e  os  fagazes  efperaráõ  a  fci- 
cncia. 

19  Eftaráó  deitados  por  terra  os 
máos  diante  dos  bons  :  e  os  ímpios  di- 
ante das  portas  dos  juftos. 

20  O  pobre  he  odiofo  até  ao  feu 

pa- 

(/)  jIo  filho  5  qúe  nao  he  fwcero  ,  &'C.  Eftc 
vcrlo  não  fc  lê  no  Hcbreo ,  nem  na  versão  de  S.  Je- 
ronymo  ,  nem  nos  Setenta  do  Cardeal  Ximenes , 
nem  nos  de  Xifto  V.  >  nem  nos  Manu  feri  tos  Lati- 
nos ,  nem  em  varias  Edições  da  Vulgata ;  mas  tra- 
2cm-no  alguns  Exemplares  Gregos  ,  c  Latinos  no 
Capitulo  XIH.  verío  i;.  Calmet. 

(^)  E  os  fagazes  efperaráõ  a  fciencia.  A  liçáo 
do  Texto Hebreo  he;  £  os  prudentes  feçoroaráo  da 
fâbedoria,  P^rkira. 


72  Provérbios. 

parente  mais  chegado :  porém  os  ami- 
gos dos  ticos  ferão  muitos. 

2  1  Aquelle  ,  que  defpreza  ao  feu 
próximo,  pecca:  mas  o  que  fe  compa- 
dece do  pobre  ,  fera  bemaventurado. 

(h)  Aquelle,  que  crê  no  Senhor, 
ama  a  mifericordia. 

^z  Os  que  obrao  o  mal  ,  errão  :  a 
mifericordia  ,  e  a  verdade  são  as  que 
nos  adquirem  os  bens. 

23  (/)  Em  todo  o  trabalho  haverá 
abundância  :  mas  onde  ha  muitiíEmas 
palavras,  ahi  frequentemente  fe  acha  a 
indigência. 

24  (/)  As  riquezas  dos  fabios  são  a 
fua  coroa  :  a  fatuidade  dos  infenfatos 
he  imprudência. 

A 

(lo)    Jí^ueUe ,  que  cré  no  Senhor ,  ^o-c.  Eftc  ver-  1 
fo  falta  no  Hebrco  ,  e  em  S.  Jcronymo  ,  e  no  Gre- 
go ,  e  nos  amigos  Manufcritos  Latinos.  Calmet. 

(/)  Em  todo  o  trabMo ,  ^-c.  A  abundância  hc 
filha  do  trabalho  c  da  induíiría  ,  a  indigência  porém  , 
das  palavras  dcfacompanhadas  de  obras.  PERErRA. 

{[)  As  riquezas  dos  fabios ,  e^T.  Os  fabios  com 
liberalidade  e  honra  íabem  ufar  das  riquezas,  quan- 
do as  convertem  c  dcípendem  íabiamenre  em  pro- 
veito dos  outros :  mas  os  iníeníatos  ícznprc  lâo 


Capitulo  XIV.  73 

1^  Ateftemunha  fiel  livra  as  almas: 
a  que  porém  he  dobre  ,  profere  men^ 
tiras. 

26  No  temor  do  Senhor  ha  confi- 
ança cheia  de  fortaleza  ,  e  fcus  filhos 
teráo  eíperança. 

27  O  temor  do  Senhor  he  huma 
fonte  de  vida ,  para  que  fe  defviem  da 
ruina  da  morte. 

28  Na  multidão  do  povo  eftá  a  di- 
gnidade do  Rei  :  e  na  pouquidade  da 
plebe  a  ignominia  do  Principe. 

29  O  que  he  paciente  ,  governa-fe 
com  muita  prudência:  o  que  porém  he 
impaciente ,  aílignala  a  fua  loucura. 

30  (;;;)  A  íaude  do  coração  he  a 
vida  da  carne  :  a  inveja  he  a  podridão 
dos  oíTos. 

31  («)  O  que  calumnía  ao  necefll- 

ta- 

fenfaros ;  e  cm  todas  as  coufas ,  que  imprehendcm , 
maniícftáo  a  fua  demência.  Calmet, 

(m)  A  faude  do  corarão  ,  ^c.  O  fcntido  he , 
cjuc  a  faude  do  corpo  depende  muito  da  rrancjuilli- 
dadc  do  cfpirito  ,  c  que  a  inveia  róc  os  oíTos  ,  c 
cm  certo  modo  os  apodrece.  Mekoquio, 

(fi)  O  que  çalumia ,       Ilto  hc ,  o  que  injuria 


74  Provérbios. 
tado,  infulta  ao  que  ocreou:  mas  hon- 
ra-o  aquelle ,  que  fe  compadece  do  po- 
bre. 

32  O  ímpio  fera  expellido  na  fua 
malícia  :  mas  o  jufto  efpera  na  fua 
morte. 

3  3  A  fabedoria  defcança  no  cora- 
ção do  prudente,  {0)  e  elle  inítruirá  to- 
dos os  ignorantes. 

34  A  juftiça  exalta  as  Nações  :  mas 
o  peccado  faz  miferaveis  os  Povos. 

35-  O  Miniftro  intelligentc  he  acei- 
to ao  Rei:  o  inútil,  fentirá  afua  ira. 

CA- 


com  affrontofa  contumclia  ao  neceííitado ,  fó  por- 
que o  hc  ,  infulra  ,  ou  ,  como  á  letra  diz  o  Tex- 
to ,  lança  cm  rofto  ao  feu  mefmo  Creador  a  pobre- 
za i  porque  diz  Chrifto:  O  que  a  hum  deftes  peque* 
ríinos  fzejíes  ,  a  mim  o  fizejles :  ou  porque  parece 
leprchender  e  condcrrinar  a  Deos ,  que  difpoz ,  quiz , 
c  permittio  que  foííc  pobre.  Pereíka, 

(0)  E  elle  inftruird,  <ò*c.  O  Hebreo  :  E  ferd 
tonhecída  no  meio  dos  infenjatos.  Os  Setenta :  £  no 
çora^ão  dos  infenjatos  ff  não  divifa.  PfiasiEA. 


li 


Provérbios.  7f 
CAPITULO  XV. 

Brandura  nas  palaz^as.  Docilidade  ds  cor^ 
recçÕes,  PlSíimas  dos  ímpios.  Tudo  he  co^ 
nhtcido  de  Deos,  Ruína  dosjoberkos^  O 
p^eguiçofo  ^  o  infenjato  ,  o  ímpio  contra*^ 
pofio  río  diligente  y  ao  fabio  ^  ao  jujlo, 

I     A    Refpofta  branda  quebra  a  ira: 
JTjl.  a  palavra  dura  fufcita  o  furor. 

2  A  lingua  dos  fabios  orna  afcien- 
cia  ;  a  boca  dos  infenfatos  toda  fe  des- 
faz em  dizer  loucuras. 

3  Os  olhos  do  Senhor  em  todo  o 
lugar  contemplão  aos  bons ,  e  aos  máoSi 

4  A  lingua  pacifica  he  huma  arvo- 
re devida:  mas  a  que  hc  immoderada^ 
quebrantará  o  efpirito. 

5-  O  infenfato  faz  efcarneo  da  correc- 
ção de  feu  pai  :  mas  o  que  toma  para  íi 
as  reprehensões  ,  far-fe-ha  mais  avifado. 

(a)  Na  abundante  juíliça  ha  huma 
grandiílima  força  :  mas  os  penfamentos 
dos  ímpios  ferão  delarraigados* 

Tom.  XI.  F  Á 

{a)  Na  abaudante  jufiiça ,  é^c.  Efte  verfo  nãcJ 
íc  acha  no  Hebreo,  nem  cm  S.  Jcronymo  ^  c  falta 


76  Provérbios. 

6  A  cafa  do  jufto  he  mui  grande 
fortaleza :  e  nos  frutos  do  ímpio  não  ha 
fenão  turbação. 

7  Os  lábios  dos  fabios  diíFundiráõ 
a  fciencia:  {b)  o  coração  dos  infenfatos 
fera  dillemelhante. 

8  As  viftimas  dos  ímpios  são  abo- 
mináveis ao  Senhor  :  os  votos  dos  juf- 
tos  o  aplacão. 

9  O  caminho  do  ímpio  he  abomi- 
nação para  o  Senhor:  o  que  fegue  ajuf- 
tiça^L  he  amado  delle. 

10  (c)  A  doutrina  he  má  para  o  que 
deixa  o  caminho  da  vida  :  aquelle,  que 
aborrece  as  rcprehensões ,  morrerá. 

11  {d)  O  inferno,  e  a  perdição  ef- 
tão  diante  do  Senhor  :  quanto  mais  oeí^ 
tarão  os  corações  dos  filhos  dos  homens  ? 

O 

rambem  em  muitos  Exemplares  Gregos  ,  e  Latn 

nos.   Ca  LM  ET. 

{b)  O  coração  dos  infenfatos ,  (ò^c,  O  Hcbrco : 
iVio  ajjím  o  coração  dos  infenfatos.  Pereira. 

(f")  doutrina  he  mâ^  ÍD'C.  O  Hebrco  :  O  caf^ 
t\%0  he  duro,  (ifto  he,  defabrido ,  afpcro,  e  peza- 
do)  para  o  que  deixa  ^  é^c.  Pereira. 

{d)  O  inferno ,  e  a  perdição ,  <ò'C.  Por  inferno 
emcnríe  BoíTuct  aqui  ,  c  noutros  lu^arrs  ,  que  já 
pafsáíáo,  a  íepulcura,  ou  a  morce,  Psrsira* 


Capitulo  XV;  '  'J'f 

12  O  homem  (^)  peftilentc  não  amá 
a  quem  o  reprehende  :  nem  vai  bufcar 
aos  lábios. 

1 3  O  coração  contente  alegra  o  fem- 
blante  :  com  a  tníteza  d'alma  fe  abate 
o  cfpirito. 

14  O  coração  dofabio  bufca  a  dou- 
trina :  e  a  boca  dos  inlenfatos  fe  apafcen- 
ta  de  imperícia. 

15  Todos  os  dias  do  pobre  são 
máos  :  a  alma  tranquilla  he  como  hum 
banquete  contínuo. 

16  Com  o  temor  do  Senhor  mais 
Val  o  pouco  5  do  que  os  grandes  thcr? 
fouros  ,  que  nunca  já  mais  facião. 

17  Mais  vai  ler  chamado  com  affe- 
íto  a  comer  humas  hervas,  do  que  a 
comer  hum  gordo  novilho  com  defamor. 

18  O  homem  iracundo  provoca  a 
reixas  :  o  que  he  paciente  ,  aplaca  as 
que  fe  tem  já  excitado. 

19  O  caminho  dos  preguiçofos  he 
como  huma  feve  d'efpinhos  :  o  cami- 
nho dos  juftos  he  fem  tropeço. 

F  ii  O 

(e)  Pejlilente.  Ifto  hc ,  máo ,  perverfo ,  ou  como  fc 
pòdc  verter  íegundo  o  Hebreo^e/c^rMffe^onPEREiXA. 


78  Pfoveíibios. 

20  O  filho  fabio  alegra  a  feu  pai: 
e  o  homem  infenfato  defpreza  a  fua  mai* 

21  A  loucura  he  gofto  para  o  in- 
fenfato :  e  o  varão  prudente  mede  os 
feus  paíTos. 

22  Os  penfamentos  fedilEpão,  on- 
de não  ha  (/)  confelho :  mas  onde  ha 
muitos  confelheiros ,  fe  confirmão. 

23  (g)  Alegra-le  o  homem  na  fen- 
tença  da  fua  boca  :  mas  a  palavra  op- 
portuna  he  a  melhor. 

24  (h)  A  vareda  da  vida  eftá  fobre 
o  inftruido ,  para  fe  dcfviar  do  mais  pro- 
fundo do  inferno. 

25  O  Senhor  demolirá  a  cafa  dos 

fo- 

)  Confelho,  O  Hebrco  :  Onde  não  ha  fegre* 
(h.  Pereira. 

(^)  Akgra-[e  o  homem  ,  ó^r.  Cada  hum  facil- 
mente fe  fatisfaz ,  c  dá  por  bem  pago  do  feu  dito  , 
c  feniimento  ;  mas  hc  fe  fallou  a  tempo,  e  com 
acerto.  Pereira. 

(b)  A  vareda  da  vida,  ó^c.  Faz-fe  aqui  huma 
antithcfe  entre  o  caminho  que  leva  o  homem  para 
o  Ceo  >  e  o  que  o  precipita  no  inferno.  Aquellc, 
que  he  inftruido  na  fcicncia  dafalvaçáo,  referindo 
ao  agrado  de  Dcos  todas  as  fuas  acções  ,  trilha  o 
primeiro  ,  para  fc  livrar  da  extrema  ruína  do  fe^ua- 
do.  Pereira. 


Capitulo  XV.  79 

foberbos  :  (/)  e  firmará  os  termos  da 
viuva. 

26  Osma'os  penfamentos  são  aabo- 
ininação  do  Senhor  :  e  a  palavra  pura , 
como  muito  agradável  ,  lerá  por  elle 
approvada. 

27  Aquelle  ,  que  vai  atrás  da  ava- 
reza ,  perturba  a  fua  cafa :  o  que  porém 
aborrece  as  dadivas ,  vivirá. 

(/)  Os  peccados  purificáo-fe  pela 
mifcricordia  ,  e  pela  fé  :  e  todo  o  homem 
evita  o  mal  por  meio  do  temor  do  Senhor. 

28  A  alma  do  jufto  medita  a  obe- 
diência :  a  boca  dos  ímpios  trasborda 
em  males. 

29  O  Senhor  eftá lònge  dos  ímpios: 
e  elle  attenderá  ás  orações  dos  juftos. 

30  A  luz  dos  olhos  alegra  a  alma: 
a  boa  reputação  engorda  os  oíTos. 

O 

(/)  E  fimard  os  temos  da  viuva.  Os  termos , 
ou  marcos  do  campo  da  viuva  ,  que  intentava  arran- 
car o  foberbo.  Menoquio. 

(/)  Os  peccados  purificão-fe ,  (^c,  Eftc  verfo  fal- 
ta aqui  noHcbreoi  mas  cllc  o  traz  no  Capitulo  fc- 
guintc  verfo  6.  onde  a  Vulgata  também  o  repe» 
ic.  Os  Setenta  trazem-no  aqui ,  c  omittera-no  alli. 

Ca  LM  ET. 


8o  Provérbios. 

31  O  ouvido  que  ouve  asreprehen-s 
^oes  (ni)  de  vida  ,  terá  a  faa  morada  no 
meio  dos  fabios. 

32  Aquelle,  que  rejeita  a  difcipli- 
na,  defpreza  a  fua  alma  :  mas  o  que 
eftá  pelas  reprehensões  ,  he  polTuidor 
do  feu  coração. 

33  O  temor  do  Senhor  5  he  a  difci- 
plina  da  fabedoria :  e  a  humildade  pre-r 
çede  á  gloria. 

(m)    Deyidd,  Ifto  he,  faudavcis.  Pereira. 

CAPITULO  XVI. 

Deos  dífpoe  da  língua^  edospaffos  da  ho- 
mem. Ira  ,  e  clemência  do  ReL  Males 
que  caufa  a  foherba.  Caminho  funejio 
que  parece  bom.  Deos  regula ,  e  conduz, 
as  fortes, 

I  ia)  TP|  A  parte  do  homem  eftá  o 
JL^  preparar  a  fua  alma  :  e  da 
parte  do  Senhor  ogovernar-Ihe  alingua. 

To- 

{a)  Da  parte  do  homem ,  é^c.  Contra  todas  as 
traças  e  difpoíiçócs  humanas  prevalecerão  fcmpre 
03  Decretos  Divinos.  Propõe  o  homem  depois  de 
grande  ponderação  dizer  huma  coufa ,  c  ao  tempo 
que  a  vai  proferir,  diípóc  Deos  muitas  vçzcs  ^uc 


Capitulo  XVI.  2i 

1  (b)  Todos  os  caminhos  do  ho- 
mem eUão  patentes  aos  feus  olhos  :  o 
Senhor  péza  os  efpiritos. 

3    (c)   Delcobre  ao  Senhor  as  tuas 

obras  , 

fallc  em  fcntido  bem  dívcrfo  ,  do  que  premeditara. 
O  exemplo  dos  edificadores  da  lorre  de  Babel ,  cujas 
línguas  fc  confundirão.  Genef.  XI.  7.  o  das  maldi- 
ções dc  Balaão  trocadas  em  bençáos.  Numer.  XXIIÍ. 
8.  II.  o  doconfelho  infamado  de  Aquitofel.  Reg, 
L.  11.  Cap.  XV.  ^  I.  XVII.  14.  o  da  Divina  permif- 
$áo  dc  náo  ferem  conteílcs  as  f alfas  tettcmunhas 
contra  Chriíèo.  Mare.  XIV.  5Í».  todos  eftcs  illuftráo 
o  prefencc  lugar,  dcquc  abufaváo  os  Inimigos  da 
Graça  para  provarem  que  o  principio  da  íalvaçáo 
do  homern  dependia  das  forças  do  feu  alvedrio; 
propofiçáo  diametralmente  oppofta  á  doutrina  da 
meíma  Efcritura  ,  dos  Padres  ,  e  decisões  dos  Con- 
cilios  ;  porque  ,  a  náo  fer  ajudado  o  homem  da 
Graça  prevenientc  ,  náo  poderia  fazer  huma  boa 
obra  ,  nem  ter  fequer  hum  penfamento  merecedor 
de  rccompenfa.  Confira-fe  com  cftc  o  vcrficulo  9 
do  prefence  Capitulo,  c  o  24  do  XX.  Pereira. 

(U)  Todos  os  caminhos  ,  e^c.  O  Hcbrco  diz: 
Todos  05  caminhos  do  hoynem  sao  puros  a  feus  olhas» 
Cuida  cada  hum  que  nada  ha  ,  fenáo  puro  e  irre- 
prchcnfivel  nos  feus  coftumes ;  porem  Deos  he  fó 
o  verdadeiro  Juiz ,  que  refervou  para  fi  efte  juizo , 
e  conhecimento.  Pereira. 

(c)  Defcohre  ao  Senhor ,  «b-c.  O  Hebreo  diz : 
Folvs  (ou  rf/ere)  ao  Senhor  as  tuas  obras  y  e  fica- 
rão firmes  os  teus  penfamemos.  Pereira. 


8i 


Provérbios. 


obras  ,  e  feráo  dirigidos  os  teus  penfà-^ 
mentos. 

4  (d)  Tudo  fez  o  Senhor  por  cau- 
fa  de  fi  mefmo  :  (e)  até  ao  ímpio  para 
o  dia  mao. 

5:  Todo  o  arrogante  he  a  abomina-í 
ção  do  Senhor  :  ainda  quando  eltiver 
com  huma  mão  fobre  outra ,  não  he  in-^ 
nocente. 

(/)  O  principio  do  caminho  bom 
he  praticar  a  juftiça:  e  diante  de  Deos 
he  mais  aceita,  do  que  immolar  hoftias, 

A 

(d)  Tudo  fez  o  Senhor  por  caufa  de  fi  mefmo. 
Ifto  he  para  manifeftaçáo  da  fua  gloria  ,  do  ícu 
poder  ,  c  dos  outros  feus  divinos  Attributos.  He 
ncfta  matéria  digno  de  fe  ler  o  Padre  Bernardes  no 
principio  do  feu  Tratado,  intitulado:  Últimos  fins 
do  Homem  ,  onde  ellc  difcorre  fobre  a  Predrftina- 
çáo  ,  c  Reprovação  ,  náo  como  hum  íimples  Afce- 
tico ,  mas  como  hum  grande  Theologo.  Pereira. 

(e)  Até  ao  impio  p  ira  o  dia  máo,  He  o  que 
Deos  dilTe ,  fallanjo  com  Faraó  :  Idcirco  autcm  po- 
Jui  tCy  utojiendam  in  te  fortitudinemmeam ,  <ò^nar^ 
retur  nomen  meuminomni  terra.  A  caufa  porque  eu 
te  conftuui ,  foi  para  moftrar  o  meu  poder ,  e  para  que 
ò  meu  nome  fe}a  celebrado  em  toda  a  terra,  (  Exod. 
IX.  16.)  Do  qualTexto  fe  valeo  S.  Paulo  para  de-, 
moftrar  o  mefmo  affumpto.  Rom.  IX.  17.  Bossuet. 

(/-)  ^ principio  do  caminho  bom ,  é^c.  Eftc  vcr- 
íiculo  náo  íc  encontra  no  Hcbreo.  PfiREiRA. 


Capitulo   XVL  83 

6  A  iniquidade  rime-fe  pela  miferi- 
cordia ,  e  pela  verdade :  e  o  mal  evita- 
fe  pelo  temor  do  Senhor. 

7  Quando  os  caminhos  do  homem 
agradarem  ao  Senhor  ,  até  reduzirá  á 
paz  os  feus  inimigos. 

8  Melhor  he  o  pouco  com  juftiça, 
do  que  muitos  frutos  com  iniquidade. 

9  (g)  O  coração  do  homem  difpóe 
ofeu  caminho:  mas  da  parte  do  Senhor 
eftá  dirigir  os  feus  paíTos. 

I  o  (^)  A  adivinhação  fe  acha  nos  lábios 
do  Rei  5  a  fua  boca  não  errará  nojuizo. 

Os 

(g)  o  coração  do  homem ,  &c,  O  fcntido  dcíle 
vcríiculo  hc  o  mcfmo  ,  que  o  do  primeiro  deftc 
Capitulo.  Pereira. 

(h)  A  adivinharão  ,  ó^c.  Falia  o  Sabio  das  infpi- 
taçóes  5  que  Deos  coítuma  dar  aos  Reis  táo  claras 
no  manejo  do  feu  governo,  que  parece  adivinháo, 
quando  dcciíivamente  mandão  ,  ou  prohibem  al- 
guma coufa.  Também  íe  entende  erte  lugar  das 
palavras  do  Rei  ,  que  são  como  hum  oráculo  de 
Dcos ,  cujo  Lugar-tcnente  fe  chama  fobrc  a  terra, 
He  o  que  diíTc  aquella  mulher  a  David:  Tuautem^ 
Domine  mi  Rex ,  fapkns  es ,  fim  habet  fapicntiam 
Angelus  Dei,  utintelligas  omnia  fuper  terram.  Tu, 
meu  Senhor  Rei  ,  es  íabio  ,  e  a  tua  fabedoria  hc 
como  a  que  tem  hum  Anjo  de  Deos  para  conhcce- 
ics  tudo  fobre  aterra.  II.  Reg,XlV.20.  Pereira, 


84  Provérbios. 

11  Os  juízos  do  Senhor  sao  pezo , 
e  balança:  c(í)  todas  as  fuas  obras  são 
as  pedras  do  facco. 

12  Os  que  obrâo  impiamente  são 
abomináveis  ao  Rei:  porque  oThrono 
fe  firma  com  a  juftiça. 

1 3  (/)  A  vontade  dos  Reis  são  os 
lábios  juftos  :  o  que  falia  coufas  rcítas , 
ferá  amado. 

14  (m)  A  indignação  do  Rei  são 
huns  correios  da  morte :  e  o  varão  fabio 
a  aplacará. 

15'  Na  alegria  do  femblante  do  Rei 
eftá  a  vida :  e  a  fua  clemência  ,  he  co- 
mo a  chuva  ferodea. 

16  Pofluc  a  fabedoria,  pois  que  el- 
la  he  melhor  do  que  o  ouro  :  e  adqui- 
re a  prudência  ,  pois  que  ella  he  mais 
preciofa  do  que  a  prata. 

A 

(í)  Todas  as  fuas  obras  são  as  pedras  do  facco, 
Alludc  ao  coftumc  dos  antigos ,  que  para  pczarcm 
trazíáo  pedras  mettidas  num  facco.  Bossubt. 

(/)  A  vontade  dos  Reis  ,  ^c.  Requerem  os 
Reis  juftiça  e  verdade  nos  que  fc  chegão  á  fua 
prefença.  Calmet. 

(m)  A  indígua^â^o  do  Rei,  ^c.  Aqui  fe  podem 
trazer  á  memoria  os  exemplos  de  Abigail  com  Da- 
vid,  e  de  AÍTuero  com  Aman.  Pereira. 


Capítulo  XVL 

17  A  vareda  dos  juftos  aparta  os 
males:  o  que  guarda  a  íua  alma,  con- 
ferva  o  feu  caminho. 

1 8  A  foberba  precede  á  ruina  ;  e  o 
efpirito  eleva-fe  antes  da  queda. 

19  Mais  vai  fer  humilhado  com  os 
manfos  ,  do  que  repartir  defpojos  com 
os  foberbos. 

20  (fi)  O  que  he  hábil  no  emprc- 
hendido  negocio,  achará  bens:  e  o  que 
efpera  no  Senhor,  he  bemaventurado. 

21  (p)  O  que  he  fabio  decoração, 
fera  chamado  prudente  :  e  o  que  hedoce 
nofallar,  receberá  coufas  maiores. 

A 

(w)  o  que  he  hábil ,  <à^c.  D'  outro  modo  con- 
forme á  leira ,  ferá  :  O  injiruido  m  palavra  ( ifto 
he  5  de  Dcos)  achara  bem ,  ó^c.  O  fentido  do  Hc- 
breo  ,  e  também  da  Vulgata  he ,  que  todo  o  que 
maneja  qualquer  negocio  com  intelligencia  e  co- 
nhecimento ,  fahirá  bem  delle  porém  o  que  de 
tal  maneira  põe  a  fua  confiança  em  Dcos ,  que 
nâo  faz  firmeza  na  íua  induftria ,  eíTe  he  o  ditoío 
e  bemaventurado.  Pereira. 

(0)  O  que  he  fabio  ^  <ò'c,  O  fabio  cordato  gran- 
geará  nomeada  de  prudente ;  mas  o  que  á  fua  fa- 
bcdoria  accrefcentar  eloquência  ,  muito  maior  ferá 
o  feu  merecimento  ,  pela  vantajem  ,  que  terá  de 
cníinar  e  perfuadireos  outros ,  como  dá  a  entender  o 
H-breo,quediz:  E  a  doç^ura.  dos f eus  lábios  accref- 
çCntarãÇou  authorizará)  a  fua  doutrina,  Perbira. 


86  Provérbios. 

22  A  erudição  do  que  a  poíTae,  he 
huma  fonte  de  vida :  a  doutrina  dos  in- 
fenfatos  he  fatuidade. 

^3  ip)  ^  coração  do  fabio  inftruirá 
a  fua  boca  :  e  accrefccntará  graça  aos 
feus  lábios. 

24  As  palavras  compoílas  são  hum 
favo  de  mel  :  a  doçura  d' alma  he  a 
faude  dos  oíTos. 

25'  Ha  hum  caminho,  que  parece 
ao  homem  que  he  direito :  e  com  tudo 
o  feu  fim  guia  para  a  morte. 

26  A  alma  do  que  trabalha ,  para  fi 
trabalha ,  porque  a  fua  boca  o  conftran- 
geo  a  ilTo. 

27  Q  varão  ímpio  (5)  cava  o  mal , 
e  nos  feus  lábios  fe  vai  ateando  (r)  o 
fago.         ^  ^ 

(p)  O  coráÇAO  do  fahio  ,  iS^r.  A  fabedoria  rcf- 
plandccc  nas  palavras  do  homem  fabio ,  c  pelo  in- 
dicio dos  feus  difcurfos  vem  acntender-fe  que  ellc 
dentro  n  alma  poííue  a  mcfma  fabedoria.  Calmkt. 

(^)  Cdva  o  mal,  Efta  locução,  cavíir  o  mal^ 
íignifica  obrar  o  mal  fcriamcnte  e  com  fadiga :  def- 
enierrallo  como  fe  defenterra  hum  thefouro:  occu- 
par-fe  todo  ncllc.  Calmet. 

(r)  O  fogo,  Efte  he  o  fogo  da  difcordia  ,  da 
dctracçáo,  da  maledicência,  c  calumnia,  com  que 


Capitulo  XVI.  87 

18  O  homem  perverfo  move  plei- 
tos :  e  o  verbofo  divide  os  Príncipes. 

29  O  homem  iniquo  (s)  attrahe  ao 
feu  amigo:  e  o  conduz  por  hum  cami- 
nho não  bom. 

30  (/)  Aquelle,  que  cogita  em  mal- 
vados projeftos  com  os  olhos  efpanta- 
dos ,  executa  o  mal ,  mordendo  os  feus 
beiços. 

31  Coroa  de  dignidade  he  a  velhi- 
ce ,  (m)  a  qual  fe  achará  nos  caminhos  da 
juftiça. 

os  ímpios  tífnão  toda  a  roda  e  curfo  da  vida  do 
próximo  ,  fendo  elles  os  mefmos  que  miferavcl- 
mentc  cííáo  inflammados  com  cite  fogo  infernal, 
fcgundo  a  exprcfsáo  de  Sant-Iago  na  fua  Cathoii- 
ca  III.  6.  Pereira. 

(í)  Attrahs  ^  <b*c.  Ou  ammammenta  ,  convi- 
da com  lifonja.  La^o  he  frequcntativo  de  laQio  y 
donde  vem  os  compoftos  aWiclo  ,  illicio ,  ó^c.  co- 
mo já  advertio  Mcnoquio  a  efte  lugar.  Pereira. 

(í)  Aquclle  que  cogita  ,  é^c.  Todos  eítcs  géf- 
tos  do  corpo  ,  que  Salamáo  aqui  ao  paíTo  que  def- 
crcve  ,  condcmna  ,  coftumáo  fer  indícios  de  hum 
animo  mal  intencionado,  edefuriofas  paixões  cor- 
rompido. Pereira. 

(u)    A  qual  fe  achará  ,  O  relativo  qu.ie 

tanto  fe  pòdc  referir  a  corona  ,  como  a  fenetius. 
Pereiua. 


88  Provérbios. 

32  O  homem  paciente  vai  mais  ^ 
do  que  o  valerofo  :  (a;)  e  o  que  domi- 
na o  feu  animo  5  do  que  o  éxpugnador 
de  Cidades. 

33  Os  bilhetes  da  forte  lançâo-fe 
numa  dobra  do  veftido,  (z)  mas  o  Se- 
nhor he  quem  os  tempera. 

(x)  E  o  que  domind  o  feu  animo,  Efta  locução  i 
O  que  domina  o  feu  animo  ^  ou  jfegundoo  Hcbrco, 
no  feu  efpirito ,  exprime  ,  domar  ,  fopear  os  appc- 
tites  ,  c  paixões.  Calmet. 

(z)  Mas  o  Senhor  he  quem  os  tempéra,  Aflim 
fuccedeo  nas  eleições  dc  Saul ,  de  Matnias  ,  c  d  ou- 
tros» E  o  intento  dc  Salamáo  hc  moftrar  que  as 
coufas  mais  duvidofas  ,  e  incertas  a  Divina  Provi- 
oencia  as  dirige  a  certos  fins ,  que  ella  fabe ;  e  qué 
nada  no  mundo  fuccede  por  acafo.  Bossuetw 

CAPITULO  xvir. 

Deos  prova  os  corações.  Não  de/prezar 
ao  pobre.  "Juízos  injujlos  abomináveis 
dia?2te  de  T>eos.  O  amigo  he-o  ern  todo 
o  tempo,  O  infenfato  pajfa  por  fabio  , 
em  qua7íto  não  falia, 

I  X  X  Um  bocado  depãofecco  com 
JlJl  alegria ,  vai  mais  do  que  hus 

ma. 


Capitulo  XVII.  89 

ma  cafa  cheia  de  (a)  viílimas  com  pe- 
lejas. 

2  O  fervo  com  juizo  dominará  os 
filhos  infen fatos  ,  c  repartirá  a  herança 
entre  os  irmãos. 

3  Bem  como  a  prata  fe  prova  no 
fogo  ,  e  o  ouro  no  crifol :  affim  o  Se- 
nhor prova  os  corações. 

4  O  máo  obedece  á  Hngua  iníqua, 
e  o  enganador  dá  ouvidos  aos  lábios 
mentirolos. 

5:  (b)  Aquelle ,  que  defpreza  ao  po- 
bre ,  infulta  ao  feu  Creador  :  e  o  que 
fc  alegra  com  a  ruina  do  outro,  não  fi- 
cará im  punido. 

6  Os  filhos  dos  filhos  são  a  coroa 
dos  velhos:  e  a  gloria  dos  filhos  são  os 
pais  delles. 

7  (r)  As  palavras   compoftas  não 

con- 

(a)  Fiélimas,  Alludc  o  Sabio  ao  rito  de  pode- 
rem antigamente  nos  facrificios  pacíficos  tomar  hu- 
iTia  pane  das  carnes  das  vidimas  ,  para  fazer  o 
banquete  do  coftume  na  companhia  dos  convida- 
dos. Veja-íc  o  Levitico  VII.  ip.  c  confira- fc  o 
Cap.  VII.  14.  deíle  mefmo  Livro.  Pereira. 

(b)  Âquelle  ^  que  defpreza  ao  pobre ,  é^c,  Con- 
fira-íe  o  Cap.  XIV.  ^1.  Pereira. 

(e)   As  palavras ,         Nem  o  fallar  de  cou* 


Provérbios. 

convém  áo  infenfato:  nem  a  hum  Prin^ 
cipe  o  lábio  mentirofo. 

8  A  expectação  de  quem  efpera  ,  hè 
huma  pérola  belliílima  :  para  qualquer* 
parte  que  elle  fe  volte,  obra  com  pru- 
dência. 

9  Aquelle,  que  encobre  o  deliíloj 
bufca  amizades:  (d)  o  que  por  outro 
teor  o  repete,  lepara  os  unidos. 

10  Ao  homem  prudente  ferve-lhe 
mais  huma  reprehensão,  do  que  ao  in- 
íenfato  hum  cento  de  golpes. 

11  O  máo  íempre  anda  bufcando 
difturbios  :  {é)  mas  o  Anjo  cruel  íerá 
enviado  contra  elle. 

He 

fas  graves  ,  c  com  authoridade  cftá  bem  ao  infcm 
fato  ;  nem  o  mentir  ,  e  faltar  ao  que  promcttco, 
diz  bem  num  Principe.  Pereira. 

{à)  O  que  por  outro  teor  o  repete ,  ó-f.  ]á  ac* 
crercentando ,  lá  diminuindo  ,  e  expondo-o  revcfti- 
do  de  mui  differentes  circumftancias.  Pereira. 

(e-)  Mas  o  Anjo  cruel ,  eb-c .  Por  eftc  Anjo  cruel 
entendem  huns  o  Anjo  de  morre,  ou  o  Anjo  exter- 
minador ,  cjue  Deos  envia  para  caíligo  dos  pecca- 
dores :  qual  o  que  matou  a  todos  os  primogénitos 
do  Egypio  5  c  qual  o  que  dcíhuío  o  exercito  de 
Scnnaqucribi  ou  elle  feja  Anjo  bom,  ou  feja  Anjo 
máo.  Outros  por  Anjo  cruel  entendem  a  má  novarj 
ou  a  mcfcna  morte.  Pereira. 


Capitulo  XVII.  91 

11  He  melhor  encontrar  a  huma  ur- 
fa ,  á  qual  foráo  roubados  os  leus  filhi- 
nhos,  do  que  a  hum  iníenfato^  que  fe 
fia  na  fua  loucura. 

13  Não  fe  apartará  o  mal  da  caía 
daquelle,  que  dá  males  por  bens. 

14  (/)  O  que  dá  fahida  á  agua 
reprefada  ,  he  origem  de  contendas :  e 
antes  de  padecer  a  aíFronta^  defampa- 
ra  a  juftiça. 

Tom.  XI.  G  A- 

(/)  o  que  dã fahida ,  <5^c.  O  homem  ,  que  pela 
fua  maledicência  trava  de  razoes  com  outrem  ,  mo- 
tivando alguma  dilTcnsáo  ,  he  fcmelhantc  áquelle, 
que  deftapa  ,  ou  foltâ  a  agua  retida  ,  que  ,  augmcn* 
tando  cada  vez  mais  a  fua  enchente  ,  alaga  tudo: 
e  ,  fe  acontece  fazercm-lhe  qualquer  injuria  ,  he 
porque  elle  deo  primeiro  cauia  a  iíío  ,  tendo  já 
peccado  contra  a  juftiç,?.  Também  ,  fcgundo  Cal- 
met .  pôde  ter  efte  lugar  outro  fentido ,  e  hè ,  que 
havendo  na  Palcftina  poucas  aguas ,  e  orÍPÍnando- 
fe  por  ilTo  muitos  litígios  ,  aquellc  que  fazia  enca* 
minhar  para  dentro  da  fua  fazenda  a  levada  das 
aguas  d  algum  ribeiro  com  dcirimenro  dos  vizinhos  , 
bufcava  deíie  modo  mcttcr  em  caía  huma  deman- 
da ,  que  fcm  dúvida  hia  a  perder.  Admoeíla-o  pois 
o  Sabio  a  que  deixe  a  cauía  ,  antes  de  fe  começar 
o  pleito :  e  que  fe  componha  com  o  contrario ,  pri- 
meiro que  fe  dê  a  íentença  ,  a  qual  he  força  que 
eíle  meímo  tema  fahir-lhe  contra.  He  eíh  intelli- 
gcncia  fundada  no  Hebreo ,  que  diz :  Qum  Jolta  as 


pi  Provérbios. 

1$  Aquelle,  que  jullifica  so ímpio, 
c  aquelle  5  que  condemna  aojufto,  am- 
bos são  abomináveis  diante  de  Deos. 

16  De  que  ferve  ao  infenfato  o  ter 
grandes  riquezas  ,  fe  elle  não  pôde 
comprar  com  cilas  a  fabedoria? 

(g)  Aquelle,  que  levanta  muito  al- 
to a  lua  cafa  ,  bulca  a  fua  ruina  :  e  o 
que  evita  aprender,  cahirá  nos  males. 

17  Aquelle  ,  que  he  amigo,  he-o 
em  todo  o  tempo:  e  o  irmão  conhccc- 
fe  nos  tranfes  apertados. 

18  O  homem  infenfato  baterá  com 
as  mãos,  (h)  quando  fe  declarar  fiador 
pelo  feu  amigo. 

A- 

aguas  he  principio  de  contenda;  e  tu  ,  ames  qoe  fe 
mova  o  pleito  y  deixd-e,  A  mrfma  doutrina  íc  acha 
cm  S.  Maithcus  no  Capirulo  V.  vcrfo  25,  c  em  S.  Lu- 
cas XU.  58.  A  cerca  das  contendas  delta  natureza 
vcjáo-íe  no  Geneíis  XXVI.  20.  as  que  houve  entre 
os  Pdíiores  dellaac,  c  osd-Abimelcc  Rei  dos  Fi- 
liftheos  cm G  rara.  Pekeira. 

(g)  Aciuelle  ,  que  levanta  muito  alto  a  fua  ca- 
fa,  ò  c.  Eltcverío,  cm  que  fe  rcprthendem  os  que 
por  foberba  ou  querem  avultir  no  Mundo,  ou  rc- 
cusáo  aprcn  irr  a  sá  doutrina  que  /c  lhes  propõe  , 
não  vem  no  Hcbrto,  nem  em  S.  Jeronymo  ,  mai 
acha-<e  nos  S  renta.  Calmet. 

(/;)   QuAndo  fe  declarar  faJor  ^  &ç.  Já  o  fabio 


Capitulo  XVII.  93 

19  Aquclle,  que  medita  difcordias, 
ama  as  rcixas  :  e  o  que  levanta  a  fua  por- 
ta 5  bufca  a  fua  ruina. 

20  O  que  he  de  coração  perverfo, 
nâo  achará  o  bem :  e  o  que  tem  a  lín- 
gua dobre,  cahirá  no  mal. 

21  Oinfenfato  nafceo  para  ignomi- 
nia fua:  pois  nem  o  pai  le  alegrará  com 
o  filho  eftulto. 

22  O  animo  alegre  faz  a  idade  fló- 
rida :  o  efpirito  trifte  fécca  os  oílos. 

23  O  ímpio  recebe  prefentes  (/)  do 
feio  ,  para  perverter  as  varedas  da  juf- 
tiça. 

24  A  fabedoria  reluz  no  roílo  dó 
prudente :  os  olhos  dos  inlenfatos  (/)  nas 
extremidades  da  terra. 

G  ii  O 

deixou  aflima  explicada  fobrc  cfte  ponto  a  fua  men- 
te no  Capitulo  Ví.  i.  2.  ^.  Pereira. 

(í)  Do  feio.  Ou  fendo  Juiz  aceita  as  dadivas  do 
feio  ,  ifto  hc ,  ás  efcondidas  c  fccretamente  da  máo 
dos  litigantes  j  ou  ,  íendo  parte  ,  as  toma  do  feu  feio 
para  as  dar  ao  Juiz ,  a  fim  de  torcer  eíic  a  vara  da 
juftiça.  Menoquio. 

(/)    Niis  extremidades  da  terra.  Como  fc  diíTc- 
ra :  e  pelo  contrario  os  olhos  dos  infenfatos  sáo  va- 
abundos  ,  porque  elles  os  voltáo  de  continuo  para 
uma  c  para  outra  parte.  MBNoquig, 


94  Provérbios. 
^   25'    O  filho  infenfato  he  a  indigna- 
-ção  dopai:  e  a  d  )r  damãique  o  gerou. 

2  6  Nâo  he  bom  fazer  damno  ao 
jufto:  nem  ferir  ao  Príncipe,  que  julga 
-fegundo  a  juíliça. 

27  Aquelle,  que  he  moderado  nas 
fuas  palavras  ,  he  douto  ,  e  prudente : 
e  o  homem  erudito  {m)  hc  de  efpirito 
preciofo. 

18  Até  o  infenfato  paífará  por  fa- 
bio,  fe  eftiver  calado :  e  por  intelligen- 
te,  fe  cerrar  os  íeus  lábios. 

(>??)  He  de  efpirito  preciofo,  O  homem  fabío 
guarda  com  muita  cautela ,  como  coufas  preciofas, 
os  fcus  pcnfamcntos.  Dá  com  ifto  Salamáo  a  en- 
tender que  o  fabio  deve  conter  a  lingua  cm  filcn- 
cio,  Qufallarcom  grande  circumfpccçáo.  Calnet. 

CAPITULO  XVIII. 

Do  amigo  infieL  Da  confiança  do  jufto  ,  e 
da  do  rico.  Soberba  ,  e  humiliação.  Fru- 
tos da  língua,  A  boa  ,  e  a  md 
mulher.  Do  homem  joci ave L 

I  Qye  quer  deixar-fe   do  feu 

amigo  ,   bufca-ihe  as  occa- 

fi- 


Capitulo  XVIII.  95^ 

líocs  :  (a)  elle  ferá  coberto  d'oppro- 
brio  em  todo  o  tempo. 

2  i)  inícnfato  nao  recebe  as  pala- 
vras da  prudência:  fe  tu  lhe  não  falla- 
res  em  correlpondencia  das  coulaSj  que 
pafsâo  dentro  no  teu  coração. 

3  O  ímpio,  depois  d' haver  chega- 
do ao  profundo  dospéccados,  tudo  def- 
preza  :  mas  a  ignominia ,  e  o  opprobrio 
o  vão  feguindo. 

4  As  palavras  fahem  dahoca  (è)  do 
varão,  como  huma  agua  profunda:  e  a 
fonte  da  faSedoria  he  como  a  torrente  ^ 
que  trasborda. 

5*  Não  he  bom  guardar  refpeito  á 
peíToa  do  íaipio  ,  (r)  .para  te  defviares 
da  verdade  do  juizo. 

6  Os  lábios  do  infénfato  mettem-fe 
em  difputas  :  e  a  fua  boca  provoca  a 
contendas. 

A 

(^a)  Elle  ferá  coberto  ^&*c.  Todos  cenfuraráô  o 
fcu  mo  io  d' obrar  5  com  que  dcfamparou  ao  amigo. 
Mekoquio. 

{b)    Do  varão,  Ifto  hc  ,  do  varão  fabio.  Ps- 

REI  RA. 

[c)  Para  tedefviares  ,  e^r.  O  Hebrco  lê:  para 
psrdcr  a  caufa  do  jufto  em  Juízo.  Pereira. 


ç6  Provérbios. 

7  A  boca  do  infenfato  (d)  fere-o  a 
elle  mefmo:  e  os  feus  lábios  sao  a  rui- 
na  da  fua  alma, 

8  As  palavras  do  homem  delingua 
dobre  parecem  íingelas  :  mas  ellas  pe« 
nctrão  aré  o  íntimo  das  entranhas. 

(e)  O  temor  abate  ao  preguiçofo  : 
mas  as  almas  dos  effeminados  terão  fome. 

9  Aquelle ,  que  he  molle  ,  e  frou- 
xo no  feu  trabalho,  he  (/)  irmão,  do 
que  diífipa  as  fuas  obras. 

10  (g)  O  Nome  do  Senhor  he  hu* 
ma  torre  fortilEma  :  a  elle  mefmo  fe 
acolhe  o  jufto  ,  e  ferá  exaltado. 

o 

(d)  Fere-o  a  elle  mefmo.  Ou  mais  a  letra  :  he 
o  feu  quebrantamento.  Póde-fe  dizer ,  que  he  como 
hum  maitello  ,  que  o  piza ,  e  cfmigalha.  O  Hc- 
breo  lê:  A  boca  do  infenfato  he  o  feu  terror:  e  os 
feus  lábios  sao  hum  la^o  p.íra  a  fua  alma.  PERErRA. 

(e)  O  temor  abate  ao  preguícofo  ,  &•€.  Eftever- 
fo  náo  fe  acha  no  Hebreo ,  nem  em  S.  Jeronymo, 
mas  trazem-no  os  Setenta.  Calmet. 

(/)  Irmão ,  do  que  diflipa ,  &c.  Ifto  he ,  feme- 
Ihance  ao  que  diílipa  as  Tuas  obras  i  porque  tam- 
bém frater  fe  toma  por  aqucíle  ,  que  he  íeme- 
Ihante  a  outro  aflim  em  boa ,  como  cm  má  parte. 
Pereira. 

(g)  O  Nome  do  Senhor  ,  <ò  c.  O  Nome  do  Se- 
nhor vem  aqui  a  íigniíicar  o  melmo  Senhor  ^  ou  a 


Capitulo  XVIII.  97 

11  (h)  O  cabedal  do  rico  he  a  Ci- 
dade da  lua  fortaleza  ,  e  huma  como 
groíTa  niuraiha,  que  o  cerca. 

12  O  coração  do  homem  eleva-fe 
antes  de  fer  quebrantado:  e  humilha-f(r 
antes  de  fer  glorificado. 

I  3  Aquelle  ,  que  refponde  antes  d'ou- 
vir,  moílra  Ter  hum  infenfato,  e  digno 
de  confusão. 

14  (/)  O  efpirito  do  homem  foftem 
a  fua  debilidade:  masquem  poderá  fof- 
ter  a  hum  efpirito  ,  que  facilmente  fe 
deixa  levar  da  ira  ? 

O 

fua  ajuda  e  patrocínio ,  que  Hc  huma  como  torre 
forriífima,  na  qual  rcfugiando-fe  o  juôo,  ficará  fo- 
brancciro  a  todos  os  ataques  e  arrcmcttidas  de  feus 
inimigos.  Pereira. 

{h)  O  cabedal  do  rico ,  é^c,  Confira-fe  com  cfta 
fcntcnça  o  que  já  o  Sabio  deixou  dito  no  Capitu- 
lo X.  verfo  r^.  Pereítia. 

(Q  O  efpirito  do  homem ,  é^r.  O  Hebreo  diz : 
O  efpirito  do  homem  (it^o  hc ,  o  vigor  do  fcu  ani- 
mo) fojiem  a  enfermidade  dclle:  (vem  a  dizer,  fof- 
tcm-no  nas  entcrmidades  do  ícu  corpo)  mas  que- 
brantado o  animo ,  e  abatido  o  efpirito ,  tjuem  o  fof- 
tcrã ,  ou  quem  o  alentará.  Do  lentido  da  Vulgara 
pouco  difterem  os  Setenta,  que  Icm:  O  fervo  pru- 
dente mitiga  o  furor  do  varão :  (  ou  do  amo ,  a  quem 
ferve  )  mas  quem  poderá  jofrer  o  homem  impaciente  ? 


Proverbíos. 

I  j  o  coração  prudenre  polFuirá  a  fcien- 
cia:e  o  ouvido  dos  fabios  bulca  a  doutrina.^ 

16  O  prclente  ,  que  hum  hoinem 
faz  ,  abre-lhe  hum  dilatado  caminho, 
e  dá-ihe  lugar  diante  dos  Príncipes. 

17  (/)  Ó  jufto  he  o  primeiro  ,  que 
a  fi  mcfmo  ie  accufa  :  vem  depois  o 
leu  amigo,  e  elle  o  fondará. 

18  A  forte  apazigua  as  diffcrenças , 
e  decide  ainda  entre  os  podcroíbs. 

19  O  irmão  ,  que  he  ajudado  por 
fcu  irmão,  he  como  huma  cidade  forte: 

e  os  feus  juizos  são  como  os  ferro- 
lhos das  cidades. 

20  (w)  Do  fruto  da  boca  do  homem 

fc 

(/)  o  jufto  he  o  primeiro  que  a  fi  mcfmo  fe  accu' 
fa.  OHebrco  íaz  hum  ícntiuo  muiro  divcrío ,  qual 
hc  o  que  fc  íe^ue  :  O  que  primeiro  juftifiíã  a  fiia 
cãuf/t  ,  pvcce  mais  jujlo.  f^em  depois  o  feu  Jocio  (os 
Scícnta  dizem  ,  o  Jeu  advnfario)  c  cffe  o  fotidará-, 
ilto  hc  ,  c  eítc  dcícobrirá  o  vicio  da  caula.  Bossue  r. 

(m)  E  os  feus  juízos  ,  <òr.  Allim  como  pela 
concórdia  fc  acháo  firmes  as  caías  dos  particulares ; 
aHim  lambem  a  Cidade  pela  Juíilça  íka  mais  bem 
fc^MT^  ,  do  <]»ic  íe  eftivera  muito  bem  fechada ,  ou 
afferroihada.  Menoquio. 

(wj  Do  fruto  da  boca,  <b*c.  As  palavras  do  que 
falia  são  para  cIlc  hum;i  foatc  c  origem  ou  dc  bens , 
ou  dc  males.  Calmet. 


Capitulo  XVllI.  99 

fe  encherá  o  feu  ventre  :  e  os  renovos 
dos  leus  lábios  o  fartarão. 

21  A  morte,  e  a  vida  eftão  no  pa- 
der  da  lingua  :  os  que  a  amao  ,  come- 
rão dos  leus  frutos. 

22  Aquellc,  que  achou  a  huma  mu- 
lher boa  j  achou  o  bem :  e  receberá  do 
Senhor  hum  manancial  d'  alegria. 

(o)  Aquelle  ,  que  expelTe^a  huma 
mulher  virtuofa  ,  expelle  o  bem :  mas 
o  que  retcm  a  adultera,  he  hum  infea-^ 
fato ,  e  hum  ímpio.  j 

23  O  pobre  fallará  com  fúpplicas: 
e  o  rico  lhe  refponderá  eoín  afpereza. 

24  (p)  O  homem  amável  no  trato,, 
fcrá  mais  .  amigo  ,  do  que  hum  irn^ao. 

-  ^^^^  •  ^  *        '  €'A- 

(0)  Jquelíe ,  que  expclIe  a  huma  mulher  virtuofd , 
eí^c.  Eftc  vcrib  falra  no  Hcbreo ,  e  em  vários  Ma- 
nufcritos  Latines  ,  c  na  Edição  do  Cardeal  Xime- 
nes 5  e  na  de  Xiílo  V.  ,  e  na  nova  de  S.  Jeronymo  j 
mas  clle  fcacha  nos  Setenta  ,  c  muitos  Padres  o  ci- 
tarão, Calmet. 

(p)  O  homem  amável  ,  ^c,  Aquelle  ,  que  he 
humano ,  bcniçno ,  e  fuavc  ,  e  que  nas  neceflida- 
des  acode  ao  amigo  pofto  em  afflicçáo  ,  he  maif 
amado  que  hum  parente ,  c  ainda  que  hum  irmão, 
Menoqvio. 


xoo 


Provérbios. 


CAPITULO  XIX. 

Do  pobre  y  e  do  rico.  Da  teflemunha  falfa. 
Da  ira ,  e  da  benevolência  do  Rei.  A  mu- 
lher prudente  he  hum  dom  de  Deos,  Cor* 
recção  aos  filhos.  Temor  de  Deos.  Cafii^ 
gos  referva  dos  para  os  ímpios. 

I  IV/f  Elhor  he  o  pobre ,  que  anda 
jj/JL  na  fua  íimplicidade  ,  do  que 
(4)  o  rico  (b)  torcendo  os  leus  beiços , 
e  fendo  infenfato. 

a  Onde  não  ha  fciencia  d' alma, 
não  ha  bem  :  e  o  que  pelo  ardimento 
dos  pés  he  apreíTado,  tropeçará. 

3  A  eftulticia  do  homem  arma  fan- 
cadilha  aos  feus  paíTos :  (c)  e  elle  ferve 
no  feu  coração  contra  Deos. 

As 

(jí)  o  rico.  A  palavra  dives  ,  rico  ,  não  fc  lè 
no  Hcbrco  ,  no  Caldco ,  nos  Setenta  ,  nem  em  va- 
fias  Edições  Latinas.  Os  Setenta  da  Edição  Ro- 
mana totalmente  omiccem  ot  primeiros  dous  verfí- 
culos  defte  Capitulo ;  porém  não  falcão  na  do  Car- 
deal Ximenes.  Calmet. 

(b)   Torcendo  os  feus  beijos.  Para  engantr.  Pt- 

RlIKA. 

(f)  E  elle  ferve  ,  ^c.  Agafta-fc  comra  Deos, 
attribuindo  nào  áfua  cftuUicia,  como  devera,  mas 


Capitulo  XIX. 


lOX 


4  As  riquezas  multiplicão  muito  os 
amigos:  mas  do  pobre  ainda  aquelles, 
que  teve  ,  fe  íeparao. 

5  A  teftemunha  falfa  náo  ficará  im^ 
punida  :  e  o  que  falia  mentiras  ,  náo 
efcapará. 

6  São  muitos  os  que  honrão  a  pef- 
foa  do  poderofo,  e  os  que  são  amigos 
do  que  (d)  reparte  dadivas. 

7  Os  irmãos  do  homem  pobre  abor- 
recêrão-no  :  e  fobr^illo  ainda  os  feus  ami- 
gos fe  retirarão  longe  delle. 

Aquelle  ,  que  não  bufca  fenâo  pa- 
lavras ,  nao  terá  nada  : 

8  mas  o  que  he  poíTuidor  de  enten- 
dimento, ama  a  fua  alma,  e  o  confer- 
vador  da  prudência  achará  bens. 

9  A  teftemunha  falia  não  ficará  impu- 
nida :  e  o  que  falia  mentiras ,  perecerá. 

10  (e)  Ao  infcnfato  não  eftão  bem 

as 

ao  mefmo  Dcos  ,  o  terem  fuccedido  mal  os  feus 
negócios.  Menoqtjio. 

(d)  Reparte  dadivas,  Confira-fc  com  efte  o  ver- 
fo  4.  aflima.  Pereíra. 

(e)  Ao  infenfdto  nao  ejiao  bem  as  delicias.  O 
infenfato  náo  íabc  ufar  dos  deleites  :  abafa  delles 
fem  lei ,  nem  medida  ,  por  cuja  caufa  neíTcs  mcí- 


102  Provérbios. 

ãs  delicias  :  (/)neniao  fervo  odomitiar 
aos  Príncipes. 

1 1  A  doutrina  do  homem  conhccc- 
fe  pela  paciência  :  e  a  fua  gloria  he 
paíTur  por  fima  das  injúrias  a  elle 
feitas. 

12  Aflirn  como  hc  terrível  o  bra- 
mido do  leão  ,  aílim  também  o  he 
a  ira  do  Rei  :  e  do  mefmo  moda 
^ue  o  orvalho  cahe  fobre  a  herva ,  af- 
lirn'anima  igualmente  o  fcu  ar  prazen- 
teiro. 

'  1^    O  filho  infenfato  he  a  dor  do 
pai  :  e  a  mulher  amiga  de  litigios  he 
Como  o  telhado ,  que  eftá  revendo  con- 
tinuamente (g)  em  gotteiras.  > 
14    Os  pais  dão  calas  e  riquezas: 

po- 

mos  goftos  achará  a  ruina  da  fua  alma  ,  c  da  fua 
faudc.  Calmei. 

(/)    Nem  ao  fervo,  ^'C,  Hc  cfta  huma  das  cou- 
fas ,  que ,  fcgundo  o  meímo  Salamáo  adiante  XXX. 
21.  diz,  perturba  ,  inverte  ,  revolta  ,  e  confunde- 
o  Mando.  Pereira. 

Çg)  Em  gotteiras,  Aííim  como  as  gotteiras  con- 
tinuas do  telhado  arruináo  o  edifício  ;  aííim  tam- 
bém inquieta  e  defordcna  a  familia  a  mulher  con- 
tenciofa.  Pereira. 


Capitulo  XIX.  103 

(h)  porem  o  Senhor  dá  propriamente 
huma  mulher  de  prudência. 

15'  A  preguiça  dá  de  fi  fomno  ,  e 
a  alma  froxa  terá  fome. 

16  Aquelle,  que  guarda  o  manda- 
mento, guarda  a  fua  alma  :  o  que  po- 
rém não  faz  cafo  do  feu  caminho,  pa- 
decerá a  morte. 

17  O  que  fe  compadece  do  pobre, 
dá  o  feu  dinheiro  a  juro  ao  Senhor:  c 
efte  lhe  tornará  com  onzena  o  que  elle 
lhe  tiver  empreitado. 

18  Gaftiga  a  teu  filho  (/)  em  quan- 
to ha  cfperanca  da  emenda  :  mas  não 
chegue  a  tua  feveridade  ao  excelfo  de 
lhe  dares  a  morte. 

19  (/)  O  que  he  impaciente  fup- 

por- 

(/;)  Porém  o  Senhor ,  ó  c.  Com  cfte  lugar  tem 
alIoga  Jo  os  Santos  PaJrcs,  para  provarem  que  náo 
he  licito  aos  Cacholicos  celebrar  matrimónios  com 
malSeres  infiéis.  Calmet. 

CO  Em  cjuanto  ha  efperança.  Efte  he  o  fendido  , 
qu?  do  Hrbreo  txprimio  de  Carricrcs.  A  V^ul^^ta 
diz ,  ne  defpe^es  :  o  que  Saci  verteo ,  e  não  dtfep 
percs.  Confirao-fe  os  lufares  do  Apofto!o  aos  Éte- 
íios        1.  e  aos  CoioíTcnffs  ÍII.  21.  Pereira. 

(/)  Oquehe  imptcieníe ,  <ò'C.  O  fentido  da  Vul- 
gaca  parece  fer ,  que  iodo  aqucUe ,  que  náo  íopê* 


ÍÓ4  Provérbios. 

portará  o  damno  :  e  quando  o  deixar, 
accrefcentará  outro. 

ao  Ouve  o  confelho  ,  e  recebe  a 
correcção  ,  para  que  fejas  fabio  no  fim 
da  tua  vida. 

21  No  coração  do  homem  fe  forjão 
muitos  pcnfamentos :  mas  a  vontade  do 
Senhor  permanecerá. 

2  2  O  homem  neceffitado  hc  com- 
paílivo  :  e  melhor  he  o  pobre  ^  do  que 
o  homem  mentirofo. 

23    O  temor  do  Senhor  conduz  á 

vi- 

a  ira ,  experimentará  muito»  males  ,  e  quando  fc 
livrar  d' hum  ,  virá  ,  náo  fe  emendando,  a  cahif 
noutro.  Alguns  ,  entendendo  efte  lu^ar  do  filho  , 
traduzem  :  E  fe  roubar ,  accrefctntard  outro  roubo. 
Porque,  fe  o  pai  defefperado  já  da  emenda  do  fi- 
lho ,  deixa  de  o  caftigar ,  experimentará  os  triftes 
cífeitos  da  fua  falta  de  p?íciencia  nos  multiplicados 
roubos  ,  c]ue  o  mcfmo  filho  livremente  for  com- 
meiíendo  ,  até  acabar  a  vida  num  patíbulo.  Mas 
indo  a  traducçáo  encoftada  aoHebrco,  fegundo  at 
Notas,  (]ue  propuzcráo  BoíTuet  ,  e  Calmet ;  c  fe- 
gundo no  corpo  o  cxprimio  de  Carrierrs ,  póde-fe 
verter  cílc  lu^ar  do  fct^uin  c  modo :  Porque  aqueU 
U ,  que  he  ajjim  impaciente ,  foffrerâ  a  pena  que  me* 
tece  :  e  fe  tu  o  deixas  iwpunido  ,  elle  continuará  a 
fazer  peior,  Pekeira. 


Capitulo  XIX.  loj' 

vida  :  e  na  abundância  nadará  (m)  fem 
a  viíita  pcílima. 

24  Opreguiçofo  efconde  a  fua  mâo 
debaixo  do  íobaco  ,  c  não  quer  ter  o 
trabalho  de  a  levar  á  boca. 

z$  (ti)  Caftigado  o  peftilente,  far* 
fe-ha  mais  fabio  o  infenfato:  mas  ferc- 
prehenderes  ao  fabio,  elle  entenderá  o 
avifo. 

26  Aquelle  ,  que  afflige  a  feu  pai, 
e  que  faz  fugir  a  fua  mãi  ,  he  infame, 
c  defgraçado. 

27  Não  ceíTes ,  filho ,  de  ouvir  a  dou- 
trina, nem  ignores  as  palavras  da  fcicncia. 

A 

(m)  Sem  a  vipta  pejftma.  De  tal  forte ,  que  ne- 
nhuma calamidade  tranítornc  o  feu  caminho.  Dcos 
náo  no  vifitará ,  quando  cftívcr  irado :  vivifá  fegu- 
ro  c  em  paz.  Muitos  Códices  Latinos  Icm :  Âbfque 
vifttatione  pejjimi :  Sem  a  vifitd  do  peffimo :  ifto  hc , 
do  demónio.  O  demónio  náo  no  vencerá.  Se  Deos 
permittc  que  o  jufto  feja  tentado  ,  como  Job  ,  c 
Tobias ,  elle  fahirá  vencedor  da  batalha  :  com  efta 
experiência  ficará  cada  vez  mais  provada  a  fua  vir- 
tude. Calmet. 

(n)  Cainhado  opeflilente^  &c.  Aos  máos  fer- 
ve de  efcarmcnto  o  caítigo  que  vem  executai  nos 
malfeitores ,  perverfos  ,  e  facinorofos  ;  mas  ao  ho- 
mem fizudo  e  avifado  bafta ,  para  fe  emendar  hu- 
ma  leve  rcprchcnsáo ,  ou  avifo.  Pereira. 


loá  Provérbios. 

J:  28  A  teftemunha  iníqua  íaz  zom-^ 
bana  da  juftiça  :  e  a  boca  dos  ímpios 
devora  a  iniquidade, 

29  (í?)  Apparclhados  eftão  os  juízos 
para  os  mofadores  :  e  os  martellos  ba- 
tentes para  os  corpos  dos  infenfatos. 

,  (0)  Apparelhaàos  eftão  os  juizes ,  ó  c.  Vem  nifto 
à  dizer  o  Sabio  ,  que  a  todos  os  mríos  ,  e  ímpios 
aguarda  ocafti^o  proporcionado  e  correfpondcnre  á 
grandeza,  e enormidade  dos  leus  crimes.  Pereira. 

CAPITULO  XX. 

O  vinho ,  origem  de  àefordens.  Do  homem 
freguiçofo,  O  pezo  dobre  abominável. 
Perigo  das  fianças.  Honrar  a  feus  pais» 
Não  dar  mal  por  mal.  Os  grandes  ma^ 
/es  pedem  grandes  remédios» 

1  Vinho  he  huma  coufii  luxurio- 

í a  ,  e  a  embriaguez  he  cheia 
de  delordens  :  todo  aquelle,  que  nifto 
poe  o  feu  gofto,  não  fera  fabio. 

2  Affim  como  fobrcfalta  o  rugida 
do  leão ,  aílim  também  o  terror  que  in- 
funde o  Rei  :  aquelle,  que  o  irrita  con- 
tra a  fua  alma  pecca. 

O 


Capitulo  XX.  107 

5  O  homem  ,  que  fe  fepara  de  con- 
tendas ,  tem  efta  (a)  gloria  :  mas  todos 
os  imprudentes  fe  involvem  no  que  lhes 
traz  a  lua  confusão. 

4  O  preguiçolb  não  quiz  lavrar  por 
caufa  do  frio  :  elle  mendigará  pois  no 
verão  5  enao  fc  lhe  dará  coufa  alguma. 

5'  O  confelho  he  no  coração  do  ho- 
mem como  a  agua  profunda :  mas  o  ho- 
mem fabio  dahi  (b)  o  tirará.  • 

6  São  muitos  os  homens  ,  que  fe 
chamão  mifericordiofos :  mas  quem  acha- 
rá hum  homem  fiel? 

7  O  jufto,  que  anda  na  fua  fimpli- 
cidade  ,  deixará  depois  de  li  bemaven- 
turados  a  feus  filhos. 

8  O  Rei, que  ellá  aíTenrado  no  feu 
throno  de  juftiça  ^  diílípa  todo  o  mal 
fó  com  o  feu  olhar. 

9  Quem  pode  dizer  :  O  meu  cora- 
ção eftá  puro  ,  eu  eftou  ifcnto  de  pec- 
cadò  ? 

Tom.  XI.  H  Hum 

{a)   Gloria.  Ou  á  letra  honra.  Porém  gloria  hc 

a  liçio  do  Hcbrco.  Pereira. 

{p)    O  tirará.  Ifto  hc ,  íondará  o  Sabio  o  mais 

profundo  ,  penetrará  o  mais  rccondilo  do  cçrajá^ 

dos  outros,  PeiVEiaA. 


io8  Provérbios. 

10  (c)  Hum  pezo  ,  e  outro  pezo, 
huma  medida  ,  e  outra  medida  :  são 
duas  coufas  abomináveis  diante  de  Deos. 

1 1  Pelas  fuas  inclinações  fe  conhe- 
ce no  menino  5  fe  as  fuas  obras  haverão 
de  fer  puras  e  reâas. 

12  O  ouvido  que  ouve  ,  e  o  olho 
que  vê ,  ambas  eftas  coufas  fez  o  Senhor. 

13  Não  queiras  fer  amigo  do  fomno, 
para  que-  a  pobreza  te  não  opprima  :  abre 
os  teus  olhos,  e  sê  farto  de  pão. 

14  Ifto  não  vai  nada  ,  ifto  não  vai 
nada ,  diz  todo  o  homem  que  vai  a  com- 
prar: e depois  dc  fe  retirar,  elle  então 
íe  gloriará. 

15-  Ha  ouro  ,  e  grande  quantidade 
de  pedras  preciofas :  e  os  lábios  (d)  da 
fciencia  são  hum  vafo  preciofo. 

16  Tira  o  veftido  áquellc  ,  que  fi- 
cou 

(c)  Hum  pezo ,  ó^c.  Não  fó  condem  na  e  pro- 
hibc  aqvii  o  Sabio  juntamente  com  o  engano  dos 
falfos  pczos  e  medidas  todas  as  fraudes  nocommcr- 
cio,  mas  ainda  a  accepçáo  de  peíToas ,  e  o  rigor, 
com  que  rraram.os  os  mais ,  lendo  para  nós  indul- 
gentes. Perfira. 

(íí)  Da  fciencia,  Ifto  hc  ,  do  homem  fabio  c 
do^uenie.  Psriiha. 


Capitulo  XX.         x  09 

cou  por  fiador  d*  hum  defconhccido  ,  e 
leva-lhe  de  cafa  o  penhor ,  pois  elle  fe 
obrigou  por  eftranhos. 

17  O  pao  da  mentira  he  goflofo  ao 
homem  :  porém  ao  depois  a  fua  boca 
{e)  fera  cheia  d'arêa. 

18  Os  penfamentos  roborao-fe  pe- 
los confelhos  :  e  as  guerras  devem  fer 
governadas  (/)  com  os  lemes. 

19  Nao  te  familiarizes  com  aquel- 
le  5  que  revela  os  fegredos ,  e  que  anda 
com  fingimento  ^  e  que  abre  muito  os 
feus  lábios. 

20  Aquelle  5  que  amaldiçoa  a  feu 

H  ii  pai, 

(e)  Será  cheia  d'  arêa.  Como  o  pao  dc  mentira 
he  páo  adquirido  por  meios  iiiicicos  ,  náo  hc  d  cf- 
pantar  ,  que  ,  fem  embargo  dc  fer  goftofo ,  ape- 
nas ellc  comido  5  fique  aboca  trincando  arèa,  ter- 
ia, ou  miúdo  burgalháo  5  com  que  fe  quebrem  os 
dentes,  que  he  ode  que  Tc  lamentava  Jeremias  nos 
Threnos  III.  \6.  Por  onde  o  ímpio  ,  ainda  que  fe 
utiliza  por  algum  tempo  deftes  bens  táo  injuftamentc 
havidos ,  com  o  receio  íempre  da  fua  inconftancia  , 
de  ordinário  vem  fobrcUe  na  vida  caftigos  ,  e,  o  que 
hc  peior ,  na  morte  a  condemnaçáo  eterna.  Pereira. 

(  f)  Com  05  lemes.  Ifto  he ,  com  prudência ,  ví- 
gilancja,  induíhia ,  c  coníelho  ;  porque  tanto  caio 
devem  fazer  osGeneraes  doconfclho,  como  o  Pi- 
loto do  leme.  Pereira. 


lio  Provérbios. 

pai  5  e  a  fua  mãi ,  apagar-fe-lhe-Iia  a  fua 
candeia  no  meio  das  trevas. 

21  A  herança,  que  hum  fe  apreíTa 
â  adquirir  no  principio  ,  carecerá  de 
benção  no  fim. 

22  Não  digas:  Darci  mal  por  mal : 
efpera  pelo  Senhor,  e  elle  te  livrará. 

23  Ter  hum  pezo  ,  e  outro  pezo, 
he  abominação  diante  de  Deos  :  a  ba- 
lança enganofa  não  he  boa. 

24  (g)  Os  paíTos  do  homem  são  di- 
rigidos pelo  Senhor  :  mas  que  homem 
pode  comprehender  o  feu  mefmo  ca- 
minho ? 

25*    He  huma  ruina  para  o  homem 
.(h)  devorar  os  Santos  (/)  e  depois  re- 
tratar os  votos. 

O 

C?)  Os  pnffos  do  homem ,  &c.  Confira-fc  Jere- 
mias no  Capitulo  X.  verfo  2^.  Pereira. 

(h)  Devorar  os  Santos,  li\o  he  ,  furtar  as  cou- 
fas  fanras,  quaes  sáo  as  confagradas  a  Deos ,  e  con- 
vertei-las cm  feu  ufo.  Efte  he  o  Temido  que  fc  co- 
lhe do  HebrfO.  Bossuet. 

(1)  £  depois  retratar  os  votos.  Em  lugar  do  que 
lemos  na  Vulk^ata  ,  ç^-  poft  vota  retraãare  ^  tem  o 
Hebreo,  ò^poji  vota  cavUuri:  O  que  BoíTuet  ex- 
põe, vota  irrita  faccre  variis  interpretationibus ;  ifto 
he,  eludir  com  varias  mierpretaçóes  os  votos,  quç 


Ga  p I t u l o  XX. 


III 


26  O  Rei  fabio  diílipa  osmaos,  (/) 
e  encerra-os  debaixo  da  curva  abobada. 

27  (771)  O  efpiraculo  do  homem  he 
huma  lucerna  do  Senhor^  a  qual  efqua- 

dri- 

tmHas  feito  para  tc  dares  pordcíobrigado  delles.  O 
mcírrio  advcrtio  Calmet  ,  depois  de  traduzir  eílc 
período ,  como  eu  o  traduzi ,  Icguindo  a  letra  do 
Tcxro.  Com  tudo  Saci,  e  dc  Carrirrcs  vertem  af- 
fim :  huma  ruina  pira  o  homem  devorar  os  San- 
tos ,  e  depois  cuidar  em  Jazsr  votos,  Nelie  íentido 
oretraílare  vota  da  Vulgata  náo  fignifica  retratares 
votos  depois  de  feitos ;  mas  fim  cuidar  em  os  fazer 
®  para  expiar  as  rapinas  commettidas  contra  a  Igreja. 
Ambas  as  interpretações  deo  Boííuet  por  prováveis. 
Pereira. 

(/)  Eenccrra-os  debaixo  da  mvi  abobada.  He  o 
que  foa  a  letra  da  Vulgata  ,  incw  vat  fuper  eosfor^ 
nicem  :  e  aflim  o  cxpoz  BoíTuer ,  entendendo  por  cita 
abobada  o  cárcere.  Mas  como  fornicem ,  que  propria- 
mente fignifica  a  abobada  ,  ou  caía  abobadada  ,  fe 
pódc  também  tomar  pelo  arco  ;  e  porque  onde  a 
Vulgata  poz  fornicem  ,  traz  o  Hebreo  rotam  ,  que 
quer  dizer  a  roda  ,  todos  os  Francezes  vertem  aquel- 
le  ,  iiicurvat  fuper  eos  fornicem ,  dizendo  aííim  : 
e  elle  cs  faz  paffar  por  baixo  do  árco  dofeu  triunfo. 
Pereira. 

(m)  O  efpiraculo  do  homem,  ò^c.  Iftohe,  o  fô- 
lego 5  aílbpro  ,  ou  refpiradouro  do  homem  ,  hc  a 
alma,  que  Deos  lhe  infundio  (Genef.  II.  7.)  co- 
mo hrol  j  com  a  luz  do  qual  pudeíTe  elle  dcfco- 
brir  e  fondar  os  mais  occultos  cfcondrijos  do  fetj 
coração.  Pereira. 


Jiz  Provérbios. 

drinha  todos  os  fegredos  do  (n)  feu  in- 
terior. 

28  (0)  A  mifericordia  ,  e  a  verda- 
de guardão  ao  Rei  ,  e  o  leu  throno  fc 
firma  com  a  clemência. 

29  (p)  A  alegria  dos  mancebos  he 
a  força  delles  :  e  a  dignidade  dos  ve- 
lhos são  as  fuas  cans. 

30  (q)  Os  males  alimpar-fe-hão  pe- 

lo 

(n)  Do  fcu  interior.  A' letra  fc  traduzirá :  do  feu 
ventre ,  o  qual  na  Efcricura  fc  roma  enire  outras  accc- 
pçóes  pela  alma,  ou  coração,  Veja-fc  oLivro  Vlll. 
dos  Moraes  de  S.  Gregorio  Magno  Cap.  XXX.  fo- 
bre  Job,  e  o  Livro  XÍII.  Cap.  LV.  Pereira. 

(0)  ^  mifericordia  e  a  verdade ,  (b  ç,  lílo  he , 
a  clemência  c  a  juftiça.  Menoquio. 

(/?)  A  alegria  dos  mancebos  ,  &^c.  A  Mocida- 
de gloria-fe  da  robuftcz  das  fuas  forças:  A  Velhi- 
ce da  madureza  ,  da  fabedoria ,  da  experiência  da 
fciencia.  Calmet. 

(^)  Os  males ,  ò^c.  Os  ímpios  corrigem-fe  com 
os  caftigos  :  o  infenfato  náo  terá  cura ,  fenáo  com 
a  rcprehensáo  mais  grave  que  fc  lhe  der,  ecom  a 
íeveridadc  da  pena  que  fc  lhe  applicar.  He  intelli- 
gencia  lireral  de  Calmet;  porem  S.  Gregorio  Ma- 
gno explicando  efte  lugar  no  Livro  XXIH.  dos  Mo- 
raes,  Cap.  XXÍ.  dizaflim:  Pelo  livido  das  feridas 
infinúa  o  Sabio  a  correcção  do  caftigo  do  corpo  ; 
c  as  cfni»Hs  no  mais  íecreto  do  ventre  sáo  os  inter- 
nos ^oip  s  n'.  lm>i,  que  fc  fazem  pela  interior com- 
punjáj  c  arrependimento  dos  peccados.  Pereira. 


Capitulo  XXI.  113 

lo  livido  das  feridas  :  e  pelas  chagas 
no  mais  fccreto  do  ventre. 

CAPITULO  XXI. 

O  coração  do  Rei  na  mão  de  Deos.  A  pre- 
guiça ,  origem  de  miferias.  Infelicidade 
daqueUes ,  que  tem  o  coração  duro  para 
os  pobres.  V intagens  da  jujiiça  ,  e  da 
fahedoria.  Saúde  he  hum  doni  dú  Senhor, 

1  {o)    A    Sfim  como  fe  fazem  os  re- 

XjL  partimeíitos  das  aguas ,  af- 
fim  o  coração  do  Rei  fe  acha  na  mão 
do  Senhor  :  elle  o  incHnará  para  qual- 
quer parte  que  quizer. 

2  Todo  o  caminho  do  homem  lhe 
parece  a  clle  direito :  mas  o  Senhor  pe- 
za  os  corações. 

3  Fazer  mifericordia  ,  e  juftiça  hc 

mais  agradável  ao  Senhor  ,  do  que  as 

viftimas.  . 

A 

(4)  Affimcomo  yò^c.  Pela  comparação  dos  Cul- 
tivadores de  jardins  ,  e  hortas ,  que ,  repartindo  a 
agua  pelos  regueiros  ,  a  encaminháo  aonde  que- 
rem ,  moftra  o  Sabio,  que  também  Deos  inclina 
o  coração  dos  Reis  aonde  muiro  lhe  apraz,  c  tem 
decretado ,  fem  que  para  iíTo  lhes  imprima  violen- 
cia  alguma  no  feu  alvedrio.  Pereira. 


114  Provérbios. 
4    A  fobcrba  do  coração  faz  altivos 
os  olhos :  {b)  a  candeia  dos  ímpios  he 
o  peccado. 

5:  Os  pcnfamentos  do  homem  ro- 
bufto  produzem  fempre  abundância  : 
mas  todo  o  preguiçolo  eílá  fempre  em 
pobreza. 

6  Aquelle,  que  ajunta  hum  thefou- 
ro  com  huma  lingua  de  mentira  ,  he 
vão  ,  e  fcm  juizo  ,  e  dará  comligo  nos 
laços  da  morte. 

7  As  rapinas  dos  ímpios  levallo5-hão 
á  fua  ruina ,  porque  não  quizerão  obrar 
fegundo  a  juftiça. 

8  O  caminho  perverfo  do  homem , 
he  hum  caminho  cílranho  :  mas  quan- 
do o  homem  he  puro  ,  são  reítas  as 
fuas  obras. 

9  Melhor  he  cftar  aíTentado  (r)  a 
hum  canto  do  eirado  ,  do  que  habitar 

com 

(f)  A  candeia  dos  mpici  he  o  peccado.  Todo  o 
luzimcnio ,  auge  ,  grandeza  ,  c  proípcridadc  dos 
ímpios  náo  hcmíiis  que  peccado;  porque  a  fua  ma- 
lícia 03  Fez  avultar  no  Mundo ,  c  os  continua  de- 
pois a  nuífir  na  fobcrb;»  ,  origem  dc  todos  os  ma- 
les. P&REiRA. 

(f)    A  bum  canto  dQ  eirado.  Na  Palcftina  c  na 


Capitulo  XXL  115' 

com  huma  mulher  litigiofa  numa  cala 
commum. 

10  A  alma  do  ímpio  defeja  o  mal, 
não  fe  compadecerá  do  feu  próximo. 

1 1  Quando  o  homem  peftilente  for 
caftigado  j  o  fimples  ficará  dahi  mais 
fabio  :  e  íe  elle  adherir  ao  homem  fa- 
bio,  adquirirá  a  fciencia. 

1 2  O  jufto  confidera  com  applica- 
ção  a  cafa  do  ímpio  ,  para  retrahir  os 
ímpios  do  mal. 

1 3  Aquelle ,  que  tapa  os  feus  ouvi- 
dos ao  clamor  do  pobre  ,  eíTe  mefmo 
também  clamará,  e  não  ferá  ouvido. 

14  O  prefente  fecreto  extingue  as 
iras  :  e  a  dadiva  (d)  que  fe  mette  no 
feio  d'  outrem  ,  a  maior  indignação.  - 

15'  O  jufto  acha  a  fua  alegria  na 
prática  da  juíliça :  mas  os  que  commet- 
rem  a  iniquidade,  eftao  cm  pavor.  ^ 

Egypro  as  cafas  cm  lugar  de  telhados  tinháo  eira- 
dos. He  pois  o  fentido  ,  que  mais  vai  tranquilla- 
mente  viver  fujcito  ás  injurias  c  inclemências  do 
ar,  do  que  abrigado  numa  cafa,  tendo  deportas  a 
dentro  huma  mulher  litÍ2;jora.  Pereira. 

{d)  Que  Je  mette  no  feio  d' outrem.  A  refpeito 
do  quanto  podem  as  dadivas  ,  confiráo-fe  allim  aos- 
Capítulos  XVII.  25.  e  XVIII.  16.  Pereira. 


ii6  Provérbios. 

16  O  homem  ,  que  fe  extraviar  do 
caminho  da  doutrina  ,  terá  por  morada 
a  AíTemblea  dos  gigantes. 

17  Aquclle  ,  que  ama  os  banque- 
tes ,  vivirá  na  indigência :  o  que  ama  o 
vinho  5  e  a  meza  efplendida  ,  não  en- 
riquecerá. 

18  (^)  O  ímpio  he  entregue  em  lu- 
gar do  jufto :  e  o  iniquo  em  lugar  dos 
rcftos. 

19  Melhor  he  habitar  numa  terra 
erma  ,  do  que  com  huma  mulher  rixo- 
fa  ,  c  iracunda. 

20  Na  cafa  do  jufto  ha  hum  the- 
fouro  appetecivel  ,  e  ha  azeite  :  mas  o 
homem  imprudente  diffipará  tudo. 

21  Aquelle,  que  exercita  a  juftiça , 
e  a  mifericordia,  achará  vida,  juftiça, 
e  gloria. 

(e)  O  iwpio  he  entregue  y  Caftigado  o  que 
peccou  ,  Deos  fe  aplaca  para  com  os  mais.  lUuura 
bem  o  prefcntc  lu^ar  o  íucccílo  de  Acan  ,  apedre- 
jado o  qoal  ,  avcrfus  ejl  furor  Domini  ab  eii ,  ifto 
he,  apartoihfe  de  fimadelles  o  furor  do  Senhor  ^  co- 
mo fc  lê  no  Livro  deJofucVlI.  16.  Confira-fc  af- 
fiina  o  Capitulo  XI,  vcrfo  8.  Pereira. 


Capitulo  XXI.  117 

22  (/)  Ofabio  fez-fe  fenhor  da  Ci- 
dade dos  valentes  ,  e  deftruio  a  força, 
em  que  ella  confiava. 

23  Aquelle  ,  que  guarda  a  fua  bo- 
ca,  e  a  fua  lingua ,  guarda  a  fua  alma 
das  maiores  afílicções. 

24  O  foberbo  ,  e  o  prefumido  he 
chamado  ignorante,  porque eftando ira- 
do ,  faz  acções  infolentes. 

25:  Os  defejos  ma  tão  ao  preguiço- 
fo  :  porque  as  fuas  mãos  não  quizerão 
fazer  nada: 

26  elle  paffa  todo  o  dia  a  cubiçar, 
e  a  defcjar:  mas  o  que  he  jufto,  dará, 
e  não  ceflará. 

27  As  vi£limas  dos  ímpios  são  abo- 
mináveis ,  porque  o  que  offerecem  hc 
dos  feus  crimes. 

28  A  tcftcmunha  mentirofa  perece- 

rá: 

(/)  O  Sabio  y  ó^c.  Enílna  o  Sabio  que  á  forta- 
leza do  corpo  Jeva  gtande  exceíTo  a  fabcdoria  ;  porque 
varias  vezes  fuccede  ferem  muitas  Cidades  bem  guar- 
necidas tomadas  por  eílratagema  e  ardií ,  as  quaes 
não  poderia  a  força  reduzir  ao  poder  do  Conquif- 
lador  ,  que  lhe  dá  o  alTalto.  líto  he  o  que  fe  diz 
na  Sabedoria  VI.  2.  Melhor  he  afabedoria  do  que  as 
forcas ,  e  o  homem  prudente  do  qae  o  forte.  Meu  o  qu  i  o. 


Provérbios. 


rá  :  (g)  o  homem  obediente  contará  a 
yiéíoria. 

29  O  homem  ímpio  (h)  moftra  no 
feu  roílo  huma  fegurança  defavergo- 
nhada :  mas  o  que  he  refto ,  emenda  o 
feu  caminho. 

30  Não  ha  fabedoria  ,  não  ha  pru- 
dência ,  não  ha  confelho  contra  o  Se- 
nhor. 

• '3-í    (/■)  O  Cavallo  prepara-fe  para  o 

dia 

(g).  O  homem  obediente  y  ó^c.  O  que  obedece  a 
Deos,  á  Lei,  á  razão,  aos  Superiores  ,  alcançará 
viéloria  de  fcus  adverfarios ,  de  Satanás ,  e  dc  fi  mef- 
mo.  Allim  fc  coftuma  explicar  cite  lu^ar.  Atécjui 
sáo  palavras  de  Calmet ,  confervando  o  fenrido  que 
oíFercce  a  Vulgata.  Porém  o  Hcbreo  lê :  O  varão  , 
que  ouve ,  ifto  hc  ,  o  que  relata ,  e  depóe  o  que  vio 
e  ouvio  ,  fallard  viãoriofamente ,  fará  triunfar  a  ver- 
dade ,  fallando  fempre  pela  mefma  boca ,  e  often- 
tando-fe  em  todo  o  tempo  c  lugar  como  huma  fiel 
e  verídica  teftemunba.  Pereira. 

Moftra  no  jcu  rojto  ,  'ò-c.  O  ímpio  cérra- 

j  teima  ,  e  obftinado  fc  confirma  no  íeu  mâo  pro- 
pofito  ;  e  náo  duvidando  motar  defcaradamente  das 
íaudaveis  advertências  que  lhe  fazem  ,  a:é  dcíende 
o  mal  cjue  fez ,  querendo  fempre  achar  eíc.tpúla  a 
Icus  vícios.  Pfkeira. 

(í)  O  Cavallo ,  ^'C.  Debalde  fe  fazem  os  appa- 
ratos  da  guerra  ;  debalde  fc  ajuntáo  as  carroças ,  c 
a  cavdllaria  j  porqac  náo  he  o  foldado  ,  náo  he  o 


Capitulo  XXIL  119 

dia  da  batalha:  mas  o  Senhor  he  o  que 
dá  a  vidoria. 

Cavallo  o  que  di  a  viéloria ,  mas  fó  Dcos.  ( Sal- 
mo XXXII.  vcrfo  17.)  Entre  os  Hcbrcos ,  c  os  po- 
vos Orientaes  náo  fe  fazia  ufo  de  cavallos ,  fenáo 
para  a  guerra.  O  boi  era  deftinado  para  a  cultura 
dos  campos  ,  e  para  levar  os  carros  ordinários  i  o 
jumento,  c  o  camelo  para  as  cargas,  para  os  far- 
dos 5  para  a  jornada :  o  cavallo  fó  para  a  guerra  fc 
refcrvava.  Calmet. 

CAPITULO  xxir. 

Preço  da  boa  reputação.  Vantagens  do 
coração  furo,  Exhortação  d  Jabe dória. 
Não  opprimir  o  pobre.  Não  tranfgre- 
dir  os  antigos  limites. 

I  lY/f'  Ais  vai  o  bom  nome ,  do  que 
jLyJL  muitas  riquezas  :  (a)  a  ami- 
zade he  mais  eílimavel,  do  que  a  pra- 
ta ^  e  o  ouro. 

O 

{d)  A  amizade^  é^c.  A'  letra  fc  traduzirá  :  a 
boa  gracu  ,  ifto  he ,  a  boa  acceiraçáo ,  o  fer  acceito 
c  agradável  a  Dcos,  e  aos  homens,  como  explica 
Menoqiiio.  Delie  lugar  fe  infere  que  muito  mais 
grave  peccado  he  o  da  detracçáo ,  que  o  do  furto; 
orque  ,  fe  a  nomeada  de  cada  hum  ,  ou  boa  fama 
c  de  mais  fubidos  quilates  do  que  o  ouro,  e  vai 


120 


Provérbios. 


2  (b)  O  rico  ,  e  o  pobre  fe  encon 
tráráo  :  d'  hum ,  e  d'  outro  he  creador 
o  Senhor. 

3  O  homem  fagaz  vio  o  mal ,  e 
furtou-fe  a  clle  :  o  imprudente  paíTou 
adiante,  e  recebeo  o  damno. 

4  (c)  O  fim  da  modeftia  he  o  te- 
mor do  Senhor 5  as  riquezas,  e  a  glo- 
ria, e  a  vida. 

5  (d)  As  armas  ,  e  as  efpadas  acháo- 
fe  no  caminho  do  perverío  :  aquelle  po- 
rém que  guarda  a  fua  ahna  ,  retira-fe 
longe  delias.  ^ 

mais  do  que  as  riquezas ;  todo  aquellc  ,  que  defacre- 
dira  o  próximo  ,  defpojanJo  o  da  reputação  que 
tem  adquirido,  maior  damno  Ihccaufa,  do  que  fc 
lhe  roubara  a  fazenda.  Perfira. 

(^)  O  rico  ,  ô-f.  Ou  o  fentido  he ,  que  08  ri- 
cos e  os  pobres,  em  razão  de  crcaturas  dcftinadas 
para  o  rrefmo  fim  ,  são  iguaes  diante  de  Deos ,.  que 
fó  attcnde  á  fua  virtude ,  e  ao  amor  com  que  o  fer- 
vem ;  ou  que  rodos  dependem  mutuamente  huns 
dos  outros,  o  rico  dopreftimo  do  pobre,  c  o  pobre 
do  foccorro  e  amparo  do  rico.  Pekeira, 

(f)  O  Jim  da  modejiid,  é)'C.  Ilto  he ,  o  fruto, 
ou  pcrki^áo  do  julto  comectímento  ,  c  da  humil- 
dade interior  do  clptriio.  Pfbkira. 

{à)  As  nrmas ,  e  efpadas  ,  évf.  O  Hebreo 
diz  :  Efpinhas  ,  e  laços  no  caminho  do  pervirfo, 
ou  efpinhos ,  e  laços.  Caj.m£t. 


Capitulo  XXII. 


121 


6  (e)  He  provérbio :  O  homem  ,  fc- 
gundo  o  caminho  que  tomou  fendo  man- 
cebo, dellc  fenão  apartará ,  quando  for 
velho. 

7  O  rico  manda  aos  pobres:  eoque 
toma  empreitado,  fervo  he  do  que  lhe 
empreita. 

8  Aquelle,  que  femca  a  iniquidade, 
fegará  males,  (/)  e  ferá  ferido  pela  va- 
ra da  fua  ira. 

9  Aquelle  ,  que  he  propenfo  a  fa- 
zer mifericordia  ,  ferá  abençoado  :  por- 
que deo  dos  feus  pães  ao  pobre. 

is)  Aquelle,  que  faz  prefentes, 
alcançará  viíloria  ,  e  honra  :  mas  elle 
rouba  a  alma  dos  que  os  recebem. 

Lan- 

(e)  He  provérbio.  Como  nem  no  Hebreo  ,  nem 
nos  Setenta  ,  nem  no  Caldeo  fe  lem  eftas  pala- 
vras: He  provérbio  ^  adverte  Calmet,  que  S.  jero- 
nymo  entendeo  devei-las  accrefcentar  aqui  ,  para 
que  os  Leitores  tomaíTem  melhor  o  pezo  a  eíta 
máxima  impartanilílima  da  educação.  Pereira. 

(f)  E  ferd  ferido  ,  <ò^c.  Ou  á  letra  ,  e ferã  acabado  , 
ifío  he  ,  confumido ,  perdido  ,  arruinado.  Pereira. 

( )  Aquelle ,  que  faz  prefentes ,  é^c.  Efte  ver- 
íb  náo  fe  acha  no  Hebreo ,  nem  em  S.  Jeronymo , 
e  falta  rambem  cm  varias  Ediçóci  Latinas  ;  mas 
trazcm-no  os  Setenta.  Calmet. 


122  PrOVEKBIOS. 

10  Liinça  fóra  ao  mofador,  c  com 
clle  fe  irá  a  difputa  ,  e  ceflaráó  as  que*- 
relias,  e  as  contumelias. 

11  Aquelle,  que  ama  a  candura  do 
coração  ,  terá  por  amigo  ao  Rei  por 
caufa  da  fincera  graça  dosfeus  lábios. 

12  Os  olhos  do  Senhor  guardão  a 
fciencia :  mas  as  palavras  do  iniquo  sao 
poftas  por  terra. 

13  (^)  O  preguiçofo  diz:  O  leão 
eftá  lá  fóra  ,  ferei  morto  no  meio  das 
ruas. 

14  Aboca  da  mulher  alheia  he  hu- 
ma  cova  profunda :  aquelle  contra  quem 
o  Senhor  eftá  irado,  cahirá  nella. 

15'  A  loucura  eftá  atada  ao  coração 
do  menino  ,  e  a  vara  da  difciplina  a 
afFugentará. 

16  Aquelle,  que  calumnía  ao  pobre 
para  accrefcentar  as  fuas  riquezas,  elle 
mefmo  dará  a  outro  mais  rico ,  e  virá 
a  fer  neccíTitado. 

In- 

o  fregukofo  ^  ò'C.  Não  ha  efcufa  ,  pretex- 
to ,  ou  fubteríugio  ,  que  os  preguiçoíos  náo  alle- 
guem  para  íe  livrarem  ,  c  verem  íorros  do  traba- 
lho. Pereira. 


Capitulo  XXII.  115 

17  Inclina  o  teu  ouvido,  c  ouve  as 
palavras  da  labedoria  :  e  applica  o  teu 
coração  á  minha  doutrina : 

Io  tu  a  terás  por  fcrmofu ,  quando 
a  guardares  dentro  (/)  do  teu  ventre,  c 
cila  fe  efpalhará  pelos  teus  lábios: 

1 9  para  que  ponhas  no  Senhor  a  tua 
confiança,  por  cuja  caufa  também  eu  ta 
moftrci  hoje» 

ao  Eis-aqui  eftou  eu  mefmo  que  ta 
defcrevi  (/)  emtrcs  maneiras,  compen-" 
famentos  e  com  fcicncia: 

21  para  te  moftrar  (fii)  a  firmeza  ,  e 
as  palavras  da  verdade  ,  (n)  a  fim  de 

Tom.  XI.  I  re- 

(í)  Do  teu  ventre.  Ifto  hç ,  do  teu  coração ,  da 
tua  alma.  PERctuA. 

(/)  £m  tres  maneiras.  Ifto  he ,  em  muitas  ma- 
neira» ,  com  toda  a  exacçâo  c  diligencia  ,  iaculcan- 
do-ta  e  repeiindo'ta  frequentemente.  Huns  enten- 
dem cfte  lugar  das  tres  partes  da  fabedoría  ,  Mo- 
ral ,  Natural  e  Theologica ,  fcgundo  ella  fe  confí- 
derava  entre  0$  Hebrcos.  Outros  fuppóe  que  sáo 
aqui  defignados  os  ires  Livros  dos  Provérbios  ,  do 
Ecclefiaftcs ,  do  Cântico  dos  Cânticos.  Alguns  por 
fim  querem  antes  que  fe  refira  aos  tres  fentidos  da 
Efcritara,  Literal,  Typico ,  Allegorico.  Peaeira. 

(w)   j4  firmeza.  Ifto  hc ,  a  folidcz  da  doutrina. 

PEREIP.A. 

(n)  AJimdi  ref ponderes ,  ^r.  A  fim  dccor- 


124  Provérbios. 
refponderes  com  eftas  coufas  áquelles , 
que  te  enviarão. 

22  Nãt)  faças  violência  ao  pobre, 
porque  he  pobre :  (o)  nem  opprimas  em 
juizo  ao  que  não  tem  nada : 

23  porque  o  Senhor  ha  de  julgar 
a  fua  caufa ,  e  ha  de  trafpafliir  aos  que 
trafpafsárão  a  lua  alma. 

24  Não  queiras  ler  amigo  do  ho- 
mem iracundo,  nem  andes  com  o  ho- 
mem furiolo: 

25  por  não  fucceder  que  aprendas 
as  fuas  varcdas ,  e  dês  á  tua  alma  algum 
motivo  de  cahir. 

Não 

refponderes  á  expeílaçáo  c}c|  que  tc  enviarão  a 
aprender  os  meus  diétames  j  ou  para  cumprires  com 
as  obrigações  do  miniftcrio  ,  que  le  for  impfto> 
ou  para  que  poíías  dat  sáo  confclho  aos  que  10  pe- 
direm, duvidoros  e  perplexos.  Pereira. 

(0)  Nem  opprhms  em  juizo  y  <ò  c.  Ainda  que  o 
Texto  Latino  diz :  neque  comeras  egetwm  in  porta , 
iodos  expõem  aqBcIlc  m  porta  peio  juizo  :  porque 
hc  notório  por  outros  muitos  lugares  da  Efcriiura  , 
c  ainda  dos  Provérbios,  que  osTribunacs,  em  que 
íc  julgavào  as  caufas  ,  eráo  antigamente  ás  portas 
da  Cidade,  E  aílim  leremos  no  Capitulo  XXXI. 
verío  2:5.  Nobilis  in  portis  vir  ejus  :  o  que  todos 
traduzem  juftamentc  afíim  :  Seu  marido  fera  illuf* 
tn  ruis  Ajfmbkas  dos  jTo/z^j.  Pire  ira. 


l 


Capitulo  XXII.  iij' 

26  Não  tc  allies  com  aquelles ,  que 
fe  obrigão  aperrando  as  mãos ,  e  que  fe 
offerecem  por  fiadores  para  refponder 
pelas  dividas  d' outrem  : 

27  porque  fe  tu  não  tens  com  que 
pagar ,  (p)  que  razão  ha  para  que  te  ti- 
rem a  coberta  da  tua  cama? 

28  (q)  Não  pafles  além  dos  antigos 
limites,  que  puzerão  teus  pais. 

29  Vifte  a  hum  homem  ,  (r)  que 
faz  as  fuas  obras  com  velocidade  ?  Efte 

I  ii  te- 

(p)  C^f  razão  ha  ,  ^r.  Por  que  motivo  tc 
inetces  no  aperto  de  que,  pedindo-ce  o  credor  o  di- 
nheiro,  tc  vejas  obrigado,  por  lhe  náo  poderes  fa- 
lisfazer  ,  a  coníentir  que  tc  faça  apprehensáo  no 
incfmo  cobertor  da  tua  cama?  Menoquio. 

(q)  Não  pijfes  ,  eb-c.  Prohibe-fc  aqui  o  ap- 
propriar-íe  qualquer  alguma  parte  da  herdade  ,  ou 
campo  alheio  com  a  mudança  dos  marcos  ,  o  que 
hc  contra  a  Lei  do  Deuteronoroio  XIX.  14.  ou 
também  o  querer  innovar  máximas  diíFcrentes  da- 
qucllas  ,  que  fe  bebem  no  Depofito  da  Fe  ,  e  na 
conftanie  Tradição ,  diàtame,  que  impugna  o  pre- 
ceito do  Apoftolo  aTimothco  na  Epiíiola  I.  Cap.VL 
verfo  2C.  Pereira. 

(r)  Qu€  faz  as  fuas  obras  com  velocidade  ?  A'  le- 
tra fe  traduzirá  :  f^ifle  hum  homem  veloz  ( ifto  he , 
pontual  ,  aélivo  ,  prompio  )  na  fua  obra  í  Diante 
dos  Reis  fe  levantará  firme  ^  enao  efiara  diante  dos 
de  baixa  ejiofa.  Pereira. 


120  PROVEKBIOS. 

terá  cabimento  com  os  Reis  ,  e  não  fi- 
cará no  andar  da  plebe. 

CAPITULO  XXIII. 

Sobriedade  á  meza  dos  Grandes.  Não  buj- 
car  riquezas.  Não  oppnmir  aos  pupil^ 
los.  EJl ar  firme  no  temor  deDeos,  Fu- 
gir das  mulheres  dijfolutas  ^  e  da  bebe- 
diJTe. 

I  ij  Uando  te  aíTcntares  a  comer 
^SL^  com  o  Príncipe ,  confidera  com 
attenção  o  que  fe  te  poz  diante: 

a  {a)  e  põe  huma  faca  na  tua  gar- 
ganta ,  fe  he  todavia  que  eftás  fenhor 
da  tua  alma : 

3  não  defejes  os  manjares  daquel- 
le  5  onde  fe  acha  o  pão  da  mentira. 

4  Não  te  fatigues  por  férrico:  mas 
poe  termo  {V)  á  tua  prudência. 

Não 

(rf)  E  poe  huma  faca  na  tua  garganta.  Quer 
dizer ,  e  reprime  a  gula  ,  ou  corça  o  appctitc  tíeí^ 
ordenado.  Bossuet. 

(b)  A  tua  prudência,  Devc-fe  entender  iflo  da 
prudência  ,  ou  induítria ,  de  que  fc  valem  os  ho- 
mens para  ajuntar  riquezas,  da  qual  íaila  o  SalvA'* 
dgr  cm  S.  Lucas  XVI.  8.  Menoí^ujo. 


Capitu  to  XXIII.  127 

$  Nâo  ergas  os  teus  olhos  para  hu- 
mas  riquezas,  que  tu  não  podes  ter  :  por- 
que ellas  tomaráó  azas  como  de  águia , 
c  voarão  para  o  Ceo. 

6  Não  comas  com  o  homem  inve- 
joíb,  enão  appeteças  os  feus  manjares: 

7  (c)  porque  á  femelhança  de  adi- 
vinho j  e  conjedturador  ,  faz  juizo  do 
que  ignora. 

Come  ,  e  bebe  ,  te  dirá  elle  : 
(d)  mas  o  feu  coração  não  eílá  comtigo. 

o  (e)  Tu  vomitarás  os  manjares  que 
tiveres  comido  :  e  perderás  os  teus  fa- 
bios  diícurfos. 

Não 

(c)    Porque  dfemelban^a  de  adivinho  ,  ó-c.  Por- 

Íjuc  lo^o  que  te  alTcncares  á  mcza ,  lá  dentro  com- 
igo, como  conjcciurador  do  futuro  ,  e  adivinho, 
penfará  ,  c  avaliará  o  quanto  has  de  comer;  e  quan- 
do comeres  ,  contará  quaíi  todos  os  bocados  ,  que 
mettcrcs  na  boca  ,  eftando  com  cuidado  de  lhe  não 
fazeres  muito  gaíío  cm  demazia.  Menoquio. 

Q{)  Mas  o  f^u  corai^do ,  ó*c.  Ifto  hc  ,  nào  diz 
de  veras  que  comas ,  e  bebas ,  mas  fò  por  ccrcmo- 
nia  c  cumprimento.  Pirura, 

(e)  Tu  vomitarás  ,  ^c.  Conhcccndo-lhc  tu  o 
caraaer  que  tem  de  avarento  ,  e  a  má  vontade, 
com  que  te  põe  á  Tua  meza  ,  não  fó  defejarás,  fc 
puderas  ,  lançar-lhc  alli  toda  a  comida  para  lha  náa 
IcvAres  comtigo  \  mas  ainda  te  aiiepcndcrái  da  cot» 


12?  Provérbios. 

9  Não  falles  aos  ouvidos  dos  infen- 
fatos:  porque  elles  defprezaráó  a  dou- 
trina das  tuas  palavras. 

10  (/)  Não  toques  nos  limites  dos 
pequeninos  :  e  não  entres  no  campo 
dos  pupillos: 

11  f^)  porque  o  Teu  propinquo  he 
poderofo  :  e  elle  melmo  fe  fará  con- 
tra ti  o  defenfor  da  fua  caufa. 

12  Entre  o  teu  coração  na  doutri- 
na :  e  os  teus  ouvidos  nas  palavras  da 
fciencia. 

13  Não  fubtrahas  a  correcção  ao 
menino:  porque  fe  tu  o  fuftigares  com 
â  vara,  elle  não  morrerá. 

Tu 

tczã ,  c  fabia  converfaçáo  ,  dos  chiftcs  ,  graças , 
facécias ,  e  agudos  donaires ,  que  com  elle ,  c  dian- 
te dclle  efpcrdiçaíte.  Pereíha. 

Çf)  Nio  toqm ,  «5^f.  Confira-fc  aflima  o  Ca- 
pitulo XXII.  verfo  28.  Periiua. 

(g)  Porque  o  feu  propinquo  he  pederofo.  Quem 
feja  efte  propinquo  poderofo ,  que  defende ,  c  vin- 
ga das  injúrias  o  pobre ,  declaráo  os  Setenta ,  ver- 
tendo aqui :  Porque  o  Senhor ,  qae  he  o  feu  Redem^ 
ftor ,  he  poderofo,  O  mcfmo  Dcos  logo  he  o  po- 
derofo luror  do  pobre ;  e  ifto  pelo  direito  do  parcn- 
tefco  que  tem  com  elle  ,  por  fe  ter  feito  homem 
como  elle,  e  pobre  por  amor  dcllc.  Fbrsiaa. 


Capitulo   XXIII.  129 

14  Tu  o  fuftigarás  com  a  vara  :  e 
livrarás  a  fua  alma  do  inferno. 

!>  Filho  meu  ,  fe  o  teu  animo  for 
fabio  ,  o  meu  coração  fe  alegrará  com- 
tigo : 

16  e  os  meus  rins  exultarão  de  pra- 
zer, quando  os  teus  lábios  tiverem  pro- 
ferido o  que  he  rctio. 

17  O  teu  coração  nao  tenha  inveja 
aos  peccadores :  mas  confcrva-te  no  te- 
mor do  Senhor  todo  o  dia  : 

18  porque  terás  efperança ,  quando 
chegar  o  teu  ultimo  dia  ,  e  não  te  ferá 
roubada  a  tua  expectação. 

19  Ouve  ,  filho  meu  ,  e  sê  fabio  : 
e  conduze  a  tua  alma  pelo  caminho  di- 
reito. 

20  Não  te  queiras  achar  nos  ban- 
quetes dos  grandes  bebedores  ,  nem  nas 
comezainas  daquelles  ,  (h)  que  fazem 
vir  os  manjares  para  comerem  de  com- 
panhia : 

Que  fazem  vir  os  manjares  pari  comerem  de 
eompsnhia.  Os  Setenta ,  c  depois  delles  Theodociâo 
o  emendem  não  fimplesmcnte  dos  quf  fe  banque- 
tcáo  juntos  ,  mas  dos  que  fe  banqueteio  juntos , 
concorrendo  cada  hum  com  o  feu  unto  para  prato : 


13©  Provérbios. 

21  porque  paflando  o  tempo  em  be- 
ber ,  e  em  contribuir  com  os  feus  efco- 
tes,  elles  fe  arruinaráó,  (/)  e  a  fua  dor- 
mente preguiça  veftir-fe-ha  de  trapos. 

22  Ouve  a  teu  pai,  que  te  gerou: 
c  não  defprezes  a  tua  mái,  quando  for 
velha. 

2  3  (/)  Compra  a  verdade  ,  e  não 
queiras  vender  a  fabcdoria ,  nem  a  dou- 
trina, nem  a  intelligencia. 

24  O  pai  do  jufto  falta  de  prazer : 
o  que  gerou  ao  fabio  terá  nelle  a  fua 
alegria. 

Nef- 

que  ifto  quer  dizer  a  palavra  Symbola ,  de  que  usão 
os  referidos  Interpretes  Gregos ,  e  que  também  foi 
adoptada  na  lingua  Latina  :  aqucUa  quantia  ,  com 
que  cada  hum  dos  convidados  contribue  da  fua  par- 
te para  o  banquete  ,  por  hum  fó  termo  ainda  no 
Portuguez  fe  chama  ejcote.  Peru  ha. 

Cl)  E  á  fua  dormente  preguiça ,  ^c,  O  pregui- 
colo  reduzido  por  ultimo  á  extrema  falta  do  ncccf* 
iario ,  andará  feico  pobre  andrajofo.  Calmit. 

(/)  Comprd  d  verdade  ,  &c.  Compra  a  verda- 
de,  a  fe ,  a  íinceridade  ,  a  igualdade  ainda  que  feja 
com  o  mais  exorbitante  difpcndio  de  todas  as  toas 
coufas :  e  fe  alcançares  a  fabcdoria  ,  guardada  cui- 
dadofaroente  ,  c  olha  não  na  vendas  por  preço  aU 
gum^  ou  a  largues  de  ti.  Psrbíra. 


Ca  TITULO  XXIII.  131 

2^  Nefta  alegria  viva  teu  pai  ,  e 
tua  mâi ,  e  a  que  te  gerou  ,  exulte. 

26  Dá-me  ,  filho  meu,  o  teu  cora- 
ção :  c  os  teus  olhos  guardem  os  meus 
caminhos. 

27  Porque  a  mulher  proftituta  he  hu- 
ma  cova  profunda  :  e  a  alheia  he  hum 
poço  cftreito. 

28  Ella  eftá  d'embofcada  no  ca- 
minho ,  como  hum  falteador  y  c  ella 
matará  aos  que  vir  defapcrcebidos. 

29  A  quem  fe  dirá  :  Defgraçado 
dc  ti?  ao  pai  de  quem  fe  dirá  :  Def^ 
graçado  de  ti  ?  para  quem  feráo  as  bu- 
lhas ?  para  quem  os  precipicios  }  para 
quem  as  feridas  fem  caufa  }  para  quem 
(m)  a  névoa  dos  olhos? 

30  Para  quem  ,  fenâo  para  aquel- 
les ,  que  levão  o  tempo  a  beber  vinho, 
e  tem  o  feu  gofto  em  defpejar  os  copos  ? 

31  Não  olhes  para  o  vinho  ,  quan- 
do te  começa  a  parecer  louro ,  quando 

bri^ 

fm)  ^  A  névoa  dos  olhos  ?  O  Hebreo  diz :  a  ver- 
melbidSo  ( incendiada)  da  olhos ,  que  deslumbra ,  e 
oífufca  a  víâa.  Perxika» 


f^z  Provérbios. 

brilhar  no  vidro  a  fua  cor  :  ellc  entra 
fua vem  ente , 

32  mas  no  fim  morderá  como  huma 
ferpente,  e  diíFundirá  o  feu  veneno  co- 
mo hum  bafilifco. 

33  Os  teus  olhos  verão  (;/)  as  a- 
Iheias  ,  e  o  teu  coração  faliará  pala- 
vras defregradas. 

34  E  tu  feras  como  hum  homem 
dormente  no  meio  do  mar  ,  e  como 
hum  piloto  fopico  ,  (0)  que  perdeo  o 
leme  : 

35r  e  dirás:  Efpancarão-me ,  mas  a 
mim  não  me  doêo :  arraftarão-me ,  mas 
eu  não  fenti  :  (p)  quando  defpertarei 
eu,  e  quando  acharei  mais  vinho  para 
beber? 

CA- 

(«)  alheias.  Tilo  he  ,  as  mulheres  alheias , 
cobiçando-as.  O  vinho  atiça  a  concupifcencia  ,  c 
dcftcrra  o  pejo ,  guc  faz  conter  os  olhos  dentro  dos 
limites  da  modeftia.  Calme r. 

(0)  Que  perdeo  o  leme.  Da  razão ,  c  por  confc- 
quencia  o  devido  comportamento.  PERErRA. 

Cp)  Quando  defpertarei  eu  ?  Os  Setenta  lem  : 
Quando  romperá  a  madrugada  pira  ir  bufcar  oú- 
tm ,  com  quem  entreter  o  tempo,  Pirkira. 


Provekbios.  133 

CAPITULO  XXIV. 

Não  invejar  a  profperidade  dos  mdos.  Não 
ejlimtir  fenao  d  fabedoria,  Sojler-fe  no 
tempo  da  afjiicção.  Não  Je  regozijar  com 
a  ruina  dos  feus  inimigos.  Temer  a  Deos  , 
e  ao  Rei,  Evitar  a  preguiça. 

I  Âo  tenhas  inveja  aos  homens 

JL^iiiáos,  nem  defejes  eftar  com 
elles : 

2  porque  o  feu  efph-ito  medita  ra- 
pinas ,  e  os  feus  lábios  fallao  enganos. 

3  A  cafa  fundar-fe-ha  com  a  fabe- 
dória  ,  e  fortificar-fe-ha  com  a  pru- 
dência. 

4  Pela  doutrina  (a)  encher-fe-hao  as 
defpenfas  de  roda  a  fubílancia  precioía  , 
e  fermofiílima. 

5-  O  varão  fabio  he  forte  :  e  o  va- 
rão douto ,  robuíto  e  valente. 

6  Porque  a  guerra  pela  boa  ordem 
fe  maneja :  c  a  falvação  achar-fe-ha  on- 
de ha  muitos  confelhos. 

Pa- 

(4)  Encher-fe-h/ío  ^  ó^c,  Ifto  hc  ,  todas  as  ofH- 
cínas  ,  c  quartos  da  cafa  fc  encherão  de  todos  os 
bens,  c  alfaias  de  grande  valor ,  c  de  mui  refulgen- 
te fcrmofurã.  Pckii&a. 


134  Provérbios. 

7  Para  o  infenfato  he  árdua  a  fabc- 
doria ,  (b)  elle  não  abrirá  na  porta  a  fua 
boca. 

8  Aquelle,  que  anda  cuidando  em 
fazer  males,  ferá  chamado  infenfato. 

9  O  penfamento  do  infenfato  he  o 
peccado  :  e  o  detraílor  he  a  abomma- 
ção  dos  homens. 

10  (c)  Se  tu  perderes  a  efperança 
defcorçoado  no  dia  da  anguftia  :  ferá 
mingoada  a  tua  fortaleza. 

1 1  Tira  do  perigo  aquelles  ,  que 
são  levados  á  morte  :  c  não  céíTcs  de 
livrar  aos  que  são  arraítados  {d)  ao  de- 
goUadouro. 

Se 

(b)  Elie  não  abrira ,  ó^c.  Ou ,  de  nenhum  mo- 
do poderá  rcr  aíTento  nos  Tribunaes  para  adminif- 
irar  a  juítiça  ás  porcas  da  Cidade ,  por  falta  d^  fa- 
bedoria ,  que  náo  chegou  a  alcançar ;  ou  fendo  alíi 
preícntado  como  réo  j  n?.o  poderá  desfazer  as  objec- 
ções da  parte  que  o  accufa,  por  fe  achar  deílituido 
das  luzes  e  amparo  da  mcfma  fabedoria.  Pereira. 

(c)  Se  tu  perderes  a  efperança ,  eb-f.  O  feniido 
hc  ,  que  vem  a  fer  pequena  a  fortaleza  ,  e  a  paciên- 
cia daquellesj  que  deícorçoão  á  viíta  dcquaefquer 
adverfidades ,  c  que  dcfefperáo  de  melhorar  dc  cf- 
tado.  Menoquio. 

(d)  Ao  degolladouro.  A'  carnificina  ,  ou  ao  pa- 
tíbulo ,  para  íc  lhes  tirar  a  vida.  O  que  fc  deve  cn* 


Capitulo  XXIV.  ijy 

II  Se  tu  diíTeres :  As  forças  (e)  nao 
me  ajudao  :  o  mefmo  que  hc  inlpeítor 
do  coração  ,  o  conhece  ,  e  ao  guarda- 
dor da  tua  alma  nada  le  efconde  ,  e 
elle  retribuirá  ao  homem  (f)  fegundo 
as  luas  obras. 

1 3  (g)  Come  ,  filho  meu  ,  do  mel , 
porque  he  bom ,  e  do  favo  ,  porque  hc 
dociíEmo  á  tua  garganta  : 

14  tal  fera  também  para  a  tua  al- 
ma a  doutrina  da  fabedoria  :  quando  tu 
a  achares  ,  terás  eíperança  na  tua  ulti- 
ma hora  ,  e  a  tua  efperança  não  pere- 
cerá. 

Não 

tender ,  fc  forem  innoccntcs ,  c  não  tiverem  quem 
lhes  acuda.  Vcja-fe  o  Salmo  LXXXI.  4.  Pereira. 

(e)  Não  me  ajudão.  Para  livrar  o  innocenie  rc- 
Cítindo  aos  calumniadores  ,  c  aos  que  injuftamen- 
ic  o  opprimem.  Atéqui  Menoquio.  O  Hebreo  diz : 
Nao  conhcí^O  a  ejie.  Pereira. 

(/)  '^^g'^ndo  as  fuas  obras.  Deos  que  vè,  c  co- 
nhece o  coração  do  hom?m  ,  c  aré  onde  fe  eften- 
dem  as  fuas  torças  ,  lhe  dará  o  premio  ou  caf- 
ligo ,  fegundo  o  que  obrar  com  feu  próximo.  Pe- 

KKIRA. 

(^^  Come  ,  &c,  Appctecc  os  frutos  da  fabedo- 
ria ,  c  quando  os  tiveres  alcançado ,  goza  dellcs , 
porque  sáo  mais  doces  para  a  alma  ,  do  que  he  o 
favo  de  mel  ao  paladar,  Mbnoqvio. 


1^6  Provefbios. 

15'  Não  armes  traições  ao  jufto,  e 
não  andes  bulcando  a  impiedade  na  fua 
caía,  nem  perturbes  o  feu  repoufo. 

16  (h)  Porque  o  jufto  cahirá  fete 
vezes,  c  tornar-íe-ha  a  levantar:  porém 
os  ímpios  ferão  precipitados  no  mal. 

17  Não  tc  alegres  ,  quando  cahir 

o 

(Jf)  Porque  o  jujlo ,  ò^c.  Aqui  fe  accrefcenta  vul- 
armentc  no  dia ;  liçáo ,  que  nem  fe  acha  no  He- 
reo,  nem  nos  Setenta  ,  nem  nos  Manufcritos, 
nem  nos  Exemplares  impreíTos  com  a  devida  cor- 
recção. Tem  dous  fentidos  efte  lugar.  O  primeiro 
he  j  que  ,  náo  obftante  cahir  o  juíío  muitas  vezes 
em  faltas  leves ,  por  ferem  inevitáveis  á  fragilidade 
humana ,  elle  todavia  ajudado  logo  com  a  graça  dc 
Deos  Ic  levantará  ,  e  por  confequencia  náo  achará 
nellc  o  maldizente  coufa  grave ,  de  que  o  pofla  ac- 
cufar ;  ao  mefmo  tempo  que  03  ímpios  fe  precipi- 
tarão no  mal,  paradellc  nunca  mais  fe  Icvrintarem  ; 
o  fegundo  ,  que  hc  de  Santo  Agoftinho  no  Livro  Xí. 
da  Cidade  de  Deos  Capitulo  XXXÍ.  mo(lra  que  as 
palavras  do  Texto  fe  entendem  náo  das  culpas  c 
pcccados ,  fenáo  das  tribulações  ,  que  nos  fazem  hu- 
milhar. Funda-fe  eíta  intelligencia  em  que ,  na  opi- 
nião de  alguns  apontados  porCalmet  o  verbo,  que 
íign.nca  no  Hebreo  cahir  ,  quando  fe  oppóe  a  ou- 
tro que  quer  dizer  levantar  ,  nunca  denota  queda 
cm  crime  ,  mas  fim  em  calamidades.  Veja-fe  Ifa- 
iasXXlV.  20.  Jeremias  XXV.  27.  Amos  VIII.  14- 
Miqueas  VII.  8.  com  o  Salmo  KK^VL  v.  24.  i5« 
Pkheira. 


Capitulo  XXIV.  137 

o  teu  inimigo  ,  nem  o  teu  coração  fc 
regozije  com  afua  ruina: 

18  por  nao  íucceder  que  o  Senhor 
o  veja ,  e  que  ifto  lhe  deíagrade ,  (i)  e 
que  tire  de  fima  delle  a  fua  ira. 

19  (/)  Não  andes  cm  competência 
com  os  homens  peíEmos  ,  nem  invejes 
aos  ímpios : 

20  porque  os  mãos  nao  tem  efpe- 
rança  alguma  para  o  futuro  ,  e  a  can- 
deia dos  ímpios  apagar-ic-ha. 

21  Teme  ,  filho  rneu  ,  ao  Senhor, 
c  ao  Rei :  c  não  te  miílures  com  os  de- 
traftores : 

22  porque  de  repente  fe  levantará 
a  fua  perdição:  {m)  e  quem  fabe  a  ruí- 
na de  ambos? 

O 

(í)  Eque  tire  de  [ma  delle  a  fua  ira,  E  a  def- 
afogue  contra  ti.  Pereira. 

(/)  Não  andes  em  competência  com  os  homens  péf- 
fwios,  Imiiando-os.  Pereira. 

(m)  £  quem  [abe  a  ruina  de  ambos  ?  Ifto  he  , 
daquellc ,  que  não  refpcita  a  Dcos ,  e  do  que  nega 
fujciçáo  ao  Rd.  Outros  expõe  afíim  :  Quem  po- 
deiá  alcançar  com  o  entendimento  a  vingança ,  que 
Dcos  e  o  Rei  ,  eltes  dous  poderes  já  le  fabc  táo 
fortes  e  formidáveis ,  háo  de  exercitar  contra  o  mal- 
dizente e  o  blasfemo^  Calmet, 


138  Provérbios. 

23  O  que  vou  a  dizer,  he  também 
para  os  fabios :  Não  he  bom  fazer  ac- 
cepção  de  peíToas  nos  juizos. 

24  Aquelles,  que  dizem  ao  ímpio: 
(?/)  Tu  es  jufto:  ferão  amaldiçoados  dos 
Povos  5  e  dcteftados  das  tribus. 

ajr  Aquelles  ,  que  o  reprchendem , 
fcrão  louvados  :  c  virá  fobrellcs  a  benção. 

26  Aquelle  ,  que  dá  huma  rcfpofta 
direita,  (0)  dará  hum  beijo  na  boca. 

27  (p)  Prepara  de  fora  a  tua  obra  ^ 
e  lavra  cuidadofamente  o  teu  campo : 
para  que  depois  edifiques  a  tua  cafa. 

Não 

(«)   Tu  es  jufto.  Confíra-fc  Ifaias  V.  23.  Pe- 

HtlRA. 

(o)  DarÁ  hum  beijo  na  boca,  Ifto  he,  dará  hu- 
ma prova  da  fua  amizade  ,  bem  aílim  como  o  ofculo 
hc  hum  final  dcUa  entre  os  amigos.  O  Sabio  ex- 
plica adiante  XXVIII.  2^.  com  mais  clareza  efta 
mcíma  -/erdade.  Saci. 

(p)  Prepara  de  fora  ,  ^c,  Hc  efte  ,  fcgundo 
IVlcnoquio  c  outros  ,  hum  preceito  de  economia  , 
que  enfina  dever-fc ,  antes  de  levantar  cafas  cm  po- 
voado ,  tratar  da  cultura  do  campo.  Mas  tomado 
no  fentido  allegorico  vem  a  dizer ,  que  ninguém  ha 
de  lançar  máo  d  huma  empreza ,  fem  que  primci- 
10  coniidere  muito  de  vagar  fe  tem  fufficientes  for- 
ças para  a  levar  ao  cabo,  Veja-fc  S.  Lucas  XIV.  i^f 
Fereika. 


^1 


Capitulo  líXlV.  139 

28  Não  fejas  teftemunha  (q)  em 
vão  contra  o  teu  próximo:  nem  feduzas 
a  ninguém  com  os  teus  lábios. 

29  Não  digas  :  (r)  Como  elle  me 
fez  a  mim ,  alEm  farei  eu  a  clle  :  torna- 
rei a  cada  hum  fegundo  as  fuas  obras. 

30  Eu  palfei  pelo  campo  do  homem 
preguiçofo  ^  e  pela  vinha  do  homem 
infenfato : 

31  e  eis-que  achei  que  tudo  cftava 
cheio  d*  ortigas,  e  que  os  efpinhos  co- 
brião  a  fua  fuperficie  ,  e  que  o  muro  dc 
pedra  eftava  cahido. 

Tom.XI.  K  O 

(^)  Em  vão.  Ou ,  como  lem  os  Setenta ,  Jalfd, 
Pereira.  — * 

(r)  Como  elle  m:  fez  d  mim.  Depois  da  prohi- 
biçáo  do  odio ,  como  já  fc  vio  aíiima  noverío  17. 
piohibc-fe  também  aqui  a  vingança.  Nem  a  Lei  do 
talião,  que  fe  acha  no  Lcvitico  XXIV.  ip.  20.  fc 
oppóc  a  cfta  doutrina  ;  porque ,  tomada  á  letra , 
nunca  vinha  jamais  a  approvar  a  vingança ,  mas  a 
coartalla  e  pnr-lhc  limites ;  fendo  eíti ,  como  pon- 
dera Sanro  Agottinho  fobre  o  Salmo  GVIII.  le  af- 
fim  fc  pôde  dizer,  a  juftiça  dos  injuftos :  Hxc ^  ff 
dici  potejl  y  injujiorwn  jufihia  eji  :  c  9.  entender-Íc 
n'outro  fentido  ,  mandava  íó  que  fc  proporcionaf- 
fc  com  efcrupulofa  igualdade  a  pena  com  o  delito. 
De  qualquer  modo  que  fc  coníiderc  a  mencionada 
Lei,  dizia  fó  rcfpcito  aos  Juizes  c  Magiftrados ,  cf- 


140  Provérbios. 

32  O  que  tendo  euvifto,  (s)  pullo 
no  meu  coraqão  ,  e  defte  exemplo  apren- 
di a  difciplina. 

33  Hum.  pouco  5  diíTe  eu  comigo, 

dor- 

tabcleccndo  huma  regra  certa  para  os  caftigos  pú- 
blicos. Pereira. 

(5)  Pullo  no  meu  corarão.  Ifto  he ,  dcpoíírci  den- 
tro no  meu  coração  eftc  reparo  ,  e  á  vitta  do  que 
obfervára ,  tomei  exemplo  para  me  corrigir  ,  c  fa- 
zer mais  vigilante  e  circumlpeílo  na  reforma  da  mi- 
nha vida.  Os  Setenta  lem  :  Por  ultimo  eu  tenho  fei- 
to penitencia ,  e  tenho  pofto  a  mira  em  elegei  a  cor- 
recção y  ou  O  caftigo.  rieilas  palavras  inferem  S.  Cy- 
rillo  Jerofolymitano  CatecheJ.ll.  Illuminandorum  ,  De 
pxnitentia ,  <ò'  remijjione  peccatcrum ,  (ò^  de  Adverfa- 
rio ,  Cap.  XIII.  e  S.  Jeronymo  lebre  o  Cap.  XLllí, 
d' Ezequiel  ,  que  Salamáo  depois  do  peccado  fize- 
ra penitencia  ,  c  fe  falvára.  E  verdadeiramente  o 
campo  cheio  d' ortigas,  a  vinha  coberta  d' eípinhos  , 
c  o  muro  derrubado ,  parece  que  sáo  humas  repre- 
fentaçóes  ,  e  figuras  da  fua  queda  ,  pela  quai  de- 
pois afHrma  ter  feito  penitencia  3  mas  fallando  aqui 
Salamáo  ,  como  querem  outros,  cm  pefloa  d' hum 
homem  que ,  vendo  o  campo  d'  outro  homem  prc- 
guiçofo  ,  coberto  d'  ortigas ,  com  eíte  exemplo  fc 
cxhorta  a  fi  mefmo  a  lançar  máo  do  trabalho  com 
grande  diligencia  ,  para  evitar  a  deshonra  da  pre- 
guiça e  da  pobreza  ;  fica  fem  maior  vigor  aquella 
inteiligencia  ,  que  favorece  a  penitencia  de  Salamáo 
deduzida  defte  lugar.  Veja-íc  a  Nota  que  vem  na 
Edição  Bcnedié>ina  fobre  a  opinião  dcS.  Cyrillo  já 
allcgado,  com  o  que  /obre  o  mefrro  aíTumpto  dife 


Capitulo  XXIV.  141 
dormirás  ,  outro  breve  efpaço  dormita- 
rás ,  outro  poucochinho  cruzarás  as  mãos , 
para  defcançares  : 

34  c  virá  fobre  ti  a  indigência,  co- 
mo hum  caminheiro ,  e  a  mendiguez  co- 
mo hum  homem  armado. 

frrão  outros  Padres  allegados  no  Diãmarium  Ma* 
niiale  Biblicum  de  Calmet  com  as  Annotaçóes  dc 
Áquila  na  palavra  Salomon.  Peaeira. 

CAPITULO  XXV. 

O  coração  dos  Reis  impenetrável.  Não  Je 
exaltar  a  Jl  mefmo.  Palavra  dita  a  pro* 
pofito.  Promeff^a  j em  efeito,  Trijleza  do 
coração.  Fazer  bem  aos  inimigos.  Pôr 
freio  d  curiofidade. 

I   ¥7^  Stas  são  também  Parábolas  de 
JL4  Salamao  ,  {d)  as  quaes  tranfcre- 
verão  os  fervos  d'  Ezcauias  Rei  de  Judá. 

K  ii  A 

{a)  As  íjuaes  tranfcrevêrão  os  fervos  d'  Ezequias , 
ó^c.  Salamáo  tinha  compofto  muitas  Obras  ,  que 
náo  chegarão  a  nós  :  as  mefmas  Parábolas  ,  que 
clle  efcreveo ,  diz  a  Efcritura ,  que  foráo  trefi  mil : 
(III.  Rcg.  IV.  ^2.)  c  delias  náo  feconferváo  hojè, 
fenáo  as  que  temos  no  prefente  Livro  dos  Provérbios  , 
que  náo  chegáo  a  mil :  pois  que  o  numero  dos  feus 


142'  Provérbios. 

2  (b)  A  gloria  de  Deos  he  encobrir 
a  palavra  ,  e  a  gloria  dos  Reis  he  in- 
veítigar  o  difcuríb. 

O 

verfos  hc  fó  de  915.  As  outras  foráo-fc  cfqucccn- 
do ,  como  menos  importantes  :  e  nào  as  quizeráo 
os  Meftres  da  Synagoga  mettcr  no  Canon  das  Sa- 
gradas Efcrituras  ,  julga  Tottado  que  por  lerem 
mais  curiofas ,  e  mais  próprias  a  moílrar  a  grande- 
za do  génio  do  Author  ,  do  que  utcis  para  os  cof- 
tumes  5  c  próprias  para  a  cdifia^çáo.  Colligíráo-fe 
pois  as  que  parecèráo  mais  neccííarias  ,  c  cíbs  íe 
metieráo  na  cIíÍTc  dos  Livtos  Samos.  As  que  nós 
lemos  neíte  Capitulo,  e  nos  íeguintes ,  íorèo  com- 
piladas pelos  íervos  do  Rei  Ezequias;  iílohe,  por 
aqucUes  íabios  ,  a  qcem  Ezequias  encarregou  dcfta 
cfcoiha,  os  quacs  podiáo  ítTlfaias,  Eliacim ,  Sob- 
na ,  Joahe,  muito  conhecidos  ,  e  célebres  na  Cor- 
te d' Ezequias.  (  IV.  Rcg.  XVII í.  26.)  Calmet. 

(b)  A  gloria  de  Deos ,  é^  f .  Ou  o  fentido  he , 
que  pertence  á  gloria  e  magcftade  de  Deos  enco- 
brir a  palavra ,  iílo  he ,  efconder  as  razões  dos  íeus 
juizes  e  confcíhos  ;  porque,  fendo  cllc  dc  todos  o 
Senhor  Supremo  ,  náo  tem  íuperior ,  ou  igual ,  a 
quem  fcja  obrigado  a  dar  conta.  A  eua  inierprcia- 
çáo  correrponie  ao  contrario  a  outra  parte  da  fcn- 
tença:  j4  gloria  dos  Reis  he  invejtigar  o  difcurfo  ^ 
como  fe  diilèra ;  He  decorofo  aos  Reis  invcítigar, 
c  ter  á  máo  as  razoes  e  os  fun. lamentos  dos  Icus 
decretos,  para  que  pofsáo  tapar  a  boca  aos  íeus  ca- 
lumniadores.  Ou  ,  íegundo  outra  intclligc ncia  ,  vem 
a  infmuar,  que  diz  refp  ito  á  gloria  dc  Deos  ,  o 
náo  fc  entender  com  facilidade  a  Sagrada  Eícniui 


Capitulo  XXV.  143 

3  (c)  O  Cco  na  fua  altura ,  e  a  ter- 
ra na  (ua  profundidade ,  e  o  coração  do 
Rei  he  inexcrutavel. 

4  Tira  a  ferrugem  da  prata  ,  e  fa- 
hirá  hum  vafo  purillimo : 

5  tira  a  impiedade  da  prefença  do 
Rei ,  e  o  íeu  Throno  fe  firmará  na  juíliça. 

6  Não  apparcças  ufano  diante  do 
Rei  ,  e  não  te  ponhas  no  lugar  dos 
Grandes. 

7  Porque  melhor  he  que  te  digão : 
Sobe  para  cá ;  do  que  feres  humilhado 
diante  do  Frincipe. 

8  Não  defcubras  logo  no  principio 
da  contenda  ,  (d)  o  que  virão  os  teus 
próprios  olhos  :  por  não  te  fucceder, 
que  depois  de  teres  tirado  a  honra  ao 

teu 

ti  ;  c  qac  toca  á  honra  dos  Reis  averiguar  os  fcus 
occukos  fentidos.  Minoquio. 

(f)  O  Ceo  nt  fua  altura  ,  ú^c,  Aííim  como  hc 
diííicultofo  inveftigar  a  diíhncia  que  vai  do  Ceo  á 
terra  ,  ou  a  altura  do  Cco  ,  e  a  profundidade  da  ter» 
ra  ;  alíim  também  o  hc  querer  fondar  o  coração 
do  Rei.  Menoquio. 

(íi)  O  que  virio  os  teus  próprios  olhos.  Sc  fabes 
alguma  coufa  que  redunda  cm  dcfcrcdito  do  teu 
próximo ,  cáU-a  ,  c  nâo  lha  lances  logo  em  rofto. 
Pereira* 


144  Provérbios. 
teu  amigo,  não  poíTas  depois  tornar  a 
reparar-lha. 

9  Trata  o  teu  negocio  com  o  teu 
smigo  ,  e  não  defcubras  o  teu  fegredo 
a  hum  eftranlio: 

10  porque  não  fucceda  que  te  in- 
fulte,  logo  que  o  ouvir,  cnão  cefle  de 
to  lançar  em  rofto. 

{e)  A  graça  e  a  amizíide  livrão:  con- 
ferva-as  para  ti ,  para  que  não  caias  cm 
defprezo. 

11  (/)  Aquelle,  que  profere  a  pa- 
lavra a  feu  tempo  ,  he  como  huns  po- 
mos de  ouro  em  leitos  de  prata. 

12  {g)  Aquelle  ,  que  argue  ao  fa- 
bio  ,  e  ao  ouvido  obediente  ,  he  como 

hu- 

(e)  A  grã(^a  ,  e  a  amizíide  livrão  ,  ^c.  Eftc 
Tcrfo  falta  no  Hcbreo  ,  e  por  iíTo  o  omittio  tam- 
bém S.  Jeronymo  na  fua  vcrsáo  :  mas  irazcm-no  os 
Setenta.  Calmet. 

(/)  Aquelle,  que  profere,  ^c.  O  homem,  que 
falia  a  tempo,  eapropolico  diftin^ue-fc ,  brilha,  c 
realça  tanto  entre  os  mais  ,  quanto  os  pomos  de 
ouro  imitados  Jaarte  cm  fórma  de  maçanetas  afFer- 
mofeáo  os  leitos  de  prata  ,  fobre  cujos  balauftres 
fe  acháo  ou  e n gaita  ios  ,  ou  pendentes.  Confira- fc 
o  Livro  d' Eft^cr  ,  1.6.  Pereira. 

(^)  Aquelle  ,  que  argue ,  é>  c.  Aííim  como  a 
brilhante  mar^arita  orna  muito  a  arrecada  de  ouro^ 


Capitulo  XXV.       1 45' 

humas  arrecadas  de  ouro,  e  huma  bri- 
lhante pérola. 

13  O  embaixador  fiel  he  para  quem 
o  enviou,  o  que  he  a  frieza  da  neve  no 
tempo  da  Teifa  ,  ellc  dá  defcanço  á  al- 
ma de  feu  amo. 

14  O  homem  ,  que  fe  gloria  ,  e  não 
cumpre  as  promeíTas  ,  he  como  o  ven- 
to,  e  as  nuvens  ,  que  não  trazem  chuva. 

15*  O  Príncipe  mitigar-tc-ha  pela 
paciência  ,  e  a  lingua  branda  quebran- 
tará a  dureza. 

16  (h)  Achafte  mel  ,  come  o  que 
te  bafta  ,  para  que  não  fucceda  ,  que 
depois  de  farto  o  vomites. 

17  Retira  o  teu  pé  da  cafa  do  teu 
próximo,  para  que  não  fucceda  que  elle 
de  cnfaftiado  tc  aborreça. 

18  Aquelle,  que  diz  hum  falfo  tef- 
temunho  contra  o  feu  próximo,  he  hum 

dar- 
em que  eftá  cngaftada ;  do  mefmo  modo  a  fabia 
advertência  címalta  o  oavido  obediente  ,  que  ou- 
ve cOTi  cfFeito  a  reprehensáo  ,  que  fc  lhe  dá. 
Menoquío. 

Achajic  mel  ,  &^c.  Como  fe  diíTera  :  Ufa 
de  mediania  em  todas  as  coufas ,  e  principalmente 
luqucllas,  que  delcitáo  oí  fcntidos.  Mewoquio. 


1^6  Provérbios. 

dardo,  c  huma  efpada,  e  huma  frécha 
penetrante. 

19  Quem  cfpera  no  desleal  no  dia 
da  anguftia  ,  procura  fazer  força  num 
dente  podre,  e  num  pé  canfado, 

20  (/)  e  perde  a  capa  num  dia  de  frio. 
(/)  Aquelle  ,  que  canta  canções  a 

hum  coração  peíllmo,  he  como  o  vina- 
gre que  fe  lança  no  nitro.  l 

(m)  Aífim  como  a  polilha  come  o 
veftido  ,  e  o  caruncho  a  madeira  :  do 
mefmo  modo  róc  a  trifteza  o  coração 
do  homem. 

21  Se  o  teu  inimigo  tiver  fome  , 

da- 

(/)  E  perde  a  capa  ,  éNf.  E  fucccder-Ihc-h«  o 
mcfmo  que  acontece  ao  que  perde  a  capa  num  dia 
de  frio.  Pereira. 

(/)  Aquelle  y  que  canta  ,  ót.  Aflim  como  o 
nitro  mifturado,  e  diíTolvido  no  vinagre  fica  muito 
afpero  ,  c  infupportavel  ao  palndar  ;  aílim  tam- 
bém importuna  o  que  fe  põe  a  cantar  intempcftí- 
vamente  cantigis  a  hum  homem  que  tem  o  cora- 
ção affliélo(que  efte  he  ofentido  doHcbreo,  onde 
a  Vulgata  diz ,  cordi  pejjimo ,  como  advertem  Bof- 
fuet  e  de  Carriercs)  em  vez  de  o  aliviar ,  muito  mais 
o  atormenta  e  afflige.  Pereira. 

jijjimcomo  a  polilha  ^  (ò^c.  Falta  cílc  verfo 
no  Hebreo  ,  e  na  Versão  dc  S.  Jcronymo  i  mas 
vem  nos  Setenta.  Calm£t. 


Capitulo  XXV.       1 47 

dá-lhe  de  comer:  fc  tiver  lede,  dá-llie 
agua  para  beber  : 

22  (;/)  porque  affini  amontoarás  bra- 
zas  vivas  fobre  a  faa  cabeça  ,  e  o  Se- 
nhor te  dará  a  paga. 

23  O  vento  do  aquilão  diíEpa  as 
chuvas  ,  e  o  rofto  trifte  a  lingua  mal- 
dizente. 

24  He  melhor  eftar  aíTentado  a  hum 
canto  do  eirado ,  do  que  habitar  com  hu- 
ma  mulher  litigioía  numa  cafacommum. 

25*  Tão  faborofa  he  a  agua  fria  á 
alma  que  tem  fede  ,  como  he  huma  boa 
nova  que  vem  d' hum  paiz  remoto. 

26  O  jufto  (í?)  que  cahe  diante  do 
ímpio,  he  como  huma  fonte,  que  tur- 
varão com  o  pé  ,  e  como  huma  veia 
d' agua  que  corromperão. 

Af- 

(n)  Porque  aljim ,  ó^-c.  Amontoarás  brazas  vi- 
vas ,  como  explica  Menoquio ,  nio  dc  ira ,  ou  de 
vingança  ,  mas  de  caridade  c  d'  amor  ,  que  o  in- 
flamme  para  te  amar  em  correfpondencia.  Confira- 
íc  S.Paulo  aos  Romanos  XI  í.  20.  Pereira. 

(0)  Que  cahe  diante  do  ímpio.  O  jufto  ,  que  ca- 
he ou  em  peccado .  ou  em  tribulação  ,  ou  em  pu- 
fiUanimidade  de efpirito diante  do  ímpio,  e  á  força 
das  Tuas  perfuasóes  e artifícios,  náo  fc  atrevendo  a 
impugnallo ,  o  que  diz  principalmente  refpeito  aos 


148  Provérbios. 

27  Aflim  como  nao  he  bom  o  mel 
paraaquelle,  que  o  come  em  dcmazia: 
(p)  aflim  o  que  hc  efquadrinhador  da 
mageftade  ,  ferá  opprimido  da  gloria. 

28  Aífim  como  hehuma  Cidade  to- 
da aberta  ,  e  que  não  eftá  cercada  de 
muros,  affim  he  o  homem  que  quando 
falia  não  pode  conter  o  feu  efpirito. 

CA- 

Pcftores  d' Almas  (  Ezequiel  XXXIV.  18. 19.)  fica 
de  todo  o  ponto  affrontado  ,  e  coberto  d' ignomi- 
nia y  porque  o  feu  peccado  ferve  de  tropeço  ao  ím- 
pio: as  calamidades  que  padece  ,  lhe  dáo  occaíião 
de  negar  a  Providencia  i  e  o  feu  apoucado  animo 
faz  com  que  omefmo  impio  cada  vez  mais  fe  per- 
verta ,  encontrando  nelle  baixa  lifonja ,  quando  de- 
via achar  valor  e  conft^ncia.  Pereira. 

Cp)  ^JJim  o  que  he  efquadrinhador ,  ^r.  Eílc 
lugar  coíluma-fe  explicar  daqucllcs ,  que  ,  levados 
de  maior  curiofidade  e  oufadia  ,  pertendem  cfqua- 
drinhar  os  myfterios  da  noíTa  Religião ,  e  penetrar 
os  cfcondrijos  dos  caminhos  do  Senhor.  A  rcfulgen- 
cia  da  mageftade  do  Senhor  os  deixará  deslumbra- 
dos :  ficaráó  opprimidos  com  o  pezo  da  íua  gloria , 
c  abforptos  no  abyfmo  dos  feus  arcanos.  Deos  re- 
quer de  nós  huma  humilde,  inteira,  e  religiofa  fu- 
jeiçáo.  Quando  nós  pelo  teítcmunho  da  Igreja  fa- 
bemos  que  alguma  coufa  fe  funda  na  divina  reve- 
lação ,  e  na  authoridadc  da  Fé  ,  nenhum  motivo 
rcfta  He  duvidar  ;  c  he  força  que  logo  lhe  fujcitemos 
o  noíTo  entendimento  c  o  noíTo  animo.  Calmet. 


Provérbios. 


149 


CAPITULO  XXVI. 

Do  infenfato.  Do  que  fe  crê  fabio.  Do  pre- 
guiço fo.  Do  falfo  amigo.  Da  má  lingua. 
Do  que  encobre  o  feu  odio. 

I     A    Sfim  como  a  neve  he  impro- 
jL\^  pria  no  eftio  ,  e  as  chuvas  no 
tempo  da  feifa  :  aíllm  a  gloria  (a)  eftá 
mal  a  hum  infenfato. 

2  Como  hum  paíTaro  que  voa  dMiu- 
ma  parte  para  outra ,  e  hum  pardal  que 
corre  para  onde  quer:  aííim  a  maldição 
proferida  fem  motivo  (b)  cahirá  fobre  o 
que  a  profere. 

3  O  açoute  he  para  ocavallo,  (c)  e 
o  freio  para  o  afno  ,  e  a  vara  para  as 
cofias  dos  infenfatos. 

Não 

{a)  Eftâ  mal  a  hum  infenfato.  As  honras ,  a 
gloria  ,  as  dignidades  ,  a  authoridadc  náo  cíião 
bem  num  infenfato  ,  mat  até  fervem  de  detrimen- 
to igualmente  a  ellc  ,  e  ao  Eftado.  Calmet. 

(/7)  Cahird  fohre  o  que  a  profere.  Ou  também 
noutro  fentido :  affvn  a  maldição  proferida  fem  mo- 
tivo contra  alguém  ,  pajfdrã  por  fwia  delle  em  claro , 
iíto  he,  náo  cahirá  ncUe.  Pereira. 

(c)  ^  E  o  freio  para  o  afno.  Quem  fe  oppôc  a 
que  náo  pgíTâ  e  afno  fer  governado  por  freio ,  cof- 


Tjo  Provérbios. 

4  (d)  Não  refpondas  ao  louco  fe- 
gundo  a  fua  loucura  ,  por  não  vires  a 
fer  leu  íemelhante. 

j  Refponde  ao  louco  fcgundo  a  fua 
loucura ,  para  que  elle  não  fique  enten- 
dendo que  he  lábio. 

6  Aquelle,  que  envia  as  fuas  pala- 
vras por  intervenção  d' hum  menfagci- 
ro  infenfato ,  (é)  fica  manco  dos  pés  ^  e 
bebendo  a  iniquidade. 

Bem 

rumando,  fcj^undo  o  ufo  daquella  idade,  as  mais 
auchorizadas  perfonagens  a  andarem  montadas  cm 
aínos^  Veja-íe  o  Livro  dosjuizes,  V.  lO.X.  4.  XII. 
14.  atécjui  í?áo  palavras  dc  Calmct ;  mas  outros  ver- 
tem o  camui  por  cabrefto.  Pereira. 

{d)  Nâo  refpondas  ao  louco  ,  <ò^c.  Aqui  diz-fe , 
que  fi  não  refponda  ao  louco  :  no  vcrlb  feguinie , 
íjfus  fe  refponda.  E  hum  dito  náo  fc  oppóc  ao  ou- 
tro ,  atti'ndidas  as  divcrfas  circumíhncias  dc  tem- 
po ,  e  de  lu^ar  que  poJem  occorrer  :  fcgundo  as 
<]uaes  circunítancias  humas  vezes  fera  bom  defprczar 
ao  louco ,  outras  vezes  rcconvencello.  Bossuet. 

(e)  fica  manco  y  <ò^c.  Aquclle  ,  que  commeitc 
a  execução  dos  feus  negócios  a  hum  infenfato,  c 
lhe  dá  inrtrucçócs  fazendo-o  fen  internuncio  ,  náo 
fó  moltra  fer  coxo ,  porque  melhor  lhe  fora  ir  pef- 
foalmente ,  mas  ainda  tem  dc  ficar  na  peíToa  do  tal 
medianeiro  aífrontado  pelos  erros  cm  que  elle  c^- 
hir,  tudo  em  caftigo  da  fua  imprudência,  c  tcmc- 
lidadc.  Pekiira. 


Capitulo  XXVI.  15-1 

7  Bem  como  ao  coxo  não  ferve  de 
nada  ter  as  pernas  bem  feitas  :  aíTim 
(/)  nao  diz  bem  a  parábola  na  boca 
dos  inícnfatos. 

8  Aílim  como  obra  o  que  lança  hu- 
ma  pedra  (g)  no  montão  de  Mercúrio: 
aíIIm  também  fe  porta  o  que  dá  honra 
ao  infeníato. 

A 

(/)    Não  diz  bem  /t  parábola ,  <ò^c,  Ifto  he , 
náo  di-zem  bem  as  fcntenças  graves.  Perkíra. 

(^)    A^o  mamão  de  Mercúrio.  A  versão  de  S.  Jc- 
ronymo  também  diz  aqui  ,  como  a  Vulgata:  Sicut 
^ui  viittít  lapidem  in  acervam  Mercurii.  Mí'S  no  He- 
breo  náo  ap|Xirece  o  nome  de  Mercúrio.  E  a  pala- 
vra Afargemah  ,  que  nelle  vem  aqui ,  os  Seren  a  a 
vcnhr'a.Q  por  fwida  ^  dizendo:  Aquelle  ^  qmdà  gloria 
a  hum  infenfato ,  hefemelhante  ao  que  ata  hunia  pedra 
a  buma funda.  E  Caímet  duvida  que  já  em  tempo  de 
Salamáo  eltiveíTcm  cm  ufo  na  Judéa  eftcs  niontóes 
<lc  pedras  em  honra  de  Mercúrio.    Mas  nem  por 
iíío  le  accommoda  a  que  o  Hebreo  Margcmah  fe 
verta  bem  por  funda :  e  quer  que  fó  fignifique  hum 
montão  de  pedras ,  qual  o  que  fe  fazia  fobrc  hum 
homem ,  que  tiveíTe  fido  apedrejado ,  e  que  ficafíe 
fcpultado  debaixo  das  pedras  do  fcu  mcfmo  fup-, 
plicio  ,  como  fucccdeo  ;W\ccan ,  ]ofué  \'IÍ.  26.  c 
ao  Rei  de  Hai ,         VIII.  29.  e  muito  depois  a 
Abfaláo  11.  Rcg.  XVITÍ.  17.  O  feniido  he  ,  que 
aílim  como  nas  encruzilhadas  fc  erigiáo  cííatuaí 
a  Mercúrio  dcos  dos  viandantes,  e  eltcs  indo  paf- 
fando  lançaváo  pedras  em  fua  honra  num  montão  ^ 


1^2  Provérbios. 

9  A  parábola  na  boca  dos  infenfa- 
tos,  he  como  (h)  fe  nafceíTe  hum  efpi- 
nheiro  na  mão  d' hum  homem  embria- 
gado. 

10  A  fentcnça  do  juiz  decide  as 
caufas:  e  aquelle ,  que  impõe  filencioa 
hum  infenfato,  apazigua  as  contendas. 

11  O  imprudente  ,  que  repete  a  fua 

lou- 

çuc  fe  formava  junto  delias ,  vindo  as  tacs  pedras 
a  fervir  para  depois  tirar  a  vida  aos  que  cráo  fen- 
icnciados a  morrerem  apedrejados:  do  mefmo  modo 
quem,  podendo,  metteavara  da  Juftiça  namáo  do 
infenfato ,  cntrcgando-lhe  o  governo  e  ajurifdicçàa 
fobre  os  outros ,  he  o  mefmo  que  dar-lhe  todas  as 
mais  fortes  armas ,  para  dilacerar  a  Republica ,  c 
armallo  de  funda ,  para  com  ella  pôr  cm  confusão 
e  ruina  os  meímos,  cuja  confcrvaçáo  e  bem  devia 
promover,  e  felicitar.  Pereira. 

(/?)  Se  nafcejfc  hum  cfpítiheiro ,  é^c.  Do  mefmo 
modo  que  o  homem  embriagado  fe  pegar  em  eípi- 
nhos ,  fe  ferirá  nclles ,  aílim  também  o  infenfato  , 
íe  quizer  fallar  coufas  fubhmes ,  manifeftará  mais 
a  fua  demência  ,  encravando-fe  além  difto  com  os 
feus  mcfmos  ditos.  De  maneira  que  aílim  como 
feria  monftruofidade  nafcer  em  femclhanre  parte 
hum  cípinheiro ,  do  meímo  modo  o  he  achar-fe  a 
fentcnça  ou  diro  agudo  na  boca  do  infenfato.  Me- 
noquio  tem  para  fi  que  neíte  lugar  o  verbo  nafcer 
póde-fe  tomar  também  na  íignificaçáo  de  Achar-fc, 
Pereira. 


Capitulo  XXVI.        i  f  j 

loucura ,  he  como  o  cão ,  que  torna  ou- 
tra vez  ao  que  tinha  vomitado. 

12  Tens  viilo  a  hum  homem  ,  que 
crê  de  li  que  he  fabio?  maior  efperan- 
ça  terá  do  que  elle  (/)  hum  ignorante. 

^3  (J)  O  preguiçofodiz  :  o  leão  eftá 
no  caminho,  e  a  leoa  nas  paííagens : 

14  bem  como  a  porta  rola  fobre  a 
fua  couceira ,  aíEm  fe  revolve  o  pregui- 
çofo  no  leu  leito. 

15-  (m)  Opreguiçofo  efconde  a  máo 
debaixo  do  leu  lobaco  ,  e  dá-lhe  mui- 
to trabalho  ,  quando  a  tiver  de  levar  á 
boca. 

16  Opreguiçofo  parece-lhe  que  he 
mais  fabio  (w;  do  que  fete  homens,  que 
não  dizem  coufa  ,  que  não  feja  acertada. 

Af- 

(/)  Hum  ignorante.  Porque  n?,o  fc  fiando  de  íi , 
c  tomando  conlelho  com  quem  lho  pôde  dar,  náo 
cahirá  cm  tantos  erros  ,  ou  abufos  ,  como  o  pre- 
fumido  e  arrogante.  Pereira. 

(/)    O  prcguicofo  diz  ,  V'cja-re  o  Capítu- 

lo XXII.  verío  i  ^.  Pereira. 

(m)  O  prcguicofo  efccndc ,  ó-c.  Veja-fc  aíiima 
O  Capitulo  XIX.  verfo  24.  Pereira. 

(n)  Do  que  fete  homens ,  ^c.  Até  os  Authores 
profanos  chamáo  ror  ironia  a  hum  homem  dcftc 
iotc  o  oitavo  dos  labioí  ,  Sapientum  odavus  (Ho- 


154  Provérbios 

17  AíTim  como  eftá  em  perigo  a- 
quelle ,  que  toma  a  hum  cão  pelas  ore- 
lhas ,  do  mefmo  modo*  o  que  paíTando 
fe  impacienta  ,  e  mette  numa  bulha , 
que  he  com  outrem. 

1 8  Aílim  como  he  culpável  o  que  ati- 
ra frechadas,  e  lançadas  (í?)  para  matar: 

19  do  mefmo  modo  o  he  aquelle , 
que  ufando  de  fraude  prejudica  ao  fcu 
amigo:  e  depois  de  ter  fido  apanhado, 
diz :  Eu  o  fazia  por  brinco. 

20  Qiiando  não  houver  mais  lenha, 
apagar-fe-ha  o  fogo  ,  e  defterrado  que 
feja  o  mexeriqueiro  ,  apaziguar-le-hão 
as  contendas. 

21  AíFim  como  os  carvões  são  para 
as  brazas  ,  e  a  lenha  para  o  fogo  ,  do 
mefmo  modo  he  homem  iracundo  para 
excitar  difputas. 

rácio  na  Sátira  IH.  do  Livro  II.  vcrfo  uX\  )  pro- 
vérbio, àc  que  fc  valêráo  0$  noíTos  Eícritores  ,  co- 
mo Fr.  Heitor  Pinto  na  Imagem  da  Vida  Chiiftá 
a  ppg.  da  Ediçáo  de  4.  c  ao  qual  corrcfpondc 
O  Portu^uez:  Sabe  como  fcte pelliteiros.  Pereira. 

(o)  Para  matar.  Ou  capazes  de  matar ,  finçin- 
do-fe  louco,  íegundo  diz  oHehreo,  ou  com  o  pre- 
texto de  fe  divertir ,  ícndo  na  realidade  a  fua  inten* 
çáo  matar.  Pereira. 


Capitulo  XXVI.  15-5* 

n  As  palavras  do  mexeriqueiro  pa- 
recem lingelas,  mas  ellas  penetrão  até 
o  íntimo  (p)  das  entranhas. 

^3  (í)  Os  lábios  inchados  juntos  a 
hum  coração  peffimo,  sao  tanto  monta 
como  fe  quizeras  adornar  com  prata  bai- 
xa hum  valo  de  barro. 

24  (r)  Pelos  Teus  lábios  fe  dá  a  co- 
nhecer o  inimigo  ,  quando  no  Coraçãci 
tramar  enganos. 

Tom.  XI.  L  Quan- 

(p)  Das  entranhas.  A'  letra  ,  do  ventre.  Confira-, 
fc  allima  o  Capitulo  XVIII.  8.  Pereira. 

(^)  Qí  lábios  inchados ,  Os  antigos  punháo 
nos  vafos  de  barro  tapadouras  e  coberturas  de  prata. 
Alludindo  pois  a  cftc  coítume  ,  como  pretende  Cal- 
xnet  ,  compara  aqui  o  Sabio  a  hum  vafo  dc  barro 
o  coração  pcííimo ;  e  á  prata  fcm  eftar  ainda  limpa 
da  cfcoria  os  lábios  (  que  sáo  como  a  cobertura  do 
cor.içáo)  altivos  e  arrogantes.  O  Hebreo  diz  :  A 
prata  dc  efcorias ,  ijue  cobre  hum  vafo  de  bãrro ,  he 
como  05  lábios  ardentes ,  e  o  coração  máo.  Os  Seten- 
ta lem  :  A  mata  dada  com  dolo ,  deve-fe  reputar  cO' 
fno  hum  vafo  de  barro  :  os  lábios  brarídos ,  lifonjeU 
K)3,  occultno  hum  corai^ão  trifie.  Pereira, 
•  (r)  Pelos  [eus  labiõs  ^  ó^c.  Pelo  feu  difcurfo,' 
^elas  fuás  palavras:  por  quanto  ,  ainda  que  ponha 
todo  o  esforço  cm  occultar  os  Teus  enganos ,  toda- 
via fempre  fc  lhe  defcobrem  naa  palavras  ,  ou  no 
fcmblante  ,  ou  nos  géí^05  alguns  finaes  dcmalda* 
dc.  Mt'>oqxjio. 


1^6  Provérbios. 

15-  Quando  elle  te  fallar  num  tom 
humilde,  não  te  fies  nelle  ,  (s)  porque 
tem  fete  malícias  no  feu  coração. 

26  Aquelle,  que  occulta  o  feu  odio 
debaixo  d'huma  apparencia  fingida  ^ 
fera  defcoberta  a  fua  malícia  na  AlTemr 
blea  pública. 

27  (/)  Aquellc,  que  abre  a  cova, 
cahirá  nella :  e  a  pedra  virá  rolando  ío- 
bre  aquelle  que  a  boliu. 

28  A  lingua  enganadora  não  ama  a 
verdade  :  e  a  boca  lúbrica  he  caufa  dc 
ruinas. 


CA- 

(5)   PcrqiK  tem  fete  w alicias  m feu  coração , 
Sete  abominações  ,  diz  o  Hebrco.    E  toma-fc  o 
numero  dc  fete  para  íignificar  muitas  vezes.  Co- 
mo no  Capitulo  XXIV.  vcrfo  1 6.  O  jujlo  cahirá  fete 
ViT^S,  Pereira. 

(O  Aquelle ,  que  abre  a  cova ,  ^'f.  Coníira-fc 
O  SalmQ  VII.  16.  PsRsiRA, 


Provérbios.  15*7 

CAPITULO  xxvir. 

Não  fe  gloriar  na  efperança  do  futuro. 
Dos  bons  confclhos.  Trabalhar  por  ad» 
quirir  a  fabtdcria.  Do  fervo  fiel.  Os 
lowvores  são  a  prova  do  coração*  Obri" 
gaçÕes  dos  paftores* 

I  IVTÃo  te  glories  pelo  dia  d*ama- 
Jl.^  nhã  ,  não  fabendo  que  coufa 
dará  de  fi  o  dia  leguinte. 

2  Seja  outro  o  que  te  louve,  enão 
a  tua  boca  :  feja  hum  eftranho  ,  e  não 
os  teus  próprios  lábios. 

3  A  pedra  he  pezada,  e  a  arca  he 
carregada:  mas  a  ira  do  infenfato  péza 
mais  5  do  que  huma,  e  outra. 

4  {a)  A  ira  não  tem  mifericordia , 
nem  o  furor  que  rompe :  mas  quem  po- 
derá fupportar  {b)  o  impeto  d*  hum 
homem  concitado  } 

L  ii  Me- 

(a)  A  ira,  òc.  Náo  tem  mifericôrdia  a  ira, 
tíem  o  furor  que  rompe  e  cegamente  obra  ,  em 
<juanto  o  irado  eftá  na  maior  íbrça  c  arrojo  da  fua 
cólera.  Pereira. 

{b)  O  ímpeto  d'  hum  homem  coíicitado  ?  O  Hc- 
bico  mz:  Áçmldadc    huma  (xçandejçmia ,  hum 


lyS  Provérbios. 

5-  Melhor  he  a  correcção  manifefta  , 
do  que  o  amor  efcondido. 

6  Melhores  são  as  feridas  feitas 
pelo  que  ama  ,  do  que  os  ofculos  frau- 
dulentos do  que  quer  mal. 

7  A  alma  farta  pizará  o  favo  de 
mel:  e  a  alma  faminta  até  o  amargo  to- 
mará por  doce. 

8  (c)  Affim  como  periga  a  ave  que 
fe  paffa  do  feu  ninho  a  outra  parte ,  do 
mefmo  modo  o  homem  que  deixa  o  feu 
lugar. 

9  Com  o  perfume  e  variedade  de 
cheiros  fe  deleita  o  coração:  e  com  os 
bons  confelhos  do  amigo  fc  banha  a  al- 
ma em  doçura. 

Náo 

furor ,  huma  inumla^ão :  mas  qum  parará  diante  da 
inveja  ?  Os  Setenta  Jem  :  A  indignação  he  cruel ,  e 
a  ira  aguda  (  de  agudos  fios )  :  tuas  o  ciúme  nada 
fupporta.  Fe  R  Er  RA. 

(c)  A[[im  como  periga ,  ó^c.  O  fentido  he  que 
fe  expôs  a  muitos  incommodos  c  perigos  aquellc , 
que  abandona  o  feu  clbdo  e  a  fua  vocação  ,  pois 
nc  femelhantc  ás  aves,  que  ao  tempo  que  voáo  do 
ninho,  evagucáo  d' huma  para  outra  parte,  ou  são 
apíínhadas  com  vifco ,  ou  por  algum  outro  modo 
fc  f4zcm  preza  dos  caçadores.  ÍMeiío^^vio* 


Capitulo  XXVII.  i^^ 

10  Não  largues  o  teu  amigo,  nem 
o  amigo  de  teu  pai  :  e  nao  entres  na 
cafa  de  teu  irmão  (d)  no  dia  em  que 
eftiveres  afflidlo. 

(e)  Melhor  he  o  vizinho  ao  pé,  do 
que  o  irmão  ao  longe. 

11  Trabalha,  filho  meu  ,  por  ad- 
quirir a  fabedoria,  e  alegra  o  meu  co- 
ração ,  a  fim  de  poderes  refponder  ao 
que  te  impropéra. 

12  (/)  Oaftuto  vendo  o  mal,  fc  ef- 
condeo  :  os  fimplices  paíTando  adiante 
fupportárão  o  damno. 

13  {g)  Tira  o  veílido  áquelle,  que 

fi- 

(íf)  No  dia  em  que  eftiveres  affliclo.  A'  letra  : 
No  dia  dl  tua  ajfliccio.  Hc  pois  o  fentido  ,  que 
muitas  vezes  acontece  achar-fe  maior  agazalho  , 
benevolência  c  foccorro  num  amigo  íiel  c  verda- 
deiro ,  do  que  num  irmáo  ,  que  olha  os  outros 
conf\  indifFerença ;  e  que  por  ilTo  a  amizade  fincera 
de  taes  peíToas  deve  confervar-fe  ,  como  hum  bem 
hereditário  nas  famílias.  Pereira. 

(e)  Melhor  he  o  vizinho  ao  pé  ,  (^c.  Eftc  ver- 
fo  náo  fc  acha  hoje  no  Hebrco  ,  mas  trazcm-no 
os  Setenta,  c  S.  Jeronymo.  Pereira, 

(/  )  O  a  [luto.  Confira-fc  allima  o  Capitulo  XXI  í. 
^,  Pereira. 

(j^)  Tira  o  veflido ,  Confira- fe  allima  o 
Capiciilo  XX,  16,  PEREikiA. 


1 6o  Provérbios. 

ficou  por  fiador  d'  hum  eftranho  :  e  le* 
va-lhe  de  cafa  os  penhores  ,  que  ellc 
obrigou  pelos  outros. 

14    Aquclle,  que  louva  o  feu  vizi- 
nho a  grandes  vozes  levantando-fc  dc 
noite,  fera  femelhaatc  (ô)  ao  que  diz 
mal  delle. 

.  Os  telhados  que  gotejao  (/)  em 
tempo  dlnverno,  e  a  mulher  litigiofa 
eílão  em  igual  parallclo: 

16  (/)  aquelle  ,  que  a  pretende  re- 
ter, he  como  fe  quizeíFe  fazer  parar  o 
vento,  e  elle  trabalhará  porque  o  azei- 
te não  efcorra  da  fua  mão. 

17  O  ferro  aguça-fe  com  o  ferro, 

c  o 

Q))  Ao  que  diz  mil  delle.  Porque  nâ  verdade 
o  mefmo  he  louvar  a  outrem  importuna  e  intem- 
peftivamente ,  qu«  dizer  mal  delle ,  aíFrontando-o. 
Pereiaa. 

(i)  Em  tempo  d'  Inverno.  A'  letra  :  em  dU  dc 
frio»  O  Hebrco:  em  tempo  dcchirva.  Confira-fc  af- 
íima  o  Capitulo  XÍX.  i^.  Pereira. 

(/)  Aquelle^  que  d  pretende  reter  ^  ò^c,  O  que 
jtitcnta  rcp'i;nir  c  conter  a  tal  mulher  dentro  dos 
limites  da  modrraçáo  ,  he  como  fe  quizeííe  ler  máo 
na  fufia  do  venro  ,  ou  apertar  nella  o  azeite  ícm, 
^ue  de  todo  chegue  a  efcorrcr.  Pereira. 


Capitulo  XXVIL  i6i 

(m)  e  o  homem  aguça  a  face  do  fca 
amigo. 

18  Aquclle  ,  que  guarda  a  figuei- 
ra ,  comerá  do  feu  fruto :  (//)  e  o  que 
he  guarda  do  feu  Senhor  ,  fera  glori- 
ficado. 

19  Aílim  como  na  agua  refplan- 
dece  o  rofto  dos  que  fe  eílao  vendo 
nella  ,  aífim  os  corações  dos  homens 
são  defcubertos  aos  prudentes. 

20  O  inferno,  e  a  perdição  nunca 
fe  enchem  :  aífim  também  os  olhos  dos 
homens  são  infíciaveis. 

21  Do  modo  que  a  prati  he  pro- 
vada no  vafo  de  derreter ,  e  o  ouro  na 
fornalha  ;  aífim  o  homem  he  provada 
pela  boca  do  que  o  louva. 

O 

Qn)    E  o  honem  aguia  ,  Ou  o  fentido 

He,  qtjc  os  hoTiJns,  que  difcrcpáo  huns  dos  ou- 
tros, fc  coftarnk)  irritar,  c  incitar  á  ira;  ou  que 
huns  pelo  exemplo  c  prcfcnça  dos  outros  fe  exci- 
táo  á  perfeição  c  prática  das  virtudes.  Pereira. 

(n)  E  o  que  hc  guarda  ,  e^r.  Aquelle  ,  que 
põe  todo  o  cuidado  em  íervir  a  feu  Senhor  com 
fumma  fidelidade  e  diligencia  ,  depois  de  fer  au- 
gmcntadolcom  ooftos  e  cargos  honoriticos  ,  recebe- 
fá  o  premio.  Calmet. 


102  Provekbios. 

{6)  o  coração  do  iniquo  bufca  o 
mal  :  e  o  coração  reílo  bufca  a  Icien- 
cia. 

22  Setupizares  o  imprudente  num 
gral ,  como  fe  pizao  os  grãos  de  ceva- 
da ^  ferindo-os  de  fima  a  mão  do  mef- 
mo  gral ,  não  íc  lhe  tirará  a  fua  eítul- 
ticií. 

23  (/?)  Conhece  diligentemente  de 
vifta  o  teu  gado  ,  c  coníidera  os  teus 
rebanhos : 

24  {q)  porque  nem  fempre  terás 
poder  fobrelles  :  mas  fer-te-ha  dada 
huma  coroa  em  geração  e  geração. 

A- 

(0)  o  coração  do  iniquo,  <ò*c.  Faltai  eftc  verfo 
noHebreo,  c  crn  S.  jetonymo ,  mas  vem  nos  Se- 
tema.  Pereira. 

(p)  Conhece  diligentcmetite ,  (á^c.  Efte  preceito 
económico  dirii^ido  ao  Pa-i  de  famílias  para  ver  com 
íeus  próprios  olhos  ,  e  examinar  peíToalmentc  o 
cdzia  dos  feas  ^aJoi  .  adverte  aqui  tambcm  por 
huma  alíe:^arí%  ^os  Príncipes ,  e  Superiores  Ecclc- 
íiart  cos  aobri^içáo  que  tem  de  actender  pelo  bem 
dos  fcus  fubl ::oç.  Pereira. 

(q)  Por  ]:ie  nem  fempre  y  fò^c.  Náo  governarás 
fempre  aos  outros ,  náo  feras  fempre  Príncipe ,  ou 
nlo  cx.  rcitarás  o  Ma^iílrado  ,  ferá  neceíTario  que  dês 
conta  do  icu  goycrno.   Oa  í'c  dá  a  eoxender  que. 


Capitulo  XXVIL 

1^  Abrírâo-fe  os  prados  ,  g  appa- 
recêrão  as  verdes  Hervas  ,  (r)  e  reco- 
Iheo-fe  o  feno  dos  montes. 

26  Os  cordeiros  sâo  para  te  vefti- 
res  :  e  os  cabritos  para  o  preço  do 
campo. 

27  Bafte-te  o  leite  das  cabras  pa- 
ra o  teu  fuftento  ,  e  para  o  que  a  tua 
cafa  houver  miíter  j  e  para  o  fuftento 
de  tuas  efcravas. 


C  A- 1 

fc  deve  preferir  a  vida  paftoril  á  vida  Politica  ;  por- 
que ,  além  d' outras  commodidades  ,  de  que  logo 
falia  5  tem  a  vida  paftoril  huma  grande  prerogati- 
va  ,  e  hr ,  que,  perdendo-fe  facilmente  as  honras, 
a  que  afpiráo  os  que  vivem  nas  Cidades  ,  e  paí- 
fando  d  huns  para  outros;  as  riquezas  que  fe  ad- 
quirem pela  induftria  c  arte  paftoril,  tem  perma- 
nência, e  pafsáo  aos  outros  herdeiros.  M  ekoquio, 
(r)  E  rccolheo-fe  o  feno  dos  montes.  Para  fuf- 
tento do  gado ;  o  que  tudo  sáo  commod idades  da 
vida  paftoril.  Pereira. 


Provei^bios. 


CAPITULO  XXVIII. 

Confiança  dojujlo.  Simplicidade  do  pobre. 

Do  temor  de  Deos,  Da  ocio/ldade.  Do 
'  (jue  julga  injuflamente.  Do  que  fe  en- 

foberbece.  Do  reino  dos  mios. 

I  ímpio  foge ,  (a)  fem  qac  nin- 

guem  o  perliga  :  o  jijfto  po- 
rém como  leão  aflFouto,  eftirá  fem  ter- 
ror. 

2  Por  caufa  dos  peccados  da  terra 
(b)  sâo  muitos  os  Principes  delh :  {c)  c 

por 

(jC)  Sem  que  ninguém  o  per fi^^.  Porque  o  maior 
perfeguidor  c  algoz  do  ímpio  sáo  os  rcoiorfos  da 
fua  própria  confcicncia.  C)ifiráo-fe  os  exemplos 
d' Adio  Gencf.  III.  8:  de  Cain  Ibid.  IV.  14  :  a? 
ameaças  de  Dcos  ao  Povo  d  Ifrael,  que  feacháa 
jio  Levidco  XXVI.  ^6.  e  finalmente  o  eoniínuo 
iobrc-falto  e  pavor  do  ímpio  ,  cuja  defcripçáo  fc 

no  Livro  de  Job  XV.  21.  Peneira. 

(b)  Sâo  muhos  os  Principes  delld.  Morrem  dc- 
prelTa  ,  c  facccdcm  huns  aos  outros  ,  donde  cof- 
lumáo  naíccr  difcordias  e  fcdiçôes  na  Republica. 
Menoquio. 

'  (c)  E  por  caufa  da  fabedoria  do  homem.  Pot 
raufa  da  fabedoria  do  Principe  reinante  ,  e  dos  Con» 
íclheiros,  que  ícm  a  ícu  lado.  MEífoquio. 


Capitulo  XXVIII.  líy 

por  caufa  da  fabedoria  do  homem  j 
{d)  e  pela  fciencia  das  coufas  que  le 
dizem  ,  fera  mais  dilatada  a  vida  do 
Príncipe. 

3  O  homem  pobre  ,  (e)  que  ca- 
lumnía  aos  outros  pobres  ^  he  feme- 
Ihante  a  huma  chuva  impetuofa  ,  na  qual 
fe  apparelha  a  fome. 

4  AqueIIes,que  deixão  a  Lei ,  lou- 
vão  o  ímpio  :  os  que  aguardão,  irritão- 
fe  contra  elle. 

5'  Os  homens  máos  não  cuidão  no 
que  he  jufto :  mas  os  que  bufcão  o  Se- 
nhor ,  advertem  em  tudo. 

Me- 

(d)  E  pela  f ciência  dds  coufis  que  fe  dizem.  Por 
canil  da  opportunidadc  dos  confclhos,  que  fe  dáo 
para  o  bom  regime  da  Repablica  ,  por  meio  dos 
quaes  fe  póe  treio  aos  peccados  do  Povo.  Mhno- 

(e)  Que  calumma  aos  outros  pobres,  évf.  Ou  o 
fcntido  hs ,  que  o  Povo  ,  quando  com  guerras  ci- 
vis ,  ou  defavcnças  particulares  fe  enfurece  contra 
os  feus  conterrâneos  e  femelhanres  ,  colluma  dila- 
cerar a  Republica  ;  ou  que  todo  aquelle  ,  que  ,  fen- 
do d  antes  pobre  ,  he  promovido  a  algum  cargo 
ik  graidc  authoridade  e  dependência  ,  levado  as 
mais  das  vezes  do  dcfejo  infacisvel  d  enriquecer, 
vem  a  perder  o  Eftado ,  e  os  pobres  dcllc  cQm  as 
/uas  excorsò;:8.  Pêreika. 


i66  Provérbios. 

6  Melhor  he  o  pobre ,  que  anda  na 
fiia  fimplicidade  ,  do  que  o  rico,  que 
anda  por  caminhos  perverfos. 

7  Aquellc,  que  guarda  a  Lei,  he 
fiUio  fabio  :  mas  o  que  luftenta  comi- 
lões, (/)  confunde  a  feu  pai. 

8  Aquelle  ,  que  amonroa  riquezas 
por  meio  d^ufuras  ,  e  intereíTes  injuf- 
tos ,  (g)  ajunta-as  para  o  que  ha  de  íer 
liberal  com  os  pobres. 

9  Daquelle,  que  defvia  os  fcus  ou- 
vidos para  nao  ourir  a  Lei ,  (/?)  a  mef- 
ma  oração  ferá  execravel. 

10  Aquelle  ,  que  feduz  os  juftos, 

le- 

(/)  Confunde  a  fcu  pjií.  Ou  porque  o  faz  en- 
vergonhar e  entriíteccr;  ou  porque  moftra  que  Tc 
deí  cuidou  em  lhe  fuggerir  as  máximas  d'  huma  boa 
educação.  Pereira. 

(V)  AjuntX'íís  ^  He  por  certo  coufa  mui 
rara,  que  os  bens  mal  adquiridos  cheguem  aos  her- 
deiros ou  filhos  do  uíurario.  Veja-fe  aílima  o  Ca- 
pitulo XIII.  22.  o  lugar  do  Ecclcfiaftes  II.  26.  c  o 
de  Job  XXVII.  16.  i-.  Calmet. 

Q))  A  mefmaor/icío  ferá  execravel.  Como  elle 
não  quer  abrir ,  nem  applicar  os  ouvidos  á  Lei  de 
Deos ,  aílim  Deos ,  caftigando-o  com  a  exaóliíli- 
ma  igualdade  da  fua  Juftiça ,  náo  no  attenjc  tani: 
bem  nas  fuas  orações.  Pereíka. 


Capitulo  XXVIII.  1Ó7 

(í)  levando-os  a  hum  máo  caminho, 
cahirá  nofoíTo,  que  elle  mefmo  abrio: 
c  os  fimpliccs  polTuiráõ  os  feus  bens. 

1 1  O  homem  rico  parecc-lhe  que 
he  fabio  :  mas  o  pobre  5  que  he  pru- 
dente, (/)  fondallo-ha. 

12  (m)  Na  exulração  dos  juftos  ha 
muita  gloria  :  reinando  os  ímpios  ,  acon- 
tecem as  ruinas  dos  homens. 

13  Aquelle  ,  que  efconde  as  fuas 
maldades  5   não  ferá  bem  luccedido: 

aquel- 

(1)  Levatido-os  a  hum  vuio  cmthho  .é"C,  A' le- 
tra :  no  })uio  caminho  j  ficará  na  fua  morte  derruba- 
do ^  itto  hc,  achará  na  morte  a  íiia  ultima  ruína. 
Por  onde  na  traducçáo  das  palavras  in  intcritu  fuo 
çorrmt  me  encoftei  ao  Texto  Hebrco.  Pereira. 

(/}  Sondãllo-ha,  Explorará  íc  aííim  he.  O  Cal- 
deo,  defprczallo-hiU  Os  Setenta:  ccnfúrallo-ha.  O 
pobre  prudente  ,  íe  debater  ou  difpuiar  com  o  ri- 
co ,  examinará ,  calculará  a  fua  fabedoria ,  e  fará 
ver  que  he  pouca,  ou  nenhuma.  Menoquio. 

(jn)  Na  exultacão  dos  juftos ,  eb'f.  Quando  os 
juUoa  fobem  ao  auge  da  íua  profperidade  ,  rcfulta 
dahi  grande  proveito  c  gloria  á  Republica  ;  mas  fe 
os  ímpios  tomáo  as  rédeas  do  governo  ,  todas  as 
pcíToas  ,  principalmente  as  de  merecimento  e  dc 
bem,  fogem  da  fua  lyrannia,  vindo  aflim  a  ficar 
perdido  e  cxpoUo  á  ultima  decadência  o  Eítado, 


r68 


Provérbios. 


(«)  aquelle  porém  que  as  confeíTar  ^ 
e  fe  retirar  delias  ,  alcançará  mileri- 
còrdia. 

14  Bemaventurado  o  homem,  que 
fempre  eftá  (0)  com  temor :  mas  o  que 
he  de  coração  duro ,  cahirá  no  mal. 

15  HumPrincípe  ímpio  fobre  hum 

Po- 

(jí)  Aquelle  porém  que  as  cotijejjar  ,  ó-f.  Af- 
fim  como  aqueile  ,  que ,  depois  de  ler  juftamcntc 
reprehendido  ,  quer  ainda  cfcuíar  a  culpa  ,  c  aic 
encobrir  o  mal  que  commettco  ,  moftra  que  hc 
incorrigível  ,  c  por  confequcncia  incíipaz  de  me- 
lhoramento i  do  mcfmo  modo  o  que  reconhecer  c 
confeíTar  os  feus  erros  ,  e  fe  emendar  delles ,  al- 
cançará dos  homens  indulgência ,  e  de  Deos  per- 
dão e  mifericorJia.  Ora  tanto  do  lugar  doEccle- 
fiaftico  cm  o  Capitulo  IV.  vcrfo  ^  i  ,  como  do  pre- 
fente  dos  Provérbios  colhem  commummenie  os 
Efcritores  documentos  importantilhmos  ainda  para 
aconfifsáo  facramcntal.  Deftc  dos  Provérbios  col- 
ligem  duas  condições  que  ella  deve  ter  effenciacs  , 
huma  he  a  manifcítaçáo  humilde  e  fmcéra  dos 
peccados ;  a  outra  o  refoluto  e  firme  propofíto  dc 
nunca  mais  os  tornar  a  commettcr  :  daquelle  do 
Eceleíiaftico  prováo  a  grande  circumfpecção ,  que 
deve  haver  na  efcolha  dos  Directores  c  ConfelTo- 
res.  Plreira. 

(o)  Com  temor.  Com  remor  e  defconfiança  de 
ofF(  ndcr  a  Deos  nalgum  penfamento  ,  palavra  ,  oa 
acçáo.  Confira-íc  oLivrodeJobIX.  28.  Pereira*' 


Capitulo  XXVIII.  169 

Povo  pobre  ,  he  hum  leão  que  ruge, 
e  hum  urfo  que  tem  fome. 

16  Hum  Príncipe  falto  de  prudên- 
cia opprimirá  a  muitos  pelas  fuas  ca- 
lúmnias  :  mas  os  dias  do  que  aborre- 
ce a  avareza  ,  ferão  prolongados. 

17  Se  o  homem,  que  porcalumnia 
derrama  o  fangue  de  qualquer  peflba, 
fugir  até  fearremeçar  no  folio  ^  nin- 
guém o  íoftem. 

18  Aquelle,  que  anda  em  íimplici-> 
dade^  fera  falvo :  o  que  anda  por  ca- 
minhos pervcrfos  ,  {q)  cahirá  por  ha- 
ma  vez.  ;  . 

19  Aquelie  ,  que  lavra  afua  terra, 
terá  fartura  de  pao  :  mas  o  que  ama  a 
ociofidade,  eílará  cheio  de  indigência. 

20  O  homem  £el  fera  muito  lou- 
vado :  mas.  o  que  dá  prefla  a  fe  enri- 
quecer 5  (r)  não  ferá  innocente. 

A- 

(p)  Ninguém  o  foflem.  Ninguém  fe  compade*. 
ccrá  (klie  ,  ninguém  deterá  ,  ou  demorará  o  feu 
iinpcto ,  ou  a  fua  carreira.  Menoqvio. 

(^)  Cahirâ  porhuma  vez,  Cahirá  íem  efperan- 
ça  alguma  dc  Ic  rornar  a  levantar ,  01a  cahirá  em 
fim  nalguma  occaíiáo.  Calmkt. 

(r)   Naq  ff  rd  ítinQçm^.  A  razáo  he  ,  porque^ 


tjo  Provérbios. 

,  2  1  Aquelle,  que  quando  julga,  guar- 
da refpeito  á  pelToa  ,  não  faz  bem  í 
hum  tal  homem  até  defampara  a  ver- 
dade por  hum  bocado  de  pão. 

21  O  homem  ,  que  fe  aprelFa  por 
enriquecer  ,  e  tem  inveja  aos  outros , 
(s)  não  fabe  que  ha  de  vir  íobrelle  a 
pobreza. 

23  Aquellc  ,  que  reprehende  a  hum 
homem,  achará  depois  graça  para  com 
elle  ,  muito  mais  do  que  aquelloutro, 
que  o  engana  com  as  hfonjas  da  Tua 
língua. 

24  Aquelle ,  que  tira  alguma  cou- 
fa  a  feu  pai  ,  e  a  fua  mãi  ,  e  diz  que 
ifto  não  he  peccado ,  (/)  tem  parte  no 
crime  dos  homicidas. 

A- 

fegundo  o  Apòftolo  na  T.  Epíft.  a  Timorh.  VI.  9.  os 
que  querem  faier-fe  ricos  ,  cabem  tia  tentaç^Jto  e  n0 
laco  do  diabo  ,  e  em  muitos  dejejos  inúteis  c  penii' 
ciofos ,  que  precipitão  os  homens  no  abyfmo  da  mor* 
t€  e  da  perdição.  Pereira. 

(í)  iVio  fabe  que  ha  de  vir  fobrelle  a  pobreza. 
Com  a  moítc  que  náo  tarda ,  c  que  o  delpoja  dc 
iodos  os  bens  da  vida.  Pereira. 

(t)  Tem  parte  no  crime  dos  homicidas.  Por  dous 
naotivos ,  ou  porque  lhes  tira  0$  meios  da  íua  fob- 
íiítcncu  >  ou  porque  ,  náo  ic  podendo  fundar  íc 


Capitulo  XXVIII.  171 
2)     Aqiiclle  ,  que  fe  jnfta  ,  e  que 
fe  incha  de  fobcrba  ,  excita  conten- 
das:  mas  o  que  efpcra  no  Senhor,  fe- 
rá  curado. 

26  Aquelle,  que  confia  no  feu  co- 
ração ,  he  luim  infenfato  :  mas  o  que 
anda  fabiamente  ,  lerá  com  eíFeito 
falvo. 

27  Aquelle^  que  dá  ao  pobre,  não 
terá  necelEdade  :  aquellej,  que  o  def- 
preza  ,  quando  lhe  pede  j  cahirá  em 
penúria. 

28  («)  Quando  os  ímpios  forem  ele- 
vados ,  efconder-fe-hão  os  homens  : 
quando  elles  perecerem  ,  multiplicar- 
fc-hão  os  juftos. 


Tom.  XI.  M  CA- 

não  no  direito  da  herança  para  pcrtender  que  não 
ha  peccado  nos  taes  furtos ,  moftra  Ter  já  de  feui 
pais  homicida  no  defcjo.  Pereira. 

(«)  Quando  os  ímpios^  ò^c.  Confira- fc  aííima 
9  ycrfo  iz  do  prcfcmc  Capitulo*  Píheira. 


tjl  Provérbios 

CAPITULO  XXIX. 

Daquelle  ,  que  defpreza  as  correcções. 
iJa  ruina  dos  ma  os.  Da  correcção 
dos  filhos.  Das  hfiruccÕes  dos  Profe- 
tas, Do  homem  Joberbo.  Do  temor  dos 
homens, 

i  Ç  Obre  aquelle  homem,  quedef- 
i3  preza  com  huma  cerviz  dura  a 
quem  o  reprehende ,  virá  de  repente  a 
fua  total  ruina :  (a)  e  não  terá  mais  re- 
médio. 

2  Na  multiplicação  dos  juftos  fe 
alegrará  o  vulgo  :  quando  os  ímpios 
tomarem  o  governo ,  gemerá  o  povo. 

3  O  homem  que  ama  a  fabedo- 
ria  ,  alegra  a  fcu  pai  :  o  que  porem 
fuftcnta  proftitutas  ,  perderá  os  feus 
bens. 

4  O  Rei  jufto  faz  florecer  o  feu 
Eftado  :  o  homem  avarento  deítruil- 
]o-ha. 

5  O  homem  j  que  ^  quando  falia  ao 

feu 

(^)  E  ti4P  tcrâ  mâls  r media.  A'  letra  :  t  nSo 
no  Jeguirá  a  faudc,  Psrejj^a. 


Capitulo  XXIX.  175 

feu  amigo,  ufa  de  huma  linguagem  li- 
fonjeira  ,  e  fingida  ,  arma  huma  rede 
aos  fcus  paíTos. 

6  Ao  homem  peccador  iniquo  Q?)  in- 
volverá  o  laço:  e  o  jufto(d:)  louvará,  e 
fc  regozijará. 

7  O  jufto  toma  conhecimento  da 
caufa  dos  pobres :  {d)  o  ímpio  ignora  a 
fcicncia. 

8  Os  homens  peftilentes  deftroem  a 
Cidade :  os  fabios  porém  apartão  {e)  o 
furor. 

9  Se  o  homem  fabio  difputar  com 
o  infenfaro  ,  ou  elle  fe  agaíle  ,  ou  fc 
ria,  (f)  não  achará  defcanço. 

10  Os  homens  fanguinarios  aborre- 

M  li  cem 

(J?)  InvoJverã  o  laço.  Cahirá  no  mcfmo  laço 
que  tiver  íwmàóo  a  ouirem.  Pereira. 

(f)  Louvará.  Dará  graças  a  Deos  como  vinga- 
dor das  maldades,  c  fc  alegrará  por  ficar  livre  dc 
perigo.  Wenoquio. 

(^d)  O  Ímpio  ignora  â  fcicncia.  Não  trata  de 
tomar  conhecimento  das  caufas  dos  pobres ,  ou  dc 
as  promover.  MEKoquig. 

(e)  O  furor.  A  ira  dc  Dcos  ,  ou  do  Príncipe; 
Wenoquio. 

(/)  Não  acharã  defcanço.  Porque  fc  o  fabío 
k  çi4i|  íc  cxaipcr»  oinícnUto;  fc  Ccnáo. 


174  Provérbios. 
cem  (g)  o  fim  pies  :  mas  os  juftos  pro- 
curao  confervar-lhe  a  vida. 

1 1  (Z?)  O  infenfato  produz  logo  tu- 
do o  que  tem  no  íeu  efpirito:  o  fabio 
não  fe  aprelTa  ,  mas  referva-fe  para  o 
depois. 

12  O  Principe  ,  que  ouve  de  boa- 
inente  as  palavras  da  mentira,  (/)  íó 
os  ímpios  tem  por  Aíinifíros. 

13  (/)  O  pobre ,  e  o  credor  fe  en- 

con- 

agaftar;  mas  fc*acaro  fe  rir,  o  infenfato  dá-fcpor 
dcíprczado,  e  por  iííò  mais  indignadamente  fe  ir- 
fita.  Menoqvio. 

(g)  O  fímples.  O  jiifto  ,  o  reílo  ,  o  fincéro  , 
por  ferem  já  fe  fabe  de  coíiumes  mui  diílemc- 
Ihantes.  Mekoquio. 

{h)  O  infenfato  produz  ,  &c.  Diz  logo  tudo 
quanto  fabe,  tudo  quanto  concebe  no  feu  clpiriro; 
porém  o  fabio  obia  com  moderação  ,  náo  falia  te- 
merariamente  ,  nem  cítcnia  a  Tua  fcicncia.  Aiéqui 
Menoquio  :  mas  os  Seícnta  lem  :  Toda  a  fiia  ira 
def afoga  o  rnfinfato  :  porém  o  falno  a  dijlribue  por 
partes  ,  indo  fopeando  os  Icus  impulfos,  e  repri- 
mindo todo  o  defejo  dc  vingança.  Pereira. 

(/)  Sd  os  ímpios  tem  por  Mtnijíros.  Mais  á  le- 
tra :  tem  A  feu  lado  todos  os  Miniftros  Ímpios  ^  ou 
todos  os  Mir.ijtros  que  tem  são  ímpios.  Pereira. 

Q)   O  pobre ,  e  o  credor  ,  <ò'C,  Confira-fe  alíima 

O  Capitulo  XXI L  2.  P£R£ÍKA.. 


Capitulo  XXIX.  175' 

contrárão  :  o  Senhor  he  o  que  allumía 
huiii ,  e  outro. 

14  (^anJo  o  Rei  julga  os  povos 
conforme  a  verdade,  o  feu  Throno  fc- 
rá  firmado  para  fempre. 

15'  A  vara  ,  e  a  correcção  dão  fa- 
bedoria :  o  menino  porém  que  he  dei- 
xado á  fua  vontade  ferve  de  confusão 
a  fua  mãi. 

1 6  Com  a  multiplicação  dos  ímpios 
fe  multiplicarão  as  maldades:  (ni)  e  os 
juftos  verão  a  fua  ruina. 

17  Cria  bem  a  teu  filho  ,  e  con- 
folar-te-ha,  e  fervira  de  delicias  á  tua 
alma. 

18  Quando  faltar  (n)  a  profecia, 
dillipar-fe-ha  o  povo  :  aquellc  porém 
que  guarda  a  Lei  ,  he  bemaventurado. 

(vi)  E  05  jufios  5  ó'C.  Os  juftos  por  mercê  dc 
Deos  confervados  ,  e  fobrevivendo  aos  ímpios  ,  vc- 
r^o  fer  executada  contra  cUes  a  divina  vingança. 
Mehoquio. 

(n)  A  profecia.  Tem  eftc  lugar  deus  fcntidos: 
hum  he ,  que  quando  vieíTem  a  faltar  Profetas  na 
Mepublica  dos  ]udcos  ,  não  tendo  eífes  com  quem 
íe  aconfelhaíTem  nos  negócios  de  maior  tomo  c 
importância ,  ficaria  perdido  o  Povo  i  por  náo  ter 
^usai  lhe  dccUralTs  a  vpntadc  dg  Senljor  :  ©  o\i% 


176  Provérbios. 

19  O  efcravo  (0)  nâo  pódc  fer  cn- 
finado  por  palavras:  porque  elle  enten- 
de o  que  tu  dizes,  e  defpreza  refpon- 
der. 

ao  Viíle  hum  homem  precipitado 
no  fallar?  mais  fe  devem  delle  efperar 
loucuras,  do  que  emenda. 

21  AqucUe,  que  cria  delicadamen- 
te o  feu  criado  defda  infância,  ao  de- 
pois expcrimentallo-ha  contumaz. 

22  O  homem  iracundo  excita  rci- 
xas  :  e  o  que  facihnente  fe  indigna , 
fera  mais  propcnfo  a  peccar. 

23  Ao  foberbo  fegue  a  humilia- 
ção:  e  ao  humilde  d'efpirito  receberá 
a  gloria. 

14    Aquelle  ,  que  fe  aíTocia  com  o 

la- 

tio  ,  que  he  moral  ,  tomando-fc  nclle  o  termo 
profecíit  pela  decUr^ao ,  ou  explica^í»  da  palavra 
de  Deos ,  moílra  c  cnfina  que  fe  corrompe  e  per- 
verte o  Povo ,  quan  Jo  náo  tem  Miniftros  c  Sa- 
cerdotes que  lhe  preguem  e  intimem  os  preceitos 
da  Lei  ,  e  os  ínftruáo  nas  obrigações  indifpcnfa- 
ve/s  da  verdadeira  Religião.  Pereira. 

(0)  Nho  pode  fer  enfmado  por  palavras ,  é^e. 
Was  íim  cum  caftigo  ;  o  que  íc  entende  quando 
cV  todo  hc  dcfobcdientc  ,  c  i^áo  acode  quando  o 
chamáo.  Pereika, 


Capitulo  XXIX.  177 

ladrão  ,  aborrece  a  fua  própria  alma: 
(p)  ouve  ao  que  o  toina  para  juramen- 
to, e  nada  denuncia. 

25-  Aquelle  ,  {q)  que  teme  ao  ho- 
mem,  depreíTa  cahirá:  o  que  efpera  no 
Senhor,  (r)  fera  levantado. 

26  (j)  Sao  muitos  os  que  bufcâo  a 
face  do  Principe:  mas  do  Senhor  fahe 
o  juizo  de  cada  hum. 

27  Os  jaílos  abomináo  o  homem 
ímpio  :  c  os  ímpios  abominaD  a- 
quellcs,  que  fe  achâo  no  caminho  di- 
reito. 

O 

(p)  Ouve  ao  que  o  toma  para  Juramento  ,  é'e, 
A  Lei  condcmnava  ao  que  ,  ícndo  cfconjurado 
pelo  nome  de  Deos ,  náo  dcfcobriííe  o  que  fabia. 
Lcvir.  V.  I.  Pereira. 

{q)  Que  teme  ao  homem  ,  <6-f.  Ifto  he  ,  mais 
do  que  a  Dcos.  Menoquio. 

(r)  Será  levantado.  Dos  males,  cm  que  tal-, 
vez  haja  cabido.  MaNoquio. 

(í)  São  muitos^  <ò'C,  Bjfcáo  muitos  o  favor, 
c  a  protecção  dos  Príncipes ,  devendo  antes  rollici- 
tar  a  amizade  de  Dcos,  que  fendo  o  Supremo  Ar- 
bitro do  Univerfo,  c  o  Juiz  inflexivcl  c  inexorá- 
vel de  todos  os  h«mens  ,  inclina  o  coração  dos  So- 
beranos para  03  fcus  dcfpichos  aonde  muito  lhe 
apraz  fegunjo  as  difpofiçõcs  da  fua  Providencia. 

P£RE1RA. 


I7&  Proverbio-5. 

(t)  o  filho,  que  guarda  a  palavra, 
ferá  ifento  da  perdição. 

(f)  O  filho  j  que  guarda  a  pilavra ,  ^'C.  Fal- 
ta no  Heòreo,  e  em  S.  Jcronynio  ,  mas  acha-fc 
nos  detenta.  He  pois  o  fcntido  ,  que  todo  o  ho- 
ir.cm  ,  que  obferva  os  documentos  atequi  propof- 
los  c  inculcidos  ncítí  Sagrado  Livro ,  tem  de  fi- 
car livre  da  perdição  ,  c  ruina  do  corpo  ,  c  prin- 
cipalmente da  morte  d"  alma.  Eíla  he  a  inrelligen- 
cia  mais  fimplc-s  c  natural  das  preícntes  palavras  ^ 
íegundo  Mcnoquio.  Pereira. 

CAPITULO  XXX. 

Jlfãbedoria  he  hum  do7n  de  Deos,  Damms 
que  nafcem  das  riquezas  ,  e  da  pobreza. 
Progénies  execráveis.  Filhas  da  fajjgue^ 
chuga,  Coufas  injaciaveis.  Coufas  defcO' 
nhecidas.  Co  ufas  infupportaveis.  Coujas 
muito  fabias.  Coujas  que  andão  bem, 

I  {p)   T)  Alavras  do  que  congrega  , 
1    Élho  do  que  arrevcía  la- 

bedoria. 

Vi- 

((C)  Palavras  do  que  cofigre^a  ^é^c.  O  Hebrco 
tem  ai^ui :  Palavras  d'  Âgur filho  dc  lah^ch.  O  Au- 
thor  da  Vulgata  em  lugar  deites  nomes  próprios 
poz  as  fuas  interpretações.  A  dúvida  he  :  Quem 
são  cftes  que  o  Hebrco  chama  >4^mí',  e  hk^h.  A 


Capitulo    XXX.      1 79 

(h)  Visão  ,  que  expoz  hum  varão , 
com  quem  eftá  Deos  ^  e  que  tendo  fi- 
do confortado  pela  aíTiftencia  de  Deos 
que  refide  nelle  ,  diífe  : 

2  (c)  Eu  lou  o  mais  infenfato  dos 
homens ,  (d)  c  a  fabedoria  dos  homens 
nao  eíti  comigo. 

3  Eu  não  aprendi  {é)  a  fabedoria, 

e 

maior  pirte  dos  moiernos  Expofitoffs  tomão  ef- 
tes  no  nes  por  no.-nes  próprios  de  dous  homens, 
diverfos  dc  Salamáo  ,  e  de  David.  Muitos  Pa- 
dres pelo  contrario  ,  e  com  cUcs  alguns  Gom- 
niencadores,  quereji  qu^Salamao  fe  defií^ne  aqui 
p°lo  nome  do  quz  congrega ;  da  mefma  forte  que 
no  principio  d)  L'vro  dj  Ecclefíaítes  toma  cUe  o 
nome  d'  Ccclefíajtss  ,  qac  qu^r  dizer  o  DireClor 
da  y^ffemblet  :  e  que  debaixo  do  nome  do  qut 
arrevefa  fabcdorii  ,  fe  defigne  David  ,  que  cheio 
do  Êfpirito  de  Deos  efpalhou  da  fja  boca  hum 
grande  nuncro  de  Santos  Cíntico^c.  Pereira. 

(b)  Fisão  que  expoz  hu  n  vírao  ,  ó^c.  O  He* 
breo  profe.^ue  aqui  :  Profecia  ,  cjue  ejie  homem 
dirigio  a  ItbicI  ^  e  a  U:il.  Pereira. 

(c)  Eu  fou,&'C.  Sollicitado  talvez  por  feus  difcipu- 
los  para  que  FallatTe  ,  refponde  o  Author  com  efta  mo- 
deftia,  própria  das  pefToas  do  feu  caraéier.  Pereira. 

(d)  E  d  fabedoria  dos  homens ,  ó^c.  A  fabedo- 
ria adquirida  pelo  eítudo  ,  qual  fc  acha  nalguns 
homens  doutos.  Menoquio, 

(e)  Â  fabedoria.  O  conhecimento  das  coufas 
tiaturacs  c  humanas,  Mino^íui». 


i8o  Provérbios. 

e  não  conheci  (f)  a  ícieiícia  dos  San- 
tos. 

4  Quem  fubio  ao  Ceo,  (g)  e  def- 
eco delle.^  quem  reteve  (A)  o  vento 
nas  fuas  mãos?  (/)  quem  atou  as  aguas, 
como  num  veftido  ?  (/)qucm  firmou 

to- 

(/)  A  [ciência  dos  Santos,  A  fcicncia  das  cou- 
fas  íantas  c  divinas.  Ou  a  icicncia  ,  que  houve  nos 
Santos  Profetas  ,  c  ha  nos  Santos  Anjos.  Meno- 

QUIO. 

(^)  E  defceo  delle  ?  Niílo  moftra  o  Authot 
que  fó  Dcos  foi  qucrn  lhe  infpirou  as  vcrdadcf 
que  vai  a  proferir  e  publicar.  Pereira. 

(/j)  O  vento.  Quem  he  aqucllc ,  que  tem  co- 
mo na  fua  mio  os  ventos  c  as  tempcftadcs ,  para 
as  fazer  levantar  ,  c  acalmar  do  modo  que  lhe 
apraz?  Saci. 

(í)  Quem  atou  as  aguts  ^  é^c,  Ci,je  homem 
pôde  tanto  ,  que  rufpcnda  as  aguas  nas  nuvens, 
que  tendo-at  como  involtas  num  veftido  embara- 
ce que  náo  corráo,  Tenío  no  tempo,  e  do  modo 
que  ellc  mefmo  quizer  ?  Ou  antes  :  Que  homem 
pòJe  encerrar  as  aguas  dentro  no  alvej  do  mar, 
c  reprimillas  aííim  com  demarcados  limites  ,  co- 
mo fe  as  contivcííc  numa  dobra  do  feu  veftido? 
Calmet. 

(/)  Qjem  firmo 9,0* c.  A' letra:  Qjem  levantou 
todos  os  termos  da  terra  ?  Ifto  he ,  quem  firmou  a 
terra  febre  o  feu  mefmo  pezo  ,  c  com  perfeito 
cquilibrio  Ihc  dco  por  bafe  o  feu  próprio  centro? 
Pekeira. 


Capitulo   XXX.  i8i 


toJa  aexteasâo  da  terra  ?  qual  he  ofeu 
n  )me?  (;«)  e  qual  he  o  nome  de  feu 
filho,  fe  he  que  o  fabes  ? 

5   Toda  a  palavra  de  Deos  he  («)  pu- 

ri- 

(m)  E  qual  hc  o  nome  de  feu  filho  ?  Efta  per- 
gunta fobrc  o  nomr  do  Pai ,  c  do  Filho  denota  , 
que  a  eterna  geração  do  Verbo  da  fubftancia  do 
Pai  he  imperceptível  ,  c  incompreheníivel  a  todo 
o  entendimento  crcado.  Ora  oGaldeo,  o  Syria- 
co  ,  e  os  tres  Interpretes  Áquila  ,  Symmaco  ,  c 
Theoiociáo ,  todos  uniformemente  lem  como  traz 
a  Vulgata  no  fíngular  ;  quod  nomen  fiUi  cjus  ? 
e  qual  he  o  nome  de  feu  filho  ?  Só  os  Setenta 
Icm  no  plural  :  ^  quod  nomen  filiis  ejus  ?  c  que 
nome  tem  os  feus  filhos?  A  caufa  delta  mudan- 
ça náo  fe  fabc  ao  certo.  BolTact  difcorrc ,  que  o 
porem  os  Setenta  o  plural  pelo  íingular  ,  feria 
porque  fendo  o  nafcimento  do  Verbo  hum  myftc- 
rio  táo  alto  ,  c  táo  pojco  conhecido  ainda  entre 
o  vulgo  dos  Hebreo5  ,  teneráo  elles  que  efta 
daufula  oíFenJeíTe  os  Gentios.  Porque  do  mefmo 
modo  difcorrèra  S.  Jeronymo  ,  que  fora  efta  a  cau- 
fa ,  porque  os  mcfmos  Setenta  ,  lendo  no  Hebreo 
de  Ifaiás,  IX.  6. ,  que  o  nome  do  Menino,  que 
havia  de  nafccr  dr\  Virgem,  feria  chamar-fe  o  Ad^ 
miravel ,  o  Confelheiro ,  o  Deos ,  o  Forte  ,  aterra- 
dos com  a  ma^elhdc  de  táo  grandes  Títulos, 
fubftituíráo  cm  leu  lugar  outros  menos  pompofos. 
Pereira. 

(m)  Purifica.U  ao  fogo.  Ido  he,  m-iito  depu- 
rada, e  limpa  de  rodo  o  vicÍQ  dc  falfidíidc  ,  c  de 
corrupção.  Me-no<íuio, 


iSz  Provérbios. 

rifícada  ao  fogo  :  elle  he  hum  efcudo 
para  os  que  cfperão  nelle : 

6  {o)  nao  accrefcentcs  nada  ás  fuas 
palavras ,  para  nao  feres  por  iíTo  repre- 
hendido,  e  achado  mentirofo. 

7  Duas  coufas  são  as  que  te  pedi : 
não  mas  negues,  antes  que  morra. 

8  Alonga  de  mim  a  vaidade ,  e  as 
palavras  de  mentira : 

Não  me  dês  nem  a  pobreza ,  nem 
as  riquezas  :  dá-mc  fomente  o  que  me 
for  neceíTario  para  viver : 

9  para  que  nao  fucceda  que  eftan- 
do  farto ,  feja  eu  tentado  a  te  renun- 
ciar, e  a  dizer  :  Quem  he  o  Senhor? 
ou  que  conftrangido  da  indigência  me 
ponha  a  fartar,  e  viole  por  hum  jura- 
mento o  nome  de  meu  Deos. 

10  (/?)  Não  accufes  o  fervo  diante 

de 

(o)  NÃO  acmfcentes ,  ó^c.  Eftas  palavras  de- 
vem continuar-fe  com  o  vcrficulo  antecedente  nef- 
tc  fentido :  A  palavra  dc  Deos ,  he  hum  metal  p«- 
rifícado  ao  fogo  :  olha  ,  náo  lhe  accrefcentes  na- 
da ,  para  que  o  náo  adulteres  com  alguma  efcoria. 
Veja-fe  o  Dsutcronomio  IV.  2.XII.  ?2.  Calmet. 

(p)  Não  accufes  o  fervo  ,  ò^c,  Ifto  fe  ha  dc 
cmeadcr ,  quando  fc  accofa  O  fervo  fem  caufa 


Capitulo  XXX.  183 

de  feu  Senhor  ,  para  que  não  fuçceda 
ama!diçoar-te  elle  ,  {q)  c  cahires  tu. 

1 1  (r)  Ha  huma  progénie  que  amal- 
diçoa a  feu  pai ,  c  que  r:ão  abençoa  a 
fua  mái. 

12  Ha  huma  progénie  que  crê  de 
11  que  he  pura ,  e  com  tudo  elia  não  eftá 
limpa  das  fuas  manchas. 

13  Ha  huma  progénie  ,  {/)  cujos 
olhos  são  altivos  ,  c  as  fuas  pálpebras 
levantadas  para  lima. 

14  Ha  huma  progénie,  (í). que  em 
lugar  de  dentes  tem  efpadas ,  c  mafti- 

mui  urgente ,  ou  dc  defeitos  leves  ,  c  muitas  ve- 
zes de  crimes  forjados  c  inventados  pela  calum- 
nia,  porque  todo  o  que  aíKm  obra  ,  moítra  náo 
ter  caridade  com  as  pcíToas  de  femclhante  condi- 
ção. Pereira. 

(//)  E  cahires  tu.  Punindo  Deos  a  tua  cruelda- 
de. Menoquio. 

(r)  Ha  hmn/t  progénie ,  <é?-c.  Como  fc  diíTera : 
Devem-fe  deieftar  as  relés  d'  homens  ,  que  já  vou 
a  expor.  Menoquio. 

(í)  Cujos  olkos  são  altivos.  Que  he  o  geílo 
dos  foberbos.  Menoquio. 

(/)  Que  em  lugar  de  dentes  tem  efpadas.  En- 
tendem os  homens  cruéis  e  avarentos ,  que  dcfpe- 
daçáo  03  pobres  como  com  dentes  de  fera,  cujos 
^cntC3  sào  como  efpadas.  íJsxsQvie. 


184  PllOVERBIOS. 

ga  com  os  feus  queixaes  para  devorar 
os  que  não  tem  nada  na  terra  ^  c  que 
são  pobres  entre  os  homens. 

15'  {li)  Duas  são  as  filhas  da  fangui- 
chuga,  que  dizem:  Traze,  traze. 

Ha  rres  coulas  ,  que  são  iniacia- 
veis,  c  huma  quarta  que  nunca  diz  :  Bafta. 

16  (a:)  o  Inferno  ,  (jy)  e  a  boca 
da  madre  5  e  a  terra  que  íe  não  farta 
d'  agua :  do  raefmo  modo  o  fogo  nun- 
ca diz  :  Bafta. 

17  Quanto  ao  olho  do  que  efcar- 
ncce  de  feu  pai  ^  e  defpreza  (isr)  a  pa- 
ridura  de  fua  mãi  ,  arranquem-no  os 
corvos ,  que  andão  á  borda  das  torren- 
tes, e  comão-no  os  filhos  da  águia. 

Trcs 

(u>  Duas  são ,  ó-f.  Pelo  nome  de  fanguichu- 
j^a  íc  entende  a  depravada  cubiça,  qne  rcm  duai 
filhas ,  a  avareza  ,  e  a  ambiçáo.  Elias  nunca  di- 
zem :  Bafia  ,  nem  jamais  fc  faciáo  i  c  tal  he  a 
inrcrpreraçso  do  cni£;ma.  Calmet. 

(x)  O  Itijernoy  <ò^c.  O  Inferno  pode  também 
aqui  fignificar  o  fepulcro ,  ou  a  morte.  PEREtHA. 

()')  E  a  boca  da  madre.  Pode  entender-fe  da 
meretriz  ,  ou  da  mulher  libidinofa  ;  mas  o  Hebreo 
parece  defignar  antes  a  mulher  efteril.  Calmet. 

(z)  A  paridura  de  fua  mtiK  O  Hebreo  diz; 
4í  okdiençia  qut  dm  a  fua  mH,  PiRpt^A. 


Capitulo  XXX.  185' 

18  Tres  coufas  me  são  difficulto- 
fas  d' entender  ,  e  huma  quarta  he  pa- 
ra mim  inteiramente  incógnita: 

19  {aa)  O  caminho  da  águia  no  ar^ 
o  caminho  da  cobra  ibbre  a  terra  ,  o 
caminho  da  náo  no  meio  do  mar,  e  o 
caminho  do  homem  na  fua  mocidade. 

20  {f?b)  Tal  he  também  o  caminho 

da 

(jiÀ)  O  caminho  dá  águia  no  ar ,  «^c.  Eis-nqui 
as  quatro  coufas  que  náo  chegou  a  comprchcnd;;r 
o  mcfmo  Salamáo.  O  caminho  d' águia  no  ar, 
qpe  cila  rompe  vifivclmcntc ,  c  cllc  invifivclmen- 
te  ff  torna  a  unir  c  fechar :  o  caminho  da  cobra , 
ou  fcrpcntc  fobrc  a  pedra  ,  que  nát>  deixa  raílo: 
o  caminho  da  náo  no  meio  do  mar ,  cuja  cAcira 
confundem  logo  ,  c  apagáo  as  ondas:  o  caminho 
do  homem  na  mocidade ,  cuja  incrível  inconftan- 
cia  o  náo  deixa  fazer  firmeza  cm  coufa  alguma. 
O  Hebreo  neíle  lugar  diz  :  O  caminho  do  homem 
na  donzella ,  donde  ▼ieráo  muitos  Interpretes  mo- 
dernos a  entender  cftas  palavras  como  huma  pro- 
fecia da  Incarnação  do  Verbo  nas  puriflimas  en- 
tranhas da  Virgem  Maria  Senhora  noffa  ,  fundados 
cm  que  o  termo  Hebreo  Halmah  ,  que  figniíica  a 
Firgcm  ,  ou  DonzelU  ,  o  qual  fe  lè  aqui  ,  he  o 
mcimo  que  fe  encontra  no  Texto  d' Ifaias  VII.  14. 
Ecce  Firgo  concipiet.  Sem  embargo  diílo ,  parece 
<jue  he  mais  naiural  o  fcntido  á  letra.  Pereira. 

(^bh)  TaI  he,  fò-c,  líto  he ,  femelhantcmcncc 
náo  chego  a  alcançar,  JkliNoqvig, 


i8ó'  Provérbios. 

da  mulher  adultera,  a  qual  (cc)  come, 
e  alimpando  a  fua  boca  ,  diz  :  Eu, 
não  fiz  mal  nenhum. 

2  1  A  terra  eítremece  com  tres  cou- 
fas ,  e  a  quarta  nao  na  pode  eila  íup-, 
portar : 

22  Com  hum  efcravo,  quando  elle 
reinar  :  com  hum  infenfato  5  quando 
eftiver  farto  de  comer: 

23  com  huma  mulher odiofa ,  quan- 
do hum  homem  a  receber  :  e  com  hu- 
ma efcrava  ,  quando  efta  vier  a  ficar 
herdeira  de  fua  fcnhors. 

24  Qiiatro  coufas  ha  na  terra  ,  que 
são  muito  pequenas  ,  e  que  são  mais 
fabias  do  que  os  mefmos  fabios. 

2^  As  formigas ,  aquelle  fraco  po- 
vo 5  que  faz  o  feu  provimento  durante 
a  méíTc : 

26  os  coelhos  ,  aquella  débil  tropa , 
que  faz  a  fua  habitação  nos  rochedos: 

27  os  gafanhotos  ,  que  não  tem 
.Reij  eque  todavia  fahem  todos  orde- 
nados em  feus  efquadrões : 

a 

(cc)   Come.  Com  honcftidadc  e  deccnciâ  çx? 
primio  huma  acçáo  torpe.  Mknoíjvio, 


Capitulo  XXX.  1S7 

a8  (rW)  a  fanmanriga,  que  fe  foftem 
ms  Tuas  mãos  ,  e  que  móia  nos  Pala- 
cios dos  Reis. 

29  Ha  três  coufas  ,  que  andâo 
bem  5  chuma  quarta,  que  anda  magni- 
ficamente : 

30  O  leão,  o  mais  forte  dos  ani- 
maes ,  de  nada  que  encontre  terá  me- 
do: 

31  o  gallo  ,  {ee)  que  anda  mui  fe- 
nhor  de  fi  :  e  o  carneiro  :  {ff)  e  hum 
Rei ,  a  quem  nada  reíifte. 

Tom.  XI.  N  Tal 

(dà")  A  f  iranuntig,^,  Commammentc  Jiellio 
fc  traduz  por  cfga ,  [aramantiga ,  como  no  Levi- 
tico  Xl.  ^o.  Muitos  interpretes  julgáráo  que  a  p;i- 
lavra  que  feacha  no  Hcbreo  dcíignava  a  faugut/u-' 
gA  (ou  ran^uicliUí^a  )  ou  o  hogio ,  uu  a  aranha  y 
masc|uçneftc  higitr  feia  cfta  ukima,  opinião  hc, 
cm  que  concordáo  a  maior  parte  dos  Eícxitores. 
Pereira. 

(tff)  Que  anda  mui  fetihor  de  fi.  Ou,  que  and* 
com  palTo  arrogante ,  ou  que  íempre  anda  prom* 
pto  para  as  contendas  com  os  feus  icmcihântes. 
Pereira. 

(ff)  EhtnnRei,  é^c,  A  Vulgata  diz  á  letra: 
nem  ha  Rei  ,  que  lhe  refijia  ,  versão  ,  que  nem 
fazia  bom  fcn tido ,  nem  delia  rcfuliaváo  as  quatro 
coufas  propoítas  ,  porque  então  viriáo  a  fcr  trcs. 
Foi  pois  ncccíUiig  Icgmc  o  Hcbcco^,  como  já  cn- 


i?8  Provérbios. 

32  Tal  homem  ha  ,  que  pareceo 
hum  infeníato,  (gg)  depois  que  foi  ele- 
vado a  huma  lublime  ordem  :  porque 
fe  elle  tivelFc  tido  inrelligencia  ,  teria 
pofto  a  mão  na  fua  boca. 

33  Aquelle  ,  que  com  força  efprc- 
me  a  teta  para  tirar  leite  ,  faz  lahir 
delia  {hh)  hum  fucco  crallo  :  e  aquel- 
le,  que  fe  aíFoa  muito  forte,  tira  fati- 
gue: e  aquelle  5  que  excita  a  ira,  pro- 
duz difcordias. 


CA- 

trc  outros  fez  Saci.  Já  fc  vè  que  o  Icáo  dcnor» 
c  enfina  a  fortaleza  ,  o  gallo  a  vigilância,  o  car- 
neiro o  cuidado  da  famiiia  ou  do  rebanho  9  c  o 
Rei  a  magnanimidade.  Perfíra. 

te)  i^^pois  que  foi  elevado  ,  ^c,  Confira-fc 
âílima  o  Capitulo  III.  vcrfo  ^5.  Pereira. 

(kh)  Hum  fucco  craffo.  A'  letra  :  manteiga.  Se- 
melhante a  todas  eíhs  couías  he  o  homem  ,  que 
á  pura  força  das  Tuas  más  palavras  ,  e  fenirazoes 
vai  exercitando  a  outro  na  paciência  ,  até  que  O 
faz  romper  nalgum  cxccííg.  Pereira. 


Provérbios 


CAPITULO  XXXI. 

Injlrucçõts  ,  que  Salamâo  recebeo  de  fua 
inãL  Elie  exhorta  os  homens  a  não  Je 
fazerem  pródigos  com  as  mulheres  \  e 
os  Reis  a  evitarem  a  bebedtjje.  Mas  eU 
le  recommenda  o  ufo  do  vinho  aos  que  ef- 
tão  trifles,  Elogin  da  mulher  forte  ^  te- 
cido de  uerfos  acrojticos  alfabéticos. 

I  W  T)  Alavras   do  Rei  Lamuel. 
JL    (/;)  Visão  ,  pela  qual  o  in- 
ftiuio  fua  mãi. 

2  Que  re  direi  eu  ,  meu  amado 
filho  ,  que  te  direi  eu  ,  amado  fruto 
das  minhas  entranhas ,  que  te  direi  eu, 
querido  objeóío  dos  meus  deícjos  ? 

N  ii  Nao 

(4)    Palavras  do  Rei  LavmeL  A  opinião  mais 
conftanie  ,  c  mais  bem  recebida  entre  os  Expoíi- 
torcs,  hc  tjuc  Lamuel  hc  omcfmo  Salamáo,  cha- 
mado acjui  Lmuel  ,  cjue  em  Hcbrco  quer  dizec 
JDeos  com  e//e ,  por  caufa  da  paz,  c  prolperidadc, 
que  no  fcu  tempo  gozáráo  os  Judcos  :  c  que  a  mái 
ue  o  inftruio ,  he  Bcríabc  :  cm  reconhecimento 
o  que  ,  lhe  taz  o  meímo  Salamáo  o  magnifico 
elogio  da  mulher  forre.  Pereiwa. 
Q)    Fisão,  Douifina  recebida  por  huma  revcf 


IÇO  Provérbios 

3  Nao  dês  os  teus  bens  a  mulhe- 
res ,  nem  empregues  as  tuas  riquezas 

(c)  em  delkuir  Pvcis. 

4  Níío  dês,  óLamuel,  nao  dês  vi- 
nho aos  Reis  :  porque  não  ha  fegrcdo, 
onde  reina  a  bebediíTe : 

5'  c  para  que  nao  fucccda ,  que  el- 
]es  bebão  ,  e  fe  elqueçâo  da  juftiça , 
e  tranftornem  a  equidade  na  caula  dos 
filhos  do  pobre. 

6    iMas  dá  aos  que  eftao  affliftos 

(d)  hum  licor  capaz  de  os  embiiiigar, 
c  vinho  aos  que  efcSo  em  amargura  de 
coração : 

*  pa- 

(f)  JEm  dejiruir  Reis,  Para  mover  diTcordia»  9 
c  arear  guerras  injufta? ,  forjando  rebelliócs  con' 
rra  o  teu  Soberano.  Mas  o  Hcbrco  pôde  tam- 
bém ter  ette  ícntido  :  Náo  te  entregues  aos  delei- 
tes ,  porque  eftragáo  as  forças  do  corpo ,  c  abbrc- 
viáo  os  dias  da  vida  ,  nem  ponhas  a  tua  afFeiçáo 
nas  mulheres ,  porque  iíto  coíluma  fer  perniciofo 
aos  Reis.  Nas  quaes  palavras  ,  que  sáo  como  hum 
vaticínio ,  adverte  Calmet  ferem  prognofticados  os 
males  ,  que  cftaváo  immincntes  a  Salamáo.  P»- 

JlEtKA. 

(d)  Hum  licor.  A'  letra  cerveja  ,  que  fc  toma 
por  tudo  o  que  pó^c  ennbriag;ir.  Ninguém  julgue 
|}ois  que  Salamão  pcrmiuc  a^ui  o  cxccílívo  uío. 


Capitulo  XXXI.      19 r 

7  para  que  elles  bebão  ,  e  fe  ef- 
queção  da  fua  pobreza ,  e  percao  para 
íempre  a  memoria  da  íua  dor. 

8  Abre  a  tua  boca  a  favor  do  mu- 
do,  e  para  defenderes  as  caufas  de  to- 
dos os  filhos  que  pafsao : 

9  abre.  a  tua  boca  ,  ordena  o  que 
he  jafto,  e  faze  jufiiça  ao  pobre,  e  ao 
neceílitado. 

A  L  E  P  H. 

10  Quem  achará  huma  mulher  for- 
te ?  (e)  feu  preço  excede  a  tudo  o  que 
vem  de  remontadas  diftancias  y  e  dos 
mais  remotos  confins  da  terra. 

Beth. 

11  O  coração  de  feu  marido  poe 
a  fua  confiança  nella  ,  e  elle  não  ne- 
ceílitará  de  defpojos. 

Ghi- 

do  vinho  ,  mas  fim  o  parco  c  moderado  ,  fó  quan- 
to baftcpara  dcíabafar  o  animo,  e  alegrar  o  anguf- 
liado  e  entriítecido  coração.  Pereira. 

(e)  Seu  pnp^  ó^c.  Porque  fc  íuppóe  que  tu- 
do <juanto  fc  traz  dc  paizrs  remotos  he  de  gran- 
de valor  e  eftima.  No  Hebrco  d' aqai  até  o  fim 
sáo  acrofticos  os  verficulos :  motivo  porque  me  rc- 
folvi  também  a  apontar  aqui  as  letras  daqucllc 
Alfâbcco.  Fkivki&a» 


1^2  PrOVEKBIOS, 
G  H  I   M   E  L. 

12  Ella  lhe  tornará  o  bem  ,  e  não 
o  mal  em  todos  os  dias  da  fua  vida. 

D   A  L  E  T  H. 

13  Bufcou  lã,  e  linho,  e  o  traba- 
lhou com  a  induftria  de  fuas  mãos. 

H  E. 

14  Fez-fe  como  a  na'o  do  negoci- 
ante, que  traz  de  longe  o  feu  pão. 

O  U  A  U. 

ij  E  fe  levantou  de  noite  ,  (/)  e 
repartio  a  preza  aos  feus  domefticos, 
(g)  Q  o  fuftento  as  fuas  efcravas. 

Z  A   I  N. 

16  Conliderou  hum  campo,  e  com- 
prou-o  :  plantou  huma  vinha  do  fruto 
das  fuas  mãos. 

H   E  T  H. 

17  Cingio  os  feus  rins  de  fortale- 
za, e  corroborou  o  feu  braço. 

Te- 

(/)  E  rrpanio  a  prezi ,  f^^c.  Por  preza  en- 
tendem todos  aqui  a  raçáo  proporcionada  a  cada 
hum.  Pereira. 

Of)  £  O  fujknto.  A* leira:  e  of  mantimentos^ 
para  os  creadoj  ,  c  para  o  ^ado.  Os  Setenia  di- 
zem: a  tarefa  para  aquellc  dia»  Peueikai, 


Capitulo  XXXL  193 

T  E  T  H. 

18  (h)  Tomou-lhe  o  gofto  ,  c  vío 
que  a  fua  negociação  he  boa :  (/)  a  fua 
candeia  não  íe  apagará  de  noite. 

I  o  D. 

19  Ella  metteo  a  fua  mão  a  cou- 
fas  fortes ,  e  os  feus  dedos  pegarão  no 
fufo. 

C  H  A   P  H. 

20  Abrio  a  fua  mão  para  o  necef- 
fitâdo  5  e  eftendco  os  feus  braços  para 
o  pobre. 

L  A   ívl  E  D. 

21  Não  temerá  que  venhão  fobre 
a  fua  familia  (/)  os  rigores  da  neve : 
porque  todos  os  feus  domefticos  tra- 
zem veftidos  forrados, 

M  E  M. 

22  Ella  fez  para  fi  móveis  de  ta-. 

pe- 

(h)  Tomihlhe  o  j^ojio,  Ella  mcfma  aprcndc3 
por  experiência.  Minoquio. 

(í)  J  fui  andeia  não  fe  apagará  de  noite.  Tf- 
to  hc  ,  velará  huma  grande  parte  da  noite  appli- 
cada  com        c^eada*  ao  trabalho.  Pckura. 

(O  rigores  da  neve.  A' letra  :  os  frios  (n\i 
frialdade s  )  da  neve ,  iíto  hc  ,  as  injurias  do  Invcw 


194  Provérbios. 
peçaría  :  ella  fe  veftio  d'  hollanda  ,  c 
de  purpura. 

N  o  U  N. 

23  Seu  marido  fera  illuflre  (w)  na 
AíTemblea  dos  juizes  ,  quando  cftiver 
aíTentado  com  os  Senadores  da  terra. 

S  A   M  E  G  H. 

24  Ella  fez  delicados  lenços  ,  e 
vendeo-os  ,  («)  c  entregou  hum  cinto 
ao  Cananeo. 

A  I  N. 

25'  A  fortaleza  ,  c  a  fermofura  hc 
o  de  que  elia  fe  reveíle,  e  ella  rirá  no 
ultimo  dia. 

P  H  E. 

16    Ella  abrio  a  fua  boca  (p)  i  fa- 

be- 

(m)  N/l  ÂJJemhl eidos  iuizes.  A' letra :  n^J  por- 
f45,  ifto  he,  da  Cidade.  Para  qualificar  a  nobre- 
za do  mariJo  da  mulher  forte  diz  squi  o  Sabio, 
que  terá  alTento  nas  portas  com  os  Confelheiros  c 
Juizes  da  terra.  Hc  allusáo  a  crtarem  naqacUc  tem- 
po os  Tribunacs  e  os  Miniftros  ás  portas  da  Cida- 
de. Pereira. 

(n)  £  entregou  hum  cinto  ao  Candneo.  Para  o 
vender  por  conta  delia  na  fua  Província.  Pereira. 

(o)  Afabedoria,  O  Hcbreo  ó\z  com  fabedoria  y 
porque  todas  as  palavw  ,  que  profçrç  §áQ  com 


Capitulo  XXXI.  ip) 

bcdoria,  c  a  Lei  da  clemência  eftá  na 
ftia  lingua. 

T  S  A  D  E. 

27  Confiderou  as  varedas  da  fua 
cafa,  e  nao  comco  o  pão  ociofa. 

K  o  u  P  H. 

28  Levantarão-fe  leus  filhos,  e  ac- 
clamárão-na  ditoíiifima  :  levantou-fe  feu 
marido ,  e  louvou-a. 

R  E  s  s. 

29  Muitas  filhas  ajuntarão  rique- 
zas :  tu  excedcftc  a  todas. 

S  s  I  N. 

30  A  graça  he  enganadora  ,  c  a 
fermofura  he  vã  :  a  mulher,  que  teme 
ao  Senhor,  eíTa  he  a  que  ferá  louvada. 

T  H  A  u. 

3 1  Dai-lhc  do  fruto  das  fuas  mãos : 
e  as  fuas  obras  a  louvem  (/?)  naAíTem- 
blca  dos  juizes. 

grande  refguardo  ,  circumfpccçáo  ,  c  prudência. 
Pereira. 

(p)  Na  AJfemblea  dos  juizes.  A'  letra :  nas  per* 
tas,  E  tal  he  o  caradter  da  mulher  cafada  ,  que 
pinta  aqui  Salamáo  :  huma  mulher  ,  que  ,  ajun- 
tando ,  como  fe  deve  fuppor ,  a  honeftidadc  com 
9  ícu  diítinóto  naícimcnto ,  fc  oílcnta  fcmprc  ze- 


1^6  Provérbios. 

lofa  da  gloria  de  Deos  ,  a  quem  teme  ,  e  do  au* 
gmenro  da  fua  caía  ,  e  familia  ,  que  governa  :  por- 
t^ndo-fc  vigilante  nas  fuas  obrigações,  circumfpc- 
61a  c  prudente  na  educação  dos  filhos  ,  e  no  man- 
do fobre  os  ícus  domefticos  ,  cheia  de  manli- 
dáo  para  com  o  próximo ,  de  caridade  para  com 
os  pobres,  fujeita  em  tudo  a  fcu  marido,  recolhi^ 
da  quaíi  de  contínuo  cm  fua  cafa  ,  fazendo  tim- 
bre das  virtudes  do  próprio  fcxo  ,  ella  merece  o 
elogio  que  lhe  dá  o  Sabio  :  Que  cotiftderou  as  va* 
redas  da  fua  cafa^  e  nao  comco  o  pío  ociofa.  Pa- 

KEIKA. 


Fim  do  Livro  dos  Provérbios. 


PRE 


PREFAÇÃO 

SOBRE   O  LIVRO 

D  O 

ECCLESI  ASTES. 

A Tradição  confiante  de  Hebreos  , 
eChriítáos  fcmpre  attribuio  ef- 
te  livro  a  Salamão.    E  ella  fe 
confirma  ineluàlavelmentc  do  Titulo, 
que  forma  o  feu  principio  :  Palavras 
do  Eccleftaftes ,  filho  de  David ,  Rei  de  Je- 
rufalem  :  principalmente  conferindo-fe 
eftas  palavras  do  verfo  i.  com  as  fe- 
guintes  do  verfo  16.  Eis-me  aqui  feito 
hum  homem  grande  ,  e  que  a  todos  os  que 
\  antes  de  mim  houve  em  Jerufalem^  excedi 
j  em  fabedoria. 

I        O  mefmo  fe  convence  do  que  le- 
mos no  Capitulo  XII.  verfo  9.  O  Eccle^ 
fiafles  como  era  muito  fahio ,  enfinou  o  Po- 
^  vo  ^  e  contou  o  que  tinha  feito :  e  invefii^ 
I  gando  compoz  muitas  Parábolas, 

Com  ifto  fica  refutado  o  fentimento 
\  de  Grocio ,  que  deo  efte  Livro  por  Obra 
í  feita  depois  do  cativeiro  de  Babylonia. 

Os 


198  PREPAqXo. 

Os  Hebreos  ( Cegando  nota  S.  Jc- 
ronymo)  accrefcentão  ,  que  pelo  que 
Salamao  efcreveo  noíím  do  ultimo  Ca- 
pitulo, he  que  efte  leu  Livro  fe julgou 
digno  de  íe  mecter  no  Catalogo  das 
Divinas  Efcrituras.  Porque  depois  de 
ter  dado  por  vans  as  creaturas  de  Dcos  , 
c  reputado  por  nada  tudo  o  que  íe  paf- 
fa  debaixo  do  Sol :  depois  de  ter  pre- 
terido a  tudo  o  mais  o  gozo  das  deli- 
cias, concluio  o  feu  Livro,  dizendo: 
Que  ijio  era  o  tudo  do  homem  ,  temer  a 
Deos  y  e  obfervar  os  feus  Mandamentos, 

Masporniais  que  os  modernos  Epi- 
curcos  le  queirão  valer  da  autlioridadc 
deftc  Livro,  para  porem  o  ultimo  fim, 
ou  bemaventurança  do  homem  na  vida 
rec^alada  ,  e  nos  deleites  fenfuaes  :  Elie 
fc  deve  ter  por  tão  infpirado ,  c  canóni- 
co afiim  na  parte  ,  como  no  todo.  O  pon- 
to eftá  em  faber  ,  e  querer  diftinguir 
nefte  divino  Livro  o  que  Salamao  nel- 
]c  cfcreve  em  nome ,  e  em  pelloa  dos 
Libertinos  ,  do  que  efcreve  de  íua  pró- 
pria fentença  :  diftinguir  quando  cUe 
folia  abfoiutamentc  ,  ou  quando  falia 

com- 


Pb  EF  Aq  A  o.  199 

comparativamente  :  diítinguir  a  objec- 
ção da  foluçao. 

He  certo  que  ifto  he  difficultofo. 
Mas  para  o  LibcrtiriO ,  ou  Matcrialiíia 
não  abufar  da  authoridade  deíle  Livro, 
bafta  rcfleflir  que  Salamão,  depois  de 
defenganar  a  todos  com  o  fcu  exemplo  , 
c  experiência,  que  por  mais  que  o  ho- 
mem fe  engolfe  ,  e  deleite  na  poíFc  dos 
bens  do  m.undo  ,  nunca  o  feu  elpirito 
ha  de  deixar  de  fcntir  inquietação  ,  e 
anciedade  :  a  todos  cxhorta  a  que  fe 
lembrem  da  morte  ,  e  do  juizo  :  sífir- 
mando  que  depois  da  morte  ha  de  o 
homem  dar  conta  a  Deos  de  tudo  o 
que  fez  5  bom  ,  ou  máo  :  e  ifto  fem  dú- 
vida ,  para,  fegundo  os  merecimentos 
das  obras  ,  fcr  premiado  ,  ou  punido. 

Ora  hum  Efcritor,  que  aíTim  con- 
cluc  a  fua  Obra,  tanto  nao  favorece  o 
ímpio  fyftema  dos  noíTos  Epicureos  ,  que 
antes  o  deítroe  pelos  alicerícs.  Porque 
fuppondo,  ou  fingindo  fuppór  os  Epi- 
cuicos  ,  que  a  alma  do  homem  acaba 
com  o  corpo  ;  e  que  aíEm  o  que  refta 
ao  homem  he  desfrutar,  em  quanto  vi- 
ve, 


2C0  PREFAqXo. 

ve,  os  prazeres  ,  e  palFatempos  deftc 
mundo  :  Salarnao  ao  contrario ,  tendo 
primeiramente  ponderado  a  vaidade  def- 
íes  prazeres  ,  c  pafíatempos,  adverte 
por  uhimo  ,  que  o  tudo  do  hofheni  he 
temer  a  Deos  ,  e  ohfcrvar  osfeus  Manda- 
mentos, E  ifto  j  porque  tudo  o  que  o  ho- 
mem tiver  feito  em  fua  vida  ,  o  ha  dc  Deos 
chamar  a  juizo,  Qut  prova  mais  clara 
da  immoi talidade  danoíTa  alma,  eque 
depois  defta  vida  morral  nos  relia  ain- 
da outra  ,  que  ha  dc  durar  para  fcmpre? 

Por  líTo  he  muiro  para  notar ,  que 
fempre  que  Salarnao  exaggera  a  vaida- 
de de  todas  as  coiifas  do  mundo,  ac- 
crefccnta  elle  as  palavras ,  debaixo  do  So/, 
como  modificativas  ,  ou  rellriíiivas  do 
que  diz.  Porque  o  feu  intento  heretra- 
hir  o  homem  de  pôr  o  feu  ultimo  fim 
no  gozo  dascoufas  terrenas,  c  clcval- 
lo  ao  conhecinicnto  ,  e  reflexão  ,  de  que 
para  outro  fim  mais  nobre,  e  mais  fu- 
perior  o  creou  Deos  ;  e  que  eíle  fim 
ultimo  do  homem  nao  he  outro,  lenão 
o  mefmo  Creador. 


lOI 

ECCLESIASTES, 

EM  HEBREO  COHELETH. 


CAPITULO  I. 

T udo  o  que  ha  de  telhas  abaixo  hc  va:^ 
dade,  Isada  ha  naio  df baixo  do  Sol.  O 
tr.efmo  ejiudo ,  e  conhecimento  das  (ciên- 
cias he  -úão  ,  etraz  comfigo  trabalho  ^ 
€  anciedade, 

I  (rt)         Alavras  do  Ecclcdaílcs  ,  fí- 
Jr^^lho  de  David,  Rei  de  Je- 
ruíalcm. 

Vai- 

{£)    Palavras  do  Ecckfiajles.  Ifto  hc ,  do  Pré- 

?;ador:  nome,  que  Salamáo  Te appTopriou  por  cau- 
a  dos  Dilcurfos  ,  ou  Sermões  que  íazia  na  AíTem- 
blea  do  Povo.  Porque  Ecclefiajies  forma  fc  de  £cc}e- 
ftd  ,  que  quer  dizer  AíTemblea  ,  Congregação ,  A- 
juntamente.  No  Hebreo  Ccheleih  he  nome  femini- 
no ,  que  literalmente  quer  dizer  :  j4  que  falia  em 
público  ,  e  deve  fupprir-fc  a  Divina  Sabedoria.  Pc- 
rém  es  Setenta  ,  e  depois  dclles  os  Latinos ,  dcf- 
prczido  o  género  ,  lhe  fizciáo  correfpondcr  o  ter- 


202  ECCLESIASTES. 

2  {b)  Vaidade  de  vaidades  ,  dilTe 
o  Eccleliaftes :  vaidade  de  vaidades,  e 
tudo  vaidade. 

3  Que  tira  mais  o  homem  de  todo 
o  feu  trabalho  ,  com  que  le  afl^diga 
debaixo  do  Sol? 

4  {c)  Huma  geração  paíTa  ,  c  ou- 
tra geração  lhe  luccede :  {d)  mas  a  ter- 
ra permanece  lempre  firme. 

O 

mo  Grego  Ecclep.ijles,  qup  vem,  como  já  dific, 
a  fiojnifícar  o  Orader  y  ou  Pregador.  Pereira. 

FAÍdade  de  vaidAdes.  Todos  oi  Interpre- 
tes Grc,^o3  ,  á  excepção  dos  Serenta  ,  cm  lugar 
de  vaidade  de  vaidades ,  verter áo  vapor  de  vapores. 
MáS  o  nome  de  vaidade  ,  de  que  fc  ferviráo  os 
Setenta  ,  he  ainda  mais  exprcííivo  j  porque  íigni- 
fica  hiima  coufa  vuc  he  ainda  menos  ,  do  que  o 
v-ipor;  a  faber,  o  nada  dos  nadas,  ou  hum  me- 
ro nad-í.  Pereira. 

(c)  Hunut  (reraçao  pijfa  ,  cí^f.  Primeiro  exem- 
plo ,  ou  prova  da  vaidade  das  couías  do  mundo, 
a  inconíhncia  das  gerações  ,  que  fucceiíivamcnrc 
váo  correndo ,  c  fuccedendo  humas  ás  outrzs.  Se- 
gundo exemplo',  o  Sol  em  hum  continuado  gyro. 
Terceiro  exemplo  ,  o  vento  ora  aíToprando  d  hu- 
ma parte  ,  ora  doutra.  Quarto  exemplo  ,  os  rios 
entrando  no  mar ,  e  tornando  a  fahir  delle.  No  que 
tudo  falia  Salamáo  ,  fegundo  as  opiniões  vulgares 
entre  os  homens.  Pereira. 

(d)  Mas  a  tçrra  pennaneçç  fmpre  famc,  Quç 


Capitulo  I.  203 

5*  (e)  O  Sol  nafce  ,  e  fe  poe  ,  e  tor- 
na ao  lugar,  donde  partio:  e  renafccn- 
do  ahi, 

6  faz  o  fcu  gyro  pelo  Meio  dia  ,  e 
depois  le  dobra  para  o  Norte :  (/)  o 
vento  corre  ,  viíltando  tudo  em  roda , 
e  volta  fobre  íi  meímo  em  longos  cir- 
cuitos. 

Tom.XI.  O  To- 

coufa  ha  mais  vá  no  meio  defía  vaidade  ,  que 
permanecer  aterra,  que  to\  feita  porcauía  do  ho- 
mem ,  c  tornar-fe  de  repente  em  pó  o  meímo  ho* 
mem  íenhor  da  terra?  S.  Jeronymo. 

(e)  O  Soi  nafce  ,  e  fe  põe ,  <ò^c,  Notc-fe  que 
nclte  verío  inJica  Salamâo  os  dous  movimentos  , 
que  no  Sol  reconhecem  os  Aftronomos.  Hum  di- 
urno,  e  quotidiAno  de  Nafccnte  a  Poenre,  quan- 
do diz;  OSolnafce,  efepÕe.  Outro  annual  d' hum 
Trópico  a  outro  pelos  diíiercntcs  fignos  do  Zodia- 
co,  quando  diz  :  Faz  o  feit  gyro  pele  Meio  dia^ 
e  depois  fe  dobra  para  o  Norte.  Calmet. 

(/)  O  vento.  A  Opinião  mais  bem  recebida  he 
que  a  palavra  Jpiricus  le  toma  aqui  pelo  vento ; 
ainda  que  até  S.  Jcronymo  a  applica  ao  Sol ,  que 
he  como  a  alma  do  Mundo ,  que  com  o  feu  calor 
c  aClividadc  o  vivifica ,  c  que  retrocede  o  feu  gy- 
ro ,  tornando  em  certo  mo Jo  fobre  fcus  paíTos  na 
revolução  que  faz  entre  Oá  Trópicos.  Mas  a  ref- 
pcito  da  inltabilidadc  da  vida  do  homem  ,  e  das 
coufas  do  Mundo  confira-fe  Saní-Iago  na  Epiílola 


204  ECCLESIASTES. 

7  Todos  os  rios  cntrao  no  mar, 
(g)  c  o  mar  nem  por  iíTo  trasborda :  os 
rios  tornão  ao  mefmo  lugar  donde  la- 
hcm  5  para  tornarem  a  correr. 

8  Todas  as  couías  são  difEcels:  o 
homem  nao  nas  pode  explicar  com  pa- 
lavras. O  olho  não  le  farta  de  ver  ^  nem 
o  ouvido  fe  enche  d'cícutar. 

9  Que  he  o  que  foi  ?  he  o  mefmo 
que  o  que  ha  de  fer.  Que  he  o  que  fe  fez  ? 
he  o  mefmo  que  o  que  fe  iia  de  fazer. 

10  Nao  ha  nada  que  fcja  novo  de- 
baixo do  Sol,  e  ninguém  pode  dizer: 
Eis-aqui  eftá  huma  coufa  nova  :  por- 
que cila  já  a  houve  nos  feculos  ,  que 
pafsárao  antes  de  nós. 

11  (/;)  Não  ha  memoria  do  que  já 
foi :  mas  nem  ainda  haverá  recordação 
das  coufas  ,  que  tem  de  fucccder  de- 
pois 

Cj^)  E  G  már  mm  por  i[fo  trashrãa.  E  ellc  tras- 
bordaria 5  fe  os  rios  ,  c]nc  cntráo  neile  ,  não  tor- 
naíTcm  pelos  occulios  nieaios  da  rcrra  ás  fontes 
das  íuas  origens.  Bossvkt. 

ih)  NÃO  ha  memoria  do  que  jã  foi.  Ou  mais  á 
letra  ,  das  primeiras  coiif.ís.  Porque  a  nirfma  anti- 
guidade coítuma  abolir  os  nomes  e  as  acções  do« 
homens.  Meko^uio. 


Capitulo  L  205' 

pois  de  nós  ,  entre  aquelles  ,  que  liao 
de  exiilir  em  tempo  a  ellas  muito  pof- 
terior. 

iz  Eu  o  Ecclcíiaftes  fui  Rei  d'If- 
racl  em  Jerufalem , 

13  e  propuz  no  meu  coração  in- 
quirir e  invcíiigar  labiamenre  codas  as 
couias  5  que  le  fazem  debaixo  do  Sol. 
Efta  (/)  peílima  occupaçao  deo  Deos 
aos  filhos  dos  homens  ,  para  que  fe  oc- 
cupaíTem  cella. 

14  Eu  vi  tudo  o  que  fe  pafla  de- 
baixo do  Sol,  e  eis-que  achei  que  tudo 
era  vaidade,  e  afflicção  d'erpirito. 

15-  Os  perveríos  difficultolamente 
fe  corrigem  ,  e  o  numero  dos  infenfa- 
tos  he  infinito. 

16  Eu  fallei  no  meu  coração,  di- 
zendo :  Eis-me  aqui  feito  hum  homem 
grande,  e  que  a  todos  os  que  antes  de 
mim  houve  em  Jerufalem  ,  excedi  em 
O  ii  fa- 

(i)  Peíjimi  occupaçao.  Aqui  pejjíms  hc  o  mef- 
mo  ^ue  trabalhjfx  ,  moleJLt  ;  vindo  a  fer  huma 
como  pena  c  caítigo  da  curioíidade  humana  o  tra- 
balho 5  a  canícira  ,  c  a  fadiga  ,  que  coma  cada 
hum  para  averiguar  as  couías,  de  que  deíeja  ficai 
kicacc.  Pereira. 


206  EcCLESIASTES. 

fcbddoria  :  e  o  meu  efpirito  contem- 
plou iTiuitas  coufas  com  grande  atten- 
ção,  e  eu  aprendi  muito. 

17  E  appliquei  o  meu  coração  a 
faber  a  prudência,  c  a  doutrina ,  e  os 
erros  5  e  acftulticia:  e  vim  a  conhecer 
que  ainda  nifto  havia  trabalho  ,  e  af- 
flicção  do  efpirito ; 

18  por  quanto  na  muita  fabedoria 
(í)  ha  muita  indignação  :  e  o  que  ac- 
crefcenta  a  fciencia  ,  (ni)  também  ac- 
crefcentà  o  trabalho. 


CA- 

(/)  Ha  muita  indignação.  Efta  indignação  pro- 
cede, dc  que  sáo  muitas  as  coulas,  que  fogem  ao 
líoíTo  conhecimento ,  e  cíTas  as  maiores  ;  e  porque 
o  homem  cftudiofo  fente  muito  ,  que  a  fabedoria 
eíteja  táo  efcondida ,  de  forte  que  a  náo  pôde  al- 
cançar, fem  hum  faílidioío ,  c  ímprobo  trabalho. 

S.  JSRONYMO. 

(m)  Também  accrejcenta  o  trabalho.  Ou  porque 
quanto  hum  mais  alcançou  de  conhecimentos, 
tanto  mais  fcrá  o  de  que  fc  lhe  pcçáo  contas  : 
ou  porque  ,  quanto  os  conhecimentos  sáo  maio- 
tes  ,  tanto  mais  fe  levaniáo  dúvidas ,  que  no$  fa-  , 
tigáo,  c  affii^cin.  BossuET. 


Egglesiastes. 


207 


CAPITULO  11. 

Vaidade  dos  deleites  ^  das  riquezas^  dos 
edifícios ,  e  de  enthejourar  para  hum 
herdeiro  defconhecidij, 

r   ¥7^  U  diíTe  no  meu  coração:  Irei, 
-Li  e  engoltar-me-hei  em  delicias , 
c  gozarei  de  toda  a  cafta  de  bens.  Mas 
vi  que  também  ifto  era  vaidade. 

2  {a)  Reputei  o  rifo  por  hum  er- 
ro: e  diíTe  ao  gofto:  {b)  Porque  te  en- 
ganas tu  aííim  vãmente  ? 

3  (c)  Penfei  dentro  no  meu  cora- 

ção 

(a)  Reputei  o  rifo  por  hu  n  erro.  O  divertimen- 
to hc  o  dcos  doM.mdo.  Nío  fe  pôde  calcar  me- 
lhor aos  pés  cite  iaolo ,  do  qae  perfuadindo-fe  ca- 
da hum  qae  o  rifo  ,  e  o  prazer  hc  hum  grande 
erro ,  c  que  tudo  o  que  parece  dar  alegria  no  fe- 
culo  ,  nío  hc  mais  que  huma  illusáo  >  e  huma 
mentira.  Saci. 

(h)  Porque  te  enginas  tú  ãfíim  vãmente  ?  A 
meu  refpeito  ,  querendo-me  accrahir  c  lifonjear 
com  as  tuas  oíFercai,  que  cu  con  ieço  ferem  vans  , 

I    apparentes  ,  e  mentirofas»  Falia  o  fabio  por  huma 

'    profopopeia.  Pereira. 

1  (c)  Penfei,  Tendo  conhecido  \i  cíle  engano; 
'  Pe&bika* 


io8  Ecclesiastes. 

ção  apartar  (d)  do  vinho  (e)  a  minha 
carne,  a  fim  de  paíTar  o  meu  animo  á 
fabedoria,  e  evitar  a  eítulticia  ,  até  ver 
que  coufa  foíTe  util  aos  filhos  dos  ho- 
mens: em  que  occupaçáo  tem  elles  ne- 
ceflidade  de  Ic  empregar  debaixo  do 
Sol  (/)  desfrutando  o  numero  dos  dias 

de  fija  vida.  it- 

Ira- 

(J)  Do  vinho.  Pelo  nome  de  vinho  e  de  em- 
briaguez enrcndc  todo  o  género  de  dcleice  ,  e  prin- 
cipalmente o  do  gofto  ,  e  os  prazeres  do  taèto , 
que  feguem  a  efte.  Mekoquio, 

(e)  A  minha  carne,  A  mim  mefmo ,  os  meus 
fcntiJos.  Menoquio. 

(/)  Desfrutando  y  ^c.  Ifto  he  ,  em  quanto 
vivem  fobre  a  terra.  O  Hebreo  diz  :  Refolvi-me 
dentro  no  meu  corarão  a  attrahir  ao  vinho  a,  minha 
carne  (a  entregar-mc  ao  regalo  dos  banqucces ,  c  ao 
cxquííi  o  das  iguarias)  dirigindo  o  meu  cfpirito  com 
Jabedoría  (  mas  com  regra ,  e  moderação  )  e  reten- 
do a  loucura  (  coníor.nando-me  tod<wia  no  appara- 
to  exterior  com  03  caprichos  do  mundo  ,  c  com 
o  exceíTo  dos  prazeres  em  que  principalmente  vi- 
vem as  pcíTo.13  d'a!ra  jerarquia)  até  ver  onde  (  fc 
achava)  ^fle  bem  dos  filhos  d'  Adxo  ^  em  que  fe  occu- 
pavão  debaixo  do  Ceo  no  numero  dos  dias  de  fua  vidd 
(  ludo  para  ver  fe  a  felicidade  a  que  aípiráo  os  ho- 
mens ,  eftava  poftri ,  onde  elles  a  fazem  confiftir, 
c  coiiumáo  bufcar).  E  eíia  explicação  tirada  do 
Hebreo  he  ,  fegundo  Cilmet  ,  a  que  faZ  melhor 
íentido  neílc  lugar.  Pereira, 


Capítulo  II.  205^ 

4  Tracei  as  minhas  obras  com  to- 
da a  magiiificencia  5  edifiquei  para  mim 
cafas ,  e  plantei  vinhas  ; 

5  fiz  jardins  e  pomares ,  e  puz  nel- 
Ics  arvores  de  toda  a  efpecie  ; 

6  e  conilrui  cm  minha  utilidade 
(g)  depofitos  d'  aguas  para  regar  o  bof- 
que  (h)  de  novo  arvoredo  : 

7  poffui  fcrvos  e  fervas  ,  e  tive 
(/)  muita  famiha;  também  gados  maio- 
res ,  e  grandes  rebanhos  d'  ovelhas , 
mais  do  que  todos  os  que  houve  antes 
de  mim  em  Jerulalem  : 

8  amontoei  para  meu  ufo  prata ,  e 
ouro ,  (/)  e  as  riquezas  dos  Reis  e  das 
Províncias  :  para  melifonjearem  os  ou- 

vi- 

(g)  IXyofttos  d'aguas.  Ifto  he ,  lagos ,  prezas  , 
leccptacalos  d' aguas.  Pereira, 

(/?')  De  novo  arvoredo.  A' letra:  das  arvores  cjue 
brotzvãf).  Pereira. 

(í)  Miklut  fjmilia.  O  Hcbrco :  Comprei  efcra- 
voí ,  €  efcravas ,  e  tive  filhos  decaja,  Diftingue  os 
cfcravos  compradiços  dos  crioulos.  Calmet. 

(/)  E  ds  riquezas  dos  Reis  ,  e  das  Províncias. 
Vem  Salamáo  aqui  a  iníinu.ir  as  páreas ,  que  lhe» 
pagaváo  os  Reis  feus  tributírios,  o  rendimento  das 
Pfovincias  ,  os  direitos  do  Gommercio ,  a  herança 
Uqs  immenfos  thcfouros  de  íeu  pai  Dàvid,  c  tod* 


aio  ECCLESI ASTES. 

vidos  efcolhi  Muíicos  e  Cantarinas  ^  e 
tudo  ornais  que  faz  as  delicias  dos  fi- 
lhos dos  homens,  (;;;)  raças,  e  jarros, 
de  que  fe  compõe  huma  copa  para  o 
Jferviço  do  vinho : 

9  e  venci  em  riquezas  a  todos  os 
que  forão  antes  de  mim  em  Jerufalcm  : 
perfeverou  também  comigo  («)  a  fabe- 
doria. 

10  E  nao  neguei  aos  meus  olhos 

cou- 

a  fomma  d' ouro,  com  outras  preciofidades  mais,' 
de  que  lhe  chegaváo  carregadas  as  frotas  d'  Ofir. 

PERHIUA. 

(m)  Tai^  is ,  O  termo  Kebrco  hc  d'  incer- 
ta e  varia  íigniti-açáo.  Os  Setenta  vertem:  copei- 
ros^ e  copeiraf.  Outro?:  cativa ,  e  cativas.  Alguns: 
wíOÇ/í,  e  mocas.  Ostros:  Jufi.ciencia  ,  e  fufficiencias  y 
ifto  he,  tuJo  o  que  fe  pódc  peJIr  de  boca,  e  ter 
em  abundância.  Ouiros  :  fymfouit  ,  e  fymfotnas , 
m  fica  fimples  ,  e  concertos  demuíica.  Porem  Cai- 
iret  o  entende  dos  cawpos  cultivados  ,  e  incultos^ 
á  letra :  campo ,  c  cat}ip05 ,  vilto  íer  a  Agricultura 
hum  dos  principies  cuidados  dos  Reis  daquelle 
tempo ,  e  náo  haver  quem  repugne  a  cfta  fignifi- 
cnçÁo  da  r:'feri  Ja  palavra.  Peru k a. 

(^/)  Â  jahedoria.  Falia  Salamáo  aqui  da  fabe- 
doria ,  que  Lz  fim  o  homem  douto  ,  porém  náo 
jufto ,  c  que  fubfiíle  n' alma  depois  do  peccado, 
como  pcrmancceo  nos  Anjos  rebeldes  dcpoi$  da 
íua  cabida.  Saci, 


Capitulo  II,         21  r 

coufa  alguaia  de  todas  quantas  elles 
deleiáráo  :  nem  prohibi  ao  meu  cora- 
çi5o  que  gozaíTe  de  todo  o  prazer,  e  fe 
dcleitaíTe  nas  coulas,  que  eu  lhe  tinha 
preparado  :  e  affenrei  que  feria  efta  a 
minha  (o)  forte  ^  fe  eu  desfrut4íre  o 
meu  trabalho. 

11  E  tendo  voltado  os  olhos  a  to- 
das as  obras  ,  que  haviao  feito  as  mi- 
nhas mãos  ,  e  aos  trabalhos  ,  em  que 
cu  debalde  tinha  luado ;  vi  em  tudo 
vaidade  c  afflicção  de  animo  ,  c  que 
nada  havia  permanente  debaixo  do 
Sol. 

12  Paílei  á  contemplação  da  fabe- 
doria  ,  e  dos  erros ,  c  da  cltulticia  (  que 
he  o  homem ,  diíTe  eu ,  (/?)  para  poder 
feguir  ao  Rei  feu  Creador?) 

e 

(0)  Sorte.  A' tetra  :  parte  y  que  nas  Efcrituras 
fc  toma  trcmicntemente  pelo  bem  mais  amado, 
em  cuja  conto  midadc  fe  diz  no  Salmo  XV\  5:  O 
Senhor  he  a  pirte  da  minha  herança.  Menoquio. 

(p)  Pãvíi  poder  feguir  ^'0^.  lUo  he  ,  <jue  vem 
a  íer  to  ia  a  icib.doria  do  homLTr.  ,  para  alcançar 
a  de  Deos ,  Crçador ,  e  Supremo  Arbitro  do  Uni- 
vcrfo  ^  Qj  ,  legundo  o  Heb^-^o  ,  cjuc  homem  ha  , 
que  poíTà  fazer  ioda*  cilas  experiências  çomíí 


212  EcGLESIASTES. 

1 3  e  reconheci  que  a  fabedoria  le- 
vava tanta  vantagem  áeftulticia^  quan- 
to a  luz  diíFerc  das  trévas. 

14  Os  olhos  do  fabio  eftao  {q)  na 
fua  cabeça  :  o  infenlato  anda  em  tré- 
vas: e  aprendi  (r)  que  era  huma  mel- 
ma  a  morte  d' hum  ,  e  d' outro. 

15-  E  diíFe  dentro  no  meu  coração: 
Se  huma  ha  de  fer  a  morte  do  infenla- 
to e  a  minha,  de  que  me  Terve  ter-me 
eu  apphcado  com  maior  defvelo  á  la- 
bedoria  ?  E  tendo  converfado  fobre  ifto 
com  a  minha  alma ,  adverti  que  tam- 
bém ifto  era  vaidade. 

1 6  Porque  a  memoria  do  fabio ,  da 
mcfmo  modo  que  a  do  infenfato,  nao 
fera  para  fcmpre,  e  os  tempos  futuros 
tudo  fepultaráo  igualmente  no  efque- 
cimento:  tanto  morre  o  douto ,  como  o 
indouto. 

E 

as  tenho  feito,  eu  ,  que  fou  Rei,  c  Rei  tão  po^ 
deroío  ?  Pereira. 
(jO   Na  fua  cabeça.  Tem  olhos,  c  vè.  Meno- 

(r)  Que  era  huma  mcfma,  ó^c.  Que  tanto  ef- 
tiva  fujcito  á  morte  o  fabio  ,  como  o  ignorante. 


Capitulo  II.  213 

17  E  por  iíTo  a  minha  vida  fe  me 
tornou  faftidiofa  ,  vendo  que  toda  a 
forte  de  males  ha  debaixo  do  Sol  ,  e 
que  tudo  he  vaidade  e  afflicçao  d'  ef- 
pi  ri  to. 

18  Em  confequencia  do  que  ,  de- 
teílei  toda  a  minha  induftria,  com  que 
trabalhei  diligentiíEmamente  debaixo 
do  Sol  ,  para  haver  de  ter  depois  de 
mim  hum  herdeiro , 

19  (s)  que  ignoro  fe  ha  de  fer  fa- 
bio  ,  ou  infenfaco  ,  mas  elle  ferá  fe- 
nhor  dos  meus  trabalhos  ,  em  que  eu 
fuei ,  e  me  aíFadiguei :  e  ha  coufa  que 
feja  tão  va  ? 

20  Por  onde  abri  mao  de  todas  ef- 
tas  coufas ,  e  o  meu  coração  renunciou 
tudo  o  que  era  d'alli  por  diante  aíFadi- 
gar-fe  debaixo  do  Sol.  p^^ 

(O  Qwe  ignoro  fe  ha  de  fer  fabio ,  é^c,  O  que 
Salamáo  temia  ,  iíTo  \hr  veio  a  fucceder  ,  tendo 
por  herdeiro  ,  e  fucceíTor  a  Robcão  feu  filho ,  que 
propagou  na  fua  Naçáo  a  cítulticia  ,  íegundo  o 
que  diz  o  Ecclefiaíbco  XLVII.  26,  Et  finem  ha- 
huh  Salomon  cum  p  ttrihus  fuis ,  ^  dereítquit  poji 
fe  de  femine  fuo  gentis  Jiultitiam  ,  ó^imminutum  i 
prudemia  Roboam  ^  qui  avenit  gemm  çonfilio  fuo. 


214  EcCLESt  ASTES, 

2  1  Porque  depois  d' hum  ter  tra- 
balhado com  fabedoria,  e  doutrina  ,  e 
diligencia  ,  vem  a  deixar  tudo  o  que 
adquirio  a  hum  homem  ociofo  :  e  ifto 
he  também  vaidade ,  c  hum  grande  mal. 

2  2  Por  quanto  que  proveito  tirará 
o  homem  d^  todo  o  feu  trabalho ,  e  da 
afflicção  d'  efpirito ,  com  que  he  ator- 
mentado debaixo  do  Sol  ? 

23  Todos  os  feus  dias  são  cheios 
de  dores,  e  d' amarguras,  nem  fequcr 
de  noite  defcança  com  o  penfamento: 
e  acafo  não  he  ifto  vaidade?  • 

24  (/)  Não  he  melhor  comer  ,  e 
beber ,  (ii)  e  fazer  bem  á  fua  alma  do 
fruto  de  feus  trabalhos?  {x).  mas  ifto 
vem  da  mâo  de  Deos.  ^  _ 

(í)  Nío  he  melhor  comer  ,  e  behtr ,  ò^c,  En-; 
tende-fc  do  que  privar-fc  do  uío  dos  bens  ,  para 
es  deixar  a  hum  herdeiro  infcnfato.  Periira. 

(0)  E  fazer  bem ,  ó'C.  A'  letra  :  e  dar  a  conhe- 
cer d  fuá  alma  os  bens  de  feus  próprios  trabalhos  ? 
utilizando-fc  com  a  devida  moderação  dos  tacs  bent 
que  tiver  com  o  feu  mediano  trabalho  adcjuirido , 
c  rendendo  a  Deos,  como  Author  de  to\os  cUes, 
immenlas  graças  por  eftes  dons  da  fua  liberalidade. 

00   Mas  ijio  vetn  da  mao  dc  Deos.  Como  fc 


Capitulo  II.  215' 

Quem  fe  fartará  ,  e  gozará  de 
toda  a  lorte  de  delicias  ,  tanto  como 
eu  ? 

26  Dcos  ao  homem  (y)  bom  na 
fua  prcfcnça  dco  fabedoria ,  e  íciencia  , 
e  alegria  :  mas  ao  peccador  deo  aííiic- 
ção,  e  cuidado  íuperfluo,  para  que  clle 
ajunte  mais  e  mais,  e  adquira  bens  Ib- 
bre  bens,  e  os  deixe  a  hum  homem, 
que  agradou  a  Deos :  mas  ainda  ifto  hc 
vaidade  ,  e  hum  tormento  do  cípirito 
bem  inútil. 


CA- 

didera :  Ifto  de  ter  hum  o  herdeiro  que  quer.  Ou 
também  :  Quando  Dcos  tiver  concedido  ao  ho- 
mem cabedaes  para  viver  ifenio  das  injurias  ca  po- 
breza ,  deverá  cfte  desfrurallos  com  acções  de  gra- 
ças ao  fcu  Bemfeitor  Soberano.  Ou  :  Sc  Deos  he 
quem  dá  ao  homem  todos  os  bens  da  vida ,  por- 
que ha  de  julgar  eftc  fcr  contra  o  beneplácito  da- 
uelle  Supremo  Arbitro  gozar  elle  com  a  fua  boa 
iftribuiçáo  c  ufo  ,  dos  mencionados  bens,  e  con- 
verter cm  proveito  próprio  os  benefícios  da  Mu- 
nificência do  meímo  Soberano  Ente  ,  não  fazen- 
do confiftir  nos  bens  caducos  ou  prazeres  munda- 
nos a  fua  felicidade?  Pereira. 
(>)    Bom  yia  fua  prefeni^4.  Ao  homem  que  lhe 


2l6 


ECCLESIASTES. 


CAPITULO  III. 

Todas  as  coujas  tem  feu  tempo.  O  ejludo 
das  coujas  naturaes  he  vão.  Os  homens  , 
e  os  brutos  morrem  igualmente. 

I  Odas  as  coufas  tem  feu  tem- 

JL  po  ,  e  todas  paísao  debaixo 
do  Ceo,  fegundo  o  termo  que  a  cada 
huma  foi  prefcripto. 

2  Ha  tempo  de  nafcer  ,  e  tempo 
de  morrer.  Ha  tempo  de  plantar  ,  e 
temjpo  d'  arrancar  o  que  fe  plantou. 

3  Ha  tempo  {a)  de  matar,  e  tem- 
po de  f,arar.  Ha  tempo  de  deftruir,  e 
tempo  d' edificar. 

4  Ha  tempo  de  chorar  ,  e  tempo 
(h)  de  rir.  Ha  tempo  (r)  de  Ic  affligir, 
e  tempo  de  faltar  de  gofto. 

De  matar.  Como  he  na  guerra  jufta ,  ou 
ainda  no  tempo  da  paz,  quando  os  criminofos  sáo 
caítigados  com  o  ultimo  íupplicio.  Menoqvio. 

(/?)  De  rir,  O  tempo  de  chorar  he  o  da  vida 
prefente  ,  ao  qual  fe  fcgue  a  duração  da  eterna  , 
cm  que  os  Bcmavcniurados  fe  regozijarão  para 
Tempre  com  o  immenlo  pezo  da  gloria  que  oa 
cerca.  pEREiBA. 

CO  ^ffgiry  ó'C»  A' letra  dc  fe  carpir  i 


Capitulo  IIÍ.  217 

5  Ha  iQmpo(d)  d'efpalhar  pedras, 
c  tempo  de  as  ajuntar.  Ha  tempo  f^)  dc 
dar  abraços,  e  tempo  de  fe  pôr  longe 
dclles. 

6  Ha  tempo  d' adquirir  ,  e  tempo 
de  perder.  Ha  tempo  de  guardar  ,  e 
tempo  (/)  de  lançar  fora. 

7  Ha  tempo  de  rafgar,  e  tem- 
po  de  cozer.  Ha  tempo  de  calar  ,  e 
tempo  de  fallar. 

Ha 

f  de  bailar.  O  choro  ,  de  que  aílima  fe  faz  men- 
ção, íignifica  as  lagrimas  ,  que  derramamos  em 
particular;  mas  o  verbo  píangeridi  denota  aqu  hum 
pranto  mais  folemne ,  qual  le  fazia  nos  funeraes. 
IlI.Reg.XIV.  1^:  Jcrem.  XVI.4  :  Zachar.  XII. 
10.  12,  Menoquio, 

(d)  D' efpalh.ir ,  ó  c.  Quando  fc  quer  demolir 
hum  edifício.  Pôde  ler  também  ailusáo  aos  fundi- 
bularios  daquelle  tempo  cm  acção  de  peleja,  c  a 
todos  os  mais  que  por  meio  de  máquina?  lançaváo 
pedras,  ouaocoílume  dos  vencedores  que  enchiáo 
de  pedras  os  campos  do  inimigo  para  ficarem  in- 
cultos. Pereira. 

(e)  De  dar  abraços,  Dc  fe  cíÇít  ,  ou  de  con- 
trahir,  e  conciliar  amizades.  Menoquio. 

(f  )  De  lançar  fora.  Como  quando  fe  alija  20 
mar  a  carga  no  meio  da  cempeftade.  Menoquio. 

(g)  De  rafgar.  Os  veftidos ,  como  faziáo  os 
Hcbreos  cm  final  dc  trilicza  ,  cu  quando  ouviáo 


2l8  EcCLESIASTES. 

8  Ha  tempo  (h)  d' amor,  e  tempa 
d*odlo.  Ha  tempo  de  guerra,  e  tem- 
po de  paz. 

9  (/)  Que  tem  mais  o  homem  de 
todo  o  feu  trabalho? 

10  Eu  vi  a  afíiicção  que  Dcos  deo 
aos  filhos  dos  homens,  para  que  fe  en- 
chao  delia. 

11  Tudo  o  que  elle  fez,  he  bom 
(/)  em  feu  tempo,  e  entregou  o  Mun- 
do ás  fuas  difputas,  fem  que  o  homem 
poífa  conhecer  as  obras,  que  Deos  fez 
defdo  principio  até  o  fim. 

12  E  eu  reconheci  ,  (ni)  que  nâo 

ha- 

alguma  blasfémia  contra  Dcos  ,  ou  lhes  noticia- 
váo  ter  acontecido  alguma  defgraça.  Pereira. 

(/?)  D'  amor ,  ^c,  Dc  exercitar  as  obras  dc 
fnifcricordia  ,  c  as  c]uc  requer  a  juíliça  ,  punindo 
aos  malfeitores  com  deteliaçáo  dos  ícus  crimes» 
Pereira. 

(O  Que  tem  mais  o  homem  ,  <ò^c.  Confira-fc 
aflima  o  Capitulo  I.  verfo  ^.  c  11.  22.  Pereira. 

(/)  Em  feít  tempo.  Tudo  o  que  Deos  fez  he 
bom  ,  com  tíin^o  que  íc  ufe  dilTo  a  feu  tempo,  c 
àà  maneira  que  Dcos  o  ordena.  TuJo  he  bom  pa- 
ia os  bons,  como  diz  S.  Paulo  (a  Tito  I.  15.)  as 
fuas  palavras  sáo  :  Tudo  he  puro  para  os  que  sia 
puros.  Saci. 

(m)  Qm^  não  havia  çoufa  melhor ,  Náo? 


Capitulo  III.  219 

havia  coufa  melhor  ,  do  que  alegrar-fe 
o  homem  ,  e  fazei  bem  ,  em  quanto 
lhe  dura  a  vida. 

I  3  Porque  todo  o  homem  ,  que  co- 
me, c  bebe,  e  que  (7;)  tira  o  bem  do 
íeu  trabalho,  recebe  iíto  por  hum  dom 
de  Deos. 

14  Eu  aprendi  que  todas  as  obras, 
que  Deos  tez ,  (o)  nerfeverão  para  fem- 
pre  :  nós  não  pouemos  accrefcentar , 

Tom.  XI.  P  nem 

quçr  perfua  Jir  com  ifto  Salamáo ,  que  faça  o  hc- 
mcm  o  que  cm  l  faias  dizem  03  ímpios:  Comamos  ^ 
€  babamos ,  [-uí-lJus  4  manhã  havemos  dc  morrer  :  mas 
íim  que,  conio  enfina  o  Apoliole:  £m  tendo  que 
comer ,  e  que  vejiir ,  nos  demos  com  ijio  por  comen- 
tes y  o  que  he  na  verdade  hum  dom  de  Deos,  fe- 
gundo  íc  diz  no  verfo  i?,.  S.  Jekonymo» 

(/i)    T/n/,  A' letra :  vê.  Pekeik.-^. 

(o)  Perfeverão  para  fempre.  Humas  ,  porque 
fcmprc  háo  de  durar  como  o  Ceo  ,  a  cerra,  as 
aguas  ,  o»  montes  :  outras  porque  na  Tua  mcTrna 
inconilancia  obferváo  femprf  huma  cena  regula- 
ridade,  e  uniformidade.  Ou  também  ,  porque  ,  co- 
mo nota  Sanro  Agoítinho  no  Livro  i.  das  Ccnff- 
iões,  Cap.  VI.  a  mefma  inftabilidade  ,  e  mutabili- 
dade das  creaturas  tem  em  Deos  as  fuás  certas ,  c 
invariáveis  caufas.  j^pud  te  rerum  onmium  injfabh 
Hum  funt  c^ufac ,  6-  rerim  omnium  mutdUium  im- 
tnutabiies  m^vient  origines ,  çí?^  ownimn  irra::onalium , 
^  tmpor.ilium fcntfiitçrnas  vivum  rationes.  r^KEJ/A. 


210  EcCLESI  ASTIS. 

nem  tirar  nada  ao  que  Deos  fez ,  (p)  a 
fim  de  que  elle  feja  remido. 

15  (í)  O  Que  foi  feito  ,  iíTo  mef- 
mo  permanece  :  as  coufas  que  buo  de 
fer ,  já  forão :  (r)  e  Deos  renova  áquil- 
lo,  que  paílbu. 

16  Eu  vi  debaixo  do  Sol  a  impie- 
dade (s)  no  lugar  do  juizo ,  e  a  iniqui- 
dade no  lagar  da  juíliça. 

E 

(p)  j4  fim  de  que  elle  feja  temido.  Porque  a  cer- 
ta ordem  com  que  D?03  diípoz,  e  governa  todas 
as  coufas  ,  hè  huma  prova  de  c^ue  ha  Proviílcn- 
cia:  c  efte  conhecimento  da  Providencia  de  Deos 
no  governo  do  Mundo ,  faz  que  os  homens  o  ic- 
máo.  S.  ]eron\mo. 

(<7)  O  que  foi  Iftohe,  todas  as  coufas  orça- 
das durão  ou  cm  fi  mefmas ,  como  por  exemplo 
os  Aftros,  ou  na  fua  cfpecíe ,  como  osanimaes, 
plantas  5  c  ourrris,  fem  que  fubftancia  aíguma  já- 
mais  íc  anniquilc  ,  renovando  Deos  ou'.rtíim  as 
qi:c  paf^iáráo  com  a  producçáo  d' outras  íemclhan- 
ics,  ou  da  mefma  efpecie.  Pereira, 

(r)  E  Deos  renova  aquillo ,  que  pajfou.  O  He- 
breo  5  0$  Setenta  ,  e  com  e!Ics  a  Vui:^^ra  antiga 
dizem  aqui  :  E  Deos  bufcarÁ  ao  que  he  perfejuido. 
O  que  deve  fervir  de  confclaçáo,  diz  S.  Jcrony- 
mo ,  ao  que  perfevera  no  marryrio.  Perfira. 

(5)  No  lugar  do  jwzo.  Xos  mcfmos  Tribunaes 
dos  Juizes  ,  que  dcviáo  fer  dcfcníorcs  declarados 
da  juitiça.  MsNoquio. 


Capitulo  III.  221 

17  E  cu  dilTc  no  meu  coração :  Deos 
julgará  o  jufto,  e  o  ímpio,  (t)  e  cntao 
fcrá  o  tempo  de  todas  as  coufas. 

18  liu  diíTe  no  meu  coração  acerca 
dos  fiihos  dos  homens  ,  que  Dcos  os  pro- 
vava ,  elhes  moftrava,  que  erão(?/j  fe- 
melhantes  aos  brutos. 

19  (;v)  Por  iiTo  huma  he  a  morte 
dos  homens,  e  dos  brutos,  c  dehuns, 
e  outros  he  igual  a  condição:  do  mef- 
mo  modo  que  morre  o  hcmem. ,  allim 
morrem  também  os  brutos :  todos  ref- 
pirão  da  mefma  forre,  e  o  homem  não 
tem  nada  de  mais  ,  do  que  o  bruto: 
tudo  eííá  íujcito  á  vaidade  , 

20  (j)  c  todos  elles  caminhão  a 

P  ii  hum 

(í)  E  tnúo  fcrd ,  &c.  EntáoDeos,  que  hc  o 
Supremo  ]uiz,  tomara  conras  a  toJos ,  aos  juftos, 
c  aos  ímpios ,  rcmunerando-os ,  ou  punindo-os  fc- 
gundo  as  íuas  obras.  Pereira. 

(w)  Semelhantes  aos  brutos.  Quanto  á  parte  ani- 
mal ,  e  vida  fcnfitiva.  Periiea. 

(x)  Por  ilJo  hunu  he  a  morte  dos  koniens ,  e  dos 
brutos.  Devc-fc  tambcm  iíto  entender ,  quanto  ao 
corpo  ,  que  nos  homens  he  láo  material,  c  cor- 
luptivcl ,  como  nos  brutos.  Pereira. 

(>)  £  todos  elles  caminhão  a  hum  liigár.  Ifto 
he  á  morte,  o  homem,  c  juntamente  01  brutos. 
Calmet, 


222 


ECCLESIASTES. 


hum  lugar  :  (s)  de  terra  forao  Feitos  , 
e  em  terra  fe  tornao  do  mefmo  modo. 

21  {ad)  Quem  labe  fe  o  cípirito  dos 
filhos  d' Adão  lubirá  para  fima ,  e  íe  o 
efpirito  dos  brutos  dcfcerá  para  baixo? 

22  E  eu  reconheci  que  nada  havia 
melhor  ,  do  que  (bb)  alegra r-íe  o  ho- 
mem 

(x)  Di  terra  fo^ão  feitos ,  eb-r.  Da  terra  nada 
fc  ícz  5  fcnáo  o  corpo  :  c  do  corpo  hc  que  afíi- 
gnaladamentc  íc  diz  n.)  Gcncfis :  £s  terra ,  e  em 
terra  te  has  de  tornar.  Daqui  fe  nos  faz  claro,  que 
quanto  á  fragilidade  do  corpo  >  fomos  como  os 
brutos.  S.  Jekonymo. 

(^ad)  Quem  [abe  ,  Ninguém  entenda  que 
Salamão  com  cita  pergunta  pó:;  cm  dúvida  a  im- 
mortaiidade  ú  alma  ;  porque  cllc  mefmo  refpon- 
derá  adiante  com  cxpreíTa  ,  e  abfoluta  decisão  no 
Capitulo  XII.  5.  7i  mas  fim  que  oa  dá  com  ella 
a  entender  a  difíiculdade  que  tem  os  morracs  d' al- 
cançar a  evidencia  da  cicrna  duraçáo  do  eípiíito, 
ou  que  falia  da  fciencia  cxpcrimcnt-íl  das  coufas , 
fegundo  a  qual  ninguém  fabc  para  onde  vai  a  al- 
ma do  homem  quando  íahc  do  corpo.  Ora  o  pro- 
nome Qiiis  na  Elcritura  ,  fegundo  vimos,  e adver- 
te aqui  Menoquio ,  toma-fe  náo  por  coufa  impof- 
fivel  ,  mas  por  coufa  diíficultofa ,  como  no  lugar 
<i'  I faias  LI  I  í.  8.  Quis  enarrabit  i  no  do  Salmo  XfV. 
I.  Quis  habitabic  ?  no  dc  Jeremias  XVII.  s;.  Quis 
COgnofcet"!  Pereira. 

{bb)  Akgrar-fc  o  homem ,  òt.  Confira-fe  afli-  c 
ma  o  Capiraio  II.  24,  Pekeira. 


EcC  LES  I  x\ST  ES.  223 

mem  nas  fuás  obras,  e  que  efta  era  a 
parte  que  lhe  cabia.  Porque  quem  o 
poderá  pôr  em  eftado  de  conhecer ,  o 
que  ha  de  fer  depois  delle  ? 

CAPITULO  IV. 

Calúmmas  ,  violências  ,  e  ciúmes  dos  ho* 
mens  ,  huns  coiUra  os  outros.  Ociofida* 
de  dos  iijJenfãtQS.  Loucura  dos  avaros. 
Utilidade  da  vida  focial.  Vaidade  do 
Poder  Soberano,  Obediência  preferível 
aos  facrificios, 

I  T7^  U  me  voltei  para  outras  cou- 
JLjf  fas  ,  e  vi  as  calúmtiias  ,  que 
fe  pafsao  debaixo  do  Sol  ,  c  as  lagri- 
mas dos  innocentes ,  cque  ninguém  os 
confolava  :  nem  elles  podião  refiftir  á 
violência  dos  que  os  vexavão  ,  deíti- 
tuidos  de  todo  o  foccorro. 

2  (d)  E  louvei  mais  os  mortos ,  do 
que  os  vivos : 

e 

(4)  E  louvei^  ^c.  Ido  he  ,  preferi  o  eftado 
dos  mortos  ao  dos  vivos,  cm  razão  d'eftarem  já 
livres  aquclics  das  mifcrias ,  calamidades ,  injufti- 
ças,  c  contradicçôes  dorvlundo,  ásquacs  cfte8  fc 
acháo  d:  todg  o  ponco  fujcitos.  Pereira. 


Í24  EcCLESIASTES. 

3  e  reputei  mais  venturofo  do  que 
huns  j  e  outros  ,  ao  que  ainda  nao  hc 
nado  ,  c  qu'^  não  tem  viílo  os  males, 
que  íe  fazem  debaixo  do  Sol. 

4  Contemplei  dc  novo  todos  os 
trabalhos  dos  homens  ,  e  fiz  reparo 

(b)  em  que  as  fuas  induftrias  fc  achão  ex- 
poftas  á  inveja  do  próximo  :  e  niílo  ha 
também  vaidade  ,  e  cuidado  fuperíluo. 

5'    O  inícnfato  cruza  as  fuas  mãos, 

(c)  e  come  as  fuas  carnes,  dizendo: 

6  Mais  vai  hum  punhadinho  com 
defcanço,  do  que  ambas  as  mãos  cheias 
com  trabalho ,  e  afnicção  do  animo. 

7  Tornando  a  conliderar  ,  achei 
ainda  outra  vaidade  debaixo  do  Sol : 

8  ha  hum  tal  ,  que  he  fó  ,  e  que 
não  tem  ninguém  comíigo,  nem  filho, 

nem 

Çb)  Em  que  as  fuas  ifiduflrias ,  <!^c.  Amando 
qualquer  a  fua  própria  cxcellencia  ,  o  j  tem  inveja 
aos  i^uaes  porque  cftcj  fc  põem  hombro  por 
hombro  com  elle  ;  oa  aos  inferiores,  para  que  o 
nâo  igaalern  ;  o  j  aos  fupcriorci ,  por  lhes  náo  fcc 
igual.  Santo  Acostinho. 

(r)  E  co  ne  as  fu.is  carnes,  Hyperbole  para  íi- 
gnificar  huma  fo.ne  extrema.  Eorcntido  he ,  que 
o  infe.ifato  pre^uiçofo  a  fi  meOmo  fevai  definhan- 
do dc  pura  nccellidadej  c  incrcia.  Pekkika. 


Capitulo  IV.  225' 

nem  irmão,  cqae  tv)Javia  nao  ceíu  de 
trabalhar,  nem  os  íeus  olhos  fe  fartao 
de  riquezas:  (d)  nem  h/,  eíla  reSexao, 
dizendo  :  Para  quem  trabalíio  eu  ,  c 
defraudo  a  minh^  alma,  dos  bens  da 
vida?  niíto  ha  também  vaidade,  e  af- 
flicção  (e)  mirciabiliíllma. 

9  Melhor  he  pois   eílarem  dous 
juntos  ,  (/)  do  que  eftar  hum   fó : 
porque  tem  a  conveniência  da  fua  fo- 
ciedade  : 

10  fc  hum  cahir,  o  outro  o  fofte- 
rá  :  ai  do  que  cftá  fó:  porque  quando 
c-hir,  nao  tem  quem  o  levante. 

E 

(ã)  Nem  faz  cfta  reflexh ,  dizendo:  Eíta  clau- 
fula  ajuatou-a  o  Inrcrprcte  Latiao  a  feu  arbítrio 
para  maior  clareza  do  que  fc  fcgue.  Porque  cila 
fc  náo  acha  nem  Hebreo  ,  nem  nos  Setenta  , 
nem  na  antiga  Vulgata  ,  de  que  íc  fcrviráo  Saa- 
10  Ambrofio  ,  e  S.  Jeronymo.  Bossuet. 

(^)    ÁíiCerxbiliJmi.  h  letra  :  pe([imi.  Pf.rsira. 

(f)  Bo  que  ejlar  hum  Jo.  Eítt  fociedadc  re- 
cOTimcndada  logo  pelo  mcínno  D^os  na  creaçáo 
do  homem  Genef.  II.  18.  nada  tira  aos  louvores  , 
nem  ao  merecimento  da  vida  folitaria  ,  que  fup- 
porto  náo  he  para  todos  ,  nem  conforme  á  lei 
comTia-n  c  natural  ,  he  cerramente  para  aqucllai 
Almu  perfeitas ,  aquém  oEfpirito  do  Senhor  cha- 
ma por  cfte  caminho.  Pireira, 


22á  EcCLESTASTES. 

11  E  fc  dormirem  dous  juntos , 
ciles  íe  aauentjráô  mutuamente  :  mas 
hum  íó,  (g)  como  íe  ha  de  aquentar? 

12  E  íe  algum  prevalecer  contra 
hum,  dous  lhe  rcfiílem  :  (h)  o  cordel 
triplicado  diíHculiofamente  fe  quebra. 

13  Melhor  hehum  moço  j^obrc  ,  c 
fabio,  do  que  hum  Rei  velho  ,  e  in- 
fenlato ,  que  nao  íabe  prever  nada  pa- 
ra o  futuro. 

14  (i)  Porque  ás  vezes  fahe  hum 

do  cárcere,  e  dos  ferros  psra  ferRei: 

e  outro  que  nafceo  Rei  ,  he  confumi- 

do  da  pobreza. 

^  Eu 

(^)  Como  fc  ha  de  aquentará  Denota  o  Sabio 
com  efta  expieísío  o  auxilio,  com  que  mutua  e 
reciprocamente  fc  ajudão  e  foccorrcFíi  os  que  vi- 
vem juntos,  e  no  meio  d?,  fociedaae.  Pereira. 

(/;)  O  cordel  i  é^c.  Dizendo  aqui  Salamáo  que 
diflicultofamcntc  íc  rompe  o  cordão  de  irc8  fios, 
vem  com  cíi:c  provérbio  a  moftrar  as  grandes  van- 
tagens c  uiili  jades,  que  rcíulráo  da  perfeita  uniáo 
e  concórdia;  c,  mcis  que  tudo,  da  íntima  c  fer- 
vente crridadc ,  com.  a  qual  animados  os  mortaes 
fazem  car.)  a  feus  inimigos ,  e  vencem  os  obftaau- 
los,  que  encontrão  na  carreira  da  vida.  Pereira. 

(/')  Porque  às  vezes  fahe  hum  do  cárcere  ,  í^t. 
Eíla  pri.T.cira  parte  hc  quaíi  o  que  fuccedeo  a 
Jolc:  a  ícgunda  o  que  fuccedeo  a  Job.  Bcssvet, 


Capitulo  IV.  227 
E'J  vi  toJos  os  viventes  ,  que 
paffeao  debaixo  do  Sol  (/)  com  o  mo- 
ço ,  que  tem  o  fegundo  lugar ,  e  que 
depois  ha  de  ter  o  primeiro. 

ló  (w)  Todos  os  que  forão  antes 
delle  ,  sáo  hum  Povo  infinito  em  nu- 
mero :  e  os  que  depois  hao  de  exif- 
tir  ,  não  fe  hão*  de  nelle  regozijar: 
mas  até  ifto  he  vaidade  ,  c  affiicção 
d'  efpirito. 

Vê 

(/)  Com  o  moço ,  que  tem  o  fi^undo  lugar,  Ifto 
he  ,  com  o  Príncipe  Herdeiro.  Porque  ,  como  lá 
dilTc  hum  antigo ,  sào  mais  os  qae  adoráo  ao  Sol 
que  nafcc,  do  q-jc  ao  que  fe  pôj.  Boísukt. 

(m)  Tedos  os  que  forao ,  Á^c.  P^.rece  ícr  cfta 
huma  iiçáo  que  da  o  Sabio  principalmente  a  qual- 
<jucr  Píinc  pc  mancebo  ,  pura  nio  crcar  azas  dc 
Vaidade  ,  p^vonea  iJolc  c  rcvcndo-fe  no  fcquito 
dos  Aulicos,  e  vivai  do  Povo,  e  ifto  por  duas  ra- 
zões. Huma,  por^^ue  entre  a  multidão  in;iumcra- 
vcl  d'  homens ,  qae  antes  delle  houve  no  <Mundo , 
c  h.i  de  cxiftir  depois,  de  nenhuin  foi  ou  fcrá  co- 
nhecido ,  nem  por  confequrnci  i  acatado  ,  vindo 
aííim  a  defapparecer  a  v:fta  daqu^lia  multiJáj  im* 
menfa  opcfaeno  numero  dos  que  ocortejáo:  ou- 
tra ,  por  que  08  mefmos  que  adualmente  o  obfe- 
queáo  ,  cm  elle  fubindo  ao  Throno  ,  ainda  que 
íe  desfiçáo  c  defentranSím  no  excerior  cm  zelo 
do  íeu  frrviço  ,  perdem-lhe  logo  a  inclinação ,  c 
cntíio  4  hfonjeat  o  Pxmcipc  Herdeiro ,  ganhando- 


aiS  EcCLtSIASTES. 

1 7  (/;)  Vê  onde  pões  o  reu  pé ,  quan- 
do entras  na  Caía  deDeos,  c  chega- 
tc  para  ouvires.  Porque  muito  melhor 
he  a  obediência  ,  do  que  as  viítimas 
dos  infenfatos  ,  que  nío  conhecem  o 
mal  que  fazem. 


CA- 

lhe  a  graça  para  osfini  que  psrtcndem.  Logo  he 
vaidade  alegrar-fc  com  o  favor  do  Povo.  FEREfRA. 

(n)  Ve  onde  pões  o  teu  pè ,  é^•f.  Recommcn- 
da-lc  aqui  nio  íò  a  modcítia  e  compoftura  extc- 
lior  do  corpo,  mas  cambem  o  refpciro  interior  do 
cfpirito,  com  que  fc  deve  enrrarnaCufa  de  Deos  , 
nos  lugares  dedicados  ao  Culto  Divino  ,  para  tri- 
butar aquclle  Supremo  Ente  finceroí  cultos  de  Re- 
ligião ,  ouvindo  cada  hum  alli  a  fua  fanta  pala- 
vra ,  para  a  obfervar  c  cumprir.  Ora  des  do  prc- 
ícnte  vcrficulo  até  ao  nono  do  Capitulo  V.  falia 
Salamáo  do  rcfpcito  c  culto  a  Deos  devido ,  e  al- 
guns já  d  aqui  pnncipiáo  o  fobrcdito  Capituio. 
Perbiha. 


ECCLESIASTES. 


CAPITULO  V. 

Ser  circunfpeão  nas  fuas  palavras,  Cuni' 
prir  os  feus  votos.  Não  fe  ejpantar  de 
ver  atropeUada  a  juftiça.  O  avarento 
nunca  fe  farta.  O  rico  defgraçado  na 
fua  mefma  opulência. 

I  (a)  1\TÃ^  digas  nada  inconfide- 
radamente  ,  nem  o  teu 
coração  fe  apreíFe  a  proferir  palavras 
diante  de  Djos.  Porque  Deos  ellá  no 
Ceo  5  e  ta  fobre  a  terra  :  por  tanto 
fejao  poucas  as  taas  razoes. 

2  Aos  muitos  cuidados  feguem-fc 
os  fonhos ,  e  no  muito  fallar  achar-fe- 
ha  a  cftulticia. 

Se 

(4)  Ntío  digis  nada ,  é*c,  Oa  o  fcntido  hc , 
que  a  cfíicacia  da  oração  náo  coníifte  nas  muitas 
palavras  ,  como  fc  vè  em  S.  Matthcus  VI.  7. 
mas  fim  nos  affedos  d'  alma  c  purrza  do  coração  ; 
oa  que  fe  proceda  com  muita  cautela  c  circumípc- 
da  aiverrencia,  quanlo  fe  falia  ou  trata  de  Ocos, 
c  dns  coufas  Divinas.  Funda-fc  cftc  íentido  nas 
palavras  :  por  tanto  fejâo  pouças  as  tuas  razoes» 
Calmet. 


lyO  ECCLESIA-STES. 

3  (b)  Se  fizefte  algiun  voto  a  Dcos , 
trata  de  o  cumprir  logo  :  porque  lhe 
dclagrada  a  promclia  iníícl  ,  e  impru- 
dente: mas  cumpre  tudo  o  que  tiveres 
promettido : 

4  c  muito  melhor  he  não  fazer 
voto  algum,  do  que,  depois  de  o  fa- 
zer, nao  cumprir  o  promettido. 

5*  (c)  Nao  dês  com  a  leveza  da 
tua  lingua  occafião  á  tua  carne  de  ca- 

hir 

(p)   Se  fizefle  ,  ó-c.  Confira-fc  o  Dcutcrono- 

inio  XXIII.  21.  PERtriKA. 

(O  Não  dès  com  a  leveza,  da  tua  lingua , 
Quer  dizer  :  Náo  abafes  das  tuas  palavras  para 
cahircs  cm  pcccacio  Ja  carne,  como  fizem  os  que 
dizem  :  Nao  ha  providencia  :  ifto  hc  ,  náo  ha 
Qcrm  veja ,  nem  quem  f.iiba  diíto.  Eftc  hc  o  fen- 
tido  que  Bolluct  dá  ,  e  coo»  cllc  Saci  ás  palavras 
da  \^u!-i^ata  Latina  :  Ne  dedcris  os  iuwn ,  ut  pccca- 
re  fadas  carnem  tuam,  Ojuos  atando  o  que  Ic  aca- 
bou dc  dizer  no  4.  5  c  no  fobre  os  voros  feito* 
a  Dcos  ,  vertem  alíim  do  Hebreo  :  Não  chámes 
com  as  frívolas  cfcujas  dá  tun  boca  o  cajiigo  do  pcc' 
cado  fobre  a  tua  carne ,  ift<:>  hc ,  fobre  ti  mefmo » 
c  íobrc  teus  Hlhos.  E  não  digas  diante  do  Anjo^ 
que  ijio  de  nno  cumprires  o  promettido  a  Deo^ ,  he 
hum  peccado  d  ignorância.  Para  que  he  exporcs-tea 
que  Dcos  fe  irrite  contraias  tuas  ptUvras  ,  e  def-- 
uua  as  obras  das  tuas  maos  ?  Plb.íika. 


Capitulo  V.  231 

hir  cm  pcccado:  (d)  nem  digas  dian- 
te do  Anjo:  Nao  ha  providencia:  por- 
que não  fucccda  talvez  que  Deos  ira- 
do contra  as  tuas  palavras,  diíiipe  to- 
das as  obras  das  tuas  mãos. 

6  Onde  ha  muitos  fonlios ,  ha  mui- 
tas vaidades ,  e  palavras  ícm  numero : 
mas  tu  teme  a  Deos. 

7  Sc  vires  a  opprefsao  dos  po- 
bres ,  e  a  violência  que  reina  nos  juí- 
zos,  e  que  l'e  atropela  inteiramente  a 
juftiça  nalguma  Província  ,  não  te  ad- 
mires deíle  procedimento':  (e)  porque 

o 

(d)  Nem  digas  diante  do  Anjo  ,  (á^c,  Poc 
Ânjo  entende  aqui  S.  Jeronymo  o  Anjo  da  guarda 
de  cada  hum.  Outros  fegundo  o  ícnndo  que  aíli- 
ma  puzcmas  do  Hebreo,  enrcndem  o  Sacerdoce. 
Porque  he  ordinário  na  Efcricura  chamar  aos  Sa- 
cerdotes Anjos  ,  como  em  Malaquias  II.  7.  ,  no 
Apocalypfc  I.  20.  E  com  citei ro  aos  Sacerdoies 
hc  que  pertencia  julgar  na  matéria  dos  votos,  e 
do  Teu  cumprimento.  Pereira. 

(c)  Porque  o  que  ejiá  alto ,  ^f.  Vem  a  dizer 
o  Sabio  que  ,  totccndo-fe  a  vara  da  Jufíiça  tantas 
vezes  no  Mundo  ,  c  náo  remediando  eíta  violên- 
cia nem  Magiftrados  menores,  nem  maiores,  nem 
osmefmos  Soberanos,  a  ninguém  deve  caufar  iílo 
admiração  ;  porque  fobrc  todos  cílcs  governa  o 
Supremo  Arbitro  do  Univcrfo ,  que  a  iodos  clles 


EcCLESIASTES. 

o  que  cílá  alto,  tem  affima  de  fi  oiitro 
niais  alto  j  e  íobr'eÍLes  ha  ainda  ou- 
tros mais  elevados , 

8  e  ha  de  mais  a  mais  hum  Rei, 
cjuc  impera  lobre  toda  aterra,  que  lhe 
eflá  fujeita. 

9  O  avarento  nunca  jám?is  fc  far- 
tará de  dinheiro  :  e  o  que  ama  as  ri- 
quezas j  nao  tircrá  delias  fruto  :  logo 
também  ifto  he  vaidade. 

10  Onde  ha  muitos  bens,  ha  tam- 
bém muitos  que  os  comâo.  E  de  que 
lervem  elles  a  quem  os  poíTue  ,  fe- 
não  de  ver  com  leus  olhos  muitas  ri- 
quezas ? 

1 1  O  fomno  he  doce  para  o  tra- 
balhador, oueliccoma  pouco,  ou  mui- 
to :  porém  a  fartura  do  rico  he  a  mef- 
ma  que  o  não  deixa  dormir. 

12  Ainda  ha  outra  enfermidade 
bem  má  ,  q-jc  cu  tcnlio  vifto  debaixo 
do  Sol  :  as  riquezas  confervadas  (/)  pa- 
ra mal  de  leu  dono. 

Por- 

dará  cm  fim  o  premio ,  ou  caftígo  merecido.  Pe* 

RE  IRA. 

(f)   Para  mal  de  fsu  dono,  Poííjuc  a  muitoa 


Capitulo  V.  233 

13  Porque  ellas  acabao  (g)  com 
fumma  afilicçao  :  {h)  elle  gerou  lium 
filho,  que  fc  ha  cie  ver  reduzido  á  ul- 
tima pobreza. 

14  Do  modo  que  elle  fahio  nú  do 
ventre  de  fua  mai ,  aílim  mefmo  ha  dc 
voltar  5  e  não  ha  de  levar  nada  comfi- 
go  do  feu  trabalho. 

15  Enfermidade  he  eíla  de  todo  o 
ponto  mil eravel  :  do  modo  que  veio , 
aíIim  voltará.  De  que  lhe  ferve  logo 
ter  trabalhado  para  o  vento? 

16  Elle  todos  os  dias  da  fua  vida 
(/)  comeo  ás  efcuras  ,  e  com  muitos 
cuidados,  c  em  miferia,  e  trifteza. 

17  Ifto  he  pois  o  que  me  pareceo 

bem  , 

fcrvíráo  de  ruina  as  fuás  riquezas ,  que  deráo  oc? 
cafiáo  a  traições  c  latrocínios.  MtKOQuio, 

(jç)  Com  fumma  ajfUcCdO,  A'  letra:  com  hiima 
gfflicção  peffims,  ifto  he,  com  grandíHima  dor  da- 
queiies  que  as  haviáo  poiTuido.  Mekoqujo, 

(/?)  £lle  gerou  hum  filho.  As  riquezas  muitas 
vezes  acsbio  anics  que  pofsáo  Ter  deixadas  cm 
herança  aos  filhos.  Mencquio. 

(/)  Comeo  as  efcuras.  Coftutne  dos  que  por 
avarentos  goítáo  de  comer  fós ,  c  náo  querem  que 
outros  vcjáo  as  fuás  mefquinharias.  Calmet. 


234  ECCLESIASTES. 

bem  ,  (/)  que  hum  coma  ,  e  beba  ,  e 
tire  com  alegria  o  fruto  do  feu  traba- 
lho, com  que  ellc  melmo  íe  aíFadigou 
debaixo  do  Sol  durante  o  prazo  dos 
dias  da  fua  vida  ,  que  Deos  lhe  deo, 
e  cila  he  a  íua  parte. 

1 8  E  para  todo  o  homem  ,  a 
quem  Deos  tem  dado  riqueziis ,  e  fa- 
zenda ,  e  lhe  tem  concedido  faculda- 
de para  que  coma  delias,  e  destrute  a 
fua  parte  ,  e  viva  aiegre  do  feu  tra- 
balho:  ifto  paia  o  tal,  digo,  he  hum 
dom  de  Deos. 

151  (;;;)  Porque  nao  fe  lembrará  mui- 
to 

(O  ^-^^"^  ^^^'^  '  ^  beba,  e^-c.  Ifto  não  hc 
convidar  Salamáo  os  homens  a  levarem  bod  vida  , 
rnrregando-íc  aos  deleites:  pois  que  ellc  nos  moC- 
irou  jamais  d' huma  vez  a  vaidade  ,  c  o  nada  dei- 
ta cafta  dc  paíTa;empo3 :  mas juftamcntc  prefere  Síí- 
lamào  huma  vida  locegada ,  c  alegre  no  modera- 
do ufo  dos  bens  temporaes  ,  áqiiella  dos  avaren- 
tos,  e  dos  que  para  ajuntarem  dcixáo  de  comer, 
ou  tem  pena  do  meímo  que  comem,  j^d  compa- 
raciotiem  ejus ,  qui  hi  curarum  teuebris  vejcitur  ,  nW" 
liarem  dicit  ejjt  eum y  qui  fríiefmibus Jruitur,t,]v,' 

mONYMO. 

(wí)  Porque  não  fe  lembrar  d ,  ^c.  Em  quanto 
cfiá  occupado  nos  commodos  deita  vúia ,  dos  quae» 


E  CCLES  I  ASTES,  235' 

to  dos  dias  da  lua  vida,  viílo  que  Deos 
occupa  de  dclicius  o  ícu  coração. 

Jionfftamrntc  çoza  ,  não  lhe  viráõ  á  lembrança, 
nem  fe  lhe  rcpreicntaraó  aos  olhos,  e ao  entendi- 
mento as  miícrias  ,  que  tem  por  coftume  fazei 
dcfagradavcl  a  vida  dos  moriací.  AÍENoquio. 

CAPITULO  VI. 

Defgraçada  condição  do  av  are  ti  to  ,  que 
tendo  bens  não  oufa  gozar  de  lies, 

1  X  T  A  ainda  outro  mal  ,  que  c« 
i  i  tenho  viílo  debaixo  do  Sol^ 
e  ordinário  por  cerro  entre  os  homens  : 

2  hum  homem ,  a  quem  Deos  deo 
riquezas ,  c  fazenda  ,  e  honra ,  e  nada 
faita  á  fua  alma  de  quantas  coufas  de- 
feja  :  e  Deos  não  lhe  concedeo  facul- 
dade para  coiner  d'ahi,  mas  virá  hum 
homem  eftranho  a  devorar  tudo.  Ifto 
hc  huma  vaidade,  e  grande  miferia. 

3  Se  alguém  tiver  gerado  já  hum 
cento  de  filhos,  e  viver  muitos  annos, 
e  contar  mais  dias  de  idade  ,  e  a  fua 
alma  fenao  utilizar  dos  bens,  que  pof- 
^    Tom.  XI.  fue, 


1^6  ECCLESI ASTES. 

fuc,  (a)  c  carecer  de  fepultura:  deftc 
homein  não  duvido  cu  affirmar  ,  que 
hum  aborto  he  melhor  do  que  ellc. 

4  (h)  Porque  hum  tal  veio  ao  Mun- 
do de  balde  ,  e  caminha  para  as  tre- 
vas^ e  o  feu  nome  ficará  fepultado  no 
efquecimcnto. 

5*  Elie  não  vio  o  Sol,  nem  conhc- 
ceo  a  difiancia  ,  {c)  que  vai  do  bem 
ao  mal  : 

6  ainda  quando  elle  tivclTe  vivido 
dous  mil  cnnos,  Icelle  nao  gozou  dos 
feus  bens :  por  ventura  não  le  aprcíTa 
tudo  (d)  a  hum  mefmo  lugar  ? 

To- 

(4)  E  cÂrecer  de  fepultura.  Ou  por  não  gozar 
na  realidade  das  ultimas  honras  da  fepultura;  ou 
por  íer  mettido  nclta  fem  a  decência  d'  hum  luzi- 
do funeral ,  e  acompanhamento  devido  á  fua  pcf- 
foa.  Pereira. 

(b)  Porque  hum  tãl ,  'ò^c.  Falia  aqui  o  Sabio, 
íegundo  a  melhor  intelligencia ,  do  aborto ,  com- 
parando com  clle  o  avarento.  Pereira. 

(O  Qiit  \6à  do  bem  ao  mal.  O  avarento  hc  dc 
peior  condição  que  o  abortivo ,  rm  que  efte  fe  ca- 
feceo  dc  bens  ,  também  carecco  dc  males  ;  mas 
aquclle  experimentou  muitos  malei  c  incommo- 
do» ,  nem  com  tudo  iíTo  quiz  ter  a  fatisfaçáo  dc 
gozar  d' algum  bem.  Mvn-x^uio. 
.  Ql)  A  hum  mefmo  Ivgár  ?  Ao  fepulcro.  Pirei  ra. 


Capitulo  VI.  i-^j 

'  7  Todo  o  trabalho  do  homem  hc 
para  a  lua  boca  :  (e)  mas  a  fua  ahna 
não  fe  encherá  com  iíTo. 

8  Que  tem  o  fabio  de  mais  ,  do 
que  o  inícnfato?  e  que  tem  de  mais  o 
pobre,  fenão  que  elle  (/)  caminha  pa- 
ra o  lugar,  onde  eflá  a  vida  ? 

9  (g)  Álelhorhcver  o  que  fe  defe- 
ja  ,  do  que  defejar  o  que  íe  ignora. 
Mas  também  ifto  he  vaidade  ,  e  prc- 
fumpção  do  efpirito. 

10  (h)  Aquelle  ,  que  ha  de  fer, 

C^ii  hc 

(c)  Mas  a  fua  alma,  (&'C.  A  alma  do  homem 
creada  para  a  truiçáo  dos  bens  eternos  ,  hc  certo 
que  fe  náo  poderá  jamais  faciar  com  o  ahmcnto , 
que  hc  dado  ao  corpo  ,  c  em  attençáo  do  qual  tra- 
balh.-?  o  mefmo  homem  toda  a  fua  vida.  Pereira. 

(/)  Cmifihét,  'ò-c.  Trata  dc  adquirir  pela  fua 
indullria  o  que  lhe  he  neceíTario  para  manter  a  vi- 
da ;  ou  no  fentido  mor<3l ,  procura  ir  cm  demanda 
do  lu^ar  da  fua  felicidade  ,  que  he  o  Ceo ,  ondtí 
poderá  gozar  da  verdadeira  vida.  Peueira. 

(^)  Melhor  he  ver ,  ^c.  Melhor  he  gozar  ca- 
da hum  do  que  tem  prefente ,  do  que  futtentar-ftf 
d' huma  vi  cfperança  :  melhor  he  ter  o  que  fc  dc- 
feja  ,  do  que  defejar  o  que  íc  náo  tem.  Calmet. 
.  (h)  Aquelle,  que  ha  de  fer  ,  &c.  Como  ícdif- 
íjcra  ,  05  homens  fcmprc  nafccm  fcmelhantes  a«f 


^38  ECCLESIASTBS. 

(i)  he  já  chamado  pelo  feu  nome  :  c 
fabe-fe  que  elle  hc  (/)  homem  ,  c  que 
não  pódc  difputar  em  juizo  (ni)  contra 
quem  he  mais  forte  do  que  elle. 

1 1  São  em  mui  grande  numero  as 
palavras  ,  (?/)  e  tem  na  difputa  muita 
vaidade. 


CA- 

fcus  antepaíTados ,  cobertos  de  fragilidade  e  mife- 
ria  ;  vindo  a  fcr  por  iíío  vá  toda  a  preicnçáo  dos 
ricos  c  foberbos  ,  que  fe  querem  elevar  ibbrc  a 
condição  humana.  Confira-fe  affima  o  Capitulo  I. 
p.  10.  Menoquio. 

(/)  He  jd  chamado  ,  <ò^c.  Ifto  he ,  fabc-fe  já 
corro  íc  ha  de  chamar ;  c  qual  ha  de  ícr.  Meno- 

(/)  Homem,  Fraco  ,  e  formado  de  terra  ,  e  que 
cm  terra  Ir  ha  dc  tornar.  Menoquio. 

(m)  Contra  qutm  he  mais  forte  do  que  elle,  Le- 
vaniar-fe  contra  Deos  ,  c  p6r-fe  arca  partida  com 
çllc.  Menoquio. 

.  (w)  E  tem  na  difputa,  ó-c.  Para  confirmação 
e  prova  da  vaid^jde  cega  ,  e  do  pouco  ou  nenhum 
pezo  dis  difpuias  dos  homens,  vcja-fe  allima  o 

ÇapitUlO  III.    11.  PEREIKA, 


EcCLESIASTES.  239 


CAPITULO  VII. 

A  bofi  reputação.    Utilidade  das  correc^ 
çoes,  IJ ti  lida  de  da  f abe  dor  ia.  Não  ha 
jufio ,  que  7íão  peque,  De  fprtzar  os  dip 
cirrfos  dos  homens,  A  mulher  prejudicial. 

I  Uc  neceíTidade  tem  o  homem 
de  buliar  o  que  he  affima  del- 
]e,  quando  elle  ignora  o  que 
lhe  he  conducente  na  fua  vida  ,  em 
quanto  dura  o  prazo  dos  dias  da  fua 
peregrinação,  e  o  tempo  que  paíTa  co- 
mo íombra  ?  Ou  quem  lhe  poderá  mof- 
trar  ,  que  he  o  que  eftá  para  fucceder 
depois  dellc  debaixo  do  Sol? 

2  Melhor  he  o  bom  nome,  do  que 
os  balíamos  preciofos :  {a)  e  o  dia  da 
morte,  do  que  o  dia  do  nafcimento. 

3  Melhor  he  ir  á  cafa  que  eftá  d  c 
nojo,  do  que  á  cafa  onde  íe  dá  ban- 
quete: porque  naquella  he  hum  adver- 

ti- 

{à)  E  o  dia  da  morte  ,  ^c.  Ifto  fe  entende 
da  morte  do  jufto,  aqualhe  fim  de  mifcrias  ,  e 
principio  de  felicidades.  Confira-fe  também  O  A- 
poftolo  aos  Romanos  VIII.  21.  Pereika. 


240  ECCLESI  AST  ES. 

tido  do  fim  dc  todos  os  homens  ,  c  o 
que  eftá  vivo  confidera  no  que  hum  dia 
lhe  ha  de  acontecer. 

4  {b)  Melhor  hc  a  ira  ,  do  que  o 
rifo  :  porque  pela  trifteza  que  appare- 
ce  no  roito,  fe  corrige  o  animo  do  de- 
linquente. 

5-  O  coração  dos  fabios  eftá  {c)  on- 
de fe  acha  a  trifteza ,  e  o  coração  dos 
infenfatos  onde  íc  acha  a  alegria. 

6  Melhor  hc  fer  rcprchendido  pe- 
lo fabio  5  do  que  fer  enganado  pela 
adulação  dos  infenfatos : 

7  porque  alFim  como  fe  ouve  ao 
longe  a  eftalada  que  fazem  os  efpi- 
nhos  ardendo  debaixo  d'huma  panei- 
la  ,  do  mefmo  modo  o  rifo  do  infcn- 
fato:  mas  também  ifto  he  vaidade. 

8  A  calúmnia  turba  o  f^bio  ,  c 

cl- 

(F)  Melhor  he  a  irA,  iy^c.  lílo  he  ,  para  a 
emenda  do  próximo  ,  vai  mais  a  fcveridadc  do 
femblantc  dc  quem  reprehende  ,  do  que  o  rofto 
alegre  de  quem  liTonjca.  Pi-refra. 

(f)  Onda  fe  acha  a  trijiezx.  Porque  cg  fabios 
são  peíToas  graves  e  fcvcras ,  não  livianas  c  incli- 
tudas  ao  rifo.  Mekoqvio, 


Capitulo  VIL  241 

ella  (d)  abaterá  a  firmeza  do  feu  co- 
ração. 

9  (e)  Melhor  he  o  fim  dodifcurfo, 
do  que  o  principio.  Melhor  he  o  ho- 
mem paciente  5  do  que  o  arrogante. 

10  Não  íejas  veloz  (/)  em  te  ira- 
res :  porque  a  ira  dcícança  no  feio  do 
infcnfato. 

Não 

Çd)  Abaterá  ,  ò-c.  Como  a  calumnia  faz  abai 
ter  o  coração ,  c  pôr  ao  íabio  cm  precipício  de  pcc- 
c:ir  ,  daqui  vem  o  pedir  David  a  Deos  que  o  li- 
vre da$  calumnias  dos  homens  ,  para  obfervar  o$ 
fcus  Mandamentos  ,  como  Tc  vc  no  Salmo  CXVHL 
134.  Pbreira. 

(e)  Aídhor  ht  o  fim  do  difcurfo ,  &c,  O  fen- 
tido  he  ,  qne  náo  bafta  começar  o  bem  ,  mas 
que  he  neceíTírio  Icvallo  ao  cabo ,  ou,  fegundo  ou- 
tra imelligencia  ,  que  mais  vai  pôr  fim  ás  con- 
tendas ,  altercações  ,  e  debates  com  o  próximo  , 
do  que  principiar ,  c  mover  contra  clle  taes  difcor- 
dias,  e  defavcnças.  Porém  a  expoíição  mais  lite- 
ral moftra  que  tanto  para  o  que  falia ,  como  para 
o  que  ouve  he  melhor  o  fim  que  o  principio  do 
difcurfo.  Por  quanto  aqucilc  vê-fc  já  dcfaííombra- 
do  e  forro  do  cuidado  ,  que  teve  no  principio ; 
côe  dá-fe  por  bem  pago  do  trabalho ,  que  tomou, 
de  ouvir  o  que  defej;jva,  e  de  ficar  fabendo  o  que 
lhe  convinha.  Pekeira. 

(/)  Em  te  irares.  A  ira  fcmprc  anda  junta 
com  a  fobciba.  S.  Jsrontmo. 


14^  EcCLESIASTES. 

11  Não  digas:  Donde  vem  que  os 
primeiros  tempos  foráo  melhores  do 
que  são  ugora  ?  porque  Temelhante  per- 
gunta (g)  hc  indifcreta. 

12  A  fabedoria  he  mais  util  com 
as  riquezas  ,  e  aproveita  mais  {bj  aos 
que  vem  o  Sol. 

13  Porque  aílim  como  a  fabedoria 
protege,  aCÍim  protege  o  dinheiro  :  mas 
a  erudição  ,  c  a  fabedoria  tem  ifto  dc 
mais  ,  que  cilas  dão  vida  ao  feu  pof- 
fuidor. 

I  4  Confidera  as  obras  de  Deos , 
porque  (;)  ninguém  pôde  corrigir  a 
quem  ellc  deíprezou. 

(g)  He  indifcreta.  Porque  os  homens  pelai  fuás 
viriu  les,  ou  vicios ,  he  que  fazem  veniurolos  ,  ou 
infcliccs  com  varia  féric  d' acontecimentos  os  fe- 
culos  cm  que  vivem.  Pereira. 

(/í)  Jos  que  vem  o  Sol,  Aos  homens ,  aos  vi- 
vcn  es.  MEKoQuto. 

(í)  Ninguém  pode  corrigir  ^  íd-c,  Hc  para  ad- 
mitar  o  poder,  e  a  juttiça  dc  Deos,  que  diftribue 
os  íeus  dons,  do  modo  que  quci ,  e  a  quem  mui- 
to lhe  apraz.  Se  qualquer  homem  nafcc  com  al- 
gum defar  da  namrcza  ,  náo  ha  induítria  humana 
que  lho  poíTa  remediar.  Se  todos  os  homens  jun- 
ps  quizcrem  converter  hum  ímpio  obftinado  no 
ínal ,  caprcza  hc  cfta  ,  que  náo  háo  dc  coníc'» 


Capitulo  VII.  243 

15*  Goza  dos  bens  no  dia  bom  ,  c 
prccavê  o  máo  dia  :  porque  Deos  affim 
como  fez  efte,  aífim  também  fez  aquel- 
le ,  fem  que  o  homem  ache  contra  elle 
juítificadas  queixas. 

16  Eu  também  vi  ifto  nos  dias  da 
minha  vaidade:  O  juílo  perece  na  fua 
juíliça,  e  o  ímpio  vive  muito  tempo  na 
fua  malicia. 

17  (/)  Não  fcjas  muito  juílo:  nem 
fejas  mais  fabio  do  que  he  neceíTario, 
para  que  não  venhas  a  fer  eftupido. 

18  (m)  Não  te  obílines  nas  acções 
criminofas:  e  não  fcjas  infenfato,  para 

que 

guir  5  cm  quanto  Deos  o  não  dirpuzer  a  iíTo  com 
a  lua  graça.  Pereira. 

(l)  NÃO  fejas  muito  jufto.  Qual  he  o  que  tu- 
do quer  le  var  pelo  rigor  do  Dirciro  ;  o  que  fem- 
pre  fe  moftra  defeontcnte  ,  e  carrancudo  \  o  que 
nada  perdoa  ,  e  principalmente  o  que  fe  atormen^ 
ta  a  fi  mcfmo  com  cfcrupulos,  que  chegâo  a  Tu- 
pefttiçáo.  S.Jeronymo. 

(m)  Nio  re  obftwes  nas  accoe>  criminofas.  Ifto 
he,  náo  te  deixes  tilar  muito  (empo  no  mal ,  ac- 
cumulando  peccados  febre  peccndos.  Porque  de- 
vemos procurar  levantar-nos  logo  depois  da  primei- 
ra queda  ,  c  náo  imitar  aquelles ,  de  quem  efcreve 
5.  Paulo ,  Eph.  IV.  19.  que  hema  vez  que  fe  apar-» 


244  EcCLESI  ASTES. 

que  nao  venhas  a  morrer  (?;)  no  tempo 
que  não  he  teu. 

19  Bom  he  que  tu  fuftentcs  o  juf- 
to,  mas  também  nao  retires  a  tua  mão 
daquelle ,  que  o  não  he :  porque  o  que 
teme  a  D^n^s  ,  nada  defpreza. 

20  A  íahedoria  fez  o  lábio  mais 
forre  ,  do  que  dez  Principes  d'huma 
Cidade. 

21  Porque  não  ha  homem  jufto  fr- 
i>re  a  terra  ,  que  faça  o  bem  ^  c  que 
não  peque. 

22  Mas  também  não  inclines  o  teu 
coração  a  ouvir  todas  as  palavras  que 
fe  dizem  :  para  que  não  ouçab  talvez 
p  teu  fervo  dizer  mal  de  ti : 

23  porque  fabes  na  tua  confcien- 

cia  , 

táráo  da  regra ,  fc  cntrcgão  aos  vicios ,  como  def- 
cfpcrados.  Bossuit. 

(n)  No  tempo  que  não  he  teu.  Que  documento 
importantiHimo  part  os  monaes  !  O  homem  entáo 
fc  diz  morrer  no  tempo  que  não  he  [eu ,  quando  o 
apanha  a  morte  defacautelado  e  defapercebido  ,  por 
iíTo  mcfmo  que  a  náo  foube  prevenir  morrendo  ao 
Mundo ,  c  vivendo  fó  para  Deos ,  anres  que  ella 
che^aíTc.  Lo?o  aquellc  ,  que  allim  no  fizer ,  po- 
derá chamar  íeu  o  tempo  cm  que  morrer.  Pereira* 


Capitulo  VII.  245' 

cia ,  que  tambcm  tu  muitas  vezes  tens 
áiío  mal  d' outros. 

24  Tudo  tentei  por  adquirir  a  fa- 
bedoria.  Eu  diíTe  :  Far-mc-hei  fa- 
bio  :  (0)  c  cila  fc  retirou  para  longe 
de  mim 

25*  muito  mais  do  que  d' antes  ef- 
tava  :  e  por  certo  que  a  íua  profundi- 
dade he  grande,  quem  na  poderá  fon- 
dar? 

26  Eudifcorri  dentro  no  meu  ef- 
pirito  por  todas  as  coufas  para  faber , 
econliderar,  e  bulcar  a  fabedoria ,  e  a 
razão  de  tudo  :  e  para  conhecer  a  im- 
piedade do  infcnfato,  e  o  erro  dos  im- 
prudentes : 

27  e  achei  que  he  mais  amargofa, 
do  que  a  morte,  a  mulher,  a  qual  he 
laço  de  caçadores ,  e  o  feu  coração  re- 
de 5  as  luas  mãos  cadeias.  Aquelle, 
que  agrada  a  Deos  ,  fugirá  delia  :  o 
que  porém  he  peccador  ,  ferá  delia 
apanhado. 

Eis- 

(e)  E  eUi  fe  retirou ,  é^c.  Quanto  mais  hum 
homem  aproveita  na  fabcdoria  ,  tanto  mais  reco- 
nhece que  cftá  longe  delia.  Pkkeira. 


2^6  ECCLESIASTES. 

28  Eis-aqui  o  que  eu  achei,  diz  o 
Ecclcíiaíks  ,  depois  de  ter  conferido, 
huma  coufa  com  outra  para  achar  hu- 
ma  raZwlo, 

29  que  ainda  a  minha  alma  hufca  , 
e  não  pude  achar,  (p)  Entre  mil  ho- 
mens achei  eu  hum  ,  mas  de  todas  as 
mulheres,  nem  huma  fó  achei. 

30  O  que  eu  unicamente  achei  , 
he ,  (q)  que  Deos  creou  o  homem  refto , 

e 

'  (p)  Entre  mil  homens  achei  eu  hum.  Sobenten- 
<le-lc  que  folie  fabio.  E  da  mefma  forte ,  quando 
profci^ue :  mis  de  todas  as  mulheres ,  tiem  humx  Já 
achei  :  fobentende-íe  que  fabia  foíTe.  Porque  io- 
das, commenta  S.  Jeronymo  ,  me  conduzirão  á 
luxuria,  c  náo  á  virtude.  Bossuet. 

(q)  Que  Deos  creou  o  homem  reão.  Como  hoje 
náo  naíce  já  o  homem  redto  ,  mas  propenfo  ao 
mal  ;  fegue-fe  que  por  alguma  dcfordcm  em  que 
cahio  o  primeiro  homem,  fc  derivou  aos  feus  dcf- 
cendcntcs  a  corrupção  da  vida.  E  eíh  corrupção 
propagada  por  todo  o  género  humano  ,  he  a  que 
a  Igreja  Catholica  chama  pcccado  original.  Logo 
cftc  Texto  igualmente  dcíhoe  o  erro  dos  dous 
Princípios  ,  hum  do  bem  ,  outro  do  mal  ,  que 
depois  do5  M;ircionitas  fuftcnráráo  os  Maniqueos ; 
c  odos  Pelagianos  ,  que  fuppondo  natureza  do  ho-  * 
mem  a  concupifcencia ,  ncgaváo  que  o  homem  fe 
achade  hoje  diverfo  do  que  fora  na  íua  creaçáo, 
Pekeika. 


Capitulo  VlT.  247 

(r)  eque  clle  rr.efmo  fe  metteo  em  in- 
finitas queftõcs.  Qiiem  he  tal  (j)  como 
o  fabio?  e  quem  conheceo  a  íbluçãô 
dcfta  palavra? 


CA- 

(r)  Eque  elle  mefmo  fe  metteo  einirfinitas  quej- 
toes.  Daqui  temos  que  a  fonte  da  noíTa  dcfgraça 
foi  a  vá  curioíidade  de  noíTos  primeiros  pais  ,  a 
quem  tendo  Dcos  poíto  hum  preceito  clariffimo, 
elles  fc  puzeráo  a  queítionar  fe  fe  devia  eftar  por 
elle,  dando  ouvido?  á  temerária  pergunta  do  Ten- 
tador :  Cur  praecepit  vobis  Deus ,  ut  non  comederetis 
lie  omni  ligno  Paradifi  ?  Porque  vos  mandou  Deos  , 
que  não  comeíTeis  de  ioda  a  arvore  do  Paraifo? 
Gen.  III.  I.  BossusT. 

(í)  Como  o  fabio  ?  líto  hc  ,  quem  fe  poderá 
comparar  com  Salamáo  ,  que  ,  fendo  táo  íabio , 
háo  chegou  a  dar  foluçáo  a  eftes  enigmas?  Ou, 
quem  ferá  dotado  de  tanta  fabedoria ,  que  poíTadef- 
baftar  c  decidir  as  diíHculdades ,  que  atéqui  fe  tem 
propolto?  MsNo(2uio, 


248 


EcCLESIASTES. 


CAPITULO  VIII. 

Não  fe  apartar  doí  Mandamentos  de 
Deos,  Paciência  de  Deus»  Afjliccãa 
dos  jujlos,   Frofperidade  dos  mJos, 

I     A    Sabedoria  do  homem  reluz 
-/"^  no  feu  roflo  ,  e  o  Todo  Po- 
derofo  (a)  mudará  a  fua  face. 

2  Quanto  a  mim  (b)  cu  ob fervo  a 
boca  do  Rei ,  e  os  preceitos  que  Deos 
poz  com  juramento.  ]<lao 

(a)  Mudara  a  fua  face.  Fará  com  que  mude 
o  ar  fio  femblante  fegundo  as  occafiócs  qne  fe  oF- 
fcrecercm  ,  aTc^rando  Tc  ,  como  diz  o  Apoftolo 
(aos  Romanos  XI í.  is'. )  com  os  que  [z  al-^gráo, 
c  chor.mJo  com  os  que  chorão.  Os  iSetenia  lem  , 
t  O  defavagonhado  por  fua  cara  fcrá  aborrecido. 
Pereira. 

(J?)  Eú  oh  fervo  d  boca  do  Rei ,  óc.  Dcfte  mo- 
do traduzem  todos  cite  vcrfo  da  \'ulf,ata,  adver- 
tindo que  Salamáo  falia  aqui  cm  nome  do  fabio ; 
c  que  pela  boca  do  Rei  fe  entendem  acui  as  fuas 
ordens ;  c  que  pelos  preceitos  que  Dcos  poz  com  ju' 
rar)iento  ,  fe  entendem  os  preceitos  do  Decaindo  da- 
dos por  Nloyícs  no  Monte  Sinay ,  quando  Deos  fez 
alliança  com  o  feu  Povo ,  prometiendo-lhc  debai- 
xo de  jutcimenro  ,  que  clL-  feria  fcmprc  o  feu  Deos  , 
e  o  Teu  Protcdloí  ,  com  tanto  que  cUcs  ihç  foi- 


Capitulo  VIIL  249 

.  3  (c)  Náo  te  apreíTes  a  fahir  dc 
diante  da  fua  face,  e  não  permaneças 
na  obra  má  ,  porque  elle  fará  tudo  o 
que  quizer: 

4  (d)  c  a  fua  palavra  he  cheia  de 
poder:  (e)  e  ninguém  lhe  pode  dizer: 
Porque  fazes  iílo  aílim? 

A- 

fcm  fieis.  Mas  o  Oripjnal  Hctrreo  offerece  outro 
fentido ,  porque  diz  aííim  :  Eu  digo  :  Olfèrva  a 
boca  do  Rei  ,  e  ejiã  attento  à  Lá  do  juramento  ^ 
que  Ihcdéfie  em  nome  de  Deos,  Ncftcs  termos  o  ju- 
ramento ,  dc  c]ue  falia  o  Texto  ,  nâo  he  o  jura- 
mento feito  por  Dcos  aos  homens  ,  mas  o  juramen- 
to, que  osjudcos  faziáo  aos  fcus  Reis  de  lhe  guar- 
darem fidelidade:  como  lemos  que  ofizeríoaDa- 
vid,  II.  Reg.  V.  ^,  aSalamáo,  I.  Parai.  XXIX. 
24.3  a  Jojada,  IV.  Reg;.  XL  17.  E  daqui  fe  co- 
nhecerá também  a  antiguidade  ,  e  religião  do  ju- 
ramento de  fidelidade  dos  valTallos  a  rcfpeito  dos 
feus  Reis.  PEREtRA. 

(c)  N.zo  te  aprejjes ,  a^c.  Se  ofFendefte  ao  teu 
Soberano  ,  congraça-te  logo  com  elle,  dando-lhc 
fatisfaçáo  do  aggravo ,  antes  que  tc  caftigue.  Pe- 

REIRA. 

(d)  E  a  fua  palavra,  Ifto  he,  a  palavra 
io  Rei  ,  como  expreííamentc  declara  o  Hcbreo. 
Pereira. 

(e)  E  ninguém  lhe  pode  dizer  :  Porque  fdT.es 
ilh  affim  ?  Eftas  palavras,  que  a  Efcritura  fo  diz 
lio  Rei  para  denotar  o  fcu  Poder  deípotico  ,  appli- 


I^O  EcCLESIASTES. 

"  f  Aquclle  ,  qu2  guarda  o  preceito  ^ 
não  experimentará  mal  algum.  O  cora* 
ção  do  fai)io  conhece  o  cjae  deve  re- 
Iponder  ,  e  em  que  tempo. 

6  Todas  as  coulas  tem  fcu  tempo, 
e  liia  opportunidade,  e  hc  muita  a  af* 
flicção  do  homem : 

7  porque  ignora  ns  coufas  pafia- 
das  ,  e  pjr  nenhum  menfageiro  pode 
laber  as  futuras. 

r  8  Náo  eftá  na  mão  do  homem  im- 
j3edir  que  o  elpirito  deixe  o  corpo, 
nem  elle  tem  poder  fobre  o  dia  da 
morte,  nem  felhe  dão  tréguas  (f)  na 

guer- 

cão  0$  Canoniílas  com  hum  manifcílo  abufo  ao 
Summo  Pontífice ,  cotio  íc  cllc  FoiTe  táo  defpoti- 
co  c  abíoiuto  na  I.^rcja ,  como  o  he  hum  Rei  na 
Republica.  Pereira. 

(/)  Na  guerr.i  yò^c.  A  qual  as  doenças,  e  a 
meíma  moric,  ou  antes  Deos  por  meio  d^s  doen- 
ças move  contra  cilc.  Ora  nefte  tempo  náo  ha  lu- 
gar de  defcanço,  mas,  inftínjo  o  confli>::lo  ,  hc 
força  vencer ,  ou  morrer  na  batalha.  Atéqui  Meno- 
quio  ,  o  qual  tarnbem  advcrt-  que  muitos  enterv, 
dcm  eíle  iu^ar  (além  da  s;uerrq ,  que  os  Príncipes 
CvTyrannos  coftjmáo  fazer  contra  o%  que  fe  op- 
póc  ás  fuás  Icís)  do  tropel  de  tentações  maiorcí 
que  nunca ,  de  que  o  fiomem  fe  vè  combatido  na- 
quclla  hora  arnícadiílima.  Pereira. 


Capitulo  VIII.  25-1 

guerra  que  o  ameaça ,  (g)  nem  ao  ím- 
pio falvará  a  fua  impiedade. 

9  Todas  eftas  couías  coníiderel  eu , 
e  appliquei  o  meu  coração  a  diícernir 
todas  as  obras  que  fe  fazem  debaixo 
do  Sol.  Algumas  vezes  tem  huiia  ho- 
mem dominio  fobre  outro  para  defgra- 
ça  fua. 

10  Eu  vi  os  ímpios  (h)  fepultados : 
osquaes  ainda  quando  viviao,  (/)  efta- 
vão  no  lugar  fanto ,  e  erao  louvad  js  na 
Cidade  ,  como  fe  as  fuas  obras  tivef- 
fem  fido  juftas  :  mas  também  iíto  he 
vaidade. 

1 1  Por  quanto  o  nao  fe  proferir  lo- 
Tom.  XI.  R  go 

(^)  Nem  ao  impio ,  ó  c.  Por  mais  que  o  ím- 
pio queira  riícar  da  memoria  os  horrores  da  mor- 
te ,  o  rigor  das  contas  ,  e  a  eternidade  de  penas 
que  o  aguardáo  na  outra  vida ,  n^dá  difro  lhe  vâ- 
lerá  para  deixar  de  fe  perder ,  e  condemnar.  Pe- 

KEIRA. 

(h)  Sepultados.  Com  mu  ira  honra  ,  c  com 
grande  íumpcuoniade  de  funv  ral.  Menoquio. 

(1)  Efiavão  no  liig.tr  fanto.  Eráo  tidos  pelo 
vul^o  na  conta  de  fiintos^  e  rcfpcitados  por  raes  , 
cm  atrençáo  do  leu ,  ao  que  parecia  ,  irreprehcn-- 
fivel  proceJimcnto  ,  fendo  maliciofos  hypocritaí. 


-Z^Z  ECCLESIASTES. 

go  fentença  contra  os  máos ,  he  caufa 
de  commerterem  os  filhos  dos  homens 
crimes  fem  temor  algum. 

12  Com  tudo  poriíTo  mefmoque  o 
peccador  commette  cem  vezes  o  mal , 
e  he  tolerado  com  paciência ,  tenho  eu 
conhecido  que  ferao  bem  fuccedidos 
os  tementes  a  Dcos  ^  que  refpeitão  a 
fua  face. 

13  (/)  Mal  o  haja  o  ímpio  ,  nem 
fejão  prolongados  os  dias  da  fua  vida, 
mas  como  fombra  paíTem  os  que  não 
temem  a  face  do  Senhor. 

14  Ainda  fe  acha  outra  vaidade 
que  fuccede  fobre  a  terra.  Ha  juftos, 
aos  quaes  provêm  males  ,  como  fe  el- 

les 

(/)  Mal  o  haja  o  ímpio,  Eftas  palavras  podem 
muito  bem  tomar-íe  ,  conforme  a  intcUigcncia 
deCalmet,  como  hama  imprecação  contra  os  ím- 
pios ,  ou  ajuntar-fe  ao  veríic_iilo  antecedente  nef- 
ic  fentido  :  Conheci  que  havlío  de  fer  felices  todos 
aquelles  ,  que  temem  e  refpeitão  ao  Senhor  ,  e  que 
os  ímpios  de  nenhuma  felicidade  haviao  de  gozar. 
Porém  Menoauio  tundado  no  Hebreo  ,  onde  não 
ha  lal  imprecação  ,  entende  fó  eftas  palavras  fem 
cila,  dizendo  que  o  que  nós  temos  no  noíTo Tex- 
to he  antes  hama  prcdicçáo  do  que  ha  de  fcr ,  do 
que  huma  imprecação.  Pekeira. 


Capitulo    VIII.  25*3 

les  tiveflem  feito  obras  de  ímpios  :  e 
ha  ímpios  ,  que  vivem  tão  feguros ,  co- 
mo fe  tiveírem  feito  acções  de  juftos  : 
mas  eu  creio  que  também  ifto  he  hu- 
ma  coufa  mui  vã. 

ly  Por  tanto  louvei  a  alegria  , 
(m)  vifto  não  ter  o  homem  debaixo  do 
Sol  outro  bem  ,  íenão  comer  ,  e  be- 
ber ,  e  folgar  :  e  poder  levar  comíigo 
ifto  fó  do  feu  trabalho  que  aturou  nos 
dias  da  fua  vida  ,  os  quaes  Deos  lhe 
deo  debaixo  do  Sol. 

16  E  appliquei  o  meu  coração  a 
conhecer  a  fabedoria  ,  c  a  notar  (n)  a 
diílracção  que  vaguêa  na  terra:  homem 
ha  ,  que  nem  de  dia  ,  nem  de  noite  con- 
cilia fomno  a  feas  olhos. 

17  E  vim  a  entender  ,  que  o  ho- 
mem não  podia  achar  razão  alguma 

R  li  de 
(m)  Vifto  não  ter  o  homem  ,  &c.  Aííim  o  crco 
Salamáo ,  íallando  em  nome  ,  e  em  peííoa  dos  ím- 
pios, ou  fallando  do  que  lhe  vinha  ao  pcnfamen- 
to  ,  quando  andava  engolfado  nos  váos  prazeres 
dcíle  Mundo.  Bossukt,  e  Calmet. 

(n)  J  díftr acção  que  v^guéa  Tia  terra.  Ifto  hc , 
asoccupaçócs  que  divertem  o  coração  do  homem, 
c  que  o  tazem  andar  inquieto ,  foUcito ,  c  defvc- 
kdo  cm  coda  a  carreira  da  íua  vida.  Pereira. 


25'4  EcCLESTASTES. 

ide  todas  aquellas  obras  de  Deos ,  que 
fc  fazem  debaixo  do  Sol :  pois  quanto 
mais  trabalhar  pela  deícobrir  j  tanto 
menos  a  achará  :  ainda  que  o  mefmo 
fabio  diga  que  a  conhece  ,  elle  a  não 
poderá  achar. 

CAPITULO  IX. 

Ninguém  fabe  fe  he  digno  amor  ^  ou  de 
adio.  Igual  co 72 dição  de  bons  ,  e  de  mãos 
7íejle  Mundo,  Sabedoria  do  pobre. 

1  T7^  U  revolvi  todas  eftas  coufas 
JCino  meu  coração,  para  diligen- 
temente as  entender :  {a)  Ha  juftos  ,  e 
fabios  ,  e  as  fuas  obras  cíláo  na  mão 
de  Deos :  (b)  e  com  tudo  nao  fabe  o 
homem  fe  he  digno  d'  amor  ,  ou  dc 
odio  : 

mas 

{a)  Ha  juftos  e  fabios ,  é-c.  D  outra  maneira  : 
Os  juftos ,  e  os  fabios  ,  e  as  fuas  obras  ,  eftao  na 
mão  de  Deos.  Sacf. 

(^)  E  com  tudo  não  fabe  o  homem  ,  Efte 
he  hum  dos  Textos  ,  cm  que  o  Concilio  Tridcntino 
SeíT.  VI.  Cap.  IX.  c  Can.  XIIÍ.  fe  fundou  para 
definir  contra  os  Proreftantes,  que  ninguém  neftc 
Mundo  ,  por  mais  jufto  que  pareça  ,  pódc  fabct 


Capitulo  IX.  25-^ 

2  mas  tudo  fe  relerva  incerto  pa- 
ra o  futuro  ,  {c)  vifto  acontecerem  to- 
das as  couías  igualmente  ao  jullo  e  ao 
ímpio,  ao  bom  e  ao  máo  ,  ao  puro  e 
ao  impuro,  aoque  íacrifica  viclimas,  e 
ao  que  deíprcza  os  íacrincios  :  aiTim 
como  he  tratado  o  bom  ,  aílim  tam- 
bém he  o  peccador  :  do  modo  que  o 
he  o  perjuro  ,  aíGm  no  he  também  a- 
quelle  ,  que  jura  verdade. 

3  Ifto  he  (d)  o  que  ha  de  peior 
entre  tudo  o  que  fe  palfa  debaixo  do 
Sol,  o  fuccederem  a  todos  as  mefmas 
coufas  :  daqui  vem  que  não  fó  os  co- 
rações dos  filhos  dos  homens  (e)  fe  en- 
chem 

que  cftá  em  graça  de  Deos,  fem  efpecial  revela- 
ção que  diíío  tenha.  Pereira. 

(O  y^fio  nconteccrem  todas /IS  coufas ,  ó  c.  Por- 
que permitte  Dcos  que  promifcuamente  a  bons  c 
máos  aconteçào  proíperidades  e  defventuras.  Me- 

/ÍOQUIC. 

(jí)  O  que  ha  de  peiov.  Em  razão  de  ncgirem 
os  mundanos  a  Providencia  ,  vendo  que  Deos  com 
igualdade  ufa  deftc  Attributo  para  com  bons  c 
máos  i  e  de  inferirem  por  iílo  que  podem  correr 
á  rédea  folta  cm  fcguimenio  dos  fcus  appetites. 
Pereíka. 

{j)  Sc  enchem  de  malícia  ,  ^c.  Os  ímpios , 
vendo  que  fc  obfcrva  a  mefma  lei  da  Providencia 


EcCLESI  A  STES. 

chem  de  malícia,  e  de  delprezo,  du- 
rante a  fua  vida,  mas  também  que  de- 
pois difto  ferão  conduzidos  aos  Infer- 
nos. 

4  {f)  Não  ha  ninguém  ,  que  viva 
fempre,  nem  que  tenha  efperança  dif- 
to :  mais  vai  hum  cao  vivo  ,  do  que 
hum  leáo  morto. 

5'  Porque  os  que  eftâo  vivos  fabem 
que  hão  de  morrer  ,  porém  os  mortos 
não  fabem  mais  nada,  nem  d'alli  por 
diante  elles  tem  alguma  recompenfa  : 
porque  a  fua  memoria  ficou  entregue 
ao  efquecimento. 

6  Também  o  amor  ,  e  o  odio  ,  e 
as  invejas  perecerão  juntamente  (g)  com 

os 

para  com  os  bons  e  máos  ,  fazem-fe  mais  obfti- 
nados  na  maldade,  c  aííim  pcrfcveráo  nella  até  á 
morce ,  dando  comfigo  no  Inferno  ,  que  hc  o  para- 
deiro dos  que  morrem  mal.  Calmet. 

(/)  Não  ha  ninguém ,  'ò'C.  Neítc  ,  c  nos  fc- 
guinres  vcrfos  continua  Salamáo  em  difcorrer  fe- 
gundo  os  princípios  dos  mundanos  ,  que  põem  to- 
da a  felicidade  do  homem  na  vida  prefente ,  e  no 
logro  dos  bens  temporaes  ,  como  fe  depois  da 
mone  náo  reftaíTe  mais  nada  que  gozar,  nem  que 
padecer.  Pereira. 

(g)  Cem  os  mefmos.  lílo  hc  ,  com  os  me  imos 
mortos.  Pereira, 


Capitulo  IX.  25*7 

os  mefmos  ,  nem  elles  tem  parte  nef- 
tc  leculo,  nem  tão  pouco  em  obra  al- 
guma,  que  fe  faz  debaixo  do  Sol. 

7  Vai  pois  ,  e  come  o  teu  pão  com 
alegria  5  e  bebe  comgoftooteu  vinho: 
porque  a  Dcos  jgradao  as  tuas  obras. 

8  (Z?)  Os  teus  veílidos  lejao  em 
todo  o  tempo  brancos  ,  e  não  falte  o 
oleo  que  unte  a  tua  cabeça. 

9  Goza  da  vida  (i)  com  a  mulher 
*que  amas  por  todos  os  dias  (/)  da  tua 

vida  inftaVel  ,  os  quaes  te  forão  dados 
debaixo  do  Sol  por  todo  o  tempo  da 
tua  vaidade :  porque  eíla  he  a  tua  par- 
te na  vida  ,  e  no  teu  trabalho  ,  com 
que  te  affadigas  debaixo  do  Sol. 

Obra 

(h)  Os  teus  vejiidos  fejao  ,  ^c.  Os  veftidos 
brancos ,  c  a  cabeça  banhada  de  oleo  são  os  fmacs 
de  regozijo.  Saci. 

(/)  Com  a  mulher ,  <ò^c.  Por  mulher  entende 
S.  ]cronymo  cm  fentido  myftico  a  fabcdoria ,  que 
deve  fer  amada  ,  e  que  ferve  d' alivio  ,  ajuda  ,  c 
coníolaçáo  ao  homem  nos  trabalhos  da  vida.  Pe- 
reira. 

(/)  Da  tua  vida  injiavel.  A' letra:  da  vida  da 
tua  injlabilidade  ,\í\o  he,  por  todos  os  dias  da  du- 
ração do  teu  fer  inftavcl ,  ou  da  tua  frágil ,  cadu- 
ca ,  e  tranfitoria  exiftencia.  Pereira. 


25'8  ECCLESI ASTES. 

10  (;;;)  Obra  com  prefteza  tudo 
qiiíinto  pode  fazer  a  tua  mao  :  porque 
na  fcpultura  5  para  onde  tu  te  apreíTas, 
não  haverá  nem  obra,  nem  razão , nem 
fabedoria  ,  nem  fcicncia. 

11  Eu  me  voltei  para  outra  coufa , 
e  vi  que  debaixo  do  Sol  não  he  o  pre- 
mio para  os  que  melhor  (;;)  correm  , 
nem  a  guerra  para  os  que  são  mais  for- 
tes ,  nem  o  pão  para  os  que  são  mais 
fabios  ,  nem  as  riquezas  para  os  que 
são  mais  doutos,  nem  a  boa  acceitação 
para  os  qw  são  mais  hábeis  artificcs: 
(o)  mas  que  tudo  fe  faz  por  encontro, 
e  por  cafualidade. 

O 

Cw)  Obrd  com  prejieza  tudo  ,  ^'C,  Quer  dizer 
no  ícnrido  dos  ímpios  :  Dá-te  prcíTa  a  gozar  dc 
todos  os  divertimentos  ,  e  de  todos  os  deleites, 
viíto  fer  tão  breve  a  vida ,  c  acabar  tudo  com  ella. 
Também  fe  podem  explicar  eftas  palavras  da  pre- 
paração ,  (]ue  todo  o  homem  deve  fazer  para  a 
Erernida'ie  ,  procurando  feriamenre  aproveitar-fc 
dos  precioíos  momentos  de  vida  ,  que  Deos  lhe 
dá  para  iíTo.  Pere  ra. 

(w)  Correm,  Confira-fc  S.  Paulo  na  I.  aos  de 
Corintlio  IX.  24.  fallando  também  dos  que  corrido 
no  eftádio.  Pereira. 

(0)  Mas  que  tudo  fe  {az  por  encontro  ,  e  por 
cafualidade.  Argumento  ^  c  conclusão  dos  ímpios. 


Capitulo  IX.  2^^ 

12  O  homem  náo  fabe  que  fim  fe- 
ra o  feu :  mas  do  modo  que  os  peixes 
são  apanhados  no  anzol ,  e  aíllm  como 
as  aves  cahem  no  laço  ,  aílim  os  ho- 
mens fc  achão  prezos  (p)  no  tempo 
máo,  quando  efte  der  fobrelles  de  ini- 
provifo. 

13  Vi  também  debaixo  do  Sol 
hum  eíFeito  de  fabedoria  que  já  vou 
a  dizer,  e  que  eu  approvei  por  muito 
grande : 

14  havia  huma  pequena  cidade,  e 
nella  fe  achavão  poucos  homens :  veio 
contra  ella  hum  grande  Rei  ,  e  em 
torno  da  mefma  fe  entrincheirou,  e  fez 
ao  redor  as  fuas  fortificações  ,  e  ficou 
aflim  completo  o  affedio. 

.  E 

cm  cujo  nome  vai  ainda  difcorrendo  Salamão.  Por- 
que quando  clle  falia  ,  fegundo  os  fcus  próprios 
fentimentos ,  já  nós  o  ouvimos  dizer  nos  Provér- 
bios XVI.  Que  os  bilhetes  das  fortes  fe  metton 
na  dobra  do  vejtido  ,  mas  que  Deos  he  o  que  os 
tempera.  Boa  prova  de  que  tudo  ncfte  Mundo  he 
governado  pela  Divina  Providencia  ,  e  nada  fucce- 
de  por  acalo.  Pereira. 

(p)  No  tempo  mão ,  òt.  Ifto  he ,  no  tempo 
da  morre  ,  quando  ella  apanha  os  homens  incau- 
tos, c  dcfaperccbidos.  Pereiíla, 


EcCLESIASTES. 

15'  E  achou- fe  nella  hum  homem 
pobre  e  fabio  ,  e  livrou  a  cidade  peJa 
ília  fabedoria  ,  e  nenhum  depois  difto 
fe  lembrou  mais  daquelle  homem  po- 
bre. 

16  E  dizia  eu  ,  que  a  fabedoria 
era  rhelhor  do  que  a  fortaleza  :  como 
foi  logo  defprezada  a  fabedoria  do  po- 
bre, e  como  não  foráo  ouvidas  asfuas 
palavras  ? 

17  {q)  As  palavras  dos  fabios  são 
ouvidas  em  íilencio  ,  mais  do  que  o 
clamor  do  Príncipe  entre  os  infenlatos. 

18  Melhor  he  a  fabedoria,  do  que 
as  armas  da  gente  de  guerra :  (r)  c  a- 

quel- 

(^)  As  palavras  dos  fahios ,  e5>'f.  Quando  ru 
vires  a  qualquer  na  Igreja  feito  decldmador  ,  c 
com  hum  certo  ar  de  attraélivo  afíeciado,  e  com 
íionaire  de  palavras  excitar  os  applaufos ,  provocar 
os  íifos  ,  e  mover  os  ouvintes  a  affcclos  de  ale- 
gria ,  fabe  que  ifto  hc  hum  fmal  da  iníipienc  a  , 
tanto  daquelle  que  falia ,  como  daqucUes  que  ou- 
vem. S.  Jeronymo. 

(r)  E  aquelUj  que  peccar ,  ^c.  Nenhuma  re- 
gra ,  ou  diciamc  de  prudência  deve  defprezar  o 
íabio,  para  que  fenáo  venháo  a  feguir  d"  ahi  mui- 
tos e  grandes  males ,  tanio  a  fi ,  como  ao  Eftado, 
Também  no  fentido  Moral  ,  o  peccador  quando 


Capitulo  X.  161 

quclle  ,  que  peccar  numa  fó  coufa , 
perderá  muitos  bens. 

commette  hum  peccado  ,  faz-fe  réo  dc  muitos. 
Ou  ,  fcgundo  Menoquio  ,  poJendo-fe  efte  lugar 
verter  do  Hcbreo  :  hum  fó  peccador  perderá  muito 
bem  y  parece  fer  efta  huma  antíthefe  do  que  ficou 
dito  ,  a  qual  moílra  que  aflim  como  hum  fó  ho- 
mem fabio  póJe  falvar  huma  Cidade ;  aífim  tam- 
bém pelo  peccaJo  d'  hum  íó  pôde  ella  perecer ,  c 
acabar.  Acan  he  hum  dos  que  fe  podem  apontar 
por  exemplo  deíla  verdade  ,  Jofuc  VII.  5.  Pk- 

KEIRA. 

CAPITULO  X. 

Co7ífequencias  funejlas  da  imprudência. 
Imprudentes  ,  e  ef cr  avos  elevados  à 
Dignidade,  Caraéler  do  maldizente. 
Rei  menino.  Príncipes  glotoes.  Não 
dizer  mal  do  Rei, 

i  (a)    AS  m.ofcas  que  morrem  no 
XjLbalfamo,  fazem-lhe  per- 
der 

(4)  j^s  mofcas  ,  &-c,  O  feniido  deftc  lugar  fc- 
gundo o  Hebreo,  he,  que  aflim  como  quando  íc 
acha  qualquer  mofca  dentro  d"  algum  licor  ,  por 
mais  deliciofo  que  feja  ,  logo  faz  enjoo  a  quem 
no  vè  ;  do  mefmo  modo  a  menor  imprudência , 
ou  razáo  fóra  de  tempo ,  ferve  de  dcfcredico  e  dcf- 


202 


ECCLESIASTES. 


•der  a  fuavidade  do  cheiro,  (h)  Huma 
parvoíce  ainda  que  pequena,  e  de  pou- 
ca dura ,  dá  occalião  a  não  fe  fazer  ca- 
io da  fabedoria,  nem  da  gloria. 

2  O  coração  do  fabio  (c)  eftá  na 
fua  mão  direita,  e  o  coração  do  infcn- 
fato  na  fua  cfquerda. 

3  Mas  até  o  imprudente  j  que  vai 

pe- 

luftre  ao  fabio.  Ou  tambcm  conforme  outra  expo- 
ílção  :  Toda  a  prudência  junta  com  fin^eleza , 
candura ,  c  rectidão  fem  malícia  nem  artificio ,  a 
qual  os  mundanos  reputáo  de  ordinário  por  fatui- 
dade ,  vai  mais  do  que  a  fabedoria  or^ulhoía  ,  c 
floria  ufana  dos  que  debaixo  do  pretexto  de  de- 
iPender  a  própria  honra  não  fofFrcm  injuria  algu- 
ma ,  c  com  a  capa  de  honeftidade  encobrem  a 
ambição  que  tem  reconcentrada  no  feu  efpirito. 
Pereira. 

(^)  Huma  parvoíce ,  é-c.  A'  letra :  Mais  pre- 
cíofa  he  do  tjue  a  fabedoria  e  do  que  a  floria,  a  pe- 
qúena  ejiulticia  e  atempo.  Náo  ha  couía  mais  cer- 
ta ,  como  pondera  Calmet.  P^raquehum  fej?.  ver- 
dadeiramente fabio,  hc  ncceíTario  que  o  Mundo  o 
tenha  por  infenfaro  ;  donde  fe  vè  o  quáo  oppof- 
tas  c  contrarias  sáo  as  maxinas  do  feculo  as  da 
verdadeira  fabedoria.  Pereira. 

(c)  EftÁ  na  fua  mío  direita.  líto  he ,  o  cora- 
ção do  fabio  inclina-fe  c  tende  ao  bem  ,  e  o  do 
infenfato  ao  mal.  Já  fe  vè  que  a  máo  direiía  fi- 
gnifica  as  boas  obras,  e  o  bom  inâituto  dc  vida, 
c  a  cfquerda  o  contrario.  Pereira. 


Capitulo  X.  263 

pelo  feu  caminho  ,  fendo  elle  hum  in- 
lenfato,  a  todos  reputa  como  taes. 

4  (d)  Se  o  elpirito  daquelle  ,  que 
tem  o  poder,  fe  elevar  fobre  ti  ,  não 

lar- 

(^)  Se  o  efpirito  daqmlk ,  qaetm  o  poder  ^fe 
elevar  fobre  ti  ,  ^c.  Quer  dizer  :  Se  o  efpirito , 
por  exemplo  ,  de  malícia  ,  dc  inveja ,  de  calumnia , 
ou  hum  fopcrior  intratável  e  de  aípera  condição, 
fe  ekvdr  fobre  ti  ,  tiao  lar<rues  o  teu  pojio :  procu- 
ra confcrvar-tc  com  humildade  ,  reíignaçáo  ,  e  pa- 
ciência noeft,:docm  que  te  achas,  oífcreccndo  tu- 
do a  Deos.  Porque  ejie  reuiedio  tecurnrâ  dos  waiores 
peccados  :  a  mefma  perturbação  c  anguíliá ,  que 
te  caufarem  ,  fervirá  ás  mui  efhcaz  medicamento 
para  curai  as  maiores  e  mais  perigofas  enfermida- 
des da  tua  alma:  Ou  ícgundo  paraírazca  de  Câr- 
lieres  com  approvaçáo  de  BoíTuet  ,  e  de  CdJmct: 
Se  o  animo  do  Príncipe  fe  te  moftrar  benévolo, 
e  favorável ,  elcvando-te  a  alguma  dignidade  ^  não 
largues  o  teu  pofio^  ii\o  he,  não  te  enfoberbeças 
porcrta  honra:  porque  o  remédio  ,  de  que  tu  ufas 
nerta  occafiáo  contra  a  fobcrba ,  te  curará  dos  ma- 
iores peccados,  e  te  fará  evitar  grandiflimos  ma- 
les. Outros  entendendo  por  cfte  efpirito  que  tem 
o  poder,  o  efpirito  maligno,  expõe  alíim  iodo  o 
verlo :  Se  o  efpirito  das  trévas  ,  o  Príncipe  defte 
Mundo  ,  o  Chefe  das  Poteftades  do  Inferne;  fe  ele- 
var fobre  ti,  fazcndo-te  fuccumbir  á  tentação  ,  c 
cahir  em  peccado  ,  não  deixes  por  iíTo  o  leu  lu- 
gar ,  náo  defefperes  d'  alcançar  perdão ;  recorre  á 
penitencia  ,  como  a  rem<"dio  dos  teus  males  ,  c 
cila  le  curará  dc  todos.  Ou  também :  Sc  tu  fores 


2  64  EcCLESIASTES. 

largues  o  teu  pofto :  {e)  porque  cfte  re- 
médio te  curará  dos  maiores  peccados. 

5'  Ha  hum  mal  ,  que  eu  vi  debai- 
xo do  Sol  5  fahindo  (/)  como  por  erro 
da  prefença  do  Príncipe  : 

6  evem  a  fer,  o  imprudente  conf- 
tituido  numa  fublime  dignidade ,  {g)  e 
os  ricos  allentados  em  baixo. 

7  Eu  vi  (/;)  os  efcravos  a  cavallo , 
(/)  e  os  Príncipes  andando  a  pé  fobre 
^terra  como  efcravos.  ^ 

tentado  para  deixares  o  caminho  da  virtude  ,  não 
largues  a  vida  começada ;  tem-te  firme  na  ma  pri- 
meira refoluçáo.  Aííim  expõe  Santo  Ambrofio, 
S.  Jeronymo ,  S.  Gregorio  Magno ,  e  S.  B-rnardo  , 
citados  por  Calmet.  Mas  o  primeiro  fentido  pare- 
ce mais  literal.  Pereira. 

(e)  Porque  efie  r médio ,  ó-c.  A'  letra :  porejue 
a  cura  fará  ceffar  os  maiores  peccados.  Pereira. 

(/)  Como  por  erro.  Os  Setenta:  como  involun- 
tariametite  ;  porque  de  ordinário  náo  acertáo  os 
Principes  em  darem  os  empregos  aos  beneméri- 
tos ,  mas  fò  aos  que  sáo  menos  dignos ,  por  cau- 
ía  das  falfas  c  fubrepticias  informações  que  rece- 
bem dos  fujeitos.  Pereira. 

(^)  E  os  ricos ,  eb'f.  Os  homens  recommen- 
daveis  pela  fua  doutrina  ,  virtudes  ,  merecimentos  , 
dotes  do  efpirito.  Menoquio. 

(/?)  Os  efcravos ,  Os  homens  de  baixa  esfera  , 
ou  de  animo  lervil.  Menoquio. 

(1)   E  os  Príncipes,  Toma-fc  aqui  cfta  palavra 


Capitulo    X.  16^ 

8  (/)  Aquelle ,  que  abrio  huma  co- 
va 5  cahirá  nella  :  {m)  e  o  que  desfaz 
a  feve ,  mordello-ha  a  cobra. 

9  (;;)  Aquelle  ,  que  tranfporta  pe- 
dras, lerá  maltratado  delias  :  e  o  que 
racha  (0)  lenha ,  ferido  fcrá  das  lafcas. 

10  (p)  Se  o  ferro  eftiver  embota- 
do 5  e  elie  não  for  a  amolar  para  fe 
pôr  como  dantes,  mas  fe  ainda  em  li- 
ma fe  fizer  mais  rombo  ,  com  muito 
trabalho  fe  aífiará  ,  aílim  depois  da  in- 
duftria  fe  feguirá  a  fabedoria. 

Princípes  no  mefmo  feniido  ,  em  que  afiima  fc 
acha  a  de  ricos.  Mrwoquio. 

(/)  Aqmlle  y  qae  abrio,  Confira-fe  o  Sal- 
mo VIÍ.  i6.  Provcrb.  XXVI.  27.  XXVIII.  10. 
Pereira. 

(w)  E  O  que  desfaz  ,  ó'C.  Aquelle  ,  que  ácf- 
ampara  as  doutrinas  que  teus  pais  lhe  enfindráo, 
que  quebra  as  leis  d\  Patria  ,  e  que  pretende  ar- 
ruinar oefta^o  da  Republica,  ou  a  ordem  da  Re- 
ligião ,  expòe-fe  a  hum  graviflimo  perigo.  Gal- 

MET. 

(w)  Aquelle,  que  trjttifporta  pedras  ,  <^c.  FTc 
allcgoria  ,  que  moftra  rHundar  em  prejuizo  pró- 
prio a  acçio  do  que  faz  mal  a  outro.  Pereira. 

(o)  Lcnht.  Tft3  he,  arvores  alheias,  damnifi- 
cando  o  lono  delias.  Pekeika. 

(p)   Se  o  ferro  j         Aflim  como  a  machadi- 


2^6  EcCLESIASTES* 

11  (q)  Aquelle  ,  que  detrahe  oc- 
cultamente  d' outrem  ,  não  hc  menos 
do  que  huma  ferpente  ,  que  morde  á 
calada. 

12  As  palavras  5  que  fahem  da  bo- 
ca do  fabio  ,  são  cheias  de  graça  :  e 
os  lábios  do  infenfato  precipitai lo-hão. 

13  As  fuas  primeiras  palavras  são 
huma  parvoice  ,  e  as  ultimas  que  lhe 
fahem  da  boca,  são  hum  erro  pélUmo. 

14  O  infenfato  todo  fe  efpraia  em 
fallar.  O  homem  não  fabe,  que  he  o 
que  foi  antes  dcUe  :  e  quem  lhe  po- 
derá indicar  ,  que  he  o  que  fcrá  de- 
pois ? 

ly  O  trabalho  dos  infenfatos  affli- 
gira  aquelles  ,  (r)  que  não  fabem  ir  á 
Cidade. 

Def. 

nlia  ,  ou  a  efpada  ,  não  fc  lhe  dando  ufo  ,  cria 
ferrugem  ,  c  perde  o  fio  para  cortar  ;  do  mcTmo 
modo  o  engenho  cultivado  nai  fciencias,  no  cafo 
que  fe  interrompa  o  cftudo  da  íabedoria ,  fica  tam- 
bém rombo  e  obtufo.  Menoquio. 

{q)  Aqudk  ^qiie  detrahe  y  óy.  A' letra.  Se  hw 
tm  ferpente  morder  fem  ruido  ,  nada  tem  de  menos 
doQue  aquelle  ^  que  detrahe  occultamcnte.  Pereira, 

(r)  Que  não  fabem  ir  á  Cidade,  lílo  he ,  náo 
fabcin  nem  ainda  as  coufas  mais  obvias  ,  c  mais 


Capitulo  X. 

16  (j)  Dcfgraçada  de  ti  ,  terra  ^ 
cujo  Rei  he  menino  ,  e  cujos  Prínci- 
pes comem  de  manhã. 

17  Ditofa  a  terra  ,  cujo  Rei  he 
d^huma  família  ílluftre  ,  e  cujos  Prín- 
cipes comem  a  feu  tempo  para  refaze- 
rem as  forças  ,  e  não  para  lifonjcarem 
o  appctite. 

18  Pela  preguiça  fe  irá  abatendo 
pouco  a  pouco  o  madeiramento  do  te- 
£lo  ,  e  pela  debilidade  das  mãos  virá 
a  chover  cm  toda  a  cafa. 

19  Os  homens  empregão  (t)  o  pão , 
e  o  vinho  no  feu  prazer  ,  («)  vivendo 

Tom.  XI.  S  pa- 

conhecidas.  He  hum  Provérbio ,  que  correfponcíe 
ao  nofío :  Eíiar  m  rua  ,  e  nao  ver  as  afãs.  Pereira. 

(j)  Dcfgra^ada  de  ti,  terra  ,  ^c.  He  o  quo 
depois  tornou  a  repetir  Deos  por  líaias  ,  III.  4# 
Dabo  pueros  Príncipes  eorum  :  Eu  lhes  darei  Prín- 
cipes meninos.  Pekeiia. 

(í)  O  pão  ^  iò'c.  O  páo  c  o  vinho  íignificâo 
lodus  3S  delicias  da  comida  e  bebida.  Menoquio. 

(li)  Vivenio  ^  ^c.  Ou  ,  a  fim  de  paffarem  A 
vid4  em  banquetes  ,  o  que  vem  a  dar  no  mel  mo 
fenciJo.  Falia  o  fabio  daquelíes ,  cujo  Deos  ,  co- 
mo diz  o  Apoftolo  aos  Filippcníes  III.  kj.  hc  o 
feu  ventre.  Pereirj,. 


268 


Egclesiastes. 


para  fe  banquetearem  :  (x)  e  todas  as 
coufas  obedecem  ao  dinheiro. 

20  Não  digas  mal  do  Rei  ,  ainda 
no  teu  penfamento  ,  c  não  falles  mal 
do  rico,  ainda  no  retiro  da  tua  camará  : 
(y)  porque  até  as  aves  do  Cco  Icvaráo 
a  tua  voz  (z)  e  o  que  tem  pennas  da- 
rá noticia  do  teu  ícntimento. 

CA- 

(x)  E  todas  as  coufas  ohedecm  ao  dinheiro.  To- 
dos os  homens  dc  todas  as  idades  fabem  itto ,  e  o 
prova  a  experiência  de  rodos  os  feculos.  Neíte  Rei- 
no da  cubiça  c  da  avareza  nada  ha  que  fe  náo 
eíFeituc,  alcance,  vença  por  dinheiro.  Tudo  con- 
feguirá  o  que  liver  cabedaes  e  riquezas.  Calmet, 

Çy)  Porque  até  as  aves ,  ó^c.  Nem  por  penfa- 
mento fe  deve  dizer  mal  do  Rei,  mas  íaliar  deile 
fempre  com  obfcquio  c  refpcito.  A  hypeibole  das 
aves  moftra  o  quáo  deprcíTa  chega  ,  como  voan- 
do,  aos  ouvidos  do  Rei  o  mal  que  fe  diz  dclle, 
deícoberto  pelos  exploradores,  clpias,  ou  cicutas 
que  íe  querrm  introduzir  a  fi  por  meio  da  ruina 
dos  outros.  Nefta  conformidade  he  que  os  Portu- 
guczes  fe  explicáo,  dizendo:  As  paredes  tem  ou* 

vidos.  PlRKlKA. 

(z)  £  o  que  tem  pennas,  io-c.  As  aves  :  He 
fcpeiiçáo  he4ucntcmcnic  ulada  pelos  Hcbreos, 
Men  oquio. 


ECCLESIASTES.  zó^ 

CAPITULO  XI. 

Dar  efmoJa.  Obras  de  Deos  incógnitas. 
Ter  continuamente  diante  dos  olhos  o 
'Juízo  de  Deos,  Vaidade  da  mocidade, 

^  (^)  X"  Ança  o  teu  pao  fobre  as 
■J  À  aguas  que  pafsáo  :  porque 
depois  de  muitos  tempos  o  acharás. 
2.    (Z')  Reparte  delle  com  ícte  ,  e 
S  ii  ain- 

{a)  Líinca  o  teu  pao,  óc,  A  todos  os  pobres, 
que  pafsáo  como  a  corrente  d'  hutn  rio  ,  da  címo- 
la,  ícm  cfperar  delles  recompcnfa  alguma  tempo- 
ral ;  porque  no  tremendo  dia  da  rclurreiçao  dos 
mortos ,  cila  te  aproveitará  para  entrares  na  Bem- 
avcnrurança.  Ora  pelas  Mguís  fe  entende  a  multi- 
dão de  homens  ainJi  noutros  luí^ares  da  Efcricu- 
ra.  Veja-fe  o  Livro  II.  dos  Reis  XIV.  14:  com  o 
Apocalypfe  XVII.  15.  Pereira. 

(Jf)  Ripme  dclle  com  fete ,  e  aittda  com  oito.  Qncc 
dizer,  reparte  com  to.ios  os  ncccllitados :  que  he 
o  que  também  depois  diíTe  Chrifto,  Lur.  V^I.  ^o. 
Omni  petemi  te,  tribue  :  Dá  a  todo  aquí"lle  ,  que 
te  pedir.  Poz  Salamâo  o  numero  definitivo  pelo 
indefinido;  fete  ^  ou  oito,  por  muitos,  Aíiim  Mi- 
qucas,  V.  5,  Septem  paftorcs ,  é-o^o  primates: 
Sete  Paftores,  c  oito  Magnates  ;  iílo  hc,  muito*?. 
Donde  infere  S.  Jcronymo  ,  que  fe  deve  fn'oreccc 
a  todos ,  fem  diffcrcn^a :  Indifci  ete  façiendum  be* 
tiè,  Fereiua. 


^70  ECCLESI ASTES. 

ainda  com  oito:  (c)  porque  nâo  fabcs 
que  mal  eftará  para  vir  fobre  â  terra. 

3  (d)  Se  as  nuvens  elli verem  carre- 
gadas, ellas  derraraaráo  chuva  fobre  a 
terra.  Sc  a  arvore  cahir  para  a  parte 
do  Meio  dia  ,  ou  para  a  do  Norte, 
(e)  em  qualquer  lugar  ,  onde  cahir, 
ahi  ficará. 

4  (/)  O  que  obferva  o  vento,  não 
femêa  :  e  o  que  confidera  as  nuvens  , 
nunca  fegará. 

(f)  Porque  tiao  [abes  que  mal  ,  f^c.  Do  qual 
tc  poderá  livrar  a  címola  ,  fcgundo  o  que  diz  o 
Ecclefiaftico  XXIX.  15.  e  o  Salmo  XL.  i.  Atéqui 
Menoquio.  Porém  Calmet  aponta  a  razáo  de  que 
podendo  vir  a  empobrecer  o  rico ,  deve  agora  h-, 
zer  aos  outros  o  mefmo  que  eJlc  então  ha  de  de- 
ícjar  também  lhe  façáo.  Pereira. 

(d)  Sc  as  nuvens,  c^r.  Do  mefmo  modo  que 
as  nuvens  derramáo  agua  indiíFerentemente  fobre 
a  terra  ;  afiim  também  os  ricos  devem  moftrar, 
por  meio  de  liberacs  efmolas  ,  o  feu  enternecido 
animo  ,  e  entranhas  de  piedade  para  com  todos  os 
pobres.  Pereira. 

(c)  Em  qualquer  lugar ,  onde  cithir  ,  cb-r.  On- 
de quer  que  tu  cahires  derribado  pela  iempeft:dc 
da  morte,  ?hi  permanecerás  para  fen-pre :  Martis 
tempefiate  fuhveifus ,  ubicumque  cecideris ,  ibi  jugi", 
ter  remanehts,  S.  Jerokymo. 

(/)   O  qus  obferva  o  vento ,  à-c.  Neftas  pala- 


Capitulo  XI.  271 

5*  Do  modo  que  tu  ignoras  ,  (g)  qual 
feja  o  caminho  do  eípirito  ,  e  de  qae 
forte  fe  com  paginem  os  oíTos  no  ven- 
tre da  pejada ;  aíTim  também  nao  co- 
nheces as  obras  de  Dcos ,  (/;)  que  he 
o  Creador  de  todas  as  coufas. 

6  (í)  Semêa  de  manha  a  tua  fe- 
mente ,  e  de  tarde  não  ccíTe  a  tua  mão 
de  fazer  o  mefmo  :  porque  não  fabes 
qual  das  duas  antes  nafcerá  ,  fe  efta , 
ou  aqueila  :  e  le  ambas  nafcercm  a 
hum  tempo  ,  fera  melhor.  ^ 

vras  condemna  o  Sabio  a  malícia ,  c  o  ignorante 
cfcrjpulo  de  muitos  ricos,  que  íe  cfcuiáo  de  dar 
crmoia  por  náo  fazerem  mais  deípezas  do  que 
tem,  ou  porque  lhes  pôde  faltar  para  o  futuro,  ou 
por  outros  quaef'^uer  pretextas  nafcidos  da  fua  ava- 
rrza  ,  deixando  allim  de  lucrar  a  rerompenfa,  que 
pelo  bem  feito  aos  pobres  haviáo  fem  duvida  al- 
guma de  merecer.  Pereira. 

(g)  Quál  feja  o  caminho  do  cf pirita.  Ifto  he, 
como  fe  infunda  a  alma  no  corpo  ,  e  o  anime. 
Outros  entendera  a  palavra  efpiriío  pelo  vsnto. 
Pereira. 

(h)  Que  he  o  Creador  detod.ts  ascoufâs.  E  que 
por  iiTo  te  póJc  dar  por  muitos  meios  da  Tua  Pro- 
videncia cabedaes  para  dcfpendercs  com  os  pobres. 
Menoquio. 

0)  ScmèA  demiuhâ^  ò-c.  De  peia  manha  até 
á  noicc ,  ou  dcs  da  mocidade  ate  á  velhice ,  numa 


ECCLESIASTES. 

7  (/)  A  luz  he  doce  ,  e  he  coufa 
deleitavel  aos  olhos  o  ver  o  Sol. 

8  Seohoaiem  viver  muitos  annos, 
e  cm  todos  cUes  le  alegrar  ,  {m)  deve 
trazer  á  lembrança  o  tempo  tenebrofo  , 
c  os  muitos  dias  :  pois  quando  elles 
vierem ,  ferão  convencidas  de  vaidade 
as  coulas  paffadas. 

palavra  des  do  ufo  dc  razão  até  á  ultima  boquea- 
da ,  hc  obrigado  o  homem  a  íazcr  náo  fó  efta  da 
cfmola  ,  mas  todas  as  mais  boas  obras  que  Dcos 
requer  delie  ;  porque  náo  fabe  fe  agradaráó  mais 
ao  mefmo  Senhor  as  primeiras  ou  as  ultimas ,  ou 
igualmente  humas  e  outras  ,  o  que  melhor  íerá , 
para  merecer  alua  Graça.  Pereira. 

(/)  A  luz  he  doce,  ó-c.  Ainda  que  o  homem 
nelte  Mundo  viva  cheio  de  gorto  e  de  prazer, 
nem  por  iíTo  deve  apartar  dc  íi  a  lembrança  da 
morte.  Pereira. 

(jn)  Deve  trr.zer  ã  lembrança  o  tempo  tenehrê' 
fo,  ó-c,  líto  he  ,  o  tempo  da  mnrte.  Aqui  co- 
meça a  foluçáo  d^íS  duvidas  ,  c  objecções  ,  que 
Salamáo  fe  propunha ,  quando  em  nome  dos  ím- 
pios parecia  que  louvava  a  vida  voiupcuoía.  De- 
pois de  pondcr.ir  com  os  ímpios  as  conveniências 
da  vida  reg^hda  ,  elle  por  ultimo  lhes  lerrbra 
a  mort? ,  cm  que  vem  a  parar  todos  os  delcifes , 
c  pjilTitempos  ,  por  que  os  mundanos  tanto  fc 
dcrvel:o;  c  drpois  da  morte,  a  conta  que  háo  dc 
dar  a  Deos  dc  tudo  o  que  fizcráo  ,  c  gozáráo. 

F&A£1KA. 


Capitulo  XI.  273 

9  («)  Rcgozi  j4-te  pois ,  ó  mance- 
bo, na  tua  mocidade,  c  viva  em  ale- 
gria o  teu  coração  na  flor  de  teus  an- 
nos  j  e  anda  conforme  os  caminhos  do 
teu  coração ,  e  fegundo  os  defejos  em 
que  pôcm  a  mira  os  teus  olhos  :  mas 
labe  que  Deos  te  firá  dar  conta  no 
feu  juizo  de  todas  eftas  coufas. 

10  Lança  fora  do  teu  coração  a 
ira  ,  e  alonga  da  tua  (íarne  a  malicia. 
Porque  a  mocidade  j  e  o  deleite  são 
humas  coufas  vans. 


CA- 

(n)  Regozija-te  pois ,  ó  mancebo ,  ^'C,  Hc  hu- 
ina  ironia ,  com  que  Salamáo  confirma  o  feu  def- 
cngano.  Como  quem  diz :  Alcgra-rc  pois ,  ò  man- 
cebo, fe  hc  q  :e  te  podes  alegrar  á  vifta  da  mor- 
te. Celebra  elTes  teus  váos  ,  c  paíTageiros  diverti- 
mentos :  mas  fabc  que  ha  ds  vir  hum  dia  ,  em 
que  de  todos  has  de  dar  conca  a  Deos.  I^creika. 


274  EcGLESIASTES. 

CAPITULO  XIL 

Não  efperar  pela  vflhíce  para  ftrvir  a 
Deos.  Enigma  da  velhice.  Vaidade  das 
coufas  do  Alu77do,  Temer  a  Deos  ,  e 
objtrvar  os  feus  Mandamentos. 

I         Embra-te  do  teu  Creador  nos 
jLidias  da  tua  mocidade  ,  antes 
que  venha  {a)  o  tempo  da  afflicçao,  e 
cheguem  os  annos  ,  de  que  tu  digas: 
Ella  idade  não  me  agrada  : 

2  (]?)  antes  que  íc  efcureça  o  Sol , 
e  a  luz,  e  a  Lua,  e  aseftrellas,  e  tor- 
nem a  vir  as  nuvens  depois  da  chuva  : 

3  {c)  quando  os  guardas  de  tua  ca- 

ía 

(jk)  O  tempo  da  afflic^So,  O  tempo  da  velhice: 
MenO(^uio. 

(/'J  ydtues  que  Je  efcure^d  o  Sol ,  e  a  luz,  ò^c. 
Dcbkixo  d' huma  cnigmarica  allcgoria  dcícrcvc 
Salamáo  dcfdo  vcrfo  2.  até  o  6.  os  trittes  effci- 
los ,  que  a  velhice  vai  caufando  no  homem  ,  co- 
meçando pela  falta  dc  viíta  ,  c  pelos  coniinuos 
defluxos.  Pereira. 

(c)  Quando  os  guardas  de  tua  cafa,  é^c.  ífto 
he  ,  as  máos  ,  ou  os  b^ços  ,  que  foráo  fcitoi 
p^ra  defe  nder  o  corpo.  E  os  homens  m^isfortes^f 
<^f.  Ifto  he ,  as  pernas ,  c  as  coxas ,  que  fui-lcti-. 


Capitulo  XIL  275: 

fa  começarem  a  tremer  ,  e  os  homens 
mais  fortes  a  vergar,  e  eftivercm  ocio- 
fos  em  apoucado  numero  os  que  moem  , 
e  os  que  vem  pelos  buracos  principia- 
rem a  cobrir-le  de  trevas : 

4  (d)  e  quando  íe  fecharem  as  por- 
tas na  /ua  ,  pela  voz  baixa  do  que 
móe  5  c  fe  levantarem  ao  canto  da 
ave,  e  todas  as  filhas  da  harmonia  en- 
íurdccerem. 

5-  (e)  Elles  terão  medo  também 
dos  lugares  altos  ,  e  temeráó  no  ca- 

mi- 

táo  o  corpo.  Os  que  mcem ,  ou  os  moedores ,  ^y. 
lílo  hc  ,  os.  dcnicí.  E  os  que  vem  pelos  buracos  , 
iilo  hc,  os  olhos.  Pereira. 

(d)  E  quando  fe  fecharem  as  portas  na  rua.  Ifto 
hc,  os  lábios,  ou  os  beiços  ,  que  cahindo  os  den- 
tes,  fe  fecháo,  c  náo  dcixáo  Idhir  bem  a  voz.  E 
fe  levantarem  ao  canto  da  ave.  Como  lem  o  íono 
leve  ,  levan  áo-fe  os  velhos  ao  cantar  do  gailo.  E 
todas  as  filhas  da  harmonia  enfw  decerem.  Por  falta 

ouvir  eíUo  os  velhos  privacos  de  perceber  a 
fuavidade  dos  concertos  mullcos.  Pereira. 

(f)  Elles  terão  medo  tamoim  dos  lugares  altos ^ 
^'C.  Pela  tr.iqueza,  em  que  fe  acháo,  remem  os 
ví^lhos  os  lugares  altos,  porque  IhvS  cuft,^  fubil- 
los  ;  c  temem  os  planos  ,  porque  eftes  melmos 
fc  lhes  reprefeniáo  cfcabroíos.  PeaEiÊA. 


276  ECC  LESI  ASTES. 

minho,  (/)  a  amendoeira  florecerá,  o 
gafanhoto  engordará  ,  c  a  alcaparra  fe 
extinguirá  :  porque  o  homem  ira  para 
a  cafa  da  fua  eternidade  ,  e  carpindo 
ao  redor  delle,  o  irão  acompanhando 
pelas  ruas. 

6    (g)  Antes  que  fe  rompa  o  cor- 
dão 

(/)  j4  amendoeira  florecerá,  Branqur;ar-Ihcs- 
háo  os  cabclios  ,  expóeS.  Jcronymo.  O  gafanhoto 
engordará:  itto  hc  ,  fcgundo  BolTucc  :  as  coufas 
ainda  mais  pe^]uenas  lhes  parecerão  muiro  avulta- 
das. Outros  em  lu^^ir  de  gafanhoto  gordo  ,  ver- 
tem o  artelho  inchado  ,  como  traz  o  Caldeo ,  fi- 
gnificando  a  gota  que  dá  nos  velhos,  ou  ns  per- 
nas inchadas  pelo  decúbito  dos  humores.  E  a  ai» 
caparra  fe  extinguirá.  Por  alcaparra  entendem  aqui 
muitos  com  S.  Jcronymo  o  appctite,  ou  a  concu- 
pifcencia  :  outros  a  aclividadc  dos  cfpiritos  ani- 
maes.  Pereira. 

Q^)  yíntes  que  fe  rompa  o  cordão  de  prata ,  ér-r. 
Muitas  e  varias  são  as  intelligencias  deite  lugtr. 
O  que  parece  mais  provável  he  ,  que  fe  entenda 
por  cordão  de  prata  a  cfpinhal  medulla  ,  que  naf- 
ce  do  cérebro,  e  vai  pelo  meio  do  efpinhaço  até 
o  oíTo  facro  ,  fahindo  delia  huma  grande  quanti- 
dade de  nervos  ,  que  fe  diftribuem  quafi  por  to- 
das as  partes  do  corpo  ,  chamando-fe  com  muita 
propriedade  de  prata  efte  cordáo  por  caufa  da  fo- 
lidcz  c  alvura  dos  mefmos  nervos  :  pela  fitta  de 
ouro  que  fc  retira  ,  ifto  hc  ,  que  fc  encolhe  e  ar- 
fuga  fc  entendem  as  meninges^c^t  sáo  duas  mcm- 


Capitulo  XII.  277 

dao  de  prata  ,  e  fe  retire  afitta  de  ou- 
ro ,  e  fc  quebre  a  cantara  fobre  a  fon- 
te ,  c  fe  desfaça  a  roda  fobrc  a  cif- 
terna , 

7  (h)  c  o  pó  fc  torne  na  fua  terra 
donde  era  ,  e  o  eípirito  volte  para 
Dcos  5  que  o  deo. 

Vai- 

branas  que  involvem  o  cérebro ,  a  que  dáo  o  nome 
de  pia-mater ,  e  dura-mater  ou  ,  legundo  outros , 
denota  aqui  a  mencionada  Jitta  a  bexiga  do  fel , 
ainda  que  a  palavra  Hebrea  ,  a  que  correfponde 
phiali ,  pódc  igualmente  denotar  o  esfinder :  por 
cantara  fe  tomáo  os  rins ,  e  a  bexiga  da  ourina : 
peia  roda  em  fim  a  cabeça  fobre  a  cavidade  do 
peito  íigni ficado  pela  cijterna.  Seja  pois  qualquer 
que  for  o  fcntido  deitas  exprefsóes ,  he  certo  que 
iodas  ellas  vem  qu^fi  a  apontar  com  o  dedo ,  e 
moílrar  ao  oliio  a  morte,  a  feparaçâo  d' alma  do 
corpo,  a  que  eftcve  unida.  Pereira. 

(^h)  E  o  pó  fe  torne  na,  fua,  urra  ,  éi'c.  Eftá 
de  todo  decifrado  o  enigma.  O  feu  objcòto  he  a 
máquina  do  corpo  humano  ,  tornando-fe  na  ter- 
ra ,  de  que  fora  formado  ;  mas  a  alma  como  cf- 
piritual ,  e  immorial ,  voltando  para  Deos,  que  a 
tinha  crcado  do  nada.  Com  a  expoíiçáo  pois  do 
enigma  nos  dá  Salamáo  também  nefte  vcrfo  a  fo- 
luçáo  daquella  queftáo  ,  que  ellc  propuzcra  no 
Cip.  ÍII.  verfozí.  Quem  fahe  fe  o  efpirito  dos  fi- 
lhos de  Adio  fóbe  para  fimt  ,  e  fe  o  efpirito  dos 
brutos  defce  para  baixo^.  Porque  aijui  decide  Sala- 
máo ,  que  na  morte  do  homem  cada  hum  dos 


278         ECGLESI ASTES. 

8  Vaidade  de  vaidades  ,  difle  o 
Ecclefiaftes ,  e  tudo  vaidade. 

9  O  Ecclefiaftes  como  era  muito 
fabio,  enfinou  o  Povo,  e  contou  o  que 
tinha  feito  ,  e  inveftigando  compoz 
muitas  Parábolas. 

10  Elie  bufcou  palavras  úteis  ,  e 
efcreveo  difcurfos  ajuftadiíUmos  ,  e 
cheios  de  verdade. 

1 1  (í)  As  palavras  dos  fabios  sao 
como  huns  eftimulos  ,  e  como  huns 

cra- 

dous  extremos ,  que  eíTencialmentc  o  conftiiuiáo 
torna  para  donde  tinha  vindo :  o  corpo  como  for- 
mado do  limo  da  terra ,  torna-fc  cm  terra ,  c  a  al- 
ma como  produzida  por  Deos  do  nada  volta  p/íra 
Dcos  ,  em  quanto  volta  para  Ter  delle  julgada  fe- 
gundo  os  fcus  merecimentos.  Logo  a  alma  náo 
morre  com  o  corpo  ,  mas  fica  permanecendo  vi- 
va ,  e  immortal.  E  confequentemente  p^Io  que 
Sálamáo  efcreve  neíte  ultimo  Capitulo  de  fua  pró- 
pria lentença  ,  fc  conhece  que  tudo  o  que  elle  nos 
Capitulos  antecedentes  dilTcra  apparentemente  em 
contrario  ,  ou  era  fallando  por  modo  de  quem 
difputa  ,  e  argumenta  por  iniagar  a  verdade,  ou 
era  fallando  em  nome,  e  em  pcíToa  dos  ímpios, 
que  punháo  o  íeu  ultimo  fim  no  gozo  dos  delei- 
tes fenfuaes ,  negando  a  Providencia  de  Deos ,  c 
a  immortalidade  d  alma.  Pereira. 

(i)  yÍ5  palavras  dos  fabios ,  'i^^c.  Entende  Sa- 
lamáo  as  Sagradas Efcrimras,  c  aa Tradições,  que 


\ 


Capitulo  XII.  279 

crâvos  profundamente  pregados  ,  que 
por  meio  do  confelho  dos  Meftres  nos 
íbrão  communicadâs  pelo  único  Paftor. 

12  Não  buíques  pois,  filho  meu, 
mais  (/)  coufa  alguma  fora  deftas.  Não 
fc  poe  termo  cm  multiplicar  livros:  e 
a  meditação  frequente  he  afflicção  da 
carne. 

1 3  Ouçamos  todos  juntos  o  fim 
deftc  difcurfo.  (m)  Teme  a  Deos  ,  e 
obferva  os  feus  Alandamentos  :  porque 
iílo  he  o  tudo  do  homem : 

e 

pelo  minifteriodos  Meftres  como  por  huma  fuc- 
ccfsáo  contínua  ,  c  propagação  Ecclcfiaítica  fo- 
ráo  dadas  ,  c  communicadás  aos  Fieis  por  Deos 
fcu  único  Paftor ,  c  Author  principal  das  mcTrnas 
Efcrituras.  Atéqui  Menoquio.  Porém  o  tiiulo  de 
Mcftre,  como  diz  Calmec ,  vem  muito  ao  jufto, 
e  compete  com  muita  propriedade  também  ao 
iriçfmo  Salamáo  ,  por  ter  collegido  nos  Provérbios 
toda  a  Doutrina  Moral  da  Lei ,  c  toda  a  erudição 
dos  Anr'>os.  Pereira. 

(/)  Couft  alguma.  Ifto  h?  ,  melhor.  Porque 
ainda  que  fe  efcreváo  livros  innumeraveis  ,  toda- 
via nem  todos  são  úteis  ,  c  gafta-fe  muito  tempo 
na  fua  liçáo  ,  c  cançáo-fc  os  olhos  c  o  entendi- 
ment'>.  Menoquio. 

Teme  4  Deos ,  e  ohfcrva  os  feus  Manda» 
vumos.  Se  o  temer  a  Dtoi ,  e  ohjcrvar  os  feus  Man* 


a8o  E  CG  L  ES  I  A  S  T  E  S. 

14  (;/)  e  de  tudo  quanto  fe  com- 
mctte  fará  Deos  dar  conta  no  fcu  Juí- 
zo em  a t tenção  dc  todo  o  erro  ,  feja 
boa  ou  má  effa  coufa  ,  qualquer  que 
for. 

Fim  do  Livro  Ecclesiastes. 


PRE. 

dmcntos ,  he  o  fim  defte  Livro :  logo  o  que  Sa- 
lamáo  dcs  do  principio  rcpetio  tarras  vezes  ,  íju€ 
evA  vaidade  '  tudo  o  que  fe  pafava  debâixo  do  Sol  ^ 
íe  deve  entender  ,  excepto  o  temer  a  Deos  ,  e 
obfervar  os  feus  Mandamentos,  Forque  iíio  (pro- 
fegue  clle  )  tanto  náo  he  vaidade  ,  que  antes  he 
o  tudo  do  homem,  Reconheçáo  logo ,  c  confeíTem 
os  nolíos  Epictíreos  ,  iílo  he  ,  os  Libertinos  ,  e 
Materialiftis  ,  que  o  intento  dcSal.uTiío  neílc  Li- 
vro não  foi  approvar,  e  pcrfuadir  a  fatisfaçáo  dos 
appctites  i  mas  dar  por  vaidade  tudo  o  que  fe  náo 
cncaminhalíe  a  fervir  a  Deos  para  o  goz^r  eterna- 
mente ,  como  ultimo  fim  ,  para  que  fomos  orça- 
dos, Perfiha. 

(m)  E  de  tudo  ,  ó^c.  Todas  as  obras  do  ho- 
mem chamará  Deos  a  Juizo  ,  náo  fó  para  cafti- 
gar  as  más  ,  e  premiar  as  boas  ,  ícnáo  tambrm 
para  neftas  ultimas  punir  as  imperfeições  com  que 
foráo  feitas.  O  Hebreo  diz  :  Porque  toda  a  obra 
fará  Deos  vir  a  juizo ,  com  tudo  o  que  hc  oeculto , 
ou  feja  boniy  ou  feja  mão,  Pereiea. 


PREFAÇÃO 

SOBRE  O 

CÂNTICO  DOS  CÂNTICOS. 

ESte  divino  Livro  chania-fe  em  a 
frafe  Hebraica  o  Câníko  dos  Cân- 
ticos por  caufa  da  fua  excellen- 
cia  ,  e  fublimidade ;  bem  como  namef- 
ma  frafe  fc  diz  o  Deos  dos  Deofes  ,  o 
Rei  dos  Reis  ,  o  Ce  o  dos  Ceos,  E  chama- 
le  affim  por  fer  efte  Cântico  o  mais  ex- 
celi ente  ,  não  fó  dos  que  compozSala- 
mão,  (que,  como  lemos  na  Efcritura , 
III.  Reg.  IV.  32. ,  chegarão  a  mil  c  fin- 
co, ou,  como  dizem  os  Setenta,  finco 
mil)  fcnâo  o  mais  excellentc  de  todos 
quantos  ha.  Nelle  defcreve  Salamão 
em  eftilo  de  EcIoQ^a  ,  e  em  forma  de 
Epithalamio  ,  o  feu  cafamento  ,  e  caflos 
amores  com  n  Princeza  do  Egypto ,  fi- 
lha do  Rei  Faraó,  de  que  também  faz 
menção  a  Efcriturí! ,  III.  Reg.  III.  i.  Os 
Interlocutores  nefte  Drama  são  o  Efpo- 
fo ,  a  Efpofa  ,  e  as  Filhas  de  Jerufalem  , 
debaixo  de  cujo  nome  fe  entendem  as 
Damas  ,  ou  companheiras  da  Efpofa. 

Ora 


282  Prefação. 

Ora  a  função  das  vodas  cnrre  os  Hc- 
breos  coftumava  durar  fete  dias,  como 
fe  colhe  do  que  Labão  diíTc  a  Jacob, 
Gen.XXIX.  27.  e  do  que  fe  lê  do  ca- 
famento  de  Sansão  5  Jud.  XIV.  14.  if. 
17.  Eftes  mefmos  iete  dias  porém  são 
os  que  o  grande  BoíTuet  achou  afsás 
claramente  notados  no  prefente  Poema 
Nupcial,  cos  que  elie  teve  cuidado  dc 
ir  apontando  nos  refpeftivos  lugares  do 
fcu  Commentario:  no  que  depois  o  fe- 
guírão  Duhamel ,  Calmet,  c  o  Abbade 
de  Vence  ,  o  qual  neftes  fere  dias  dco 
por  figuradas  fete  diverfas  idades  da 
Igreja  Catholica.  Porque  he  de  faber, 
que  ainda  que  no  fcntido  hiftorico  hc 
ellc  Cântico  hum  Epithalamio ,  que  Sa- 
lamâo  compoz  aofeu  cafamento  com  a 
Filha  dc  Faraó  ;  a  Tradição  conftan- 
te  de  todos  os  Santos  Padres  tem  ,  c 
enfina  ,  que  na  figura  dcfte  cafamento 
deSalamao  comaPrinccza  doEgypto, 
intentou  o  Efpirito  Santo  exprimir  ou- 
tros Defpoforios  muito  mais  illuftres,  e 
elevados  ,  quaes  são  os  do  Verbo  En- 
carnado com  a  Natureza  humana ,  cont 

a 


PREFAqSo.  283 

a  Igreja ,  c  com  cada  huma  das  almas 
jullas.  E  aíTim  o  quinto  Concilio  Ge- 
ral ,  que  foi  o  fegundo  de  Conítantino- 
pia,  na  Collação  IV.  deo  por  huma  he- 
relia  de  Theodoro  Bifpo  de  Mopfuef- 
tia ,  inliftir  eíte  de  tal  forte  no  fentido 
exterior  do  Cântico  dos  Cânticos,  que 
excluia  o  efpiritual ,  c  myftico;  quan- 
do a  eíle  fegundo  he  que  toda  a  Igreja 
reconhecera  fempre  peio  fentido  ,  que 
o  Efpirito  Santo  principalmente  inten- 
tara lignificar. 

Segundo  eftâ  conftante  Tradição  dos 
Maiores,  cfcrevia  juftamente  S.Bernar- 
do no  Sermão  I.  fobre  os  Cânticos  :  O 
Rei  Saiam  ao  ,  ftngular  na  fabedoria ,  fubli- 
tm  fia  gloria  ,  afjiuente  em  riquezas  ,  fe- 
guro  na  paz  ,  infpirado  divinamente  ,  can^ 
toii  nefle  Livro  os  louvores  de  Chrifto  ,  t 
da  Igreja  ,  e  o  Sacramento  dos  Defpcfo- 
rios  eternos  ,  e  exultando  de  alegria  den- 
tro no  feu  efpirito  compoz  em  forma  de 
agradável  elogio  ,  pofto  que  figurado  ,  a 
poética  defcripção  dejie  Epithalamio  ,  en- 
cobrindo até  elle  mefmo  ,  d  maneira  de 
Moyfés  ,  a  fuaface  ,  por  ferem  raros  na- 
Tom.  XI.  T  qutl- 


284  Prefação. 
quelle  tempo  os  qtte  tinhão  forças  para  com 
41  face  defcoberta  chegarem  acorrer  as  cor- 
tinas  a  hiima  tão  grande  gloria  como  ejla. 
Ao  mencionado  fentido  pois  todo 
cfpiritual  ,  e  myftico  ,  he  que  devem 
elevar  o  íeu  coração  todos  os  que  le- 
rem efte  divino  Cântico  :  confideran- 
do  nelle  não  as  finezas,  e  deleites  do 
amor  carnal  entre  hum  Efpofo  ,  c  hu- 
ma  Efpofa  humanos  ;  mas  fim  as  fine- 
zas do  amor  eterno  do  Filho  de  Deos 
para  com  a  fua  Igreja,  c  as  inefFaveis 
delicias  ,  que  elle  tem  preparado  no 
Ceo  para  os  efcolhidos.    Todo  o  que 
não  ler  com  efta  difpofição,  c  precau- 
ção efte  Livro  ,    em  lugar  de  achar 
nellc   hum   efpirito  ,  que   vivifique  , 
achará  huma  letra  que  mate.    Por  ifio 
os  antigos  Hebreos  ,    Prefidentes  da 
Synagoga  ,  como  depois  de  Origenes 
attefta  S.  Jeronymo  na  Prefação  fo- 
bre  Ezequiel  ,  não  permittião  a  lição 
dcfte  Cântico  dos  Cânticos,  fenão  aos 
que  já  tiveflem  trmta  annos  de  idade. 
É  Gerfon  diz  ,  que  antes  defta  ida- 
de o  não  lião  no  íeu  tempo  nem  os 

mcf- 


P  BEFAqXo,  285' 

mcfmos  Doutores.  Pela  mefma  razão 
tanto  devem  fugir  todos  do  carnal , 
c  impudico  Comrr.entario  de  Grocio  , 
que  conhderando  impiamente  cite  Epi- 
thalamio  ,  como  fe  foíTe  o  de  Theo- 
crito  ,  feito  ás  Núpcias  ãe  Meneldo  ,  e 
Hélena  ,  fe  põe  a  explicallo  todo  num 
fentido  profano  ;  quanto  cingir-fe  á 
idéa,  que  dos  myfticos  amores  do  Ef- 
pofo,  edaEfpofa  nos  deo  o  Padre  de 
Carrieres  no  Summario  de  cada  Capi- 
tulo, que  hc  a  mefma  que  nefta  noíTa 
Versão  propomos,  fcgundo  o  Efpirito 
da  Santa  Igreja. 


T  ii  CAN- 


(a)  CÂNTICO  DOS  CÂNTICOS 

(l>)  DE  SALAMÃO, 

EM  HEBREO   SCHIR  HASCHIRIM. 


CAPITULO  I. 

De(^^]o.^  que  tem  a  Igreja  de  fe  unir  a 
Chrifl:»,  Delicias  que  acha  Jíefla  união. 
Favores  que  rec^he.  Eíla  conf-ffa  as  puas 
im^y^r  feições.  EJlas  são  effeitos  da  ma- 
licia  do  demónio.  Temor  que  tem  ,  não 
fe  extravie  ella  ,  quando  bufe  a  a  Jefus 
na  terra*  Dejejos  de  o  pojjuir  no  Ceo. 

A  Esposa. 

I  (c)      A    Ppliquc    cllc  os  lábios  , 
/jL  djiido-rrie  o  ofculo  da  fiia 
boca  :  {d)  porque  os  reus 
peitos  são  melhores  do  que  o  vinho, 

fra- 

{d)  Cmico  dos  Canú-o^.  0<;  que  coordiná- 
fáo  o  Breviário  Romano  no?  Oflícios  da  Vifita- 
çáo  ,  e  daA  iumpçáo  dcN.)iTa  Senhoril,  puzeráo 
a  cfte  Livro  hun  ritu'o  do  p^ur.d  :  Cwicos  dos 
Cânticos :  fera  dúvida  porque  coníidcráráo  cm  cada 


288     Cântico  dos  Cânticos. 


2    fragrantes  como  os  mais  prccio- 

fos 

Capitulo  feu  Cântico.  Porém  O.igenes  tinha  defap- 
provado  efte  modo  de  citar ;  porque  via  que  tanto 
o  Hebreo  ,  corno  a  Versão  dos  Setenta  iraziáo  o 
íin^iílar  ,  que  he  o  mermo  Tiiulo  que  o  Author 
da^'''ulgata  Latina  ramoem  coníervou.  Piruka. 

{b)  Ve  Salamao.  C^uc  quer  dizer ,  Padf.co :  no- 
me, que,  con)0  obferva  ii.  Bernardo  ,  quddrabtm 
ao  principio  do  Livro  ,  que  começa  pelo  íinal  da 
paz,  que  he  o  olculo.  Pereira. 

(f)  ^ppltque  elle  os  lábios ,  ó-f.  A  que  aqui 
fulpira  peio  olculo  doEfpofo,  hc  a  Syna^oga ,  e 
he  a  Igreja  :  a  Synagoga  delejando  ardentemente 
a  Incarnação  do  IJivino  Verbo  ,  ou  a  vinda  do 
Mcílias  :  a  Igreja  ardendo  em  defejos  de  o  ver 
gloriôfo  na  pátria  cclellial.  Santo  Ambro^w.  A  bo- 
ca ,  que  dá  aqui  o  ofculo  ,  he  o  \'crbo  Incarna- 
do. A  que  o  recebe  ,  he  a  carne  ,  que  o  Verbo 
toma.  E  o  ofculo  ,  que  fe  fórma  igualmente  de 
quem  no  dá  ,  c  de  quem  no  recebe  ,  he  a  União  das 
duas  Naturczjs  na  PeíToa  deChrifto,  Mediador  dc 
Deos  ,  c  dos  Homens.  S.Bernardo. 

{d)  Porque  os  teus  peitos  y  Alguns  vertem 
do  Hebreo:  Porque  os  teus  amores  são  vielhores  do 
que  o  vinho.  Pelo  que ,  íc  os  Setenta ,  a  quem  íc- 
guio  a\^ulgu3,  vcrtèráo  peitos  ^  foi  para  fignifica- 
rem  pela  merafora  de  peitos  as  fuavidades ,  c  de- 
licias ,  que  a  Rfpofa  ^cha  no  amor  do  Efpofo.  E 
p  comparar  cila  os  cfFeiíos  deíèe  amor  aos  efícrtos 
do  vinho  ,  hc  ,  porque  delle  licor  cípecialmentc  hc 
que  diz  a  Efcritura  ,  Sal.  CHI.  \6.  que  alegra  o  co- 
ra^to  do  homem,  E  a  clle  compara  a  mcTrna  Ef- 
critura a  bcmavcnturança  eterna  dos  jullos ,  quan* 


Capitulo!.  iSj^ 

fos  balíamos,  {e)  O  teu  nome  he  co- 
mo o  oleo  derramado  :  (/)  por  iíTo 
as  donzellmhas  te  amarão. 

Le- 
do diz  ,  Sal.  XXXV.  9.  Elks  fe  embrUgaráo  tia 
fartura  da  tun  c.tfa :  e  tu  lhes  darás  a  beber  da  tor^ 
rente  das  tuas  ticlicias.  Saci.  Também  poi  peitos 
entendem  os  i-^adres  aaibos  03  Teítamenios  ,  que  , 
lendo  como  duas  Fontes  dc  celeftial  doutrina, 
que  leváo  o  homem  á  vida  eterna  ,  bem  clara- 
mente manitcíUo  o  exceíTo  do  amor  de  Jeíu  Chri- 
fto  ,  caíto  Efpofo  das  Almas  jultas.,  promettido 
ao  Mundo  no  Velho,  c  dado  cm  Hm  no  Novo, 
Ou  ainda  fe  podem  por  clles  denotar  ,  como  diz 
S.  Bernardo  (no  Sermão  IX.  íobre  os  Cantares ,  Sec- 
ção 5.)  as  enchentes  da  mifericordia  do  Divino  Ef- 
pofo para  com  as  almas ,  que  elle  cfpera ,  e  foíFrc 
com  huma  paciência  infinita .  em  quanto  íc  acháo 
fubmergidas  na  culpa  ;  equc  depois  recebe  entre  os 
feus  braços,  com  huma  bondade  admirável , quan- 
do tornáo  a  elle  pela  penitencia.  Pereira. 

(«)  O  teu  nome,  é^c.  O  fragrante  cheiro  dc 
Chrifto  ,  que  quer  dizer  Ungido  ,  derramado  do 
feio  dos  Divinos  Oráculos  e  lagrados  Livros  da  Ef- 
critura ,  enchco  largamente  a  extensão  de  to Jo  o 
Orbe  ;  c  o  nome  do  mcfmo  Reparador  do  géne- 
ro humano  he  hum  preciofo  balfamo  ,  que  eftá 
diftillado  por  toda  a  terra.  Calmet. 

(  O  Por  ilfo  as  donzjUinhxs  te  amarão.  He  o 
mcfmo  que  dizer  te  amao ,  porque  ,  ícgundo  ad- 
verte Vatablo  ,  he  pretérito  Hebreo  em  lugar  dc 
prefcnte.  Ora  as  donzellinhas  de  que  aqui  fe  falia  , 
sáo  no  fcntido  hiílorico  as  Damas,  ou  companhci* 


i^or    Cântico  dos  Cânticos. 

3  Leva-me  tu :  nós  correremos  apôs 
de  ti  ao  cheiro  dos  teus  balfamos.  O 
Rei  me  intioduzio  (g)  nas  fuas  def- 
penfas  :  (h)  nós  nos  regozijaremos ,  e 

nos 

rasdaErpofa;  no  fcntido  erpiritual,  fegundo  San- 
to Ambrofio,  c  S.Gregorio  Papa,  sáo  as  almas, 
que  tendo-fc  defpojado  da  velhice  do  homem  pec- 
cador  ,  foráo  renovadas  pela  agua  do  Baptifmo. 
Saci. 

Qf)  Nas  fua^  defpcjifas.  Inflammada  no  arden- 
te deícjo  do  obje-Ho  porque  tanto  fuípira  ,  e  fe- 
gundo  o  uío  da  língua  Hcbrea  ,  falia  aqui  a  DTpo- 
ía  5  como  fe  tivera  alcançado  de  pretérito  o  que 
ainda  efpcra  para  o  futuro  ,  pela  certeza  e  firme 
confiança  que  tem  de  confcgair  ifío  melmo.  As 
defpenfas  ,  retretes  ,  recamaras  ,  cm  fim  o  mais 
fagrado  e  inrerior  dos  gabinetes  ,  em  que  o  Rei  in- 
troduzio  a  Efpofa,  ou  a  Efpofa  efpera  que  o  Rei 
a  introduza  ,  sáo  os  theíouros  inexhauriveis  da  fua 
fabedoria  ,  caridade ,  mifericordia  ,  e  de  todos  os  Teus 
infinitos  Attributos  ;  como  também  os  myfterios 
mais  recônditos  da  Religião ,  de  que  lhe  dá  o  co- 
nhecimento importante  á  fua  eterna  felicidade,  re- 
partindo com  cila  o  dom  da  intclligcncia  daEfcri- 
tura  ,  e  o  das  enchentes  da  fua  Graça  ,  com  que 
jullifica  os  peccadorci.  Pereira. 

(/;)  Nos  tios  regozijaremos  ,ó'C.  Sáo  exprefsóes 
das  companheiras  da  Éfpoía  ,  ou  da  mefma  Efpo- 
fa, fadando  cm  nome  das  companheiras.  Ainda 
que  a  Amada  tenha  íó  entrado  nas  defpenfas ,  ou 
gabinetes  interiores  do  Pa'acio  doEfpofo,  todavia 
folgáo  çom  cíb  fua  entrada  as  companheiras  y  e 


Capitulo   I.  291 
nos  alegraremos  em  ti  ,  lembradas  de 
CjUe  os  teus  peitos  são  melhores  do 
í^ue  o  vinho:  os  reftos  te  amão. 

4  (/)  Eu  fou  trigueira  ,  mas  fer- 
mofa  ,  ó  filhas  dejerufalem  ,  affim  co- 
mo as  tjndas  de  Cedar  ^  como  os  pa- 
vilhões de  Salamão. 

Não 

difto  dáo  os  parabéns  á  irsefma  Efpofa  ,  como  fc 
cilas  tofícm  as  próprias  ,  que  livelTem  fido  intro- 
duzidas a  receber  tanta  honra,  cmdadt  nao 
tem  inveja,  nem  mulacão  ,  diz  o  Apoítolo  na  1. 
aos  dc  Corintho  XIII.  4.  Calmet. 

(í)  Eu  fou  trigueira,  mas  Jenncfa.  Chama-fc 
trigueira ,  oa  á  letra  ,  negra  a  Igreja  ,  por  caufa  da 
fragilidade  dos  que  a  compõem  ,  que  sáo  os  ho- 
mens mortaes,  e  fujeitos  ao  pcccado.  Mas  ella  hc 
femofa  por  beneficio  da  graçâ  ,  dc  que  o  Divino 
Efpolo  a  orna.  Saci,  As  corripnraçóes  dc  que  a 
Eípofa  fc  ferve  para  comprovarem,  a  pezar  dafua 
cor  fuíca ,  a  própria  belleza ,  não  podem  fer  mais 
adequadas  ;  porque  náo  fó  as  tendas  de  Cedar, 
ifto  he,  dos  Cedarenos  ou  Agarenos,  Árabes  ,  c 
Ifmaelitas  ,  ou  ,  fegundo  cfcrevem  os  Hebreoj , 
"Nómades ,  chamados  aílim  ,  como  adverte  Vata- 
b!o,  dc  Cedar,  fegundo  filho  dcifmael  (osquacs 
ofaváo  delias  por  náo  rercm  hibitoçáo  fixa,  ou 
domicilio  certo)  pofto  que  tecidas  de  pelo  de  ca- 
bra ,  c  denegridas  até  pelas  inclemências  do  tem- 
po ,  encerraváo  dentro  grandes  thefcuros  j  mas 
lambem  os  pavilhões  dc  Salamáo ,  ain  là  que  por 
fòra  cobertos  dc  pcllcs  ^  para  o  dcviJo  leiguar- 


2^2      Cântico  dos  Cânticos. 

D.  5:  (/)  Não  olheis  para  o  eu  ff  r 
morena,  {m)  porque  o  Sol  me  mudou 
a  cor  :  («)  os  filhos  de  minha  mãi  fe 

le- 

do  c  reparo  ,  cráo  todavia  por  dentro  rccamadoí 
dc  ouro  ,  c  rcvcítidos  dc  tapeçarias  c  cortinados 
prcciofiflimos  ,  c  dc  táo  labido  valor  todas  as  mais 
alfaias  que  alli  fe  achaváo,  como  convinha  á  pcf- 
íoa  d'  hum  Rei  de  tanta  opulência  ,  c  fobcrania. 
Pereira. 

(/)  Náo  olheis  para  o  eu  fer  morena ,  .  Hc 
muito  das  mulheres  deículpar  a  mudança  da  cor 
do  rofto  ,  e  refundir  noutros  a  caufa  delia.  Aflim 
crta  j  em  cuja  pcílba  fe  íiguráo  as  almas  fieis , 
póc  a  defculpa  de  fcr  fufca  em  dizer  ,  que  fora 
obrigada  por  Teus  irmãos  a  guardar-lhcs  as  vinhas, 
ainda  quando  ella  por  delicada  náo  guardava  a 
fua.  líio  porém  parece  competir  aos  Paíforcs  do 
Rebanho  de  Chriíto,  aos  quaes  a  caridade  frater- 
na obriga  a  'guardar  a  vinha  do  Senhor  ,  que  hc 
2  Igreja  ,  quando  elles  julgáo  que  náo  tem  forçai 
para  íc  guardar  a  fi  mcímos:  c  defta  neccflidade, 
cm  que  íe  vem  ,  de  tratar  com  os  homens  do  fccu- 
lo  ,  contrahem  l^uas  manchas.  Que  he  o  de  que  mui- 
tas vezes  fe  lamentáráo  Santo  A^oftinho,  S.Gre- 
gorio, c  S.  Ivo  de  Chartres,  fuípirando  por  eíta 
caufa  pelo  retiro  dos  defcrtos.  Bossuet. 

(pi)  Porque  o  Sol  me  mudou  a  còr.  Pelo  Sol  fc 
pôde  aqui  entender  a  leniaçáo  vehementc  ,  com- 
parada ao  ardor  do  meio  dia,  ou  ao  demónio  meri" 
diano ,  como  lhe  chamou  o  Profeta ,  Sal.  XC.  6» 
Bossuet. 

(n)   Os  filhos  de  minhd  mai  fs  levantdrio  con- 


Capitulo  T.  293 

levantárão  contra  mim  ,  elles  me  pu- 
zerno  por  guarda  nas  vinhas  :  eu  não 
guardei  a  minha  vmha. 

6  {o)  Amado  da  minha  alma  , 
{p)  aponta-me,  onde  he  que  tu  apaf- 

cen- 

tra  mim.  Na  Nota  (/)  virros  que  por  eftes  irmãos 
da  Llpcfa  cniencèra  o  ^rf-ndc  Bcllucr  os  próximos 
Seculares ,  de  cujo  trato  fuccedia  contrahirem  íuas 
manchas  os  próprios  Paílores.  Agora  aponto  ou- 
tra interpretação  ,  que  ainda  parece  mais  natural, 
c  hc  de  S.  Bernardo.  Quer  d^zcr  pois  a  Eípofa  , 
que  a  caufa  d'  ella  fe  achar  dene^.rida  ,  he  porque 
os  filhos  dc  fua  mái,  ifto  he  ,  os  Judeos  filhos  da 
Synago^a  ,  e  irmãos  da  Is;rej3t ,  a  combatèrào  com 
as  íuas  perfeguiçôes  :  mas  que  iíto  meímo  con- 
tribuio  para  a  fua  fermoíura  ,  em  quanto  contri- 
buio  para  a  Igreja  íer  guarda  não  já  d'  hum  Povo 
particular ,  como  era  o  Judaico  ,  mas  de  todos  os 
Póvos,  que  pela  fua  conversão  vicráo  a  fer  como 
vinhas  ,  que  a  Igreja  fe  vio  obrigada  a  cultivar, 
e  a  guardar  ,  depois  que  abandonou  a  guarda  da 
fua  própria  vinljã  por  caufa  da  infidelidade,  c  re- 
probação  dos  fecs  irmãos  os  ]udccs.  Pereira. 

(o)  y^wado  da  minha  alma ,  "ò  c.  A'  letra :  Tu , 
a  quem  ama  a  minha  alma ,  apotita-^rte ,  &c,  Pe- 

REIHA. 

(p)  j^pcnta-mc ,  onde  he  que  tu ,  e^f .  A  Igreja 
na  peíToa  de  cada  hum  dos  feus  filhos  pede  a  feu 
Divino  Eípofo,  que  lhe  aflifta  fempre  com  abri- 
lhante luz  da  verdade,  c  da  juftiça  ,  fi^nificada  no 
Meio  dia ;  para  que  ella  nunta  perca  dc  vifta  cfta 


294      Cantfco  dos  Cânticos. 
ccntas  o  teu  gado  ,  onde  te  encoftas 
pelo  meio  dia  ,  para  que  não  entre  eu 
a  andar  feita  huma  vagabunda  arrás 
dos  rebanhos  de  teus  companheiros. 

O  Esposo. 

7  {q)  Se  tu  te  não  conheces,  ó  fer- 
mofiílima  entre  asmullieres,  íahe,  cvai 
em  feguimento  das  pi/.adas  dos  reba- 
nhos ,  e  apafcenta  os  teus  cabritos  ao  pé 
<^as  cabanas  dos  paftores.  ^, 

luz  ,  c^eixanJo-fc  ir  atrás  ou  das  vans  doutrinas  dos 
Filofofos ,  ou  dos  perniciofos  erros  dos  Hereges, 
Santo  Ambrósio,  e  S.  Berkardo. 

QO  Se  tu  te  nao  conheces ,  ú-c.  Ainda  que  tir 
fej«  fermofiííima  ,  e  pela  tua  íingular  bcllcza 
amada  por  mim  teu  tLípofo  fobrc  todas  as  mu- 
lheres;  íe  tu  te  náo  conheceres,  c  náo  guardares 
com  todo  o  cuidado  o  teu  coração  ;  fe  náo  evita- 
res fer  vifta  dos  mancebos  ,  fahirás  para  fóra  do 
meu  thalamo  ,  e  irás  apafcenrar  os  cabritos  ,  que 
hão  de  eftar  á  efquerda.  Sis  licet  pulchra ,  ^  in- 
ter omnfs  multeres  fpecies  dua  dúí^a*yr  d  me  fponfo 
tuo  i  nift  te  co<^)wveris ,  eí?-  omnt  cufiodia  (crvave- 
ris  cor  ^uun  -j  nifi  otulos  juvenum  fufi^eris  ^  cgredie' 
ris  de  fhdamo  mco  ,  eb*  pafce\  ha^dos .  cjui  (i  tf  uri 
funt  d  fnidris.  S.^Jercnymo  a  tuíloqwo.  Deite  lu- 
g^r  pois  tirão  o"  Padres  fr  rcm  gr,ín  JiHimo8  os  ma- 
les ,  que  n.^fcem  de  fe  r\\o  conhecer  a  alma  a  íi 
m.-fma  ,  ifto  h?,  de  náo  alvertir  para  a  nobrezi 
ddfua  origem,  e  para  o  alio  âm  a  que  íoi  deiti'* 


Capitulo  I.  2(;5' 
8    (r)  A' minha  cavalleria  nos  car- 
ros de  Faraó  eu  te  alTemelhei ,  amiga 
minhâ. 

As 

nada.  Ailim  Origencs  nefte  paíTo  ,  e  Sanro  Aeof- 
linho  no  Strmao  50.  De  vtrbis  Dominu  Tal  he  o 
fcntijo  da  Vul  j;=ita  :  porem  como  aqucllc  te  junro 
ao  fí  ignoras  he  na  opiniáo  de  muitos  Interpretes 
hum  pkondfmo  ,  que  nclte  lugar  vem  do  Hcbreo 
ícmclhdfue  ás  adjecçóes  íyllabicas  en  re  os  L.  ti- 
nos 5  por  exemplo  Tute  ,  que  vem  a  fer  o  ir  ef- 
nio  que  Tu  ipfe  ,  poiiem-fe  tamhem  entender  as 
fobreditas  palavras  do  fcguinte  modo:  Se  tu  igno- 
ras onde  cu  palTo  a  íélta  ,  vai  feguindo  as  piza- 
das  do-  tejs  rebanhos:  apafcenta-os  aparte.  Nclta 
reíjK)lb  derabrida  ,  íècca  ,  e  efquiva  dá  a  enten- 
der o  típofo  a  fua  AmaJa,  fegundo  a  conjeélura 
de  Calmet,  que  náo  eitava  bem  á  mefma  deixar 
de  íaber  o  iut;ar  do  retiro  ,  em  que  elle  fe  acha- 
va ,  pois  devia  ,  para  náo  eítar  numa  táo  repie- 
henfivel  ignorância  ,  em  toda  a  parte  feguillo  com 
os  olhos,  para  onde  quer  que  íe  apartalTc  ;  mmo 
também  nunca  jáma's  ver-fe  por  hum  íò  rrcmen- 
to  feparada  da  fua  companhia  ;  expofla  de  rrais 
a  mats  ao  perigo  de  andar  vagabunda  atrás  de  re- 
banhos alheios.  Oonie  Te  và  a  mui  extremosa  c 
inteira  fidelidade  ,  vigilante  cuidado  ,  e  contínua 
attençáo  que  Dcos  requer  daquellas  Almas  ,  que 
huTid  vez  fe  conf.^^ráráo  ao  ftiu  fer  viço  ,  para  fe 
náo  extraviarem  por  qualquer  principio  do  cami- 
nho da  *'erda<e.  Pereira. 

(r)  A  minha  cav.ilieria ,  ó  c.  No  Apocalypfe 
<ie  i;.Joáo  o  cavalltí  branco,  lobrc  que  monta  o 


296     Cântico  dos  Cânticos. 

9  (s)  As  tuas  faces  tem  toda  a 
lindeza  aíEm  como  a  da  rola  :  o  teu 
pcícoço  a  dos  mais  ricos  collares. 

10  (i)  Nós  te  faremos  humas  ca- 

dci- 

Verbo  àc  Deoç  ,  íignifica  as  almas  bemavcntura- 
das ,  que  fe  fubmeitcm  pacificamente  ao  jcgo  do 
Senhor,  prompras  a  ir  para  onâc  quer  que  eilc  as 
leve.  Origem  s.  No  fcr  ti  Jo  l:rer«il  porém,  íegunco 
Menoqnio,  he  corro  fe  cilTera  :  Nada  deves  te- 
mer das  traições  dosp.iílores  ,  ou  da  violência  dos 
inimigos;  porque  na  ^oriaíeza  cs  fcmclhante  á  mi- 
nha cavalleria  ,  e  aos  meus  carros  armados  c  fal- 
catos  ,  que  eu  comprei  a  Far^ó  ,  ou  que  cile  me 
deo  em  prefcnte  no  E^ypto,  donde  cu  os  trouxe. 
O  que  tuJo  convém  por  hum  modo  admirável  á 
Igreja  Militante,  contra  a  qual  náo  poviícm  as  por- 
tas do  Inferno  prevalecer  com  todos  os  fcus  eslor- 
ços.  Daqui  fe  deve  advertir  para  outros  muitos 
lugares  que  os  Efpofos  falláo  ás  vezes  náo  como 
Partorcs  5  cujo  c^radler  neíl-e  Livro  reprcfcnâo , 
mas  como  Príncipes  que  vcrdadciramcnie  sáo.  Pb- 

FEIRA. 

(a)  Js  tuas  faces  tan  tod.i  a  Iwàeia  affim  co* 
mo  d  (ia  rola.  A  fermofura  das  mulheres  elta  prin- 
cipalmente nas  face?.  A  rola  rcpr^íenn  no  pefco- 
ço  huma  irelcla  dc  vermelho,  e  branco,  que  lhe 
Cà  multa  graça.  A  mefmi  rola  todos  fabem  que 
bc  o  íymbolo  da  fidelrdade  conjugal.  Com  efta 
cxprefsáo  pois  fe  declara  o  El  polo  namorado  da 
Efpofa  pelo  ícu  rubor  ,  pela  lua  candura  ,  pela 
íua  caÔic^adc.  Pereira. 

(O  iVc^í  t€  faremos  hwim  cad<ÍA5  de  ouro^  6^. 


Capitulo  I.  297 

deias  de  ouro,  marchetadas  de  ponti- 
nhos de  prata. 

A  Esposa. 

1 1  («)  Quando  o  Rei  eftava  no  feu 
repoufo ,  deo  o  meu  nardo  o  feu  cheiro. 

12  O  meu  amado  he  para  mim 
(x)  como  hum  ramalhete  de  myrrha  , 
clle  morará  entre  os  meus  peitos. 

O 

Tenho  achado  cm  vários  Authores  noíTos  traduzi- 
rem arrecadas ,  o  que  no  Texto  Latino  le  diz  mu- 
renulas,  E  com  eíFcito  S.  Gregorio  Magno  alíim 
o  entende,  expondo  murenulas  por  inaures.  Porém 
S.  Jcronymo  tratando  a  matéria  de  propofito  na 
Carta  15.  a  Marcella  ,  e  com  elle  o  noíTo  San- 
to Ifidoro  de  Sevilha  no  Livro  XIX.  das  Origens, 
Cap.  ^i.  ambos  eníináo  que  murenulas  fc  deve  aqui 
tomnr  por  cadeias  do  pefcoco.  E  na  expofiçáo  dc 
S.  Bernardo ,  o  ouro  deitas  cadeias  fignifica  a  ca- 
fidade;  a  prata,  a  palavra  de  Deos.  Falia  aqui  o 
Efpofo  no  plural  em  razão  de  talvez  fe  ajuntai 
com  os  companheiros  das  vodas  ,  piomeitendo  á 
fua  Conforte  cftes  atavios  e  adereços ,  que  sao  fi- 
gura das  graças  c  dons,  de  que  Deos  adorna  a  íua 
Igreja.  Pemeira. 

(u)  Quindo  o  Rei  efiavi  no  feu  repoufo  ,  éfc. 
Ao  fubir  GKriíèo  ao  Ceo  fe  diíFundio  por  toda  a 
terra  o  fuave  cheiro  do  Evangelho  ,  c  das  virtu- 
des. S.  Grrgorio. 

(x)  Como  hum  ra  maíhm  àç  myrrha.  Pela  jnyirba 


298      Cântico  dos  Cânticos. 

13  O  meu  amado  he  para  mim 
como  hum  cacho  (jy)  de  chypre  ,  que 
íc  acha  nas  vinhas  d'  Engaddi. 

tom  que  fe  coftumão  cmbalfamar  os  mortos,  en- 
tendem os  Pi  Jres  a  morte  ,  c  fepultura  de  Chri- 
fto  ,  c  inherente  a  cila  a  mrrtificaçáo  ,  ou  peni- 
tencia cliriílá.  As  Damas  delicadas  trazem  rama- 
lhetes de  flores  íjo  peito :  cu  ,  diz  a  Efpofa  ,  náo 
quero  outro  ramalhete  ao  peito  ,  que  náo  feja  o 
meu  Efpofo.  Boffuet.  Ora  f/jfciculus  viyrrhae  parece 
propriamente  fi^nificar  hum  mólhinho  ,  ou  fcixezi- 
nho  de  folhas  ,  raminhos,  ou  flores  de  myrrha  ata- 
do e  junto  num  ramalhete.  Aicqui  A  Lapide  ;  porem, 
fecundo  o  Hebrco  ,  pôde  entender-fe  d*  huma  bol- 
íinha  ,  ou  frafquinho  cheio  do  licor  de  myrrha, 
que  a?  donzellas  coftum;íváo  trazer  ao  peito  para 
recrear  o  oIf;íí>o ,  como  fc^ue  Calmet.  Pereira. 

()>)  De  chypre.  Aqui  chypre  náo  hc  a  Ilha  Chy« 
prc,  mas  fim  hum  arbuílo  aromático,  de  que  fal- 
ia Plínio  no  Livro XII.  Cap.  24.  As  fuás  folhas, 
como  adverte  Calmet,  pareccm-fe  com  as  da  oli- 
veira ;  lança  huma  flor  branca  c  cheiroia  ,  del- 
Ic  pendem  os  feus  frutos  á  mr>ncira  de  cachos  ,  c 
de  fragrância  também  fuaviílima.  Fra  celebre  En- 
jpaddi  ,  anrií^a  Cidade  da  Paleltina  junto  do  mar 
Morto  na  Tribu  de  Judá ,  pelos  jardins  que  pro- 
duziáo  o  balfamo;  e  defte  lugar  fe  vè  que  o  foi 
lambem  pelo  chypre  ,  que  fc  crcava  nas  fuas  vi- 
nhas, o  qual  a  Efpofa  dá  aqui  a  entender  que  era 
o  melhor  :  Outros  entendem  pela  palavra  Hchrea 
cópher,  náo  o  chypre^  mas  o  aUanfor ,  ou SLalfcriÂ. 
Pereira. 


Capitulo  L  ipp 

O  Esposo. 

14  Oh,  como  tu  es  fermofj  ,  ami- 
ga minha ,  como  tu  es  bella  !  (z)  oS 
teus  oliios  são  como  os  das  pombas. 

A  Esposa. 

15'  Oh,  como  tu  es  fermofo,  ama- 
do meu  ,  è  gentil,  (aa)  O  noíTo  leito 
cftá  alcatifado  de  fiores: 

16  as  traves  das  noíTas  cafas  são 
de  cedro,  os  noíTos  teftos  de  cyprefte. 


Tom.  XI.  V  CA- 

(z)  Os  teus  olhos  sao  como  os  das  pombas.  Ifto 
hc ,  huns  olhos  cheios  d'  amor ,  de  fuavidade  ,  dc 
modeftia.  Bossuet. 

Çad)  O  mjfo  leito  eflá  alcatifado  de  flores.  O 
leito  alcatifado  de  flores  íigniíica  a  paZ  da  Igreja 
depois  das  perfeguiçócs  :  as  traves  de  cedro  a  for- 
taleza :  os  tcéios  de  cyprcfte  o  ornavo  das  virtu^ 
des.  Santo  Thomaz, 


50Q     Cântico  dos  Cânticos. 


CAPITULO  II. 

jímah  ilida  de  s  de  Chrijlo  ,  e  da  Igreja  fua 
Ejpofa,  Louvores  que  elle  lhe  dá,  Fa* 
vores  que  lhe  faz.  Cuidado  ,  que  tem  , 
•para  que  nada  perturbe  a  alegria  ,  e 
Jocego  ,  que  ella  tem  nelle, 

O    E  s  r  o  s  o. 

I  (a)  jj^  U  fou  a  flor  do  campo ,  e  a 
-IT^i  açucena  dos  valles. 

2  Bem  como  he  a  açucena  entre 
os  efpinhos ,  {b)  aíllm  he  a  minha  ami- 
ga entre  as  filhas. 

A    E  s  p  o  s  A. 

3  Bem  como  he  (c)  a  maceira  en- 

tre 

{a)  Eu  fia  a  for  do  campo.  O  Hcbrco  tem 
com  mais  efpecificaçáo :  Eu  Jou  a  roja  do  campo 
de  Saron ,  campo  (  ainda  que  do  mcímo  nome  fe 
conhecem  outros  mais  na  Judéa)  entre  Joppc  c 
Cefaréa ,  o  qual  paíTou  como  a  provérbio  para  íi- 
gnificar  hum  terreno  fértil  e  aprazível.  São  pois  ef- 
tas  palavras  huma  profecia  da  Incarnação  do  Ver- 
bo, de  como  havia  de  nafccr  d' huma  Virgem  , 
ícm  ter  Pai  fobrc  a  terra.  Pereira. 

{b)  Jffim  hc  a  minha  miga  entre  as  flhas.  Ifto 
he  ,  a  Igr^-ja  entre  as  feitas  heréticas.  Theodoreto. 

(c)  A  maçeirx  mre  as  arvores  dos  hofques,  A 


Capitulo  II.  301 

tre  as  arvores  dos  bofques,  aílim  hc  o 
meu  amado  entre  os  filhos.  Eu  me  af- 
fentei  {d)  debaixo  da  fombra  daquelle, 
a  quem  tanto  tinha  defejadd  :  e  o  feu 
fruto  he  doce  á  minha  garganta. 

4  (e)  Elie  me  fez  entrar  na  adega, 
onde  mette  o  feu  vinho,  (f)  ordenou 
cm  mim  a  caridade. 

$  Acudi-me  com  confortativos  dc 
V  li         •  fio- 

arvore  fruélifcra ,  e  cultivada  entre  as  filveftres ,  e 
incultas.  BossuET. 

-  {d)  Debaixo  da  fombra  daquelle ,  a  quem ,  ó^c. 
No  fentido  hiftorico  allude  a  Efpofa  ao  coftumc 
nupcial ,  que  era  cobrir  o  Efpofo  a  Efpofa ,  como 
lá  dizia  Ruth  a  Booz,  (Ruth  III.  9.)  Lan^a  d 
tm  capa  fobre  tvim  :  ifto  he  ,  numa  frafe  honcf- 
ra ,  e  cheia  dc  pudor  :  Admittc-me  no  teu  leito. 
No  fentido  myftico  íignifica  efta  íombra  a  graça 
do  Efpirito  Santo ,  que  fecundou  a  Virgem  Mái  j 
ou  a  efpecial  protecção  de  Deos  j  em  que  as  al- 
itjas  puras  tem  todo  o  feu  defc;ínço.  Bgssuft. 

(e)  Elie  me  fez  entrar  na  ade^a.  Ou  á  letra  í 
Elie  me  introduzia  tia  cella  vinaria.  O  Divino  Ef- 
pofo embriagou  a  Efpofa  com  as  fuavillimas  deli- 
cias do  feu  amor.  Bossuet. 

(/)  Ordenou  em  mim  a  caridade.  A  caridade 
bem  re2;ulada  confifte  em  amar  ao  próximo  por 
amor  de  Deos;  c  em  amar  de  tal  forte  a  Dcosj 
que  por  amor  de  Deos  fe  negue  hum  a  fi  meímo* 
Justo  Bispo  d' Urcil, 


302      Cântico  dos  Cânticos. 

flores ,  trazei-me  pomos  ,  que  me  alen- 
tem :  porque  desfaleço  d'  amor. 

6  (g)  A  lua  mão  eíquerda  fe  poz 
já  debaixo  da  minha  cabeça  ,  e  a  fua 
mão  direita  me  abraçará  depois. 

O  Esposo. 

7  (h)  Eu  vos  conjuro,  filhas  dcjc- 

ru- 

(g)  A  fua  mao  efquerda ,  é'c.  Com  efte  abra- 
ço do  Efpoío  he  fignitícada  a  afíiftcncia  c  o  foc- 
corro ,  com  que  Jelu  Chrifto  acode  á  Igreja  fua 
Efpofa.  D'  outra  maneira :  a  máo  efquerda  denota 
os  bens  temporaes ,  a  direita  os  eternos.  Vcjáo-fc 
os  Provérbios  III.  i6.  Ora  hc  de  faber,  que  to- 
do o  Efpofo  entre  os  Hebreos  ,  ao  menos  cm  os 
primeiros  fcte  dias  das  vodas  ,  também  (como  as 
Efpofas  o  eráo  das  fuas  Companheiras  )  coftumava 
fcr  affiftido  de  dia  e  de  noite  d' outros  Mancebos 
da  fua  idade  ,  que  dcftinados  para  cíie  fim  o  cor- 
icjaváo  c  obfcquiaváo  ,  tendo  o  nome  de  Compa- 
nheiros e  Amigos  do  Efpofo  ;  e  nefte  efpaço  de 
tempo  fe  náo  viáo  os  recentemente  defpofacos  fe- 
náo  com  muita  cautela  e  relguardo.  E  por  quanto 
as  viftas  de  Salamáo  com  lua  Eípofa  fazem  nef- 
tes  fere  dias  ou  noites  o  aiTumpto  Hiítorico  dos 
oito  Capítulos  do  prefente  Epithalamio ;  por  iíTo, 
conforme  a  divisão  de  BolTuct,  ir-fc-hào  apontan- 
do no-i  refpeálivos  lugares  cada  hum  deftcs  dias, 
dos  quae<:  acaba  aqui  o  primeiro.  Pereira. 

Eu  VOS  çonjurOi  filhas  dejçrufalem ;  pelas 


Capitulo  II.  305 

rufalcm  ,  pelas  cabras  montezas  ,  c  vea- 
dos do  campo  ,  que  iiao  perturbeis  á 

mi- 

cabras  montezas ,  ó^c.  Eftas  filhas  de  '^erufalem  sáo 
as  Damas  ,  que  acompanháo  a  Eípofa.  E  o  con- 
jurallas  o  Érpofo  pelos  veados ,  e  cabras  momezas  ^ 
denota  que  as  Donzelias  da  jadéa  eráo  apaixona- 
das pelo  exercício  Ja  caça,  bem  como  dasErp.-ir- 
tanas  ,  e  Fcnicias  o  fuppõe  \'irgilio  no  primeiro 
Livro  da  Eneida.  Ora  o  coílume  deftas  Damas  da 
Efpola  era  cantarem  deus  Epithalamios  aos  ETco- 
los  :  hum  á  tafdinha  ,  quando  elles  eltaváo  para 
fe  recolher;  outro  de  manhã,  quando  a  Efpoía  íe 
havia  de  levantar.  Aííim  íe  cc4he  de  Theocriro 
no  Idyliio  18. ,  tm  que  clle  delcrevc  as  vodas  dc 
Helena  com  Meneláo.  Conjura  pois  o  Eípofo  as 
Damas  da  Efpofa  ,  c  as  conjura  pelo  que  ell.is 
mais  amaváo  ,  que  era  a  caça  dc  montaria  ;  que 
náo  acordem  com  o  feu  canto  a  Efpofa  ,  mas  a 
deixem  dormir  quanto  tempo  el!a  quízcr.  Ifto  he 
quanto  so  fcntido  hiílorico.  Qu^mto  ao  efpirituaí , 
cfte  náo  querer  o  ETpofo  que  as  Damas  acordem 
a  Efpofa  ,  he  prohibir  qne  os  Inimigos  da  Igreja 
a  náo  inquietem  dos  feus  fanros  exercícios:  ou  hc 
náo  querer ,  que  quando  a  alma  fanta  eftá  abfor- 
pta  na  contemplação  das  coufas  celeftes  ,  a  tirem 
delia  os  mundano».  Náo  hc  com  tudo  a  fua  rcn- 
çáo  prohibir  abfolutamcnte  ,  que  ella  náo  tr;:e 
nunca  do  bem  dos  próximos  ;  mas  íím  deixar  á 
fua  vontade,  que  ella  de  fi  mcfma  defperte.  Por- 
que das  almas  perfeitas  he  faber  difcernir  ,  dizem 
S.  Gregorio  ,  e  S.  Bernardo  ,  qusndo  fe  devem 
applicar  aos  a6Ios  da  vida  contemplativa,  quanjo 
aos  da  vida  aótiya.  Pereira. 


304     Cântico  dos  Cânticos. 

miíiha  amada  o  feu  dcfcanço  ,  nem  na 
façais  deípertar  ,  até  que  ella  fe  quei- 
ra erguer. 

A  Esposa. 

o  (/)  Aquella  he  a  voz  do  meu 
amado  ,  ei-lo  ahi  vem  faltando  íobre 
os  morttes,  atravelTando  os  oiteiros. 

9  O  meu  amado  he  fcmelhante  a 
huma  cabra  monteza ,  e  a  hum  veadi- 
nho.  (/)  Ei-lo  ahi  eftá  poíto  por  detrás 

da 

(í)  Aquella  hc  a  voz ,  ó  c.  Em  todas  as  ida- 
des fez  Deos  ouvir  a  fua  voz ,  c  deo  a  conhecer 
aos  homens  a  fua  vontade  por  meio  dos  Patriarcas 
c Profetas,  c  nos  últimos  tempos  pelo  Santo  Pre- 
curfor,  a  quem  Ifaias  nomeadamente  chama  f^oz  , 
Luc.  III.  4.  e  em  fim  por  feu  próprio  Filho,  co- 
mo diz  o  Apoftolo  aos  Hebreos  í.  2.  Xa  ligeire- 
za ,  com  que  o  Efpofo  vem  como  faltando  de 
monte  em  monte,  e  pníTando  os  oiteiros  em  cla- 
ro, hc  denotida  a  prcíTa  que  cile  fe  dá  fempre  a 
focccrrer  as  Almas  juftas  ,  c  pariicularmcnre  a 
com  que  náo  dilatou  mais  a  reparação  do  Mun- 
do ,  vindo  a  clle  morrer  numa  Cruz  com  o  dcfe- 
jo  de  falvar  a  todos,  e abatendo  aííim  o  orgulho 
dos  Poderofos  do  fecnlo  ,  c  a  ioberba  dos  mun* 
danos  ,  que  nefte  lugar  fe  rcprefcntio  nos  mon- 
tes, e  oirciros.  Pereira. 

(/)  FA-lo  ahi  cjiã  pofto  por  detrás  da  nojja  pi- 
rede.  Que  parede  he  cita :  He  a  Lei  velha ,  cva- 


Capitulo  II.  30? 

da  noíTa  parede  ,  olhando  pelas  janel- 
lâs  5  eílcndendo  a  vifta  por  entre  as 
gelozias. 

10  Eis-ahi  o  meu  amado,  que  me 
diz(m):  Levanta-tt:,  aprcfla-te,  amiga 
minha  ,  pomba  minha  ,  fermofa  mi- 
nha j  e  vem. 

1 1  («)  PoreTie  já  paíTou  o  inver- 

no 

cuada  pela  morte  de  Chrifto  ,  para  que  ac<ibadas 
as  inimizades  ,  Te  ajunraíícm  os  Gentios  com  os 
Judcos  a  formar  huma  mcfma ,  c  huma  fó  Igre- 
ja. He  a  Humanidade  de  Chriíto  poíh  por  dian- 
te da  Divindade.  He  a  parede  que  mcdea  en:re 
nòs,  eChnfto;  entre  nós  ainda  morraes ,  e  Chri- 
fto já  gloriofo.  BossuET. 

(m)  Levanta- te ,  ^t.  Segundo  o  cftado  das 
Almas,  aííim  Deos  a  cada  huma  delias  chama  por 
differente  maneira  ,  dizendo  á  que  fe  acha  preza 
com  os  griihóes  da  culpa  ,  c  o  quer  feguir  :  Le- 
vanta-te  ,i  que  vai  aproveitando  na  vida  cfpiritual : 
Aprejfa-tc  ;  á  que  o  ferve  já  no  poífivel  gráo  de 
perteiçáo  :  P^em,  Por  onde  mui  adequadamente 
correfpondcL  aqui  á  primeira  o  nome  de  amiga ,  pois 
o  defeja  fer  de  feu  Efpofo :  á  fegunda  o  de  pom» 
ba,  cm  razáo  da  candura  e  pureza  dos  fcus  cofta- 
mes :  á  terceira  o  de  fermofi ,  pelo  cfmaltc  reful- 
gente de  todas  as  virtudes  finccras  e  Heróicas ,  de 
que  eftá  ornada.  Pereira. 

(^n)  Porque  jd  pajfou  o  inverno,  Ifto  he  ,  o 
tempo  dâ  perfcguiçáo  ,  o  tempo  da  tentação.  Jp- 


3o6     Cântico  dos  Cânticos. 

no  5  já  fe  forão^  e  cefsárão  de  todo  as 
chuvas. 

12  Apparecêrão  as  flores  na  noíTa 
terra,  chegou  o  tempo  da  poda  :  ou- 
vio-fc  na  noíTa  terra  a  voz  da  rola  : 

13  (0)  a  figueira  começou  a  dar  os 
feus  primeiros  figos  :  as  vinhas  eilan- 
do  em  flor  lançarão  o  feu  cheiro.  Lc- 
vanta-te  ,  amiga  minha  ,  fcrmofa  mi- 
nha, e  vem  : 

pom- 

parecêrSo  as  flores  nanoffa  terra.  Apparecco  a  ale- 
gre ,  e  fuípirada  paz.  Checou  o  tempo  da  poda,  O 
icmpo  de  cortar  pelos  peccadus  ,  de  moderar  as 
paixões.  OuvÍ0'fe  na  nojja  terra  a  voz  da  rola,  A 
voz  daquella  ave  amiga  da  fclidáo  ,  c  habitante  dos 
alros:  daquflla  ave  fideliHima,  c  caftiflima  aman- 
te, c]ue  nunca  admitte  íenáo  a  hum  conforte:  da- 
quella ave,  que  mais  geme,  ecomo  que  fufpira  , 
do  que  canra.  Bossuet. 

(o)  A  figueira  começou  a  dar  os  feus  primeiras 
fi  jOí,  Pelos  fií^os  verdes  fe  entendem  aqui  todos  os 
Juftos  do  anti.:o  Tcftamcnto  ,  c  depois  delles  to- 
dos os  Apcftjlos  e  Difcipulos  de  Jefu  Chrifto  j  e 
pel^.s  vinhas ,  como  diz  Mcnoquio ,  as  Igrejas  dos 
Gentios ,  que  largamente  diffundíráo  o  cheiro  da 
Fé  Catholica  pela  conversáo  de  tantos  milhares 
d' almas  emt5o  pouco  tempo.  Convida  pois  o  Ef- 
pofo  a  Eípcfa  a  que  fe  altere  com  os  menciona- 
dos irutos  da  íua  colheita.  Pereira, 


Capitulo  II.  307 

14  (/?)  pomba  minha  5  tu  nas  aber- 
turas da  pedra  ,  na  caverna  do  muro 
enfoíTo  ,  moítra-mc  a  tua  face ,  soe  a 
tua  voz  dentro  nos  meus  ouvidos :  por- 
que a  tua  voz  he  doce  ,  e  a  tua  Sice 
graciofa. 

A- 

(p)  Pomba  minha ,  (ò^c.  O  coíliime  ordinário 
das  pombas  campeftres  he  irem  fazer  o  ninho 
dentro  da  concavidade  das  penhas  ,  ou  abertura 
das  paredes  do  campo,  líto  poíio  ,  convida  aqui 
o  Efpofo  a  fua  mui  prezada  Elpoía  ,  a  que  vá 
afliftir  com  ellc  no  retiro  da  folidão  ,  fem  che- 
gar a  conhecer  oucro  amor  íenáo  o  feu  ,  refugi- 
ando-fe  naquellc  lugar ,  onde  ihe  fcrá  mui  delei- 
tofa  a  fua  vifta  ,  c  mais  fcave  a  fua  voz.  E  tal 
he  o  femido  literal  ;  porém  no  myílico  a  pedra 
de  que  aqui  fe  Falia  ,  he  Chrifto ;  as  aberturas  da 
pedra  sáo  as  chagas  das  máos  e  pés  :  a  caverna 
do  muro  5  ou  da  maceria  (que  também  he  termo 
Portuguez)  figniíica  a  chaga  do  lado  ,  fegundo 
a  intelligencia  dos  Padre?.  E  neíla  conformidade 
exhorta  o  Efpofo  a  Efpofa  ,  a  que  repoufe  nas 
fuas  chagas  ,  onde  ficará  fegura  das  aves  infer- 
nacs  ,  que  fcmpre  andão  arrapinando;  e  também 
achará  o  foccorro  ,  amiparo  ,  e  confolação  que 
defeja  ;  dando-lhe  a  certeza  de  que  lhe  ferá  mui 
agradável  a  fua  vifta  ,  e  a  fja  voz  interrompida 
de  foluços  c  gemidos,  quando  implorar  a  fua  Mi- 
fericordia  ,  em  razáo  da  fervente  caridade  ,  que 
lhe  moftra  ,  e  por  querer  alli  ,  qual  outra  pomba  , 
crear  os  feus  filhinhos  ,  ifto  he  ,  os  bo:is  ^pcnfa- 


joS     Cântico  dos  Cânticos, 

15'  {q)  Apanhai-nos  as  rapofas  pe- 
queninas, qúc  deftroem  as  vinhas:  por- 
que a  noíFa  vinha  eftá  já  em  flor. 

16    (r)  O  meu  amado  he  para  mim  , 

e  eu  para  elle  ,  (s)  que  fe  apafcenta 

entre  as  açucenas 

^  ate 

mcnros  ,  e  enternecidos  affeélos  ,  que  tanto  lhe 
agradáo  ,  e  fobre  maneira  o  lilongeâo.  Pereira. 

{q)  Jpanhai-nos  as  rapofas ,  ò-c.  Falia  o  Eí- 
poío  com  os  feus  Amigos  e  Companheiros.  E  por 
cilas  pequenas  rapcj^ts  ,  que  cUe  manJa  apanhar , 
cnccndem  os  Padres  os  Hereges,  que  de  ordinário 
são  homens  aftutos ,  e  indomelticaveís  ;  e  também 
a  obrigação  que  ha  de  quebrar  a  cabeça  aos  ví- 
cios ,  como  inilnúa  o  Salmo  CXXXVI.  í2.  em 
quanto  são  pequeninos ,  para  que  náo  crefçáo  c  fe 
façáo  grandes.  Dirigc-fe  pois  ella  exhortaçáo  aos 
Anjos  como  Tutelares  d;i  Igreja,  c aos  Apottolos  , 
e  feus  SucceíTores.  Pereira. 

(r)  O  meu  amado  he  p/ira  mim ,  e  eu  para  elle. 
Poucos  são  os  que  podem  dizer ;  O  meu  ámtdo  he 
para  mim,  e  eu  para  elle.  Afíim  no  diz  aquelle, 
que  de  todos  os  feus  fentidos  eftá  unido  a  Deos , 
c  náo  fabe  cuidar  noutro  objeéto.  Náo  aquelle  ,  a 
quem  náo  bafta  o  Filho  de  Deos  ,  cm  quem  fc 
acha  tudo.  Náo  aquelle  ,  que  tendo-fc-lhe  man- 
dado 5  que  vendeíTe  todos  os  feus  bens ,  e  os  délTc 
aos  pobres ,  fc  entrifteceo.  Mas  dillo  aquelle  ,  que 
pôde  dizer  com  Pedro :  Eis-iqui  deixámos  nós  tudo , 
€  fomos  em  teu  feguimento.  Santo  Ambrósio. 

(O  Que  fe  apafcenta  entre  as  açucenas.  Em  fen- 
tido  p^íiivo  :  que  íc  faborèa  dc  eílar  com  os  fi- 


Capitulo  II.  309 

17  (t)  até  que  fopre  o  dia  ,  e  de- 
clinem as  íombras.  Volta  :  sê  íeme- 
Ihante  ^  amado  meu  ,  á  cabra  monte- 
za  ,  e  ao  veadinho  ,  que  corre  fobrc  os 
montes  (u)  de  Bether.  CA- 

Ihos  dos  homens  ,  achanJo  niílo  as  faas  delicias  ; 
ou  cin  adlivo  5  fcgundo  o  Hebrco ,  c  os  Setenta : 
que  apafceuta  o  [eu  rebanho  entre  as  dCiiceuds ,  ifto 
he,  que  náo  deíampara ,  coítio  Paíior  ctecno  que 
he,  as  fuas  ovelhas,  cncaminhando-as  iempre  aos 
amenos  prados  das  Sagradas  Efcrituras  ,  dos  Sacra- 
mentos ,  das  Virtudes.  Pereira. 

(í)  yíté  que  fopre  o  dia ,  Porque  o  vento 
fcmprc  coftuma  refrefcar  mais  ou  menos  Tobrc  a 
tarde ,  quando  o  Sol  vai  cahindo ,  e  a  fombra  dos 
montes  crcfcen^o.  Alguns  vertem:  até  que  aponte  ^ 
ou  rompa  o  dia  ;  mas  tudo  vem  a  dar  nelte  fentido: 
Que  Deos ,  pondo  a  fua  complacência  em  íe  com- 
municar  ás  Almas  puras  figni  fica  ias  nas  açucenas, 
procura  illuftrallas  na  cfcura  noite  deite  Mundo  , 
até  que  lhes  amanheça  o  ditoío  dia  da  fempitcrna 
claridade.  Per  fira. 

(u)  De  Bether.  Que  ,  fegundo  Cilmet ,  he  o 
mefmo  que  Bethoron  Cidade  edificada  por  Sala- 
mâo  na  Tribu  de  Benjamin  ,  onde  também  Adri- 
comio  diz  que  cftaváo  os  montes  de  Bether.  Mui- 
tos traduzem  do  Hebreo  montes  de  divisão  ,  por- 
que o  coftumáo  fer  d'  algumas  terras  ;  ou  de  in- 
cisão,  por  fç  tirar  por  meio  delia  o  cheirofo  licor 
dos  arbuftos ,  que  nelles  fe  criáo.  Os  Setenta  ver- 
terão fobre  montes  de  cavidades  ,  pcla^  ca vernofas 
aberturas  que  nelles  ha.  Nefte  verfo  dá  íim  Bof- 
1    fuct  ao  íegundo  dia  das  vodas.  Pereira. 


310     Cântico  dos  Cânticos. 


CAPITULO  iir. 

Defaffocego  da  alma  ^  de  que  fe  aufentou 
Chrijlo.  Esforços-  que  ella  dez-e  fazer 
pelo  achar.  Cuidado  que  drce  ter  em 
confervallo.  Como  em  Chrijlo  tem  a  aU 
ma  o  [eu  defcauço.  Ât tenção  de  Chrijlo 
era  impedir  que  ninguém  lho  perturbe, 

A  Esposa. 

I  Xj^U  bufquci  de  noite  no  meu 
jLj  leito  aquclle  ,  a  quem  ama  a 
minha  alma  :  {a)  bufquci-o  ^  e  não  no 
achei. 

2  (h)  Lcvantar-mc-hci ,  e  rodearei 
a  Cidade:  bufcarei  pelas  ruas,  e  pra- 
ças públicas  aquclle  ,  a  quem  ama  a 
minha  alma  :  bufquei-o  ,  e  não  no 
achei. 

Os 

(4)  Bufquei-o ,  e  nSo  no  achei.  Não  achou  a  Ef- 
pofa  ao  Efpofo  ,  porque  o  bufcou  no  leito  ,  iíto 
hc,  no  lugar  do  dcfcanço  ,  das  delicias,  da  magni- 
ficência :  c  quem  cjuizcr  achar  a  Chrilto  ,  dcve-o 
bufcar  na  Cruz ,  na  humildade ,  na  paciência  ,  na 
mortificação.  Allim  Caííiodoro  com  Santo  Ambro- 
fio.  Calmet. 

{h)   Levantár-mt-bei ,  e  rodearei  a  Cidade ,  &c. 


Capitulo  III.  311 

3  (c)  Os  guardas  ,  que  rondão  a  Ci- 
dade j  me  encontrarão,  e  eu  lhes  dif- 
fc :  Viftes  por  ventura  aquelle  ,  a  quem 
ama  a  minha  alma  ? 

4  A  poucos  paíTcs  ,  que  me  ti- 
nha apartado  delles  5  achei  eu  aquel- 
le, a  quem  ama  a  minha  alma  :  affer- 
rei  delle  :  nem  no  largarei  ,  (d)  até  o 
não  introduzir  em  cafa  de  minha  mãi , 
e  levar  á  camará  daquella  ,  que  me 
gerou. 

Efte  he  o  cftado  d'  afflicçáo  ,  e  de  defaíTocego  , 
em  que  algumas  vezes  Ic  acháo  as  almas  mais 
perfeitas  ,  quando  defamparadas  até  certo  tempo 
do  Divino  EfpcÃo  ,  cxpcrimcntáo  huma  folidáo, 
e  fecura  ,  tanto  mais  pcnofa  ,  quanto  antes  foráo 
maiores  as  doçuras  ,  e  finezas  ,  de  que  tinháo 
goftado.  BossuET. 

(c)  Os  guardas ,  íjue  rondao  a  Cidade ,  (i>'C.  Eis- 
zqui  deíignados  os  Paltores  da  Igreja  ,  e  o  feu  cíii- 
cio  :  qur  hc  vigií^r  íobrc  a  Cidade  dc  Oeos  ,  e 
moltrar  com  a  palavra  da  doutrina  ,  onde  hc  que 
cUe  fc  ha  de  achar.  Bossust. 

(^)  Até  o  não  introduiir  em  cafa  de  minha  tnai. 
Sem  abfurdo  fe  pôde  crer  ,  que  ajuftada  a  filha 
de  Faraó  para  calar  com  Salamáo  ,  c  partida  a  cíTc 
fim  para  Jerufalem  ,  a  acomp^nhára  lua  mái ,  em 
cujo  quarto  ,  fcgundo  o  coíiumc  ,  efperava  eila 
celebrar  as  vodas  com  o  Efpofo.  Todos  cftes  paf- 
íos  porém  da  Efpofa ,  bufcando  oEfpoío,  até  que 


JI2      Cântico  dos  Cânticos. 

O  Esposo. 

5-  (e)  Eu  vos  conjuro,  filhas  dcje- 
rufalcm,  pelas  cabras  montezas  ,  e  vea- 
dos do  campo  ,  que  não  perturbeis  á 
minha  amada  o  feu  defcanço,  nem  na 
façais  dclpertar,  até  que  ella  fe  quei- 
ra erguer. 

As  Filhas  de  Jerusalém. 

^  (f)  Quem  he  efta  ,  que  fóbe 
pelo  defcrto  ,  como  huma  varinha  de 
turno  compofta  d' aromas  demyrrha,  e 
d'incenfo,  e  de  toda  a  cafta  dc  polvi- 
lhos odoriferos  ? 

Eis- 

achanco-o  o  foftem  ,  e  não  deixa  fahir  dc  Teus 
braços  ;  coníidcra  S,  Bernardo  cumpridos  á  letra 
na  Saiíta  Magdalena  ,  figura  da  Igreja  ,  quando 
biáTrou,  e  achou  a  Chrifto  rcfufcitado.  Bossuet. 

(e)  Eu  vos  conjuro y&c.  Veja- íe  o  Capitulo  II. 
V.7.  Pereira. 

(/)  QuQm  he  efta  9  'que  fohe  pelo  deferto  ,  é^c, 
O  íicbreo  itm  :  Quem  he  tjta  ,  que  Je  levanta  do 
deferto  ,  como  huma  eolumna  de  fumo  d'  aromas , 
é^'í'.  Exclamação  de  quem  fe  admira  de  ver  a  Na- 
tureza humana  fublimada  á  ineffavel  dignidade  dc » 
fazer  por  virtude  da  uniáo  hypoftatica  ao  Ver-' 
bo  huma  mefma  Peíloa  com  o  Filho  de  Dcos.^ 


Capitulo  III.  313 

7  Eis-aqui  o  leito  de  Salamão, 
(g)  ao  qual  rodeao  feíTenta  valentes 
dos  mais  fortes  d'ífrael: 

8  armados  todos  d'efpíidas,  emui 
peritos  para  a  guerra :  fobre  a  fua  coxa 
cftá  pendente  a  efpada  de  cada  hum 
por  caufa  dos  temores  nodurnos. 

9  O  Rei  Salamao  fez  (h)  huma 
cadeirinha  de  madeira  do  Libano : 

fez- 

Porquc  nofentir  dos  Santoa  Padres  ncfta  varinha  , 
ou  colwiwa  de  fumo  d'  aromas  fe  fymboliza  o  fa- 
crificio ,  que  Chrifto  offcrecco  na  Cruz  ao  Eterno 
Pai  ,  ao  qual  facrificio  da  Humanidade ,  figurada 
na  myrrha ,  dava  todo  o  valor  a  união  da  Divin- 
dade figurada  no  incetifo  ,  que  fó  a  Deos  fe  ofFc- 
rece.  Saci. 

(^)  j4o  qual  rodeao  fe[[ènta  valentes ,  &c.  Efte 
era  o  coítumc  dos  antigos,  ter  guardas  na  cama- 
rá 5  onde  dormiáo.  Dionyíiod'  HalicarnalTo  LivAV. 
64.  os  Tuppoe  na  camará  de  Lucrécia  ,  quanco 
nella  entrou  Tarquinio  ,  íem  fer  prefentiJo.  E  ifto 
mefmo  reconhece  Ovídio  ,  quando  diz  :  Et  tha^ 
Iami  cujios  qui  jacet  ante  fores.  Calmet. 

(/?)  Huma  cadeirinha  de  madeira  do  Libano.  Ifío 
he  ,  de  pão  de  cedro.  E  côa  cadeirinha ,  ou  como 
vertem  os  Fraocezes ,  liteira  ,  e  outros  carroça  triun- 
fal ,  e  throno  portátil  ,  a  que  também  no  Portu- 
guez  os  mefmos  chamáo  Férculo  ,  no  qual  efte 
grande  Monarca  fahia  a  palTear  pela  Corte  de  Jc- 
lufalcm ,  quando  íe  queria  moftrar  *aos  yaflillos  com 


314  Cântico  dos  Cânticos. 
10  fez-lhe  ascolumnas  de  prata  ,  o 
reclinatorio  de  ouro ,  a  fubida  de  pur- 
pura :  o  meio  de  tudo  arnou-o  (/)  do 
que  ha  de  mais  preciofo,  cm  attençâo 
ás  filhas  de  Jcrulalem : 

fa- 

toda  a  oftentaçao  áe  pompa  c  magcftacfe,  Fércu* 
lo,  que  todavia  Caimcr,  leguindo  a  muitos  Intér- 
pretes modernos ,  quer  antes  que  fcja  o  leito  ou 
thãiamo  riupcial  ;  cíia.  cadeirinha  ,  digo  ,  fignifica 
no  fencir  dcS.  Gregorio  Papa  a  Igreja  fabricada 
de  madeira  de  cedro  pela  incorruptibilidade  dos 
Santos  ,  firmada  íobrc  as  columnas  dos  Apofto- 
los ,  c  ornada  de  toda  a  preciofidade  das  virtude» 
dos  Martyres ,  ConFeííores,  e  Virgens.  Pereira. 

(O  Do  que  ha  de  mais  preciofo.  Aflim  todos 
os  Francezes  i  porque  coníiroem  em  accufativo  do 
plural  o  media  da  Vulgata  ,  e  toroáo  o  ablativo 
varimc  na  íignificaçáo  de  carefiia.  Mas  nem  pot 
iíTo  íe  deve  rejeitar  a  outra  versáo ,  o  meio  de  tu- 
do ornou'0  elle  da  caridade  ,  que  parece  a  mais 
conforme  ao  Hcbrco  ,  fecundo  obferva  BoíTuct, 
Ora  a  cadeirinha  aqui  fignifica  a  Igreja :  a  madei- 
ra ,  ou  le/ihos  do  Libano  de  natureza  incorrupti- 
vci ,  a  ercrna  duração  dos  feus  Santos  ,  ou  os  Gen- 
tios, e Idólatras,  que  regenerados  pelo  Baptifmo, 
c  rendidos  á  voz  do  Senhor ,  conforme  a  profecia 
de  David,  Salm.  XXVIII.  5.  vicráo  principalmen- 
ic  a  formar  o  grande  Corpo  da  Igreja  Catholica: 
as  columnas  de  prata  os  Apoftolos,  e  feus  Succef- 
farcs :  o  reclinatorio  ^  encoíto,  ou  efpaldar,  a  Fé: 
a  fubida  de  purpura ,  ifto  hc ,  os  dcgráos  cobertos 


Capitulo  III.  315: 

II     fahi  ,  filhas  de  Sião  ,  e  vede 
ao  Rei  Salamão  com  o  diadema  (/)  de 
Tom.  XI.  X  que 

de  purpura,  e,  fegun^o  outros  ,  a  almofada  ou 
toxim ,  ou  céo  da  cortina  de  purpura  ,  o  íanguc 
dos  Martyrcs :  o  meio  de  tudo  ornado  do  que  ha  de 
mais  prcciofo  ,  a  refiilgencia  de  todas  as  brilhan- 
tes virtudes  ,  de  que  fe  prmalta  o  interior  da  Igre- 
ja ;  ou  o  meio  de  tudo  ornado  da  caridade^  oamoc 
de  Jefu  Chrifto  ,  que  he  a  mefma  caridade. 
I.  Joan.  IV.  8.  ainda  que  outros  dáo  outras  intel- 
ligencias.  Pereira. 

(/)  De  que  fua  mãi  o  coroou.  Sabendo  Berfa- 
bé  que  Adonias  filho  de  David  ,  c  dc  Maggith 
pertendia  reinar  depois  de  feu  pai  ,  e  f^zia  para 
iíTo  partido  com  muitos  Grandes  da  Corte  ;  acon- 
felhada  pelo  Profeta  Nathan ,  foi  ter  com  David  j 
e  depois  de  lhe  reprefentar  a  promcíTa  jurada  ,  que 
elle  lhe  tinha  feito  ,  de  que  quem  lhe  havia  de 
fuceeder  no  Reino  ,  feria  Salamáo  filho  d' am- 
bos ;  obteve  que  David  mandaíTe  ung»r ,  e  accla- 
mar  Rei  a  Salamão,  como  lo;;o  efFedi vãmente  íe 
executou.  III.  Reg.  í.  :59.  Nefte  fentido  hiítoríco  , 
o  diadema,  de  que  a  mái  coroou  ao  filho ,  pode- 
rá dizcr-fc  que  foi  a  coroa  do  Reino,  que  Berfa- 
bc  procurou  para  Salarráo  fen  fiiho.  No  fentido 
cfpiritunl ,  fegundo  S.  Gregorio  Magno ,  e  fegun- 
do  o  Venerável  Beda ,  eflc  diadema  he  a  Hu«ma- 
«idadc,  de  que  a  Virgem  Mái  coroou  a  feu  Filho, 
quando  clle  ,  tomando  carne  das  fuás  puriílimas, 
c  caftiííimas  entranhas  j  fc  dcfpofou  com  a  noíTa 
Natureza,  Ou  he  ,  fecundo  Thcodoreto  ,  e  Caíííc- 
doro  ,  a  coroa  d'  cfpinhcs  ,  de  que  a  Syn«5goga 


31 6     Cântico  dos  Cânticos. 

que  fua  mái  o  coroou  no  dia  do  feu 
cafamento,  e  no  dia  do  jubilo  de  leu 
coração. 

coroou  3  Chrlfto  no  dia  de  fua  Paixão  ,  que  foi 
o  em  que  clle  fe  deípofou  com  a  Igreja,  Pekeika. 

CAPITULO  IV. 

Chriflo  louvando  ,  e  admirando  as  belle^ 
zas  ,  ^ue  elle  mefmo  depofitou  na  fua. 
Igreja  ,  e  nas  almas  fantas  ,  que  ellc 
ejcolheo  para  Ji :  louvando ,  e  admirando 
as  virtudes  exteriores  ,  que  nellas  ap" 
parecem^  'mas  dando  a  vantajem  á  ca* 
ridade  ^  que  ejld  tf  condida  no  coração. 

O  Esposo. 


H  como  es  fcrmofa  amlq^a 
minha  ,  como  es  bella  !  Os 


teus  olhos  sao  como  os  das  pombas , 
[a)  fcin  fallar  no  que  eftá  efcondido 

den- 

{à)  Sem  faUâr  no  que  e(lâ  efcondido  dentro. 
Duas  vezes  ntlte  Capiíuio  ula  o  Erpofo  drfta  ex- 
prelsáo,  e  terceira  no  Capitulo  Vf.  verfo  ^.  Em 
todos  oiiquat-s  luí^ares,  o  que  a  Vulgara  diz,  ahf" 
que  eo  quod  intrinfecus  htct  ^  he  conforme  ?o  He- 
treo  ,  e  a  V^er>áo  de  S.  Jf  ronymo.  Mas  o?  Seten- 
ta dizem:  praeur  fiknmm  tuum,  além  do  teu 


Capitulo  IV.  317 

dentro,  (b)  Os  teus  cabellos  são  como 
X  ii  os 

Icncío.  E  aflim  lia  também  nos  Teus  Códices  La- 
tinos Santo  Ambrofio.  Segundo  o  Texto  da  Vul- 
gata ,  o  que  o  Efpofo  diz  que  cftá  occuíto  no  in- 
terior da  Eípofa ,  interpiecáo  huns ,  que  he  a  Di- 
vindade efcondida  debaixo  da  Humanidade  aíTum- 
pta  pelo  Divino  Verbo  ;  outros  que  hc  a  pureza 
d'  alma  ,  a  reòlidáo  das  intenções ,  a  meditação  das 
verdades  famas  ,  em  fim  a  caridade,  que  a  Eípo- 
ía,  figura  da  Igreja  ,  tem  efcondida  no  coração, 
como  próprio  lugar  delia,  e  em  que  hz  coníiftir 
a  fua  principal  gloria  c  fermofura ,  Salmo  XLÍV\ 
15.  Segundo  o  Texto  dos  Setenta,  louva  o  Ef- 
pofo o  filencio  da  Efpofa  ,  c  neftc  filcncio  a  fua 
humildade  cm  occultar  tantos  dotes  admiráveis  ,  a 
fua  modeftia  ,  o  feu  pudor  ,  a  fua  referva  nos 
difcurfos.  Pereira, 

(b)  Os  teus  cabellos  são  como  os  rebanhos  das 
cabras  ....  de  Galaid.  Tudo  o  que  nelte  Capita- 
lo  IV.  diz  o  Efpofo  dos  cabellos,  dos  dentes  ,  c 
das  faces  da  Efpofa  ,  torna  elle  a  repetir  no  Capi- 
tulo W,  Galaad  hc  huma  terra  da  banda  dalém 
do  ]ordáo  ,  na  fronteira  da  Arábia  deferta  ,  cujas 
cabras  cráo  muito  fermofas ,  etinháo  o  pello  mui- 
to fino,  muito  luzidio,  e  táo  comprido,  que  lhes 
dava  pelo  chão.  Santo  Ambrofio,  reparando  que 
os  cabclloi  tem  a  raiz  pegada  á  cabeça  ,  e  eftáo 
no  mais  alto  lugar  ,  e  delle  tomáo  a  fubftancia  ; 
diz  que  por  elles  fe  denota  a  fanta  elevação  das 
almas  juftas ,  que  fe  fuflc-ntáo  do  que  ha  dc  mais 
fublime  na  palavra  do  Verbo ,  que  he  o  feu  Che- 
fe. S.  Gregorio  Papa  ,  e  Aponio  dão  outra  expo- 
fifáo  mais  fimples  ,  dizendo  que  os  cabellos  da 


3i8      Cântico  dos  Cânticos. 

os  rebanhos  das  cabras ,  (c)  que  fubí- 
rão  do  monte  de  Galaad. 

a  (d)  Os  teus  dentes  são  como  os 
rebanhos  das  ovelhas  tofquiadas  ,  que 
fubírão  do  lavatório  todas  com  dous 
cordeirinhos  gémeos  ,  e  nenhuma  ha 
eíleril  entre  ellas. 

Os 

Efpofa  fignificao  a  multidão  dos  Fieis,  compara- 
dos a  bum  rebanho  numerofiílimo ,  e  gordiílirao. 
Pereira. 

(c)  Que  fubírão  do  monte  de  Galaad.  Subir  do 
iwnte  parece  huma  linguagem  imprópria.  Mas 
aflim  mefmo  o  diz  o  Texto  da  Vulgata  :  Quat 
afcenderunt  de  monte  Galaad,  O  cafo  he ,  que  Je- 
rufalem  eftava  fituada  íobre  huma  eminência :  de 
forte  c]ue  dc  qualquer  parte  que  fe  vieíTe  a  ella  , 
ou  de  Galaad  5  ou  daldumea,  ou  de  Babylonia , 
ou  do  Egypco  ,  fempre  fe  havia  de  fubir.  Pois 
eis-ahi  como  em  muito  bom  fentido  fe  diz  ,  que 
as  cabras ,  que  vinháo  de  Galaad ,  fubião  do  mon* 
te  \  em  quanto  tendo  vindo  do  monte  de  Galaad  y 
íubiáo  a  Jerufalem.  Por  onde  Calmet ,  em  lugar 
ácque  fubir. ío  do  monte  de  Galaad  ,  vcrteo  que  van 
do  monte  de  Galaad  ,  exprimindo  por  prcícnte  o 
que  no  Texto  hc  pretérito.  Pereira. 

Ql)  Os  teus  dentes  sao  como  os  rebanhos  das 
ovelhas  tofquiadas ,  <ò'C,  Nas  comparações  náo  hc 
neccíTario  que  tudo  feja  exaólo  ,  nem  que  a  tU" 
do  refponda  huma  rigoroía  proporção  de  partes.  E 
aflim  aqui  bafta  notar  ,  que  o  que  nefte  verfo 
quer  dizer  o  Eípofo,  hc^  que  os  dentes  daEípQ^ 


Capitulo  IV.  319 
3    (e)  Os  teus  lábios  são  como  hu- 
ma  fitta  d'  efcarlate :  e  o  teu  fallar  he 

do- 

fa  são  brancos ,  são  iguaes ,  c  são  bem  difpoílos, 
fcm  lhe  faltar  nenhum,  ou  por  podre,  ou  por  ca- 
bido. Eftes  dentes  porém  ou  fe  confidcrcm  na  Hu- 
manidade de  Chriíto  ,  ou  na  Igreja,  sáo  ,  no 
pcnfamcnto  de  Santo  Agoftinho  ,  os  de  que  cllc 
íe  ferve  para  fallar  aos  homens :  sáo  os  dentes  dos 
Apoftolos,  c  varões  Apoítolicos  ,  que  trilhão  ,  c 
maftigáo  bem  o  alimento  erpiritual  da  palavra  de 
Dcos ,  que  dáo  aos  próximos  ,  para  que  efles  fe 
não  cngafguem  ,  nem  aíío^uem  com  a  groíTura  , 
ou  dureza  das  doutrinas ,  ou  improporcionadas  ,  ou 
mal  exportas.  Segundo  o  mcfmo  S^nto  Agofti- 
nho ,  as  ovelhas  tofquiidas  podem  íignificar  as  al- 
mas juftas,  que  fe  defcarregáráo  do  pczo  do  fe- 
culo.  E  como  ellas  pelo  Baptifmo  he  que  crêráo 
cm  Chrifto,  por  iíTo  fe  diz,  que  fuhirao  do  lava- 
tório. E  o  levarem  todas  feus  dous  cordeinnhos  gC' 
meos ,  íignifica  que  toda  a  doutrina  de  Chrifto ,  c 
de  feus  Miniílros  ,  tende  á  obíervancia  dos  dous 
Preceiros  parecidos  entre  fi  ,  que  sáo  o  do  amor 
de  Deos  ,  c  o  do  amor  do  próximo.  Em  fim  o 
nao  haver  nenhuma  efteril  ent^-e  ellas  denota ,  con- 
forme a  intelligencia  de  S.  Gregorio  Magno  ,  que 
nenhum  Pregador  Evangélico  merece  eftc  titulo , 
fc  he  dcfcuidado  e  rcmilTo  em  gerar  filhos  efpiri- 
taaes  para  a  igreja.  Sací. 
-  (e)  Os  teus  lábios  sao  como  huma  fitta  d'  efcar- 
Ute^  Afermofura  dos  lábios  confiftc  em  ferem  pe- 
quenos ,  miúdos  ,  vermelhos  ,  c  fechados  ,  de 
foite  que  fc  pofsáo  comparar  a  huma  pequena  ti- 


jio     Cântico  dos  Cânticos. 

doce.  (/)  Aílim  como  he  o  vermelho 
da  romã  partida ,  affim  he  o  nácar  das 
tuas  faces  ,  fem  fallar  no  que  cftá  eí- 
condido  dentro. 

4    (s)  O       pefcoço  he  como  a  tor- 
re de  David  ,  que  foi  edificada  (h)  com 
feus  baluartes  :  (/)  delia  eíláo  penden- 
tes 

ra  5  ou  jitta  d'  efcarJate,  O  que  no  fcntir  dos  Pa- 
dres he  hum  fy^mbolo  do  Tangue  de  Chrifto ,  e  da 
fua  cxcrcmofa  caridade  para  com  os  homens,  cu* 
jos  eíFeitos  reluzem  nos  lábios  da  fua  Efpofa ,  que 
he  a  Igreja.  Saci. 

(/")  Jíjim  como  he  o  vemelho  da  mm  p  ir  ti- 
da. Peia  figura,  cpela  cor;  íymbolo  do  pejo,  c 
niodefti.i  da  Erpofa.  Saci. 

{g)  O  teu  pefcoço  he  como  a  torre  de  Div:d.  AU 
to,  c  direito  para  denotar  hum  animo,  que  ló  cui- 
da no  que  he  lá  de  íima.  Bossuet. 

(/;)  Comfeus  baluartes.  Com  hombros  propor- 
cionados, ou  com  bons  encontros.  Porque  a  que 
he  verdadeiramente  fcrmofa  ,  não  deve  ter  huma 
cflarura  clguia,  ecomo  de  junco ;  mas  efpadduda  , 
e  magcílofa.  Eojfuet,  E  eftes  baluartes  íignificáo  o 
amor  da  pureza  ,  a  conftancia  ,  e  a  inviolável  fi- 
delidade da  Eípofa.  Saci. 

(/)  Della  cjião  pendentes  mil  e  feudos.  Muitos  col- 
lares ,  ou  muitas  joias  ,  que  pendiáo  do  pefcoço  da 
Efpofa  para  ornato  feu  ,  bem  como  das  torres  cof- 
tumaváo  cftar  pendentes  muitos  cfcudos  em  final 
de  vidlo'ia.  O  que  he  huma  imagem  da  força  in- 
vencível, c  da  gloria  da  Efpofa,  Saci  e  Calmit* 


Capitulo  IV.  321 

tes  mil  efcudos,  (/)  toda  a  armadura 
dos  esforçados. 

$  Os  teus  dous  peitos  (w)  são  co- 
mo dous  filhinhos  gémeos  da  cabra 
monteza  ,  que  íe  apafcentão  entre  as 
açucenas  , 

6    ate  que  íopre  o  dia,  e  declinem 

as 

(/)  Toda  a  armadura  dos  esforçados.  Por  eftas 
anuas  dos  esfor(^ados  entende  B^íluct  as  prendas 
dos  amantes  ,  que  a  Eípoía  trazia  pendentes  lobre 
o  peito  ,  como  srmas  ,  ou  defpojos  dos  vencidos. 
No  íeniido  myftico ,  que  aqui  confideráo  S.  Gre- 
gorio dc  NyíTa  ,  e  Santo  Ambroíio ,  fignificáo  os 
iroféos  5  que  a  Igreja  alcançou  dos  poderofos  do 
Inferno  5  c  do  Mundo.  Pereiba. 

(m)  São  como  dous  filhinhos  gcmcos  da  cabra 
monteza.  Ou  mais  á  letra  :  são  como  dous  cabriti- 
nhos momezes ,  filhos  gémeos  da  mefma  mai.  Será 
pela  fua  ternura  que  os  dous  peitos  da  Eípofa  íe 
comparáo  a  dous  filhinhos  gémeos  da  cabra  mcn- 
leza?  Ou  fera  porque  á  maneira  de  dous  animai^s- 
zinho»  gémeos ,  eíláo  reípirando ,  e  como  pullan- 
do  deb-«ixo  do  feu  veílido  ?  Ou  ferá  finalmente , 
porque  como  bravios  náo  querem  fer  tocados  ,  e 
fò  o  Efpofo  confentem  que  lhes  ponha  a  máo  ? 
Efte  ultimo  diícurfo  moftra  bem  ,  quanto  a  caíli- 
dade  da  Efpofa  hc  fevéra  ,  e  inacceíiivel.  BoJJuet. 
No  fcntir  de  Santo  AgoUinho  os  dous  peitos  da  Ef- 
pofa sáo  os  dous  Teftamentos,  No  de  Saci  ,  os 
dous  filhinhos  gémeos  dacdbra  monteza  sáo  os  dous 
PÓV0S3  judaico,  c  Gentílico.  Peksira. 


322        C ANTIGO  DOS  CanTICOS. 

as  fombras  ,  {n)  eu  irei  ao  monte  da 
inyrrha  ,  e  ao  oiteiro  do  incenfo. 

7  (o)  Toda  tu  es  fermofa  ,  amiga 
minha,  e  em  ti  não  ha  mácula. 

8  {p)  Vem  do  Libano  ,  Erpofu 
minha  ,  vem  do  Libano^  vem  :  ferás 

CO- 

(ji)  Eu  Irei  ad  monte  da  myn  ha  ,  e5?r.  Ncfte 
monte  de  myrrhá  entende  S.  Gregorio  dc  NyíTa  o 
monte  Calvário:  no  oiteiro  d'  incenfo ,  a  Afccnsão 
de  Chrifto  ao  Ceo  por  virtude  própria  ,  como  ver- 
dadeiro Filho,  que  er^  de  Deo<.  S.  Gregorio  Pa- 
pa emende  pelo  monte  de  myrrha,  o  alto  gráo  de 
mortificação ,  a  que  fe  náo  chega  Tem  os  esforços 
d'  huma  fanta  violência.  Pelo  oiteiro  'd'  incenjo  a 
humdde  elevação  das  almas  íanras  ,  orando.  Pe* 

REIRA. 

(o)  Toda  tu  es  fermofa,  ó^c.  Quando  o  Efpo- 
fo  chama  tod.i  íermoía,  e  fcm  mancha  a  Igreja, 
he  porque  a  confidera  não  já  no  elèado  de  viado- 
ra ,  onde  ainda  osm.iis  Tantos  cahem  em  fuas  fal- 
tas ;  mas  no  eftauo  de  comprchenfora ,  no  qual  a 
Igreja  appsrecerá  fcm  mácula  ,  nem  ru^a  ,  como 
diz  o  Apoftolo,  Eph.V.  27.  Santo  Agostinho; 

( p)  Fem  do  Lihuno  ....  vem  do  íilto  d'  Âma* 
ná  ,  <b'C.  Aqui  temos  a  Igreja  formada  dcjudeos, 
c  de  Gentios.  Porque  nos  Profetas  compara-fe  Jc- 
rufalem  ao  Libano  ,  de  cujas  madeiras  quaíi  toda 
ella  era  edificada.  Os  outros  montes  d'  Amana  , 
Sanir,  e  Hermon  ,  como  habitados  de  beftas  fe- 
ias ,  fi;;uráo  03  matos  maninhos  da  Gentilidade, 
ou  da  IdoUtría.  Saci. 


Capitulo    IV.  323 

Coroada  do  alto  d' Amana  ,  do  cume 
de  Sanir,  e  d' Hermon  ^  das  cavernas 
dos  leões ,  dos  montes  dos  leopardos. 

9  {q)  Tu  ferifte  o  meu  coração, 
irmã  minha  Efpola  ,  tu  ferifte  o  meu 
coração  com  hum  dos  teus  olhos  ,  c 
com  hum  cabello  do  teu  pefcoço. 

10  (r)  Que  lindos  são  os  teus  pei- 

tos, 

((j)  Tu  fcrijlc  o  meu  coração  ; ; . .  com  hum  dos 
teus  olhos ,  Os  Setenta  dizem  :  Cor  abjlulijti 
mbis  :  Tu  nos  roubafte  o  coração.  E  allim  lia 
também  Santo  Ambrofio  nos  feus  Códices  Lati- 
nos. Com  hum  dos  teus  olhos  ,  quer  dizer  ,  com 
hum  fó  olhar.  E  ifto  denota ,  que  de  nada  fe  na- 
mora Deos  tanto  ,  como  d' hum  olho  ftmples  ,  fe- 
gundo  o  que  Chrifto  diz  no  Evangelho  ,  Luc.  Xí. 
:;4.  Se  o  teu  olho  for  fimples ,  todo  o  teu  corpo  fe- 
ra lumimfo,  O  que  o  Eípofo  acere fccnta  ,  e  com 
hum  cabello  do  teu  pcfcoco ,  pòde-fe  entender  d'  hu- 
ma  trança  ,  que  dcíce  da  cabeça  ao  psfcoço.  E 
efte  cabello ,  ou  eíta  trança  ,  fegundo  Theodoic- 
to,  he  a  caridade.  Pereira. 

(r)  Que  litidos  são  os  teus  peitos !  O  Hebreo  tem 
os  teus  amores.  He  porém  dc  noror  que  o  Efpofo , 
fallando  dos  peitos  da  Eípofa  ,  diz  dcUes  o  mef- 
mo  que  a  Elpofa  tinha  dito  dos  peitos  do  Efpo- 
fo. O  que  moítra  que  nclle  Divino  Myíèerio  da 
união  efpiritual  do  Efpofo  com  a  Efpofa  ,  o  que 
pertence  a  hum  ,  pertence  a  outro  ;  e  que  parte 
do  que  fe  diz  de  Chrifto,  fe  póJe  dizer  da  Igre- 
ja por  cífeito  daquelle  Sacramento  ineíFavcl  ,  de 


324      Cântico  dos  Cânticos. 

tos,  irmã  minha  Efpofa  !  os  teus  pei- 
tos são  mais  fcrmoíos  ,  do  que  o  vi- 
nho, e  o  cheiro  dos  teus  balíamos  ex- 
cede o  de  todos  os  aromas. 

II    Cs  tejs  lábios  ^  ó  Efpofa  ,  são 

co- 
que falia  S.  Pâulo  ,  que  canfa  no  homem  novo , 
bem  como  no  velho  ,  o  que  íc  diz  no  principio 
do  Genefis,  e  o  que  o  mcímo  Chrifto  depois  re- 
petio  :  Qíie  os  dons  mo  saj  mais  do  que  himia  Jó 
cinie.  Hc  também  digno  da  nolla  rcdexáo  cha- 
mar Chrifto  d  Igreja  náo  fó  [u^  Efpcft  ^  mas  tam- 
bém fua  irmã.  E  ifto  por  caufa  da  Natureza  hu- 
mana ,  que  he  a  mefma  em  Chrifto ,  que  nos  ou- 
tros homens  ,  de  que  a  Igreja  íe  compõe.  E  af- 
íím  chama  S.  Paulo  a  Chriíto ,  o  Primogénito  en- 
tre vmi:os  irmãos,  E  o  mefmo  Chr  lio  chamou 
feus  irmãos  aos  Apoftolos.  Deve-fe  igualmente  no- 
tar que  o  cheiro  dos  baljamos  he  a  hagrancia  da 
fantida  ie  ,  e  de  todo  o  género  de  virtudes  ;  e  no 
verío  feguinte  que  o  mel  c  o  leite ,  a  que  fe  com- 
paráo  os  lábios  da  Efpoía  ,  íígnificáo  a  fuave  do- 
çura ,  e  a  cândida  pureza  da  palavra  de  Ucos  ,  c 
da  fabedoria  das  Eícrituras ,  com  que  a  Santa  Ma- 
dre Igreja  coftuma  alimentar  feus  filhos,  para  que 
náo  pereçáo  ;  c  finalmente  que  os  vertidos  di 
Igreja,  conforme  o  que  dizo  Apoftolo  na  fegunda 
aos  de  CorinthoV.  \.  denotão  as  boas  obras,  fu- 
bindo  ao  Ceo  o  cheiro  dos  mefmos  vcílidos  por 
meio  da  oração  fignificada  no  incenfo ,  como  fc 
vè  do  Salmo  CXL.  2.  Sobre  os  antigos  perfuma- 
rem os  veftidos  veja-Ic  o  Genefis  XXVII.  27.  c  o 
Sa' mo  XLIV.  lO.  Pereira. 


Capitulo   IV.  325- 
como  hum  favo  ,  c]ue  diftilla  doçura, 
o  mel  ,  e  o  Jeite  eílao  debaixo  da  tua 
língua :  e  o  cheiro  dos  teus  vcftidos  he 
como  o  cheiro  do  incenfo. 

12  (j)  Jardim  fechado  es  irmã  mi- 
nha Efpofa,  jardim  fechado,  fonte  fel- 
lada. 

1 3  (t)  As  tuas  producçoes  são  hum 
jardim  de  romans  com  frutos  de  ma- 
ceiras.  Chypres  com  o  nardo, 

o 

(5)  Jardim  fechido  es  ,  éf^c.  Depois  de  lou- 
var a  fcrmoíura  da  Eípofa  ,  e  a  fuavidade  das  fuas 
palavras  ,  palia  o  Eípofo  a  celebrar  a  fua  inteire- 
za ,  e  caftidade.  E  o  que  fe  diz  da  Efpofa  ,  fe 
póje  applicar  á  Igreja.  Ella  he  o  jardim  fechado  y 
onde  não  entra  erro  algum.  Ella  o  po^o  das  aguas 
vivas  pelo  profundo ,  e  íalutifero  da  íua  doutrina , 
a  qual  com  Ímpeto  corre  do  Líbano  por  caufa  da 
cfficacia  da  divina  palavra.  Bossuf.t. 

(t)  As  tuas  producçoes y  ó^c.  A' letra:  Os  teus 
lani^amemos ,  ifto  he  ,  renovos  ,  pimpolhos.  Com- 
para fe  aqui  a  Efpofa  a  hum  jardim  ,  ou  vergel ,  que 
produz  pLntas  carregadas  dos  mais  fazonados  c 
deliciofos  frutos.  Pelas  romans  fe  entende  com- 
mummente  a  caridade ;  pelas  maçans  os  frutos  do 
amor  Divino  j  pelo  chypre  a  contemplação  das 
coufas  celcltiaes  ;  pelo  nardo  ,  duas  vezes  repeti- 
do, a  cfperança  cm  Deos ,  e  adefconfimça  de  íi 
próprio ;  pelo  açafroo  a  fé  ;  pela  canna  a^omaticd 
í(de  que  falia  Plínio  no  Livro  XII.  Cap.  22.)  a  pru- 


3  2Ó     Cântico  dos  Cânticos. 

14  o  nardo  e  o  açafrão  ,  a  canna 
aromática  e  o  cinnamomo  com  todas 
as  arvores  do  Líbano  ,  a  myrrha  e  a 
áloe  com  todos  os  balfamos  da  pri- 
meira ellimação. 

15  A  fonte  dos  jardins  :  o  poço 
das  aguas  vivas,  que  com  impeto  cor- 
rem do  Libano. 

16  (jt)  Levanta-te  ,  Aquilão  ,  e 
vem  tu ,  vento  do  Meio  dia  ,  alfopra 

de 

dencia ;  pelo  cinnamomo  a  juftiça ;  pela  myrrha ,  e 
Áloe  a  fortaleza  ,  e  a  temperança  ;  pelas  arvores  do 
Líbano  o  complexo  de  todas  as  demais  virtudes  i 
em  fim  pelos  balfamos  da  primeira  ejlima^io  os 
ados  e  afFeélos  das  outras  virtudes ,  que  ás  men* 
cionadas  andáo  annexas  e  infeparavelmcnte  uni- 
das. Pereira, 

(w)  Levanta-te ,  é^c.  Ou  o  Efpofo  defcja  com 
cfta  apóftroFc  aos  ventos ,  que  aíToprem  alternada- 
mente o  Norte  c  o  Auftro  ,  para  que  fe  exhalcm 
os  aromas  de  táo  fragrante  jardim  por  toda  a  par- 
te ;  ou  que  fe  retire  o  Norte ,  o  qual  póie  íigni- 
ficar  o  diabo ,  para  que  náo  murche  ,  fequc  ,  ou 
queime  as  fuás  flores ,  que  sáo  as  virtudes ;  c  ve- 
nha o  Auftro  para  as  alentar  e  fomentar  ,  fazen- 
do-lhes  crefcer  a  fermofura.  Pelo  Auftro  entendem 
os  Padres  o  Efpirito  Santo  íobre  os  Apoftolos  e 
Difcipulos  no  dia  de  Pentccoftes.  Ultimamente 
pela  contrariedade  dcftes  ventos  entende  o  grande 
Boíluec  a  cempcftadc  das  pcríeguiçóes ,  nas  quaei 


Cântico  dos  Cânticos.  327 

de  todos  os  lados  no  meu  jardim  ,  e 
corrão  os  feus  aromas. 

fe  tem  cfpalhado  por  todo  o  Mundo  a  fama  de 
tantos  Martyrios.  Pereira. 

CAPITULO  V. 

Anciã  que  tem  a  Igreja  de  receber  a  Chri^ 
fio  ^  e  de  o  ver  recolher  os  frutos ,  que 
elle  produzia  nella.  Bondade  com  que 
Chriflo  rej ponde  aos  dejejos  da  Igreja. 
Ternuras  que  diz  para  induzir  as  al- 
mas a  que  o  receba  o,  Defgraça  das  que 
recusão  abrir- lhe  a  porta  do  feu  cora- 
ção ,  quando  elle  bate.  Elias  depois  o 
bufcão  ,  mas  não  no  achão.  Trabalhos 
que  paffou  nifio,  Defcripção  que  faz  das 
perfeições  do  Efpofo, 

A  Esposa. 

I  {d)  "\  7"  Enha  o  meu  Amado  para 
V    o  feu  jardim  ^  e  coma  o 
fruto  das  fuas  maceiras.  q 

(4)  Venha  o  meú  jimaão  ,  f.  As  primeiras 
palavras  defte  verficulo  íe  acháo  no  Hebreo  uni^ 
das  com  as  ultimas  do  Capitulo  antecedente.  Com 
cftas  palavras  pois  convida  a  Efpofa  ao  Eípofo 
para  que  vá  ter  com  cUa,  O  jardim  hc  a  Igreja : 


328      Cântico  dos  Cânticos. 


O  Esposo. 

{b)  Eu  vim  para  o  meu  jardim  ,  irmã 
minha  Efpofa:  feguei  a  minha  myrrha 
com  os  meus  aromas:  comi  o  favo  com 
o  meu  mel;  bebi  o  meu  vinho  com  o 
meu  leite  :  comei,  amigos  ,  e  bebei , 
e  embriagai-vos ,  cariflimos.  ^ 

os  pomos  são  as  boas  obras  dos  cfcolhidos  ,  que 
ncftc  jaruim  ,  como  arvores  ,  florecem  ,  c  fruiifi- 
câo.  Delias,  como  dc  manjar  deliciofiflimo ,  fc 
nutre  Chrifto.  Menoquio, 

{b^  Eu  vim  j  <ò^c.  Acode  promptamentc  o  Ef- 
pofo  aos  rogos,  c  defejos  da  Efpofa  ,  o  que  al- 
guns dos  Padres  entendem  da  Incarnação  do  Ver- 
bo ,  explicando  fcr  cfte  hum  como  delejo  da  Sy- 
nagoga  ,  ou  da  natureza  humana  ,  que  pede  ao 
Verbo  do  Padre  que  venha  para  o  feu  jardim  ,  c 
qac  fc  ajunte  á  natureza  humana,  para  a  livrar  da 
cfterilidade ,  e  a  íízer  fértil  dos  frutos  da  graça  , 
c  benção,  A  eftas  fcrvorofas  fiipplicas  lefponde  o 
Verbo,  e  cumpre  ião  anciofos  i^effjos  crm  a  fua 
Incarnação,  dizendo:  Eu  vim  fira  o  tf.eu  jardim  ^ 
ifto  he,  para  o  feio  da  Virgem.  Cnlmet,  Já  le  vê 
que  chama  Chrifto  aqui  imã  i  fua  Amada,  pela 
natureza  que  com  cila  lhe  hc  commum ,  e  Efpofa 
pelo  dcfpoforio  da  fc.  Denomina  amidos  aos  juf« 
tos,  e  carifjimos  aos  perfeitos.  Pc)a  w^rr/;^ enten- 
de o  Baptifmo ,  pelos  aromas  os  Dons  do  Efpiri* 
to  Santo.  No  favo  fc  fymbo!iza  o  Corpo  dc  Jeftl 
Chiífto  orgâtnizado  nas  puriílimas  entranhas  d<i 


Capitulo  V, 


329 


A  Esposa. 

^  {c)  Eu  durmo ,  e  o  meu  coração 
véla  :  eis  a  voz  do  meu  Amado ,  que 
bate ,  dizendo  :  {d)  Abre-me,  irmã  mi- 
nha ,  amiga  minha  ,  pomba  minha , 
immaculada  minha  :  porque  a  minha 
cabeça  cftá  cheia  d' orvalho,  e  me  ef- 
tão  correndo  pelos  anneis  do  cabello 
as  pottas  das  noites. 

^  Eu 

Virgem  Maria  ;  no  w.el  a  cclcftial  doçura  ,  que 
fe  percebe  deite  favo  s  no  vinho  o  calis  faudavcl 
do  Sangue  do  Senhor  j  no  leite  a  doutrina  dos  fc- 
g^cdos  da  divina  palavra.  Aqui  dá  íim  Boííuec  ao 
terceiro  dia  das  voda9.  Pereira. 

(f)  Eu  durmo ,  <ú>c.  Neíta  quarta  noite  veio  o 
Elpolo  mais  tnriic  do  que  coftumava  ,  eftando  já 
a  Efpofa  recolhida,  e  quafí  pe£;ada  no  fomno.  A- 
penas  ellc  bateo  á  porta ,  e  bradou,  ella  o  ouvio  , 
dizendo  :  Eis  a  voz  do  mu  Amado  ,  que  bate.  Ne- 
nhuma couía  ha  mais  viva  ,  prompra ,  atrenta  ,  ou 
induítriola  do  que  o  amor.  A  alma  occupad^  no 
cuidado  do  íeu  Deos  ,  fempre  ouve  com  vigilân- 
cia as  fuas  vozes  ,  e  obedece  aos  íeus  avilos. 
Calmet. 

(d)  Âhre-me  y  é^c.  Pafma  a  admiração,  e  per- 
áe  o  nome  o  encarecimemo  á  vifta  do  cuidado, 

?ae  moftra  aqui  o  Erpofo  para  follicirar  o  bem  da 
Çrejd  ,  e  da  íaUaçáo  dc  cada  huma  das  almas. 
Çoxn  palavras  da  maior  cemura  lhe  diz :  Ahre  me , 


330      Cânticos  dos  Cani^ícos. 

3  (e)  Eu  me  defpojei  da  minha 
faia  ,  como  a  vcftirei  cu  ?  Lavei  os 
meus  pés  ,  como  os  tornarei  a  çujar? 

4  (/)  O  meu  Amado  metteo  a  fua 

máo 

imi  minha ,  dá-mc  õ  devido  lu^ar  em  teu  coração 
pcirque  ,  íc  te  chamo  ima  minha  ,  bem  vês  que 
hc  por  mc  ter  feito  homem  ,  por  amrr  de  ti ,  vef- 
tindc-me  da  tua  natureza  ;  amiga  minha  ,  por  te 
havtr  reconciliado  por  meio  da  minha  morte  com 
meu  Pai  ,  e  rcftituido  á  fua  amizade ;  pomba  mi- 
nha ^  porque  te  bafejei  com  a  graça  do  meu  Divi- 
no Eípiriro  ;  immaculada  minha ,  porque  cm  fim 
dcrrarrei  fobrc  ti  fctc  fontes  de  ^raça ,  que  são  os 
Sacramentos,  para  tua  juítiíicaçáo ,  c  mais  dons, 
de  que  te  enriqueci  ,  em  ordem  á  vida  eterna^ 
Pereira. 

(e)  Eu  mc  defpojei  da  minha  faia  ,  e5?  f.  Eu 
dcípi  o  homem  velho,  como  o  veítirei?  No  qual 
feniido  diz  S.  Paulo,  Rom.  VI.  2.  Nós  que  effa- 
mos  mortos  aopccc^do,  como  viviremcs  ainda tiellei 
Os  Santos  Padres  obfervão  que  as  almas  grandes, 
quando  cfíáo  no  repoufo  da  contemplação  ,  tcí 
mem  algumss  vezes  ,  que  fahindo  a  obras  exte- 
riores fc  não  manchem ;  porque  todo  o  ícu  meda 
hc ,  que  náo  percáo  a  graça ,  que  huma  vez  al- 
cançarão. Mas  quando  o  Kfpofo  manda ,  que  dú* 
vida  pôde  haver  que  a  Efpofa  fc  deve  levantar  í 

BoSSVET. 

(/)  O  meu  Amado  mcttco  a  mão  pela  freflai 
Pela  írefta  da  porta.  Na  qual  acçáo  do  Eípofo  fc 
figura  Chrifto ,  bufcando  pelos  toques  da  fua  gra^ 


Capitulo  V.  331 

mao  pela  frelta  ,  e  as  minhas  entra- 
nhas eftremecêrão  ao  eílrondo  que  el- 
le  fez. 

5-  Eu  me  levantei  para  abrir  ao 
meu  Amado:  (g)  as  minhas  mãos  dif- 
tillárSo  myrrha  ,  e  os  meus  dedos  ef- 
tavão  cheios  da  myrrha  mais  preciofa. 

Tom.  XL  Y  Eu 

ça  cniiada  em  nós ,  c  commovendo  o  interior  das 
noíTas  almas.  Boffuet,  Trabalhando  pois  o  Erpofo 
por  abrir  a  porta  ,  foíTe  por  huma  frcfta  ,  ou  gre- 
la delia  ,  para  ver  fe  corria  o  ferrolho  ,  ou  a  travcf- 
fa  dc  madeira  ,  que  por  dentro  a  fechava ,  Tegun- 
do  o  ufo  dos  Hcbreos  daquellc  tempo  ,  o  qual 
ainda  hoje  cm  dia  fe  pratica  nas  caías  dos  pobres 
das  Aldeãs;  folTc ,  como  querem  outros,  por  hum 
poftiguinho ,  que  havia  na  mcfma  porca  ;  o  certo 
hc  que  em  tudo  iíto  moftra  elle  a  eíHcacia  da  fua 
Graça  em  querer  abrandar  corações  empederni- 
dos ,  c  movcllos  a  que  logo  acudáo  á  íua  voca- 
ção. Pereira. 

Çg)  minhas  àiftillârSo  myrrha,  Náo  fó 
com  o  regalo  dos  mais  finos  cheiros  fe  deitaváo  as 
pamas  na  cama,  como  aquella  ,  de  que  falia  Sa* 
lamáo  nos  Provérbios  VIÍ.  17.  que  dizia:  Eu  bor^ 
rifei  o  meu  Lito  de  myrrha ,  Áloe ,  e  cinnamomo ,  íc- 
gundo  a  explicação  de  Bofíuet ;  mas  ainda  podia 
aqui  a  Efpofa,  conforme  a  intelligencia  d' outros, 
ao  peg^r  no  ferrolho  ,  encher  as  rráos  daquellc 
preciofo  balfamo,  de  que  o  Efpofo  o  untara  com 
o  contaclo  das  íuas.  Vcja-fe  Saci  íallando  do  p^í-. 


33^  Cântico  dos  Cânticos. 
6  Eu  abri  a  minha  porta  ao  meu 
Amado,  tirando-lhe  o  ferrolho :  {h)  mas 
e!le  já  íc  tinha  ido,  e  era  já  paílado  a 
outra  parte.  A  minha  alma  iedcrreteo, 
(/)  aflim  que  elle  fallou:  (/)  bufquei-o, 
mas  não  no  achei  :  chamei-o  ,  e  elle 
me  não  rclpondeo. 

A- 

fume  de  Maria  entre  os  Orientae? ,  e  Calrret  ex- 
pondo lambem  o  coftume  que  tinháo  os  Roma- 
nos de  untarem  as  umbreiras  das  portas  nos  feus 
cafamentos ,  donde  veio  chamarcm-fe  as  mulheres 
caiadas  uxores ,  como  fe  fe  dilTera  utixicres  ,  fobrc  o 
que  pode  ver-fe  igualmente  Santo  líidoro  no  Li- 
vro IX.  das  fuás  Origrns  ,  Capitulo  8.  de  Conjugiis  , 
c  Lucrécio  no  Livro  IV.  verío  117^.  Pereika. 

Mas  elle  jã  fe  tinh/t  ido.  ÁHim  caftiga 
Dcos  as  almas ,  que  náo  acodem  logo  aos  toques 
das  fuas  Tantas  infpiraçóes.  Bossuet. 

(/)  ^JJim  que  elle  fallou,  E  verdadeiramente 
fallou  o  hlpofo  neíla  occafiáo  ,  reprchcn.^endo  a 
tardança  da  Eípofa  até  com  a  fua  retirada.  Pe- 
ixeira. 

(/)  Bufíjuei-o  5  mas  nSo  no  /fchei.  Eu  te  buf- 
quei ,  mas  náo  te  pofío  achar ,  fenáo  querendo  tu 
fcr  achado.  E  tu  certamente  queres  íer  achado ; 
mas  queres  que  te  bufqucm  por  muito  tempo; 
qu  res  que  andem  em  teu  alcance  com  muita  di- 
ligencia :  náo  qu  res  que  te  bufque  quem  dorme ; 
náo  quere«5  que  ande  em  teu  alcance  quem  cítá 
deitado.  Santo  ámbrosio. 


Capitulo  V.  333 

7  {m)  Âchárão-me  os  guardas ,  que 
rondão  a  Cidade  :  derão-me  ,  e  feri- 
rão-me:  (;/)  tirárão-me  o  meu  manto  os 
guardas  das  muralhas. 

8  Eu  vos  conjuro  ,  filhas  de  Jeru- 
falem  ,  que  ,  fe  encontrardes  ao  meu 
Amado  ,  lhe  façais  a  faber  que  eílou 
enferma  d' amor. 

As  Filhas  de  Jerusalém. 

9  (0)  Qual  he  o  que  tu  chamas  A- 
mado  entre  todos  os  Amados  ,  ó  mu- 

Y  ii  lher 

(m)  Âchârão-me ,  é^c.  Sahe  de  noirr  a  Efpo- 
fa  cm  bufca  do  Efpofo  ,  como  já  fizera  no  Capl- 
tu!o  III.  2.  mas  dcfta  ícgunda  vez  he  maltratada 
c  ferida.  Efte  lugar  explicáo  os  Padres  como  fi- 
gura das  injurias  ,  e  da  íevicia  ,  com  que  tem  fi- 
do maltratada  a  Igreja  na  pciToa  dos  ConkíTores 
c  Martyres  pela  fúria  dos  Imperadores  ,  dos  Reis 
probnos,  dos  hereges,  dos  rcifmaticos  ,  dos  Ím- 
pios, e  d' outros  fcus  perfeguidores.  Calmet. 

(n)  Tiráran-me  o  meu  mimo.  Ainda  que  a  Vul- 
gata diz,  pãUium  mewn  y  e  o  nome  piliiiim  fe  cof- 
luma  tomar  pela  cap4  ,  eu  verti  mamo  ;  porque 
acho  que  Santo  Ambrofio,  e  Filo  C^rpacio  o  en- 
tendera doveftido,  que  cobria  a  cabf^ça.  Pereisla. 

(0)  Qual  he  ,  &^c.  As  filhas  de  Jerufalem, 
ms  quaes  fe  rcprcícntáa  as  Almas  juftas  p  fazem 


334    Cântico  dos  Cânticos, 
lher  a  mais  fcrmofa  de  todas  ?  Qual 
he  o  teu  Amado  entre  todos  os  outros, 
por  cuja  contemplação  nos  conjurafte 
tu  defte  modo  ? 

A  Esposa. 

10  (/?)  O  meu  Amado  he  cândido, 
e  rubicundo,  efcolhido  entre  milhares. 

11  (^)  A  fua  cabeça  he  o  ouro 
mais  fubido  :  os  leus  cabellos  são  co- 
mo os  ramos  novos  das  palmeiras,  ne- 
gros como  hum  corvo. 

^  Os 

aqui  efta  duplicada  pergunta ,  não  porque  deixem 
de  conhecer  o  Eípofo  j  mas  para  que  fc  regozi- 
jem e  faborecm  com  a  repetição  das  occaíiócs  dc 
exaltar  as  fuas  perfeitilíimas  excellcncias  ,  c  pre- 
rogaiivas  ,  inflammando-fe  cada  vez  mais  no  amor , 
que  por  tantos  ticulos  lhe  he  devido.  Perviea. 

(p)  O  meu  jimddo  he  cândido  ,  e  rubicundo, 
Candido  pela  Divindade ,  que  na  Eícritura  fe  cha- 
ma :  Candura  da  luz  eterna ,  Sap.  VII.  26.  Ru- 
bicundo por  caufa  do  Myft.rio  da  Incarnação,  e 
Paixão  òc  Gfiriíto  ,  cuio  vellido  chama  por  iflb 
vejiído  vermelho  Haias  LXIII.  2.  Bossuet. 

iq)  A  fua  cabeia  he  o  ouro  mais  fubido.  Por- 
que, fecundo  a  explicação  dc  BoíTuet ,  a  cabeça 
de  Chrifto  he  Dros.  Caput  enim  Chrijii  Deus, 
I.  Cor.  XI.  5.  Os  çabellos  denotáo,  no  commaq|(^^ 


Capitulo  V.  335' 

12  (r)  Os  feus  olhos  são  como  as 
pombas  ,  que  ,  tendo  os  feus  ninhos 
ao  pé  dos  regatos  das  aguas,  (s)  eftao 
lavadas  em  leite,  e  le  acháo  d'aíiento 
junto  das  mais  largas  correntes  dos  rios. 

As 

fentimento  dos  Pddres  ,  a  multidão  ínnumeravel 
dos  Santos  unidos  a  Chriílo  fua  Cabeça  ,  cujo 
adorno  sáo  principalmente  as  afíignaladas  vi(florias 
que  alcançáo  de  todos  os  feus  inimigos  pela  paci- 
ência das  tribulações  ,  e  perfeverança  no  bem. 
Outros  entendem  pelos  melmos  cahcllos  os  confe- 
Ihos  Divinos  ,  que  fe  dizem  fer  negros  ,  porque 
sáo  para  nós  impenetráveis  e  incógnitos.  No  Hc- 
breo  fe  náo  acháo  as  palavras  elatae  pahi^rum ,  c 
nos  Setenta  fe  lê  a  primeira  elatae  ,  que  lem  a 
penúltima  breve,  a  qual  be  huma  planta  aroma- 
tica  ,  de  que  faz  menção  Plínio  XIÍ.  28.  Pereira. 

(r)  Os  feus  olhos,  tb-r.  O  nome  columbae  eftá 
aqui  em  nominativo  do  plural ,  e  náo  em  gcniti- 
vo  do  fingular,  como  alguns  o  vertem  ,  fegundo 
fc  vè  do  Hebrco  ,  e  dos  Setenta.  Comparáo-fe 
pois  os  olhos  do  Efpofo  á  pomba  cândida  ,  por- 
que sáo  fermofos  ,  caítos  ,  puros  ,  Tantos  ,  con- 
forme a  intelligencia  de  Menoquio.  Pelos  olhos  do 
Erpofo  fe  entende  a  fua  Sabedoria  ,  c  Providencia. 
Pereira. 

(5)  EJlao  lavadas  em  leite.  Fazendo  eftas  pom- 
bas os  feus  ninhoj  ao  pé  das  correntes  das  aguas , 
e  lavando-fe  ncllas  muitas  vezes  ,  parecem  aos 
oihos  de  quem  nas  vê  táo  brancas,  como  íc  çom 
leite  fe  tivcíTcm  iavado.  Pereira. 


33 ó    Cântico  dos  Cânticos. 

13  (t)  As  fuas  faces  são  comohuns 
canteiros  de  plantas  aromáticas,  plan- 
tadas pelos  que  conficionao  os  cheiros. 
(li)  Os  feus  lábios  são  huns  lirios  ,  que 
diftillão  (.v)  a  mais  preciofa  myrrha. 

14  (jy)  As  fu?.s  mãos  s3o  de  ouro 

fei- 

(í)  jés  fuas  faces  ,  ó^c.  Nas  faces  he  íjgnifíca- 
da  a  mageíiâde  milhirada  com  brandura ,  e  a  rr.o- 
dcftia  cheia  de  gravidade  ;  sáo  reprcfcntadas  em 
fim  todas  as  perfeições  Divinas,  e  humanas.  Pe- 

KEIHA. 

(u)  Os  feus  Uhios  ,  ô-c.  Compara  os  labíos 
do  Efpofo  com  os  lirios  de  cor  de  purpura  ,  cjue 
sáo  na  Syria  os  mais  cftimados.  He  aqui  louvada 
a  fuavidadc  e  doçura  das  palavras  do  Efpofo,  em 
cujos  lábios  fe  derramou  a  graça.  Salm.  XLIV.  ^. 
c  dc  quem  fe  diíTe  :  Nunca  jârmis  homem  f aliou 
afpm  como  efie  homem:  Joan.  VII.  4^.  e  numa  rcf- 
polla  que  S.  Pedro  lhe  dco  :  Tu  tens  palavras 
de  vtda  cerna.  íd.  VI.  69.  Mencquio. 

(x)  ^  mais  preciofa  myrrha.  Os  lábios  dc 
Chrifto  difliillaváo  myrrha ,  porque  rcprehcndia  os 
peccadores,  e  os  exhorrava  á  penirencia,  eá  mor- 
tificação. Menoquio.  Tíra-fe  daqui  hum  documen- 
to imporrantiílimo  aos  Oradores  Evangélicos  ,  para 
que,  levados  do  defejo  de  confcguir  o  applaufo 
dos  homens,  não  feparem  jamais  da  fu3ve  doçu- 
ra da  Divina  palavra  a  fevcridadc  dos  Mandamen- 
tos da  Lei  do  Senhor.  Pereira. 

O)   As  fuas  mãoSf  <á^c.  Pelas  mãos  de  ouro. 


Capitulo   V.  337 
fl'itas  notornj,  cheias  de  jacinthos.  O 
feu  ventre  he  de  marfim  ,  guarnecida 
de  lanras. 

As 

ifto  he  ,  de  preço  infinito ,  fc  entendem  as  obras 
portentofas ,  c]ne  fez  o  Verbo  Eterno  fobre  a  terra 
para  falv.-içáo  do  género  humano.  Chamáo-fc  tor- 
neadas  ^  ou  feius  ao  torno,  pelo  roliça,  e  affufa- 
do  dos  dedos ;  no  cjue  fe  vem  a  figniticar  a  perfei- 
ção,  e  ajuftaJo  das  boa>  obras,  fegonio  BoíTuet. 
Os  Padres,  tomando  em  íenti  lo  aòlivo  a  pal.^vra 
tomatiles  ,  a  explicáo  da  induftria  ,  e  facilidade, 
com  que  Deos  fò  com  o  aceno  da  fua  vontade , 
c  impeno  da  fua  voz  ,  num  momento  faz  cum- 
prir no  Ceo  e  na  terra  os  decretos  da  fua  Provi- 
dencia. Também  o  eftrcm  cheias  de  jacinthos  de- 
noiáo  os  effe  tos  da  Divina  Mifericordia  para  com- 
nofco  ,  a  inflammada  caridade  ,  a  cândida  pureza , 
a  celeílial  fabedoria  ,  os  dons  do  Eíp-rito  Santo. 
No  ventre  de  marfim  fe  fymboliza  a  incorruptibili- 
dade  ,  e  a  perfeita  pureza  da  carne  de  Jefu  Chrifto  : 
nas  fafiras  por  ultimo  a  refulgencia  dis  acções  Di- 
vinas ,  que  no  meio  da  fraqueza  do  fen  corpo  mor- 
tal fe  divifava.  O  Hebrco  diz  :  fiias  mios  são 
como  anneis  de  ouro  ,  íjiic  tem  erigajtada  a  pedr.t 
tharfís.  As  fuás  entranhas  sao  como  hum  luftrofo 
marfim  ,  ou  huma  pyxidc  dc  mariim  ,  ou  eftáo 
fechadas  como  num  vafo  de  marfim  cravado  dc 
lafirasi  explicação,  que  approva  Calmct.  Quanto 
á  pedra  tharfís  ,  aflim  chamada  da  Província  cm 
que  fe  acha  ,  he  ella  d'  huma  cor  entre  roxa  e 
branca,  fegundo  adcfcripção  dc  certo  Hebrco  an- 
tigo por  nome  Aivcnccio.  Pereíka. 


338     Cantíco  nos  Cântico?. 

(z)  As  fuas  pernas  são  humas 
columnas  de  mármore  ,  que  eftão  fuf- 
tentadas  fobre  bafes  de  ouro.  (ao)  A 
fua  figura  he  como  a  do  Libano  ,  elle 
he  efcolhido  corno  os  cedros. 

16    (bb)  A  fua  garganta  he  fuavif- 

/ 

(z)  jis  Juds  pernas ,  ó^c.  Pelas  pernas  (  cuja 
bem  airofa  proporção  ,  alvura  ,  íolidez  ,  firmeza  , 
c  grolTura  dá  a  entender  a  Efpofa  )  fc  denotáo  os 
palies  c  acções  da  vida  de  Jefu  Chrifto  fobre  a 
terra ;  c  pelas  bafes  de  ouro  ,  a  caridade  c  mais 
virtudes ,  em  que  todas  eráo  fundadas.  Alguns  Pa- 
dres explicáo  efte  lugar  dos  Apoltolos ,  que  sáo  as 
columnas  da  Igreja  ,  Matth.  XVI.  18.  Paul.  I.  ad 
Coriníh.  III.  10.  ad  Galar.  II.  p.  adEphef.  II.  20. 
cujo  fundamento  he  o  mefmo  Chriílo  ,  conforme 
diz  o  mencionado  Apoftolo  ad  Corlnth.  III.  tí. 
Também  o  feu  corpo  myftico  eftriba  em  dous 
pés  ,  que  vem  a  fer  o  amor  de  Deos  ,  e  do  pró- 
ximo ,  tendo  por  bafe  de  ouro  a  Fe  ,  e  a  Efpe- 
rança,  que  dando-lhe  huma  fòlida  ,  c  inconculTa 
firmeza,  o  fuftemáo,  fortalecem,  reforçáo.  Pe- 
heira. 

(^aa)  A  fua  figura^  ^c.  Aílím  como  o  Liba- 
no excede  na  altura  aos  outros  montes  ,  e  o  ce- 
dro leva  grande  vantajem  ás  demais  arvores  dos 
bofques ;  aílim  aquelle  ,  a  quem  amo ,  fobrepuja 
tamííem  aos  outros  homens  na  altura ,  na  gala  do 
corpo,  na  fuavidade  dos  coftumes.  Calmct. 

(bb)  A  fua  garganta  Ix  fuavijjima.  PcU  do- 


Capitulo  V.  339 

Cma ,  (cc)  e  todo  elle  he  para  fe  defe- 
jar:  tal  he  o  meu  Amado  ,  e  tal  o  que 
he  verdadeiramente  meu  amigo  ,  filhas 
de  Jerufalem. 

As  Filhas  de  Jerusalém. 

17  {dã)  Para  onde  foi  o  teu  Amado, 
ótu,  que  es  a  mais  fermofa  de  todas  as 

mu- 

çura  das  palavras  ,  pelo  agradável  hálito  ,  pela 
fuavidâde  da  voz.  Bossuet. 

(cc)  E  todo  elle  he  para  je  defejar  :  Todo  hc 
para  í'e  defejar ,  cm  confcquencia  das  ch a m mas  do 
amor  ,  que  atêa  no  coração  de  quem  teve  huma 
vez  a  dita  de  o  conhecer ;  porque  elle  he  em  fim 
o  defcjado  de  todas  as  Gentes ,  Aggaei  11.  8.  ca 
faudade  dos  oueiros  eternos  ,  Genef.  XLIX.  i6. 
Pereira. 

(í/íí)  Para  onde  foi  o  teu  Amado  ^  é^c.  Reco- 
nhecendo aqucllas  donzellas  por  certo  a  juftifica- 
da  razão ,  que  tinha  a  Efpofa  para  com  todos  os 
aíTcclos  d'  alma  prezar  o  feu  Amado ;  pedem-lhc 
novamente  que  lhe  diga  onde  elle  eftá  ,  fe  o  fa- 
be ,  para  lho  ajudarem  a  bufcar ,  indo  em  fua  com- 
panhia. Daqui  fe  vê ,  como  explica  Saci ,  que  to- 
das as  Igrejas  ,  que  são  como  nafcidas  da  Igreja 
Apoftolica  ,  não  tem  podido  bufcar  com  feguran- 
ça  ao  Efpofo ,  fenáo  na  união  c  feguindo  a  dou- 
trina ,  c  as  pizadas  da  Igreja  primitiva  ,  fundada 
pelos  Santos  Apoftolos ,  que  foráo  c  fecão  até  o 


340     Cântico  dos  Cânticos. 
mulheres?  para  onde  fe  retirou  o  teu 
Amado?  e  nós  o  bufcarenios  comrigo. 

fim  dos  feculos  o  fundamento  do  edifício  efpirí- 
tual  dc  rodos  os  ChriíHos.  Veja-fc  S.  Paulo,  aos 
òcLfcfo  II.  ilf.  20.  Pereira. 

CAPITULO  VI. 

^  ^S^^J^  ^^^^^  o  jardim  de  Chriflo, 
Neila  acha  Chrijlo  as  Juas  delicias. 
Lindezas  da  Igreja,  Ella  he  o  único  oh- 
jeSlo  do  amor  de  Chrijlo.  A  fua  felici- 
dade faz  a  admiração  dos  Anjos,  lulla 
ao  mefmo  tempo  he  a  alegria  do  Ceo ,  e  9 
terror  das  Potejlades  do  Inferno. 

A  Esposa. 

I  {a)  Meu  Amado  defceo  ao 

fcu  jardim  ,  ao  canteiro 
das  plantas  aromáticas  ,  (b)  para  fc 

apaf- 

(/i)  O  meu  Amado  defceo  ao  feu  jardim.  Como 
fe  difíera  :  Não  fei  para  onde  foi  o  meu  Efpoío; 
mas  fiifpciro  ,  que  dcíceo  ás  aréolas  do  feu  jar- 
dim aromático.  Menoçuio. 

(^)  Para  fe  apafcent.ir  nos  jardim,  A  Efpofa  , 
depois  de  nomear  no  fin^ular  o  jardim  ,  a  que  fuf- 
pcitava  trr  defciJo  o  Efpofj  ,  que  no  fcntir  de 
todos  os  Padres  ,  c  Interpretes  hc  a  Igreja  Ca- 


Capitulo  VI.  341 

apafcentar  nos  jardins  ,  (r)  e  para  co- 
lher açucenas. 

2  (d)  Eu  fou  para  o  meu  Amado, 
e  o  meu  Amado  he  para  mim,  elle  he 
taJ ,  que  fe  apafcenta  entre  as  açucenas. 

O  Esposo. 

3  (e)  Fermofa  es  ^  amign  minha  , 
fuave  5  e  engraçada  como  Jerufalem  : 

ter- 

tholica  ,  nomea  no  plural  os  jardins  ,  em  que  o 
Eípofo  fe  apafcenta ,  que  sáo  as  Igrejas  particu- 
lares, de  que  fe  fórma  effa  univerfal  Igreja.  Saci. 

(c)  E  para  colher  a:ucenas.  Ifto  he ,  para  tirar 
das  miferias  deita  vida ,  e  collocar  no  Ceo  aqucl- 
las  almas,  que  adquirirão  a  perfeita  pureza,  figu- 
rada na  candura  ,  e  cheiro  da  açucena.  S.  Grego- 
rio Magno, 

(d)  Eu  fou  para  o  meu  Amado ,  é-c,  He  o  mef- 
mo  que  já  dillc  aHima  no  Capitulo  II.  verfo  16. 
Em  quanto  a  Efpofa  forma  tenção  de  entrar  no 
jardim ,  vê  ao  Eípofo  ,  e  rompe  neílas  palavras. 
Menoquio. 

(e)  Fermofa  es ,  é^r.  O  Hcbreo :  Fermofa  (ifto 
he  y  adornada  de  vircudes  de  todo  o  género)  es  ^ 
amiga  minha  ,  como  Therfa  ,  engrá(^ad^  como  'Je- 

-rufalem,  Therfa  era  huma Cidade  célebre  naTribu 
d'  Efraim  ,  Jofué  XII.  24.  c  Metrópole  da  mcf- 
ma  Rc2;iáo,  antes  de  fc  fundar  Samaria.  AUi  ha- 
viáo  eftabelecido  a  fua  Corte  Jeroboáo ,  e  os  pri- 
meiros Reis  d  ICracL  IIL  Reg.XlV.  17.  XV. 


34^     Cântico  dos  Cânticos.* 

(/)  terrível  como  hum  exercito  bem 
ordenado  pofto  em  campo. 

4    Aparta  os  teus  olhos  de  mim , 

por- 

A  amenidade  do  lítio  lhe  tinha  feito  dar  cfte  no- 
me dc  Therfa ,  ou  Thirzi ,  ifto  he  ,  cariflima ,  ju- 
cunda. Também  entre  as  Cidades  do  Oriente  era 
Jcrufaíem  a  mais  fermofa.  Por  onde  compara  Sa- 
lamáo  com  juftificado  motivo  a  Efpofa  com  as 
duas  Cidades  mais  fermofas  do  fcu  domínio.  A 
Igreja  de  Chriíto  he  fermofa  ,  como  Jcrufalcm  , 
náo  a  da  terra ,  mas  a  do  Ceo ,  Patria  de  todos  os 
que  sáo  verdadeiros  filhos  da  mefma  Igreja.  Sem 
embargo  de  íer  efta  vida  hum  deferto  ,  e  de  an- 
darmos ncfte  Mundo  feitos  peregrinos  ;  ainda  af- 
íim  todos  aquelles  ,  que  feguem  no  feu  culto  a 
communháo  e  a  doutrina  da  Igreja  Catholica  ,  c 
com  grande  defvclo  trabalhão  por  ferem  membros 
deftc  corpo  nobiliflimo,  cuja  Cabeça  he  Chrifto , 
já  com  a  fua  efperança  tem  prevenido  a  poffc  da 
celeftial  Jeru falem ;  já  sáo  contados  entre  os  fami- 
liares de  Dcos  ,  e  Cidadãos  do  Ceo ,  fegundo  a 
cxprefsâo  do  Apoftolo  ad  EphefAl.  19.  Calmet. 

(/ )  Terrível ,  ó'c.  Ou  terrível  como  hum  exer- 
cito formado  im  batalha.  Ou ,  fegundo  o  Hebreo , 
com  08  fcus  eílandarres  defpregados  ,  ou  bandeiras 
tendidas.  No  que  fc  dá  a  entender  o  quanto  devem 
cftar  prevenidos  contra  as  embofcadas  de  feus  ad- 
verfarios  todos  01  mortaes  ,  cuja  vida  he  fobre  a 
terra  huma  contínua  milicia  e  combate.  Job  VII.  i. 
vindo  aflim  a  compor  a  Igreja  por  iílb  chamada 
Militante,  Pelo  que  he  efta ,  como  nota  Boííuet , 
hama  imagem  da  Igreja  Catholica,  cuja  doutrina. 


Capitulo  VI.  343 

(g)  porque  elles  são  os  que  me  fizerão 

vo- 

c  fantidadc  hc  formidável  a  todas  as  Poteftades  do 
Inferno ,  c  do  Mundo ;  formidável  aos  demónios  , 
e  aof  tyrannos  j  formidável  aos  erros,  e  aos  vi-^ 
cios.  Pereira. 

(g)   Porque  elles  sSo  os  que  me  fizerao  voar,  Hc 
á  letra  o  que  diz  a  Vulgata  com  os  Setenta :  Quia 
ípfi  me  avolare  fecerunt.  He  como  fe  diíTera  o  Ef- 
pofo :  Se  tu  queres  que  cu  fique  na  tua  prefença  , 
abaixa  os  teus  olhos  ,  não  os  ponhas  em  mim , 
porque  náo  poíTo  fupportar  o  fogo  ,  c  vivacidade 
que  delles  fahe.  Exprefsáo  delicada ,  e  liíbngeira , 
que  dá  huma  nobre  idca  da  belleza  ,  e  da  magef- 
tade  da  F/pofa.  Alguns  Padres,  comoTheodorc- 
to ,  S.  Gregorio  ,  c  Beda  ,  explicáo  iílo  dos  que 
querem  penetrar  com  demaziada  curiofidade  os 
Myfterios  da  Religião ,  aos  quaes  diz  Chrifto  que 
apartem  dahi  os  olhos,  fenáo  que  elle  fe  retirará. 
Mas  o  que  parece  mais  n?.tural  ,  he  entender  ef- 
las  palavras  doFfpofo  nomefmo  fentido,  em  que 
Deos  dizia  a  Moyrés  ,  Exod.  XXXII.  10.  Nao 
me  rosques  ,  mo  detenhas  o  furor  do  meu  bra(^o ; 
deixa-me  de{iruir  efie  Povo  ingrato^  e rebelde.  Nas 
quací  palavras  o  que  Deos  intentava  era  excitar  a 
Moyfés  a  ro^ir  ainda  com  maior  ardor  pelo  Po- 
vo.   Da  mefma  forte  ,  quando  o  Senhor  diz  a 
Jeremias  ,  que  lhe  náo  falle  mais  nos  Judeos  ,  c 
i  que  náo  quer  que  Jeremias  lhe  rogue  mais  por  el- 
I  les  ;  ifto  he  ,  como  fe  o  Senhor  diíTeíTc  a  Jere- 
'  mias  :  Se  tu  continuas  a  pedir  ,  eu  náo  poderei 
;  refiftir  ás  tuas  infâncias.  He  cita  huma  agradável 
I  violência  ,  i'\z  Tertulliano  ,  que  as  almas  fantas 
I  ^em  a  Deoj.  Bossvet  ,  s  Calvet. 

I 

I 


344     Cântico  dos  Cânticos. 
voar.  ih)  Os  teus  cabellos  são  como  o 
rebanho  das  cabras  ,  que  apparecêrão 
de  Galaad. 

5*  Os  teus  dentes  são  como  hum 
rebanho  d' ovelhas  ^  que  fubírão  do  la- 
vatório, tendo  todas  feus  dous  cordei- 
rinhos  gémeos,  e  nenhuma  entre  ellas 
he  eíleril. 

6  AíTim  como  he  a  cafca  da  romã, 
aíllm  são  as  tuas  faces  ,  não  fallando 
no  que  cílá  efcondido  dentro  de  ti. 

7  (/)  SãofeíTenta  as  Rainhas,  eoi- 

ten- 

(h)  Os  teus  cdbellos ,  ó^c.  Ncfte ,  e  nos  dous 
verficulos  fcguintes  repete  o  Eípofo  os  mcrmos 
louvores ,  que  já  aílima  tinha  apregoado  da  Efpo- 
fa  no  Capitulo  IV.  verf.  i.  2.  i^.  Calmet. 

(/)  São  feffenta  as  Rainhas^  é^c.  Como  en- 
tre os  Judeos  na  moeda  corrente  daquellcs  tempos 
era  tolerada  a  polygamía ,  além  d'  ourra»  razoes 
myfteriofas,  até  pelo  defejo  ,  e  erperança  que  li- 
nháo  de  íerem  pais  do  Meííias ;  por  efta  «aufa  fe 
viáo  nos  Palacios  dos  Reis  d'  Ifrael  as  que  aqui  fc 
chamáo  Rainhas  ,  que  eráo  filhas  dos  Príncipes 
vizinhos  ,  e  mulheres  da  primeira  ordem  ;  as  que  ] 
fc  chamáo  concubina^  ,  que  ,  fuppofto  ferem  mu» 
Iheres  legitimas ,  eráo  da  fegunda  ordem ,  e  d'  in*' 
ferior  condição  ,  c  defpofadas  com  menos  folem- 
nidade ,  náo  gozando  por  iíío  da  honra  ,  e  privi- 
legio das  primeiras,  Gencf.XXV.^.  XXXV,  22; 


I 


'  Capitulo  VI.  345r 
tenta  as  concubinas  ,  ,e  hum  numero 
fem  numero  de  moças. 

Ha- 

as  que  fe  cíiamão  moinas ,  que  ou  crão  as  Damas , 
que  eftâváo  deltinadas  para  delias  le  efcolhercm 
as  que  haviáo  de  fer  Rainhas,  ifto  he,  mulheres 
da  primeira  ordem  ,  como  fc  vê  com  pouca  dif- 
ferença  no  cafo  d  AíTuero,  Efther  II.  2.  ^.4. 12  ; 
óu  as  ferventes  do  Paço.    Hc  também  de  notar 
que  não  lendo  fó  feíTenta  Rainhas ,  e  o  icnra  con- 
cubinas Salr.máo  ,  como  confia  do  terceiro  Livro 
dos  Reis  XI.  ^.  entendem  huns  ,  entrcUcs  Saci, 
que  o  fentido  deftas  palavras  he  geral  ,  c  que  fc 
náo  appiicáo  cm  particular  a  Salamáo,  tomando- 
fe  aqui  o  numero  definido  pelo  indefinido  :  ou- 
tros,  como  Calmet ,  fcguem  que  Salanrão,  quan- 
do efcreveo  efte  Livro  ,  ainda  náo  tinha  tão  ex- 
ceííivo  numero  de  mulheres ,  como  depois  veio  a 
:    ter  ,  o  qual  numero  fobre  grande  multidão  delias 
I    ferem  eítrangeiras  junto  com  a  cubiça  do  dinhei- 
;    roj  centra  a  prohibiçáo  expreíTa  da  Lei  de  Deutc- 
\   ronomio  XVII.  17.  he  que  deo  a  través  com  tão 
\   grande  Monarca  noabyfmo  da  íua  ruina.  lílo  pof- 
!  to,  diz  Salamáo,  fegundo  a  intelligcncia  de  13of- 
\   fuet  e  Calmet ,  que  fendo  tantas  as  que  rlle  tem 
:    para  oftentaçáo  da  fua  magnificência,  huma  fó  he 
I   comtudo  a  que  elle  mais  ama  ,  e  mais  diftingue  , 
!;  que  he  a  filha  de  Faraó,  com  quem  prime  ro  ca- 
[  íou.  No  fenrido  efpiritual  eftas  rres  ordens  fignifi- 
I   cão  os  trcs  eltados  das  almas :  de  forte  que  debai- 
xo do  nome  òc  Jíainh^s  fe  enten-iáo  as  almas  per- 
;  feitas  ;  debaixo  do  nome  de  concubinas  ,  as  que 
fc  váo  adiantando  no  caminho  da  virtude  3  dcbai- 


34<^     Cântico  dos  Canticx)S. 
8    Hiima  fó  he  a  minha  pomba ,  a 
minha  perfeita  ,  (/)  ella  he  a  única 
para  fua  mai  ,  efcolhida  pela  que  lhe 
deo  o  ler.    {pi)  As  filhas  a  víráo  ,  e 

el- 

xo  do  nome  de  moç^as ,  as  que  principiáo,  A  única 
porém  ,  ou  a  crpccinímentc  amada ,  hc  a  pcífei- 
tiílima  enrre  as  perfeitas  ,  que  já  parece  que  vive 
com  o  feu  Eípolo  no  Ceo  :  c  cfta  hc  hum  fym- 
bo!o  da  Igreja  Triunfante.  Também  fe  pôde  allc- 
§ori2ar  que  efta  única,  ou  efta  perfciiiílíma  entre 
as  ptitciícis ,  hc  a  Igreja  Romana  ;  a9  fejjcnta  Rai- 
nhas as  Igrejas  Metropolitanas;  as  oitenta  concubi' 
tias  as  Epiícopaes  ;  as  mocas  fem  numero  as  Pa- 
roquias. Pereira. 

(/)  £lla  he  a  única  para  fua  mãi ,  ^f.  Allim 
como  qualquer  pomba  deve  ter  por  mài ,  fcgundo 
a  ordem  natural ,  outra  pomba ;  do  meímo  modo 
a  Igreja,  fendo  a  pomba  ,  de  que  aqui  fe  falia, 
tem  myíticíimcntc  por  mái  a  Divina  Pomba  ,  o 
Efpirito  Santo  ,  que  no  dia  de  Pentecoftes  a  for- 
rrou,  deixando-a  aílim  animada  para  moílrar  fet 
cm  tudo  fruto ,  e  obra  do  fcu  amor.  Também  no 
fentir  dos  Padres  ainda  por  efta  rrái  fe  pôde  en- 
tender a  Jerufalem  celeftial  ,  ou  Igreja  Triunfan- 
te ,  cujo  modelo  e  exemplo  imitando  com  grande 
cuidado  a  Militante ,  procura  fazcr-fe  digna  de  rei- 
nar, como  ella,  com  Jefu  Chrifto.  Sací. 

(w)  j4s  filhas  a  virão  ,  e5?  e.  D'  aqui  fe  vè  o 
fupremo  auge  do  merecimento  daEfpoía  ,  c  a  van- 
lajem  que  levava  ás  outras ,  que  aílim  a  engrande- 
cem ,  moftrando  neftes  fcus  elogios  a  vontade  qué 
as  acompanha  de  siípirar  ás  pci leilões  que  ncUa 


Capitulo   VI.  347 

cilas  a  apregoarão  pela  mais  bemaven- 
turada  :  vírao-na  as  Rainhas  5  e  as  con- 
cubinas ,  e  lhe  derao  muitos  louvores, 

9  Qijem  he  efta  ,  que  vai  cami- 
nhando (w)  como  a  aurora  quando  fe  le- 
vanta ,  fermofa  como  a  Lua ,  efcolhi- 
da  como  o  Sol ,  (c?)  terrivel  como  hum 
exercito  bem  ordenado  pofto  em  cam- 

P^'  A    E  s  p  o  s  A. 

10  {p)  Eu  defci  ao  jardim  das  no- 
gueiras ,  para  ver  os  pomos  dos  val- 

Tom.XL  Z  lesj 

admirão  ,  c  cíc  gozarem  da  fúa  felicidade  ,  que 
tanto  as  aíTombra  ,  arrebara  c  encanta.  E  cfte  he, 
fegundo  Boííuet  ,  o  fim  do  quarto  dia.  Pereira. 

(w)  Como  a  aurora  ^  ^c.  A  Igreja  foi  como 
Aurora  antes  da  Lei  Efcrita  ,  como  Lua  debaixo 
da  mefma  Lei  dc  iMoyfcs,  como  Sol  debaixo  da 
Luz  do  Evangelho.  Menoquio. 

(0)    Terrivel  ,  ^c,  Vcja-fe  aííima  o  verfo  5. 

PeREÍ  RA. 

(p)  Eu  defci  ^  úx.  Tendo  já  no  verfo  antece- 
dente o  Efpofo ,  ou  ,  como  querem  outros ,  o  coro 
das  filhas  de  Jerufalem  ,  acabado  por  meio  d'  hu- 
ma  auxeíis  de  comparar  a  Efpofa  com  o  clarão 
da  Aurora  ,  com  a  luz  da  Lua  ,  e  com  a  rcful- 
gcncia  do  Sol  ,  cheia  toda  de  formidável  fobera- 
ría  c  ixiagcftâde  j  icfponde  agora  a  meíma  Efpo* 


348     Cântico  dos  Cânticos. 
les  ,  e  para  examinar  fe  a  vinha  tinha 
lançado  flor  ,  e  fe  as  romans  tinhão 
brotado. 

Eu 

fa,  dizendo:  Que  o  ver-fe  ella  aíTemelhada  neíla 
fua  diiofa  elevação  ao  refplendor  de  tantas  luzes  , 
he  por  haver  defcido  primeiro  ao  mais  profundo 
do  abatimento  e  da  humildade  (como  do  íea  pró- 
prio Éfpofo  affirma  o  Apoílolo  aos  de  Efcfo  IV. 
9. )  e  tolerado  com  reíignaçáo  as  amarguras  da 
vida  preícnte  ,  fignificada  no  jardim  dds  noguei' 
ras ,  tendo  procurado  náo  fó  tomar  á  fua  conta  o 
cuidado  dos  feus  irmãos,  o  qual  fe  denota  no  exa- 
me dos  pomos  dos  valles  ,  mas  ainda  o  de  promo- 
ver a  prácica  e  oexercicio  das  virtudes  fignificadas 
nos  outros  fratos  de  que  aqui  fe  faz  mcnçáo  ;  vin- 
do a  ter  a  Eípfa  neÔa  defcida  o  fim  dc  vifitar  c 
aperfeiçoar  os  frutos  da  vinha  do  Senhor.  E  tal 
he  a  intelligencia  dos  Interpretes ,  que  fazem  aqui 
fallar  a  Efpofa.  Porém  outros,  parecendo-lhes  fer 
aílim  mais  natural ,  introduzem  a  fallar  o  Efpofó 
acudindo  a  fatisfazer  ao  reparo  que  havia  dc  fazer 
a  Elpofa  em  lhe  ter  dado  a  ella  o  trabalho  de  o 
bufcar ,  pois  fc  retirára  da  fua  porta  j  e  ncfta  con- 
formidade faz  a  faber  oEfpoío  á  fua  Amada  que, 
cm  quanto  ella  fe  demorou  em  lha  abrir ,  defeco 
cUc  a  examinar  o  citado  do  fcu  jardim  ,  para  dac 
as  nccelTarias  providencias  a  tudo  quanto  houvef- 
fe  mifter.  Rcprefcniáo-fe  pois  neftas  palavras  at 
duas  Igrejas  ,  a  do  Antigo ,  e  a  do  Novo  Teíla- 
mento.  E  verdadeiramente  o  Meflias  ,  vindo  á 
Synagoga  ,  fe  manifcílou  a  todos  como  ul ,  cum? 


Capitulo  VI.  349 

II    (q)  Eu  não  no  foube :  a  minha  ^ 
alma  toda  me  fez  turbar  por  caufa  daS 
quadrígas  d'Aminadab. 

Z  ii  As 

pTÍnJo  as  figuras  e  profecias  ,  que  dclle  eftaváo 
feitas  ,  e  quebrando  a  cafca  da  noz  ,  viílo  correi 
as  cortinai  ao  fentido  da  letra.  Ora  ?s  arvores  de 
fruto  plantadas  nos  valles,  que  clle  principalmen- 
te veio  vifitar  ,  denotáo  as  Almas  humildes  c  an- 
ciofas  que  efperaváo  pela  íua  vinda.  Também  a 
Caía  d' Ifracl  (IGii.  V.  7.)  he  íignificada  na  vi- 
nha ,  que  veio  ver  fe  fiorecia ;  mas  porque  cila  foi 
cfcafTa  no  fruto  que  deo  ,  entrou  a  cultivalla  com 
grande  trabalho,  paciência  ,  c  manfídáo  ,  elegen- 
do os  Apoílolos  5  figurados  nas  romans  ,  dos 
quaes  fe  ícrvio ,  como  de  homens ,  que  daváo  eí- 
pcrança  de  mais  copiofo  fruto ,  para  fazer  foar  as 
trombetas  do  Evangelho  aos  ouvidos  da  Gentili- 
dade por  rodo  o  globo  da  terra.  Pereira. 

\^q)  Eu  nao  no  fouhe ,  fó^c.  Paliando  aqui  a 
Efpofa  ,  vem  eífa  a  dizer  alíim  :  Em  quanto  eu 
me  occupo  nefte  exercício  de  caridade,  náo  fou- 
be o  coTJo  fiquei  fóra  de  mim  mcíma  fobreíal- 
tada  e  efpavorida  ;  porque  náo  tratando  troais 
que  do  bem  e  falvaçáo  de  meus  irmãos  ,  deráó 
lodos  fobre  mim,  como  incitados  pelo  demónio, 
<fue  era  o  feu  cabeça  ,  c  que  para  me  perturbar , 
fc  valia  delles  ,  como  de  quadrígas  d'  Aminadab. 
Julça-fe  que  cite  devia  de  fer  al^í^um  Capitão  fa- 
itiofo  pela  vflocidaJe  das  fuas  carroças.  A- 
quila ,  Symmaco ,  e  o  Author  da  chamada  Quin- 
Ú  Ediçáo  3  tomiáráo  Amírtaíab  náo  como  nome 


35:0      Cântico  dos  Cânticos. 


As  Filhas  de  Jerusalém. 

1 2    Volta  ,  volta  (r)  ó  Sulamítis : 

vol- 

proprio ,  mas  como  appellativo ,  vertendo  por  cau' 

ja  das  carroças  do  condutor  do  Povo :  o  que  Thco- 
doreto,  como  adverte  Calmec,  entende  do  demó- 
nio. Príncipe  do  Mundo.  Também  oscjue  no  vcr- 
fo  antecedente  íizeráo  fallar  o  Efpofo  ,  pondo  cf- 
tas  palavras  na  boca  da  Efpofa  ,  como  Menoquio  , 
fazem-na  refponder  do  feguime  modo:  Náo  fabía 
que  linhas  dcfcido  ao  jardim  das  nogueiras ;  fe  o 
íoubera  ,  ter-mc-hia  livrado  d'  hum  grande  cuidar 
do  ;  pois  temi  que  te  fuccedeiTe  de  noite  algum 
defaftre  no  cafo  que  te  encontraíTei  com  as  qua- 
drígas  d'  Aminadab  ,  c  elle  ,  como  fe  foíTe  hum 
vadio  j  te  maltrataííe.  Nas  quaes  palavras  ,  toma- 
das em  fcntido  myftico  ,  fe  enrende  a  Synagoga 
confeíTando  algum  dia  ,  quando  fe  converter  ,  a 
íua  voluntária  cegueira  e  ignorância  de  náo  conhe- 
cer o  Meííias  que  a  vifitou  ,  perturbando-fe  por 
ver  que  o  Povo  dos  Gentios  o  rcconhccco  e  ado- 
rou ,  vindo  ella  por  iíTo  a  permanecer ,  e  a  obftinar- 
fe  cada  vez  mais  na  fua  incredulidade.  A  fallar 
porem  neíte  verfo  o  Efpofo ,  virá ,  fegundo  Cal- 
met,  a  dizer  :  Náo  íei  como  ifto  foi  :  o  que  fci 
he ,  que  cheguei  ao  jardim  das  nogueiras  com  hu- 
ma  velocidade  tal ,  como  fe  arrebatadamente  fora 
levado  pelas  quadrígas  d' Aminadab.  Pereira. 

(r)  O'  Sulamítis.  Nome  feminino ,  que  íigni- 
fica  o  mcfmo  que  pacifica ,  fegundo  verteo  Áqui- 
la :  para  que  o  nome  da  Efpofa  CQncordc  com  9 


Capitulo  VI.  35'! 

volta  ,  volta  ,  para  que  nós  te  mire- 
mos. 


CA- 

do  Eípofo  ,  que  hc  SaUmao  ,  ejuc  tambcm  quer 
dizer  pacifico,  fcgundo  BolTuet.  As  companheiras 
da  Efpofa  vendo  que  ella  fe  hia  já  retirando  com 
o  feu  Amado  ,  lhe  pedem  com  agonizadas  e  re- 
petidas inftancias  que  pare,  c  fe  deixe  ver  delias, 
que  tanto  gofto  faziáo  diíTo ,  e  táo  encantadas  ef- 
taváo  da  fua  gentil  prefença.  E  tal  he  a  intellí- 
gencia  literal  de  Calmet ,  a  qual  ainda  clle  corro- 
bora mais  com  as  primeiras  palavras  do  verfo  pri- 
meiro do  Capitulo  fcguinte  da  Vulgata  ,  que  no 
Hebreo  c  nos  Setenta  dizem :  Que  vereis  vós ,  ^c. 
No  fcntido  myftico  julga-fe ,  que  as  Almas  fieis  , 
leprelcntadas  nas  filhas  dejerufalem  ,  com  ancio- 
íos  defejos  (que  bem  manifcíiáo  na  palavra  vol- 
ta quatro  vezes  repetida)  convidáo  aqui  a  Syna- 
goga ,  cuja  figura  ,  fegundo  o  mefmo  Calmet , 
vem  a  fer  Sulamitis  ,  e  a  exhortáo  a  que  reco- 
nheça o  íeu  verdadeiro  Meflias  ,  para  náo  per- 
der por  mais  tempo  o  gozar  da  fua  formofura. 


35"^     Cântico  dos  Cânticos. 


CAPITULO  VII. 

A  Igreja  na  terra  co  npôe-fe  àe  bons  ^  c 
PUÍ  os,  Ella  a  hum  nirfmo  tempo  eflá  em 
alegria^  e  em  írijleza  \  em  efperança  ^ 
e  em  temor.  No  Ceo  he  toda  pura  ,  e 
toda  fermofa,  A  fua  alegria  ,  e  a  fua 
felicidade  são  alli  perfeitas  ^  e  ella  faz 
as  delicias  do  Rei  CelefiiaL  Todo  o  de- 
fejo  da  Igreja  nefte  Mundo  he  unir-fe 
com  Chrtfio  feu  Efpofo  ,  e  dar-lhe  as 
mais  f enfreeis  mojiras  da  fua  grati- 
dão ^  e  do  feu  amor, 

O  Esposo. 

I   W  í  ^  Ue  verás    tu    na  Su- 
1  emitis  5    fenão  córos 
dc  mufica  nu  campo  dos  cxerciroíí  ? 

a^c 

{&)  Que  ver  As  tu  tia  Sul  mi  tis ,  é>^e.  Dc  Car- 
rlcres  póe  eftc  ver  lo  na  boca  da  Eípofa  ,  c  os  fc- 
guinics  aic  o  verío  lo.  cxclufi vãmente  na  das  fi- 
lhas dc  Jcrufalcm,  Eu  fegui  a  figuração  dc  Cal- 
mct ,  fem  reprovar  a  dos  outros.  As  palavras  da 
Vul^ta  dizem  á letra:  Que  verás  tu  na  Sulamítis  y 
fenao  córos  de  arraiaes  1  He  pois  o  fcniido  que  na 
convertida  Synagoga  fó  fc  veráo  córos  c  cfqua- 
drQcs  dc  gcncc  ,  que  ,  cmbraçando  o  cfcudo  óà 


Capitulo  VII.       3 5*3 

(J?)  Qje  airofos  são  os  teus  paflbs , 
ó  filha  do  Príncipe  ,  no  calçado  que 
trazes  !  {c)  As  juntas  das  tuas  coxas 

são 

Fé  ,  não  fó  peleje  contra  os  inimigos  do  Efpo- 
fo  refoluta  a  derramar  o  próprio  fangue ;  mas  en- 
toe cânticos  de  entranhivcl  jubilo  para  engrande- 
cer o  verdadeiro  e  único  Reparador  do  género  hu- 
mano. Ou  também  ,  fegundo  outros  ,  que  nas 
mãos  da  Eípofa ,  que  he  a  Igreja ,  fe  vem  armas 
para  combater  contra  os  inimigos  doEfpofo,  e  naf 
boca  íc  lhe  ouvem  cânticos  d'  acções  dc  graças 
cm  reconhecimento  de  que  Deos ,  fegundo  a  cx- 
prefsâo  do  Apoftolo  nalí.  aos  dc  Corintho  II.  14. 
a  fdz  fempre  triunfir  em  Jefu  Chrifto.  Pereira. 

Q>)  Ouc  airofos  sao  os  teus  j^ã[fo^ ...  no  calqtt- 
do  que  trazes !  Eftes  airoíos  paífos  da  Efpofa  sáo 
os  que  a  Igreja  deo  com  os  pés  dos  Apoftolos, 
levando  ©Evangelho  a  todas  as  partes  do  Mundo, 
fegundo  aquillo  d  ifaias,  LU.  7.,  c  de  Nahum  , 
I.  15.  citado  ao  mefmo  propofito  por  S.  Paulo, 
Rom.  X.  15.  Que  fermofos  são  os  pés  dos  que  an^ 
mnciao  a  paz  ,  dos  que  annunciao  todos  os  bens, 
O  calçado  da  Efpofa  íignifica  nos  Apoílolos  a  dif- 
pofição ,  c  prrparaçáo  interior  com  que  ellcs  dif- 
corrêráo  por  toda  a  terra  ,  refolutos  a  diífeminar 
a  verdade  ,  a  pczar  de  todos  os  obitaculos.  Saci  , 

e  BoSSUET. 

(c)  As  juntas  dãs  tuas  coxas ,  (^'C,  S.  Grego- 
rio Magno  ,  c  S.  Bruno  d'  Aíti  allegorizão  ,  que 
pelas  duas  coxas  da  Efpofa  fc  devem  entender  os 
dous  Póvos  Judaico  c  Gentílico ,  que  a  Igreja  gc- 


35'4     Cântico  dos  Cakticos. 
são  como  huns  collares  ^  que  forao  fa- 
bricados por  mão  de  meftre. 

2  (d)  O  teu  embigo  he  huma  taça 
feita  ao  torno  ,  que  nunca  cftá  dcfpro- 

vi- 

rou  para  lefu  Chrifto ,  chamando-os  á  Fé  :  pelas 
fuas  juntas  a  uníáo  dos  mcfmos  dous  Pó  vos.  Qu- 
iros com  Calmet  sáo  dc  parecer ,  que  eftas  juntst 
íignificáo  o  encadeamento  das  virtudes  humas  com 
QUtras.  Pekeira, 

(^)  O  teu  embigo  j  ^c.  Oveftido  muito  fino, 
c  tranfparente  ,  de  que  ufaváo  as  mulheres,  dava 
lugar  a  que  fc  lhes  divifaíTe  o  embigo ,  como  ain- 
da hoje  íe  vè  em  varias  Eftatuas  antigas.  E  os 
Orientaes  ,  ainda  por  amor  da  faude ,  coftumaváo 
ungir  iodo  o  corpo  ,  e  principalmente  o  embigo, 
de  cheiros  preciofos.  Daqui  vem  comparar-fe  o 
mbigo  da  Efpofa  a  huma  taça  feita  ao  torno ,  c 
cheia  de  licor.  Ora  o  mbigo  na  frafe  da  Efcritu- 
ra  loma-fc  por  hum  nafcimento  efcuro  ,  c  fordido  , 
fegundo  aquillo  de  Ezequiel ,  XVI.  ^  4. 5  Palian- 
do da  Synagoga :  A  tua  raiz  vem  da  terra  de  Ca- 
naan :  e  no  dia  do  teu  nafcimento  vão  te  foi  corta- 
do o  embigo^  nem  tu  folie  lavada  na  agua  para  f ai- 
vacao.  Por  tanto  o  embigo  da  Efpofa  ,  que  parece 
dcíignar  o  feu  nafcimento  ,  e  o  peccado  que  to- 
dos contrahimos  no  noíTo  primeiro  pai  ,  hc  náa 
fomente  cortado  ^  mas  cheio  d"  hum  excelicnte 
licor,  como  para  íígnificar  a  extinção  dos  pecca- 
dos ,  c  a  abundante  intusáo  da  graça.  Calmet  c 

BOSSUET, 


Capitulo  VII.  35*5' 

vida  de  licor,  (e)  O  teu  ventre  he  co- 
mo hum  monte  de  trigo  cercado  d' açu- 
cenas. 

3  (/)  Os  teus  dous  peitos  são  co- 
mo dous  cabritinhos  gémeos  filhos  da 
cabra  monteza. 

4  is)  ^  pefcoço  he  como  hu- 
ma  torre  de  marfim.  Os  teus  olhos  são 

CO- 
CO O  teu  ventre ,  ^C,  He  claro ,  que  o  com- 
parar-fe  o  ventre  da  Efpafa  a  hum  monte  de  tri' 
go  ,  hc  por  caufa  da  fertilidade  da  Igreja;  c  que 
o  dizcr-fe  cíTe  monte  de  trigo  cercado  d'  açU" 
cenas  ,  hc  por  caufa  da  candura  da  caftidade ; 
pois  que  a  Igreja  hc  tão  cafta  ,  como  fecunda. 

BOSSUET. 

(/)  Os  teus  dous  peitos ,  ó-c.  Veja-fe  aflima 
o  Capitelo  IV.  5.  Pereira. 

(^)  O  teu  pefcoço  ,  &'C.  Pelo  pefcoço  da  Efpo- 
fa  sáo  fi^nilicados  os  Pregoeiros  e  Doutores  Evan- 
gélicos ,  órgãos  da  voz  c  da  doutrina  da  Igreja : 
pelos  olhos  fc  entendem  ou  os  Prelado?,  Bilpos, 
c  Pc. flores  5  que  sáo  como  fcntinellas  e  fobrcrol- 
das  da  Igreja  ;  ou  a  redla  intenção  com  que  clU 
obra  ,  ou  a  perfpicacia  ,  que  moflra  cm  penetrar 
os  Divinos  Myfterios :  peio  nariz  hc  fymbolizada 
cm  fim  a  agudeza  do  juizo  ,  a  prudência  ,  e  o 
difccrnimcnto  dos  cfpiritos  ,  e  das  difFerente^  caf- 
tas  dc  lepra  ,  o  íaber  diíFercnçar  as  virtudes  dos 
Vicios^  o  erro  da  verdade.  Pereira, 


35'ó      Cântico  dos  Cânticos. 

como  Qo)  as  pifcinas  d'  Hefcbon  ,  que 
eftão  fituadas  á  porta  da  filha  da  mul- 
tidão. O  teu  nariz  hc  como  a  torre  do 
Libano,  que  olha  para  Damafco. 
5"  (/)  A  tua  cabeça  he  como  o  mon- 
te 

(h)  Âs  pifcinas  d'  Hefebon.  Por  cftas  pifcinas 
d'  Hefebon  sao  ,  conforme  a  intclligencia  dos  In- 
terpretes ,  denotadas  as  aguas  do  Baptiffno ,  ou  as 
do  fegundo  Baptifmo  labonofo  da  Penitencia  :  pela 
porta,  junto  da  qual  ellas  ellaváo,  chamada  aqui, 
por  hum  Hebraiímo ,  da  filha  da  multidão  ,  ifto  he  , 
aonde  coítumava  concorrer  huma  grande  immen- 
fidadc  de  Povo  ,  fe  entende  .  como  explica  Mc- 
noquio ,  Jefu  Chrifto ,  que  a  fi  mefmo  íe  denomi- 
nou porta  das  ovelhas  ,  Joan.  X.  7.  por  onde  ne- 
ceíTariamente  devem  de  entrar  todos  os  que  háo 
de  fer  moradores  do  Reino  dos  Ceos.  Quanto  á 
torre ,  com  a  qual  ,  fegundo  o  coftume  das  com- 
parações dos  Orientaes  ,  he  aííemelhado  aqui  o 
nariz  da  Efpofa  ,  o  qual  tomaváo  ainda  aquelles 
Póvos  pela  grandeza  ,  gloria  ,  brio  ,  e  elevação 
de  pcnlamentos  ,  Icvantava-fe  ella  fobre  o  monte 
Líbano  ,  c  fervia  aos  Judeos  como  d' atalaia  nas 
fronteiras  de  Damafco,  para  defcortinarem  dalli  os 
movimentos  dos  Syrioi  feus  inimigos  ,  que  mui- 
tas vezes  coftumaváo  entrar  na  Judéa  a  fazer  fuas 
invasões  e  arremetidas.  Pereira. 

(/)  A  tua  cabeia  he  como  o  monte  Carmelo ,  (é^c. 
Comparando  aqui  o  Efpofo  a  cabeça  da  Efpoía  ao 
Carmelo ,  monte  da  Palcftina ,  que  ficava  na  Triba 


Capitulo   VIL  3^7 

te  Carmelo  :   (/)  e  os  cabcllos  da  tua 

cabeça  são  como  a  purpura  do  Rei 

(m)  atada  ,  e  tinta  duas  vezes  nos  ca- 

naes  dos  tintureiros.  ^  ^ 

Quão 

d'  líTacar ,  elevado  c  ameno  pelas  vinhas  ,  e  arvo- 
res,  de^quc  fe  vcltia  ,  fempre  viçofas  e  ff  uéli feras ; 
motha  fer  eila  mais  alta ,  ornada  ,  e  fermola  do  que 
â  das  outras  mulheres.  Ora  a  Cabeça  da  Igreja  ,  co- 
mo diz  o  Apoftolo  aos  de  Efeío  V.  2  ^.  hc  Chrifto , 
que  pe.Q  merecimento  da  fua  Paixáo  ,  e  afFrontofa 
ignominia  da  fua  Morte  ,  foi  exaltado  á  immenfa 
gloria  de  Redcmptor  do  Mundo,  triunfando  do  In- 
ferno ,  e  enchendo  de  todos  os  bens  e  dons  imaginá- 
veis aos  membros  da  mefma  Igreja  ,  como  fc  vê  do 
mencionado  Apoftolo ,  Roman, VIII.  ^2.  Pereira. 

(/)    E  os  cabellos  ,  Veja-íe  aílima  o  Ca- 

pitulo IV.  I.  Pereira. 

(rn)  Atãda  ,  e  úntA  duas  vezes  nos  canaes  dos 
tintureiros,  A  Vulgara  diz  fomente  vitíãa  canali- 
bus ,  atada  nos  canaes.  O  Hcbreo  he  que  accref- 
ccnta  ,  in  purpurariorum  canalibus  alligata  ,  ut  bis 
tir\gAtur :  atada  nos  can  \es  dos  tintureiros  para  fer 
tinta  du^s  vezes.  E  allim  vertem  aqui  todos  os  Fran- 
cezes.  Comparáo-fe  pois  neftc  Iug=».r  os  cabellos  da 
Efpofa  com  as  meadas  de  feda ,  ou  de  lá  ,  que  fe 
deítináo  para  tecer  os  mantos  e  purpuras  Reaes.  Chri- 
fto, como  explica  Menoquio ,  fendo  todo  tinto  de 
purpura  pela  caridade  ,  atando  ao  madeiro  da  Cruz 
nos  canaes  de  fuas  feridas  aos  verdadeiros  Fieis , 
ue  sáo  como  os  cabellos  ,  que  da  cabeça  pen- 
em ,  c  nclla  tem  a  fua  raiz ,  tinge-os  duas  vezes 


358      Cântico  dos  Cânticos. 

6  (n)  Quão  fermofa  ,  e  quáo  en- 
graçada es  y  (0)  ó  Cariíllma ,  nas  deli- 
cias ! 

7  (Z^)  A  tua  cftatura  he  aíTeme- 

Iha- 

cõm  o  dobrado  luftrc  do  amor  dc  Ocos,  c  do 
próximo.  Alguns,  fcguindo  a  propriedade  da  lín- 
gua Hcbrca  ,  interpretão  eftc  lugar  do  reguinte  mo- 
do:  E  05  cabetlos  da  tua  cabeça  são  como  purpura : 
o  Rei  fe  acha  atado  (  ou  prezo  )  aos  canaes  y  vem 
a  dizer ,  pendente  dos  mefmos  cabcllos  por  amor 
c  afFeiçáo  da  engraçada  lindeza ,  que  nelics  acha. 
Outros  ,  entendendo  conforme  aos  Setenta  a  pa- 
lavra Rehatim  (que  fcgundo  já adverrio  A  Lapide  , 
tanto  pôde  fignificar  no  H^breo  canaes ,  como  tra- 
ves^ náo  duvidáo  verter  aflim:  A  madeixa  da  tua 
cabeça  he  como  purpura  :  o  Rei  atado  em  pão 5  atra- 
vejfados  ,  ou  como  purpura  de  Rei  atado  em  pâos 
dtravc(fados  :  no  que  fe  vem  a  declarar  a  Craciíi- 
xâo  5  c  o  derramamento  do  Sangue  de  Jefu  Chri- 
íto,  e  fe  denota  que  os  pcnfamentos  c  meditações 
da  Igreja  fe  tingem  no  mencionado  Sangue  dc  táo 
amorofo  Redempior.  Pereira. 

(«)  Quão  fermofa ,  Cb-f.  Nefte  eplfoncma ,  ou 
exclamação  falia  o  Efpofo ,  fegundo  Saci ,  e  Bof- 
fuet  ,  que  o  moftra  pelo  verfo  8.  Outros  fazem 
aqui  faltar  as  Companheiras  da  Efpofa.  Pereira, 

(0)  O'  Carijfma ,  nas  delicias.  O  Hebreo  tem : 
Amor  nas  delicias  ,  como  fe  ditlera :  Meu  deleite  , 
meu  amor,  minhas  delicias.  As  delicias  de  Chrifto 
são  eftar  com  os  filhos  dos  homens.  Menoquio. 

(p)   A  tua  ejiatura ,  ó^c,  Aflim  como  ò  tronr 


Capitulo  VII.  35*9 

lhada  a  huma  palmeira ,  e  os  teus  pei- 
tos a  dous  cachos  d' uvas. 

8  {q)  Eu  diíTe  :  Subirei  á  palmei- 
ra ,  e  colherei  os  feus  frutos :  e  os  teus 
peitos  ferão  como  dous  cachos  d' uvas: 
e  o  cheiro  da  tua  boca  ,  como  o  dos 
pomos. 

A 

CO  da  palmeira  com  fin^ular idade  única  entre  tod^s 
as  outras  arvores  vai  íubindo  e  crefcendo  ,  com© 
huma  efckda  ,  de  degráo  cm  degráo  ,  e  cada  dc- 
gráo  deíles  o  vai  adquirindo  de  palma  em  palma 
pelo  nafcimento  de  cada  huma ;  do  mefmo  modo 
os  verdadeiros  membros  da  Igreja ,  cuja  figura  rc- 
prefenta  aqui  a  Efpoía  ,  fazem  por  crefccr  de  vir- 
tude em  virtude  até  ao  mais  alto  gráo  de  perfei- 
ção ,  iíto  hc  ,  como  explica  Saci ,  até  chegarem  ao 
cftado  d'  hum  varão  perfeito  ,  á  medida  da  idade 
c  da  plenitude ,  fecundo  a  qual  Jefu  Chrifto  deve 
cm  nós  fer  formado  ,  que  hc  a  exprefsâo  do  A- 
poftolo  aos  de  Efefo  IV.  12.  15.  15.  Ora  como 
na  Paleftina  era  coftume  pôrem-fc  juntas  e  arri- 
marcm-fe  as  vides  ás  palmeiras,  por  iíTo  daqui  vi- 
nha citarem  dos  ramos  deitas  pendentes  os  raci- 
inos  ,  ou  cachos  d'  uvas  ,  a  que  são  comparados 
os  peitos  da  Eípefa ,  nos  quaes  fe  denotâo  os  dous 
Teítamemos ,  e  também  os  dous  preceitos  do  amoc 
de  Deos ,  c  do  próximo.  Coníira-fc  affima  o  Ca- 
pitulo IV.  5.  Pereira. 

(ly)  Eu  dijfe ,  ^c.  Proferindo  aqui  côas  pala- 
yias  huma  das  donzelhs  3  comg  querem  alguns  ^ 


3ÓO     Cântico  dos  Cantícos. 

9  (r)  A  tua  garganta  he  como  o 
melhor  vinho  ,  digno  de  fer  bebido 

j-e- 

ou  todas  ,  porém  de  tal  maneira  que  cada  huma 
as  diga  }  elo  que  lhe  refpeita  a  fi  cm  particular  , 
vem  deite  modo  a  reconhecer  na  Eípofa  os  ma* 
ravilhofos  dotes  ,  dc  que  eftá  ornada  ,  c  a  cuja 
panicipaçio  elbs  de  fátlo  afpiráo  ,  dcfcjando  an- 
fiofamente  verem- Te  banhadas  em  táo  fuavcs  deli- 
cias. Também  os  Póvos  rcprefcmajos  ,  fegundo 
outros  ,  naquella  ,  que  aqui  falia  ,  movidos  da 
^ande  fecundidade ,  graduação ,  c  bcUeza  da  Ef- 
pofa  mcílrâo  com  ardennlfimo  deícjo  todo  o  ffu 
esforço  para  chegarem  a  polTuir  tanto  bem.  Mas 
ciwre  os  que  fazem  aqui  fallar  o  Efpofo  nenhum 
explica  o  prcfente  lugar  melhor  ,  nem  com  mais 
unção ,  do  que  S.  Gregorio  Maçno  peias  fcguin- 
tes  palavras  :  O  Efpofo  dijfe  verdadeiramente  ^ue 
fubit  u ,  c  com  efFcito  fubio  como  o  tinha  dito  > 
porque  tendo  rçfolvido  antes  de  todos  os  feculos 
o  morrer  ,  para  nos  livrar  da  morte  ,  c  tcndo-o 
também  declarado  pelos  feus  Profetas  ,  cllc  o 
cumprio  no  fim  dos  tempos  por  hum  cffeito  da 
fua  mifericordiíi.  Subio  pois  fobre  a  p.thneíra  ^  eco* 
lheo  os  feus  frutos ;  porque  tendo  fido  crávido ,  e 
pcfto  na  Cruz  (que  era  a  arvore  e  o  inftrumento 
do  feu  triunfo  ,  como  a  palma  he  o  final  da  vido- 
íia)  achou  na  realidade  alli  o  fruto  da  vida  ,  e  o 
eolheo  para  no-lo  dar.  Aííim  fe  vio  cumprir  então 
o  que  fe  íegue  :  os  teus  peitos  ferao  como  dous 
cachos  d' uvas  ;  porque  pela  Cruz  ,  c  pela  Morte 
<lc  Jcfu  ChiiUo,  08  peitos  daEfpofa,  que  sáo  Q% 


Capitulo   VII.  361 

pelo  meu  Amado,  e  ruminado  entre  os 
feus  lábios  5  e  os  feus  dentes. 

A  Esposa. 

10  (i)  Eu  fou  para  o  meu  Amado, 
e  cUe  para  mim  he  que  fe  volta. 

11  (t)  Vem  ,  Amado  meu  ,  faia- 
mos ao  campo,  moremos  nas  quintas. 

Le- 

dous  Tcftamentos ,  e  os  dous  preceitos  da  carida- 
de ,  enfenhorcando-re  dos  noílbs  corações  ,  os  rem 
embriagado  com  hum  vinho  novo,  e  os  tem  feito 
cfqueccr ,  como  a  S.  Paulo  ,  dc  tudo  o  que  dei- 
xaváo  atrás  ,  para  náo  eftender  o  penfamcnto, 
nem  afpirar  mais,  ícnáo  ao  que  citava  diante.  Pe- 

KCIRA. 

(r)  j4  tua  garganta  ,  No  verfo  antece» 
dente  o  cheiro  da  boca  da  Efpoía  vem  a  íignificar 
a  pré^açáo  do  Evangelho  ;  nefte  hc  louvada  a 
fua  g.trganta  ,  por  fahir  delia  a  voz.  fuaviííima  da 
Divina  palavra  ,  a  cuja  meditação  ,  c  prática  ex- 
horta  o  Efpofo  aos  membros  da  Igreja  ,  para  que 
repaíTando  com  a  memoria  ,  e  ruminando  muito 
devagar  as  verdades  Tantas  da  Religião  ,  fe  pof- 
sáo  aproveitar  delias  em  todos  os  tranfes  da  vi- 
da. Pbrfira. 

(j)    Eu  fou  ,  Vefâo*fe  aílima  os  Capifu* 

los  n.  16.  VI.  2.  Aqui  acaba,  fegundo  a  divisão 
de  BoíTuct,  o  d»»  qoimo.  Pereií^a. 

(O   Fem ,  Ornado  mu^        Dcfcjando  a  Ef- 


3^2     Cântico  dos  Cânticos. 

12  (li)  Levantemo-nos  dc  manhã 
para  ir  ás  vinhas,  vejamos. fe  a  vinha 
tem  lançado  flor  ,  fe  as  flores  produ- 
zem frutos  ,  fe  as  romans  cílão  já  em 
flor  :  (x)  alh  te  darei  os  meus  peitos. 

As 

pofa,  figura  da  Igreja,  trabalhar  na  falvaçáo  das 
almas  ,  como  numa  dilatada  feara  ,  e  vaíio  cam- 
po, que  Dcos  cultiva  pelas  fadigas  de  fcus  Operá- 
rios ,  fegundo  a  trafe  do  Apoftolo  na  primeira  aos 
dc  Corintho  III.  9  i  c  vendo  que  ,  a  pezar  de  fer 
plantado  c  regado  náo  pode  frutificar  ette  campo, 
íem  o  concurío  da  Graça  do  mefmo  Senhor  ( Id. 
ibid.  verf.  6.  )  convida  a  ícu  Efpofo  a  que  faia 
com  ella  ao  campo  a  fim  dc  a  ajudar  nefta  glo- 
riofa  empreza  ,  na  qual  fe  involve  o  louvor  náo 
íó  daqueiles  que  trocáráo  as  Cidades  pelo  defcr- 
to ,  mas  dos  que  fizcráo  e  fazem  do  povoado  cr- 
iTiO  ;  como  também  fc  tira  hum  documento  para 
os  que  pregão  a  Divina  palavra ,  que  he ,  o  acu- 
direm á  gente  das  Aldeãs,  por  mais  fáfara,  mon- 
tanhcza  ,  e  rude  que  feja ,  repartindo-lhe  o  cfpi- 
litual  fultcnto.  Pereira. 

(w)  Levantemo-nos  ,  e'?^.  Moftra  a  Efpoía  o 
feu  cuidado  follicito  no  defcjo  de  ajudar  os  pro- 
5cimos,  c  principalmente  os  de  novo  convertidos  ^ 
aos  quaes  dcfigna  pelo  nome  de  vinha  ,  e  de  ro- 
mans cm  flor.  Menoquio. 
.  (x)  jilli  te  darei  os  mus  peitos.  A  Igreja  dá 
a  Chrifto  os  peitos  ,  quando  com  o  leite  da  fau- 
davel  doutrina  apafcenta  os  filhos,  ^uc  no  mefmo 
Chrijfto  gerou.  Menoí^vio, 


Capitulo  VIL  3Ó3 

1 3  (j)  As  mandragoras  derão  o  fcu 
cheiro»  (z)  Nós  temos  ás  noíTas  portas 
toda  a  cafta  de  pomos :  eu  tenho  guar- 
dado para  ti ,  Amado  meu  (aa)  os  no- 
vos ,  e  os  velhos. 


Tom.  XL  Aa  C  A- 

(^)  j4s  mandragoras  da  ao  o  [eu  cheiro.  Do  que 
fe  refere  no  Genelis  XXX.  14.  cias  mandragoras 
que  Ruben  dco  a  Lia  ,  e  do  que  efcreve  Piinío 
no  Livro  XXVL  Cap.  1 5.  as  mandragoras  tem  vir- 
tude de  fecundar.  Por  onde  no  fentir  d'  alguns  há- 
beis Interpreres,  o  dizer  a  Efpofa  que  as  niandrâ" 
goras  derão  o  feu  cheiro ,  hc  huma  exprefsáo  figu- 
rada ,  que  quer  dizer,  que  eftá  próximo  o  tempo 
da  grande  fecundidade  da  Igreja.  Pereira. 

(z)  Nós  temos  as  nojfas  portas ,  'ó^c.  Vem  aqui 
a  denotar-fc  que  o  fruto  efpiritual ,  que  fe  preten- 
de ,  náo  he  neceíTario  que  fe  vá  bufcar  muito  lon- 
ge ;  porque  em  toda  a  parte  fe  ofFerscem  mil  oc- 
cafiócs  de  lucrar  almas  para  Deos.  Menoquio. 

Çaa)  Os  tíovos ,  e  os  velhos,  Eftes  pomos  no- 
vos ,  e  velhos ,  fegundo  Santo  Ambrofio ,  sâo  os 
preceitos  do  velho ,  e  novo  Teftamento  :  fegundo 
S.  Bruno  d' Afti ,  os  juftos ,  tanto  da  Lei  velha» 
como  da  nova.  Psreii^a, 


Cântico  dos  Cânticos. 


CAPITULO  VIII. 

A^nor  da  Igreja  por  Chrifto  ,  e  de  ChrU 
fio  para  com  a  Igreja.  Força  ,  r  ex* 
celkncia  dejle  amor. 

A  Esposa. 

I  (^) Uem  mc  fará  tão  ditofa , 
que   te  tenha  a  ti  por  ir- 
mão, pendente  já  despei- 
tos de  minha  mãi ,  para  que  eu  te  ache 
de  fora  ,  e  te  dê  o  fufpirado  olculo, 
e  ninguém  mais  me  defpreze. 

2    Eu  te  tomarei  ,  (b)  e  te  levarei 

a 

(ji)  Quem  me  fará  tSo  ditofa  ,  íjúe ,  ^  c.  São 
palavras  com  qut  a  Efpofa  em  nome  dos  juftos 
da  Lei  velha  ,  fufpira  pela  vinda  do  Divino  Ver- 
bo feito  Homem.  Saci  e  Calmet. 

(/>)  E  tc  levará  a  cafa  de  minha  mâi.  No  quar- 
lo  da  mái  d'  hum  do>  deus  Noivos  hc  que  fe  ce- 
Icbríiváo  as  vodas.  E  aílim  lemos  no  fim  do  Ca- 
pitulo XXIV.  do  Genefis  ,  que  Ifaac  introduzira 
na  tenda  de  fua  mái  Sara  a  Rehccca,  e  que  a!li 
íc  dcfposára  com  ella.  A  caía  pois  de  fua  mri , 
aonde  a  Efpofa  diz  que  havia  de  levar  oEfpofo, 
hc  a  da  Synago^a  ^  dc  que  Chiillo  ,  ícgundo  a 


Capitulo    VIII.  365' 

a  cafa  de  minha  mãi,  tu  lá  me  enfina- 
rás ,  e  eu  te  darei  a  beber  (c)  hum  vi- 
nho de  confeição  aromática  ,  e  hum  li- 
cor novo  das  minhas  romans. 

3  (d)  A  fua  mão  efquerda  fe  poz 
já  debaixo  da  minha  cabeça  ,  e  a  íiia 
máo  direita  me  abrasará  depois. 

O  Esposo. 

4  (e)  Eu  vos  conjuro,  filhas  deje- 

Aa  ii  ru- 

carne,  c  aEfpofa,  cráp  filhos  >  e  onde  Chrifto  fe 
defpofou  com  a  Igreja  ,  c  lhe  deo  as  fâudaviis  li- 
ções da  Doutrina  Evangélica.  Saci  e  Calmet. 

(O  Hum  vinho  de  confeição  arom^ttica,  Calmec 
tem  para  fi  ,  que  cfte  vinho  confecion^do  era  o 
incrmo  que  S.  Marcos  (XV.  2:5.)  chama  vinho  de 
-tiiyrrhd  ;  c  o  meímo  que  Oftas  (XIV.  8.)  cha- 
ma vinho  do  Libano  ,  ou  íi'  incaifo ,  e  que  efie  era 
o  Neãar  dos  an.igos.  No  fcntido  cfpirima!  eftcv/- 
tího  confccionado  ,  c  efte  licor  novo  das  romans , 
podem  fignificar  a  caridade  dos  Chriliáos ,  a  forta- 
leza doí  Martyres ,  a  pcrfeverança  dos  ConfclTores  , 
a  modcftia  das  Virgens  ;  e  em  fumma  ,  todas 
as  virtudes ,  que  o  Salvador  nos  enfinou  de  pala- 
vra,  e  com  oexerrplo.  Aílim  o  entendem  S.  Gre- 
gorio Magno,  Caíhodoro,  c  Beda.  Pereira. 

(d)    yl  fua  mão  efqmrdu ,  <ò'C,  Veja-fe  aííima 
4>  Capitulo  II.  verO)  6.  Pereira. 
•    (O    £u  vos  çotijuro  f  &ç.   Vcjáo-fe  aíliiua  c$ 


^66     Cântico  dos  Cânticos. 

rufalem  ,  que  não  perturbeis  á  minha 
Amada  o  feu  defcanço,  nem  na  façais 
defpertar  até  que  cila  íc  queira  er- 
guer. 

As  Filhas  de  Jerusalém. 

5'  {f)  Q^^em  he  cfta  ,  que  fóbc  do 
deferto  inundando  delicias  ,  firmada 
fobre  o  feu  Amado  ? 

O 

Capitulof?  TT.  7.  e  TÍI.  5.  Aqui  dá  fim  o  grande 
Boiruec  ao  fexto  dia  das  vodas.  Pereira. 

(/)  Qlf^^  ^ft^  j  ^í"'  Aíiim  que  a  Eípofa  dcf- 
pcrta  ,  e  vè  ao  leu  Amado ,  fcm  rcpuar  nos  rcfpci- 
105 humanos,  como  parece,  logo  felhe  lança  nos 
braços,  e  deite  modo  íultemada  porcllc  volta  do 
deferto  para  a  Cidade  ,  applaudrndo  c  engrande- 
cendo com  altos  elogios  a  forte  da  mcfma  Eípo- 
fa as  filhas  de  Jeruíalem  poíTuidas  de  admiração  c 
aíTombro.  Ifto  quanto  ao  fentido  literal.  Porém 
no  cípirirual  ,  feo;undo  Saci  ,  rcprelenta-fe  neftc 
lugar  a  Jefu  CNriíio  ,  que  em  peífoa  levando  dc 
braço  a  Igreja,  fua  Efpofa ,  com  cntranhavcl ,  e 
reciproco  affeéto  a  conduz  ao  Ceo  ,  como  a  ca- 
mará nupcial  ,  em  que  a  íua  alliança  deve  rece- 
ber o  ultimo  complemento.  Inundando  delicias , 
iíto  he  ,  cheia  tanto  da  doçura  da  fua  palavra, 
como  da  nnçáo  do  ff^u  Efpiriio  c  da  fua  Graça. 
Firmada  jobre  o  feu  Amado  ,  ifto  he  ,  pondo  uni» 
camcnte  alua  confiança  no  foçcorro  dcjefu  Chri« 


Capitulo  VIII.  3<$7 


O    E  s  ?  o  s  o. 

(g)  Eu  te  defpeitei  debaixo  da  ma- 
ceira  :  alli  he  que  tua  mãi  foi  corrom- 
pida ,  alli  he  que  perdco  a  fua  pureza 
a  que  te  gerou. 

6  (h)  Póe-me  a  mim  como  hum  fel- 

lo 

fto ,  acha  na  fua  Graça  a  força  de  fahir  defte  def- 
tcrro ,  e  de  fe  elevar  ao  Ceo  ,  que  he  a  fua  pá- 
tria. Pereira. 

^  (^g)  Eu  te  defpertei  debdxo  díi  maceira.  No- 
tão  aqui  alguns  Interpretes  ,  que  antij^amemc  , 
quando  hum  era  levado  em  iriunfo ,  lhe  coftuma- 
váo  dizer  alguma  coufa ,  que  toíTc  capaz  de  repri- 
mir ncllc  a  inchação  d'  cipiriro ,  que  tanta  gloria 
lhe  poderia  caufar.  Aflim  o  Efpofo  ,  como  que- 
rendo tirar  á  Efpofa  todo  o  motivo  de  fe  enfobcr- 
becer  com  as  acciamaçóes  ,  e  efpantos  ,  que  da 
fua  gloria  faziáo  as  filhas  de  Jerufalem ,  lhe  traZ 
á  memoria  a  defgraça  de  fua  mái  Eva  ,  que  dei- 
xando-fe  feduzir  da  ferpentc  ,  comeo  do  pomo 
vedado  ,  c  perdeo  a  inteireza  ,  e  innoccncia  ori- 
ginal ;  c  ncíh  lembrança  a  adverte  do  peccado , 
cm  que  foi  concebida  ,  c  no  qual  ella  Efpofa  ja- 
zia morta ,  antes  que  elle  a  refufcitaíle  com  a  fua 
vin  ]a  ao  Mundo.  Pereira. 

C^)  Põe-me  a  mim  como  bum  fello ,  ó^c.  Miu- 
dinho ao  coftume  de  trazerem  naquelie  tempo  va- 
íofinhos  dc  cheiro  pendentes  fobrc  o  peito ,  e  bra- 


308      Cântico  dos  CANTrcm 

lo  fobre  o  teu  coração,  como  hum  fel- 
lo  fobre  o  teu  braço  :  porque  o  amor 
he  valente  como  a  morte  ,  o  zelo  do 
amor  he  inflexível  ,  como  o  Inferno : 

as 

cclctcs  nos  braços  ,  qne  ornavão  de  retratos  e  fi- 
guras ,  principalmenie  das  quz  eráo  mais  do  íeu 
gotto ,  vem  a  dizer  á  Erpofa  o  Teu  Amado:  Tra- 
ze  fempre  náo  fò  no  teu  coração  imprcíTa  e  gra- 
vada a  minha  imagem  ,  para  que  os  teus  penfa- 
mentos  fe  diriiáo  unicamente  a  mim  ,  fcm  dares 
entrada  a  outrem  ;  mas  ainda  eículpida  no  teu 
braço  ,  para  que  todas  as  acções  ,  que  obr;ires, 
fejáo  pa  a  maior  gloria  minba.  Por  quanto,  bem 
podes  fazer  iílo  ajudada  da  Graça ,  com  a  qual  eu 
tt  conforto  ,  ponderando  que  o  amor  vence  tu- 
do ,  e  applana  todas  ais  difficuldadcs  ,  fendo  fe- 
rnèihante  á  morte ,  que  tu  Jo  doma ,  c  o  feu  zêlo 
è  ciúme  táo  duro  e  inflexível  ,  como  o  mefmo 
fcpulcro,  ou  fogo  devorante  do  Inferno;  porque, 
fendo  a  caridade  heróica  ,  antes  quer  foífrer  a 
ínorrc  ,  e  ,  o  que  mais  he  ,  o  mefmo  Inferno , 
dp  que  oíícnder  a  hum  objeéfo  ,  em  que  toda 
íe  deve  empregar  ,  e  que  tanro  lho  merece,  co- 
rro cu  a  ti ,  pelas  finezas ,  e  extremos  do  amor , 
que  fempre  te  moílrei  ,  cujo  incêndio  hc  tão 
randc,  cuja»  chammas  fahem  táo  vivas,  c  com 
uma  tal  adividaJe  abrazadoras,  que  nem  todas 
2S  aguas,  nrm  fios  inteiros  as  poderão  apagar.  O 
que  tudo  bi-m  moítra  o  verdadeiro  eintenfo  amor, 
<]uc  Dcos  requer  dos  homens ,  como  àiyida ,  cm 


Capitulo  VIIL  369 

as  fuas  alampadas  são  humas  alampa- 
das  de  fogo,  c  de  chammas. 

7  As  muitas  aguas  não  pudérao 
extinguir  a  caridade  ,  nem  os  rios  te- 
rão força  para  a  aíFogar  :  (i)  fe  hum 
homem  der  todas  as  riquezas  de  fua 
cafa  pelo  amor  ,  elle  as  defprezará, 
como  fe  não  tivera  dado  nada. 

A  Esposa. 

8  (/)  A  noíTa  irmã  he  pequena  ,  e 

não 

que  realmente  lhe  eftão  pelas  immenfas  finezas, 
que  obrou  a  feu  rcrpeito ,  chegando  a  morrer  por 
elles  numa  Cruz  a  fim  de  os  fazer  herdeiros  da 
fua  Gloria.  Pereira, 

(/)  Se  hum  homem  der  todas  as  ritjuezas ,  ó^c, 
O  amor  he  hum  bem  tio  extraordinário  ,  e  táo 
preciofo ,  que  nenhum^a  coufa  ablolutamente  igua- 
la o  feu  preço.  Aquelle  ,  que  defpender  todos 
os  fcus  cabcdaes  ,  para  gozar  do  amor  ,  avalial- 
los-ha  como  hum  puro  nada ,  com  tanto  que  che- 
gue ao  complemento  dos  Teus  dcíejos.  O  que  to- 
davia reverifica  unicamente  da  caridade,  com  que 
Deos  he  bufcado  ,  e  da  eterna  Bemaventurança. 
Calmet. 

(O  ^  nojfa  irml  he  vequenã ,  e  lúo  tem  peitos. 
Qdcr  dizer,  que  náo  cítá  ainda  capjz  dc  caiar.  E 
por  efta  irmã  ainda  pequena ,  c  fcm  peitos ,  enten- 


370      Cântico  dos  Cânticos. 
não  tem  peitos.    Qae  faremos  nós  i 
noíTa  irmã  (m)  no  dia  ,  em  que  fe  lhe 
ha  de  fallar  ? 


O  E 


s  p  o  s  o. 


9  (;/)  Se  ella  he  hum  muro  ,  edifi- 
quemos fobrella  baluartes  de  prata:  fe 
he  huma  porta  ,  guarneçamo-la  com 
taboas  de  cedro, 

A 

òc  Santo  Thomaz  a  Igreja  ,  que  começava  a  for- 
mar-fc  dos  Gentios  convertidos  no  principio  da 
pregação  dos  Apoíblos.  Pkrrira. 

(w)  No  dia ,  em  que  fe  lhe  ha  dc  fallar,  Ifto  he , 
no  dia  ,  cm  que  fe  hadc  tratar  do  leu  cafamcnto, 
como  explica  Santo  Ambrofio.  Pereira. 

(w)  Se  ella  he  hum  n/uro,  ó^c.  Como  fe  diíTe- 
ra ;  Se  a  tua  irmã  he  hum  muro ,  ifto  he ,  fe  o 
muro  da  infideliJade  ,  fe  o  amor  profano  a  fepa- 
ra  dc  nós  ,  edijiquemos  fohrclU  baluartes  de  pra- 
ta ,  troquemos  cfte  amor  nocivo  num  amor  fan- 
to.  Não  lhe  tiremos  o  feu  amor  ,  façamo-lho 
porem  fomente  mudar  d'  objeílo.  Aicqui  tem  cf- 
tado  apartada  dc  nós  por  hum  amor  dcfordena- 
do  á$  creaturas  ;  pois  feparemo-la  agora  das  crca- 
turas  por  outro .  no  mais  alto  gráo  intenfo  e  per- 
feito ao  Crcador.  Se  tem  fido  huma  porta  fran- 
queada c  aberta  a  feus  inimigos  ,  c  a  todos  os 
objeólos ,  que  lhe  podiáo  occafíonar  a  própria  ruí- 
na ,  folhccmo-la  dc  madeira  dc  cedro  ,  para  to- 


Capitulo  VIII.  371 

A  Esposa. 

10  (p)  Eu  fou  hum  muro  :  e  os 
meus  peitos  são  como  huma  torre , 
{p)  defde  que  me  tenho  na  fua  pre- 
fença  tornado  bem  como  huma  que 
acha  paz. 

O 

Ihcr  a  entrada  aos  que  ,  debaixo  do  pretexto  de 
amalla  ,  sáo  caufa  da  fua  perdição.  He  pois  de- 
notada aqui  no  cedro  ,  por  fer  madeira  incorruptí- 
vel ,  a  caridade,  que^  fegundo  o  Apoftolo  na  I. 
aos  de  Corintho  XIII.  8.  nunca  fe  acabará ;  e  que 
faz  o  Athléta  Ghriftáo  digno  d'  alcançar  (  Id.  ibid. 
IX.  25.  )  a  coroa  incorrupta  da  Imortalidade.  Veja- 
fe  Saci.  Pereii^a. 

(0)  Eu  fou  hum  muro  y  ^c.  Vem  aqui  a  de- 
clarar a  Efpoía  que  ella  reconhece  por  experiên- 
cia própria  tudo  quanto  acaba  de  dizer  o  feu  Ama- 
do. Atéqui ,  diz  el!a  fegundo  Calmet ,  fui  huma 
muralha  deíiituida  de  torres  e  falta  de  guarnição; 
mas  apenas  fui  decretada  Efpofa  para  o  meu  Ama- 
do ,  crefcêrão  logo  os  meus  pcicos  á  maneira  de 
torres  ,  e  conciliei  o  amor  c  a  graça  do  meu  Ef- 
pofo.  Pereira. 

(p)    Defde  que  me  tenho  ^  <D'c.  Ifto  he,  defde 

?[uc  achei  paz  diante  de  meu  Efpofo ;  porque  pela 
ua  graça  hc  que  fou  o  que  fou.  Mij-oquío. 


372'     Cântico  dos  Cânticos. 


O  Esposo, 

II  (f)  O  Pacifico  teve  hum  a  vi- 
nha (r)  naquella,  que  tem  Povos:  clle 
a  entregou  aos  guardas  ,  cada  homem 
dá  (s)  mil  Gelos  de  prata  pelo  fruto 
que  delia  tira» 

A 

(íj)  o  Pacifico ,  ò^c,  Ifto  he ,  Salamão.  Por- 
que ncftcs  dous  vcrfos  falia  o  Eípofo  ( outros  fe- 
gucm  que  falia  a  Eípofa  )  como  hum  pafíor ,  que 
compara  a  fua  vinha  com  a  de  outro.  A  vinha 
de  Salamáo  reprefenta  a  Synagoga  ;  a  vinha  do 
Efpofo  a  Igreja.  Pereira. 

(r)  NaqudUy  que  tem  Povos,  O  que  a  Vul- 
gata cxpoz  em  termos  communs  ,  in  ex  quae  ha- 
het  populos ,  trazem  o  Hebrco  ,  e  os  Setenta  por 
nomes  próprios ,  in  Baal-Hamon,  O  que  Calmcr 
prefume  que  hc  a  terra  d'  Engaddi  febre  o  mar 
morto  :  outros  que  he  a  Hamon  ,  de  que  fe  faz 
menção  no  primeiro  Livro  dos  Paralípómenos  VI. 
76.  na  Triba  de  Ncftali  para  a  parte  da  Fenicia. 
Pereira. 

(5)  Mil  fidos  de  prata.  Que ,  fegundo  a  re- 
ducçáo  de  Calmet  ,  fazem  com  pouca  difFerença 
mil  feisccntas  c  vinte  c  huma  libras  de  França , 
c  na  moeda  Portugueza  montão  a  duzentos  e  fef- 
fenta  mil  reis  ,  viíto  corrcfpondcr  o  valor  de  ca- 
da íiclo  (  que  rinha  vinte  óbolos  Leviíic.  XXVIÍ. 
25.  )  a  duzentos  c  íclíema  reis  ,  com  o  já  íe  ad 


Capitulo  VIII.  373 

12    A  minha  vinha  eílá  diante  de 

mim. 

vertio  no  Êxodo  XXX.  i;.  Ora  cfta  vinha,  que 
Sàlamáo  entregou  aos  guardas ,  ifto  he  ,  que  ar- 
rendou aos  que  haviáo  de  culiivalla  ,  fendo  na 
prcfentc  ficção ,  conforme  o  que  fica  diro ,  figu- 
ra da  Synagoga  ,  bem  fe  deixa  ver  que  todos  os 
fcus  frutos  nenhjma  comparação  tem  com  os  da 
Vinha  do  Efpofo ,  iíto  hc ,  com  os  da  Igreja.  Por 
quanto  ,  fcm  embargo  de  fcr  a  referida  Synagoga 
mui  celebrada  pela  fua  grandeza  e  antiguidade ,  pelas 
íingularcs  promeíTas  que  Deos  lhe  fez  ,  pela  com- 
prida e  longa  ferie  de  Patriarcas  e  Profetas  que  a  cn- 
grandccèráo,  e  por  varias  outras  prerogativas ,  que 
táo  prodigiofamentc  a  condecorarão  ;  confiando 
d' hum  pequeno  numero  de  juttos  ,  veio  em  fim 
a  refpon  jer  ao  Senhor  da  vinha  com  labrufcas  era 
lugar  d'  uvas.  Ifaias  V.  4.  c  a  crucificar  cm  peííoa 
o  Filho  do  mefmo  Deos ,  que  arrendou  a  fua  vi- 
nha aquém  melhor  a  cultivaíTe  (  Matth.  XXI.  41.) 
tirando  do  Povo  Judaico  o  brazáo  de  o  terem  por 
feu  Rei ,  e  paífando-fe  para  os  Gentios ,  que  pro- 
duzidem  frutos.  (  IJ.  ibid.  4^.  )  De  mar»eira  que 
deixou  a  Synagoga  de  fazer  eftas  projucçò?s  dc 
boas  obras  reprefentádas  nos  mil  fidos  de  prata  devi- 
dos a  Salamáo  pcU  fua  vinha  ;  porém  náo  aílim  a 
Igreja  ,  que  fundada  por  J^^fu  Chrifto  ,  e  fcus  Apof- 
I  tolos  primeiros  Operários  de  táo  eílendida  vinha, 
I  pofto  que  náo  deiíe  femprc  frutos  iguacs  ,  nunca 
faltou  com  tudo  á  fidelidade  p%ra  com  fcu  Efpofo, 
!  que  fempre  a  tem  diante  de  íi ,  cultivando-a  e!le  mef- 
!    mo  ,  e  prometiendo-lhe  a  fua  aiEftencia  até  á  con- 

I 


374    Cântico  dos  Cânticos. 
niim.  (t)  Tu  j  ó  Pacifico  ,  tirarás  da 
tua  vinha  mil  ficlos ,  e  os  que  a  guar- 
dão,  e  lhe  colhero  os  frutos,  duzentos. 

^  3    W  j  ^  que  habitas  nos 

jardins,  os  teus  amigos  eftão  attentos: 
faze-me  ouvir  a  tua  voz. 

A 

fummação  dos  feculos.  (  íd.  XXVITI.  20.  )  Tam- 
bém cita  vinha,  pelo  que  diz  reípeito  a  cada  hum, 
lic  a  íua  alma,  que  todos  devem  cultivar  com  o 
exercício  das  boas  obras ,  para  chegarem  a  confe- 
guir  o  premio  eterno.  Pekeira. 

(í)  Tu  y  o  Pacifico  ,  <ò'c.  O  Hebreo ,  e  os  Se- 
tenta n©$  obrigáo  a  verter  em  vocativo  ,  o  que  sl 
Vulgata  traz  em  genitivo  ,  mille  tui  pacifici.  De- 
pois que  o  guarda  da  vinha  pagar  ao  Senhor  dei- 
la  mil  fidos  5  ficará  com  a  quinra  parte  que  sáo 
duzentos ,  e  efte  he  o  feu  lucro.  Vem  pois  aqui 
a  denotar-fe  o  jufto  galardão  que  ha  de  cada  hum 
ler  da  fua  vigilância  c  fidelidade.  PERErRA. 

(«)  O'  tu,  a  que  habitas  nos  jardim , &c,  O  Ef- 
pofo  ,  rematando  já  o  coUoquio  da  ultima  noite 
com  a  fua  Amada ,  lhe  pede ,  fcgundo  a  mais  na- 
tural conjectura  de  Calmet  ,  que  lhe  dê  licença 
para  fe  retirar  ,  por  íer  já  dia  ,  e  fe  acharem  allí 
c$  feus  amidos  e  companhei  ros  das  vodai ,  que  os 
cftaváo  muito  bem  venJo,  c  efcutando.  Ao  que  a 
Efpola  lhe  dá  em  reípofta  que  aperte  opaíTo  cor- 
rendo como  a  cabra  monteza ,  e  os  veadinhos  fo- 
brr  os  montes  dos  aromas  ,  que  o  mefmo  Inter- 
prete íuppóc  íêrcm  os  que  no  Capitulo  II.  17. 


Capitulo    VIII.  375' 


A  Esposa. 

14  Foge,  Amado  meu  ,  e  faze-te 
femelhante  a  huma  cabra  monteza  ,  e 
aos  veadinhos  íobre  os  montes  dos 
aromas. 

são  chamados  montes  de  Bethér ,  e  no  IV.  6.  mon- 
te deniyrrha^  e  oheiro  d' imerifo ,  que  crão  fitios, 
onde  o  Efpofo  coftumava  fazer  iodos  os  dias  ho- 
ras ,  guando  tornava  de  tarde  a  ir  fallar  com  a 
Efpofa.  Eftc  o  fentido  literal.  Quanto  ao  efpiri- 
tual  ,  Jefu  Chrifto  ,  antes  que  fc  vá  dcíle  Mun- 
do, exhorta  a  Igreja  fua  Efpofa,  náo  fó  a  que  o 
íollicítc  com  06  fcus  votos  e  orações ,  promctten- 
do  acudir-lhe  e  defcndella  contra  os  inimigos  que 
lhe  fazem  guerra  ;  mas  também  a  que  defempc- 
nhe  o  minifterio  da  pregação  da  verdade  ,  annun- 
ciando  a  todos  com  zelo  ardente  os  preceitos  da 
Lei  ,  a  recompenfa  da  fua  obfcrvancia  ,  o  prazer 
da  vida  eterna.  Tendo  ouvido  huma  lal  promcíía 
c  recommen dação  a  Efpofa ,  refponde  com  gran- 
de fcgurança  cjue ,  depois  de  fcu  Efpofo  confum- 
mar  todos  os  Myfterios  da  Redcmpção  ,  logo  fc 
dè  preffa  a  fubir  no  meio  defte  feu  gloriofo  tnun- 
fo  aos  montes  da  jcrufalem  C^lefte  ,  defejando  e!Ia 
mefma  ir  já  na  fua  companhia  ,  afim  de  comple- 
tamente celebrar  o  defpoforio  efpiritual ,  que  as  al- 
mas juftís  comcçáo  aqui  na  terra,  c  vão  acabar  no 
Ceo.  FiREiRA. 


FiM  DO  Cântico  dos  Cânticos. 


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