LIBRARY OF PRINCETON
NOV 1 0 2004
THEOLOGICAL SEMINARY
PER BR7 .U54
Zn i t a s .
Digitized by the Internet Archive
in 2016
https://archive.org/details/unitas2111inst
PREÇO: 10,00
ANO 21 — N." 1
JANEIRO — 1959
Vigésimo primeiro
2
Miguel Rizzo
Religião e Sepultura
5
M. R.
Notas e Comentários
9
J. Goulart
Segundo apêlo de Albert
Schweitzer
13
Conheça a sua Híblia
22
Júlio A. Ferreira
Noções de psicologia
Religiosa
27
Samuel Figueira
Concepção cristã da raça
33
Visser’t Hooft
Métodos de Evangelização
3fi
Oscar Arruda
Uma escolha má
39
Religião de Palavras
43
Sabatini Lalli
Curiosidades Biográficas
49
Sinais Perigosos
56
Lauro Bretones
THFOI OGiCM SEMINAR'
CURSO SUPERIOR DE RELIGIÃO
PATROCINADO PELO
INSTITUTO DE CULTURA RELIGIOSA
As aulas começam em março próximo e serão ministradas
em um dos salões do Instituto Mackenzie, aos domingos à tarde.
Eis, em síntese, o programa das matérias;
I . Evolução das religiões — Elas estão passando por acen-
tuadas modificações. O estudo dêsse fenômeno será feito nas aulas
com abundância de pormenores.
II. Cristianismo primitivo — A religião que a maioria da
cristandade hoje representa está longe de ser igual ao cristianismo
pregado e exemplificado pelos fiéis nos primeiros séculos da era
cristã. Êsse tema será amplamente discutido nas aulas.
III. Cristianismo positivo — Existe um tipo de religião
que se espraia em especulações teológicas estéreis e até perniciosas.
Não é êsse o cristianismo de Cristo. Qual será? Essa resposta os
alunos do Curso terão clara e muito exemplificada.
IV. Experiência religiosa — O cristianismo possui um sis-
tema doutrinário fascinante. No entanto, êle não é só doutrina.
Essas se refletem na experiência individual. O estudo dessa parte
da religião cristã será amplamente de.senvolvido nas aulas.
OB.SERVAÇÕES
O curso é de três meses e vai de l.° de março a 31 de maio.
Os alunos receberão aj>ostilas da matéria dada. O Instituto
de Cultura Religiosa dará um certificado aos tpie terminarem o
Curso.
Durante o jjeríotU) das aulas os alunos terão de ler vários
livros.
As pessoas (jtie desejarem inscrever-.se ne.sse Curso, devem
fazê-lo imediatamente. Lendo aqui seus nomes e enderêços, nós
lhes daremos notícias mais pormenorizadas a respeito dêsse traba-
lho. Êle é feito com o intuito de preparar pes.soas para levarem
avante um grande movimento de renovação espiritual no Brasil.
Peçam informações pelo telefone: 51-7199.
As aulas .serão dadas pelo Secretário-Executivo do Instituto.
• Verifique se a sua
assinatura está vencida ou
por vencer pròximamcnte.
Mande-nos logo a im-
portáneia de Cr$ 100,00
para que lhe possamos
continuar a enviar a re-
vista regularmente.
• Ao enviar qualquer
importância, faça-o em
nome do Instituto de
Cultura Heiigiosa, e não
cm nome pessoal de qual
quer dos diretores.
ÚNITAS
órgão Oficial do Instituto de Cultura Religiosa
Diretor — MIC.UFL RIZZO JR.
Redator — LAURO bRETONF.S
Colaboradores permanentes:
Jorge Goulart, Adauto Araújo Dourado, W. J.
Goldsmith, Camilo Ashear, Oscar Arruda, Alceu
Maijnard Araújo, Odilon Nogueira de Matos,
Mário Barreto França, José Borges dos Santos Jr. e
Samuel Figueira
EXPEDIENTE
• Envie-nos suas im-
pressões sõbre a revista.
Elas são de grande ajuda.
Estamos procurando fazer
o melhor. Mas gostaríamos
de saber como nossos lei-
tores estão vendo a sua
revista. Escreva-nos.
• Pedimos tambãm seu
auxilio para o aumento
do número de leitores da
revista. Procure oferecer a
um amigo uma assinatura
anual a titulo de
experiência.
O Bei>. Miguel Bizzo Júnior, Diretor desta
revista, atenderá somente às terças e quin-
tas-feiras das 14 às 17 horas, à Rua Barão de
Tatui, .'■>28.
Assinatura anual Cr$ 100,00
Número avulso ” 10,00
Sócios do Instituto:
Mensalidade —
Interior Cr? 20,00
S. Paulo, Rio, Recife . . ” 25,00
Endereço :
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Postal 7.203 — Tel 51-7Í99
SÃO PAULO — Brasil
VIGÉSIMO
PRIMEIRO
Miguel Rizzo Júnior
Com êste número entra esta revista no vigésimo primeiro
ano de sua publicação. Ela surgiu para executar um programa
cuidadosamente elaborado. E não se afasta dêle.
Para que se tenha uma idéia das diretrizes que nos orien-
tam, transcrevamos alguns trechos do artigo com que a revista se
apresentou ao público:
“A realização da vida ideal depende de dois elementos essen-
ciais — princípios verdadeiros e dinamismo eficiente para trans-
formá-los em realidade viva na conduta.
A ausência do primeiro desses fatores chega a inutilizar es-
forços sinceros e até abnegações robustas de muitas almas nobres
que almejam alcançar sucesso na formação de uma personalidade
moral inteiriça.
Não só no terreno espiritual, como em todos os setores da
atividade humana, os sucessos reais depende?7i, em grande parte,
de princípios exatos. A exemplificação dessa tese é facílima, por-
quanto são incontáveis os fatos que a comprovam.
Ai vão algu7is dêles.
Segundo a apreciação de lun critico 7nilitar arguto e fra7ico,
os insucessos reiterados de várias expedições 7nilita7es que se di-
rigira7n a Ca7iudos se explica7n, em grande parte, por tun êrro de
principio. Os co7nandantes de algu7uas das expedições que ali pe-
lejara7n havia7n organizado o pla7io da ca7npa7iha e77i 7noldes clás-
sicos, 710S quais a distribuição das tropas piessupõe combates de
e7ivergadura co7n adve7sários ta7nbé’77i organizados de acordo com
a 77ies7na técnica 7nilitar. Não sendo ésse o caso que se verificava
nos adustos sertões da Bahia, forçoso seria adotar-se ali outro cri-
Janeiro de 1959
— 3
tério para a organização da investida sobre aquela cidade, hoje
lendária.
Deslembrados dêsse pormenor importantíssimo, emperraram
os condutores das expedições na técnica dos combates clássicos. Re-
sultado: as maiores abnegações de oficiais briosos; os sacrifícios, às
vezes inaturaveis, de soldados heróicos; e tudo o mais que se fêz
ali, no fragor da luta, não pôde evitar derrotas retumbantes e ver-
gonhas. E elas se explicam, em grande parte, pela tresloucada rein-
cidência no uso de inadequados princípios estratégicos.
Outro exemplo: na Idade Média, aceitava-se o princípio do
direito divino dos reis. Eram êles considerados ministros de Deus
e, como tais, intangíveis e abroquelados contra qualquer possibili-
dade de êrro. Suas ordens e caprichos eram inatacáveis. O prin-
cípio era escandalosamente falso. E quem poderá descrever os
males sociais e políticos que, tragicamente, recairam sobre a infeliz
humanidade como resultado dessa concepção falsa do direito?
Ainda outro exemplo mais comezinho e chocante. Suponha-
mos que um indivíduo aceite que dois e dois são cinco. E’ um prin-
cipio errado. Poderia êsse indivíduo negociar? E’ possível que che-
gasse a fazer algumas transações. EJ certo, porém, que, em dado
momento, êle não lograria acertar as suas contas por maior que
fôsse a energia intelectual e o tempo que a isso dedicasse.
Essa hipótese é absurda, dirá alguém. Pois não é. Na vida
moral e espiritual indivíduos há que aceitaram, como diretrizes da
conduta, erros tão berrantes como o absurdo matemático acima
aludido.
Decorre de tudo isso que a fixação de conceitos exatos da
vida moral é imprescindível para a formação condigna da perso-
nalidade.
A vida religiosa não escapa, de maneira alguma, a essa exi-
gência inflexível: doutrinas verdadeiras, não há negar, são essen-
ciais para que haja verdadeira piedade. Os efeitos de doutrinas
errôneas, como se pode exemplificar fartamente no Brasil, se refle-
tem de mil maneiras na orientação do espirito, dos afetos, das es-
peranças e do destino humano.”
Depois de fazer uma série de considerações a respeito do
programa com que nos apresentávamos em público, dizíamos: “A
estrada que vamos percorrer é longa. Acidentada, talvez. Mas os
4 —
ÚNITAS
nossos pés não vacilam, nem nos fraqueja o ânimo porque nós
já a vemos iluminada por clarões que procedem do Infinito”.
Há vinte anos que nós a estamos pahnilhando. Dupla tem
sido a nossa tarefa: proclamar os princípios exatos da conduta e
apresentar estímulos para que êles operem na formação do caráter.
Não nos preocupa a exposição ou a defesa dos sistemas dou-
trinários específicos dos vários corpos eclesiásticos que trabalham
no Brasil. Concebemos o cristianismo em têrmos do reino de Deus,
exatamente como o fêz Cristo. Onde houver quem faça a vontade
de Deus, ai está um súdito do seu reino. Esforçamo-nos para que
êsse domínio espiritual abranja a maior área possível em nosso pais.
Até hoje trabalhamos muito para consolidar a obra que ini-
ciamos com esta publicação. Entramos agora numa fase nova: a
do aperfeiçoamento. Vamos fazer o possível para que esta revista
entre em um período de acentuado progresso.
Os leitores que nos acompanharem perceberão por si mes-
mos como é que essa etapa da vida deste periódico vai carac-
terizar-se.
Esperamos que ela se apresente de modo a receber aplausos
de todos quantos acompanham com simpatia Jiossos reiterados es-
forços para progredir.
)•(
0 alcoolismo é um vício dos cristãos, desconhecido dos
maometanos.
)•(
CURIOSO
O “Anuário Estatístico do Brasil” (oficial) informa que “ha-
via no Brasil, em 1955, 4.777 pastores protestantes e 7.031 padres
Romanistas. Três Estados já possuem mais pastores que padres.
O Estado do Rio, tinha 427 pastores e 226 padres; Santa Catarina
tinha 326 pastores e 233 padres; Espírito Santo, 200 pastores e
98 padres. Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Acre estão em
igualdade de número de pastores e padres."
RELIGIÃO
E
SEPULTURA
M. R.
Quem estuda as religiões do pas-
sado encontra logo alguns carac-
terísticos dela bem salientes. Um
dêles era o apêgo à sepultura. Os
povos da Roma Antiga encaravam
a morte não como a dissolução do
sêr, mas como transformação da
própria vida. Essa crença provo-
cava logo uma questão. Em que
lugar passaria o homem sua segun-
da existência? Eis o que Fustel
de Coulanges escreve sôbre o as-
sunto: “Cria-se que o espírito imor-
tal, uma vez saído dum corpo ia
animar um outro? Não; a crença
na metempsicose nunca pôde en-
raizar-se no espírito das popula-
ções greco-italianas; também não
era essa a mais antiga opinião dos
Aryas do Oriente, pois que os hi-
nos dos Vedas estão em oposição
com ela. Cria-se que o espírito su-
bia para o céu, para a região da
luz? Também não; o pensamento
de que as almas entravam numa
morada celeste, é duma época re-
lativamente recente no Ocidente; a
habitação celeste era considerada
apenas como a recompensa para os
grandes homens e para os benfei-
tores da humanidade. Segundo as
mais antigas crenças dos Italianos
e dos Gregos, não era num outro
mundo que a alma ia passar a sua
segunda existência; ficava perto
dos homens e continuava a viver
debaixo da terra”. Acreditava-se
que na segunda existência a alma
permanecia associada ao corpo.
Os ritos praticados junto às se-
pulturas, mostram claramente que,
quando se metia um corpo no se-
pulcro acreditava-se que ao mes-
mo tempo se metia lá alguma coi-
sa que vivia. Virgílio, que descreve
sempre com tanta precisão as ce-
rimônias religiosas, termina a nar-
rativa dos funerais de Polidoro
com estas palavras: “Encerramos
a alma no túmulo”. Expressões se-
melhantes se encontram em vários
outros escritores.
Havia 0 costume de, no final da
cerimônia fúnebre, chamar três vê-
6 —
Ú NIT AS
zes a alma do morto pelo nome que
era usado em vida. Desejava-se-
-Ihe que vivesse feliz debaixo da
terra. Dizia-se-lhe três vêzes —
“passe bem”, acrescentando:
— Que a terra te seja leve.
Na antiguidade acreditava-se tão
firmemente que um homem vivia
mesmo depois de sepultado que
nunca se deixava de enterrar com
êle os objetos que lhe poderiam ser
necessários. Entre êsses, vestidos
e armas. Derramava-se vinho so-
bre o túmulo para lhe apagar a
sêde. Deixavam-se ali alimentos
para matar-lhe a fome. Degola-
vam-se cavalos e escravos, pensan-
do que seriam úteis ao morto. De-
pois da tomada de Tróia os gre-
gos, de volta para seu país, leva-
ram consigo uma bela cativa. Aqui-
les já estava debaixo da terra. Po-
lixena foi morta sôbre o seu tú-
mulo para fazer companhia ao
herói.
E’ fácil de perceber que a sepul-
tura tinha um valor especialíssimo
para os povos que cultivavam tais
crenças. Para êles a alma só se
fixava na morada subterrânea se
o corpo ficasse ali coberto de terra.
A alma que não tinha túmulo, não
tinha morada. Andava errante. Ja-
mais teria repouso. Peregrinava
sempre sob a forma de fantasma,
sem nunca receber oferendas e os
alimentos de que tanto necessitava.
Desgraçada, tornava-se dentro de
pouco tempo malfazeja. Atormen-
tava os vivos, mandava-lhes doen-
ças, devastava-lhes as searas, ater-
rorizava-os com aparições lúgubres
para os lembrar de que lhe de-
viam dar sepultura ao corpo. Daí
é que vieram as crenças nas almas
do outro mundo. Não era para a
ostentação de dor que se realizava
a cerimônia fúnebre. Era para ga-
rantir o repouso e a felicidade do
morto.
Suetonio conta que, pelo fato de
não ter sido enterrado o corpo de
Caligula com cerimônia fúnebre,
sua alma andou errante e apareceu
aos vivos até o dia em que se de-
senterrou o corpo e lhe deu sepul-
tura segundo as regras do ritual.
Os homens da época temiam menos
a morte do que ficarem privados
de sepultura. Os atenienses mata-
ram generais que, depois de uma
vitória no mar, não tinham dado
sepultura aos mortos. Êsses gene-
rais, discípulos de alguns filósofos,
destiguiam a alma do corpo e não
acreditavam que a sorte dela es-
tivesse tão ligada ao fisico. Acha-
vam que pouco importaria que um
cadáver se decompusesse na terra
e na água. Mas a multidão, em
Atenas, acusou os generais de im-
piedade e fê-los morrer. Pela vi-
tória, dizia-se, tinham salvo Ate-
nas; mas pela sua negligência ti-
nham perdido milhares de almas.
Os pais dos mortos, horrorizados
com o longo suplício que as almas
iam sofrer, compareceram ao Tri-
bunal em trajes de luto e recla-
maram vingança. Nas cidades an-
tigas a lei punia os grandes cri-
minosos com um castigo reputado
Janeiro de 1959
horripilante: era a privação de se-
pultura.
Periodicamente os parentes do
morto levavam-lhe refeições ao tú-
mulo. Ovidio e Virgilio fazem des-
crição minuciosa dessa cerimônia.
Os túmulos eram cercados de gran-
des grinaldas, de plantas e de flo-
res. Sôbre êle se colocavam pas-
téis, frutas, sal, leite e vinho. Essa
cerimônia fúnebre não era apenas
uma comemoração. O alimento era
mesmo para o falecido. A prova
disse é que o leite e o vinho era
derramado sôbre o túmulo, mas
abria-se um buraco para que os
outros alimentos chegassem até ao
morto. Num dos parentes poderia
usar para si os alimentos consa-
grados aos mortos.
Entre os gregos, na frente de
cada túmulo, havia um lugar des-
tinado ao preparo do alimento. O
túmulo romano tinha uma espécie
de cozinha para uso do morto. Plu-
tarco conta que, depois da batalha
de Platéia, o povo da cidade se
comprometeu a oferecer alimento
aos mortos. Luciano afirma: Os
mortos nutrem-se dos manjares que
colocamos sôbre seu túmulo e be-
bem 0 vinho que lá derramamos;
de modo que o morto a quem não
se ofereça coisa alguma está con-
denado à fome perpétua. Essas
crenças parecem-nos muito falsas
e ridículas. No entanto, exerceram
seu império durante grande núme-
ro de gerações.
Um hábito notável da época re-
laciona-se com essas supertições.
— 7
Ninguém desejava morrer sem
deixar filhos que tratassem de co-
locar alimento no túmulo. Quem
não tinha filho adotava um. Um
oradorateniense explicando a ne-
cessidade que um cliente seu teve
de adotar um filho dizia que, se
não houvesse adoção, ninguém fa-
ria sacrifícios em honra ao morto
e nem lhe ofereceria os repastos
fúnebres. Tal a importância que
os próprios tribunais davam ao
fato. A adoção só era permitida a
quem não tivesse filhos.
Como se vê, o bem-estar da alma
do morto, segundo essas crenças,
dependia inteiramente do cuidado
com que seus parentes promoves-
sem cerimônias especiais para tal
fim. Em certos setores da vida
espiritual do mundo ainda há ves-
tígios dêsse êrro do paganismo. Em
nosso meio mesmo, muitas pessoas
pensam que devem promover ceri-
mônias para garantir a salvação
dos seus parentes que já partiram
para o Além. O advento do cris-
tianismo, durante séculos, modifi-
cou êsse conceito pagão relativo à
paz dos mortos. Mas no decorrer
dos tempos a mesma idéia voltou
a incorporar-se às crenças de mui-
tas pessoas até hoje.
Além do apêgo à sepultura as
religiões antigas tinham outro ca-
racterístico que as torna comple-
tamente diferente das de hoje. A
religião era doméstica. Por mais
estranho que pareça, os deuses não
aceitavam adoração de todos os ho-
mens. Não se apresentavam mes-
8 —
ÚNITAS
mo como sendo deuses do gênero
humano. Na religião primitiva
cada um dos deuses só poderia ser
adorado por uma familia. A reli-
gião era puramente doméstica.
Não raro, duas familias viviam
ao lado uma da outra mas tinham
deuses diferentes. Se um moço de
uma família pede em casamento
uma jovem, essa, antes de deixar
a sua casa, terá de abandonar o
fogo paterno e, depois disso, ado-
tará 0 deus do esposo. Deixa o
deus da sua infância para se colo-
car sob o domínio de outro que ela
não conhece. A praxe seguida
nesse particular é para nós muito
estranha e pode ser sintetizada
assim: A partir do casamento a
mulher nada mais tem de comum
com a religião doméstica de seus
pais: passa a adotar a religião do
marido. O casamento era pois um
ato grave. Sem a renúncia da re-
ligião paterna, a mulher não pode
tomar parte nas cerimônias reli-
giosas do novo lar que vai consti-
tuir. O ato religioso do casamento
não era celebrado, invoncando os
deuses do Olimpo, Júpiter, Juno e
outros. Não. A cerimônia não se
realizava no templo. Era cm casa
e 0 deus doméstico é que presidia
ao ato.
Como estamos vendo, a religião
antiga longe, muito longe estava
de ser universal. Jamais passou
pela mente daqueles adoradores a
idéia de que se pudesse ter uma
religião para tôdas as famílias da
cidade. Muito menos para a po-
pulação do país. E’ preciso notar
ainda que algumas das religiões
antigas jamais pretenderam ser
universais. Nem poderiam ter essa
pretensão, porquanto algumas pe-
culiaridades delas eram de tal for-
ma locais que não seria possivel
pretender que se espalhassem pelo
mundo.
Estudando êsses fatos, fàcilmen-
te verificamos como o cristianismo
é diferente de tôdas essas religiões.
Jesus Cristo ordenou que se pre-
gasse o evangelho a todos os po-
vos. E êle está sendo pregado. Já
existem traduções do Evangelho
em cêrea de duas mil línguas. Não
faz muito tempo, foi êle traduzi-
do para duas línguas de tribos in-
dígenas do Brasil que pela primei-
ra vez tiveram expressão escrita.
Só a relião cristã pode ser uni-
versal.
NOTAS
E
COMENTÁRIOS
CARIDADE
Não empregamos, aqui, a pala-
vra, no sentido comum de genero-
sidade, de espírito caridoso, de dar
esmolas. S. Paulo, numa passagem
célebre dos seus escritos, disse:
“Ainda que eu distribuísse tôda a
minha fortuna para sustento dos
pobres, se não tivesse caridade,
nada me aproveitaria”. É dessa ca-
ridade, no original ágape, que é
mais do que dar esmolas, que fa-
lamos. Diz-se que caridade é a ex-
pressão concreta do amor. Nem
sempre, porque muitos dão esmola
sem sentir pelo próximo a menor
afeição.
As palavras mudam de sentido.
Têm sentido literal e têm sentido
figurado, analógico, abstrato. Cos-
tuma-se até empregar um tempo
com o intuito de expressar o con-
trário de sua significação etimo-
lógica ou usual. Morais regista,
na definição do termo: “Ironica-
mente, fizeram-lhe a caridade, isto
J. Goulart
é, algum mal, dano, tanto por pa-
lavras, como por obras”.
Caridade, no sentido moral, é o
sentimento, o espírito com que fa-
zemos as coisas; é a expressão de
nossa boa-vontade para com o pró-
ximo; é benevolência, tolerância,
compreensão, a disposição de olhar
o melhor lado, de não julgar apres-
sadamente e com má vontade.
Somos geralmente muito desca-
ridosos. É conhecido aquêle apólo-
go espanhol. Se o homem monta o
burrico e deixa o menino a pé, to-
dos censuram; se os dois montam,
se vão a pé os dois, se carregam,
afinal, o burrico, sempre a opinião
pública encontra motivo de censu-
ra, de zombaria, de ridículo.
Os governos são a maior vítima
de nossa falta de caridade. Se é
apressado ou se é lento nas suas
decisões, se é parcimonioso ou se é
generoso, se é tolerante ou se é
rígido, sempre a oposição ou os
menos aquinhoados encontram mo-
tivo para desmoralizá-lo ou preju-
10
Ú NIT AS
clicar os seus planos. A imprensa,
muitas vêzes, é cruel, confundindo
os fatos passados com os presen-
tes e criando, não raro, situações
perigosas.
Parece que precisamos todos,
nas condições a que chegaram as
coisas, no nosso pais, de exercitar
mais a virtude da caridade. Prcci-
PACIÊNCIA
Esta é outra virtude que preci-
samos de cultivar. Costuma dizer-
-se que o brasileiro é preguiçoso.
Foi Monteiro Lobato quem fixou o
tipo na figura do “jeca tatú” aco-
corado junto do seu rancho deixan-
do o tempo passar e convicto de
que “plantando dá”.
Mas, por outro lado, um tanto
contraditòriamente, se diz também
que o brasileiro é impaciente, apres-
sado, improvisador, como o menino
que entrerra a semente e vai logo
verificar se ela brotou, ou o moço,
de quem, diz Amoroso Lima, que
“a análise, exigindo demora e pa-
ciência, repugna ao seu espírito
imediatista, que não quer apenas,
mas quer já”. E quer, diz ainda
êle, cm linhas gerais que tudo
abranjam.
Haverá nisto generalização, por-
que é muito difícil determinar a
característica de um povo, ainda
mais tratando-se de país tão gran-
de como o nosso e tão diversifica-
do nas suas regiões, no seu clima,
na sua produção e nos elementos
samos ser razoáveis. Precisamos
de examinar as questões com espí-
rito desarmado de paixões, e pre-
conceitos. Precisamos admitir a
boa-fé do nosso oponente. Precisa-
mos perdoar as ofensas e agravos.
Não estamos na hora de cobrar,
etsamos na hora de ajudar e de
cooperar.
psíquicos de uma raça ainda em
formação.
Tem-se de admitir, porém, que
somos um povo impaciente, que
gosta de improvisar monumentos e
de aparentar feições que sòmente
povos seculares podem possuir.
No domínio da instrução, todo o
mundo quer diploma, mas não se
conforma com estudos prolongados,
nem com pesquisas demoradas.
Queixavam-se há pouco alguns
mestres universitários, de que no
Brasil não existe a mentalidade
científica, a coragem de labutar
persistentemente num laboratório,
nem o govêrno se interessa por ofe-
recer aos poucos que se animam a
investigações os meios necessários,
as verbas e os instrumentos.
Se considerarmos a crise atual
da produção, afetando tão grave-
mente a economia nacional, ou a
industrialização violenta do país,
sem se levar em conta a matéria
prima estrangeira e a criação de
mercados correspondentes, verifica-
-sc que há falta de planejamento
a longo prazo e de medidas basea-
Janeiro de 1959
— 11
das em custosos e prolongados la-
bores.
Um exemplo significativo é o de
Brasília. A mudança da capital
está assentada desde a Constitui-
ção de 91 . Entretanto, ou tudo ou
nada. Ninguém se animava a em-
presa tão difícil. Se a construção
se viesse fazendo aos poucos, den-
tro de um plano bem elaborado,
não estaríamos agravando as nos-
sas finanças com a improvisação
de uma cidade suntuosa, faraôni-
ca ou babiloniana, às pressas, com
importações caríssimas e num rit-
mo exagerado, “às caneladas”, co-
mo diz o presidente. De modo que
u’a medida convenientemente, apro-
vada por todos, necessária, se tor-
CENTENÁRIO DA
IGREJA PRESBITERIANA
O Brasil atravessa uma crise de
crescimento. A população se avo-
lumou, mas a produção não corres-
pondeu a êsse fenômeno, surgindo
daí problemas graves que exigem
o concurso de tôdas as correntes
interessadas na grandeza da pá-
tria. Com a nação cresceram as
igrejas evangélicas que boje cons-
tituem um elemento ponderável da
nossa estrutura social, o que se ve-
rifica até mesmo na representação
do protestantismo nas assembléias
políticas.
A Igreja Precsbiteriana conta
conm cêrca de duzentos mil mem-
bros, incluindo-se menores e ade-
na um motivo de temores, de opo-
sição, de perigos e de males. A
pressa. A impaciência. A falta de
continuidade, o mal que vem con-
tribuindo até para o abandono de
empresas em avançado adianta-
mento.
Precisamos de cultivar a paciên-
cia, de aprender a preparar o ter-
reno, de semear e esperar os fru-
tos. Precisamos despojar-nos de
tôda a vaidade e de trabalhar com
afinco e com plano, com planos que
tenham prosseguimento e continui-
dade. Mas também, por causa dis-
to, não vamos atrapalhar. Se há
alguma coisa boa, contribuamos
para o seu sucesso e para o seu
aperfeiçoamento.
rentes e está procedendo, inteli-
gentemente^ nestes dias, a uma rea-
valiação dos seus recursos e no
levantamento da obra por ela rea-
lizada no decurso dêste século de
vida heróica e produtiva. A im-
prensa, a literatura, a instrução, os
métodos imprimidos à obra, os re-
cursos financeiros, a extensão dos
campos, as suas relações interecle-
siásticas e intercontinentais, tudo
está merecendo estudo por parte
da comissão promotora das come-
morações. Até um museu expres-
sivo da vida da Igreja, de suas
tradições, de seus vultos eminen-
tes, de seu desenvolvimento, está
sendo carinhosamente montado.
Como parte das comemorações de-
verá reunir-se, no próximo ano, no
12 —
Ú NIT AS
mês de julho, 1959, em S. Paulo, o
Concílio Mundial Presbiteriano que
deverá reunir centenas de delega-
dos.
A Igreja Presbiteriana, ao lado
de suas irmãs, mais ou menos da
mesma idade, pode, sem orgulho,
enumerar um rol de fatos compro-
batórios de sua contribuição ao
progresso da nação, tanto no ter-
reno da educação religiosa e moral,
como no da instrução, em que foi
pioneira de muitas medidas, na
obra hospitalar e beneficiente, e,
sobretudo, na formação de uma
consciência sadia e patriótica de
seus membros
)*(
DESCOBERTA ACIDENTAL
“No ano de 1879, afirma H. Van Loon, um fidalgo espanhol,
0 marquês de Sautuola, empreendeu uma excursão às cavernas de
Altamira, situadas nos montes Cantabros, na zona setentrional da
Espanha.
O marquês levava consigo uma filhinha de quatro anos.
Não se interessava pelos fósseis que o pai procurava, a pequena
resolveu fazer uma exploração por própria conta. Existia, na ca-
verna, uma parte muito baixa que nenhum adulto se dera ao incô-
modo de inspeccionar. Que necessidade havia de sujar inutilmente
as roupas? Mas, para a menina, essas rochas suspensas nada
significavam; ela arrastou-se até o ângulo menos elevado e acen-
deu a lanterna. Levantando os olhos, achou-se, porém, face a face
com os dum touro e, transida de horror, gritou pelo pai. Eis como
foi descoberta a primeira das nossas famosas pinturas prehistóri-
cas... por uma criança travêssa, em busca de distração”.
(“As Artes”, pág. 33)
2.° APELO
DE
ALBERT SCHWEITZER
o PERIGO DE UMA GUERRA
ATÔMICA
“Atualmente devemos contar com
a possibilidade ameaçadora de de-
sencadear-se uma guerra atômica
entre a União Sociética e os Esta-
dos Unidos, conflito que só poderá
ser evitado se as duas potências
decidirem entre si renunciar às ar-
mas atômicas.
“Como chegamos a essa situa-
ção ?
“No ano de 1945, os Estados Uni-
dos conseguem fabricar a bomba
atômica, partindo da desintegração
nuclear do urânio 235, e lançam
uma sôbre Hiroshima no dia 6 de
agôsto de 1945 e outra sôbre Na-
gasaki, no dia 9 de agôsto do mes-
mo ano.
“A posse dessa bomba atômica
confere-lhe uma superioridade mi-
litar sem igual sôbi-e todos os de-
mais povos.
“A partir de julho de 1949, tam-
bém a União Soviética dispõe de
uma bomba atômica. E, aliás, seu
efeito é tão grande quanto o da
bomba atômica norte-americana,
aperfeiçoada durante o período de
1946 a 1949. A paz entre as duas
potências é mantida na medida em
que cada uma tem respeito pelas
bombas da outra.
“No dia 3 de outubro de 1952, a
Grã-Bretanha faz explodir, na ilha
de Montebelle (na costa nordeste
da Austrália) sua primeira bomba
atômica.
“Para novamente ganhar a su-
perioridade, os Estados Unidos re-
solvem deixar Edward Teller tomar
conta da produção da bomba de
hidrogênio, a qual, espera-se, supe-
rará em muito a bomba de urânio.
“Uma primeira experiência é fei-
ta com ela em maio de 1951, em
Eniwetok, e uma segunda no atol
de Elugelab, no Pacífico, em ou-
tubro de 1952. No dia 1.” de mar-
14 —
Ú NIT AS
ço de 1954, explode em Bikini —
uma das ilhas vulcânicas perten-
centes ao grupo das ilhas Marshall,
no Oceano Pacífico — a bomba de
hidrogênio aperfeiçoada. Nessa
ocasião, descobre-se que seu efeito
expressivo é muito maior do que
se estimava nos cálculos.
“Ao mesmo tempo que os Esta-
dos Unidos, também a União So-
viética se empenha na fabricação
da bomba de hidrogênio. Ela faz
explodir a primeira no dia 12 de
agosto de 1953.
OS TELEGUIADOS
“As duas potências também fa-
zem concomitantemente um maior
progresso. Ora, sucede que a in-
venção da bomba atômica, com a
qual os Estados Unidos se ocupa-
ram durante a segunda guerra
mundial, aplicar-se-á aos teleguia-
dos, com os quais já trabalhava a
Alemanha nessa época. Com isso,
não mais é obrigatório que unica-
mente poderosos aviões de bom-
bardeio transportem bombas até o
local onde estas devem explodir.
Dispõe-se agora de teleguiados, os
quais, impelidos de rampas de lan-
çamento, podem ser enviados a al-
vos distantes, precisamente calcula-
dos.
“Chamam-se teleguiados aciueles
projéteis transportados por um fo-
guete, isto é, por meio de um cor-
po voador que leva consigo o com-
bustível que o propele. Êste com-
bustível consiste numa mistura de
substâncias que produzem gases
de combustão, os quais escapam
com uma velocidade extraordina-
riamente grande, através de uma
abertura estreita em forma de bico.
ininteruptamente trabalha-se para
descobrir misturas de combustí-
veis ainda mais eficientes e mais
simples de manejar.
“O projétil carregado pelo fogue-
te pode ser de tipo comum ou ser
munido de uma ogiva de bomba de
urânio ou de bomba de hidrogênio.
“Dizem que a União Soviética
dispõe de foguetes que alcançaram
até 1.000 quilômetros, esperando-
-se em breve outros que alcancem
1.800 quilômetros, se é que já não
existem. Fala-se que os Estados
Unidos já possuem foguetes com
um alcance de 2400 quilômetros.
“Ainda não se sabe com certeza
se já existem os assim chamados
foguetes intercontinentais, capazes
de sobrevoar o Oceano Atlântico,
isto é, com um alcance de mais de
8.000 quilômetros. Presume-se, no
entanto, que os problemas referen-
tes à sua produção são solúveis e
que sc trabalha para isso, tanto no
Leste como no Oeste, e que o Les-
te parece estar, nesse sentido, à
fientc do Oeste.
“Embora ])areça ainda não ha-
ver teleguiados intercontinentais,
os Estados Unidos já devem estar
prevendo que, no caso de uma
Janeiro de 1939
— 13
guerra atômica, suas cidades, si-
tuadas desde a costa até bem no
interior, possam ser atingidas por
teleguiados lançados por submari-
nos.
“Os foguetes movimcntam-se
com uma velocidade incrível. Afir-
ma-se que 0 foguete intercontinen-
tal, para atravessar o Oceano
Atlântico, necessita menos de meia
hora, e sua capacidade de carga
oscila entre 1 e 5 toneladas.
ANTEVISÃO DO CONFLITO
ATÔMICO
“Como se desenrolaria uma guer-
ra atômica hoje desencadeada?
“Em primeiro lugar, tratemos da
assim chamada guerra atômica de
âmbito limitado. E’ que, no ínti-
mo, certas pessoas têm a esperan-
ça de que as hostilidades poderiam
surgir numa guerra atômica com
um âmbito mais ou menos limita-
do, na qual ainda não se fizesse
uso das bombas atômicas aperfei-
çoadas ou de poderosas bombas de
hidrogênio, mas apenas de teleguia-
dos de curta ou média trajetória.
O extermínio causado pelos tele-
guiados, poderia, assim se espera,
manter-se dentro de certos limites
e igualmente propiciar ainda uma
paz oportuna.
“No que se refere à limitação lo-
cal de uma tal guerra, pouca es-
perança há nesse sentido, pois ela
é realizada com teleguiados que
alcançam até 2.400 quilômetros.
Também não deve ser menospreza-
da a destruição por êles provoca-
da, pois o efeito dos projéteis atô-
micos usados é igual ao de uma
bomba de Hiroshima e muito maior
é seu poder de destruição quando
dotados do uma ogiva de bomba
de hidrogênio.
“É pouco admissível (lue os ini-
migos desistam, desde o principio,
de lançar sôbre as grandes cidades
bombas de urânio aperfeiçoadas
ou bombas de hidrogênio por meio
de bombardeiros.
“Uma grande possibilidade exis-
te a favor disso, isto é, de que nu-
ma próxima guerra atômica sejam
empregados tanto os teleguiados
como os grandes bombardeiros. A
guerra feita com o lançamento de
grandes bombas não pode ser subs-
tituída pela de teleguiados, mas
sim por êles completada.
“Quanto ao efeito das grandes
bombas de hidrogênio, deve-se di-
zer que o diâmetro das bolas de
fogo resultantes da sua explosão,
pode abranger vários quilômetros.
O calor é avaliado em 100 milhões
de graus. Pode-se daí calcular a
quantidade de pessoas aniquiladas
— era tempo ínfimo — na cidade
atingida, tanto pela pressão da
explosão, como pelos destroços,
pelo fogo, pelo calor e pela primei-
ra e violenta irradiação radiativa.
A mortal intensidade radiativa,
provocada pela explosão, espalhar-
16 —
Ú NIT AS
se-á por uma extensão de cêrca de
45.000 quilômetros quadrados.
“Perente uma comissão do Par-
lamento, um general americano te-
ria feito a seguinte declaração:
‘‘Se, de 10 em 10 minutos, forem
lançadas 110 bombas de hidrogê-
nio sôbre os Estados Unidos, mor-
rerão ou ficarão feridas 70 milhões
de pessoas. Além disso, milhares
de quilômetros quadrados ficarão
inutilizados para uma geração in-
teira.” Então, os países como a
Grã-Bretanha, a Alemanhã Ociden-
tal e a França podem ser destruí-
dos com 15 ou 20 bombas de hi-
drogênio da mais recente fabrição.
No que diz respeito às medidas de
proteção em uma próxima guerra
atômica, dizem que o presidente
Eisenhower, após um ataque simu-
lado com bombas, na qual também
foram experimentados medidas de
proteção, teria assim se manifesta-
do: “Aí só adianta orar!”
“Realmente, não se pode fazer
muito mais do que, em relação a
um ataque de bombas, dar instru-
ções para que tôdas as pessoas que
se encontrem no local se joguem
no chão, atrás de uma parede, pre-
ferivelmente forte, de pedra ou con-
creto, com o rosto voltado para
baixo, e para que, se possível,
cubram com uma toalha a nuca e
as costas. Assim, pessoas que não
se encontrarem na região de com-
pleta destruição, em certas circuns-
tâncias poderão escapar à morte
pela irradiação. Também é impor-
tante que se faça chegar aos so-
breviventes, se possível, água e co-
mida que não sejam radiativas, e
que êles sejam retirados o quanto
antes da zona infestada pela ra-
diatividade.
“Está fora de cogitação a cons-
trução de abrigos com grossas pa-
redes de concreto para tôda a po-
pulação de uma localidade. De
onde se tiraria o local e os meios
exigidos? Onde arranjariam os
habitantes, no caso de um bombar-
deio, 0 tempo para procurar pro-
teção em algum abrigo antiaéreo?
“Numa guerra atômica não há
vencedores. Só vencidos. Nela to-
dos sofrem, com as bombas e os
projéteis atômicos do inimigo, o
mesmo que a êste foi causado pe-
las armas atômicas da outra víti-
ma. Resulta disso um permanente
aniquilamento, ao qual nenhuma
suspensão das operações ou armis-
tício pode pôr fim. Quando se tra-
ta de armas atômicas, nenhum
povo pode dizer ao seu inimigo:
“agora é a vez das armas decidi-
rem”, mas sim “agora vamos co-
meter juntos 0 suicídio em que nos
exterminaremos mutuamente”.
“Com razão, um parlamentar in-
glês declarou que quem emprega
armas atômicas tem o mesmo des-
tino de uma abelha, que quando
pica, sucumbe por sua vez infali-
velmente, desde o momento em que
fêz uso do ferrão.
“Uma guerra feita com armas
atômicas de hoje, no sentido de
Janeiro de 1959
— 17
manter uma liberdade considerada
perigosa, não pode dar os resulta-
dos que dela se esperam.
“Aquêles para quem ela será fei-
ta deverão, no seu decorrer, estar
mortos, ou mais tarde definhar.
Em lugar da libe^•dade caber-lhes-ia
o extermínio.
“As nuvens de poeira radiativa,
que se seguiriam a uma guerra
atômica entre o Leste e o Oeste,
poriam em dúvida a sobrevivência
dos homens no mundo inteiro. Essas
potências não precisariam nem
empregar, para isso, todo seu es-
toque de bombas atômicas e de hi-
drogênio, calculado em 50.000 uni-
dades.
“Uma guerra atômica, portanto,
é um absurdo e uma crueldade ini-
magináveis, que de forma alguma
deve tornar-se realidade.
“Infelizmente há o perigo de que
a guerra fria se transforme numa
guerra atômica, perigo êsse hoje
muito maior do que foi até agora,
devido à invenção dos teleguiados
e às possibilidades por êles abertas.
AMPLIAÇÃO DO PERIGO
“Em tempos passados, os Esta-
dos Unidos tiveram como princípio
permanecerem os únicos, ao lado
da União Soviética, na posse de
armas atômicas. Não havia inte-
rêsse em equipar outros países com
bombas de urânio ou de hidrogê-
nio. Êsses também não saberiam
0 que fazer com elas. Mas, com a
invenção dos teleguiados, de me-
nor ou maior alcance, modifica-se
a situação, pois com êles, os paí-
ses que estão ligados aos Estados
Unidos podem fazer algo que, no
seu interêsse e no dos Estados Uni-
dos ,seja julgado necessário. Assim,
os Estados Unidos renunciam ao
princípio de não entregar armas
atômicas a outras mãos. Uma gra-
ve decisão.
“Do seu ponto de vista, compre-
ensível que os países da NATO
queiram colocar-se numa posição
tal que, com essas armas moder-
nas, possam defender-se da União
Soviética. Para esta última, porém,
êsse armamento significa uma
ameaça que até agora era inexis-
tente.
“De agora em diante, surgem
condições até agora inxistentes,
para o desenvolvimento de uma
guerra com armas atômicas em
solo europeu entre os Estados Uni-
dos e a União Soviética. O terri-
tório da União Soviética, compre-
endido entre a Alemanha Ociden-
tal e as cidades de Moscou e Cra-
cóvia, pode ser bombardeado com
teleguiados de um alcance médio
de 2.400 quilômetros. Os teleguia-
dos de alcance médio que a Tur-
quia e o Irã aceitariam eventual-
mente dos Estados Unidos para
defender-se da União Soviética po-
deriam ser perigosos para as cida-
dades dessa potência, até bem no
interior.
18 —
Ú N I T A S
“Assim ,a União Soviética pode
estar se sentindo numa situação
em que tenha de repetir uma ma-
nobra do cêrco empreendida con-
tra ela, com base na existência dos
teleguiados.
“A importância estratégica do
Oriente Médio implica em que, tan-
to a União Soviética quanto os Es-
tados Unidos, enquanto defendem
os países daquela zona, tratam de
fazer com que êles fiquem compro-
metidos, apoiando-os financeira-
mente e fazendo chegar armas (ini-
cialmente do tipo comum) às suas
mãos. Em tôdas as querelas que
lá levantam, aquelas duas potên-
cias aparecem, aberta ou secreta-
mente ,em posições opostos. Assim,
acontecimentos que se derem no
Oriente Médio podem tornar-se fu-
nestos para a preservação da paz.
O Oriente Médio tomou a si o pa-
pel que os Balcãs desempenhavam
antes da Primeira Guerra.
“O perigo de uma guerra, que
cresceu com o aparecimento dos
teleguiados, tornar-se-á ainda maior
pelo fato de que, provavelmente,
uma guerra atômica não se desen-
cadeará com base na declaração de
guerra por parte de uma otência,
mas em virtude de um aconteci-
mento qualquer que sobrevenha
or acaso. Culpa disso terá, de ago-
ra em diante, a importância atri-
buída ao fator tempo.
“O ofensor repentino terá sobre
o que é atacado, vantagem que lhe
emprestará uma superioridade qua-
se equivalente à vitória. Ser-lhe-á
possível logo no comêço inflingir
perdas ao inimigo, que diminuam
extraordinàriamente a capacidade
de combate dêste último.
“Sente-se assim, de ambos os la-
dos, a necessidade de estar diària-
mente e de hora em hora à espera
de uma agressão, para através de
uma defesa instantânea e vigoro-
sa, fazê-la malograr no que fôr
possível. Essa urgência da defesa
mais rápida possível é que traz
consigo o grande perigo de a guer-
ra atômica estourar por acaso. A
rapidez com que se deve decidir o
que significa um ponto visível no
aparelho de radar, pode possibili-
tar um êrro fatal que, sob certas
circunstâncias, poderia originar o
desencadeamento de uma guerra
atômica.
“Segundo o general americano
Curtis Le May, deve-se realmente
contar com essa possibilidade.
“De fato, 0 mundo correu há pou-
co tempo um perigo dêsse tipo. As
estações de radar da Fôrça Aérea
norte-americana e as da costa do
país informaram que esquadrilha
desconhecidas de bombardeiros do-
tados de velocidade supersônica se
aproximavam do país. Em conse-
quência disso, o general que che-
fiava 0 destacamento de ataque aos
bombardeiros deveria ter ordenado
o início de um bombardeio de con-
tra-ataque. Contudo, êle não pôdt
Janeiro de 1959
— 19
se decidir a isso, com o que assu-
miu uma pesada responsabilidade.
Logo após, verificou-se que as es-
tações de rádio tinham sido víti-
mas de um êrro técnico. 0 que po-
deria ter acontecido, se estivesse
no comando um general um pouco
menos avisado!
“Em tempos vindouros, o perigo
de guerra, ocasionada por um êrro,
será muito maior. Os foguetes su-
persônicos, devido a sua pequenez,
só serão visíveis tàrdiamente no
radar, daí serem as possibilidades
de defesa muito limitadas. Restam
apenas alguns segundos para deci-
dir se 0 que foi observado no apa-
relho é realmente foguete, e pôr
em andamento a defesa necessária.
Esta consiste no envio de foguetes
defensivos, que devem fazer explo-
dir os foguetes inimigos antes que
êstes alcancem seu alvo, e em en-
viar esquadrilhas de bombardeiros
para aniquilar as bases de lança-
mento do inimigo. Tarefas seme-
lhantes não podem ser entregues
a um cérebro humano. Êste traba-
lha devagar demais. Elas têm que
ser chefiadas a um cérebro eletrô-
nico, mantido em contacto com o
aparelho de radar. Se êsse infor-
ma que se trata realmente de fo-
guetes, o cérebro eletrônico, de
acôrdo com as informações trans-
mitidas pelo aparelho de radar,
calcula, em questão de segundos, a
trajetória e a distância dêles e faz
partir os foguetes defensivos. Isso
tudo se processa autmàticamente.
“A que ponto chegamos: nosso
destino vai depender de um cére-
bro eletrônico e dos enganos de que
êste possa ser vítima. Êle só pode
decidir automàticamente. O poder
do cérebro humano, de avançar re-
fletidamente em tôdas as direções
e sentidos, não lhe foi concedido.
Sua decisão é rápida, mas não tem
a profundidade e a certeza da do
cérebro humano. Além disso, o cé-
rebro eletrônico está na absoluta
dependência do fato de que no seu
tão complicado funcionamento, tu-
do, até as mínimas coisas, deve
estar em absoluta ordem.
“Não faltam, portanto, possibi-
lidades de, por um acaso qualquer,
tombarmos uma vez numa guerra
atômica, da forma mais estúpida.
“Também não deve ficar fora de
cogitação uma outra piora de nossa
situação, que se relaciona com o
fato de os Estados Unidos estarem
em vias de fornecer armas atômi-
cas a outros países, confiando-as
àqueles de quem julga poder supor
que não as usarão imprudentemen-
te ou conforme a própria vontade.
As outras duas potências atômicas
têm a liberdade de fazer o mesmo.
Mas quem é que garante que, den-
tre êsses povos agraciados, não
haverá também, uma vez, um in-
digno dessa honra que ao entrar
na posse de tais armas, fará com
elas o que bem lhe parecer, sem
se preocupar com as conseqiiên-
cias? Quem é que pode impedi-lo?
20 —
Ú N I T A S
Quem é que pode induzí-lo a re-
nunciar ao uso de suas armas atô-
micas, quando as nações, de volta
à sentatez, resolverem conjunta-
mente renunciar ao seu uso?
“Cavou-se um buraco no dique.
Isso quer dizer agora vigiar, para
que não haja, em conseqüência,
uma ruptura fatal.
“Que é de se supor que tais preo-
cupações se concretizem, conclui-se
da declaração que 9.235 cientistas
enviaram no dia 13 de janeira de
1958 à ONU, a respeito da cessa-
ção das experiências nucleares.
Nela figura a frase seguinte: “En-
quanto as armas atômicas estive-
rem em poder das três grandes po-
tências, é possível estabelecer-se
um acôrdo visando ao seu contrô-
le. Se as experiências continuarem
e a posse dessas armas fôr conce-
dida a outros governos, o risco de
se desencadear uma guerra atômi-
ca, decorrente da existência de go-
vernantes irresponsáveis, será mui-
to maior”.
“Portanto, o perigo de uma pró-
xima guerra atômica é tão amea-
çador que se torna uma necessida-
de urgente a renúncia às armas
atômicas.
A ESTRANHA POSIÇÃO DOS
E.U.A.
“Os Estados Unidos, na questão
da renúncia às armas atômicas, as-
sumem uma estranha posição. Não
pode ser outra senão a de intervi-
rem convictamente em favor de
sua supressão, mas ao mesmo tem-
po querem, no caso de isso não se
tornar realidade, colocar-se, junta-
mente com os países da NATO, nu-
ma situação, do ponto de vista mi-
litar, das mais propícias. Por isso,
os Estados Unidos insistem em que
aqueles países se decidam a acei-
tar o quanto antes os teleguiados
que lhes está oferecendo. Mais
ainda, querem estar numa situação
em que mantenha a paz intimidan-
do o inimigo. Contudo devem ter
conhecimento de que a maioria dos
países da NATO não demonstra
muita pressa em se tornar possui-
dor, das armas que lhe foram ofe-
recidas, pois seus dirigentes têm
que enfrentar uma corrente de opi-
nião contrária cada vez mais forte
em seus países.
“Seria de grande importância que
os Estados Unidos, nessa hora cru-
cial para a humanidade, se decidis-
sem a pensar esclusivamente na
necessidade de renúncia às armas
atômicas e, em conseqüência disso,
em evitar uma guerra atômica. A
teoria da manutenção da paz por
meio da intimidação do inimigo,
mediante armamento atômico, não
pode mais ser levada em conta na
época presente, com um perigo de
guerra tão intensificado.
LÕ E ABRAAO
“Eis aí tôda essa terra à tua vista. Rogo-te
que te apartes de mim” (Gênesis 13:9).
Os zagais de Abraão, o patriarca,
Brigavam com os zagais de seu sobrinho
Ló. O bom velho o olhar extende, abarca
Os campos em redor e o chão maninho,
E diz a Ló, com mostras de carinho:
— Das terras que ora vês, toma e demarca
O sitio em que se praza armar teu ninho,
Que o meu irei jazer noutra comarca.
Xão desejo que os meus e os teus pastôres
Vivam nessa contenda repulsiva.
Leva o teu gado em paz para onde fôres.
Será melhor que conversemos, Ló,
A fraterna amizade, embora viva
Cada um de nós para o seu lado, só.
Benedito R. Aranha
CONHEÇA
A
SUA B r B L I A
3.8 LIÇaO
GÊNESIS: OS
.Vtenção, aluno: Você leu, nesta
semana, os onze primeiros capítu-
los de Gênesis? Não? Que pena!
Perdeu uma boa ocasião de o fazer
e anulou o propósito dêste curso
que é de levá-lo à Bíblia.
Sim? Que bom! Entendeu-os me-
lhor? Foi para isso mesmo que
*
O livro de Gênesis está dividido
em três partes ,a saber: Primór-
dios — Patriarcas — Descida para
o Egito. Estudada a primeira,
caps. 1 a 11, como fizemos em aula
anterior, passamos ao período dos
Patriarcas. E’ o que vai do capí-
tulo 12 até 0 36. Se alguém qui-
ser recurso mnemónico para saber
PATRIARCAS
Rev. Júlio A. Ferreira
organizamos o curso: “Conheça a
sua Bíblia”. Ninguém a pode co-
nhecer. Conheço a minha, mas a
sua não será conhecida se você não
se esforçar nesse sentido. Creio
que posso ajudá-lo, mas não posso
fazer a sua parte.
*
dos capítulos, basta Icmbrar-se que
36 é múltiplo de 12. Não deve ter
sido difícil guardar que os primór-
dios vão de 1 a 11, pois que um
número lembra o outro.
Vêde o esquema das viagens no
periodo dos Patriarcas. Do capítu-
lo 12 ao 36 de Gênesis temos três
biografias de Abraão, de Isaque e
Janeiro de 1959
— 23
de Jacó. Os diferentes riscos re-
presentam diferentes viagens. Pri-
meira: Abraão vai da terra de sua
parentela (Ur) para uma terra da
qual diz Deus: “Eu te mostrarei”
(Canaã). Segunda: Abraão man-
da buscar esposa para o filho; é a
viagem em busca de Rcbeca. Creio
que todos se lembram dessa via-
gem. Comovente história do en-
contro junto ao poço, quando o ser-
vo de Abraão ficou em silêncio
para ver se Deus faria prosperar
o seu caminho ou não. Disse, lá
consigo, que a moça que lhe desse
de beber a êle e aos camelos essa
seria a candidata ao filho de
Abraão. Critério interessante do
de escolha. É boa qualidade revelar
cuidado pelos outros. Após a expo-
sição do propósito da viagem e da
decisão de Rebeca, segue-se a ter-
ceira viagem, indicada pela flecha
rumo a Canãa de novo: vai Rebeca
ao encontro de Isaque. Sabemos
que dois filhos teve êsse casal: Jacó
e Eaú. Quando Isaque era já ve-
lho, Jacó enganou o irmão, patro-
cinado, infelizmente, pela própria
mãe. Esaú ficou irado, e quis ma-
tar a Jacó. Fugindo, Jacó vai a
Padã-Arã, na Galiléia, a região dos
parentes. Nessa viagem tem êle
uma visão de Deus, em Betei. Na
ida. Betei; na volta, Jaboque, vale
onde se dá o encontro com o anjo,
antes do encontro com o irmão. No
intervalo dessas duas viagens, tam-
bém assinaladas no gráfico, êle se
I enriquece, luta contra o próprio so-
I gro. Enganara o pai; enganara o
irmão; enganara o sogro — seu
nome era: Enganador. Jacó retorna
a Canaã.
Feita a apresentação do quadro,
passemos a um pequeno balanço de
informações a respeito de cada um
dos patriarcas.
De Abraão temos vários inciden-
tes narrados. Procurámos resumir
dêstc modo:
Abraão e a promessa — 12
” e as peregrinações — 12
" e Ló — 13
” e Melquizedeque — 14
” e o Pacto — 15
” e Hagar — 16
” e Sara — 17
” e os anjos — 18
” e as cidades impenitente.?
— 19.
” c Abimeleque — 20
” e Isaque — 21
” e 0 sacrificio do filho — 22
” e a viuvez — 23.
A promessa é de que nêle,
Abraão, seriam benditas tõdas as
nações da terra: teria êle descen-
dência como areia do mar e estré-
ias do céu. Levado para Canaã,
morava, com diz a Escritura, em
cabanas; era um estrangeiro. Ali
estava em obediência à palavra de
Deus. Recebia a inspiração de dei-
xar os seus e ir para uma terra
distante, desceu ao Egito, o que
era natural, pois que no Egito es-
tava então a capital do mundo. O
incidente com Ló é muito conheci-
24 —
ÚNITAS
do; avançaram para o Vale do Jor-
dão, perto do Mar morto, planície
fértil. Ambos tinham rebanhos e
era preciso que êles decidissem a
respeito da divisão das terras; es-
tava havendo luta entre os seus
auxiliares. Abrão tem gesto de
generosidade: se tu escoilheres a
direita, eu escolherei a esquerda.
Ló escolheu o parentmente melhor.
Melquizedeque, rei de paz, recebeu
dízimos de Abraão. Segue-se a ce-
rimônia da circuncisão, como o
marco do pacto feito entre Deus e
0 patriarca. Abraão intercede por
Ló, por sua família, pelas cidades
impenitentes; contudo a maldade
era tal, que não foi possível evitar
a destruição destas. Sodoma e Go-
morra, símbolos da destruição fi-
nal. Abimeleque foi um rei visi-
tado por Abraão. Abraão infeliz-
mente , apesar de tôda a sua gran-
deza de alma, mostrou-se humano;
caiu na fraqueza da mentira.
Depois dêsses acontecimentos
cumpre-se a promessa. Deus lhe
dá o filho. Deus vem depois a pe-
dir-lhe 0 filho. Êste é 0 ponto cul-
minante na biografia de Abraão;
sua significação vamos destacar
depois.
Vamos passando à biografia de
seu filho Isaque. O exemplo de Isa-
que como pacifista é o ponto cul-
minante na biografia dêste, porque
êle foi realmente um exemplo de
pacifismo. Sua biografia é menor;
menor em extensão e menor em
importância. Os vultos de seu pai
Abraão e de seu filho Jacó são tão
notáveis que, de certa maneira, a
figura de Isaque fica um pouco
apagada. Entre parêntesis: Conta-
-se que Mendelson, o banqueiro, era
muito conhecido, sendo seu filho
sempre apresentado como o filho
de Mendelson. O neto se tornou
musicista célebre. O filho, que ago-
ra era velho, passou a ser apresen-
tado como 0 pai de Mendelson. Cer-
ta vez perguntaram-lhe quem era.
Respondeu: “Eu, a princípio, era
filho de meu pai; depois passei a
ser 0 pai de meu filho; eu mesmo
não sou ninguém”. Isaque a prin-
cípio era filho de Abraão; depois
passou a ser o pai de Jacó. Jacó é,
de fato, um vulto notável. Notável
primeiro por suas malandragens;
notável depois por sua conversão.
Repassemos rapidamente a bio-
grafia de Jacó comprando o di-
reito de priniogenitura com um
prato de lentilhas, ganhando a
bênção do pai quando arranjou um
guisado mais depressa. (A mãe,
protecionista, depois deve ter fi-
cado arrependida quando vê o fi-
lho partir para tão longe), indo
para região onde estavam os pa-
rentes, trabalhando, conforme os
costumes da época, para receber de
seu sogro as filhas em casamento,
enganando o próprio Labão, ao
qual deixa sem aviso, vem afinal
ao vale de Jaboque, o vale da de-
cisão. O rio Jaboque é um afluen-
te do Jordão. Riacho sem muita
significação, passou à história por
causa do encontro de Jacó com o
Janeiro de 1959
— 25
anjo. Quase mesmo à passagem
do Jordão, quase à entrada de Ca-
naã, teve Jacó êste encontro. Nes-
te incidente o mais significativo de
sua vida, percebeu que de nada va-
lia sua atitude enganadora, pois
que, cedo ou tarde, chegava o ajus-
te de contas. Pediu com grande
insistência, a bênção dos céus.
Encontra-se e reconcilia-se com
o irmãos. Às eauHflHpc Hos pais
que não mais encontrou somou-se
logo a saudade de Raquel a esposa
querida, que veio a morrer. Não
há felicidade completa aqui na
terra. De nada vale ser engana-
dor. As mais caras esperanças es-
tão além.
E assim, em lugar de Jacó que
passa aos bastidores, surge no pal-
co dessa história, José , seu filho.
Mas, êste já pertence a outro pe-
ríodo.
Apresentadas, em síntese, as bio-
grafias dos patriarcas, desejamos
destacar algumas lições essenciais.
Abraão é o exemplo de fé. E’
chamado o pai da fé. O pedido do
sacrifício de Isaque, devia parecer-
-Ihe absurdo. Mas Hebreus 11:18
dá-nos 0 segrêdo dessa história.
Abraão creu na ressurreição. Êle
não discute; obedece. Todos conhe-
cem o incidente tão tocante; vão
para o monte Moriá, em Jerusalém.
O filho pergunta: aqui está o cute-
lo, aqui a lenha, onde é que está
a vítima? E a resposta de Abraão
é: “Deus proverá”. É o homem
da fé, chamado “pai da fé”. Sua
figura vai ocupar o resto da Es-
critura. O momento cruciante é
êste. Demonstrou fé em muitas
circunstâncias da sua vida, mas
nesta hora êle demonstra fé “cris-
tã”. Romanos 4 mostra a signifi-
cação da fé na vida de Abraão. Ro-
manos 4:17: Deus dá existência às
coisas. Mateus 22:31-32 confirma-
-nos a impressão.
Vamos passor a Toortno Isnane
é um exemplo de pacifista, o inci-
dente mestre está principalmente
no capítulo 26. Expressão interes-
sante: “e cavou outro poço”. O que
aconteceu foi o seguinte: Êle ca-
vava um poço porque o rebanho
sem água não podia viver, mas vi-
nham os vizinhos e criavam uma
situação. No cap. 26 de Gênesis a
expressão “E cavou outro poço”
aparece várias vêzes, porque vá-
rias vêzes os inimigos avançaram
sôbre o que era dêle. Para não
questionar, êle deixava o poço e
cavava outro. O final foi êste: De-
pois de tanta paciência teve recom-
pensa. Os inimigos o procuraram e
quiseram fazer amizade com êle,
porque viram que Deus o abençoa-
va. Êles disseram: Temos visto
que o Senhor é contigo.
Jacó é um exemplo de conversão.
Já temos enunciado essa grande li-
ção na vida dêste patriarca. O su-
plantador, o enganador transfor-
mou-se num príncipe com Deus.
Êle teve primeiro o nome de Jacó
e depois o nome de Israel. Jacó, o
enganador, deixa atrás um irmão
26 —
ÚNITAS
enganado e vai à frente encontrar
um sogro a quem vai também en-
ganar. Apesar das promessas que
fêz a Deus em Betei, êle, até a
Deus tenta enganar, sempre utili-
tário . “Se Tu me abençoares, se
Tu me acompanhares nesta via-
gem, se Tu me fizeres prosperar,
então”. . .
Na volta seu espírito é outro.
Gênesis 32:26: “Deixando ir por-
que ja a alva subiu; porém êle
disse, não te deixarei ir se não me
abençoares. Disse-lhe: qual é o
teu nome? E êle disse: Jacó. En-
tão disse: Não se chamará mais o
teu nome Jacó, mas Israel, pois
como príncipe lutaste com Deus e
com os homens prevaleceste”. Foi
um encontro com Deus.
Enquanto a pessoa não se encon-
tra realmente com Deus, não deu
o passo definitivo na vida, e o mais
significativo. Nada tem significa-
ção sem a conversão, o encontro
com Deus, a decisão feita, de uma
vez para sempre, de servir aos pro-
pósitos divinos.
Leiam-se os textos: Gênesis 28:4
— “E te dê a bênção de Abraão, a
ti e à tua semente contigo, para
que em herança possuas u terra de
tuas peregrinações, que Deus deu
a Abraão”.
Gênesis 30:27 — “Então lhe disse
Labão: Se agora tenho achado gra-
ça aos teus olhos, fica comigo. Te-
nho experimentado que o Senhor
me abençoou por amor de ti”.
Gênesis 43:13-14 — “Tomai tam-
bém a vosso irmão, e levantai-vos,
e voltai àquele vai'ão. E Deus
puUeio&o vüS dê misericórdia
diante do varão, para que deixe vir
covosco vosso outro irmão, e Ben-
jamim; e eu, se fôr desfilhado, des-
filhado ficarei”.
A grande lição dos patriarcas é
esta que a nossa vida deve ser di-
rigida por Deus. E’ o Senhor, Todo
Poderoso que traz a bênção e que
trás a vitória; Êle nos guia pelos
nossos caminhos. ’
Finalmente Gênesis 46:3. No fi-
nal da vida de Jacó Deus está lhe
dizendo: “Não temas descer ao
Egito, porque eu te farei ali uma
grande nação”. Deus transformara
Abraão em uma família ;agora diz
que transformará esssa família em
uma grande nação.
Estudaremos a gestação dela na
próxima aula.
iMOÇOES
DE
PSICOLOGIA KELIGIOSA
Dr. Samuel Figueira
TEORIAS PSICOLÓGICAS DO
FENÔMENO RELIGIOSO
(Continuação)
D) CARL JUNG. Para Jung, a
religião é uma autêntica função do
psiquismo, sob a dependência espe-
cifica do inconsciente coletivo.
Esclareçamos.
Jung, um dos mais brilhantes
discípulos de Freud, é o teorizador
do inconsciente coletivo. Para êle,
não basta distinguir na psiquê, o
consciente — porção relacionada
diretamente com o “eu”, e o incons-
ciente, — 0 “amplo fundo indeter-
minàvelmente grande”, porção no-
turna da personalidade; no incons-
ciente, êle distingue duas camadas:
uma relacionada com as experiên-
cias pessoais, contendo os impul-
sos recalcados, lembranças adorme-
cidas, e algumas expressões senso-
riais não suficientemente fortes
para atingir o consciente — é o
inconsciente individual; resta po-
rém, além dessa, outra camada con-
tendo, não mais as experiências in-
dividuais, mas as grandes expe-
riências da espécie. E’ o chamado
inconsciente coletivo. Para citar
um exemplo, à guiza de ilustração,
na análise do nome pessoal, temos
um elemento individual — o pre-
-nome, e um elemento coletivo — o
sobre-nome. Assim como o preno-
me é a expressão do presente, o
sobrenome é depositário do passa-
do, um traço de união que liga o
indivíduo aos seus antepassados, e
exprime a herança de caracteres
que remontam a troncos familiares
longínquos. Pois bem, o nosso pa-
rentesco é também uma realidade
28 —
Ú N I T A S
no setor psicológico — é o incons-
ciente coletivo. Apenas uma dife-
rença gigantesca separa o paren-
tesco biológico do parentesco psi-
cológico: enquanto o primeiro tem
um âmbito relativamente restrito,
o segundo é universal.
ARQUÉTIPOS
O conteúdo do inconsciente cole-
tivo é constituído pelas chamadas
“imagens ancestrais”, que Jung
também chama imagens arcáicas
ou arquétipos. Que são essas ima-
gens? São resíduos da memória
da espécie, idéias que se encon-
tram em diferentes povos da terra
sem terem sido transmitidas pela
tradição, nem pela propagação.
0»çânio-lo: “É um fato que certas
idéias se verificam quase em tôdas
as partes e em todos os tempos,
e que até podem aparecer de per
si e espontãneamente, com intei-
ra independência da tradição e da
migração. Não são concebidas pelo
indivíduo, mas ocorrem e ainda
irrompem na consciência indivi-
dual”. (Psicologia y Religion, pág.
21). Como exemplo, cita as doutri-
nas cristãs do pecado, da redenção,
a encarnação do Verbo (o Homeni-
-Deus), a cruz, a concepção ima-
culada (do Filho de Deus), a Trin-
dade, etc., e acrescenta que as dou-
trinas cristãs referidas “não são
exclusivas do Cristianismo, se bem
que êste lhe tenha dado tal desen-
volvimento e perfeição de sentido
que mal se pode comparar com as
de outras religiões. Com freqüên-
cia encontramo-las em religiões pa-
gãs...” (Op. Cit. pg. 76). A vinda
do Messias, por exemplo, constituía
uma esperança universal. Suetônio
testemunhou: “Uma antiga e cons-
tante tradição, derramada por todo
0 Oriente, anunciava que em de-
terminado tempo devia surgir da
Judéia 0 dominador do mundo”
(Vida de Vespasiano, apud Castelo
Branco — A Divindade de Jesus,
pg. 101): Castelo Branco cita ainda
vários testemunhos insuspeitos sô-
bre o assunto. Voltaire: “Desde
remotíssimas eras, grassava entre
indus e chins a crença de que um
sábio viria do Ocidente. A Euro-
pa dizia que o sábio viria do Orien-
te. Tôdas as nações assentiram a
necessidade de um sábio” (Op. Cit.
pg. 102). Volney: “As tradições
sagradas e mitológicas dos tempos
anteriores à era cristã, haviam le-
vado por tôda a Asia a esperança
num sublime mediador, o qual de-
via vir Juiz supremo, salvador fu-
turo, rei. Deus, conquistador e le-
gislador, a inaugurar na terra a
idade do ouro e a redimir os ho-
mens do império do mal.” (Op. Cit.
pg. 102). Roselly de Lorgues apre-
senta-nos, num livro antigo e rica-
mente erudito, um documentário
maciço e exaustivo, provando como
os grandes temas do Cristianismo
são encontradiços nas religiões pa-
gãs. A noção do pecado original.
Janeiro de 1959
— 29
por exemplo, é universal. “Perpe-
tuada no antigo Oriente, encontra-
mo-la igualmente na África, no
continente americano e nos arqui-
pélagos do Oceano Pacífico. Em
tôda parte reinou noção de que a
condição do homem havia sido mu-
dada por uma falta. Os chineses. . .
os indus... os parsis diziam: “Em
qualidade de filho de Meschia e de
Meschané, Adão e Eva), o homem
nasce impuro”. Todos os povos
concordes com Platão, reconhece-
ram que “a natureza e as facul-
dades do homem foram mudadas e
corrompidas desde o princípio, no
tronco de que descenderam” (Jesus
Cristo Perante o Século, g. 328).
Sôbre a encarnação do Verbo, diz
De Lorgues: “Tradições derivadas
dos tempos ante-diluvianos se ha-
viam espalhado por todo o Oriente,
e anunciavam um redentor divino.
Os povos confiavam que êsse me-
diador havia de reconciliar com o
Céu a humanidade. Todos espera-
vam por um deus que deveria en-
carnar-se, e apesar de seu poder,
sofrer tôdas as misérias, persegui-
ções, as necessidades humanas,...
enfim a morte. A predição de seu
nascimento milagroso do seio de
uma virgem estava tão acreditada
que, em quase tôdas as teogonias
se encontra a encarnação de um
deus” (Op. pg. 329). Cita a seguir,
vários povos nos quais se encon-
tram essas tradições. Os egípcios,
os indus, os chineses ,os tibetanos,
os japonêses, os povos bárbaros da
América, os germanos os druidas
e outros: “Os hindus e os bramas
ensinavam que Buda nasceu da vir-
gem Maha-mai. Em geral, no Ti-
bet, no Japão e na China, vivem
os povos na persuasão que um deus,
querendo salvar da corrupção o gê-
nero humano, se encarnara no seio
de uma virgem. A êsse Deus cha-
mam uns Che-Kia. . .” (Id. pg. 330).
A redenção pela morte de um
deus — eis outro tema universal.
Na China, os livros likigki anun-
ciavam um herói que deveria repôr
tudo na ordem primitiva, e me-
diante seus próprios padecimentos
abolir os crimes. E’ o Santo. Os
Kings falam dêsse personagem
misterioso. Êle existia antes do
céu e da terra. Posto que muito
excelso, sua natureza é semelhante
à nossa. “Tren-Gien será o deus-
-homem; andará entre os homens,
e os homens não n’o conhecerão.
Ferí o Santo, rasgai-o com açoites,
ponde 0 ladrão em liberdade ...”
Em todos os países, acrescenta De
Lorgues, quer civilizados, quer bár-
baros, existia a crença de que um
deus-homem haveria de resgatar,
com seu sangue, a criminosa hu-
manidade. Esquilo, um dos mais
profundos mitólogos reuniu na fi-
gura de Prometeu todos os parti-
culares da vida do Redentor, e deu
à Grécia o espetáculo de um deus
que condenava à morte outro deus.
Platão, fazendo o retrato simbóli-
co do Justo, diz: “Virtuoso até à
morte, êle passará por injusto e
perverso, e como tal será flagela-
30 —
Ú NIT AS
do, atormentado, e por fim posto
na cruz” (Ibid. pg. 336).
Jung rotula essas crenças de
arquétipos, ou imagens, são as
“imagens cristãs que não são ex-
clusivas do Cristianismo”, e que
“com freqüência encontramos em
religiões pagãs”.
Como se explica a universalidade
dessas imagens ou arquétipos ?
— Enquanto os religiosos consi-
deram que o âmbito da revelação
não está estreitado no campo do
Judaismo ou do Cristianismo ape-
nas, e mostram como Deus revelou
considerar povos pertencentes à
chamada gentilidade, isto é, povos
não judeus nem cristãos, como no
caso de Nínive, cidade à qual Jeo-
vá mandou um mensageiro espe-
cial; Jung, à luz de sua doutrina
do inconsciente coletivo, acha que
há em todos os homens, uma dis-
posição comum para cristalizar as
figuras representativas (as gran-
des idéias, as noções comuns de di-
vindade, anjos, demônios, e até de
dogmas, como a Trindade, a reden-
ção, e os já citados) não segundo
conceitos intelectivos, racionais,
mas dc acordo com um padrão uni-
versal, coletivo, irracional. Es.'?a
disposição se tranrunite por heran-
ça. Faz parte da estrutura psíqui-
ca do homem. Assim pois, não te-
mos sòmente caracteres somáticos
e psíquicos gerais, comuns a tôda
a humanidade, mas também cren-
ças, noções gerais, categorias lógi-
cas.
Tentando esclarecer o processo
de formação dos arquétipos, Jung
compara ao sistema exial de um
cristal que predetermina a forma-
ção cristalina na água-mãe, sem
possuir o mesmo existência mate-
rial. O sistema axial determina a
forma concreta do cristal. Assim
como o cristal, possui o arquétipo
um núcleo de significação invariá-
vel.
Jung acentua pois, em sua dou-
trina mais um aspecto do paren-
tesco universal. Como o diz Ramon
Sarró, “mercê de uma profusão
deslumbradora de exemplos, o lei-
tor vai percebendo o seu parentes-
co com tôdas as culturas. Desco-
bre que uma região de si mesmo
que ignorava, é uma espécie de re-
ceptáculo dos grandes temas que
têm comovido a Humanidade. Tem
a visão grandiosa de sua afinidade
com os vedas, os egípcios, com os
antigos incas e com os antigos
germanos, com os chineses e com
os africanos... Esta camada de
sua psiquê comum com a humani-
dade de todos os países e de tôdas
as épocas — é o inconsciente co-
letivo” (El Yo y el Inconsciente,
pg. 23, de Jung).
Como vemos, a psicologia dc
Jung trouxe mais uma dimen.sâo à
realidade psicológica encarada de
modo unilateral por Freud. Para
Freud, a análise do inconsciente é
a revelação da bestialidade huma-
na; para Jung, “existem nêle for-
ças latentes de aperfeiçoamento.
Janeiro de 1959
— 31
bases de tôda crença, da moral o
do sentimento religioso”.
Para Jung, o velho Heráclito des-
cobriu na antiguidade, a mais im-
portante lei psicológica de todos os
tempos, que é a da “harmonia dos
contrários”, isto é, uma fôrça ca-
paz de regular e harmonizar o ra-
cional e 0 irracional. Assim pois, a
neurose não é libido recalcada,
como quer Freud, nem instinto de
afirmação pessoal reprimido como
quer Adler, mas sim “religiosidade
reprimida”. “Os deuses negados se
convertem em fobias, obcessões,
delirios” (El Yo y el Inconsciente,
pg. 24). E’ a rutura desta harmo-
nia entre o racional e o irracional,
o combate dos conteúdos irracio-
nais pelo racionalismo — o que res-
ponde em geral pelo mecanismo
das neuroses. Para Jung, o racio-
nal e o irracional são duas faces
inalienáveis da vida psiquica. Com-
bater o irracional — é um dos erros
palmares do racionalismo que êle
ataca nos seguintes termos: “Para
certa mediocridade intelectual, ca-
racterizada por um racionalismo
ilustrado, uma teoria cientifica que
simplifique as coisas constitui um
excelente recurso de defesa, devi-
do à inquebrantável fé do homem
moderno em tudo que leva a eti-
queta de “cientifico”. (Psicologia
y Religion, pg. 75). Enrique Bu-
telmann, prefaciando a citada obra
de Jung, diz: “Condicionado histo-
ricamente, Freud “vê como sua
época o obriga a ver”. Em outras
palavras, não podendo libertar-se
00 materialismo cientifico dos fins
do século XIX, concebe o incons-
ciente de modo oxclusivamente ra-
cionalista e intenta explicar tôda
criação espiritual à luz de sua ima-
gem mecanicista do universo. Dai
sua teoria da sublimação, e o con-
siderar tôda a cultura humana
como mera derivação do instinto
sexual. Dai também sua valoração
negativa dos fatores irracionais.
O irracional porém, existe; é um
fato psicológico. Portanto como
tal hemos de considerá-lo, cuidan-
do de não violentar sua idiosincra-
sia... 0 contrário equivale a um
arbitrário estreitamento do campo
da experiência.” (Id. pg. 12).
Assim entendido o conteúdo do
inconsciente coletivo, torna-se in-
tuitiva a teoria da religião. E’ a
submissão a poderes superiores,
um fator dinâmico inconsciente
que se apodera do sujeito e o di-
rige, uma fôrça que irrompe e do-
mina 0 individuo. Em sua expres-
são textual, “religião exprime a
particular atitude de uma cons-
ciência transformada pela expe-
riência do numinoso”. Numinoso
vem a ser “a propriedade de um
objeto visivel ou o influxo de uma
presença invisivel que produz uma
especial modificação da consciên-
cia”, constituindo “uma condição
do sujeito, independente de sua
vontade” (Ibid., pg 22).
Como se desperta essa fôrça que
muitas vêzes dormita em nosso ín-
32 —
ÚNITAS
timo? Na experiência individual,
“essa condição está coordenada
com uma causa externa ao indiví-
duo”.
Em que se baseia Jung? — No
estudo de amplo material no campo
da mitologia, do folk-lore, da in-
terpretação dos sonhos, e da psico-
patologia.
* * *
Inegàvelmente, Jung teve o mé-
rito de revelar mais uma dimensão
do fenômeno religioso: a sua radi-
cação no inconsciente coletivo. No-
temos que Freud fêz derivar a re-
ligião do inconsciente individual.
Ambos, porém, foram unilaterais
porque encararam aspectos isola-
dos da religião. Os espiritualistas
tradicionais vincularam a religião
ao consciente, de modo exclusivo.
Basta assistir uma cerimônia reli-
giosa num povo bárbaro para se
chegar à evidência do dinamismo
inconsciente que a anima. Mas não
é possível também dissociá-la de
sua raiz consciente, principalmen-
te nos povos mais civilizados.
O grande êrro dos teorizadores
da religião tem sido monopolizar o
seu significado, tentando simplifi-
cá-la às custas do sacrifício de sua
complexidade estrutural. Jung, por
exemplo, restringe o campo da ex-
periência de modo arbitrário, ne-
gando a influência da vontade no
fenômeno religioso, o que conduz
ao determinismo.
Por outro lado, sua teoria tem o
mérito inconfundível de focalizar a
importância de fatos da mais alta
significação, como os que servem
de base à concepção dos arquéti-
pos, as crenças universais. Toda-
via, negando a confluência do ra-
cional na gênese da religião, che-
ga a conseqüências extremas como
0 determinismo religioso.
Como veremos mais tarde,
Fromm atribui um papel funda-
mental à razão na origem e evo-
lução do sentimento religioso.
Assim pois, na harmonia dos
“contrários” encontraremos uma
visão tridimensional do fenômeno
religioso associando o que há de
verdade nas teorias de Freud, Jung
e Fromm, isto é, reconhecendo as
fontes no inconsciente individual,
no inconsciente coletivo, e na pró-
pria razão. São valiosas contribui-
ções ao conhecimento das raízes do
fenômeno religioso.
(Continuaremos)
• •
A
CONCEPÇÃO CRISTÃ
DA
RAÇA
A despeito de tôdas as provas
científicas que destroem o precon-
ceito racial, as relações entre as
raças ainda permanecem críticas.
Daí a necessidade de reafirmar a
concepção cristã, porque só o espí-
rito cristão porá abaixo o separa-
tismo e implantará a fraternidade
universal. Essa concepção aparece
na exposição que transcrevemos,
do Secretário do Conselho Mundial
de Igrejas, preparada para os es-
tudos recentemente publicados
pela UNESCO.
“A respeito da concepção cristã
da raça existe uma crescente coin-
cidência de opinião entre os pensa-
dores cristãos. As igrejas têm cri-
do sempre na unidade fundamental
da humanidade. Quando homens
de ciência convocados pela UNES-
CO declararam “que todos os ho-
mens pertencem à mesma espécie,
à do homo sapiens, e desdendem de
um mesmo tronco comum” (decla-
ração de setembro de 1952), os que
conhecem o N. Testamento recor-
darão as palavras de Paulo, escri-
tas há dezenove séculos: “Êle é o
que de um só fêz nascer tôda a
geração dos homens, para que ha-
bitasse a vasta extensão da terra”
(Atos 17:26). Mas, não se pode
negar que em vários períodos da
história das igrejas cristãs a fôr-
ça dessa convicção fundamental
foi gravemente debilitada por cau-
sa da aceitação de ideologias ou
doutrinas que estabeleciam uma
hierarquia racial. Assim, a atitu-
de da Igreja ante o povo judeu,
que nos primeiros séculos da era
cristã esteve totalmente fundada
em razões religiosas e teológicas,
se converteu desde a época de
Constantino o Grande, e especial-
mente durante a idade média, em
uma estranha combinação de jus-
tificáveis motivos teológicos e do
mais anti-cristão anti-semitismo. O
34 —
ÚNITAS
resultado foi, segundo demonstram
as leis da época, que os judeus fo-
ram considerados como uma classe
inferior de seres humanos. Ade-
mais, quando as nações ocidentais
entraram em contato direto com os
povos da África e chegaram a
exercer sôbre êlcs sua supremacia,
certos teólogos pretenderam jus-
tificar essa dominação baseando-se
na maldição que Noé lançou con-
tra o filho de Ham, segundo a qual
êle havia de ser “um servo dos ser-
vidores de seus irmãos” (Gênesis
9:25). Mais recentemente temos
conhecido o infeliz fenômeno de
um movimento que pretendeu com-
binar 0 cristianismo com o racismo
nacional-socialista. Felizmente, po-
demos dizer que essas aberrações
encontraram decidida oposição e
que hoje é dificil encontrar um
teólogo sério ou uma autoridade
eclesiástica que defenda tão fra-
cas armações teológicas construí-
das “em defesa da má causa”. A
declaração da importante conferên-
cia ecumênica reunida em Oxford,
cm 1937, reflete essa concordância
geral ae opinião ao manifestar que
“não há razões para estabelecer
nenhuma diferença entre as raças
quanto ao seu valor intrínseco. Por
tôdas vela igualmente, pois que to-
das foram criadas por Ple para
pôr a seu serviço o s dons singu-
lares e distintos de cada uma”
(The Churches, p. 72).
Devemos esclarecer, contudo, que
a concepção cristã de raça tem ca-
racterísticas distintivas, podendo
dizer-se que é mais teocêntrica que
antropocêntrica. A afirmação de
Paulo, citada anteriormente, prin-
cipia com estas palavras: “O Deus
é o que de um só fêz nascer tôda
a geração dos homens”. Nessas pa-
lavras está a diferença entre um
vago cosmopolitismo que considera
as raças e nações como puros aci-
dentes e a concepção cristã que as
admite como parte da estrutura da
vida humana, que é um dom do
Deus. A igreja cristã não defende
nenhuma forma de racismo. “Con-
tra o endeusamento ou antagonis-
mo racial ,a igreja deve lançar-se
como contra uma rebelião de de-
sobediência a Deus” (The Chur-
ches, p. 68). Mas isso não signi-
fica que ela defenda um inter-ra-
cismo abstrato.
Enquanto “raça” corresponde a
um conceito puramente biológico,
não há razão para atribuir-lhe um
significado espiritual. A côr da
pele não tem relevância alguma do
ponto de vista dos valores cristãos.
Mas no transcurso da história os
principais grupos denominados ra-
ças têm sido os portadores de ex-
periências específicas, experiências
históricas, e criaram determinadas
formas de cultura. E’ útil recor-
dar que a ciência moderna nos en-
sina que as chamadas raças não
ião compartimentos estanques nem
entidades imutáveis, o que nos
ajuda a evitar o perigo de consi-
derar absolutas as características
culturais distintivas de tôda raça.
Janeiro de 1939
— 35
Contudo, essas características exis-
tem, e não atendê-las ou negá-las
em atenção a uma conformidade
geral é tão errôneo como negar às
pessoas o direito à função especí-
fica de seus próprios dons e facul-
dades. Nesse sentido é verdade
que, segundo manifestou a Confe-
rência de Oxford em 1937, “cada
uma das raças da humanidade tem
sido beneficiada por Deus com dons
distintos e singulares” e que “o
cristão olha as diferenças raciais
como parte da vontade de Deus
para enriquecer a humanidade com
uma diversidade de dons”. O reco-
nhecimento dessas diferentes facul-
dades não significa uma diferença
de raças quanto ao valor intrinseco
das mesmas.
Essa situação não é estática. Po-
dem produzir-se novas situações
como se produziram no passado e
existem hoje em algumas partes do
mundo, onde várias raças se têm
unido numa nova síntese. Essas
misturas devem ser bem recebidas
e respeitadas como uma contribui-
ção para a vida comum da huma-
nidade. O grande evangelizador
africano Aggrey gostava de repe-
tir a parábola das teclas brancas e
pretas do piano que, juntas, pro-
duzem música harmoniosa. Parábo-
la exata se é entendida não com
relação à côr mas à função. As di-
ferenças raciais são autênticas
mas relativas, já que vão endere-
çadas ao cumprimento do destino
da humanidade como um todo. Em
última análise, os homens todos
pertencem a uma só raça humana,
que Deus criou e deseja salvar.”
)•(
JESUS CRISTO
“Cristo é a expressão visivel do Deus invisivel. Êle existiu
antes da criação, pois foi através dêle que todo foi feito, seja
espiritual ou material, visível ou invisível. Através dêle, e para
êle, também, foram criados o poder e o domínio, a autoridade
e a posse de tudo. Êle é tanto o Primeiro Princípio como o Prin-
cípio de Sustentação de todo o esquema da criação. E êle é a
cabeça do corpo que é composto do povo cristão.”
Paulo aos Colossenses
MÉTODOS
DE
EVANGELIZAÇÃO
(O método preferido pelo I.C.R.)
Oscar Arruda
A excelente revista devocional
“No Cenáculo” de maio-junho de 68
traz diversas meditações sobre o
tema “Porque amo a Igreja”.
Amo a Igreja porque é uma
oportunidade para se conduzirem
jovens à vida cristã. Na Igreja
encontramos Deus e estreitamos
amizades preciosas que nos ajudam
a viver num mundo melhor. Jesus
ia, todos os sábados, habitaulmen-
te, ao templo, legando-nos assim
um exemplo de assiduidade no que
se refere ao nosso comparecimen-
to na igreja (Lucas 4:16). O ser-
mão, as preces, os cânticos exercem
inegável influência nos que ali
comparecem com espírito receptivo.
Amamos a Igreja pela influência
sensível que ela exerce mesmo
sôbre aquêles que se esquivam de
atravessar as suas portas abertas:
pois é evidente que êstes não po-
dem fugir da santificadora influ-
ência que ela tem sôbre a comuni-
dade em que vivem. Como as ove-
lhas têm necessidade do redil, nós
temos necessidade da Igreja. Na
igreja executa-se um trabalho de
equipe no plano da vida espiritual.
A companhia, a proximidade dos
irmãos, robustecem a nossa devo-
ção, ajudam-nos a mais facilmente
realizarmos em nós a presença do
Mestre. A Igreja é dedicada à ado-
ração de Deus: nela se revelam as
escrituras, é nela que renovamos
as nossas fôrças para sermos tes-
temunhas de Jesus na sociedade
em que vivemos.
Todos êstes, não há quem o ne-
gue, são argumentos válidos, que
nós acolhemos de todo o coração.
Todavia, o I.C.R., desde a sua
fundação há mais de 20 anos, vem
dando preferência a um método de
Janeiro de 1959
— 37
sua criação e que consiste em
evangelizar fora das igrejas; com
efeito, suas prédicas, suas confe-
rências, suas reuniões artísticas se
fazem sempre que possível, prefe-
rentemente, em lugares neutros:
salões, clubes, sedes de sociedades
recreativas ou culturais, teatros,
etc.
Uma infidelidade àqueles enun-
ciados? Uma contradição? Igno-
ramos se no passado já se tentou
a análise dêsse procedimento, a jus-
tificativa dessa preferência. Pois
surpreendeu-nos gostosamente en-
contrar numa revista estrangeira
justamente essa análise e essa jus-
tificativa.
A revista CHRISTIANITY TO-
DAY, n.° de 29 de setembro de 58,
traz interessante artigo assinado
por Stuart Bartoh Babbage a res-
peito do método de evangelização
que êle diz ter sido descoberto pelo
evangelista Allan Walker, homem
de impressionantes dotes oratórios,
autor de livros notáveis sôbre ques-
tões evangelísticas. Tendo realiza-
do uma campanha de evangeliza-
ção na Austrália, chegou à con-
clusão da excelência do método
evangelístico do I.C.R., que êle
comenta e defende da seguinte ma-
neira:
“As reuniões evangelísticas de-
vem-se realizar em “território neu-
tro”. Fizemos uma significativa
descoberta na Austrália. De uma
extremidade a outra dêsse país, ve-
rificamos que os auditórios eram
sempre duas ou três vêzes maiores
quando as reuniões se realizavam,
não em templos, mas em salões,
teatros ou edifícios públicos. Cons-
tatamos isso de uma maneira tão
consistente que já agora nos re-
cusamos a planejar evangelismo
em parte alguma a não ser em ter-
ritório neutro, pois é certo estar-
mos interessados em pessoas que
estão fora do alcance das igrejas.
Essa descoberta foi-nos muito sur-
preendente e por isso resolvemos
descobrir a sua psicologia. Porque
é que certas pessoas mostram-se
prontas a comparecer aos salões
públicos e todavia evitam entrar
nas igrejas? A principal razão é
que muitas pessoas não gostam,
acima de tudo, de serem chamadas
de hipócritas. Alimentam a idéia
errada de que entrar numa igreja
é professar a fé que aí se cultúa.
Não lhes agrada parecerem cristãs
perante pessoas que, conhecendo-
-Ihes a vida irregular, sem dúvida
as apodariam de insinceras ou in-
congruentes. Ficam, portanto, para
fora. Também, entrar numa igre-
ja é lançar-se no estilo de culto aí
seguido e é então que nasce o mêdo
de se embaraçarem ignorando como
proceder através do desenrolar dos
atos dêsse mesmo culto. Assim é
que, de preferência a serem obser-
vadas estar de pé ou sentar-se em
momentos inoportunos, ou a fo-
lhear canhestramente um hinário
ou um livro de preces, que outros
conhecem tão bem, essas pessoas
acham melhor ficar de fora. Não
38 —
foi talvez, outra, a situação que Je-
sus divisou quando, de preferência
a falar nas sinagogas, êle prega-
va ao ar livre. Essa mesma des-
coberta fê-la, talvez, João Wesley
quando, em seus dias, saía para
fora das igrejas, ao encontro de
pessoas distantes. Então, como
agora, parece certo que, se quere-
mos ganhar homens para a igreja,
devemos procurá-los e argui-los
N I T A S
onde êles se encontram, isto é, fora
das igrejas. E’ certamente muito
lógico dizer-se que é um desper-
dício de tempo pregar nas igrejas
com o fito de alcançar pessoas que
não vão às igrejas.”
Termina o articulista; “Aí está
um atraente comentário e uma con-
clusão desafiadora. Essas observa-
ções são dignas de séria reflexão.”
)•(
RAPOSAS NO SANTUÁRIO
Havia cinqüenta e dois anos que a cidade de Jerusalém jazia
na sua desolação. Era um montão de pedras soltas. Em um local
ou outro se viam manchas de casas pobres. Eram refúgios dos
cristãos. O recinto do templo transformara-se em ninho de rapo-
sas.. Num dia em que chegou ali o Rabi Aquiba, com alguns com-
panheiros, um dêsses animais fugiu do local sagrado exatamente
de onde outrora se erguia o santo dos santos. Os peregrinos rom-
peram em chôro convulso. O Rabi procurou consolá-los dizendo
que o que estava diante dos olhos dêles era o cumprimento das
palavras de Jeremias que dizem: “Pelo Monte de Sião, que está
assolado, andam as raposas” (Lamentações V:18).
Êsse fato está narrado no Talmud de Babilônia (Maccoth, 24 B).
No itinerário da vida a época dos privilégios é seguida pela
do acêrto de contas. Que maravilhosos privilégios teve Jerusalém!
Não se tendo utilizando dêles convenientemente, chegou para ela
o dia da destruição. Além de ser fato histórico, êsse caso também
é um símbolo. Na vida individual acontece o mesmo: depois das
grandes oportunidades, chega o momento ou da recompensa ra-
diosa ou do castigo implacável.
ESTUDOS BÍBLICOS
UMA ESCOLHA MA
(Gênesis XIII:11)
A capacidade de tomar decisões na vida é um dos grandes dons
da personalidade. Qunado o homem, dominado pelos maus sentimentos
se escravisa e vai perdendo êsse poder, diminui-se muito a seus próprios
olhos. O poder de pesar os motivos, de considerar os prós e os contras
é um dos elementos que distinguem o homem do animal. Êsse poder
de escolha traz consigo grande responsabildade. Um dos perigos mais
constantes de errar no exercicio dêsse dom esplêndido se verifica quan-
do 0 homem deixa penetrar em sua alma, como forças determinantes
das suas escolhas motivos menos nobres. 0 caso que vos apresento é
um exemplo dessa triste verdade.
♦ ★ •i'
Abraão saira de Haran com seu sobrinho, desejoso de possuir a
t erra santa que lhe fôra prometida por Deus. Chegando nessa região
e tendo sido ela sassolada pela fome, transferiu-se Abraão com sua fa-
mília para o Egito. Lá esteve alguns anos e, depois de muitas experiên-
cias doces e amargas, voltou a Canaã. Enriquecera-se muito. Saía con-
duzindo grandes rebanhos. Seus pastores tiveram desavenças com os de
seu sobrinho Ló. 0 velho Abraão propõe-lhe então uma medida para
encerrar as contendas. Separar-se-iam. Ló aceita e escolhe uma parte
da terra em que devia residir. E essa escolha tem algumas peculiarida-
des que exemplificam bem a seguinte tese:
MOTIVOS INDESEJÁVEIS NA DETERMINAÇÃO DA
NOSSA VIDA
I — A proeminência dos interesses materiais. Ló, achando-se numa
oportunidade especialíssima de sua vida, tomou uma decisão levada mais
do que tudo por essa ordem de interêsses. Viu que a terra era boa, pro-
:dutiva, num local que lhe poderia garantir futuro financeiro e esque-
i:eu-se de muitas outras coisas que não poderiam ser olvidadas. Es-
40 —
Ú NIT AS
queccu-se de que Abraão era velho, que era seu tio, que lhe tinha feito
muitos beneficios e que, por isso tudo devia caber-lhe a parte melhor.
Tôdas essas considerações de ordem moral desapareceram do espírito
de Ló, no momento em que falaram os interesses metálicos. Essa situa-
ção era mais grave ainda pelo fato de já ser Ló bem rico. Não era
propriamente uma necessidade que êle tinha de procurar riqueza para
o seu sustento. Era a ganância que não se satisfaz com o que possui.
Quantas pessoas há que agem dessa maneira no mundo moderno? Que
só pensam em têrmos de lucros e de perdas ? Que vivem perpètuamente
a calcular as probabilidades de aumentarem seus haveres ?
II — Desrespeito pelos direitos alheios. Isso era alguma coisa
mais grave. A terra era de Abraão. A êle é que Deus a prometera. Se
Ló tivesse considerado essa circunstância, se a tivesse alegado perante
o velho tio, se tivéssemos alguma palavra sua que reconhecesse êsse di-
reito de Abraão, se êle se recusasse a escolher e se submetesse ao que
Abraão lhe houvesse dado, sua personalidade seria muito mais simpá-
tica, mereceria bem mais respeito. Mas êle rechou os olhos aos direitos
do tio. Êsse é um mal horrível em nossos dias.
Se nos dermos ao trabalho de ler a literatura que propaga o so-
cialismo e as doutrinas terroristas que visam abolir as atuais formas
de govêrno do mundo, notaremos que a nota que elas ferem continua-
mente para abrir caminho na opinião pública é quase sempor a mesma.
E’ a alegação de que uma grande parte da sociedade atual se locupleta
de riquezas precisamente porque não tem respeito pelos direitos da
classe que trabalha e que produz riqueza. Uns produzem e outros ex-
ploram. _ -
Sem entrar no mérito dêsses sistemas que vão coordenando for-
ças sociais em seu favor, podemos afirmar que as suas alegações são
provas de que o espírito de Ló aí está vivo e prejudicial na sociedade
moderna. Êsse espírito é que está criando um dos problemas políticos
que desafiam a capacidade dos grandes estadistas modernos.
III — Desprezo pelo fator religioso. Abraão era uma fôrça reli-
giosa. Era o homem que levantava altares. Sua companhia, era uma
influência espiritual recomendável. Mas Ló, por amor a seus próprios
interêsses, prefere scparar-se do tio e habitar nas cercanias de Sodoma
cujos habitantes eram perversos. Parece que o desejo de viver em um
ambiente que favorece o desenvolvimento de sua religião não o preocupou
muito.
Koje êsse é um mal que domina grande parte da sociedade hu-
mana. Até mesmo entre os crentes não há nesse particular o escrúpulo
Janeiro de 1939
— 41
que devia haver. Quantas vêzes na elaboração de nossos planos, não
cogitamos bastante se êles vão ou não melhorar a nossa vida espiritual.
Às vêzes, como que duvidando que êles expressem a vontade divina a
nosso respeito, nem chegamos a orar convenientemente pedindo sôbre êle
as bênçãos de Deus.
Sei de uma pessoa que ao ter de transferir residência de um lugar
para outro, estava indecisa sôbre se devia ou não dar êsse passo, por-
que o lugar para onde ia não tinha trabalho evangélico. Essa mostrava
relacionar seus planos da vida terrena com os interêsses religiosos.
* * *
E’ bom determo-nos um pouco no estudo das conseqüências da
escolha má de Ló:
a) perdeu tudo que possuía.
b) foi feito cativo de reis estrangeiros. O próprio Abraão, de
quem êle se separara sem consideração alguma, é que foi
libertá-lo.
c) veio a depender de Abraão. Êste é que intercedeu a Deus
por êle, para que não fôsse destruído com os habitantes de
Sodoma.
d) apesar de tudo não pôde mais salvar a sua própria mulher
da corrupção do meio a que êle mesmo a atirou.
Parecem excessivas tôdas essas penas, mas, a cada passo, a socie-
dade moderna nos apresenta fatos semelhantes que mostram os efeitos
dos motivos que orientaram a escolha de Ló.
E’ necessário examinar também o procedimento de Abraão. Per-
cebeu o espírito que dominava o seu sobrinho e não se irritou. Foi ge-
neroso. Teve amor à religião. A frase que se acha no contexto “E os
cananeus habitavam então a terra”, frase que tem dado tanto trabalho
à alta crítica, arece ter uma ligação íntima com o procedimento de
Abraão. Visto como estavam na terra pessoas que eram de outras cren-
ças, êle não quis dar perante elas um testemunho mau de sua fé. Por
isso mesmo cedeu tudo a Ló. Tinha, ao contrário de seu sobrinho, muito
respeito pela religião. Deu também mostra de muita fé. Dava a me-
42 —
Ú N IT A S
Ihor parte a Ló, certo de que Deus não o deixaria sem auxílio. Na sua
atitude, pois, havia muita fé.
Que é que lhe aconteceu em virtude de tudo isso? Diz a Escritura
que um anjo lhe apareceu e que as promessas que recebera de Deus fo-
ram rnovadas: Uma grande bênção, na realidade.
Ninguém pode esperar hoje essas manifestações do poder divino.
Mas uma vida orientada por motivos nobres quais foram as do velho
patriarca tem ainda recompensas — no beneplácito da consciência e na
paz íntima — tão altos e tão deleitáveis como as que encheram a alma
do ancião de Hur dos Caldeus.
)•(
INFLUÊNCIA PÓSTUMA
Gibbon, analisando a personalidade de Trajano, mostra como
êsse imperador era ambicioso c como estendeu o mapa da suas
conquistas. Seus sucessos foram rápidos. Aproveitando-se da fra-
queza de certos povos desunidos êle os venceu. Marchou depois
para o Oriente e desceu o Tigre, sempre alcançando triunfo. Das
montanhas da Armênia foi até ao golfo Pérsico. Gozou da honra
de ter sido, entre os generais romanos, o primeiro que navegou
naquele mar longínquo. Quase que diàriamente o senado recebia
notícias de novas nações, conquistadas e soube, deslumbrado, que
os reis do Bósforo, da Ibéria, da Albânia e muitos outros se subme-
teram no domínio do Império. Até nações como a Armênia, Me-
sopotâmia e Assíria foram reduzidas à provínvias de Roma.
Êsses são os fatos objetivos. Mas Gibbon não se limita a
narrá-los e procura encontrar, na alma de Trajano, a fõrça que o
estimulava. Não foi difícil dcscobrí-la. O imperador romano ficou
deslumbrado com a personalidade de Alexandre o Grande, com os
elogios que êle recebeu, transmitidos ao mundo por uma plêiade
de poetas e historiadores. Quis, então, imitar o famoso conquista-
dor da Macedõnia. Suas grandes energias foram concentradas nesse
propósito dominante. Alexandre, quando estendia por tôda parte
suas conquistas, decerto não imaginava que um dia seu exemplo
pudesse estimular com tanto vigor outro conquistador a seguir-lhe
os passos. A vida de todos os homens, tem, como a de Alexandre,
uma influência póstuma que pode ser boa ou má.
RELIGIÃO
DE
PALAVRAS
Sabatini Lalli
Falando a respeito das “pala-
vras”, alguém disse: “Inventa sunt
verba ut non manifestentur sensa”
“As palavras foram inventadas
para que os pensamentos não se-
jam manifestos”). A extraordiná-
ria eapacidade de falar ,o maravi-
lhoso dom da linguagem articula-
da e inteligente, eoloca o homem
numa posição de preeminência en-
tre os seres criados. Através da
linguagem o homem não só está
em condições de expressar os seus
verdadeiros pensamentos, senti-
mentos e desejos, mas, também, —
oque é profundamente trágico para
sua vida e para o seu destino — ,
está em condições de ocultar os
verdadeiros pensamentos, senti-
mentos e desejos elaborados nos
mais íntimos recesso de sua cons-
ciência. O homem é capaz de men-
tir, é capaz de dissimular!
A linguagem do homem, mesmo
quando honesta e sincera, é inade-
quada e, por isso, freqüentemente,
o homem é impreciso, obscuro e
confuso no modo de dizer, sobretu-
do quando se trata de focalizar os
grandes problemas que envolvem a
vida humana. A observação dêste
fenômeno é comum mesmo nos li-
vros. José Ortega y Gasset, notá-
vel pensador espanhol, falando a
respeito do bom livro, disse: “Um
livro só é bom à medida em que
nos permite travar um diálogo la-
tente com 0 autor, à medida em
que percebemos que o seu autor
sabe ibaginar o leitor e à medida
cm que o leitor sente, nas entreli-
nhas, que 0 autor quer acariciá-lo
ou dar-lhe uma bofetada”(i). Vale
dizer, que um livro só é realmente
bom, quando, pela clareza e obje-
tividade da linguagem sem sub-
terfúgios, comunica idéias vivas e
provoca reações emotivas favorá-
veis ou desfavoráveis. São pala-
vras ditas com um propósito defi-
nido, são palavras que têm ende-
rêço certo!
Nossa época se caracteriza pelo
desprestívio da palavra. O grande
44 —
ÚNIT AS
filósofo da terra de Cervantes, ci-
tado atrás, disse que o desprestí-
gio da palavra é uma decorrência
natural do hábito que os homens
têm adquirido de falar “Urbi et
Orbe”, isto é, a todos e a ninguém!
A palavra se tem prestado aos
mais desencontrados objetivos e, ao
ser proferida pelos homens públi-
cos, pelos líderes, não leva ende-
rêço certo. Os oradores do nosso
tempo “usam da palavra sem res-
peito nem precauções, sem perce-
ber que a palavra é um sacramen-
to de mui delicada ministração”(2).
Principalmente os políticos dos
nossos dias, os homens cujas mãos
dirigem os destinos do mundo em
nosso século, pricipalmente êles,
lançaram a palavra no mais obs-
curo ostracismo, tornaram-na desa-
creditada. Esta é a tragédia do
nosso século! Entretanto, os polí-
ticos não estão sozinhos. Acompa-
nham-nos muitos religiosos e mui-
tas religiões!
Em sua Primeira Carta aos Co-
ríntios, 4:20, Paulo emprega esta
expressão: “O reino de Deus não
consiste cm palvras, mas em vir-
tude”. Parece-nos que, já nos dias
de Paulo, a palavra não gozava de
muito prestígio, pois, era pela pa-
lavra que muitos chamados cris-
tãos ocultavam o seu pensamento,
era pela palavra que mentiam, era
pela palavra que a hipocrisia to-
mava corpo dentro e fora da Igre-
ja! Muitos dos homens a quem
Paulo se dirige professavam a re-
ligião de palavras, não a religião
da Palavra!
A religião de palavras é vazia.
Uma jarra vazia é um recipiente
que não contém coisa alguma ou,
quando muito, está cheio de ar. Se
a jarra é de porcelana oriental c
de fino lavor artístico terá, pelo
menos, um valor decorativo. Assim
é a religião de palavras: vazia! Se
a forma externa que uma tal reli-
gião apresenta no seu culto, é rica
em formalismo e aparatos rituais,
essa religião tem, também, apenas
o valor decorativo: é bonita, fas-
cinante, mas... vazia!... Por ou-
tro lado, a jarra além de ser bo-
nita, pode estar cheia e, no entan-
to, pode ser considerada vazia. Ima-
ginemos um homem que, devorado
pela sêde, atravessa um deserto
inclemente. Ao longo do caminho
arenoso, depara-se êle com uma
linda jarra cheia de... areia! Di-
gamos que em vez de areia a jan-a
contenha veneno ou outra substân-
cia que não lhe possa matar a sêde
atroz. Apesar de cheia, a jarra
continua vazia, terrivelmente va-
zia! Assim é a i-eligião de pala-
vras. Ela não dessedenta a alma
humana, não lhe oferece alívio nem
conforto no longo e penoso cami-
nho da existência sôbre a terra!
A religião dos gregos, incorpo-
rada cm muitos oráculos, alguns
dos quais muito famosos, por ser
uma religião de palavras, caiu em
desprestígio dentro da própria
Grécia. O desprestígio do Cristia
i
Janeiro de 1959
— 45
nismo, em muitos aspectos, se ex-
plica, porque, tràgicamente, muitos
dos seus representantes o trans-
formaram numa religião de pala-
vras! Adulteraram-no, extraindo-
-Ihe do culto singelo a espirituali-
dade vivificante. Há pessoas que
se dizem cristãs, mas vão às Igre-
jas, levando um coração comple-
tamente vazio. Vão apenas para
cumprir uma formalidade social!
Mas a virtude, o poder da religião
cristã, está longe da vida, longe
dos atos, longe dos negócios! Dir-
-se-ia que, desgraçadamente, tais
pessoas são apenas objetos de ador-
no, ou pela riqueza dos trajes ou
pelo ridículo das atitudes! Além de
ser vazia, a religião de palavras
“incha”. Notemos a semelhança
gráfica entre o verbo “inchar” e
“encher”. Quando comparamos
dois corpos, um inchado e outro
cheio, isto, é revestido de uma en-
carnadura firme e consistente, bem
nutrida, estabelecemos logo a di-
ferença: 0 primeiro é doente e o
segundo é sadio. Na passagem já
citada, Paulo diz: “Alguns andam
inchados, como se eu não estivesse
para ir ter convosco” (Vers. 18).
O verbo empregado para disignar
o estado de “inchado” é o verbo
“phisiáo” e quer dizer: “encher-se
de orgulho ou de vaidade”. A re-
ligião de palavras não nutre, não
dá consistência espiritual à alma,
mas torna o espírito enfermo, in-
chado! Em sua obra “Historia de
la Religiosidad Griega”, Martin P.
Nilsson nos conta que a cerâmica
ática, do Século VIII A.C., repro-
duz cenas de enterros pomposíssi-
mos e, segundo o mesmo Autor, ês-
tes enterros refletiam o orgulho
pessoal e familiar do que ia ser
sepultado. Além disso, o assombro-
so número de ofertas valiosíssimas
encontradas na Acrópole, ofertas
feitas à deusa Atena, constitui um
atestado inequívoco do orgulho e
da ostentação de uma grande par-
te dos habitantes da Grécia.
Em cetras formas de Cristianis-
mo, notamos o mesmo fenômeno
observado na religião dos gregos.
Não é de admirar, pois, que São
Paulo encontrasse êste mesmo pro-
blema entre muitos dos chamados
cristãos gregos de Corinto. Falta-
va a estas pessoas a verdadeira ex-
periência da conversão e, assim,
conversavam, na nova religião, os
vícios e os hábitos da religião de
origem! Além de ser vazia e de
inchar, a religião de palavras
“mata”.
Como podemos justificar na Igre-
ja Cristã da atualidade a existên-
cia de muitas consciências insensí-
veis? Notemos que consciência
insensível é sinônimo de consciên-
cia morta. São consciências sepul-
tadas na “letra”, na “palavra”. A
“palavra” é um sepulcro sonoro
que tem a capacidade de narcoti-
zar a consciência. Foi a religião
de “palavras” de escribas e fari-
seus que matou a consciência de
muitos israelitas! Foi esta a reli-
gião de palavras que Cristo estig-
matizou com o seu verbo canden-
46 —
ÚNITAS
te. A “letra mata, mas ...” 0
nosso Cristanismo, em muitos pon-
tos, tem sido um Cristianismo de
adjetivos. Temos adjetivado o subs-
tantivo ,isto é, temos retirado da
palavra viva e operante do Evan-
gelho a essência, o poder, a virtu-
de, o “dynamis”. Por isso a nossa
religião tem sido só de palavras. . .
Entretanto, o Evaneglho é a re-
ligião não de “palavras”, mas da
“Palavra”. É a religião da Pala-
vra que Deus falou, do Verbo fei-
to Substantivo! O conteúdo dêste
Substantivo é de carne e se cha-
ma Jesus Cristo! Não é a religião
da palavra abstrata, mas da pala-
vra viva, que comunica poder, vir-
tude, “dynamis”. É a Palavra que
redime!
Esta é a religião de que todos
os homens precisam. A religião
cristã, antes de ser um sistema de
doutrinas, antes de ser dogma, é
uma pessoa, é Jesus Cristo! O ter-
mo “religião”, vindo de “religare”.
do Latim, segundo alguns autores,
nos dá a idéia de uma nova rela-
ção do homem com a divindade
que êle cultua. Segundo o Evan-
gelho, em Cristo e por meio de
Cristo, o homem é colocado numa
posição privilegiada diante de
Deus, volta a gozar os benefícios
daquela comunhão que manteve
com o Criador antes da queda.
Quem restaura o homem, quem o
faz voltar de novo à primitiva po-
sição, não são, primàriamente, as
doutrinas ou os dogmas, mas Cris-
to, a Palavra Viva, o Verbo Reden-
tor! As doutrinas são necessárias,
mas devem ser sempre observadas
à luz da Palavra Viva, porque, dis-
sociadas desta Palavra, elas for-
jam, elas criam a religião de pa-
lavras!
(1) La Rebelião de las Masas, págs.
5-6.
(2) Idem, Idem, pág. 6.
■ )•(
PRINCÍPIOS IMORTAIS DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR
“Mulheres, adaptai-vos a vossos maridos, para que o vosso
casamento seja uma unidade cristã. Maridos, assegurai-vos de
que estais dando a vossas mulheres muito amor e simpatia. Fi-
lhos, o vosso dever é obedecer a vossos pais, pois em vossa
idade é essa uma das melhores coisas que podeis fazer para
mostrar vosso amor a Deus. Pais, não deveis sobreearrcgar
vossos filhos com correções para que êles não desenvolvam um
sentimento de inferioridade e frustração”.
Paulo aos Colousenses
FALSA
PRÉDICA
Karl Barth
0 falso profeta é o pastor que agrada a todo mundo. Seu
dever é dar testemunho de Deus, mas êle não vê a Deus e prefere
não o ver porque vê muitas outras coisas. Êle segue seus pensa-
mentos humanos, conserva-se interiormente calmo e seguro, evita
hàbilmente tudo quanto incomoda. Não espera senão poucas coisas
ou mesmo nada da parte de Deus. Êle pode calar-se mesmo quan-
do vê homens atravancando seus caminhos de pensamentos, de
opiniões, de cálculos e de sonhos falsos, porque êles querem viver
sem Deus. Êle se retira sempre quando devia avançar. Êle se
compraz em ser chamado pregador do evangelho, condutor espiri-
tual e servidor de Deus; mas só serve os homens. Sonha, às vêzes,
que fala em nome de Deus; mas não fala a não ser em nome da
Igreja, da opinião pública, das pessoas respeitáveis e da sua pe-
quena pessoa. Êle sabe que, desde agora e para sempre, os cami-
nhos que não começam em Deus não são caminhos verdadeiros,
mas êle não quer incomodar nem a si mesmo e nem aos outros;
por isso é que êle pensa e diz: “Continuemos prudentemente e
sempre alegres em nosso caminho atual; as coisas se arranjarão
afinal.” Êle sabe que Deus quer tirar os homens da impiedade e
que a luta espiritual deve ser travada. No entanto êle prega a
“paz”, a paz entre Deus e o mundo perdido que está em nós e
fora de nós. Como se uma tal paz existisse! Êle sabe que seu
dever consiste em proclamar que Deus cria uma nova vontade, uma
nova vida; mas não, êle deixa reinar o espírito do mêdo, do en-
gano, da vaidade, de Mamon, da violência. Eis a muralha cons-
truída pelo povo (Ezequiel XIII:10). O muro oscilante e rachado.
Êle 0 disfarça pintando de cores suaves e consoladoras da religião
para o contentamento de todo mundo. Eis aí o falso profeta.
(“Christianisme Social”, outubro de 1958)
A VERDADEIRA
VIDA CRISTÁ
Não há dúvida de que a vida cristã verdadeira, seja pública
ou secreta, sempre é fecunda e, onde quer que seja, essa vida terá
influência sôbre os outros para o bem. Os que buscam a verdade
ao contemplar a realidade de vidas tais como essas, inevitàvelmen-
te serão atraídos à Fonte da Vida.
Considerem êstes exemplos. Uma vez, dois pregadores foram
ao Bar para pregar aos homens que ali estavam. O primeiro era
brilhante e eloqüente. Depois de pregar por alguns minutos, um
hindu começou a bombardeá-lo com uma série de perguntas que
o obrigaram a calar-se a fim de respondê-las, o que não conse-
guiu fazer a contento. Por fim, não tendo satisfeito ao pergunta-
dor, voltou-se para o seu companheiro e disse: agora êste irmão
responderá! O segundo pregador não era nem um bom orador nem
bom argumentador, mas era um sincero cristão e um homem de
oração. O hindu, aproximando-se, cruzou as mãos, inclinou-se ante
êle, fêz-lhe uma reverência e, dirigindo-se ao primeiro pregador,
disse: não tenho nenhuma pergunta aazer a êste homem pois co-
nheço sua vida e vi nela o Cristo, pois, encontrei, por seu inter-
médio, 0 caminho da Salvação. Mas estou de acordo com você, por-
que com suas palavras você apresenta o Cristo vivo, mas com sua
vida diária o nega. Mas valeria que sua bôca estivesse sempre
fechada, pois que a mim e aos outros nos afastou de Cristo. Oxalá
que houvesse conhecido seu companheiro há mais tempo, e então
eu não teria estado tão longe do meu Senhor por tanto tempo.
Bem, “Der aid da ust áid’’ (Quem chega devagar chega seguro).
Também nisso deve haver algum bom propósito. Ao ouvir isso o
pregador eloqüente partiu para casa com a cabeça baixa, enver-
gonhado, e o novo convertido se pôs ao lado daquele homem de
Deus e passou a dedicar sua vida ao serviço do Senhor.
Sundar Sing
CURIOSIDADES
BIOGRÁFICAS....,
EDGAR POE
E’ um dos gênios mais brilhantes da literatura universal. No
entanto, sua vida é saturada de experiências as mais dramáticas. Teve
que sair da Universidade de Virgínia por causa da sua paixão pelo jôgo
e pelo álcool. Foi expulso da Escola Militar de West Point porque, des-
respeitando as regras daquele estabelecimento, dedicava-se a escrever
poesias nas horas em que devia estar nos exercícios militares.
Ficou órfão muito cedo. Foi adotado por um rico negociante. Êsse,
finalmente, revoltou-se contra seu filho adotivo. Passou a espancá-lo,
expulsou-o de casa, deserdou-o e recusou-se a prestar-lhe qualquer auxí-
lio financeiro.
A história do casamento de Edgar Poe é uma das mais românticas
da literatura. Casou-se com a sua prima Virgínia Klem. Não tinha di-
nheiro algum naquele tempo. Bebia álcool puro. Sua única irmã morrera
louca. Muita gente o considerava também louco. Tinha o dôbro da
idade da sua jovem esposa. Êle estava com 26 anos e ela com 13. Se-
gundo todas as previsões, o casamento terminaria em desastre, mas não
aconteceu isso. Foi um romance que se extendeu por tôda vida. Parece
que Poe adorava sua jovem esposa. O amor que lhe dedicava inspirou
algumas das poesias mais belas da língua inglêsa. Um dos poemas que
escreveu é elogiado sem reservas pelos críticos literários. Intitula-se
O CÔRVO. Temos dêle ótima tradução feita por Machado de Assis. A
última estrofe reflete a angústia permanente que acompanhava o poeta.
Diz assim:
E o côrvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imitável, ferrenho.
Parece, ao vêr-lhe o duro cenho,
50 —
Ú NIT AS
Um demônio sonhado. A luz caída
Do lampeão sôbre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma chora.
Gastou êle escrevendo e reescrevendo o poema O CÕRVO, dez anos.
Depois vendeu o original por dez dólares. Um ano para cada dólar.
João Barrymor, o famoso astro cinematográfico, ganhava mais
do que isso em um minuto de trabalho. O manuscrito original só custou
dez dólares, mas foi recentemente vendido por dezenas de milhares de
dólares. Coisa estranha. Enquanto o autor estava vivo e passando fome
só lhe deram aquela quantia pequena e agora depois de morto seu tra-
balho rende uma fortuna.
O poeta viveu numa casa pequenina em Nova York, cercada de
macieiras. Isso há cêrca de cem anos. Alugou-a por três dólares men-
sais, mas não conseguiu pagar nem essa quantia.
Sua esposa ficou tuberculosa. Êle não podia comprar alimenta-
ção para ela. Às vêzes comeram aquela flôr que se chama “dente de
leão”, apenas fervida. Quando os vizinhos descobriram a situação em
que estava aquela pobre família, trataram de socorrê-la. O admirável
é que mesmo nessa situação o casalzinho vivia na mais sincera amizade.
Os últimos dias de Virgínia ela os passou num colchão de palha, sem
lençóis e sem cobertor para aquecer-se . Quando ficava muito irregelada,
Poe lhe esfregava os pés para aquecê-los e a mão de Virgínia lhe esfre-
gava as mãos. Um velho capote militar que o poeta usara quando es-
tava em West Point, era colocado sôbre a enfêrma e ela acariciava um
gato para que êle lhe dormisse aos pés.
Quando Virgínia morreu, Poe compôs algumas das poesias mais
sentimentais da sua vida. Êsse é um caso cm que as mais duras prova-
ções da vida não conseguiram desfazer o afeto que fascinou duas almas.
NICOLAU II
Êle era um dos homens mais ricos que a Europa já conheceu.
Quando morreu possuia terras que valiam cinqüenta milhões de dólares.
Suas jóias foram avaliadas cm oitenta milhões. De tudo isso tirava êle
um milhão por mês. Isso corresponde a vinte quatro dólares por segundo.
Durante quase um quarto de século, êle governou a Rússia com
mão de ferro. Em 1917, depois de três anos de morticínios inúteis, seu
Janeiro de 1959
— 51
exército se revoltou recusando-se a prosseguir cm massacres horripilan-
tes. Assim foi que, no dia 14 de março de 1917, um grupo de generais
procurou o Tzar da Rússia no seu aposento particular de um trem
especial e declarou-lhe que êle tinha que renunciar ao trono. O Tzar
levou um choque terrível. Tornou-se lívido. Os generais pensaram que
êle ia morrer num desmaio naquele momento.
No próximo dia, às 11,15, êle assinou sua abdicação a lápis e
disse: “Dou graças a Deus porque de hoje em diante poderei viver como
sempre desejei, em minha casa, na Criméia, cultivando flores.
O Tzar e sua família passaram os últimos meses de vida em
dois quartos numa casa velha em um bairro de uma cidade que fica ao
pé de um monte. Ali esteve como prisioneiro dos revolucionários e era
obrigado a comer com os camponeses. Não lhe davam nem açúcar, nem
café, nem creme, nem sal e nem manteiga. Só se alimentava com pão
prêto, sôpa de vegetais muito rala, duas vêzes por dia. As janelas da
casa ficavam fechadas e os prisioneiros não podiam abri-las. Um dia
a mais jovem princeza, Anastácia, abriu um pouco a janela para res-
pirar. Um soldado alvejou a janela imediatamente. A família do Tzar
tinha licença de andar no jardim minúsculo cinco minutos por dia. O
filho menor do Tzar estava muito doente. Não podia andar e o pai o
corregava nos braços. Os soldados que os guardavam andavam por ali
quase que nús e diziam gracejos inconvenientes ao Tzar, e cantavam
cânticos indecorosos junto às janelas durante a noite. Um dia um dos
guardas apoderou-se de uma bolsa da imperatriz, tomou o dinheiro que
ali estava e disse-lhe: “Vós não precisareis mais de dinheiro de ora em
diante”.
O Tzar era um homem fraco e não se lastimava. Mas sua esposa,
dotada de espírito muito arrogante, fazia votos ao céu para que um
dia pudesse vingar-se daqueles animais.
Logo depois da meio noite, no dia 16 de julho de 1918 o capitão
dos guardas acordou o Tzar e disse-lhe que rebentara uma revolução
na cidade e que êles deviam esconder-se depressa num celeiro e esperar
até que os automóveis viessem buscá-los para pô-los em lugar seguro.
Quando a imperatriz chegou ao celeiro, uma casa imunda coberta de
teias de aranha, carregando o seu filho pequeno e doente, quiseram
dar-lhe uma codeira porque ela estava desmaiando.
Justamente nesse instante, entraram correndo alguns soldados e
gritaram: “Vossos amigos fizeram o possível para salvar-nos mas não
conseguiram. Nós aqui estamos para vos matar. Mal acabaram de pro-
nunciar essas palavras um soldado alvejou Tzar e o feriu bem no cora-
ção. No instante em que êle caiu os soldados começaram atirar nas
52 —
ÚNIT AS
mulheres mas por estarem muito excitados, erraram os alvos várias
vezes. Então as pobres mulheres corriam em tôda a direção tentando
esconder-se umas atraz das outras e procurando mesmo ocultar-se atrás
dos travesseiros. Além de atirar os soldados apunhalaram as mulheres.
Poucos minutos depois o único som que se ouvia naquele sinistro local
era o ladrar de um cãozinho que ia de cadáver a cadáver naturalmente
procurando encontrar o da sua dona. Um dos soldados atravessou o
pobre animal com sua baioneta. A soldadesca, então, cortou os corpos
da família imperial em pedaços atirou gazolina sôbre êles e os queimou,.
Poucos dias mais tarde os soldados revolvendo as cinzas do local
acharam muitas pedras preciosas. E’ que a imperatriz e suas filhas ti-
nham escondidos diamantes, rubis e jóias caríssimas em suas vestes.
Êsse assassinato não foi ordenado oficialmente pelo govêrno russo.
Êsse chegou mesmo a prender alguns soldados revolucionários e executou
cinco dêles. O morticínio da familia imperial foi um impulso de vingan-
ça de pessoas que decerto haviam sofrido muito sob o despotismo ce-
sarista.
Os carbonizados restos da familia imperial estão agora enterra-
dos em Paris. Como foram parar lá? Em janeiro de 1920, o Cônsul
Americano na Sibéria, a pedido de um amigo, transportou uma -"aixa
rústica atada com cordas e a levou até um comissário britânico, em
Changai. Êsse a encaminhou à Europa. O Cônsul Americano não sabia
o que estava dnetro daquela caixa. Como o trem em que viajou era
muito incômodo, muitas vêzes pôs os pés sôbre ela para descançar.
Quando chegou ao fim da viagem, ficou surpreendido sabendo que ali
estavam, mutilados e carbonizados, os restos do Tzar e da sua família.
A caixa foi levada até Changai e de lá para Paris. Aí foi aberta. Entre
outras coisas encontraram dentro dela o dedo da imperatriz que estava
ainda com o anel de casamento.
INABILIDADE FINANCEIRA
O leitor porventura já investiu dinheiro em algum empreendimento
que fracassou ? Se isso lhe aconteceu, saiba que muita gente de grande
renome sentiu os desgostos que uma experiência dessa pode produzir.
Eis alguns exemplos.
Mark Twain tinha talento suficiente para fazer a humanidade rir.
Mas fracassava no mundo financeiro, laslimàvelmente. O pior é que
não reconhecendo a sua deficiência, empatou dinheiro em várias inven-
ções. Eram de máquinas (jue, segundo êle julgava, iriam revolucionar
a indústria gráfica. Depois de fazer várias tentativas nesse sentido.
Janeiro de 1959
— 53
verificou que tinha perdido nesses empreendimentos cêrca de cem mil
dólares. Ficou de tal forma empobrecido que, certa ocasião vendeu os
móveis da sua casa ficando apenas com o fogão. Mas a experiência lhe
foi útil. Quando estava nessa triste situação os seus amigos do país
inteiro lhe ofereceram dinheiro para pagar as dívidas. Apareceram che-
ques de tôda parte mas êle, já transformado pelas experiências duras
que tivera, devolveu todo o dinheiro que lhe foi oferecido e lutou heroica-
mente para pagar, por si mesmo tudo o que devia. Não gostava de
fazer conferências mas viajou por tôda parte onde se fala inglês, vi-
vendo em hotéis e sujeitando-se a todo o desconforto. Nisso gastou
seis anos da sua vida fazendo conferências. Assim, saldou todos os
seus débitos.
O general Grant, depois de sair vencedor da Guerra Civil, foi pro-
curado por alguns aventureiros que quiseram negociar com êle. Usando
do nome do general, êsses velhacos levantaram dinheiro por tôda parte
num total de dezesseis milhões de dólares. Veio logo a ameaça da fa-
lência. Para não ser envolvido nela, Grant vendeu uma fazenda que
tinha, as casas que possuia em Filadélfia e Nova York e mesmo a espada
e os trofeus que constituiam os mais caros presentes dos seus amigos.
Ainda assim ficou em penúria, justamente no momento em que
um câncer lhe dominava o organismo. Nessas condições êle escreveu as
memórias da sua vida. Fêz isso para não deixar a viúva sem recursos.
O câncer era na garganta. Em dado momento êle não pôde mais ditar
e terminou a obra, escrevendo-a a lápis. Coisa curiosa. Foi precisa-
mente Mark Twain que, já refeito dos seus insucessos financeiros, pu-
blicou o livro de Grant e isso levou às mãos da viúva do grande gene-
ral quase meio milhão de dólares.
O grande Daniel Webster uma vez ficou em apuros por não poder
saldar a conta com o açougueiro. Oliver Goldsmith, o famoso novelista
inglês certa ocasião foi prêso porque não pôde pagar o aluguel do quar-
to. Balsac sentia arrepios quando tocavam a campainha da sua casa.
Quase sempre era algum credor.
Carlos II, rei da Inglaterra, individou-se tanto que teve que ven-
der tôdas as terras que possuia nos Estados Unidos, e que hoje constitui
o estado de Pensilvãnia, por setenta e cinco mil dólares.
A viúva de Abraão Lincoln contraiu tantas dívidas que teve de
vender suas roupas e jóias preciosas para livrar-se dos seus compro-
missos. Coisa pior: vendeu até as camizas de Lincoln, que tinham as
iniciais dêle gravadas com arte.
Brummel foi uma influência social na vida da Inglaterra. Ensinou
elegância ao príncipe de Gales e projetou-se nas altas camadas do país
54 —
ÚNITAS
como símbolo da elgância. No fim da vida, sobrecarregado de dívidas,
usava vestes rôtas, roupa imunda e era ridicularizado por todos quantos
o consideravam outrora como o rei da elegância. Morreu, afinal, num
asilo de louco».
Não resta dúvida de que a arte de organizar bem as finanças par-
ticulares tem importância capital na vida humana.
GENERAL MARK CLARK
Na última guerra mundial foi êle o conquistador de Roma. De-
sembarcando em Salerno, no dia 11 de setembro de 1943, levou a cabo
uma das mais difíceis operações de tôda a guerra. Churchill declarou
que a operação anfíbia foi a maior que os aliados empreenderam. Eis
0 que seu filho disse a respeito dêle: “Papai nunca teve um inimigo na
vida. Pode enfurecer-se com um homem, pode aborrecer-se por algo
mal feito; mas não fica odiando o homem em si”. Para comprovar êste
ponto, Bill contou a seguinte história: “Papai”, disse, “deu-me certa vez,
como presente de aniversário, um belo relógio de ouro. Um ano ou tanto
mais tarde alguém o roubou de meu paletó, no ginásio. Estávamos es-
tacionados nessa ocasião no Forte Lewis, em Washington. Papai man-
teve as lojas de penhor das cidades vizinhas sob constante observação.
O ladrão foi apanhado quando queria empenhar o relógio. Papai proce-
deu as acusações de forma. Isto significava que seria julgado por uma
côrte marcial e expulso do exército com baixa desonrosa. Êle sabia que
uma exoneração dessa espécie era uma mancha preta que acompanha-
ria 0 homem até a sepultura, e seu coração não dava para tanto; retirou
as acusações e disse ao comandante da companhia daquele soldado que
resolvesse o caso como achasse melhor”.
O General já esteve no Brasil. Na Itália nossas forças lutaram
no setor comandado por êle. Eis um traço bem característico dêsse gran-
de homem, escrito por um escritor contemporâneo.”
O General Clark é um homem modesto. Nunca se vangloria de
seus feitos. Certo dia Bill Clark, seu filho, estava no quarto de seu pai
quando êste trocava de roupa. Ficou surpreendido em ver uma enorme
cicatriz nas costas de seu pai — uma cicatriz com vinte centímetros de
comprimento e larga como um dedo. Ficou surpreendido porque o ge-
neral nunca a mencionara. Quando indagou sôbre ela, replicou casual-
mente, “Oh, fui ferido por um estilhaço na última guerra”. Foi tudo,
não deu detalhes nem contou bravatas. Bill só veio a saber a história
daquela cicatriz seis meses mais tarde. Revolvendo umas velharias no
sotão, descobriu que seu pai fôra condecorado e recebera uma citação
Janeiro de 1959
— 55
por bravura cm combate. Quando seu filho Clark lhe entregou, certa
vez, um boletim da escola com média 99, seu pai perguntou-lhe se estava
satisfeito. “Sim, e o senhor?” O general respondeu: “Bem, não é 100,
não é? Bill repli ou: “Papai, o senhor não ficaria satisfeito com me-
nos de 110”.
O PLANO RAPACKI
“Um raio de luz na escuridão.
Em dezembro de 1957, o ministro
do Exterior da Polônia, Rapacki,
(por sua própria conta e não, como
se queria supor, por incumbência
da União Soviética), fêz a propos-
ta de que a Polônia, a Tchecoslo-
váquia, a Alemanha Oriental e a
I Ocidental deveriam ficar fora do
I alcance das armas atômicas. Se
i êsse plano fôr aceito e em conse-
I qüência fôr aucentada ainda a área
I livre da ação das armas nucleares
1 na Europa, de modo que paises li-
I mitrofes também reivindiquem para
( si êsse privilégio e o consigam, en-
i tão muito se conseguirá com isso
I para a manutenção provisória da
I paz. Começa-se assim a afugentar
i o espectro do isolamento da União
I Soviética.
“Com essa proposta tão sensata,
a opinião pública européia está ple-
namente de acôrdo. Nos últimos
meses, ela reconheceu e decidiu que
a Europa não deve absolutamente
tornar-se o campo de batalha de
uma guerra atômica entre a União
Soviética e os Estados Unidos. E
ela não se deixará dissuadir. Pas-
sou o tempo em que êste ou aquê-
le país europeu ainda podia plane-
jar em segrêdo, manifestar sua ca-
tegoria de grande potência pelo
fato de fabricar armas atômicas
para si próprio. Em vista da po-
sição que a opinião pública da Eu-
ropa tomaria diante de uma tal
iniciativa, seria inútil proceder a
preparatórios secretos para a sua
realização.
“Passou igualmente o tempo em
que os generais da NATO e os go-
vernos decidissem sòzinhos sô-
bre a instalação de rampas de
lançamento e armazenagem de
armas atômicas. Em vista do pe-
rigo de uma guerra atômica, que
poderia desencadear-se em conse-
qüêneia, não mais é levado em con-
ta o procedimento político até ago-
ra usado. Só são validos os acor-
dos que sejam sancionados como
tais pelos povos.”
PÁGINAS FINAIS
SINAIS PERIGOSOS
L. B.
O govêrno acaba de elevar os niveis do salário mínimo em
todo o pais. Como sempre acontece, essa medida veio tarde. Tor-
nou-se uma medida inócua, porque os preços de todos os gêneros
foram aumentados muito além da capacidade econômica das classes
desfavorecidas.
Em face dessa medida governamental, os grupos indiístriais
começaram a sua política de economia, dispensando operários e
trabalhadores de todos os níveis. No Rio de Janeiro foram dispen-
sados, dias após a publicação do decreto governamental, 50.000
operários. Em S. Paulo, calcula-se que haverá, dentro de poucas
semanas, 100.000 desempregados. Começou, ou melhor, recomeçou
a onda de desernpregos. Para a economia yiacional isso representa
urna redução danosa. Cairá a produção e, em consequência, haverá
nova onda de urnento de preços. Mas o sacrifício mais grave recai
sôbre êsses operários e sobre suas famílias. Eamilias numerosas —
pois um operário obedece à natureza e a Deus, e não usa recursos
ilícitos e imorais na limitação de filhos — vão padecer necessida-
des por alguns meses até que seus chefes consigam um novo ern-
prêgo, e sempre em situação inferior. Crianças vão passar fome,
sujeitas às moléstias naturais e conhecidas. A tristeza e pranto
voltarão ao recinto désses humildes lares.
Mas, por estranho que pareça, o mais grave de tudo isso é que
as elites brasileiras não têm capacidade de liderança e não estão
Janeiro de 1959
— 57
à altura de pôr um fim a ésse regime vergonhoso. Os donos do
poder econômico nunca perdem, não podem perder em suas rendas.
Êles são incapazes de ajudar a nação e o operário, de que depen-
dem, a solucionar ésse gravíssimo problema que gira dentro de
um circulo vicioso. A ganância não lhes permite fazer um peque-
no sacrifício: o sacrifício de ganhar um pouco menos. Não. Pouco
lhes importa que milhares de famílias fiquem, de uma hora para
outra, desamparadas do fundamental à sobrevivência digna. Pouco
lhes importa que crianças venham a morrer de fome ou que pe-
rambulam pelas ruas implorando socorro à caridade pública. Êsses
problemas não lhes passam pela consciência. Na verdade, êles não
têm consciência para isso.
Êsse é o espetáculo triste e vergonhoso a que assistimos nova-
mente. O leitor perguntará: que é que tem o cristianismo a ver
com isso? Que é que tem o cristianismo a ver com isso? — é a per-
gunta que também fazemos à nossa consciência cristã. Nôs somos
cristãos e estamos convencidos de que a solução dêsse problema
está na dependência de uma séria atitude dos brasileiros: a acei-
tação de Cristo como Salvador pessoal de todos os brasileiros. Mas
os nossos dirigentes não pensam em tomar tal atitude, pois isso
haveria de contrariar, fundamentalmente, seus interêsses. As classes
operárias, por sua vez, não acreditam mais nesse tipo de cristia-
nismo que não se interessa pelas suas necessidades básicas — as
necessidades do almiento, do calçado, do vestido, do abrigo mo-
desto, do direito à educação, da dignidade de viver. Nós ficamos
tranquilos porque apontamos a solução definitiva, as elites e os
operários não aceitam essa solução pelas razões apontadas, e os
problemas continuam a agravar-se.
Mas há alguém que está à espera de uma oportunidade para
dar a sua solução definitiva a êsse problema. Se as coisas conti-
nuarem dêsse modo, os comunistas vão tomar o poder no Brasil.
Chegará a vez de o Brasil cair nas mãos dos comunistas, como acon-
teceu com a China. Êles porão fim a essa situação vergonhosa.
Os operários serão transformados em escravos do Estado, mas terão
58 —
ÚNITAS
pão e abrigo, e as elites irão para os campos de fusilamento ou de
trabalhos forçados. Nós perderemos a liberdade e as esperanças, e
o direito a uma vida decente e digna, como entendemos.
As classes dirigentes, as elites, pomposa e impropriamente de-
nominadas “as classes produtoras” (classes produtoras são as classes
operárias), são agentes do comunismo internacional e totalitário.
Essas classes, que detêm o poder no Brasil, estão criando as condi-
ções para a implatação do comunismo no Brasil, direitinho, à se-
melhança do que fizeram as classes “produtoras” da China e de
outros paises. As elites dirigentes do pais são comunistas contra
a sua vontade.
Vamos dar ao leitor outro exemplo de como se processa a de-
composição do Brasil. Quem abre os jornais, sobretudo nas edi-
ções de domingo, fica revoltado com as exibições de luxo, pompa
e miséria moral, das elites, das “classes produtoras”. Há um jornal
considerado sério, aqui em São Paulo, que publica duas seções, de
oito páginas cada uma, dedicadas exclusivamente às “classes pro-
dutoras”. Senhoras e Senhores graves ali aparecem, numa parada
de super-luxo, de pompa, de miséria moral. Que a classe dirigente
exiba, nas páginas dos jornais, sua miséria moral e seu sentido
fútil da vida, é já um triste espetáculo para um povo pobre e
necessitado de tudo; mas, tolera-se, desde que estamos em um re-
gime democrático no qual cada um tem o direito de mostrar-se
como é. Mas é intolerável que essa classe dirigente pretenda fazer
“caridade” à custa da miséria do povo. Pois a classe dirigente pro-
cura justificar, cristãmente seu luxo, sua pompa e sua miséria
moral, organizando festinhas ein favor de um pósto de assistência
à infância, de um orfanato, de um sanatório, ou de um clube de
futebol qualquer. Isso é um insulto à desgraça, ao sofrimento e à
miséria da maioria.
Será possível evitar uma desgraça fatal ao Brasil? E’ possível.
Tudo depende de uma ação conjunta, decidida e corajosa dos ver-
dadeiros cristãos, Uma ação sobre o govérno, seus departamentos
Janeiro de 1939
— 59
competentes, sôbre as casas legislativas, uma ação de esclarecimen-
to e politização do povo, uma ação de vigilância e de critica. Isso
dá resultado.
Ou tomamos essa resolução, ou corremos o risco de perder a
missão divina de que estamos revestidos.
Uma ação dêsse tipo requer coragem. Coragem para ser cris-
tão em um mundo sem Cristo e sem Deus. Coragem para ter fé,
em um mundo incrédulo. Coragem para manter a esperança de
dias melhores em um mundo no qual todos perderam a esperança.
E’ preciso ter coragem de ser cristão. Mas, se nós nos considera-
mos realmente cristãos, isso significa que Jesus nos chama para dar
testemunho da fôrça e da superioridade do seu programa e do seu
Reino. Estamos nós à altura dêsse momento decisivo?
Comentário
Broch. Cr$ 250,00
HISTÓRIA GERAL DA BÍBLIA —
Galdino Moreira
e
Jorge Lyra Enc. Fina Cr$ 350,00
É a obra mais importante para dar uma visão geral da
Biblia: Do Gênesis ao Apocalipse.
NO PRELO
C.ATOLICISMO ROMAXO
Autor: Jorge Lyra
Prefácio: Galdino Moreira
Réplica ao livro “Aos Irmãos Separados’
fessor Euripedes Cardoso de Meneses,
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