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Viagem ao redor
do Brasil, 1875-1878
João Severiano da Fonseca
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THE UBRARY
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lAGEM AO MEDOR DO IgRASIL
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VIAGEM
AO
REDOR DO BRASIL
1875 — 1878
PELO
DR. JOÃO SEYERIANO DA ^ONSECA (l^ ^í' - 3
Graduado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
1.0 Cirurgião do Exercito,
1.0 njedico do tjospital Militar de Andarahy,
Membro da Academia Imperial de Medicina,
do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro,
do Archeologico e Geographico Alagoano,
da Sociedade i^uxiliadora da Industria Nacional e de outras Sociedades de Estudo,
Commendador da Imperial Ordem da Rosa,
Cavalleiro das de N. S. Jesus Christo,
Imperial do Cruzeiro e Militar de S Bento de Aviz,
Condecorado com as Medalhas das Campanhas Orieqtal de 1864 ~ 1865
e Geral do Paraguay con; o passador com numero 5.
1.0 VOLUME
RIO DE JANEIRO
Typographia de Pinheiro & C Rua Sete Setembro n. 157
1880
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.A.O
Insinto Ârcheologíco e Geognpkíco de Alagoas
o AUTOR
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INTRODUCÇAO
ESBOÇO CHOROGRAPHICO DA PROVÍNCIA
DE
MATTO-GROSSO
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THE LIBRARY
THE UNIVERSITY
OF TEXAS
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ESBOÇO CHORO&RAFHICO DÂ PR07INCIÂ DE MATTO-&R0SSO
CAPITULO I
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Pnenio. Lioíies. Área. PopalAçao. Hjptonetria : o iraxí e as torras baixas ; altitude. Hjdrcgrapliia:
Dironim aquaram. Oeognoie.
s
orasiieiro: ja se avisiava ao longe, cerca ae ires Kiiomeirus á
margem direita, a alva columna quadrangular do marco da foz do Apa,
divisório entre a nossa provincia de Matto-Grosso e as terras paraguayas.
Em poucos minutos o pavilhão nacional iyado no penol dos navios indicava
que sulcávamos aguas brasileiras.
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10 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Só O desterrado — e o viajante o é — pode explicar essa emoção de
jubilo e satisfação indizivel que se experimenta ao pisar ou tão somente ao
rever terras da pátria. E' um sentir que partilha do amor filial, do amor
de familia, do amor do lar; manifestação de um egoismo que é também
virtude do coração, e a qual, por mais fiitil que pareça aos que não encon-
tram o solo natal nessas paragens, tal não lhes parecerá, de certo, por
mais indifferente que sejam, quando a ten-a que se lhes apresente á vista
seja a terra que lhes deu o berço.
Que de vezes, em nossas viagens por este mesmo rio, não apreciei a
alegria dos marinheiros e soldados cuyabanos ao avistarem as aguas bar-
rentas do S. Lourenço, tão divididas das do limpido Paraguay ainda á
uns centos de metros da confluência; e a anciã e gostosa soflreguidáo com
que a buscavam e bebiam, só por serem aguas do Cuyabá !
Santo amor da pátria, santo egoismo !
Entre nós vinham filhos de quasi todas as províncias, e conhecida-
mente do Pará, Maranhão, Ceará, Piauhy, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Bahia, Paraná, Kio Grande do Sul e da corte: no semblante
de cada um, passageiros e tripolação, lia-se um sentimento ineffavel,
que só não podiam compartilhar os estrangeiros que nos acompanhavam,
mas que, todavia, sabêl-o-hiam apreciar.
A's seis e meia enfrentávamos o Apa e passávamos o marco, ahi le-
vantado em 23 de setembro de 1872 (a) pela commissão de limites pre-
sidida pelo coronel de engenheiros Kufino Enéas Gustavo Galvão, hoje
. barão de Maracajú.
Fins idênticos, quaes os de demarcar nossas fronteiras com a BoUvia,
traziam-nosá Matto-Grosso; e ainda essa commissão tinha por chefe o
mesmo intelligente, zeloso e modesto funccionario.
(a) Está aos :i'2o 4' 45'V^ de lat. sul, e U« 42' 4r',22 de long. oce. do meri-
diano do Gastello.
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 11
n
Demora a província de Matto-Grosso entre os parallelos de 7° 25'
S, (a), na confluência do Paranatinga ou Três Barras, e 24** 3' 31 ",42,
na quinta cachoeira do Salto das Sete Quedas (b); e entre os meridianos
de 6** 42\ em frente á ponta septentrional da ilha do Bananal, no
Araguaya, e 22° 13' 15" na ilha da Confluência, formada ao encon-
trarem-se as aguas do Mamoré e do Beni (c).
São seus limites:
Ao N. : Os rios Madeira e seu affluente Gyparaná ou Machado (d),
desde suas vertentes nas serranias denominadas Cordilheira do Norte ;
esta serra; o rio Uruguaias, affluente do Tapajoz; o Tapajoz desde sua
confluência até a do rio S. Manoel, Paranatinga ou das Três Barras^
que a separam da província do Amazonas; e todo o curso deste rio de
S. ilanoel; o Acarahy; o Xingu; o Fresco; a serra dos Gradahus e o
Âquiquy, que separam-a da do Pará.
(a) Sendo austraes quasi todas as latitudes á citar nesta obra, somente para os
do hemispherio norte far-se-ha patente a sua relação com o equador. As longitudes
são todas occidentaes; e referidas ao meridiano do Gastello aquellas cuja relação
se omittir.
(b) E aos lio 22'õ0",4 long.-— Gommissao de limites com o Paraguay, \872— 1874.
(c) Os antigos suppunham ser a ponta fronteira á foz do Abuná o ponto mais
Occidental do Madeira.
(d) Para demarcação desse limite entre as duas capitanias de Matto-Grosso e
S. José do Rio Negro, exigia o governo que se tomasse um ponto médio entre
a foz do Guaporé e a do Madeira. Nesse sentido, em 30 de dezembro de 1781, Luiz
de Albuquerque officiou ao Dr. Francisco José de Lacerda e Almeida, astrónomo da
commissâo demarcadora de limites, que o cumpriu^ propondo o rio Gyparaná. Eis
as suas conclusões :
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12 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
A E.: O Araguaya^ desde a boca do Aquiquy, logo abaixo da car
choeira de Santa Maria, on^Q tem começo a serrania dos Gradahús;e dahi,
subindo pela margem esquerda, até a serra do Cayapó^ donde desce pelo
lAT. AUSTRAES
<c A latitude da foz do Madeira . S» 23* 0**
A do Guaporó IS» 0* 0"
Differença entre as duas latitudes 8° 87* 0*
•A metade dessa differença 4» IS^SC
Sommando-se essa differença com a primeira latitude da foz do Ma-
deira, conclue-se a latitude média de 7» 41* 30"
Os pontos mais remarcáveis da confifjuraçào do rio, entre os quaes se
verifica essa Intitudc. sao : a ilha que chamam dos Muras, na mar-
gem Occidental e o rio Gyparaná, que desagua pela oriental ; a
latitude da ilha, na sua ponta xV; ô do • 6o 35* O"
que diíTere do ponto medio.em menos !<> 6* 30"
E a latitude do Gyparaná, na boca, é de 8® 4* O"
que differe de latitude, por excesso O* 22' 30''
quantidade pouco attendivel em tamanho terreno, por ser o andamento do rio em
rumos de S. e ser uma constante massa a foz do dito Gyparaná, etc. . . (Assignados)
o Dr, Lacerda e o Dr, António Pires da Silva PonteSj astrónomos encarregados. »
(Ms. daBibliot. Nac.)
Da integra daquelle officio de Luiz do Albuquerque se deduz que esse ponto
fosse tomado para base de demarcação da recta de limites, que devia ir ter ás cabe-
ceiras do Javary, pois diz elle :— « e por consequência, na certeza de que não será
a ilha dos Muras, pouco mais ou menos, a que estabelece o ponto médio de latitude
entre a boca do Madeira, no Amazonas,e a do Guaporé, no Mamoré, mas sim algum
outro ponto mais meridional; o que resulta em vantagem dosreaes domínios portu-
guezes 2) : sendo também tomado para a divisória das duas capitanias.
Entretanto os capitães-generaes de Matto-Grosso, até então, só tinham fxercido
autoridade até a terceira cachoeira (S» 52' lat.)t onde, em 1753. fundou o juiz
de fora de Villa Eella, Dr. Theolonio da Silva Gomes, a aldeia de Nossa Senhora
da Boa Viagem, Todavia, já em 1802 o commandanto do ponto do Crato, no Baixo-
Madeira, achou-se com direito de ahi collocar uma guarda. (Baena— Compendio
das Eras da província do Pará.)
Ricardo Franco de Almeida Serra muito trabalhou para fazer restabelecer
aquella povoação ; e em 1814, a carta régia de 6 de setembro mandou novamente
creal-a sob o nome de S. Luís, o que, comtudo, não se effectuou. O Pará, e presen-
temente a Amazonas, tem exercido sempre autoridade até as cachoeiras, conservando
um posto militar e uma subdelegada de policia no ponto de Santo António. A
provisão régia de 1 1 de novembro de 1752 determinou a fundação de um registro
nessa cachoeira, então conhecida pelo nome de Âroyaz^ e isso á capitania do Pará,
quando, entretanto, já á quatro annos que existia creada a de Matto-Orosso.
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 13
Correntes ao Paranahyba {d), que são seus limites com Goyaz; o Para-
nahyba, que a divide da provinda de Minas-Geraes, desde a foz desse braço
limitrophe até a do Bio Grande \ e o Paraná^ que assim é chamado o
Paranahyba ao juntar seu cabedal de aguas com as do rio Grande, que
separa-a da de S. Paulo, em frente ao Paranapanema, e da do Paraná,
abaixo da ilha Grande do Salto e fronteiro á foz do Piquiry.
(a) Esse era o limite dado pelo illustrado marqnez de S. Vicente, que o cita no
seu relatório de 1838, quando presidente da província, e antes no officio de 28 de
julho do anno anterior ao ministro do Império. Entretanto, o limite consignado
em todas as cartas modernas, excepção feita das de Goyaz, é o rio Áporé ou do
Peixe, a primeira grossa corrente logo ao sul do Gorrentes e descida também da
serra do Cayapó* Goyaz não acceita nenhum dos dous por Umite,e sim o rio Pardo,
muito mais ao 5.
Grande confusão reina entre os escriptores e geographos sobre os rios dessa
região; assim o marquez de S. Vicente suppoe o Gorrentes, encorporado com o Par-
medOt sahir no Turvo, e este no Paranahyba, parecendo querer assim corrigir o rio
Doce, apresentado como limite pelo presidente António Pedro de Âlencastro (officio
de 14 de janeiro de 1836, ao ministério do Império). Não combinando as cartas mo-
dernas sobre a situação desses rios, guio-me neste estudo pela de Goyaz, levantada
em 1874 pelo illustrado major de engenheiros Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim,
natural da provincia,e que muito a tem viajado. Segundo ella,o Turvo é um affluente
do rio dos Bois ou Ânicuns que desce desde o parallelo I6o, mais ou menos, tendo o
Bois a foz quasi no parallelo 18o,umas dezoito léguas acima do rio Claro ou dos Pas-
mados» Este é certamente o rio Doce do presidente Âlencastro. Abaixo delle cabe
o Verdinho^ o Correntes e o Aporé, guardando distancias quasi eguaes, sendo este
de pequeno curso, e aquelles maiores e originados na serra do Cayapô.
No atlas do Sr. senador Cândido Mendes, o Turvo é tronco principal, e tem á
direita o Verde e á esquerda o Anicuns por affluentes ; entre elle e o Aporé, fica o
Correntes quasi que á meia distancia, e também equidistante das cachoeiras de
S. Sim^o e S.André, entre aquelles rios. Afora elles nenhum outro -rio indica. Na
carta do Império, de 1875, da commissão da carta geral, o Verde é o tronco,
e recebe o Anicuns o este o Turvo ; abaixo do Verde está o Claro, que
recebe o Doce. e antes da confluência do rio Grande outras duas correntes,
uma o Verde (que é o Verdinho' do Sr. Jardim), e outra innominada. Nas
cartas de Conrado, Ponte Ribeiro, etc, vem o Verde recebendo o Anicuns e este
o Pasmados, que vem a ser o Verde, affluente do Turvo do Sr. Cândido Mendes.
Trazem também o Correntes entre o Verde e o Aporé, que algumas designam
por Apara, sendo aquelle Verde o de egual nome da carta geral, e dos Bois da carta
goyana, e não o outro Verde, nesta carta chamado Verdinho ; sendo ainda que o
Correntes daquellas cartas é o Claro da carta geral,cuja foz se encontra fronteira á do
Te}ucos.Gunh% Mattos, na sua Chorographia histórica da provinda de Goyaz, dá o
Turvo formado pelo Bois, que recebe o Anicuns, braço de sessenta léguas de curso ;
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14 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Ao S. : o Para-la, desde a foz do Iguassú até o salto grande das
Sete Quedas; as serras AeMaracajúe Anhambahye o rio Apa^ desde sua
principal vertente entre os regatos Estrella e Lageaão, que a separam
da republica do Paraguay.
E a O. : O rio Paraguay^ desde a foz do Apa até a lagoa ou Bahia
Negra, por cujo meio corre a divisória com a republica da Bolivia, se-
guindo uma linha de limites que vae cortar á meio, em rumo S.-N. as
lagoas de Cáceres, Mandioré, Gahiha Grande e Uberaba; donde prolon-
ga-se ao extremo S. da Coricca Gi'ande do Destacamento, e dahi, salvando
pelo uti'posmdetis o território da aldeia de S. Mathias, á confluência das
corixas de S. Malhias e Peivado ; ao morro da Boa Vista; aos dos Quatro
Irmãos e á nascente principal do Bio Verde; continuando pelos alveos
deste rio, do G-uaporé e do Mafnoré até o entroncamento do Béni e for-
maçíio do Madeira.
Nào se conforma a provinda de Goyaz com os linodtes acima decla-
rados, e considera como seu todo o território ao N. do rio Pardo e a E. da
serra das Divisões. Básêa-se no parecer do seu primeiro governador
D. Marcos de Noronha, de 12 de janeiro de 1750, e no ajuste que fizeram
os capitães-generaes das duas capitanias Luiz Pinto de Souza Coutinho e
António Carlos Furtado de Mendonça, e acto de formal assentimento por
parte de Luiz Pinto, no Termo de Accessào lavrado á 1 de abril de 1771,
em que acceita por limites, desde a foz do rio das Mortes^wa Araguaya, até
a do rio Pardo, no Paraná; limites propostos em 7 de setembro de 1761
entre tanto consigna a nota de que suppõe este ser o tronco dessa rede potamogra-
phica.
Finalmente, o illustrado Sr. Dr. A. de Escragnolle Taunay, no seu fltfloíorto
geral da commissão de engenheiros junto ás forças da expedição d provinda de
Matto Grosso, dá o Bois como tronco, e recebendo o Verde, o Turvo e o Santo Anto»
nio; o que restabelece a verdade, e é confirmado na carta do Sr. Jardim.
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DA província de mattogrosso 15
pelo capitão-mór da conquista João de Godoys Pinto da Silveira ao governa-
dor de Groyaz João Manoel de Mello. Talvez suppuzessem o rio das Mortes
contra-vertente do Pardo; no emtanto, que elle nascendo com o nome de
Manso no parallelo 15% á 180 kilometros de Cuyabá e separado apenas
uma légua, mais ou menos, das veiientes do S. Lourenço, fica distando
das cabeceiras do rio Pardo toda a zona que os cartographos assignalam
occupada pelas serranias de Agua Branca,Santa Maria, Sellada e Cayapó.
Luiz de Albuquerque, successor de Luiz Pinto, tendo verificado o desacerto
e inconveniências que dessa divisão provinham á Matto-Grosso, propôz,
em 15 de outubro de 1773, continuar como limite oriental o Araguaya
até suas cabeceiras, obrigando-se á estabelecer um presidio na boca do
Barreiro ou Cotovello; o que, porém, não realizou ahi e sim á margem do
Araguaya, no ponto que foi denominado Imua (a), onde hoje existe a
colónia militar do Itacayú, logo acima da embocadura do rio Claro, e cerca
de vinte e cinco léguas á N. E. do Barreiro.
Desde então foi considerado matto-grossense o território á 0. do Ara-
guaya e S. do rio Correntes; e, em 19 de abril de 1838, a assembléa pro-
vincial erigiu-o, á pedido de seus moradores, em freguezia, e em villa á 4
de julho de 1857, em vista do incremento que tomara, mantendo-lhe
sempre as autoridades, parocho, correio, etc., com as despezas competentes
e,emfim,organÍ8ando-lhe um collegio eleitoral,mais tarde reconhecido pela
assembléa geral legislativa.
Entretanto Goyaz, após infructiferas reclamações, achou-se com di-
reito para, por lei de 5 de agosto de 1849, comprehendêl-a no território
da freguezia de Nossa Senhora das Dores, nessa occasião creada, e á qual
marcou como limite austral o rio Pardo.
Levada a questão ao parlamento, tem sido sempre procrastinada; em
(a) Nome dado em homenagem ao capitão-general, senhor da terra de egual
nome em Portugal.
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16 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
20 de julho de 1864 a commissão de poderes opinou contorme q parecer de
D. Marcos de Noronha, primeiro governador de Goyaz; mas até hoje a as-
sembléa não decidiu, parecendo, ao contrario, no reconhecimento daquelle
collegio eleitoral, respeitar os direitos de Matto-Grosso.
Essa questão de limites tem trazido conflictos e complicações sem
utilidade para o Estado, e só desgosto, prejuizos e vexames para os mora-
dores e atrazo para a região: males que o governo pôde facilmente obviar.
E não é só nesta provincia que reina a duvida e controvérsia sobre as
respectivas divisórias: fora mister que os poderes competentes,alheiando-se
á politica tacanha de partidários e de bairrismo, resolvessem de uma vez
taes pendências, tendo em mira somente o interesse real da nação, isto é,
o augmento, progresso e melhoramento das condições de ser de taes regiões.
Certo, que assim guareceriam sensatamente os interesses do paiz, e acaba-
riam intermináveis questiúnculas e lutas de papel, dispendiosas e prejudi-
ciaes tanto ao Estado como ao povo.
i Para que, por exemplo, não se adjudicar definitivamente á Ama-
zonas aquella região do Madeira, si Matto-Grosso não a administra nem
pôde administrar, pela, impossibilidade absoluta de meios, á começar pela
distancia enorme e entraves do caminho entre tal território e, — nem cite-se
a capital, mas o seu mais próximo povoado — ; e quando para a outra pro-
víncia tão fácil, natural e já effectiva é essa administração?
III
ÁEEA. — Abrange Matto-Grosso uma área immensa, ainda não bem
determinada mas avaliada em cerca de cincoenta mil léguas quadradas. No
trabalho, que serviu de apresentação do paiz na Exposição Universal de
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DA província de matto-grosso 17
Vienna (a), o governo imperial, conformando-se com os cálculos do sena-
dor Pompeu, deu-lhe 2.090.880 kilometros quadrados, ou quarenta e
oito mil léguas quadradas, á exemplo de outros geographos, entre elles
Luiz D'Alincourt, hábil e illustrado engenheiro,encan-egado em 1827 dos
estudos estatisticos e topographicos da província, mas que cercêa-lhe toda
a área entre os parallelos que passam pela foz do Apa e o da quinta ca-
choeira do grande salto do Paraná.
O Sr. senador Cândido Mendes dá-lhe approximadamente 50.175
léguas quadradas, coUocando a província entre os parallelos 7° 30' e 24° 10',
e os meridianos 7* 25' e 22** O': marca-lhe para extensão 332 léguas de N.
á S., da foz do Fresco, no Xingii, á do Igurey^ no Paraná, e 265 de lar-
gura, desde o Araguaya. das serras de Gradahús á confluência do Mamoré
com o Beni.
Mais acertado parece o computo que D'Alincourt faz, de 310
leguas^de largura, desde a ponta norte da ilha do Bananal á cachoeira da
Pederneira, que entretanto fica aquém do meridiano daquella confluência.
Bellegarde e Conrado consignam cincoenta e uma mil léguas qua-
dradas para essa área, o que será mais approximado da verdade se forem
exactos os cômputos do illustrado geographo maranhense.
POPULAÇÃO. — Mui longe, infelizmente, vae ainda a população de
tão lasto território do avaliado nos últimos censos da província. Não
pôde ascender á mais de e cincoenta mil almas a população civilisada,
a qual quasi que totalmente se concentra nas povoações; sendo mui dimi-
nuto o numero dos habitantes espalhados longe desses centros, nos almar-
geaes das campanhas alagadiças ou no alto do araxá, á beira das estradas
de Goyaz e do Piquiry.
De conformidade com as ultimas e melhores avaliações, póde-se
(a) o Império do Brasil, no Exposição Universal de Vienna d'Austria, 1873.
3
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18 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
dividir essa população, na qual se incluem 3.500 escravos, pelos districtos
seguintes :
Cuyabá 23.500 habitantes.
Matto-Grosso 740
Poconé 2.060
Corumbá 11.600
Miranda 5.400
SanfAnna do Paranahyba 3.300
S. Luiz de Cáceres 3.400
Total 50.000
A essa póde-se ainda addicionar a população aborígene semi-selva-
gem aldeiada,ou mais ou menos em contacto com a civilisação, e que orça
n'uns oito á nove mil indios, distribuídos pelas seguintes tribus ;
Caãméos e heaquéos, rostos da fortíssima
e temida nação do guaycurús 1.600
Guanos^ kinikindos, ierenas e Jayaims, . 2.200
Bororós. . , 600
Cayapõs 400
Apiacás 2.600
Xamococos 100
Garayos 800 ^
Palmellas 400
e os guaióSy tribu quasi extincta, mas que, estendendo-se aqui e
pelas margens do Paraguay e S. Lourenço, e só nas lagoas Gahiba e Ube-
raba tendo quatro malocas, deve exceder de muito o numero de cincoenta
indivíduos que lhe arbitrou ultimamente a directoria geral dos indios da
provincia(a).Um inglez residente nessas lagoas ha longos annos,o Sr.Wil-
(a) Existem na província sete directorias de índios subordinadas á directoria
geral, e tendo por principal cuidado as tribus já mansas.
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GROSSO 19
liam Jones, calcula em mais de duzentos os habitantes das quatro
malocas.
O illustrado Sr. barão de Melgaço avalia em vinte e quatro á vinte e
cinco mil a população dos indios selvagens, cujas tribus conhecidas são
em numero de dezoito, á saber : araras e caripúnas, no Alto Madeira,
jacarés, ccnahós, pacahás e cauiariós, no Baixo Mamoré ; mequénes, pa-
recis, maimharés e caiixis, no Guaporé ; barbados, bororós da campanha
e bororós cabaçaes, entre o Guaporé e o Paraguay ; coroas, nas cabeceiras
do Cuyabá e S. Lourenço ; bacauhyris e cayábis, nas do Paranatinga ;
nhambicudres, entre os rios do Peixe e Arinos ; e cayutís (cayguaz do Pa-
raguay), nos sertões das cordilheiras do Anhambahy e Maracajú.
Si attender-se á que os indios semi-selvagens andam ainda tão arre-
dios, que nem dos próprios guatós se conhece o numero, e são estes ribei-
rinhos do Paraguay e S.Lourenço — a estrada mais trilhada e conhecida da
provincia, conjecturar-se-ha a difSculdade de calcular-se o qtmntum dos
que não só povoam os terrenos pouco trilhados pelos viajantes, ás
margens dos grandes rios, mas ainda os que, fugindo ás barbarias dos ban-
deiranies e sertanistas e também aos apuros e estorvos que a civilisação
lhes traz aos hábitos e costumes, devem, sem duvida alguma, ter-se
encantoado no centro desses vastíssimos e invios sertões, virgens ainda
hoje das pegadas de outro homem que não o autochtone, seu verdadeiro
e até hoje, de facto, único dono.
Nem ha negar fundamento á essa supposição : si muitas das tribus
conhecidamente ferozes, e algumas mesmo anthropophagas, fugindo de nós
e nada querendo da civilisação, ainda perduram em sitios bem próximos
aos povoados e assaz conhecidos, razão mais forte ha para crêl-os inter-
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20 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
nados em regiões, onde nem mesmo o pé do sertanista pisou, e nas quaes,
portanto, podem continuar tranquillos e descuidados no seu nwãiis vivenãi
primitivo.
Para o computo da população civilisada ha os dados fornecidos
pelos censos anteriores. Assim, em 1793 (a), foi ella avaliada em
14.000 almas ; em 1817 o capitão-general Oyenhausen de Gravensberg,
depois marquez de Aracaty, em officio de 14 de novembro de 1818,
marca-lhe 29.801, divididos em 2.744 homens, 3.978 meninos, 9.689
mulheres, 2.522 mestiços e 10.948 escravos. Pisarro, no tomo 9'' das suas
Memorias Históricas, dá-lhe, para esse tempo, 37.396, baseando-se n'um
mappa do ouvidor de Cuyabá á mesa do desembargo do paço. Em 1821,
outro mappa organisado nessa capital, com o intuito de patentear a impor-
tância do seu districto sobre o da antiga sede do governo, Villa Bella,mar-
ca-lhe 29.484 almas, das quaes apenas 5.819 para este districto (b).
Em 1849, recenceava-se 8.637 fogos com 21.947 habitantes livres,
10.866 escravos, ou 32.833 ao todo; havendo 2.469 votantes qualificados.
Em 1855, 26.659 livres, afora Índios, trazem os mappas da reparti-
ção de policia, mandados organisar pelo zeloso presidente o Sr. Melgaço,
que, entretanto, não pareceu conformar-se com o computo, avaliando tal
população em 32.128.
Rezavam aquelles mappas de 12.600 homens e 14.059 mulheres :
21.214 livres e 5.448 escravos ; 19.834 solteiros, 5.429 casados e 1.397
viúvos.
Em 1862 o censo deu 37.538, não sendo computada a população dos
districtos de Corumbá e Albuquerque (c).
(a) o Sr. Augusto Leverger (barão de Melgaço). Relatório Presidencial de 1863.
(b) Luiz D*Alincourt.
(c) Rei. do chefe de policia.
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DA província de mattogrosso 21
Em 1863, o Sr. Leverger calculou-a em 35.000 livres, 6.000 escra-
vos e 24.000 Índios. Em 1867, a população em vez de augmentar tendeu
á diminuir; para o que alguma cousa influiu a guerra e muito a epidemia
de varíola, que devastou o povoado e, ainda, as nações selvagens, calcu-
lando-se em doze á quinze mil a perda da população em geral.
Em 1872, começou a nova éra da província. Corumbá, Albuquerque,
Nioac, Coxim, Miranda, Dourados, retomados ou abandonados pelos para-
guayos, foram-se reorganisando ; terminada a guerra, estabeleceu-se uma
corrente de immigração com a tropa que veiu occupar a província, com
os aventureiros que a seguiam e com alguns milhares de paraguayos que
deviam a vida aos soldados e só delles recebiam o alimento, e acompa-
nharam-os compartilhando-lhes a parca pitança. Somente de maio á julho
de 1876, o porto de Corumbá recebeu uma população nova de mais de
cinco mil almas.
Nesse tempo floresciam as obras do arsenal do Ladario, onde se em-
pregavam centenas de operários. Seus pagamentos em dia e o das tropas de
Corumbá, que eram um regimento e um batalhão de artilharia, e outro de
infantaria, faziam por sua vez florescer o commercio e contribuíam para o
progresso do povoado. Diminuídos os operários e retiradas as tropas, dimi-
nuíram também, tão extraordinariamente como cresceram, a população e o
bom andamento da cidade.
IV
HTPSOMETRIA. — Da immensa área da província a parte maior está
situada no vasto planalto central da America do Sul, e talvez o mais
elevado araxá brasileiro. A outra porção, á O. e principalmente ao 5., é
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22 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
baixa e alagadiça; pertencendo á esta a grande zona conhecida sob o nome
de Panianaes.
Essas comarcas mais baixas não attingem altura maior de cento e
cincoenta metros sob o nivel do oceano. No planalto, desde as cabeceiras
do Guaporé, Paraguay e Tapajoz ás do Araguaya e braços occidentaes do
Paraná, a media é de meio kilometro, elevando-se a altitude ás vezes á
mil metros em alguns pontos da crista onde situa-se a divisória das aguas
dos dous maiores estuários do mundo, o Amazonas e o Prata; crista que
atravessa diagonalmente a província de iVO. á 5i£.,desde as cachoeiras do
Madeira até ás ribas do Paraná, á buscar a serra das Vertentes^ em Minas
Geraes.
Essa é a opinião do illustrado e venerando Sr. barão de Melgaço,
cuj o nome citarei frequentemente neste trabalho, por ser um dos homens
á quem a província mais deve e que mais tem-a enriquecido, no que con-
cerne á sua geographia e ethnographia (a).
(a) Oastelnau (Exped. datis les parties centrales de VAmerique doSud.—T. 5.«>,
pag. 157;, colloca as nascentes do Paraguay apenas á 305 metros sobre o nivel do
oceano, as do Arinos á 210, e o Araguaya, ao tomar esse nome na confluência do
Vermelho á 213; e dá á Cuyabà 6õ metros, etc.
Sabe-se, porém, o pouco peso que merecem as asserções desse viajante sempre
que se afastam dos estudos e observações dos seus intelligentes companheiros o
Dr, Woddell e o malaventurado visconde d'Osery. Dugraty na sua Republica dei
Paraguay^ em vista dos estudos do capitão Page da canhoneira americana Waler-
wicht, dá a altitude de alguns pontos do Prata e Paraguay, que bem manifesta a
elevação do continente á medida que se afasta das orlas do oceano : Buenos-Ayres
à SO pés acima do seu nivel ; Rosário, á 100 ; Diamante, á 127 ; La Paz, 160 ; Bella
Vissta, 220; Corrientes, 248; Pilar, 268; Assumpção, 307 ; Conceição, 330; S. Sal-
vador, 333 ; Pão de Assucar, 340 ; forte Olympo, 360 ; forte de Coimbra, 383 ; Albu-
querque, 390; Corumbá (á margem do rio) 396, etc, o que dá uma declividade para
as aguas de 8,3 poUegadas por légua ; donde, Cuyabá, que se acha á 720 léguas do
oceano, pela estrada fluvial, deveria estar n'uma altitude de cerca de 500 pés ou 152
metros, e isso mesmo si as correntes conservassem a mesma facilidade do curso do
Paraguay,6 não descessem em degraus.como o rio Cuyabá, que é todo encachoeirado,
o que alterado muito a altitude dos terrenos superiores ; tendo D'Alincourt verificado
101 braças ou 729 pés para a altitude dessa capital. Os commissarios bolivianos,
na commissão de limites de 1878, dão á Corumbá a altitude de 4d0 pés> mas no alto
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DA província de matto-grosso 23
Extraordinária como é a differença de niveis entre o planalto e os ter-
renos alagadiços que o circnmdam, pelo menos na parte de S. e de O., fácil
é sua verificação por nestes aquelle acabar quasi á pique, ahi apresen-
tando-se sob a forma de alta e escarpada serrania, ao passo que para o
lado opposto segue em extensas planicies ou paramos, mais ou menos on-
dulados, somente de longe em longe deixando erguerem-se do terreno as
lombadas ou cristas das montanhas, ás vezes de insignificante altura, mas
que um rio ou um simples córrego, tendo levado em suas torrentes as
terras de alluvião, onde cavou o leito, deixa á descoberto,nas altas paredes
de rochas primitivas do valle de denudação que formou. E' que esse im-
menso araxá não é mais do que um enorme sedimento que encheu os valles
e até cobriu as montanhas que os formavam.
Essa notável disposição do grande planalto brasileiro facilmente ex-
plica a sua geogenia. Já bem perto do oceano, a serra do Mar ou Paraná-
piacaha (isto é, donde se vê o m<ir)^ como a chamavam os aborigenes,
apresenta em escalão as suas formosas escarpas — que attingem altura su-
perior á mil metros; emquanto que, para o poente, vae seguindo mais ou
menos uniformemente em campos geraes^ não para morrer nas ribas do
Paraná, mas para elevar-se de novo nos chapadões de Matto-Grosso, cujos
da cidade, e 28S ao porto ; e estudando o interior do paiz, consignam as altitudes
de 478 pés em S.: Mathias; 515, na confluência do Peinado; 1337 no cerro maior
das Mercês; 1841, no morro da Boa Vista; 1366, no dos Quatro Irmãos; 7C0, no
ponto das Salinas; e 723 nas cabeceiras do Verde, Dão para Santo Carason 888,
para SanCÂnna de Chiquitos^ 1486, e para Santa Cruz de la Sierra^ 1379. Compa-
re-se, mutatis mutandis, estas alturas com as de Castelnau.
Confrontando, ainda, certos dados seus com os de outros observadores, vé-se
que encontroii Tabatinga k 78,43 metros, na praia e 97,48 metros, no forte, quando
Spix e Martins acharam 643 pés,ou 195,8 metros; S.Paulo à 94,45 metros, Fonte-Bòa
á 69,38 metr s, e Mandos á 62,48 metros, quando esses sábios allemSes acharam
para S. Paulo 62Í pés (189,5 metros), Fonte-Bòa 593 pés (182,5 metros) e Manáos 52*2
pés (159,1) metros. Estes dão Óbidos à 451 pés ou 137,4 metros, quando o viajante
francez diz, com La Condamine, que essa cidade eleva-se apenas 10 pés sobre a
altura de Belém, da qual, entretanto, dista 575 milhas !
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24 ESBOÇO CHOROGBAPHICO
campos para SO. vão limitar-se nas altas escarpas, ou nas fraldas em de
graus, das cordilheiras de Maracajú e Anhambahy e de seus ramos me-
ridionaes Urucuiy e Caagnassú.
Ali, no meio desses iramensos campos ou savanas, cortados de rios
quasi sempre encachoeirados, parecerá impossivel ao viajor despreoccupado
o achar-se á um milheiro de metros sobre o nivel do mar.
o Planalto
Apresentam-se essas planicies, ás vezes como formosas campinas,
verdes e onduladas como as do Rio Grande do Sul, em cujo tapete botâ-
nico as dycotiledonias são rasteiras ou pouco excedem em crescimento ás
gramineas e cyperaceas. que dão a feição ao terreno: taes os campos que se
encontram ao subjr-se as escarpas das cordilheiras de Maracajú e Anham-
bahy ; outras vezes, paramos, também ondulados, mas de terrenos sêccos
e arenosos, verdadeiras charnecas, mais ou menos assoalhadas de grés,
saibro e piçarra, soltos e fofos como a areia : taes os campos dos Parecis
transitados por João Leme do Prado, em 1772, e pelos aventureiros que
buscavam o ouro, desde Cuyabá até os Arayés, desde Villa Bella até Uru-
cumacuam ; taes as reconhecidas pelo illustrado Sr. Dr. Taunay, na me-
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DA província de matto-grosso 25
moravel campanha de 18G5 (a); terras balofas, onde os animaes se enter-
ram á cada passada que fazem ; que não lhes dá o pasto, tão estéreis são ;
onde o arvoredo rareia e os mattos são carrascos e cerradões ; e onde, por
conseguinte, tão difficil é a vida do homem como o seu transitar por ahi.
Outras vezes são terrenos enxutos, cortados de innumeros rios, ou são bre-
jaes e paúes, donde emana cópia infinda de rios e regatos, que, ou descen-
dem naturalmente para o norte, escavando o leito nas areias e piçarras, de-
nudando as escarpas e descendo em degraus, ou despenham-se em cascatas
por altos paredões, para as bandas do sul. Aqui, immensa e vigorosa mat-
teria attesta, nos grossos troncos e nas prodigiosas alturas, a exuberância
de seiva que os alimenta. Qualquer terreno lhes serve, uma vez que haja
agua para abeberar-lhes as raizes : si arenoso — e ás vezes de areia bem
branca, a floresta assemelha-se aos jardins públicos das cidades, onde se
pôde livremente transitar em plena sombra ao rigor do sol, á cavallo ou
de carro, por entre renques de arvores ; e dos quaes só differem em não
serem atormentados pela symetria dos quinconcios ou as amofinadoras re-
gularidades da geometria, e em terem dezenas, sinão centenas de léguas
de longura : — si o terreno vegetal, de prolifero húmus, formam-lhe a
flora as hervinhas rasteiras e os arbustos de quanta familia a botânica co-
nhece, e principalmente as leguminosas, que são o populacho da nação
vegetal dos trópicos ; — e os cipós que tudo enredam, emmaranham e
tecem ; enroscam-se pelas arvores da floresta, as exce&eç, as j^rocero', as
spectahiles, as gigantéce, etc, dos sábios ; casam-se aos troncos, abra-
çam-se aos ramos, dependuram-se-lhes das grimpas e cobrem-lhes os ga-
lhos de filhos com as raizes que dahi despedem ao solo, on^le se engrossam,
avigoram e rebentam em brotos, que são outros tantos braços que entran-
çam, cercam e fecham a floresta, de modos á obstruirem-lhe a entrada.
E nem sempre léguas, ás vezes passos, separam esse solo de eitraor-
(a) Scenas de Viagem, pag. 42.
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26 ESBOÇO CHOROGBAPHICO
dinaria uberdade do outro, onde uma vegetação rachitíca, enfesada e dis-
seminada á largos espaços, toma-se uma antithese contristadora de toda
aquella pujança ; onde apenas traz o jubilo e a satisfação ao viajor, o en-
contro do pau d^agim — arvore de mediana altura, trichotoma, e que
guarda no ôco de seus galhos quasi perennemente a agua das chuvas,
mesmo quando já a sêcca vae adiantada (a). Combretaceas e myrtaceas
principalmente dos géneros eugenia e aulomyrcia; bromelias sylvestres e
anonas de varias espécies; uma ou outra sapotacea; o cocos campestris de
Martins, o íw<7aí/a acaule; e sempre, sempre, as leguminosas, na maior
parte cássias, mimosas e hauJiivias, dessas que, pela conformação de suas
folhas duplas, são conhecidas pelo nome vulgar de tmha de boi: taes os
typos principaes desse tapete floral, onde as maiores arvores, quasi
sempre jaboticabeiras e sapóias, não attingem á altura de quatro metros,
e onde a mangabeira e o cajueiro, arvores de seis e mais metros, nas re-
giões felizes, conservam, entretanto, todo o vigor de fructificaçào dessas re-
giões: aquella, cobrindo-se de formosos fructos, mas não elevando as
grimpas á mais de metro do solo ; e este, sendo ás vezes de tal altura, que
as folhas e o fructo são maiores do que o tronco.
Esse terreno balofo repousa sobre leito de rochas crystallinas, mais ou
menos aprofimdado sob camadas de grés, tufo, argilla e saibro, que as tor-
rentes perennes ou accidentaes vão pondo em relevo ao derruírem as rochas
de fácil desaggregação. Em alguns legares apparecem no terreno, isolados
uns, e a mór parte em grupos mais ou menos próximos, enormes penedos,
de formas caprichosas, semelhando á torres, túmulos, mausoléos e cair
çadas, ora aos âohnen e men-hirs dos antigos bárbaros da Europa septem-
trional, ora aos ice 1)€rgs dos mares circumpolares.
(a) y . o diário do reconhecimento que fez o Dr. António Pires da SUva Pontes
ás cabeceiras do Guaporé— 1879. Nâo conheço esse vegetal, mas pela ligeira des-
cripçSo que delle faz o Dr. Pontes, nSo é a arvore do vic^or, arvore da vida^ que
sendo uma musacea não poderia vegetar nestas regiões areientas.
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DA província de matto-grosso 27
E' a região do gneiss, notável por sua riqueza metallifera. Todas as
minas de ouro da provinda foram descobertas á beira dos rios, no araxá,
ou, já nas baixadas, nos remansos dos que se despenham das suas arestas
abruptas.
Em muitos logares a decomposição determinada pela acção clima-
térica e principalmente pela das chuvas torrenciaes, tão communs nestas
regiões, tem escarvado o solo deixando-lhe ora valles de denudação, ora
extensas e fundas depressões, semelhantes á leitos de rios extinctos.
Tornam-se notáveis certos contrafortes dessas soterradas cordilheiras,
pela maneira extranha porque terminam seus espigões, em alcantis altis-
simos e ás vezes cortados completamente á prumo. São conhecidos na
província pelo nome de trombas, e de itamhés pelos índios; e entre outros
são notáveis os das serras do Aguapehy, do NapiJeqm (a) e Jacadigo, nas
cercanias de Albuquerque.
Os Itsbzxibés
Sendo a formação dessas montanhas de grés mais ou menos argil-
loso ou calcareo, aquelles espigões apresentam-se, ás vezes, como massíços
(a) Lavileque segundo outros : entretanto parece que ambos os termos são falsos,
sendo o verdadeiro Vapileque, ferro, no idioma dos guaicurús.
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28 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
de gneiss, affectando as formas mais caprichosas. Algumas das trombas
são penhas de gneiss ou dykes de diorito duríssimo, que se reconhecem nos
logares declives e nos flancos á pique e completamente despidos das ca-
madas de superposição, que não souberam resistir á acção decomponedora
do sol e das aguas. Quasi todas são mui ricas em minereos de ferro.
Nesse systema é que bera se pode estudar as eversões geológicas por-
que têm passado as rochas do Brasil. Nem mesmo essa observação passou
aos investigadores do século passado. Fallando da serra de Hicarâo
Franco (a), diz o Dr. Silva Pontes, astrónomo da commissão de limites
de 1782, o seguinte:
« Toda a frente da sen-a que olha para a villa, está mostrando um
esquelete de muito maior massa do que foi algum dia, sendo ma-
nifesto pelos repetidos vácuos e chatos que nella ' e observam, que têm
corrido não só as terras primitivas, que a cobriam, sinão grandissimos seg-
mentos de pedras que se têm despegado do alto e meio, ali deixando uns
medonhos precipicios á que chamam na lingua tupinanibá iiamhé^ que
quer dizer heiço de pedra,, observando-se o mais medonho delia logo que
se chega ao alto da seiTa. As pedras são de uma areia glarea,, mas que,
ainda que parece friável são tão duras que não admittem • picão nem
cinzel. » (b)
Serras on campos, ^2iO\\omes que coiVimummente se dão á essas regiões
do planalto, e que igualmente lhes cabem; emquanto de um lado guardam
soterrado todo um flanco sob camadas enormes de alluvião, e só tem por
Índices de sua existencia os contrafortes e esporões de flancos completa-
mente livres, do outro a rocha durissima se patenteia denudada das
crostas menos resistentes, liza e escabrosa, mas cahindo sempre na ver-
ia) Então do Grâo-Pard ; é fronteira á cidade de Matto-Grosso, e na outra mar-
gem do Guaporé. O nome de Ricardo Franco foi-lhe dado pela actual commissão,
em 1876, em homenagem ao infatigável engenheiro do século passado.
(b) Obra citada.
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DA província de matto-grosso 29
tical sobre os extensos e fundos valles de denudação que nella confinam,
ou então ofiFerece ao ascenso, desde as baixadas do valle, altos e vastcus de-
graus, em escalão, aqui abruptos, ali de ladeiras Íngremes.
E' notável que quando um numero crescido de vulcões estende-se á
margem do Pacifico pela cordilheira andina e seu prolongamento ás mon-
tanhas Rocliosas, da America do Norte, o resto todo do continente ameri-
cano seja despido desses respiradouros da incandescência centriterranea, o
que é um Índice seguro da differença das duas regiões. Faliam, todavia,
alguns viajantes de montanhas, cujos cones parecem crateras de antigos
Mílcões: os cayapós asseguram que na serra /S(?//arfa ha um monte que
lança fogo e fumo com horrorosos estampidos, pelo que nenhum se tem
atrevido á lá chegar; e igual noticia e factos conta-se das serras do Napi-
leque, nas proximidades do Apa.. Os terremotos são tão frequentes na
costa do Pacifico, quão raros nas outras comarcas; e os poucos que aqui a
memoria guarda são tão fracos e instantâneos, que muitos passam desaper-
cebidos (a).
As aguas que nesse chapadão correm para o N, vão, como acima se
notou, abrindo caminho no solo arenoso. Quasi todas essas correntes- são
de leito lageado, e a maior parte desce encachoeirada, ás vezes em saltos
de grande altura. O Juruhena, logo duas léguas abaixo das suas vertentes,
precipita-se por uma cachoeira de trinta metros, a mesma altura com que
o Cuyabá despenha-se da montanha do Tombaãor, e menor do que a do
(a) Na província ha memoria de uns três ou quatro de que se fallarà, adiante,
k climatographia.
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30 ESBOÇO CHOROaRAPmCO
ribeirão do Inferno^ que cahe abrindo um boqueirão de duzentos pés de
profundidade e de paredes á pique, conhecido polo nome de Bocaina do
Inferno. Encachoeirados descem os rios Negro, Gamararé, Xacuruhina,
Arinos, Manso, Paranatinga, Sumidouro, etc., emfim, quasi todos as
que correm para o septemtriáo; o Jamary, Gryparaná, MarmeUo, Ma^
nicoré e Negro, que vão ter ao Madeira, e grande parte dos que descem
ao Paraná. Dos que vão cahir nos grandes valles do occidente e do sul
as cabeceiras são sempre encachoeiradas, quer despenhem-se em uma só
cascata, quer venham, como o Cuyabá, saltitando por degraus.
Alguns, ao abrirem espaço nos campos do planalto, encontram o
terreno solapado e de fácil resistência á força de suas torrentes, e immer-
gem sob uma crosta de gneiss, ou sob abobodas de uma espécie de tufo
calcareo, mais ou menos extensas, indo emergir adiante. São os ^Mm^
douros ; e de cuja presença quasi sempre tiram nome os rios que os
passam.
Nas regiões das serras, ao sopé dos ângulos dos contrafortes ou no
fundo de profundos valles de denudação, algumas torrentes têm seus ma-
nanciaes, comquanto as immensas chanfraduras onde correm indiquem
serem erosões do solo, determinadas pela agua. Talvez que primitivar
mente esses rios accidentae* ou escoantes, e hoje pcrennes, derivaram seus
cabedaes em regiões bem altas, cujo solo, pouco á pouco desmanchado
pelas aguas, pouco á pouco se aprofundou. Seus mananciaes, hoje, ao sopé
das montanhas, são de fácil explicação. Outros têm as origens no interior
de cavernas, nas fraldas de montes: taes, entre muitos, a famosa cabeceira
do Guaporé, nascida no Ôco de uma rocha ou paredão vermelho, de grés
rico em minereo de ferro, e a da Corixa Grande do Destacamento^ que
brota do interior de um morro isolado pertencente á denominada serra de
Borborema, que é um ramal da Aguapehy. Sahe dessa gruta por três
corredores, cujas entradas, altas e estreitas como portas, abrem-se á flor
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BA província de matto-grosso 31
do terreno, no fundo de um pequeno saguão formado á custa de lages de
trapp amygdaloide, algumas lisas e polidas como lousas, que se têm des-
prendido do tecto e paredes lateraes, e jazem esparsas no cháo; e o riacho,
mal apparecendo nesse alpendre, some-se debaixo do solo, indo emergir
quatro á cinco metros adiante. Das abertas ouve-se o extraordinário baru-
lho das aguas, que, dentro mesmo da caverna, são encachoeiradas.
Corixa
DIVORSUM AQUARUM. — No planalto o divorsumaquarum vem do
parallelo IP e meridiano 20", mais ou menos, onde têm origem os aflBucn-
tes septemtrionaes do Guaporé e muitos dos orientaes do Madeira, á que-
brar-se no meridiano 16% onde, no parallelo 14% abre as mais longínquas
fontes do Tapajoz, Paraguay e Chtnporé. Ahi sua altura é de mais de
mil metros : o sábio naturalisia bahiano, Dr. Alexandre Rodrigues Fer-
reira (a), dá ã serra de S. Vicente um quinto de légua de altura ; e os
seus companheiros de lides e glorias (b), quasi igual altitude ás nascentes
do Jaurú e do Sararé. Dahi sobe de novo á aquella primeira latitude, na
(a) V. Relação circumstanciada das amostras de ouro que remeite para o Real
Gabinete de Historia Natural o Dr. naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira ;
em conformidade ás soberanas ordens de Sua Magestade, de 31 de Outubro de
1787. BibUoth. Nac. Mb. OXIII— 16— 14.
(b) ComquaDto em commissões diversas, seus trabalhos se executaram no
mesmo período de tempo. Estes para ns altitudes serviram-se então do pé do
Mhêno, que lhes mareou 25 poUegadas e 5 linhas nas fontes do Jaurú, e 24 polle-
gadas e 11 linhas nas áo Sararé.
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32 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
qual outra vez divide as aguas do Tapajoz, Xingu e Paraguay ; e des-
cendo em rumo SSE. até o parallelo 19% meridiano 6% separa novas ca-
beceiras para o Paranatinga, Mortes e Araguaya, ao N., e ao S. para o Pa-
raná e Paraguay. Essa linha quebrada como que indica e determina a
posição e direcção dos tezos crystallinos desses campos do planalto, em
muitos sitios assignalados ora pelos valles que os deixam á nú, ora pelos
espigões ou pelos penhascos isolados, mas disseminados na planície, aqui
formando torres como os da chapada do Guimarães, ao oriente de Cuyabá,
ali, formando altos paredões á pique, como os que o Coxim atravessa, os quaes
plenamente revelam a sua formação plutonica; ora, emfim, pela crista ou
espinhaço que se alteia nos plainos, formando as cordilheiras dos Parecis,
Norte, Tapirapuam e Aguapehy, as quaes, conforme os sitios por onde
passam, recebem os nomes de S. Vicente, Kagado, Olho d^agua, Sanfa
Barbara, Borhorema, Melgmira, Morro Grande, Sete Lagoas, Pary
ou Jagaard, Tamanduá, Morro Vermelho, Córrego Fundo, Ararapés,
Arara e Cuyahd; e dahi para cima a Serra Azul, em rumo NNO.y entre
o Tapajoz e o Xingu. Para SE. desce com as denominações de S. Lourenço,
Agiia Branca, Taquaral, Rapadura, Roncador, Sellada, Santa Martha,
Cayapô, Momlmca, Sentinella, Santa Rita, Albano, Arara, Crys-
taes, etc., estas ultimas já em Goyaz, e todas ellas sob o nome geral de
serra das Divisões.
Segundo o Sr. Dr. Couto de Magalhães (a) falseiam os mappas figu-
rando montanhas no divisor das aguas do Araguaya das do Cuyabá, o qual,
exceptuando a serra de S. Jeronymo, é em geral uma vasta planície leve-
mente accidentada com suaves pendores, n'uma declividade não maior de
(a) O Selvagem, pag. 16S.
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DA província de mattogrosso 33
cinco por cento; obsen^ação que não se pôde acceitar em absoluto, visto
que não são montanhas somente as grandes elevações do solo; e assiste ao
povo como ao geólogo, o direito, e á este,mais, o dever de denominar serra
pela sua formação geológica, essas elevações do terreno, pequenas em
altura mas longuíssimas em extensão, e que na maior parte são as cristas
e lombadas de enormes cordilheiras soterradas. Naquella região é notável o
morro de S. Jeronymo, alto de 1400 metros, que se avantaja n'um circuito
de muitas dezenas de kilometros. Esse mesmo incansável e illustrado
observador notou que o planalto apresenta, em seu flanco livre^ a formosa
altura de quatrocentos metros; revestida de espessa e forte mattaria,
que desapparece vencido que seja, e substituída agora por vastos
campos semeiados, aqui e acolá, de arvores isoladas, um ou outro matto •
cnniinga yXdi^imo e infesado; e de longe em longe, pequenos e arredondados
capões, caapuans, que onde apparecem são Índices certeirys da presença
d agua mais ou menos perenne.
de Santa liita ao Coxim- (a)
A serra dos Parecis e a do Norte, á O., a dos Ajnacás e Bacauhyris,
ramos da Azul, ao K, a do Espinhaço, á £. e ao 5. a do Tapirapuam e os
(a) Desenho do Sr. Dr. A. d^Escragnolle Taunay. que graciosamente concedeu,
como outras mais, ao autor para transcrevel-os nesta obra.
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34 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
ramaes que vào entroncar-se na serra das Divisões, são os limites do
grande araxá exclusivamente matto-grossense. Na maior parte apresen-
tam o flanco livre, Íngreme e alto; outras vezes vão descendo em fortes
declives, ou por escalões, mostrando, muitas vezes, nessas paredes, princi-
palmente nas das regiões de sudoeste, estrias onduladas e parallelas que
parecem o signal do açoite violento e demorado da grande massa de agua
que primitivamente occupou as baixadas adjacentes; mar, cujas marés e
tempestades, carcomendo as escarpas e abrindo-lhes entre os massiços
verdadeiros golphos o bahias, deixou-lhes pelos cabos e promontórios de
então os espigões e contrafortes de boje.
VI
Parecis. — A aresta conhecida pelo nome de Serra dos Pareeis,
vem desde as cachoeiras do Madeira. Seu primeiro contraforte apparece
no parallelo 10° 20', junto á primeira cachoeira desse rio; outro vem bor-
dando o ribeirão dos Parahás Novos, no Mamoré; terceiro vae morrer nas
prpximidades do forte do Príncipe da Beira, no Guaporé. Este rio guarda
um tal ou qual parallelismo com a cordilheira, da qual apenas se affasta
doze á vinte léguas em todo o seu prolongamento. Ainda esta manda ao
Guaporé uns três ou quatro espigões, cujos mais notáveis são o de Santu
Rosa, no meridiano 20** 30\ e o das Pedras Negras no de 19* 44'.
Na latitude de l?** bifurca-se, dando seguimento para o septemtrião á
cordilheira do Norte, que prolonga-se em direcção ás regiões amazonicas;
para S., quebra-se á meio do parallelo 14° á 15°, e forma o massiço cha-
mado Serra de S, Vicente e também chapada do Brmnado; aos 15°
despenha o Sararé ; e ganhando SE, vae, com os titulos de serras do
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DA província de MATTO-GROSSO 35
Kagaão^ Santa Barbara e Salinas, morrer na latitude de 16°, nos alpes-
tres alcantis da Aguapehy.
ALTITUDES. — Foi na serra de S. Vicente, ahi também conhecida
pelo Alto ãa Serra, que o Dr. Alexandre e os astrónomos, em 1789,
acharam altura superior á mil metros.
No correr da serra dos Parecis, parallela ao Guaporé, essa altitude
varia de trezentos á setecentos metros, sobre ó nivel do solo. Nessas regiões
o frio do inverno é rigoroso e as geadas frequentes, causando damnos aos
próprios algodoeiros (a); cita-se mesmo pessoas mortas de congelação, não
só aqui como nas chapadas de Guimarães e de Camapuam, onde a friagem
é ainda maior (b). Aquella dista doze léguas, ao oriente, de Cuyabá, sobre
a qual se eleva quinhentos e oitenta metros (c), ou pouco mais de oito-
centos sobre o mar.
P6dem-se considerar como um ramo da Parecis, ou pelo menos per-
tencentes ao mesmo systema, as serras que á poucas léguas de distancia
levantam-se entre o Guaporé e o Verde, desde oparallelo 13° na Terra
firme do Pau Cerne até os 15° 20', abaixo da cidade de Matto-Grosso.
Ahi seus píncaros se elevam á altura maior de oitocentos metros (d).
A commissão de limites de 1876 denominou-as de Ricardo Franco,
(a) Southey orça em 4^0 á 500 braças sobre o mar a situação do arraial de
SanVÂnoa, e diz que era muito sujeito á geada.— T. 6», pag 492, trad. do Dr. L. de
Castro.
(b) D'Alincourt, [Resultado dos trabalhos e indagações sobre a provinda de
Matto-Grosso) diz que em 18^ morreram de frio na serra da chapada mais de vinte
negros novos idos da corte.
(c) D*Alincourt, ohr. cit Dá á Cuyabá 101 braças e 2 palmos e meio de altitude
sobre o mar, e a chapada^ mais elevada do que ella 264 br., 3 pai., 6 poli.
(d) ff No alto da serra o azougue baixou 2 poli. no pé do Rheno, o que dá á
altura de 2(K)0 pés do solo».— Rei, da excursão d serra do Grão-Pará, em 26 de
Junho de 1782, pelo Dr, António P. da Silva Pontes.
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36 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
em homenagem ao distincto e infatigável engenheiro, incontestavelmente o
sábio á quem a provinda mais deve por seus innumeros e conscienciosos
trabalhos de geographia, hydrographia, limites e defesa de território ;
cujos sertões mais invios percorreu transitando innumeros rios, passando
centenares de cachoeiras, aflrontando mil perigos e labores, e deixando
nos seus interessantes mappas e descripções verdadeiros thesouros de
sciencia e observação.
VII
Quasi que se pôde dizer que são tantas as correntes que descem do
araxá quantos os espigões e serranias que seguem entre uns e outros rios,
margeando-os. A serrania que borda a margem esquerda do Paraguay ó
um espigão que da Tapirapuam desce á 5. n'um ramo, e n'outro prolon-
ga-se para NNE. Póde-se marcar os seus começos nas cabeceiras do
Jaurú, indo dahi beirar o rio por cerca de uns cincoenta kilometros. Pela
esquerda, prolonga-se até o parallelo de 16° 41', quarenta e seis kilome-
tros abaixo da foz do Jaurú. Os ramaes de iVO., que separam as vertentes
do Paraguay das do Cuyabá, e estas das do Arinos, são a Mangàbeira,
Jaguára, Seie Lagoas, Pary ou Melgueira, Arapards ou Tomhador,
Araram Cuyabá {2).
(a) Escrevo, assim, de preferencia á Cuiabá, por não poder conformar-me com
a derivação de cuia^vae que dão-Ihe alguns, ou mesmo cxUa—abá (abá, gente )^
apezar de esta ser a opinião do advogado José Barbosa de Sá, contemporâneo quasi
da fundação da cidade, o qual na sua Relação dos povoados de Cuiabá é MaitO'
Grosso, manuscripto de 1775, diz : « Destes o primeiro que subiu o rio Cuiabá, assim
chamado por encontrarem uma cuia grande sobre as aguas, que ia rodando (*), por
(*) ^odar^ isto ó, vir aguas abaixo ; expressão ainda hoje muito commum
província.
na
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BA província de matto-grosso 37
Serra das Divisões. No meridiano 12** e parallelo 13% maisou
menos, as escarpas do planalto prolongam-se, á principio, na direcção
de J?., e depois levam n'uma linha quebrada seus espigões ao rumo 5.,
onde inferiram que por aquelle rio havia gente {sic)-, outros dizem que o nome de
Cuiabá procedeu de haverem cabaceiros plantados pelas margens daquelle rio ; e
outros que era o nome de gentios chamados cuiabases^ que nestes districtos habi-
tavam. Cada qual siga a opinião que quizer« que não é ponto de fé nem pragmá-
tica de Rey, que eu sempre estou que a nominação procedeu da cuia ; que gentio
desse nome nunca achei nem tive noticia^ nem que houvessem cabaceiros pela
margem do dito rio, sendo eu um dos segundos que cultivei estes sertões e exami-
nei o que nelles pude encontrar. » A opinião dos cabaceiros é a seguida por mon-
senhor Pizarro, que diz : « Os povoadores primeiros do districto deram-lhe o nome
por acharem plantado em suas margens certo fructo conhecido com o apeUido de
cabaço ou cabaça, espécie de abóbora de miolo amargo, o qual se separa e deixa
um casco rijo, de que fazem cuia, seccando-o, para guardar farinha, liquido?, etc. »
—Mem. Hisu, tomo 9. A de cuya e abá, gente cahida, é dada pelo padre José Manoel
de Siqueira, coevo de Sá e filho do capitão António do Prado Siqueira, amigo e
companheiro do Anhanguêra e do coronel António Pires de Campos, contempo-
râneos estes do descobrimento da provincia.— 3/em. d respeito das minas dos Mar^
íyrioí.— Entretanto António Pires de Campos, na Breve Noticia que dá do gentio
bárbaro que ha na derrota das minas de Cuyabd e seu recôncavo, publicada no
tomo XXY da Reo. Trim. do Jn5<. Hi^t., pag. 416, elucida a cousa de modo anão
haver duvida, dizendo : « Subindo mais para cima, vem um rio dar neste do
Cayabá, que lhe chamam Cuyabd-merim, que nasce de uma bahia,na qual habitava
um lote de gentio chamado Cuyabds, Estes usavam de canoas e nos trajes e cos-
tumes eram como os acima nomeados, e tinham pazes com todos por serem mansos
e pacíficos. » Creio sufficiente essa asserção do contemporâneo do descobrimento
para acertar-se com a origem do nome. Si em vez delcuyabás eram cayoabds, ou
mesmo cajabis, índios que ainda hoje povoam as cabeceiras do Manso e Paraná-
tinga, aquelle gentio, a corruptela não é de assustar os etymologos, tanto mais
quanto se vô que ella virá já desde António Pires. Os cayoabás, de facto, eram se-
nhores dos sertões entre essas bandas e o Ari nos, rio das Mortes e Araguaya, do
mesmo modo que com esse nome encontra vam-se outras nações nas margens do
Mamoré, onde foram aldeiados na missão de La Exáltacion de Santa Crujs de los
Cayoabás. Segundo Francisco Rodrigues do Prado, commandante do forte de
Coimbra, na sua Hist. dos índios cavalleiros, pag. 2, os cayoabás eram os mesmos
coroados ou coroas, habitantes daquellas margens. Baste este exposto, e calle-se
as vei soes de cuha abá, mulher-homem, virago, que alguém apontou, e a dos que
a tiram dos coroas, em cujo dialecto cuya quer dizer faltar e baytt mulher, e a
phrase— a falladora. Si um dia o portuguez fosse uma lingua morta> e taes etymo-
logos apparecessem, haviam de explicar a palavra camaleão como formada de duas
puramente luzitanas, que significavam leito de dormir e um animal,o rei das selvas.
Segundo o padre Losano {Conq, dei rio de la Plata, l^—lY,t Ibiraty era o primitivo
nome deCuyabá.
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38 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
guardando uma tal ou qual uniformidade, sinão parallelismo, com a dis-
posição hypsometrica das arestas dos Parecis, o que as revela coetâneas e
originadas de uma mesma eversão geológica. O ferro é em tal quan-
tidade nesse solo, que são férreas, de alto sabor styptico, quasi todas
as vei^tentes ahi originadas, e notadamente os córregos Olho ã*agua, Se-
puUura e Lagoinha, cabeceiras do Guaporé e o Piquihy, do Jaurú; e o
terreno de grés schistoso, avermelhado, devido isso á presença dos minereos
daquelle metal. Elevam-se essas escarpas sobre â vasta bacia, onde serpeiam
os braços orientaes doParaguay e vão prender-seao systema conhecido pela
denominação de Serra das Divisões, cujos massiços e contrafortes recebem
os nomes de S. Lourenço, S. Jeronymo ou Canastra, Roncador, Taquaral,
Santa Martlia, Sentinella, Santa Rita, Cayapó, Albano, Arara, Crys-
taes, Miimhiwa, etc, denominações dadas, ás vezes á um só morro ou
cerro, outras á fracas asperesas do terreno, mas que se estendem impro-
priamente ao seguimento orologico á que se prendem : sendo que todo o
systema é geralmente conhecido na província sob os titulos de Serra de
S. Lourenço, e pelos cartographos pelo de Geral ou das Divisões^ que
ainda prolonga-se para NE,^ servindo de divisória entre Goyaz, Minas,
Bahia e Piauhy.
Das serras de Cuyabá para K prolongam-se as cristas da Serra AjsuJ^
divisor das aguas do Cuyabá das do Paranatinga, e cujos ramos, vistos e
reconhecidos pelos primeiros exploradores desses sertões, apparecem nas
suas narrações com os nomes de Apiacds, Bacauhyris, Tapirapés e Gra-
dahus, dos das nações que ahi encontraram. Esse systema guarda paral-
lelismo com a direcção da grande cordilheira ou Serra do Estrondo, na
província de Goyaz, cujas vertentes só enriquecem as correntes do Ara-
guaya e do Tocantins, e cujos contrafortes e esporões são chamados
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DA província de matto-orosso 39
Serra Dourada, Ouro-fifio, S. Pafricio, Canastra, Javahés, Morro Pin-
tado, etc. Aqui passam pelas terras, no geral, mais altas do Brasil, ava-
liando^e essa altitude em mais de três mil metros; sendo que de seus
flancos são os de E, os que se patenteiam menos declives e algumas vezes
bastante approximados á vertical.
PiíicarOfSi isolados da Serra de ;\larao(\]'ii.
(Deseúho do Sr, Dr. Taanay).
Ao S. de Matto-Grosso ô araxá termina pelas cordilheiras de Mara-
caju e Anhamhahy, cujas arestas, naquelle rumo, elevam-se a mais de
seiscentos metros, emquanto que pelo outro lado formosas campinas cons-
tituem o planalto. Seus principaes contrafortes são os morros do Napi-
leqtie ou DalnJeqtie, voz guarany, que quer dizer ferro, montanhas de
ferro, e os de Nabidoqueno e GuaJaJicano, que vão morrer no Fecho de
Morros.
No alto Paraguay, ao passo que as serras vem desde suas mais lon-
gínquas vertentes bordando-o pela margem esquerda até o morro Descai-
rado, na latitude de 16° 44' 38",34, na margem direita só apparecem,
após um longo tracto aos 17° 23', uno pelotões chamados serras da Insua
ou Gania, Gahyba, Alvarim, Pedras de Amollar, Dourados e Xanés
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40 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
desde a lagoa Vberaha até a Manãioré, e todos conhecidos com o nome
geral de Serra dos Dourados ; e os de Albuquerque e JacaãigOj desde
Corumbá, quasi np paraJlelo 18% até o Fecho de Morros, em latitude
de 22\ Aquellas vão prender-se ao systema da serra de S. Fernando — que
á poucas léguas de distancia prolonga-se em território boliviano ; as ulti-
mas parecem contrafortes que se entroncam nos braços de JVíJ. da cordi-
lheira de Anhambahy.
VIII
Sendo nas arestas das montanhas, principalmente nas cabeceiras dos
rios, que os primeiros exploradores encontraram as mais ricas jazidas de
ouro, entranhavam-se taes aventureiros pelos mais invios sertões sem
cogitarem nas distancias, nos trabalhos e nos perigos á vencer ; nem
houve monte em tão dilatada região onde não chegassem, plantando, em
muitos, estabelecimentos mais ou menos povoados, mas, também, mais ou
menos ephemeros.
Ao occidente da provincia, quasi que seus limites coincidem com o
limite dos terrenos altos da região. Além do Guaporé, — sua divisa na-
tural, avistaram aquelles sertanistas as serranias que se intercalam entre
elle e o rio Verde ; subiram-as, escogitaram quantas vertentes descem á
engrossar os dous riose desceram até o parallelo 13° 20',uos últimos tezos
do Garajuz e da Melgueira, onde mineraram e fundaram Vizeu, em 1776.
A' sudoeste, além do Paraguay, tomaram posse de todo o terreno alto,
que se mostrava á sua margem direita.
Já o primeiro sertanista de quem rezam as tradições, Aleixo Garcia,
transpuzera o Paraguay, bs suas serranias e os pampas innundados do
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 41
Galámha ou Gran- Chaco (a), em rota^-ás terras do Peru, á buscar
riquezas, que os guaycurús diziam haver á rodo nas terras do
poente (b).Conta-se que satisfizera seus desejos e chegára,já de volta,carre-
gado de prata ás margens daquelle rio, onde parou emquanto mandava
noticias da sua chegada e do bom êxito da empreza á Martim AfFonso de
Souza, que o ajudara com homens e fazendas, quando sobrevindo os paya-
guás e guaycurús, inimigos dos xanés^ que o acompanhavam, mataram-o,
destroçaram-lhe toda a companhia e levaram-lhe prisioneiro um filho de
menor idade. Sebastião Gaboto, ao penetrar naquelle rio em 1526, en-
controu ainda vestígios das riquezas que Aleixo trouxera, o que, — é da
historia — ^motivou o nome de rio da Prata^ que então teve o Paraguay.
Atravessaram, muitas vezes, esses sertões vastissimos d'além Paraguay
Pedro Domingues e Braz Mendes, capitão do seu terço, segundo Eoquè
Leme (c), e natural de Sorocaba, sempre em busca de indios, com a
santa idéa de os livrar do peccado, chamando-os ao grémio da religião de
Christo, — e a torpe tenção de fazêl-os escravos.
Bartholomeu Bueno da Silva, o Anhanguêra, Manoel de Campos e
seus filhos, o capitão António Pires de Campos (d) e Felippe de Campos
Bicudo, Bartholomeu Leme da Silva, filho do Anhanguêra, e os sobrinhos
Pedro, Lourenço e João Leme, António Borralho de Almeida, Gabriel
Antunes Maciel e seus irmãos António João Antunes e Felippe de Cam-
(a) Chacu, em quichua, quer dizer rebanho. ^
(b) Memorias genealógicas das famílias de todas as capitanias do Bra-
sil,Ví^- Ms. do cónego Boqae Luiz de Macedo Leme, eque supponho calcado sobre
igual trabalho de seu parente Pedro Taques de Almeida Paes Leme, fallecido
em 1777, sargento-mór de ordenanças e autor da Nobiliarchia histórica e genealó-
gica da capitania de S- Paulo, «que deixou incompleta, diz Fr. Gaspar da Madre
de Deus, apezar de ter gasto cincoenta annos nesse trabalho.»
(c) Manuscripto citado.
(d) Pae do coronel do mesmo nome, que aldeiou os bororós, e os cayapós ma-
taram, com grande sentimento daquelles. Annaes da camará de Cuyabd, Uv. !<>; Sá,
Rei, dos pov, de Cuiabd e Matto-Grosso, ^
6
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42 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
pos Maciel (a), Pascoal Moreira Cabral (b) e António do Prado Si-
queira (c), todos paulistas de Sorocaba ; e os europeus Francisco Xavier e
•João Pires Taveira : são os homens enérgicos e ousados, que os chronistas
indicam como os proto-exploradores do território de Matto-Grosso. A' elles
deve a provincia o descobrimento de todos os seus sertões, suas monta-
nhas e rios ; a abertura das suas poucas estradas, ainda hoje as mesmas,
salvos pequenos melhoramentos que o decurso de quasi século e meio tem
exigido. A navegação do Guaporé e Madeira foi descoberta em 1742 por Ma-
noelFelix de Lima ; a do Arinos e Tapajós, quatro annos mais tarde por Joào
de Souza de Azevedo, sargento-mór de ordenanças. Em 1772 o capitão João
Leme do Prado, dessa familia Leme de sertanistas, buscava, por ordem do
capitão general Luiz Pinto uma estrada no percurso de toda a crista da cor-
dilheira dos Parecis, desde as vertentes do Juruhena até o forte da Con-
ceição.
Mais tarde, — aos aventureiros, guiados pela cobiça e ganância in-
frene, succederam os homens da sciencia, levados pelo cumprimento do
dever e pelos estímulos da gloria. Vieram explorar, reconhecer e estudar
essas regiões, então, talvez, as mais requestadas da coroa bragantina.
Foram primeiros, a commissão demarcadora de limites, composta dos en-
genheiros majores Eicardo Franco de Almeida Serra, commandante da
expedição e Joaquim José Ferreira, e dos astrónomos Drs. Francisco
(a) Aiada existem na cidade de Matto-Grosso os descendentes destes sertanistas.
Os donos 6 patrões do bote que nos conduziu daquelle porto ao do Santo António do
Madeira, os 8râ. Lúcio, António e Estevam Antunes Maciel, guardam ainda, com o
nome, o esforço e génio aventureiro dos seus maiores.
(b) Descendente do descobridor do Brasil. Era filho do coronel Pascoal Moreira
Cabral e sobrinho do alcaide- mór de Belmonte Jacintho Moreira Gabral.neto de Pedro
Alvares Cabral, e de sua mulher D. Sebastiana Fernandes, primeiros padroeiros de
Santa Anna do Paranahyba.—Roque Leme, Mem. Geneal, das Pam. de todas as
Cap, do Brasil.
(c) Pae do padre José Manoel de Siqueira, autor da memoria á respeito das
minas dos Mar t/rios*
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DA PROYINCIA DE MATTOGROSSO 43
José de Lacerda e Almeida e António Pites da Silva Pontes (a), cabendo
ao primeiro e ao terceiro o que de mais satisfactorio a sciencia registrou ;
seguiu-se-lhe, mais tarde, o naturalista bahiano, Dr. Alexandre Kodrigues
Ferreira, o Rumbolãt brasileiro, no dizer de Ferdinand Dénis (b), de Os-
culati (c) e de outros, e cujos múltiplos e preciosos trabalhos andam com-
pletamente dispersos, e muitos, talvez, perdidos.
Depois delles, e na geração que passa, Matto-Grosso só registra dons
nomes de varões prestimosos, que se prendem á tudo o que ha de melhor,
relativo á seus estudos geographicos, e á quem deverá gratidão eterna: Luiz
D'Alincourt, major de engenheiros, o investigador da estatística e choro-
graphia da província, e o Sr. Augusto Leverger, barão de Melgaço e
chefe de esquadra reformado, sábio e modestíssimo conhecedor do terri-
tório matto-grossense, ambos dignos herdeiros e emulos das glorias de Ri-
cardo Franco e de Lacerda.
IX
Além dos limites occidentaes da provinda e do acabamento do araxá
e seus espigões, o terreno vae somente de novo elevar-se á muitas dezenas
de léguas distante, nas abas dos Andes, cujas torrentes principaes e innu-
meras são, também, tributarias dos dous rios gigantes da America do Sul.
Mas ahi o terreno não forma chapadões ; eleva-se desde quasi o pa-
rallelo 20*, mas, pouco á pouco e suavemente, como que formando uma
(a) Vinha mais um capellào, Fr. Álvaro da Fonseca Zuzarte, um cirnrgiao,
19 praças e 100 Índios, dos qaaes 36 morreram logo em viagem. Partia a
oommissSo de Barcellos á 1 de setembro de 1781, entrou no Madeira á 9, e chegou á
Yilla Bella à28 de fevereiro do anno segninte.
(b) Le Brésil,
(c) Esplorazione dalle regione eqttatoriali.
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44 ESBOÇO CHOUOGRAPHTCO
amplíssima escarpa á cordilheira andina. Santa Crue ãe la Sierra, no
parallelo 16° 41', á 437 metros acima do nivel do mar, conserva altura
correspondente á elevação normal dos continentes; Sucre, aos 21° 17\
está á 2840"», Funa, aos 22% á 3912™, e Potosi, meio grau á O.,
á 4058». (a)
Todo o território intermediário é tão baixo e plano que as correntes
tomam-se notáveis pelo seu pouco declive. Ribeirões de regular cabedal
de aguas, ao encontrarem o rio á que afBuem, por qualquer circumstan-
cia um pouco mais veloz do que de costume, ficam represados e como
que estagnados, não se notando quasi movimento algum na sua correnteza.
No tempo das aguas, que coincide com o degelo das cumiadas nevadas
dos Andes, engrossam-se e convertem-se em caudalosas torrentes; trans-
bordam dos leitos, invadem os terrenos, espraiando-se cada vez mais e
convertendo as dilatadas campinas onde serpeiam em um verdadeiro
oceano de agua doce, de centenas de léguas de âmbito, bordado de innu-
meros e extensos golfos e bàhias, e semeiado de ilhas verdadeiras ou falsas,
aquellas formadas pelos raros tesos e morrarias,que sobresahem á planície
e estas pelas verdes cimas das florestas submergidas. Póde-se marcar
como limite á esse terreno de inundação as serras do Abuná, ao N., o
araxá matto-grossense á -B.,e á O., o meridiano 20°, desde Santa Cruz de
la Sierra, Púcara, Padilha, Salina e Oran, lá onde começam á ap parecer
as cabeceiras do Guapay,do Pilcomayo e doBermejo.Para o 5. estende-se
além das serranias de Tucuman e Catamarca, além dos banhados e esteros
de Santiago e Córdova, até os pampas mal conhecidos da Patagonia.
Nessas comarcas, poucas vezes no anno são possiveis as longas
viagens. Quasi que só de setembro á dezembro encontra-se transitavel o
terreno, ordinariamente liso e livre de tropeços como a mais bem conser-
vada estrada. Ha, porém, á soflfrer-se do excesso contrario ao do tempo
(a) Segando Pentland, Sucre está á 9343, Puna 12870, e Potosi 1335Ò pés inglezes.
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DA PROVINCU DB MATTO-GROSSO 45
das aguas, agora completamente absorvidas, e, somente de longos em
longos trechos apparecendo em brejaes ou filetes mais ou menos ex-
tensos, de alguns kilometros, mais ou menos largos, de alguns metros,
semelhando-se á rios sem nascedouro, sem corrente e sem foz. Sào escoa-
douros dos terrenos mais altos, e nestas regiões conhecidos sob^o nome de
-A.S iniifiudaçues.
corixas ou corichcs (a). Taes são alguns dos rios do interior da Bolívia e
republica argentina, como o Parapiti, no Chuquisaca, o Temhlada, no
Pampa Grande, o Tucubaca, nos Ottuquis, o Santa Rita e o Palmas
Reaes, na fronteira de Matto-Grosso, e ainda a Corixa Grande do Destor
camento, os rios Andalgala^que começa junto ás montanhas de Tucuman
e perde-se nos lagos salgados de los Ponchos^ o I}ulce, o Primero, o
Segundo, o Quinto, os de Riqja, Córdova e Mendoza^ e o Bateles, este na
provinda de Corrientes, fortemente caudalosos em plena estação das
chuvas e completamente á sêcco ou estagnados na outra estação. Delles
(a) Não é palavra portugueza, nem sei a sua origem. Mesmo os bolivianos, de
cujo paiz a supponho recebida, não puderam clncidar-m*a, não a conhecendo n'nma
dezena de dialectos dos mais conhecidos, desde o quichua até o chiquitano.
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46 ESBOÇO CHOROGEAPHICO
alguns são perennes; e ãssemelhando-se aos rios, conservam essa designa-
ção si bem que não sejam mais do que estreitas e compridas lagoas.
Nas regiões montanhosas do Império, e particularmente nos declives
dos araxás, encontram-se muitas dessas correntes periódicas, ora volumo-
sas ora aniquiladas, conforme a época, e as quaes outra cousa não são
mais do que escoadouros ou vasantes provenientes da declividade do solo.
Taes o Jagimrihe, o Aracacú, o Barnahuhy, o Choro, o Ribeirão do
Sangue^ e tantos outros do Ceará e Piauhy, o Turvo, de Goyaz, etc.,
e grande numero dos que correm neste araxá.
Muitas dezenas de annos e muitas gerações succeder-se-hão antes que
a riqueza das nações e o esforço de seus braços possam abrir estradas —
não já para locomotivas á vapor, mas simplesmente de rodagem, duradou-
ras e permanentes. A baixa do terreno é por sua extensão um obstáculo
insuperável nas condições actuaes desses paizes; e todo o esforço, em tal
empreza,será nuUificado ante tamanha difficuldade.
Actualmente as chamadas estradas ou caminhos entre os povoados
nada mais são do que simples seguimentos de rumos conhecidos, direcções
que todos procuram e todos sabem, muitas não estando assignaladas pelo
mais ligeiro trilho, pelo menor indicio de transito. Mas sabe-se que essa
é a direcção: por ahi deve seguir o caminho.
Quando é chegado o tempo propicio ás viagens está o terreno livre de
tropeços e de uma planura admirável. O solo é ordinariamente de uma
mistura de silica e argilla, á que também frequentemente se ajunta o
elemento calcareo: si o trilho é frequentado quando o terreno ainda está
encharcado e embebido de agua, facilmente se vão formando atoleiros e
maus passos, que difficultam o transito e fazem o desespero dos viajores.
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GKOSSO 47
Sêcco O solo, como a frequência é rara, as pegadas que os animaes deixam
fundamente moldadas nessa massa tomam a consistência da pedra, e por
suas escabrosidades e aspereza das arestas tomam-se o desespero dos peões,
e um grande mal para as cavalgaduras e cargueiros, que nellas se estro-
piam. Chegada a quadra invemosa, innundarse rapidamente; viaja-se
ainda á rumos, mas com a differença agora, de que é em canoas e não á
cavallo ou á pé.
Também na bacia do Paraguay cortã-se das cabeceiras do Taquary
em rumo ao S. Lourenço, á Corumbá, á Poconé ou á S. Luiz de Cáceres, —
quando a^ innundações tém subermegido campinas e florestas, e formado
esse immenso lago, conhecido dos antigos pelos lagos 'periódicos dos
Xarayés.
Assim, também, no Grão-Chaco Azara, Van Ey vel e outros, andaram
n'um oceano de aguas doces em busca do leito do Pilcomayo : assim é,
também, que os povos bolivianos de S. Miguel, Conceição, Trindade,
Exaltação, S. Joaquim, Magdalena, Reyes, etc., communicam-se entre si
no valle do Mamoré : mais felizes, comtudo que os povos do sul, SanfAnna,
S. Saymundo, S. João, Santa Thereza e Santo Coração, os quaes, si em
certas occasiôes do anno podem ir em canoa á cidade de Matto-Grosso,
n'outras ficam inteiramente inconmiunicaveis, — por não haver agua suffi-
ciente para a viagem fluvial e havêl-a de sobejo para o transito das
estradas.
Na força das aguas estas elevam-se á vinte e trinta palmos sobre o
nivel ordinário : em Corumbá o Paraguay tem chegado á onze metros de
altura; o Cuyabá,dez metros na capital; e o Guaporé, no forte do Príncipe
da Beira, á igual altura, já observada pela conmiissão de 1782 e ultima-
mente por nós comprovada.
Mappas do século passado traçam as inundações periódicas dos
Xarayés desde o Julgado de S. Pedro de El-rey (Poconé), no parallelo
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48 ESBOÇO CHOEOORAPHICO
16" 16', eslendendo-se por quasi todo o percurso do S. Lourenço e do Ta-
quary, lá de próximo ás suas cabeceiras, até abaixo do parallelo 21", ao
S, do Fecho de Morros. Do outro lado, o Paraguay, intemando-se entre
montanhas ou pequenos albardões, sobre os terrenos da sua margem
direita desde o Jaurú, penetra por entre as serranias da Insua, Pedras
de Amolar, Dourados, Xanés, Jacadigo, Albuquerque, etc., paredes que,
mesmo na sêcca, deixam-lhe entradas francas para as lagoas, ou, como
aqui as chamam, lahias de Uberaba, Gahibas, Mandioré, Cáceres e
Negra, e ahi, reunido á esses já por si vastos lençóes de agua, muitís-
simo accrescentados pelas torrentes de alluvião, espi-aia-se, cobrindo
enorme território, onde as estreitas depressões do terreno, já aproveitadas
pelas primeiras escoantes das chuvas, tém-se convertido em rios; onde os
brejos e almargeaes hão se mudado em lagos; e agora, reunidos n'um só
corpo seus inmiensos cabedaes, vão se elevando no solo, vão submergindo
pouco a pouco os albardões e tezos, vão ilhando as montanhas e cobrindo
as florestas; e, desde os contrafortes do Aguapehy até as serranias de Salta,
na republica argentina, nos Uanos de Manso (a), confímde-se com o Pil-
comayo, o Bermejo, o Salado e todos os rios e corixas intermédios; abraça
o Paraná, que por sua vez já tem represado as aguas dos seus tributários
orientaes e submergido as verdes coxilhas de Corrientes e Entrerios ;
une-se com o vasto repositório da lagoa Iherd, que ora se apresenta com
quinze léguas de largura, como a encontrou Parchappe, ora com cincoenta,
como a viu Azara: e toda essa massa de agua torna-se um verdadeiro
oceano.
Segundo o Dr. Weddell, o Chaco, na fronteira boliviana, não tem de
(a) Do nome do capitão Andrés Manso, desertor peruano que se estabeleceu
Chaco, perto dç Pilcomayo, mas em ten
los.
Charlevoix, !•— 161 e Castelnau, 6o— 275.
no Chaco, perto dç Pilcomayo, mas em território boliviano, e ahi foi morto pelos
Índios.
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DA PROVINCU DE MATTO-GBOSSO 49
altitude mais de cento e sessenta metros; e Hâenke já tinha notado essa
fraca elevação nas baixadas de Santa Cruz, Chiquitos e Mojos.
A. Serra da Cabelleira.
(Deieoho do Sr. Dr. Tannay.)
X
Que na America meridional parte do continente se solevantou dos
mares em edades náo mui primitivas, é facto inconcusso para a geologia,
que, nos mais centraes sertões americanos como nas cumiadas tempes-
tuosas de suas montanhas, nos terrenos á beira-rios e nas dunas dos pla-
naltos, muitos delles verdadeiros fallums, tem sempre encontrado Índices
certeiros â testificarem a existência das aguas salgadas em tempos que
o estudo não pôde ainda determinar, mas que a geogenia elucidará, O que
parece certo é que não foi o oceano que lhe irrompeu os limites e veiu
submergir seus vastos paramos.
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50 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
A edade geológica desses terrenos americanos parece limitar-se entre
os períodos carbonifero e siluriano inferior. Si na região amasonica, desde
Humboldt e La Condamine, até em nossos dias Agassis, Sousa Coutinho,
Hartt e Derby, todos os perscrutadores dos arcanos da natureza, que se
tém entranhado as suas remotas solidões, hão reunido ampla colheita de
dados para tal confirmação, quer na observação dos factos, quer, princi-
palmente no descobrimento dos foramineos, conchas, peixes e outros fosseis
oceânicos; — na região matto-grossense nenhum Índice positivo ainda foi
encontrado.
Si para testemunho das diversas commoções por que passou o globo,
solevantando ou deprimindo as terras ao nivel commum das aguas, tem
a geologia a conformação physica do antigo continente, o alinhamento
das suas cordilheiras, as falhas do solo, das quaes a conformidade de di-
recções marcam outras tantas eversões contemporâneas ; si ali são provas
de que o oceano passeiou suas aguas por sobre planícies, montanhas e
. planaltos — os seus desertos, steppes e saharas, e os seus mares centraes
sejam elles o Caspio, o Arai e o Mar-Morto (a) completamente isolados,
sejam o Mediterrâneo, o Báltico, o Negro, o Vermelho e todos esses gol-
fões que se ligam á grande massa oceânica por estreitas portas:— na
America, sobejamente o testificam o seu systema orologico, a direcção
dos alinhamentos e stractificações ; seus planaltos areientos e enormes
depósitos marinhos, que se estendem e agglomeram entre cordilheiras
completamente nuUificadas pelo sedimento que se accumulou nos seus
vallese montanhas que, quando mui to,deixam patente um flanco, erguido
(a) £* extraordinária a altitude dessas massas de agua em relação ao oceano. O
Mar-Morto está 427« abaixo do nivel do Mediterrâneo ; a sua saturação salina ó
de 23 o/o, isto é, oito vezes mais forte do que o commum ; parecendo indicar, como
bem o diz Privat Deschannels, no seu Cours de Physique, ser elle nao somente um
mar morto mas também um mar que se sécca. O Caspio está 18« abaixo do nivel
do mar de Âzoff.
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DA província de matto-oeosso 51
sobre valles de denudação, que também revelam vestígios da acção nep-
toniana.
Nas escarpas denudadas das serras da Taquara, Ricardo Franco,
Parecis, Tapirapuam, S. Jeronymo, Sellada, Cabelleiras, Azul, Roncador,
Dourados, dos Crystaes, etc., nos morrotes e penedos isolados e esparsos
pelo araxá, e notadamente na chapada do Guimarães, onde affectam as
mais bizarras formas, lê-se a passagem das aguas, nas cintas parallelas
e na corrosão das rochas, que seguem um plano uniforme, como se o lê
também nas faldas orientaes dos Andes. Nesses penedos, ordinariamente
de gneiss e grés compacto a stractificação é quasi horisontal : todos os
viajantes o attestam, e Weddell diz que : « — ^pendant des heures entières
on rencontre des pentes des rochers, dont les strates ont été taiUés en
biseau par Taction prolongée des courants, toujours dirigées vers le même
point. » (a)
A serra da Taquara, diz Castelnau (b), não parece ser outra cousa
mais do que os lados de um grande planalto de grés, cujos flancos tenham
sido batidos e rotos por um mar que outVora cobrisse o centro do Brasil.
O mesmo verificou, — e o confirma o illustrado autor da Bétraiie de
Laguna, o Sr. Dr. A. d^Escragnolle Taunay, nas serras da Cabelleira
em Goyaz, na de Maracajú,nos rochedos do Lageadinho em Matto-Grosso
e na denudação do Portão de Boma, dous massiços de grés argilloso,
cortados á pique e fronteiros, passando pelo meio uma estreita senda,
toda eriçada de lages e mattos : abertas praticadas pelas aguas em rochas
metamorphicas que formam systema com uma serie de morros que, em
differentes strias parallelas, marcam nas escarpas a altura do « lago
geológico que outr'ora aquella bacia encerrou. » (c)
(a) Expeditíon aux parties centrales de TAmerique du Sad, tomo 6, pag. 103.
(b) Item, tomo 2», pag. 247,
(c) Scenas de viagem, pag. 26.
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52 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Também escarvadas pelas aguas, por um processo análogo ao dos
sumidouros actuaes, parecem ser certas grutas ou galerias, como em
Goyaz o arco de quarenta metros de longo no arraial da Anta, e a ga-
leria que fica na estrada do arraial de Santa Eita para o porto do rio
Vermelho ; abobodado que alguns viajores, no dizer de Cunha Mattos,
hão comparado ás grutas do Pauzzilippo em Nápoles ; e que além da
estrada cobre ainda um ribeirão, resto sem duvida da grande corrente
que o produziu, (a)
o PortCio cie Roma.
(Desenho do Sr. Dr. Taunay )
Ha ainda um Índice nos lagos salgados, nos rios e lagos salobros, nos
savanas e pampas salitrados, onde o sal marinho reunido ao sulfato mag-
nesiano e ao carbonato de soda, surge á flux do solo, não só nas baixadas,
mas ainda nos planaltos, não só nos terrenos sêccos, mas também á beira
dos maiores rios; parecendo derivado de enormes depósitos subterrâneos,
que quando encharcados, na estação chuvosa, as aguas dissolvem e
levam comsigo, e ao seccarem depositam no solo: terrenos prenhes de
(a) Ghorographia histórica da província de Goyaz .
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Dl PROVINCU DE MATTO-GROSSO 53
sal, como o chão do Egypto e de outras regiões africanas, com a diífe-
rença única, mas notável, de que aqui são as verdes ondulações dos pam-
pas e lá os ardentes areiaes dos saháras.
São salitradas as margens do Paraguay, onde vastas salinas são
conhecidas perto do Olympo, no Chaco, e em Lambaré, na Assumpção, e
cujos saes dão noventa e dous por cento de chlorureto de sódio puro (a).
Nas provincias argentinas do Entre-Kios e Corrientes, e na republica
Oriental o leite das vaccas é nimiamente salgado, o que se explica pela
força salina dos campos de pácigo. Nas mesmas magestosas elevações
andinas encontram-se vastos depósitos de aguas salgadas, tanto como nos
plainos sujeitos ao alagamento, — em Santiago, Oruro, S. José; no Chile,
e no Perií, como nos pampas patagonios. O Titicaca^ lago de seiscentas
léguas quadradas, á quatro mil metros de elevação sobre o mar, é de agua
salobra. As salinas de Haaílaja, no Amazonas peruano, e as de Tarma
e Cerro dei Sol; as de Polia e Tarija, na Bolivia, do mesmo modo que
os Hatios de Caim e os savanas salsados dos pampas argentinos, vastos
repositórios desde as margens salitrosas do Pilcomayo até os confins da
Patagonia, — ainda o confirmam, tão bem como a presença dos fosseis
oceânicos nos pincaros e plainos da cordilheira.
Aqui em Matto-Grosso os barreiros, isto é, terrenos salitrados mui
buscados pelos animaes, e sitios sabidos dos caçadores para a espera e ca-
çada das antas, são mui communs. As salinas são tão geraes no planalto
como nos plainos alagadiços : abundam desde o Begistro do Jaurú até as
cabeceiras do Paragahú, sinão além ; e para o S. até os campos innunda-
dos da Uberaba.
São mais notáveis as salinas de Casalvasco, as das Mercês, do Al-
ia) Dagmiy—Rep. áel Paraguay, pag. 880.
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54 ESBOÇO CHOEOGRAPHICO
meida, e do Jaurú, todas n'uma estreita zona (a). Na primeira, em 1783,
o alferes Francisco Garcia Velho Paes de Camargo, n'um ligeiro ensaio,
tirou dous pratos de sal, n'uma decoada de dous alqueires em peso de
terras; e da ultima, no verão de 1790, o escrivão da camará Luiz Ferreira
Diniz, extraliiu muitos alqueires (b). As da Vargem Formosa, quatorze
léguas á SO. de Cuyabá, davam tanto e tão bom sal, que Luiz Pinto as
isentou de direitos (c); as de Cocaes e as de Noronha, entre aquella capital
e o rio Paraguay, descobertas em 1770 por Bernardo Lopes da Cunha (d),
eram muito copiosas.
As grutas calcareas das cercanias de S. Luiz de Cáceres, nas quaes
os bororós tinham suas necropolis — á julgar pelo numero de ca^nocis ahi
encontrados, são tão ricas de sal, que, ainda em 1849, delias se extra-
hiram e desceram para o Paraguay não menos de cem arrobas (e).
No mais alto do araxá, cerca talvez de um kilometro sobre o mar, ha
nas margens de Xacuruhina salinas tão abundantes, que, diz Eicardo
Franco, eram bastantes para o sortimento da provincia (f). As próprias
nascentes do Paraguay, descreve Southey — « são acres e salgadas, ainda
que extremamente crystallinas, cobrindo as margens de uma crosta espessa,
que dá as raizes das arvores a semelhança das rochas (g). » O mesmo se
(a) A primeira está na lat. 15» 42' 37",5, long. 16» 55' 20" ; a segunda aos
16» 12* lat., e long. 16o 37' ; a terceira, IG» 21' lat. e 15o long., e a ultima aos
16o 19' lat., sete léguas distante do Begistro.
(b) Enfermidades endémicas da capitania de Matto-Grosso, ms. do Dr. Ale-
xandre Rodrigues Ferreira, da Bib. Nac.
(c) Pisarro, Mem, Histor., t. 9-pag. 13.
(d) No manuscripto acima diz o Dr. Alexandre Ferreira que seu verdadeiro
nome era este, e nâo o de Luiz António de Noronha, com que se apresentava.
(e) Bel. do presidente de Matto-Grosso, coronel José Joaquim de Oliveira, 1850,
(f) Mem, Geogr. do Rio Tapajoz.
(g) Hist. do Brasil, trad. do Dr. Luiz de Castro, 1. 1— pag, 109 ; o Dr. António
Pires da Silva Pontes, n a sua Memoria Physico-geographica, de 29 de maio
de 1790» diz :~ttque nessas várzeas muitas arvores apresentam fortes incrustações
salinas no seu epiderma. »
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DA PROVINCU DE MITTO-GROSSO 55
dá na zona entre o Taquary e o Apa, onde a mór parte dos ribeiros e
regatos são salobros ; e no mesmo reino vegetal encontra-se o chlorureto
de sódio em algumas plantas, entre outras a palmeira carandá (copernicia
cerifera), da qual os indios do Rio Negro tiram fácil partido.
XI
E*, pois, mais que provável que essa enorme bacia entre os Andes e
o araxá matto-grossense seja um valle de denudação, formado pelas aguas
que ahi existiram; e que, abrindo vasantes ao iVl e á S,^ nos locaes mais
declives, escoaram-se, levando as terras em dissolução, e assignalando
pouco á pouco os leitos por onde, um dia, se derivassem as correntes, que,
de futuro, viriam substituir esses mediterrâneos, — cujos sangradouros
encontraram d'Orbigny (a) e Weddell (b) em varias partes da Bolivia. Os
calcareos e macignos, os concretos silico-ar^llosos, tão communs nessas
comarcas e que parecem coetâneos do periodo triassico ; os seixos rola-
dos, geleiras de Agassis ; os foramineos e outros fosseis maritimos, confir-
mando essa grande commoção terráquea, somente uma duvida poderiam
deixar : si foi ella quem trouxe o mar, si quem o levou. Estando, porém, re-
conhecido que o terreno andino é de formação mais recente que o do resto
do continente, no seu solevantamento está a explicação da retirada do me-
diterrâneo sul-americano. Outra hypothese implicaria um segundo cata-
clysma, que a sciencia repugna acceitar.
(a) Voyages dons VAmérique Meridional,
(b) E^edUion auxparties centrales de VAniériquedu Sud, t. 6, pag. 109.
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56 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Talvez que um dia ella, nesse ponto ainda indecisa, nos revele si a
America existiu, sempre, separada do resto do mundo pelos dous oceanos,
ou si delles emergiu ; — si foi, ou não, um sonho de Platão essa Atlantide
(até hoje um mytho de que somente Júlio Veme soube tirar partido),
cuja tradição nos conservaram os sacerdotes de Sais, e cujas florestas
ainda hoje Raynal reconhece no mundo de sargaços que cobre os mares
onde a situavana; — si a revolução que aniquilou de uma vez os mega-
therions e os masthodontes, cujos destroços apparecem agora nas cavernas
do valle de S. Francisco, no Paraguay, em Goyaz, em Matto-Grosso e nos
pampas argentinos, — foi a mesma que separou o antigo mundo do mundo
colombiano ; — si era o Atiantico que existia ou a Atlantide ; e si
os Açores, as Canárias e as Antilhas eram já ilhas ou apenas
os pontos culminantes de um vasto território, — quando o Sahára, os sa-
vanas da America do Norte, os pampas do sul, o vasto deserto de Cobi,
em meia Azia, os steppes da Bussia, os desertos gelados do Teheran, as
minas Wilistscha da Polónia, a região central de Temen e a bacia do
Helmend, tão fatal, ha pouco, aos inglezes da guerra afghanica — eram
caspios ainda não mudados em desertos por essa catastrophe que vasou
oceanos e submergiu continentes; e quando as ilhas britannicas eram um
espigão da França, e não existiam separadas a Hespanha de Marrocos e
a Dinamarca da Suécia (a); — si, finalmente, não foi dessa eversão
geológica que se originou o G^í^Z/^-zS/reaw, Amazonas sub-oceanico, cuja
corrente percorre uma ellipse de três mil léguas no periodo de quatro
annos ; que Maury explica pelo calor intertropical rarefazendo e deslo-
cando as aguas ; Carpenter e Arbusson pelo frio dos pólos que as toma
um meio mais denso, desloca as massas e determina essa corrente de
(a) Â. G. Moreau de Jonnés, coUoca a Atlantide no mar d' Azo ff ^ onde a sub-
mersão produzia os baixios do mar Pútrido, uos tempos em que os steppes russianos
ei ain oceanos e o estreito deYenicale as columnas de Hercules (VOcéan des andem
et lespeuples préhistoriques) , Sempre é uma opinião.
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DA província de mattckirosso 57
N. á S.; e que Humboldt, primeiro que cUes, explicou, quiçá mais acerta-
damente, pela circulação vertical das aguas do oceano, attrahidas pelas
correntes subterrâneas e levadas através das massas desses continentes
submergidos, o que ultimamente BogulausM comprovou, verificando que
as aguas do norte do Atlântico são mais quentes do que as do Pacifico,e as
do sul vice-versa, até a profundidade de mil e trezentos metros, sendo dahi
para baixo mais quentes.
Como quer que seja, a verdade ha de ser um dia sabida. Então a
sciencia decidirá si esses cadáveres cobertos de conchas, e por assim dizer
petrificados sob uma espessa camada de calcareo compacto, os antropo-
lithos colombianos, eram ou não homens das edades primitivas, eram ou
não habitantes dessa Atlantide de Platão. A geologia e a paleologia, já
tão adiantadas hoje, são, todavia, sciencias novas que, por assim dizer,
ainda rastejam. Mas hão de voar : tempos virão em que unidas á tanta
outra sciencia e arte novas, que os séculos vão creando, aperfeiçoando e
ensiiiando,com o invento de novos arcanos, demonstrem bem claro, — como
a luz meridiana, — o que foi o nosso continente em relação ao mundo
antigo : si produzido por commoções titânicas, si apenas o resultado dessa
demorada lei da precessão dos equinoxios, que necessita de quasi trinta
mil annos para completar sua revolução,aqual se opera de modo tão subtil
que o homem,enem ainda as geraçoes,guardam ideados phenomenos phy-
sicos que vão se desenrolando á seus olhos. Assim, o deslocamento dos
mares, aqui invadindo continentes, ali descobrindo outros, é phenomeno
que se nos desvenda ao estudo e a humanidade avalia, mas que o
homem não pode apreciar pela pequenez da sua vida, e a maneira demo-
rada e subtil dessas lides do oceano.
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58 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Em muitas das rochas da provinda, e notadamente nas lages das
cachoeiras do Mamoré e Madeira, vêm-se bellos e perfeitos espécimens
de rochas pyroides, trachytos que revelam sua origem ignea nos
rebordos ondulados, na apparencia vitrea e na superposição de camadas,
resultantes de uma substancia em fusão que se solidificou á maneira dos
metaes derretidos e espadanados em largos lençóes, ou melhor, á seme-
lhança do mel em ponto que, derramado sobre uma superfície lisa e
espraiando-se em rebordos ondulados e espessos, vae-se crystallisando e re-
cebendo novas camadas, que se superpõe e se extendem deixando com-
tudo, cada uma, reconhecer, nos rebordos disti netos, as que lhes ficam
inferiores.
Oí» Xniiés
Ao lado de dykes de elvan e diorito vêm-se rochas stratificadas de
origem neptuniana, que devem trazer nos detritos fosseis a indicação de
sua origem oceânica ; rochas metamorphicas e blocos de transporte que
comprovam, sem duvida, o facto daquellas duas evoluções geogenicas ;
rochas de sedimento, algumas de formação recente, devidas ao amal-
gama de seixos rolados, silicatos e argillas, foramineos e detritos vegetaes;
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DA província de matto-grosso 59
bancadas de calcareo dolomitico, de gneiss e de outras rochas, deixando
entrever as formações trachyticas; e, emfim, no meio desse magma chaotico
terrenos metamorphicos de natureza para mim entrincada,. que parece-
ram-me o producto de evoluções differentes, e tornaram-me difficil a de-
marcação de sua geogenia, que entretanto não parece ser das eras
neozoicas.
Trouxe commigo curiosos espécimens tirados das fendas das rochas
Ígneas, e de entre os blocos partidos e separados pelo choque da queda,
e cujos interstícios estão completamente tomados pelos veios daquelle
neoplasma. Si taes sedimentos são unicamente devidos á acção actual do
rio, nas suas enchentes, tudo o mais attesta uma acção remota, que im-
plica o trabalho neptuniano.
E' mais uma comprovação desse caspio americano, que si ainda exis-
tisse, seria uma fonte inapreciável de vida e civilisação para essas regiões
remotas ; as quaes, todavia, melhor aquinhoadas que as do velho mimdo,
—em circurastancias idênticas, tiveram em substituição essa extraordi-
nária rede de rios, caminhos que anâam^ e que ainda hoje são quasi que
as únicas estradas suas.
Ficaram-lhe o Tapajoz e o Xingu ao N,^ o Araguaja e o Tocantins,
á ií., o Gnaporé, Mamoré e Madeira, á O., todos indo ligar-se ao rei dos
rios ; e ao ^^ o Paraná e o Paraguay, que descem para o PratM. Artérias
do oceano que divididas e subdivididas em mil ramaes, uns já de ha
muito são perlustrados, outros jazem ainda á esj o: a que appareçam inte-
resses que reclamem o seu trafego.
Querem distinguir pelo nome de Tapajonia a região situada entre o
Tapajoz, o Xingu e o Amazonas ; Xingutania^ a entre o Xingu, o Ama-
zonas e o Tocantins ; e Taptraquia, a entre o Arinos e o Araguaya : nomes
de mero luxo, e que, não sabe-se porque olvido, não couberam também ás
outras duas regiões, quiçá as mais conhecidas : a que se delimita entre o
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60 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Guaporé, Madeira e o Arinos, e a do valle do Paraguay, as quaes por
motivo idêntico bem se poderiam denominar Parecinia e Paraguania, si
disso houvesse necessidade. A idéa é de Ayres do Casal, que foi o primeiro
ã dividir a capitania de Matto-Grosso em Cuyàbá, Juruhena, Arinos,
Tapiraquia, Bororonta e Camaptmnia, divisão á que o Sr. Cândido
Mendes ajuntou, com sobrada razão, a Cayapmim,
Serrcb de Alsbraocgú.
(Deseaho do Sr. Dr. Taanav).
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CAPITULO n
PfiiMgnpkn. Rios qne deseen das lerni doi Parecis, Tapirapum, Inl e DhigQei. O TapajoL O S. lanoeL
O Xinçi O Aragoaja. O Paraná. O Paraguaj. O Onaporé, NaBerée Madcin.
i les rivières sonf ães ché-
mhis qui marclieni, como
disse Pascal, nenhum paiz
do mundo, tendo menos
estradas abertas, tem mais
\im do que Matto-Grosso.
er praça de conhecimentos,
r os estudos e investigações
radores paulistas, á quem
lento de seus invios sertões,
aordinaria rede potamogra-
5 mais opulentas do globo ;
ícidas são em numero supe-
s se podem computar todas
da cordilheira dos Parecis
descem ao Madeira o Jacy-parand, o Muium-paraná e o Bibeirão de
S. José ; ao Mamoré o Pacas-novas^ ou melhor Pacahás-wwos^ do nome
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62 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
da tribu que ahi habitou,si é que não habita ainda; e ao Guaporé o Soterio^
os três Cautariós^ o S. Domingos eo S. Miguel ; sendo bem próximos os
nascedouros da maior parte delles.Mais para e diante descem o Candeias^
o CamaighuJnna e outras cabeceiras do Jamary,affluentedo Madeira, que
tém por contravertentes o S. Simão, o Meqtienes, o Catururinho^e o Co-
rumhidra (a), braços do Guaporé. Seguem-se, ainda, affluindo neste rio, o
Ttm^o ou Paredão, antigo Piolho; o Cahixy ou Rio Branco, contra-fontes
do rio Camararé, affluente do Juruhena ; o Qtmratiré ou Burity ; o Ga^
lera, contra-fontes do Juhina, cabeceira do Juruhena, que também é conhe-
cido por aquelle nome ; o Sararé, contra-vertentes do Juruhena pelos
riachos Bulha e Lages; o Gabriel Antunes; e por fim, no Alto da Serra, o
Guaporr, por quatro cabeceiras, Meneques, Lagoinha ou Ema, Sepultura
e Olho d'Agna, contra-vertentes do Juruhena ; o Piquihy e outras origens
do Janrú, e o Qwttrò Casas e as outras fontes do Juruhena.
Dos flancos da Tapirapuam descem para o X, o Saharríulmia e o
Tiirós, tributários do Juruhena ; o Sumidouro, o Parecis e o Preto, que
vão engrossar o Arinos ; e para o S, o Càbaçal, o Juhd e o Gerivdtuba^
cabeceiras do Sipotuha ; os ribeirões do Quilombo ou Negro, e do Amolar,
este das fontes doParaguay a mais septemtrional (14°, 10'); o Diamantino
o Rio do Ouro, o Brumado e o SanfAmia, que faz contra-vertentes com
e o Sumidouro; aquelles t}dos cabeceiras do Paraguay ; e emfim o Cocaes
e o Lagarto, cabeceiras occidentaes do Cuyabá. Mais á K., já nos come\*os
da Serra Azul, despenham-se o Estivado, origem principal do Arinos, e o
Tombador, do Cuyabá, do morro do mesmo nome á que Bossi dá uma
altitude de dous mil pés (b), separadas as duas correntes apenas por
(a) O verdadeiro nome é Corumbiará, como também o são Cantar iÓ9y Arinos ^
j4pá» XarT-uds.B aures, Matwhós, Muràt, PncaháSy etc, como os escreviam os anti-
gos, e não com a ultima syllaba breve, como o fazemos hoje. Luiz D'AUncourt es-
creve Caraimbiara.
(b) Bartolomé Bossi— Fia^g pinioresca en los rios Paraná, Paraguay , etc.
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DA província de matto-orosso 63
pouco mais de cem metros de terreno. Adiante separam-se as fontes do
Cuyabá das do Paranatinga ; e na serra de S. Lourenço as do rio deste
nome, pelo Tiquiniio, das do Manso^ subsidiário sinão principal curso do
Rio das Mortes^ rico tributário do Araguaya ; e as outras origens deste
grande rio das do Taquary, braço do Paraguay, que apparecem já no
parallelo 19**.
Para NE. o Tocantins e o Paraná recebem aguas, quasi que juntos,
no parallelo 16** ; e á E,, na extrema do (Uvorstim, descem em busca
do X. as correntes subsidiarias do rio S. Frattcisco, emquanto que
proseguem no rumo do oriente as do Paraná : partindo, assim,
quasi que de um mesmo sitio, aguas que vão saliir á meio da
costa atlântica, com o S. Francisco, que ali divide as províncias de Alagoas
e Sergipe ; — nas frias regiões do S. com o Paraná, que reunido ao Pa-
raguay è mais tarde ao Urugiwy, formam o vasto estuário do Rio da
Prata ; e lá no equador com o Tocantins, de quem é tributário o próprio
ri(Hnar^ o gigante Amazonas, que por dous de seus braços, o Tajipuni e
o Breves, manda-lhe seus raudaes.
Si bem que encachoeirados quasi todos os rios que correm no grande
araxá, a mór parte delles offerece, no emtanto, livre navegação em longos
tractos desempedidos de entraves, ora á meio de seus cursos, ora, e mais
geralmente, na porção inferior.
Ao Tapajoz com trezentos e trinta kiloms. (a); Xingii, com cento e
sessenta e cinco, desde Piranhacoára até a foz ; Araguaya, com mil e
(a) o Império Ao Brasil na escposição universal de Vienna^ 1873.
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64 ESBOÇO CHOROORAPHICO
quarenta (a); Alto-Tocantins, com mil duzentos e dezoito (a), dos quaes
trezentos do melhor transito, sendo cento e setenta e quatro desde a ci-
dade goyana da Boa Vista até a da Carolina, no Maranhão, e o resto
desde a villa da Imperatriz, nesta provincia, até a confluência ; e Baixo-
Tocantins, com duzentos e setenta e nove (a) : ajuntem-se o Mortes,
com cerca de oitocentos e com pouco mais de cem, cada um, o Tajyi'
rapé, o Crystallino, o Crixá, o Vertnelho, o Arinos, o Juruhe^ia, o Xacvr
ruhina e o Paranatinga, além da multidão dos outros subsidiários, todos
com longos espaços de curso livre.
Salto íluM Sete Qtt^da».
O Paraná, entre os saltos do Urnhupo^hgd e das Sete Quedas, offerece
seiscentos e sessenta Mloms. (b), com uma rede immensa de tributários,
quer na provincia mesmo, quer nas outras visinhas, caminhos dos
antigos sertanistas e primeiros exploradores ; sendo que só o Rio Grande
(a) o Sr. major Dr. A. de £. Taunay : A Provincia de Goyaz na exposição de
1873. O Império do Brasil na exposição de Vienna, 1873, consigna ao Araguaya mil
quinhentos e dezoito kiloms., e igual extensão ao Alto-Tocantins, dando seiscentos e
sessenta ao Baixo.
(b) O Império do Brasil na exposição universal de Vienna, 1873.
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DA província de MATTO-OROSSO 65
tem mil e trezentos, o Sapucaliy duzentos e quarenta e o Cabo-Verde
cento e oitenta kiloms. (a).
Na região baixa, que pelo lado de OSO, cerca a província, formando
as vastíssimas bacias do Paraguay e do Guaporé, póde-se dizer desimpe-
dida a navegação. Por aquelle sóbe-se á vapor até Herculanea^ Cuyabá,
Diamantino e Registro do Jaurú ; e em canoas até as ultimas fontes do
S. Lourenço, no Piquiry, até o porto da antiga fazenda de Camapuam,
até Nioac e até cabeceiras do Cuyabá. Seu curso é de cerca de dous mil
e quinhentos kiloms., mas a sua rede potaraographica é vinte vezes
maior.
O Guaporé e o Mamoré são francos n'uma extensão de mil e sete-
centos kiloms., á que se addiccionarão mais cinco mil e quinhentos das
dos seus afBuentes (b) ; e o Madeira, livre da região encachoeirada que
se prende ao Mamoré n'um percurso de trezentos e oitenta e oito kiloms.,
offerece, como o Paraguay da Gahyba para baixo, navegação aos navios de
(a) o Sr. senador Joaquim Floriano de Godoy ; A Província de S. Paulo
em 1873.
(b) O Império do Brasil na exposição de Vienna,
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66 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
maior calado por todo o resto de sua corrente, extensa de mil e duzentos
kiloms. (a), até entroncar-se no Amazonas. Dos seus afluentes, o Gypa-
raná tem cento e vinte, o Manicoré outros tantos, e o Aripímná mais de
duzentos. Ligada á rede amazonica, que se pode computar em cincoenta á
sessenta mil kiloms., não será exagerado o computo de dez á doze mil my-
riametros para a rede potamographica da provincia de Matto-Grosso.
Os engenheiros do fim do século passado calcularam em doze mil
léguas quadradas, de vinte ao gi'au, a bacia do Guaporé, isto é, o terri-
tório regado pelos seus affluentes ; em quarenta e quatro mil a do Ma-
deira ; e em oito mil cada uma das do Beni e Mamoré. Inferiores á estas
não são as do Taj ajoz e do Xingu : as do Araguaya e Paraná, e a do Pa-
raguay, só cedtni cm grandeza á do Amazoiuis, que por si só representa
quasi melado da srporficie de Ma a America Mmdional.
II
o TAPAJOZ
O TAPAJOZ, corruptela de Tnjayú-parnvfí dos aborígenes, cha-
mou-se também Paraml-y/kinha', nomes equivalentes á rioncgrOy deno-
minação que os Índios dão ás coiTentes de aguas não barrentas, e que
muitas vezes, sendo crystallinas, apresentam-se negras pela sua grande
profundidade. E' um dos maiores rios da America, formado pela con-
fluência de dous grandes cursos, o Arinos e o Jnmliena, cada qual de
mais de cem léguas de longo (b). Suas mais remotas origens estão no
(a) O Império do Brasil na exposição de Vienna,
(b) Parece-me, mas não aíDanço, que o iUustrndo Sr. barão de Melgaço faz o.
Tapnjoz continuaçào do S. Manoel e do Juruhena, de quem o Arinos será afflaente
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DA província de matto-grosso 67
EsiwadOy formador do Arinos, nascido no morro do Buritysinho (a), da
serra Azul, onde suas aguas se dividem das do Paranatinga, que deslisa
para o N., das do Tombaãor, cabeceira do Cuyabá, á SE. e das do Dia-
mantino, que, em rumo de SO., descem para o Paraguay.
Assim, desse ponto do araxá, no extremo S. da serra Azul, partem,
quasi juntas, quatro cabeceiras para outros tantos rumos oppostos.
Segundo Bicardo Franco (b), das origens principaes do Arinos fica
uma, que é o Estivado, nove léguas á E. de Cuyabá, e a outra, que é o
Bio Negro, á quasi egual distancia, em rumo opposto, nascendo o Cuyabá
no chàpadão que fica no angulo formado por essas duas nascentes, ter-
reno coberto de densa mattaria de soberbos madeiros, abundantíssima
em caça, do mesmo modo que mui piscosas as aguas dahi.
Faz distar a margem do Bio Negro (c) apenas uma légua da mais
septemtrional cabeceira do Paraguay, que é a do Diamantino: segue elle
muito pedregoso n'um tracto de umas trinta léguas, rumo N.j mas com
uma só cachoeira. Quasi á meio de seu curso recebe pela direita o ribeirão
de SanfAnfia.onde em 1734. o sargento-mór de ordenanças António Fer-
nandes de Abreu descobriu as minas dessa denominação, defesas dentro
em pouco de serem lavradas, por também serem diamantinas. Na mar-
gem oriental do Arinos, fronteira á foz do Bio Negro, ficavam as minas de
Santa Isabel^ descobertas em 1745 pelos filhos do mestre de campo
António de Almeida Falcão, morador no arraial de S. Francisco Xavier.
Povoadas com rápido incremento pela sofiPreguidão desse povo de aventu-
E* o que parece deduEir*se de suas conclusões na Mem, publicada pelo Instituto
Histórico, na Revista Trimensal de 1867. 2» tomo.
(a) No sitio de S, José, pertencente ao capitão-mór da villa do Diamantino,
diz Luiz D'AlÍQCOurt, no seu Resumo de observações esiatisticas desde Cuyabá ao
Diamantino, 1826.
(b) Memoria çeographica do rio Tapajós, Ms. de 1799.
(c) Ou Rio Preto, como outros erradamente dizem ; nome este que deve ser
reservado para o ribeirão que faz cabeceiras ao Paraguay.
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68 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
reiros, e já florescente o seu arraial, foi quasi totalmente destruido pelos
assaltos e depredações dos apiacás, tribu vizinha, e em seguida pela fome,
misérias e enfermidades, cortejo de males inseparável das minas, onde a
insana avidez do ouro fazia os garimpeiros, só cuidadosos em buscal-o,
esquecerem-se insensatamente das mais simples noções da vida, não plan-
tando nem provendo-se de meios necessários de subsistência. A fabulosa
riqueza das minas descobertas no Alio Faragumj do Diamantino acabou
de despovoar Santa Isabel, chamando para lá o resto dos seus minerar
dores, como já tinha attrahido os de SanfAnna.
Ainda ha poucos annos existia o chamado Arraial Velho, entre o
S. José e o Sumidouro, algumas léguas a])aixo do Kio Negro.
O Arinos tem por principaes braços : o Negro, o S. José, (de vinte e
seis metros de boca) o Sumidouro, S. Cosme e Damião, S, Wenceslau ou
Tapanhuna, S. Miguel e S. Francisco, na margem direita ; e o Parecis,
Sararé e Alegre, na opposta; todos rios demais de vinte metros de
largura ao se lhe entroncarem. Delles: O Sumidmiro foi descoberto
por João de Souza e Azevedo, em 1746, de uma maneira que
bem claro manifesta o espirito audacioso desses sertanistas (a), e
(a) Nào sendo conhecido geralmente o roteiro dessa viagem,aqui se o transcreve,
podendo se por elle avaliar o que havia de audácia e temeridade no espirito empre-
hendedor daquelles aventureiros. O original, « escripio segundo a narração de Aze-
vedo,i>áonáe foi copiado, pertence ao Sr.general barão daPenha,possuidor de alguns
bons manuscriptos que pertenceram á seu parente o capitao-general Caetano Pinto
de Miranda Montenegro, mais tarde marquez da Yilla Real da Praia Grande.
Eil-o {Sic) :
(c Noticia da viagem de João de Souza de Azevedo.
1.
« No dia 4 de agosto de 1746 sahio da caxoeira grande do Jaurú, com 6 canoas
carregadas com 490 alqueires de mantimentos e ÕS pessoas, em cujo numero entra-
vam 32 escravos seus.
2.
« Descendo o dito rio, e subindo o Paraguay até a foz do Sipotuba, entrou por
este, e passados doze dias de navegação trabalhosa, por causa das correntes e ser o
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DA PROVINCU DE MATTOOROSSO 69
que assim o denominou por vêl-o cinco vezes esconder-se sob
no lageado, chegou à hum salto como o do Itapura no Tieié,onde varou a canoa por
curto espaço, e mais adiante achou outio semelhante varadouro.
3.
« Seguio viagem sempre por infinitas caxoeiras até chegar á hum salto grande
que teria huns cem palmos de altura.no qual varou »s embarcações por hum morro
acima muito á pique, cousa de 200 braças ; e por baixo do salto entra pela parte
esquerda hum ribeirão grande. Seguio se hua grande caxoeira é esta, dous dias de
boa navegação, outro ribeirão grande, de canoa, da mesma parte esquerda, bastantes
dias de trabalho com os páos que embaraçavam o rio. até chegar à primeira for-
quilha que elle faz.
4.
« Entrou pelo braço esquerdo e cortando páos e perseguido de violentos marim-
bondos á que chamam paragoazes, chegou á hum salto como o do Goráo, no Rio
Pardo, com 200 braças de bom varadouro. Continuou a viagem até rematar esse
braço na segunda forquilha, e os braços que a formam ambos se despenham neste
logar de mais de COO palmos de altura.
5.
« Daqui varou as canoas para as contravertentes do Sumidouro por distancia de
três léguas, subindo hua grande s rra, passando grandes concavidades, fazendo
grandes girdos (*:, e nestas ásperas fadigas gastaria 50 dias para descer esta difficil
passagem (*').
6.
« Depois de concertar as canoas que chegaram muito destroçadas, rodou-se no
dia 26 de outubro pelo dito Sumidouro,que é muito mais largo que oSartgtiesuga (*••)
6 com o quádruplo de aguas, porém tão embaraçado de páos que era preciso de
gente adiante abrindo caminho, e muitas vezes em l e 2 horas de navegação o que
se tinha aberto em 3 e 4 dias. £* o rio muito violento com caxoeiras e saltos, em que
abrio cinco varadouros, e o ultimo de légua de comprido. Neste espaço é que o rio
se some cinco vezes ; e logo para baixo topou a ponte e passagem dos moradores de
Matto Grosso, donde até chegar ao Arinos gastou somente hum dia com que com-
pletou 50 no referido Sumidouro.
7.
c Empregando 3 dias em acondicionar o mantimento, seguio viagem pelo sobre-
dito Arinos no dia 19 de dezembro. Aos 3 dias de navegação topou da parte direita
hua pequena ribeira, porém, capaz de canoa; ficando da esquerda duas barras mais
(*) Nome dado ora á pequenas e ligeiras pontes que construíam sobre as falhas
do terreno, ora ás estivas que no solo pedregoso e irregular faziam para facilitar o
varadouro e escorregamento das canoas. Disso proveiu o nome da cachoeira do
Girau, uma das do Madeira. (N. do autor).
(**) No original a traça destruiu completamente o algarismo das unidades; sup-
prio pelo zero para ao menos conservar o valor das dezenas. (N. do autor).
(•*•) Affluente do Rio Pardo, braço do Tietê. (N. do autor).
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70 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
outros tantos tunneis subterrâneos; tunneis que bem attestam a natu-
pequenas, em cuja passagem é o Reino dos Apiacás, que atravessou em perio de 3
dias. Âo quinto entrou á passar infinitas caxoeiras, todas caudalosas, e contava já
doze passadas no dia 36 do mez de dezembro, do qual procede o seu roteiro indivi-
duando todos os dias.
8.
CÂX0KIRA8.
cr No dia 27 entrou por outras cordas de serranias, muitas ilhas e pe- 12
dras altas, pelo rio, passou 2 caxoeiras muito caudalosas, hum riacho da 2
parte direita,e a sua gente lhe disse que da mesma banda vira hua grande
barra.
9.
« Â' 28 navegou por entre ilhas, e pelas 9 horas da manha topou a barra
de hum rio que entrava pela e8querda,maior do que o que hia navegando, o
qual despejava suas aguas por 4 boqueirões; e olhando daquelle logar vè-se
hua corda de serras que atravessa o mesmo rio. Julga elle ser este o Juru-
hena e Juhina, e depois da sua juncção vèm-se da direita ilhotas e pedras 1
altas, logo hua caxoeira e mais abaixo 3 ilhas que repartem o rio em 4 ca-
naes £ncontra-se mais 3 barras pequenas perto buas das outras e hua
orrenda caxoeira. 1
10.
« No dia 2 ) e 30 muitas ilhas e correntesas e o rio cheio de pedras. No
primeiro passou uma barreia pequena, e no segundo uma grande caxoeira. 1
11.
<« No ultimo de dezembro encontrou muita rancharia de gentio, e o rio
corre por entre morros, com grandes mattos e terras, e muitas ilhas. Aqui
forma hum meio salto e a corrente vai emparedada em largura de 8 braças,
com tal violência, rebojos e Ímpetos, que submergiria a minha embarcação. 1
Por cima deste salto entra hum rio que na barra mostra ser'pequeno;porém,
mandando por elle asima, dizem que é largo, e suppôe ser o Bacairy.
12.
ff No dia |o de janeiro falhou para abrir varadouro muito custoso, por
entre rochedos, com subidas e descidas, o qual compara com o Àvanhadava
do Tietê. Naquelle lugar faz o gentio grande assistência á pescar e tirar
pedras para os seus machados que os tem excellentes.
13.
« No dia 2 passou as canoas, e no dia 3 carregou-as e seguio viagem
em navegação perigosa e embaraçada, com seis caxoeiras, e duas destas 6
muito violentas, ficando por cima de um salto, que compara com o de Ita- 1
pura no Tietê.
14.
ff No dia 4 começou á abrir o varadouro, o que lhe custou acertar, e te-
ria mil braças de comprido. No dia 5 e 6 concluio esse trabalho, passou as
canoas e ficou pela parte de baixo do dito salto. Desde 7 até 16 esteve fa-
lhado por causa da muita enfermidade em toda a comitiva.
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DA província BE MATTO-GROSSO 71
reza cretácea do solo em certo local próximo á entrada do matio
\b.
« Partio DO dia 17, e desde este dia até 25 do mesmo mez foi a navega-
ção muito trabalhosa e arriscada, por causa das muitas e perigosas caxoei-
ras e saltos, correntes e páos atravessados, estreitando alli o rio com as
morrarías e penhascos que o bordam. Âs caxoeiras que passou foram qua-
torze, e neste numero três saltos, descarrego u-se sete vezes as canoas e 14
quatro vezes foram varadas, não o podendo fazer mais vezes pelos roche-
dos que emparedam o rio o não permittirem, de sorte que se abalançou á
alguns canaes por não poder levar as embarcações por terra. No referido
dia 25 passou a barra de hum ribeirão que teria 4 braças, e logo abaixo ou-
tro mais pequeno, tornando desde aquelle logar a ser largo o leito do rio
como era antes de entrar nos sobreditos saltos e caxoeiras.
IG.
« No dia 26 e 37 era o rio bom, e neste segundo dia passou, á direita,
por hua barra muito grande, que julga ser do Rio Grande de S. João; mais -
abaixo outra, não grande, e logo outra mais pequena, e hua iiha^n pe-
draria.
17.
« No ô^ 28 era o rio pouco limpo, com currentesa e hua cuxoeirat que 1
teria meia ^gua de comprida. Nos dias 29, 30 e 31 de janeiro u V» de feve-
reiro tornou 4 ser o rio de boa navegação.
18.
«r No dia 2 de fevereiro topou hua caixoeira, onde descarregou e varou 1
as canoas meia légua mais abaixo ; outra que passou o canal no dia 3. O no 1
é ahi violento, e diz terá hua légua de largura, e que hia navegando por en-
tre morrarias, ilhotas, pedras e paredões na beira do mesmo rio.
19.
« Nos dias 4, 5 e 6 era o rio limpo. No primeiro entrava pela esquerda
bum rio não pequeno, e duas voltas mai^i abaixo, pela direita, hum riacho
grande. No segundo dia passou por hua barra grande, e com agua suja
que vinha da direita. No terceiro hia por eatre grandes serrania^t.
20.
a No dia 7 navegou por entre morrarias, e logo chegou a hua ca-
xoeira de baixos e correntesas, com 2 boas léguas de comprida, aonde topou 1
hua canoa carregada de gentio,que se pòz em fuga por hum ribeirão acima.
Abaixo encontrou outra canoa rodada também de gentio, mas que mostrava
ser feita com ferramenta nossa, e mais abaixo uma caxoeira, defronte da 1
qual estava um morro em meio do rio.
21.
« No dia 8, navegando por meio de morrarias, boas campanhas para
proeurar o ouro, seus campestres e rio d^ ruim navegação com 2 resacadas
á direita. A 9 topou hua caxoeira ou entaipaba^ muito comprida, que lhe . 1
levou á passar todo esse dia e o seguinte, no qual vio vestígios de brancos.
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72 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
grosso (a) umas dez á doze léguas afastado do Arinos; atacado e dissol-
vido pelas aguas em processo idêntico aos das cavernas, resistindo so-
mente a crosta, de formação menos sujeita, ou isenta, á acção demolidora
do tempo e das aguas.
Os" outros conservam as denominações que lhes deram os explora-
dores de 1812, Castro e Thomé da França.
S?uniidourc>, Itai'aré <lo» imlios.
E' O Arinos uma corrente de mais de 500 kiloms., não muito enca-
(í No dia 11 e 12 navegou por hum rio, mas mui^o largo o com gramies
ondas; a largura, diz, será de légua e meia. e neste ultimo dia avistou,
pelas 3 horas da tarde, hua canoa que se póz em fugida, e elle em segui-
mento delia até que a alcançou junto da noite. Eram Índios mansos d^s
missõeti dos jesuítas; e no dia 14, pelas 7 da manha, chegou á primeira, de-
nominada de S. José, da parte esquerda(') á quem desce o rio, e onde falhou
até o dia 15. A' 16 passou para a margem direita, a qual, diz, distará da ou-
tra duas léguas, e no dia IS chegou á segunda missão da mesma banda di-
reita, aonde existe a fortaleza de Tapajoz, tendo já o rio em partes 6 para 7
léguas de largura. »
45
(*) A mesma de S. José de Matapús acima nomeada.
(iV. áoA.)
(a) Extensa floresta que se estende desde o norte de Goyaz até as cabeceiras do
Guaporé, mas cuja largura varia entre nove á doze léguas. Delia ó que tir ou nome
a província.
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DA província de matto-grosso 73
choeirada, nem insuperáveis as suas cachoeiras (a). Como em todos os
grandes rios, que correm nesta vasta região da chapada matto-grossense, o
espaço encachoeirado é de cerca de setenta léguas, o que revela um mas-
siço de rochas crystallinas de egual potencia, que atravessa a região, sotor
posto ás terras de alluvião do planalto.
O outro grande braço do Tapajoz é o Juruhena : desce no parallelo
14'* 42' 30," do planalto dos Parecis, em contravertentes com o Guaporé,
que lhe fica duas léguas ao oriente, e com o Sararé, uma légua ao occi-
dente, e â vinte, mais ou menos, da cidade de Matto-Grosso. A' poucos
passos de suas nascentes corre já com uma profimdidade de uns quatro
metros (b), mas estreito e assemelhado á uma valia. Duas léguas mais
abaixo, e logo após a sua primeira e maior cachoeira, apresenta-se com
uma largura de trinta metros e grande profundidade ; correndo com Ím-
peto pelas fortes declividades do solo.
Seu curso é pouco maior do que o do Arinos, porém menos potente
em aguas. E' pedregoso e semeiado de entaipabas^ que, todavia, não lhe
impedem completamente a navegação, visto que o sábio autor da Descrip-
rão geoíjraphica da capitania ãe Matto-Grosso dá-o por navegável
até duas léguas abaixo daquella sua primeira e grande cachoeira. Segimdo
elle, seu curso é de cem á cento e vinte léguas.
Tem por cabeceiras mais remotas e conhecidas :
1.° O Sucury^ seu visinho em origens, as quaes demoram á distancia
egual ás do Sararé. Com dous kilometros de curso já tem quatro metros
de largo e três de fundo. 2.* O Ema, ribeirão que lhe cahe por NE.i
(a) « A extensSo do Arinos regula em cem léguas, nào sendo suas cachoeiras
nem muitas nem insuperáveis, a Ob. cit.
(b) Mem. geog. do rio Tapajoz,
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74 esboço' chorographico
cerca de uma legiia ao oriente das primeiras cabeceiras do Galera, que
talvez serão as do Qvafro-Casas , do Mappa geographico âo rio
^í*aj>or^, feito em 1792 pelos engenheiros Ricardo Franco e Joaquim
José Ferreira.
São seus braços principaes, á direita :
1." O Turvo,
2." O Xarurnlmia, ultimo subsidiário importante doArinos,queo
recebe na margem occidental, poucas léguas acima da sua confluência com
o Juruhena. Nasce n um esporão da Tapirapuam, cerca de doze léguas ao
norte das vertentes do Jaurú, e corre sempre para o septemtrião. Na sua
borda esquerda ha vastos terrenos fortemente salitrados, notando-se uma
lagoa salgada e abundantes salinas, sufi&cientes, diz o engenheiro Ricardo
Franco (a) para o abastecimento da província.
E á esquerda :
1." O JuJma, contravertentes com o Sipotuba, que por sua vez tem
contravertentes com o Galera. Alguns cartographos suppôem ser este o
tronco do Juruhena e conservam-lhe aquelle nome.
2." O Canmraré^ formado pelos nos Branco e Paranan em contra-
fontes com o Corumbiara, o Cabixy e ainda o Galera, todos braços do
Guaporé ; e com o Jamary, braço do Madeira, que segue em rumo de noro-
este. Partem todos da chapada dos Parecis, na região onde a serra se ra-
mifica para o sei)temtrião sob o nome de cordilheira do Norte. Nestas
paragens existiram as celebres minas do Urucumacuam,, descobertas em
1757 e depois perdidas como a dos Martyrios em vão buscadas poste
riormente. O capitão-general Luiz de Albuquerque foi um dos que mais
se interessaram pela busca dessas minas; e de novo fez explorar seus sertões
no correr dos annos de 1776 e 1779 : nada, porém, descobriu-se. Sabe-se,
(a^ Mem. geog, do rio Tapajós,
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DA província de matto-grosso 75
todavia, que os jesuítas do Madeira subiam o Jamary, varavam duas
grandes cachoeiras, exploravam, e, segundo as lendas, extrahiam muito
ouro das cabeceiras deste rio.
I^orroa do Tapajoz.
3.** O Juhma-nierim^ que vae sahir no Juruhena cerca de cincoenta
kiloms. abaixo do outro Juliina.
E' pouco mais ou menos no parallelo 9** 30' e meridiano 14*» 30' que
o Juruhena e o Arinos reunem-se, e descem com o nome de Tapajoz, n*um
tracto de mais de mil e trezentos kiloms. (a), dos quaes trezentos e trinta
navegáveis, desde o Amazonas, onde sua foz é aos 2'' 25' de lat. e 11*27*29''
de long.
Ricardo Franco, ao descrevel-o, cita como dignos de nota cinco
morros altos e isolados que se encontram á meio rio, espalhados n'um
trecho de oitenta e quatro léguas, sendo o primeiro na foz do Três Barras
e o ultimo na cachoeira do Tracod,
Da foz do Juruhena em diante recebe, á direita : Três Irmãos,
SanfAnna, S. Joaquim e S. João, aquelles de mais de vinte metros de
(a) 285 léguas dá António Thomé, no seu Roteiro.
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76 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
largura e este com perto de setenta ; S. Thonié, de egual largura,
Almas^ S, Manoel, de que adiante fallar-se-ha ; Bons Signacs, Cre-
poré, Jaguahy, Tapacorá ; e á esquerda: S. Martinho e Tracoá.
Seu salto mais notável é o Salto Augusto, de cerca de 20
metros de altura, n'um contraforte da serra dos Apiacds. Conside-
rado como um ponto conveniente para auxilio dos navegantes e reparo de
suas forças, foi ahi estabelecido um destacamento e aldeia de indios Apia-
cás, em 1809, por ordem do capitão-general João Carlos Augusto de Oye-
nhausen Gravensburg, em honra de quem recebeu o nome, do mesmo
modo que outras duas cachoeiras entre elle e o Arinos, as de *S^. João e
S. Carlos, Magessi, o ultimo capitão-general, mandou repovoal-o em 1815;
e ainda esse posto por varias vezes soffreu renovações, em consequência de
depredações dos selvagens e destroçamento da povoação. Abandonado pela
ultima vez em 1845, foi novamente restabelecido ha poucos annos, con-
servando-se ainda hoje, ahi, um pequeno destacamento.
Azevedo, o descobridor da navegação do Tapajoz, ao chegar á Belém
foi logo chamado pelo governador Francisco Pedro de Alencar Gurjào, no
collegio dos jesuitas, onde não só deu conta da sua extraordinária viagem,
como também dos descobrimentos e minas do Matto-Grosso (a).
Segundo o padre Manoel da Motta (b), já cinco annos antes da
descida do Tapajoz por Azevedo, descera por elle o madeirense Leonardo
de Oliveira, que em agosto de 1742 chegara á aldeia de S. José dos Ma-
tapús (c), na boca daquelle rio.
(a) Pizarro, Mem. Hist.^i. 9. Baena, Compendio das eras da provinda do
Pará,
(b) V. Chorographia Historicay do Sr. Dr. MeUo Moraes, tomo 3», pag. 488*
(c) Fundada em 1722 pelo missionário João da Gama.
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DA província de matto-grosso 77
Ainda hoje a navegação do Tapajoz é quasi nulla acima das
cachoeiras. Entretanto, á crêr-se Baena, já em 1753 por elle transi-
tou António Villela do Amaral, trazendo de sua exploração alguma
qnina (a).
João Viegas, passa por ser o primeiro que o subiu, nos fim do século
passado ; e desde 1804 que o capitão general Manoel Carlos de Abreu e
Menezes (b), e depois seu successor Oyenhausen, trataram de exploral-o
em bem do commercio; não obtendo resultados pelos muitos tropeços que
encontraram, não só dos que a natureza lhes antepunha, como ainda dos
que lhes traziam as aggressões dos indios, por tal sorte, que era quatro
annos morreram quatrocentos homens dessas frotas, de fome, miséria,
naufrágio ou das flechas dos selvagens. A primeira expedição foi capita-
neada pelo forriel Manoel Gomes, que sahiu á 5 de julho de Cuyabá, e á 13
de setembro chegava á Santarém, dando em 8 de outubro a informação
seguinte : « As cachoeiras e saltos são muito trabalhosos, os varadouros
muito custosos em algumas partes, por causa das muitas pedras e covan-
cos Logo conheci que semelhante caminho não servia para os
fins que V. Ex. desejava » (c)
A 14 de setembro de 1812, partiu do porto do Rio Negro, á quatro
léguas do arraial do Diamantino (d), uma expedição dirigida por Miguel
João de Castro (e), e tendo por piloto António Thomé da França, que á 27
de novembro aportava em Santarém, donde voltou conduzindo géneros de
commercio. Grastou de Itaituha, ultima povoação paraense, setenta dias
ao Salto Augusto, e dahi quarenta áquelle porto do Rio Negro, tendo na
(a) Compendio das eras da provinda do Pard.
(b) Em 1805, diz o presidente Herculano F. Panna, no seu relatório de 1862.
Menezes, falleceu à 8 de novembro desse anno.
(c) Relat. de 1862 do presidente Herculano Penna.
(d) Oito léguas, segundo o Sr. Couto de Magalhães.
(e) Fallecea em uma segunda exploração na cachoeira de S. João da Barra,
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78 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
descida gasto, apenas, setenta e cinco. António Thomé, no seu roteiro,
marca as seguintes distancias :
Do porto do Rio Negro ao Arinos .... 5 léguas
Dessa confluência á do Sumidouro. ... 25 »
Dahi ao Juruhena 70 »
100
Havendo nesse percurso seis pequenas cacho-
eiras e alguns recifes e baixios. Da conflu-
ência do Juruhena ao Salto Augusto, com
7 cachoeiras 40
Do Salto á cachoeira de Gibraltar (ca-
choeiras 11) 15
Dahi á confluência do S. Manoel, ou Três
Barras (1 cachoeira) 20
Dahi á Itaituba (9 cachoeiras) 95
Total (cachoeiras 34) . . 270
De Itaituba á Santarém 65
E dessa cidade á Belém 165
Somma 500
Desde então que a navegação do Tapajoz tem sido algumas vezes ten-
tada, mesmo pelo governo, que ahi fez subir até canhões de calibres 6 e 9.
Por quatro varadouros tem-se buscado facilital-a : o primeiro, — que fora
aberto por Azevedo e abandonado por sua extensão de quasi três léguas e o
difficilimo transito do Sumidouro; o segundo, aberto em 1814, pelo capi-
tão Bento Pires de Miranda,desde o Rio Negro até o dos iVô6r^,cabeceira
do Cuyabá, por onde fez varar igarités vindas do Pará, apezar de ser de
quasi sete léguas o varadouro e de trinta e quatro a distancia à capital ;
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DA província de matto-grosso 70
o terceiro, aberto em 1820 pelo tenente de milicianos António Peixoto de
Azevedo, que no anno anterior percorrera o Paranatinga até a foz do
S. Manoel : foi elle quem conduziu pelo Arinos e Eio Negro os quatro
canhões, que dali varou para o rio SanfAnna e deste para o Paraguay,
levando-os ã ViUa Maria ; o quarto, finalmente, é o que em 1846 abriu
José Alves Ribeiro, de um porto no Arinos acima do Rio Negro, ao lugar
do Baixio, entre o Salto e a foz do Manso, trinta e oito léguas acima de
Cuyabá.
Não se deve omittir que,tambem, em 1827 explorou este rio o conse-
lheiro russiano LangsdorfiF, em commissáo scientifica por parte do seu
governo ; e ultimamente, em 1871, os engenheiros António Manoel Gon-
salves Tocantins e Julião Honorato Correia de Miranda, commissionados
pela presidência do Pará, com o suspirado fim de' abrir communicações
com Matto-Grosso.
S»lto A.u|pAsto
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80 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
III
O rio dfi 5. Manoel^ das Três Barras^ ou Paranatingay limite, em
quasi todo o seu curso, da provineia com a do Pará, desce da serra dos Ba-
cauhyris, ramal da Serra Azul, e em rumo de nornoroeste vae cahir no Ta-
pajoz, com uma corrente de cerca de mil á mil e duzentos kilometros, perto
do Salto Augusto — a 7/orr^wí7flí cachoeira de que falia Azevedo no seu roteiro,
junto ás fraldas da chamada Serra Morena^ e logo abaixo de um pequeno ri.
beiro, o rio do Ouro, descoberto e designado por aquelle explorador. D^Alin-
court dá-lhe cento e oitenta e nove léguas, desde o porto de S. Francisco até
a foz. Foi descoberto por Azevedo em 31 de dezembro de 1746, e notado
no seu roteiro com os nomes de Bacauhyris ou Três Barras. Ricardo
Franco, delle não falia determinadamente na sua Memoria geographica
do rio Tapajoz, que escreveu por comhinadas informações qus desse
rio adquiriu^ e que por isso mesmo é dos seus trabalhos o que mais carece
de interesse ; mas do roteiro de Azevedo comprehendeu que fosse a foz
desse rio a que fica no lugar chamado Três Illms^ á dous e meio dias de
viagem abaixo da foz do rio Branco, no Tapajoz, sitio onde se achava
í( o quinto e alto monte coUocado no centro do largo alveo do rio com
uma pequena ilha de cada lado; não deixando de ser rara circumstan-
cia essa de ter o Tapajoz cinco altos montes situados no meio do sou largo
e caudaloso leito, e á muitas léguas de distancia entre si. » Passam por
• auríferas as suas margens. Nos sertões, onde tem as vertentes, coUocava o
Ánhanguêra as fabulosas minas dos Martyrios, ainda agora em vão bus-
cadas. Duas léguas abaixo da sua foz encontrou Azevedo ouro em um
riacho, que desse invento recebeu o nome.
O Parftnaiinga. Seu principal affluente, sinão o curso principal, é o
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DA província de mattogrosso 81
Paranatinga, Rio Branco ou Paraupéba (a), que muito tempo se suppôz
e ainda ha bem pouco tempo os cartographos davam como tributário do
Xingú(b). Nascem suas cabeceiras nas serras Azul e do Roncador, em con-
travertentes com o Arinos, o Manso e o Cuyabá. Tem por tributários al-
guns grossos cabedaes de aguas, designados sob os nomes de rios da Jan-
gada e dos Bois, que lhe entram pela margem direita e Trubario, dos
Pam, Barubd, Trahiras e Bacauhyris, pela esquerda.
Já em 1771 o capitão-general Luiz Pinto, approvando um projecto
da camará de Cuyabá de fundar-se um povoado nas suas margens, recom-
mendára-lhe visse de que rio era tributário. De ordem de Magessi, ultimo
capitão-general, desceu por elle em 1819 o segundo tenente de milicianos
António Peixoto de Azevedo, que á 26 de julho sahiu da capital e á 20
de agosto do porto de S. Francisco de Paula, á que deu tal nome por
ser o de Magessi, do mesmo modo que baptisou com os de Magessi e Tor
vares dons dos principaes saltos, que encontrou no rio.
Gastou sessenta e sete dias nessa exploração, e lutando com im-
mensas difficuldades, como cachoeiras, baixios e indios bravos, chegou á
foz do S. Manoel, subindo então pelo Juruhena.
Na mesma época percorreu-o também o forriel Joaquim Ferreira
Nhandú, que deu noticia de dous outros grandes saltos, um de duas e
outro de vinte braças de altura.
O illustrado Sr. barão de Melgaço foi o primeiro á tratar de restabe-
lecer essa verdade geographica, nas suas Observações d carta geogror
phica da província de Matto-Grosso, publicadas na Revista do Instituto
Histórico, tomo XXV, pag. 346.
(a) Este nome dão também ao Tocantias alguns autores, sem duvida por con-
fusão. O capitão-mór António Pires de Oampos, um dos primeiros sertanistas que
por ahi exploraram, assim o chamou ; o que consta do roteiro dado ao capitão An-
tónio Rodrigues Villares, para buscar as minas dos Arayés.
(b) O atlas do Sr. Cândido Mendes, ora o dá como affluente do Xingu, nas cartas
geraes, ora como do S. Manoel, já na do Pará.
11
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82 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
IV
O Xipffit é x\m dos rios brasileiros menoa conhecidos, e sobre cujas
origens mais duvidas existem. Fazia-se-o provir desde o parallelo 15', em
contravertentes com o rio das Jangaâaa^ cabeceira do S. Lourenço,
dando-se-lhe assim um curso de mais de mil e quinhentos Irilometros(a). Já
Baena, no seu E^twaio charographeo da provinda do Pard^ marcou-lhe
as nascentes na latitude de 12° 42'; o Sr. Melgaço colloca-as «perto do
parallelo 11°, sinão mais ao norte » (b) ; cortando-se-lhe, portanto, mais
de um terço do curso que lhe emprestavam.
Dá-se-lhe como tributários o Maiary, Acarahy, Acaiccy^ Pery,
Curenis, Turá, Maocnd, Iriry^ Pacnrnly, Bacyó, Fresco^ etc. ; corre
em terreno matto-grossense até as confluencias do Fresco e do Acarahj% e
lança-se no Amazonas na latitude de 1° 42' e aos 8° 54' de longitude.
E' navegável por navios de grande calado desde a sua ultima ca-
choeira, o Piranha-coara, á cento e sessenta e cinco kilometros da foz. Por
elle subiu, em meiados do século XVII, o padre Roque Hunderpfundf, de
quem faz menção o padre Manoel da Motta, na sua Missão (c). Foi conhe-
cido dos hollandezes, que em 1695 o subiram, indo estabelecer-se fortifi-
cados no sitio conhecido desde então por Marin-uasstl, a cidade grande^
entre os rios Pery e Acaixy, povoado que pouco tempo durou, tendo sido
atacado e destruido pelo famigerado explorador do Amazonas Pedro Tei-
xeira. Os jesuitas frequentaram o seu baixo curso ; talvez outros explora-
dores galgassem-lhe as cachoeiras em buscado curso superior; mas seu
(a) Ricardo Franco dá-lhe 300 léguas de curso. Descripção geographica da ca-
pitania de Alatto-Grosso,
(b) Obteroações á carta geographica da provinda de Matto-Grosso.
(c) Dr. Mello Moraes.—O Brasil Histórico, t. 3.«
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DA província de matto-grosso 83
estudo só despertou interesse quando, em 1843, o príncipe Adalberto da
Prússia venceu-lhe as prímeiras cachoeiras e investigou-o até cerca do
4** parallelo. Acompanhavam-o o conde de Oriola e o hoje tão celebre
chanceller do império allemão, o príncipe, então conde de Bismark. No
seu diarío de viagem,Adalberto falia n'uma excursão que por esse río fez
um tenente de milícias, em 1819, descido de Cuyabá, e que diz ter che-
gado até o porto de Moz, não podendo referir-se, salvo pasmoso engano, ao
explorador Peixoto, do Paranatinga. Em 1872 navegou até o parallelo
3' 30' o engenheiro Adríano Xavier de Oliveira Pimentel.
Projecta-se a construcção de uma via férrea na corda do grande arco
que esse río forma na sua região encachoeirada, que situa-se entre os
4 e 5 graus de latitude, e é destinada à salvar todo o trecho do río im-
possivel á navegação.
Dahi em diante canoas e igarítés podem vencêl-o até suas cabeceiras, ,
sendo de fácil remoção os impecilhos que appareçam. Em idênticas cir-
cumstancias ás da malogi'ada via férrea do Mamoré e Madeira, ha de lutar
com os mesmos embaraços e difiSiculdades para ser levada á effeito; o que,
todavia, se realisará, mas n'um fiituro, quiçá, remoto. Seus exploradores
são acordes em affirmar as riquezas do terrítorío que banha, mormente
em vegetaes preciosos, como as seríngueiras, o cacau, o cravo, a copahiba,
as salsaparrílhas, a castanha, o puchury, e mil outros que são a maior
fonte de rendas do Amazonas e do Pará.
O ARAGUAYA, lUo Gravide ou Berocoan, que no dialecto dos
carajás tem idêntica significação (a), é um río magestoso, de cerca de mil
(a) O Rio Araguaya. Relatório de sua exploração, pelo major de engenheiros
Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim.
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84 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
e oitocentos kilometros de extensão, dos quaes quasi mil e duzentos bei-
rando terras de Matto-Grosso; largo e desimpedido na maior parte do seu
curso. Castelnau assigna-lhe quatrocentas e oitenta léguas, e mais cento
e treze ao Tocantins depois da confluência (a): D'Alincourt dá-lhe trezen-
tas e setenta léguas ; outros somente trezentas até a sua foz no Tocantins.
E' o principal limite da província com Groyaz.
A mais remota das suas origens é o córrego das Dtias Pontes, des-
cido das abas septemtrionaes da serra oriental do Cayapó. Com o Pitom-
bas, contravertentes do Taquary, encontra também cabeceiras, entre o
Piquiry e o SanfAnna do]^Paranahyba, á meio dos parallelos 18° e 19".
Tem os nomes de Cayapó Grande até a juncção do rio do Barreiro
ou do Cotovello; de'Jííí) Grande até a foz do Veiinelho; e só dahi para
diante é que é conhecido pelo seu principal nome, Araguaya.
Com o nome de Cayapó Grande seu curso é superior á quinhentos .
kilometros.
São seus principaes subsidiários, á direita:
1.* O Bonito, rio de cerca de cento e vinte kilometros, nascido na
serra de Santa Martha.
2.° O Cayapó-^iirim^ de uns cento e cincoenta, nascido na serra da
Sentinella; é engrossado pelas aguas do Piranhas e Santo Anto^uo,
3.° O rio das Almas, vindo da mesma serra, formado pelo Ponte
Alta e ribeirão dos Bois,
' 4.° O rio Claro ou Diamantino, grande curso descido da serra de
Santa Maria, aos 17° 30' de latitude, e augmentado pelas correntes do
Santo António, braço de mais de quatrocentos kilometros nascido na
(a) Si o primeiro computo é elevado, o segundo approxima-se da verdade O.
Tocahtins mede 448 kilometros de S. João das Duas Barras á Santa Helena de
Alcobaça, onde recomeça a navegação ; dahi á Belém ha 279, e Iltí de Belém ao mar.
O Sr. Dr. Eduardo José de Moraes dá-lhe 110 léguas [Navegação interior do
Brasil, IS&è).
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DA província de matto-grosso 85
serra Escalvada ; o Pilões^ um pouco menor, que recebe o Fartura^ oriundo
da serra Dourada, e o S, Domingss.
5.** O Agua Limpa, nascido na serra Dourada ; recebe á direita o
Guarda-mór, formado pelo Bocaina^ e á esquerda o 3Iamoneiras, e sahe
abaixo do Itacayú (a).
6.** O Vermelho, nascido na serra do Ouro-fino, ramal da Geral ou
cordilheira do Estrondo ; seu curso é de mais de trezentos kilometros, dos
quaes cento e oitenta de boa navegação, desde o porto do Ti-avessão, á
doze léguas da capital; indo sahir no Rio Grande, donde á este se muda
o nome em Araguaya. Tem por braços, á direita : Bugres, Boa Vista,
Ferreiro, Lambary e Vermelhinho, dos quaes o Ferreiro vindo da serra da
r
Canastra, é de mais de cem kilometros; á esquerda: Cachambú,
Estrella, Forte, Ubá, Taquaral ou índios Grandes, maior do cem kilome-
tros, e o Tiquihé (b).
7.* O rio do Peia:e, ou Thesouras, nascido na serra do Carretão ; re-
cebe as aguas do Peixe Pequeno, Isabel Paes, Taquaral e S. Miguel, todos
oriundos da mesma serra, e vae juntar-se ao Araguaya com um curso de
mais de cento e oitenta kilometros.
8.° O Cria:d, maior de duzentos kilometros, é formado por dous prin-
cipaes braços, o Crixá-assú e o merim. Aquelle tem por affluentes o Ca-
nabarro,o rio do Peixe (que recebe o dos Boise Novilhos)e o dos Pintados.
Vem das serras de S. Patrício, e cahe noventa kilometros abaixo da foz do
Vermelho, cujas nascentes, como as delle, distam mui poucas léguas da
capital de Groyaz. Seu curso é em rumo nomoroeste; sua largura de cem
metros. Delle diz o Sr. major Jardim « que é um dos mais importante
affluentes do Araguaya, e no futuro será o escoadouro do grande município
(a) o destacamento de Itacayú foi fandado por Braz Martinho de Almeida, de
ordem do lõ» governador de Goyaz D. João Manoel de Menezes.
(b) Rei. do Araguaya do Sr. major Jardim.
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86 ESBOÇO CHOROGRA.PHICO
do Pilar. Como todos os braços daquelle rio varia muito em cabedal de
aguas, conforme as estações, ora dando franca navegação á grandes botes,
ora apenas á igarités. »
9." O Chavantes, que vem da serra Pintada, e desagua nas vizi-
nlianças do parallelo 12°.
10" e 11.° O Tmapá ou Pequeno e o Javaliés^ nascidos na serra do
Estrondo, e que margeiam a morraria á direita do furo do Carajahy, este
pelo lado oriental e o Tucupá pelo Occidental. O Javahés tem mais de
cento e cincoenta kilometros.
E 13.° O Salomé.
E á esquerda :
1.° O Pitombas, originado por duas principaes cabeceiras na serra
das Divisões, perto do parallelo 19°.
2.° O do Barreiro ou do Cotovello : este desce das abas orientaes
da seiTa das Divisões, pouco mais ou menos á meio do parallelo 15%
perto do meridiano 9°. Seu curso é de mais de trezentos kilometros, com
a largura média de duzentos á trezentos metros.
D'entre os seus aíBuentes destacam-se, á esquerda, o Passavinte c
á direita, o Paredão, no qual o Sr. Couto de Magalhães suppõe reconhe
cer o rio das Garças dos jesuítas, que o tinham no caminho entre o Pará
e o Paraguay, e após o seu curso quinze léguas de transito por terra, as
únicas em toda essa longa viagem ; e que tantas são as que medeiam
entre o Paredão e o Itiquira, braço do S. Lourenço, entre os pontos onde
lhes começa a navegação.
3.° O Alagado^ rio de oitenta á cem kilometros, que sahe junto ao
poluto da Piedade.
4.° O Crystallifw, Manrieberõ ou rio das matrinchans (jà): nasce
perto do parallelo 15°, na divisória das aguas orientaes do rio das Mortes
(a) O rio Araguaya. Rei. do Sr. major Jardim.
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DA província de matto-grosso 87
e occidentaes do Araguaya ; corre em rumo de nordeste, com cerca de
duzentos kUometros de curso, e a média de oitenta metros de largura,
com cinco de profundidade.
Em tempo de aguas augmenta muito o seu cabedal, mas na estação
secca baixa ás vezes á meio metro de profundidade. Vae lançar-se já no
braço do Araguaya, á esquerda da ilha do Bananal.
b.'* O rio das Mortes, luaberd dos carajás (a), rio em forma de pv,
tem cerca de oitocentos kilometros de extensão. D'Alincourt dá-lhe cento
e cincoenta léguas (b). Nasce com o nome de rio Manso á cento e oitenta
kilometros á noroeste da cidade de Cuyabá e á uns vinte e cinco das fontes
do Aricàrmerim, braço do Cuyabá; e não deve ser confundido com o ribei-
rão do mesmo nome e egualmente tributário deste rio, cujas cabeceiras o
rio Manso circumda, e cuja foz é uns cem kilometros acima daquella ca-
pital. Suas vertentes mais remotas acham-se entre o Jogar de Guimarães,
antiga SanfAnna da Chapada, e as cabeceiras do Paranatinga, do qual é
contravertentes.
Passa por ter sido descoberto por Bartholomeu Bneno, o Anhanguêra^
na sua primeira entrada, pelo anno de 1682 ; sendo depois percorrido por seu
neto do mesmo nome, quando em busca das minas dos Martyrios, cuja
tradição guardara do avô. Foi explorado em 1803, de ordem do capitáo-
general Caetano Pinto, pelos irmãos Alexandre e João de Brito Leme, (c)
que, em quarenta dias, chegaram ao porto de Arayés. Tinham partido de
Cuyabá á 14 de maio, no intento de não só verificarem si o rio era nave-
gável, como também de saberem si era o principal tronco do rio das
Mortes ; em 21 de setembro estavam de volta, tendo averiguado que esse,
e não o braço que se entronca junto á aquelle porto, é o verdadeiro rio
(a) O Rio Araguaya. Rei. do Sr. major Jardim.
(b) Obra citada.
(c) João Alexandre de Brito Leme e João de Brito Leme e mais 22 soldados.
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88 ESBOÇO CHOROGKAPEICO
das Mortes (a). Sua navegação foi livre de tropeços durante nove dias,
o que implica um tracto superior á trezentos, sinào quatrocentos kilome-
tros ; no decimo dia penetraram na região eneachoeirada, onde houve
á vencer cento e vinte e três cachoeiras, com doze varadouros, vinte e oito
sirgas sem carga e oitenta e três á meia carga.
Passa o rio das Mortes por ser um formoso curso de mais de duzentos
metros de largura, apresentando-a ás vezes, mesmo, de oito á nove kilo-
metros. Ricardo Franco, na sua Descripção Geographica^ e D'Alincourt,
no seu Eesuliado dos trabalhos e indagações estatísticas^ consignam-lhe
cento e cincoenta léguas de curso, sem computarem-lhe o do Manso. O
Sr. Couto Magalhães calcula-o em duzentas.
O outro braço, que é o oriental e que vem com o nome que o rio
guarda, é formado pelos ribeirões do Jatobá^ que recebe o Mutuns e o
Findahyba: desce desde a serra das Divisões, nos ribeirões do Ron-
cador^ nascido no contraforte desse nome, o Sangradorisinho e o Sapè^
braços do Sangrador^ que faz contravertentes com o S. Lourenço. Vae
com rumo de noroeste á entroncar-se no Manso, logo abaixo do ribeirão
dos Arayés ou Aniés. Neste ficavam as celebres minas deste nome, des-
cobertas em 1670 por Manoel Corrêa (b)e abandonadas pelas diflficul-
dades que sobrevieram á seu trafego, pela distancia dos povoados,
aggressões dos Índios, misérias e fomes. Seu ouro era de 17 quilates e de
côr esverdinhada (c). Perdido seu sitio, casualmente o descobriram,
quasi um século depois, o coronel de milicianos Amaro Leite (d) e João
da Veiga Bueno, que andavam em busca da dos Martyrios ; fundando-
se ahi um arraial com o nome do primeiro, estabecimento que não
(a) Officio do mestre de campo José Paes Falcão das Neves, de 29 do mesmo
mez, ao governo de successáo da capitania.
(b) Pizarro. Mem. Bist,, tomo 9», pag. 145.
(c) Ricardo Franco. Descrip. Geog. da Cap. de l/l atto-Gr osso.
(d) O Rio Araguaya, Rei. do Sr. major Jardim.
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GROSSO 89
se deve confundir com outro também de Amaro Leite que houve nas
Lavrínhas. Em 1819 a companhia de mineração de Cuyabá, buscou
novamente seu sitio e projectou novos estabelecimentos ; ficando porém,
em projecto.
O rio das Mortes lança-se por duas bocas no braço esquerdo do Ara-
guaya, além de meio da grande ilha do Bananal, e cento e noventa e cinco
kilpmetros abaixo da bifurcação do rio : sua largura nas barras é de
duzentos e quarenta metros n'uma, e cento e oitenta n'outra, e de três
e meio metros a profundidade média. O triste nome que tem provém-lhe
da grande mortandade que uma epidemia de febres causou á uma das
primeiras bandeiras que por ahi andaram (a).
Com^o nome de rio Manso recebe innumeros affluentes, sendo prin-
cipaes, á direita : Cachoeirinha, Cerradinho, Sapé, Sangrador, Sangra-
dorzinha (que tem par affluente o Malas), Taquarahinho^ Sangrador
(que recebe o Mortandade), Cotiro de Porco, Macacos (engrossado pelos
Cabeça de Boi, Torresmo, Corisco, Tejuco-Preto e Sambambaia), Paredão,
(que nasce junto á montanha abrupta desse nome e recebe á esquerda
o Guanandy, Areias, Lages, Olho d'Agua, Jatobá, Mutuns, Pau Furado,
Taquaral, e Antinha), o Pche (formado pelo Lage que recebe o Laginha,
o Taquaral, descido de serras deste nome, e o Insua), Pindahyiuha e
Lages ; e á esquerda o Tapera^ Cururú, Maracajá e S. João (b). Lan-
ça-se quasi á meio do braço Araguaya.
6.* O da Casca, formado pelo Farto ; é o ultimo dos seus affluentes
importantes que lança-se nesse braço. Seu curso é mais de cem kilo-
metros. ^
7.** O Tapirapé, Manamberõ ou rio das pedras, dos carajás (b), é de
curso talvez egual ao do Mortes, bastante largo e profundo. Entra no
[&) D'ÂUQcourt, ob, cit,
(b) O Rio Araguaya. Kel. do Sr. major Jardim.
12
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90 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Araguaya cento e oitenta e oito kilomctros abaixo da foz do Mortes, e por
muitas bocas. O benemérito capitão de fragata Balduino de Aguiar, tão
conhecido por seus heróicos feitos nos combates do forte de Coimbra e
outros no rio Paraguay e S. Lourenço, subiu-o em 1868 cerca de cin-
coenta kilometros, n'um pequeno vapor, o Araguaya^ que o Sr. Couto de
M^alhães fizera transportar de Cuyabá para as explorações do rio, cujo
nome tomou.
Desce o Tapirapé das escarpas .do Chapadáo que medeia entre esse
rio e o Xingu, dividindo-lhes as aguas (a).
S.** O Cnjnrú, que lançâ-í^e qutisí fronteiro á ponta septemtrional da
ilha do Bananal.
9.** O Aquiqtiy, pequeno rio, contravertentes com o Fresco, braço do
Xingu, e notável por ser a divisória mais septemtrional da provincia.
E 10°, finalmente, o Grathhiis, rio também pequeno, nascido nas
serras do mesmo nome.
( a) Cunha Mattos (ob. cit.), d}\-lhe sessenta léguas de curso.
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ESBOÇO CHOROGRAPHICO 91
VI
Á 72,24 kiloms. da foz do Crixá divide-se o Araguaya em dous
grandes braços, formando a ilha do Bananal ou SanfAnna, á que o braço
esquerdo banha n'uma extensão de 477.170 kiloms. (a). O nome de Santa
Anna é-lhe também dado por que nella aportou em dia dessa santa o
alferes José Pinto da Fonseca, que ia em expedição para conquistar os
carajás, e ahi fez celebrar missa e impoz-lhe o nome (a). Seu compri-
mento é calculado em sessenta á setenta léguas e sua maior largura em
mais de vinte. O braço direito toma o nome de fiiro do Bananal ou
Carajahy, conservando o outro o nome do rio.
O Sr. major Jardim, em setembro de 1879, achou para este braço a
largura de 259,9 metros e 3,3 de fundo, emquanto que o Carajahy estava
quasi á sêcco, apresentando-se como um regato de quatro metros sobre
meio de profimdidade. Antes da ilha o rio mede setecentos á oitocentos
metros de largo,e depois mil e duzentos. Logo dez kiloms. adiante desta ha
outra ilha de dez á doze léguas, formada pelo furo chamado da Maria do
Norte.
Depois do presidio de Santa Maria desce encachoeirado por uns seiscentos
kiloms. até a confluência do Tocantins, que por sua vez assim continua por
quatrocentos e quarenta e oito kiloms. até Santa Helena de Alcobaça (b),
O curso total deste rio será de dous mil e duzentos kiloms., dos quaes grande
parte navegado com alguma difficuldade, e trezentos e trinta de fácil nave-
gação, e essa mesma dividida em dous tractos, um de cento e setenta e
quatro entre a cidade da Boa Vista e a da Carolina, no Maranhão ; e o
(a) o Ho Araguaya. Rei. do Sr. major Jardim.
(b) A Provinda de Goyaz em 1878, memoria do Sr. major Dn A. de Escragoolle
Taonay.
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92 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
outro de cento e cincoenta, desde a villa da Imperatriz até a confluência
do Araguaya. E' perto do parallelo 6" que esta tem lugar; e o Tocantins,
após um curso, ainda, de seiscentos e setenta kilometros, vae levar suas
aguas ao oceano, não sem antes receber, na latitude de P, 40', cora as do
Tajipurú e Breves, o tributo do Amazonas.
Ligado ao Tocantins, a historia do Araguaya é a mesma do Baixo
TocantinSw
D'entre os exploradores seus, são notados como primeiros
Fr. Custodio de Lisboa, que, em 1625, subiu-o desde Belém (a),
e Manoel Correia, bandeirante paulista. Em 1653, subiu parte
delle o grande padre António Vieira, á convite do capitão-mór
Ignacio do Rego Barreto ; partiu de Belém á 13 de dezembro, e chegado
ás cachoeiras, em 23, onde já achou o rio com cerca de meia légua de lar-
gura, á 28 chegava á cachoeira das Tabocas, distante cento e sessenta
léguas da foz (b). Em 1669 Gonçalo Paes e Manoel Brandão, subiram-o
e penetraram no Araguaya, em busca de ouro, trazendo em compensação
muito cravo, canella e castanha (c).
Quando o paulista Pascoal Paes de Araújo internou-se pelos sertões
jnatto-grossenses e goyanos, devastando as tribus e aprisionando os indios
que encontrava, foi o Araguaya o caminho por onde estes, fugitivos, cor-
reram á Belém á supplicar a protecção do governo.
Pedro César de Menezes, governador, então, do Pará, soube por elles
da existência deste rio ; e em 1673 mandou á exploral-o Francisco da
(a) Baena, Compendio das Eras ; Ferdinand Denis, Le Brésil^ 312.
(b) O Sr. Dr. MeUo Moraes, Chorog. Hist.; tomo3«», pag. 4'50.
(c) Encontraram um castanheiío que media cincoenta palmos em circumfe-
rencia. Baena, obra citada.
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DA província de MATTOaROSSO 93
Motta Falcão, com força sufficiente para bater Pascoal. Não era, porém,
da Índole do sertanista Falcão o aventurar-se ás sortes da guerra com
aventureiros taes, e, pois, preferiu retroceder á buscar Pascoal, que, já sa-
bedor da sua expedição, era quem, por sua vez, o buscava.
No anno seguinte subiu-o o padre António Velloso Tavares, para
egual investigação, — á mandado do mesmo governador e com idêntico
eiito (a).
Berredo, quando governador do Maranhão, percorreu-o até o paral-
lelo 12** 22,' ; e em 1719, mandou exploral-o por Diogo Pinto da Gaya,
que foi por elle acima umas cento e oitenta léguas (b).
Em 1721, o sertanista Domingos Portilho subiu o Tocantins com os
padres Manoel dà Motta e Jeronymo da Gama ; da cachoeira Tabocas ao
rio Arary ou da Saudr, como o designam, gastou sete dias, outros tantos
ao rio Taquanhona e mais cinco á boca do Araguaya (c).
Dois annos depois desceram de Vi lia Boa, em Goyaz, para o To-
cantins, dous portuguezes um e negro, fugidos das minas ahi desco-
bertas (d). Em 1731 o sargento-mór João Pacheco do Couto, mandado
pelo governador Alexandre de Souza Freire á exploral-o, descobre as
minas da Natividade, Em 1774, de ordem do governador José Cabral de
Almeida Vasconcellos Souzel, funda-se a aldeia da Nova Beira^ na ilha
do Bananal, com indios javahés e carajás (e).
Foi esse governador o primeiro á interessar-se pelo commercio e rela-
ções que por essa via se podiam entabolar entre sua capitania e a do Pará.
(a) Ánniis histoicos do Maranhão, liv. 17 ; Baena, Compendio das Eras,
pags. 140 e *20>.
(b) Annaes históricos do Maranhão,
(c) Missão do padre Manoel da Motta. V. Chorographia Histórica do
Sr. Dr. Mello Moraes, t. 3«, pag. 46t.
(d) Chorog, Hist. ; t. 80. (Dr. Mello Moraes).
(e) O Rio Araguaya. Rei. do Sr. major Jardim.
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94 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Foram naquella diligencia, em 1772, o capitão José Machado, e no anno
seguinte o alferes José Pinto da Fonseca, o mesmo que deu o nome de
Sant^Anna á grande ilha do Araguaya; e era 1774 o ouvidor António
José Cabral de Alníeida: com o intuito de descobrirem as minaa
dos Martyrios. Este, de volta, relatou tel-as encontrado no Arayés,
perto do Xingu ; e seus companheiros, o piloto Luiz António Ta-
vares Lisboa, e outros, foram presos ao chegarem á Belém, em vista do
disposto na lei dos caminhos das minas, cujos efifeitos, como se vê, não
eram eguaes para todos.
Em 1746 desce pelo Araguaya uma bandeira vinda desde S. Paulo,
guiada pelo capitao-mór António Kodrigues Villares (a), e entra no Por
rmtpéba, como elle designou ao Tocantins. Em 1780 o governo do Pará
toma á peito o fundar povoados no Baixo Tocantins, onde já os padres
missionários tinham bastantes aldeias de cathechumenos ; estabelece o
Jogar de S. Bernardo daPederneira^k margem direita,entre Cachoeirinha
e a Tapayunarcoára ; o de Aleoba^a, uma légua abaixo do igarapé (7a-
raipé, o qual dez annos depois foi transferido para a ilha do Ararapd
entre as cachoeiras Tapayuna-coára e Guaribas, mudando de denominação
para a de Arroios (b).
Em 1780 organisam os commerciantes do Pará uma expedição que
ó governador Tristão da Cunha Menezes manda, sob a direcção do capitão
Thomaz de Souza Villa Real, para explorar o Araguaya. Sabida á 5 de
fevereiro do seguinte anno, de Belém, á 21 de abril chegava á Goyaz, e
em 22 de dezembro de 1792 fazia-se de volta da confluência do Ferreiro
com o Vermelho, á quatorze léguas da capital. Em 1799 o governo real
chama a attenção do capitão-general D. João Manoel de Menezes (b) sobre
a navegação desses rios.
(a) Chorog^ Jíiíí.;t.3o, (Dr. Mello Moraes).
(b) O Rio Araguaya, Rei. do Sr. major Jardim.
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DA PROVINCU DE MATTOGROSSO 95
O conde da Palma, D. Francisco de Assis Mascarenhas, 9*» gover-
nador de Goyaz, trata delia com interesse ; mas é seu successor Fernando
Delgado Freire de Carvalho quem mais a favorece, obtendo do governo
real a isenção dos direitos por dez annos e moratória por seis das dividas
á fazenda nacional, e fazendo fundar os presidies do liio Grande^ Piedade
S. João das Duas Barras^ este já no Baixo Tocantins (a). Em 1832 o
sargento Carvalho, encarregado da abertura da estrada de Piquiry á
SanfAnna do Paranahyba, errando o caminho, percon-e grande parte
o rio, vindo desde o Manso até o porto da Piedade.
Em 1844 o viajante francez Francisco de Casteluau desce-o até o
presidio de S. João das Duas Barras. Dous annos depois o bacharel
Rufino Theotonio Segurado, juiz municipal da Carolina, no Maranhão,
vem desde o presidio deste nome á Belém, e novamente sobe o rio até o
porto de Thomaz de Souza (b), distante vinte e duas léguas da capital,
onde aporta em 6 de fevereiro de 1848, tendo subido de Belém á 19 de
maio antecedente.
Em 1850 o previdente e mallogrado administrador de Goyaz,
Eduardo Olympio Machado, faz desobstruir o rio Vermelho desde
o arraial da Barra, á quatro léguas da capital, e funda vários pre-
sídios, entre elles o Leopoldina^ na confluência daquelle rio e o Santa
Maria e Cachoeira Grande, nas extremidades da ilha do Ba-
nanal.
Em 1851 uma associação commercial busca navegal-o ; e o presi-
dente de Goyaz, António Joaquim da Silva Gomes, funda os presídios de
Santa Isabel, naquella ilha, o qual mais tarde é transferido para o rio
das Mortes e o da Januaria, no antigo local do Santa Maria, á meia
distancia entre a ilha e S. João das Duas Barras. Em 1858 o presidente,
(a) Pizarro, Memorias Hist,y tomo 9.
(b) Manoel de Souza, chama-lhe o Sr. major Jardim, obr. cit.
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96 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
O Sr. Gama Cerqueira, aventa a idéa da naveí^^açrio á vapor entre Leopol-
dina e Jannaria (a), idéa que sumento dez annos depois realisou outro pre-
sidente o Sr. Couto do Magalhães, o qual, já em 1S04, tinha descido o
Araguaya n'um tracto de mais de dous mil kilometros, acompanhando o
engenheiro que o explorava, o Sr. Ernesto Vallée.
Presidindo o Pará, ainda o Sr. Magalhães acompanhou outra com-
raissão exploradora do Tocantins, até a cachoeira Tapayuna, em vapor, e
dahi em diante em bote até a ilha das Gruaribas, donde voltou em se-
tembro do mesmo anno ; e afinal, em 18C8, sendo presidente de Matto-
Grosso, firme em seu intento, e dotado de uma energia e força de vontade
invejáveis, fez transportar uma lancha á vapor, a Araguaya, por mais de
seiscentos kilometros de péssimos terrenos, desde Cuyabá até Leopoldina,
estabelecendo a navegação á vapor entre este presidio e Januaria, na
extensão de cerca de mil kilometros (b), com aquelle vapor, e mais tarde
outros dois, o rebocador Colomho o o Mirtoiro,
(a) Kelat. dessa presidência em 18Õ8.
(b) 921.130 kiloms. é a distancia que d;'i-lhe o Sr. major Jardim, oôr. rtí.
O Sr. major Taunay dá-lhe 990 kiloms.. A Provinda de Goyas em 1873.
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DA província de matto-grosso 97
vu
A' 5^;*. tem a província, desde o salto do Urubupongá, cerca de ses-
senta e cinco kiloms. abaixo da confluência do Rio Grande e uns doze
acima d) Tietê, até o Salto Grande das Sete Quedas, um trecho de seis-
centos kiloraetros de navegação franca do rio Paraná, que, dividindo geo-
graphicamente a província das de Minas, S. Paulo e Paraná, liga-as todas
nessa admirável rede de rios, da qual grande numero de braços, não só
dos que correm no terreno matto-grossense como dos que ao grande rio
vem ter das outras regiões, foram os caminhos por onde penetraram os
seus audaciosos descobridores e primeiros exploradores.
O Paraná^ formado como o Madeira pela juncção de duas mages-
tosas correntes, toma aquelle nome ao encontrarem-se n'um leito coramum
as aguas do Paranahyha e as do Pw Grande.
Este, que é o seu principal braço, desce desde, mais ou menos, o
parallelo 22", nas proximidades do Itaiyaia^ o ponto culminante da oro-
graphia brasileira, na serra ^rgya, perto de Ayuruoca, em Minas-Geraes ;
e tem, somente de boa navegação,um trecho de mil e trezentos kiloms. (^a).
Seu curso total é de 4560 kiloms. ou 821 léguas (b). São-lhe principaes
tributários: Ayuruoca, Angaby, Jacuhy, Ponte-Alta, Mortes, Jacaré, Alam-
bary, Uberaba, Santo António, Santo Ignacio, Cananéa, Inferno, Sapucahy e
Mogy-guassú, os quaes recebem as aguas de uma infinidade de affluentes
entre outros : Pedras, Carmo, Catoca, Córregos, Santa Barbara, Posse,
Bagres, Verde, Sapucahy-merim, Cachoeira, Patroeinio, Paciência?
S. Paulo, Mogj^-merim, Tucuba, Itaquy, Ita-cuarantan, Itupeba, Santa
(a» Senador Godoy. A Província d^ S. Paulo em 1873.
(b) Dr. Eduardo José de Moraes. Navegação interior do JSraxil. 1869.
13
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98 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Anna, Piçarrào, Oricanga, Cocaes, Estiva, Prata, Tambahy, Cubatão,
Lage, Araraquara, Desfiladeiro, Contas, Olaria, S. Simão, Cercado,
Cajurú, Batatas, Upitinga e Boiadas.
Para bem considerar-se o valor dessa rede potamographica, basta-nos
attentar para o Sapueahy, rio de trezentos e quarenta kilometros de curso,
dos quaes mais de cem de livre transito (a), desde o seu affluente, o Verde,
até o Salto, e, ainda, mais cento e quarenta de barra acima. Além do
Verde, o Sapueahy enriquece-se com os cabedaes do Agua Limpa, Ma-
chado, Lourenço-Velho, Douradinho, Cervo, Piranguassú, Mosambo e Cabo-
Verde; todos navegáveis. Este ultimo desce da serra do Jardim, em Bae-
pendy ; tem duzentos e trinta kilometros de curso, dos quaes, segundo o
Sr. Martiniano Brandão, cento e oitenta navegáveis desde a foz do Capi-
vary até o Sapueahy. Para elle correra as aguas do Capivary, Baependy,
Alambary, Rio do Peixe, S. Bento e Palmellas.
l-tio X^araiiaUyba.
Deseolio do Sr. Dr. Taunay).
O Paranaliyha^ nasce ilas jproxlmidádes do pârallelo 1Ô° e do meri-
dional 3% no sitio da Guarda dos Ferreiros, perto do arraial do Carmo,
(a) Dr. Martiniano Brandão. Artigo na Imprensa Industrial, t. 2«, pag. 519.
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i)A província de matto-grosso 99
na Serra Geral (a). Seu curso é de mais de oitocentos kilometros. Diri-
ge-se para NO. até receber o Corumbá, e depois para SO. até formar o
Paraná, que desce, então, em rumo sul.
Os affluentes que o enriquecem como os do Xingii, Araguaya e To-
cantins, não estão sufiBcientemente conhecidos, e até alguns delles guardam
grande confusão nas descripçòes e mappas geographicos.
Passam por principaes, á direita :
1.^ O Jacaré.
2.° O Verde,
3.** O S. Marcos^ originado na serra dos Arrex>enãiãos ou dos Crys-
taes, e cuja corrente é maior de quatrocentos kilometros, tendo por
succui*saes, á direita : Capimpuha^ Taipas^ Samhamhaia, Castelhano e
Embinism, vindos todos da mesma serra ; e á esquerda : Panláno^
S. João, Batalha, e 5. Bento, o qual é um formoso curso de mais de
trezentos kilometros, e o Verde, vindo da serra do Guarda-mór (a).
4.° O Veríssimo (b), que desce da serra deste nome, ramo da dos
Crystaes, e tem por braço principal o Paranatinga, originado no morro
do Facão (a).
5.° O Corumbá, que desce da serra dos Pyreneos, no parallelo 16**,
e tem vários tributários, entre elles : Carurti, Capivary, Antas, Piror
canjuha (formado pelo Gerivatuba e Taquary, cujas fontes estão na serra
de Santa Rita), e o do Peúc, ao qual engrossam o dos Bois, á direita, e á
esquerda o Calvo e o Brumado (c). Alguns faziam-o o bruço principal do
Paraná, e o Paranahyba seu afBuente.
6.** O Meia Ponte, cujas vertentes estão nas serras do Escalvado e
de Santa Rita, e tem por braços principaes, á direita, o Dourados, e á
esquerda, os ribeirões das Caldas e da Formiga{c).
(a) Cunha Mattos, obra citada.
(b) Carta de 1875 da commissão da carta geral.
(c) Carta de Goyaz do Sr. major Jardim.
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100 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
7.* O rio dos Bois^ maior de quatrocentos kilometros, com a largura
de cento e setenta metros na foz (a), o qual é um dos cursos desta rede
que em maior confusão tem trazido os geographos. Segundo os dados
do distincto engenheiro major Joaquim Jardim, tem por subsidiá-
rios, á direita, o Turvo (nascido na serra Dourada, e que entre outros
recebe na margem occidental o S. José e na opposta o Capivara), e o
Verde (que nasce em contravertentes com os rios Claro e Pilões, e é en-
grossado á esquerda pelo ribeirão do Estreito, o rio Formoso, que recebe o
Ponte de Pedras, do qual o Correntes^ é uma das cabeceiras, e o rio
Preto ; e na opposta o Montevideo e o Dores); e á esquerda, o Anicuns,
que recebe o Santa Maria, o FJô7'es e o SanfAnna.
O rio dos Bois foi explorado por João Caetano da Silva e José Pinto
da Fonseca (b) em 1816 : sahiram elles do arraial de Anicuns (á 14
léguas da cidade de Goyaz),em 22 de agosto, e no dia 16 de outubro che-
gavam á foz do Turvo, com já sessenta léguas de navegação ; quatro dias
depois chegavam ao Verde.
Outra exploração do Bois foi feita á custa do governador D. Fran-
cisco de Assis Mascarenhas, por Estanislau da Silveira Guterres ; a qual
infelizmente mallogrou-se, não havendo mais noticia dos exploradores,
que se suppòe mortos nas cachoeiras.
8.° O Claro on dos Pasmados,(c) engrossado i^eloDoce (formado pelo
Jatobá, Aterradinho e Abóboras), os ribeirões Inventada, Inverna-
dinha, Agiia Parada e Santa Maria, e os rios Bomfim e Paraíso, á
direita ; e o Onça á esquerda.
9.° O Verdinho {A), nascido na serra oriental, do Cayapó e tendo por
(a) O Sr. Dr. E. J. de Moraes. Navegação interior do Brasil.
(b) Nào deve ser o mesmo explorador de 1773.
(c) Carta manuscriptadoSr. tenente -coronel Pimenta Bueno, 1880.
(d) Carta de Goyaz, citada.
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DA província de mattogrosso 101
uma das cabeceiras o Piores. E' também denominado Verde por
muitos cartographos, convindo prevalecer aquella denominação pela mul-
tidão de homonymos que ha para a segunda.
10.** O Correntes j vindo pelo Jacubas e Cabeceira Alfaio morro
Vermelho, na serra do Cayapó (a), rio ainda mais confundido do que o
Bois pelos cartographos (b).
11.** O Aporé, ou rio do Peixe (c), que alguns conhecem também por
Cayapó do Sul, nàas fazem-o sabido acima de SanfAnna do Paranahyba,
em frente á cachoeira de S. André.
E 12.'*, finalmente, o SanfAnna do Paranahyba, nheirno cuja noto-
riedade consiste em passar pela villa dessa denominação.
Pela esquerda recebe o Paranahyba :
1.° O Dawrarfoí, rio de uns duzentos kiloraetros, originado na serra
das Cangalhas.
2." O Bagagem, onde se achou o celebre diamante EsfreUa do Sul,
também conhecido pelo nome do rio : nasce na serra do Patrocinio.
3.** O rio das Velhas, que é de um curso talvez não inferior á qui-
nhentos kilometros, e do qual são subsidiários Inferno, Conceição,
Çuebra Anzol e Tamandm. Suas origens estão na serra das Canas-
tras.
4.** O Piedade, nascido nas serras de Monte-Alegre.
5.° O das Almas, nascido nas de Uberaba e engrossado pelo Doura-
(a) Carta de Goyas, cit.
(b) V. cap. |o, pag. 13, nota. Tal confusão ainda é augmentada por Cunha Mattos,
ob. cit., que o baralha com o Cururuht/, que diz elle, recebe o Pasmados e o Cayapó
do Sul e vae lançar-se abaixo do salto do Urubupongá,
' (c) Carta manuscripta do Sr. Pimenta Bueno.
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102 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
ãinhos^ rio de mais de quatrocentos kilometros, Tejuco, Prata, S. Lou-
renço, Bàbylonia e muitos outros (a).
O Eio Grande tem de curso cerca de mil e cem kilometros. Reunido
com oParanahyba,e tomado já o nome de Paraná, affluem-lhe pela direita:
l.** O Guacnry ou Acorisal, que é o Cururuhy de Cunha Mattos.
2.° O Sucuryhú, contravertentes do Piquiry, cabeceira do S. Lourenço :
nasce na serra das Araras, e tem por affluentes, á direita, Cachoetrinha,
Enibirossú, Cascavel (que recebe o Roncador) e S. João ; e á esquerda
Pedra Azul, Pedra Branca, Lagcado, Lagoa e Indayd (b), indo sahir
cinco léguas abaixo do salto do Urubupongá. A estrada de Cuyabá, pelo
Piquiry, atravessa-o á um terço de seu curso.
S.** O rio Verde, formado á esquerda pelo Hanchinho, que recebe
o Fundo ; e á direita pelo Claro, contra-fontes com o Taquary : sabe qua-
torze léguas abaixo do Sucuryhú.
4.° O Orelha de Onça, dez léguas abaixo do Verde.
5.° O rio Pardo, grande corrente, principal estrada dos primeiros
sertanistas, mas obstruído por trinta e sete cachoeiras, n'um tracto de
vinte e quatro léguas ; arco cuja corda de deseseis léguas é toda em ter-
renos planos e os mais próprios para uma boa estrada (c). Seus principaes
tributários são, á direita : o Sanguesuga, o Claro, o Sucuryhú (explorado
em 1827, de ordem do presidente José Saturnino), o Nhanduhy-merim,
o Nhanduhy-guassú (que recebe o Caracará, o Lageado e Santa Lucia),
cujas contravertentes formam o Miranda ; — e á esquerda: o Vermelho,
o Orelha ãeAnta,^ o Orelha de Oieí;a;aquelledoze e meia léguas acima do
(a) Oarta geral, 1875.
(b) Carta manuscripta do Sr. Pimenta Bueno, 1880.
(r) O Sr. barão de Melgaço. Relatorios presidenciaes.
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DA província de MATTO-GltOSSO 103
Nhanduhy-guassú. Neste rio Pardo pretende a província de Goyaz ter
a sua linha limitrophe com Matto-Grosso, desde a foz até suas cabeceiras,
contravertentes do rio Coxim, e por este até sua barra, subindo a linha
novamente pelo Taquary até cabeceiras deste, e dahi por uma recta de
limites em rumo S. N. á encontrar o rio das Mortes (a).
6.° O IvinheyDia^ também chamado Brilhante no seu curso superior,
nascido na serra de Anhambahy, e formado pelo Tapera, Agua Fria,
Santo António, Santa Gertrudes, Cachoeira (que recebe o Eesiinga), Sete
Voltas, S. Bento, Santa Barbara, Sambambaia e Vaccaria (este á vinte e
três léguas da foz no Paraná (b), e tendo por braços, á direita, o Passa-
tempo e o Serroie, e, á esquerda, Campeiro, Cachoeira, Barreiros e
Piau)\ o Dourados, contravertentes do Apa, e distante quatorze léguas
do Vaccaria (tendo por principaes affluentes o rio dos Mattos, S. João,
Onça, Santa Maria e Monte Alegre). W do Dourados para cima que
o Ivinheyma é conhecido pelo nome de Brilhante. Sahe por duas bocas
no Paraná.
7.** O Anliamhahy (c), originado na mesma cordilheira e, que recebe
agua do Guaynumhy e do Verde.
(a) Carta de Goyaz, cit.
(b) Carta manuscripta do Sr. P. Bueno.
(c) Occorre tratar aqui da confasão que vários cartographos e escriptores fazem
com o nome deste rio e o dos Nbanduhys: Barboza de Sà na sua Relação dos PovoO"
dos ch&m&-03 NhandiihyfAnhandohy^e Ànhambohy. ko Tietê, qae também era cha-
mado Anhemby, Boque Leme (ob. cit.) nomeia Anhamby^ e chama Ànhebu-guassú
ao Nhanduhy-guassú. Algumas cartas, como as de Conrado, Ponte Ribeiro e outras
calcadas na do primeiro, designam-os por Anhambuhy, Indahuhy e Amambahy.
Ao segundo chama o respeitável Sr. barão de Melgaço Anhambahy Guassú ; e
outros, como F. S. Constâncio, Anhandohy e Anhambohy. Nas suas Noticias pra-
ticas das Minas de Cuyabd chama-os Nhanduhy o capitão João António Cabral
Gamello ; e da mesma sorte Francisco de Oliveira Rendon nas Noticias da capita*
nia de 5. Paulo [Revista do lustituu) Hist. 5», pag. 22), e outros, entre os quaes Du-
graty (ob. cit.). Esta denominação parece ser a verdadeira. Nhandú, nos dialectos
tupi e guarany« significa éma.
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104 ESBO<,:0 CHOROGRAPHICO
8.° O rio do Encontro, em frente á parte septemtrional da ilha das
Sete Quedas.
O.*» O Iguaiomy, descido da cordilheira de Maracajii, e que tem por
tributários o Ibimhy e o Barreiro, á direita, e o Bogas, Cachoeira e Es-
copil, á esquerda ; aquelles contrafontes de Agtuiray, braço do Paraguay.
O Iguatemy tem cerca de cento e sessenta metros de largura na boca, que
é demarcada em latitude de 25° 54' 44" (a).
Entre o Ibicuhy e o rio das Bogas tiveram os portuguezes um posto
militar, denominado de Nossa Senhora dos Prazeres, fundado á margem
esquerda do Iguatemy, o qual os hespanhoes tomaram atraiçoadamente
e arrasaram em 1778.
Por este rio subiu em 1769 o capitão de aventureiros Joaquim de Meira
Siqueira, com duzentos homens, sendo cincoenta de tropa e os mais nego-
ciantes de Cuyabá; partiu de Prazeres á 8 de julho e foi até as ultimas
vertentes do rio, donde passou-se para as do Ipané-^tuissú, em busca de
communicação com o Paraguay, mas sem resultado.
Nas cabeceiras do Dourados, á sessenta e seis kilometros da colónia
de Miranda, fundou-se em 10 de maio de 1831, no planalto á margem
direita da primeira e maior das três cabeceiras que o formam, uma colónia
militar, que teve por núcleo dez colonos e um pequeno destacamento
de tropa. Desmantellado pela incúria que nas nossas cousas publicas
sobre veiu nessa mesma época,sómente em 1858 foi restabelecida, e melhor
organisada em 1860. Em 1865 os paraguayos a destruíram completa-
mente, e só seis annos mais tarde, quando terminada a guerra, pôde ser
restabelecida.
Na invasão das hordas de Lopes tomou-se celebre pelo heroísmo com
(a) Diário da viagem de S. Paulo ao posto de Nossa Senhora dos Praseres^
pelo brigadeiro José Custodio de Sá Faria, 1774— 1775.
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DA província de matto-orosso 105
que a defendeu o tenente cuyabano António João Ribeiro, só com quinze
homens, que tanto era a guarnição do ponto, e completamente desprovida
de munições. O inimigo cercava-o em numero de duzentos e vinte homens,
sob as ordens do sargento-mór Urbieta. António João, sabendo que as
forças se approximavam, esperou o ataque ; e cei*to de que em taes con-
dições outro recurso não lhe restava sinão o morrer ou capitular, — o que
de modo algum faria, — escreveu á seu chefe, o tenente-coronel Dias da
Silva, as seguintes memoráveis palavras : — « Sei que morro; mas o meu
sangue e o dos meus companheiros será um protesto solemne contra a
invasão do solo da minha pátria, (a) »
Acima do Salto das Sete Quedas tem o Paraná dous mil e duzentos
metros de largura, estreitando-se ali em, apenas, setenta. As paredes do
salto medem vinte e oito metros de altura, e as aguas precipitam-se n'um
angulo de 45° á 50°.
Entre o Urubupongá e elle, dos affluentes que recebe pela margem
esquerda são principaes :
1.° O Tieié, antigo Anhemhy, oriundo de S. Paulo, dos morros da
Barra,, na serra Paranapiacaha. Sua extensão é de mil duzentos e vinte
e dous kilometros (b).
Foi com o Rio Pardo a mais antiga e procurada estrada dos sertanis-
tas de Matto-Grosso, que só aqui no Tietê tinham cinco enta e quatro ca-
choeiras e dous grandes saltos á vencer. Tem por affluentes, á direita : o
Jundiahy, Pirassupebossú, Paratihú, Tajassupémerim, Pirahytinga, Ju-
query , Jundiahy, Grande, Capivary, Piracicaba, Jacaré-pipira, Jaguaguassú,
Quilombo, S.José eSucury ; e á esquerda: Cabussú, Tamandoatehy, Pinhei-
(a) Jornal do Commercio de 27 de Abril de 1865.
(b) Senador Godoy, ob. cit.
14
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106 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
ros, Pirapóra, Sorocaba, Onça, Capivara, Aracuan, Lençóes, Patos, Bauni,
Claro e Alambary. Daquelles são subsidiários: o celebrado Tpiranga, o
Anhangabahu, Meninos, Couros, Rios Grande e Pequeno, Traição, Alam-
bary, Ipanema, Quilombo, Turvo, Ponte, Sorocabussú, Sorocámerim, Una,
Iperó e Sarapuhy; e dos da esquerda: Juquery-merim, Cachoeira, Guabi
rotuba, Cavalleiro, Jundiahy-merim, Guapeba, Mangabahu, Pirahy, Capi-
vary, Gerivatuba, Ponte Alta, Pinbal, Jaguary, Camandocaya, Couros,
Pirapitinguy, Atibaya, Cachoeira, Quilombos, Santo Agostinho, Peixe,
Jequitibá, Feital, Sebastião Alves, Toledo e Alambary (a).
2° O Paranapanenia^ de mais de mil kilometros, que vem da serra
do Cubatão, braço de Paranapiacaba, engrossando-se com as aguas dos
Itapetiningas, grande e pequeno, Santo Ignacio, Pedra Preta, S.João,
Bonito, S. Bartholomeu, Pirajú, Almas, Pardo, Correntes, Jacutinga,
Santa Barbara, S. Jeronymo, Cachoeira, Araras e Paiva, á sua direita ;
e á esquerda, com o Paranapitinga, Apiahy, Taquary, Verde e Itararé
(formado paio Fundo e Feriiuba),Cmi^ e seu affluente o Peixe, o Tibagy,
o Vermelho e o Tirapó, dos quaes um só delles, o Tibagy, de mais de
seiscentos kilometros, cujas nascentes vem das montanhas visinhas á Cori-
tiba, recebe as aguas de dez grossas tributários, que são : Pirahy, Japu,
Capivary, Fortaleza, Santa Bjsa, Alegre, Antas, Tigre, Congonhas, e
Cerne. Aos braços da margem direita do Paranapanema vém ter as
aguas de vários affluentes, entre outros : Jacu, Veados, Claro, Novo, S. Do-
mingos, Alambary, Turvo, S. Pedro e S. João.
3.° O Ivahi/, cujas principaes cabeceiras estão na serra da Espe-
ran^a,perto da cidade de Palmeiras,no Paraná,e que tem por principaes for-
madores: Bello, S. Francisco, Muricy, Pinheiros, Peixe, Corumbátahy (com
seus Viffimntas Taquarmsií, Herval, Palmifale Bonito), o Anta, etc. (b).
(a) Senador Godoy. ob. cit.
(b) Carta de 187j da com. da carta geral do Império.
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DA província de MATTO-GROi^SO 107
VIU
Ao occidcnte e sul da província, dous dos maiores cursos da America
banham o seu extenso território, servindo-lhe em grande parte de linha
divisória entre os paizes visinhos. São o Paraguay e o Guaporé.
O Paraguay vem desde o parallelo 14° 14', cerca de cento e cin-
coenta e cinco kilometros distante de Cuyabá ; nasce no alto da chamada
serra das Sete Lagoas, da Melgueira, ou Pary, n'um brejal onde appa-
recem distinctos, por livre dos hydrophytos que os soem encobrir, outros
tantos pequenos lençóes d'agua, que trouxeram o nome por que é mais
conhecida essa parte do chapadão. Sua coiTente segue, em começo, o rumo
nort€, engrossada pouco á pouco com os ribeiros do QuUomho ou Negro
e do Anwlar^ que é a mais septemtrional de suas fontes. Após duas léguas
de curso despenha-se á banda do JV. pela aresta do chapadão, ahi chamada
morro Vermelho, n uma altura de setenta metros ; muda de direcção para
O. e S.j e outras duas léguas abaixo recebe o Diamanimo, nascido no
Arraial Yelho e augmentado com as aguas do rio do Ouro, nascido no
morro do Caranâaly; mais dez adiante recebe, á esquerda, o Brumaâo e
á direita, o SanfAnna^ contravertentes do Sumidouro, rios bastante
lageados. Por esse nome de Sant^Anna conhecem alguns o Paraguay dahi
para cima ; e era opinião de A. Bompland que este é corruptela de Paya-
ffuá^, rio dos payaguás.
Entre as muitas correntes que nelle vém morrer são principaes,
ã direita : Rio Preto, também chamado Pirahy (a), Sfpofuha^ Cahaçnh
(a) Também chamado Verde^ Branco^ Vei^melho ou da Forquilha (barão de
Melgaço) ; o que si por um lado indica ter sido muito explorado, mostra de outro
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108 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Bugres (a), Jaurú, Filcomayo e Berniejo, além de outros muito menores,
abstrahindo já de alguns, como os ribeirões de António Gomes, Pary e
Tucuhaca (que se lança na bahia Negra), o Latereqtiique, o Galvan
e o Verde, que são cursos accidentaes e não rios perennes.
Na outra margem notam-se os ribeirões Saloias, Caehoemnha e
Anlmmas, que prestam-se já á navegação de canoas ; o Jaricocodra, Pi-
raputangas, Boceiro, Seixo, Taquaral, Fkxas, Bacahuva, Gtuiynanây,
CJiaves, Figueira e Bio iVovo^que vém desde a foz do Jaurú até a altura de
Poconé, e perdem-se, conmiummente, no grande pantanal que do parallelo
16° vae até o 22°; e os rios S. Lourenço, Taquary, Miranda, Braiico^
Apa, Aquidahan, Ipané, Jejui, Manduvird e Tehicuary,
Dos principaes :
1.° O Sipotuba desce da serra de Tapirapuam, onde forma contra-
fontes com o Sumidouro : tem por mais notáveis cabeceiras o Gerivauha
ou Juruhaúha, contravertentes com o Sabaráuina, e o Jabá (Juva das
cartas do século passado), que também origina-se bem próximo ás nascentes
do Jaurú, Guaporé e Juruhena. Duas das suas cabeceiras, segundo João
de Souza Azevedo, despenham-se de uma altura de seiscentos palmos.
Corre em terrenos fimies e próprios para a lavoura, e orlados de vigo-
rosa mattaria,'a qual até o Jaurú é ubérrima de ipecacuanha, e conhecida
sob o nome de maltas da poaya. W encachoeirado em mais de um terço
do curso (cerca de cento e trinta á cento e cincoenta kilometros), segundo
o Sr. barão de Melgaço (b), tendo um salto de mais de vinte metros de alto,
o pouco conhecimento que se guardou dessas explorações, ignorando uns explora-
dores o que os outros fizeram ; e clama por uma revisão na nossa nomenclatura
geographica, que tire-a do cháos em que se acha. Na descrip(;ão do Paraná vimos
não menos de 6 Alambarys, 5 rios do Peixe, õ Capivarys, 3 Quilombos, Cachoeiras,
Verdes, etc.
(a) E* também conhecido por Tapirapuam, Branco ou dos Barbados^ pela sua
procedência, côr das aguas e Índios que lhe povoam as margens.
(b) Roteiro do rio Paraguay.
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DA província de mattoorosso 109
e navegável no resto, tendo já sido sulcado por vapores n'um tracto de
quasi duzentos kilometros. Thomaz Page, capitão da canhoneira americana
Wafer^cifcJf, primeiro vapor que cortou as aguas do Paraguay,em 1859,
subiu esse aíBuente no pequeno vapor brasileiro Alpha para mais de cento
e vinte kilometros (a).
O Sipotuba lança-se, segundo Eicardo Franco, aos 15° 50\ lat.,
após um curso de cerca de trezentos e trinta kilometros.
2.** O Cabalai desce dos serros do Olho cTAgua, ramo da Tapira-
puara, entre o Jabá e o Jaurú. Sáo suas principaes origens o Lagoinha,
o Vermelho e o riacho do Ouro^ que corre em terrenos auríferos, já
em 1790 explorados e agora em nova via de exploração, estando para esse
fim organisada uma Companhia de Mineração das Mi^ias do Cabaçal.
Tem por principal aflBuente o Bra7wo, de quasi egual cabedal de
aguas, o qual lhe entra pela esquerda. O Cabaç^il corre por uns cento
e sessenta á cento e oitenta kilometros, e, com sessenta metros de largura
na boca, vac lançar-se cerca de um kilometro abaixo do Piraputangas e
uns quinze acima da cidade de S. Luiz de Cáceres.
E' navegável por mais de cem kilometros, sendo dabi para cima
atravancado de cachoeiras e saltos.
3."* O Bugres, que vem das serranias entre o Cabaçal e o Jaurú :
soa extensão é de cem á cento e vinte kilometros, recebendo dous pequenos
subsidiários no Sangrador do Padre Ignacio e no Sangradorzinho. Seu
maior interesse está na riquesa da poaya de suas margens.
4.*' O Jaurú. W um dos mais notáveis da província pela sua impor-
tância antiga, quando reputado a linha divisória com as terras hespanholas,
hoje da Bolivia. Seu curso é de cerca de setecentos kilometros, do qual
metade navegável até o Registro (b). Tem por principaes affluentes o
(a) Relatório do presidente Herculano Ferreira Penna, 1862.
(b) Está aos \fp 44' 32'\ lat., conforme a Carta GeogrAo rio Guaporé, pela com-
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110 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Piquiliy, Bagres e o Aguapéhy^ todos entroncando-se na margem direita,
sendo mais notável este ultimo que nasce no alto da serra do mesmo
nome, perto das origens do Alegre, tributário do Guaporé, em lat.
de 16° 14', ambos correndo parallelamente e juntos por espaço de uns
quarenta kilometros, até precipitarem-se cada um por uma alta cascata,
separados apenas por um quarto de légua de terreno (a). Sua foz mede
na largura cerca de cento e dez metros e segundo D'Alincourt (b) está
á 180 de altura sobre o nivel do mar.
o morro do CaracarÀ
Junto ás nascentes do Alegre e Aguapehy existiram as minas e ar-
raial de Santa Barbara, fundado em 1782 pelo alferes José Pereira, que
as descobrira.
Uma légua abaixo é que ficava, já na baixada, o celebre isthmo de
missão demarcadora de 1782 ; e distante, segundo o Dr. Lacerda (diário de 1788)
trinta e três e meia léguas da Villa Bella, vinte e cinco da ponte do Guaporé e sete
centas e trinta de Montevideo.
(a) Aos lõo 52*, conforme a mesma Carta.
(b) Obra citada.
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DA província de mattogrosso 111
duas mil e quatrocentas brac^as (a), que o capitão-general Luiz Pinto pre-
tendeu canalisar, em março de 1771, cora o arrojado intento de realisar
a sua participação ao rei, de que — « ficava unido o mar equinoxial com o
do parallelo 36° de latitude austral por um canal de trez mil e quinhentas
léguas, formado pela naturesa. » Fez passar uma canoa de carga de seis
remos por banda, partida de Villa Bella pelo Alegre acima, para o Agua-
pehy, donde desceu para o Paraguay.
Em tempos de seu successor encontrou-se melhor varadouro uma
e meia légua mais abaixo, onde, comquanto mais aífastados os rios, o
terreno offerece menos difficuldades. Luiz de Albuquerque quiz explo-
ral-o, imbuido nas idéas de seu antecessor, e tcntou-o em Abril de 1773
sem nenhum resultado. O mesmo succedeu aos particulíiros que o preten-
denim navegar (b).
(a) Na Ddscripção Geogr, da Capitania^ de Ricardo Franco, inserida no Eyisaio
Qliorographico dos Srs. MeUo Moraes e coronel Accioli, dà-sc ao isthmo a extensão
de oO*20 braças, o de íyòll o outro, uma e meia légua abaixo.
(b) Em officio de 27 de julho de 1773 Luiz de Albuquerque communica ao mi-
nistro d'Ultramar o seguinte :
— « Cuidei incessantemente (quando principiaram as aguas á engrossar alguma
cousa 03 dous rios) em mandur fazer muito mais larga e praticável a primeira 6
mais antiga picada do matto, em limpar os rios dos embaraços das arvores, man-
dando linalmente bastante numero de gente á essa diligencia, não só na qualidade
de gastadores, mas também com o objecto de darem toda a necessária assistência
ao comboyeiro Gabriel Antunes, que havia assegurado á meu antecessor de varar
o isthmo, com a occasiào do retorno que devia fazer do Rio de Janeiro, debaixo da
promessa de se lhe perdoarem os direitos da sua carregação ;— porquanto eu sabia
já, por antecipadas noticias, que este comboyeiro havia de chegar naquelle tempo:
assim succedeu justamente, quando os sobreditos gastadores, em conformidade das
minhas ordens, o estavam esperando ; porém náo puderam ser bastantes todos os
esforços juntos para acabar de subir o rio Aguapehy até a paragem proporcionada
ao varadouro, pela falta das aguas, sem embargo de se intentar essa operação no
meio do mez de abril, em que ellas costumam reinar com mais alguma força ; e foi
finalmente obrigaao o sobredito Gabriel Antunes á abandonar a empresa de passar
o isthmo a sua fazenda, retrocedendo ao antigo porto do rio Jaurú, donde seguiu
por terra á esta capital. £ste negociante ainda insta na possibilidade de varar em
annos de mais aguas ; mas eu, por varias informações, me acho persuadido de que
nunca o será sem grandíssima difficuldade, que i&io possa conseguir-se, no caso
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112 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
O Aguapehy tem de extensão cento e oitenta á duzentas kilometros
e sahe no Jaurú vinte léguas abaixo do Begistro.
Uma légua á S. O. deste, n'um terreno de schisto e talco lamellar,
ficam as minas de cobre carbonatado, que passam por serem de grande
riquesa. O Jaurú lança-se no Paraguay aos 16" 23', de latitude, cerca
de trinta e oito kilometros abaixo da cidade de S. Luiz de Cáceres.
Os outros affluentes dessa margem não pertencem ao Brasil. O Tu-
cubaca, que fenece na Bahia Negra, parece não ser mais do que uma
corixa ou escoante, no tempo das aguas. A Bahia Negra está aos 20° 10'
10" lai e 58° 17' 21" O. de Greenwich, segundo Dugraty, umas dez
léguas abaixo do forte de Coimbra. Nella começa a linha divisória do
Império com a Bolivia. A commissão brasileira de limites, presidida pelo
Sr. capitão de mar e guerra António Cláudio Soido, em 1873, determinou
a posição do marco boliviano no parallelo 20° 08' 38" e aos 14° 56' 22",
38, O. ; o brasileiro aos 20° 08' 33", 37, lai, e 14° 56' 20", 43, O. ; e
o marco commum, no fundo da bahia, em lat. de 19° 47' 32" e long.
de 14° 56' 45", 60. Em 1864 o Sr. barão de Melgaço mandou-a reco-
nhecer pelo Sr. capitão Fi-âncisco Nunes da Cunha, já tendo sido ante-
riormente explorada, em 1853 e 1859, pelo capitão Page.
IX
Dos tributários que o Paraguay recebe na margem oriental, os mais
consideráveis partem do coração da província, e são :
sonient6 de serem muito ligeiras as canoas e do intentar-se a passagem justamente
na força das enchentes, que de ordinário duram pouco tempo. Deve também ser
tomada em consideração a existência de notáveis cachoeiras no Alegre e no Agua-
pehy. »—
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c). K^UÁ^ d^ CÁaicX€:>
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DA província de MAl^lXHJROSSO 113
1.** OS. Lourenço^ cujas principaes origens estão, ao N,, na serra do
seu nome e á O., nade Santa Martha, entre os parallelos de 15** e 16*.
E' rio de mais de oitocentos e cincoenta kilometros de longura, dos quaes
cerca de seiscentos navegáveis. Seus maiores afluentes são : Agua
Branca, Parnahyba, Roncador, Itiquira e Cuyàbá, O rio Negro dos
antigos não é mais do que um braço ou furo do mesmo S. Lourenço, longo
apenas de uns dezeseis kilometros. Do Itiquii^a são subsidiários, á direita
o Peixe de Couro, e á esquerda o Correntes, cujo braço o Piquiry é bem
conhecido. Alguns suppôem este o tronco principal e conservam-lhe o nome
até a foz no S. Lourenço ; a opinião, porém, do illustrado Sr. Melgaço é a
contraria. O Piquiry é navegável até o destacamento do mesmo nome na
estrada de S. Paulo, próximo já á suas origens, ao sul do paral-
lelo 18^
Em 1811, tendo o capitão-general Oyenhausen Noticia de que
entre este rio e o Sucuryhú havia um varadouro mais curto e mais fácil do
que o de Camapuam, mandou exploral-o, o que novamente fez em 1826 o
presidente José Saturnino. Reconheceu-se que a distancia entre os dous
rios era de quarenta léguas, atravessando pelos terrenos das nascentes
do Taquary (a).
Na confluência do ribeirão Coroados, que é uma das suas cabeceiras,
estabeleceu em 1876 o presidente General Hermes a colónia militar de
S. Lourenço, Ç2im manter em respeito os selvagens dahi e prover a
segurança, então quasi nulla, da estrada do Piquiry, o que grandes bene-
fícios tem trazido á provincia.
O Cuyàbá é o principal tributário do S. Lourenço, sendo-lhe quasi
egual no curso. Vem, como já se o disse, desde a montanha do Tombador,
donde se despenha n'uma cascata de cerca de trinta metros de altura (b),
(a) Relatório de 1862 do presidente Penna.
(b) Bart. Bossi, Viaje Pintoresco, etc.
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114 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
do mesmo modo que o EsHmâo^ cabeceira do Arinos. Tem por princi-
paes tributários os rios : Triste^ Quiehó, vindo do Diamantino, o Manso^
cujo raudal parece indicar ser confluente e não affluente (nasce junto ao
morro do Chapéo de Sol, na Chapada, e recebe aguas do Casca e Qui-
lombo) ; os dous Coxipós assíi e merim, o Cocaes, os dous Aricás e o
Cuyabã-nienm. Os dous Croarás, o Carandd e os dous Guachús (a),
todos vindos da Chupada,mo são mais do que escoadores de aguas, só cau-
dalosos na estação das chuvas.
O Cuyabá guarda uma largura entre oitenta e cento e cincoenta
metros no curso ordinário. A navegação á vapor faz-se até a capital, que
dista seiscentos kilometros da foz (b), em nams de menos de 1,6^^ de
calado.
Da cidade para cima ha talvez ainda uns trezentos e cincoenta kilo-
metros de navegação para canoas — « sem outro impedimento que o de
paus cabidos, » diz o presidente Penna, no seu relatório de 1862. Entre-
tanto não são i>oucas suas cachoeiras, corredeiras e entaipabas, que co-
meçam por um Salío, logo dez kilometros abaixo da barra do Quiebó.
Dessas $áo mais conhecidas a Pendura, oito kilometros após á barra
do Manso ; Pa/f5,dezeseis abaixo do rio da Forquilha ; Soares, cinco kilo-
metros adianle; as entúi^sibus Faiva, Fenda, Quaíro Vmiem^i, Cinco Oita-
vas, Toma Canoa; as cachoeiras J./ww,ç, Torta, Trez Fedras, Tucuni, Biie-
710, Bueninho, Forcos, Leitão, VaJle, Funil, I{ancharia,Jaricocoára, Salto,
Itamaracd, Jaeapueú, Caiçara, Cachoeirinha, Corral de Cima, Fer-
reiro, Goyas, Leile, Fedra Grande, Tamondud, Fau Santo, Fedra
Branca, Sucury, Anna Vieira, Buraquinho, Mundéo, Machado, Can-
(a) Vinte e dous kilometros abaixo do Guachu-meriín fica o Bananal ou
Arraial TW/io, notável por ser evidente que é um grande aterro feito pelos primi-
tivos habitunt s, quer^sertanistas, quer autochthones ; entre os quaes se partilham
as opiniões; nào deixando, comtudo,de ser notável que quaesquer delles se dessem à
tal trabalho.
(b) Somente 2:^5 milhas, assegura o Sr. Melgaço.
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DA província de MAITO-GROSSO 115
gica^ Capella, Pedro Marques, Pary, Guarita e José de Pinho, estas
três ultimas enlaipabas, e a maior pai^te de não mui difficil travessia.
O Cuyabá faz contravertentes cora o Paranatinga e Arinos ; laii-
çava-se aos 17° 19' 43", segundo Ricardo Franco, e n*uma altitude de
oitenta e quatro braças e quatro palmos, segundo D'Alincourt (obras ci-
tadas); mas, ha poucos annos, após uma grande enchente, as aguas ao
retirarem-se cavaram-lhe nova foz, cerca de um kilometro acima.
O S. Lourenço corre ainda uns cento e cincoenta kilometros depois de
receber o Cuyabá, e vae entrar no Paraguay, por duas bocas, no vasto e
perenne pantanal onde se eleva o morro do Caracará, n'uma altitude de
setenta e meia braças sobre o nivel do mar, conforme D'Alincourt.
Esse rio foi antigamente conhecido pelo nome de Porrudos, pela con-
fusão que trouxe aos seus descobridores a extravagância de ornatos das
tribus que o habitavam ; e que consistia n'uma cabaça comprida, que
usavam como preservativo ás morti feras dentadas das piranhas, extrema-
mente communs nessas aguas. Por tal nome é hoje ainda designado,
quasi que commummente, o seu trecho de corrente acima do Para-
nahyba.
2.** O Taquary, principal entrada dos antigos sertanistas, que desde
Porto Feliz, então Araritagnala, desciam cento e quarenta léguas do
Tietê e trinta e cinco do Paraná; subiam sessenta e du^s do Rio Pardo,
donde passavam ao Vermelho e deste ao Sanguesuga, varando ahi as
canoas por uma estrada de treze mil novecentos e quatro metros até a
fazenda de Camapuam, sobre o ribeirão desse nome, pelo qual baixavam
ao Coxim e por este ao Taquary, n'um trecho de trinta legiias, e o dobro
neste ultimo, até o Paraguay. Teve começo essa navegação pelo anno de.
1724; iniciaram-a os irmãos João e Lourenço Leme, tão celebres nos
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116 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
annaes desse tempo por suas explorações e aventuras,como por seus crimes.
Em principio deixavam as canoas no Salto do Cajurú^ no Camapuam, e
levavam as cargas por terra até o Coxim (a).
As vertentes do Taquary ficam á noroeste, na serra Sellada, com o
Sujo, contrafontes com .o Piquiry(b); ao occidente,o Camapuam^ o Turvo,
o Sellado e o Inferno, este contrafontes do Pitombas ; e ao sul, nas serras
de Santa Barbara e Anhambahy com as vertentes do Taquary^merhn e
do Coxim, estas contrafontes com o Taboco. Lançarse no Paraguay por
duas embocaduras ; entretanto, desde quasi duzentos kilometros acima
dessa confluência, forma, com grande numero de braços ou furos, uma
intrincada rede de canaes, entretida pela completa planura e nullo declive
do solo. Desses, muitos transbordam e se espalham pela planicie, outros
fenecem em lagoas, e todos servem para entreter o vasto alagado dessa
região. Aquellas duas bocas são navegáveis ; e são conhecidas por ão
Formigueiro, a da norte, distante vinte e sete kilometros de Corumbá, e
Boca do Taquary, a principal, que fica em egual distancia ao sul
daquella.
Dos seus afBuentes o Coxim é o principal : é uma corrente de mais
de cento e sessenta kilometros, que vem dos contrafortes septemtrionaes
da Anhambahy (c). Junto á sua foz (d), no local antigamente chamado
Beliago, floresce hoje a villa de S. José de Herculanea, antiga colónia
militar do Coxim, mandada estabelecer em 25 de novembro de 1862 pelo
(a) Barbosa de Sá. Rei dos Pov.
(b) Não se o confunda com o Piquiry afflaente do Paraná, na sua margem
esquerda e logo junto ao Salto das Sete Quedas, em cuja barra fundaram os hes-
panhoes em 1557 a Ciudad Real, em substituição da de Guaprd, fundada em 1538
do outro lado do Paraná.
(c) Anhambahy é e nome] guarany do feto macho, polypodium, vegetal ahi
muito commum.
(d) A confluência do Ooxim, fronteira á cachoeira da Barra, foi, pelos astró-
nomos de 1792, determinada em 18» 33' 58'* de latitude e 3-22o 37* 18", long. occid. da
ilha de Ferro.
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DA província de matto-grosso 117
zeloso presidente Herculalio Ferreira Penna, em honra de quem, mais
tarde, se lhe mudou o nome.
D'Alincourt marcou a altitude do ponto em cento e nove braças e
sete palmos (243",8).
Engrossam suas aguas alguns rios e ribeirões entre os quaes o Bar-
reiro Grande, Sellado, Inferno, Jaurú, Taquary-merim, Jacaré, etc.
3.* O Miranda, Mboteteyn dos indígenas, é um dos nossos rios
que mais nomes tém. Algumas nações chamavam-o Gtiararapó; os
exploradores de Luiz de Vasconcellos, que o percorreram em 1776 (a),
baptisaram-o por MonrJcr/o.om lisonja ao rio pátrio daquelle governador :
no nome, por que actualmente é mais conhecido, chrismou-o por idêntico
motivo o commandante do reducto (b), que o outro governador Caetano
Pinto de Miraiula Montenegro ahi mandou estabelecer em 1797 ; é ainda
chamado Mareco, (jrtinchiy e ^rflf^?//<//í/ ((), sendo/ porém, o primeiro
desses três nomes mais positivamente empregado para designar um dos
dous grandes braços em que o rio se divide. Originasse na ?erra do
Anhambahy,onde pelo Nioac, ou mellior Anhuar, que é o seu verdadeiro
nome, forma com o. Dourados contravertentes com o Ivinheyma. São
aquelles dous braços o Aquiãauána e o Miranda, propriamente dito ou
Mareco.
D^te'^são contribuintes os rios e ribeirões rfa^ Velhas, Atoleiro,
Praia, Formoso, Santo António, Feio, Desharrancado, Nioac (formado
pelos Urumheba e Canindé), Lauãíjd, CaJiy e Claro ; começa á avultar
da confluência do primeiro, indo sua navegação até a Forquilha ou foz do
Nioac ; sendo seu curso de pouco mais ou'menos trezentos kilometros.
O Aquidaudna, que desce da mesma serra, recebe o Cachoeirinha,
(a) João Leme do Prado, o mesmo que explorou, em 1772, a serra dos Pareci s
entre o forte do Príncipe e os Arraiaes.
(b) Francisco Rodrigues do Prado, depois commandante de Coimbra.
(c) Goachié e Àraniani traz Dugraty na sua Rep, dei Paraguy,
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118 ESBOÇO CHOROGRAPflICO
Cachoeira, Dons Irmfws, Taquarussú, Uacôgo, á esquerda ; e á direita o
João Dias, Paixexi, Paixão e Negro que recebe as aguas do Taboco,
sendo, ambos, rios de sessenta metros de largo (a).
Pelo Aquidauána subiam antigamente as monções dos povoados de
Cuyabá á Araritaguaba, descendo depois pelo Nhandhuy para o rio Pardo.
O Miranda, após a reunião dos seus dous braços, recebe ainda dous
tributários, que são o Vermelho, desaguadouro da lagoa das Onças^ e o
Capivary,
Rio Talaoco
(Desenho do Sr. Dr. Taunay).
Não está averiguado quem primeiro percorreu o Paraguay, si os por-
tuguezes, si os hespanhoes; geralmente suppõe-se que^aquelles: o certo, po-
rém, é que foram estes os que primeiro ahi se estabeleceram, fundando Kuy
Dias de Melgarejo, em 1580, a pretensa cidade de Santiago de Xerez,
O varadouro de Nioac para Dourados é de quarenta e cinco á cin-
coenta kilometros; foi abei-to em 1850, quando o barão de Antonina res-
(a) o Sr. Dr. Taunay. Ob. cit.
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DA província, de MATTO-GROaSO 119
tabelecen a navegação do Ivinheyma. Em 1855 fundou-se ahi uma coló-
nia militar, que em 1860 tornou-se a sede do commando militar do
districto e fronteira, mudando-se para ella a parada do corpo de cavallaria
da província. Em 1865 já tinha mais de setecentos habitantes quando
sobreveiu a guerra paraguaya: tomada pelos invasores, só a abandonaram
em 2 de agosto do anno seguinte, após terem-a destruído completamente.
Restabelecida, com a dos Dourados, por acto presidencial de 21 de junho
de 1872, tem tomado ultimamente soffrivel incremento, merecendo ser,
por lei provincal n. 504 de 20 de maio de 1877, erigida em freguezia sob
a invocação de Santa Rifa de Levergêria, em homenagem ao sábio e vene-
rando cidadão que, por occasião dessa guerra, novos direitos adquirira á
gratidão da sua segunda pátria com a heróica defesa do Melgaço que por
sua vez lhe mudou o nome cora o titulo que o condecorou.. Essas
duas colónias do Nioac e do Dourados distam sessenta e seis kilometros
uma da outra.
O Miranda lança suas aguas, também por duas bocas, no Paraguay '
a primeiía sessenta e cinco kilometros abaixo da Boca do Taqíuiry, A
villa de Miranda é o antigo presidio á que Francisco Rodrigues do Prado
impôz o nome do governador; foi fundado ao saber-se que por ahi andara
um coronel hespanhol, Espínola, em perseguição de indios. Está situada
na distancia de meio kilometro da margem direita do rio (a).
A colónia de Miranda estabeleceu-se duzentos e dez kilometros á
SE., nas cabeceiras do rio, por ordem do governo imperial, de 23 de
novembro de 1850. Em 1858, quando ninguém podia prever a guerra
paraguaya, houve a idéa de fazer-se desse presidio uma praça forte, cer-
cando-o de boas obras de guerra (b).
(a) lyAlincourt dá 247 braças Ob. cit.
(b) O Sr. barão de Melgaço. Ob. cit.
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120 ESBOÇO CH0R0GR.4PHIC0
4.'* O ultimo affluente brasileiro nessa margem do Paraguay é o
Apa^ ou Apá, Pirahy ou Nighy dos guaycurús. Desce dos morros de
Taquarupiian^ na cordilheira do Anhambahy, dè dous braços principaes,
cujo maior é o Esirella, do qual as fontes vertem do parallelo 22** 16'
39",3 e meridiano 12» 39' 1", 80.
Em sua margem esquerda tinham os hespanhóes em 1801 um fortim
denominado de S. José, que o commandante daquelle presidio, o mesmo
Rodrigues do Prado, ao ter noticia do insólito ataque do forte de Coimbra
em setembro desse anno, foi por sua vez atacal-o, assaltou-o e reduziu-o
á cinzas em 1 de janeiro de 1802.
Foi naquella origem da Estrella que a commissào demarcadora de
limites com a republica do Paraguay levantou, em 30 de outubro de 1874
o seu primeiro marco divisório, e o segundo em 29 de agosto seguinte
na confluência com o outro braço, aos 22° 4* 40",3, lai, e 13° 10' 39" 5,
long., na distancia de 3300 metros do Passo da Bella Vista (a). Dessa
confluência á foz mede o Apa trezentos e vinte e nove kilometros e sessenta
e oito centésimos, prestando-se á navegação até suas grandes cachoeiras.
A linha limitrophe segue pelo alveo do rio até sua barra principal no Pa-
raguay, onde está assentado o marco brasileiro aos 22° 4' 45'',2 lat., e 13°
48\ 4r',20, long.
São principaes contribuintes seus: Estrella, Lagea<lx), Galmel
Lopes, Taqtmrussú, Sombrero, Ouro e Pedra de Cal, quasi todos na
margem brasileira.
Entre o Miranda e o Apa existem ainda algumas pequenas correntes,
como o Terery ou Napileque, que é o rio do Queime (b), de Ricardo
Franco, e que segundo o Sr. Melgaço chamarse também S, Francisco de
(a) Relatório do commissario, o Sr. coronel Rufino £. G. Galvão.
(b) Queima chama-lhe o brigadeiro Manoel Ferreira de Araújo na sua memoria
publicada do Péi/rto^a,jomal Utterario do Rio de Janeiro (Chor, Hist. do Sr. Dr. Mello
Moraes, t. 2.o) no começo do século.
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DA província de MATT(H3R0SS0 121
Paula; o Tepoty, citado por aquelle engenheiro ; e o rio Branco, volu
mosa corrente que os hespanhóes na demarcação de 1753 queriam que
fosse o Correntes, cuja foz Dugraty coUoca aos 20° 58\ de latitude , e
que entretanto é apenas um escoadouro dos pantanaes, do mesmo modo
que o -Rio ^oro descoberto em 1796 pelo coronel Kicardo Franco, nove
léguas abaixo do morro do Descalvado, segundo aquelle sábio general da
armada não é mais do que um braço do Paraguay (a).
Taes são os principaes subsidiários brasileiros do rio Paraguay, um
dos mais magestosos e de mais segura navegação do mundo, e indubita-
velmente a melhor e mais fácil estrada da província de Matto-Grosso.
Seu curso é maior de dous mil e duzentos kilometros ; e contando-se
lhe a continuação no Paraná e Prata, vae ao dobro ; sendo de mais de
cincoenta mil kilometros a extensão da sua vastíssima rêd^ potamogra-
phica, navegável talvez em mais da terça parte.
Desde 1537 que os hespanhóes começaram á percorrel-o em busca
de caminho para o Peru. Ao Jaurú chegaram em 1560; sendo dahi que
Nuflo de Chaves atravessou para o paiz dos chiquitos, onde foi fundar
a cidade de Santa Cruz de la Sierra; e como já viu-se, em 1580 Melgarejo
subia-o e o Mboteteyn, e lançava os alicerces da cidade de Xerez.
O capitão Thomaz Page, quando em suas explorações, navegou-o além do
Sipotuba uns sessenta á sessenta e seis kilometros : passa por fácil o seu
trajecto, em tempo de aguas, até as Três Barras, local onde convergem
as aguas doSanfAnna é do Brumado; sendo, portanto, navegável todo o rio
Paraguay, visto que desde essa confluência é que recebe o nome que tem.
(a) O atlas do Sr. G. Mendes marca ainda á margem direita, entre a Uberaba
e o Descalvado, os rios Zumanaca e Patagiõsimos^ que lá nao existem, e também o
Goabis. Quanto a este, ha uma pequena corixa, nessa direcção, chamada Javes,
que é escoadouro da lagoa Babeca, mas sem a menor importância. Marca ainda
duas outras correntes entre o Jaurú e o Descafvadoy também desconhecidas.
16
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122 ESBOí.O CHOROGRAPHICO
X
A face noroeste da província é banhada pelos rios Guaporé, Mamoré
e Madeira, que lhe offerecem caminho para o Amazonas niim trecho de
perto de três mil kilometros ; o qual, comquanto trabalhoso e diflficil pelos
estorvos que encontra na região encachoeirada, tempo virá em que se con-
verta n uma excellente estrada, quando a ferro-via do Madeira ao Ma-
moré. tão mal aventurada, ou melhor, tão pouco favorecida, fôr uma
n»alidade.
Eram esses rios o caminho por onde iam e vinham os capitães-
generaes ; por onde durante muitos annos se fez quasi todo o commercio
da capitania, maior e mais rendoso do que o das monções dos po-
voados (a); e por onde a provincia recebeu todo o material de que neces-
sitou para a construcçáo de suas fortificações, subindo e descendo rios e
cachoeiras, aqui conduzindo para o forte do Principe da Beira arti-
lharia do Pará e cantaria do Jaurú, ali levando ao de Coimbra os
mesmos materiaas e pelas mesmas vias.
Ha presumpçòes de que a navegação do Guaporé fosse iniciada
em 1737 por mineiros que descessem o Sararé — sem duvida attrahidos
pelas montanhas que avistavam ao occidente e que ficavam do outro
lado do rio. Como quer que seja, o descobrimento dessa grande artéria e
a gloria de abrir um caminho da capital do Matto-Grosso á do Pará,
(a) Nome que davam ás frotas que faziam o commercio com S. Paulo. Tirava a
denoriiinaçáo da quadra melhor para a navegação, quer pela estação do anno, quer
ptlo ajuntamento de maior numero de canoas para fazerem em mais segurança a
viagem. Dahi as phrases esperar monção, vir co.n a monçãOtmús tarde particular!-
fida à frota.
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DA PfiOVINCIA DE MATTOGROSSO 123
devem-se incontestavelmente á Manoel Félix de Lima, portuguez, que,
em 1742, perseguido da sorte nos trabalhos de mineração nas jazidas da
Parecis, dispoz-se á tentar novos azares, descendo do Sararé áquelle for-
moso e grande rio.
Ahi, no porto que chamaram da Pescaria, refez-se de canoas e
desceu em busca dos povoados castelhanos, dos quaes havia noticias
vagas, para nelles tentar negocio. Facilmente angariou outros compa-
nheiros sempre promptos, então, para aventuras taes, e egualmente re-
ceiosos de volver á Cuyabá,.por baldos de recursos seus e daquelles que os
tinham ajudado nas minerações. Subiram o Itonamas e o Baures ; mas
ainda lhes foi adversa a fortuna, que os missionários da Magdalena e da
Exaltação dos Cayoabás, fizeram-os retroceder.
Lima, era um dos poucos companheiros de António Fernandes de
Abreu, o investigador das minas do Brumado, — que sobreviveram á
fome, peste e morticinios, apanágio fatal, desde então, de quasi todas os
ricos descohertos (a).
Seus companheiros de viagem foram os paulistas Tristão da Cunha
Gago, licenciado, e seu cunhado João Barbosa Borba Gato, Matheus
Corrêa Leme, oiitro licenceado Francisco Leme do Prado e Dionysio
Bicudo, o fluminense João dos Santos e os europeus Joaquim Ferreira
Chaves, Vicente Ferreira de Assumpção, Manoel de Freitas Machado e
João dos Santos Wemeck. Acompanhavam-os uns quarenta captivos, de
todos elles (b).
E' tradição que já antes de Lima, uns seis mezes, descera o Guaporé
António de Almeida Moraes, cujos vestígios de recente acampamento
^uelle encontrara junto á foz do Mequenes. O autor das Noticias rela-
tivas á viagem de Rolim de Moura e creação de Villa Bella de Matto-
(a) Barbosa de Sá, obra citada.
(b) Annaes do senado da camará de Villa Bella, tomo 1», pag. 15.
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124 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Grosso (a) diz que em 1742 desceram o grande rio José Ferreira, José
Félix, Francisco Leme e outros, para negociarem com os castelhanos,
que os receberam com muita alegria, e já não assim outros que mais tarde
vieram. Parece essa noticia referir-se á viagem de Lima, sendo elle o José
FelixQ Joaquim Ferreira Chaves o José Ferreira; não sendo de extranhar,
por ser cousa natural e commum, que nessa época os contemporâneos não
lhes soubessem tão bem como os pósteros os nomes e aventuras, o que só
mais tarde os anncs e os acontecimentos elucidam.
Ilio Ouaporó
Dão os Annaes do senado da cantara de Villa Bella, e a Belaçõo
dos Povoados de José Barbosa de Sá,que Lima, tendo sido recebido com as
maiores honras, á principio, nessas missões, fôra depois coagido á retirar-se
á força, em vista do desagrado que tal recepção causara ao superior das
missões. Expulso da Exaltação, e sem ter, por tanto conseguido
ainda melhorar na fortuna, resolveu descer o Guaporé, talvez após
(a) Ms. dabibUoth. nac, cópia nao acabada, annexa á de uma carta de 17õ0
daquelle capitão^general ao marquez de Vai de Reis.
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DA PBOVINCU DE MATTO-GROSSO 125
inteirar-se dos tropeços da viagem, e sem duvida com guias para fazel-a,
O facto é que a maior parte da companha desistiu da empresa, que elle
realisou seguido por Chaves, Machado, Assumpção, um indio, quiçá o
guia, e três escravos. Apezar de asseverarem as fontes, acima citadas, que
Lima descera sem mais guia que a correntesa, teve elle outro piloto que
não a fortuna; que essa lhe não poderia ensinar, de aguas abaixo, os canaes
e perigos das cachoeiras, nem avisar-lhe em tempo onde os saltos, rodc-
moinhos e precipicios que infallivelmente destruiriam a frota, não maior
de duas canoas á vista do total da tripulação.
Como quer que seja desceu elle as temíveis cachoeiras do Mamoré e
Madeira — « passando infindas nações de Índios bravos » — e indo surgir
em Belém, onde em premio de sua aífoutesa, dos perigos que venceu, e
mais ainda do descobrimento importantíssimo que fez, teve do governo
que, — mais tarde, — determinava a prisão, por suspeito, de um certo Mr. de
Humboldt, o fazer -se-lhe elfectiva como transgressor da lei dos caminhos
das minas, que prohibia a entrada nos povoados castelhanos, a penalidade
que ella comminava. Teve, e os companheiros, sequestrados os bens ; e foi
com alguns daquelles preso para Lisboa, onde após aíBicções, pezares,
desgostos e a perda de tudo o que podiam possuir, foram á final soltos,
mas para esmolar da caridade publica o pão para o sustento quotidiano.
Chaves, um dos que ficaram em Belém, fora mandado assentar praça
de recruta no regimento da cidade ; pouco tempo depois desertou ; e
buscando rumos pelo Maranhão e Goyaz foi ter á Matto-Grosso, onde
passa por certo que á final se estabelecera, á própria borda do Guaporé,
umas três léguas abaixo da foz do Sarará (a).
Os outros sócios de Lima, que da Exaltação retrocederam, deram as
primeiras noticias dessa descida e propalaram-as também sobre as regices
(a) Soathey»- 1. 5*, pag» 439. Trad. do Dr. Luiz de Castro.
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126 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
que visitaram ; o que induziu o ouvidor de Cuyabá João Gonsalves Pereira
á mandar ao juiz ordinário dos arraiaes dp MdUo-Grosso, Domingos José
Gonsalves Ribeiro, que enviasse um explorador ás províncias hespanholas,
agora reconhecidas, o qual do que visse mandaria um relatório para ser
presente ao rei. (a).
Foi esse emissário o próprio autor da Relação dos Povoados (b); par-
tido, logo em fevereiro de 1743, com dous camaradas, Manoel de Castro e
Alexandre Manoel Rodrigues, dous escravos delle e seis daquelle juiz,
e tendo por piloto o mesmo Werneck que fòra companheiro de Lima.
Visitou S. Miguel, Magdalena, S. Martinho, S. Luiz, Conceição de Baures,
Exaltação, S. Pedro dos Caniquinaus ((5), S. Romão e Santa Cruz de la
Sierra,^ — « registrou todos aquelles districtos, adquiriu noticia de toda
a província, dos hespanhóes e dos indios com quem tratou e conversou,
tomou conhecimento díis nações barbaras mais visinhas e habitantes das
margens do Aporé (d) ; distancias em que ficavam tanto as povoações ca-
tholicas como as barbaras dos novos domicilies, suas alturas, capacidade da
navegação e tudo o mais que convinha; » — do que tudo fez sua fiel relação
que entregou ao juiz, o qual a remetteu ao ouvidor e este ao rei (a).Enganar
se,pois,Southey (e),attribuindo essa viagem á espirito de ganância de aven-
tureiros, quando fôra uma exploração de caracter politico : do mesmo
modo que parece menos bem fundada a noticia que dá de terem nessa
occasião seguido dous bandos, um com Sá e outro commandado por Fran-
cisco Leme do Prado (f), que ao descer o Guaporé já lhe encontrou tran-
cada a navegação com a presença dos hespanhóes na aldeia de Santa Rosa,
(a) Sá, ob. cit.
(b) Sá dá noticia dessa exploração sem parecer referiri-se á ôi próprio.
(c) Kinikinaus ? é esse o nome de uma tribii xané das margens do Paraguay
(d) Guaopré.
(e) T. 5o,— pag. 548.
(f) Leme do Prado, ura dos consócios de Lima, que retrocederam.
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DA PKOVINCIA DE MATTO-GROSSd 127
na margem direita e pouco abaixo da boca do Itonamas (a). O fundamento
para a negativa dessa asserção é que nem os Annoes do senado de Villa
Bella, nem Sá, no seu trabalho todo noticioso e chronologico, tratam dessa
expedição de Leme, nem ainda das outras que o historiador inglez, sempre
entretanto judicioso e exacto, diz que novamente fizeram Leme e seus
irmãos até 1749. ^
Novo Colombo, Lima teve também o seu Américo em João de Souza
de Azevedo, que chegado á Belém, no seu descobrimento da navegação
do Tapajoz, e tendo noticia daquella derrota do Madeira, já não quiz voltar
pela que descobrira, por suppôl-a de peior transito. Subiu por este rio, e
em 1749 aportou ao arraial de S. Francisco Xavier, então o povoado
principal das minas do Matto-Grosso, on*le foi tido pelo inventor do novo
caminho, mau grado a presença de Chaves e o infortúnio de Lima nos
cárceres e calçadas de Lisboa. E' que ainda nenhimia noticia havia delle.
Em Cuyabá sabia-se, todavia, que este emprehendêra tal viagem,
comquanto lhe ignorassem o êxito, — pelos testemunhos daquelles compa-
nheiros que propalaram tão temerosa aventura (b).
Segundo o padre Bento de Faria (c), dataria de 1725, e conforme
Baena (d), de antes de 1722, o descobrimento d^ navegação do Alto Ma-
deira, em tempos do governador do Pará João da Maia da Gama, quando
Francisco de Mello Palheta para ali seguira ao saber, de uns bandeirantes
que nessas regiões foram escravisar indios, haver povoados de brancos nos
(a) Tomada sete annos depois pelo capitão-general Rolim de Moura, que ahi
estabeleceu o fortim da Conceição.
(b) Roque Leme (ob.cit.) cita somente Werneck, Francisco Lemes e Matheus Cor-
rêa, á fora os indios e escravos, como os que acompanharam Lima nessa derrota.
(c) Carta inserta nos Annaes àaHist. doMaranháOj de Berredo.
(d) Compendio das eras da província do para.
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128 ESBOÇO GHOBOGBÀFHICO
rios superiores ás caehoeiras; e lá chegara na ikaltaçâo em 1723. Nada
acceitayel é essa noticia; e para refatal-a basta a admiração e espanto que
causou em Belém a chegada de Lima, as perseguições que soffireu e ainda,
a observação já feita por Baena, de não dar Palheta a menor noticia sobre
o Beni e o Guaporé; parecendo impossível que escapasse observação de
tal marca á um explorador de regiões desconhecidas; pelo que é de suppor
que si subiu o Madeira, não passou o trecho encachoeirado e soube do
mais por informações.
Novellas semelhantes são as que Southey dá de terem sido esses rios
navegados por um bando de fugitivos da Bahia, em cujo numero ia um
sacerdote, que foi o chronista da viagem, os quaes foram ter á Santa Cruz
de la Sierra, onde pediram permissão, que lhes foi negada, de se inter-
narem para o Peru, não se sabendo o fim que tiveram. E também a via-
gem de outro sacerdote do Pará, que a fizera no intento grandemente qui-
chotesco, de averiguar a distancia á que ficavam os estabelecimentos
hespanhoes — e recommendar-lhes que não ultrapassassem a margem
esquerda do Guaporé (a).
Ainda, conforme outros, vae á épocas mais remotas essa navegação.
Juan Patricio Hemandes, missionário jesuita, e também citado por
Southey, leva-a ao tempo de Nuflo de Chaves (1543 á 1560), quando,
abandonando o seu estabelecimento de Santa Cruz de la Sierra, desceu o
Vhay (b) e o Mamoré até o oceano (c).
Entretanto, só ha certeza da navegação completa dessa grande artéria
do coração do Brasil depois da excursão de Manoel Félix de Lima.
Logo, em 1748, partiram do Maranhão pelo Amazonas, e subiram o
(a) Southey, t. 5«, pag. 437.
(b) O Itonamas. Alguns cartographos o confundem com o Baures.
(c) Southey, t. 5o— 438.
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GROSSO 129
Madeira, Miguel de Sá (a) e Gaspar Barbosa de Lima; sendo por um
engano que Baena, á pag. 228 do seu Compendio das Eras, diz terem
descido, e que é o contrario do que elle próprio comprovara quando, á
pag. 226, diz que dous annos antes estava Gaspar na serra do Paru, em
busca de quina que descobrira, segundo informações que prestara ao
governador João de Abreu Castello Branco.
Em 1749, á 14 de julho, em cumprimento á ordens do Estado para
Francisco Pedro de Mendonça Gurjão, governador do Pará, seguiu o geo-
grapho José Gonsalves da Fonseca com numerosa expedição á explorar os
rios, observando-lhes os rumos até os arraiaes do Maito-Grosso, onde, com
eífeito, aportou em 16 de abril de 1750. Com elle foram o frade João de
Santiago, capuchinho, e os jesuítas José Paulo e Francisco Xavier Leme,
irmãos de Francisco Leme do Prado, o cirurgião Francisco Rodrigues da
Costa e Tristão da Cunha Gago, outro dos companheiros de Lima (b).
Em 1750 buscou também essa navegação o sargento-mór Luiz Fa-
gundes, de ordem do governo do Pará (c), seguindo integralmente a der-
rota de Fonseca.
E' pouco mais ou menos n'essa época que se atribue a fundação
de grandes estabelecimentos na ilha Comprida do Guaporé, povoada desde
1746 por paulistas foragidos das minas de Cuyabá, e que chegando
áquelle rio por elle desceram. Segundo Southey (d) era esse povoado de
nove fogos, formado por doze homens com suas mulheres e escravos,cheios
do mesmo espirito aventureiro, sem lei nem consciência, vivendo de
depredações e de escravisar indios que iam vender ás minas, e exercendo
suas devastações do Mequenes ao Baures. Essa ilha fica em frente á foz
do Mequenes e apresenta^e hoje com uma extensão de vinte kilometros.
(a) Baena chama-o Migael da Silva.
(b) Baena. Ensaio chorographico toòre o Pará, 518.
(c) Relatório do presidente Penna, 1862.
(d) Tomo 5«, pag. 446.
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130 ESBOÇO CHOEOGRAPHICO
Hoje, comquanto coberta de alta e densa mattaria, revela-se tão
alagadiça, sinão ella toda, ao menos um considerável perímetro, que parece
impossivel que ahi se levantassem estabelecimentos, quando, entre-
tanto, fronteiras á ella, sáo em geral altas as orlas dos dous braços do
Guaporé, que a formam, especialmente no do Jaracatiá, ende se elevam
paredões e tezos de quinze á vinte metros de altura. Ou a ilha abrangeu
antigamente essa região elevada, e o rio, nas suas transbordações costuma-
das, levou seus canaes pelo interior delia, ligando-lhe a parte mais alta ao
continente; ou então, o que pôde também ser, taes habitações existiam
nesses tezos e não na ilha, e a denominação provinha da proximidade
desta, que pela sua grandeza e notoriedade deu o nome á localidade.
XI
O Guaporé, Itenez dos castelhanos, é um magnifico e formoso rio
de mil e quinhentos kilometros de curso, todo de fácil navegação. Na
quadra das sêccas encontram-se obstáculos fáceis de obviar ás embarca-
ções pequenas, como o pedregal que o atravanca da foz do Itonamas á
meia légua abaixo do forte do Principe, e os bancos de areia que ficam á
descoberto, dos quaes o da Pescaria, situado uns quarenta kilometros
abaixe do destacamento das Pedras Negras, é o mais notável por se
estender em toda a largura do rio e alongar-se por algumas centenas de
metros (a). O Alto Guaporé, que tal se chama a parte que corre acima da
(a) Parece incrível essa descripçao, mas tal encontramos o banco na nossa
descida ; percorreu-se-lhe toda a borda superior de margem á margem do rio, sem
encontrar um canalete por onde o bote podesse descer. A agua do rio deslisava-se
sobre o banco tão imperceptivelmente que nào se lhe distinguia a corrente. Para
descer o bote abriu-se canal á pás de remos.
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 131
cidade de Matto-6rosso,é apenas atravancado de arvores cabidas e tramas
de hydrophytos.
Mas, si nas estações mui sêccas somente botes ou igarités de pequeno
calado podem vencer taes difficuldades, na das aguas ba fimdo sufãciente
para grandes navios. No local da ponte, que fica á cento e dez kilometros
da cidade e pouco mais distante das próprias nascentes, acbaram os enge-
nbeiros do século passado quinze braças de largo e duas de fundo, em o
mez de setembro, isto é, no fim do verão (a).
Seu trajecto é sempre apreciável pelo pictoresco de suas paysagens, e
pelas formosas e extensas praias de fina e branca areia, que começam á
apparecer do rio Verde para baixo, e longas, ás vezes, de léguas.
Que suas margens são cobertas de opulenta e magnifica floresta é
desnecessário dizêl-o de um rio brasileiro, do mesmo modo que catalogar
o que guarda de riquezas nas mais preciosas madeiras do sul e do norte do
Império.
Cite-se apenas, como facto notável, que do meio de seu curso em
diante começam á apparecer as seringueiras (b) e o tocary (c), arvores,
cujo valor não está somente nos productos de exportação, mas ainda no
soccorro que prestam aos navegantes, aquellas com o seu sueco e esta
com as fibras do liber, ambos aproveitados nos calafectos e estas na confec-
ção de resistentes cabos e espias. Mais notável ainda se toma o facto de,
abundando esses dous gigantes vegetaes na margem brasileira, na opposta
quasi que absolutamente faltam, sendo encontrado somente na grande
(a) Essa ponte, á egual distancia da cidade e do Registro do Jaurú, tem 40
metros de extensão sobre 3,8 de largara. Os cabixys já incendiaram-a em parte.
(b) Hevae^ pricinpalmente.
(c) Bertholelia excelsa.
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132 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
ilha formada pelo S. Simão, pequeno braço do Guaporé e pelo S. Mar-
tinho, braço do Baures; o que, talvez, também se explique pela mudança
do alveo do rio, o qual deixasse á esquerda do novo canal e quasi encos-
tada á margem essa ilha, que primitivamente fazia parte integrante da
margem direita.
A baunilha, a salsaparrilha e a poaya enchem-lhe ribas, desde
quasi as vertentes ; o cacau, a copahiba e o cravo apparecem com as serin-
gueiras [^ desde o meio do curso, sendo elles que dão um cunho especial á
flora territorial.
A principal e mais remota cabeceira do Guaporé é conhecida por esse
nome e pelo de Meneqties, do de um cacique de uma aldeia de parecis
que ahi existiu. Nasce de uma caverna aprofundada sob um terreno de
grés, onde o ferro é tão commum que o colora de vermelho e communica
ás aguas o seu sabor styptico e metallico ; abrindo o leito em fundo valle
de denudação, segue por terreno tão formoso quão pictoresco e aprazível,
na descripção do Dr. Silva Pontes, — « que só falta ser povoado por ho-
mens para merecer os encómios poéticos de habitações de nymphas, tal
sua frescura, o frondoso assento das altas arvores que cobrem com seus
ramos essa copiosa corrente que já nasce grande » (a).
Origina-se o Meneques, segundo Ricardo Franco, aos 14° 40' lat., e
318** 39\ long. do meridiano Occidental da ilha de Ferro. As outras cabe-
ceiras chamadas Lagoinha ou Ema, Sepultura e Olho ã'a^ua (b) ficam
á esquerda daquella; descem de perto da aresta de SO. da chapada, encor-
(a) Diário da diUgencia do reconhecimento das cabeceiras dos rios Sararé,
Guaporé, Tapajoz, e Jaurú, que todos se acham debaixo do mesmo paraUelo, na
serra dos Parecis.— 1789.
(b) Mappa Geog. do rio Guaporé. A fonte do Sepultura está demarcada aos
14o 89', lat. e 318o 46' mesmo meridiano*
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DA província de matto-grosso 133
poram-6e todas em distancia de poucos kilometros, e ao passar na cidade
?ae já o Guaporé com o fonnoso curso de duzentos e cincoenta kilometros.
Em 1783 subiu o Dr. António José da Silva Pontes, astrónomo e coáe/e
ãe dragões (a), á reconhecer o Alto" Guaporé, mas não pôde vencer as
cabeceiras por causa das cachoeiras que encontrou, em numero de dez,
além da ponte. Mas, seis annos mais tarde, oflfereceu-se para terminar
esse serviço e o fez partindo da villa á 9 de dezembro de 1789.
São seus tributários ; á direita :
1.® O Gabriel AnUmes; 2" o Sararé, rio de mais de cento e ses-
senta kilometros, engrossado, á esquerda, pelo Bulha^ que recebe os
ribeirões Lagem, Taquaral e Córrego do Pé do Morro,e o Pinãahituba;e á
direita, pelos ribeirões do Ouro Fino, SanfAnna, e Burity.
3.* O Galera, corrente ainda maior do que oSararé; recebe, á direita,
os ribeirões da Pinguela, Seixão, Sahará (engrossado pelo Paiol de
Milho) e Vaevem ; e á esquerda o Maguavaré, formado pelos córregos
Brandão, Bimbuela (que recebe o /Sw/o), Quebra Greda (formado pelo
Jáboty), José Manoel e Cassumbé ; e o S. Vicente, vindo de junto dW
minas e arraial desse nome.
3.* O Quariteré ou Burity.
4." O Cahixy ou Branco.
5." O Turvo, Paredão ou Piolho.
6.** O Corumbidra, que tem por braços o Ababás, Cuajejus (que
recebe o Puxacds): em frente á sua foz houve a aldeia de Vizeu ftmdada
em 1776. Seu curso é maior de cem kilometros.
7." O Mequenes, rio maior de cem kilometros, sulcado pelos mine-
radores e pelos jesuítas que ahi tiveram a missão de S. José.
(a) Esse astrónomo da commissSo de marcadora de limites de 178*2 era official
de marinha, capitâo-tenente, ou de fragata. Neste posto veiu inaugurar o governo
da capitania do Espirito Santo em 29 de março de 1800. Nao sei porque veUeidades
assentou praça de cadete de dragdes, e como o pôde fazer.
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134 ESBOÇO CHCmOQRAPHIGO
8." o S. Simão Grande^ onde os hespanhoes fundaram missões
em 1746, que mudaram antes de Julho de 1752 (a).
9.* O Cautariós Grande^ ou Terceiro.
10.* O S, Domingos, onde existiu a Casa Redonda átuação de
Domingos Alvares da Cruz e mais tarde aldeia de Leomil.
11.** O Cautariós Segundo, ou Pequeno.
12." O Cautariós Primeiro.
E á esquerda :
1.** O Alegre, rio de mais de duzentos e vinte kilometros de curso,
oriundo do alto da serra do Aguapehy, notável por ser delle que se pre-
tendeu a formação do canal que ligasse as aguas do Amazonas ãs do
Prata, pelas do Aguapehy.
2.° O Gapivary, pequeno curso descido da serra de Ricardo
Franco.
3.° O Verde, rio de mais de trezentos kilometros, nascido nas fraldas
da mesma serra; tendo sua principal cabeceira aos IS"* 5' 49,"
82 lat., e por braços, á direi t-a, Pará, Antas, Veados e Monos, e á
esquerda, Matta Grande, Lageado, Carrego Fundo, Macacos, Geni-
papo e Itacuatidra.
4.** O Jangada.
5.** O Paragahú, rio maior do^qué o Verde, mas que deve antes ser
considerado como torrente accidental, escoadouro dos vastos pantanaes de
Chiquitos, lá pelo parallelo 17".
6." O Garajús.
7.* O Gutu/runilho, ou Catururinho de outros, descido das serras do
Garajús.
8." O Tanguinho.
(a) Noticias relativas d viagem de Rolim ,etc.
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DA província de matto-grosso 135
9.*^ o S. Martinho, que é um braço do Baures.
10." O Baures, curso de seis á setecentos kilometros, nascido no
parallelo 17**, ao sul de Concepcionáe Chiquitos. Tem por braços prin-
cipaes o Branco e o S. Joaquim.
E li.* O lUmamas, antigo Ubay, formoso rio que logo, perto
da foz, recebe á sua esquerda um grande braço o Machupo. Seu
curso não é inferior ao do Baures.
Seu nome vem de Vraporés, ou Guaraporés, tribu ou nação que
vivia em suas margens.
Aos 11* 54' 12,"83, lat. e 2V 33' 6,"45, long. lança-se no Mamoré
que cahindo quasi perpendicularmente,mais estreito, mas muito mais pro-
íímdo e caudaloso, recebe suas aguas, quebra-se em angulo recto e vae
continuar na direcção trazida pelo afSuente, em rumo /S^JVl.transmudando,
ao Cabo de um kilometro de andamento,as limpidas aguas deste nas suas
torvas e feias.
XII
O Mamoré vem das escarpas orientaes de um dos contrafortes an-
dinos entre La Paz e Cocbabamba, Oruro e Sucre; no parallelo de 18*,
umas cabeceiras, e outras no de 20". Seu curso superior tem o nome de
Chmpay ou Rio Grande de La Plata (a).
São seus tributários mais consideráveis : Pirahyi, Japacani, Xi-
maré, Xaporé, Securé, Tramuxy, Aperé, Jacuman e Juriané, á es-
querda; e á direita : iJar^, Soterio e Pacahds Novos, estes dous na
margem brasileira e oriundos da serra dos Parecis.
(a) Bicardo Franco dá-lhe de correntd S45 léguas de âO ao grau.
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136 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Banha uma extensão de duzentos e cincoenta kilometros de costa
brasílica. Aos 10^ 22' 30" lat., encontra-se com o Beni, já na região enca-
choeirada e ahi altamente inçada de parceis, e os dous dão origem ao
grande rio Madeira, o principal dos subsidiários do rio-mar, onde vae des-
pejar seus cabedaes após um curso de mil e duzentos kilometros, depois
daquelle entroncamento.
Castelnau, pouco exacto em algumas de suas asserções, ainda o é re-
lativamente ao Madeira, cujo leito prolonga pelo Guaporé acima, conser-
vando-lhe aquelle nome até as origens deste.
E' o Madeira rio inteiramente brasileiro. Trazendo suas origens de
centos de léguas distante, ao tomar o seu nome já se apresenta com a
magestosa largura de dous kilometros, havendo logares onde ella excede
de oito.
A' elle vém entregar suas aguas, na margem oriental: o ribeirão de
S. José, os rios MutuMHparand, Jacy-paranã Jamary e Gyparcmá,
todos nascidos na cordilheira dos Parecis, e o Jamaiy tendo, entre outros,
por affluente: o Camaiguhina^ iesáio da cordilheira do Norte; o Màhicy^
o AriLapirá^ o Araxiá ou Marmello, o Manicoré, o Anhangatimy, o Ma-
taurá, o Araras e o Ariptuinan^ que se liga ao Canuman e por este ao
furo Tupinambaranas do Amazonas ; e na occidental : o ribeirão do Pau
Grande^ o AqtuiPretay oAbuná, o Araponga ou dos Ferradores, o Ma-
paraná, o Pauanéma^ o Arraias, o Maçtcarauchy, o Baetas^ o Capanan
e o Marassutuba, a maior parte de longo curso e bastante navegação.
Mais de espaço tratar-se-ha desses rios, á medida que nesta viagem
forem-se apresentando ao estudo.
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DA província de MAT1'OGROSSO 137
Nesses bons tempos coloniaes em que se prendiam os descobridores
de novas regiões e estradas novas (a), o governo reservava-se á si o direito
de designar aquella por onde, e somente, se poderia livremente transitar.
Era coherencia. Keconsiderando o acto de aleivosia com que perseguiu
Lima, achou útil o seu descobrimento ; e por provisão de 14 de novembro
de 1752, que todavia só foi conhecida em Matto-Grosso dous annos de-
pois (b), permittiu o commercio com o Pará pela via do Guaporé e Ma-
deira, fazendo-o defeso pQr qualquer outra.
11 io GJ-raiide
(DL-»enlio doSr.^Dr. Tauriay).
Começou então a era de prosperidade da nova capitania. Já em 1754
desceu seu primeiro capitão-general D. António Kolim de Moura Tavares
á entender das allegações que fizeram os exploradores mandados pelo
ouvidor de Cuj abá aos povoados castelhanos : foi até abaixo do Itonamas,
onde na margem direita do Guaporé haviam estes estabelecido o seu
aldeiamento e missão de Santa Rosa, fortificada com paliçadas e trin-
ca) £ que muito que fossem presos, si o foi Colombo, que descobrira um
mundo!
(b) Relatório do presidente Penna,1862.
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138 ESBOÇO CHOROGRàPHICO
cheiras; e dahi os expelliu. Em 1758 o juiz de fora nomeado para Villa
Bella, Theotonio da Silva Gusmão (a), subiu esses rios, fundando, ao passar
pelo segundo e maior do^ saltos do Madeira, uma aldeia de indios pamás,
á que deu a invocação de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto
Grande. A aldeia desappareceu com o tempo, mas o salto guardou a me-
moria do juiz, ficando-lhe com o nome.
Em 1759 desceu de novo Rolim á fundar o forte de Nossa Senhora
da Conceição no local onde fôra a missão de Santa Rosa. Nesse tempo
aportava ahi uma expedição do Pará com apercebimentos de guerra, para
armar a capitania. Em 1 765 regressou por ahi aquelle general, ao ter-
minar o seu trabalhoso governo. Seu successor João Pedro da Camará
creou o destacamento das Pedras Negras no primeiro dos contrafortes
da Parecis, que ao descer-se o Guaporé encontra-se prolongado até beira
rio. A maior parte do tempo de seu governo passou-o Camará no forte
da Conceição, que reformou, fazendo-o abaluartado, no systema de Vau-
ban, e isso quando em sua frente ameaçava-o um grosso exercito de mais
de oito mil homens, sob o commando do governador hespanhol Juan de
Pestana, que entretanto foi quem desocdipou o terreno e retirou-se aban-
donando a margem opposta. O corpo principal do forte era de quarenta
braças sobre vinte de fundo : em 1768 estava terminado.
Em novembro desse anno chegou Luiz Pinto de Souza, terceiro capi-
tão-general, com quarenta e cinco canoas e quatrocentas e vinte e duas
pessoas de comitiva Na subida das cachoeiras fundou, na terceira — o salto
de Girau, outra aldeia de| pamás que denominou de Bahemão,
Em 1769 desceram muitos aventureiros das minas do Alto da Serra
em busca da dos Garajús.
Em 1774 veiu, de Villa Bella até o Beni, o quinto capitâo-general
(a) Alguns o suppôem irmão dos celebres Alexandre e Bartholomeu de Gusmão
o Voador.
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DA PROVINCU DE MATTOGROSSO 139
Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, com engenheiros para
levantarem a planta da confluência do Mamoré e tratarem do seu melhor
meio de defesa. Em 1776 deu-se principio á construcção do forte do
Príncipe da Beira, uma milha acima do da Conceição, já então rebaptisado
com o nome de Bragança, e que, vindo á soflfrer consideráveis damnos
com as enchentes que sobrevieram, foi em breve abandonado.
O forte do Príncipe, além dos fins estratégicos á que foi destinado,
como substituto daquelle, foi-o também á servir de feitoria á Companhia
âo Comtnercio do Pará, pouco antes creada.
Nesse mesmo anno fundava-se Vizeu, em frente ao Corumbiara,
povoado que também pequena existência logrou, fenecendo quando se
acabou o monopólio daquella companhia.
Em 1781 subiram do Rio Negro os eommissarios da terceira partida
da demarcação de fronteiras, organisada em observância ao tratado pre-
liminar de 1777 : sahiram de Barcellos á 1 de outubro de 1781, e vieram
levantando os planos hydrogi'aphicos do Madeira, Mamoré e Guiiporé,
chegando á Villa Bella em 28 de fevereiro seguinte.
Em 1787 desceu Ricardo Franco de Almeida Serra á explorar os
aflBuentes da margem oriental do Guaporé.
Um gi*ande período se passou, até que em 1844 o capitão de fragata
boliviano José Agustin y Palácios desceu o Mamoré até o Beni, fazendo
estudos topographicos e hydrographicos. Em 1874 os engenheiros alle-
mães Keller subiram o Madeira e Mamoré, em identic » emprego.
E finalmente, em 1877, da commissào brasileira de limites com a
Bolivia, que subira o Paraguay em 1875 e estabelecera a linha divisoría
desde a Bahia Negra até as cabeceiras do Verde, uma secção composta
dos Srs. major de engenheiros Guilherme Carlos Lassance, 1** tenente
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140 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
da armada Frederico Ferreira de Oliveira, e do autor destas linhas,
que era o medico da commissão, desceu estes rios Guaporé, Mamoré c
Madeira, onde estabeleceu os marcos difinitivos nas barras dos rios Verde
e Beni, e, buscando o Amazonas, voltou á corte do Império pela maior,
mais soberba e magestosa estrada fluvial do mundo.
Rio , A.pa
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CAPITULO III
Prodarloi da proTÍnría. O ooro e os diamanieg. O ferr» e o cobre. Os calcareos e argillas. Flora : a cana, a poaya :
■adeirasde leis e sua derastação. Matto-Grotso na eiposí^áode Philadelpbia. h faundug de criação. Fairnoant*
FirkeoTroe^dero.
I
^Ão se pôde dizer qual
f seja do Brasil a pro-
vinda mais rica em
« produ ctos naturaes,
^mas, com certeza^
Matto-Grosso é das
antajadas, sinàooccupa
neiro.
no coração do conti-
americano e dando sa-
ís correntes do mundo
das as riquezas mine-
3rimeiros exploradores,
os sertanistas encontra
eiros, — sem outras fadi-
rens, sem mais esforço
trás machinas sinão os
entos do labor.
Sendo immensos os depósitos sedimentarios desse solo, também im-
mensos devem ser os seus repositórios de riqueza ; e si a terra occulta,
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.142 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
hoje, seus opimos thesouros, todos sabem o que ella possue de ouro e de
ferro, de prata, palladio e platina, de cobre, chumbo e outros metaes ;
como sabem todos quão ricas são certas comarcas do seu território em
diamantes e outras gemmas.
Toda a aresta oocidental da Parecis, donde quer que minasse uma
fonte — patenteou thesouros aos olhos fascinados dos ávidos aventureiros.
No seu massiço de SO., o chamado Alto da Serra, não menos de seis ar-
raiaes se fundaram n'um terreno de seis léguas sobre menos de metade de
largura, junto á outras tantas riquíssimas jazidas de ouro (a). Innumeras
habitayões, engenhos, fabricas, sitios, ergueram-se á margem dos ribeiros
c regatos que da serra cabiam; povoados entretidos pela presença do áureo
luotiil e que floresceram somente emquanto elle se mostrou, por assim
dizer, na supei-ficie do solo.
Na bifurcação da Parecis com a ordilheira do Norte ha as encan-
tadas minas do Urucumacuam, descobertas e não mais encontradas
quando voltaram á exploral-as os aventureiros que as haviam topado ;
para o mesmo lado exploravam os jesuitas do Madeira as nascentes do
Candeias e do Jamary ; contando-se que auferiram valiosas riquezas.
Os contrafortes da Tapirapuam, os da Aguapehy, Kagado, Arara-
pés e Santa Barbara, mo aluiidavani somente em ouro : também em bri-
lliiinU^s. Os terrenos auriíeros d) Alto Paraguay, do Diamantino, do liuri-
íysai, do Coxipó, do Tonibador, do Coxim, etc, foram defesos á mineração,
por nelle ap])areeerem em quantidade aquellas pedras preciosas. Dai? ori-;
gens do Paraguay duas tém os symbolicos nomes de rio Diamantino e rio
do Ouro ; e com este nome não menos de seis riachos se contam na pro-
vinda.
Innumeras correntes, entre ellas Candeias^ Jamary, Camararé e Ju-
(a) S. Francisco Xavier, SanfAnna, Pilar, Ouro-Fino, Boa- Vista e S. Vicente
Ferrer.
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DA província de mattogrosso 143
hina, por um lado ; de outro o Curumbiara ; o Galera, o S. Vicente e o
Maguavaré, seus tributários, e as origens deste, Brandão, Bimbuela, Sujo,
Quebra Greda, Jaboty, Godoys e Cassumbê ; o Sararé,|o Samburá, Sepul-
tura, Ema, Burity, Ouro-Fino, Pilar e S. Francisco Xavier ; os Coxipós,
o Manso, o Aricá, o Cuyabá, etc, etc., rolavam suas aguas sobre areias
de ouro, como o Pactolo de Homero.
E' sabido o facto de Miguel Subtil, que é o da origem da cidade
de Cuyabá : no primeiro dia colheu mais de meia arroba de ouro e seu
camarada quatrocentas oitavas, dessas minas que em um mez produziram
quatrocentas arrobas (a). Ainda hoje sem nenhum trabalho apanha-se
folhetas de ouro nas ruas e quintaes, principalmente após as grandes
chuvas. Em 1875, acampado o 8° batalhão de infantaria, junto á Prainha,
os soldados faziam seus fogões escavando a teiTa : sobrevindo uma grande
chuva, lavou os cinzeiros e deixou descobertas já não palhetas, mas pe-
quenas barras fundidas. Dessa origem vi algumas, entre outras iima de
quatro á seis oitavas, pertencente ao Sr. alferes Cassiano, daquelle batii-
Ihão, e outra ao Sr. Boaventura da Motta, capitão do vapor Leocadia :
constando-me que ha\iam maiores, sendo notável uma de que era possui-
dor o commaudante do corpo.
Diamantes encontraram-se em ricas jazidas no Diamantino, no Bu-
rytisal, em S. Pedro, Areias, Melgueira, SanfAnna, no rio do Ouro,
todos cabeceiras do Paraguay, no Coxipó-merim, na freguezia da Guia,
á seis léguas de Cuyabá, no Aricá, no Tombador, no Coxim, etc. Si das
minas de ouro o Estado — exigia o imposto de um quinto, das de pedras
(a) Sá. Relação dos Povoados.— Ferdinand Dénis, Pisarro, Ayres do Gasal e
quantos autores tém tratado de Matto-Grosso citam esse facto, que supponho con-
signado nos Ánnaes da camará de Ouyabá.
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144 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
preciosas guardava para si o direito da exploração e prohibia, com as mais
fortes penas, os exploradores ; fazendo evacuar e abandonar ricas jazidas
de ouro por ahi descobrirem-se também daquellas pedras. Assim foi que as
do Diamantino foram defesas aos mineradores pelo ouvidor Manoel Martins
Nogueira, quando em 1748 lá foi dividir os terrenos em lotes, e em vez
disso-^fez largar a mineração e evacuar o sitio, por terem apparecido os
diamantes ; prohibição que só foi revogada em 1805.
São tão ricas as regiões daquellas cabeceiras que, ha poucos annos,
José Porphyrio Antunes, tirou em poucos dias uma fortuna de cerca de
duzentos contos, á crer-se a asserção do autor da Noticia sohre a pro-
vinda de Matto- Grosso (jà),
O Buritysal, abaixo do ribeirão do Diamantino, é hoje uma tapera,
como quasi todos Os antigos povoados da capitania. Sua casaria de t<?llia
attesta-lhe ainda a antiga importância. Seus poucos habitantes passam
a vida em descuidosa indolência, trabalhando somente quando a necesi-
dade os obrigu. Consiste o trabalho na cata de diamantes, que vão buscar
ao fundo do rio : para isso vão sempre dous companheiros com um haquiic^
preso á uma corda. Baquité é o samburá que as Índias costumam trazer
ás costas. Dos companheiros um segura na corda, e o outro mergulha no
rio e enche o cesto de areia e cascalho, que o primeiro retira; repetindo-se
a operação uma meia dúzia de vezes. Lavam, então, as areias, e o resul-
tado dá-lhes sempre para passarem uma semana ou duas, de gáudio,
bebendo restillo e tocando viola. O convite para essa pesca dos diamantes
tem uma expressão própria : vanws higúar^ isto é, vamos mergulhar como
os higtids, carho brasiliamis, ave ribeirinha e que só se sustenta de pe-
quenos peixes, que pesca mergulhando.
(a) o Sr. Joaquim Ferreira Moutinho.-r-paf{. %.
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DA PROYINCU DE MATTO-GROSSO 145
n
o ferro é tão comnmm na provinda e encontra-se tão facilmente nas
proximidades das grandes artérias, que com a maior facilidade será explo-
rado. Para comprovar-se-o, baste á citar-se a cordilheira que costeia
a margem direita do Paraguay desde a Insua, na Uberaba, até Al-
buquerque, as montanhas do Aguapehy, as que margeiam o Arinos
e rio Vermelho, a de S. Jeronymo, e os notáveis paredões, rochas talhadas
á pique e enroxecidas pelo minereo que contém.
Em quasi todas predomina o ferro oligisto, o mais rico dos minereos
ferricos. A analyse do das montanhas de Jacadigo e Piraputangas, entre
Corumbá e Albuquerque, deu 69 por cento, a maior que até hoje
se tem podido obter. Encontra-se o metal não só no estado crystal-
loide, principalmente o octaedro, peculiar ao Brasil e ahi primitivamente
descoberto, como em concreções e ainda sob a forma terrosa, mormente
nos araxás e nàs planicies ao sopé das montanhas. Nem mesmo falta nos
terrenos alagadiços, onde é encontrado em limonito ou ferro hydrdtado,
resultas da acção chimica do acido tanico e outros ácidos vegetaes e muito
principalmente da do acido carbónico sobre o oxydo de ferro.
Em meio da lagoa Uberaba, na ilhota, que nos é commum com a
Bolivia, e onde^ em 6 de setembro de 1876, a conamissão demarcadora
assentou o marco limitrophe, o sulfureto de ferro entra em tão grande
proporção na composição geológica, que as bússolas adoidavam, e o que é
mais frizante ainda, não podiam os trabalhadores fazer fogo no solo pedre-
goso, nem fazer trempes dos seixos e calhaus, que o calor arrebentava-os
com estampido e fazia-os voar longe em estilhaços.
A maior parte das rochas dioriticas da provinda, e assim são quasi
todas essas montanhas que terminam notavelmente por uma face vertical,
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146 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
e que os naturaes chamam trombas ou iiambés, são ricas em minereos de
ferro. Taes as de Jacadigo, Piraputangas, Aguapehy, Napileque, etc. ;
taes os paredões do Araguaya, Arinos e Xingu, picos isolados e de formas
abruptas ; taes, finalmente, as minas de ferro do Polvarinho, em S. Luiz
de Cáceres.
J .agòa T_^bt»rabit
Esse metal por si só constitue uma riqueza inesgotável, um porvir
immenso de grandeza — e não só para a provincia, — para o Brasil todo.
Prouvera á Deus começasse á ser explorado de nossos dias. Convença-se
o povo de que mais ditoso é o paiz que guarda em seu seio ferro e carvão
de pedra, do que o que encerra jazidas de diamantes e veios de ouro.
Estas attrahem os garimpeiros, os aventureiros, os ambiciosos que espe-
ram do acaso os lucros da fortuna ; aquellas os industriaes e trabalha-
dores, que buscam obtêl-a á custa do labor, explorando não o acaso, mas a
realidade. Umas crescem e povoam-se com rapidez, mas com a mesma
decahem e se convertem em ermos, depois de terem sido theatros de mor-
ticinios e roubos, mil crimes, mil iniquidades ; as outras — crescem de
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DÀ PROVINCU DE MATTO-GROSSO 147
vagar, mas vão pouco á pouco toraando-se o núcleo de fabricas e povoações
manufactureiras e industriaes,bases solidas de um futuro sempre á melhor.
De umas extrahem-se facilmente riquezas que se escoam com a mesma
rapidez das adquiridas na guerra paraguaya, deixando o paiz exhausto
delias e de tudo, pobre, fraco, estenuado. As outras vém trabalhosas e
trabalhadas, á cust^ de muito labor, muita delonga, muita fadiga em
seus começos; pouco á pouco, porém, vão ajuntando forças e desenvol-
vem-se em progressões geométricas, de modo á formarem solidas e ver-
dadeiras riquezas pessoaes, e dotam o paiz com suas fabricas, suas manu-
facturas, suas industrias e suas rendas, e o progresso, o desenvolvimento
e grandeza que lhes servem de corte. Bem transitória é a prosperidade
das minas diamantinas e auríferas ; e para que dêem resultados reaes é
preciso apparecerem na Austrália e na Califórnia, entre povos da pujança
anglo-saionia.
Nos paizes novos e sem forças pouca ou nenhuma vantagem tiram :
e tantos os exemplos quantas as antigas e grandes minas. ^ Que proventos
tiraram os descobridores do Bajá de Borneo, do Gran Mogol, do Orlow, do
Begente, do Eoh-i-noor e do Estrella do Sul, o diamante da Bagagem ?
Senhores de valor de milhões ficaram ricos, foram felizes, são conhecidos ?
Quem sabe delles? A legenda apenas falia: foram, de ordinário, miseros
escravos, poleás da sociedade, que os acharam; venderam-os por alguns
vinténs ou á troco de alguma caxaça, de vinho ou de rhum ; os segundos
donos já abriram mão de boas quantias para havêl-is, mas não logra-
ram-os, porque terceiros se apropriaram do seu haver, roubando-lhes
também a vida. Seus nomes ninguém conhece, como ninguém sabe a
felicidade que o thesouro lhes deu. E assim foram mudando de donos até
pararem nos escrinios régios...^ Mas, por quantas mãos passaram essas
preciosidades antes de chegarem aos erários que illuminam com seus
fulgores? O que é certo é que o descobrimento e a posse de uma dessas
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148 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
gemmas custa a vida á dezenas de possuidores; sendo o assassinato e o
roubo quem dá direitos de possessão ao herdeiro.
Aqui mesmo em Matto-Grosso o exemplo é commum. á Que é dos
arraiaes do Alto da Serra, e Lavrinhas, Santa Barbara, Santa Isabel, Ga-
rajus, Arayés, Arinos, etc. ? Que é da prosperidade da florescente Villa
Bella, hoje moribunda; — da prospera villa do Diamantino e daPoconé,
tão decadentes hoje; e da mesma Cuyabá, apezar dos seus incentivos de
cidade capital e da sua entrada, com a navegação, no grémio do commer-
cio e mais fácil sociedade com o resto do mundo ?
III
Já vimos que riquezas a provincia possue em sal marinho e em
salitre : sabemos das suas minas de cobre do Jaurú e do Araguaya, e de
prata em vários logares; e do palladio e platina, companheiros constantes
do ouro e da prata. Mas não é isso o que constituo o valor da região
matto-grossense : seu solo descortina outras riquezas mineraes de não so-
menos valia para o commercio, para as artes, para a industria.
São extensos os seus terrenos calcareos onde sobejam os spathos, onde
abundam os crystaes de rocha, agathas e pederneiras, talca, mica, vários
leptinitos de que com facilidade se obtém o kaoUn^ innumeras qualidades
de argillas plásticas, — desde o gesso e aquella matéria prima da finíssima
porcellana até o barro negro, aproveitado pelos aborígenes na sua tosca ce-
râmica. Nem lhe faltam o mármore, as ardozias e os porphyros de vários
matizes, de que formosas amostras se accumulam nas vitrinas do muzeu
nacional.
Como todo o Brasil, a terra de promissão da historia natural
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DÁ PROVINCU DE MATTO-GROSSO 149
Matto-Grosso é ubérrima em vegetaes de toda a classe e proveito. A me-
dicina, a constrncção terrestre e naval, a marcinaria, a tinturaria, a pelle-
teria, etc., ahi encontram repositórios de riquezas enormes ; do mesmo
modo que delles tira grandes subsidies a economia domestica, em plantas
de horticultura, ornamentação e recreio, ou de penso para os gados. Aqui
desenvolvem-se perfeitamente todos os productos de exportação do Império,
inclusive o café. No Brasil, póde-se dizer sem hyperbole, não ha solo
ingrato, nem maninho. Os mesmos. pantanaes do valle paraguayo seriam
fontes de opulência si se cultivasse o arroz que ahi pullula e fructifica
expontaneamente, fazendo parte da alimentação das indolentes e descui-
dosas tribus selvagens e semi-selvagens que ainda lá vivem ás margens
dos rios e lagos. O algodão não necessita de cultivo para dar provas de
ser uma exuberante producção do solo.
A cana faz prodígios que nunca fizeram os canaviaes do norte, suas
socas reproduzindo-se com forças sachariferas por dez e vinte annos, i?e-
gundo informações geraes, e não sè querendo fazer cabedal dos trinta
e quarenta annos que alguns lavradores pretendem dar-lhe de duração.
Ha vehementes suspeitas de que esse producto seja indígena da
província. Dizem que, logo em começos do povoado de Cuyabá, alguns
sertanistas a encontraram nos albardões e malocas dos indios dos rios
S. Lourenço e Paraguay (a). O assucar, desde 1758, ha cento e vinte annos.
(a) Ayres do C&sB.h—Chorographia Brasílica. Ferdinand Dónis.— Le Brésil,
pag. 66.
Eis o qu6 à tal respeito diz Barbosa de Sá, na sua Relação dos Pc voados, copisL-
do, sem duvida, dos Annaes da camará de Cuyabá o— 1728. Havendo já dous annos
noticia por alguns sertanistas que tinham andado pelos sertões das vargens da ha-
bitação dos Guatoz, Xacoéres, e outros, tendo-lhe visto em seus reductos plantas
de cana ; fallando-se nisso e intentando algumas pessoas de mais posses hir em
procura da dita planta para a iutroduzir nesta povoação ; foi isto praticado muitas
vezes, mas não produzia effeito algum. Neste anno, depois da sabida do general (*)
preparou o brigadeiro António de Almeida Lara duas canoas de guerra, com outras
(*) O capitão-general Aodrigo Gesar de Menezes.
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150 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
que se fabrica na provincia. O tabaco está tão na natureza do solo como
na Bahia e no Rio de Janeiro ; e em qualidade não é somenos ao de Goyaz
e do Amazonas. A mandioca é excellente, do mesmo modo que os carás,
inhames e batatas : grandes, grossos, e portanto ubérrimos em principios
nutritivos. O ricino é a praga das plantações, pullulando onde quer que
se roteie, como nas outras províncias, após;as derrubadas e a queima áas
mattas virgens. O mate, (aa-mi, dos guaranys, cobre os districtos fer-
tilissimos de Miranda e Nioac, do Taquary ao Apa.
^lattas da poaya
Quasi que só em Matto-Grosso a ipecacuanha tem pátria ; sendo os
de montaria, com escravos seus e alguns homens brancos, todos com boas armas,
e fazendo isto á sua custa os enviou á procurar as canas, com que fez o brigadeiro
um bom quartel : no anno seguinte logo todos as tiveram e logo começaram à moer
nas moendinhas á que nós chamamos escaroçadores e á estilar em lambiques que
formavam de tachos : appareceram logo aguardentes de canas que vendiam o frasco
a dez oitavas de ouro e as frasqueiras a quarenta e cinco oitavas. Com esta aguar-
dente é que se começou a lograr saúde e cessaram as enfermidades, e a terem os
homens boas cores, que até então eram pallidos commumente ; foram a menos
as hydropesias e inchações de pernas e barrigas e a mortandade de escravos que até
então se experimentava foi indo em muito menor excesso. . . » {sic).
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 151
terrenos da sua predilecção as ribas occidentaes da provinda, e notavel-
mente as das cabeceiras do Guaporé e do Paraguay até o Jaurú. E' nas
margens deste affluente e nas do Cabaçal que se colhe a maior parte
da que desce a abastecer os mercados do mundo ; e são conhecidas pelo
nome de mattas da poaya as frondosas florestas que cobrem as margens
desses dous rios, e á cuja sombra protectora vegeta extraordinariamente
tão precioso medicamento.
Como a poaya, a baunilha, a quina, a japecanga, a salsaparrilha,
a jalapa, o jaborandy, o saogue de drago, a copahiba, a bicuiba e muitas
outras espécies de óleos, o angico, o páo-santo, a caroba, a carobinha,
a cainca, o jatobá, etc, são thesouros da matéria medica muito communs
na região. A baunilha enreda-se ás grossas arvores e particularmente ás
palmeiras, nas ribeiras de quasi todos os seus rios e corixas, e com prefe-
rencia nos terrenos do Alto-Paraguay, e seus affiuentes, do Guaporé, Ma-
moré e Madeira, e ries que os engrossam. A quina e o barbatimão, o
timbó de arvore e a mangaba, tão delicada no sabor do fructo, como útil
na borracha que produz, cobrem os taboleiros e albardões argillo-silicosos
dos terrenos baixos e melões. Da primeira, varias espécies existem, todas
aproveitáveis, mas não da qualidade melhor : abundam mais a quina ver-
melha varicosa^ chinchona niiiãa^ de Pavon, a lancifolia e a mycrophila,
variedade de folhas ovaes, de pouco mais ou menos dous centímetros de
comprimento.
Nas margens dilatadas do Guaporé, Mamoré e Madeira, e dos outros
cursos dos systemas do Araguaya, Tapajoz e Xingu, abundam extraordi-
— E accrescenta : « — ... e hoje (1775) se acham os engenhos quasi extinctos pelos
muitos tributos que se lhes tém imposto. »—
A cana, chamada creoula, foi trazida da Madeira em l.'8l, por Martim Afifonso
(P. Dénis, ob.cit.) ; para ser a introduzida em Matto- Grosso, seriam os Índios que as
boavessem dos colonos e nào o inverso. A chamada de Cayenrta, foi introduzida
no Pará, somente em fins do século passado pelo general Narciso que a trouxe da
Gayanna Franceza (F. Dénis).
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152 ESBOÇO CHOROORÂPHICO
naríamente a salsaparrilha, o cacau, o cravo, a copahiba, e sobretudo as
seringueiras e o tocary^ estes últimos elevando-se sobranceiros sobre
as altas franças das florestas e dando um cunho especial á feição do
paiz.
Infelizmente paraMatto-Grosso o immenso território seu, que abunda
em taes thesouros, pouco explorado é por amor dos obstáculos que as
cachoeiras oppôem á industria: — mas sabe-se que só do Alto-Madeira desc«
annualmente uma renda de cinco á seis contos de réis para os cofres
da Amazonas, a administradora desse território matto-grossense.
IV
Basta attentar para a extensão e posição geographica da província
para ficar-se convencido de que suas florestas encerram tudo quanto as
outras províncias podem ostentar em madeiras de lei. Os jacarandás, o
vinhatico,e guatambú, o guarabú,o pau-santo (guayaco),as varias espécies
de canelleiras e de perobas, o pequiá, as aroeiras, cedros, o angico, o tapi-
nhoam, a secupira, a parnahyba, o coração de negro, gonçalo alves,
baraúna, pau d'arco, — nas regiões de NE. o pau brasil, e mil outros ma-
deiros de subido valor, são-lhe tão communs como nas províncias mais
favorecidas.
A' beira Paraguay, apezar da ignara devastação dos lenhadores, á
custo se avista um ou outro jacarandá, guatambú ou vinhatico, que o mais
já tem desapparecido para se converter em combustível dos vapores que
sulcam o rio: precioso material que povoava as margens e que agora só,
de longe em longe, deixa ver um ou outro exemplar, que de julho a
setembro, na estação das flores, tomam tão bellas as mattas, esmaltando-
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DA província de matto-grosso 153
lhes o verde-escuro com as altivas grimpas transmudadas em ramalhetes
enormes e formosissimos, brancos, amarellos, róseos, escarlates e violetes.
Si ainda abundam e avultam os ipcs, pernas na província, não é porque
sejam peior combustível, mas por embotarem os machados e cançarem o
braço dos lenhadores. Quando mais escasso for o outro material de carvão,o
7Mf^/rar//^/,quebra-machado,dos hespanhoes, será derrubado em tanta cópia
quanta se apresente; porquanto só a preguiça tem-o poupado até agora.
.A. clemilDada..
E, já que ha occasião de fallar nessas derrubadas, nessa devastação
sem limites, verdadeira depredação ao Estado, seja licito estranhar-se a
indifferença com que a provinda vê arderem essas riquezas tão fáceis de
ser aproveitadas. Não tenho certeza, mas supponho que as madeiras de
lei são propriedade da nação ; e que, quanto á algumas, nenhum parti-
cular, ainda mesmo em terrenos seus, as pôde devastar, sem especial con-
cessão, onde lhe seja especificada a qualidade e marcada a quantidade das
arvores que propõe-se á derribar. A circular do ministério da marinha
de 5 de fevereiro de 1858 prohibe cortar, sem licença, as perobas, secu-
20
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154 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
piras, pequiás, jaguarés, cedros — batata ou angelina do Pará, perobas
brancas, potumujús, itaubas do Pará, etc.; e si não falia de outras mais
raras ou de maior apreço é que sem duvida outra lei já preveniria a sua
devastação.
Custa á crer, aos annos que dura a, navegação á vapor da província,
que ainda as companhias ou os armadores não tenham estabelecido depó-
sitos de carvão de pedra para o consumo, nem que se tenha tomado, até
hoje,providencia alguma á tal respeito. Entretanto é questão de magno in-
teresse, e que ha de ser resolvida, mas tardiamente. Tempo virá, e não
longe, que os vapores, já não encontrando nas margens do rio madeiras de
lei para queimar, recorram ás outras; e quando tudo estiver completamente
devastado, tudo consumido, buscarão então outro recurso nos depósitos
de carvão de pedra.
Mais vale tarde do que nunca; faça-se agora o que a desídia
e a ganância não tem querido fazer; salve-seo que ainda resta dessa
preciosa vegetação ribeirinha; — e os jacarandás, o pau-san to, os cedros,
o vinhatico, o guatambú, etc, em vez de serem reduzidos á achas para
alimentar caldeiras, descerão como cargas desses mesmos vapores para
serem vendidos por preços decuplos ou serem utilisados em artefactos de
subido valor. A navegação, do modo porque hoje é feita na provincia,
prejudica mais do que íavorece-a. Apenas dispondo de três pequenos
vapores, quasi ^em accommcdaçces, e dos quaes o CVafjpo nem cama-
rotes tem ; e que, ainda na vasante dos rios, são substituídos por canoas
que fazem o resto da viagem desde Santo António á Cuyabá ; é essa
companhia, no emtanto, largamente subvencionada e ha longos annos ;
e, ainda, para poupar os gastos do combustível esgota as fontes de riqueza
da provincia. Si nos primeiros tempos, quando nas explorações, houve
necessidade desse recurso ; si nas primeiras viagens pôde-se desculpal-o,
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DA PROVINCU DE MATTO-GROSSO 155
hoje não ha mais razão para que ainda se o procure, sendo franca, effec-
tiva e privilegiada essa navegação.
Attendarse para o que se destroe e se perde nesse vapor feito com
contos de réis de preciosíssimos lenhos. E* a abundância que se desper-
diça, é uma fonte de rendas que o Estado perde — e que Matto-Grosso não
pode nem deve perder.
Quando escrevia essas linhas vinham-me ao conhecimento os brilhan-
tes resultados obtidos pelo Império na Exposição Universal da Phila-
delphia^
Teve o Brasil razão de orgulhar-se do êxito da exhibição dos seus
productos nesse grande bazar internacional do Fairmount Park.
Occupou logar distincto entre as nações mais avantajadas em poten-
cia de recursos naturaes, sinão pelo bom gosto e belleza dos seus variadis-
simos productos, ao menos pela utilidade, abundância e valor delles. Ahi
está á compro val-o o parecer dos juizes : em mil cento e quatro exposi-
tores brasileiros, quatrocentos e vinte e um obtiveram prémios e diplomas
de honra. Mais do que nenhuma outra, nacional ou estrangeira, essa expo-
sição lhe foi favorável; também em nenhuma outra teve elle a felicidade
de reunir tantas condições de bom êxito.
Teve razão de orgulhar-se. São essas creações da intelligencia e da
actividade, da industria e do trabalho, que fazem a maior gloria de uma
nação; poraue são as fontes de sua grandeza e independência, e o metro da
sua influencia e supremacia.
São as exposições o melhor incentivo para a educação industrial ;
são uma escola, na qual a humanidade em peso vae soffirer os exames do
seu adiantamento, e onde si se premeia o invento e os descobrimentos^ —
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156 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
creações do génio — também louva-se e acoroçôarse a perseverança do
artista, a habilidade e industria do obreiro que simplifica o trabalho e
que melhora o producto, — todos beneméritos da humanidade.
E dahi vem a emulação e o estimulo. Cada qual corrige os erros
ou os defeitos; aprende os melhoramentos; concebe novas idéas, que vae
executar em honra sua e da pátria, em seu proveito e da humanidade
toda.
As exposições não só instruem e corrigem, como crêam e inventam :
melhor que tudo desenvolvem e aperfeiçoam a civilisaçáo e o bem-estar
dos povos, que se aproximam, estreitam-se e tendem-se á unificar-se nesses
convívios da intelligencia, nessa permuta do génio e do esforço pessoal.
Si estamos ainda na infância, «porém já bastante viciados, » como judi-
ciosamente o disse um dos nossos coramissario? cm Philadelphia; si pre-
cisamos educarmo-nos para os grandes commettimentos, esse grandioso
certame do intellecto e da industria humana veiu mostrar ao mundo que
não somos remissos á essa educação; que podemos recebel-a e fazer fructi-
ficar; e que, emfim, não somos hospedes no progresso — e podemos marchar
com a civilisação.
Actividade; mais perseverança nos trabalhos; mais estudo, mais
euidado, mais confiança nas nossas forças : e o ganho será todo nosso.
Matto-Grosso não carece de homens intelligentes e laboriosos, nem
é por essas causas que não se tem apresentado nesses combatas de honra.
E' de iniciativa que carece, é de emulação. Que digaro o Sr. Miguel
Angelo (a), si não está bem pago dos seus afans industriaes, — e si isso
(a) O Sr. Miguel Angelo de Oliveira Piato^ fazendeiro do rio abaixo, no Ouyabá,
que expoz licores finos do sueco de fructos da provincia.
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DA PEOYINCU DE MATTO-GROSSO 157
náo lhe vale muito dinheiro, — com o simples voto consciencioso de apreço
dos juizes americanos, provectos avaliadores dos licores que expoz, e com
a medalha de honra que obteve.
Vale dinheiro e muito, porque essa industria, assim distribuida,
virá á ser procurada, graças á patente de superioridade que lhe conferiu
tribunal tão conspicuo.
Os licores e as conservas dos fructos brasileiros foram dos espé-
cimens que mais chamaram a attençãodos americanos e europeus, pela sua
variedade, gosto, paladar e excellente preparo, de modo que nada perde-
ram em sabor e qualidade com o tempo e a longa travessia. São dous
ramos de industria em que a província pôde aventuràr-se com certeza de
bom êxito.
Como já viu-se, não é só o útil que chama a attençáo da humani-
dade e merece animação e premio ; o agradável também. E quando essas
duas qualidades se reúnem mais aprimorado fica o objecto, mais realce
tem em seu valor. As redes de dormir de Goyaz, Pará, Maranhão e Ceará,
foram admiradas por seu trabalho, algumas delias entretecidas de vis- '
tosas plumagens das araras, tocanos, beija-flôres; do mesmo modo leques,
ramalhetes e mosaicos de pennas, bordados feitos cora os elytros de
insectos brilhantes, que pareciam gemmas de subido valor, e prendiam
mais a attençáo do que os diamantes do Serro, as esmeraldas da Bahia e
as saphyras de Goyaz e de Minas. Nesses artefactos primorosos ha apenas
a industria delicada própria dos dedos de uma senhora.
Aqui, em varias localidades da província, não faltam productos
eguaes, e principalmente redes de finíssimo lavor : entre outras, as de
Poconé occupam logar distincto á Mas porque não figuraram como as das
outras províncias no MahirBuilding ? porque não descem á serem vistas
nas grandes capitães V
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158 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
A fauna de Matto-Grosso por si só basta para prover opulentamente
todos os gabinetes do mundo.
Entretanto, ao passo que ali a zoologia está representada com magnifi-
cência verdadeiramente soberana : coUecções entomologicas superiores á
tudo o que de melhor e de mais rico possue a Europa nesse género ; mil
diversos animaes preparados, desde o tigre e o tamanduá, a sucury e o jacaré,
até a tocanãira e a jequiranaraboya; desde otuyuyúe a avestruz até os for-
mosissimos e mimosos beija-flôres; coUecções de ninhos, do ovos, casulos de
borboletas, e estas, em selecções esplendidas e incomparáveis ; e tudo isso
mandado pelas outras provincias ; entretanto, Matto-Grosso nada apre-
sentou— por falta de iniciativa.
Daquellas foram diflFerentes amostras de madeiras, vegetaes medi-
cinaes, óleos, resinas, gommas, extractos, etc., coUecções preciosas á todos
os respeitos e de um .valor inestimável; e de Matto-Grosso apenas a ipe-
cacuanha e a baunilha, e esta pessimamente preparada.
Causou estupefacção, para não dizer compaixão, a presença deste
producto matto-grossense no Fairmount-Park, pelo seu mau preparo, e,por
conseguinte, depreciamento. A nossa baunilha não é procurada no com-
mercio e pouco valor tem, emquanto paga-se na Europa á mil réis a fava
e á cem e cento e vinte mil réis o kilogramma da chamada mexicana, em
cuja classe estão as expostas por Pernambuco, Bahia, Paraná e Goyaz.
E entretanto, onde o custo e a difficuldade do preparo da baunilha ?
Mas, ao menos, valha á Matto-Grosso a sua boa intenção. Traba-
lhou para apresentar um producto, e si não fêl-o bom, á carência de
habilidade e industria, ao menos mostrou que o possuia, apto para con-
verter-se n'um excellente producto quando convenientemente beneficiado
o seu preparo ; e deu ensanchas para outros melhor o explorarem, no
que não perderão tempo nem trabalho e lograrão fáceis proventos.
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DA província de matto-grosso 159
Oxalá fizesse o mesmo com o seu excellente fumo, e o seu algodão,
já que não o pôde fazer com o café, ainda mal ensaiado na província.
E foram estes três productos os que firmaram a maior gloria do
Brasil no Main-Building, porque são a sua verdadeira riqueza e a base
do, ainda hoje, solido e bem firmado credito de que goza na Europa,
apezar das abstracções de alguns dos nossos financistas, cujo tino se
revela por uma singular virtude dissolvente.
Não é o fim dessas festas da industria coroar somente os trabalhos
raros do espirito, os inventos, os descobrimentos : animara também, aco-
roçoam e protegem a actividade e a perseverança era trabalhos que, pare-
cendo materiaes, presuppôem o estudo. Ao lado das machinas intelligentes
que substituem o braço do homem, dos livros de alta ensinança, dos
inventos utilíssimos, são premiadas as matérias brutas de que se pôde
obter artefactos necessários ; os productos da phantasia que deleitam
apenas os sentidos ; o útil como o agradável.
Cada producto tem uma scioncia ou uma arte de que é subsidiano,
á que se liga e q ue o ennobrtte. O curioso expositor das armas, utensis e
objectos do costume dos indios, é um colleccionador que trabalha em bem
da ethnographia e anthropologia; o colleccionador de borboletas e besouros,
o entomologo, é um benemérito da historia natural ; o expositor de mar
deiras de construcção, de medicinas e mineraes, é um obreiro do pro-
gresso que trabalha pelo desenvolvimento do paiz, pelo bem da socie-
dade, descortinando aos olhos do mundo as riquezas que aquelle possue.
Os objectos, os mais insignificantes na apparencia, podem ser de um im-
menso valor real.^: Que cousa mais sem apreço, á primeira vista, do que a
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160 ESBOÇO CHOROGRÀPHICO
terra que pisamos ; e, entretanto, quanto não vale ella aos olbos do sábio
industrial ? Aqui os calcareos com os seus immensos usos ; uli as argillas
próprias para a cerâmica, para construcções, para ornatos ; lá o precioso
kaolin para a porcelana finíssima : cousas que o descuidado despreza e o
industrioso transforma em thesouros. Já não se as encare pelo seu valor
próprio ; tome-se-as pelo que lhes é relativo : sào terras de plantio ou
estéreis, maninhas, baldias e que aos olhos ignorantes nada valem e nada
dizem, mas aos do industrial revelam-se verdadeiros cabedaes ; taes
pedras são mais ferro que granito e indicam terminantemente a riqueza
do seu minereo ; taes outras revelam a existência do cobre, da prata, do
enxofre, do arsénico ; estas areias, estes cascalhos são Índices da presença
do ouro e da platina, ou da formação das gemmas de valor.
Os olhos da intelligencia serão sempre os de Nicomaco, que respDn-
deu ao ignorante que nada via de bello nos quadros de Apelles : — « Fede
á Deus os metes olhos e vê. » Apresente-se coUecção dessas variedades de
terras e o ignaro rir-se-ha ; mas o industrial irá soffrego revistal-as, revol-
vêl-as, estudal-as, analysal-as para ver onde com maior profusão, menor
despeza e trabalho, colherá tal ou tal producto. E lá virá elle, e com elle
a industria, e com a industria as fabricas, o trabalho, a população, o
desenvolvimento social, a prosperidade, o progresso e o engrandecimento.
VI
Desgraçadamente, província tão opulenta de forças é a mais pobre
de industria. Fora delia ninguém a conhece por um producto seu que a
represente, que lhe seja peculiar, que delia falle — pela abundância no
mercado ou pela raridade na espécie, — á não ser a poaya, os couros de
onça remettidos de mimo, ou algumas favas dessa baunilha, comquanto
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DA província de matto-grosso 161
boa na qualidiade, má no preparo. Nenhuma outra província, nem
mesmo Goyaz, com a sua diíBculdade de communicações, nem ainda a do
Amazonas, provincia nova e de população egual á da velha Matto-Grosso,
tem fugido de apresentar-se, deixando muito á desejar em seus productos,
mas dando sempre o seu contingente ao coramercio, e arrhas de seu labor
á industria e á civilisação. Goyaz já é conhecida nos mercados do Atlân-
tico por sua courama, artefactos de couro e lonca, seus excellentes fumos,
suas rendas de linho, as redes de dormir e alguns bons productos medi-
cinaes, sem fallar nos mineraes que exporta, como o seu crystal de rocha,
o ouro, as pedras preciosas. Tudo isso appareceu em Philadelphia, e si
ahi não deu uma soberba idéa de Goyaz e dos goyanos, sempre disse
alguma cousa das forças do solo e da disposição dos habitantes para o
trabalho. A Amazonas, apezar do Pará absorver-lhe e exportar como
próprias as producçôes homogéneas delia, tem como principaes ramos de
exportação a borracha, o cacau, a salsa, a copahiba, o cravo, o tocary ou
castanha, etc., e o peixe secco, o pirarucu, succedaneo do bacalhau, além
das niadeiras de preço que são innumeras. O progresso da sua industria
é attestado pelo augmento de producção, pelo augmento de consumo e
pelo rápido e importante accrescimo das rendas provinciaes.
Só Matto-Grosso conserva-se estacionário, si é que não retrograda.
Os grandes proprietários não conhecem hoje outra fonte de riquezas
sinão a criação do gado (a). Mas é que, ordinariamente, a razão está em
que o único labor do dono consiste em agenciar a fazenda por compra
ou qualquer outro meio, e largal-a nos vastos campos de sua propriedade
e terrenos vizinhos. Não sabem preparar pastagens, si estas faltam ; nem
provêr-se de aguadas, si ellas escasseiam. Nunca idearam fazer açudes
(a) O priínt iro pado fú introduzido em 1730 i dez annos depois tinlia-so propa-
gado com o mesmo admirável iucremcnto que o das campinas do sul.— Pizarro.
Mem.JIisi.f t. 9.
21
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162 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
OU depósitos de agua, ás vezes de bem fácil eanalisação, para abeberar o
gado nas estações do estio.
E o terreno presta-se maYavilhosaraente á isso. Em grande parte da
província é plano e atravessado pelas corixas ou vasantes, longas de-
pressões do solo formadas pela passagem das aguas, que nesta occasiào
transformam-as em verdadeiros rios, sendo que nas outras já são eanaes
meio trabalhados á espera somente do esforço do homem para com-
pletal-os.
Com a sêcca o gado afifasta-se, entra pelos bosques em busca da
sombra e do fresco, indo ahi lamber o teiTeno humedecido do relento das
noites, ou a terra salitrosa e sempre húmida dos iarmro^; a/f fí-.<?e (a)
pela sede, principalmente, indo procurar onde possa matal-a, e ahi
ficando por, além da humidade do solo, encontrarem o pacigo que olla
entretém e que já falta nos terrenos crestados da sêcca ; e o resultado é a
sua diminuição pela fuga, extravio e morte — tanto como pela difíiculdade
do reponteamento.
Todo o criador sabe que os animaes procream e augmentam em
muito maior escala no estado domestico do que longe dos cuidados e vistas
do homem ; aqui desconhece-se ou parece ignorar-se esse ensinamento da
pratica.
Ha apenas dous annos via-se ainda no delta do Taquary uma fa-
zenda, que pelas promessas que fazia promettia vir á ser o modelo das da
provinda. Seu dono, joven, activo e emprehendedor, intelligente e dócil
aos sãos conselhos da experiência, empregava o melhor dos seus esforços
em beneficial-a. Vastas sementeiras de alfafa estavam feitas do mesmo
modo que campos immensos plantados com grammineas de pasto. Seus
gados não tinham precisão de percorrer léguas para abeberarem : havia
eanaes e açudes, e, mais, que não eram requeridos pela necessidade e só
^a) Diz-se alçado o gfido domestico que foge dos apriscos elorna-se felvagem.
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DA província de matto-grosso 163
por iim excesso de previdência. O joven e intelligente fazendeiro já
enchia-se de legitimo orgulho, observando como o seu gado prosperava
de modo extraordinário relativamente aos outros não cuidados. Atten-
dendo á fazenda, attendia á si e aos seus. Sua vivenda não seria um
rancho, um galpão, um miserável pardieiro como os de tantos outros mui
superiores em meios da fortuna : ia sendo construida conforme suas posses
actuaes, mas com gosto e confortabilidade, e seguindo o adiantamento da
época. Hortas, pomares e jardins, delineavam-se em já prospero cresci-
mento : para elles buscava sementes de tudo o que era de utilidade e
ornamento, consciente de que augmentando-lhes a belleza mais encarecia
o valor da vivenda. Em pouco tempo seria ella o orgulho do seu labo-
rioso dono e o espelho das da provincia.
Mas a fatalidade pesou sobre ella, cortando com a faca do assassino
a nda do trabalhador esforçado ; e a fazenda da Palmeira parece que
morreu com o dono, tanto os vermes a estão roendo. Grande falta fará
esi^e matto-grossense á sua terra ; esforçado e emprehendedor, honrado e
honesto, seria um valoroso contribuinte para o desenvolvimento da sua
pátria e seguro garante da sua prosperidade (a).
Matto-Grosso já nem couro exporta ! Houve tempo em que cada um
dava sete mil réis e mais ; a ambição desordenada da ganância no hcje
sem ponderar no amanhã, contribuiu muito para o despovoamento dos
campos ja talados pelos paraguayos. Matavam-se vaccas pejadas só para
utilisar-se-lhes o couro... e eram fazendeiros que assim praticavam !
Succedeu o que era de esperar, por quem entendesse, pouco que
fosse de economia pratica : as fazendas depauperaram-se e em algumas o
gado ficou completamente extincto.
(a) Joaquim Josó da Silva Gomes, conhecido pelo Baronele, filho do barSo de
Villa Maria. Foi assassinado á 22 de Junho de 1876, dous mezes depois da morte
de seu pae.
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164 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Entretanto, a população ia em augmento, e em alguns logares
extraordinariamente, como em Corumbá, que nestes três últimos annos
quasi dobrou a de quatro mil almas, que em 1874 registrava !
Póde-se avaliar em quinze á dezesseis mil as rezes que se cortam
annualmente para o consumo da provinda, fora o que se mata para
xarque. Só Corumbá e o Ladario, á quinze, média do corte diário, dão o
computo de cinco mil quatrocentas e setenta e cinco por anno. No
emtanto, não se aproveita da courama nem a decima parte !
O commercio do gado para o Kio de Janeiro, S. Paulo e Minas, é
hoje feito por mui poucos fazendeiros, entre os quaes o Srs. Metello e
SanfAnna, este na estrada do Piquiry (riacho Vallinhas), talvez os mais
importantes criadores da província. Não sei o quanto exportam, mas
aventuro um calculo de cinco á seis mil rezes em cada periodo de dous
annos, attentas ás forças relativas das suas propriedades.
O Estado tem um bom numero de fazendas e quasi todas nos terre-
nos melhores da provinda, adrede escolhidos nos tempos coloniaes, em que
a vontade do governo ou seus delegados era sufficiente para a posse legi-
tima. Assim possúe extensos e feracissimos campos de boas aguadas e
magnificas florestas. Entre outras, as de Casalvasco e Salinas possuem os
mais formosos prados que hei visto', notáveis pela extensão e planura, e
como si foram nivelados á cordel.
Em tempos idos eram as fazendas do governo que, quasi, suppriam
os mercados de meio Brasil, desde a Bahia e Pernambuco, Minas e o Rio,
até S. Paulo. Hoje, abandonadas, os seus gados, na maior parte alçados,
vivem perdidos pelas florestas, ou já estão absorvidos nas estancias que os
bolivianos tém ultimamente creado junto á divisa, ^ cujos campos tém
elles a boa lembrança de queimar, com cedo, para os attrahir com o
novo pasto qiie brota e que tão grato é ao paladar dos ruminantes ; — ou
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DA província de matto-grosso 165
mesmo nas da província, alapardados por fazendeiros da terra, os quaes
toda a rez que encontram sem marca suppõe, com a maior singeleza,
ser sua.
Que rendimentos immensos tem Matto-Grosso perdido desde o aban-
dono dessas fazendas . . . e todavia quão breve poderia rehavêl-os !
A incúria nas fazendas nacionaes é ainda superior á dos particu-
lares, que sem duvida naquellas bebem o exemplo.
E' ainda o systema da economia mal entendida, da economia empo-
brecedora. Náo se semeia, — porque é perder o grão que pôde ser comido
já; não se sustenta, não se alimenta o criado — allegando-se falta de forças
para isso, — allegaçáo eterna ! sem occorrer-lhes a colheita que o grão dará
dahi a mezes, nem os dons immensos com que lhes pagará o beneficiado ;
sem occorrer-lhes que a despeza hoje feita, mesmo com sacrificio, para o
o custeio das fazendas, será resarcida cem vezes, mil vezes mais, em breves
annos I Do campo semeiado que se abandona, não só se perde a colheita
como a sementeira ; o mesmo acontece á tudo que é preá do descuido,
imprevisão, indolência, egoismo ou tibieza.
O gado para propagar e crescer requer também cuidados, pouco
trabalhosos, mas consuetudinários : o reponteamento,. o rodeio e.a marca
afiBrmara a riqueza da fazenda e impedem o seu extravio.
O gado manso, como acima se expõe, multiplica-se mais depressa e
facilmente do que o bravio, e muitas vezes a novilha de anno, como a
Margarida do Fausto,
« quando come e bebe, á dous sustenta. »
Matto-Grosso está fadada á grandes destinos. E' immensa a sua opu-
lência, e suas riquezas principaes e enormes não estão escondidas, estão
á viata de todos.
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106 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
E' SÓ trabalhar para colhêl-as c reduzil-as á dinheiro, á inilustria,
á commerrio, á proj^resso, á civilisação, á hem-estar, á grandeza. E' só
actividade e esforço. Tome o governo a iniciativa, já que o génio peculiar
á seus habitantes náo lhes a permitto,e principie-se á colher, o mais breve
possivel, essa gigantesca opulência do porvir.
VII
Ha poucos mozes, Paris, a capital da civilisayão hodierna, em uma
nova exhibiyão universal, fez mais uma vez celebrar esse jubileu dos
labores do entendimento humano.
Ali cada nação se apresentou trazendo novas provas de trabalho,
provas de um adiantamento e progresso, e promessas de um melhor
porvir. Aquellas que mais se distinguiram no Fairmoiuit-Park buscaram
exceder no Trocadcro as glorias que ali obtiveram ; as outras esforçar
ram-se por ser melhor apreciadas.
E o Brasil não foi presente... — mau grado seu, e mau grado aos
desejos daquelles de seus filhos que mais o estremecem, e mais labutam
2)or seu renome e gloria.
Não foi nem soberba das C!)rôas conquistadas, nem desgosto por não
ter-se adiantado nas trilhas da industria... — faltaram-lhe, e apenas,
forças para emprehender a viagem. Arreliado dos loucos esbanjamentos
devidos á má gestão de seus negócios, entrava na quadra das economias
forçadas ; a inópia pecunim impediu-o de concorrer áquella escola das
nações, onde se ensina o trabalho, onde se inventa o progresso, onde se
descobre os génios creadores, onde se ensina á curar dos povos, enrique-
cendo-lhes a seiva, e onde se aprende á ser grande, prospero, feliz. E o
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DA província de matto-grosso 167
Brasil, que tâo invejado papel desempenhou no Fairmount-Park, tornou-se
distineto pela sua ausência no Troeadero. Paizes ha que, como elle, nas
primeiras exposições universaes, — mais por descuido, acanhamento ou
indifferença, do que por deficiência de foryi^í, — SzeraiU má figura. Mas si
o descuido e indifterença em assumptos dessa ordem são um crime de lesa
nacionalidade — ^; o que não será a deserção desse congresso do trabalho,
essa fuga dos certames da intelligencia ? A nação, como o individuo, tem
brros, pundonor e dignidade próprias á respeitar ; como o individuo deve
envergonhar-se do papel triste que faz, ou do dezar que soffre.
Nós tínhamos o dever de mostrar que lucrámos com a exposição
passada ; que corrigimos nossos erros ; aprendemos processos novos ; que
temos, emfim, além dos recursos da intelligencia para produzir, aptidão
e boa vontade para trabalhar. Não fazer isso, é provarmos desidia, mos-
tramio-nos retrógrados, e aquém da civilisação que marcha. O que nos
falta não 6 dinheiro, já o" dizia ha muitos annos um nosso estadista (a), é
juizo.
Mal avisados andam os que não semeiam na industria ; os que pro-
hibem ou impedem o trabalho ao paiz— ^por ficar mais caro do que o que
nos pode vir do estrangeiro, esquecidos de que foi trabalhando c perse-
verando no trabalho que lá chegaram á obtêl-o bom e barato. Si as
exposições são a escola das nações, onde ellas aprendem á ser grandes,
gaste-se para ser-sc rico, semeie-se para colher-se abnr.dancias. Em todos
os paizes adiantados os pais de familia — paupérrimos — são obrigados sob
penalidades, á despezas para educarem os filhos, isto é, para proverem
seu futuro e tomarem-os úteis á si, á familia, á pátria e á humanidade.
Poupasse o Brasil os gastos sem utilidade, os esbanjamentos em
ronipadriceSy — e baste um exemplo — essas subvenções caríssimas á com-
(a) O visconde de Albuquerque.
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168 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
panhias de navegação, que só visam o monopólio era prejuízo e pura
perda de quem as sustenta, e lucraria, não só o que com ellas despende,
como os proventos que a extincção do monopólio lhe traria.
Em vez de animação ao trabalho, despediram os trabalhadores ;
coherencia que não abona a sciencia da vida e á economia social, mas
que é filha do mesmo tino administrativo que fecha as escolas e supprime
os direitos de cidadão ao analphabeto.
Si nem todo o homem necessita do trabalho para viver, nação ne-
nhuma nasce rica que possa dispensal-o : sinão, dia virá que lhe neguem
o que carece — por não ter quem o faça e não ter dinheiro, por não ter
quem o ganhe — e faltar-lhe o credito para comprar, mesmo á juros de
judeu.
Levou-me á essa diversão— a idéa do que é Matto-Grosso e o paiz
todo, e o estado de penúria em que o Brasil está, ■ — quando nas arcas
do seu solo jazem occultas riquezas enormes. Moderno Hyparcho, cujo
cérebro paralytico não atina com as chaves do cofre, ou cujos membros
pestiados e corruptos não tém forças para o abrir !
Não matem o trabalho, a iniciativa, a industria, — que assassinam
a pátria !
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CAPITULO IV
Clinatasraphia ~ Conilírces hjpscmeiricas do solo. Diiffrejiça cnire o clima do planalto e o da» (omarcas baixas.
Paludismo. Koxogniphia. H}groiBetrij t melcoroh gi.\ Estudix tbrriuícos.
I
JALVEZ não seja com muito
[acerto que se capitule de
[malsão e inhospito o clima
|de Matto-Grosso. Composta
de duas vastas regiões, o
planalto e a baixada, são-
pihe bem diversas as condi-
I ções climatéricas, pelo seu
liypsometrismo, natureza e
influencias do solo.
O ar sêcco, a tempera-
tura — relativamente mais
baixa do que a das baixas
regiões, e por conseguinte
mais agradável, e as aguas
das mais puras e sãs, consti-
tuem, já não salubre, mas saluberrimo o clima do planalto, onde as mo-
léstias endémicas são quasi que cjirplctainente desconhecidas e onde as
epidemias poucas vezes assolam.
E, pois, si essa região abrange cerca de duas terças partes do terri-
tório matto-grossense, não é pelo clima da restante, isto é,do das comarcas
alagadiças, onde actua uma atmosphera densa, pesada e carregada de
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J
170 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
principies miasmaticos, que se deve auferir o clima e salubridade, —
a constituição medica da provincia.
Mas esta noção existe e tem perdurado, porque as estradas de Matto-
GrosFO são os seus rios, os chémins qui marchenf de Pascal, e os viajantes
é só por elles que conhecem a provincia ; rios que tendo, em geral, mal
povoadas as margens, e portanto descurados seus leitos e bordas alagadiças
dos meios de saneamento que a população, a necessidade e a civilisação
requerem e impõem, são outros tantos focos de quanta phlegmasia ha por
ahi de caracter palustre. Mas, ainda assim, tanto tém de reaes esses males
como de menos justa a apreciação.
Não são privativas nem peculiares aos pantanaes de Matto-Grosso
taes condições de salubridade. O que se dá com os seus rios de margens
alagadiças e com os terrenos sugeitos á inundação, deu-se e dá-se com
os do mundo todo — lá onde não se apresentou ainda o homem c(9h o
quanto baste de actividade e industria, para modificar a acção deletéria
da natureza e transmudal-a de perniciosa e lethal em salubre e propicia
á vivenda do beneficiador.
Também pestilentes foram o Rhodano, o Sena, o Moza e o Rheno,
e os lamaçaes da França e Bélgica para as hostes de Mário e de Júlio
Cezar. O Nilo e o Euphrates, ainda ha bem pouco tempo, contavam os
annos pelo numero de epidemias desoladoras ; e, laboratórios da peste,
eram o berço do typho negro, como o Ganges o era do typho azul e o
Mississipi do typho amarello.
O que se dá com os valles alagados de Matto-Grosso, áà-se com os
do Amazonas e com os de quasi tclos os grandes rios do Brasil : dá-se em
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Dl PROVINCU DE MATTO-GROSSO 171
avultado numero de correntes menores"; dárse,aqui bem perto,nos ribeirões
da nossa bahia; dava-se mesmo, não ha muitos annos, nesta corte, quando
nào pequena parte da sua área era occupada pelos mangues da cidade
nova e pelos almargeaes do Cateto e Botafogo. As febres miasmaticas, as
moléstias dos orgàos glandulares e do tecido cellular, o lymphatismo
torpido eram-lhe enfermidades typicas.
II
E' o homem quem corrige a natureza nos seus effeitos e crêa o
modus vivenãi para si. Dos paizes mais desfavorecidos do mundo nenhum
pede meças á HoUanda, vasto paul arrancado palmo á palmo ás lagunas
do mar do Norte; e, todavia, paiz nenhum se eleva mais alto nas condi-
ções de salubridade e bem-estar relativos, graças á industria, pertinácia
e esforço do povo batavo.
Não tanto á natureza, como ao homem, seus hábitos, meios em /que
vivf e de que vive, e, sobretudo, ás forças de que dispõe, cabe a culpa do
malária das regiões eleicas. Ahi a exhuberante riqueza da hydroflora,
cobrindo largas zonas do rio, que ás vezes tem suas aguas completamente
occultas sob uma larga alfombra de verdura ; as myriades de peixes e
de amphibios ahi vindos na enchente, presos e mortos na estagnação e
putrefazendo-se na sêcca ; esse immenso prado aquático, que também
morre e apodrece, são, com eflFeito, um foco perenne de febres miasmaticas
e de intoxicações eleicas quando o nimio ardor do sol, no verão, as pu-
treÉaz, fermenta e evapora.
Nas emanações dos paúes não ha somente os miasmas gazeiformes da
matéria orgânica em decomposição, — hydrogenos carbonado e sulfure-
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172 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
tado, acido carbónico e ácidos puramente vegetaes, como o tanico, o
acético, etc. ; ha miasmas organisados em suspensão, quer detritos sólidos,
quer microzymas e micropliytos, clicios de vida e que volteiam na atmos-
phera, corrompendo a pureza do ai* respirável. A avultada quantidade
dos peixes e reptis que morrem, vae ainda sobrecarregal-o consideravel-
mente de um outro principio não menos fatal, o hydrogeno phosphoretado.
O solo desses pântanos é em grande parte argilloso e impermeiavel
até certo ponto, como uo valle do Guaporé e Mamoré. Mas o calcareo é a
rocha predominante n'outras regiões não menos vastas da província, e
todo o sertão alagadiço de oeste é constituído por esse terreno que, essen-
cialmente poroso e permeiavel, favorece o escoamento das aguas. Dahi o
alagamento constante da região chamada dos Faninnaes^ e as inunda-
ções periódicas do solo das cora as,
W na evaporação rápida e fácil aos ardores de um sol violento ; é na
irradiação nocturna do terreno, quando se lhe começa o resfriamento ;
é, pois, na condensação dos vapores da atmospliera que se deve procurar
a causa efficiente da insalubridade do clima. Nos nossos acampamentos
demorados, e onde o solo das barracas ficava, ao cabo de dias, completa-
mente sCcco, as hervas e pequenos arbustos que germinavam debaixo dos
leitos, ou, ainda, os amarellados pela estiolamento, que brotavam em
baixo de qualquer caixa ou objecto semelhante, voltado de boca para o
chão e que assim os isolava completamente do ar externo, — amanhe-
ciam litteralmente cobertos de orvalho, isto quando a atmosphera parecia
sêcca e a tolda do abarracamento apenas de leve humedecida.
Mas si é immenso esse estuário dos pântanos, immenso correctivo
tem ellc nessa mesma amplidão, onde a luz fulgura sem rival ; onde, si o
sol putrefaz facilmente, facilmente sécca e torra ; onde as grandes cata-
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DA província de matto-grosso 173
dupas do céo lavam periodicamente e levam os productos morbificos de
cada anno ; e onde os grandes rios que o atravessam sào outros tantos
canaes de ventilação á modificarem beneficamente com a corrente das
brisas o ar viciado da atmosphera.
III
Com certeza o homem não podo existir válido nessas regiões, em-
quanto não as adapta ás necessidades e conveniências do seu habitat.
Mas esse desideratum não pôde eJU obter isolado^ ou apenas em grupos
apartados por longas distancias. E' mister que venha rico de braços e de
esforço para combater com proveito os ataques da natureza. A florescente
Yilla-Bella, capital dos capitães-generaes, si é hoje a moribunda cidade
de Matto-Grosso, si definha e morre sob o stygma de pestífera, é porque
jamais empregou no melhoramento do seu solo os esforços que gastava
em revolvêl-o, na busca do ouro. Escarvando o terreno, abria leitos á
novos charcos... entretanto, não soube nunca domar as enchentes do rio,
aterrar os alagadiços, nem ao menos escumar -lhes as aguas das matérias
putresciveis.
E' a razão da triste fama de que goza, ainda acrescida, dia á dia,
com o tiiodus vivendi^ a má alimentação e os abusos de muita espécie
que seus habitantes commettem ; entre outros, a frequência dos banhos
ao rigor do sol, em aguas ás vezes encharcadas e quentes, e sob quaes-
quer condições physiologicas em que estejam os banhistas, após as refei-
ções, ou suarentos e cansados. Taes abusos tém sido notados por todos
os homens sensatos que hão percorrido a província, e já em 1797, pelo
douto naturalista o Dr. Alexandre Eodrigues Ferreira, no seu ligeiro
esboço das Enfermidades endémicas da capitahia de Matto-Grosso^
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174 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
autoridade que me apraz de consignar, não só pela sua sabedoria e
justeza de obser^'ação, como por ter sido o primeiro, sinào o único que
sobre tal matéria escreveu.
Fora absurdo atribuir ao clima enfermidades que o homem provoca,
e que se manifestarão onde quer que leve a existência em completo
desequilíbrio com os meios em que vive.
A observação aturada sobre estas regiões e seus habitantes, e as
condições em que se relacionam, fez-me crente de que nellas o malária
nem por isso é tão infeccionante como fora de receiar. Os poucos mora-
dores que vivem nos albardões^ de longe em longe, ás margens dos rios,
apresentam na maior parte vestígios, sinão claros indícios, do vicio pa-
lustre. E, comtudo, as terçans quasi que só se manifestam em caracter
sporadico, e isso mesmo sob a influencia de fortes determinantes e de
uma natureza especial. Entretanto, de ordinário, estas são taes que facil-
mente poderiam ser evitadas : assim os abusos de que acima se tratou.
Si, mesmo nos povoados, os meios de subsistência são precários,
muito mais os destes moradores que da caça e da pesca tiram a sua
exclusiva alimentação, modificada, apenas, pelo arroz silvestre que os
pantanaes expontânea e abundantemente produzem, algumas vezes pela
farinha, o milho e o feijão, mas nem sempre o sal. E ainda a próvida
natureza não lhes é madrasta na uberdade de seus fructos silvestres,
principalmente no verão, em que as selvas são ricas em varias espécies.
Quasi que o dia inteiro passa essa gente sobre as aguas, pescando,
mais por habito do que por necessidade, expostos aos raios do sol, cujos
ardores buscam mitigar atirando-se frequentemente ao rio, e expostos ás
emanações mais ou menos nocivas dos detritos aquáticos, comburidos ao
nimio calor do sol.
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DA PROYINCIADE MATTO-GROSSO 175
Com taes hábitos não é de estranhar o envenenamento palustre, mas
sim a pouca intensidade dos seus eflfeitos.
Ex-vi da modificação soffrida no ar que respiram, são os recem-
chegados os que pagam maior tributo ás intermittentes.
Nós, todavia, atravessámos essas comarcas dúzias de vezes, demo-
rando-nos nellas semanas e mezes. Mas nossa alimentação regular e sadia,
o exercício constante, de preferencia bebendo agua dos regatos e cacimbas
ás dos grandes rios e charcos, o uso do café e licores espirituosos, e os
banhos somente ás horas mortas do dia, principalmente ao alvorecer,
parece que, foram meios razoáveis para corrigir em nosso favor a in-
fluencia eleica e isentar-nos do envenenamento miasmatico. Si, quando
o serviço o exigia, salta va-se n agua, e, sob os raios de um sol de fogo,
demorava-se seis, oito e mais horas, como, por exemplo, desencalhando
as lanchas á vapor nos baixos da Ma^idioré, e nos do Guaporé a canoa
eiB que descemos para transpor a região encachoeirada do Madeira, onde
ainda grande parte do serviço da tripulação era feito dentro d 'agua para
salvar a embarcação dos maus passos; si sobre vinha algum insulto febril,
algum accidente que revelasse o elemento palustre : uma pequenina dose
de quinina, uma chicara de café ou um gole de aguardente, foram sem-
pre meios sufiBcientes para debellal-o.
E não era pequena a comitiva : descendo o Guaporé vínhamos umas
trinta pessoas ; e nas marchas nos sertões limitrophes com a Bolivia, não
menos de duzentas nos acompanhavam, entre soldados, pessoal do forneci-
mento, capatazes, peões e mulheres que os seguiam.
Nessas regiões os moradores, além de fraca e péssima nutrição,
não a tém regularisada. Faltando-lhes frequentemente o sal, alguns
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176 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
preferem mesmo uma indigestão ao desgosto de deitarem fora o excedente
da caça ou pesca ; e, assim, comem quanto tém e quando tém, ás vezes
desmarcadamente.
Nas suas repetidas abluções não attendem si o sol está á pino, nem
si tém o corpo super-excitado pelo trabalho da digestão. Scientes de que
os licores espirituosos combatem até certo ponto essas influencias malé-
ficas do clima, buscam-os ; mas não usam, abusam : depauperando, cada
vez mais, com taes excessos, o já debilitado organismo, e colhendo em
vez de proveitos prejuízos maiores.
IV
E* no percurso destas vastas regiões cobertas da mais pujante vege-
tação, e — onde o homem é um rarm nans nesse immenso oceano de ver-
dura, que se pôde apreciar o engano dos que pretendem o sanea-
mento das cidades apenas com o plantio das arvores ; — não por algo
que de falso haja no principio, mas pelo mesquinho do resultado, o qual,
tanto ahi será de peso e conveniências, quanto aqui o que o sei vie-la
trará ao dilatadissimo espaço em que, quasi que, só o reino vegetal influe
nos principios constituintes da atmosphera.
Nota-se sempre forte e vigoroso o homem das florestas ; tão possante
como os troncos que o cercam. Entretanto elle e os poucos animaes que
ahi vivem são um consumid r mui fraco de oxygeno nessas dezenas ou
centenas de léguas quadradas,em que a vegetação, em escala enorme, está
continuamente á decompor a atmosphera, absorv.endo os outros compo-
nentes do ar respirável e sobrecarregando-o daquelle gaz.
Para que o plantio das arvores seja de necessidade á purificação do
ambiente de um povoado, para que dez, cem, mil, um milhão de arvores.
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GROSSO 177
mesmo, obrem beneficamente no elemento respiratório, forçoso fôra que o
homem não encontrasse nas florestas esse ar respirável; f5ra preciso que
se observasse a asphyxia como resultado desse afifastamento da sociedade,
e que por sua vez soffressem de plethora carbónica essas cidades inter-
tropicaes, onde a vegetação luxuriosa e esplendida cerca o homem desde
o tecto das casas até os subterrâneos ; onde os microphytos puUulam de
um dia para o outro — nas roupas que veste, nos sapatos que calça, nos
alimentos que guarda, nos livros que lê ; — onde as gramineas são taqua-
ras, os fetos palmeiras, as nymphéas vietorias regias, e onde o parasitismo
vegetal, que nas altas latitudes é rasteiro ou microscópico, ahi attinge
as dimensões collossaes do laóbáb nas gamelleiras e nos cipós matadores.
Mas é que a alma natureza no seu immenso laboratório prepara o
fluido vital e providencia de modo que é elle sempre o mesmo eterno com-
posto de vinte e uma pari:es de oxygeno, setenta e nove de azoto e um
qwintum inapreciável do gaz acido carbónico, tanto nas mais altas
regiões do globo, no Hercules da Nova Guiné, no Everest, em Antisana,
em Quito, como nos mais profundos valles, ou nos baixos planos, quaes os
daqui e os da HoUanda ; lá onde quer que seja livre a acção de seus
agentes, differençando-se apenas o fluido respirável por uma pequena mo-
dificação na densidade. O ar viciado é uma excepção de regra, que o
«
homem sabe e pôde obviar, não com o plantio de arvores, mas com a
remoção dos obstáculos á benéfica acção da natureza, a alma pa/rens do
universo. A hygiene lhe ensina os meios ; a physica, a chimica, a mecha-
nica e a geologia lhe dão o soccorro.
Si assim não fosse, a respiração animal nos grandes núcleos da
Europa e Ásia não se compensaria á custo das florestas do Novo Mundo.
^ Que seria dos povoados dos paizes gélidos, onde, apezar de mais oxygenada
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178 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
a atmosphera, o gasto do combustor do sangue não está em relação com a
producção do calórico necessário á sua existência; onde o desprendimento
do fluido carbónico é enorme, devido á essa combustão e á presença dos
fogões em plena actividade para tomarem supportavel a temperatura
ambiente; onde a ausência das aguas, grande fixador desse gaz, e a das
mattas, " enorme consumidor do carbono necessário á seu desenvolvimento
e producção, tornam tão grande o consumo de um como a formação do outro
gâz ; que seria dos habitantes dos paizes quentes, onde a atmosphera
perde tanto do oxygeno quanto mais se eleva na temperatura (a); que
seria, pois, de ambos, com esse ambiente assim transmudado, si somente da
natureza esperassem — no movimento dos ares, nos ventos, nos mares, na
própria rotação da terra, a prompta modificação do fluido respirável, equi-
librando os gastos aqui com os productos dali ?
Seria a anoxemia e plethora carbónica a morte de uns, — como os
outros succumbiriam á polyoxemia, o excesso de vida.
Entretanto, si o homem é cosmopolita, não o são os vegeiaes. Suc-
cumbem ao excesso de frio como ao calor extremo relativamente ao seu
habitat. Para elles a existência depende das condições thermicas do solo ;
a geographia botânica delimita-os por zonas, na certeza que adquiriu
de que os vegetaes das latitudes baixas não podem viver nas altas, e vice-
versa. Por isso é que as altas montanhas resumem gradativamente em si
os climas de muitas latitudes; nos Andes, por exemplo, observa-se desde a
vegetação de seiva esplendida da zona equatorial até as aJpinias, congé-
neres da débil e anemica flor âa veve das circumvisinhanças do polo.
As plantas que' vicejam ao sopé das montanhas, já são raras á dous
kilometros de altitude e desconhecidas á três e vice-versa. A natureza
pareceu incoherente na phytogénese dotando as arvores das regiões
ardentes de robustos troncos amparados de espessas capas ou cascas, no
(a) Quatro á cinco miUigraminas em cada cinco graus centigrados.
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DA província de matto-orosso 179
entanto que deixou a pobre e rachitica vegetação circumpolar débil,
mesquinha e n'uma nudez extrema. Embalde o homem ahi vive á absor-
ver oxygeno e expellir o carbono ; a vegetação não medra : — i porque
não providenciaria a natureza de modo que nas altas latitudes, como nas
grandes alturas, o viço e a seiva, o hydrogeno, o carbono e o azoto fossem
distribuidos na mesma proporção que no equador, isto é, n'uma razão
maior?
Fim mui justo e louvável tem o plantio de arvores nas cidades e
notavelmente nos povoados intertropicaes, onde a vegetação os cinge,
abraça e coroa; é, tão somente, o de contribuírem, assaz, para a belleza e
ornamentação, e servirem de resguardo ao raios fulminadores do sol.
E ó por isso, e só por isso, que sou e^serei sempre incansável pro-
pugnador da idéa e fervoroso adepto da arborisaçào dos povoados.
Nas mattas dos terrenos húmidos, mais do que nos campos e corixas,
é insalubre o ar que se respira. Facilmente isso se explica pelo abafa-
mento e pouca exposição das substancias putresciveis á acção immediata
do sol.
Sob a floresta estão como n'um inmienso caixão, onde, si o sol não
devassa a espessura, nem por isso o calor é menor.
Âhi a decomposição tem processos mais lentos, mas também a pu-
trefacção é mais duradoura. As aguas que cobrem o solo são uma verda-
deira lexivia, tanto mais terrível na infecção e seus eSeitos tóxicos quanto
mais abafada. O menor movimento nellas faz desprender ondas de gazes
morbificos, proviíídos de tal macerado.
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180 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Nas celebres mattas ãapoaya^ ás margens do Jaurú, Cabaçal, Sipo-
tuba e outras cabeceiras do Paraguay, raro se demoram os arrancadores
da herva por adoecerem logo. E, comtudo, não são essas florestas comple-
tamente alagadiças.
A. poaj-u .
Os eflúvios do solo, combinados com os que emanam da raiz emética,
produzem, naquelles que se entregam pela primeira vez á tal labor,
incoDMnodos de estômago semelhantes á esse pequeno envenenamento
trazido pela embriaguez do tabaco; um nevrosismo especial,com desordens
mais ou menos fortes, e cujos prodomos são tonturas, cephalalgias, anore-
xias, vomiturações, dyspepsia e, também, accessos periódicos de febre e
outros incommodos, cujos symptomas, partilhando dos do ergotismo e do
envenenamento saturnino, assaz claramente revelam as devastações de
uma entoxicação pela emetina, que denominei emetismo ou mal cepJielko
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DA província de matto-grosso 181
n'um pequeno estudo que fiz sobre a moléstia, e do qual dei conta á Aca-
demia Imperial de Medicina.
Desnecessário é dizer-se que nem sempre taes symptomas se aggra-
vam, antes de ordinário, acalmam-se e o individuo como que se habitua
ás novas condições de vida; assemelhando-se nisso^ ainda, ao fumista que,
somente ao começar o vicio, soffre dos symptomas do envenenamento
nicocianico. Não é que o organismo se affaça ao novo género de trabalho,
e pouco á pouco vá vencendo as influencias maléficas do meio em que
vive ; reage até certo ponto contra o inimigo que o combate, e, ordina-
riamente, o vigor da constituição basta para supportar aquelles incom
modos.
Outras vezes, os afectados resistem, mas, guardando no organismo
germens de lesões que mais tarde apparecerão ; o que, de ordinário, suc-
cede aos que reincidem no trabalho. Expostos á continua influencia dessas
emanações deletérias, lá vão estas bater em brecha outros órgãos que já
não o estômago, e também essenciaes á vida, e o resultado é o empobre-
cimento do sangue e as perturbações do systema nervoso, tendo como con-
sequência desordens fatais para o organismo.
Das phlegmasias eleiopathicas ou de typo palustre, podem consi-
derar-se como predominantes nas baixas e alagadiças regiões da província
as moléstias das vísceras abdominaes e vasos lymphaticos, que soem
apparecer em qualquer estação ; as do apparelho respiratório e as affec-
ções rheumaticíis, mais communs no verão.
Destas são causas mui frequentes as mudanças bruscas de tempera-
tura, em que á um calor de 30°— 34** succede repentinamente uma
baixa ás vezes maior de 20° ; e então as bronchites, broncho-pneumo-
nias, pneumonias e pleurisias são tanto mais perigosas quanto mais
brusca a friagem, que encontra quasi sempre desprevenidos e desabri-
gados 08 individues. Naquellas é o miasma do pântano que, absorvido e
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182 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
levado na circulação, vae damnificar os apparelhos eliminadores do or-
ganismo.
Não são tão frequentes as tuberculoses que se deva autoal-as no
processo das enfermidades que infestam o paiz ; e isso já é mui ponderosa
consideração para a climatologia de Matto-Grosso.
As hepatites, as congestões hepáticas, as nephrites, splenites, cys-
tites e enterites ; as diarrhéas, dysenterias e lienterias ; as angioleucites
e a syphilis nas suas varias manifestações, são as moléstias, que mais se
apresentam ao estudo clinico em qualquer época do anno.
O lymphatismo, quer nas manifestações ganglionares e do tecido
cellular, quer nas dermatoses e exsudações mucosas, mostra-se de ordinário
n'um typo asthenico e deprimente. A causa facilmente se percebe.
Nas mulheres ha ainda a hysteria, a chloro-anemia, e os flúores
brancos ; havendo mais nevrorismo nas diatheses lymphaticas do sexo,
as quaes, por excepção, vão prender-se á forma erethica. Até nas mais
agrestes e de vida mais tormentada de trabalho, nas quaes os nervos
nenhuma razão tinham de superexcitarem-se, vê-se frequentemente o hys-
terismo.
Felizmente, a providencia derramou, abundante, o ferro neste solo,
o que de alguma maneira contribue para atenuar a discrasia do sangue
e obstar-lhe um maior depauperamento na hemo-globina.
As febres biliosas, ora essenciaes, ora degeneração das intermittentes,
tém de commum com estas as mesmas causas : os calores excessivos,
o excesso da secreção biliar e a chronicidade de certas enfermidades,
quaes as hepatites, etc.
E' notável que, emquanto a transpiração cutânea e a exhalaçao
pulmonar se exageram por effeito da temperatura, e que por isso as
bebidas aquosas, e especialmente o guaraná nas classes abastadas, são
ingeridas amiudadamentO; os outros órgãos secretores não ficam em
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DA província de matto-grosso . 183
descanso. A bile manifesta seu excesso, derrame e absorpção em qualquer
phlegmasia, mormente nas abdominaes.
E' também notável o ptyalismo, mui geral nos habitantes destas
regiões ; hyperdiacrise proveniente de bronchorrheas antigas, assaz fre-
quentes, ou, apenas, o resultado de um mau habito adquirido e que obriga
as glândulas salivares á um excesso de exercício; vicio nunca assaz
estigmatisado, por ter tanto de desnecessário como de repugnante.
Muitas vezes as phlegmasias palustres revestem formas graves e
passam para o typo maligno em typhoideas ou febres pútridas.
Vém ápello citar aqui, ainda mais uma vez, o notável naturalista
bahiano. Sua memoria, Enfermidades endémicas da capitania de Maito-
Grosso^ escripta pelo correr da ultima década do século passado, com-
quanto não esteja na altura de sua illustração e sciencia, o que muito se
atenua com o saber-se que seu autor não se dedicava ao exercicio clinico,
todavia sempre traz alguma luz sobre a constituição medica do paiz. Nesse
pequeno e imperfeito trabalho apparecem duas idéas que, todos, suppu-
nhamos desconhecidas naquelles tempos : o vomito preio e a thermoscopia
no estudo das febres (a). Qualquer que fosse a idéa que o Dr. Alexandre
ligasse á primeira, seja como moléstia essencial, seja como symptoma,
elle cita-a por aquelle nome entre as enfermidades das capitanias de
S. José do Rio Negro e de Matto-Grosso. Em honra do sábio brasileiro
transcrevo aqui suas próprias palavras: « — Causas de moléstia. O ar pela
sua parte, com os eflfeitos do seu calor, causa diversas enfermidades. A
porção mais espirituosa do sangue todos os dias se dissipa, sahe pela
transpiração, pelo suor e pela ourina ; o que fica no corpo é um sangue
(a) Comquanto possa se levar até Boerhaave a idéa da thermoscopia medica
{Àphorismi de cognoscendi et curandis morbis, etc, 1720), todavia foi Ourrie que
primeiro a applicou ao exame das febres {Medicai reports on the effects of voater
cold and warm as a remedy in febrile deseares, etc , 1801) ; e, em 1837, Bouillaud
qaem a introduziu nas salas de clinica.
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184 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
sêcco, térreo e espesso, donde procedem as melencolias, as lepras, os vó-
mitos pretos, as cameras de sangue, as febres ardentes, etc. » E mais
adiante parece associar o vomito preto á febre que designa com o nome
de ardente e que descreve pelo modo seguinte: « — Distingue-se ás^ podre
pela maior gravidade de symptomas, pela grande parte que nella tem
a biles, donde vem que dá-se-lhe o nome de podre-Uliosa ; pela concen-
tração do calor que é mais interno que externo ; pela menor duração, pois
a ardefiie raras vezes se estende além do sétimo ou decimo-quarto dia. Suas
causas são : as paixões vehementes, os trabalhos excessivos, õ abuso de
alimentos picantes como a carne, peixes adubados com demasiada pimenta,
vinho e licores espirituosos ; a estação, logar, idade e temperamento. »
Por symptomas dá-lhe : « a exacerbação precedida de maiores ou menores
frios ; violenta cephalalgia, insomnia, delirio, e algumas vezes anciãs, car-
dialgias e convulsões ; o pulso de duro que é e frequente passa á fraco e
irregular ; sede implacável e rebelde á todos os refrigerantes, com um
extraordinário calor interno e amargores de boca. Lábios e lingua sêecos
« negros ; vómitos de uma bile ferruginosa, e em alguns tão acre e urente,
que lhes estimula o esophago e desbota os dentes ; ourinas incendidas, e
tanto ella como as dejecções, ás vezes, biliosas como a dos ictéricos. » Tira
bom prognostico das crises do vomito e curso do ventre, que apparece do
quarto ao sétimo dia ; sendo que o curso é quasi sempre mortal quando no
começo da moléstia, do mesmo modo que o suor da face, as hemorrhagias,
o soluço, o escarro de sangue, as anciãs do coração, as ourinas pretas e
sanguinolentas. A morte tem lugar mais frequentemente nos velhos do que
nos moços, o que succede de ordinarto no terceiro, quarto, e sétimo
dias (a) da moléstia.
(a) Ao tratar dos meios therapeuticos, diz : « Os empyricos atribuem uma
particular virtude á uma cabaça que se tira do ventrículo do lagarto Senemby, e
o administram em pó, agua de cidra, ou cosimento de carapiá, na dose de meia
até uma oitava, n
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DA província DE MATTO-GROSSO 185
E sobre a thermoscopia, tratando do diagnostico das febres: « — Pelo
que muito importa aprender á distinguir uma das outras febres, exami-
nando o que ellas são, os signaes que dão de si, os eflfeitos que produzem,
e combinar estas com as outras observações e experiências, adequadas ao
logar onde se está ; ao tempo e génio endémico ou epidemico reinante, etc.
Pela velocidade do pulso conferido com a respiração, calor e as ou-
rinas, se reconhece que o enfermo tem febre. Um meio infallivel de
conhecêl-a é o da applicaçâ^o do fhermometro ao corpo humano^ deixan-
do o nelle por pouco mais de um quarto de hora, O que é certo, e cons-
tantemente observado é que o pulso nas febres sempre excede de setenta
e cinco pulsações por minuto, quando o thermometro de Fahrenheit e
o calor passam de 80°, necessários para a putrefacção. » Por uma chamada
ai)Ó8 a palavra nelle^ cita em seu apoio um tratado de las calenturas, cujo
autor cala.
Das moléstias exanthematicas o sarampão e a roseola foram as
únicas que por muito tempo conheceu a província, aquelle grassando ás
vezes com gravidade. Segundo o Dr. Alexandre, apparecêra pela vez primeira
em Tilla-Bella em setembro de 1 789 e com tal intensidade que matara
201 pessoas, das quaes 154 homens e 47 mulheres, n'uma população de
2733 almas, que tanta era a da villa. A de toda a capitania orçava-se,
então, em 6465 (a).
No anno seguinte reapparceu, e a mortalidade foi de 169 pessoas,
das quaes 56 mulheres.
A terceira epidemia foi em 1813; varias outras se seguiram, sendo
mais intensas as de 1818, 1822, 1834, 1837 e 1842, de que os velhos
(a) O que consta dos assentamentos nos livros da matriz. Alex. Rod. Fer-
reira. Ob, cU.
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186 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
guardam bem cruéis lembranças, mas para cujo histórico e estatistica
nosologica faltaram a sciencia e o zelo do Humboldt brasileiro.
Outras epidemias tém se seguido, mas menores na intensidade.
Foram introduzidas das missões hespanholas, e o que é notável é que seu
nome portuguez parece derivado do idioma quichua qualampa.
A varíola foi desconhecida ou pelo menos nunca se propagou na
província até o anno de 1S67. Por vezes chegaram á Cuyabá variolosos
que ahi se curaram sem contagiarem o mal; mas, naquelle anno, desen-
volvendo-se essa enfermidade em Corumbá, de prompto estendeu-se á
Cuyabá e aos outros povoados, excepção feita, dizem, de S. Luiz de Cáce-
res, onde .se estabelecera um rigoroso cordão sanitário (a). Aquelles
pontos levaram-a os que aterrorisados fugiam aos grandes focos de in-
fecção, que por toda a parte se desenvolviam ceifando victimas, não só nas
grandes povoações, mas ainda nos sitios isolados e entre os indios mansos
à beira ríos, indo a infecção ferír, mesmo nos mais longinquos sertões •
aos selvagens que vivem longe de todo o contacto com os civilisados.
Um facto notável, e que deve chamar a attençào dos hygienistas, T*
a propagação dessas enfermidades á varias espécies de irracionaes, muitos
delles, como os autochthones, bem aflastados dos povoados. Já desde o sa-
rampào de 1789, que viu-se matar, com a mesma intensidade que ao ho-
mem, aves e quadrúpedes de criação domestica, domesmo modo que nos
campos e florestas via-se o açoite da epidemia nos cadáveres de grande
copia de veados,' antas, onças, jacarés, tuyuyús e garças. O mesmo facto
extraordinário deu-se com a varíola de 1867.
(a) O Sr. Ferreira Murtinho.— iVo/t>i« sobre a prorincia de Matto-Qrosso,
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DA província de mattogrosso 187
VI
Quasi todos os viajantes de Matto-Grosso faliam n'uma entero-pro-
cfífc ahi costumeira, notável por uma discrasia geral, falta de plasticidade
do sangue e relachamento extraordinário do sphinoter anal e tecidos
adjacentes. E' conhecida pelo nome de inoculo ou corrupção, e se-
gundo o Sr. Murtinho, que a cita na sua obra, tem o nome de el bicho
nas republicas platinas, sendo também conhecida na Dinamarca.
A primeira denominação é contracção de uma phrase hespanhola
e a outra, el bicho, parece não ser estranha ao nosso povo, visto que
a ocafayo, vegetal muito empregado nessa affecção e nas hemorrhoi-
darias, é vulgarmente chamada herva âo bicho.
Não tive occasião de ver caso algum dessa enfermidade, que Cas-
telnau descreveu e aquelle escriptor repetiu ao perfilhar as descripções
do viajante francez.
DelLis são principaes symptomas, segundo informações que tive: con-
gestões venosas e ás vezes transudações sanguineas na mucosa rectal, diar-
rhéa, dór gravativa na região cervical, febre, anorexia, somnolencia, ten-
dência sjrncopal, constricções para o thorax e epigastro, dilatação pathog-
Bomonica do sphincter, insensibilidade, cyanose e prostração do pulso — si a
terminação deve ser fatal. A dilatação é ás vezes de oito á dez centimetros
de diâmetro ; as evacuações alvinas excessivas. Earas vezes é moléstia
es8en<5ial; apparecendo quasi sempre como consequência das febres inter-
mittentes rebeldes oa de mau caracter, o que já notara o Dr. Alexandre.
A therapeutica é toda baseada nos excitantes, tónicos, adstringentes
e anti-septicos ; internamente, preparados de genciana, poaya, quina,
angico, barbatimão, etc. ; externamente, clysteres de poaya, jaborandy,
angico, quina, aguíi om Um ia e pimentas, infusões de acataya ou herva
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188 ESBOÇO CHOBOORAPHICO
do bicho, aguas de Labamique, camphorada, phenicada ou creoso-
tada, suppositorios de limão despido do entrecasco, e envolto em pólvora
e pimenta, calomelanos, chloral, rapé, etc. Cuias são as vasilhas de que
se servem para os clysteres, ahi, verdadeiras embrocações. Os supposi-
torios são de algodão ou fios quaesquer, enrolados na mão ou n'um sup-
porte, e embebidos naquella mistura (a).
O Dr. Alexandre preconisa os clysteres de herva do bicho com três
á quatro limões gallegos, oito á dez pimentas comaris ou malaguetas,
uma colher de assucar mascavado ou de rapadura e uma pitada de sal.
Ataca o maculo de preferencia os negros e indios, especialmente os
negligentes nos cuidados do asseio. Nas outras terras do Brasil só foi
conhecida, nos tempos do trafico, nos negros recem-vindos de além oceano.
Uma outra enfermidade, esta peculiar a3 planalto, e quj o viajur
oriundo das províncias marítimas observa com sorpresa, é a frequência do
(a) Eram conhecidos pelo nome de sacatrapos^e sobre isso conta-se na proviucia
uma anecdota referida à um dos capitàes-generaes, que estando enfermo de maleitas^
e temendo-86 da corrupção e sabendo que o único remédio era o famoso supposi-
tório, declarou terminantemente que se oppunha á sua applicação ; e que, si,
estando desacordado, alguém o puzesse em pratica e elle escapasse, mandal-o hia
enforcar. B todos sabem como esses déspotas se desempenhavam nesses pontos de
honra. Declarada a temida enfermidade, sendo já completa a insensibilidade e
prostração, passou-se á cuidar, já, nos termos de substituir o governo, bem como
nos preparos de funeraes para o governador ; o que sabendo um homem do povo, e
doendo-se de vôl-o morrer assim, quando tão fácil era o remédio, decidiu-se a
cural-o sciente da resolução do general e disposto á sacriíicar-se. Applicou o remé-
dio tão temido ; e, obtida a cura, o capitão-general fél-o chamar e perguntou-lhe si
ignorava a sua determinação, e o porque a transgredira ; respondendo-lhe com
uma fleugma spartana : — Por uma razão muito simples ; sou um pobre diabo que
á ninguém fa.» falta, e o que seria da capitania si V. Ex. faltasse ? Admirado o ge-
neral de tal grandeza de animo, perdoou 4he a desobediência e gratifieou-o genero-
samente.
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DA província de matto-grosso 189
bodo, commum á todo esse immenso araxá do Brasil, que abrange desde
o Tocantins, toda Goyaz, Minas até a serra da Mantiqueira, S. Paulo e
Paraná até a serra do Mar, e que vae ainda além das escarpas occidentaes
das cordilheiras do Anhambahy e Maracajú, nos plainos argillo-calcareos
da republica paraguayn.
o planalto.
Em seus começos é euravel com o tratamento iodado. Logi*ei
debellar completamente alguns casos com a dose quasi hahnemaniana
de cinco gottas de tintura de iodo para quinhentas grammas de agua,
em uso de duas colheradas diárias.
Foi o primeiro doente uma menina de ti*eze annos,que pedia-me para
livral-a de tão feia enferniidade, ja bem apparente. Em Assumpção, no Pa-
raguay, tinha tratado de vários casos, sem obter resultados reaes ; aqui, para
nào desanimar a joven enferma, prescrevi-lhe aquella poção, e naquella dose,
como um mero paliativo que,todavia,mal nenhum lhe poderia trazer. Contra
toda a espectativa o mal foi diminuindo á ponto de considerar-se extincto,e
isso em poucos mezes. Outros ensaios foram tentados ; mas, si obteve-se
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100 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
bons resultados nos casos incipientes, nos inveterados nào se perceberam
melhoras.
Para os primeiros aproveita sempre a mudança de clima ou mesmo
de região. Coincidindo a presença do mal com a natureza calcarea do
solo, é opinião geral que sua causa esteja nas aguas, ahi mais saturadas
dos saes de cálcio. Para os grandes bócios e inveterados, nem mesmo a
mudança para os climas marinhos aproveita ; entretanto, ainda restam
meios de curativo na applicação hypodermica de compostos iodados e no
bisturi do cinirgião, dos dous, sem duvida, o de mais confiança. *
VII
E' notável que os miasmas palustres não exerçam influencia alguma
no habitai dos planaltos, tão grande é a sua densidade e peso relativa-
mente ao ar respirável.
Corumbá, situada em uma altitude de 30 á 35 metros, no meio dos
vastos alagadiços dó rio Paraguay, o lago periodixio dos Xarayés dos
antigos, é altamente salubre e sóe passar incólume das febres epidemiea^
de mau caracter.
Em 1875 povoavam-a cinco mil habitantes; não tinha um mendigo,
c seus registros de mortalidade não traziam mais de cinco á seis óbitos
mensalmente. Mas, com a retirada das forças de occupação da republica
paraguaya, centenas de naturaes desse paiz que delias recebiam o pão,
acompanharam-as â Corumbá ; á esses seguiram-se outros, foragidos aos hor-
rores do seu desgraçado paiz, e á fome e miséria que anteviam. Em quatro
mezes do anno seguinte, Corumbá e o Ladario, seu arrabalde á SO., onde
existe o grande arsenal de marinha da província, recebiam para mais de
três ou quatro mil immigrantes nas meámas desgraçadas condições.
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DA província de matto-grosso 101
Esse povo de arribação, semelhante á uma praga de gafanhotos, foi
uma verdadeira calamidade, avalanche que desabou no meio da florescente
Corumbá.
Os que tinham vindo com os batalhões continuaram á ter a vida
apensa á magra pitança do soldado, — mais difificil agora, não só porque
os vencimentos eram menores, como porque não eram pagos com a mesma
pontualidade de então.
Alguns mais laboriosos, ou mais felizes por encontrarem trabalho,
acharam occupação na domesticidade, nas lavanderias, no ferro do engom-
mado, no serviço de peões ou como serventes de obras ; o resto, desem-
pregado por não encontrar trabalho ou pela preguiça, pusilânime ou
desacoroçoado, deixou-se abater ainda mais pelo desanimo e inércia, e
tomou-se victima da fome e da miséria, da embriaguez e da prostituição
com todo o negro cortejo de seus males.
Quem em 1877 chegasse á então villa de Corumbá, supporia entrar
n*uma povoação insalubre, tanta nas ruas a mendicidade — de corpos
magros, esquálidos, cadavéricos, — tanta a miséria que devastava esses
infelizes; poviléo immenso de homens, mulheres e crianças, mal vestidos,
mal agazalhados e peior alimentados, a maior parte refugiada no meio
dos mattos, que cercam a villa, em miseráveis clioças : muitos já enfer-
mos de moléstias chronicas e vindos extenuados de forças desde seu paiz ;
outros aniquilando-se aqui de inércia e desidia, fome e miséria, sem
coragem nem disposição para o trabalho e morrendo de inanição, sem
haver um hospital que os recolhesse, sem ao menos encontrarem a medi-
cina que o medico receitava.
O cemitério- que, pouco antes, raras vezes abria-se n'um mez, agora
quasi que diariamente dava sepultura á cadáveres, comprovando uma
mortalidade cinco e seis vezes maior.
Achava-se então na villa o autor destas linhas; medico, foi seu o pri-
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lí*2 ESBOÇO CHOROGRÂPHÍCO
meiro clamor era prol de tanta desgraça. — « Confrange-se-me o coração,
— escrevia no Iniciador de 6 de' maio (a), — ao pensar quanta miséria
vive por ahi, ao idear quanta dôr cruciante, quanta agonia, quanta
angustia atroz, quanto drama de episódios horríveis não terá por basti-
dores os ermos das mattas ou as taipas da arruinada palhoça, onde o sol
e a chuva vão tão bem como ao ar livre. Entregues á sua sorte, adoecem e
morrem sem mesmo procurarem um medico, sem .tentarem a salvação da
vida ou ao menos buscarem lenitivos na medicina. Talvez por feta-
lismo, como os selvagens, crêam chegada a derradeira hora, sem meios de
conjural-a, e por ignorantes não tentem aflFastal-a, suppondo, quiçá, os
nossos médicos falsos apóstolos da caridade e eivados do mercantilismo e
paixão metallica da época. Mas, honra se lhes faça : não os domina essa
paixão. Quando o desgraçado e o enfermo delles necessitam, encontram-os
sempre acompanhados da caridade e do desinteresse. Mas o medico só
não basta. E' preciso também o remédio, que custa dinheiro ; a dieta,
que é difficil de achar-se.
« Morre-se aqui de miséria, morre-se de fome, morre-se ao desam-
paro ! Entretanto com pouco esforço podemos fazer aos outros aquillo
que quizeramos nos fizessem : dar-lhes a vida, a saúde, o melhor bera da
humanidade.
« Ha necessidade, ha urgência de um local de refugio á essas des-
graças e de lenitivo á essas dores, onde os cuidados da medicina possam
arcar com vantagem com os horrores do mal e com o desespero da cura.
Não ha que esperar dos deveres paternaes do governo, em cujas forças
não está o guarecer todas as dores, nem crear um asylo lá onde quer
que appareça uma afKicção á consolar.
« Não. Bastam os sentimentos de caridade do povo, basta a gene-
(a Interessante e criterioso periódico de Corumbá, começado á publicar-se em
janeiro de 1877.
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DA província de matto-gkosso 19'^
rosidade dos moradores de Corumbá e o auxilio efBcaz de suas autori-
dades. Concorra cada um com o seu óbolo, alugue-se jima casa, prepa-
re-se-a conforme as circumstancias o perraittam, solicite-se do governo os
medicamentos, hoje, que não ha aqui onde recorrer por elles, e ter-se-ha
erguido um modesto, mas salutar albergue da misericórdia. Dado o pri-
meiro passo, que é o difficultoso, não faltará quem aceeite a idéa e a pa-
trocine. Sob a capa metallica do positivismo hodierno aninha-se ainda
muita philantropia, muita caridade, muita beneficiencia.
« Faça-se a enfermaria : si não choverem bençams de gratidão sobre
os seus bemfeitores, guardarão estes a satisfacção intima e immensa de
t^rem contribuído para o allivio e salvação de algumas ou muitas vidas.
E Deus os abençoará. »
E não foi baldado esse appello. Em 24 do mez seguinte inaugura-
va-se no Ladario uma enfermaria de vinte leitos, sob a invocação de
llosipiial de caridade — S. João.
A casa que ia ser offerecida á província para os misteres da ins-
trucção publica, a medicina do entendimento, foi, á instancias minhas,
para os da medicina do corpo. Infelizmente durou poucos mezes, e tão
útil instituição fechou-se por falta de recursos, poucos mezes após reti-
rar-me para a corte.
Consigne-se, ao menos, aqui os nomes dos seus instituidores e prin-
cipaes bemfeitores, e será o único galardão que tenham obtido os
Srs. major João Pedro Alves de Barros e António Pedro Alves de Barros,
donos da casa, Dr. José Joaquim Kamos Ferreira, Manoel Marcellino
Guerra, João Gonçalves de Oliveira Freitas, Thiago José Mangini, Pedro
Gonçalves Coelho e Dr. Raymundo de Sampaio.
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194 ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Ficaram sós; não puderam obter os auxílios do governo, nem vencer
a natural apathia e indifferença dos conterrâneos; ficaram sós ; o esforço
era superior á suas forças : succumbiram.
Hoje está quasi nullificada essa apparencia morbosa e desgostante
da nova cidade. Seus foros de salubridade continuam incólumes apezar
do estuário pantanoso em que se ergue.
Como ella gozam dos mesmos créditos Cuyabá e o Ladario, e talvez
que mesmo a cidade de S. Luiz de Cáceres, já próxima ás cabeceiras do
rio Paraguay.
E' que nas regiões palustres a atmosphera das camadas superiores
é menos densa, mais leve e mais pura; e, portanto, muito differente em
principies vitaes das inferiores, que existem como que estagnadas, não
sendo varridas nem renovadas pelos ventos, cujas correntes só muitos
metros acima do solo é que se estabelecem.
VIII
Para toda essa immensa região americana são duas as estações :
a sêcca e a das chuvas. Estas coincidem com o verão, começando ordina-
riamente de setembro á oitubro, e indo até abril e maio.
O augmento da temperatura do solo, a refracção do calor solar, a
grande quantidade de vapores de agua que vão saturar as camadas infe-
riores da atmosphera, produzem o desequilíbrio na densidade dessas
camadas e das superiores; correntes se estabelecem nos sentidos vertical
e horizontal, estas modificando a temperatura, conforme a região donde
vém, aquellas subindo ás camadas superiores, determinando ahi a con-
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DA PROVÍNCIA DE MATTO-GROSSO 195
densação dos vapores que se liquefazem e dão origem ás chuvas prolon-
gadas. Estas e o degelo dos Andes são as causas das transbordações e
formação dos alagadiços. Começam por aguaceiros grandes, mas de pouca
duração, esses pequenos dilúvios tão communsnas latitudes intertropicaes;
pouco á pouco vão-se amiudando de maneira que, em meio da estação,
ha occasiões de seguirem-se, não interrompidas, durante semanas inteiras.
E' então que as baixadas do solo calcareo se embebem, saturam e conver-
tem-se em lagos ; que os rios e regatos transbordam, e rios, regatos e
lagos reunem-se, formando esses incomparáveis oceanos de aguas doces,
onde se navega em todas as direcções, por cima dos campos inundados e
sobre as franças das florestas submergidas.
Parte dessas baixadas, formada de extensos campos, em fachas mais
ou menos estreitas e compridas, abeiradas de mattas ou bosques, cujo
solo é um pouco mais elevado, — é o que aqui toma o nome de corixas,
e que differem das escoantes ou vasantes por não servirem somente de
passagem ás aguas que por ellas descem, e sim conservarem-as ainda
além da estação própria.
Nessa época ninguém se deve aventurar à longas viagens por esses
ermos, pois si se descuida, fiado em que não chove ainda, ou poucoyehove,
inesperadamente vê, da noite para o dia, ir-se o terreno embebendo e
alagando com rapidez, e com pasmo e terror do viandante que, entretanto,
vê sêccos e áridos os terrenos mais altos que o cercam. Outras vezes é o
contrario o que succede. As chuvas são copiosas e fortes, e o terreno
bebe-as e de prompto se enxuga. Isso se explica pela natureza de seu
solo arenoso ; e tal terreno, recebendo as aguas em comarcas mais ou menos
remotas, pela sua força de absorpção, permeiabilidade, declividade e
saturação, vae fazêl-as emergir nos solos de menor altitude, afastados
âs vezes, de muitas léguas, conservando em outros logares vastas regiões,
nào de pântanos, mas de lamaçaes, « desgraçados caminhos, como mui
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lOG KSBOÇO CHOROGRAPHICO
bem o diz Southey (a), onde se atravessam pântanos sem por isso deixar-se
de soffrer sedes. »
Nunca, talvez, um psychometro ou um udoraetro appareceu na
província, pelo que não se pôde determinar com rigor a humidade da
atmosphera, nem o médio das chuvas que inundam o solo.
No tempo decorrido de maio de 1875 á março de 1878 a media annual
foi de 135 para os dias de chuva; e, á avaliar-se pelas medias da corte,
que é de r",80; do Pará, de 2'",0; de Pernambuco, de 2'",50; da Bahia,
de2'",0; S. Paulo, de l'",80: não será desarrasoado calcular em 3'",0 a
media das aguas cabidas annualmente na provincia, si ainda não fôr maior.
Como é fácil de prever-se, o gi*au da humidade atmospherica varia
conforme as disposições hydrometrica e hypsometrica do solo. Faltando
quasi absolutamente as observações á respeito, limito-me á consignar,
baseado era D'Alincourt (b), as obtidas pela commissão russiana á cargo
do cavalheiro de Langsdorff, que em 1827 andou em exploração no Brasil.
Em Cuyabá, que ainda pôde ser considerada pertencente á baixa-la, apezar
da sua altura de 288 (c) metros sobre o oceano, o hygromet romã rcou
como máxima geral diária 95'' e minima 46", nos mezes de fevereiro á
agosto, e na chapada, no logar de Guimarães, de 2 de abril á 13 de
junho, tempo sêcco, 60" pela manhã, hO" ao meio-dia e 58" á tarde, medias
diárias. Essa chapada eleva-se 804,5 metros sob o nivel oceânico.
Com as friagens que sobrevieram em 16 de junho do mesmo anno,
o hygrometro elevou-se a 97% estando a atmosphera cerrada de densa
neblina.
(a) H>st do Brasil (Trad. do Dr. L de Castro). T. I. pag. 215-
(b) Obra citada.
(cl l'í*) p<''s inglezes.
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BA província de matto-grosso 197
Em 30 de julho, Langsdorff observou a máxima do barómetro em
29,600, soprando as ardentes brisas do Norte; tendo já obtido a minima
em 28 de fevereiro, na altura de 29,400,
Os ventos geraes sopram de NO. e SE. ; estes frios e fazendo baixar
rapidamente a temperatura, aquelles elevando-a e rarefazendo a atmos-
phera; ambos desejados, si vém mitigar as asperezas da estação, ambos
temidos — estes, si chegam na força do frio augmentando e trazendo as
geadas e friagens, ou si, inopinadamente, na força do verão, determinando
grandes perturbações para os órgãos respiratórios elocomotores; e aquelles,
os ventos do Norte, si com o seu hálito de fogo, vém ainda mais abrazar
a atmosphera, augmentando o calor e e mau -estar j a produzido por este.
IX
E' no verão que são frequentes as tempestades, trazidas quasi sempre
pelo sudoeste, o vento dos pampas, o qual em minutos modifica de tal
modo o estado thermico do ambiente, que o thermometro salta rapida-
mente de muitos graus.
As descargas eléctricas são amiudadas e quasi tão geraes no planalto
como na baixada. Si para aquelle influe a natureza metallica do solo e o
calórico do clima, para esta são razões poderosas, além da saturação
hygrometrica do ar, a grande copia de ferro oligisto e magnete que
existe nas montanhas que a cortam, e as próprias arvores de suas flores-
tas, verdadeiros intermediários do fluido entre essas duas enormes pilhas
de electricidades contrarias, — atmosphera e solo.
Este já por mais de uma vez tem extremecido em ligeiras commoções
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198 ESBOOO CHOROGRAPHIGO
do sub-solo. Os annaes do senado da camará de Cuyabá citam um
tremor de terra á 24 de setembro de 1749, precedido de um forte rumor
como o de um trovão subterrâneo. N'uma das paredes dos calabouços
do forte do Príncipe da Beira, no Guaporé, eu li a seguinte inscripçào
que um preso ahi deixou consignada, á ponta de stilete : « No dia 18 de
setembro, pelas 2 horas da tarde, tremeu a terra, 1832, » Registra-se
outro succedido em 1 de oitubro de 1860; e eu mesmo, na noite de 26
de junho de 1876, pela volta das nove e meia, estando de passagem com os
outros membros da comraissào de limites na fazenda do Cambará, quasi
á margem do Paraguay, sentimos um sacudimento brusco nas camas e
redes, ao mesmo tempo que pequenos estalidos no telhado, como de gra-
nizo, durando apenas alguns segundos.
A approximação das tempestades é de ordinário presentida. A
temperatura se eleva, o ar parece de fogo: não sopra a menor aragem.
A natureza como que se abate, extática e assustada. Os animaes perdem o
animo, murcham as orelhas, abatem as caudas ; si selvagens embre-
nham-se nas florestas, si amphibios precipitam-se nas aguas. Os domés-
ticos approximam-se do homem, como que confiados na protecção delle.
Nem as grimpas das arvores baloiçam : as mattas, n'uma quietude me-
donha, parecem sólidos inteiriços. As aves achegam-se dos ninhos, sus-
pendem os voos e se escondem ; algumas, como as gaivotas, enchem os
ares de sua vozes assustadas e quasi que lamentosas, prenunciando a
tormenta : mas, logo se calam. O ambiente cada vez se achumba mais,
e a respiração se toma mais difificil. Ha uma espécie de duresa em tudo
o que nos cerca ; um torpor gravativo ; um silencio especial, só quebrado
pelo rumor das correntezas, que augmentam de estrépito e fazem ainda
maior a anciedade do homem.
Sem muita difficuldade se reconhece a quantidade de ozona com
que a electricidade sobrecarrega a atmosphera. Ao preparar-se as soluçõe?
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DA província de matto-grosso 109
de iodureto de potássio, para meus doentes, o sal indicava, em pouco
tempo de exposição, dilferença na cor, devida sem duvida á afifinidade do
oxygeno electrisado para com o iodo.
Entretanto, nem uma nuvem no céo : — somente o sol havia
amortecido seus raios, occultos sob um véo espesso e achurabado.
Dahi á pouco denso mmhics surgia do horizonte, elevando-se de S. ou
SO, ; fazendo-se já ouvir o longínquo e surdo reboar do trovão. Em breve,
scintillam os relâmpagos ; amiudam-se e amiuda-se o trovão, já com
estridor medonho. O ambiente modifica-se extraordinariamente e a tem-
peratura decresce com rapidez. Sopra uma brisa, de ordinário do qua-
drante austral, que em breve se converte em violento tufôo.
Um grosso pingo de agua, outro e outros, isolados, grandes e gélidos,
cahem á grandes espaços no chão. São as avançadas de um aguaceiro
diluviai que traz, por atiradores, um chuveiro de granizos e açoita a natu-
reza por alguns minutos.
Meia hora depois o sol resplende fulgurante. O céo está limpido
e sereno ; a brisa murmura suave ; as arvores curvam-se levemente ao
sopro fagueiro ; a natureza som ; os pássaros sacodem das azas as gottas
de agua que tiveram força de embeber-lhes as plumas, e cantam ; os ani-
maes todos mostram-se contentes, e o homem sente-se reanimado e feliz.
Tudo respira com mais vida: somente guardam por algum tempo o signal
do cataclysma a relva abatida dos campos, as folhas despidas e os galhos
lascados das arvores da floresta, e as correntes que, mais túmidas e tumul-
tuosas, vão, comtudo, pouco á pouco perdendo a sua soberbia c entrando
de novo nos limites que a natureza lhes demarcou.
Poucas horas depois só saberia do acontecido quem o houvesse
presenciado.
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2U() KSBOrO CHOllOGRAPHICO
X
Nas regiões sêecas e altas, as do chapadão, o clima é são e benéfico;
bastante quente no verão, no inverno bastante frio. As geadas sobrevêm
quasi que annualmente, ora era julho e agosto, ora mesmo em junho e
setembro, mas já menos frequentemente, e sempre acarretando graves
transtornos á já por si tão pobre lavoura dessas comarcas.
As friagens são mais communs e sobrevêm mesmo na força do
verão. O Dr. Alexandre cita-as em março, abril, maio e junho ; sendo
a primeira á 18 do mez, ainda em viagem no Baixo-Madeira ; a segunda
de 6 á 14 de abril, na cachoeira do JUheirão, no Alto Madeira ; a
terceira, nos últimos dias de maio, já no Mamoré, e tão forte, que os
Índios remeiros não puderam manejar os remos, sendo-se forçado á voltar
para o pouso e buscar o conchego das fogueiras ; a quarta, e mais forte,
á 28 de junho, no forte do Príncipe da Beira ; uma quinta já muito
adiantado na viagem do Guaporé, e a ultima desse anno no an-aial das
Lavrinhas, entre este rio e o Paraguay. Algumas são tio fortes que tém
determinado gangrenas e mortes por congelação. Entre outras, cita-se
uma de março de 1822, que causou grande mortandade n*um comboy
que vinha do Rio de Janeiro, e que na extensa campanha do Rio Manso,
no alto da chapada, perdeu vinte e tantos negros novos (a).
Emquanto que o estado thermico da atmosphera tão grandes oscilla-
ções olferece, o barómetro conserva mais fixidade na escala. No verão
a variação diária é devida somente ao excesso do calor, nem vae além
de cinco á seis millimetros. Nos annos de 1875 á 1878 a media geral
(a) Luiz D'Alincourt. - ResuH. dos T.ab, e Indrfg. eslatisllcas da provinda de
Matto-Grosso, cap. 2o, art. 4.o
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DA província de matto-grosso 201
na região baixa foi de 761"*", 69, sendo a maior pressão marcada em
772— ,13.
As differenças de temperatura á sombra e ao sol são grandes, mas
não tão distanciadas como as que observei na republica do Paraguay.
O calor da madrugada é ordinariameute de 4* á 6* centigr. menor do
que o do meio do dia, continuando á crescer até as 4 ou 4 1/2 da tarde :
todavia, observam-se manhãs, como a de 28 de maio de 1875, em que das
9 á 1 da tarde subiu o centigr. quasi 16* ; a de 3 de julho, em que das 7
ás 4 da tarde, elevou-se mais de 13** ; a de 16 de junho de 1877,
que augmentou de 12'' ; e as de 20 e 24 de junho desse anno, e as
de 18 de agosto do anno anterior, que subiram de IO"".
A minima thermica é normalmente pelo meio da noite.
As mais antigas observações thermometricas de que guardo noticia
são as tomadas pelos astrónomos Francisco José Lacerda de Almeida
e António Pires da Silva Pontes, da coiomissão demarcadora de limites,
de 1782, de 5 de fevereiro á 4 de agosto desse anno. Em uma carta de
Luiz de Albuquerque, capitão-general, ao ministro Martinho de Mello
e Castro, datada de 11 desse ultimo mez (a), vem registrada a maior
temperatura em 10 de abril, com 24%72 Réaumur (=30%9 centigr.), e
a menor « (que fazia no corpo humano um frio muito sensivel) » á 6 de
julho, com 11" (=13%75 centigr). Nessa época a máxima do barómetro
foi á 6, 7 e 8 de julho, elevando-se o mercúrio á vinte e oito pollegadas e
quatro linhas no pé do Rheno, instrumento então em uso, e a minima, á
4 do mesmo mez, em vinte e seis pollegadas e dez linhas.
« Conmmmmente, diz o sábio Dr. Alexandre (b), o thermometi'o
(a) Ms. da Bibliotheca Nacional.
(b) Obra citada.
26
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áOâ tiSdOÇÓ OHOROORAPHICO
Réaumur, dentro de uma casa de telhar-que pouca differença faz do ar
aberto, — anda por 23*,5 até 24% do meio-dia á uma hora da tarde »
(29%3 — 30* centigr). « O menor calor que se tem observado é de 9** (11%
25 centigr). Ordinariamente, nos dias de friagem, anda por ll'*,5, 12%
e 13**. A variação do magnete em março de 1790 foi maior do que havia
sido nos seis annos anteriores, porque então era de 9%55 e naquelle mez
chegou a 10* — NE. »
Uma observação fiz em Matto-Grosso, que mais tarde tenho repetido
em outros legares: imi calor incommodo e excessivo em certos dias, quando,
entretanto, o thermometro não o indicava. Não sendo eu somente quem o
sentia, nem sendo um só thermometro que o explicava, registrei o &cto
que, agora mesmo, neste mez de fevereiro (a) frequentemente vou experi-
mentando aqui na corte, sentindo ás vezes um calor insupportavel aos 26"" e
27'' centigr., em dias que todos tem achado mais quentes do que outros
em que o indicador se eleva á 30* e mesmo á 31*. E vice-versa : tem-se
achado frescas madrugadas que o centigr. attesta em 26'',2, como a de
13, e 26'',5, á 14 do corrente. Para ser uma condição especial do orga-
nismo nessa occasião, £5ra mister que obrasse epidemicamente, por assim
dizer, em todos quantos experimentaram o facto.
A altitude ás vezes de um kilometro, em que está o planalto,
dá-lhe uma difierença de 4"" á 5% menos do que na baixada. A diather-
maneidade da atmosphera compensa em grande parte do território a refrac-
ção do calar solar. Grande parte desse solo é de terrenos ^dos e balofos,
com uma vegetação infesada, que só na proximidade das correntes adquire
(a} 1879.
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DA província de matto-grosso 203
a luxuriante apresentação dos trópicos. Certas arvores são caracteristicas
dessas regiões, como as mangabeiras anãs e ccyús, ou cajueiros anões, dos
quaes alguns que vi mal tinham um palmo de altura, no emtanto que o
firucto,dafl dimensões dos cajus ordinários, descançam a castanhanochâo. Ou-
vi de um sertanejo que esses cajueiros não eram mais do que ramos terminaes
do cajueiro commum, soterrado tambem,como as montanhas daregião, pelas
terras de alluvião que formam o planalto, e occultam em seu meio tão
completamente aquellas, que ahi mal deixam vêr as cumiadas, indo,
porém, ostentar toda a sua magestosa altura nos flancos mais ou menos
íngremes e alpestres, mais ou menos abruptos que formam paredes aos
valles de denudação. Assim, com aquellas arvores : — infelizmente, disso
tive a noticia quando me era impossivel verificar o phenomeno.
XI
Corumbá, onde demorei-me seis mezes, de cada vez, durante três
annos, passa rápida e facilmente por aquellas vicissitudes thermicas. Nos
mezes de Mo aquece-se repentinamente ao sopro quente das auras do
norte'; no rigor do verão tirita com o frio trazido pelos tufões do sul.
Em 1875, â 21 de outubro, no Descalvaão, porto â beira Paraguay,
lat. W 44' 38",24, marcava o centigr. 28* ás 6 da manhã ; ás 2 1/2
da tarde tinha subido á 39'',2 quando inesperadamente sobreveiu um
violento tufão de sudoeste, acompanhado de graniso projectado n'um
angulo menor de 35*". Immediatamente desceu o mercúrio 18%7. A's oito
da noite estava em 15%5. Em 13 de junho, ás doze do dia, em Corumbá,
marcava 23*" ; onze horas depois tinha saltado para 11"", e ás duas da ma-
drugada ainda descia para 7%25,— em casa fechada. A latitude dessa
cidade é de 18* 59' 38*',30, isto é, quasi cinco graus mais ao norte do que
a desta corte. Sua altitude é de 121",6 sobre o mar.
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204 ESBOÇO CHOROGEAPHICO
Naquelle mez as manhas tinham sido e continuaram á ser quentes :
verificou-se 23%125 ás seis da manhã do dia 12, e 21%48 á mesma hora
do dia 13. Mas, já á 14, descia de 10%25, conservando-se frio todo
o dia.
Mais notável foi a transição notada em Assumpção, capital do
Paraguay, na segunda quinzena do mez antecedente. Copio-a das obser-
vações tomadas por meu irmão o general Hermes, que de ha longos annos
collige-as, nas suas horas de lazer. Era de 16^,167 a média diária na
década de 15 á 24 de maio : repentinamente, na manhã seguinte, saltou
para 23°, para 30* ás duas da tarde e 32%5 ás doze da noite; continuando
assim, com pouca diferença, até 27, em que, de 31%125 que indicava
ás sete da manhã, ás dez já tinha baixado cerca de 4^
Nesse anno de 1875, a maior temperatura observada á beira Para-
guay foi essa de 39*^,2, á tarde de 21 de outubro. A menor foi a de 7*^,5,
ás duas da manhã de 14 de junho. Em viagem no rio Cuyabá para a
capital, á 19 desse mez, e no coração do inverno, elevou-se á 35** ás duas
da tarde. Desde ás seis da manhã tinha crescido de 13%75 : daquella
hora ás 10 da noite baixou de 7^5. Em 25 de setembro, á uma da tarde,
chegou á 34%38.
Em 1876, a maior temperatura observada nessa capital foi a de
34%37, ás duas da tarde de 24 de dezembro, seguindo-se-lhe trovoada
e chuva de SO. A menor foi a de 7%5, ás oito da noite de 18
de agosto.
A latitude de Cuyabá é de 15° 16' austral, isto é, mais 7* 37' ao
norte desta corte.
Na corixa da^ Mercês, parallelo de W 12' 23", entre os marcos
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DÁ província de matto-grosso 205
divisórios da Boa-Vista e Quatro Irmãos, desceu o thermometro á O**, na
madrugada de 20 de agosto. As bacias de agua e as poças no campo
cobriram-se de uma crosta de gelo, que, ás oito da manhã, já o sol se
elevando e o thermometro marcando 6%75, conservava ainda mais de
millimetro de espessura, vendo-se o campo todo branco de um lençol
de neve.
Em 1877, as maiores temperaturas tomadas foram de 35°,6 á uma
da tarde de 23 de setembro, e 35^0 em 25 de junho e 6 de outubro, ás três
da tarde. A menor foi de 1 2*^,5 ás sete da manhã de 15 de junho.
De 1878, apenas temos as temperaturas dos dous primeiros dias
de março. O maior calor foi ás duas da tarde do ultimo dia observado,
marcando o centigr. 34%27. A menor foi ás cinco da tarde de 14 de ja-
neiro, em que desceu á 25^
Em 6 de janeiro, 6 e 8 de fevereiro, e 1 de março, elevou se, á
tarde, á 33%75.
Comparando-se essa thermoscopia com as dos diflferentes logares
situados na mesma zona, vê-se que o isotherismo em Matto-Grosso dis-
crepa nas linhas isothermicas e isochimenicas,as quaes de um lado e outro,
nas margens dos dous oceanos, passam em pontos, estas, mais baixos,
e, aquellas, mais altos em relação ás respectivas latitudes.
De grande soccorro foram para este trabalho os dados colhidos pelo
general Hermes. Delles extratou-se os quadros que seguem :
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206
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G^
Digitized by
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1
208
ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Mez de maio de 1875
DIA HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
DIA hora' TEMP. ; OBSERVAÇÕES
15 6-
15',0
Na cidade de
21 9°' 25,25 i Em Assumpção
Assumpção
• 3'
22,5 :
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17,5
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22,5 ;
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. 1'
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23 ■12"
20,75
Clioveu todo 0 dia
17
8»
7"
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15,0
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30,0
Em viagem, subin-
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• 12
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n
12
21,25
Chuva
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28 9»
31,25
16,88
N
9"
20.06
• 1'
„5) c Em 4 horas subiu 0
*'^'^ thermom. quasi 16*
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16,0
» 12
21,25
• 4
• 7"
31,25
31,25
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•
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20,6
• 10
27,5 1 .•■•
i
1
Mez de jiiniio
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N
12
13
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14
15 7»
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Em Corumbá
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23,75
12
27,50
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26,25
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23,75
8"
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12"
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8»
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DIA
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18
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»
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»
4
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. 12
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N
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n
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»
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26,25
26,25
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23,75
21,25
23,75
31,25
32,50
35,0
33,75
27,50
22,50
27,50
22,50
26,25
21,25
22,50
23,75
21,25
23,75
26,26
OBSERVAÇÕES
Em viagem 00 rio
Paraguay
Em viagem no rio
Cuyabá. Chuvoso
Em Cuyabá
Chuvoso
Digitized by
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DA província de matto-orosso
209
Mez de juUio. Em Ciiyabá
DU HORA TBMP.
OBBBRTAÇÕBS
1
DIA HORA TEMP.
1 1
OBSERVAÇÕES
1 . 8-
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•
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23,75
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. ; 7
22,50 ; Chuvoso
2*0
4-
22,50
. ' 9'
25,0
2'
27,50
9 ; 7-
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8»
26,27
. 3'
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23
7-
18,75 ;
. 8"
25,0
5'
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11 7-
23,75
11'
32,50
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26,25
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•
12
28,75
3'
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•
3'
29,37
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23,75 i
. 4
30,62
n
29
8-
21,25
»
9-
25,0
5»,5
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12
7-
23,75
10»
23,75 ;
. 3»
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7-
20,0
. 10-
26,25
8-
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14 6-
16,25 1
10
23,75 ;
. 9
1
18,75 ;
1
1
Mez de
agosto
1 I !
DIA HORA TEMP.
1 1 1
OBSERVAÇÕES
1
DIA HORA
TBHP.
OBSERVAÇÕES
1 6-
20,0
Em Cuyabá
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18,75
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• 12 23,175'
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*
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9-
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Em Corumbá
13 7-
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1
•
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28,75
M
27
Digitized by
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210
£SBOÇO CHOBOaRAPHICO
Mez de setembro. Em Cuyabá
DIA
HORA
TBICP.
OBSERVAÇÕES
1
DU HORA TBMP.
- OBSERVAÇÕES
1
7-
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25
4' 32»,25
12
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»
10» 31,25
3'
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26 1 7"" 28,75
6-
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.11» 31.25
12
20,60
. 1 4 ,31,88
4»
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. 11» 29,37
12-
19,37
28 ' 7- 26,25
8»
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. 1 5' , 31,25
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. 1 11" 28,125
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7-
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. 1 5' 31,25
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Mez de oitubro. Em Cuyabá
DU HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
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OBSERVAÇÕES
1
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• 1 T
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»
• 11
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»
9 : 24,37
»
6 > 7"
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•
1' 28,125
»
• 4»
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1
Mez de novembro. Em Cuyabá
DIA
HORA
1
TEMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
i 1
HORA TEMP. 1
OBSERVAÇÕES
1
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21
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12
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»
3' , 26,25
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•
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3'
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»
4»
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»
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»
19
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»
26
6- 25,0
»
a
5'
1
31,25
1
Nordeste
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6» 31,125
1 1
»
Digitized by
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DA PBOTINCU DE MATTO-SROSSO
Mez de dezembro. Em Çuyabá
211
DIA HORA' TEMP.
1
5
15
18
2»
12
7-
4'
8"
32»,50
25,0
27,50
23,75
26,88
26,25
obsertaçObs
DIA HORA
18
25
»
26
27
3«
9"
3»
6»
8-
TEMP.
30»,0
21,88
23,75
25,0
26,25
OBSERVAÇÕES
Mez de janeiro de 1876. Em Cuyabá
DIA
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
1
6"
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20
7»
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Chuva
2
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»
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Vento Sul
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»
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Chuva
II
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»
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Chuva
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»
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»
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. 10-
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»
. 5'
27,50
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26,25
»
1
. 5'
27,5
»
Mez de fevereiro. Em Cuyabá
DIA HORA TEMP. OBSERVAÇÕES
DU
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
2
8- ' 26,80 1
9
7-
26,25
Chuvoso
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»
5»
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>
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7»
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»
12
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»
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»
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N
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»
11-
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»
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14
7"
27,5
»
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»
5
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»
. ; 6* : 26,80 i
15
7-
27,50
»
. ! 10» ' 26,25 1
D
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25,60
»
10'
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. ' 5*
27,50
21
7"
26,25
. 9" ' 26,25
•
5*
30,0
8 7" 25,0
m
5'
28,0 Chuvoso
Digitized by
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212
BSBOÇO CHOBOGRAPHIGO
Mez de março. Em Cuyabéi
DIA HORA.
TBMP.
obsbrtaçObs
Z?
HORA
TBMP.
OBSBRTAÇOBS
8
6-
26»,25
19
1'
30%60
»
6'
30,62
B
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29,37
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7-
26,25
21
7-
26,25
»
6«
30,0
Aguaceiros
»
6*
28,12
18
7-
26,25
*
»
9"
26,88
»
5'
30,0
»
23
7-
25,60
II
7»
29,38
»
D
5»
23,75
Chuva forte
II
9
27,50
>
•
10"
24,37
19
7-
26,25
M
12
24,30
Mez de abril. Em Cuyabéi
DIA HORA TEMP.
2
»
19
7- i 25,60
2' I 28,80
7» ' 25,0
TBMP. I OBSBRTAÇÕES
30,0
26,25
30,0 j
Mez de maio
. Em Cuyabâ
DIA HORA TEMP.
1
obsbrvaçObs
DIA
!
HORA TBMP.
1
OBSERVAÇÕES
3
7-
24,38
24
8- 25,0
»
2'
28,125
»
4* 29,38
12
7»
22,50
26
7- 26,25
»
5'
27,50
. 1 8 27,50
14
8-
23,75
. 1 5» ; 30,0
»
3»
26,88
1
Mez de junho
Em Cuyabà
DIA HORA TBMP.
OBSERTAÇÕBS
DM
HORA
TBMP.
OBSBRTAÇÕES
7- 22,50
17
1-
18,0
4' : 26,25
»
6
18,0
7- l 20,0
»
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. 5'
26,25
n
5»
20,0
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n
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7-
21,25
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18,75
11
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»
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n
10»
20,0
.
12"
21,25
21
7-
21,25
14
7«
20,0
»
5'
25,0
5' 26,88
23
7-
20,50
6- 19,37
»
11»
20,50
3* ,26,88
24
6"
18,0
16
5»
20,50
»
12
23,0
9«
19,37
»
2'
25,0
12
18,0
•
6
25,0
Digitized by
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DA província de lUTl-O-OROSSO
213
Mez de julho.
Em Cuyabâ
DU
1
HORA TEMP.
OBSBRTAÇÕBS
1 1
DIA HORA TBMP.
OBSERVAÇÕES
2
7- 21».25
5
6» 23',75
>
1'
21,88
»
9»
20,50
3
8»
16,25
6
7-
16,25
»
5'
22,50
16
6-
18,75
n
7»
20,0
n
3*
29,37
4
5-
13,75
»
12-
23,12
•
8
15,0
28
7«
21,88
•
7»
20,0
»
6*
28,75
O
8»
16,25
Mez de agosto. Em Cuyabéi
1
DIA HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
1 i
DIA HORA TEMP.
1
OBSERVAÇÕES
1
6-
18,75
18
8- 10,0
Em quarto fechado.
2
6-
20,0
. 8N5', 7,50
Em sala aberta
3
4-
20,0
B
5' i 20,60
6
1»
25,60
»
8" 1 15,60
10
6«
30,0
19
7- 1 11,25
11
8-
18,75
n
7" i 22,50
te
7-
18,75
»
11 16,25
•
11
17,50
20
7- 13,75
12
7-
14,37
'
11 21,88
•
5»
22,50
21
i: 18,75
14
7» 27,50
»
7' 21,0
Mez de setembro. Em Cuyabêi
DIA
HORA
TEBIP.
1
OBSERVAÇÕES
DIA
i
HORA
1
TEMP.
OBSERVAÇÕES
2
7-
1 22,50
27
'8-
27,5
24
2»
32,50
Vento ENE
»
12
31,25
a
ilO-
27,50
27
3*
30,0 1
26
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30,0
1
í
i
1 }
Mez de oitubro. Em Cuyabéi
1 : '
DU HORA TEBIP. 1 OBSERVAÇÕES
DIA
i
HORA TEMP.
OBSERVAÇÕES
1
2» 32,50
15
10» , 21,25
B
3 33,0
16
6» 1 20,0
9
6- 25,60
n
2' ,28,75
11
8' 26,25
17
6- 25,0
15
7- 22,50
n
2* 28,75
•
12 , 27,50
30
1 6» 30,0
»
5' '27,50
1
Digitized by
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214
ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Mez de novembro. Em Cuyabà
1 1
DIA HOHÀ TBMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
1
2» 32',50
19
3*
27%50
3
6- i 26.25
»
10"
23,0
»
8" 26,88 Chuva
20
6-
20,50
Chuva
4
6- , 25,50 :
21
8-
25,0
»
»
5' ,28,75
22
8-
26,25
»
5
8- j 25,50 i
6*
28,75
»
n
12» '25.0 ,
9»
27,50
»
6
8- 25,0 '
2*7
7-
27,50
»
8- 26,25
5' 30,60
7
3» 21,88
. Vento Sul
10- 1 27,50
8
7- 21,88
» » »
28
7- ; 26,88
9
7- 24,37 » .80.
12 ' 30,60
10
7- 26,25
2' ! 31,25
»
5«,5
30,0
»
6 30,0
»
11»
27,50
10* 27,50
12
11- 30,0
30
5- i 25,0
17
6- 24,37
.18: 26,25
N
5» ;25,0
12 , 28,75
»
9" ; 24,37 i
2« 30,0
19
6" 20,50
1
7 28,125
1
Mez de dezembro. Em Cuyabâi
1 !
DIA HORA TEM?.
1 1
OBSERVAÇÕES
1
DIA HORA
1
TEMP.
OBSERVAÇÕES
2 2' 300,0
15 7-
22»,50
. 6 30,0
. 7,5
24,0
12- 26,25
. 5'
28,75
6-
26,25
. 10»
25,0
. 12
29,37
. 10,5
24,37
.
4«
29,37
Aguaceiro
17 7-
25,0
5
26,25
. 11,5
29,37
11-
26,25
. 12
31,25
6 ' 9-
24,37
. 2'
31,25
. 11
25,62
. ; 4 ' 32,0
. 12
27,50
Aguaceiro
. Ill- 131,0
. ' 3»
26,88
18 0-,5
27,50
. 9-
26,25
. 7 '26,35
Aguaceiro
8 1 7-
25,60
. 12 -30,0
. : 4'
31,25
Aguaceiro
. 5« 30,0
. 10-
27,50
. 9» 28,0
10 7"
26,25
22 1 7- 26,25
■ ; "
29,37
. , 5» 31,25
. il«,5
28,75
.\guaceiro
. 7» , 30.0
Aguaceiro
. 5
28,75
. 11 '28;75
11*
28,75
24 , 5-
i
26,88
Digitized by
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DA PROVINCU DE HATTO-OROSSO
215
Continuaç&o do zoez de dezembro ezn Cuyabà
DU
24
25
26
27
HORA
2»
5
6
7-
12
5»,5
7"
11
6-
7
5*
9
1-
TBMP.
34»,37
31,27
26,88
26,25
30,0
30,0
29,37
26,88
25,60
26,25
28,75
26,75
25.0
OBSERVAÇÕES
Aguaceiro
Aguaceiro
Aguaceiro
DIA
27
28
31
I
HORA TEMP.
7
12
5'
10-
7-
5*
9-
6-
4»
6-
10
12
25»,0
29,0
26,88
26,25
25,0
31,88
28,0
25,60
26,25
26,25
25,0
24,37
OBSERVAÇÕES
Aguaceiro
Mez de janeiro de 1877. Em viagem no rio Paragiiay
1
DU HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
1 !
HORA TEMP. 1
OBSERVAÇÕES
1 6-
. , 2»
• i 5
. 9-
t
25,0
27,50
28,125
26,25
1
Chuva
1
1
4
6"
9
4'
9»
22,50 !
25,60
29,37
26,25,
Chuva
Mez de fevereiro. Em Corumbá
1
DIA HORA TEMP.
1
OBSERVAÇÕES
DIA HORA TEMP.
OBSERVAÇÕES
2
3»
30,0
Chuva
15
8-
26,25
•
10-
26,88
16
8-
26,25
3
7-
26,88
»
11-
25.0
»
5'
26,88
21
8-
25,0
»
9*
26,25
5*
30,0
4
6-
25.0
> Em viagem
10"
27,50
para Cuyabá
22
6-
25,60
■
1»
28,75
5'
30,0
•
11-
25,60
Chuva
9-
26,88
6
6"
25,0
23
6-
25,60
B
5»
30,0
5'
30,0
Chuvoso
13
8"
26,25
10»
27,50
■
8-
26,25
25
6-
25,0
•
11
26,25
11
28,75
14
6-
26,25
3*
30,0
»
3'
26,25
Em Cuyabá
11*
27,50
»
6
26,25
•
Digitized by
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216
ESBOÇO CHOROGRAPHICO
Mez de março. Em Cuyabá
DU HORA
TBBÍP.
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
1
7"
25»,26
Chuva
14
6-
25',60
. 5*
27,50
»
2»
29,37
. i 9-
26,25
w
10-
25,0
4 8-
25,0
19
7-
24,37
. 11,5
27,5
1« 28,75
. I 4'
29,37
2
30,0
» il2«
26,88
11»
26,35
5 6-
26,25
20
7- 25,0
. 5'
27,50
6' , 30,0
. 10» : 26,88
7- ,28,125
11 6- i25,0
2*5
7» " "
25,0
» 2* 30,0
1«
27,50
. 5 29,37
10»
25,60
. 10- 27,50
1 1
1
Mez de abril.
Em Cuyabà
DIA 'HORA TEMP.
1
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TBBiP.
OBSERVAÇÕES
8
7-
25,0
15
2'
31,25
»
1'
30,60
3
30,0
»
3'
31,25
5
30,0
»
5
30,0
11-
28,12
9
7-
28,25
19
7-
25,60
»
4'
30,60
11
30,0
11
7-
28,88
2«
31,25
»
4»
31,88
4
31,25
»
6
30,60
5.5
30,0
»
9
28,75
8'
28,75
»
11
27,80
22
1«
30,60
Aragem de NE
12
7-
26,25
3
31,25
»
9
28,0
10"
•26,88
»
5«
31,25
28
8-
25,60
15
7-
25,60
5'
30,0
Aragem de NE
»
11
30,0
Vento NE
29
1-
29,37
n
12
30,60
. NNE
jj
1'
31,88
N
12,5
31,25
. NE
10»
29,20
Digitized by
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DÁ PROVINCU DE MATTCH^ROSSO
Mez de maio. Em Cuyabâ
217
- ■' " 1
DU HORA TBBIP.
1
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
3
1
6-
25»,0
20
2«
26,26
»
3*
31,25
»
10»
25,0
5
4-
31,25
21
8-
23,75
B
8
19,37
5'
26,6
6
12-
30,0 1
8» '20,0 1
»
5*
30,0 1
9
19,37
»
12»
25,0
22
7-
17,50
7
6-
23,75
9
18,0
»
8
28,0 Aragem NE |
2'
19,50
8
5'
30,0
5,5
19,37
16
6-
22,50
SE
9',5
18,75
■
8
22,50
2*3
7»
15,60
•
5*
23,75
8
14,50
. 9"
23,0
4»
19,37
18 7-
22,50
8»
18,0
. ' 5«
27,50
2*5
8-
15,0
. 1 8»
26,88
4',5
21,80
19 1 7-
24,37
7"
20,0
. 9
25,60
9
19,37
. 5'
28,75
Chuva
3*0
7-
22,50
. 8"
26,88
» vento sul
5
26,25
20 8-
25,0
9"
25,60
• |12
1
25,0
1
Mez de junho. Em Cuyabá
DIA HORAl TBMP. OBSERVAÇÕES
1
DIA HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
1
7- ! 21,25
10 4
30,0
•
11 , 24,37
. 11»
25,0 1
2 7-' 23,75
12 8-
20,60 1
. 1 10 25,0 ;
. , 5'
20,0 1
3 7- 22,50:
. ' 7«
18,75
. 12 27,50
13 : 7-
16,25
. 1 3» 28,75 !
. 12
18,75
5
7- i 22,50
• ,2«,5
26,50
•
5*,5 28,75
14 7-
26,25
.
9» 124,37
. ! 5'
20,60
6
7- 21,28
. 8"
18,0
■
5' 30,0
15 ; 7-
12,50
■
9" '25,60
. ! 12
22,50
9
6- 23,0
»
3«
21,88
•
6' 29,37
J»
9»
17,50
■
9- 26,25
16
7-
13,75
10
1*
.30,0
•
12
25,0 J
28
[
Digitized by
Google
218 ESBOÇO GHOBOOBÁPHICO
Continuação do mez de junlio. Em Cuyabà
DIA
HORA
TBBIP.
OBSERVAÇÕES
DIA
HOHA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
16
5'
23,75
23
8"
23,75
»
9"
20,0
»
12
22,25
17
7-
15,60
24
7-
20,60
1»
21,88
9
21,88
5
18,0
10
26,88
20
6-
16,80
1»
28,75 :
4'
26,80
3
30,0
9"
21,25
4
29,37 1
22
6-
19,0
6
26,25 i
5'
27,5
10"
21,88 '
8»
25,0
2*5
7-
19,37
23
8-
22,50
8
21,25
9
23,75
5«
28,0
5*
28,0
8-
22,50
1
Mez de jullio. Em Cuyabá
I I
DIA HORA TEMP.
13
15
22
25
26
"Tm
5»
9-
11
7"
I ^2
1?
'ío.
10-
4»
12-
4-
8
10
3»
5
8»
7»
12
3'
5
21,25
29,37
25,0
24,37
23,0
28,75
30,0
29,37
25,60
27,50
30,0
26.88
26,88
26,88
31,25
35.0
32,0
29,0
26,88
32,5
33,125
31,88
OBSERVAÇÕES
Aragem de NB
Item
DIA HORA TEUP. OBSERVAÇÕES
26
2*7
Veuto N
28
29
30
8»
28,75
10
28,75
7-
26,88
12
30,0
3»
31,125
6
30,0
8-
27,50
10
27,50
8-
26,25
12
30,0
3'
31,25
5
31,25
12»
26.88
9-
27,50
12
30,60
4'
30,0
11"
28,75
7"
26,25
12
31,25
5'
31,25
5,5
30,0
8»
28,0
Aragem de NE
Digitized by
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DA PROTINCU DK If ATTOrOROSSO
219
Mez de agosto. Em Cuyabá
DU
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
DU
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
1
5-
17«,50
8
3'
23',75
9
17,50
•
8»
22,50
12
18,50
9
8-
18,75
6*
18,75
9
20,0
8»
18,0
9-
22,50
8"
18,0
lÔ
7-
21,25
5»
19,38
12
26,25
6
18,75
3»
27.50
8'
17,50
8" 1 26125
9
16,88
12
3»
29,37
3
8-
15,60
5
29,50
12
19,37
9-
26,88
2«
20,0
6-
21,88
8»
19,37
9
25,0
4
6-
15,60
12
27,50
12
19,37
2*
30,0
3»
20,0
6
28,0
5
20,0
9'
27,50
8»
18,75
2»
30,0
5
7-
16,25
4*
30,0
11-
20,0
6-
20,0
12
21,25
8
20,0
2»
22,50
12
25,60
5
23,75
2»
27,50
8*
21,88
5
28,80
6
8-
19,37
10»
25,60
12
25,0
9-
23,75
6*
25,60
6*
26,25
8-
24,37
24
6
30,0
Vento Norte
7
^Z
22,50
26
11-5
29,37
w ^/mA w\^ A 1 \^m wv/
12
26,25
5'
31,25
2'
28,75
27
5*
27.50
5*
28,0
31
■^ô
24,37
8»
26,88
l2
18,0
8
7-
21,25
2*
23,75 i
8
22,50
9-
24,25 i
12
25,0
12
21,25
Mez de setembro. Em Cuyabô
DIA
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
hora' tehp.
OBSERVAÇÕES
1
3
»
•
8-
4'
6
8»
17»,50
25,0
22,50
22,50
8
»
9
1» Í30»,0
4 130,60
8» i 27,50
6- 1 23,75
Digitized by
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220 ESBOÇO CHOBOORÁPHICO
ContinuaçSLo do xnez de setembro. Em Cuyabâ
DIA
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
I
DIA HORA
j
TEMP.
OBSERVAÇÕES
9
7-5
25%0
23 4*
35«,60
Vento N. duro
)»
11,5
30,60
»
10 1
30,0
•
»
3«
32,0 1
24
8-
28,75
»
•
5
31,25 i
12
33,0
»
n
10"
29,37
4«
34,37
»
10
4*
27,50 Chuvoso
8»
31,50 ;
16
12-
30,0 1
.' ' 9
30,60
17
7-
26,88
25 7-
28,75
n
12
32,0
. 1 8,5
30,0
»
»
2'
32,25
. , 12
32,50
M
»
3
32,50 1
6«
33,75
»
. 5,5
31,88
8»
32,50
Vento N.NE.
. 10-
29,37
10
31,25
18 1 7-'
26,88
26 7-
28,75
. ; 5»
31,25
. 12
32,5
Vento N.
. , 8-
30,0 '
• •; 2'
33,0
II
19 8-
28,75
. 1 3
33,75
h
. , 12
31,29 i
• i 4
32,50
, 2«
32,5 !
. i 7-
31,75
» ; 6
33,0 i
10
30,0
. 8»
29,37
27
8-
30,0
. , 9
30,60 1
12
32,50
•
. 10
80,0
2'
33,74
N
20 8-
27,50 .
^
3
34,37
»
. 12
31,25 ,
9"
31,50
N
. 2'
33,0 1
28
»
31,50
0 mesmo de 27, até
. ' 5 33,0 i
9*
31,80
6 da tarde
» ; 8" 30,60 1
11 ' 31,25
Açuaceiro
CÍiuvoso
» j 10 i 30,0 ,
2*9
7- 28,0
21 1 7- 1 27,50
12 26,28
. 12 1 33,0 i
2' 1 27,50
. , 2* 32,75
3 ' 26,88
»
8» i30,0 1
9» ,25,60
D
11 29,37
30
4-
25,0
22
» 29,37 1 0 mesmo que a 21
10 28,75
23
7-
2»,75 ' Vento NNE. |
1* |30,0
»
12
22,50
•
2,5 31,88
»
1*
35,60
Vento N.duro. Foi 0
dia mais quente
10» i 27,50
do anno.
1 1
1
Mez de oitubro. Em Ciiyabá
DIA HORA
TEMP. OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
1 7-
26,88 1
1
8-
26,88
. 7,5 , 27,50 ;
2
7"
26,88
. 12
32,50
»
12
31,25
■
5*
27,50
»
2'
31,88
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DA PROYINCU BE MATTe^SOSSO 221
Continuaçãio do mez de oitubro. Em Cuyabá
' 1
DIA HORA TEMP.
OBSERVAÇÕES
1
DIA HORA TEMP.
OBSERVAÇÕES
2 9» ' 28»,75
14 1 5' 1 33»,0
Vento NNE.
3 ! 7- 26,28
. 10- ' 3b,0
»
. . 12 31,25
Vento N.
15 , 9- 1 30,0 ;
D
. 2» 32,50
A
. 12 33,0
Vento N.
. 5 32,50
1)
. 2* : 33,75
»
. S" 30,0
Trovoada
. 5 33,0
n
4 12- 33,0
»
18 7- i 25,0
Aragem de SE.
. 3» 32,5
B
.12 27,50
»
• 4 1 33,75
Chuva
. 4* 28,75
5 1 7" 26,88
Vento SO.
. 8» 127,50
. ! 9 1 25,6
20 8" ' 28,0
. 1 12 1 26,88
. 12 , 31,25
Vento N.
. 1 3' 1 28,0
. 4* !33,0
» duro
. 5 28,50
. 8» í 30.0
Cbruva
• 8- '26.80
21 8- 1 28,75
12 , 26,38
Vento N. Trovoada
. : 1* 33,75 :
6- : 26,0
. 5 31,88,
n
12 , 34,37
23
12-; 31,25 1
2» } 34,37
2» 1 31.80
3 135.0
3 ;33,o ;
4 34,37
5
32,50
7. 29,37
9»
29,0
6- 26,88
26
12-
32,50
12 1 31.75
2»
33,0
5»
31,75
6
31,25
n
11"
28,75
27
12-
30,0
12-
31,88
2»
30,60
2»
32,50
3
31,25
6
32,50
6
30,60
10"
29,37
9» 26,23
1»
lÔ
12-
32,50
28
7- '
25,60
1'
33,75
12
30,0
2
34,37
1'
31,25
4
33,75
4
31,25
9-
31,25
Forte aguaceiro
29 12-
31,88
11
6-
26,25
. : 2»-
33,0
Aragem NO.
12
30,0
. , 9- , 29,37
2»
30,60
30 ' 12- ! 32,50
9*
28,75
. j 2» 1 33,75 ■■
1*2
8-
26,88
.41 32,50 1
12
29,37
. ' 5 ' 29,37 '
2^
30,0
. 1 10» 26,88
6
30,0
31 ! 8- i 26,88
9-
27,50
Aragem S. Trovoada
Vento NNE.
» 12 ! 30,0 •
Ú
12-
32,50
. 9" ' 28,0
»
1»
32,50
1
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222
BSBOÇO CHOROGRÂPmCO
Mez de novembro. Em Cuyabá
I
DIA HORA
I
TEMP. OBSERVAÇÕES
1
DIA
1
horaí tbhp.
OBSERVAÇÕES
1 12-
31»,88:
9
6»
31»,75
3 12»
32.50 1
15
12-
31,25
. - 2'
33:75 ' •
16
9- 28,75
. i 5 33,0 ;
10 , 30,0
4 3* 33,75 1
12 31,25
5 12- 32,50
5' 30,0
. 4' 33.75
19
1* ,30,0
. 8» 32,50
6- 25,0
Aguaceiro
. 11 ! 30,0
12 i 27,50
6 8- 25,60 Vento NE
3' 30,0
» 12 í 30,0
9" i 27,50
. ; 2'
28,75
22 8-
27,50
» i *
25,0
10
30,0
7 , 12- , 25,60
5'
31,25
» 1 2« i 26,25
10"
29,27
•'61 27,20
23
11-
28,73
8 12- 27,50
2«
30,0
. 2« 28,0
10"
26,88
. 3 26,25 :
28 : 6-
25,60
» 4 31,25 Aguaceiro
» 12
26,88
» 8" 27,50
. 12*
28,0
9 12-
1
30,0
1
6
31,25
Mez de dezembro. Em Cuyabá
1
DIA HORA
1
TEM?. ' OBSERVAÇÕES
i !
DIA HORA TEMP. 1
OBSERVAÇÕES
2 11-
31,25
10 ; 8"
32,0 '•■
Chuva
3 ' 8-
30,0
»
12 , 30,0
»
- : 11
33,75
12
11-
31,25
1»
. ! 2' : 34,37 Chuva
»
12
33,0 •
D
» 1 5 , 33,0
20 11-
26,25
4 i 1- 28,75
. ; 3«
28,75
. i 7 , 27,50
. ' 9»
28,0
» 4» i31,0
22 i 12-
30,0
8 3», 31,88
27 i 4»
31,88
. 9-
27,50
30 1 7-
27,50 1
9 11-
30,0
. 10
30,50
Nento N
10 9»
26,75
. 11
33,0
. i 11
28,75
. 1»
33,75
. ■■ 12
30,0 Chuva
. 3,5
34,33
. 5* ' 32,75 . 1
31 11-
30,0 !
,
3»
33,75 ;
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Dl província de KATTO-eROSSO
223
Mez de janeiro de 1878
. Em Cuyabá
DIA
HORA
TBMP.
OBSERVAÇÕES
DIA
HORA
\
TEHP.
OBSERVAÇÕES
1
5*
31».25
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5'
27»,50]
Vento SR
5
9»
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»
6
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»
6
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24
2»
27,50 1
u
■
3\5
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25
9-
25,60
»
7
2»
31,88
»
2* 28,0
»
9»
28,0
26
3* 30,0
14
4'
26,88
27
1* 30,0
•
5
25,0
»
5 29,37
16
2»
28,75
Vento SE
M
9- 1 27,50
n
4
27,50
»
30
5- 25,20
22
8-
26,81
H
»
12 1 20,50
»
3*
26,25
»
»
6» ' 28,20
23 3'
28,88
»
D
12' ; 25,50
i 1
Mez de fevereiro. Em Cuyabá
DIA HORA TEMP.
1 1
OBSERVAÇÕES
DIA
1
HORA TEMP. \
OBSERVAÇÕES
2 111-28,50
7
9" i30,0 ,
. 12 ; 30,0
8
8-
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. 5* , 31,88
w
2'
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Vento NE
4 3* 131,25
B
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. 5 ; 31,25
»
9- 28,0 1
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9
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26,88
. 7- 1 31,25
10
9-
28,75
6 4» 33,0
Vento N
12
4*
21,25 1
. 4,5 33,75 í
13
2*
32,50
Vento NE
. T |30,0
17
12-
31,88 i
7 6- 27,50
))
11"
28,0 1
. 1»
32,50 '
Vento N
24
l',5
30,60 '
Mez de março
. Em Cuyabá
I 1
DIA HOHA TBMP. 1
OBSERVAÇÕES
1
DIA HORA
TEMP.
OBSERVAÇÕES
1 ^* . 33,75 '
2 1 9- 30,0
Aragem de NE
»
2 2*
. i 9"
1
34,37
25,40
Aragem de NE
0
Fm DA INTRODUCÇiO
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VIAGEM AO REDOR DO BRASIL
PRIMEIRA PARTE
29
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VIAGEM AO REDOR DO BRASIL
1875-1878
l,* PARTXi
DA CORTE Á CIDADE DE MATTO-GROSSO
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Pia aí a da Cidade de Corumbá
rii »(•• ^. •. 5»i,if
U» a*«
Siti <40
, I I
I I
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CAPITULO I
I
[OS do Rio de Janeiro na
do dia 1 de maio de ISTr^,
msporte de guerra Madeira,
á disposição da commissào
regada de demarcar os limi-
►m a Bolívia. Compnnha-se
de sete meml)ros, dous offi-
de engenheiros, dous do
)-maior, um de marinha, um
edico, sob a direcção do dis-
ieiros,hoje general, barão de
le tão satisfactoriamente di-
lemarcação com a republica
No dia 3, ás t) 1/2 passávamos a ilha do Anhatomerim e ás (5 da
tarde dava-se fundo por 24 horas no porto do Desterro. Três dias mais
tarde passávamos, á mesma hora, a cidade oriental de Maldonado, de
origem brasileira. Foi o brigadeiro José da Silva Paes quem ahi estabe-
leceu, em 1737, o primeiro povoado, quando de volta de levar soccorros
á Colónia do Sacramento ; mas pouco demorou-se pelo desabrigado da
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230 ITINERÁRIO DA CORTE
região e os fortes pampeiros que ahi reinam ; e, subindo ã costa, foi
lançar os fundamentos da cidade do Eio Grande (a).
A' 6 avistámos o Cerro de Montevideo, pequeno morro cónico, de
uns 150 metros de altura, notável apenas por ser a única montanha
destas regiões.
A elle, ao ser descoberto pelos primeiros navegadores, deve a cidade
o nome que tem.
A's 7 1/2 fundeámos em Montevideo, além das balisas.
Foi principies de Montevideo o acampamento que ahi fez em 1723
o mestre de campo Manoel de Freitas da Fonseca, de ordem de Ayres de
Saldanha, governador do Rio de Janeiro. Desde 1702 que o governo
portuguez mandara tomar posse e povoar esse ponto, até que em 27 de
novembro daquelle anno, Manoel de Freitas, com duzentos e poucos
homens do Rio de Janeiro, S. Paulo, Bahia e Pernambuco, levantou um
redueto com dez esplanadas e uma rancharia de dezoito cabanas. Cha-
mava-se então esse território o Continente de S. Gabriel, Somente três
annos mais tarde é que vieram os hespanhoes com vinte familias canárias
povoar Montevideo (b).
A's 7 horas da noite de 13 suspendeu o Madeira, e ás 9 3/4 su-
miam-se no horizonte, immergindo-se nas aguaí>, tis ultimas luzes da
graciosa sultana do Prata.
Pela madrugada passávamos em frente ao povoado, fundado no dia
de anno bom de 1680 (c) por D. Manoel Lobo, governador do Rio de
Janeiro e Repartição do Sul^ que o denominou Colónia do Santíssimo
Sacramento^ destinando-o a ser a extrema meridional do dominio lusi-
(a) A' 19 de fevereiro de 1737. Annaes daprov, de S, Pedro, Visconde de
S. Leopoldo*
(b) D. Greg. Funes. Ensayo de la Hist. civU dei Paraguay, Bí*enoS'Àyres y
Tucuman,
((^ 1078, segundo Oharleyoix, e Southey com elle.
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A CIDADE DE MATTO-OROSSO 231
tano (a), e logo após o local em que, era 1555, Juan Romero pretendeu
fundar o povo de 8. Jtian, á beira do riacho de S, Salvador^ de Gaboto,
hoje de S. Juan.
Na manhã seguinte, ás 10 1/4, passámos a ilha de Martim
Garcia (b), que os trefegos argentinos occupavam-se em fortificar, sem
lembrarem-se de que o canal do Inferno^ apezar de seu nome, pode oife-
recer passagem livre do alcance dos seus Krupps âe d trecknfos e rí qui-
nienios, que por desgraça delles não poderam ainda remover dos seus
arsenales de Zarate.
A's 11 passámos a bocado Iguassú e entrámos no gigante Parava,
Ilhfi do A-nhatomerini.
(a) Assaltada traiçoeiramente por José de Gario, em i\ de agosto do mesmo
anno, e tomada quando apenas sobreviviam dez dos seus defensores. Lobo a havia
fundado com duzentos combatentes e poucas famílias. Morreu prisioneiro em
Lima.
(b) Situada aos í34o 10' 53" 42'" lat.
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232 ITINERÁRIO DA CORTE
II
Começámos o dia 15 passando o Tonelero, theatro do primeiro feito
da nossa esquadra no actual reinado ; Greenfell, com uma divisão de oito
navios em 17 de dezembro de 1851 (a), forçou a barranca ahi guar-
necida por 2.000 homens e 16 canhões, ao mando de Mansilla, logar-te-
nente de Kosas e seu digno emulo na barbaria e crueldade.
A's 3 da madrugada passámos o povo de S, Nicoilas^ perto do qual
foi-se obrigado á fundear por motivos da forte cerração que encobria o
rio. Apraz-me consignar que o navio era piloteado por Bernardino Gus-
tavini, o pratico da fragata Amazoims^ na batalha de Biaehtielo^ o rei
(los praíicoSy na phrase do almirante Barroso, o heróe dessa jornada, a
mais notável destes tempos e a mais gloriosa da marinha brasileira.
A' 6 da manhã seguimos; ás 9 1/2 avistávamos a estancia de
S. Pedro, encantadora habitação apalaçada, n'um promontório á margem
direfta do rio, do q^ual é visivel n'um trajecto de mais de oito léguas.
Duas horas depois chegávamos ao Rosário, onde o transporte pairou
sobre rodas, apenas meia hora, para receber provisões. Está situada,
segundo Dugraty, aos 24" 23' 25" lat. e 57" 12' 57*' O. de Greenwich. E'
uma alegre cidadesinha; ha poucos annos logarejo insignificante, tornou-se
florescentissima durante a guerra, como todos os outros povoados do Pa-
raná e Prata, ao ponto de decuplicar quasi a sua população. Talvez des-
tinada á ser um dia a capital da Confederação Argentina, hoje, como as
outras, também vae decadente por faltarem-lhe os estímulos que a enso-
berbeceram então.
(a) Os vapores fragata Affonso, corveta Recife, canhoneiras Pedro II e
D. Pedro, e as corvetas á vela D. Francisca e União, e o brigue Calliope,
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i CIDADE DE MATTCHJBOSSO 233
Em meia hora de marcha passámos a aldêa de S.Lourenço e ás 4 da
tarde a boca do Carcaranha, que vem de Córdova e onde suppõe-se ter
sido trucidado João de Garay, o fundador da provincia hespanhola do
Prata.
A's 7 da manhã de 16, domingo de Pentecoste, avistámos as alturas
da pequena cidade de Santa Féj fundada por aquelle aventureiro, sob a
denominação de Santa Fé ãe la Vera Cruz^ ahi pelos annos de 1572 ou
1573 : em frente á ella sahe o arroio Salaão. Cerca de duas léguas
acima, na margem esquerda, fica a Paraná^ alegre cidadesinha trepada
n^uma côllina á borda d'agua. Sua posição é aos 30° 43' 30" lat. 17*» 26'
58" O. do Pão de Assucar.
Com outras duas horas de marcha encontra-se na barranca o signal
indicador de ahi passar o fio telegraphico para o Chili ; o rio se espraia
em um lençol d 'agua de mais de quatro kilometros de largura ; mas o
canal de navegação é tão estreito e sinuoso, que raro é o navio de grandes
dimensões que por ahi passe sem tocar no banco. Segundo nos contaram,
desde muitos annos, Gustavini é o único pratico que tem tido a gloria de
não vêr encalhar ahi os navios que conduz.
Um quarto de hora depois do meio dia as vigias assignalaram um
grande vapor brasileiro que vinha aguas abaiio.
E' o Inhaúma, transporte de guerra, que desce de Assumpção con-
duzindo parte das forças de occupação da republica e seu chefe, o mare-
chal de campo barão de Jaguarão.
A's 5 1/2 da tarde falla-se com o Jaurú, pequeno vapor da com-
panhia de navegação de Cuyabá. A's 6 deixámos á nossa direita a estan-
cia de Santa Helena^ e ás 7 parámos por três horas em outra, junto ao
Arroyo Seco, á mesma margem, com o fito de comprar-se vitualhas, que
30
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234 ITINERABIO DA CORTE
não foram encontradas, indo-se em seguida buscal-as no pequenino povo
de La Paz, onde ancorou-se ás 10 3/4 da noite (a).
A's 7 e 10 minutos da manhã seguinte levantou-se ferro; ás 11
passa-se a ilha Garibaldi, ás 2 1/2 deixa-se á direita a povoação da
Esquhm, já na província de Corrientes e á margem esquerda da foz do
rio desse nome. A's 8 da noite ancora-se junto á S, Lourenço.
A' 18, apezar da forte cerração, segue o transporte á mesma hora do
dia antecedente. A cerração toma-se, porém, tão densa que o navio é
forçado á suspender a marcha, felizmente só por meia hora.
A's 11 passa-se Goya, pequeno povoado correntino, conhecido pelos
seus queijos grandes e de má qualidade ; com uma hora mais de marcha
está-se fronteiro ao Rincon dei Sofo, aprasivel sitio n'uma extensa col-
lina, immenso prado todo marchetado de bosquetes de laranjeiras e
brancas casinhas isoladas.
Embaixo, junto á margem, agglomera-se um pequeno povoado ; ao
longe, na alta e extensa lombada, vê-se um umhí, gigantesca urticacea,
cuja sombra cobre a antiga morada de Soto, o primeiro proprietário.
Na mesma fralda da collina, mas ao longe, avista-se a habitação do
actual dono.
A' 3 da tarde passámos as barrancas de Cnetms, logar marcado nos
nossos fastos marítimos pela acção que a esquadra ahi empenhou em 12 de
agosto de 1865, para forçar a passagem, mau grado os obstáculos que lhe
oppunham os 42 canhões do 2° regimento de artilharia á cavallo para-
(a) La Paz está aos 30» 44' 8" de lat. e 16» 29' 39" O. do Pão de Assucar.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 235
guayo, que guarneciam a barranca dirigida por Bruguez, e da fuzilaria
commandada pelo major Aquino do 36* de linha.
Era repetição do que já tinham feito em Mercedes, outras barran-
cas logo abaixo de Kiachuelo, e que a esquadra teve de forçar uma se-
mana depois desta batalha.
PsuBaa^exn 8-a1>-â-avieb1 do oabo telegraphioo par» o Cliili.
Tanto em Mercedes como em Cuevas são altas as barrancas, o rio
estreito e o canal encostado á ellas.
Foi tratando desse combate, aliás sem grande importância, que a
imprensa argentina, cheia de pasmo e admiração pelos feitos de sua
esqtuidra, composta da goleta á vapor El Guardiã Nacional, armou â
fama e á gloria, com a pompa do estylo peculiar ao seu povo. « La
esctuidra argentina y algmios huqu-es hrasileros, disseram, pasaran
esus formidahles barrancas á viva fuerea, conquistando un grande,
esplendido e inolvidable triunfo. »
Na verdade o arrogante Gttardia Nacional vergava ao peso de
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236 ITINERÁRIO DA CORTE
su formiãáble armamiento: ires cânones por banda y mas dotis roamos,
no mas.
A's 5 1/2 avistam-se ao longe algumas casinhas. E' o povo da Bella
Vista (a).
A' 1 hora da madrugada de 19, sendo intensa a cerração, ancora-se
junto ás barrancas de Mercedes. A's 6 suspende-se, ás 10 passa-se uma
pequena ilha, e estamos no local onde, em 11 de junho, feriu-se a primeira
batalha naval da America, sendo destroçada e quasi completamente des-
truida a esquadra paraguaya, commandada pelo capitão Meza, que ficou
prisioneiro, nctoria devida, principalmente, á famosa e ousada manobra
da Amazonas^ navio-almirante brasileiro que, operando como ariete, á
bicadas metteu á pique três vapores inimigos, manobra até então só jul-
gada própria dos encouraçados e depois seguida por Tegethoif, na batalha
de Lissa, no Adriático.
Quarenta minutos depois enfrentávamos Corrienies, primitivamente
cidade de Juan Veras, do nome do seu fundador João Torres de Veras,
em 1588. E' sua posição em 7° 27' 31'^ lat. e 14- 45' 48" O. do Pão de
Assucar.
Ao meio dia avistávamos o Alto Paraná e a ilha da Redempção ou
Cabrita, os portos de Santa liosa e Arandas, na margem correntina, e os
de Itapirú e Passo da Pátria, na paraguaya, e as Trcs Bocas, onde
estava de vigia o encouraçado Mariz e Barros.
Em poucos minutos singrávamos aguas do Paraguay (b).
(a) Situada aos 28* 29» 0" lat. e lõo 59» 58" long. O. do PSo de Assucar.
(b) No parallelo27ol7'0"eá61o9'0*'O. de Paris: Bartolomeu Bossi, Viage
Pintoresca por lo$ rios Paraná, Paraguay, S. Lourei%zo y Cuyabá.
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Á CIDADE DE laTTO-GROSSO 237
III
Quantas recordações, umas doces e agradáveis, outras extremamente
amargas, nos desperta a vista desses logares, scenario outr'ora de tantas
emoções, perigos e glorias, nessa immensa e cruenta epopeia que se cha-
mou guerra do Paraguay !
Aqui começa-se á ler as suas paginas mais brilhantes. liupini e a
passagem do Paraná, os primeiros dessa serie gloriosa de combates que
fizeram de O.^orio o idolo dos soldados e lhe grangearam ainda era vida o
titulo de legendário (a). Redempção^ onde o exercito recebeu seu bap-
tismo de sangue, e que por sua vez foi baptisada com o heróico e mallo-
grado nome do seu defensor, mas que entretanto achamos mais justo e
mais grato conservar-lhe o que este lhe impôz e que referia-se á missào
do Brasil em prol das hordas escravisadas do tyranete paraguayo.
Dez minutos, pouco mais ou menos, pairou-se sobre rodas no porto
do Cerrito, onde ainda tremulava o pavilhão do Brasil, e quatro canhões
em bateria e algumas pyramides de balas eram o que restava do abaste-
cido arsenal que alli tivemos. Fica esta ilha aos 27* 17' 32" lat. e IS*»
22' 23" O. do Pão de Assucar.
(a) Nesse dia, 16 de abríl de 186G, Osório correu serio perigo. Abicando á terra,
saltou incontinente com o seu piquete de lanceiros e soflTrego adiantou-se à galope
á reconhecer o terreno. Em breve estava cercado pelo inimigo que descobrira a ope-
ração do desembarque e marchava rapidamente sobre o ponto. Uma ala do 2o
corpo de voluntários, mui bem commandada^ como exprimiu se o general na sua
participação ao governo, desembarcou logo após elle, seguiu-o á marche-marche e
chegou á tempo de protegel-o contra as forças paraguay as que já o cercavam e ata-
cavam com fúria. Galando o nome desse commandante, o heróico general pareceu
íázel-o propositalmente, como que armando á curiosidade, que buscaria saber
quem fora esse chefe á quem elle, nas suas conversações, se aprazia de chamar o
sen salvador.
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238 ITINERÁRIO DA CORTE
Seguimos : e passo á passo vão desfilando logares tão memoráveis
para nós.
E' 1 hora e 10 minutos da tarde. Lá está o ponto do desembarque de
Osório em 16 de Abril e onde se realizou essa brilhante operação da pas-
sagem do exercito, n'uma massa d'agua que, reunindo todas as difficul-
dades de um desembarque de mar á todas as de uma passagem de rio, ®
sem duvida a mais notável na historia das guerras. Lá está a lagoa
Serena e pouco adiante a lagoa Pires, theatro de tantos episódios no
sitio de Humaitá.
A's 2 horas e 10 minutos passámos as barrancas de Curusú, avis-
tando ainda, entre ellas e a ilha das Pahnns, os restos do Eponina,
vapor-hospital, incendiado durante a guerra, cheio de enfermos do cho-
lera, muitos dos quaes tiveram o vapor por sepultura.
Tomámos pela esquerda da ilha : lá está o logar onde submergiu-se
o encouraçado Itio de Janeiro , arrebentado par t)rpe(ljs, no mesmo dia
da gloriosa tomada de Curusú (a). Em uma arvore á margem direita do
rio, assignalando o local do desastre, lê-se o nome do encouraçado, ahi
gravado pelo heróico Gustavini.
Vêm- se ainda os restos da fortificação de Curusú, theatro glorioso
do heroísmo de Porto Alegre e do inquebrantável zelo do tenaz Argolo,
e para mim de bem dolorosas recordações. Ahi receberam seu baptismo
de fogo meus irmãos Hippolyto e Affonso, que,dezenove dias mais tarde,
iam morrer gloriosamente nas trincheiras de Curupaity.
Vêm-se ainda em pé essas trincheiras que o tempo tem sabido respei- '
tar. A's 2 1/2 passámol-as e os lindos .campos abarrancados de Curupaity,
immensas planuras, hoje tão desertas e socegadas, vasta necropole,
outr'ora centro de um labutar continuo, onde de um e outro lado se con-
(a) 3 de setembro de 1866.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 239
fandiam ao troar constante do canhão, os gemidos dos feridos, o estertor
dos agonisantes, os hyninos da victoria e as marchas fúnebres dos mortos.
A' margem esquerda já se vai encobrindo o acampamento de GurjãOj
general cujo mérito se bitolava por uma modéstia, bondade e afabilidade
extremas. Seu valor marcial deixou-o elle estereotypado na famosa apos-
trophe ás suas tropas, entibiadas nos desfiladeiros de Uororó : — Vejam
como morre um general !
Lá estão ainda nesse acampamento os vestígios da nossa estrada de
ferro estratégica, construída n'uma extensão de 7.612 metros.
A's duas horas e 40 minutos passámos a celebrada Humaitá, excel-
lenteraente situada n'uma estreita volta do rio, donde se descortinara
bons tractos de seu curso acima e abaixo. Foi antigo presidio, fundado
como o de Curupaity, por D. Pedro de Melo Portugal, governador do Pa-
raguay, no intuito de impedir as depredações dos Índios do Chaco ; con-
vertida por Carlos Lopes na tremenda barreira do Paraguay, além da
qual nenhum navio podia passar sem permissão sua ; e que Solano, seu
filho, suppôz invencível com o numero de canhões que a guarneciam, as
sete correntes que trancavam-lhe o rio e os torpedos que lhe juncavam o
leito (b).
(b) Não é geralmente conhecido o armamento dessa fortaleza, e ílo que não se
me levará á mal o transcrever aqui a relação do apercebimento bellico ahi encon-
trado, tomada pela commissão incumbida de arrecadal-o. Eil-a :
Artilharia de bronze :
1 canhão de calibre 80, El Christiano, alrna lisa.
2 canhões » » 24 » »
3 » » » 12 » »
2 V )> i> 12 raiados.
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240
ITINERABIO DA CORTE
Aqui se refugiaram os restos destroçados do seu exercito depois da
memorável derrota de 24 de maio ; aqui foi a segunda e mais duradoura
base de operação do déspota paraguayo ; para aqui convergiram, durante
dous annos, todos os planos de guerra dos alliados ; por causa de Hu-
1
canhão
de calibre 9 alma lisa.
3
canhões
»
»
6 » »
5
»
»
»
4 D »
2
»
»
»
4 raiados.
2
»
»
D
3 »
2
» obuzes »
»
12 alma lisa (brasileiros *).
1
canhão obuz »
»
4,5 pollegadas.
10
obuzes
»
»
5.5 »
3
» .
j»
»
4,5 »
37
Artilharia de ferro
1
canhão
de calibre 120, raiado, El Acaverd, arrebentado pela culatra.
8
canhões
))
»
68 lisos.
16
»
»
»
82 »
40
»
>»
»
24 »
9
»
D
»
18 »
25
»
»
»
12 »
2
»
j»
»
12 raiados.
7
»
»
»
9 Usos.
7
»
»
»
6 »
1
»
»
»
C raiado.
10
i>
D
»
4 Usos.
8
» obuzes »
»
5,5 pollegadas (caronadas).
9
D »
»
]>
4,5 D
1 morteiro
10 »
144
Material de serviço :
38 armões, 5 carros manchegos sem armões, 5 especiaes para transporte de mu-
nição, 7 reparos de falcas, 1 sem rodados, U de flecha, 2 de campanha, 2 sem roda-
dos, lõ de marinha, 163 peças de palamenta, usadas, 176 espingardas, 408 bayonet-
tas, 5 lanças, 4 estativas de foguetes de guerra, systema inglez, 90 carretas, a maior
parte em mau estado, 1 zorra com oito grandes rodas, destinada ao transporte da
artilharia pesada, e enorme quantidade de munição de artilharia e infantaria.
(*) Ainda não foi explicado como é que
rientes, foram parar em poder de Lopes.
esses canhões, depositados em Cor-
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i CIDADE MATTO-GROSSO 241
maitá ferirara-se mais de quarenta combates (a). Humaitá fica, se-
gundo Bossi, aos 27'» 30' lat. e 61° 2' O. de Paris.
Planta da cidade do Corrientes.
Mais dez minutos de viagem, e passámos, de um lado, as ruinas do
reducto paraguayo do Estàbelecimiento^ e do outro, na margem direita,
as do nosso acampamento do Chaco. Ahi, em 5 de agosto, entregou sua
espada, que não foi acceita, o bravo tenente-coronel Hipólito Martinez,
commandante de Humaitá, que, após tentar em vão romper o cerco para
reunir-se á Lopes, viu-se coagido á capitular, quando já seus defensores
(a) Os de % 20, 24 e 28 de maio, 9 e 14 de junho, 16 e 18 de julho, 3 e 22 de se-
tembro e 30 de oitubro, tudo de 1866 ; 31 de julho, 3, 6, lõ e 24 de agosto, 3 e 29 de
ottubro, 3 e 3 de novembro de 1807 ; 19 de fevereiro, 21 de março, 2 e 8 de maio, 3, 16
e 18 de julho, e os combates diários e seguidos desde 24 desse mez até 5 de agosto
de 1868.
31
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242 ITINERÁRIO DA CORTE
morriam mais pela fome do que pelas balas, e quando já não havia um
osso, uma correia de bonet, uma pelle de tambor, nem mesmo um sabugo
das pontas e cascos dos animaes para enganar-lhes a fome.
Este episodio da guerra é uma pedra de toque do caracter de Fran-
cisco Solano. Por tão heróica resistência, só comparável, mas ainda assim
superior, por mais tenaz, desgraçada e admirável, á do barão Henrique de
Chassé, em Antuérpia,
Le Leonidas batave aux Thermopyles, de TEIscault,
nós, OS brasileiros,seus inimigos, recebemol-o com todo o respeito devido á
coragem malaventurada ; Lopes, ao ter noticia da capitulação, mandou
entregar suas joven esposa e cunhadas á lubricidade infrene da solda-
desca, que, depois de saciada, as matou á golpes de lanças !
IV
A's 3 horas e 10 minutos passámos o Guaycurú, dez minutos
depois o Tifhbó e mais logo o Laureies^ este na margem esquerda : ter-
renos todos ensopados do sangue de tantos bravos. A's 4 1/2 o Tayt,
onde ainda distinguimos os restos do forte de S. Gabriel e as trincheiras
levantadas por Argolo. Meia hora depois deixávamos á nossa esquerda a
boca do Tarija ou rio Vermelho e enfrentávamos com a villa do Pilar j
graciosa povoação que mais parece um grande pomar entremeiado de
casas.
A villa do Pilar está, segundo Dugraty, á 26'» 51' 9" S. e 58*» 22'
35" O. de Greenwich, e cerca de cem metros acima das aguas do oceano.
A's 8 horas e 45 minutos passámos a Taquara^às 9 horas e 10 minu-
tos a boca àoTebicuary e quarenta minutos depois a barranca de S. Fer-
nando^ celebre pela horrorosa carnificina que nesses logares fez o tigre
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i CIDADE DE MATT€H>ROSSO 243
paraguayo no dia 24 de agosto de 1868 e seguintes, nos seus mais adictos
e servis sequazes, em castigo de uma pretensa conspiração. Proidmo ao
pctóso real ão Tebictiary vimos então duas grandes valias, em uma das
qnaes haveria talvez 120 cadáveres acamados em três ordens ; na outra,
cerca de um terço da escavação estava descoberta, deixando patentes no
seu fundo dezeseis cadáveres de chefes e pessoas notáveis, entre os quaes
foram reconhecidos Bruguez, Barrios, Allen, Caminos, Berges e os orien-
taes Carrera e Bodriguez. Bruguez tinha uma atadura ao pescoço e um
apparelho cirúrgico á cabeça, sabendo-se depois que, condenmado á morte,
tentara suicidar-se (a).
(a) De uns apontamentos meus, Diário da campanha do Paragua^, extraio o
segninte :
« Terça-feiía 1 de setembro de 1868. A's 5 1/2 da manhS seguem as forças que
devem unir-se ás do barão do Triumpho. Este, reconhecida a retirada do inimigo
da margem do Tebicuary, ordena a passagem das forças, que a effectuam ás 10 do
dia. As cavallarias vão acampar em S. Fernando, meia légua á NNO. Ambas as
margens do rio, no passo, estão fortificadas, sendo mais possante a fortificação á
margem esquerda, que hontem tomamos de assalto. No reducto fronteiro encon-
tramos alguns mortos, dos quaes um official ; e fora da Unha de abatizes, entre o
rí»e uma lagoa, em rumo 2V.. duas grandes valias atulhadas de cadáveres, mal
cobertos de terra : uma de 62 palmos de comprido e outra de 76, esta completa-
mente cheia e aquella aberta na extensão de 36 palmos, para deixar vér no fundo,
alto de 6 palmos, dezeseis cadáveres coUocados uns ao lado dos outros. Aparen-
tam pelos traços physionomicos e restos da fina roupa que trazem, que deviam de
ser homens da boa sociedade . Quatro estão degolados e todos os dezeseis crivados
de ferimentos de bala ou lança Uns mostram terem estado muito tempo á ferros,
com gargalheiras e grilhões, estando maceradas as carnes do pescoço, tornozelos e
pés. Delles, um, que dizem ser Bruguez, está com uma atadura á cabeça, á seme-
lhança de capacete de Hippocrates, e outro apparelho ao pescoço, onde se divisam
signaes de feridas mais antigas^ mas não cicatrizadas; tem o olho direito vasado e
ainda sanguinolento, mas não ha indícios de que as aves de rapina tenham tocado
nesses cadáveres. Os paraguayos que nos acompanham, e que reconheceram esse
general, dizem que os outros corpos são os de Barrios, cunhado de Lopes,do coronel
Allen, antecessor de Martinez no commando de Humaitá, Bodriguez e Oarreras,
inimigos do Brasil, e que fugiram de Montevideo para açularem contra nós as iras
da fera paraguaya, e finalmente, Caminos, Berges, ministros de Estado, além de
outros, cujos nomes olvido. Parece terem sido victimados ha três para quatro dias.
Estão deitados na largura da valia, cujo leito enchem em quasi metade. Na
parte restante vém-se empilhados os cadáveres em três ordens, bem distinctas na
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244 ITINERAKIO DA CORTE
Mais além, dentro das mattas, encontrámos montões de outros inse-
pultos, alguns enforcados e ainda lanceados. Desde então, por toda a
estrada até á capital, fomos encontrando os cadáveres dos que, segundo
soubemos depois, extenuados já pelo soffrimento ou pela fome, não
podiam caminhar, e por ordem de Solano e de seus ministros fazia-se-lhes
a mercê de lanceal-os.
Ao nascer do dia 20 passámos por Villa Franca^ antiga BefnoUnos,
onde, em 1778, o mesmo governador Pedro de Melo Portugal, que fun-
dara os presidies de Humaitá e Curupaity, mandou Pedro Zeballos esta-
belecer-se com uma reãucção de Índios mbocavis.
Villa Franca fica aos 26'» 18' 4V' S, e 58<> 3' 39" ao O. de Green-
wich (a).
A' 1 da madrugada passámos por Villa Oliva ; ás 6 por Mer-
cedes ; ás 8 começámos á aperceber ao longe, para ENE,, as Lonias
Valentinas, theatro dos últimos combates de 1868 e termo da campanha
Caxias; ás 9 1/2 Santa Rosa; 10 minutos depois das 10 o arroio
Surubihy, em cuja ponte, á 23 de setembro desse anno, tivemos ura san-
grento combate. Quarenta e dous minutos mais tarde enfrentávamos as
barrancas de Palmas, onde pudemos ainda ver os restos das trincheiras
e das ramadas, e outros signaes dos acampamentos dahi.
fileira junto áqueUes. Aos da camada superior cobre tão ténue quantidade de terra,
que seus cotovellos, joelhos e pés já a irrompem, destendidospela tun.efacçào.
Nesta valia podem existir uns setenta cadáveres e na outra mais de cem. O facto de
estarem insepultos aquelles dezeseis comprova ainda mais a infame crueza do tigre
paraguayo. Assassinando os mais adictos e os mais servis dos seus amigos e
servidores, e expondo-os dessa maneira, parece ter querido mostrar, na ostentação
da maldade, ã todos inimigos ou sequazes, de quanta crueldade, quanta infâmia e
quantos crimes não é capaz um tyranno. »
(a) Dugraty. La Republica dei Paraguay,
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 245
A's 11 horas e 5 minutos entravamos na volta do Juica, onde atraz
de uma ilha fica, á margem direita, o porto de Sania Theresa, Ahi
desembarcou e acampou em 15 de oitubro desse anno o 2'' corpo do
exercito, ao mando de Argolo, e deu começo á famosa estrada estratégica
do Chaco, por cima de pântanos e lagoas, pela qual passou todo o exercito,
para bater pela retaguarda o inimigo fortificado, em Lomas Valentinas,
e separal-o da capital. Nesse trabalho memorável perto de 11 kilome-
tros (a) eram de pontes e estivados, em que foram empregados mais
de 30,000 espiques de carandds; e, quem quer que fosse o ideador dessa
estrada, si não foi ella devida á iniciativa de Argolo, basta á este general
I)ara sua gloria a prompta confecção. Também ninguém melhor do que
elle seria capaz da realizal-a, pelo seu espirito perseverante, tenaz e infa-
tigável, e ainda secundado pelo chefe da commissáo de engenheiros,
o tenente-coronel Rufino Galvão, dotado das mesmas extraordinárias qua-
lidades.
A's 11 horas e 35 minutos passámos o an*oio Pikysyry com a dupla
ordem de trincheiras, que o marginava pela direita; e em seguida An-
gosiura^ onde ainda se vêm os restos de suas formidáveis fortificações.
Ao meio-dia vimos de um lado o Bio Negro, braço do Pilcomayo,
e do outro a Villeta (b), por traz da qual se avistam as Lomas Valen-
tinas, ou Guaramharé^ encobrindo os campos do Avahy tão celebres
ambos, pelas sangrentas batalhas que ahi se feriram e pelo descalabro
de Lopez e de sua fuga em 27 de dezembro de 1868.
(a) 10,714 metros.
(b) Fundada em 1714 por Juan Basan de Pedraza. Está situada aos 2õo 26*
aO" lat. 57« 37* 42'' ao Occ. de Greenwich (Dugr^ty).
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246 ITINERÁRIO DA CORTE
Quasi á 1 hora da tarde passámos o Itororó, ribeirão para sempre
notável pelo combate de 6 de dezembro desse anno, onde nossa victoria
foi comprada com o sangue da flor do nosso exercito. Ahi entre os mortos
ficaram Fernando Machado, Ferreira de Azevedo, Guedes, Feitosa, Ko-
drigues Barbosa, Félix e meu irmão Eduardo, sepultados juntos ; (a) e
(a) Só a 2 de fevereiro de 18(39 pude visitar essa sepultura, tendo eu ficado com
as forças alliadas que occuparain as fortificações de Angostura, desde sua rendição
em 30 de dezembro até 29 de janeiro. Ahi escrevi os seguintes versos :
Na sepultura
df meu irmòo o major Eduardo da Fonseca^ commandante du 40® corpo
de voluntários da pátria, morto gloriosamente no combate de Itororó,
em iode dezembro de 1868
Dorme, oh! lutador que assaz lutaste.
Gonçalves Dias.
Sim, dorme, dorme em paz.
A pouca teria
em que descansas, que te guarda o corpo,
compraste-a á preço de teu sangue heróico...
— Teus sonhos de mancebo, teus anhelos,
anceios, esperanças de futuro,
tudo por ella deste e a vida e a gloria !
Oh ! dorme, dorme em paz na sepultura !
E' terra tua, dorme.
Quando intrépido
ao som electrisante da corneta,
que a carga ordena,
arremetteste á frente de teus bravos,
e, pritnus inter parais, carregaste
sobre o inimigo, seus canhões tomando (*).
nào pensavas, talvez, fosse teu leito.
— ultimo leito I — o campo da victoria.
E, quando reformando teus quadrados,
reducto d'aço, inquebrantável, forte,
— vencedor do inimigo, tantos vezes
(') Ao vencer a porfiada victoria da ponte de Itororó, Eduardo com o seu ba-
talhão tomou uma bateria.
Vide participações ofiiciaes dos com mandantes de brigada e divisões respectivas.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 247
entre os feridos Argolo, Gurjão, Domingos Leite, Raphael, Enéas Galvão,
e meus dous irmãos Hermes e Deodoro.
quantas elle atacou,— alfim sentiste
fugir-te a voz, no sangue que as golfadas
encheu-te a fauce...— e co* gladio, apenas,
acenavas à carga»
a voz supprindo que a manobra ordena,
— ahi sentiste — e perto— o leito heróico
do lidador que cahe :
entrevistel-o talvez -na fúria horrenda»
na hórrida pujança...
Mas foi um instante só... e jà voavas
no ardego corsel em pós da gloria !
Foi um instante so... e novo raio
de Mavorte cruel tocou-te o cérebro.
Gahiste, heroe, á frente de teus bravos ..
Com a espada assignalaste a sepultura...
Compraste-a com teu sangue...— £' tua, dorme !
Sim, dorme, dorme em paz ! Tens por cruzeiro,
à tua cabeceira, a cruz de um sabre ;
por magestoso templo a natureza,
e por zimbório o céo São candelarios
as estrellas e o sol ; - sào-te epitaphios
uma alampada, o sabre, e a mareia tuba (*)
que mào amiga ahi depòz piedosa,
por uuicu signal.
6antam-te as glorias
as meigas avezinhas das florestas
e o tturoró das aguas (") que se esbatem,
á saltar pedra a pedra a cachoeira,
gemendo marulhosas, sob a ponte,
theatro de teus feitos
nesse teu grande e derradeiro dia.
Ai I dorme, dorme em paz l Não agoureiras
aqui ululam merencórias aves
te perturbando o somno ; nem sacrílegas
as vozes de importunos curiosos
(') índices deixados adrede para recuahecer-se a sepultura.
y") Nome onomatopaico guarany para designar pequenas cachoeiras e saltos
d'agua.
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248 ITINERÁRIO DA CORTE
A' 1 hora e 20 minutos passámos o morro do Lambaré que, com pe-
qaebram ruidosas a mudez doa ermos.
— Só da floresta o farfalhar queixoso,
de meigas aves o mimoso canto
acalentam-te o somno derradeiro...
— £ o som das aguas desse arroio celebre,
rumorejando á se e^^bater nas rochas,
— si a placidez de teu descanso turbam,
coutam-te os feitos nessa heróica luta,
cantam-te as glorias que lucraste nella !
Dia por dia—apoz quatro annos feitos (')
de teu primeiro prélio e gloria prima,
cahiste, lidador I... baqueou-te o braço
desfallecido, inerte...— e a espada invicta,
que desde Paysandú e Riachuclo
sempre ao triumpho conduziu teus bravos,
cessou de lhes mostrar a senda heróica...
rolou no chão, viuva do teu braço...
— Dia por dia, — apoz quatro annos feitos !...
Sorte fatal !... ao mesmo tempo quasi,
em que tua alma nobre e generosa
a deusa da victoria aos céos levava
à reunil-a aos manes gloriosos
de Hippolyto e Affonso— o ferro ipfiig*
rompia as carnes á Deodoro e Hermes,
irmãos todos, na liça
irmãos no sangue, irmãos todos na gloria.
Itororó !... na tua ponte augusta
legaste ao mundo nome immorredouro !
Ck>mbate de gigantes !... nessa ponte,
seis vezes investida e seis tomada,
á gloria erguf^ste bem cruéis altares !
Tivestes neste dia novas fontes
á 8oberbar-te o curso. As tuas ondas
rubras correram,— sangue de mil bravos !
. . . E, caso incrível nos annaes da historia^
(•) A 6 de dezembro de 1864, achou-se Eduardo, pela primeira vez, em combate
no assedio de Paysandú, onde commandou a infantaria que nesse dia tentou assai-
tal-a, tendo substituído o capitão Peixoto, ferido ao iniciar-se a acção.
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Á CIDADE DE MATTO-OROSSO 24Í)
quena modificação, conserva o nome de um dos chefes guaranys que Juan
de envolta ás ondas turvas e sanguíneas,
corpos aos cem, em turbiUiÕes se chocam,
precipitam-se e vao de pedra em pedra,
da torrente no vórtice.
Oh I que luta e que horrores!... Nessa hora
era, ó fúnebre arroio— essa cascata,
cascata de cadáveres !
Quanto sangue, meu Deus !... Ai, pobre pátria,
compras bem caro os louros desse dia !
A flor dos teus soldados— quasi toda,
ahi verteu por ti seu nobre sangue,
sinào cahiu exânime, prostrada.
Aqui, somente, em tão restricto espaço,
eu vejo— par á par— no somno eterno,
Azevedo, Machado, Eduardo e Guedes (*)...
— E os outros?... e mil outros?... onde jazem ?
— Ai ! victoria fatal!... gloria funesta I
— Aqui, alli, bem perto, além, ao longe
quantos destroços desse dia— quantos !. . .
— Aqui as fúrias se fartaram em sangue !«..
Podres correias, gorros já sem forma,
restos de fardas, de fuzis quebrados,
de rotos sabres, de partidas lanças,
em toda parte e sempre I . . .
— Quanta metralha pelo chão esparsa ! ...
— Quanto pelouro arremessou a morte I...
Presos inda ao pedregal do abysmo,
esparsos na campina entre os balsedos,
ao longo das estradas,— na floresta,
— ai I quanto craneo á alvejar ao tempo !
Que sorte a do soldado! Tanto brio,
tanto arrojo e valor— ah!... tanta vida
presa a voz do canhão,— de um sabre ao fio I
Pobres valentes !. . . Si lençol ligeiro
de tetras soltas inhumou seus corpos,
veiu o pampeiro e os exhumoude novo l
(*) Em quatro sepulturas juntas, duas à duas, estavam Eduardo, o coronel
Fernando Machado de Souza e os tenentcs-coroneis Gabriel de Souza Guedes e José
Ferreira de Azevedo
32
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250 ITINERÁRIO DA CORTE
de Ayolas, encontrou quando veiu a conquistar o Paraguay ; (a) e que.
A ti, meu pobre irmão, bondosa e amiga
mão protectora preparou-te o leito
do teu ultimo somno, e previdente,
— para amparar-te do furor dos tempos ,
te ergueu de leivas mausoléo relvoso;
— á falta de epitaphio, assignalou-te
a mansão derradeira
— com esse sabre—que uma cruz suppriu-te,
— com essa alampada à teus pés pousada,
e a mavórcia turba que nos prélios
transmitte a voz do mando e excita os bravos.
Sim, dorme, dorme em paz— na nobre campa.
Mais feliz do que Hippolyto, não foste
por selvagem inimigo trucidado
no próprio campo onde arrojou-te o brio
e o heroísmo extremo ;
— mais feliz do que Afifenso— o pobre martyr,
que envolto no pendão sempre adorado.
os membros teve rotos á metralha,
e por sepulchro a valia— em chão ignoto (*),
— tu tens, Eduardo, tumba assignalada ;
sabem os teus a campa onde descansam
e onde, um dia, buscarão reverentes,
teus restos venerados.
Dorme em paz á sombra do cruzeiro»
da dupla cruz que à cabeceira ergui- te.
Si o céo propicio for á mão que os planta,
hão de brotar jasmins no teu sepulchro,
e rosas nos dos outros {'") .
Dorme, dorme em paz !
A pouca terra
em que descansas— que te cobre o corpo,
compraste-a com teu sangue. . .
E' tua, dorme .
(•) Hippolyto e Affonso morreram, como já disse, no combate de Curupaity, em
22 de setembro de ltít56: aquelle commandava o clO» de voluntários e cahiu ferido
dentro da trincheira inimiga ; este, porta bandeira do M^ de voluntários, foi
attingido por uma granada que arrebentou-lhe aoa pés, despedaçando-lhe o braço
direito e as duas coxas, cobrindo-o ainda de feriaas. Conduzido ao hospital de
sangue, e sendo-lhe feitas as três amputações, morreu na operação, erguendo
vivas ao Imperador, ao Brasil e ao exercito, sem ter dado a menor manifestuçào de
dor em tão cruéis sofifrimentos.
{'*) Plantadas por mão fraterna, por um sentimento religioso e também para
melhor assignalar a sepultura.
(a) Lamperéf Southey, Hfst, do Brasil,
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 251
vencedor, deu-lhes como castigo o erguerem as trincheiras que deviam
recolher e resguardar os hespanhoes, ás quaes, terminadas em 15 de agosto
de 1536, impuzeram o nome de Nossa Senhora da Assumpção, que mais
tarde passou para o povoado que Juan Salazar de Espinosa e Gonçalo de
Mendoza, filho do governador de Bueno^-Ayres, ahi vieram estabelecer
DO mesmo anno, já tendo Ayolas abandonado o fortim para ir em busca
de ouro nas regiões do Alto Paraná. Taes foram os começos da capital
paraguaya, onde deu fundo o Madeira ás 2 horas da tarde de 20 de maio.
Está Assumpção aos 25** 16' 29" de long. occ. do Pão de Assucar
e na latitude de 14** 35' 39". Segundo Dugraty, sua altitude relativa-
mente ao nivel do oceano é de 102 metros.
Em frente á cidade desagua a boca principal do Pilcomayo, explo-
rado em 1721 pelo padre Patino, que percorreu cerca de 300 léguas do
seu curso. Já abaixo tinham ficado outras duas bocas conhecidas pelos
nomes de rio Araguay e Negro.
Pouco adiantou a cidade nesses quatro últimos annos em que deixei
de vêl-a: seu aspecto não mudou, salvo uma menor animação no povo, —
devida sem duvida ao enfraquecimento do commercio, já não alimentado
com o ouro do Brasil na mesma immensa escala daquelles tempos.
Quatro dias passámos nesta capital, emquanto se preparavam o Co-
runúfrí e o Anfovio João, dous pequeninos vapores de guerra que nos
deriam conduzir á villa de Corumbá, visto que o Madeira, por seu calado,
não se animava á proseguir, temeroso dos baixios do rio, no morro do Cotir
selha. Para uma grande chata passaram-se as bagagens e o pesado
material da commissão.
Ao meio dia de 24 embarcámos.
Acceitando o gracioso oflFerecimento que lhe fizera o chefe da com-
missão, tomou passagem no Corumbá meu irmão o brigadeiroHermes, no-
meado presidente e commandante das armas de Matto-Grosso. Os generaes
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252 ITINERÁRIO DA CORTE
e officiaes brasileiros de terra e mar, as legações brasileira e estrangeiras
e o governo, membros do congresso e maisfunccionariosda republica, vieram
trazel-o á bordo, fazendo-lhe a delicadeza de o acompanharem em um pe-
queno vapor, por mais de uma légua, onde, após as despedidas e compri-
mentos de pavilhão, os dous navios se approidmaram e o ministro de
estrangeiros Facundo Machain, em nome do governo, entregou-lhe um
immenso ramo de flores, que acompanhou desse laconicissimo, mas por
isso mesmo, muito expressivo discurso : Recmrãos !
VI
Somente ás 4 da tarde puzeram-se era marcha os dous vapores
que não vencem nem uma légua por hora. Com 26 horas de viagem
enfrentámos á villa do Rosário^ distante apenas úns 140 kilometros de
Assumpção. Segundo Ricardo Franco, demora essa villa aos 25* e 18' de
latitude e 320" 20' de longitude do meridiano occidental da ilha
do Ferro. Dugraty marca-lhe 24* 23' 25'' S. e 57* 12' 15" a O. de
Greenwich.
E' uma pequena villa fundada em 1783 com o nome de Quarepoty,
do rio sobre que está assentada; foi seu fundador Pedro de Melo Portugal.
A's 8 3/4 de 27 avistámos a villa da Conceição, pobre povoado
começado em 1773 por Agustin de Pinedo, aos 23* 23' 56" lat. e 57° 30'
49" O. de Greenwich, segundo Dugraty, que dá-lhe também a altura de
110 metros sobre o mar (a).
(a) Foi fundada em 1773 com o titulo de Villa Real; os hespanhoes queriama
mais acima, e disso falia Azara, qjiaudo commissario de limites, em carta de 13 de
dezembro de 1790 ao vice-rei de Buenos-Ayres Nicolas de Arredondo. Luiz d'Albu-
querque, 5o capitâo-general de Matto Grosso, dando noticia dessa fundação, em seu
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Á CIDADE DE MATTO-OROSSO 253
Fimdeámos ás 9 horas e 5 minutos para tomar provisões.
No porto achámos as canhoneiras Taquary e Fernandes Vieira, e o
antigo paquete Princesa de Joinville, grande e bello navio, então comple-
tamente alagado á espera de reboque para o Ladario, onde irá ser des-
manchado. .
Hoje é o dia de Corpus-Chrisii. Baixei á terra para ouvir missa e
visitar a villa, edificada como a mór parte dos povoados da America Hes-
panhola pelo systema das reducções dos jesuitas, uma praça na qual uma
das faces, a fronteira do rio, é preenchida pela egreja, e as outras três por
antigas senzalas ou alojamento dos neophytos, e hoje quartéis.
Dos quatro ângulos partem ruas, ou melhor, caminhos com algumas
palhoças aqui e alli, mas que deixam vêr que em tempo mais longe teve
a villa outras ruas que cortavam aquellas, notando-se ainda os esteios ou
sítios das casas.
Em seguida á missa conventual eíFectuou-se a procissão do dia, feita
com a pompa compatível com a riqueza do logar. A' noite, o chefe poli-
tico do departamento, Juan Carisimo, obsequiou-nos com uma ierhiUa,
onde compareceu, de ordom superior, todo o mulherio da terra, moças e
velhas, daquellas algumas bem passáveis.
A's 9 da manhã de 28 continuámos a viagem, demorandí)-se o vapor
á cada hora, por desarranjo na machina,ou por falseamento de mauobra e
erro do canal, batendo nos bancos. A' 1 da tarde passámos o Aquidnhau,
Cambanapú (a) dos Índios payaguás, e duas e meia hora depois a villa
do Salvador, antiga Tevego, fundada por Carlos Lopes, e hoje deserta.
officio de 26 de maio de 1775 ao governo portugaez, propõe o estabelecimento de um
povoado no FecJio de Morros, idéa que já occorrôra á seu antecessor Luiz Pinto e
mesmo & Rolim de Moura, o que se vô dos officios de 5 de janeiro de 1761, deste, e
de 11 de fevereiro de 1770, daquelle.
(a) Segundo o Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, este nome era dado ao rio
Pirahy qc^e é o Apa.
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254 ITINERÁRIO DA CORTE
Demarca-a Dugraty em 22*» 48' 45'' lat. e bT" 52' 12" O. de Greenwich.
Thomas Page dá-lhe a altitude de 111 metros sobre o mar (b).
A' 30, ás 4 horas da tarde,passámos os montes Galvão e o ribeiro do
mesmo nome, no Chaco, e os cerros Morados ou ^ 'onies Roxos, á margem
esquerda.
Ao longe, á NE., avistávamos já as grimpas da Napileque, nwnia-'
nhãs de ferro, no idioma dos guayacurús.
Uma hora depois enfrentávamos com o Apa e sulcávamos aguas bra-
sileiras.
g^(b) La Plata, the Árgenline Confederation and Paraguay. 1859.
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CAPITULO II
Da Apa á Cuimbra
I
OUÇO depois de passarmos o
Apa (a) avistámos uma canoa
que descia, tripolada por sel-
vagens. Eram cadioéos (b),
tribu que nos é aflfeiçoada, e
que bons serviços prestou-nos
por vezes, durante a guerra
do Paraguay . Tinham-nos
avistado do seu acampamento
e vinham saudar-nos, não
íomo pelo desejo de obter pre
pitão Nauhila, era um bonito
los de idade, irmão e successor
^ ^ ^ites, que morrera no forte de
Coimbra, combatendo com um punhado dos seus ao nosso lado (c) contra
(a) Ou melhor ápd. Co.inighy dos guaycurys, Perahy ou Piraliy, entre os hes-
panhoes. A voz apá em guaycury quer dizer ema,
(b) Antigos cadiguéSf ramo dos mbayds. Segundo JoUs os Mbayás ou guay
rurús dividiam-se em : l©— guetiadágodis, e 2o -codiguégodis (habitantes do rio
Codigué).
Ricardo Franco cita sete tribus da mesma origem guaycurú : 1°, uatadéos ;
2*. ejuéos; S», cndiéos, que s5o as princi pães ; 4, paca/iiod^oí; 5o, cotohiodéo ;
6o, xaquUéos ; oléos. Os apacdtxudéos, edjéos, beaquihéos e exucndéos, de Castel-
nau, serão talvez algumas daquellas tribus, tomados os nomes conforme o ouvido
do viajante francez.
(c) Eram dez apenas.
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25(5 ITINEKARIO DA CORTE
OS paraguayos. Trazia em sua companhia sen sobrinho e tutelado o
futuro cacique Nauhin, de 14 á 15 annos de idade, á quem, conforme o
estylo da nação, faltavam annos ainda para tomar em mãos as rédeas da
governança; Joé, que falia sufficientemente o portuguez e servia de in-
terprete;— Mimi, bonito rapaz, chocarreiro e engraçado, e mais dous :
os quaes, todos, Nauhila apresentou como seusajudantes.
E' gente esbelta, forte e benx feita : feições regulares, côr moreno-
clara, cabellos mui finos, nariz aquilino e bem feito.
Sabendo que o presidente da província ia conmosco, quizeram com-
primental-o. Mostraram muito interesse, senão medo, pelos enhymas (a)
ou linguas, indagando se nós os tínhamos visto ou se sabíamos delles.
São estes uma tribu doGrào-Chaco, o Gàlamha dos guaycurús, com quem
vivera os cadioéos em guerra : seu nome deriva-se de um vocábulo guay-
curú, nação de que também descendem, o qual quer dizer linguagem ou
língua; restando-me hoje a duvida si tal nome não seria a traducçáo
do que os hespanhoes lhes deram, ao vêr-lhes o harhoie que trazem pen-
durado ao lábio inferior, comprido e parecendo uma lingua pendente.
O Corumbá pairou uns vinte minutos sobre rodas, para recebel-os,
e depois seguiu, levando suas compridas e esguias canoas á reboque.
Deixou o canal do rio e tomou por um braço á esquerda, onde ficava
o acampamento delles, em frente do qual, dez minutos depois, pairou
de novo para desembarcal-os.
Contámos na barranca uma boa centena de homens e crianças. Ao
vêrem-nos formaram em linha, empunhando os remos, que levaram ao
hombro, verticalmente, á guiza de contínencia militar.
(a) Southey diz que os Un^ua^ eram júkid;e5, vocábulo qae« conhecida a pro-
nuncia do j hespanhol, não é mais do que uma varíante da nossa palavra cadioéos.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 257
Uma meia hora depois jantávamos, quando abordaram o vapor
outras canoas e despejaram seu povo no tombadilho.
Vinham á pretexto de comprimentar o presidente ; e entre elles çs .
que já tinham estado comnosco. Estes tinham ido uniformisar-se : Nauhila
vestia farda de V tenente da marinha e bonet de cavallaria; Joé farda
de capitão de cavallaria, sem cobertura para a cabeça : dos outros aju-
dantes, um farda de capitão de artilharia, bonet branco ; outro farda de
marinha sem divisas, e fta cabeça um velho chapéo de palha que mais
parecia uma gamella. Nenhum trazia calças: eliminaram do seu traje
de ceremonia esta peça por julgarem-a, sem duvida, muito incommoda.
Traziam para mimosear-nos algumas pelles, das quaes a mais importante
era uma de tamanduá-bandeira.
Pediram novamente e novamente se lhes deu, facas, tesouras, cani-
vetes, botões, espelhos, contas e algumas garrafas de aguardente, mimo
que mais cubicavam e apreciavam ; e recebido que foi tudo, saltaram
rapidamente para as canoas, levando os presentes que tinham trazido para
nós.
33
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258 ITINERÁRIO DA CORTE
Mais tarde soubemos que, descansados com as nossas noticias sobre
os enhymas, que de facto não tinhamos visto nem delles sabiamos,
•descuidaram-se mais do que deviam e foram por elles sorprendidos,
mon^endo na refrega o valente Nauhila,
11
Navegou-se toda a noite.
A's 7 horas passámos os Sete Morros, e á 31, ao romper do dia,
tinhamos á vista as montanhas do Fecho de Morros formadas, pelo Pão
de Assucar^ que é o Cerro ocidental dos hespanhoes, e outras seis mais,
á margem direita, o Cerro oriental á esquerda, e uma alta ilha e morro,
á meio rio, onde está a guarda brasileira, nosso primeiro ponto militar
no Paraguay, na distancia de uns 120 kilometros acima da fóz do Apa.
Feclio de Morros parece ser denominação dada desde os primeiros
navegadores e fundadores deCuyabá. l^o^Annaes da camará dessa cidade,
já em 1731,lê'Se essa phrase, não como denominação mas como explicação
do local (a).
O nome de Pão de Assucar^ por que é hoje conhecido., foi-lhe dado
pela commissáo demarcadora em 1782 : é o mesmo de forma cónica, c o
mais elevado de todos os que formam essa extrema da sorra de Guala-
licariy espigão da cordilheira do Maracajú.
Segundo Luiz D'Alincourt (b),sua posição astronómica é aos 21° 22'
(a) a Passada a barra do Mbotetem.., e descendo o Paraguay abaixo, descendo
a bocaina, onde com um fecho de morros se estreita o ri»», cahio-lhes uma manhã o
gentio payaguá .. »
(bj Meifhoria sobre a oiagnm do porto de Santos á cidade du Cuyaòd, por
Luiz D*Alincourt, major de engenheiros, li^j.
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 259
lai; e, conforme Dugraty, 21% 25' 10" lai e 57^ 58' 54'' long. occid. de
Greenwich (a), 113 metros acima do nivel do mar (b),
E' notável esse ponto pelo ataque que traiçoeiramente lhe levaram
os paraguayoF, de ordem de Carlos Lopes, em 14 de oitubro de 1850,
em numero de 400 homens, que inesperadamente atacaram a guarnição
composta de 25 praças, conunandada pelo tenente Francisco Bueno da
Silva, que retirou-se para a margem direita após tentar a defesa que lhe
foi possivel. Deixou três mortos no campo, e os paraguayos, na sua parti-
cipação official, dando o combate como um grande feito, declararam ter
sofifrido a perda de um alferes e oito soldados.
No Chaco reuniu-se Bueno ás tribus dos caciques Lapate e Lixagate,
cadioéos, e foram tomar em represália o forte Bourbon. Já dissemos que
esses Índios eram-nos aifeiçoados e inimigos irreconciliáveis dos para-
guayos.
O Brasil tinha mandado tomar posse definitivamente dessa ilha em
29 de junho desse anno pelo capitão de estado-maior, hoje brigadeiro,
o Sr. José Joaquim de Carvalho.
A' ilha davam os guaycurús o nome de Ocráia Huetirah que no seu
idioma quer dizer, como adiante veremos, pedra comprida.
A's 10 1/2 da manhã ancorámos no posto da guarda. Terá a ilha
3 á 4 kilometros de perímetro.
Entro em duvida si será essa a ilha dos Oreyones de que falia o
padre Lozana, coUocando-a 60 léguas castelhanas abaixo do lago dos
(a) 2 lo 21' lat. dá Francisco Rodrigu^^s do Prado, antigo commandante de
Coimbra, na sua Historia dos indios cavalleiros de nação guaycurú.
(b) Dugraty dá de altitude ao Pào de Âssucar 1850 pés ou 1690 acima do nivel
domar. La Republica dei Faraguay, pag. 144.
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260 ITINERÁRIO DA CORTE
Xarayés (a). Demora 1800 metros ao O. do Pão de Assucar. E' abun-
dante de^ caças e peixe, único recurso das praças do. destacamento, o qual,
então, compunha-se de 7 praças do 2° batalhão de artilharia á pé : seu
commandante, um tenente ou alferes honorário do exercito, havia fallecido
á 5 dias.
Apezar de ficar no caminho por onde transitam os vapores da com-
panhia, outros particulares e frequentemente alguns de guerra, vive o
destacamento aqui como n'um degredo. O commandante, enfermo de beri-
béri, morrera á mingua de soccorros, segundo a informação que nos deram
pessoas de sua fámilia..
Havia na ilha oito cabanas de palha, com paredes de troncos de
carandá (b), tão affastados uns dos outros, que cães e porcos passavam
entre elles muito á commodo. A única entaipada era a do commandante,
e também um pouco maior do que as outras. Os soldados fazem pequenas
plantações de milho, mandioca, feijão, batatas e abóboras. Não me recordo
de ahi ter visto uma só arvore fructifera. O milho que mais abunda é o
rôio, de grandes espigas, algumas notáveis por serem entremeiadas de
grãos brancos, vermelhos e amarellos, e outros tão roxos que parecem
negros. Encontrámos na matta o maracujá negro, passiflora que nos era
desconhecida, pequeno vegetal reptante ou volúvel, de caule armado,
folhas trilobadas, villosas e dentadas, acompanhadas de gavinhas, stipulas
esbranquiçadas subuladas, flores róseas, perigineas, perispermadas e
gymnophoras, com três bracteas também esbranquiçadas, cinco carpellas,
calyce de tubo curto e bastante villoso, pentasepalo, quatro estamos,
stigma bi-capitato, haga negro-avermelhado, muito semelhante, quando
madura, na côr e tamanho, á uma azeitona e de sabor doce-amargo.
(a) Conquista dei Hio de la Plata,
(b) Çopernica cerifera.
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Á CIDADE DE MATTCKJROSSO 261
Desde 1761 que um padre anteviu o valor da posição desta ilha e
propôz ao capitão-general Rolim de Moura a transferencia para ella da
aldêa de indios que doutrinava na freguezia de SanfAnna da Chapada.
Esse padre era o vigário Simão de Toledo Rodovalho. O governador não
concordou por lhe parecer que ficava muito longe, podendo causar ciúmes
aos hespanhoes. Luiz Pinto, porém, não teve os mesmos escrúpulos e
tratou de ahi fundar um estabelecimento, o que por falta de meios ficou
espaçado. Luiz de Albuquerque quiz estabelecel-o em 1775, e mandou
para isso o capitão de auxiliares Mathias Ribeiro da Costa, que, entre-
tanto, preferiu ficar umas quarenta léguas acima, no esirciio de S, Fran-
cisco Xav^ier, onde, á margem direita, fundou o presidio de Xova
Coimbra (a).
III
O nosso vaporzinho, cuja machina quasi que diariamente necessita
de remédios, ficou detido todo resto do dia.
Terça-feira, V de junho, ás 3 horas da manhã, suspendeu ancora; ás
2 1/4 da tarde passámos uma outra aldêa de cadioéos, que em numero
superior de 200, entre os quaes muitas mulheres e meninos, e daquellas
algumas bem interessantes de rosto, e na maior parte, como os homens,
de talhes esbeltos e airosos, vieram á ribanceira para vêr-nos passar. Dos
homens alguns estavam vestidos : um delles, sobre todos, chamou-nos as
attenções pela naturalidade com que trazia a camisa, calças pretas, gra-
vata e chapéo, tudo bem posto, bem arranjado e bem abotoado: a elegân-
cia de um habitue.
(a) Annaes da camará de Cuyabâ. Relatório do presidente Herculano Ferreira
Penna, em 18^.
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262 ITINERÁRIO DA CORTE
São encantadoras as paysagens que o rio nos vai desdobrando. O
Pm de Assucar e seus seis irmãos estão ainda no horizonte ; á nossa
esquerda já appareceu outro grupo, o dos Três Irmãos^ com o forte
Olympo no alto de um delles. Ao longe avista-se a serra do Napileque no
rumo de NhE.
A's 4 da tarde passámos o forte. São seis e não três os moiTOs, mas
somente os mais elevados mereceram aquella designação. Estão collo-
cados como que em linha e separado o primeiro dos outros por um braço
estreito do rio. Dão á esse o nome de Cerro do Norte.
O Olympo ou Bourbon é uma antiga fortificação quadrangular,
construida em 1792 pelo tenente-coronel hespanhol José Zavala y Delga-
dilla de ordem de Joaquim Ales y Brú, governador do Paraguay, com o
intuito de fechar o rio á navegação dos portuguezes para Matto-Grosso (a).
Está construido no morro antigamente chamado de Miguel José (b), na
latitude de 21° V 39" e longitude de Greenwich de 57° 55' 40", segundo
Dugraty, uns 65 kilometros acima do Fecho de Morros (c). Dugraty dá-lhe
a altitude de 130 metros acima do nivel do mar. Seus quatro ângulos
arredondam-se em mamellões, em cada um dos quaes, ou pelo menos nos
que olham o rio se abrem duas canhoneiras.
Está abandonado ha já alguns annos, e apenas na guerra paraguaya
serviu de posto e atalaia ás forças de Solano Lopes. Em 1812 os indios
guaycurús o assaltaram, fazendo fugir a guarnição, sendo retomado por
uma força nossa vinda de Corumbá, e reentregue aos hespanhoes. Era
(a) Dugraty. Ob. cit.
ib) Do nome do capiíào de ordenanças Miguel José Rodrigues, commandante
de Coimbra, que o foi explorar.
(c; Luiz D*Alincourt dá nove léguas. Outros dão onze.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 2G3
oitubro de 1850 a guarnição do Fecho dos Morros, desalojada pelos
paraguayos, tomou-o por sua vez, deixando-o abandonado dias depois.
A's 5 da tarde deixámos á direita o Rio Branco (a), uns 8 á 9 kilo-
metros acima do forte. Já se começam á avistar as montanhas de Coimbra,
sem que o Pão de Assucar tenha-se sumido de nossas vistas, o que de-
monstra as voltas que o rio dá.
A' esta hora o céo se turba e ura immenso nimbus vem surgindo de
SO. A's 6 desencadeia-se um rijo pampeiro que ás 8 toca o auge da
furiá. O Corumbá deixa sua marcha de kagado para voar; deitando sete
milhas aguas acima ; infelizmente só logrou essa felicidade por tempo de
uma hora, que a prudência mandou-o arribar á sotavento, e amarrar-se á
arvores da margem. Tínhamos chegado á voJta âo Periquito,
IV
Somente ás 6 da manhã de 2 de junho pudemos seguir ; ás 8 e 5
passámos á direita das mattas onde vive o resto dos xamococos : ás 9 '^4
passámos em frente á Bahia Negra (b), antiga Ibificaray, o rio Negro
do capitão Miguel José Rodrigues, que por ahi andou quando explorava o
rio, é o primeiro dos nossos pontos de demarcação com a Bolivia ; as 4 da
tarde de 3 lográmos chegar ao forte de Cjimbra, que saúda o presidente
da provincia com a salva do estylo, mas não arvora o pavilhão por ter
apodrecido a driça, como mais logo soubemos.
(a) Aos 20» 58% segando Dugraty.
(b) Aos 20o 10' 14'* Si. e 58o 17» 21", conforme Dugraty. Os marcos limitrophes
estão: o brasileiro aos 20*» 8' 33" S. e 14» 55* 20" 43 O. do Rio de Janeiro, o
boliviano aos 2» 8' 38" S, e 14» 50' 22*' 38 O., e o marco commum no fundo da bahia
aos 19« 47' 32" S. e 14o 56* 45" 60. (commissão de limites de 1871, presidida pelo
hoje chefe de divisão, o Sr. António Cláudio Soido.
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264 ITINERÁRIO DA CORTE
Foi mandado fundar em 9 de maio de 1775 por Luiz de Albu-
querque, não só porque estava isso nas vistas do governo, como também
á instancias do povo de Cuyabá, para obviar as continuadas depredações
do gentio payaguá e ao mesmo tempo impedir que os castelhanos se ani-
massem á invadir o território portuguez (a).
O capitão Mathias Ribeiro da Costa, mandado á escolher logar con-
veniente perto do Fecho de Morros, partiu de Villa Bella á 9 de maio e
Cuyabá á 22 de julho, com 15 canoas e cerca de 200 homens, entre offi-
ciaes, soldados e operários, com as armas e instrumentos necessários.
Visitando os logares preferiu fundar o presidio 40 léguas acima daquelle
ponto, local onde o rio mais se estreita e é conhecido por Estreito de
S. Francisco Xavier^ e logo á 13 de setembro, estando concluído um re-
ducto quadrangular, coni quatro baluartes dedicados o ie Kà S. Gon-
çalo, o de £. á S. lago, o do S.i SanfAnna e o de O. á N. S. da Con-
ceição, saudou-se pela primeira vez o pavilhão real no Eeal Presidio de
Nova Coimbra (b).
Entre os ofiBciaes que acompanhavam Mathias iam o capitão de
ordenanças Miguel José Rodrigues e o ajudante Francisco Rodrigues do
Prado, como seus coadjuvantes. Terminada a construcçáo Mathias reti-
rou-se, sendo substituido no commando pelo major, também de auxi-
liares, Marcellino Rodrigues de Campos, que tomou possa em dezembro
do mesmo anno. A' este substituiu interinamente um cadete de dragões,
sendo o commandante nomeado o major Joaquim José Ferreira. Em 1795
commandava-o o ajudante Prado, á quem devemos minuciosos pormenores
na sua Historia dos indios cavalleiros de nação guaycurú, publicada na
Revista do Instituto Histórico de 1839. Dous annos depois de fundado,
^a) Barbosa de ^k— Relação dos povoados, eto. Ainda em maio de 1775 muitas
canoas desses indios tinham subido aU Villa Maria, matando e capturando muita
gente. Pizarro — i/ôm., tomo 9.
(bj Participação official do capitão Mathias, da mesma data.
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i CIDADE MATTO-GROSSO 265
um violento incêndio destruiu todos os seus quartéis e ranchai-ias, sal-
vando-se felizmente o paiol da pólvora; e, em 6 de Janeiro de 1791, os
guaycurús, contra quem principalmente se tinha estabelecido o forte, mas
que já ha tempos se davam como amigos, tendo ahi vindo como á negocio,
mataram traiçoeiramente 54 pessoas da guarnição, que, descuidosas, se
confiaram por demais nelles.
O reducto foi depois reformado pelo tenente-coronel de engenheiros
Bicardo Franco de Almeida Serra, e mais tarde pelo brigadeiro António
José Rodrigues. Era de figura irregular, com duas baterias e dez canho-
neiras que cruzavam fogos sobre o rio, e dous baluartes de muros assetei-
rados, bem como as cortinas que os reúnem ás baterias. Só estas eram
construidas no plano horizontal : as cortinas fechavam a fortificação su-
bindo a encosta da montanha, pelo que ficava á descoberto todo o interior
34
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266 ITINERÁRIO DA CORTE
do forte, que ainda tem á cavalleiro o cume da montanha e o Morro
Grande na margem fronteira. Temendo assalto por terra, fecharam os
antigos uma garganta entre os dous cabeços da montanha^ na sua face
de SO., com uma extensa cortina. Ahi, quando o chefe de esquadra
Pedro Ferreira de Oliveira foi em missão ao Paraguay, estabeleceu o pre-
sidente Leverger o seu quartel-general, em vistas de melhor fortificar o
rio, e mandou aquartelar os imperiaes marinheiros no Morro Grande.
Ultimamente, depois da guerra do Paraguay, foi reconstruido pelo
Sr. tenente-eoronel Dr. Joaquim da Gama Lobo d'Eça. Eleva-se á quasi
14 metros sobre o nivel regular das aguas.
E' a chave da navegação brasileira do rio Paraguay ; e é notável
nos nossos fastos militares pelos dous assédios que sustentou em setembro
de 1801 e dezembro de 18G4;aquelle contra os hespanhoes, command^dos
pelo general D. Lazaro de Ribera, governador do Paraguay, que o atacou
com cinco goletas e 20 canoas de guerra com 600 combatentes ; e este,
contra os paraguayos, coramandados por Vicente Barrlos, cunhado de Fran-
cisco Solano Lopez.
São tão memoráveis estes feitos, que é dever de queniquer que
delles trate recordar a nobre e digna resposta dos seus defensores ás arro-
gâncias dos aggressores.
Em 1801 commandava Coimbra o já tão benemérito Ricardo Franco,
que ás suas glorias de sábio e infatigável engenheiro soube ainda ajuntar
as do heroísmo na guerra. Seus commandados, apenas em numero de 42,
estavam na razão de 1 para 15 assaltantes. Inesperadamente, á 16 de se-
tembro, apresenta-se á vista de Coimbra a frota hespanhola, e, apezar do
fogo de artilharia do forte, operou o desembarque, mandando no dia se-
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i CIDADE DE MATTO-GEOSSO 267
guinte o general um parlamentario á Ricardo Franco, com a arrogante
intimação de capitular, dentro do prazo de uma hora. O commandante
que, entretanto, não estava bem precavido para o assalto, respondeu-lhe,
como era de esperar de um varão do seu esforço.
Eis a intimação e a resposta :
« A' bordo de la goleta Nmstra Senora dei Cármen, 17 setiembre
1801.
« Ayer á la tarde tube el honor^de contestar el fuego que V. S. hiso
de ese fuerte ; y habiendo reconocido que las fuerzas con que voy imedia-
tamente á atacarlo son mui superiores á las de Y. S., no puedo menos de
vaticinarle el ultimo infortúnio ; pêro, como los vassalos de S. M. Cató-
lica saben respeitar las leyes de la humanidad, aún en médio de la guerra,
portanto pido á V. S. se rinda á las armas dei rey mi amo, pues de lo
contrario, á caiion y á espada, decidirá de la suerte de Coimbra, sufriendo
su desgraciada guamicion toda las extremidades de la guerra, de cuyos
estragos se verá libre V. S. se conveniere con mi propuesta, contestan-
dorae categoricamente esta en el termino de una hora. — D. Lazaro de
Hibera. »
« Forte de Coimbra, 17 de setembro do 1801.
« Tenho a honra de responder a V. Ex., cathegoricamente, que a
desigualdade de forças foi sempre um elemento que muito animou os
portuguezes á não desamparar o seu posto e defendel-o até á ultima extre-
midade, á repellir o inimigo e sepultar-se debaixo das ruinas do forte
que lhes foi confiado. Nesta resolução está toda a gente deste presidio,
que tem a distincta honra de ver em frente a excelsa pessoa de V. Ex.,
á quem Deus guarde. — Ricardo Franco de Almeida Serra. »
D. Lazaro tentou ainda a tomada da fortaleza por tempo de oito
dias; mas no nono desistiu do intento, abandonou a empreza e voltou
á Assumpção.
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268 ITINERÁRIO DA CORTE
A segunda foi o ataque de 27 de dezembro de 1864. Ao romper do
dia as sentinellas do forte descobriram, também inesperadamente, uma
esquadra, fundeada uma légua abaixo. Eram cinco vapores, três navios
de vela e duas chatas. Compunha-se a força de ataque dos batalhões 6, 7,
10, 27 e 30 de infantaria, duas baterias de artilharia com 12 canhões
raiados, uma bateria de foguetes de guerra e dous regimentos de cavaUaria
desmontados (a). A esquadrilha era composta dos vapores Tacuary, Para-
guary^Igurey^ Bio-Blanco e/pocíí, escunas Independência ^Aquidahan^
palhabote Rosário e chatas-lanchões Cerro Leon e Humaifd, artilhados
todos com 36 canhões. Commandava em chefe o coronel Vicente Barrios.
A guarnição do forte compunha-se de 155 praças do corpo de arti-
lharia da província, as quaes foram distribuídas do seguinte modo : guar-
nição das cinco únicas bocas de fogo de que se podia utilisar, 35 ;
guarnição das cortinas, 40 ; e das setteiras da 2* bateria, 80; e mais
10 Índios cadioéos com seu cacique Lixagates. Commandava o forte o
Sr. tenente-coronel Hermenegildo de Albuquerque Porto Carrero, chefe
daquelle corpo de artilharia.
A's 8 1/2 da manhã, Barrios mandou um parlamentario, com a
intimação para render-se o forte, também no prazo de uma hora. A res-
posta do Sr. Porto Carrero foi em tudo digna de si e do heróico renome
e reminicencias gloriosas do forte que commandava.
Eil-as :
« Viva la Republica dei Paraguay. A' bordo dei vapor de guerra
paraguayo Igurey^ el 27 deciembre 1864.
(( El coronel comandante de la division de operaciones en el Alto-
Paraguay, en virtud de ordenes expresas de su gobierno, ven á tomar
posesion dei fuerte bajo su comando ; y queriendo dar una prueba de
(a) Depoimento do general paraguayo Resquin, em 20 de Março de 1870.
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i CIDADE DE MATTO-QROSSO 269
moderacion y humanidad, intima a Yd. para que dentro de una hora se
lo entregue, pues en contrario, espirado ese plaso, pasará â tomarlo â viva
fuerza, quedando-se la guamicion sujeta á las leyes dei caso. Mientras
espero su contestacion, es de Vd. attento servidor. — Vicente Barrias.
« Al seiior comandante dei fuerte de Coimbra. »
« Districto militar do Baixo-Paraguay, no forte de Coimbra, 27
de dezembro de 1864.
<c O tenente-coronel commandante deste districto militar, abaixo-
assignado, respondendo á nota enviada pelo Sr. coronel Vicente Barrios,
conunandante da divisão de operações do Alto-Paraguay, recebida ás 8 1/2
da manhã, na qual lhe declara que, em virtude de ordens expressas de seu
governo, vem occupar esta fortaleza ; e que, querendo dar uma prova de
moderação e humanidade, o intima para que se entregue dentro do prazo
de uma hora, e que, caso o não faça, passará á tomal-a á viva força, ficando
a sua guarnição sujeita ás leis do caso ; — tem a honra de declarar que,
segundo os regulamentos e ordens que regem o exercito brasileiro, á não
ser por ordem da autoridade superior, á quem transmitte neste momento
cópia da nota á que responde, só pela sorte e honra das armas a entre-
gará ; assegiirando á S. S. que os mesmos sentimentos de moderação, que
S. S. nutre, também nutre o abaixo-assignado.
d Pelo que o mesmo commandante, abaixo-assignado, fica aguardando
as deliberações de S. S., á quem Deus guarde. — Hermenegildo de Albur
querque Parto CarrerOy tenente-coronel. — Ao Sr. coronel Vicente Barrios,
commandante da divisão em operações no alto do Paraguay. »
A'8 9 72 começou o inimigo o desembarque de suas tropas, e pelas 2
da tarde começou o ataque, com uma força de 3.000 homens de infantaria,
secundada pelo fogo das baterias raiadas e de quatro canhões de 32 nas
chatas, que vieram collocar-se em posição &voravel á bater o forte.
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270 ITINERÁRIO DA CORTE
Mais ainda que o de 1801 foi traiçoeiro e inopinado este ataque,
levados ambos sem declaração prévia de guerra, no meio de plena e
longa paz.
O forte, carecendo de todo o meio de defesa, sustentou o fogo por 48
horas, até que exhausto completamente de munições foi abandonado pela
guarnição, que partiu sem ser presentida pelo inimigo ; facto incrível pela
posição toda descoberta da fortificação, e só explicada pela imperícia dos
assaltantes, os quaes, suppondo ser uma sortida e receiando um ataque,
só tarde comprehenderam o seu engano ; e ainda assim não souberam ou
não se animaram á perseguil-a.
Quando passámos, commaudava o forte o Sr. major Francisco
Nunes da Cunha, então encarregado de continuar as obras da fortificação
de modo á oppôr mais eSicaz defesa em novas eventualidades.
Korta-l«i5a, de A.i>h.oteTnerim, vista do lado do terra.
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CAPITULO m
A groU do infeno
EMORA O forte de
Coimbra aos 19"
55' de latitude á
margem direita do
Paraguay.
O rio, cujas
margens, princi-
esquerda, não en-
le muitas léguas
suas transborda-
qui apertado en-
)Qnhas,que todavia
5m de, nas gran-
1-as e envolvel-as,
ilhas.
nede quatrocentos
, no leito natural
ncisco Xavier dos
a dos actuaes na-
A montanha da margem direita mostra-se, á quem sobe o rio, com a
configuração de uma enorme balêa. Será talvez de três kilometros a sua
extensão, n'uma potencia de duzentos á trezentos metros. E' na sua ponta
de NO. que apparece o forte tão celebrado nos nossos fastos militares
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272 ITINERABIO DA CORTE
pelas heróicas defesas — de Ricardo Franco, em 1801, e do Sr. Porto
Carrero, em 1864.
Projecta-se elle sobre a encosta da montanha, dando por sua vez se-
melhanças com esses castellinhos de metal que os nossos engenheiros
nzani como distinctivos nos seus uniformes militares. Essa montanha,
como a mor parte das de heira Paragua)% parece formada de gneiss e cal-
careo compacto, abundante em leptinitos, e coberta e orlada de blocos
angulares, provenientes da desaggregação dos nagelfhehs ou conglome-
ratos.
Nas obras, que ultimamente se fizeram no forte, ao arrebentar-se a
pedra, encontraram-se abundantes veios de dendrites,das mais lindas paisa-
gens, pintadas ora por effeito de infiltrações, ora do sublimamento do per-
oxydo de manganez.
Cerca de dous kilometros acima do forte ficam as celebradas caver-
nas de que muitos viajantes tém fallado, mais ou menos satisfactoria-
mente; — o que não obsta que cada novo visitante goste de narrar por sua
vez as sorpresas e emoções por que passou e anime-se á buscar descrê vêl-a.
Desembarcámos no ponto pouco mais ou menos mais próximo á
gruta, em sitio que revelava a— porto — n'um claro aberto entre os arbus-
tos ribeirinhos, sarans^ como chamamJhes os naturaes, e um trilho que
dahi partia serpeiando no macegal.
Até o flanco da montanha é o terreno uma baixada sujeita ás inun-
dações. . Dahi ao rio mediarão uns quatrocentos metros na largura do
terreno. Qramineas e cyperaceas, e uma malvacea dos terrenos palustres,
o algodão do campoj formam-lhe o tapete botânico ; sombreiam-lhe a
margem ingaseiros e sarans de diíTerentes typos e famílias : na montanha,
desde o sopé, já vão apparecendo as bauhinias, tão encontradiças no nosso
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 CIDADE DE MAITÍKIROSSO 273
solo, ora arborescentes e vivendo em plena independência, ora crescendo
e enroscando-se em moutas, no chão, ora enredando os madeiros dessa ex-
plendida vegetação dos trópicos, já tão minha conhecida, e entretanto
sempre nova pelo grande numero de vegetaes diferentes dos das floras de
outros lugares. Ahi ensinaram-me pela primeira vez a crenâiuba^ o cas-
eusdinho^ o capotão, o gtiatamiúj preciosa madeira de lei do mais for-
moso amarello ; a umburana , notável arvore de grosso tronco, tão verde e
tão brando como a haste das pitas, e cujo epiderma se desprende em folhe-
tas ténues e coriaceas; e o preciosissimo guáyaco oupáu sanio^ de deli-
cioso aroma e gratissimas virtudes. Ahi chamou-me a attençáo, pelo
deslumbrante da coloração escarlate e por um tamanho triplo do commum,
uma formosa clytoria e essa outra curiosa borboletacea que serviu de typo
ao Affonséas de A. de S. Hilaire.
As arvores da baixada e as do começo da escarpa do monte serviam
de metro ás enchentes do rio, marcando a altura à que tinham chegado
as aguas com as limosas cintas nos troncos, ou os hydrophytos que fica-
ram suspensos nos galhos e que agora se viam já seccos.
Vae a subida do morro por uma boa centena de metros.
A entrada da gruta fíca-lhe á mais de meia altura. E' uma fenda
que bem pôde passar por portão, com os seus dous metros de alto e quasi
outro tanto de largura. Declare-se, desde já, que as medidas aqui indica-
das são todas de mera estimativa.
Assombra essa entrada uma enorme gamelleira secular, cujas im-
mensas raizes, grossas como troncos de palmeiras, penetram no interior da
caverna até os seus últimos recessos.
Nessa entrada descem-se duas lages irregulares dispostas em degraus,
e encontra-se escavado na rocha um pequeno espaço de quatro á cinco
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274 ITINERÁRIO DA CORTE
metros sobre dons á três de largo, trancado de penedos, tendo um outro,
enorme, por tecto, e deixando, entre aquelles, duas aberturas que dão des-
cida á gruta. Dizem que a da esquerda é a maior e de mais fácil des.
censo; todavia é elle alguma cousa difficil, sendo necessário fazel-o de
gatinhas, ajundando-se ora das asperezas dos blocos soltos e amontoados
uns sobre os outros, formando ás vezes altos degraus, ora das raizes que
os irrompem.
E' uma escadaria de mais de trinta metros de altura, isolada das
outras paredes lateraes da gruta, e deixando entrever, principalmente á
esquerda, precipicios, cujo fundo a vista não devassa.
Descida essa escada gigante, chega-se á uma escura esplanada, cuja
conformação e limites não me. foi possivel averiguar; e donde, olhando-se
para cima, vê-se, no meio dessa escuridão que nos cerca, a i)orta, clara com
a luz do dia, deixando coar uma facha de luz brilhante, que empresta á
essa parte da caverna um encanto indizivel.
A escuridão aqui á meio, alija é tão completa que os olhos custam
á acostumar-se á ella; nos outros pontos tão cerrada e profunda, que nada
se distingue.
Accendidos os lampeões e archotes de que dispúnhamos, mais estu-
penda nos foi a visão.
A' luz avermelhada das tochas admirámos a extranha magnificência
do labor da natureza : aqui eram columnadas de stalactites, torcidas
como enormes alfenins, que desciam de altura que os olhos não divisa-
vam, parecendo sustentar um tecto invisível ; eram stalagmites que, no
chão, semelhavam maravilhosamente rendas, brocados, coxins, sob mil
formas sorprendentes. Aos lados, a ténue penumbra deixava entrever ca-
prichosas formações, ora engastando os penedos soltos, ora soerguendo-se
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Á CIDADE DE MATTCHJKOSSO 275
d 'entre elles em phantastícas volutas, ora entretecendo-se umas comas
outras; além,tíu) compacta a escuridão, que nada era possivel distinguir-se.
No alto, via-se a porta, como um pedaço de céo, dando um suave contenta-
mento aos olhos e coração, e permittindo perceber pendentes do tecto, como
filigranas enormes, as tão caprichosas concreções : no chào, ora pedregoso,
ora de finíssima areia branca, poças de agua salobra eminentemente carre-
gada de carbonato calcareo, essa mesma agua que, merejando das abo-
badas, tinha sido a productora de tão notáveis maravilhas, dissolvendo as
terras, decompondo-se ao c )ntacto do ar e perdendo parte do acido carbo-
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276 ITINERÁRIO DA CORTE
nico que a satura ; espessando-se pouco á pouco, ficando suspensa ás abo-
badas ou cahindo em grossas gottas cheias daquelle sal, as quaes, gradual-
mente se solidificando e se juxtapondo, vào pari-passu crescendo e en-
grossando de volume, graças á nova lympha que incessantemente sobre
ellas desce e ás novas gottas que alii crystallisam.
Descemos uns quarenta companheiros ; e os primeiros que baixámos
gozámos, ainda, de um agradável espectáculo que não loi dado á lodos
fruir. Era curioso e importante ver, á ténue luz dessa penumbra, os retar-
datários agarrados ás asperezas das roclias com uma mào, emquanto na
outra sustinham a lanterna ou o archote ainda apagados, descçiuh» a
escalaria, pondo em pratica todas a^ leis do equilibrio para não se des-
l>enharem nos abysmos, cujas enormes goellas viam negras c medonhas,
escancaradas á direita e á esquerda.
Como já o disse, pequenas poças d'agua salitrada, rasas e de fina
c branca areia, apparecem aqui e ali, entre o pedegral que assoalha o ter-
rapleno. N'uma dessas poças encontrámos um craneo de jacaré, já muito
antigo e gasto pela acção das aguas ; talvez o de algum descendente do
que o ajudante de Coimbra, F. Rodrigues do Prado, aqui encontrou ha oi-
tenta annos, já com um braç^ de menos, que alguma onça lhe roubara.
Contornando para a esquerda as pedras da descida, e olhando-se
para cima, vê-se a avantajada altura do precipicio que ladeia a escadaria,
e que começa com ella, desde a porta.
Nesse primeiro piso, que é a ante-sala de tão maravilhosa estancia,
ha varias sabidas para outras tantas cavernas, que supponho pequeninas
e sem interesse, visto que não tem sido praticadas. Os guias o práticos
do local que conduzem os visitantes, encaminham-os logo para a grande
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Á CIDADE DE MArrO-GROSSf) 277
caverna, que denominam salão e nenhuma noticia dáo sobre ellas ; entre-
tanto nào é por medo, visto que tém-se animado á maiores commetti-
nientos, como o da passagem de uma estreita e c-omprida galeria, mais
soterrada que as outras cavernas, com as quaes estabelece a coramunicayào,
escuríssima c completamente alagada e quasi sem ar, o que impede-llie
o uso da luz artificial. Si fosse o perigo a causa de não serem visitadas,
si acabassem em precipicios e abysmos, disso restaria memoria, a tradi-
ção. Um dos nossos companheiros, o Sr. pharmaceutico Mello e Oliveira,
penetrou alguns passos n'um desses escurissimos antros, que ficava quasi
fronteiro á descida ; mas não se aventurou além.
Formam as paredes das diferentes grutas vaíitas concre^Vs slalac-
tiforraes manifestadas sob formas as mais curiosas. Aqui e ali caliem em
pannos como formosas cascatas, que a natureza tivesse petrificado, ou
e<)mo acinzentadas cortinas, com as suas dobras, os seus fofos e apa-
nhados, cobrindo em parte as falhas do rochedo — que são as portas que
communicam as differentes gi*utas, ou melhor salas.
Não phantasio, nem se julgue que minhas comj^arayões sejam filhas
da imaginação ajoviada pelas maravilhas que vê: são verdadeiros simu-
lacros de cascatas, são cortinas, columnas, coxins e rendilhados esses
processos calcareos. Causam admiração e prazer vêl-os ; e vendo-os, o es-
pirito é obrigado ao recolhimento e á reflexão. Está-se n'uma dessas
occasiões em que, na phrase de Hugo, qualquer que seja a posição do ho-
mem, a alma está de joelhos.
Transposta uma dessas cortinas, á direita, e si me nào engano, a que
recobre a porta maior, entra-se n'uma escavação atulhada de penedos
irregulares, pjst^js á nu pela desag^regaçX) e dissolução das terra«, e em
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278 ITINERÁRIO DA CORTE
seguida no salão, o salão nobre desse estupendo palácio, que, sem duTida
alguma, é um espécimen de tudo o que ha de mais bizarro e caprichoso
nas maravilhas da natureza.
Apezar dos innumeros fogachos que levávamos, não se podia descor-
tinar tudo á satisfação; accendeu-se uma tigelinha de signaes, única que
trazíamos, cuja luz brilhantíssima patenteou-nos, sob novos prismas, esse
quadro aí-sombri.so.
O clarão das luzes dava um tom irisado indescriptivel á atmosphera
da gruta, variando desde o deslumbrante escarlate do fogo até o violete
e o azul-marinho. Parecia que nas paredes tremeluziam constellações de
rutilantes gemmas. Myriadas de estrellas de cambiante fulgor cabiam em
chuva de fogo, reproduzindo de uma maneira fascinante e em maravilhosa
escala esse phenomeno celeste, tão commum nas nossas noites de verão,
das estrellas cadentes ; — ou antes, parecia que invisíveis fadas abriam
inesgotáveis escrínios e despejavam á nossos pés diamantes, rubis, saphi-
ras, esmeraldas. Tudo brilhava ... e ainda as poças e veios d'agua que
tínhamos aos pés, e humectavam as pedras do chão, reproduziam e estrel-
lavam os mil fulgores que enchiam os ares.
A' princípio, deslumbrado com o brilho da luz da tigelinha, não
pude fazer uma idéa perfeita do que se apresentava á meus olhos, e so-
mente, quando cjlloquei-a longe de mim, ao ouvir as estrepitosas excla-
mações dos companheiros, é que pude melhor apreciar o espectáculo
sobrenatural e indizivel que apresentava esse palácio de fadas. Mas sua
duração foi pouca para satisfazer meus desejos: quando apagou-se ainda
era brilhante e explendida a caverna, alumiada á luz de tantos archotes ;
mas, o deslumbramento e o fulgor de sua fascinadora magnificência
tinham-se amortecido de muito.
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k CIDADE DB MATT0-GR0S80 270
A raór parte dos companheiros deu-se por satisfeita e voltou ; en e
outro, o Sr. João Cândido de Faria, negociante do Rio Grande do Sul,
seguindo dous soldados do forte que quizeram servir-nos de guias, aventu-
rámo-nos á percorrer outras dependências da magestosa caverna.
Passámos á terceira sala, ora subindo, ora descendo as asperezas de
uma espécie de muralha de rochedos, de uns três m^^tros de alto. Era a
sala por demais irregular e atravancada de penedos que occultavam soca-
voes lobregos, escuros e talvez profundos, e que não pudemos vantajosa-
mente apreciar por dispormos de poucas luzes.
Ahi, entre aquella muralha e um grande bloco isolado, á direita, tem
começo a galeria de que acima fallei, verdadeiro tumwl que liga essa ^ala
com outras da direita, isto é, o primeiro grupo de cavernas e o menos
conhecido, com o segundo e quasi geralmente ignorado.
Tínhamos vindo bem accondicionados para o frio, que diziam ser
excessivo na gruta : achámos o contrario e estávamos em junho. Tirámo«í
as roupas pesadas, e eu conservei o collete, não só para conduzir o relógio,
como para não me desagazalhar muito o thorax.
Entrámos no tunnel, que ahi seria de uns dous metros de alto e
mais de cem de largo, e logo reconhecemos que seu leito baixava em rela-
ção ao solo das outras cavernas. A agua, que ahi não chegava ao terço
inferior da perna, em pouco subiu ao joelhos, e á cada passo que dávamos
ia-se elevando ate chegar á cintura, pelo que vi-me na necessidade de ir
suspendendo e dobrando o collete para evitar que o relógio se molhasse.
Não tinha previsto essa emergência... e veiu-me então um tal ou qual
arrependimento de, pelo menos, não ter-me também livrado daquella peça
do traje. Comtudo essa inadvertência foi-me de proveito.
Após alguns passos, já caminhávamos curvados para não batermos
c(mi as cabeças nas asperezas da parede superior do tunnel, tanto ia este
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28o ITINERÁRIO l*A CORTE
baixando na altura ao tempo que a agua continuava a subir. Comprehendi
que o tunnel ia soterra ndo-se cada vez mais; occorreu-me retroceder, mas
pôde mais em mim a curiosidade de continuar essa maravilhosa viagem
e de conhecer esses segredos do que o receio de perder o relógio.
A passagem tornava-se cada vez mais difficil, abaixando-se mais e
mais na altura ; mas agora a agua decrescia também, o que notei com
espanto e muita satisfação ; diminuindo tanto, que occasiào houve de só
podennos caminhar de rastros, e ainda assim batendo á cada passo com
a cabeça nas asperezas da abobada ; e entretanto logrei a íelicidade de
(H)nservar illeso o relógio. Sem duvida, agora o solo do tunnel se elevava
também e era o que fazia a angustura do passo.
Graças áquelle incidente, pude facilmente estabelecer essas compa-
rações de profundidade, altura e horizontalidade da galeria ; mas infeliz-
mente não me é dado rigorisar a sua extensão nem a direcção que segue.
Para attender á primeira faltou-me a isempção de animo, pela anciã
e mesmo susto, difficil de evitar á quem por ahi passa, e mormente pela
primeira vez, como eu ; para a segunda fôra-me necessário um bússola.
Será, porém, de uns trinta metros e segue quasi n'uma linha angular.
A' meio, mais ou menos, do seu percurso avistam-se as duas aberturas, de
entrada e de sabida, brancas de uma luz crepuscular, mas ainda assim
liastante sensivel na espessa escuridão do tunnel.
Desse trajecto não é difficil a primeira metade, e faz-se parte delle
ainda á luz amortecida dos archotes, amortecida pela deficiência do ar
respirável ; a segunda, porém, é tão custosa, que somente a vista do claro
da sabida poderia influir á percorrerem-a todo e não voltarem atraz os
primeiros e intrépidos visitantes.
Termina em uma grande sala tão baixa, nos seus trez á quatro
metros de altura, que, com a lobrega luz que ahi reina, divisa-se sufficien-
temente o abobodado calcareo do tecto, cheio de pequenas e finas stalac-
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Á CIDADE DE MATTO-GKOSSO 281
tites de moderna formação, que já vão apparecendo entre os restos infor-
mes das antigas, devastadas.
£* que, sendo raros os curiosos que visitam a gruta, raríssimos são os
que transpõem 'o tunnel ; e, pois, essa segunda parte da fadarica estancia
é a mais rica e aprimorada de ornato.
Notei mais clara esta sala do que as outras, seja por um effeito na-
tural qualquer, seja porque meus olhos já estivessem acostumados á
escuridade.
Abundavam os mesmos torsos e volutas, as mesmas columnas, as
mesmas cortinas revestindo as entradas das outras salas, intrincado laby-
rintho onde nos vimos quasi perdidos.
Havia de mais as novas concreções que do tecto pendiam em forma
de mil agulhetas e pequeninas pyramides. A stalagmite affectava em
geral a forma de uma alfombra que tapetava todo o solo ; á esquerda da
sabida do tuunel elevava-se mais,assemelhando-se á um pittoresco canapé,
estofado, bastante áspero nos seus cochins de rocha, mas em que sentei-me
com gosto por alguns instantes.
Antigos visitantes tinham trazido um fio de merlim ou barbante
grosso, para guial-os nessa viagem subterrânea. Já no tunnel havíamos
encontrado e agora viamol-o estendido sob a agua que, aqui, conservava
um bom palmo de altura. Sua direcção era no prolongamento do tunnel
á porta fronteira.
O caftapé era um Índice apreciável para a orientação deste, assim
não descurei de notal-o, bem eomo sua posição em relação ao fio.
Seguimos a sua direcção entrámos na primeira sala, tendo antes
observado, ou melhor espiado, apenas das entradas, duas ou três outras
salas que com aquella communicavam e que pouco differiam entre si.
Aquella para onde o fio se dirigia era a mais extçnsa de todas as que vi,
sem exceptuar mesmo o salão, e mais estreita em relação ao tamanho.
30
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282 ITINERÁRIO DA CORTE
Mediria uns quatro metros de largo : a longura foi-me impossível de
estimar. Parecia um longo corredor, ou antes galeria, cercada de colura-
nadas e de todas essas phantasticas e caprichosas producções da natureza.
No chão encontrámos immensas raizes de gamelleira (ficus ãoliaria), que
supponho da que ensombra a entrada da gruta: e que, sendo assim,
indica que essas salas não estão tão aifastadas da entrada, como parecem.
Uma circumstancia nos privou de continuarmos nossa visita e pri-
vou-me do prazer de melhor observar a formosa galeria, que é cheia de
socavões e recônditos de um e outro lado, e dignos sem duvidada mais
detida contemplação : notámos, á principio descuidados mas depois com
algum temor, que o fio tão satisfactoriamente encontrado e no qual de-
positamos cega confiança, nos trahira, estando partido em vários pedaços,
que se moviam, tomando ora uma, ora outra direcção, levados pelo movi-
mento da agua, que remechiamos andando.
Os soldados tinham-se adiantado e penetrado nos outros recessos, em
busca de mais mimosas e delicadas concreções, taes como só ahi se encon-
tram. A' nós faltou já a vontade de proseguir : todo nosso fito foi a volta ;
e mesmo uma espécie de terror nos enfraquecera os ânimos, lembrando-
nos de que, segundo nos haviam contado, pouco tempo havia que ura
official de marinha ahi se perdera e só ao cab^ de longas horas conseguira
sahir desse dédalo.
Buscávamos orientar o fio ; embalde ! O que viamos quieto e mar-
cando uma direcção, já tinha tido outras, que novo movimento das aguas
mudara.
Entravamos ora aqui, ora ali, n'um socavão, n'uma sala ; extranha-
vamos, não a conheciamos : voltávamos, passávamos á outras; ou ainda não
as tínhamos visto, ou pelo menos tal se nos afigurava : buscávamos outra
sabida, dávamos n 'outra caverna que ainda era nova para nós, ou porque
realmente assim seria, ou por eflfeitos do medo, que nos assaltara, de per-
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Á CIDADE DE MATTOGROSSO 283
dermo-nos nesse intrincado labyrintho, aflFastando-nos cada vez mais da
sabida.
Entrámos por vezes na sala do canapé, vimol-o, reconhecemol-o e
ficámos alegres e como que tranquillos ; mas debalde procurávamos a
entrada do tunnel, apezar de suppormol-a bem assignalada : não a encon-
trávamos, e só novas salas e novos recônditos.
Desanimados voltámos á galeria para esperarmos os soldados, que
eram práticos. Já náo tínhamos olhos para contemplar as magnificências
que nos rodeiavam. £ talvez que essa parte da gruta seja a mais bella,
como é a mais conservada, por não ser tão accessivel como as outras,
e ter menos soffrido da máo insaciável e devastadora dos curiosos que
as visitam.
Já estávamos na gruta havia mais de cinco horas. Era meio-dia
e as nossas embarcações deviam sahir ás duas da tarde. Chegaram os
soldados, e renascida a confiança tratámos da retirada. Mas, em pouco
esmorecemos de novo, e desta vez quasi de todo, vendo-os, elles os prá-
ticos, nossa única esperança, confusos confessarem que não atinavam com
o caminho. Ao cabo de não sei que tempo, séculos de anciedade, sempre
esperançados no cordel e sempre ludibriados ; já seguindo um troço, já
outro que ficava perpendicular ao primeiro; entrando ora aqui, ora ali ;
entregámo-nos, afinal ao acaso e passámos á revistar todas as salas e
buracos mais próximos.
Entrámos, uma ultima vez, na sala do canapé : vimol o, reconhe-
e^mol-o de novo; e só á custo qs soldados descobriram a boca do tunnel,
que já muitas vezes tínhamos visto, mas náo reconhecido, por parecer-nos
mais estreita, mais baixa e sem fundo !
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284 ITINERÁRIO DA CORTE
Quasi seis horas depois da nossa descida chegávamos á sala da
entrada e encontrámos os companheiros, já afflictos com a nossa demora.
Haviam chamado e gritado por nós, sem que os ouvissemos ; e um
delles chegou á disparar os seis tiros do seu revolver junto á boca do
tunnel, com o mesmo resultado ; esquecendo-se de que, querendo fazer-nos
bem, podia, com esse modo de avisar, fechar-nos a porta do abysmo.
Projectei, quando de volta passasse por Coimbra, visitar novamente
a famosa caverna; munido, porém, dos meios necessários para bem obser-
val-a, sem os receios de perder-me. Uma corda para guia no trajecto
principal ; cordéis que nella se prendam quando se busque investigar
o que haja do um e outro lado ; uma bússola e archotes são mui pouca
cousa e bastante para o íim. Também não é excursão para um só, e sim
para alguns companheiros, que devem ir precavidos para o encontro de
onvas, sucurys e outras feras, que nessa região tanto abundam, e apra-
zeni-se em viver nas cavernas.
Apezar do que observei, guardo fé de que muita cousa me restou
ainda para vêr, tão grande é a gruta; assim como acredito que poucos
visitantes a terão percorrido como o Sr, Faria e eu.
O primeiro que delia deu noticia foi Ricardo Franco de Al-
meida Serra, o heróico defensor do forte de Coimbra, e notável enge-
nheiro á <|uem o Brasil, e principalmente a provinda de Matto-Grosso,
tanto devem por seus importantes trabalhos de astronomia, topographia
e estratégia. Visitaram-a também, entre outros, o notabilissimo botânico
bahiano Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1791 ; o tenente-coronel
Joaquim José Ferreira, que penetrou até sua terceira sala, em 1792 ; e
Castelnau, oml845; os quaes deixaram descripções mais ou menos
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 285
exactas, mais ou menos curiosas, conforme as impressões que receberam
seus olhos maravilhados. Nenhum, porém, falia no tunnel, e pois, além
não passou.
Ricardo visitou-a em 1786 e foi quem lhe deu o nome que guarda
de Gruta do Inferno. Os naturaes chamavam-a o Bura<ío Soturno, deno-
minação que igualmente dão ã outras grutas, das muitas que ha na
provincia, lá onde predomina o elemento calcareo, que, dissolvendo-se
â acção das aguas, forma frequentemente cavernas, das quaes são paredes
as rochas menos accessiveis á decomposição.
Nesta a formação geológica é de grés calcareo com quartzo e argilla :
molasso ou talvez macigno que um dia virá, com o fucus e os detritos
oceânicos, revelar á sciencia, como facto inconcusso, a passagem das aguas
salgadas, a existência dos mares nessas regiões, coração da America do
Sul.
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CAPITULO IV
ltinrririo.~D« C^iabrj á CoriaU.
O porto da gruta seguimos, ás 2
horas da tarde de 4 de junho,
sexta-feira, para a cidade de Co-
rumbá, então ainda yilla. Adiante
vae o António João.
A's 9 1/2 da noite passámos
o morro do Paga e meia hora
depois o do Conselho (a), em frente
ao qual ha um banco no rio.
A margem direita vae ondu-
lada, mais ou menos, em mor-
rotes e collinas.
Meia hora depois da meia-
noite o pequeno vapor pára subi-
tani«nte, e o\\(;õ o niacliinista mandar chamar o commandante, excla-
mando : — Que desgraçíi 1
Houve um pequeno movimento no tombadilho e depois tudo cahiu
no silencio. Fora o caso que cahira uma chave da machina sobre uma
das molas, partindo-a e inutilisando a alavanca correspondente. Trabalha-
ram os machinistas todo o resto da noite, de modo que conseguiram pôr
(a) Vi^m-lhe o nome, segundo D*AIincourt, da conferencia que ahi tiveram
os fundadores de Coimbra. Resultado do» trabalhos e indagações scientificas sobre
a província de Matto-Crosso, cap, 4.o
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288 ITINEUABIO DA CORTE
O apparelho em estado de funccionar, ao romper do dia 5. A*s 8 horas e
20 minutos pudemos seguir, supprimindo-se o apparelho de. dar movimento
para traz ao navio.
A marcha vae regular.
A's 9 horas e 10 minutos passámos Alhuqtierqíw^ ou Albuquerque
Novo, pequena povoação, e aldeiamento de guanás e quiniquinaus, 14
léguas acima de Coimbra, e á uma da margem do rio, mas no logar até
onde chegam as enchentes, podendo abicar á seu porto embarcações de
quatro á cinco palmos de calado.
A primeira povoação de Albuquerque, também chamada AlbuqiAer-
qm Vellw, foi fundada em 21 de setembro de 1788 ; é hoje a cidade de
Corumbá: a de que tratamos é de origem mais recente; em 1810 era
ainda uma fazenda de criação de gado do governo. Nas suas cercanias
ficavam bons campos de pastagens, onde os particulares criavam também
seus gados ; e ella, situada mais próxima do antigo povoado e desses
campos, logrou augmentar-se e chamar á si não só a povoação, como o
próprio nome do povoado. Desde 1827 tornou-se, por alguns annos, a sede
do commando do 5° distrito militar e da fronteira do Baixo Paraguay ;
em 28 de agosto de 1835 foi elevada á freguezia, abrangendo na sua
jurisdicçíio o território e habitantes de Corumbá até Coimbra, inclusive.
Em 3 de abril de 1872 o Sr. presidente conselheiro Francisco José
Cardoso creou ahi a coionid militar da Conceição, de que foi encarregado
o Sr. capitão Jorge Maia de Oliveira Guimarães.
Segundo Bossi (a), Albuquerque está á 19*» 25' lat.
Meia hora depois passámos o rio Jíírawrfa, 13 kilometros acima de
Albuquerque.
(a) Viage Pinloresca, etc,
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A CIDADE DE MA11'OGKOSSO 289
A' 120 kilometros da fóz está a villa do mesmo nome, no local da
antiga Santiago de Xere^er, fundada em 1580 pelo hespanhol Buy Dias de
Melgarejo, e destruída em 1673 pelos paulistas e guaycurús (a). Seus
vestígios ainda encontrou João Leme do Prado, quando, em 1776, de
ordem de Luiz de Albuquerque, foi reconhecer o rio, e ao qual impôz o
nome de Mondego, que gozou por algum tempo e como tal vem consig-
nado na maior parte das cartas. Os naturaes quasi que desconhecem essa
denominação, 'servindo-se sempre da de Miranda on Mboteteiy, nomQ
por que nos primeiros tempos da capitania foi mais conhecido, mas que
também tem perdido muito na popularidade. Os hespanhoes chamaram-o
também Araniani e Gaachié, Araranhy chama-lhe o Sr. barão de
Melgaço no seu Roteiro de navegação do Paragtiay desde S. Lourenço
até o Paraná.
A denominação de Miranda foi dada, em lisonja á Caetano Pinto,
6** capitáo-general, ao reducto que este ahi mandou erguer em 1797,
quadrado com um redente em cada face, fechado por uma trincheira de
terra socada entre duas estacadas, com uma pequena banqueta e seu
fosso (b). Foi seu primeiro commandante o ajudante Prado, que com-
mandou Coimbra.
Miranda deve seus fundamentos, em 1778 (c), aos exploradores de
Joào Leme; goza dos foráes de villa desde 30 de maio de 1857, em que de
freguezia foi elevada por lei provincial. Sua matriz é da invocação de
N. S. do Carmo. E* a sede do 4** districto militar e commando da fron-
teira do Paraguay. Os paraguayos tomaram-a ã 12 de janeiro de 1865,
abandonaram-a á 24 de fevereiro. Em 23 de novembro de i850 o governo
imperial mandara fundar, com 31 colonos e um destacamento militar da
(a) Em 1626, segundo Ricardo Franco. Descripção geographica da capitania
d^ Matto-Grt sso. Pizarro, J/em , t. 9.
(b) Luiz D'AI ince uri, obra cit- da.
(c) Roque Leme e Pizarro, obras citadiis.
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290 ITIMERARIO DA CJKTE
villa, a colónia militar de Miranda^ nas cabeceiras do rio e além da foz
do Feio, á 210 kiloraetros SE. da villa.
Como já vimos, o rio cahe no Paraguay por dous braços, o Aqmãuudna
e o Mareco^ ou propriamente Miranda, distando um do outro, nas suas
embocaduras, 23 léguas.
II
A's 9 1/4 da noite passámos a montanha do Rabicho, cuja configu-
ração trouxe-nos a idéa o Gigante de Pedra da entrada do Rio do Ja-
neiro. Tem a apparencia de uma enorme cabeça encoifada.
Dista quatro léguas de Albuquerque.
A's 9 horas e 45 minutos passámos o Taquary, cuja boca principal
lança-se aos 19** 15' 18" lat. e 320** 32' long., segundo Ricardo Franco (a).
E' em sua margem direita e pouco abaixo da fóz do Coxim que se
situa a freguezia, hoje villa, de S. José de Herculanea^ fundada em 25
de novembro de 1862 no logar chamado Beliago, sob o titulo de Núcleo
Colonial de Taquary, e mais tarde condecorado com aquella outra deno-
minação em homenagem ao ex-presidente Herculano Ferreira Penna, ã
quem deve-se a sua fundação. Mas, apezar de tudo, é conhecida mais pelo
nome de Coxim, do rio que por junto passa. Dista cerca de 550 kilo-
metros da fóz do Taquary. O fim principal de sua fundação foi proteger-se
a estrada do Taquary á SanfAnna do Paranahyba.
A'8 11 3/4 chegámos ao Ladario^ primeiro sitio do estabelecimento
(a) Ricardo Franco. Jf em. Geog, do rio Tapajot. Lacerda colloca unia boca aos
VJo 15* 16" e a outra aos 18* 15' lat., e longitude 320» 58' lò" da ilha de Ferro.
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Á CIDADE DE MArrO-GROSSO 291
da antiga Albuquerque, que, então, consistia n'um rectângulo fechado pela
casaria e com um único portão para o rio, sendo esse rectângulo de 75
passos de comprido, 50 de largo é habitado por 200 pessoas (a).
E' hoje um vasto e formoso arsenal de marinha inda incompleto,
apezar de suas obras já excederem á quatro mil contos de réis, e que
houve necessidade de suspendêl-as por projectadas n'uma escala mui
superior ás forças do paiz.
o i*io Tnf|Uíii*v iioiltiírar tia passasein.
(Desenho do Sr, Dr/Taunay.)
Fica o'Ladario deseseis kilometros acima da montanha do Rabicho,
e onze, rio abaixo, de Corumbá. A margem do Paraguay, deste até
Corumbá, vae alta e abarrancada. O Ladario terá uns 15 metros de
altitude no médio.
Arsenal e ao mesmo tempo praça de guerra, é fortificado pela face
(a) Diário das diligencias do reconhecimento do rio Paroffuay (1786), de
Kicardo Frunco de Almeida Serra.
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292 ITINERÁRIO DA CORTE
do rio e fechado por cortinas nas outras. Foi ipandado construir em 1872.
Deu começo ás obras o Sr. capitão de fragata Manoel Ricardo da Cunha
Couto,logo em 14 de março de 1873, tendo sido extincto o pequeno arsenal
que havia em Cuyabá pelo aviso de 23 de janeiro do mesmo anno.
Do lado do rio é defendido por três baterias d larbetu, artilhadas
com canhões de 68, e revestidas de grossas muralhas de alvenaria, liga-
das por cortinas que continuam até cercar-se o perimetro do arsenal. O
portão solido e magestoso edifício quadrangular, com assotéa e miradouro,
e que mui pouco se casa com o débil muro em que se abre, deita sobre
a rua principal do povoado e estrada que vae á Corumbá. '
Seus edifícios são bons, notando-se entre elles as ofBcinas de ma-
chinas e construcção naval, os depósitos e almoxarifados, o quartel dos
imperiaes marinheiros, um dos melhores do Império, e a casa da direc-
toria e repartições annexas, que é o principal edifício, á meio terreno,
fronteiro ao rio, grande e bem construído, comquanto chato de mais na
apparencia. O engenheiro Pimentel, da coramissáo de limites, á quem
notei esse defeito, esclareceu-me que a construcção estava conforme as
regras da architectura, que não concedem mais de 4 1/2 palmos de
altura, ou pé direito, para um edifício térreo, qualquer qm seja a sim
extensão : acreditei-o por ser um profissional que o dizia, mas continuei
convencido de que o chato é sempre feio, de mau gosto e mau effeito, e
não pôde pertencer ás bellas-artes.
III
Domingo, 6 de junho.
A's 9 horas e três quartos, depois de ouvirmos missa na capella de
madeira, pequena, mas decente, do arsenal, seguim)s viagem. Á's 10
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.LAJDAiil'©
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Á CIDADE DE MArrO-GROSSO 293
horas e 10 minutos passámos o forte do Limoeiro, cinco minutos depois o
da Pólvora, hoje Junqueira, logo mais o de S. Francisco, e fundeámos
em frente á alfandega ao som da musica e salvas que o forte Duque de
Caudas fazia em honra do presidente (a).
Corumbá está situada a^s 18^ 59' 38",30 lat. e 14» 25' 34",34 long.
0. do Rio de Janeiro, tomadas do seu extremo austral (b). Eleva-se sobre
uma barranca de 30 á 35 metros de altura e cerca de 150 de altitude sobre
o nivel do oceano. O capitão americano Page dá-lhe 390 pés inglezes (c),
á beira-rio, isto é, cerca de 118 metros. E' a mais antiga das duas
povoações de Albuquerque, mandadas estabelecer por Luiz de Albuquer-
que em 21 de setembro de 1778, e cujos princípios foram primeiramente
no Ladario. Foi erecta em villa por lei provincial de 5 de julho de 1850
e freguezia, separada da da Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque,
sob a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia de Albuquerque ; mas
nova resolução de 7de junho de 1851 revogou essa elevação, do mesmo modo
que a da Villa Maria, também de recente creação e erigida em freguezia
com o orago de S. Luiz do Paraguay (d).
(a) Cinco fortins defendem Oorumbá pelo lado do rio, e uma cortina por terra.
Gonciuidos nns na administração do Sr. conselheiro tenente-coronel Francisco
José Cardoso e outros na do general Hermes, receberam aqueiles a denominação de
S. Francisco e de Junqueira, em honra do presidente e do ministro da guerra, e
estes os de Condi d'Eu, Duque de Caxias e Maj iv Gn>iifi^ este em homenagem ao,
hoje tenente-coronel, o Sr.Dr. Joaquim da Gama Lobo d'£^a, o modesto e distincto
engenheiro que os planejou.
(b) Commissão de 1871 dirigida pelo Sr. capitão de mar e guerra, hoje chefe de
divisão, António Cláudio Soldo. O Dr. Lacerda, da commissão de 178*2, dá no seu
diário desse anno 19« 0' 8'* S. e 3'iOo 3' 15" de long ; mas no do 1788 já aagmeuta esta
30^, por tomal-a da parte occidental da ilha de Ferro, emquanto que faz a outra
referente ao meridiano da ponta oriental. O sábio Hicardo Franco marco u-lhe
19» 8* 10** lat. e 830* 8* 15" long., « é a que Pizarro transcreve. D'Alincourt dá IO* 0*
8" S. e saOo 3' 14" ; Dugraty, 18» 15* 43" S. e 57o 44' 36" o. de Greenwich, oú 14o 30'
if* long. occidental do Pão de Assucar ; e Bossi, 19o 1* 5. e 50o sy o, de Paris ou
14» 1' 30" O. do Pão de Assucar .
(c) O mappa da commissão demarcadora em 1878, referido ao metro, dá-lhe 1(X),
lapso de cópia, sem duvida, da medida ingleza . ^
(d) Lei provincial de 2S de junho de 1851.
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294 - ITINEKARIO DA CORTE
O' decreto de 11 de abril de 1853 habilitou seu porto para
o commercio, e creou na povoação uma mesa de rendas. No anno
seguinte, a resolução de 5 de julho autorisou a presidência à trans-
ferir a sede da freguezia de Alluquerque Is' ovo para ella, o que não
se verificou sinão em 1862, por força da lei de 1° de julho, demar-
cando a provisão de 5 de fevereiro do anno seguinte os limites da
nova freguezia. Tomou a nova villa e freguezia a denominação de Santa
Cruz (lo Corumbá. Seus limites são : a linha divisória do Império
com a Bolivia até o fundo SO. da lagoa Uberaba, donde desce pelo
Paraguay e Paraguay-mirim até a ponta do Rabicho, por cujo cume
segue e depois pelos pontos culminantes dos montes que medeiam entre as
duas freguezias até encostar por O. á fronteira boliviana.
Entretanto, quando os paraguayos a invadiram em 8 de julho de
1865, não tinha ainda sido installada no seu novo predic^amento. Occu-
param-a as hordas de Lopes por dous annos, até 13 de junho de 1867, era
que o Sr. capitão António Maria Coelho tomou-a de assalto por sorpreza. A
villa, ha dous annos florescente, não era agora mais do que um acampa-
mento incendiado e devastado ; poucos brasileiros ahi existiam entre
mulheres e crianças ; os homens e algumas familias que não foram mortas
ahi mesmo, Barrios fizera-os partir para Assumpção. Em pouco á esses
destroç-os accresceu uma nova e terrível calamidade, a varíola, que, pro-
pagando-se por toda a província, devorou-lhe mais de um decimo da po-
pulação.
Já, em 10 de novembro de 1868, tinha recebido uma guarnição,
quando em fevereiro de 1870, o príncipe commandante em chefe do
exercito em operações no Paraguay, receiando a fuga de Lopes para a
Bolivia, mandou o coronel Hermes como commandante das forças em
operações na fronteira do Baixo Paraguay, em Matto-Grosso, vindo este
para Conimbá com uma divisão do exercito.
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Á CIDADK DE MATTO-OKOSSO 2i»5
Foi O começo da reorganisação do povoado, até então abandonado pelo
terror e receio de uma invasão. Vivandeiros que seguiram o exercito
estabeleceram-se de facto : começaram á affluir os habitantes e o com-
mercio, principalmente de estrangeiros, e tomou em breve tal incremento,
que, restaurada por lei de 7 de oitubro de 1871, do presidente Cardoso^
foi installada em 17 de agosto de 1872. A lei de 21 de maio de 1873
ereou-a comarca, declarada de primeira entrancia p:>r decreto de 10 de
julho de 1873 e installada em 19 de fevereiro de 1874. Em 15 de no-
vembro de 1878 foi elevada á cidade. Seu territ)rio abrange 2856,75
léguas quadradas de vinte ao gi-áo. Forma um termo que comprehende
três districtos : Corumbá, Herculanea e o território da margem e^qtierãa
do Paragiiay acima do Taqtiary, e duas freguezias. Santa Cruz de
Corumbá, annexa por lei provincial de 18 de oitubro de 1868 á hoje
extincta freguezia de Albuquerque, e >'. José de Herculanea, creada
em 1875.
Desde 1859 que o Sr. almirante Delamare, então presidente, ava-
liando o local e antevendo o porvir dessa povoação, mandou tirar-lhe a
planta e demarcar os legares para as ruas, praças e edifícios públicos.
Seu plano de edificação, em que as casas ficavam separadas por pequenos
jardins, foi seguido no começo, e viria átomal-a um formosíssimo po-
voado. Destruida pelos paraguayos, a reedificaçào começou á vontade e
capricho de cada um, conservando apenas o alinhamento das ruâs.
Em 1S77 tinha abertas e povoadas dez ruas largas e bera alinhadas,
cortando-se em angulo recto, e três praças. Par.iUelamente ao rio estão
as ruas Aujiista, fronteira á elle, e com uma só ordem de casas, a qual,
quando melhor preparada, será a mais aprazivel da cidade, pelo esplen-
dido panorama que descortina; a Delamare, actualmente a mais povoada
e commercial, e as da Cadêa, de Akncastro, Bella Vista e Vinte e Três
de Julho; cortam-as perpendicularmente as Oriental, Primeiro de Ah-il,
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2W ITJNEKAKIO DA CÓKTE
Bella, S. Pedro^ Camará, Palácio^ Santa Theresa, S. Gabriel, Sete
de Setembro, Major Gama e Occidental.
A Augtista recebeu seu nome era hoiir.i do distincto general o
Sr. Augusto Leverger, barão de Melgaço, que immensos serviços tem
prestado á província, onde reside ha perto de 40 annos e que considera
como uma segunda pátria; a Dehmare, Alencastro e Major Gama,
para commemorar os serviços dos dous presidentes, os Srs. capitão de
fragata, hoje almirante, Joaquim Raymundo Delaniare, e coronel, hoje
marechal de campo António Pedro de Alencastro, e os do distincto enge-
nheiro militar de quem já acima fallou-se.
As praças são : as de Santa Theresa, onde existe em começo o
templo destinado á matriz, o qual, mais pelas mesquinhezas partidárias do
que pela tibieza de animo do povo, acha-se ameaçado de cahir em minas ;
a do Carmo, onde o povo construiu em 1877 um pequeno, mas decente
templo á Nossa Senhora da Candelária, e a de iS. Pedro, onde preten-
de-se estabelecer a cadeia e casa da camará.
Poucos estabelecimentos públicos tem notáveis, á não serem os fortins
que a defendem, essa capella da Candelária, o deposito de artigos bel-
licos, a casa do commando do 2"* batalhão de artilharia á pé, construída
pelo Sr. coronel, hoje brigadeiro, barão de Batovi, com os soldados do seu
corpo e sem o menor dispêndio dos fundos do Estado; a alfandega, barracão
de feia e péssima construcção e que, em compensação á aquella casa,
custou o decuplo do que vale ; a cadeia e a camará municipal, recente-
mente concluídas, e o cemitério publico, pequeno, muito decente e
todo murado, mas com o defeito de estar dentro do povoado.
Foi erigido em 1874 á instancias e esforços do presidente da camará,
o major João D'Alincourt Sabo de Oliveira (a), que nelle foi sepultado em
(a) Sobrinho do illustrado engenheiro Luiz D'Alincoart, tantas vezes citado
nesta obra.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 297
19 de dezembro de 1876, ao lado direito da entrada da capella, que é da
invocação de S. João Baptista.
A capitania do porto é uma casinha quasi sem accommodações ;
os quartéis miseráveis palheiros, cujos tectos e paredes já não côam, mas
dão livre entrada ao sol e ás chuvas; o hospital militar um miserável par-
dieiro que só tem simile nos quartéis e n'outra arapma miserável e inde-
cente que lhe fica em frente, e que serviu de matriz até 1878 (a).
Em Abril de 1791 constava sua população de 141 almas, sendo um
official e doze soldados de guarnição, com seis crianças brancas; cincoenta
Índios e nove pretos escravos, todos do sexo masculino; onze mulheres e
crianças brancas, sessenta e duas Índias e três negras escravas (b).
Em abril de 1878 tinha :
455 casas de telha e 25 em construcção.
51 de zinco » 9 » »
506 34
540
E no Ladario :
251 casas de telha e 43 em construcção.
29 de zinco » 7 » »
á80 50
330 Ao todo 870.
A população, que em 1862 era de 1.315 habitantes, decresceu no
anno seguinte, ficando em 1.281.
(a) Recentemente o Sr. barão de MaracajU, actual presidente da província,
mudou a enfermaria para o deposito de artigos beUicos, passando este para o
Ladario
(b) Dr, Alexandre Rodrigues Ferreira, Mmt. da BibL Nac,
38
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298
ITINERÁRIO DA CORTE
Dos quadros estatisti<30S do Sr. coronel Porto Carrero tomá?nas os se-
guintes dados :
Segundo um trabalho feito em fins de?se anno pela delegacia de po-
licia do 1° districto da cidade, tinha então 475 casos de telha e 75 em
construcção, 51 cobertas de zinco e 29 em construcçáo.
No 2° districto, Ladario, haviam 251 de telha, 29 de zinco e 50
construindo-se ; ao todo 870, afora mais de mil palhoças.
Em abril de 1861 tinha apenas 36 casas de telha, 29 em construc-
çáo e 109 ranchos de palha (a).
Em abril do anno seguinte haviam 61 casas de telha, 38 em cons-
trucçáo e 93 ranchos de pallia, estando concedidos para edificação mais
194 lotes de terrenos ; ao todo 293, mais 27 do que ao anno anterior.
21 DE ABRIL DE 1862.
6 DE ABRIL DE 1861
Brasileiros
1.187
Italianos .
. 29
Francezes .
. 26
Allemães .
Hespanhoes
Argentinos
. 2
. 6
. 6
Orientaes .
Bolivianos
. 9
. 3
Portuguezes
. 0
Americanos
Escravos .
. 3
. 44
Brasileiros, homens
mulheres
732
s 394
1.126
Italianos h.
m.
. 21
. 3
24
Francezes h.
m.
. 21
. 5
26
Allemães h.
Hespanhoes h.
Argentinos h.
m.
. 3
. 5
20
. 12
3
5
32
Orientaes h.
Bolivianos h.
m.
3
3
2
3
5
Portuguezes h.
m.
10
3
13
Escravos . .
' •
34
34
1.281
1.315
(a) Quadros estatísticos de 6 de abril de 1861 e 21 de abril de 18ô'>, organisados
de erdem do presidente Penna pelo Sr. tenente-coronel Hermenegildo de Albuquer-
quí^ Porto Carrero. coiT»mandante do corpo de artilbaria.
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 299
Em 1864 era sua população de 1.315 habitantes e em 1872 de
3.361.
Em 1876 calculava-se a da villa em cinco ou seis mil habi-
tantes, incluindo a povoação do Ladario. Como já vimos, cerca de
três â quatro mil paraguayos, em meiados desse anno, affluiram á ella,
acompanhando nossas forças, mandadas retirar de Assumpção, e que emi-
graram a mór parte por já estar acostumada á viver da ms^a etapa dos
soldados, e quasi todos com receio da liberdade republicana. Assim
via-se de repente a villa com uma população quasi dobrada. O Visconde
de Inhaúma, o Madeira e outros grandes transportes, conduziam em cada
viagem, com a tropa, perto ou mais de mil e quinhentos paraguayos.
O commercio dobrou e a presença da tropa chamou uma nova coló-
nia de negociantes, ou melhor traficantes. O Ladario converteu-se tam-
bém n*uma florescentissima povoação, com cerca de três mil almas, varias
rua£ e boa casaria. Mas não é debalde que se agglomera assim um povo
de immigrantes, a mór parte ociosa e parasita. Em breve, tanto ahi como
ua villa, viram-se as ruas cheias de mendigos, uns enfermos e estropiados,
outros apenas affectados da preguiça, esmolando a caridade publica ; e a
miséria tocou á seu auge, quando, de um lado o governo, por forçadas
economias, viu-se obrigado á suspender as obras do arsenal e despedir
centenas de empregados ; e do outro a retirada para Cuyabá de parte
da tropa, que teve de abandonar o seu séquito por não caber nas
pequenas embarcações que a conduziam. Sem isso Corumbá seria em
breve a primeira cidade da provincia, como já é o empório do seu com-
mercio; seu porto franco recebe dmante meio anno navios do maior
calado ; vapores do porte de naus de linha e de lotação superior á três mil
toneladas.
Seu commercio é em geral estrangeiro, e á esse elemento deve
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300 rriMERÀRio dá corte
grande parte de seu incremento, que podia ser maior si não fosse o con-
trabando que ahi se faz em grande escala (a), e, que lesando gravemente
a fazenda nacional, traz graves prejuizos ao commercio licito.
IV
Como já viu-se, seu clima é altamente saudável, sendo as suas esta-
ções bem definidas. Nos três annos que ahi estivenios^ a media de verão
foi de 30*,8 e a de inverno 21*,25. As noites sào sempre frescas e ame-
nas ; na força do verão as brisas do sul mitigara-lhe o rigor e as da noite
muito se abrandam ao passarem por sobre os immensos paramos fron-
teiros, onde serpeiam os afBuentes septemtrionaes do Paraguay, que, no
tempo das aguas, transmudam esses paramos em mares.
Poucas cidades gozarão como Corumbá de um horizonte tão dilatado
e aprazivel, era meio de terras. A' essa magnifica posição, á sua fácil cir-
culação das brisas, deve ella, sem duvida, a sua salubridade.
Fora talvez a nossa primeira praça de guerra, defendida por seus
cinco fortins e uma linha de trincheiras que a circumda pelo lado de
(a) « O tratado de commercio de 7 de março de 1877, celebrado com a Bolívia,
garante a passagem— livre de direito— das mercadorias para ella importadas ou
delia exportadas. SucceJe, porém, que como taes muitas vém Paraguay acima,
quer dos portos do oceano, quer dos das republicas platinas, sob tal designação,
com endereço ao logar da Pedra Branca, na fronteira de Oorumbá, e á margem da
bahia de Gáceres.e dabi voltam clandestinamente para o commercio da cidade e para
o da cidade de S. Luiz de Cáceres, sinão para o da capital, lesando enormemente
08 intoressos do fiseo e prejudicando o commercio sisudo. £* da mais alta necessi-
dade uma medida tendente á cohibir esse crime, hoje principalmente, que, cessada
a isempçáo de direitos que o governo concedera ao commercio da província, estão
as suas mercadorias de exportação e importação coUocadas na mais desvantajosa
relação com a Bolivia,e acoroçoado o abuso desse commercio illegal e de verdadeira
pirataria. A' não haver medidas promptas e enérgicas, o contrabando arruinará o
commercio licito, aggravando sobremaneira os interesses do Estado (Do ittt-
ciador), »
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 301
terra, e abstracção feita das fortificações do Ladario, á meia légua apenas,
si já não sofiresse do mal que ataca á todas as nossas cousas, trazido pela
inércia e cansaço, para não dizer desmazelo. E' só quando se espera a
visita das primeiras autoridades da província, que alguns dos fortins se
livram dos mattos que lhes cobrem os terraplenos e já lhe vão derrocando
as muralhas; mas o alcance dessas visitas já não chega ao benefício das
trincheiras de circumvallação, que pouco á pouco se esboroaram e na
maior parte desappareceram.
O solo de Corumbá é quasi que inteiramente formado de calcareo
silicose, cinzento ou negro, raras vezes esbranquiçado, o qual já vae
fazendo a fortuna de alguns industriaes que ahi estabeleceram caeirasy
tendo achado reunidos, no mesmo sitio, a rocha, a agua e a lenha.
Abunda também de grez quartzoso, varias espécies de schistos e piçarrões
grawackes grosseiros, psamitos de varias cores e algum gneiss. Nos arre-
dores da cidade é este abundante, e predomina associado com a itabirite e
uma espécie de arkose, esponjosa e ferruginea, de origem plutonica, ahi
conhecida pelo nome áe pedra canga, Apparecem também as rochas felds-
pathicas, granitos e schistos ferrosos, e outras rochas de crystallisação ;
schistos phyladios de cores diversas, passando do cinzento ao negro e do
vermelho ao violete. Na escarpa da barranca, onde se abriram as ladei-
ras que communicam a cidade com o porto, vêm-se, formando o assoalho
e paredes, no meio das pedras laminiformes, formosas âendriies, em que a
natureza, ou melhor a acção das aguas infiltradas pelos intersticios
microscópicos da pedra, desenha arvores, flores, estrellas, arabescos e
paysagens tão lindas quão caprichosas. Dos espécimens que colhi, alguns
são notáveis por mostrarem ao exame as colorações magnesianas do phyl-
ladio.
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302 ITINERÁRIO DA CORTE
Na cidade de Corumbá, isto é, no meio desse solo que a natureza
dotou de uma vegetação assombrosa, são raríssimas as arvores corpu-
lentas ou alterosas* E' que entre nós, quando se prepara o terreno de uma
povoação, o traçado de uma estrada, de uma casa, mesmo, o primeiro e
o que parece mais importante trabalho é uma derrubada geral e com-
pleta das mattas do local e sitios vizinhos. Entretanto, com menor tra-
balho, feita a demarcação e destruído o que estava no terreno á beneficiar,
podiam ficar as outras arvores para belleza e sombra nas ruas, praças e
jardins do mesmo modo que á orla das estradas. A estrada, ultimamente
aberta entre a cidade e o Ladario, fez-se com uma derrubada, na floresta,
de cento e vinte metros de largura, sendo que só se aproveitou no uso
um pequeno trilho ou picada.
Hoje começa-sena cidadeo plantio das arvores; abri o exemplo na rua
Augusta, na qual os Srs. coronel Moraes Rego e capitão Pinto Guedes, do
2" batalhão de artilharia, continuaram a arborisação, plantando dous
formosos renques, com, pouco mais ou menos, sessenta gamelleiravS, cedros
e ingazeiras, que hão de em poucos annos tomar ainda mais aprazível
' essa rua, a mais bem situada da cidade, si a ignorância ou a maldade não
julgarem mais acertado deital-as abaixo.
Nas escarpas da barranca, nas suas grotas, cresce abundantemente
uma myrtoidea, cujo fructo cordiforme assemelha-se á manga, na forma,
e na cor quando madura, por ser matizado das cores vermelha, amarella
e verde. Kegula seu tamanho com as pequenas mangas de Itamaracá ; é
uma formosa drupa doce-amarga no gosto, sylvestre e completamente
desconhecida, apezar de vegetar tão abundantemente dentro do povoado.
Quando a encontrei no verão de 1875 não na conheciam, nem lhe
tinha ainda prestado attençáo os próprios principaes e mais intelligentes
moradores. Cultivado, talvez que um dia se torne, como todos os outros,
um fructo primoroso. E' um arbusto de dous á quatro metros de altura, o
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i CIDADE MATTOGROSSO 308
caule typico,Í8to é, lenhoso, sulcado, liso, desprendendo o epiderme em
folhetas, folhas oppostasjlancioladas, acumiuíidas, brilhantes e cora pontos
translucldos,*flores brancas, polyandrias, sem pistillo, cinco carpellos, ovário
trilocular, grãos erectos, basilares. Nâo a conhecendo ainda doscripta na
sciencia, atrevi-me a propôr-lhe o nome de coruníbania nwngiforme.
Nas mattas crescera principalmente o angico e as peúvas ; á orla
das estradas notam-se formosas restmreas e eriocaulom de quasi dous
metros de altura, com suas hastes lisas e compridas, encimadas por vistosa
fronde. O algodoeiro é indígena e encontra-se sylvestre nas mesm is mattas
e taboleiros onde se colhem as saborosíssimas mangabas.
Nos quintaes da cidade já se vae cultivando a banana, a laranja, o
limão, mí^nificas fructas do conde e outros fructos, havendo necessidade,
porém, de preparar-se otepreno, livrando-o de uma parte do seu elemento
calcareo. Em compensação, arredores, onde esta rocha não está á flor do
solo, é este fertilissimo.Pena é que a grande lavoura restrinja-se, apenas, á
dous ou três estabelecimentos i mportantes.
Destes o principal é a fazen la de PiraputangaSy á sete léguas da
cidade; já foi uma das primeiris Ji província em riquezas de gados e
prosperidade na safra do assucar, farinha, milho, arroz e feijão, com que
abastecia a cidade. Os paraguayos devastarara-a e arrebatarara seus
gados. Seu proprietário, Joaquim José Gomes da Silva, barão de Villa
Maria, desde 1870 que a ia reerguendo e já começava á colher bons
fiructos quando a morte o assaltou no mar, recolhendo-se da corte, aonde
o tinham levado interesses da maior monta, quaes os da mineração do
ferro; mas o assassinato do seu filho José Joaquim, logo em junho se-
guinte, fizeram perder as esperanças de sua restauração ou pelo menos
espaçal-a de muito.
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304 ITINEKiKIO DA CÔHTE
As outras lavouras mais notáveis são as situações de S. Domingos,
que também pertencera ao barão, e a do Urucú, do Sr. Uldarico Colombo,
a qual vae prosperando á força de trabalho e ordem.
O ferro é tão commum nestas paragens, que, na extensão de algumas
léguas, montanhas e planicies e os leitos dos riachos são terrenos tão
mineraes, que as amostras analysadas na Casa da Moeda deram 69 por
cento. Em alguns logares a pedra tem a côr que é própria ao ferro, e seu
peso é extraordinário, tamanha é a parte do metal que lhe entra na com-
posição.
Junto á S. Domingos, no alta da montanha, vê-se uma face talhada
á pique, lisa como um muro, e que mais parece uma grande massa férrea
do que rocha dioritica. De uma fenda quasi transversal descem salteando
as origens do córrego de S. Domingos, que com o de Piraputangas vão
formar a lagoa do Jacadigo.
Encontra-se o metal em vários estados, predominando, porém, o
ferro olygisto. De algumas bellas amostras que se colheu, umas eram side-
roses ou carbonato de cal e ferro, duas de ophiolito verde^escuro
com granulações de sperktse e duas de- niobifo (niobato de ferro e
manganez),- estas ultimas no leito do córrego do Piraputangas, cujas
aguas, como as do S. Domingos e dos outros riachos dos arredores, puras
e crystallinas, são notáveis por não guardarem o menor saibo do metal,
apezar do terreno donde se originam e por onde deslisam.
As montanhas de origem plutonica tém quasi que todas as suas
terminantes nesse modo abrupto e vertical que já descrevi e que são
communs ás rochas de formação férrea. A' esse modo de terminação
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 305
chamou Lacerda esfambres (a), não sei porquê ; os naturaes mais apro-
priadamente denominam-a de trombas. Suas arestas verticaes e quasi
lisas só deixam perceber aqui e ali as saliências de dikes, blocos de rocha
mais dura naquella engastados, e menos sujeitos aos ataques do calor e
da humidade.
Ha nesses terrenos taboleiros de pedra canga, mais ou menos eleva-
dos, quasi sempre cobertos de cacttiSy gloxinias e bromelias sylvestres. Na
subida dessa montanha de S. Domingos ha uma grande superfície quasi
plana e ligeiramente declive, coberta de ^nelocactus, a mais formosa e
bizarra espécie de sua familia, ora com as arestas guarnecidas de longos
aculeos e semelhando ao ouriço, ora inerme ou de ténues espinhos, e pare-
cendo uma coroa imperial. Perto dahi, mas já na outra face da montanha,
estão á descoberto veeiros de leptinito tão granulado e tão branco
como o da pedreira da Candelária na corte.
Na fazenda de Piraputangas encontrámos uma boa centena de indios
das tribus giuiná (ou icouôrô-ôm) layana^ tcrena, chuála^ e quiniquinaus
(koiml-eum)^ uns descendentes da antiga e terrivel nação dos guaycurús
Qji indios cavalleiros, e outros da grande familia tupica, de cujo dialecto
guardam muitas reminiscências nas suas linguagens. O Dr. Alei. R. Fer.,
carta de 5 de junho de 1791 ao governador João de Albuquerque, diz :
« Pouca dififerença tém dos guaycurús os guanás, de quem são vizi-
nhos, amigos e alliados. Casam entre si reciprocamente e se auxiliam
sempre que assim o pede alguma urgência publica ou particular. Porém
não arrancham em tejupares, e suas palhoças tém uma figura oval, com a
(a) Talvez erro de copia de itambèi,
39
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306 ITINERÁRIO DA CORTE
cumieira muito alta, cobertas dessa espécie de gramma que se chama
sapé. (a) » _
Os quiniquinaus são também conhecidos por guaycutys, nome que
bem alto revela sua origem. Seu idioma é especial, e não encontrei ne-
nhum outro que se lhe possa assemelhar na prosódia e nas terminações
eidruiulas, quasi sempre, nas quaes predominam as consoantes d e g.
Delles e dos layanas obtive alguns vocábulos que aqui transcrevo,
sendo o dos primeiros inteiramente distincto dos que nos deixaram os illus-
tres Martins e Saint Hilaire e também Castelnau. Não cito outros autores,
porque, em geral, á esse respeito reproduziram observações daquelles
viajantes (b).
GXLVII
(a) Ms. da Bibl. Nacional
17—14
íb) O Sr. Joaquim Ferreira Moutinho, na sua Noticia sobre a provinria de
Matto-Grosso^ traz também alguns vocabulários. Todavia, apezar da sua respeitá-
vel assersáo á pag, 2*2*i e 22 •, guardo fé de que o illustre autor nào esc eveu
conforme ouviu. Citando um erro de Bossi, que escreveu cunho por kunhi, que
eUe affirmater ouvido de um paraci ser assim no seu idioma diz: « — Por esies mo-
tivos nos abstemos de dar a sua linguagem (*) afim de que mais tarde um exame
mais minucioso nào possa desm^niir-nos. As línguas que apresentimf»s suo- nos
conhecidas, e temoUas visto autorisadas por outras pessoas, sendo a mais notável
Won Martins, que publicou um diccionario da língua indig^na. . P.ira conhect^l a.
sobretudo, é mister ter-se conhecimento dos próprios índios, o/i./» cí^ d.*/Md''ir-ar'í/i
pronuncia; ao contrario é impossível pronuncíal-as com corteza. porque h maior
parte das syllabas sào gutturaes, pronunciadas com muito vagar, uma por uma.
Pela leitura é difficíl comprehender-se esses differentes vocábulos que >nrs,n^o nói
achamos sufn»na difflculdade em escreoer,,. Depois que chegámos á S Paulo, on^e
nos resolvemos á publicar este livro, vimos a Chrestomatia da língua brasileira
pelo Sr. Dr. Ernesto Ferreira França, por onde podíamos »*nriqueccr muito os
nossos apontamentos ; fora, porém, um abuso, e desap pareceria, ao menos para nós
todo o merecimento que damos ao trabalho que tivemos em indagar o pouco que
produzimos, estimando muito mais publical-o singelo e pobre do que rico á custa
alheia. Outro tanto nos aconteceu com o Diccionario d?? TFan J/artÍM5. obra »le
muito merecimento neste género. Em muita* ncrasiòg* dífftirimos lUx.tr celrbrg
autor ^ porque julgamos náo dever affastarmos em nada do que aprend^imos pratica-
mente com 08 próprios indios("). »
(•) O que foi muito mal feito por parte do autor, que justamente escondeu um
thesouro ainda inexplorado.
(••) Â'tV, salvo os griphos.
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l CIDADE MATTO-GROSSO 307
Eis alguns dos vocabxilos colhidos :
LAYANAS QUINIQUINAUS
Agua tôhna nógodi (pelos homens),
niôgo (mulheres)
Aguardente — nodáqui
BDtretanto é de adoidar o estudioso o vôr esse illustrado escriptor coQfirmar o
que escreveram Von Martius, Saint Hiiaire, Casteloau, etc., que o fizeram confonre
a pronuncia que lhes era própria, e autorisar com a sua valiosa autoridade, por
exemplo, os vocábulos : nos bororós — couai, macounai, oíMi^terou^igoulai^itai^
cugna^cualo-latou-Otloiui^ au, cueruue aleu ; nos apiacás —mocou^» cognato, ou-
vourapa^ toupa, pHa(coco) ; nos guatós—( r<mai, dut^-ouni. tchoum, dehay; nos cha
vantes — aoupranai^ monpchai^ schoutadon^ monotonau, kttu^ ouali^ chourou,
acottati, doianau^ etc.
B' notavf 1 coincidência o feliz encontro do autor com o pequeno Sebastião, indio
coroado já mui lido em Martins, o qual foi lhe dando, sem duvida por escripto, a
avaliar-se pela ortographia, os vocábulos dos xopotós e coroados da Aldôa da
Pedra, modificando apenas as vozes yué^ laune e lobé, que no autor germano vêm
gucK lannu e lobch, e com o accrescimo de tiro— pum /—que Martins não soube.
Mas não é muito de extranhar isso, quando á par de maus autores, como um
conterrâneo do Sr. Moutinho, traductor das Viagens de Jacques Arago, o qual
julgou dever enriquecer a lingua com ttouroucoucou^ tijouca, pagayar, etc., vemos
lambem homens de letras notáveis escreverem : agoutiguepe, ahouai, araboutan,
caa-jandiwap, cachibou, conawi, caouim, couguerecou. coumarourana, cuipouna,
caoutchouc, achira^ourou, ouaouassú, etc, pela razão, pouco razoável, de assim
trazerem-o os autores francezes donde as coUigiram, que o fazem por um sestro
abstruso de não perderem a pronunciadas palavras, sem attenderem ao gallima-
tias, ou melhor, á monstruosidade que produzem. Porém,isso são elles lá que fazem,
e sua alma sua palma. Mas, portuguozes escreverem em portuguez caouim, oua-
ouassú, caoutchouc. coumarou, é levar muito longe, além das raias, o amor á
sciencia.
E já que vém á pello, lavrese um protesto contra esse latim hybrido com que
francezes, aileniâes e inglezes têm macarronisado as sciencias, principalmente na
historia natural, onde são palavras latinas: Bousstngaultia,Bougainvillea, Bouvar-
dia, Broussonetia,Gouroupita guyanensis,Fourcroya, Lavoisieria, Pitcairnea, Poin-
cíanea.Poinsettia, Secquoya,Stack-houseacea, etc.,linguagem nova que os latinistas
hào de pronunciar conforme a prosódia de Latium, como as vém escriptas.e não
conforme a franceza, que o latim, lingua mãe e lingua morta, não pôde receber in-
flexões que lhe alterem a orthographia e a prosódia. Nós lemos Byron e Voltaire,
dando ao y e ao ai os sons e ai e de <^, que tém em seus idiomas, porque são e serão
sempre palavras dessas linguas ; mas já dizemos byroniano e voUairiano, conser-
tando o som portuguez do y e do ai, porque essas palavras são neologismos nos-
sos, e portanto vocábulos portuguezes« acceitos sem deturpar ou viciar a origem,
como dar-se-hia si escrevêssemos baironiano e volteriano.
Argumentam que ha obrigação de pronunciar-se BusseogO cia, furcroaia, pars^
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308
ITINEBABIO OA CÔBTE
LATANAS
QUINIQUINADS
Algodão
tôhna
cotámo (a)
Amamentar
—
jenipreóníghi
Amanhã
—
natinígoi
Anta
apolicán
keuáladje (b)
Aracuan
—
cutivína (c)
Anus
acicicô
wibcighi
Arara
—
uakilikêpa (d)
Arroz
—
nacah-diuah
Arvore
ticôte
ivôco
Avô
Ôtu
—
Avó
otê
—
Arilla
— ■
Aiaiirataque
Banana
oãta
—
Barba
—
coque-heikíghe
Barriga
ingoho
foéhê
Beber
henou-modi
jaháca
Beijo
—
soquirá
Boca
báhâlo
^iniólãque
Bonito, bom
—
lebiniquéne
Braço
dahaki
bahá-hârâde
Brincos
—
coghuei-kékíghi
Cabeças
tôde
íiaquílo
Cabellos
doote
himiòie
Caitetu
—
caitxira
» queixada
—
niguedaigue
Calcanhar
—
txihoh
Canna de assucar
—
nipeh; naáila
Cara, rosto
inongo
hi atôbe (e)
Casamento
entz-heco-cotê
jax)tra diónigue ; diohe chacas
Cavallo
kamo ; apolicán
keuáládjo (f)
Céo ^
manokeis
—
Chuva
huco
hebíque
Coatá (macaco)
hahai
—
poder ser-se entendido na sciencia; eeu acho que não, e esse achado é que parece
comprovar o erro do neologista. 9i se quer alatinisar nomes, dè-se-lhes a forma
latina pura e completa, conforme sua Índole e regras grammaticaes. £ tal foi esse
sempre o uso recebido e ensinado por todos os clássicos e léxicos. O mais é dislate.
(a) Donde os francezes receberam o coton ?
(b) Gorruptella de cavallo ?
(c) W.Jacú e a nota.
(d) Em tupi, papagaio é paragtÂd,
(6; No tupy toba.
(f) Oonuptela de cavallo f
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Á CIDADE DE
MATTO-GROSSO 3(
LATANAS
QUINIQUINAUS
Cobra
cotiohê
oya (a)
» sucury
—
oya-kehoá
» giboia
—
oya-ojoi
Comer, eu como
nigoáte
Aío-ehene ; */o-hene-hôde
Comprido, longo
—
ocráta
Cotovello
djolépôque
romôque
Criança
calióno
xirolatuáne
Curioso
—
aguir-caháurate
Carto, pequeno, estreito —
oána ; oxupána-oána
Casa
nichéna
cudeírie
Deus
mandréra; cohôte
onuenatáorode
Dedos
txiláque
M báha hílrate
Dedo poUegar
—
» » lodo
» indicador
—
7/íelácMge
» médio
—
hthicòige
» minimo
—
hi bahá-híírrite oána
» dos pés
—
///ocona-oána
Demónio
oxibohê
enianigódjigode
Dentes
ouhê
codohê
Dar
—
adediánote
Dormir
—
//^ehôte
EUe
—
adjuáte
Ema, avestruz
—
ápa-cainíghy
Escorregar
—
dabiléque
Extracto
—
honigôdodi
Estrella
porágui ; yhóre
hio tôde
Eu, meu
—
hio ; heiho
Faca
—
nudadjo
Fallar
djaquicúre
jothah
Fallador
—
hotráhe-xerah
Fazer
—
jaôtro
Frio
—
lebeiháque
Feijão
heuqui
ediauha
Ferro
—
napiléque
Filha
enzine, alivoáno
/?2ona
Fumo, tabaco
txahi
—
Filho
djicá ; caliuno
A/ónaghy
Fogo
—
nolédl
Garganta, pescoço
—
jahá
Gen. hom.
gheu
helérôde
» fem.
zehédi
oliána
Gallinha
tapihy
—
(a) No tupy mboy
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310
mKEKÀRIO Dl COBTE
LAYANAS
QUINIQUINAUS
Grande
tapihy
helióde
Hoje
coiena
nátigde
Homem
hapohitê
helióde
Hontem
poniogôte
joti-hinôco
Irmã
loke
nio halôde
Irmão
titêre
Ainioxoàte
Jacaré
—
niorxei
Jacu
—
cotivi-nhoar (a
Jaguatirica
—
cutxlo
Joelho
buhúio
hio code
Largo, vasto
—
helióde
Lingua
nehne
hio kélégui
Longo, comprido
—
ocráta
Louco
—
hietôle
Lua
cohehé
hepenái
Mãe
memen
hieàèàe
Mamas
—
hehelête
Mão
huanho '
honigha-xiuva
Mau
poadjo
agopêlo
Matto
hohei
—
Medico
—
nietadnuáno
Menina
alivoáno
ninghah-oána
Menino
caliôno
ningah-ani
Meu
djê
hio, nio
Minhoca
—
anadhéghére
Moça, mulher
aronái
—
Moço, rapaz
oma-he
—
Montanha
—
hueh-tirah
Mulher casada
zehéna
helôde
Mutum
—
naginikin-hoar
Não ha
ahéca
—
Nádegas
guhuna
hia húvio
Nariz
ghire
himígo
Neta
—
álÔde
Neto
—
áte
Olhos
onghêh
kekerehê
Onça
haahôte
nigdiôgo
Orelhas
ghehéna
pahrate
Pacú (peixe)
—
caátépa
Padre
—
nidjiéni
Pa^j
tala
atada
(a) R* notável as vozes semelhantes com que muitos e extranhos dialectos co-
nhecem o jaca e o mutum.
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A CIDADE DE MATl-Q-GROSSO
311
LAYANAS
QUINIQUINAUS
Panno
tala
adohonâi
Pau
ticoôte
goniládge
Pé
djehêve
Aíbyháde
Pedra
marihipa
hueh-tirah
Peito
djehehémi
«taticógôde
Peixe
hehéo
norogéghi
Penna
quipeh
—
Perna
' guhuna
natínígoi
Pescoço
djôgo
7/fototi-hénadge
Porco
nipôco (a)
—
Papagaio
—
naxacôna
Queixos
nohío
hio hôde
Relâmpago
txuluvucáte
noléghipa
Kio
hanáhi
—
Kosto
—
—
liouco
—
idoleáu
Kubafo (trahiraj
—
héuque
Sapato
—
Aioehéladge
Sobrinha do hom.
—
AVteixéque
» da mulher
—
Aílédõde
Sol
hatxè (b)
allighêra
Tatu
—
otiuíreh
Ter
—
ene
Terra
marihipa
—
Testa
inongo
—
Testículos
anhanguehê
álólah
Trovão
hunohóbate
txinôho
Tu
—
anhami
Tenha dó de mim
—
adive-codenta
Umbigo
unhúna
odòdae
Veado
—
caliocán
Velho
lecoténe
—
Veneno
—
caio
» de seita
■ —
cúpi
Na lingua guaycury a primeira syllaba dos nomes que começam em
hi, hio, ni, je, ja, exprime ordinariamente o pronome da primeira pessoa
(a) Lasitanismo ?
(b) Nesta palavra a syllaba final é tâo fortemonto aspirada e giittural, qu«^ só
melhor pcnle s r expressada c m o auxilio do et.
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312 ITINERÁRIO DA CORTE
OU O possessivo correspondente. Ora o pronunciam brando, ora com forte
aspiração.
Pobre como a mór parte das linguas incultas, o mesmo nome
serve para expressões differentes : assim heliodc, que designa o homem,
exprime também a idéa de grande, valente, arrojado, impetuoso,
vasto, etc, isto é, todas as idéas de grandeza e força. Antes de eu conhe-
cer o seu dialecto, achava-lhes muita graça,quando, contando-me façanhas
da caça, e as força e destreza da onça,diziam esta só temer o garrote bravo,
por este ser homem !
IVIorro cio J^m^ do ^neuoar.
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CAPITULO V
Itiíerario ái lagoas. Ltgôa deCácfres. A ilba dos Orejooes. Ai lagoas Cipó e Haadioré. A Ugói " len'^ oi àt Juan
de AjolaL A Gabjba : o letreiro. A Uberaba ; o Canal de D. Pedro II ; o porio dos Reis.
esquerda do porto de Corumbá,
onde quebra-se o rio em angulo
quasi recto, fica a entrada da
lagoa de Cáceres ou Tamengos
por um sinuoso canal, nó tempo
de poucas aguas, de uns vinte
metros de largura e oito á dez
kilometros de extensão. No
grosso das enchentes, a lagôar
aqui mui propriamente chamam
ts pelos rios e entretendo com
ião, perde os seus limites, con-
faz parte do immenso alagadiço
^ , ^ , - centenas de léguas quadradas
desde, ao norte, além da fóz do Cuyabá e da confluência do Piquiry e
Correntes, até, para o sul, além do Mareco, braço meridional do Miranda.
E' o immenso lago dos Xarayés ou Sarahés dos antigos, nome que vém
do de uma tribu de aborígenes que se encontrava nas terras altas
desde Corumbá à Gahyba.
A bahia de Cáceres recebe o riacho Conceição^ que é talvez o Manai
de P. Lozano (a).
(ft) ConquUin dei Rio d' la Plata, lo-IV.
40
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314 mNERABIO DÁ C&BTE
Na maior parte do anno, ella, como as outras lagoas ás bordas do Pa-
ragnay, mais parece extenso e nivellado prado do que uma massa de agua,
cobertas de aguapés (a), nenuphares, victorias regias, e de varias espécies
de cyperaceas e grammineas aquáticas á que no Amazonas chamam
canaramís^ cujas extensas hastes e grossos rhisomas formam um tecido
tão emmaranhado e cerrado, que detém muitas vezes a marcha de va-
pores, até de grande força, como agora mesmo succedeu ás canfioneiras
Fernandes Vieira e Taquary,
O nome de Cáceres foi-lhe dado em homenagem á Luiz de Albu-
querque, o administrador que mais deixou o nome ligado ás recordações
de sua capitania, e também o que, talvez, melhor administrou-a. Além
desta ficaram guardando-lhe a memoria as duas Albuquerques, a cidade
de S. Luiz de Cáceres^ a Insua, nome dado ás montanhas entre Ga-
hyba, a Uberaba e o Paraguay, e um outro logar com o mesmo nome, em
Goyaz (b), á três léguas da Ponte Alta e sete do registro do Araguaya,
derivado da casa de Insua, no Minho, solar da familia daquelle capitão-
general.
II
A' 14 de julho, quarta-feira, embarcada na canhoneira ÍVigwarv,
commandada pelo distincto capitão-tenente Alvarim Costa, subiu a com-
missão com destino ás lagoas Mandioré, Gahyba e Uberaba, aproveitando
a derrota para estudar topographicamente o rio.
(a) àlururé e aunpi, no Pará.
(b) Luiz D'Alincourt, obra citada.
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i CIDADE DE MATTO-QROSSO 315
Desde Corumbá começa elle á ser mui tortuoso á ponto de, durante
quatro horas, deixar-nos gosar da vista da cidade, a qual desde a primeira
Yolta do rio, longo estirão chamado da Arancuan^ mostra-se com um
garbo e gentileza que a pobre ainda está bem longe de possuir. Seus
edifícios como que avultam e ganham com a distancia ; as igrejas, ainda
mesmo a em ruinas, tomam formosas proporções ; e os fortins novamente
caiados e a modesta casaria dáo-lhe um aspecto encantador.
A' 21 kilometros de Corumbá passámos a ilha do Sargento^ á 23
a ilha do Meio e á 30ailhaí7e Cima. Com 4 1/2 horas de marcha
pára a canhoneira à boca da bahia do Tuyuytíj entrada de rio de uns
quatro kilometros sobre 400 metros de largura, á margem direita e em
dibtancia de 37,5 kilometros de Corumbá.
No dia 15 partimos ás 7 da manhã; ao meio-dia passámos a Pimen-
teira^ que dista do Tuyuyú o mesmo que dista de Corumbá ; ás 7 da
tarde o Carandaí cerca de 20 kilometros adiante ; ás 5 1/2 os Castéllos^
dous pequenos morrotes fronteiros,n'uma pequena volta em que o rio corre
bastante estreitado. Estão cerca de 22 kilometros acima do Carandá ;
semelham, vistos de alguma distancia á fortificações : são rochas de grez
schisto, onde o processo de decomposição pelas aguas, em veios longitu-
dinaes e transversaes, traz-lhe o aspecto dos agglomerados basalticos ou
trappoides.
Fundeou-se pouco adiante ; e á 16 sahiu-se á mesma hora da ves-
I)era.
Ás 11 horas passou-se a ilha da Falha ou da Faya^ á 31 kilometros
dos Castellos ; meia hora depois a ponta N. da ilha do Paraiso ou Pa^
raguay-merim formada pelo braço deste nome do Paraguay. Terá esta
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316 ITINEUAiaO DA CÕBTE
ilha uns noventa á cem kilometros de extensão, sobre mais de quarenta
de largo. No tempo das aguas fica completamente submergida.
Entro em duvida qual seja a ilha dos Orejones de que faliam os
antigos hespanhoes, si a Falha, o Paraguay-merim, si mesmo o solido
de Corumbá e Albuquerque, cujo terreno converte-se em ilha nos grandes
alagamentos. Inclino-me, porém, mais para que seja a de Falha, por
achar aquelle solido muito affastado, e o Faragtuiy-merim, impossivel
de effectiva povoação pela sua quasi nuUa elevação. Lozano dá a Ore-
jones como situada 60 léguas abaixo do lago Xarayés. Dugraty, á pag. 10
da sua Hist ãel Paraguay, diz que Alvar Nunes, goveniador do Para-
guay, intentando uma expedição contra os agacés, em começos de 1543,
seguiu com Pedro Dorante, Domingo Martinez Irala e Felipe Cáceres até
Itapitan (a), donde se embarcaram para o porto da Candelária. Dahi
seguiu após alguma demora, e á 25 de oitubro chegou ao logar onde o rio
divide-se em três braços (b),dos quaes um termina-se n'uma grande lagoa,
e os outros formam a ilha dos Orejones, occupada pelos indios, os quaes
fizeram bom acolhimento aos hespanhoes, que egual também tiveram no
porto de Beyes, onde Nunes fez elevar uma capella, emquanto mandava
presentes aos xarayés; — donde, parece que a ilha dos Orejones será esse
alagadiço do Paraguay-merim, ou ilha do Paraiso.
A entrada desse braço do Paraguay fica á quatro e meio kilometros
da ponta N. da ilha da Falha (c). Ao meio-dia chegámos ao Furada da
Sucury, á egual distancia daquella ehtrada. Parou-se para reconhecer-se o
furado^ que não vém determinado nos mappas.
(a) Hoje logar do Divino Salvador^ no Paraguay.
(b) As Três Bocas: a lagoa será a Mandioré.
(c) Por ahi coUoca o Sr. Oandido Mendes, e como povoação, abarranca do
Sara, no S. Lourenço.
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 317
Chamam furados (furos e igarapés no Amazonas e Pará), á peque-
nos braços que se formam adventiciamente nos rios. Este é tão pequeno
que suas embocaduras estão entre si na distancia de uns seiscentos
-A. "bailia de JoacLuiiii Ovirive».
metros. Dentro abre-se uma bahia formada de cinco outras menores e
compridas, e que affectam a forma de uma luva,
A's 2 1/4 sahimos ; uma hora depois passámos a situação de José
Dias (a), n'um pequeno albardão á margem esquerda e em distancia de
uns 6 kilometros; ás 5 1/2 entrámos na lagoa Cipó, á 15,5 kilometros de
José Dias, braço d'agua e que não é mais do que uma expansão do canal de
entrada da lagoa Mandioré, Com 41/2 kilometros de percurso fundeámos
n'uma pequena e graciosa bahia quasi circular, á beira de alta serrania.
E' um agradabilissimo e poético recesso ; na fralda da serra está a
situação do Sr. Joaquim Ourives.
A lagoa Cipó é um tortuoso esteiro de aguas, ás vezes de vinte me-
tros de largura, cheio de voltas, sinuosidades e saccos,e que só toma maior
(a) Nome do seu fundador, faUecido ha pouco mais ou menos dous annos.
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318 ITINERÁRIO DA CORTE
amplidão em frente á baliia de Joaquim Ourives, Ahi, no canal, entre as
entradas da bahia e da lagoa ha um poço tão profundo, que uma sondareza
de 40 braços não lhe alcançou o leito.
III
A' 20 de julho, ás 11 1/4 da manhã, entrámos na lagoa Mandioré
ou Mcn dos antigos (a), formosa bahia de cinco léguas de comprido sobre
uma e meia de largo, cercada de risonhas praias e de altas montanhas,
entre as quaes á NE, os picos pyramidaes dos Xanés^ e á SO. um
alto massiço que vém prolongado da boca do canal, e que recebeu agora
o nome de Alvarim em honra do digno commandante da canhoneira.
Quasi á meio da lagoa e junto á sua margem occidental eléva-se
uma ilha, formada por um pequeno monte de grez grosso e grawake,
branca litteralmente das dejecções dos Tngiids^ carbo brasilianus, que
nella vivem aos milhares. E' conhecida pelo nome de ilha do Velho.
lUia do Vellio.
(a) Carta limitvophe do paiz de Matto Grosso eCuyabd, dssde a faz do rio
Mamoré até o lago Xarayés e seus adjacentes, levantada pelos offidaes de demar-
cação dos leaes domínios S. M. F., desd^ I7i2 até 1790.
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i GIDADE DE MATTO-GROSSO 319
Como as outras grandes bahias do Paraguay, offerece dentro em
poucos mezes no anno a maior variedade no volume das aguas. Tinham-nos
dito os moradores vizinhos que, no tempo das cheias, qualquer vento asso-
berbava ondas como as do mar, ao passo que nas estaç5es contrarias eram
columnas de pó o que o vento erguia.
E não pode haver exageraçcão nisso : as aguas já declinam á mais de
raez, e todavia a Taqiiary^ canhoneira de sete pés do calado, corta a agua
em todas as direcções, fundêa bera perto ás praias, e querendo verificar-se
a outra sabida que os antigos dão-lhc ás aguas, acima dos Xanés,
seguiu naquella direcção, chegando á ura formoso prado que parecia
limites das aguas, mas que foi abrindo passo á proa da canhoneira por
algumas centenas de metros, até logar em que toda a força das ma-
chinas não pode vencer a resistência das fulcra ou falsas raizes desses
intrincados hydrophytos, cobertos então de flores e formando com o
esbelto navio, parado em seu meio, o mais sorprendente e encantador
espectáculo.
P*rndo <"lo hydrophytos.
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320 ITINERJIRIO DA CORTE
Em duas outras vezes que voltámos á Mandioré, dentro do curto
espaço de dous mezes,na primeira em 23 de agosto, o António João, yb^t^ot
de quatro pés de calado, safou-se ás pressas para não ficar detido na lagoa,
e na segunda, um mez depois, uma pequena chalana^ pequenina canoa de
fundo de prato, não pôde chegar á meio da bahia cujas margens arenosas
estavam, em grande extensão, completamente á sêcco.
Nuvens de grandes patos e marrecas cobrem as aguas da lagoa,
emquanto que centenas, sinão milhares de arancuans (a), jacús^ jacur
iingas (b) e jods (c), apparecera ás margens, dando fácil alimentação
ao viajor. Nos pantanaes passeiam pausadamente o ialujajá (d), o
gigante itiyuyú (e), o jahurú e o socd-boi, notáveis variedades dos palmi-
pedes longirostros cujos corpos gigantescos não estão em relação, ainda
assim, com os seus enormes bicos; e as formosas garças de brancas
plumas(f). Outro pássaro notável é a anJmma (g), iahan dos guatós, ave
maior que um peru, mas airosa e elegante ; tem a cabeça ornada de três
plumas como o pavão, e faz armas de defesa das pontas que lhe sahem dos
humerus. O seu nome guató, íalan, vem de que é esse o grito que lan-
çam repetidas vezes e de espaço em espaço, o que foz dizer-se que marcam
as horas. A' noite, o tristonho curiangú (h) quebra o silencio das solidões
com a voz donde ta^nhem oricnnou-se-lhe o nome.
Assignalaram-se os locaes para os marcos limitrophes, o primeiro
n'um pequeno albardão ao sul da bahia e cerca de quinhentos metros á
(a) Pcnilopo nrancuan (Spix).
(b) PíMií^lnpe amarail e penelope Icucoptera (Ne^ve^l).
fc) Crypturus noclivagus.
(d) Ciconia iiiagiiary.
{o) Mycteria.
(fj Ardeacandidissima.
(g) Palamedea comuta,
(h) Caprimulgus ?
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í CIDADE DE MATTO-GEOSSO 321
esquerda do canal de entrada, e o outro ri'uma pequena ilhota na fronteira
septemtrional.
Nas margens desta lagoa vi pela primeira vez uma espécie de
palmeira rasteira, de mais de 200 metros de extensão, com diâmetro
apenas de 0'',01, ligeiramente flexuosa e seguindo as ondulações do solo :
seus entrenodos são de quasi dous metros de longo. Os naturaes conhe-
cem-a pelo nome de urumbamha, e eu consigno-a aqui como a calamus
procumhens.
A Mandioré também foi chamada pelos hespanhoes lagoa de Jiuin
de Ayólas (a), que pretendem ter sido o seu descobridor, o que não tem
visos de verdade, por ser opinião geral que elle atravessara da província
Paraguay do para um ponto abaixo do Fecho de Morros, ao qual, desem-
barcando em 2 de fevereiro de 1537, impôz o nome de Nossa Senhora da
Candelária Q>)] seguindo viagem para O. em busca dos paizes férteis em
ouro e prata, segundo as informações que os guaranys lhe tinham dado ; e
(a) Menos acertadamente dá o Sr. Cândido Mendes esse nome á lagoa de
Cáceres.
(b) Carlos Famin {CUnivers, prooinc^is dei Rio de la Plata)^ faz o porto da
Candelária aos 20« de latitude.
11
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322 ITINERÁRIO DA CORTE
donde não voltou por ter sido morto pelos xamocôcos ou samocosés, con-
forme uns, ou pelos sarígueses e albajds^ segundo outros.
A' acreditar-se o padre Juan Patrício Hemandes, missionário das
missões de Chiquitos e seu primeiro historiador, os descobridores da
lagoa seriam os missionários Hervas e legros, os quaes, mandados com
outros, pelo superior Gregório de Orosco, á buscar caminho para o rio
Paraguay, chegaram á um lago, que não era mais do que um espraiado
do rio, e nessa margem ergueram uma cruz, suppondo-se já no Para-
guay (a). Tal lagoa devia ser a de Uberaba.
Desceram explorando o paiz gui idos pelos garayos^ e chegaram á
lagoa que denominaram Mqndioré, onde, segundo aquelles indios, era
o porto favorito de desembarque dos paulistas ; o que pareceu confirmado
pelo achado de cinco correntes, daquellas com que costumavam prender
os escravos.
A' falta de outros documentos que possam escoimar de duvida qual-
quer dessas asserções, limito-me á referil-as: o mesmo dá-se com o
pmio de Rcys, onde Iralas desembarcou em 1543, desembarque, cuja
opinião mais seguida é a de ter sido na Gahyba, não deixando de haver
outros, como o P. Queiroga (b) e D'Orbigny que a coUocam no parallelo
21** 17, 5., isto é, próximo ao Fecho de Mo:ros.
Entretanto, quanto ao porto de Ayolas, parece mais natural que,
indicando-lhe os indios os paizes do occideute, e tratando elle de buscal-os,
na sua immensa sede de ouro passasse logo para o lado Occidental do
rio; não sendo muito natural, nem provável, que preferisse subil-o sempre
em rumo ^., e por perto de cento e trinta léguas, que tantas decorrem do
Fecho de Morros á boca da Mandioré.
(c) Southey. Historia do Brasil, tomo 5* —239.
(d) Descripcion dei rio Paraguay,
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í CIDADE MATTOOROSSO 323
IV
A's 7 da manhã do dia 26 deixámos esta bahia ; ás 9 tínhamos ven-
cido 22 kilometros aguas acima, e passávamos a fazenda Firmiano, ínuto
á cuja barranca via-se ainda o casco e caldeiras de um vapor de ferro que
abi se incendiara, ia para dous annos.
A's 10 horas e 45 minutos chegámos aos Dourados, treze kilometros
acima, altas montanhas de gneiss, em cuja fralda teve o Estado um
pequeno arsenal de marinha que os paraguayos destruíram completa-
mente na sua invasão de 1865. E' a Marapo dos guatós, palavra que no
seu dialecto quer dizer montanha.
Ao meio-dia ancorou-se em Pedras de Amollar (a), onze kilometros
adiante, para refazermo-nos de vitualhas.
Desde quasi Corumbá que temos á vista estas formosas serranias da
margem direita do Paraguay, tomando-se distinctos por sua forma perfei-
tamente pyramidal os picos dos Xanés.
Toda essa serra, e principalmente os massiços de Dourados e Pedras
de Amollar, são de gneiss em decomposição, cobertos de blocos e cascalhos
angulosos, mais ou menos grandes, de quartzo leitoso, postos á nú pelas
forças climatéricas, os quaes, de formação crystallina e portanto isentos
dessa acção decomponedora, são um indicio de que abundantes veios de
quartzo fendilhado atravessam o gneiss ; blocos que também em gi-andc
numero se vêm nos terrenos adjacentes ás montanhas, até á margem do rio
e mesmo no leito deste, ahi levados pelas chuvas torrenciaes ou pela
própria gravidade.
(a) Aos 18o 1* 41" Irtt. e 3-20 li;* iO^Mong.— Ricardo Franco. -Um niappa que
trflziamos collocli essa montanha na margem opposia; é uma pequena caria tão
ioçaUa de erros, que parece apocrypha em vista do nome distincto que a as «igua.
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324 ITINERÁRIO DA CÔRTK
A Dourados tira seu nome, segundo uns, da côr amarellada da
vegetação rasteira que a cobre ; querem outros que seja do peixe homo-
nymo que ahi abunda.
A das Pedras de AmaUar^ como o seu nome indica, tira-o de uma
espécie de grez silicose que ahi se encontra, de grão não muito fino mas
que presta-se suflBcientemente á aquelle destino. •
Entre esses dous massiços é que os antigos coUocaram a boca supe-
rior, hoje completamente obstruida, da lagoa Mandioré.
Ao percorrer-se o rio admira-se a quantidade prodigiosa da acácia
angico que cresce nos terrenos próximos. As margens são bordadas prin-
cipalmente de mangues, ingazeiras e cana-fistulas entremeiadas de vis-
tosas strelitzias, entre ellas as formosas pacas, dos indios, caajuhá, uvavú
e seróca, canaceas, marantas, gloxinias e mil outros vegetaes que sabem
attrahir a attenção do observador.
Nos troncos e nos braços das arvores corpulentas enredam-se aroi-
déas de folhagem diversamente recortada, quasi todas variedades do
género imlé (a) ou bromelias selvagens, predominando pela abundância
as tillandsias harhas de velho e as achméas de variegadas flores. A's novas
galas que ao arvoredo traz esse flóreo revestimento, ainda se ajunta que,
nos ramos e galhos extremos balouçam-se compridos ninhos, como os dos
chechéoSj cujo vozear alegre e variado, e os cantares de mil outros pássa-
ros, enchem de vida e animação o sitio.
Si as aguas deslizam-se suavemente, encostadas ás margens vào-se
amontoando as pontederias e nympheaceas, especialmente os aguapés,
poniederia crassipes de Martius e a azurea de Swartz. Si o rio se espraia
n'um remanso, esses hydrophitos cobrem-lhe a tona, entremeiados de
(a) Philodendrum imbé, de Martius.
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A CIDADE DE MATT0-GR06S0 325
outros, principalmente a canarana ou mumré, os quaes já vimos como se
enlaçam e enredam com seus fulcra, que só á machado e â &cão, como
nas mattas, deixam abrir caminho por entre elles.
Pelos bordos e remansos crescem extensos arrosaes sylvestres de que
se aproveitam os guatós, os poucos e únicos habitantes dessas paragens.
Além das margens toma-se, nesta época da enflorescencia tropical,
gratíssima á vista essa luxuriosa vegetação, matizada aqui e ali de enor-
mes ramalhetes brancos, vermelhos, róseos, amarellos ou violetes, formados
pelas flores das peúvas^ das sapucaias^ dos paratudos^ dos novatos e das
carobas^ de todas a flor mais bella pela formosa côr lilaz de seus festoes.
O pau de novato é o taixy do Pará (a), também chamado i?aw formigueiro^
é notável por criar em seu âmago uma espécie de formiga aqui chamada
novato^ amarellada, do tamanho da saúva e de dentada dolorosissima.
Vivem ahi aos milhões e são o desespero dos viajantes inexpertos que,
vendo as hastes do novato altas e direitas, vão cortal-as para zingas (b).
Raro ainda, mas já apparece um ou outro camará^ arvore do porte
e corpulência de uma grande mangueira, e cujas cimas se cobrem com-
pletamente de espigas amarellas ; mais raro ainda se avista, e mais para
o interior das terras, o leque de uma palmeira, quasi sempre o tu^cum ou
o caranãá.
A'8 7 horas da manhã de 27 sahimos das Pedras de Amolar. Cora
onze kilometros de marcha passámos, ás 10 horas mais ou menos, as bocas
(b) Taixy é uma espécie de formiga.
(c) Zingaè, varas de que se servem na navegação, ora dando impulso ás embar-
cações, ora escorando-as ou amparando-as nas pedras e troncos do rio. O termo
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326 ITINERÁRIO DA CORTE
do S. Lourençoj antigo Porrudos (a), e ás 2 1/2 da tarde chegámos á
entrada da Gahyba, 57 kilometros acima; deixámos sua boca á esquerda
e continuámos a derrota em busca da Uberaba^ a quinta e ultima, em
posição, das lagoas por onde passa a linha limitrophe entre o Brasil e a
Bolivia.
Na boca da Gahyba avistámos o Henry Davyson^ vapor mercante
expressamente construido para a navegação fluvial, e que sob a bandeira
norte americana fazia o trafego dos saladeiros e curtumes do Alto Para-
guay. Ne^te local o rio é tão estreito, que a Taquary teve de entrar no
canal da Gahyba para dar passo ao outro navio que vinha aguas abaixo.
Media ahi o rio não mais de vinte metros, ao passo que o canal terá uns
duzentos de largura, e o rio abaixo delle cerca de trezentos (b).
A margem meridional e direita do canal é montuosa, sendo prolon-
gamento das serras dos Dourados. A fronteira é baixa como toda a mar-
gem esquerda do Paraguay, principalmente nesta região que parece ser
a mais baixa de todo o estuário.
Ahi no começo do canal, á uns de quinhentos metros do rio, ha outro
massiço de gneiss em direcção SE, — JSO,, conhecido pelo Morro do
Letreiro ; n'uma face cortada á pique, e como se fora adrede preparada,
novato é-lhe dado porque os que não conhecem a arvore e que, de ordinário «ão
caloiros na província, facilmente a buscam pela sua beUeza e belleza de suas flores,
sendo então assaltados pelas f(/rmigas. terríveis nas ferroadas e mais ainda por
serem innumeras no assalto.
(a) Âos 17o 55' segundo Ricardo Franco.
(b) António Pires de Campos, na sua Breve noticia que dá do gentio bárbaro
que ha na derrota da* minas de Cuyabá^ etc. (Rev, do Inst, Hw*., t. XXV), diz :
(c Subindo pelo mesmo Paraguay acima, em passando uma bahia muito grande
chamada Hiohiba, se acha uma cruz de pedra que por tradivâo deve ser posta pelo
apostolo S Thomé ; passada esta bahia íica uma ilha ne morro onde habita o
gentio chamado ahiguàs e crucurús. »
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i CIDADE DE MATTOGROSSO 327
estão gravados por mão de homem, selvagem sem duvida, os seguintes
signaes conhecidos pelo titulo de Letreiro ãa Galiyha:
Alguns delles estão feitos abaixo do limite das aguas naturaes e só
em tempo de Baixa do rio podem ser vistos.
X^etreiro da C}-ahy'be.
Parecem' ser a representação do sol, lua, estrellas, serpentes, mão e
pé de homem, pata de onças e folhas de palmeiras, no mesmo género das
de quasi todas as encontradas nos iiaconiiaras do Brasil, entre as quaes
se apresentam, como melhores, a de Curumafá, no Piauhy, attribuida aos
greguéses, e a do Morro de Caniagallo^ na margem esquerda do Alto
Tapajoz, onde, n'um paredão também á prumo, o artista selvagem, mas
curioso e observador da natureza, gravou umas quinze figuras, das quaes
o homem, os pássaros, os reptis guardam uma certa naturalidade, pare-
cendo que para typo daquelle foi escolhido o missionário, o que, entre-
tanto, sem desmerecer o artefacto, tira-lhe o cunho da veneração que
sempre acompanha a antiguidade desconhecida.
Lacerda demarcou o letreiro aos 17° 42' 48" (a) e o Sr. barão de
Melgaço em W 43' 36" de lat.
Apezar do meu immenso desejo de ver essa curiosidade, passaríamos
(a) Ricardo Franco diíTere apenas em 12" mais ao sul.
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328 ITINEBARIO DA CORTE
pelo canal sem observarmol-a, si um accidente inesperado não viesse
satisfazer-nos. A Taqímry,qnQ si seguisse pela margem direita favorecer-
me-hia até certo ponto o intento, manobrou para a esquerda afim de dar a
volta e sahir do canal, já tendo o Davyson deixado livre o rio ; encon-
trando, porém, fortes correntadas, foi forçada á approximar-se e demorar-se
perto ao letreiro, dando-me tempo suflBciente para observal-o.
Poucos minutos depois subiamos o Paraguay, cujo alveo vae tor-
tuosissimo e apertado em vinte á trinta metros. Para montar essas voltas
a canhoneira teve também necessidade de recorrer ás zingas e ao adjuc-
torio de uma espia na lancha á vapor.
Como pratico desse trecho do rio e das lagoas, vinha á bordo um
Índio que,desde o começo, á qualquer indagação que se lhe fazia, respon-
dia— não sei — ou tornava-se mudo. A Uberaba é a que melhor conhecia, e
por esses conhecimentos foi contratado ; ás quatro da tarde passámos pela
sua embocadura, a única que ha depois da da Gahyba, sem elle conhecêl-a,
o que fez-nos perderia tarde, a noite, a paciência e o bom humor, feste-
jados, ainda, pela maior praga de mosquitos que é possível idear-se. Eram
uma espécie de pernilongos, de corpo fino e comprido, que, quando operam
a sucção, firmam-se sobre as patas anteriores, levantando com o resto do
corpo as posteriores e tomando uma posição quasi vertical, pelo que o
finado marechal Argolo os cognominou de perpenãicuhres. A' medida
que sugam o sangue vão esvasiando por seu orificio posterior uma lympha
transparente, que lançam por pequenas gottas e ás vezes á distancias rela-
tivamente grandes. Chamam-os os naturaes mosquito Iranco, pela côr
clara do ventre e manchas brancas nos membros. São temíveis, porque
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i aDADE DE MATTO-GROSSO 329
pelo delgado do corpo pouco caso &zem dos mosquiteiros, atraYessandoK)3
como si não existissem.
A's 7 da manhã de 28 descemos o rio e entrámos no canal que o
pratico desconhecera. Com três horas chegámos á Uberaba, a Torekê-
haco dos guatós, cujas azuladas aguas já avistávamos desde mais de meia
hora, como um circulo de uns dez kilometros de diâmetro. Não penetra-
mol-a ainda, e ancorou-se á alguns centos de metros dentro do canal,
isto é, no meio de um verde e immenso prado de cyperaceas eponteãe-
rias^ cortado apenas pelo filete d'agua do canal, agora pútrida e fétida, e
litteralmente cheia de jacarés e enxameada de mosquitos. Ahi permane-
cemos dois dias.
A's 9 3/4 da manhã de 30 começámos á sulcar as aguas límpidas
da Uberaba; tomámos á S. pelo canal que corre nesse mesmo rumo, ao
qual Castelnau denoniinou rio de I). Pedro II e éo Jiquié dos naturaes
e talvez o Igurta ou Boa Agua de que Southey feUa, á pag. 196 do seu
primeiro tomo (a).
E' bastante tortuoso e fundo, guardando ordinariamente de vinte á
sessenta metros de largura; em alguns legares é semeiado de ilhas que o
alargam de léguas. Estende-se por mais de vinte kilometros, e é o prin-
cipal derivador das aguas da lagoa. Entre elle e o Paraguay desce
uma serrania de formação mais ou menos granítica ; é a Inswi^ de que já
fállou-se ao tratar se da lagoa de Cáceres,e que deve ser a ilha de morros
dos ahiguás e crucurús de que falia António Pires de Campos. O mais
elevado de seus montes tem o nome de Morro do Gama^ e o que separa
(a) Traducçâo do Sr. Dr. L. de Castro.
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330 ITINERÁRIO DA CORTE
as duas Gahybas (a), e prende-se ao mesmo systema, recebeu dos antigos
commissarios o nome de Serra das Agathas (b).
Ao meio-dia chegámos â Gahyba. E' a mais formosa de todas, quasi
circular, completamente limpa e bem definida no seu perímetro, bordado
do lado oriental por altas montanha^. Tem cerca de dez kilometros de
diâmetro. Actualmente é de bastante fundo, ancorando a canhoneira á
poucas braças da praia. Ao sopro da brisa forma ondulações como o mar,
que graciosamente baloiçam a Taquary ; com vento mais fresco levanta
escarcéos e sua navegação toma-se perigosa. Já os moradores da vizi-
nhança da Mandioré tinham-nos dito que com o vento aqui as ondas
eram mais fortes. O mesmo deve dar-se na Uberaba, e com maior razão
no vasto alagamento tornado em mar.
Ancorou-se junto á uma pequena praia, á encosta do alto morro de
gneiss compacto, situado logo ao começar o canal. Não tendo ainda nome
conhecido, impôz-se-lhe o de Taquary, do primeiro navio de guerra que
junto á elle chegou.
O morro é, como os dos Dourados, de gneiss em decomposição,
deixando entrever veios de quartzo talcoso que o atravessam, e como
aquelles coberto também de uma infinidade de cascalhos angulosos,
de faces irregulares, revelando fracturas em épocas não muito aflfastadas.
E' notável a immensa quantidade desse cascalho, que cobre os
terrenos adjacentes ^ bordas da lagoa: a pequena praia está litteralmente
cheia de pequeninos seixos angulares ou já rolados, de quartzo branco
leitoso. Ao entrar na lagoa, encosta-se á montanha um dyke de rocha
(a) A outra, de que ainda nào falíamos, é uma pequena lagoa situada á .VO.,
entre a Gahyba e a Ub«rabH, e conhecida por Gahyba-merim.
(b) Diário do reconhecimento do rio Paraguay^ 17í>0.
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A CIDADE DE MATTO-GROSSO 331
fendilhada semelhando trapps rectangulares e justapostos, como uma
muralha artefacto do homem.
No seu fundeadouro a canhoneira gondou duas braças largas;
entretanto vae a lagoa seccando, também, á ponto de impedir a nave-
gação e mesmo a entrada ; apparecendo um vasto banco, que a corta
desde a margem direita do canal, ahi terminado n'uma lingueta,até perto
do morro Taquary ; e que pouco á pouco vae se alargando até occupar
quasi toda a bahia ; vindo então, nos tempos sêccos, á levantar nuvens
de poeira, com o mesmo vento que nos mesmos logares levantara
escarcéos.
Na matta que cobre o morro, entre myrtaceas, leguminosas, ano-
naceas e gesneriaceas, notan-se uma formosa umburana de mais de metro
de diâmetro, e em cuja m)lle casca entalhámos letras, uma astrapea de
grandes flores róseas, uma gloxinia de flores escarlate, e o pequi, cujos
fiructos butirosos se comem, mas com alguma difiBculdade por causa
dos filamentos aculiformes que o attravessam.
No fundo da bahia o terreno é alto, sem ser montanhoso.
Quando os hespanhoes ahi chegaram, era tempo de aguas e a in-
nnndação cobria os terrenos baixos.
Ahi é que, segundo as melhores indagações, os archeographos
collocam o porto de Beyes, do qual diz Losana; (a): « Al salir dei gran
lago, el primer sitio conocido es el puerto de los Reyes^ donde desem-
caran los conquistadores cuando tranzitaran ai Peru, junto ai cual edifi-
caran una poblacion, como de mil vecinos, los portuguezes, que despues
la abandonaran, o sèa por reconocer estava ciertamente en la demaicacion
(ft) Conquista dei Rio de la PLata, c. IV. Porto de Bilrei chamam outros, talvez
erradamente, visto ser natural que assim o baptisassem dd dia do desembarque,
como era de costume nesses tempos.
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832 niNSBABio DA c6btÉ
de Gastilla, ó acozados *de los muchos infideles circunvecinos, de que
parece indicio claro el haber hallado quemada mucha parte de ella los
jesuitas^ que el ano 1703 fueron á descobrir camino para las misiones
de Chiquitos. »
Estes portnguezes seriam os paulistas conduzidos por Andr^
Garcia, o descobridor do Paraguay e primeiro homem do mundo civi-
lisado que perlustrou e?sag vastas e remotas regiões.
o Cereus.
O próprio Cabeza de Vaca (a) nos seus Comtnentarios dá-o por
precursor de Irala, e descreve até os rios por onde Garcia desceu ao
(a) Alvar Nunes Cabeza de Vaca» terceiro governador do Paraguay.
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 333
Paraguay : o Anhanduhy Grande e o Miranda ; noticias que elle teve
dos xanés, Índios que acompanharam o aventureiro atravez dos sertões do
Chaco, donde, como Ayalas, não logrou também voltar.
Sendo assim, não seria Domingos Martins de Irala o descobridor
do porto de Beyes e simplesmente o baptisador, em o dia da Epiphania
de 1543. Gabeza de Vaca que dirigia a expedição só poderia ahi ter
chegado em fins do anno, visto que em 25 de oitubro acháva-se, como
acima se disse, no logar onde o rio forma três bocas e uma ilha, isto é,
na entrada do Mandioré.
A' O. da Uberaba e Gahyba, e prolongando-se á N. até os pan-
tanaes da Corixa-Granãe, fica uma immensa zona que os bolivianos mui
apropriadamente chamam de Céo e Terra.
VI
A*s 7 e 1/4 da manhã de 2 de agosto desço na Taquary para Co-
rumbá. Com 35 minutos de viagem passa-se o Letreiro e sahe-se no Pa-
raguay. A's 9 passa-se o Caracará^ o pequeno morro isolado na margem
esquerda, junto á fóz do S. Lourenço e dentro das lagoas do mesmo nome
do morro, formadas pela exuberância de aguas deste rio.
A' 10 horas e 5 minutos subimos pela sua boca N.^ onde, ao che-
garmos ao entroncamento com a outra, encalhou a canhoneira por alguns
minutos, n'um banco que quasi intercepta completamente o começo da
boca N.\ ás 11 horas e 10 minutos entrámos no Paraguay pela boca S.
São barrentas as aguas do S. Lourenço, e por mais de dois kilometros
descem separadas das crystallinas do Paraguay.
A's 12 horas e 10 minutos deixámos atraz as Pedras de Amolar ; á
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334 rnNERAKio da corte
1 da tarde, os Dourados ; 40 minutos depois, o Furado da Sucury ; ás
4 e 20 minutos, as Três Bocas; ás 5 1/4, a ilha da Falha, pelo canal da
esquerda ; e, 1 hora depois, os Castellos.
A Taqtiary vae deitando nove milhas por hora; ao entrar a noite
diminue a força das machinas.
A*s 9 horas e 10 minutos começam á ser vistas as luzes de Corumbá,
onde chegámos á 1 hora e cincoenta minutos da madrugada, depois de
uma parada de três quartos de horas na volta da Arancuan, emquanto se
concertava uma das cadeias do leme que se partira.
Minha vinda á Corumbá foi para seguir com os companheiros que
ahi tinham ficado fazendo observações astronómicas, e que agora tinham
ordem de ir levantar os marcos das lagoas.
A's 7 horas da manhã de 11 de agosto segui no António João que
veiu para substituir a Taquary, cujo calado não lhe permitte continuar
nos trabalhos na actual estação, mas que ainda volta á buscar o pessoal
que deixou na Gahyba.
A's 7 horas e 12 minutos do dia 13 surgimos nessa lagoa ; fomos ao
antigo ancoradouro da Taquary, e em seguida, tomando pelo canal de
D. Pedro II, onde, á um kilometro, encontrámos, na margem esquerda,
um acampamento da nossa gente, continuámos para a Uberaba, na qual
ainda achava-se o chefe da commissão.
Á 16 descemos á buscar a lagoa Gahyba'merim,à NO. da Gahyba, as
quaes se ligam por um canal tão tortuoso e atravancado, que, com immensa
difiBculdade e após incessante trabalho, só o podemos descobrir no dia 19.
A' 21 descemos a Gahyba para démarcar-se o local onde deveria
èrguer-se o marco sul ; ás 6 1/4 da manliã seguinte singrámos para a
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Á CIDADE DE MATTO-GROSSO 335
Mandioré, que seijdo de menos fundo do que as outras, por ella é que
convém encetar-se os trabalhos actuaes, attento o adiantado da estação.
A's 7 horas da tarde fundeámos. A' 26, determinados os pontos para
os marcos K e &, este em 18» 13' 4'\83 lat. e 14° 25' 34'\34 O., e o
do norte em 18* 2' 23'\42 lat. e 14* 22' 30",30 O., sahimos ao romper
do dia, chegando ao pôr do sol ao acampamento do canal. A' 29 subimos
para determinar-se o local do marco sul da Uberaba ; e logo após aproa-se
para uma pequena ilha que presentemente parece situada no meio da
lagoa, visto que perto delia começa a verde planicie formada de hydrophytos
que vae á sumir-se no horizonte. Fica a ilha três léguas distante do
ponto assignalado para o marco sul ; nella é que se elevará o do noite.
Deixando a porção livre da Ingôa, entrámos por um canal, verda-
deiro filete de agua que se dirige á NNO. em prolongamento do canal de
D. Pedro II ; passa junto á ilha,que lhe fica ao occidente, e perto da qual
ancorámos o mais próximo possivel, mas assim mesmo em distancia de
uns quatrocentos metros, começando-se a abertura de um canalete que
desse passagem á canoas, e que foi feito á facão, machado e serra.
Aqui a agua é quasi pútrida, feia, turva e viscosa, devido ao revol-
vimento e putrefacção dos hydrophytos pela convivência de innumeros
jacarés, sucurys e vários animaes da ilha, especialmente onças e antas,
estas em grande numero.
Terá a ilha um kilometro de comprimento ; alonga-se na direcção
yE. SO., sendo de vinte á vinte e cinco metros a sua maior altura,
ainda que pareça muito mais alta pela elevação de seu arvoredo bastante
cerrado.
E' abundante de antas, o mlxyrely dos guaranys, de bugios, espe-
cialmente das espécies coaid prPio{d.i(\Q% paniscus),e harrigudo (logotrix).
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336 ITINERÁRIO DA CORTE
de que os soldados e marinheiros fizeram ampla colheita. Mui frequentes
se encontram os logares de repouso das antas, que, apezar do espesso do
couro, parecem aprazer-se em formarem leitos de folhas. Apezar dos indí-
cios de serem muitas, nenhuma foi morta ; também não havia tempo nem
necessidade de embrenharmo-nos para caçar. De onças vimos somente as
pegadas ; um tamanduá-bandeira que appareceu, prompto fugiu. Os gua-
ranys chamam-o nhurumi.
 flora não parece differir da das margens altas das lagoas, sinão
em patentear-nos os mais bellos specimens de tunas (cereus e opuntía
Billenii) centenárias, que, attingindo enorme altura, quinze ou mais me-
tros, sobresahem ás mais altas arvores, entre ellas as próprias aroeiras.
Um metro acima do chão medem três e quatro metros de circumfe-
rencia, e offerecem ao machado resistência quasi egual ao das velhas pal-
meiras, pela rijeza, e elasticidade de suas fibras densas e compactas.
O terreno abunda em schistos micaceos ricos de ferro. Âs amostras
que trouxe deram ferro olygisto, ferro oxydulado e ferro sulfuretado.
Nenhum destes exemplares mostrava-se imanado, entretanto durante
nossos trabalhos na ilha a bússola andou sempre adoidada, e os trabalha-
dores, ao prepararem suas comidas, viam as panellas saltarem, despeda-
çando-se com fragor as pedras que serviam de fogão, e voando longe,
em estilhaços, mal as aquecia o fogo.
VII
A Uberaba, como ficou dito, representa actualmente um lago cir-
cular, de um diâmetro approximadamente de vinte kilometros; o mais está
litteralmente coberto desse prado de camalotes, tão entrançado e tão
tenaz, que offerece resistência ao peso de animaes de certa corpulência,
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k CIDADE DE MATTO-GROSSO 337
quaes as onças. E' elle, como os dos outros logares, formado de longas
cyperaceas e nymphéas, cujos grossos rhisomas e extensas raízes se apro-
fundam por muitas braças, entremeiadas dos mil laços com que as
ensarta infinidade de pontederias, alysmaceas, nayadéas e hydrochorideas,
sobresahindo â todas a
« nympheacea rainha dos nelumbos »
do Sr. Porto Alegre (a), a qual nesta occasião, em plena enflorescencia,
deixa ver entre as immensas folhas redondas, semelhantes á verdes ban-
dejas, ás vezes de metro e meio e mais de diâmetro, as suas não menos
admiráveis flores, enormes bogarins de trinta, á mais, centímetros de diâ-
metro e quasi dòus de altura, brancas, com o centro róseo ao desabrochar,
e olororosas, com o cheiro das boninas ; róseas no dia seguinte, e accen-
tuando mais a côr á medida que vão soffrendo a acção do sol, até que, ao
cabo de seis ou oito dias, quando murcham, já estão roxo-escuras.
As folhas perfeitamente redondas tém um rebordo de cerca de uns
doze avos proporcional ao tamanho : são de uma textura branda como
o geral das nympheaceas, e romper-se-hiam ao menor pezo das aguas, si a
previdente natureza não as tivesse preparado com duas chanfradurâs, dia-
metralmente oppostas, e cortando em dous arcos simi-circulares o rebordo
das folhas, cujo fim será o de dar sabida ás aguas da chuva.
Enormes como são, tém para sustental-as sobre as aguas grossas
nervuras que dirigem-se, as principaes como raios desse circulo,e as outras
cortando-as perpendicularmente em quadratins regulares. Algumas dessas
nervuras tém ás vezes a grossura de um braço. São aculeadas como todas
as mais partes do arbusto, excepção feita das pétalas, dos radiculas e do
limbo das folhas.
(a) Barão de S. Angelo.— Cotontòo.
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338 ITINERÁRIO DA CORTE
Chamam-lhe osguaranys ahati-irupê^ ou milho prato d'agua, pois seu
fructo é cheio de sementes que assadas tém o gosto assemelhado aodaquelle
cereal ; iapunac-uaupê, ninho de bemievis (a), ou uaupé^'açanan^ ninho
àQ jaçanãs, chamam-lhe Índios do Alto Amazonas 'Jurupary-teanha, espi-
nho do diabo, as nações tupis desse rio ; e atumrsisac, a grande flor, a
gente Mchua. A primeira dencripçâo dessa planta foi feita por KaSnke,
que a viu no Mamoré, mas já d^Orbigny a tinha visto nos afHuentes do
Mamoré, em 1837, e Schomburg um anno antes em Corrientes. Poeppig
a encontrou nos igarapés do Amazonas. Atribue-se a Bridges, que a
viu em 1845, no Kio Jacumá, a imposição do nome com que a bo-
tânica a recebeu ; mas foi Lindley quem estabeleceu-a como género
á parte das nympheaceas, conservando o nome de Victoria-regiuy imposto
por Bridges, á essa planta extraordinária, verdadeira maravilha do reino
vegetal, como bem o diz Duchartre (b).
Neste mez está a natureza em plena enflorescencia ; nos montes e
nas florestas vêm-se esmaltando o verde de todos os tons da folhagem,
os gigantescos ramalhetes de flores, em que se converteu a fronde das
arvores. As lagoas, na sua quasi totalidade, são essas pradarias sem fim,
vasto jardim n'um tapete verde, matisado das mais variegadas flores,
que maior belleza lhe imprimem, mostrando-se em grupos amarellos aqui,
ali brancos, ali róseos.
VIII
A' 6 de setembro, apezar de um immenso aguaceiro, prenuncio já
da estação das aguas, fica terminado o marco N., á uma e meia hora
(a) Uoupé quer dizer forno, paneUa ou ninho.
(b) Elementos de Botânica^ pag. 970.
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i CTDADE MATTO-GROSSO 339
da tarde. Sua posição foi demarcada aos 17* 26' 32", 13 lai e 14*
39' 53", 40 O.
O do S. inaugura-se na tarde de 10 aos 17* 33' 39", 99 lat.
e 14* 32' 16", 20 O. Fica á beira de uma frondosissima matta de
arvores gigantescas, cerca de dous kilometros á esquerda da entrada pelo
canal de D. Pedro 11; é local frequentadissimo pelas onças, cujos signaes
frescos encontrávamos todas as manhãs, quando se descia á terra para
o trabalho; notando-se que vinham acompanhando as pegadas humanas
até a borda d'agua.
"Viotoria-regria.
Nessa mesma tarde descemos o canal e á 11 de setembro deu-se
começo ao marco N. da Gahiba, na extrema da lingueta empantanada,
em que termina a margem direita do canal, e que como vimos prolonga-se
n'um banco pela lagoa á dentro. Ahi também encontrámos diariamente
os rastros das onças, sendo notáveis os de uma,cujas patas marcavam mais
de palmo de diâmetro. Não podia estar muito longe, ainda, o animal, visto
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340 ITmERAMO DA CÔBTB
ter deixado naquelles signaes iresquissimos e ii'outros e ainda fumegantes,
a prova de ter-se retirado ha instantes.
O marco do sul ficou n'um terreno baixo, encharcado e completa-
mente alagado, mesmo com poucas aguas. Buscou-se-lhe o local mais
alto e apropriado, junto á um pequeno córrego, na linha JV. S., á meio
da lagoa. Quando quasi prompto, as chuvas e a pouca firmeza do terreno
fizeram-o abater; pelo que, reconstruido, não se lhe deu a altura marcada
aos outros, para diminuir-se-lhe o peso.
São mui formosas todas essas paragens, e devem ser feracissimas.
A vegetação é exuberante, luxuriosa e robusta; arvores enormes cobrem
os albardões das lagoas ; e o seu terreno ubérrimo convida á fácil agricul-
tura, sobretudo na margem esquerda do canal, terreno alto, e que vae
mais e mais se elevando, coriío fraldas que é das serras de Insua, Ahi já
se vêm a tinguaciba, o araribá^ e o óleo vermelho ; ha abundância de
peuvas, vinhaticos, gtmtanibús, vários louros e canelleiras. A mais deli-
ciosa caça ahi se cria, principalmente de aves da ordem dos mutuns,
nhamhús, jacus e arancuans, em tão grande cópia que sobejam ao ca-
çador, o qual todavia não se afana muito na caça. As aguas muito
piscosas ; o canal profundo e torrentoso admitte, em certa quadra do
anno, como a Gahyba e o Faraguay, navios de grande calado : só fdta
ahi o homem civilisado, e a sua industria, para haurir as fáceis riquezas
dessas paragens, indubitavelmente sem superiores no mundo.
Os guatós são a única tribu que ahi vive, e já muito resumida,
pelo que soflfreu dos paraguayos e da va^-iola, que os assolaram comple-
tamente. Também um inglez, o Sr. Willian Jones, ha muitos annos
reside com sua familia em uma pequena situação entre a Gahyba merim
e a Uberaba.
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i CIDADE DE MATTOQBOSSO 341
A' 15, inaugura-se o marco N. aos 17^ 43' 17", 67 lat. e 14*
29' 19", 18 long., e á 20 o do 5., aos 17^ 48' 15", 15 lat. e 14^
30' 24", 30 long.
Na madrugada seguinte sabimos, mas já encontrando a lagoa atra-
vancada pelo banco, ahi encalhou o António João por mais de uma hora.
A's 7 horas e 20', montamos o Letreiro, que desta vez deixou-se observar
melhor, estando, talvez, todo elle fora d'agua.
A'8 10 1/2 chega-se ao sitio Canavarro, á margem direita do Para-
guay ; ás 11 1/2 passa-se o Caracará; uma hora depois deixamos a
boca meridional do S. Lourenço ; á 1 hora e 40' as Pedras de Amolar^
e cincoenta minutos mais tarde fundeamos nos Dourados para buscar
provisões.
A's 4 1/2 da tarde continuamos a viagem; ás 5 horas e 10' pas-
samos o sitio Firmiano, em cuja plaga o vapor incendiado mostra o casco
completamente á sêcco. A's 6 horas e 15' o sitio de José Luiz; e poucos
minutos depois a boca da Mandioré, onde encalha o António João por
uma meia hora, e duas vezes, fundeando ás 7 horas e 20' na risonha
bahia de Ourives. Sondando-se sempre o canal e encontrando três braças
no mais, a sondareza não encontrou fundo no poço já citado, á entrada
dessa bahia.
A'8 10 da manhã seguinte continuamos a viagem para a lagoa :
leva-se três horas encalhado n'ura banco; sahe-se ás 4 horas e 50', mas
pouco depois bate-se n'uma pedra que é, felizmente, transposta com
facilidade, chegando-se após mais dez minutos de marcha ao fim do canal,
que marca ahi seis palmos escassos na profundidade. Sahe uma chalana
para explorar a lagoa; com muito custo e ás vezes puchada pela tripu-
lação chega á quasi meio, e volta com a noticia de ser impraticável,
também para ella, o resto da lagoa.
Partimos á 23 ás 9 1/2 da manhã : o António João não é madru-
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842 ITINERABIO DA CÕBTE
gador. Oito minutos depois bate na mesma pedra da véspera e depois
n'oiitra de um pedregal que atravessa o canal.
A* 1 da tarde chega-se ao rio, sem tocarmos no banco onde estivé-
ramos três horas, ante-hontem. Segue-se viagem â 24, ás 9 1/2; ás 11 1/2
passamos o sitio Falhares, e 10' depois a fazenda de José Dias; ás 12 o
Furado da Sucury, onde pára-se para comprar lenha, demorando-se uns
três quartos de hora, á 11/2 da tarde passa-se o Faraguay-merim, ás
3 1/2 a Falha, ás 5 horas e 5', os Castellos, fundeando-se ás 7 horas,
ainda claro. O António João não se arrisca á viagens á noite.
A' 8 1/2 da manhã de 25 levanta ferros e ás 10 1/4 tem-se já a vista
o agradável panorama de Corumbá, em cuja abra aportamos pouco depois
de meio-dia.
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CAPITULO VI
Hwtrarít. De Connliá ao DfscalTado. Do Descalrado á Corixa. O Retiro do Presidente. Fauada de Canbari Oi
«piía e u fornicai: o *' temei latirenn.'' Bahia de Pedras. A corixa grande do Destacanento. A Lóea. Da
Cf riu á Santa Rita. O sitio *' Uanauo. "^ Os chiqnitanos e sen dialecto. '* Bagres. " Santa Rita. As corixai.
Ão é do génio do chefe da commis-
são o desperdício de tempo : aca-
badas as observações e regulari-
sados os chronometros, partimos
novamente de Corumbá, á 1 hora
e 50 minutos da tarde de 6 de oi-
tubro, no António João^ seguindo-
nos duas lanchas á vapor e umas
três ou quatro chatas á reboque.
Até hoje foi esta de todas as
viagens a mais incommoda. Calor
iinario de 30* á 35% dia e noite;
pequeno, cheio e ainda arrastando
um pesado reboque, e deitando de marcha menos de milha e meia
por hora.
No dia 8 fundea-se, como sempre, ao escurecer (7 da tarde), junto ao
Letreiro da Gahyba. A' 9, ao meio-dia, passámos a boca da Uberaba ; ás
3 horas e 40 minutos da tarde de 10 o Bananal ãe Baixo. No dia 11
sahMe ás 6 1/2 da manhã, e com duas e meia horas passa-se o Bananal
ão Meio. A'8 7 da tarde fundea-se junto do Atterraãinho.
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244 ITINERÁRIO DA CORTE
No dia 12 sahe-se á hora do costume e ás 11 1/2 entra-se no Bror
cinho, furo á margem esquerda do Parg^ay. A's 8 horas e 50 minutos
do dia 14 chega-se á sua entrada, que tem ahi também o nome de Três
Bocas, e dez minutos depois ao Descalvado.
Desde algumas léguas que já apparecem mais altas as margens do
rio; são, porém, apenas duas fachas estreitas,ou albardões,que o margeiam,
sendo baixos e empantanados os outros almargeaes.
De longe em longe apparece um pequeno alto, que chamam reductos^
logares sabidos de pouso, como os Bananaes, o Atterradinho, etc.
O rio já Tae muito baixo, mas fomos tão felizes que somente hoje
começam os encalhes.
A*s 3 da tarde seguimos em busca do Retiro ão Presidente, ponto
umas três léguas acima do Descalvado ; encalha-se das 4 horas e 35 minu-
tos ás 7 horas e 20 minutos, mas ás 8 horas abicamos ao porto.
A' 15 sahimos ás 6 horas e 20 minutos, aguas acima; encalha-se
das 9 1/2 até depois de meio-dia, e, receioso de que dahi em diante não
encontre agua para seu calado, o António João volta para o Descalvado,
onde fundea ás 2 da tarde.
Vae agora a commissão encetar seus trabalhos de terra, continuando
o traçado divisório das lagoas por uma linha que, partida do marco N. da
Uberaba, vá passar pelo extremo S. da Corixa Grande do Destacamento,
morros da Boa Vista e dos Quatro Irmãos, e seguindo dahi para a ver-
tente principal do Eio Verde, nas montanhas de Eicardo Franco, antiga-
mente do Grão Fará, em frente á cidade de Matto-Grosso.
Apenas desembarcados, e devendo descer á Corumbá uma das lan-
chas á vapor, um dos membros da commissão boliviana despede-se e soli-
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i CIDADE DE MATTO-GKOSSO 345
cita passagem para aquella villa, dando como motivo não querer seu chefe
^^e pae) reconhècêl-o no caracter de secretario da commissão. Este diz-nos
que os motivos são outros, e ambos se dignam affirmar-nos de que taes
motivos não nos dizem respeito. De facto o joven D. Vicente Mujia retira-
se, dando mostras de saudoso e muito grato á nossa sociedade e trato
de companheiros. Fica, pois, a commissão boliviana reduzida á seu chefe,
o velho e amável general D. Juan Nepomuceno Mujia.
Forto do Desoalvodo.
Em 21 de oitubro dá-se começo ao levantamento topographico do
caminho á seguir para a Corixa Grande do Destacamento, apezar da im-
supportavel temperatura do dia. Tem o thermometro oscillado entre
26* e 35". Nesse dia, tendo marcado 28" ápS 6 horas da manhã, ás 2 1/2
da tarde tinha-se elevado extraordinariamente à 39",2, quando desabou um
furioso temporal de sudoeste, com fortes aguaceiros e uma chuva de
pedras, que 'açoitou os ares por uns cinco minutos.
U
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346 ITINERÁRIO DA CÔRTB
Ao chegarmos ao Descalvado, tínhamos por certo encontrar promp-
tos os animaes necessários para a conduccão e corte, conforme prévio
ajuste.
A' 21, cansado de esperar, resolveu o barão de Maracajú dar começo
aos trabalhos, e seguiu para a Corixa, deixando encarregado de efectuar
a compra seu immediato, o major Lopes de Araújo, que por doente não
quiz seguir.
Somente á 29 apresentou-se o dono da fazenda com quem se tinha
convencionado a compra dos animaes, e que, vendo-nos completamente á
sua descripção, marcou para preço de cada animal 180$, isto é, quasi o
dobro do que valiam, pela razão mui simples, dizia elle, de têl-os com-
prado á cem mil réis e perdido quasi metade,pelo que andava-lhe cada um
por cento e sessenta mil réis, tendo certeza de ainda perder outros muitos;
calculo por demais razoável e tão seguro que, no dia em que restar-lhe um
só desses cavallos, ha de querer por elle o preço dos cem, para não ficar
prejudicado.
II
O porto do Descalvado é o ponto mais alto do albardão na margem
direita, acima dos alagadiços da Uberaba. Sua posição foi determinada
aos 16* 44' 38'',34 lai, pela commissão. Ha ahi uma grande rancharia
pertencente ao fazendeiro João Carlos Pereira Leite, dono da situação do
Cambará (a), á 31 kilometros de distancia, em rumo 2^N0. Mede esse
albardão poucas dezenas de metros de largura; inda assim é interrompido
por depressões e entradas do rio. O resto do território em grande extensão
(a) CerrupçSo de camará^ muito usual no povo rústico.
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 347
é alagadiço ás fiienores enchentes. Nas mesmas condições ou peiores
estão os terrenos da margem fronteira.
Uns cinco kilometros rio acima e nessa margem começa uma mon-
tanha de gneiss, o Descalvaão (a), que deu o nome á região.
Oitocentos metros acima do porto, acha-se um salaãeiro, fabrica de
xarque o cortume, que não parece mal montado relativamente aos outros
estabelecimentos da provincia. Nos arredores elevam-se dous pequenos
morrotes, dos qnaes o mais elevado, meia légua distante, no caminho de
Canibará.
O Beiiro do Presidente, ficando como vimos á três horas de viagem
aguas acima, está á 9.338 metros, por terra, do porto do Descalvado ;
este, e um outro chamado o porto das Éguas, uma hora, mais, por agua e
á 27 kilometros do Descalvado, são os melhores locaes de desembarque
para Cambará, e por conseguinte para quem busca o interior do conti-
nente.
A fazenda fica á 21.853 kilometros do Retiro, e pouco mais de
quatro do porto das Éguas. Consiste em pequenos casebres de taipa,
cobertos de palha, com excepção de um só que é de telha, nenhum tendo,
nesse paiz das madeiras de lei, nem forro nem soalhos.
E' uma verdadeira estancia, ao modo das do sul, com diflferença
apenas da pobreza dos campos de criação.
E' notável para quem percorre o Brasil a diflferença de apresen-
tação dos seus grandes estabelecimentos ruraes, os engenhos de assucar
do norte, as fazendas de café do centro e as estancias de gado do sul.
No norte, quem entra n'um engenho parece ch^r á uma villa ; ali
se ergue uma capella, sinão uma boa egreja de torres, cercada pela boa
casa de vivenda do senhor, os engenhos, as fabricas e ofificinas de necessi-
dade e a casaria dos escravos.
(a) A LCo 43* lat„ segando Luiz D'Alincourt.
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348 ITINERÁRIO DA CORTE
Ahi tudo é risonho, tudo respira a alegria e falia á vida, desde o
bater das machinas, o zum-zum das moendas e bolandeiras, o barulho da
agua que cahe das comportas, o mugir dos bois, a algazarra dos traba-
lhadores, até — e o que lhes dá um cunho especial e agradável, — o cheiro
da cana, do assucar, da bagaceira e até dos bois. Ahi a vida é sempre
prazenteira e uma constante distracção.
No centro, consistem as fazendas n'um quadrado que lembra as re-
ducções jesuíticas, e os pequenos e antigos povoados das republicas hes-
panholas, fazendo-lhe uma das faces a casa do fazendeiro, outra os mon-
jolos e o resto as senzalas de escravos, e cercando o terreiro liso, batido e
ordinariamente vermelho da argilla do solo onde se sécca o café, e em
cujo meio quasi sempre se vê erguido um cruzeiro. As distracções únicas
são as que a natureza pôde ofFerecer nos passeios, na caça, etc. No sul,
a estancia quasi que unicamente consiste nos campos e nos gados, e o
mais rico estancieiro tem muitas vezes por albergue uma palhoça, um
simples rancho, onde possa accender fogo para o mate e o churrasco ou
possa estender os aperos para a cama. Também, por via de regra, as
fortunas são mais solidas entre estes do que nas duas outras classes. Sua
riqueza depende da uberdade dos pastos, onde os gados se procreiam ma-
ravilhosamente e onde o costeio poucos lucros lhes consome. Trabalho,
não ha mais que o reponteamento e a marca, o corte, a salga e a expor-
tação ; inimigos, a sêcca ou innundação e as episóocias, felizmente quasi
desconhecidas.
Os outros tém maiores despezas para manterem e conservarem as
fabricas, e além dos inimigos metereologicos tém ainda as moléstias e
parasitas vegetaes, tém as contingências á que está sugeito o pessoal, e,
mais ainda, a suzerania dos consignatários, que os conservam em feudo,
e, outras pieuvres^ sugam-os pelos cem tentaculos com que os prendem.
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k CIDADE DE MATTO-GROSSO 349
Na fazenda Cambará são grandes os apriscos e bem cercados,
assombreados por uma vintena de gameleiras, novas, mas já frondosas, á
sombra das quaes são hospedados os viandantes, pelo que o hospitaleiro
amphyctrião fez coUocar debaixo de cada arvore dez ou doze postes de
madeira para armarem suas redes.
III
O terreno entre o Descalvado e o Retiro é em grande parte argil-
loso, com uma ligeira camada de terra vegetal trazida pelas innundações
que o cobrem completamente.
Com excepção da alta e robusta floresta que sombreia o albardão á
beira rio, os bosques só apparecem, de espaço em espaço, em pequenas
ilhas mais ou menos arredondadas, contendo grande numero de madeiras
preciosas, e tomando-se notáveis por guardarem uma certa disposição no
seu desenvolvimento, sendo mais altas as arvores do centro, e indo essa
altura decrescendo á medida que se approximara das orlas, dando á dis-
tancia a apparencia de morrotes que somente ao perto deixam conhecer
a verdade.
Ainda que ahi o solo seja mais elevado do que no resto do terreno,
pela quantidade de húmus que os annos lhe vão accumulando, todavia
isso physicamente vale tão pouco, que não deve ser levado em conta para
a altura dos bosques.
A mór parte dessas arvores tem marcada no tronco e galhos a ele-
vação das ultimas enchentes em mais de dous metros.
Innumeros cupinzeiros, em forma de columnas, erguem-se aqui e ali,
na planicie, em tal quantidade que faz lembrar ao viajor os escombros de
uma antiga cidade ou os túmulos de uma vasta necropole.
Ahi o tapete botânico se accentúa na flora palustre, onde predomi-
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350 ITINERilBIO DA CORTE
nam a tahua (typhaceas) (a), só persistente nos logares húmidos e Índice
certo da presença da agua, e varias gramíneas e cyperaceas, junca-
ceas e aroidéas, alysmacias e plantagineas. Nos logares áridos mais
abundantes de silica, e que com mais facilidade se séccam, a vegetação
arbórea é quasi nuUa ; apenas destacam-se aqui e ali uma ou outra
peúva, uma ou outra caem protegendo alguns arbustos que á sua
sombra crescem, amparados da estuação. Quasi todas essas arvores tém
ao seu redor mais alto o terreno, ás vezes de meio metro, e n'um diâmetro
de quatro, cinco e seis, devido as terras que as enchurradas carregam e
deixam detidas entre as raízes, augmentando de anno em anno.
Por toda a parte encontra-se a amaryllis princeps, que, quasi uníca
no seu género, alastra campos e collínas, terrenos sêccos ou húmidos,
esmaltando-os com as grandes flores vermelhas de seus pendões umbelli-
formes.
Do Ketíro em diante o terreno é mais calcareo ; continuam as exten-
sões baixas, cobertas de vegetação palustre, e os taboleiros silicosos e
áridos. Nestes, as arvores isoladas já dão uma feição nova á região ; são
lixeiras ou cajueiros bravos, caimhé do Pará, malpighiacea sem utili-
dade reconhecida ; o pau pâãre, o pau terra, a fructa de morcego, e já
menos frequentemente as peiívas, o jabotá, as cacias e palmeiras dos
géneros asfrocarium e boctris. Em alguns taboleiros a vegetação é unida
e são as myrtaceas, anonas e paineiras anãs, que dão o cunho ao tapete
floral. Nos logares mais baixos, e onde a humidade é maior ou mais se
demora, notam-se moutas ou bosquetes de algodão bravo (hibiscus bifur-
catus, de Lacerda), affectando também, de ordinário, a disposição cir-
cular, e as Aeperipcri e tabúas, nos logares ainda mais húmidos.
Do Descalvado á Corixa Grande do Destacamento medem-se 97,033
(a) E* ojuraperi do Pará.
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í CIDADE DB MATTO-GROSSO 351
kilometros. Desse terreno mais de três quartos são completamente ala-
gadiços n'uma estação e tão sêccos na outra, que só escavando-se profun-
das cacimbas póde-se encontrar agua, quasi sempre branca, da côr do
leite, do elemento calcareo que traz em suspensão, e do qual nem mesmo
os filtros a livram completamente.
I3aliia de Pedras.
Na sêcca, apenas se encontra perenne uma pequena lagoa á que os
naturaes chamam impropriamente Bahia de Pedras^ sem duvida por
verem assim designadas as formadas pelos rios. Fica ella â 27 kilometros
da Corixa, na encosta oriental de uma lombada, contraforte da serrania
de Borborema, que se estende em largura até a Corixa, e em compri-
mento mais algumas léguas ao sul.
Também fora delias e dos dous morrotes de que já fallei, junto ao
Descalvado, o único accidente de idêntica natureza, que se encontra em
todo esse campo, é uma notável agglomeração de penedos, cascalhos
angulosos e seixos rolados, formando uma pequena coUina que já vae se
cobrindo de vegetação alta, no caminho de Cambará, e delia distante
cerca de kilometro e meio â NNO. Parece mais um deposito de pedras,
preparada pelo homem, que uma eversào da natureza, quem sabe si um
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352 ITINERÁRIO' DA CORTE
steinherg, ou melhor, pachwerJchauten, dos primitivos habitantes, para
resguardarem-se na estação das aguas (a)?
Nos bosques abundam as madeiras de valor, quaes o jacarandá, os
cedros, o vinhatico, pau d'arco, condurú, peúvas, varias espécies de óleos,
baraúna, o angico em quantidade sempre extraordinária, os jatobás, a
tinguaciba de folhas paripennadas, e o guatambú, forte e rija madeira do
mais formoso amarello. Earo é o carandd que ahi se encontra, mas de
certos legares descortinam-se ao longe os leques dessa utilíssima pal-
meira, cobrindo extensões de léguas, sempre nos legares húmidos.
A formiga e o cupim de diversos géneros são os donos do terreno.
E' notável que, sendo varias as formas de seus cortiços ou casas,
guardem, no emtanto, uma uniformidade na construcção, segundo
os legares; aqui, sendo todos de uma forma; ali, de outras, etc., não
podendo eu rigorisar si tal diflferença depende do solo e materiaes de
construcção, si da diversidade na espécie dos constructores. O certo
é que nas proximidades do Cambará vê-se o campo coberto de columnas
cylindricas, que os indios chamam fa^wr^í^, altas de, ás vezes, dous metros,
assemelhando-se aos marcos ou pilastras conhecidas sob o nome de frades
de pedra; ali, assemelham-se á pequenos castellos de meio metro de
alto, com setteiras, portas, terraços, torreões, etc., quaes os dos taboleiros
chamados lAxal e Btigres, já adiante da Corixa. N'outro8, como em
Palma Real e Petas, são mais baixos, mais grossos, ora isolados, ora
encostados á arvores, sempre, porém, muito resistentes e feitos de uma
espécie de cimento betuminoso, impenetrável á agua.
(a) Montes de pedras, argilla ou lodo, que os habitantes das regiões lacustres,
na época neolithica, faziam para ampararem suas tendas. Os steinberg e packioerk-
bauten foram encontrados pela primeira vez, em 185é, nos lagos da Suissa*
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A CIDADE DE MATTO-GROSSO 353
São seus moradores espécies de termes lucifugum, O termes aerium
eleva seus palácios nos ramos ou engalhamentos das arvores, dando-lhes
mais de metro de altura e de circumferencia ; a entrada íica no solo, com
que se communica por um corredor construido da mesma argamassa e que
desce ao longo dos galhos e do tronco. Nas cabeceiras do Eio Verde
vimos uma noite um espectáculo sorprendente. Um desses cupinzeiros
apresentava-se todo coberto de pequenas luzes, quaes pequeninas estrellas,
semelhando uma torre em miniatura, brilhantemente illuminada. Ficava
perto da barraca do capitão Craveiro, commandante da força, e este
foi-nos convidar para partilharmos da sua sorpreza e prazer. Golpeando-se
o edifício apagavam-se as luzesinhas, como por encanto, para virem sur-
gindo de novo, pouco á pouco, á começar dos legares onde o golpe reper-
cutira com menos intensidade. A' esses, si pertence o qualificativo de
lucifugi^ melhor lhes cabe a designação de luciferi.
Os TaavLP-Cua ovi Formisueiros.
E* delles talvez que Castalnau falia á pagina 103 do seu livro 2.*»
D^ formigas, a mais graciosa cònstrucção que observei foi a de
15
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354 ITINERÁRIO DA CORTE
uma espécie pequenina e negra, que faz seus ninhos nas folhas grandes e
vivazes de certas dycotiledonias, como os louros, algumas euphorbias, etc.
Kevestem-as de folhetas mui ténues e mui rijas, de um tecido semelhante
á seda encerada, côr de palha, sobrepostas umas ás outras em innumeras
camadas,mal deixando entre si espaço para os moradores moverem-se.Não
é a taracuá de que fallou o Dr. Alexandre Eodrigues Ferreira, que ajunta
o epiderma da arvore parinary para fazer seus ninhos, que os Índios reco-
lhem para isca. Os de que fallo não se prestam á esse mister, queimando
com difficuldade e como derretendo-se, e dando um forte e desagradável
cheiro empyreumatico.
Percorrem estes campos gados mais ou menos ariscos, quer perten-
centes aos fazendeiros vizinhos, quer alçados das antigas fazendas do go-
verno. No tempo sêcco em que o sol torra a menor haste de herva, e em
que não se encontra no solo a menor poça para abeberarem, fogem os
gados para os logares sombrios ou frescos, mais ou menos húmidos, ou
mesmo para a borda das lagoas, longe ás vezes de muitas léguas.
Por todo o campo encontram-se caminhos estreitos, mas bastante
trilhados, cortando-se em varias direcções; seguindo-se por elles vae-se ter
aos logares onde os animaes se acoutam ou onde vão buscar refrigério á
sede.
A praga de gafanhotos, antiga nestas comarcas, e que já em 1537
perseguira á Juan de Ayolas, começava á devastar os campos, quando
por ahi passámos. Vinham de 0.,e foram suas nuvens que nesse anno e no
seguinte tão cruelmente assolaram as mattas do Paraguay e as pastagens
argentinas, montevideanas e do Bio Grande do Sul.
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 355
Uma outra praga encontrámos, e esta constantemente, quer na estação
sêcca quer na chuvosa : era uma quantidade enorme de amboás ou gorir
goros (iulus flavus zonatus)^ que cobria as estradas, e nos próprios
acampamentos, apezardos cuidados, appareciam aos milhares, e subiam
ás barracas e até aos leitos.
IV
O nome de BaTiia de Pedras estende-se também á uma miserável
povoação de verdadeiros servos da gleba, pobres apaniguados dos senhores
da terra, que ali vivem na fralda da morraria, á beira da estrada. Algu-
mas bananeiras, uma plantação de fumo e milho de poucos metros qua-
drados, e algumas melancias e pimenteiras, eis toda a sua lavoura.
Ahi vi pela primeira vez a arvore conhecida pelo nome de fructa
banana^ que pareceu-me ser uma sapotacea. Seu fructo, drupa com três
nuculos unidos, assemelha-se ao sapoti, e tem o gosto perfeitamente idên-
tico ao da banana da terra.
Como já disse, o terreno segue montuoso até a Corixa, salvo peque-
nos valles que se formam aquém e além da situação do Tremedal^ em
meio caminho.
E' coberto de formosa mattaria, onde as hombaceas e as stercúlari-
neas apresentam magníficos exemplares pelo vigor de sua constituição.
A estrada seguia o dorso da morraria, e teve de ser alargada, na extensão
de 15 kilometros, para poder dar passagem ás carretas da commissão e
do fornecimento, algumas de três metros de alto e dous de largo ! Do
Tremedal em diante era de boa largura, conservando sempre uma média
de quatro metros, que triplica-se ao approximar-se á Corixa, desde o seu
cemitério.
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356 ITINEBARIO DÁ CORTE
O Sr. Costa Esteves, fornecedor da commissão, encarregou-«e tam-
bém de aperfeiçoal-a, alargando-a mais e rectificando sua direcção, como
qne lucram-se alguns milliares de metros.
Tanto o solo como a morraria, cobertos nas camadas superiores de
argilla vermelha e plástica, manifesta em alguns logares a formação
geológica de calcareo e algum grés quartzoso.
A Corixa Grande do Destacamento não é mais do que um pequeno
posto militar para guarda e fiscalisação dessa parte da fronteira, que é o
interposto do commercio boliviano com S. Luiz de Cáceres, para onde
dirige-se passando pela Bahia de Pedras e dahi em rumo K. á cortar o
Jaurú. O fisco nunca teve ahi um empregado para lhe zelar os direitos.
Está o posto aos 16* 23' 46",9 lat. e W 5' 35",85 long. occ. do Bio de
Janeiro.
Consiste em umas vinte palhoças com frente para a fronteira. Sua
posição é bonita e agradável, em terreno alto e sêcco, á poucos centos de
metros do riacho que lhe dá o nome. Para converter-se n'um bom po-
voado, falta lhe somente boa agua, pois que a do riacho é travosa, com
uns saibos de alumina, ainda que mui limpida e transparente. Mas não
é difflcil obtêl-a boa, de cacimbas, que nas vizinhanças já as ha de excel-
lente agua.
O riacho tem origem, como já se o disse, n'uma caverna de um
monte isolado, mas pertencente ao systema da serraria de Borhorema.
Fica á kilometro e meio, mais ou menos, á NNO. do Destacamento. A
montanha é de gneiss em decomposição, coberta de grosso cascalho e
penedos angulosos de quartzo.
Na sua face meridional ha uma quebrada formando como que um
alpendre regular, debaixo do qual e do fundo da rocha seguem para o
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X aDADE DE MATTO-GROSSO 357
interior três corredores, por onde sahem aos borbotões as aguas do riacho.
Esses corredores são escuríssimos e habitação de numero infinito de mor-
cegos ; o do meio é o mais largo e recto, tendo pouco mais de um metro
de largura.
Dentro ouve-se o rumor das aguas que cahem como em cachoeiras
e vém pelo chão dos corredores sahir na quebrada, onde soterram-se,
apparecendo cinco metros mais longe, e já como um ribeiro de quatro e
meio metros de largo, alguns decimetros de fundo e corrente regular. O
monte medirá quando muito três kilometros de perímetro ; junto ao
alpendre vêm-se distinctamente camadas stratiformes de rocha semelhante
ao trapp amygdaloide, das quaes algumas lisas e polidas como lousas
jazem amontoadas no solo, resultado das erosões produzidas pela lympha
que minou a montanha, dissolveu-lhe as rochas de fácil decomposição,
e formou esse alpendre e as cavernas interiores para seu livre curso. A
pr^ença das aguas, e a força com que cahem no ventre da montanha, in-
dicam a existência de um siphão.
O alpendre ou Loca tem quasi oito metros de frente, três e meio de
fundo e uns cinco de altura. Busquei examinar os corredores; mas apenas
entrei alguns passos no do meio, a escuridão e a nuvem de morcegos, que
esvoaçavam molestando-me, desanimaram-me de proseguir.
Em caminho vi uma dessas graciosas curiosidades com que a natu-
reza parece ás vezes querer divertir-se : do alto do grosso tronco de uma
gamelleira decrépita, truncado pelo raio ou pelo tempo, elevava-se uma
graciosa palmeira cercada ainda dos galhos verdes da velha arvore ; como
represália de ser tantas vezes a palmeira o supporte dessa gigantesca
parasita, cuja semente, nella deposta pelos passarinhos, ahi germina,
cresce, vae descendo suas raizes e anastomosando-as ao redor da estipilte,
e tão perfeitamente, que, ao cabo de tempo, toma-se em segundo envoltó-
rio ao tronco da palmeira.
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358 ITINERÁRIO DA CORTE
Fui ao morro da Loca^ não somente levado pelo desejo de vêr essa
curiosidade natural, como ainda com o fim de verificar a riqueza de
cobre, que o fazendeiro João Carlos dizia ahi haver, vendo-se o mineral
engastado nas paredes do alpendre. Achei estas verdoengas, é certo, mas
de limo.
Não sei si poder-se-ha atribuir aos morcegos o mau gosto da a^a
do regato, que acaiTeta das cavernas uma tal quantidade de detritos e
excreções desses vampiros, que forma um sedimento negro e pastoso em
quasi toda a extensão de seu leito, sendo de alguns palmos de altura nas
immediações da loca,
O regato que passa no destacamento, com uma corrente regular,
segue assim por uns seis kilometros, perdendo pouco á pouco a correnteza,
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 359
e espraiando-se nos tremedaes e alagadiços que demoram entre a Corixa
e a Uberaba.
Como já disse, a Corixa presta-se para um bom povoado ; seus ter-
renos são mui feraces e de tal ou qual belleza.
tJm antigo commandante do posto, o capitão, depois coronel, Ger-
vásio Pemé, ha pouco fallecido, homem activo e trabalhador, foi quem
praticou os primeiros e talvez únicos melhoramentos do logar antes da
chegada da commissão. Alinhou e fez construir em boa ordem as pa-
lhoças, formando uma grande praça aberta para a fronteira ; nella ergueu
um cruzeiro, emquanto tratava de levantar uma capella, o que não levou
á eflfeito por ser retirado do ponto ; fez um cemitério cerca de quatro-
centos metros do povo, á direita da estrada que á elle vae,cercou-o de pau
á pique .e erigiu-lhe uma casinha de telha para capella, abriu grandes
cacimbas de boa agua, plantou grande numero de larangeiras, tamarin-
deiros, cajazeiras, goiabeiras, hortaliças e algumas flores. Seus substi-
tutos não plantavam, mas destruiam, e, si deixavam capins e carrascos
crescerem dentro do povoado, levavam o vandalismo á derrubar os arvo-
redos de fructas, já frondosos e soberbos.
A linha limitrophe continuada do marco norte da lagoa Uberaba
vae encontrar o extremo sul da Corixa Grande do Destacamento; por esta
segue até suas origens no extremo sul da serra da Borborema, pela qual
sobe até o Cerro ãe S, MatUas aos 16° 16' 13'',06 de latitude e 15" 5'
16",05 de longitude. Dàhi desce á Corixa ãe S, Matliias e por ella até
sua reunião com a do Peinaão aos 16" 19' 15",42 lat. e 15" 11' 3",50
long., no dever de salvar, conforme a estipulação do uti possiãetis, o
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360 ITINERÁRIO DA CORTE
povo boliviano de S. Mathias, que ficava dentro da linha de demarcação
tirada, na forma do tratado, do extremo sul da Corixa Grande ao morro
da Boa Vista.
Atravessando o riacho ha, á um kilometro, uma situação e engenhoca
pertencentes á brasileiros, que para ahi foram com o duplo fim de nego-
ciarem e de não serem incommodados por nenhum dos dous paizes, evi-
tando o cumprimento dos deveres de cidadãos do Brasil por estarem na
Bolivia, e nada tendo com este paiz por serem brasileiros.
O povo de S. Mathias fica á sete kilometros e meio da Corixa do
Destacamento. E' uma pequena povoação de mais ou menos duzentas
almas, indios quasi todos chiquitanos e alguns bororós. Compõe-se, como
todas as missões jesuiticas, de uma praça rectangular, tendo n'uma das
faces a egreja e nas outras as habitações.
Sua latitude foi agora determinada em 10^ 2V 15",15.
As chuvas, que vieram frequentes em setembro, suspenderam-se
quasi completamente até fiins de novembro. Agora, apezar de tão adian-
tada a estação chuvosa, é que vão apparecendo fortes aguaceiros, quasi
diários ; o facto de virem tardias mais faz temer a sua violência.
Dividida a commissào, seguiu-se á reconhecer o morro da Boa Vista
e os territórios ao norte de S, Mathias e ao sul da Corixa.
Estamos nos desgraçados terrenos em que, como mui judiciosa-
mente diz Southey (a), ha que atravessar pântanos sem por isso deixar de
(a) Obra citada.
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A CIDADB DE MATT(H»ROSSO 361
soffrer-se sede. Para taes terrenos, entre a Corixa e a Uberaba, é que a
commissão tinha recebido a seguinte, cathegorica, mas enigmática expli-
cação, quando tratava-se de seu levantamento topographico : « São ter-
renos que não se pôde percorrer nem á pé, nem á cavallo, nem embar-
cado. »
Mas não se fallou nos aerostatos, nem também se os ministrou.
Pela Uberaba, com effeito, foi impossivel de levar avante a empreza
do reconhecimento dos terrenos, mas conseguiu-se fazêl-o por este ponto,
ora á pé, ora á cavallo, e algumas vezes tendo por montaria hois.
O capitão Costa Guimarães, que também era secretario da commis-
são, foi o encarregado desse trabalho; chegou até a Gahyba e fez o levan-
tamento dessas paragens.
Em 29 de novembro sahimos da Corixa em busca do morro da Boa
Vista.
Atravessado o regato ou Corixa^ passámos dahi á 1 kilometro pela
situação dos brasileiros de que atraz fallei. Duas horas depois chegá-
vamos ao sitio do Uatíossú, á treze kilometros daquella outra.
Tira seu nome de umas formosas palmeiras que ahi abundam, dando
uma feição especial ao terreno ; é a aitaléa spectabilis de Martius, xahate-
hoãi dos guaycurys ; suas folhas tém quatro á seis metros de longas e
dizem que mais ainda, pelo que são mui procuradas para a cobertura das
palhoças. Quando nova a arvore, ainda o tronco não é visivel e já as
folhas, partindo do solo, attingem áquella altura.
Pertence á D. Senhorinha, mulher idosa, mas bem conservada,
representando cincoenta á cincoenta e cinco annos; é de origem indiatica,
e, si não me engano, viuva do segundo dono das Salinas ão Almeida (a),
um tal coronel boliviano Bamos.
(a) Assim chamadas do velho Jeão de Almeida, que ahi se estabeleceu de 1770
á 1790, explorando-lhe o sal.
46
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362 ITINERÁRIO DA CORTE
Essas salinas abundantes e muito exploradas antigamente, começa-
vam sete léguas á O. do Begistro do Jaurú, passavam pelas vasantes ou
campos alagados, até aqui; seguiam para O. á correr pela Corixade
Bugres ou do Pau d pique dos antigos, e para S. tomando os nomes de
salinas do Acorisál e do SuL De outro lado estendia-se entre os rios
Paraguay e Cuyabá, entre Villa Maria e Poconé.
Seu descobrimento foi, como já ficou consignado na InUoducçào (a),
devido á Luiz António de Noronha, no anno de 1770. Segundo o Dr. Ale-
xandre, não era esse o seu nome, e sim Bernardo Lopes da Cunha,
« Timnem de nonie mudado^ não sabe-se qual a razão » (b). Nessa
mineração das salinas foi ajudado pelo escrivão da camará Luiz Ferreira
Diniz, que mais tarde explorou as do Jaurú, colhendo, como atraz vae
dito, muitos alqueires de sal, no verão de 1790.
Tanto os portuguezes como os hespanhoes as cobiçavam e preten-
diam sua posse,sendo, porém, indubitavelmente aquelles os seus primeiros
posseiros.
Em 1837, na presidência do Dr. Pimenta Bueno, depois marquez de
S. Vicente, foi considerada terreno neutro, mas seis annos depois, vindo
um grupo armado de bolivianos estabelecer-se ahi, expellindo os brasi-
leiros que estavam estabelecidos, o presidente mandou-os retirar, ficando
o território desde então considerado, sem contestação, brasileiro.
A casa da Sra. Senhorinha é pequena, mas asseiada e tão confor-
tável quanto se pôde desejar nestas alturas. Por todos os legares da pro-
víncia por onde hei andado, mesmo á borda do grande rio Paraguay, e por
conseguinte junto á outros recursos, excepção feita de Corumbá e das
fazendas da vizinhança, poucas' vezes ha á notar outra cousa nas habi-
ta) Cap. i.-x.
(b) Enfermidades endémicas da capitania de MattoGrosso,
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A CIDADE DE MATTO-GROSSO 363
tacões sinão uma incúria e desmazello que ainda mais miserável tornam
a vida ahi já incommoda. No Uaimssú observa-se o contrario : o que o
cuidado, o asseio e o trabalho podem dar em commodidade e agrado no
meio da própria penúria. Aqui respira-se alegria e bem estar; o arranjo, a
boa ordem revelam os cuidados constantes da dona do sitio, desde a casa,
alva e bem varrida, até a horta onde vicejam os &uctos e hortaliças de
primeira^necessidade, que não se encontram naquellas habitações á beira-
rio, onde, todo o terreno plantado, a horta, consiste n'uma canôi velha e
suspensa em esteios alguns palmos acima do chão. Aqui, vêm-se bana-
neiras, atas oufructas do conde, larangeiras, limoeiros, figueiras, cidrei-
ras e romanzeiras, todas viçosas e bonitas ; algumas plantas de orna-
mento, entre ellas, roseiras, cousa rara mesmo em Cuyabá (a).
A dona da casa, um neto de dez annos, chamado Miguel, o qual —
nestas paragens, já lê e escreve correntemente, e mostra bastante perspi-
cácia e intelligencia,— e suas creadas apresentam-se asseiadas e bem ves-
tidas, deixando vêr-se que não são de gala ou ceremonia, pelo desemba-
raço com que os trazem e que demonstram o uso costumeiro. Também
não ha presumpção de que nos esperassem, nem mesmo tivessem noticia
de que hoje ahi chegássemos. E si fallo nisso, é que a toilette não está
em grandes créditos nestas regiões chiquitanas, mormente para o sexo
feminino, que parece gloriar-se em ostentar a natural e vistosa elegância
dos costumes paradisíacos.
São estas bandas povoadas pelos restos das nações dos cMquitos e
bororós^ aldeiados outr'ora pelos jesuítas hespanhoes. S. Mathias é toda
de chiquitanos. Os homens, comquanto andem inteiramente á vontade
entre os seus, quando sahem para os povoados, vestem camisa, calça e
(a) Lia-se em março de 1876, no Liberal dessa cidade, o annuncio de uma casa
para alugar, onde, enumerando-se as commodidades da habitação, ajuntasse como
cousa notável : « e um grande quintal, onde ha um pé de roseira ! »
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364 ITINERÁRIO DA CÔRTB
chapéo, sinão também a sua jaqueta, trazendo sempre na cintura uma
banda ou facha vermelha muito apreciada em todos os paizes castelhanos,
e aqui por tal forma, que dir-se-ha usarem de calças só para terem o
prazer de lhe passarem a cinta. Uma faca de ponta ou um facão é com-
plemento obrigado do traje de viagem.
As mulheres corrigem a elegância do traje de Eva, substituindo a
guarda-roupa das parreiras e figueiras por um triangulo de panno, de
uma pollegada, quando muito, de tamanho, e meia na maior largura,
o qual ajustam cuidadosamente ao corpo por três tiras ou fitas presas ao
triangulo e dispostas na forma de um T.
Faliam estas gentes mais ou menos quatro idiomas : o chiquitano,
o bororó, o hespanhol e o portuguez. Ora, de um povo, que dispõe assim
de tão vastos conhecimentos linguisticos, longe deve ir a idéa de dizêl-o
curto de civilisação.
São os chiquitanos de mediana estatura, côr azeitonada tirando ao
claro, bem constituidos de organismo, vigorosos, mas preguiçosos. As
mulheres são mais claras do que os homens e tendo de ordinário as pernas
mais curtas do que o tronco, e mais desenvolvido o tecido adiposo ; são
menos esveltas e airosas do que estes. Em uns e outros o ventre é flácido
e bastante desenvolvido, devido isso á enorme quantidade de alimento
que ingerem nos dias de fartura. Os seios, mesmo nas nuUiparas, não
affectam a forma semi-spheroidal ; tiram sobre o comprido e são acumi-
nados para os mamellões.
Os casamentos quasi que coincidem com a puberdade, e não é raro
entre elles encontrarem-se pães de quinze e mães de doze annos de edade.
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k CIDADE DE HATTO-GROSSO
365
VI
o dialecto chiquitano, oriundo do tupi, ou pelo menos seu alliado,
offerece uma diflferença completa dos das outras tribus visinhas ; nem
conheço nenhum á que se prenda.
Sua phonetica assemelha-se alguma cousa á slava, e só se pôde
representar na escripta a terminação das vozes por um h ou eh, tal a
entonação que lhe dão, mais ou menos aspirada.
Eis alguns vocábulos que logrei colher :
Abelha
Ôch
Braço, galho, ramo ípiach
Abóbora
paxich
Branco
porocóvih
.Abrir
itóruch
Bugio
quióbich
Agua
tuhúch-xupê
Cá
onah ; átú
Agulha
quemécah
Cabaça
írerích
Alegria
tococôxe
Cabeça, cabellos
tánich
Ali
acósta-vah
Caça .
cstípócich
Amanhã
tuáque
Caetetu
opôitxéca
Andar de pressa
améh
Calça
calçonah (a)
Annel, brincos
sortícah (a)
Campo
vuehense
Anus
ácuch
Canto de pássaros
utáin-maca
Aqui, cá
onah ; atuh
Cara, rosto
eçúxe
Arara
ôhch
Carne
anhêce
Arco
pajur-toch
Carvão
seguiôch
Areia
quíhích
Casa
og-och (c)
Arroz
arôch (a)
Casca
táquich
Arvore
soice
Céo
apéce
Até logo. Adeus
adios-teh (a)
Chapéo
tacoh-xapach (d)
Banana
pácauh (b)
Cipó
quio quich
Barba
artza-quich
Cigarro, fumo, tabaco páhích
Barriga
quitxo-orúpe
Coatá, bugio
carlo-ravách
Batata
quiáit-sich
Chefe
tápaquich
Beber
itxáva
Chuva
tahach
Beiços
áruch
Cobra
oixóch
Bisouro
mámuch
CoUar
djapiráca
Boca
áixe
Comer
vatzô-ah-pemácah
Boi
tórroch
Comprar
xaê-compi-ach (a)
Bom, bem, sim
ohrs-hinha
Coração
tocich
Borboleta
patúrKcah
Corpo
quetúpich
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366
ITINERÁRIO DA CORTE
Correr
Coser
Costas
Cuia
Cuspo
Dar
Dedos da mão
Dentada
Dentes
Deus
Dia
Diabo
Dor
Dormir
Eu dou
Eu te dou
Escrotos
Espingarda
Estreito, pequeno,
Estrella
Faca
Fechar
Ferro
Filho
Fino
Flexa
Flor
Fogo
Foice
Folhas
Fome
Fumaça
Feijão
Gallo
Gamella
Genit. fem.
Genit. hom.
Gomma elástica
Gordo, grosso
Gordura
Gostar
Gosto
Grande
Lá
Lagoa
Largo
aipiacáce
aqui-pien
etxa-cuch
taropêce
otus quich
txê-hê; -ain quiah
euhens
otzi-soch
oh-och
Mae-tupach (e)
tobich
itxê-boréce
óxoneh
xame
ainquiah
ainquiah-aèmo
páite-quich
escoptah (a)
siroeama
ostonhéca
quiceh (e)
anhama
mónich
nac-hetza
quimpainhah
quimonhéce
pitsioch
pehecé
macetah (a)
açuch
repyca (f)
autsich
quitxoréce
pohoch
coroacich
piunch
pátiquich
selinga (g)
gaitzo
mantecah (a)
ohrs-hinha-paitzo
ohrs-hinha-pae
senimande
chê
sohens
apaietzo ; — sinemande
Lavar-se
vatôpe
Lavar roupa
baiúve
Leit«
• piaitxe
Levar, tomar
ainquiah (?)
Língua
ótuch
Linha
purubich
Longe
taitxe-sinemande
Lua
pauche
Louvado seja
Adios teque Jesu
N. S. J. C.
Chrito (a)
Para sempre, irmão Xaino-cheaino
Machado
pahanch
Mãe
hipiéque
Mais
exinháca
Mamas
piaitxe-piaitxe
Mandioca
tauach (h)
Mau
jahre-iape ; tegorich
Marido
quian-aine
Matar
aquion-ócoi
Matto
heuch (i)
Menino
cupiqutmian
Menos
miaçuch
Meu
ietzi
Milho
oceóch
Monte
irituch
Morrer
onhóti
Morto
conhoti-onaiki
Mosca
obisch
Mosquito
host-hirhirch
Muito
simemane
Narinas
inhech
Não, não ha
xohas-hinha-pê
Ninho
utain-huma
Noite
iquiach
De noite
tobich
Nós
senimá-nanre
Olhos
sútoch
Onça
hóitinich
Orelha
ínhasuch
Ovo
xiquich
Pae
ihah
Palmeira
mastaióte
Papagaio
matoruch
Panella
tainoch
Panno
lienzo (a)
Parir
arúpo
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A CIDADE PE HATTO-GROSSO
367
Pássaro
utáin
Tatá itzei
ich ; ohinhacania
Pato
otuah-tsich
Ter
ietzo : vatzo
Pau
S0h-3CÍ
Terra
quihích
Pé
pio-pés
Testa
sáquitacuch
Pedir
atxim
Tosse
chíncôquich
Pedra
cahanch
Trazer
ai-quema
Peito
tacich
Tristeza
súcéquich
Peixe
opiopóxe
Trovão
taico-suhuch
Pente
momenéce
Tu, a ti
aemo
Perto
até-mahetzae
Umbigo
tucich
Pescoço
txacuch
Unha
hequi-quych
Pinto
cumunacíma
Urubu
paixo-paiquich
Pombo
taima
Vagalume
curucúcich
Porta
turuch
Vaca
bacah (a)
Pote bautzich ; rirapôto
Veado
oigoch
Pouco
simeama atá
Vender
pavente (a)
Preto
quenhitzi
Vento
maquietzich
Quero, querer
exinháca
Ver
ahémoh
Não quero
texinháh-cape •
Vermelho
quiturich
Baiz
xamacách
Verde
verde (a)
Eede
hoitsich
Vestido
tipoiach (e)
Eelampago
. map-aitohoch
Vir
areatán
Rio
tuhuch
Vem
te-atah
Saco
cotenzia (a)
Venha assentar-se
Sahir
ai-ai-toruch
aqui
atemo-ohrs-hinha
Sal
sihich
Vamos caçar
curú-aque
Sangue
otoch
» pescar
curá-macôco-
Saúde, salve, bons
. opiocoxe
dias
saruke (a)
» descançar
ietzi-monha
Sede
sica (a)
cançach (a)
Sobrinho
ihôo
» passeiar
curubá-paceh (a)
Sobrancelhas
siquich
Vá-se embora
acotzi naquich
Sol
suhuch
Vamos trabalhar
curu-yva
Tamanduá
paitxah-bich
taquiepa
Taquara
vuai-paitxê (j)
Voltar
areatan kalin
Tarde, de tarde
tinieh-mech
(a) Do castelhano : sortica, arros, adios, calçones, comprar, escopeta, maceta,
manteca, lieuzo, cotensia. salud, sica, vaca, viento, verde, cansar, paseo.
(b) Pacova^ tupi ; pacóhua, apiacás ; pacovút mondurucús : pacóne^ oyampis.
(c) Ora— tupi.
(d) Lusitanismo ? chapéo t
(ej Do tupi : mpá, quiçá,
(f) O y representa um som
expressa agua em tupi.
(g) Portuguez, êeringa.
(n) Tauapy em catoquinns,
(i) Heucu, tariana, maniva
U) Do galibi.
guttural assemelhado ao u francez, o mesmo que
Mart.
; heuquicht cbaimas, cores, camanagotos, etc.
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368 ITINERÁRIO DA CORTE
VII
O sitio do Uuaussú está na fralda oriental de uma lombada que a
estrada corta na extensão de quasi três kilometros, e vae sahir na extensa
vasante chamada corixão de S. Mathias.
Este, agora apresenta-se apenas como um filete de agua de poucos
metros de largura e um na maior profundidade, no logar buscado para
as passagens; mas as arvores das collinas marcam-lhes as enchentes em
mais de seis metros de altura.
A' três quartos de hora de viagem vae-se do Uauassú ao sitio de
José Félix, em cujas proximidades existe ainda uma aldeia de bororós ;
e uma hora depois ao local da antiga fazenda de Santa Fé, distante oito
kilometros do Uauassú, da qual restam apenas vestígios de seus grandes
apriscos, dous frondosos tamarindeiros e algumas goyabeiras de planta.
Encontrámos um verdadeiro prado de maxixeiros, semente deixada, sem
duvida, por algum viandante, visto que com as queimadas dos campos
parece impossivel que se hajam perpetuado desde os antígos fazendeiros.
O local dos apriscos é ubérrimo, mostrando a força do solo na quar
lidade da gramminea que o cobre, conhecida pelo nome de capim mimoso.
Nas mattas próximas abundam as mangabas, uma das mais saborosas e
delicadas fructas do Brasil ; da arvore, tronco, folhas e fructo verde, se
extrahe um sueco leitoso idêntico ao das hevceas e outras seringueiras,
empregado nas províncias do norte contra as affecções pulmonares, e que
quando concreto é um excellente succedaneo do caechú ou cautxú, como
hoje se diz.
Desde estes campos que se vae encontrando uma das mais preciosas
acquisições da therapeutica e matéria medica, a quina, nas espécies chin-
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A CIDADE DE MATTO-OROSSO 369
ehona conãaminea, chinchona ovatifolia e chinchona lancifolia^ as quaes,
ainda que pouco ricas do inapreciável alcalóide, comtudo, são de muita
utilidade (a).
A estrada vae seguindo sempre em rumo O. Dezoito kilometros e
um quarto distante de Santa Fé atravessa o corixão ãe Bugres ou do
Pau ájpique^ perto do qual, á esquerda da estrada, n'um teso coberto de
mattaria encontram-se ainda vestígios de uma antiga habitação, o Sitio
ãe Almeida, o descobridor dessas salinas ou antes o seu primeiro explo-
rador.
Ainda ha poucos annos havia por aqui uma aldeia de bororós, o que
trouxe ao logar o nome de Bttgres.
Abundância de avestruzes e veados campeiros percorre-lhe as várzeas
e os campestres; raro era o dia em que não encontrássemos no caminho o
iafú bola (tricinctus) e o novem cinctiAS, chamado molitas pelos caste-
lã) Deve-se o beneiicio do descobrimento dessa planta aos Índios do Peru, e á
condessa de Ghinchon, mulher do vice-rei daqneUe Estado, a sna entrada na medi-
cina. Em 1631 um hespanbol da cidade de Loja, gravemente enfermo de intermit-
tentes rebeldes aos meios therapeuticos, então em uso, viu-se promptamente curado
com o emprego de uns pòs amarello-escaros e nimiamente amargos, que, soube
depois, eram da casca do arbusto chamado quina^quina ; e sabendo que a condessa
achava se já ha tempos so£frendo da mesma febre, foi á Lima e curou-a de prompto.
Náo chegaram ao dominio da historia nem o nome do índio nem o do hespanhol, e
só o da condessa que, talvez, ao fazer essa preciosa dadiva á civílísação, não espe-
rava outro galardão sinão o contentamento intimo e satisfação de consciência.
Mas a medicina agradecida quiz honrar-lhe a memoria, impondo seu nome ao
género botanicd e ao principal dos seus productos que a chimíca descobriu. O
cardeal de Lugo, á quçm a condessa por sua vez curou, e os jesuítas, sabedores dos
factos, e que trataram logo de obter dessas cascas e distríbuiam-as em pó aos
pobres,— também quizeram vir à posteridade, honrando>se, mas com bulias falsas,
como padrinhos dos— jx); de Lugo e pós dos jesuitas-^, com que foram também
apregoados; prevaleceu, porém, o dos pós da condessa, que só tiveram duradouro
competidor no dos pós da casca peruviana, denominações quasi desconhecidas
hoje, pois cederam logar á de quina, nome indígena do vegetal (Vide Sebastião
Bado : De cortice peruviana, Génova, 1668).
47
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370 ITDíERARIO DA CÔKTE
lhanos. Da espécie gigante ou canastra nenhum vivo appareceu, com-
quanto sua quantidade seja attestada pelo numero de couraças que temos
encontrado e vamos encontrando.
Também frequentam estas paragens, por causa das corixas ainda
com agua, as onças, tamanduás, coandús, antas, etc. Dos gtiarás ou lobos
(canis jubatus) temos ouvido os latidos á noite ; perto da tapera do
Almeida, citada acima, vimos os restos de dous, mortos recentemente,
assim como, pouco além da corixa dos Bugres, os de uma pequena onça
pintada, todos na estrada. Impropriamente é dado aos guarás o nome de
lobos, tão timidos são de animo, e sendo mais herbivoros do que carni-
ceiros.
Enorme praga de gafanhotos cobre os campos e principalmente a
estrada, onde talvez venham fazer o chylo, após as devastações no campo.
Sua marcha actual é na direcção do oriente.
Mostram-se producçào recente por serem na quasi totalidade pe-
quenos, e alguns tão tenros que mal podem saltar. Nossos animaes á cada
passo que dão esmangam-os ás dezenas. Apenas um ou outro de grande
tamanho apparece aqui e acolá, o que indica que a actual praga aqui
mesmo se gerou dos ovos deixados pela praga do anno passado.
Aprendi com Miguel, o menino do sitio Uauassú, que se fazia con-
tramarchar ou mudar de rumo aos gafanhotos, batendo-se com uma
varinha logo adiante da testa da columna, a qual, obrigada assim á des-
viar-se da primitiva direcção, tomava outra, seguindo toda a praga o
movimento da frente. Si a idéa não é nova, delle a ouvi primeiro e achei-a
muito judiciosa.
De Bugres á corixa de Santa Uita medeiam quarenta kilometros
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i CIDADE DB MATTO-GROSSO 371
de taboleiros de terreno sêcco e árido, ora coberto de carrascaes, ora
campos povoados de indivíduos isolados da lixeira ou cajueiro bravo
(curatella çaimhàhyha) de Saint Hilaire, pau terra {quahà) e
grupos de araticuns. Nos taboleiros distinguem-se as mangabeiras, for-
mosas arvores de folhas ora verdes, ora côr de sépia, agora cobertas dos
numerosos fructos, ainda verdes, mas que nos enganam por não mudarem
com o sasonamento as formosas cores verde, vermelha e amarellada,
com que se matizam agradavelmente. O diphthemium^ palmeira acaule,
é a única espécie da familia que aqui se nota, mas em numerosa cópia.
Vêm-se também bastantes individuos da caryocar brasiliensis (piqui) e
do açoita cavallo e o para-tuãoj bignoniacea de flores amarellas, mui
parecidas á das peúvas no tamanho e forma.
Nestas marchas solFreu-se alguma sede, s6 se encontrando agua á uns
dezoito kilometros de Bugres n'umas, actualmente,pequenas poças, nomear
das pelos viandantes pelo titulo de Lagoa ão Almoço^ com que algum
dos primeiros a designou, perpetuando assim a memoria da sua, talvez
demorada e sem duvida parca refeição.
Dahi para Santa Rita os terrenos vão melhorando e elevando-se
alguma cousa. Já apparecem os capuões ou ilhas de matto, que avis-
tados dos taboleiros semelham, de modo á enganar, pequenas collinas.
Lindas microcilias representam sufficientemente a familia das melasto-
maceas, quasi tão abundante nestes campos como as indefectiveis bauhi-
nias; seguem-se em cópia notável vellosias, cujas flores azues contrastam
agradavelmente com o roseo-pallido das microcilias. O barba-timão e a
carobinha ajuntam-se á ella para accentuarem o fácies do território, esta
com seus corimbos violetes e aquelle coberto de espigas amarellas como
as do camará.
Já quasi próximo uns oito kilometros de Santa Rita tem-se elevado
o teneno de uns quarenta metros, permittindo do alto seu taboleiro des-
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372 ITINERÁRIO DA CORTE
fructar para o occidente umà pictoresca paysagem, limitada ao longe
pelas altas escarpas da Aguapehy. E' também o ponto culminante da
lombada que vae baixando e deixa vêr, já na planície, destacar-se um
morrote verdadeiro que dista cerca de oitocentos metros daquella corixa
que apresenta-se como um rio de dez metros de largura e dous de pro-
fundidade, mas revela sua origem na ausência de corrente. Um casco de
jaboti, que nelle deitei com a concavidade para cima, distava no dia
seguinte uns quinze metros, o que talvez seria devido ás influencias
da brisa. Kepousa a corixa sobre um leito impermeiavel,que tal é a expli-
cação que se possa dar ao pouco que perde das aguas no correr da sêcca.
No tempo das cheias passa á rio largo e caudaloso e depois conver-
te-se em lago, ou antes mar de agua doce, ligando se ás innundações da
Uberaba e dos campos de Céo e Terra, na Bolivia, e de todos esses almar-
geaes para o occidente, que quasi somente vão achar termo nas escarpas
andinas.
Junto ao seu passo acampámos, e determinou-se-lhe a posição em
16* 14' 25",69, parallelo, e Ih' 47* 30" longitude.
As chuvas iam amiudando-se de mais á mais, e fora perigoso prose-
guir-se na marcha. Betrocedemos.
Já disse algures que só quem viaja por estes sertões pôde fazer uma
idéa justa do que elles são, e que, vindo a quadra pluviosa, ninguém se
aventure á grande distancia dos logares de conforto, pois si se descuida,
fiado em que ainda não chove ou são poucas as chuvas nos sitios onde
está, inesperadamente verá, da noite para o dia, pouco á pouco alaga-
rem-se os campos que transita, parecendo jçiiie as aguas surgem do solo, e
vão subindo e alastrando, com pasmo e terror do viageiro que não viu
chuvas que tal determinassem, formando lagoas nos logares mais depri-
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A CIDADE DE MATT(HJBOSSO 373
midos, no emtanto que as ribas e terrenos que a cercam conservam-se
áridos e sequiosos.
Outras vezes, como se dava agora, as chuvas repetetn-se, emquanto
que o terreno, poucas horas depois, nem mostras dá de têl-as recebido, tão
sêcco se mostra. Na vinda encontrámos as corixas com agua, e tinhamol-a
sempre quando a buscávamos em cacimbas, sendo então ordinariamente
da côr do leite, comquanto agradáveis ao sabor ; na volta, apezar das
chuvas torrenciaes, mas de poucos minutos, encontrámos tão árido o
terreno que as cacimbas de vinte palmos de altura nem se humedeciam,
as corixas completamente enxutas, salvo uma ou outra pequena poça de
agua lutulenta e verdoenga na dos Bugres, que atravessáramos com diffi-
culdades pelo seu grosso cabedal de aguas. O que se explica pela natureza
do solo, permeiavel nas suas primeiras camadas que repousam sobre
rochas impermeiaveis. Ali, já o solo estava completamente saturado e a
agua emergia nos terrenos declives ; aqui, os aguaceiros não eram ainda
sufiicientes para embeberem o solo que os absorvia sequioso.
Fomos, por tal razão, obrigados á forçar as marchas para não soffrer-
mos da sede. Nessa viagem algims bois de carro ficaram como que dam-
nados ou doidos, de olhos esbugalhados, lingua pendente, babando-se, sol-
tando roucos balidos, e, dando saltos desordenadoSjdisparavam e embrenha-
vam-se nas mattas. Muitas vezes, após um forte aguaceiro torrencial, em
poucos minutos já caminhávamos em campo sêcco e entre nuvens de
poeira.
Em muitos logares próximos á essas corixas percebe-se distincta-
mente, no som de tambor que dá o terreno com as passadas das cavalga-
duras, que não ha integridade no sub-solo. Isso e a declividade dos ter-
renos, ou a sua maior ou menor íiltura, parecem sufficientes para explicar
a formação repentina desses lençóes d'agua nos logares onde as chuvas
ainda não são apparecidas.
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374 ITINEKARIO DA CÔRTB
Uma cousa muito commum nos terrenos calcareos ou de formação
cretácea é a producçáo de ocos, devidos á acção dissolvente das aguas e á
natureza salina das terras. Aqui, sob um solo argillo-calcareo, e menos
commummente, silico argilloso, devem existir vastas cavernas, por sua
vez vastos repositórios da fauna fóssil, á espera de um outro Dr. Lund, o
sábio investigador da geognose mineira.
Algumas vezes stractus de seixos rolados apparecem reunidos em
grupos ou espalhados n'uma zona mais ou menos extensa. O solo absorve
as aguas que o percorrem e vão accumular-se naquelles depósitos subter-
râneos, e quando ficam completamente saturados começam á humedecer os
legares mais declives, e por via de regra os mais próximos aos alaga^
diços, almargeaes e corixas, ás vezes bom numero de léguas distante da
região onde as chuvas se repetem, e as aguas vão-lhe irrompendo o terreno
e subindo em altura quando a estação sêcca os apoquenta. Tal vimos o
corixão de S. Mathias, na penúltima vez que o atravessámos em dezembro
de 1876 ; desde oitubro eram diários os aguaceiros nas cercanias das ver-
tentes do Rio Verde, donde descemos á 16 de novembro, fazendo perto de
cento e vinte kilometros por dentro d'agua até o ponto do Ctkt que dista
duzentos e vinte e sete daquelle corixão. O terreno por onde este passa
conserva-se sêcco e árido ; havia mais de mez que não cabia um chuvisco
em seus arredores, entretanto o corixão naquelle trecho, entre José Félix
e o Uauassú, que sempre passáramos á secco ou quasi, mostrava^se agora
como um rio de trezentos e vinte metros de largura e mais de um de alto,
á meio leito.
Assim é que sem causa apparente essas vastas planuras de capim se
convertem em lagoas, e mais, assim é que se explica a formação da Corixa
Grande do Destacamento,surgindo por um siphão do meio das montanhas
da Loca.
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CAPITULO vn
Kfgreaaá Connbá. Tolta aos tnbailioi. Palmas Reaes. Petas. O nareo da Boa Tkta. Os norros das Mercês. Os
(liatro Iraiãos. Salisas. Gasairasco. O rio Alegre.
I
TJANDo, em 4 de janeiro de
1876, deixámos a Corixa do
Destacamento tinha-se estu-
dado e levantado a planta dos
terrenos desde o Descai vado até
Palmas Beaes, e desde a Co-
rixa, para o iV;, á S. Mathias,
ao Morro Branco e ao morro
da Fumaça^ e para o S. até
avistar-se o marco da Uberaba,
3to é, cerca de quatrocentos e
dncoenta kilometros em apenas
lezes escassos.
m aturadas e fortes. Na marcha
edras ao Cambará não achámos
L d 'agua onde podessemos fazer
fogo e descançar.
A' 12 chegávamos á Corumbá, donde cinco mezes depois, em 12 de
junho, voltávamos á continuar os trabalhos. Infelizmente já não os dirigia
o barão de Maracajú, que, affectado de ophtalmia, voltava á corte, não
sem ter empregado todos os esforços para a commissão proseguir inconti-
nenti na continuação de seus trabalhos.
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376 ITINERÁRIO DA CORTE
Sua partida foi muito sensivel á commissão ; typo do administrador^
tão affavel e cavalheiro, como enérgico, e tão leal como justo, sabia ser
companheiro sem deixar de ser chefe; partindo, levou comsigo com o pres-
tigio da sua posição e o respeito que impunha a sua moralidade, sizudez
e dignidade, o prestigio e importância que a commissão julgava merecer
por si.
A' 18 chegámos ao porto das EgtMs, onde demorámo-nos oito dias,
refazendo-se o carretame. Em 26, ás cinco da tarde, seguimos para Cam-
lardy onde chegámos com três quartos de hora de marcha. Ahi, ás nove
horas e dez minutos da noite, estando deitados uns em redes, outros em
camas da Criméa, o major Lassance, o capitão Costa Guimarães, o !• te-
nente Frederico d'01iveira e eu, sentimos, súbito, um pequeno abalo nos
leitos, ao mesmo tempo que ouviamos no telhado, por uns dous segundos,
um ruido semelhante ao do granizo ou como si se lhe atirasse um pu-
nhado de pequenos grãos. Não chovia nem choveu nessa noite ; pensámos
todos que tratava-se de um ligeiro tremor do solo.
A' 29, de tarde, entravamos na Corixa Grande do Destacamento, que
de ora em diante designarei simplesmente por Corixa. A' 19 de julho
separava-se de nós um outro companheiro,o Sr. Francisco Maria de Mello
e Oliveira, pharmaceutico-alferes do corpo de saúde, que, gravemente
enfermo de enterite chronica, buscava a corte para garantir a vida. Neasa
occasião propuz, e solicitou-se do presidente e commandante de armas da
província o Sr. tenente-pharmaceutiço António Ribeiro de Aguiar para
exercer aquelle logar na commissão.
A' 25 chegávamos á Santa Bita ; ahi já estava prompta uma
ponte provisória, ainda mandada fazer pelo barão, e recentemente aca-
bada ; media doze e meio metros sobre quatro de largo, e sete na maior
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Á CIDADE J)E MATTO-GROSSO 377
altura ; seus esteios erain traves de aroeira e canelleira, e o resto era
feito de espiques de carandá.
Â' 27 seguimos para Palmas Eeaes, onde chegámos com três horas
de marcha, e a bagagem duas horas depois. Yém-lhe o nome da matta de
burityseiros (mauritia venifera), que muito aformoseia o logar, e aos
quaes os bolivianos assim denominam. O sitio é um campestre alegre,
semelhando um grande jardim inglez, com bosquetes de matto razo
* (caatinga), separados por longos estirões .de areia. A corixa é corrente
como a do Destacamento, apresentando actualmente dous ramos que a
estrada atravessa, um de oito metros de largura e mais ou menos meio
de altura, e o outro de uns trinta de largo e um de profundidade, ambos
em leitos de areias.
lr*alina.8 I^ae».
Como se prevê, no tempo das aguas, enche, innunda e cobre todo o
t-erreno marginal por muitos centos de metros. E' ás orlas de seu cauce
que cresce a floresta de buritys, altas palmeiras, quasi tão esveltas como
as chamadas imperiaes, porém mais formosas na copa, com a sua corõa
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378 ITINERAJaO DA CORTE
de leques arredondados como as da carnaúba. O fructo é agradável cosido,
mas a especialidade mais grata ao viajante que essa palmeira offerece é
sua seiva, licor avinhado e doce, e ligeiramente acido. Para obtêl-o sacri-
fica-se a arvore deitando-a ao chão, escava-se pequenos cochos ou vãos de
dous á três palmos de longo, no tronco, cobre-se-os com folhas, e horas
depois estão cheios de saboroso licor.
Nestes bosques de palmas, segundo nos informaram, enreda-se abun-
dância de baunilheiras e asylam-se enormes sucurys.
Nessa mesma tarde seguimos e chegámos á situação boliviana das
Petas, dez e meio kilometros adiante. Sitúa-se nas fraldas de um pequeno
esporão da serra do Aguapehy. Deriva o nome dos muitos kagados ou
jabotis que ahi se encontram e que pelos bolivianos são chamados petas.
Esta habitação ó a primeira que se encontra depois do Uauassú.
Um kilometro á SO. a estrada corta uma grande corixa pouco mais
estreita, porém mais funda e feia do que a de Santa Rita,
Determinou-se sua posição aos 16*» 22' 39'* lat. e IS*» 56' 58" O.
Quasi que todo o terreno entre os morros das Petas e a corixa é
argillo-calcareo, nimiamente pegajoso e atoladiço quando húmido, e de
arestas duríssimas e muito incommodas aos viajantes quando sêcco.
A' 1 de agosto sesteámos junto á uma cacimba de aguas leitosas,
que fizemos abrir á 11,464 da corixa das Petas. A's 4 da tarde seguimos
escoteiros, o secretario da commissão capitão Costa Guimarães e eu,
á encontrarmos outros dous companheiros que tinham seguido dias
antes, fazendo o levantamento, e que nos convidavam á irmos apreciar a
bella agua, cousa rsura para nós, e a cascata de um arroio próximo do
morro da Boa Vista. Partimos á galope, e já ás 6 da tarde passávamos
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 379
pela tapera de S. João, antiga estancia da qual só resta um pequeno
telheiro ou rancho e o cruzeiro. Fica á 17 kilometros daquella cacimba.
A'8 8 1/2 da noite chegávamos ao tal arroio, distante 12 kilometros deste
ponto e cerca de dous adiante do morro da Boa Vista, um dos pontos de
balisa da linha limitrophe. O arroio é da mais pura e crystallina agua,
a melhor que até agora havemos encontrado, com uma pequena cachoeira.
Desde o morro da Boa Vista, e no local da estrada, corta elle a lombada
n'uma altura de pouco mais ou menos de um metro, tendo dous a três de
largo e poucos decimetros de fiindo.
No dia 4 subimos o morro da Boa Vista, que é o mais elevado dos
que ahi terminam a serra do Aguapehy. E' de cerca de quatrocentos
metros de altura e de não fácil ascenso, coberto de seixos e cascalho de
gneiss duríssimo, semelhantes ás pedras de machado dos indios. Apre-
senta-se dividido em duas zonas : na inferior abundam os blocos de gneiss
e quartzo branco, mais ou menos grandes, irregulares, com arestas vivas
e como que fracturadas em épocas não remotas ; outros mais ou menos
arredondados e com a apparencia dos erráticos, idênticos aos do systema
do Dourados, e que, certamente, serão o resultado da decomposição clima-
térica. A zona superior é rica de cascalho, de feldspatho orthose, e em
algumas das amostras que trouxe, o exame descobriu molybdeno, prata e
platina, em fraca porcentagem.
Determinou-se a posição do marco aos 16° 16' 26",66 lat. e 16
15* 33",60 O., elevandô-se ahi, temporariamente, uma balisa de ma-
deira, junto á qual, sob um montículo de pedras que ahi fizemos ajuntar,
deixou-se, em uma garrafa, quatro indicações em portuguez, francez,
inglez e hespanhol, da collocação do marco e sua posição astronómica.
Em 8 de dezembro do anno seguinte foi substituído por outro de
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380 ITINERÁRIO DA CORTE
alvenaria, e sua posição, melhor rectificada, foi obtida aos IG"" 16'
45",75 lat. e 16* 15' 33",60 O., com a declinação NE. do ?• 13',60.
Verificou-se sua distancia na recta de limites á S. Mathias em 1 14.965,"70,
tendo por azimuth verdadeiro 87* 28* 52",68 NO.-SR, 20,5 Mlometros
á tromba do Aguapehy, 39,350" ao cerro mais meridional das Mercês^
41,250" ao quarto desses morros e 75,005" ao mais occidental dos
morros dos Qtuztro Irmãos.
II
Desde S. João que os terrenos vão-se elevando, e desde a Cacimba,
intermediaria ás Petas, a estrada segue atravessando magestosa mattaria
de arvoredo robusto e muito madeiro de lei, que succedeu as caatingas de
mattos ralos e infesados que beiravam a estrada.
No meio dessa luxuriosa vegetação vi o primeiro exemplar de uma
arvore que disseram-me ser a coaocinguha ou ximhuúva dos paulistas, ou
aida xinguva ou xinãiva, segundo outros, a qual, sendo uma corpulentis-
sima leguminosa, cuja vagem negra e luzidia affecta quasi a forma cir-
cular,— não deve ser confundida com a coaxinguba, artocarpea, ficus--
anihelmintica, de Martius, do Amazonas. Muito vinhatico, muitos
louros e canelleiras, sicupiras, araribás, cedros, etc., encontram-se á cada
passo orlando a estrada, entremeiados principalmente da pindahiha
(xilopia sericea, Saint Hilaire) de longas hastes ou ramos rectos, e de cujo
liber lamelloso se fazem excellentes cordas, e o açoiia cavallo (luhéa
paniculata, de Martius), com suas pequenas flores brancas semelhantes
na forma ás de morangueiro e ás de açafroa no cheiro.
Já do morro da Boa Vista começa o divorsum aguarum deste ponto
do coração da America. Ainda o seu arroio é subsidiário das aguas do
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A CIDADE DE MATTO-GROSSO 381
Paraguay, mas dabi para oeste os que so lhe avisinham já o são do
Amazonas ; taes o Dolores á 15,5 kilometros, o S. José á 26 adiante e
outro 10 kilometros além, o qual recebeu então um nome que posterior-
mente a carta geral não consignou, do mesmo modo que apagou o da
ilha Vicente^ dado á do marco N. da Uberaba, e o do morro da Baroneza^
entre as lagoas Mandioré e Gahyba. Á lisonja fôra a madrinha nos bap-
tismos, como o abyssinismo era o padrinho nos chrismas.
Entre aquelles dous córregos, Dolores e S. José, encontram-se no
taboleiro, completamente isolados em meio da matta e junto á estrada,
uns quatro blocos de gneiss compacto, de formas irregulares, e um delles
fazendo lembrar o rochedo de Itapuca^ no Icarahy, bem singulares na
planície que os cerca.
Entretanto os terrenos altos rão-se succedendo, separados pelas
corixas, até as Mercês, vasta baixada de mais de légua de largura na
sêcca e lagoa na estação chuvosa, situada á uns 37 kilometros do córrego
da Boa Vista. A' SE. destacam-se quatro morrotes insignificantes e que
só a planura do terreno pôde tomal-os distinctos. O maior desses morros
está á 16« 12' 23" lat. e 16» 37' 2",85 O. Foiahi que em 20 e 21 de
agosto desse anno, apezar do adiantado da estação, o thermometro desceu
á zero pela madrugada, marcando 6'',75 ás 8 da manhã, quando o sol já
ia alto e ainda via-se o terreno coberto de um lençol branco, e as poças e
bacias de agua cora uma ténue coberta de gelo. Perigosissimo deve ser
este campo no tempo das aguas pela sua extensão e natureza do solo
argillo-calcareo, e peior ainda quando começada a sêcca, por converter-se
em pegajoso lamaçal.
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^^2 ITINERÁRIO DA CORTE
Nesse dia 21 foi-se reconhecer os morrotes, á SO. do campo, e que
suppunharse, erradamente, serem os Quatro Irmãos; o resultado foi
negativo. A* 23 foi-se reconhecer o terreno até Chaves ou yaves, na dis-
tancia de 14,809-», e á 26 sahimos em busca dos verdadeiros Quatro
Irmãos.
Oh ^lorroB da» Aleroês.
Almoçámos no Chaves, e ás 3 1/2 da tarde seguimos, parando ás 6
na lagoa da Pedra Grande^ á 9,540", adiante, notável por uma rocha de
gneiss de uns doze metros de alto que se ergue no almargeal.
No dia seguinte fomos ao Cúci, rancho ao pé de uma pequena lagoa,
que parece perenne ou pelo menos demorar-se-ha na sêcca pela posição
afunilada do terreno em que está. Dista quasi 1 3,5 kilometros da Pe^ra
Grande.
Além do Oãci 4,110 metros fica a bifurcação para as estradas de
SanfAntia e da Ronda das Salinas. A estrada vae acompanhando sempre
as corixas, margeando-as ou mesmo cortando-as perpendicularmente
quando não ha outro recurso. Até a bifurcação, os pontos principaes bus-
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A CIDADE DE MATTO-GROSSO 383
cados pelos viajores para sesteadas e pernoites, são o 6uaporú(a), á 11,5"
do campo das Mercês ;o Chaves á 15,564" da antiga ronda portugueza do
sul, á 3,388" do Guaporú e á 25 da serra do Aguapehy, e a lagoa da
Pedra Grande á 12,928" do Guaporú, havendo intermediários outros
dous pontos egualmente próprios para repouso, que são uma lagoinha ã
5,208" de Chaves e um bosquete, Pofrero dei Cervo, kilometro e meio
mais adiante.
O primeiro povo boliviano na estrada de SanfAnna é o de 5. Diego,
á 36,300" de Cúci e 94 kilometros de SanfAnna. Entre o Cúci e elle
tivemos por pontos de parada o Capão do Araújo^ á 8,200" ; o Tunal^ á
5,265" adiante; a Lagoa da Pedra, á 6,184", eá 8,523" 2i, Cabeça
do Tigre^ que por sua vez dista de S. Diogo 8,131 metros.
A' 27.41 3",2 do Capão do Aranjo, mudado por euphemismo de
denominação para Capão da corça, e em rumo de SO., ficam os morros
dos Quatro Irmãos, grupo de cinco morrotes, em cujo principal deve col-
locar-se definitivamente uma das balisas limitrophes. O marco foi provi-
soriamente ahi inaugurado em 12 de setembro desse anno aos 16° 16'
8'\67 lat. e 16° 56' 36" O., á 6° 58' declinação NE., mas ainda não se
erigiu o definitivo por duvidas suscitadas pelos commissarios boli-
vianos. Ahi a recta de limites tem por azimuth verdadeiro 89'*39'
41 ",03 NO.' SE., e 73,104 metros de extensão. O morro mais próximo
dista do maior 580 metros em rumo 87° 30' NE., e do 3° 1,550 metros,
rumo 82' SO. ; o 4° fica-lhe dous kilometros distante e em 74° 30' SE.,
e o 5° á 2,800 metros de distancia e no rumo 70° SE.
(a) Guaporú, termo ahiquitano (?j que significa jaboticaba; é a iôapumi dos
guarauys.
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384 ITINERÁRIO DA CORTE
III
Da bifurcação á Bonda das Salinas medeiam perto de 42 kilome-
tros (a). E' esta uina das mais antigas guardas portuguezas estabele-
cidas para evitar-se a entrada dos castelhanos e depredações que faziam,
e ao mesmo tempo servirem de postos fronteiriços do território portuguez.
As outras eram a Bonda do Sul, de que já fallou-se, á 26 kilometros da
tromba do Aguapehy e 1 5/5 de Chaves, em rumo ^. ; a da Bamada da
Cacimba, á 12,"800, e a da Cacimha, 33,5 kilometros, ambas da Ronda
de Salinas. Os liespanhoes tinham entre estes dous últimos pontos as
rondas do Carandd, á 11,154" da Cacimba, e ado Perubio, á9 kilo-
metros do Carandá, ambos, hoje com estabelecimentos de gados dos bo-
livianos, formados com os rebanhos alçados das nossas abandonadas ou
completamente descuradas fazendas de Casalvasco.
Entre Cúci e a bifurcação apparecem á flor do solo algumas rochas,
passando a estrada por um lageado de canga cavernosa com troços embu-
tidos de quartzo leitoso.
Na bifurcação já o terreno é muito baixo, e assim segue em todos
os rumos, salvando-se um ou outro morrote, um ou outro teso do terreno,
que fica livre das innundações. Aguas mais ou menos perennes os cortam
formando as corlxas da Cinza oriental e da Cinza occidenial, e algumas
lagoas, como a Babeca^f erto da Bamada do Sul, e a Grande ou do Ponte
Bibeiro, nome dado pela commissão actual em honra do barão desse
titulo, estudioso e acérrimo propugnador dos direitos do Brasil nas suas
questões de limites; dos nossos estadistas talvez o que melhor conhecia o
(a) 41 .801 ,«5.
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 385
paiz geographica e topographicamente, e infelizmente já á este roubado
pela morte.
E* nessas várzeas que tomam origem o rio dos Barbados (a),affluente
do Alegre, o Barladinho, aflfluente do Barbados, o Paragahu e o Verde,
subsidiários do Guaporé. São ellas tão baixas e sujeitas á innundações,
que na estação invernosa vém-se em canoas da cidade de Matto-Grosso,
em algumas occasiões por cima de suas mattas, podendo-se vir embar-
cado desde Belém, no Pará, á S. Diogo e SanfAnna, no coração da
Bolivia.
Entre a bifurcação e Salinas os pontos de repouso são poucos e esses
mesmos nem sempre á satisfação. Nós fizemol-o no Capão das Palmeiras,
á 18 kilometros em rumo N., local que os nossos guias pretendem ter
sido outr'ora um sitio da Conceição, o que não nos parece possivel pelo
chato do terreno, completamente alagadiço; e no Capão do Copo, 15 kilo-
metros adiante, e sempre naquelle rumo, que é o mesmo da estrada.
Do Capão das Palmeiras avista-se, em direcção de SO,, um pequeno
monte, que dizem ser o Santa Rosa dos antigos ou morro do Padre
Limpio ; oito kilometros antes de chegar-se á Salinas avista-se, na dis-
tancia de 90 kilometros, no rumo N^O,, uma alta e considerável serra-
nia, a Serra da Cidade, como nos dizem, que outra não é sinão a serra do
Grão Pará dos antigos, e que a commissão honrou, com muita justiça,
com o nome de lUrardo Franco.
O posto de Salinas está situado aos 15M2'37'\50 lat. e 16^ 55'
20" O, Consiste em três palhoças habitadas por uma patrulha, agora de
(a) Recebeu esse nome por viver em suas margens uma tribu de Índios, nota-
velmente dislinctos dos outros por serem dotados de barbas.
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386 ITINERÁRIO DA CORTE
duas e ás vezes de quatro praças, do destacamento de Casalvasco, das
quaes duas tém de ir á este ponto uma ou mais vezes por semana para
buscar suas magras rações de farinha e sal, e ás vezes assucar e. . . nada
mais. Nem mesmo recebem pólvora, tendo obrigação, entretanto, de faze-
rem-se respeitar pelos visinhos, mais ou menos ladrões de gado, e necessi-
dade de defenderem-se das feras e proverem á alimentação com a caça que
ahi é abundante. Provam-o os veados que povoam os campestres e cru-
zam-os á cado passo, ora isolados, ora aos casaes, ou ainda em pequenos
rebanhos de seis e oito ; caetitús ou queixadas, os tatus, os jabotis e as
onças, além de outros muitos que, ou mais esquivos ou em menos cópia,
não se encontram á cada passo. As avestruzes são também innumeras, e,
como os veados, cortam á cada passo os campos.
Nesta situação encontrámos apenas alguns pés de milho e dous de
bananeira. Custa á crer a indifferença da gente que para ahi vém e per-
dura, ás vezes por annos, para essas cousas tão pouco custosas e tão neces-
sárias á vida, mormente nessas solidões.
Mais do que a preguiça é causa disso o egoismo, e, na duvida de não
trabalharem uns para os outros, prejudicam-se todos mutuamente.
Em compensação si as queimadas não as alcançarem e a providencia
ajudar seu desenvolvimento, grande cópia de larangeiras, limeiras e
limoeiros hão de no futuro servir de consolo e refrigério aos viandantes,
que em toda esta marcha quasi não houve pouso onde não deixássemos
plantadas as sementes dos fructos que comíamos ou que adrede guardá-
vamos; tendo, nas viagens seguintes a satisfação. de vêr algumas com
bom desenvolvimento.
Das Salinas ás cabeceiras do Verde ha cerca de 80 kilometros, sendo
os principaes pontos intermédios^ assignalados pela commissão, a lagoa
Fundo de Sacço, á 17,700" ; a Desejada, 22,780" adiante ; o Capão da
Anta^ á 14,5 kilometros acima, e o pouso do Camardj 14,850" além«
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i CIDADE DE MATTO-GROSSO 387
São ahi B& mattas ricas de madeiras preciosas, notadamente vinhatico, ja-
carandá, perobas, canellas, aroeiras, guatambú, tinguaciba, sicupiras, pin-
dahibas, óleo vermelho e copahiba. O angico abunda, como por toda a
parte da província onde tenho passado ; já vão-se encontrando alguns pés
isolados da seringueira (a) do mesmo modo que a sahoeira, ibaró dos
giiaranys (sapindus divoricatus). Já são poucas as qualéas e desconhe-
cidas as lixeiras. Avultam á beira das corixas os formosos e gigantescos
eamaráSj agora em plena inflorescencia, e como que cobertos de uma
corda de ouro.
Bosques e moitas isoladas de burityseiros elevam seus leques nos
terrenos arenosos e húmidos ; gigantas trichopteris affectam na fronde e
nos espiques a forma e porte das palmeiras; e das innumeras bauhinias,
o cipó escada ou tripa degallinha enredava-se de uma arvore á outra, entre
os coUossos vegetaes,e,collosso também, mostrava seu caule chato e largo,
regualarmente dividido em saliências e reentrâncias transversaes que per-
feitamente simulam os degraus de uma escada.
No Capão da Ania vi uma variedade de canelleira de um amarello
rutilante, fragantissima, sendo seu perfume assemelhado á um mixto
da canella e da rosa. Nas várzeas encontra-se uma cyperacea mui gra-
(al Syphonia elástica, cáechú ou cahuchú dos camòebas, vocábulo que os fran-
cezes adoptaram, adaptando á sua pronuncia e escrevendo caoulchouc, e que os sá-
bios acceitaram por desconhecerem a origem. E' arvore de vinte á trinta metros de
altura, e dizem mesmo que até de quarenta. Foi o missionário Fr. Manoel da Espe-
rança quem a fez conhecida no mundo ci vi Usado, havendo encontrado entre os
cambebas, que cathechisava, já a industria de odres, e espécie de garrafas que pela
forma recebeu dos portuguezes o nome de seringa, denominação que passou do
producto á arvore. Segundo Southey (I», pag. 485), foi dos Uatinns ou tobatinas,
povo do sul, que recebemos a gomma elástica. Techo, (pag. 86) cita as petecas ou
pellas saltantes desses índios, feitas de gomma elástica de arvores e que assadas
curam dysenterins , Mas habitavam esses Índios entre os xeroquezes e os payaguás,
nas regiões do antigo Xarayés, logar on le não ha seringueiras nem arvore cujo
leite tenha os mesmos effeitos. Barbosa de S4 oscbama tavatingas, outros toba-
tingas, que parece o certo, indicando na lingua tupi rosto branco, índios de cdr mais
dará
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388 ITINEBARIO DA CORTE
ciosa por sua altura, tamanho e forma : é de dous á três centímetros de
altura, as folhas ensiformes como as das bromelias, ou melhor do cra-
veiro, mas rijas e dentadas, e agrupadas n'um capitulo quasi globular.
Semelha á um ananazeiro lilipuciano. Não consegui ver suas flores nem
fructos ; trouxe alguns exemplares á Corumbá, mas perderam-se todos.
Uns vinte tilometros ao N. das Salinas encontra-se, á esquerda da
estrada, n'uma lombada de uns oito metros de altura, a tapera de uma
antiga fazenda, grande e importante, á julgar pelas ruinas de uma tal ou
qual grandeza para estas paragens, e que ainda mostram o vigor da
construcção. Era um grande edifício e todo coberto de telha ; seus terrenos
guardam, no meio da mattaria, larangeiras, limoeiros, goiabeiras e outras
arvores de fructo.
Chamava-se S. Luiz; ella, o sitio do Mangueiral^ além da lagoa do
Ponte Ribeiro e as Salinas, eram às rondas portuguezas desse lado.
Fica esta tapera á quasi egual distancia das Salinas e do passo
nos Barbados ; dahi á Casal vasco medem-se uns dez kilometros e meio.
Somente á borda dos rios a vegetayão é pujante e magnifica ; nos
campos os mattos são ralos e de caapuans isolados. São estes muito fre-
quentados pelas onças e os lobos guarás,e as aguas e os almargeaes pelos
jacarés que temos encontrado sempre, desde o Paraguay, por estes sertões,
e os encontraremos até a fóz do Amazonas.
IV
CasaJvasco deve ter sido um bonito povoado e um importante esta-
belecimento da nação. Seus campos são magnificos e seguramente os
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Á CIDADE DE MATTO-GKOSSO 389
mais lindos que tenho visto; inimensa planide granimada, plana con:o
si fora nivelada, semeiada de arvores isoladas, ou aqui e a!i de caapuans
cerrados, e orlados de gigantescas florestas que indicam a passagem, á seu
sopé, de correntes perennes, que são o Barbadinho, o Barbado e o Alegre.
A* esses campos dá Pizarro uma superfície quadrada de mais ou menos
quatorze léguas.
Varias vasanies^ depressões do terreno, formadas pelas aguas que
se escoam, cortam-os era nimo de E, O.: são aqui conhecidas pelo nome
A^peris, voz tupica, da quaíaquella é a traducção, e diflFerem das corixas
em não estagnarem as aguas, seja pela natureza do solo, seja por sua
maior declividade. Delias as quatro principaes são designados com os
nomes de Areião, Chapéo de Sol, Cabeça de Negro e Trahiras,
Antiga fazenda, e conservando ainda essa denominação. Casal vasco
é hoje apenas um posto militar com o duplo fim de vigiar a fronteira e
salvaguardar os interesses nacionaes, velando sobre os seus gados. Estes já
foram de muitas mil cabeças, nos tempos dos capitães generaes ; hoje
computa-se em três á quatro mil, e essas mesmas, quasi todas alçadas e
bravias.
Está situada á margem direita do Barbados e em frente ao espigão
mais meridional da sen'a de Ricardo Franco, que ahi quebra-se em angulo
recto para 02(0. Dista por terra 45 kilometros de Matto-Grosso, sendo
quasi menos de metade o caminho por agua. O Barbados tem ahi no
porto a largura de 120 metros, mais ou menos.
Sua posição astronómica foi determinada pelo coronel Ricardo Franco
em os 15^ 20' lat. e 317^ 52' O. Ilha de Ferro (a).
(a) Luiz D'Alincourt dá ILe a longitude de 317o 42' e latitude de 15' 19' 46", e é a
que Pizarro consigna.
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390 ITINERÁRIO DA CORTE
Já em 1760 era povoada ; Pizarro (a) fal-a coetânea da Yilla Bella,
e a commissão de 1780, na sua carta geographica do rio 6uaporé,diz o se-
guinte : « Povoação regular^ fundada em 1782^ ainda que o seu res-
pectivo ierritorio e visinJiança se achavam povoados pehs portuguesa,
sem contestação^ ha perto de 30 annos. »
Em 1760 eram delia possuidores o alferes Bartholomeu da Cruz (b)
e sua mulher Ânna Antunes Belém, ambos cuyabanos, e o portuguez
Custodio José da Silva, que ahi tinham suas fazendolas de gado. Mas,
pelo anno de 1782, o capitào-general Luiz de Alburquerque, que por
dezesete annos governou a capitania, e á quem deveu ella muitos melho-
ramentos e creações, visitando-a, agradou-se da sua situação, e á pre-
texto de ahi estabelecer uma guarda fronteira, tomou-a para o £stado e
fez delia a casa de campo dos generaes,sob o titulo de Fazenda da Nação,
meio o mais facil, mais seguro e mais barato de desaproprial-a de seus
donos.
Effectivamente, estes partiram para Cuyabá,'e Custodio fundou perto
dessa villa outra fazenda, a Cotia, prospera também em pouco tempo.
Cruz não quiz mais taes estabelecimentos, receioso de que o seu paternal
governo recompensasse novamente os seus labores, fazendo-lhe a honra de
substituil-o na propriedade e deixando-lhe livre o direito de estabelecer
uma terceira. Systema de animar a industria, bem favorável ao fisco, que
em logar dos rendimentos de uma só fazenda, como no caso de Cruz,
passou à ter os de duas, sendo seus todos os proventos de uma.
Entretanto, o certo é que nesses bons tempos pululavam os estabe-
lecimentos ruraes na capitania, nas proximidades e caminhos dos deus
grandes centros de povoações.
Tanto os rios junto á Cuyabá, como os das cercanias de Yilla Bella,
(a) Tomo IO», pag. lOS.
(b) Morreu em 1819, com 90 annos de edade.
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i CIDADE DE MATTO-OROSSO 391
tinham povoadas uma e outra margem por imiumeros sítios, engenhos e
roças, tão próximos uns dos outros, que nos mappas antigos semelham ás
mas de uma inmiensa cidade.
Aqui, náo só o Guaporé como o Barbados, o Alegre, o Sararé, o Ga-
lera e seus braços, e as orlas das estradas, eram bordados de situações e de
não pequeno numero de arraiaes bem povoados, lá nos logares onde o
ouro se encontrava á flor da terra.
Luiz de Albuquerque fez da casa de Cruz o palacete dos capitães-
generaes, reformando-a em ordem á ficar na altura do novo senhorio.
Para guardal-o estabeleceu um destacamento militar, distribuiu terras
próximas e deu á tudo o nome de Povoação do Rio Barbados. O de
Casalvasco veiu depois e não me foi possivel ainda descobrir-lhe a
origem.
Segundo Luiz D'Alincourt (obra citada),foi o sargento-mór Joaquim
José Ferreira, cujo nome já citei, tratando do forte de Coimbra, quem ahi
fandou o novo estabelecimento da nação, mas D'Alincourt faz esse acon-
tecimento em 1781.
Ainda hoje os restos dessa grandeza de um século passado causam
verdadeira satisfação á quem, atravessando os innumeros e desertos
sertões da provincia, encontra-os ainda com os traços da prisca prosperi-
dade e attestando quão varias as vicissitudes e contingentes as grandezas
humanas.
E' uma tapera Casalvasco, mas risonha ainda ao primeiro aspecto,
com a sua casaria de taipa acinzentada, coberta de telhas vermelhas e
tanto mais vermelhas quanto mais velhas ficam, semelhando antes uma
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892 ITINERÁRIO DA CORTE
povoação nova em via de coiistrucção, e cujas casas rebocadas estão só á
espera de uma derradeira mão de cal.
Mas, quanta mina sob essa louçania feiticeira ! Todavia seus edifí-
cios eram fortes e bem construídos, e talvez que, ainda, com pouco custo
relativo, alguns podessem ser restaurados.
O palácio, que até hoje guarda essa honrosa qualificação, é uma boa
casa, com sobrado e quintal, notável pela ordem e symetria que presidiu á
todos os seus arranjos internos. A capella, sob a invocação de Kossa
Senhora da Esperança, é um templo pequeno e sem torres, mas de cons-
trucção solida e regular. Foi benzida em 7 de setembro de 1785 ; guarda
ainda provas de seu fausto n'um soberbo lampadário e no serviço do altar,
varas do pallio, etc., tudo de boa prata.
Ao lado, entre ellu e o palácio, existe ainda uma tosca toiTe de paus,
suspendendo três velhos sinos inserviveis, rachados, quebrados e até
esburacados, parecendo incrível que o tempo tivesse mais poder sobre o
bronze do que sobre a argilla das casas. Bordados, inscripções, etc, estão
apagados, e n'um apenas póde-se ler a data — 1792.
O rio apresenta em frente ao povoado um bonito panorama, em cujo
fundo se destaca soberba a serrania de Kicardo Franco ; uma longa praia
de areia, com uma pequena barranca, guarnece a primeira rua parallela
ao rio e onde estão os principaes edifícios. No local mais declive e de
fácil desembarque fica a praça principal: é de 148 metros de longo sobre
132 de largo; sua face direita é constituída por uma ordem de vasta
casaria de telha, chamada ainda missão, e que era, sem duvida, a habi-
tação dos Índios da cathechese. A' esquerda da praça é que fícavam os
edifícios principaes, formando quadras^ dous á dous, um com frente para
o rio e outro para a segunda rua. Assim, na esquina da praça fícava o
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Casal Vasco
H - Fttlaxio d - CojLnha de Ptiliicio - CL. - «rr« (U- Pa4-aci-o -U- - ^mntn-l ^
b - Çu4trUi -C -RésjHt«U d-lffrefM^ -f cojtt gra*uU -f P rirão- ^ - Músãc -h - CurviU ' ^ .
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i ClDADE^ DE MATTCKIROSSO 393
palacete e um quartel, depois a egreja e o hospital, a commandancia e
depósitos, casa de officiaes e prisão, etc., cada lote separado de outro por
outras ruas, havendo mais uma pequena rua entre a egreja e hospital, e
os edificios de traz.
A casaria dos indios cercava a povoação em duplo renque, isto é,
tendo também casas com frente para o campo, o que dava mais uma
rua parallela ao rio, no fundo da povoação, e duas perpendiculares, uma
á direita e outra á esquerda.
 rua principal sahia na praça, á direita do palacete^ e era a conti-
nuação da estrada de Salinas. Havia também casas particulares de boa
construcção ; ainda hoje se vêm os grossos alicerces e as tulhas de telhas,
denotando que a casaria, talvez no duplo ou triplo do que hoje existe,
seguia-se circumdando a povoação, e qíie já eram reconstrucçoes do
pavoroso incêndio que destruiu -a, em mais de metade, á 30 de dezem-
bro de 1786.
Á' esquerda havia uma outra praça, hoje encoberta pelo matto. Nas
estradas das Salinas e Matto-Grosso encontram-se escombros ou simples
vestigios de situações, entre outras a da Florença e a do RaiãOj á mar-
gem do Barbados, e as fazendas de Bragança e Bastos entre o Alegre
e o Guaporé.
Essas ruinas, ainda hoje notáveis, fazem scismar com tristeza no
que foi Casalvasco, no que foi Villa Bella, no que foram tantos outros
povoados desse coração da America, á cem annos atraz, e que sonhos de
futuro, de grandeza e de poder não deviam fazer seus habitantes, no meio
de sua prosperidade, para a éra em que estamos.
Em 1820 a população de Casalvasco era de 413 almas (a) ; hoje,
(a) Pizarro, lO» pag. 109.
50
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394 ITINERÁRIO DA CORTE
quando muito, de quarenta â cincoenta, inclusive o destacamento, com-
mandado por um official inferior. E' esse destacamento que dá as rondas
do Alegre e das Salinas.
Nos livros do senado da camará de Villa Bella encontram-se os
nomes dos primeiros governadores de Casalvasco, até 1813.
São : 1*, o sargento-mór Joaquim José Ferreira.
2*, o tenente de artilheria Ignacio José Nogueira.
3°, o alferes Francisco Pedro de Mello.
4**, o alferes João Pereira Leite.
5**, o alferes de pedestres Joaquim Vieira dos Passos.
Luiz D'Aliucourt (a) cita ainda, até 1828, os seguintes :
6% o tenente Manoel Ribeiro Leite.
7% o ajudante de milícias Alexandre Bueno Lemos de Menezes.
8*, o capitão Francisco Pedro de Mello (segunda vez).
9**, o capitão Floriano José de Mattos Coelho.
10% o tenente Luiz António de Souza.
Também dessa data em diante nenhuma informação mais foi-me
dado obter, nem nada consta nos archivos da cidade, talvez porque tal
commaudo passasse á ser feito por escala ^e serviço regimental.
VI
De Casalvasco ao rio Alegre ha cerca de quatorze kilometros, se-
guindo a estrada por excellentes campos cortados de bosques, que termi-
nam na possante mattaria que borda os rios. A que margeia o Alegre é
(a) Obra citada.
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A CIDADE DE MATTO-OROSSO 395
uma floresta tão cerrada, que a estrada qne a atravessa semelha um tunnel
de dous kilometros, tanto as arvores são altas e frondosas, e tanto a
difficuldade da'luz do dia em romper-lhe a espessa fronde.
No passo do Alegre a margem direita é alta de seis metros ; ha ahi
uma guarda de uns seis homens para segurança das communicações com
a antiga capital . dos capitães-generaes. Os parecis e cábichys tém por
vezes levado suas depredações até Casalvasco e sitios vizinhos á cidade,
deixando reconhecida a necessidade de vigiar esses pontos.
Paaao do Ilio AJegre.
E' um local agradável esse do destacamento; o rio tem ahi oito
metros de largura, na vasante, e menos de um de altura á meio leito, o
fundo é de areia, as margens sombreadas de altas arvores, mangues,
camarás, jenipapeiros, casctulos, caxoàs e paus d'arco. As arvores são
cobertas de ninhos dos zombeteiros chechéos onjapySj como aqui os cha-
mara (a), e araras, papagaios, periquitos, tiés, cardeaes, sabiás, e mil
outros alegres cantores.
(a) Japu, no Amazonas.
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396 rriNERAEio da corte
Bem merece o rio o nome que tem. Não vi em minhas excursões
.vegetação mais esplendida, nem tanta cópia de pássaros como aqui ; ator-
doam os ares os bandos de ciganos ou pavões do matto (opisthocomus) que
cobrem litteralmente as arvores das margens.
Uma enorme leguminosa, chamada pelos naturaes — espinheiro,
divide a estr?da, â margfem esquerda do passo ;.seu tronco mede mais de
quatro metros de circumferencia^ as cimas se elevam á mais de trinta.
Innumeravel quantidade de epiãenâréas e arethtisas cobre os grossos
galhos, emquanto que varias sortes de cechméas elevam-se nos ramos e a
harha ãe velJw (tillandsia usneoides) e outros dendrophitos pendera-lhes
das franças.
O rio abunda em lontras (a), muito frequentes nestas paragens ;
delias tira seu nome o Sararé(b), affluente do Guaporé; acampados junto
ao rio vimos uma, que vinha tão chata sob as aguas, que tomamol-a por
um peixe, parecendo-nos imposi-ivel que assim se tivesse apresentado,
quando a vimos, grande como um cão e de ancas bem fornidas, saltar na
barranca e desapparecer.
Vi ahi pela primeira vez a tracajd (c), emys amasonica^ ou melhor,
emys ãwmeriliana^ mais bem descripta pelo sábio de quem logrou a deno-
minação, e o assopraãor de aguas doces, o ãeIpTnnoiãe do Amazonas, hôio
ou peixe porco, conhecido na sciencia com o nome àephoceena hrasi-
liensis. Tanto elle como a tracajá serão talvez oriundos do rio mar ; o
certo é que os affluentes do Prata não os possuem, tendo-os todos os do
Amazonas, apezar das innumeras cachoeiras e saltos, quaes os do Girau
e Theotonio, no Madeira ; sendo esses animaes encontradiços desde as
nascentes dos rios tributários, em cujas aguas revolvem-se aos cardumes.
(a) Yagudcacaca, dos tupis.
(b) No dialecto dos palmeUas.
(c) Tracaxd, no idioma paesé.
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k CIDADE DE MATTO-GROSSO 397
O passo do Alegre foi determinado em latitude 15^ 15' 40". A estrada
de Casalv^sco, depois de cortar o rio, vae Dovamente atravessal-o dezoito
tilometros á NI^E., no porto do Bastos. Bastos é um antigo engenho de
assucar, fundado em 1800 por Manoel de Bastos Ferreira, nos terrenos
da sua fazenda, á margem do Alegre. Na fabrica lê-se ainda hoje a ins-
cripção: Engenho de Nossa Senhora da Conceição — 1** de janeiro de
MDCCCI.
Tinha grande casaria, solidamente edificada á beira-rio, de que
ainda existem arruinados restos.
*
Junto á ella passava a estrada, quasi bordando o rio, que ia atra-
vessar um kilometro abaixo, no logar de um antigo sitio de Francisco
Bastos Ferreira, filho de Manoel Bastos.
Mede, neste passo, o Alegre uns cem metros de largura ; a estrada,
atravessando-o, costeia a fralda SE. da serra de Kicardo Franco e vae
sahir no Guaporé, em frente á cidade de Matto-Grosso.
Bastos está abandonado como Oasalvascõ ; encontrámos apenas ali
uma ronda de dous soldados, cujo mister é dar passagem de canoa aos
viandantes que tém de atravessar o rio.
Dahi á cidade a viagem por agua é de uns dezoito kilometros. O
Alegre desce muito tortuoso e lança-se no Guaporé, pouco mais ou menos
três kilometros á OSO. da cidade, sendo tão profundas as aguas na
sua confluência, que, de crystallinas que são as de ambos os rios, pare-
cem negras como tinta de escrever.
Sua navegação é prasenteira, suas margens sempre cobertas de opu-
lentissima floresta povoada das gritadoras araras, papagaios e periquitos,
dos grasnadores ciganos e dos alegres japys. Varias espécies de ficus gigan-
tes, espinheiros, canafistulas e bombaceas, sobresahem nessa formosa vege-
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398 ITINERÁRIO DA CORTE
tacão, onde sempre as bauhinias e principalmente o ciprí escada, e as
ingazeiras occupam, pela cópia, logar importante. Formosas parasitas
ostentavam suas flores, entre ellas as arethusas e epidendreas.
Mede de ordinário o rio uns trinta metros de largura ; actualmente
sua profundidade varia, attingindo á mais de 10 metros, n'outros logares
fica ás vezes tão razo, que as canoas roçam na areia ou encalham. Esses
bancos serão devidos á troncos cabidos, e que, represando as areias, te-
nham-os formado. Ladeiam-o risonhas e formosas bahias, algumas ainda
habitadas.
Foi no Bastos, junto ao passo, que encontrei uma formosa larva
ainda não descripta, que eu saiba. E' de um centímetro e meio de longo
sobre um de largo e três millimetros de alto. O corpo oval, de côr ama-
rello-escura, marcado de sete cintas ou anneis, cada um dos quaes deixa
ver em seu bordo um burlete ou pápula roixa, semelhando ás ventosas dos
polvos. A cabeça é oblonga, de dous millimetros de comprimento, um pouco
mais escura que o corpo -, na parte anterior e lateral deixa vêr duas man-
chas negras que devem ser os olhos. A cabeça é cercada de uma coroa de
pellos ou cilios. Do pescoço partem para cima dous prolongamentos ou
antenas, escuros, de cilios mais longos e aflfectando a disposição penni-
forme, e para baixo, sobre os primeiros anneis do corpo, quatro outros-
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í CIDADE DE MATTO-GROSSO 399
brancos, nacarinos, chatos e pontudos, dos quaes os dous exteriores maio-
res do que os do meio, assemelhando-se á um coUarinho de bicos. Na extre-
midade inferior do corpo nota-se um ponto escuro, redondo, de um milli-
metro de diâmetro, do qual partem em cruz, com as pontas duas para
cada lado, outros quatro prolongamentos em tudo semelhantes aos brancos
do pescoço, mas de duplo tamanho, deixando ver nos intervallos de seus
ramos outra coroa horizontal de pequenos pellos negros. Desde os dous
ramos posteriores partem outros dous processos anteniformes, idênticos
mas um pouco maiores do que os penniformes do pescoço. Sua contextura
é branda, como a têm em geral todos da sua espécie.
nu DA PRIMEmA PARTE
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índice
DAS
Matérias contidas no primeiro volume
INTRODUCÇÂO
Esboço ohorographioo da provinoía de Matto Orosso
CAPITULO I.— Proemio. Limites. Área. População : o Araxá e as terras
baixas : altitude. Hydrographia. Divorsum aquarum.
Geognose 9
CAPITULO II.— Potamographia. Rios que descem das serras dos Parecia.
Tapirapuam, Azul edas Divisões. O Tapajoz. O S. Ma-
noel. O Xingu. O Araguaya. O Paraná. O Paraguay.
O Guaporé. o Mamoré. O Madeira 61
CAPITULO III. —Productos da provincia. O ouro e os diamantes. O ferro
e o cobre. Os calcareos e argillaa. Flora : a cana ; a
poaya : madeiras de lei e sua devastação. Matto Grosso
na exposição de Phíladelphia. As fazendas de criação.
Fairmount-Park e o Trocadero 141
CAPITULO IV.-Climatographia. Ck^ndições hvpsometricas do solo. Diffe-
rença entre o clima do planalto e o das comarcas baixas.
Paludismo. Nosographia. O emetismo ou mal da poaya.
Hygrometria e meteorologia. Estudos thermicos ... 169
Xtinerario da Oôrte á cidade de BCatto Chrosso
CAPITULO I.-Da Corte ao Apa 229
CAPITULO II.— Do Apa ao forte de Coimbra 256
CAPITULO UI.-A gruta do Inferno, em Coimbra , . 271
CAPITULO IV.— De Coimbra a Corumbá . . 287
CAPITULO y.— Itinerário ás lagoas. Lagoa de Cáceres. A ilha dos Ore-
jones. As lagoas Cipó e Mandioré. A lagoa Men onde
Juan de Ayolas. A Gahyba : o Letreiro. Uberaba : o
canal de D. Pedro II. O porto de Reis 313
CAPITULO VI —De Corumbá ao Descalvado. Do Descalvado á Corixa
Grande do Destacamento. O Retiro do Presidente. Fa-
zenda do Cambará. Os Cupins e as formigas : o lermes
luciferus. Bahia de Pedras. A Corixa Grande do Desta-
camento : a Loca. Da Corixa á Santa Rita. O sitio
Uauassú, Os chiquitanos e seu dialecto. Bugres. Santa
Rita. As Corixas 343
CAPITULO VIL- Regresso á Corumbá. VolU aos trabaihos. Palmas
Reaes. Pôtas. O monte da Boa Vista. Os morros das
Mercês. Os dos Quatro irmãos. Salinas. Casal vasco.
O Rio Alegre 875
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|IAGEM AO ^EDOR DO §RAZIL
A
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SEGUNDA PARTE
VILLA BEUA, CIDADE DE MAnO-GROSSO
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VIAGEM
AO
REDOR DO BRASIL
1875 — 1878
PELO
DR. JOÃO SEYERIANO DA FONSECA
a.» TOLXnHCB
RIO DE JANEIRO
Typographla de Pinheiro 4 O- Riia Sete Setembro n. 157
liii
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o
<
O
P
O
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yiA&EM AO BED08 DO BRASIL
VILLA BELLA, CIDADE DE MATTO-GROSSO
CAPITULO I
4.
2»
Bt^• kkUrieo dm coneçoi da pmincia. Fundação de Coyabá. O Matto-Orotto e og serlSes dos Parais. KoadaçScs
doi arníari de SanfAona e S. Traoehco Xarier
nome de Maito-
GrTosso foi dado
pelos aventureiros
de Cuyabá aos ser-
tões no começo cha-
mados dos Pare-
cís, do nome da
nação que porahi
habitava; sertões
cobertos de espessa
e robusta mattaria
3 vinha de NE.,
oyaz, em rumo SO.»
o as escarpas do
araxá, e sombreando
s e regatos que nel-
580869
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8 VILLA BELLA
Mais tarde, quando descoberta a riqueza mineral desses terrenos e
fundados os estabelecimentos primeiros, creou o governo tuna capitania
geral separada da de S. Paulo e deu-lhe o titulo de capitania geral do
Cuyahá e Matto-Grosso ; titulo que conservou sob os capitães generaes,
modificando-se, sómenle, para o àe provinda de Mátto-Gtossoj quando por
decreto de 15 de dezembro de 1815 foi o Brasil elevado á cath^oria de
reino, e mudada a designação de capitanias para provindas.
A guerra aos indios, para haver escravos, e á qual mais tarde se
alliou a sede do ouro, foi a causa do descobrimento desses sertões, de modo
idêntico ao por que já o tinham sido os do Cuyabá. Aqui foram Manoel
de Campos, e seus filhos o capitão António Pires, Pedro Vaz e Felippe
Bicudo, e o velho Anhanguêra Bartholomeu Bueno da Silva (a) e seu
filho do mesmo nome e alcunha (b) , os primeiros que correndo os sertões,
desde S. Paulo, em busca de indios ou de ouro, vieram até o rio Cuyabá,
antigo Ihitiraiy (g).
«
Já em 1682 o Anhanguêra, atravessáná^ GfúfMi encontrara, junto ás
margens do Araguaya, Campos que voltava Íe^ê^ áêsèròbrimentos. Bar-
bosa de Sá, na sua Relação das povoações dó CuyâM e Matto-Grosso
ommittindo o nome de Manoel de Campos, diz Qiié Aitónio Pires foi o
primeiro aventureiro que subiu o rio Cúyábâ, eili tmsòâ dos cosdpofS^f e
comquanto não haja certeza da época do descobrimento á&s MÉMÍk
Martyrios, que o padre José Manoel de Siqueira faz entrí ÔSSiÉttíáe
1648 e 1706, não parece provável que fosse Manoel Cátttilâí ^tíéâ o
Anhanguêra encontrou e sim seu filU6 António, que áé^^it6(íá
(a) Natural de SanVAnna do Parnahyba, em S. Paulo, á 6 leguaá ái tk0ÊÍ,
Seus pais eram Francisco Bueno e Fellipa Vaz, aquelle sobrinho dô Áitiáábt tàlêào
da Ribeira.
(b) O fundador da villa de Goyaz, em 1726 ; a qual recôbèú tal prcdicameriidj ê o
nome da Villa Boa em sua honra, em 25 de julho de 173(5.
(c) IjOzano : Conquista dei Rio dê la Plata — 1© — IV.
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DK. JUÂO SEVKKIANO HA FONSECA.
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 9
Anhanguêra n'aquelle3 descobrimentos, levando em sua companhia seu
filho de egual nome, o mesmo que mais tarde foi coronel e o destruidor
dos cayapós.
O que é certo, e o confirma Siqueira, é que seu próprio pai, que ia
também nessa expedição, era menino como Pires e o filho de Bartholo-
meu, todos de 12 á 14 annos.
Detiveram-se os aventureiros no logar da confluência do Çoxipó-merim^
onde tinham assentadas suas tabas os bororós, nação a mais guerreira e
de mais coragem que os paulistas haviam encontrado nas suas conquistas.
Ahi souberam desses indios que para o sertão, em rumo N., havia
uma grande nação, por elles chamada dos coroas (a): ávidos por surpren-
dêl-08 e fazer-lhes escravos (b), seguiram os destemidos sertanistas naquella
direcção, onde, na serra da Canastra, accommettidos por uma violenta
tempestade, abrigsHram-se em uma anfractuosidade ou socavão da rocha,
que pela sua configuração deu origem ao nome da serra, nome que outros
mudaram para o de 8. Jeronymo, em louvor do santo patrono contra as
tempestades. Foram naquelle rumo até às margens do Paranatínga, e
em 1684 descobriram a serra dos Martyrios, notável pelos emblemas
da Paixão que ahi admiraram, e mais celebre tomada pelas encantadas
riquezas que entreviram mas não souberam conhecer, e que até hoje não
tém sido descobertas. Não foram adiante por avistarem próximos os
coroas á quem buscavam, mas que tiveram por mais acertado evitarem e
[aj Coroas e nSo coroados^ como<liiuitos pretendem, suppondo o nome não indí-
gena, mas dado pelos portuguezes pela maneira por que raspavam a cabeça.Francisco
Rodrigues do Prado, na sua Historia dos indios oavaUeiros^ diz que os coroas são
os oayviabàs, Sá chama-os ooroyases,
(b) Sotnenle em 1752 é que começou o governo á providenciar contra estas entni'
das ou bandeiras, para escravisar os indios, cujo captiveiro prohibiu e aboliu comple-
tamente em carta régia de 6 de junho de 1755. £ as idéas do governo portugez eram ,
tão liberaes, que já em 4 de abril desse anno tinha baixado um decreto, no qual .
declarava que os que se casassem com indios não só não seriam considerados infa-
mes, mas antes tomar-se-hiam dignos da Beal attenção para honras e empregos, .
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10 VILLl BELLA
retirarem-se ás calladas, tal a copia em que os indios se apresentaram.
Não tendo sabido conhecer as riquezas ahi existentes, não lhes assig-
nalaram o sitio; e, somente, quarenta annos mais tarde, quando melhor
instruido de que as pedras de minério vermelho, ahi á rodo, eram de
excellente ouro, lá voltou Bartholomeu Bueno filho, em virtude do ajuste
ordenado em carta regia de 14 de fevereiro de 1721, partindo de
S. Paulo á 30 de junho com seu irmão Simão, seu cunhado Ortiz, um so-
brinho de nome António Ferraz de Araujo,os dous frades bentos Cosme e
Jorge e muitos camaradas, indios e escravos em numero de cerca de du-
zentos. Passaram-se mais de três annos, e já em 23 de abril de 1725 o
rei vendo que a tentativa não íográra, por delia não haver noticias, tinha
ordenado á Kodrigo Cezar, governador de S. Paulo, que desse por finda
tal incumbência, quando em 21 de oitubro apresentou-se o Anhanguera
filho com a grata noticia de seus descobrimentos.
II
Se são, portanto, aquelles aventureiros os descobridores de Cuyabá
é á Pascoal Moreira Cabral de Leme (a), que ahi penetrou em 1718, com
uma bandeira^ que se deve a fundação da cidade de Cuyabá, do mesmio
modo que á Miguel Subtil a gloria do invento das suas minas de extraor-
dinária riqueza. ^
Pascoal, chegado ao logar dos coxiponés (b), o mesmo onde se tinham
detido aquelles sertanistas, já achou destruída a aldeia ; subiu pelo
(a) Assim chama-o o seu contemporâneo António Pires de Campos, na Breve no-
tioia do gentio que ha na derrota das minas do Cuyabá e seu recôncavo, Rev, do Inst,
Hist.. tomo XXV, pag. 437.
(b) Aripooonés, diz o cónego Boque Leme na sua Memoria genealógica das fami-
lias de todas <»s capitanias do Brasil,
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CIDAPE DE MATTO-GROSSO 11
Coxipó-merím, e no sitio da bifurcaçãOf cerca de duas léguas acima
da foz, estabeleceu seus ranchos, depois conhecidos pelos nomes de sitio
da Casa de Telha ou Arraial Velho (a). Já por ahi iam-se achando grane-
tes e palhetas de ouro encravados na barranca ; mas pareciam de somenos
vantagem relativamente ás que esperavam da caçada de indios : na For^
quilha aprisionou vários, que traziam batoques e outros enfeites pedaços
de ouro, e desceu á refazer o povoado nas tabas dos Cuyábás^ depois
S. Gonçalo Velho.
Coxix>ó«xnerinn.
Ahi appareceu-lhe o ouro á flor da terra e em tamanha copia que,
como- diz Barbosa de Sá, si oíque acompanharam Pascoal muito aprovei-
taram, lucrando este uma e meia libra de ouro, os que se demoraram
ainda acharam para colher, uns cincoenta, outros sessenta oitavas e alguns
meia libra.
(á) Nesses tempos & quatorze dias do viagem do povoado de Cuyabá, dizem os
chronistas.
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12 TULA BELLÀ
Melhor avisados que os seus predecessores e que os vindouros, já não
quizeram voltar como pretendiam, nem mais pensaram em metter-se á
correr indios : não careciam de níliito esforço nem havia perigo algum
em colher diariamente boa maquia de ouro. Trataram logo (1722) de
erguer uma capella que dedicaram á Nossa Senhora da Penha de França,
pois nessa época de fanatismo acreditavam piamente que crimes os mais
iniquos podiam ser resgatados com praticas religiosas e apparencias do
culto. Trocaram as toldas e tendas por palhoças mais solidas e resistentes^
de paredes de taipa ou espiques de palmeiras, e trataram de roçar os ter-
renos próximos, e lançar-lhes sementes para proverem sua manutenção.
Dias depois chegavam do Itú (a), donde eram naturaes, os irmãos Ma-
cieis (b) e Francisco Yelho Moreira e outros que andavam também em
bandeira, e para ali foram attrahidos pela fama do descobrimento, á elles
levada pelos próprios bororós.
Bicas eram as minas, si tal nome se dá á terrenos que ostentavam
em sua superfície tão prodigiosa quantidade do precioso metal; e os aven-
tureiros, sabendo apertadas as ordens dó Estado, na sua legislação das
minas, e reconhecendo em Pascoal direito de chefe, lavraram termo do
descobrimento, estabeleceram compromissos reciprocos e delegaram um
dos Macieis, António (c), com amostras do minério ao governador da capi-
tania de S. Paulo e Minas-Geraes, o conde de Assumar (d). Sendo contro-
versos os historiadores (e) sobre quem o primeiro guarãa^mór regente
(a) Nossa Senhora da Candelária do Itú, ftndado á 13 de abril de 1657» por
Gonçalo Ck)uraça de Mesquita.
(b) Gabriel Antunes Maciel e seus IrmSos João, António e Felippe Antunes Ma.
ciei.
(c) Outros, entre elles B. de Sá, erradamente dão Gabriel Antunes. Este Gabriel
foi o descobridor nas minas do Alto Paraguay Diamantino em 17S4.
(d) D. Pedro de Almeida, depois marquez de Alorna. Residia então na villa do
Bibeirão do Carmo, depois Ouro Preto.
(e) Southey dá nomeado capitão mór com plenos poderes civis e militares á Fer-
nam Dias Falcão, provedor Lourenço Leme da Silva o mestre 'de campo João Leme
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 13
dessas minas e quem o provedor, não será demasiado, neste opúsculo, a
transcripção seguinte, copiada do próprio original :
— a Aos oito dias do mez de abril da Era de mil e setecentos e
desenoTe anos, neste arrayal de Ouyabá, fez Junta o capitan-mór Pascoal
Moreira Cabral com os seus cõpanheiros e ele requereu á elas este termo
de certidam^ para noticia do descobrimento novo, que axamos ao ribeiram
do Coxipó, invocaçam de Nossa Senhora da Penha de França: depois que
foi o noso enviado capitan António Antunes com as amostras de oiro que
levou ao senhor general, cõ a petiçam do ditto capitan-mór fez a primeira
entrada onde asistio hum dia e aiou pinta de vintém e de dous e de qatro
vinténs e de meia pataca: e a mesma pinta fez na segunda entrada em-
quanto asistio septe dias c5 todolos seus cõpanheiros, ás suas custas, c5
grandes percas e riscos, em serviço de Sua Beal Magestade e seus gover-
nos: e cõ efeito teem perdido oito homes brancos, fora negros e para a
todo o tempo vá cito á noticia de Sua Eeal Magestade e seus governos,
para não perecerem seus direitos e por asi ser verdade nos asinamos todos
em este termo, o qual eu pasei bêe e feelmente á fée do meu ofício, como
escrivam deste arrayal. — Pascoal Moreira Cabral. — Siman Rodrigues
Moreira. — Manoel dos Santos Coymhra. — Manoel Garcia Velho. —
Ballhazar Bibeiro Navarro. — Manoel Pedro Loasano. — João de
Anhaya de Lemos. — Francisco de Siqueira. — Afonso Fernandes. —
da Silva. Rocha Pitta, no seu Uv. !«, 8S— da America Portugueza, diz que em 6 de
janeiro de 1717 se lavrou tenno das eleições feitas pelos povos nas pessoas dos capi-
tão Fernando Dias e dos irmãos LemSs ; noticia de que se soccorreu Southey. Mas o
Calso delia collige-se claramente da mesma data. Roque Leme (ob. cit.) busca corri-
gil-a mudando-a para 1719 ; mas erra também em vista do documento que acima
transcrevo, que existe não só em original, como transcripto no registro do senado da
camará de Cuyabá, no seu livro 1«, e na Relação das Povoações, de Barbosa de Sá.
Pascoal foi nomeado guarda-mór regente por provisão de 26 de abril de 1738, de Ro-
drigo César, que o confirma em carta à elle dirigida, e que adiante veremos, em data
de 10 de julho de 1724. Os dois Lemes foram nomeados em 7 de maio de 1723 e mor-
reram no fim desse anno e Falcão, capitão-mór em 27 de abril do anno seguinte, e
provedor em 5 de Dezembro.
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1 4 VILLA BELLA
Diogo Bomngues. — 3Ianoél Ferreira, — António Eiheiro. — Alberto
Velho Moreira, — João Moreira, — Manoel Ferreira ãe Mendonça, —
António Garcia Velho, — Pedro de Godoys, — José Fernandes, — An-
tonio Moreira, — Ignacio Pedroso. — Manoel Rodrigues Moreira. — José
Paes da Silva.
— <( No mesmo dia e ano atraz nomeado elegeu o povo em toz alta o
capitan-mór Pascoal Moreira Cabral por seu guarda-mór regente, thé ordem
do senhor general, para poder guardar todos os ribeiros de oiro, socavar e
examinar, fazer composiçon aos mineiros e botar bandeiras tanto ás minas
como aos inimigos bárbaros ; e visto ellegerem ao ditto lhe cataram res-
peito: e poderá tirar auto contra aquelles que forem régulos, como é
amotinadore alei vez; e que espulsará e perderá todolos seus direitos, e
mandará pagar dividas: e que nenhum se recolherá thé venha o noso en-
viado capitan-mór António Antunes do que todos levamos a beem ; Oje,
oito de abril de mil e setecentos e desanove anos eu Manoel dos Santos
Coymbra, escrivam do arrayal que escrevi. — Pascoal Moreira Cabral. »
— « Aos vinte e quatro do mez de junho botou o guarda-mór Pas-
coal Moreira Cabral hua bandeira á descobrimento de oiro, onde foi por
guarda menor Manoel Garcia Velho, junto cõ o escrivam das datas, onde
descobrio hun ribeiro por nome San Joajn cõ pinta de oitava e meya pa-
taca e doze vinténs, e outro ribeiro de Santo António cõ a mesma pinta,
ribeiros de porte para se repartirem ; e por asy ser verdade mandou o
guarda-mór pasar este termo por mi escrivam das datas que o escrevi bêe
e feelmente á fé do meu oficio, oje quinze do mez de agosto de mil e sete-
centos e desanove anos. — Manoel dos Santos Coymbra. — Pascoal Mo-
reira Cabral. —Manoel Garcia Velho.y>
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CIDADE DE MAITO-GROSSO 15
Essa nomeação de guarda-mór foi confirmada por D. Pedro de Al-
meida, depois miarquez de Alorna e então governador e capitão-general de
S. Paulo.
III
Apenas chegadas as noticias á S. Paulo, emigrou logo grande
quantidade de aventureiros em busca do novo Eldorado, expondo-se aos
maiores perigos por uma longa e desconhecida travessia, descoberta á
custo de mil sacrifícios e milhares de vidas. Desciam q Tietê e o Pa-
raná, subiam o Pardo e o Anhandohy Grande, e, atravessando as serras .
de Santa Barbara e os campos da Vacaria, iam sahir no Mboteteyn, hoje
Miranda, e deste no Paraguay, que subiam, e depois o S. Lourenço e o
Cuyabá ; não se sabendo ò que mais admirar si a coragem desses aventu-
reiros, si sua sede e avidez de riquezas. O incontestável é que á
elles deveu a província os seus começos e mais que tudo o ser brasileira.
De S. Paulo, Minas-Geraes, Bahia, e até do Maranhão e Pará partiu
muita gente, cortando sertões desertos e Ínvios, florestas e rios povoados
de selvagens e antropophagos, galgando montanhas, vencendo cachoeiras^
varando nos saltos e cascatas, e aproveitando o ma-is que podiam a via
fluvial.
Para dar uma idéa do arrojo desses flibusteiros ão sertão^ na phrase
de Humboldt, e dos seus sofrimentos — leiamos o que Barbosa de Sá con-
signa nas seguintes pala\Tas (a): — « Partiam deixando casas, mulheres e
filhos, botando-se por esses sertões como si fora a terra de promissam, ou
o paraiso encoberto. Padeceram grandes destroços, e perdas de canoas nas
cachoeiras por falta de pilotos práticos, que ainda os não havia ; mortan-
(a} Relação das povoações, etc.
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16 VILLA BELLA
dade de gentes por falta de sustento, doenças, onças e outras misérias.
Não sabiam pescar nem caçar, nem o uso das muito proveitosas toldas das
canoas, que tudo lhes apodrecia com as chuvas, nem sabiam ainda o
invento dos mosquiteiros para defeza dos mosquitos, que muitos annos ao
depois é que a necessidade e a experiência é que foi ensinando estas cousas,
pelo que padeceram os que escaparam da morte, misérias sobre misérias.
Houve conserva de canoas em que morreram todos sem ficar um vivo,
achando os que vinham atraz as canoas com as fazendas podres, e os corpos
mortos pelas barrancas dos rios e seus reductos e redes armadas com os
donos dentro, todos mortos. » E refcrindo-se ás monções de 1720, diz:
(( — ^Morreram todos, sem que chegasse nesse anno pessoa alguma á
Cuyabá. »
D'entre os primeiros que afBuiram ás novas minas, foram principaes
o capitão José de Sá e Arruda, o capitão-mór Jacintho Barbosa Lopes,
(que foi o fundador da matriz, no anno de 1722 com a mesma invocação,
que hoje tem, de Senhor Bom Jesus do Cuyabá), o sargento-mór João Car-
valho da Silva, o capitão de mar e guerra João Martins de Almeida e seu
irmão o capitão José Pires de Almeida, João Leite de Barros, Pedro
Corrêa de Godoy, os frades carmelitanos Pacifico dos Anjos, irmão do ca-
pitão-mór Jacintho e Florêncio dos Serafins, e òs padres André dos Santos
Queiroz e Joaquim Botelho (a).
Mais uma prova da miséria que acompanhava estes aventureiros está
no seguinte facto, registrado nos Annaes ãa Camará^ e citado por Sá. —
José Pires trazia comsigo um menino, á quem queria como filho : trocou-o
por umpacu (b), isto é, reduziu-o á escravidão, para matar a fome.
Já existia o arraial da Casa de Telha, na Forquilha'^ e levantada a
capella de Nossa Senhora da Penha de França, ahi celebrou-se a primeira
(a) Registro do senado da camará de Cuyabá.
(b) Proohilodus: ha-os de varias espécies.
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CIDADE DE MITTO-OROSSO 17
missa, desses sertões, officiando o padre Botelho, seu primeiro ca-
pellão.
For um lado a infrene ambição e sede de ouro, por outro as difficul-
dades da conducção dos meios de manutenção, alimentos e medicina, em
viagens tão longas e affadigosas, a serie de perigos que arrostavam e o
habito de soflfrêl-os, endurecia o coração á essa gente, sopitando-lhe os
mais naturaes deveres da caridade e humanidade.
Nas expedições todos trabalhavam, e também só quem trabalhava
tinha direito á alimentação. Si a fraqueza ou moléstia apoderavarse de
alguém, que o impossibilitava do labor, era sem a menor commiseração
abandonado n'uma praia ou barranca, com a implícita sentença de morte,
á fome ou trucidado pelas feras ou pelos selvagens.
Chamavam monções de povoado, as viagens que todos os annos,
desde então começaram de S. Paulo para o Cuyabá. Não houve monção,
em que os viajantes não encontrassem dezenas de ossadas, ou cadáveres
ainda frescos, por vários pontos das margens e em toda a extensão dos
rios.
A historia guarda noticia de um moço portuguez abandonado por
seu patrão, que com cinco canoas, muita fazenda e escravos, ia em busca
de maior fortuna. João Lopes se chamava o moço ; enfraquecido pelas
sezões e pela fome, já não podiamanejar o remo.Seu amo deitou-o em terra
com esta oração fúnebre : — « que se pegasse com Deus, pois que com cer-
teza morria, e elle não lhe podia dar cousa alguma, visto o que trazia só
chegar para os vivos, que o ajudavam, e não para defuntos. » (a) O moço
armou sua rede, fez a fogueira, companheira e soccorro do viajante nas
selvas, e deitou-se, — « sem mais sustento, rezam as chronicas, que a
agua do céo acompanhada da que seus olhos vertiam. » Na manhã
(a) Sá, obra citada.
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18 VILLA BELLA
seguinte acordou-se com um ruido próximo, e viu junto á si um faman-
ãim landeira^ que com o longo focinho o farejava. Transido de medo, e
mais por instincto de conservação do que por forças para defender-se,
deu-lhe uma pancada sobre o focinho, que é, como se sabe, o ponto vul-
nerável desses animaes, o que logo o prostrou por terra. Era o céo
que o protegia : era o alimento, era a vida que lhe mandava. Entre-
tanto, Lopes não ousava esperar que essa protecção lhe aprovei-
tasse : suppunha seus dias contados. Mas, Deus não o desamparara;
esse alimento lhe restituiu as forças perdidas, e dias depois via subir o rio
uma outra monção que recusando-se, á principio, recebêl-o, pelo mesmo
motivo de escassez de alimentos, aceitou-o sempre, ao mostrar-lhe o moço
que esses lhe sobravam e tanto que ainda os repartia com elles.
Mais adiante teve Lopes mais oulra prova de quão insondáveis são os
desígnios de Deus e que imraenso o seu poder. Atracadas á uma bar-
ranca, lá estavam as canoas do seu ex-patrão, e alguns escravos vivos :
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CIDADE DE MATTOOROSSO 19
aquelle e o resto da gente, apezar dos recursos que ainda tinham, mortos
na barranca ; emquanto que elle, o enfermo e faminto, o moribundo aban-
donado para morrer, ahi chegava saciado, vivo, são e forte.
Logo em 1720 chegou o padre Francisco Justo, já provido como vi-
gário curado eda vara das minas do Cuyabá,pelo diocesano do Eio de Ja-
neiro o bispo D. Fr. Francisco de S. Jeronymo. Difficuldades de viagem
demoraram a frota, por uns seis mezes, na barranca do Carandd, já no rio
Cuyabá : ahi n'um oratório improvisado, celebrou elle a sua primeira
missa, na nova vigararia.
IV
Taes foram os principies remotos da cidade de Cuyabá. Mas o seu
verdadeiro estabelecimento só começou com o invento das minas de
Miguel Sutil, no logar ainda hoje conhecido pelo Tanque do Ernesto.
Morador no povoado de Nossa Senhora da Penha, tinha começado
uma roça, rio abaixo, á margem do que deu o nome á cidade. Em
oitubro de 1720, desceu com um camarada e alguns indios carijós
á cuidal-a ; e chegado, mandou dous destes em busca de mel de
abelha, que muito abunda nas florestas dahi. Só alta noite chega-
ram, e sem o mel ; e reprenendendo-os Sutil, disseram-lhe elles que
tinham achado cousa melhor, e entregaram-lhe vinte e três grane-
tes de ouro, com o peso de cento e vinte oitavas, assegurando-lhe
que lá havia muito disso (a).
Mal rompeu o dia, Sutil e seu camarada, de nome João Francisco Bar-
(a) Registro do senado da oamara de Cuyabá, liv. 1.»
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20 VILLA BELLA
bado, seguiram com os dons índios até o logar em que está situada hoje a
capital, e onde estes lhe mostraram « o ouro espalhado sobre a terra eque
elles foram apanhando ás mancheias (a). » A tarde recolhiam-se Sutil
com meia arroba de ouro, e Barbado com mais de quatrocentas oitavas.
Deu logo parte do descobrimento, como era de rigor ; e os habitantes do
Coxipó abandonaram o seu arraial para as lavras do Sutil, onde já
em 1772 se elevava novo povoado, com capella matriz. Diz Sá que
em um mez se tiraram quatrocentas arrobas de ouro, sem que se clivasse
profundidade maior de três á quatro palmos.
N'um terreno chamado do Sapateiro, por ter sido lavrado por um
desses artesãos, tiraram-se em nove dias quarenta e duas arrobas (b).
Sutil era paulista, como o foram quasi todos os descobridores das
minas do Brasil : Aífonso Sardinha, que em 1595 descobriu as primeiras,
e levantou fundição nos serros de Ibyraçoyába (c); Salvador Jorge Velho,
o descobridor de Coritiba; Carlos Pedroso da Silveira,natural de Taubaté,
e Bartholomeu Bueno, do Paranahyba (d), que 102 annos depois acharam
o primeiro ouro de Cataguaises e Saiará-bussH, depois chamados Minas-
Geraes ; António Eodrigues que em 1693 descobriu as deCaieté ; Manoel
Corrêa, que descobriu as de Goyaz ; Anhanguèra as dos Martyrios e a
Sen-a Dourada ; Eoberio Dias e Marcos de Azeredo Coutinho inventores
das de diamantes e esmeraldas, cujo segredo levaram á tumba, por o go-
verno não querer remuneral-os como pretendiam ; António Adorno e Fer-
nam Tourinho e o octogenário Femam Dias Paes, que foi quem facilitou
novos descobrimentos aos seus descendentes,pelo caracter pertinaz e activo
(a) S&, obra citada.
(b) Ferdinand Dónis, Le Brésil (UUnivers, pag. 313).
(c) Roque Lome, Memorias das Famílias, As minas de Ibíraçoyaba foram desco-
bertas e exploradas em 1680 por Fr. Pedro de Souza, o alcaide-mór Jacintho M. Ca-
bral e seu irmão o coronel Pascoal M. Cabral.
(d) Fundado em 1645 por Jacques Félix, em nome da condessa de Vimieiro, D. Ma-
rianna de Souza Guerra.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 21
e commettímentos incríveis na sua avançada edadei^a): Garcia Eodrigues,
seu filho Arzão, cunhado de Anhanguèra ; Manoel Preto, que contava
seus escravos Índios á milhares (b); os irmãos Lemes e tantos outros que
não me occorrem agora, raça de aventureiros tão gigantes no valor como
na cobiça, e alliando â maior crueldade e dureza de coração, que os fazia
commetter crimes quasi iguaes aos de Pizarro c Almagro, um fanatismo e
temor religioso, com que buscavam obliterar seus crimes. Nas duas entra-
das para escravisar indios, faziam sempre baptisal-os, si elles mesmos
não impunham esse sacramento, in mente profitandi em artigo de morte.
Conta-se de um delles que, nesse fervor religioso, recitando a forma do
baptismo para um indio moribundo á seus pés, ao dizer o Eu te laptiso^
recebera um golpe de flecha que o fizera exclamar interjectiva e incons-
cientemente a voz « diaho » quando devia impôr o nome ao agonisante, fi-
cando perplexo e possuido de grande terror religioso por ter imposto tal
nome em acto sacramental, que lhe era interdicto repetir, nem sacerdote
algum podia fazêl-o, nem mesmo o papa, por ter morrido incontinenti o
indio. Conta-se, que vindo ao bispo á confessar esse acto de consciência, o
parecer do prelado fora que o indio ficara baptisado e bembaptisado.Para
desencargo das consciências nimiamente timoratas resta a esperança de
que o novo christào não tenha levado seu nome ao céo, e que quando
muito, graças ao fervor do baptisante, tenha apenas alcançado o purgatório.
Logo em 1723 desceu o padre André dos Santos Queiroz conduzindo
o ouro dos direitos reaes e o dos particulares : e foi tal a emoção cau-
sada pela noticia desses extraordinários descobrimentos, que os povos se
(a) Item, obra citada.
(b) Ferdinand Dénis, Le Brésil (UVnivers, pag. 186;. Fernandes Pinheiro, Vis-
conde de S. Leopoldo — AwMLes de provinda de S, Pedro,
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22 VILLA BELLA
alarmaram e desertaram em massa para oCuyabá, levando comsigo para o
nascente arraial as misérias, soflfiimentos e fome, que os seguiram em
viagem, que accumularam-se aos que ali encontraram pela carência de
mantimentos, occi^)ando-se os moradores mais na cata do ouro do que na
plantação das roças. Os novelleiros ainda exaggeravam mais a noticia
dessas riquezas, dizendo que os granetes de ouro eram tantos que si os
empregava como chumbo de espingardas ; que eram de ouro as pedras
que serviam de trempe ás panellas no fogo ; e que para colhêl-o bastava
arrancar as toucas do capim, pois nas raizes vinham pregadas as folhe-
tas— « o que não foi totalmente fabula, diz Sá, pois se viu muitas vezes,
tanto nas lavras do Sutil como nas da Conceição(a), que depois foi
arraial. »
Ainda hoje, as enxurradas, escarvando o solo da capital, põem á des-
coberto pepitas e granetes de ouro ; e já vimos no capitulo 3** — I da
Introducção, como os soldados do oitavo de linha apanhavam ouro.
Em 1724, separado o governo das Minas-Geraes do de S. Paulo, veiu
o capitão-general Kodrigo César de Menezes para a villa de S.Paulo, e dahi
nomeou regente e administrador das minas do Cuyabáá um dos Macieis,
João Antunes e superintendente das terras mineraes á Fernando Dias Fal-
cão (b); e a instancias de Sebastião Fernandes do Rego (c) deu os cargos
(a) Fundada em 1724, sendo vigário da vara e curado o padre Manoel Teixeira
Rabello.
(b) Southey diz que este veiu de capitâo-mór com plenos poderes ci\is e milita-
res. Pizarro, não sei fundado em que, diz que por termo lavrado em 6 de Janeiro
de 1721, foi eleito pelo povo de Cuyabá para substituir Pascoal, qne governou
até 1728.
(c) Roque Leme, Memoriadas Famílias. Sebastião era o provedor da real fazenda
em S. Paulo.
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CIDADE DE MATTOGROSSO 23
de provedor á Lourenço Leme da Silva (a), e de mestre de campo à seu
irmão João Leme— <c os dous maiores sceleradosque jamais viu o Brasil, »
diz Southey.
Si esse povo de mineradores tinha até então vivido mais ou menos
em paz, accommodando-se em suas desavenças conforme o alvitre do
guarda-mór Pascoal í* agora chegou a era das extorsões, processos e injus-
tiças, visto que os novos funccionarios, já tendo por difficil a mineração,
preferiam alapardar o ouro já catado. A primeira construcçáo que
fizeram foi a de uma cadêa, de forte e solido páu a pique (b), mobiliada
de troncos e gargalheiras ; a qual se conservava sempre cheia de desgra-
çados. A's violências se ajuntaram, com idêntico motivo, as da igreja : o
novo vigário, nesse mesmo anno chegado (c), teve de soccorrer-se de meios
(a) Lourenço e João Leme eram ftlhos de Pedro Leme, o torto e coxo, e parentes
de Sebastião Rego. Roque Leme, descendente deUes, diz que pela ambição de Se-
bastião foram eUes sacrificados: — « que até venceu que contra a pureza da verdade
corresse desenfreada a penna de Sebastiam da Rocha Pitta, no seu livro da America
Portuffueza^ impresso em Lisboa, em 1727. » — « Esses dous irmãos, continua Roque,
fizeram varias entradas no sertão á conquistar gentios de diversas nações. Com este
exercício adquiriram grande pratica de disciplina militar e conhecimento dos incul-
tos sertões do Rio Grande, Paraná, Ubahy (*), Pai*aguay e dos que oje são navega-
dos em canoas para as minas do Cuyabá. Eram temidos dos mesmos bárbaros, prin-
cipalmente dos Payaguás, e capazes ambos da maior facção de guerra si algum movi-
mento se intentái*a contra os castelhanos daquellas regiões. Porém degenerou esse
merecimento do valor jm algumas extorsões e violências que exercitaram em diver-
sas occasiões. O coronel Sebastião, da Rocha Pitta, levado de informações erradas e
conduzido do natural génio de lisongeiro, claudicou muito da verdade nos factos que
relata no 1» vol., g 83 e seguintes até 97, da sua Araerica Portugueza.Pdém de outros
muitos descuidos em que cahiu, que são erros grandes para a verdade, que é a alma
da historia, nós referiremos agora, com toda a pureza o successo dos dous irmãos,
João e Lourenço Leme, visto que Pitta se affastou da chronologia dos tempos, da
verdade dos acontecimentos e da epocha do descobrimento do Cuyabá. »
(b) Sá, Relação das Povoações^ etc.
(c) O padre Manoel Teixeira Rabello, provido pelo cabido em sede vacante de
D. Fr. Francisco de S. Jeronymo. Pizarro não falia no 1° vigário o padre Francisco
Justo ; e dando noticia daquelle, ajunta : « mas o padre Lourenço de Toledo Taques
que por provimento doRevm. Bispo D. Fr. António de Guadalupe, lhe succedeu em
ambos os cargos teve a nomeação de primeiro parocho daquellas minas e também de
primeiro visitador ordinário. »
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24 VnXA BELLA
extremes, não só para prover sua subsistência, ali, onde tudo o que havia
só se obteria á peso de ouro, como para conter o seu rebanho mais de
lobos que de ovelhas.
Nesse anno de 1 724,falleceu com 70 annosde edade, Pascoal Moreira
Cabral, descendente collateral do descobridor do Brasil, e elle descobridor
de Cuyabá, cujo povo de aventureiros soube administAr com justiça, mere-
cendo de todos o maior respeito emquanto vivo, geral sentimento por sua
morte e grata recordação nas chronicas.
« Homem charro, sem letras e pouco polido, diz Sá, mas de agudo
entendimento, sincero sem maldade alguma, e de extrema charidade ; a
todos servia e remediava com o que tinha e podia ; era amigo de Deus,
experto na milicia dos sertões e exercido de minerar ; finalmente valoroso
e constante nos trabalhos (a). »
- Homem nessas condições não mereceu dos superiores continuar no-
posto que seu trabalho tinha creado e seus companheiros lhe conferido ;
mas, foi motivo o não ter sufficientemente angariado as sympathias de
Rodrigo César, que entretanto ao nomear outros para suc<5ederem-lhe no
cargo, não se descuidou de escrever-lhe, embalando-o com promessas e
bons ofBcios e insuflando-lhe que obrasse ãe sorte que se tomasse mais
merecedor^ e elle capitão-general tivesse motivos para agraãecer-lhe e ser-
viJ-o de boa vontade. Rodrigo, era daquelles de quem Pombal dizia
que bastavam-lhes três annos de governo no Brasil para dispensarem
augmentos.
O motivo principal dessa substituição, foi a ganância e avidez do
capitão-general. Pelos modos. Pascoal não se tinha tornado merecedor de
que elle lhe fosse grato e o servisse de boa vontade.Mas essa substituição,
como se verá dos documentos abaixo, só foi dada em meiados de 1724, e
Pascoal quasi que não lhe sobreviveu,
(a) Foi sepultado na matriz do Bom Jesus.
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 25
A carta que existe nos Annaes do senado de Cuyabá,eque Sá repro- '
duz na sua chronica, naerece ser conhecida para desfazer esse engano dos
historiadores. Eil-a :
« Recebi a de Vm. pelo padre André dos Santos; a qual me deixou
muito satisfeito pela certeza de sua boa saúde e também pela noticia' que
me dá do novo descoberto, que permitta Deus se aumente para que El-
rey N. Senhor tenha accrescimos na sua fazenda e Vm. os bens e fortuna
que eu lhe desejo. Mando ao capitão Femam Dias Falcam e João Antunes
Maciel com as ordens que a Vm. hão de constar ; incaminhando tudo ao
soeego e união desses moradores ; e asi Vm. como os demais concorrerá
com tudo o que puderem para que se execute o que ordeno, encaminhando
tudo á melhor conservação de Vms. e augmento das minas, emquanto eu
não chego á ellas para dispor com aprovaçam de todos Vms. o que for
mais conveniente ao real serviço e útil á todos. Eu parto sem falta para
essas minas no principio de Junho e serei o portador dos papeis de Vm.
que remeti a El-Rey Nosso Senhor, como também de mais alguma mercê,
pois não me descuidei de pôr na real presença os bons serviços e mereci-
mentos de Vm. para por elles ser attendido : asi espero que Vm. obre de
sorte que se faça merecedor de mais, e eu tenha que agradecer-lhe : fico
para servir a Vm. a quem Deus guarde. S. Paulo, 10 de Julho de 1724.
— Servidor de Vm. — Sr. Pascoal Moreira Cabral.
« Rodrigo Cezar de Menezes. »
Quatro annos depois, em abril de 1728, partiu segunda vez o padre
André dos Santos conduzindo o ouro dos direitos reaes, em quatro cunhe-
tes e mais sete arrobas dos particulares. Remettia-os Rodrigo César, então
em Cuyabá, á Sebastião Fernandes, em S. Paulo: este demorou-os comsigo
alguns dias, mandando-os logo para o Rio de Janeiro, donde seguiram
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26 VILLA BELLÁ
para Lisboa e onde chegaram contendo chumbo em vez de ouro. Foi opi-
nião geral que a escamotagem fora feita pelo capitáo-general, havendo
quem pretendesse têl-o visto fazêl-a ; assim como quem nomeasse o pagem
de palácio que fôra comprar o chumbo, e o negociante que o vendeu (a).
O choque que o governo recebeu com essa troca foi grande : expediu-se
immediatamente uma náo de linha ao Eio de Janeiro, com ordens ao
(a) Eis como Sá trata do caso, deixando em pungente ironia bem se entrever a
realidade: — ... « haviam dous pareceres, huns disiam e afirmavam com razoens muito
querentes, como testemunhos de vista, ver o chumbo metido em caixoens pelo mesmo
general Rodrigo César de Menezes, nesta villa de Cuyabá, quando fez a entrega ; e
havia quem afirmava que vira com os seus olhos comprar o chumbo, e nomeava
qual o page de palácio que o fôra comprar, declarando o mercador que o vendera.
Afirmavam outros como testemunhas de vista e sciencia sertã em como a troca fôra
feita pello provedor de fazenda Sebastiam Fernandes do Rego, em S. Paulo, que
teve 08 caixoens em sua casa, cinco dias antes que os remetesse para o Rio de Ja-
neiro ; houve tal que jurou ter visto os cunhetes abertos debaixo da cama de Se-
bastiam Fernandes, levantando cada hum conhecidos aleives, com que queriam jus-
tificar essas opinioens, conforme suas desordenadas paixoons ; lapso com que o com-
mum inimigo prendeu muitas almas, porque, como ambos os séquitos afirmavam de
vista, algum delles mentia, e o serto é mentirem todos : e quem quizer saber quem
fez a versão do ouro em chumbo, eu o direi :— O general, era fidalgo e portuguez, c
rico de tal sorte que remediava a muitos, principalmente a pobres, como vira em
S. Paulo, neste Cuyabá e pelo caminho na vinda e na hida, que a todos os pobres
caiTegava e sustentava mandando assistir aos enfermos com o necessário : era cató-
lico, amante do Rey e interessado nos serviços da coroa, para os acrescentamentos
da sua pessoa, e asi o mostrava nos excessos da arrecadação da Real Fazenda :
enfim era César por nascimento. — O provedor, com menos obrigaçoens c mais relevan-
tes provas de sua innocencia, abundante de bens da fortuna, a muitos pobres dava
abono desinteressadamente ; estabelecido em contractos e negociaçoens, amigo de
honras, prudente, sciente do bem e do mal e da pena em que incorria quem comniet-
tesse tal absurdo, e finalmente não teve tempo de fazer tal coisa, por ter os caixoens
sempre á vista de todos por aquelle tempo que passaram em sua casa thé que os
remettesse. Resultou da devaça prender-se Sebastiam Fernandes e sequeatra-
rem-lhe os bens, e sendo remetido para Portugal pouse em livramento e sahio solto
e livre, mandando-se-lhe entregar todos os seus bens e honras ; e o general Rodrigo
César foi promovido para o governo do Angola com todas as antecedentes honras e
privilégios ; pelo que todos os que culparam huns e outros mentiam jurando c afir-
mando falsamente para satisfazerem suas paixoens. Quem mudou o ouro em chumbo
não foi mao de algum mortal, mas sim a Divina justiça pela dos miseráveis
que entregavam suas fazendas por não terem com que pagar os direitos delias ; a de
outros de quem tomavam os escravos pela lotação dos quintos ; e rematando-os em
praça se embolsava a F. R.; desta sorte é que se ajuntaram aquelas 7 arrobas de
ouro para com ellas lisongear o Monarcha e felicitar-lho as graças. »
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 27
Dr. Roberto Carr Ribeiro, juiz do fisco, de ir á S. Paulo, syndicar do facto,
abrir devassas e prender o delinquente. A nau entrou sem bandeira, em
signal do real desgosto. Prendeu-se Sebastião e se lhe sequestraram os
bens ; mas mais tarde foi julgado innocente e tudo se lhe restituiu, não
podendo a justiça enxergar atravez da venda o verdadeiro culpado.
Rodrigo César deixou Cuyabá nesse mesmo anno de 1728, e com a
sua partida, diz ainda Sá-^a melhorou tudo ; secaram as escommunhons,
lagrymas, execusons, pragas, fomes, enredos e alvoroços, apareceo logo
o ouro que tinha-se sumido, produziram-se os mantimentos, melhoraram
os enfermos, finalmente foi-se o inverno e entrou a risonha primavera (a). »
VI
Com effeito os males que acompanhavam sempre esses povoados de
aventureiros, accresceram extraordinariamente desde 1724. A's extorsões
e iniquidades das autoridades, juntaram-se os ataques e depredações dos
selvagens, senhores da terra, em represália, que não se pode acoimar de
injusta, da guerra de extermínio que sof&iam.
Ás consequências foram atrozes. Naquellas monções é que vinham os
refrescos de todo o género de abastecimento, fazendas e comestíveis ; des-
truídas, ficavam os povoados entregues à miséria e á fome e á todo o cor-
tejo de calamidades que as acompanham. O pouco que restava subia a
preços exorbitantes, não só pela difficuldades em obtêl-o, como para
compensação das extorsões e violências dos arrecadadores e funccionarios.
As chronicas falam de um Joaquim Pinto, que comprou um pacú por
uma quarta de ouro, para vendêl-o em partes, á mais de meia libra cada
(a) S&, obra citada.
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28 VILLA BELLA
uma : teve, porém, os bens confiscados á pretexto de não ter pago os
direitos reaes do negocio. O mesmo succedeu á outro, que comprou uma
abóbora por quatro oitavas e fez delia papas que vendeu por vinte (a). Com
quatro alqueires de milho compr ivn-se um escravo,
Além do pouco cultivo e nenhum cuidado nas roças, as chuvas einnun-
dações as destruíam : o pouco que se poderia utilisar era prêa dos ani-
maes damninhos, principalmente ratos, que appareceram e desenvolve-
ram-se como uma verdadeira praga. Um casal de gatos, que ali chegou,
foi pago por uma libra de ouro, e os filhos,que produziram, á vinte e trinta
oitavas cada um ! Sal não havia, nem para baptisados ; uma vara de algo-
dão vendia-se por doze oitavas.
Emquanto que Pascoal cobrara os quintos reaes na rasão de duas
e meia oitavas por pessoa de trabalho, o guarda-mór Jacintho começou á
cobral-os á seis por habitante, qualquer que fosse sua condição, sexo,
(a) Item, cíc^Registro do Senado da camará.
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CIDADE DE MATTO-GFOSSO 29
idade, natureza e aptidão para o trabalho. Era uma capitação em regra.
Os direitos, para entrada na villa,de um fardo de fazenda sêcca foram ele-
vados á uma onça, cinco oitavas os dos molhados e quatro a taxa de um
negro ou indio.
Esse estado de cousas foi aggravado por novas calamidades.Em 1725,
subia Diogo de Souza, aventureiro portuguez, conduzindo uma frota de
seiscentas á setecentas pessoas, quando foi completamente aniquilada na
altura da lagoa 3Ianãioré ; escapando de toda essa gente apenas um pobre
negro, que levou a noticia á Cuyabá (a); mortandade que foi o prenuncio
das depredações que de então em diante e até o fim do século os selvagens
fizeram com frequência aos navegantes.
Os payaguás eram uma nação quasi desconhecida e arredia das mar-
gens do rio pelo terror em que os mantinham os guatós : perseguidos estes
e escravisados, afugentados ou mortos pelos sertanistas, perderam aquelles
o medo e começaram á frequentar o rio, do qual cedo foram senhores.
No anno seguinte, Miguel Antunes Maciel e seu primo António
Antunes Lobo vendiani valentemente as vidas, em novo ataque dos paya-
guás, no qual perdeu-se quasi toda a gente e fazenda da expedição.
• Em 1728, destroçam uma monção que descia, já, dos sertões dos
Parecis, aprisionando á todos, entre elles o alferes António Moreira da
Costa, um filho e um sobrinho. Dos primeiros um logrou escapar-se em
uma pequena canoa; e foi quem deu noticia do desastre. No anno seguinte,
intentando-se fundar um povoado no Coxim, partiram Manoel Caetano,
Domingos Gories Belliago, António de Souza Bastos, Manoel de Macedo e
Manoel António Viegas, com os padres António de Moraes e José de Frias,
e muitos camaradas e escravos. Esse estabelecimento era influenciado pelo
(a) Livro 5» do Reg, do senado do GiAyabif fl . 68.
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30 VILLA BELLA
ouvidor de Cuyabá o Dr. António Alvares Lanhas Peixoto, que buscava
promover os augmentos daquelle sertão como uma guarida e providencia
para os viajores. A frota, que partiu era duas divisões, teve, a da van-
guarda aniquilada logo na foz do Cuyabá (a), onde se detivera á espera da
outra (b). No anno seguinte (1730) foi victima o próprio Dr. Lanhas Pei-
xoto (c), que, partido- á 7 de junho, com quatrocentas pessoas, conduzindo
sessenta arrobas de ouro, foi acommettido por aquelles Índios perto de
Ariacuné, ou Eio-Negrinho, uns 16 kil. acima da foz do Cuyabá (d); esca-
pando apenas duas pessoas que esconderam-se no matto, onde foram dias
depois encontrados por duas pequenas frotas capitaneadas por Felippe de
Campos Bicudo e João de Araújo Cabral, que iam também de conducto-
res do ouro dos quintos : e nessa conjunctura mandaram um próprio á
villa pedindo reforço ; mandando-lhes a camará que voltassem, o que
cumpriu Bicudo; mas não Araújo, que preferiu tomar rumos, sertão á
dentro, levando á hombros o ouro de El-rei (e).
Em 1731 outra frota de pescadores foi até a barra do S. Lourenço,
onde os pay aguas os capturaram : entre elles João Mai^tins Claro, de Soro-
caba ; Manoel Furtado, fluminense, e os portuguezes Manoel Francisco e
Domingos Martins. Após oito mezes de misérias e tormentos lograram os
dous primeiros escapar-se, contando extraordinárias aventuras e miracu-
ía) A foz do Cuyabá está aos 17o 19' 43" lat. e 321o 50' O. da ilha de Ferro (La-
cerda, commissão de 1782).
(b) Os conductores desta foram presos por ordsm do juiz ordinaiúo Thomé de
Gouveia Sá de Queiroga,— « um celebre moço fidalgo da casa de S. M., diz Sá, mais
abundante de presumpção que de boas insinuações,—» por pretender que iam fugi-
dos para os castelhanos. Sá, obra citada.
(c) Tinha por piloto Ignacio Pinto Monteiro, que, Ci)m um outro moço de nome
Miguel Pedroso da Silva, deixou heróica fama da svia defesa e morte, do mesmo
modo que o ouvidor.
(d) Em 83 canoas, diz Sá, e mais de trezentos bagi*es.
(e) Disso o ouvidor José de Burgos Yilla Lobos tirou devassas para dar sciencia
ao governo. Reg, do senado da oamara do Gayabà^ livro 2o— onde também é citado
n*uma cai'ta de Cabral.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO '" 31
losos episódios, quaes o de onças que lhes mostravam o caminho, e aban-
donando suas prêas lhes deixavam caça recem-morta que lhes matou a
fome; ora tatús,que, perseguidos, buscavam os buracos, onde encontravam
agua para os saciar.
Ainda nesse anno, outra expedição de Cuyabá, partida em busca . de
escravos fugidos, foi egualmente destruida.
Em 1733, José Caidoso Pimentel, com cincoenta canoas, e muita
gente e fazenda, perdeu tudo, escapando apenas quatro homens, junto á
barranca do Caranãá^ nos pantanaes do Cuyabá e S. Lourenço, onde o
vigário Justo celebrara a sua primeira missa parochial. Ainda ahi, três
annos mais tarde foi destroçada a monção de S. Paulo, conduzida por
Pedro de Moraes Siqueira, onde vinha um franciscano de nome Fr. Antó-
nio Nascentes, alcunhado desde então o Tigre, por sua valentia na defesa,
e de quem diz Southey, não sei com que fundamento, que si suas vida e
virtudes tivessem sido fielmente escriptas dariam um dos mais apreciáveis
escriptos da historia seraphica. Tão valente como o frade, vinha também
um mulato de Pindamonhangaba, Manoel Rodrigues do Prado, ou Man-
duassú, nome que lhe davam pela sua extrema corpulência ; aquelle mor-
reu, mas Manduassú chegou á Cuyabá, onde a fama de sua bisarria lhe
fez concederem a nomeação de capitão do matto.
Fora extenso e fastidioso relatar todas as aggressões e tropelias com-
mettidas pelos selvagens ; citarei apenas as datas das principaes :
em 1740 ; 1743 ; duas em 1744, uma n'um arraial florescente no Alto
Paraguay, em caminho para os sertões do Matto-Grosso, e outra no
S. Lourenço; em 1762 e 1771 pelos cayapós, nas lavras dos Remédios e
Cocaes, e pelos pay aguas' já no rio Cuyabá ; no anno seguinte pelos caya-
pós e bororós na aldêa de SanfAnna da Chapada, onde levaram sua ousa-
dia ao ponto de assolarem os subúrbios da própria villa; em 1773;
em 1775 pelos payaguás, de novo, no Alto Paraguay, e pelos bororós no
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3â VILI.A BELLA
Coxipó-Assú ; em 1791, á 6 de janeiro, pelos guaycurús no próprio forte
de Coimbra, fundado para reprimir taes atrocidades, e onde trucidaram
cincoenta e quatro praças da guarnição, que com a maior boa fé pratica-
vam com elles.
Outras ainda se seguiram, e nesses últimos annos, mesmo, se
Um repetido com muita frequência, apezar dos meios empregados para
conciliar-lhes a paz e chamal-os ao grémio da civilisaçào. Tanto o ódio
que guardam, mais do que os instinctos selvagens, á raça que tão cruel-
mente os perseguiu, escra visou, matou e afifugentou-os de suas tabas.
VII
Para evitar esse perigo, tanto o povo como as autoridades anciavam
naquelles primeiros tempos por descobrir-se uma estrada que os livrasse
do encontro de tão temiveis inimigos.
Diz o visconde de S. Leopoldo, nos seus Annaes da província de
S. Pedro, que Eodrigo César, ao chegar á S.Paulo em 1721,já viera com
instrucções para tratar da abertura de estradas para aquella capitania
de S. Pedro, e contractal-a com Bartholomeu Paes. Este, porém, achava-se
então ausente, empenhado em buscar uma para as minas do Cuyabá, pelo
que César tratou-a com Manoel Godinho de Lara, logo no anno seguinte,
o qual também não a realisou ; fazendo-se novo contracto com Luiz Pe-
droso de Barros sob promessas de sessenta mil réis de tença e a mercê do
habito de Christo. Mas, não realisando também Barros o estipulado,
obteve taes graças seu sobrinho Manoel Dias da Silva, que descobriu os
vastos campos de Vacaria, naquella capitania.
Confundindo, talvez, os nomes dos dous contractadores, Rocha Pitta,
no seu .livro P, § 89, Ricardo Franco, na sua Memoria geographica
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 38
sobre o rio Tapajoz, e Pisarro, com elles, dizem que César contractou a
estrada, em 1743, com Lara ; mas disso não falia Barbosa de Sá, e Eoque
Leme nega-o redondamente. Do que rezam as chronicas de Cuyabá é que
em 1736 (a), havendo noticia de mostrarem-se muito ricas as minas de
Goyaz, partiram António de Pinho Azevedo e outros á descobrir cami-
nho para Villa-Boa (b), á instancias principalmente do ouvidor João Gon-
çalves Pereira ; voltando em setembro do anno seguinte, acompanhados
de moradores daquellas minas, que vinham fascinados pelas recentes noti-
cias dos descobrimentos das novas minas de Santa Isabel, e da riqueza
das do Matto-Grosso.
Nesse mesmo anno de 173(3, Angelo Preto e Theotonio Nobre,
ambos paulistas, abriam a estrada da villa ás minas de Matto-Grosso ;
{&} Southey diz que em 1785 (liv. 5o,pag. 396);Barboza de Sá, sem duvida por um
erro, fal-o em 1755.
(b) Primeiro povoado de Goyaz e depois sua capital. Deu-lhc esse nome o capi-
tào-í?eneral D. Luiz de Mascarenhas, em honra do fundador da capitania e lo capitão
mór Bartholomeu Buono, quando a erigiu em villa em 1 d<* agosto do 17:10. .
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84 VIIXA BELLA
estradas,taiito esta como a de Goyaz, que com ligeiros melhoramentos são
as mesmas ainda hoje trilhadaSjdesde que por carta régia de 10 de janeiro
de 1730 (a) foi expressamente prohibido haver mais de um caminho para
a s minas de Goyaz e Cuyabá.
Cuyabá era villa desde 16 de novembro de 1726, data em que ahi
chegou Casar, partido de S. Paulo, não era junho, como asseverara á Pas-
coal, mas em 6 de julho de 1725. Immediatamente erigiu-a em villa,
dando-lhe o titulo da Villa Eeal do Senhor Bom Jesus do Cuyabá ; sendo,
porém, que somente no primeiro dia do anno seguinte ergueu o pelou-
rinho, e fizeram-se as nomeações dos juizes ordinários, vereadores e almo-
tacés. A vara da ouvidoria ficou com o Dr. Lanhas, que tinha egual cargo
em Paranaguá e viera acompanhando o capitão-general para fazer as jus-
tiças que fossem requeridas naq\ielles povoados.
Com a chegada do governador coincidiu a diminuição da colheita do
ouro, o que foi causa de maior augmento dos vexamos do povo, misérias e
violência dos arrecadadores. Era elle o primeiro á dar exemplo nessas
extorsões, creando uns direitos de entrada para as fazendas, para cuja
cobrança mandava seu próprio ajudante de ordens António de Borba, com
guardas, fazendo aiTematar em praça toía a fazenda si não ei*a logo
eíTectuado o pagamento dos taes direitos, e mais o dos honorários desse
oíficial e dos soldados, estipendiados, para esse fim, na diária de duas e
meia oitavas : contando-se (b) que muitos negociantes não duvidaram
entregar-lhes todo o carregamento por isso ficar-lhes mais em conta.
De outra parte, o vigário, padre Manoel Teixeira Rabello, exigia
também com usura seus direitos ecclesiasticos e divinos ; chegando a simo-
(a) Livro 2« do Registro do senado da câmara, fl. 28.
(b) Sá, obra citada.
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CIDADE DE MATTOGROSSO 35
nia delle e de outros á guardarem, como seus,bensdaEgreja, que não pas-
savam á seus successores.
O 3° vigário, padre Lourenço de Toledo Taques, ainda mais sequioso
se mostrou, prendendo e processando o antecessor, que, appellando para a
justiça do juiz dos feitos, Dr. Lanhas, foi por este solto. Mas, tanto bastou
para ser excommungado o juiz, o ex- vigário e todos os que guardaram
com elles relações, ainda mesmo dos deveres da justiça ou de simples
comprimento.
O povo já faminto e desanimado, e agora sem poder ao menos gerir
seus negócios e interesses, por isso que si os escommungados nào podiam
tratar com o resto da gente, esta também ficava, ipso facto, á soffrer o
peso desse sequestro moral, viu augmentarem-se seus males com a praga
inesperada de gafanhotos, que veiu ajuntar-se á dos ratos, morcegose mos-
quitos, que já o perseguiam ; uns á devorarem o pouco que ainda res-
tava de vegetação nas roças, e que era a sua esperança e alento na vida,
e outros á mortificarem-lhe ainda mais a paciência e o descanço.
Grande parte dos moradores preferiu abandonar a villa, uns bus-
cando Goyaz e S. Paulo, outros novas direcções, onde grande numero
delles assignalou os caminhos com as cruzes das suas sepulturas.
Alguns mais pertinazes, e guardando em si, ainda vivido, o sangue e
o espirito affoito dos sertanistas, botaram-se para o occidente, para os
ínvios sertões dos bororós e aravirás, e os dos parecis, á buscar novos des-
cobertos, ou sinão á aprisionar os miseros Índios, que viriam vender nos
povoados. Só, no anno de 1728, mais de mil pessoas abandonaram
Cuyabá em busca de Goyaz (a).
Foi em setembro desse anno que deixou a villa o capitão-general
Bodrigo César, de volta para S. Paulo. Emquanto se manteve em Cuyabá,
tanto as calamidades opprimiram aquelle povo, que este ligou á César a
(a) Sá, obra citada.
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36 VILLA BELLA
idéa de um castigo do céo que lhes cahisse ; o que pareceu confirmado
ao verem que a maior parte das desgraças diminuiram em sua ausência,
como que abandonando com elle a villa.
Ficaram administrando a villa o brigadeiro António de Almeida
Lara (a), como presidente da camará, e como ouvidor Rodrigo Bicudo
Chacim.
VIII
Dos que se dirigiram para os sertões dos Parecis, com o intuito de
fazer escravos, o licenciado Fernando Paes de Barros e seu irmão Arthur,
dous sobrinhos de nomes João Martins Claro e José Pinheiro, todos pau-
listas de Sorocaba (b), aquelles ali vindos á pouco, e Claro, já hanãeirante
nessas regiões, onde, como vimos, três annos antes fora prisioneiro dos
payaguás, foram os primeiros que, em 1731, atravessando esse território,
adiantaram-se até as cabeceiras do Galera, onde encontraram para saciar
sua cupidez vestigios do cubicado metal, no alto do chapadão e na aresta
montanhosa que constitue a cordilheira dos Parecis ; logares, onde mais
tarde três annos, se fundaram os arraiaes de Santa Anna e de S. Francisco
Xavier.
Arthur ficou, e Fernando desceu para Cuyabá, levando, com três
quartos de um vintém (oitava) de ouro (c), que lavaram no logar do
invento em um prato de estanho, a noticia das riquezas das minas do
Matto Grosso, nome que deram á região pela floresta cerrada e extensa
(a) A patente de brigadeiro foi -lhe dada pelo capitão-general de S. Paulo,
António da Silva Caldeira, em 1751, como consta do Reg, do senado da camará desse
anno.
(b) Fundada em 1670, sob a invocação de Nossa Senhora da Ponte, por provisão
do capitao-mór, logar tenente do conde da Ilha.
(c) Sá diz que um cruzado de ouro.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO ^ 37
que tiveram de atravessar. Não passou, porém, das margens do Paraguay,
e dahi escreveu ao regente Lara, apresentando a amostra, e solicitando os
poderes e meios de explorar as terras mineraes, como fossem ferramentas,
pólvora e chumbo, etc.
Sem satisfazer tal pedido, Lara mandou o sargento-mór António Fer-
nandes de Abreu(a) á reconhecer os novos descobrimentos e examinal-os ;
mas Fernando, desgostoso, não o quiz acompanhar,mandando para guial-o
o seu sobrinho Claro. Já não encontraram Arthur no mesmo ponto e, sim,
mais adiante, á margem do ribeiro Maguabaré ; já tendo estado no de
Santa Anna, onde achara trez oitavas, e no Brumado, donde extrahiu duas.
Begressou Abreu com meia onça de ouro, e a affirmaçUo de serem minas
ricas e permanentes; e de novo voltou á ellas em 1734, com grande pes-
soal, para tratar da mineração, entre o qual os padre José Manoel Leite
e seu irmão o sargento-mór Francisco de SallesXavier,que foram situar-se .
ii'um campo, que chamaram do Pilar, perto do regato Burity, depois cha-
mado do Brumado. Avesses seguiram-se Francisco Rodrigues Montemor
que estabcleceu-se no Sararé, e em 1737o vigário interino André dos San-
tos Queiroz, que, no logar onde mais tarde se formou o arraial, elle
mesmo ergueu a capella de Santa Anna.
Já em começos de 1736 Salles Xavier chegava á Cuyabá com amos-
tras de ouro, sendo dez oitavas do ribeirão do Brumado e cinco da Con-
ceição ; e o povo, faminto, miserável, e carregado de misérias e excom-
munhões, mas sempre aventureiro e cubiçoso, esqueceu-se do intento de
partir para Goyaz, e muitos, mesmo, dos que já tinham seguido, voltaram
para buscarem as novas descobertas.
Em 3 de maio desse anno seguia para ali o regente Lara, levando
(a) Mais tarde assassinado pelos irmãos Lemes ; o que determinou denuncia de
Sebastião Fernandes do Rego, e perseguição daquelles sceleratos, que acabaram a
carreira de crimes um assassinado, e outro justiçado na Bahia.
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38 0 VILLA BELLA
como thesoureiro das arrecadações Manoel Rodrigues Montemor, des-
cendo o Cuyabá e o S. Lourenço, e subindo o Paraguay e o Jaurú ; em-
quanto que Ignacio Pereira de Leão seguia por terra, conduzindo-lhes a
cavalhada, ora pelo roteiro de Preto e Nobre, ora cortando rumos, para
atravessar o Paraguay acima do Jaurú. Em setembro dividiu o regente
os terrenos auriferos do Brumado em datas aos mineradores, ficando desde
então conhecidos pelo nome de S. Francisco Xavier. Em fevereiro
seguinte já despachava António Borralho com doze libras de ouro dos
quintos arrecadados.
Consta dos Annaes da camará de Cuyabá que neste anno despo-
voou-se por tal forma esta villa, que nella ficaram apenas sete homens
brancos, entre seculares e clérigos, sendo o resto da população indios e
negros ; e estes não em grande numero, visto que tanta era a procura
delles para as minas, que dava-se até quinhentas oitavas de ouro por
um escravo (a).
Desse anno, também, data a introducção dos primeiros cavallos e
bois na provincia, trazidos de Goyaz por Pinho, o descobridor da estrada
entre Cuyabá e Villa-Boa.
Póde-se avaliar do povo que foi para esses sertões, tanto como da
uberdade das suas minas, pelo valor dos quintos arrecadados para o real
erário, nesse primeiro anno, que ascendeu á oitenta arrobas de ouro. Uma
frota de oito canoas de guerra, com cento e vinte homens de guarnição,
conduziu-os, em setembro desse anno, sob a guarda do tenente mestre de
campo general Manoel Rodrigues de Carvalho (b). Foi, pois, no anno
de 1736, que verdadeiramente se fundaram os arraiaes de Santa Ânna e
(a) Sá (obra citada), diz que mais de mil e quinhentas pessoas, conduzidas pelo
ouvidor João Gonçalves Pereira, em setenta canoas, deixaram a villa.
(b) Mandado em 17^4 pelo governador de S. Paulo, António Luiz de Távora, para
combater os payaguás ; o que fez com 842 homens de guerra, cem canoas e três
balsas. Sá, obra citada
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CIDADE DE MATTO-aROSSO 39
S. Francisco Xavier, erguendo-se suas capellas, a de SanfAnna nesse
mesmo anno pelo padre André dos Santos, e no anno seguinte a do outro
povoado. Este ficava aos 14° 47' no alto e na face maisoccidental da serra,
e aqueUe aos 14** 45' no local onde o padre Queiroz se estabelecera,
o qual, mais amigo de aventuras do que o permittia o seu caracter sacer-
dotal, passou a vida ora entre os mineradores, ora conduzindo o ouro para
os povoados.
Não ficou esquecido ao paternal cuidado da autoridade espiritual do
bispo Guadalupe, da diocese fiuminense, o provimento de um pastor para
ser logo mandado ao rebanho que se apartara para tão longínquas regiões;
recahindo a nomeação no padre Dr. José Pereira de Aranda, que, não veiu
como vigário, mas provido simplesmente em capellão dos descobrimentos
do Matto-Grosso, visto ser ainda muito incerta a estabilidade dos povoa-
dos (a).
Mas, já, também o vigário de Cuyabá (b), ardendo no mesmo zelo
pela causa ecclesiastica — qual o ouvidor pela da justiça — não abandonou
como este a sede de sua residência, mas mandou um preposto com plenos
poderes, no padre Manoel Antunes de Araújo ; pelo que o padre Aranda
teve de conformar-se em santa obediência, ficando em Cuyabá, onde, si
teve menos ouro para ganhar, lucrou mais em contentamentos da cons-
ciencia,fazendo erguer a matriz que cahira em ruinas. Entretanto esse acto
de santa obediência e submissão foi-lhe tomado em mal, e quando daquel-
las minas chegou o seu primeiro vigário da vara e curado, foi o padre
Aranda preso e mettido em processos.
Foi esse primeiro vigário do Matto Grosso o padre Dr. Bartholomeu
(a) Pisarro dá S. Francisco Xavier como o primeiro descoberto e povoado,
em 1731, e repartidas as terras em 1736.
(b) O padre Jofío Caetano Leite César de Azevedo, o 5o vigário, desde 17513.
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40 VILLA BELLA
Gomes Pombo, nomeado vigário da vara e cura de S. Francisco Xavier,
separado da vigariaria do Cuyabá, e egualmente visitador apostólico, tudo
por provisão do bispo D. Fr. António do Desterro ; de que tomou posse
em oitubro de 1743 (a).
Naquella edade de ouro os vigários andavam á par com os governos
e suas justiças nos vexames, extorsões e abusos de autoridade.
As mesmas misérias que appareceram em Cuyabá vieram perseguir
os moradores dos novos povoados : desenvolveram-se as febres palustres
e de caracter maligno ; houve grande mortandade; registrando os annaes
um obituário de sete e oito por dia e faltando, mesmo, quem lhes desse
sepultura, « porque todos gemiam á um tempo » (b).
Em 1735 o padre Manoel José Leite Penteado e seu irmão Francisco
de Salles Xavier, e José Pereira da Cruz, chegaram á um sitio contornado
de coUinas, 1 légua ao S. de SanfAnna, e começaram á minerar, dando
começo ao arraial do Pilar, cuja capella somente se ergueu quatorze unnos
mais tarde.
IX
Em 1739 ficavam esses arraiaes constituídos com todos os poderes
judiciaes e administrativos, sendo seu primeiro juiz ordinário Domingos
Gonçalves Ribeiro, e em 1747, á 9 de oitubro, o governador de S. Paulo,
D. Luiz deMascarenhas, dava-lhes o predicamento de vida, conforme a
provisão real de 5 de agosto de 1746, e conferia varias isenções á seus
moradores.
(a) Segundo o Registro da camará de viUa Bella, em 1740 tinha sido nomeado
capeUSo de S. Francisco Xavier o padre Dr. Amaro Barbosa de Lima.
(b) Sá, obra citada.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 41
Nesses tempos ainda Matto-Grosso não era considerado pelos gover-
nos como um logar de degredo, para onde deviam ir os individues de má
Índole ; ao contrario, nem a distancia, nem o difficil das viagens assustava
os que a buscavam de seu motuproprio, e que não eram poucos ; e si
tanta iniquidade se dava e tanta violência, estas traziam origem na avidez
do ouro, na avareza e simonia, frequentes nas autoridades militares,
civis e ecclesiasticas : sendo certo, que nesses tempos não se sabia
que mais extranhar, si a rapacidade dos governadores (a) e das jus-
(a) Não foi só em Matto-Grosso: em Goyaz, o 2«» vigário da capital em tresannoa
amontoou cem mil cruzados, de dispensas, direitos, dizimos e extorsões ; e o 4°,
oitenta mil : sommas enormes naquelles tempos (Southey Co, pag. 496). Em Minas, o
governador D. Lourenço de Almeida, ao se descobrirem as minas do Serro-Frio,
fez-se de desentendido de que fossem de diamantes ; mas instava por algumas pedri-
nhas para í<?/tíojr de jogar, Apezar dos tentos lhe chegarem, nào communicou á corte
o descobrimento, pelo que cahiu no real desagrado, sendo removido por castigo;
« reservando-lhe D. João V, diz Roque Leme, dar-lhe em pessoa um melhor castigo
que foram três copiosas sangrias na bolsa, que o puzeram tão debilitado que andava
em sege ã cordões, em Lisboa, onde acabou pobre. » Gomes Freire, 8*» capitão-gene-
ral das capitanias do sul, costumava dizer, em phrase que se modifica para tor-
nar-se decente :— « Vá dinheiro para Portugal que ali nào se pergunta que olho o
chorou. »
Fallecendo na Bahia o marquez do Lavradio, passou o chancellerThomazRobim
de Barros Barreto á governar interinamente. Fora successi vãmente ouvidor das
minas de Sabará, intendente dos diamantes e chanceller da relação de Bahia; e
requerendo seus despachos ao marquez de Pombal, consta que este dissera :— O
que se ha de dar ú um homem que acaba de ser vico-rei da Bahia ?
Na Gazeta da Bahia n. 40, de 22 de nuiio de 1830,- lê-se o seguinte, que é curioso:
« Conta-se de D. Miguel um facto acontecido o anno passado, que á ser verdade, é
a única cousa boa que elle tem feito no seu odioso reinado. Morrendo o conde do Rio
Pardo (*), D. Diogo de Souza Coutinho, deixou a grande herança de mil e duzentos
contos. Constando á D. Miguel, immediatamentc desapossou aos herdeiros e fez
recolher ao erário a herança, dizendo : — Vosso legatário não me consta que tivesse
heranças nem bens patrimoniaes : toda a vida foi empregado pelo governo em com-
niissòes e governos militares ; nestes empregos era-lhe prohibido negociar e os orde-
nados apenas chegavam para sua decente sustentação ; logo, essa enorme herança
que testou, ou foi roubada á Fazenda Real, ou á meus vassallos: no primeiro caso
pertence-me ; e no segundo, como se não sabe á quem restituir, também per-
(*) D. Diogo de Souza Coutinho, tenente general, vedor da casa real e conse-
lheiro de Fazenda : foi capitão general do Maranhão e de S. Pedro do Sul, e morreu
em 12 de julho de 1829.
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42 VILLA BELLA
tiças reaes e agentes do fisco, si a ganância nadi evangélica dos atrabi-
liários vigários. Raro era o que tomava posse do cargo que não proces-
sasse e prendesse aquelle á quem succedia, e que por sua vez nao fosse
processado e preso pelo successor. Já vimos o procedimento do vigário
Taques com o 2* vigário Rabello ; o 4'', padre António Dutra de Quadros,
em 1729, prendeu e processou o padre Taques,que fugiu da prisão, sendo
excommungado com muitos outros mais.
Bandeirantes nas florestas de ]\Iattx>-GI-ro880. L
Mais tarde, em 1732, o mesmo padre Quadros, armando conflictos
com o ouvidor Villa Lobos, abandonou a vigariaria e retirou-se sem espe-
rar successor, passando a vara ao já citado padre André dos Santos Quei-
roz, de sertaneja memoria, o qual, mal soube dos descobrimentos das no-
vas minas, largou a vigariaria para acompanhar os mineradores. O 5**
tence-me. —Esse acto de D. Miguel é despótico, pois que nem no governo absoluto
o podia fazer sem proceder-se em julgado : mas, algumas vezes ha despotismos que
agradam e parecem não offender as leis, quando recahem sobre um homem que foi
o assolador do Maranhão, deixando não menos de cento e quatorzo cidadãos, presos
de potencia, na cadeia da Nesga (debaixo de palácio), quando se retirou e foi gover-
nar o Bio Grande do Sul. »
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CIDADE DE MATTÒ-GROSSO 43
vigário padre João Caetano Leite César de Azevedo por interesses pessoaes
náo cumpriu aprovisâo do seu prelado,que nomeava o padre Aranda capel-
lào dos novos descobertos. Em 1743, o primeiro vigário destas minas
prende Aranda; em 1747 o 8* vigário de Cuyabá processa e prende o padre
João da Costa,que ficara substituindo o vigário Manoel Bernardes Martins
Pereira, ao retirar-se este que, em 1765, se tinha também travado de
luta com o parocho encommendado de Santa Isabel do Arinos, padre
Dr. António dos Keis e Vasconcellos, nomeado para essas minas pelo vigá-
rio Pombo, do Matto-Grosso : por quererem, cada um para si, a jurisdição
das minas, excommungaram-se mutuamente e á seus séquitos, e aos que
com elles tratavam ; o que deu origem ao abandono, mina e completa
despovoação do sitio (a). Em 1750, o 9^ vigário, Dr. João de Almeida e
Silva, prende novamente o vigário Vasconcellos que fora provisionado na
parochia do Cuyabá, pelo vigário da vara, por haver abandonado essa
freguezia o respectivo vigário Fernandes Baptista.
Na magistratura, o intendente Dr. Manoel Eodrigues Torres,
em 1738, procede com tal violência e vexames, que o povo o denuncia á
D. Luiz de Mascarenhas, governador de S. Paulo: emquanto roubava ao
ao povo, roubava também ao Estado: verificando-se a falta de meia arroba
de ouro nos quintos por elle arrecadados e remettidos ; pelo que foi preso,
em novembro do anno seguinte, de ordem daquelle governador, e confis-
cados seus bens (b). Em 1755, o capitào-general Rolim de Moura depõe o
(a) « Pregaram os papeis das excommunhons na porta da capela, que o povo
havia fabricado : chegou um cavaUo do mestre de campo António de Almeida Falcão
e com a boca tirou um delles, não se examinou qual deUes era : immediatamente se
sumio o ouro das minas de tal sorte que nem amostras se viu mais, quando já as
minas se lavTavam muito em conta. Retirou-se o povo com notável perdição, dei-
xando casas, roças e lavras, que haviào feito com grandes despezas nos preços dos
mantimentos e perca irreparável e que poz em consternação as povoaçons do Matto-
Grosso e Cuybá, por haverem despejado os povos de cá o de lá, para o dito desco-
berto ; e não se fazerem roças, que depois faltarão os mantimentos e geralmente e
tudo padeseo fomes e necessidades. »— Sá, obra citada, anno de 1766.
(b) Pisarro, Memorias //"wíoWcíw.— Matto-Grosso.
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44 YIIJ.A BELLA
ouvidor João António Vaz Morillas, e em 1761 o remette preso para a
corte, confiscando-lhe previamente os bens.
Entretanto o povo soffria em tudo e de todos, não innocentava o
próprio capitão general, á quem também accusava de cupidez e avareza ;
e nesta questão cora o ouvidor pronunciava-se abertamente â favor de
Morillas.
Si grande era o seu soflFrimento que, pelo grande respeito ás auto-
ridades e mesmo terror, naquelle tempo era curtido ás calladas, todavia
as cartas para Lisboa, S. Paulo e Kio de Janeiro revelavam-o nas nume-
rosas queixas, que espalhadas nesssas cidades só não chegaram aos
ouvidos do rei.
Serx*a de Sa,iita. Sarbetra.
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CAPITULO n
da eidide de Matto-Grouo. Detcobrinento do Alto Paragoaj. O Poaio Alegre. Detcobrineato da ria flarial
para Belen, do Pari Noras minai de ooro. Prelasia de CajalnL Capitania geral do Cajabá e MatUMIroaio.
D. António Rolin de Moura, primeiro capitão-general. Poaio Alegre elerado ao foral de rilla. Siu armas.
A Casa Redonda o aldeia de S. José. O forto da Conceição. O destacamento das Pedru Regru. Aldeia de
S. ligiel de Lamego.
I
ESTAS vastas regiões as minas auri-
feras eram tão facilmente encon-
Uradas, que foi crença geral havêl-as
[em muito maior cópia; crença ainda
'hoje existente e não desarrazoada,
em vista da immensa porção de
território completamente desconhe-
lo na provincia. Dahi o deixarem
litas vezes os aventureiros mercadores
)elo duvidoso, que suppunham encon-
maiores vantagens.
Cuyabá para esses sertões, e vice-
i não se viajava por um caminho
de Nobre e Preto : cada bandeirante,
recções, novas e á esmo ia abrindo
to de topar novas opulências (a).
Achou-se,com efifeito, em 1728, uma mina importantíssima, comquanto
^ (a) Não sei com que fundamentos Bernardo Fernandes da Gama, nas suas
Memorias históricas da provinda de Pernambuco (liv. IV, cap. I, pag. 40), diz o
seguinte : « Possuidores pacificos de Pernambuco, não tardaram os hollandezes em
investigar as minas de ouro e prata ; duas commissões partiram até Cuyabá, assis-
tidas pelos portuguezes e guiadas pelos Índios. Acharam, com effeito, uma veia de
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46 VILLA BELLA
fosse de agua e não de ouro, a navegação do Alto Paraguay, sendo pesa-
roso para a historia da provinda que seus annaes não registrem o nome
do primeiro sertanista que se aproveitou desse trecho da grande via flu-
vial. Sabe-se,porém, que foi Ignacio Pereira de Leão quem abriu o cami-
nho por terra, do Cuyabá á foz do Jaurú, lá pelo correr do anno de
1737 (a).
As expedições desses aventureiros eram para todos os rumos.
Buscai*am caminhos para as províncias castelhanas de Chiquitos, de
cuja existência houveram noticia pelos bororós do Alto Paraguay, os
quaes diziam haver para aquellas bandas padres missionando o gentio
gtcaporé (b), com casarias e roças.
Ainda á instancias do ouvidor José Gonçalves Pereira é que se
buscou essa communicação, sendo delia encarregado António Pinheiro
de Faria, que para lá foi acompanhado de Manoel Dias de Castro, Ber-
nardo Tavares, José Gonçalves e uma troça de indios parecis. Partiram
em abril de 1740, pelo caminho de Ignacio Leão ; transpuzeram o Alto
Paraguay e depois o Jauni, no passo das Pitas, onde, com a maior
admiração, deram com uma estrada já trilhada pelos missionários hespa-
nhoes, a qual ia dahi ter á aldeia de S. Raphael, onde foram chegar,
sendo recebidos debaixo de pallio e aos cânticos do Magnificai, tal a
alegria dos religiosos ao avistarem gente civilisada naquelles sertões.
O ouvidor, á custa do povo, tinha disposto presentes para o? sacer-
prata que lhes pareceu rica, mas que illudiu a esperança que tinha feito conceber.
Dizia-se que os exploradores de Albuquerque (Jeronymo) tinham tirado muitas
riquezas das minas de Cuyabá ; fizeram-se, portanto, novas indagações, mas todas
foram baldadas. O historiador Barloeus julga que os pernambucanos illudiram os
hoUandezes com falsas informações, porque de outro modo, como diz eUe, as minas
de Cuyabá não teriam podido escapar ás exactas pesquizas dos exploradores '
batavos. »
(a) Registro da oamara ao Senado de Cuyabá,
(b) Pelos modos a tribu dos guaporés povoava o território do yfatto-Grosso,
entre as vertentes do Paraguay e as do rio que delles tomou o nome.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 47
dotes, como ricos oraamentos de altar, paramentas, etc, e muitos diches
e avellorios para os cathechumenos. Mas o fim principal da missão era
investigar as cousas e vêr si se poderia attrahir o gentio para as terras
lusitanas (a).
Já . então ia bastante povoada a chapada da Parecis, que os ávidos
mineradores escavaram em todos os sentidos em busca do ouro.
Em 1736 á 1737 Simão Correia e seu irmão Estevão, pescando no
Sararé, desceram rio abaixo e foram cahir, sorpresos, no grande e formoso
rio que, do nome de uma das nações que ahi o povoavam, chamou-se
Guaporé.
Para SO. dos povoados avistavam-se formosas e altas serranias que
conridavam os aventureiros á exploral-as, e um sitio pictoresco que da
chapada se devisava próximo á confluência de um outro rio de menor
volume; estimularam-se á descer para ahi, onde estabeleceram um pouso
que denominaram Alegre, nome que também passou á esse outro rio, que
á meia légua acima despeja suas aguas no Guaporé.
Foram em Pouso Alegre os começos de Villa Be lia, a capital da rica
e em breve tão considerada capitania do Cuyabá e Matto-Grosso.
Foi também por esse tempo que outros aventureiros, para quem a
sorte não tinha sorrido, buscaram vêr si nas margens desconhecidas do
grande rio encontrariam melhor fortuna, quer em ouro, quer em Índios
para o serviço. Assim foi que, em fins de 1741, desceu António de Al-
meida Moraes, cujos vestigios da passagem veiu, seis mezes mais tarde,
encontrar o descobridor da navegação de Villa Bella ao Pará, Manoel
(a) Barbosa de Sá, ob. cit. Annjíes e Registros das camarás da Villa Bella e
Cuyabá.
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48 VILLA BELLA
Félix de Lima, o qual, como já vimos no começo desta obra (a), perdendo
nesse jogo de azar das minas não só seus bens, como ainda os dos que
nelle confiaram, temeroso de voltar á Cuyabá, resolveu tentar novos
lances e novos azares. Acompanhado de outros sócios na desgraça e no
atrevimento, lançou-se á ventura pelo Sararé abaixo, em duas canoas,
detendo-se junto á foz, no sitio que denominou da Pescaria^ o tempo
apenas necessário para aprestar duas outras frágeis embarcações.
Desceram o Guaporé, e investigando os rios que nelle entram subi-
ram o Baures e depois o Itonamas, onde os missionários do povo de
S. Miguel, cujo superior era o padre Gaspar de Prado, receberam-os como
os seus confrades de S. Kaphael haviam recebido os emissários de Cuyabá,
sob o pallio e aos cânticos do Magnificat
Mas de pouca dura foi esse bafejo da sorte; e afinal, expulso de todos
08 povos onde chegaram, S. Miguel, Magdalena e Exaltação, Lima aban-
donado da maior parte dos seus, continuou na descida do Guaporé, vindo
ao cabo de dez mezes surgir junto ao oceano, isto é, no porto de Belém,
cujas aguas são qqasi marinhas, tanto já se resentem do amarujo do
Atlântico.
Estava descoberta uma nova via de coramunicação, julgada em
breves annos a melhor e mais segura da capitania, apezar do seu enorme
trecho encachoeirado, em setenta léguas do Mamoré e do Madeira; e que só
mais tarde declinaria, quando, em 1780, as tropelias dos muras e dos
mondurucús nos seus assaltos ás frotas e depredações nos estabelecimentos
do Madeira atterrorisou os navegantes. Essa navegação era de oito mezes á
um anno de Villa Bella ao Pará e do dobro na torna-viagem. Só nas ca-
choeiras gastava-se três á cinco mezes. Por ella subiu, já em 1749, o fa-
migerado descobridor da navegação doTapajoz, João de Souza de Azevedo,
á quem já sobravam fama e honra por esse feito,para darem-lhe e acceitar
(a) Introd., cap. U, 8 10, pag. 122.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 49
improbamente as glorias de descobridor daqiielle outro curso, do qual só
tivera noticias no Pará, donde Lima, preso e com os bens confiscados, seguira
para Lisboa á amargar, já nos cárceres já na extrema miséria e mendi-
cidade, a gloria de seu ousado commettimento. Por ella começou-se á
fazer o maior commercio do paiz, por ella retirou-se o primeiro capitáo-
general, e subiram e desceram a maior parte dos outros e mais autori-
dades, e o pesadíssimo material do Estado, como canhões e outros trens
de guerra, e o do commercio e abastecimento dos povoados.
II
Os companheiros de Lima que, melhor inspirados pela fortuna,
preferiram retroceder da Exaltacion de Cayoabás para o Pouso Alegre,
vieram com a noticia das missõe3 castelhanas. De Cuyabá o zeloso
ouvidor Gonçalves mandou immediatamente ao juiz ordinário dos povos
do Matto-Grosso, Domingos Gonçalves Ribeiro (a), que as fizesse reco-
nhecer ; e já no anno seguinte, 1743, descia José Barbosa de Sá, advo-
gado na villa, e o mesmo que nos deixou uma boa chronica dos começos
da capitania, extrahida na sua maior parte dos annaes da camará, e que
de aJgum proveito me tem sido na confecção do presente trabalho.
Foram em sua companhia Verneck, um dos companheiros de Lima,
Alexandre Eodrigues e Manoel Dias de Castro, que tinham fama de bons
sei*tanistas, e este fora companheiro de Faria na sua viagem aos povos
chiquitanos; ainda um camarada indio e seis escravos do juiz e dous de
Sá, e os meios necessários para levar á effeito semelhante excursão,
incluindo os objectos para presentes, não só aos missionários como aos
Índios. E foi esse um bom alvitre, sendo mais ou menos ferozes as nações
(a) lieyistro do Senado da Carnara, Anno de 1743.
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50 YILLA BELLA
que encontraram, e ainda peior dispostos á recebêl-os, depois do transito
das duas primeiras bandeiras de Moraes e de Lima, que mesmo de pas-
sagem iam guerreando-os para escravisar os que podiam (a). Sá, seguindo
neste ponto systema contrario, conseguiu evitar-lhes os damnos, justa
represália daquelles malefícios, com a dadiva de alguns machados, facas,
camisas, carapuças e missangas, o que os tomou quasi amigos.
Visitou S. Miguel, S. Martinho, S. Luiz e Concepcion do Baures,
Magdalena no Itonamas, Exaltacion de Cayoabás no Mamoré, S. Pedro
dos Quiniquinaus e S. Koman no Machuj)0, e a própria capital da
provincia de Cbiquitos, Santa Cruz de la Sierra.
Colheu informações sobre a navegação de rio abaixo, suas difificul-
dades e a duração da viagem, e foi elle quem trouxe a nova de que os
hespanhoes estavam fundando uma missão com o nome de Santa Rosa^
na margem direita do Guaporé, além da foz do Baures, e outras junto ás
bocas do S. Simão Grande e do Mequenes (b), noticia que, apezar da sua
gravidade, só onze annos mais tarde foi tomada na consideração devida.
Mezes depois, um outro dos companheiros de Lima, Francisco Leme do
Prado, descia uma segunda vez e já encontrava estabelecidas aquellas
missões.
Emquanto desciam esses exploradores, de ordem do governo, á
investigar o rio e seus aflfluentes, outros aventureiros cortavam os sertões
em vários- rumos, buscando de preferencia o caminho pelas barrancas dos
rios e orlas dos chapadões, sempre dominados pela avidez do ouro.
Em 1738 descobriram as minas de S. José dos Cocaes^ á seis léguas
de Cuyabá ; no anno seguinte Pascoal de Arruda, subindo o Arinos, encon-
(a) Sá, obra citada.
(b) Ricardo Franco dá esta como fundada cm 1740.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 51
trou, dez léguas ao N. do local onde é hoje a villa do Diamantino, no Ôco
de um gomo de taquarussú, uma folheta de ouro do peso de dez onças (a).
Em 1741, á 29 de setembro, foi dado á Heitor Mendes Leite o
cónego do Brumado para minerar; em 14 do mez seguinte, á Fernando
Paes outro ribeirão próximo, e á 30 do mesmo oitubro, um terceiro, já
explorado por António Antunes Maciel, á Paulo da Costa Delgado.
Nesse mesmo anno descobriram-se as minas do Arraial Velho,
légua e meia ao K da mesma villa, e em 1743 as do Corunibiara, rio
que desce da escarpa occidental da Parecis para o Guaporé, as quaes,
apezar de copiosas e terem sido povoadas desde 1745, três annos mais
tarde foram abandonadas pelas extraordinárias calamidades que sofire-
ram os mineiros. Nesse mesmo anno de 1743 descobrira o sargento-mór
António Fernandes de Abreu, as de SanfAnnaj n'um ribeirão que sahe
no rio Negro, braço do Arinos; pouco tempo depois defezas ao trabalho por
serem diamantinas. Em 1745 os filhos do mestre de campo António de
Almeida Falcão acharam as de Santa Isabel, que foram tão ricas e con-
corridas, que logo tiveram povoado e capella sob aquella invocação.
Bicardo Franco as situa na margem occidental do Arinos e não longe da
confluência do rio Negro (b).
Successivamente foram sendo descobertas as do Arayés ou Araés,
na margem occidental do ribeirão do mesmo nome, braço do rio das
Mortes ; as do Gerivauha ou Juribahuba e as do Alto Paraguay (c), entre
os rios do Ouro e Diamantino, achadas por alguns minorantes foragidos
de Santa Isabel, e nas quaes formou-se logo arraial e ergueu-se capella
(a) Luiz D*Alincoiirt, obra citada.
Em 1731 achou-se em Goyaz' nas minas do Maranhão, uma folheta do peso de
noventa marcos (quarenta e cinco libras), que foi para Lisboa na remessa que em
25 de agosto do anno seguinte fez o conde de Sarzedas, capitao-general de S. Paulo.
(b) Mem. Geog, do rio Tapajoz,
(c) Suppõe-se com mais probabilidades, terem sido, estas minas descobertas
pelo capitáo-mór Gabriel Antunes Maciel, pelo anno de 1723, o cita-se carta sua,
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52 VILLA BELLA
do orago de Nossa Senhora do Parto (a), que foi benzida em 5 de agosto
de 1781 ; as do Pilar, descobertas em 1741 pelo capitão João de Godoy
Pinto da Silveira (b), melhor exploradas cm 1 748, nas abas orientaes da
Parecis (c) ; as das Lavrinhas, no Alto Guaporé (d), entre esse rio e o
Kagaão, cerca de sessenta kilometros afastada do sitio onde mais tarde
ergueu-se a Villa Bella, treze kilometros ao S. do Guaporé e sessenta e
oito ao S. das do Pilar ; as de Sanio António do Garajuz, na margem
esquerda do Guaporé, em 1749; as do Vmcumacuan, em 1754; as de
SanfAnna, á margem do riacho desse nome, tributário do rio Preto ;
e ainda em 1757 uma outra jazida na chapada, próxima ás minas de
S. Francisco Xavier, a qual por falta de aguas não foi minerada, e cedo
abandonada, apezar de em pouco mais de um anno ter produzido mais
de cento e vinte libras de ouro. Em junho de 1758 descobriu Manoel Dias
de Figueiredo as da Boa Vista, na encosta de um espigão da mesma
serra; em julho seguinte acharam-se as do Ouro- fino, junto ao ribeirão
que recebeu esse nome e é affiuente no Sararé, n'uma bonita planície, á
uns dous kilometros da montanha e á sessenta á NE. da villa ; em 1767,
no mez de oitubro, as de S. Vicente, pelo capitão-mór Bento Dias Bote-
lho, n'uma grande planieie, também á uns dous kilometros da montanha ;
datada de 18 de setembro desse anno, á camará, e da qual foi portador o capitão-
mór Gaspar de Godoy.
As minas do Diamantino são hoje a Villa de Nossa Senhora da Conceição do
Alto Paraguay do Bia/ínantino, com esse foral desde 23 de novembro de 1820. Está
situada sobre o rio /do Ouro que a corta na latitude de 13o 23' 8'* e 321o 2" do meri-
diano occ. da Ilha do Ferro, segundo o Dr. Lacerda.
(a) Conforme a Rei. das Povoaçons, de Sá, a primeira capella foi dedicada ao
Patrocínio de Nossa Senhora do Parto ; segundo Pizarro, á Nossa Senhora do
Carmo. Mas Pizarro é alguma cousa incoiTecto em suas noticias.
(b) Nomeado guarda-mór das minas de Goyaz, em 30 de junho de 1762, por
D. Luiz de Mascarenhas.
(c) Foram novamente repartidas em 1805.
(d) Outros, menos acertadamente, fazem-as descobertas cm 1748 por Feraam
Paes, pouco depois da d« SanfAnna da Tromba,
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 53
e pouco depois as do Pahnital^ com seis lavras, conservando o nome
aquella em que appareceram as primeiras folhetas (a).
Ixieeiídio iia matta..
A de S. Vicente ficava onze kilometros ao N, das da Boa Vista e á
uns cincoenta das do Ouro-fino. As da capella de SanfAnna, Chapada,
Sant^Anna da Tromba de Morro, S. Vicente, Boa Vista, Ouro-fino, Pilar
e S. Vicente, todas na Chapada, vieram formar a gaarãa-morm ãe
S. Vicente, a primeira das duas creadas nesse districto. A segunda era
a das Lavrinhas ão Giiaporé, e comprehendia Lavrinhas e as minas de
Santa Barbara do Aguapehy, descobertas também por aquelles tempos
por Domingos Machado, o mesmo que fôra, em 1759, á mandado de
Silveira, examinar as Lavrinhas, e agora fazia esse descobrimento em
(a) Dos povoados que existiram em quasi todas as minas, só existe hoje a villa
do Diamantino, embora quasi todos figurem em mappas recentes e ainda no A tias do
illustrado senador Cândido Mendes. Essas minas das Lavrinhas foram dadas á
Francisco de Paula Correia na mesma época em que se distribuíram as do Bru-
mado ; posteriormente João de Souza de Azevedo buscou exploral-as, mas logo
desprezou-as, inculcando-as á António Francisco da Silveira, que as mandou exami-
nar em 1769 por Domingos Machado, o que feito, nellas se estabeleceu.
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54 VILLA BELLA
serviço e por conta do secretario do governo Balthazar Descalço e Barros,
o que tornou-as mais conhecidas pelo nome de Lavras do Secretario.
Eolim mandou evacual-as em 1765; mas no anno seguinte foram
de novo exploradas e trabalhadas por Francisco Aranha de Godoy, então
commerciante e depois guarda-mór dessas minas, e por Manoel Ferreira
da Costa.
Dez annos mais tarde nellas se estabeleceu José Pereira da Silva,
minerando-as com algum proveito.
Um novo descobrimento feito nessas mesmas minas do Alto Para-
guay pareceu que ia felicitar os moradores, mas não foi senão uma nova
calamidade que sobre elles cahiu : appareceram diamantes nas terras
auríferas, e o ouvidor Manoel Martins Nogueira (a), indo estabelecer
justiças ali e dividir os prazos, mandou, em vista do achado o das ordens
regias, evacuar immediatamente o sitio, comminando pela capital aos
desobedientes, por serem os terrenos diamantinos de exclusiva proprie-
dade da coroa ; aresto que só foi revogado em 1805, quando, á instancias
do povo, D. João VI mandou repartir as terras, creando-se mais tarde
um juiz aã hoc com o titulo ie.juia ãa gratificação dos diamantes,
e sede em Cuyabá.
Desde logo as cabeceiras do Paraguay tornaram-se notáveis pela
abundância dos diamantes que foram se encontrando no Burytisal,
S. Pedro^ Areias, Melgueira, SanfAnna^ rio do Ouro^ rio Diamavr
tino^ etc., sendo que ainda se os encontrava em outros pontos da capitania
e mesmo nas proximidades de Cuyabá, como na freguezia ijà Nossa
(a) Tomou posse do cargo em 14 de dezembro de 1743. Wv. VII das vereimças
do senado, fl. 51
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CIDADE DE MATTO-GKOSSO ^^
Senhora da Guia, que lhe fica á seis léguas de distancia, no Coxipó-
merim (a).
Com aquelle acto do ouvidor, obrigado o povo á novo êxodo, aban-
donando de prompto habitações e lavouras, sobrevieram os males do
costume, mas desta vez com uma intensidade horrorosa. A mais espan-
tosa sêcca surgiu e durou por dous longos annos ; viam-se os campos e
florestas em fogo, abrasando-se sem saber-se como, em léguas de extensão.
Dos começos dessa calamidade guarda o povo memoria do primeiro
tremor de terra, em vários sacudimentos, succedido em 24 de setembro
de 1747, acompanhado de fortíssimo trovão subterrâneo, e que, atraves-
sando a província de oeste á leste, foi percebido em Villa Bella e
Cuyabá (b).
(a) Sáo tão ricas essas regiões que, diz o Sr. Moutinho, ha uns dezesseis annos
José Porphyrio Antunes em poucos dias tirou uma fortuna de cerca de duzentos
contos em diamantes. Noticias sobre a prooincia de Matto -Grosso, pag. 26.
Desde 1850 que se tem organisado companhias para mineral-as. O decreto de 7
junho^de 1851 concedeu-o á denominada Companhia de Mineração do Alto Paraguay
Diamantino.
(b) Já na introducçào, cap. IV, g IX, pag. 198, tratei dos teiTcmotos da provin-
da, e por engano typographico veiu 1749 por 1747. D'Alincourt, nos seus trabalhos
sobre a provincia, diz que o terremoto foi em 1744, e mais violento e demorado que
o que em 1746 arrasou Lima. O Sr. Moutinho (obra citada) que, sem duvida, se
firmou nessa autoridade, affinna-o e accrescenta não terem havido outros depois de
1746; havendo, comtudo, elle presenciado alguns phenomenos, como em 1854 um
estampido medonho para os lados do Bahú, e, em 1866, no morro da Prainha, ambos
os logares no território da cidade de Guyabà, sendo o deste ultimo acompanhado
de fogos fátuos que surgiam do solo.
Ora, anteriormente á 1747 é que as chronicas nada rezam sobre essas commo-
ções do sub-solo. Eis como B. de Sá (obra citada) descreveu as calamidades desse
tempo : o Anno de 1747.— Foi o ouvidor desta villa (Cuyabá) ao arraial do Paraguay
(Diamantino), onde fez justiças, juizes ordinários e seus officiaes, para regimento
do povo: fez partilha das terras mineraes e o mais que convinha ao bem
commum. Retirando-se ultimamente para a villa, divulgou-so que havia diamantes
nos ditos descobertos : formou um sumario de testemunhas e axando íerto, mandou
logo despejar o povo e pôr guardas á que se não lavrasse mais as minas. Retirou-se
o povo com outra perdição tal qual a que lhes causou o descobrimento do Arinos,
sobrevindo huà seca que se não mudou em chuva sinão em fins do anno de 1749,
que pôz essas povoações em tal sorte de miséria que não só padeceu a gente, mae
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56 ' VILLA BELLA
Já tinha aquelle ouvidor morrido, quando, em 1748, Manoel Car-
doso de Siqueira descobriu nova e riquissima mina ás margens do Ri-
beirão Vermelho^ que cahe á direita do Paraguay, logo abaixo do Dia-
mantino. Exercia então interinamente aquelle cargo Manoel Dias da
Silva (a), que, suspeitando também fosse diamantino o descoberto, despa-
chou Garcia Eodrigues Leme á verifical-o, com ordens de, em tal caso,
queimar e arrasar todas as casas e roças, e dispersar o povo, trazendo
presos os desicobridores : o que tudo se cumpriu á risca, pois tal era a
doutrina e apertadas as ordens do governo.
III
Para . melhor manter a regularidade dos negócios ecclesiasticos, por
demais aflfastados da acção dos diocesanos, manter a moralidade do clero,
e sopear-lhe os excessos e violências, á instancias do governo, creou o
pontífice Bento XIV, por bulia Candor lucis eternoe, de 6 de dezembro
de 1746, prelasias em Goyaz e Cuyabá, separadas da diocese fluminense.
Pela mesma razão, quanto aos negócios administrativos, julgou
também os animaes. Arderam os campos c mattas que se não via huá folha verde,
mas só cinzas e fumaças. No dia 24 de setembro, à horas do meio dia, sem haverem
mostras de revolução no tempo, quando se viam fogos, ouviu-se um trovão que
aterrorisou os viventes em todos os limites do Matto-Grosso e Cuyabá, e ao mesmo
tempo tremeu a terra, dando uns tantos balanços compassados, que á todos causou
grande susto e nenhum prejuízo :— foi o dito estrondo subterrâneo, segundo o meu
reparo, e não na região etherea. »
(a) O mesmo que em 1735 atravessou em três mezes os sertões de Santa Catha-
rina e Rio Grande, com o fim de operar uma diversão ás forças sitiadas na Colónia
do Sacramento, e que após muitos trabalhos chegou aos campos da Vacaria, ondo
levantou um padrão de madeira com o distico :— « Viva o muito alto e poderoso Rey
de Portugal, D. João V, senhor dos domínios deste sertão da Vacaria. »
Estabelecido mais tarde em Cuyabá, fez lavrar disso assento no livro de Re-
gistro do senado da camará, Fernandes Pinheiro, Annaes da provinda de S. Pedro.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 57
D. João V de conveniência a presença nessas longinquas regiões de uma
autoridade de prinieira cathegoria; e por acto de 9 de maio de 1748
separou aquelles territórios da jurisdicçáo de S. Paulo, creando em
cada um delles uma capitania.
Para Cuyabá foi nomeado D. António Eolim de Moura Tavares,
capitão de infantaria e senhor de Azambuja, governador e capitão-general
por C. R. de 22 de setembro; o qual ao cabo de dous annos e meio fez sua
entrada solemne na villa de Cuyabá, aos 12 de janeiro de 1751, assumindo
em 1 7 a administração da nova capitania (a).
T>. A^ntonio Rolim de IVTovira Tavares (b) ,
Acompanhavam-0, além dos seus ajudantes e séquito ordinário,
bastante tropa, casco de um regimento de infantaria, com seus officiaes,
dous jesuitas, os padres Estevão de Castro e Agostinho Lourenço, o pri-
(a) Menos acertadamente datam alguns escriptores essa C. R. de S5 do mesmo
mez. Pizarro ainda erra fazendo Rolim chegado á 7 c empossado á 12 de janeiro ;
mera confusão que se explica pela certeza de um^i data, a segunda, e de que entre os
dous actos mediaram cinco dias.
(b) Copiado de uma galeria dos vice-reis, pertencente a meu irmão Pedro
Paulino.
8
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58 VILLA BELLA
meiro guarda-mór nomeado para as minas do Matto-Grosso, Francisco
Xavier Júlio Leite, e os ofiBciaes civis e de justiça necessários no novo
governo (a), dos quaes todos, diz B. de Sá (b), — « melhor fòra que
asolára a nova capitania um bando de corvos ou uma epidemia de
bexigas » — incontestável ' liyperbole, mas que é um brado de dôr e indig-
nação pelos vexames, extorsões e violências, que trazia nesses tempos a
aposentadoria dos empregados do governo, e que bem pode-se avaliar
que taes seriam, nesses sertões tão ricos de ouro quão desprovidos de
recursos, pelo que succedeu nesta corte em 1808.
Mais tarde, em março, chegaram o juiz de fóraTheotonio da Silva
Gusmão e o segimdo vigário Padre Fernando de Vasconcellos.
Em 30 de junho seguiram todos para o Matto-Grosso, onde, em con-
formidade com a provisão regia de 5 de agosto de 1748, devia o capitão-
general estabelecer a sede de seu governo ; logo, em caminho, á oito léguas
de Cuyabá, fundou uma aldeia, na chapada de S. Jeronymo, de indios
mansos, a qual iScou aos cuidados do padre Estevão, que entendia a
cathechese diveraamente dos Nobregas e Anchietas, preferindo á ir buscar
os selvagens no centro da barbaria para doutrinal-os, lidar com os já
domesticados ; o que, além de ser mais commodo e fácil, mereceu ainda o
favor de uma subvenção, enorme nesses tempos, de sessenta mil cruzados,
dos dinheiros do Estado. O outro missionário foi, em 1753, á margem
esquerda do Guaporé, quasi em frente ao Corumbiara^ tomar como herança
(a) Rolim partiu de Araritaguaba (Porto Feliz) em 5 de agosto de 1750, com uma
frota de quatorze grandes canoas, além de grande numero de outras pequenas,
levando por escolta cento e noventa homens de tropa. Em ura mez chegou ao
Paraná, á 28 de setembro ao porto do Sanguésuga, em 20 de novembro sahiu de
Gamapuam, á 23 chegou ao Ck)xim, á 28 ao Taquary; à 15 do mez seguinte ao Para-
guay-merim, sahindo dous dias depois do Paraguay ; á 19 entrava no S. Lourenço,
à 25 no Cuyabá, chegando pm dous dias á Casa de Telha, depois chamado Bímanal,
6 no dia 12 na nova capital (Carta do próprio governador ao marquez de Vai de
Reis, copia Ms, da Bib. Nao.).
(b) Obra citada.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 59
a situação da Casa Redonda^ de Domingos Alves da Cruz, que ahi
residia havia uns quatro annos, e ultimamente fallecêra ; e reunindo os
cathecumenos das missões abandonadas pelos hespanhoes no S. Simão e
Mequenes, estabeleceu em 1754 a aldeia de S. José, que em setembro de
1756 transferiu para um pouso acima do rio S. Domingos^ próximo ás
missões hespanholas do Itonamas e Baures (a).
Chegado Kolim de Moura á margem do Guaporé (b) em 9 de dezem-
bro, enfadado da longa jornada, não se achou com forças de continuar
por terra para os arraiaes da chapada, e veiu por elle aguas abaixo até o
Pouso Alegre, onde aportou cinco dias depois. Em consequência da via-
gem de Lima ao Pará, trazia ordens do governo de estabelecer a sede da
capitania perto desse grande rio, segura estrada para o Pará ; Kolim
preferiu sua margem aos arraiaes do alto da chapada : fez logo investigar
sobre o melhor sitio, isto é, o que á outras vantagens reunisse a da proxi-
midade daquelles povoados, e afinal fixou-se naquelle pouso ; não lhe
valendo nem as rogativas e empenhos dos moradores da chapada, fiados
naquella real provisão, nem a asserção de que esse sitio era sugeito ás
innundações dos rios. « — Foi n'um charco, morada de jacarés e capi-
varas, diz Barbosa de Sá ; afBrmando todos os vizinhos que esse logar se
innnndava todos os annos com as enchentes dos rios, não lhes deu atten-
ção e só se fez a vontade dos que mandam. » (c)
(a) E' o 5. /o*^ que Sou theycoUoca cinco mUhas abaixo da foz do Guaporé, e
que ainda vém marcado em muitas cartas modernas, notadamente na Carta geral de
1875, que o situa na margem esquerda do rio. Ao assignalar este logar e outros
que desappareceram, como os arraiaes do Matto-Grosso, etc., parece que o fim do
geographo foi somente demarcar o sitio onde existiram.
(b) O caminho de Cuyabá cortava o Guaporé aos 15° IG', pouco além das minas
de Lavrinhas, no local onde ajnda hoje existe a ponte, única desse rio, com uma
pequena guarda para protecção dos viajantes e impedimento á que seja destruida
pelos cabixys, que já a incendiaram em parte.
(c) Obra citada.
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60 TILLA BELLA
Neste chronista dominava o seu quanto de despeito, como no geral
dos habitantes da antiga sede de governo, por não ter Eolim feito sua
capital nessa villa,a qual, segundo elles, foi sempre vontade do governador
aniquillar, « indo, entretanto, ella sempre em augmento, graças ao seu
Senhor Bom Jesus. »
Mas os motivos que demoveram Rolim de ahi estabelecer-se não
eram de ordem que elle podesse obviar, e agora : além do porto de nave-
gação do Pará, que se antolhava ao governo e á todos como a melhor via
de communicação para Portugal e o resto do Brasil, havia ainda o
cansaço e o terror de uma nova viagem pelo sertão á Cuyabá.
Em 19 de março de 1752 (a) erigiu em villa o Pouso Alegre, gá
bastante povoado com o seu séquito, officiaes e moradores dos arraiaes
que para ali desceram, uns por acharem-se melhor á sombra das autorida-
des, e outros, gente do commercio, homens práticos e mineradores de nova
espécie, por convencerem-se de que a verdadeira e mais rica mina, e mais
fácil de explorar, apparecia agora na capital. A' nova villa deu o nome
de Villa Bella ãa Santíssima Trindade do Matto-Grosso. O pelourinho,
instrumento indispensável e distinctivo de preeminência, só reservado ás
cidades e villas, e honraria muito ambicionada dos moradores dos povoa-
dos de menor cathegoria, só dous mezes mais tarde, em 13 de maio, é
que foi erigido ; registrando por essa occasião o escrivão dos pelouros
apenas cincoenta e seis votantes, e sendo reconhecido não haver na villa
mais de oitenta homens brancos, dos quaes sete ou oito casados (b).
(a) Erradamente fal-a Pizarro erecta em 13 de maio, data em que se ergueu o
pelouvinlio.
(b) Noticias relativas á viagem do conde de Azambuja e erecção da ViUa BeUa
do Matto-Grosso. Ms. da Bib. Nac.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 61
IV
Pouco depois, em 5 de junho, chegavam à nova villa frotas do Pará
com géneros de abasto, e voltavam, do mesmo modo que outras por terra,
conduzindo ouro em granetes, único género de exportação do paiz.
Nesse anno aportava ao Eio de Janeiro a nau I^ossa Senhora da
Lampadosa, com a primeira commissão de limites encarregada pelo
governo portuguez de deslindar a demarcação com as provincias hespa-
nholas ; empreza que no decurso de mais de um século ainda não foi
completamente resolvida, ap3zar dos vários esforços que se tem tentado e
das muitas commissões que nisso se tem empregado.
Os missionários hespanhoes tinham desde 1743 missões na margem
direita do Guaporé : a de SanfAnna^ duas léguas acima da foz do ribei-
rão desse nome; a de S.Miguel ^ na fo^ do rio, e a de Santa Bosa^ nos
campos assim chamados, donde, onze annos mais tarde, mudaram para o
em que depois se ergueu o forte da Conceição.
Alguma cousa soffreram dos sertanistas essas missões, á ponto que
em 22 de junho de 1751 o missionário de S. Simão, Ramon Laynes, diri-
giu-se á Rolim, recem-chegado á Cuyabá, queixando-se das depredações
que aquelles aventureiros commettiam, roubando e captivando indios
baptisados, e mulheres casadas, etc., ao que o capitão-general respondeu
em 10 de dezembro do anno seguinte, compromettendo-se á providenciar
em ordem à justiça e humanidade ; mas, queixando-se por sua vez de que
aquelle missionário havia invadido a Ilha Comprida^ com um séquito de
indios armados, e ahi maltratado com pancadas,'e esbofeteado o portuguez
Bento de Oliveira e outros, fazendo fugir os moradores, queimando-lhes
as rancharias, e derrubando a cruz, padrão de propriedade da coroa portu-
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62 VILLA BELLA
gueza. E ordenando que os indios e indias, objecto daquella reclamação,
lhe fossem apresentados, fez em junho seguir com elles o padre Agostinho
Lourenço, para os restituir ás suas missões, algumas das quaes estavam
mudadas para o Itonamas e o Mamoré, e mesmo para a margem direita
do Guaporé.
Com essa retirada dos hespanhoes deixaram também os portuguezes
seus sitios do Guaporé, exceptuando-se apenas dous moradores da Casa
Redonda, na margem esquerda, e três outros no sitio das Pedras Negras,
na opposta margem.
Somente em meiados de 1754 amadureceu Rolim a idéa da conve-
niência de fazer 6s hespanhoes retirarem-se da margem portugueza do
Guaporé. Pareceu á principio que a retirada das aldeias do S. Simão (a)
e Mequenes fôra devida á terem os missionários noticia da chegada á
America das commissoes de demarcação ; mas seus estabelecimentos na
margem direita, em frente aos três grandes rios que se reúnem ao Gua-
poré no fim do seu curso, fizeram comprehender que a única razão era o
medo pela proximidade da nova capital do Matto-Grosso. Rolim fez pu-
blicar a provisão de 14 de novembro de 1752 que prohibia se fizesse o
commercio por outra via que não fosse a do Guaporé á Belém ; e em
agosto do anno seguinte desceu com alguma tropa á desalojar a missão
de Santa Rosa, o que feito substituiu-a por um aldeiamento de indios,
que entrincheirou com forte paliçada, emquanto não dava começo á obras
mais solidas de fortificação, capazes de manter em respeito áquélles irre-
quietos \izinhos e de prover a segurança da navegação. Dessa viagem
apenas faliam por alto os Avnaes do senado da camará de Villa Bella
e a Eelação das Povoaçons.
Rolim visitou a aldeia de S. José e foi até a foz do Guaporé, que
(h) Fundada pelo padre Francisco Xavier, italiano, â margem direita do Corum-
biara, perto das suas cabeceiras. Mello Moraes, Chorog, Hist,^ tomo III, pag. 492.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 63
então se dizia do Mamoré por suppôr-se ser este o affluente, e retirou-se
para a sua capital.
No anno seguinte o padre Laynes veiu tentar a desforra, atacando
com uns duzentos indios e alguns hespanhoes, e aprisionou alguns Índios
portuguezes. Eolim, sabedor disso, protestou por carta de 17 de junho ao
vice-superior das missões, Padre Nicolau Altogrado; e,não recebendo res-
posta, lavrou solemne protesto em data de 3 de dezembro; desceu á esta-
belecer um posto militar no alto das Pedras Negras, quasi á meio cami-
nho, sitio que era do licenciado João Baptista André (a), retirando-o ao
receber resposta do vice-superior, com protestos de amizade. Mas teve
de restabelecêl-o de novo, ao ser informado de que os padres hespanhoes
tinham occupado novamente Santa Bosa, para onde desceu elle próprio
outra vez, partindo da capitalemGdefevereirode 1760, com sessenta
soldados.
Encontrou, com effeito, o ponto occupado pelos hespanhoes que ahi
já tinham roças e plantações. Desalojados, tomou Eolim posse da terra (b)
com as formalidades do estylo, e lançou os alicerces de um forte penta-
gonal, ao qual desde logo impôz a denominação de Nossa Senhora ãa
Conceição^ augmentando a aldeia com muitos indios foragidos das
missões hespanholas (c).
Já era Eolim regressado á Villa Bella, quando, em abril de 1761,
chegou á nova missão hespanhola de Santa Eosa o governador de Santa
Cruz de la Sierra D. Alonzo Verdugo, á protestar contra a posse dos
portuguezes desses terrenos do Guaporé, protesto que foi levado immediar
tamente pelo mestre de campo José Nunes Conejo á Yilla Bella, e reite-
rado em oitubro, baseado agora na annuUação do tratado de limites de
(a) Southey, tomo VI, 169 (traducçào do Dr. Castro).
(b) A nnaes do senado da cornara de Yilla Bella.
(c) O que motivou novas reclamações do superior padre Juan de Bangodea.
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64 VILLA BELLA
1750, e solicitando a entrega do território que estava em poder da Hes-
panha antes daqiiellas estipulações ; ao que annuiu Rolim somente
em relação aos territórios da margem esquerda, e não ao de Santa
Kosa e outros da direita, por não ter noticia official do seu governo,
a qual só chegou em fevereiro do anno seguinte. E tão compenetrado
estava do valor e interesse desses territórios, que logo, em agosto desse
mesmo anno de 1762, desceu novamente ao forte, que teria sido prêa dos
hespanhoes si não fosse a sua presença e os soccorros que levou.
Um pouco acima deste estabeleceu uma outra aldeia, em terreno
intermediário ás bocas do Itonamas e Baures, que sahem na fronteira
margem, e deu-lhe o nome de S, Miguel ãe Lamego (a).
Entretanto os hespanhoes mostravam-se pouco dispostos á deixa-
rem-se desapossar desse território, scientes da guerra entre as duas nações.
Na força de uns seiscentos homens vieram fortificar-se nas confluencias
do Mamoré e do Itonamas, em terrenos péssimos por baixos e alagadiços.
Rolim dispunha só de uns trezentos homens ; mas, desbaratada uma
investida que fez um pequeno troço de portuguezes, e com tão pouca ven-
tura que nenhum logrou voltar, tendo á ella ido sem ordem dos chefes e
só levados pelo seu ardor bellicoso, génio aventureiro e falta de reflexão (b),
ficaram os hespanhoes receiosos de vendicta e intemaram-se para o povo
da Concepcion do Rio Branco (c).
O capitão-general, recebendo noticia official do rompimento de hosti-
(a) Aos 14° 4tí\ segundo Ricardo Franco. Ainda vém demarcadas em algumas
cartas, entre outras as de Conrado e Ponte Ribeiro, apezar de não ejdstir ha quasi
um século.
(b; Barbosa de Sá, obra citada.
(c) Os A nnaes do senado da camura de Cuyabá dao Concepcion do Rio Baures,
Supponho engano. Não havia, que me conste, missão alguma desse nome no Bambes.
Este rio nasce perto da Concepcion de Chiquitos, quasi no parallelo 17°; mas pouco
acima da confluência do seu grande tributário o 5. Miguel ou Rio Branco havia
uma missão com aquelle nome, tornada ao depois mui florescente. Pela posição e
distancia parece ser a em questão.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 65
lidades entre Castella e Portugal, deliberou aproveitar o ensejo para
tomar o desforço. Mandou assaltar a aldeia de S. Miguel do Baures,
situada á poucas milhas da foz deste rio, e, aprisionando missionários e
Índios, fez conduzir estes para Santa Kosa e Lamego, e aquelles, os padres
Juan Eodrigues e Francisco Spie, para Villa Bella, donde os remetteu
custodiados para o Rio de Janeiro.
P*oviso AA&gve.
Os hespanhoes, sentindo-se sem forças, e nem mesmo animo, para a
defesa, foram successivamente abandonando as missões de S. Martinho^
S. Simão e S. Nicolau, todas do Baures, no receio em que estavam de
quererem os portuguezes adjudicar á si esse rio.
Ainda Bolim, no anno de 1764, á 26 de junho, tinha-lhes atacado o
posto fortificado em frento á Santa Rosa, mas sem resultado ; mas rece-
bendo, em 10 de agosto, cópia do tratado de paz de 10 de fevereiro do anno
anterior, assignado em Paris, communicou-o ao chefe hespanhol, pedin-
do-lhe uma conferencia para regularem os interesses das duas nações.
Esta eíFectuou-se em 29 de setembro, n'uma ilhota à foz do Baures, na
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66 VILLA BELLA
qual se fez acto solemne de entrega, por parte de Portugal, dos territórios
de S. Miguel e indios tomados, e cujo termo se larrou no dia seguinte no
forte da Conceição. Bastou esse proceder generoso e equitativo do gover-
nador portuguez para o hespanhol suppôr-se com direitos de exigir, como
o fez em nota datada do mesmo dia, a entrega dos territórios desde Matto-
Grosso e o Cuyabá, para oeste, até o Guaporé (a).
Tão estólida reclamação, tomada na consideração devida pelo capi-
tão-general, foi reconsiderada pelo general hespanhol ; restava, porém, o
facto dos missionários presos, o que foi motivo para novas reclamações e
de sérios embaraços para o successor de Eolim, o qual, em 1766, teve de
levantar tropas, o que só conseguiu pondo em pratica as maiores violên-
cias, pelo receio em que estava de uma nova aggressão, que essas eram as
noticias que lhe vinham, não só de indios foragidos das missões caste-
lhanas, como de alguns portuguezes residentes em Santa Cruz de la
Sierra (b).
Eolim deixou o governo após treze annos e meio de administração,
coberto de honras do rei, que fêl-o brigadeiro, commendador de Christo,
conde de Azambuja e premo veu-o á capitão-general da Bahia, então a
primeira capitania brasileira, e emfim ã vice-rei do Estado do Brasil (c).
Ao compulsar-se, porém, a historia e pesar-se os prós e contras de seu
(a) Carta de Rolim de Moara, de 2i de oitubro de 1764, á João Manoel de MeUo^
governador de Goyaz, Ms. da Bib. Nac.
(b) A nnaes da camará de ViUa Bella.
(c) Foi capitão-general da Bahia de 25 de março de 1766 á 31 de oitubro de 1707,
tendo sido nomeado vice-rei em 31 de agosto desse anno, logar que exerceu desde
17 de novembro desse anno até 4 de novembro de 1769.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 67
governo, parece que seus serviços poderiam ter sido melhores e menores
as violências e soffrimentos do povo (a).
Deixou o vice-reinado em 1769, atribuindo-se sua exoneração á
pasquins que appareceram nas ruas de Lisboa, dizendo : « Acudam ao
Kio de Janeiro, que se perde. » (b)
Em seu tempo descobriram-se as minas de Santo António dos Gara-
juz (c), Corumbiara, Boa Vista, SanfAnnada Tromba de Morro, Ouro-iBno,
SanfAnna, no ribeirão desse nome, braço do Kio Preto ; em 1754, as de
Urucumacuan, no entroncamento das cordilheiras do Norte e dos Parecis,
perto das origens do Jamary, Galera e Camararé, para cuja exploração
partiu do arraial de SanfAnna, em 5 de junho do anno seguinte, uma
bandeira^ a a mais bem preparada que tém visto estes sertões, » diz o
intendente do ouro, Felippe José de Carvalho Nogueira, na sua Memoria
chronohgica da capitania de Matto-Grosso^ e principalmente das pro-
vedorias de (agenda e intendência do ouro (d) ; minas de cujo sitio se
perdeu completamente a tradição.
Fez abrir duas estradas da nova capital, uma para a Bahia, passando
por Cuyabá, Villa Boa e os povoados de Santa Luzia, Arrependidos e
Villa de S, Romão, em Minas Geraes, donde, em rumo E., seguia para
a cidade do Salvador^ ainda então sede do governo do Brasil ; e a outra
passando por aquellas duas capitães, e depois buscando as povoações de
Paracatú e S. João dEI-Eei para chegar á cidade do Bio de Janeiro,
capital do Brasil desde 1753.
(a) Roque Leme, obra citada, que erradamente o dá governando até 1775.
(b) Roque Leme, obra citada.
(c) Aos 13° 29' 40", Carta Geog. do rio Guaporé, da commlssao de 1782. Foram
solemnemente povoadas em 1776. Seus descobridores foram Gabriel Antunes Maciel
e Francisco de Paula Corrêa; seus terrenos repartidos em ir79, foram evacuados
em 178*2, por ordem regia de 2 de maio do anno anterior. Annaes da ca/marade
ViUa BeUa,
(d) Rev. do Inst, Hist,, tomo XIII.
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68 VILLA BELLA
Em oitubro de 1758 fez passar a ouvidoria de Cuyabá para Villa
Bella, dando esse cargo ao Dr. Manoel Fanqueiro Fausto, que era o juiz
de fóra ; facto que, coincidindo com o desapparecimento de dous cometas,
que então brilhavam no firmamento, fez o povo dali dizer que tinham-se
acabado três calamidades (a). Nesse mesmo anno fez repartir as minas de
S. Vicente.
A' Rolim, por C. B. de 26 de agosto de 1758, tinha sido commet-
tida a autoridade de punir, sem appellação nem aggravo, os crimes, tanto
civis como militares, estabelecendo-se para os respectivos processos uma
junta de justiça, composta delle, o ouvidor e o juiz de fora ; a qual func-
cionou pela primeira vez no anno de 1771.
A vara desse julgado de fora voltou novamente para Cuyabá em
1762, ficando Villa Bella carecendo delia até 1813 em que, á 15 de
agosto, foi novamente estabelecida.
O imposto annual de capitação das minas, e depois o quinto, nunca
foram menores de cincoenta arrobas de ouro. Minas Geraes, Goyaz e Matto-
Grosso eram as principaes fornecedoras do real erário ; e só em 1753 o
comboy que seguiu do Bio de Janeiro levou cerca de trinta mil contos
de réis. Os últimos quintos arrecadados pelo governador Bolim foram de
cincoenta arrobas, que desceram em setembro de 1 762, conduzidos pelo
capitão José Pereira Nunes.
Entretanto essa capitania que tanto ouro possuia em si, que tantas
e tão ricas minaa continha em seu solo, que com tâo avultado cabedal
soccorria a mãe pátria; facto notável! desde 1758 que já não pôde viver
sem o adjutorio extranho. De seus thesouros nada lhe ficava, nem para
o pagamento dos soldos dos empregados do Estado.
(a) Barbosa de Sà, obra citada.
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CIDADE DE MÁTTO-GROSSO 69
Dahi maiores violências, mais repetidas extorsões, até que os lamen-
tos foram tão fortes que chegaram á Lisboa ; naquelle anno foi ordenado
ao governo de GK)yaz àe subvencional-a com quinhentos e doze marcos
de ouro anntMes^ tirados da sua casa de fundição ; subvenção que mais
tarde foi elevada á setecentos, reduzida era 17 de agosto de 1779 à tre-
zentos e depois augmentada de mais vinte contos de réis, quando para
Matto-Grosso foi, e emquanto ahi permaneceu, a commissao demarcadora
de limites (a).
Em 1810 ordenou-se á Goyaz que mandasse-lhe também os direitos
de siza, decima e sellos, que lhe eram próprios ; e, desde a independência
até hoje, tem a província do Matto-Grosso, essa pobre millionaria, vivido
das subvenções dos cofres geraes !
Eolim desceu pelo Guaporé, a estrada privativa de Villa Bella;
por ella já tinha subido o seu suecessor, e anterionnente, em 1754, o
ouvidor Fernando Pereií-a, que, mal chegado, logo succumbiu, o Dr. Fan-
queiro e outros ; e descido o Dr. Theotonio, que ao passar o maior dos
saltos do Madeira, em 1758, ahi fundou uma aldeia áepamas (b) ; guar-
dando o povo, em memoria dessa providencia, o nome do fundador, que
passou á ser o desse salto, até então chamado do Natal,
(a) Pizarro, obra citada. Accioli, Ckorographia.
(b) V. introducção, cap. II, XII, pag. 138.
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CAPITULO m
Jmo ?ún àt Cimára, uginile ca^ iiã»-geiieral. KoTai tf ntalÍTai doi bfipanhofi. Âi BÍDai de S. Vicente. Liíz Finto
ét SoBxa CoBtiiho, terceiro eapitio-geaeral. O canal do ilei^re ao igoipebj. DcpredaçCei dos indioi Luiz de
Aíbiqaerqao, qaarto capitao-gfneral. Registros da Inini e do Jairi l^ortei de Coimbra e do Frineipe. Tiaen.
Preiidioa de AlbnqneniRe, Mondego e Vilb Maria. S. Pedro d'EI-Rei. Casalrasco. João de Aibuqnerqie, qninto
capítio-geBeral. Aldeia Carlota. Janta goTcrnatiTa. Caetano Pinto e Magessi, sexto e sétimo eapiUes-generaes.
Cijabá ctpital. PreUdos. Presidentes da pronneií.
01 succes8or de Bolim de Moura seu
sobrinho Joáo Pedro da Gamara, no-
I meado por C. R. de 6 de junho de
[|j 1763, e que, chegado á Villa Bella em
27 de dezembro do anno seguinte,
tomou conta da capitania no 1" de ja-
neiro de 1765.
Pouco fez e também pouco mereceu, quer
das mercês do Estado, quer das maldições do povo.
Logo em abril desceu á Conceição ; e ou por temor ás
viagens ou arreceiar-se dos hespanhoes do Baures e Mamoré, quasi que
fez a sede do seu governo naquelle destamento, onde lançou os alicerces
do forte e fez activar a sua construcçáo.
Em dezembro voltou á Villa Bella ; mas recebendo do commandante
do destacamento aviso de que os hespanhoes agglomeravam tropas na foz
do Ilonamas e na confluência do Mamoré, com bastante artilharia, e
tendo já rompido hostilidades, aprisionando uma canoa e a guarnição que
fora em reconhecimento. Camará, depois de providenciar sobre a segu-
rança dos povoados da capitania, desceu novamente, em junho, para por
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72 VILLA BELLA
si mesmo reconhecer da gravidade da noticia e providenciar de visu. Em
1 de dezembro vieram os hespanhoes acampar em frente ao destacamento
com nma força de cerca de oito mil homens, dos quaes quatro mil e du-
zentos bem armados e equipados, e mais outros tantos Índios com as
armas do seu uso, e oito peças de artilharia.
Commandava-os o próprio presidente da real audiência de Charcas
ou La Plata, Juan Pestana, tendo por segundo o coronel engenheiro An-
tónio Aysmerich de Vilasuna.
Conforme declararam passados, o ataque devia effectuar-se na ante-
véspera de Natal. Novas ordens, porém, vindas com o governador de
Santa Cruz de La Sierra, nas quaes o governo de Madrid desapprovava
tão aggressivo movimento, fizeram levantar acampamento e retirarem-ee
antes que houvessem realizado o ataque do ponto militar portuguez (a).
Serviu isso para mais activar as obras de fortificação ; e nesse
mesmo anno já o forte podia receber artilharia, e assestava-a nos pontos
mais necessários.
Foi em seu governo (17G7) que descobriu o capitão Bento Dias
Botelho as minas de S. Vicente Ferrer aos 14** 30', segundo Ricardo
Franco, doze léguas á -^0. da Villa Bella, onde em pouco tempo for-
raou-se um populoso arraial ; produzindo tanto ouro, que nesse anno des-
ceram para Lisboa quarenta arrobas dos quintos e no seguinte trinta e
uma (b).
Camará governou quatro annos e dous dias, entregando a adminis-
tração em 3 de janeiro de 1769 á Luiz Pinto de Souza Coitinho, depois
(a) A nnaei do senado de Villa BeUa,
(b) Item. Sá, obra citada. Pizarro, idem.
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CIDADE DE MAITO-GROSSO 73
?isconde de Balsemão, capitáo-general do Cuyabá e Matto-Grosso por
C. R. de 21 de agosto de 1767, e chegado áVilla Bella em 2 de janeiro
de 1769. Em sua companhia veiu o Dr. Miguel Pereira Pinto Teixeira,
para ouvidor, em substituição do Dr. Manoel José Soares, promovido á
desembargador da Belação do Bio de Janeiro, e que logo em abril seguinte
desceu.
Ainda em caminho para o seu governo, Luiz Pinto, ao passar pelo
salto do Girau, no Madeira, á exemplo do Dr. Theotonio, — non ignarus
iiialis-^Q no intuito de servir de recurso aos viajantes, fundou uma aldeia
dos Índios pamaSj á que deu o nome de Balsemão, do local de seu
nascimento e solar de sua família em Portugal.
Mal chegado á Yilla Bella foram suas primeiras ordens relativas á
agricultura ainda, por demais, descurada n esses povoados, e procurou o
cultivo da canna de assucar indígena no paiz e, como já viu-se, encon-
trada nos albaldões e reductos do pantanal dos Xarayes, logo depois da
fundação de Cuyabá (a) ; beneficio, entretanto, desprezado dentro em
breves annos,mais talvez pela fome do ouro e abandono das lavouras pelas
lavras,do que pelos impostos do fisco, como o assegura o chronista Sá (b).
Fez levantar a primeira carta topographica da capitania ahi pelo
anno de 1770 ; no seguinte mandou bater um quilombo que se formara no
rio Quariteré, de negros foragidos das minas da Serra, e cuja destruição
só foi conseguida em tempos de João de Albuquerque, o quinto capitão-
general, vinte e quatro annos depois ; mandou examinar as minas de sal
descobertas naquelle anno por Luiz António de Noronha, nos terrenos
baixos entre os rios Paraguay e Cuyabá; estabeleceu o destacamento de
Palmellas no sitio da antiga Casa Redonda ou missão de S. José. Já
em 14 de março de 1763 tinha á esta mudado o nome para ode
(a) V. primeiro volume desta obra, introd., cap. III, pag. 149.
(b) Obra citada.
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74 VÍLLÀ BÍáLLÁ
Leoinily e bem assira para Bragança o do forte da Conceição, togar
de Guimarães o arraial de Sant^Anna da Chapada e Lamego a aldeia de
S. João ou S. Miguel, do baixo Guaporé, á imitação do que em 1759
fizera no Pará o capitào-general Joaquim de Mello Povoas em grande nu-
mero de povoados: o que, porém, não toi approvado pelo governo real,
mandando-se, segundo o intendente Felippe Coelho (a), « conservar
os nomes antigos, talvez para evitar confusões no futuro. »
Estabeleceu a casa da fundição do ouro, que só começou á fúnccio-
nar em janeiro de 1772, ao ser abolido o tribunal da intendência : fora
mandada crear por D. de 28 de janeiro de 1736 ; mas Rolim deixara de
cumprir tal ordem por circumstancias que não pude averiguar, apezar de
elle próprio ter vindo para o seu governo preparado com os artífices e
machinas necessárias ; e apezar, ainda, dos desejos e instancias do povo,
que só viu nesse procedimento do governador mais umaoccasião de oppri-
mil-o (b). As ruinas desse estabelecimento attestam, ainda hoje, a sua
importante fabrica.
Todo o ouro minerado para ahi vinha á ser pesado e quintado, e
deduzido á barras o dos particulares, á quem se entregavam carimbadas
e com o certificado do peso, qualidade quilate e valor, no intuito de
evitar dolo aos possuidores.
Esperançado de abrir uma navegação toda fluvial entre o Pará e
Villa Bella, continuada pelo Paraguay até o Prata, reunindo assim por
um canal natural de duas mil léguas o oceano equatorial e o oceano
austral, fez em março de 1771 passar uma canoa, de dez remos, do rio
Alegre ao Aguapehy, varando-a por um trecho de terra menor de duas
léguas (c).
(a) Sá, obra citada.
(b) Pizarro, obra citada.
(c) lieg, do se fiado da camará^ liv. VI.— Sá, obra citada.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 75
Nesse mesmo anno passou a provedoria de fazenda de Cuyabá para
a capital.
Durante todo o seu governo passou atribulado com o susto de
guerras com os castelhanos, não só pelo estado das cousas quando elle
tomara as rédeas da administração, como pelas noticias que de vez em
quando lhe traziam os indios fugidos ou negociantes portuguezes.
Em 21 de agosto de 1769 creou uma legião ãe hússares e oxitt2L áe
attxiliares de infantaria ; mas, ainda assim, em julho de 1771 teve de
forçar novo recrutamento de tropas, com grande vexame ao povo, não só
de gente como de dinheiro, cabendo somente á villa de Cuyabá a leva de
trezentos e cincoenta infantes e oitenta cavalleiros com seus cavallos, e
ainda mais o imposto de seis mil e quatrocentas oitavas de ouro para as
despezas do Estado (a). Organisada esta tropa o mais breve possivel, —
que apertadas eram as ordens, e pelos maridos, pães e irmãos homisiados
eram recolhidas ás cadeias mulheres, iilhas e irmãs, e sequestrados os
bens — , marchou em seguida para a capital ; mas ao approximar-se do
Jauni recebeu ordem para regressar, tendo-se sabido que um movimento
de tropas,que os hespanhoes iizeram, fôra contra os indios que tinham
abandonado suas aldeias, por não quererem submetter-se aos missionários
que tinham ido substituir os jesuítas expulsos.
II
Entretanto, si não houve mister de bater-se com os castelhanos,
muito teve a capitania de soffi*er dos seus aborigenes.
Em 19 de março de 1771 os cayapós assaltaram e destroçaram o
povo das minas dos Remédios, matando oitenta e cinco pessoas ; e pouco
(a) Item.
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76 YIUvA BELLA
depois as lavouras de Agostinho de Faria Castro e do Dr. Francisco Pe-
reira Guimarães, nos Cocaes, e o sitio de Salvador Eodrigues de Siqueira;
matando mais de cincoenta pessoas, escalando creancinhas de meio á
meio e fazendo-as depois em pedaços, queimando casas e roças e depre-
dando quanto lhes fez cubica (a).
Pelo mesmo tempo davam os payaguás sobre os moradores á mar-
gem do Cuyabá e S. Lourenço, e matavam a maior parte, aprisionando
umas vinte pessoas. Em maio de 1772, cayapóse bororós assaltaram a
aldeia de SanfAnna do Livramento, fazendo igual morticinio, destruindo
as situações vizinhas e levando a mina e a devastação por onde passavam.
Em dezembro assaltam os sitios de Félix Gonçalves Netto, Manoel da
Cunha Abreu e António Arantes, e no anno seguinte vão até os arredores
da villa, onde commettem iguaes atrocidades. Em maio de 1775 des-
troom os payaguás os sitios de Domingos da Silva Bueno e outros, nas
ribas do Paraguay e do S. Lourenço, quasi na mesma occasiáo em que os
bororós assaltavam os moradores do Coxipó-assú.
Vingavam-se os selvagens das barbaridades injustas, aggressôes e
atrocidades inauditas, e do captiveiro em que os prendiam os sertanistas.
Não se contentavam em matar, destruir e queimar : tinham prazer em
requintar os tormentos dos desgraçados que lhes cabiam nas mãos.
Aos homens esquartejavam, tiravam as visceras, espetavam as
cabeças em paus para fazerem tropheos, e o resto espalhavam pelos
campos ; as crianças, abriam-as pelas pernas e arrancavam depois os
bracinhos e a cabeça. Somente á algumas moças poupavam a vida, para
levarem-as prisioneiras.
Neste ultimo assalto agarraram duas filhas de Plácido Bicado ;
á uma, que não se rendeu promptamente, arrancaram-lhe, viva, os dentes.
(a) Reg, do senado da cornara.
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CIDADE DE MArrO-GKOSSO i í
OS olhos e depois esmigalharam-lhe o craneo ; a outra levaram e delia
não houve mais noticia.
Nenhum autor, nenhum chronista consigna que taes harharos fossem
antropophagos, que quizessem as victimas para seus festins de canihaes ;
nem mesmo que levassem os craneos e os despojos para fazerem tropheos
de guerra, e ostentarem sua valentia aos olhos das outras tribus.
O povo pedia soccorro ao governador contra taes tropelias, cada vez
mais amiudadas. Mas, nesáes tempos, o governo era só feito para arrecadar
e zelar interesses do Estado. Quando est« perigava, tinha o povo o dever
de vir em seu auxilio ; mas quando o padecente era o povo e implorava
soccorro, este vinha, é certo, mas concebido nas ordens de preparar elle
mesmo a gente e o dinheiro para os gastos da operação.
Assim Cuyabá, que já tinha feito sahir, em 1771, Pascoal Delgado
Lobo com uma bandeira de sessenta homens contra os payaguás, á quem
alcançou e completamente destruiu, já no Taquary, onde estavam des-
cuidados, recebeu agora, em resposta do governador Luiz Pinto, que
« á custa do povo e senado se fizesse uma esforçada bandeira para guerrear
os selvagens. » Tiraram-se cerca de três mil oitavas de ouro, formou-se
um contingente de oitenta homens sob o cominando de António Soares
e outro egual que Pascoal Delgado novamente capitaneou. Est^ foi bater
08 bororós e voltou á villa em 12 de dezembro de 1773, com cerca de
oitenta prisioneiros, de toda a edade e sexo, que foram mandados aldeiar
na capella de S. Gonçalo ; mas ahi não se sentiram á gosto, e logo em
começos do anno tinham todos fugido ! (a)
Durante o seu governo Luiz Pinto fez remessa para Lisboa de nada
menos que duzentas e quarenta e seis mil seiscentas e vinte e duas
(a) Sá, obra citada.
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78 VILLA BELLA
oitavas e um quarto de ouro, isto é, quasi sessenta arrobas e meia, além
de cento e setenta mil cruzados ; do qual a maior quantidade extorquida
do povo á titulo de dizimes, quintos, direitos de entrada, etc., fora o já
deduzido e que íicára para pagamento dos honorários do governador e
dos seus oflBciaes e funccionarios públicos.
A oitava do ouro do Matto-Grosso fôra avaliada em mil trezentos e
cincoenta réis, quando a do Cuyabá era do valor de mil e duzentos, por
aquelle exceder no toque, que era de vinte quilates (a) ; entretanto, desde
que se fundou a casa de fundição, até 1789, só pagavam os matto-gro&-
senses meio quinto de imposto, emquanto que os moradores de Cuyabá
pagavam-o inteiro.
III
Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres foi o quarto gover-
nador e capitão-general, nomeado por C. B. de 29 de junho de 1771.
Partido do Rio de Janeiro em 21 de oitubro seguinte, entrou em Cuyabá
á 4 de oitubro de 1772 e em Villa Bella á 5 de dezembro. No trajecto
entre essas duas villas, distantes entre si cem léguas, gastou vinte e três
dias. Assumiu o governo em 13 de dezembro e dirigiu-o por espaço de
dezessete annos menos vinte e três dias, o mais dilatado que tem havido
em Matto-Grosso. A' elle mais do que á nenhum outro deve a capitania
beneficies e germens de muitos engrandecimentos, sendo, talvez, o maior
delles o ter trazido em sua companhia o engenheiro Bicardo Franco de
Almeida Serra, então capitão de infantaria ; á quem desde o começo da
viagem foram commettidos trabalhos da maior importância, começando
por um mappa do itinerário que seguiram do Bio de Janeiro á Villa
(a) Pizarro, obra citada»
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ClbADE DE MArrO-GKOSSÔ ?i>
Bella ; e que identificando-se com a capitania fez delia uma nova pátria,
estudando-a e fazendo-a conhecida no mundo, e ahi sepultando-se após
quasi quarenta annos de nobres e famosos trabalhos.
Não entrou Albuquerque livre de tropeços no seu generala to ; os
Índios continuavam nas suas depredações: e elle, encarando a gestão dos
negócios públicos de uma outra maneira que não seus predecessores, organi-
sou também levas contra os selvagens; mas como meio melhor para oppôr
óbices á suas excursões e ao mesmo tempo facilitar recursos aos viajantes,
foi fundando estabelecimentos nos legares onde mais frequentes eram as
suas correrias Assim, em 1773 fundou o registro da Insua, nos limites
de Goyaz, e extittia oriental da capitania ; no anno seguinte o do Jaurú,
aos 15° 44' 32" (Ricardo Franco) ; em 1775 o presidio e forte da Neva
Coimbra^ no rio Paraguay ; em 1776 o forte do Príncipe da Beira^ no
Ouaporé, obra extraordinária na sua construcção magistral pelas dififi-
culdades que se venceram n'um lapso de tempo tão curto (seis annos), si
se attender ao local e distancia dos recursos, e cujos alicerces foi elle
próprio fundar em 26 de junho ; em fins desse anno Viseu ^ fronteiro á
foz do Corumbiara e próximo ás minas do Garajuz, no mesmo logar onde
fòra a Casa Kedonda (a); em 1778 o presidio de -iZôtiífuergw^, hoje
cidade de Corumbá (á 21 de setembro) ; em novembro seguinte o de
Mondego^ hoje villa de Miranda (b) e o de Villa Maria, hoje cidade de
S. Luiz de Cáceres (c); em 18 de oitubro de 1782, o de S. Perfro efe
(a) Aos 30o 29' 40". Carta Geog, do rioíhíaporé (commissàodemarcadora de 1782).
(b) Villa desde 30 de maio de 1857 ; cabeça da comarca desde 23 de julho do
anno seguinte.
(c) Fundada pelo tenente de dragões António Pinto dos Reis, de ordem de Luiz
de Albuquerque ; foi elevada á villa por ki provincial de 28 de junho de 1850 e
rebaixada desse foral, á indicação do presidente Leverger, por lei de 7 de junho de
1851, por faltar-lhe pessoal idóneo para exercitar os necessários cargos publicos.Em
1858 o Sr. presidente de Lamare obteve nova elevação, sendo promovida á cidade
em 1876.
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80 VILLA BELLA
EI-Eeij hoje cidade de Poconé (a), no mesmo anno que a povoação de
Casalvasco.
Neste ultimo anno, á 12 de março, chegou e deu começo á seus tra-
balhos a terceira divisão da commissão demarcadora de limites (b), com-
posta dos astrónomos Drs. Francisco José de Lacerda e Almeida e António
José da Silva Pontes, e dos engenheiros majores Joaquim José Ferreira e
Ricardo Franco de Almeida Serra, aqui á ella encorporado, e dos offi-
ciaes de dragões tenente-coronel António Felippe da Cunha Pontes e ma-
jor José Manoel Cardoso da Cunha ; e mais tarde em outra conmiissão o
celebre naturalista Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, com dous primo-
rosos desenhistas Cudina e Silva : commissões que prestaram os mais
relevantes serviços á pátria, estudando com raro vigor, consciência e zelo,
uma a topographia do paiz, seus rios e fronteiras, e outra a sua historia
natural (c).
Em 1776 Luiz D'Albuquerque fez explorar, inutilmente, as origens
do Jamary, Galera e Camararé no planalto do Parecis, em busca das a£a-
(a) Antiga Ipotíoné ou Berípoconé, do nome dos índios que ahi viviam. Está aos
ICo 16* 8" de latitude e 321o 2' 3u" de longitude do meridiano Occidental da ilha do
Ferro (Lacerda), légua e meia distante da hahia do Rio de JaneirOy assim denomi-
nada pela sua conliguitiçao quasi idêntica á da magestosa Guanabara. Foi elevada
á Julgado em 1783, creada freguezia em 9 de agosto de 1811, villa em 25 de oitubro
de 1831 e posteriormente cidade.
(b) Designada por commissão de 1779, 1780 ou 1782, conforme a consideram rela-
tivamente á sua organisaçào naquella sua primeira éra, sua partida de Lisboa em 8
de janeiro do anno seguinte ou pelo começo do trabalho e sua chegada em VUla
Bella em 22 de fever<?iro de 1782.
(c) O Dr. Alexandre nasceu na Bahia, á 27 de abril de 1756. Era formado em
philosophia (sciencias naturaes). Seus trabalhos importantissimos e nunca assas
louvados, principalmente os botânicos, eram um precioso thesouro da nossa historia
natural. Infelizmente uma parte delles suppõe-se perdida, outra existe truncada na
nossa bibiiothcca e museu nacional, existindo o rosto em mãos de vários amadores
colleccionadores c ató individues que não sabem dar-lhes o justo valor, mas escon-
dem-os por saberem que são procurados. Ultimamente, á esforços do Imperador,
comprou-se, para aquelles estabelecimentos, parte da sua importante flora, que
apparcceu no espolio do conde de Castello-Melhor, em Lisboa.
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CIDADE DE MAITO-OROSSO 81
madas minas do Urucumacuan, que passavam por muito ricas e terem
sido exploradas pelos missionários de Santo António do Madeira; ajudou a
exploração das do Arayés,cujo ouro esverdeado era de dezesete quilates(a);
em 1779 fez explorar as do Garajuz e em 1782 as de Santa Barbara do
Aguapehy, nesse mesmo anno descoberta pelo alferes José Pereira (b).
Foi também nesta ultima éra que acharam os matto-grossenses
caminho para a missão hespanhola de S. Thiago, entrando pelos albardões
entre as lagoas Uberaba e Gahyba, e ali chegaram com poucos dias de
viagem e menos difiSculdades do que anteviam.
Apezar de creada a prelasia de Ciiyabá desde 6 de dezembro de
1716, somente agora, trinta e seis annos passados, é que foi apresentado
para essa dignidade o padre José Nicolau de Azeredo Coutinho Gentil,
por C. R. de 23 de janeiro de 1782 (c), confirmada por letras apostólicas
de 11 de oitubro, que concederam-lhe o titulo de bispo de Zoara, in par-
lihus infiâelium. Mas acccitou o titulo e não o encargo, e nem mesmo
mais tarde o da prelasia de Goyaz para que foi transferido em 7 de março
de 1778, por não querer vir empossar-se da outra ; preferindo afinal
ser provido, á 16 de maio de 1795, em deão da capella real de Villa Vi-
çosa, com a sua dignidade episcopal. As duas prelasias continuaram
vagas e ainda por muitos annos sugeitas á diocese fluminense.
IV
Para substituir Luiz de Albuquerque foi nomeado o governador do
Pará e Rio Negro João Pereira Caldas (d), e ao mesmo tempo primeiro
,a^ Ricardo Franco, 3/íw. Oeog, do rio Tapajós. Houve um outro logar, AraéSy
á sois léguas de Cuyabá, mais tarde frcguezia de S. Gonçalo de Amarante.
(bl Aos 16o 40» (commissão demarcadora de 1782).
(c) No Registro do senado da canutra está 11 de setembro.
(d; Governou o Pani de 21 de setembro de 1772 á 29 de julho de IT/S, em que
foi substituido por Joarjuim de Mello Povoas.
11
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82 VILLA BELLA
commissario da commissão de demarcação de limites e commandante em
chefe da expedição. Não acceitando os novos cargos, foi por CR. de 1788
nomeado João de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, irmão de Luiz
de Albuquerque, de quem recebeu as rédeas do governo em 20 de novem-
bro do anno seguinte; e já administrava ha quasi seis annos quando fal-
leceu, em 28 de fevereiro de 1796, antes de chegado o seu successor,
nomeado já mezes antes.
O facto mais importante que de seu governo guarda a historia é a
completa destruição dos quilombolas do Quariteré, era 1795, e a fun-
dação de um povoado que projectou nesse mesmo sitio, e ao qual impòz,
em homenagem á princeza real, o nome de Aldeia Carlota.
Mas a cidade deve ser-lhe grata por algumas obras que realizou,
entre outras a construcção de um extenso cães, de uns trezentos metros de
longo e três de alto, flanqueado por baterias,que liga vam-se por umacor/twVz,
e, servindo ao mesmo tempo de defeza na guerra, dique ás enchentes do
rio, logradouro e embarcadouro publico, ainda era o mais aprazivel e
apreciável passeio da capital (a).
Para occorrer ao caso de falleci mento do governador, havia já o
alvará de 12 de fevereiro de 1770 prevenido um governo chamado de
(a) « Annos depois, diz o Sr. Moutinho ^obra citada), um commandante militar,
com pena de estragar as botas, mandou desuianchal-o para fazer um caminho entre
o palácio e o quartel.» E* infundada essa asserção: esse caminlio é na verdade
feito com pedra do cães, masdo cães jáderruido; e, demais, é diflicil de acredi-
tar-se que houvesse um homem que se sentisse com a disposição mais que vanda-
liça, estúpida, de destruir uma obra de valor e necessidade, quando em tanta cópia
abundam, e muito mais perto, os escombros de dezenas de edilicios destruídos.
E' aquelle caminho de uns cento e cincocnta metros de longo, tem um de largo e
poucos decimetros de alto ; pouco matoiúal poderia ter consumido daquelle caos si
fosse só á custa delle feito, tão alto e extenso era estt?, e tão mesquinha aquella
calçada. Entretanto o cães já não existe, havendo apenas vestígios atraz da capella
de Santo António : foi sem duvida o rio quem o destruiu.
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CIDADE DE MA'n'0-GKOSSO 83
SHccessão, composto das três maiores autoridades da capitania, que seriam
o ouvidor, o militar de maior graduação e o presidente do senado da
camará. Em virtude disso assumiu a administração a primeira jww^a
govenmliva, composta do Dr. António da Silva do Amaral, o tenente-
coronel Kicardo Franco de Almeida Serra e o vereador Marcellino Ri-
beiro; a qual tomou posse logo no dia seguinte, e governou por oito mezes
e seis dias, até 6 de novembro, em que foi empossado do cargo de gover-
nador e capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, depois
marquez de Villa Real da Praia Grande, nomeado por C. R. de 18 de
setembro do anno anterior.
Removido para a capitania de Pernambuco, por C. R, de 2 de agosto
de 1802, passou Montenegro a administração em 15 de agosto do anno
seguinte, após seis annos, nove mezes e nove dias de governo, á segunda
junta governativa, agora formada pelo Dr. Manoel Joaquim Ribeiro,
coronel António Felippe da Cunha Pontes e vereador José da Costa Lima.
Este mais tarde foi substituido pelo seu immediato na vereança,
Manoel Leite Moreira.
O acto mais notório do governo de Caetano Pinto, foi mandar, em
1 797, reforçar o ponto do Mondego, fundado por Luiz de Albuquerque, e
construir-lhe um reducto, que de seu nome chamou-se Miranda; denomi-
nação que posteriormente ligou-se ao povoado, hoje villa, e ao rio que por
ella passa.
O sétimo capitão-general foi Manoel Carlos de Abreu e Menezes,
nomeado por patente de 2 de agosto de 1802. Tomou conta da capitania
em 28 de junho de 1804, e falleceu no anno seguinte, á 8 de novembro,
Dado mesmo (|uo suas ruinas fossem ulilisadas para aquelle ou outro flm, não
era de extranhar, hoje que á cidade faltam completamente as forças para, já não
digo crear, mas recompor a mais insignificante obra.
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84 VILLA BELLA
quando se empenhava em promover a navegação do Araguaya e
Tocantins.
Em seu tempo descobriram-se e repartiram-se (1808) as minas de
S, Francisco de Paula, cincoenta e cinco kilometros á NO, da villa do
Diamantino, e em 1812 as de Areias, n'um affluente do SanfAnna, sete
kilometros aquém daquella ; em 1814, as de S, João da Bocaina, trinta
kilometros adiante de Areias e no mesmo rumo ; e no anno seguinte, as
de S, BaphaeJ e S. Joaquim, cincoenta kilometros ao N. daquella villa e
também ás margens do ribeirão de SanfAnna.
Durante o seu governo, apresentou o príncipe regente, por carta de
20 de oitubro de 1803 (a), para prelasia da capitania, o cónego Dr. Luiz
da Costa Pereira, que foi confirmado por Pio VII e obteve o breve de
bispo, in pariihas, de Ptolomaida.
Com a morte de Menezes assumiu a direcção dos n^^gocios públicos
a junta composta do Dr. Sebastião Pita de Castro, o coronel Cunha Pontes
e o vereador Costa Lima, a qual pouco á pouco se modificou, sendo sub-
stituido este ultimo em 1 de janeiro de 1806 por seu collega Marcellino
Kibeiro, o Dr. Pita em 24 de maio pelo Dr. Gaspar Pereira da Silva
Navarro, o coronel Pontes pelo de egual patente Ricardo Franco, em 12
de dezembro, e ainda o vereador Marcellino por Francisco de Salles Pinto,
no P de janeiro de 1807. Teve de governo esta junta dous annos e dez
dias, até 18 de novembro desse anno, em que assumiu o poder o Dr. João
Carlos Augusto de Oeynhausen Gravensberg. depois marquez do Aracaty,
que fora nomeado capitão^eneral por C. R. de 9 de julho do anno ante-
cedente.
Logo em começo do seu governo baixara a lei de 1° de setembro de
(a) 29 de oitubro, conforme outros, que confundem essa data com a do breve
que concedeu-lhe honras episcopaes.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 85
1808, prohibindo correr como moeda o ouro em pó nas capitanias de
Minas, Goyaz e MattoGrosso. Durante sua administração teve a capi-
tania a dita de receber o seu primeiro prelado, o bispo de Ptolomaida,
entrado em Cuyabá á 5 de agosto de 1808, não por muito gosto, mas
coagido pelo governo real. Delle diz Pizarro, aliás sacerdote de digni-
dade também prelaticia, que, « atrazando-se na deliberação de deixar
Lisboa, tinha entretanto tido o cuidado em empossar-se do beneficio para
colher seus fructos com suavilade, socego e nenhum trabalho (a). » Era
doutor em theologia e cónego regular de S. João Evangelista; obteve a
confirmação papal por breve de 29 de oitubro de 1804 (b), sendo sagrado
em 14 de junho de 1805. Em 8 de dezembro de 1807 tomou posse da
prelasia por intermédio de seu procurador o padre Agostinho Luiz
Goulart Pereira. Em 21 de abril de 1801 fôra eleito bispo de Bragança,
mas falleceu em 1 de agosto de 1822, quinta-feira, ás 11 horas do dia,
sendo sepultado no domingo seguinte na capella-mór da cathedral, por
traz do sólio episcopal. Desde 21 de abril do anno antecedente que estava
preconisado para o bispado de Bragança, em Portugal.
Creou-se em 1813 novamente o juizado de fora de Cuyabá ; e por
aviso de 3 de setembro um tribunal, composto do capitão-general, do
ouvidor e do juiz de fora de Villa Bella, para ahi tratar dos negócios
attinentes â mesa do desembargo do paço.
Em 1814 creou-se a casa da moeda, e em 1817 a Companhia de
Mineração do Cuyabá, confirmada pelo principe regente em 16 de
janeiro de 1817, que autorisou-a á inscrever nos seus sellos a legenda —
Fortuna duce comité virtute.
(a) Mem, Históricas, tomo IX
(b) Outros (ião erradamente em 1803,
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86 VILLA BELLA
Teve o governo difficuldades em encontrar um successor para Oyen-
hausen. Em 25 de abril de 1811 nomeara Luiz de Borba Alardo de
Menezes, que já lhe fôra successor no governo do Ceará (a) ; o qual não
acceitou o encargo, do mesmo modo que o marechal de campo João de
Souza Mendonça Corte Eeal, nomeado em 7 de abril de 1815 ; sendo em
7 de julho de 1817 (b) nomeado o general de egual patente Francisco de
Paula Magessi Tavares de Carvalho, depois barão de Villa Bélla, o qual,
por sua vez, só acceitou-o com a prévia promoção ao posto de tenente-
general. Tomou posse da administração em 6 de janeiro de 1819.
Um dos seus primeiros actos foi crear uma legião das três armas, já
ordenada em decreto real de 2^2 de janeiro de 1818, para maior segurança
da capitania. > Em seu tempo estabeleceu-se a Casa da Moeda para
cunhar-se as de novecentos réis, devendo ser reduzidas ás desse valor
todas as de outro que se podesse haver. Por C. E. de 17 de setembro
de 1818, foram elevadas á cathegoria de cidades as villas de Cuyabá e
Villa Bella, esta sob a denominação de cidade da SS. Trindade de Matto-
Grosso e aquella de cidado do Senhor Bom Jesus do Cuyahd^ na con-
formidade da real resolução de 24 de julho desse anno, tomada sobre
consulta de 13 do mesmo mez, da mesa do desembargo do paço (c).
Eram armas das novas cidades, as de Cuyabá um monte verde com
uma arvore de flores de ouro, tendo por timbre uma phenix, e as de
(a) Oyenhausen tomou posse desse governo em 18 de novembro de 1803 e Borba
em 21 de junho de 1806.
(b) Pizarro, menos acertadamente, dá essa posse em 4 de julho.
(c) Esta consulta versava sobre o requerimento do bispo de Goyaz, pedindo o
predicamento de cidade para Villa Boa, á exemplo das capitães de outras capitanias
de ordem inferior, como Sergipe e Parahyba.
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CIDADE DE MATTO-QROSSO 87
Matto-Grosso um triangulo, emblema da Trindade, com um pelicano por
timbre, armas concedidas em tempo de Rolim de Moura, por provisão
real de fevereiro de 1753 (a).
Arma« de Ciiyalaá.
Em tempo de Magessi descobriram-se: em 1819, as gropiaras
de S. João do Rodeio, no Alto Paraguay, á oito kilometros da
vilía do Diamantino ; em 1820, as de Santa Rita, na outra margem do
Paraguay, e a de 5. Pedro; em 1821, as de S, Vicente, Santo António
e SanfAnna, aquellas próximas umas ás outras e na mesma margem, e
esta n'uma ilha e orlas do ribeirão do seu nome, e que se manifestou tão
rica, que foi, nesse mesmo anno, repartida á palmos.
Villa Bella já de ha muito gozava da fama de doentia pelas febres
de typo palustre que ahi grassavam, devidas ao empaludismo do seu ter-
ritório.
O governo central, solicito pelo bem dos seus povos, e já menos
receioso das pretenções castelhanas nessas raias do domínio portuguez,
resolveu transferir a sede do governo da capitania para outro ponto ;
fazendo-se essa transferencia em 1820, para Cuyabá, apezar das queixas
(a) Felippe José Nogueira Cabral. Mem. Hist. da Cap. de Matto-Grosso^ etc.
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88 vaLA BELLA
dos matto-grossenses e dos empenhos dos habitantes do Diamantino, que
a queriam para a sua villa, então florescentissima, e dos da Yilla Maria,
que, pela sua melhor posição no rio Paraguay, também pretenderam-a,
suppondo-a com forças e direitos para capital.
Com a retirada das autoridades e de todas as repartições geraes,
perdeu a nova cidade de Matto-Grosso toda a impoi-tancia que tinha ; e
agora com maior desgosto pelo que se lhe auspiciava e esperava com a
sua promoção de cathegoria. Tal desgosto em seus habitantes só teve
simile no desanimo que delles se apoderou.
Transferida a sede do governo, teve logar á 4 de janeiro de 1821 a
primeira sessão da junta administrativa, creada em todas as provincias,
em vista do art. 31 da constituição portugueza (a). A eleição era feita
pelos três estados, nobreza, clero e povo, e presidida a junta pelo capitão-
general.
Ficou ella formada pelo ouvidor António José de Carvalho Chaves,
juiz dos feitos da coroa ; João José Guimarães e Silva, escrivão ; André
Gaudie Ley, thesoureiro, e Manoel António Peres de Miranda, procu-
rador da coroa.
No mesmo dia começava na nova capital o trabalho da fundição do
ouro, cuja casa í5ra também transferida.
O governo de Magessi não foi paternal : capitulado de prepotente,
desregrado e altamente ambicioso, irritou o povo á ponto que, reunidos
os três estados, milicia, clero e povo, no senado da camará, em 20 de agosto
daquelle mesmo anno, depuzeram-o de capitão-general e elegeram uma junta
governativa, que ficou composta do bispo de Ptolomaida, presidente, e
vogaes Jeronymo Joaquim Nunes, João José Guimarães e Silva, o vigario-
(a) A do Rio de Janeiro foi estabelecida em 5 de junho do 1830.
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CIDADE DE MATTO-QROSSO 89
geral Agostinho Luiz Goulart Pereira, Félix Mirme, António Navarro de
Abreu, o capitão de engenheiros Luiz D'Alincourt, André Gaudie Ley
e o padre José da Silva Guimarães. Servia de secretario o capitão
D'Alineourt.
Foi esse facto uma repercussão dos últimos suçcessos politicos da
metrópole e que tinham extremecido o Brasil inteiro.
Cuyabá, tantos annos sopeada nos seus direitos á primasia na pro-
vincia, como povoação mais antiga e populosa, quiz ostentar seus brios
de liberdade e força moral : o governador prepotente e desregrado seguiu
caminho de S. Paulo em 12 de setembro seguinte.
Mas, Villa Bella, que desde a elevação desses sertões á capitania
gozara dos foraes de. capital, não quiz subordinar-se á nova ordem de
cousas. Creou um governo independente do da junta de Cuyabá, e assim
se conservou até 1824, em que submetteu-se, e ainda assim não comple-
tamente, ao primeiro presidente nomeado para a província, o major
de engenheiros José Saturnino da Costa Pereira.
Também desde aquella época que não cessa de queixar-se e de pedir
auxilies ao governo geral, em quem já perdeu a confiança, do mesmo
modo que em si mesma a confiança de tomar á ser a sede do governo.
Por muito tempo guardou a esperança e os desejos de rehaver a sua
preeminência ; e si, quando abandonados e pouco á pouco destruídos os
arraiaes de seu districto, e que lhe constituíam as forças, reconheceu-se
impotente para essa aspiração e perdeu a esperança, guardou, todavia,
inolvidável memoria dos seus tempos de grandeza, alliada á uma espécie
de inveja e antipathia que desde os primeiros tempos mutuamente se
votavam os dous povoados, e agora exacerbadas (a).
Pobre, tão pobre, que sua receita mensal raras vezes excedia de
(a) Officios do presidente da província ao ministério do Império de 5 de janeiro
c 20 de dezembro de 1832.
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90 YILLA BELLA
quinhentos mil réis, não lhe chegando para as despezas ordinárias, passou
á ser soccorrida pela thesouraria provincial com uma mesquinha subven-
ção, que nem assim era regularmente supprida.
Em 15 de julho de 1835, a camará municipal representou á regên-
cia queixando-se desse abandono, e tanto a representação como os officios
do presidente Alencastro são documentos da rivalidade entre as duas
cidades.
Entretanto a nova capital se inaugurara com maus auspicies. A
anarchia, que desde 1821 ahi se implantara, veiu fazer contraste, durante
os períodos do primeiro Império e da Regência, com o socego inalterável
do dominio colonial, felizmente reapparecido no segundo Império desde
a declaração da maioridade, e apenas perturbado pelas effervescencias
partidárias, nas épocas eleitoraes, pelas arbitrai iedades das autoridades
e também pela desmoralisaçáo das tropas.
VI
Até Magessi é a historia de Matto- Grosso a da Villa Bella. Aqui
fico, pois, no que concerne á provincia dessa vida moral dos Estados, por
já ser assumpto alheio ao fim á que ora me proponho. Mais de espaço e
de estudos, talvez que a desenvolva n'outro trabalho que intento.
Aqui addicionarei apenas, e como complemento, a relação dos presi-
dentes que seguiram-se á administração dos capitães-generaes, desde a
proclamação da independência do Império.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 91
O primeiro nomeado foi D. Nuno Eugénio de Locio Seilbtz, em 25 de
novembro de 1823, e que não tomou posse por ter sido transferido por Cl.
de 21 de abril de 1824, no mesmo cargo, para a provincia de Alagoas, vago
por têl-o resignado Domingos Malachias de Aguiar Pires Ferreira (a).
O segundo nomeado, e primeiro que presidiu a provincia, foi o major
de engenheiros José Saturnino da Costa Pereira, lente da academia
militar, e depois brigadeiro reformado e senador pela provincia.
Em seu tempo descobriu-se (1827) a mina de cobre da margem
direita do Jaurú, logo acima do Registro, com cuja amostra se cunhou
uma moeda de 40 réis.
Foi nomeado por C. I. de 21 de abril de 1824, tomou posse á 10 de
setembro do anno seguinte, e governou dous annos e sete mezes, pessando
interinamente a administração ao vice-presidente Jeronymo Joaquim
Nunes, que governou de 10 de abril de 1828 á 1 de janeiro de 1830, em
que por sua vez passou-a á seu substituto André Gaudie Ley.
Em 31 de maio desse anno tinha sido nomeado presidente Francisco
de Albuquerque Mello, que não acceitou ; e em 20 de abril de 1831 recahiu
a nomeação em António Carrêa da Costa, residente e natural da pro-
vincia, que assumiu o governo em 21 de julho. Administrou até 24 de
março de 183 1, sendo durante esse tempo substituido três vezes, uma de
19 de abril á 4 de dezembro de 1833 por Gaudie Ley, outra de dous dias
por José de Mello e Vasconcellos, a terceira de 26 de maio á 22 de
setembro de 1834 por João Paupino Caldas.
Em 4 de janeiro desse anno era nomeado António Pedro de Alen-
castro, que tomou posse á 22 de setembro, e em 31 de janeiro de 1836
passou o governo ao vice-presidente Corrêa da Costa, que, ao cabo de vinte
e quatro dias, passou-o á António José da Silva. Este governou durante
seis roezes.
^a) Depois btirão do Cimbres, nomeado em 25 de novembro de 1828,
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92 VnXA BELLÁ
o quarto presidente foi o Dr. José António Pimenta Bueno, depois
marquez de S. Vicente, nomeado em 5 de novembro de 1835, empossado
em 25 de agosto seguinte. Entregou o governo em 21 de maio de 1838
ao vice-presidente padre José da Silva Guimarães.
O quinto foi o Dr. Estevão Ribeiro de Rezende, depois marquez de
Valença, nomeado por C. I. de 9 de fevereiro de 1838. Tomou posse em
16 de setembro e governou até 25 de oitubro de 1840, passando o governo
â Corrêa da Costa, que três dias depois entregou-o ao sexto presidente, o
cónego José da Silva Guimarães, nomeado por C. I. de 30 de julho
desse anno.
De 9 de dezembro de 1842 á 11 de maio seguinte esteve a adminis-
tração em mãos do vice-presidente Costa ; reassumindo nesta data o seu
proprietário, que presidiu ainda dous mezes e vinte e sete dias, deixando-a
segunda vez, em 7 de agosto de 1843, ao recebw noticia de sua exone-
ração. Recebeu o governo o vice-presidente Manoel Alves Ribeiro (a),
que, dezenove dias depois, passou-a á José Mariano de Campos (b), de
quem, em 2 1 de oitubro, o recebeu o sétimo presidente, tenente-coronel
de engenheiros Zeferino Pimentel Moreira Freire, depois marechal de
campo reformado, nomeado para a província por C. I. de 17 de março
de 1843.
O oitavo presidente foi o Sr. tenentc-coronel de engenheiros Dr. Ri-
cardo José Gomes Jardim, lente da academia militar e hoje tenente-
general reformado, nomeado em 9 de maio de 1844, e egualmente com-
mandante das armas. Tomou posse em 27 de setembro, entregando o
poder em 5 de abril de 1 847 ao nono presidente João Capistrano Soares,
nomeado por C. I. de 1 7 de setembro do anno anterior. Este, ao completar
(a) Nomeado vice-presidente por C. I. de 31 de março de 1843.
(b) Item, item por C. I. de 31 de maio de 1843.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 93
um anno de governo, passou-o ao vice-presidente Alves Ribeiro, que, em
31 de maio de 1848, foi substituido por António Nunes da Cunha.
Esta administração interina durou três mezes e vinte e sete dias, até
27 de setembro, em que assumiu o governo o decimo presidente nomeado,
tenente-coronel de engenheiros Dr. Joaquim José de Oliveira, lente da
academia militar e depois reformado em coronel. Accumulou também
o èxercicio do commando das armas, sendo suas nomeações em data de
28 de março de 1848.
Seu successor foi o tenente-coronel do estado maior João José da
Costa Pimentel, depois reformado em marechal de campo, nomeado para
ambos os cargos em 11 de junho de 1849, empossado em 8 de setembro
do mesmo anno e substituido em 11 de fevereiro de 1851 pelo 12" pre-
sidente, capitão de fragata Augusto Leverger, mais tarde barão de Mel-
galço e chefe de esquadra reformado, que para ambos os exercícios fora
nomeado em 7 de oitubro de 1850. Sua administração, a mais longa que
tem havido na província, foi de seis annos, um mez e dezoito dias. Em 1
de abril de 1857 passou-a ao vice-presidente Albano de Souza Osório (a),
que governou onze mezes.
O 13** presidente foi o Sr. capitão de mar e guerra Joaquim Ray-
mundo de Lamare, hoje almirante, nomeado por C. I. de 5 de setembro
de 1857 e empossado em 28 de fevereiro seguinte.
Seu successor foi o Sr. coronel de engenheiros António Pedro de
Alencastro, hoje marechal de campo, nomeado presidente e commandante
das armas em 13 de junho de 1859, que recebeu o governo em 13 de oitu-
bro desse anno, entregando-o em 8 de fevereiro de 1862 ao Dr. Herculano
Ferreira Penna, depois senador, nomeado presidente por C. I. de 2 de
oitubro de 1861. Governou até 12 de março de 1863, em que passou a
(a) Nomeado vice-presidente por C. I. de 31 de março de 1843.
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94 VILLA BELLA
administração ao 1" vice-presidente Leverger (a), que ateve até 15 de
julho.
Nesta data tomou posse o 16° presidente, o Sr. coronel, hoje tenente-
general reformado. Alexandre Manoel Albino de Carvalho, nomeado em
21 de maio de 1863, empossado á 15 de julho, e que administrou até 9
de agosto de 1865, em que passou o governo ao vice-presidente Leverger,
que o teve interinamente por seis mezes e três dias, accumulando o cafgo
de commandante das armas, e effecti vãmente, como 17° presidente, cuja
nomeação fora por C. I. de 2 de oitubro de 1865, desde 13 de fevereiro
até 1 de maio de 1866.
Em 1 de oitubro de 1864 foi nomeado presidente e commandante das
armas o coronel de engenheiros Frederico Carneiro de Campos, que não
chegou á seu destino por ter sido traiçoeira e imprudentemente aprisionado
pelo dictador da Paraguay, em 12 de novembro do mesmo anno: primeiro
acto de aggressfio das que originaram a guerra da tríplice alliança contra
esse déspota. Falleceu prisioneiro e na maior miséria, e talvez de fome,
em Humaytá, em 3 de novembro de 1868, segundo communicação ao
governo imperial, em officio do general commandante em chefe, de 11 de
janeiro de 1869.
Em seu logar foi nomeado, em 22 de janeiro de 1865, o marechal
de campo, depois tenente-general visconde de Camamú, que, chamado ao
ministério da guerra em 12 do mez seguinte, teve por successor o Sr. co-
ronel de cavallaria, hoje brigadeiro reformado, Manoel Pedro Drago,
nomeado presidente por C. I. de 22 de fevereiro e commandante das
armas por D. de 25 do mesmo mez e anno ; o qual para ali seguiu em 1
de abril commandando forças expedicionárias, sendo inesperada e quiçá
injustamente exonerado por D. de 1 de oitubro do mesmo anno, quando
ainda se achava em marcha, na villa de Santa Eita do Paranahyba, em
(li) Decreto de 22 de setembro de 1857.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO
Goyaz.No dia seguinte era nomeado presidente e coramandante das armas
o chefe de esquadra Augusto Leverger.
Saruo de adelgaço.
Para substituir o chefe Leverger foi nomeado presidente o Sr. Dr. José
Vieira Couto de Magalhães, por 0. I. de 22 de setembro de 1866 :
encontrou a provinoia administrada interinamente pelo vice-presidente
Albino de Souza Osório (a), que recebera o poder do chefe de divisão
barão de Melgaço, em 1 de maio de 1866,entregando-o áquelle presidente
em 2 de fevereiro seguinte.
(a) Nomeado em 15 de mar^'o de IS'3, ao mesmo tempo que Manoel Antunes de
Barros, que, faUecido em 1861, logrou a especial sorte de merecer a demissão e ser
demittido do cargo em 1868.
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96 VILLA BELLA
O Sr. Couto de Magalhães, de IS de abril à 5 de julho desse anno,
deixou administrando a província o vice-presidente João Baptista de
Oliveira, depois barão de Aguapehy (a), e seguiu para o rio Âraguaya afim
de ahi inaugurar a navegação á vapor ; e, voltando em 4 de julho, bssvt
miu a presidência no dia seguinte. Dous mezes e 11 dias depois passou-a
de novo ao vice-presidente Osório, que só governou dous dias, passando-a
ao outro vice-presidente o Sr. Dr. José António Murtinho (b), ciiiirgião-
mór de divisão do corpo de saúde do exercito, o qual por oito mezes e oito
dias administrou a provincia.
Em 25 de julho de 1868 foi, pela terceira vez, nomeado presidente
e commandante das armas o chefe de esquadra barão de Melgaço, que
tomou as rédeas do governo em 26 de maio seguinte, e em 10 de feve-
reiro de 1870 passou-as ao 2*» vice-presidente Luiz da Silva Prado (c),
o qual, fallecido em 19 de maio, foi substituído pelo Sr. António de Cer-
queira Caldas, depois barão do Diamantino (d).
O 20° presidente foi o coronel.de engenheiros conselheiro Dr. Fran-
cisco António Baposo, depois marechal de campo e barão de Caruaru,
nomeado, e também commandante das armas, por C. I. e decreto de 81
de maio de 1870 ; tomou posse do governo em 12 de uitubro, passando a
presidência, em 27 de maio de 1871, ao vice-preHÍdente Caldas.
O 21** presidente foi o Sr. tenente-coronel do estado-maior de pri-
meira classe, Dr. Francisco José Cardoso Júnior, hoje coronel, nomeado
para ambos os cargos em 15 de abril de 1871, empossado em 29 de julho
desse mesmo anno, e substituído pelo Sr. brigadeiro Dr. José de Miranda
da Silva Reis, hoje marechal de campo e conselheiro de guerra, que,
nomeado presidente e commandante de armas em 25 de oitubro de 1872,
(a) Item quanto â nomeação.
(b) Item em 5 de agosto de 1868.
(c) Nomeado em 81 de Julho de 1868.
(d) Item em 29 de dezembro de 1869.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 97
governou a província até 6 de dezembro de 1874, deixando a adminis-
tração interinamente ao Sr. barão do Diamantino.
O 23* presidente foi o Sr. brigadeiro Hermes Ernesto da Fonseca,
nomeado por C. I. de 1 de maio de 1875, já tendo anteriormente sido
nomeado commandante das armas. Governou desde 5 de julho desse anno
até 4 de março de 1878, em que passou a direcção da provincia ao barão
de Aguapehy. Era 16 de janeiro de 1878 foi nomeado presidente o Sr. ba-
charel Bento Francisco de Paula e Souza, que não acceitou.
O 24* presidente foi o Sr. bacharel João José Pedrosa, nomeado por
C. I. de 16 abril de 1878 ; tomou posse do governo á 6 de julho do mesmo
anno. A' elle succedeu, em 5 de dezembro de 1879, o Sr. coronel de enge-
nheiros, hoje brigadeiro, barão de Maracajá, nomeado por C. I. de 9
oitubro desse anno, que presidiu até 2 de maio de 1881, em que passou
a administração ao G'* vice-presidente, o Sr. José da Costa Leite Falcão.
O 26** é o actual presidente o Sr. coronel de estado-maior de artilharia
bacharel José Maria de Alencastro, nomeado por C. I. de 24 março de
1881 e empossado em 31 de maio.
VII
Para a Sé prelaticia, vaga pela morte do bispo de Ptolomaida, foi
nomeado, por D. de 29 de agosto de 1823, o religioso capuchinho Frei
José Maria de Macerata, missionário da aldeia da Misericórdia, na foz do
Miranda ; o qual á 27 de maio seguinte chegou á Cuyabá e tomou posse
da diocese.
Ou por que não pedisse, ou por que não lhe quizessem dar, não gozou
este prelado do titulo honorifico de bispo, como os outros, e ainda passou
pela decepção de ser-lhe cassada a nomeação pelo governo imperial, sob
12
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98 VILLA BELLA
O pretexto de ser estrangeiro. A' instancias do Imperador, e pela bulia do
SS. Padre Leão XII — Solicita caiholicoe gregis... de 15 de julho de 1826,
foi a prelasia elevada á cathegoria de bispado, creando-se corpo capitular
e erigindo-se a egreja do Senhor Bom Jesus em cathedral.
Annulada a nomeação do prelado D. J. de Macerata, recahiu a
escolha de primeiro bispo da Sé cuyabana no cónego da capella
imperial Plácido Mendes dos Santos Carneiro, nomeado por D. de 18 de
oitubro de 1829 ; mas em 30 de oitubro do anno seguinte esse sacerdote
resignou o cargo, pedindo dispensa de acceital-o em vista de sua avançada
edade.
BÍHpo X>r. J<jHé .A.iitouio dos Rei».
Conservo u-se vago o bispado, sendo apenas provido como vigário
capitular, pelo arcebispo da Bahia, em P. de 24 de novembro de 1831,
o cónego António Tavares Corrêa da Silva ; até que em 27 de novembro
de 1833 tomou posse o quinto prelado e segundo bispo de nomeação, e
entretanto primeiro bispo da diocese cuyabana, o cónego Dr. José António
dos Reis ; o qual, nomeado em 27 de agosto de 1831, pela regência perma-
nente em nome do Imperador, apresentado á S. Sè por C. I. de 7 de
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 99
janeiro de 1832, foi preconisado bispo por Gregório XVI, em consistório
de 2 de julho desse anno, e teve as competentes bulias de confirmação
beneplacitadas pelo governo imperial em aviso de 31 de oitubro. Eiji 8
de dezembro recebia a sagração de mãos do bispo de S. Paulo D. Manoel
Joaquim Gonçalves de Andrade; em 2 de junho de 1833 tomava posse do
bispado, por seu procurador o cónego José da Silva Guimarães, e em 27
de novembro fazia a sua entrada solemne na capital.
Governou a diocese por quarenta e dons annos, dez mezes e meio,
sendo que, desde sua nomeação, foi bispo de Cuyabá quarenta e cinco
annos, um mez e quatorze dias.
Era um santo varão, verdadeiro paslor de almas. Seu passamento
foi geralmente chorado, e considerado na província uma perda irrepará-
vel. Nasceu em S. Paulo á 10 de junho de 1798, e ahi recebeu seus graus
académicos na faculdade de S. Paulo, naquelle mesmo anno de 1832.
O 6* prelado e 3° bispo de nomeação é o actual, o Sr. D. Carlos
Luiz d'Amour, apresentado em 28 de dezembro de 1876 para esse bis-
pado, confirmado por bulia de 22 de setembro de 1877, sagrado á 28
de abril de 1878, e empossado do seu beneficio em 3 de maio de 1879,
recebendo-o das mãos do vigário capitular cónego Manoel Pereira Mendes.
>\.rmaH d« "ViUa Sella.
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CAPITULO IV
1 (i<hil« i» lilMrMK
I
cidade de Matto-Grosso está situada aos
15» O' 12" de latitude e 16* 42' 58",80
de longitude Occidental do Rio de Janeiro,
na margem direita do Guaporé, cerca de
três e meio kilometros abaixo da confluên-
cia do Alegre. Lacerda dal-a como edifi-
cada á um quarto de légua, mais ou
menos, do rio, e com isso coniformou-se o autor da
Noticia sobre a provinda de Matío-Grósso^
quando a visitou em 1854 ; entretanto, poucas
dezenas de metros separam a borda natural do
Guaporé, e isso nos tempos da sêcca, das primeiras casas.
A egreja de Santo António dos Militares, que assenta quasi
sobre o cáes de João de Albuquerque, está separada da casaria por um
campo de duzentos e quarenta metros de extensão ; dimensão que sem a
menor duvida não é a da praça que antigamente ahi existiu, e de cujas
casas ainda se percebem os alicerces.
A mesma extrema opposta da cidade pouco excederá dessa distancia
de um quarto de légua ao rio.
São baixos seus terrenos adjacentes e mais ou menos alagadiços
nas grandes enchentes ; e, mesmo, o da cidade, comquanto mais elevado,
não tem passado incólume nas cheias extraordinárias. Si não fossem i)s
receios de fundar a nova capital além do grande rio, tirando-lhe assim
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102
VILLA BELLA
essa excellente trincheira natural e separando-a demasiado do re*sto da
capitania, é de presumir que Rolim a iria estabelecer nas faldas da alte-
rosa e imponente serrania, que se eleva na outra margem, e que deno-
minamos de Ricardo Franco em honra do illustre engenheiro.
Sobre o Barbado e nas abas austraes da serra teve Ricardo Franco
uma situação e engenho de assucar, de que ainda guardam memoria os
velhos da cidade (a).
A' essa cordilheira chamava o povo serra do MatUhGrosso^ serra
da Villa, serra do Verãe^ por nella ter origem o rio desse nome ; Ri-
cardo e seus companheiros denominaram-a do Grão-Pará; mas, fico que
perdurará o nome actual, tão nobre e justa é a causa que o determinou, e
táo sério e duradouro o reconhecimento ou gratidão que tarde medra.
São altos serros de setecentos á oitocentos metros de elevação, sendo
entre elles notável o que pela sua configuração é chamado o Cliapéo de
soh Luiz de Albuquerque subiu ao alto da cordilheira em 26 de junho
de 1782, com toda a terceira divisão de demarcação ; avaliaram sua
altura em dous mil e seiscentos pés, tendo a columna de mercúrio bai-
xado de duas pollegadas no pé do Eheno, instrumento então em uso.
A secção da commissão actual, que foi reconhecer as cabeceiras do
Verde, determinou a posição astronómica do pincaro mais elevado aos
15* r 19'' latitude, mas não sua altitude ; sendo de lastimar que aos
dignos engenheiros, á quem coube essa tarefa, faltassem os meios de obter
esse e outros dados de não somenos interesse.
A capital dos antigos capitães-generaes não é hoje mais do que uma
(a) Anteriormente fora do coronel Victorino Lopes de Macedo ; perto delle fica-
vam 08 engenhos do tenente-coronel Alexandre Barbosa Falleiros e de seu irmão o
capitão João Barbosa. Na Carta Geog, do rio Guaporéf de 1791, vém marcados,
omittido apenas o nome de Alexandre Barbosa.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 103
pobre povoação de uns setecentos habitantes, isto é, cerca de um decimo
mais do que tinha três annos depois de sua fundação ; porém talvez infe"
rior á decima parte da população de todo o districto no começo deste
século, quando floresciam os arraiaes, próximos, de S. Francisco Xavier,
SanfAnna, Ouro-fino, Pilar, S. Vicente, Lavrinhas, Casal vasco e Santa
Barbara, e as aldeias, povoações e destacamentos do Cubatáo, Galera
Garajuz, Viseu, Quinze casas, Leomil, Lamego, Príncipe da Beira
S. José do Kibeirào, Nossa Senhora da Boa Viagem e Balsemão, e quando
as margens dos rios e das estradas eram orladas de engenhos, roças e
situações, bem próximas umas ás outras.
Em 1755, três annos depois de fundada, tinha duas capellas e vinte
e seis casas de telha, e mais de trinta de palha (a).
Para esse anno dá-lhe Pizarro quinhentas almas, e para toda a capi-
tania sete mil, em quinhentos fogos; eem 1822 três mil habitantes e
novecentos e cincoenta fogos, dando para os outros povoados da capitania
o seguinte :
Districto de ViUa Bella :
Casalvasco 419 hab.
S. Francisco Xavier . . . 500 »
S. Vicente Ferreira ... 923 »
Pilar, Sant^Anna e Ouro-fino. 1.152 »
Lavrinhas 650 »
Forte do Principe .... 477 »
Missão de S. José 250 »
Villa Maria 1.030 »
5.401 ))
oraittindo a população do Cubatão, Pedras Negras, Santa Barbara e
outros dos povoados acima referidos, que ainda então existiam.
(a) Annaes (h s^i^dn da oamara.
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104 VILLA BELLA
E no districto de Cuyabá :
Cuyabá : 6.550
SanfAnna da Chapada .... 3.818
Districto de Kio-acima .... 2.000
Diamantino 4.450 (a)
Poconé 2.606
S. Gonçalo de Amarante (Arayés) . 1.417 (b)
S. José dos Cocaes ...... 2.228
Albuquerque 200
Miranda 159
Sant^Anna do Paranahyba. ... 210
23.638
omittindo-se o Forte de Coimbra e outros pequenos povoados.
Tinha, pois, em 1822, a capitania uma população conhecida de
cerca de trinta mil almas.
Segundo o barão de Melgaço (c), em 1793 essa população orçava
em quatorze mil almas (d).
Em 1815 o engenheiro sargento-mór José António Teixeira Cabral
dá para o districto de Matto-Grosso 7.676 habitantes, inclusive 241
praças da guarnição, dividindo-os para
Villa Bella 2.115
Casalvasco 423
Pilar 1.305
Chapada 423
S.Vicente 803
Lavrinhas 697
Registro do Jaurú ... 153
Villa Maria 1.130
Forte do Príncipe . . . 490
(a) A estatística de 1811 dá-lhe 1.314 hab.
(b) Estatística de 1811.
(c) Relatório presidencial de 15 de julho de 1863.
(d; Foi no anno seguinte, 17^, que o governo da metrópole, querendo promo-
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 105
Em 1817, um mappa do capitão-mór das ordenanças de Cuyabá,
João José de Guimarães e Silva, fixa sua população em 7.166 almas,
divididas por Villa Bella. Casalvasco, Palmellas, Príncipe, S. José do
Eibeirào, Registro do Jaurú e Villa Maria, incluindo 298 homens de
tropa.
Em 1818, dividida a capitania em cinco commandos geraes, o pri-
meiro,que era o da capital, dava já o total de 5.536 habitantes, divididos
assim :
Villa Bella 2.354
Casalvasco 464
Lavrinhas 667
Jaurú 202
S. Vicente 718
SanfAnna e Pilar . . . .517
Ouro-fino e Chapada . . 348
Burity . .^ . . . . 216
O forte do Príncipe formava outro commaudo, o terceiro, e tinha
438 habitantes, e Villa Maria, que era o quinto, 1.242. Asomma dos
três dava 7.216.
Entretanto, em 1817, o capitão-general Oyenhausen, em officio ao
ministerío de ultramar, datado de 14 de novembro de 1818, dá-lhe 29.801
habitantes (a), ao passo que um mappa do ouvidor para a mesa do desem-
ver a população da capitania de Santa Catharina, ordenou por D. de 80 de junho
« que se mudasse em degredo para ali as commutações de penas que eram feitas
para o Maranhão e Pará;» meiS, «attendendo à bondade do clima, » prohihiu ^or
outro D. de 2> de novembro de 1797 essas deportações, ordenando «que os merece-
dores de degredo para o Brasil fossem nt^and^dos para as capitanias de Matto-Grosso,
Rio Branco, Rio Negro e Madeira, sítios de climas menos favoráveis, e cuja popu-
lação se precisava promover,!» Fernandes Pinheiro, A nnaes da prooincia de S, Pedro,
(a) Homens livres, maiores de 16 annos . . 2.744 \
D » menores de 16 » , . . 3.898 ' |q ojrQ
Mulheres e meninas 9 689 ( ^^'^^
Mestiços livres , , 2.522
Escravos. . . , lo. 948
29.801
14
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106 VILLA BELLA
bargo do paço, no mesmo anno, consígna-lhe 37.396 almas. Outro
mappa organisado em 1821, com o fim de comprovar a importância rela-
tiva da parte da provincia que reconhecia o governo de Cuyabá, dá ao
districto da capital 23.665 habitantes e 5.819 para o de Matto-Grosso.
Este, em 1849 possuia 1.221 fogos, com 2.740 almas, das quaes
2.210 livres; mas, já dez annos depois reduzem-lhe a população á 1.703
habitantes, quando, entretanto, o ultimo dado estatistico que tenho á
vista, um mappa feito pelo venerando bispo D. José, em 1862, eleva-os
ao numero de 2.040, dos quaes 430 escravos, em 802 fogos.
Si difficil, ainda, nos é organisar um recenseamento em comarcas
onde relativamente abundam os meios de communicação, fiscalisaçáo e
policia, facilmente se inferirá de quão pouco criteriosos deverão ser os
censos acima transcriptos.
Hoje esse districto immenso em terreno, e talvez o maior de todo o
Império, compõe-se apenas da moribunda cidade, de umas quatro ou seis
situações do Alegre ao Cubatão e dos destacamentos de Casalvasco,
Alegre, Pedras Negras e Príncipe da Beira, com umas cincoenta praças,
pouco mais ou menos (a).
II
Parece que o plano de construcção da cidade seria o de um qua-
drado, mais ou menos, formado por quatro quarteirões regulares. Duas
ruas parallelas, cortadas perpendicularmente por outras tantas travessas
e cortando todas uma praça central, faziam a separação dos quarteirões.
(a) o barão de Melgaço, dando para a população, eui 1862, 65 mil habitantes,
calcula o crescimento unnual em 0,01248 por cento, do que conclue que ella se du-
plica n'um periodo de cincoenta e seis annos.
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CIDADE DE MAITO-GKOSSO l07
As mas vinham sahir perpendicularmente ao rio ; as travessas
seguiam na direcçáo do seu curso. O terreno entre as quatro ruas centraes,
disposto em cruz, quasi que só era occupado por estabelecimentos pú-
blicos.
A praça central era o ponto de partida, o centro da povoação : na sua
face ^V. ficava o palácio do governo, na do S. o quartel da guarnição, na
de O. a camará e cadeia. Atraz do palácio a matriz, delle separada por
br.
Ir^la.iita. da cidade de IMatto-Cfroiseo.
uma pequena praça ; atraz da matriz o cemitério, e em seguida arma-
zéns, etc., separados cada um por uma rua. Ao lado esquerdo da camará
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108 YILLA BELLA
começava-se um novo templo para a cathedral, logo que occorreu a no-
meação do primeiro prelado. Ainda se encontram vestígios de seus ali-
cerces, que se prolongavam da praça de Palácio â do Pelourinho ; esta
entre as travessas do Fogo e dos Tocos'^ e em cujo campo, hoje coberto
de goiabeiras e mattos, ainda, também, se descobre a base daquelle
lúgubre distinctívo das povoações de alto foral.
A casa da fundição e a intendência do ouro ficavam na rua, que
passa pela frente do palácio e que guarda ainda esse nome, entre as tra-
vessas do Falado e dos Mercadores.
Hoje, dessa grandeza relativa, resta apenas o quarteirão de iVO.,
com seis ruas, ainda conhecidas, Falado, Mercado, Fogo^ Sanio Antó-
nio, S. Luiz e Forfo ; cinco travessas, Estrada, Falario, Mercadores^
Fogo e Tocos, e um beco, quebrado em angulo recto, e que communica
a rua do Mercado com a travessa dos Tocos, no quarteirão entre a rua do
Mercado e a travessados Tocos. As ruas são largas e bem traçadas, cor-
tando-se em ângulos rectos, com boa casaria de pedra e cal, cobertas de
telha, em numero superior á tresentas, e que, ainda hoje, na sua decre-
pitude, mostram a fortaleza de construcção. Como as de Casal vasco, suas
telhas conservam cor quasi tão fresca como as das telhas novas, o que é,
certamente, devido á excellente argilla veraielha, tão abundante nessas
paragens.
Entre esses edifícios avultam o palácio, obra de Luiz Pinto, habi-
tação solida e regular, cuja metade somente foi concluida.
Seus salões, primitivamente pintados á óleo, mostram ainda sobre
as portadas, nos forros e lambrequins, frescos no estilo de Watteau e Lane-
ret, mais ou menos originaes, ora allusivos ao paiz, ora aos governadores.
Aqui é uma cachoeira que obstrue a navegação ; os Índios varam as
canoas por terra, alando sobre rolos e empuxando á força de braços as
grandes, e as pequenas levando aos hombros : é uma recordação dos saltos
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CIDADE DE MArrO-GKOSSO 109
do Madeira. Ali, n'uin theatro campesino, pictoresca mente decorado de
ramadas e flores, representa o scenario, não um auto, apezar de diri-
gido e contraregrado por missionários, em cujos nédios semblantes lê-se a
satisfação de autores, — mas choréas mythologicas, onde as nymphas são
formosas caboclas semi- vestidas, e cujas formas, por sua exhuberancia,
parecem estudadas com alguma hyperbole ; deixando cogitar ou que o
pintor, apaixonado do bello, desenhava segundo suas phantasias, ou então
que os reverendos dramaturgos eram de uma singeleza quasi adamica.
N'outros frescos o artista ou copiou paisagens extranhas ou entreteve-se
em descrever simples recordações do passado : são campos nevados, os
gelos da Bussia ou da Scandinavia, com os seus pinheiros e álamos, os
trenós, as rhenas,e as louras friorentas embuçadas em arminhos e pelliças.
Aqui, são castellos impossiveis sobre alcantis impraticáveis ou de diflfici-
limo accesso; ali, granjas ou herdades do Minho ou de Alemtejo, represen-
tadas com alguma naturalidade, dando-se o devido desconto á inventiva do
artista, aos seus conhecimentos da arte, mormente em perspectiva — e á
pobreza das tintas, onde o vermelho predomina.
No forro do salão de jantar ha uma Hebe não mal desenhada, con-
tornos suaves, posição feliz. N'uma portada da ante-camara uma dama
trajada de amplo vestido escarlate, em gestos de quem vehementemente
impreca um gordo e roliço capitão-general, que, de fardão egualmeitte
encarnado e á popa de um galeão onde fluctuam as quinas,— lá está
cercado de seus officiaes de sala, no tamanho e compostura mais
assemelhados á meninos de coro; e,com o senho compungido e a mão direita
nos hofes da camisa, como que á comprimir o coração, finge o hypocrita
que a alma se lhe despedaça, e elle, martyr do dever e da pátria — parte
saudoso e triste.
Sob essa allegoria vêm-se os restos de um distico latino, sem du-
vida em verso heróico, do qual apenas se podem ler as palavras seguintes,
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110 YILLA BELLA
salvas do cuidado pouco artístico de um zeloso conservador que cobriu o
resto de roboco :
Tunc sine me... abilur in...
Sobre a entrada da camará de dormir, um dístico francez, para-
phrase de dous versos da Henriaâe :
Cest ici qu'en cherchanl les douceurs du répos
Les folâircs plaisirs désarinent le héros,
claramente explica o fresco, que representa um governador do typo de
Henrique IV, olhos maganos e barba pontuda n'um rosto perfeitamente
oval, sentado no leito e attrahindo à si a Dulcinéa; e ainda mais clara-
mente explica a facilidade de costumes desses modernos satrapas.
No salão principal ha dous quadros á óleo, retratos de D. Joào VI e
da rainha D. Carlota, sem assignatura, mas de um pincel educado.
E' também de notar-se o bem acabado de certos objectos de orna-
mentação que ainda ahi existem ; entre outros, destacam-se as fechaduras
e algumas ferragens das portas, pelo fino e delicado do trabalho.
Apezar da solidez de sua construcção muito já tem essa casa soflErido
do tempo, e mais ainda do abandono e desmazelo. Grande numero de
gotteiras vão-lhe arruinando fôrros e paredes, principiando á destruir
algumas daquellas pictorescas antigualhas, que, si ainda hoje existem, é
isso, felizmente, devido á falta de cal na terra,^-que mal chegou para
sigillar aquelle dístico latino.
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 111
III
O quartel da guarnição é uma cópia reduzida do quartel da praça
da Acclamaçào, nesta corte, antes da sua ultima reconstrucção.
Data dos tempos de Luiz de Albuquerque, e foi levantado segundo os
planos de Ricardo Franco. O corpo é um pequeno sobrado de três janellas ;
frontal e cimalha triangular ; as alas são térreas e de extensão três vezes
maior que aquelle, e asiim continuam lateralmente até fecharem o edificio.
Está em ruinas ; mas nelle ainda se aloja o destacamento que guarnece a
cidade. Contém uma prisão, algumas salas occupadas com o velho e inser-
vivel material de guerra, o alojamento, a botica e a enfermaria, assim
chamada porque á ella são recolhidos os soldados enfermos e que não tém
casa onde se tratem; quando, entretanto, não tem ali medico que os assista,
nem medicamentos que tomem, e por dieta apenas o rancho regimental,
miserável e altamente reduzido pela força das circumstancias, e que
elles buscam augmentar com o que podem encontrar comivel, caça ou
peixe, ahi raríssimos, laranjas, goiabas, bananas e fructos silvestres.
Como a botica nem sempre tem as drogas que lhes são necessárias,
esses militares obtém-as por si, comprando-as ás vezes á sua custa, e
muitas por preços fabulosos. Durante nossa permanência na cidade,
servia de facultativo á enfermaria um cidadão alferes da guarda nacional,
arvorado em medico pelo governo, que tem no rol de seus direitos e pode-
res esses de cr^ar médicos e cirurgiões da guarda nacional como crea-
Ihe os alferes e tenentes-coroneis ; sem que a Academia Imperial de Me-
dicina, as faculdades e a Junta Central de Hygiene Publica pareçam
ter percebido, já não digo a illegalidade, mas o inconveniente e perni-
cioso do facto, para o qual, por qualquer face que se o encare, não se
encontra explicação ou desculpa. Os actoB de um governo devem ser sem-
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112 VnJA BELLA
pre justos, honestos, sãos e attinentes ao bem do Estado. Por um lado, a
guarda nacional é uma instituição respeitável e tão séria, que é cha-
mada— logo após o exercito de linha — á manter a ordem e fazer a defesa
do paiz ; nesse caso somente governos irreflectidos farão delia um theatro
de polichinellos, onde o ridículo da enscenação esteja em harmonia com
o ridiculo das suas phantasias. De outro, ou essa guarda necessita de
médicos; ou não ; no primeiro caso, com essas nomeações impoe-lhe o
governo, para cuidar dos seus indivíduos e dos da familia de cada um,
homens inteiramente leigos na sciencia ; no segundo, seu acto é irrisó-
rio : no primeiro infringe e desrespeita a lei que, nos seus códigos, ful-
mina o uso indevido da medicina por attentatorio á saúde e vida pu-
blica ; no segundo, i para que commetter, desnecessariamente, um aeto
que além de illegal é ridiculo, desde que tem na sua alçada o natural
direito de os fazer capitães, majores, coronéis, mesmo quando não ha sol-
dados ?
Nem se diga que esse titulo de cirurgião da guarda nacional é uma
simples decoração honorifica, não. Quando destaca essa milicia civil ou
é chamada á serviço, o seu medico tem de marchar, fal-o nesse caracter
e tem, portanto, a obrigação de cumprir as funcções do seu cargo. Tam-
bém, facilmente se comprehende que, ao um individuo receber e acceitar
tal titulo, bem revelada fica a deficiência do seu senso commum. Alguns
ao principio assustam-se com os encargos da honraria, mas vão pouco á
pouco se afazendo á elles, e em breve, assignando-se Cirurgiões formados
por S. M. /., crêm-se, de facto, médicos e aptos para curar da saúde do
próximo, e quasi sempre com tanto maior philaucia quanto menor o
entendimento.
Um desses encontrámos que tinha verdadeiro prazer em ostentar os
seus conhecimentos profissionaes e narrar seus triumphos clínicos ; e tão
consciente estava da sua posição e importância scientifica, que já não
escolhia auditório, fallando com a mesma imperturbabilidade á indios
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CIDADE DB MATTO-GROSíSO 113
semi-selvagens ou á doutores em medicina. Entre as cousas curiosas
que nos contou em meia hora de conversação, citou um caso de apoplexia
fulminanfe, que curara com a applicação de cataclysmas á cabeça. Des-
orientados meus companheiros e eu com a diagnose e ainda mais com a
therapeutica, pedimos-lhe explicações dos cataclysmas : eram simples-
mente embrocações de agua fria !
Nem se diga, também, que a concessão do titulo não faz implícito
o uso da profissão, o que soria estultícia ; nem que não haja imposição
dos seus serviços á ninguém, por isso que cada um é livre de tratar-se
conforme melhor lhe pareça; mas, circumstancias ha em que essa liber-
dade desapparece,e substitue-a rigorosa obrigação, como no caso vertente,
aqui em Matto-Grosso, onde, aquartelada a guarda nacional, teve o seu
cirurgião de tomar conta da enfermaria, e nesse exercício continuou
quando aquella milicia foi rendida por um destacamento de linha.
Ora, porque não nomeará o governo vigários e capellàes dessa guarda
aos cidadãos F. e F. ? Terá escrúpulos ? Devem ser os mesmos.... que
tão licito lhe é crear médicos como padres de missa.
Não sei o que irá pelas outras províncias quanto á sorte do soldado,
mas nesta é ella miseranda. E' com elle que hoje se cumpre a régia
determinação de 20 de novembro de 1797, mas nem sempre é o incorri-
gível que para aqui é mandado á purgar os seus peccados : ao marchar
uma companhia, um destacamento, vão quantos lhe pertencem, bons e
maus. Já vimos que não tém medico nem medicina quando doente ; não
tém dieta e nem mesmo ha na enfermaria um cosinheiro que vá ao fogo
preparar os géneros da etapa regimental, a qual, tanto para o são como
para o doente, consiste em farinha, rapadura e sal, algumas vezes carne
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114 VILLA BELLA
sêcca e bacalhau, feijão e arroz, raríssimas carne verde, seudo um verda-
deiro acon tecimento para toda a cidade o abatimento de uma rez, trazida
de Casalvasco ; géneros, todos, que são distríbuidos por uma tabeliã
apropriada ás circumstancias, mas sempre muito deficiente.
Entretanto, o soldado que baixa á enfermaria perde todos os seus
vencimentos, por isso que ali vai ter quartel, dieta e tratamento, que o
Estado marca-lhe e eflFecti vãmente dá-lhe nos verdadeiros hospitaes : aqui,
para tratar-?e, paga á sua custa o medicamento que Ibe receitam (a)
e, para matar a fome, recorrem aos fructos que encontram e aos jabotys e
rubafos (b) o peixe e caça que a natureza, aqui nada provida, quasi que
unicamente lhe offerece.
O fardamento com difiQculdade e á longos espaços recebe; e entretanto
é obrigado á apresentar-se vestido, calçado e coberto, com uma blusa ou
sobrecasaca, sapatos ou botinas, bonet ou mesmo chapéo, objectos que
compra fiados para pagar quando lhe chegarem os soldos.
£ quando, ao cabo de um, dous e mais annos, estes lhe chegam, feliz
o que sahe da formatura de pagamento sem nada dever ao seu responsá-
vel e principal pagador. Com este systema de fardamento era apreciável,
pela estravagancia, a vista que apresentava a tropa em parada, cada sol-
dado phantasiado, não como o permittiam as suas forças, nunca consul-
tadas para isso, mas levados por outras circumstancias especiaes.
Um dos primeiros actos administrativos do general Hermes, foi
tratar de prohibir esse abuso, providenciando para que o arsenal da pro-
vinda fornecesse em tempo o fardamento necessário, deixando de ser pago
em dinheiro, aos corpos, a sua importância. Mas não conseguiu desar-
(a) Vi debitar-tse á um soldado a quantia de ires mil réis por uma garrafa de
vinagre, pedido para compôr-se o vinagre vulnerário que lhe foi receitado, quando 4
nós, estrangeiros na cidade, era esse género vendido por preço seis vezes menor \
[h) Espécie de trahira de inferior qualidade. E* o erythrinus de Spix.
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 115
raigar esse, como outros abusos, principalmente nos pontos affastados da
província, onde a acção autoritária só se faz sentir por intermédio de dele-
gados, ou em vista de informações nem sempre sinceras e leaes.
IV
A matriz, da invocação da Santissima Trindade, teve seus principies
em 1753, em tempos de Bolim de Moura; mas os alicerces do actual
templo foram lançados em 1775, governando Luiz de Albuquerque. Seu
successor deu lhe maior incremento, e nella teve sepultura aos 29 de
fevereiro de 1796.
E' um templo de boas proporções e que não chegou á concluir-se,
faltando-lhe as torres. Sua parede lateral da direita seguiu de nascença
a inclinação da torre de Piza, não sabe-se por que razão ; e que hoje,
principalmente no estado de velhice do edifício, amendronta á quem se
approxima, apezar da segurança que lhe dão os naturaes, allegando ser
um vicio congénito, mas sem perigo.
Essa egreja em minas, o que é desnecessário ir-ec repetindo acerca
de todos 08 edifícios da cidade, quasi sem portas nem janellas que a
fechem, é a morada de milhares de morcegos.
Foi mui rica e guarda ainda os restos de sua prisca opulência, taes
como velhos, mas ricos paramentos, imagens adornadas de jóias custosas
de ouro, prata e pedrarias, umas com immensos resplendores de ouro,
outras com coroas imperiaes de natural tamanho ; duas riquíssimas e bem
cinzeladas custodias, tão pesadas que á custo ergui-as com uma só mão ;
calyces, patenas, navetas de ouro ou prata dourada, thurybulos, immen-
sas alampadas, tocheiros, varas de pallio que mais parecem bambus que
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116 VnXA BELLA
varas, candelabros, etc., tudo de prata e alguns tão sujos, que á primeira
vista se 08 suppõe de ferro.
Na praça, que a separa do quintal do palácio, ergue-se, á meio, o
cruzeiro. A' direita íica-lhe a traveâsa de Palácio, ã esquerda a da
Estrada e atraz a rua do Fogo.
Entre essa rua e a de Santo António fica o cemitério, convertido
actualmente em inculta brenha, onde, de cada vez que ha necessidade de
dar-se jazida á um morto, roça-se o necessário somente para abrir-se
a sepultura. Sendo um recente quadrado de cento e poucos metros de
face, è de suppôr-se que, apezar da sua antiguidade e má fama climatérica
da cidade, tenha ainda terreno virgem ; sendo uma particularidade digna
de nota que, rara como é a caça nos arredores do povoado, ahi ás vezes
appareça.
A rua de S. António, hoje a mais vistosa da cidade, tomou-se ainda
mais notável por ter em seus extremos, fronteira uma á outra, as capei-
las de S. António dos Militares e do Carmo, pelo que a metade oriental
da rua é conhecida por esse nome. Esta capella, completamente em mi-
nas, está abandonada : fora começada em 5 de agosto de 1781 pelo inten-
dente do ouro Pelippe José Nogueira Coelho, o autor de uma Memorin
chronologka da capitania, aqui já citada ; e inaugurada em 16 de julho
de 1783, e não em tempos de João dAlbuquerque, como diz a Noticia
do Sr. Moutinho.
A de S. António, comquanto também muito damnificada, ainda se
conserva, graças aos cuidados que lhe têm dispensado alguns commandan-
tes militares do districto, entre outros o finado coronel Perné e os Srs.
majores José Gomes Vieira da Silva Coqueiro e João de Oliveira Mello.
Seus começos datam da fundação do povoado ; mas do templo
actual a pedra fundamental foi lançada em 1 de junho de 1779, « deposi-
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CIDADE DE MATT(H>ROSSO 117
tando-se sob ella varias marcos de ouro e prata com as armas reaes,e repar-
tindo-se outros com as pessoas da nobreza que assistiram ao acto » diz
aquelle intendente na sua Memoria chronólogica. Quando Kolim fundou
a villa, fazia celebrares officios divinos na própria palhoça, primeiro
palácio dos capitães-generaes ; mas chegado o mez de junho e o dia de
grande thaumaturgo portuguez, os moradores, mais por devoção ao gene-
ral que ao santo, determinaram fazer-lhe uma festa; o que motivou
mandar Bolim erguer uma capella de pau à pique, para cujo altar fez
pedir uma imagem á matriz da Chapada e solicitou do diocesano
fluminense a mudança da freguezia para ella. Era á borda do rio ; á 2 de
fevereiro de 1753, Eolim mudou-a para uma casa barreada, preparada
para servir de cosinha á casa de sua residência ; e deu começo á outra
capella, na praça e logar destinado para a matriz, tendo em 25 de oitu-
bro desse anno chegado a provisão, solicitada do bispo diocesano (a).
A capella de S. António foi reconstruída pelo Dr. Theotonio, era
1755, na ausência de Rolim. Era coberta de palha e, aquelle magistrado
queria um edifício mais digno da santidade de suas funcções. Convocou o
vigário e a irmandade do SS. Sacramento, propôz encarregar-se da recons-
trucção, e foi elle o seu architecto e autor.
Mede o templo 36 palmos de frente, 80 de fundo e 36 de alto, com
capella-mór, quatro altares lateraes, coro, baptistério, sachristia, etc. ; é
todo de alvenaria e coberto de telhas. Nessa construcção nada dispendeu
a fazenda nacional, sendo somente utilisadas as esmolas e os esforços dos
fieis, e as destinadas ás festividades da semana santa.
Em 1756 foi benzida, e continuou como matriz da cidade até 1798,
quando benzeu-se o templo destinado á freguezia.
^a) NotuÀas relativas á victgem de D, A ntonio Rolim de Moura e oreação da ViUa
BeUa.
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118 VILLA BELLA
A actual capella ó pequena, mas não carece de elegância. Está edi-
cada na face Occidental de uma praça, hoje destruida, sobre um vasto
terraço ou plataforma que se liga ao antigo cães e fortificação do porto.
Cercam-o ainda magestosas e já seculares tamarineiras e gamelleiras*
e mui poucas das larangeiras do formoso pomar com que a circumdaram
os dous Albuquerques.
E' dos templos da provincia, talvez, o que mais riqueza encerra. Uma
de suas custodias é ainda mais rica e primorosa do que as da matriz, e
de subido valor ; as coroas das imagens são de tamanho ás vezes exage*
rado, algumas ornadas de gemmas. Calyces, patenas, thurybulos, nave-
tas, frontaes, banquetas, pallios, alampadas, candelabros, tocheiros, etc.,
tudo é rico e de precioso valor. A' vista do que não confio na asserção do
autor da Noticia sobre a provincia de MatUhOaosso^ de ter sido reco-
lhida á capital alguma prata dessa capella ; consta-me, ao contrario, que
o finado e venerando bispo intentou fazêl-o, mesmo em respeito ao caracter
sagrado desses objectos ahi tão mal guardados, mas deteve-se ante a
reluctancia do povo, que não queria apartar-se dessas riquezas, mormente
indo ellas para Cuyabá.
Também, não o zelo, mas somente o fanatismo e o terror religioso
tém podido couserval-as nesses templos em ruinas, abertos e expostos á
quem quizer roubal-os ; fanatismo e não zelo, digo, porque, ao passo que
nega a retirada desses objectos de duplo valor em riqueza e veneração,
para a cathedral e sede do bispado, delles não cura, guardando-os como
fora de mister, dando portas e janellas aos templos escancarados, e não
deixando a prata tomar ás apparencias do ferro.
Todavia, já roubos se tém dado... — e é triste e doloroso dizer que é
entre aquelles á quem, principalmente, cumpre guardar com zelo e res-
peito as cousas sagradas, que se aponta quem tenha ousado pôr-lhes mãos
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 119
sacrílegas. Taes riquezas provocam a cubica, e n'uma cidade despovoada
e em desamparo como esta, situada na extrema fronteira da provincia e
io Império; sem portas nem janellas, e além disso derruidos em parte
esses templos, cofres de tanta preciosidade, lá dia virá que um desalmado
os saqueie á seu salvo. Em 1876 veiu á cidade um sacerdote estran-
geiro convidado á exercer actos do seu ministério, visto que ha annos
não apparecia ali um padre, nem o governo ainda se lembrou de dar-lhe
capellão ou vigário, nomeado d^entre os seus homens da guarda nacional.
Admirado da riqueza das custodias, pediu á irmandade que lhe empres-
tasse delias a mais preciosa, somente para mandar sacarle una copia en
Santa Cruz de la Sierra.
Mas os matto-grossenses não concordaram em satisfazer tão ingénuo
desejo.
Vale-lhes, felizmente, o terror religioso que as guarda.
Lembra-me ainda do ar contricto e compungido com que me
fallou o nonagenario major João Manso, antigo ordenança e remador das
galeotas dos capitães generaes (a), de uma indigestão que quasi o matara.
Era ainda mui cedo e pouco clara a madrugada; passeiava elle, como
de costume, apreciando o alvorecer, na porta de sua casa, quando lhe
vieram offerecer, muito em conta, um feixe de lenha; comprou-o, e
receiando depois, pelo preço, que fosse lenha verde de mangues, foi exa-
minal-a, e qual o seu horror ao reconhecer nas achas pedaços das
grades de uma egreja, a do Carmo ! Regeitou-a horrorisado, mas bastou-
lhe a lembrança de que poderia utilisar-se delia para fazer o seu almoço
áematrinehans (b), inconsciente e innocentemente, para sentir perturbar-
(a) Falleceu em 1877.
(b) £* o ohetodon rubidus^ exceUente peixe, um dos melhores desses rios, sinfto
o mais saboroso.
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120 VILLÀ 6ELUL
lhe a digestão ; attribuindo o devoto ancião á uma espécie de advertência
divina o mal que foi tão foi-te, que o ia matando.
Com a destruição dos arraiaes vizinhos as imagens e paramentos de
suas capellas foram recolhidos ás egrejas da cidade. A de Santo António
é que os guarda em maior numero, sobresahindo entre as imagens, pela
riqueza dos adornos, a de SanfAnna do arraial desse nome.
O que, porém, mais notável toma essa capella e mór valor lhe dá,
para o brasileiro digno desse nome, são duas sepulturas que ahi se encon-
. tram, uma á esquerda e outra á direita da capella-mór. Desta^ na tampa
de madeira, lê-se a seguinte inscripção :
KFA S
C*^ do K C de E
Que gloriosamente defendeu Coimbra
Em 1801
& no mesmo logar falleceu
Em 21 de janeiro de 1809
Aqui jaz sepultado.
E' a sepultura de Kicardo Franco de Almeida Serra.
A outra guarda os ossos de Amadeu Adriano Taunay, joven e malo-
grado artista, que em vez de colher os louros e glorias de seu pae, das
quaes era legitimo herdeiro, veiu, aos vinte e quatro annos de edade,
morrer desastradamente no porto do Guaporé.
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CÍDADE PE MATTO-GUOSSO 121
Fazia parte da commissão do cônsul LaDg3dorfr(a), mas delle sepa-
rou-se na rio Taquary, em 6 de dezembro de 1826, seguindo escoteiros
para Cuyabá elle e o illustre botânico Dr. Riedel. Da capital seguiram
por terra para Matto-Grosso, onde chegaram á 18 de dezembro do anno
seguinte ; em breve partiram em digressão por Gasalvasco, S. Luiz e
Salinas, á estudar e explorar as localidades ; e foi na volta que, em 5 de
janeiro, Amadeu, tendo já atravessado á váu o AlegTe, por duas vezes,
açoitado de um furioso temporal que desabara, chegou á beira do Gua-
poré e á nado quiz vencer-lhe a torrente larga, e agora tomada mais forte
e impetuosa pela fúria da tempestade. Forte e ágil, e emérito nadador,
lançou-se á agua mesmo vestido, sem lhe occorrer nem o quebramento
das forças pela viagem forçada que acabava, nem os novos e furiosos Ím-
petos da corrente.
Succumbiu, e seu cadáver, somente encontrado três dias depois, veiu
buscar sepultura honrada junto aos restos de Eicardo Franco. Pouco,
mui pouco, restou dos seus esforços e labores scientificos, e si delles não
se archiva cabedal que honre a sua segunda pátria, grandes eram suas
promessas para o futuro. Amadeu era dessa familia em que a intelli-
gencia é a maior herança : aos vinte annos já era notável artista; e é de
suppor que, si a morte o houvesse poupado, nem desdiria da fama
que acompanhou seu pae, o barão Nicolau de Taunay, uma das
glorias artísticas da França, de cujo Instituto de Sciencias era membro
e da nossa Academia de Bellas-Artes, da qual foi um dos fundadores ;
nem do renome immacUlado que gosou seu venerando irmão o cônsul
Theodoro,
(a) Commissão russiana que paiiiu do Hio de Janeiro em 8 de setembro de
1825, pai*a Santos, na sumaca Aurora^ e de Porto Feliz em fins de junho seguinte.
Pouco se conhece do resultado de seus trabalhos, isso em parte vievido á demência
que atacou seu chefe.
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122 YIIAA BELLA
No porto, quasi atraz e á direita da capella, e em terreno mais baixo,
ficava a Casa das Canoas^ espécie de arsenal estabelecido por João de
Albuquerque. Suas ruínas ainda subsistem ; nellas pretendemos estabe-
lecer nosso pouso, quando fomos á cidade fazer os preparativos para a
descida do rio ; não o levando á eífeito, graças á obsequiosidade do com-
mandante militar do districto o Sr. major Oliveira Mello, que pôz á nossa
disposição o palácio, então devoluto.
A camará municipal e a cadeia conservam-se ainda hoje na face
Occidental da praça do Palácio. Velhos pardieiros, habitações de mor-
cegos,— aquella guarda ainda os archivos da historia antiga da provín-
cia, em livros, hoje desgraçadamente illegiveis na sua maior parte, pela
traça e pelo tempo, que collou parte das carcomidas folhas dos manus-
criptos, e outras apagou de modo á fazer impossível a sua leitura.
Adornam-lhe as paredes da sala das sessões os retratos, em tamanho
natural, do rei D. João VI e dos cinco primeiros capitães-generaes ; exis-
tindo também a moldura de um outro, que era o do sexto, o governador
Caetano Pinto (a) : preciosíssimos documentos da historia, votados á
completa perda, si o governo não os acautelar, como deve, fazendo-os
recolher á esta corte.
A cadeia é uma pequenina casa, sem segurança alguma, que, quando
guardar algum preso, deve têl-o sob sua palavra de honra.
(a) Um dos seus descendentes, o Sr. marechal barão da Penha, explicou-me o
facto. Sabendo que existia esse retrato, e sua familia desejando uma cópia, obteve-o
para esse fim. Realizado este, cumpriram immediatamente o dever que se impu-
zeram de mandar repor o original no seu logar de honra ; mas o portador, descurou
commissão, deixando o retrato em Cuyabá, para onde o conduzira.
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CIDADE DE MATTO-OROSSO 123
Conservam-se ainda, aqui, frescas reminiscências da fuga de deze-
seis sentenciados remettidos de Cuyabá, por occasião da rusga de 31 de
maio de 1834, e que eram dos principaes recriminados, sinão dos mais
criminosos. Chegados e recolhidos â cadeia, mataram, á noite, o carce-
reiro, forçaram o quartel, onde escolheram armas, tomaram canoas no
porto e transpondo o rio buscaram intemar-se na Bolivia. A cidade des-
pertou ao som do alarma dado pela sineta da cadeia ; mas, quanda um
troço de gente sahiu á perseguir os fugitivos, já não os viram, e nada
mais tiveram á fazer que protestar contra a fuga e os recentes crimes.
A' esquerda da camará, e entre as duas praças de Palácio e Pelou-
rinho, ficava o local destinado á futura cathedral, na esperança em que
se estava de obter-se a transferencia da sede prelaticia para capital. Ainda
se vêm, como já se o disse, seus alicerces na face que faz esquina com a
rua do Palácio, em frente aos escombros da casa de fimdição e ás grossas
paredes de cantaria das suas salas de aferição e thesouraria.
Na face oriental da praça vê-se, bem em frente e também fazendo
esquina áquella rua, as ruinas de uma casa de sobrado, com grades de
ferro, única desse porte que se construiu na cidade, e por isso mesmo man-
dada embargar por Caetano Pinto, pela singular razão de que, sendo o pa-
lácio dos governadores, comquanto grande, apenas ura edifício térreo, era
attentatorio á sua prosápia que um simples particular morasse em casa
de sobrado. O dono, negociante portuguez, de nome Manoel Alves, não
podendo oppôr-se á prepotência, tão commum e natural nesses tempos,
reluctou conforme estava ao seu alcance, não rebaixando-a á um só pavi-
mento. Desgostoso, retirou os trabalhadores; caprichoso e tenaz, não quiz
desapropríal-a nem ceder á outrem ; e deixou-a em pé, como um espan-
talho de pedra e cal á fofa arbitrariedade, até que o tempo a aniquilasse.
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124 YILLA BELLA
Presentemente tem a cidade uma única escola de meninos, que no
dia de nossa chegada, ao visitarmol-a, tinha em aula cincoenta e um
alumnos, faltando ainda oito, segundo informou-nos o professor o Sr. João
Carneiro : o que não deixa de ser uma bonita proporção para a população
da cidade.
Nestas viagens notamos que a maior parte dos rapazes, soldados oii
paisanos naturaes dessa cidade, que encontrávamos, sabia lêr e escrever em
regular bastardo, ainda que com certa liberdade das pêas orthographicas.
Já teve a cidade uma aula de latim, nos seus bonitos tempos ; em
26 de agosto de 1853 creou-se-lhe outra de primeiras lettras para me-
ninas. Ambas, hoje, estão extinctas.
A villa era defendida por duas baterias á barbeta : uma de seis
canhões, á esquerda do porlo de desembarque, e no abarrancado por traz
da capella de Santo António, logar talvez conveniente naquelles tempos,
mas que posteriormente perdeu qualquer importância que podesse ter, com
a mudança de direcção do rio, que formou canal n'um sangradouro que
segue em rumo de ONO,^ á uma distancia de poucos centos de metros ao
N., e em tal direcção que, quem sobe o rio só é visto da cidade quando
prestes á abicar no porto.
A outra bateria, de quatro peças, ficava no sitio denominado Porfo
ão Tucum^ melhor situada por ficar mais affastada, abraçando um hori-
zonte maior e guardando o rio desde quasi a foz do Alegre.
Eis, em breves traços, o esboço ligeiro da capital dos capitães-gene-
raes, — o empório das minas de ouro do Matto-Grosso, paiz tão conside-
rado da coroa portugueza — que nella via uma das suas mais preciosas
gemmas.
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CIDADE DE MATTO-GKOSSO 125
De toda essa antiga grandeza qiiasi que só restam reminiscências
nessa pobre tapera ainda decorada com a hierarchia de cidade, titulo -que
não lhe durará muito. Ha poucos mezes, já em 1879, a assembléa pro-
vincial fez uma lei nesse sentido, rebaixando-a ao foral de villa, e á qual
negou sancção o presidente Pedrosa.
Seu districto militar, ecclesiastico e judiciário, abrange todo o terri-
tório Occidental da provincia, desde ai foz do Gyparaná, no Madeira, cor-
tando pela cordilheira do Norte e em direcção ao líegistro do Jaurú ;
limite, aquelle no Madeira, apenas nominal, como já vimos, por isso que
desde as cachoeiras do Mamoré é a Amazonas quem exercita a adminis-
tração, quem guarda e defende o ponto de Santo Anlonio, quem o provê
de autoridades e policia, e quem, finalmente, cobra-lhe as rendas e paga-
Ihe as despezas. O que sendo, entretanto, muito natural e consentâneo
com a razão, só excita a extranhesa de não ter sido ainda esse território
desannexado de uma e unido á outra provincia.
A cidade de Matto-Grosso dista seiscentos e sessenta kilometros
da de Cuyabá, ou mais de dous myriametros do porto de Santo António do
Madeira, ficando á mais de dous mil e quatrocentos kilom. da foz do Gy-
paraná. O que quer dizer que, para da capital da provincia se communicar
com esse extremo, medeiam perto de três myriametros, dos quaes, por
terra péssimos os caminhos, e por agua uma extensão encachoeirada
de mais de quatrocentos kilometros (a).
(a) Os Srs. Keller dão 363,843» á esta região, ao passo que o coronel Church
calculou quasi no mesmo algarismo (363,000») a corda desse arco, na qual devia
traçar a estrada de ferro (V,0 Brasil na Exposição de Vienna), A commissáo de
demarcação de 17&2 dá-lhe 71 léguas geographicas.
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126 VILLA BKLLA.
VI
Das arredores da cidade de Matto-Grosso só visitei a margem fron-
teira do rio, nas faldas da serra de Kicardo Franco, seguindo a estrada
que vae ao porto do Bastos. O solo é ubérrimo, coberto de robusta, virgem
e frondosa mattaria, bem different^, no typo, dos matagaes que circum-
dam a cidade, caatingas que hoje substituem as florestas derrubadas.
Também é somente nas encostas da serra que se encontram os poiícos
sitios e lavouras dependentes da cidade ; entre outras, as engenhocas de
assucar dos Srs. Paulo dos Santos, Antunes Maciel e Samuel, esta já no
Cubatão. Não é tanto a falta de forças como a do commercio (que toma
aquellas inúteis) a causa da mesquinha producção desses feracissimos ter-
renos, onde, como tive muitas occasiões de vêr, a mandioca e o cará (dios--
corea) attingem proporções coUossaes; onde a cana produz exhuberancia
de seiva, quasi que só aproveitada em rapaduras ou na aguardente
e especialmente o resUllo, cujo nome já indica o que é; bebida da terra,
que bem merece o nome de fogo liquido com que a baptisou um reverendo
italiano que ultimamente parochiava a freguezia. Abunda em laranjas,
dulcíssimas como as de toda a província, e em bananas excellentes. Na
cidado lia alguns pés de coqueiro da Bahia, cajueiros, figueiras, casta-
nheiras do Pará, aqui chamadas tocar y, limoeiros, limeiras, fructas do
conde, canelleiras da índia etc, arvores quasi todas velhas e sem duvida
plantadas pelos antigos, sinão os primeiros moradores. As goiabeiras e
araçazeiros são praga nos carrascos e caatingas que cercam o povoado,
onde, também, entre outros fructos sylvestres, se encontra a marmellada^
assim chamada por no sabor approximar-se ao desse doce. Ha-as de duas
espécies: uma coberta de espinhos, mis espinhos brandos quasi como os
do maxixe, e que posso afiançar sarem be n saborosas ; e outra lisa, meia
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 127
achatada e de casca resistente, muito semelhante na forma á mamméa
americana, abricós do Rio de Janeiro ; differindo em serem um pouco
maiores e mais achatadas, e não amarellecerem quando maduras, desbo-
tando, apenas, a sua côr verde-clara. Dessas nunca logrei encontrar uma
perfeita, tal a guerra que lhe fazem os pássaros.
Na occasião em que a visitei a margem esquerda, por toda a estrada,
entre o Alegre e o porto da cidade, e sem duvida na floresta toda,
enchiam as arvores vistosas e bonitas epidendréas, especialmente uma
formosa Icelia de flores matizadas de branco e escarlate, um onciâium
de largos paniculos côr de ouro, vários epiphyllum, alguns de flores pe-
quenas, mas tão mimosas e brilhantes como as cultivadas nos jardins de
Petrópolis ; e uma hktia^ graciosa miniatura vegetal de mimosas flori-
nhas brancas : as quaes todas colleccionei e trouxe até esta corte. Ainda
uma grande variedade de tillandsias, aroideas e outros dendrophytos, de
varias espécies e variegadas flores, enroscando-se nos troncos, suspendiam-se
nos galhos, transfigurando, ás vezes, as annosas arvores que as sustentavam.
As flores rubras de um maracujá sylvestre appareciam de vez em quando
entrançadas com os verticillos verde-gaios das salsas, e dando um tom fes-
tivo aos rugosos troncos ou ás moitas que abraçavam.
Foi nessa estrada que, com máxima admiração, encontrei uma pal-
meira, asírccaryum, ramificada n'\im galho de mais de metro de altura ;
admiração que dobrou ao verificar um segundo exemplar da mesma mons-
truosidade e nas mesmas condições, á poucos passos apenas do primeiro,
e também á orla da estrada.
Nasciam esses ramos cerca de três e meio á quatro matros acima do
solo, e elevavam-se formando um angulo de 40 á 50*. íamos nessa occa-
sião o !• tenente Frederico de Oliveira e eu ; á principio suppuzemos
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128 VÍLLA BELLA
que seriam novas plantas ahi germinadas de alguma semente que ficasse
presa na cicatriz dos leques cabidos, mas bem depressa nos desenga-
námos. Apezar de ser o seu ponto de inserção um pouco abaloado não
era bulbiforme como o dos troncos novos dessas palmeiras, nem bavia
o menor signal de raiz aeria ou adossada ao espique (a). Facto tanto
mais curioso, quanto, com excepção da hyphome (doum thebaicum),
nenhuma outra palmeira se ramifica, á não serem as arecineas^ que entre-
tanto só o fazem á pouca altura no solo. Destas tenho visto alguns
exemplares notáveis aqui mesmo na corte ; n'um pequeno terreno cer-
cado, na rua de Santos Rodrigues, esquina direita com a de Estacio de Sá,
havia ainda ha poucos mezes uma areca de seis á oito annos, cujo tronco,
quasi metro e meio acima do coUo ou nó vital, se dividia em dous altos
espiques eguaes ; outro n'uma chácara do Andaraby Grande, deixava á
(a) o juiz de direito de Palma, em Goyaz, Vicente Ferreira Gomes, no seu
itinerário dessa cidade á Belera, pelo Tocantins, em 1859, encontrou um exemplar
idêntico entre as cachoeiras do Itauiry e I taboca. Diz elle : « Na margem occidental
ha um aborto da familia das palmeiras, isto é, um tucum com hasteas, é um pé de
palmeira em que hão nascido quatro palmeiçinhas. » Rev. do /íwt. Hi^t., tomo
XXV, pag. 501.
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 129
1",62 de altura do coUo sahir um rama prolongado em augulo de 60* e
já tendo mais de um metro de sub-espique. Palmeiras com gigantes
parasitas nascidas em seu tronco, principalmente do género /icitô, muitas
ahi se encontram ; por fallar nisso, occorre-me citar um formosissimo
exemplo aqui najcõrte n*uma antiga palmeira, de muitos séculos, na qual
a figueira germinando cerca de nove metros acima do solo, desceu as raizes
pelo espique, enleiou-o, abarcou-o completamente ; e fazendo da palmeira
o seu âmago e desenvolvendo-se com a mais soberba pujança, fechou-o
como n'um estojo, tão completa e perfeitamente, que nâo se o suspeitaria
si os leques da palmeira não se elevassem acima da fronde da parasita, e
si ainda, por uma feliz lembrança, o dono da arvore não Ibe desbastasse
parte do tronco, de modo á pôr patente a base da palmeira.
Esse magnifico espécimen dos caprichos da natureza está á margem
esquerda do Bio Comprido, na chácara n, 34 da rua de Haddock Lobo,
e é perfeitamente visivel da rua. A palmeira terá dezoito á vinte metros
de altura, e seu estojo, a figueira, 4",35, um metro acima do solo.
A urumbamba, outra singularidade, mas natural, dessa immensa
e formosa familia botânica, já citada no itinerário ás lagoas, quando
a encontrámos nos areiaes da Mandioré, aqui também apparece, estendida
no solo, assemelhando-se á um immenso cipó, com as ondulações da cobra ;
fina de um á dous centímetros de diâmetro e longa de dezenas de metros,
tendo seus merithallos dous, três e quatro metros de comprido. Como
sempre, só se as encontra nos terrenos arenosos e sujeitos á innundações.
VII
Matto-Grosso goza da fama de altamente insalubre e inhospita, e
Castelnau a appellida de empestada cidade, por sujeita ás febres de
17
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130 YILLA BELLA
caracter palustre e phlegmasias dos orgams respiratórios ; facto verda-
deiro, como tive occasiào de comprovar nas primaveras de 1876 e 1877,
mas em geral menos fundadamente apreciado, como se viu ao tratar-se,
na introducção desta obra, da climatographia da provincia. £' que si ha
razões para taes créditos, pelos resultados que se observam, essas desap-
parecerão logo que se removam as causas que as determinam.
E* insalubre e inhospita como o é toda e qualquer habitação des-
guarecida dos preceitos hygienicos; é insalubre e inhospita, porque
cercam-a pântanos, formados pelo extravasamento dos seus rios, cheios
de detritos e matérias putresciveis que só esperam a acção, nunca demo-
rada, do sol, para saturarem o ar respirável de seus efBuvios deletérios;
é insalubre e inhospita, porque o Guaporé, desde suas vertentes até á foz
do Alegre, conserva-se completamente trancado, n*um trançado de hydro-
phytos, que occulta de todo suas aguas sob um lençol de verdura ;
é inhospita e insalubre, porque sua edilidade não tem meios, e talvez que
nem mesmo a ideia de abrir e limpar os rios, e de seccar os brejos. Mas,
já se o disse ao tratar do seu clima, que essa acção maléfica, que tão
temido faz o solo de Matto-Grosso, não lhe é particular ; apparece em
todos os terrenos ribeirinhos, mormente á borda das grandes torrentes,
não frequentados com assiduidade, e onde o homem apenas chega ou
existe como Jiospede. Quando, porém, cora o seu labor tenaz e profícuo,
elle escoima as aguas, limpa as margens, roteia, roça, queima e planta;
quando, unindo aos cuidados no solo os cuidados em si, modifica os seus
hábitos pelo seu habitat, — crêa uma hygiene de necessidade, e então, certo
as influencias perniciosas vão cedendo passo ás salutares, o solo se sani-
fica e o clima faz-se benéfico.
Matto-Grosso, que nasceu das minas da Parecis e teve o berço ago-
niado pelas maiores calamidades que podem affligir uma sociedade que
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CIDADE DE MATl^O-GROSSO 131
86 forma, cresceu, ou por assim dizer, viveu — emquanto as minas pros-
peraram, sem cuidar, jamais, nos meios de obter o bem estar da saúde,
alliado com o bem estar que o ouro pôde trazer ; e as misérias, as fomes,
as doenças, accrescentadas pelos morticinios e depredações, foram sempre
sócias no viver desse povo de aventureiros infrenes, flibusteiros dos sertões,
como os chama Ferdinand Dénis, tão notáveis na sua sede do ouro, como
na imprevidência em sacial-a.
As chronicas citam á cada passo o descobrimento de uma rica jazida
e o seu próximo abandono pela mortandade que sobrevinha á seus mora-
dores ; delia sendo principal causa a fotne, pela omissão no plantio de
roças, isto é, pela imprevidência no futuro e na vida, tendo somente por
bera empregado o tempo gasto em esgaravatar o ouro.
Ps^lxneirs^ «lo Rio Conapridlo
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132 VILLA BELLA
E' verdade que com a chegada dos governadores esses males dimi-
nuíram bastante. Não que com elles viesse um tal ou qual paradeiro ás
iniquidades e crimes, nem ainda porque fosse cultivada a hygiene ; mas, é
que havia mais vida e animação no povo : os rios eram navegados desde
quasi as suas origens, conservando-se portanto desimpedidos.
Havia commercio, havia lavoura ; não havia fome nem miséria.
Assim, durante o governo dos capitães-generaes, não se registrou mais
uma só daquellas tristes calamidades dos outros annos.
Mas, com a transferencia da capital, acaharam-se quasi todas
aquellas fontes da vida, os engenhos, as roças, os sitios, as povoações
e as minas ; morreu o commercio, morreu a lavoura, a criação e a pouca
industria que havia no paiz; e a cidade ficou povoada apenas por aquelles
que, ou por falta de meios, ou por conveniências, não puderam buscar
outra comarca onde a vida lhes fosse mais prospera.
Em compensação e triste substituição á aquella prosperidade veiu
o desanimo, a indolência e o marasmo, com todos os seus perniciosos
resultados. Ao natural enervamento que o clima produz aggregou-se a
inércia, a falta de estimulo, a falta de acção, e isso, infelizmente para
ella, não tanto pela falta de meios, como pela de objectivos !
vra
A' quem viaja hoje por esse recanto, povoado e florescente outr'ora
e tão ermado nestes tempos, causa extranha sensação a ausência de quasi
todos os meios de subsistência do homem, não só dos que eUe deve aos
seus cuidados, como dos que a natureza produz.
Adstrictas á cidade, ha, como já vimos, apenas uma meia dúzia
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CIDADE DE MATTOOROSSO 133
de lavouras, das quaes três ou quatro com engenhocas de assucar, e todas
na margem opposta do rio. Junto ao povoado não ha uma roça, uma chá-
cara, uma plantação por menor que seja. Talvez que sem exageração se
possa dizer que não ha ahi uma larangeira, um coqueiro, um cajueiro, —
novos, plantados propositalmente, nem que sentissem outro contacto da
mão do homem sinão para tirar-lhes os fructos maduros.
Das arvores mais úteis ao homem, a única que plantam é a bana-
neira, pela razão singela de não passar muitos mezes sem lhes pagar o
trabalho com os seus deliciosos fructos (a).
Gomquanto o autor da Noticia sobre a provinda dê a cidade como
muito bem plantada, e ao lado das riquezas do solo muita caça nos arre-
dores, os naturaes afãrmam o contrario.
Parece que a natureza, vendo essa incúria indizivel, quiz castigal-a
com uma severidade também inaudita : nos seus arredores, isto é, lá
até onde se animam á ir os seus habitantes, é raro apparecer um animal
de caça, quadrúpede ou ave, excepção feita dos jabotis e tatus, esses
mesmos escassos ; no rio quasi que outro peixe não se encontra á não ser
o ruhafo ou trahira (b). Entretanto os mattos da serra fronteira, as
margens do Alegre e do Barbado são ricos de caça, e mui piscosos esses
rios, abundando em matrinchans, jacundás (c) ou nhacundds^ dous dos
mais saborosos pescados de agua doce.
(a) Consigne-se esse facto : em Corumbá, em casa do Sr. major João Pedro
Alves de Barros, vimos bananeira com fructos, tendo apenas três mezes de planta-
das, segundo nol-o garantiu aquelle senhor.
(b) Nas lagoas e grandes poças d*agua, encontra-se, em enorme quantidade, um
batraeio, espécie de triton, cujos membros vão-se atrophiando,á medida que o reptil
vae crescendo, começando pelos posteriores, e cuja cauda, alongando-se, toma a
forma da dos peixes. São muito communs em quasi todos os alagados dessas regiões»
e muitos encontramos nos esteros de Tuyuty, no Paraguay. Parece-me uma espécie
nova que não pôde ser comprehendida nem entre o tritoa punotatus de Daudln nem
entre os menoponia aUeghanyensis (urodeles), tendo, entretanto, muitos pontos de
contacto com elles.
(c) Ciohla monoouiut, Spix.
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134 VILLA BELLA
Si quanto a caça, nos arredores da cidade, póde-se atribuir, até certo
ponto, a falta á natural indolência dos moradores ou ao receio de se afFas-
tarem do povoado ; quanto ao peixe, é sem duvida notável que, sendo tão
ricos aquelles rios, seja ahi o Guaporé quasi que inteiramente baldo delle,
vindo á ser piscoso já perto das aguas do Rio Verde ; mas agora piscoso
de uma maneira extraordinária, ao mesmo tempo que suas margens são
ricas de caça, ostentando-se as florestas que o bordam cobertas de aves da
maior estimação, como mutuns, jacus, arancuans, jacutingas, joós,
nhambús, etc., caça verdadeiramente real na abundância e no apreço.
Mas, 8i a distancia do Alegre e do Barbado já poucas vezes é vencida
pelos pescadores da cidade, comprehende-se que mui raro será o que se
animem à descer tão longe para prover-se de tão valioso recurso. Não é
provável que fosse nesses últimos dez annos que o descuido e imprevidên-
cia dos moradores troxessem-lhe estado de penúria actual, nem que a
natureza se modificasse ao ponto de afugentar-lhe das vizinhanças o peixe
e a caça ; parecendo mais certo que si não são encontrados é porque não
se os procura.
A alimentação do povo tem simplesmente por base arroz, feijão e
fructos. Póde-se dizer que a carne fresca lhes falta absolutamente ; sendo
que apenas de longe em longe ha ordem para carnear-se uma rcz de Casal-
vasco, e então vae-se monteal-a nos campos onde está alçada e vém para
o consumo das autoridades e tropa. O que resta dessa distribuição, pouco,
bem pouco, cabeças e miúdos, etc., é deixado para quem se quizer utili-
sar,e que, entretanto, ordinariamente por um pejo mal entendido, segundo
nos informam, regeitam na hora, para depois, ás sombras da noite, dispu-
tarem-o aos cães e corvos.
A falta dos principaes elementos azotados da alimentação aggra-
va-se ainda com o abuso dos alimentos respiratório.^. E' frequente, prin-
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CIDADE DE MATTO-GROSSO 135
cipalmente na classe baixa da população, o uso das bebidas alcoólicas,
reputado o prophylatico mais seguro contra os insultos do paludismo ;
uso nem sempre moderado, especialmente quanto ao restillo, o fogo
liquido^ aguardente de mais de 24^ Bom concurso trazem esses elemen-
tos de enfiraquecimnto do organismo para o descrédito do clima e do paiz,
o qual, ainda mais, carrega com a pecha de fazer obrigatório o uso dos
espíritos ; o que si é acceitavel até certo ponto, não vae este ao de per-
mittir o abuso. Mais provável é que a causa principal desse vicio esteja na
apathia em que a população vive, na falta de distracções, de trabalho, de
commercio : causas que, entretanto, fallecem n'outros paizes onde aquelle
consumo é maior (a).
Para as pleuresias, pneumonias e mais affecções dos orgams de res-
piração, encontra-se uma causa muito frequente nos banhos nos rios e
lagoas, á hora em que o rigor do sol, convida-nos ao resguardo dos seus
raios; como já viu-se, são esses banhos, ás vezes, logo em seguida ás refei-
ções ou após as grandes fadigas á que se entregam em certas festividades,
que são, por assim dizer, as suas únicas mas demoradas distracções.
Quando em 1877 chegámos á cidade, em fins de julho, o seu estado
sanitário era excellente : raros eram os enfermos e esses mesmos de mo-
léstias benignas, abstracção feita de alguns hypoemicos e de outros em
quem o habito externo mostrava bem claro o estrago produzido pela ente-
ia) A Estadística general dei comercio de la Republica A rgentina, de 1874, do
Sr. Vaillant, descobre-nos esse abuso sob uma feição extraordinária. O Pampa de
Buenos-Ayres (V. Globo de 15 de março de 1876, Rio de Janeiro), em artigo que a
Prensa de Montevideo transcreveu, diz o seguinte : a El cuadro estadistico confe-
cionado por el senor Vaillant, jefe dei departaniiento de Estadística de Montevideo,
demuestra que la Republica Argentina consome cinco por ciento mas de bebidas
alcoólicas que la nacion la mas oonsumidera de Europa. » Accrescentando depois :
« A' los que abusan de bebidas recuerdoles que la republica se queda por causa de
ellos colocada á la frente de los pueblos los mas eonsumidores de alcoólicas ; posi-
cion mucho risible y que, por supuesto, no és digna de invidia. »
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13G VILLA BELI.A
xicaçáo eleica. Ha muito tempo que não apparecia um sacerdote na cidade,
e agora o bispado mandava-lhe um de encommenda para vigário : o povo
resolveu pôr tolas as suas festas em dia. Assim, começou-se agosto
com a solemnidade do Espirito Santo, seguindo-se-lhe as de Santo Antó-
nio, S. Benedicto, S; João e Nossa Senhora do Eosario, etc.
Nessas festividades, que ainda hoje ahi se solemnisam conforme as
reminiscências dos tempos coloniaes, a classe abastada e superior da po-
pulação é que as fomenta e lhes costeia as despezas ; mas é a inferior quem
dá-lhes a eictraordinaria animação que tomam. São um miitiforío do
ritual dos padres da missão e dos costumes africanos: mascaradas, bandas,
simulacros de combates, representações de mysterios, etc., tudo entre-
meiado de cantos e dansados que se succedem com poucos intervallos, du-
rante dias e ás vezes semanas ; percorrendo os festeiros as ruas desde antes
do amanhecer até á noite, sempre cantando e dansando, indo buscar ás
casas, — um por um, todos os principaes da festa, juizes e juizas, mordo-
mos e aias, etc.; descançando ás noites em folias e bailados, em casa, até
o romper d^alva, em que novamente sahem á repetir o mesmo ceremo-
nial da véspera; em tudo isso frequentes libações de restillo, e, de vez em
quando immersões no Guaporé, quando o demasiado calor ou a fadiga
os apoquenta.
O que se segue é que já nesses dias começa á apparecer bom numero
de doenças, quasi todas pneumonias e pleuropneumonias ou febres de
caracter mais ou menos grave.
Seja, porém, consignado que aqui, como em muitos outros logares
destas regiões, não são raros os macrobios, cujo numero torna-se sorpren-
dente por não estar nas condições especiaes da terra e na proporção do
numero de seus habitantes.
Aqui, n'uma população de setecentas almas, vimos seis indivíduos de
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CIDADE DE MAITO-GROSSO 137
mais de oitenta annos, entre os quaes, e na mesma casa, o nonagenario
major Manso e uma preta muitos annos mais velha do que elle, e que se
gabava^ ainda, de ter sido a cosinheira e doceira de Luiz de Albuquerque
e de seu irmão.
IX
Na cidade de Matto-Grosso não ha uma loja industrial, por mesqui-
nha que seja, si exceptuar-se uma pobre e miserável foija que vimos na
extrema Occidental da travessa de Palácio.
Como na maior parte dos logarejos, póde-se dizer que ahi são tantas
as tendas de negocio quantas as casas de habitação ; todas magramente
sortidas, mas, assim mesmo, hasares em ponto mesquinho^ onde poucos
géneros se encontram, mas muito sortidos de merciaria, drogas, fazendas,
calçado, fogos artificiaes, e mais que tudo bebidas espirituosas, que são o
grande fundo do commercio. Si dão lucro, si seus donos fazem negocio, é
isso difficil de saber-se, parecendo antes que a maior parte dessas lojas é
menos um pretexto de profissão do que uma espécie de dispensa para uso
do dono.
Não ha um sapateiro, um tamanqueiro, um alfaiate, um charuteiro ;
não ha um café, um açougue, uma padaria, nem noticia de terem havido
estes dous últimos depois dos governadores. Também talvez seja do
mundo a única cidade onde não passam viajantes, que não recebe hos-
pedes, que não vê transeuntes, senão por um desses acasos extraordinários
e especiaes como o que nos conduziu á ella. E' talvez o único povoado do
Brasil, e com certeza a cidade única, onde não existe um portuguez, e
onde, desde muitos annos, apenas agora um italiano, na pessoa do reve-
rendo sacerdote, que foi encommendado pastor de tão abandonado reba-
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188 YIIiI.A BELLA
nho. Os mesmos bolivianos, seus vizinhos, raro a frequentam. Si recebe
de vez em quando ura outro degredado é porque, proclamada essa fama
de necropole, callou nos governos a salutar ideia de — sem pau nem
pedra, como se diz — castigar os homens maus, os soldados incorrigiveis
e alguma vez os sacerdotes pervertidos e licenciosos, vindimadores das
vinhas do Senhor e de Noé ; o que francamente demonstra o tino
administrativo dos governantes, que, em vez de praticarem os meios de
melhorar a pobre cidade, castigam-a com uma nova praga.
Também é essa a causa principal de todos cousiderarem cora horror
essa nova Cidade Maldita; ainda assim, degredo de priraoira instancia e
que tem por segunda o forte do Príncipe da Beira, de fama mais medo-
nha ainda.
Mas^ não ha razão : sublaia cama tolUtur effectus ; e as causas não
são difãceis de remediar.
Tempo virá, longe mui longe talvez, quando já não exista sinão
o renome dessa cidade injustamente desacreditada ; quando o homem
venha em busca das verdadeiras riquezas do solo, desse solo ubérrimo e
de tão fácil conquista para a prosperidade e desenvolvimento das forças
do paiz ; quando se aggregue a população e com élla surja o commercio,
a agricultura e a industria ; e quando o grande e formosissimo Guaporé,
franco das cabeceiras á região encachoeirada do Mamoré, entronque a
sua fácil navegação á via férrea do Madeira; e que o povo vigoroso e cheio
de animo, dispondo de mais forças, e a edilidade de melhor aviso, encon-
trem outra facilidade para remover os óbices ao seu adiantamento : a
cidade de Matto-Grosso, o verdadeiro coração da America Meridional,
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CIDADE DE MAITO-GROSSO 139
vivificada por essas duas artérias sem rivaes uo mundo, o rei dos rics, o
rio-niar e o Prata, ligadas entre si por uma facílima estrada de vinte e pouc as
léguas, delia ao Jaurú, — será o outro di vidi desns regiões, tào prenhes
de riquezas nos três reinos natura 3S, quão de misérias actualmente.
FIM DA SEGUNDA ?ARTE
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VIAGEM AO REDOR DO BRASIL
TERCEIRA E ULTIMA PARTE
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VIAGEM AO REDOR DO RRASIL
1875-1878
3.* H ULTIMA FART£
DA CIDADE DE MATTO-GROSSO AO RIO DE JANEIRO
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CAPITULO I
Diieoldidei pin a TÍagem. Partidi. O rio Terd«. Ai Torm Oi ginjos. O HeqoeicM. i ilhi Cospridi.
i em setembro de 1876 eu tinha estado
Ba cidade de Matto-Grosso. Ao chegar-
mos, em 20 desse mez, no posto das Sali-
nas, viera compriraentar-nos o cotoman-
dante do districto militar e fronteira, o
digno Sr. major José Gomes' Vieira da
Silva Coqueiro, e ao mesmo tempo pe-
I dir-me para ir ali ver sua senhora, graye-
mente enferma. Segui com elle, e com-
nosco o secretario da commissâo, capitãor
Costa Guimarães.
Devendo a commissâo, ao terminar
o reconhecimento e demarcação das cabe-
ceiras do Verde, mudar seus quartéis
para aquella cidade, ou fazêl-o em co-
meço do anno seguinte, no caso de não ser
agora possível, pelo adiantado da estação, remover em tempo todo o seu
material ; ia aquelle intelligente e prestimoso ofBcial incumbida de ve-
rificar os meios com que poderíamos contar para a terminação dos nossos
trabalhos pela via fluvial ; meios que dizia o governo, em suas commur
nicações ofiBciaes, ahi devíamos encontrar, para o que já tinha expedido
as convenientes ordens.
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146 ITHíERARIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Nada absolutamente ahi havia que nos podesse servir de adjuctorio ;
nem uma canoa, nem mesmo ordem para fazêl-as ; e quando a houvesse,
nem um ferro de falquejar, o que não é de admirar-se, não havendo um
carpinteiro na cidade.
Voltamos cora essa noticia.
Tínhamos deixado o resto da commissão em Salinas, preparados
para seguir para o noroeste em demanda das cabeceiras do rio Verde. Na
véspera já tinha partido neste rumo o pratico da commissão Miguel Ve-
larde (a), á descobrir caminhos ; no dia 28 partiram ; indo o capitão Gui-
marães e eu encontral-os, á 30, no Caapttam do Camará^ distante setenta
kilometros daquelle posto.
Todo o mez de oitubro e metade do seguinte buscaram-se com inces-
santes pesquizas aquellas cabeceiras ; a estação já ia adiantada e não era
de prudência o demorarmo-nos por mais tempo. Com effeito, desde 26
de setembro, em que deixámos a cidade debaixo de um violento temporal
com granizo, as chuvas foram-se amiudando á ponto de ultimamente
serem sem interrupção.
Já o solo se ia cobrindo de aguas que o terreno, completamente im-
pregnado, não filtrava.
A' 16 de novembro descemos, atravessando as primeiras vinte
léguas, por um alagado que cobria de alguns palmos os campos, dei-
xando apenas sobrenadar as cimas das gramineas que se apresentavam
(a) ExceUente moço, activo, sagaz e probidoso. Pratico dos primeiros
logares onde a commissão trabalhou, não o era destes, pelo que pediu dispensa,
continuando, porém, pelo apreço em que era tido. Seu tino e sagacidade eram taes,
que esses sitios, para elle desconhecidos, porcorria-os só, e em dous ou três dias
Toltava com uma boa indicação á seguir-se, quasi sempre a mais acertada, como
depois si o reconhecia. Somente no Verde fracassou ; entretanto a commissão lhe
foi devedora de muito bons o leaes serviços.
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ÁO BIO DB JANBIBO 147
como um virente prado ; ao passo que a estrada, núa de vegetação pelo
transito incessante do material da oommissão, semelhava um rio ser-
peiando em meio de immensa campina.
De vez em quando um extenso atoleiro, ás vezes um tremedal, deti-
nha-nos a marcha e inutilisava viaturas e animaes. O panno de amostra,
como vulgarmente se diz, tivemol-o logo á sahida, á menos de três kilo-
metros de distancia.
Somente três dias depois é que a commissão pôde se reunir no pouso
próximo, o Caapuam da Anta^ donde, entretanto, não toda, mas uma
pequena parte pôde seguir no outro dia, quasi escoteira.
Nessa marcha ficou verificada a natureza especial desse solo,
formador de corixas pela permeiabilidade de suas camadas superiores,
assentes sobre fundo impermeiavel. Do Cuci á Invernada de S. Mathias
já outro era o terreno : inteiramente sêcco, apezar dos aguaceiros
diários que o solo immediatamente absorvia, não deixando ao viajor,
em muitas dezenas de kilometros, uma poça d'agua para matar-lhe
a sede, nem mesmo nas cacimbas que se abriam com quatro e cinco
metros de fundo. O estado thermico variava muito do dia para a noite :
estas de ordinário eram frescas; mas, ao meio do dia, o thermometro
exposto subia á 42*^ e 44*. Entre S. João e as Petas, alguns bois ficaram
como que damnados de calor e sede, e fugiram para o matto.
Entretanto mais adiante a corixa de S. Mathias estava alagando-se ; e
soubemos com admiração que nesses sitios ainda não eram apparecidas
as chuvas, o que foi a prova real do que eu pensava sobre a formação das
corixas.
Da Bahia de Pedras ao rio Paraguay fomos encontrando os terrenos
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148 mNERAMO BA OIDIDE DE MÀTTOGROSSO
tão alagados, qne não achamos um local para pouso, nem mesmo para
fazer-se fogo.
Ainda ahi tivemos uma outra confirmação : fazendo-se a marcba,
desde aquelle ponto com agua acima dos jarretes do cavallo, todo o nosso
receio era encontrarmos de nado os campos do Tuyuyú ; receio augmentado
por ir alta a noite e eacurissima, apenas entrecortada pelo frequente
clarear dos relâmpagos. Pois bem, esses campos que, das outras vezes e na
estação sêcca, passámos sempre com três ã seis palmos de agua, agora
atravessámol-os desprevenidamente, tão baixa encontrando a lagoa que
suppunhamos não têl-a ainda attingido. Quando o reconhecemos foi com
o duplo contento de termol-a passado sem perigo, e ainda de termos ven-
cido toda a sua extensão e mais um bom trecho de terreno.
A' 4 de dezembro aportávamos á Corumbá.
O Sr. barão de Maracajú, que se retirara enfermo em junho, já em
novembro se achava nessa villa. Inteirado de nada encontrar-se em
Matto-Grosso,e que o governo, apezar das suas declarações, não sabia nem
tinha como prover os meios para fazer levar ao cabo toda a demarcação
do Guaporé ao Madeira ; desejoso de terminar seus trabalhos, e certo de
que, sem tomar medidas extraordinárias, a commissão não satisfaria
aquelle desideratum, propôz ao governo, e com sua autorisação contractou
com um commerciante da villa, António Joaquim Malheiros, a acquisição
e transporte de duas lanchas á vapor e duas chatas, etc., do Registro do
Jaurú á cidade de Matto-Grosso, em cujo porto as deveria dar, promptas
para a navegação, em fins de junho do anno seguinte.
Mas essas embarcações demoraram-se muito nos seus preparos, no
Ladario,e somente em abril de 1877 começaram na sua derrota Paraguay
acima.
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AO RIO DS JANEIKO 140
Etn maio descia, novamente enfermo, aquelle digno chefe ; e desta
yez, infelizmente para a commissão, para não voltar mais á ella.
II
A' 25 de junho de 1877 deixei Corumbá pela ultima vez; e na tarde
de 29 reunia-me ao resto da commissão que se achava na Corixa do Desta-
camento. Ainda ahi estávamos, em 6 de julho, quando appareceu-nos,
vindo do Begistro do Jaurú, o machinista Cardoso, de uma daquellas
lanchas, com a pouco agradável noticia de que taes embarcações não eram
ainda chegadas á seu destino, si bem que já estivessem bem adiantadas
no seu varadouro por terra ; mas, afiançava que em fins do mez estariam
no porto de Matto-Grosso.
Vinha pedir auxilio de gente, visto que alguns trabalhadores e em-
pregados de Malheiros tinham desistido da empreza, e abandonado-a por
ter este faltado ao compromisso do estipendio; de algumas juntas de bois
para reforço, e também de força para manter a ordem e evitar novos
contratempos.
Satisfez-se esse pedido no que foi possível ; e para aquelle ponto
seguiu um official com seis praças. E comigo, que nunca esperei a exe-
cução desse contracto pelas extraordinárias facilidades que apresentava o
contractante e pela mapeira por que elle o põz em pratica ; a maior parte
dos meus companheiros ficou também na crença de que não contaríamos,
pelo menos nesse anno, com esse recurso das lanchas ; pelo que aventu-
rámos que teríamos de nos contentar com o reconhecimento e demar-
cação das origens do Yerde, e perdermos mais um anno nesses
trabalhos.
A"^ 20 chegávamos á Salina^i. A' 26 dividia -se a commissão em duas
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150 ITINERÁRIO DA CIDADB DB MÁTTO-OBOSSO
secções, com o fim de terminar o mais breve possivel os seus trabalhos: uma
devendo continuar na busca daquellas vertentes do Yerde, e a outra descer
o Guaporé para ir erguer o marco definitivo da foz daquelle afBuente,
e após seguir até o Madeira para construir o ultimo á sua margem
esquerda e junto á foz do Beni.
Esta era dirigida pelo major de engenheiros, hoje tenente-coronel,
Guilherme Lassance, um dos mais distinctos engenheiros do nosso exer-
cito, e desses raríssimos caracteres em que não se descobre um senão e só
virtudes, como homem, como funccionario, como companheiro ; e secun-
dada pelo 1*^ tenente da armada Frederico de Oliveira, caracter não
somenos em qualidades moraes.
Com elles segui, no meu caracter de medico, por parecer-me que
das duas secções essa era a que devia experimentar mais perigos e soflfri-
mentos ; e também porque já me sendo conhecido o terreno onde a outra
ia operar, seguindo com esta tinha tudo à lucrar, com a copia de objectos
novos que á cada passo vir-se-hiam offerecer á meus estudos e observações.
Chegados á cidade de Matto-Grosso, em 28 de julho, tivemos confir-
madas as nossas prevenções, já não digo sobre as lanchas, mas quanto a
recursos que o ministério continuava á assegurar-nos devermos ahi
encontrar.
Talvez que suas instrucções se tivessem extraviado, visto que ne-
nhuma autorisação havia á tal respeito chegado à presidência da provín-
cia; a qual, entretanto, solicita o mais possivel em ajudar a commissão no
que estava ao seu alcance, tinha ordenado ao commandante militar de
prestar-nos todo o auxilio possivel ; e o digno Sr. major Coqueiro buscou
ainda mais obsequiar-nos dando começo â dous hotes ou canoas que contava
ter promptos ao cabo de quatro mezes. Para isso mandou buscar ferra-
mentas em S. Luiz de Cáceres ; e com os falquej adores da terra e os sol-
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AO RIO DE JANEIRO 151
dados ia^ bem ou mal, fabricando-os, qaando foi substituído por outro
commandante de nomeação do ministério da guerra. Pararam os trabalhos
de uma, que encontrámos quasi completamente escavada, e desappareceu
o material da outra. Para termos novas seria preciso pelo menos quatro
mezes. As lanchas também não podiam estar promptas antes desse tempo,
si conseguissem chegar ao porto ; hypothese difQcil de acceitar-se, visto
que nessa data só uma estava sendo varada^e vinha ainda dentro da matta,
á mais de cento e cincoenta Mlometros da ponte do Guaporé ; e que este
por sua vez apresentava um considerável embaraço ao transito, conti-
nuando completamente trancado desde quasi suas cabeceiras até a foz do
Alegre.
Todavia outras instrucçoes chegaram : em uma de suas notas o mi-
nistério instava para que se proseguisse, sem perda de tempo, nos traba-
lhos, mesmo no tempo das chuvas, pela razão muito simples e que Mr. de
La Palisse não duvidaria perfilhar, de que, sendo esses trabalhos nos
rios, as chuvas os deveriam antes facilitar que embaraçar : o que, entre-
tanto, revela o mais completo alheiamento á natureza do serviço e á
natureza do paiz, pois que nesses rios convertidos em mares na estação
das aguas, a viagem em canoas ou mesmo em lanchas á vapor, não
prescindem de tomar-se terra todos os dias para fazerem-se as refeições e
acampamentos, que só os grandes navios dispensam.
No porto da cidade havia então dous botes^ como ahi e no Pará se
denominam as canoas, vindos dessa província, e que se achavam, um
completamente inservivel e outro muito arruinado.
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152 rnNBRAio da cidade de matto-grosso
Mas para quem faz do cumprimento de deveres uma religião e busca
em tudo recursos para desempenhal-os, a presença dessas canoas era um
achado, apezar do seu estado de deteríoramento e da longa e perigosa
viagem á que eram destinadas.
O 1"* tenente Frederico, depois de eiaminal-as acuradamente, como
hábil profissional que é, opinou pelo completo abandono de uma ; e que
quanto á outra, submettida aos necessários concertos, poderia prestar-se
á viagem ; não o garantindo, todavia, para o trecho encachoeirado dos rios.
Desertas completamente estas regiões em todo o percurso da viagem
á emprehender, e esta cheia de tropeços e perigos, principalmente nesse
tracto das cac])0eiras que é de cerca de quatrocentos Mlometros, era intui-
tiva a neceí uiade" de mais embarcações ; visto a contingência de poder
alguma arrivJar-se ou perder-se; recebendo as outras os passageiros, que
sem ti* ^*^curso seriam sacrificados.
Comp.qf endida essa necessidade, a commissâo nâo devia seguir
escoteira p^ \ essa viagem de quatro á seis mezes, e conduzindo além da
alimentação geral o pesado material dos trabalhos, do qual não era dos
mais cargos ^ a luneta meridiana ; e foram essas considerações que deter-
minaram o contracto das duas lanchas e o apercebimento de uma ou duas
chatas, e de mojiíarias ou canoas ligeiras para o seiTiço do reconheci-
mento dos f ^o,t) também para o recurso da pesca e da caça, sem prejuízo
dos mais serviços.
Falto" tudo, menos á commissâo a disposição de espirito e bom
animo para buscar finalisar longos e já demorados trabalhos,pelo que pro-
põz-se ao chefe que, em vez de aguardar-se a vinda das lanchas, e essa
mesmo i^uito problemática, nesse espaço de quatro á seis mezes, obti-
vesse-se o bofe; e reduzindo-se o mais possivel o pessoal e o material, des-
cêssemos nelle á concluir bosbo serviço. Nessa proposta nem de leve se
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AO RIO DE JANEIRO 153
tocava no sacrifício que nos impunhamos, que, também, nem de leve foi
percebido por aquelles á quem cumpria avaliar e reconhecer esses tra-
balhos.
Comprou-se o bote ; mas uma nova dificuldade surgiu : não havia
nem remadores nem pilotos. O major Coqueiro tinha-nos indicado dous
que conheciam o rio até o forte do Principe da Beira ; mas isso só não
bastava. A navegação é, por assim dizer, franca até esse ponto ; delle em
diante é que começam os verdadeiros tropeços ; e o grande perigo e summa
difficuldade está nas cachoeiras, onde é de necessidade não só um hábil
piloto, como amestrados remeiros.
Lidou-se muitos dias em buscal-os : os que eram indicados escusa-
vam-se, dizendo conhecerem apenas o Guaporé ; e somente . ^^^^tj^
promessa de melhores vantagens, que supponho ficaram es(^ *aas, pres^
tou-Fe o próprio dono do bote á piloleal-o, agenciando cinco dos seus
antigos remadores, já conhecedores de todo o Madeira.
Na cidade estavam onze soldiwlos, dos incorrigíveis, e * or isso con-
demnados á irem servir naquelle torte, — o degredo em segui' ia instancia
da provinda : deu-se-lhes conducção, aproveitando-se os sr serviços no
remo até aquelle ponto. Dahi, compromettia-se o-piloto á ir ao Baures
contractar indios, que afiançava serem práticos na navegação das ca-
choeiras.
Também á custo se obteve uma montaria^ embarcação, como já
vimos, de grande necessidade nessa navegação, não só para o exame e
exploração dos rios, quer no levantamento topographico, q.M>r nos seus
maus passos e difficuldades, como ainda para prover os navegantes de ali-
mentos frescos.
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154 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATIKHJROSSO
III
Após quasi um mez de trabalhos incessantes e acurados sob a intel-
ligente direcção do l*' tenente Frederico, ficou o bote em estado de na-
vegar ; e na tarde de 27 de agosto, segunda-feira, ás cinco e meia horas,
encetámos a descida do Guaporé. Comnosco, além dos onze degredados e
dos cinco remeiros, um dos quaes, o Sr. Estevam, irmão do dono do bote,
e que ia de piloto, iam dous soldados pedreiros e um servente, um sargento
que conduzia os degredados, a mulher e dous filhinlios do sargento, que
não tivemos coragem de separar do marido, no desterro á que ia, e um
creado nosso : ao todo vinte e seis pessoas. A montaria era conduzida por
^^WiWnRitros remadores. Acondicionámos no bote a cal e o cimento neces-
sStmo^ para os dous marcos, os instrumentos de observação, inclusive uma
luneta Tneridiana, os de trabalho estrictaraente indispensáveis, uma ambu-
lancia-canastra regularjnente sortida, e os géneros de alimentação de pri-
meira necessidade, para quatro mezes, na esperança de os secundar com
a caça e peixe que encontrássemos.
Nossa guarda-roupa foi altamente reduzida ao necessário para uma
viagem no deserto, e mais um traje decente para nos apresentarmos nos
povoados; sendo abandonado o mais da bagagem, como livros, roupas,
instrumentos, etc.
Nas viagens por terra tinha-nos sempre acompanhado uma
pequena chalana de dous metros de comprido e quasi um de largura,
quinze centímetros de altura na borda, e fundo de prato ; isto é, uma
espécie de gamella que nas corixas devia fazer o papel de pèlofa, caso as
encontrássemos de nado. Passou á servir de gallinheiro, prestando-nos
também o serviço que lhe fosse possível ; dous dos nossos remeiros alter-
navam diariamente nella.
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AO RIO DE JÂNEIBO 155
Sahimos áquella hora por conselho, mui razoável, que nos deram os
homens práticos da terra ; pela difficuldade, ou melhor, impossibilidade
que teríamos de reunir os remadores pela manhã cedo, apezar do seu
contracto. Uma vez embarcados findava-se o receio, fundado apenas, mas
mui bem fundado, na natural indolência delles.
Grande parte do povo veiu acompanhar-nos ao embarque ; feitas as
despedidas seguimos viagem. O bote levava menos de pollegada de borda
fora d^agua, mas felizmente sabiamos que cada dia iria emergindo mais.
A' pequena distancia da cidade, e ainda á sua vista, o rio abriu não
ha muitos annos um furo na sua margem esquerda, que pouco á pouco
foi se aprofundando, de modo que é hoje o canal e seu verdadeiro leito,
comquanto mais estreito que o antigo. Seguimos pôr elle, e após uma
hora fundeámos á margem direita. Aqui, pouco mais ou menos, colloca o
padre Manoel da Motta, na sua Belação e âescripçào geographica ão
famoso rio Amazonas (a), uma aldeia de S. Bapha^I^ duas léguas acima
do Sararé e três pela terra á dentro, na margem direita do Guaporé, a
qual de ninguém mais foi conhecida, porquanto delia ninguém falia.
O patrão do bote, Sr. Lúcio Antunes Maciel, voltou na montaria
para a cidade com os seus dous remadores, ficando de se nos reunir mais
tarde, e deixando de piloto seu irmão Estevão " t.
A' 28, ás 6 da manhã, seguimos viagem, i ^ )Oucos minutos fomos
deixando á nossa esquerda uma situação e engen, i^a da familia Maciel,
familia oriunda, como já vimos, dos primeiros e priucipaes povoadores da
província ; ás 7 1/4 o Sararé, rio das lontras em dialecto dos palmei-
las (b), que, nascido na cordilheira dos Parecis, vae ter ao Guaporé n'um
(a) Corog, Hist. do Sr. MeUo Moraes, III, pag. 493.
(b) Tribu socegada e domesticada, mas desconhecida, que ha alguns annos appa-
receu junto ao logor Palmellas, donde ficou-lhe o nome.
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156 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
curso talvez de duzentos Mlometros, cuja metade é navegável. De seus
braços os principaes e conhecidos são : Graça, ribeirão da Bulha, Finda-
Jiituha, que é o seu maior affluente, Leonardo, Lages, Ouro-fíno, Buriiy
e S. Francisco Xavier^ todos celebres nos áureos tempos da capitania.
O córrego da Bulha é assim chamado pelos ruidos especiaes que dá á
ouvir, junto á serra» determinados pela entrada das aguas em soca voes e
cavernas lateraes: o que descreveu o astrónomo Dr. Silva Pontes, com a sua
costumada ingenuidade, nestes termos : « porque ahi se ouvem barulhos
como de instrumentos de mineiros, de que sou testemunha ; este estrondo
é indicativo supersticioso para estes povos rudes, de que ha ouro nestes
logares e de quej^o diabo, por falta de occupação, com o nome de curupira^
á que na Europa chamam duende e em todas as linguas tem o seu nome,
anda divertindo-se ou arremedando o emprego dos homens de tirar ouro,
fazendo estrondo com som de instrumentos de minerar. » (a)
Um quarto de légua ao oriente deste ribeiro fez fundar Luiz de
Albuquerque, em 1781, uma aldeia com cincoenta e seis indios parecis,
maimbarés e cabixys, sob a direcção de Bernardo Cardoso, e que pouco
durou por causa dos abusos e despotismo desse director. Eis como aca-
bou-se : em fins de maio de 1783, vindo do matto um indio com uma
nova mulher, irmã da que já possuia, Bernardo os descasou, tomando a
noiva para si e dando em troca ao indio uma mulher com quem estava.
Indignados os indios com tal despotismo incendiaram a aldeia, e mata-
ram o director e todos os brancos aldeidos, em numero de sete, escapando
delles apenas um de nome Manoel Boque, que tinha ido aos arraiaes á
buscar pólvora e chumbo, e ao voltar, encontrando somente destruição e
mortes, fugiu para S. Francisco Xavier.
Eicardo Franco determina a foz do Sararé aos 14** 51' latitude.
(a) Diário da diligencia de reoonheoimentt ás cabeceiras dos rios Sararé, Gua»
poré, Tapajoz e Jaurú, Ms. da Bib. Nac.
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AO RIO DE JANEIRO 157
Perto delia ficava o porto da Pescaria^ onde Manoel Félix de Lima refez
suas canoas antes de começar a sorprehendente e gloriosa viagem do
Guaporé á Belém ; e onde, mais tarde, seu companheiro de viagem Joa-
quim Ferreira Chaves, desertado de Belém, onde o fizerem assentar praça,
veiu estabelecer uma rocinha, que de tanto soccorro foi á outros nave-
gantes.
Nossa derrota de hoje, que se pôde reputar a primeira, foi de sol á
sol, descançando-se apenas das dez ás onze horas, para prepararmos o
almoço. Calculo que andaríamos cincoenta kilometros.
Quarta-feira, 19, sahimos á mesma hora da véspera. O Guaporé
estende-se entre virentes e formosas margens de alta mattaria, guardando
uma largura de duzentos e cincoenta á trezentos metros. Mas a sua pro-
fundidade varia, e hoje já encalhámos quatro vezes em fundo de areia e
pedemaes.
A'8 7 e 10 minutos da manhã passámos o Copivary^ á margem
esquerda, nascido na serra de Ricardo Franco, reconhecido e estudado
em 1788 pelo Dr. Silva Pontes, que determinou a sua embocadura aos
14** 40' de latitude. Dista c5rca de trinta e oito kilometros da foz do
Sararé.
A's 2 1/2 da tarde fundeámos no porto do Ciibaião, situado aos
14* 3r latitude (commissão de 1782), naquella margem e não na direita
como nos indicava um mappa de 1790, copiado no Archivo Militar e tra-
zido pela commissão. Deve ter sido uma grande fabrica nos tempos prós-
peros da comarca, e ainda hoje indica, nos restos de sua grandeza, a opu-
lência de que gozou. Fica n'uma larga collina, escarpas daquella serra ;
seus flancos escarvados pelas grandes enchentes do río deixam á desco-
berto entre largos pannos de argilla e mame irisado, veios de grés angu-
loso branco ou amarellado, talcitos e psammitos que vão se reduzindo
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158 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
á argilla nessa sorprendente decomposição por que, nestas regiões, tém
passado as rochas metamorphicas, e especialmente o gneiss. Tem ainda
uma engenhoca á trabalhar em aguardentes e assucar de rapadura,
produzindo cerca de umas duzentas arrobas annuaes, apezar de muito
abandonada e sem forças de trabalho. A casa de vivenda está á
duzentos metros do rio e á vinte e oito kilometros do Capivary, n'uma
altura de dezoito metros sobre o nivel ordinário das aguas.
Ahi encontrámos o destacamento do arraial de S. Vicente Ferreira,
por ter este sido completamente destruído, em 1875,n'uma ultima aggres-
são dos cabixys, a tribu a mais infensa das que presentemente percor-
rem as margens do Guaporé. O arraial, situado na encosta de um dos
espigões da cordilheira dos Parecis,distava do Cubatão uns quarenta kilo-
metros em Jinha recta ; naquelle acommettimento foram mortos e apri-
sionados os seus já muito poucos moradores, salvando-se apenas dous
velhos já macrobios, uma mulher e uma creança, que recolheram-se ao
Cubatão. O destacamento, que aqui encontramos, compunha^e de um ca-
dete e um soldado ; aquelle nessa mesma occasião recebeu a sua baixa do
serviço, ficando agora o soldado como toda a guarnição do ponto.
Em frente ao Cubatão houve, ha poucos annos, uma aldeia de indios
garayos, estabelecida por António Gomes da Silva, sob a invocação de
Santa Ignez. Seus fins eram a exploração da gomma elástica ou seringa ;
mas de pouca duração logrou.
IV
A's 11 horas da manhã de 1 de setembro, sabbado, enfirentavamos
com a foz do Galera^ rio outr'ora celebre pelas riquezas de seu território:
vém lançar-se á margem direita e cerca de cincoenta kilometros abaixo
do Capivary.
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AO RIO DE JANEIKO 159
Foi ahi que, em 1767, Bento Dias Botelho descobriu, á distancia de
uns cento e dez kilometros, á NO. de Villa Bella, as afamadas minas que
trouxeram o estabelecimento do arraial de S. Vicente, o ultimo que per-
durou de todos quantos pulularam nessas regiões do ouro, até ser des-
truido pelos cabixys.
Forma-se o Galera de quatro principaes cabeceiras : S. Vicente,
Maguabaré, Tamaré e Samhurd, das quaes este ultimo ribeirão, que é o
mais septentrional, fica á cerca de uma légua da mais oriental fonte do
Juhina, e o Tamaré uma légua ao norte das vertentes do Sararé.
A's 3 1/2 da tarde do dia 2 entravamos na barra do rio Verde.
Nossas marchas tém sido regularmente do romper d'alva ás 10 horas e
do meio dia ao pôr do sol.
Fósc cio rio V«rd©
Acampámos á margem esquerda, em frente á ilha do Carvalho, que
elle forma ao confluir no Guaporé : mede essa ilha quatro mil e cem
metros de extensão sobre mil e seiscentos na maior largura.
Nasce o Verde pouco além do parallelo 15" : o marco brasileiro, col-
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160 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
locado á seiscentos e vinte e sete metros do entroncamento das suas duas
principaes cabeceiras, foi determinado aos 15** 5' 49",82, latitude, e
17° 20' 31'',80 longitude Occidental do Rio de Janeiro. Os engenheiros
do século passado demarcaram-lhe a foz na latitude de 14° O'; e o marco
que aqui viemos collocar, na extrema da margem direita, e que se ergue
á cem metros da confluência, foi determinado aos 14* O' 2",83 latitude
e 17° 10' 8'\70 O. do Rio de Janeiro,
Para sua construcção foi-se buscar pedra á quinze kilometros, Grua-
poré acima, no local chamado Gibraltar.
Inaugurado ás nove horas da manhã do dia 7, celebrámos assim o
grande dia da pátria. Uma hora depois seguiamos viagem, pois não havia
tempo á perder.
Tão escassa de recursos naturaes é a pobre ex-capital dos capitáes-
generaes, quão ubérrimas estas paragens : contraste inaudito, de que já
nos haviam fallado na cidade, e que tomámos por exagerado, mas que é
verdadeiro. Rogorgitam as florestas de caça, e da melhor, que em aves
aos bandos vém pousar nas arvores marginaes ou correr nos extensos
arenaes das praias formosissimas, ou esgaravatar as hervas ribeirinhas.
São mutuns (a), jacus (b), joós (c), rolas e arancuans (d) de todas as
espécies, caça de primeira ordem e sem rival no mundo ; além da mul-
tidão de corpulentos tucanos, papagaios, araras e mil outros pássaros.
Dos vertebrados, — queixadas ecaitetús, os javalis da America, veados
(a) Crax alector: ha-os de quatro espécies, crax gaUata, mutum oa^allo; crax
glohulosa, mutum de fava ; crax tuberosa, mutum de vargem,
(b) Penelops : ha três variedades, assú, peba e tinga.
(c) Tira o nome da voz com que canta. E' um tinamus.
(d) Outra espécie de penelops, ou melhor, ortalida. Deriva também do canto o
nome que tem, e que é o mesmo que os bororós dão á ipecuacuanha»
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AO RIO DE JANEIRO 161
e tatus de varias espécies, pacas, cotias e a anta, o maior dos quadrúpe-
des do novo mundo, a gran-lesiia dos hespanhoes, mostram á cada passo
impressos na areia os signaes da sua passagem, do mesmo modo que são
também muito communs os das onças e jacarés. Abundam egualmente
varias espécies dos primates, entre ellas o coatá^ ateies paniscus, cuja
carne passa por saborosissima, e é de preferencia buscada pela chusma
do bote, cujos caçadores vém diariamente carregados com dúzias delles.
No rio o peixe é era tal copia que, sem muito esforço nem demora,
pesca-se á anzol ou á flecha, sem hyperbole, a quantidade que se quer de
pintados ou surubys (patystomatis), pirajaguaras e pirararas (phracto-
cephalus hemiliopterus) e piràhyhas (bagrus reticulatus), todos peixes de
mais de metro de comprido, e de dous e três, ás vezes ; immensa copia de
mairinchanSy nhacunãds^ dourados (coriphoena), piranhas (miletes ma-
cropomus), aquellas duas primeiras sem duvida alguma as mais sabo-
rosas desses rios, e que os percorrem e mesmo se lhes encostam ás mar-
gens em grandes cardumes. Já vão, também, apparecendo as tracajás
(emys tracajá), a melhor espécies das tartarugas da agua doce; que estão
agora na época de depor os saborosos e tão estimados ovos, menos procu-
rados e consumidos todavia pelos homens do que pelos jacarés, que muito
mais tino revelam do que nós em buscal-os e descobril-os sob a grossa
camada de areia em que são depostos. Aquelles saurios são de peior espé-
cie e differentes dos que habitam os rios que desaguam no Prata. Lá são
negruscos, de dimensões menores,e também mais timidos e menos ferozes:
comprehendem duas espécies o àUigator palpebrosvs e o alligator
lucius. Os daqui são os terriveis jacarés de óculos, alligator scíerops^ cujos
olhos, de côr avermelhada, formam alta protuberância no terço médio do
seu alongado focinho.
Dão os naturalistas á alguns jacarés a denominação de monitores^
donde os americanos tiraram o nome para o seu primeiro encouraçado de
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l62 ÍTINERAKIÒ DÁ CIDADE 1)E MÀTTO-OfeOSSÓ
convez á flor d'agua,e que por sua vez deu o nome á classe desses navios :
e, com effeito, ao vêr-se um daquelles monstruosos amphibios cortando as
aguas, quasi todo o corpo mergulhado e só a parte superior da enorme
cabeça sobrenadando, com os olhos de um luzir de brasa, sahindo de duas
eminências como as torres daquelles navios, sente-se a verdade do simile.
Com a nossa parada, aqui, tem apparecido alguns casos de febres
terçans, fáceis de debellar com pequenas doses de quinina e rações de
café e aguardente. Tém por causa a necessidade que quasi diariamente
houve, durante a viagem, de trabalhar-se dentro d'agua, ás vezes muitas
horas, para desencalhar o bote.
Desde o dia 6 que o Sr. Lúcio era de volta da cidade ; mas, affa-
zeres urgentes, exigindo sua presença ali, veiu propor ser substituido na
pilotagem por seu irmão António, também conhecedor dos rios e egual-
mente apreciado pelos homens da tripolação. Trouxe-nos mais um pratico
das cachoeiras, o Sr. José Pires da Silva Gomes, que ahi deverá conduzir
a embarcação. Por ora, emquanto não chega o Sr. António, vae pilotean-
do-a o mesmo que até aqui a tem dirigido.
A's 10 horas e 5 minutos do dia 7 partimos todos, elle para a
cidade, tendo sido acceita a sua proposta, e nós aguas abaixo, ao nosso
destino.
Fomos deixando, á direita, o Campo dos Cábixys^ e á esquerda o
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AO RIO DE JANEIRO 163
PareããosinJio, pequena barranca de grez e argilla vermelha, como a
maior parte das alturas que iremos encontrando á orla do rio.
Sesteámos na margem direita ; e ás 4 1/2 da tarde deu-se fundo
cerca de três kilometros abaixo do Paredão dos Marimbondos^ por causa
de um violento temporal que ameaçava, e desencadeiou-se das 7 ás 11 da
noite. Dão o nome Ae paredões ás orlas do rio quando elevadas e abruptas,
qualquer que seja a rocha que as forme. O dos Marimbondos é de argilla
calcarea de veios avermelhados.
Presentimos sermos seguidos de perto pelos selvagens, sem duvida os
cabiiys, presentemente os mais ferozes devastadores dessas regiões, e que,
ainda neste mesmo anno, foram até dentro da cidade, onde roubaram
gallinhas e laranjas, por mais não encontrarem, e deitaram fogo á umas
palhoças inhabitadas. A montaria, que vae adiante, avistou-os também
e voltou para nos avisar ; pelo que deu-se seguimento ao bote costeando
a margem opposta.
Nenhuma novidade tem havido na nossa derrota. Terçíi-feira, 11,
passámos, ás 7 1/2, o Campo das Pitas, que demora á uns cento e vinte
kilometros da embocadura do Verde, rio abaixo, e uns quarenta á qua-
renta e cinco em linha recta. A's 8 1/2 passamos o Primeiro Mangabal-
zinho, e meia hora depois o Segundo, ambos á margem esquerda, onde
o terreno continua abarrancado. Demorados, como de costume, nas duas
horas para descanço e almoço, sahimos á uma da tarde e em quarenta
minutos enfrentámos com o Mangahal Grande, alto campestre do mesmo
lado.
Ás 4 1/2 passávamos o Campo das Três Barras, na mesma mar-
gem, assim chamado de duas bahias bastante largas que se abrem quasi
fronteiras.
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164 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
A's 5 horas e 5 minutos parámos debaixo de grandes aguaceiros e
forte trovoada.
A's 6 da manhã de 12 sahimos ; ás 7 horas e 4 minutos começámos
á passar a ilha dos Monos ; ás 8 horas e 55 minutos o rio Quariferé ou
Piolho, nascido na cordilheira dos Parecis, e cujo curso dizem ser maior
de vinte e cinco léguas. Em suas margens existiu um grande quilombo
de escravos fugidos, indios e negros, que Luiz Pinto debandou em 1768;
e, mais tarde renovado, só foi completamente destruído vinte e sete annos
depois por Luiz de Albuquerque ; que no seu sitio estabeleceu a aldeia
Carlota^ na supposição de serem ricas de ouro taes paragens. Mas, os
colonos apenas encontraram aquelles sevandijas, donde proveiu um dos
nomes do rio ; e em breve extinguíu-se o aldeiamento.
A's 10 horas e 35 minutos costeámos o Campo do Pirarara^ á
direita. A' esquerda, vem morrer perto da margem uma morraria,
espigão da Kicardo Franco que ainda era á vista em direcção do Norte.
A's 11 e 5 minutos começam grossos aguaceiros com forte tro-
voada e vento de rebojo. Meia hora depois, serenada a tempestade, segui-
mos viagem ; ás 2 e 20 minutos passámos o rio Branco ou Cabixy (a),
de curso egual ao do Sararé, e como este descido da mesma região.
Dista uns dezesete kilometros do Quariteré.
A's 2 e 40 minutos roçou o bote n'um banco de pedras, ficando
preso por um bom quarto de hora. A's 4 1/2 encalhou de novo era frente
ao ponto das Torres, donde só conseguiu-se safal-o ao cabo de uma hora de
trabalho (b).
(m) Cabixy chamam os indios do Guaporé.á uma espécie de polypeiro das aguas
doces, que se forma nas raizes e troncos das sarans e arvores sujeitas A innunda-
çáo ; affectam sempre a forma globular e assemclham-se jnulto aos ouriços do mar.
(b) O Atlas do senador Cândido Mendes colloca ahi um povoado que nunc«
existiu.
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AO RIO BE JANEIRO 165
As Torres são uma verdadeira curiosidade natural ; chamam assim
o ponto, mas realmente só uma existe, não sabendo eu si existiram outras
ou outra, o que parece natural era vista da denominação. Eleva-se sobre
um morrote quasi isolado, mas pertencente á morraria de Ricardo Franco,
que daqui para o N. vae costeando ainda o rio até morrer uns sessenta
kilometros abaixo. O morrote t^m cerca de quarenta á cincoenta metros de
As Torres.
altura, e nelle a forre destaca-se tão limpa, que á primeira vista duvida-se
que não seja producto do engenho humano. Parece uma agglomeração
de blocos mais ou menos prismáticos, de arestas vivas, e juxtapostos com
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166 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
bastante regularidade, aqui enredando-se de hera, ali apresentando falhas
ou cocurutos ; e no chão montes daquelles seixos angulares ; tudo de tal
modo, que bem representa as ruínas de uma torre quadrangular quas
destruída pela acção devastadora dos séculos. Sua apparencia, quasi
perfeita, excede de muito á das Torres de Santa Catharina, na íoz do
Ararangud (a), próximo á Laguna, que consistem n'um acervo de pedras
juxtapostas verticalmente, como n'um grande muro ou paredes de um
edifício, pelo que alguns as chamam, também, os Conventos.
Pelas 6 da manhã de 13, quinta-feira, sahimos e com duas horas de
seguimento passámos o Paredão das Torres ; encalhámos por três vezes
uma delias ás 8 horas e 10 minutos, á boca do Turvo^ riacho da margem
direita, á doze kilometros das Torres. A's 2 horas e 10 minutos passá-
mos o Campo do Pau Cerne, no lado opposto : aqui pretendeu, em 1851,
estabelecer um aldeiamento de garayos o mesmo Silva; que mais tarde os
reuniu na aldeia de Santa Ignez, em frente ao Gubatão, e com o mesmo
êxito do primeiro.
No dia seguinte, logo ás 6 horas e 10 minutos, enfrentámos com a
Terra firme da Pimenieira, sitio alto e ao abrigo das innundações ; e
á meio rio duas ilhas, em que dividiu-se a única ahi demarcada pelos
antigos engenheiros. A's 11 horas e 5 minutos abicámos á margem
esquerda, pouco abaixo da ilha da Lanterna. A's 3 horas e 20 minutos,
vimos um córrego á margem direita, não registrado por aquelles expio-
«
radores ; ás 3 horas e 58 minutos a ilha das Flexas, e em seguida peque-
nos bancos de areia em que o bote foi roçando.
(a) Aos 28o 37' de latitude. Pizarro dá-lhe 29o 16' e de longitude 326o 57 da ilha
de Ferro.
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AO RIO DÉ JANEÍRO l6?
VI
Sabbado 15, passámos, ás 7 da manhã, o Paredão Vermelho, onde
vivem Índios garayos, domesticados, conhecidos pela tribu do Pau Cerne.
Supponho serem os mesmos garajuz dos antigos. Suas roças ficam na
encosta do rio, e por entre a matta apparecem altas bananeiras e as
cumieiras de grandes palhoças.
Ohamou-se-os á busina : esta é feita de uma aspa de boi ; o seu som
rouco e profundo ouve-se mui l^nge, e segundo affirmaram, e apenas con-
signo,—á mais légua. Immediatamente surgiram á barranca quatorze
homens, vinte e duas mulheres e um numero de creanças de toda a idade,
superior á trinta, completamente nús, e todos vermelhos côr de argilla,
até nos cabellos. Dous individues de cada um desses grupos entraram
n*uma montaria e vieram abordar o bote. A côr vermelha era devida ao
urucú, que por maior tafularia esfregaram desde os cabellos aos pés para
receberem-nos com a maior decência possível, sabendo, desde já três dias,
que vínhamos descendo.
Não são feios, ao contrario ; mas não tém a elegância do porte nem
mesmo a belleza dos traços physionomicos dos cadiuéos, tribu a mais for-
mosa que já vimos. Das mulheres uma era joven, de feições bem agradá-
veis, alta, esbelta, formas esculpturaes ; a outra, que em grau de paren-
tesco devia ser sua sogra, parecia pouco mais idosa, mas carecia dos
encantos da companheira, comquanto não representasse ter filhos já casa-
dos. Também dos dous homens facilmente se percebia que um era mais
velho do que o outro, mas ninguém lhes daria a diíTerença de annos neces-
sária para serem pae e filho : o moço representava vinte e dous á vinte e
cinco annos ; o outro trinta á trinta e cinco no mais.
Exceptuada a joven, que é de suppôr não fosse a excepção da tribu,
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168 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
todos OS outros, grandes e meninos, apresentam bem desenvolvida a parte
superior do tronco e membros thoracicos, o que geralmente é indicio das
tribus canoeiros, pelo exercicio que o remo dá aos músculos daquellas
regiões ; e o hypogastro muito desenvolvido e em perfeito contraste com
o pouco amplo dos quadris e a finura das pernas, o que muito lhes preju-
dica a belleza do porte.
Já na Climatographia deli-se a explicação desse extraordinário des-
envolvimento do hypogastro.
A's 10 horas, após uns cinco minutos de viagem chegámos em frente
á segunda aldeia e roça. Esta tem dous portos onde vimos abicada uma
boa dúzia de montarias. Isso trouxe-nos immediatamente á idéa o porto
e a cidade de onde vínhamos ; e não pudemos evitar o pensamento de que
estes selvagens são mais activos e trabalhadores do que aquelles cidadãos.
Por entre a fronde divulgava-se a cobertura de uma extensa palhoça,
e aqui e ali, pelos claros da matta, as cimas das bananeirase dos milha-
raes em flor. '
Cultivam também batatas, carás, inhames, mandioca, melões e
pimentas, e as suas grandes roças são mais retiradas do rio.
A' nossa chegada cobriu-se a barranca de gentio, mormente mulhe-
res e creanças ; muitas das quaes vimos correndo do lado da primeira
aldeia e também do lado de baixo da segunda.
Faliam alguma cousa o portuguez ; e dos que nos procuraram o mais
velho fallava-D regularmente. São muito pedinchões, o que é muito na-
tural ao saberem dos recursos de toda a natureza de que dispõem os civili-
sados, mormente os que podem diminuir-lhes o trabalho ou favoneiar-lhes
a vaidade. Assim são cubiçosos de facas, machados, thesouras, espelhos e
avellorios ; mas sobretudo os machados e facas, que recebem com uma
avidez indescriptivel, fugindo immediatamente, e esquecendo-se quasi
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AO RIO DE JANEIRO
169
sempre de dar a retribuição acordada em fructos, grãos e batatas que cul-
tivam, e que de tanto soccorro são aos viajantes, nestas alturas.
Os garayos habitam também os logares altos das FlexaSj Jangada^
Veados e Acorisal, na margem esquerda, todos isentos das grandes
clieias.
Seu dialecto natural é o guarany, com mui ligeiras modificações,
entremeiado de vocábulos portuguezes e alguns hespanhoes, como cana,
aguardente, tortuga^ tartaruga, e porotos^ feijões.
Eis alguns dos seus vocábulos :
Adeus
Abrir
Agua
Agulha
Aguapé
Aldeia
Alegria
Ali
Amamentar
Amanhã
Andar depressa
Annel
Ante-braço
Anus
Aquelle
Aqui, cá
Arara
Arco
Areia
Arraia
Arroz
Arvore
Avarento
Avô
Aiilla
Banana
Barba
Barriga
tá-tsorane
mboio-kende
y
yu
aguapé
taba
erubête-oxicá
pêbe
acambyra
ahi-hibê
aem-bóê
mambiara-uçú
jybá
/ecuare
cô
ábe
canindé
urupára
ybicuy
jabebyra
arúço (a)
ymira
cauhino (b)
tamóin
enapyuhyre
bery
ambotá
rihéna; udhá
Beber
aijure
Beiços
rama ; rembê
Boca
jurú
Bochechas
icuára
Bom nicuêre ; abujê
Bonito
iporan
Borboleta
pána-pána
Braço
jytá
Branco
ty; jety
Brincar
japô-japô
Cabeça
Cabeílos
acá
ái;á
Caçar cairara ; caiçara (a)
Caetetú
taitetú
Calcanhar
pytançá
Calor
rabucô
Campo
jubê
Cana de assucar
pataque
Canastra
capire-pínta
Canoa
igara
Canto de aves
uíra-cuêta
Cão
cabe
Capivara
capigue
Cara, rosto
robá
Caroço, semente
unhauhy ;
guaguaçú
Carne
ohô
Carvão
tatapy
(a) Corruptela do portuguez.
(b) Idem da voz cauhilo í
22
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170
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-QROSSO
Casar arecô cunha ; osco ména ;
Diabo
caruare
hára-hára (obsceno)
Dizer,
nenen
Casca, couro, pelle ipirêre
Doente
marah ; mbacy
Céo
hyvá
Doer
tacy mbaecê
Chapéo
acandirá ; ao
Dormir
taquene
Chefe
borêri-coare
Escorregar
pycery
Chegar
aye-potá
Esperar
jamerane
Chumbo
mocaráin
Estar
avehi-corame
Chuva
aimanre
Este
cô
Cigarro, fumo
petun
Estreito
dipihy
Cinza
tanimbô
Estrella
jacy-tatá
Cipó
icipó
Eu
xê
Clava, maça
urumépada
Faca
quecé
Coatá
caiguaçú
Fallar
nenen
Cobra
mboi
Fazer
ambô
CoUar
carurá (a)
Fechar
tatá
Comer
combiá
Feio
naporan
Comida
tamôh
Feijão
porotos (a)
Comprar
epitá
Filho, filha
rahira
Connulium
ttporênô ; hára hára ;
Fino
icatupíhre
'
xique-xique
Flor
baepoty
Coração
pya;pycyhâ
Fogo
tatá
Corda
inintxa
Folha, herva,
matto caá
Corpo
rohô
Formiga
hara hara
Correr
an-haura
Frio
rohy
Coser
uhita
Fronte
robá
Costas
cupê
Fructo
baêhá
Cotovello
jybá-ynanga
Fugir
gahira
Coxas
hú
Fumaça
tatantxê
Creança
columi; tximbáe
Furtar
mondara
Cuia
ya
Gallinha
tacure
Curioso
aba-«coabába
Gallo
tacura
Curto
japianunha
Genf. honi.
tapiá
Cuspo
randy
Gen, muUeh,
sapipire ; tamáco (b)
l)ar
mondô-xupê
Gomma elástica jametá
Dedos da mão
idecuá ; monopêdo
Gordo
iquirá
Dedo poUegar
popô
Gordura
aiboê-xehú
» do pé
py-acuá
Grande
tobixá
)) grande do
pé caruacá
Herva
caá
Dentada
xuhú
Hombro
henaicy
Dentes
rahy
Homem
ába
Deus
tupá
Hontem
rerê
(a) CJorruptela do portuguez,
(a) Vocábulo castelhano.
(b) Corruptela do locução port. ?
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Ir
Irmã
Irraào
Lingua
Máe
Mão
Mel
Menino
Mulher
Minhoca
Mulher casada
Mutum
Não
Não ha
Nariz
Noite
Nós
Olhos
Onça
Orelhas
Pae
Pássaro
Pau
Pé
Pedra
Peito
Pelle
Perna
Pescoço
AO RIO DE JANEIRO
ambô
Queixo
rendy
Eiacho
heby
Kio
cú
Eosario
cy ; mama (c)
Sacco
pôo
Sal
ejáh
Setta
piá
Sobrancelha
ecúre
Sol
juretxúre
Tabaco
cuden-hê
Tartaruga
tupíni
Eu tenho, ter
ani ; ániri
TeiTa
uira-pêpe
Testa
ty(tyn)
Testículo
pintum
Trazer
pandê
Trovão
teça
Tu, teu
jaguaretê
Valente, bravo
namby
Velho
tub
Vestido
uirá'
1
ibyra
2
pi
3
itá
4
caama
5
mutéby
6
tynia
10
aihúra
171
tendivá
pahryaná-merim
y ; pahryaná
mohire
pi-higuá
juquery
uhú
aroh-rupiá
harh
petum
tortuga(a)
xe-arec6 ; arecô
ibi
robá
racuahin
erú
oçuniin
ndê
juraténe
tujá
trocuáre
monopêdo
mocôe
heb-hy
dhyrú
dipomuna
dipomuna-coti
heh-heby
VII
Sahimos da aldeia dos Garayos á 1 hora da tarde, e era quarenta
minutos estávamos no Estirão da Jangaâinlia.
Chamara csHrões aos grandes trechos em que o rio se deslisa
n*uma recta : aqui raras vezes são maiores de uma milha, tão tor-
(c) Voz portugueza.
(a) Voz castelhana.
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172 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATT0-0R0S80
tuoso vae elle ; no Amazonas ha-os de cincoenta, sinão mais, kilomelros ;
o maior do Guaporé não alcança á dez. Sempre foi difificil n'uma extensa
região distinguir-se por nomes adequados ura trecho de outro, tanta a
sua uniformidade e falta de accidentes que lhe dêem um cunho especial ;
e nessa difficuldade soccorrem-se os viajantes de qualquer successo por
mais fiitil e insignificante que seja,e associam-o á localidade, onde se deu,
para fazêl-a lembrada e conhecida ; tal a origem da denominação de
tantos riachos, ilhas, praias, bahias, etc., de tatus, tamanduás, capiva-
ras, veados, etc., taes as designações de outros logares que fomos encon-
trando com os nomes de Pirarara, Pau Cerne, Acorisaes, Carandás, etc.
Devido á isso e por haver perto outro estirão da Jangada^ assim cha-
mado por ahi ter sido encontrada, ou ter-se perdido uma dessas embar-
cações, ou por qualquer outro successo á ella relativo, chamaram o menor
de Jangaãinha ; e assim o fizeram conhecido, graças á essa belleza de
rhetorica que é entretanto uma pobreza de idéas, sinão verdadeiro
disparate.
A's 2 da tarde avistámos pela direita o morrote dos Veados^ que
passámos ás 4 horas e 10 minutos. Tanto neste ponto como no da Janga-
dinha ha malocas de garayos, para onde, á noite, voltai-am alguns dos
soldados e remeiros à comprar milho verde, bananas, aipins, etc.
Domingo, IG de setembro, sahimos ás 5 e 25 minutos. A's 6 horas
e 10 tinhamos novamente á vista o morro dos Veados ; ás 7 enfrentámos
com um pequeno riacho que marca o começo do Campo dos Veados^
riacho de que também não fallaram os antigos. A' 1 da tarde, após meia
hora de marcha, passa-se o Camjw da Mosca, e pouco depois, do outro
lado, á margem esquerda, a Praia Alia. Pelas 2 horas appareceu-nos
em rumo de OSO. a serra dos Garajuz, cuja extrema, secando Ricardo
Fi-anco, demora aos 13** 40' ; duas horas mais tarde passámos o campo
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AO RIO DE JANEIRO 173
do Primeiro Acorisal, e ás 6 da tarde acampávamos no Acorisal Grande;
guardando estes pontos distancias quasi eguaes entre si.
A' 17 sahiu-se ás 5 1/2 da manhã ; um quarto de hora depois passá-
vamos o campestre do Te^-ceiro Acorisal; ás 7 e 50, uma supposta
bahia de cento e cincoenta metros de boca, que foi então inscripta nas
nossas notas com o nome de Cajpivafa^ pela razão acima dada e vermos
um desses animaes n'um banco próximo. A'8 8 passámos outra bahia,
ambas na margem esquerda. A's 9 encalha o bote por uns três quartos
de hora sobre uma pedra, na qual gira como um pião ; e depois, navegan-
do-se sempre por pedregaes, somente ao meio dia lográmos chegar á uma
embocadura de uns cento e trinta metros de largura, que o nosso piloto
deu-nos pela do Paragahu. Mas, parecendo que essa abertura não era de
rio, pela carência absoluta de corrente, foi o V tenente Frederico na mon-
taria á exploral-a ; o que feito, voltou á reconhecer a denominada bahia
da Capivara, sobre a qual nutriamos agora duvida, e que de facto foi
reconhecida ser a foz do Paragahu, apezar de também mui fraca a sua
corrente.
No dia seguinte, descarregado o bote por causa dos pedregaes entre
esses dous pontos, remontámos, de novo o Guaporé fundeando quatro
horas depois na confluência do Paragahu, que achou-se ficar aos 13° 32'
5",32 latitude e IS'» 39' 18",45 O. do Kio de Janeiro.
Tem este rio cerca de quinhentos kilometros de extensão ; é forte na
estação das aguas e de débil curso no estio ; nasce no parallclo 17" e des-
lisa-se na maior parte do seu trajecto em terrenos baixos e alagadiços, dos
quaes é uma verdadeira corixa ou escoante. Foi explorado em 1789 pelo
Dr. Silva Pontes, que sahiu em seu reconhecimento em 26 de abril, indo
até os pantanaes onde o rio toma origens ; chegando de volta ao Guaporé,
em 11 de junho.
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174 ITIXEKAUIO DA CIDAPE DE MATTO-GROSSO
Na quarta-feira, 19, deixámol-o e descemos á tomar as cargas que
ficaram no outro ponto, agora reconhecido ser o porto dos Garajus: sendo
que nos indicaram pelo Paragahu o riacho ou escoante dos Garajuz dos
antigos, que o demarcaram aos 13** 29' latitude e 313* 15', meridiano
Occidental da ilha de Ferro.
E' aqui o terreno alto, e guarda ainda vestígios de antiga situação
em grossos esteios perdidos na matta cerrada, onde também descobrimos
os restos de um velho e raro cafesal, espalhado em algumas centenas de
metros, ainda fructificando apezar da idade e da densa mattaria que o
envolve e encobre. Algumas das plantas tém mais de quatro metros de
altura.
Alguns coUocam ahi a povoação de Viseu, fundada em 1776 por
Luiz de Albuquerque : o certo é que foi uma feitoria portugueza, em
tempos das lavras de Santo António dos Garajuz, descobertas, como já se
o disse, em 1749, e que bastante produziram e floresceram. Entretanto,
dos tripolantes do bote, todos matto-grossenses, nenhum guarda reminis-
cências disso e admiram-se de que nós o saibamos.
C^rca de vinte e cinco kilometros para o occidente ficam as monta-
nhas onde se descobriu o primeiro ouro e onde os mineradores estabele-
ceram o arraial de Sanfo António. O nome desses montes foi sem duvida
derivado do que distinguia a nação que ahi parava, e cujos descendentes
são conhecidos hoje pela denominação de garayos.
Annos depois, quando já ha muito tinham sido abandonados lavras
e arraial, e quando se tratava de deslindar a questão dos limites com Cas-
tella, Luiz de Albuquerque mandou reconhecer esses logares pelo tenente
Manoel Pedro Rabello, que, com cincoenta e seis pessoas de sequit-o,
sahiu de Villa Bella enr26 de setembro de 1780, em direcção ás Salinas,
donde seguiu para O. á cortar as cabeceiras do Paragahu e do Verde, e
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ÂO KIO DE JANEIRO J éb
depois para o ^. á sahir nos Garajuz. No anno seguinte repetiu a explo-
ração o alferes Francisco Velho Paes de Camargo, o qual ahi chegou por
uma picada que abriu desde o Paragahu, e comraunicava com o Verde:
partii'a de Villa Bella em 24 de Abril,e em 2 de maio, quarta-feira, dava
parte de sua chegada á margem do Paragahu.
Antes delle deve têl-os também explorado o tenente Manoel Velloso
Ferreira da Nóbrega e Vasconcellos ; o que se deprehende do Diário âe
Recculccimenio do alferes Camargo, nas suas notas de domingo, 13 de
maio. Na ponta da morraria e em outros logares perto encontrou Camargo
varias lages com signaes gra\ados toscamente, que lhe pareceram um
registro de victorias dos Índios ou casamento dos seus principaes (a).
A' 1/2 hora da tarde do mesmo dia 19 seguimos rio abaixo e á
poucas dezenas de metros encalhou o bote por uns três quartos de hora,
apezar de já ir com mais de um palmo de borda fora d'agua.
O rio corre agora n'um longo e bem largo estirão. Suas margens são
cobertas de florestas magnificas, orladas aqui e ali de lindas praias de
branca areia ; por ora a flora parece a mesma do Alegre, Barbados e Alto
Guaporé.
A's 3 1/2 da tarde, ameaçando temporal que desabou com violência,
tivemos de parar.
A' 20 abicavamos, ás 10 1/2, meia légua abaixo da bahia das La-
rangeiras^ antiga situação e lavoura, á margem direita e quasi fronteira
ao riacho Caturrinho, e que ainda vem assignalada no Atlas do senador
Cândido Mendes.
Sahindo á meia hora da tarde, passámos, entre outros accidentes do
rio, as bahias Maquine^ pequena e grande, conhecidas dos antigos.
(a) Diário de Reconhecimento, Ms. da Bib. Nac.
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1 76 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATIO-GROSSO
As voltas do rio fazem-se commummente formando um sacco ou
bahia para o lado opposto da coiTente, o que a distancia dá á cada trecho
a apparencia de um T.
A's 5 horas e 50 minutos, ao passarmos o Corumhiara, encalha-se,
e ahi fica-se preso até ás dez horas da noite, que é quando se consegue
vencer um extenso banco de mais de cem metros, abrindo-se canal com
remos e pás, meio único de que nos podemos soccorrer.
O Corumbiara, que cahe no Guaporé aos 13M4' latitude, conforme
os antigos, desce também da cordilheira dos Parecis por muitas cabecei-
ras, cuja principal é o riacho Verde, todas contravertentes do Jamary.
Antigamente suas aguas rolavam ouro, ahi encontrado desde 1743.
Fronteira á sua foz ficava a Casa Redonda, situação de Domingos
Alves da Cruz, fundada em 1749, convertida em missão de S. José em
1754, e dous annos depois levada para a margem do S. Domingos, uns
cem kilometros acima do forte do Principe. Foi neste local da Casa Re-
donda que fundou Luiz de Albuquerque a povoação de Viseu, no anno
de 1776, a qual outros erradamente suppõe ter existido no porto dos
Garajuz. Em 1778 foi abandonada e delia não resta hoje o menor ves-
tígio (a).
No Corumbiara tiveram os hespanhoes a missão de S. Simão, de
que foi fundador o padre Francisco Xavier : ficava na margem direita (b).
A' 21 sahimos á hora do costume : ás 6 1/2 achavamo-nos enca-
(a) O A tias do senador Cândido Mendes assignala-a ainda, bem como Lai*an-
geir<is,
(b) Missão do padre Manoel da Moita e do padre Jeronymo de Gouveia em
continuação á do padre António Vieira, em 1721, no Tocantins (Mello Moraes,
Corog. Hist,f tomo III).
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AO RIO DE JANEIRO 177
Ihados, mas por poucos minutos, felizmente. A's 9 3/4 passávamos os
campos do Corumbiara e ás 11 horas deixávamos, á mão direita, o campo
das Quinze Casas^ nome que é uma revelação, mas do qual os nossos
descuriosos tripolantes e pratico do rio nada sabem para esclarecer-nos.
A's 6 da tarde encalhámos perto do Campo Feio^ ao tomarmos pela
direita a ilha do Assaliy. Ahi nos detivemos emquanto se foi reconhecer
qual dos braços do rio o mais favorável á navegação ; ás 5 1/2 da
manhã seguinte tomámos pelo esquerdo, sahindo junto á ilha Comprida.
Ahi seguimos o braço direito ou Jaracatid (a), e fomos fundear, á noite,
na barra do Mequenes, não tendo havido durante todo o dia duas horas de
navegação, e essa mesmo difficultosa. Todo o resto do tempo foi empre-
gado em desencalhar o bote dos pedregaes onde batia, ou em abrir canal
nos bancos de areia ; sendo que oito vezes estivemos assim detidos.
Vem o Mequenes também da serra dos Parecis. Suas cabeceiras são
contravertentes do Candeias, succursal do Jamary. Entra, pelo menos
agora, que vae o estio no seu máximo rigor, com fraquissima corrente,
sendo sua barra de setenta e cinco metros de larga. Fronteiro á elle
apparece um grande banco, onde bivacámos,vÍ8to dever-se determinar o
ponto, que o major Lassance obteve aos 13* 5' 3",86 lat. e 19" 6' 19",50
O. do Eio de Janeiro (b).
Em sua margem direita, poucas léguas além da foz, é que os
hespanhoes tinham, em melados do século XVUI, estabelecido uma
missão de Índios, dos quaes o rio conservou o nome, e que foi abandonada
em 1754. Parece referir-se á ella o Atlas do illustrado senador Cândido
(a) Jaraoatiá é o mamão, mamoeiro (oarica papaya),
(b) Os hábeis e concenciosos commissarios de 1782 demarcaram-o aos 13» A* 4&\
o quo explica as modificações tão fáceis e communs à estes rios, abrindo canaes,
formando e cxtingnindo bancos e ilhas, mudando de rumos, etc.
23
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178 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Mendes, ao coUocar, mais ou menos nessas alturas, o signal de um po-
voado.
Para ahi querem alguns que fosse a primeira transferencia da missão
de S. José, em 1756, quando o jesuita Agostinho Lourenço a levou da
Casa Redonda ; indo depois para junto da de S. João ou S. Miguel de
Lamego e finalmente para o S. Domingos.
Em frente ao Mequenes fica a ilha Comprida foimada por dous
braços do Guaporé. E' opinião commum (a) que essa ilha fôra antiga-
mente habitada por sertanistas do Matto-Grosso ; suppondo-se que nella
se estabelecera em 1741 António de Almeida Moraes, vindo daquellas
minas uns seis mezes antes da descida de Manoel Félix de Lima, o desco-
bridor da navegação ao Pará ; o qual diz que encontrou seus roçados e
plantações junto á foz do Mequenes, sem, todavia, declarar positivamente
que fosse nessa ilha, que á nós não pareceu local apropriado para
povoar-se, visto ser baixa e alagadiça, poucos ou nenhuns terrenos altos
apresentando, mesmo no interior da sua immensa área ; os quaes, se exis-
tissem, de fora seriam percebidos pela maior elevação das mattas. Entre-
tanto, na margem fronteira e ás bordas do Mequenes, ergue-se de vez em
quando o solo em paredões de grés ou concreções argillosas inferiores ao
grés, verdadeiros reductos de terra firme ; parecendo-me que ahi é que
existia a aldeia da barra do Mequenes, que o marquez de Pombal desti-
nava para a sétima feitoria entre o Rio Negro e Matto-Grosso (b).
Para suppôr-se que a ilha tenha soffrido transformações devidas á
algumas dessas eversões tão communs nesses rios, não parece isso pro-
(a) V. 1« volume, cap. IV, e 2«> vol., cap. II.
(b) As outras eram : a 1» Barcellos, a villa notável de BarceUos^ Mwna das capi-
tães do Rio Negro; a 2* a ViUa Nova de S. José do Javary (Manáos) ; a 3» a Villa
de Borba a Nova ; a 4* abaixo das cachoeiras e logo após á praia do Tamanduá ;
a 5« na decima segunda cachoeira, em frente á foz do Beny e Mamoré ; a 6« na forta-
leza da Conceição ; e a ?« na aldeia da barra do Mequenes.
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AO RIO DE JANEIRO 179
vavel, uma vez que coincidem suas dimensões actuaes com as dadas ha
quasi um século, do mesmo modo que os braços do rio que a formam.
Outra razão que milita á favor desse conceito é a carência absoluta dos
vegetaes, que ou acompanham o homem ou este cultiva. Independente
das larangeiras e bananeiras que os antigos eram solícitos em plantar, e
que apparecem em quasi todas as taperas, conhece-se frequentemente
um logar que foi habitado por certo numero de vegetaes de ordem infe-
rior que ahi nascem expontaneamente, crescera e se perpetuam em solo
onde o homem viveu : alguns aproveitáveis, como certas portulaceas,
especialmente o talinum (João Gomes) e a beldroega (port raãicans)^ o
planiago officinalis e outras ; uma polygonacea virosa, muito commum
nas taperas paraguayas e que durante a guerra causou algum danmo e
mesmo mortes á soldados que a tomaram por chicorea ; algumas compó-
sitas e synanthereaSj entre outras, o cnictts heneãicius (cardo santo) e
uma tristegis, o capim mimoso. Nada na ilha vimos que indicasse ter
ahi havido habitação demorada.
VIII
Determinada a posição astronómica do Mequenes, seguimos derrota
no domingO; 23, logo ás 4 horas e 40 minutos da manhã ; encalhando-se
diferentes vezes em areias ou pedregaes, sendo a iiltimas desde ás 5 1/4
da tarde até ás 8 horas e 5 minutos da noite. Pernoitámos na ilha.
A' 24 sahimos do Jaracatiá ás 5 1/2 da manhã, e logo ura quarto
de hora depois descaiTegáraos o bote para passar uraa volta completa-
raente trancada de penedos e lages, cora pouco mais de dous decimetros
de agua no logar de mais fundo ; e onde a embarcação passou por boas
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180 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTtHIROSSO
provações, começando desde logo á fazer agua em tal quantidade, que
trouxe a necessidade de ter-se, dahi em diante, um homem empregado era
esvasial-a.
A's 7 1/2 proseguiu-se a viagem, mas ainda houve novo encalhe.
A's 1 1 fomos sestear em frente á boca do canal, na margem esquerda do
rio, em uma alegre barranca sombreada de formosa floresta, de arvores
corpulentas e soberbas, que, ao passo que escondiam o sol com a frondosa
coma, conservavam o solo areiento despido e limpo como as alamedas de
um parque. Margeava a baiTanca extensa e alegre praia, entrecortada
aqui e ali de filetes de agua que desciam da barranca ou eram canaletes
do próprio rio.
Goza-se dali um dos panoramas mais bellos do rio, largo então de
uns oitocentos metros e n'um estirão de mais de dous kilometros. A'
esquerda do entroncamento dos dous braços do Guaporé existe um mor-
rote de insignificante apparencia.
Enormes jacarés, semelhando esquadra de monitores, percorrem as
aguas em todas as direcções. Si o Guaporé é abundante desses saurios,
extraordinário é o seu numero nas proximidades do Mequenes, onde,
durante a nossa parada, sitiaram-nos em regra, apezar da guerra viva
que lhes fizemos ; vindo até á encostar-se ao bote, donde os faziamos fugir
á pancadas de remos e tiros de rewolver. As praias são completamente
cobertas em todas as direcções de suas pegadas, graciosas por asseme-
Iharem-se á essas silvcts dos bordados das senhoras. E* inexacta a asserção
de alguns zoologistas sobre a motilidade desses aniraaes, dos quaes dizem
serem tão lentos os movimentos em terra quão fáceis n'agua : sua marcha
é tão ágil e veloz no ataque como na fuga, vencendo muitas vezes o homem
na carreira. Como quando correm levantam o corpo, apoiando-se somente
sobre as patas, com esta e a ponta da cauda que vae cortando a areia,
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AO RIO DE JANEIRO 181
sempre á egiial distancia das pegadas, é que formara aquella graciosa
silva.
Esse trecho do Guaporé, desde o Mequenes ao fim do Jaracaliá, que
vencemos em dous dias, é marcha para quatro horas nos tempos da cheia.
O rio vae tão escasso de agua que rara é a marcha sem tropeços ; nosso
bote tem já soffrido bastante com esses embates ; as junturas vào-se-lhe
descosendo; e, apezar do calafeto que diariamente se lhe faz, não tem-se
conseguido diminuir a quantidade de agua que recebe, conservando-se in-
cessante, dia e noite, o serviço do homem que a esgota. E si damos hoje
graças aos céos por não terem vindo as lanchas á vapor que, com grande
perda de tempo e de aturados labores, já teriam remontado o rio, si nellas
houvéssemos emprehendido nossos trabalhos, assalta-nos agora, não
somente o terror do naufrágio ou descalabro da velha e estragada embar-
cação que nos conduz, e que antes da quarta parte da sua projecta-la
viagem tem passado por tão rudes provas, mas também o receio de que
a mesma impraticabilidade do rio não venha pôr óbices á sua derrota,
o que, em uma ou outra circumstancia, nos fará Íncolas forçados destas
inhospitas regiões.
O certo é que, por maior que fosse o empenho de concluirmos, com
a máxima brevidade, esse serviço, com plena satisfação nossa e de todos,
deviamos ter reflectido melhor nos perigos á que expúnhamos não s6
esse desideratum como nossas próprias existências.
Quando consignei essas reflexões no meu diário, eram de mim para
mim, que para os mais callava-as, não só por já não haver remédio, como
ainda por caber-me grande parte nas culpas disso. Hoje, porém, posso
consignal-as, e as transcrevo.
Antes de avizinharmo-nos á uma ilhota, ás 3 e 33 minutos encalhou
mais uma vez o bote n'uma pedra, donde só lográmos sahir duas horas
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182 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
e meia mais tarde ; e somente ás 8 horas e cincoenta minutos da noite
parámos para pernoitar á margem direita da ilha da Meia Lua, nome
derivado da sua confirmação.
No dia seguinte, sahidos ás 5 horas e 10 minutos, em duas horas de
marcha enfrentámos com um morrote e logo depois com a Barranca Ver-
melha, na margem direita : alii estivemos detidos n'um parcel por três
horas e três quartos. A's 5 e 20 minutos parámos no Campo dos Amigos,
junto ao ribeirão do Poie Finfado ou do Cacau, á margem direita, local
que no Atlas do illustrado geographo maranhense vem com a designação
de povoado.
Em 26 encontrámos, três kilometros abaixo, o Sr. António Rodri-
gues de Araújo, commercianle cuyabano, conhecido na provincia pelo
nome de Totó Rodrigues, o qual com sua familia subia o rio em quatro
igarités. Esse senhor tinha possuído e perdido bens da fortuna ; e, após
constante labutar seu e revezes da sorte, viera buscar novo alento nos
seringaes de S. Simãozinho e das Pedras I^egras, onde as hev€eas (a) e
as siplioniasjà abundam. Voltava depois de quatro annos de lucta com
a adversidade, baldo de dinheiro, entibiado no animo e augmentado de
dividas.
A seringa, ou gomma elástica, é actualmente a beta de ouro dos
aventureiros nessas regiões. Farejam-as onde existam; para lá dirigem-se,
e ahr é só picar a arvore, extrahir o látex e fazer os pães de borracha.
Esgotada temporariamente a seiva das arvores, vão buscar outras para.
gens ; e assim proseguem emquanto a fortuna os anima.
(a) Hevcea guyanensis, H. discolor e H. brasiliensis (Muller), sâo as espécies
melhores e mais proouradas. Das siphoniaa ha varias espécies.
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AO RIO DE JANEIRO 183
Quando um seringai é extenso e o terreno propicio á plantação,
fazem barracas ou casas de taquaras com esteios de carandá ; toscas e
simples, e algumas bem confortáveis e elegantes mesmo.
Fazem roças de milho, fumo, mandioca, arroz, algumas vezes tam-
bém feijão, bananas e canas, e mais raramente de melancias e melões :
com o que tém o supprimento para si e para os seus, ajudados do que
caçam e pescam.
Por aqui não ha ainda dessas situações : os exploradores são meros
forasteiros e de arribação, só se demorando o tempo que dura a força
productiva da arvore, e mudando de local, sempre á pouca distancia do
rio, onde a colheita é mais fácil e o trabalho menor. Mas, como nestas
paragens o valor da colheita, comquanto avultado, nem sempre chega
para o costeio do trabalho, feito á fiusa dos abonos que obtém, succede
que os exploradores, mal ganhando para satisfazerem a uzura, perdem
tempo e trabalho. Ajunte-se á isso as privações á que se expõem nesses
ermos longínquos e as moléstias que sobrevêm pelas mesmas causas que
sobrevinham aos antigos mineradores, e ter-se-ha uma idéa da vida mi-
serável que passam. Keconhece-se á primeira vista o grau de misérias
que os af^gem, na cõr barrenta da pelle, nas edemacias mais ou menos
geraes, no descoramento das mucosas, que alto revelam a pobreza do
sangue e a deficiência dos meios reconstituintes.
Um exemplo frisante dessa miséria contaram-nos os nossos tripo-
lantes, e o Sr. Rodrigues confirmou : um rapaz, filho da provincia, apre-
miado pela fome, fez um pirão de leite de mangabeira (a) e farinha de
mandioca, e comeu-o, morrendo poucas horas depois em meio dos mais
horriveis tormentos, tendo-se solidificado essa massa nas visceras intes-
tinaes.
(a) Hancornia speciosa (Gomes), que como se sabe é um excellente suecedaneo
das hevcBas e siphonias na producção da gomma elástica.
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184 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
A's 11 horas detivemo-nos para o almoço a margem direita, junto á
bahia Matuá ou segundo outros Mateo-ha.
Duas espécies de cacau (theobroma (a) das buthneriaceas), dos quaes
o faho cacau ou cacauy é um agradável refrigerante, apparecem, já fre-
quentemente, nas mattas onde também descobre-se copia de copaMhei-
ras ^b), hicuibeiras (c), a nozmoscada do Brasil, o olco vermelho e varias
sortes de hevoeas, e entre os pequenos arbustos a preciosissima ipecua-
cuanha. Entre as palmeiras a siríba (astrocaryum) de fructos vermelhos ;
da parte cortical de seu espique fazem os selvagens hastes e fleias e os cL
vilisados lindas e fortes bengalas. Encontra-se ahi uma outra espécie de
palmeira, delgada e esbelta como o assahy (euterpe edulis), de foliolos ou
pinulas dobradas e dentadas, peciolos enrolados e spadice floconoso, cujo
tronco é cercado de raizes aéreas regularmente cylindricas, quasi do
mesmo diâmetro do espique, e que partidas da mesma altura, ás vezes três
metros ao solo, dirigera-se obliquamente, guardando a maior symetria e
quasi» equidistantes umas das outras.
Chama-se por isso o coco dos vinte pés ; e supponho seja a iriartea
orhignyana, de Martins, que assim a denominou em honra do illustrado
naturalista Alcide d'Obigny, que primeiro delia fallou ; a paxiuha ou
iriartea esorhisa^ a catisar ou tarapoio de que falia Castelnau (d), e da
qual cita duas espécies, o tarapoto delgado e o barrigudo ; e talvez, ainda
a mesma, da qual dizem os Srs. Keller « a small slender palm with
bifurcated ían, who name I unfortunably could not learned, so found
only near the rapids of the Madeira. » (e)
(a) Theobroma, em grego significa manjar dos deuses.
(b) Copahifera utilissima (Freire Allemão).
(c) Myristica offioinalis (Martiu^; magnoliacea.
(d) « Palmier si remarcable par sa tige, qu*à deux metres de terre se devise en
un grand nombre d'embranchements, en sorte qu'il parait soutenu par des étais. »
( Castelnau, obra cit., liv. S», pag. 57, e 4o pag. 16).
(e) The Atnosonian and Madeira rivers.
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AO RIO DE JANEIKO 185
Seguindo á 1 hora da tarde encalhou o bote, logo três quartos de
hora depois, mas por poucos minutos. A's 3 horas e 20 minutos passá-
mos a ilha da Matrinchan ; ás 4 horas e 5 minutos houve outro encalhe
que durou quarenta minutos ; ás 5 3/4 passámos o Tatiguinho^ arroio
junto á cuja foz existe um morrote.
A' margem direita prolonga-se um extenso seringai, já desprezado
por baldo de látex, segundo informou-nos o mesmo Kodrigues, que já o
explorou.
24
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CAPITULO n
àu ftim Regrai, k \úm palaellu. Sm inIecU; confr^nUçit mb mítm.
iíigaa, e agaa ea rerÍM italeetM. O Bures e • Itonaiai.
Idíoat, boca «
O dia 27 de setembro, quinta-feira, sa-
hindo ás 4 da manhã, fundeámos ás
7 1/2 no porto do destacamento das Pe-
dras Negras j que deve o nome á um
amontoado de enormes blocos e penedos
que atravancam em parte o leito do rio,
mormente junto á margem direita ; guar-
das avançadas de um espigão da cordi-
lheira dos Parecis, que ahi vem morrer.
Mudado para ahi o destacamento que
existia na missão de S. José, cuja denomi-
nação foi por Luiz Pinto mudada para Pal-
mellas, ficou também conhecido por este nome, que hoje guarda so-
mente uma tribu de indios, ha poucos annos encontrada nas suas
vizinhanças. O destacamento foi para aqui removido para manter em
respeito as missões castelhanas de S. Simão e S. Martinho, isso por
volta do anno de 1758 : o sitio das Pedras Negras era então habitação do
licenciado João Baptista André (a) ; e passava por ter sido o terceiro
povoado do rio, sendo os primeiros Villa Bella e Cubatào, o que, entre-
tanto, é controverso, por nenhuma noticia apparecer sobre elle por oc-
(a) South^y, Hist, do Brasil^ tomo V.
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188 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
casião da primeira descida de Eolim de Moura á Santa Eosa. Da se-
gunda, já viu-se que em 1760 delle conduziu gente para este fortim.
Encontrámos o destacamento composto apenas de um sargento e
dous soldados ; aquelle com uma mulher e uma filha de quatorze annos,
de agradável apparencia, e vivendo, segundo declarou-nos, em continuo
sobresalto e na impossibilidade de ai*redar pé de casa sem a família, no
receio em que está de um desacato dos seus coramandados, que, moços e
solteiros, e ahi degredados ha annos, já tém por vezes, levados pelas exi-
gências da natureza, manifestado intentos concupiscentes.
Não se pôde conceber qual a razão da existência desses destacamen-
tos de dous e três homens em legares tão alfastados dos, já por si mui
fracos, centros de população. Como postos militares, não é com esse
pessoal que se manterá o respeito e guardar-se-ha o rio, mormente quando
alguns desses soldados marcham para taes destacamentos, como vemos
em três dos degredados que comnosco descem para o forte do Príncipe,
sem armas nem munições. Si é simplesmente como meio de castigo que
os mandam para esses serviços, é innegavel que ha outros mais promptos
e efficazes, quaes as solitárias e penitenciarias. Em todo o caso tal punição
é desarrazoada, sináo monstruosa. Si ha conveniência na continuação
dessas guardas, instituidas pelo primeiro capitão-general e por seus suc-
cessores cuidadosamente conservadas para pontos de abastecimento dos
navegantes, tanto como de vigilância do rio, e ainda como núcleos de
população ; si ha conveniência nisso, o que acredito, que sejam ellas
compostas de sufficiente numero de praças, mis casadas todas; e sejam-
Ihes dados os meios de ahi poderem viver e progredir. Para degredo já
sobra o forte do Príncipe ; e estes destacamentos do Cubatão e Pedras
Negras, organisados assim, serão núcleos de futuras coloaias e poderão,
talvez, concoiTer para o progresso da província.
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AO RIO DE JANEraO 189
O local é agradável: alto de uns trinta e cinco metros, e mostra ainda
vestígios de uma situação importante. Tem uns setenta pés de laran-
geiras, nesta occasião carregadissimas de fructos maduros e deliciosos ;
ura limoeiro azedo, dous cafeseiros, bananaes perdidos nas mattas, etc,
restos, tudo, da plantação de ha um século.
A indiiferença e o deleixo dos governos andam aqui á par com o dos
naturaes : estes contentam-se, como de costume, com o que resta do que
os antigos crearam ; e nem ao menos por distracção, já que nenhumas
tém nesses enfadonhos desertos, plantam outros, curando do porvir. Tém,
porém, suas rocinhas de milho, mandioca, canas, melões e melancias. Nas
mattas ha abundância de iocary,?L castanha do Pará (hertholetia excelsa) y
de poaya e de baunilha.
Foi de grande proveito o encontro do tocary, cujo mesoderma dá
uma excellente estopa ; visto o imminente perigo em que trazia-nos a
embarcação, cujas junturas cada vez mais se abriam. Como elle a sapu-
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lí»0 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
caya^ outra lecythidea, presta-se também aos calafetos, sendo por isso
chamada pelos naturaes paus âe estopa (a). Aproveitou-se-as também
para fabrico de cabos de espia, que nos devem ser de grande soccorro nas
cachoeiras.
Nossa demora no destacamento foi de dous dias ; e emquanto fa-
ziam-se observações astronómicas para a regularisação dos chronometros
e determinação do ponto, que o major Lassance obteve aos 12" 51' 11 ",22
lat. e 19° 44' 22 ",65 O. do Rio de Janeiro (b), a tripolaçáo calafetava
o melhor possivcl a embarcação e fazia um bom sortimento de cabos.
II
Algumas léguas para o interior, á dous dias, dizem, de viagem das
Pedras Negras, existe uma tribu de indios mansos, que somente ha alguns
annos appareceu e entrou em relação com o pessoal do destacamento e
navegantes do rio. Faliam um idioma diverso do das tribus do Guaporé,
entremeiado de vocábulos portuguezes e hespanhoes ; e não sabem dizer
a sua procedência ou origem. E' notável, porém, que grande numero de
suas vozes sejam as mesmas, ou modificações das falladas no dialecto
galibi.
A pronuncia é suave e quasi melodior.a, ligeiramente aspirada :
assim dhno, olhos, e o*(íwa,nariz, tanto se podem traduzir na escripta com
o h como sem elle, tão branda é a aspiração que se sente na primeira
syllaba. Os sons que exprimimos com a letra v, fazem-o ora com ella,
(a) Ferdinand Dénia, La lirêsil,
(b) A conimissào de 1782 demarcou-o aos 12» 5'2' lat. e SU® 37' 80" O. da ilha de
Ferro. D'Alincourt dá as mesmas coordenadas, parecendo que a differcnça actual
é devida ao maior aperfeiçoamento doa instrumentos de observação.
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AO RIO DE JANEIRO 191
ora com u, gu e Aw, por exemplo : andar ligeiro, que dizem íva^ íua^ igua
OU ihua, O r é, como em quasi todos os dialectos americanos, sempre
brando.
De três desses indios, de cerca de quarenta annos de edade^ colhi
que estÍTeram antigamente estabelecidos nas cercanias da missão de
S. Miguel, no Baures, para onde vieram prófugos e dispersos de regiões
que não sabem, sendo então ainda infante o pae de um delles. Depois
emigraram para perto deste ponto, indo armar suas tabas nas faldas da
cordilheira, á umas sete ou oito léguas daqui. Não parece inyeridica essa
noticia, e com certeza não foi esse êxodo em tempos mais remotos de
oitenta annos, visto que delles não faliam nem os diversos exploradores
do rio, nem os que como João Leme do Prado, em 1772, exploraram a
cordilheira ; não sendo também desarrazoado que sejam restos dos mis-
sionados de S. Simão, cujo aldeiamento Bolim de Moura fez abandonar
em 1762.
O Sr. Lúcio Maciel, dono do bote, que com elles por mais de uma
vez tem traficado, deu-me as seguintes informações :
Que para aqui foram trazidos por uns castelhanos, cujo principal, de
nome Ignacio, escolhera para companheira, ou mulher, umas das Índias,
de quem houve filhos e netos, que ainda hoje existem, e são os chefes da
tribu. Que entre elles ha alguns verdadeiramente brancos, de cabellos
avermelhados ou castanhos, como os hcrisohocones, do Baures, os tticuna'
pebas e os araras do baixo Xingu (a). Que delles o mais respeitado e
como que venerado é uma india branca, de olhos azues, distincta das
outras companheiras por seus modos e costumes, nos quaes se descobre
(a) Taes também dizem haver em outras tribus, das quaes occorre-me os
ooííénas, do rio Içá, os aymorés, os jpomeorans e os eraugés^ de quem diz Gonçalves
Dias : a alguns que vi e^ segundo noticias que pude obter de pessoas que os fre-
quentavam, são completamente brancos, e até entre alguns passam os olhos azues
como signal de belleza [Brctsil e Ooeania, pag. 80, edição posthuma).
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192 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
uns vestígios da civilisação. E' tratada por Senhora por todos da tribu,
único nome por que é conhecida.
Não lhe sabem dizer a edade, mas pelas indicações avalia-se ter
entre quarenta e sessenta annos. Acatada como um ente superior é ella
o arbitro e reguladora dos assumptos da tribu, e a imparcial dispensa-
dora da justiça. E' quem divide o trabalho, quem recolhe e dispõe das
colheitas, quer da roça, quer da caça ou pesca ; o que faz tirando parte
para os doentes, inválidos e meninos, parte para si e entregando o resto
ao trabalhador.
Ha cerca de quatro annos appareceram ao Sr. Kodrigues, que já
andava em labutação por esses seringaes, e que foi o primeiro que os
diíferençou com o nome de palmellas.
Compõem hoje uma taba de uns quatrocentos indivíduos, mas já foi
um povo considerável. Faliam, ainda com terror, de uma moléstia
cruel (a) que os dizimou ha alguns annos, aterrando tanto o resto da
tribu, que muitos fugiram e se dispersaram para outras direcções.
São exclusivamente agricultores, e pouco amigos da caça e pesca,
essa mesmo difiBcil pela paragem onde habitam.
Vivem quasi que exclusivamente dos vegetaes que plantam, e são
milho, mandioca, carás, mandubi, abóboras, canas, laranjas e melões,
sendo digno de nota que elles, semi-selvagens, possuem espécies, como o
mandubi, as abóboras e melões, que os civilisados, seus vizinhos, não
tém nem buscam ter.
Criam gallinhas e patos, estes domesticados por elles. São de carac-
ter dócil, pacíficos e trabalhadores, o que de alguma sorte explica a
doçura da sua linguagem.
A' mim pareceu-me, pelo dialecto, provirem do mesmo tronco dos
(a) Talvez a varíola, em 1867.
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AO KIO DE JâN£UU)
193
acauás, arecunas, macusis, caribis, guayamares, gojaguases, pianogotos e
teverigoios (Martius), com os quaes tém muitos vocábulos de commum.
Eis alguns que pude obter :
Abelha
meréma (a)
Boca
epete
Abóbora
anekire
Bochechas
paxo
Agua
tuna (b)
, Bom
júco
Aguapé
pano
• Braço
napo ; oporémo
Amarello
êrae-nune
Branco
emorune
Andar de pressa
Iva
Bravo
juratene
Anta
pena (c)
Bugio
morúpa
Anus
vekêre ; pú
Cabeça
na-ápo
Arara
cape
Cabello
arúxe
Arco
tá (d)
i Caetetú
poio (j)
Areia
sakéna (e)
Campo
vexe
Arraia
caxiva (f)
Cana de assucar
assúca (k)
Arvore
kihé (g)
» brava,
cariry
Banana
airae
Canoa
môpo
Barba
bapôve ; etêve
Cão
pénaca ; auliano
Barriga
húre (h)
Capivara
paputáre
Batata
napíhe
,Cará
mopon
Beber
tokéne
; Caroço, semente
narançai (1)
Bigode
otêpe
Casa
morêve
Biguá (i)
menéke
Casarnento
onê
(a) Em jucuna m^r^.
(b) Tuna em galibi, aracajus» acauás, arecunas, guayamares, pianogotos e teve-
rigotos. maconcongos, atoràs, guapitianos e tamanacos. Nos bonaris é tunoA, nos
macusis duna, do mesmo modo que nos canamerins e paravilhanos : tohna nos
guanâs, etc.
(c) O mesmo em coioá.
(d) Taro, no mondurucú.
(e) Sakia» no galibi.
(f) Xiparef idem.
(g) Fu^, idem.
(h) UlCy em baures.
(i) £* o oarbo dr<mZúi)iu«, ave ribeirinha das palmipedes-tdtipalmas: andam
em bandos numerosissimos, e conhece-se o logar de seu pouso pelas largas ca-
madas de guano que depositam, em tal quantidade que muitas arvores morrem
por essa causa. Provirá seu nome de bui-ouá, voz túpica que significa su^ar ?
(]) Aboio em jumana.
(k) Corruptela do portuguez ou hespanhol.
(1) Idem do guarany. Talvez mais propriamente aqui caroço de larcmja.
25
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194
ITINEEABIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Céo
cape (a)
Fogo
vava 0)
Cervo, veado
ximáre
Folhas
ápo
Chapéo
sombrêro (b)
Formiga
macahé
Chegar
jorike
Fronte
epêlo (k)
Chuva
kéne (c)
Fugir
acalora
Cobra
ocón
Fumo, tab., cigarro
tama (1)
Comer
ekíta-maráke
Furtar
éma-tepe
Coatá
xurúma
Gaivota
réca
Correr
iva-cê
Gallinha
parióne
Cotovello
talíre
Gallo
colito
Cuia
puva
Garganta
ecuáxe (m)
Dar
émo (d)
Genit hominis
iare (n)
Dedos
jemepêre
» mui.
ohri (o)
Dentes
jerè (e)
Grande
hetuare
Deus
taita
Homem
óca(p)
Dormir
jenéne (f)
Já
cê
Esperar
orupá
Jacaré
vatôva (q)
Estrella
anisa
Jacu
coioby (r)
Eu
je
Joelho
oh-heu
Faca
rêxe (g)
Joó
macúca
Filho
anêre
! Lingua
núo (s)
Flexa
puêra (h)
Linha, panno, algo-
Flor
ana ; jarôco (i)
1 dão, vestido
torôa
(a) O mesmo que em galibi e monduriicii ; em bonaris cá6w.
(b) Voz hespanhola.
(c) Ucà em tupi ; okoUiu em galibi ; oha em timbira ; hemha em bonaris.
(d) Epémen em galibi.
(e) O mesmo em galibi, pimenteiras o paravi lhanos.
(f) Tenene em galibf.
;g) Iréxe em jucúna.
(h) Puréna em galibi ; puléna, acauás; purená, bonaris : puro, macusis e are-
cuna.
(i) A na em taino, dhani em othomis.
(j) Vaoe em pimenteiras ; wato, gal., acauás, guayamares, pianogotos e tevori-
gotos, maconcongos, bonaris, tamanacos, etc., uéta, gojaguares.
(k) O mesmo em paravilhana.
(1) Tamai em acauás ; ta^noi, caraibas ; petema, apiacás ; petwm, tupy.
(m) Enuáoe, galibi.
(n) JaXi em baures.
(o) OU em gal. ; uore, mulher, nesse mesmo dialecto.
(p) Okiri em galibi .
(q) Uatuhe, baures.
ir) Cujuvy, caripunas, oyambis ; caxovy, maranhas ; ootxovy, guay numas ;
guçovy, catoquinas.
(s) Onu, macusis, nulo, tamanaco, etc.. (V. adiante, lingua em vários dialectos)
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Longe
maróke
Lontra
sararé
Loiívadeus
pana-bána (a)
Lua
luna (b)
Machado
hô-hê (c)
Macaco
meço (d)
Màe
enacóne (e)
Mais
pitanga
Mandioca
ária
Mandubi
kéna
Mão
amémuca (f)
Matto
hito (g)
Máu
tetána
Menino
curima (h); piurexure
Moço
moráe
Morto
oréne
Mosca
áco
Mulher .
hôa (i)
Mutum
jauáte
E JANEIRO
195
Nádega
mabête
Não
JápoG)
Nariz
ohóna (k)
Noite
uanake
Nhacundá
moiápo
Olhos
ohno (1)
Onça
okôro (m)
Orelha
páhna (n)
Ovo
tarapóne
Pacú
váupa (o)
Pae
pacóne (p)
Panella
caçalora (q)
Papagaio
kiára(r)
Pato
rive
Pau
vuhé-vuhé (s)
Pé
kémuca
Pedra
táupo (t)
Peito
emáte
Peixe
cana (u)
(a) O mesmo em galibi.
(b) Voz hespanhola. iVwno, gal.^acauás; »M»ia, guayamares, pianogotos, macon-
congos; nulu, piment.; úZ«, geicós; niano, teverigotos; nuni, gojaguases.
(c) Oiiy, galibi.
(d) O mesmo em cavai ba, aracajú, piment. E' o cebus faotueUus, simia pregas,
(e) O mesmo em marauha, manáoa,otc.
(f) Aineco, gal.; ká.ui, pamvilh.
(g^ Itiipo. gal. ; átOy bnures, timbims ; ôte, xicriabás ; aiitá, xa vantes.
;h} Columi, tupy.
;i) Oha. avó, em ratojuinas; twrc, em galibi : inhúa, em taino.
J) Japaàma^ galibi.
(k) OhíM, macusis : niheagy coroas ; inhi, puris ; yonari, arecunas; anári, pia-
nogotos, iiari, maconcongos.
[D Eiu)ro, galibi ; ioiie, macusis ; í7/iot, pianogotos; e)\eana, teverig. ; nuro, ma-
concongos. arecunas, etc.
(m) Vkn, xicriabás ; okò, mirauhas ; ecoU, tamanaco, paravilh. ; w/tii, orelhu-
dos : oigho, coerunas.
(n) O mesmo em galibi; pejje/i/ia coroas; bipihna, puris; apána/o, paravilh.;
pahn^, caripunas.
(o) Apiic, em galibi.
^p) Apaconc, mamios.
<l) Con*uptela do portuguoz.
(r) Quihag. camés.
■sí O mesmo om galibi, paravilh. e tamanaco.
t) Topu, gal. e paravilh. Taupo, em pimenteiras,
u) O mesmo em paravilh., jurys ; ikan, em taino.
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196
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Pente
paráta
Suruby (peixe)
áregue
Pequeno
peúxú (a)
Taqiiarussú
rato
Periquito
tetêre (b)
Terra
réne
Perna
ique
Testa
pêpe
Pescoço ecuáxe; pamuápa (c)
Tocary
tutúco (h)
Pestana
ohno-pipiaro
Trazer
navotá
Pimenta
apômo (d)
Trovão
hirohohôlo
Porco
ocêre
Tu
homo (i)
Pote
hóma
Umbigo
epóme
Preto
tapurunhana (e)
Urubu
caxíra (j)
Eede
ohúa
Velho
tamoáte (k)
Relâmpago
hihiolác6ke
Veneno
caio
Remo
ôpo
» de settas
cupí
Rubafo (trahira)
juríva
Ventas ahona-xape ; jatuhãpa
Sal
pamo (l)
Vento
pehête Q)
Sim
têre
Voltar
otôro
Sol
vého (g)
Venha cá
nemo
Superciliotí
ohno-vêpe
III
Vemos nesse pequeno vocabulário não menos de onze palavras : àgua^
céo^ dentes, louvadeus, macaco, orelhas, pau, pedra, sal, sim e sol.
(a) Cuxihé, galíbi.
(b) Tiritiry, catoquinas ; siriry, mirauhas.
(c) EnvÁoe^ galibi.
(d) Pomip Caraíbas, xainos e calimayos; pótnuoi, parias e cumánagos.
(e) Tapanô» tupy ; tupaniô» cayapós ; tapaiuna, baures e apiacás ; tapaniah,
coroas ; tapcMon, malalis, caripunas, maxacules, copoxós e macusis ; taptíhuna,
bares do Rio Negro e manivas ; apaihuna, cavixanas ; tauapung» coretús ; ti-
piahunÇf geicós, etc.
(f) O mesmo em galibi.
(g) O mesmo em gal.; veiho, paravilb.,tamanaco,guayamares e bonaris; wyeyu^
acaahás ; wehi, macusis ; whé, pianogotos e teverígotos ; wae» areeunas ; yak,
nos çarahós ; uàxi nos mondurucús, etc.
(h) Tutuoa, aruac.
(i) AmorOp galibi.
(j) Retxira, canamerins.
(k) Tamuya, avó, em tupy ; tamuioi, galibi.
(1) Pepéte, galibi ; pepêre, tamanaco e paravilhana.
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AO RIO DE JANEIRO 197
idênticas com as do galibi, segundo Martins (a) ; e com pequenas diffe-
renças, algumas talvez na composição, vinte e uma, à saber : areia,
arraia j arvore^ batata, cobra, dar, dormir^ mullier, garganta, homem,
lua, machado, mão, maito, olhos, pQCú, pequeno, pescoço, pimenta, iu
e velho.
Idênticas no pimenteira, temos : dentes, fogo, macaco, pau e pedra ;
no paravilhana : fronte, pau e peixe, e parecidas : fogo, não, orelha,
onça, pedra e vento. Idênticas no maranhas e catoquinas : mãe, pae e
periquito ; e parecidas : jactí e onça ; e nos coroas : areia, idêntica ; e
parecidas : narijs e orelhas,
Yémos também, relativamente á outros dialectos, as mesmas vozes,
de céo, nos mondurucús ; tocary, no aruac ; flor, no taino, onde aproxi-
mam-se as vozes mulher e peixe, do mesmo modo que no pury nariz e
orelha ; no jumana, porco ; no tupy, apiacás, etc., fumo, menino e avô ;
^ no baures, barriga, jacaré, negro .e matio ; no oyambis, jacw ; e no ma-
cusis, olhos, nariz e lingua.
A palavra sol, que em palmella é veho, é idêntica, ou quasi, no
galibi, paravilhana, tamanaco, guayamares, bonaris e acauãs ; wehi, no
macusis ; whé, no pianogoto e teverigoto ; wae, no arecuna ; yah, no
carahós ; hoacsê, no mura ; uáxi, no mondurucú. Lua, que no palmella
é luna, em galibi e acauãs é nuno ; nuna, nos guayamares, maconcongos
e pianogotos ; nuni, nos gojaguases, e niano no teverigoto. Fogo, váve
em palmella, é uato em galibi, acauãs, guayamares, piano e teverigotos,
maconcongos, bonaris e tamanaco ; uéta, nos gojaguases. Olhos, ohto,
ione em macusis ; enoi.era pianogoto ; encana, teverigoto; nuro, macon-
gongos; jenuro, arecuna, guayamares, galibi eacauás; e oro, goja-
guases. Nariz, ohona, é o mesmo em macusis ; yoíiari em arecuna ; anari
em pianogotos ; nari em maconcongos e gojaguases. Flexa puêra é
(a) V. Glossaria linguariim brasiliensium.
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198 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MAITOUROSSO
puréna em galibi ; pulena em acauás ; purend em bonaris, pura em
arecuna e macusis.
Confrontando-se esse pequeno vocabulário palmella com os dialectos
da Guyana Ingleza, insertos no Glossaria de Martius, e com os colhidos
pelos vários viajantes, quaes La Condamine, Humboldt, Saint Hilaire,
Eschwegue, Spix, Newied, d'Orbigny, Castelnau, Gonçalves Dias, Couto
de Magalhães, Barbosa Kodrigues, etc, muitos dos quaes differem na
orthographia, por terem sido escriptos conforme as phoneticas allemã,
ingleza ou franceza, e alguns, ainda, obtidos por ouvidos muito duros ou
pouco adestrados, podemos melhor verificar taes approximações. E; notá-
vel que a palavra que mais vezes apparece idêntica, ou com modificações
apreciáveis, é a empregada para exprimir o termo fallar ou os dous
principaes orgams da voz — hoca e lingím.
Em seguida vém as que significam agua e rio. No próprio tupy
observa-se a singularidade de ser a palavra cy, mãe, derivada de agua (a),
e exprimindo fonte, o que mana, flue, corre, donde emana ou faz emanar.
Ainda é notável que a mesma voz serve em vários dialectos para
exprimir, ora n'ura, ora n*outro, aquellas três idéas differentes ; assim,
fallar entre os quiniquinaus, nehne^ é o mesmo que hoca nos guirinas. e
lingím nos cariarys e moxas.
A' cinco reduz o illustrado Sr. Dr. Baptista Caetano os idiomas
principaes ou linguas-mães da America Meridional. Nelles são comple-
tamente distinctos aquelles vocábulos, como se verá do quadro seguinte •
(a) Segundo o sábio americanologo o Sr, Dr. Baptista Caetano, parece ser o hty
cujo demonstrativo h tornou-se fixo ç; t/, agua, é também verbo intransitivo e si;fni-
fica vnanar, correr, ser corrente; h) elle mana, o manar delle^ e gui o seu manar,
não são usados, porque com o h deram ao í a significação transitiva, donde resulta
ht fazer manar ou emanar, fónna que applicada á outro verbo determinaria ci em
vez de /lí, mãe, fonte, o donde emana,o que faz emanar. Vocah, da língua guarany.
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AO RIO DE JANEIRO
199
NAÇÕES
1
AGUA
língua
BOCA
FALLAR
Tupy . . .
Aymára-aro .
Ketchua-kallu
Chili-dugu. .
Kiriry . . .
y_]í_ú; ig yg
uma
unu ; yacu
CO
dzíi
1
cu=cum
lakhra
kallu
keuun,keuin
nuDU
yurub— jurú
laka
simi
uun=uin
waridza
neê— neeng
aro^aru
rima-riman
dugun
mé
Entretanto dos quadros e chaves que adiante se seguem, vê-se que
póde-se admittir uma certa connexão entre taes vocábulos, trazida pelo
confrontamento entre os diversos dialectos.
E fique desde já consignado que não se garante o acerto de todos esses
termos ou justeza de sua expressão philologica ; taes quadros tendo sido
organisados sobre bases diflferentes, e sem os dados necessários para recti-
ficar o assumpto e dar-lhe o cunho da autenticidade.
Quadro I
mALECTOS
FATiLAR
NEÊNG
BOCA
UNGUA
Tupy
tíuarany
neê
Jumana
nenenga
Caripós
nena
Jumanas
nene-se
Cayguazes
iíeue
Guanás
nahéne
Baures
péhne
(
Palmellas
epête
Xontaquinos
ghene
Quiniquinaus
nehne
1
Guirinas
nené
Xerentes
améne
I
Cobeús
eriméne
1
Xerentes
daméntu
Cariarys, moxas
néne
1
1
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200
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
DIALECTOS
1
1 PALI.AK
BOCA
língua
Baures
néna
Majorunas
hána
Panos ;
hána
V.*rfo,fallar
Conibós, caripu- '
dos botu-
nas
haná
runas e
Carnes ;
sane
seguintes.
Xopotós, purys I
liamá
Parianas
nana
Guayracús \
nélon
Jucunas
leno
Guaynumás, ma-
riatés
nêpe
Geicós
enêta
Antis
neuta
Manáos
neta
Jucunas, bares,
tarianas
neta
Camés
nonê
Canamerins
na-núny
Kmmis
NUNU
Chili-dugu
UUN
Manivas do rio
Içá , manáos,
bares
■
núma
Cariarys,moxas e
tarianas
wwnúma
Cayapós, e may-
pures
númah
Cavixanas
^
nómah
KiRIKI
MÉ
Maranhas
ne-ómaco
Jumanas
uúman
Canamerins
^a-nahma
Xontaquinos
WM-nãghy
Boturunas
háo
Tecunas
nahá
Moxas
ww-háea
Marauhás
niaya
Botucudos
nima
Cadiueós e Enhi-
mas
nima
Krtchua-kallu
SIMI
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'
AO RIO DE JANEIRO
201
DIALECTOS
FALLAK
BOCA
língua
Ketchua-kallu
nine
V
Parecis
nisi
Majorunas
niáre
V. boca em
Bororós
nuáre
cayoabás,
Tocanos
^*^-nére
aymara-
Ketchua-kallu
RIMAN
aro e se-
Bororós
nuire (?)
guintes.
Pimenteiras
nury
Palmellas
nuo
Tamanacos, ga-
Ubi
núro
Guayracus
nurutko
Guirinas
nuhúma
Tamanacos, para-
vilhanas
anulo
KmiRi
NÚNU
Macunis
onnu
Botucudos
ong
Malalis
nok-ôo
D
nokfio (?)
Maraguás
nomich
Âpinagés; apone-
gicrans
noto
Malalis
iôto (noto ?)
Carahós
anok-babo
Macunis
únda
-
Arecunas
undáh
Maconcongos
undáte
Menienes
undáhta-coh
Qeicós
éngh-coh
V. lingua em
Cobeús
ihécu
tecuna, e
Gotoxós
érecoh
seguintes.
Coretús
lecóh
Xontaquinos
noh-gob
Botucudos
higítioh
Àcroás
utóh
Xiquitos
utúh
Mimuhas
utúhri
Tamanacos
antálo
Bororós
téru
Pimenteiras
ythubyren
Àracajús
iurú
26
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202
ITINBBAKIO DA CIDADB DE MATTO-OSOSSO
DIALECTOS
PALLAR
BOCA
LÍNGUA
TUPY
JURÚB
1
Guarany, oma-
'
guas, cocamas
jurú
Cayoabás
aru
,
Atmaka-áeo
ARO
Jurys
iaro
i
Majorunas fero-
zes
irah, ixah
Majbrunas do-
mésticos
re-ixah
Purys, coroas, co-
ropós
txôre
Cotoxós
diatxorah
D
tiak-rêre
Cayapós
xapeh
Coretus
sapo
i
Cumanaxós, ba-
nhamis
txapetan
Jupurás
txu-xuk
Coretiis
diri
Guatós
djó
Ktrtrts
DZU
))
waridza
Xerentes
dajô
Guaycurys
káledji
Cayoabás
kálike
Aymara-aeo
LAKHRA
»
LAKA
Ketchua-kallu
KALU
Panos
kesra
Iquitos
kêuga
Mondurucús
kôipu
Mirauhas
ghuo
Quayacos
ghqueh
Pataxós, banha-
tdír, coerunas,
cumanaxós e
maconis
kena
Chili-duqu
KEUUN
Tecunas, came-
crans
coh
Mondurucús
uecoh
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AO BIO DE JANBIBO
203
DULECTOS
FATJ.AB
BOCA
língua
Coerunas
copéhon
Apiacás
cuang
Apinagés, apoge-
nicran9
cuá
Maçacarás
ccuah
Malalis
alcuá
Xiparos
rícuá
Coroas
«uyá
Cocamas , orna-
gUãS
cumuira
Maçacarás
cony
Cobeús
cony
Parecis
iculiu
Tecunas |
cincú
» 1
cincú
Camés
nencu
))
nencú
Cobeús
xe-cuh
Guarany
cu
TUPY
CUM
E sem muito esforço de imaginação poder-se-hia com esses termos
organisar uma chave que tivesse por base a voz túpica e as outras como
desinências, pouco mais ou menos assim :
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204
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
o
ta
O
ta
INIMIll-illIlgã
S o § 8 o g S'a*C o §.S o»cs K 5 o
a
g
■Ç o ff
Is
5 fe-c8 £ 3 íS »
08 W «F^ .f-i «f»^ •'^ t-i
s: fl 08 «t3 fl fl a a> c
-5^ a-^ 5-9 í^*® !^
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AO RIO DE JANEIRO
Quadro II
AGUA E RIO EM VÁRIOS DIALECTOS
205
DIALECTOS
AGUA ou rio
DIALECTOS
AOUA ou rio
TuPY, lingua geral
Y — í — Ú —
Guarayos
ôho
desde a Guyanaln-
ig-yg
Sabujas
aohu
gleza até os pampas
hi — hu(erra-
Palicuras e goyanases
óny
patagonicos.
damente)
Bares
óny
Cayguazes, xontaquinos
yu (doce)
uh (aspir.)
Jucunas
ohny
Mondurucús
Guaynumás
ahoni
Jumanas
uhy
Antis
niá
Tarianas
yni
Cariarys
óna
Baures
hína
Paravilhanas e outros
Ariocases
éni
muitos.
dona
Caripunas
héne
Macunis e outros
duna
Panos
hen
Grande numero de dia-
Maropas
ghene
lectos, entre outros,
Orelhudos
énue
aracajús, arecunas,
Cajaveranas, guaraná-
acauases , atorases ,
cuasamas
uéne (doce)
galibi, guapixanos,
Pamaris
huéne
guayamares, macon-
Manivas, canamerins
huhéne
congos , palmellas ,
Botucudos
néne
pianogotos e teveri-
Moxas, maypurés
úne
gotos, etc.
tuna
Cocamas
unéh
Boiiaris
túnah
Gauixanas
nése
Enimas, guanás, tere-
Potiguares
una
nas, quiniquinaus e
Omaguas, guayracús,
layanas.
tôhna
majorunas e manivas
Mobimas
tôhni
do rio Içá.
úni
Xiquitanos
tútuch
Maraguás, guaycurys.
?
ha
mariatés e araicús.
uny
Xiparos
há-ha
Ketchua-kallu
UNU
Parentintins
há-hu
Manáos
línua
Jaruras
háya
Conibós
úhupas
Mexicanos
máya
Guirinas e aruaques
uhúní
Tainos
ama
Iquitos
nuna
Purys
náma
Guanás
huna
Coroas
namán
Maukuases
hune
Botocudos
maiiin
Atmara-aro
UMA
)) crecrauns
munan
Geicós
úlu
Guatós
maghen
Aravirá, bororós
ôo
Tsulucos
amuk
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206
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTOOROSSO
DIALECTOS
AGUA ou RIO
DIALECTOS
AGUA OU RIO
Majorunas
uáca
Cayoabás
kyta
Ketchua-kallu
YACU
Itonamas
iene
Chili-dugu
CO
Apiacás
etoh
Panos
áca
Timbiras e carahós
koh
Baures
ácum
Cayapós, apinagés
inkoh
Guaxis
uáke
Guaycurys, cadiueos,
Acatapuses
áke
etc.
niôgóde
Xerentes, xa vantes e
KiRIRI
DZU
xicriabás.
ky
E da mesma sorte que com os termos do quadro antecedente
podemos formar para os deste uma chave, pelo modo seguinte :
yni
uh
em
héni
hen
hina
nía
uene
una 00
énue
huna ôho
ghéne
uneh aôhu
huéne
huneh
uhéne
nese
nené
nuna
uni
uny
ony
unu
ony
unua
ohni
uhupas
ona
uhuni
dona
UMA
duna
tuna
tunah
tonah
tohna
tohni
tutuh
ha
há-ha
há-hu
báya
màya
áma
náma
nãman
manin
mághen
munam
. amuk
uáca
YÁCU
áca
ácum
uáke
ákê
ky
kéne
ecoh
coh
CO
incoh
niôgôde
DZU
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AO RIO DE JANEIRO 207
Algumas singularidades dignas de nota apparecem também em
#
alguns desses dialectos. Assim, guaiá, substantivo tupy que denomina
uma espécie de macacos, o ateies panisctds, é o nome que os meniens dão
aos negros, e os coropós aos brancos ; á quem por outra coincidência os
cayapós chamam maccica. Para os tupys o negro é fapaíiunu ; para os
jeicós tapanon é o branco, do mesmo modo que famtmna entre os paravi-
Ihanas, e nug nos maçacarás. Guaim^^ guaihí^ guaima^ nos dialectos do
tupy exprime velha, isto é, mulher velha ; nos coroas homem é goaimã,
e nos purys coaimá.
Uma outra singularidade é que em varias linguas uma mesma
palavra serve para significar velho ou velha e antis ; talvez por transla-
ção de sentido do vocábulo ruga ou prega. Assim guaiml ou guaimá
designam aquellas duas expressões, no tupy e seus derivados cayguá,
guarany, cayoaba, guarayo, etc. ; nos passes é irena guimX ; entre os
xerentes e xavantes híMivrvê ; nos acroases uongah ; nos apinagés peu-
kefsi ; apogenicrans e carahós, ipreguch ; guaycurús, luleca ; camecrans,
stahioh e nos cotoxós siahieho. Entre os mariatés e guaynumases sari-
tala significa anus, e sauti velha ; nos iwrysje-ju, anus ; reju, velha ; nos
maraguas akijumo, anus, e atuijuno, velho. Nos uryanas gíiáino-ttMtny e
nos jaguás qu^na ramitofta designam ao mesmo tempo as duas cousas.
IV
A's 6 da manhã de 29 de setembro, sabbado, sahimos do destaca-
mento das Pedras Negras. As' 8 passámos uma pequena situação de
António Duarte ; três quartos de hora depois, a de Manoel Bento ; ás
9 1/2 o Bebojinho, onde dizem que em tempos de mais aguas o rio
forma um rodamoinho, quasi á meio canal, o que é sem duvida devido á
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208 ITINERABIO DA CIDADE DE MATTO-ttROSSO
penedos no seu talweg ; ás 10 horas e 10 minutos, o S. Simãosinho,
pequeno braço do Guaporé, por muitos reputado um rio, que recebe
quasi na sua boca inferior o S. Martinho, braço do Baures, conhecido
também pela denominação de rio, e cujo nome provém-lhe da missão de
S. Martinho, que os hespanhoes tiveram á margem direita do Baures,
onde esse braço começa, e abandonaram em 1763, com receio dos por-
tuguezes. Distam entre si as duas bocas quasi setenta e cinco kilometros.
A ilha, que forma, esteve desde 1743 na posse do Brasil, e só três
annos mais tarde vieram os hespanhoes exploral-a. E' afamada pela sua
riqueza de seringaes ; o que é de notar-se, attendendo-se á falta quasi
absoluta das mais preciosas e notáveis espécies da flora guaporeana de qua
é tão rica a outra margem, quaes a seringa, o cacau, a salsaparrilha, a
copahiba e o tocary ; o que faz acreditar que essa ilha já fez parte em
outros tempos da margem direita, sendo então o leito do rio aquelle
braço do S. Simãosinho.
Nessa ilha vimos um rancho de palha de trabalhadores do Sr. Totó
Kodrigues, e vimol-o com alegria, pois ninguém pôde disfarçar esse sen-
timento ao descobrir nesses immensos ermos um qualquer artefacto
do homem, civilisado ou selvagem ; sentimento á que se allia a
anciedade por vêr o objecto, e do qual já não se tira mais a vista,
vendo-se-o, soffregos, pouco á pouco crescer e approximar-se.
Por ahi coUoca o illustrado geographo maranhense a aldeia do8
Palmellas,ttalvez pela do Corumbiara, fundada pelo missionário italiano
Francisco Xavier, de que trata o padre Manoel da Motta e que atraz
citamos.
A's 2 da tarde passámos a ilha do Limoeiro, e com hora e meia de
regular navegação chegámos ao banco da Pescaria, já nosso conhecido
de íama, pelo terror com que delle faliam os nossos tripolantes. E' de
facto o local mais baixo do rio, e agora encontramol-o tão completamente
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AO RIO DE JANEIRO 209
trancado^ que não havia um canal, por pequeno que fosse, que desse
passagem ao bote, deslisando-se as aguas sobre o areial do banco n'uma
camada tão ténue que mal era divisada ; o que torna difficil a explicação
para a correnteza que tem o rio acima e abaixo dessa tapagem.
Depois de buscar-se a passagem mais aproveitável para o varadouro,
isto é, onde o banco fosse mais estreito e de menos areia, metteu-se mãos
aos remos e enchadas, e começou-se um canal de mais de cem metros de
longura, conseguindo-se, somente no dia seguinte, ás 4 horas da tarde,
termos o bote na parte inferior do rio. Carregado que foi, seguiu-se
viagem ás 5 e um quarto. Em pouco passámos á esquerda do campo da
Fescaria e da ilha das Capivaras, e ás 6 1/2 abica vamos um pouco
acima e á vista das palhoças de F. Domingos, não sem termos ainda
encalhado por duas vezes.
Tem continuado á apparecer alguns casos benignos de febres inter-
mittentes, que não perduram apezar da faina em que andam os tripolan-^
tes, levando ás vezes até oito e dez horas de trabalho continuo dentro
d'agua ; o que tem também produzido fortes frieiras em alguns.
No porto daquellas palhoças deteve-se o bote emquanto o patrão ia
á terra ; donde voltou trazendo para bordo um pequeno palmella de 8
annos de edade, de nome José, com destino ao commandante do forte do
Príncipe.
A' 1 de oitubro, sabidos á hora do costume, logo ás 8 encalhávamos,
e tão bem, que somente ás 6 da tarde lográmos continuar a derrota ;
parando-se pouco adiante, na margem esquerda, para preparar-se a nossa
primeira refeição do dia e repousarmos.
27
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210 rriNEHARio da cidade de matto^rosso
A' 2, com daas horas de viagem, chegarse, ás 7 horas e 20 minutos,
ao Quebra bote, ilha notada pelos navegantes pelas repetidas desgraças
que ahi experimentam ; devido isso á variação das correntes e mudanças
de canal, e á ser o rio todo inçado de pedras. A* nós a sorte foi propicia.
A's 7 1/2 passa-se o Bio Branco, que parece ser o marcado pelos
antigos com o nome de S. Simão Grande ; tem uns cincoenta metros de
barra e bastante agua. Desce também á margem direita do Guaporé, e,
segundo os nossos tripolantes, é navegável por mais de vinte léguas.
Nelle tiveram os hespanhoes a missáo que lhe deu o nome, fundada
em 1746.
A's 3 e 20 minutos passa-se o campo do Páo de Oko, as ilhas da
mesma denominação e a do Bebojo Grande, todas á direita. A's 5 1/2
da tarde pára-se junto á foz do S. Martinho, ou boca inferior do S. Simão-
zinho, que passámos logo ao alvorecer do dia 3. Essa barra é desempe-
dida, representando um esteiro de oitenta á cem metros de largura. Fica
uns trinta kilometros abaixo de S. Martinho ; e ahi termina a grande ilha
de S. Simáozinho, cuja maior extensão, póde-se avaliar em cincoenta á
cincoenta e cinco kilometros.
A*s 6 3/4 de 3, encalha-se por uns quarenta minutos defronte do
campo do Formigtmro. A' tarde ha outro encalhe de vinte e quatro mi-
nutos antes dè alcançarmos a ilha do Capim, que é transposta ás 2 e 50
minutos. Um quarto de hora depois bate outra vez o bote. ficando preso
por uma meia hora.
Na manhã de 4, com duas horas de seguimento, encalha-se por 3
horas e 20 minutos ; parámos para o almoço em frente ao S. Miguel,
pequeno rio sabido também na margem direita e que dista do S. Simão
uns sessenta kilometros.
Partindo-se á 1 da tarde, meia hora depois ha um encalhe de vinte
e cinco minutos ; ás 3 horas e 5 minutos passa-se o Cautario 3% tam-
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AO RIO DE JANEIRO 211
bem naquella margem e uns dez kilometros abaixo de S. Miguel ; ás
4 e 1/4 bate-se n'um pedregal — prolongamento da ponta septentrional
da ilha do Bigtm.
Uma hora depois avistávamos os morros de S. Rosa, abaixo do
campo desse nome, á margem direita. Fronteira lhe fica, n'um immenso
alagadiço, a grande ilha do Acorisal, segundo os nossos tripulantes, e que
deve ser a do Capim, dos antigos mappas ; uma vez que se reconhece
mais conformidade na denominação para esta ilha, baixa e alagada, e
coberta em immensa extensão de gramíneas aquáticas, do que na que
registrámos acima com esse nome, ilha coberta de alta mattaria, e que
talvez por engano usurpasse o nome da outra.
Toda a viagem no dia 5 foi de paradas breves, mas repetidas, em
parceis e pedernaes. A nona e ultima foi a mais demorada, e durou das
5 e 12 minutos ás 7 e 6 minutos da tarde. Em todo o dia mal andaria-
raos doze kilometros.
Três kilometros abaixo da ponta septentrional da ilha do Acorisal
fica, á margem esquerda, o campo das Araras. Segundo pretendem
alguns, menos acertadamente, foi aqui que existiu o sitio da Casa Be-
donda, e onde em 1761 Luiz Pinto estabeleceu o destacamento de Pal-
mellas ; e como tal vem consignado no Aila do senador Cândido Mendes.
Sabbado 6, perseguiu-nos na viagem a mesma desventura, e apenas
com uns treze kilometros de seguimento tivemos ds ficar á margem
direita de uma ilha, á que demos nome de Leomil por ficar fronteira ao
terceiro sitio da Casa Redonda, ao qual Luiz Pinto deu aquelle nome em
14 de Março de 1763 ; e que, apezar de extincto ha quasi um século, ainda
é citado em cartas geographicas.
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212 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Domingo 7 de oitubro, sahimos ás 4 horas e 10 minutos da madru-
gada, fazendo-se força de remos á fim de chegarmos ao Baures á tempo
de poder-se determinar, nesse mesmo dia, a sua posição geographica. A's
5 avistámos um morrote á direira ; em pouco passámos o rio e a ilha de
S. Domingos, e ás 9 e 10 minutos a ilha do Curral. A's 9 3/4 chegáva-
mos ao Baures.
Era perto da sua margem direita e do logar de Leomil que houve
a aldeia chamada Palmellas, e o destacamento estabelecido por Luiz
Pinto ; durando aquella emquanto este lá permaneceu (a) .
Nesses últimos cinco dias de navegação o trecho do rio, que percor-
remos, não combina com as descripções dos antigos : achámos as distan-
cias entre uns e outros pontos muito diminuidas ; a grande ilha, que
marcaram em frente aos Baures, desapparecida, e em seu logar um peque-
nino banco de 5 metros, mais ou menos, de diâmetro, e ainda alagado,
apezar da baixa considerável das aguas. O que denota as mudanças por-
que tem passado o leito do rio, tomando uma direcção mais recta e dei-
xando o grande numero de voltas que fazia.
O Baures lança-se por duas bocas, uma de cincoenta metros, a
do /S., e outra de oitenta, a do N; sendo o delta uma pequena ilha ala-
gadiça e povoada de quantidade enorme de jacarés, que lhe coalham
também as aguas. Os antigos geographos davam ao rio o comprimento de
cento e trinta léguas ; e uma largura igual á do Guaporé desde a fóz até
rio Branco, seu principal afBuente. Essas diferenças tém explicação na
(a) Pisarro, Mem Hist,, t. 9.
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AO RIO DE JANEIRO 213
diversidade das estações, que ora augmentam o volume dos rios, ora os
deixam quasi á sêcco,transformando os terrenos. O Baures e seus affluentes,
S. Joaquim^ Eio Branco, S. Migtiel e Concepcion, o Itonamas e o Ma-
chupo, como o Paragahú e, abaixo o Mamoré, correm á esquerda do Gua-
poré, e todos no immenso valle que se estende entre as cordilheiras do
Parecis e de Eicardo Franco e as faldas dos Andes ; valle que na estação
das a^as converte-se n*um mar immenso, que no mundo só terá rival
nos alagamentos das aguas reunidas do Paraguay e Pilcomayo. E quando
na outra estação volve o rio á sua corrente natural, muitas vezes já o
canal lhe é outro ; apparecendo novas ilhas, sumindo-se antigas, que ou
são de todo submergidas e aniquiladas, ou vão em mais ou menos inte-
gridade aggregar-se ás novas margens.
Um violento temporal sobrevindo á tarde impediu completarem-se
as observações astronómicas ; e somente em 9 pôde o major Lassance
determinar com segurança o ponto, que está aos 12* 30' 40'\04 de lat.,
e 5P8' 47'\70 ao occ. do Eio de Janeiro.
A's 3 da tarde sahimos. A's 2 tinha chegado de Matto-Grosso o
Sr. António Maciel que veiu tomar a direcção da navegação, substituindo
seu irmão Estevam, que regressa áquella cidade.
Vae o Guaporé inçado de muitos e altos pedregaes, mormente nas
margens, cuja direita conserva-se quasi sempre abarrancada.
A's 5 1/2 passámos a ilha Lamego, fronteira ao local onde si-
tuou-se a aldeia de S. Miguel de Lamego, fundada pelo capitão-general
Eolim de Moura, cerca de trinta kilometros acima do forte do Principe,
entre as embocaduras do Baures e de Itonamas, mas na margem direita
do Guaporé (a).
(a) Yém ainda assignalada em algumas cartas, entre outras as de Ponte Ri-
beiro e Cândido Mendes.
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214 ITINERAKIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
A' 10 segue-se á hora costumada ; anda-se uma hora e pára-se ás
seis e vinte minutos para descarregar-se a embarcação junto ás primeiras
pedras de um vasto pedregal que alastra o rio, sem deixar caminho para
uma canoa ; correndo a agua por entre as pedras n uma infinidade de
canaletes encachoeirados.
A's 11 e 20 minutos acabou-se de varar o bote ; carregado de
novo, rema-se por uns doze minutos, que tanto bastou para enfrentarmos
com o JJhay^ dos antigos, liouamas de hoje. Sua barra é de oitenta me"
tros de largura ; e o rio apresenta-se mais pictoresco e formoso do que o
Baures.
Ambos são granules rios e navegáveis por mais de trezentos á tre-
zentos e cincoenta kilometros. O Baures vém de Chiquitos, quasi que em
rumo parallelo ao do Guaporé, guardando n'ura grande trecho a distancia
de quarenta á sessenta kilometros.
A' 1 e 20 minutos da tarde passámos a bahia da Pedreira, já
próxima ao porto do forte; no qual fundeámos cinco minutos depois (a).
(a) Na foz do Itonamas coUocam ocitado AtZflw e acarta geral de 1875 um povo de
S. José, que deve ser a missão desse nome, no Leomil. extincta desde o fim do
século.
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CAPITULO III .
O fortt (lo Priocipt da Bein
I
M que pese á memoria de Kicardo
Franco, e sem receio do ne sutor
ultra crepidam, sou avesso ao juizo
por elle emittido sobre o forte do
Príncipe da Beira, juizo que mais
parece uma bandeira de misericór-
dia lançada como salvaguarda ao seu
constructor.
E' na verdade imponente e gran-
diosa obra d^arte essa fortalesa, cons-
truída conforme os preceitos da arte
de guerra, todos, menos um; mas
esse de ordem tal, que sua falta toma desnecessária a existência dos
outros, e por conseguinte desnecessária, por absurda, essa formidável ma-
china de guerra. E\ apenas, que está situado na mais imprestável
posição.
Apezar de erguido n'uma collina, espigão ainda da Parecis que nella
vém morrer, alii, no Guaporé, é completamente invisível de quem desce
o rio e mal entrevista pelos que o sobem, que á custo só podem descor-
tinar por sobre o cimo das matf .is o frontal da entrada e a linha superior
do parapeito das baterias da frente ; o que não deixaria de ser uma van-
tagem, si por sua vez não fosse completamente invisível ao forte o curso
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216 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
superior do rio; e de pequena extensão, quando muito na primeira milha,
o que descortina do seu curso inferior.
Ao navegante que se lhe approxima e o desconhece não é dado
avaliar que soberba e alterosa mole é ; e, chegado ao porto, é somente
depois de galgar-se quasi toda a ladeira, que elle se revela aos olhos,
agora maravilhados do viajor, formidável, magestoso e imponente.
Qual a necessidade dessa obra monumental em taes regiões não se
comprehende, quando o Guaporé corre-lhe pela frente litteralmente atra-
vancado de pedras, desde acima do Itonamas até cerca de trinta Idlo-
metros abaixo do seu porto ; quando os terrenos fronteiriços são almargeaes
e brejões, impossíveis de serem habitados e transitados, e quando o leito
do rio com summa dificuldade deixa uma canoa, como a que montamos,
vencer-lhe as pedras e corredeiras ; e quando emfim não poderia esperar
aggressão alguma pela direita, terrenos brasileiros encravados na mesma
rede de vastos pantanaes.
Que tóolim de Moura fundasse o fortim da Conceição, comprehende-se
bem : era para defender a posição tomada aos castelhanos e firmar ob
direitos de posse á coroa portugueza : e também se comprehende que
mais tarde buscasse-se essa collina para o posto militar, visto aquelle
fortim ficar sob as aguas nas grandes enchenles do rio. Mas para taes
fins, e para servir de guarda ao rio e defesa á sua navegação, um simples
reducto bastava, naquelle tempo que a artilharia ainda estava nas fachas
da infância. O que não se pôde comprehender é os motivos que induziram
Luiz de Albuquerque á erguer essa formidável fortificação n'um local
onde, quando mesmo sua existência não fosse completamente nuUa pela
posição nada convinhavel, seria desnecessária pela natureza do seu campo
de acção.
Para servir de quartel, e tão somente, ás tropas de vigilância, é
machina despropositada ; si foi intentada para impedir a navegação aos
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AO RIO DE JANEraO 217
hespanhóes, nas melhores condições de êxito só o poderia fazer do Ito-
namas para baixo, ficando á aquelles livre toda a mais navegação, do
Itonamas e do Baures para cima, e pelo Mamoré todo o resto do Guaporé
e a própria navegação do Madeira. Si ao menos tivesse sido erguida em
sitio donde fosse avistada, bastaria sua simples catadura para infundir
respeitoso temor ; mas, á um século passado, como agora, invasores ou
inimigos que se aventurassem, nessas regiões de rios encachoeirados, nem
podiam vir tão numerosos, nem tão armados de machinas de guerra, que
fosse mister tal espantalho para conter- lhes os Ímpetos. Si no verão de
1766 Juan de Pestana pôde trazer um exercito á acampar em frente ao
fortim da Conceição, a falta de aguas, que deu-lhes transito por terra,
trancava-lhes o rio ; e o adiantado da estação foi o principal inimigo que
os fi '/ desalojar e fugir precipitadamente.
II
E' deveras imponente e magestoso ; e confesso, á puridade, que ao
contemplal-o tive pena, pezar verdadeiro, de existir tal monumento em
logar onde apenas um ou outro degredado, um ou outro selvagem — e o
rtirissimo viajante que de necessidade lhe chega ao porto — terá occasião
de contemplal-o.
Ainda hoje, apezar de meio século de abandono, apezar de inser-
viçel por irem-se ruindo em escombros as suas dependências, apresen-
ta-se tão grandioso que produz a mais inesperada sorpresa á quem,
galgada a coUina, vê, de repente, e quasi de um jacto, surgir, no meio do
profundo fosso que o cerca ; semelhando as arestas de seus baluartes ás
proas de gigantes couraçados, pelo bem traçado das linhas, a inclinação
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218 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
sobre o terreno e a côr férrea de suas muralhas, feitas de parallelepipedos
dessa arkoze quasi ferruginosa, conhecida na provincia com o nome de
pedra canga.
K construido sobre um quadrado de cento e dezenove e meio metros
de face, com quatro baluartes, no systema Vauban, de cincoenta e nove
metros sobre quarenta e oito na maior largura. As cortinas que os ligam
dous á dous, tem cada uma noventa e dous metros e quatro decimetros
de extensão, á borda do fosso. Os baluartes eram conhecidos pela deno-
minação de Nossa Senhora da Conceição, Santo Antmiio^ Santa Bar-
bara e Santo André Avelino.
O fosso varia na largura, guardando, porém, effectiva a profundidade
de dous metros : na frente e flanco esquerdo é de trinta metros e dous
decimetros de largo ; junto aos baluartes tem de metro e meio á dous
metros, excepção feita do da esquerda, Conceição, que é de nove metros.
Em frente ao portão atravessava-o uma ponte de trinta e um metros,
parte da qual na extensão de quasi quatro era levadiça e recolhia-se ao
forte. Fronteiro lhe ficava um revelim, e entre este e o fosso um ca-
minho coberto.
O portão fica á meio da cortina de N. : na face oceidental e parallela
ao rio ha uma poterna que se abre no fosso.
Cada baluarte tem quatorze canhoneiras ; três em cada flanco e
quatro em cada face. A gola é de vinte e dous metros ; e de oito e dous
decimetros a altura das muralhas da esplanada ao fosso. Esses dados,
acima, foram colligidos pelo digno V tenente Frederico de Oliveira, ao
confeccionar o plano topographico que graciosamente cedeu-me.
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AO RIO DE JANEIRO 219
Sobre o portão, na altura de dez metros e três decimetros, lê-se esta
inscripção, á que já faltam algumas letras de cobre, antigamente dourado,
e pregadas n*um rectângulo de granito :
losepho I
LuzitanioB Et Brasilioe Eege Fidelíssimo
Ludovicus Albuquerquius A Mello Pererius Cáceres
. AmplismncB Hujus Matto-Grosso ProvincioB
Gubernator Ac Dux Supremus
Ipsins Pidelissimi Eegis Nutu
Sub Augustissimo Beirensi Principís Nomine
Solidum ífujus Areis Pundamentum «Taciendum Curavit
Et Primum Lapidem Posuit
Anno Christi MDCCLXXVI
Die XX Mensis Junii. (a)
o forte do JPriuoipe da Seira.
(a) Pisarro citando esta inscripçào escreveu Primo por extenso ; augmenta-a
como atributo de Regia Magestatis á Conoiliis entre a linha do nome do fundador e
a seguinte Amplissimoa, etc. Escreve Regis Fidelissimi e Numine, quando no ori-
ginal estào Fidelissimi Regis e Nomine, este engano talvez de impressão como o
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220 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATIOGROSSO
O portão, que nunca foi collocado, devia ter a largura de dous me-
tros e sessenta e seis centimetros : uma parede provisória o fecha em
parte, em mais de metade do vão á elle destinado, deixando para entrada
uma porta de metro e três centimetros de largura, também pro^ isoria,
mas tal que nunca foi nem será substituida. Abre-se n'um saguão de
pouco mais ou menos dez metros de comprido, composto de duas partes
distinctas, das quaes a anterior é um quadrado perfeito de quatro e meio
metros de lado, e a outra de cinco e meio metros de fundo sobre
quatro e trinta e oito centimetros de largo. Nesta ficam, á esquerda,
a casa da guarda e xadrez, e á direita os calabouços, tudo abobadado, e
estes muito escuros, húmidos e faltos de ar.
A casa da guarda é dividida em dous compartimentos, ambos de
quatro metros e quatro decimetros de largura, mas o primeiro comprido
de oito metros e dous decimetros, e o outro de três e trinta e oito centi-
metros. O calabouço que se abre em frente á esta sala tem quatro metros
de fundo e de largura mais quatro decimetros ; o outro á este contíguo,
com respiradouros para a praça d'armas, guarda a mesma largura, tendo
oito metros e trinta e cinco centimetros de comprimento.
lia parede do primeiro desses calabouços escreveu um moderno
Tasso sentidas endeixas, onde a nova Eleonora pouco é lembrada, mas em
compensação o triste poeta buscava enganar sua desdita, escrevendo,
nesses segredos da masmorra, louvores aos que o tinham encarcerado ;
trabalho que é de suppôr baldado, pois sem duvida o ficaram ignorando :
Regia. O autor da Noticia sobre a prooincia do Matto-Grosso também cita esta ins-
cripção, mas parece que a extrahiii de Pisarro ; ficando por conta do seu impressor
outras descabidas com que a desfigura, quaes Lasitance, Perezius, Jacendum e
Gkritiy mas corregindo o Regiou de Pisarro para Regioe Como acima diz-se, faltam
algumas letras, as quaes vão transcriptas em gripho : completando-as eu, conforme
o consignado por aquelle illustre prelado e historiador.
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AO RIO DE JANEIRO 231
sendo mais provável que, si soubessem do escripto, teria sido raspado e
apagado, e o poeta punido por estar damnificando as obras do Estado.
Comquanto çupinamente toscos, mal medidos e mal rimados, gostei
de, na tristeza desse ergástulo, copiar as linhas que o tempo deixou
legíveis : e pouco se me dá que se considere perdido o tempo que nisso
gastei, e o que emprego em transcrevpl-os aqui.
As quatro paredes do cárcere tinham sido completamente cobertas
delles, divididos em estancias separadas por traços em quadrados ; letras,
traços e tudo, aberto na alvenaria á ponta de um estilete qualquer.
Eil-os :
<c Desta horrorosa prisão
De ti me despeço brioso
Tendo suportado gostoso
Por ti mui dura afflição
Firmina.
« Embora me persiga o fado
Querendo a vida tirar
A Virgem me hade ajudar,
Por ella serei amparado,
Pois aqui encarcerado
Estou bem crente na sina
Que hei de sempre te amar
Firmina.
« Agradecido e obrigado
A's graças que me tens feito.
Capitão Cunha, em meu peito
Teu nome tenho gravado.
Nelle será conservado
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222 ITINERÁRIO DÁ CIDADE DE MATT0-GR08S0
Emquanto vida eu tiver
E só depois que morrer,
Callarei os teus louvores
Que nem mesmo. . .
« Si Mato Groço prendeu-me
O forte me cativou.
Aqui cativo estou
De quem tanto favoreceu-me.
Quando eu fôr em liberdade
Agradecerei a bondade
Cora que alguns bons senhores
Nesta minha adversidade
E destino desgraçado
Em que a sorte me lançou
Muito agradecido estou
A' tropa e povo honrado
Pelo respeito e bom grado
Com que todos servido
De seus favores compellido
De novo vem . . .
Para melhor agradecer
tem Jsofrido
Adeus, filha querida.
»
E mais um cento de quadrados com versos do mesmo jaez.
Ninguém pôde orientar-me sobre quem seria o pobre versejador,
nem mesmo quem fosse o capitão Cunha, á quem tão agradecido se mostra,
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AO KIO DE JANEIIiO 223
talvez por conta de favores, ainda em desejos. Supponho que sua prisão
coincidirá com outra inscripção que ahi também se lê, e a qual não é de
somenos interesse : — « No dia 18 de setembro pelas 2 horas da tarde,
tremeu a terra, 1832. »
Mais tarde verifiquei que o capitão Cunha devia ser José Francisco
da Cunha, commandante do forte até 1831, em que morreu, segundo se
deprehende destas palavras do officio do presidente António Correia da
Costa ao ministro do Império José Lino Coutinho, dando conta de varias
sedições e amotinações do povo e tropa : « — Não tardou muito tempo
quando foi participado pelo commandante-militar do forte do Príncipe á
este governo, a sublevação da guarnição e povo do mesmo forte, contra
o alferes addido ao estado maior do exercito António José da Silva Ne-
grão, que para ali fôra nomeado commandante, á substituir aquelle que
interinamente servia no logar do finado sargento-mór José Francisco da
Cunha, conforme participei a V. Ex. em officio de 6 de junho de 1831. »
III
Ao sahir do saguão, na praça, uma escada, à esquerda, conduz á
meia cortina da frente ; donde póde-se circular toda a fortalesa pelas cor-
tinas e baluartes. Na praça, parallelas ás cortinas ha duas ruas de casas,
compostas, a mais próxima de seis edificios que eram destinados á arma-
zéns, officinas e quartéis da tropa, e a interna de outras tantas casas para
officiaes, commandancia, capella e enfermaria, eslas três na face fronteira
á da entrada do forte.
No centro ha uma grande cisterna, com os escoadouros necessários
para o excesso de aguas, cuja abertura de sabida vê-se na barranca
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224 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
do rio, como um corredor quadrado, •de dous palmos de face, fechado
por uma grade de ferro.
Cabidos por terra, junto ás canhoneiras, existem ainda treze canhões
de ferro, calibre 6, e* ura de 12. Nos depósitos e arrecadações, hoje
completamente derruidos, e que são os edifícios da segunda rua ao fundo
da praça, ha alguns falconetes, pedreiros e pequeninos canhões de bronze,
de dous palmos de tamanho ; e entre os destroços de muita peça de pala-
menta, innumeras alcanzias, panellas de barro semelhando ás granadas ;
e cujo fim talvez fosse arrojar aos assaltantes azeite fervendo, como era
de uso nas antigas guerras.
Fora da fortalesa houve, nos seus bons tempos de mocidade, um po-
voado, e também chácaras e sitios. Em frente ao baluarte de N. E.
(Santo António) tinha o commando uma grande chácara, toda cercada
de grossa e alta muralha ; e dividida em grandes canteiros orlados de
cantaria, e dispostos symetricamente affectando á forma de uma estrella.
Está apenas á uns duzentos, ou pouco mais, metros do fosso, e todavia,
apesar de irmos com o commandante do forte, que já é pratico desses
sitios, custámos á encontral-a, tão alta, densa e cerrada é a matta que
ahi cresce e encobre seus muros, ainda hoje em pé. O que ainda mais
revela a desídia, preguiça, dessom nunil indolência e imprevisão do
futuro de todos quantos tém, ha longos annos, vivido nesse forte ; que
melhor local não poderiam encontrar para suas plantações, á não ser os
próprios baluartes e cortinas que converteram em roça, o que entretanto
ninguém poderia esperar.
Dos vegetaes que acompanham o homem, ainda ahi vimos todos os
communs nessas paragens, beldroegas, caruru de sapo, tanchagem, la.
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AO RIO DE JANEIRO
225
baça, etc., apesar de decorrerem já talvez mais de cinco lustros do seu
completo abandono.
Das arvores de fructo pelos antigos plantadas, apenas vimos ba-
naneiras ; não sendo crivei que de tantas outras que os antigos cultivaram,
e que naturalmente deviam ornar a chácara dos governadores, não existam
hoje arvores de laranjas, limas, limões, attas, café, canas, etc.: talvez que
a matta occulte ainda os destroços do pomar ; no mais, o elemento selva-
gem, como de costume, matou e destruiu as plantas da civilisação.
i^luiio do íbrte cio priíioipe cia Beira
IV
Concluiu-se o forte em agosto de 1783. Seu primeiro commandante
foi o capitão de dragões da companhia de Goyaz, José de Mello de. Souza
29
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226 ITINERAKIO DA CIDADE DB MATTO-GROSSO
Castro e Vilhena, que se achava desterrado em Matto-Grosso. A' 31 da-
quelle mez— foi occupal-o com a guamiçào do forte da Conceição, cujas
minas, só com algum custo, podem ser descobertas hoje.
O novo ha de custar a derrocar-se, nas suas obras principaes, tão soli-
damente foi construído. Todas as suas dependências internas e externas,
casas, quartéis, depósitos, ponte, portas, estradas, chácara e mesmo o fosso,
uns destruiram-se e os outros vão pouco a pouco, já estando a maioria
em ruina completa. Mas, essas muralhas são tão fortes, tão bem ali-
nhadas, tão bem acabadas — tão — quasi, perfeitas, que hão de passar os
séculos antes que se derruam ; e ainda hoje, mantendo, pelo menos exte-
riormente, toda a idéa da grandeza e poder que lhes imprimiu o seu
autor, testificam a consciência do trabalho e o esforço assignalado dos
seus obreiros.
A' perfeição da mão de obra junta-se a boa qualidade do material ;
e, cousa notável, o ferro, que tão facilmente se decompõe nos paizes
quentes e húmidos ; que no Egypto estraga-se em uma dezena de annos ;
que aqui na corte, nas grades expostas, vemol-o em poucos annos com-
pletamente carcomido nas suas barras, corroídas pela oxydação : ahi, no
forte, conservam-se inalteráveis e tão puros como si foram novos, apesar
de um século de exposição, os gatos de ferro que prendem as pedras das
muralhas, e que ostentam nitidamente a côr azulada do ferro de fresco
forjado.
Os edificios internos, hoje em ruina, foram também construídos com
a mesma consciência do trabalho ; mas eram relativamente mais débeis
e necessitavam do zelo para conservarem-se : suas paredes são de pedra e
cal, e o arcabouço de tal ordem, que poucas são as vigas que estejam
prejudicadas. Estragadas as ripas e os caibros, abatidas as telhas, appa-
receram as gotteíras ; e o tempo começou sem óbices o seu processo de
destruição.
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10 BIO DE JANEIRO 227
São as muralhas da frente as que guardam a mais esplendida
intgridade: o mesmo já não se dá com as outras, que vão cedendo á força
da vegetação que ahi se desenvolve por entre as fendas do muro, ou
sobre os parapeitos. Enormes embaihas e gamelleiras já assoberbavam
seus troncos, empurrando com as raizes os blocos da pedra, quando
visitamos o forte.
Os terraplenos dos baluartes, as cortinas e a praça, seriam matta
virgem, si a guarnição, temerosa das onças e dos selvagens, não preferisse
£azer nelles os seus roçados de mandioca e milho, feijões, canas e
melancia.
Em todos os quartéis e casas vive grande, immenso numero de mor-
cegos, a praga dos povoados velhos da província ; mas, assim mesmo,
não em tanta quantidade como n'outros logares (a), e como ahi mesmo
em outros tempos, em que, segundo diz Pisarro « — principiando á sahir
uma hora antes da entrada do sol, o encobriam formando uma densa
nuvem pelo espaço dilatado da sua carreira, até os campos de Espanha,
donde voltavam de madrugada. »
Nossa presença no forte, trouxe pela primeira vez em, talvez, dezenas
de annos, a vantagem de limpar-se suas muralhas, cortando-se e buscan-
do-se extirpar as arvores que ahi cresciam, e também derrubando a
mattaria externa que cobria o fosso e o seu perímetro
Infelizmente pequeno foi o tempo da nossa demora para vêl-o com-
(a) Exemplo Pocoué, da qual diz o Sr. Dr. Melciades Pedra, chefe de policia no
MU relatório, o mesmo que Pisarro.
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228 ITINERAHIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
pletamente limpo : todavia as muralhas ficaram escorreitas, e o forte
livre, em muitas braças, da floresta que o affogava. A' instancias nossas,
começou o commandante o plantio de larangeiras, então apenas três, na
ladeira, e agora augmentadas de umas vinte, dispostas em dous renques
desde o porto até o fosso ; todos arbustos já de metro e mais, e que, ao
retirarmo-nos do forte, deixámos vivos e pegados.
No forte mora somente a guarnição, composta actualmente de qua-
torze soldados e um sargento. O commandante reside n'uma casinha, na
barranca, á uns dez metr os acima do porto : ahi tem também uma pe-
quena horta. Em frente á casa ha um pequeno destorcedor de cana, e um
apparelho tosco para o preparo da farinha.
Ao contemplar-se essa fortificarão que tem tanto de grandiosa como
de estólida, não se sabe o que mais admirar, si o mérito da obra, o di-
nheiro e tempo gastos, as fadigas e misérias dos trabalhadores, isto é,
a somma de esforços nessa construcção empregados ; si a phantasia do
capitão -general em querer ligar o seu nome á uma obra de guerra no
género das de Macapá e Cabedello, talvez cioso das glorias e recompensas
que obtiveram os constructores destas.
Não havendo pedra calcarea no sitio, foi a necessária para as obras
conduzida das margens do Paraguay ao registro do Jaurú, dahi por terra
á Villa Bella e Guaporé abaixo até o forte; e essa obra monumental ficou
(b) Ob. cit.
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AO RIO DE JANEIRO 229
concluída dentro de sete annos, tempo diminutissirao, si attendenuos ás
difSculdades que deveriam acompanhar uma construcção tão longínqua
e tão balda de recursos próximos : o que é um padrão do esforço e da
1;enacidade de Luiz de Albuquerque. Para bem si o avaliar, basta con-
sipiar-se, que, annos depois, em 1825, quatro canhões de bronze, de ca-
libre 24*, remettidos do Pará, pelo Tapajoz, com destino a elle, só
conseguiram chegar á Matto-Grosso em 1830. Mas já o forte tinha
perdido sua importância ; e o presidente deliberou fazêl-os de novo re-
montar o Alto Guaporé até a estrada de Cuyabá, com direcção a essa
capital ; e ali jouveram por uns vinte annos, até que em 1851 o barão de
Melgaço as fez descer para o forte de Coimbra.
Eguaes na grandesa, mas, incontestavelmente superiores na utili-
dade, eram aquellas duas outras fortalesas. A de Macapá, começada em
25 de janeiro de 1764 pelo sargento-mór engenheiro Henrique António
Galuzzi, foi-o por ordem do capitão-general Fernando da Costa e Athayde
Freire. Seu plano foi o mesmo seguido pelo major José Pinheiro de La-
cerda no forte do Príncipe : um quadrado flanqueado por baluartes de
quatorze canhoneiras. Differia que seus quartéis e depósitos eram aboba-
dados e á prova de bomba. O portão fica na face de O., tendo também um
revelim fronteiro, separado pelo fosso e ligado pela ponte levadiça, havendo
uma outra que liga o revelim à esplanada. Suas muralhas são de quasi
oito metros, estando o terreno, onde se elevam, á mais de cinco das aguas
normaes.
O forte do Cabedello, construído n'outro systema, é um polyono
em forma de estrella. Quando por ahi passámos, notei com pezar que
dous desses raios marchavam para completa ruina ; sendo de lamentar
que as forças do Estado lhe não permittam reerguêl-os e conservar esse
monumento.
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280 mNERIRIO DA CIDADE DB MATTO-OR0680
Encontrámos a guarnição do forte composta de um alferes, doas
cabos e nove soldados, dos quaes três ou quatro tém de voltar na primeira
opportunidade.
Si em outros pontos da provincia custa o soldado á vêr os seus ven-
cimentos, é fácil de adivinhar o que succederá neste degredo dos degredos
de Matto-Grosso. Do soldo raro é o que recebe alguma cousa, e do farda-
mento, praças havia, com o tempo de serviço completo, que nunca o hou-
veram, nem o qtMntum respectivo, salvo má fé nas informações que nos
prestaram.
Para o pagamento dessa força, veiu agora quantia superior á quatro
contos de réis de soldos atrazados : a praça que melhor aquinhoada ficou
recebeu dezesete mil réis, e isso adiccionado ao producto da venda da sua
pequena roça, « — porque era muito trabalhador, » disse-nos o alferes.
Era um dos que deviam voltar, mas foi tão infeliz, que essa fortuna tão
custosamente agenciada toda lh'a roubaram na véspera da partida.
Sem indagarmos de cousa alguma, de tudo fomos inteirados, ora
pelas queixas dos prejudicados, ora pelas do patrão do bote o qual, sabendo
que vinha dinheiro para o forte, aproveitara sua ida á S. Joaquim
para trazer algum fornecimento ; e estava desesperado com a prohibição
de vendêl-o, que recebera do com mandante sob o pretexto de não se per-
mittir negocio nas praças de guerra ; e finalmente pelas ingénuas infor-
mações desse ofBcial, que se queixava da voracidade desses regatões, á
quem chamava de saca-olhos, reminiscências, talvez, do que ouvira aos
militantes da guerra do Paraguay, que com esta designação conheciam
alguns dos nossos transportes de guerra que accumulavam bem ás claras
o negocio de toda a espécie de géneros, que faziam o exercito pagar pelo
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AO KIO DE JANEIRO 231
quádruplo e mais do valor, quando apertado pelas circumstancias. Era
por isso, dizia, forçado á ser elle mesmo o fornecedor dos seus comman-
dados, e assim vendia-lhes farinha, assucar, doce, queijo, aguardente,
vinho, etc., tudo por preços tão razoáveis como os que aqui consignamos,
isto é lata de goiabada á dez mil réis, garrafa de vinho á oito, de aguardente,
á cinco, e essa já bastante dynamisada, etc, fornecimento que elle fazia
calculando com as quantias que as praças tinham de haver dos seus
soldos, e suspendendo-o logo que approximava-se ao valor desses venci-
mentos.
Esse systema de mercancia tão torpe entre o ofBcial e o soldado não
é, felizmente, commum na provincia, apezar de muito antigo (a) ; mas em
alguns logares está de tal modo arraigado, que entre os muitos militares
honestos que ahi ha apparecem frequentes os maus exemplos, desde o
simples soldado arvorado em commandante da ronda até o ofBcial supe-
rior ; sendo o commercio por elles feito, ás vezes, com a maior publici-
dade, uns despejadamente e scientes do crime que commettem, mas certos
da impunidade, pois a autoridade superior só delles próprios recebe as
informações que precisa ; outros, sem alcançarem, talvez, a enormidade
da torpeza, e suppondo, pelo exemplo dos chefes, que isso será natural ou
razoável. Nem se tome por hyperbolica essa ultima asserção. Na Coriía
do Destacamento tivemos occasião de apreciar essa singelesa : comman-
dava ahi um destacamento de doze guardas nacionaes um seu ofBcial ;
veiu pedir-nos para interessarmo-nos em sua remoção para S. Luiz
de Cáceres, e justificou o pedido com estas textuaes palavras :
(a) Já em 1849, o presidente e commandante das armas coronel Joaquim José
de Oliveira, em officio de 13 de jflppiro ao ministro do Império, tratando das trafi-
cancias de ura chefe de partido, diz : « Por desgraça esse espirito de inaudita cor-
rupção se introduziu na ciasse militar, onde os ofiiciaes consideram como uma
prerogativa inherente aos seus postos apropríarem-se dos soldos dos míseros
toldados, j»
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232 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATT(HJROSSO
« Vim aqui para fazer um pequeno pecúlio ; mas, que grilo posso fazer
com uma meia dúzia de gatos pingados ? » — Grilo, no seu calão queria
dizer absorpçáo dos vencimentos dos seus commandados, ou lesào á fa-
zenda nacional.
O nosso coramandante do forte, depois de explicar o seu modo pa-
ternal de governar seus commandados, accrescentou, suspirando, essa
phrase que resume tudo : « E ainda assim sou logrado, porque já os soldos
delles já vém dizimados lá de cima. » — E, ainda hoje, em 1878, diz-se
do forte do Príncipe da Beira e de outros pontos militares da província
o que em 1786, quasi cem annos antes, dizia o astrónomo Dr. Lacerda
do povoado de Albuquerque, — exceptuado o ultimo período, apenas :
« Esta povoação é de miseráveis que passam a vida cheia de fome e
nudez ; o commandante delia só cuida em utilisar-se do suor delles. Só
estão fartos de palmatoadas, correntes ou rodas de pau (a). »
Esse mal tem durado e durará emqunto medidas enérgicas não se
repetirem, cauterisando as chagas, ou amputando-se o membro gangrenado.
E' diflBcil, e muitas vezes impossível, chegar o clamor do opprimido até
ás primeiras autoridades por muitas razões obvias, como sejam a distancia,
a dificuldade e demora das viagens e, mais que tudo, as informações que
lhes vão e que mais ou menos são-lhes ministrados por aquelles que mais
interesse tém em occultar a verdade : e emfim, a tibiesa dos inspectores
subalternos, si é que não são affectados da mesma lepra. E os delinquentes
continuam á locupletar-se á custa do suor dos soldados (b).
(a) Diário).
(b) Contaram-me ahi, e já o tinha sabido em Matto-Grosso, que ha uns vinte
annos um soldado, de nome Delfino, separando as pedras de umas ruinas, encon-
trara uma garrafa de ouro em pó ; o que sabido pelo commandante do forte, também
alferes, este chamàra-a á si, primeiramente como sócio forçado e depois com os di-
reitos de leão.
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ÁO RIO DE JANEIBO 233
Passa esta localidade por altamente insalubre ; e o autor das No-
ticias sobre a província de Matio-Grosso^ que não a visitou, declara-a
um dos pontos mais insalubres do Império, como também considera-o o
seu ponto mais occidental. Situado como está á borda de um grande rio,
e entre pantanaes e alagadiços, tendo na sua frente o vasto estuário do
Baures, Itonamas e Mamoré, que si em tempo de aguas é um oceano, é
quando volta o estio um foco immenso de exhalação palustres ; deve com
effeito ser real a fama de que gosa, ou pelo menos approximada.
Entretanto, com excepção de uma mulher affectada de hysterismo,
nenhum outro enfermo encontrámos no forte, e isso quando seus
moradores, abandonados do resto do mundo, ahi vivem quasi como os
próprios selvagens, quer nos commodos da existência, quer nos cuidados
da hygiene.
Ao descrever a cidade de Matto-Grosso citei casos de longevidade.
Já o mesmo observara neste forte, e disso falia, o Dr. Alexandre Rodrigues
Ferreira e também o erudito alagoano, Dr. Mello Moraes, na sua Choro-
graphia Hisiorica, tomo 2*,pag. 281 ;citando,entre outros Ignacio Ferreira
Marinho, fluminense, nasoido em 1 773 e ali fallecido com 114 annos; Antó-
nio Alves, portuguez,fallecido com 109 annos,e Maria Pinheira, paulista já
centenária, ambos em 1778 ; e como sendo ainda vivos em 1789 os pretos
José André com mais de 110 annos, Sebastião da Silva com 107 ; este
trabalhador ainda de fouce e enchada na sua roça, fezendo marchas de
légua e meia sem cansar, e que aos 106 annos ainda pretendera casar-se,
tão bem disposto se sentia. Alem desses citam ainda outros cinco cente-
nários ; o que para uma população de oitocentas almas que, segundo
aquelle naturalista seria nessa época a do forte, era uma formosa pro-
porção de centenários, qual a de um por oitenta.
30
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234 ITINBBARIO DA CIVADB DB MATT0-0R06S0
VI
Devendo aqui ficar o grosso da tripulação do bote, que é de soldados
degredados de Matto-Grosso e Cuyabá, seguira o patrão para o povo de
S. Joaquim do Baures á contractar novos remadores entre os bolivianos,
conforme se compromettíra na cidade. Com elle fora também o pequeno
palmella José, que não voltou mais ; vindo em seu logar doze potes de
aguardente, vinte couros de bois e vinte arrobas de borracha, queijos, ra-
paduras, etc., géneros estes cujo negocio o commandante prohibiu, por
inadmissível n'uma praça de guerra. Foi, pois, falso que o pobre do In-
diosinho tivesse vindo recommendado á aquelle ofiBcial, que se mostrou,
e de fecto estava, completamente alheio á isso, quando sobre tal lhe fal-
íamos: a verdade é que, desgraçadamente, ainda existe o trafico da escra-
vatura de Índios, os quaes, brutos e nesse ponto mais embrutecidos pelos
que se dizem civilisados, esquecem todo o sentimento de humanidade, os
laços de sangue, o amor paternal — e vendem seus innocentes filhos á troco
de um machado, um facão, missangas, ou uma garrafa de aguardente !...
Remadores trouxe o patrão apenas quatro Índios, que, disse elle,
obteve à muito custo por terem receio ãe serem vendidos. Dous vém
acompanhados de suas mulheres e um delles traz uma filha de dez annos.
Outros mais tinham também se contractado, mas na occasião da partida
occultaram-se ou fugiram com o que houveram de adiantamentos. O pa-
trão tratou de rehavêl-os ; mas um morador de S. Joaquim, que com elle
veia até o forte, aconselhou-lhe desistisse do intento, para que não sup-
puzessem havel-os elle ali vendido ; razões que não pudemos compre-
hender. Por ahi se pôde avaliar do que vae por essas regiões, onde a
acção da justiça mal pôde penetrar.
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AO RIO DE JANEIRO
235
As Índias por vaidade natural ao sexo, mas que não deixa de ser
extraordinária e admiravel nestas alturas, apparentam mltdar de trage
quotidianamente, por um processo novo, vestindo-o pelo avesso dia sim,
dia não, até que acreditando-o sujo, dáo por esgotada a guarda-roupa.
Procedem então á lavagem geral, ficando nesse Ínterim e emquanto a
séccam, com a mesma roupa e quasi o mesmo innocente descuido de Eva
no Paraiso.
Seu trage consiste na tipay^ vestimenta ideada sem duvida pelos
missionários ; e que si não se recommenda pela elegância é sobremaneira
simples e commoda. Consiste n'um longo sacco sem fundo, amplo, aper-
tado no pescoço e com dous pequenos talhos lateraes, na altura dos rins,
por onde sahem as mãos. O requinte da elegância obtém-no passando uma
fita á cintura; enfeite que só usam ahi, ou na cabeça, quer como testeira,
quer amarrando as pontas das longas e formosas tranças, seu penteado
favorito, sinão único.
Dos Índios, dous são de nação baures, um cayoába e os outros ito-
namas.
Delles obtive os seguintes vocabulários :
BAURES
Abelha •
djaspána
Abóbora
porê
Abrir
virehi^ohá
Adeus, até logo
nícátxe
Agua
hina
Agulha
plyríaco
nahémo
Alegria
Amamentar
mihica
Amanhã
enovêh
Amigo
Andar depressa
Annel
nípíre
sipê-sepehim
sáuhi
Anta
sóhmo
Ante-braço
Anus
Aquelle
Aqui
Arara
nuhína
nisápo
kieh-posch
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236
rriNERABlO DA CIDADE DB MATTO-eSOSSO
Arco
lakirírico
Canoa
iuxêra
Areia
ápa
Canto, cantar
nuh
Arroz
aroso (a)
Cão
cuvê
Arvore
heokv
Capim
éco-hénoke
Assucar
suca (a)
Capivara
carpintxe (a)
Av&
vátxa
CJara, rosto
mnuro
Ayó
néne
Caroço, semente
éce
AxiUa
niãski
Carne
nóxi
Banana
agiripe
Carvão
eménaca
Barba
xoréno
Casa
pori
Barriga
tK^ça
Casar
ntcatxei-neviáma
Batata
camoje (b)
Casca
etxupo
Beber
olha
Cavallo
cuadjo (d)
Beiços
pende
Céo
háne ; cauriana
Bigode
xokitcô
Cervo
nári ; catie
Bisouro
ampáno (c)
Chapéo
xéco
Boca
onónke
Chefe
ramo
Bochechas
«imyro
Chegar
pximo
Boi
uaca (a)
Cheiro
pixiskere
Bonito
enánico
Chuva
suáne
Borboleta
txarabrénbyhre
Cigarro
sapéra ; sapicuêro
Boto
éuhohi
Cinza
páhipo
Braço
búke
Cipó
tombi
Branco
toramánecan
Clava
pash-ikêra
Brincar
nihi paritxi-paco
Coatá
xira
Brincos
sariste-cánaco
Cobra
kiburra
Bugio
virá
Collar
estipséna
Buraco
pekúke
Comer
oníca
Cá
nehuheira
Comprar
«íena-napáca
Cabaço, cuia
poré
Comprido
persi-nahakirre
Cabeça
mboê
Gunnuhium
penca
Cabellos
jookita
Coração
ni anumára
» em trança ninza
Corda
nácope
Caça
mopik-pah
Corpo
móhun
Caetetú
simóe
Correr
mpihn
Calcanhar
mcíria
Costas
nenzi
Calor
napíxirrem
Cotovello
totóke
Camisa, iipôy
nocrémo
Couro
nake-txuno
Campo
heukíhnoco
Coxas
mpéke ; djomeca
Cana de assucar
cotonóca
Crença
mantxi
Canastra
memocávere
do hespanhol.
Cuia
lacréco
(a) Corruptela
(b) Em ketchua camote.
(c) PánapaHa,
louva-Deus em palm
ella.
(d) Corruptela
de cavallo ?
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AO RIO DE JANEIRO
237
Curioso
Coser
Curto
Cuspo
Deus
Dar
Dedos da mão
» poUegar
Dentada
Dentes
Depressa
Descançar
Dia
Diabo
Dizer
Doente
Dor
Dormir
Dou
Durmo
Eu
Ella
EUe
Ema
Escorregar
Escroto
Esperar
Estar
Este
Estreito,pouco,i
Estrella
Faca
Fallar
Fazer
Fechar
Feio
Feijão
Farinha
Ferir
Ferro
Filha
Filho
Fino
haléra
Flexa
pária ; barítxua
Flor
iscóhyxi
Fogo
txohica
Foice
renoco
Folha
péhre
Fome
wrtipó-uinca
Formiga
poge
Frio
enimtempêre
Fructo
ucério
Fumaça
pihn
Fumo, tabaco
nenu-hahíme
Furtar
sech-kárre
Gallo
juvhírre
Gallinha
kitxérre
Gamella
wicátxo
Garganta
wicatxére
Genit. hom.
pinuca
» fem.
kipéhre
Gomma elástica
kipínuca
Gordo
djá ; ptiá
Gordura
leitxo
Gostar
pitíja
Gosto
ihuámo
Grande
mapxere
Herva
áce
Hoje
pxitispúne
Hombro
naréke
Homem
téra
Hontem
no escôhe
Ilha
arekêre
Ir
íkíxo (a)
Irmã
puvecáh
Irmão
poeje-kera
Isto
pseri-kitxa
Já
mexoake
Jaboty
xitxerépa
Jacaré
xepa (b)
Jacu
jenitákéra
Joelho
fierro (c)
Lá
tire ; wigin
Laço
wixére
Lagoa
escuhitxi
Largo, grande, c
ekirírico
tximoma
peho-ké ; hioke
ponça
époma
nemo-hemo
txíre
nimahu
rita-henôke
kitxare
séhni
coaglre
girío
tipréco
juke-cepé
ucénuke
piacá
guzeno
espicére
eriama-mucan
manteca (c)
jiikike hemóra
enánuco
txana txana
respíriãno
nah-reh
poise
hiro
nocúpe
étxípe
ntcátxéra
MÍpíre
wípireure
tetxo
nah-reh
huspírre
hihine ; jejirre
niserpiarán
djauhurira
nakin
nákípe
txapiah-akíníco
(a) No tupy quioé,
(b) Chipa emguarany.
(c) Hespanhol.
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238
ITINERÁRIO Dk CIDADE DE MAriXHJROSSO
Lavar
nickxxvi
» roupa
nexa níkêpo
Levar
pahne
Liiigua
pehne
Linha
hôrpi
Longe
náhakina
Lontra
nauhre
Louco
w/ausúme
Lua
kehére
Louvado sej a N.S.
ercatotxe senhor
Macaco
iore
Machado
hatxi (a)
Mãe
néne
Mais
madji (b)
Mamas
batxicoke
Mandioca
cúfunupa
Máo
nudke
Maribondo
hani
Marido
nave-nune
Matar
piuheu-txére
Matto
heóke
Mau
mejoh-ákena
Mel
cotonómo
Menino
mantxi
Menos
escohitxi
Meu
intxi ; nitidje
Milho
enxá
Moça
noanatire; etono
Morder
cumurucúne
Montanha
cakehúco
Morrer
repíno
Mosca
acere
Mosquito
haní
Muito
panchí
Mulher
tire; etno
Mulher casada
orcatx-neiviana ;
ranuntire
Mutuca
xuhire
Mutum
ucujé
Muito bem, obrigado enanóco
Nádegas cuíra
Não
maticáo
Narinas
sirike
Nariz
paáh-sêri
Neto
catxaveniana; mldhin
Ninho
hama-hungo
Olhos
kiça (c)
Orelhas
vakne
Pae
txatxá
Panei la
héve
Pássaro
hama
Passeiar
anatxicúpãpo
Pato
patxi (b)
Pau eitxí-nutximico; sanlupo
Pé
wt-boihé
Pedaço
pike-txike
Pedir
peh-mehre
Pedra
caah
; Peito
xokes
Peixe
himo
Pelle
ntxomo
Pennas
rixih
Pente
uorato
Pequeno
txi; escuhitxi
Periquito
tspáríce
Perna
báiile ; pakêre
Pescoço
ni séníke
Pestana
ni mátíca
Pimentas
hijati
Perto
nêjóe
Pinto
tiprekes-txi (gallinha
pequena)
Podre
anahr-cano
Pombo
popô
Porta
eçunáke
Pote
hoh-pi
Pouco
escuhi-soôro
Preto
aniano
Prompto, já
nah-reh
Queixos
m-xopôro
Querer
m-káhino
Não quero
raatíke-nikahino
(a) Em hespanhol haolvx.
fb) CJorruptela do hespanhol, ,nau» pato.
(c) Teça em tupy.
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AO SIO DB JANEiao
239
Quero comer
hueno-nikínârépa
Tens
pitige
» dormir
hueno nimóca
Terra
jenirrhe
Queimar
pijote kéra
Testa
mbonra
Raio
txinó
Teu
tetxo
Raiz
repoihe
Tocary
kicé-txumi
Rede
uteke
Tomar
piviá-tetxe
Relâmpago
pi liah-vikerai Tosse
miho-poho-pohim
Remo
vitxe 1 Trazer
pane
Rio
uapire (a) Tristeza (estou triste) wi-poniohin
Sacco
costari (b) Trovão
oreapotseáne
Sal
txeve Tenha dó de mim
narioletxo
Sangae
hiti Unha
dipo
Sede
pah-seríco Vá
picatxe-neretotxe
Seio
digi 1 Va depressa
sêpe-sêpo-hin
Sim
eni iValente
hasêrí-keno
Sobrancelha
uxáke 1 Velho
txin
Sol
seh-çá 1 Veneno
mate
Subir
part-xape.Vento
cavirian
Tabaco
seh-ni i Ver, vejo eu
wíhine-cavêre
Taquara
tarácua i Vermelho
eomôrço
Tarde
txohoane iVém
hen
Tartaruga
ospirrhe
1
icapiçá
Ter
w/tiruliire
2
apiçá
Ter fome
í/fhemo-hemo
3
impiice
)) sede
wíkene nihrah
4
uatro (c)
>j preguiça
wímaperian 5
cinco (c)
Tenho
nítí-ruhô
10
diéz (c)
A syllaba wí, no começo da mór parte dos vocábulos é o pronome
de primeira pessoa.
CAYOABÁS
Agua
kita Barba
Anta
bahata Barriga
Arara
araba jBoca
Areia
idathi 'Botão de flor
Arco
nabibike 'Borboleta
(a) Yapire,
cabeceira de
rio em guarany.
(b) Hesp. oo5taZ?
(c) Hesp.
(d) Bm tupy ambotá.
irapota (d)
daracáurúsi
idiaitxe
araipa
janjáro
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240
ITINERÁRIO DÁ aOABE DE MATTO-OBOSSO
Braço
nanáma
Mão
dam
Cabeça
Cabellos
ndatah
Menina
maváuna
tmoracama
Menino
nanú
Calor
baibôco
Monte
tindare
Capim
rixôco
Mosca
nanitxe
Canastra
suêra
Mulher casada
torana; crata-torana
Cara, rosto
iribujo
Nariz
tuzurandza
Caroço
varie
Olhos
warinlxoh
Cinza
txoxôco
Orelhas
waridjike
Corda
enaxacâna
Papagaio
báro
Couro, casca
ixahedáva
Panno
iodja
Dedos
iaruetá-rusi
Pássaro
micími
Dentes
idáhi
Pau
narázi
Flor
txôa
Pé
idàh-hàsh
Flexa
jerábi
Pedra
iarôgo
Fogo
idori
Peito
nam&me
Folha
iénasi
Peixe
idáta
Formiga
pitxi
Pente
rapapáda
Frio
ridjui
Periquito
xúci
Fructo
anáhim
Perna
«aribêra
Fumaça
namo
Pescoço
itabôro
Genit. hom.
nam&nsí
Pote
rirapôto
» fem.
dabíbe
Rio
kita
Homem
iáco
Sol
iíaramán
Lingua
iráre
Terra
idáthi
Lua
nauhe
Unha
maxóu hónsi
Marido
crátasi
Velho
dáube
Matto
bispôde
A primeira syllaba «a, na mór parte das palavras, deve ser o pos-
sessivo wew, minha.
ITONAMAS
Abrir
comathihme
1 Arvore
abihta
Agua
Agulha
paçabéna-guanúkeiAvô, avó
otrozo Banana
metéca
mahíre
Alegria
Amanhã
Anta
Arco
virebábate
djapôco
guayáco
itcêre
; Barba
1 Barriga
Batata
Beber
xaçúa
och-buno
papa (a)
aixucacíne
Areia
alala
Beiços, boca
sapyke
(a) Hespanhol.
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AO RIO DE JANEIRO
Bochechas
capapan
Dentada
madornéme
Bom, bonito
usmála
Dentes
xomôte
Borboleta
ohno
Diabo
socuhíuva
Braço
manana
Doente
cyasdike
Branco
rapyre
Dôr
xialacami
Buraco
omôlo
Dormir
conesma
Cá
nahábi
Eu
ohon
Cabaça
sodóna
Eu como
coapeh
Cabeça
otço, ôço
Escorregar
pipohohi-codamo
Cabellos
jacuá
Escrotos
jutcáo
maçaduno
Caçar
xocosín
Esperar
Caetetú
guaráre
Estar
sauna
Calor
xialaçáne
Estreito, fino
opih
Campo
paçaceno
Estrella
okitzi
Cana
keténe
Paca
matzete
Canoa
ocóne
Fallar
padaráta
Canto de pássaros
jacane-opuhe (a)
Farinha
ucátyle
Cara, rosto
discatxa
Fechar
camu-tsubóne
Carvão
urucira
Feio
upála
Casar
mácuraan
Ferir
txasnémo
Casca
nekirá
Ferro
alásma
Céo
usnáno
Filha
orerhéna
Cigarro
uaidála
Filho
oníco
Cinza
corôpo
Flexa
barco
Cipó
cedêle
Flor
pitatso
Chapéo
otsorôi
Fogo
hubári
Chegar
xicake-enáno
Folha
humáde
Chuva
udúsna
Formiga
huábos
Cobra
bilúa
Frio
cid-aiátxe
Comer
coapé
Fructo
mijoáne
Coração
ocynícíno
Fumaça
hugo
Corda
mospíca
Fumo, tabaco
uaidála
Corpo
mboàlake
Gallinha
curáhca
Correr
hio-hi-huste
Gallo
curáh
Coser
kecy
Garganta
xupacasuna
Costas
saniopapána
Grande
gahubi-riána
Cotovello
matxu-txúre
Grosso
subiki-iána
Couro
poróma
Herva
halupo
Coxas
mucacáno
Hoje
ohnah
Cuia
uiake
Hoje, não
sespuanacoi
Cuspo
uamís
Hombro
statsano
Dar
akimake
Homem
huhúmo
Dedos
disnáma
Hontem
nacêva
» da mâo
osmeke-maláca
Dha
cotxoanúa
» do pé
osmeke
Ir
nicade
2il
(a) Varias tríbus do Alto Amazonas chamam aos pássaros jaçanS.
31
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242
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Irmão
uxáça
Narinas
nacotsasóni
Isto
nicudo
Nariz
uhúse
Já
sosón
Ninho
nahilo
Jacaré
anhispa
Noite
nascéna
Jacu
upúhe
Nós
iode
Joelho
utsoitxúre
Olhos
uiscátxe
Lá
nicábe
Onça
hútxo
Lagoa
capime
Orelhas
mochtodo
Largo
masbítxa
Ovo
kipála
Lavar roupa
cakitxane
Pae
padíca
Lavar-se
colabále
Palmeira
uásle
Leite
olitza
Papagaio
aubáro
Levar
coicáxico
Panella
ualéle
Lingua
poxotziníla
Pássaro
upuhê
Linha
uhaé
Passeiar
cocimáte
Longe
macaibize
Pato
nahúca
Longo, comprid(
) napabi-nane
Pau
pabíte
Louco
musurúna
Pé
seniláca
Lua
djacacáca
Pedir
ac-macúmo
Mãe
smetéca
Pelle
macatsasána
Mais
udanú
Peixe
ohôpi
Mamas
uanucúio
Pente
utsatxi
Mandioca
tsamáia
Pequeno, pouco
opihe
Mão
malaca
Periquito
okêre
Mando
mapíne
Perna
sauáne
Matar
coiopoána
Peito
macapú
Matto
habyta
Pescoço
matsáro
Mau
kelála
Pestana
catsapite
Menina
pihica
Pimenta
uásto
Menino
opíhe
Pinto
cura-áca
Meu
ohoní
Podre
diohina
Milho
udámi
Pombo
ubah-áca
Moça
sanica-ôca ; uabiça
Porta
camutxéva
Moço
sanicabo ; tyaia
Pote
mistitxe
Monte, pedra
upàla
Preto
cabalóna
Morrer
ubatxa
Quero
xitzauváno
Morto
jopsana
Quero comer
xitzauvano-coapé
Mosca
otxece
Não quero
xitzauáma
Mosquito
oníco
Raio,relampago
mamamedálo
Muito
amaníato
Raiz
asmímos
Mulher
ubica
Rede
itábe
» casada
cotáca-amistzabasca
Remo
ioda
Mutum
mutú
Riacho
nhubo-opihe
Muito bem, obrigado osmála
Rio
nhubo
Não
uána
Saco
taleia
Não há
maicána
Sal
obélo
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AO BIO DE JANEIBO
243
Sangue
unastro
Vagalume
tsú-curupúco
Sim
ohósni
Valente
xicaia
Sol
apatsha
Veado
nado
Tamanduá
uade
Velho
coanána
Tenho fome
ualísne
Vento
surúna
Terra
alôps
Ver
acotsebéne
Testa
xuacacána
Vermelho
teraráxe
Tocary
ucadaia
Veste
â:tmimacáia
Tosse
sixodolakes
Venha cá
yáho
Trazer
eskí-poiíma
Vamos caçar
macumán
Tristeza
suanatisna
» pescar
cururo-hisca
Trovão
puhihumélo
)) passeiar
escosiniáte
Tu
osnica
Vá-se embora
sismaniama
Umbigo
xituah-sastno
Va trabalhar
dacúmatsi-)iica
Unha
osméke
VII
Demorámo-nos no forte até 29 de oitubro, com o fim de rectificar-se
a marcha dos chronometros e concertar-se o bote, o que é agora de fre-
quente necessidade ; havendo ainda a urgência de substituir-lhe uma
falca e dar-lhe nova cobertura.
O major Lassance verificou a posição astronómica do forte em 12"
25' 47", 89, lat. austral e 21° 17' 19", 20 long. occ. do Bio de Ja-
neiro, tomada do baluarte de NO. : é a mesma, quasi, determinada pelo,
então sargento-mór, Bicardo Franco em 1786 (a).
A's 5 horas da manhã desse dia, segunda -feira, sahimos ; empre-
gando-se, logo em seguida, cinco horas para vencermos o pedregal abaixo
da fortaleza, o qual prolonga-se por uns doze kilometros e toma toda a
(a) 17o 2tí' lat. S. 5 e 817o 57' 80" merid. occ. da Ilha de Ferro. (Luiz d'A lincourt).
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244 rriNBRARio da cidade de matto-orosso
largura do rio, que em frente ao forte é de setecentos metros, com o vo-
lume actual das aguas. Fez-se essa travessia toda á sirga, e com o mais
duro trabalho e perigo dos tripulantes, que ora á nado, ora saltando as
pedras, ora á ellas agarrados para evitar a força das corredeiras, condu-
zem os cabos que espiam o bote, na sua difficil passagem. Mediaram
ainda outras duas horas para vencer-se o resto de pedregal, que será de
dezeseis e meio kilometros, quer á descoberto, quer sob as aguas, sendo
estas as mais de temer, e nas quaes bateu a embarcação dezenove vezes,
apesar do tino e cuidado do pratico das cachoeiras, o Sr. José Pires da
Silva Gomes, que de agora em diante vae piloteando o bote, e á quem
grandemente devemos o bom êxito da nossa navegação nessa terrivel
região encachoeirada.
Cerca de um e meio kilometro abaixo do forte ficava na mesma
margem o forte da Conceição (a), depois Bragança^ no sitio da antiga
missão de Santa Bosa, do missionário hespanhol Nicolau de Medinilla,
que foi forçado á abandonar o ponto, em 1754, em vista do disposto no ar-
tigo 14 do tratado de limites de 13 de janeiro de 1750 e da pouca dis-
posição que 08 hespanhóes mostravam para cumpril-o. Aproveitei um
dos dias de minha estada no forte do Príncipe para ir visitar o local
onde aquelle outro existiu e investigar suas ruinas. Também levava-me
a curiosidade de examinar umas lettras, que dizia-se haver n*uma pedra
chata, do rio, perto daquelle sitio.
Buscando logar azado para o desembarque, aproámos a pequena
montaria em que ia, com o piloto José Gomes e um soldado, velho mo-
rador do forte, n'um ponto da barranca que me pareceu melhor, por
mais solido, e por onde subimos com pouca dificuldade, ajudando-nos
(a) Ainda vem consignado em vários mappas : foi começado em 27 setembro
de n67.
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AO RIO DE JANEIRO 245
dos mattos. Eegulava a altura da barranca n'uns cinco metros, e, apesar
dessa elevação, bastante lamacenta e pegajosa ; sendo formada dessa ar-
gilla esbranquiçada e salitrosa,que chamam barreiros^ na qual tanto gostam
de chafurdar-se certos animaes e especialmente as antas, que os buscam
pelo sal que contém. De ordinário, ^se apresenta ora como uma mistura
de argilla e marga ou piçarra, em quem a agua não tem acção, e não as
amalgama perfeitamente, ora uma espécie de calamíta, argilla figulina,
ou terra de molde de muita aflfinidade pela agua ; formando uma massa
onde as pegadas dos animaes, perfeitamente modeladas quando se seccam,
deixam ver suas arestas rigissimas, como as dos terrenos paraguayos
entre o Tayi e o Pilar que faziam o desespero dos nossos infantes e o es-
trago da cavallaria.
Confluenoia do &uaporé iio ^lamoré.
Ao cabo de meia hora de difficil marcha, ao longo da barreira, en-
contrámos os alicerces do forte. Era também um reducto abaluartado,
á Vauban ; sua cortina do lado de terra media 88 metros, sendo a mu-
ralha da largura de vinte e dous decimetros. As dos flancos pareceram me
menores, comquanto mais espessas de dous decimetros. Não vi a cortina
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246 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
fronteira ao rio. Os baluartes do lado de terra conservam ainda bem
patentes seus alicerces, e os ângulos de juncção de face e flanco.
A matta encobre a maior parte dessa mina, em cuja antiga praça
crescem hoje guabiróbas e tarumans, ingazeiros, mangues e mangaritaias
com suas flores e raizes amarellas, de cheiro fortemente acre e apimen-
tado : varias espécies de cipó imlê (philodendra), de cujas raizes aerias,
ou que se adaptam aos troncos onde o vegetal vive, e que são mui
fortes e resistentes, fazem os Índios cordas rigissimas e entretecem os
seus vistosos arcos.
No local mesmo onde desembarcámos encontrou-se o resto de um
remo dos escaleres de gueiTa, de faia e de pá comprida, qualidade com-
pletamente desusada na navegação dos nossos rios ; tão velho e podre
que se desfazia à menor pressão. Pertenceu talvez ao forte ; e o seu en-
C3ntro parece indicar que foi no próprio porto que abicámos.
O velho soldado, que trouxe comigo, é já a segunda vez que está no
forte, tendo sido a primeira desde 1851 á 1858 : dizia conhecer o local
daquellas lettrasy pelo que o trouxemos. Seguimos á buscal-as ; grande
parte da viagem foi saltando pedrouços e pedemaes, e revistando
as grandes lages ; e nisso levámos tanto tempo, que se tomou enfadonho.
Também por si o guia encarregava-se de esfriar minha boa vontade, di-
minuindo pouco á pouco a grande certeza com que afiançava ter visto
e conhecer o lettreiro. A* principio era n'uma grande lage, da qual um
pedaço, de formas e de arestas bem delineadas, tinha sido como que la-
vradas pela mão do esculptor que ahi as gravou : afinal contentava-se
em suppôr serem tal artefacto, apenas, as fendas que a crosta das pednur
apresentava ; taes umas que achei n'uma pequena pedra lisa e não ali-
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AO RIO DE JANEIRO 247
sada, e que afinal o homem afiançou ser o que buscávamos. São essas
fendas devidas á acção do sol e das aguas, na crosta de algumas rochas
porphyroides e syenitos ; afifectam disposições mais ou menos rectas, e,
encontrando-se caprichosamente umas com outras, moviam o espirito,
mais ou menos imaginoso do observador, á idear MM, TT, VV, HH, AA,
LL, etc., e todas as lettras formadas pelo concurso de linhas rectas.
Como vimos, vae o leito do rio completamente atravancado de
pedras, que mal deixam passar uma esguia montaria. Delias a mór parte
parece o producto de uma modificação ignea particular : umas, negi^as
luzidias como saturadas dos oxydos de ferro ou manganez ; outras, vitres-
centes, assemelhando-se ao crystal de rocha, reflectindo-se ao sol á poucas
dezenas de metros como o branco crystal hyalino, e ao perto represen-
tando-se negras, depois de fazerem o observador desesperar na baldada
pesquiza. Uma amostra que trouxe embranqueceu ao fogo c vitrificou-se,
revelando sua natureza porphyroide.
Um outro facto que revela a acção do calórico é o fendimento dos
blocos partidos, muitas vezes, regularmente á meio ; o que muito notável
se torna nos de forma arredondada, por aifastadas as duas metades ás
vezes á decimetros de distancia.
A' tarde já tivemos viagem menos trabalhosa. Esqueci-me de notar
que trez kilometros abaixo do forte passámos a ilha de Ignacio Pereira^
em frente á qual vem mon-er um outro espigão da cordilheira dos Pa-
recis. Passámos, depois, a ilha de Santa Rosa ; encalhou-se por umas
trez- horas n'um banco de areia, e ás 5 horas e 10 minutos abicámos,
para pousarmos no Angical, campestre á margem esquerda. Chovia então
copiosamente, como ainda chovju toda a noite.
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248 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
No dia 30, sahimos ás 5 1/4, ainda com máu tempo. A's 9 horas e
20 minutos passámos o Cautario 2^^ que os antigos dão como uma pe-
quena corrente á trez léguas do forte, e que encontrámos um formoso rio
de setenta á oitenta metros de largura.
Immensidade de tartarugas, da emys tracaxá^ atravessa o rio em
todas as direcções, com as cabeças, apenas, fora d*agua, parecendo ser-
pentes e como tal causando sérias aprehensões á quem, como eu, as via
assim pela primeira vez ; os botos também aos cardumes descem e sobem
o rio, buscando de ordinário os sitios de maior fundo, pelo que servem
de pilotos aos navegantes : são mais avermelhados aqui ; os do Alegre
eram azeitonados, bem como os do Alto-6uaporé ; dahi para cá, cinzentos.
O Guaporé, desde o forte, tem-se tornado mais largo, sendo ás vezes
de um kilometro o afastamento, actual, de suas margens. Estas são
actualmente, também, de trez á quatro metros de alto, mas ainda assim
alagadiças. Os grandes arvoredos que as orlam marcam nos galhos as
enchentes n'uma altura, até seis e sete metros do solo. No forte, dizem
chegar o rio á dez metros do nivel das baixas aguas ; o que combinámos
com o que citaram os engenheiros do século passado, relativamente á maior
enchente que viram.
Neste ultimo acampamento vi pela primeira vez a arvore do breu
ou anani (calophyllum hrasiliensis) (a), madeira de lei, cuja resina, que
lhe dá os nomes, é muito aproveitada pelos navegantes para ajudar o
calafeto das canoas. Também nos troncos, e raizes das arvores cabidas
no rio, nota-se porção de globos espinhosos, assemelhando-se ás cocas ou
ouriços da hura crepiians, ou do pau jangada, porém maiores, e mais se-
melhantes ainda aos verdadeiros ouriços ou echnitos. São espécie de
polypeiros,durissimos,formados por um zoanihario d*agua doce. Os Índios
daqui chamam-^lhes cahixis ; no Madeira paracutãca.
(a) Moronoboea coccinea, Mart.
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AO RIO DE JANEIRO 249
Viajámos como de costume á 31 de oitubro e 1* de novembro, em
que ás 11 horas 58' da manhã deixámos o formoso e aprazivel Guaporé,
para entrar no Mamoré. Este vindo impetuoso do occidente, n'uma
largura apenas de cento e quarenta metros, quebnwie ahi em angulo
recto, recebendo o Guaporé, largo, na embocadura, de uns setecentos
metros, e continua no nimo que este leva ; o que faz suppõr, á pri-
meira vista, e tem feito correr tal erro em muitas geographias, ser este
o rio principal e o Mamoré o affluente. Mas, é que essa difiFerença nas
larguras compensa-se com a das profundidades de ambos : quasi cinco
vezes mais estreito, tem ahi o Mamoré talvez o decuplo da profiindidade
do outro, pelo que vém com mais impeto, fluindo maior volume de aguas ;
e na sua juncção, ao quebrar francamente de rumo, tomando a direcção
do Guaporé, deixa vêr, bem patente, a sua superioridade, represando- lhe
vio-cntamente a lympha clara, pura e crystallina, e impellindo-a para
a margem direita por espaço de poucos centos de metros, até confundil-a
de todo nas suas aguas lodosas, espessas, nojosas] ej^como purulentas.
Purulentas é o termo mais próprio para a comparação, pela côr especial,
e quasi que a densidade, que á essas aguas imprime uma argilla finís-
sima e pastosa, que trazem em suspensão ; restos mais leves da areia
manteiga, marga argillosa, gluttinosa e esbranquiçada, que constituo,
nessas paragens, grande extensão das barrancas do Mamoré. Beunidas
essas duas correntes de largura tão dispares, tomam uma média e seguem
n'um leito de quinhentos metros ; o que ainda comprova o volume do
primeiro, o impeto de suas aguas e a profundidade que imprime ao
taltoeg^ fazendo a absorpção do outro cinco vezes mais largo, e forçando-o
í tão forte retracção da sua amplitude. Essa largura actual do Guaporé
muito differe da descripta pelos demarcadores do século passado, os
quaes no seu diário o consignam mais estreito que o rio boliviano. Nem
consiste somente nisso a diiferença actual: a grande ilha que elles lhe de-
32
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250 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
marcaram na confluência está hoje reduzida á um pequenino banco,
visivel, somente, como agora, na extrema baixante do rio ; o que ainda
comprova quanto é varia a constituição dessas correntes.
Já houve occasião de consignar-se que nossa navegação nesses
rios nem sempre tem confirmado as descripções daquelles engenheiros,
tão rigorosa e exacta á tantos respeitos e principalmente nos seus
trabalhos no sertão : o que satisfactoriamente se explica com a re-
volução dos annos, — quasi um século — , a variação das correntes, ora
nimiamente baixas, procurando canaes especiaes, ora assoberbadas pelas
pujantes enchentes e derramando-se nos paramos adjacentes, e que mu-
dam-lhes os leitos e direcção dos cursos, modificam-lhes as ribas, cream
ilhas e eliminam outras, como esta daqui e a da foz do Baures, etc.
Os Srs. Eeller dão á sua confluência a altura de 150*,4 acima do
nivel do mar.
Reunidos os dous rios, perde o Guaporé o seu nome, e vão suas
aguas sob o de Mamoré, por uns duzentos kilometros, até que este, per-
dendo o seu por sua vez, forma com o Beni o Madeira.
Grande numero de sapucayas ostentam suas comas arroixadas nas
mattas da riba esquerda ; ao passo que são raras as suas congéneres,
castanhas do Pará ou tocarys, que mais abundam na margem opposta,
onde ha mais altos terrenos.
Por mais esforços que fiz não logrei saber o que indica, nem de que
dialecto vém a terminação ré, commum á tantos rios destas comarcas,
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AO RIO DE JANEIBO 251
exemplo : Guaporé, Sararé, Bauré, Xaparé, Mamoré, Maguabaré, Aperé,
Ibaré, Canamaré, Quariteré, Tamaré, Securé, Ximoré, Pynaré, Masucaré,
Manicoré, Mandioré, Tucunaré, etc.
vni
Sexta-feira 2 de novembro, ficou determinada a posição da foz do Gua-
poré em 11% 54\ 12",83, latitude, e 2P, 53\ 6",45 O. do Rio de Ja-
neiro.
Seguimos viagem ás 5 e 5' da manhã. A's 7 1/2 passámos, á di-
reita, a Layinha, grande pedra que vae quasi ao meio do rio ; e ás 10,
á esquerda, um riacho que disseram-nos ser o rio Preto.
O Mamoré já deixa vêr estirões de trez e quatro kilometros ; e,
abstracção feita de suas immundas aguas, é um magnifico rio.
Nestas alturas, pouco mais ou menos, é queSoulhey estabelece a loca-
lidade de Mm povo de S. José, mandado fundar por Luiz de Albuquerque;
o que é confusão com o de S. José do Leomil. O outro S. José, que havia
nesta navegação, era o da cachoeira do Ribeirão ; mas este era um des-
tacamento. O Atlas do senador Cândido Mendes ainda consigna, no coto-
vello que faz a margem esquerda do Mamoré, em frente á foz do Guaporé,
uma estacada em minas, sem duvida fortificação antiga, mas pouco
conhecida ; e o que é mais admirável, consigna-a, também, Edward D.
Mathews, engenheiro da estrada de ferro do Mamoré e Madeira, e que
por aqui passou de viagem á Bolivia, no seu Map to illtÂstrate « Up the
Amasonian and Madeira Rivers through Bolivia and Peru; » do mesmo
modo que assignala ainda, em 1879, as aldeias de Lamego (S. Miguel),
e Guarajuz no Guaporé, uma outra, nunca conhecida, do Ouro, no rio
Verde, e outra de S. José n'uma estrada que creou, partindo do forte
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252 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
do Príncipe á Matto-Grosso e viUa Maria, onde se bifurca para Cayabá
e para Miranda, pelo meio dos Pantanaes.
As margens, de ordinário altas, mostram-se frequentemente ro-
tas, com largos hiatos formados pela exhuberancia das aguas que se
amontoam em seu interior mais baixo, tendo facilmente vencido a resis-
tência dessa argilla fòfa e branda dos albardões que delimitam o rio ;
onde crescem arvores soberbas que bem se dáo nesse terreno, mas onde
os vegetaes de textura branda, os monocolytedonios, fazem a feição da
flora regional. A' beira d^agua as terras são cobertas do gynerium sac-
charoidey cujos caules viçosos e ricos de seiva intentei aproveitar em
cosimentos como substituto de caldo da cana ; mais acima, na barranca,
entre quantidade de vistosas maranthas e canaceas, entre ellas o costus
pac(hcaapiranga, o caeté-merim de folhas verdes e vermelhas, assoberba-
vam-se as duas mais formosas espécies de stroãitzids que conheço, a
regina, e outra de flores ainda mais bellas, violáceas da côr do lilaz. Pal-
meiras poucas ; e entre outras só nos tesos mais seccos, isto é, onde o rio
não chega, a inajá, de tanto soccorro aos seringueiros, por ser com seu
fumo que de preferencia dão consistência á gomma. Ahi, sobre a matta
espessa, cerrada e alta, elevam as franças os tríplices foliolos das hevoeas,
e os das castanheiras espalmados em estrellas.
A's 6 e 20' da manhã de 3 de novembro, passámos a ilha que
disseram-nos ser da Capivara^ mas que pela posição parece ser a de
S. Silvestre, dos antigos ; às 6 e 40' o Soterio ou Sotero, de quatro me-
tros de embocadura, á margem direita. Pouco depois do meio-dia mar-
ca-se á mesma margem um pequeno regato, não consignado no mappa
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AO RIO DE JANEIRO 253
daquelles observadores, e que fica designado com o nome de Amaral^
em homenagem ao Sr. barão de Cabo-Frio, distincto e illustrado di-
rector-geral da secretaria de estrangeiros. A's 5 1/2 da tarde dá-se
fundo n'iim pedregal, do mesmo lado, onde mana um filete da mais
clara e pura agua, achado inestimável para os viajantes desse rio de
lodo.
Ha alguns dias que a montaria não nos tem trazido peixe ; do
mesmo modo que notámos ausência completa dos botos, tão frequentes
ainda á dous dias.
A's 4 horas e 20 minutos da manhã de 4, domingo, sahimos. Hora
e um quarto depois, passa-se um pequeno regato, que recebeu o nome de
S. Carlos j e ás 9 1/2 outro, ambos na margem esquerda ; trez horas
depois enfrentámos ao Buryfisal, na mesma riba ; e ás 5 1/2 fundeámos,
tendo á vista, em rumo NN E. uns montes, que dizem ser dos Paca-
hás-novos^ ou das Paccís novas^ como hoje é vulgarmente conhecido, e
que são o espigão mais septentrional da cordilheira dos Parecis.
No dia seguinte, ás 7 e 20 minutos, com duas horas de viagem,
começámos a passar as ilhas dos Muiuns^ em numero de oito ou mais,
variando no tamanho de cincoenta á mil e quinhentos metros, que taes
parecem as dimensões da menor e da maior. São abundantes de hevoeas e
syphonias ; e aqui encontrámos o primeiro estabelecimento de exploração
da borracha : nellas o Sr. Sá e Castro acha-se estabelecido, colhendo com
dous trabalhadores cerca de quinhentas á seiscentas arrobas. Já perdemos
a esperança de encontrar a ilha das Capivaras, que os antigos collocara
no parallelo 11°, U\ 30".
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254 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
A's 9 e 20 minutos deixamos o grupo das Mutuns ; poucos mo-
mentos depois vemos á direita o ribeirão dos Pacahás-novos, assim cha-
mado de uma tribu que o habitava, e entrámos n'um estirão de quasi
quinze kilometros, que vae terminar no Guajará-merim a primeira
cachoeira do baixo Mamoré, á qual chegámos um quarto de hora depois
do meio-dia.
l.« Caclioeira : G-xicvJará-"*©"*".
A O B Portos.— C Canal do rio. — D Caminho por terra
IX
Pacahás-novos é o sitio destinado á uma das estações terminaes da
via-ferrea do Madeira ao Mamoré, em projectos desde 1869, e já por
duas vezes começada e abandonada, apóz algum trabalho e grandes
perdas ; mas que no futuro será uma realidade, e de tanta vantagem
para o Brasil como para a Bolivia. Por ora o maior trabalho e as maiores
despezas tém sido feitos nos tribunaes de Londres.
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AO RIO DE JANEIRO 255
Foi um engenheiro americano, o coronel Church, que de passagem
naquella republica, visitando estas regiões, ficou maravilhado de seus
immensos recursos até agora improductivos pelo isolamento e difficuldade
de communicação que affasta á industria, — quem aventou a idéa dessa
ferro-via. Com efifeito, não existissem os graves empecilhos que oppôem
as cachoeiras do Mamoré, Beni e Madeira, e a vida daquella republica
seria outra, tendo franca a passagem para o Atlântico. No primeiro e
terceiro daquelles rios essas difficuldades seriam vencidas com uma ferro-
via que partisse de Pacahás e fosse terminar no ponto militar de
Santo António do Madeira, abaixo da ultima cachoeira ; n'um trajecto
de trezentos e sessenta e trez kilometros (a).
Church primeiramente projectou um canal, cujo orçamento verifi-
cou-se exceder ao de uma estrada de ferro : entabolou, então, mediante
certos privilégios, um contracto com o governo boliviano, obrigando-se
á dal-a prompta em dous annos ; para o que formaria uma Companhia
de Estrada de Ferro com o capital nominal de um milhão de pezos
fortes, em oure.
Eegressando aos Estados-Unidos, organisou outra companhia com
a denominação de Companhia de Navegação do Madeira e Mamoréj com
capital duplo daquelle, Parece, porém, que quer um, quer outro dos
contractantes, miravam ambos o mesmo fim, lucrarem sem se darem á
trabalhos ; a Bolivia vendeu logo os seus direitos á uma companhia de
navegação, e Church os seus á Companhia da Estrada de Ferro do Madeira
ao Mamoré. Esta, também, comprehendeu cedo o valor da empresa tal
como era projectada, e tratou de apurar o seu ouro, vendendo todas suas
acções á outra companhia, organisada por Church, a de Navegação do
Madeira e Mamoré.
(a) O Brasil na exposição de Vienna, 1874.
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256 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Esta, em 1872, deliberou encetar os trabalhos. ProiQOveu um em-
préstimo de um milhão e setecentas mil libras esterlinas, e contractou as
obras da estrada com a Companhia Puhlw Works Construction, á razão
de seiscentas mil libras esterlinas ; a qual, porém, apóz transportar valioso
material para o ponto terminal de Santo António, reconhecendo ter sido
enganada quanto á extensão da linha (a), retirou sua palavra e propdz
demanda por perdas e damnos no valor de quarenta e cinco mil libras.
Contractou, então, a companhia concessionaria com a casa P. & F.
Collins, de Philadeiphia, essa construcção : o sócio Thomaz Collins veiu,
no anno de 1876, com sua familia, para Santo António, acompanhado do
representante da companhia, O. F. Nichols. A' 19 de fevereiro ancorava
nesse porto o primeiro vapor, com pesado e custoso material ; e outros
foram-se seguindo : de modos que em junho, quando lá appareceu o en-
genheiro brasileiro, o Sr. capitão Feliciano António Benjamim, havia
cerca de setecentos trabalhadoros, dos quaes quinhentos americanos e
italianos, e duzentos bolivianos. Haviam, também, contractado com o
Sr. Paulino Honholtz a vinda de quinhentos cearenses, e, ainda, uns du-
zentos negros da Virgínia. O pessoal technico compunha-se de cincoenta
engenheiros e conductores, sob a direcção do Sr. C. W. Biod.
Construiram-se, de prompto, os depósitos e armazéns, as casas para
os engenheiros, galpões para os trabalhadores, botica, hospital, olaria e
serraria a vapor ; mudando-se mais tarde a olaria para uma légua adiante,
onde os recursos eram mais abundantes e melhores.
Prepararam dez milhas de linha e exploraram mais de cincoenta...
Entretanto, durante esse tempo continuavam os pleitos movidos
(a) Verificada, achou-se-lhe mais 53 kilometros de extensão.
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AO RIO DE JANEIRO 257
pelos possuidores das acções, que, de ha muito, já haviam perdido a con-
fiança na empresa, e agora exigiam a retirada dos fundos.
Em 1874, o master of the rolls, por sentença que reforçou e repro-
duziu dous annos depois, decidiu contra a exigência, por não estar provado
que a via não pudesse ser construida com seiscentas mil lihras : mas,
ordenou a passagem dos fundos dos Estados-Unidos para Londres. O go-
verno boliviano requereu que lhe fosse entregue a somma levantada por
empréstimo, com o singular fundamento de (c ter sido levado á autorisal-o
e ter feito aquellas concessões, induzido por informações falsas ; » e afinal,
como golpe de graças, a casa Wilson, representante dos quatro quintos
dos possuidores de honds, requereu rehaver o seu dinheiro, « visto estar
provado ser impraticável a construcção da via ! »
Até a dala em que escrevo estas linhas (a) o master of the rolls Fry,
continua a indeferir as pretenções, na convicção em que está de que as
obras são realizáveis. Outro deferimento seria iniquo para a companhia
de navegação : todavia, são tantos os interesses contrários e tal o descrédito
á que chegou a empresa, pelo dolo e ganância dos seus primeiros explo-
radores, que a opinião geral está abalada ; e ha sérios receios de que os
tribunaes superiores julguem sã a demanda e condemnem a companhia á
entrega da quota dos accionistas.
Mas, resta o futuro. A empresa foi tentada, sérios estudos feitos e
reconhecido haver poucas dificuldades á vencer. Não faltará quem renove
as tentativas ; e dessa vez a experiência do passado lhe será de grande
soccorro — e, com certeza, um seguro auxiliar para o bom êxito da
empresa.
A morte dessa, como de tantas outras, teve mais por determinante
(a) Junho de 1879. Vide correspondências de Londres no Jornal do Gommeroio.
33
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258 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
a falta de moralidade do que o erro de cálculos. Mesmo o erro de calculo
parece dever ser levado em conta á aquella improbidade, tão grande
eUeé.
Em novembro de 1878 já seis milhas eram percorridas pela loco-
motiva á vapor : mais de sessenta estavam abei*tas e na maior parte com
os trilhos assentados, e isso no curtissimo espaço de oito mezes, visto que
foi em março que se iniciaram os trabalhos.
Tenho fé em que, cedo, estará realisado esse grande ãesiãeraium
para a prosperidade dessas regiões, até hoje trancadas ao commercio e
à sociedade. O medo do clima, reputado insalubre sinào mortifero, está
hoje desvanecido. O terreno é o mais próprio para trabalhos daquella
ordem.; e talvez nenhuma ferro-via das até agora planejadas no Brasil
tenha por leito solo tão pouco accidentado e de mais fácil preparo. As
margens ahi sâo altas, os ribeirões e riachos, á passar, poucos e de pouca
largura, sendo conhecidos apenas o Bananeira, Lage^ Ribeirão de S. José,
Araras, Mutum-paraná e Jacy-paratiã ; estes dous os mais fortes, e
largos de dez a doze metros.
Como auxiliares ao trabalho e promptos á colher, ha com abundância
e á mão, agua, pedra, argilla e madeiras de lei ; e tudo da melhor
qualidade. Como auxiliares aos lucros da empresa, — ha as fontes de en-
grandecimento dessas regiões, a borrrcha, o cacau, a castanha, a salsa-
parrilha, a copahiba, a baunilha, a poaya, e mil ontros productos da sua
ubérrima natureza.
— — ^íií
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CAPITULO IV
As cachoeiras
I
AE agora a navegação, por
um tracto de mais de quatro-
centos kilometros (a), toda
atravancada de penedos, cor-
redeiras, cachoeiras e saltos,
que, impedindo-a completa-
mente em alguns pontos, dif-
ficultam-a immenso no resto.
Esses tropeços variam con-
forme a estação e a força das aguas, que augmentam ou diminuem o
numero das cachoeiras, tanto como o seu Ímpeto e bravesa. Cachoei-
. ras ha difficilimas de transpor, na enchente, que nas aguas baixas são
pouco Fensiveís, e vice-versa; e é isso o que faz variar o seu numero para
os viajantes, dos quaes uns contam vinte e uma, outros dezenove, outros
menos ainda ; sendo nestes casos as restantes designadas como simples
corredeiras.
São ellas : Gaajard-merim^ GuojardHissú, duas da Bananeira,
PáU'Grande e Lage, no Mamoré ; Madeira, Mizericorãia, e duas do
(a) Segundo os Srs. Keller 365,846.» que supponho tomaram a corda, onde foi
traçada a estrada de ferro, pelo arco que o rio forma.
Bi cardo Franco na sua Memoria G^ographica do rio Tapajoz dá do Salto do
Theotonio (aos 8», 52') á foz do Abuná 59 léguas, desta á do Mamoré 16 (aos lOo, 22*,
30"). Ha, poróm, engano manifesto, pois a primeira distancia é menor de 45 léguas.
Da foz do Mamoré ao Guajará-merim ha 10,5 léguas, e do Salto do Theotonio ao
porto de Santo António 4 : total 75 léguas de 20 ao grau ou 416,5 kilometros.
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260 rriNERABio da gidadb de matto-grosso
Btheirão^ Araras^ Pederneiras^ Paredão, Trejs-lnnãos, Salto do Girau,
Caldeirão do Inferno, Morrinhos, Salto do Theotonio, Macacos e
Santo António, Ha ainda duas perigosas sirgas entre as cachoeiras do
Ribeirão e Araras, denominadas da Pedra-Grande e dos Periquitos, bem
assustadoras no tempo das cheias.
Essas denominações foram-lhes impostas, segundo diz Baena (a), pela
commissâo de limites de 1782, que assim as consignou nos seus mappas;
sendo que anteriormente eram conhecidas pelos nomes de Panellas,
Cordas, Papagaios, Javalis, Tejuco, Tapioca, Uainumú, Mamoriné,
Tamanduá ou Arey, Mayari, Paricá, Arapacoá, Coati, Guará-assti,
Natal, Gamon e Aroayá, também chamada S. João.
A travessia das cachoeiras é quasi sempre feita á sirga e algumas
vezes á toda força de remos. Quando á sirga, parte dos tripulantes
salta nos penhascos lateraes, espiando a embarcação com dous grandes
cabos á proa ; outra parte, por agua, ora nadando, ora apoiando-se nos
penedos, aguenta-a com outra forte espia, que pouco á pouco vão dando
de mão, para dar seguimento ao baixel. A' proa vão os dous mais pos-
santes e experimentados remeiros, armados da zinga, grande vara que
empregam muitas vezes em vez de remos, para dar impulso á embarcação,
desvial-a dos penedos e também para aguental-a na marcha : sobre a
tolda, o piloto, empunha o leme, dando a direcção conveniente, mudável
á cada instante, porque á cada instante o penhasco e o rebojo lhe estão
na frente.
Quando a travessia é a remos^ o que se faz nas corredeiras ou ca-
choeiras de pequenos saltos, vão todos os remeiros á postos, estugando-se
nas remadas; ora enterrando os remos, ora raspando apenas a superfície
das aguas, conforme as vozes do commando do piloto : raspa, ou rema
duro : na prôa, o remador de mais confiança tem em mão o remo grande j
(a) Ensaio ohronohgioo sobre o Pará, pag. 515.
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AO RIO DE JANEIRO 261
assim chamado por ser sua pá de trez decimetros sobre dois e meio de largo,
o qual só é empregado nas occasiões difficeis em que o bote, impellido
como uma flexa pela força da corrente, tem de mudar de direcção, entre
os escolhos, o que, então, faz com uma rapidez pasmosa; sossobrando no
caso contrario. Do concurso uniforme de todos depende a salvação da
embarcação e de tudo o que conduz : perícia do piloto, pujança e rapidez
de movimento do manejador do remo grande e uniformidade de acção
em todos os outros remeiros. Si aquelles se descuidam por um instante,
si destes algum affrouxa, tomando subitamente mais fraco o esforço de
um lado do que do outro, rompe-se o equilíbrio na marcha, e a perda é
inevitável.
Felizmente, esses passos difficeis são rápidos; tal a força vertiginosa
da corrente : mas, apezar disso, quando — passado o perigo, os remeiros
affrouxam o manejo, é a agua das cachoeiras, que os cobre, que occulta
o suor que os banha ; tal o esforço empregado. Sua posição, além de peri-
gosa, é incommoda : sendo toldadas as canoas, deixam, apen^is, um bal-
drame de um palmo, mais ou menos, de largura^ onde elles se collocam
mal assentados, com uma perna dobrada, e a outra pendente e dentro
d'agua. Nada tendo que os ampare nos banzeiros ou grandes escarcéos
que os rebojos formam, e que dão â embarcação movimentos desorde-
nados, tém por única garantia de salvação o passarem o braço n'um
gancho de pau preso na tolda, o que nem sempre os livra de serem arre-
batados pelo marulho.
E' notável nessas paragens de cachoeiras o movimento das aguas :
vê-se o rio dividido em trez zonas : no meio, a corredeira^ onde a veloci-
dade é enorme, e lateralmente os remansos immoveis como agua estag-
nada ; e entre estes e aquella uma outra corrente em sentido inverso da
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262 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
do rio, sondo digna de observação tal dififerença de movimentos em super-
ficie tão unida, e cuja a separação é por assim dizer linear.
Quando, alguinas vezes, o remo grande não consegue desviar com
sufBciente Ímpeto o baixel da corrente para o remanso, a embarcação pene-
tra apenas â meio, é com supina difficuldade que a tripulação consegue
fazêl-a avançar; tomando-se necessário rebocai-a á nado, por isso que não
só o remanso nenhuma resistência offerece á acção dos remos, como a
força da corrente e os rebojos, na zona immediata, tendem á arrastar a
popa para a corredeira.
Jamais passam as embarcações carregadas nas cachoeiras, e raro
nas corredeiras. O mais conveniente é folgal-as na proa, deixando á popa
a carga necessária para não caturrarem nos banzeiros e alagarem-se.
As principaes cachoeiras são, de ordinário, na volta dos rios ; sendo
no ponto mais saliente da volta a sua maior força e também o maior
perigo, por isso que os escarcéos são ahi maiores e as ondas espaldeiam
a embarcação. Conhece- se a approximação da cachoeira pela maior velo-
cidade que as aguas vão adquirindo : os portos são sempre immediata-
mente juntos ao perigo ; e ás vezes a corrente é, já, bem veloz, ao chegar-se
ao ponto onde se deve abicar. Manobra- se, então, com a maior rapidez,
energia e segurança de vista, para cahir-se no remanso : abica-se e des-
carrega-se. Ao menor descuido pôde a embarcação garrar e ir despenhar-se
na cachoeira. Quando esta é de salto impossivel de ser transposto, vor-
ram-se as embarcações por terra, de um ponto ao outro.
II
O Guajará-merim é uma das que mais variam,desapparecendo quando
as aguas do Mamoré se avolumam.
Seu trajecto é breve, mas perigoso, por ser o canal muito estreito.
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AO RIO DE JANEIRO 263
Pica este á margem esquerda, logo encostado á grande lage que a
borda (C).*
Assim que abicáraos, foi o piloto Gomes reconhecer o passo, emquanto
se procedia ao descarregamento do bote ; indo as cargas conduzidas por
um pequeno caminho (D) de duzentos e çincoenta metros de exten-
são, onde sao portos as pequeninas enseadas, marcadas com as lettras
AeB.
Uma cordilheira de penedos, com uns cento e çincoenta metros de
largura, atravessa o rio de lado á lado, alargando-se em suas margens em
duas enormes lages de apparencia dioritica, cuja maior é já desig-
nada â esquerda. Deixava ver em alguns logares a formação porosa de
uma espécie de canga envemisada (quartzo ferruginozo) semelhante ao
phonolito. O rio,que era de cerca de quatrocentos metros,tem aqui dobrada
largura. O caminho vae beirando quasi a orla da barranca; a terra vegetal
descobre-lhe schistus argillo-talcosos, sem stratificação conhecida.
A's 2 horas e meia da tarde nossa embarcação desce á sirga, contida
pelos grossos cabos á proa e popa que a guarnição aguenta, para não
deixal-a ser tomada pela torrente; para o que os nossos homens ora seguem
por cima das lages e penhascos maiores, cheios de pontas e depressões,
ora á nado na correntesa, ora agarrando-se aos penhascos ou soccorrendo-se
uns aos outros para não serem levados no cachão das aguas. Beceiosos
dos perigos da travessia, que pela primeira vez arrostávamos, desem-
barcamos todos á excepção do 1** tenente Frederico que, digno official do
mar, quiz por si próprio conhecêl-os e estudal-os.
Trez minutos durou a travessia ; e o bote veiu abicar e receber a
carga no porto de baixo.
Os engenheiros Keller (a) coUocam a Guajará-merim, â 10**, 44',
32",8 de lat. e 22% 3', 42" long. O. do Bio de Janeiro ; dando-lhe a
(a) The Ainason and Madeira rivers.
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264 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
altura de 144",06 sobre o niyel do mar; Edward D. Mathews dá 510 pés
ou 155"*,C4, alturas que entretanto me parecem mui fracas (a).
Aqui encontrámos o resto de uma canoa de um desventurado nego-
ciante, chamado Pinheiro, que ha anno e tanto subia com dous botes
carrecfados de géneros do Pará ; e em viagem perdeu quasi toda a tripu-
lação de febres malignas.
2.* Cachoeira : d-iia^aró-assiá.
A^ B Portos.— C Canal do rio. — £> Caminho por terra
Baldo de recursos e não tendo outro remédio á dar, abicou aqui ;
fez um rancho, onde depositou todo o seu carregamento, e seguiu rio acima
(a) Upthe Amason and Madeira rivers, through Bolívia and Peru.
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AO RIO DE JANEIRO 265
á buscar novos remadores, deixando gravado n'uma arvore seu nome e
o motivo por que áhi ficava a sua carga, a qual confiava á protecção dos
passageiros : tal como Napoleão, e com o mesmo êxito, aliás, — confiou-se
á generosidade dos inglezes, na falta de cousa melhor.
Quando, dous mezes passados, apenas, ahi voltou, nada mais viu
sinão o rancho vazio e os restos do bote, taes quaes hoje nós mesmos
vemos. Vivem nestas regiões os indios jacarés^ tribu pacifica,e que ás vezes
vém em soccorro aos viandantes : uns atribuem-lhes o roubo, outros á
viajantes bolivianos que por ahi passaram.
No dia seguinte 6, terça-feira, sahimos da Guajará merim, por volta
das 6 da manhã e pouco depois de meia hora abicámos ao porto de
cima (A) da Guajard-guassú, também á margem esquerda e bastante
parecida com aquella, com a differença, apenas, que o seu qualificativo
tupy indica. Dista uma cachoeira da outra nove Mlometros, mais ou
menos. Descarregou-se o bote, que desceu á sirga.
A estrada das cargas é de uns quatrocentos metros ; mas nas actuaes
circumstancias de vasante do rio póde-se-lhe encurtar a distancia n'um
terço, levando-se, como se fez, as cargas pelo pedregal da margem.
A's 2 da tarde continuámos a derrota. Com um seguimento de doze
minutos descobrimos para NE. um morrote que disseram-nos ser o da
cachoeira do Madeira, em frente á foz do Béni.
O rio já tornou-se piscoso ; sendo digno de reparo a falta, quasi
absoluta, de peixe que encontrámos nestes dias, mesmo nos remansos da
outra cachoeira, logares que poi: serem de aguas mortas são muito piscosos.
Hoje tivemos algumas par ahibas(h2Lgrm recticulatus) ejaús, de mais de
metro e meio, alguns robafos (trahiras) e batuqueiros, a melhor espécie
dos pacus, muitas piranhas e dous peixes, novos para mim, o cascudo^
espécie de crcarrí (a margarita de Hech), e que é peixe milito commum
34
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266 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-CmOSSO
nos rios de Matto-Grosso. Já se vê que o dia não foi mau para nós, que,
sem sermos ^astrónomos, bastante necessidade tinhamos de refazimento
da dispensa ; e veiu amplamente compensar-nos das misérias passadas.
A' 7 partimos, logo ás 5 1/2 da manhã.
Meia hora depois avistámos as primeiras lages, ilhotas avançadas
da grande cachoeira das Bananeiras, uma das maiores e mais respeitadas
dos dous rios.
A*s 7 horas e 40' passámos dous pequenos arroios, á direita e es-
querda, á que se impuzeram os nomes de Clemente e José Pires, em
honra dos dous nossos excellentes auxiliares o piloto e o proeiro, manejador
do remo grande. Uma hora depois, com uma velocidade de nove milhas por
hora abordámos ao porto superior da mòe^a da cachoeira (A), á 3 1/2
léguas do Guajará.
Esta estende-se por perto de dez kilometros, apenas separada por
um pequeno tracto despido de rochas e parceis ; o que fel-a considerar-se
uma só, distinguindo-se-lhe as divisões com os nomes de cabeça e cauda.
Ricardo Franco demarcou a cabeça, isto é, o porto A, aos 10% 37',
e o porto B, aos 10% 33', S. O Sr. Keller dá-lhe a altura de 137-,3 sobre
o mar.
t' a cachoeira das Bananeiras, uma formidável corredeira, com
saltos e passos difKcilimos umas vezes, e outras impossíveis de transpor :
na cabeça ha necessidade de varar as embarcações, isto é, de conduzil-as
por terra do porto A ao B, qualquer que seja o eàtado do rio ; e a cauda,
também offerece muita dificuldade, sendo todavia vencida, quasi sempre,
á sirga.
Chegados ao porix) de cima. A, da cabeça, ás 6 horas e 35\ e afiSan-
çando alguns da tripulação que na vazante, a corredeira perdia muito da
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AO RIO DG JANEIRO 267
sua força e dava canal, que o nosso bote podia transpor facilmente ; des-
carregou-se este, e, ás 10 horas^ começou á descer â sirga. O canal ficava
próximo â orla direita de uma grande ilha, quasi á meio rio : diziam haver,
também, outros mais chegados á margem esquerda e procurados nas
enchentes extraordinárias.
3/ Caolxoeira : Bananeiras. Cal^eça.
vi o B Portos. C Canal perigoso. C Canal seguido. D Varadouro.
Apezar do trajecto daquelle canal (C) ser de uns seiscentos â
setecentos metros, o bote só alcançou chegar ao porto B, no dia seguinte,
ao meio-dia. O varadouro é de duzentos e vinte metros : no porto B ha um
bom local para acampamento, junto á uma pequena abra, com praia de
fina e branca areia, onde se deslisa um veiosinho de excellente agua.
Carregado de novo, desceu o bote ás 2 da tarde ; tomou direcção á
margem direita, passando entre uma ilha, que logo ahi se encontra e á
margem esquerda, sendo esse canal, que é entretanto o melhor, ainda
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268 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
atravancado por um pequeno salto de palmo de altura logo em seus
começos.
A moDlaria, que de tanta utilidade e necessidade nos era, desappa-
receu hoje, na passagem da cachoeira, salvando-se á nado seus dous
tripulantes. Vae-se-nos na peior occasião, agora que os mantimentos nos
vão escasseando ; visto que com ella contávamos para os reconhecimentos
do rio, o exame dos passos difficeis e dos canaes, e também para provêr-nos
de peixe e de caça.
A's 2 horas e 3/4 chegámos á cauda, ou segunda parte da cachoeira,
formada de um sem numero de ilhotas e penedos, onde, na extensão de
uns seis kilometros, ha necessidade de descarregar-se a canoa, de modo
á folgar a proa. Saltaram também as mulheres, o creado e o servente.
A' remos, raspando com uniformidade, força e presteza, a superfície das
aguas, deslisou-se o bote com o ímpeto de uma flexa, até que ás vozes
enérgicas e rápidas do piloto : « Remo grande ! e—Iiaspa duro ! » deu-nos
á entender que estávamos n'um rebojo, ou com rochedo á proa : o proeiro
Clemente enterrou o remo grande, á guiza de leme; os romeiros, dobraram
de força e rapidez, mas roçando apenas á tona d'agua ; e o bote mudou de
rumo, com uma promptidão e docilidade, á primeira vista, impossível eai
tão forte e vertiginosa corrente ; fazendo-se em menos de seis minutos a
travessia de mais de dous kilometros dessa corredeira.
Nesta estação é isso mais fácil, dizem os navegantes ; mas nas en-
chentes ha necessidade de descarregar-se toda a embarcação.
No porto (B) abicou-se : á noite carregou-se o bote e ás 5 horas,
e 23' da manhã do dia 9 seguimos viagem.
Quasi uma hora depois passava-se o rio Preto, de quarenta metros
de foz, á margem esquerda e junto á um morrote. A's 7 horas e 10' che-
gava-se ao porto de cima da cachoeira do PaurQrande, cerca de vinte
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AO RIO DE JANEIRO 269
kilometros abaixo das Bananeiras, onde descarregou-so completamente
a embarcação para passal-a á sirga, no que gastou-se menos de duas
horas.
O caminho por terra é de trezentos e sessenta metros : formoso
e aprazivel é o acampamento do porto inferior (B), assombrado por
gigantes gamelleiras ou sapopembas. Uma delias, e a maior, jaz por
terra, parecendo ter tombado ha pouco tempo, tão viçosa ainda está :
mede trinta e um palmos e duas poUegadas de circuito, dous metros
acima do collo ; dando espaço sufíiciente para sobre seu tronco passearmos,
em alguns metros, meus dous companheiros e eu, á par uns dos outros.
Cobrem-o innumeras parasitas, entre às quaes uma formosa echmoea
discolor, em plena florescência.
Caud;A iltv Saxianeira..
A e B Portos. C Canal. D. Caminho por terra.
Tem esta cachoeira cerca de um kilometro de extensão : dizem ser
terrível nas cheias dos rios.
Nas cercanias do acampamento encontrei o conamly (phyllantus c),
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270 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-0ROSSO
narcótico empregado pelos índios; e a spilanthes oleracea, ou jambú,
também conhecida por agrião do Pará.
Apparelhado o bote, puzemo-nos em marcha ás 2 horas e 10' da
tarde. A's 2 horas e 51' chegámos á Z^^re, á pouco mais deseiskilo-
metros abaixo da precedente. Apresenta-se-nos como uma corredeira de
uns mil e duzentos á mil e quinhentos metros, inçada de penhascos
e lágedos como os da cauda das Bananeiras ; mas, em extensão
menor.
Sahiu o nosso excellente piloto á reconhecer o estado actual da
cachoeira e procurar-lhe canal ; o que teve de fazer por si s6, saltando
pedrouças, galgando penhascos, atravessando logares difficeis, ora aju-
dando-se de uma vara, ora de uma corda, que passava na cabeça de um
cachopo, segurando nas duas pontas, uma das quaes soltava, logo que
era vencido o passo ; colhendo-a toda, para empregar do mesmo modo
mais adiante ; trabalho de imminente risco, mas de extrema necessidade,
por faltar-nos qualquer outro meio para taes exames. Afinal voltou
satisfeito do reconhecimento, e ás 3 horas e 46 minutos desceu o bote
com todo o seu carregamento; deslisando-se em vertiginosa carreira
na corredeira, que foi vencida em cinco minutos, havendo mister do
auxilio do remo grande.
Na força das aguas só á sirga pôde ser vencida.
A's 4 da tarde passámos pelo ribeirão da Lage^àe sessenta á setenta
metros de barra, á margem direita. Areias, repousando sobre argilla
pardacenta, com núcleos de silex, encobrem a formação geológica, que
entretanto bem se revela, poucos passos adiante, nog penhascos da ca-
choeira.
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AO RIO DE JANEIRO 271
A's 4 horas e 27*, avistámos a foz do Béni, cerca de uma légua abaixo
da lage, em cujo ponto de confluência, fundeámos ás 5 horas em ponto.
Entre esse ponto e a Lage encontrámos um bote boliviano, que subia
quasi já sem remadores, tendo perdido cinco, trez dos quaes^ nos dous
últimos dias, deixara enterrados na margem próxima. Ainda conduzia
dous bastante enfermos, um delles agonizando. Deu-se-lhes alguns géneros
de refresco e ministrou-se-lhes medicamentos : o que temos feito sempre
que encontrámos necessitados, não somente doentes, mas, também, esses
degredados do resto do mundo, que, aífeitos á sociedade e conhecedores do
beneficio da medicina, noFos pediam como uma providencia do futuro e
recebiam-os como um dom do céo.
III
_ A reunião das aguas do Mamoré e do Béni dão origem ao grande
Madeira, o mais possante dos tributários do rio-mar. Por perto de qua-
trocentos kilometros desce encachoeirado, n'um meandro infinito de ilhas,
penhascos e cachopos, rumorejante e precipite ; dando ao cabo desse
pedregal, em Santo António, uma difiFerença de cem metros abaixo do
nivel daquella confluência.
Seu primitivo nome era Vcaidri ou Ucayali, vocábulos que dizem
exprimir o mesmo que a denominação que hoje tém ; e Irurt/, o rio que
ireme^ chamavam-lhe os caripunas. Também na Chorographia Histórica,
do erudito Dr. Mello Moraes (tomo II), lê-se que « na Instrucção secre-
tíssima (de 1 de setembro de 1772). com que S. M. manda passar
á capital de Belém do Grão-Pará o capitão-general João Pereira Caldas,
ordena-lhe o marquez de Pombal que estabeleça a quinta feitoria na duo-
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272 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
decima cachoeira do rio Madeira, em frente ás fozes dos dous notáveis
rios Bény e Enym, » nome que pela primeira vez vejo dado ao Mamoré.
Sobre Ucayali, alguns querem que esse termo seja traducçào de
rio branco^ o que não é desarrasoado em vista da côr das suas aguas,
tão barrentas como as do Mamoré; e isso quando dão também o nome de
rio preto á to Jos os de agua clara, crystallina e pura, pela côr que appa-
rentam ao confrontarem com os grandes rios lodacentos á que affluem.
O nome Madeira, quer traducção de Ucayu.li, quer não, é-lhe muito
próprio, pela quantidade enorme de madeiros que acarreta em seu curso;
e por forma tal que, depositados nasbaixantes sobre os parceis e cachopos,
e ahi accumulados pouco á pouco, á medida que as aguas vão crescendo,
vão formando ilhotas e tém formado ilhas.
Enredados os troncos de arvores immensas, uns contra os outros;
prezos e como que harpoados aos penhascos ; comprimidos e estreitados
pela violência das aguas ; adquirem tal solidez na sua base de pedra que,
ás vezes, resistem victoriosamente á fiiria da torrente. Todos os detritos
leves que as aguas conduzem, os hydrophitos, que se desprendem das
margens, as areias que vém em suspensão, a argilla, a marga, ahi se
accumulam : apparece uma vegetação nova, e a nova ilha apresenta-se
com os caracteres de terra firme ; caracteres que nem sempre perduram,
desaggregando-se a ilha com as enchentes e descendo o rio.
Ao Béni chamaram também rio dos Troncos, pela mesma razão.
A palavra Béni quer dizer rio, torrente d'agua, ba-eni^ no dialecto
ariocali e dos caripunas ; e é tão oriunda da grande familia tupica, a
primeira povoadora da metade oriental da America do Sul, que vém
associado á assú : Ueneassti é a denominação que tem o Alto Kio Negro.
Ao rio Ftirús chamam também Béni os pamaris.
O valle do Madeira é um dos mais extensos do universo. Começa nas
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Cachoeira.
PÃO GraNDTs
A B Fortes
C Ccunal
D Caminho por Urrtè^
Cachoeira
Madeira
^ . -AÈ- Fcrtos
yy AV ^ ^' Q — Canal eonheculo
/ V 3 jD - nrUo onde pa*^mog
»o chegar d ccnfltêeruta
-E — Marco
F — Ilha 4a confluência
G _ Caminhe por terra-
M - Canvf qu« se^uinto*
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AO RIO DE JANEIBO 273
escarpas dos Andes, tendo por limites lateraes o araxá matto-grossense e
o do Purús, e vae reunir-se ao do Amazonas. Chandless coUoca suas ver-
tentes á 1088 pés acima do nivel do mar.
E' o Béni de um curso de 1200 kil., isto é, quasi egual ao do
Mamoré. A commissão de limites do século passado dá a este 200 léguas,
e 205 ao Béni ; léguas de 20 ao grau.
Forma o Béni na sua embocadura duas ilhas em seguida uma à
outra ; delias, a maior de quinhentos á seiscentos metros; ambas situadas
á meio rio. Sua foz medirá pouco mais de um kilometro.
Os Srs. Keller collocam-a á 10% 20', lat. e 22% 12', 20", O. do
Bio de Janeiro, e dáo-lhe de altura apenas 122,45 metros sobre o nivel
do mar.
A juncção dos dous rios, elle e o Mamoré, formou uma ilha, âa
Confluência^ onde os antigos planejaram a construcção de um forte para
atacar e defender cousa nenhuma, mas attestar o senhorio do Mamoré
e Madeira, como o forte do Príncipe attesta o do Guaporé.
No archivo militar existe um mappa com o titulo : Planta ão forte
qm se construiu^ na boca do rio Madeira, junto da stm confltiencta com
o Mamoré.
Os antigos suppuzeram ser o Béni o Alto Madeira, e deram-lhe o
mesmo nome de Ucayari, pela mesma razão de acarretar profusão de
madeiros, em qualquer época, mormente nas enchentes. Pertencem-lhe
com eflfeito quasi todos os que o giande rio conduz ; sendo mui escasso,
sinão nuUo, o contingente que o Mamoré, seu outro braço, lhe fornece ;
indo elle despejal-os no Amasonas, que por sua vez levando-os ao oceano,
as correntes marinhas vão depôl-os até nas costas de Noruega e nos
icebergs do pólo.
Como já vimos (a), suppõe-se que anteriormente á 1722 fôra o
(a) Vide introducção, cap. III.
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274 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Madeira percorrido por aventureiros em busca de escravos Índios.
Baena (a) pretende que subira por elle, mas só até o Manicoré, o capitão-
mór do Pará, João de Barros Guerra, pelo correr de 1716. Narra a subida
de Palheta, em 1773, de ordem de João da Maia da Gama (b), go-
vernador daquella capitania, por noticias obtidas de hanãeirantes que
tinham já ali ido em busca dos Índios, e que diziam haver habitações de
gente européa acima das cachoeiras ; pelo que foi Palheta até a foz do
Mamoré (c), encontrando uma canoa de Índios castelhanos e um mestiço
que os conduzia até a aldeia da Exaltação dos Cayoabas, situada entre
os rios Iruéname e Manique ; sendo, porém, notável, que de volta ao Pará
nada dissesse sobre o Béni e o Guaporé, que tanto na ida como na descida
— não podiam passar-lhe desapercebidos. Mesmo á crer-se o padre Patrício
Hernandes, dataria essa navegação do tempo de Nuflo de Chaves, que por
este rio desceria quando abandonou seu estabelecimento de Santa Cruz,
por melados do século XVI. Mas, poucos visos tem de verdade essa as-
serção quando se medita na admiração que causou em Belém a chegada
de Manoel Félix de Lima em 1743; admiração que fora sem motivo si
esse caminho já tivesse sido descoberto.
Tem o Madeira de largura na sua origem cerca de trez kllo-
metros; coberto litteralmente ahi, em todo o leito, de penhas e cacho-
pos. Seu curso é de perto de mil e quatrocentos kllometros (d), dos quaes
mais de mil de livre navegação.
O Béni é formado pelas aguas descidas dos Andes entre Cusco e Po-
(a) Berredo, Annaes Históricos do Maranhão (Carta do padre Bento da Fon-
seca), dal-a cm 1725,
(b) Ensaio Chorographico sobre o Pará, pag. 517.
(c) A* pag. 212 confundido, em duvida, diz que passara 12 cachoeiras, efitrára
no Béni ató a foz do Cajuaòai, á sua mão direita.
(d) 245 léguas, segundo Ricardo Franco. Mem. Geog. do Tapajós, 1799.
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AO RIO DE JANEIRO 275
tosi : seus principaes afRuentes são o La JPaz, Chalumair% Maquiri^
Ortuiche, Apolohamba e Maãiãi.
A navegação do Madeira foi entretida principalmente pela capitania
de Matto-Grosso nos seus melhores tempos de prosperidade. Cedo, porém,
os muras e os mondurucús romperam em hostilidades, idênticas ás dos
payaguás e bororós, com as monções do rio Pâraguay, e o commercio e
a navegação foram-se entibiando.
IV
Vamos notando, com alguma aprehensão, que os rios, que já deviam
ir enchendo, continuam á baixar, e muito.
Sabido como é difficil a travessia pelos muitos cachopos que atra-
vessam toda a esteira dos rios, subiu-se o Béni para ver si nos daria uma
livre passagem, para descermos por sua margem esquerda ao Madeira,
mas não se encontiou passo até além de trez léguas; tornando-se cada vez
mais difficil o seu trajecto, e dahi em diante impossível.
Sabbado 10, com alguma difficuldade, lográmos entrar no Madeira,
cortando a barra do Béni, para investigar, nas proximidades do ponto de
confluência da sua margem esquerda, o logar conveniente para o estabe-
lecimento do marco limitrophe, conforme um artigo das instnic-
ções, que exigia que fosse elle coUocado : 1°, á margem esquerda do
Madeira, junto á confluência ; 2', em frente ao curso do Mamoré, e 3**, ma-
thematicamente no parallelo 10' 20\ Mas a natureza, que não fôra ouvida
nessa determinação, tinha resolvido diversamente. O ponto mathematico
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276 rriNERAEio da cidade de matto-geosso
uão ficava em frente ao curso daquelle rio ; e ainda o terreno era de tal
maneira; que o marco nem podia ser construido junto á confluência, nem
mesmo no ponto mathematico. Pelo que não houve outro remédio slnão
deixar desattendida a determinação ministerial, e ficou-se á quasi uma
légua (4439™, 5) do Béni ; único local onde encontrou-se terreno firme,
e ainda assim não mui próprio, por ser sugeito ás grandes enchentes do
rio ; sendo entretanto o que mais correspondia áquelles exigentes que-
sitos.
Já nesta noite dormimos na província do Amazonas ; que á ella de
direito pertence toda a margem esquerda do Madeira, como de facto tam-
bém possue a outra toda.
A embarcação teve de ir completamente descarregada, de tudo o que
não foi concernente â erecção do marco ; ficando toda a mais carga na
ilha da Confluência, cuja latitude deraarcou-se, depois, aos 10** e 22'
30'\26 (a).
Soberba mattaria de madeiras preciosas cresce nesses sitios, povoa-
dos também de quantidade inaudita de pássaros, especialmente araras,
papagaios e periquitos, cuja algazarra indiscriptivel só á noite cessava.
Junto ao local escolhido, cabia no Madeira um pequeno regato de
aguas crystallinas, das quaes o encontro é sempre para nós uma fortuna,
por serem as aguas do Béni eguaes ás do Mamoré, e por conseguinte
mesmas as do Madeira. Ha no sitio abundância da copahiba e de outros
(a) Os irmãos Keller acharam para a foz do Mamoré IO© 20* O" 5. e 22o, 12'
20", O. Ricardo Franco IO® 22' 83" (mappa do rio da Madeira, desde o Amazonas
ao Guaporó, pelos sargentos-móres engenheiros Ricardo Franco de Almeida e Serra
o Joaquim José Ferreira, 1790).
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AO RIO DE JANEIRO 277
óleos preciosos como a hymenoea spectábilis (óleo vermelho) e o myrO'
carpus fronãosus (o. pardo) ; laurineas preciosas, angelins, ucuúbas, e a
iiegi'a e duríssima biriba, cuja estopa aproveitou-se para o calafeto do
bote.
Já apparecem ascolossaès sumaúmas (chorisia ventricosa) e a mongur
beira (erythrina), que dão um caracter typico á região ; do mesmo modo
que algumas mapnrajúbas (rhizophora ?) de excelsa altura ; castanheiros
e o tauary (curatari), cujas franças excedera á altura das demais arvores
da gigante floresta e cujas raizes grossas e chatas, prolongam-se desde a
altura de dous metros até o solo, afíectando a forma de triângulos rec-
tângulos.
X>e8oida nas oaolioeiraa.
Entre os arbustos, encontra se alguma poaya, uma formosa cuphea
de flores róseas, uma gloxinia de flores rubras, fetos gigantes, maiores
que 08 dos terrenos noruégos de Minas e do Rio de Janeiro, mas sem
duvida dos tricliopieris excelsa ; lindas epidendreas e arethusas, pseudo-
catleyas e lélias, tillandsias de todas as espécies, duas espécies de bau-
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278 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
nilha, a mexicana e o baunilhão, e uma formosa liliacea ou alstroemería,
Aurca Alexandrina ^ já encontrada por mim em 1861 em Minas-Ge-
raes (a), e que desde essa data até agora não logrei tornar a ver ; algumas
orchideas, uma amomacea mui semelhantes nas flores ás alpinia nutanSy
mas de flores inodoras; algumas resteacease eryoeaulons e maranthas,
iamilias de que são riquíssimas essas regiões. Muita caça nos bosques :
e tal cópia de mutuns^ que vinham ao nosso próprio acampamento, onde
eram mortos, entre asbarracas. Vi pela primeira vez e próximo ao
meu pouso um ninho de beija-flôr troglodito, n'um buraco na barranca.
Creava dous filhinhos ainda implumes e muito feios, que a mãe todas as
manhãs trazia fora da toca para aquecerem-se ao sol : no dia em ^[ue, ar-
rastando-se sósinhos até a porta, já iam experimentando as forças, uma
cobra os devorou. Muita cópia também de outros beija-flôres, entre as
quaes um assemelhado ao esmeralda, o petasophoro comutus, com seu
topete côr de fogo, e que é uma das mais brilhantes variedades da familia,
e que ahi vi pela primeira vez vivo.
No dia 18 de novembro, domingo, ficou erigido o marco aos 10* 21*
13",65 lat., e 22° 14' 37",65 O. do Rio de Janeiro. Desde o dia 13 chovia
(a) Volúvel, annual, folhas alternas, lanciformes, pecioladas, semelhantes ás
do género smilax; flores hermaphroditas, cm capitulo, tripetalas; periantho duplo,
glumaceo: o externo e do côr alaranjada; petaloide o interno e de cór verde-claro ; ta-
bulado na base ; pistilo livi'e ; stilo simples ; stigma trilobado ; trez carpellas, trez
lojas ; muitos óvulos amphitropos ; nove estames por grupos de 3, oppostos ás pé-
talas, e inseridos pela base ; antheras introrsas, biloculares ; capsula dehiscente
o loculicida. Germina por bolbos, de setembro á novembro, e um mez depois flo-
resce. Attinge até 4 metros de comprimento.
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AO MO DE JANEIRO 279
copiosamente ; e com muito trabalho e cuidados, pôde-se obter a sua
construcção em tal tempo e em tal terreno.
A's 8 horas da manhã sahimos por entre o intrincado labiryntho de
rochedos e ilhas de madeiros, á carregar o bote na ilha da Confluência,
onde aportámos ás 9 1/2 ; e por egual caminho descemos para o porto
superior da sexta cachoeira, cachoeira do Madeira, na margem direita,
onde abicámos ao meio-dia, com uma hora de navegação de abrolhos.
Entre a ilha da Confluência e elle ficam outras duas ilhotas, por entre as
quaes passa o canal: nós, porém, passámos pela esquerda da mais externa,
tomando a face N. do morrote que avistámos do Guajará, junto á qual é
o porto.
As cargas seguiram por um caminho de duzentos e cincoenta metros;
o bote desceu completamente leve, beirando a margem do rio. A sirga foi
bastante trabalhosa ; e a embarcação esteve por algumas horas engasgada
n'uma pedra, em sitio onde o rio faz um salto de quasi meio metro, já no
fim da sirga. Com o emprego de uma ialha fel-a o V tenente Frederico o
remontar novamente a corrente e descer por um canalete, mais junto á
margem.
Nas enchentes é essa cachoeira peior, havendo necessidade de sirga
desde o Mamoré.
Com excepção das duas primeiras cachoeiras, a passagem, isto é, os
caDaes,que vamos encontrando melhores, são sempre pela margem direita.
Choveu ainda todo o dia. O acampamento é bom, debaixo de alias
sapupembas e junto á extensas praias de areia. Na matta adjacente bas-
tante cacau, do verdadeiro e do cacauhy : ahi vi pela primeira vez o
arbusto do guaraná, pauíinia sorhilis, fructescente, com seus caixos de
bagas rubras.
A cachoeira occupa toda a largura do rio, desde a entrada do Ma-
moré, e segue por mais de meia légua. Nos pedregaes de syenito notam-se
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280 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
buracos ovaes c ellypticos, de um palmo de longo, em grande quantidade
e ás vezes reunidos em grupos.
As rochas destas cachoeiras são de formação plutonica. e revelam
á primeira vista sua origem vulcânica, modificada, talvez, pelo meta-
morphismo. Difficeis algumas, para mim, de classificar pelo duvidoso dos
signaes de apresentação, n 'outras o fácies mineralógico designava-as satis-
factoriamente. As grandes lages trachyticas, quasi lisas, de côr férrea ou
do negro luzidio do alcatrão, são formadas, em muitos legarei, de ca-
madas superpostas, mais ou menos onduladas, com rebordos curvilineos.
como se tivessem provindo de uma matéria em fusão, espessa, derramada
em grandes jactos, formando lençóes ; os quaes se esfriassem, antes de
alcançarem as ultimas o espaço em que as primeiras se estenderam.
Grandes penedos, uns prismáticos, outros arredondados, ora dykes de dio-
rito e de elvan, ora blocos soltos ; uns partidos á meio por uma só fenda,
ás vezes de mais de braça de largura, apparecem aqui e ali ; do mesmo
modo que grandes caldeirões, buracos perfeitamente redondos, abertos na
lage, cuja formação facilmente se explica pelo attrito de seixos rolados
em pequenas depressões, as quaes pouco apouco, pelo movimento das
aguas e o correr dos séculos, vão se augmentando e arredondando.
Não é, porém, tão fácil a explicação para os buracos ellypticos de al-
gumas dessas lages, e dos quaes já acima fallou-se ; todos das mesmas
dimensões, e quasi dispostos em direcções urniformes, uns após os outros,
em duas e trez fileiras ; pelo que trazem á lembrança, ainda que sem
semelhança alguma, as pegadas do homem. São mais notáveis as das
cachoeiras do Madeira^ Bananeira^ Ribeirão e Paredão : suas dimen-
sões são um á trez decimetros de longo, sobre um terço mais ou menos
de largura e quasi outro tanto de profundidade ; conservando sempre a
forma ellypsoide. i Serão sitios primitivamente occupados por corpos de
fácil desaggregação ou decomposição pelas aguas, e que com o tempo
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ÁO RIO D£ JANEIftó 281
ficassem vasios? Essas lages, apezar de como que envernizadas pelo
attrito das aguas, e brilhantes de negro polido metallico, nào é difficil
o classifical-as pela sua textura e systhema de agglutinação. São porhyros
amphibolicos, obsidianas, syenitos, petrosilices, etc., rochas todas felds-
pathicas. A canga apparece em altos calotes, vermelho-negros, o que lhe
valeu o nome túpico tupanJionacanga ; do mesmo modo que em outras
penhas sobrelevam-se dykes de eurito compacto á irromper crostas
metíHnorphicas, ou que mostram-se engastados á rocha de gneiss em de-
composição, cujas crostas derruídas pelo tempo deviam ter-lhes sido com-
muns. Nos grandes caldeirões, á sêcco, não são raros os conglomeratos
de seixos dioriticos, principalmente de diorito negro, pequeninos, e que
me pareceram agglutinados á ajudas do hydrato de ferro.
Trouxe commigo algumas amostras mais notáveis dessas rochas, e
bem assim dos seixos intercallados nas falhas das lages ; onde um novo
processo de agglutinação delles com a areia do rio e as argillas,
que este traz em suspensão, constituo um puMing tão concreto e firme,
que, apezar da tendência que tém as aguas para desunir, e não aggregar
as areias, já resiste ao emprego da força para dividil-o ; rochas de
sedimento raras nos logares onde as aguas passam com fúria, mas muito
frequentes nos seus remansos.
Em uma destas cachoeiras, creio que na das Bananeiras^ encontrei
um pedaço de carvão vegetal, lamelloso, de camadas parallelas nitida-
mente accentuadas, e completamente petrificado, revelando grande anti-
guidade. Está no museu do Instituto Archeologico Alagoano.
Em todo o trajecto encachoeirado dos rios só nos foi dado vêr e
investigar os terrenos mais adstrictos á margem onde chegávamos ; sendo
que quanto á fronteira, nem ainda a distancia nos foi possível calcular,
36
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282 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
tào atravancado é sempre o rio nesses pontos de innumeras ilhas e cacho-
pos. Uma observação curiosa ahi fizemos, entretanto, e que não me parece
mero effeito de óptica : nessas regiões das cachoeiras, as aguas do rio são
sensivelmente mais elevadas do nivel ainda mesmo quando se deslisam
unidas e calmas, sem marulhos nem escarcéos; o que se explica pelo obstá-
culo que os parceis oppôem á agua que desce, e que portanto ahi se detém
e avoluma.
VI
A's 5 da tarde de 19 sahimos : andou-se uma hora n'ura bonito es
iirãOj livre de escolhos.
No logar onde pernoitámos vimos a sepultura recente de um dos
remadores do bote boliviano, encontrado na entrada do Mamoré.
Á' 20 sahimos ás 5 da manhã, e duas horas depois descíamos pela
cachoeira da Misericórdia^ tão terrivelnas cheias, que mereceu tal nome;
o qual é uma revelação da angustia porque passam os seus navegantes;
sendo então tão furiosa a sua corrente, que alguns botes tém perdido o
governo e ido precipitar-se na cachoeira immediata, com a qual nesses
tempos se emenda. A* qmlque chose malheur est bon : a extrema rasante
do rio livrou-nos desta cachoeira, como espera o nosso piloto nos livrará
de outras ; sendo, porém, triste a compensação que outras nos trarão.
A Miseric<^'dia apresentou-se-nos como uma enorme lage, á margem
direita, estendendo-se triangularmente para o rio, onde se intromettia até
quasi seu meio. Na margem fronteira vê-se outra, menor.
O rio vae perfeitamente canalisado entre ambas ; e nossa gente só
tove que forçar remos e raspar duro para aguentar a rapidez da corrente
e os balanços dos banheiros*
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AO RIO DE JANEIÍIO 283
Seguindo nossa derrota, ás 8 chegámos á cachoeira do Bibeirão, que
é uma das mais temidas.
E' também á margem direita ; o porto de cima á esquerda de um
morrote. E' egualmente dividida em cabeça e cauda, aquella formada
por grandes lages cobertas de blocos de diorito, soltos, outros formando
dykes, alguns partidos e alguns prismáticos. Nota-se ahi a existência
dos caldeirões e buracos ellypticos de que acima fallo.
Não dá canal em tempo algum, havendo sempre necessidade de varar
as embarcações. A' nossa, que tão mal vae de saúde, causa-nos sérias
aprehensões, por essa nova viagem por terra. Descarregou-se-a n'uma
grande e mais ou menos lisa l^e, de uns oitenta metros de largura,
que prolonga-se da base do morrote ; e sobre rolêtes foi conduzida n'uma
distancia de trinta e poucos metros, de onde fez-se-a sahir um pouco para
galgar a aba direita do monte, subindo por elle uns cem metros. Ahi
topou-se outra lage, lisa, de 25 metros de largura, e á uns quinze,
apenas, do ribeirão, donde a cachoeira tirou o nome. Não foi difficil o
varadouro ; com, apenas, dez homens fizêmol-o em outras tantas horas.
Cuidou-se logo, antes de por o bote n'agua, em tomar-lhe as costuras e
fendas, com a estopa de tocary que trazemos de prevenção, e quando
á nado, rectificar-lhe os concertos,
A* boca do ribeirão ha algumas pedras, perigosas agora, em tempo
de sécca, por trancarem-o quasi inteiramente. Não contávamos com esse
transtorno ; entretanto, após, difficil labutar, conseguimos vencêl-o ás
8 horas e 44' da manhã de 23.
Passava este sitio, antigamente, por aurífero ; e essa foi sem duvida
a razão que levou Caetano Pinto á nelle estabelecer, em 1799, um posto
militar, destacado do forte do Príncipe, e também um aldeiamento de
Índios e escravos da coroa ; com o fim de plantar e fornecer mantimentos
aos navegantes, e garantir^ por certo, os quintos do ouro. Era o destaca-
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384 ITINERÁRIO BA CIDADE DE MATTO-GROSSO
camento de 8. José do Bibetrão, ou segundo outros, de S. José do Mon-
tenegro, Durou até 1832, e ainda vém consignado em alguns mappas,
notadamente no Atlas do senador Cândido Mendes, e mappas de Ponte
Ribeiro.
Ricardo Franco demarcou o começo da cachoeira aos IO** 1 T S. (a),
e a cauda em 10' 10'.
No local do acampamento, bastante agradável, ha uma espécie
de grumixameira, que só cresce nas pedras tendo suas raizes e parte
do tronco debaixo d'agua : o fructo assemelha-se nas cores á mangaba,
mas é terrivelmente acido. Delles faziamos óptimos refrescos. A arvore
é de galhos muito nodosos e irregulares, nimiamente fortes e flexiveis.
W uma eugenia^ notável por ser aquática. Talvez seja a mesma de que
trata o grande Vieira, na sua carta ao padre provincial Francisco Gon-
salyes, escripta em 5 de oitubro de 1653, dando conta da sua exploração
no Tocantins :
« — Aqui deu logar o rio á que se remasse um bom espaço
até que demos em uma ladeira de pedra e agua muito comprida, pela
qual foi necessário irem subindo as canoas como por uma escada, á pura
força de cordas, de braços e de gente, já fincando-se sobre umas pedras,
já encalhando-se, já virando em outras. Foi esse trabalho excessivo,
principalmente por ser tomado no rigor do sol ; e para que fosse de
alguma maneira vencivel proveu a Divina Providencia esse logar de
umas arvores não muito altas, nascidas nas mesmas penhas, as quaes
suppriram nesta escada como de maynús, em que os Índios se firmavam
para poderem tirar pelas cordas e sustentarem-se á si e á canoa, contra
a força da corrente. São estas arvores por uma parte tão fortes, que basta
£azer preza em uma para soster a canoa contra todo o peso da agua, e
(a) Não se pôde admittir que seja este S. José o povoado de que falia Southey.
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AO RIO DE JANEIRO 285
por outra táo flexíveis, que, si é necessário passar a canoa por cima dos
ramos e ainda das mesmas arvores abatidas, cedem e tornam a surgir
sem quebrar. Como nascem nas pedras e na agua, parece que das pedras
tomam o duro e da agua o flexivel, e de ambas o remédio para vencer
a mesma difficuldade que ambas causam. Dão uma íructa semelhante e
menores que as goyabas e araçás do Brasil, de que se duvida si são es-
pécie, mas não se comem nem póde-se comer porque são duras como as
pedras de que nascem (a). »
A descripção quadra perfeitamente á grumixameira citada, no-
tando-se-lhe apenas a differença no fructo que aqui é brando, e si não se
come é por ser nimiamente acido, mas presta-se á excellentes refrescos,
que supprem perfeitamente as limonadas.
Em quarenta minutos fomos chegados ao porto superior da
catida (E), uns trez kilometros abaixo. Levou-se toda a carga por um
caminho (G) de cerca de dous kilometros (b), cortado de igarapés, que
mostram pelos taludes serem fortes nas enchentes, e agora estão quasi
enxutos.
N'uma grande gamelleira vimos gravadas, em altura, mais ou menos
de 3,5 metros, as palavras Talento e Valor, por algum viajante tão
cônscio dos seus méritos como alheio á presumpção. Taes, porém, fossem
as difficuldades com que lutasse, e a habilidade com que as desfizesse,
que a natural satisfação o levasse á lançar esse brado aos pósteros.
Modesto, não quiz deixar seu nome por sobrescripto ; e eu, pachorrento
chronista desta viagem, não sabendo, mas acredtiando razoáveis taes
predicados á quem se anima dirigir, sem ser como nós, obrigado, pela
força das circumstancias, viagens dessas — por estas cachoeiras — , con-
signo o episodio.
(a) MeUo Moraes, Chorogr. Ilist , tomo III, pag. 458.
^b) Trez mil passos, dá Ricardo Franco.
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286 ITINERÁRIO DA CII»ADK DE MATTO-GROSSO
Desde a tarde de 24 que começou â descer o bote. A sirga vae
sobremodo difficil, estando o rio extraordinariamente baixo. Somente ás
5 horas e 10' da tarde de 26 pôde-se abicar ao porto F.
A'8 10 e 1/2 horas da manhã seguinte, sahimos; tendo-se previa-
mente ido reconhecer a sirga da Pedra Grande^ trez kilometros abaixo ;
a qual em tempos de agua converte-se em possante cachoeira.
A*s 11 e 20* passámol-a á sirga e sem novidade.
Outros dous kilometros, adiante, tivemos também a sirga dosPerv-
quitos, que gosa da mesma reputação, e que passámos do mesmo modo.
As duas constituem uma das dificuldades mais custosas de vencer,
na cachoeira do Bibeirão.
Como já vimos, teve este ponto fama de aurífero : e Baena (a) relata
que João Fortes Arzão, apresentara ao terceiro bispo do Pará, D. Miguel
de Bulhões, ouro e pedras preciosas nella e em outras dessas cachoeiras
achadas, pelo correr do anno de 1758.
A' 1 hora e 1/2 avistámos a nona cachoeira, Araras^ cujo canal se
foi reconhecer ; sendo encontrado mau, por sêcco : pelo que tomámos para
o da margem esquerda, onde entrámos ás 3 horas e 40', com grande pe-
rigo, mas livrando-nos felizmente após dezoito minutos de travessia nimia-
mente violentada pelos marulhos e escarcéos; graças, sobretudo, ao muito
tino e sangue frio do nosso piloto José Pires.
Conhecem alguns esta cachoeira pelo nome, também, de Figueiras,
além do de Tamanduá que Baena lhe inculca, e Areg^ como a trataram
a) Qompeihdio dns ÉrxSy pag. '2-^2, e Ensorio ohorographico sobre o Parà^ pag. 29.
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AO RIO DE JANEIRO 287
outros ; mas o que mais lhe quadra é indubitavelmente o de Araras pela
inanidade desses pássaros e ainda de papagaios, periquitos, maitacas,
jaçanans, etc., que, povoando todo esse sertão, tém aqui guarida especial;
e levam, emquanto dura a luz do dia, á encher os ares de seus atroadores
gritos.
Os Srs. Keller collocam esta cachoeira aos 9** 55' 5,8 lat. e 22'* 15*
20" O. Dista do Kibeiráo uns 27 kilometros.
A*s 5 horas da tarde parámos na mesma margem ; e no dia se-
guinte, 28, sahimos, ao alvorecer, debaixo de repetidos e copiosos agua-
ceiros, que, desde hontem á noite, se tém succedido á pequenos intervallos.
Com vinte minutos de seguimento deixámos, á mão esquerda, o Paredão
das Araras^ amontoado de rochas de grêz, superpostas de modo á se-
melhar um muro.
A's 9 horas e 10' passa-se o Ahuná ou Bio Preto (a), na margem
esquerda. E* o ponto mais occidental do Madeira, assim como o que lhe
está fronteiro será o da provincia de Matto-Grosso. E' aquelle rio de uns
sessenta metros de largo na embocadura, e dista uns cincoenta kilometros
da cachoeira das Araras, uns cem da foz do Béni ; e mais de mil e
trezentos da foz do Madeira. Os geographos da commissáo do século
passado calculam essa distancia em 229 léguas de 20 ao grau (b).
A's 11 e 1/2 chegámos á cachoeira Pederneiras^ a qual presente-
ia) Segundo o padre Vieira (carta de 5 de oitubro de 1(>53, ao provincial Fran-
cisco Gonsalves), chamavam os indius Pai Abana aos padres de vestido preto. MeUo
Moraes, Ghoi\ Hist. III., pag. 460.
(b) Novo diário da navegação dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, 20 de
Agosto de 1790.
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288 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
mente consiste n'uma crista de rochedos que atravessa o rio de lado á
lado, deixando-lhe quatro canaes.
Dá-lhe começo uma grande lage á margem direita.
Passa por má a sua travessia nas baixas aguas ; pelo que decidimos
que se proceda á reconhecimento dos canaes. O piloto opina pelo central
e os remadores pelo da direita, que fica encostado á grande lage : preva-
lece esta opinião e segue-se pelo canal indicado, obliquando-se o mais
possível para tomar a esquerda de uma ilhota que fica fronteira ao cen-
tral, indo assim sahir-se no prolongamento do segundo canal.
Vencese a força da cachoeira em dous minutos ; ficando o bote
alagado pelo embate dos fortes escarcéos que soflFreu.
Os antigos demarcaram-a aos 9" 31' 20" (a); sua distancia á das
Araras é de uns sessenta e cinco kilometros.
Um pouco abaixo da Pederneiras cahe á margem esquerda do Madeira
um ribeirão, conhecido dos antigos pelo nome de Arapongas ou Ferreiros.
Duas horas e meia depois, passámos por um pequeno morro que nos
ficou á esquerda, já estando á vista a cachoeira do Paredão, distante trez
e meia léguas da Pederneiras.
A's 2 horas e 20' da tarde abicava-se no porto (A) ; descarregou-se
o bote e foi-se reconhecer a cachoeira e verificar qual o canal mais fa-
vorável.
No dia seguinte, 29, passámol-a. E' mui semelhante na disposição
dos escolhos ás duas precedentes : é a mesma crista de penhascos atra-
vessando o rio, começando na grande lage da direita que vae. até quasi
meio rio. Na opposta elevam-se, bem fronteiros á cachoeira, dous mor-
rotes. E' mais torrentosa e veloz do que aquellas outras.
(a) Mappa Gdogr. do rio Madeira*
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AO RIO DE JANEIKO 289
Aliviou-se completamente a proa : saltaram as mulheres como de
costume ; mas estando nós ainda em terra, soltou-se a embarcação antes
que embarcássemos, e teve de continuar a derrota.
Vimos, então, e podemos avaliar o perigo á que se expõem essas em-
barcações, que passam como uma setta levada pela impetuosidade da cor-
rente ; ora sacudidas pelas ondas como si fôram uma cuia, ora caturrando
feiamente e desgovernando, por ficar o leme fora do seu elemento. O nosso
velho e estragado bote por trez ou quatro vezes seguidas solfreu esse
risco, sendo os marulhos á espaldear os remeiros tão fortes que enco-
briam o bote, afigurando-se-nos que o sossobrava.
Felizmente a anciedade, apezar de parecer mui longa, foi de poucos
minutos : o remo grande entrou em jogo ; e o bote, deixando sua carreira
precipite, rodou sobre si e cahiu no remanso, vindo abicar na face direita
da grande lage (B).
Apresentava-se esta, agora, com uma largura de cento e vinte e seis
metros ; faziam-lhe uma cintura, junto á margem, duas pequenas abras
que são-lhe os portos, tendo ahi apenas oitenta e cinco metros de largo*
Essa penha é um dos mais magníficos espécimens de rocha, com
suas camadas superpostas,, reveladoras do estado de liquefacção em que
foram ahr depositadas ; parecendo, assim húmidas do rio, grande
derrama de mel espesso e quasi ã crystallisar, que vae lentamente escor-
regando em largos pannos sobre camadas já solidificadas ; o que ainda
parece revelar, ou que a crystallisação foi mui rápida, ou mui demorados
08 jorros da matéria em fusão. Mais próxima ao rio perde esse caracter, e
em vez de sua lisura e polimento torna-se grandemente anfractuosa :
sobre ella elevam-se dykes de diorito, penhascos de trez e seis metros de
altura, emquanto que próximo afundam-se abysmos, ou patenteia a rocha
erosões largas e profundas, que serão bons canaes quando as aguas as
cubram sufficientemente. A lage termina no rio por um desses rochedos,
37
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290 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
de quatro metros de alto, e que vae orlando-a em toda a sua extensão.
Na porção vasadà^ encontram-se es caldeirões circulares, com metro e mais
de diâmetro e fundo, e as pequenas escavações ellypticas, do tamanho das
observadas nas outras cachoeiras. Algumas das lages são coloradas de ver-
melho luzente, talvez devida ao tritoxydo de ferro; outras negro-luzidias,
devendo essa côr ao oxydo daquelle metal ou ao peroxydo de manganez.
Apparecem aqui e acolá ainda blocos fendidos longitudinalmente, e
que guardam um parallelismo notável entre as faces da fenda, onde
as saliências de uma correspondem ás reentrâncias da outra.
Uns cincoenta metros abaixo da cachoeira, e á mesma margem
nota-se outro paredão^ como o das Araras^ formado de rochas super-
postas de grez e gneiss, affectando a forma dos trapps, com tanta natura-
lidade qae assemelha-se á uma velha muralha em ruinas. A textura de
seu gneiss assemelha-se ao basalto, mas a fractura é mais conchoide.
Foi esse agglomerado o que deu o nome á cachoeira.
Dahi em diante até á cachoeira dos Trez Irmãos, que dista quarenta
e quatro kilometros, vae o rio todo inçado de pedras, principalmente para
o lado esquerdo ; o que no tempo de vasante, qual o de agora> determina
fortes e incommodas corredeiras. Póde-se avaliar o que será na força das
aguas.
TII
Já se vão vendo, por este trecho de rio, pequenas barracas ou pa-
lhoças dos seringueiros, deshabitadas presentemente, e servindo apenas
de signal de propriedade e pouso quando ahi trabalham. A terceira que
enfrentámos e que é a maior, tem em volta de si uma plantação de milho
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AO RIO DE JANEIRO 291
e mandioca. Pertence ao Sr. José Ignacio, morador logo abaixo. No se-
ringai da margem esquerda ha outra palhoça, que parece ser habitada,
ou pelo menos frequentada.
Extensa morraria segue por essa margem adiante.
A's 10 horas encontrámos um bote boliviano, que subia, e sau-
dou-nos com dous tiros de espingarda e rufos de um tambor. E' uma
manifestação de polidez e attenção idêntica á saudação de bandeira e
salvas dos navios no oceano, e que, aqui, é uma verdadeira demonstração
da alegria de encontrarem-se homens civilisados em regiões delles tão
pouco concorridas.
A's 10 horas e 20' passámos duas barracas e roças, e pouco depois
abicámos á margem direita para fazer-se nosso almoço. Em frente co-
meça uma grande ilha com roçados de milho e mandioca, e algumas ba-
naneiras e canas. Aqui soubemos que o bote encontrado era boliviano
e vinha de Santo António da Madeira, donde partira ha seis mezes ;
tendo tido grande demora junto á cachoeira do Caldeirão do Inferno, por
haverem-lhe fugido os remadores.
A's 12 horas e 50' sahimos. Passámos, á margem direita, o sitio de
José Ignacio, na encosta de um morrote fronteiro áquella ilha.
Estamos á uns quarenta kilometros do Paredão, e póde-se dizer que
já aqui começa a cachoeira dos Trez Irmãos, tão temivel no tempo das
cheias, e que agora quasi nenhuma differença faz do curso natural do rio,
tão insignificante vae sua corredeira.
A' 1 hora e vinte, já tinhamol-a passado.
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292 ITINERÁRIO DA CIDADE DE BÍATTO-OROSSO
Abaixo do sitio de José Ignacio fica um ribeirão, que supponho seja
o Mutum-parand^ onde viviam, ha bem pouco tempo, os carípunas,
mansos, outr'ora táo solicitos em ajudar os canoeiros nos difificeis transes
dessas cachoeiras (a). O patrão do nosso bote, que não trouxera da Bolivia
remadores suCBcientes para esta navegação, fiava-se nestes indios para os
varadouros do Girau e Theotonio ; pelo que subiu o ribeirão : mas voltou
como fora por não havêl-os encontrado.
Não me lembro si foi com esses caripunas mansos, ou com outroa
que se deu ha quatro annos o seguinte episodio : um negociante de nome
Gregório, vindo com trez botes, montarias, igarités, e alguns sessenta ho-
mens de chusma, parou para tratar com esses indios. Ia armado de
revolver, e com elle seis remadores na montaria. O resto da frota conti-
nuara á subir ; e quando perdeu-se de vista, perguntou o tuchaua á
Gregório que cousa era aquella que elle trazia á cintura.
— E' uma pistola de seis tiros, respondeu.
— Ora, tão pequenino ! — Tiro não vae longe.
— Si vae ! retorquiu Gregório.
E continuando as duvidas do indio, para prova deu um tiro.
— Ora, isso não presta ! Não acerta ! Atire ali : — e o indio indi-
cou-lhe uma arvore ; atirando o negociante segundo e terceiro tiro, que
acertaram.
— Mas, não mata passarinho, disse o indio, depois de ter mostrado
muita admiração, e ido vêr as balas no madeiro. E apontou para um que
pousava n^uma arvore.
— Porque não ! — disse Gregório, talvez vaidoso do primeiro resul-
tado. E descarregou os últimos tiros, mas sem resultado.
— Agora, quer vêr você como eu mato com a minha flexa ? — E
(a) Suppôem-80-os descendentes dos caribid da Guyana. Caripwiás é o seu ver-
dadeiro nome.
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AB porUt eU Vmt'md*urp
C .OMVMniM p0r aytut'
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AO RIO DE JANEraO 293
entesando o arco, elevou-o como si mirasse ao pássaro ; e quando o nego-
ciante levantava os olhos para acompanhar o tiro, o indio baixa traiçoei-
ramente a pontaria e crava-lhe a setta no coração.
Foi esse o signal para o resto da horda cahir sobre os remeiros, ma-
tando-lhes a maior parte ; só logrando fugir dous que puderam alcançar
a montaria e fizeram-se ao largo.
Passados trez dias os companheiros de Gregório voltaram : houve
cruéis represálias, estando os Índios desprevenidos por já não esperal-os ;
e desde então a tribu desappareceu.
Descreveu-nos a gente do nosso bote os caripunas como uma nação
perversa, hypocrita, e ávida de roubos e malefícios : fingindo -se amigos,
ofFerecendo adjutorios nos maus passos, e principalmente nos varadouros,
para melhor massacrarem os viajantes.
A' um quarto de hora do Mutum-paraná ha outra barraca, á mesma
margem ; e mais abaixo, onde termina a ilha, outras duas, uma em cada
orla do rio. A margem direita se eleva ahi n'uma coUina, com um mor-
rote que não vém descripto nos mappas.
São muitos e extensos os seringaes e cacauaes destas comarcas :
dos cacaus a espécie sylvestre, de que já fallei, chamada cacauhy, é
despresada, apezar de ser agradabilíssima no gosto e mui refrigerante.
O rio continua ainda atravancado de ilhotas e cachopos.
A's 3 horas e 20' enfrentámos á outra barrába, á margem esquerda
pertencente á bolivianos : meia hora depois duas outras, uma grande do
mesmo lado, e outra pequena na margem opposta e junto á um morrote,
onde começa um estirão^ em cujo fim apparecem trez outros morros, na
mesma margem. A's 5 horas fundeámos na direita, adiante de uma pe-
quenina barraca e em frente á outra maior, do lado opposto do rio.
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294 raNERARIO DA CIDADE DE MATTÍHJROSSO
Sexta-feira, 30, sahimos á hora costumeira, e poucos momentos depois
deixávamos, á direita, uma plantação de milho e bananas, e duas barra-
cas, onde appareceram duas mulheres. A's 7 horas passávamos uma outra
palhoça, á esquerda, e pouc.os momentos depois uma segunda.
O rio aqui mede, actualmente, uns quatro kilometros de largara.
A's 7 horas e 44' entrámos na cabeceira do Salto assim chamada
por já começarem as aguas á encachoeirar e correr precipites por entre
os penhascos do rio.
Segue-se por uns dez minutos á sirga, para passar uma corredeira
difficil ; e depois á remos, até dobrar a volta do rio, ahi mui angulosa,
e onde, perto, está o porto do Salto (A).
E^esta a mais forte de todas quantas cachoeiras temos passado, e a mais
bonita, só tendo superior a do Theotonio^ que é a segunda logo adiante. Fica
também á quarenta e cinco kilometros da dos Trez Irmãos. Os antigos
demarcaram-a aos 9^ 21' (a) ; os Srs. Keller em 9*» 20' 45" S. e 2P 54'
22" O. O rio, depois de espraiar-se em quatro kilometros de largura,
estreita-se junto á uma pequena morrari? de coUinas, n'uma volta á SE.
e desce por dous canaes, ura á meio riu, de cerca de trezentos metros,
inçado de abrolhos e levantando formidáveis escarcéos ou banzeiros j e
outro encostado á margem direita, de vinte á trinta metros de largo, que
se precipita em vários saltos em escada, até um ultimo de trez metros,
mais ou menos, de altura.
Em tempos de cheia cobre todo o lageado da margem, e forma outro
canalete n'uma erosão que agora se vê no pedregal descoberto. Ha trez
para quatro annos, chegando ahi trez botes, o ultimo não pôde, em tempo,
(a) Mappa geographico do rio Madeira.
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AO RIO DE JANEIRO 295
encostar no porto de cima, e quando, já á meio comprimento no remanso
tinha ainda o resto na corredeira, esta fêl-o girar sobre si, arrebatou-o e
foi despenhal-o por este canalete. Deu-se então um episodio notável, â
ser exacto o que nos contaram : o patrão desse bote era filho do chefe
da frota, que enlouqueceu ao ver o filho arrebatado : entretanto este sal-
vou-se agarrando-se, no meio da força da corrente, á uma grumixameira
d'agua ; e um indio, levado ainda com vida ao remanso opposto, pôde gal-
gar uma pedra á esquerda do salto, donde foi também salvo.
Semelhante á quasi todas as outras cachoeiras, é esta formada por uma
estreita crista de rochedos, que ligam os morros das margens, os quaes
não distarão entre si mais de quinhentos metros. A' esquerda do rio
elevam-se quatro ou cinco coUinas e duas á direita ; sendo maiores as
que ficam no prolongamento do salto. O morro da direita offerece nos
flancos as duas abras (A e B), que servem de portos para o varadouro.
Este é de perto de oitocentos metros ; bastante áspero e dififieil na subida,
e perigoso na descida, de qualquer modo que se o considere, pelo declive
do terreno e pedregulhos que o atravancam. Cerca de trezentos metros
bifurca-se o caminho, seguindo o varadouro por uns cem metros ainda,
e outro caminho, para um terceiro porto (B'), único em que as embar-
cações podem carregar ; descendo á sirga, e completamente leve, do fim
do porto do varadouro até ahi, na distancia talvez de quinhentos metros.
Começou-se á varar á tarde : no dia seguinte tinha-se conseguido
subir apenas uns quarenta metros, partindo-se cabos e espias por varias
vezes. Já estávamos tão affeitos á esses transtornos, que nossa resignação
era verdadeiramente a do Evangelho : nesse andar só n'unã doze dias —
pelo menos, conseguiriamos veuoer o varadouro, dado que nossos homens
não affrouxassem, ou que não sobreviesse algum empecilho novo.
Felizmente, e quando menos contávamos com tamanha felicidade,
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296 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
ao meio-dia de 2 de dezembro, vimos aportar ahi trez botes com uns
cincoenta homens e trinta mulheres, Índios, e o dono, o Sr. D. Angel
Chaves, e sua espoza, que vinham do povo de Trinidad para exploração
da gomma-elastica ; e que, encontrando o varadouro oecupado, ajudou-nos
da melhor vontade, e com tanta efficacia, que ás 4 da tarde estava nosso
bote á nado.
"Va,ra.d.otiro no nalto cio CJ-íimu..
Ainda nesssa tarde passarara-se dous botes de D. Angel, e o ultimo
na manhã de 3, fazendo-se então, descer todo o carregamento para o porto
das cargas (B'). Desceram os botes á sirga por um canalete encostado
á margem, e onde a corredeira é bastante forte.
D. Angel partiu primeiro, que era de nossa delicadesa ceder-lhe o
passo. Vém continuar seus trabalhos nos seringaes ; sua situação é abaixo
da cachoeira do Caldeirão do Inferno. De maneiras mui lhanas e polidas,
elle e sua senhora muito nos capti varam por sua amabilidade ; e tanto
mais soubemos apreciar esse encontro, quanto ha longos mezes não ti-
nhamos a dita de praticar, já não digo com gente civilisada,mas cora gente
alguma.
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AO RIO DE JANEIRO 297
A's 11 horas tinha chegado uma canoa do seringueiro João Ignacio.
Cedemos-lhe o pouso e ás 4 1/2 partimos.
Os dous acampamentos do Salto são bastante feios e agrestes ; no
de cima ha ainda vestigios da aldeia de Balsemão, estabelecimento de
Luiz Pinto em 1768, com indios pamas.
Esse capitão-general seguia do Pará para tomar conta de seu go-
verno : com elle vinham quatrocentas e vinte duas pessoas, em quarenta
e cinco canoas : si era gente de mais para puchar as canoas nos vara-
douros, não o era menos no consumo dos mantimentos ; de que lhe foi de
grande soccorro a aldeia do Sídio Grande, estabelecida pelo juiz Theo-
tonio. A' imitação desta, fundou a daqui ; ordenando egualmente a plan-
] tacão de mandiocas, milho, etc, para soccorrimento dos navegantes (a).
Nosso bote deixou o canal entre a margem direita e uma grande
âlha, por pedregoso, e cortou diagonalmente a corrente até meio rio, em
cujo fio seguiu.
' Desde que entrámos no Madeira temos notado que as noites tornam-se
« bastante frescas ; tão frescas quão cálidos os dias ; regulando de 30* á
34" cent. a temperatura destes, e 16* e 20' a daquellas.
(a) E* notável que esta aldeia, como outras á beira destes rios, cuja existência
€oi tão transitória, e das quaes não se encontram quasi vestigios, sejam ainda indi-
cadas nos mappas modernos; sendo mais admirável que lhes dô existência o do
engenheiro residente da estrada d« ferro do Madeira ao Mamoré, Edward D. Ma-
thew no seu Map. to illustrate « Up the Amason and Madeira Riverstrough Bolivia
and Peru ; » cuja residência era tão perto, e cuja natureza de serviço lhe deveria
ter dado pleno conhecimento desse território.
38
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298 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
VIII
Caldeirão âo Inferno. A's 5 horas e 10' da tarde chegámos ao alto
desta cachoeira, que fica â pouco mais de légua da precedente. Deixámos
á esquerda o porto de cima (A), que é onde costumam descarregar as
embarcações; e seguindo por uma veloz corredeira, no canal próximo á essa
margem, fomos parar n'uma ponta de pedras (G), fronteira á extrema
superior de uma grande ilha, a primeira da cachoeira.
Ahi tirou-se grande parte da carga, folgando-se sobre tudo a proa ;
e o bote desceu á reconhecer o canal, entre aquella ilha e outra da es-
querda, o qual fica em seguida e em frente á corredeira. Nesse ponto o
rio como que se dobra sobre a esquerda, espraiando-se consideravelmente
de modo que, medindo apenas quatrocentos metros de largo, toma agora
largura mais que dupla, seguindo por vários canaletes entre as margens,
e quatro ilhas que ahi se apresentam como que enfileiradas em uma
mesma linha. Infinidade de cachopos eriça os leitos desses canaletes, e
os faz encachoeirados : parecendo os principaes de seus penhascos, pela
posição que tomam, os cabeços de uma grande lage que atravesse todo
o rio, da qual são as ilhas os pontos culminantes.
E' íormosissimo o quadro que ahi se desenrola aos olhos do especta-
dor, que nessa occasião esquece os perigos ahi imminentes para só
attender ao bello da perspectiva ; belleza ainda augmentada pelo movi-
mento contrario das aguas, que trazem os hydrophitos n'uma dança
continua, fazendo suas pequenas e virentes ilhotas subir e descer em
duas linhas continuas, parallelas e quasi contiguas, ao passo que
quedam-se estacionarias as que por uma mais violenta impulsão da cor-
rente entraram no remanso, onde o movimento está nulliticado.
Dessas ilhas, a mais chegada á margem eáquerda chamaram os an-
tigos Ilha dos Padres.
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c •
MORRINUOS
AB Porto/ r CtuuU
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AO BIO DE JANEIRO 299
No tempo das aguas o canalete seguido é o do meio, em conti-
nuação do grande canal da esquerda, por cuja corredeira descemos. E',
aqui, entre as ilhas, conhecido pelo nome de Canal dos Perdidos ; entre-
tanto, passa pelo melhor de todos, apezar do aterrorisador da denominação.
Delle, também foi que proveiu á cachoeira o titulo que tem pelos grandes
rebojos, correntes desencontradas e rodamoinhos que, no fim desse canal,
formam as suas correntes com as dos canaes lateraes ; os quaes, estrei-
tando-se o rio logo abaixo dessas ilhas, convergem todos naquella di-
recção.
Tendo-se verificado estar a grande lage que, no começo do Canal dos
Perdidos atravessa o rio, muito á flor d'agua, e impossível de ser trans-
posta, foi o pratico reconhecer os outros dous canaes, o entre as ilhas e o
encostado â margem esquerda, opinando pelo ultimo.
Aliviada, ainda mais, a proa do bote, remontou-se o rio para buscar
de novo o curso da corredeira; aproveitando-se agora a orla em
que o movimento das aguas é em sentido opposto. Desceu a embarcação,
despedida como uma flexa até a extrema da ponte de pedra, onde des-
carregara ; e ahi, com ajuda do remo grande, mudou rapidamente de
direcção â esquerda, indo abicar em uma pequena praia (B) fronteira ao
segundo canal.
Descarregou-se completamente o bote ; costeou-se o rio em toda a
volta que faz com as cargas, levando-se-as ora pelos pedregaes e areias
da barranca, ora por dentro do matto, até um local em baixo (D), na
linha de terminação das ilhas e canaes, onde o rio se estreitava, seguindo,
então, no leito nalural.
Nessa margem pernoitámos; e terça-feira, 4 de dezembro, logo
ás 4 1/2 da manhã, desceu o bote á sirga, encostado ao continente. Ape-
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300 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
zar de completamente descarregado, muitas vezes bateu e ficou preso nas
pedras, chegando todavia, ao porto de carregar-se, oito horas depois.
Abstrahindo do perigoso da travessia, é essa cachoeira um dos tre-
chos mais formosos do Madeira, com esse espraiado e suas formosas ilho-
tas tão eguaes e tão bem alinhadas.
Por todos, excepto pelo segundo canalete da margem direita, tem-se
navegado, conforme as occasiões ; e, apezar da preferencia que geralmente
dão ao dos Pefdidos, o seringueiro Ignacio de Araújo, que os tem explo-
rado com interesse,adoptou aquelle outro por encurtar muito o caminho,
apezar de ter um salto, de dous ou trez palmos, e de ser forte a sua
correntada.
As hevoeas, o tocary e o cacau abundam extraordinariamente ; e
quasi que com egual riqueza ha copahibi, salsaparrilha e cravo. Sobre as
cimas das altíssimas florestas distingue-se a fronde do tocary, alta ás
vezes de trinta metros. Mas, o que mais friza a feição toda característica
da flora destas paragens é a sumaumeira (chorizia veniricosa das sier-
cularineas)^ formosa arvore, notável pela corpulência de seus ramos, os
quaes conservam grossura deseommunal até quasi seus últimos esgalhos.
Nem aqui, nem nas cachoeiras da Lage e do Eibeirão, encontrei as
pedras com inscripções de que falia Keller, « roch covered with spiral
lines and concentric rings, evenly carved in the black gneiss... a perfect
inscription whose straight orderly lines can be thought the result of
lasy Indianus. — Hours of Idleness » — (a).
(a) Obra citada.
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CiíeUwira
^^ MizBmroHDiÁ
\ B
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(autil
V
Vartiíluuvo
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Portú.\ da í ntula
e
CoMninho tic ttitffi
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AO RIO DE JANEIRO 301
Este engenheiro dá á cachoeira a. altura de92",8 sobre o mar;
e determinou sua posição em 9* 15' 40'' S. e 2P 52' 14" O.
Sahimos ás 2 da tarde.
Com poucos minutos de viagem passámos as barracas de Ignacio
Araújo, em numero de seis ; sendo aquella em que habita de sobrado e
coberta de zinco.
Deste ponto, olhando-se para os canaes da cachoeira, o dos Perdidos
parece calmo, e bem ásperos o segundo, da predilecção do seringueiro, e
o quarto, immediato ao por nós seguido.
N'uma ilha, próxima á vivenda de Âraujo, ha outra barraca, e pastos,
onde vimos alguns cavallos e cabras.
Âs barracas dos empregados vão surgindo, aqui e ali, á medida que
avançamos, ora n'uma ora n'outra margem do rio, margens sempre de
risonha apparencia.
Duas horas, mais, de viagem, e deixámos á esquerda o Maparaná,
riacho de uns trinta metros de foz ; e uma hora depois, a Esperança^
bella e risonha situação, de D. Angel Chaves, o nosso amável compa-
nheiro, no salto do Girau ; coUocada n'uma alta barranca, que devassa
longo e formoso estirão do rio. Essa pictoresca vivenda é também de so-
brado, construída e forrada quasi toda de taquarussús e espiques de
carandá ; cercada de varandas, cujas columnas de palmeira sustentam
o tecto. Cercam-a umas seis barracas de trabalhadores, pequenas e sem
elegância.
Assistimos ao preparo da borracha ; aceitámos o jantar com que
D. Angel nos obsequiou e pernoitámos no porto ; agradecendo-lhe a deli-
cadeza e extreme amabilidade com que nos queria agazalhar.
D. Angel colhe de quatro á cinco mil arrobas de borracha, tendo
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302 ITINERÁRIO DA CIDADE DE BÍATTO-GROSSO
empregado no serviço uns cento e cincoenta trabalhadores. Mostrai
desanimado dessa industria, que diz, só aproveitar aos consignatários ; os
quaes recebem o fructo desse trabalho por um preço quasi nullo, que mal
chega para satisfazer os juros dos empréstimos feitos aos seringeiros ;
sendo necessário muito esforço da parte destes e encontrarem mui ricos
seringaes, para conseguirem livrar-se das dividas. E accrescentou — <c Eis
a razão porque ainda vim matar-me nesta industria. »
Fronteira á situação da Esperança fica a ilha de SanfAnna, já con-
signada nos mappas dos antigos.
IX
A's 5 da manhã de 5 de dezembro, deixámos o porto da Esperança.
A's 8 horas e 10' passámos, á margem direita, o Jacy-paraná^ de cincoenta
metros de largo, na barra. Keller dá-lhe a latitude de 9* 10' 9" e a
long. de 21* 42' 20", do Rio de Janeiro.
Seguimos pelo braço á esquerda de uma comprida ilha, conhecida
pelo mesmo nome do rio. A's 8 1/2 começámos á sentir as aguas mais
veloces, prodomos da cachoeira dos Morrinhos. Nessa altura fica a barraca
do seringueiro Pastor Oyolas, muito aprazível á vista, mas em terrenos
baixos. Dizem colher de trez á quatro mil arrobas de gomma ; empre-
gando sessenta á setenta trabalhadores.
Era, ha poucos annos, uma das mais bonitas habitações dessas para-
gens ; mas, foi completamenee devorada pelas chammas em 1875.
Na outra margem, apparecem á pequenos intervallos trez outras
situações que nos indicaram como pertencendo aos Srs. Nicomedes, que
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AO RIO DE JANEIRO 803
tem uns quinze operários e colhe seiscentas arrobas ; Justino, com vinte
e cinco e colhendo mil; e Luigi Zárate, com vinte e tirando numero egual
de arrobas.
Dão nome á cachoeira trez morroles á margem direita e um á es-
querda, que se erguem fronteiros ao ponto, onde, pouco mais ou menos,
a fúria das aguas se abranda. Ao envez das outras, nesta cachoeira o rio
se alarga um pouco, arqueando-se suas margens em largas reentrâncias.
Uma grande ilha cercada de cachopos, principalmente na ponta inferior,
está quasi ã meio rio. Próxima á margem esquerda, que é lageada, es-
tende-se uma restinga de talvez sessenta á oitenta metros, com um
canalete que só dá passo nas enchentes. O canal que tomámos é o que
fica entre a restinga e os cachopos á esquerda da ilha.
A corredeira começa uns quatro kilometros acima da cachoeira : por
ella descemos, e com auxilio do remo grande, cahimos no remanso, acima
da restinga, e junto á lage da margem esquerda (A) : tirou-se toda a carga,
que foi levada por um caminho de pedregaes ao outro porto (B), uns du-
zentos metros abaixo. Voltou o bote aguas acima á buscar de novo a
corredeira, e por ella precipitou-se, passando em dous minutos, entre a
restinga e a ilha, e quebrando rapidamente á esquerda, para abicar no
porto B, onde recebeu as cargas.
Keller determinou-lhe a posição em 9*» 1' 45" lat. e 2V 20' 57" long-
Dista cerca de onze léguas da do Caldeirão. Seus arredores são ricos
de seringa, cacau, salsaparrilha, cravo, baunilha, copahiba e puchury
(nectanãra p,), sendo extraordinária a producçâo da salsaparrilha. Ahi
pernoitámos. Já ouve-se distinctaraente o estrondo da queda do Theo-
tonio.
Entre essas duas cachoeiras dá Baena a existência de uma povoação
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304 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTíKiROSSO
de Santa Rosa, fundada em 1728, da qual nenhuma outra noticia temos ;
parecendo impossivel que esse escriptor assim se enganasse em data,
nome e posição, confundindo-a com a do Balsemão, fundada em 1768, no
Girau (a).
Salto do Theotoixio.
Sabidos ás 5 horas 10* do dia 6, ás 8 horas passámos á canal
uma forte corredeira, onde ha de ordinário necessidade de sirgar-se.
Já é cabeceiras do grande salto, á cujo porto superior (A), fomos
chegar ás 9 horas e 40*. E' também na margem direita, e dista
dos Morrinhos umas cinco léguas. Keller dá-lhe a altura de 83'",40 sobre
o nivel do mar; sua latitude é de 8° 52\ segundo Ricardo Franco e Fer-
reira ; Keller dá-lhe a longitude de 2V 30' 57" O.
Como no Girau, no Salto do Theotonio o Madeira estroita-se n'uraa
garganta. Um morrote se eleva na margem direita, assentado sobre uma
grande lage, com penhascos e recifes que vão quasi unidos até um terço
(íi) CoiTipendio das Eras da província do Pará, pag. 30^1.
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AO KIO DE JANEIRO 305
do rio ; na esquerda, adianta-se outra lage quasi na mesma extensão ; e
entre uma e outra, três fileiras de cachopos, uns altos, outros á flor d*agua,
formam os degraus de uma escada, deixando yêr uns quatro canaletes in-
termediários. Cerca de trezentos metros da primeira fileira baixa o rio do
nivel, talvez em toda a largura, fazendo um salto de dous metros no se-
gundo canalete da direita, egualmente eriçado de cachopos e penhascos.
Cem metros adiante, despenha-se n'um segundo salto de trez metros ; e á
outra distancia egual, em terceiro, que é o maior, com quasi do dobro de
altura, o qual lança-se com grande estrondo, mais augmentado com o
que os outros fazem.
Nas enchentes esses saltos diminuem de altura ; mas fórma-se um
novo, e egualmente violento, nas fundas erosões que apresentam as rochas
da margem direita.
Cerca de trezentos metros abaixo dos saltos, uma outra restinga
atravessa o rio de lado á lado, formando duas ilhotas estendidas na lar-
gura do rio, e enfrentando á lageados de ambas as margens.
Os portos de embarque e desembarque (A e B) distam uns quinhen-
tos metros, um do outro. O varadouro é de 55C", e sobe á galgar a en-
costa do morrote, cuja altura é de uns 15 metros. O porto B é um sacco
de pouco mais ou menos trezentos metros de fiindo e sessenta de largo,
formado pelas duas lages acima descriptas, a do salto e a a da restinga,
e estendendo-se para a direita, onde forma uma linda praia de areia
branca, com um corregosinho de pura agua que por ella se deslisa, aguas
sempre apreciáveis nessas viagens de rios lamacentos. O canal da descida
vae beirando essa segunda lage, onde ha ainda um salto de palmo e meio
de alto, e de muita velocidade na corrente.
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306 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
E' importante de vêr-se essa catadupa do alto das rochas, onde se
escavam as erosões, agora patentes ; bem como o vasto lençol de aguas acima
do salto, tremendo e como que em ligeira ebulição, tão alto fica em re-
lação ao. observador, apparencia que justifica o nome de Irury, que os
Índios lhe davam.
A's 6 horas de sabbado, 8 de dezembro, terminou-se a varação do
bote e ás 10 horas seguimos ; vendo-nos um pouco atrapalhados naquelle
canalete, cuja correnteza e os rodamoinhos quasi nos levam para o falso
canal á meio rio, onde a perda é certa.
Com trabalho conseguiu-se atracar á grande lage junto ao salto, e
espiada voltou a embarcação novamente ao porto, donde sahiu, melhor
assegurada, pelo canalete.
Teve essa cachoeira o nome de Padre Eterno^ como também já
vimos que era conhecida dos antigos pelo de Salto Grande. Esse que
a distingue hoje é uma justa commemoração e homenagem aos esforços
que fez o primeiro juiz de fora de Villa Bella, Theotonio da Silva Gomes,
paia ahi haver uma fonte de soccorro aos navegantes, fundando em 1758
um aldeiamento com Índios pamas, sob a invocação de Nossa Senhora da
Boa Viagem. Mas, pouco durou : as correrias dos mondurucús e muras
afugentaram pouco á pouco os navegantes e os aldeões ; e já em 1802,
á crr^r-se Baena, o commandante do ponto do Crato^ capitão Marcellino,
mandava em 5 de novembro uma guarda para nesse ponto vigiar a na-
vegação (a). Em 1814, por C. K. de 6 de setembro — determinou-se a
creação, ahi, da povoação de S. Luiz — que não foi levada á eíTeito ; ape-
zar dos esforços do benemérito Kicardo Franco, que muito trabalhou para
realisal-a.
A sirga dos Macacos. A's 11 horas notávamos que o rio augmen-
(a) Vide Patriota^ anno 1814.
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AO RIO DE JANEIRO 307
tava de velocidade, e em poucos minutos chegávamos á esse ponto, ter-
rível nas grandes aguas pelos innumeros cachopos, que alastram o rio
e o encachoeiram. Apenas houve necessidade da sirga por um quarto
de hora; seguindo o bote sem maior novidade.
Fica á pouco mais ou menos oito kilometros do salto do Theo-
tonio.
Santo António. A' 1 hora da tarde chegámos â cachoeira de
Santo António ; e dobrando uma ponta, á margem direita, em que o rio
se ensaca como na do Caldeirão do Inferno, seguimos, por um quarto de
hora, até o porto do desembarque (A). Tem esse braço do rio cerca
de kilometro e meio : o lado esquerdo é formado por duas grandes ilhas
e outras menores, que, actualmente, quasi se ligam, tão estreitos são os
filetes d^agua que as separam.
Ao avisinhar-se da cachoeira o rio multiplica de velocidade : em
frente ao leito ha ainda duas grandes ilhas, entremeiadas de cachopos,
quasi eguaes e parallelas como as do Caldeirão. Entre ellas é que passa o
canal seguido pelos navegantes, até uma terceira ilha (D), cuja direita
tomam, para buscar o meio do rio.
Chamavam os indios Aroyá esta cachoeira ; e os portuguezes por
corrupção Aroeira e também S. João.
Tinhamos vencido, em vinte e quatro dias, apenas, a região das
cachoeiras, passagem tão rica de perigos e horrores, como de peripécias
extraordinárias e scenas admiráveis « — qu'on est bien aise d^avoir une
fois contemplées, mais dont on ne désire nullement courir une séconde
fois les dangers (a). »
(a) Gastelnau. Obra citada, !<>, pajg. 463.
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308 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Do porto do desembarque ao posto militar de Santo António gas-
támos vinte e cinco minutos; estando o caminho qtiasi de todo in-
viável.
Está Santo António aos 8^ 49' 2'\6, latitude, e 2V 29' 8" long.
do Rio de Janeiro (b), segundo Keller, que também lhe dá, apenas, a
altitude de 61*,6 acima do mar, e novecentos e um kilometros de
distancia da foz do Madeira (c), quando Mathews dá-lhe 250 pés
ou 76»,8.
£leva-se n'uma barranca alta de trinta e seis metros á margem
direita do rio (d). Foi o primeiro estabelecimento do Madeira, fundado
em 1728 pelos missionários dirigidos pelo jesuita padre João de Sampaio,
segundo narra Baena (e), dos quaes alguns subiram as cachoeiras e foram
até as missões hespanholas de Mamoré e Baures, e outros desceram á
missionar nas margens do Jamary. A' esse padre Sampaio deve-se tam-
bém a fundação da aldeia Trocano^ hoje villa de Borba.
Pertence Santo António de direito á província de Matto-Orosso,
cujos limites ainda ficam muitas léguas ao norte, e de facto, á do Ama-
sonas, que é quem fiscalisa toda a região do Madeira, e a provê de guar-
nição, autoridades civis e ecclesiasticas. Ahi deve começar a via férrea,
correctivo das difficuldades do commercio e navegação das cachoeiras ;
estrada, mal aventurada, já duas vezes iniciada, e duas vezes morta.
(b) A mesma de Ricardo Franco e Ferreira, em 1780, que dão 8* 48* de lat., dif-
ferença de logar de observação,
(c) Ricardo Franco dá 186 leg. de 20 ao grau, ou 1,083 kil. [Mem. Geog. do rio
Tapajós),
(d) E não á margem esquerda, como vem na carta geral do Império, 1875.
(e) Compendio das Eras. pag. 214.
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AO RIO DE JANEIRO 309
Compõe-se de varias casas, umas cobertas de zinco, outras de pal-
mas, havendo mesmo uma de sobrado, onde nos alojámos.
Junto á ribanceira ha um grande barracão, deposito de materiaes,
mantimentos e medicamentos da Companhia da Estrada de Ferro, grande
parte dos quaes estão deteriorados e em breve estarão completamente
perdidos. Sobre o terreno vêm-se milhares de trilhos, alguns dormentes,
restos de guinchos e guindaste a vapor, cujas peças apparecem aqui e
ali esparsas, algumas quasi enterradas, e outras sem duvida completa-
mente.
Ha no ponto um destacamento, presentemente de quinze praças, do
3"^ batalhão de artilharia, commandado por um subalterno ; e ha uma
subdelegacia de policia,
O porto é de grande profundidade. Um vapor que ahi chegou, em
1876, carregado de materiaes para essa desventurada companhia, foi
repentinamente á pique, ura dia, encobrindo — totalmente os mastros. Si
não me olvido, chama va-se Amasonas.
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CAPÍTULO V
De Saoto António á Manaus — A AdimoqU — De Manaus á Belém
O dia 10, segunda-feira, depes-
diu-se de nós a guarnição do bote,
á qual tão gratos devemos ser
pela boa vontade e dedicação com
que nos serviu; esforçando-se mais
do que nos era licito esperar, e
com verdadeira abnegação, para
que conseguissemos o nosso in-
tento de desempenhar cabalmente
e no menor tempo possivel a com-
raissâo que traziamos ; e trazen-
do-nos á salvo á este porto do
Madeira, onde poderiemos espe-
rar um vapor dos da escala de Manaus.
Além do patrão, compunham essa guarnição o piloto José Pires da
Silva Gomes, os proeiros Clemente José da Silva e Lucas da Silva, dous
guapos marinheiros ; os remadores Manoel Porphyrio Gomes Ouros, Ma-
noel Fernandes, Hippolyto dos Santos, Sebastião Fernandes; todos matto-
grossenses ; e os bolivianos Manoel Toribio, Domingo Toribio, Domingo
António e Manoel. Consignando seus nomes, satisfaço um aprasimento
particular, e cumpro um dever de gratidão.
Seguem, agora, para um porto abaixo, Humaitd, onde parte fica á
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312 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
espera de um outro bote que suba, e os reconduza á seus Wes, e os
outros, receiosos de emprehender nova viagem remontando os rios,
vão agenciar novos meios de vida. O patrão, o Sr. António Elisiario An-
tunes Maciel, desce até o Amasonas, onde, na villa da Conceição dos
Mauhés, vae emprehender a industria do guaraná por dous ou trez
annos, findo os quaes regressará pelo oceano para sua terra ; fazendo, á
inversa do que fizemos, uma nova viagem em redor do Brasil. O bote,
o velho bote, nosso único auxilio nessa espinhosa tarefa, pois que si não
fora elle não a teriamos commettido, vae ainda arrastando-se até aquelle
porto, onde será condemnado. Chamava-se Trez Irmãos^ em referencia
á seus donos; e si até agora me olvidei de nomear o nome que se Ibe lia,
gravado á popa, não quero que se me inculpe a ingratidão de têl-o es-
quecido de todo.
Só contávamos poder descer lá para 15 ou 20, quando inespe-
radamente, á tarde desse mesmo dia, vimos vir subindo um vapor, desses
mariscadores de borracha, que irregularmente percorrem estas paragens,
em busca da preciosa carga.
Era o Canuman, antigo Fortalesa, do commando do Sr. 1° tenente
Alfredo de Moraes. A's 5 e 1/4 deu fundo ; e immediatamente entrámos
em communicação. A familia do commandante e a de seu tio o Sr. João
Severino de Mattos, cujos ascendentes gosam de bons foros na historia
da provincia do Pará e Amasonas, vém de passagem como tourisies^ em
viagem de recreio, desde Belém.
O Canuman é uma boa e forte embarcação bem veloz e não izenta
de elegância ; aquelles dous senhores são seus proprietários ; e suas fami-
lias, amantes do bello e infatigáveis admiradoras das magnificências com
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AO RIO DE JANEIKO 310
que o Creador encheu essa natureza amasonica, fazem una dos seus pre-
dilectos recreios o percorrerem o rio-mar e os seus gigantes affluentes.
A's 5 1/2 da madrugada do dia 12, começámos á descer, passando
em menos de uma hora a afamada praia do TamandtM, viveiro — e um
dos principaes pesqueiros de tartaruga de todos esses rios. Em seguida
fomos passando as ilhas do Mandihy^ uma delias de mais de duas léguas;
o igarapé do Trocano^ segundo sitio onde existiu a actual villa de Borba,
e onde vêm-se, ainda, entre os cacauaes, velhas larangeiras que attestam
sua antiguidade. Diz Baena (a), que ao fundarem-a os portuguezes en-
contraram ahi dous jesuitas allemães, cujos nomes cita : os padres An-
selmo Echast e António Meistergurg, que ahi viviam á mezes, e tinham
por paramentos duas peças de artilharia,
Parece-me, porém, que ha nisso engano por parte do erudito
escriptor paraense ; e que esses canhões foram para ali levados pelos
nossos missionarios,para conterem em respeito o gentio mura. O padre Ma-
noel da Motta, na sua Relação da missão no Amasonas em 1721, e que
o illustrado Sr. Dr. Mello Moraes transcreve na sua Chorographia His-
tórica (tomo 3*, pag. <190), diz que — « nem a companhia deixou de at-
(a) Compendio das Éras^ pag. 244. O mesmo Baena, no seu Ensaio Chorogra-
phico, â pag. 439, fal-a fundada em 1782, abaixo dos Tamanduás ^ unas na foz do Ja-
mary^ com Índios do Rio Negro e degredados. Diz que em 1799, sendo nomeado
ouvidor da capitania do Rio Negro o Dr. Luiz Pinto de Cerqueira, foi mandado
dirigir esta colónia ; e que adoecendo dous annos depois, voltou, sendo substituído
pelo capitão Marcellino José Cordeiro. Entretanto, no Compendio das Éra^, á
pag. .-rre, diz que -mandou D. Francisco de Sousa Coutinho, em 1798, fundar junto
á foz do Jamary a povoação de S. João do Crato, fornecendo aos povoadores instru-
mentos, utencis e sementes ; e que dessa colónia foi encarregado aquelle capitão
Marcellino, o qual, ao cabo de quatro annos representou sobre a inconveniência do
sitio e o governador mandou que romovesse u povoação. Servia de degredo, e para
ahi desterrou aquelle governador o professor de philosophia de Belém José Eugénio
de Araújo Lima, que só dahi voltou em tempo do conde dos Arcos.
40
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314 ITINKRAlllO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
tender á esse bem da coroa, representando-o á seus governadores para
que dessem providencias contra a invasão dos muras, gentio indómito
e cruel, mas não lhe pôz até agora remédio : e apenas o padre José da
Gama lhe pôz doíAS pedreiros para espantar com es tiros os ditos muras ;
do que o general Francisco Xavier fez grande mysterio, interpretando
essa conducta á fim muito diverso do intento do dito missionário. »
Passámos depois as ilhas da Guariba e do Mariuhy, esta de meia
légua de comprido : ás 9 1/4 a foz do Jamaty^ de uns cento e sessenta
. metros de largura, á direita do Madeira e á uns oitenta e dous kilo-
metros de Santo António. O Sr. Keller dá-lhe 56'',8 de altitude era
relação ao mar.
Foi neste rio, junto ás suas primeiras cachoeiras, que em 1735
o padre João de Sampaio fundou a primeira aldeia do Madeira, chamada
das Cachoeiras ou de Jamary; e que em 1742, mudou-a para o Trocano
por causa dos assaltos dos muras.
Ahi o Sr. João Prado, nosso vice-consul na Bolivia, colhe suas
trez mil arrobas de seringa com uns setenta á oitenta camaradas.
O vapor vae tocando em varias barracas; e assim passámos nas pro
mas aos igarapés Tttcunaré, Puinaré, Punean, Pauaneina, Mayacipe,
onde trabalham os Srs. Serafim, Sá e Castro e José Resende de Moraes,
este ultimo na ilha das Abelhas, com uns cento e vinte á cento e trinta
trabalhadores, e colhendo de seis á sete mil arrobas.
Nesta ultima situação recebeu-se á bordo o Eev. padre Torqualo, dono
de um sitio algumas léguas abaixo, na margem direita, onde saltei para
ver ura enfermo.
Abaixo ha as barracas dos Srs. Leão e Adolplio Decilio do Amaral
em frente á ilha dos Papagaios, e cuja colheita orça por mil arrobas.
Ahi pernoitámos.
A' 13, sahimosás 5 1/2; ás 11 e 1/4 passávamos o destacamento do
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AO KIO DE JANEIRO 315
Machadará inargera direita do Madeira, junto ao arroio Jacaré; e um quarto
de hora depois entravamos no Gy-parand, ou rio do Machado, á uma légua
daquelle arroio. Gy-paraná, machuão do rio^ chamam os indios á uma
grande ostra fluvial, de que se utilisam para fazer aquelle instrumento,
do que talvez provenha o nome do rio. Fica sua barra, que é larga de
300", aos 9* O' de latitude : cerca de trezentos metros da embocadura
forma uma ilha. Subimos pelo canal da direita, que é de cento e oitenta
metros de largo ; sendo o da esquerda de talvez um terço menor.
Cerca de dous kilometros distante da foz recebe o Gy-paraná o rio
Preto, de quarenta metros de boca, cujas aguas, que lhe trouxeram o
nome, fazem tal contraste com as crystallinas do Gy-paraná como as
deste com as do enlodado Madeira. Fomos pelo Gy-paraná acima uns
sessenta kilometros. Com trez quartos de hora de viagem tocámos na
missão de S, Francisco^ aldeiamento de turds e araras^ e que pareceu-me
bem disciplinada.
O Gy-paraná foi peicorido antigamente pelos exploradores de ouro,
e lioje o é pelos de gomma-elastica. Ainda ha cerca de trez annos o se-
ringueiro D. Santos Mercato subiu-o á distancia de outros sessenta kilo-
metros, varando em trez cachoeiras, Estabeleceu-se ahi, e não proseguiu
na descoberta dos seringaes e do rio por lh'o interceptar umgrande salto,
maior do que o do Theotonio. Segundo declarou-nos, vae o rio ate lá
com uma largura e fundo constantes : as margens são em geral altas, e
povoadas por parententins e acardr-pirangas, á margem direita, e pelos
morucujm, á esquerda ; todos antropophagos.
Por vezes descem e assaltam as barracas do Madeira. Os parenten-
tins são os que mais tropelias tém feito, os mais cruéis e mais temidos.
Raro é o anno em que não se registrem depredações suas. Em 1876, tendo
assassinado a tripulação de um bote, os companheiros da caravana, dei-
xaram passar uns dias e cahiram de improviso sobre elles, que já não
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31t>
ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATT0-6R0SS0
contavam cora a vindicta. Tinham-se embrenhado ura pouco mais e
foram facilmente alcançados, quando ainda festejavam sua façanha. Nove
dos atacantes levavam espingardas e os mais pistolas e facões : o que os
dirigia, tendo-os levado com o maior acerto até ahi, recommendou-lhetí
que não atirassem sináo quando tivessem operado o cerco e firmado o
alvo, devendo disparar quando elle desse o signal. Mas, ou por susto,
ou por outra qualquer causa, não cumpriram essa recommendaçào, dis-
pai*ando alguns aasira que avistaram os Índios ; os quaes lograram fugir
na maior parte, deixando comtudo trez mortos e sete prisioneiros, duas
mulheres e cinco crianças.
Uraa dessas de nome Moropa^ baptisada depois com o de Rosa,
tinha então sete annos de edade. Estava com a senhora de D. Angel
Chaves, que não tendo filhos tratava-a com os carinhos de mãe. Moropa
parece dotada de boa indole, apezar da sua feroz progenitura. Contou-me
aquella senhora que, um dia que lhe deu roupas novas, entrou ella a
chorar, e àeu como rasão o recordar-se que suas irmanzinhas haviam de
sentir frio e fome, por — não terem roupas e mui poucas comidas.
Do dialecto seu colhi as seguintes palavras, que o revelam ser filho
da lingua tupy :
Agua
jaú
Esbelta
opú
Boca
jurú
, Estrella
oquitsi
Branco
tin
Eu
ohoni
Carne
hôo
! Eu como
coapeh
Carvão
talapyra
; Flor
moropa
Céo
jacuan
Fogo
tatá
Escorregar
picoho-icadámu
^ Lua
jacy
Esperar
nuaçadune
Moça
nabiça
Esta
sauna
Sobrancelha
jacuan
Este
jutçáo
; Trazer
erú
Os morucujús, como os muras, são oriundos dos aymorés.
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10 RIO DE JANEIRO 317
Varias tríbus, conservando o mesmo nome, sào indicadas nos ser-
tões das cachoeiras do Madeira, no lago Uarapiára, no Gy-paraná, no
Jamary e nos afluentes dos rios Negro e Amasonas.
Conservam tradições de regiões outras em que viveram ; o que re-
velam na sua tosca cerâmica e nas pinturas das cuias, etc., gravando
e desenhando animaes desconhecidos nas regiões onde vivem e peixes
do oceano.
Dista o Gyparaná cerca de duzentos e vinte kibra. de Santo António.
A's 11 e 3/4 sahimos do pouso, e á 1 1/2, cahindo no Madeira,
deixámos as terras de Matto-Grosso.
II
Em poucos minutos passávamos a tapera de S. Roque, trez palhoças
á margem direita, em alta barranca. Cousa de dez kilometros abaixo do
Gy-paraná, enfrentámos com o Arraia ; mais tarde, passámos o grupo
das ilhas ParaMbas, das quaes uma bem comprida ; depois os do Pira-
gtídra, Periquitos e Serietna ; a grande ilha dos Muras, e outras mui
formosas e cobertas, as de terreno alto — de frondosa mattaria, e as rasas
quasi que somente de cecropias (embaibeiras).
As margens do rio vão á cada passo mostrando extensas o alegres
praias de branca areia, depósitos dos ovos das tartarugas. A's 6 e 3/4
chegávamos ao Paraiso^ alegre habitação de D. Santos Mercato, e ahi
pernoitámos. A' noite chegou um vapor, que nos disseram ser o Maissy^
conduzindo o presidente do Auiasonas e o commandante das armas o
distincto coronel Marques de Sá.
No dia 16, domingo, passámos pela tapera de S. João do Crato, para
onde o capitão Marcellino, em 1807, trasladara a povoação do Trocano,
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318 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
sahindo do Jamary cm 8 de Agosto, e começando-a em 14. Sahira dali
por causa das febres endémicas, e aqui veiu encontrar a sepultura, falle-
cendo era 16 de junho do anno seguinte (a).
A's 7 horas chegámos á Humaitd^ florescente povoação fundada pelo
negociante José Francisco Monteiro, em tempo da guerra paraguaya.
Chama va-se então Baetas esse sitio. Tem uma trintena de casas, a mór
parte de telhas, elegantes e commodas, formando uma rua no alto da
barranca, que será de dez ou doze metros de altura (b). Tem uma capel-
linha bonita e graciosa, e que ainda mui agradável se nos afigurou por
ser o primeiro templo que encontrámos nessa tão longa vií^em ; e onde
fomos dar grayas ao Altíssimo pelas felicidades que nella concedeu-nos. E'
da invocação de Nossa Senhora da Conceição : ao lado tem uma torresinha
de madeira com dous sinos, com que chama os fieis á oração.
Completam o povoado umas cincoenta casas de palha dos trabalha-
dores e camaradas.
Ahi vimos pela ultima vez o nosso velho bote Trez Irmãos e a sua
dedicada chusma, que nos veiu comprimentar e dizer-nos adeus.
A's trez da tarde passámos o Marmello, ou Araxiá^ de boa lai-gura,
talvez uns cem metros na barra. E* encachoeirado ; e informam-nos que
tem sete cachoeiras antes de um salto de dez metros de alto, alem do
qual é o rio completamente desconhecido. Cerca de duas horas depois
deixámos, á margem esquerda, o Capanan, que dizem ser um braço do
Puru^.
A' 17 amanhecemos no rio Manicoré, quasi cincoenta kilometros
abaixo doCapanau; suas aguas negríssimas formam perfeito contraste
com as do barrento Madeira. Entrámos por elle alguns cincoenta ou sessenta
(a) Diz Baena que em consequência das enchentes do rio. — Camp, das Eras,
pag. ÍR>r».
(b) O Sr. Keller dá a este ponto a altitude de 10" sobre o mar e demarcou-o
aos 7« 31' 3",4 S.
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AO RIO DE JANEIRO í^l»'
kilometros. Dizem que começa á ser encachoeirado do dobro dessa dis-
tancia, seguindo assim, ainda, por umas quarenta léguas. £' bordado de
varias barracas de seringueiros. £m sua margem esquerda ha uma aldeia
de Índios de varias nações, principalmente muras, turás e genipapos, já
domesticados, e ahi reunidos por ser mais fácil a missão dos civilisados
do que a catechese dos selvagens.
Parámos junto á ella: desceu um frade italiano, mas nenhum indio
atreveu-se á vir a bordo ; no emtanto que coalhavam a barranca e terreiro)
da aldeia. Diversamente da aldeia do Kio Preto, est^ não nos deixou boa
impressão. Todos os seus moradores, que appareceram em numero supe-
rior á um cento, sem distincção de occupação, sexo ou edade, revelavam
o maior despreso do mundo no pouco asseio de suas roupas e mesmo de
seus corpos.
Pareciam observar em demazia o multiplicamini da Escriptura sem
entretanto darem mostras de que attendiam ao crescite : rapariguinhas
de quando muito doze e quatorze annos de edade, eram mães e ahi esta-
vam alimentando seus filhinhos aos seios ; n'uma cincoentena delias,
rara era a que não trazia uma criança ao collo, e á algumas acompa-
nhava um ranchinho de duas, trez e quatro. Não devo omittir que suas
feições são regulares e não despidas de encanto. A falta de asseio, tão
rara nos indios ribeirinhos, admirou-me sobremaneira, e pareceu-me in-
troduzida pela missão.
Tocámos em algumas barracas, sendo mais notáveis as de D. Santos
Mercato, que com cento e tantos trabalhadores colhe de seis á oito mil
arrobas de borracha ; e as dos His. José Francisco Monteiro e Juan Trana,
os quaes, com cincoenta traballiadores cada um, exportam por anno suas
mil arrobas.
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320 ITINfiRÁRÍO DA CIDADE D£ MAttO-GROSSO
Voltámos ao Madeira á noite, e amanhecemos na antiga villa do
Manicoré, pequeno povo de quando muito vinte casas de telha e outras
tantas palhoças, situado n'uma alta barranca da margem direita, por onde
se sobe n'uma escadaria de setenta e tantos degraus. Sua capella matriz,
da invocação de Nossa Senhora das Dores, é asseiada e decente.
Manicoré foi primitivamente sitio de um António Corrêa, que ahi
cultivava o cacau, e que os selvagens trucidaram em 1749 (a).
Sahimos ao meio-dia. O Madeira continua magestoso, com soas
soberbas margens de altas barrancas ou lindas praias, cortadas á cada
passo de igarapés, ou matizadas de barracas e roças, e no seu leito
extensas ilhas, entre as quaes Murucituba^ Mutipiry e Genipapo^ com
uma formosa e extensa praia. N'um sitio, á margem esquerda, denomi-
nado de Santa Bosa, vimos uma menina de dous annos e dez mezes de
edade, filha do Sr. José Mariano Mendes, nimiamente obeza : alta apenas
de oitenta centímetros, apresentava as dimensões, em grossura, de uma
moça bastante gorda : no terço superior dos braços a circumferencia era
de O", 36 ; o collo cheio e túmido não parecia o de uma criança. De
rosto serio e fechado, parecia comprehender o motivo da attenção que
despertava ; nem havia caricias ou dadivas que fizessem expandir-lhe o
semblante. Nessa supposição evitámos molestal-a em mais detido exame ;
e apenas, á fiirto, toraámos-lhe aquella medida.
A's 3 horas da tarde passámos o Mataurd, que dizem communi-
car-se com o Tupinamharana pelo Canuman, rio á que dão um curso
de 900 kilometros, quando no tempo das aguas innundam-se os vastos
campos, que vém desde as cabeceiras do Araxiá, Manicoré e Aripuaná.
A*s 4 passámos o canal das pedras UraeSy duas léguas abaixo do Ma-
ia) Southfty, liv. 5», 448.
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AO RIO DE JANEIRO 321
taurá, temido nas seccas; meia hora depois as barrancas e ilha das
Araras ; e á noite, o Aripuaná^ de mais de cem metros de foz ; o qual
dizem ser de grande extensão, e encachoeirado depois de um curso de
quarenta léguas, aguas acima.
A' 19, quarta-feira, ás 8 1/2, passámos as ilhas de José Joõú^ e ás
9 1/4 as do Jacaré. A's 2 1/2 passa-se a praia de Manãiuha e ás 4 da
tarde ancorámos em Borba.
Borba é a antiga freguezia de Araretama. Está á cento e sessenta
e dous kilometros da foz do Madeira, segundo os Srs. Keller, e aos 4*
23' sul e 318* 7' 15'' merid. occid. da ilha de Ferro ,conforme a commissão
demarcadora de limites de 1782 (a).
Tem umas cincoenta casas e um novo, bom e bonito templo, o
melhor de toda a provincia depois da matriz da capital. Seus princípios
remontam-se ás aldeias do Trocano, e de S. João ão Crato, fundada
aquella em 1798. Ora as enchentes do Madeira, ora os assaltos dos selva-
gens fizeram-a ir descendo o rio ; estabelecendo-se successivamente na foz
do Jamary, do Macacypê, no Gy-paraná, do Trocano, em Baetas, na foz do
Canuman, e finalmente em 1760 na foz do Araretama, que deu o nome
á freguezia, e dal-o-ha um dia á cidade, si porventura a velha e decadente
Borba reerguer-se do seu abatimento.
E' villa desde 1756. Segundo Southey recebeu sua primeira guar-
nição em 1 755, com o fim de conter os muras, que dez annos depois
fizeram o ^osso de sua povoação.
(a) Xovo diário de viagem dos rios Madeira. Mamoré e Guaporé, em que vão
correctas todas as differenças do que foi susceptivel o que se fez na mesma viagem
no anno de 17tíi, tempo (juo ainda não estava verificada astronomicamente a posi-
ção geograpliica dos mais notáveis pontos desta longa navegação, 20 de agosto
de 1790.
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322 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Nella se vêm minas de obras grandiosas de uma matriz que
08 jesuitas projectaram, e cujos grossos alicerces ainda estão patentes,
bem como cantarias lavradas e os mármores vindos de Portugal.
Sahimos á noite, lá pelas 9 horas.
A's duas da madrugada do dia 20, entravamos \\o rio-mar (a).
Subimos por elle, em direcção á Manaos.
A' 1 1/2 da tarde começámos á ver grandes manchas negras,
perfeitamente distinctas das aguas pardacentas do Amasonas, que com
estas desciam. Eram já aguas do rio Negro, que, mais leves do que as
outras, irrompiam por entre ellas, descendo ainda grande distancia, antes
de confundirem-se por uma vez.
III
Bem quizera dar uma noticia suficiente sobre a Amasonia, essa
vastíssima região sem rival no mundo na grandeza de sua superfície, e
que parece destinada á realizar, no futuro, as predições de Humboldt
e de Victor Hugo, quanto á grandeza social e politica : porvir que se lhe
desvenda nas riquezas que accumula, e que soberana e largamente paten-
teará, quando o commercio, essa vida das nações, circular na vasta rede,
onde são arteriolas torrentes de primeira grandesa, entre as principaes
do nmndo; e onde é tronco o rei dos rios, o rio-mar como geralmente o
(a) Segundo R. Franco e J. J. Ferreira, o Madeira lan«;a-se na Amasonas aos
8» 23' -S. e 318 7' 15" long., variarão G" 15' E, Nooo diário de eiai/em, i!0 de agosto
de 1790.
Keller dá-lhe a altitude de vinte »» uni metros sobre o mar.
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AO RIO DE JANEIRO 323
alcunham, o inar-ãoce de Pinzon, de Vieira e de Agassiz, mar que dá
a beher sua doce lympha aos que, em pleno oceano, ainda não lhe
avistam as costas, na distancia, de quarenta léguas.
Em não menos de quatro milhões de kiloraetros quadrados é avaliada
a ária de tão enorme bacia. Maury, computou-a era 2.048.480 mil mi-
lhas quadradas ; e para melhor comprehender-se a sua extensão, basta
confrontar-sc-a com as das outras ràaiores bacias do globo, onde a do
^Mississipi ô de 982 mil milhas quadradas, a do Prata de 886, a do rio
Azul 547, de 520 a do Nilo, 423 a do Ganges e a do Danúbio 234 ; al-
fjarismos todos, cuja unidade é o milhar de milhas quadradas.
As aguas existentes nesse valle são calculadas em quinze mil léguas
quadradas, ou cerca de cem mil kilometros quadrados ; quantidade que
na estação invernosa as innundações elevam á algarismo vinte ou trinta
vezes superior.
Agassiz acha tão razoável o considerar-se essa região como um con-
tinente, tão retalhado é pelas aguas, tantos os rios, tantos os lagos que a
fortam ; como um oceano de agua doce, coberto de ilhas de todas as di-
mensões, desde a ilhota adventicia e fluctuante. até a Tupinambarána,
ás regiões isoladas pelo Purús e Madeira, e á esse retalho immenso das
Guyanas, entre o Orenoco e o Amasonas, ilhado pelo Cassiquiare, ante o
qual c uma ilhota a Marajó, e que no mundo só terá superior na Nova
HoUanda.
Si a amplidão desse valle é forçosamente devida ao pouco acciden-
tado do seu solo, que somente se eleva nas cordilheiras que em distancias
longinquas o delimitam ; a riqueza extraordinária das aguas é explicada
pela posição excepcional dessa região. Tendo por últimos limites os pa-
rallelos 5" iV. e 20^* S, e os meridianos 4" e 36" ao occidente do Rio de
Janeiro ; vem desde o X com as serras Açary e Pacaraima, donde lhe
descem as aguas do rio Branco ; do O, os Andes, que naquelle parallelo
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324 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-ílROSSO
setentrional verte as mais remotas cabec3iras do Japurá, e indo até 20'
dá nascimento ao Caximayo, subsidiário do Mamoré ; e do S. com as
serras de Matto-Grosso, donde nesse mesmo parallelo brota o Buas
Pontes, cabeceira do Araguaya.
Do meridiano 36** descem as origens do Napo e do Cucncas^ e aos
4** 19, entram nos limites do oceano as aguas do Amasonas.
Tal região, sem elevações notáveis no terreno, seria um outro Sahara.
si sua posição geographica não o influenciasse maravilhosamente. Maury,
no seu opúsculo O Amasonas e as costas atlânticas da America do
Sul, explica o facto pela configuração dessa parte do novo continente :
immenso triangulo approximadamente rectângulo, cuja hypothenusa é a
costa do Pacifico, com quatro mil milhas, e que por lados tém do cabo
ã^Hom ao de S. Roque com trez mil e quinhentas milhas, e deste ao de
La Vela, na Colômbia, com duas mil e quinhentas. Voltados esses lados
um para NE. e o outro para SE., recebem os ventos geraes desses
rumos ; ventos que, passando atravez da immensa superficie do Atlântico,
carregam-se de seus vapores, e, engrossando as nuvens, vão deixal-as
cahir em chuvas, á medida que perpassam o continente até seus confins
no occidente. Ahi as nevadas cu miadas dos Andes condesam-lhe os úl-
timos vapores e os attrahem convertendo-os, com o degelo, em manan-
ciaes, na mesma época em que as chuvas torrenciaes despejam-se
diariamente na immensidão do valle.
« Não ha paiz tropical algum, diz o sábio hydrographo americano,
que tenha tão exactamente á barlavento tão dilatada extensão de mar,
na região dos ventos geraes. A costa atlântica dos Estados-Unidos, a da
China e a oriental da Nova HoUanda, correm no rumo dos ventos geraes
dessas regiões : portanto, esses ventos e as aguas que accarretam correra
parallelamente á terra : nem sopram perpendicularmente sobre ella, nem
levam-lhe para o interior os seus vapores. A costa oriental da Africa,
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AO RIO DE JANEIRO 325
guardando disposições análogas ás da America meridional^ não extende
seu barlavento, sobre uma massa de aguas tal, que dê vapores sufficientes
para alimentar grandes rios. Si os ventos geraes do SE. actuam per-
pendicularmente sobre a costa africana, quando o permittem as monções
do Oceano Indico, — não sopram durante todo o anno, como os da America
do Sul, e por isso não podem favorecer a Africa com metade das chuvas
que aquelle outro continente recebe. Os dous systemas de ventos geraes,
de NE. e SE. convergem e se encontrara entre o equador e o isthmo de
Darien. Nesse ponto ha sempre calma, e mais frequentes são as chuvas.»
Assim explica Maury a divisão das estações, nessas regiões setenlrio-
naes do continente sul americano, em duas bem assignaladas: a sêcca e a
chuvosa. « Não acontece o mesmo, accresccnta, no valle amasonico. Ahi
faz sempre um tempo agradável bem que sejam mais abundantes os
aguaceiros n'uns mezes do que nos outros, o que entretanto, é commum
á outros paizes.
« Seu clima á vista dessas razões deve ser o mais notável do mundo.»
E' o clima ^/onoM5 de Bate, que já familiarisado com as frisantes hy-
perboles dos povos hahlaãores, entre os quaes por algum tempo conviveu,
não achou termo mais adequado para expri nir as delicias desse clima.
IV
Si perante a scioiícia é de toda a probabilidade que um mar interno
existiu no coração da America Meridional, o qual por um desses cata-
clysmas enormes, hoje apenas ideados, foi substituído por altos relevos
do solo, que em seu solevantamento vazaram-lhe as aguas para o Atlântico ;
si é provável que o Madeira fosse uma das portas, por onde, após violentas
eversões geológicas, esse mediterrâneo viesse, irrompendo as terras, reu.
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32(> ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
nir-se ao oceano ; abrindo caminhos que mais tarde serviriam de trilho
iis novas correntes que se formaram, e por onde descem ota suave e bran-
damente, ora marulhando entre cachopos e parceis, ou despenhando-se
cm catadupas — até que um novo cataclysma llie reforme os cursos : pe-
rante a sciencia é facto inconcusso que o valle amasonico foi outr'ora,
coberto pelas aguas do Atlântico. Testifiearara-o Condamine, Humboldt,
Agassiz, e os Srs. Coutinho, Hartt e Derby, confirmando as revelações
que a própria natureza vae fazendo- A presença de milhões de foramineos
e de outros productos oceânicos, nas suas rochas de sedimento, onde quer
que tenham sido exploradas assignalam-lhe a existência entro limites
que parecem não exceder os de período cretáceo.
Talvez que mais de uma cx)mmoção tellurica passassem sobre essa
região ; e que antes de ser mar fosse alto continente que se afundasse cm
contraposição ao levantamento dos Andes; e que, depois de oceano, as
terras emergissem, e erguido o solo, guardasse apenas a altura sufficiente
para separar-se do mar.
Agassiz e o Dr. Coutinho verificaram depressões enornàes, produ-
zidas pela decomposição do gneiss.
Mais de estudo o a sciencia deixará o. tacto incontroverso : si enor-
mes sedimentos de turfa e hulha agglomeram-se na bacia do Marajó,
talvez que largas zonas carbonificas se aprofundem no seu solo.
Poucas, mui poucas montanhas, se elevam nesse valle,c essas mesmas
entre o rio Negro e o oceano. Na zona immensa ao occidente daquelle
rio nenhuma os cartographos consignam, entretanto â beira amasonas
erguem-se as de S. Paulo de Olivença. Na foz do Japorá, elevam-se as
serranias de Cupafy: e, já nos limites com a Nova Granada a do Apa--
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AO RIO DE JANEIRO :^2^
poris^ alta de 270 metros, é apenas um espigão da cordilheira AraetMra,
que o Guaupés atravessa.
Das que existem entre o rio Negro e o Atlântico, são principaes a
dos Parentins que se prolonga á direita do Jamundá, nos limites das
duas provindas senhoras do grande rio, serras que pertencem ao mesmo
systema das grandes serranias do Tapajoz na cordilheira do norte ; a do
Acaray nos limites da Guyana e as do Paru, que são contrafortes da
Tumucumaque.
Outras morrarias e pequenas serras apparecem á E. do rio Branco,
nas cabeceiras do Camamaú, Aruman, Varamá e Gurupatuba ; as do
Ererê^ Tajtiry e Juiaby.etv.
« Não ha exemplo, diz o illustrado Sr. Dr. Silva Coutinho (a), de
uma tão considerável denudação, superfice de trezentas e trinta léguas,
onde apparecem espalhados poucos picos sedimentarios, únicos represen-
tantes das rochas que a cobriram. »
A maior parte das suas collinas são argillosas, com bancadas de schisto
crystallino, ou gneiss contendo feldspatho, quartzo, mica ou hornblend. As
serras do Erere, em Monte Alogre, são de grés compacto, com estratifi-
cações horisontaes ; achando-se á dous terços de sua altura um banco de
jaspe côr de rosa. O mais alto de seus pincaros guarda o nome de
Agassiz^ dado em honra do sábio explorador, que tantas riquezas desco-
briu nessas regiões, pelo seu amigo e companheiro de trabalhos o Dr. Cou-
tinho. As rochas próximas são de grés estratificado e tenro, e argilla
violeta ou branca, finissima como a figulina.
Ao occidente de Santarém, apparecem os mesmos gneiss sedimentarios;
áquem da cachoeira de Tocantins bancos horisontaes de schisto argilloso
e jaspe, como os do Ererê, sobre massiços de grés. As rochas calcareas
(a) Dl-. Silva ÍVmtinho, offieios ao ministério da agricultura, inan;o <te lfl(»í».
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328 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
apparecem mais frequentes no Soliniões e seus affluentes. A iahaiinga
e as argillas marnosas formam grande parte das suas barrancas. Nos ar-
redores do Gurupy, próximo á Macapá, as collinas são de grés — com
bancos de schisto argilloso e jaspe; e lá já no oceano, a ilha de SanfAnna,
é uma coUina arenosa pertencente á formação amasonense, e qué ahi está
indicando ou o abaixamento da costa, ou a invasão do oceano (a).
Não ha paiz no mundo que guarde os foros de salubre si o esforço
3o homem não é sufficiente para destruir os eflFeitos das emanações que
ahi se accumulam. Si attendermos, ainda, que nos terrenos húmidos a
vegetação é mais pujante e que nas regiões equatoriaes a fermentação
mais rápida ; si verificarmos que nenhuma é, como esta, tão cortada de
aguas, tão sombreada por florestas, por assim dizer infinitas ; que está
situada na zona tórrida e que a sua população é nulla relativamente á
sua enorme amplitude : crer-se-ha, de boa mente, que a região amasonica
deve estar bem distante das boas condições de salubridade.
Entretanto, o contrario é a realidade. Si em alguns de seus aflBuen-
tes as febres intermittentes são endémicas ao declinar do verão ; si no
grande delta do rio o estuário do norte goza o conceito de insalubre ;
faz isso excepção á benignidade do clima dessas comarcas. Comprehen-
de-se bem o valor que tém os accidentes do terreno no regimen meteo-
rológico de um paiz. e por conseguinte o que influe sobre as condições
do clima. A ausência quasi completa de montanhas torna a aereação
fácil, contínua e benéfica : e si de um lado as correntes de vento carre-
gara e dispersam as emanações morbigenas que se elevam na atmosphera,
as grandes correntes de agua arrastam e dissolvem os detritos que as
deveriam produzir, e inutilisam esses laboratórios da peste. E si as flo-
restas^ tié certo ponto, Impedem as correntes aéreas, mais baixas, córn-
ea) Dr (' )utinho, officios no ministério íVagricultura, 186G.
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AO RIO DE JANEIRO 829
pensam esse mal com o beneficio que fazem, dispendendo, em largas
despezas, o oxygeno, destniindo o gaz acido carbónico purificando a
atmosphera.
« Em todas as regiões intertropicaes do globo, diz Maury, na índia,
na Africa occidental, na Nova Hollanda, na Polynesia, imperam as duas
estações. Durante a sêcca bem pouca ou nenhuma chuva cahe : exhau
rem-se as fontes, perecem os gados e os corpos mortos contaminam o ar.
Então succede apparecer naquellas praias o terrível mal da peste. Não
é, porém, assim, no valle amasonico. Âhi as chuvas ainda que copiosas
não cahem somente no espaço de poucos mezes, nem tem por comitiva
os terríveis tuC5es e turbilhões do vento, que se levantam, á cada mu-
dança de estação, na índia. Na America brandas e vivificantes chuvas
cahem em todos os mezes do anno e os ventos raro se enfurecem. Muitos
pensam que por estar situada essa região dentro dos trópicos tem clima
análogo ao dos outros paizes tropicaes, exemplo a índia. Mas, pelas razões
expost^is e por não haver monções ou outras causas que façam com que
o valle do Amasonas seja abrasado pela sêcca, em uma estação, ou
innundado pelas chuvas, na outra, como a índia de um lado e a Oreno-
quia do outro, — não existe outra semelhança entre os climas da índia
e do Amasonas mais do que a que existe entre os climas de Roma e de
Boston. E quem inferísse uma identidade de clima do facto de estarem
Boston e Roma sob a mesma latitude, não commetteria maior erro do
que quem julgasse eguaes os climas do Amasonas e da índia, por serem
ambos os paizes tropicaes.
« Ora, qual deve ser a condição de um paiz intertropical cujo solo
é regado por frequentes chuvas e onde não se experímenta a menor
sêcca abrasadora, durante séculos de perpetuo verão ? Sem duvida a da
fertilidade e salubridade : porque em clima semelhante tudo nasce, tudo
cresce rápida e promptamente. A* rápida producção e constante decom-
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330 ITINEBARIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
posição de matérias vegetaes por espaço de milhares de annos devem ter
enriquecido a superfície do paiz com camadas de terra vegetal. Com
eflfeito ahi a vegetação está em perpetua actividade e não ha intervallo
de repouso vegetal, porque assim que cahe uma folha e principia a apo-
drecer, vão nascendo outras folhas que lhe absorvem os gazes. Taes con-
dições fazem com que o clima do valle do Amasonas seja um dos mais
saudáveis e deliciosos do mundo. »
Tavares Bastos, o mallogrado estadista que tanto pugnou pela aber-
tura do Amasonas, teve por percursor o sábio tenente americano : ambos
levados pelo amor da pátria ; aquelle entrevendo nessa franquia a gran-
desa e prosperidade do seu Brasil, este o ensejo de poder o collosso do
norte deitar raizes e crescer nestas ubérrimas regiões, que chamaria á si.
Estabeleceram propaganda sobre a abertura ; profligaram o seu sequestro
por parte do Brasil, cujo comportamento compararam ao do cão do pa-
lheiro que nem come^ nem deixa os outros comer ; e Maury aventou a
ideia, sobre si os direitos do Império não estariam em risco de claudicar
pelo não uso. Estudou o assumpto como nenhum outro o fizera, e
com mão autorisada descreveu-lhe as riquezas e a grandeza que o porvir
lhe reserva, e as cadeias com que o prendiam a inércia, o egoísmo, a an-
ti-civilisação. O mallogrado alagoano reviveu-lhe as idéas em 1862 ; e á
sua propaganda deve-se em grande parte a franquia das aguas do grande
rio aos navios mercantes de todas as nações, do dia 7 de setembro de 1867
em diante (a).
Esse grande passo para a civilisação e engrandecimento dessas co-
marcas, parecendo o fructo de longo e amadurecido estudo e reflexão, não
;a^ Decreto de 7 de dezembro de 186(>.
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AO RIO DE JANEIRO 331
satisfaz, comtudo, as vistas do Brasil e do mundo. Abriu-se o Âmasonas,
mas continuou prohibida a navegação dos seus gigantes afluentes, com-
quanto o decreto de 7 de dezembro fallasse na abertura do Tocantins, do
Tapajoz, do Madeira, do rio Negro e do S. Francisco. Exceptuado o Ama-
sonas, cujo percurso foi libertado in limine, e o S. Francisco, ao qual foi
permittida a navegação em toda extensão ligada ao oceano ; a dos outros
foi um sophisma irrisório, visto que limitou-se quasi tão somente á nave-
gação das suas fozes.
Para melhor avaliar-se o pouco acerto dessa restricção basta recor-
rer-se á estatística aduaneira de Belém, antes e depois da liberdade de
navegação do grande rio : em 1848, 343 contos ; em 1853, 936 contos ;
1435 contos em 1854 ; 3109 contos em 1868 e perto de quatro mil, dez
annos depois !
Nessas rendas os productos extranhos ao reino vegetal entram apenas
como um decimo do valor total. São elles a manteiga de tartaruga, o
pirarucu, couros e pelleseichthyocollas. Outro decimo é para os productos
da cultura, arroz, assucar e algodão : o resto todo dá-o uberdade do solo
e a riqueza especial da sua flora.
Em 1 880, dos productos de exportação trez únicos, a gomma-elastica,
o cacau e a castanha, figuraram na exportação n'um valor de quasi
quinze mil contos (a). Outros productos, o cravo, a salsaparrilha, o pu-
chury, o arroz, o algodão, as madeiras de lei, etc, poderiam attingir
valores eguaes, si a industria se associasse á natureza, tão sorprendente
é sua riqueza, tão extraordinária sua fertilidade. « Desinçado dos selva-
gens e dos animaes ferozes, e sugeito á cultura, é ainda Maury quem o
diz, o paiz regado pelo Amasonas poderia sustentar com seus productos
(a) 14.642:6534880. Rei. do presidente o Sr. Dr. Gama e Abreu.
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332 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
a população inteira do globo. E' um paiz do arroz que ahi produz qua-
renta por um. Cinco mezes depois de plantado está em estado de colher-se;
o pôde ser plantado em qualquer época do anno. O lavrador que hoje
semear um alqueire daqui á cinco mezes recolherá quarenta. Semeando
esses quarenta, n'outros cinco mezes terá mil e seiscentos : isto é, em dez
mezes, apenas, de trabalho e cultura dessa terra é o augmento de mil e
mais por um. »
O milho dá de trez em trez mezes, e portanto dá quatro colheitas
por anno ; seu augmento é, pois, maravilhoso, podendo um alqueire
semeado produzir nesse curto espaço do tempo, que é o de uma colheita na
Europa, cem vezes mais !
As florestas em toda a sua pujança equatorial cobrem essas dilatadas
planicies, onde as silvas^ campos rasos, são relativamente poucos e pe-
quenos.
Infinda é a serie de productos de valor subido que pejam essas
selvas ; muitos delles únicos no mundo inteiro, muitos sem rivaes quando
confrontados com os das outras regiões.
Crescem-lhe, em todo o seu vigor e exuberância de seiva, as mais
rijas e preciosas madeiras de lei — para todos os misteres do industrial ;
e é somente nessas florestas soberbas que habitam lenhos da ordem do
muirapenima ou pau tartaruga (centrolohum paraensis)^ o pau marfim
(aspidosspertna eburnemj, e, o cumaru {ãipterix odorata), a mais rija ma-
deira que se conhece ; como também só nellas crescem a castanheira, o ca-
cau, o puchury, o umiry, as hevoeas e as syphonias. Nenhuma flora do globo
é mais favorecida em plantas de ornamentação e alimentícias ; como de
nenhuma recebe a medicina mais valioso tributo, em milhares de plantas
do mais subido valor therapeutico.
E' somente nesse valle que os rios regorgitam de tartarugas, artigo
que por si só tanto contribue para a boa alimentação dos povos, como
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AO RIO DE JANEIRO 333
para o augmento das rendas do Estado ; é somente nesses rios povoados
de ínanatm epliocornas, que abunda o melhor sueccdaneo do bacalhau,
o sudas gigas, pirarucu, o maior dos malacopterygios e digno hospede
do gigantesco rio.
E' essa a abençoada região do Amasonas, onde no dizer de Tavares
Bastos, o espectáculo da creação apura os sentimentos varonis do homem ;
onde a alma, enrugada pelos ventos frios da sociedade, se espande e rever-
dece ; onde a robustez do pensamento, que eleva-se contemplando, o
modera, acalma e fortifica : é essa a região encantada, a soberana do
mundo, na phrase de Hugo, em tempos não mui remotos ; a região em,
que mais cedo ou mais tarde, se ha de concentrar a civilisação do globo,
na opinião do Aristóteles moderno, Humboldt, o maior vulto da sciencia
no XIX século.
VI
Agassiz encontrou grande differença nos terrenos do alto e baixo
Amasonas. Aqui, a foz do Igarapé-granãe, que corta a extremidade SE.
da Marajó, é um genuino espécimen da formação geológica da região.
De ambos os lados do rio, em Soure e em Salvaterra, vê-se o grés bem
stratificado, sobre o qual repousa argilla finamente laminada e recoberta
de sua crosta vitrea ; sobre esta outra camada de grés ferruginoso de
stratificação torrencial, lardeado de seixos de quartzo, que seguem uma
stratificação mais ou menos bem accentuada ; e emfim quarta camada,
de argillas silicosa e ochracea, sem stratificações, estendida sobre a su-
perficie ondulada do grés, cujas ondulações segue e cujas erosões e de-
pressões atulha.
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'VM ITINERÁRIO DA CIDADE DK MATT(KiROSSf>
No Alto Amasonas, as ribas do Solimões são menos interessantes,
não só no que respeita á geologia, mas ainda quanto á flora regional. As
palmeiras já não são tão frequentes. As barrancas mostram-se corroídas
c gretadas em largas fendas : margas e calcareos mamosos, argillas de
todas as cores, argillas silicosas não stratificadas, são os terrenos de su-
perposição, cuja base invariável será o grés.
Não sei si Agassiz encontrou blocos erráticos nas suas excursões
nestas comarcas ; nem também si serão encontrados nas silvas^ os savanas
do Amasonas, nem entre as florestas do valle. Cita os blocos de diorito
do Ererê. O ouvidor Sampaio (a) falia nos seixos em pyramides hexago-
naes de crystal de rocha, e nos blucos innumeraveis que cobrem as serras
orientaes da Guyana brasileira — e os terrenos adjacentes. — O drift ver-
melho, tão commum em todo o Brasil, forma as collinas do Madeira, a
Jattiarama do rio Negro, do mesmo modo que as que apparecem entre
Santarém e Belém. Ainda as altas e vistosas collinas de Tahatinga
parecem da mesma formação. Os morros do Almeirim, tão especiaes na
sua conformação, e que o sábio professor de New-Cambridge descreve —
coupeés carrément à leur partie supérieure et que semblent avoir été ni-
velées au rabot et separées les unes des autres par des larges broches,
dont on aurait aussi taillé les côtés de manière à n y laisser aucune iné-
galité, — são de formação idêntica aos do Cupaty e Monte Alegre.
O valle amasonico é um verdadeiro horísonfe geognosiico, cujo fá-
cies caracteristico está nos terrenos cretáceos, em exposição nas barrancas
dos rios. Bochas mais ou menos friáveis e sugeitas á decomposição ; as
argillas e margas de todas as cores e granulações, os poudâings^ o grés
(a) Hrlanão geographica do rio Branco, pelo ouvidor Francisco Xavier Ribeiro
de Sampaio (Reo, do Inst. Hist.y tomo XXIV).
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AO RIO DE JANEIRO 335
em suas diversas apresentações, e emfim os schistos argillosos e talcosos,
marcam-lhe a edade geológica. O drift ricamente provido de huraus at-
testa a antiguidade dessas florestas, sempre novas e sempre as mesmas.
Si é certo o axioma dos antigos geólogos que caâa rio cava o seu
valle, os valles desta região são tão pouco pronunciados, e tão pouco in-
fluem como accidentes na configuração e nivel da vasta bacia, que forço-
samente se é obrigado á buscar-lhes, para origem, enorme massa de aguas,
que só e única occupasse-a toda e uniformemente fosse depositar em seu
fundo as matérias moveis, finas ou grosseiras, que suas ondas ou torrentes
trouxessem. Dahi essa uniforme egualdade no nivel, tão pouco accentuado
nos seus affastamentos do oceano ; dahi essa uniformidade na sedimenta-
ção das matérias clysmeas, do drift resultante do esphacello e tritura-
mento das rochas crystallinas, das rochas de transporte.
Havia então esse mediterrâneo amasonico. 4 Seria um lago ? Um
golpho como o do México, mais dilatado e mas amplo ; ou foi esse mesmo
oceano donde emergiu o grande araxá brasileiro, — cujo fundo, aqui, reer-
gueu-se também, mas pouco acima do nivel que as aguas guardavam?
^ Que explicação dar-se ao que se observa nas serras de Pacaraima
e Tumucumaque, cujas vertentes de N, e O., cobertas da mais esplendida
vegetação, formam um perfeito contraste com os flancos que olham para
a bacia amasonica, áridos, descai vados ?
Para Agassiz — que não encontrou o menor vestígio de origem ma-
rinha,— foi um immenso lago formado pelas aguas do degelo, no inverno
cósmico, em tempos em que a Amasonia se estendia até o meio do
Atlântico, e onde os rios que a banhavam e que hoje se lançam na costa,
desde o Pamahiba, iam juntar seus cabedaes aos do Amasonas.
Mais um passo e Amasonia não ficaria fora dos limites da
Atlantide de Platão; e a actual vegetação dos mares equatoriaes—
viria á ser os restos das gigantes florestas do continente submergido
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836 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
lianas gigantescas que se acclimaram no novo meio marinho e, transfor-
mando-se conforme as exigências do novo habifaf, converteram-se em
algas, em likens, em sargaços.
VII
E* berço do Araasonas o lago Lauri (a), e TungKragud o nome que
ahi recebe. Dá-se como em 1535 a data da sua descoberta. Pica esse lago
nos alpestres de Huanico-viejo^ na cordilheira andina, em latitude 10"
30' austral, na provincia de Junin, no Peru, cerca de duzentos kilometros
de Lima, e n'uma altitude de cinco mil quinhentos e sessenta metros
sobre o nivel do oceano (b). Sua extensão é de treze kilometros sobre trez
de largura. Herndon denomina o lago 3Iorococha, o lago pintado.
Como viu-se, desde quasi o parallelo 5° boreal, onde das gargantas
da Pacaraima descem as cabeceiras do Parima e do Mahú, até as vertentes
do Caximayo, formador do Mamoré, quasi na latitude de 20** austral, —
vém-lhe mil tributários á enriquecer-lhe as aguas.
Atravessa a America Meridional do occidente ao oriente n'um per-
curso talvez de sete mil kilometros, dos quaes quasi quatro mil em terri-
tório brasileiro. Unido ao Tocantins, abrem-se os dois no Atlântico n'uma
boca de cerca de trezentos kilometros de largura ; e seu cabedal, inter-
nando-se pelo oceano á dentro e repelindo-lhe as ondas salgadas, forma o
mar doce — de mais de duzentos kilometros de extensão.
Sua profundidade, como sua largura, guardam as proporções com o
avantajado de seu curso : aquella é na média de sessenta metros, havendo
logares de mais de trezentos ; esta attinge dimensões enormes no corpo
inferior do rio. Ha logares em que, semeado de ilhas, distam suas mar-
(a) Lcmri cocha ; cocha, quer dizer lago.
(b) 42G7 metros, segundo Castelnau.
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AO RIO DE JANEIRO 337
gens muilo mais de cem kilometros. Ainda com o nome de Tunguraguá,
em Jaen de Bracamoros, mede quatrocentos metros; ao receber o Huallaga
já marca seiscentos.
Sua navegação é franca para os maiores paquetes, do porte de naus
de linha — em quasi todo o seo curso navegável, que vae muito alem da
fronteira brasileira : as embarcações menores vão mil kilometros acima,
cerca de duzentos e cincoenta kilometros adiante do Huallaga. Seus
únicos empecilhos, e esses mesmos não difficeis de vencer-se, são as cor-
redeiras do Gusman e do Achial, n'um trajecto de uns trez kilometros,
e o pongo de Manseriché, a poria âo rio, desfilladeiro aberto na cordi-
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538 rriNERAMO da cidade db matto-grosso
Iheira, pelo qual o rio muito estreito e muito fundo desce precipite ii'um
canal de oito á nove kilometros, entre altas montanhas.
Seu systema fluvial presta-se á uma nave^ção franca por mais de
cincoenta mil kilometros em todos os tempos ; navegação que na força
das aguas pode elevar-se ao dobro.
Contam-se por milhares os kilometros que de livre percurso offere-
cem o Ucayali, o Purús, o Madeira, o Japoré, o Juruá, o Javary, o Jutahy
e os braços que á elles se prendem. No Purús Chandles navegou mil
quinhentos e oitenta e quatro milhas, e suppôe poder continuar-se
por egual trajecto durante as enchentes. O Huallaga é rio de novecentos
kilometros e o Tigrejacú, quasi desconhecido — deixa cortar suas aguas
em oitocentos e trinta kilometros. O Içá, o Napo, o Coary, o TeflFé, o La-
meria, até bem pouco não conhecido, são francos em ura trajecto de qui-
nhentos á seiscentos kilometros. O Morona dá quatrocentos e tantos, o
mesmo ou mais darão talvez ao Jamundá, o Trombeta, Gurubátuba, Urubu
coara, Uracapy, Paru e Jary, e outros cuja navegação até hoje quasi tem
sido despresada. O rio Negro e seu principal braço tem mais de oitocentos
kilometros, o Tapajoz trezentos e tantos e oAraguayae o Tocantins — mais
de mil e quinhentos cada um. Eeunam-se á esses os rios e furos que anas-
tomam-se nessa rede phenomenal, e sahe da esphera de apreciação a sua
navegabilidade, por não se poder calcular com o desconhecido.
Filho dos Andes, é notável a coincidência de serem aproximada-
mente da mesma extensão, ella, os serros altíssimos, elle, o rio gigante,
ambos no seu género — os mais extensos do mundo. E, agora, que me
chega ás mãos, á tempo de rever estas paginas na impressão, a narrativa
de um illustrado viajante, o Sr. cônsul Wiener, sobre o berço do rei dos
rios e as encantadoras regiões que elle devassa, seja-me licito aproveitar
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AO RIO DE JANEIRO 339
da sua valiosa descripção, transcrevendo-a. — « Tinha visto em 1876 o
lago Lauricocha, nas alturas do Huanico-viejo, berço do rei dos rios. Ahi
sob o céo inclenaente de Puna, vi sahir um delgado filete de agua de uma
Ma lagoa, e atravessar serpeiando a alta planície coberta de arbustos
definhados e murchos. Mais para o norte, vio-o sob o nome de Tungura-
guá, já torrente , fertilisando o ridente valle do Huantar. E via-o agora
no Pongo, no ultimo degjrau dessa gigantesca escada hydraulica, que
desce das alturas inhospitas de 5500 metros ã esses plainos exuberantes
de riquezas vegetaes ; e o rugido que me atordoava produziu-me o eflfeito
de um ultimo grito da juventude^ de um impeto de cólera contra o ultimo
obstáculo, de um clamor triumphal do vencedor que chega. A' algumas
centenas de metros mais para baixo, o Maranhão repousa^ em uma cor-
rente calma e poderosa, da sua carreira louca atravez das gargantas das
cordilheiras. Sua transparência tranquilla revela a profundidade do seu
leito, que nenhum rochedo obstruo. O selvagem montanhez fez esse racio-
cínio: sabe-se que ao vêl-o, pergunta-se: é mar ò non ? ; e sabe-se quQ
nohlesse ohlige.
« Lembrando-me ã quem devia a satisfação de ter chegado até este
ponto, limite actual do Amasonas navegável, inscrevi na carta que levan-
tamos dessa região, no ponto occidental extremo â que attingimos, o
nome de Ponta D, Pedro II. A distancia dahi a embocadura do Hual-
laga é de 250 kílometros. »
Nas suas margens vive immensidade de nações selvagens que o co-
nhecem por vários nomes. Chamam-o os tupis pardy rio-mar ; os jaguás
natmie^ os uerequenas nananu, ndhua os pebas, guapará os napeneanos,
e outros cunuris e guyena^ segundo o padre Christovam da Cunha e
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340 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
Ayres do Casal. Os civilisados — chamam-no berço Tunguragud, abaixo
do pongo de Manseriché, Maranhão até Tabatinga, dahi ao rio Negro So-
limões e dahi ao oceano Amazonas. Segundo o bispo D. Pr. Christovam
de Lisboa, o nome Maranhão foi geral ao rio, e devido á um hespanhol
de nome Maranon que o navegara desde o Peru (a) ; entretanto, sabe-se,
que á foz do rio existiu uma nação de nome marahánm, donde muito
bem podia proceder o nome (b).
Outros, e com elles Southey, o sisudo historiador, conservaram-
Ihe o nome de Orelhana, em honra de seu primeiro e audaz descobridor
e navegador, o qual, por sua vez, foi quem deu-lhe o de Amasonas, porque
é geralmente conhecido.
Junto á Jaen de Bracamoros recebe ao norte o Chinchipe e ao S.
o Caxapoya, os primeiros de seus affluentes, e ahi com barra quasi egual,
na largura á do Tunguraguá. Aos 4^ 13' 21'' latit. austral, e 69* 55' de
longitude de Greenwich (a), entra na fronteira brasileira, era Tabatinga,
e vae lançar-se no Atlântico entre V N, e 12' sul, isto é, desde o cabo
do Norte até o cabo Maguary. Até 33'' de parallelo sul, na ponta fron-
teira aos baixos da Tigioca, descem as aguas do grande estuário formado
por elle c o Tocantins ; e avança para o oriente até o meridiano 4^ 19' ;
apresentando esse estuário uma boca de trez graus de extensão, em rumo
NO. SE.
(a) Relação si*nvniaria das gousíis do Maranhão^ 1624.
(b) " No rio Araticum está uma nova villa com o nome de Oeiras e antes chama-
va-se a missão de Areticá. Está situada quasi na foz do rio, e perto deste, com uma
bella planice. Compõe-se de índios de varias nações, como nhengaybas, da sua
primeira fundação, guayanazes, maràhánus e outros, n
— Thesouro descoberto no rio AmasonaSy part 2», cap. XXI (Rev. do Inst. Hist.y
tomo III, pag. 429).
(a) Commissâo de limites com o Peru, 186<», da qual era chefe o actual chefe de
divisão conselheiro José da Gosta e Azevedo.
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AO RIO DE JANBIRO . 341
VIII
Si não está bem averiguado quem fosse o descobridor do Amasqnas,
que António Galvão (a) faz já conhecido no anno de 1499, é incontroverso
que foram os irmãos Pinzon quem descobriram-lhe a foz, em janeiro
de 1500, ao cortarem suas aguas do Maranhão para o norte, ás quaes
deram o nome apropriado de mar doce, admirados da extensão que ellas
occupavam ; do mesmo modo que á Orelhana cabe a gloria da descoberta
do alto curso do rio e de toda a sua navegação.
Orelhana desceu de Quito pelo Napo, á mandado de Gonsalo
Pisarro, irmão do destruidor do Peru, em busca do Eldorado de Manoa.
Desceu em dezembro de 1539 ; e levado pela sede de ouro, tão intensa
nesses tempos, achou melhor desobedecer ás ordens do seu chefe ; e, to-
mando sobre si os empenhos de uma nova excursão, já não buscou o lago
Parime do Eldorado, no rio Branco ; cujos montes, segundo Gomilla, o
superior das missões do Orenoco, eram de ouro, como também o eram os
moveis e utencis das casas da opulentíssima e soberba capital do
dourado.
Antes de Orelhana, querem alguns que o navegassem Ordas, Quisada
e Berrio, vindos estes da Nova Granada e aquelle de Quito, onde obtivera
de Carlos V o privilegio da exploração exclusiva do Eldorado ; e depois
Lopo d'Aguirre, o assassino de Orsúa e de Peman de Gusmão, aquelle seu
chefe e o outro seu rei, que como tal o acclamaram Aguirre e seus
seguazes apoz o assassinato de Orsúa.
Quasi um século mais tarde desceu ainda de Quito João de Palácios
até a foz do Napo, onde abandonado, pela maior parte dos homens do seu
séquito, desceu o Amasonas apenas acompanhado de dous donaios, ou reli-
(a) Desoobrimsntos do Afarwia— Berredo, AnT%aes ffist. do Maranhão.
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342 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
giosos leigos. Abaixo do rio Negro mataram-o os aborígenes ; e somente
aquelles dous homens e seis soldados alcançaram Belém, onde governara,
por morte do capitáo-general Francisco Coelho de Carvalho, Jacomo Ray-
mundo de Noronha, provedor da fazenda real, que os agasalhou obsequio-
samente e providenciou para uma nova expedição. Foi então que subiu o
famigerado Pedro Teixeira. Seguiam-o Pedro Bayão de Abreu, Pedro da
Costa Favella, Bento Rodrigues de Oliveira e Bento de Mattos Cotrim, e
com elles setenta soldados e novecentos Índios. Sahiram de Belém á 8 de
oitubro de 1637 e foram chegar á Payamina em 15 de agosto se-
guinte : dahi trilharam por terra para Quito, onde foram recebidos com
as maiores honras, pelo conde de Chinchou, vice-rei do Estado, á 20 de
oitubro.
Portugal estava então sobre o dominio de Felippe IV, e todos eram
hespanhoes. Regressou Teixeira acompanhado de dous sábios religiosos,
o reitor de Cuenca Christovam d^Acunha e André d'Artieda, professor
de theologia de Quito ; e em 12 de dezembro de 1839 aportava â Belem.
Na embocadura do Napo, Teixeira fez erguer um padrão de madeira.
A fama do Eldorado assombrou a Europa, desde o fim de XVI sé-
culo ; e os aventureiros de todas as nações buscaram-o. Da Hespanha
vieram Pedro da Silva, cora três navios, e Serpa; ambos naufragaram nas
bocas do Orenoco. Por muitos annos Raleygh buscava suas riquezas como
explorador e como corsário ; nessa lida perdeu um filho e mais tarde a
cabeça, pedida pela Hespanha á Jacques I. Mais tarde o hoUandez
Horstman, em 1741, subiu de Paramaribo e veiu pelo rio Branco aportar
ã Belém. N*outra direcção, tomando o Xingu, subira um século antes o
padre Roque Hunderpfundf, também hollandez (a) ; e em 1695 outros
da mesma nação estabeleceram auas feitorias na Marin-assu, a grande
cidade, como as denominava a admiração dos tupinambás.
(a) MeUo Moraes, Gorogr, Hist.,t. III.
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ÁO RIO DE JANEIRO 349
Apezar das explorações, foi esse rio por muito tempo pouco conhe-
cido. Sabia-se apenas seu curso, a riqueza vegetal de suas margens e de
seus affluentes, e mais nada. Sua própria origem, que desde 1535 foi
descoberta no Lauricocha, ha bera poucos annos ainda passava por duvi-
dosa. Os governos trancavam-lhe a navegação aos seus próprios naturaes.
Felippe IV mandou queimar os relatórios de Christovam d^Acunha para
não servirem de guia de navegação aos portuguezes. O governo de Por-
tugal mandava prender um certo Mr. de Humboldt, si, por acaso,
entrasse em territórios do Brasil ; o Brasil conservou-o fechado até 1867,
e ainda tem defesa a navegação dos seus tributários.
Os primeiros mappas topographicos onde appareceu o Amasonas
foram os de Simão d^Abbeville em 1656. Seguiram-lhe os de Pritz, Gui-
lherme Derisle (1703) e já mais correctos os de Condamine em 1745, e de
Pedro Pascar em 1780. Nesse século vários geographos portuguezes reco-
nheceram e levantaram cartas de parte de seu curso e do de seus affluentes;
entre outros, citarei : o mappa do Tocantins, de 1743, por António Luiz
Tavares ; o de 1750, cirta hydrographica dos grandes rios da America
Portugueza, de José Gonçalves da Fonseca; em 1775, a de Thomaz de Souza
ajudante de ordens do governo de Goyaz, e as de Felippe Sturm, dos
rios Branco e Negro, em 1780; varias do capitão Joaquim José Ferreira,
de Euzebio Eibeiro e do ten^te-coronel José Simões de Carvalho ; e no
fim do século as de Ricardo Franco e José Joaquim Ferreira, e as do-
major José Joaqiiim Victorio da Costa. Neste século muitos e excellentes
trabalhos tem sido feitos nesse sentido.
Innumeros são os tributários do Amasonas, muitos dos quaes ainda
completamente desconhecidos ; pelo seu cabedal de aguas, a maior parte
guarda primazia ou enfileira-se entre os de mais vulto dos do antigo
mundo.
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344 ITINERÁRIO DA CIDADE DK MATTO-QR0880
Sendo impossível referil-os todos cita-se, apenas, os mais conhecidos
e de maior importância actual ; á margem esquerda : Morona, Pastaza,
Tigre- jacu, Xambira, Napo, Içá, Japurá, rio Negro, Urubu, ou Jatapú,
Jacundá, Trombetas, Gurupatuba, Urubucoara, Paru, Jary e Anarapucú ;
e á direita : Huallaga, Lameria, Ucayali, Jamary, Jutahy, Juruá, Teffé,
Coary, Punis, Madeira, Tapajoz e Xingu.
IX
!.• Chinchtpe e Pauta sáo os primeiros afBuentes conhecidos,
mas o Santiago é o primeiro dos de mais consideração que o Ama-
sonas recebe á margem esquerda. Nasce nas visinhanças de Cuenca e
lança-se no Tunguraguá por uma boca de quatrocentos metros de largo,
quatrocentos e oitenta kilometros abaixo de Jaen do Bracamoros.
2.'' O Mortona. Nasce nas proximidades do vulcão Sangahi ; poucos
affluentes recebe e divide-se, á meio de seu curso, em dous grandes braços
que ahi fazem uma ilha. Extensas planícies formam-lhe as margens,
onde é grande a abundância de pau-marfim. £' navegável por quatro-
centos e dez kilometros, desde junto ás cordilheiras, onde uma rocha o
corta de margem á margem. Sua largura regula em cem metros e a pro-
fundidade varia de quatro, na sêcca, á treze e meio na estação das chuvas.
Séu canal navegável conserva uma largura de quinze á vinte metros.
Segundo o Sr. Wiener, communica-se com o Santiago por um canal
natural : o limiar de pedras que barra-lhe a passagem no limite da
navegação é granítiforme e longo de trinta metros. Acima desse obstá-
culo ha navegação até o Mangoesia^ dez kilometros abaixo do porto de
Maças e umas cincoenta léguas distante de Quito.
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AO RIO DB JANEIRO 345
3." O Pasiaza, nasce ao norte daquelle vulcão. Sua largura é ex-
traordinária, excedendo ás vezes á dois kilonietros. Divide-se em uma
infinidade de braços e canaes, á semelhança do Japurá ou do Taquary,
no Paraguay, os quaes, anastomosando-se em terras pouco resistentes,
conservam de alguma sorte uma innundação perene. O leito do rio é
formado de argilla finíssima e movei, o que muda á cada passo o seu
canal, diffieultando-lhe a navegação. Segundo o Sr. Wiener, que só lo-
grou subil-o desoito kilometros, uma secção longitudinal do seu talweg
representará uma seríe de lagos profundos, separados apenas por cachoei-
rinhas de quarenta e cincoenta centimetros de largura. Lança-se dose
hilometros abaixo do Morona por três bocas, das quaes a principal tem
mais de oitocentos metros (a).
Por elle desceu em 1743 Pedro de Maldonado, vindo de Quito,
para acompanhar La Condamine.
4.* O Tigreyacú^ ou rio do Tigre, é uma grande e volumosa corrente
que esse illustrado viajante percorreu na extensão de oitocentos e trinta
kilometros, n'um canal de dez á trinta metros de largo e trez á vinte e
seis de fundo. Suas margens, opulentas dessa vegetação regional, abunda
também no pau-marfim, pu xury e no hmâd, a noz-moscada do Pará,
5." O Xambira, vém, como o Tigre e o Napó, das quebradas orien-
taes dos Andes. £' volumoso em aguas, navegável por mais de duzentos
kilometros, apezar de mui tortuoso pelo accidentado da região. O
Sr. Wiener navegou-o em cento e setenta e um kilometros, n'um canal
maior de seis metros de largo e de fundo.
(a) DescripçSo Geographica do femoBorio das Amazonas. Cor, fíist,, t. 2».
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346 ITINEKARIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
6.* O Napó, ou Napo. Suas cabeceiras formam-se na famosa região
vulcânica da cordilheira, onde se elevam os altíssimos picos de Pichincha
e Antísana, Cotopaxi e Cbimboraso ; corre por mais de mil e duzentos
kilometros, com a largura média de cem á quinhentos metros. Já vapores
o tém percorrido em mais de seiscentos kilometros até o porto de Napo^
duzentos e cincoenta kilometros distante de Quito. Sua historia prende-se
de perto á do Amasonas, sendo por elle que desceram os primeiros des-
cobridores do rio- mar. Antes de sua foz cahem no Amasonas dous outros
rios, o Nanahi e o Caciquy^ relativamente de somenos importância.
7.* O Içá^ ou Putumayo, nome que lhe dão no Equador, é corrente
ainda maior do que o Napó, vinda desde o parallelo 2'' 30' boreal das
quebradas andinas nas visinhanças de Pasto : e com perto de mil e quar
trocentos kilometros lança-se no Amasonas aos 3* O' S, e quasi no meri-
diano 24* 50' ao occidente do Eio de Janeiro. Communica-se com o Japurá
pelo Periãá e Puretís^ braços, este antes, e aquelle depois do seu terreno
encachoeirado. Offerece navegação em mais de duzentos kilometros. São
seus principaes afBuentes,á esquerda: Pipitarí,Jurupari,Pimary, Icote^
Miuhiy VpiJiij Laeauhij Çutvié, Mamoreá eJapacorá;e á direita:
Jaguárilhaj Itiii, Acheii^ Itué ou Uiuá^ Puruitd e Jacurapá. Nesses
últimos annos sua navegação tem sido mui seguida, sendo iniciada pelo
commerciante columbiano Seyes, infelizmente já fallecido.
8.** O Japurá desce das cordilheiras da Colômbia em contravertentes
com o Magãalenãj na província de Mejôa. Vém encachoeirado por mais
de metade do seu curso, mas offerece boa navegação por quasi mil kilo-
metros. Lá na região das planícies infindas, campos geraes da Cruyanaj
ou silvas^ communica-se com o Orinoco por um braço que vae ao Ouon
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AO RIO DE JANEIRO 347
viar€y por onde, em 1541, passou-se Felippe D'utre ao Orinoco, também
era busca do Eldorado (a); ao rio Negro pelos seus afDuentes Marajá,
Paapuá^ Mamorité^ Tararirá e Apaporis^ talvez os canaes Maroti-pa-
ranú, Amanu-paraná, Pereús, Veya e Apaporis dos antigos. No tempo
das aguas forma ao despejar-se no Amasonas um vasto estuário
quasi idêntico ao do Xarayés ; na estação sêcca, ficam nesse estuário nove
cursos, que uns suppôem outras tantas bocas do Japurá. Entretanto está
reconhecido que as trez mais occidentaes Avati-paraná^ Manhania e
Guararapú são braços do Amasonas que ao Japurá vão levar as aguas
esbranquiçadas, tão differentes das deste rio ; que duas outras, Ihiràbyha
e Cuâajaz^ são desaguadouros de grandes lagos,e que trez outros são furos
do Amasonas,os quaes somente á meia enchente podem reunir suas aguas
com as do Japurá. Resta-lhe a ultima, e a verdadeira, que com o seu
nome fica em meio dessas outras, que si todas fossem delle constituiriam
o seu delta o maior do mundo, tendo por base um trecho de mais de
seiscentos kilometros. O lago Ctidajaz^ um dos maiores da provinda,
reúne o Amasonas ao rio Negro, por um outro braço o Jahú, que nelle
tem nascimento. Ainda o Japurá reune-se ao Uaupés, ou Guaupés, pelo
Pururé-paraná^ e com o rio Negro pelo Apaporis e Pimpud. Em seu
curso superior recebe o nome de Caqtietd, com que é conhecido dos his-
pano-araericanos. Grande numero de subsidiários lhe chegam em ambas
as margens, sendo mais notáveis : á esquerda. Fragua^ Cahuan^ de no-
vecentos kilometros e que recebe agua do Cahuansito, á direita, e Aparos,
Peja e Pareó, à esquerda; o Pajajd^ Amanu-paraná^ Uacapú-paraná,
Cumiáre ou rio dos Enganos, assim chamado pelos propositaes trope-
ços que D. José Requena Herrera, commissario hespanhol, encontrou
para a demarcação da linha limitrophe que do rio Japurá devia ir ao rio
(a; o qual, segundo (Jomilla, foi o que mais perto lhe chegou.— Ribeiro de
Sampaio,
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348 ihnbbario da cidade db MATTO-eKoeso
Negro, e que devia ser por aquelle ; e tão enganado ficou, que logrou en-
ganar o commissario portuguez Constantino de Chermont : o Camiare
recebe o Messae, que é formado pelos CunJiari, Amon^ Yaisa e Jtufia:
Sauhá; Jacu ; Jurm ; Iraparanna ; Apaporis, o primeiro de seus
affluentes abaixo das Cachoeiras, formado pelo Cananari, Ibirá-paraná,
Uça-paraná, Pirá e Tarahira, este de mais de quatrocentos kilometros, e
que é uma das divisórias do Império ; Mamoreiá ; Puapuá ; Cumary ;
Jahy e Maráhá^ etc. : e â direita, Picudo ; Jacaré; Ipu; Xarupéj
Cunacod, Muium^ que se communica pelo Peridd com o Içá; Cauináre ;
Arapd; Curt4Céo; Purcús ; Yaumerim\ Yamiaçú] Itaudj etc.
9.* O rio Negroy também chamado Quiary^ Gurigua-curú^
Uruna(dL) Guaraná Guasama e Ueneassú^ acima das Cachoeiras, é um
dos principaes tributários do Amasonas ; nasce em Popayan, nos vastos
llanos ou silvas do Âraino, no parallelo 2'* N., donde também derivam as
aguas do Guaupés ; mas desde já o parallelo 5" N.,que descem as primei-
ras cabeceiras do Parima e do Surumô^ formadoras do Uraricoera e do
Tacutu, confluentes do rio Branco. Sua extensão é maior de três mil
kilometros, e é um dos rios mais largos. Entra no Amasonas por quatro
barras, das quaes a mais ampla é de dous kilometros de boca ; mas, suas
aguas represadas pelas do grande rio, logo acima da foz, espraiam-se em
seis á oito kilometros, e mais adiante tomam a extraordinária largura de
talvez, cincoenta kilometros. Essa confluência é nos parallelos 3* 00'
S., 16° 53\ O. Rio de Janeiro. Sua côr no alveo é negra de tinta de es-
crever ; n'um vaso de crystal toma a da infusão forte do chá.
Innumeros são os seus afDuentes, entre os quaes dous do primeira
urdem, o Guaupés e o rio Branco.
(a) Christovain d'Acunha diz que assim o deaominam os tupinaii|bás«
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AO mo DE JANEIRO 349
O Guaupés, também chamado Ucayari^ é rio caudaloso, e muito
encachoeirado ; lança-se no rio Negro sessenta kilometros acima do forte
de S. Gabriel, cortando o equador as aguas de sua barra, aos 24° 56' de
long. O. Suppõe-se que também tém communicação á canal com o
Guaviare. Eecebe pela direita os rios Tenari, Unhunhan, Puruepa-
raná, Javarituinde, Musae, Jucari^ Capuri, Japu e Tequié, e pela
esquerda Muasd, Buritasá^ Perixasehne, Iriary, Foi explorado, em
1784, pelo coronel Manoel da Gama Lobo d' Almada, até o Tenari.
O rio Branco, também chamado Quecehuene, Paraviana, Ura-
ricoera^ do nome do seu principal braço, toma o porque é conhecido ao
confluírem o Uraricoera com o Tacutu aos 3** 1' (a)-^., seiscentos ki-
lometros, pouco mais ou menos,da foz no rio Negro, que fica aos 19* O' 5'
O e 1* 28' 5. Seu curso éde setecentos kilometros. Entra também por
quatro bocas no Rio Negro, entre os parallelos V 2' e 2* 50' N. (b).
A' duzentos kilometros de sua foz acabam-se as florestas e começam
as silvas.
Com o nome de Uraricoera recebe á direira o Uaricapara,que recebe
o Curieu ; Idmne, onde em 1776 os hespanhoes estabeleceram um forte,
pouco depois tomado pelos portuguezes ; Majari e Perime ou Parinhá,
ou Paitilij celebre por ser em suas fontes, que os antigos e mesmos mo-
dernos visionários coUocam a fabulosa lagoa do Eldorado ; e á direita o
Avaris, Catatiché e Azeneca, além dos ribeirões Canarajmrã, Canta-
rahid^ Caia-caia (Cada-cada dos hespanhoes, que o povoaram em 1756,
quando de ordem do governador da Guyana castelhana D. Manoel Cen-
turion, Juan Marcos Zapata veiu em busca do Eldorado); e Sererè, todos
da margem direita: e Maupamare^ Camú^ Perre e Trtuiré, á esquerda.
(a) E SIC»^ 56* long. do meridiano occ. da ilha do Ferro [Descripção relativa
no Rio Bra>ioo e s^n tírritoriOf pelo coronel Manoel da Gama Lobo d* Almada, 1787.)
(b)E814o íil*-Item.
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350 ITINERÁRIO DÁ CIDADE DB MATT0-GR0S80
O Tacutu nasce nas vastas silvas onde tem origens o Bepunúre^
braço do Ecequibo, mais ou menos na latitude de 2* N. ; dirige-se para
o setentriào até receber o Mahi ao 3** 30' ; antes recebe o Pirarucuy e o
Pirarara; e depois o Surumô(a), cujas cabeceiras sào o ponto da mais
alta latitude do Império, todos na margem direita : e na esquerda
somente o Guaruahú.
Reunidos o Uraricoera com o Tacutu, vém engrossar agora o rio
Branco os seguintes affluentes : á direita Ucaire, Cauamé^ Mariaúne^
Mucajahiy Icuparand, Jarani, Gerumô^ Mucipau^ Corahirimani e
Severihuine ; e pela esquerda, Gtuinanahú, Eneuheni, Curmcú^ Merur
cuhene e Macoaré.
O tronco principal do rio Negro recebe innumeros subsidiários,
além desses citados, taes como : á direita, Napiãre, Jaripuna, Me-
maohy^ Itacapú, Aquié^ Toino, Ixié^ Içana, rio caudaloso navegá-
vel por quasi trezentos kilom.,e que recebe á esquerda o Iquiari, formado
pelo Guachaú, e à direita o Amanani e Cajari, Macuamina, Baruri^
Cumaru, Coarú^ Coniahú^ Coriana^ Cobati^ Marihé, Iruyá,
Maimaij Majuliixi^ Xiuord^ Uenenexi ou Inuixi^ onde foram os
principies de Barcellos com a aldeia Camanãri^ depois Marituí ; Ajuano
ou Guaiunano ; Uruhaixi^ Mala, Malique, Xibaro, Uerere ou Ua-
rirá, Gtiatanari Cabory, o segundo dos estabelecimentos portuguezes
no Alto Amasonas, feito pelo sargento Guilherme Valente ; Canapé^
Vrupé^ Xiborena e Jahu^ etc. : e á esquerda Coruochiie, Tiriquire ;
S. Carlos^ Daribo^ Enexi^ Uniana^ Matihahi, Demittiy Buturúy
(a) Surumú, como também Mahú e Gerumà etc,. sendo muito commum nos
povos do Pará a troca do ò grave, não sendo final, pelo t* e vice-versa , dizendo :
o«rtúa,pi*p<^, proa, cwcoí, por canoa, popa, proa, cocos etc., e foro, borro por furo,
burro. etc.
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AO RIO DK JANEIRO 351
Cauá OU Caubabuy, que communica-se com o Cassiquiare seguidamente
pelos rios Matticardj Umarinmihy, Berihá e Bacimone^ Imuid,
Inahú, Marauhiá, Jaruri^ Uniu ou Imieuhy, Bonité, Darahá,
Ambori, Hihiahd, Pahauhire, rio volumoso, formado entre outros pelo
Marari e Ixiémerim ; Bararé, Guanapixi, Guaracá^ que recebe o
Demenene, Bulihuhi^ Guapire, Mapahdo, Curení, Canaman e
Anavilhana, etc.
Communica-se c rio Negro com o Japurá por seus aflBuentes Uru-
baixi, Unuene, Marihé em tempos de enchente, e Tararaira, que váo
unir-se aos do Japorá, Marajá, Puapuá, Mamorité e Apaporis. Já de ha
muito são esses canaes conhecidos, e os antigos ainda tinham como taes
o Xiurá e o próprio Guaupés. Com o Orinoco une-se também, pelos
Hiniuhine, Sumitéj Itacapu^ Hueniriddj Auiare, canaes ou braços entre
os dous rios ; e ainda em 1789 o engenheiro, coronel Dr. José Simões de
Carvalho, descobriu um outro acima do Guaupés. O Cassiquiare é um
grande canal, ou antes rio, que leva as aguas do Negro ao Orinoco. A pri-
meira noticia delle parece que foi levada á Barcellos por um soldado
desertor, Aleixo António, em junho de 1781, segundo se deprehende da
carta topographica, com o titulo : — « Demonstração das Povoações de
hespanhoes que consta axarem-se estabelecidas na parte superior do Bio
Negro e no canal de Cachequiary, pello qual se lhe commonica o Orinoco,
segundo as noticias em junho de 1781, conceguidas do soldado portuguez
Aleixo António que por aquelles destrictos alguns annos desertado an-
dou » — ; carta que existe no archivo militar.
10.* O Trombetas ou Ormmíwa,nascido nas serras limitrophes com
a Guiana. Sen curso, pouco conhecido, é calculado em seiscentos kilome-
tros. Recebe as aguas do Jamundd^ ou Nhamundá, cento e setenta e
cinco léguas acima da foz do cabo do Norte pelo curso doAmasonas;
nasce nas serras de Tumucumaque aos 2" 16' AS'.e 13*8' O.Este é o limite
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352 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
oriental, ao norte, do grande rio, com a provinda do Pará ; for-
mosa corrente, cercada de graciosos lagos e formosíssimas praias, e bor-
dada á direita pelas serras que são prolongamento das dos Parentins na
margem meridional do Amasonas.
Em frente á ilha Capixauramonha elevam-se os picos do Deâàl e do
Copo. Esse rio é celebre por partir delle a fabula que deu o nome ao
rio-mar.
Antes delle desaguam, na mesma margem, o Burururú, nome mo-
dernamente modificado em Urubu, e que é um desaguadouro dos grandes
lagos dessa região, e o Guatumá ou Ataman, rio caudaloso, porém
ainda desconhecido.
11.° O Uruhucoara^ nascido na Serra Velha, e antes de lançar-se
no Amasonas espraiando-se no lago de seu mesmo nome.
12.° O Parí/,nascido nas mesmas serras e cujas margens passam por
auríferas. Seu curso é avaliado em mais de quinhentos kilometros.
13.* O Jary, reputado ainda maior que o Paru, tem suas vertentes
nas serras de Tumucumaque,
14.' E oAnarapucu, da mesma origem,com curso idêntico, já perce-
bendo em sua foz a salsugem das aguas do oceano, e, como todos os mais
áquem do rio Negro, quasi completamente desconhecido.
X
Os principaes afBuentes do Amasona8,tanto á direita como á esquerda,
apparecem somente abaixo do pongo de Manseriché, a maior, para
não dizer a única difficuldade para a completa navegação do rio. Consiste
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AO mo DB JANEIBO 358
esssL paria do rio em uma espécie de corredor de vinte á cincoenta metros
de largo e extenso de nove á dez kilometros,caIçado de rocha e aberto na
cordilheira, cujas faces abruptas si elevam á mais de cem metros : nelle
desce o rio quasi sempre n'uma corredeira encachoeirada e como que por
degraus, e com uma velocidade tal que> se não fosse o nimio cuidado da
sua navegação, poderia, talvez, ser vencida em um quarto de hora.
Tal foi a viagem que em 1762 fez D. José de Itiurre, vindo de
Quito (a); a que em 1743 fez La Condamine, e em 1859 o bispo de Car
chapoya ; e tal a que continuamente fazem os indios dessa região.
Diz o Sr. Wiener que as aguas ahi se precipitam com tanta força,
que seiscentos metros rio abaixo não se encontram terrenos moveis e sim
rochas graníticas, que fazem o rio mudar de rumo em quasi angulo recto,
na ponta que o viajante assignalou com o nome de D. Pedro U.
Descreve o ponto como um dos mais magestosos á vista. A cor-
dilheira abre-se ahi n'uma garganta de mais de cento e dez metros
de altura, de rochas verticaes, por entre as quaes o Maranhão se preci-
pita com medonho ruido.
Dista o pongo trez kilometros, apenas, abaixo da boca do Santiago.
1.* O Huallagd^ ou Gualagá, é o primeiro dos grandes affluentes me-
ridionaes do Amasonas, de quem é visinho no berço. Nasce na província
de Junin, no Peru, nas vertentes orientaes dos Andes, perto da povoação
de Huanico-viejo, cujo nome toma emquanto corre no rumo setentrional;
quebra-se para E.^ até Muna, e dahi, com o nome de Huallaga, toma de
novo a direcção do N. W navegável em todo o anno por embarcações
grandes até o povo de Lagutia, á trinta kilometros da sua foz, e mais
(a) Viagem e visita do sertão em o bispado do Grão-Pará, em 1762 e 1763, pelo
bispo D. Fr. João de S. José. Rev. do Inst, Hist., tomo IX.
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354 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
duzentos e vinte kilometros na estação das aguas, até Yurimaguas. Deste
ponto ainda podem ir canoas á Tingo-María, já nas espaldas da cordi-
lheira. Descreveu-o o Sr. Wiener como um immenso rio, do qual per-
correu em seis dias mais de duzentos kilometros n'uma lancha á vapor ;
passa por ser navegável mais de trezentos. Tem por affluentes o Asprena^
o Mayo ou Mayobamba e o Faranupúra^ que se faz notável pela ra-
pidez de oscillação do seu nivel, para o qual aquelle viajante verificou,
em meia hora de tempo, altas e baixas de meio metro.
Seus arredores são teiTenos salitrados, tão ricos de sal que, diz
Baimond (memoria annexa á Geogmphia de Paz Soldan) « seriem suffi-
cientes para o abastecimento de toda a America. »
2.° O Lameria, entre o Huallagá e o Ucayali, indicado pela pri-
meira vez pelo Sr. Wiener, não tendo até agora figurado em carta
alguma. Origina-se n'um grande lago, e recebe as aguas de varias grandes
lagoas em ambas as margens. O viajante francez navegou-o perto de
quatrocentos kilometros, e ainda mais de um cento nos tributários. As
florestas de suas margens abundam em hevceas.
3.** O Ucayali ou Paru, também chamado Velho Maranhão^ por
ter sido por muito tempo reputado o verdadeiro curso superior do Ama-
sonas, é um grande rio, cujas origens estão nas montanhas de Sica-Sica^
com as cabeceiras do Apurimac^ perto do parallelo IS**. E' navegável
por mais de mil kilometros. São seus principaes braços o SanfAnna ou
Urubamba, nascido nas proximidades de Agtm Calienfe, ao sul de Cusco.
Recebe o Mamáro, o Jamatille e o Camiaca ; o Apurímac^ que tem por
aflBuentes o grande rio Tambo, o Pongoa e o Porene ; o Pachilea^ que
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AO RIO DE JANEIRO 855
recebe o Mayro e o Sapotea ; e muitos outros de menor curso e volume,
entre os quaes Camaryuguas, Coniguate^ Sampoyo^ Particáurba^ Caco,
Manipàhoro, Xarancary, e o Sanonia. Cerca de quatrocentos kilometros,
acima de sua foz, lança um braço, o Pirituã, longo de uns cento e dez
kilometros. Este e os grandes aífluentes offerecem grandes trechos á na-
vegação.
Castelnau percorreu-o em 1846 : dá-lhe mil e quarenta milhas de
navegação, que diz. fácil, salvando a Volta ão Diaho e outras corredeiras
ou os legares onde o rio baixa á trez pés de altura.
4.** O Javary, ou Hiaury, nasce noparallelo T* V 15",5 S. SV V
24",07 O., ponto mathematico onde deve ser coUocado o marco limitro-
phe, extremo da recta geodésica que, partindo do marco collocado na foz
do Béni, vém buscal-o em rumo verdadeiro de 69* 51' 13",58 NO.
Constitue o Javary o limite mais occidental do Império.
Seu curso é avaliado em mais de setecentos kilometros. Tem por
tributários vários rios de regular corrente, entre outros o Paysanãú,
Galvez, Javary-merim, Jaturana e Curuca. Lança-se no Amasonas aos
4'' 13' 21",2 S. e 26'' 47' 57" O., quasi em frente á Tabatinga : da sua
foz para o occidente é que o Amasonas é conhecido por Maranhão, sendo-o
por Solimões dahi até o rio Negro.
5.** O Juiahy, ou Hiutahy, grande rio de curso ainda desconhecido,
suppondo-se, porém, que tem suas origens nas proximidades do lago
Eoguagualo em Cusco. E', pouco encachoeirado e portanto de fácil nave-
gação. Foi por elle que desceu Orsúa, em 1560, do Peru, em demanda
do El-dorado. Lança-se cerca de quatrocentos kilometros abaixo da foz
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356 rriNBRARio da cidade dr matto-orosso
do Javary aos 2* 36* S. (a) e 23** 54' O., por uma barra de quasi um
Idlometro de larga.
São seus subsidiários os rios Marahuds, Bia, Macauási e Ca-
puardno.
6.* O Jurud^ ou Hiuruá, rio também considerável e também pouco
conhecido. Supp5e-se nascido nas mesmas regiões, donde vém o Jutahy,
havendo probabilidades de ser no lago Roguagualo. Seu curso é calculado
em mais de mil e trezentos kilometros, desconhecendo-se também as cabe-
ceiras da maior parte de seus aflBuentes, entre outros Mu, Gregório,
Taratiacá, grande corrente engrossada pelos rios Embira e Jatuarana-pa-
raná ; Xirimn, Banana-pixuna e Banana-branca.
Communica-se com o Jutahy ; sendo por ambos a viagem de Or-
súa, em 1560. Dizem-o navegável por mais de mil e oitocentos kilome-
tros.
Lança-se no Amasonas aos 2* 45' S. e 23^*5, O., uns cento e cin-
coenta kilometros abaixo do Jutahy.
7." O Teffé, com barra aos 3* 1& S. e 22° 2' O., duzentos e qua-
renta kilometros abaixo do Juruá, é um curso de perto de mil kilo-
metros (a), dos quaes suppõe-se navegável em mais de seiscentos, para
embarcações de pequeno calado.
8.* O Coarpj de curso também quasi desconhecido. Entra no Ama-
sonas duzentos e sessenta kilometros abaixo do precedente. Próximo
(a) Dioo, Topogr. Hist, e Desoript, da oomaroa do Alto Amasonas ^ pelo capitão-
tenente Lourenço da Silva Araújo Amasonas.
(a) Os hespanhoes avaliavam-o em 160 léguas de extensão.
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AO RIO DE JANEIRO 857
da boca forma com as aguas de outros dous rios, o Urucuparand e o
Urandj uma lagoa de vinte kilometros no maior diâmetro. Avalia-se o
seu curso em seiscentos kilometros, dos quaes uns quatrocentos tém sido
já navegados.
A foz fica aos 4^» 3' S, p 20^» 23' O.
9.'' O Purús^ Pacayá dos canamerins, Béni dos pamaris, desce das
mesmas regiões onde tém nascimento o Ucayali e o Béni, formador do
Madeira (b). E' um dos mais importantes tributários do grande rio, e
hoje um dos mais conhecidos. Seu curso excede á trez mil e quinhentos
kilometros, de largura rasoavel, a qual na foz é do dous mil metros e na
barra do Ituxi, á setecentos kilometros, é já de duzentos e cincoenta.
O Sr. Chandless em 1875 estudou-o n'um percurso de trez mil cento
e quarenta kilometros até o parallelo W 5'. Segundo elle, as nascentes
ficam n'uma altura de mil e oitenta e oito pés sobre o mar, e mais ou
menos no parallelo 11* 5.
AfBuem ao Purús muitos rios consideráveis, entre outros : Paios ;
Urbano ; lapaha ; Aracá de cento e vinte metros de largo e oito palmos
de fundo, tendo por tributário o Caspahá ; Hyacú, de quatrocentos e vinte
metros de largo e quatro e meio de fundo ; Aquiry^ de duzentos e oitenta
metros e quatro e meio de fundo, navegado por Chandless em perto de no-
vecentos kilometros; recebe aguas do Paugas, Agua-parda, Pontos, Irariape
e Endimiury ; Seruynin, de cento e dez metros, fundo de seis palmos ;
AtciMan, de oitenta ; Sepatyntn, de duzentos metros de largo e trez
e meio de fundo ; Iticxij das mesmas dimensões ; Pacihd ; Mary ; Mu-
cuhy, navegado em 1864 pelo pratico Manoel Urbano da Encarnação, por
cento e sessenta léguas ; Jacaré ; e Paraná-pixuna : todos na margem
(b; Este é o Béni ou Iruétiaare ou Iriraane ; o outro, Béni ou Paro passa por
ser uma das cabeceiras do Ucayali.
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358 ITINEKARIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
direita ; e na esquerda : Curiahan, Curiuhd ; Richalá ; Taranacá^ de
sessenta metros, rio que suppõe-se coraraunicar com Juruá, nas enchen-
tes ; Acre ; Ynauynin, rio do quatrocentos metros de largo e bastante
fundo ; Seuynin^ de cem metros e nove palmos de fundo ; Paúynin, largo
de duzentos e quarenta metros, e Mamuriá-assú, de cento e vinte metros,
com seis palmos de fundo; Mamorehá-tnerinij de oitenta e oito; Tapanhd^
corrente considerável engrossada pelo Caviguá, etc. (a).
O Punis olferece perto de mil e quinhentos kilometros de navega-
yào, sem o menor estorvo, e em qualquer estação do anno, á embarcações
regulares. Nas enchentes duplica-se esse trajecto.
10^ O Madeira,
11°. O Ganuman^ cuja foz se pôde considerar a do furo de seu nome,
ou Ramos, aos 2* 30' S. e 13° 32' O. Vém suas origens d'entre os paral-
lelos 7** e S'* em contravertentes com o Macihy e talvez o Gy-paraná.
E' rio volumoso e de boa navegação em grande parte do seu curso. Não é
directamente affluente do Amasonas, mas â elle vae ter por aquelle furo,
começado poucas léguas ao poente, com aguas do Madeira. Tem por
tributários o Sucunâury ; Mauhés ; Abacaxis, que recebe o Guaranahy ;
Paranary, engrossado pelo Amaná e Guaranatuba ; Macary e Andirá.
12°. O Tapajoz.
E 13°. O Xingu.
(a) Essas dimensões são na maior parte tomadas pelo illustrado l)r Silva Cou-
tinho.—V. Com/tnissão do Madeira pelo Rev. cónego F. Bernardino de Souza, traba-
lho bem noticioso e que, infelizmente para este trabalho, mui tarde conheci.
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CAPITULO VI
Diu proTÍucias do inuxouái e Pttrâ. — Itíner&rio do MAnáos á Belém. — De Belen á CòrU.
I
província do Amasonas, an-
tiga comarca do rio Negro
ou Alto Amasonas, da pro-
víncia do Pará, foi desmem-
brada por lei de 5 de setem-
bro de 1850 e inaugurada
em 1 de janeiro de 1852, ao
prestar juramento e tomar
posse do governo o seu pri-
meiro presidente João Bap-
leiredo Tenreiro Aranha,
quasi um século que tinha
Qa tal ou qual autonomia,
— -, — X.V,-- ^^ xv,*^,.^ ^^J ^c«^itania concedidos por C. R.
de 3 de março de 1755, e com o titulo de S, José do Rio Negro, subor-
dinada ao governo do Pará. Ao mesmo tempo dessa elevação de cathegoria,
creava-se-lhe uma vigararia geral. Essa foi promptamente provida, mas
a capitania somente dous annos mais tarde teve governador, cujo de-
creto de nomeação passa pelo de creação da capitania (a).
(a) Do próprio original, que tenho á vista, e que devo à obsequiosidade do illus-
Irado amigo o Sr. Dr. Mello Moraes, copio esse decreto : « Fui servido crear de novo
o governo de S. José de Javary, subordinado ao governo do Grão- Pará ; e atten-
dendo á qualidade, merecimentos e serviços que concoirem na pessoa de Joaquim
de Mello das Póvoas, Hei por ^jem nomeal-o para Governador da mesma capitania,
com a referida subordinação, por tempo de trez annos, e o mais que eu fôr servido,
u omquanto lho não mandar succossor ; o qual a exercitará com a patente de coro-
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360 ITINEKAIUO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Foi primeira sede do governo a aldeia de Mariohá, condecorada desde
então com o titulo de Villa Nova de S. José, que posteriormente (a) mudou
para o de villa de Barcellos.
• Foi seu primeiro governador Joaquim de Mello das Povoas, que só
veiu tomar posse trez annos depois da creação : o decreto que o nomeiou
deu outro nome á capitania, agora, de S. José do Javary ; mas ao tomar
posse, em 27 de maio de 1758, já o foi com a primitiva denominação de
rio Negro.
O vigario-geral foi o padre Dr. José Monteiro de Noronha, nomeado
por provisão de D. Fr. Miguel de Bulhões, bispo do Pará, e confirmado
por C. E. de 18 de junho de 1760.
Com o predicamento da nova capitania e vigararia geral coincidiu
a chegada em Mariohá da commissão demarcadora de limites, composta
do governador e capitão-general do Pará Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, como primeiro commissario e plenipotenciário ; dos astrónomos
Drs. João Angelo Bruneli e Miguel António Ciera ; dos engenheiros Gas-
par João Geraldo Gonfelds, António José Lande e Henrique António
Galuzzi, que legou seu nome á fortaleza de Macapá.
Não tendo comparecido a commissão hespanhola, o capitão-general
Furtado desceu para Belém ; voltando de novo á Mariohá em janeiro
de 1758, quando soube da approximação desses commissiarios, os quaes
somente um anno depois entraram em Barcellos.
Em 30 de junho de 1759, creou-se uma junta de fazenda e foi no-
meiado provedor e ouvidor da comarca o Dr. Lourenço Pereira da Costa.
nel, vencendo de soldos dous contos de réis em cada um anno, na mesma forma
que vencem os governadores da Nova Colónia do Sacramento e Ilha de Santa Ca-
tharina. O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido e nessa conformidade
lhe mande passar os despachos necessários. Belcm 18 de julho de l'/5V.— Rei. »
(a) Janeiro de 1758.
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AO RIO DE JANEIKO 361
A maior parte dos povoados da capitania, provém das missões.
Foram primeiros : Saracá, aldeia estabelecida em 1660 ; Jahú, seis
annos depois ; Manáos em 1669 ; Aracari, fundado em 1693 pelo sar-
gento Guilherme Valente, na margem esquerda do Cabury ; em 1705,
Taiaçatuba e Teffé, pelo jesuita Samuel Pritz; Fonte-Boa,S. Paulo do Ja-
vary, S. Christovam de Matura, S. José de Javary, S. Feçnando, Tabatinga,
Tonantins, Boa-Vista, Trocano, Abacaxis, Cupacá e Santo António do Ma-
deira, em 1728. Ao constituir-se a capitania, haviam no Amasonas: Saracá,
Itacoatiára, S. Rayraundo, Conceição, S. Pedro Nolasco, Matari, Trocano,
Coary, Teffé, Pauary, Caiçara, Fonte-Boa, Evirateva, S. Paulo, Javary e
Maripy ; no rio Negro : Barra, Jahú, Pedreira, Aracary, Cumaru, Ma-
riohá, Caboquena, Bararoá, Dary, Santa Isabel, Camanao, Camará, Cas-
tanheiro, Coané, Coriana, Guia, Iparaná, Loreto, Mabé, Maracaby,
SantAnna, Santa Barbara, S. Felippe, S. Marcellino e S. Pedro ; no rio
Branco : Carmo, Santa Maria, S. Felippe, Conceição e S. Martinho, todos
com trinta mil fogos e mais ou menos cem mil almas (a).
Em 1759 Povoas elevou á villa: Itacoataiára com o nome de Serpa,
Saracá com o de Silves, S. Paulo dos Cambebas com o de S. Paulo de
Olivença, Teflfé com o de Ega ; e á cathegoria de Jogares : as aldeias de
Aracary, chrismada em Carvoeiro; Caboquena, em Moreira; Caiçara, em
Alvarães; Coary, em ArveJlos ; Cumaru, em Poiares; Dary, em Lama
Longa; Evirateua em Castro de Avelans; Jdhú em J?rào;Parauary, em
Nogueira, e Taracoateua em Fonte Boa (b).
Em 1766 o sargento mór Domingos Franco fundava uma povoação
em Tabatinga ; e o governador Fernandes da Costa de Athayde e Teive
mandava ahi construir um fortim.
Em 1768 fundava-se S. Fernando no Içá.
(a) Dioo, Top. Hist, Desoript. da oomaroa do Alto A^nnsotfias,
(b) Dicc. Topog. citado.
46
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362 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATT(H3R0SS0
Em 1771, por morte do governador Povoas, foi a capitania gover-
nada pela junta de successão, composta de Gabriel de Souza Fílgueiras,
Nuno da Cunha de Athayde Verone e Valério Cordeiro Botelho.
No anno seguinte tomou posse o segundo governador Joaquim
Tinoco Valente.
O terceiro governador foi o coronel Manoel da Gama Lobo de Al-
mada, que desde 1783 fazia parte da commissão de demarcação de limites,
e ultimamente era governador do Alto Rio Negro; o qual excellentes servi-
ços já tinha prestado á capitania, explorando vários braços do rio Negro e
do rio Branco. Tomou posse em 1788, e em 1791 transferiu a capital de
Barcellos para a Barra do Rio Negro. Seu governo foi sábio, previdente e
justiceiro ; Gama Lobo promoveu quanto em si coube o augmento da ca-
pitania; mas por intrigas e ciúmes de seu coUega do Pará teve em recom-
pensa reproches do governo central , ao qual era apresentado quasi
como um concussionario e prevaricador. Para mais o desgostarem, D.Fran-
cisco de Souza Coutinho, o seu invejoso rival, obteve do rei, em alvará de
3 de agosto de 1798, regtabelecer-se a sede da capitania subordinada em
Barcellos ; o que se cumpriu tão logo a ordem chegou. Gama Lobo mor-
reu, já brigadeiro, em 27 de oitubro de 1799.
Substituiu-o interinamente o coronel José António Salgado, nomeado
em fevereiro de 1801.
O quarto governador nomeado foi ò coronel José Simões de Carva-
lho, engenheiro que muito trabalhou no estudo e reconhecimento dos
braços do rios Negro e Branco ; mas que não logrou administrar a pro-
vinda, por morrer logo.
O quinto nomeado, e quarto governador effectivo, foi o capitão de mar
e guerra José Joaquim Victorio da Costa, que tomou posse em 1806.
Havia também prestado valiosos serviços no estudo dos affluentes da-
quelle rio e de outros do Amasonas. Construiu, como propriedade sua,
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AO RIO DE JANEIRO 368
um jardim botânico, próximo á cachoeira de Taruman, onde reuniu
tudo quanto havia de mais raro, mais formoso e precioso nos reinos ve-
getal e animal : diz o autor do Diccionario do Amazonas que nelle tra-
balharam effectivamente por alguns annos quinhentos indios.
O sexto governador foi o major Manoel Joaquim do Paço, nomeado
em 1818; o primeiro que occupou-se em aformosearo logar da Barra,
futura capital da província.
Paço foi deposto em 1821 , pelo povo, ao chegar a noticia da promul-
gação da constituição portugueza, e quando já se lhe tinha nomeado
successor no coronel Borralho.
Pela segunda vez um governo provisório assumiu a direcção da capi-
tania ; sendo, agora, a junta administrativa composta do ouvidor ,
do coronel Joaquim José de Gusmão e de João da Silva Cunha, juiz
ordinário.
II
Oomquanto, já em 1818, em Silves e Villa-Nova da Bainha, se inten-
tasse obter do ^ governo o dar-lhe a autonomia de capitania separada ; e
comquanto, em 3 de junho de 1822 se installasse a junta provisória do
governo, ordenada no real decreto de 29 de setembro de 1821 (a), não
entrou o Alto Amazonas, na relação das províncias, nem também na bai-
xada com o decreto imperial de 20 de oitubro de 1873, que extinguiu as
juntas provisórias e nomeiou presidentes, e o de 26 de março de 1873, que
marcou o numero de representantes que cada província devia dar á as-
sembléa geral legislativa: o que foi flagrante contradicção ao artigo 2* da
constituição do Império.
(a) ComposUi dos cidadãos António da Silva Craveiro, Bonifácio João de Aze-
vedo, Manoel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz.
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364 ITINKKARIO DÁ CIDADE D£ MATTO-UKOSSO
Passou, pois, a capitania do rio Negro á ser considerada, de novo, co-
marca da provincia do Pará ; si bem que reluctasse e por algum tempo
teimasse em não deixar perder seus foros e autonomia, continuando ã
governar-se com ajunta de 1825.
Entretanto, o mesmo governo imperial, em acto de 8 de novembro de
1825, dá-lbe o predicamento de provincia, e como tal a designa ; e só,
em 8 de oitubro seguinte, é que a considera comarca do Pará, quando,
em aviso da secretaria do Império, approva as medidas tomadas pelo pre-
sidente do Pará, José Félix Pereira de Burgos o qual havia dissolvido a
junta e mandado o capitão Hylario Pedro Gurjáo conter os amotinado-
res e commandar as forças existentes na ex-capitania.
Não puderam os amazonenses submetter-se pacificamente áesse rebai-
xamento politico, que consideravam um acto desmoralisador e de menos-
preço: alguns distúrbios se manifestaram; e afinal, em 22 dejimho
de 1832, proclamaram por si mesmos a nova provincia, acclamando pre-
sidente o ouvidor Manoel Bernardino de Souza Figueiredo e comman-
dante das armas o tenente Boaventura da Grama Bentes ; e despachando
^ incontenenti para a corte o frade carmelitano José dos Innocentes, à dar
de tudo conta ao governo imperial e pedir suas providencias, em ordem á
conceder o seu beneplácito aos acontecimentos. O governo do Pará,
havia desde logo posto em sitio a comarca rebelde ; e aquelle emissário,
receioso de descer o Amasonas, abalançou-se á subir pelo Madeira, e viu
mallogrado o seu intento, por succeder-lhe em Cuyabá o que receiava em
Belém ; sendo apprehendido e obrigado á retroceder pelo mesmo caminho
por onde f&ra.
Batidos 08 sublevados n'um encontro, á 10 de agosto desse anno, nos
pontos artilhados de Lages e Bomfim^ de um e outro lado do rio, enti-
biaram-se os espirites, a provincia ficou dissolvida e a ordem feita.
Em 1833 dividiu-^e a comarca em quatro \/Qxmo%\ MandoSyMariohd^
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AO RIO DE JANEIRO H65
Teffé e Lusea ; restituindo-se aos diíferentes povoados os nomes indíge-
nas que d'antes tinham.
Em 1843 reappareceram os esforços para eleval-a á provincia ; sendo
approvado na camará dos deputados o projecto que a creava com o titulo
de provincia do Amasonas. Em 1850 projectaram restaurar como pro-
vincia o que ella fôra como capitania , creando-a subalterna da
do Pará ; governada por um vice-presidente, e sem assemblea, dando 8
deputados para a de Belém, que era nessa occasiào elevada á 36 membros.
Tão desparatadapretenção^ que mais era um deserviço que um serviço
feito ao Rio Negro, nem mesmo mereceu as honras de discussão, servindo,
porém, para discutir-se a sua elevação á provincia da mesma cathegoria
das outras : o que se fez com a lei de 5 de setembro de 1859; i^endo a
nova provincia do Amasonas inaugurada em o primeiro dia do anno
de 1852, sob a presidência do Dr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro
Aranha.
III
Seus limites como provincia são os mesmos como capitania ou co-
marca de S. José do Rio Negro.
Ao N. divide-se da Nova-Granada pelo Tararira, affluente de Apa-
poris, e pela serra Araciuiray onde aquelle rio tem as suas origens ; da
Venezuela pelas serras Uarusiro, Ucucuhy, Tapuyapoca^ Parima^ Ari-
vana^ e Masuaca ; e da Guyana ingleza pela serra UtMri.
A' E. divide-se da provincia do Pará pelo rio Jamundd, desde a serra
de Acarahy até a dos Parentins, á margem direita do rio Amasonas ;
e desta, por uma linha geodésica, até a cochoeira de Todos os Sanfos
no Tapajoz ; da provincia de Matto-Grosso, por partd dessa recta de limi-
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366 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
tes, que prolonga-se pelo lado esquerdo do rio até o seu affluente
Vrugtiatds.
Ao S. por este rio, e a recta tirada da sua mais extrema cachoeira á
mais próxima das do Gi-parand ; por cuja margem direita desce até o
Madeira ; subindo este rio pela marg em opposta até a fóz do Beni; que a
dividem de Matto-Grosso.
Do ponto de confluência do Beni com o Madeira (a) corta para o
occidente n'outra recta geodésica de 1331,24 kilom. até as vertentes do
Javary, aos 7M* 15",5 S e 84° 8' 2T\0 Occ, de Greenwick; que a se-
para da Bolivia. E descendo pelo Javary até o Amasonas, toma de sua
fóz, aos 4* 13' 21" S. e 69 55" O. do mesmo meridiano, outra recta em
rumo X á fóz do Apaporis, no Japurá, e dahi a confluência do Tararira ;
limites com o Peru.
Sua área é de 2,874.960 kilom. quadrados, ou sessenta e seis mil
léguas quadradas, conforme outros.
Sua população, como a de Matto-Grosso, não tem sido computada
com veracidade, e varias versões se apresentam. O Brasil na eooposição
de Vienna, dá-lhe, em 1873, cem mil almas ; em 1850, o presidente
Jocão Pedro Dias Vieira dava-lhe 41.819, distribuídas assim :
Capital 11.001
Barcellos 6.136
Silves 6.032
Villa Bella da Imperatriz 4.550
Mauhés 9.811
Tefl^é 4.289
41.819
(a) Como já vimoB, havendo impossibilidade absoluta de plantar-se o marco
divisório no ponto de juncçao do Beni com o Madeira, erigiu-se-o 4439,5» mais
ao norte, na orla deste ultimo rio.
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AO RIO 1)E JANEIRO 367
Dos quaes 40.907 livres e apenas 912 escravos ; sendo dos primei-
ros 23,298 homens e 17,609 mulheres, e dos escravos 511 homens e 401
mulheres.
Entretanto, um anno antes, o seu antecessor, o Sr. Fausto Augusto
de Aguiar, só conhecia na provinciá 29.904 habitantes, dos quaes
29.154 livres.
Baena calcula-a em 1839 em 19 mil almas, e já no anno seguinte o
presidente do Pará dá-lhe 30 á 40 mil (a).
O autor do Dicdonario TopograpJiico calcula-a em 40 mil no anno
de 1851. Segundo elle, quasi um século antes, a população da capitania
era talvez de cem mil almas ; algarismo que pôde corresponder mais ou
menos bem aos fogos, em numero de. trinta mil, existentes nos cincoenta
e tantos povoados, aldeias e fortes da capitania.
Que a população diminuirá muito na comarca, em relação á do seu
passado, provam-o a decadência de uns e o aniquilamento de outros desses
povoados ; mesmo — ou, talvez melhor — principalmente á margem do
grande rio ; deperecimento que teve por causa os morticinios e vexações
duranta a guerra da cahanagem e a emigração por outras causas para as
capitães e grandes povoações. De ha trinta annos para cá, com o novo in-
cremento que a elevação de cathegoria lhe trouxe, a provinciá tem
augmentado de população, notadamente na capital e nas margens do
Madeira.
Das innumeras hordas selvagens que povoam seu território das
quaes mais de trezentas são conhecidas no paiz, e distinctas por nomes
diíFerentes, não se pôde conhecer nem mesmo avaliar qual a parcella que
(a) Âmasonas.— 2>ú?o. Top, Hist. e Desoript»
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368 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
addiccionam aos habitadores da província ; parcella que é todavia de
muitas desenas, sinào centenas de milhares de almas.
Divide-se a provincia administrativamente em quatro comarcas :
Manaos, creada em 26 de julho de 1850 ; Solimòes em 7 de setembro
de 1858, Parentíntívs em 24 de setembro de 1858 e Rio ISegro em 80
de abril de 1873. A comarca da capital consta de cinco municipios : Ma-
mios e Ilncoaiiáni^ cidades, e as villas de Bmha^ Cudajaz (a) e Coftry
ou Arvellos(b). A dos Parentintins,de dous, ViUn Bella ãa Imperatriz q
Villa da Conceição de Mauhés, A de SolimÕes de um único, Teifé, antiga
villa de Ega^ tendo cinco freguezias : Tahaiinga^ Tauápeçassfí^ Fonte-
Boa Tonantins e Olivença. A do Rio Negro, dous municipios, Barcellos
e Moura, com as freguezias de Manocàp^irif, S. Paulo, Bio Branco,
S. José de Marabitavas e Thomar,
A cidade de Manaos está situada aos 8* 8' de latitude austral e
16* 53' O. do Rio de Janeiro. Sua altitude em relação ao mar é, segundo
Spix e Martins, de 522 pés, ou cento e quarenta metros. Está situada á
margem esquerda do rio Negro, á dezoito kilometros da sua confluência,
cerca de duzentos e quarenta acima da do Madeira. Em frente á cidade
a largura do rio Negro é de trez mil e quinhentos metros.
(a) Villa desde 1 de maio de 1874.
(b) A villa de Arvellos tem mudado de sitio tantas vezes quantas Borba. Fun-
dada no rio Paratay em 1758, mudou-se para beira do igarapé UaptvmÁ, depois para
a bahia Guajarituba^ donde para a foz do ()oary. Em 1873 foi creada freguezia com
o nome destp rid» tomando nova e desnecessariamente o de ^ i*vellos ao ser elevada
á \ilia.
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AO RIO DE JANEJKO 369
A cidade é pequena, mas não despida de graça e de aprasimento: tem
uma trintena de ruas, algumas praças, das quaes algumas arborisadas ;
sendo das ruas a maior e mais aprasivel a Brasileira, que atravessa-a
de começo á fim, em sentido parallelo ao do rio. Coiiam-a trez igarapés,
atravessados por varias pontes. O mais notável de seus edifícios é a matriz^
de Nossa Senhora da Conceição, templo severo e elegante, onde se vêm
reunidas a simplicidade e a magestade : seus altares de mármore branco
lavrado, são, si não falha a memoria das informações que nos deram, do
valor de vinte e quatro contos cada um, andando todo o fabrico em mais
de mil contos. * •
E* já a terceira que se ergue. A primeira foi constniida em 1695
pelos carmelitas, infatigáveis missionários á quem muito deveu a pro-
vinda nos seus começos ; reedificada pelo não menos benemérito gover-
nador Gama Lobo, no fim do século passado, incendiou-se em 1858, e
sua reconstrucção durou vinte annos.
Ha na cidade duas outras capellas : Nossa Senhora dos Remédios
e Hospicio de S, Sebastião.
Si a cidade é aprasivel, seus arredores são amenos e pictorescos
Seus passeios favoritos são a Caclioeirinha e a cachoeira do Taruman, á
vinte e cinco kilometros de Manaos ; formosa cascata de uns dezoito
metros de altura, e um dos sitios mais encantadores e aprasiveis.
Junto á ella fundou-se em 22 de junho de 1657 o primeiro povoado
do rio Negro, a missão dos Tarumans, com os padres Francisco Velloso e
Manoel Pires. Sua invocação era de Nossa Senhora da Conceição ; quando,
porém, mais tarde, os carmelitas a transferiram para a foz do Jahú, to-
mou a de Santo Elias. Em 1740 o capitão João Pereira de Araújo, com-
mandante do forte da Barra, intentou ahi outro estabelecimento que
pouca duração teve : e finalmente, em começo desse século, foi próximo
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370 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
á ella que o governador Victorio estabeleceu o seu horto botânico, em
sitio hoje avassalado pelas selvas, mas onde ainda se distinguem alguns
vegetaes exóticos ou de luxo, attestando que grande foi a incúria e des-
mazelo dos herdeiros de Victorio, maior, ainda que a ambição e a avareza
do fundador.
Data de 1670 a origem da cidade. Nessa epocha veiu fortificar a barra
do rio Negro o capitão Francisco da Costa Falcão, que ahi ergueu um
fortim intitulado de S. José da Barra. O padre Manoel da Motta na sua
Missão baptisa-o de Jestis, Maria José (a), si é que não houve outro
desse nome e do mesmo fundador.
Os carmelitas trouxeram os neophytos e cathechumenos ao abrigo
da protecção do forte : e essas famílias de bares, manivas e passes, e as
dos portuguezes — foram os principies de Manaos.
Seu predicamento em cidade data de oitubro de 1848.
Manaos dista de Belém 2100 kilometros.
IV
Sexta-feira 21 de dezembro, ás 5 3/4 da tarde, deixámos Manaos ;
navegando nas escuras aguas do rio Negro por mais de duas horas, tão
grande o seu cabedal e tanta a força com que se intromette no Ama-
sonas.
Ao romper do dia 22 entravamos no vasto estuário do Madeira,
augmentado com a barra do Autazes, desaguadouro de grandes lagos
acima desse rio ; e em pouco passávamos o logar do Poraquêcotíra^ ce-
lebre por suas pedras ou recifes, onde, em oitubro de 1862, ficou presa a
(a) Choroff. ílist.^ tomo III.
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AO RIO DE JINBTRO 371
canhoneira peruana Morona, nome pelo qual é hoje também conhecido ,
e em cujas proximidades deu-se, na madrugada de 8 de junho de 1870
a lamentável catastrophe do Punis, carregado de passí^eiros, mettido á
pique pelo Arary,
Ahi é o rio muito torrentoso.
A's 8 1/2 da manhã fundeámos em Itacoatiáray antiga villa de
Serpa, creada em 1 de janeiro de 1759. Foram seus começos na aldeia de
Mataurd, á foz desse affluente do Madeira, fundada pelos jesuitas ; a
qual, como Borba e Arvellos, percorreu differentes localidades, ora perse-
guida pelos assaltos dos selvagens, ora pelas cheias dos rios. Sua primeira
situação ficava á uns trezentos kilometros da foz do Madeira ; a segunda
foi na foz, e margem esquerda do Canuman, donde transferiu-se para a
margem idêntica do rio Abacaxis e reuniu-se á outra aldeia que ahi
havia ; quarta mudança teve logar para a margem do Madeira, fronteira
ao furo Urarid, ou Canuman, que com o Madeira e o Amasonas forma a
grande ilha do Maracd ou Tupinambarana, maior de trezentos kilome-
tros de extensão, A quinta finalmente, e ultima, foi para a mais elevada
ilha das formadas pelos desaguadouros do lago Saracd, formado estes
pelas aguas dos rios Urúbú e Anibd. O nome de Ita^oatidra ou pedra
pintada, é-lhe dado na umas pedras que tém em sua encosta, mesmo no
porto do desembarque, onde nas baixas aguas vêm-se caracteres ou
hyerogliphos dos usados pelos nossos aborígenes.
A cidade ergue-se n'uma collina de vinte e dois metros de alto,
para a qual se sobe, junto á alfandega, por uma escada de madeira, de
cem degraus, si bem me recordo. E' um pobre povoado sem vida e ani-
mação, mesquinho, 'pequeno e sujo : a praça onde existe a camará muni-
cipal estava, quando a visitámos, convertida em uma capoeira^ coberta
de mattaria mais alta do que um homem, e corteda, apenas, por trilhos*
na continuação das ruas.
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372 ITINERÁRIO DA CIDADE DE BIATTO-GROSSO
Era 1833, foi, por já deeadente, rebaixada de villa á freguezia ; mas
em 1857 rehouve os antigos foraes, era lei de 10 de dezerabro ; e ultima-
mente, em 1875, foi elevada á primasia de cidade. Diz Southey que foi
populosissima antes da — « fatal commissáo de limites de 1788 » ; a qual,
não devendo encontrar rémoras era seu andamento, não só apropriava-se
das canoas e igarités que queria, de instrumentos de lavoura, utensis, e
também géneros de alimentação, como obrigava os moradores da villa
ao serviço seu, uns como remadores, como operários os que tinham oflB-
cios, e como serventes os que disso não entendiam : o que fez emigrar
grande parte do povo, abandonando de uma vez os seus lares.
Mas já ha um século que taes motivos cessaram ; e outras, sem
duvida, tém sido as causas da decadência e aniquilamento de quasi todos
os povoados destes rios, alguns bera grandes, e para os quaes não haviam
08 motivos que actuaram sobre os de Matto-Grosso, que se formaram
ao revelarem-se as minas de ouro ou diamantes, e extinguiram- se ao
ficarem estas esgotadas.
Itacoatiára é porto alfandegado desde 25 de janeiro de 1872, data
do decreto que creou-lhe uma alfandega de quinta ordem.
Sua posição astronómica é aos 3* 3' S. e 15*" 32' O. Sua distancia
á Manaos é de mais ou menos duzentos e dez kilometros. Os Sre. Keller
dão ao porto de Itacotiára a altitude de dezoito metros sobre o mar. Em
frente á cidade desce o rio com grande velocidade ; uma das mais fortes
correntadas que apresenta no território do Império.
Seguiu-se á 1 hora da tarde. Em pouco tempo passámos Silves,
outr'ora aldeia de Saracá^ situada também n'uma ilha e encostas de um
morro.Seus começos datam de 1663. Foi creada villa, também em 1759,
á 7 de março, pelo governador Povoas, em pessoa, o Luiz de Albuquerque
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AO RIO DE JANEIRO 373
desta capitania; tambera rebaixada á freguezia era 1833 e reentregada
na cathegoria de villa em 21 de oitubro de 1852. Está aos. 2" 44' S. e
15" 22' O., n'um desaguadouro do lago Saracá á uns trinta kilometros
da margera do Araasonas.
A's 8 1/2 chegámos á Capella^log^r pictoresco e aprasivel,com uma
rua de casas, era linha, com a frente para o rio, isto é, ura braço do Araa-
sonas, ahi charaado Parana-merim cia Capella.
Pela raadrugada de 23 sahiraos : o dia foi-nos araanhecer no sitio
' da Fortalesa^ onde o Canuraan deteve-se até ás 7 horas. A*s 10 horas
ancorou em Villa BelJa da Imperairiz^ na outra margera direita do
Araasonas. E' ura grande e gracioso povoado, com uma extensa rua de
casas sobre uma collina que margeia o rio. Está tambera n'uraa ilha
forraada pelo Paraná-raérira do Lhnào, o Urariá ou Canuman, o Araa-
sonas e ura pequenino furo chamado o Limãosinho,
Foi seu fundador o capitão José Pedro Cordovil, que ahi, em 1796,
sob o titulo de Villa Nova da Rainha, reuniu Índios mauhés e sapopcs,
missionados raais tarde (1804) pelo carraelita Fr. José das Chagas, o
Las Casas e Anchieta da Mondurucania, na phrase do Sr. cónego Ber-
nardino de Souza.
E' villa desde 15 de oitubro de 1853, era que sua denorainação foi
raudada para o de Villa Nova da Imperatriz : o que é ura prova da ins-
tabilidade desses titulos, quando dados era honra de personagens, não por
seus feitos notáveis, mas pela posição que occupam; e já deu á Alphonse
Karr a ideia de propor para certa avenida de Paris, que no século passado
fora avéntie de la JReine depois de VImperatrice, segunda vez de la Reine,
outra de V Imperatrice, e ultiraaraente a queriara cora o norae de Ma-
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S74 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
genfn. em honra da mulher do presidente da repxiblica (a), « um único e
duradouro, por isso que satisfazia todas as adulações e vaidades : Avénue
de la Femnie du Pouvoir ExécuHf. »
E' o ultimo grande povoado da provinda, situado em posição ex-
cellente para o commercio fluvial, pela facilidade de communicação que
tem não só para os grandes centros de povoação do Amasonas, mas
ainda para os povoados do Madeira e do importante districto de Mauhés,
a antiga Ltisea, na ilha Tupinambarana.
Além da uberdade de seu território, rico de cacau, tabaco superior,
guaraná, urucú, algodão, cravo, copahiba, puxerim, etc., commercia em
grande escala em borracha e pirarucu ; sendo, infelizmente para o Estado,
grande parte desse commercio feito por contrabando, o que se faz com a
maior facilidade e desassombramento. Tivemos occasião de verifical-o
vendo as canoas carregadas irem esperar os vapores, rio abaixo, já em
território paraense (b).
Uma das feições caracteristicas do Amasonas é a immensa cópia de
cy[)eraceas de longos rhisomas e emmaranhadissimas raizes, de canaranas
edemíiry^, gramíneas aquáticas, que bordam-lhe as margens e as dos seus
braços, e de quando era quando descem nas correntadas simulando ilhas;
algumas de centenas de metros de área, e tão compactas que, no lodo
mais ou menos consistente que lhes cobre a trama superior, permitte o
desenvolvimento de outros vegetaes, subarbustos e mesmo arbustos di-
cotyledoneos.
Como desde as margens do Madeira vêm-se as immensas mungum-
beiras e sumaúmas, o castanheiro, a maçaranduba, as seringueiras, dia-
tinctas no meio das selvas : aqui abunda ainda o pau ã'arco (tecoma);
(a) O duque de Magentíi, marechal de Mac-Mahon.
(b) Segundo o autor do D ice. 7'o}}., Ilist. e Descíúpt. em seu tempo eia desço*
nhecido o contrabando.
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AO KIO DE JANEIRO 375
cuja fronde também se distingue entre as mais ; porém o que imprime
um tom novo â região, o que lhe dá um retoque especial, é a variedade
de palmeiras que elevam seus leques ou os entremeiam ás folhagens das
magestosas florestas: são as elegantes e delicadas assahj e tmum,2k hacaba,
2LJavary, a murumurú e a anajá.
Das arvores á beira rio pendem milhões de ninhos de japus ou
chechéos^ em forma de longas e estreitas bolsas de metro e mais de longo;
e elles, as ciganas (ppisthocoma), as jaçanãs e mil outros pássaros, mas
sobretudo as ciganas, povoam as solidões com seus cantos ou vozes
extridentes.
Eram duas horas da tarde quando enfrentámos com a serra dos
Parentins, e entrámos em aguas do Pará.
Das duas provincias brasileiras banhadas pelo Amasonas e que
occupara toda a facha setentrional do Império, a do Pará fica entre os
parallelos 4° 25' N. no Oyapoc, e IO* S. na divisa com Matto-Grosso no
Xingu, e 3* e 15' O., da foz do Gurupy á do Paranatinga no Tapajoz
Sua área ó avaliada em 1.742.400 kllometros quadrados ou 40 mil léguas
quadradas (a). Extensas florestas cobrem quasi toda a região orientale a
maior parte da que fica ao sul do Amasonas : mas, do lado opposto, ou na
Guyana, assim como na ilha de Marajó, os campos, ou silvas, occupam
uma área egual, sinão maior do que a das florestas. Algumas monta-
(a) O Brasil na Exposição de Vientia. O Sr. Domingos de S. F. Penna, calcu-
la-se em 1.149.762 kilometros quadr .ios. A' benignidade desse illustre paraense c
infatigável pes(iaisador das cousas pátrias, devo o melhor das noticias sobre esta
província ; que so dignou de ministrar-me por intermédio do distincto amigo o
Sr. Dr. Jonas de Montenegro, à ambos os quaes gravo aqui meus agradecimentos.
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t176 ITIKEKAKIO VA CIDADE PE MAÍT0-0R6SS©
nhãs apparecem ao sul e sobretudo ao norte do grande rio, á cuja mar-
gem ás vezes tocam : a de Tauajury, perto do Monte-Alegre, é de todas
a mais alta, não se elevando todavia á mais de 400 metros.
As partes mais conhecidas e povoadas são as que margeiam os rios
navegáveis á vapor ; as várzeas ou terras baixas, o interior e as terras
alem das cachoeiras desses rios, estão ainda despovoados. Como as várzeas
são mais ou menos alagadas, sobretudo durante o inverno, o seu solo é
em geral pantanoso, e como tal constitue mui frequentemente um foco
de febres intermittentes que reinam em certas épocas do anno e na maior
parte da provincia. Durante a estação invernosa transbordam os rios e
cobrem de suas aguas as várzeas e campinas ribeirinhas ; e então for-
mam-se ahi lagos ás vezes muito extensos,raas que ordinariamente desappar
recém no verão. Os lagos permanentes são relativamente poucos e de pouca
importância. No estio, o deseccamento das aguas e a decomposição dos
detritos espalhados na zona extensa do território, determinam aquellas
febres, única moléstia epidemica que se conhece no Pará. Das pestes
terríveis que soem originar-se e desenvolver-se nos deltas dos grandes riost
apenas o cholera, o typho azul do Ganges, visitou-o uma vez, em 1855,
importado da Europa, e nunca mais reappareceu. A febre amarella,
o typho amarello do Mississipi, importado de Pernambuco, fez grande
estrago na capital, na sua irrupção ; mas de então em diante, apenas no
rigor do verão indica sua permanência nos quadros nosologicos do paiz,
pela presença de um ou outro caso, na maior parte benignos e jamais com
o caracter epidemico.
A varíola, que em melados do século passado devastou a província,
não tem reapparecido sinão com longos intervallos de annos.
A tuberculose, que até 1840 era uma moléstia rara na capital, hoje
ahi, como em quasi todo o longo dii costa iraritima, faz grave estrago na
população.
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AO RIO DE JANEIRO 377
No mais, o resto da província — que faz parte do valle do Amasonas,
gosa dos bons conceitos de salubridade em que este é tido.
Muitos são os logares e povoados da província onde as moléstias,
as mais communs, são raras ; muitos de seus habitantes não tendo nunca
soffrido do mal da terra, como denominam os accessos das febres palus-
tres. São muitos os velhos e macrobios, principalmente entre os tname^
lucos, ou raça crusada de branco e indio ; sendo bem conhecidas entre
outros, duas mulheres do districto de Portel, uma com cento e trinta e
cinco e a outra ainda vinte annos mais velha.
Liurgo de NaisaretU íCtílem}.
Pelas rasões já indicadas, o Pará, apezar de situado debaixo do
equador, é muito menos cálido, como é muito mais salubre do que geral-
mente pensam os que o não conhecem, ou apenas tém-o visto de passagem
e deduzido à priori pelos dados de uma observação superficial.
Seu clima ó benigno e muitas vezes procurado como meio hygienico
por doentes á elle estranhos, vindo das outras províncias e mesmo do
estrangeiro, mormente das Guyanas; sendo, na opinião do illustrado
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878 ITINBBARIO DÁ CIDADB DB MATTO-GROSSO
observador o Sr. Ferreira Penna muito mais salubre e fresco do que o das
costas de Venezuela e Colômbia, o Equador e o interior desses paizes
da America Central, e o littoral do golfo do Meiico e baixo Mississipi.
A média de sua temperatura é de 28" centígrados ; attingindo os
mais fortes calores á 34'', e a menor temperatura á 22^, isso mesmo rara-
mente ; sendo raríssima uma variação maior.
As terras do Pará são em geral férteis, e em certas localidades attin-
gem ao mais alto grau de uberdade. Entretanto a agricultura está em
grande atraso, voltando quasi todos os habitantes do interior suas forças
para a extracção da borracha, que lhes ofrerece,ao menos apparentemente,
meios mais fáceis de obter fortuna ou de remediarem as necessidades da
vida.
Assim, os géneros que constitueni a lavoura são apenas o cacau,
o urucú e o arroz, o tabaco, a mandioca e cana ; sendo os districtos da
capital, Igarapé-merim, Vigia e Bragança, onde sua cultura está mais
desenvolvida. E' de notar-se que grande parte desses géneros ainda entram
para a província importados das outras : taes a farinha do Maranhão e
o assucar de Pernambuco ; sendo todo o café bebido no Pará, a primeira
terra brasilienae onde se o plantou, importado do Bio de Janeiro e também
do Ceará.
A criação dos gados é a indastrift peculiar da iHm de Kairajé, que
com ella se enriquece ; e que a faz a maior fornecedora das carnes que
se consomem na capital, a qual também recebe-as, mas em pequena es-
cala, dos campos e almargeaes do Amasonas.
Segundo o recenceamento de 1872, a população da província nesse
anno era de 275.237 habitantes, dos quaes 27 mil escravos. Hoje cal-
cula-se em 300 mil, ou 0,3 por kilometro quadrado.
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AO RIO DE JANBIRO 379
Os elementos da sua população são os mesmos do resto do Brasil,
mas predominando a raça brasileira, vermelha ou americana, que antes
da conquista portugueza constituía diversas e numerosas nações e em
parte misturou-sé com a europea, formando um elemento novo, conhecido
pelo nome de mamelttco. A outra parte, e sem duvida a maior, que es-
capou á esse crusamento, vive em completo estado selvagem, formando
nações, umas completamente ignoradas, mas que sabe-se existirem; outras
reduzidas á tribus já pouco numerosas; outras aldeiadas em missões ou
povoados sobre si. Dos que ainda vivem á lei da natureza, os mondu-
rucús são os mais numerosos, os menos selvagens, os mais trabalhadores
e industriaes, e também, desde mais de um século, alliados fieis e cons-
tantes dos brasileiros. O elemento europeu, ainda que em minoria,
domina, todavia, pela industria e engenho e por seu trabalho intelligente :
mas, as estatisticas comprovam que elle se multiplica de modo tão
sensivel, que em futuro não muito remoto promette ser também, do-
minante pelo numero, como já o é actualmente na capital e nas principaes
povoações do interior.
O elemento mameluco, principalmente, e depois delle o procedente
do crusamento das duas raças superiores com a africana, é o mais nu-
meroso e constitue a grande maioria da população. O elemento negro ou
africano é o mais fraco ; e não só relativamente ás outras parcellás da po-
pulação, como mesmo em relação á maior parte da das outras províncias.
VI
Segundo o testemunho insuspeito do Sr. Ferreira Penna, ainda em
1850 a navegação á vapor só era conhecida praticamente no Pará por
algum vaso de guerra brasileiro que uma ou duas vezes por anno apor-
tava na capital ; e mesmo a navegação á vela era tão limitada que os
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380 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
navios de longo curso e os de cabotagem, que cada anno sabiam ou en-
travam no porto, não excediam de noventa, com a tonelagem de 25 até
32 mil toneladas.
O resultado dessa navegação acanbada e mesquinba era ser o com-
mercio fraco e pobre : muitos géneros que podiam ser exportados per-
diam-se sem proveito ; e os agricultores e industriaes entibiados dimi-
nuiam de esforço e de trabalbo, contentando-se em obter da riquissima
natureza o sufficiente para as necessidades. A renda provincial, que em
1835 era de duzentos contos de réis, dobrou no primeiro decénio: iniciada
a navegação á vapor em 1853, já no anno seguinte elevava-se ao quin-
tuplo. A separação de comarca do Rio Negro, empório do principal com-
mercio da seringa, copahiba e manteiga de tartaruga, muito influindo
naquelles rendimentos, deixa por isso avaliar o quanttim de augmento e
progresso em que vão as outras comarcas.
Em 1854 produziram mais de mil contos, dez annos depois o dobro.
Já não foi necessário recorrer- se, como até então se o fizera, ao thesouro
nacional ou á thesouraria do Maranhão, para supprir a provincia quasi
que annualmente, dos meios de satisfazer seus compromissos, ainda assim
nem sempre completamente satisfeitos : caso incrível e sem igual
n'um paiz riquissirao conhecido, explorado e habitado ha mais de dous
séculos; n'um paiz situado á beira-oceano e nas margens de rios oceâ-
nicos ; n'um paiz, emfim, que é o valle do Amasouas !
O decreto de 7 de dezembro de 1866 desvendou-lhe uma nova éra,
e a franca navegação do Amasonas traduziu-a á realidade. As vantagens
para a provincia decuplicaram; e ella a passo accelerado vai buscando o
logar á que tem direito entre as suas irmãs.
Mas, quantos tropeços, quantas difificuldades á vencer para realisar
esses melhoramentos ! Quantos obstáculos á navegação á vapor nesses
rios, postos por aquelles mesmos de quem era um sagrado dever o remo-
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AO WO DE JANEIRO ^ 881
vêl-os onde quer que apparecessem ? Quanta teimosia e alicantina,
quantos embaraços, também, para fazer universal essa navegação ?
Felizmente desde l de Janeiro de 1853 viu o rio-mar o vapor cor-
tar-lheas aguas regular e constantemente, cumprindo restrictamente
não só as obrigações que o governo lhe marcou, mas ainda estendendo sua
linha de serviço á aquelles affluentes onde o commercio e a industria
surgiam, no Madeira, no Punis, no Juruá, no rio Negro e no Japurá ;
buscando e chamando ao Pará os interesses commerciaes da Bolivia, da
Colômbia, da Venezuela ; entrando mesmo nos territórios dessas nações;
indo pelo Caquetá acima e pela Huallaga até Yurimaguas, na encosta
dos Andes.
Trazendo ou encaminhando para o porto de Belém os numerosos
productos naturaes ou de cultura disseminados na vasta bacia amasonica,
e levando á esses pontos remotos o estimulo do commercio, e com o com-
mercio a civilisação e um certo bem-estar e adiantamento, a compa-
nhia brasileira da navegação do Amasonas, prestou o maior serviço
que jamais nenhuma outra idêntica fez ao paiz, ou talvez mesmo, si
bem considerar se, qual nunca foi realisado em outro paiz do mundo.
Foi reconhecendo-os que Tavares Bastos lançou este epiphonema :
« A verdadeira descoberta do Amasonas, data do anno de 1853. »
Para se ter uma ideia do progresso e rápido desenvolvimento que
ha tido o commercio depois da navegação do Amasonas, basta examinar
os dados estatísticos impressos nos annexos aos relatórios presidenciaes,
e melhor ainda nos dos relatórios dacommissãoda praça de Belém. Como,
porém, o progresso do commercio se traduz pelo progresso das rendas
publicas, é bastante apontar-se, nas cifras abaixo, o desenvolvimento que
ellas apresentam antes e depois da inauguração daquella navegação.
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882
mNBRARIO DA CIDADE DE HATTO-GBOSSO
Antes da navegação.. .
Adoos finnocêiroi
Importação
ExporliçSo
TOTAL
1847-1848
261:662<r726
81:460fl968
343:1235694
1
1
1857-1858
968:512<|435
252:594/1005
1.221 1065440
, Depois da navegação.
18©?— 1868
2.221:7215890
887:2845688
3.109:0065078
1
1877-1878
2.742:209/1186
1.097:6795283
3.839:8885419
Para alimentar o seu florescente commercio de exportação a pro-
víncia tem e recebe da do Amasonas grande quantidade de géneros im-
portantes, uns agricolas outros de simples producto da natureza. Os
principaes, ou que mais avultam por seu valor no mercado, são, entre
os productos naturaes ou de simples industria de extracção :
1." A borracha, ou gomma elástica, que é o mais abundante e va-
lioso de todos os géneros do valle amasonico, desde quasi as encostas do
Andes até o Atlântico: os rios que neste despejam correm entre florestas
de seringaes ; e é uma pena para o Pará, que esses productos dos rios do
norte, como o Araguary, deixem de vir para o seu mercado e sigam direc-
tamente para Cayenna e para Europa. O Araguary é um formoso rio de
aguas crystallinas, de cerca de quatrocentos kilometros de curso, cem á
duzentos metros de largo e de facílima navegação, sendo pouco conside-
ráveis as suas cachoeiras.
Suas margens são sombreadas de altos taquarussus, que ahi bordam
a maior parte dos rios, e crescem junlo às lagoas. E' de lastimar que a
colónia de D. Pedro II, á um terço de seu curso, não tenha prosperado,
faltando ao muito que promettem sua boa situação, seus óptimos ter-
renos e clima salubre, á trinta léguas apenas de distancia de Macapá,
da qual se separa por formosos campos sem outros accidentes que os
dos caapuams ou ilhas de matto ; nos quaes, segundo informa o illustrado
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AO RIO DB JANEIRO 88B
engenheiro Dr. Alberto de Abreu, a extensão do campo seria a extensão
da estrada e a recta entre os dous pontos a. direcção natural.
2.* A castanha, que muito tem variado de preço, mas conservando-se
sempre como um importante valor de exportação.
3.** A salsaparrilha, principalmente a de Tppajoz, que é a mais
apreciada no mercado.
4.** O óleo de copahiba.
5." O puxury.
Dos géneros de cultura, figura em primeiro logar o cacau, que é
depois da borracha o mais importante dos géneros de exportação. Em
seguida vém o urucú^ que seria de grande importância e quasi um rival
do cacau, si as falsificações não lhe tivessem trazido certo depreciamento
e suspeitas no mercado ; depois, o tabaco, o algodão, o arroz e o assucar,
A industria apresenta apenas a manteiga de tartaruga, o peixe sêcco,
as collas de peixe, couros e pelles ; redes maqueiras e a piassaba.
Já vimos que o total das rendas provinciaes, no anno de 1880, attin-
giu á perto de quatro mil contos ; e o valor apenas de trez productos,
borracha, cacau e castanha, andou por perto de quinze mil.
VII
Até 1615 era a região amasonica desconhecida completamente para
Portugal, que con tenta va-se com saber que ahi existia o rio Amasonas,
e que esse território era seu. Somente em 1815, quando Alexandre de
Moura expulsou os francezes d) Maranhão, mandou o capitão Francisco
Caldeira Castello-Branco subir á boca do Amasonas e fundar um estabele-
cimento que assegurasse o direito de posse do território. Castello-Branco,
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384 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
nomeado capitào-mór, partiu, em meiado de novembro daquelle anno,
com trez caravellas e uns duzentos homens de força. Em fins do mez
entrava pelo rio Pará, formado da reunião das aguas do Mqjú e Guajará
nas do Tocantins, o qual, então, era supposto ser .o próprio Ama-
sonas ; e em 2 de dezembro fundeava em uma vasta bahia, abrigada por
extensa linha de ilhas, e á umas setenta e cinco milhas do mar. Perto
lhe ficava uma aldeia de tupinambás, que o viram chegar sem descon-
tentamento, e permittiram-lhe desembarcar e fortificar-se; emquanto oflfi-
ciaes e soldados, ajudados daquelles Índios, erguiam as suas palhoças,
dando começo, assim, ao forte do castello ainda hoje existente, e á cidade
de Belém.
Dias depois, despachou por terra communicações á seu coUega Je-
ronymo de Albuquerque do seu estabelecimento, e pedido de soccorros.
Este auxilio veiu-lhe por mar, chegando mui á propósito, quando já os
Índios manifestavam indicies de hostilidades, e na foz do rio, surgia um
navio hoUandez, á commerciar com os selvagens.
O capilão-mór mandou dous ofBciaes e tropa atacar esse navio, o
qual, depois de sanguinolento combate, foi envolvido pelas chammas do
fogo que lhe atiravam os portuguezes e afundou-se, com todos da guar-
nição.
Castello-Branco distinguiu-se como administrador prudente e hábil
nos dous annos que governou. Deu rápido desenvolvimento á colónia ;
conteve na obediência e respeito os indios visinhos tratando-os, com bene-
volência, domou e subjugou pelas armas os das tabas de Cayú e Morti-
gura, que se insurgiam e ousavam atacar a nascente colónia ; e ao
mesmo tempo procedia com energia contra os colonos' que maltratavam
os naturaes do paiz.
Foi, porém, deposto e preso pelos seus commandados, e remettido á
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AO RIO DE JANEIRO 385
ferros para Lisboa, por uma grave injustiça e abuso de autoridade que
commetteu : um seu sobrinho assassinou um dos seus companheiros ;
os outros officiaes exigiram que o assassino fosse preso e castigado ; e o
capitão-mór, que á principio fizera-se alheio ao facto, recusou-^e ás exi-
gências, ameaçando, ainda, castigar aquelles que mais livremente exigiam
justiça.
Houve uma conspiração dirigida pelo capitão Jeronymo Fragoso
de Albuquerque, e quando menos esperava, era Castello-Branco preso e
deposto ; tomando Jeronymo o governo.
O que disso resultou foi em puro prejuiso do estabelecimento. Os
Índios, que temiam e respeitavam o capitão-mór, ergueram-se em massa
e vieram atacar a colónia, que não se salvou dessa inesperada aggressão
sinão pelo admirável comportamento com que todos, militares e colonos,
souberam resistir, obrigando os atacantes â retirada.
Essa aggressão, trouxe represálias, pelo medo de repetições ; e foi
fatal aos indios. A' datar delia começou essa guerra de extermínio,
movida pela lucta de predominio entre a raça barbara — que era a senhora
do paiz e defendia os seus direitos, e a raça civilisada, que o deparara
por um acaso, nelle se estabelecera, e o chamava seu, escudando-se — fal-
samente— nos beneficies da civilisação e da religião.
Essa lucta renhida, que se estendeu do Pará ao Maranhão, veiu á
terminar-se com a longa e terrível carnificina que nessas hordas selvagens
fizeram os homens cultos, e apóstolos da civilisação e philantropismo,
Bento Maciel Parente (a), o homem que mais sangue humano fez derramar
no solo Brasileiro, seu filho e sobrinhos. Vital e Pedro Maciel Parente,
João Yelho do Yalle e Jeronymo Fragoso : os Pisarros e Almagres do
Brasil.
(a) O rei, em recompensa de seus serviços, concedeu-lhe que eUe e seus descen-
dentes usassem desse sobrenome de Parente^
49
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386 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-aROSSO
Esses miseráveis não destoaram da-regra geral : valentes com os
fracos, que ainda viam nas armas de fogo raios do céo que não podiam
combater, eram cobardes com os fortes : Bento Maciel e Pedro Maciel
entregavam mais tarde aos hoUandezes, aquelle o Maranhão, e este o Pará.
A presença de navios hoUandezes, depois inglezes e mais tarde fran-
cezes, naquelles primeiros annos do novo estabelecimento portuguez, foi
o perigo que mais assoberbou a colónia. Alguns formaram feitorias e
mesmo fortificações ligeiras, atrahindo os Índios ao seu commercio, e
como que plantando o gérmen que muitos annos depois daria á suas
nações a posse de parte da Guyana. Foi mister gi-ande dedicação, patrio-
tismo e uma coragem extraordinária da parte dos portuguezes, para re-
pellirem esses invasores e conservarem a posse do grande rio.
O Pará foi, por mais de um século, governado por capitães-móres
subordinados aos governadores-geraes do Maranhão, salvo o pequeno
período de quatro annos, que mediou de 1652 á 1656, no qual, por
C. K. de 25 de fevereiro daquelle anno, foi desmembrado do Maranhão,
e teve por governadores Ignacio do Kego Barreto e João de Bitencourt
Moniz, cuja administração foi cheia de tropeços pela guerra que fizeram-
Ihes os jesuítas, oppondo-se á promulgação de leis e disposições á favor
dos Índios. O elemento jesuita preponderou e D. João IV dissolveu a nova
capitania annexando-a novamente á do Maranhão.
Em 1757 passaram os governadores á ter domicilio em Belém ;
apesar disso, soniente, em 1772, foi o Pará elevado á cathegoria de capi-
tania geral e independente.
Ex-vi da constituição portugueza, tomou em 1821, como todas as
outras do Brasil, excepção feita da do Amasonas, o titulo de província.
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AO RIO DE JANEIRO 387
Subordinada muito restrictamente á metrópole portugueza, não pôde es-
capar á seu dominio e fazer causa commum cora as outras províncias
irmãs que so tinham declarado independentes, sinão em 1823, á pro-
tecção das forças de mar, vindas do sul em seu auxilio.
S^atrada de S. José Selexn .
Os erros ou caprichos dos primeiros presidentes do Pará, e as intri-
gas e dissençôes, que dividiam os habitantes e perturbavam todos os espí-
ritos, intrigas em que tiveram máxima parte muitos daquelles adminis-
tradores, trouxeram em resultado a sangrenta rebellião conhecida na
historia sob o nome de cabanagem, que começando pelo assassinato do
presidente e do commandante das armas, e de muitos ofificiaes, em 7 de
janeiro de 1835, continuou cm uma serie de carnificinas, tanto na capi-
tal, como em quasi todas as províncias do interior, sem exceptuar as do
Alto Amasonas. Essa guerra de exterminio, de parte á parte, só teve fim
em 1837, com a victoria do governo legal sobre as hordas semi-barbaras
dos cabanos. Durante ella e com ella a província retrogradou meio se-
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388 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GBOSSO
culo : as villas e povoações do interior, assoladas pelos revoltosos, fica-
ram despovoadas: quando as forças do governo entraram na capital parecia
que entravam n'um povo ha muito abandonado : o commercio estava
morto ; havia desapparecido toda a industria ; não havia uma tenda de
artesão, uma loja industrial, nem mesmo uma casa de negocio !
Esse quadro que ennegrece as paginas da historia vem aqui citado
tão somente para ponto de comparação com o que a actualidade offerece.
E' o contraste vivo dessas misérias, scenas luctosas dessa época de tres-
varios: é o quadro da paz, do progresso e prosperidade, em que entrou e
continuou á marchar a provincia, quadro que não é mister descrever,
quando está á todos patente nas resenhas estatísticas, nos documentos
ofSciaes e nas numerosas noticias dadas por diversos escriptores.
VIII
A*s 2 da tarde do dia 23 de dezembro tinhamos entrado em território
paraense ; ás 6 1/2 toma o Canuman peio Parand-ínerim ão Caldeirão^
á margem esquerda, um dos furo do Amasonas, que o liga ao Jamundá,
no lugar denominado do Bepartimento.
Passámos o Paciência e o Carand, desaguadouros delle no Trom-
betas, e o Sapecod e o Marapigy^ cujas aguas barrentas e tão distinctas
das dessas outras correntes claro indicam serem braços do Amasonas.
O Jamundá é também chamado Ycaini(iba. O nome de Cu-
nurys que alguns lhe dão, do nome da nação guerreira que por sen
typo especial e afeminado, parecera aos olhos de Orellana ser uiji
povo de amasonas, supp5e-se ter cabido somente aos furos Sapecoá eMa-
rapigy, e dahi passado ao Amasonas, á acreditar-se na asserção de
Christovam da Acunha. E' um formosíssimo rio de aguas mui puras
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AO RIO DE JANEIRO 389
e crystallinas, ladeado de graciosos lagos, golfos e bahias, cheio de
ilhas de verdura, bordadas as margens de risonhas e alvejantes praias.
Certamente é um dos mais formosos rios que hei visto, e dos que
mais atrahem a attençà*), pelo encantador e aprasivel de suas paisa-
gens. Bastante largo no trecho que vamos vencendo, tem mais de kilo-
metro de margem á margem. Tem um notável afBuente, o Pratucii,desde
cuja confluência, diz o Sr. cónego Bernardino, é o Jaraundá um rio vasto
e magnifico. Na corrente a agua parece de côr verJe-mar, que na esteira
do vapor se converte em flocos de prata.
Pela direcção de suas correntes é claro que o Jamundá não é
afBuente do Amasonas e sim do Trombetas ; recebendo aguas do Araaso-
nas pelos furos Cahury, Paraná-merim do Caldeirào e outros.
No dia 24, ás 9 da manhã, ancorou-se na villa de Faro, distante
uns quarenta e três kilometros da foz, e já na margem paraense. S. João
Baptista ãe Faro é uma antiga aldeia de jamundás, missão de indios
uahoys ; villa desde 21 de dezembro de 1758, elevada á essa cathegoria
pelo próprio governador Francisco Xaxier de Mendonça Furtado.
Mais encantadora posição que a deste povoado é difficil de encon-
trar-se: longas e formosas são as suas alvas praias ; os bosques que a cer-
cam cerrados e formados desses primores da flora que constituem o
maior valor do valle do Amasonas : seus arredores fertilissimos, e nave-
gável o seu rio, cuja côt das aguas e notável bellesa ainda vem dar
maior realce e um tora — pouco commum â essas regiões; os elevados
serros da Sacury^qne correm-lhe bordando a margem direita,em frente á
villa: sãobellesas que fazem cogitar quaes sejam as causas, tão poderosas,
que vão definhando e aniquilando o velho povoado, quando em si tão pro-
picies elementos encerra para uma grande e opulenta cidade.
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390 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-OROSSO
Ao meio-dia sarpámos. Foi-se tocando em vario8 sitios do Paraná
do Bom-Jarãim^ que sahe no Amasonas meia légua acima de Óbidos.
A 2 da madrugada passámos a foz do Trombeta, Orixanina, ou melhor
Uruodnene (a), que entra no Amasonas por duas bocas, junto à Óbidos,
onde o novo vapor pairou sobre rodas.
Como a maior parte dos povoados dessa artéria gigante, prenhe de
riquesas facilimas de conquistar e inesgotáveis, Óbidos é um pequeno e
decadente povoado, condecorado com as honras de cidade : tem umas
cento e cincoenta casas edificadas á encosta de uma pequena coUina ;
casas cuja velhice attesta a vetustez da povoação. Datam com effeito
seus começos do principio do século XVIII, si é que não entram, mesmo,
pelos últimos annos do século anterior, com a fortificação que ahi man-
dou erigir em 1697 o capitão-general António de Albuquerque Coelho, e
da qual foi constructor o capitão Manoel da Motta de Siqueira, o Vau-
ban daquellas capitanias ; no que foi auxiliado pelos indios epauchis, ou
epauáchis, ahi habitantes. Suas ruas são bem traçadas e regular a sua
matriz, da invocação de S. Anna.
Tem uma outra igreja, e segundo nos informaram um theatro. Dista
de Belém quinhentos e oitenta e cinco milhas, ou cerca de mil e quatro-
centos kilometros do oceano (b), que entretanto faz sentir diária e regu-
larmente a força de suas marés até a foz do Trombetas. Southey (c)
eleva essa distancia á 360 léguas, fiado em Berredo ou no padre
Christovam d'Acunha, o primeiro que disso falia.
Spix e Martins dão a altitude 111",5 sobre o mar (451 pés inglezes)
entretanto, La Condamine, citado por Castelnau, dá-lhe apenas dez pés
(a) Nené, rio, ngua, em botocudo, ariocás, caripuna, etc.
(b) Segundo Baena, 248 léguas distante do oceano e i82 de Belém.
(c) Liv. ao, pag 458, edição citada.
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AO RIO DE JANEIRO 891
inglezes sobre a altitude de Beleni. Segundo Herder, o Amasonas, não se
eleva mais de dous quartos de poUegadas, ou 4,8 linhas em mil pés ; ou
seis palmos por légua; o que dá apenas cincoenta e cinco metros para o
porto de Óbidos.
A cidade está coUocada em um promontório, que, intromettendo-se
pelo rio, aperta-o. Esse local, conhecido pelo nome de Garganta^ tem de
largura menos de dous kilometros, com uma profundidade de oitenta á
cem metros (a).
E' o Bosphoro do Amasonas, na phrase do conde de Pagan (b).
Nesse promontório está a fortaleza de Óbidos, chave do curso superior do
grande rio. Mas os successivos desbarrancamentos da margem opposta e
a desaggregação das terras tendem, pouco á pouco, á alargar essas di-
mensões do canal.
Óbidos está situado no parallelo de V 55' 23'^ S, e aos 12^ 2V 24'^ O.
do Eio de Janeiro. Recebeu os foraes de villa ao mesmo tempo que
Faro ; e é cidade desde 2 de oitubro de 1854.
A*s 8 horas da manhã seguimos. Em trez quartos de hora enfren-
támos com o extenso e, conforme as informações, mal cuidado cacaual da
nação, á margem direita, denominado antigamente Cacatuil Real, e hoje,
pela regra do costume, conhecido pelo titulo de Imperial.
A's margens do rio-mar já se vão mostrando povoadas : as situações
se succedem com intervallos de poucas léguas, ou mesmo milhas. São
mais ou menos aprasiveis e sempre pictorescas, comquanto quasi todas
uniformes na apparencia; isto mais por um espirito de imitação tão com-
mum no homem e que ficou esquecido na filiação de Darwin, — do que
(a) o Sr. Aguiar Lima, engenlioiro, dá-lhe 1892 metros de largura ; Southey
consigna 8(59 braças ou 1931 metros.
(b) Relation historiqae et geographique de la grande riviére de VAtnasonef
1656. Bib. Nac.
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392 ITnCKRARIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
por causas natnraes que o exijam : facto que se observa, à cada passo,
em cada região ; e que muito contribuo para o typo particular de cada
uma.
Apezar de elevadas as margens, muitas vezes as grandes enchentes
as attingem e assoberbam, deixando-lhes por testificadores cintas parda-
centas nos troncos, ás vezes em altura de quatro e cinco metros do solo,
e nos hydrophitos que lhes dependuram nas ramas.
E* por temor dessas cheias que em grande numero de situações as
casas são construidas em palanque sobre esteios isolados de madeira ; o
que denominam maromas.
A's 4 1/2 da tarde avistámos o Tapajoz e pouco depois entrámos
por elle acima até á cidade de Santarém.
Durante todo o dia soprou fresca brisa de oeste que tornou o rio
bastante crespo, erguendo ondas como as do oceano, mas adiantou-nos a
viagem.
Tapajoz, já vimos que quer dizer rio Negro. W corruptela de tapa-
nhon-Jiú dos mondurucús. As nações tupiaes de suas margens chamavam-o
egualmente Paraná-piauna^ i^el^ côr de suas aguas, parecidas com a
infusão de chá, mas na apparencia negras pela muita profundidade
do rio.
Spix e Martius coUocam sua foz n'uma altitude de 347 pés inglez^
ou 86 metros, sobre o mar.
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AO RIO DE JANEIRO 393
IX
'Snnfarêmj aos 2° 25' de latitude austral, é uma bella e aprasivel
cidade, a maior que temos até agora visto por estes rios, e que dizem só
ter superior na capital ; situada á beira Tapajoz, na margem direita — pró-
ximo á sua barra. Já por si encantadora hoje reveste-se de maior louçania
por estar de festas, solemnisando o grande dia da christandade, e reunindo
em si a grande maioria dos moradores de seus arredores, n'um raio de
trinta léguas. Sem exaggeração, talvez novecentas á mil canoas, igarités,
bot^s e galeotas, e uns vinte hiates estão no porto.
Uma galeota de recreio, toda embandeirada, passa pelo Canumnv
para saudal-o, executando seus tripulantes, fardados como ofiBcial e ma-
rii lieiros de guerra, dansas e exercícios próprios do mar, ao soin dos
cantos da velha bailada portugueza da Nan Cafhprinpfa.
Dão de população á cidade oito á nove mil almas. E' um dos mais
antigos povoados da província : tem origem na aldeia dos Tapajoz, fun-
dada ahi, no começo do século XVII. Já em 1639 ahi esteve o sangui-
nário Bento Maciel, filho do scelerato do mesmo nome, indo á matar e
captivar indios ; o que fez do modo o mais horroroso e infame (a). Foi
villa em 1756 e é cidade desde 1848.
A aldeia, e com o mesmo nome dost Tapajoz, ainda existe á sueste
da cidade.
Sua primeira fortificação foi levantada em 1694, á expensas de
Francisco da Motta Falcão, e continuada por Manoel da Motta Siqueira,
(a) Christ. d'Acunha, Novo desfíohrinwndo do grande rio das Ametsonas,
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894 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATT0-GR03S0
filho do fundador, e o mesmo que fortificara Óbidos, barra do Rio Negro,
serra do Paru, etc.
Dista Santarém do Pará quinhentas e deseseis milhas, isto é,
perto de mil e duzentos kilometros do oceano : o que noto particular-
mente, porque ahi tive occasião de verificar a influencia da maré— em tão
extraordinária distancia.
Ao approximarmo-nos do Tapajoz cortámos por trez quartos de hora
o esteiro de suas aguas negras, que intromettem-se repellindo as bar-
rentas do Amasonas : ás 6 1/2 da tarde, ainda ancorados, já não eram as
mesmas aguas que nos cercavam e sim as do rio-mar, que á mais de
meia hora refluíam sobre o Tapajoz, levando agora suas aguas barrentas
trez léguas á dentro da foz deste seu affluente e vindo beijar as praias da
graciosa Santarém.
Partimos ás 7 da tarde.
Ao meio-dia de 26 passámos as coUinas da Velha Pobre, denomi-
nação cuja origem não me souberam explicar; ficam á margem esquerda.
A's 2 1/2 enfrentámos com a foz do Paru, descido dos ramos austraes da
Tumucumaque, chamados Serra Velha, e cujo volume de aguas é tão
respeitável que a barra ostenta a largura de talvez um kilometro. E' tam-
bém chamado Genipapo ; e suas margens foram em tempos dos Macieis
theatro de suas horríveis camicerias. Passam por auríferas suas cabe-
ceiras e os seus affluentes.
A's 3 da tarde passámos o banco Aquiqut/, e logo adiante a ilha
Carraseão. A's 5 cortámos a barra príncipal do Xingu, que cabe no
Amasonas por trez bocas, Aquiquy, Ucurycaia e aquella, que conserva
o nome do río. Suas aguas são crystallinas e na apparencia de côr verde-
mar.
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AO UIO DE JANEIRO . 395
A's 6 avistámos Gurupá, antiga Mariocay, cerca de cincoenta ki-
lometros abaixo do Xingu. E' uma pequena villa agradavelmente situada,
e um dos mais antigos povoados do Amasonas. Seu fortim, de Santo An-
tónio, cujas ruinas ainda se vêm, foi levantado em 1621 por Bento Maciel
Parente, ou conforme outros pelos hollandezes, annos antes. E' villa desde
1693, anno em que o rei D. Pedro U nella mandou fundar á custa do
Estado uma casa hospitalar e convento á cargo dosjesuitas. Sua matriz
tem a mesma invocação do forte.
A' 27, quinta-feira, entrámos pelo Tayapurú, braço ou parcmdrme'
rim do Amasonas, longo de uns cento e sessenta kilometros, que une
o grande rio ao Tocantins.
A's 2 da tarde parámos em Breves, na margem setentrional do Taya-
purú, pequena villa que gosa dessa proeminência desde 25 de oitubro
de 1851, attestando a vetuslez e disposição de seus edifícios que é dos
primitivos povoados da provincia. Estabelecida á beira rio, pareceu-nos
bastante suja e encharcada : sua velha casaria agglomerada está assente
á poucos passos do rio e em margem alagadiça ; no emtanto que suas
proximidades são abarrancadas. SanfAnna é o orago da sua freguesia.
A's 7 parámos em Curralinho, outro pequeno e decadente logarejo,
também villa desde 1865 e cabeça de município. Sua matriz é da invo-
cação de S. João Baptista. Quasi fronteira lhe fíca a villa de Oeiras^
antiga aldeia de Bocas ou Combocas, donde talvez proviesse o nome
por que é conhecida, também, a bahia de Marajó, Carihoca ou Carabo-
boca ; vasta expansão fluvial de aguas, alterosas ás vezes como as do
oceano, que começa com o nome de bahias de Melgaço e ãe Breves até
receber o Tocantins, conservando sempre uma largura de desoito á vinte
kilometros.
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396 ITINERÁRIO DA CIDADE DE MATTO-GROSSO
A's 4 da manhã de 28 entrámos nas aguas deste rival do Amasonas,
límpidas e transparentes, e que tanto contrastam com as do riomar .
Como o rio da Prata, que não é outra cousa mais que a vasta em-
bocadura do Paran^ reunido ao Uruguay, aqui, também, toma o nome de
rio Pará o enorme estuário que vém desde a bahia de Marajó, ao oceano,
n'um espaço de trezentos e trinta kilometros, e é formado pelo Tocantins
ao enriquecer-se com as aguas dos rios Mojú e Giuijará.
O Mojú é um rio considerável, maior de setecentos kilometros. Sua
largura ordinária em mais de terço do seu curso é de dous á trez kilo-
metros. Suppõe-se-o navegável em mais do quatrocentos. Une-se ao To-
cantins por um furo, o Igarapé-nwrim^ e vae receber o Acará, corrente
também considerável, pouco acima de Belém, cujos territórios banhara,
formando com o Guajará a bahia do Pará, de doze kilometros de boca.
O Gruajará é o nome que dão ao curso formado pela confluência do
G~uamd e Capim, ambos, rios consideráveis, este navegável por mais de
cento e cincoenta léguas, e aquelle por quarenta (a). A extensão do Gua-
jará é de pouco mais ou menos uns cem kilometros. O Capim recebe as
aguas do Surubyú e Ararafidéua.
A'8 9 horas avistámos as primeiras quintas ou chácaras dos arredores
da capital paraense ; ás 12 1/2 dobrámos a ponta do arsenal de marinha ;
e pouco depois o Canuman arvorava seu pavilhão ao entrar no porto da
antiga Sapercrd, depois cidade de Nossa Senhora de Belém.
(a) Descripção geographica do famoso rio das Ainasonas, Chorograpkia Hist,,
tomo 3.0
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AO KIO DE JANEIRO 397
X
Belém está situada V 2T 2" ao sul da linha equinocial, e 5** 15'
22" ao occidente do Eio de Janeiro.
Os tupinambás, seus primitivos donos, chamavam-a Mayrô.
A' quem, como nós, aporta, descendo o rio, traz á idéa a vista de
Montevideo, pela sua posição n'um promontório, a disposição das ruas
e templos, e a enseada do arsenal, que também recorda a Ensenada da
capital cisplatina.
E' uma das mais bellas e agradáveis do Brasil, e talvez a quarta em
população e commercio.
Distingue-se em cidade velha e nova : nestas as ruas são mais bem
alinhadas, quasi parallelas e de regular largura ; algumas sombreadas^
com aléas de gigantes mongubeiras, mangueiras e palmeiras imperiaes
(oreodoxa oleracea), formosos espécimens da maravilhosa vegetação do
paiz : e que ahi fazem immorredouro o nome do general Jeronymo Fran-
cisco Coelho, o primeiro presidente que promoveu o seu plantio. As da
cidade velha são menos rectas e parallelas.
Prolongam-se para fora da cidade com o nome de estradas, e
são orladas de chácaras e sitios, ou rocinhas^ algumas bem aprasiveis
e encantadoras ; vivenda habitual de pessoas abastadas, muitas empre-
gadas na cidade.
Dessas ruas, as do Imperador, Imperatriz e Mercadores são as prin-
cipaes, largas e vistosas, no centro do commercio e as de maior concur-
rencia da população : sendo a primeira a mais bella por seus edifícios
e melhor alinhamento, c por correr parallelamente ao cães, que lhe fica
fronteiro.
Conta vários edifícios notáveis, entre outros o theatro da Paz, na
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398 ITINEKAIUO DA CIPADE DE MAnO-GROSSO
prava D. Pedro II, antigo largo da Pólvora, um dos melhores estabe-
lecimentos do seu género, sinão o melhor do Império ; o palácio do go-
verno, no largo do Palácio^ vasto edifício, de architectura pesada, mandado
construir pelo marquez de Pombal para residência real, sendo sabido que
era uma das suas idéas de maior magnitude, a transferencia da corte para
o Brasil ; o paço da assembléa provincial ainda em construcção e muito
simelhante ao precedente ; a cathedral, Nossa Senhora da Graça, templo
de trez naves, e um dos mais vastos e imponentes do Brasil ; a graciosa
matriz de SanfAnna com um formoso zimbório ; o coUegio do Amparo ;
o Banco Commercial ; o hospital portuguez de Beneficência ; e também, —
porque não deixa de ser notável — o antigo convento das Mercês, enorme
casarão, não concluido e que apezar disso acommoda a alfandega, com
seus armazéns e guarda-moria, o correio, a recebedoria provincial, a caixa
económica, e ainda — o que é singular — duas tabernas aos lados da
egreja.
Na praça de Palácio a gratidão nacional vae erigir a estatua de um
dos mais distinctos filhos da provincia, o heróico general Gurjào : monu-
mento que tanto honra a memoria desse soldado illustre como exalta o
patriotismo dos seus comprovincianos.
Desde 1864 é a cidade illuminada á gaz.
Dizer que seus arredores são pictorescos e aprasiveis, desnecessário é.
Entre todos, destaca-se o de Naeareth, onde annualmente, n'uma pe-
quenina egreja na praça do mesmo nome, celebra-se a festa fluais popular
da terra.
A estrada de Marco de legtia, é um longo e formoso passeio, de
mais de légua, bordado de ambos os lados pelas mais soberbas arvores.
Ha na cidade uma linha de carris de ferro, ou honds, de muito
trafego, como ordinariamente são todas as de seu género.
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AO RIO DE JANEIRO 399
A população de Belém orça por uns trinta e cinco á quarenta mil
habitantes, segundo os mais recentes dados.
Ha na cidade uma escola normal, actualmente com 86 alumnas
e 29 alumnos ; uma bibliotheca com mais de 8000 volumes : creadas
em 1871 e ambas instituições do presidente o Sr. Dr. Portella, inques-
tionavelmente um dos que maior impulso deu á instrucçào popular ; um
lyceu de preparatórios para as faculdades superiores do Império, com
cento e poucos alumnos ; dous seminários episcopaes, maior e menor ;
um instituto de educandos artifices ; um asylo dirigido por irmãs doro-
théas ; e varias outras casas de educação, entre as quaes gosa do melhor
conceito o coUegio de educandas de Nossa Senhora do Amparo. Conta a
provincia 260 escolas publicas com 10.737 alumnos, dos quaes 3191 me-
ninas, segundo os últimos relatórios.
O commercio é florescente e proraettedor. Belém ha de ser um dia,
e bem próximo, um dos mais importantes centros commerciaes da America
do Sul, e o empório mercantil de toda essa vasta bacia amasonica.
Sempre em seu porto ha um bom numero de navios, principalmente
estrangeiros. Occasiões ha em que cinco e mais vapores de longo curso
ancoram em seu porto.
Presentemente, alem dos dous vapores das linhas directas ameri-
cana e ingleza, que cada mez aqui chegam, ha ainda as duas linhas de
Liverpool, alem da linha brasileira de paquetes, e a da navegação mara-
nhense; todos para o commercio marítimo.
A navegação fluvial traz-lhe diariamente trez e quatro vapores da
Companhia do Amasonas, da empreza de Marajó, subvencionadas pelo
governo geral ou provincial ; ou de propriedade particular, como o (7a-
numan^ que aqui nos trouxe : os quaes mantém o commercio entre a
capital e todos os povoados ribeirinhos do Amasonas, dos seus magestosos
affluentes e das ilhas de sua barra.
TxD
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400 ITINERÁRIO T)A CIDADE DE MATT0-GR08S0
Dista Belém do Manaos mil setecentos e deseseis o meio kilometros ;
mil e quinhentos da foz do Madeira ; dous mil quinhentos e trinta e
trez de Santo António ; quatro mil duzentos e quarenta e quatro da cidade
de Matto-Grosso ; cento e cincoenta e dous do oceano, o quatro mil du-
zentos e quatorzo da capital do Império.
CONCLUSÃO
Na madrugada de 31 de dezembro tomámos passagem no paquete
Pernambuco : ás 4 1/2 da tarde deixávamos o porto, e ao anoitecer do-
brávamos a ponta Tigioca e sahiamos no oceano.
A' 2 de janeiro de 1878, quinta-feira, avistámos, ás 6 da manhã,
a cidade de Alcântara^ no Maranhão, e em poucos minutos ancorava-se
no porto de S. Luiz, donde horas depois sahiamos debaixo de grandes
aguaceiros.
A's 11 da manhã seguinte cortávamos as aguas do Paranahyba,
que entram barrentas por uns oito á dez kilometros oceano á dentro.
A's 6 e 5' passámos o Jaricocodra^ espigão de uma pequena mor-
raria, na provincia do Ceará, aos 2" 47* 28'' S.
A's 6 da manhã de 4, demos fundo no porto da Forfalem, sem que
ainda tivessem cessado as chuvas que desde o Maranhão nos acompanham ;
e que são as primeiras que recebe esta desditosa provincia depois de quinze
mezes da mais horrorosa sêcca.
Sabbado 5, sahe-se ás 12 horas e quarenta minutos da tarde, sempre
debaixo de fortes aguaceiros. Em meia hora de seguimento passámos o
pharol de Moenripe, O mar vae bastante agitado com uma frescal brisa
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AO RIO DE JANEIRO 401
de iVJE?., que á noite ronda para SO., degenerando, lá pelas onze horas,
em temporal desfeito.
No domingo, ás 6 da manhã, passa-se cerca de duas amarras da po-
voação de Caiçara ; meia hora depois os Trez Irmãos^ ponta já na costa
do Rio Grande do Norte ; ás 10 horas o Maracageú, e pouco depois a
pictoresca ermida do Senhor Santo Christo, aos 5% 6' S. Conta-se que,
em tempos da nossa emancipação politica, vindo uma imagem desse Se-
nhor em um navio de Portugal, os cearenses puzeram-a n'uma jangada
com um alqueire de farinha, caçaram-lhe a vela e soltaram a jangada
ao largo, dizendo :« Volta, marinheiro, para tua terra. » Marinheiro era
um dos appellidos que davam aos portuguezes, como exprimindo homem
d'alem-mar. A jangada deu á costa neste sitio, onde, encontrada á
margem, erigiram-lhe uma ermida.
Não sei que fundamento ha no conto, nem pude averigual-o.
A' 1 hora e 50' avistámos o forte dos Reis Magos aos 5* 45' S.,
cuja fundação deve-se á Jeronymo de Albuquerque, no anno de 1597.
A's 2 horas e 1 5', ancorava-se no porto do Natal.
Sahimos ás 6 e 3/4.
Seguuda-feira 7, navegando com grandes vagas e vento contrario,
chegámos ao Cahedello, ás 6 horas e 15' da manhã: subimos o Parahyha^
e ás 7 dava-se fundo em frente á capital da provinda deste nome, a Fe-
lippea do governo dos hespanhoes e Frederichstaãt dos hollandezes.
O Cabedello, antigo forte do MattOy é um dos mais curiosos monu-
mentos dos tempos heróicos do Brasil. Está aos 6** 57' 30" S. E' um
polygono, estrella irregular de sete raios, formados por dous baluartes
á norte e leste, dous raeio-baluartes ao occidente e sul, e dous revelins
entre os meio-baluartes.
Eeza Fr. Agostinho de Santa Mónica (a) que foi o ouvidor-geral
(a) Sanetuario Mariano, tomo 9, pag. B55.
51
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402 ITIKEBARIO DA CIDADE DE HATTO-GKOSSO
Martim Leitão, não somente letrado como também homem de guerra,
quem deu principio á essa fortaleza, lá pelo anno de 1581.
Encarregou-se das obras Christovara Lins, que a concluiu quatro
annos depois ; tomando o seu commando, e o primeiro de que a historia
faz menção, o capitão João Tavares.
O general hollandez, Segismundo Van-Schopp, tomou-o de assalto
em 19 de dezembro de 1634 e mudou-lhe o nome para Margaretta, o
cie uma irmã do príncipe Maurício de Nassau. Retomado pelos portu-
gueses, recebeu o nome que hoje tém.
Fronteiro á elle estabeleceu outro Diogo Flores de Valdez, em 1583,
do qual foi prímeiro cabo Francisco Costrejean.
Sahimos ás 5 1/2 da tarde e amanhecemos á vista do Latnarão.
A's 6 horas ancora o Pernambtéco no porto do arsenal do Becife,
No dia seguinte, 9, ás 5 1/2 da tarde, continuou-se a derrota, e ás
8 da noite apercebemos o cabo de Santo Agostinho, cabo da Consolação
dos antigos (b), a prímeira terra do Brasil que foi vista. A's 5 1/2 da
manhã de 10, deitava-se ferro no porto de Maceió^ onde nos demorámos
oito horas, e donde, já que o tempo era insuflSciente, somente por pensa-
mento me trasladei á velha cidade de Alagoa^^ berço meu e dos meus.
A's 3 horas e 20' da tarde de 11 chegámos á cidade do Salvador^
onde a demora foi de vinte e quatro horas. A's 6 da tarde de 13, do-
mingo, passámos os Abrolhos ; ás 7 da manhã seguinte, aos 16* 56' S.
o monte Pascoal^ tão celebre na historia pátria por ser seu descobri-
mento o descobrimento do Brasil, ao avistal-o Cabral aos 22 de abril
de 1500.
(b) Cabo d' Santa Maria de la Consolation, nome que lhe deu Pinzon, ao avis-
tal-o em 25 de janeiro de 1500.
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AO RIO DE JANEIRO 403
A' meia-noite avistámos o pharol de Cabo-Frio, que passámos ás
3 da madrugada do dia 15.
A's 5 da manhã enfrentámos com o pico de João de Leão, digno
irmão do Pão de Assucar\ e ás 6 horas e 35 minutos entravamos na for-
mosissima bahia do Gtianabara, onde fundeámos, ás 7 em ponto : tendo
assim, dado volta redonda á quasi todo o Brasil — a de toda a terra lion
hitavel a região mais formosa » — na phrase de Southey, o illustrado e
circumspecto historiador.
FDI DO SEGUNDO E ULTIMO VOLUME.
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VIAGEM AO REDOR DO BRASIL
índice
Introducçôo
Esboço chorographico da província de Matto-Grosso
CAPITULO I. — Proemio. Limites. Área. População. O araxà e as terras
baixas. Altitude. Hydrographia. Divorsum ctquarum. Geognose. . . 9
CAPITULO II. — Potamographia. Rios que descem das serras dos Parecis,
Tapirapuam, Azul e das Divisões. O Tapajoz. O S. Manoel. O Xingu.
O Araguaya. O Paraná. O Paraguay. O Guaporé. O Mamoré. O Madeira ('•!
CAPITULO III. — Productos da provincia. O ouro e os diamantes. O ferro
e o cobre. Os calcareos e argillas. Flora : a cana ; a poaya ; madeiras de
lei e sua devastação. Matto-Grosso na exposição de Philadelphia. As
fazendas de criação. Fair-mount-Park e o Trocadero Hl
CAPITULO IV. •— ( Jlimatographia. Condições hypsometricus do solo. Diffe-
rençtt entre o clima do planalto e o das comarcas baixas. Paludismo.
Nosographia. O emetismo ou mal da poaya. Hygrometrismo c meteoro-
logia. Estudos thermicos 109
1« PARTE
Itinerário da corte á cidade de Matto-Çrosso
CAPITULO I. - Da corte ao Apa 229
CAPITULO II. — Do Apa ao forte de Coimbra '2ôò
CAPITULO III. — A gruta do Inferno, em Coimbra l.»71
CAPITULO IV. — De Coimbra á (Corumbá íW
CAPITULO V. — Itinerário ás lagoas. Lagoa de Cáceres. A ilha dos Ore-
jones. Lagoas Cipó e Mandioró. A lagoa Men ou de Juan de Ayolas.
A Gahyba : o lettreiro, A Uberaba : o canal D. Pedro II O porto de Reis. 313
CAPITULO VI. — De Corumbá ao Descai vado. Do Descalvado á Corixa
Grande do Destacamento. O Retiro do Presidente. Fazenda do Cambará.
Os cupins e as formigas : o termes luoiferus, Bahia de Pedras. A Corixa
Grande do Destacamento : a Loca. Da Corixa á Santa Rita. O sitio
Uauassà, Os chiquitano.s e seu dialecto Bugres. Santa Rita. As oirUoxs, 343
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n
PAOS.
CAPITULO VII.— Regresso á Corumbá. Volta aos trabalhos. Palmas Reaes.
Pôtas. O monte da Boa- Vista. O morro das Mercês. Os dos Quatro Ir-
mãos. Salinas. Casalvasco. O rio Alegre 375
a.* VO&ITMB
2« PARTE
Vílla-Bella. Cidade de Matto-Grosso
CAPITULO I. — Esboço histórico dos começos da provincia. Fundação de
Cuyabá. O matto-grosso e os sertões dos Parecis. Fundação dos arraiaes
de SanfAnna e S. Francisco Xavier
CAPITULO II. — Origens da cidade de Matto-Gi*osso. Descobrimento do
Alto-Paraguay. O Pouso-Alegre. Descobrimento da via fluvial para Be-
lém, no Pará. Novas minas de ouro.Prelasia de Cuyabá. Capitania geral
do Cuyabá e Matto-Grosso. D. António Rolim de Moura, primeiro capi-
tão-general. Pouso-Alegre elevado ao foral de villa! Suas armas. Casa
Redonda e aldeia de S. José. Forte da Conceição. Destacamento das
Pedras Negras. Aldeia de S. Miguel de Lamego. ......... *I5
CAPITULO III. — João Pedro da Camará, segundo capitSo-general. Tenta-
tivas dos hespanhoes. As minas de S. Vicente. Luiz Pinto de Sousa
Coutinho, terceiro capitão-general. O canal do Alegre ao Aguapehy.
Depredações dos Índios. Luiz de Albuquerque, quarto governador. Re-
gistros da Insua e Jaurú. Fortes de ()oimbra e do Príncipe. Viseu.
Presídios de Albuquerque, Mondego e Villa-Maria. S. Pedro d*Elr-ei.
Casalvasco. João de Albuquerque, quinto capitão-general. Aldeia Car-
lota. Junta governativa. Caetano Pinto e Magessi, sexto e sétimo capi-
tães-generacs. Cuyabá, capital. Prelados. Presidentes da provincia. 71
CAPITULO IV. — A cidade de Matto-Grosso 101
3* PARTE
Itinerário da cidade de Matto-Grosso ao Rio de Janeiro
CAPITULO I. — Dificuldades para a viagem. Partida. O rio Verde. As
Torres. Os garayos e seu dialecto. O Mequenes. .\ ilha Comprida. . . 145
CAPITULO II. *- O destacamento das Pedras Negras. Os indios palmellas.
Seu dialecto : confrontação com outros. Idioma, booa e língua, e agua,
em vários dialectos. O Baures. O Itonamas 187
CAPITULO III. — O forte do Príncipe da Beira. Alguns vocábulos dos dia-
lectos baures, cayoábas e itonamas. O Mamoré. A estrada de ferro do
Mamoré ao Madeira 215
CAPITULO IV. - As caohodií-as 2õ9
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m
PAQ8
CAPITULO y. ~ De Santo António á Manaos. A Amasonia. O Amasonas. 811
CAPITULO VI. — As províncias do Amasonas e Pará. De Manaos á fielem.
De Belém á corte ÍJ59
Conclusão 40Q
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..i»:'Wi
T7P. e Lilli. íe Píilieiro & C, Rua Sete de SetemíTO i57
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