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Full text of "Viagem ao redor do Brasil, 1875-1878"

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Viagem  ao  redor 
do  Brasil,  1875-1878 


João  Severiano  da  Fonseca 


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lAGEM  AO  MEDOR  DO  IgRASIL 


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VIAGEM 


AO 


REDOR  DO  BRASIL 

1875 — 1878 


PELO 


DR.  JOÃO  SEYERIANO  DA  ^ONSECA  (l^  ^í'  -  3 


Graduado  pela  Faculdade  de  Medicina  do  Rio  de  Janeiro, 

1.0  Cirurgião  do  Exercito, 

1.0  njedico  do   tjospital  Militar  de  Andarahy, 

Membro  da  Academia  Imperial  de  Medicina, 

do   Instituto   Histórico  e  Geographico  Brasileiro, 

do  Archeologico  e  Geographico  Alagoano, 

da  Sociedade  i^uxiliadora  da  Industria  Nacional  e  de  outras  Sociedades  de  Estudo, 

Commendador  da  Imperial  Ordem  da  Rosa, 

Cavalleiro  das  de  N.  S.  Jesus  Christo, 

Imperial  do  Cruzeiro  e  Militar  de  S  Bento  de  Aviz, 

Condecorado  com  as   Medalhas  das  Campanhas  Orieqtal  de  1864  ~  1865 

e  Geral  do  Paraguay  con;  o  passador  com   numero  5. 


1.0   VOLUME 


RIO  DE  JANEIRO 

Typographia  de  Pinheiro  &  C  Rua  Sete  Setembro  n.  157 


1880 


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Insinto  Ârcheologíco  e  Geognpkíco  de  Alagoas 


o  AUTOR 


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INTRODUCÇAO 


ESBOÇO  CHOROGRAPHICO  DA  PROVÍNCIA 


DE 


MATTO-GROSSO 


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V. 


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THE  LIBRARY 

THE  UNIVERSITY 

OF  TEXAS 


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ESBOÇO  CHORO&RAFHICO  DÂ  PR07INCIÂ  DE  MATTO-&R0SSO 


CAPITULO  I 


/ 


Pnenio.  Lioíies.  Área.  PopalAçao.  Hjptonetria :  o  iraxí  e  as  torras  baixas ;    altitude.  Hjdrcgrapliia: 
Dironim  aquaram.  Oeognoie. 


s 

orasiieiro:  ja  se  avisiava  ao  longe,  cerca  ae  ires  Kiiomeirus  á 
margem  direita,  a  alva  columna  quadrangular  do  marco  da  foz  do  Apa, 
divisório  entre  a  nossa  provincia  de  Matto-Grosso  e  as  terras  paraguayas. 
Em  poucos  minutos  o  pavilhão  nacional  iyado  no  penol  dos  navios  indicava 
que  sulcávamos  aguas  brasileiras. 


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10  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Só  O  desterrado —  e  o  viajante  o  é — pode  explicar  essa  emoção  de 
jubilo  e  satisfação  indizivel  que  se  experimenta  ao  pisar  ou  tão  somente  ao 
rever  terras  da  pátria.  E'  um  sentir  que  partilha  do  amor  filial,  do  amor 
de  familia,  do  amor  do  lar;  manifestação  de  um  egoismo  que  é  também 
virtude  do  coração,  e  a  qual,  por  mais  fiitil  que  pareça  aos  que  não  encon- 
tram o  solo  natal  nessas  paragens,  tal  não  lhes  parecerá,  de  certo,  por 
mais  indifferente  que  sejam,  quando  a  ten-a  que  se  lhes  apresente  á  vista 
seja  a  terra  que  lhes  deu  o  berço. 

Que  de  vezes,  em  nossas  viagens  por  este  mesmo  rio,  não  apreciei  a 
alegria  dos  marinheiros  e  soldados  cuyabanos  ao  avistarem  as  aguas  bar- 
rentas do  S.  Lourenço,  tão  divididas  das  do  limpido  Paraguay  ainda  á 
uns  centos  de  metros  da  confluência;  e  a  anciã  e  gostosa  soflreguidáo  com 
que  a  buscavam  e  bebiam,  só  por  serem  aguas  do  Cuyabá ! 

Santo  amor  da  pátria,  santo  egoismo ! 

Entre  nós  vinham  filhos  de  quasi  todas  as  províncias,  e  conhecida- 
mente do  Pará,  Maranhão,  Ceará,  Piauhy,  Pernambuco,  Alagoas, 
Sergipe,  Bahia,  Paraná,  Kio  Grande  do  Sul  e  da  corte:  no  semblante 
de  cada  um,  passageiros  e  tripolação,  lia-se  um  sentimento  ineffavel, 
que  só  não  podiam  compartilhar  os  estrangeiros  que  nos  acompanhavam, 
mas  que,  todavia,  sabêl-o-hiam  apreciar. 

A's  seis  e  meia  enfrentávamos  o  Apa  e  passávamos  o  marco,  ahi  le- 
vantado em  23  de  setembro  de  1872  (a)  pela  commissão  de  limites  pre- 
sidida pelo  coronel  de  engenheiros  Kufino  Enéas  Gustavo  Galvão,  hoje 
.  barão  de  Maracajú. 

Fins  idênticos,  quaes  os  de  demarcar  nossas  fronteiras  com  a  BoUvia, 
traziam-nosá  Matto-Grosso;  e  ainda  essa  commissão  tinha  por  chefe  o 
mesmo  intelligente,  zeloso  e  modesto  funccionario. 


(a)  Está  aos  :i'2o  4'  45'V^  de  lat.  sul,  e  U«  42'  4r',22  de   long.  oce.  do  meri- 
diano do  Gastello. 

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DA  PROVINCU  DE  MATTO-GROSSO  11 


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Demora  a  província  de  Matto-Grosso  entre  os  parallelos  de  7°  25' 
S,  (a),  na  confluência  do  Paranatinga  ou  Três  Barras,  e  24**  3'  31  ",42, 
na  quinta  cachoeira  do  Salto  das  Sete  Quedas  (b);  e  entre  os  meridianos 
de  6**  42\  em  frente  á  ponta  septentrional  da  ilha  do  Bananal,  no 
Araguaya,  e  22°  13'  15"  na  ilha  da  Confluência,  formada  ao  encon- 
trarem-se  as  aguas  do  Mamoré  e  do  Beni  (c). 

São  seus  limites: 

Ao  N. :  Os  rios  Madeira  e  seu  affluente  Gyparaná  ou  Machado  (d), 
desde  suas  vertentes  nas  serranias  denominadas  Cordilheira  do  Norte ; 
esta  serra;  o  rio  Uruguaias,  affluente  do  Tapajoz;  o  Tapajoz  desde  sua 
confluência  até  a  do  rio  S.  Manoel,  Paranatinga  ou  das  Três  Barras^ 
que  a  separam  da  província  do  Amazonas;  e  todo  o  curso  deste  rio  de 
S.  ilanoel;  o  Acarahy;  o  Xingu;  o  Fresco;  a  serra  dos  Gradahus  e  o 
Âquiquy,  que  separam-a  da  do  Pará. 


(a)  Sendo  austraes  quasi  todas  as  latitudes  á  citar  nesta  obra,  somente  para  os 
do  hemispherio  norte  far-se-ha  patente  a  sua  relação  com  o  equador.  As  longitudes 
são  todas  occidentaes;  e  referidas  ao  meridiano  do  Gastello  aquellas  cuja  relação 
se  omittir. 

(b)  E  aos  lio  22'õ0",4  long.-— Gommissao  de  limites  com  o  Paraguay,  \872— 1874. 

(c)  Os  antigos  suppunham  ser  a  ponta  fronteira  á  foz  do  Abuná  o  ponto  mais 
Occidental  do  Madeira. 

(d)  Para  demarcação  desse  limite  entre  as  duas  capitanias  de  Matto-Grosso  e 
S.  José  do  Rio  Negro,  exigia  o  governo  que  se  tomasse  um  ponto  médio  entre 
a  foz  do  Guaporé  e  a  do  Madeira.  Nesse  sentido,  em  30  de  dezembro  de  1781,  Luiz 
de  Albuquerque  officiou  ao  Dr.  Francisco  José  de  Lacerda  e  Almeida,  astrónomo  da 
commissâo  demarcadora  de  limites,  que  o  cumpriu^  propondo  o  rio  Gyparaná.  Eis 
as  suas  conclusões : 


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12  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

A  E.:  O  Araguaya^  desde  a  boca  do  Aquiquy,  logo  abaixo  da  car 
choeira  de  Santa  Maria, on^Q  tem  começo  a  serrania  dos  Gradahús;e  dahi, 
subindo  pela  margem  esquerda,  até  a  serra  do  Cayapó^  donde  desce  pelo 


lAT.  AUSTRAES 

<c  A  latitude  da  foz  do  Madeira .  S»  23*  0** 

A  do  Guaporó IS»    0*  0" 

Differença  entre  as  duas  latitudes 8°  87*  0* 

•A  metade  dessa  differença 4»  IS^SC 

Sommando-se  essa  differença  com  a  primeira  latitude  da  foz  do  Ma- 
deira, conclue-se  a  latitude  média  de 7»  41*  30" 

Os  pontos  mais  remarcáveis  da  confifjuraçào  do  rio,  entre  os  quaes  se 
verifica  essa  Intitudc.  sao  :  a  ilha  que  chamam  dos  Muras,  na  mar- 
gem Occidental  e  o  rio  Gyparaná,  que  desagua  pela  oriental ;  a 

latitude  da  ilha,  na  sua  ponta  xV;  ô  do •      6o  35*    O" 

que  diíTere  do  ponto  medio.em  menos !<>    6*  30" 

E  a  latitude  do  Gyparaná,  na  boca,  é  de 8®    4*    O" 

que  differe  de  latitude,  por  excesso O*  22'  30'' 

quantidade  pouco  attendivel  em  tamanho  terreno,  por  ser  o  andamento  do  rio  em 
rumos  de  S.  e  ser  uma  constante  massa  a  foz  do  dito  Gyparaná,  etc. . .  (Assignados) 
o  Dr,  Lacerda  e  o  Dr,  António  Pires  da  Silva  PonteSj  astrónomos  encarregados.  » 
(Ms.  daBibliot.  Nac.) 

Da  integra  daquelle  officio  de  Luiz  do  Albuquerque  se  deduz  que  esse  ponto 
fosse  tomado  para  base  de  demarcação  da  recta  de  limites,  que  devia  ir  ter  ás  cabe- 
ceiras do  Javary,  pois  diz  elle :— «  e  por  consequência,  na  certeza  de  que  não  será 
a  ilha  dos  Muras,  pouco  mais  ou  menos,  a  que  estabelece  o  ponto  médio  de  latitude 
entre  a  boca  do  Madeira,  no  Amazonas,e  a  do  Guaporé,  no  Mamoré,  mas  sim  algum 
outro  ponto  mais  meridional;  o  que  resulta  em  vantagem  dosreaes  domínios  portu- 
guezes  2) :  sendo  também  tomado  para  a  divisória  das  duas  capitanias. 

Entretanto  os  capitães-generaes  de  Matto-Grosso,  até  então,  só  tinham  fxercido 
autoridade  até  a  terceira  cachoeira  (S»  52'  lat.)t  onde,  em  1753.  fundou  o  juiz 
de  fora  de  Villa  Eella,  Dr.  Theolonio  da  Silva  Gomes,  a  aldeia  de  Nossa  Senhora 
da  Boa  Viagem,  Todavia,  já  em  1802  o  commandanto  do  ponto  do  Crato,  no  Baixo- 
Madeira,  achou-se  com  direito  de  ahi  collocar  uma  guarda.  (Baena— Compendio 
das  Eras  da  província  do  Pará.) 

Ricardo  Franco  de  Almeida  Serra  muito  trabalhou  para  fazer  restabelecer 
aquella  povoação ;  e  em  1814,  a  carta  régia  de  6  de  setembro  mandou  novamente 
creal-a  sob  o  nome  de  S.  Luís,  o  que,  comtudo,  não  se  effectuou.  O  Pará,  e  presen- 
temente a  Amazonas,  tem  exercido  sempre  autoridade  até  as  cachoeiras,  conservando 
um  posto  militar  e  uma  subdelegada  de  policia  no  ponto  de  Santo  António.  A 
provisão  régia  de  1 1  de  novembro  de  1752  determinou  a  fundação  de  um  registro 
nessa  cachoeira,  então  conhecida  pelo  nome  de  Âroyaz^  e  isso  á  capitania  do  Pará, 
quando,  entretanto,  já  á  quatro  annos  que  existia  creada  a  de  Matto-Orosso. 


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DA  PROVINCU  DE  MATTO-GROSSO  13 

Correntes  ao  Paranahyba  {d),  que  são  seus  limites  com  Goyaz;  o  Para- 
nahyba,  que  a  divide  da  provinda  de  Minas-Geraes,  desde  a  foz  desse  braço 
limitrophe  até  a  do  Bio  Grande  \  e  o  Paraná^  que  assim  é  chamado  o 
Paranahyba  ao  juntar  seu  cabedal  de  aguas  com  as  do  rio  Grande,  que 
separa-a  da  de  S.  Paulo,  em  frente  ao  Paranapanema,  e  da  do  Paraná, 
abaixo  da  ilha  Grande  do  Salto  e  fronteiro  á  foz  do  Piquiry. 


(a)  Esse  era  o  limite  dado  pelo  illustrado  marqnez  de  S.  Vicente,  que  o  cita  no 
seu  relatório  de  1838,  quando  presidente  da  província,  e  antes  no  officio  de  28  de 
julho  do  anno  anterior  ao  ministro  do  Império.  Entretanto,  o  limite  consignado 
em  todas  as  cartas  modernas,  excepção  feita  das  de  Goyaz,  é  o  rio  Áporé  ou  do 
Peixe,  a  primeira  grossa  corrente  logo  ao  sul  do  Gorrentes  e  descida  também  da 
serra  do  Cayapó*  Goyaz  não  acceita  nenhum  dos  dous  por  Umite,e  sim  o  rio  Pardo, 
muito  mais  ao  5. 

Grande  confusão  reina  entre  os  escriptores  e  geographos  sobre  os  rios  dessa 
região;  assim  o  marquez  de  S.  Vicente  suppoe  o  Gorrentes,  encorporado  com  o  Par- 
medOt  sahir  no  Turvo,  e  este  no  Paranahyba,  parecendo  querer  assim  corrigir  o  rio 
Doce,  apresentado  como  limite  pelo  presidente  António  Pedro  de  Âlencastro  (officio 
de  14  de  janeiro  de  1836,  ao  ministério  do  Império).  Não  combinando  as  cartas  mo- 
dernas sobre  a  situação  desses  rios,  guio-me  neste  estudo  pela  de  Goyaz,  levantada 
em  1874  pelo  illustrado  major  de  engenheiros  Joaquim  Rodrigues  de  Moraes  Jardim, 
natural  da  provincia,e  que  muito  a  tem  viajado.  Segundo  ella,o  Turvo  é  um  affluente 
do  rio  dos  Bois  ou  Ânicuns  que  desce  desde  o  parallelo  I6o,  mais  ou  menos,  tendo  o 
Bois  a  foz  quasi  no  parallelo  18o,umas  dezoito  léguas  acima  do  rio  Claro  ou  dos  Pas- 
mados» Este  é  certamente  o  rio  Doce  do  presidente  Âlencastro.  Abaixo  delle  cabe 
o  Verdinho^  o  Correntes  e  o  Aporé,  guardando  distancias  quasi  eguaes,  sendo  este 
de  pequeno  curso,  e  aquelles  maiores  e  originados  na  serra  do  Cayapô. 

No  atlas  do  Sr.  senador  Cândido  Mendes,  o  Turvo  é  tronco  principal,  e  tem  á 
direita  o  Verde  e  á  esquerda  o  Anicuns  por  affluentes ;  entre  elle  e  o  Aporé,  fica  o 
Correntes  quasi  que  á  meia  distancia,  e  também  equidistante  das  cachoeiras  de 
S.  Sim^o  e  S.André,  entre  aquelles  rios.  Afora  elles  nenhum  outro -rio  indica.  Na 
carta  do  Império,  de  1875,  da  commissão  da  carta  geral,  o  Verde  é  o  tronco, 
e  recebe  o  Anicuns  o  este  o  Turvo ;  abaixo  do  Verde  está  o  Claro,  que 
recebe  o  Doce.  e  antes  da  confluência  do  rio  Grande  outras  duas  correntes, 
uma  o  Verde  (que  é  o  Verdinho'  do  Sr.  Jardim),  e  outra  innominada.  Nas 
cartas  de  Conrado,  Ponte  Ribeiro,  etc,  vem  o  Verde  recebendo  o  Anicuns  e  este 
o  Pasmados,  que  vem  a  ser  o  Verde,  affluente  do  Turvo  do  Sr.  Cândido  Mendes. 
Trazem  também  o  Correntes  entre  o  Verde  e  o  Aporé,  que  algumas  designam 
por  Apara,  sendo  aquelle  Verde  o  de  egual  nome  da  carta  geral,  e  dos  Bois  da  carta 
goyana,  e  não  o  outro  Verde,  nesta  carta  chamado  Verdinho ;  sendo  ainda  que  o 
Correntes  daquellas  cartas  é  o  Claro  da  carta  geral,cuja  foz  se  encontra  fronteira  á  do 
Te}ucos.Gunh%  Mattos,  na  sua  Chorographia  histórica  da  provinda  de  Goyaz,  dá  o 
Turvo  formado  pelo  Bois,  que  recebe  o  Anicuns,  braço  de  sessenta  léguas  de  curso  ; 


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14  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Ao  S. :  o  Para-la,  desde  a  foz  do  Iguassú  até  o  salto  grande  das 
Sete  Quedas;  as  serras  AeMaracajúe  Anhambahye  o  rio  Apa^  desde  sua 
principal  vertente  entre  os  regatos  Estrella  e  Lageaão,  que  a  separam 
da  republica  do  Paraguay. 

E  a  O. :  O  rio  Paraguay^  desde  a  foz  do  Apa  até  a  lagoa  ou  Bahia 
Negra,  por  cujo  meio  corre  a  divisória  com  a  republica  da  Bolivia,  se- 
guindo uma  linha  de  limites  que  vae  cortar  á  meio,  em  rumo  S.-N.  as 
lagoas  de  Cáceres,  Mandioré,  Gahiha  Grande  e  Uberaba;  donde  prolon- 
ga-se  ao  extremo  S.  da  Coricca  Gi'ande  do  Destacamento,  e  dahi,  salvando 
pelo  uti'posmdetis  o  território  da  aldeia  de  S.  Mathias,  á  confluência  das 
corixas  de  S.  Malhias  e  Peivado ;  ao  morro  da  Boa  Vista;  aos  dos  Quatro 
Irmãos  e  á  nascente  principal  do  Bio  Verde;  continuando  pelos  alveos 
deste  rio,  do  G-uaporé  e  do  Mafnoré  até  o  entroncamento  do  Béni  e  for- 
maçíio  do  Madeira. 


Nào  se  conforma  a  provinda  de  Goyaz  com  os  linodtes  acima  decla- 
rados, e  considera  como  seu  todo  o  território  ao  N.  do  rio  Pardo  e  a  E.  da 
serra  das  Divisões.  Básêa-se  no  parecer  do  seu  primeiro  governador 
D.  Marcos  de  Noronha,  de  12  de  janeiro  de  1750,  e  no  ajuste  que  fizeram 
os  capitães-generaes  das  duas  capitanias  Luiz  Pinto  de  Souza  Coutinho  e 
António  Carlos  Furtado  de  Mendonça,  e  acto  de  formal  assentimento  por 
parte  de  Luiz  Pinto,  no  Termo  de  Accessào  lavrado  á  1  de  abril  de  1771, 
em  que  acceita  por  limites,  desde  a  foz  do  rio  das  Mortes^wa  Araguaya,  até 
a  do  rio  Pardo,  no  Paraná;  limites  propostos  em  7  de  setembro  de  1761 


entre  tanto  consigna  a  nota  de  que  suppõe  este  ser  o  tronco  dessa  rede  potamogra- 
phica. 

Finalmente,  o  illustrado  Sr.  Dr.  A.  de  Escragnolle  Taunay,  no  seu  fltfloíorto 
geral  da  commissão  de  engenheiros  junto  ás  forças  da  expedição  d  provinda  de 
Matto  Grosso,  dá  o  Bois  como  tronco,  e  recebendo  o  Verde,  o  Turvo  e  o  Santo  Anto» 
nio;  o  que  restabelece  a  verdade,  e  é  confirmado  na  carta  do  Sr.  Jardim. 


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DA  província  de  mattogrosso  15 

pelo  capitão-mór  da  conquista  João  de  Godoys  Pinto  da  Silveira  ao  governa- 
dor de  Groyaz  João  Manoel  de  Mello.  Talvez  suppuzessem  o  rio  das  Mortes 
contra-vertente  do  Pardo;  no  emtanto,  que  elle  nascendo  com  o  nome  de 
Manso  no  parallelo  15%  á  180  kilometros  de  Cuyabá  e  separado  apenas 
uma  légua,  mais  ou  menos,  das  veiientes  do  S.  Lourenço,  fica  distando 
das  cabeceiras  do  rio  Pardo  toda  a  zona  que  os  cartographos  assignalam 
occupada  pelas  serranias  de  Agua  Branca,Santa  Maria,  Sellada  e  Cayapó. 
Luiz  de  Albuquerque,  successor  de  Luiz  Pinto,  tendo  verificado  o  desacerto 
e  inconveniências  que  dessa  divisão  provinham  á  Matto-Grosso,  propôz, 
em  15  de  outubro  de  1773,  continuar  como  limite  oriental  o  Araguaya 
até  suas  cabeceiras,  obrigando-se  á  estabelecer  um  presidio  na  boca  do 
Barreiro  ou  Cotovello;  o  que,  porém,  não  realizou  ahi  e  sim  á  margem  do 
Araguaya,  no  ponto  que  foi  denominado  Imua  (a),  onde  hoje  existe  a 
colónia  militar  do  Itacayú,  logo  acima  da  embocadura  do  rio  Claro,  e  cerca 
de  vinte  e  cinco  léguas  á  N.  E.  do  Barreiro. 

Desde  então  foi  considerado  matto-grossense  o  território  á  0.  do  Ara- 
guaya e  S.  do  rio  Correntes;  e,  em  19  de  abril  de  1838,  a  assembléa  pro- 
vincial erigiu-o,  á  pedido  de  seus  moradores,  em  freguezia,  e  em  villa  á  4 
de  julho  de  1857,  em  vista  do  incremento  que  tomara,  mantendo-lhe 
sempre  as  autoridades,  parocho,  correio,  etc.,  com  as  despezas  competentes 
e,emfim,organÍ8ando-lhe  um  collegio  eleitoral,mais  tarde  reconhecido  pela 
assembléa  geral  legislativa. 

Entretanto  Goyaz,  após  infructiferas  reclamações,  achou-se  com  di- 
reito para,  por  lei  de  5  de  agosto  de  1849,  comprehendêl-a  no  território 
da  freguezia  de  Nossa  Senhora  das  Dores,  nessa  occasião  creada,  e  á  qual 
marcou  como  limite  austral  o  rio  Pardo. 

Levada  a  questão  ao  parlamento,  tem  sido  sempre  procrastinada;  em 


(a)  Nome  dado  em  homenagem  ao  capitão-general,  senhor  da  terra  de  egual 
nome  em  Portugal. 


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Godgle 


16  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

20  de  julho  de  1864  a  commissão  de  poderes  opinou  contorme  q  parecer  de 
D.  Marcos  de  Noronha,  primeiro  governador  de  Goyaz;  mas  até  hoje  a  as- 
sembléa  não  decidiu,  parecendo,  ao  contrario,  no  reconhecimento  daquelle 
collegio  eleitoral,  respeitar  os  direitos  de  Matto-Grosso. 

Essa  questão  de  limites  tem  trazido  conflictos  e  complicações  sem 
utilidade  para  o  Estado,  e  só  desgosto,  prejuizos  e  vexames  para  os  mora- 
dores e  atrazo  para  a  região:  males  que  o  governo  pôde  facilmente  obviar. 

E  não  é  só  nesta  provincia  que  reina  a  duvida  e  controvérsia  sobre  as 
respectivas  divisórias:  fora  mister  que  os  poderes  competentes,alheiando-se 
á  politica  tacanha  de  partidários  e  de  bairrismo,  resolvessem  de  uma  vez 
taes  pendências,  tendo  em  mira  somente  o  interesse  real  da  nação,  isto  é, 
o  augmento,  progresso  e  melhoramento  das  condições  de  ser  de  taes  regiões. 
Certo,  que  assim  guareceriam  sensatamente  os  interesses  do  paiz,  e  acaba- 
riam intermináveis  questiúnculas  e  lutas  de  papel,  dispendiosas  e  prejudi- 
ciaes  tanto  ao  Estado  como  ao  povo. 

i  Para  que,  por  exemplo,  não  se  adjudicar  definitivamente  á  Ama- 
zonas aquella  região  do  Madeira,  si  Matto-Grosso  não  a  administra  nem 
pôde  administrar,  pela,  impossibilidade  absoluta  de  meios,  á  começar  pela 
distancia  enorme  e  entraves  do  caminho  entre  tal  território  e, — nem  cite-se 
a  capital,  mas  o  seu  mais  próximo  povoado —  ;  e  quando  para  a  outra  pro- 
víncia tão  fácil,  natural  e  já effectiva  é  essa  administração? 


III 


ÁEEA. — Abrange  Matto-Grosso  uma  área  immensa,  ainda  não  bem 
determinada  mas  avaliada  em  cerca  de  cincoenta  mil  léguas  quadradas.  No 
trabalho,  que  serviu  de  apresentação  do  paiz  na  Exposição  Universal  de 


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DA  província  de  matto-grosso  17 

Vienna  (a),  o  governo  imperial,  conformando-se  com  os  cálculos  do  sena- 
dor Pompeu,  deu-lhe  2.090.880  kilometros  quadrados,  ou  quarenta  e 
oito  mil  léguas  quadradas,  á  exemplo  de  outros  geographos,  entre  elles 
Luiz  D'Alincourt,  hábil  e  illustrado  engenheiro,encan-egado  em  1827  dos 
estudos  estatisticos  e  topographicos  da  província,  mas  que  cercêa-lhe  toda 
a  área  entre  os  parallelos  que  passam  pela  foz  do  Apa  e  o  da  quinta  ca- 
choeira do  grande  salto  do  Paraná. 

O  Sr.  senador  Cândido  Mendes  dá-lhe  approximadamente  50.175 
léguas  quadradas,  coUocando  a  província  entre  os  parallelos  7°  30' e  24°  10', 
e  os  meridianos  7*  25' e  22** O':  marca-lhe  para  extensão  332  léguas  de  N. 
á  S.,  da  foz  do  Fresco,  no  Xingii,  á  do  Igurey^  no  Paraná,  e  265  de  lar- 
gura, desde  o  Araguaya.  das  serras  de  Gradahús  á  confluência  do  Mamoré 
com  o  Beni. 

Mais  acertado  parece  o  computo  que  D'Alincourt  faz,  de  310 
leguas^de  largura,  desde  a  ponta  norte  da  ilha  do  Bananal  á  cachoeira  da 
Pederneira,  que  entretanto  fica  aquém  do  meridiano  daquella  confluência. 

Bellegarde  e  Conrado  consignam  cincoenta  e  uma  mil  léguas  qua- 
dradas para  essa  área,  o  que  será  mais  approximado  da  verdade  se  forem 
exactos  os  cômputos  do  illustrado  geographo  maranhense. 

POPULAÇÃO. — Mui  longe,  infelizmente,  vae  ainda  a  população  de 
tão  lasto  território  do  avaliado  nos  últimos  censos  da  província.  Não 
pôde  ascender  á  mais  de  e  cincoenta  mil  almas  a  população  civilisada, 
a  qual  quasi  que  totalmente  se  concentra  nas  povoações;  sendo  mui  dimi- 
nuto o  numero  dos  habitantes  espalhados  longe  desses  centros,  nos  almar- 
geaes  das  campanhas  alagadiças  ou  no  alto  do  araxá,  á  beira  das  estradas 
de  Goyaz  e  do  Piquiry. 

De  conformidade  com  as  ultimas  e  melhores  avaliações,  póde-se 


(a)  o  Império  do  Brasil,  no  Exposição  Universal  de  Vienna  d'Austria,  1873. 

3 


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18  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

dividir  essa  população,  na  qual  se  incluem  3.500  escravos,  pelos  districtos 

seguintes  : 

Cuyabá 23.500  habitantes. 

Matto-Grosso 740 

Poconé 2.060 

Corumbá 11.600 

Miranda 5.400 

SanfAnna  do  Paranahyba 3.300 

S.  Luiz  de  Cáceres 3.400 

Total 50.000 

A  essa  póde-se  ainda  addicionar  a  população  aborígene  semi-selva- 
gem  aldeiada,ou  mais  ou  menos  em  contacto  com  a  civilisação,  e  que  orça 
n'uns  oito  á  nove  mil  indios,  distribuídos  pelas  seguintes  tribus  ; 

Caãméos  e  heaquéos,  rostos  da  fortíssima 

e  temida  nação  do  guaycurús 1.600 

Guanos^  kinikindos,  ierenas  e  Jayaims,  .     2.200 

Bororós.  .  , 600 

Cayapõs 400 

Apiacás 2.600 

Xamococos 100 

Garayos 800  ^ 

Palmellas 400 

e  os  guaióSy  tribu  quasi  extincta,  mas  que,  estendendo-se  aqui  e 
pelas  margens  do  Paraguay  e  S.  Lourenço,  e  só  nas  lagoas  Gahiba  e  Ube- 
raba tendo  quatro  malocas,  deve  exceder  de  muito  o  numero  de  cincoenta 
indivíduos  que  lhe  arbitrou  ultimamente  a  directoria  geral  dos  indios  da 
provincia(a).Um  inglez  residente  nessas  lagoas  ha  longos  annos,o  Sr.Wil- 

(a)  Existem  na  província  sete  directorias  de  índios  subordinadas  á  directoria 
geral,  e  tendo  por  principal  cuidado  as  tribus  já  mansas. 


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DA    PROVÍNCIA    DE    MATTO-GROSSO  19 

liam  Jones,   calcula  em  mais  de  duzentos  os  habitantes  das  quatro 
malocas. 

O  illustrado  Sr.  barão  de  Melgaço  avalia  em  vinte  e  quatro  á  vinte  e 
cinco  mil  a  população  dos  indios  selvagens,  cujas  tribus  conhecidas  são 
em  numero  de  dezoito,  á  saber  :  araras  e  caripúnas,  no  Alto  Madeira, 
jacarés,  ccnahós,  pacahás  e  cauiariós,  no  Baixo  Mamoré ;  mequénes,  pa- 
recis,  maimharés  e  caiixis,  no  Guaporé ;  barbados,  bororós  da  campanha 
e  bororós  cabaçaes,  entre  o  Guaporé  e  o  Paraguay ;  coroas,  nas  cabeceiras 
do  Cuyabá  e  S.  Lourenço  ;  bacauhyris  e  cayábis,  nas  do  Paranatinga ; 
nhambicudres,  entre  os  rios  do  Peixe  e  Arinos  ;  e  cayutís  (cayguaz  do  Pa- 
raguay), nos  sertões  das  cordilheiras  do  Anhambahy  e  Maracajú. 


Si  attender-se  á  que  os  indios  semi-selvagens  andam  ainda  tão  arre- 
dios, que  nem  dos  próprios  guatós  se  conhece  o  numero,  e  são  estes  ribei- 
rinhos do  Paraguay  e  S.Lourenço — a  estrada  mais  trilhada  e  conhecida  da 
provincia,  conjecturar-se-ha  a  difSculdade  de  calcular-se  o  qtmntum  dos 
que  não  só  povoam  os  terrenos  pouco  trilhados  pelos  viajantes,  ás 
margens  dos  grandes  rios,  mas  ainda  os  que,  fugindo  ás  barbarias  dos  ban- 
deiranies  e  sertanistas  e  também  aos  apuros  e  estorvos  que  a  civilisação 
lhes  traz  aos  hábitos  e  costumes,  devem,  sem  duvida  alguma,  ter-se 
encantoado  no  centro  desses  vastíssimos  e  invios  sertões,  virgens  ainda 
hoje  das  pegadas  de  outro  homem  que  não  o  autochtone,  seu  verdadeiro 
e  até  hoje,  de  facto,  único  dono. 

Nem  ha  negar  fundamento  á  essa  supposição :  si  muitas  das  tribus 
conhecidamente  ferozes,  e  algumas  mesmo  anthropophagas,  fugindo  de  nós 
e  nada  querendo  da  civilisação,  ainda  perduram  em  sitios  bem  próximos 
aos  povoados  e  assaz  conhecidos,  razão  mais  forte  ha  para  crêl-os  inter- 


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20  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

nados  em  regiões,  onde  nem  mesmo  o  pé  do  sertanista  pisou,  e  nas  quaes, 
portanto,  podem  continuar  tranquillos  e  descuidados  no  seu  nwãiis  vivenãi 
primitivo. 


Para  o  computo  da  população  civilisada  ha  os  dados  fornecidos 
pelos  censos  anteriores.  Assim,  em  1793  (a),  foi  ella  avaliada  em 
14.000  almas  ;  em  1817  o  capitão-general  Oyenhausen  de  Gravensberg, 
depois  marquez  de  Aracaty,  em  officio  de  14  de  novembro  de  1818, 
marca-lhe  29.801,  divididos  em  2.744  homens,  3.978  meninos,  9.689 
mulheres,  2.522  mestiços  e  10.948  escravos.  Pisarro,  no  tomo  9''  das  suas 
Memorias  Históricas,  dá-lhe,  para  esse  tempo,  37.396,  baseando-se  n'um 
mappa  do  ouvidor  de  Cuyabá  á  mesa  do  desembargo  do  paço.  Em  1821, 
outro  mappa  organisado  nessa  capital,  com  o  intuito  de  patentear  a  impor- 
tância do  seu  districto  sobre  o  da  antiga  sede  do  governo,  Villa  Bella,mar- 
ca-lhe  29.484  almas,  das  quaes  apenas  5.819  para  este  districto  (b). 

Em  1849,  recenceava-se  8.637  fogos  com  21.947  habitantes  livres, 
10.866  escravos,  ou  32.833  ao  todo;  havendo  2.469  votantes  qualificados. 

Em  1855,  26.659  livres,  afora  Índios,  trazem  os  mappas  da  reparti- 
ção de  policia,  mandados  organisar  pelo  zeloso  presidente  o  Sr.  Melgaço, 
que,  entretanto,  não  pareceu  conformar-se  com  o  computo,  avaliando  tal 
população  em  32.128. 

Rezavam  aquelles  mappas  de  12.600  homens  e  14.059  mulheres  : 
21.214  livres  e  5.448  escravos ;  19.834  solteiros,  5.429  casados  e  1.397 
viúvos. 

Em  1862  o  censo  deu  37.538,  não  sendo  computada  a  população  dos 
districtos  de  Corumbá  e  Albuquerque  (c). 


(a)  o  Sr.  Augusto  Leverger  (barão  de  Melgaço).  Relatório  Presidencial  de  1863. 

(b)  Luiz  D*Alincourt. 

(c)  Rei.  do  chefe  de  policia. 


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DA  província  de  mattogrosso  21 

Em  1863,  o  Sr.  Leverger  calculou-a  em  35.000  livres,  6.000  escra- 
vos e  24.000  Índios.  Em  1867,  a  população  em  vez  de  augmentar  tendeu 
á  diminuir;  para  o  que  alguma  cousa  influiu  a  guerra  e  muito  a  epidemia 
de  varíola,  que  devastou  o  povoado  e,  ainda,  as  nações  selvagens,  calcu- 
lando-se  em  doze  á  quinze  mil  a  perda  da  população  em  geral. 

Em  1872,  começou  a  nova  éra  da  província.  Corumbá,  Albuquerque, 
Nioac,  Coxim,  Miranda,  Dourados,  retomados  ou  abandonados  pelos  para- 
guayos,  foram-se  reorganisando ;  terminada  a  guerra,  estabeleceu-se  uma 
corrente  de  immigração  com  a  tropa  que  veiu  occupar  a  província,  com 
os  aventureiros  que  a  seguiam  e  com  alguns  milhares  de  paraguayos  que 
deviam  a  vida  aos  soldados  e  só  delles  recebiam  o  alimento,  e  acompa- 
nharam-os  compartilhando-lhes  a  parca  pitança.  Somente  de  maio  á  julho 
de  1876,  o  porto  de  Corumbá  recebeu  uma  população  nova  de  mais  de 
cinco  mil  almas. 

Nesse  tempo  floresciam  as  obras  do  arsenal  do  Ladario,  onde  se  em- 
pregavam centenas  de  operários.  Seus  pagamentos  em  dia  e  o  das  tropas  de 
Corumbá,  que  eram  um  regimento  e  um  batalhão  de  artilharia,  e  outro  de 
infantaria,  faziam  por  sua  vez  florescer  o  commercio  e  contribuíam  para  o 
progresso  do  povoado.  Diminuídos  os  operários  e  retiradas  as  tropas,  dimi- 
nuíram também,  tão  extraordinariamente  como  cresceram,  a  população  e  o 
bom  andamento  da  cidade. 


IV 


HTPSOMETRIA. — Da  immensa  área  da  província  a  parte  maior  está 
situada  no  vasto  planalto  central  da  America  do  Sul,  e  talvez  o  mais 
elevado  araxá  brasileiro.  A  outra  porção,  á  O.  e  principalmente  ao  5.,  é 


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22  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

baixa  e  alagadiça;  pertencendo  á  esta  a  grande  zona  conhecida  sob  o  nome 
de  Panianaes. 

Essas  comarcas  mais  baixas  não  attingem  altura  maior  de  cento  e 
cincoenta  metros  sob  o  nivel  do  oceano.  No  planalto,  desde  as  cabeceiras 
do  Guaporé,  Paraguay  e  Tapajoz  ás  do  Araguaya  e  braços  occidentaes  do 
Paraná,  a  media  é  de  meio  kilometro,  elevando-se  a  altitude  ás  vezes  á 
mil  metros  em  alguns  pontos  da  crista  onde  situa-se  a  divisória  das  aguas 
dos  dous  maiores  estuários  do  mundo,  o  Amazonas  e  o  Prata;  crista  que 
atravessa  diagonalmente  a  província  de  iVO.  á  5i£.,desde  as  cachoeiras  do 
Madeira  até  ás  ribas  do  Paraná,  á  buscar  a  serra  das  Vertentes^  em  Minas 
Geraes. 

Essa  é  a  opinião  do  illustrado  e  venerando  Sr.  barão  de  Melgaço, 
cuj  o  nome  citarei  frequentemente  neste  trabalho,  por  ser  um  dos  homens 
á  quem  a  província  mais  deve  e  que  mais  tem-a  enriquecido,  no  que  con- 
cerne á  sua  geographia  e  ethnographia  (a). 


(a)  Oastelnau  (Exped.  datis  les  parties  centrales  de  VAmerique  doSud.—T.  5.«>, 
pag.  157;,  colloca  as  nascentes  do  Paraguay  apenas  á  305  metros  sobre  o  nivel  do 
oceano,  as  do  Arinos  á  210,  e  o  Araguaya,  ao  tomar  esse  nome  na  confluência  do 
Vermelho  á  213;  e  dá  á  Cuyabà  6õ  metros,  etc. 

Sabe-se,  porém,  o  pouco  peso  que  merecem  as  asserções  desse  viajante  sempre 
que  se  afastam  dos  estudos  e  observações  dos  seus  intelligentes  companheiros  o 
Dr,  Woddell  e  o  malaventurado  visconde  d'Osery.  Dugraty  na  sua  Republica  dei 
Paraguay^  em  vista  dos  estudos  do  capitão  Page  da  canhoneira  americana  Waler- 
wicht,  dá  a  altitude  de  alguns  pontos  do  Prata  e  Paraguay,  que  bem  manifesta  a 
elevação  do  continente  á  medida  que  se  afasta  das  orlas  do  oceano :  Buenos-Ayres 
à  SO  pés  acima  do  seu  nivel ;  Rosário,  á  100 ;  Diamante,  á  127 ;  La  Paz,  160 ;  Bella 
Vissta,  220;  Corrientes,  248;  Pilar,  268;  Assumpção,  307 ;  Conceição,  330;  S.  Sal- 
vador, 333 ;  Pão  de  Assucar,  340  ;  forte  Olympo,  360 ;  forte  de  Coimbra,  383 ;  Albu- 
querque, 390;  Corumbá  (á  margem  do  rio)  396,  etc,  o  que  dá  uma  declividade  para 
as  aguas  de  8,3  poUegadas  por  légua ;  donde,  Cuyabá,  que  se  acha  á  720  léguas  do 
oceano,  pela  estrada  fluvial,  deveria  estar  n'uma  altitude  de  cerca  de  500  pés  ou  152 
metros,  e  isso  mesmo  si  as  correntes  conservassem  a  mesma  facilidade  do  curso  do 
Paraguay,6  não  descessem  em  degraus.como  o  rio  Cuyabá,  que  é  todo  encachoeirado, 
o  que  alterado  muito  a  altitude  dos  terrenos  superiores ;  tendo  D'Alincourt  verificado 
101  braças  ou  729  pés  para  a  altitude  dessa  capital.  Os  commissarios  bolivianos, 
na  commissão  de  limites  de  1878,  dão  á  Corumbá  a  altitude  de  4d0  pés>  mas  no  alto 


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DA  província  de  matto-grosso  23 

Extraordinária  como  é  a  differença  de  niveis  entre  o  planalto  e  os  ter- 
renos alagadiços  que  o  circnmdam,  pelo  menos  na  parte  de  S.  e  de  O.,  fácil 
é  sua  verificação  por  nestes  aquelle  acabar  quasi  á  pique,  ahi  apresen- 
tando-se  sob  a  forma  de  alta  e  escarpada  serrania,  ao  passo  que  para  o 
lado  opposto  segue  em  extensas  planicies  ou  paramos,  mais  ou  menos  on- 
dulados, somente  de  longe  em  longe  deixando  erguerem-se  do  terreno  as 
lombadas  ou  cristas  das  montanhas,  ás  vezes  de  insignificante  altura,  mas 
que  um  rio  ou  um  simples  córrego,  tendo  levado  em  suas  torrentes  as 
terras  de  alluvião,  onde  cavou  o  leito,  deixa  á  descoberto,nas  altas  paredes 
de  rochas  primitivas  do  valle  de  denudação  que  formou.  E'  que  esse  im- 
menso  araxá  não  é  mais  do  que  um  enorme  sedimento  que  encheu  os  valles 
e  até  cobriu  as  montanhas  que  os  formavam. 

Essa  notável  disposição  do  grande  planalto  brasileiro  facilmente  ex- 
plica a  sua  geogenia.  Já  bem  perto  do  oceano,  a  serra  do  Mar  ou  Paraná- 
piacaha  (isto  é,  donde  se  vê  o  m<ir)^  como  a  chamavam  os  aborigenes, 
apresenta  em  escalão  as  suas  formosas  escarpas — que  attingem  altura  su- 
perior á  mil  metros;  emquanto  que,  para  o  poente,  vae  seguindo  mais  ou 
menos  uniformemente  em  campos  geraes^  não  para  morrer  nas  ribas  do 
Paraná,  mas  para  elevar-se  de  novo  nos  chapadões  de  Matto-Grosso,  cujos 


da  cidade,  e  28S  ao  porto ;  e  estudando  o  interior  do  paiz,  consignam  as  altitudes 
de  478  pés  em  S.:  Mathias;  515,  na  confluência  do  Peinado;  1337  no  cerro  maior 
das  Mercês;  1841,  no  morro  da  Boa  Vista;  1366,  no  dos  Quatro  Irmãos;  7C0,  no 
ponto  das  Salinas;  e  723  nas  cabeceiras  do  Verde,  Dão  para  Santo  Carason  888, 
para  SanCÂnna  de  Chiquitos^  1486,  e  para  Santa  Cruz  de  la  Sierra^  1379.  Compa- 
re-se,  mutatis  mutandis,  estas  alturas  com  as  de  Castelnau. 

Confrontando,  ainda,  certos  dados  seus  com  os  de  outros  observadores,  vé-se 
que  encontroii  Tabatinga  k  78,43  metros,  na  praia  e  97,48  metros,  no  forte,  quando 
Spix  e  Martins  acharam  643  pés,ou  195,8  metros;  S.Paulo  à  94,45  metros,  Fonte-Bòa 
á  69,38  metr  s,  e  Mandos  á  62,48  metros,  quando  esses  sábios  allemSes  acharam 
para  S.  Paulo  62Í  pés  (189,5  metros),  Fonte-Bòa  593  pés  (182,5  metros)  e  Manáos  52*2 
pés  (159,1)  metros.  Estes  dão  Óbidos  à  451  pés  ou  137,4  metros,  quando  o  viajante 
francez  diz,  com  La  Condamine,  que  essa  cidade  eleva-se  apenas  10  pés  sobre  a 
altura  de  Belém,  da  qual,  entretanto,  dista  575  milhas  ! 


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24  ESBOÇO   CHOROGBAPHICO 

campos  para  SO.  vão  limitar-se  nas  altas  escarpas,  ou  nas  fraldas  em  de 
graus,  das  cordilheiras  de  Maracajú  e  Anhambahy  e  de  seus  ramos  me- 
ridionaes  Urucuiy  e  Caagnassú. 

Ali,  no  meio  desses  iramensos  campos  ou  savanas,  cortados  de  rios 
quasi  sempre  encachoeirados,  parecerá  impossivel  ao  viajor  despreoccupado 
o  achar-se  á  um  milheiro  de  metros  sobre  o  nivel  do  mar. 


o   Planalto 


Apresentam-se  essas  planicies,  ás  vezes  como  formosas  campinas, 
verdes  e  onduladas  como  as  do  Rio  Grande  do  Sul,  em  cujo  tapete  botâ- 
nico as  dycotiledonias  são  rasteiras  ou  pouco  excedem  em  crescimento  ás 
gramineas  e  cyperaceas.  que  dão  a  feição  ao  terreno:  taes  os  campos  que  se 
encontram  ao  subjr-se  as  escarpas  das  cordilheiras  de  Maracajú  e  Anham- 
bahy ;  outras  vezes,  paramos,  também  ondulados,  mas  de  terrenos  sêccos 
e  arenosos,  verdadeiras  charnecas,  mais  ou  menos  assoalhadas  de  grés, 
saibro  e  piçarra,  soltos  e  fofos  como  a  areia  :  taes  os  campos  dos  Parecis 
transitados  por  João  Leme  do  Prado,  em  1772,  e  pelos  aventureiros  que 
buscavam  o  ouro,  desde  Cuyabá  até  os  Arayés,  desde  Villa  Bella  até  Uru- 
cumacuam ;  taes  as  reconhecidas  pelo  illustrado  Sr.   Dr.  Taunay,  na  me- 


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DA  província  de  matto-grosso  25 

moravel  campanha  de  18G5  (a);  terras  balofas,  onde  os  animaes  se  enter- 
ram á  cada  passada  que  fazem ;  que  não  lhes  dá  o  pasto,  tão  estéreis  são ; 
onde  o  arvoredo  rareia  e  os  mattos  são  carrascos  e  cerradões ;  e  onde,  por 
conseguinte,  tão  difficil  é  a  vida  do  homem  como  o  seu  transitar  por  ahi. 
Outras  vezes  são  terrenos  enxutos,  cortados  de  innumeros  rios,  ou  são  bre- 
jaes  e  paúes,  donde  emana  cópia  infinda  de  rios  e  regatos,  que,  ou  descen- 
dem naturalmente  para  o  norte,  escavando  o  leito  nas  areias  e  piçarras,  de- 
nudando as  escarpas  e  descendo  em  degraus,  ou  despenham-se  em  cascatas 
por  altos  paredões,  para  as  bandas  do  sul.  Aqui,  immensa  e  vigorosa  mat- 
teria  attesta,  nos  grossos  troncos  e  nas  prodigiosas  alturas,  a  exuberância 
de  seiva  que  os  alimenta.  Qualquer  terreno  lhes  serve,  uma  vez  que  haja 
agua  para  abeberar-lhes  as  raizes :  si  arenoso — e  ás  vezes  de  areia  bem 
branca,  a  floresta  assemelha-se  aos  jardins  públicos  das  cidades,  onde  se 
pôde  livremente  transitar  em  plena  sombra  ao  rigor  do  sol,  á  cavallo  ou 
de  carro,  por  entre  renques  de  arvores ;  e  dos  quaes  só  differem  em  não 
serem  atormentados  pela  symetria  dos  quinconcios  ou  as  amofinadoras  re- 
gularidades da  geometria,  e  em  terem  dezenas,  sinão  centenas  de  léguas 
de  longura : — si  o  terreno  vegetal,  de  prolifero  húmus,  formam-lhe  a 
flora  as  hervinhas  rasteiras  e  os  arbustos  de  quanta  familia  a  botânica  co- 
nhece, e  principalmente  as  leguminosas,  que  são  o  populacho  da  nação 
vegetal  dos  trópicos ; — e  os  cipós  que  tudo  enredam,  emmaranham  e 
tecem ;  enroscam-se  pelas  arvores  da  floresta,  as  exce&eç,  as  j^rocero',  as 
spectahiles,  as  gigantéce,  etc,  dos  sábios ;  casam-se  aos  troncos,  abra- 
çam-se  aos  ramos,  dependuram-se-lhes  das  grimpas  e  cobrem-lhes  os  ga- 
lhos de  filhos  com  as  raizes  que  dahi  despedem  ao  solo,  on^le  se  engrossam, 
avigoram  e  rebentam  em  brotos,  que  são  outros  tantos  braços  que  entran- 
çam, cercam  e  fecham  a  floresta,  de  modos  á  obstruirem-lhe  a  entrada. 
E  nem  sempre  léguas,  ás  vezes  passos,  separam  esse  solo  de  eitraor- 


(a)  Scenas  de  Viagem,  pag.  42. 


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26  ESBOÇO  CHOROGBAPHICO 

dinaria  uberdade  do  outro,  onde  uma  vegetação  rachitíca,  enfesada  e  dis- 
seminada á  largos  espaços,  toma-se  uma  antithese  contristadora  de  toda 
aquella  pujança ;  onde  apenas  traz  o  jubilo  e  a  satisfação  ao  viajor,  o  en- 
contro do  pau  d^agim — arvore  de  mediana  altura,  trichotoma,  e  que 
guarda  no  ôco  de  seus  galhos  quasi  perennemente  a  agua  das  chuvas, 
mesmo  quando  já  a  sêcca  vae  adiantada  (a).  Combretaceas  e  myrtaceas 
principalmente  dos  géneros  eugenia  e  aulomyrcia;  bromelias  sylvestres  e 
anonas  de  varias  espécies;  uma  ou  outra  sapotacea;  o  cocos  campestris  de 
Martins,  o  íw<7aí/a  acaule;  e  sempre,  sempre,  as  leguminosas,  na  maior 
parte  cássias,  mimosas  e  hauJiivias,  dessas  que,  pela  conformação  de  suas 
folhas  duplas,  são  conhecidas  pelo  nome  vulgar  de  tmha  de  boi:  taes  os 
typos  principaes  desse  tapete  floral,  onde  as  maiores  arvores,  quasi 
sempre  jaboticabeiras  e  sapóias,  não  attingem  á  altura  de  quatro  metros, 
e  onde  a  mangabeira  e  o  cajueiro,  arvores  de  seis  e  mais  metros,  nas  re- 
giões felizes,  conservam,  entretanto,  todo  o  vigor  de  fructificaçào  dessas  re- 
giões: aquella,  cobrindo-se  de  formosos  fructos,  mas  não  elevando  as 
grimpas  á  mais  de  metro  do  solo ;  e  este,  sendo  ás  vezes  de  tal  altura,  que 
as  folhas  e  o  fructo  são  maiores  do  que  o  tronco. 

Esse  terreno  balofo  repousa  sobre  leito  de  rochas  crystallinas,  mais  ou 
menos  aprofimdado  sob  camadas  de  grés,  tufo,  argilla  e  saibro,  que  as  tor- 
rentes perennes  ou  accidentaes  vão  pondo  em  relevo  ao  derruírem  as  rochas 
de  fácil  desaggregação.  Em  alguns  legares  apparecem  no  terreno,  isolados 
uns,  e  a  mór  parte  em  grupos  mais  ou  menos  próximos,  enormes  penedos, 
de  formas  caprichosas,  semelhando  á  torres,  túmulos,  mausoléos  e  cair 
çadas,  ora  aos  âohnen  e  men-hirs  dos  antigos  bárbaros  da  Europa  septem- 
trional,  ora  aos  ice  1)€rgs  dos  mares  circumpolares. 


(a)  y .  o  diário  do  reconhecimento  que  fez  o  Dr.  António  Pires  da  SUva  Pontes 
ás  cabeceiras  do  Guaporé— 1879.  Nâo  conheço  esse  vegetal,  mas  pela  ligeira  des- 
cripçSo  que  delle  faz  o  Dr.  Pontes,  nSo  é  a  arvore  do  vic^or,  arvore  da  vida^  que 
sendo  uma  musacea  não  poderia  vegetar  nestas  regiões  areientas. 


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DA  província  de  matto-grosso  27 

E'  a  região  do  gneiss,  notável  por  sua  riqueza  metallifera.  Todas  as 
minas  de  ouro  da  provinda  foram  descobertas  á  beira  dos  rios,  no  araxá, 
ou,  já  nas  baixadas,  nos  remansos  dos  que  se  despenham  das  suas  arestas 
abruptas. 

Em  muitos  logares  a  decomposição  determinada  pela  acção  clima- 
térica e  principalmente  pela  das  chuvas  torrenciaes,  tão  communs  nestas 
regiões,  tem  escarvado  o  solo  deixando-lhe  ora  valles  de  denudação,  ora 
extensas  e  fundas  depressões,  semelhantes  á  leitos  de  rios  extinctos. 

Tornam-se  notáveis  certos  contrafortes  dessas  soterradas  cordilheiras, 
pela  maneira  extranha  porque  terminam  seus  espigões,  em  alcantis  altis- 
simos  e  ás  vezes  cortados  completamente  á  prumo.  São  conhecidos  na 
província  pelo  nome  de  trombas,  e  de  itamhés  pelos  índios;  e  entre  outros 
são  notáveis  os  das  serras  do  Aguapehy,  do  NapiJeqm  (a)  e  Jacadigo,  nas 
cercanias  de  Albuquerque. 


Os  Itsbzxibés 

Sendo  a  formação  dessas  montanhas  de  grés  mais  ou  menos  argil- 
loso  ou  calcareo,  aquelles  espigões  apresentam-se,  ás  vezes,  como  massíços 


(a)  Lavileque  segundo  outros :  entretanto  parece  que  ambos  os  termos  são  falsos, 
sendo  o  verdadeiro  Vapileque,  ferro,  no  idioma  dos  guaicurús. 


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28  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

de  gneiss,  affectando  as  formas  mais  caprichosas.  Algumas  das  trombas 
são  penhas  de  gneiss  ou  dykes  de  diorito  duríssimo,  que  se  reconhecem  nos 
logares  declives  e  nos  flancos  á  pique  e  completamente  despidos  das  ca- 
madas de  superposição,  que  não  souberam  resistir  á  acção  decomponedora 
do  sol  e  das  aguas.  Quasi  todas  são  mui  ricas  em  minereos  de  ferro. 

Nesse  systema  é  que  bera  se  pode  estudar  as  eversões  geológicas  por- 
que têm  passado  as  rochas  do  Brasil.  Nem  mesmo  essa  observação  passou 
aos  investigadores  do  século  passado.  Fallando  da  serra  de  Hicarâo 
Franco  (a),  diz  o  Dr.  Silva  Pontes,  astrónomo  da  commissão  de  limites 
de  1782,  o  seguinte: 

«  Toda  a  frente  da  sen-a  que  olha  para  a  villa,  está  mostrando  um 
esquelete  de  muito  maior  massa  do  que  foi  algum  dia,  sendo  ma- 
nifesto pelos  repetidos  vácuos  e  chatos  que  nella  '  e  observam,  que  têm 
corrido  não  só  as  terras  primitivas,  que  a  cobriam,  sinão  grandissimos  seg- 
mentos de  pedras  que  se  têm  despegado  do  alto  e  meio,  ali  deixando  uns 
medonhos  precipicios  á  que  chamam  na  lingua  tupinanibá  iiamhé^  que 
quer  dizer  heiço  de  pedra,,  observando-se  o  mais  medonho  delia  logo  que 
se  chega  ao  alto  da  seiTa.  As  pedras  são  de  uma  areia  glarea,,  mas  que, 
ainda  que  parece  friável  são  tão  duras  que  não  admittem  •  picão  nem 
cinzel. » (b) 

Serras on  campos,  ^2iO\\omes  que  coiVimummente  se  dão  á  essas  regiões 
do  planalto,  e  que  igualmente  lhes  cabem;  emquanto  de  um  lado  guardam 
soterrado  todo  um  flanco  sob  camadas  enormes  de  alluvião,  e  só  tem  por 
Índices  de  sua  existencia  os  contrafortes  e  esporões  de  flancos  completa- 
mente livres,  do  outro  a  rocha  durissima  se  patenteia  denudada  das 
crostas  menos  resistentes,  liza  e  escabrosa,  mas  cahindo  sempre  na  ver- 


ia) Então  do  Grâo-Pard  ;  é  fronteira  á  cidade  de  Matto-Grosso,  e  na  outra  mar- 
gem do  Guaporé.  O  nome  de  Ricardo  Franco  foi-lhe  dado  pela  actual  commissão, 
em  1876,  em  homenagem  ao  infatigável  engenheiro  do  século  passado. 

(b)  Obra  citada. 


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DA  província  de  matto-grosso  29 

tical  sobre  os  extensos  e  fundos  valles  de  denudação  que  nella  confinam, 
ou  então  ofiFerece  ao  ascenso,  desde  as  baixadas  do  valle,  altos  e  vastcus  de- 
graus, em  escalão,  aqui  abruptos,  ali  de  ladeiras  Íngremes. 

E'  notável  que  quando  um  numero  crescido  de  vulcões  estende-se  á 
margem  do  Pacifico  pela  cordilheira  andina  e  seu  prolongamento  ás  mon- 
tanhas Rocliosas,  da  America  do  Norte,  o  resto  todo  do  continente  ameri- 
cano seja  despido  desses  respiradouros  da  incandescência  centriterranea,  o 
que  é  um  Índice  seguro  da  differença  das  duas  regiões.  Faliam,  todavia, 
alguns  viajantes  de  montanhas,  cujos  cones  parecem  crateras  de  antigos 
Mílcões:  os  cayapós  asseguram  que  na  serra  /S(?//arfa  ha  um  monte  que 
lança  fogo  e  fumo  com  horrorosos  estampidos,  pelo  que  nenhum  se  tem 
atrevido  á  lá  chegar;  e  igual  noticia  e  factos  conta-se  das  serras  do  Napi- 
leque,  nas  proximidades  do  Apa..  Os  terremotos  são  tão  frequentes  na 
costa  do  Pacifico,  quão  raros  nas  outras  comarcas;  e  os  poucos  que  aqui  a 
memoria  guarda  são  tão  fracos  e  instantâneos,  que  muitos  passam  desaper- 
cebidos (a). 


As  aguas  que  nesse  chapadão  correm  para  o  N,  vão,  como  acima  se 
notou,  abrindo  caminho  no  solo  arenoso.  Quasi  todas  essas  correntes-  são 
de  leito  lageado,  e  a  maior  parte  desce  encachoeirada,  ás  vezes  em  saltos 
de  grande  altura.  O  Juruhena,  logo  duas  léguas  abaixo  das  suas  vertentes, 
precipita-se  por  uma  cachoeira  de  trinta  metros,  a  mesma  altura  com  que 
o  Cuyabá  despenha-se  da  montanha  do  Tombaãor,  e  menor  do  que  a  do 


(a)  Na  província  ha  memoria  de  uns  três  ou  quatro  de  que  se  fallarà,  adiante, 
k  climatographia. 


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30  ESBOÇO  CHOROaRAPmCO 

ribeirão  do  Inferno^  que  cahe  abrindo  um  boqueirão  de  duzentos  pés  de 
profundidade  e  de  paredes  á  pique,  conhecido  polo  nome  de  Bocaina  do 
Inferno.  Encachoeirados  descem  os  rios  Negro,  Gamararé,  Xacuruhina, 
Arinos,  Manso,  Paranatinga,  Sumidouro,  etc.,  emfim,  quasi  todos  as 
que  correm  para  o  septemtriáo;  o  Jamary,  Gryparaná,  MarmeUo,  Ma^ 
nicoré  e  Negro,  que  vão  ter  ao  Madeira,  e  grande  parte  dos  que  descem 
ao  Paraná.  Dos  que  vão  cahir  nos  grandes  valles  do  occidente  e  do  sul 
as  cabeceiras  são  sempre  encachoeiradas,  quer  despenhem-se  em  uma  só 
cascata,  quer  venham,  como  o  Cuyabá,  saltitando  por  degraus. 

Alguns,  ao  abrirem  espaço  nos  campos  do  planalto,  encontram  o 
terreno  solapado  e  de  fácil  resistência  á  força  de  suas  torrentes,  e  immer- 
gem  sob  uma  crosta  de  gneiss,  ou  sob  abobodas  de  uma  espécie  de  tufo 
calcareo,  mais  ou  menos  extensas,  indo  emergir  adiante.  São  os  ^Mm^ 
douros  ;  e  de  cuja  presença  quasi  sempre  tiram  nome  os  rios  que  os 
passam. 

Nas  regiões  das  serras,  ao  sopé  dos  ângulos  dos  contrafortes  ou  no 
fundo  de  profundos  valles  de  denudação,  algumas  torrentes  têm  seus  ma- 
nanciaes,  comquanto  as  immensas  chanfraduras  onde  correm  indiquem 
serem  erosões  do  solo,  determinadas  pela  agua.  Talvez  que  primitivar 
mente  esses  rios  accidentae*  ou  escoantes,  e  hoje  pcrennes,  derivaram  seus 
cabedaes  em  regiões  bem  altas,  cujo  solo,  pouco  á  pouco  desmanchado 
pelas  aguas,  pouco  á  pouco  se  aprofundou.  Seus  mananciaes,  hoje,  ao  sopé 
das  montanhas,  são  de  fácil  explicação.  Outros  têm  as  origens  no  interior 
de  cavernas,  nas  fraldas  de  montes:  taes,  entre  muitos,  a  famosa  cabeceira 
do  Guaporé,  nascida  no  Ôco  de  uma  rocha  ou  paredão  vermelho,  de  grés 
rico  em  minereo  de  ferro,  e  a  da  Corixa  Grande  do  Destacamento^  que 
brota  do  interior  de  um  morro  isolado  pertencente  á  denominada  serra  de 
Borborema,  que  é  um  ramal  da  Aguapehy.  Sahe  dessa  gruta  por  três 
corredores,  cujas  entradas,  altas  e  estreitas  como  portas,  abrem-se  á  flor 


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BA  província  de  matto-grosso  31 

do  terreno,  no  fundo  de  um  pequeno  saguão  formado  á  custa  de  lages  de 
trapp  amygdaloide,  algumas  lisas  e  polidas  como  lousas,  que  se  têm  des- 
prendido do  tecto  e  paredes  lateraes,  e  jazem  esparsas  no  cháo;  e  o  riacho, 
mal  apparecendo  nesse  alpendre,  some-se  debaixo  do  solo,  indo  emergir 
quatro  á  cinco  metros  adiante.  Das  abertas  ouve-se  o  extraordinário  baru- 
lho das  aguas,  que,  dentro  mesmo  da  caverna,  são  encachoeiradas. 


Corixa 


DIVORSUM  AQUARUM. — No  planalto  o  divorsumaquarum  vem  do 
parallelo  IP  e  meridiano  20",  mais  ou  menos,  onde  têm  origem  os  aflBucn- 
tes  septemtrionaes  do  Guaporé  e  muitos  dos  orientaes  do  Madeira,  á  que- 
brar-se  no  meridiano  16%  onde,  no  parallelo  14%  abre  as  mais  longínquas 
fontes  do  Tapajoz,  Paraguay  e  Chtnporé.  Ahi  sua  altura  é  de  mais  de 
mil  metros :  o  sábio  naturalisia  bahiano,  Dr.  Alexandre  Rodrigues  Fer- 
reira (a),  dá  ã  serra  de  S.  Vicente  um  quinto  de  légua  de  altura ;  e  os 
seus  companheiros  de  lides  e  glorias  (b),  quasi  igual  altitude  ás  nascentes 
do  Jaurú  e  do  Sararé.  Dahi  sobe  de  novo  á  aquella  primeira  latitude,  na 


(a)  V.  Relação  circumstanciada  das  amostras  de  ouro  que  remeite  para  o  Real 
Gabinete  de  Historia  Natural  o  Dr.  naturalista  Alexandre  Rodrigues  Ferreira ; 
em  conformidade  ás  soberanas  ordens  de  Sua  Magestade,  de  31  de  Outubro  de 
1787.   BibUoth.  Nac.  Mb.  OXIII— 16— 14. 

(b)  ComquaDto  em  commissões  diversas,  seus  trabalhos  se  executaram  no 
mesmo  período  de  tempo.  Estes  para  ns  altitudes  serviram-se  então  do  pé  do 
Mhêno,  que  lhes  mareou  25  poUegadas  e  5  linhas  nas  fontes  do  Jaurú,  e  24  polle- 
gadas  e  11  linhas  nas  áo  Sararé. 


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32  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

qual  outra  vez  divide  as  aguas  do  Tapajoz,  Xingu  e  Paraguay ;  e  des- 
cendo em  rumo  SSE.  até  o  parallelo  19%  meridiano  6%  separa  novas  ca- 
beceiras para  o  Paranatinga,  Mortes  e  Araguaya,  ao  N.,  e  ao  S.  para  o  Pa- 
raná e  Paraguay.  Essa  linha  quebrada  como  que  indica  e  determina  a 
posição  e  direcção  dos  tezos  crystallinos  desses  campos  do  planalto,  em 
muitos  sitios  assignalados  ora  pelos  valles  que  os  deixam  á  nú,  ora  pelos 
espigões  ou  pelos  penhascos  isolados,  mas  disseminados  na  planície,  aqui 
formando  torres  como  os  da  chapada  do  Guimarães,  ao  oriente  de  Cuyabá, 
ali,  formando  altos  paredões  á  pique,  como  os  que  o  Coxim  atravessa,  os  quaes 
plenamente  revelam  a  sua  formação  plutonica;  ora,  emfim,  pela  crista  ou 
espinhaço  que  se  alteia  nos  plainos,  formando  as  cordilheiras  dos  Parecis, 
Norte,  Tapirapuam  e  Aguapehy,  as  quaes,  conforme  os  sitios  por  onde 
passam,  recebem  os  nomes  de  S.  Vicente,  Kagado,  Olho  d^agua,  Sanfa 
Barbara,  Borhorema,  Melgmira,  Morro  Grande,  Sete  Lagoas,  Pary 
ou  Jagaard,  Tamanduá,  Morro  Vermelho,  Córrego  Fundo,  Ararapés, 
Arara  e  Cuyahd;  e  dahi  para  cima  a  Serra  Azul,  em  rumo  NNO.y  entre 
o  Tapajoz  e  o  Xingu.  Para  SE.  desce  com  as  denominações  de  S.  Lourenço, 
Agiia  Branca,  Taquaral,  Rapadura,  Roncador,  Sellada,  Santa  Martha, 
Cayapô,  Momlmca,  Sentinella,  Santa  Rita,  Albano,  Arara,  Crys- 
taes,  etc.,  estas  ultimas  já  em  Goyaz,  e  todas  ellas  sob  o  nome  geral  de 
serra  das  Divisões. 


Segundo  o  Sr.  Dr.  Couto  de  Magalhães  (a)  falseiam  os  mappas  figu- 
rando montanhas  no  divisor  das  aguas  do  Araguaya  das  do  Cuyabá,  o  qual, 
exceptuando  a  serra  de  S.  Jeronymo,  é  em  geral  uma  vasta  planície  leve- 
mente accidentada  com  suaves  pendores,  n'uma  declividade  não  maior  de 


(a)  O  Selvagem,  pag.  16S. 


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DA  província  de  mattogrosso  33 

cinco  por  cento;  obsen^ação  que  não  se  pôde  acceitar  em  absoluto,  visto 
que  não  são  montanhas  somente  as  grandes  elevações  do  solo;  e  assiste  ao 
povo  como  ao  geólogo,  o  direito,  e  á  este,mais,  o  dever  de  denominar  serra 
pela  sua  formação  geológica,  essas  elevações  do  terreno,  pequenas  em 
altura  mas  longuíssimas  em  extensão,  e  que  na  maior  parte  são  as  cristas 
e  lombadas  de  enormes  cordilheiras  soterradas.  Naquella  região  é  notável  o 
morro  de  S.  Jeronymo,  alto  de  1400  metros,  que  se  avantaja  n'um  circuito 
de  muitas  dezenas  de  kilometros.  Esse  mesmo  incansável  e  illustrado 
observador  notou  que  o  planalto  apresenta,  em  seu  flanco  livre^  a  formosa 
altura  de  quatrocentos  metros;  revestida  de  espessa  e  forte  mattaria, 
que  desapparece  vencido  que  seja,  e  substituída  agora  por  vastos 
campos  semeiados,  aqui  e  acolá,  de  arvores  isoladas,  um  ou  outro  matto  • 
cnniinga yXdi^imo  e  infesado;  e  de  longe  em  longe,  pequenos  e  arredondados 
capões,  caapuans,  que  onde  apparecem  são  Índices  certeirys  da  presença 
d  agua  mais  ou  menos  perenne. 


de  Santa  liita  ao  Coxim-     (a) 

A  serra  dos  Parecis  e  a  do  Norte,  á  O.,  a  dos  Ajnacás  e  Bacauhyris, 
ramos  da  Azul,  ao  K,  a  do  Espinhaço,  á  £.  e  ao  5.  a  do  Tapirapuam  e  os 


(a)  Desenho  do  Sr.  Dr.  A.  d^Escragnolle  Taunay.  que  graciosamente  concedeu, 
como  outras  mais,  ao  autor  para  transcrevel-os  nesta  obra. 


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34  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

ramaes  que  vào  entroncar-se  na  serra  das  Divisões,  são  os  limites  do 
grande  araxá  exclusivamente  matto-grossense.  Na  maior  parte  apresen- 
tam o  flanco  livre,  Íngreme  e  alto;  outras  vezes  vão  descendo  em  fortes 
declives,  ou  por  escalões,  mostrando,  muitas  vezes,  nessas  paredes,  princi- 
palmente nas  das  regiões  de  sudoeste,  estrias  onduladas  e  parallelas  que 
parecem  o  signal  do  açoite  violento  e  demorado  da  grande  massa  de  agua 
que  primitivamente  occupou  as  baixadas  adjacentes;  mar,  cujas  marés  e 
tempestades,  carcomendo  as  escarpas  e  abrindo-lhes  entre  os  massiços 
verdadeiros  golphos  o  bahias,  deixou-lhes  pelos  cabos  e  promontórios  de 
então  os  espigões  e  contrafortes  de  boje. 


VI 


Parecis. — A  aresta  conhecida  pelo  nome  de  Serra  dos  Pareeis, 
vem  desde  as  cachoeiras  do  Madeira.  Seu  primeiro  contraforte  apparece 
no  parallelo  10°  20',  junto  á  primeira  cachoeira  desse  rio;  outro  vem  bor- 
dando o  ribeirão  dos  Parahás  Novos,  no  Mamoré;  terceiro  vae  morrer  nas 
prpximidades  do  forte  do  Príncipe  da  Beira,  no  Guaporé.  Este  rio  guarda 
um  tal  ou  qual  parallelismo  com  a  cordilheira,  da  qual  apenas  se  affasta 
doze  á  vinte  léguas  em  todo  o  seu  prolongamento.  Ainda  esta  manda  ao 
Guaporé  uns  três  ou  quatro  espigões,  cujos  mais  notáveis  são  o  de  Santu 
Rosa,  no  meridiano  20**  30\  e  o  das  Pedras  Negras  no  de  19*  44'. 

Na  latitude  de  l?**  bifurca-se,  dando  seguimento  para  o  septemtrião  á 
cordilheira  do  Norte,  que  prolonga-se  em  direcção  ás  regiões  amazonicas; 
para  S.,  quebra-se  á  meio  do  parallelo  14°  á  15°,  e  forma  o  massiço  cha- 
mado Serra  de  S,  Vicente  e  também  chapada  do  Brmnado;  aos  15° 
despenha  o  Sararé  ;  e  ganhando  SE,  vae,  com  os  titulos  de  serras  do 


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DA  província  de  MATTO-GROSSO  35 

Kagaão^  Santa  Barbara  e  Salinas,  morrer  na  latitude  de  16°,  nos  alpes- 
tres alcantis  da  Aguapehy. 


ALTITUDES. — Foi  na  serra  de  S.  Vicente,  ahi  também  conhecida 
pelo  Alto  ãa  Serra,  que  o  Dr.  Alexandre  e  os  astrónomos,  em  1789, 
acharam  altura  superior  á  mil  metros. 

No  correr  da  serra  dos  Parecis,  parallela  ao  Guaporé,  essa  altitude 
varia  de  trezentos  á  setecentos  metros,  sobre  ó  nivel  do  solo.  Nessas  regiões 
o  frio  do  inverno  é  rigoroso  e  as  geadas  frequentes,  causando  damnos  aos 
próprios  algodoeiros  (a);  cita-se  mesmo  pessoas  mortas  de  congelação,  não 
só  aqui  como  nas  chapadas  de  Guimarães  e  de  Camapuam,  onde  a  friagem 
é  ainda  maior  (b).  Aquella  dista  doze  léguas,  ao  oriente,  de  Cuyabá,  sobre 
a  qual  se  eleva  quinhentos  e  oitenta  metros  (c),  ou  pouco  mais  de  oito- 
centos sobre  o  mar. 

P6dem-se  considerar  como  um  ramo  da  Parecis,  ou  pelo  menos  per- 
tencentes ao  mesmo  systema,  as  serras  que  á  poucas  léguas  de  distancia 
levantam-se  entre  o  Guaporé  e  o  Verde,  desde  oparallelo  13°  na  Terra 
firme  do  Pau  Cerne  até  os  15°  20',  abaixo  da  cidade  de  Matto-Grosso. 
Ahi  seus  píncaros  se  elevam  á  altura  maior  de  oitocentos  metros  (d). 

A  commissão  de  limites  de  1876  denominou-as  de  Ricardo  Franco, 


(a)  Southey  orça  em  4^0  á  500  braças  sobre  o  mar  a  situação  do  arraial  de 
SanVÂnoa,  e  diz  que  era  muito  sujeito  á  geada.— T.  6»,  pag  492,  trad.  do  Dr.  L.  de 
Castro. 

(b)  D'Alincourt,  [Resultado  dos  trabalhos  e  indagações  sobre  a  provinda  de 
Matto-Grosso)  diz  que  em  18^  morreram  de  frio  na  serra  da  chapada  mais  de  vinte 
negros  novos  idos  da  corte. 

(c)  D*Alincourt,  ohr.  cit  Dá  á  Cuyabá  101  braças  e  2  palmos  e  meio  de  altitude 
sobre  o  mar,  e  a  chapada^  mais  elevada  do  que  ella  264  br.,  3  pai.,  6  poli. 

(d)  ff  No  alto  da  serra  o  azougue  baixou  2  poli.  no  pé  do  Rheno,  o  que  dá  á 
altura  de  2(K)0  pés  do  solo».— Rei,  da  excursão  d  serra  do  Grão-Pará,  em  26  de 
Junho  de  1782,  pelo  Dr,  António  P.  da  Silva  Pontes. 


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36  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

em  homenagem  ao  distincto  e  infatigável  engenheiro,  incontestavelmente  o 
sábio  á  quem  a  provinda  mais  deve  por  seus  innumeros  e  conscienciosos 
trabalhos  de  geographia,  hydrographia,  limites  e  defesa  de  território  ; 
cujos  sertões  mais  invios  percorreu  transitando  innumeros  rios,  passando 
centenares  de  cachoeiras,  aflrontando  mil  perigos  e  labores,  e  deixando 
nos  seus  interessantes  mappas  e  descripções  verdadeiros  thesouros  de 
sciencia  e  observação. 


VII 


Quasi  que  se  pôde  dizer  que  são  tantas  as  correntes  que  descem  do 
araxá  quantos  os  espigões  e  serranias  que  seguem  entre  uns  e  outros  rios, 
margeando-os.  A  serrania  que  borda  a  margem  esquerda  do  Paraguay  ó 
um  espigão  que  da  Tapirapuam  desce  á  5.  n'um  ramo,  e  n'outro  prolon- 
ga-se  para  NNE.  Póde-se  marcar  os  seus  começos  nas  cabeceiras  do 
Jaurú,  indo  dahi  beirar  o  rio  por  cerca  de  uns  cincoenta  kilometros.  Pela 
esquerda,  prolonga-se  até  o  parallelo  de  16°  41',  quarenta  e  seis  kilome- 
tros abaixo  da  foz  do  Jaurú.  Os  ramaes  de  iVO.,  que  separam  as  vertentes 
do  Paraguay  das  do  Cuyabá,  e  estas  das  do  Arinos,  são  a  Mangàbeira, 
Jaguára,  Seie  Lagoas,  Pary  ou  Melgueira,  Arapards  ou  Tomhador, 
Araram  Cuyabá  {2). 

(a)  Escrevo,  assim,  de  preferencia  á  Cuiabá,  por  não  poder  conformar-me  com 
a  derivação  de  cuia^vae  que  dão-Ihe  alguns,  ou  mesmo  cxUa—abá  (abá,  gente )^ 
apezar  de  esta  ser  a  opinião  do  advogado  José  Barbosa  de  Sá,  contemporâneo  quasi 
da  fundação  da  cidade,  o  qual  na  sua  Relação  dos  povoados  de  Cuiabá  é  MaitO' 
Grosso,  manuscripto  de  1775,  diz  :  «  Destes  o  primeiro  que  subiu  o  rio  Cuiabá,  assim 
chamado  por  encontrarem  uma  cuia  grande  sobre  as  aguas,  que  ia  rodando  (*),  por 


(*)  ^odar^  isto  ó,  vir  aguas  abaixo  ;  expressão  ainda  hoje    muito  commum 
província. 


na 


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BA  província  de  matto-grosso  37 

Serra  das  Divisões.  No  meridiano  12**  e  parallelo  13%  maisou 
menos,  as  escarpas  do  planalto  prolongam-se,  á  principio,  na  direcção 
de  J?.,  e  depois  levam  n'uma  linha  quebrada  seus  espigões  ao  rumo  5., 

onde  inferiram  que  por  aquelle  rio  havia  gente  {sic)-,  outros  dizem  que  o  nome  de 
Cuiabá  procedeu  de  haverem  cabaceiros  plantados  pelas  margens  daquelle  rio  ;  e 
outros  que  era  o  nome  de  gentios  chamados  cuiabases^  que  nestes  districtos  habi- 
tavam. Cada  qual  siga  a  opinião  que  quizer«  que  não  é  ponto  de  fé  nem  pragmá- 
tica de  Rey,  que  eu  sempre  estou  que  a  nominação  procedeu  da  cuia ;  que  gentio 
desse  nome  nunca  achei  nem  tive  noticia^  nem  que  houvessem  cabaceiros  pela 
margem  do  dito  rio,  sendo  eu  um  dos  segundos  que  cultivei  estes  sertões  e  exami- 
nei o  que  nelles  pude  encontrar.  »  A  opinião  dos  cabaceiros  é  a  seguida  por  mon- 
senhor Pizarro,  que  diz :  «  Os  povoadores  primeiros  do  districto  deram-lhe  o  nome 
por  acharem  plantado  em  suas  margens  certo  fructo  conhecido  com  o  apeUido  de 
cabaço  ou  cabaça,  espécie  de  abóbora  de  miolo  amargo,  o  qual  se  separa  e  deixa 
um  casco  rijo,  de  que  fazem  cuia,  seccando-o,  para  guardar  farinha,  liquido?,  etc. » 
—Mem.  Hisu,  tomo  9.  A  de  cuya  e  abá,  gente  cahida,  é  dada  pelo  padre  José  Manoel 
de  Siqueira,  coevo  de  Sá  e  filho  do  capitão  António  do  Prado  Siqueira,  amigo  e 
companheiro  do  Anhanguêra  e  do  coronel  António  Pires  de  Campos,  contempo- 
râneos estes  do  descobrimento  da  provincia.— 3/em.  d  respeito  das  minas  dos  Mar^ 
íyrioí.— Entretanto  António  Pires  de  Campos,  na  Breve  Noticia  que  dá  do  gentio 
bárbaro  que  ha  na  derrota  das  minas  de  Cuyabd  e  seu  recôncavo,  publicada  no 
tomo  XXY  da  Reo.  Trim.  do  Jn5<.  Hi^t.,  pag.  416,  elucida  a  cousa  de  modo  anão 
haver  duvida,  dizendo :  «  Subindo  mais  para  cima,  vem  um  rio  dar  neste  do 
Cayabá,  que  lhe  chamam  Cuyabd-merim,  que  nasce  de  uma  bahia,na  qual  habitava 
um  lote  de  gentio  chamado  Cuyabds,  Estes  usavam  de  canoas  e  nos  trajes  e  cos- 
tumes eram  como  os  acima  nomeados,  e  tinham  pazes  com  todos  por  serem  mansos 
e  pacíficos.  »  Creio  sufficiente  essa  asserção  do  contemporâneo  do  descobrimento 
para  acertar-se  com  a  origem  do  nome.  Si  em  vez  delcuyabás  eram  cayoabds,  ou 
mesmo  cajabis,  índios  que  ainda  hoje  povoam  as  cabeceiras  do  Manso  e  Paraná- 
tinga,  aquelle  gentio,  a  corruptela  não  é  de  assustar  os  etymologos,  tanto  mais 
quanto  se  vô  que  ella  virá  já  desde  António  Pires.  Os  cayoabás,  de  facto,  eram  se- 
nhores dos  sertões  entre  essas  bandas  e  o  Ari  nos,  rio  das  Mortes  e  Araguaya,  do 
mesmo  modo  que  com  esse  nome  encontra vam-se  outras  nações  nas  margens  do 
Mamoré,  onde  foram  aldeiados  na  missão  de  La  Exáltacion  de  Santa  Crujs  de  los 
Cayoabás.  Segundo  Francisco  Rodrigues  do  Prado,  commandante  do  forte  de 
Coimbra,  na  sua  Hist.  dos  índios  cavalleiros,  pag.  2,  os  cayoabás  eram  os  mesmos 
coroados  ou  coroas,  habitantes  daquellas  margens.  Baste  este  exposto,  e  calle-se 
as  vei  soes  de  cuha  abá,  mulher-homem,  virago,  que  alguém  apontou,  e  a  dos  que 
a  tiram  dos  coroas,  em  cujo  dialecto  cuya  quer  dizer  faltar  e  baytt  mulher,  e  a 
phrase— a  falladora.  Si  um  dia  o  portuguez  fosse  uma  lingua  morta>  e  taes  etymo- 
logos apparecessem,  haviam  de  explicar  a  palavra  camaleão  como  formada  de  duas 
puramente  luzitanas,  que  significavam  leito  de  dormir  e  um  animal,o  rei  das  selvas. 
Segundo  o  padre  Losano  {Conq,  dei  rio  de  la  Plata,  l^—lY,t  Ibiraty  era  o  primitivo 
nome  deCuyabá. 


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38  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

guardando  uma  tal  ou  qual  uniformidade,  sinão  parallelismo,  com  a  dis- 
posição hypsometrica  das  arestas  dos  Parecis,  o  que  as  revela  coetâneas  e 
originadas  de  uma  mesma  eversão  geológica.  O  ferro  é  em  tal  quan- 
tidade nesse  solo,  que  são  férreas,  de  alto  sabor  styptico,  quasi  todas 
as  vei^tentes  ahi  originadas,  e  notadamente  os  córregos  Olho  ã*agua,  Se- 
puUura  e  Lagoinha,  cabeceiras  do  Guaporé  e  o  Piquihy,  do  Jaurú;  e  o 
terreno  de  grés  schistoso,  avermelhado,  devido  isso  á  presença  dos  minereos 
daquelle  metal.  Elevam-se  essas  escarpas  sobre  â  vasta  bacia,  onde  serpeiam 
os  braços  orientaes  doParaguay  e  vão  prender-seao  systema  conhecido  pela 
denominação  de  Serra  das  Divisões,  cujos  massiços  e  contrafortes  recebem 
os  nomes  de  S.  Lourenço,  S.  Jeronymo  ou  Canastra,  Roncador,  Taquaral, 
Santa  Martlia,  Sentinella,  Santa  Rita,  Cayapó,  Albano,  Arara,  Crys- 
taes,  Miimhiwa,  etc,  denominações  dadas,  ás  vezes  á  um  só  morro  ou 
cerro,  outras  á  fracas  asperesas  do  terreno,  mas  que  se  estendem  impro- 
priamente ao  seguimento  orologico  á  que  se  prendem :  sendo  que  todo  o 
systema  é  geralmente  conhecido  na  província  sob  os  titulos  de  Serra  de 
S.  Lourenço,  e  pelos  cartographos  pelo  de  Geral  ou  das  Divisões^  que 
ainda  prolonga-se  para  NE,^  servindo  de  divisória  entre  Goyaz,  Minas, 
Bahia  e  Piauhy. 


Das  serras  de  Cuyabá  para  K  prolongam-se  as  cristas  da  Serra  AjsuJ^ 
divisor  das  aguas  do  Cuyabá  das  do  Paranatinga,  e  cujos  ramos,  vistos  e 
reconhecidos  pelos  primeiros  exploradores  desses  sertões,  apparecem  nas 
suas  narrações  com  os  nomes  de  Apiacds,  Bacauhyris,  Tapirapés  e  Gra- 
dahus,  dos  das  nações  que  ahi  encontraram.  Esse  systema  guarda  paral- 
lelismo com  a  direcção  da  grande  cordilheira  ou  Serra  do  Estrondo,  na 
província  de  Goyaz,  cujas  vertentes  só  enriquecem  as  correntes  do  Ara- 
guaya   e   do  Tocantins,  e  cujos  contrafortes  e  esporões  são  chamados 


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DA  província  de  matto-orosso  39 

Serra  Dourada,  Ouro-fifio,  S.  Pafricio,  Canastra,  Javahés,  Morro  Pin- 
tado, etc.  Aqui  passam  pelas  terras,  no  geral,  mais  altas  do  Brasil,  ava- 
liando^e  essa  altitude  em  mais  de  três  mil  metros;  sendo  que  de  seus 
flancos  são  os  de  E,  os  que  se  patenteiam  menos  declives  e  algumas  vezes 
bastante  approximados  á  vertical. 


PiíicarOfSi  isolados  da  Serra  de  ;\larao(\]'ii. 
(Deseúho  do  Sr,  Dr.  Taanay). 

Ao  S.  de  Matto-Grosso  ô  araxá  termina  pelas  cordilheiras  de  Mara- 
caju  e  Anhamhahy,  cujas  arestas,  naquelle  rumo,  elevam-se  a  mais  de 
seiscentos  metros,  emquanto  que  pelo  outro  lado  formosas  campinas  cons- 
tituem o  planalto.  Seus  principaes  contrafortes  são  os  morros  do  Napi- 
leqtie  ou  DalnJeqtie,  voz  guarany,  que  quer  dizer  ferro,  montanhas  de 
ferro,  e  os  de  Nabidoqueno  e  GuaJaJicano,  que  vão  morrer  no  Fecho  de 
Morros. 

No  alto  Paraguay,  ao  passo  que  as  serras  vem  desde  suas  mais  lon- 
gínquas vertentes  bordando-o  pela  margem  esquerda  até  o  morro  Descai- 
rado,  na  latitude  de  16°  44'  38",34,  na  margem  direita  só  apparecem, 
após  um  longo  tracto  aos  17°  23',  uno  pelotões  chamados  serras  da  Insua 
ou  Gania,  Gahyba,  Alvarim,  Pedras  de  Amollar,  Dourados  e  Xanés 


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40  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

desde  a  lagoa  Vberaha  até  a  Manãioré,  e  todos  conhecidos  com  o  nome 
geral  de  Serra  dos  Dourados ;  e  os  de  Albuquerque  e  JacaãigOj  desde 
Corumbá,  quasi  np  paraJlelo  18%  até  o  Fecho  de  Morros,  em  latitude 
de  22\  Aquellas  vão  prender-se  ao  systema  da  serra  de  S.  Fernando — que 
á  poucas  léguas  de  distancia  prolonga-se  em  território  boliviano ;  as  ulti- 
mas parecem  contrafortes  que  se  entroncam  nos  braços  de  JVíJ.  da  cordi- 
lheira de  Anhambahy. 


VIII 


Sendo  nas  arestas  das  montanhas,  principalmente  nas  cabeceiras  dos 
rios,  que  os  primeiros  exploradores  encontraram  as  mais  ricas  jazidas  de 
ouro,  entranhavam-se  taes  aventureiros  pelos  mais  invios  sertões  sem 
cogitarem  nas  distancias,  nos  trabalhos  e  nos  perigos  á  vencer ;  nem 
houve  monte  em  tão  dilatada  região  onde  não  chegassem,  plantando,  em 
muitos,  estabelecimentos  mais  ou  menos  povoados,  mas,  também,  mais  ou 
menos  ephemeros. 

Ao  occidente  da  provincia,  quasi  que  seus  limites  coincidem  com  o 
limite  dos  terrenos  altos  da  região.  Além  do  Guaporé, — sua  divisa  na- 
tural, avistaram  aquelles  sertanistas  as  serranias  que  se  intercalam  entre 
elle  e  o  rio  Verde ;  subiram-as,  escogitaram  quantas  vertentes  descem  á 
engrossar  os  dous  riose  desceram  até  o  parallelo  13°  20',uos  últimos  tezos 
do  Garajuz  e  da  Melgueira,  onde  mineraram  e  fundaram  Vizeu,  em  1776. 
A'  sudoeste,  além  do  Paraguay,  tomaram  posse  de  todo  o  terreno  alto, 
que  se  mostrava  á  sua  margem  direita. 

Já  o  primeiro  sertanista  de  quem  rezam  as  tradições,  Aleixo  Garcia, 
transpuzera  o  Paraguay,  bs  suas  serranias  e  os  pampas    innundados  do 


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DA  PROVINCU   DE   MATTO-GROSSO  41 

Galámha  ou  Gran- Chaco  (a),  em  rota^-ás  terras  do  Peru,  á  buscar 
riquezas,  que  os  guaycurús  diziam  haver  á  rodo  nas  terras  do 
poente  (b).Conta-se  que  satisfizera  seus  desejos  e  chegára,já  de  volta,carre- 
gado  de  prata  ás  margens  daquelle  rio,  onde  parou  emquanto  mandava 
noticias  da  sua  chegada  e  do  bom  êxito  da  empreza  á  Martim  AfFonso  de 
Souza,  que  o  ajudara  com  homens  e  fazendas,  quando  sobrevindo  os  paya- 
guás  e  guaycurús,  inimigos  dos  xanés^  que  o  acompanhavam,  mataram-o, 
destroçaram-lhe  toda  a  companhia  e  levaram-lhe  prisioneiro  um  filho  de 
menor  idade.  Sebastião  Gaboto,  ao  penetrar  naquelle  rio  em  1526,  en- 
controu ainda  vestígios  das  riquezas  que  Aleixo  trouxera,  o  que, — é  da 
historia — ^motivou  o  nome  de  rio  da  Prata^  que  então  teve  o  Paraguay. 

Atravessaram,  muitas  vezes,  esses  sertões  vastissimos  d'além  Paraguay 
Pedro  Domingues  e  Braz  Mendes,  capitão  do  seu  terço,  segundo  Eoquè 
Leme  (c),  e  natural  de  Sorocaba,  sempre  em  busca  de  indios,  com  a 
santa  idéa  de  os  livrar  do  peccado,  chamando-os  ao  grémio  da  religião  de 
Christo, — e  a  torpe  tenção  de  fazêl-os  escravos. 

Bartholomeu  Bueno  da  Silva,  o  Anhanguêra,  Manoel  de  Campos  e 
seus  filhos,  o  capitão  António  Pires  de  Campos  (d)  e  Felippe  de  Campos 
Bicudo,  Bartholomeu  Leme  da  Silva,  filho  do  Anhanguêra,  e  os  sobrinhos 
Pedro,  Lourenço  e  João  Leme,  António  Borralho  de  Almeida,  Gabriel 
Antunes  Maciel  e  seus  irmãos  António  João  Antunes  e  Felippe  de  Cam- 

(a)  Chacu,  em  quichua,  quer  dizer  rebanho.  ^ 

(b)  Memorias  genealógicas  das  famílias  de  todas  as  capitanias  do  Bra- 
sil,Ví^-  Ms.  do  cónego  Boqae  Luiz  de  Macedo  Leme,  eque  supponho  calcado  sobre 
igual  trabalho  de  seu  parente  Pedro  Taques  de  Almeida  Paes  Leme,  fallecido 
em  1777,  sargento-mór  de  ordenanças  e  autor  da  Nobiliarchia  histórica  e  genealó- 
gica da  capitania  de  S-  Paulo,  «que  deixou  incompleta,  diz  Fr.  Gaspar  da  Madre 
de  Deus,  apezar  de  ter  gasto  cincoenta  annos  nesse  trabalho.» 

(c)  Manuscripto  citado. 

(d)  Pae  do  coronel  do  mesmo  nome,  que  aldeiou  os  bororós,  e  os  cayapós  ma- 
taram, com  grande  sentimento  daquelles.  Annaes  da  camará  de  Cuyabd,  Uv.  !<>;  Sá, 
Rei,  dos  pov,  de  Cuiabd  e  Matto-Grosso,  ^ 

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42  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

pos  Maciel  (a),  Pascoal  Moreira  Cabral  (b)  e  António  do  Prado  Si- 
queira (c),  todos  paulistas  de  Sorocaba ;  e  os  europeus  Francisco  Xavier  e 
•João  Pires  Taveira :  são  os  homens  enérgicos  e  ousados,  que  os  chronistas 
indicam  como  os  proto-exploradores  do  território  de  Matto-Grosso.  A'  elles 
deve  a  provincia  o  descobrimento  de  todos  os  seus  sertões,  suas  monta- 
nhas e  rios  ;  a  abertura  das  suas  poucas  estradas,  ainda  hoje  as  mesmas, 
salvos  pequenos  melhoramentos  que  o  decurso  de  quasi  século  e  meio  tem 
exigido.  A  navegação  do  Guaporé  e  Madeira  foi  descoberta  em  1742  por  Ma- 
noelFelix  de  Lima ;  a  do  Arinos  e  Tapajós,  quatro  annos  mais  tarde  por  Joào 
de  Souza  de  Azevedo,  sargento-mór  de  ordenanças.  Em  1772  o  capitão  João 
Leme  do  Prado,  dessa  familia  Leme  de  sertanistas,  buscava,  por  ordem  do 
capitão  general  Luiz  Pinto  uma  estrada  no  percurso  de  toda  a  crista  da  cor- 
dilheira dos  Parecis,  desde  as  vertentes  do  Juruhena  até  o  forte  da  Con- 
ceição. 

Mais  tarde, — aos  aventureiros,  guiados  pela  cobiça  e  ganância  in- 
frene, succederam  os  homens  da  sciencia,  levados  pelo  cumprimento  do 
dever  e  pelos  estímulos  da  gloria.  Vieram  explorar,  reconhecer  e  estudar 
essas  regiões,  então,  talvez,  as  mais  requestadas  da  coroa  bragantina. 
Foram  primeiros,  a  commissão  demarcadora  de  limites,  composta  dos  en- 
genheiros majores  Eicardo  Franco  de  Almeida  Serra,  commandante  da 
expedição  e  Joaquim  José  Ferreira,  e  dos  astrónomos  Drs.    Francisco 

(a)  Aiada  existem  na  cidade  de  Matto-Grosso  os  descendentes  destes  sertanistas. 
Os  donos  6  patrões  do  bote  que  nos  conduziu  daquelle  porto  ao  do  Santo  António  do 
Madeira,  os  8râ.  Lúcio,  António  e  Estevam  Antunes  Maciel,  guardam  ainda,  com  o 
nome,  o  esforço  e  génio  aventureiro  dos  seus  maiores. 

(b)  Descendente  do  descobridor  do  Brasil.  Era  filho  do  coronel  Pascoal  Moreira 
Cabral  e  sobrinho  do  alcaide- mór  de  Belmonte  Jacintho  Moreira  Gabral.neto  de  Pedro 
Alvares  Cabral,  e  de  sua  mulher  D.  Sebastiana  Fernandes,  primeiros  padroeiros  de 
Santa  Anna  do  Paranahyba.—Roque  Leme,  Mem.  Geneal,  das  Pam.  de  todas  as 
Cap,  do  Brasil. 

(c)  Pae  do  padre  José  Manoel  de  Siqueira,  autor  da  memoria  á  respeito  das 
minas  dos  Mar  t/rios* 


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DA  PROYINCIA   DE  MATTOGROSSO  43 

José  de  Lacerda  e  Almeida  e  António  Pites  da  Silva  Pontes  (a),  cabendo 
ao  primeiro  e  ao  terceiro  o  que  de  mais  satisfactorio  a  sciencia  registrou ; 
seguiu-se-lhe,  mais  tarde,  o  naturalista  bahiano,  Dr.  Alexandre  Kodrigues 
Ferreira,  o  Rumbolãt  brasileiro,  no  dizer  de  Ferdinand  Dénis  (b),  de  Os- 
culati  (c)  e  de  outros,  e  cujos  múltiplos  e  preciosos  trabalhos  andam  com- 
pletamente dispersos,  e  muitos,  talvez,  perdidos. 

Depois  delles,  e  na  geração  que  passa,  Matto-Grosso  só  registra  dons 
nomes  de  varões  prestimosos,  que  se  prendem  á  tudo  o  que  ha  de  melhor, 
relativo  á  seus  estudos  geographicos,  e  á  quem  deverá  gratidão  eterna:  Luiz 
D'Alincourt,  major  de  engenheiros,  o  investigador  da  estatística  e  choro- 
graphia  da  província,  e  o  Sr.  Augusto  Leverger,  barão  de  Melgaço  e 
chefe  de  esquadra  reformado,  sábio  e  modestíssimo  conhecedor  do  terri- 
tório matto-grossense,  ambos  dignos  herdeiros  e  emulos  das  glorias  de  Ri- 
cardo Franco  e  de  Lacerda. 


IX 


Além  dos  limites  occidentaes  da  provinda  e  do  acabamento  do  araxá 
e  seus  espigões,  o  terreno  vae  somente  de  novo  elevar-se  á  muitas  dezenas 
de  léguas  distante,  nas  abas  dos  Andes,  cujas  torrentes  principaes  e  innu- 
meras  são,  também,  tributarias  dos  dous  rios  gigantes  da  America  do  Sul. 

Mas  ahi  o  terreno  não  forma  chapadões ;  eleva-se  desde  quasi  o  pa- 
rallelo  20*,  mas,  pouco  á  pouco  e  suavemente,  como  que  formando  uma 


(a)  Vinha  mais  um  capellào,  Fr.  Álvaro  da  Fonseca  Zuzarte,  um  cirnrgiao, 
19  praças  e  100  Índios,  dos  qaaes  36  morreram  logo  em  viagem.  Partia  a 
oommissSo  de  Barcellos  á  1  de  setembro  de  1781,  entrou  no  Madeira  á  9,  e  chegou  á 
Yilla  Bella  à28  de  fevereiro  do  anno  segninte. 

(b)  Le  Brésil, 

(c)  Esplorazione  dalle  regione  eqttatoriali. 


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44  ESBOÇO   CHOUOGRAPHTCO 

amplíssima  escarpa  á  cordilheira  andina.  Santa  Crue  ãe  la  Sierra,  no 
parallelo  16°  41',  á  437  metros  acima  do  nivel  do  mar,  conserva  altura 
correspondente  á  elevação  normal  dos  continentes;  Sucre,  aos  21°  17\ 
está  á  2840"»,  Funa,  aos  22%  á  3912™,  e  Potosi,  meio  grau  á  O., 
á  4058».  (a) 

Todo  o  território  intermediário  é  tão  baixo  e  plano  que  as  correntes 
tomam-se  notáveis  pelo  seu  pouco  declive.  Ribeirões  de  regular  cabedal 
de  aguas,  ao  encontrarem  o  rio  á  que  afBuem,  por  qualquer  circumstan- 
cia  um  pouco  mais  veloz  do  que  de  costume,  ficam  represados  e  como 
que  estagnados,  não  se  notando  quasi  movimento  algum  na  sua  correnteza. 
No  tempo  das  aguas,  que  coincide  com  o  degelo  das  cumiadas  nevadas 
dos  Andes,  engrossam-se  e  convertem-se  em  caudalosas  torrentes;  trans- 
bordam dos  leitos,  invadem  os  terrenos,  espraiando-se  cada  vez  mais  e 
convertendo  as  dilatadas  campinas  onde  serpeiam  em  um  verdadeiro 
oceano  de  agua  doce,  de  centenas  de  léguas  de  âmbito,  bordado  de  innu- 
meros  e  extensos  golfos  e  bàhias,  e  semeiado  de  ilhas  verdadeiras  ou  falsas, 
aquellas  formadas  pelos  raros  tesos  e  morrarias,que  sobresahem  á  planície 
e  estas  pelas  verdes  cimas  das  florestas  submergidas.  Póde-se  marcar 
como  limite  á  esse  terreno  de  inundação  as  serras  do  Abuná,  ao  N.,  o 
araxá  matto-grossense  á  -B.,e  á  O.,  o  meridiano  20°,  desde  Santa  Cruz  de 
la  Sierra,  Púcara,  Padilha,  Salina  e  Oran,  lá  onde  começam  á  ap parecer 
as  cabeceiras  do  Guapay,do  Pilcomayo  e  doBermejo.Para  o  5.  estende-se 
além  das  serranias  de  Tucuman  e  Catamarca,  além  dos  banhados  e  esteros 
de  Santiago  e  Córdova,  até  os  pampas  mal  conhecidos  da  Patagonia. 

Nessas  comarcas,  poucas  vezes  no  anno  são  possiveis  as  longas 
viagens.  Quasi  que  só  de  setembro  á  dezembro  encontra-se  transitavel  o 
terreno,  ordinariamente  liso  e  livre  de  tropeços  como  a  mais  bem  conser- 
vada estrada.    Ha,  porém,  á  soflfrer-se  do  excesso  contrario  ao  do  tempo 


(a)  Segando  Pentland,  Sucre  está  á  9343, Puna  12870,  e  Potosi  1335Ò  pés  inglezes. 


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DA  PROVINCU  DB  MATTO-GROSSO  45 

das  aguas,  agora  completamente  absorvidas,  e,  somente  de  longos  em 
longos  trechos  apparecendo  em  brejaes  ou  filetes  mais  ou  menos  ex- 
tensos, de  alguns  kilometros,  mais  ou  menos  largos,  de  alguns  metros, 
semelhando-se  á  rios  sem  nascedouro,  sem  corrente  e  sem  foz.  Sào  escoa- 
douros dos  terrenos  mais  altos,  e  nestas  regiões  conhecidos  sob^o  nome  de 


-A.S  iniifiudaçues. 

corixas  ou  corichcs  (a).  Taes  são  alguns  dos  rios  do  interior  da  Bolívia  e 
republica  argentina,  como  o  Parapiti,  no  Chuquisaca,  o  Temhlada,  no 
Pampa  Grande,  o  Tucubaca,  nos  Ottuquis,  o  Santa  Rita  e  o  Palmas 
Reaes,  na  fronteira  de  Matto-Grosso,  e  ainda  a  Corixa  Grande  do  Destor 
camento,  os  rios  Andalgala^que  começa  junto  ás  montanhas  de  Tucuman 
e  perde-se  nos  lagos  salgados  de  los  Ponchos^  o  I}ulce,  o  Primero,  o 
Segundo,  o  Quinto,  os  de  Riqja,  Córdova  e  Mendoza^  e  o  Bateles,  este  na 
provinda  de  Corrientes,  fortemente  caudalosos  em  plena  estação  das 
chuvas  e  completamente  á  sêcco  ou  estagnados  na  outra  estação.  Delles 

(a)  Não  é  palavra  portugueza,  nem  sei  a  sua  origem.  Mesmo  os  bolivianos,  de 
cujo  paiz  a  supponho  recebida,  não  puderam  clncidar-m*a,  não  a  conhecendo  n'nma 
dezena  de  dialectos  dos  mais  conhecidos,  desde  o  quichua  até  o  chiquitano. 


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46  ESBOÇO  CHOROGEAPHICO 

alguns  são  perennes;  e  ãssemelhando-se  aos  rios,  conservam  essa  designa- 
ção si  bem  que  não  sejam  mais  do  que  estreitas  e  compridas  lagoas. 

Nas  regiões  montanhosas  do  Império,  e  particularmente  nos  declives 
dos  araxás,  encontram-se  muitas  dessas  correntes  periódicas,  ora  volumo- 
sas ora  aniquiladas,  conforme  a  época,  e  as  quaes  outra  cousa  não  são 
mais  do  que  escoadouros  ou  vasantes  provenientes  da  declividade  do  solo. 
Taes  o  Jagimrihe,  o  Aracacú,  o  Barnahuhy,  o  Choro,  o  Ribeirão  do 
Sangue^  e  tantos  outros  do  Ceará  e  Piauhy,  o  Turvo,  de  Goyaz,  etc., 
e  grande  numero  dos  que  correm  neste  araxá. 


Muitas  dezenas  de  annos  e  muitas  gerações  succeder-se-hão  antes  que 
a  riqueza  das  nações  e  o  esforço  de  seus  braços  possam  abrir  estradas — 
não  já  para  locomotivas  á  vapor,  mas  simplesmente  de  rodagem,  duradou- 
ras e  permanentes.  A  baixa  do  terreno  é  por  sua  extensão  um  obstáculo 
insuperável  nas  condições  actuaes  desses  paizes;  e  todo  o  esforço,  em  tal 
empreza,será  nuUificado  ante  tamanha  difficuldade. 

Actualmente  as  chamadas  estradas  ou  caminhos  entre  os  povoados 
nada  mais  são  do  que  simples  seguimentos  de  rumos  conhecidos,  direcções 
que  todos  procuram  e  todos  sabem,  muitas  não  estando  assignaladas  pelo 
mais  ligeiro  trilho,  pelo  menor  indicio  de  transito.  Mas  sabe-se  que  essa 
é  a  direcção:  por  ahi  deve  seguir  o  caminho. 

Quando  é  chegado  o  tempo  propicio  ás  viagens  está  o  terreno  livre  de 
tropeços  e  de  uma  planura  admirável.  O  solo  é  ordinariamente  de  uma 
mistura  de  silica  e  argilla,  á  que  também  frequentemente  se  ajunta  o 
elemento  calcareo:  si  o  trilho  é  frequentado  quando  o  terreno  ainda  está 
encharcado  e  embebido  de  agua,  facilmente  se  vão  formando  atoleiros  e 
maus  passos,  que  difficultam  o  transito  e  fazem  o  desespero  dos  viajores. 


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DA  PROVÍNCIA  DE  MATTO-GKOSSO  47 

Sêcco  O  solo,  como  a  frequência  é  rara,  as  pegadas  que  os  animaes  deixam 
fundamente  moldadas  nessa  massa  tomam  a  consistência  da  pedra,  e  por 
suas  escabrosidades  e  aspereza  das  arestas  tomam-se  o  desespero  dos  peões, 
e  um  grande  mal  para  as  cavalgaduras  e  cargueiros,  que  nellas  se  estro- 
piam. Chegada  a  quadra  invemosa,  innundarse  rapidamente;  viaja-se 
ainda  á  rumos,  mas  com  a  differença  agora,  de  que  é  em  canoas  e  não  á 
cavallo  ou  á  pé. 

Também  na  bacia  do  Paraguay  cortã-se  das  cabeceiras  do  Taquary 
em  rumo  ao  S.  Lourenço,  á  Corumbá,  á  Poconé  ou  á  S.  Luiz  de  Cáceres, — 
quando  a^  innundações  tém  subermegido  campinas  e  florestas,  e  formado 
esse  immenso  lago,  conhecido  dos  antigos  pelos  lagos  'periódicos  dos 
Xarayés. 

Assim,  também,  no  Grão-Chaco  Azara,  Van  Ey vel  e  outros,  andaram 
n'um  oceano  de  aguas  doces  em  busca  do  leito  do  Pilcomayo :  assim  é, 
também,  que  os  povos  bolivianos  de  S.  Miguel,  Conceição,  Trindade, 
Exaltação,  S.  Joaquim,  Magdalena,  Reyes,  etc.,  communicam-se  entre  si 
no  valle  do  Mamoré :  mais  felizes,  comtudo  que  os  povos  do  sul,  SanfAnna, 
S.  Saymundo,  S.  João,  Santa  Thereza  e  Santo  Coração,  os  quaes,  si  em 
certas  occasiôes  do  anno  podem  ir  em  canoa  á  cidade  de  Matto-Grosso, 
n'outras  ficam  inteiramente  inconmiunicaveis, — por  não  haver  agua  suffi- 
ciente  para  a  viagem  fluvial  e  havêl-a  de  sobejo  para  o  transito  das 
estradas. 

Na  força  das  aguas  estas  elevam-se  á  vinte  e  trinta  palmos  sobre  o 
nivel  ordinário :  em  Corumbá  o  Paraguay  tem  chegado  á  onze  metros  de 
altura;  o  Cuyabá,dez  metros  na  capital;  e  o  Guaporé,  no  forte  do  Príncipe 
da  Beira,  á  igual  altura,  já  observada  pela  conmiissão  de  1782  e  ultima- 
mente por  nós  comprovada. 

Mappas  do  século  passado  traçam  as  inundações  periódicas  dos 
Xarayés  desde  o  Julgado  de  S.  Pedro  de  El-rey  (Poconé),  no  parallelo 


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48  ESBOÇO  CHOEOORAPHICO 

16"  16',  eslendendo-se  por  quasi  todo  o  percurso  do  S.  Lourenço  e  do  Ta- 
quary,  lá  de  próximo  ás  suas  cabeceiras,  até  abaixo  do  parallelo  21",  ao 
S,  do  Fecho  de  Morros.  Do  outro  lado,  o  Paraguay,  intemando-se  entre 
montanhas  ou  pequenos  albardões,  sobre  os  terrenos  da  sua  margem 
direita  desde  o  Jaurú,  penetra  por  entre  as  serranias  da  Insua,  Pedras 
de  Amolar,  Dourados,  Xanés,  Jacadigo,  Albuquerque,  etc.,  paredes  que, 
mesmo  na  sêcca,  deixam-lhe  entradas  francas  para  as  lagoas,  ou,  como 
aqui  as  chamam,  lahias  de  Uberaba,  Gahibas,  Mandioré,  Cáceres  e 
Negra,  e  ahi,  reunido  á  esses  já  por  si  vastos  lençóes  de  agua,  muitís- 
simo accrescentados  pelas  torrentes  de  alluvião,  espi-aia-se,  cobrindo 
enorme  território,  onde  as  estreitas  depressões  do  terreno,  já  aproveitadas 
pelas  primeiras  escoantes  das  chuvas,  tém-se  convertido  em  rios;  onde  os 
brejos  e  almargeaes  hão  se  mudado  em  lagos;  e  agora,  reunidos  n'um  só 
corpo  seus  inmiensos  cabedaes,  vão  se  elevando  no  solo,  vão  submergindo 
pouco  a  pouco  os  albardões  e  tezos,  vão  ilhando  as  montanhas  e  cobrindo 
as  florestas;  e,  desde  os  contrafortes  do  Aguapehy  até  as  serranias  de  Salta, 
na  republica  argentina,  nos  Uanos  de  Manso  (a),  confímde-se  com  o  Pil- 
comayo,  o  Bermejo,  o  Salado  e  todos  os  rios  e  corixas  intermédios;  abraça 
o  Paraná,  que  por  sua  vez  já  tem  represado  as  aguas  dos  seus  tributários 
orientaes  e  submergido  as  verdes  coxilhas  de  Corrientes  e  Entrerios ; 
une-se  com  o  vasto  repositório  da  lagoa  Iherd,  que  ora  se  apresenta  com 
quinze  léguas  de  largura,  como  a  encontrou  Parchappe,  ora  com  cincoenta, 
como  a  viu  Azara:  e  toda  essa  massa  de  agua  torna-se  um  verdadeiro 
oceano. 

Segundo  o  Dr.  Weddell,  o  Chaco,  na  fronteira  boliviana,  não  tem  de 


(a)  Do  nome  do  capitão  Andrés  Manso,  desertor  peruano  que  se  estabeleceu 

Chaco,  perto  dç  Pilcomayo,  mas  em  ten 
los. 

Charlevoix,  !•— 161  e  Castelnau,  6o— 275. 


no  Chaco,  perto  dç  Pilcomayo,  mas  em  território  boliviano,  e  ahi  foi  morto  pelos 
Índios. 


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DA  PROVINCU  DE  MATTO-GBOSSO  49 

altitude  mais  de  cento  e  sessenta  metros;  e  Hâenke  já  tinha  notado  essa 
fraca  elevação  nas  baixadas  de  Santa  Cruz,  Chiquitos  e  Mojos. 


A.   Serra    da  Cabelleira. 
(Deieoho  do  Sr.  Dr.  Tannay.) 


X 


Que  na  America  meridional  parte  do  continente  se  solevantou  dos 
mares  em  edades  náo  mui  primitivas,  é  facto  inconcusso  para  a  geologia, 
que,  nos  mais  centraes  sertões  americanos  como  nas  cumiadas  tempes- 
tuosas de  suas  montanhas,  nos  terrenos  á  beira-rios  e  nas  dunas  dos  pla- 
naltos, muitos  delles  verdadeiros  fallums,  tem  sempre  encontrado  Índices 
certeiros  â  testificarem  a  existência  das  aguas  salgadas  em  tempos  que 
o  estudo  não  pôde  ainda  determinar,  mas  que  a  geogenia  elucidará,  O  que 
parece  certo  é  que  não  foi  o  oceano  que  lhe  irrompeu  os  limites  e  veiu 
submergir  seus  vastos  paramos. 


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50  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

A  edade  geológica  desses  terrenos  americanos  parece  limitar-se  entre 
os  períodos  carbonifero  e  siluriano  inferior.  Si  na  região  amasonica,  desde 
Humboldt  e  La  Condamine,  até  em  nossos  dias  Agassis,  Sousa  Coutinho, 
Hartt  e  Derby,  todos  os  perscrutadores  dos  arcanos  da  natureza,  que  se 
tém  entranhado  as  suas  remotas  solidões,  hão  reunido  ampla  colheita  de 
dados  para  tal  confirmação,  quer  na  observação  dos  factos,  quer,  princi- 
palmente no  descobrimento  dos  foramineos,  conchas,  peixes  e  outros  fosseis 
oceânicos; — na  região  matto-grossense  nenhum  Índice  positivo  ainda  foi 
encontrado. 

Si  para  testemunho  das  diversas  commoções  por  que  passou  o  globo, 
solevantando  ou  deprimindo  as  terras  ao  nivel  commum  das  aguas,  tem 
a  geologia  a  conformação  physica  do  antigo  continente,  o  alinhamento 
das  suas  cordilheiras,  as  falhas  do  solo,  das  quaes  a  conformidade  de  di- 
recções marcam  outras  tantas  eversões  contemporâneas ;  si  ali  são  provas 
de  que  o  oceano  passeiou  suas  aguas  por  sobre  planícies,  montanhas  e 
.  planaltos — os  seus  desertos,  steppes  e  saharas,  e  os  seus  mares  centraes 
sejam  elles  o  Caspio,  o  Arai  e  o  Mar-Morto  (a)  completamente  isolados, 
sejam  o  Mediterrâneo,  o  Báltico,  o  Negro,  o  Vermelho  e  todos  esses  gol- 
fões que  se  ligam  á  grande  massa  oceânica  por  estreitas  portas:— na 
America,  sobejamente  o  testificam  o  seu  systema  orologico,  a  direcção 
dos  alinhamentos  e  stractificações ;  seus  planaltos  areientos  e  enormes 
depósitos  marinhos,  que  se  estendem  e  agglomeram  entre  cordilheiras 
completamente  nuUificadas  pelo  sedimento  que  se  accumulou  nos  seus 
vallese  montanhas  que,  quando  mui to,deixam  patente  um  flanco,  erguido 


(a)  £*  extraordinária  a  altitude  dessas  massas  de  agua  em  relação  ao  oceano.  O 
Mar-Morto  está  427«  abaixo  do  nivel  do  Mediterrâneo ;  a  sua  saturação  salina  ó 
de  23  o/o,  isto  é,  oito  vezes  mais  forte  do  que  o  commum  ;  parecendo  indicar,  como 
bem  o  diz  Privat  Deschannels,  no  seu  Cours  de  Physique,  ser  elle  nao  somente  um 
mar  morto  mas  também  um  mar  que  se  sécca.  O  Caspio  está  18«  abaixo  do  nivel 
do  mar  de  Âzoff. 


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DA  província  de  matto-oeosso  51 

sobre  valles  de  denudação,  que  também  revelam  vestígios  da  acção  nep- 
toniana. 

Nas  escarpas  denudadas  das  serras  da  Taquara,  Ricardo  Franco, 
Parecis,  Tapirapuam,  S.  Jeronymo,  Sellada,  Cabelleiras,  Azul,  Roncador, 
Dourados,  dos  Crystaes,  etc.,  nos  morrotes  e  penedos  isolados  e  esparsos 
pelo  araxá,  e  notadamente  na  chapada  do  Guimarães,  onde  affectam  as 
mais  bizarras  formas,  lê-se  a  passagem  das  aguas,  nas  cintas  parallelas 
e  na  corrosão  das  rochas,  que  seguem  um  plano  uniforme,  como  se  o  lê 
também  nas  faldas  orientaes  dos  Andes.  Nesses  penedos,  ordinariamente 
de  gneiss  e  grés  compacto  a  stractificação  é  quasi  horisontal :  todos  os 
viajantes  o  attestam,  e  Weddell  diz  que :  «  — ^pendant  des  heures  entières 
on  rencontre  des  pentes  des  rochers,  dont  les  strates  ont  été  taiUés  en 
biseau  par  Taction  prolongée  des  courants,  toujours  dirigées  vers  le  même 
point.  »  (a) 

A  serra  da  Taquara,  diz  Castelnau  (b),  não  parece  ser  outra  cousa 
mais  do  que  os  lados  de  um  grande  planalto  de  grés,  cujos  flancos  tenham 
sido  batidos  e  rotos  por  um  mar  que  outVora  cobrisse  o  centro  do  Brasil. 

O  mesmo  verificou, — e  o  confirma  o  illustrado  autor  da  Bétraiie  de 
Laguna,  o  Sr.  Dr.  A.  d^Escragnolle  Taunay,  nas  serras  da  Cabelleira 
em  Goyaz,  na  de  Maracajú,nos  rochedos  do  Lageadinho  em  Matto-Grosso 
e  na  denudação  do  Portão  de  Boma,  dous  massiços  de  grés  argilloso, 
cortados  á  pique  e  fronteiros,  passando  pelo  meio  uma  estreita  senda, 
toda  eriçada  de  lages  e  mattos :  abertas  praticadas  pelas  aguas  em  rochas 
metamorphicas  que  formam  systema  com  uma  serie  de  morros  que,  em 
differentes  strias  parallelas,  marcam  nas  escarpas  a  altura  do  «  lago 
geológico  que  outr'ora  aquella  bacia  encerrou.  »  (c) 


(a)  Expeditíon  aux  parties  centrales  de  TAmerique  du  Sad,  tomo  6,  pag.  103. 

(b)  Item,  tomo  2»,  pag.  247, 

(c)  Scenas  de  viagem,  pag.  26. 


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52  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Também  escarvadas  pelas  aguas,  por  um  processo  análogo  ao  dos 
sumidouros  actuaes,  parecem  ser  certas  grutas  ou  galerias,  como  em 
Goyaz  o  arco  de  quarenta  metros  de  longo  no  arraial  da  Anta,  e  a  ga- 
leria que  fica  na  estrada  do  arraial  de  Santa  Eita  para  o  porto  do  rio 
Vermelho ;  abobodado  que  alguns  viajores,  no  dizer  de  Cunha  Mattos, 
hão  comparado  ás  grutas  do  Pauzzilippo  em  Nápoles ;  e  que  além  da 
estrada  cobre  ainda  um  ribeirão,  resto  sem  duvida  da  grande  corrente 
que  o  produziu,  (a) 


o  PortCio  cie  Roma. 
(Desenho  do  Sr.  Dr.  Taunay  ) 

Ha  ainda  um  Índice  nos  lagos  salgados,  nos  rios  e  lagos  salobros,  nos 
savanas  e  pampas  salitrados,  onde  o  sal  marinho  reunido  ao  sulfato  mag- 
nesiano  e  ao  carbonato  de  soda,  surge  á  flux  do  solo,  não  só  nas  baixadas, 
mas  ainda  nos  planaltos,  não  só  nos  terrenos  sêccos,  mas  também  á  beira 
dos  maiores  rios;  parecendo  derivado  de  enormes  depósitos  subterrâneos, 
que  quando  encharcados,  na  estação  chuvosa,  as  aguas  dissolvem  e 
levam  comsigo,  e  ao  seccarem  depositam  no  solo:  terrenos  prenhes  de 


(a)  Ghorographia  histórica  da  província  de  Goyaz . 


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Dl  PROVINCU   DE  MATTO-GROSSO  53 

sal,  como  o  chão  do  Egypto  e  de  outras  regiões  africanas,  com  a  diífe- 
rença  única,  mas  notável,  de  que  aqui  são  as  verdes  ondulações  dos  pam- 
pas e  lá  os  ardentes  areiaes  dos  saháras. 

São  salitradas  as  margens  do  Paraguay,  onde  vastas  salinas  são 
conhecidas  perto  do  Olympo,  no  Chaco,  e  em  Lambaré,  na  Assumpção,  e 
cujos  saes  dão  noventa  e  dous  por  cento  de  chlorureto  de  sódio  puro  (a). 
Nas  provincias  argentinas  do  Entre-Kios  e  Corrientes,  e  na  republica 
Oriental  o  leite  das  vaccas  é  nimiamente  salgado,  o  que  se  explica  pela 
força  salina  dos  campos  de  pácigo.  Nas  mesmas  magestosas  elevações 
andinas  encontram-se  vastos  depósitos  de  aguas  salgadas,  tanto  como  nos 
plainos  sujeitos  ao  alagamento,  —  em  Santiago,  Oruro,  S.  José;  no  Chile, 
e  no  Perií,  como  nos  pampas  patagonios.  O  Titicaca^  lago  de  seiscentas 
léguas  quadradas,  á  quatro  mil  metros  de  elevação  sobre  o  mar,  é  de  agua 
salobra.  As  salinas  de  Haaílaja,  no  Amazonas  peruano,  e  as  de  Tarma 
e  Cerro  dei  Sol;  as  de  Polia  e  Tarija,  na  Bolivia,  do  mesmo  modo  que 
os  Hatios  de  Caim  e  os  savanas  salsados  dos  pampas  argentinos,  vastos 
repositórios  desde  as  margens  salitrosas  do  Pilcomayo  até  os  confins  da 
Patagonia, —  ainda  o  confirmam,  tão  bem  como  a  presença  dos  fosseis 
oceânicos  nos  pincaros  e  plainos  da  cordilheira. 


Aqui  em  Matto-Grosso  os  barreiros,  isto  é,  terrenos  salitrados  mui 
buscados  pelos  animaes,  e  sitios  sabidos  dos  caçadores  para  a  espera  e  ca- 
çada das  antas,  são  mui  communs.  As  salinas  são  tão  geraes  no  planalto 
como  nos  plainos  alagadiços :  abundam  desde  o  Begistro  do  Jaurú  até  as 
cabeceiras  do  Paragahú,  sinão  além ;  e  para  o  S.  até  os  campos  innunda- 
dos  da  Uberaba. 

São  mais  notáveis  as  salinas  de  Casalvasco,  as  das  Mercês,  do  Al- 
ia) Dagmiy—Rep.  áel  Paraguay,  pag.  880. 


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54  ESBOÇO  CHOEOGRAPHICO 

meida,  e  do  Jaurú,  todas  n'uma  estreita  zona  (a).  Na  primeira,  em  1783, 
o  alferes  Francisco  Garcia  Velho  Paes  de  Camargo,  n'um  ligeiro  ensaio, 
tirou  dous  pratos  de  sal,  n'uma  decoada  de  dous  alqueires  em  peso  de 
terras;  e  da  ultima,  no  verão  de  1790,  o  escrivão  da  camará  Luiz  Ferreira 
Diniz,  extraliiu  muitos  alqueires  (b).  As  da  Vargem  Formosa,  quatorze 
léguas  á  SO.  de  Cuyabá,  davam  tanto  e  tão  bom  sal,  que  Luiz  Pinto  as 
isentou  de  direitos  (c);  as  de  Cocaes  e  as  de  Noronha,  entre  aquella  capital 
e  o  rio  Paraguay,  descobertas  em  1770  por  Bernardo  Lopes  da  Cunha  (d), 
eram  muito  copiosas. 

As  grutas  calcareas  das  cercanias  de  S.  Luiz  de  Cáceres,  nas  quaes 
os  bororós  tinham  suas  necropolis — á  julgar  pelo  numero  de  ca^nocis  ahi 
encontrados,  são  tão  ricas  de  sal,  que,  ainda  em  1849,  delias  se  extra- 
hiram  e  desceram  para  o  Paraguay  não  menos  de  cem  arrobas  (e). 

No  mais  alto  do  araxá,  cerca  talvez  de  um  kilometro  sobre  o  mar,  ha 
nas  margens  de  Xacuruhina  salinas  tão  abundantes,  que,  diz  Eicardo 
Franco,  eram  bastantes  para  o  sortimento  da  provincia  (f).  As  próprias 
nascentes  do  Paraguay,  descreve  Southey — «  são  acres  e  salgadas,  ainda 
que  extremamente  crystallinas,  cobrindo  as  margens  de  uma  crosta  espessa, 
que  dá  as  raizes  das  arvores  a  semelhança  das  rochas  (g). »  O  mesmo  se 


(a)  A  primeira  está  na  lat.  15»  42'  37",5,  long.  16»  55'  20" ;  a  segunda  aos 
16»  12*  lat.,  e  long.  16o  37' ;  a  terceira,  IG»  21'  lat.  e  15o  long.,  e  a  ultima  aos 
16o  19'  lat.,  sete  léguas  distante  do  Begistro. 

(b)  Enfermidades  endémicas  da  capitania  de  Matto-Grosso,  ms.  do  Dr.  Ale- 
xandre Rodrigues  Ferreira,  da  Bib.  Nac. 

(c)  Pisarro,  Mem,  Histor.,  t.  9-pag.  13. 

(d)  No  manuscripto  acima  diz  o  Dr.  Alexandre  Ferreira  que  seu  verdadeiro 
nome  era  este,  e  nâo  o  de  Luiz  António  de  Noronha,  com  que  se  apresentava. 

(e)  Bel.  do  presidente  de  Matto-Grosso,  coronel  José  Joaquim  de  Oliveira,  1850, 

(f)  Mem,  Geogr.  do  Rio  Tapajoz. 

(g)  Hist.  do  Brasil,  trad.  do  Dr.  Luiz  de  Castro,  1. 1— pag,  109 ;  o  Dr.  António 
Pires  da  Silva  Pontes,  n  a  sua  Memoria  Physico-geographica,  de  29  de  maio 
de  1790»  diz  :~ttque  nessas  várzeas  muitas  arvores  apresentam  fortes  incrustações 
salinas  no  seu  epiderma. » 


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DA  PROVINCU  DE  MITTO-GROSSO  55 

dá  na  zona  entre  o  Taquary  e  o  Apa,  onde  a  mór  parte  dos  ribeiros  e 
regatos  são  salobros ;  e  no  mesmo  reino  vegetal  encontra-se  o  chlorureto 
de  sódio  em  algumas  plantas,  entre  outras  a  palmeira  carandá  (copernicia 
cerifera),  da  qual  os  indios  do  Rio  Negro  tiram  fácil  partido. 


XI 


E*,  pois,  mais  que  provável  que  essa  enorme  bacia  entre  os  Andes  e 
o  araxá  matto-grossense  seja  um  valle  de  denudação,  formado  pelas  aguas 
que  ahi  existiram;  e  que,  abrindo  vasantes  ao  iVl  e  á  S,^  nos  locaes  mais 
declives,  escoaram-se,  levando  as  terras  em  dissolução,  e  assignalando 
pouco  á  pouco  os  leitos  por  onde,  um  dia,  se  derivassem  as  correntes,  que, 
de  futuro,  viriam  substituir  esses  mediterrâneos, — cujos  sangradouros 
encontraram  d'Orbigny  (a)  e  Weddell  (b)  em  varias  partes  da  Bolivia.  Os 
calcareos  e  macignos,  os  concretos  silico-ar^llosos,  tão  communs  nessas 
comarcas  e  que  parecem  coetâneos  do  periodo  triassico ;  os  seixos  rola- 
dos, geleiras  de  Agassis ;  os  foramineos  e  outros  fosseis  maritimos,  confir- 
mando essa  grande  commoção  terráquea,  somente  uma  duvida  poderiam 
deixar :  si  foi  ella  quem  trouxe  o  mar,  si  quem  o  levou.  Estando,  porém,  re- 
conhecido que  o  terreno  andino  é  de  formação  mais  recente  que  o  do  resto 
do  continente,  no  seu  solevantamento  está  a  explicação  da  retirada  do  me- 
diterrâneo sul-americano.  Outra  hypothese  implicaria  um  segundo  cata- 
clysma,  que  a  sciencia  repugna  acceitar. 

(a)  Voyages  dons  VAmérique  Meridional, 

(b)  E^edUion  auxparties  centrales  de  VAniériquedu  Sud,  t.  6,  pag.  109. 


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56  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

Talvez  que  um  dia  ella,  nesse  ponto  ainda  indecisa,  nos  revele  si  a 
America  existiu,  sempre,  separada  do  resto  do  mundo  pelos  dous  oceanos, 
ou  si  delles  emergiu ; — si  foi,  ou  não,  um  sonho  de  Platão  essa  Atlantide 
(até  hoje  um  mytho  de  que  somente  Júlio  Veme  soube  tirar  partido), 
cuja  tradição  nos  conservaram  os  sacerdotes  de  Sais,  e  cujas  florestas 
ainda  hoje  Raynal  reconhece  no  mundo  de  sargaços  que  cobre  os  mares 
onde  a  situavana; — si  a  revolução  que  aniquilou  de  uma  vez  os  mega- 
therions  e  os  masthodontes,  cujos  destroços  apparecem  agora  nas  cavernas 
do  valle  de  S.  Francisco,  no  Paraguay,  em  Goyaz,  em  Matto-Grosso  e  nos 
pampas  argentinos, — foi  a  mesma  que  separou  o  antigo  mundo  do  mundo 
colombiano  ;  —  si  era  o  Atiantico  que  existia  ou  a  Atlantide ;  e  si 
os  Açores,  as  Canárias  e  as  Antilhas  eram  já  ilhas  ou  apenas 
os  pontos  culminantes  de  um  vasto  território, — quando  o  Sahára,  os  sa- 
vanas da  America  do  Norte,  os  pampas  do  sul,  o  vasto  deserto  de  Cobi, 
em  meia  Azia,  os  steppes  da  Bussia,  os  desertos  gelados  do  Teheran,  as 
minas  Wilistscha  da  Polónia,  a  região  central  de  Temen  e  a  bacia  do 
Helmend,  tão  fatal,  ha  pouco,  aos  inglezes  da  guerra  afghanica — eram 
caspios  ainda  não  mudados  em  desertos  por  essa  catastrophe  que  vasou 
oceanos  e  submergiu  continentes;  e  quando  as  ilhas  britannicas  eram  um 
espigão  da  França,  e  não  existiam  separadas  a  Hespanha  de  Marrocos  e 
a  Dinamarca  da  Suécia  (a);  —  si,  finalmente,  não  foi  dessa  eversão 
geológica  que  se  originou  o  G^í^Z/^-zS/reaw,  Amazonas  sub-oceanico,  cuja 
corrente  percorre  uma  ellipse  de  três  mil  léguas  no  periodo  de  quatro 
annos ;  que  Maury  explica  pelo  calor  intertropical  rarefazendo  e  deslo- 
cando as  aguas  ;  Carpenter  e  Arbusson  pelo  frio  dos  pólos  que  as  toma 
um  meio  mais  denso,  desloca  as  massas  e  determina  essa  corrente  de 

(a)  Â.  G.  Moreau  de  Jonnés,  coUoca  a  Atlantide  no  mar  d' Azo  ff  ^  onde  a  sub- 
mersão produzia  os  baixios  do  mar  Pútrido,  uos  tempos  em  que  os  steppes  russianos 
ei ain  oceanos  e  o  estreito  deYenicale  as  columnas  de  Hercules  (VOcéan  des  andem 
et  lespeuples  préhistoriques) ,  Sempre  é  uma  opinião. 


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DA  província  de  mattckirosso  57 

N.  á  S.;  e  que  Humboldt,  primeiro  que  cUes,  explicou,  quiçá  mais  acerta- 
damente, pela  circulação  vertical  das  aguas  do  oceano,  attrahidas  pelas 
correntes  subterrâneas  e  levadas  através  das  massas  desses  continentes 
submergidos,  o  que  ultimamente  BogulausM  comprovou,  verificando  que 
as  aguas  do  norte  do  Atlântico  são  mais  quentes  do  que  as  do  Pacifico,e  as 
do  sul  vice-versa,  até  a  profundidade  de  mil  e  trezentos  metros,  sendo  dahi 
para  baixo  mais  quentes. 

Como  quer  que  seja,  a  verdade  ha  de  ser  um  dia  sabida.  Então  a 
sciencia  decidirá  si  esses  cadáveres  cobertos  de  conchas,  e  por  assim  dizer 
petrificados  sob  uma  espessa  camada  de  calcareo  compacto,  os  antropo- 
lithos  colombianos,  eram  ou  não  homens  das  edades  primitivas,  eram  ou 
não  habitantes  dessa  Atlantide  de  Platão.  A  geologia  e  a  paleologia,  já 
tão  adiantadas  hoje,  são,  todavia,  sciencias  novas  que,  por  assim  dizer, 
ainda  rastejam.  Mas  hão  de  voar :  tempos  virão  em  que  unidas  á  tanta 
outra  sciencia  e  arte  novas,  que  os  séculos  vão  creando,  aperfeiçoando  e 
ensiiiando,com  o  invento  de  novos  arcanos,  demonstrem  bem  claro, — como 
a  luz  meridiana, — o  que  foi  o  nosso  continente  em  relação  ao  mundo 
antigo  :  si  produzido  por  commoções  titânicas,  si  apenas  o  resultado  dessa 
demorada  lei  da  precessão  dos  equinoxios,  que  necessita  de  quasi  trinta 
mil  annos  para  completar  sua  revolução,aqual  se  opera  de  modo  tão  subtil 
que  o  homem,enem  ainda  as  geraçoes,guardam  ideados  phenomenos  phy- 
sicos  que  vão  se  desenrolando  á  seus  olhos.  Assim,  o  deslocamento  dos 
mares,  aqui  invadindo  continentes,  ali  descobrindo  outros,  é  phenomeno 
que  se  nos  desvenda  ao  estudo  e  a  humanidade  avalia,  mas  que  o 
homem  não  pode  apreciar  pela  pequenez  da  sua  vida,  e  a  maneira  demo- 
rada e  subtil  dessas  lides  do  oceano. 


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58  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Em  muitas  das  rochas  da  provinda,  e  notadamente  nas  lages  das 
cachoeiras  do  Mamoré  e  Madeira,  vêm-se  bellos  e  perfeitos  espécimens 
de  rochas  pyroides,  trachytos  que  revelam  sua  origem  ignea  nos 
rebordos  ondulados,  na  apparencia  vitrea  e  na  superposição  de  camadas, 
resultantes  de  uma  substancia  em  fusão  que  se  solidificou  á  maneira  dos 
metaes  derretidos  e  espadanados  em  largos  lençóes,  ou  melhor,  á  seme- 
lhança do  mel  em  ponto  que,  derramado  sobre  uma  superfície  lisa  e 
espraiando-se  em  rebordos  ondulados  e  espessos,  vae-se  crystallisando  e  re- 
cebendo novas  camadas,  que  se  superpõe  e  se  extendem  deixando  com- 
tudo,  cada  uma,  reconhecer,  nos  rebordos  disti netos,  as  que  lhes  ficam 
inferiores. 


Oí»  Xniiés 


Ao  lado  de  dykes  de  elvan  e  diorito  vêm-se  rochas  stratificadas  de 
origem  neptuniana,  que  devem  trazer  nos  detritos  fosseis  a  indicação  de 
sua  origem  oceânica ;  rochas  metamorphicas  e  blocos  de  transporte  que 
comprovam,  sem  duvida,  o  facto  daquellas  duas  evoluções  geogenicas ; 
rochas  de  sedimento,  algumas  de  formação  recente,  devidas  ao  amal- 
gama de  seixos  rolados,  silicatos  e  argillas,  foramineos  e  detritos  vegetaes; 


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DA  província  de  matto-grosso  59 

bancadas  de  calcareo  dolomitico,  de  gneiss  e  de  outras  rochas,  deixando 
entrever  as  formações  trachyticas;  e,  emfim,  no  meio  desse  magma  chaotico 
terrenos  metamorphicos  de  natureza  para  mim  entrincada,.  que  parece- 
ram-me  o  producto  de  evoluções  differentes,  e  tornaram-me  difficil  a  de- 
marcação de  sua  geogenia,  que  entretanto  não  parece  ser  das  eras 
neozoicas. 

Trouxe  commigo  curiosos  espécimens  tirados  das  fendas  das  rochas 
Ígneas,  e  de  entre  os  blocos  partidos  e  separados  pelo  choque  da  queda, 
e  cujos  interstícios  estão  completamente  tomados  pelos  veios  daquelle 
neoplasma.  Si  taes  sedimentos  são  unicamente  devidos  á  acção  actual  do 
rio,  nas  suas  enchentes,  tudo  o  mais  attesta  uma  acção  remota,  que  im- 
plica o  trabalho  neptuniano. 

E'  mais  uma  comprovação  desse  caspio  americano,  que  si  ainda  exis- 
tisse, seria  uma  fonte  inapreciável  de  vida  e  civilisação  para  essas  regiões 
remotas  ;  as  quaes,  todavia,  melhor  aquinhoadas  que  as  do  velho  mimdo, 
—em  circurastancias  idênticas,  tiveram  em  substituição  essa  extraordi- 
nária rede  de  rios,  caminhos  que  anâam^  e  que  ainda  hoje  são  quasi  que 
as  únicas  estradas  suas. 

Ficaram-lhe  o  Tapajoz  e  o  Xingu  ao  N,^  o  Araguaja  e  o  Tocantins, 
á  ií.,  o  Gnaporé,  Mamoré  e  Madeira,  á  O.,  todos  indo  ligar-se  ao  rei  dos 
rios ;  e  ao  ^^  o  Paraná  e  o  Paraguay,  que  descem  para  o  PratM.  Artérias 
do  oceano  que  divididas  e  subdivididas  em  mil  ramaes,  uns  já  de  ha 
muito  são  perlustrados,  outros  jazem  ainda  á  esj  o:  a  que  appareçam  inte- 
resses que  reclamem  o  seu  trafego. 

Querem  distinguir  pelo  nome  de  Tapajonia  a  região  situada  entre  o 
Tapajoz,  o  Xingu  e  o  Amazonas  ;  Xingutania^  a  entre  o  Xingu,  o  Ama- 
zonas e  o  Tocantins ;  e  Taptraquia,  a  entre  o  Arinos  e  o  Araguaya :  nomes 
de  mero  luxo,  e  que,  não  sabe-se  porque  olvido,  não  couberam  também  ás 
outras  duas  regiões,  quiçá  as  mais  conhecidas  :  a  que  se  delimita  entre  o 


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60  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Guaporé,  Madeira  e  o  Arinos,  e  a  do  valle  do  Paraguay,  as  quaes  por 
motivo  idêntico  bem  se  poderiam  denominar  Parecinia  e  Paraguania,  si 
disso  houvesse  necessidade.  A  idéa  é  de  Ayres  do  Casal,  que  foi  o  primeiro 
ã  dividir  a  capitania  de  Matto-Grosso  em  Cuyàbá,  Juruhena,  Arinos, 
Tapiraquia,  Bororonta  e  Camaptmnia,  divisão  á  que  o  Sr.  Cândido 
Mendes  ajuntou,  com  sobrada  razão,  a  Cayapmim, 


Serrcb  de  Alsbraocgú. 
(Deseaho  do  Sr.  Dr.  Taanav). 


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CAPITULO  n 

PfiiMgnpkn.  Rios  qne  deseen  das  lerni  doi  Parecis,  Tapirapum,  Inl  e  DhigQei.  O  TapajoL  O  S.  lanoeL 
O  Xinçi  O  Aragoaja.  O  Paraná.  O  Paraguaj.  O  Onaporé,  NaBerée  Madcin. 


i  les  rivières  sonf  ães  ché- 
mhis  qui  marclieni,  como 
disse  Pascal,  nenhum  paiz 
do  mundo,  tendo  menos 
estradas  abertas,  tem  mais 
\im  do  que  Matto-Grosso. 
er  praça  de  conhecimentos, 
r  os  estudos  e  investigações 
radores  paulistas,  á  quem 
lento  de  seus  invios  sertões, 
aordinaria  rede  potamogra- 
5  mais  opulentas  do  globo ; 
ícidas  são  em  numero  supe- 
s  se  podem  computar  todas 

da  cordilheira  dos  Parecis 
descem  ao  Madeira  o  Jacy-parand,  o  Muium-paraná  e  o  Bibeirão  de 
S.  José ;  ao  Mamoré  o   Pacas-novas^  ou  melhor  Pacahás-wwos^  do  nome 


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62  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

da  tribu  que  ahi  habitou,si  é  que  não  habita  ainda;  e  ao  Guaporé  o  Soterio^ 
os  três  Cautariós^  o  S.  Domingos  eo  S.  Miguel ;  sendo  bem  próximos  os 
nascedouros  da  maior  parte  delles.Mais  para  e  diante  descem  o  Candeias^ 
o  CamaighuJnna  e  outras  cabeceiras  do  Jamary,affluentedo  Madeira,  que 
tém  por  contravertentes  o  S.  Simão,  o  Meqtienes,  o  Catururinho^e  o  Co- 
rumhidra  (a),  braços  do  Guaporé.  Seguem-se,  ainda,  affluindo  neste  rio,  o 
Ttm^o  ou  Paredão,  antigo  Piolho;  o  Cahixy  ou  Rio  Branco,  contra-fontes 
do  rio  Camararé,  affluente  do  Juruhena ;  o  Qtmratiré  ou  Burity  ;  o  Ga^ 
lera,  contra-fontes  do  Juhina,  cabeceira  do  Juruhena,  que  também  é  conhe- 
cido por  aquelle  nome  ;  o  Sararé,  contra-vertentes  do  Juruhena  pelos 
riachos  Bulha  e  Lages;  o  Gabriel  Antunes;  e  por  fim,  no  Alto  da  Serra,  o 
Guaporr,  por  quatro  cabeceiras,  Meneques,  Lagoinha  ou  Ema,  Sepultura 
e  Olho  d'Agna,  contra-vertentes  do  Juruhena  ;  o  Piquihy  e  outras  origens 
do  Janrú,  e  o  Qwttrò  Casas  e  as  outras  fontes  do  Juruhena. 

Dos  flancos  da  Tapirapuam  descem  para  o  X,  o  Saharríulmia  e  o 
Tiirós,  tributários  do  Juruhena ;  o  Sumidouro,  o  Parecis  e  o  Preto,  que 
vão  engrossar  o  Arinos  ;  e  para  o  S,  o  Càbaçal,  o  Juhd  e  o  Gerivdtuba^ 
cabeceiras  do  Sipotuha ;  os  ribeirões  do  Quilombo  ou  Negro,  e  do  Amolar, 
este  das  fontes  doParaguay  a  mais  septemtrional  (14°,  10');  o  Diamantino 
o  Rio  do  Ouro,  o  Brumado  e  o  SanfAmia,  que  faz  contra-vertentes  com 
e  o  Sumidouro;  aquelles  t}dos  cabeceiras  do  Paraguay  ;  e  emfim  o  Cocaes 
e  o  Lagarto,  cabeceiras  occidentaes  do  Cuyabá.  Mais  á  K.,  já  nos  come\*os 
da  Serra  Azul,  despenham-se  o  Estivado,  origem  principal  do  Arinos,  e  o 
Tombador,  do  Cuyabá,  do  morro  do  mesmo  nome  á  que  Bossi  dá  uma 
altitude  de  dous  mil  pés  (b),  separadas  as  duas  correntes  apenas  por 


(a)  O  verdadeiro  nome  é  Corumbiará,  como  também  o  são  Cantar iÓ9y  Arinos ^ 
j4pá»  XarT-uds.B aures,  Matwhós,  Muràt,  PncaháSy  etc,  como  os  escreviam  os  anti- 
gos, e  não  com  a  ultima  syllaba  breve,  como  o  fazemos  hoje.  Luiz  D'AUncourt  es- 
creve Caraimbiara. 

(b)  Bartolomé  Bossi— Fia^g  pinioresca  en  los  rios  Paraná,  Paraguay ,  etc. 


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DA  província  de  matto-orosso  63 

pouco  mais  de  cem  metros  de  terreno.  Adiante  separam-se  as  fontes  do 
Cuyabá  das  do  Paranatinga ;  e  na  serra  de  S.  Lourenço  as  do  rio  deste 
nome,  pelo  Tiquiniio,  das  do  Manso^  subsidiário  sinão  principal  curso  do 
Rio  das  Mortes^  rico  tributário  do  Araguaya ;  e  as  outras  origens  deste 
grande  rio  das  do  Taquary,  braço  do  Paraguay,  que  apparecem  já  no 
parallelo  19**. 

Para  NE.  o  Tocantins  e  o  Paraná  recebem  aguas,  quasi  que  juntos, 
no  parallelo  16** ;  e  á  E,,  na  extrema  do  (Uvorstim,  descem  em  busca 
do  X.  as  correntes  subsidiarias  do  rio  S.  Frattcisco,  emquanto  que 
proseguem  no  rumo  do  oriente  as  do  Paraná  :  partindo,  assim, 
quasi  que  de  um  mesmo  sitio,  aguas  que  vão  saliir  á  meio  da 
costa  atlântica,  com  o  S.  Francisco,  que  ali  divide  as  províncias  de  Alagoas 
e  Sergipe  ; — nas  frias  regiões  do  S.  com  o  Paraná,  que  reunido  ao  Pa- 
raguay  è  mais  tarde  ao  Urugiwy,  formam  o  vasto  estuário  do  Rio  da 
Prata  ;  e  lá  no  equador  com  o  Tocantins,  de  quem  é  tributário  o  próprio 
ri(Hnar^  o  gigante  Amazonas,  que  por  dous  de  seus  braços,  o  Tajipuni  e 
o  Breves,  manda-lhe  seus  raudaes. 


Si  bem  que  encachoeirados  quasi  todos  os  rios  que  correm  no  grande 
araxá,  a  mór  parte  delles  offerece,  no  emtanto,  livre  navegação  em  longos 
tractos  desempedidos  de  entraves,  ora  á  meio  de  seus  cursos,  ora,  e  mais 
geralmente,  na  porção  inferior. 

Ao  Tapajoz  com  trezentos  e  trinta  kiloms.  (a);  Xingii,  com  cento  e 
sessenta  e  cinco,  desde  Piranhacoára  até  a  foz  ;  Araguaya,  com  mil  e 

(a)  o  Império  Ao  Brasil  na  escposição  universal  de  Vienna^  1873. 


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64  ESBOÇO  CHOROORAPHICO 

quarenta  (a);  Alto-Tocantins,  com  mil  duzentos  e  dezoito  (a),  dos  quaes 
trezentos  do  melhor  transito,  sendo  cento  e  setenta  e  quatro  desde  a  ci- 
dade goyana  da  Boa  Vista  até  a  da  Carolina,  no  Maranhão,  e  o  resto 
desde  a  villa  da  Imperatriz,  nesta  provincia,  até  a  confluência ;  e  Baixo- 
Tocantins,  com  duzentos  e  setenta  e  nove  (a) :  ajuntem-se  o  Mortes, 
com  cerca  de  oitocentos  e  com  pouco  mais  de  cem,  cada  um,  o  Tajyi' 
rapé,  o  Crystallino,  o  Crixá,  o  Vertnelho,  o  Arinos,  o  Juruhe^ia,  o  Xacvr 
ruhina  e  o  Paranatinga,  além  da  multidão  dos  outros  subsidiários,  todos 
com  longos  espaços  de  curso  livre. 


Salto  íluM  Sete  Qtt^da». 

O  Paraná,  entre  os  saltos  do  Urnhupo^hgd  e  das  Sete  Quedas,  offerece 
seiscentos  e  sessenta  Mloms.  (b),  com  uma  rede  immensa  de  tributários, 
quer  na  provincia  mesmo,  quer  nas  outras  visinhas,  caminhos  dos 
antigos  sertanistas  e  primeiros  exploradores ;  sendo  que  só  o  Rio  Grande 


(a)  o  Sr.  major  Dr.  A.  de  £.  Taunay :  A  Provincia  de  Goyaz  na  exposição  de 
1873.  O  Império  do  Brasil  na  exposição  de  Vienna,  1873,  consigna  ao  Araguaya  mil 
quinhentos  e  dezoito  kiloms.,  e  igual  extensão  ao  Alto-Tocantins,  dando  seiscentos  e 
sessenta  ao  Baixo. 

(b)  O  Império  do  Brasil  na  exposição  universal  de  Vienna,  1873. 


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DA  província  de  MATTO-OROSSO  65 

tem  mil  e  trezentos,  o  Sapucaliy  duzentos  e  quarenta  e  o  Cabo-Verde 
cento  e  oitenta  kiloms.  (a). 

Na  região  baixa,  que  pelo  lado  de  OSO,  cerca  a  província,  formando 
as  vastíssimas  bacias  do  Paraguay  e  do  Guaporé,  póde-se  dizer  desimpe- 
dida a  navegação.  Por  aquelle  sóbe-se  á  vapor  até  Herculanea^  Cuyabá, 
Diamantino  e  Registro  do  Jaurú  ;  e  em  canoas  até  as  ultimas  fontes  do 
S.  Lourenço,  no  Piquiry,  até  o  porto  da  antiga  fazenda  de  Camapuam, 
até  Nioac  e  até  cabeceiras  do  Cuyabá.  Seu  curso  é  de  cerca  de  dous  mil 
e  quinhentos  kiloms.,  mas  a  sua  rede  potaraographica  é  vinte  vezes 
maior. 


O  Guaporé  e  o  Mamoré  são  francos  n'uma  extensão  de  mil  e  sete- 
centos kiloms.,  á  que  se  addiccionarão  mais  cinco  mil  e  quinhentos  das 
dos  seus  afBuentes  (b) ;  e  o  Madeira,  livre  da  região  encachoeirada  que 
se  prende  ao  Mamoré  n'um  percurso  de  trezentos  e  oitenta  e  oito  kiloms., 
offerece,  como  o  Paraguay  da  Gahyba  para  baixo,  navegação  aos  navios  de 

(a)  o  Sr.  senador  Joaquim  Floriano  de  Godoy ;   A  Província   de  S.    Paulo 
em  1873. 

(b)  O  Império  do  Brasil  na  exposição  de  Vienna, 

9 


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66  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

maior  calado  por  todo  o  resto  de  sua  corrente,  extensa  de  mil  e  duzentos 
kiloms.  (a),  até  entroncar-se  no  Amazonas.  Dos  seus  afluentes,  o  Gypa- 
raná  tem  cento  e  vinte,  o  Manicoré  outros  tantos,  e  o  Aripímná  mais  de 
duzentos.  Ligada  á  rede  amazonica,  que  se  pode  computar  em  cincoenta  á 
sessenta  mil  kiloms.,  não  será  exagerado  o  computo  de  dez  á  doze  mil  my- 
riametros  para  a  rede  potamographica  da  provincia  de  Matto-Grosso. 

Os  engenheiros  do  fim  do  século  passado  calcularam  em  doze  mil 
léguas  quadradas,  de  vinte  ao  gi'au,  a  bacia  do  Guaporé,  isto  é,  o  terri- 
tório regado  pelos  seus  affluentes ;  em  quarenta  e  quatro  mil  a  do  Ma- 
deira ;  e  em  oito  mil  cada  uma  das  do  Beni  e  Mamoré.  Inferiores  á  estas 
não  são  as  do  Taj  ajoz  e  do  Xingu  :  as  do  Araguaya  e  Paraná,  e  a  do  Pa- 
raguay,  só  cedtni  cm  grandeza  á  do  Amazoiuis,  que  por  si  só  representa 
quasi  melado  da  srporficie  de  Ma  a  America  Mmdional. 


II 


o   TAPAJOZ 

O  TAPAJOZ,  corruptela  de  Tnjayú-parnvfí  dos  aborígenes,  cha- 
mou-se  também  Paraml-y/kinha',  nomes  equivalentes  á  rioncgrOy  deno- 
minação que  os  Índios  dão  ás  coiTentes  de  aguas  não  barrentas,  e  que 
muitas  vezes,  sendo  crystallinas,  apresentam-se  negras  pela  sua  grande 
profundidade.  E'  um  dos  maiores  rios  da  America,  formado  pela  con- 
fluência de  dous  grandes  cursos,  o  Arinos  e  o  Jnmliena,  cada  qual  de 
mais  de  cem  léguas  de  longo  (b).   Suas  mais  remotas  origens  estão  no 


(a)  O  Império  do  Brasil  na  exposição  de  Vienna, 

(b)  Parece-me,  mas  não  aíDanço,  que  o  iUustrndo  Sr.  barão  de  Melgaço  faz  o. 
Tapnjoz  continuaçào  do  S.  Manoel  e  do  Juruhena,  de  quem  o  Arinos  será  afflaente 


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DA  província  de  matto-grosso  67 

EsiwadOy  formador  do  Arinos,  nascido  no  morro  do  Buritysinho  (a),  da 
serra  Azul,  onde  suas  aguas  se  dividem  das  do  Paranatinga,  que  deslisa 
para  o  N.,  das  do  Tombaãor,  cabeceira  do  Cuyabá,  á  SE.  e  das  do  Dia- 
mantino, que,  em  rumo  de  SO.,  descem  para  o  Paraguay. 

Assim,  desse  ponto  do  araxá,  no  extremo  S.  da  serra  Azul,  partem, 
quasi  juntas,  quatro  cabeceiras  para  outros  tantos  rumos  oppostos. 

Segundo  Bicardo  Franco  (b),  das  origens  principaes  do  Arinos  fica 
uma,  que  é  o  Estivado,  nove  léguas  á  E.  de  Cuyabá,  e  a  outra,  que  é  o 
Bio  Negro,  á  quasi  egual  distancia,  em  rumo  opposto,  nascendo  o  Cuyabá 
no  chàpadão  que  fica  no  angulo  formado  por  essas  duas  nascentes,  ter- 
reno coberto  de  densa  mattaria  de  soberbos  madeiros,  abundantíssima 
em  caça,  do  mesmo  modo  que  mui  piscosas  as  aguas  dahi. 

Faz  distar  a  margem  do  Bio  Negro  (c)  apenas  uma  légua  da  mais 
septemtrional  cabeceira  do  Paraguay,  que  é  a  do  Diamantino:  segue  elle 
muito  pedregoso  n'um  tracto  de  umas  trinta  léguas,  rumo  N.j  mas  com 
uma  só  cachoeira.  Quasi  á  meio  de  seu  curso  recebe  pela  direita  o  ribeirão 
de  SanfAnfia.onde  em  1734.  o  sargento-mór  de  ordenanças  António  Fer- 
nandes de  Abreu  descobriu  as  minas  dessa  denominação,  defesas  dentro 
em  pouco  de  serem  lavradas,  por  também  serem  diamantinas.  Na  mar- 
gem oriental  do  Arinos,  fronteira  á  foz  do  Bio  Negro,  ficavam  as  minas  de 
Santa  Isabel^  descobertas  em  1745  pelos  filhos  do  mestre  de  campo 
António  de  Almeida  Falcão,  morador  no  arraial  de  S.  Francisco  Xavier. 
Povoadas  com  rápido  incremento  pela  sofiPreguidão  desse  povo  de  aventu- 


E*  o  que  parece  deduEir*se  de  suas  conclusões  na  Mem,  publicada  pelo  Instituto 
Histórico,  na  Revista  Trimensal  de  1867. 2»  tomo. 

(a)  No  sitio  de  S,  José,  pertencente  ao  capitão-mór  da  villa  do  Diamantino, 
diz  Luiz  D'AlÍQCOurt,  no  seu  Resumo  de  observações  esiatisticas  desde  Cuyabá  ao 
Diamantino,  1826. 

(b)  Memoria  çeographica  do  rio  Tapajós,  Ms.  de  1799. 

(c)  Ou  Rio  Preto,  como  outros  erradamente  dizem  ;  nome  este  que  deve  ser 
reservado  para  o  ribeirão  que  faz  cabeceiras  ao  Paraguay. 


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68  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

reiros,  e  já  florescente  o  seu  arraial,  foi  quasi  totalmente  destruido  pelos 
assaltos  e  depredações  dos  apiacás,  tribu  vizinha,  e  em  seguida  pela  fome, 
misérias  e  enfermidades,  cortejo  de  males  inseparável  das  minas,  onde  a 
insana  avidez  do  ouro  fazia  os  garimpeiros,  só  cuidadosos  em  buscal-o, 
esquecerem-se  insensatamente  das  mais  simples  noções  da  vida,  não  plan- 
tando nem  provendo-se  de  meios  necessários  de  subsistência.  A  fabulosa 
riqueza  das  minas  descobertas  no  Alio  Faragumj  do  Diamantino  acabou 
de  despovoar  Santa  Isabel,  chamando  para  lá  o  resto  dos  seus  minerar 
dores,  como  já  tinha  attrahido  os  de  SanfAnna. 

Ainda  ha  poucos   annos  existia  o  chamado  Arraial  Velho,  entre  o 
S.  José  e  o  Sumidouro,  algumas  léguas  a])aixo  do  Kio  Negro. 


O  Arinos  tem  por  principaes  braços :  o  Negro,  o  S.  José,  (de  vinte  e 
seis  metros  de  boca)  o  Sumidouro,  S.  Cosme  e  Damião,  S,  Wenceslau  ou 
Tapanhuna,  S.  Miguel  e  S.  Francisco,  na  margem  direita ;  e  o  Parecis, 
Sararé  e  Alegre,  na  opposta;  todos  rios  demais  de  vinte  metros  de 
largura  ao  se  lhe  entroncarem.  Delles:  O  Sumidmiro  foi  descoberto 
por  João  de  Souza  e  Azevedo,  em  1746,  de  uma  maneira  que 
bem  claro  manifesta    o  espirito    audacioso   desses    sertanistas  (a),   e 


(a)  Nào  sendo  conhecido  geralmente  o  roteiro  dessa  viagem,aqui  se  o  transcreve, 
podendo  se  por  elle  avaliar  o  que  havia  de  audácia  e  temeridade  no  espirito  empre- 
hendedor  daquelles  aventureiros.  O  original,  «  escripio  segundo  a  narração  de  Aze- 
vedo,i>áonáe  foi  copiado, pertence  ao  Sr.general  barão  daPenha,possuidor  de  alguns 
bons  manuscriptos  que  pertenceram  á  seu  parente  o  capitao-general  Caetano  Pinto 
de  Miranda  Montenegro,  mais  tarde  marquez  da  Yilla  Real  da  Praia  Grande. 

Eil-o  {Sic)  : 

(c  Noticia  da  viagem  de  João  de  Souza  de  Azevedo. 
1. 

«  No  dia  4  de  agosto  de  1746  sahio  da  caxoeira  grande  do  Jaurú,  com  6  canoas 
carregadas  com  490  alqueires  de  mantimentos  e  ÕS  pessoas,  em  cujo  numero  entra- 
vam 32  escravos  seus. 

2. 
«  Descendo  o  dito  rio,  e  subindo  o  Paraguay  até  a  foz  do  Sipotuba,  entrou  por 
este,  e  passados  doze  dias  de  navegação  trabalhosa,  por  causa  das  correntes  e  ser  o 


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DA    PROVINCU  DE  MATTOOROSSO  69 

que    assim    o   denominou    por    vêl-o    cinco    vezes     esconder-se    sob 


no  lageado, chegou  à  hum  salto  como  o  do  Itapura  no  Tieié,onde  varou  a  canoa  por 
curto  espaço,  e  mais  adiante  achou  outio  semelhante  varadouro. 

3. 
«  Seguio  viagem  sempre  por  infinitas  caxoeiras  até  chegar  á  hum  salto  grande 
que  teria  huns  cem  palmos  de  altura.no  qual  varou  »s  embarcações  por  hum  morro 
acima  muito  á  pique,  cousa  de  200  braças ;  e  por  baixo  do  salto  entra  pela  parte 
esquerda  hum  ribeirão  grande.  Seguio  se  hua  grande  caxoeira  é  esta,  dous  dias  de 
boa  navegação,  outro  ribeirão  grande,  de  canoa,  da  mesma  parte  esquerda,  bastantes 
dias  de  trabalho  com  os  páos  que  embaraçavam  o  rio.  até  chegar  à  primeira  for- 
quilha que  elle  faz. 

4. 
«  Entrou  pelo  braço  esquerdo  e  cortando  páos  e  perseguido  de  violentos  marim- 
bondos á  que  chamam  paragoazes,  chegou  á  hum  salto  como  o  do  Goráo,  no  Rio 
Pardo,  com  200  braças  de  bom  varadouro.  Continuou  a  viagem  até  rematar  esse 
braço  na  segunda  forquilha,  e  os  braços  que  a  formam  ambos  se  despenham  neste 
logar  de  mais  de  COO  palmos  de  altura. 

5. 

«  Daqui  varou  as  canoas  para  as  contravertentes  do  Sumidouro  por  distancia  de 
três  léguas,  subindo  hua  grande  s  rra,  passando  grandes  concavidades,  fazendo 
grandes  girdos  (*:,  e  nestas  ásperas  fadigas  gastaria  50  dias  para  descer  esta  difficil 
passagem  (*'). 

6. 

«  Depois  de  concertar  as  canoas  que  chegaram  muito  destroçadas,  rodou-se  no 
dia  26  de  outubro  pelo  dito  Sumidouro,que  é  muito  mais  largo  que  oSartgtiesuga  (*••) 
6  com  o  quádruplo  de  aguas,  porém  tão  embaraçado  de  páos  que  era  preciso  de 
gente  adiante  abrindo  caminho,  e  muitas  vezes  em  l  e  2  horas  de  navegação  o  que 
se  tinha  aberto  em  3  e  4  dias.  £*  o  rio  muito  violento  com  caxoeiras  e  saltos,  em  que 
abrio  cinco  varadouros,  e  o  ultimo  de  légua  de  comprido.  Neste  espaço  é  que  o  rio 
se  some  cinco  vezes ;  e  logo  para  baixo  topou  a  ponte  e  passagem  dos  moradores  de 
Matto  Grosso,  donde  até  chegar  ao  Arinos  gastou  somente  hum  dia  com  que  com- 
pletou 50  no  referido  Sumidouro. 

7. 
c  Empregando  3  dias  em  acondicionar  o  mantimento,  seguio  viagem  pelo  sobre- 
dito Arinos  no  dia  19  de  dezembro.  Aos  3  dias  de  navegação  topou  da  parte  direita 
hua  pequena  ribeira,  porém,  capaz  de  canoa;  ficando  da  esquerda  duas  barras  mais 


(*)  Nome  dado  ora  á  pequenas  e  ligeiras  pontes  que  construíam  sobre  as  falhas 
do  terreno,  ora  ás  estivas  que  no  solo  pedregoso  e  irregular  faziam  para  facilitar  o 
varadouro  e  escorregamento  das  canoas.  Disso  proveiu  o  nome  da  cachoeira  do 
Girau,  uma  das  do  Madeira.  (N.  do  autor). 

(**)  No  original  a  traça  destruiu  completamente  o  algarismo  das  unidades;  sup- 
prio  pelo  zero  para  ao  menos  conservar  o  valor  das  dezenas.  (N.  do  autor). 

(•*•)  Affluente  do  Rio  Pardo,  braço  do  Tietê.  (N.  do  autor). 


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70  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

outros  tantos  tunneis  subterrâneos;   tunneis  que  bem  attestam   a  natu- 


pequenas,  em  cuja  passagem  é  o  Reino  dos  Apiacás,  que  atravessou  em  perio  de  3 
dias.  Âo  quinto  entrou  á  passar  infinitas  caxoeiras,  todas  caudalosas,  e  contava  já 
doze  passadas  no  dia  36  do  mez  de  dezembro,  do  qual  procede  o  seu  roteiro  indivi- 
duando todos  os  dias. 

8. 

CÂX0KIRA8. 

cr  No  dia  27  entrou  por  outras  cordas  de  serranias,  muitas  ilhas  e  pe-  12 

dras  altas,  pelo  rio,  passou  2  caxoeiras  muito  caudalosas,  hum  riacho  da  2 

parte  direita,e  a  sua  gente  lhe  disse  que  da  mesma  banda  vira  hua  grande 
barra. 

9. 

«  Â'  28  navegou  por  entre  ilhas,  e  pelas  9  horas  da  manha  topou  a  barra 
de  hum  rio  que  entrava  pela  e8querda,maior  do  que  o  que  hia  navegando,  o 
qual  despejava  suas  aguas  por  4  boqueirões;  e  olhando  daquelle  logar  vè-se 
hua  corda  de  serras  que  atravessa  o  mesmo  rio.  Julga  elle  ser  este  o  Juru- 
hena  e  Juhina,  e  depois  da  sua  juncção  vèm-se  da  direita  ilhotas  e  pedras  1 

altas,  logo  hua  caxoeira  e  mais  abaixo  3  ilhas  que  repartem  o  rio  em  4  ca- 
naes  £ncontra-se  mais  3  barras  pequenas  perto  buas  das  outras  e  hua 
orrenda  caxoeira.  1 

10. 

«  No  dia  2 )  e  30  muitas  ilhas  e  correntesas  e  o  rio  cheio  de  pedras.  No 
primeiro  passou  uma  barreia  pequena,  e  no  segundo  uma  grande  caxoeira.  1 

11. 

<«  No  ultimo  de  dezembro  encontrou  muita  rancharia  de  gentio,  e  o  rio 
corre  por  entre  morros,  com  grandes  mattos  e  terras,  e  muitas  ilhas.  Aqui 
forma  hum  meio  salto  e  a  corrente  vai  emparedada  em  largura  de  8  braças, 
com  tal  violência,  rebojos  e  Ímpetos,  que  submergiria  a  minha  embarcação.  1 

Por  cima  deste  salto  entra  hum  rio  que  na  barra  mostra  ser'pequeno;porém, 
mandando  por  elle  asima,  dizem  que  é  largo,  e  suppôe  ser  o  Bacairy. 

12. 

ff  No  dia  |o  de  janeiro  falhou  para  abrir  varadouro  muito  custoso,  por 
entre  rochedos,  com  subidas  e  descidas,  o  qual  compara  com  o  Àvanhadava 
do  Tietê.  Naquelle  lugar  faz  o  gentio  grande  assistência  á  pescar  e  tirar 
pedras  para  os  seus  machados  que  os  tem  excellentes. 

13. 

«  No  dia  2  passou  as  canoas,  e  no  dia  3  carregou-as  e  seguio  viagem 

em  navegação  perigosa  e  embaraçada,  com  seis  caxoeiras,  e  duas  destas  6 

muito  violentas,  ficando  por  cima  de  um  salto,  que  compara  com  o  de  Ita-  1 

pura  no  Tietê. 

14. 

ff  No  dia  4  começou  á  abrir  o  varadouro,  o  que  lhe  custou  acertar,  e  te- 
ria mil  braças  de  comprido.  No  dia  5  e  6  concluio  esse  trabalho,  passou  as 
canoas  e  ficou  pela  parte  de  baixo  do  dito  salto.  Desde  7  até  16  esteve  fa- 
lhado por  causa  da  muita  enfermidade  em  toda  a  comitiva. 


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DA    província  BE  MATTO-GROSSO  71 

reza   cretácea  do  solo  em  certo  local  próximo    á    entrada    do    matio 


\b. 
«  Partio  DO  dia  17,  e  desde  este  dia  até  25  do  mesmo  mez  foi  a  navega- 
ção muito  trabalhosa  e  arriscada,  por  causa  das  muitas  e  perigosas  caxoei- 
ras  e  saltos,  correntes  e  páos  atravessados,  estreitando  alli  o  rio  com  as 
morrarías  e  penhascos  que  o  bordam.  Âs  caxoeiras  que  passou  foram  qua- 
torze,  e  neste  numero  três  saltos,  descarrego  u-se  sete  vezes  as  canoas  e  14 

quatro  vezes  foram  varadas,  não  o  podendo  fazer  mais  vezes  pelos  roche- 
dos que  emparedam  o  rio  o  não  permittirem,  de  sorte  que  se  abalançou  á 
alguns  canaes  por  não  poder  levar  as  embarcações  por  terra.  No  referido 
dia  25  passou  a  barra  de  hum  ribeirão  que  teria  4  braças,  e  logo  abaixo  ou- 
tro mais  pequeno,  tornando  desde  aquelle  logar  a  ser  largo  o  leito  do  rio 
como  era  antes  de  entrar  nos  sobreditos  saltos  e  caxoeiras. 

IG. 
«  No  dia  26  e  37  era  o  rio  bom,  e  neste  segundo  dia  passou,  á  direita, 
por  hua  barra  muito  grande,  que  julga  ser  do  Rio  Grande  de  S.  João;  mais    - 
abaixo   outra,  não  grande,  e  logo  outra  mais   pequena,  e  hua  iiha^n  pe- 
draria. 

17. 

«  No  ô^  28  era  o  rio  pouco  limpo,    com  currentesa  e  hua  cuxoeirat  que  1 

teria  meia  ^gua  de  comprida.  Nos  dias  29, 30  e  31  de  janeiro  u  V»  de  feve- 
reiro tornou  4  ser  o  rio  de  boa  navegação. 

18. 

«r  No  dia  2  de  fevereiro  topou  hua  caixoeira,  onde  descarregou  e  varou  1 

as  canoas  meia  légua  mais  abaixo ;  outra  que  passou  o  canal  no  dia  3.  O  no  1 

é  ahi  violento,  e  diz  terá  hua  légua  de  largura,  e  que  hia  navegando  por  en- 
tre morrarias,  ilhotas,  pedras  e  paredões  na  beira  do  mesmo  rio. 

19. 
«  Nos  dias  4,  5  e  6  era  o  rio  limpo.  No  primeiro  entrava  pela  esquerda 
bum  rio  não  pequeno,  e  duas  voltas  mai^i  abaixo,  pela  direita,  hum  riacho 
grande.  No  segundo  dia  passou  por  hua  barra  grande,  e  com  agua  suja 
que  vinha  da  direita. No  terceiro  hia  por  eatre  grandes  serrania^t. 

20. 
a  No  dia  7  navegou  por  entre  morrarias,  e   logo  chegou  a  hua  ca- 
xoeira  de  baixos  e  correntesas,  com  2  boas  léguas  de  comprida,  aonde  topou  1 

hua  canoa  carregada  de  gentio,que  se  pòz  em  fuga  por  hum  ribeirão  acima. 
Abaixo  encontrou  outra  canoa  rodada  também  de  gentio,  mas  que  mostrava 
ser  feita  com  ferramenta  nossa,  e  mais  abaixo  uma  caxoeira,  defronte  da  1 

qual  estava  um  morro  em  meio  do  rio. 

21. 
«  No  dia  8,  navegando  por  meio  de  morrarias,  boas  campanhas  para 
proeurar  o  ouro,  seus  campestres  e  rio  d^  ruim  navegação  com  2  resacadas 
á  direita.  A  9  topou  hua  caxoeira  ou  entaipaba^  muito  comprida,  que  lhe  .  1 

levou  á  passar  todo  esse  dia  e  o  seguinte,  no  qual  vio  vestígios  de  brancos. 


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72  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

grosso  (a)  umas  dez  á  doze  léguas  afastado  do  Arinos;  atacado  e  dissol- 
vido pelas  aguas  em  processo  idêntico  aos  das  cavernas,  resistindo  so- 
mente a  crosta,  de  formação  menos  sujeita,  ou  isenta,  á  acção  demolidora 
do  tempo  e  das  aguas. 

Os"  outros  conservam  as  denominações  que  lhes  deram  os  explora- 
dores de  1812,  Castro  e  Thomé  da  França. 


S?uniidourc>,  Itai'aré  <lo»  imlios. 


E'  O  Arinos  uma  corrente  de  mais  de  500  kiloms.,  não  muito  enca- 


(í  No  dia  11  e  12  navegou  por  hum  rio,  mas  mui^o  largo  o  com  gramies 
ondas;  a  largura,  diz,  será  de  légua  e  meia.  e  neste  ultimo  dia  avistou, 
pelas  3  horas  da  tarde,  hua  canoa  que  se  póz  em  fugida,  e  elle  em  segui- 
mento delia  até  que  a  alcançou  junto  da  noite.  Eram  Índios  mansos  d^s 
missõeti  dos  jesuítas;  e  no  dia  14,  pelas  7  da  manha,  chegou  á  primeira,  de- 
nominada de  S.  José,  da  parte  esquerda(')  á  quem  desce  o  rio,  e  onde  falhou 
até  o  dia  15.  A'  16  passou  para  a  margem  direita,  a  qual,  diz,  distará  da  ou- 
tra duas  léguas,  e  no  dia  IS  chegou  á  segunda  missão  da  mesma  banda  di- 
reita, aonde  existe  a  fortaleza  de  Tapajoz,  tendo  já  o  rio  em  partes  6  para  7 
léguas  de  largura.  » 


45 


(*)  A  mesma  de  S.  José  de  Matapús  acima  nomeada. 

(iV.  áoA.) 

(a)  Extensa  floresta  que  se  estende  desde  o  norte  de  Goyaz  até  as  cabeceiras  do 
Guaporé,  mas  cuja  largura  varia  entre  nove  á  doze  léguas.  Delia  ó  que  tir  ou  nome 
a  província. 


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DA  província  de  matto-grosso  73 

choeirada,  nem  insuperáveis  as  suas  cachoeiras  (a).  Como  em  todos  os 
grandes  rios,  que  correm  nesta  vasta  região  da  chapada  matto-grossense,  o 
espaço  encachoeirado  é  de  cerca  de  setenta  léguas,  o  que  revela  um  mas- 
siço  de  rochas  crystallinas  de  egual  potencia,  que  atravessa  a  região,  sotor 
posto  ás  terras  de  alluvião  do  planalto. 


O  outro  grande  braço  do  Tapajoz  é  o  Juruhena :  desce  no  parallelo 
14'*  42'  30,"  do  planalto  dos  Parecis,  em  contravertentes  com  o  Guaporé, 
que  lhe  fica  duas  léguas  ao  oriente,  e  com  o  Sararé,  uma  légua  ao  occi- 
dente,  e  â  vinte,  mais  ou  menos,  da  cidade  de  Matto-Grosso.  A'  poucos 
passos  de  suas  nascentes  corre  já  com  uma  profimdidade  de  uns  quatro 
metros  (b),  mas  estreito  e  assemelhado  á  uma  valia.  Duas  léguas  mais 
abaixo,  e  logo  após  a  sua  primeira  e  maior  cachoeira,  apresenta-se  com 
uma  largura  de  trinta  metros  e  grande  profundidade  ;  correndo  com  Ím- 
peto pelas  fortes  declividades  do  solo. 

Seu  curso  é  pouco  maior  do  que  o  do  Arinos,  porém  menos  potente 
em  aguas.  E'  pedregoso  e  semeiado  de  entaipabas^  que,  todavia,  não  lhe 
impedem  completamente  a  navegação,  visto  que  o  sábio  autor  da  Descrip- 
rão  geoíjraphica  da  capitania  ãe  Matto-Grosso  dá-o  por  navegável 
até  duas  léguas  abaixo  daquella  sua  primeira  e  grande  cachoeira.  Segimdo 
elle,  seu  curso  é  de  cem  á  cento  e  vinte  léguas. 

Tem  por  cabeceiras  mais  remotas  e  conhecidas  : 

1.°  O  Sucury^  seu  visinho  em  origens,  as  quaes  demoram  á  distancia 
egual  ás  do  Sararé.  Com  dous  kilometros  de  curso  já  tem  quatro  metros 
de  largo  e  três  de  fundo.  2.*   O  Ema,  ribeirão  que  lhe  cahe   por   NE.i 


(a)  « A  extensSo  do  Arinos  regula  em  cem  léguas,  nào  sendo  suas  cachoeiras 
nem  muitas  nem  insuperáveis,  a  Ob.  cit. 

(b)  Mem.  geog.  do  rio  Tapajoz, 

10 


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74  esboço'  chorographico 

cerca  de  uma  legiia  ao  oriente  das  primeiras  cabeceiras  do  Galera,  que 
talvez  serão  as  do  Qvafro-Casas ,  do  Mappa  geographico  âo  rio 
^í*aj>or^,  feito  em  1792  pelos  engenheiros  Ricardo  Franco  e  Joaquim 
José  Ferreira. 

São  seus  braços  principaes,  á  direita  : 

1."  O  Turvo, 

2."  O  Xarurnlmia,  ultimo  subsidiário  importante  doArinos,queo 
recebe  na  margem  occidental,  poucas  léguas  acima  da  sua  confluência  com 
o  Juruhena.  Nasce  n  um  esporão  da  Tapirapuam,  cerca  de  doze  léguas  ao 
norte  das  vertentes  do  Jaurú,  e  corre  sempre  para  o  septemtrião.  Na  sua 
borda  esquerda  ha  vastos  terrenos  fortemente  salitrados,  notando-se  uma 
lagoa  salgada  e  abundantes  salinas,  sufi&cientes,  diz  o  engenheiro  Ricardo 
Franco  (a)  para  o  abastecimento  da  província. 

E  á  esquerda  : 

1."  O  JuJma,  contravertentes  com  o  Sipotuba,  que  por  sua  vez  tem 
contravertentes  com  o  Galera.  Alguns  cartographos  suppôem  ser  este  o 
tronco  do  Juruhena  e  conservam-lhe  aquelle  nome. 

2."  O  Canmraré^  formado  pelos  nos  Branco  e  Paranan  em  contra- 
fontes  com  o  Corumbiara,  o  Cabixy  e  ainda  o  Galera,  todos  braços  do 
Guaporé  ;  e  com  o  Jamary,  braço  do  Madeira,  que  segue  em  rumo  de  noro- 
este. Partem  todos  da  chapada  dos  Parecis,  na  região  onde  a  serra  se  ra- 
mifica para  o  sei)temtrião  sob  o  nome  de  cordilheira  do  Norte.  Nestas 
paragens  existiram  as  celebres  minas  do  Urucumacuam,,  descobertas  em 
1757  e  depois  perdidas  como  a  dos  Martyrios  em  vão  buscadas  poste 
riormente.  O  capitão-general  Luiz  de  Albuquerque  foi  um  dos  que  mais 
se  interessaram  pela  busca  dessas  minas;  e  de  novo  fez  explorar  seus  sertões 
no  correr  dos  annos  de  1776  e  1779  :  nada,  porém,  descobriu-se.  Sabe-se, 


(a^  Mem.  geog,  do  rio  Tapajós, 


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DA  província  de  matto-grosso  75 

todavia,  que  os  jesuítas  do  Madeira  subiam  o  Jamary,  varavam  duas 

grandes  cachoeiras,  exploravam,  e,  segundo  as  lendas,  extrahiam  muito 
ouro  das  cabeceiras  deste  rio. 


I^orroa  do  Tapajoz. 

3.**  O  Juhma-nierim^  que  vae  sahir  no  Juruhena  cerca  de  cincoenta 
kiloms.  abaixo  do  outro  Juliina. 

E'  pouco  mais  ou  menos  no  parallelo  9**  30'  e  meridiano  14*»  30'  que 
o  Juruhena  e  o  Arinos  reunem-se,  e  descem  com  o  nome  de  Tapajoz,  n*um 
tracto  de  mais  de  mil  e  trezentos  kiloms.  (a),  dos  quaes  trezentos  e  trinta 
navegáveis,  desde  o  Amazonas,  onde  sua  foz  é  aos  2'' 25' de  lat.  e  11*27*29'' 
de  long. 

Ricardo  Franco,  ao  descrevel-o,  cita  como  dignos  de  nota  cinco 
morros  altos  e  isolados  que  se  encontram  á  meio  rio,  espalhados  n'um 
trecho  de  oitenta  e  quatro  léguas,  sendo  o  primeiro  na  foz  do  Três  Barras 
e  o  ultimo  na  cachoeira  do  Tracod, 

Da  foz  do  Juruhena  em  diante  recebe,  á  direita :  Três  Irmãos, 
SanfAnna,  S.  Joaquim  e  S.  João,   aquelles  de  mais  de  vinte  metros  de 

(a)  285  léguas  dá  António  Thomé,  no  seu  Roteiro. 


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76  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

largura  e  este  com  perto  de  setenta ;  S.  Thonié,  de  egual  largura, 
Almas^  S,  Manoel,  de  que  adiante  fallar-se-ha ;  Bons  Signacs,  Cre- 
poré,  Jaguahy,  Tapacorá ;  e  á  esquerda:  S.  Martinho  e  Tracoá. 

Seu  salto  mais  notável  é  o  Salto  Augusto,  de  cerca  de  20 
metros  de  altura,  n'um  contraforte  da  serra  dos  Apiacds.  Conside- 
rado como  um  ponto  conveniente  para  auxilio  dos  navegantes  e  reparo  de 
suas  forças,  foi  ahi  estabelecido  um  destacamento  e  aldeia  de  indios  Apia- 
cás,  em  1809,  por  ordem  do  capitão-general  João  Carlos  Augusto  de  Oye- 
nhausen  Gravensburg,  em  honra  de  quem  recebeu  o  nome,  do  mesmo 
modo  que  outras  duas  cachoeiras  entre  elle  e  o  Arinos,  as  de  *S^.  João  e 
S.  Carlos,  Magessi,  o  ultimo  capitão-general,  mandou  repovoal-o  em  1815; 
e  ainda  esse  posto  por  varias  vezes  soffreu  renovações,  em  consequência  de 
depredações  dos  selvagens  e  destroçamento  da  povoação.  Abandonado  pela 
ultima  vez  em  1845,  foi  novamente  restabelecido  ha  poucos  annos,  con- 
servando-se  ainda  hoje,  ahi,  um  pequeno  destacamento. 

Azevedo,  o  descobridor  da  navegação  do  Tapajoz,  ao  chegar  á  Belém 
foi  logo  chamado  pelo  governador  Francisco  Pedro  de  Alencar  Gurjào,  no 
collegio  dos  jesuitas,  onde  não  só  deu  conta  da  sua  extraordinária  viagem, 
como  também  dos  descobrimentos  e  minas  do  Matto-Grosso  (a). 


Segundo  o  padre  Manoel  da  Motta  (b),  já  cinco  annos  antes  da 
descida  do  Tapajoz  por  Azevedo,  descera  por  elle  o  madeirense  Leonardo 
de  Oliveira,  que  em  agosto  de  1742  chegara  á  aldeia  de  S.  José  dos  Ma- 
tapús  (c),  na  boca  daquelle  rio. 

(a)  Pizarro,  Mem.  Hist.^i.  9.  Baena,   Compendio  das  eras  da  provinda  do 
Pará, 

(b)  V.  Chorographia  Historicay  do  Sr.  Dr.  MeUo  Moraes,  tomo  3»,  pag.  488* 

(c)  Fundada  em  1722  pelo  missionário  João  da  Gama. 


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DA  província  de  matto-grosso  77 

Ainda  hoje  a  navegação  do  Tapajoz  é  quasi  nulla  acima  das 
cachoeiras.  Entretanto,  á  crêr-se  Baena,  já  em  1753  por  elle  transi- 
tou António  Villela  do  Amaral,  trazendo  de  sua  exploração  alguma 
qnina  (a). 

João  Viegas,  passa  por  ser  o  primeiro  que  o  subiu,  nos  fim  do  século 
passado ;  e  desde  1804  que  o  capitão  general  Manoel  Carlos  de  Abreu  e 
Menezes  (b),  e  depois  seu  successor  Oyenhausen,  trataram  de  exploral-o 
em  bem  do  commercio;  não  obtendo  resultados  pelos  muitos  tropeços  que 
encontraram,  não  só  dos  que  a  natureza  lhes  antepunha,  como  ainda  dos 
que  lhes  traziam  as  aggressões  dos  indios,  por  tal  sorte,  que  era  quatro 
annos  morreram  quatrocentos  homens  dessas  frotas,  de  fome,  miséria, 
naufrágio  ou  das  flechas  dos  selvagens.  A  primeira  expedição  foi  capita- 
neada pelo  forriel  Manoel  Gomes,  que  sahiu  á  5  de  julho  de  Cuyabá,  e  á  13 
de  setembro  chegava  á  Santarém,  dando  em  8  de  outubro  a  informação 
seguinte  :  «  As  cachoeiras  e  saltos  são  muito  trabalhosos,  os  varadouros 
muito  custosos  em  algumas  partes,  por  causa  das  muitas  pedras  e  covan- 

cos Logo    conheci  que  semelhante  caminho  não  servia  para  os 

fins  que  V.  Ex.  desejava »  (c) 

A  14  de  setembro  de  1812,  partiu  do  porto  do  Rio  Negro,  á  quatro 
léguas  do  arraial  do  Diamantino  (d),  uma  expedição  dirigida  por  Miguel 
João  de  Castro  (e),  e  tendo  por  piloto  António  Thomé  da  França,  que  á  27 
de  novembro  aportava  em  Santarém,  donde  voltou  conduzindo  géneros  de 
commercio.  Grastou  de  Itaituha,  ultima  povoação  paraense,  setenta  dias 
ao  Salto  Augusto,  e  dahi  quarenta  áquelle  porto  do  Rio  Negro,  tendo  na 


(a)  Compendio  das  eras  da  provinda  do  Pard. 

(b)  Em  1805,  diz  o  presidente  Herculano  F.  Panna,  no  seu  relatório  de  1862. 
Menezes,  falleceu  à  8  de  novembro  desse  anno. 

(c)  Relat.  de  1862  do  presidente  Herculano  Penna. 

(d)  Oito  léguas,  segundo  o  Sr.  Couto  de  Magalhães. 

(e)  Fallecea  em  uma  segunda  exploração  na  cachoeira  de  S.  João  da  Barra, 


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78  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

descida  gasto,  apenas,  setenta  e  cinco.  António  Thomé,  no  seu  roteiro, 

marca  as  seguintes  distancias  : 

Do  porto  do  Rio  Negro  ao  Arinos  ....        5  léguas 
Dessa  confluência  á  do  Sumidouro.     ...       25       » 
Dahi  ao  Juruhena 70       » 


100 


Havendo  nesse  percurso  seis  pequenas  cacho- 
eiras e  alguns  recifes  e  baixios.  Da  conflu- 
ência do  Juruhena  ao  Salto  Augusto,  com 

7  cachoeiras 40 

Do  Salto  á  cachoeira  de  Gibraltar  (ca- 
choeiras 11) 15 

Dahi  á  confluência  do  S.  Manoel,  ou  Três 

Barras  (1  cachoeira) 20 

Dahi  á  Itaituba  (9  cachoeiras) 95 

Total  (cachoeiras  34) .    .    270 

De  Itaituba  á  Santarém 65 

E  dessa  cidade  á  Belém 165 

Somma 500 


Desde  então  que  a  navegação  do  Tapajoz  tem  sido  algumas  vezes  ten- 
tada, mesmo  pelo  governo,  que  ahi  fez  subir  até  canhões  de  calibres  6  e  9. 
Por  quatro  varadouros  tem-se  buscado  facilital-a  :  o  primeiro, — que  fora 
aberto  por  Azevedo  e  abandonado  por  sua  extensão  de  quasi  três  léguas  e  o 
difficilimo  transito  do  Sumidouro;  o  segundo,  aberto  em  1814,  pelo  capi- 
tão Bento  Pires  de  Miranda,desde  o  Rio  Negro  até  o  dos  iVô6r^,cabeceira 
do  Cuyabá,  por  onde  fez  varar  igarités  vindas  do  Pará,  apezar  de  ser  de 
quasi  sete  léguas  o  varadouro  e  de  trinta  e  quatro  a  distancia  à  capital ; 


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DA  província  de  matto-grosso  70 

o  terceiro,  aberto  em  1820  pelo  tenente  de  milicianos  António  Peixoto  de 
Azevedo,  que  no  anno  anterior  percorrera  o  Paranatinga  até  a  foz  do 
S.  Manoel :  foi  elle  quem  conduziu  pelo  Arinos  e  Eio  Negro  os  quatro 
canhões,  que  dali  varou  para  o  rio  SanfAnna  e  deste  para  o  Paraguay, 
levando-os  ã  ViUa  Maria ;  o  quarto,  finalmente,  é  o  que  em  1846  abriu 
José  Alves  Ribeiro,  de  um  porto  no  Arinos  acima  do  Rio  Negro,  ao  lugar 
do  Baixio,  entre  o  Salto  e  a  foz  do  Manso,  trinta  e  oito  léguas  acima  de 
Cuyabá. 

Não  se  deve  omittir  que,tambem,  em  1827  explorou  este  rio  o  conse- 
lheiro russiano  LangsdorfiF,  em  commissáo  scientifica  por  parte  do  seu 
governo ;  e  ultimamente,  em  1871,  os  engenheiros  António  Manoel  Gon- 
salves  Tocantins  e  Julião  Honorato  Correia  de  Miranda,  commissionados 
pela  presidência  do  Pará,  com  o  suspirado  fim  de'  abrir  communicações 
com  Matto-Grosso. 


S»lto  A.u|pAsto 


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80  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

III 


O  rio  dfi  5.  Manoel^  das  Três  Barras^  ou  Paranatingay  limite,  em 
quasi  todo  o  seu  curso,  da  provineia  com  a  do  Pará,  desce  da  serra  dos  Ba- 
cauhyris,  ramal  da  Serra  Azul,  e  em  rumo  de  nornoroeste  vae  cahir  no  Ta- 
pajoz,  com  uma  corrente  de  cerca  de  mil  á  mil  e  duzentos  kilometros,  perto 
do  Salto  Augusto — a  7/orr^wí7flí  cachoeira  de  que  falia  Azevedo  no  seu  roteiro, 
junto  ás  fraldas  da  chamada  Serra  Morena^  e  logo  abaixo  de  um  pequeno  ri. 
beiro,  o  rio  do  Ouro,  descoberto  e  designado  por  aquelle  explorador.  D^Alin- 
court  dá-lhe  cento  e  oitenta  e  nove  léguas,  desde  o  porto  de  S.  Francisco  até 
a  foz.  Foi  descoberto  por  Azevedo  em  31  de  dezembro  de  1746,  e  notado 
no  seu  roteiro  com  os  nomes  de  Bacauhyris  ou  Três  Barras.  Ricardo 
Franco,  delle  não  falia  determinadamente  na  sua  Memoria  geographica 
do  rio  Tapajoz,  que  escreveu  por  comhinadas  informações  qus  desse 
rio  adquiriu^  e  que  por  isso  mesmo  é  dos  seus  trabalhos  o  que  mais  carece 
de  interesse ;  mas  do  roteiro  de  Azevedo  comprehendeu  que  fosse  a  foz 
desse  rio  a  que  fica  no  lugar  chamado  Três  Illms^  á  dous  e  meio  dias  de 
viagem  abaixo  da  foz  do  rio  Branco,  no  Tapajoz,  sitio  onde  se  achava 
í(  o  quinto  e  alto  monte  coUocado  no  centro  do  largo  alveo  do  rio  com 
uma  pequena  ilha  de  cada  lado;  não  deixando  de  ser  rara  circumstan- 
cia  essa  de  ter  o  Tapajoz  cinco  altos  montes  situados  no  meio  do  sou  largo 
e  caudaloso  leito,  e  á  muitas  léguas  de  distancia  entre  si. »  Passam  por 
•  auríferas  as  suas  margens.  Nos  sertões,  onde  tem  as  vertentes,  coUocava  o 
Ánhanguêra  as  fabulosas  minas  dos  Martyrios,  ainda  agora  em  vão  bus- 
cadas. Duas  léguas  abaixo  da  sua  foz  encontrou  Azevedo  ouro  em  um 
riacho,  que  desse  invento  recebeu  o  nome. 

O  Parftnaiinga.  Seu  principal  affluente,  sinão  o  curso  principal,  é  o 


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DA  província  de  mattogrosso  81 

Paranatinga,  Rio  Branco  ou  Paraupéba  (a),  que  muito  tempo  se  suppôz 
e  ainda  ha  bem  pouco  tempo  os  cartographos  davam  como  tributário  do 
Xingú(b).  Nascem  suas  cabeceiras  nas  serras  Azul  e  do  Roncador,  em  con- 
travertentes  com  o  Arinos,  o  Manso  e  o  Cuyabá.  Tem  por  tributários  al- 
guns grossos  cabedaes  de  aguas,  designados  sob  os  nomes  de  rios  da  Jan- 
gada e  dos  Bois,  que  lhe  entram  pela  margem  direita  e  Trubario,  dos 
Pam,  Barubd,  Trahiras  e  Bacauhyris,  pela  esquerda. 

Já  em  1771  o  capitão-general  Luiz  Pinto,  approvando  um  projecto 
da  camará  de  Cuyabá  de  fundar-se  um  povoado  nas  suas  margens,  recom- 
mendára-lhe  visse  de  que  rio  era  tributário.  De  ordem  de  Magessi,  ultimo 
capitão-general,  desceu  por  elle  em  1819  o  segundo  tenente  de  milicianos 
António  Peixoto  de  Azevedo,  que  á  26  de  julho  sahiu  da  capital  e  á  20 
de  agosto  do  porto  de  S.  Francisco  de  Paula,  á  que  deu  tal  nome  por 
ser  o  de  Magessi,  do  mesmo  modo  que  baptisou  com  os  de  Magessi  e  Tor 
vares  dons  dos  principaes  saltos,  que  encontrou  no  rio. 

Gastou  sessenta  e  sete  dias  nessa  exploração,  e  lutando  com  im- 
mensas  difficuldades,  como  cachoeiras,  baixios  e  indios  bravos,  chegou  á 
foz  do  S.  Manoel,  subindo  então  pelo  Juruhena. 

Na  mesma  época  percorreu-o  também  o  forriel  Joaquim  Ferreira 
Nhandú,  que  deu  noticia  de  dous  outros  grandes  saltos,  um  de  duas  e 
outro  de  vinte  braças  de  altura. 

O  illustrado  Sr.  barão  de  Melgaço  foi  o  primeiro  á  tratar  de  restabe- 
lecer essa  verdade  geographica,  nas  suas  Observações  d  carta  geogror 
phica  da  província  de  Matto-Grosso,  publicadas  na  Revista  do  Instituto 
Histórico,  tomo  XXV,  pag.  346. 

(a)  Este  nome  dão  também  ao  Tocantias  alguns  autores,  sem  duvida  por  con- 
fusão. O  capitão-mór  António  Pires  de  Oampos,  um  dos  primeiros  sertanistas  que 
por  ahi  exploraram,  assim  o  chamou ;  o  que  consta  do  roteiro  dado  ao  capitão  An- 
tónio Rodrigues  Villares,  para  buscar  as  minas  dos  Arayés. 

(b)  O  atlas  do  Sr.  Cândido  Mendes,  ora  o  dá  como  affluente  do  Xingu,  nas  cartas 
geraes,  ora  como  do  S.  Manoel,  já  na  do  Pará. 

11 


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82  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

IV 


O  Xipffit  é  x\m  dos  rios  brasileiros  menoa  conhecidos,  e  sobre  cujas 
origens  mais  duvidas  existem.  Fazia-se-o  provir  desde  o  parallelo  15',  em 
contravertentes  com  o  rio  das  Jangaâaa^  cabeceira  do  S.  Lourenço, 
dando-se-lhe  assim  um  curso  de  mais  de  mil  e  quinhentos  Irilometros(a).  Já 
Baena,  no  seu  E^twaio  charographeo  da  provinda  do  Pard^  marcou-lhe 
as  nascentes  na  latitude  de  12°  42';  o  Sr.  Melgaço  colloca-as  «perto  do 
parallelo  11°,  sinão  mais  ao  norte  »  (b) ;  cortando-se-lhe,  portanto,  mais 
de  um  terço  do  curso  que  lhe  emprestavam. 

Dá-se-lhe  como  tributários  o  Maiary,  Acarahy,  Acaiccy^  Pery, 
Curenis,  Turá,  Maocnd,  Iriry^  Pacnrnly,  Bacyó,  Fresco^  etc. ;  corre 
em  terreno  matto-grossense  até  as  confluencias  do  Fresco  e  do  Acarahj%  e 
lança-se  no  Amazonas  na  latitude  de  1°  42'  e  aos  8°  54'  de  longitude. 

E'  navegável  por  navios  de  grande  calado  desde  a  sua  ultima  ca- 
choeira, o  Piranha-coara,  á  cento  e  sessenta  e  cinco  kilometros  da  foz.  Por 
elle  subiu,  em  meiados  do  século  XVII,  o  padre  Roque  Hunderpfundf,  de 
quem  faz  menção  o  padre  Manoel  da  Motta,  na  sua  Missão  (c).  Foi  conhe- 
cido dos  hollandezes,  que  em  1695  o  subiram,  indo  estabelecer-se  fortifi- 
cados no  sitio  conhecido  desde  então  por  Marin-uasstl,  a  cidade  grande^ 
entre  os  rios  Pery  e  Acaixy,  povoado  que  pouco  tempo  durou,  tendo  sido 
atacado  e  destruido  pelo  famigerado  explorador  do  Amazonas  Pedro  Tei- 
xeira. Os  jesuitas  frequentaram  o  seu  baixo  curso ;  talvez  outros  explora- 
dores galgassem-lhe  as  cachoeiras  em  buscado  curso  superior;  mas  seu 

(a)  Ricardo  Franco  dá-lhe  300  léguas  de  curso.  Descripção  geographica  da  ca- 
pitania  de  Alatto-Grosso, 

(b)  Obteroações  á  carta  geographica  da  provinda  de  Matto-Grosso. 

(c)  Dr.  Mello  Moraes.—O  Brasil  Histórico,  t.  3.« 


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DA  província  de  matto-grosso  83 

estudo  só  despertou  interesse  quando,  em  1843,  o  príncipe  Adalberto  da 
Prússia  venceu-lhe  as  prímeiras  cachoeiras  e  investigou-o  até  cerca  do 
4**  parallelo.  Acompanhavam-o  o  conde  de  Oriola  e  o  hoje  tão  celebre 
chanceller  do  império  allemão,  o  príncipe,  então  conde  de  Bismark.  No 
seu  diarío  de  viagem,Adalberto  falia  n'uma  excursão  que  por  esse  río  fez 
um  tenente  de  milícias,  em  1819,  descido  de  Cuyabá,  e  que  diz  ter  che- 
gado até  o  porto  de  Moz,  não  podendo  referir-se,  salvo  pasmoso  engano,  ao 
explorador  Peixoto,  do  Paranatinga.  Em  1872  navegou  até  o  parallelo 
3'  30'  o  engenheiro  Adríano  Xavier  de  Oliveira  Pimentel. 

Projecta-se  a  construcção  de  uma  via  férrea  na  corda  do  grande  arco 
que  esse  río  forma  na  sua  região  encachoeirada,  que  situa-se  entre  os 
4  e  5  graus  de  latitude,  e  é  destinada  à  salvar  todo  o  trecho  do  río  im- 
possivel  á  navegação. 

Dahi  em  diante  canoas  e  igarítés  podem  vencêl-o  até  suas  cabeceiras, , 
sendo  de  fácil  remoção  os  impecilhos  que  appareçam.  Em  idênticas  cir- 
cumstancias  ás  da  malogi'ada  via  férrea  do  Mamoré  e  Madeira,  ha  de  lutar 
com  os  mesmos  embaraços  e  difiSiculdades  para  ser  levada  á  effeito;  o  que, 
todavia,  se  realisará,  mas  n'um  fiituro,  quiçá,  remoto.  Seus  exploradores 
são  acordes  em  affirmar  as  riquezas  do  terrítorío  que  banha,  mormente 
em  vegetaes  preciosos,  como  as  seríngueiras,  o  cacau,  o  cravo,  a  copahiba, 
as  salsaparrílhas,  a  castanha,  o  puchury,  e  mil  outros  que  são  a  maior 
fonte  de  rendas  do  Amazonas  e  do  Pará. 


O  ARAGUAYA,  lUo  Gravide  ou  Berocoan,  que  no  dialecto  dos 
carajás  tem  idêntica  significação  (a),  é  um  río  magestoso,  de  cerca  de  mil 

(a)  O  Rio  Araguaya.  Relatório  de  sua  exploração,  pelo  major  de  engenheiros 
Joaquim  Rodrigues  de  Moraes  Jardim. 


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84  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

e  oitocentos  kilometros  de  extensão,  dos  quaes  quasi  mil  e  duzentos  bei- 
rando terras  de  Matto-Grosso;  largo  e  desimpedido  na  maior  parte  do  seu 
curso.  Castelnau  assigna-lhe  quatrocentas  e  oitenta  léguas,  e  mais  cento 
e  treze  ao  Tocantins  depois  da  confluência  (a):  D'Alincourt  dá-lhe  trezen- 
tas e  setenta  léguas ;  outros  somente  trezentas  até  a  sua  foz  no  Tocantins. 

E'  o  principal  limite  da  província  com  Groyaz. 

A  mais  remota  das  suas  origens  é  o  córrego  das  Dtias  Pontes,  des- 
cido das  abas  septemtrionaes  da  serra  oriental  do  Cayapó.  Com  o  Pitom- 
bas, contravertentes  do  Taquary,  encontra  também  cabeceiras,  entre  o 
Piquiry  e  o  SanfAnna  do]^Paranahyba,  á  meio  dos  parallelos  18°  e  19". 

Tem  os  nomes  de  Cayapó  Grande  até  a  juncção  do  rio  do  Barreiro 
ou  do  Cotovello;  de'Jííí)  Grande  até  a  foz  do  Veiinelho;  e  só  dahi  para 
diante  é  que  é  conhecido  pelo  seu  principal  nome,  Araguaya. 

Com  o  nome  de   Cayapó  Grande  seu  curso  é  superior  á  quinhentos . 
kilometros. 

São  seus  principaes  subsidiários,  á  direita: 

1.*  O  Bonito,  rio  de  cerca  de  cento  e  vinte  kilometros,  nascido  na 
serra  de  Santa  Martha. 

2.°  O  Cayapó-^iirim^  de  uns  cento  e  cincoenta,  nascido  na  serra  da 
Sentinella;  é  engrossado  pelas  aguas  do  Piranhas  e  Santo  Anto^uo, 

3.°  O  rio  das  Almas,  vindo  da  mesma  serra,  formado  pelo  Ponte 
Alta  e  ribeirão  dos  Bois, 

'  4.°  O  rio  Claro  ou  Diamantino,  grande  curso  descido  da  serra  de 
Santa  Maria,  aos  17°  30'  de  latitude,  e  augmentado  pelas  correntes  do 
Santo  António,  braço  de  mais  de  quatrocentos  kilometros  nascido  na 


(a)  Si  o  primeiro  computo  é  elevado,  o  segundo  approxima-se  da  verdade  O. 
Tocahtins  mede  448  kilometros  de  S.  João  das  Duas  Barras  á  Santa  Helena  de 
Alcobaça,  onde  recomeça  a  navegação ;  dahi  á  Belém  ha  279,  e  Iltí  de  Belém  ao  mar. 
O  Sr.  Dr.  Eduardo  José  de  Moraes  dá-lhe  110  léguas  [Navegação  interior  do 
Brasil,  IS&è). 


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DA  província  de  matto-grosso  85 

serra  Escalvada ;  o  Pilões^  um  pouco  menor,  que  recebe  o  Fartura^  oriundo 
da  serra  Dourada,  e  o  S,  Domingss. 

5.**  O  Agua  Limpa,  nascido  na  serra  Dourada ;  recebe  á  direita  o 
Guarda-mór,  formado  pelo  Bocaina^  e  á  esquerda  o  3Iamoneiras,  e  sahe 
abaixo  do  Itacayú  (a). 

6.**  O  Vermelho,  nascido  na  serra  do  Ouro-fino,  ramal  da  Geral  ou 
cordilheira  do  Estrondo  ;  seu  curso  é  de  mais  de  trezentos  kilometros,  dos 
quaes  cento  e  oitenta  de  boa  navegação,  desde  o  porto  do  Ti-avessão,  á 
doze  léguas  da  capital;  indo  sahir  no  Rio  Grande,  donde  á  este  se  muda 
o  nome  em  Araguaya.  Tem  por  braços,  á  direita :  Bugres,  Boa  Vista, 
Ferreiro,  Lambary  e  Vermelhinho,  dos  quaes  o  Ferreiro  vindo  da  serra  da 

r 

Canastra,  é  de  mais  de  cem  kilometros;  á  esquerda:  Cachambú, 
Estrella,  Forte,  Ubá,  Taquaral  ou  índios  Grandes,  maior  do  cem  kilome- 
tros, e  o  Tiquihé  (b). 

7.*  O  rio  do  Peia:e,  ou  Thesouras,  nascido  na  serra  do  Carretão ;  re- 
cebe as  aguas  do  Peixe  Pequeno,  Isabel  Paes,  Taquaral  e  S.  Miguel,  todos 
oriundos  da  mesma  serra,  e  vae  juntar-se  ao  Araguaya  com  um  curso  de 
mais  de  cento  e  oitenta  kilometros. 

8.°  O  Cria:d,  maior  de  duzentos  kilometros,  é  formado  por  dous  prin- 
cipaes  braços,  o  Crixá-assú  e  o  merim.  Aquelle  tem  por  affluentes  o  Ca- 
nabarro,o  rio  do  Peixe  (que  recebe  o  dos  Boise  Novilhos)e  o  dos  Pintados. 
Vem  das  serras  de  S.  Patrício,  e  cahe  noventa  kilometros  abaixo  da  foz  do 
Vermelho,  cujas  nascentes,  como  as  delle,  distam  mui  poucas  léguas  da 
capital  de  Groyaz.  Seu  curso  é  em  rumo  nomoroeste;  sua  largura  de  cem 
metros.  Delle  diz  o  Sr.  major  Jardim  «  que  é  um  dos  mais  importante 
affluentes  do  Araguaya,  e  no  futuro  será  o  escoadouro  do  grande  município 


(a)  o  destacamento  de  Itacayú  foi  fandado  por  Braz  Martinho  de  Almeida,  de 
ordem  do  lõ»  governador  de  Goyaz  D.  João  Manoel  de  Menezes. 

(b)  Rei.  do  Araguaya  do  Sr.  major  Jardim. 


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86  ESBOÇO    CHOROGRA.PHICO 

do  Pilar.  Como  todos  os  braços  daquelle  rio  varia  muito  em  cabedal  de 
aguas,  conforme  as  estações,  ora  dando  franca  navegação  á  grandes  botes, 
ora  apenas  á  igarités.  » 

9."  O  Chavantes,  que  vem  da  serra  Pintada,  e  desagua  nas  vizi- 
nlianças  do  parallelo  12°. 

10"  e  11.°  O  Tmapá  ou  Pequeno  e  o  Javaliés^  nascidos  na  serra  do 
Estrondo,  e  que  margeiam  a  morraria  á  direita  do  furo  do  Carajahy,  este 
pelo  lado  oriental  e  o  Tucupá  pelo  Occidental.  O  Javahés  tem  mais  de 
cento  e  cincoenta  kilometros. 

E  13.°  O  Salomé. 

E  á  esquerda : 

1.°  O  Pitombas,  originado  por  duas  principaes  cabeceiras  na  serra 
das  Divisões,  perto  do  parallelo  19°. 

2.°  O  do  Barreiro  ou  do  Cotovello :  este  desce  das  abas  orientaes 
da  seiTa  das  Divisões,  pouco  mais  ou  menos  á  meio  do  parallelo  15% 
perto  do  meridiano  9°.  Seu  curso  é  de  mais  de  trezentos  kilometros,  com 
a  largura  média  de  duzentos  á  trezentos  metros. 

D'entre  os  seus  aíBuentes  destacam-se,  á  esquerda,  o  Passavinte  c 
á  direita,  o  Paredão,  no  qual  o  Sr.  Couto  de  Magalhães  suppõe  reconhe 
cer  o  rio  das  Garças  dos  jesuítas,  que  o  tinham  no  caminho  entre  o  Pará 
e  o  Paraguay,  e  após  o  seu  curso  quinze  léguas  de  transito  por  terra,  as 
únicas  em  toda  essa  longa  viagem  ;  e  que  tantas  são  as  que  medeiam 
entre  o  Paredão  e  o  Itiquira,  braço  do  S.  Lourenço,  entre  os  pontos  onde 
lhes  começa  a  navegação. 

3.°  O  Alagado^  rio  de  oitenta  á  cem  kilometros,  que  sahe  junto  ao 
poluto  da  Piedade. 

4.°  O  Crystallifw,  Manrieberõ  ou  rio  das  matrinchans  (jà):  nasce 
perto  do  parallelo  15°,  na  divisória  das  aguas  orientaes  do  rio  das  Mortes 

(a)  O  rio  Araguaya.  Rei.  do  Sr.  major  Jardim. 


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DA  província  de  matto-grosso  87 

e  occidentaes  do  Araguaya ;  corre  em  rumo  de  nordeste,  com  cerca  de 
duzentos  kUometros  de  curso,  e  a  média  de  oitenta  metros  de  largura, 
com  cinco  de  profundidade. 

Em  tempo  de  aguas  augmenta  muito  o  seu  cabedal,  mas  na  estação 
secca  baixa  ás  vezes  á  meio  metro  de  profundidade.  Vae  lançar-se  já  no 
braço  do  Araguaya,  á  esquerda  da  ilha  do  Bananal. 

b.'*  O  rio  das  Mortes,  luaberd  dos  carajás  (a),  rio  em  forma  de  pv, 
tem  cerca  de  oitocentos  kilometros  de  extensão.  D'Alincourt  dá-lhe  cento 
e  cincoenta  léguas  (b).  Nasce  com  o  nome  de  rio  Manso  á  cento  e  oitenta 
kilometros  á  noroeste  da  cidade  de  Cuyabá  e  á  uns  vinte  e  cinco  das  fontes 
do  Aricàrmerim,  braço  do  Cuyabá;  e  não  deve  ser  confundido  com  o  ribei- 
rão do  mesmo  nome  e  egualmente  tributário  deste  rio,  cujas  cabeceiras  o 
rio  Manso  circumda,  e  cuja  foz  é  uns  cem  kilometros  acima  daquella  ca- 
pital. Suas  vertentes  mais  remotas  acham-se  entre  o  Jogar  de  Guimarães, 
antiga  SanfAnna  da  Chapada,  e  as  cabeceiras  do  Paranatinga,  do  qual  é 
contravertentes. 

Passa  por  ter  sido  descoberto  por  Bartholomeu  Bneno,  o  Anhanguêra^ 
na  sua  primeira  entrada,  pelo  anno  de  1682 ;  sendo  depois  percorrido  por  seu 
neto  do  mesmo  nome,  quando  em  busca  das  minas  dos  Martyrios,  cuja 
tradição  guardara  do  avô.  Foi  explorado  em  1803,  de  ordem  do  capitáo- 
general  Caetano  Pinto,  pelos  irmãos  Alexandre  e  João  de  Brito  Leme,  (c) 
que,  em  quarenta  dias,  chegaram  ao  porto  de  Arayés.  Tinham  partido  de 
Cuyabá  á  14  de  maio,  no  intento  de  não  só  verificarem  si  o  rio  era  nave- 
gável, como  também  de  saberem  si  era  o  principal  tronco  do  rio  das 
Mortes ;  em  21  de  setembro  estavam  de  volta,  tendo  averiguado  que  esse, 
e  não  o  braço  que  se  entronca  junto  á  aquelle  porto,  é  o  verdadeiro  rio 


(a)  O  Rio  Araguaya.  Rei.  do  Sr.  major  Jardim. 

(b)  Obra  citada. 

(c)  João  Alexandre  de  Brito  Leme  e  João  de  Brito  Leme  e  mais  22  soldados. 


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88  ESBOÇO  CHOROGKAPEICO 

das  Mortes  (a).  Sua  navegação  foi  livre  de  tropeços  durante  nove  dias, 
o  que  implica  um  tracto  superior  á  trezentos,  sinào  quatrocentos  kilome- 
tros ;  no  decimo  dia  penetraram  na  região  eneachoeirada,  onde  houve 
á  vencer  cento  e  vinte  e  três  cachoeiras,  com  doze  varadouros,  vinte  e  oito 
sirgas  sem  carga  e  oitenta  e  três  á  meia  carga. 

Passa  o  rio  das  Mortes  por  ser  um  formoso  curso  de  mais  de  duzentos 
metros  de  largura,  apresentando-a  ás  vezes,  mesmo,  de  oito  á  nove  kilo- 
metros.  Ricardo  Franco,  na  sua  Descripção  Geographica^  e  D'Alincourt, 
no  seu  Eesuliado  dos  trabalhos  e  indagações  estatísticas^  consignam-lhe 
cento  e  cincoenta  léguas  de  curso,  sem  computarem-lhe  o  do  Manso.  O 
Sr.  Couto  Magalhães  calcula-o  em  duzentas. 

O  outro  braço,  que  é  o  oriental  e  que  vem  com  o  nome  que  o  rio 
guarda,  é  formado  pelos  ribeirões  do  Jatobá^  que  recebe  o  Mutuns  e  o 
Findahyba:  desce  desde  a  serra  das  Divisões,  nos  ribeirões  do  Ron- 
cador^ nascido  no  contraforte  desse  nome,  o  Sangradorisinho  e  o  Sapè^ 
braços  do  Sangrador^  que  faz  contravertentes  com  o  S.  Lourenço.  Vae 
com  rumo  de  noroeste  á  entroncar-se  no  Manso,  logo  abaixo  do  ribeirão 
dos  Arayés  ou  Aniés.  Neste  ficavam  as  celebres  minas  deste  nome,  des- 
cobertas em  1670  por  Manoel  Corrêa  (b)e  abandonadas  pelas  diflficul- 
dades  que  sobrevieram  á  seu  trafego,  pela  distancia  dos  povoados, 
aggressões  dos  Índios,  misérias  e  fomes.  Seu  ouro  era  de  17  quilates  e  de 
côr  esverdinhada  (c).  Perdido  seu  sitio,  casualmente  o  descobriram, 
quasi  um  século  depois,  o  coronel  de  milicianos  Amaro  Leite  (d)  e  João 
da  Veiga  Bueno,  que  andavam  em  busca  da  dos  Martyrios ;  fundando- 
se  ahi  um  arraial  com  o   nome  do  primeiro,   estabecimento    que  não 

(a)  Officio  do  mestre  de  campo  José  Paes  Falcão  das  Neves,  de  29  do  mesmo 
mez,  ao  governo  de  successáo  da  capitania. 

(b)  Pizarro.  Mem.  Bist,,  tomo  9»,  pag.  145. 

(c)  Ricardo  Franco.  Descrip.  Geog.  da  Cap.  de  l/l atto-Gr osso. 

(d)  O  Rio  Araguaya,  Rei.  do  Sr.  major  Jardim. 


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DA  PROVÍNCIA   DE  MATTO-GROSSO  89 

se  deve  confundir  com  outro  também  de  Amaro  Leite  que  houve  nas 
Lavrínhas.  Em  1819  a  companhia  de  mineração  de  Cuyabá,  buscou 
novamente  seu  sitio  e  projectou  novos  estabelecimentos ;  ficando  porém, 
em  projecto. 

O  rio  das  Mortes  lança-se  por  duas  bocas  no  braço  esquerdo  do  Ara- 
guaya,  além  de  meio  da  grande  ilha  do  Bananal,  e  cento  e  noventa  e  cinco 
kilpmetros  abaixo  da  bifurcação  do  rio :  sua  largura  nas  barras  é  de 
duzentos  e  quarenta  metros  n'uma,  e  cento  e  oitenta  n'outra,  e  de  três 
e  meio  metros  a  profundidade  média.  O  triste  nome  que  tem  provém-lhe 
da  grande  mortandade  que  uma  epidemia  de  febres  causou  á  uma  das 
primeiras  bandeiras  que  por  ahi  andaram  (a). 

Com^o  nome  de  rio  Manso  recebe  innumeros  affluentes,  sendo  prin- 
cipaes,  á  direita :  Cachoeirinha,  Cerradinho,  Sapé,  Sangrador,  Sangra- 
dorzinha  (que  tem  par  affluente  o  Malas),  Taquarahinho^  Sangrador 
(que  recebe  o  Mortandade),  Cotiro  de  Porco,  Macacos  (engrossado  pelos 
Cabeça  de  Boi,  Torresmo,  Corisco,  Tejuco-Preto  e  Sambambaia),  Paredão, 
(que  nasce  junto  á  montanha  abrupta  desse  nome  e  recebe  á  esquerda 
o  Guanandy,  Areias,  Lages,  Olho  d'Agua,  Jatobá,  Mutuns,  Pau  Furado, 
Taquaral,  e  Antinha),  o  Pche  (formado  pelo  Lage  que  recebe  o  Laginha, 
o  Taquaral,  descido  de  serras  deste  nome,  e  o  Insua),  Pindahyiuha  e 
Lages ;  e  á  esquerda  o  Tapera^  Cururú,  Maracajá  e  S.  João  (b).  Lan- 
ça-se quasi  á  meio  do  braço  Araguaya. 

6.*  O  da  Casca,  formado  pelo  Farto ;  é  o  ultimo  dos  seus  affluentes 
importantes  que  lança-se  nesse  braço.  Seu  curso  é  mais  de  cem  kilo- 
metros.  ^ 

7.**  O  Tapirapé,  Manamberõ  ou  rio  das  pedras,  dos  carajás  (b),  é  de 
curso  talvez  egual  ao  do  Mortes,  bastante  largo  e  profundo.   Entra  no 


[&)  D'ÂUQcourt,  ob,  cit, 

(b)  O  Rio  Araguaya.  Kel.  do  Sr.  major  Jardim. 

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90  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Araguaya  cento  e  oitenta  e  oito  kilomctros  abaixo  da  foz  do  Mortes,  e  por 
muitas  bocas.  O  benemérito  capitão  de  fragata  Balduino  de  Aguiar,  tão 
conhecido  por  seus  heróicos  feitos  nos  combates  do  forte  de  Coimbra  e 
outros  no  rio  Paraguay  e  S.  Lourenço,  subiu-o  em  1868  cerca  de  cin- 
coenta  kilometros,  n'um  pequeno  vapor,  o  Araguaya^  que  o  Sr.  Couto  de 
M^alhães  fizera  transportar  de  Cuyabá  para  as  explorações  do  rio,  cujo 
nome  tomou. 

Desce  o  Tapirapé  das  escarpas  .do  Chapadáo  que  medeia  entre  esse 
rio  e  o  Xingu,  dividindo-lhes  as  aguas  (a). 


S.**  O  Cnjnrú,  que  lançâ-í^e  qutisí  fronteiro  á  ponta  septemtrional  da 
ilha  do  Bananal. 

9.**  O  Aquiqtiy,  pequeno  rio,  contravertentes  com  o  Fresco,  braço  do 
Xingu,  e  notável  por  ser  a  divisória  mais  septemtrional  da  provincia. 

E  10°,  finalmente,  o  Grathhiis,  rio  também  pequeno,  nascido  nas 
serras  do  mesmo  nome. 


( a)  Cunha  Mattos  (ob.  cit.),  d}\-lhe  sessenta  léguas  de  curso. 


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ESBOÇO   CHOROGRAPHICO  91 

VI 


Á  72,24  kiloms.  da  foz  do  Crixá  divide-se  o  Araguaya  em  dous 
grandes  braços,  formando  a  ilha  do  Bananal  ou  SanfAnna,  á  que  o  braço 
esquerdo  banha  n'uma  extensão  de  477.170  kiloms.  (a).  O  nome  de  Santa 
Anna  é-lhe  também  dado  por  que  nella  aportou  em  dia  dessa  santa  o 
alferes  José  Pinto  da  Fonseca,  que  ia  em  expedição  para  conquistar  os 
carajás,  e  ahi  fez  celebrar  missa  e  impoz-lhe  o  nome  (a).  Seu  compri- 
mento é  calculado  em  sessenta  á  setenta  léguas  e  sua  maior  largura  em 
mais  de  vinte.  O  braço  direito  toma  o  nome  de  fiiro  do  Bananal  ou 
Carajahy,  conservando  o  outro  o  nome  do  rio. 

O  Sr.  major  Jardim,  em  setembro  de  1879,  achou  para  este  braço  a 
largura  de  259,9  metros  e  3,3  de  fundo,  emquanto  que  o  Carajahy  estava 
quasi  á  sêcco,  apresentando-se  como  um  regato  de  quatro  metros  sobre 
meio  de  profimdidade.  Antes  da  ilha  o  rio  mede  setecentos  á  oitocentos 
metros  de  largo,e  depois  mil  e  duzentos.  Logo  dez  kiloms.  adiante  desta  ha 
outra  ilha  de  dez  á  doze  léguas,  formada  pelo  furo  chamado  da  Maria  do 
Norte. 

Depois  do  presidio  de  Santa  Maria  desce  encachoeirado  por  uns  seiscentos 
kiloms.  até  a  confluência  do  Tocantins,  que  por  sua  vez  assim  continua  por 
quatrocentos  e  quarenta  e  oito  kiloms.  até  Santa  Helena  de  Alcobaça  (b), 
O  curso  total  deste  rio  será  de  dous  mil  e  duzentos  kiloms.,  dos  quaes  grande 
parte  navegado  com  alguma  difficuldade,  e  trezentos  e  trinta  de  fácil  nave- 
gação, e  essa  mesma  dividida  em  dous  tractos,  um  de  cento  e  setenta  e 
quatro  entre  a  cidade  da  Boa   Vista  e  a  da  Carolina,  no  Maranhão  ;  e  o 

(a)  o  Ho  Araguaya.  Rei.  do  Sr. major  Jardim. 

(b)  A  Provinda  de  Goyaz  em  1878,  memoria  do  Sr.  major  Dn  A.  de  Escragoolle 
Taonay. 


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92  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

outro  de  cento  e  cincoenta,  desde  a  villa  da  Imperatriz  até  a  confluência 
do  Araguaya.  E'  perto  do  parallelo  6"  que  esta  tem  lugar;  e  o  Tocantins, 
após  um  curso,  ainda,  de  seiscentos  e  setenta  kilometros,  vae  levar  suas 
aguas  ao  oceano,  não  sem  antes  receber,  na  latitude  de  P,  40',  cora  as  do 
Tajipurú  e  Breves,  o  tributo  do  Amazonas. 


Ligado  ao  Tocantins,  a  historia  do  Araguaya  é  a  mesma  do  Baixo 
TocantinSw 

D'entre  os  exploradores  seus,  são  notados  como  primeiros 
Fr.  Custodio  de  Lisboa,  que,  em  1625,  subiu-o  desde  Belém  (a), 
e  Manoel  Correia,  bandeirante  paulista.  Em  1653,  subiu  parte 
delle  o  grande  padre  António  Vieira,  á  convite  do  capitão-mór 
Ignacio  do  Rego  Barreto ;  partiu  de  Belém  á  13  de  dezembro,  e  chegado 
ás  cachoeiras,  em  23,  onde  já  achou  o  rio  com  cerca  de  meia  légua  de  lar- 
gura, á  28  chegava  á  cachoeira  das  Tabocas,  distante  cento  e  sessenta 
léguas  da  foz  (b).  Em  1669  Gonçalo  Paes  e  Manoel  Brandão,  subiram-o 
e  penetraram  no  Araguaya,  em  busca  de  ouro,  trazendo  em  compensação 
muito  cravo,  canella  e  castanha  (c). 

Quando  o  paulista  Pascoal  Paes  de  Araújo  internou-se  pelos  sertões 
jnatto-grossenses  e  goyanos,  devastando  as  tribus  e  aprisionando  os  indios 
que  encontrava,  foi  o  Araguaya  o  caminho  por  onde  estes,  fugitivos,  cor- 
reram á  Belém  á  supplicar  a  protecção  do  governo. 

Pedro  César  de  Menezes,  governador,  então,  do  Pará,  soube  por  elles 
da  existência  deste  rio ;  e  em  1673  mandou  á  exploral-o  Francisco  da 


(a)  Baena,  Compendio  das  Eras ;  Ferdinand  Denis,  Le  Brésil^  312. 

(b)  O  Sr.  Dr.  MeUo  Moraes,  Chorog.  Hist.;  tomo3«»,  pag.  4'50. 

(c)  Encontraram  um  castanheiío  que  media  cincoenta  palmos  em  circumfe- 
rencia.  Baena,  obra  citada. 


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DA  província  de  MATTOaROSSO  93 

Motta  Falcão,  com  força  sufficiente  para  bater  Pascoal.  Não  era,  porém, 
da  Índole  do  sertanista  Falcão  o  aventurar-se  ás  sortes  da  guerra  com 
aventureiros  taes,  e,  pois,  preferiu  retroceder  á  buscar  Pascoal,  que,  já  sa- 
bedor da  sua  expedição,  era  quem,  por  sua  vez,  o  buscava. 

No  anno  seguinte  subiu-o  o  padre  António  Velloso  Tavares,  para 
egual  investigação, — á  mandado  do  mesmo  governador  e  com  idêntico 
eiito  (a). 

Berredo,  quando  governador  do  Maranhão,  percorreu-o  até  o  paral- 
lelo  12**  22,' ;  e  em  1719,  mandou  exploral-o  por  Diogo  Pinto  da  Gaya, 
que  foi  por  elle  acima  umas  cento  e  oitenta  léguas  (b). 

Em  1721,  o  sertanista  Domingos  Portilho  subiu  o  Tocantins  com  os 
padres  Manoel  dà  Motta  e  Jeronymo  da  Gama  ;  da  cachoeira  Tabocas  ao 
rio  Arary  ou  da  Saudr,  como  o  designam,  gastou  sete  dias,  outros  tantos 
ao  rio  Taquanhona  e  mais  cinco  á  boca  do  Araguaya  (c). 

Dois  annos  depois  desceram  de  Vi  lia  Boa,  em  Goyaz,  para  o  To- 
cantins, dous  portuguezes  um  e  negro,  fugidos  das  minas  ahi  desco- 
bertas (d).  Em  1731  o  sargento-mór  João  Pacheco  do  Couto,  mandado 
pelo  governador  Alexandre  de  Souza  Freire  á  exploral-o,  descobre  as 
minas  da  Natividade,  Em  1774,  de  ordem  do  governador  José  Cabral  de 
Almeida  Vasconcellos  Souzel,  funda-se  a  aldeia  da  Nova  Beira^  na  ilha 
do  Bananal,  com  indios  javahés  e  carajás  (e). 

Foi  esse  governador  o  primeiro  á  interessar-se  pelo  commercio  e  rela- 
ções que  por  essa  via  se  podiam  entabolar  entre  sua  capitania  e  a  do  Pará. 


(a)  Ánniis  histoicos  do   Maranhão,  liv.   17  ;   Baena,   Compendio   das  Eras, 
pags.  140  e  *20>. 

(b)  Annaes  históricos  do  Maranhão, 

(c)  Missão    do    padre   Manoel  da   Motta.    V.    Chorographia    Histórica   do 
Sr.  Dr.  Mello  Moraes,  t.  3«,  pag.  46t. 

(d)  Chorog,  Hist. ;  t.  80.  (Dr.  Mello  Moraes). 

(e)  O  Rio  Araguaya.  Rei.  do  Sr.  major  Jardim. 


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94  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Foram  naquella  diligencia,  em  1772,  o  capitão  José  Machado,  e  no  anno 
seguinte  o  alferes  José  Pinto  da  Fonseca,  o  mesmo  que  deu  o  nome  de 
Sant^Anna  á  grande  ilha  do  Araguaya;  e  era  1774  o  ouvidor  António 
José  Cabral  de  Alníeida:  com  o  intuito  de  descobrirem  as  minaa 
dos  Martyrios.  Este,  de  volta,  relatou  tel-as  encontrado  no  Arayés, 
perto  do  Xingu  ;  e  seus  companheiros,  o  piloto  Luiz  António  Ta- 
vares Lisboa,  e  outros,  foram  presos  ao  chegarem  á  Belém,  em  vista  do 
disposto  na  lei  dos  caminhos  das  minas,  cujos  efifeitos,  como  se  vê,  não 
eram  eguaes  para  todos. 

Em  1746  desce  pelo  Araguaya  uma  bandeira  vinda  desde  S.  Paulo, 
guiada  pelo  capitao-mór  António  Kodrigues  Villares  (a),  e  entra  no  Por 
rmtpéba,  como  elle  designou  ao  Tocantins.  Em  1780  o  governo  do  Pará 
toma  á  peito  o  fundar  povoados  no  Baixo  Tocantins,  onde  já  os  padres 
missionários  tinham  bastantes  aldeias  de  cathechumenos ;  estabelece  o 
Jogar  de  S.  Bernardo  daPederneira^k  margem  direita,entre  Cachoeirinha 
e  a  Tapayunarcoára ;  o  de  Aleoba^a,  uma  légua  abaixo  do  igarapé  (7a- 
raipé,  o  qual  dez  annos  depois  foi  transferido  para  a  ilha  do  Ararapd 
entre  as  cachoeiras  Tapayuna-coára  e  Guaribas,  mudando  de  denominação 
para  a  de  Arroios  (b). 

Em  1780  organisam  os  commerciantes  do  Pará  uma  expedição  que 
ó  governador  Tristão  da  Cunha  Menezes  manda,  sob  a  direcção  do  capitão 
Thomaz  de  Souza  Villa  Real,  para  explorar  o  Araguaya.  Sabida  á  5  de 
fevereiro  do  seguinte  anno,  de  Belém,  á  21  de  abril  chegava  á  Goyaz,  e 
em  22  de  dezembro  de  1792  fazia-se  de  volta  da  confluência  do  Ferreiro 
com  o  Vermelho,  á  quatorze  léguas  da  capital.  Em  1799  o  governo  real 
chama  a  attenção  do  capitão-general  D.  João  Manoel  de  Menezes  (b)  sobre 
a  navegação  desses  rios. 


(a)  Chorog^  Jíiíí.;t.3o,  (Dr.  Mello  Moraes). 

(b)  O  Rio  Araguaya,  Rei.  do  Sr.  major  Jardim. 


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DA   PROVINCU   DE  MATTOGROSSO  95 

O  conde  da  Palma,  D.  Francisco  de  Assis  Mascarenhas,  9*»  gover- 
nador de  Goyaz,  trata  delia  com  interesse ;  mas  é  seu  successor  Fernando 
Delgado  Freire  de  Carvalho  quem  mais  a  favorece,  obtendo  do  governo 
real  a  isenção  dos  direitos  por  dez  annos  e  moratória  por  seis  das  dividas 
á  fazenda  nacional,  e  fazendo  fundar  os  presidies  do  liio  Grande^  Piedade 
S.  João  das  Duas  Barras^  este  já  no  Baixo  Tocantins  (a).  Em  1832  o 
sargento  Carvalho,  encarregado  da  abertura  da  estrada  de  Piquiry  á 
SanfAnna  do  Paranahyba,  errando  o  caminho,  percon-e  grande  parte 
o  rio,  vindo  desde  o  Manso  até  o  porto  da  Piedade. 

Em  1844  o  viajante  francez  Francisco  de  Casteluau  desce-o  até  o 
presidio  de  S.  João  das  Duas  Barras.  Dous  annos  depois  o  bacharel 
Rufino  Theotonio  Segurado,  juiz  municipal  da  Carolina,  no  Maranhão, 
vem  desde  o  presidio  deste  nome  á  Belém,  e  novamente  sobe  o  rio  até  o 
porto  de  Thomaz  de  Souza  (b),  distante  vinte  e  duas  léguas  da  capital, 
onde  aporta  em  6  de  fevereiro  de  1848,  tendo  subido  de  Belém  á  19  de 
maio  antecedente. 

Em  1850  o  previdente  e  mallogrado  administrador  de  Goyaz, 
Eduardo  Olympio  Machado,  faz  desobstruir  o  rio  Vermelho  desde 
o  arraial  da  Barra,  á  quatro  léguas  da  capital,  e  funda  vários  pre- 
sídios, entre  elles  o  Leopoldina^  na  confluência  daquelle  rio  e  o  Santa 
Maria  e  Cachoeira  Grande,  nas  extremidades  da  ilha  do  Ba- 
nanal. 

Em  1851  uma  associação  commercial  busca  navegal-o  ;  e  o  presi- 
dente de  Goyaz,  António  Joaquim  da  Silva  Gomes,  funda  os  presídios  de 
Santa  Isabel,  naquella  ilha,  o  qual  mais  tarde  é  transferido  para  o  rio 
das  Mortes  e  o  da  Januaria,  no  antigo  local  do  Santa  Maria,  á  meia 
distancia  entre  a  ilha  e  S.  João  das  Duas  Barras.  Em  1858  o  presidente, 


(a)  Pizarro,  Memorias  Hist,y  tomo  9. 

(b)  Manoel  de  Souza,  chama-lhe  o  Sr.  major  Jardim,  obr.  cit. 


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96  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

O  Sr.  Gama  Cerqueira,  aventa  a  idéa  da  naveí^^açrio  á  vapor  entre  Leopol- 
dina e  Jannaria  (a),  idéa  que  sumento  dez  annos  depois  realisou  outro  pre- 
sidente o  Sr.  Couto  do  Magalhães,  o  qual,  já  em  1S04,  tinha  descido  o 
Araguaya  n'um  tracto  de  mais  de  dous  mil  kilometros,  acompanhando  o 
engenheiro  que  o  explorava,  o  Sr.  Ernesto  Vallée. 


Presidindo  o  Pará,  ainda  o  Sr.  Magalhães  acompanhou  outra  com- 
raissão  exploradora  do  Tocantins,  até  a  cachoeira  Tapayuna,  em  vapor,  e 
dahi  em  diante  em  bote  até  a  ilha  das  Gruaribas,  donde  voltou  em  se- 
tembro do  mesmo  anno  ;  e  afinal,  em  18C8,  sendo  presidente  de  Matto- 
Grosso,  firme  em  seu  intento,  e  dotado  de  uma  energia  e  força  de  vontade 
invejáveis,  fez  transportar  uma  lancha  á  vapor,  a  Araguaya,  por  mais  de 
seiscentos  kilometros  de  péssimos  terrenos,  desde  Cuyabá  até  Leopoldina, 
estabelecendo  a  navegação  á  vapor  entre  este  presidio  e  Januaria,  na 
extensão  de  cerca  de  mil  kilometros  (b),  com  aquelle  vapor,  e  mais  tarde 
outros  dois,  o  rebocador  Colomho  o  o  Mirtoiro, 


(a)  Kelat.  dessa  presidência  em  18Õ8. 

(b)  921.130  kiloms.  é  a  distancia  que  d;'i-lhe  o  Sr.    major  Jardim,  oôr.  rtí. 
O  Sr.  major  Taunay  dá-lhe  990  kiloms..  A  Provinda  de  Goyas  em  1873. 


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DA  província  de  matto-grosso  97 

vu 


A'  5^;*.  tem  a  província,  desde  o  salto  do  Urubupongá,  cerca  de  ses- 
senta e  cinco  kiloms.  abaixo  da  confluência  do  Rio  Grande  e  uns  doze 
acima  d)  Tietê,  até  o  Salto  Grande  das  Sete  Quedas,  um  trecho  de  seis- 
centos kiloraetros  de  navegação  franca  do  rio  Paraná,  que,  dividindo  geo- 
graphicamente  a  província  das  de  Minas,  S.  Paulo  e  Paraná,  liga-as  todas 
nessa  admirável  rede  de  rios,  da  qual  grande  numero  de  braços,  não  só 
dos  que  correm  no  terreno  matto-grossense  como  dos  que  ao  grande  rio 
vem  ter  das  outras  regiões,  foram  os  caminhos  por  onde  penetraram  os 
seus  audaciosos  descobridores  e  primeiros  exploradores. 

O  Paraná^  formado  como  o  Madeira  pela  juncção  de  duas  mages- 
tosas  correntes,  toma  aquelle  nome  ao  encontrarem-se  n'um  leito  coramum 
as  aguas  do  Paranahyha  e  as  do  Pw  Grande. 

Este,  que  é  o  seu  principal  braço,  desce  desde,  mais  ou  menos,  o 
parallelo  22",  nas  proximidades  do  Itaiyaia^  o  ponto  culminante  da  oro- 
graphia  brasileira,  na  serra  ^rgya,  perto  de  Ayuruoca,  em  Minas-Geraes  ; 
e  tem, somente  de  boa  navegação,um  trecho  de  mil  e  trezentos  kiloms.  (^a). 
Seu  curso  total  é  de  4560  kiloms.  ou  821  léguas  (b).  São-lhe  principaes 
tributários:  Ayuruoca,  Angaby,  Jacuhy,  Ponte-Alta,  Mortes,  Jacaré,  Alam- 
bary,  Uberaba,  Santo  António,  Santo  Ignacio,  Cananéa,  Inferno,  Sapucahy  e 
Mogy-guassú,  os  quaes  recebem  as  aguas  de  uma  infinidade  de  affluentes 
entre  outros :  Pedras,  Carmo,  Catoca,  Córregos,  Santa  Barbara,  Posse, 
Bagres,  Verde,  Sapucahy-merim,  Cachoeira,  Patroeinio,  Paciência? 
S.  Paulo,  Mogj^-merim,  Tucuba,  Itaquy,  Ita-cuarantan,  Itupeba,  Santa 

(a»  Senador  Godoy.  A  Província  d^  S.  Paulo  em  1873. 

(b)  Dr.  Eduardo  José  de  Moraes.  Navegação  interior  do  JSraxil.  1869. 

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98  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

Anna,  Piçarrào,  Oricanga,  Cocaes,  Estiva,  Prata,  Tambahy,  Cubatão, 
Lage,  Araraquara,  Desfiladeiro,  Contas,  Olaria,  S.  Simão,  Cercado, 
Cajurú,  Batatas,  Upitinga  e  Boiadas. 

Para  bem  considerar-se  o  valor  dessa  rede  potamographica,  basta-nos 
attentar  para  o  Sapueahy,  rio  de  trezentos  e  quarenta  kilometros  de  curso, 
dos  quaes  mais  de  cem  de  livre  transito  (a),  desde  o  seu  affluente,  o  Verde, 
até  o  Salto,  e,  ainda,  mais  cento  e  quarenta  de  barra  acima.  Além  do 
Verde,  o  Sapueahy  enriquece-se  com  os  cabedaes  do  Agua  Limpa,  Ma- 
chado, Lourenço-Velho,  Douradinho,  Cervo,  Piranguassú,  Mosambo  e  Cabo- 
Verde;  todos  navegáveis.  Este  ultimo  desce  da  serra  do  Jardim,  em  Bae- 
pendy  ;  tem  duzentos  e  trinta  kilometros  de  curso,  dos  quaes,  segundo  o 
Sr.  Martiniano  Brandão,  cento  e  oitenta  navegáveis  desde  a  foz  do  Capi- 
vary  até  o  Sapueahy.  Para  elle  correra  as  aguas  do  Capivary,  Baependy, 
Alambary,  Rio  do  Peixe,  S.  Bento  e  Palmellas. 


l-tio  X^araiiaUyba. 
Deseolio  do  Sr.  Dr.  Taunay). 


O  Paranaliyha^  nasce  ilas  jproxlmidádes  do  pârallelo  1Ô°  e  do  meri- 
dional 3%  no  sitio  da  Guarda  dos  Ferreiros,  perto  do  arraial  do  Carmo, 


(a)  Dr.  Martiniano  Brandão.  Artigo  na  Imprensa  Industrial,  t.  2«,  pag.  519. 


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i)A  província  de  matto-grosso  99 

na  Serra  Geral  (a).  Seu  curso  é  de  mais  de  oitocentos  kilometros.  Diri- 
ge-se  para  NO.  até  receber  o  Corumbá,  e  depois  para  SO.  até  formar  o 
Paraná,  que  desce,  então,  em  rumo  sul. 

Os  affluentes  que  o  enriquecem  como  os  do  Xingii,  Araguaya  e  To- 
cantins, não  estão  sufiBcientemente  conhecidos,  e  até  alguns  delles  guardam 
grande  confusão  nas  descripçòes  e  mappas  geographicos. 

Passam  por  principaes,  á  direita  : 

1.^  O  Jacaré. 

2.°  O  Verde, 

3.**  O  S.  Marcos^  originado  na  serra  dos  Arrex>enãiãos  ou  dos  Crys- 
taes,  e  cuja  corrente  é  maior  de  quatrocentos  kilometros,  tendo  por 
succui*saes,  á  direita :  Capimpuha^  Taipas^  Samhamhaia,  Castelhano  e 
Embinism,  vindos  todos  da  mesma  serra ;  e  á  esquerda  :  Panláno^ 
S.  João,  Batalha,  e  5.  Bento,  o  qual  é  um  formoso  curso  de  mais  de 
trezentos  kilometros,  e  o  Verde,  vindo  da  serra  do  Guarda-mór  (a). 

4.°  O  Veríssimo  (b),  que  desce  da  serra  deste  nome,  ramo  da  dos 
Crystaes,  e  tem  por  braço  principal  o  Paranatinga,  originado  no  morro 
do  Facão  (a). 

5.°  O  Corumbá,  que  desce  da  serra  dos  Pyreneos,  no  parallelo  16**, 
e  tem  vários  tributários,  entre  elles :  Carurti,  Capivary,  Antas,  Piror 
canjuha  (formado  pelo  Gerivatuba  e  Taquary,  cujas  fontes  estão  na  serra 
de  Santa  Rita),  e  o  do  Peúc,  ao  qual  engrossam  o  dos  Bois,  á  direita,  e  á 
esquerda  o  Calvo  e  o  Brumado  (c).  Alguns  faziam-o  o  bruço  principal  do 
Paraná,  e  o  Paranahyba  seu  afBuente. 

6.**  O  Meia  Ponte,  cujas  vertentes  estão  nas  serras  do  Escalvado  e 
de  Santa  Rita,  e  tem  por  braços  principaes,  á  direita,  o  Dourados,  e  á 
esquerda,  os  ribeirões  das  Caldas  e  da  Formiga{c). 

(a)  Cunha  Mattos,  obra  citada. 

(b)  Carta  de  1875  da  commissão  da  carta  geral. 

(c)  Carta  de  Goyaz  do  Sr.  major  Jardim. 


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100  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

7.*  O  rio  dos  Bois^  maior  de  quatrocentos  kilometros,  com  a  largura 
de  cento  e  setenta  metros  na  foz  (a),  o  qual  é  um  dos  cursos  desta  rede 
que  em  maior  confusão  tem  trazido  os  geographos.  Segundo  os  dados 
do  distincto  engenheiro  major  Joaquim  Jardim,  tem  por  subsidiá- 
rios, á  direita,  o  Turvo  (nascido  na  serra  Dourada,  e  que  entre  outros 
recebe  na  margem  occidental  o  S.  José  e  na  opposta  o  Capivara),  e  o 
Verde  (que  nasce  em  contravertentes  com  os  rios  Claro  e  Pilões,  e  é  en- 
grossado á  esquerda  pelo  ribeirão  do  Estreito,  o  rio  Formoso,  que  recebe  o 
Ponte  de  Pedras,  do  qual  o  Correntes^  é  uma  das  cabeceiras,  e  o  rio 
Preto  ;  e  na  opposta  o  Montevideo  e  o  Dores);  e  á  esquerda,  o  Anicuns, 
que  recebe  o  Santa  Maria,  o  FJô7'es  e  o  SanfAnna. 

O  rio  dos  Bois  foi  explorado  por  João  Caetano  da  Silva  e  José  Pinto 
da  Fonseca  (b)  em  1816 :  sahiram  elles  do  arraial  de  Anicuns  (á  14 
léguas  da  cidade  de  Goyaz),em  22  de  agosto,  e  no  dia  16  de  outubro  che- 
gavam á  foz  do  Turvo,  com  já  sessenta  léguas  de  navegação  ;  quatro  dias 
depois  chegavam  ao  Verde. 

Outra  exploração  do  Bois  foi  feita  á  custa  do  governador  D.  Fran- 
cisco de  Assis  Mascarenhas,  por  Estanislau  da  Silveira  Guterres  ;  a  qual 
infelizmente  mallogrou-se,  não  havendo  mais  noticia  dos  exploradores, 
que  se  suppòe  mortos  nas  cachoeiras. 

8.°  O  Claro  on  dos  Pasmados,(c)  engrossado  i^eloDoce  (formado  pelo 
Jatobá,  Aterradinho  e  Abóboras),  os  ribeirões  Inventada,  Inverna- 
dinha,  Agiia  Parada  e  Santa  Maria,  e  os  rios  Bomfim  e  Paraíso,  á 
direita ;  e  o  Onça  á  esquerda. 

9.°  O  Verdinho  {A),  nascido  na  serra  oriental, do  Cayapó  e  tendo  por 


(a)  O  Sr.  Dr.  E.  J.  de  Moraes.  Navegação  interior  do  Brasil. 

(b)  Nào  deve  ser  o  mesmo  explorador  de  1773. 

(c)  Carta  manuscriptadoSr.  tenente -coronel  Pimenta  Bueno,  1880. 

(d)  Carta  de  Goyaz,  citada. 


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DA  província    de  mattogrosso  101 

uma  das  cabeceiras  o  Piores.  E'  também  denominado  Verde  por 
muitos  cartographos,  convindo  prevalecer  aquella  denominação  pela  mul- 
tidão de  homonymos  que  ha  para  a  segunda. 

10.**  O  Correntes j  vindo  pelo  Jacubas  e  Cabeceira  Alfaio  morro 
Vermelho,  na  serra  do  Cayapó  (a),  rio  ainda  mais  confundido  do  que  o 
Bois  pelos  cartographos  (b). 

11.**  O  Aporé,  ou  rio  do  Peixe  (c),  que  alguns  conhecem  também  por 
Cayapó  do  Sul,  nàas  fazem-o  sabido  acima  de  SanfAnna  do  Paranahyba, 
em  frente  á  cachoeira  de  S.  André. 

E  12.'*,  finalmente,  o  SanfAnna  do  Paranahyba, nheirno  cuja  noto- 
riedade consiste  em  passar  pela  villa  dessa  denominação. 


Pela  esquerda  recebe  o  Paranahyba  : 

1.°  O  Dawrarfoí,  rio  de  uns  duzentos  kiloraetros,  originado  na  serra 
das  Cangalhas. 

2."  O  Bagagem,  onde  se  achou  o  celebre  diamante  EsfreUa  do  Sul, 
também  conhecido  pelo  nome  do  rio  :  nasce  na  serra  do  Patrocinio. 

3.**  O  rio  das  Velhas,  que  é  de  um  curso  talvez  não  inferior  á  qui- 
nhentos kilometros,  e  do  qual  são  subsidiários  Inferno,  Conceição, 
Çuebra  Anzol  e  Tamandm.  Suas  origens  estão  na  serra  das  Canas- 
tras. 

4.**  O  Piedade,  nascido  nas  serras  de  Monte-Alegre. 

5.°  O  das  Almas,  nascido  nas  de  Uberaba  e  engrossado  pelo  Doura- 


(a)  Carta  de  Goyas,  cit. 

(b)  V.  cap.  |o,  pag.  13,  nota.  Tal  confusão  ainda  é  augmentada  por  Cunha  Mattos, 
ob.  cit.,  que  o  baralha  com  o  Cururuht/,  que  diz  elle,  recebe  o  Pasmados  e  o  Cayapó 
do  Sul  e  vae  lançar-se  abaixo  do  salto  do  Urubupongá, 

'  (c)  Carta  manuscripta  do  Sr.  Pimenta  Bueno. 


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102  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

ãinhos^  rio  de  mais  de  quatrocentos  kilometros,  Tejuco,  Prata,  S.  Lou- 
renço, Bàbylonia  e  muitos  outros  (a). 


O  Eio  Grande  tem  de  curso  cerca  de  mil  e  cem  kilometros.  Reunido 
com  oParanahyba,e  tomado  já  o  nome  de  Paraná,  affluem-lhe  pela  direita: 

l.**  O  Guacnry  ou  Acorisal,  que  é  o  Cururuhy  de  Cunha  Mattos. 

2.°  O  Sucuryhú,  contravertentes  do  Piquiry,  cabeceira  do  S.  Lourenço : 
nasce  na  serra  das  Araras,  e  tem  por  affluentes,  á  direita,  Cachoetrinha, 
Enibirossú,  Cascavel  (que  recebe  o  Roncador)  e  S.  João ;  e  á  esquerda 
Pedra  Azul,  Pedra  Branca,  Lagcado,  Lagoa  e  Indayd  (b),  indo  sahir 
cinco  léguas  abaixo  do  salto  do  Urubupongá.  A  estrada  de  Cuyabá,  pelo 
Piquiry,  atravessa-o  á  um  terço  de  seu  curso. 

S.**  O  rio  Verde,  formado  á  esquerda  pelo  Hanchinho,  que  recebe 
o  Fundo ;  e  á  direita  pelo  Claro,  contra-fontes  com  o  Taquary :  sabe  qua- 
torze  léguas  abaixo  do  Sucuryhú. 

4.°  O  Orelha  de  Onça,  dez  léguas  abaixo  do  Verde. 

5.°  O  rio  Pardo,  grande  corrente,  principal  estrada  dos  primeiros 
sertanistas,  mas  obstruído  por  trinta  e  sete  cachoeiras,  n'um  tracto  de 
vinte  e  quatro  léguas ;  arco  cuja  corda  de  deseseis  léguas  é  toda  em  ter- 
renos planos  e  os  mais  próprios  para  uma  boa  estrada  (c).  Seus  principaes 
tributários  são,  á  direita :  o  Sanguesuga,  o  Claro,  o  Sucuryhú  (explorado 
em  1827,  de  ordem  do  presidente  José  Saturnino),  o  Nhanduhy-merim, 
o  Nhanduhy-guassú  (que  recebe  o  Caracará,  o  Lageado  e  Santa  Lucia), 
cujas  contravertentes  formam  o  Miranda ; — e  á  esquerda:  o  Vermelho, 
o  Orelha  ãeAnta,^  o  Orelha  de  Oieí;a;aquelledoze  e  meia  léguas  acima  do 


(a)  Oarta  geral,  1875. 

(b)  Carta  manuscripta  do  Sr.  Pimenta  Bueno,  1880. 
(r)  O  Sr.  barão  de  Melgaço.    Relatorios  presidenciaes. 


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DA   província   de   MATTO-GltOSSO  103 

Nhanduhy-guassú.  Neste  rio  Pardo  pretende  a  província  de  Goyaz  ter 
a  sua  linha  limitrophe  com  Matto-Grosso,  desde  a  foz  até  suas  cabeceiras, 
contravertentes  do  rio  Coxim,  e  por  este  até  sua  barra,  subindo  a  linha 
novamente  pelo  Taquary  até  cabeceiras  deste,  e  dahi  por  uma  recta  de 
limites  em  rumo  S.  N.  á  encontrar  o  rio  das  Mortes  (a). 

6.°  O  IvinheyDia^  também  chamado  Brilhante  no  seu  curso  superior, 
nascido  na  serra  de  Anhambahy,  e  formado  pelo  Tapera,  Agua  Fria, 
Santo  António,  Santa  Gertrudes,  Cachoeira  (que  recebe  o  Eesiinga),  Sete 
Voltas,  S.  Bento,  Santa  Barbara,  Sambambaia  e  Vaccaria  (este  á  vinte  e 
três  léguas  da  foz  no  Paraná  (b),  e  tendo  por  braços,  á  direita,  o  Passa- 
tempo e  o  Serroie,  e,  á  esquerda,  Campeiro,  Cachoeira,  Barreiros  e 
Piau)\  o  Dourados,  contravertentes  do  Apa,  e  distante  quatorze  léguas 
do  Vaccaria  (tendo  por  principaes  affluentes  o  rio  dos  Mattos,  S.  João, 
Onça,  Santa  Maria  e  Monte  Alegre).  W  do  Dourados  para  cima  que 
o  Ivinheyma  é  conhecido  pelo  nome  de  Brilhante.  Sahe  por  duas  bocas 
no  Paraná. 

7.**  O  Anliamhahy  (c),  originado  na  mesma  cordilheira  e,  que  recebe 
agua  do  Guaynumhy  e  do  Verde. 


(a)  Carta  de  Goyaz,  cit. 

(b)  Carta  manuscripta  do  Sr.  P.  Bueno. 

(c)  Occorre  tratar  aqui  da  confasão  que  vários  cartographos  e  escriptores  fazem 
com  o  nome  deste  rio  e  o  dos  Nbanduhys:  Barboza  de  Sà  na  sua  Relação  dos  PovoO" 
dos  ch&m&-03  NhandiihyfAnhandohy^e  Ànhambohy. ko  Tietê, qae  também  era  cha- 
mado Anhemby,  Boque  Leme  (ob.  cit.)  nomeia  Anhamby^  e  chama  Ànhebu-guassú 
ao  Nhanduhy-guassú.  Algumas  cartas,  como  as  de  Conrado,  Ponte  Ribeiro  e  outras 
calcadas  na  do  primeiro,  designam-os  por  Anhambuhy,  Indahuhy  e  Amambahy. 
Ao  segundo  chama  o  respeitável  Sr.  barão  de  Melgaço  Anhambahy  Guassú ;  e 
outros,  como  F.  S.  Constâncio,  Anhandohy  e  Anhambohy.  Nas  suas  Noticias  pra- 
ticas  das  Minas  de  Cuyabd  chama-os  Nhanduhy  o  capitão  João  António  Cabral 
Gamello ;  e  da  mesma  sorte  Francisco  de  Oliveira  Rendon  nas  Noticias  da  capita* 
nia  de  5.  Paulo  [Revista  do  lustituu)  Hist.  5»,  pag.  22),  e  outros,  entre  os  quaes  Du- 
graty  (ob.  cit.).  Esta  denominação  parece  ser  a  verdadeira.  Nhandú,  nos  dialectos 
tupi  e  guarany«  significa  éma. 


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104  ESBO<,:0   CHOROGRAPHICO 

8.°  O  rio  do  Encontro,  em  frente  á  parte  septemtrional  da  ilha  das 
Sete  Quedas. 

O.*»  O  Iguaiomy,  descido  da  cordilheira  de  Maracajii,  e  que  tem  por 
tributários  o  Ibimhy  e  o  Barreiro,  á  direita,  e  o  Bogas,  Cachoeira  e  Es- 
copil,  á  esquerda ;  aquelles  contrafontes  de  Agtuiray,  braço  do  Paraguay. 
O  Iguatemy  tem  cerca  de  cento  e  sessenta  metros  de  largura  na  boca,  que 
é  demarcada  em  latitude  de  25°  54'  44"  (a). 

Entre  o  Ibicuhy  e  o  rio  das  Bogas  tiveram  os  portuguezes  um  posto 
militar,  denominado  de  Nossa  Senhora  dos  Prazeres,  fundado  á  margem 
esquerda  do  Iguatemy,  o  qual  os  hespanhoes  tomaram  atraiçoadamente 
e  arrasaram  em  1778. 

Por  este  rio  subiu  em  1769  o  capitão  de  aventureiros  Joaquim  de  Meira 
Siqueira,  com  duzentos  homens,  sendo  cincoenta  de  tropa  e  os  mais  nego- 
ciantes de  Cuyabá;  partiu  de  Prazeres  á  8  de  julho  e  foi  até  as  ultimas 
vertentes  do  rio,  donde  passou-se  para  as  do  Ipané-^tuissú,  em  busca  de 
communicação  com  o  Paraguay,  mas  sem  resultado. 

Nas  cabeceiras  do  Dourados,  á  sessenta  e  seis  kilometros  da  colónia 
de  Miranda,  fundou-se  em  10  de  maio  de  1831,  no  planalto  á  margem 
direita  da  primeira  e  maior  das  três  cabeceiras  que  o  formam,  uma  colónia 
militar,  que  teve  por  núcleo  dez  colonos  e  um  pequeno  destacamento 
de  tropa.  Desmantellado  pela  incúria  que  nas  nossas  cousas  publicas 
sobre veiu  nessa  mesma  época,sómente  em  1858  foi  restabelecida,  e  melhor 
organisada  em  1860.  Em  1865  os  paraguayos  a  destruíram  completa- 
mente, e  só  seis  annos  mais  tarde,  quando  terminada  a  guerra,  pôde  ser 
restabelecida. 

Na  invasão  das  hordas  de  Lopes  tomou-se  celebre  pelo  heroísmo  com 


(a)  Diário  da  viagem  de  S.  Paulo  ao  posto  de  Nossa  Senhora  dos  Praseres^ 
pelo  brigadeiro  José  Custodio  de  Sá  Faria,  1774— 1775. 


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DA  província  de  matto-orosso  105 

que  a  defendeu  o  tenente  cuyabano  António  João  Ribeiro,  só  com  quinze 
homens,  que  tanto  era  a  guarnição  do  ponto,  e  completamente  desprovida 
de  munições.  O  inimigo  cercava-o  em  numero  de  duzentos  e  vinte  homens, 
sob  as  ordens  do  sargento-mór  Urbieta.  António  João,  sabendo  que  as 
forças  se  approximavam,  esperou  o  ataque ;  e  cei*to  de  que  em  taes  con- 
dições outro  recurso  não  lhe  restava  sinão  o  morrer  ou  capitular, — o  que 
de  modo  algum  faria, — escreveu  á  seu  chefe,  o  tenente-coronel  Dias  da 
Silva,  as  seguintes  memoráveis  palavras : —  «  Sei  que  morro;  mas  o  meu 
sangue  e  o  dos  meus  companheiros  será  um  protesto  solemne  contra  a 
invasão  do  solo  da  minha  pátria,  (a)  » 


Acima  do  Salto  das  Sete  Quedas  tem  o  Paraná  dous  mil  e  duzentos 
metros  de  largura,  estreitando-se  ali  em,  apenas,  setenta.  As  paredes  do 
salto  medem  vinte  e  oito  metros  de  altura,  e  as  aguas  precipitam-se  n'um 
angulo  de  45°  á  50°. 

Entre  o  Urubupongá  e  elle,  dos  affluentes  que  recebe  pela  margem 
esquerda  são  principaes : 

1.°  O  Tieié,  antigo  Anhemhy,  oriundo  de  S.  Paulo,  dos  morros  da 
Barra,,  na  serra  Paranapiacaha.  Sua  extensão  é  de  mil  duzentos  e  vinte 
e  dous  kilometros  (b). 

Foi  com  o  Rio  Pardo  a  mais  antiga  e  procurada  estrada  dos  sertanis- 
tas  de  Matto-Grosso,  que  só  aqui  no  Tietê  tinham  cinco  enta  e  quatro  ca- 
choeiras e  dous  grandes  saltos  á  vencer.  Tem  por  affluentes,  á  direita :  o 
Jundiahy,  Pirassupebossú,  Paratihú,  Tajassupémerim,  Pirahytinga,  Ju- 
query ,  Jundiahy,  Grande,  Capivary,  Piracicaba,  Jacaré-pipira,  Jaguaguassú, 
Quilombo,  S.José  eSucury ;  e  á  esquerda: Cabussú, Tamandoatehy,  Pinhei- 


(a)  Jornal  do  Commercio  de  27  de  Abril  de  1865. 

(b)  Senador  Godoy,  ob.  cit. 

14 


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106  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

ros,  Pirapóra,  Sorocaba,  Onça,  Capivara,  Aracuan,  Lençóes,  Patos,  Bauni, 
Claro  e  Alambary.  Daquelles  são  subsidiários:  o  celebrado  Tpiranga,  o 
Anhangabahu,  Meninos,  Couros,  Rios  Grande  e  Pequeno,  Traição,  Alam- 
bary, Ipanema,  Quilombo,  Turvo,  Ponte,  Sorocabussú,  Sorocámerim,  Una, 
Iperó  e  Sarapuhy;  e  dos  da  esquerda:  Juquery-merim,  Cachoeira,  Guabi 
rotuba,  Cavalleiro,  Jundiahy-merim,  Guapeba,  Mangabahu,  Pirahy,  Capi- 
vary,  Gerivatuba,  Ponte  Alta,  Pinbal,  Jaguary,  Camandocaya,  Couros, 
Pirapitinguy,  Atibaya,  Cachoeira,  Quilombos,  Santo  Agostinho,  Peixe, 
Jequitibá,  Feital,  Sebastião  Alves,  Toledo  e  Alambary  (a). 

2°  O  Paranapanenia^  de  mais  de  mil  kilometros,  que  vem  da  serra 
do  Cubatão,  braço  de  Paranapiacaba,  engrossando-se  com  as  aguas  dos 
Itapetiningas,  grande  e  pequeno,  Santo  Ignacio,  Pedra  Preta,  S.João, 
Bonito,  S.  Bartholomeu,  Pirajú,  Almas,  Pardo,  Correntes,  Jacutinga, 
Santa  Barbara,  S.  Jeronymo,  Cachoeira,  Araras  e  Paiva,  á  sua  direita ; 
e  á  esquerda,  com  o  Paranapitinga,  Apiahy,  Taquary,  Verde  e  Itararé 
(formado  paio  Fundo  e  Feriiuba),Cmi^  e  seu  affluente  o  Peixe,  o  Tibagy, 
o  Vermelho  e  o  Tirapó,  dos  quaes  um  só  delles,  o  Tibagy,  de  mais  de 
seiscentos  kilometros,  cujas  nascentes  vem  das  montanhas  visinhas  á  Cori- 
tiba,  recebe  as  aguas  de  dez  grossas  tributários,  que  são  :  Pirahy,  Japu, 
Capivary,  Fortaleza,  Santa  Bjsa,  Alegre,  Antas,  Tigre,  Congonhas,  e 
Cerne.  Aos  braços  da  margem  direita  do  Paranapanema  vém  ter  as 
aguas  de  vários  affluentes,  entre  outros :  Jacu,  Veados,  Claro,  Novo,  S.  Do- 
mingos, Alambary,  Turvo,  S.  Pedro  e  S.  João. 

3.°  O  Ivahi/,  cujas  principaes  cabeceiras  estão  na  serra  da  Espe- 
ran^a,perto  da  cidade  de  Palmeiras,no  Paraná,e  que  tem  por  principaes  for- 
madores: Bello,  S.  Francisco,  Muricy,  Pinheiros,  Peixe,  Corumbátahy  (com 
seus  Viffimntas  Taquarmsií,  Herval,  Palmifale  Bonito),  o  Anta,  etc.  (b). 


(a)  Senador  Godoy.  ob.  cit. 

(b)  Carta  de  187j  da  com.  da  carta  geral  do  Império. 


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DA   província   de   MATTO-GROi^SO  107 

VIU 


Ao  occidcnte  e  sul  da  província,  dous  dos  maiores  cursos  da  America 
banham  o  seu  extenso  território,  servindo-lhe  em  grande  parte  de  linha 
divisória  entre  os  paizes  visinhos.  São  o  Paraguay  e  o  Guaporé. 


O  Paraguay  vem  desde  o  parallelo  14°  14',  cerca  de  cento  e  cin- 
coenta  e  cinco  kilometros  distante  de  Cuyabá ;  nasce  no  alto  da  chamada 
serra  das  Sete  Lagoas,  da  Melgueira,  ou  Pary,  n'um  brejal  onde  appa- 
recem  distinctos,  por  livre  dos  hydrophytos  que  os  soem  encobrir,  outros 
tantos  pequenos  lençóes  d'agua,  que  trouxeram  o  nome  por  que  é  mais 
conhecida  essa  parte  do  chapadão.  Sua  coiTente  segue,  em  começo,  o  rumo 
nort€,  engrossada  pouco  á  pouco  com  os  ribeiros  do  QuUomho  ou  Negro 
e  do  Anwlar^  que  é  a  mais  septemtrional  de  suas  fontes.  Após  duas  léguas 
de  curso  despenha-se  á  banda  do  JV.  pela  aresta  do  chapadão,  ahi  chamada 
morro  Vermelho,  n  uma  altura  de  setenta  metros ;  muda  de  direcção  para 
O.  e  S.j  e  outras  duas  léguas  abaixo  recebe  o  Diamanimo,  nascido  no 
Arraial  Yelho  e  augmentado  com  as  aguas  do  rio  do  Ouro,  nascido  no 
morro  do  Caranâaly;  mais  dez  adiante  recebe,  á  esquerda,  o  Brumaâo  e 
á  direita,  o  SanfAnna^  contravertentes  do  Sumidouro,  rios  bastante 
lageados.  Por  esse  nome  de  Sant^Anna  conhecem  alguns  o  Paraguay  dahi 
para  cima ;  e  era  opinião  de  A.  Bompland  que  este  é  corruptela  de  Paya- 
ffuá^,  rio  dos  payaguás. 

Entre  as  muitas  correntes  que  nelle  vém  morrer  são  principaes, 
ã  direita :  Rio  Preto,  também  chamado  Pirahy  (a),  Sfpofuha^  Cahaçnh 

(a)  Também  chamado  Verde^   Branco^  Vei^melho  ou  da  Forquilha  (barão  de 
Melgaço) ;  o  que  si  por  um  lado  indica  ter  sido  muito  explorado,  mostra  de  outro 


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108  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Bugres  (a),  Jaurú,  Filcomayo  e  Berniejo,  além  de  outros  muito  menores, 
abstrahindo  já  de  alguns,  como  os  ribeirões  de  António  Gomes,  Pary  e 
Tucuhaca  (que  se  lança  na  bahia  Negra),  o  Latereqtiique,  o  Galvan 
e  o  Verde,  que  são  cursos  accidentaes  e  não  rios  perennes. 

Na  outra  margem  notam-se  os  ribeirões  Saloias,  Caehoemnha  e 
Anlmmas,  que  prestam-se  já  á  navegação  de  canoas  ;  o  Jaricocodra,  Pi- 
raputangas,  Boceiro,  Seixo,  Taquaral,  Fkxas,  Bacahuva,  Gtuiynanây, 
CJiaves, Figueira  e  Bio  iVovo^que  vém  desde  a  foz  do  Jaurú  até  a  altura  de 
Poconé,  e  perdem-se,  conmiummente,  no  grande  pantanal  que  do  parallelo 
16°  vae  até  o  22°;  e  os  rios  S.  Lourenço,  Taquary,  Miranda,  Braiico^ 
Apa,  Aquidahan,  Ipané,  Jejui,  Manduvird  e  Tehicuary, 

Dos  principaes : 

1.°  O  Sipotuba  desce  da  serra  de  Tapirapuam,  onde  forma  contra- 
fontes  com  o  Sumidouro :  tem  por  mais  notáveis  cabeceiras  o  Gerivauha 
ou  Juruhaúha,  contravertentes  com  o  Sabaráuina,  e  o  Jabá  (Juva  das 
cartas  do  século  passado),  que  também  origina-se  bem  próximo  ás  nascentes 
do  Jaurú,  Guaporé  e  Juruhena.  Duas  das  suas  cabeceiras,  segundo  João 
de  Souza  Azevedo,  despenham-se  de  uma  altura  de  seiscentos  palmos. 

Corre  em  terrenos  fimies  e  próprios  para  a  lavoura,  e  orlados  de  vigo- 
rosa mattaria,'a  qual  até  o  Jaurú  é  ubérrima  de  ipecacuanha,  e  conhecida 
sob  o  nome  de  maltas  da  poaya.  W  encachoeirado  em  mais  de  um  terço 
do  curso  (cerca  de  cento  e  trinta  á  cento  e  cincoenta  kilometros),  segundo 
o  Sr.  barão  de  Melgaço  (b),  tendo  um  salto  de  mais  de  vinte  metros  de  alto, 


o  pouco  conhecimento  que  se  guardou  dessas  explorações,  ignorando  uns  explora- 
dores o  que  os  outros  fizeram  ;  e  clama  por  uma  revisão  na  nossa  nomenclatura 
geographica,  que  tire-a  do  cháos  em  que  se  acha.  Na  descrip(;ão  do  Paraná  vimos 
não  menos  de  6  Alambarys,  5  rios  do  Peixe,  õ  Capivarys,  3  Quilombos,  Cachoeiras, 
Verdes,  etc. 

(a)  E*  também  conhecido  por  Tapirapuam,  Branco  ou  dos  Barbados^  pela  sua 
procedência,  côr  das  aguas  e  Índios  que  lhe  povoam  as  margens. 

(b)  Roteiro  do  rio  Paraguay. 


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DA  província  de  mattoorosso  109 

e  navegável  no  resto,  tendo  já  sido  sulcado  por  vapores  n'um  tracto  de 
quasi  duzentos  kilometros.  Thomaz  Page,  capitão  da  canhoneira  americana 
Wafer^cifcJf,  primeiro  vapor  que  cortou  as  aguas  do  Paraguay,em  1859, 
subiu  esse  aíBuente  no  pequeno  vapor  brasileiro  Alpha  para  mais  de  cento 
e  vinte  kilometros  (a). 

O  Sipotuba  lança-se,  segundo  Eicardo  Franco,  aos  15°  50\  lat., 
após  um  curso  de  cerca  de  trezentos  e  trinta  kilometros. 

2.**  O  Cabalai  desce  dos  serros  do  Olho  cTAgua,  ramo  da  Tapira- 
puara,  entre  o  Jabá  e  o  Jaurú.  Sáo  suas  principaes  origens  o  Lagoinha, 
o  Vermelho  e  o  riacho  do  Ouro^  que  corre  em  terrenos  auríferos,  já 
em  1790  explorados  e  agora  em  nova  via  de  exploração,  estando  para  esse 
fim  organisada  uma  Companhia  de  Mineração  das  Mi^ias  do  Cabaçal. 

Tem  por  principal  aflBuente  o  Bra7wo,  de  quasi  egual  cabedal  de 
aguas,  o  qual  lhe  entra  pela  esquerda.  O  Cabaç^il  corre  por  uns  cento 
e  sessenta  á  cento  e  oitenta  kilometros,  e,  com  sessenta  metros  de  largura 
na  boca,  vac  lançar-se  cerca  de  um  kilometro  abaixo  do  Piraputangas  e 
uns  quinze  acima  da  cidade  de  S.  Luiz  de  Cáceres. 

E'  navegável  por  mais  de  cem  kilometros,  sendo  dabi  para  cima 
atravancado  de  cachoeiras  e  saltos. 

3."*  O  Bugres,  que  vem  das  serranias  entre  o  Cabaçal  e  o  Jaurú : 
soa  extensão  é  de  cem  á  cento  e  vinte  kilometros,  recebendo  dous  pequenos 
subsidiários  no  Sangrador  do  Padre  Ignacio  e  no  Sangradorzinho.  Seu 
maior  interesse  está  na  riquesa  da  poaya  de  suas  margens. 

4.*'  O  Jaurú.  W  um  dos  mais  notáveis  da  província  pela  sua  impor- 
tância antiga,  quando  reputado  a  linha  divisória  com  as  terras  hespanholas, 
hoje  da  Bolivia.  Seu  curso  é  de  cerca  de  setecentos  kilometros,  do  qual 
metade  navegável  até  o  Registro  (b).  Tem  por  principaes  affluentes  o 


(a)  Relatório  do  presidente  Herculano  Ferreira  Penna,  1862. 

(b)  Está  aos  \fp  44'  32'\  lat.,  conforme  a  Carta  GeogrAo  rio  Guaporé,  pela  com- 


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110  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Piquiliy,  Bagres  e  o  Aguapéhy^  todos  entroncando-se  na  margem  direita, 
sendo  mais  notável  este  ultimo  que  nasce  no  alto  da  serra  do  mesmo 
nome,  perto  das  origens  do  Alegre,  tributário  do  Guaporé,  em  lat. 
de  16°  14',  ambos  correndo  parallelamente  e  juntos  por  espaço  de  uns 
quarenta  kilometros,  até  precipitarem-se  cada  um  por  uma  alta  cascata, 
separados  apenas  por  um  quarto  de  légua  de  terreno  (a).  Sua  foz  mede 
na  largura  cerca  de  cento  e  dez  metros  e  segundo  D'Alincourt  (b)  está 
á  180  de  altura  sobre  o  nivel  do  mar. 


o  morro  do  CaracarÀ 

Junto  ás  nascentes  do  Alegre  e  Aguapehy  existiram  as  minas  e  ar- 
raial de  Santa  Barbara,  fundado  em  1782  pelo  alferes  José  Pereira,  que 
as  descobrira. 

Uma  légua  abaixo  é  que  ficava,  já  na  baixada,  o  celebre  isthmo  de 


missão  demarcadora  de  1782  ;  e  distante,  segundo  o  Dr.  Lacerda  (diário  de  1788) 
trinta  e  três  e  meia  léguas  da  Villa  Bella,  vinte  e  cinco  da  ponte  do  Guaporé  e  sete 
centas  e  trinta  de  Montevideo. 

(a)  Aos  lõo  52*,  conforme  a  mesma  Carta. 

(b)  Obra  citada. 


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DA  província  de  mattogrosso  111 

duas  mil  e  quatrocentas  brac^as  (a),  que  o  capitão-general  Luiz  Pinto  pre- 
tendeu canalisar,  em  março  de  1771,  cora  o  arrojado  intento  de  realisar 
a  sua  participação  ao  rei,  de  que —  «  ficava  unido  o  mar  equinoxial  com  o 
do  parallelo  36°  de  latitude  austral  por  um  canal  de  trez  mil  e  quinhentas 
léguas,  formado  pela  naturesa. »  Fez  passar  uma  canoa  de  carga  de  seis 
remos  por  banda,  partida  de  Villa  Bella  pelo  Alegre  acima,  para  o  Agua- 
pehy,  donde  desceu  para  o  Paraguay. 

Em  tempos  de  seu  successor  encontrou-se  melhor  varadouro  uma 
e  meia  légua  mais  abaixo,  onde,  comquanto  mais  aífastados  os  rios,  o 
terreno  offerece  menos  difficuldades.  Luiz  de  Albuquerque  quiz  explo- 
ral-o,  imbuido  nas  idéas  de  seu  antecessor,  e  tcntou-o  em  Abril  de  1773 
sem  nenhum  resultado.  O  mesmo  succedeu  aos  particulíiros  que  o  preten- 
denim  navegar  (b). 


(a)  Na  Ddscripção  Geogr,  da  Capitania^  de  Ricardo  Franco,  inserida  no  Eyisaio 
Qliorographico  dos  Srs.  MeUo  Moraes  e  coronel  Accioli,  dà-sc  ao  isthmo  a  extensão 
de  oO*20  braças,  o  de  íyòll  o  outro,  uma  e  meia  légua  abaixo. 

(b)  Em  officio  de  27  de  julho  de  1773  Luiz  de  Albuquerque  communica  ao  mi- 
nistro d'Ultramar  o  seguinte : 

—  «  Cuidei  incessantemente  (quando  principiaram  as  aguas  á  engrossar  alguma 
cousa  03  dous  rios)  em  mandur  fazer  muito  mais  larga  e  praticável  a  primeira  6 
mais  antiga  picada  do  matto,  em  limpar  os  rios  dos  embaraços  das  arvores,  man- 
dando linalmente  bastante  numero  de  gente  á  essa  diligencia,  não  só  na  qualidade 
de  gastadores,  mas  também  com  o  objecto  de  darem  toda  a  necessária  assistência 
ao  comboyeiro  Gabriel  Antunes,  que  havia  assegurado  á  meu  antecessor  de  varar 
o  isthmo,  com  a  occasiào  do  retorno  que  devia  fazer  do  Rio  de  Janeiro,  debaixo  da 
promessa  de  se  lhe  perdoarem  os  direitos  da  sua  carregação  ;— porquanto  eu  sabia 
já,  por  antecipadas  noticias,  que  este  comboyeiro  havia  de  chegar  naquelle  tempo: 
assim  succedeu  justamente,  quando  os  sobreditos  gastadores,  em  conformidade  das 
minhas  ordens,  o  estavam  esperando ;  porém  náo  puderam  ser  bastantes  todos  os 
esforços  juntos  para  acabar  de  subir  o  rio  Aguapehy  até  a  paragem  proporcionada 
ao  varadouro,  pela  falta  das  aguas,  sem  embargo  de  se  intentar  essa  operação  no 
meio  do  mez  de  abril,  em  que  ellas  costumam  reinar  com  mais  alguma  força ;  e  foi 
finalmente  obrigaao  o  sobredito  Gabriel  Antunes  á  abandonar  a  empresa  de  passar 
o  isthmo  a  sua  fazenda,  retrocedendo  ao  antigo  porto  do  rio  Jaurú,  donde  seguiu 
por  terra  á  esta  capital.  £ste  negociante  ainda  insta  na  possibilidade  de  varar  em 
annos  de  mais  aguas ;  mas  eu,  por  varias  informações,  me  acho  persuadido  de  que 
nunca  o  será  sem  grandíssima  difficuldade,  que  i&io  possa  conseguir-se,  no  caso 


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112  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

O  Aguapehy  tem  de  extensão  cento  e  oitenta  á  duzentas  kilometros 
e  sahe  no  Jaurú  vinte  léguas  abaixo  do  Begistro. 

Uma  légua  á  S.  O.  deste,  n'um  terreno  de  schisto  e  talco  lamellar, 
ficam  as  minas  de  cobre  carbonatado,  que  passam  por  serem  de  grande 
riquesa.  O  Jaurú  lança-se  no  Paraguay  aos  16"  23',  de  latitude,  cerca 
de  trinta  e  oito  kilometros  abaixo  da  cidade  de  S.  Luiz  de  Cáceres. 


Os  outros  affluentes  dessa  margem  não  pertencem  ao  Brasil.  O  Tu- 
cubaca,  que  fenece  na  Bahia  Negra,  parece  não  ser  mais  do  que  uma 
corixa  ou  escoante,  no  tempo  das  aguas.  A  Bahia  Negra  está  aos  20°  10' 
10"  lai  e  58°  17'  21"  O.  de  Greenwich,  segundo  Dugraty,  umas  dez 
léguas  abaixo  do  forte  de  Coimbra.  Nella  começa  a  linha  divisória  do 
Império  com  a  Bolivia.  A  commissão  brasileira  de  limites,  presidida  pelo 
Sr.  capitão  de  mar  e  guerra  António  Cláudio  Soido,  em  1873,  determinou 
a  posição  do  marco  boliviano  no  parallelo  20°  08'  38"  e  aos  14°  56'  22", 
38,  O. ;  o  brasileiro  aos  20°  08'  33",  37,  lai,  e  14°  56'  20",  43,  O. ;  e 
o  marco  commum,  no  fundo  da  bahia,  em  lat.  de  19°  47'  32"  e  long. 
de  14°  56'  45",  60.  Em  1864  o  Sr.  barão  de  Melgaço  mandou-a  reco- 
nhecer pelo  Sr.  capitão  Fi-âncisco  Nunes  da  Cunha,  já  tendo  sido  ante- 
riormente explorada,  em  1853  e  1859,  pelo  capitão  Page. 


IX 


Dos  tributários  que  o  Paraguay  recebe  na  margem  oriental,  os  mais 
consideráveis  partem  do  coração  da  província,  e  são : 

sonient6  de  serem  muito  ligeiras  as  canoas  e  do  intentar-se  a  passagem  justamente 
na  força  das  enchentes,  que  de  ordinário  duram  pouco  tempo.  Deve  também  ser 
tomada  em  consideração  a  existência  de  notáveis  cachoeiras  no  Alegre  e  no  Agua- 
pehy. »— 


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c).    K^UÁ^  d^  CÁaicX€:> 


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DA   província   de   MAl^lXHJROSSO  113 

1.**  OS.  Lourenço^  cujas  principaes  origens  estão,  ao  N,,  na  serra  do 
seu  nome  e  á  O.,  nade  Santa  Martha,  entre  os  parallelos de  15**  e  16*. 
E'  rio  de  mais  de  oitocentos  e  cincoenta  kilometros  de  longura,  dos  quaes 
cerca  de  seiscentos  navegáveis.  Seus  maiores  afluentes  são :  Agua 
Branca,  Parnahyba,  Roncador,  Itiquira  e  Cuyàbá,  O  rio  Negro  dos 
antigos  não  é  mais  do  que  um  braço  ou  furo  do  mesmo  S.  Lourenço,  longo 
apenas  de  uns  dezeseis  kilometros.  Do  Itiquii^a  são  subsidiários,  á  direita 
o  Peixe  de  Couro,  e  á  esquerda  o  Correntes,  cujo  braço  o  Piquiry  é  bem 
conhecido.  Alguns  suppôem  este  o  tronco  principal  e  conservam-lhe  o  nome 
até  a  foz  no  S.  Lourenço  ;  a  opinião,  porém,  do  illustrado  Sr.  Melgaço  é  a 
contraria.  O  Piquiry  é  navegável  até  o  destacamento  do  mesmo  nome  na 
estrada  de  S.  Paulo,  próximo  já  á  suas  origens,  ao  sul  do  paral- 
lelo  18^ 

Em  1811,  tendo  o  capitão-general  Oyenhausen  Noticia  de  que 
entre  este  rio  e  o  Sucuryhú  havia  um  varadouro  mais  curto  e  mais  fácil  do 
que  o  de  Camapuam,  mandou  exploral-o,  o  que  novamente  fez  em  1826  o 
presidente  José  Saturnino.  Reconheceu-se  que  a  distancia  entre  os  dous 
rios  era  de  quarenta  léguas,  atravessando  pelos  terrenos  das  nascentes 
do  Taquary  (a). 

Na  confluência  do  ribeirão  Coroados,  que  é  uma  das  suas  cabeceiras, 
estabeleceu  em  1876  o  presidente  General  Hermes  a  colónia  militar  de 
S.  Lourenço,  Ç2im  manter  em  respeito  os  selvagens  dahi  e  prover  a 
segurança,  então  quasi  nulla,  da  estrada  do  Piquiry,  o  que  grandes  bene- 
fícios tem  trazido  á  provincia. 

O  Cuyàbá  é  o  principal  tributário  do  S.  Lourenço,  sendo-lhe  quasi 
egual  no  curso.  Vem,  como  já  se  o  disse,  desde  a  montanha  do  Tombador, 
donde  se  despenha  n'uma  cascata  de  cerca  de  trinta  metros  de  altura  (b), 


(a)  Relatório  de  1862  do  presidente  Penna. 

(b)  Bart.  Bossi,  Viaje  Pintoresco,  etc. 

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114  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

do  mesmo  modo  que  o  EsHmâo^  cabeceira  do  Arinos.  Tem  por  princi- 
paes  tributários  os  rios :  Triste^  Quiehó,  vindo  do  Diamantino,  o  Manso^ 
cujo  raudal  parece  indicar  ser  confluente  e  não  affluente  (nasce  junto  ao 
morro  do  Chapéo  de  Sol,  na  Chapada,  e  recebe  aguas  do  Casca  e  Qui- 
lombo) ;  os  dous  Coxipós  assíi  e  merim,  o  Cocaes,  os  dous  Aricás  e  o 
Cuyabã-nienm.  Os  dous  Croarás,  o  Carandd  e  os  dous  Guachús  (a), 
todos  vindos  da  Chupada,mo  são  mais  do  que  escoadores  de  aguas,  só  cau- 
dalosos na  estação  das  chuvas. 

O  Cuyabá  guarda  uma  largura  entre  oitenta  e  cento  e  cincoenta 
metros  no  curso  ordinário.  A  navegação  á  vapor  faz-se  até  a  capital,  que 
dista  seiscentos  kilometros  da  foz  (b),  em  nams  de  menos  de  1,6^^  de 
calado. 

Da  cidade  para  cima  ha  talvez  ainda  uns  trezentos  e  cincoenta  kilo- 
metros de  navegação  para  canoas — «  sem  outro  impedimento  que  o  de 
paus  cabidos, »  diz  o  presidente  Penna,  no  seu  relatório  de  1862.  Entre- 
tanto não  são  i>oucas  suas  cachoeiras,  corredeiras  e  entaipabas,  que  co- 
meçam por  um  Salío,  logo  dez  kilometros  abaixo  da  barra  do  Quiebó. 

Dessas  $áo  mais  conhecidas  a  Pendura,  oito  kilometros  após  á  barra 

do  Manso  ;  Pa/f5,dezeseis  abaixo  do  rio  da  Forquilha ;  Soares,  cinco  kilo- 
metros adianle;  as  entúi^sibus Faiva,  Fenda,  Quaíro  Vmiem^i,  Cinco  Oita- 
vas, Toma  Canoa;  as  cachoeiras  J./ww,ç,  Torta,  Trez Fedras,  Tucuni,  Biie- 
710,  Bueninho,  Forcos,  Leitão,  VaJle,  Funil,  I{ancharia,Jaricocoára,  Salto, 
Itamaracd,  Jaeapueú,  Caiçara,  Cachoeirinha,  Corral  de  Cima,  Fer- 
reiro,  Goyas,  Leile,  Fedra  Grande,  Tamondud,  Fau  Santo,  Fedra 
Branca,  Sucury,  Anna  Vieira,  Buraquinho,  Mundéo,  Machado,   Can- 

(a)  Vinte  e  dous  kilometros  abaixo  do  Guachu-meriín  fica  o  Bananal  ou 
Arraial  TW/io,  notável  por  ser  evidente  que  é  um  grande  aterro  feito  pelos  primi- 
tivos habitunt  s,  quer^sertanistas,  quer  autochthones  ;  entre  os  quaes  se  partilham 
as  opiniões;  nào deixando,  comtudo,de  ser  notável  que  quaesquer  delles  se  dessem  à 
tal  trabalho. 

(b)  Somente  2:^5  milhas,  assegura  o  Sr.  Melgaço. 


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DA   província   de   MAITO-GROSSO  115 

gica^  Capella,  Pedro  Marques,  Pary,  Guarita  e  José  de  Pinho,  estas 
três  ultimas  enlaipabas,  e  a  maior  pai^te  de  não  mui  difficil  travessia. 

O  Cuyabá  faz  contravertentes  cora  o  Paranatinga  e  Arinos  ;  laii- 
çava-se  aos  17°  19'  43",  segundo  Ricardo  Franco,  e  n*uma  altitude  de 
oitenta  e  quatro  braças  e  quatro  palmos,  segundo  D'Alincourt  (obras  ci- 
tadas); mas,  ha  poucos  annos,  após  uma  grande  enchente,  as  aguas  ao 
retirarem-se  cavaram-lhe  nova  foz,  cerca  de  um  kilometro  acima. 

O  S.  Lourenço  corre  ainda  uns  cento  e  cincoenta  kilometros  depois  de 
receber  o  Cuyabá,  e  vae  entrar  no  Paraguay,  por  duas  bocas,  no  vasto  e 
perenne  pantanal  onde  se  eleva  o  morro  do  Caracará,  n'uma  altitude  de 
setenta  e  meia  braças  sobre  o  nivel  do  mar,  conforme  D'Alincourt. 

Esse  rio  foi  antigamente  conhecido  pelo  nome  de  Porrudos,  pela  con- 
fusão que  trouxe  aos  seus  descobridores  a  extravagância  de  ornatos  das 
tribus  que  o  habitavam ;  e  que  consistia  n'uma  cabaça  comprida,  que 
usavam  como  preservativo  ás  morti feras  dentadas  das  piranhas,  extrema- 
mente communs  nessas  aguas.  Por  tal  nome  é  hoje  ainda  designado, 
quasi  que  commummente,  o  seu  trecho  de  corrente  acima  do  Para- 
nahyba. 


2.**  O  Taquary,  principal  entrada  dos  antigos  sertanistas,  que  desde 
Porto  Feliz,  então  Araritagnala,  desciam  cento  e  quarenta  léguas  do 
Tietê  e  trinta  e  cinco  do  Paraná;  subiam  sessenta  e  du^s  do  Rio  Pardo, 
donde  passavam  ao  Vermelho  e  deste  ao  Sanguesuga,  varando  ahi  as 
canoas  por  uma  estrada  de  treze  mil  novecentos  e  quatro  metros  até  a 
fazenda  de  Camapuam,  sobre  o  ribeirão  desse  nome,  pelo  qual  baixavam 
ao  Coxim  e  por  este  ao  Taquary,  n'um  trecho  de  trinta  legiias,  e  o  dobro 
neste  ultimo,  até  o  Paraguay.  Teve  começo  essa  navegação  pelo  anno  de. 
1724;  iniciaram-a  os  irmãos  João  e  Lourenço  Leme,  tão  celebres  nos 


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116  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

annaes  desse  tempo  por  suas  explorações  e  aventuras,como  por  seus  crimes. 
Em  principio  deixavam  as  canoas  no  Salto  do  Cajurú^  no  Camapuam,  e 
levavam  as  cargas  por  terra  até  o  Coxim  (a). 

As  vertentes  do  Taquary  ficam  á  noroeste,  na  serra  Sellada,  com  o 
Sujo,  contrafontes  com  .o  Piquiry(b);  ao  occidente,o  Camapuam^  o  Turvo, 
o  Sellado  e  o  Inferno,  este  contrafontes  do  Pitombas ;  e  ao  sul,  nas  serras 
de  Santa  Barbara  e  Anhambahy  com  as  vertentes  do  Taquary^merhn  e 
do  Coxim,  estas  contrafontes  com  o  Taboco.  Lançarse  no  Paraguay  por 
duas  embocaduras ;  entretanto,  desde  quasi  duzentos  kilometros  acima 
dessa  confluência,  forma,  com  grande  numero  de  braços  ou  furos,  uma 
intrincada  rede  de  canaes,  entretida  pela  completa  planura  e  nullo  declive 
do  solo.  Desses,  muitos  transbordam  e  se  espalham  pela  planicie,  outros 
fenecem  em  lagoas,  e  todos  servem  para  entreter  o  vasto  alagado  dessa 
região.  Aquellas  duas  bocas  são  navegáveis  ;  e  são  conhecidas  por  ão 
Formigueiro,  a  da  norte,  distante  vinte  e  sete  kilometros  de  Corumbá,  e 
Boca  do  Taquary,  a  principal,  que  fica  em  egual  distancia  ao  sul 
daquella. 

Dos  seus  afBuentes  o  Coxim  é  o  principal :  é  uma  corrente  de  mais 
de  cento  e  sessenta  kilometros,  que  vem  dos  contrafortes  septemtrionaes 
da  Anhambahy  (c).  Junto  á  sua  foz  (d),  no  local  antigamente  chamado 
Beliago,  floresce  hoje  a  villa  de  S.  José  de  Herculanea,  antiga  colónia 
militar  do  Coxim,  mandada  estabelecer  em  25  de  novembro  de  1862  pelo 

(a)  Barbosa  de  Sá.  Rei    dos  Pov. 

(b)  Não  se  o  confunda  com  o  Piquiry  afflaente  do  Paraná,  na  sua  margem 
esquerda  e  logo  junto  ao  Salto  das  Sete  Quedas,  em  cuja  barra  fundaram  os  hes- 
panhoes  em  1557  a  Ciudad  Real,  em  substituição  da  de  Guaprd,  fundada  em  1538 
do  outro  lado  do  Paraná. 

(c)  Anhambahy  é  e  nome]  guarany  do  feto  macho,  polypodium,  vegetal  ahi 
muito  commum. 

(d)  A  confluência  do  Ooxim,  fronteira  á  cachoeira  da  Barra,  foi,  pelos  astró- 
nomos de  1792,  determinada  em  18»  33'  58'*  de  latitude  e  3-22o  37*  18",  long.  occid.  da 
ilha  de  Ferro. 


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DA  província  de  matto-grosso  117 

zeloso  presidente  Herculalio  Ferreira  Penna,  em  honra  de  quem,  mais 
tarde,  se  lhe  mudou  o  nome. 

D'Alincourt  marcou  a  altitude  do  ponto  em  cento  e  nove  braças  e 
sete  palmos  (243",8). 

Engrossam  suas  aguas  alguns  rios  e  ribeirões  entre  os  quaes  o  Bar- 
reiro Grande,  Sellado,  Inferno,  Jaurú,  Taquary-merim,  Jacaré,  etc. 

3.*  O  Miranda,  Mboteteyn  dos  indígenas,  é  um  dos  nossos  rios 
que  mais  nomes  tém.  Algumas  nações  chamavam-o  Gtiararapó;  os 
exploradores  de  Luiz  de  Vasconcellos,  que  o  percorreram  em  1776  (a), 
baptisaram-o  por  MonrJcr/o.om  lisonja  ao  rio  pátrio  daquelle  governador  : 
no  nome,  por  que  actualmente  é  mais  conhecido,  chrismou-o  por  idêntico 
motivo  o  commandante  do  reducto  (b),  que  o  outro  governador  Caetano 
Pinto  de  Miraiula  Montenegro  ahi  mandou  estabelecer  em  1797  ;  é  ainda 
chamado  Mareco,  (jrtinchiy  e  ^rflf^?//<//í/ ((),  sendo/ porém,  o  primeiro 
desses  três  nomes  mais  positivamente  empregado  para  designar  um  dos 
dous  grandes  braços  em  que  o  rio  se  divide.  Originasse  na  ?erra  do 
Anhambahy,onde  pelo  Nioac,  ou  mellior  Anhuar,  que  é  o  seu  verdadeiro 
nome,  forma  com  o.  Dourados  contravertentes  com  o  Ivinheyma.  São 
aquelles  dous  braços  o  Aquiãauána  e  o  Miranda,  propriamente  dito  ou 
Mareco. 

D^te'^são  contribuintes  os  rios  e  ribeirões  rfa^  Velhas,  Atoleiro, 
Praia,  Formoso,  Santo  António,  Feio,  Desharrancado,  Nioac  (formado 
pelos  Urumheba  e  Canindé),  Lauãíjd,  CaJiy  e  Claro ;  começa  á  avultar 
da  confluência  do  primeiro,  indo  sua  navegação  até  a  Forquilha  ou  foz  do 
Nioac  ;  sendo  seu  curso  de  pouco  mais  ou'menos  trezentos  kilometros. 

O  Aquidaudna,  que  desce  da  mesma  serra,  recebe  o  Cachoeirinha, 


(a)  João  Leme  do  Prado,  o  mesmo  que  explorou,  em  1772,  a  serra  dos  Pareci s 
entre  o  forte  do  Príncipe  e  os  Arraiaes. 

(b)  Francisco  Rodrigues  do  Prado,  depois  commandante  de  Coimbra. 

(c)  Goachié  e  Àraniani  traz  Dugraty  na  sua  Rep,  dei  Paraguy, 


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118  ESBOÇO   CHOROGRAPflICO 

Cachoeira,  Dons  Irmfws,  Taquarussú,  Uacôgo,  á  esquerda ;  e  á  direita  o 
João  Dias,  Paixexi,  Paixão  e  Negro  que  recebe  as  aguas  do  Taboco, 
sendo,  ambos,  rios  de  sessenta  metros  de  largo  (a). 

Pelo  Aquidauána  subiam  antigamente  as  monções  dos  povoados  de 
Cuyabá  á  Araritaguaba,  descendo  depois  pelo  Nhandhuy  para  o  rio  Pardo. 

O  Miranda,  após  a  reunião  dos  seus  dous  braços,  recebe  ainda  dous 
tributários,  que  são  o  Vermelho,  desaguadouro  da  lagoa  das  Onças^  e  o 
Capivary, 


Rio  Talaoco 
(Desenho  do  Sr.  Dr.  Taunay). 

Não  está  averiguado  quem  primeiro  percorreu  o  Paraguay,  si  os  por- 
tuguezes,  si  os  hespanhoes;  geralmente  suppõe-se  que^aquelles:  o  certo,  po- 
rém, é  que  foram  estes  os  que  primeiro  ahi  se  estabeleceram,  fundando  Kuy 
Dias  de  Melgarejo,  em  1580,  a  pretensa  cidade  de  Santiago  de  Xerez, 

O  varadouro  de  Nioac  para  Dourados  é  de  quarenta  e  cinco  á  cin- 
coenta  kilometros;  foi  abei-to  em  1850,  quando  o  barão  de  Antonina  res- 

(a)  o  Sr.  Dr.  Taunay.  Ob.  cit. 


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DA   província,   de  MATTO-GROaSO  119 

tabelecen  a  navegação  do  Ivinheyma.  Em  1855  fundou-se  ahi  uma  coló- 
nia militar,  que  em  1860  tornou-se  a  sede  do  commando  militar  do 
districto  e  fronteira,  mudando-se  para  ella  a  parada  do  corpo  de  cavallaria 
da  província.  Em  1865  já  tinha  mais  de  setecentos  habitantes  quando 
sobreveiu  a  guerra  paraguaya:  tomada  pelos  invasores,  só  a  abandonaram 
em  2  de  agosto  do  anno  seguinte,  após  terem-a  destruído  completamente. 
Restabelecida,  com  a  dos  Dourados,  por  acto  presidencial  de  21  de  junho 
de  1872,  tem  tomado  ultimamente  soffrivel  incremento,  merecendo  ser, 
por  lei  provincal  n.  504  de  20  de  maio  de  1877,  erigida  em  freguezia  sob 
a  invocação  de  Santa  Rifa  de  Levergêria,  em  homenagem  ao  sábio  e  vene- 
rando cidadão  que,  por  occasião  dessa  guerra,  novos  direitos  adquirira  á 
gratidão  da  sua  segunda  pátria  com  a  heróica  defesa  do  Melgaço  que  por 
sua  vez  lhe  mudou  o  nome  cora  o  titulo  que  o  condecorou..  Essas 
duas  colónias  do  Nioac  e  do  Dourados  distam  sessenta  e  seis  kilometros 
uma  da  outra. 

O  Miranda  lança  suas  aguas,  também  por  duas  bocas,  no  Paraguay  ' 
a  primeiía  sessenta  e  cinco  kilometros  abaixo  da  Boca  do  Taqíuiry,  A 
villa  de  Miranda  é  o  antigo  presidio  á  que  Francisco  Rodrigues  do  Prado 
impôz  o  nome  do  governador;  foi  fundado  ao  saber-se  que  por  ahi  andara 
um  coronel  hespanhol,  Espínola,  em  perseguição  de  indios.  Está  situada 
na  distancia  de  meio  kilometro  da  margem  direita  do  rio  (a). 

A  colónia  de  Miranda  estabeleceu-se  duzentos  e  dez  kilometros  á 
SE.,  nas  cabeceiras  do  rio,  por  ordem  do  governo  imperial,  de  23  de 
novembro  de  1850.  Em  1858,  quando  ninguém  podia  prever  a  guerra 
paraguaya,  houve  a  idéa  de  fazer-se  desse  presidio  uma  praça  forte,  cer- 
cando-o  de  boas  obras  de  guerra  (b). 


(a)  lyAlincourt  dá  247  braças    Ob.  cit. 

(b)  O  Sr.  barão  de  Melgaço.  Ob.  cit. 


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120  ESBOÇO    CH0R0GR.4PHIC0 

4.'*  O  ultimo  affluente  brasileiro  nessa  margem  do  Paraguay  é  o 
Apa^  ou  Apá,  Pirahy  ou  Nighy  dos  guaycurús.  Desce  dos  morros  de 
Taquarupiian^  na  cordilheira  do  Anhambahy,  dè  dous  braços  principaes, 
cujo  maior  é  o  Esirella,  do  qual  as  fontes  vertem  do  parallelo  22**  16' 
39",3  e  meridiano  12»  39'  1",  80. 

Em  sua  margem  esquerda  tinham  os  hespanhóes  em  1801  um  fortim 
denominado  de  S.  José,  que  o  commandante  daquelle  presidio,  o  mesmo 
Rodrigues  do  Prado,  ao  ter  noticia  do  insólito  ataque  do  forte  de  Coimbra 
em  setembro  desse  anno,  foi  por  sua  vez  atacal-o,  assaltou-o  e  reduziu-o 
á  cinzas  em  1  de  janeiro  de  1802. 

Foi  naquella  origem  da  Estrella  que  a  commissào  demarcadora  de 
limites  com  a  republica  do  Paraguay  levantou,  em  30  de  outubro  de  1874 
o  seu  primeiro  marco  divisório,  e  o  segundo  em  29  de  agosto  seguinte 
na  confluência  com  o  outro  braço,  aos  22°  4*  40",3,  lai,  e  13°  10'  39"  5, 
long.,  na  distancia  de  3300  metros  do  Passo  da  Bella  Vista  (a).  Dessa 
confluência  á  foz  mede  o  Apa  trezentos  e  vinte  e  nove  kilometros  e  sessenta 
e  oito  centésimos,  prestando-se  á  navegação  até  suas  grandes  cachoeiras. 
A  linha  limitrophe  segue  pelo  alveo  do  rio  até  sua  barra  principal  no  Pa- 
raguay, onde  está  assentado  o  marco  brasileiro  aos  22°  4'  45'',2  lat.,  e  13° 
48\  4r',20,  long. 

São  principaes  contribuintes  seus:  Estrella,  Lagea<lx),  Galmel 
Lopes,  Taqtmrussú,  Sombrero,  Ouro  e  Pedra  de  Cal,  quasi  todos  na 
margem  brasileira. 

Entre  o  Miranda  e  o  Apa  existem  ainda  algumas  pequenas  correntes, 
como  o  Terery  ou  Napileque,  que  é  o  rio  do  Queime  (b),  de  Ricardo 
Franco,  e  que  segundo  o  Sr.  Melgaço  chamarse  também  S,  Francisco  de 


(a)  Relatório  do  commissario,  o  Sr.  coronel  Rufino  £.  G.  Galvão. 

(b)  Queima  chama-lhe  o  brigadeiro  Manoel  Ferreira  de  Araújo  na  sua  memoria 
publicada  do  Péi/rto^a,jomal  Utterario  do  Rio  de  Janeiro  (Chor,  Hist.  do  Sr.  Dr.  Mello 
Moraes,  t.  2.o)  no  começo  do  século. 


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DA  província  de  MATT(H3R0SS0  121 

Paula;  o  Tepoty,  citado  por  aquelle  engenheiro ;  e  o  rio  Branco,  volu 
mosa  corrente  que  os  hespanhóes  na  demarcação  de  1753  queriam  que 
fosse  o  Correntes,  cuja  foz  Dugraty  coUoca  aos  20°  58\  de  latitude  ,  e 
que  entretanto  é  apenas  um  escoadouro  dos  pantanaes,  do  mesmo  modo 
que  o -Rio  ^oro  descoberto  em  1796  pelo  coronel  Kicardo  Franco,  nove 
léguas  abaixo  do  morro  do  Descalvado,  segundo  aquelle  sábio  general  da 
armada  não  é  mais  do  que  um  braço  do  Paraguay  (a). 


Taes  são  os  principaes  subsidiários  brasileiros  do  rio  Paraguay,  um 
dos  mais  magestosos  e  de  mais  segura  navegação  do  mundo,  e  indubita- 
velmente a  melhor  e  mais  fácil  estrada  da  província  de  Matto-Grosso. 

Seu  curso  é  maior  de  dous  mil  e  duzentos  kilometros ;  e  contando-se 
lhe  a  continuação  no  Paraná  e  Prata,  vae  ao  dobro ;  sendo  de  mais  de 
cincoenta  mil  kilometros  a  extensão  da  sua  vastíssima  rêd^  potamogra- 
phica,  navegável  talvez  em  mais  da  terça  parte. 

Desde  1537  que  os  hespanhóes  começaram  á  percorrel-o  em  busca 
de  caminho  para  o  Peru.  Ao  Jaurú  chegaram  em  1560;  sendo  dahi  que 
Nuflo  de  Chaves  atravessou  para  o  paiz  dos  chiquitos,  onde  foi  fundar 
a  cidade  de  Santa  Cruz  de  la  Sierra;  e  como  já  viu-se,  em  1580  Melgarejo 
subia-o  e  o  Mboteteyn,  e  lançava  os  alicerces  da  cidade  de  Xerez. 

O  capitão  Thomaz  Page,  quando  em  suas  explorações,  navegou-o  além  do 
Sipotuba  uns  sessenta  á  sessenta  e  seis  kilometros :  passa  por  fácil  o  seu 
trajecto,  em  tempo  de  aguas,  até  as  Três  Barras,  local  onde  convergem 
as  aguas  doSanfAnna  é  do  Brumado;  sendo,  portanto,  navegável  todo  o  rio 
Paraguay,  visto  que  desde  essa  confluência  é  que  recebe  o  nome  que  tem. 


(a)  O  atlas  do  Sr.  G.  Mendes  marca  ainda  á  margem  direita,  entre  a  Uberaba 
e  o  Descalvado,  os  rios  Zumanaca  e  Patagiõsimos^  que  lá  nao  existem,  e  também  o 
Goabis.  Quanto  a  este,  ha  uma  pequena  corixa,  nessa  direcção,  chamada  Javes, 
que  é  escoadouro  da  lagoa  Babeca,  mas  sem  a  menor  importância.  Marca  ainda 
duas  outras  correntes  entre  o  Jaurú  e  o  Descafvadoy  também  desconhecidas. 

16 


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122  ESBOí.O   CHOROGRAPHICO 

X 


A  face  noroeste  da  província  é  banhada  pelos  rios  Guaporé,  Mamoré 
e  Madeira,  que  lhe  offerecem  caminho  para  o  Amazonas  niim  trecho  de 
perto  de  três  mil  kilometros ;  o  qual,  comquanto  trabalhoso  e  diflficil  pelos 
estorvos  que  encontra  na  região  encachoeirada,  tempo  virá  em  que  se  con- 
verta n  uma  excellente  estrada,  quando  a  ferro-via  do  Madeira  ao  Ma- 
moré. tão  mal  aventurada,  ou  melhor,  tão  pouco  favorecida,  fôr  uma 
n»alidade. 

Eram  esses  rios  o  caminho  por  onde  iam  e  vinham  os  capitães- 
generaes  ;  por  onde  durante  muitos  annos  se  fez  quasi  todo  o  commercio 
da  capitania,  maior  e  mais  rendoso  do  que  o  das  monções  dos  po- 
voados (a);  e  por  onde  a  provincia  recebeu  todo  o  material  de  que  neces- 
sitou para  a  construcçáo  de  suas  fortificações,  subindo  e  descendo  rios  e 
cachoeiras,  aqui  conduzindo  para  o  forte  do  Principe  da  Beira  arti- 
lharia do  Pará  e  cantaria  do  Jaurú,  ali  levando  ao  de  Coimbra  os 
mesmos  materiaas  e  pelas  mesmas  vias. 

Ha  presumpçòes  de  que  a  navegação  do  Guaporé  fosse  iniciada 
em  1737  por  mineiros  que  descessem  o  Sararé — sem  duvida  attrahidos 
pelas  montanhas  que  avistavam  ao  occidente  e  que  ficavam  do  outro 
lado  do  rio.  Como  quer  que  seja,  o  descobrimento  dessa  grande  artéria  e 
a  gloria  de  abrir  um  caminho  da  capital  do  Matto-Grosso  á  do  Pará, 


(a)  Nome  que  davam  ás  frotas  que  faziam  o  commercio  com  S.  Paulo.  Tirava  a 

denoriiinaçáo  da  quadra  melhor  para  a  navegação,  quer  pela  estação  do  anno,  quer 

ptlo  ajuntamento  de  maior  numero  de  canoas  para  fazerem  em  mais  segurança  a 

viagem. Dahi  as  phrases  esperar  monção,  vir  co.n  a  monçãOtmús  tarde  particular!- 

fida  à  frota. 


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DA    PfiOVINCIA     DE   MATTOGROSSO  123 

devem-se  incontestavelmente  á  Manoel  Félix  de  Lima,  portuguez,  que, 
em  1742,  perseguido  da  sorte  nos  trabalhos  de  mineração  nas  jazidas  da 
Parecis,  dispoz-se  á  tentar  novos  azares,  descendo  do  Sararé  áquelle  for- 
moso e  grande  rio. 

Ahi,  no  porto  que  chamaram  da  Pescaria,  refez-se  de  canoas  e 
desceu  em  busca  dos  povoados  castelhanos,  dos  quaes  havia  noticias 
vagas,  para  nelles  tentar  negocio.  Facilmente  angariou  outros  compa- 
nheiros sempre  promptos,  então,  para  aventuras  taes,  e  egualmente  re- 
ceiosos  de  volver  á  Cuyabá,.por  baldos  de  recursos  seus  e  daquelles  que  os 
tinham  ajudado  nas  minerações.  Subiram  o  Itonamas  e  o  Baures  ;  mas 
ainda  lhes  foi  adversa  a  fortuna,  que  os  missionários  da  Magdalena  e  da 
Exaltação  dos  Cayoabás,  fizeram-os  retroceder. 

Lima,  era  um  dos  poucos  companheiros  de  António  Fernandes  de 
Abreu,  o  investigador  das  minas  do  Brumado, —  que  sobreviveram  á 
fome,  peste  e  morticinios,  apanágio  fatal,  desde  então,  de  quasi  todas  os 
ricos  descohertos  (a). 

Seus  companheiros  de  viagem  foram  os  paulistas  Tristão  da  Cunha 
Gago,  licenciado,  e  seu  cunhado  João  Barbosa  Borba  Gato,  Matheus 
Corrêa  Leme,  oiitro  licenceado  Francisco  Leme  do  Prado  e  Dionysio 
Bicudo,  o  fluminense  João  dos  Santos  e  os  europeus  Joaquim  Ferreira 
Chaves,  Vicente  Ferreira  de  Assumpção,  Manoel  de  Freitas  Machado  e 
João  dos  Santos  Wemeck.  Acompanhavam-os  uns  quarenta  captivos,  de 
todos  elles  (b). 

E'  tradição  que  já  antes  de  Lima,  uns  seis  mezes,  descera  o  Guaporé 
António  de  Almeida  Moraes,  cujos  vestígios  de  recente  acampamento 
^uelle  encontrara  junto  á  foz  do  Mequenes.  O  autor  das  Noticias  rela- 
tivas á  viagem  de  Rolim  de   Moura  e  creação  de  Villa  Bella  de  Matto- 


(a)  Barbosa  de  Sá,  obra  citada. 

(b)  Annaes  do  senado  da  camará  de  Villa  Bella,  tomo  1»,  pag.  15. 


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124  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Grosso  (a)  diz  que  em  1742  desceram  o  grande  rio  José  Ferreira,  José 
Félix,  Francisco  Leme  e  outros,  para  negociarem  com  os  castelhanos, 
que  os  receberam  com  muita  alegria,  e  já  não  assim  outros  que  mais  tarde 
vieram.  Parece  essa  noticia  referir-se  á  viagem  de  Lima,  sendo  elle  o  José 
FelixQ  Joaquim  Ferreira  Chaves  o  José  Ferreira;  não  sendo  de  extranhar, 
por  ser  cousa  natural  e  commum,  que  nessa  época  os  contemporâneos  não 
lhes  soubessem  tão  bem  como  os  pósteros  os  nomes  e  aventuras,  o  que  só 
mais  tarde  os  anncs  e  os  acontecimentos  elucidam. 


Ilio  Ouaporó 

Dão  os  Annaes  do  senado  da  cantara  de  Villa  Bella,  e  a  Belaçõo 
dos  Povoados  de  José  Barbosa  de  Sá,que  Lima,  tendo  sido  recebido  com  as 
maiores  honras,  á  principio,  nessas  missões,  fôra  depois  coagido  á  retirar-se 
á  força,  em  vista  do  desagrado  que  tal  recepção  causara  ao  superior  das 
missões.  Expulso  da  Exaltação,  e  sem  ter,  por  tanto  conseguido 
ainda  melhorar  na    fortuna,  resolveu   descer  o  Guaporé,    talvez  após 

(a)  Ms.  dabibUoth.   nac,  cópia  nao  acabada,  annexa  á  de  uma  carta  de   17õ0 
daquelle  capitão^general  ao  marquez  de  Vai  de  Reis. 


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DA  PBOVINCU   DE   MATTO-GROSSO  125 

inteirar-se  dos  tropeços  da  viagem,  e  sem  duvida  com  guias  para  fazel-a, 
O  facto  é  que  a  maior  parte  da  companha  desistiu  da  empresa,  que  elle 
realisou  seguido  por  Chaves,  Machado,  Assumpção,  um  indio,  quiçá  o 
guia,  e  três  escravos.  Apezar  de  asseverarem  as  fontes,  acima  citadas,  que 
Lima  descera  sem  mais  guia  que  a  correntesa,  teve  elle  outro  piloto  que 
não  a  fortuna;  que  essa  lhe  não  poderia  ensinar,  de  aguas  abaixo,  os  canaes 
e  perigos  das  cachoeiras,  nem  avisar-lhe  em  tempo  onde  os  saltos,  rodc- 
moinhos  e  precipicios  que  infallivelmente  destruiriam  a  frota,  não  maior 
de  duas  canoas  á  vista  do  total  da  tripulação. 

Como  quer  que  seja  desceu  elle  as  temíveis  cachoeiras  do  Mamoré  e 
Madeira —  «  passando  infindas  nações  de  Índios  bravos  » — e  indo  surgir 
em  Belém,  onde  em  premio  de  sua  aífoutesa,  dos  perigos  que  venceu,  e 
mais  ainda  do  descobrimento  importantíssimo  que  fez,  teve  do  governo 
que, — mais  tarde, — determinava  a  prisão,  por  suspeito,  de  um  certo  Mr.  de 
Humboldt,  o  fazer -se-lhe  elfectiva  como  transgressor  da  lei  dos  caminhos 
das  minas,  que  prohibia  a  entrada  nos  povoados  castelhanos,  a  penalidade 
que  ella  comminava.  Teve,  e  os  companheiros,  sequestrados  os  bens ;  e  foi 
com  alguns  daquelles  preso  para  Lisboa,  onde  após  aíBicções,  pezares, 
desgostos  e  a  perda  de  tudo  o  que  podiam  possuir,  foram  á  final  soltos, 
mas  para  esmolar  da  caridade  publica  o  pão  para  o  sustento  quotidiano. 

Chaves,  um  dos  que  ficaram  em  Belém,  fora  mandado  assentar  praça 
de  recruta  no  regimento  da  cidade ;  pouco  tempo  depois  desertou ;  e 
buscando  rumos  pelo  Maranhão  e  Goyaz  foi  ter  á  Matto-Grosso,  onde 
passa  por  certo  que  á  final  se  estabelecera,  á  própria  borda  do  Guaporé, 
umas  três  léguas  abaixo  da  foz  do  Sarará  (a). 

Os  outros  sócios  de  Lima,  que  da  Exaltação  retrocederam,  deram  as 
primeiras  noticias  dessa  descida  e  propalaram-as  também  sobre  as  regices 


(a)  Soathey»- 1.  5*,  pag»  439.  Trad.  do  Dr.  Luiz  de  Castro. 


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126  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

que  visitaram ;  o  que  induziu  o  ouvidor  de  Cuyabá  João  Gonsalves  Pereira 
á  mandar  ao  juiz  ordinário  dos  arraiaes  dp  MdUo-Grosso,  Domingos  José 
Gonsalves  Ribeiro,  que  enviasse  um  explorador  ás  províncias  hespanholas, 
agora  reconhecidas,  o  qual  do  que  visse  mandaria  um  relatório  para  ser 
presente  ao  rei.  (a). 

Foi  esse  emissário  o  próprio  autor  da  Relação  dos  Povoados  (b);  par- 
tido, logo  em  fevereiro  de  1743,  com  dous  camaradas,  Manoel  de  Castro  e 
Alexandre  Manoel  Rodrigues,  dous  escravos  delle  e  seis  daquelle  juiz, 
e  tendo  por  piloto  o  mesmo  Werneck  que  fòra  companheiro  de  Lima. 
Visitou  S.  Miguel,  Magdalena,  S.  Martinho,  S.  Luiz,  Conceição  de  Baures, 
Exaltação,  S.  Pedro  dos  Caniquinaus  ((5),  S.  Romão  e  Santa  Cruz  de  la 
Sierra,^ —  «  registrou  todos  aquelles  districtos,  adquiriu  noticia  de  toda 
a  província,  dos  hespanhóes  e  dos  indios  com  quem  tratou  e  conversou, 
tomou  conhecimento  díis  nações  barbaras  mais  visinhas  e  habitantes  das 
margens  do  Aporé  (d) ;  distancias  em  que  ficavam  tanto  as  povoações  ca- 
tholicas  como  as  barbaras  dos  novos  domicilies,  suas  alturas,  capacidade  da 
navegação  e  tudo  o  mais  que  convinha;  » — do  que  tudo  fez  sua  fiel  relação 
que  entregou  ao  juiz,  o  qual  a  remetteu  ao  ouvidor  e  este  ao  rei  (a).Enganar 
se,pois,Southey  (e),attribuindo  essa  viagem  á  espirito  de  ganância  de  aven- 
tureiros, quando  fôra  uma  exploração  de  caracter  politico  :  do  mesmo 
modo  que  parece  menos  bem  fundada  a  noticia  que  dá  de  terem  nessa 
occasião  seguido  dous  bandos,  um  com  Sá  e  outro  commandado  por  Fran- 
cisco Leme  do  Prado  (f),  que  ao  descer  o  Guaporé  já  lhe  encontrou  tran- 
cada a  navegação  com  a  presença  dos  hespanhóes  na  aldeia  de  Santa  Rosa, 


(a)  Sá,  ob.  cit. 

(b)  Sá  dá  noticia  dessa  exploração  sem  parecer  referiri-se  á  ôi  próprio. 

(c)  Kinikinaus  ?  é  esse  o  nome  de  uma  tribii  xané  das  margens  do  Paraguay 

(d)  Guaopré. 

(e)  T.  5o,— pag.  548. 

(f)  Leme  do  Prado,  ura  dos  consócios  de  Lima,  que  retrocederam. 


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DA  PKOVINCIA   DE   MATTO-GROSSd  127 

na  margem  direita  e  pouco  abaixo  da  boca  do  Itonamas  (a).  O  fundamento 
para  a  negativa  dessa  asserção  é  que  nem  os  Annoes  do  senado  de  Villa 
Bella,  nem  Sá,  no  seu  trabalho  todo  noticioso  e  chronologico,  tratam  dessa 
expedição  de  Leme,  nem  ainda  das  outras  que  o  historiador  inglez,  sempre 
entretanto  judicioso  e  exacto,  diz  que  novamente  fizeram  Leme  e  seus 
irmãos  até  1749.  ^ 

Novo  Colombo,  Lima  teve  também  o  seu  Américo  em  João  de  Souza 
de  Azevedo,  que  chegado  á  Belém,  no  seu  descobrimento  da  navegação 
do  Tapajoz,  e  tendo  noticia  daquella  derrota  do  Madeira,  já  não  quiz  voltar 
pela  que  descobrira,  por  suppôl-a  de  peior  transito.  Subiu  por  este  rio,  e 
em  1749  aportou  ao  arraial  de  S.  Francisco  Xavier,  então  o  povoado 
principal  das  minas  do  Matto-Grosso,  on*le  foi  tido  pelo  inventor  do  novo 
caminho,  mau  grado  a  presença  de  Chaves  e  o  infortúnio  de  Lima  nos 
cárceres  e  calçadas  de  Lisboa.  E'  que  ainda  nenhimia  noticia  havia  delle. 

Em  Cuyabá  sabia-se,  todavia,  que  este  emprehendêra  tal  viagem, 
comquanto  lhe  ignorassem  o  êxito, — pelos  testemunhos  daquelles  compa- 
nheiros que  propalaram  tão  temerosa  aventura  (b). 


Segundo  o  padre  Bento  de  Faria  (c),  dataria  de  1725,  e  conforme 
Baena  (d),  de  antes  de  1722,  o  descobrimento  d^  navegação  do  Alto  Ma- 
deira, em  tempos  do  governador  do  Pará  João  da  Maia  da  Gama,  quando 
Francisco  de  Mello  Palheta  para  ali  seguira  ao  saber,  de  uns  bandeirantes 
que  nessas  regiões  foram  escravisar  indios,  haver  povoados  de  brancos  nos 


(a)  Tomada  sete  annos  depois  pelo  capitão-general  Rolim  de  Moura,  que  ahi 
estabeleceu  o  fortim  da  Conceição. 

(b)  Roque  Leme  (ob.cit.)  cita  somente  Werneck, Francisco  Lemes  e  Matheus  Cor- 
rêa, á  fora  os  indios  e  escravos,  como  os  que  acompanharam  Lima  nessa  derrota. 

(c)  Carta  inserta  nos  Annaes  àaHist.  doMaranháOj  de  Berredo. 

(d)  Compendio  das  eras  da  província  do  para. 


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128  ESBOÇO    GHOBOGBÀFHICO 

rios  superiores  ás  caehoeiras;  e  lá  chegara  na  ikaltaçâo  em  1723.  Nada 
acceitayel  é  essa  noticia;  e  para  refatal-a  basta  a  admiração  e  espanto  que 
causou  em  Belém  a  chegada  de  Lima,  as  perseguições  que  soffireu  e  ainda, 
a  observação  já  feita  por  Baena,  de  não  dar  Palheta  a  menor  noticia  sobre 
o  Beni  e  o  Guaporé;  parecendo  impossível  que  escapasse  observação  de 
tal  marca  á  um  explorador  de  regiões  desconhecidas;  pelo  que  é  de  suppor 
que  si  subiu  o  Madeira,  não  passou  o  trecho  encachoeirado  e  soube  do 
mais  por  informações. 

Novellas  semelhantes  são  as  que  Southey  dá  de  terem  sido  esses  rios 
navegados  por  um  bando  de  fugitivos  da  Bahia,  em  cujo  numero  ia  um 
sacerdote,  que  foi  o  chronista  da  viagem,  os  quaes  foram  ter  á  Santa  Cruz 
de  la  Sierra,  onde  pediram  permissão,  que  lhes  foi  negada,  de  se  inter- 
narem para  o  Peru,  não  se  sabendo  o  fim  que  tiveram.  E  também  a  via- 
gem de  outro  sacerdote  do  Pará,  que  a  fizera  no  intento  grandemente  qui- 
chotesco,  de  averiguar  a  distancia  á  que  ficavam  os  estabelecimentos 
hespanhoes —  e  recommendar-lhes  que  não  ultrapassassem  a  margem 
esquerda  do  Guaporé  (a). 

Ainda,  conforme  outros,  vae  á  épocas  mais  remotas  essa  navegação. 
Juan  Patricio  Hemandes,  missionário  jesuita,  e  também  citado  por 
Southey,  leva-a  ao  tempo  de  Nuflo  de  Chaves  (1543  á  1560),  quando, 
abandonando  o  seu  estabelecimento  de  Santa  Cruz  de  la  Sierra,  desceu  o 
Vhay  (b)  e  o  Mamoré  até  o  oceano  (c). 

Entretanto,  só  ha  certeza  da  navegação  completa  dessa  grande  artéria 
do  coração  do  Brasil  depois  da  excursão  de  Manoel  Félix  de  Lima. 

Logo,  em  1748,  partiram  do  Maranhão  pelo  Amazonas,  e  subiram  o 


(a)  Southey,  t.  5«,  pag.  437. 

(b)  O  Itonamas.  Alguns  cartographos  o  confundem  com  o  Baures. 

(c)  Southey,  t.  5o— 438. 


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DA   PROVÍNCIA  DE  MATTO-GROSSO  129 

Madeira,  Miguel  de  Sá  (a)  e  Gaspar  Barbosa  de  Lima;  sendo  por  um 
engano  que  Baena,  á  pag.  228  do  seu  Compendio  das  Eras,  diz  terem 
descido,  e  que  é  o  contrario  do  que  elle  próprio  comprovara  quando,  á 
pag.  226,  diz  que  dous  annos  antes  estava  Gaspar  na  serra  do  Paru,  em 
busca  de  quina  que  descobrira,  segundo  informações  que  prestara  ao 
governador  João  de  Abreu  Castello  Branco. 

Em  1749,  á  14  de  julho,  em  cumprimento  á  ordens  do  Estado  para 
Francisco  Pedro  de  Mendonça  Gurjão,  governador  do  Pará,  seguiu  o  geo- 
grapho  José  Gonsalves  da  Fonseca  com  numerosa  expedição  á  explorar  os 
rios,  observando-lhes  os  rumos  até  os  arraiaes  do  Maito-Grosso,  onde,  com 
eífeito,  aportou  em  16  de  abril  de  1750.  Com  elle  foram  o  frade  João  de 
Santiago,  capuchinho,  e  os  jesuítas  José  Paulo  e  Francisco  Xavier  Leme, 
irmãos  de  Francisco  Leme  do  Prado,  o  cirurgião  Francisco  Rodrigues  da 
Costa  e  Tristão  da  Cunha  Gago,  outro  dos  companheiros  de  Lima  (b). 

Em  1750  buscou  também  essa  navegação  o  sargento-mór  Luiz  Fa- 
gundes, de  ordem  do  governo  do  Pará  (c),  seguindo  integralmente  a  der- 
rota de  Fonseca. 

E'  pouco  mais  ou  menos  n'essa  época  que  se  atribue  a  fundação 
de  grandes  estabelecimentos  na  ilha  Comprida  do  Guaporé,  povoada  desde 
1746  por  paulistas  foragidos  das  minas  de  Cuyabá,  e  que  chegando 
áquelle  rio  por  elle  desceram.  Segundo  Southey  (d)  era  esse  povoado  de 
nove  fogos,  formado  por  doze  homens  com  suas  mulheres  e  escravos,cheios 
do  mesmo  espirito  aventureiro,  sem  lei  nem  consciência,  vivendo  de 
depredações  e  de  escravisar  indios  que  iam  vender  ás  minas,  e  exercendo 
suas  devastações  do  Mequenes  ao  Baures.  Essa  ilha  fica  em  frente  á  foz 
do  Mequenes  e  apresenta^e  hoje  com  uma  extensão  de  vinte  kilometros. 


(a)  Baena  chama-o  Migael  da  Silva. 

(b)  Baena.  Ensaio  chorographico  toòre  o  Pará,  518. 

(c)  Relatório  do  presidente  Penna,  1862. 

(d)  Tomo  5«,  pag.  446. 

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130  ESBOÇO  CHOEOGRAPHICO 

Hoje,  comquanto  coberta  de  alta  e  densa  mattaria,  revela-se  tão 
alagadiça,  sinão  ella  toda,  ao  menos  um  considerável  perímetro,  que  parece 
impossivel  que  ahi  se  levantassem  estabelecimentos,  quando,  entre- 
tanto, fronteiras  á  ella,  sáo  em  geral  altas  as  orlas  dos  dous  braços  do 
Guaporé,  que  a  formam,  especialmente  no  do  Jaracatiá,  ende  se  elevam 
paredões  e  tezos  de  quinze  á  vinte  metros  de  altura.  Ou  a  ilha  abrangeu 
antigamente  essa  região  elevada,  e  o  rio,  nas  suas  transbordações  costuma- 
das, levou  seus  canaes  pelo  interior  delia,  ligando-lhe  a  parte  mais  alta  ao 
continente;  ou  então,  o  que  pôde  também  ser,  taes  habitações  existiam 
nesses  tezos  e  não  na  ilha,  e  a  denominação  provinha  da  proximidade 
desta,  que  pela  sua  grandeza  e  notoriedade  deu  o  nome  á  localidade. 


XI 


O  Guaporé,  Itenez  dos  castelhanos,  é  um  magnifico  e  formoso  rio 
de  mil  e  quinhentos  kilometros  de  curso,  todo  de  fácil  navegação.  Na 
quadra  das  sêccas  encontram-se  obstáculos  fáceis  de  obviar  ás  embarca- 
ções pequenas,  como  o  pedregal  que  o  atravanca  da  foz  do  Itonamas  á 
meia  légua  abaixo  do  forte  do  Principe,  e  os  bancos  de  areia  que  ficam  á 
descoberto,  dos  quaes  o  da  Pescaria,  situado  uns  quarenta  kilometros 
abaixe  do  destacamento  das  Pedras  Negras,  é  o  mais  notável  por  se 
estender  em  toda  a  largura  do  rio  e  alongar-se  por  algumas  centenas  de 
metros  (a).  O  Alto  Guaporé,  que  tal  se  chama  a  parte  que  corre  acima  da 

(a)  Parece  incrível  essa  descripçao,  mas  tal  encontramos  o  banco  na  nossa 
descida ;  percorreu-se-lhe  toda  a  borda  superior  de  margem  á  margem  do  rio,  sem 
encontrar  um  canalete  por  onde  o  bote  podesse  descer.  A  agua  do  rio  deslisava-se 
sobre  o  banco  tão  imperceptivelmente  que  nào  se  lhe  distinguia  a  corrente.  Para 
descer  o  bote  abriu-se  canal  á  pás  de  remos. 


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DA  PROVINCU   DE  MATTO-GROSSO  131 

cidade  de  Matto-6rosso,é  apenas  atravancado  de  arvores  cabidas  e  tramas 
de  hydrophytos. 

Mas,  si  nas  estações  mui  sêccas  somente  botes  ou  igarités  de  pequeno 
calado  podem  vencer  taes  difficuldades,  na  das  aguas  ba  fimdo  sufãciente 
para  grandes  navios.  No  local  da  ponte,  que  fica  á  cento  e  dez  kilometros 
da  cidade  e  pouco  mais  distante  das  próprias  nascentes,  acbaram  os  enge- 
nbeiros  do  século  passado  quinze  braças  de  largo  e  duas  de  fundo,  em  o 
mez  de  setembro,  isto  é,  no  fim  do  verão  (a). 


Seu  trajecto  é  sempre  apreciável  pelo  pictoresco  de  suas  paysagens,  e 
pelas  formosas  e  extensas  praias  de  fina  e  branca  areia,  que  começam  á 
apparecer  do  rio  Verde  para  baixo,  e  longas,  ás  vezes,  de  léguas. 

Que  suas  margens  são  cobertas  de  opulenta  e  magnifica  floresta  é 
desnecessário  dizêl-o  de  um  rio  brasileiro,  do  mesmo  modo  que  catalogar 
o  que  guarda  de  riquezas  nas  mais  preciosas  madeiras  do  sul  e  do  norte  do 
Império. 

Cite-se  apenas,  como  facto  notável,  que  do  meio  de  seu  curso  em 
diante  começam  á  apparecer  as  seringueiras  (b)  e  o  tocary  (c),  arvores, 
cujo  valor  não  está  somente  nos  productos  de  exportação,  mas  ainda  no 
soccorro  que  prestam  aos  navegantes,  aquellas  com  o  seu  sueco  e  esta 
com  as  fibras  do  liber,  ambos  aproveitados  nos  calafectos  e  estas  na  confec- 
ção de  resistentes  cabos  e  espias.  Mais  notável  ainda  se  toma  o  facto  de, 
abundando  esses  dous  gigantes  vegetaes  na  margem  brasileira,  na  opposta 
quasi   que    absolutamente  faltam,  sendo  encontrado  somente  na  grande 


(a)  Essa   ponte,    á  egual  distancia  da  cidade  e  do  Registro  do  Jaurú,  tem  40 
metros  de   extensão  sobre  3,8  de  largara.  Os  cabixys  já  incendiaram-a  em  parte. 

(b)  Hevae^  pricinpalmente. 

(c)  Bertholelia  excelsa. 


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132  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

ilha  formada  pelo  S.  Simão,  pequeno  braço  do  Guaporé  e  pelo  S.  Mar- 
tinho, braço  do  Baures;  o  que,  talvez,  também  se  explique  pela  mudança 
do  alveo  do  rio,  o  qual  deixasse  á  esquerda  do  novo  canal  e  quasi  encos- 
tada á  margem  essa  ilha,  que  primitivamente  fazia  parte  integrante  da 
margem  direita. 

A  baunilha,  a  salsaparrilha  e  a  poaya  enchem-lhe  ribas,  desde 
quasi  as  vertentes ;  o  cacau,  a  copahiba  e  o  cravo  apparecem  com  as  serin- 
gueiras [^  desde  o  meio  do  curso,  sendo  elles  que  dão  um  cunho  especial  á 
flora  territorial. 


A  principal  e  mais  remota  cabeceira  do  Guaporé  é  conhecida  por  esse 
nome  e  pelo  de  Meneqties,  do  de  um  cacique  de  uma  aldeia  de  parecis 
que  ahi  existiu.  Nasce  de  uma  caverna  aprofundada  sob  um  terreno  de 
grés,  onde  o  ferro  é  tão  commum  que  o  colora  de  vermelho  e  communica 
ás  aguas  o  seu  sabor  styptico  e  metallico ;  abrindo  o  leito  em  fundo  valle 
de  denudação,  segue  por  terreno  tão  formoso  quão  pictoresco  e  aprazível, 
na  descripção  do  Dr.  Silva  Pontes, — «  que  só  falta  ser  povoado  por  ho- 
mens para  merecer  os  encómios  poéticos  de  habitações  de  nymphas,  tal 
sua  frescura,  o  frondoso  assento  das  altas  arvores  que  cobrem  com  seus 
ramos  essa  copiosa  corrente  que  já  nasce  grande  »  (a). 

Origina-se  o  Meneques,  segundo  Ricardo  Franco,  aos  14°  40'  lat.,  e 
318**  39\  long.  do  meridiano  Occidental  da  ilha  de  Ferro.  As  outras  cabe- 
ceiras chamadas  Lagoinha  ou  Ema,  Sepultura  e  Olho  ã'a^ua  (b)  ficam 
á  esquerda  daquella;  descem  de  perto  da  aresta  de  SO.  da  chapada,  encor- 


(a)  Diário  da  diUgencia  do  reconhecimento  das  cabeceiras  dos  rios  Sararé, 
Guaporé,  Tapajoz,  e  Jaurú,  que  todos  se  acham  debaixo  do  mesmo  paraUelo,  na 
serra  dos  Parecis.— 1789. 

(b)  Mappa  Geog.  do  rio  Guaporé.  A  fonte  do  Sepultura  está  demarcada  aos 
14o  89',  lat.  e  318o  46' mesmo  meridiano* 


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DA  província  de  matto-grosso  133 

poram-6e  todas  em  distancia  de  poucos  kilometros,  e  ao  passar  na  cidade 
?ae  já  o  Guaporé  com  o  fonnoso  curso  de  duzentos  e  cincoenta  kilometros. 
Em  1783  subiu  o  Dr.  António  José  da  Silva  Pontes,  astrónomo  e  coáe/e 
ãe  dragões  (a),  á  reconhecer  o  Alto"  Guaporé,  mas  não  pôde  vencer  as 
cabeceiras  por  causa  das  cachoeiras  que  encontrou,  em  numero  de  dez, 
além  da  ponte.  Mas,  seis  annos  mais  tarde,  oflfereceu-se  para  terminar 
esse  serviço  e  o  fez  partindo  da  villa  á  9  de  dezembro  de  1789. 

São  seus  tributários ;  á  direita : 

1.®  O  Gabriel  AnUmes;  2"  o  Sararé,  rio  de  mais  de  cento  e  ses- 
senta kilometros,  engrossado,  á  esquerda,  pelo  Bulha^  que  recebe  os 
ribeirões  Lagem,  Taquaral  e  Córrego  do  Pé  do  Morro,e  o  Pinãahituba;e  á 
direita,  pelos  ribeirões  do  Ouro  Fino,  SanfAnna,  e  Burity. 

3.*  O  Galera,  corrente  ainda  maior  do  que  oSararé;  recebe,  á  direita, 
os  ribeirões  da  Pinguela,  Seixão,  Sahará  (engrossado  pelo  Paiol  de 
Milho)  e  Vaevem ;  e  á  esquerda  o  Maguavaré,  formado  pelos  córregos 
Brandão,  Bimbuela  (que  recebe  o  /Sw/o),  Quebra  Greda  (formado  pelo 
Jáboty),  José  Manoel  e  Cassumbé ;  e  o  S.  Vicente,  vindo  de  junto  dW 
minas  e  arraial  desse  nome. 

3.*  O  Quariteré  ou  Burity. 

4."  O  Cahixy  ou  Branco. 

5."  O  Turvo,  Paredão  ou  Piolho. 

6.**  O  Corumbidra,  que  tem  por  braços  o  Ababás,  Cuajejus  (que 
recebe  o  Puxacds):  em  frente  á  sua  foz  houve  a  aldeia  de  Vizeu  ftmdada 
em  1776.  Seu  curso  é  maior  de  cem  kilometros. 

7."  O  Mequenes,  rio  maior  de  cem  kilometros,  sulcado  pelos  mine- 
radores  e  pelos  jesuítas  que  ahi  tiveram  a  missão  de  S.  José. 


(a)  Esse  astrónomo  da  commissSo  de  marcadora  de  limites  de  178*2  era  official 
de  marinha,  capitâo-tenente,  ou  de  fragata.  Neste  posto  veiu  inaugurar  o  governo 
da  capitania  do  Espirito  Santo  em  29  de  março  de  1800.  Nao  sei  porque  veUeidades 
assentou  praça  de  cadete  de  dragdes,  e  como  o  pôde  fazer. 


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134  ESBOÇO  CHCmOQRAPHIGO 

8."  o  S.  Simão  Grande^  onde  os  hespanhoes  fundaram  missões 
em  1746,  que  mudaram  antes  de  Julho  de  1752  (a). 

9.*  O  Cautariós  Grande^  ou  Terceiro. 

10.*  O  S,  Domingos,  onde  existiu  a  Casa  Redonda  átuação  de 
Domingos  Alvares  da  Cruz  e  mais  tarde  aldeia  de  Leomil. 

11.**  O  Cautariós  Segundo,  ou  Pequeno. 

12."  O  Cautariós  Primeiro. 

E  á  esquerda : 

1.**  O  Alegre,  rio  de  mais  de  duzentos  e  vinte  kilometros  de  curso, 
oriundo  do  alto  da  serra  do  Aguapehy,  notável  por  ser  delle  que  se  pre- 
tendeu a  formação  do  canal  que  ligasse  as  aguas  do  Amazonas  ãs  do 
Prata,  pelas  do  Aguapehy. 

2.°  O  Gapivary,  pequeno  curso  descido  da  serra  de  Ricardo 
Franco. 

3.°  O  Verde,  rio  de  mais  de  trezentos  kilometros,  nascido  nas  fraldas 
da  mesma  serra;  tendo  sua  principal  cabeceira  aos  IS"*  5'  49," 
82  lat.,  e  por  braços,  á  direi t-a,  Pará,  Antas,  Veados  e  Monos,  e  á 
esquerda,  Matta  Grande,  Lageado,  Carrego  Fundo,  Macacos,  Geni- 
papo  e  Itacuatidra. 

4.**  O  Jangada. 

5.**  O  Paragahú,  rio  maior  do^qué  o  Verde,  mas  que  deve  antes  ser 
considerado  como  torrente  accidental,  escoadouro  dos  vastos  pantanaes  de 
Chiquitos,  lá  pelo  parallelo  17". 

6."  O  Garajús. 

7.*  O  Gutu/runilho,  ou  Catururinho  de  outros,  descido  das  serras  do 
Garajús. 

8."  O  Tanguinho. 


(a)  Noticias  relativas  d  viagem  de  Rolim  ,etc. 


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DA  província  de  matto-grosso  135 

9.*^  o  S.  Martinho,  que  é  um  braço  do  Baures. 

10."  O  Baures,  curso  de  seis  á  setecentos  kilometros,  nascido  no 
parallelo  17**,  ao  sul  de  Concepcionáe  Chiquitos.  Tem  por  braços  prin- 
cipaes  o  Branco  e  o  S.  Joaquim. 

E  li.*  O  lUmamas,  antigo  Ubay,  formoso  rio  que  logo,  perto 
da  foz,  recebe  á  sua  esquerda  um  grande  braço  o  Machupo.  Seu 
curso  não  é  inferior  ao  do  Baures. 


Seu  nome  vem  de  Vraporés,  ou  Guaraporés,  tribu  ou  nação  que 
vivia  em  suas  margens. 

Aos  11*  54'  12,"83,  lat.  e  2V  33'  6,"45,  long.  lança-se  no  Mamoré 
que  cahindo  quasi  perpendicularmente,mais  estreito,  mas  muito  mais  pro- 
íímdo  e  caudaloso,  recebe  suas  aguas,  quebra-se  em  angulo  recto  e  vae 
continuar  na  direcção  trazida  pelo  afSuente,  em  rumo  /S^JVl.transmudando, 
ao  Cabo  de  um  kilometro  de  andamento,as  limpidas  aguas  deste  nas  suas 
torvas  e  feias. 


XII 


O  Mamoré  vem  das  escarpas  orientaes  de  um  dos  contrafortes  an- 
dinos entre  La  Paz  e  Cocbabamba,  Oruro  e  Sucre;  no  parallelo  de  18*, 
umas  cabeceiras,  e  outras  no  de  20".  Seu  curso  superior  tem  o  nome  de 
Chmpay  ou  Rio  Grande  de  La  Plata  (a). 

São  seus  tributários  mais  consideráveis :  Pirahyi,  Japacani,  Xi- 
maré,  Xaporé,  Securé,  Tramuxy,  Aperé,  Jacuman  e  Juriané,  á  es- 
querda;  e  á  direita :  iJar^,  Soterio  e  Pacahds  Novos,  estes  dous  na 
margem  brasileira  e  oriundos  da  serra  dos  Parecis. 

(a)  Bicardo  Franco  dá-lhe  de  correntd  S45  léguas  de  âO  ao  grau. 


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136  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Banha  uma  extensão  de  duzentos  e  cincoenta  kilometros  de  costa 
brasílica.  Aos  10^  22'  30"  lat.,  encontra-se  com  o  Beni,  já  na  região  enca- 
choeirada  e  ahi  altamente  inçada  de  parceis,  e  os  dous  dão  origem  ao 
grande  rio  Madeira,  o  principal  dos  subsidiários  do  rio-mar,  onde  vae  des- 
pejar seus  cabedaes  após  um  curso  de  mil  e  duzentos  kilometros,  depois 
daquelle  entroncamento. 

Castelnau,  pouco  exacto  em  algumas  de  suas  asserções,  ainda  o  é  re- 
lativamente ao  Madeira,  cujo  leito  prolonga  pelo  Guaporé  acima,  conser- 
vando-lhe  aquelle  nome  até  as  origens  deste. 


E'  o  Madeira  rio  inteiramente  brasileiro.  Trazendo  suas  origens  de 
centos  de  léguas  distante,  ao  tomar  o  seu  nome  já  se  apresenta  com  a 
magestosa  largura  de  dous  kilometros,  havendo  logares  onde  ella  excede 
de  oito. 

A'  elle  vém  entregar  suas  aguas,  na  margem  oriental:  o  ribeirão  de 
S.  José,  os  rios  MutuMHparand,  Jacy-paranã  Jamary  e  Gyparcmá, 
todos  nascidos  na  cordilheira  dos  Parecis,  e  o  Jamaiy  tendo,  entre  outros, 
por  affluente:  o  Camaiguhina^ iesáio  da  cordilheira  do  Norte;  o  Màhicy^ 
o  AriLapirá^  o  Araxiá  ou  Marmello,  o  Manicoré,  o  Anhangatimy,  o  Ma- 
taurá,  o  Araras  e  o  Ariptuinan^  que  se  liga  ao  Canuman  e  por  este  ao 
furo  Tupinambaranas  do  Amazonas ;  e  na  occidental :  o  ribeirão  do  Pau 
Grande^  o  AqtuiPretay  oAbuná,  o  Araponga  ou  dos  Ferradores,  o  Ma- 
paraná,  o  Pauanéma^  o  Arraias,  o  Maçtcarauchy,  o  Baetas^  o  Capanan 
e  o  Marassutuba,  a  maior  parte  de  longo  curso  e  bastante  navegação. 

Mais  de  espaço  tratar-se-ha  desses  rios,  á  medida  que  nesta  viagem 
forem-se  apresentando  ao  estudo. 


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DA   província   de   MAT1'OGROSSO  137 

Nesses  bons  tempos  coloniaes  em  que  se  prendiam  os  descobridores 
de  novas  regiões  e  estradas  novas  (a),  o  governo  reservava-se  á  si  o  direito 
de  designar  aquella  por  onde,  e  somente,  se  poderia  livremente  transitar. 
Era  coherencia.  Keconsiderando  o  acto  de  aleivosia  com  que  perseguiu 
Lima,  achou  útil  o  seu  descobrimento  ;  e  por  provisão  de  14  de  novembro 
de  1752,  que  todavia  só  foi  conhecida  em  Matto-Grosso  dous  annos  de- 
pois (b),  permittiu  o  commercio  com  o  Pará  pela  via  do  Guaporé  e  Ma- 
deira, fazendo-o  defeso  pQr  qualquer  outra. 


11  io  GJ-raiide 
(DL-»enlio  doSr.^Dr.  Tauriay). 

Começou  então  a  era  de  prosperidade  da  nova  capitania.  Já  em  1754 
desceu  seu  primeiro  capitão-general  D.  António  Kolim  de  Moura  Tavares 
á  entender  das  allegações  que  fizeram  os  exploradores  mandados  pelo 
ouvidor  de  Cuj  abá  aos  povoados  castelhanos  :  foi  até  abaixo  do  Itonamas, 
onde  na  margem  direita  do  Guaporé  haviam  estes  estabelecido  o  seu 
aldeiamento  e  missão  de  Santa  Rosa,  fortificada  com  paliçadas  e  trin- 


ca) £  que  muito  que  fossem  presos,  si  o  foi  Colombo,  que  descobrira  um 
mundo! 

(b)  Relatório  do  presidente  Penna,1862. 

18 


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138  ESBOÇO    CHOROGRàPHICO 

cheiras;  e  dahi  os  expelliu.  Em  1758  o  juiz  de  fora  nomeado  para  Villa 
Bella,  Theotonio  da  Silva  Gusmão  (a),  subiu  esses  rios,  fundando,  ao  passar 
pelo  segundo  e  maior  do^  saltos  do  Madeira,  uma  aldeia  de  indios  pamás, 
á  que  deu  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da  Boa  Viagem  do  Salto 
Grande.  A  aldeia  desappareceu  com  o  tempo,  mas  o  salto  guardou  a  me- 
moria do  juiz,  ficando-lhe  com  o  nome. 

Em  1759  desceu  de  novo  Rolim  á  fundar  o  forte  de  Nossa  Senhora 
da  Conceição  no  local  onde  fôra  a  missão  de  Santa  Rosa.  Nesse  tempo 
aportava  ahi  uma  expedição  do  Pará  com  apercebimentos  de  guerra,  para 
armar  a  capitania.  Em  1 765  regressou  por  ahi  aquelle  general,  ao  ter- 
minar o  seu  trabalhoso  governo.  Seu  successor  João  Pedro  da  Camará 
creou  o  destacamento  das  Pedras  Negras  no  primeiro  dos  contrafortes 
da  Parecis,  que  ao  descer-se  o  Guaporé  encontra-se  prolongado  até  beira 
rio.  A  maior  parte  do  tempo  de  seu  governo  passou-o  Camará  no  forte 
da  Conceição,  que  reformou,  fazendo-o  abaluartado,  no  systema  de  Vau- 
ban,  e  isso  quando  em  sua  frente  ameaçava-o  um  grosso  exercito  de  mais 
de  oito  mil  homens,  sob  o  commando  do  governador  hespanhol  Juan  de 
Pestana,  que  entretanto  foi  quem  desocdipou  o  terreno  e  retirou-se  aban- 
donando a  margem  opposta.  O  corpo  principal  do  forte  era  de  quarenta 
braças  sobre  vinte  de  fundo  :  em  1768  estava  terminado. 

Em  novembro  desse  anno  chegou  Luiz  Pinto  de  Souza,  terceiro  capi- 
tão-general,  com  quarenta  e  cinco  canoas  e  quatrocentas  e  vinte  e  duas 
pessoas  de  comitiva  Na  subida  das  cachoeiras  fundou,  na  terceira — o  salto 
de  Girau,  outra  aldeia  de| pamás  que  denominou  de  Bahemão, 

Em  1769  desceram  muitos  aventureiros  das  minas  do  Alto  da  Serra 
em  busca  da  dos  Garajús. 

Em  1774  veiu,  de  Villa  Bella  até  o  Beni,  o  quinto  capitâo-general 

(a)  Alguns  o  suppôem  irmão  dos  celebres  Alexandre  e  Bartholomeu  de  Gusmão 
o  Voador. 


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DA  PROVINCU  DE  MATTOGROSSO  139 

Luiz  de  Albuquerque  de  Mello  Pereira  e  Cáceres,  com  engenheiros  para 
levantarem  a  planta  da  confluência  do  Mamoré  e  tratarem  do  seu  melhor 
meio  de  defesa.  Em  1776  deu-se  principio  á  construcção  do  forte  do 
Príncipe  da  Beira,  uma  milha  acima  do  da  Conceição,  já  então  rebaptisado 
com  o  nome  de  Bragança,  e  que,  vindo  á  soflfrer  consideráveis  damnos 
com  as  enchentes  que  sobrevieram,  foi  em  breve  abandonado. 

O  forte  do  Príncipe,  além  dos  fins  estratégicos  á  que  foi  destinado, 
como  substituto  daquelle,  foi-o  também  á  servir  de  feitoria  á  Companhia 
âo  Comtnercio  do  Pará,  pouco  antes  creada. 

Nesse  mesmo  anno  fundava-se  Vizeu,  em  frente  ao  Corumbiara, 
povoado  que  também  pequena  existência  logrou,  fenecendo  quando  se 
acabou  o  monopólio  daquella  companhia. 

Em  1781  subiram  do  Rio  Negro  os  eommissarios  da  terceira  partida 
da  demarcação  de  fronteiras,  organisada  em  observância  ao  tratado  pre- 
liminar de  1777  :  sahiram  de  Barcellos  á  1  de  outubro  de  1781,  e  vieram 
levantando  os  planos  hydrogi'aphicos  do  Madeira,  Mamoré  e  Guiiporé, 
chegando  á  Villa  Bella  em  28  de  fevereiro  seguinte. 

Em  1787  desceu  Ricardo  Franco  de  Almeida  Serra  á  explorar  os 
aflBuentes  da  margem  oriental  do  Guaporé. 

Um  gi*ande  período  se  passou,  até  que  em  1844  o  capitão  de  fragata 
boliviano  José  Agustin  y  Palácios  desceu  o  Mamoré  até  o  Beni,  fazendo 
estudos  topographicos  e  hydrographicos.  Em  1874  os  engenheiros  alle- 
mães  Keller  subiram  o  Madeira  e  Mamoré,  em  identic »  emprego. 


E  finalmente,  em  1877,  da  commissào  brasileira  de  limites  com  a 
Bolivia,  que  subira  o  Paraguay  em  1875  e  estabelecera  a  linha  divisoría 
desde  a  Bahia  Negra  até  as  cabeceiras  do  Verde,  uma  secção  composta 
dos  Srs.  major  de  engenheiros  Guilherme  Carlos  Lassance,  1**  tenente 


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140  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

da  armada  Frederico  Ferreira  de  Oliveira,  e  do  autor  destas  linhas, 
que  era  o  medico  da  commissão,  desceu  estes  rios  Guaporé,  Mamoré  c 
Madeira,  onde  estabeleceu  os  marcos  difinitivos  nas  barras  dos  rios  Verde 
e  Beni,  e,  buscando  o  Amazonas,  voltou  á  corte  do  Império  pela  maior, 
mais  soberba  e  magestosa  estrada  fluvial  do  mundo. 


Rio ,  A.pa 


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CAPITULO  III 

Prodarloi  da  proTÍnría.  O  ooro  e  os  diamanieg.  O  ferr»  e  o  cobre.  Os  calcareos  e  argillas.  Flora  :  a  cana,  a  poaya  : 
■adeirasde  leis  e  sua  derastação.  Matto-Grotso  na  eiposí^áode  Philadelpbia.  h  faundug  de  criação.  Fairnoant* 
FirkeoTroe^dero. 

I 

^Ão  se  pôde  dizer  qual 
f  seja  do  Brasil  a  pro- 
vinda mais  rica  em 
«  produ  ctos    naturaes, 
^mas,    com    certeza^ 
Matto-Grosso  é  das 
antajadas,  sinàooccupa 

neiro. 

no  coração  do  conti- 
americano  e  dando  sa- 
ís correntes  do  mundo 
das  as  riquezas  mine- 

3rimeiros  exploradores, 
os  sertanistas  encontra 
eiros, — sem  outras  fadi- 
rens,  sem  mais  esforço 
trás  machinas  sinão  os 
entos  do  labor. 
Sendo  immensos  os  depósitos  sedimentarios  desse  solo,  também  im- 
mensos  devem  ser  os  seus  repositórios  de  riqueza ;  e  si  a  terra  occulta, 


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.142  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

hoje,  seus  opimos  thesouros,  todos  sabem  o  que  ella  possue  de  ouro  e  de 
ferro,  de  prata,  palladio  e  platina,  de  cobre,  chumbo  e  outros  metaes ; 
como  sabem  todos  quão  ricas  são  certas  comarcas  do  seu  território  em 
diamantes  e  outras  gemmas. 

Toda  a  aresta  oocidental  da  Parecis,  donde  quer  que  minasse  uma 
fonte — patenteou  thesouros  aos  olhos  fascinados  dos  ávidos  aventureiros. 
No  seu  massiço  de  SO.,  o  chamado  Alto  da  Serra,  não  menos  de  seis  ar- 
raiaes  se  fundaram  n'um  terreno  de  seis  léguas  sobre  menos  de  metade  de 
largura,  junto  á  outras  tantas  riquíssimas  jazidas  de  ouro  (a).  Innumeras 
habitayões,  engenhos,  fabricas,  sitios,  ergueram-se  á  margem  dos  ribeiros 
c  regatos  que  da  serra  cabiam;  povoados  entretidos  pela  presença  do  áureo 
luotiil  e  que  floresceram  somente  emquanto  elle  se  mostrou,  por  assim 
dizer,  na  supei-ficie  do  solo. 

Na  bifurcação  da  Parecis  com  a  ordilheira  do  Norte  ha  as  encan- 
tadas minas  do  Urucumacuam,  descobertas  e  não  mais  encontradas 
quando  voltaram  á  exploral-as  os  aventureiros  que  as  haviam  topado  ; 
para  o  mesmo  lado  exploravam  os  jesuitas  do  Madeira  as  nascentes  do 
Candeias  e   do  Jamary ;  contando-se  que  auferiram  valiosas  riquezas. 

Os  contrafortes  da  Tapirapuam,  os  da  Aguapehy,  Kagado,  Arara- 
pés  e  Santa  Barbara,  mo  aluiidavani  somente  em  ouro  :  também  em  bri- 
lliiinU^s.  Os  terrenos  auriíeros  d)  Alto  Paraguay,  do  Diamantino,  do  liuri- 
íysai,  do  Coxipó,  do  Tonibador,  do  Coxim,  etc,  foram  defesos  á  mineração, 
por  nelle  ap])areeerem  em  quantidade  aquellas  pedras  preciosas.  Dai?  ori-; 
gens  do  Paraguay  duas  tém  os  symbolicos  nomes  de  rio  Diamantino  e  rio 
do  Ouro ;  e  com  este  nome  não  menos  de  seis  riachos  se  contam  na  pro- 
vinda. 

Innumeras  correntes,  entre  ellas  Candeias^  Jamary,  Camararé  e  Ju- 


(a)  S.  Francisco  Xavier,  SanfAnna,  Pilar,  Ouro-Fino,  Boa- Vista  e  S.  Vicente 
Ferrer. 


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DA  província  de  mattogrosso  143 

hina,  por  um  lado ;  de  outro  o  Curumbiara ;  o  Galera,  o  S.  Vicente  e  o 
Maguavaré,  seus  tributários,  e  as  origens  deste,  Brandão,  Bimbuela,  Sujo, 
Quebra  Greda,  Jaboty,  Godoys  e  Cassumbê ;  o  Sararé,|o  Samburá,  Sepul- 
tura, Ema,  Burity,  Ouro-Fino,  Pilar  e  S.  Francisco  Xavier ;  os  Coxipós, 
o  Manso,  o  Aricá,  o  Cuyabá,  etc,  etc.,  rolavam  suas  aguas  sobre  areias 
de  ouro,  como  o  Pactolo  de  Homero. 

E'  sabido  o  facto  de  Miguel  Subtil,  que  é  o  da  origem  da  cidade 
de  Cuyabá  :  no  primeiro  dia  colheu  mais  de  meia  arroba  de  ouro  e  seu 
camarada  quatrocentas  oitavas,  dessas  minas  que  em  um  mez  produziram 
quatrocentas  arrobas  (a).  Ainda  hoje  sem  nenhum  trabalho  apanha-se 
folhetas  de  ouro  nas  ruas  e  quintaes,  principalmente  após  as  grandes 
chuvas.  Em  1875,  acampado  o  8°  batalhão  de  infantaria,  junto  á  Prainha, 
os  soldados  faziam  seus  fogões  escavando  a  teiTa  :  sobrevindo  uma  grande 
chuva,  lavou  os  cinzeiros  e  deixou  descobertas  já  não  palhetas,  mas  pe- 
quenas barras  fundidas.  Dessa  origem  vi  algumas,  entre  outras  iima  de 
quatro  á  seis  oitavas,  pertencente  ao  Sr.  alferes  Cassiano,  daquelle  batii- 
Ihão,  e  outra  ao  Sr.  Boaventura  da  Motta,  capitão  do  vapor  Leocadia  : 
constando-me  que  ha\iam  maiores,  sendo  notável  uma  de  que  era  possui- 
dor o  commaudante  do  corpo. 


Diamantes  encontraram-se  em  ricas  jazidas  no  Diamantino,  no  Bu- 
rytisal,  em  S.  Pedro,  Areias,  Melgueira,  SanfAnna,  no  rio  do  Ouro, 
todos  cabeceiras  do  Paraguay,  no  Coxipó-merim,  na  freguezia  da  Guia, 
á  seis  léguas  de  Cuyabá,  no  Aricá,  no  Tombador,  no  Coxim,  etc.  Si  das 
minas  de  ouro  o  Estado — exigia  o  imposto  de  um  quinto,  das  de  pedras 


(a)  Sá.  Relação  dos  Povoados.— Ferdinand  Dénis,  Pisarro,  Ayres  do  Gasal  e 
quantos  autores  tém  tratado  de  Matto-Grosso  citam  esse  facto,  que  supponho  con- 
signado nos  Ánnaes  da  camará  de  Ouyabá. 


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144  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

preciosas  guardava  para  si  o  direito  da  exploração  e  prohibia,  com  as  mais 
fortes  penas,  os  exploradores  ;  fazendo  evacuar  e  abandonar  ricas  jazidas 
de  ouro  por  ahi  descobrirem-se  também  daquellas  pedras.  Assim  foi  que  as 
do  Diamantino  foram  defesas  aos  mineradores  pelo  ouvidor  Manoel  Martins 
Nogueira,  quando  em  1748  lá  foi  dividir  os  terrenos  em  lotes,  e  em  vez 
disso-^fez  largar  a  mineração  e  evacuar  o  sitio,  por  terem  apparecido  os 
diamantes  ;  prohibição  que  só  foi  revogada  em  1805. 

São  tão  ricas  as  regiões  daquellas  cabeceiras  que,  ha  poucos  annos, 
José  Porphyrio  Antunes,  tirou  em  poucos  dias  uma  fortuna  de  cerca  de 
duzentos  contos,  á  crer-se  a  asserção  do  autor  da  Noticia  sohre  a  pro- 
vinda de  Matto- Grosso  (jà), 

O  Buritysal,  abaixo  do  ribeirão  do  Diamantino,  é  hoje  uma  tapera, 
como  quasi  todos  Os  antigos  povoados  da  capitania.  Sua  casaria  de  t<?llia 
attesta-lhe  ainda  a  antiga  importância.  Seus  poucos  habitantes  passam 
a  vida  em  descuidosa  indolência,  trabalhando  somente  quando  a  necesi- 
dade  os  obrigu.  Consiste  o  trabalho  na  cata  de  diamantes,  que  vão  buscar 
ao  fundo  do  rio  :  para  isso  vão  sempre  dous  companheiros  com  um  haquiic^ 
preso  á  uma  corda.  Baquité  é  o  samburá  que  as  Índias  costumam  trazer 
ás  costas.  Dos  companheiros  um  segura  na  corda,  e  o  outro  mergulha  no 
rio  e  enche  o  cesto  de  areia  e  cascalho,  que  o  primeiro  retira;  repetindo-se 
a  operação  uma  meia  dúzia  de  vezes.  Lavam,  então,  as  areias,  e  o  resul- 
tado dá-lhes  sempre  para  passarem  uma  semana  ou  duas,  de  gáudio, 
bebendo  restillo  e  tocando  viola.  O  convite  para  essa  pesca  dos  diamantes 
tem  uma  expressão  própria :  vanws  higúar^  isto  é,  vamos  mergulhar  como 
os  higtids,  carho  brasiliamis,  ave  ribeirinha  e  que  só  se  sustenta  de  pe- 
quenos peixes,  que  pesca  mergulhando. 


(a)  o  Sr.  Joaquim  Ferreira  Moutinho.-r-paf{.  %. 


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DA  PROYINCU   DE   MATTO-GROSSO  145 

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o  ferro  é  tão  comnmm  na  provinda  e  encontra-se  tão  facilmente  nas 
proximidades  das  grandes  artérias,  que  com  a  maior  facilidade  será  explo- 
rado. Para  comprovar-se-o,  baste  á  citar-se  a  cordilheira  que  costeia 
a  margem  direita  do  Paraguay  desde  a  Insua,  na  Uberaba,  até  Al- 
buquerque, as  montanhas  do  Aguapehy,  as  que  margeiam  o  Arinos 
e  rio  Vermelho,  a  de  S.  Jeronymo,  e  os  notáveis  paredões,  rochas  talhadas 
á  pique  e  enroxecidas  pelo  minereo  que  contém. 

Em  quasi  todas  predomina  o  ferro  oligisto,  o  mais  rico  dos  minereos 
ferricos.  A  analyse  do  das  montanhas  de  Jacadigo  e  Piraputangas,  entre 
Corumbá  e  Albuquerque,  deu  69  por  cento,  a  maior  que  até  hoje 
se  tem  podido  obter.  Encontra-se  o  metal  não  só  no  estado  crystal- 
loide,  principalmente  o  octaedro,  peculiar  ao  Brasil  e  ahi  primitivamente 
descoberto,  como  em  concreções  e  ainda  sob  a  forma  terrosa,  mormente 
nos  araxás  e  nàs  planicies  ao  sopé  das  montanhas.  Nem  mesmo  falta  nos 
terrenos  alagadiços,  onde  é  encontrado  em  limonito  ou  ferro  hydrdtado, 
resultas  da  acção  chimica  do  acido  tanico  e  outros  ácidos  vegetaes  e  muito 
principalmente  da  do  acido  carbónico  sobre  o  oxydo  de  ferro. 

Em  meio  da  lagoa  Uberaba,  na  ilhota,  que  nos  é  commum  com  a 
Bolivia,  e  onde^  em  6  de  setembro  de  1876,  a  conamissão  demarcadora 
assentou  o  marco  limitrophe,  o  sulfureto  de  ferro  entra  em  tão  grande 
proporção  na  composição  geológica,  que  as  bússolas  adoidavam,  e  o  que  é 
mais  frizante  ainda,  não  podiam  os  trabalhadores  fazer  fogo  no  solo  pedre- 
goso, nem  fazer  trempes  dos  seixos  e  calhaus,  que  o  calor  arrebentava-os 
com  estampido  e  fazia-os  voar  longe  em  estilhaços. 

A  maior  parte  das  rochas  dioriticas  da  provinda,  e  assim  são  quasi 

todas  essas  montanhas  que  terminam  notavelmente  por  uma  face  vertical, 

19 


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146  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

e  que  os  naturaes  chamam  trombas  ou  iiambés,  são  ricas  em  minereos  de 
ferro.  Taes  as  de  Jacadigo,  Piraputangas,  Aguapehy,  Napileque,  etc. ; 
taes  os  paredões  do  Araguaya,  Arinos  e  Xingu,  picos  isolados  e  de  formas 
abruptas  ;  taes,  finalmente,  as  minas  de  ferro  do  Polvarinho,  em  S.  Luiz 
de  Cáceres. 


J  .agòa  T_^bt»rabit 


Esse  metal  por  si  só  constitue  uma  riqueza  inesgotável,  um  porvir 
immenso  de  grandeza — e  não  só  para  a  provincia, — para  o  Brasil  todo. 
Prouvera  á  Deus  começasse  á  ser  explorado  de  nossos  dias.  Convença-se 
o  povo  de  que  mais  ditoso  é  o  paiz  que  guarda  em  seu  seio  ferro  e  carvão 
de  pedra,  do  que  o  que  encerra  jazidas  de  diamantes  e  veios  de  ouro. 
Estas  attrahem  os  garimpeiros,  os  aventureiros,  os  ambiciosos  que  espe- 
ram do  acaso  os  lucros  da  fortuna ;  aquellas  os  industriaes  e  trabalha- 
dores, que  buscam  obtêl-a  á  custa  do  labor,  explorando  não  o  acaso,  mas  a 
realidade.  Umas  crescem  e  povoam-se  com  rapidez,  mas  com  a  mesma 
decahem  e  se  convertem  em  ermos,  depois  de  terem  sido  theatros  de  mor- 
ticinios   e    roubos,  mil  crimes,  mil  iniquidades ;  as  outras — crescem  de 


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DÀ  PROVINCU   DE   MATTO-GROSSO  147 

vagar,  mas  vão  pouco  á  pouco  toraando-se  o  núcleo  de  fabricas  e  povoações 
manufactureiras  e  industriaes,bases  solidas  de  um  futuro  sempre  á  melhor. 
De  umas  extrahem-se  facilmente  riquezas  que  se  escoam  com  a  mesma 
rapidez  das  adquiridas  na  guerra  paraguaya,  deixando  o  paiz  exhausto 
delias  e  de  tudo,  pobre,  fraco,  estenuado.  As  outras  vém  trabalhosas  e 
trabalhadas,  á  cust^  de  muito  labor,  muita  delonga,  muita  fadiga  em 
seus  começos;  pouco  á  pouco,  porém,  vão  ajuntando  forças  e  desenvol- 
vem-se  em  progressões  geométricas,  de  modo  á  formarem  solidas  e  ver- 
dadeiras riquezas  pessoaes,  e  dotam  o  paiz  com  suas  fabricas,  suas  manu- 
facturas, suas  industrias  e  suas  rendas,  e  o  progresso,  o  desenvolvimento 
e  grandeza  que  lhes  servem  de  corte.  Bem  transitória  é  a  prosperidade 
das  minas  diamantinas  e  auríferas ;  e  para  que  dêem  resultados  reaes  é 
preciso  apparecerem  na  Austrália  e  na  Califórnia,  entre  povos  da  pujança 
anglo-saionia. 

Nos  paizes  novos  e  sem  forças  pouca  ou  nenhuma  vantagem  tiram : 
e  tantos  os  exemplos  quantas  as  antigas  e  grandes  minas.  ^  Que  proventos 
tiraram  os  descobridores  do  Bajá  de  Borneo,  do  Gran  Mogol,  do  Orlow,  do 
Begente,  do  Eoh-i-noor  e  do  Estrella  do  Sul,  o  diamante  da  Bagagem  ? 
Senhores  de  valor  de  milhões  ficaram  ricos,  foram  felizes,  são  conhecidos  ? 
Quem  sabe  delles?  A  legenda  apenas  falia:  foram,  de  ordinário,  miseros 
escravos,  poleás  da  sociedade,  que  os  acharam;  venderam-os  por  alguns 
vinténs  ou  á  troco  de  alguma  caxaça,  de  vinho  ou  de  rhum ;  os  segundos 
donos  já  abriram  mão  de  boas  quantias  para  havêl-is,  mas  não  logra- 
ram-os,  porque  terceiros  se  apropriaram  do  seu  haver,  roubando-lhes 
também  a  vida.  Seus  nomes  ninguém  conhece,  como  ninguém  sabe  a 
felicidade  que  o  thesouro  lhes  deu.  E  assim  foram  mudando  de  donos  até 
pararem  nos  escrinios  régios...^  Mas,  por  quantas  mãos  passaram  essas 
preciosidades  antes  de  chegarem  aos  erários  que  illuminam  com  seus 
fulgores?  O  que  é  certo  é  que  o  descobrimento  e  a  posse  de  uma  dessas 


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148  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

gemmas  custa  a  vida  á  dezenas  de  possuidores;  sendo  o  assassinato  e  o 
roubo  quem  dá  direitos  de  possessão  ao  herdeiro. 

Aqui  mesmo  em  Matto-Grosso  o  exemplo  é  commum.  á  Que  é  dos 
arraiaes  do  Alto  da  Serra,  e  Lavrinhas,  Santa  Barbara,  Santa  Isabel,  Ga- 
rajus,  Arayés,  Arinos,  etc.  ?  Que  é  da  prosperidade  da  florescente  Villa 
Bella,  hoje  moribunda; — da  prospera  villa  do  Diamantino  e  daPoconé, 
tão  decadentes  hoje;  e  da  mesma  Cuyabá,  apezar  dos  seus  incentivos  de 
cidade  capital  e  da  sua  entrada,  com  a  navegação,  no  grémio  do  commer- 
cio  e  mais  fácil  sociedade  com  o  resto  do  mundo  ? 


III 


Já  vimos  que  riquezas  a  provincia  possue  em  sal  marinho  e  em 
salitre  :  sabemos  das  suas  minas  de  cobre  do  Jaurú  e  do  Araguaya,  e  de 
prata  em  vários  logares;  e  do  palladio  e  platina,  companheiros  constantes 
do  ouro  e  da  prata.  Mas  não  é  isso  o  que  constituo  o  valor  da  região 
matto-grossense  :  seu  solo  descortina  outras  riquezas  mineraes  de  não  so- 
menos valia  para  o  commercio,  para  as  artes,  para  a  industria. 

São  extensos  os  seus  terrenos  calcareos  onde  sobejam  os  spathos,  onde 
abundam  os  crystaes  de  rocha,  agathas  e  pederneiras,  talca,  mica,  vários 
leptinitos  de  que  com  facilidade  se  obtém  o  kaoUn^  innumeras  qualidades 
de  argillas  plásticas, — desde  o  gesso  e  aquella  matéria  prima  da  finíssima 
porcellana  até  o  barro  negro,  aproveitado  pelos  aborígenes  na  sua  tosca  ce- 
râmica. Nem  lhe  faltam  o  mármore,  as  ardozias  e  os  porphyros  de  vários 
matizes,  de  que  formosas  amostras  se  accumulam  nas  vitrinas  do  muzeu 
nacional. 

Como  todo  o  Brasil,    a    terra  de  promissão  da  historia  natural 


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DÁ  PROVINCU  DE  MATTO-GROSSO  149 

Matto-Grosso  é  ubérrima  em  vegetaes  de  toda  a  classe  e  proveito.  A  me- 
dicina, a  constrncção  terrestre  e  naval,  a  marcinaria,  a  tinturaria,  a  pelle- 
teria,  etc.,  ahi  encontram  repositórios  de  riquezas  enormes ;  do  mesmo 
modo  que  delles  tira  grandes  subsidies  a  economia  domestica,  em  plantas 
de  horticultura,  ornamentação  e  recreio,  ou  de  penso  para  os  gados.  Aqui 
desenvolvem-se  perfeitamente  todos  os  productos  de  exportação  do  Império, 
inclusive  o  café.  No  Brasil,  póde-se  dizer  sem  hyperbole,  não  ha  solo 
ingrato,  nem  maninho.  Os  mesmos. pantanaes  do  valle  paraguayo  seriam 
fontes  de  opulência  si  se  cultivasse  o  arroz  que  ahi  pullula  e  fructifica 
expontaneamente,  fazendo  parte  da  alimentação  das  indolentes  e  descui- 
dosas  tribus  selvagens  e  semi-selvagens  que  ainda  lá  vivem  ás  margens 
dos  rios  e  lagos.  O  algodão  não  necessita  de  cultivo  para  dar  provas  de 
ser  uma  exuberante  producção  do  solo. 

A  cana  faz  prodígios  que  nunca  fizeram  os  canaviaes  do  norte,  suas 
socas  reproduzindo-se  com  forças  sachariferas  por  dez  e  vinte  annos,  i?e- 
gundo  informações  geraes,  e  não  sè  querendo  fazer  cabedal  dos  trinta 
e  quarenta  annos  que  alguns  lavradores  pretendem  dar-lhe  de  duração. 

Ha  vehementes  suspeitas  de  que  esse  producto  seja  indígena  da 
província.  Dizem  que,  logo  em  começos  do  povoado  de  Cuyabá,  alguns 
sertanistas  a  encontraram  nos  albardões  e  malocas  dos  indios  dos  rios 
S.  Lourenço  e  Paraguay  (a).  O  assucar,  desde  1758,  ha  cento  e  vinte  annos. 


(a)  Ayres  do  C&sB.h—Chorographia  Brasílica.  Ferdinand  Dónis.—  Le  Brésil, 
pag.  66. 

Eis  o  qu6  à  tal  respeito  diz  Barbosa  de  Sá,  na  sua  Relação  dos  Pc  voados,  copisL- 
do,  sem  duvida,  dos  Annaes  da  camará  de  Cuyabá  o— 1728.  Havendo  já  dous  annos 
noticia  por  alguns  sertanistas  que  tinham  andado  pelos  sertões  das  vargens  da  ha- 
bitação dos  Guatoz,  Xacoéres,  e  outros,  tendo-lhe  visto  em  seus  reductos  plantas 
de  cana  ;  fallando-se  nisso  e  intentando  algumas  pessoas  de  mais  posses  hir  em 
procura  da  dita  planta  para  a  iutroduzir  nesta  povoação ;  foi  isto  praticado  muitas 
vezes,  mas  não  produzia  effeito  algum.  Neste  anno,  depois  da  sabida  do  general  (*) 
preparou  o  brigadeiro  António  de  Almeida  Lara  duas  canoas  de  guerra,  com  outras 


(*)  O  capitão-general  Aodrigo  Gesar  de  Menezes. 


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150  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

que  se  fabrica  na  provincia.  O  tabaco  está  tão  na  natureza  do  solo  como 
na  Bahia  e  no  Rio  de  Janeiro  ;  e  em  qualidade  não  é  somenos  ao  de  Goyaz 
e  do  Amazonas.  A  mandioca  é  excellente,  do  mesmo  modo  que  os  carás, 
inhames  e  batatas  :  grandes,  grossos,  e  portanto  ubérrimos  em  principios 
nutritivos.  O  ricino  é  a  praga  das  plantações,  pullulando  onde  quer  que 
se  roteie,  como  nas  outras  províncias,  após;as  derrubadas  e  a  queima  áas 
mattas  virgens.  O  mate,  (aa-mi,  dos  guaranys,  cobre  os  districtos  fer- 
tilissimos  de  Miranda  e  Nioac,  do  Taquary  ao  Apa. 


^lattas  da  poaya 

Quasi  que  só  em  Matto-Grosso  a  ipecacuanha  tem  pátria ;  sendo  os 

de  montaria,  com  escravos  seus  e  alguns  homens  brancos,  todos  com  boas  armas, 
e  fazendo  isto  á  sua  custa  os  enviou  á  procurar  as  canas,  com  que  fez  o  brigadeiro 
um  bom  quartel :  no  anno  seguinte  logo  todos  as  tiveram  e  logo  começaram  à  moer 
nas  moendinhas  á  que  nós  chamamos  escaroçadores  e  á  estilar  em  lambiques  que 
formavam  de  tachos :  appareceram  logo  aguardentes  de  canas  que  vendiam  o  frasco 
a  dez  oitavas  de  ouro  e  as  frasqueiras  a  quarenta  e  cinco  oitavas.  Com  esta  aguar- 
dente é  que  se  começou  a  lograr  saúde  e  cessaram  as  enfermidades,  e  a  terem  os 
homens  boas  cores,  que  até  então  eram  pallidos  commumente ;  foram  a  menos 
as  hydropesias  e  inchações  de  pernas  e  barrigas  e  a  mortandade  de  escravos  que  até 
então  se  experimentava  foi  indo  em  muito  menor  excesso. . . »  {sic). 


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DA   PROVINCU  DE   MATTO-GROSSO  151 

terrenos  da  sua  predilecção  as  ribas  occidentaes  da  provinda,  e  notavel- 
mente as  das  cabeceiras  do  Guaporé  e  do  Paraguay  até  o  Jaurú.  E'  nas 
margens  deste  affluente  e  nas  do  Cabaçal  que  se  colhe  a  maior  parte 
da  que  desce  a  abastecer  os  mercados  do  mundo ;  e  são  conhecidas  pelo 
nome  de  mattas  da  poaya  as  frondosas  florestas  que  cobrem  as  margens 
desses  dous  rios,  e  á  cuja  sombra  protectora  vegeta  extraordinariamente 
tão  precioso  medicamento. 

Como  a  poaya,  a  baunilha,  a  quina,  a  japecanga,  a  salsaparrilha, 
a  jalapa,  o  jaborandy,  o  saogue  de  drago,  a  copahiba,  a  bicuiba  e  muitas 
outras  espécies  de  óleos,  o  angico,  o  páo-santo,  a  caroba,  a  carobinha, 
a  cainca,  o  jatobá,  etc,  são  thesouros  da  matéria  medica  muito  communs 
na  região.  A  baunilha  enreda-se  ás  grossas  arvores  e  particularmente  ás 
palmeiras,  nas  ribeiras  de  quasi  todos  os  seus  rios  e  corixas,  e  com  prefe- 
rencia nos  terrenos  do  Alto-Paraguay,  e  seus  affiuentes,  do  Guaporé,  Ma- 
moré  e  Madeira,  e  ries  que  os  engrossam.  A  quina  e  o  barbatimão,  o 
timbó  de  arvore  e  a  mangaba,  tão  delicada  no  sabor  do  fructo,  como  útil 
na  borracha  que  produz,  cobrem  os  taboleiros  e  albardões  argillo-silicosos 
dos  terrenos  baixos  e  melões.  Da  primeira,  varias  espécies  existem,  todas 
aproveitáveis,  mas  não  da  qualidade  melhor :  abundam  mais  a  quina  ver- 
melha varicosa^  chinchona  niiiãa^  de  Pavon,  a  lancifolia  e  a  mycrophila, 
variedade  de  folhas  ovaes,  de  pouco  mais  ou  menos  dous  centímetros  de 
comprimento. 

Nas  margens  dilatadas  do  Guaporé,  Mamoré  e  Madeira,  e  dos  outros 
cursos  dos  systemas  do  Araguaya,  Tapajoz  e  Xingu,  abundam  extraordi- 


—  E  accrescenta :  «  — ...  e  hoje  (1775)  se  acham  os  engenhos  quasi  extinctos  pelos 
muitos  tributos  que  se  lhes  tém  imposto.  »— 

A  cana,  chamada  creoula,  foi  trazida  da  Madeira  em  l.'8l,  por  Martim  Afifonso 
(P.  Dénis,  ob.cit.) ;  para  ser  a  introduzida  em  Matto- Grosso,  seriam  os  Índios  que  as 
boavessem  dos  colonos  e  nào  o  inverso.  A  chamada  de  Cayenrta,  foi  introduzida 
no  Pará,  somente  em  fins  do  século  passado  pelo  general  Narciso  que  a  trouxe  da 
Gayanna  Franceza  (F.  Dénis). 


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152  ESBOÇO  CHOROORÂPHICO 

naríamente  a  salsaparrilha,  o  cacau,  o  cravo,  a  copahiba,  e  sobretudo  as 
seringueiras  e  o  tocary^  estes  últimos  elevando-se  sobranceiros  sobre 
as  altas  franças  das  florestas  e  dando  um  cunho  especial  á  feição  do 
paiz. 

Infelizmente  paraMatto-Grosso  o  immenso  território  seu,  que  abunda 
em  taes  thesouros,  pouco  explorado  é  por  amor  dos  obstáculos  que  as 
cachoeiras  oppôem  á  industria: — mas sabe-se  que  só  do  Alto-Madeira  desc« 
annualmente  uma  renda  de  cinco  á  seis  contos  de  réis  para  os  cofres 
da  Amazonas,  a  administradora  desse  território  matto-grossense. 


IV 


Basta  attentar  para  a  extensão  e  posição  geographica  da  província 
para  ficar-se  convencido  de  que  suas  florestas  encerram  tudo  quanto  as 
outras  províncias  podem  ostentar  em  madeiras  de  lei.  Os  jacarandás,  o 
vinhatico,e  guatambú,  o  guarabú,o  pau-santo  (guayaco),as  varias  espécies 
de  canelleiras  e  de  perobas,  o  pequiá,  as  aroeiras,  cedros,  o  angico,  o  tapi- 
nhoam,  a  secupira,  a  parnahyba,  o  coração  de  negro,  gonçalo  alves, 
baraúna,  pau  d'arco,  —  nas  regiões  de  NE.  o  pau  brasil,  e  mil  outros  ma- 
deiros de  subido  valor,  são-lhe  tão  communs  como  nas  províncias  mais 
favorecidas. 

A'  beira  Paraguay,  apezar  da  ignara  devastação  dos  lenhadores,  á 
custo  se  avista  um  ou  outro  jacarandá,  guatambú  ou  vinhatico,  que  o  mais 
já  tem  desapparecido  para  se  converter  em  combustível  dos  vapores  que 
sulcam  o  rio:  precioso  material  que  povoava  as  margens  e  que  agora  só, 
de  longe  em  longe,  deixa  ver  um  ou  outro  exemplar,  que  de  julho  a 
setembro,  na  estação  das  flores,  tomam  tão  bellas  as  mattas,  esmaltando- 


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DA  província  de  matto-grosso  153 

lhes  o  verde-escuro  com  as  altivas  grimpas  transmudadas  em  ramalhetes 
enormes  e  formosissimos,  brancos,  amarellos,  róseos,  escarlates  e  violetes. 
Si  ainda  abundam  e  avultam  os  ipcs,  pernas  na  província,  não  é  porque 
sejam  peior  combustível,  mas  por  embotarem  os  machados  e  cançarem  o 
braço  dos  lenhadores.  Quando  mais  escasso  for  o  outro  material  de  carvão,o 
7Mf^/rar//^/,quebra-machado,dos  hespanhoes,  será  derrubado  em  tanta  cópia 
quanta  se  apresente;  porquanto  só  a  preguiça  tem-o  poupado  até  agora. 


.A.    clemilDada.. 


E,  já  que  ha  occasião  de  fallar  nessas  derrubadas,  nessa  devastação 
sem  limites,  verdadeira  depredação  ao  Estado,  seja  licito  estranhar-se  a 
indifferença  com  que  a  provinda  vê  arderem  essas  riquezas  tão  fáceis  de 
ser  aproveitadas.  Não  tenho  certeza,  mas  supponho  que  as  madeiras  de 
lei  são  propriedade  da  nação ;  e  que,  quanto  á  algumas,  nenhum  parti- 
cular, ainda  mesmo  em  terrenos  seus,  as  pôde  devastar,  sem  especial  con- 
cessão, onde  lhe  seja  especificada  a  qualidade  e  marcada  a  quantidade  das 
arvores  que  propõe-se  á  derribar.  A  circular  do  ministério  da  marinha 

de   5  de  fevereiro  de  1858  prohibe  cortar,  sem  licença,  as  perobas,  secu- 

20 


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154  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

piras,  pequiás,  jaguarés,  cedros — batata  ou  angelina  do  Pará,  perobas 
brancas,  potumujús,  itaubas  do  Pará,  etc.;  e  si  não  falia  de  outras  mais 
raras  ou  de  maior  apreço  é  que  sem  duvida  outra  lei  já  preveniria  a  sua 
devastação. 

Custa  á  crer,  aos  annos  que  dura  a,  navegação  á  vapor  da  província, 
que  ainda  as  companhias  ou  os  armadores  não  tenham  estabelecido  depó- 
sitos de  carvão  de  pedra  para  o  consumo,  nem  que  se  tenha  tomado,  até 
hoje,providencia  alguma  á  tal  respeito.  Entretanto  é  questão  de  magno  in- 
teresse, e  que  ha  de  ser  resolvida,  mas  tardiamente.  Tempo  virá,  e  não 
longe,  que  os  vapores,  já  não  encontrando  nas  margens  do  rio  madeiras  de 
lei  para  queimar,  recorram  ás  outras;  e  quando  tudo  estiver  completamente 
devastado,  tudo  consumido,  buscarão  então  outro  recurso  nos  depósitos 
de  carvão  de  pedra. 

Mais  vale   tarde  do   que  nunca;  faça-se  agora  o  que  a  desídia 
e  a  ganância   não  tem  querido  fazer;   salve-seo  que  ainda  resta  dessa 
preciosa  vegetação  ribeirinha; — e  os  jacarandás,  o  pau-san to,  os  cedros, 
o  vinhatico,  o  guatambú,  etc,  em  vez  de  serem  reduzidos  á  achas  para 
alimentar  caldeiras,  descerão   como  cargas  desses  mesmos  vapores  para 
serem  vendidos  por  preços  decuplos  ou  serem  utilisados  em  artefactos  de 
subido  valor.  A  navegação,  do  modo  porque  hoje  é  feita  na  provincia, 
prejudica  mais  do  que  íavorece-a.  Apenas  dispondo  de  três  pequenos 
vapores,  quasi  ^em  accommcdaçces,  e  dos  quaes  o  CVafjpo  nem  cama- 
rotes tem ;  e  que,  ainda  na  vasante  dos  rios,  são  substituídos  por  canoas 
que   fazem   o   resto  da  viagem   desde  Santo  António  á  Cuyabá ;  é  essa 
companhia,  no  emtanto,  largamente  subvencionada  e  ha  longos  annos ; 
e,  ainda,  para  poupar  os  gastos  do  combustível  esgota  as  fontes  de  riqueza 
da   provincia.  Si  nos  primeiros  tempos,  quando  nas  explorações,  houve 
necessidade  desse  recurso  ;  si  nas  primeiras  viagens  pôde-se  desculpal-o, 


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DA  PROVINCU  DE  MATTO-GROSSO  155 

hoje  não  ha  mais  razão  para  que  ainda  se  o  procure,  sendo  franca,  effec- 
tiva  e  privilegiada  essa  navegação. 

Attendarse  para  o  que  se  destroe  e  se  perde  nesse  vapor  feito  com 
contos  de  réis  de  preciosíssimos  lenhos.  E*  a  abundância  que  se  desper- 
diça, é  uma  fonte  de  rendas  que  o  Estado  perde — e  que  Matto-Grosso  não 
pode  nem  deve  perder. 


Quando  escrevia  essas  linhas  vinham-me  ao  conhecimento  os  brilhan- 
tes resultados  obtidos  pelo  Império  na  Exposição  Universal  da  Phila- 
delphia^ 

Teve  o  Brasil  razão  de  orgulhar-se  do  êxito  da  exhibição  dos  seus 
productos  nesse  grande  bazar  internacional  do  Fairmount  Park. 

Occupou  logar  distincto  entre  as  nações  mais  avantajadas  em  poten- 
cia de  recursos  naturaes,  sinão  pelo  bom  gosto  e  belleza  dos  seus  variadis- 
simos  productos,  ao  menos  pela  utilidade,  abundância  e  valor  delles.  Ahi 
está  á  compro val-o  o  parecer  dos  juizes :  em  mil  cento  e  quatro  exposi- 
tores brasileiros,  quatrocentos  e  vinte  e  um  obtiveram  prémios  e  diplomas 
de  honra.  Mais  do  que  nenhuma  outra,  nacional  ou  estrangeira,  essa  expo- 
sição lhe  foi  favorável;  também  em  nenhuma  outra  teve  elle  a  felicidade 
de  reunir  tantas  condições  de  bom  êxito. 

Teve  razão  de  orgulhar-se.  São  essas  creações  da  intelligencia  e  da 
actividade,  da  industria  e  do  trabalho,  que  fazem  a  maior  gloria  de  uma 
nação;  poraue  são  as  fontes  de  sua  grandeza  e  independência,  e  o  metro  da 
sua  influencia  e  supremacia. 

São  as  exposições  o  melhor  incentivo  para  a  educação  industrial ; 
são  uma  escola,  na  qual  a  humanidade  em  peso  vae  soffirer  os  exames  do 
seu  adiantamento,  e  onde  si  se  premeia  o  invento  e  os  descobrimentos^ — 


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156  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

creações  do  génio — também  louva-se  e  acoroçôarse  a  perseverança  do 
artista,  a  habilidade  e  industria  do  obreiro  que  simplifica  o  trabalho  e 
que  melhora  o  producto, — todos  beneméritos  da  humanidade. 


E  dahi  vem  a  emulação  e  o  estimulo.  Cada  qual  corrige  os  erros 
ou  os  defeitos;  aprende  os  melhoramentos;  concebe  novas  idéas,  que  vae 
executar  em  honra  sua  e  da  pátria,  em  seu  proveito  e  da  humanidade 
toda. 

As  exposições  não  só  instruem  e  corrigem,  como  crêam  e  inventam  : 
melhor  que  tudo  desenvolvem  e  aperfeiçoam  a  civilisaçáo  e  o  bem-estar 
dos  povos,  que  se  aproximam,  estreitam-se  e  tendem-se  á  unificar-se  nesses 
convívios  da  intelligencia,  nessa  permuta  do  génio  e  do  esforço  pessoal. 
Si  estamos  ainda  na  infância,  «porém  já  bastante  viciados, »  como  judi- 
ciosamente o  disse  um  dos  nossos  coramissario?  cm  Philadelphia;  si  pre- 
cisamos educarmo-nos  para  os  grandes  commettimentos,  esse  grandioso 
certame  do  intellecto  e  da  industria  humana  veiu  mostrar  ao  mundo  que 
não  somos  remissos  á  essa  educação;  que  podemos  recebel-a  e  fazer  fructi- 
ficar;  e  que,  emfim,  não  somos  hospedes  no  progresso — e  podemos  marchar 
com  a  civilisação. 

Actividade;  mais  perseverança  nos  trabalhos;  mais  estudo,  mais 
euidado,  mais  confiança  nas  nossas  forças :  e  o  ganho  será  todo  nosso. 

Matto-Grosso  não  carece  de  homens  intelligentes  e  laboriosos,  nem 
é  por  essas  causas  que  não  se  tem  apresentado  nesses  combatas  de  honra. 
E'  de  iniciativa  que  carece,  é  de  emulação.  Que  digaro  o  Sr.  Miguel 
Angelo  (a),  si  não  está  bem  pago  dos  seus  afans  industriaes, — e  si  isso 


(a)  O  Sr.  Miguel  Angelo  de  Oliveira  Piato^  fazendeiro  do  rio  abaixo,  no  Ouyabá, 
que  expoz  licores  finos  do  sueco  de  fructos  da  provincia. 


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DA  PEOYINCU  DE  MATTO-GROSSO  157 

náo  lhe  vale  muito  dinheiro, — com  o  simples  voto  consciencioso  de  apreço 
dos  juizes  americanos,  provectos  avaliadores  dos  licores  que  expoz,  e  com 
a  medalha  de  honra  que  obteve. 

Vale  dinheiro  e  muito,  porque  essa  industria,  assim  distribuida, 
virá  á  ser  procurada,  graças  á  patente  de  superioridade  que  lhe  conferiu 
tribunal  tão  conspicuo. 

Os  licores  e  as  conservas  dos  fructos  brasileiros  foram  dos  espé- 
cimens que  mais  chamaram  a  attençãodos  americanos  e  europeus,  pela  sua 
variedade,  gosto,  paladar  e  excellente  preparo,  de  modo  que  nada  perde- 
ram em  sabor  e  qualidade  com  o  tempo  e  a  longa  travessia.  São  dous 
ramos  de  industria  em  que  a  província  pôde  aventuràr-se  com  certeza  de 
bom  êxito. 

Como  já  viu-se,  não  é  só  o  útil  que  chama  a  attençáo  da  humani- 
dade e  merece  animação  e  premio  ;  o  agradável  também.  E  quando  essas 
duas  qualidades  se  reúnem  mais  aprimorado  fica  o  objecto,  mais  realce 
tem  em  seu  valor.  As  redes  de  dormir  de  Goyaz,  Pará,  Maranhão  e  Ceará, 
foram  admiradas  por  seu  trabalho,  algumas  delias  entretecidas  de  vis-  ' 
tosas  plumagens  das  araras,  tocanos,  beija-flôres;  do  mesmo  modo  leques, 
ramalhetes  e  mosaicos  de  pennas,  bordados  feitos  cora  os  elytros  de 
insectos  brilhantes,  que  pareciam  gemmas  de  subido  valor,  e  prendiam 
mais  a  attençáo  do  que  os  diamantes  do  Serro,  as  esmeraldas  da  Bahia  e 
as  saphyras  de  Goyaz  e  de  Minas.  Nesses  artefactos  primorosos  ha  apenas 
a  industria  delicada  própria  dos  dedos  de  uma  senhora. 

Aqui,  em  varias  localidades  da  província,  não  faltam  productos 
eguaes,  e  principalmente  redes  de  finíssimo  lavor :  entre  outras,  as  de 
Poconé  occupam  logar  distincto  á  Mas  porque  não  figuraram  como  as  das 
outras  províncias  no  MahirBuilding  ?  porque  não  descem  á  serem  vistas 
nas  grandes  capitães  V 


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158  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

A  fauna  de  Matto-Grosso  por  si  só  basta  para  prover  opulentamente 
todos  os  gabinetes  do  mundo. 

Entretanto,  ao  passo  que  ali  a  zoologia  está  representada  com  magnifi- 
cência verdadeiramente  soberana :  coUecções  entomologicas  superiores  á 
tudo  o  que  de  melhor  e  de  mais  rico  possue  a  Europa  nesse  género ;  mil 
diversos  animaes  preparados,  desde  o  tigre  e  o  tamanduá,  a  sucury  e  o  jacaré, 
até  a  tocanãira  e  a  jequiranaraboya;  desde  otuyuyúe  a  avestruz  até  os  for- 
mosissimos  e  mimosos  beija-flôres;  coUecções  de  ninhos,  do  ovos,  casulos  de 
borboletas,  e  estas,  em  selecções  esplendidas  e  incomparáveis ;  e  tudo  isso 
mandado  pelas  outras  provincias ;  entretanto,  Matto-Grosso  nada  apre- 
sentou— por  falta  de  iniciativa. 

Daquellas  foram  diflFerentes  amostras  de  madeiras,  vegetaes  medi- 
cinaes,  óleos,  resinas,  gommas,  extractos,  etc.,  coUecções  preciosas  á  todos 
os  respeitos  e  de  um  .valor  inestimável;  e  de  Matto-Grosso  apenas  a  ipe- 
cacuanha e  a  baunilha,  e  esta  pessimamente  preparada. 

Causou  estupefacção,  para  não  dizer  compaixão,  a  presença  deste 
producto  matto-grossense  no  Fairmount-Park,  pelo  seu  mau  preparo,  e,por 
conseguinte,  depreciamento.  A  nossa  baunilha  não  é  procurada  no  com- 
mercio  e  pouco  valor  tem,  emquanto  paga-se  na  Europa  á  mil  réis  a  fava 
e  á  cem  e  cento  e  vinte  mil  réis  o  kilogramma  da  chamada  mexicana,  em 
cuja  classe  estão  as  expostas  por  Pernambuco,  Bahia,  Paraná  e  Goyaz. 

E  entretanto,  onde  o  custo  e  a  difficuldade  do  preparo  da  baunilha  ? 

Mas,  ao  menos,  valha  á  Matto-Grosso  a  sua  boa  intenção.  Traba- 
lhou para  apresentar  um  producto,  e  si  não  fêl-o  bom,  á  carência  de 
habilidade  e  industria,  ao  menos  mostrou  que  o  possuia,  apto  para  con- 
verter-se  n'um  excellente  producto  quando  convenientemente  beneficiado 
o  seu  preparo  ;  e  deu  ensanchas  para  outros  melhor  o  explorarem,  no 
que  não  perderão  tempo  nem  trabalho  e  lograrão  fáceis  proventos. 


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DA  província  de  matto-grosso  159 

Oxalá  fizesse  o  mesmo  com  o  seu  excellente  fumo,  e  o  seu  algodão, 
já  que  não  o  pôde  fazer  com  o  café,  ainda  mal  ensaiado  na  província. 


E  foram  estes  três  productos  os  que  firmaram  a  maior  gloria  do 
Brasil  no  Main-Building,  porque  são  a  sua  verdadeira  riqueza  e  a  base 
do,  ainda  hoje,  solido  e  bem  firmado  credito  de  que  goza  na  Europa, 
apezar  das  abstracções  de  alguns  dos  nossos  financistas,  cujo  tino  se 
revela  por  uma  singular  virtude  dissolvente. 


Não  é  o  fim  dessas  festas  da  industria  coroar  somente  os  trabalhos 
raros  do  espirito,  os  inventos,  os  descobrimentos :  animara  também,  aco- 
roçoam  e  protegem  a  actividade  e  a  perseverança  era  trabalhos  que,  pare- 
cendo materiaes,  presuppôem  o  estudo.  Ao  lado  das  machinas  intelligentes 
que  substituem  o  braço  do  homem,  dos  livros  de  alta  ensinança,  dos 
inventos  utilíssimos,  são  premiadas  as  matérias  brutas  de  que  se  pôde 
obter  artefactos  necessários ;  os  productos  da  phantasia  que  deleitam 
apenas  os  sentidos ;  o  útil  como  o  agradável. 

Cada  producto  tem  uma  scioncia  ou  uma  arte  de  que  é  subsidiano, 
á  que  se  liga  e  q  ue  o  ennobrtte.  O  curioso  expositor  das  armas,  utensis  e 
objectos  do  costume  dos  indios,  é  um  colleccionador  que  trabalha  em  bem 
da  ethnographia  e  anthropologia;  o  colleccionador  de  borboletas  e  besouros, 
o  entomologo,  é  um  benemérito  da  historia  natural ;  o  expositor  de  mar 
deiras  de  construcção,  de  medicinas  e  mineraes,  é  um  obreiro  do  pro- 
gresso que  trabalha  pelo  desenvolvimento  do  paiz,  pelo  bem  da  socie- 
dade, descortinando  aos  olhos  do  mundo  as  riquezas  que  aquelle  possue. 
Os  objectos,  os  mais  insignificantes  na  apparencia,  podem  ser  de  um  im- 
menso  valor  real.^:  Que  cousa  mais  sem  apreço,  á  primeira  vista,  do  que  a 


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160  ESBOÇO    CHOROGRÀPHICO 

terra  que  pisamos ;  e,  entretanto,  quanto  não  vale  ella  aos  olbos  do  sábio 
industrial  ?  Aqui  os  calcareos  com  os  seus  immensos  usos ;  uli  as  argillas 
próprias  para  a  cerâmica,  para  construcções,  para  ornatos ;  lá  o  precioso 
kaolin  para  a  porcelana  finíssima :  cousas  que  o  descuidado  despreza  e  o 
industrioso  transforma  em  thesouros.  Já  não  se  as  encare  pelo  seu  valor 
próprio ;  tome-se-as  pelo  que  lhes  é  relativo  :  sào  terras  de  plantio  ou 
estéreis,  maninhas,  baldias  e  que  aos  olhos  ignorantes  nada  valem  e  nada 
dizem,  mas  aos  do  industrial  revelam-se  verdadeiros  cabedaes ;  taes 
pedras  são  mais  ferro  que  granito  e  indicam  terminantemente  a  riqueza 
do  seu  minereo ;  taes  outras  revelam  a  existência  do  cobre,  da  prata,  do 
enxofre,  do  arsénico ;  estas  areias,  estes  cascalhos  são  Índices  da  presença 
do  ouro  e  da  platina,  ou  da  formação  das  gemmas  de  valor. 

Os  olhos  da  intelligencia  serão  sempre  os  de  Nicomaco,  que  respDn- 
deu  ao  ignorante  que  nada  via  de  bello  nos  quadros  de  Apelles  : —  «  Fede 
á  Deus  os  metes  olhos  e  vê.  »  Apresente-se  coUecção  dessas  variedades  de 
terras  e  o  ignaro  rir-se-ha ;  mas  o  industrial  irá  soffrego  revistal-as,  revol- 
vêl-as,  estudal-as,  analysal-as  para  ver  onde  com  maior  profusão,  menor 
despeza  e  trabalho,  colherá  tal  ou  tal  producto.  E  lá  virá  elle,  e  com  elle 
a  industria,  e  com  a  industria  as  fabricas,  o  trabalho,  a  população,  o 
desenvolvimento  social,  a  prosperidade,  o  progresso  e  o  engrandecimento. 


VI 


Desgraçadamente,  província  tão  opulenta  de  forças  é  a  mais  pobre 
de  industria.  Fora  delia  ninguém  a  conhece  por  um  producto  seu  que  a 
represente,  que  lhe  seja  peculiar,  que  delia  falle — pela  abundância  no 
mercado  ou  pela  raridade  na  espécie, — á  não  ser  a  poaya,  os  couros  de 
onça  remettidos  de  mimo,  ou  algumas  favas  dessa  baunilha,  comquanto 


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DA  província  de  matto-grosso  161 

boa  na  qualidiade,  má  no  preparo.  Nenhuma  outra  província,  nem 
mesmo  Goyaz,  com  a  sua  diíBculdade  de  communicações,  nem  ainda  a  do 
Amazonas,  provincia  nova  e  de  população  egual  á  da  velha  Matto-Grosso, 
tem  fugido  de  apresentar-se,  deixando  muito  á  desejar  em  seus  productos, 
mas  dando  sempre  o  seu  contingente  ao  coramercio,  e  arrhas  de  seu  labor 
á  industria  e  á  civilisação.  Goyaz  já  é  conhecida  nos  mercados  do  Atlân- 
tico por  sua  courama,  artefactos  de  couro  e  lonca,  seus  excellentes  fumos, 
suas  rendas  de  linho,  as  redes  de  dormir  e  alguns  bons  productos  medi- 
cinaes,  sem  fallar  nos  mineraes  que  exporta,  como  o  seu  crystal  de  rocha, 
o  ouro,  as  pedras  preciosas.  Tudo  isso  appareceu  em  Philadelphia,  e  si 
ahi  não  deu  uma  soberba  idéa  de  Goyaz  e  dos  goyanos,  sempre  disse 
alguma  cousa  das  forças  do  solo  e  da  disposição  dos  habitantes  para  o 
trabalho.  A  Amazonas,  apezar  do  Pará  absorver-lhe  e  exportar  como 
próprias  as  producçôes  homogéneas  delia,  tem  como  principaes  ramos  de 
exportação  a  borracha,  o  cacau,  a  salsa,  a  copahiba,  o  cravo,  o  tocary  ou 
castanha,  etc.,  e  o  peixe  secco,  o  pirarucu,  succedaneo  do  bacalhau,  além 
das  niadeiras  de  preço  que  são  innumeras.  O  progresso  da  sua  industria 
é  attestado  pelo  augmento  de  producção,  pelo  augmento  de  consumo  e 
pelo  rápido  e  importante  accrescimo  das  rendas  provinciaes. 

Só  Matto-Grosso  conserva-se  estacionário,  si  é  que  não  retrograda. 

Os  grandes  proprietários  não  conhecem  hoje  outra  fonte  de  riquezas 
sinão  a  criação  do  gado  (a).  Mas  é  que,  ordinariamente,  a  razão  está  em 
que  o  único  labor  do  dono  consiste  em  agenciar  a  fazenda  por  compra 
ou  qualquer  outro  meio,  e  largal-a  nos  vastos  campos  de  sua  propriedade 
e  terrenos  vizinhos.  Não  sabem  preparar  pastagens,  si  estas  faltam  ;  nem 
provêr-se  de  aguadas,  si  ellas  escasseiam.  Nunca  idearam  fazer  açudes 


(a)  O  priínt  iro  pado  fú  introduzido  em  1730  i  dez  annos  depois  tinlia-so  propa- 
gado com  o  mesmo  admirável  iucremcnto  que  o  das  campinas  do  sul.— Pizarro. 
Mem.JIisi.f  t.  9. 

21 


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162  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

OU  depósitos  de  agua,  ás  vezes  de  bem  fácil  eanalisação,  para  abeberar  o 
gado  nas  estações  do  estio. 

E  o  terreno  presta-se  maYavilhosaraente  á  isso.  Em  grande  parte  da 
província  é  plano  e  atravessado  pelas  corixas  ou  vasantes,  longas  de- 
pressões do  solo  formadas  pela  passagem  das  aguas,  que  nesta  occasiào 
transformam-as  em  verdadeiros  rios,  sendo  que  nas  outras  já  são  eanaes 
meio  trabalhados  á  espera  somente  do  esforço  do  homem  para  com- 
pletal-os. 

Com  a  sêcca  o  gado  afifasta-se,  entra  pelos  bosques  em  busca  da 
sombra  e  do  fresco,  indo  ahi  lamber  o  teiTeno  humedecido  do  relento  das 
noites,  ou  a  terra  salitrosa  e  sempre  húmida  dos  iarmro^;  a/f fí-.<?e  (a) 
pela  sede,  principalmente,  indo  procurar  onde  possa  matal-a,  e  ahi 
ficando  por,  além  da  humidade  do  solo,  encontrarem  o  pacigo  que  olla 
entretém  e  que  já  falta  nos  terrenos  crestados  da  sêcca  ;  e  o  resultado  é  a 
sua  diminuição  pela  fuga,  extravio  e  morte — tanto  como  pela  difíiculdade 
do  reponteamento. 

Todo  o  criador  sabe  que  os  animaes  procream  e  augmentam  em 
muito  maior  escala  no  estado  domestico  do  que  longe  dos  cuidados  e  vistas 
do  homem  ;  aqui  desconhece-se  ou  parece  ignorar-se  esse  ensinamento  da 
pratica. 

Ha  apenas  dous  annos  via-se  ainda  no  delta  do  Taquary  uma  fa- 
zenda, que  pelas  promessas  que  fazia  promettia  vir  á  ser  o  modelo  das  da 
provinda.  Seu  dono,  joven,  activo  e  emprehendedor,  intelligente  e  dócil 
aos  sãos  conselhos  da  experiência,  empregava  o  melhor  dos  seus  esforços 
em  beneficial-a.  Vastas  sementeiras  de  alfafa  estavam  feitas  do  mesmo 
modo  que  campos  immensos  plantados  com  grammineas  de  pasto.  Seus 
gados  não  tinham  precisão  de  percorrer  léguas  para  abeberarem  :  havia 
eanaes  e   açudes,  e,  mais,  que  não  eram  requeridos  pela  necessidade  e  só 

^a)  Diz-se  alçado  o  gfido  domestico  que  foge  dos  apriscos  elorna-se  felvagem. 


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DA  província    de  matto-grosso  163 

por  iim  excesso  de  previdência.  O  joven  e  intelligente  fazendeiro  já 
enchia-se  de  legitimo  orgulho,  observando  como  o  seu  gado  prosperava 
de  modo  extraordinário  relativamente  aos  outros  não  cuidados.  Atten- 
dendo  á  fazenda,  attendia  á  si  e  aos  seus.  Sua  vivenda  não  seria  um 
rancho,  um  galpão,  um  miserável  pardieiro  como  os  de  tantos  outros  mui 
superiores  em  meios  da  fortuna :  ia  sendo  construida  conforme  suas  posses 
actuaes,  mas  com  gosto  e  confortabilidade,  e  seguindo  o  adiantamento  da 
época.  Hortas,  pomares  e  jardins,  delineavam-se  em  já  prospero  cresci- 
mento :  para  elles  buscava  sementes  de  tudo  o  que  era  de  utilidade  e 
ornamento,  consciente  de  que  augmentando-lhes  a  belleza  mais  encarecia 
o  valor  da  vivenda.  Em  pouco  tempo  seria  ella  o  orgulho  do  seu  labo- 
rioso dono  e  o  espelho  das  da  provincia. 

Mas  a  fatalidade  pesou  sobre  ella,  cortando  com  a  faca  do  assassino 
a  nda  do  trabalhador  esforçado ;  e  a  fazenda  da  Palmeira  parece  que 
morreu  com  o  dono,  tanto  os  vermes  a  estão  roendo.  Grande  falta  fará 
esi^e  matto-grossense  á  sua  terra ;  esforçado  e  emprehendedor,  honrado  e 
honesto,  seria  um  valoroso  contribuinte  para  o  desenvolvimento  da  sua 
pátria  e  seguro  garante  da  sua  prosperidade  (a). 

Matto-Grosso  já  nem  couro  exporta  !  Houve  tempo  em  que  cada  um 
dava  sete  mil  réis  e  mais ;  a  ambição  desordenada  da  ganância  no  hcje 
sem  ponderar  no  amanhã,  contribuiu  muito  para  o  despovoamento  dos 
campos  ja  talados  pelos  paraguayos.  Matavam-se  vaccas  pejadas  só  para 
utilisar-se-lhes  o  couro...  e  eram  fazendeiros  que  assim  praticavam  ! 

Succedeu  o  que  era  de  esperar,  por  quem  entendesse,  pouco  que 
fosse  de  economia  pratica :  as  fazendas  depauperaram-se  e  em  algumas  o 
gado  ficou  completamente  extincto. 

(a)  Joaquim  Josó  da  Silva  Gomes,  conhecido  pelo  Baronele,  filho  do  barSo  de 
Villa  Maria.  Foi  assassinado  á  22  de  Junho  de  1876,  dous  mezes  depois  da  morte 
de  seu  pae. 


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164  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Entretanto,  a  população  ia  em  augmento,  e  em  alguns  logares 
extraordinariamente,  como  em  Corumbá,  que  nestes  três  últimos  annos 
quasi  dobrou  a  de  quatro  mil  almas,  que  em  1874  registrava  ! 

Póde-se  avaliar  em  quinze  á  dezesseis  mil  as  rezes  que  se  cortam 
annualmente  para  o  consumo  da  provinda,  fora  o  que  se  mata  para 
xarque.  Só  Corumbá  e  o  Ladario,  á  quinze,  média  do  corte  diário,  dão  o 
computo  de  cinco  mil  quatrocentas  e  setenta  e  cinco  por  anno.  No 
emtanto,  não  se  aproveita  da  courama  nem  a  decima  parte  ! 

O  commercio  do  gado  para  o  Kio  de  Janeiro,  S.  Paulo  e  Minas,  é 
hoje  feito  por  mui  poucos  fazendeiros,  entre  os  quaes  o  Srs.  Metello  e 
SanfAnna,  este  na  estrada  do  Piquiry  (riacho  Vallinhas),  talvez  os  mais 
importantes  criadores  da  província.  Não  sei  o  quanto  exportam,  mas 
aventuro  um  calculo  de  cinco  á  seis  mil  rezes  em  cada  periodo  de  dous 
annos,  attentas  ás  forças  relativas  das  suas  propriedades. 


O  Estado  tem  um  bom  numero  de  fazendas  e  quasi  todas  nos  terre- 
nos melhores  da  provinda,  adrede  escolhidos  nos  tempos  coloniaes,  em  que 
a  vontade  do  governo  ou  seus  delegados  era  sufficiente  para  a  posse  legi- 
tima. Assim  possúe  extensos  e  feracissimos  campos  de  boas  aguadas  e 
magnificas  florestas.  Entre  outras,  as  de  Casalvasco  e  Salinas  possuem  os 
mais  formosos  prados  que  hei  visto',  notáveis  pela  extensão  e  planura,  e 
como  si  foram  nivelados  á  cordel. 

Em  tempos  idos  eram  as  fazendas  do  governo  que,  quasi,  suppriam 
os  mercados  de  meio  Brasil,  desde  a  Bahia  e  Pernambuco,  Minas  e  o  Rio, 
até  S.  Paulo.  Hoje,  abandonadas,  os  seus  gados,  na  maior  parte  alçados, 
vivem  perdidos  pelas  florestas,  ou  já  estão  absorvidos  nas  estancias  que  os 
bolivianos  tém  ultimamente  creado  junto  á  divisa,  ^  cujos  campos  tém 
elles  a  boa  lembrança  de  queimar,  com  cedo,  para  os  attrahir  com  o 
novo  pasto  qiie  brota  e  que  tão  grato  é  ao  paladar  dos  ruminantes  ;  —  ou 


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DA  província  de  matto-grosso  165 

mesmo  nas  da  província,  alapardados  por  fazendeiros  da  terra,  os  quaes 
toda  a  rez  que  encontram  sem  marca  suppõe,  com  a  maior  singeleza, 
ser  sua. 

Que  rendimentos  immensos  tem  Matto-Grosso  perdido  desde  o  aban- 
dono dessas  fazendas . . .  e  todavia  quão  breve  poderia  rehavêl-os  ! 

A  incúria  nas  fazendas  nacionaes  é  ainda  superior  á  dos  particu- 
lares, que  sem  duvida  naquellas  bebem  o  exemplo. 

E'  ainda  o  systema  da  economia  mal  entendida,  da  economia  empo- 
brecedora. Náo  se  semeia, — porque  é  perder  o  grão  que  pôde  ser  comido 
já;  não  se  sustenta,  não  se  alimenta  o  criado — allegando-se  falta  de  forças 
para  isso, — allegaçáo  eterna !  sem  occorrer-lhes  a  colheita  que  o  grão  dará 
dahi  a  mezes,  nem  os  dons  immensos  com  que  lhes  pagará  o  beneficiado  ; 
sem  occorrer-lhes  que  a  despeza  hoje  feita,  mesmo  com  sacrificio,  para  o 
o  custeio  das  fazendas,  será  resarcida  cem  vezes,  mil  vezes  mais,  em  breves 
annos  I  Do  campo  semeiado  que  se  abandona,  não  só  se  perde  a  colheita 
como  a  sementeira ;  o  mesmo  acontece  á  tudo  que  é  preá  do  descuido, 
imprevisão,  indolência,  egoismo  ou  tibieza. 

O  gado  para  propagar  e  crescer  requer  também  cuidados,  pouco 
trabalhosos,  mas  consuetudinários :  o  reponteamento,.  o  rodeio  e.a  marca 
afiBrmara  a  riqueza  da  fazenda  e  impedem  o  seu  extravio. 

O  gado  manso,  como  acima  se  expõe,  multiplica-se  mais  depressa  e 
facilmente  do  que  o  bravio,  e  muitas  vezes  a  novilha  de  anno,  como  a 
Margarida  do  Fausto, 

«  quando  come  e  bebe,  á  dous  sustenta.  » 


Matto-Grosso  está  fadada  á  grandes  destinos.  E'  immensa  a  sua  opu- 
lência, e  suas  riquezas  principaes  e  enormes  não  estão  escondidas,  estão 
á  viata  de  todos. 


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106  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

E'  SÓ  trabalhar  para  colhêl-as  c  reduzil-as  á  dinheiro,  á  inilustria, 
á  commerrio,  á  proj^resso,  á  civilisação,  á  hem-estar,  á  grandeza.  E'  só 
actividade  e  esforço.  Tome  o  governo  a  iniciativa,  já  que  o  génio  peculiar 
á  seus  habitantes  náo  lhes  a  permitto,e  principie-se  á  colher,  o  mais  breve 
possivel,  essa  gigantesca  opulência  do  porvir. 


VII 


Ha  poucos  mozes,  Paris,  a  capital  da  civilisayão  hodierna,  em  uma 
nova  exhibiyão  universal,  fez  mais  uma  vez  celebrar  esse  jubileu  dos 
labores  do  entendimento  humano. 

Ali  cada  nação  se  apresentou  trazendo  novas  provas  de  trabalho, 
provas  de  um  adiantamento  e  progresso,  e  promessas  de  um  melhor 
porvir.  Aquellas  que  mais  se  distinguiram  no  Fairmoiuit-Park  buscaram 
exceder  no  Trocadcro  as  glorias  que  ali  obtiveram ;  as  outras  esforçar 
ram-se  por  ser  melhor  apreciadas. 

E  o  Brasil  não  foi  presente... — mau  grado  seu,  e  mau  grado  aos 
desejos  daquelles  de  seus  filhos  que  mais  o  estremecem,  e  mais  labutam 
2)or  seu  renome  e  gloria. 

Não  foi  nem  soberba  das  C!)rôas  conquistadas,  nem  desgosto  por  não 
ter-se  adiantado  nas  trilhas  da  industria... —  faltaram-lhe,  e  apenas, 
forças  para  emprehender  a  viagem.  Arreliado  dos  loucos  esbanjamentos 
devidos  á  má  gestão  de  seus  negócios,  entrava  na  quadra  das  economias 
forçadas ;  a  inópia  pecunim  impediu-o  de  concorrer  áquella  escola  das 
nações,  onde  se  ensina  o  trabalho,  onde  se  inventa  o  progresso,  onde  se 
descobre  os  génios  creadores,  onde  se  ensina  á  curar  dos  povos,  enrique- 
cendo-lhes  a  seiva,  e  onde  se  aprende  á  ser  grande,  prospero,  feliz.  E  o 


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DA  província  de  matto-grosso  167 

Brasil,  que  tâo  invejado  papel  desempenhou  no  Fairmount-Park,  tornou-se 
distineto  pela  sua  ausência  no  Troeadero.  Paizes  ha  que,  como  elle,  nas 
primeiras  exposições  universaes, — mais  por  descuido,  acanhamento  ou 
indifferença,  do  que  por  deficiência  de  foryi^í, — SzeraiU  má  figura.  Mas  si 
o  descuido  e  indifterença  em  assumptos  dessa  ordem  são  um  crime  de  lesa 
nacionalidade —  ^;  o  que  não  será  a  deserção  desse  congresso  do  trabalho, 
essa  fuga  dos  certames  da  intelligencia  ?  A  nação,  como  o  individuo,  tem 
brros,  pundonor  e  dignidade  próprias  á  respeitar  ;  como  o  individuo  deve 
envergonhar-se  do  papel  triste  que  faz,  ou  do  dezar  que  soffre. 

Nós  tínhamos  o  dever  de  mostrar  que  lucrámos  com  a  exposição 
passada  ;  que  corrigimos  nossos  erros  ;  aprendemos  processos  novos  ;  que 
temos,  emfim,  além  dos  recursos  da  intelligencia  para  produzir,  aptidão 
e  boa  vontade  para  trabalhar.  Não  fazer  isso,  é  provarmos  desidia,  mos- 
tramio-nos  retrógrados,  e  aquém  da  civilisação  que  marcha.  O  que  nos 
falta  não  6  dinheiro,  já  o"  dizia  ha  muitos  annos  um  nosso  estadista  (a),  é 
juizo. 

Mal  avisados  andam  os  que  não  semeiam  na  industria  ;  os  que  pro- 
hibem  ou  impedem  o  trabalho  ao  paiz— ^por  ficar  mais  caro  do  que  o  que 
nos  pode  vir  do  estrangeiro,  esquecidos  de  que  foi  trabalhando  c  perse- 
verando no  trabalho  que  lá  chegaram  á  obtêl-o  bom  e  barato.  Si  as 
exposições  são  a  escola  das  nações,  onde  ellas  aprendem  á  ser  grandes, 
gaste-se  para  ser-sc  rico,  semeie-se  para  colher-se  abnr.dancias.  Em  todos 
os  paizes  adiantados  os  pais  de  familia — paupérrimos — são  obrigados  sob 
penalidades,  á  despezas  para  educarem  os  filhos,  isto  é,  para  proverem 
seu  futuro  e  tomarem-os  úteis  á  si,  á  familia,  á  pátria  e  á  humanidade. 

Poupasse  o  Brasil  os  gastos  sem  utilidade,  os  esbanjamentos  em 
ronipadriceSy — e  baste  um  exemplo — essas  subvenções  caríssimas  á  com- 


(a)  O  visconde  de  Albuquerque. 


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168  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

panhias  de  navegação,  que  só  visam  o  monopólio  era  prejuízo  e  pura 
perda  de  quem  as  sustenta,  e  lucraria,  não  só  o  que  com  ellas  despende, 
como  os  proventos  que  a  extincção  do  monopólio  lhe  traria. 

Em  vez  de  animação  ao  trabalho,  despediram  os  trabalhadores  ; 
coherencia  que  não  abona  a  sciencia  da  vida  e  á  economia  social,  mas 
que  é  filha  do  mesmo  tino  administrativo  que  fecha  as  escolas  e  supprime 
os  direitos  de  cidadão  ao  analphabeto. 

Si  nem  todo  o  homem  necessita  do  trabalho  para  viver,  nação  ne- 
nhuma nasce  rica  que  possa  dispensal-o  :  sinão,  dia  virá  que  lhe  neguem 
o  que  carece — por  não  ter  quem  o  faça  e  não  ter  dinheiro,  por  não  ter 
quem  o  ganhe — e  faltar-lhe  o  credito  para  comprar,  mesmo  á  juros  de 
judeu. 


Levou-me  á  essa  diversão— a  idéa  do  que  é  Matto-Grosso  e  o  paiz 
todo,  e  o  estado  de  penúria  em  que  o  Brasil  está,  ■ — quando  nas  arcas 
do  seu  solo  jazem  occultas  riquezas  enormes.  Moderno  Hyparcho,  cujo 
cérebro  paralytico  não  atina  com  as  chaves  do  cofre,  ou  cujos  membros 
pestiados  e  corruptos  não  tém  forças  para  o  abrir  ! 

Não  matem  o  trabalho,  a  iniciativa,  a  industria, — que  assassinam 
a  pátria ! 


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CAPITULO  IV 


Clinatasraphia  ~  Conilírces  hjpscmeiricas  do  solo.   Diiffrejiça  cnire  o  clima  do  planalto  e  o  da»  (omarcas  baixas. 
Paludismo.  Koxogniphia.  H}groiBetrij  t  melcoroh gi.\  Estudix  tbrriuícos. 


I 


JALVEZ  não  seja  com  muito 

[acerto   que  se  capitule  de 

[malsão  e  inhospito  o  clima 

|de  Matto-Grosso.  Composta 

de  duas   vastas  regiões,  o 

planalto  e  a  baixada,  são- 

pihe  bem  diversas   as  condi- 

I  ções  climatéricas,  pelo  seu 

liypsometrismo,  natureza  e 

influencias  do  solo. 

O  ar  sêcco,   a  tempera- 
tura —  relativamente  mais 
baixa   do  que  a  das  baixas 
regiões,   e  por   conseguinte 
mais  agradável,  e  as  aguas 
das  mais  puras  e  sãs, consti- 
tuem, já  não  salubre,  mas  saluberrimo  o  clima  do  planalto,  onde  as  mo- 
léstias endémicas  são  quasi  que  cjirplctainente  desconhecidas  e  onde  as 
epidemias  poucas  vezes  assolam. 

E,  pois,  si  essa  região  abrange  cerca  de  duas  terças  partes  do  terri- 
tório matto-grossense,  não  é  pelo  clima  da  restante,  isto  é,do  das  comarcas 

alagadiças,  onde  actua  uma  atmosphera  densa,  pesada  e  carregada  de 

22 


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J 


170  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

principies  miasmaticos,  que  se  deve   auferir  o  clima  e  salubridade, — 
a  constituição  medica  da  provincia. 


Mas  esta  noção  existe  e  tem  perdurado,  porque  as  estradas  de  Matto- 
GrosFO  são  os  seus  rios,  os  chémins  qui  marchenf  de  Pascal,  e  os  viajantes 
é  só  por  elles  que  conhecem  a  provincia ;  rios  que  tendo,  em  geral,  mal 
povoadas  as  margens,  e  portanto  descurados  seus  leitos  e  bordas  alagadiças 
dos  meios  de  saneamento  que  a  população,  a  necessidade  e  a  civilisação 
requerem  e  impõem,  são  outros  tantos  focos  de  quanta  phlegmasia  ha  por 
ahi  de  caracter  palustre.  Mas,  ainda  assim,  tanto  tém  de  reaes  esses  males 
como  de  menos  justa  a  apreciação. 


Não  são  privativas  nem  peculiares  aos  pantanaes  de  Matto-Grosso 
taes  condições  de  salubridade.  O  que  se  dá  com  os  seus  rios  de  margens 
alagadiças  e  com  os  terrenos  sugeitos  á  inundação,  deu-se  e  dá-se  com 
os  do  mundo  todo — lá  onde  não  se  apresentou  ainda  o  homem  c(9h  o 
quanto  baste  de  actividade  e  industria,  para  modificar  a  acção  deletéria 
da  natureza  e  transmudal-a  de  perniciosa  e  lethal  em  salubre  e  propicia 
á  vivenda  do  beneficiador. 

Também  pestilentes  foram  o  Rhodano,  o  Sena,  o  Moza  e  o  Rheno, 
e  os  lamaçaes  da  França  e  Bélgica  para  as  hostes  de  Mário  e  de  Júlio 
Cezar.  O  Nilo  e  o  Euphrates,  ainda  ha  bem  pouco  tempo,  contavam  os 
annos  pelo  numero  de  epidemias  desoladoras ;  e,  laboratórios  da  peste, 
eram  o  berço  do  typho  negro,  como  o  Ganges  o  era  do  typho  azul  e  o 
Mississipi  do  typho  amarello. 

O  que  se  dá  com  os  valles  alagados  de  Matto-Grosso,  áà-se  com  os 
do  Amazonas  e  com  os  de  quasi  tclos  os  grandes  rios  do  Brasil :  dá-se  em 


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Dl  PROVINCU  DE  MATTO-GROSSO  171 

avultado  numero  de  correntes  menores";  dárse,aqui  bem  perto,nos  ribeirões 
da  nossa  bahia;  dava-se  mesmo,  não  ha  muitos  annos,  nesta  corte,  quando 
nào  pequena  parte  da  sua  área  era  occupada  pelos  mangues  da  cidade 
nova  e  pelos  almargeaes  do  Cateto  e  Botafogo.  As  febres  miasmaticas,  as 
moléstias  dos  orgàos  glandulares  e  do  tecido  cellular,  o  lymphatismo 
torpido  eram-lhe  enfermidades  typicas. 


II 


E'  o  homem  quem  corrige  a  natureza  nos  seus  effeitos  e  crêa  o 
modus  vivenãi  para  si.  Dos  paizes  mais  desfavorecidos  do  mundo  nenhum 
pede  meças  á  HoUanda,  vasto  paul  arrancado  palmo  á  palmo  ás  lagunas 
do  mar  do  Norte;  e,  todavia,  paiz  nenhum  se  eleva  mais  alto  nas  condi- 
ções de  salubridade  e  bem-estar  relativos,  graças  á  industria,  pertinácia 
e  esforço  do  povo  batavo. 

Não  tanto  á  natureza,  como  ao  homem,  seus  hábitos,  meios  em /que 
vivf  e  de  que  vive,  e,  sobretudo,  ás  forças  de  que  dispõe,  cabe  a  culpa  do 
malária  das  regiões  eleicas.  Ahi  a  exhuberante  riqueza  da  hydroflora, 
cobrindo  largas  zonas  do  rio,  que  ás  vezes  tem  suas  aguas  completamente 
occultas  sob  uma  larga  alfombra  de  verdura ;  as  myriades  de  peixes  e 
de  amphibios  ahi  vindos  na  enchente,  presos  e  mortos  na  estagnação  e 
putrefazendo-se  na  sêcca ;  esse  immenso  prado  aquático,  que  também 
morre  e  apodrece,  são,  com  eflFeito,  um  foco  perenne  de  febres  miasmaticas 
e  de  intoxicações  eleicas  quando  o  nimio  ardor  do  sol,  no  verão,  as  pu- 
treÉaz,  fermenta  e  evapora. 


Nas  emanações  dos  paúes  não  ha  somente  os  miasmas  gazeiformes  da 
matéria  orgânica  em  decomposição, — hydrogenos  carbonado  e  sulfure- 


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172  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

tado,  acido  carbónico  e  ácidos  puramente  vegetaes,  como  o  tanico,  o 
acético,  etc. ;  ha  miasmas  organisados  em  suspensão,  quer  detritos  sólidos, 
quer  microzymas  e  micropliytos,  clicios  de  vida  e  que  volteiam  na  atmos- 
phera,  corrompendo  a  pureza  do  ai*  respirável.  A  avultada  quantidade 
dos  peixes  e  reptis  que  morrem,  vae  ainda  sobrecarregal-o  consideravel- 
mente de  um  outro  principio  não  menos  fatal,  o  hydrogeno  phosphoretado. 

O  solo  desses  pântanos  é  em  grande  parte  argilloso  e  impermeiavel 
até  certo  ponto,  como  uo  valle  do  Guaporé  e  Mamoré.  Mas  o  calcareo  é  a 
rocha  predominante  n'outras  regiões  não  menos  vastas  da  província,  e 
todo  o  sertão  alagadiço  de  oeste  é  constituído  por  esse  terreno  que,  essen- 
cialmente poroso  e  permeiavel,  favorece  o  escoamento  das  aguas.  Dahi  o 
alagamento  constante  da  região  chamada  dos  Faninnaes^  e  as  inunda- 
ções periódicas  do  solo  das  cora  as, 

W  na  evaporação  rápida  e  fácil  aos  ardores  de  um  sol  violento ;  é  na 
irradiação  nocturna  do  terreno,  quando  se  lhe  começa  o  resfriamento ; 
é,  pois,  na  condensação  dos  vapores  da  atmospliera  que  se  deve  procurar 
a  causa  efficiente  da  insalubridade  do  clima.  Nos  nossos  acampamentos 
demorados,  e  onde  o  solo  das  barracas  ficava,  ao  cabo  de  dias,  completa- 
mente sCcco,  as  hervas  e  pequenos  arbustos  que  germinavam  debaixo  dos 
leitos,  ou,  ainda,  os  amarellados  pela  estiolamento,  que  brotavam  em 
baixo  de  qualquer  caixa  ou  objecto  semelhante,  voltado  de  boca  para  o 
chão  e  que  assim  os  isolava  completamente  do  ar  externo, — amanhe- 
ciam litteralmente  cobertos  de  orvalho,  isto  quando  a  atmosphera  parecia 
sêcca  e  a  tolda  do  abarracamento  apenas  de  leve  humedecida. 


Mas  si  é  immenso  esse  estuário  dos  pântanos,  immenso  correctivo 
tem  ellc  nessa  mesma  amplidão,  onde  a  luz  fulgura  sem  rival ;  onde,  si  o 
sol  putrefaz  facilmente,  facilmente  sécca  e  torra ;  onde  as  grandes  cata- 


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DA  província  de  matto-grosso  173 

dupas  do  céo  lavam  periodicamente  e  levam  os  productos  morbificos  de 
cada  anno ;  e  onde  os  grandes  rios  que  o  atravessam  sào  outros  tantos 
canaes  de  ventilação  á  modificarem  beneficamente  com  a  corrente  das 
brisas  o  ar  viciado  da  atmosphera. 


III 


Com  certeza  o  homem  não  podo  existir  válido  nessas  regiões,  em- 
quanto  não  as  adapta  ás  necessidades  e  conveniências  do  seu  habitat. 
Mas  esse  desideratum  não  pôde  eJU  obter  isolado^  ou  apenas  em  grupos 
apartados  por  longas  distancias.  E'  mister  que  venha  rico  de  braços  e  de 
esforço  para  combater  com  proveito  os  ataques  da  natureza.  A  florescente 
Yilla-Bella,  capital  dos  capitães-generaes,  si  é  hoje  a  moribunda  cidade 
de  Matto-Grosso,  si  definha  e  morre  sob  o  stygma  de  pestífera,  é  porque 
jamais  empregou  no  melhoramento  do  seu  solo  os  esforços  que  gastava 
em  revolvêl-o,  na  busca  do  ouro.  Escarvando  o  terreno,  abria  leitos  á 
novos  charcos...  entretanto,  não  soube  nunca  domar  as  enchentes  do  rio, 
aterrar  os  alagadiços,  nem  ao  menos  escumar -lhes  as  aguas  das  matérias 
putresciveis. 

E'  a  razão  da  triste  fama  de  que  goza,  ainda  acrescida,  dia  á  dia, 
com  o  tiiodus  vivendi^  a  má  alimentação  e  os  abusos  de  muita  espécie 
que  seus  habitantes  commettem ;  entre  outros,  a  frequência  dos  banhos 
ao  rigor  do  sol,  em  aguas  ás  vezes  encharcadas  e  quentes,  e  sob  quaes- 
quer  condições  physiologicas  em  que  estejam  os  banhistas,  após  as  refei- 
ções, ou  suarentos  e  cansados.  Taes  abusos  tém  sido  notados  por  todos 
os  homens  sensatos  que  hão  percorrido  a  província,  e  já  em  1797,  pelo 
douto  naturalista  o  Dr.  Alexandre  Eodrigues  Ferreira,  no  seu  ligeiro 
esboço  das  Enfermidades  endémicas  da  capitahia  de  Matto-Grosso^ 


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174  ESBOÇO    CHOROGRAPHICO 

autoridade  que  me  apraz  de  consignar,  não  só  pela  sua  sabedoria  e 
justeza  de  obser^'ação,  como  por  ter  sido  o  primeiro,  sinào  o  único  que 
sobre  tal  matéria  escreveu. 

Fora  absurdo  atribuir  ao  clima  enfermidades  que  o  homem  provoca, 
e  que  se  manifestarão  onde  quer  que  leve  a  existência  em  completo 
desequilíbrio  com  os  meios  em  que  vive. 


A  observação  aturada  sobre  estas  regiões  e  seus  habitantes,  e  as 
condições  em  que  se  relacionam,  fez-me  crente  de  que  nellas  o  malária 
nem  por  isso  é  tão  infeccionante  como  fora  de  receiar.  Os  poucos  mora- 
dores que  vivem  nos  albardões^  de  longe  em  longe,  ás  margens  dos  rios, 
apresentam  na  maior  parte  vestígios,  sinão  claros  indícios,  do  vicio  pa- 
lustre. E,  comtudo,  as  terçans  quasi  que  só  se  manifestam  em  caracter 
sporadico,  e  isso  mesmo  sob  a  influencia  de  fortes  determinantes  e  de 
uma  natureza  especial.  Entretanto,  de  ordinário,  estas  são  taes  que  facil- 
mente poderiam  ser  evitadas  :  assim  os  abusos  de  que  acima  se  tratou. 

Si,  mesmo  nos  povoados,  os  meios  de  subsistência  são  precários, 
muito  mais  os  destes  moradores  que  da  caça  e  da  pesca  tiram  a  sua 
exclusiva  alimentação,  modificada,  apenas,  pelo  arroz  silvestre  que  os 
pantanaes  expontânea  e  abundantemente  produzem,  algumas  vezes  pela 
farinha,  o  milho  e  o  feijão,  mas  nem  sempre  o  sal.  E  ainda  a  próvida 
natureza  não  lhes  é  madrasta  na  uberdade  de  seus  fructos  silvestres, 
principalmente  no  verão,  em  que  as  selvas  são  ricas  em  varias  espécies. 

Quasi  que  o  dia  inteiro  passa  essa  gente  sobre  as  aguas,  pescando, 
mais  por  habito  do  que  por  necessidade,  expostos  aos  raios  do  sol,  cujos 
ardores  buscam  mitigar  atirando-se  frequentemente  ao  rio,  e  expostos  ás 
emanações  mais  ou  menos  nocivas  dos  detritos  aquáticos,  comburidos  ao 
nimio  calor  do  sol. 


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DA  PROYINCIADE   MATTO-GROSSO  175 

Com  taes  hábitos  não  é  de  estranhar  o  envenenamento  palustre,  mas 
sim  a  pouca  intensidade  dos  seus  eflfeitos. 

Ex-vi  da  modificação  soffrida  no  ar  que  respiram,  são  os  recem- 
chegados  os  que  pagam  maior  tributo  ás  intermittentes. 

Nós,  todavia,  atravessámos  essas  comarcas  dúzias  de  vezes,  demo- 
rando-nos  nellas  semanas  e  mezes.  Mas  nossa  alimentação  regular  e  sadia, 
o  exercício  constante,  de  preferencia  bebendo  agua  dos  regatos  e  cacimbas 
ás  dos  grandes  rios  e  charcos,  o  uso  do  café  e  licores  espirituosos,  e  os 
banhos  somente  ás  horas  mortas  do  dia,  principalmente  ao  alvorecer, 
parece  que,  foram  meios  razoáveis  para  corrigir  em  nosso  favor  a  in- 
fluencia eleica  e  isentar-nos  do  envenenamento  miasmatico.  Si,  quando 
o  serviço  o  exigia,  salta va-se  n  agua,  e,  sob  os  raios  de  um  sol  de  fogo, 
demorava-se  seis,  oito  e  mais  horas,  como,  por  exemplo,  desencalhando 
as  lanchas  á  vapor  nos  baixos  da  Ma^idioré,  e  nos  do  Guaporé  a  canoa 
eiB  que  descemos  para  transpor  a  região  encachoeirada  do  Madeira,  onde 
ainda  grande  parte  do  serviço  da  tripulação  era  feito  dentro  d 'agua  para 
salvar  a  embarcação  dos  maus  passos;  si  sobre  vinha  algum  insulto  febril, 
algum  accidente  que  revelasse  o  elemento  palustre  :  uma  pequenina  dose 
de  quinina,  uma  chicara  de  café  ou  um  gole  de  aguardente,  foram  sem- 
pre meios  sufiBcientes  para  debellal-o. 

E  não  era  pequena  a  comitiva :  descendo  o  Guaporé  vínhamos  umas 
trinta  pessoas ;  e  nas  marchas  nos  sertões  limitrophes  com  a  Bolivia,  não 
menos  de  duzentas  nos  acompanhavam,  entre  soldados,  pessoal  do  forneci- 
mento, capatazes,  peões  e  mulheres  que  os  seguiam. 

Nessas  regiões  os  moradores,  além  de  fraca  e  péssima  nutrição, 
não  a  tém  regularisada.   Faltando-lhes  frequentemente  o  sal,  alguns 


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176  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

preferem  mesmo  uma  indigestão  ao  desgosto  de  deitarem  fora  o  excedente 
da  caça  ou  pesca ;  e,  assim,  comem  quanto  tém  e  quando  tém,  ás  vezes 
desmarcadamente. 

Nas  suas  repetidas  abluções  não  attendem  si  o  sol  está  á  pino,  nem 
si  tém  o  corpo  super-excitado  pelo  trabalho  da  digestão.  Scientes  de  que 
os  licores  espirituosos  combatem  até  certo  ponto  essas  influencias  malé- 
ficas do  clima,  buscam-os ;  mas  não  usam,  abusam  :  depauperando,  cada 
vez  mais,  com  taes  excessos,  o  já  debilitado  organismo,  e  colhendo  em 
vez  de  proveitos  prejuízos  maiores. 


IV 


E*  no  percurso  destas  vastas  regiões  cobertas  da  mais  pujante  vege- 
tação, e — onde  o  homem  é  um  rarm  nans  nesse  immenso  oceano  de  ver- 
dura, que  se  pôde  apreciar  o  engano  dos  que  pretendem  o  sanea- 
mento das  cidades  apenas  com  o  plantio  das  arvores  ; — não  por  algo 
que  de  falso  haja  no  principio,  mas  pelo  mesquinho  do  resultado,  o  qual, 
tanto  ahi  será  de  peso  e  conveniências,  quanto  aqui  o  que  o  sei  vie-la 
trará  ao  dilatadissimo  espaço  em  que,  quasi  que,  só  o  reino  vegetal  influe 
nos  principios  constituintes  da  atmosphera. 

Nota-se  sempre  forte  e  vigoroso  o  homem  das  florestas  ;  tão  possante 
como  os  troncos  que  o  cercam.  Entretanto  elle  e  os  poucos  animaes  que 
ahi  vivem  são  um  consumid  r  mui  fraco  de  oxygeno  nessas  dezenas  ou 
centenas  de  léguas  quadradas,em  que  a  vegetação,  em  escala  enorme,  está 
continuamente  á  decompor  a  atmosphera,  absorv.endo  os  outros  compo- 
nentes do  ar  respirável  e  sobrecarregando-o  daquelle  gaz. 

Para  que  o  plantio  das  arvores  seja  de  necessidade  á  purificação  do 
ambiente  de  um  povoado,  para  que  dez,  cem,  mil,  um  milhão  de  arvores. 


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DA   PROVÍNCIA  DE  MATTO-GROSSO  177 

mesmo,  obrem  beneficamente  no  elemento  respiratório,  forçoso  fôra  que  o 
homem  não  encontrasse  nas  florestas  esse  ar  respirável;  f5ra  preciso  que 
se  observasse  a  asphyxia  como  resultado  desse  afifastamento  da  sociedade, 
e  que  por  sua  vez  soffressem  de  plethora  carbónica  essas  cidades  inter- 
tropicaes,  onde  a  vegetação  luxuriosa  e  esplendida  cerca  o  homem  desde 
o  tecto  das  casas  até  os  subterrâneos ;  onde  os  microphytos  puUulam  de 
um  dia  para  o  outro — nas  roupas  que  veste,  nos  sapatos  que  calça,  nos 
alimentos  que  guarda,  nos  livros  que  lê ; — onde  as  gramineas  são  taqua- 
ras, os  fetos  palmeiras,  as  nymphéas  vietorias  regias,  e  onde  o  parasitismo 
vegetal,  que  nas  altas  latitudes  é  rasteiro  ou  microscópico,  ahi  attinge 
as  dimensões  collossaes  do  laóbáb  nas  gamelleiras  e  nos  cipós  matadores. 


Mas  é  que  a  alma  natureza  no  seu  immenso  laboratório  prepara  o 
fluido  vital  e  providencia  de  modo  que  é  elle  sempre  o  mesmo  eterno  com- 
posto de  vinte  e  uma  pari:es  de  oxygeno,  setenta  e  nove  de  azoto  e  um 
qwintum  inapreciável  do  gaz  acido  carbónico,  tanto  nas  mais  altas 
regiões  do  globo,  no  Hercules  da  Nova  Guiné,  no  Everest,  em  Antisana, 
em  Quito,  como  nos  mais  profundos  valles,  ou  nos  baixos  planos,  quaes  os 
daqui  e  os  da  HoUanda ;  lá  onde  quer  que  seja  livre  a  acção  de  seus 
agentes,  differençando-se  apenas  o  fluido  respirável  por  uma  pequena  mo- 
dificação na  densidade.    O  ar  viciado  é  uma  excepção  de  regra,  que  o 

« 
homem  sabe  e  pôde  obviar,  não  com  o  plantio  de  arvores,  mas  com  a 

remoção  dos  obstáculos  á  benéfica  acção  da  natureza,  a  alma  pa/rens  do 

universo.    A  hygiene  lhe  ensina  os  meios ;  a  physica,  a  chimica,  a  mecha- 

nica  e  a  geologia  lhe  dão  o  soccorro. 

Si  assim  não  fosse,  a  respiração  animal  nos  grandes  núcleos  da 

Europa  e  Ásia  não  se  compensaria  á  custo  das  florestas  do  Novo  Mundo. 

^  Que  seria  dos  povoados  dos  paizes  gélidos,  onde,  apezar  de  mais  oxygenada 

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178  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

a  atmosphera,  o  gasto  do  combustor  do  sangue  não  está  em  relação  com  a 
producção  do  calórico  necessário  á  sua  existência;  onde  o  desprendimento 
do  fluido  carbónico  é  enorme,  devido  á  essa  combustão  e  á  presença  dos 
fogões  em  plena  actividade  para  tomarem  supportavel  a  temperatura 
ambiente;  onde  a  ausência  das  aguas,  grande  fixador  desse  gaz,  e  a  das 
mattas, "  enorme  consumidor  do  carbono  necessário  á  seu  desenvolvimento 
e  producção,  tornam  tão  grande  o  consumo  de  um  como  a  formação  do  outro 
gâz ;  que  seria  dos  habitantes  dos  paizes  quentes,  onde  a  atmosphera 
perde  tanto  do  oxygeno  quanto  mais  se  eleva  na  temperatura  (a);  que 
seria,  pois,  de  ambos,  com  esse  ambiente  assim  transmudado,  si  somente  da 
natureza  esperassem — no  movimento  dos  ares,  nos  ventos,  nos  mares,  na 
própria  rotação  da  terra,  a  prompta  modificação  do  fluido  respirável,  equi- 
librando os  gastos  aqui  com  os  productos  dali  ? 

Seria  a  anoxemia  e  plethora  carbónica  a  morte  de  uns, — como  os 
outros  succumbiriam  á  polyoxemia,  o  excesso  de  vida. 

Entretanto,  si  o  homem  é  cosmopolita,  não  o  são  os  vegeiaes.  Suc- 
cumbem  ao  excesso  de  frio  como  ao  calor  extremo  relativamente  ao  seu 
habitat.  Para  elles  a  existência  depende  das  condições  thermicas  do  solo ; 
a  geographia  botânica  delimita-os  por  zonas,  na  certeza  que  adquiriu 
de  que  os  vegetaes  das  latitudes  baixas  não  podem  viver  nas  altas,  e  vice- 
versa.  Por  isso  é  que  as  altas  montanhas  resumem  gradativamente  em  si 
os  climas  de  muitas  latitudes;  nos  Andes,  por  exemplo,  observa-se  desde  a 
vegetação  de  seiva  esplendida  da  zona  equatorial  até  as  aJpinias,  congé- 
neres da  débil  e  anemica  flor  âa  veve  das  circumvisinhanças  do  polo. 

As  plantas  que' vicejam  ao  sopé  das  montanhas,  já  são  raras  á  dous 
kilometros  de  altitude  e  desconhecidas  á  três  e  vice-versa.  A  natureza 
pareceu  incoherente  na  phytogénese  dotando  as  arvores  das  regiões 
ardentes  de  robustos  troncos  amparados  de  espessas  capas  ou  cascas,  no 


(a)  Quatro  á  cinco  miUigraminas  em  cada  cinco  graus  centigrados. 


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DA  província  de  matto-orosso  179 

entanto  que  deixou  a  pobre  e  rachitica  vegetação  circumpolar  débil, 
mesquinha  e  n'uma  nudez  extrema.  Embalde  o  homem  ahi  vive  á  absor- 
ver oxygeno  e  expellir  o  carbono  ;  a  vegetação  não  medra :  —  i  porque 
não  providenciaria  a  natureza  de  modo  que  nas  altas  latitudes,  como  nas 
grandes  alturas,  o  viço  e  a  seiva,  o  hydrogeno,  o  carbono  e  o  azoto  fossem 
distribuidos  na  mesma  proporção  que  no  equador,  isto  é,  n'uma  razão 
maior? 

Fim  mui  justo  e  louvável  tem  o  plantio  de  arvores  nas  cidades  e 
notavelmente  nos  povoados  intertropicaes,  onde  a  vegetação  os  cinge, 
abraça  e  coroa;  é,  tão  somente,  o  de  contribuírem,  assaz,  para  a  belleza  e 
ornamentação,  e  servirem  de  resguardo  ao  raios  fulminadores  do  sol. 

E  ó  por  isso,  e  só  por  isso,  que  sou  e^serei  sempre  incansável  pro- 
pugnador  da  idéa  e  fervoroso  adepto  da  arborisaçào  dos  povoados. 


Nas  mattas  dos  terrenos  húmidos,  mais  do  que  nos  campos  e  corixas, 
é  insalubre  o  ar  que  se  respira.  Facilmente  isso  se  explica  pelo  abafa- 
mento e  pouca  exposição  das  substancias  putresciveis  á  acção  immediata 
do  sol. 

Sob  a  floresta  estão  como  n'um  inmienso  caixão,  onde,  si  o  sol  não 
devassa  a  espessura,  nem  por  isso  o  calor  é  menor. 

Âhi  a  decomposição  tem  processos  mais  lentos,  mas  também  a  pu- 
trefacção  é  mais  duradoura.  As  aguas  que  cobrem  o  solo  são  uma  verda- 
deira lexivia,  tanto  mais  terrível  na  infecção  e  seus  eSeitos  tóxicos  quanto 
mais  abafada.  O  menor  movimento  nellas  faz  desprender  ondas  de  gazes 
morbificos,  proviíídos  de  tal  macerado. 


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180  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

Nas  celebres  mattas  ãapoaya^  ás  margens  do  Jaurú,  Cabaçal,  Sipo- 
tuba  e  outras  cabeceiras  do  Paraguay,  raro  se  demoram  os  arrancadores 
da  herva  por  adoecerem  logo.  E,  comtudo,  não  são  essas  florestas  comple- 
tamente alagadiças. 


A.     poaj-u . 

Os  eflúvios  do  solo,  combinados  com  os  que  emanam  da  raiz  emética, 
produzem,  naquelles  que  se  entregam  pela  primeira  vez  á  tal  labor, 
incoDMnodos  de  estômago  semelhantes  á  esse  pequeno  envenenamento 
trazido  pela  embriaguez  do  tabaco;  um  nevrosismo  especial,com  desordens 
mais  ou  menos  fortes,  e  cujos  prodomos  são  tonturas,  cephalalgias,  anore- 
xias,  vomiturações,  dyspepsia  e,  também,  accessos  periódicos  de  febre  e 
outros  incommodos,  cujos  symptomas,  partilhando  dos  do  ergotismo  e  do 
envenenamento  saturnino,  assaz  claramente  revelam  as  devastações  de 
uma  entoxicação  pela  emetina,  que  denominei  emetismo  ou  mal  cepJielko 


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DA  província    de  matto-grosso  181 

n'um  pequeno  estudo  que  fiz  sobre  a  moléstia,  e  do  qual  dei  conta  á  Aca- 
demia Imperial  de  Medicina. 

Desnecessário  é  dizer-se  que  nem  sempre  taes  symptomas  se  aggra- 
vam,  antes  de  ordinário,  acalmam-se  e  o  individuo  como  que  se  habitua 
ás  novas  condições  de  vida;  assemelhando-se  nisso^  ainda,  ao  fumista  que, 
somente  ao  começar  o  vicio,  soffre  dos  symptomas  do  envenenamento 
nicocianico.  Não  é  que  o  organismo  se  affaça  ao  novo  género  de  trabalho, 
e  pouco  á  pouco  vá  vencendo  as  influencias  maléficas  do  meio  em  que 
vive  ;  reage  até  certo  ponto  contra  o  inimigo  que  o  combate,  e,  ordina- 
riamente, o  vigor  da  constituição  basta  para  supportar  aquelles  incom 
modos. 

Outras  vezes,  os  afectados  resistem,  mas,  guardando  no  organismo 
germens  de  lesões  que  mais  tarde  apparecerão ;  o  que,  de  ordinário,  suc- 
cede  aos  que  reincidem  no  trabalho.  Expostos  á  continua  influencia  dessas 
emanações  deletérias,  lá  vão  estas  bater  em  brecha  outros  órgãos  que  já 
não  o  estômago,  e  também  essenciaes  á  vida,  e  o  resultado  é  o  empobre- 
cimento do  sangue  e  as  perturbações  do  systema  nervoso,  tendo  como  con- 
sequência desordens  fatais  para  o  organismo. 

Das  phlegmasias  eleiopathicas  ou  de  typo  palustre,  podem  consi- 
derar-se  como  predominantes  nas  baixas  e  alagadiças  regiões  da  província 
as  moléstias  das  vísceras  abdominaes  e  vasos  lymphaticos,  que  soem 
apparecer  em  qualquer  estação ;  as  do  apparelho  respiratório  e  as  affec- 
ções  rheumaticíis,  mais  communs  no  verão. 

Destas  são  causas  mui  frequentes  as  mudanças  bruscas  de  tempera- 
tura, em  que  á  um  calor  de  30°— 34**  succede  repentinamente  uma 
baixa  ás  vezes  maior  de  20° ;  e  então  as  bronchites,  broncho-pneumo- 
nias,  pneumonias  e  pleurisias  são  tanto  mais  perigosas  quanto  mais 
brusca  a  friagem,  que  encontra  quasi  sempre  desprevenidos  e  desabri- 
gados 08  individues.  Naquellas  é  o  miasma  do  pântano  que,  absorvido  e 


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182  ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 

levado  na  circulação,  vae  damnificar  os  apparelhos  eliminadores  do  or- 
ganismo. 

Não  são  tão  frequentes  as  tuberculoses  que  se  deva  autoal-as  no 
processo  das  enfermidades  que  infestam  o  paiz ;  e  isso  já  é  mui  ponderosa 
consideração  para  a  climatologia  de  Matto-Grosso. 

As  hepatites,  as  congestões  hepáticas,  as  nephrites,  splenites,  cys- 
tites  e  enterites ;  as  diarrhéas,  dysenterias  e  lienterias ;  as  angioleucites 
e  a  syphilis  nas  suas  varias  manifestações,  são  as  moléstias,  que  mais  se 
apresentam  ao  estudo  clinico  em  qualquer  época  do  anno. 

O  lymphatismo,  quer  nas  manifestações  ganglionares  e  do  tecido 
cellular,  quer  nas  dermatoses  e  exsudações  mucosas,  mostra-se  de  ordinário 
n'um  typo  asthenico  e  deprimente.  A  causa  facilmente  se  percebe. 

Nas  mulheres  ha  ainda  a  hysteria,  a  chloro-anemia,  e  os  flúores 
brancos ;  havendo  mais  nevrorismo  nas  diatheses  lymphaticas  do  sexo, 
as  quaes,  por  excepção,  vão  prender-se  á  forma  erethica.  Até  nas  mais 
agrestes  e  de  vida  mais  tormentada  de  trabalho,  nas  quaes  os  nervos 
nenhuma  razão  tinham  de  superexcitarem-se,  vê-se  frequentemente  o  hys- 
terismo. 

Felizmente,  a  providencia  derramou,  abundante,  o  ferro  neste  solo, 
o  que  de  alguma  maneira  contribue  para  atenuar  a  discrasia  do  sangue 
e  obstar-lhe  um  maior  depauperamento  na  hemo-globina. 

As  febres  biliosas,  ora  essenciaes,  ora  degeneração  das  intermittentes, 
tém  de  commum  com  estas  as  mesmas  causas :  os  calores  excessivos, 
o  excesso  da  secreção  biliar  e  a  chronicidade  de  certas  enfermidades, 
quaes  as  hepatites,  etc. 

E'  notável  que,  emquanto  a  transpiração  cutânea  e  a  exhalaçao 
pulmonar  se  exageram  por  effeito  da  temperatura,  e  que  por  isso  as 
bebidas  aquosas,  e  especialmente  o  guaraná  nas  classes  abastadas,  são 
ingeridas  amiudadamentO;  os  outros  órgãos  secretores  não  ficam  em 


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DA  província  de  matto-grosso  .        183 

descanso.  A  bile  manifesta  seu  excesso,  derrame  e  absorpção  em  qualquer 
phlegmasia,  mormente  nas  abdominaes. 

E'  também  notável  o  ptyalismo,  mui  geral  nos  habitantes  destas 
regiões ;  hyperdiacrise  proveniente  de  bronchorrheas  antigas,  assaz  fre- 
quentes, ou,  apenas,  o  resultado  de  um  mau  habito  adquirido  e  que  obriga 
as  glândulas  salivares  á  um  excesso  de  exercício;  vicio  nunca  assaz 
estigmatisado,  por  ter  tanto  de  desnecessário  como  de  repugnante. 

Muitas  vezes  as  phlegmasias  palustres  revestem  formas  graves  e 
passam  para  o  typo  maligno  em  typhoideas  ou  febres  pútridas. 

Vém  ápello  citar  aqui,  ainda  mais  uma  vez,  o  notável  naturalista 
bahiano.  Sua  memoria,  Enfermidades  endémicas  da  capitania  de  Maito- 
Grosso^  escripta  pelo  correr  da  ultima  década  do  século  passado,  com- 
quanto  não  esteja  na  altura  de  sua  illustração  e  sciencia,  o  que  muito  se 
atenua  com  o  saber-se  que  seu  autor  não  se  dedicava  ao  exercicio  clinico, 
todavia  sempre  traz  alguma  luz  sobre  a  constituição  medica  do  paiz.  Nesse 
pequeno  e  imperfeito  trabalho  apparecem  duas  idéas  que,  todos,  suppu- 
nhamos  desconhecidas  naquelles  tempos  :  o  vomito  preio  e  a  thermoscopia 
no  estudo  das  febres  (a).  Qualquer  que  fosse  a  idéa  que  o  Dr.  Alexandre 
ligasse  á  primeira,  seja  como  moléstia  essencial,  seja  como  symptoma, 
elle  cita-a  por  aquelle  nome  entre  as  enfermidades  das  capitanias  de 
S.  José  do  Rio  Negro  e  de  Matto-Grosso.  Em  honra  do  sábio  brasileiro 
transcrevo  aqui  suas  próprias  palavras:  «  — Causas  de  moléstia.  O  ar  pela 
sua  parte,  com  os  eflfeitos  do  seu  calor,  causa  diversas  enfermidades.  A 
porção  mais  espirituosa  do  sangue  todos  os  dias  se  dissipa,  sahe  pela 
transpiração,  pelo  suor  e  pela  ourina ;  o  que  fica  no  corpo  é  um  sangue 


(a)  Comquanto  possa  se  levar  até  Boerhaave  a  idéa  da  thermoscopia  medica 
{Àphorismi  de  cognoscendi  et  curandis  morbis,  etc,  1720),  todavia  foi  Ourrie  que 
primeiro  a  applicou  ao  exame  das  febres  {Medicai  reports  on  the  effects  of  voater 
cold  and  warm  as  a  remedy  in  febrile  deseares,  etc  ,  1801) ;  e,  em  1837,  Bouillaud 
qaem  a  introduziu  nas  salas  de  clinica. 


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184  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

sêcco,  térreo  e  espesso,  donde  procedem  as  melencolias,  as  lepras,  os  vó- 
mitos pretos,  as  cameras  de  sangue,  as  febres  ardentes,  etc.  »  E  mais 
adiante  parece  associar  o  vomito  preto  á  febre  que  designa  com  o  nome 
de  ardente  e  que  descreve  pelo  modo  seguinte:  «  — Distingue-se  ás^ podre 
pela  maior  gravidade  de  symptomas,  pela  grande  parte  que  nella  tem 
a  biles,  donde  vem  que  dá-se-lhe  o  nome  de  podre-Uliosa  ;  pela  concen- 
tração do  calor  que  é  mais  interno  que  externo ;  pela  menor  duração,  pois 
a  ardefiie  raras  vezes  se  estende  além  do  sétimo  ou  decimo-quarto  dia.  Suas 
causas  são :  as  paixões  vehementes,  os  trabalhos  excessivos,  õ  abuso  de 
alimentos  picantes  como  a  carne,  peixes  adubados  com  demasiada  pimenta, 
vinho  e  licores  espirituosos ;  a  estação,  logar,  idade  e  temperamento.  » 
Por  symptomas  dá-lhe :  «  a  exacerbação  precedida  de  maiores  ou  menores 
frios ;  violenta  cephalalgia,  insomnia,  delirio,  e  algumas  vezes  anciãs,  car- 
dialgias  e  convulsões ;  o  pulso  de  duro  que  é  e  frequente  passa  á  fraco  e 
irregular ;  sede  implacável  e  rebelde  á  todos  os  refrigerantes,  com  um 
extraordinário  calor  interno  e  amargores  de  boca.  Lábios  e  lingua  sêecos 
«  negros ;  vómitos  de  uma  bile  ferruginosa,  e  em  alguns  tão  acre  e  urente, 
que  lhes  estimula  o  esophago  e  desbota  os  dentes ;  ourinas  incendidas,  e 
tanto  ella  como  as  dejecções,  ás  vezes,  biliosas  como  a  dos  ictéricos.  »  Tira 
bom  prognostico  das  crises  do  vomito  e  curso  do  ventre,  que  apparece  do 
quarto  ao  sétimo  dia ;  sendo  que  o  curso  é  quasi  sempre  mortal  quando  no 
começo  da  moléstia,  do  mesmo  modo  que  o  suor  da  face,  as  hemorrhagias, 
o  soluço,  o  escarro  de  sangue,  as  anciãs  do  coração,  as  ourinas  pretas  e 
sanguinolentas.  A  morte  tem  lugar  mais  frequentemente  nos  velhos  do  que 
nos  moços,  o  que  succede  de  ordinarto  no  terceiro,  quarto,  e  sétimo 
dias  (a)  da  moléstia. 


(a)  Ao  tratar  dos  meios  therapeuticos,  diz  :  «  Os  empyricos  atribuem  uma 
particular  virtude  á  uma  cabaça  que  se  tira  do  ventrículo  do  lagarto  Senemby,  e 
o  administram  em  pó,  agua  de  cidra,  ou  cosimento  de  carapiá,  na  dose  de  meia 
até  uma  oitava,  n 


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DA  província  DE   MATTO-GROSSO  185 

E  sobre  a  thermoscopia,  tratando  do  diagnostico  das  febres:  « — Pelo 
que  muito  importa  aprender  á  distinguir  uma  das  outras  febres,  exami- 
nando o  que  ellas  são,  os  signaes  que  dão  de  si,  os  eflfeitos  que  produzem, 
e  combinar  estas  com  as  outras  observações  e  experiências,  adequadas  ao 
logar  onde  se  está ;  ao  tempo  e  génio  endémico  ou  epidemico  reinante,  etc. 
Pela  velocidade  do  pulso  conferido  com  a  respiração,  calor  e  as  ou- 
rinas,  se  reconhece  que  o  enfermo  tem  febre.  Um  meio  infallivel  de 
conhecêl-a  é  o  da  applicaçâ^o  do  fhermometro  ao  corpo  humano^  deixan- 
do o  nelle  por  pouco  mais  de  um  quarto  de  hora,  O  que  é  certo,  e  cons- 
tantemente observado  é  que  o  pulso  nas  febres  sempre  excede  de  setenta 
e  cinco  pulsações  por  minuto,  quando  o  thermometro  de  Fahrenheit  e 
o  calor  passam  de  80°,  necessários  para  a  putrefacção. »  Por  uma  chamada 
ai)Ó8  a  palavra  nelle^  cita  em  seu  apoio  um  tratado  de  las  calenturas,  cujo 
autor  cala. 


Das  moléstias  exanthematicas  o  sarampão  e  a  roseola  foram  as 
únicas  que  por  muito  tempo  conheceu  a  província,  aquelle  grassando  ás 
vezes  com  gravidade.  Segundo  o  Dr.  Alexandre,  apparecêra  pela  vez  primeira 
em  Tilla-Bella  em  setembro  de  1 789  e  com  tal  intensidade  que  matara 
201  pessoas,  das  quaes  154  homens  e  47  mulheres,  n'uma  população  de 
2733  almas,  que  tanta  era  a  da  villa.  A  de  toda  a  capitania  orçava-se, 
então,  em  6465  (a). 

No  anno  seguinte  reapparceu,  e  a  mortalidade  foi  de  169  pessoas, 
das  quaes  56  mulheres. 

A  terceira  epidemia  foi  em  1813;  varias  outras  se  seguiram,  sendo 
mais  intensas  as  de  1818,  1822,  1834, 1837  e  1842,  de  que  os  velhos 


(a)  O  que  consta  dos  assentamentos  nos  livros  da  matriz.   Alex.  Rod.  Fer- 
reira. Ob,  cU. 

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186  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

guardam  bem  cruéis  lembranças,  mas  para  cujo  histórico  e  estatistica 
nosologica  faltaram  a  sciencia  e  o  zelo  do  Humboldt  brasileiro. 

Outras  epidemias  tém  se  seguido,  mas  menores  na  intensidade. 
Foram  introduzidas  das  missões  hespanholas,  e  o  que  é  notável  é  que  seu 
nome  portuguez  parece  derivado  do  idioma  quichua  qualampa. 

A  varíola  foi  desconhecida  ou  pelo  menos  nunca  se  propagou  na 
província  até  o  anno  de  1S67.  Por  vezes  chegaram  á  Cuyabá  variolosos 
que  ahi  se  curaram  sem  contagiarem  o  mal;  mas,  naquelle  anno,  desen- 
volvendo-se  essa  enfermidade  em  Corumbá,  de  prompto  estendeu-se  á 
Cuyabá  e  aos  outros  povoados,  excepção  feita,  dizem,  de  S.  Luiz  de  Cáce- 
res, onde  .se  estabelecera  um  rigoroso  cordão  sanitário  (a).  Aquelles 
pontos  levaram-a  os  que  aterrorisados  fugiam  aos  grandes  focos  de  in- 
fecção, que  por  toda  a  parte  se  desenvolviam  ceifando  victimas,  não  só  nas 
grandes  povoações,  mas  ainda  nos  sitios  isolados  e  entre  os  indios  mansos 
à  beira  ríos,  indo  a  infecção  ferír,  mesmo  nos  mais  longinquos  sertões  • 
aos  selvagens  que  vivem  longe  de  todo  o  contacto  com  os  civilisados. 

Um  facto  notável,  e  que  deve  chamar  a  attençào  dos  hygienistas,  T* 
a  propagação  dessas  enfermidades  á  varias  espécies  de  irracionaes,  muitos 
delles,  como  os  autochthones,  bem  aflastados  dos  povoados.  Já  desde  o  sa- 
rampào  de  1789,  que  viu-se  matar,  com  a  mesma  intensidade  que  ao  ho- 
mem, aves  e  quadrúpedes  de  criação  domestica,  domesmo  modo  que  nos 
campos  e  florestas  via-se  o  açoite  da  epidemia  nos  cadáveres  de  grande 
copia  de  veados,'  antas,  onças,  jacarés,  tuyuyús  e  garças.  O  mesmo  facto 
extraordinário  deu-se  com  a  varíola  de  1867. 


(a)  O  Sr.  Ferreira  Murtinho.— iVo/t>i«  sobre  a  prorincia  de  Matto-Qrosso, 


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DA  província  de  mattogrosso  187 

VI 

Quasi  todos  os  viajantes  de  Matto-Grosso  faliam  n'uma  entero-pro- 
cfífc  ahi  costumeira,  notável  por  uma  discrasia  geral,  falta  de  plasticidade 
do  sangue  e  relachamento  extraordinário  do  sphinoter  anal  e  tecidos 
adjacentes.  E'  conhecida  pelo  nome  de  inoculo  ou  corrupção,  e  se- 
gundo o  Sr.  Murtinho,  que  a  cita  na  sua  obra,  tem  o  nome  de  el  bicho 
nas  republicas  platinas,  sendo  também  conhecida  na  Dinamarca. 

A  primeira  denominação  é  contracção  de  uma  phrase  hespanhola 
e  a  outra,  el  bicho,  parece  não  ser  estranha  ao  nosso  povo,  visto  que 
a  ocafayo,  vegetal  muito  empregado  nessa  affecção  e  nas  hemorrhoi- 
darias,  é  vulgarmente  chamada  herva  âo  bicho. 

Não  tive  occasião  de  ver  caso  algum  dessa  enfermidade,  que  Cas- 
telnau  descreveu  e  aquelle  escriptor  repetiu  ao  perfilhar  as  descripções 
do  viajante  francez. 

DelLis  são  principaes  symptomas,  segundo  informações  que  tive:  con- 
gestões venosas  e  ás  vezes  transudações  sanguineas  na  mucosa  rectal,  diar- 
rhéa,  dór  gravativa  na  região  cervical,  febre,  anorexia,  somnolencia,  ten- 
dência sjrncopal,  constricções  para  o  thorax  e  epigastro,  dilatação  pathog- 
Bomonica  do  sphincter,  insensibilidade,  cyanose  e  prostração  do  pulso — si  a 
terminação  deve  ser  fatal.  A  dilatação  é  ás  vezes  de  oito  á  dez  centimetros 
de  diâmetro ;  as  evacuações  alvinas  excessivas.  Earas  vezes  é  moléstia 
es8en<5ial;  apparecendo  quasi  sempre  como  consequência  das  febres  inter- 
mittentes  rebeldes  oa  de  mau  caracter,  o  que  já  notara  o  Dr.  Alexandre. 

A  therapeutica  é  toda  baseada  nos  excitantes,  tónicos,  adstringentes 
e  anti-septicos ;  internamente,  preparados  de  genciana,  poaya,  quina, 
angico,  barbatimão,  etc. ;  externamente,  clysteres  de  poaya,  jaborandy, 
angico,  quina,  aguíi  om  Um  ia  e  pimentas,  infusões  de  acataya  ou  herva 


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188  ESBOÇO  CHOBOORAPHICO 

do  bicho,  aguas  de  Labamique,  camphorada,  phenicada  ou  creoso- 
tada,  suppositorios  de  limão  despido  do  entrecasco,  e  envolto  em  pólvora 
e  pimenta,  calomelanos,  chloral,  rapé,  etc.  Cuias  são  as  vasilhas  de  que 
se  servem  para  os  clysteres,  ahi,  verdadeiras  embrocações.  Os  supposi- 
torios são  de  algodão  ou  fios  quaesquer,  enrolados  na  mão  ou  n'um  sup- 
porte,  e  embebidos  naquella  mistura  (a). 

O  Dr.  Alexandre  preconisa  os  clysteres  de  herva  do  bicho  com  três 
á  quatro  limões  gallegos,  oito  á  dez  pimentas  comaris  ou  malaguetas, 
uma  colher  de  assucar  mascavado  ou  de  rapadura  e  uma  pitada  de  sal. 


Ataca  o  maculo  de  preferencia  os  negros  e  indios,  especialmente  os 
negligentes  nos  cuidados  do  asseio.  Nas  outras  terras  do  Brasil  só  foi 
conhecida,  nos  tempos  do  trafico,  nos  negros  recem-vindos  de  além  oceano. 


Uma  outra  enfermidade,  esta  peculiar  a3  planalto,  e  quj  o  viajur 
oriundo  das  províncias  marítimas  observa  com  sorpresa,  é  a  frequência  do 


(a)  Eram  conhecidos  pelo  nome  de  sacatrapos^e  sobre  isso  conta-se  na  proviucia 
uma  anecdota  referida  à  um  dos  capitàes-generaes,  que  estando  enfermo  de  maleitas^ 
e  temendo-86  da  corrupção  e  sabendo  que  o  único  remédio  era  o  famoso  supposi- 
tório,  declarou  terminantemente  que  se  oppunha  á  sua  applicação  ;  e  que,  si, 
estando  desacordado,  alguém  o  puzesse  em  pratica  e  elle  escapasse,  mandal-o  hia 
enforcar.  B  todos  sabem  como  esses  déspotas  se  desempenhavam  nesses  pontos  de 
honra.  Declarada  a  temida  enfermidade,  sendo  já  completa  a  insensibilidade  e 
prostração,  passou-se  á  cuidar,  já,  nos  termos  de  substituir  o  governo,  bem  como 
nos  preparos  de  funeraes  para  o  governador ;  o  que  sabendo  um  homem  do  povo,  e 
doendo-se  de  vôl-o  morrer  assim,  quando  tão  fácil  era  o  remédio,  decidiu-se  a 
cural-o  sciente  da  resolução  do  general  e  disposto  á  sacriíicar-se.  Applicou  o  remé- 
dio tão  temido  ;  e,  obtida  a  cura,  o  capitão-general  fél-o  chamar  e  perguntou-lhe  si 
ignorava  a  sua  determinação,  e  o  porque  a  transgredira ;  respondendo-lhe  com 
uma  fleugma  spartana  :  —  Por  uma  razão  muito  simples ;  sou  um  pobre  diabo  que 
á  ninguém  fa.»  falta,  e  o  que  seria  da  capitania  si  V.  Ex.  faltasse  ?  Admirado  o  ge- 
neral de  tal  grandeza  de  animo,  perdoou 4he  a  desobediência  e  gratifieou-o  genero- 
samente. 


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DA  província  de  matto-grosso  189 

bodo,  commum  á  todo  esse  immenso  araxá  do  Brasil,  que  abrange  desde 
o  Tocantins,  toda  Goyaz,  Minas  até  a  serra  da  Mantiqueira,  S.  Paulo  e 
Paraná  até  a  serra  do  Mar,  e  que  vae  ainda  além  das  escarpas  occidentaes 
das  cordilheiras  do  Anhambahy  e  Maracajú,  nos  plainos  argillo-calcareos 
da  republica  paraguayn. 


o  planalto. 

Em  seus  começos  é  euravel  com  o  tratamento  iodado.  Logi*ei 
debellar  completamente  alguns  casos  com  a  dose  quasi  hahnemaniana 
de  cinco  gottas  de  tintura  de  iodo  para  quinhentas  grammas  de  agua, 
em  uso  de  duas  colheradas  diárias. 

Foi  o  primeiro  doente  uma  menina  de  ti*eze  annos,que  pedia-me  para 
livral-a  de  tão  feia  enferniidade,  ja  bem  apparente.  Em  Assumpção,  no  Pa- 
raguay,  tinha  tratado  de  vários  casos,  sem  obter  resultados  reaes ;  aqui,  para 
nào  desanimar  a  joven  enferma,  prescrevi-lhe  aquella  poção,  e  naquella  dose, 
como  um  mero  paliativo  que,todavia,mal  nenhum  lhe  poderia  trazer.  Contra 
toda  a  espectativa  o  mal  foi  diminuindo  á  ponto  de  considerar-se  extincto,e 
isso  em  poucos  mezes.   Outros  ensaios  foram  tentados ;  mas,  si  obteve-se 


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100  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

bons  resultados  nos  casos  incipientes,  nos  inveterados  nào  se  perceberam 
melhoras. 

Para  os  primeiros  aproveita  sempre  a  mudança  de  clima  ou  mesmo 
de  região.  Coincidindo  a  presença  do  mal  com  a  natureza  calcarea  do 
solo,  é  opinião  geral  que  sua  causa  esteja  nas  aguas,  ahi  mais  saturadas 
dos  saes  de  cálcio.  Para  os  grandes  bócios  e  inveterados,  nem  mesmo  a 
mudança  para  os  climas  marinhos  aproveita ;  entretanto,  ainda  restam 
meios  de  curativo  na  applicação  hypodermica  de  compostos  iodados  e  no 
bisturi  do  cinirgião,  dos  dous,  sem  duvida,  o  de  mais  confiança.    * 


VII 


E'  notável  que  os  miasmas  palustres  não  exerçam  influencia  alguma 
no  habitai  dos  planaltos,  tão  grande  é  a  sua  densidade  e  peso  relativa- 
mente ao  ar  respirável. 

Corumbá,  situada  em  uma  altitude  de  30  á  35  metros,  no  meio  dos 
vastos  alagadiços  dó  rio  Paraguay,  o  lago  periodixio  dos  Xarayés  dos 
antigos,  é  altamente  salubre  e  sóe  passar  incólume  das  febres  epidemiea^ 
de  mau  caracter. 

Em  1875  povoavam-a  cinco  mil  habitantes;  não  tinha  um  mendigo, 

c  seus  registros  de  mortalidade  não  traziam  mais  de  cinco  á  seis  óbitos 
mensalmente.  Mas,  com  a  retirada  das  forças  de  occupação  da  republica 
paraguaya,  centenas  de  naturaes  desse  paiz  que  delias  recebiam  o  pão, 
acompanharam-as  â  Corumbá ;  á  esses  seguiram-se  outros,  foragidos  aos  hor- 
rores do  seu  desgraçado  paiz,  e  á  fome  e  miséria  que  anteviam.  Em  quatro 
mezes  do  anno  seguinte,  Corumbá  e  o  Ladario,  seu  arrabalde  á  SO.,  onde 
existe  o  grande  arsenal  de  marinha  da  província,  recebiam  para  mais  de 
três  ou  quatro  mil  immigrantes  nas  meámas  desgraçadas  condições. 


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DA  província  de  matto-grosso  101 

Esse  povo  de  arribação,  semelhante  á  uma  praga  de  gafanhotos,  foi 
uma  verdadeira  calamidade,  avalanche  que  desabou  no  meio  da  florescente 
Corumbá. 

Os  que  tinham  vindo  com  os  batalhões  continuaram  á  ter  a  vida 
apensa  á  magra  pitança  do  soldado, — mais  difificil  agora,  não  só  porque 
os  vencimentos  eram  menores,  como  porque  não  eram  pagos  com  a  mesma 
pontualidade  de  então. 

Alguns  mais  laboriosos,  ou  mais  felizes  por  encontrarem  trabalho, 
acharam  occupação  na  domesticidade,  nas  lavanderias,  no  ferro  do  engom- 
mado,  no  serviço  de  peões  ou  como  serventes  de  obras ;  o  resto,  desem- 
pregado por  não  encontrar  trabalho  ou  pela  preguiça,  pusilânime  ou 
desacoroçoado,  deixou-se  abater  ainda  mais  pelo  desanimo  e  inércia,  e 
tomou-se  victima  da  fome  e  da  miséria,  da  embriaguez  e  da  prostituição 
com  todo  o  negro  cortejo  de  seus  males. 

Quem  em  1877  chegasse  á  então  villa  de  Corumbá,  supporia  entrar 
n*uma  povoação  insalubre,  tanta  nas  ruas  a  mendicidade — de  corpos 
magros,  esquálidos,  cadavéricos, — tanta  a  miséria  que  devastava  esses 
infelizes;  poviléo  immenso  de  homens,  mulheres  e  crianças,  mal  vestidos, 
mal  agazalhados  e  peior  alimentados,  a  maior  parte  refugiada  no  meio 
dos  mattos,  que  cercam  a  villa,  em  miseráveis  clioças  :  muitos  já  enfer- 
mos de  moléstias  chronicas  e  vindos  extenuados  de  forças  desde  seu  paiz  ; 
outros  aniquilando-se  aqui  de  inércia  e  desidia,  fome  e  miséria,  sem 
coragem  nem  disposição  para  o  trabalho  e  morrendo  de  inanição,  sem 
haver  um  hospital  que  os  recolhesse,  sem  ao  menos  encontrarem  a  medi- 
cina que  o  medico  receitava. 

O  cemitério-  que,  pouco  antes,  raras  vezes  abria-se  n'um  mez,  agora 
quasi  que  diariamente  dava  sepultura  á  cadáveres,  comprovando  uma 
mortalidade  cinco  e  seis  vezes  maior. 

Achava-se  então  na  villa  o  autor  destas  linhas;  medico,  foi  seu  o  pri- 


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lí*2  ESBOÇO  CHOROGRÂPHÍCO 

meiro  clamor  era  prol  de  tanta  desgraça.  —  «  Confrange-se-me  o  coração, 
— escrevia  no  Iniciador  de  6  de' maio  (a),  —  ao  pensar  quanta  miséria 
vive  por  ahi,  ao  idear  quanta  dôr  cruciante,  quanta  agonia,  quanta 
angustia  atroz,  quanto  drama  de  episódios  horríveis  não  terá  por  basti- 
dores os  ermos  das  mattas  ou  as  taipas  da  arruinada  palhoça,  onde  o  sol 
e  a  chuva  vão  tão  bem  como  ao  ar  livre.  Entregues  á  sua  sorte,  adoecem  e 
morrem  sem  mesmo  procurarem  um  medico,  sem  .tentarem  a  salvação  da 
vida  ou  ao  menos  buscarem  lenitivos  na  medicina.  Talvez  por  feta- 
lismo,  como  os  selvagens,  crêam  chegada  a  derradeira  hora,  sem  meios  de 
conjural-a,  e  por  ignorantes  não  tentem  aflFastal-a,  suppondo,  quiçá,  os 
nossos  médicos  falsos  apóstolos  da  caridade  e  eivados  do  mercantilismo  e 
paixão  metallica  da  época.  Mas,  honra  se  lhes  faça :  não  os  domina  essa 
paixão.  Quando  o  desgraçado  e  o  enfermo  delles  necessitam,  encontram-os 
sempre  acompanhados  da  caridade  e  do  desinteresse.  Mas  o  medico  só 
não  basta.  E'  preciso  também  o  remédio,  que  custa  dinheiro ;  a  dieta, 
que  é  difficil  de  achar-se. 

«  Morre-se  aqui  de  miséria,  morre-se  de  fome,  morre-se  ao  desam- 
paro !  Entretanto  com  pouco  esforço  podemos  fazer  aos  outros  aquillo 
que  quizeramos  nos  fizessem :  dar-lhes  a  vida,  a  saúde,  o  melhor  bera  da 
humanidade. 

«  Ha  necessidade,  ha  urgência  de  um  local  de  refugio  á  essas  des- 
graças e  de  lenitivo  á  essas  dores,  onde  os  cuidados  da  medicina  possam 
arcar  com  vantagem  com  os  horrores  do  mal  e  com  o  desespero  da  cura. 
Não  ha  que  esperar  dos  deveres  paternaes  do  governo,  em  cujas  forças 
não  está  o  guarecer  todas  as  dores,  nem  crear  um  asylo  lá  onde  quer 
que  appareça  uma  afKicção  á  consolar. 

«  Não.  Bastam  os  sentimentos  de  caridade  do  povo,  basta  a  gene- 


(a   Interessante  e  criterioso  periódico  de  Corumbá,  começado  á  publicar-se  em 
janeiro  de  1877. 


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DA  província  de  matto-gkosso  19'^ 

rosidade  dos  moradores  de  Corumbá  e  o  auxilio  efBcaz  de  suas  autori- 
dades. Concorra  cada  um  com  o  seu  óbolo,  alugue-se  jima  casa,  prepa- 
re-se-a  conforme  as  circumstancias  o  perraittam,  solicite-se  do  governo  os 
medicamentos,  hoje,  que  não  ha  aqui  onde  recorrer  por  elles,  e  ter-se-ha 
erguido  um  modesto,  mas  salutar  albergue  da  misericórdia.  Dado  o  pri- 
meiro passo,  que  é  o  difficultoso,  não  faltará  quem  aceeite  a  idéa  e  a  pa- 
trocine. Sob  a  capa  metallica  do  positivismo  hodierno  aninha-se  ainda 
muita  philantropia,  muita  caridade,  muita  beneficiencia. 

«  Faça-se  a  enfermaria :  si  não  choverem  bençams  de  gratidão  sobre 
os  seus  bemfeitores,  guardarão  estes  a  satisfacção  intima  e  immensa  de 
t^rem  contribuído  para  o  allivio  e  salvação  de  algumas  ou  muitas  vidas. 
E  Deus  os  abençoará.  » 


E  não  foi  baldado  esse  appello.  Em  24  do  mez  seguinte  inaugura- 
va-se  no  Ladario  uma  enfermaria  de  vinte  leitos,  sob  a  invocação  de 
llosipiial  de  caridade — S.  João. 

A  casa  que  ia  ser  offerecida  á  província  para  os  misteres  da  ins- 
trucção  publica,  a  medicina  do  entendimento,  foi,  á  instancias  minhas, 
para  os  da  medicina  do  corpo.  Infelizmente  durou  poucos  mezes,  e  tão 
útil  instituição  fechou-se  por  falta  de  recursos,  poucos  mezes  após  reti- 
rar-me  para  a  corte. 

Consigne-se,  ao  menos,  aqui  os  nomes  dos  seus  instituidores  e  prin- 
cipaes  bemfeitores,  e  será  o  único  galardão  que  tenham  obtido  os 
Srs.  major  João  Pedro  Alves  de  Barros  e  António  Pedro  Alves  de  Barros, 
donos  da  casa,  Dr.  José  Joaquim  Kamos  Ferreira,  Manoel  Marcellino 
Guerra,  João  Gonçalves  de  Oliveira  Freitas,  Thiago  José  Mangini,  Pedro 
Gonçalves  Coelho  e  Dr.  Raymundo  de  Sampaio. 

25 


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194  ESBOÇO   CHOROGRAPHICO 

Ficaram  sós;  não  puderam  obter  os  auxílios  do  governo,  nem  vencer 
a  natural  apathia  e  indifferença  dos  conterrâneos;  ficaram  sós ;  o  esforço 
era  superior  á  suas  forças  :  succumbiram. 


Hoje  está  quasi  nullificada  essa  apparencia  morbosa  e  desgostante 
da  nova  cidade.  Seus  foros  de  salubridade  continuam  incólumes  apezar 
do  estuário  pantanoso  em  que  se  ergue. 

Como  ella  gozam  dos  mesmos  créditos  Cuyabá  e  o  Ladario,  e  talvez 
que  mesmo  a  cidade  de  S.  Luiz  de  Cáceres,  já  próxima  ás  cabeceiras  do 
rio  Paraguay. 

E'  que  nas  regiões  palustres  a  atmosphera  das  camadas  superiores 
é  menos  densa,  mais  leve  e  mais  pura;  e,  portanto,  muito  differente  em 
principies  vitaes  das  inferiores,  que  existem  como  que  estagnadas,  não 
sendo  varridas  nem  renovadas  pelos  ventos,  cujas  correntes  só  muitos 
metros  acima  do  solo  é  que  se  estabelecem. 

VIII 

Para  toda  essa  immensa  região  americana  são  duas  as  estações : 
a  sêcca  e  a  das  chuvas.  Estas  coincidem  com  o  verão,  começando  ordina- 
riamente de  setembro  á  oitubro,  e  indo  até  abril  e  maio. 

O  augmento  da  temperatura  do  solo,  a  refracção  do  calor  solar,  a 
grande  quantidade  de  vapores  de  agua  que  vão  saturar  as  camadas  infe- 
riores da  atmosphera,  produzem  o  desequilíbrio  na  densidade  dessas 
camadas  e  das  superiores;  correntes  se  estabelecem  nos  sentidos  vertical 
e  horizontal,  estas  modificando  a  temperatura,  conforme  a  região  donde 
vém,   aquellas  subindo  ás  camadas  superiores,  determinando  ahi  a  con- 


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DA  PROVÍNCIA  DE  MATTO-GROSSO  195 

densação  dos  vapores  que  se  liquefazem  e  dão  origem  ás  chuvas  prolon- 
gadas. Estas  e  o  degelo  dos  Andes  são  as  causas  das  transbordações  e 
formação  dos  alagadiços.  Começam  por  aguaceiros  grandes,  mas  de  pouca 
duração,  esses  pequenos  dilúvios  tão  communsnas  latitudes  intertropicaes; 
pouco  á  pouco  vão-se  amiudando  de  maneira  que,  em  meio  da  estação, 
ha  occasiões  de  seguirem-se,  não  interrompidas,  durante  semanas  inteiras. 
E'  então  que  as  baixadas  do  solo  calcareo  se  embebem,  saturam  e  conver- 
tem-se  em  lagos ;  que  os  rios  e  regatos  transbordam,  e  rios,  regatos  e 
lagos  reunem-se,  formando  esses  incomparáveis  oceanos  de  aguas  doces, 
onde  se  navega  em  todas  as  direcções,  por  cima  dos  campos  inundados  e 
sobre  as  franças  das  florestas  submergidas. 

Parte  dessas  baixadas,  formada  de  extensos  campos,  em  fachas  mais 
ou  menos  estreitas  e  compridas,  abeiradas  de  mattas  ou  bosques,  cujo 
solo  é  um  pouco  mais  elevado, — é  o  que  aqui  toma  o  nome  de  corixas, 
e  que  differem  das  escoantes  ou  vasantes  por  não  servirem  somente  de 
passagem  ás  aguas  que  por  ellas  descem,  e  sim  conservarem-as  ainda 
além  da  estação  própria. 

Nessa  época  ninguém  se  deve  aventurar  à  longas  viagens  por  esses 
ermos,  pois  si  se  descuida,  fiado  em  que  não  chove  ainda,  ou  poucoyehove, 
inesperadamente  vê,  da  noite  para  o  dia,  ir-se  o  terreno  embebendo  e 
alagando  com  rapidez,  e  com  pasmo  e  terror  do  viandante  que,  entretanto, 
vê  sêccos  e  áridos  os  terrenos  mais  altos  que  o  cercam.  Outras  vezes  é  o 
contrario  o  que  succede.  As  chuvas  são  copiosas  e  fortes,  e  o  terreno 
bebe-as  e  de  prompto  se  enxuga.  Isso  se  explica  pela  natureza  de  seu 
solo  arenoso ;  e  tal  terreno,  recebendo  as  aguas  em  comarcas  mais  ou  menos 
remotas,  pela  sua  força  de  absorpção,  permeiabilidade,  declividade  e 
saturação,  vae  fazêl-as  emergir  nos  solos  de  menor  altitude,  afastados 
âs  vezes,  de  muitas  léguas,  conservando  em  outros  logares  vastas  regiões, 
nào  de  pântanos,  mas  de  lamaçaes,  «  desgraçados  caminhos,  como  mui 


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lOG  KSBOÇO   CHOROGRAPHICO 

bem  o  diz  Southey  (a),  onde  se  atravessam  pântanos  sem  por  isso  deixar-se 
de  soffrer  sedes.  » 


Nunca,  talvez,  um  psychometro  ou  um  udoraetro  appareceu  na 
província,  pelo  que  não  se  pôde  determinar  com  rigor  a  humidade  da 
atmosphera,  nem  o  médio  das  chuvas  que  inundam  o  solo. 

No  tempo  decorrido  de  maio  de  1875  á  março  de  1878  a  media  annual 
foi  de  135  para  os  dias  de  chuva;  e,  á  avaliar-se  pelas  medias  da  corte, 
que  é  de  r",80;  do  Pará,  de  2'",0;  de  Pernambuco,  de  2'",50;  da  Bahia, 
de2'",0;  S.  Paulo,  de  l'",80:  não  será  desarrasoado  calcular  em  3'",0  a 
media  das  aguas  cabidas  annualmente  na  provincia,  si  ainda  não  fôr  maior. 

Como  é  fácil  de  prever-se,  o  gi*au  da  humidade  atmospherica  varia 
conforme  as  disposições  hydrometrica  e  hypsometrica  do  solo.  Faltando 
quasi  absolutamente  as  observações  á  respeito,  limito-me  á  consignar, 
baseado  era  D'Alincourt  (b),  as  obtidas  pela  commissão  russiana  á  cargo 
do  cavalheiro  de  Langsdorff,  que  em  1827  andou  em  exploração  no  Brasil. 
Em  Cuyabá,  que  ainda  pôde  ser  considerada  pertencente  á  baixa-la,  apezar 
da  sua  altura  de  288  (c)  metros  sobre  o  oceano,  o  hygromet  romã  rcou 
como  máxima  geral  diária  95''  e  minima  46",  nos  mezes  de  fevereiro  á 
agosto,  e  na  chapada,  no  logar  de  Guimarães,  de  2  de  abril  á  13  de 
junho,  tempo  sêcco,  60"  pela  manhã,  hO"  ao  meio-dia  e  58"  á  tarde,  medias 
diárias.  Essa  chapada  eleva-se  804,5  metros  sob  o  nivel  oceânico. 

Com  as  friagens  que  sobrevieram  em  16  de  junho  do  mesmo  anno, 
o  hygrometro  elevou-se  a  97%  estando  a  atmosphera  cerrada  de  densa 
neblina. 

(a)  H>st  do  Brasil  (Trad.  do  Dr.  L  de  Castro).  T.  I.  pag.  215- 

(b)  Obra  citada. 

(cl  l'í*)  p<''s  inglezes. 


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BA  província  de  matto-grosso  197 

Em  30  de  julho,  Langsdorff  observou  a  máxima  do  barómetro  em 
29,600,  soprando  as  ardentes  brisas  do  Norte;  tendo  já  obtido  a  minima 
em  28  de  fevereiro,  na  altura  de  29,400, 


Os  ventos  geraes  sopram  de  NO.  e  SE. ;  estes  frios  e  fazendo  baixar 
rapidamente  a  temperatura,  aquelles  elevando-a  e  rarefazendo  a  atmos- 
phera;  ambos  desejados,  si  vém  mitigar  as  asperezas  da  estação,  ambos 
temidos — estes,  si  chegam  na  força  do  frio  augmentando  e  trazendo  as 
geadas  e  friagens,  ou  si,  inopinadamente,  na  força  do  verão,  determinando 
grandes  perturbações  para  os  órgãos  respiratórios  elocomotores;  e  aquelles, 
os  ventos  do  Norte,  si  com  o  seu  hálito  de  fogo,  vém  ainda  mais  abrazar 
a  atmosphera,  augmentando  o  calor  e  e  mau -estar  j a  produzido  por  este. 


IX 


E'  no  verão  que  são  frequentes  as  tempestades,  trazidas  quasi  sempre 
pelo  sudoeste,  o  vento  dos  pampas,  o  qual  em  minutos  modifica  de  tal 
modo  o  estado  thermico  do  ambiente,  que  o  thermometro  salta  rapida- 
mente de  muitos  graus. 

As  descargas  eléctricas  são  amiudadas  e  quasi  tão  geraes  no  planalto 
como  na  baixada.  Si  para  aquelle  influe  a  natureza  metallica  do  solo  e  o 
calórico  do  clima,  para  esta  são  razões  poderosas,  além  da  saturação 
hygrometrica  do  ar,  a  grande  copia  de  ferro  oligisto  e  magnete  que 
existe  nas  montanhas  que  a  cortam,  e  as  próprias  arvores  de  suas  flores- 
tas, verdadeiros  intermediários  do  fluido  entre  essas  duas  enormes  pilhas 
de  electricidades  contrarias, — atmosphera  e  solo. 

Este  já  por  mais  de  uma  vez  tem  extremecido  em  ligeiras  commoções 


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198  ESBOOO   CHOROGRAPHIGO 

do  sub-solo.  Os  annaes  do  senado  da  camará  de  Cuyabá  citam  um 
tremor  de  terra  á  24  de  setembro  de  1749,  precedido  de  um  forte  rumor 
como  o  de  um  trovão  subterrâneo.  N'uma  das  paredes  dos  calabouços 
do  forte  do  Príncipe  da  Beira,  no  Guaporé,  eu  li  a  seguinte  inscripçào 
que  um  preso  ahi  deixou  consignada,  á  ponta  de  stilete :  «  No  dia  18  de 
setembro,  pelas  2  horas  da  tarde,  tremeu  a  terra,  1832,  »  Registra-se 
outro  succedido  em  1  de  oitubro  de  1860;  e  eu  mesmo,  na  noite  de  26 
de  junho  de  1876,  pela  volta  das  nove  e  meia,  estando  de  passagem  com  os 
outros  membros  da  comraissào  de  limites  na  fazenda  do  Cambará,  quasi 
á  margem  do  Paraguay,  sentimos  um  sacudimento  brusco  nas  camas  e 
redes,  ao  mesmo  tempo  que  pequenos  estalidos  no  telhado,  como  de  gra- 
nizo, durando  apenas  alguns  segundos. 

A  approximação  das  tempestades  é  de  ordinário  presentida.  A 
temperatura  se  eleva,  o  ar  parece  de  fogo:  não  sopra  a  menor  aragem. 
A  natureza  como  que  se  abate,  extática  e  assustada.  Os  animaes  perdem  o 
animo,  murcham  as  orelhas,  abatem  as  caudas ;  si  selvagens  embre- 
nham-se  nas  florestas,  si  amphibios  precipitam-se  nas  aguas.  Os  domés- 
ticos approximam-se  do  homem,  como  que  confiados  na  protecção  delle. 
Nem  as  grimpas  das  arvores  baloiçam  :  as  mattas,  n'uma  quietude  me- 
donha, parecem  sólidos  inteiriços.  As  aves  achegam-se  dos  ninhos,  sus- 
pendem os  voos  e  se  escondem  ;  algumas,  como  as  gaivotas,  enchem  os 
ares  de  sua  vozes  assustadas  e  quasi  que  lamentosas,  prenunciando  a 
tormenta  :  mas,  logo  se  calam.  O  ambiente  cada  vez  se  achumba  mais, 
e  a  respiração  se  toma  mais  difificil.  Ha  uma  espécie  de  duresa  em  tudo 
o  que  nos  cerca  ;  um  torpor  gravativo  ;  um  silencio  especial,  só  quebrado 
pelo  rumor  das  correntezas,  que  augmentam  de  estrépito  e  fazem  ainda 
maior  a  anciedade  do  homem. 

Sem  muita  difficuldade  se  reconhece  a  quantidade  de  ozona  com 
que  a  electricidade  sobrecarrega  a  atmosphera.  Ao  preparar-se  as  soluçõe? 


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DA  província  de  matto-grosso  109 

de  iodureto  de  potássio,  para  meus  doentes,  o  sal  indicava,  em  pouco 
tempo  de  exposição,  dilferença  na  cor,  devida  sem  duvida  á  afifinidade  do 
oxygeno  electrisado  para  com  o  iodo. 

Entretanto,  nem  uma  nuvem  no  céo :  —  somente  o  sol  havia 
amortecido  seus  raios,  occultos  sob  um  véo  espesso  e  achurabado. 
Dahi  á  pouco  denso  mmhics  surgia  do  horizonte,  elevando-se  de  S.  ou 
SO, ;  fazendo-se  já  ouvir  o  longínquo  e  surdo  reboar  do  trovão.  Em  breve, 
scintillam  os  relâmpagos ;  amiudam-se  e  amiuda-se  o  trovão,  já  com 
estridor  medonho.  O  ambiente  modifica-se  extraordinariamente  e  a  tem- 
peratura decresce  com  rapidez.  Sopra  uma  brisa,  de  ordinário  do  qua- 
drante austral,  que  em  breve  se  converte  em  violento  tufôo. 

Um  grosso  pingo  de  agua,  outro  e  outros,  isolados,  grandes  e  gélidos, 
cahem  á  grandes  espaços  no  chão.  São  as  avançadas  de  um  aguaceiro 
diluviai  que  traz,  por  atiradores,  um  chuveiro  de  granizos  e  açoita  a  natu- 
reza por  alguns  minutos. 


Meia  hora  depois  o  sol  resplende  fulgurante.  O  céo  está  limpido 
e  sereno  ;  a  brisa  murmura  suave  ;  as  arvores  curvam-se  levemente  ao 
sopro  fagueiro ;  a  natureza  som  ;  os  pássaros  sacodem  das  azas  as  gottas 
de  agua  que  tiveram  força  de  embeber-lhes  as  plumas,  e  cantam  ;  os  ani- 
maes  todos  mostram-se  contentes,  e  o  homem  sente-se  reanimado  e  feliz. 
Tudo  respira  com  mais  vida:  somente  guardam  por  algum  tempo  o  signal 
do  cataclysma  a  relva  abatida  dos  campos,  as  folhas  despidas  e  os  galhos 
lascados  das  arvores  da  floresta,  e  as  correntes  que,  mais  túmidas  e  tumul- 
tuosas, vão,  comtudo,  pouco  á  pouco  perdendo  a  sua  soberbia  c  entrando 
de  novo  nos  limites  que  a  natureza  lhes  demarcou. 

Poucas  horas  depois  só  saberia  do  acontecido  quem  o  houvesse 
presenciado. 


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2U()  KSBOrO    CHOllOGRAPHICO 

X 


Nas  regiões  sêecas  e  altas,  as  do  chapadão,  o  clima  é  são  e  benéfico; 
bastante  quente  no  verão,  no  inverno  bastante  frio.  As  geadas  sobrevêm 
quasi  que  annualmente,  ora  era  julho  e  agosto,  ora  mesmo  em  junho  e 
setembro,  mas  já  menos  frequentemente,  e  sempre  acarretando  graves 
transtornos  á  já  por  si  tão  pobre  lavoura  dessas  comarcas. 

As  friagens  são  mais  communs  e  sobrevêm  mesmo  na  força  do 
verão.  O  Dr.  Alexandre  cita-as  em  março,  abril,  maio  e  junho ;  sendo 
a  primeira  á  18  do  mez,  ainda  em  viagem  no  Baixo-Madeira  ;  a  segunda 
de  6  á  14  de  abril,  na  cachoeira  do  JUheirão,  no  Alto  Madeira ;  a 
terceira,  nos  últimos  dias  de  maio,  já  no  Mamoré,  e  tão  forte,  que  os 
Índios  remeiros  não  puderam  manejar  os  remos,  sendo-se  forçado  á  voltar 
para  o  pouso  e  buscar  o  conchego  das  fogueiras ;  a  quarta,  e  mais  forte, 
á  28  de  junho,  no  forte  do  Príncipe  da  Beira ;  uma  quinta  já  muito 
adiantado  na  viagem  do  Guaporé,  e  a  ultima  desse  anno  no  an-aial  das 
Lavrinhas,  entre  este  rio  e  o  Paraguay.  Algumas  são  tio  fortes  que  tém 
determinado  gangrenas  e  mortes  por  congelação.  Entre  outras,  cita-se 
uma  de  março  de  1822,  que  causou  grande  mortandade  n*um  comboy 
que  vinha  do  Rio  de  Janeiro,  e  que  na  extensa  campanha  do  Rio  Manso, 
no  alto  da  chapada,  perdeu  vinte  e  tantos  negros  novos  (a). 

Emquanto  que  o  estado  thermico  da  atmosphera  tão  grandes  oscilla- 
ções  olferece,  o  barómetro  conserva  mais  fixidade  na  escala.  No  verão 
a  variação  diária  é  devida  somente  ao  excesso  do  calor,  nem  vae  além 
de  cinco  á  seis  millimetros.  Nos  annos  de  1875  á  1878  a  media  geral 


(a)  Luiz  D'Alincourt.  -  ResuH.  dos  T.ab,  e  Indrfg.  eslatisllcas  da  provinda   de 
Matto-Grosso,  cap.  2o,  art.  4.o 


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DA  província  de  matto-grosso  201 

na  região  baixa  foi  de  761"*", 69,  sendo  a  maior  pressão  marcada  em 
772— ,13. 

As  differenças  de  temperatura  á  sombra  e  ao  sol  são  grandes,  mas 
não  tão  distanciadas  como  as  que  observei  na  republica  do  Paraguay. 
O  calor  da  madrugada  é  ordinariameute  de  4*  á  6*  centigr.  menor  do 
que  o  do  meio  do  dia,  continuando  á  crescer  até  as  4  ou  4  1/2  da  tarde : 
todavia,  observam-se  manhãs,  como  a  de  28  de  maio  de  1875,  em  que  das 
9  á  1  da  tarde  subiu  o  centigr.  quasi  16* ;  a  de  3  de  julho,  em  que  das  7 
ás  4  da  tarde,  elevou-se  mais  de  13** ;  a  de  16  de  junho  de  1877, 
que  augmentou  de  12'' ;  e  as  de  20  e  24  de  junho  desse  anno,  e  as 
de  18  de  agosto  do  anno  anterior,  que  subiram  de  IO"". 

A  minima  thermica  é  normalmente  pelo  meio  da  noite. 


As  mais  antigas  observações  thermometricas  de  que  guardo  noticia 
são  as  tomadas  pelos  astrónomos  Francisco  José  Lacerda  de  Almeida 
e  António  Pires  da  Silva  Pontes,  da  coiomissão  demarcadora  de  limites, 
de  1782,  de  5  de  fevereiro  á  4  de  agosto  desse  anno.  Em  uma  carta  de 
Luiz  de  Albuquerque,  capitão-general,  ao  ministro  Martinho  de  Mello 
e  Castro,  datada  de  11  desse  ultimo  mez  (a),  vem  registrada  a  maior 
temperatura  em  10  de  abril,  com  24%72  Réaumur  (=30%9  centigr.),  e 
a  menor  «  (que  fazia  no  corpo  humano  um  frio  muito  sensivel)  »  á  6  de 
julho,  com  11"  (=13%75  centigr).  Nessa  época  a  máxima  do  barómetro 
foi  á  6,  7  e  8  de  julho,  elevando-se  o  mercúrio  á  vinte  e  oito  pollegadas  e 
quatro  linhas  no  pé  do  Rheno,  instrumento  então  em  uso,  e  a  minima,  á 
4  do  mesmo  mez,  em  vinte  e  seis  pollegadas  e  dez  linhas. 

«  Conmmmmente,  diz  o  sábio  Dr.  Alexandre  (b),  o  thermometi'o 


(a)  Ms.  da  Bibliotheca  Nacional. 

(b)  Obra  citada. 

26 


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áOâ  tiSdOÇÓ  OHOROORAPHICO 

Réaumur,  dentro  de  uma  casa  de  telhar-que  pouca  differença  faz  do  ar 
aberto, — anda  por  23*,5  até  24%  do  meio-dia  á  uma  hora  da  tarde  » 
(29%3 — 30*  centigr).  «  O  menor  calor  que  se  tem  observado  é  de  9**  (11% 
25  centigr).  Ordinariamente,  nos  dias  de  friagem,  anda  por  ll'*,5,  12% 
e  13**.  A  variação  do  magnete  em  março  de  1790  foi  maior  do  que  havia 
sido  nos  seis  annos  anteriores,  porque  então  era  de  9%55  e  naquelle  mez 
chegou  a  10* — NE.  » 


Uma  observação  fiz  em  Matto-Grosso,  que  mais  tarde  tenho  repetido 
em  outros  legares:  imi  calor  incommodo  e  excessivo  em  certos  dias,  quando, 
entretanto,  o  thermometro  não  o  indicava.  Não  sendo  eu  somente  quem  o 
sentia,  nem  sendo  um  só  thermometro  que  o  explicava,  registrei  o  &cto 
que,  agora  mesmo,  neste  mez  de  fevereiro  (a)  frequentemente  vou  experi- 
mentando aqui  na  corte,  sentindo  ás  vezes  um  calor  insupportavel  aos  26""  e 
27''  centigr.,  em  dias  que  todos  tem  achado  mais  quentes  do  que  outros 
em  que  o  indicador  se  eleva  á  30*  e  mesmo  á  31*.  E  vice-versa :  tem-se 
achado  frescas  madrugadas  que  o  centigr.  attesta  em  26'',2,  como  a  de 
13,  e  26'',5,  á  14  do  corrente.  Para  ser  uma  condição  especial  do  orga- 
nismo nessa  occasião,  £5ra  mister  que  obrasse  epidemicamente,  por  assim 
dizer,  em  todos  quantos  experimentaram  o  facto. 


A  altitude  ás  vezes  de  um  kilometro,  em  que  está  o  planalto, 
dá-lhe  uma  difierença  de  4""  á  5%  menos  do  que  na  baixada.  A  diather- 
maneidade  da  atmosphera  compensa  em  grande  parte  do  território  a  refrac- 
ção  do  calar  solar.  Grande  parte  desse  solo  é  de  terrenos  ^dos  e  balofos, 
com  uma  vegetação  infesada,  que  só  na  proximidade  das  correntes  adquire 


(a}  1879. 


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DA  província  de  matto-grosso  203 

a  luxuriante  apresentação  dos  trópicos.  Certas  arvores  são  caracteristicas 
dessas  regiões,  como  as  mangabeiras  anãs  e  ccyús,  ou  cajueiros  anões,  dos 
quaes  alguns  que  vi  mal  tinham  um  palmo  de  altura,  no  emtanto  que  o 
firucto,dafl  dimensões  dos  cajus  ordinários,  descançam  a  castanhanochâo.  Ou- 
vi de  um  sertanejo  que  esses  cajueiros  não  eram  mais  do  que  ramos  terminaes 
do  cajueiro  commum,  soterrado  tambem,como  as  montanhas  daregião,  pelas 
terras  de  alluvião  que  formam  o  planalto,  e  occultam  em  seu  meio  tão 
completamente  aquellas,  que  ahi  mal  deixam  vêr  as  cumiadas,  indo, 
porém,  ostentar  toda  a  sua  magestosa  altura  nos  flancos  mais  ou  menos 
íngremes  e  alpestres,  mais  ou  menos  abruptos  que  formam  paredes  aos 
valles  de  denudação.  Assim,  com  aquellas  arvores :  —  infelizmente,  disso 
tive  a  noticia  quando  me  era  impossivel  verificar  o  phenomeno. 


XI 


Corumbá,  onde  demorei-me  seis  mezes,  de  cada  vez,  durante  três 
annos,  passa  rápida  e  facilmente  por  aquellas  vicissitudes  thermicas.  Nos 
mezes  de  Mo  aquece-se  repentinamente  ao  sopro  quente  das  auras  do 
norte';  no  rigor  do  verão  tirita  com  o  frio  trazido  pelos  tufões  do  sul. 

Em  1875,  â  21  de  outubro,  no  Descalvaão,  porto  â  beira  Paraguay, 
lat.  W  44'  38",24,  marcava  o  centigr.  28*  ás  6  da  manhã ;  ás  2  1/2 
da  tarde  tinha  subido  á  39'',2  quando  inesperadamente  sobreveiu  um 
violento  tufão  de  sudoeste,  acompanhado  de  graniso  projectado  n'um 
angulo  menor  de  35*".  Immediatamente  desceu  o  mercúrio  18%7.  A's  oito 
da  noite  estava  em  15%5.  Em  13  de  junho,  ás  doze  do  dia,  em  Corumbá, 
marcava  23*" ;  onze  horas  depois  tinha  saltado  para  11"",  e  ás  duas  da  ma- 
drugada ainda  descia  para  7%25,— em  casa  fechada.  A  latitude  dessa 
cidade  é  de  18*  59'  38*',30,  isto  é,  quasi  cinco  graus  mais  ao  norte  do  que 
a  desta  corte.  Sua  altitude  é  de  121",6  sobre  o  mar. 


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204  ESBOÇO  CHOROGEAPHICO 

Naquelle  mez  as  manhas  tinham  sido  e  continuaram  á  ser  quentes : 
verificou-se  23%125  ás  seis  da  manhã  do  dia  12,  e  21%48  á  mesma  hora 
do  dia  13.  Mas,  já  á  14,  descia  de  10%25,  conservando-se  frio  todo 
o  dia. 

Mais  notável  foi  a  transição  notada  em  Assumpção,  capital  do 
Paraguay,  na  segunda  quinzena  do  mez  antecedente.  Copio-a  das  obser- 
vações tomadas  por  meu  irmão  o  general  Hermes,  que  de  ha  longos  annos 
collige-as,  nas  suas  horas  de  lazer.  Era  de  16^,167  a  média  diária  na 
década  de  15  á  24  de  maio  :  repentinamente,  na  manhã  seguinte,  saltou 
para  23°,  para  30*  ás  duas  da  tarde  e  32%5  ás  doze  da  noite;  continuando 
assim,  com  pouca  diferença,  até  27,  em  que,  de  31%125  que  indicava 
ás  sete  da  manhã,  ás  dez  já  tinha  baixado  cerca  de  4^ 


Nesse  anno  de  1875,  a  maior  temperatura  observada  á  beira  Para- 
guay foi  essa  de  39*^,2,  á  tarde  de  21  de  outubro.  A  menor  foi  a  de  7*^,5, 
ás  duas  da  manhã  de  14  de  junho.  Em  viagem  no  rio  Cuyabá  para  a 
capital,  á  19  desse  mez,  e  no  coração  do  inverno,  elevou-se  á  35**  ás  duas 
da  tarde.  Desde  ás  seis  da  manhã  tinha  crescido  de  13%75 :  daquella 
hora  ás  10  da  noite  baixou  de  7^5.  Em  25  de  setembro,  á  uma  da  tarde, 
chegou  á  34%38. 

Em  1876,   a  maior  temperatura  observada  nessa  capital  foi  a  de 

34%37,  ás  duas  da  tarde  de  24  de  dezembro,  seguindo-se-lhe  trovoada 
e  chuva  de  SO.  A  menor  foi    a   de  7%5,  ás  oito  da  noite   de   18 

de  agosto. 

A  latitude  de  Cuyabá  é  de  15°  16'  austral,  isto  é,  mais  7*  37'  ao 
norte  desta  corte. 

Na  corixa  da^  Mercês,  parallelo  de  W  12'  23",  entre  os  marcos 


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DÁ  província  de  matto-grosso  205 

divisórios  da  Boa-Vista  e  Quatro  Irmãos,  desceu  o  thermometro  á  O**,  na 
madrugada  de  20  de  agosto.  As  bacias  de  agua  e  as  poças  no  campo 
cobriram-se  de  uma  crosta  de  gelo,  que,  ás  oito  da  manhã,  já  o  sol  se 
elevando  e  o  thermometro  marcando  6%75,  conservava  ainda  mais  de 
millimetro  de  espessura,  vendo-se  o  campo  todo  branco  de  um  lençol 
de  neve. 


Em  1877,  as  maiores  temperaturas  tomadas  foram  de  35°,6  á  uma 
da  tarde  de  23  de  setembro,  e  35^0  em  25  de  junho  e  6  de  outubro,  ás  três 
da  tarde.  A  menor  foi  de  1 2*^,5  ás  sete  da  manhã  de  15  de  junho. 


De  1878,  apenas  temos  as  temperaturas  dos  dous  primeiros  dias 
de  março.  O  maior  calor  foi  ás  duas  da  tarde  do  ultimo  dia  observado, 
marcando  o  centigr.  34%27.  A  menor  foi  ás  cinco  da  tarde  de  14  de  ja- 
neiro, em  que  desceu  á  25^ 

Em  6  de  janeiro,  6  e  8  de  fevereiro,  e  1  de  março,  elevou  se,  á 
tarde,  á  33%75. 


Comparando-se  essa  thermoscopia  com  as  dos  diflferentes  logares 
situados  na  mesma  zona,  vê-se  que  o  isotherismo  em  Matto-Grosso  dis- 
crepa nas  linhas  isothermicas  e  isochimenicas,as  quaes  de  um  lado  e  outro, 
nas  margens  dos  dous  oceanos,  passam  em  pontos,  estas,  mais  baixos, 
e,  aquellas,  mais  altos  em  relação  ás  respectivas  latitudes. 


De  grande  soccorro  foram  para  este  trabalho  os  dados  colhidos  pelo 
general  Hermes.  Delles  extratou-se  os  quadros  que  seguem  : 


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206 


ESBOÇO  CHOBOORAPHICO 


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DA  PBOVINCU  DE  MATl-OOBOSSO 


207 


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1 


208 


ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 
Mez  de  maio  de  1875 


DIA    HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA    hora'  TEMP.  ;        OBSERVAÇÕES 

15     6- 

15',0 

Na  cidade  de 

21     9°'     25,25  i    Em  Assumpção 

Assumpção 

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22,5    : 

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17,5 

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Em  viagem,  subin- 
do o  rioParaguay 

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31,25 
31,25 

Em  viagem 

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Mez  de  jiiniio 


DIA    HORA 

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TEMP.  1        OBSERVAÇÕES 


Em  Corumbá 


6- 

23,75 

12 

27,50 

9- 

26,25 

6- 

23,75 

8" 

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7: 

23,125 

12" 

20,0 

8» 

19,37 

8- 

12,50 

Chuvoso 


Em  viagem  do  rio 
Paraguay 


16 


17 


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DIA 

HORA 

17 

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26,25 

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23,75 

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23,75 

31,25 

32,50 

35,0 

33,75 
27,50 
22,50 
27,50 
22,50 
26,25 
21,25 
22,50 
23,75 
21,25 
23,75 
26,26 


OBSERVAÇÕES 

Em  viagem  00  rio 
Paraguay 


Em  viagem  no  rio 
Cuyabá.  Chuvoso 


Em  Cuyabá 


Chuvoso 


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DA  província  de  matto-orosso 


209 


Mez  de  juUio.  Em  Ciiyabá 


DU    HORA  TBMP. 

OBBBRTAÇÕBS 

1 

DIA    HORA  TEMP. 

1           1 

OBSERVAÇÕES 

1  .  8- 

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28,125 

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7- 

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27,50 

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11' 

32,50 

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23,75  ; 

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16,25  1 

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23,75  ; 

.      9 

1 

18,75 ; 

1 
1 

Mez  de 

agosto 

1      I         ! 

DIA   HORA    TEMP. 

1            1                  1 

OBSERVAÇÕES 

1 

DIA  HORA 

TBHP. 

OBSERVAÇÕES 

1      6- 

20,0 

Em    Cuyabá 

18  \  7- 

18,75 

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do  0  Paraguay 

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11      7-    21,88 

Em  Corumbá 

•    ,6 

23,75 

• 

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» 

9- 

22,50 

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28 

6- 

20,0 

Em  Corumbá 

13     7- 

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12 

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• 

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M 

27 


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210 


£SBOÇO  CHOBOaRAPHICO 
Mez  de  setembro.  Em  Cuyabá 


DIA 

HORA 

TBICP. 

OBSERVAÇÕES 

1 
DU    HORA  TBMP. 

-  OBSERVAÇÕES 

1 

7- 

26»,25 

25 

4'     32»,25 

12 

30,60 

» 

10»    31,25 

3' 

31,25 

26  1  7""  28,75 

6- 

20,0 

.11»     31.25 

12 

20,60 

.    1  4    ,31,88 

4» 

21,25 

.      11»    29,37 

12- 

19,37 

28  '  7-    26,25 

8» 

20,0 

.    1  5'   ,  31,25 

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31,25 

.    1  11"  28,125 

9' 

28,75 

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25 

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.    1  5'      31,25 

> 

1' 

34,88 

.      U"    28,125 

Mez  de  oitubro.  Em  Cuyabá 


DU   HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA  TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

7» 

26,88 

6 

9»     '  27,50 

•  1  12 

22,50 

29 

4-    21,25 

.  ;  8» 

28,75 

» 

9       23,75 

3  1  7- 

25,62 

» 

4'   '•  27,75 

.  <  12 

28,75 

» 

8-     25,0 

Chuva 

•  1  T 

26,88  ; 

30 

5-  ;  21,25 

» 

•      11 

26,88 

» 

9    :  24,37 

» 

6  >  7" 

23,75 

• 

1'    28,125 

» 

•     4» 

28,75  1 

1 

Mez  de  novembro.  Em  Cuyabá 

DIA 

HORA 

1 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

i            1 

HORA  TEMP.  1 

OBSERVAÇÕES 

1 

3« 

32,50 

20 

7- ;  28,75 ; 

2 

6- 

27,50 

21 

7-  f  26,25  ! 

» 

12 

31,25 

Aragem  NO. 

» 

3'   ,  26,25 

Aragem  SO. 

3 

12- 

32,50 

22 

7»  ;  23,75  i 

• 

» 

3' 

1  32,50 

» 

5»   1  27,50  . 

Vento  Sul 

4 

8" 

28,125 

» 

9-   126,37; 

» 

» 

2' 

31,25 

23 

7"'  i  21,25 

M 

18 

7- 

28,75 

» 

4*     27,50 

Nordeste 

» 

4» 

33,125 

Norte  duro 

» 

9''     33,25 

» 

19 

1  8- 

130,0 

» 

26 

6-    25,0 

» 

a 

5' 

1 

31,25 

1 

Nordeste 

1> 

6»    31,125 

1            1 

» 

Digitized  by 


Google 


DA  PBOTINCU  DE  MATTO-SROSSO 
Mez  de  dezembro.  Em  Çuyabá 


211 


DIA  HORA'  TEMP. 


1 
5 

15 

18 


2» 

12 

7- 
4' 
8" 


32»,50 
25,0 
27,50 
23,75 
26,88 
26,25 


obsertaçObs 


DIA  HORA 


18 

25 

» 

26 
27 


3« 
9" 
3» 
6» 

8- 


TEMP. 
30»,0 

21,88 
23,75 
25,0 
26,25 


OBSERVAÇÕES 


Mez  de  janeiro  de  1876.  Em  Cuyabá 


DIA 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

6" 

25,0 

20 

7» 

25,0 

Chuva 

2 

8" 

25,0 

» 

11* 

25,0 

Vento  Sul 

4     5- 

25,0 

21 

7» 

25,0 

» 

8     8- 

28,0 

Chuva 

II 

5' 

26,88 

» 

.     5' 

30,0 

24 

7» 

25,60 

» 

9     1' 

28,0 

.    I4S5 

30,0 

Chuva 

.     5 

29,37 

25     8- 

25,0 

» 

•  i  11« 

26,88 

.       5* 

28,80 

» 

19  !  6- 

23,75 

.      10- 

26,25 

» 

.       5' 

27,50 

28     9- 

26,25 

» 

1 

.      5' 

27,5 

» 

Mez  de  fevereiro.  Em  Cuyabá 


DIA    HORA  TEMP.            OBSERVAÇÕES 

DU 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

2 

8-  '  26,80  1 

9 

7- 

26,25 

Chuvoso 

5*     28,80 ' 

» 

5» 

28,75 

> 

9'   127,50, 

10 

7» 

26,25 

> 

3     6-  1  26,25 1          Chuva 

» 

12 

27,5 

» 

.      5'     28,80 

12 

7- 

27,5 

» 

4      7"     26,25 

N 

4' 

31,28 

Vento  N. 

3'     26,90' 

» 

11- 

29,37 

» 

9»  !  25,0 

14 

7" 

27,5 

» 

6 

7-  i  25,0 

» 

5 

30,0 

» 

.  ;  6*    :  26,80  i 

15 

7- 

27,50 

» 

.  !  10»  '  26,25  1 

D 

4' 

28,12 

7  1  7- 

25,60 

» 

10' 

26,88 

.  '  5* 

27,50 

21 

7" 

26,25 

.      9"  '  26,25 

• 

5* 

30,0 

8     7"     25,0 

m 

5' 

28,0            Chuvoso 

Digitized  by 


Google 


212 


BSBOÇO  CHOBOGRAPHIGO 
Mez  de  março.  Em  Cuyabéi 


DIA   HORA. 

TBMP. 

obsbrtaçObs 

Z? 

HORA 

TBMP. 

OBSBRTAÇOBS 

8 

6- 

26»,25 

19 

1' 

30%60 

» 

6' 

30,62 

B 

7' 

29,37 

9 

7- 

26,25 

21 

7- 

26,25 

» 

6« 

30,0 

Aguaceiros 

» 

6* 

28,12 

18 

7- 

26,25 

* 

» 

9" 

26,88 

» 

5' 

30,0 

» 

23 

7- 

25,60 

II 

7» 

29,38 

» 

D 

5» 

23,75 

Chuva  forte 

II 

9 

27,50 

> 

• 

10" 

24,37 

19 

7- 

26,25 

M 

12 

24,30 

Mez  de  abril.  Em  Cuyabéi 


DIA   HORA    TEMP. 

2 

» 

19 


7-  i  25,60 
2'  I  28,80 
7»  '  25,0 


TBMP.  I         OBSBRTAÇÕES 
30,0 

26,25 
30,0    j 


Mez  de  maio 

.  Em  Cuyabâ 

DIA   HORA  TEMP. 

1 

obsbrvaçObs 

DIA 

! 

HORA    TBMP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

3 

7- 

24,38 

24 

8-    25,0 

» 

2' 

28,125 

» 

4*     29,38 

12 

7» 

22,50 

26 

7-    26,25 

» 

5' 

27,50 

.    1  8      27,50 

14 

8- 

23,75 

.    1  5»   ;  30,0 

» 

3» 

26,88 

1 

Mez  de  junho 

Em  Cuyabà 

DIA    HORA  TBMP. 

OBSERTAÇÕBS 

DM 

HORA 

TBMP. 

OBSBRTAÇÕES 

7-    22,50 

17 

1- 

18,0 

4'   :  26,25 

» 

6 

18,0 

7-  l  20,0 

» 

9 

18,0 

.         5' 

26,25 

n 

5» 

20,0 

9' 

23,0 

n 

9* 

19,37 

7- 

21,25 

18 

7- 

18,75 

11 

25,0 

» 

12 

20,0 

3' 

26,88 

n 

10» 

20,0 

. 

12" 

21,25 

21 

7- 

21,25 

14 

7« 

20,0 

» 

5' 

25,0 

5'     26,88 

23 

7- 

20,50 

6-    19,37 

» 

11» 

20,50 

3*   ,26,88 

24 

6" 

18,0 

16 

5» 

20,50 

» 

12 

23,0 

9« 

19,37 

» 

2' 

25,0 

12 

18,0 

• 

6 

25,0 

Digitized  by 


Google 


DA  província  de  lUTl-O-OROSSO 


213 


Mez  de  julho. 

Em  Cuyabâ 

DU 

1 

HORA   TEMP. 

OBSBRTAÇÕBS 

1        1 

DIA    HORA  TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

2 

7-    21».25 

5 

6»    23',75 

> 

1' 

21,88 

» 

9» 

20,50 

3 

8» 

16,25 

6 

7- 

16,25 

» 

5' 

22,50 

16 

6- 

18,75 

n 

7» 

20,0 

n 

3* 

29,37 

4 

5- 

13,75 

» 

12- 

23,12 

• 

8 

15,0 

28 

7« 

21,88 

• 

7» 

20,0 

» 

6* 

28,75 

O 

8» 

16,25 

Mez  de  agosto.   Em  Cuyabéi 


1 

DIA   HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1           i 
DIA    HORA  TEMP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

1 

6- 

18,75 

18 

8-    10,0 

Em  quarto  fechado. 

2 

6- 

20,0 

.     8N5',  7,50 

Em  sala  aberta 

3 

4- 

20,0 

B 

5'   i  20,60 

6 

1» 

25,60 

» 

8"  1  15,60 

10 

6« 

30,0 

19 

7-  1  11,25 

11 

8- 

18,75 

n 

7"  i  22,50 

te 

7- 

18,75 

» 

11     16,25 

• 

11 

17,50 

20 

7-    13,75 

12 

7- 

14,37 

' 

11     21,88 

• 

5» 

22,50 

21 

i:  18,75 

14 

7»    27,50 

» 

7'     21,0 

Mez  de  setembro.  Em  Cuyabêi 


DIA 

HORA 

TEBIP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

i 

HORA 

1 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

2 

7- 

1  22,50 

27 

'8- 

27,5 

24 

2» 

32,50 

Vento  ENE 

» 

12 

31,25 

a 

ilO- 

27,50 

27 

3* 

30,0    1 

26 

!  5* 

30,0 

1 

í 

i 

1            } 

Mez  de  oitubro.   Em  Cuyabéi 


1     :       ' 

DU    HORA   TEBIP.  1         OBSERVAÇÕES 

DIA 

i 

HORA  TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

2»     32,50 

15 

10»  ,  21,25 

B 

3      33,0 

16 

6»  1  20,0 

9 

6-    25,60 

n 

2'   ,28,75 

11 

8'     26,25 

17 

6-    25,0 

15 

7-    22,50 

n 

2*     28,75 

• 

12  ,  27,50 

30 

1  6»      30,0 

» 

5'   '27,50 

1 

Digitized  by 


Google 


214 


ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 
Mez  de  novembro.  Em  Cuyabà 


1    1 

DIA  HOHÀ  TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

2»     32',50 

19 

3* 

27%50 

3 

6-  i  26.25 

» 

10" 

23,0 

» 

8"     26,88       Chuva 

20 

6- 

20,50 

Chuva 

4 

6-  ,  25,50  : 

21 

8- 

25,0 

» 

» 

5'    ,28,75 

22 

8- 

26,25 

» 

5 

8-  j  25,50  i 

6* 

28,75 

» 

n 

12» '25.0    , 

9» 

27,50 

» 

6 

8-    25,0    ' 

2*7 

7- 

27,50 

» 

8-     26,25 

5'     30,60 

7 

3»     21,88 

.      Vento  Sul 

10-  1  27,50 

8 

7-     21,88 

»                    »             » 

28 

7-  ;  26,88 

9 

7-    24,37          »           .80. 

12  '  30,60 

10 

7-     26,25 

2'    !  31,25 

» 

5«,5 

30,0 

» 

6      30,0 

» 

11» 

27,50 

10*    27,50 

12 

11-   30,0 

30 

5-  i  25,0 

17 

6-    24,37 

.18:  26,25 

N 

5»    ;25,0 

12  ,  28,75 

» 

9"  ;  24,37  i 

2«     30,0 

19 

6"     20,50 

1 

7      28,125 

1 

Mez  de  dezembro.  Em  Cuyabâi 

1                    ! 

DIA    HORA    TEM?. 

1                 1 

OBSERVAÇÕES 

1 

DIA    HORA 

1 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

2     2'     300,0 

15     7- 

22»,50 

.     6      30,0 

.      7,5 

24,0 

12-    26,25 

.       5' 

28,75 

6- 

26,25 

.      10» 

25,0 

.     12 

29,37 

.     10,5 

24,37 

. 

4« 

29,37 

Aguaceiro 

17     7- 

25,0 

5 

26,25 

.     11,5 

29,37 

11- 

26,25 

.       12 

31,25 

6  '  9- 

24,37 

.       2' 

31,25 

.     11 

25,62 

.    ;  4     '  32,0 

.     12 

27,50 

Aguaceiro 

.    Ill- 131,0 

.  '  3» 

26,88 

18  0-,5 

27,50 

.     9- 

26,25 

.      7     '26,35 

Aguaceiro 

8  1  7- 

25,60 

.       12  -30,0 

. :  4' 

31,25 

Aguaceiro 

.       5«     30,0 

.     10- 

27,50 

.      9»     28,0 

10     7" 

26,25 

22  1  7-    26,25 

■  ; " 

29,37 

.    ,  5»     31,25 

.    il«,5 

28,75 

.\guaceiro 

.      7»   ,  30.0 

Aguaceiro 

.      5 

28,75 

.       11  '28;75 

11* 

28,75 

24  ,  5- 

i 

26,88 

Digitized  by 


Google 


DA  PROVINCU  DE  HATTO-OROSSO 


215 


Continuaç&o  do  zoez  de  dezembro  ezn  Cuyabà 


DU 
24 

25 

26 
27 


HORA 
2» 

5 

6 

7- 

12 

5»,5 

7" 

11 

6- 

7 

5* 

9 

1- 


TBMP. 

34»,37 

31,27 

26,88 

26,25 

30,0 

30,0 

29,37 

26,88 

25,60 

26,25 

28,75 

26,75 

25.0 


OBSERVAÇÕES 

Aguaceiro 

Aguaceiro 
Aguaceiro 


DIA 


27 


28 


31 


I 

HORA    TEMP. 


7 

12 

5' 

10- 

7- 

5* 

9- 

6- 

4» 

6- 

10 

12 


25»,0 

29,0 

26,88 

26,25 

25,0 

31,88 

28,0 

25,60 

26,25 

26,25 

25,0 

24,37 


OBSERVAÇÕES 


Aguaceiro 


Mez  de  janeiro  de  1877.  Em  viagem  no  rio  Paragiiay 


1 

DU    HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

1       ! 

HORA  TEMP.  1 

OBSERVAÇÕES 

1     6- 

.    ,    2» 

•  i  5 
.     9- 

t 

25,0 

27,50 

28,125 

26,25 

1 

Chuva 

1 

1 

4 

6" 

9 

4' 
9» 

22,50  ! 
25,60 
29,37 
26,25, 

Chuva 

Mez  de    fevereiro.  Em  Corumbá 


1 

DIA   HORA  TEMP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

DIA    HORA  TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

2 

3» 

30,0 

Chuva 

15 

8- 

26,25 

• 

10- 

26,88 

16 

8- 

26,25 

3 

7- 

26,88 

» 

11- 

25.0 

» 

5' 

26,88 

21 

8- 

25,0 

» 

9* 

26,25 

5* 

30,0 

4 

6- 

25.0 

>    Em  viagem 

10" 

27,50 

para  Cuyabá 

22 

6- 

25,60 

■ 

1» 

28,75 

5' 

30,0 

• 

11- 

25,60 

Chuva 

9- 

26,88 

6 

6" 

25,0 

23 

6- 

25,60 

B 

5» 

30,0 

5' 

30,0 

Chuvoso 

13 

8" 

26,25 

10» 

27,50 

■ 

8- 

26,25 

25 

6- 

25,0 

• 

11 

26,25 

11 

28,75 

14 

6- 

26,25 

3* 

30,0 

» 

3' 

26,25 

Em  Cuyabá 

11* 

27,50 

» 

6 

26,25 

• 

Digitized  by 


Google 


216 


ESBOÇO  CHOROGRAPHICO 
Mez  de  março.  Em  Cuyabá 


DU   HORA 

TBBÍP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

7" 

25»,26 

Chuva 

14 

6- 

25',60 

.     5* 

27,50 

» 

2» 

29,37 

.  i  9- 

26,25 

w 

10- 

25,0 

4     8- 

25,0 

19 

7- 

24,37 

.    11,5 

27,5 

1«     28,75 

.  I  4' 

29,37 

2 

30,0 

»  il2« 

26,88 

11» 

26,35 

5     6- 

26,25 

20 

7-     25,0 

.     5' 

27,50 

6'   ,  30,0 

.     10» :  26,88 

7-  ,28,125 

11     6-  i25,0 

2*5 

7»     "  " 

25,0 

»       2*     30,0 

1« 

27,50 

.       5      29,37 

10» 

25,60 

.      10-    27,50 

1                1 

1 

Mez  de  abril. 

Em  Cuyabà 

DIA  'HORA   TEMP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TBBiP. 

OBSERVAÇÕES 

8 

7- 

25,0 

15 

2' 

31,25 

» 

1' 

30,60 

3 

30,0 

» 

3' 

31,25 

5 

30,0 

» 

5 

30,0 

11- 

28,12 

9 

7- 

28,25 

19 

7- 

25,60 

» 

4' 

30,60 

11 

30,0 

11 

7- 

28,88 

2« 

31,25 

» 

4» 

31,88 

4 

31,25 

» 

6 

30,60 

5.5 

30,0 

» 

9 

28,75 

8' 

28,75 

» 

11 

27,80 

22 

1« 

30,60 

Aragem  de  NE 

12 

7- 

26,25 

3 

31,25 

» 

9 

28,0 

10" 

•26,88 

» 

5« 

31,25 

28 

8- 

25,60 

15 

7- 

25,60 

5' 

30,0 

Aragem  de  NE 

» 

11 

30,0 

Vento  NE 

29 

1- 

29,37 

n 

12 

30,60 

.      NNE 

jj 

1' 

31,88 

N 

12,5 

31,25 

.      NE 

10» 

29,20 

Digitized  by 


Google 


DÁ  PROVINCU   DE  MATTCH^ROSSO 
Mez  de  maio.   Em  Cuyabâ 


217 


- ■'  "        1 

DU    HORA  TBBIP. 

1 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

3 

1 

6- 

25»,0 

20 

2« 

26,26 

» 

3* 

31,25 

» 

10» 

25,0 

5 

4- 

31,25 

21 

8- 

23,75 

B 

8 

19,37 

5' 

26,6 

6 

12- 

30,0    1 

8»    '20,0    1 

» 

5* 

30,0    1 

9 

19,37 

» 

12» 

25,0 

22 

7- 

17,50 

7 

6- 

23,75 

9 

18,0 

» 

8 

28,0          Aragem  NE        | 

2' 

19,50 

8 

5' 

30,0 

5,5 

19,37 

16 

6- 

22,50 

SE 

9',5 

18,75 

■ 

8 

22,50 

2*3 

7» 

15,60 

• 

5* 

23,75 

8 

14,50 

.      9" 

23,0 

4» 

19,37 

18     7- 

22,50 

8» 

18,0 

.    '  5« 

27,50 

2*5 

8- 

15,0 

.    1  8» 

26,88 

4',5 

21,80 

19  1  7- 

24,37 

7" 

20,0 

.       9 

25,60 

9 

19,37 

.       5' 

28,75 

Chuva 

3*0 

7- 

22,50 

.      8" 

26,88 

»    vento  sul 

5 

26,25 

20     8- 

25,0 

9" 

25,60 

•    |12 

1 

25,0 

1 

Mez  de  junho.    Em  Cuyabá 

DIA   HORAl  TBMP.           OBSERVAÇÕES 

1 

DIA   HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

7-  !  21,25 

10       4 

30,0 

• 

11  ,  24,37 

.        11» 

25,0    1 

2     7-'  23,75 

12     8- 

20,60 1 

.    1    10       25,0     ; 

.    ,  5' 

20,0   1 

3     7-     22,50: 

.    '  7« 

18,75 

.     12     27,50 

13 : 7- 

16,25 

.  1  3»      28,75  ! 

.       12 

18,75 

5 

7-  i  22,50 

•    ,2«,5 

26,50 

• 

5*,5    28,75 

14     7- 

26,25 

. 

9»  124,37 

.    !  5' 

20,60 

6 

7-     21,28 

.      8" 

18,0 

■ 

5'      30,0 

15  ;  7- 

12,50 

■ 

9"  '25,60 

.    !  12 

22,50 

9 

6-    23,0 

» 

3« 

21,88 

• 

6'     29,37 

J» 

9» 

17,50 

■ 

9-     26,25 

16 

7- 

13,75 

10 

1* 

.30,0 

• 

12 

25,0  J 

28 


[ 


Digitized  by 


Google 


218  ESBOÇO  GHOBOOBÁPHICO 

Continuação  do  mez  de  junlio.  Em  Cuyabà 


DIA 

HORA 

TBBIP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HOHA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

16 

5' 

23,75 

23 

8" 

23,75 

» 

9" 

20,0 

» 

12 

22,25 

17 

7- 

15,60 

24 

7- 

20,60 

1» 

21,88 

9 

21,88 

5 

18,0 

10 

26,88 

20 

6- 

16,80 

1» 

28,75  : 

4' 

26,80 

3 

30,0 

9" 

21,25 

4 

29,37  1 

22 

6- 

19,0 

6 

26,25  i 

5' 

27,5 

10" 

21,88  ' 

8» 

25,0 

2*5 

7- 

19,37 

23 

8- 

22,50 

8 

21,25 

9 

23,75 

5« 

28,0 

5* 

28,0 

8- 

22,50 

1 

Mez  de  jullio.  Em  Cuyabá 


I     I 

DIA   HORA   TEMP. 


13 


15 


22 


25 


26 


"Tm 

5» 

9- 
11 

7" 

I  ^2 

1? 

'ío. 

10- 

4» 

12- 

4- 

8 

10 

3» 

5 

8» 

7» 

12 

3' 

5 


21,25 

29,37 

25,0 

24,37 

23,0 

28,75 

30,0 

29,37 

25,60 

27,50 

30,0 

26.88 

26,88 

26,88 

31,25 

35.0 

32,0 

29,0 

26,88 

32,5 

33,125 

31,88 


OBSERVAÇÕES 


Aragem  de  NB 


Item 


DIA    HORA    TEUP.  OBSERVAÇÕES 


26 
2*7 


Veuto  N 


28 


29 


30 


8» 

28,75 

10 

28,75 

7- 

26,88 

12 

30,0 

3» 

31,125 

6 

30,0 

8- 

27,50 

10 

27,50 

8- 

26,25 

12 

30,0 

3' 

31,25 

5 

31,25 

12» 

26.88 

9- 

27,50 

12 

30,60 

4' 

30,0 

11" 

28,75 

7" 

26,25 

12 

31,25 

5' 

31,25 

5,5 

30,0 

8» 

28,0 

Aragem  de  NE 


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DA  PROTINCU  DK  If  ATTOrOROSSO 


219 


Mez  de  agosto.  Em  Cuyabá 


DU 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

DU 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

5- 

17«,50 

8 

3' 

23',75 

9 

17,50 

• 

8» 

22,50 

12 

18,50 

9 

8- 

18,75 

6* 

18,75 

9 

20,0 

8» 

18,0 

9- 

22,50 

8" 

18,0 

lÔ 

7- 

21,25 

5» 

19,38 

12 

26,25 

6 

18,75 

3» 

27.50 

8' 

17,50 

8"  1  26125 

9 

16,88 

12 

3» 

29,37 

3 

8- 

15,60 

5 

29,50 

12 

19,37 

9- 

26,88 

2« 

20,0 

6- 

21,88 

8» 

19,37 

9 

25,0 

4 

6- 

15,60 

12 

27,50 

12 

19,37 

2* 

30,0 

3» 

20,0 

6 

28,0 

5 

20,0 

9' 

27,50 

8» 

18,75 

2» 

30,0 

5 

7- 

16,25 

4* 

30,0 

11- 

20,0 

6- 

20,0 

12 

21,25 

8 

20,0 

2» 

22,50 

12 

25,60 

5 

23,75 

2» 

27,50 

8* 

21,88 

5 

28,80 

6 

8- 

19,37 

10» 

25,60 

12 

25,0 

9- 

23,75 

6* 

25,60 

6* 

26,25 

8- 

24,37 

24 

6 

30,0 

Vento  Norte 

7 

^Z 

22,50 

26 

11-5 

29,37 

w   ^/mA  w\^        A  1  \^m  wv/ 

12 

26,25 

5' 

31,25 

2' 

28,75 

27 

5* 

27.50 

5* 

28,0 

31 

■^ô 

24,37 

8» 

26,88 

l2 

18,0 

8 

7- 

21,25 

2* 

23,75  i 

8 

22,50 

9- 

24,25  i 

12 

25,0 

12 

21,25 

Mez  de  setembro.  Em  Cuyabô 


DIA 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

hora'  tehp. 

OBSERVAÇÕES 

1 

3 

» 
• 

8- 
4' 
6 
8» 

17»,50 
25,0 
22,50 
22,50 

8 

» 

9 

1»   Í30»,0 
4    130,60 
8»  i  27,50 
6-  1  23,75 

Digitized  by 


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220  ESBOÇO  CHOBOORÁPHICO 

ContinuaçSLo  do  xnez  de  setembro.  Em  Cuyabâ 


DIA 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

I 

DIA    HORA 

j 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

9 

7-5 

25%0 

23     4* 

35«,60 

Vento  N.  duro 

)» 

11,5 

30,60 

» 

10  1 

30,0 

• 

» 

3« 

32,0    1 

24 

8- 

28,75 

» 

• 

5 

31,25  i 

12 

33,0 

» 

n 

10" 

29,37 

4« 

34,37 

» 

10 

4* 

27,50           Chuvoso 

8» 

31,50 ; 

16 

12- 

30,0    1 

.'    '  9 

30,60 

17 

7- 

26,88 

25     7- 

28,75 

n 

12 

32,0 

.    1  8,5 

30,0 

» 

» 

2' 

32,25 

.    ,  12 

32,50 

M 

» 

3 

32,50  1 

6« 

33,75 

» 

.      5,5 

31,88 

8» 

32,50 

Vento  N.NE. 

.      10- 

29,37 

10 

31,25 

18  1  7-' 

26,88 

26     7- 

28,75 

.    ;  5» 

31,25 

.      12 

32,5 

Vento  N. 

.    ,  8- 

30,0    ' 

•  •;  2' 

33,0 

II 

19     8- 

28,75 

.    1  3 

33,75 

h 

.    ,  12 

31,29  i 

•    i  4 

32,50 

,      2« 

32,5    ! 

.    i  7- 

31,75 

»    ;  6 

33,0    i 

10 

30,0 

.      8» 

29,37 

27 

8- 

30,0 

.    ,  9 

30,60  1 

12 

32,50 

• 

.      10 

80,0 

2' 

33,74 

N 

20     8- 

27,50  . 

^ 

3 

34,37 

» 

.      12 

31,25  , 

9" 

31,50 

N 

.      2' 

33,0    1 

28 

» 

31,50 

0  mesmo  de  27, até 

.    '  5      33,0    i 

9* 

31,80 

6  da  tarde 

»    ;  8"     30,60  1 

11  '  31,25 

Açuaceiro 
CÍiuvoso 

»    j  10  i  30,0    , 

2*9 

7-    28,0 

21  1  7-  1  27,50 

12    26,28 

.      12  1  33,0    i 

2'   1  27,50 

.    ,  2*     32,75 

3    '  26,88 

» 

8»  i30,0    1 

9»  ,25,60 

D 

11     29,37 

30 

4- 

25,0 

22 

»     29,37  1  0  mesmo  que  a  21 

10    28,75 

23 

7- 

2»,75  '      Vento  NNE.       | 

1*   |30,0 

» 

12 

22,50 

• 

2,5   31,88 

» 

1* 

35,60 

Vento  N.duro.  Foi  0 
dia  mais  quente 

10»  i  27,50 

do  anno. 

1        1 

1 

Mez  de  oitubro.  Em  Ciiyabá 

DIA    HORA 

TEMP.           OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1      7- 

26,88  1 

1 

8- 

26,88 

.     7,5 ,  27,50  ; 

2 

7" 

26,88 

.      12 

32,50 

» 

12 

31,25 

■ 

5* 

27,50 

» 

2' 

31,88 

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DA  PROYINCU  BE  MATTe^SOSSO  221 

Continuaçãio  do  mez  de  oitubro.  Em  Cuyabá 


'    1 

DIA    HORA  TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

DIA    HORA   TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

2     9»   '  28»,75 

14    1   5'     1  33»,0 

Vento  NNE. 

3  !  7-     26,28 

.      10-  '  3b,0 

» 

.  .  12    31,25 

Vento  N. 

15 , 9- 1 30,0  ; 

D 

.     2»     32,50 

A 

.       12    33,0 

Vento  N. 

.     5      32,50 

1) 

.       2*    :  33,75 

» 

.     S"     30,0 

Trovoada 

.      5      33,0 

n 

4    12-   33,0 

» 

18     7-  i  25,0 

Aragem  de  SE. 

.     3»     32,5 

B 

.12    27,50 

» 

•     4     1  33,75 

Chuva 

.      4*     28,75 

5  1  7"     26,88 

Vento  SO. 

.      8»  127,50 

.  !  9     1  25,6 

20     8"  '  28,0 

.  1  12  1  26,88 

.       12  ,  31,25 

Vento  N. 

.  1  3'    1  28,0 

.      4*   !33,0 

»     duro 

.     5      28,50 

.      8»  í  30.0 

Cbruva 

•     8-   '26.80 

21     8-  1  28,75 

12  ,  26,38 

Vento  N.  Trovoada 

.    :  1*     33,75  : 

6-  :  26,0 

.      5      31,88, 

n 

12  ,  34,37 

23 

12-;  31,25  1 

2»   }  34,37 

2»   1  31.80 

3    135.0 

3   ;33,o  ; 

4      34,37 

5 

32,50 

7.     29,37 

9» 

29,0 

6-     26,88 

26 

12- 

32,50 

12  1  31.75 

2» 

33,0 

5» 

31,75 

6 

31,25 

n 

11" 

28,75 

27 

12- 

30,0 

12- 

31,88 

2» 

30,60 

2» 

32,50 

3 

31,25 

6 

32,50 

6 

30,60 

10" 

29,37 

9»     26,23 

1» 

lÔ 

12- 

32,50 

28 

7-  ' 

25,60 

1' 

33,75 

12 

30,0 

2 

34,37 

1' 

31,25 

4 

33,75 

4 

31,25 

9- 

31,25 

Forte  aguaceiro 

29     12- 

31,88 

11 

6- 

26,25 

.      :    2»- 

33,0 

Aragem  NO. 

12 

30,0 

.    ,  9-  ,  29,37 

2» 

30,60 

30  '  12-  !  32,50 

9* 

28,75 

.    j  2»    1  33,75  ■■ 

1*2 

8- 

26,88 

.41  32,50  1 

12 

29,37 

.    '  5    '  29,37  ' 

2^ 

30,0 

.    1 10»    26,88 

6 

30,0 

31  !  8-  i  26,88 

9- 

27,50 

Aragem  S.  Trovoada 

Vento  NNE. 

»       12  !  30,0    • 

Ú 

12- 

32,50 

.      9"   '  28,0 

» 

1» 

32,50 

1 

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222 


BSBOÇO  CHOROGRÂPmCO 
Mez  de  novembro.  Em  Cuyabá 


I 

DIA   HORA 

I 

TEMP.            OBSERVAÇÕES 

1 

DIA 

1 
horaí  tbhp. 

OBSERVAÇÕES 

1     12- 

31»,88: 

9 

6» 

31»,75 

3     12» 

32.50  1 

15 

12- 

31,25 

.  -  2' 

33:75  '  • 

16 

9-    28,75 

.  i  5       33,0    ; 

10  ,  30,0 

4     3*      33,75  1 

12    31,25 

5    12-    32,50 

5'      30,0 

.     4'      33.75 

19 

1*    ,30,0 

.     8»     32,50 

6-    25,0 

Aguaceiro 

.     11    !  30,0 

12  i  27,50 

6     8-    25,60          Vento  NE 

3'     30,0 

»      12  í  30,0 

9"  i  27,50 

.     ;    2' 

28,75 

22     8- 

27,50 

»     i    * 

25,0 

10 

30,0 

7  ,  12-  ,  25,60 

5' 

31,25 

»  1  2«   i  26,25 

10" 

29,27 

•'61  27,20 

23 

11- 

28,73 

8     12-    27,50 

2« 

30,0 

.     2«     28,0 

10" 

26,88 

.     3      26,25  : 

28  :  6- 

25,60 

»     4      31,25          Aguaceiro 

»       12 

26,88 

»     8"     27,50 

.    12* 

28,0 

9    12- 

1 

30,0 

1 

6 

31,25 

Mez  de  dezembro.  Em  Cuyabá 


1 

DIA    HORA 

1 

TEM?.  '         OBSERVAÇÕES 

i               ! 

DIA    HORA    TEMP.  1 

OBSERVAÇÕES 

2     11- 

31,25 

10    ;    8" 

32,0    '•■ 

Chuva 

3  '  8- 

30,0 

» 

12  ,  30,0 

» 

-  :  11 

33,75 

12 

11- 

31,25 

1» 

.  !  2'    :  34,37             Chuva 

» 

12 

33,0    • 

D 

»  1  5     ,  33,0 

20    11- 

26,25 

4  i  1-     28,75 

.    ;  3« 

28,75 

.  i  7     ,  27,50 

.    '  9» 

28,0 

»     4»    i31,0 

22  i 12- 

30,0 

8     3»,  31,88 

27  i  4» 

31,88 

.     9- 

27,50 

30  1  7- 

27,50  1 

9    11- 

30,0 

.       10 

30,50 

Nento  N 

10     9» 

26,75 

.       11 

33,0 

.    i  11 

28,75 

.       1» 

33,75 

.    ■■  12 

30,0               Chuva 

.      3,5 

34,33 

.       5*   '  32,75                  .             1 

31     11- 

30,0    ! 

, 

3» 

33,75  ; 

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Dl  província  de  KATTO-eROSSO 


223 


Mez  de  janeiro  de  1878 

.  Em  Cuyabá 

DIA 

HORA 

TBMP. 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

HORA 

\ 

TEHP. 

OBSERVAÇÕES 

1 

5* 

31».25 

23 

5' 

27»,50] 

Vento  SR 

5 

9» 

30,60 

» 

6 

26,88  ' 

» 

6 

12- 

33,75 

24 

2» 

27,50  1 

u 

■ 

3\5 

32,50 

25 

9- 

25,60 

» 

7 

2» 

31,88 

» 

2*      28,0 

» 

9» 

28,0 

26 

3*     30,0 

14 

4' 

26,88 

27 

1*     30,0 

• 

5 

25,0 

» 

5      29,37 

16 

2» 

28,75 

Vento  SE 

M 

9-  1  27,50 

n 

4 

27,50 

» 

30 

5-     25,20 

22 

8- 

26,81 

H 

» 

12  1  20,50 

» 

3* 

26,25 

» 

» 

6»    '  28,20 

23     3' 

28,88 

» 

D 

12'  ;  25,50 

i            1 

Mez  de  fevereiro.  Em  Cuyabá 


DIA    HORA    TEMP. 

1                 1 

OBSERVAÇÕES 

DIA 

1 

HORA    TEMP.  \ 

OBSERVAÇÕES 

2  111-28,50 

7 

9"    i30,0      , 

.      12  ;  30,0 

8 

8- 

28,75 

.     5*   ,  31,88 

w 

2' 

32,50  , 

Vento  NE 

4     3*   131,25 

B 

6   • 

28,37 

.     5    ;  31,25 

» 

9-     28,0    1 

5  1  2*   1  32,50 

9 

1' 

26,88 

.     7-  1  31,25 

10 

9- 

28,75 

6     4»     33,0 

Vento  N 

12 

4* 

21,25  1 

.     4,5    33,75  í 

13 

2* 

32,50 

Vento  NE 

.     T  |30,0 

17 

12- 

31,88  i 

7     6-    27,50 

)) 

11" 

28,0    1 

.      1» 

32,50  ' 

Vento  N 

24 

l',5 

30,60  ' 

Mez  de  março 

.  Em  Cuyabá 

I            1 

DIA    HOHA    TBMP.  1 

OBSERVAÇÕES 

1 

DIA    HORA 

TEMP. 

OBSERVAÇÕES 

1  ^*     .  33,75  ' 

2  1  9-    30,0 

Aragem  de  NE 

» 

2       2* 
.   i  9" 

1 

34,37 
25,40 

Aragem  de  NE 

0 

Fm  DA  INTRODUCÇiO 


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VIAGEM  AO  REDOR  DO  BRASIL 


PRIMEIRA  PARTE 


29 


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VIAGEM  AO  REDOR  DO  BRASIL 


1875-1878 
l,*  PARTXi 


DA  CORTE  Á  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 


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Pia  aí  a   da  Cidade  de  Corumbá 


rii  »(••  ^.  •.  5»i,if 


U»  a*« 


Siti  <40 


,  I       I 


I        I 


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CAPITULO  I 

I 


[OS    do  Rio  de  Janeiro   na 

do  dia  1  de  maio  de  ISTr^, 

msporte  de  guerra  Madeira, 

á  disposição  da  commissào 

regada  de  demarcar  os  limi- 

►m  a  Bolívia.  Compnnha-se 

de  sete  meml)ros,  dous  offi- 

de   engenheiros,    dous    do 

)-maior,  um  de  marinha,  um 

edico,  sob  a  direcção  do  dis- 

ieiros,hoje  general,  barão  de 

le  tão  satisfactoriamente  di- 

lemarcação  com  a  republica 


No  dia  3,  ás  t)  1/2  passávamos  a  ilha  do  Anhatomerim  e  ás  (5  da 
tarde  dava-se  fundo  por  24  horas  no  porto  do  Desterro.  Três  dias  mais 
tarde  passávamos,  á  mesma  hora,  a  cidade  oriental  de  Maldonado,  de 
origem  brasileira.  Foi  o  brigadeiro  José  da  Silva  Paes  quem  ahi  estabe- 
leceu, em  1737,  o  primeiro  povoado,  quando  de  volta  de  levar  soccorros 
á  Colónia  do  Sacramento ;   mas  pouco  demorou-se  pelo  desabrigado  da 


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230  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

região  e  os  fortes  pampeiros  que  ahi  reinam ;  e,  subindo  ã  costa,  foi 
lançar  os  fundamentos  da  cidade  do  Eio  Grande  (a). 

A'  6  avistámos  o  Cerro  de  Montevideo,  pequeno  morro  cónico,  de 
uns  150  metros  de  altura,  notável  apenas  por  ser  a  única  montanha 
destas  regiões. 

A  elle,  ao  ser  descoberto  pelos  primeiros  navegadores,  deve  a  cidade 
o  nome  que  tem. 

A's  7  1/2  fundeámos  em  Montevideo,  além  das  balisas. 

Foi  principies  de  Montevideo  o  acampamento  que  ahi  fez  em  1723 
o  mestre  de  campo  Manoel  de  Freitas  da  Fonseca,  de  ordem  de  Ayres  de 
Saldanha,  governador  do  Rio  de  Janeiro.  Desde  1702  que  o  governo 
portuguez  mandara  tomar  posse  e  povoar  esse  ponto,  até  que  em  27  de 
novembro  daquelle  anno,  Manoel  de  Freitas,  com  duzentos  e  poucos 
homens  do  Rio  de  Janeiro,  S.  Paulo,  Bahia  e  Pernambuco,  levantou  um 
redueto  com  dez  esplanadas  e  uma  rancharia  de  dezoito  cabanas.  Cha- 
mava-se  então  esse  território  o  Continente  de  S.  Gabriel,  Somente  três 
annos  mais  tarde  é  que  vieram  os  hespanhoes  com  vinte  familias  canárias 
povoar  Montevideo  (b). 

A's  7  horas  da  noite  de  13  suspendeu  o  Madeira,  e  ás  9  3/4  su- 
miam-se  no  horizonte,  immergindo-se  nas  aguaí>,  tis  ultimas  luzes  da 
graciosa  sultana  do  Prata. 

Pela  madrugada  passávamos  em  frente  ao  povoado,  fundado  no  dia 
de  anno  bom  de  1680  (c)  por  D.  Manoel  Lobo,  governador  do  Rio  de 
Janeiro  e  Repartição  do  Sul^  que  o  denominou  Colónia  do  Santíssimo 
Sacramento^  destinando-o   a  ser  a  extrema  meridional  do  dominio  lusi- 


(a)  A'  19  de  fevereiro  de   1737.    Annaes     daprov,  de  S,  Pedro,  Visconde  de 
S.  Leopoldo* 

(b)  D.   Greg.  Funes.    Ensayo  de  la  Hist.  civU  dei  Paraguay,  Bí*enoS'Àyres  y 
Tucuman, 

((^  1078,  segundo  Oharleyoix,  e  Southey  com  elle. 


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A    CIDADE   DE    MATTO-OROSSO  231 

tano  (a),  e  logo  após  o  local  em  que,  era  1555,  Juan  Romero  pretendeu 
fundar  o  povo  de  8.  Jtian,  á  beira  do  riacho  de  S,  Salvador^  de  Gaboto, 
hoje  de  S.  Juan. 

Na  manhã  seguinte,  ás  10  1/4,  passámos  a  ilha  de  Martim 
Garcia  (b),  que  os  trefegos  argentinos  occupavam-se  em  fortificar,  sem 
lembrarem-se  de  que  o  canal  do  Inferno^  apezar  de  seu  nome,  pode  oife- 
recer  passagem  livre  do  alcance  dos  seus  Krupps  âe  d  trecknfos  e  rí  qui- 
nienios,  que  por  desgraça  delles  não  poderam  ainda  remover  dos  seus 
arsenales  de  Zarate. 

A's  11  passámos  a  bocado  Iguassú  e  entrámos  no  gigante  Parava, 


Ilhfi  do  A-nhatomerini. 


(a)  Assaltada  traiçoeiramente  por  José  de  Gario,  em  i\  de  agosto  do  mesmo 
anno,  e  tomada  quando  apenas  sobreviviam  dez  dos  seus  defensores.  Lobo  a  havia 
fundado  com  duzentos  combatentes  e  poucas  famílias.  Morreu  prisioneiro  em 
Lima. 

(b)  Situada  aos  í34o  10'  53"  42'"  lat. 


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232  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

II 

Começámos  o  dia  15  passando  o  Tonelero,  theatro  do  primeiro  feito 
da  nossa  esquadra  no  actual  reinado  ;  Greenfell,  com  uma  divisão  de  oito 
navios  em  17  de  dezembro  de  1851  (a),  forçou  a  barranca  ahi  guar- 
necida por  2.000  homens  e  16  canhões,  ao  mando  de  Mansilla,  logar-te- 
nente  de  Kosas  e  seu  digno  emulo  na  barbaria  e  crueldade. 

A's  3  da  madrugada  passámos  o  povo  de  S,  Nicoilas^  perto  do  qual 
foi-se  obrigado  á  fundear  por  motivos  da  forte  cerração  que  encobria  o 
rio.  Apraz-me  consignar  que  o  navio  era  piloteado  por  Bernardino  Gus- 
tavini,  o  pratico  da  fragata  Amazoims^  na  batalha  de  Biaehtielo^  o  rei 
(los  praíicoSy  na  phrase  do  almirante  Barroso,  o  heróe  dessa  jornada,  a 
mais  notável  destes  tempos  e  a  mais  gloriosa  da  marinha  brasileira. 


A'  6  da  manhã  seguimos;  ás  9  1/2  avistávamos  a  estancia  de 
S.  Pedro,  encantadora  habitação  apalaçada,  n'um  promontório  á  margem 
direfta  do  rio,  do  q^ual  é  visivel  n'um  trajecto  de  mais  de  oito  léguas. 

Duas  horas  depois  chegávamos  ao  Rosário,  onde  o  transporte  pairou 
sobre  rodas,  apenas  meia  hora,  para  receber  provisões.  Está  situada, 
segundo  Dugraty,  aos  24"  23'  25"  lat.  e  57"  12'  57*'  O.  de  Greenwich.  E' 
uma  alegre  cidadesinha;  ha  poucos  annos  logarejo  insignificante,  tornou-se 
florescentissima  durante  a  guerra,  como  todos  os  outros  povoados  do  Pa- 
raná e  Prata,  ao  ponto  de  decuplicar  quasi  a  sua  população.  Talvez  des- 
tinada á  ser  um  dia  a  capital  da  Confederação  Argentina,  hoje,  como  as 
outras,  também  vae  decadente  por  faltarem-lhe  os  estímulos  que  a  enso- 
berbeceram então. 

(a)  Os   vapores     fragata    Affonso,  corveta  Recife,  canhoneiras  Pedro  II  e 
D.  Pedro,  e  as  corvetas  á  vela  D.  Francisca  e  União,  e  o  brigue  Calliope, 


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i   CIDADE   DE   MATTCHJBOSSO  233 

Em  meia  hora  de  marcha  passámos  a  aldêa  de  S.Lourenço  e  ás  4  da 
tarde  a  boca  do  Carcaranha,  que  vem  de  Córdova  e  onde  suppõe-se  ter 
sido  trucidado  João  de  Garay,  o  fundador  da  provincia  hespanhola  do 
Prata. 


A's  7  da  manhã  de  16,  domingo  de  Pentecoste,  avistámos  as  alturas 
da  pequena  cidade  de  Santa  Féj  fundada  por  aquelle  aventureiro,  sob  a 
denominação  de  Santa  Fé  ãe  la  Vera  Cruz^  ahi  pelos  annos  de  1572  ou 
1573  :  em  frente  á  ella  sahe  o  arroio  Salaão.  Cerca  de  duas  léguas 
acima,  na  margem  esquerda,  fica  a  Paraná^  alegre  cidadesinha  trepada 
n^uma  côllina  á  borda  d'agua.  Sua  posição  é  aos  30°  43'  30"  lat.  17*»  26' 
58"  O.  do  Pão  de  Assucar. 

Com  outras  duas  horas  de  marcha  encontra-se  na  barranca  o  signal 
indicador  de  ahi  passar  o  fio  telegraphico  para  o  Chili ;  o  rio  se  espraia 
em  um  lençol  d 'agua  de  mais  de  quatro  kilometros  de  largura ;  mas  o 
canal  de  navegação  é  tão  estreito  e  sinuoso,  que  raro  é  o  navio  de  grandes 
dimensões  que  por  ahi  passe  sem  tocar  no  banco.  Segundo  nos  contaram, 
desde  muitos  annos,  Gustavini  é  o  único  pratico  que  tem  tido  a  gloria  de 
não  vêr  encalhar  ahi  os  navios  que  conduz. 

Um  quarto  de  hora  depois  do  meio  dia  as  vigias  assignalaram  um 
grande  vapor  brasileiro  que  vinha  aguas  abaiio. 

E'  o  Inhaúma,  transporte  de  guerra,  que  desce  de  Assumpção  con- 
duzindo parte  das  forças  de  occupação  da  republica  e  seu  chefe,  o  mare- 
chal de  campo  barão  de  Jaguarão. 

A's  5  1/2  da  tarde  falla-se  com  o  Jaurú,  pequeno  vapor  da  com- 
panhia de  navegação  de  Cuyabá.  A's  6  deixámos  á  nossa  direita  a  estan- 
cia de   Santa  Helena^  e  ás  7  parámos  por  três  horas  em  outra,  junto  ao 

Arroyo  Seco,  á  mesma  margem,  com  o  fito  de  comprar-se  vitualhas,  que 

30 


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234  ITINERABIO  DA  CORTE 

não  foram  encontradas,  indo-se  em  seguida  buscal-as  no  pequenino  povo 
de  La  Paz,  onde  ancorou-se  ás  10  3/4  da  noite  (a). 


A's  7  e  10  minutos  da  manhã  seguinte  levantou-se ferro;  ás  11 
passa-se  a  ilha  Garibaldi,  ás  2  1/2  deixa-se  á  direita  a  povoação  da 
Esquhm,  já  na  província  de  Corrientes  e  á  margem  esquerda  da  foz  do 
rio  desse  nome.  A's  8  da  noite  ancora-se  junto  á  S,  Lourenço. 


A'  18,  apezar  da  forte  cerração,  segue  o  transporte  á  mesma  hora  do 
dia  antecedente.  A  cerração  toma-se,  porém,  tão  densa  que  o  navio  é 
forçado  á  suspender  a  marcha,  felizmente  só  por  meia  hora. 

A's  11  passa-se  Goya,  pequeno  povoado  correntino,  conhecido  pelos 
seus  queijos  grandes  e  de  má  qualidade  ;  com  uma  hora  mais  de  marcha 
está-se  fronteiro  ao  Rincon  dei  Sofo,  aprasivel  sitio  n'uma  extensa  col- 
lina,  immenso  prado  todo  marchetado  de  bosquetes  de  laranjeiras  e 
brancas  casinhas  isoladas. 

Embaixo,  junto  á  margem,  agglomera-se  um  pequeno  povoado  ;  ao 
longe,  na  alta  e  extensa  lombada,  vê-se  um  umhí,  gigantesca  urticacea, 
cuja  sombra  cobre  a  antiga  morada  de  Soto,  o  primeiro  proprietário. 

Na  mesma  fralda  da  collina,  mas  ao  longe,  avista-se  a  habitação  do 
actual  dono. 


A'  3  da  tarde  passámos  as  barrancas  de  Cnetms,  logar  marcado  nos 
nossos  fastos  marítimos  pela  acção  que  a  esquadra  ahi  empenhou  em  12  de 
agosto  de  1865,  para  forçar  a  passagem,  mau  grado  os  obstáculos  que  lhe 
oppunham  os   42  canhões  do  2°  regimento  de  artilharia  á  cavallo  para- 


(a)  La  Paz  está  aos  30»  44'  8"  de  lat.  e  16» 29'  39"  O.  do  Pão  de  Assucar. 


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Á  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  235 

guayo,  que  guarneciam  a  barranca  dirigida  por  Bruguez,  e  da  fuzilaria 
commandada  pelo  major  Aquino  do  36*  de  linha. 

Era  repetição  do  que  já  tinham  feito  em  Mercedes,  outras  barran- 
cas logo  abaixo  de  Kiachuelo,  e  que  a  esquadra  teve  de  forçar  uma  se- 
mana depois  desta  batalha. 


PsuBaa^exn  8-a1>-â-avieb1  do  oabo  telegraphioo  par»  o  Cliili. 

Tanto  em  Mercedes  como  em  Cuevas  são  altas  as  barrancas,  o  rio 
estreito  e  o  canal  encostado  á  ellas. 

Foi  tratando  desse  combate,  aliás  sem  grande  importância,  que  a 
imprensa  argentina,  cheia  de  pasmo  e  admiração  pelos  feitos  de  sua 
esqtuidra,  composta  da  goleta  á  vapor  El  Guardiã  Nacional,  armou  â 
fama  e  á  gloria,  com  a  pompa  do  estylo  peculiar  ao  seu  povo.  «  La 
esctuidra  argentina  y  algmios  huqu-es  hrasileros,  disseram,  pasaran 
esus  formidahles  barrancas  á  viva  fuerea,  conquistando  un  grande, 
esplendido  e  inolvidable  triunfo.  » 

Na  verdade  o  arrogante  Gttardia  Nacional  vergava  ao  peso  de 


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236  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

su  formiãáble  armamiento:  ires  cânones  por  banda  y  mas  dotis  roamos, 
no  mas. 


A's  5  1/2  avistam-se  ao  longe  algumas  casinhas.  E'  o  povo  da  Bella 
Vista  (a). 

A'  1  hora  da  madrugada  de  19,  sendo  intensa  a  cerração,  ancora-se 
junto  ás  barrancas  de  Mercedes.  A's  6  suspende-se,  ás  10  passa-se  uma 
pequena  ilha,  e  estamos  no  local  onde,  em  11  de  junho,  feriu-se  a  primeira 
batalha  naval  da  America,  sendo  destroçada  e  quasi  completamente  des- 
truida  a  esquadra  paraguaya,  commandada  pelo  capitão  Meza,  que  ficou 
prisioneiro,  nctoria  devida,  principalmente,  á  famosa  e  ousada  manobra 
da  Amazonas^  navio-almirante  brasileiro  que,  operando  como  ariete,  á 
bicadas  metteu  á  pique  três  vapores  inimigos,  manobra  até  então  só  jul- 
gada própria  dos  encouraçados  e  depois  seguida  por  Tegethoif,  na  batalha 
de  Lissa,  no  Adriático. 


Quarenta  minutos  depois  enfrentávamos  Corrienies,  primitivamente 
cidade  de  Juan  Veras,  do  nome  do  seu  fundador  João  Torres  de  Veras, 
em  1588.  E'  sua  posição  em  7°  27'  31'^  lat.  e  14-  45'  48"  O.  do  Pão  de 
Assucar. 

Ao  meio  dia  avistávamos  o  Alto  Paraná  e  a  ilha  da  Redempção  ou 
Cabrita,  os  portos  de  Santa  liosa  e  Arandas,  na  margem  correntina,  e  os 
de  Itapirú  e  Passo  da  Pátria,  na  paraguaya,  e  as  Trcs  Bocas,  onde 
estava  de  vigia  o  encouraçado  Mariz  e  Barros. 

Em  poucos  minutos  singrávamos  aguas  do  Paraguay  (b). 


(a)  Situada  aos  28*  29»  0"  lat.  e  lõo  59»  58"  long.  O.  do  PSo  de  Assucar. 

(b)  No  parallelo27ol7'0"eá61o9'0*'O.  de  Paris:    Bartolomeu  Bossi,    Viage 
Pintoresca  por  lo$  rios  Paraná,  Paraguay,  S.  Lourei%zo  y  Cuyabá. 


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Á  CIDADE  DE  laTTO-GROSSO  237 

III 


Quantas  recordações,  umas  doces  e  agradáveis,  outras  extremamente 
amargas,  nos  desperta  a  vista  desses  logares,  scenario  outr'ora  de  tantas 
emoções,  perigos  e  glorias,  nessa  immensa  e  cruenta  epopeia  que  se  cha- 
mou guerra  do  Paraguay  ! 

Aqui  começa-se  á  ler  as  suas  paginas  mais  brilhantes.  liupini  e  a 
passagem  do  Paraná,  os  primeiros  dessa  serie  gloriosa  de  combates  que 
fizeram  de  O.^orio  o  idolo  dos  soldados  e  lhe  grangearam  ainda  era  vida  o 
titulo  de  legendário  (a).  Redempção^  onde  o  exercito  recebeu  seu  bap- 
tismo de  sangue,  e  que  por  sua  vez  foi  baptisada  com  o  heróico  e  mallo- 
grado  nome  do  seu  defensor,  mas  que  entretanto  achamos  mais  justo  e 
mais  grato  conservar-lhe  o  que  este  lhe  impôz  e  que  referia-se  á  missào 
do  Brasil  em  prol  das  hordas  escravisadas  do  tyranete  paraguayo. 


Dez  minutos,  pouco  mais  ou  menos,  pairou-se  sobre  rodas  no  porto 
do  Cerrito,  onde  ainda  tremulava  o  pavilhão  do  Brasil,  e  quatro  canhões 
em  bateria  e  algumas  pyramides  de  balas  eram  o  que  restava  do  abaste- 
cido arsenal  que  alli  tivemos.  Fica  esta  ilha  aos  27*  17'  32"  lat.  e  IS*» 
22'  23"  O.  do  Pão  de  Assucar. 


(a)  Nesse  dia,  16  de  abríl  de  186G,  Osório  correu  serio  perigo.  Abicando  á  terra, 
saltou  incontinente  com  o  seu  piquete  de  lanceiros  e  soflTrego  adiantou-se  à  galope 
á  reconhecer  o  terreno.  Em  breve  estava  cercado  pelo  inimigo  que  descobrira  a  ope- 
ração do  desembarque  e  marchava  rapidamente  sobre  o  ponto.  Uma  ala  do  2o 
corpo  de  voluntários,  mui  bem  commandada^  como  exprimiu  se  o  general  na  sua 
participação  ao  governo,  desembarcou  logo  após  elle,  seguiu-o  á  marche-marche  e 
chegou  á  tempo  de  protegel-o  contra  as  forças  paraguay  as  que  já  o  cercavam  e  ata- 
cavam com  fúria.  Galando  o  nome  desse  commandante,  o  heróico  general  pareceu 
íázel-o  propositalmente,  como  que  armando  á  curiosidade,  que  buscaria  saber 
quem  fora  esse  chefe  á  quem  elle,  nas  suas  conversações,  se  aprazia  de  chamar  o 
sen  salvador. 


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238  ITINERÁRIO    DA   CORTE 

Seguimos :  e  passo  á  passo  vão  desfilando  logares  tão  memoráveis 
para  nós. 

E'  1  hora  e  10  minutos  da  tarde.  Lá  está  o  ponto  do  desembarque  de 
Osório  em  16  de  Abril  e  onde  se  realizou  essa  brilhante  operação  da  pas- 
sagem do  exercito,  n'uma  massa  d'agua  que,  reunindo  todas  as  difficul- 
dades  de  um  desembarque  de  mar  á  todas  as  de  uma  passagem  de  rio,  ® 
sem  duvida  a  mais  notável  na  historia  das  guerras.  Lá  está  a  lagoa 
Serena  e  pouco  adiante  a  lagoa  Pires,  theatro  de  tantos  episódios  no 
sitio  de  Humaitá. 

A's  2  horas  e  10  minutos  passámos  as  barrancas  de  Curusú,  avis- 
tando ainda,  entre  ellas  e  a  ilha  das  Pahnns,  os  restos  do  Eponina, 
vapor-hospital,  incendiado  durante  a  guerra,  cheio  de  enfermos  do  cho- 
lera,  muitos  dos  quaes  tiveram  o  vapor  por  sepultura. 

Tomámos  pela  esquerda  da  ilha  :  lá  está  o  logar  onde  submergiu-se 
o  encouraçado  Itio  de  Janeiro ,  arrebentado  par  t)rpe(ljs,  no  mesmo  dia 
da  gloriosa  tomada  de  Curusú  (a).  Em  uma  arvore  á  margem  direita  do 
rio,  assignalando  o  local  do  desastre,  lê-se  o  nome  do  encouraçado,  ahi 
gravado  pelo  heróico  Gustavini. 

Vêm- se  ainda  os  restos  da  fortificação  de  Curusú,  theatro  glorioso 
do  heroísmo  de  Porto  Alegre  e  do  inquebrantável  zelo  do  tenaz  Argolo, 
e  para  mim  de  bem  dolorosas  recordações.  Ahi  receberam  seu  baptismo 
de  fogo  meus  irmãos  Hippolyto  e  Affonso,  que,dezenove  dias  mais  tarde, 
iam  morrer  gloriosamente  nas  trincheiras  de  Curupaity. 

Vêm-se  ainda  em  pé  essas  trincheiras  que  o  tempo  tem  sabido  respei- ' 
tar.  A's  2  1/2  passámol-as  e  os  lindos  .campos  abarrancados  de  Curupaity, 
immensas    planuras,  hoje  tão  desertas  e  socegadas,  vasta  necropole, 
outr'ora  centro  de  um  labutar  continuo,  onde  de  um  e  outro  lado  se  con- 


(a)  3  de  setembro  de  1866. 


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Á  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  239 

fandiam  ao  troar  constante  do  canhão,  os  gemidos  dos  feridos,  o  estertor 
dos  agonisantes,  os  hyninos  da  victoria  e  as  marchas  fúnebres  dos  mortos. 


A'  margem  esquerda  já  se  vai  encobrindo  o  acampamento  de  GurjãOj 
general  cujo  mérito  se  bitolava  por  uma  modéstia,  bondade  e  afabilidade 
extremas.  Seu  valor  marcial  deixou-o  elle  estereotypado  na  famosa  apos- 
trophe  ás  suas  tropas,  entibiadas  nos  desfiladeiros  de  Uororó :  —  Vejam 
como  morre  um  general ! 


Lá  estão  ainda  nesse  acampamento  os  vestígios  da  nossa  estrada  de 
ferro  estratégica,  construída  n'uma  extensão  de  7.612  metros. 

A's  duas  horas  e  40  minutos  passámos  a  celebrada  Humaitá,  excel- 
lenteraente  situada  n'uma  estreita  volta  do  rio,  donde  se  descortinara 
bons  tractos  de  seu  curso  acima  e  abaixo.  Foi  antigo  presidio,  fundado 
como  o  de  Curupaity,  por  D.  Pedro  de  Melo  Portugal,  governador  do  Pa- 
raguay,  no  intuito  de  impedir  as  depredações  dos  Índios  do  Chaco  ;  con- 
vertida por  Carlos  Lopes  na  tremenda  barreira  do  Paraguay,  além  da 
qual  nenhum  navio  podia  passar  sem  permissão  sua ;  e  que  Solano,  seu 
filho,  suppôz  invencível  com  o  numero  de  canhões  que  a  guarneciam,  as 
sete  correntes  que  trancavam-lhe  o  rio  e  os  torpedos  que  lhe  juncavam  o 
leito  (b). 


(b)  Não  é  geralmente  conhecido  o  armamento  dessa  fortaleza,  e  ílo  que  não  se 
me  levará  á  mal  o  transcrever  aqui  a  relação  do  apercebimento  bellico  ahi  encon- 
trado, tomada  pela  commissão  incumbida  de  arrecadal-o.  Eil-a  : 
Artilharia  de  bronze : 

1  canhão        de  calibre  80,  El  Christiano,  alrna  lisa. 

2  canhões       »       »       24  »       » 

3  »  »       »        12  »       » 
2             V              )>       i>       12                           raiados. 


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240 


ITINERABIO   DA  CORTE 


Aqui  se  refugiaram  os  restos  destroçados  do  seu  exercito  depois  da 
memorável  derrota  de  24  de  maio ;  aqui  foi  a  segunda  e  mais  duradoura 
base  de  operação  do  déspota  paraguayo  ;  para  aqui  convergiram,  durante 
dous  annos,  todos  os  planos  de  guerra  dos  alliados ;  por  causa  de  Hu- 


1 

canhão 

de  calibre    9                           alma  lisa. 

3 

canhões 

» 

» 

6                               »        » 

5 

» 

» 

» 

4                                           D          » 

2 

» 

» 

» 

4                           raiados. 

2 

» 

» 

D 

3                                 » 

2 

»  obuzes  » 

» 

12                           alma  lisa  (brasileiros  *). 

1 

canhão  obuz  » 

» 

4,5  pollegadas. 

10 

obuzes 

» 

» 

5.5       » 

3 

»  . 

j» 

» 

4,5       » 

37 

Artilharia  de  ferro 

1 

canhão 

de  calibre  120,  raiado,  El  Acaverd,  arrebentado  pela  culatra. 

8 

canhões 

)) 

» 

68   lisos. 

16 

» 

» 

» 

82      » 

40 

» 

>» 

» 

24      » 

9 

» 

D 

» 

18      » 

25 

» 

» 

» 

12      » 

2 

» 

j» 

» 

12  raiados. 

7 

» 

» 

» 

9  Usos. 

7 

» 

» 

» 

6     » 

1 

» 

» 

» 

C  raiado. 

10 

i> 

D 

» 

4  Usos. 

8 

»  obuzes  » 

» 

5,5  pollegadas  (caronadas). 

9 

D       » 

» 

]> 

4,5       D 

1  morteiro 

10       » 

144 

Material  de  serviço  : 

38  armões,  5  carros  manchegos  sem  armões,  5  especiaes  para  transporte  de  mu- 
nição, 7  reparos  de  falcas,  1  sem  rodados,  U  de  flecha,  2  de  campanha,  2  sem  roda- 
dos, lõ  de  marinha,  163  peças  de  palamenta,  usadas,  176  espingardas,  408  bayonet- 
tas,  5  lanças,  4  estativas  de  foguetes  de  guerra,  systema  inglez,  90  carretas,  a  maior 
parte  em  mau  estado,  1  zorra  com  oito  grandes  rodas,  destinada  ao  transporte  da 
artilharia  pesada,  e  enorme  quantidade  de  munição  de  artilharia  e  infantaria. 


(*)  Ainda  não  foi  explicado  como  é  que 
rientes,  foram  parar  em  poder  de  Lopes. 


esses  canhões,  depositados  em  Cor- 


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i  CIDADE      MATTO-GROSSO  241 

maitá  ferirara-se  mais  de  quarenta  combates  (a).  Humaitá    fica,  se- 
gundo Bossi,  aos  27'»  30'  lat.  e  61°  2'  O.  de  Paris. 


Planta  da  cidade  do   Corrientes. 

Mais  dez  minutos  de  viagem,  e  passámos,  de  um  lado,  as  ruinas  do 
reducto  paraguayo  do  Estàbelecimiento^  e  do  outro,  na  margem  direita, 
as  do  nosso  acampamento  do  Chaco.  Ahi,  em  5  de  agosto,  entregou  sua 
espada,  que  não  foi  acceita,  o  bravo  tenente-coronel  Hipólito  Martinez, 
commandante  de  Humaitá,  que,  após  tentar  em  vão  romper  o  cerco  para 
reunir-se  á   Lopes,  viu-se  coagido  á  capitular,  quando  já  seus  defensores 


(a)  Os  de  %  20,  24  e  28  de  maio,  9  e  14  de  junho,  16  e  18  de  julho,  3  e  22  de  se- 
tembro e  30  de  oitubro,  tudo  de  1866 ;  31  de  julho,  3,  6,  lõ  e  24  de  agosto,  3  e  29  de 
ottubro,  3  e  3  de  novembro  de  1807 ;  19  de  fevereiro,  21  de  março,  2  e  8  de  maio,  3, 16 
e  18  de  julho,  e  os  combates  diários  e  seguidos  desde  24  desse  mez  até  5  de  agosto 
de  1868. 

31 


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242  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

morriam  mais  pela  fome  do  que  pelas  balas,  e  quando  já  não  havia  um 
osso,  uma  correia  de  bonet,  uma  pelle  de  tambor,  nem  mesmo  um  sabugo 
das  pontas  e  cascos  dos  animaes  para  enganar-lhes  a  fome. 

Este  episodio  da  guerra  é  uma  pedra  de  toque  do  caracter  de  Fran- 
cisco Solano.  Por  tão  heróica  resistência,  só  comparável,  mas  ainda  assim 
superior,  por  mais  tenaz,  desgraçada  e  admirável,  á  do  barão  Henrique  de 
Chassé,  em  Antuérpia, 

Le  Leonidas  batave  aux  Thermopyles,  de  TEIscault, 
nós,  OS  brasileiros,seus  inimigos,  recebemol-o  com  todo  o  respeito  devido  á 
coragem  malaventurada ;  Lopes,  ao  ter  noticia  da  capitulação,  mandou 
entregar  suas  joven  esposa  e  cunhadas  á  lubricidade  infrene  da  solda- 
desca, que,  depois  de  saciada,  as  matou  á  golpes  de  lanças  ! 


IV 


A's  3  horas  e  10  minutos  passámos  o  Guaycurú,  dez  minutos 
depois  o  Tifhbó  e  mais  logo  o  Laureies^  este  na  margem  esquerda  :  ter- 
renos todos  ensopados  do  sangue  de  tantos  bravos.  A's  4  1/2  o  Tayt, 
onde  ainda  distinguimos  os  restos  do  forte  de  S.  Gabriel  e  as  trincheiras 
levantadas  por  Argolo.  Meia  hora  depois  deixávamos  á  nossa  esquerda  a 
boca  do  Tarija  ou  rio  Vermelho  e  enfrentávamos  com  a  villa  do  Pilar j 
graciosa  povoação  que  mais  parece  um  grande  pomar  entremeiado  de 
casas. 

A  villa  do  Pilar  está,  segundo  Dugraty,  á  26'»  51'  9"  S.  e  58*»  22' 
35"  O.  de  Greenwich,  e  cerca  de  cem  metros  acima  das  aguas  do  oceano. 


A's  8  horas  e  45  minutos  passámos  a  Taquara^às  9  horas  e  10  minu- 
tos a  boca  àoTebicuary  e  quarenta  minutos  depois  a  barranca  de  S.  Fer- 
nando^ celebre  pela  horrorosa  carnificina  que  nesses  logares  fez  o  tigre 


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i  CIDADE  DE  MATT€H>ROSSO  243 

paraguayo  no  dia  24  de  agosto  de  1868  e  seguintes,  nos  seus  mais  adictos 
e  servis  sequazes,  em  castigo  de  uma  pretensa  conspiração.  Proidmo  ao 
pctóso  real  ão  Tebictiary  vimos  então  duas  grandes  valias,  em  uma  das 
qnaes  haveria  talvez  120  cadáveres  acamados  em  três  ordens ;  na  outra, 
cerca  de  um  terço  da  escavação  estava  descoberta,  deixando  patentes  no 
seu  fundo  dezeseis  cadáveres  de  chefes  e  pessoas  notáveis,  entre  os  quaes 
foram  reconhecidos  Bruguez,  Barrios,  Allen,  Caminos,  Berges  e  os  orien- 
taes  Carrera  e  Bodriguez.  Bruguez  tinha  uma  atadura  ao  pescoço  e  um 
apparelho  cirúrgico  á  cabeça,  sabendo-se  depois  que,  condenmado  á  morte, 
tentara  suicidar-se  (a). 


(a)  De  uns  apontamentos  meus,  Diário  da  campanha  do  Paragua^,  extraio  o 
segninte  : 

«  Terça-feiía  1  de  setembro  de  1868.  A's  5 1/2  da  manhS  seguem  as  forças  que 
devem  unir-se  ás  do  barão  do  Triumpho.  Este,  reconhecida  a  retirada  do  inimigo 
da  margem  do  Tebicuary,  ordena  a  passagem  das  forças,  que  a  effectuam  ás  10  do 
dia.  As  cavallarias  vão  acampar  em  S.  Fernando,  meia  légua  á  NNO.  Ambas  as 
margens  do  rio,  no  passo,  estão  fortificadas,  sendo  mais  possante  a  fortificação  á 
margem  esquerda,  que  hontem  tomamos  de  assalto.  No  reducto  fronteiro  encon- 
tramos alguns  mortos,  dos  quaes  um  official ;  e  fora  da  Unha  de  abatizes,  entre  o 
rí»e  uma  lagoa,  em  rumo  2V..  duas  grandes  valias  atulhadas  de  cadáveres,  mal 
cobertos  de  terra  :  uma  de  62  palmos  de  comprido  e  outra  de  76,  esta  completa- 
mente cheia  e  aquella  aberta  na  extensão  de  36  palmos,  para  deixar  vér  no  fundo, 
alto  de  6  palmos,  dezeseis  cadáveres  coUocados  uns  ao  lado  dos  outros.  Aparen- 
tam pelos  traços  physionomicos  e  restos  da  fina  roupa  que  trazem,  que  deviam  de 
ser  homens  da  boa  sociedade .  Quatro  estão  degolados  e  todos  os  dezeseis  crivados 
de  ferimentos  de  bala  ou  lança  Uns  mostram  terem  estado  muito  tempo  á  ferros, 
com  gargalheiras  e  grilhões,  estando  maceradas  as  carnes  do  pescoço,  tornozelos  e 
pés.  Delles,  um,  que  dizem  ser  Bruguez,  está  com  uma  atadura  á  cabeça,  á  seme- 
lhança de  capacete  de  Hippocrates,  e  outro  apparelho  ao  pescoço,  onde  se  divisam 
signaes  de  feridas  mais  antigas^  mas  não  cicatrizadas;  tem  o  olho  direito  vasado  e 
ainda  sanguinolento,  mas  não  ha  indícios  de  que  as  aves  de  rapina  tenham  tocado 
nesses  cadáveres.  Os  paraguayos  que  nos  acompanham,  e  que  reconheceram  esse 
general,  dizem  que  os  outros  corpos  são  os  de  Barrios,  cunhado  de  Lopes,do  coronel 
Allen,  antecessor  de  Martinez  no  commando  de  Humaitá,  Bodriguez  e  Oarreras, 
inimigos  do  Brasil,  e  que  fugiram  de  Montevideo  para  açularem  contra  nós  as  iras 
da  fera  paraguaya,  e  finalmente,  Caminos,  Berges,  ministros  de  Estado,  além  de 
outros,  cujos  nomes  olvido.  Parece  terem  sido  victimados  ha  três  para  quatro  dias. 
Estão  deitados  na  largura  da  valia,  cujo  leito  enchem  em  quasi  metade.  Na 
parte  restante  vém-se  empilhados  os  cadáveres  em  três  ordens,  bem  distinctas  na 


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244  ITINERAKIO   DA  CORTE 

Mais  além,  dentro  das  mattas,  encontrámos  montões  de  outros  inse- 
pultos, alguns  enforcados  e  ainda  lanceados.  Desde  então,  por  toda  a 
estrada  até  á  capital,  fomos  encontrando  os  cadáveres  dos  que,  segundo 
soubemos  depois,  extenuados  já  pelo  soffrimento  ou  pela  fome,  não 
podiam  caminhar,  e  por  ordem  de  Solano  e  de  seus  ministros  fazia-se-lhes 
a  mercê  de  lanceal-os. 


Ao  nascer  do  dia  20  passámos  por  Villa  Franca^  antiga  BefnoUnos, 
onde,  em  1778,  o  mesmo  governador  Pedro  de  Melo  Portugal,  que  fun- 
dara os  presidies  de  Humaitá  e  Curupaity,  mandou  Pedro  Zeballos  esta- 
belecer-se  com  uma  reãucção  de  Índios  mbocavis. 

Villa  Franca  fica  aos  26'»  18'  4V'  S,  e  58<>  3'  39"  ao  O.  de  Green- 
wich (a). 

A'  1  da  madrugada  passámos  por  Villa  Oliva ;  ás  6  por  Mer- 
cedes ;  ás  8  começámos  á  aperceber  ao  longe,  para  ENE,,  as  Lonias 
Valentinas,  theatro  dos  últimos  combates  de  1868  e  termo  da  campanha 
Caxias;  ás  9  1/2  Santa  Rosa;  10  minutos  depois  das  10  o  arroio 
Surubihy,  em  cuja  ponte,  á  23  de  setembro  desse  anno,  tivemos  ura  san- 
grento combate.  Quarenta  e  dous  minutos  mais  tarde  enfrentávamos  as 
barrancas  de  Palmas,  onde  pudemos  ainda  ver  os  restos  das  trincheiras 
e  das  ramadas,  e  outros  signaes  dos  acampamentos  dahi. 


fileira  junto  áqueUes.  Aos  da  camada  superior  cobre  tão  ténue  quantidade  de  terra, 
que  seus  cotovellos,  joelhos  e  pés  já  a  irrompem,  destendidospela  tun.efacçào. 
Nesta  valia  podem  existir  uns  setenta  cadáveres  e  na  outra  mais  de  cem.  O  facto  de 
estarem  insepultos  aquelles  dezeseis  comprova  ainda  mais  a  infame  crueza  do  tigre 
paraguayo.  Assassinando  os  mais  adictos  e  os  mais  servis  dos  seus  amigos  e 
servidores,  e  expondo-os  dessa  maneira,  parece  ter  querido  mostrar,  na  ostentação 
da  maldade,  ã  todos  inimigos  ou  sequazes,  de  quanta  crueldade,  quanta  infâmia  e 
quantos  crimes  não  é  capaz  um  tyranno.  » 
(a)  Dugraty.  La  Republica  dei  Paraguay, 


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i  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO  245 

A's  11  horas  e  5  minutos  entravamos  na  volta  do  Juica,  onde  atraz 
de  uma  ilha  fica,  á  margem  direita,  o  porto  de  Sania  Theresa,  Ahi 
desembarcou  e  acampou  em  15  de  oitubro  desse  anno  o  2''  corpo  do 
exercito,  ao  mando  de  Argolo,  e  deu  começo  á  famosa  estrada  estratégica 
do  Chaco,  por  cima  de  pântanos  e  lagoas,  pela  qual  passou  todo  o  exercito, 
para  bater  pela  retaguarda  o  inimigo  fortificado,  em  Lomas  Valentinas, 
e  separal-o  da  capital.  Nesse  trabalho  memorável  perto  de  11  kilome- 
tros  (a)  eram  de  pontes  e  estivados,  em  que  foram  empregados  mais 
de  30,000  espiques  de  carandds;  e,  quem  quer  que  fosse  o  ideador  dessa 
estrada,  si  não  foi  ella  devida  á  iniciativa  de  Argolo,  basta  á  este  general 
I)ara  sua  gloria  a  prompta  confecção.  Também  ninguém  melhor  do  que 
elle  seria  capaz  da  realizal-a,  pelo  seu  espirito  perseverante,  tenaz  e  infa- 
tigável, e  ainda  secundado  pelo  chefe  da  commissáo  de  engenheiros, 
o  tenente-coronel  Rufino  Galvão,  dotado  das  mesmas  extraordinárias  qua- 
lidades. 


A's  11  horas  e  35  minutos  passámos  o  an*oio  Pikysyry  com  a  dupla 
ordem  de  trincheiras,  que  o  marginava  pela  direita;  e  em  seguida  An- 
gosiura^  onde  ainda  se  vêm  os  restos  de  suas  formidáveis  fortificações. 

Ao  meio-dia  vimos  de  um  lado  o  Bio  Negro,  braço  do  Pilcomayo, 
e  do  outro  a  Villeta  (b),  por  traz  da  qual  se  avistam  as  Lomas  Valen- 
tinas, ou  Guaramharé^  encobrindo  os  campos  do  Avahy  tão  celebres 
ambos,  pelas  sangrentas  batalhas  que  ahi  se  feriram  e  pelo  descalabro 
de  Lopez  e  de  sua  fuga  em  27  de  dezembro  de  1868. 

(a)  10,714  metros. 

(b)  Fundada  em  1714  por  Juan  Basan    de  Pedraza.  Está  situada  aos  2õo  26* 
aO"  lat.  57«  37*  42''  ao  Occ.  de  Greenwich  (Dugr^ty). 


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246  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

Quasi  á  1  hora  da  tarde  passámos  o  Itororó,  ribeirão  para  sempre 
notável  pelo  combate  de  6  de  dezembro  desse  anno,  onde  nossa  victoria 
foi  comprada  com  o  sangue  da  flor  do  nosso  exercito.  Ahi  entre  os  mortos 
ficaram  Fernando  Machado,  Ferreira  de  Azevedo,  Guedes,  Feitosa,  Ko- 
drigues  Barbosa,  Félix   e  meu  irmão  Eduardo,  sepultados  juntos  ;  (a)  e 


(a)  Só  a  2  de  fevereiro  de  18(39  pude  visitar  essa  sepultura,  tendo  eu  ficado  com 
as  forças  alliadas  que  occuparain  as  fortificações  de  Angostura,  desde  sua  rendição 
em  30  de  dezembro  até  29  de  janeiro.  Ahi  escrevi  os  seguintes  versos  : 

Na  sepultura 

df  meu  irmòo  o  major  Eduardo  da  Fonseca^  commandante  du  40®  corpo 

de  voluntários  da  pátria,  morto  gloriosamente  no  combate  de  Itororó, 

em  iode  dezembro  de  1868 

Dorme,  oh!  lutador  que  assaz  lutaste. 

Gonçalves  Dias. 
Sim,  dorme,  dorme  em  paz. 

A  pouca  teria 

em  que  descansas,  que  te  guarda  o  corpo, 

compraste-a  á  preço  de  teu  sangue  heróico... 

—  Teus  sonhos  de  mancebo,  teus  anhelos, 
anceios,  esperanças  de  futuro, 

tudo  por  ella  deste    e  a  vida  e  a  gloria ! 

Oh  !  dorme,  dorme  em  paz  na  sepultura  ! 
E'  terra  tua,  dorme. 
Quando  intrépido 
ao  som  electrisante  da  corneta, 

que  a  carga  ordena, 
arremetteste  á  frente  de  teus  bravos, 
e,  pritnus  inter  parais,  carregaste 
sobre  o  inimigo,  seus  canhões  tomando  (*). 
nào  pensavas,  talvez,  fosse  teu  leito. 

—  ultimo  leito  I  —  o  campo  da  victoria. 
E,  quando  reformando  teus  quadrados, 
reducto  d'aço,  inquebrantável,  forte, 

—  vencedor  do  inimigo,  tantos  vezes 

(')  Ao  vencer  a  porfiada  victoria  da  ponte  de  Itororó,  Eduardo  com  o  seu  ba- 
talhão tomou  uma  bateria. 
Vide  participações  ofiiciaes  dos  com  mandantes  de  brigada  e  divisões  respectivas. 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  247 

entre  os  feridos  Argolo,  Gurjão,  Domingos  Leite,  Raphael,  Enéas  Galvão, 
e  meus  dous  irmãos  Hermes  e  Deodoro. 


quantas  elle  atacou,— alfim  sentiste 
fugir-te  a  voz,  no  sangue  que  as  golfadas 
encheu-te  a  fauce...— e  co*  gladio,  apenas, 

acenavas  à  carga» 
a  voz  supprindo  que  a  manobra  ordena, 
—  ahi  sentiste — e  perto— o  leito  heróico 

do  lidador  que  cahe  : 
entrevistel-o  talvez  -na  fúria  horrenda» 

na  hórrida  pujança... 
Mas  foi  um  instante  só...  e  jà  voavas 
no  ardego  corsel  em  pós  da  gloria  ! 
Foi  um  instante  so...  e  novo  raio 
de  Mavorte  cruel  tocou-te  o  cérebro. 

Gahiste,  heroe,  á  frente  de  teus  bravos  .. 
Com  a  espada  assignalaste  a  sepultura... 
Compraste-a  com  teu  sangue...— £'  tua,  dorme  ! 


Sim,  dorme,  dorme  em  paz !  Tens  por  cruzeiro, 
à  tua  cabeceira,  a  cruz  de  um  sabre ; 
por  magestoso  templo  a  natureza, 
e  por  zimbório  o  céo   São  candelarios 
as  estrellas  e  o  sol ;  -  sào-te  epitaphios 
uma  alampada,  o  sabre,  e  a  mareia  tuba  (*) 
que  mào  amiga  ahi  depòz  piedosa, 
por  uuicu  signal. 

6antam-te  as  glorias 
as  meigas  avezinhas  das  florestas 
e  o  tturoró  das  aguas  (")  que  se  esbatem, 
á  saltar  pedra  a  pedra  a  cachoeira, 
gemendo  marulhosas,  sob  a  ponte, 

theatro  de  teus  feitos 
nesse  teu  grande  e  derradeiro  dia. 

Ai  I  dorme,  dorme  em  paz  l  Não  agoureiras 
aqui  ululam  merencórias  aves 
te  perturbando  o  somno  ;  nem  sacrílegas 
as  vozes  de  importunos  curiosos 


(')  índices  deixados  adrede  para  recuahecer-se  a  sepultura. 
y")  Nome  onomatopaico  guarany  para  designar  pequenas  cachoeiras  e  saltos 
d'agua. 


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248  ITINERÁRIO    DA  CORTE 

A'  1  hora  e  20  minutos  passámos  o  morro  do  Lambaré  que,  com  pe- 


qaebram  ruidosas  a  mudez  doa  ermos. 

—  Só  da  floresta  o  farfalhar  queixoso, 
de  meigas  aves  o  mimoso  canto 
acalentam-te  o  somno  derradeiro... 

—  £  o  som  das  aguas  desse  arroio  celebre, 
rumorejando  á  se  e^^bater  nas  rochas, 

—  si  a  placidez  de  teu  descanso  turbam, 
coutam-te  os  feitos  nessa  heróica  luta, 
cantam-te  as  glorias  que  lucraste  nella ! 

Dia  por  dia—apoz  quatro  annos  feitos  (') 
de  teu  primeiro  prélio  e  gloria  prima, 
cahiste,  lidador  I...  baqueou-te  o  braço 
desfallecido,  inerte...— e  a  espada  invicta, 
que  desde  Paysandú  e  Riachuclo 
sempre  ao  triumpho  conduziu  teus  bravos, 
cessou  de  lhes  mostrar  a  senda  heróica... 
rolou  no  chão,  viuva  do  teu  braço... 

—  Dia  por  dia, — apoz  quatro  annos  feitos !... 

Sorte  fatal !...  ao  mesmo  tempo  quasi, 
em  que  tua  alma  nobre  e  generosa 
a  deusa  da  victoria  aos  céos  levava 
à  reunil-a  aos  manes  gloriosos 
de  Hippolyto  e  Affonso— o  ferro  ipfiig* 
rompia  as  carnes  á  Deodoro  e  Hermes, 

irmãos  todos,  na  liça 
irmãos  no  sangue,  irmãos  todos  na  gloria. 


Itororó  !...  na  tua  ponte  augusta 
legaste  ao  mundo  nome  immorredouro ! 
Ck>mbate  de  gigantes  !...  nessa  ponte, 
seis  vezes  investida  e  seis  tomada, 
á  gloria  erguf^ste  bem  cruéis  altares ! 
Tivestes  neste  dia  novas  fontes 
á  8oberbar-te  o  curso.  As  tuas  ondas 
rubras  correram,—  sangue  de  mil  bravos  ! 
. . .  E,  caso  incrível  nos  annaes  da  historia^ 


(•)  A  6  de  dezembro  de  1864,  achou-se  Eduardo,  pela  primeira  vez,  em  combate 
no  assedio  de  Paysandú,  onde  commandou  a  infantaria  que  nesse  dia  tentou  assai- 
tal-a,  tendo  substituído  o  capitão  Peixoto,  ferido  ao  iniciar-se  a  acção. 


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Á  CIDADE   DE  MATTO-OROSSO  24Í) 

quena  modificação,  conserva  o  nome  de  um  dos  chefes  guaranys  que  Juan 


de  envolta  ás  ondas  turvas  e  sanguíneas, 
corpos  aos  cem,  em  turbiUiÕes  se  chocam, 
precipitam-se  e  vao  de  pedra  em  pedra, 

da  torrente  no  vórtice. 
Oh  I  que  luta  e  que  horrores!...  Nessa  hora 
era,  ó  fúnebre  arroio— essa  cascata, 

cascata  de  cadáveres ! 


Quanto  sangue,  meu  Deus !...  Ai,  pobre  pátria, 
compras  bem  caro  os  louros  desse  dia ! 
A  flor  dos  teus  soldados— quasi  toda, 
ahi  verteu  por  ti  seu  nobre  sangue, 
sinào  cahiu  exânime,  prostrada. 
Aqui,  somente,  em  tão  restricto  espaço, 
eu  vejo— par  á  par— no  somno  eterno, 
Azevedo,  Machado,  Eduardo  e  Guedes  (*)... 

—  E  os  outros?...  e  mil  outros?...  onde  jazem  ? 

—  Ai !  victoria  fatal!...  gloria  funesta  I 

—  Aqui,  alli,  bem  perto,  além,  ao  longe 
quantos  destroços  desse  dia— quantos !. . . 

—  Aqui  as  fúrias  se  fartaram  em  sangue  !«.. 
Podres  correias,  gorros  já  sem  forma, 
restos  de  fardas,  de  fuzis  quebrados, 

de  rotos  sabres,  de  partidas  lanças, 
em  toda  parte  e  sempre  I . . . 

—  Quanta  metralha  pelo  chão  esparsa  ! ... 

—  Quanto  pelouro  arremessou  a  morte  I... 
Presos  inda  ao  pedregal  do  abysmo, 
esparsos  na  campina  entre  os  balsedos, 
ao  longo  das  estradas,— na  floresta, 

—  ai  I  quanto  craneo  á  alvejar  ao  tempo  ! 


Que  sorte  a  do  soldado!  Tanto  brio, 
tanto  arrojo  e  valor— ah!...  tanta  vida 
presa  a  voz  do  canhão,— de  um  sabre  ao  fio  I 


Pobres  valentes  !. . .  Si  lençol  ligeiro 
de  tetras  soltas  inhumou  seus  corpos, 
veiu  o  pampeiro  e  os  exhumoude  novo  l 


(*)  Em  quatro  sepulturas  juntas,  duas  à  duas,  estavam  Eduardo,  o  coronel 
Fernando  Machado  de  Souza  e  os  tenentcs-coroneis  Gabriel  de  Souza  Guedes  e  José 
Ferreira  de  Azevedo 

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250  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

de  Ayolas,  encontrou  quando  veiu  a  conquistar  o  Paraguay ;  (a)  e  que. 


A  ti,  meu  pobre  irmão,  bondosa  e  amiga 
mão  protectora  preparou-te  o  leito 
do  teu  ultimo  somno,  e  previdente, 

—  para  amparar-te  do  furor  dos  tempos , 
te  ergueu  de  leivas  mausoléo  relvoso; 

—  á  falta  de  epitaphio,  assignalou-te 

a  mansão  derradeira 

—  com  esse  sabre—que  uma  cruz  suppriu-te, 

—  com  essa  alampada  à  teus  pés  pousada, 
e  a  mavórcia  turba  que  nos  prélios 
transmitte  a  voz  do  mando  e  excita  os  bravos. 


Sim,  dorme,  dorme  em  paz— na  nobre  campa. 
Mais  feliz  do  que  Hippolyto,  não  foste 
por  selvagem  inimigo  trucidado 
no  próprio  campo  onde  arrojou-te  o  brio 
e  o  heroísmo  extremo ; 

—  mais  feliz  do  que  Afifenso— o  pobre  martyr, 
que  envolto  no  pendão  sempre  adorado. 

os  membros  teve  rotos  á  metralha, 

e  por  sepulchro  a  valia— em  chão  ignoto  (*), 

—  tu  tens,  Eduardo,  tumba  assignalada ; 
sabem  os  teus  a  campa  onde  descansam 

e  onde,  um  dia,  buscarão  reverentes, 

teus  restos  venerados. 
Dorme  em  paz  á  sombra  do  cruzeiro» 
da  dupla  cruz  que  à  cabeceira  ergui- te. 
Si  o  céo  propicio  for  á  mão  que  os  planta, 
hão  de  brotar  jasmins  no  teu  sepulchro, 

e  rosas  nos  dos  outros  {'") . 
Dorme,  dorme  em  paz  ! 

A  pouca  terra 
em  que  descansas— que  te  cobre  o  corpo, 
compraste-a  com  teu  sangue. . . 

E'  tua,  dorme . 


(•)  Hippolyto  e  Affonso  morreram,  como  já  disse,  no  combate  de  Curupaity,  em 
22  de  setembro  de  ltít56:  aquelle  commandava  o  clO»  de  voluntários  e  cahiu  ferido 
dentro  da  trincheira  inimiga  ;  este,  porta  bandeira  do  M^  de  voluntários,  foi 
attingido  por  uma  granada  que  arrebentou-lhe  aoa  pés,  despedaçando-lhe  o  braço 
direito  e  as  duas  coxas,  cobrindo-o  ainda  de  feriaas.  Conduzido  ao  hospital  de 
sangue,  e  sendo-lhe  feitas  as  três  amputações,  morreu  na  operação,  erguendo 
vivas  ao  Imperador,  ao  Brasil  e  ao  exercito,  sem  ter  dado  a  menor  manifestuçào  de 
dor  em  tão  cruéis  sofifrimentos. 

{'*)  Plantadas  por  mão  fraterna,  por  um  sentimento  religioso  e  também  para 
melhor  assignalar  a  sepultura. 

(a)  Lamperéf  Southey,  Hfst,  do  Brasil, 


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Á  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  251 

vencedor,  deu-lhes  como  castigo  o  erguerem  as  trincheiras  que  deviam 
recolher  e  resguardar  os  hespanhoes,  ás  quaes,  terminadas  em  15  de  agosto 
de  1536,  impuzeram  o  nome  de  Nossa  Senhora  da  Assumpção,  que  mais 
tarde  passou  para  o  povoado  que  Juan  Salazar  de  Espinosa  e  Gonçalo  de 
Mendoza,  filho  do  governador  de  Bueno^-Ayres,  ahi  vieram  estabelecer 
DO  mesmo  anno,  já  tendo  Ayolas  abandonado  o  fortim  para  ir  em  busca 
de  ouro  nas  regiões  do  Alto  Paraná.  Taes  foram  os  começos  da  capital 
paraguaya,  onde  deu  fundo  o  Madeira  ás  2  horas  da  tarde  de  20  de  maio. 

Está  Assumpção  aos  25**  16'  29"  de  long.  occ.  do  Pão  de  Assucar 
e  na  latitude  de  14**  35'  39".  Segundo  Dugraty,  sua  altitude  relativa- 
mente  ao  nivel  do  oceano  é  de  102  metros. 

Em  frente  á  cidade  desagua  a  boca  principal  do  Pilcomayo,  explo- 
rado em  1721  pelo  padre  Patino,  que  percorreu  cerca  de  300  léguas  do 
seu  curso.  Já  abaixo  tinham  ficado  outras  duas  bocas  conhecidas  pelos 
nomes  de  rio  Araguay  e  Negro. 

Pouco  adiantou  a  cidade  nesses  quatro  últimos  annos  em  que  deixei 
de  vêl-a:  seu  aspecto  não  mudou,  salvo  uma  menor  animação  no  povo, — 
devida  sem  duvida  ao  enfraquecimento  do  commercio,  já  não  alimentado 
com  o  ouro  do  Brasil  na  mesma  immensa  escala  daquelles  tempos. 

Quatro  dias  passámos  nesta  capital,  emquanto  se  preparavam  o  Co- 
runúfrí  e  o  Anfovio  João,  dous  pequeninos  vapores  de  guerra  que  nos 
deriam  conduzir  á  villa  de  Corumbá,  visto  que  o  Madeira,  por  seu  calado, 
não  se  animava  á  proseguir,  temeroso  dos  baixios  do  rio,  no  morro  do  Cotir 
selha.  Para  uma  grande  chata  passaram-se  as  bagagens  e  o  pesado 
material  da  commissão. 

Ao  meio  dia  de  24  embarcámos. 

Acceitando  o  gracioso  oflFerecimento  que  lhe  fizera  o  chefe  da  com- 
missão,  tomou  passagem  no  Corumbá  meu  irmão  o  brigadeiroHermes,  no- 
meado presidente  e  commandante  das  armas  de  Matto-Grosso.  Os  generaes 


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252  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

e  officiaes  brasileiros  de  terra  e  mar,  as  legações  brasileira  e  estrangeiras 
e  o  governo,  membros  do  congresso  e  maisfunccionariosda  republica,  vieram 
trazel-o  á  bordo,  fazendo-lhe  a  delicadeza  de  o  acompanharem  em  um  pe- 
queno vapor,  por  mais  de  uma  légua,  onde,  após  as  despedidas  e  compri- 
mentos de  pavilhão,  os  dous  navios  se  approidmaram  e  o  ministro  de 
estrangeiros  Facundo  Machain,  em  nome  do  governo,  entregou-lhe  um 
immenso  ramo  de  flores,  que  acompanhou  desse  laconicissimo,  mas  por 
isso  mesmo,  muito  expressivo  discurso  :  Recmrãos  ! 


VI 


Somente  ás  4  da  tarde  puzeram-se  era  marcha  os  dous  vapores 
que  não  vencem  nem  uma  légua  por  hora.  Com  26  horas  de  viagem 
enfrentámos  á  villa  do  Rosário^  distante  apenas  úns  140  kilometros  de 
Assumpção.  Segundo  Ricardo  Franco,  demora  essa  villa  aos  25*  e  18'  de 
latitude  e  320"  20'  de  longitude  do  meridiano  occidental  da  ilha 
do  Ferro.  Dugraty  marca-lhe  24*  23'  25''  S.  e  57*  12'  15"  a  O.  de 
Greenwich. 

E'  uma  pequena  villa  fundada  em  1783  com  o  nome  de  Quarepoty, 
do  rio  sobre  que  está  assentada;  foi  seu  fundador  Pedro  de  Melo  Portugal. 

A's  8  3/4  de  27  avistámos  a  villa  da  Conceição,  pobre  povoado 
começado  em  1773  por  Agustin  de  Pinedo,  aos  23*  23'  56"  lat.  e  57°  30' 
49"  O.  de  Greenwich,  segundo  Dugraty,  que  dá-lhe  também  a  altura  de 
110  metros  sobre  o  mar  (a). 


(a)  Foi  fundada  em  1773  com  o  titulo  de  Villa  Real;  os  hespanhoes  queriama 
mais  acima,  e  disso  falia  Azara,  qjiaudo  commissario  de  limites,  em  carta  de  13  de 
dezembro  de  1790  ao  vice-rei  de  Buenos-Ayres  Nicolas  de  Arredondo.  Luiz  d'Albu- 
querque,  5o  capitâo-general  de  Matto  Grosso,  dando  noticia  dessa  fundação,  em  seu 


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Á  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO  253 

Fimdeámos  ás  9  horas  e  5  minutos  para  tomar  provisões. 

No  porto  achámos  as  canhoneiras  Taquary  e  Fernandes  Vieira,  e  o 
antigo  paquete  Princesa  de  Joinville,  grande  e  bello  navio,  então  comple- 
tamente alagado  á  espera  de  reboque  para  o  Ladario,  onde  irá  ser  des- 
manchado.   . 

Hoje  é  o  dia  de  Corpus-Chrisii.  Baixei  á  terra  para  ouvir  missa  e 
visitar  a  villa,  edificada  como  a  mór  parte  dos  povoados  da  America  Hes- 
panhola  pelo  systema  das  reducções  dos  jesuitas,  uma  praça  na  qual  uma 
das  faces,  a  fronteira  do  rio,  é  preenchida  pela  egreja,  e  as  outras  três  por 
antigas  senzalas  ou  alojamento  dos  neophytos,  e  hoje  quartéis. 

Dos  quatro  ângulos  partem  ruas,  ou  melhor,  caminhos  com  algumas 
palhoças  aqui  e  alli,  mas  que  deixam  vêr  que  em  tempo  mais  longe  teve 
a  villa  outras  ruas  que  cortavam  aquellas,  notando-se  ainda  os  esteios  ou 
sítios  das  casas. 

Em  seguida  á  missa  conventual  eíFectuou-se  a  procissão  do  dia,  feita 
com  a  pompa  compatível  com  a  riqueza  do  logar.  A'  noite,  o  chefe  poli- 
tico do  departamento,  Juan  Carisimo,  obsequiou-nos  com  uma  ierhiUa, 
onde  compareceu,  de  ordom  superior,  todo  o  mulherio  da  terra,  moças  e 
velhas,  daquellas  algumas  bem  passáveis. 

A's  9  da  manhã  de  28  continuámos  a  viagem,  demorandí)-se  o  vapor 
á  cada  hora,  por  desarranjo  na  machina,ou  por  falseamento  de  mauobra  e 
erro  do  canal,  batendo  nos  bancos.  A'  1  da  tarde  passámos  o  Aquidnhau, 
Cambanapú  (a)  dos  Índios  payaguás,  e  duas  e  meia  hora  depois  a  villa 
do  Salvador,  antiga  Tevego,  fundada  por  Carlos  Lopes,  e  hoje  deserta. 


officio  de  26  de  maio  de  1775  ao  governo  portugaez,  propõe  o  estabelecimento  de  um 
povoado  no  FecJio  de  Morros,  idéa  que  já  occorrôra  á  seu  antecessor  Luiz  Pinto  e 
mesmo  &  Rolim  de  Moura,  o  que  se  vô  dos  officios  de  5  de  janeiro  de  1761,  deste,  e 
de  11  de  fevereiro  de  1770,  daquelle. 

(a)  Segundo  o  Dr.  Alexandre  Rodrigues  Ferreira,  este  nome  era  dado   ao   rio 
Pirahy  qc^e  é  o  Apa. 


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254  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

Demarca-a  Dugraty  em  22*»  48'  45''  lat.  e  bT"  52'  12"  O.  de  Greenwich. 
Thomas  Page  dá-lhe  a  altitude  de  111  metros  sobre  o  mar  (b). 

A'  30,  ás  4  horas  da  tarde,passámos  os  montes  Galvão  e  o  ribeiro  do 
mesmo  nome,  no  Chaco, e  os  cerros  Morados  ou  ^  'onies  Roxos,  á  margem 
esquerda. 

Ao  longe,  á  NE.,  avistávamos  já  as  grimpas  da  Napileque,  nwnia-' 
nhãs  de  ferro,  no  idioma  dos  guayacurús. 

Uma  hora  depois  enfrentávamos  com  o  Apa  e  sulcávamos  aguas  bra- 
sileiras. 


g^(b)  La  Plata,  the  Árgenline  Confederation  and  Paraguay.  1859. 


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CAPITULO  II 

Da  Apa  á  Cuimbra 

I 

OUÇO  depois  de  passarmos  o 
Apa  (a)  avistámos  uma  canoa 
que  descia,  tripolada  por  sel- 
vagens. Eram  cadioéos  (b), 
tribu  que  nos  é  aflfeiçoada,  e 
que  bons  serviços  prestou-nos 
por  vezes,  durante  a  guerra 
do  Paraguay .  Tinham-nos 
avistado  do  seu  acampamento 
e  vinham  saudar-nos,  não 
íomo  pelo   desejo  de  obter  pre 

pitão  Nauhila,  era  um  bonito 
los  de  idade,  irmão  e  successor 

^  ^ ^ites,  que  morrera  no  forte  de 

Coimbra,  combatendo  com  um  punhado  dos  seus  ao  nosso  lado  (c)  contra 


(a)  Ou  melhor  ápd.  Co.inighy  dos  guaycurys,  Perahy  ou  Piraliy,  entre  os  hes- 
panhoes.  A  voz  apá  em  guaycury  quer  dizer  ema, 

(b)  Antigos  cadiguéSf  ramo  dos  mbayds.  Segundo  JoUs  os  Mbayás  ou  guay 
rurús  dividiam-se  em  :  l©—  guetiadágodis,  e  2o  -codiguégodis  (habitantes  do  rio 
Codigué). 

Ricardo  Franco  cita  sete  tribus  da  mesma  origem  guaycurú :  1°,  uatadéos  ; 
2*.  ejuéos;  S»,  cndiéos,  que  s5o  as  princi pães ;  4,  paca/iiod^oí;  5o,  cotohiodéo  ; 
6o,  xaquUéos ;  oléos.  Os  apacdtxudéos,  edjéos,  beaquihéos  e  exucndéos,  de  Castel- 
nau,  serão  talvez  algumas  daquellas  tribus,  tomados  os  nomes  conforme  o  ouvido 
do  viajante  francez. 

(c)  Eram  dez  apenas. 


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25(5  ITINEKARIO   DA   CORTE 

OS  paraguayos.  Trazia  em  sua  companhia  sen  sobrinho  e  tutelado  o 
futuro  cacique  Nauhin,  de  14  á  15  annos  de  idade,  á  quem,  conforme  o 
estylo  da  nação,  faltavam  annos  ainda  para  tomar  em  mãos  as  rédeas  da 
governança;  Joé,  que  falia  sufficientemente  o  portuguez  e  servia  de  in- 
terprete;—  Mimi,  bonito  rapaz,  chocarreiro  e  engraçado,  e  mais  dous  : 
os  quaes,   todos,  Nauhila  apresentou  como  seusajudantes. 

E'  gente  esbelta,  forte  e  benx  feita :  feições  regulares,  côr  moreno- 
clara,  cabellos  mui  finos,  nariz  aquilino  e  bem  feito. 

Sabendo  que  o  presidente  da  província  ia  conmosco,  quizeram  com- 
primental-o.  Mostraram  muito  interesse,  senão  medo,  pelos  enhymas  (a) 
ou  linguas,  indagando  se  nós  os  tínhamos  visto  ou  se  sabíamos  delles. 
São  estes  uma  tribu  doGrào-Chaco,  o  Gàlamha  dos  guaycurús,  com  quem 
vivera  os  cadioéos  em  guerra :  seu  nome  deriva-se  de  um  vocábulo  guay- 
curú,  nação  de  que  também  descendem,  o  qual  quer  dizer  linguagem  ou 
língua;  restando-me  hoje  a  duvida  si  tal  nome  não  seria  a  traducçáo 
do  que  os  hespanhoes  lhes  deram,  ao  vêr-lhes  o  harhoie  que  trazem  pen- 
durado ao  lábio  inferior,  comprido  e  parecendo  uma  lingua  pendente. 


O  Corumbá  pairou  uns  vinte  minutos  sobre  rodas,  para  recebel-os, 
e  depois  seguiu,  levando  suas  compridas  e  esguias  canoas  á  reboque. 
Deixou  o  canal  do  rio  e  tomou  por  um  braço  á  esquerda,  onde  ficava 
o  acampamento  delles,  em  frente  do  qual,  dez  minutos  depois,  pairou 
de  novo  para  desembarcal-os. 

Contámos  na  barranca  uma  boa  centena  de  homens  e  crianças.  Ao 
vêrem-nos  formaram  em  linha,  empunhando  os  remos,  que  levaram  ao 
hombro,  verticalmente,  á  guiza  de  contínencia  militar. 


(a)  Southey  diz  que  os  Un^ua^  eram  júkid;e5,  vocábulo  qae«  conhecida  a  pro- 
nuncia do  j  hespanhol,  não  é  mais  do  que  uma  varíante  da  nossa  palavra  cadioéos. 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  257 

Uma  meia  hora  depois  jantávamos,  quando  abordaram  o  vapor 
outras  canoas  e  despejaram  seu  povo  no  tombadilho. 

Vinham  á  pretexto  de  comprimentar  o  presidente  ;  e  entre  elles  çs  . 
que  já  tinham  estado  comnosco.  Estes  tinham  ido  uniformisar-se :  Nauhila 
vestia  farda  de  V  tenente  da  marinha  e  bonet  de  cavallaria;  Joé  farda 
de  capitão  de  cavallaria,  sem  cobertura  para  a  cabeça  :  dos  outros  aju- 
dantes, um  farda  de  capitão  de  artilharia,  bonet  branco ;  outro  farda  de 
marinha  sem  divisas,  e  fta  cabeça  um  velho  chapéo  de  palha  que  mais 
parecia  uma  gamella.  Nenhum  trazia  calças:  eliminaram  do  seu  traje 
de  ceremonia  esta  peça  por  julgarem-a,  sem  duvida,  muito  incommoda. 
Traziam  para  mimosear-nos  algumas  pelles,  das  quaes  a  mais  importante 
era  uma  de  tamanduá-bandeira. 


Pediram  novamente  e  novamente  se  lhes  deu,  facas,  tesouras,  cani- 
vetes, botões,  espelhos,  contas  e  algumas  garrafas  de  aguardente,  mimo 
que  mais  cubicavam  e  apreciavam ;  e  recebido  que  foi  tudo,  saltaram 
rapidamente  para  as  canoas,  levando  os  presentes  que  tinham  trazido  para 

nós. 

33 


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258  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

Mais  tarde  soubemos  que,  descansados  com  as  nossas  noticias  sobre 
os  enhymas,  que  de  facto  não   tinhamos  visto  nem   delles   sabiamos, 
•descuidaram-se  mais  do  que  deviam  e  foram  por  elles  sorprendidos, 
mon^endo  na  refrega  o  valente  Nauhila, 


11 


Navegou-se  toda  a  noite. 

A's  7  horas  passámos  os  Sete  Morros,  e  á  31,  ao  romper  do  dia, 
tinhamos  á  vista  as  montanhas  do  Fecho  de  Morros  formadas,  pelo  Pão 
de  Assucar^  que  é  o  Cerro  ocidental  dos  hespanhoes,  e  outras  seis  mais, 
á  margem  direita,  o  Cerro  oriental  á  esquerda,  e  uma  alta  ilha  e  morro, 
á  meio  rio,  onde  está  a  guarda  brasileira,  nosso  primeiro  ponto  militar 
no  Paraguay,  na  distancia  de  uns  120  kilometros  acima  da  fóz  do  Apa. 

Feclio  de  Morros  parece  ser  denominação  dada  desde  os  primeiros 
navegadores  e  fundadores  deCuyabá.  l^o^Annaes  da  camará  dessa  cidade, 
já  em  1731,lê'Se  essa  phrase,  não  como  denominação  mas  como  explicação 
do  local  (a). 

O  nome  de  Pão  de  Assucar^  por  que  é  hoje  conhecido.,  foi-lhe  dado 
pela  commissáo  demarcadora  em  1782 :  é  o  mesmo  de  forma  cónica,  c  o 
mais  elevado  de  todos  os  que  formam  essa  extrema  da  sorra  de  Guala- 
licariy  espigão  da  cordilheira  do  Maracajú. 

Segundo  Luiz  D'Alincourt  (b),sua  posição  astronómica  é  aos  21°  22' 


(a)  a  Passada  a  barra  do  Mbotetem..,  e  descendo  o  Paraguay  abaixo,  descendo 
a  bocaina,  onde  com  um  fecho  de  morros  se  estreita  o  ri»»,  cahio-lhes  uma  manhã  o 
gentio  payaguá  ..  » 

(bj  Meifhoria  sobre  a  oiagnm  do  porto  de  Santos  á  cidade  du  Cuyaòd,  por 
Luiz  D*Alincourt,  major  de  engenheiros,  li^j. 


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í  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  259 

lai;  e,  conforme  Dugraty,  21%  25'  10"  lai  e  57^  58'  54''  long.  occid.  de 
Greenwich  (a),  113  metros  acima  do  nivel  do  mar  (b), 

E'  notável  esse  ponto  pelo  ataque  que  traiçoeiramente  lhe  levaram 
os  paraguayoF,  de  ordem  de  Carlos  Lopes,  em  14  de  oitubro  de  1850, 
em  numero  de  400  homens,  que  inesperadamente  atacaram  a  guarnição 
composta  de  25  praças,  conunandada  pelo  tenente  Francisco  Bueno  da 
Silva,  que  retirou-se  para  a  margem  direita  após  tentar  a  defesa  que  lhe 
foi  possivel.  Deixou  três  mortos  no  campo,  e  os  paraguayos,  na  sua  parti- 
cipação official,  dando  o  combate  como  um  grande  feito,  declararam  ter 
sofifrido  a  perda  de  um  alferes  e  oito  soldados. 

No  Chaco  reuniu-se  Bueno  ás  tribus  dos  caciques  Lapate  e  Lixagate, 
cadioéos,  e  foram  tomar  em  represália  o  forte  Bourbon.  Já  dissemos  que 
esses  Índios  eram-nos  aifeiçoados  e  inimigos  irreconciliáveis  dos  para- 
guayos. 

O  Brasil  tinha  mandado  tomar  posse  definitivamente  dessa  ilha  em 
29  de  junho  desse  anno  pelo  capitão  de  estado-maior,  hoje  brigadeiro, 
o  Sr.  José  Joaquim  de  Carvalho. 

A'  ilha  davam  os  guaycurús  o  nome  de  Ocráia  Huetirah  que  no  seu 
idioma  quer  dizer,  como  adiante  veremos,  pedra  comprida. 


A's  10  1/2  da  manhã  ancorámos  no  posto  da  guarda.  Terá  a  ilha 
3  á  4  kilometros  de  perímetro. 

Entro  em  duvida  si  será  essa  a  ilha  dos  Oreyones  de  que  falia  o 
padre  Lozana,  coUocando-a  60  léguas  castelhanas  abaixo  do  lago  dos 


(a)  2 lo   21'   lat.   dá  Francisco  Rodrigu^^s  do  Prado,  antigo  commandante  de 
Coimbra,  na  sua  Historia  dos  indios  cavalleiros  de  nação  guaycurú. 

(b)  Dugraty  dá  de  altitude  ao  Pào  de  Âssucar  1850  pés  ou  1690  acima  do  nivel 
domar.  La  Republica  dei  Faraguay,  pag.  144. 


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260  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

Xarayés  (a).  Demora  1800  metros  ao  O.  do  Pão  de  Assucar.  E'  abun- 
dante de^  caças  e  peixe,  único  recurso  das  praças  do.  destacamento,  o  qual, 
então,  compunha-se  de  7  praças  do  2°  batalhão  de  artilharia  á  pé  :  seu 
commandante,  um  tenente  ou  alferes  honorário  do  exercito,  havia  fallecido 
á  5  dias. 


Apezar  de  ficar  no  caminho  por  onde  transitam  os  vapores  da  com- 
panhia, outros  particulares  e  frequentemente  alguns  de  guerra,  vive  o 
destacamento  aqui  como  n'um  degredo.  O  commandante,  enfermo  de  beri- 
béri, morrera  á  mingua  de  soccorros,  segundo  a  informação  que  nos  deram 
pessoas  de  sua  fámilia.. 

Havia  na  ilha  oito  cabanas  de  palha,  com  paredes  de  troncos  de 
carandá  (b),  tão  affastados  uns  dos  outros,  que  cães  e  porcos  passavam 
entre  elles  muito  á  commodo.  A  única  entaipada  era  a  do  commandante, 
e  também  um  pouco  maior  do  que  as  outras.  Os  soldados  fazem  pequenas 
plantações  de  milho,  mandioca,  feijão,  batatas  e  abóboras.  Não  me  recordo 
de  ahi  ter  visto  uma  só  arvore  fructifera.  O  milho  que  mais  abunda  é  o 
rôio,  de  grandes  espigas,  algumas  notáveis  por  serem  entremeiadas  de 
grãos  brancos,  vermelhos  e  amarellos,  e  outros  tão  roxos  que  parecem 
negros.  Encontrámos  na  matta  o  maracujá  negro,  passiflora  que  nos  era 
desconhecida,  pequeno  vegetal  reptante  ou  volúvel,  de  caule  armado, 
folhas  trilobadas,  villosas  e  dentadas,  acompanhadas  de  gavinhas,  stipulas 
esbranquiçadas  subuladas,  flores  róseas,  perigineas,  perispermadas  e 
gymnophoras,  com  três  bracteas  também  esbranquiçadas,  cinco  carpellas, 
calyce  de  tubo  curto  e  bastante  villoso,  pentasepalo,  quatro  estamos, 
stigma  bi-capitato,  haga  negro-avermelhado,  muito  semelhante,  quando 
madura,  na  côr  e  tamanho,  á  uma  azeitona  e  de  sabor  doce-amargo. 

(a)  Conquista  dei  Hio  de  la  Plata, 

(b)  Çopernica  cerifera. 


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Á  CIDADE  DE  MATTCKJROSSO  261 

Desde  1761  que  um  padre  anteviu  o  valor  da  posição  desta  ilha  e 
propôz  ao  capitão-general  Rolim  de  Moura  a  transferencia  para  ella  da 
aldêa  de  indios  que  doutrinava  na  freguezia  de  SanfAnna  da  Chapada. 
Esse  padre  era  o  vigário  Simão  de  Toledo  Rodovalho.  O  governador  não 
concordou  por  lhe  parecer  que  ficava  muito  longe,  podendo  causar  ciúmes 
aos  hespanhoes.  Luiz  Pinto,  porém,  não  teve  os  mesmos  escrúpulos  e 
tratou  de  ahi  fundar  um  estabelecimento,  o  que  por  falta  de  meios  ficou 
espaçado.  Luiz  de  Albuquerque  quiz  estabelecel-o  em  1775,  e  mandou 
para  isso  o  capitão  de  auxiliares  Mathias  Ribeiro  da  Costa,  que,  entre- 
tanto, preferiu  ficar  umas  quarenta  léguas  acima,  no  esirciio  de  S,  Fran- 
cisco Xav^ier,  onde,  á  margem  direita,  fundou  o  presidio  de  Xova 
Coimbra  (a). 


III 


O  nosso  vaporzinho,  cuja  machina  quasi  que  diariamente  necessita 
de   remédios,   ficou  detido  todo  resto  do  dia. 

Terça-feira,  V  de  junho,  ás  3  horas  da  manhã,  suspendeu  ancora;  ás 
2  1/4  da  tarde  passámos  uma  outra  aldêa  de  cadioéos,  que  em  numero 
superior  de  200,  entre  os  quaes  muitas  mulheres  e  meninos,  e  daquellas 
algumas  bem  interessantes  de  rosto,  e  na  maior  parte,  como  os  homens, 
de  talhes  esbeltos  e  airosos,  vieram  á  ribanceira  para  vêr-nos  passar.  Dos 
homens  alguns  estavam  vestidos  :  um  delles,  sobre  todos,  chamou-nos  as 
attenções  pela  naturalidade  com  que  trazia  a  camisa,  calças  pretas,  gra- 
vata e  chapéo,  tudo  bem  posto,  bem  arranjado  e  bem  abotoado:  a  elegân- 
cia de  um  habitue. 


(a)  Annaes  da  camará  de  Cuyabâ.  Relatório  do  presidente  Herculano  Ferreira 
Penna,  em  18^. 


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262  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

São  encantadoras  as  paysagens  que  o  rio  nos  vai  desdobrando.  O 
Pm  de  Assucar  e  seus  seis  irmãos  estão  ainda  no  horizonte  ;  á  nossa 
esquerda  já  appareceu  outro  grupo,  o  dos  Três  Irmãos^  com  o  forte 
Olympo  no  alto  de  um  delles.  Ao  longe  avista-se  a  serra  do  Napileque  no 
rumo  de  NhE. 


A's  4  da  tarde  passámos  o  forte.  São  seis  e  não  três  os  moiTOs,  mas 
somente  os  mais  elevados  mereceram  aquella  designação.  Estão  collo- 
cados  como  que  em  linha  e  separado  o  primeiro  dos  outros  por  um  braço 
estreito  do  rio.  Dão  á  esse  o  nome  de  Cerro  do  Norte. 

O  Olympo  ou  Bourbon  é  uma  antiga  fortificação  quadrangular, 
construida  em  1792  pelo  tenente-coronel  hespanhol  José  Zavala  y  Delga- 
dilla  de  ordem  de  Joaquim  Ales  y  Brú,  governador  do  Paraguay,  com  o 
intuito  de  fechar  o  rio  á  navegação  dos  portuguezes  para  Matto-Grosso  (a). 
Está  construido  no  morro  antigamente  chamado  de  Miguel  José  (b),  na 
latitude  de  21°  V  39"  e  longitude  de  Greenwich  de  57°  55'  40",  segundo 
Dugraty,  uns  65  kilometros  acima  do  Fecho  de  Morros  (c).  Dugraty  dá-lhe 
a  altitude  de  130  metros  acima  do  nivel  do  mar.  Seus  quatro  ângulos 
arredondam-se  em  mamellões,  em  cada  um  dos  quaes,  ou  pelo  menos  nos 
que  olham  o  rio  se  abrem  duas  canhoneiras. 

Está  abandonado  ha  já  alguns  annos,  e  apenas  na  guerra  paraguaya 
serviu  de  posto  e  atalaia  ás  forças  de  Solano  Lopes.  Em  1812  os  indios 
guaycurús  o  assaltaram,  fazendo  fugir  a  guarnição,  sendo  retomado  por 
uma  força  nossa   vinda  de  Corumbá,  e  reentregue  aos  hespanhoes.  Era 


(a)  Dugraty.  Ob.  cit. 

ib)  Do  nome  do  capiíào  de  ordenanças  Miguel  José  Rodrigues,  commandante 
de  Coimbra,  que  o  foi  explorar. 

(c;  Luiz  D*Alincourt  dá  nove  léguas.  Outros  dão  onze. 


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Á   CIDADE    DE    MATTO-GROSSO  2G3 

oitubro  de  1850  a  guarnição  do  Fecho  dos  Morros,  desalojada  pelos 
paraguayos,  tomou-o  por  sua  vez,  deixando-o  abandonado  dias  depois. 


A's  5  da  tarde  deixámos  á  direita  o  Rio  Branco  (a),  uns  8  á  9  kilo- 
metros  acima  do  forte.  Já  se  começam  á  avistar  as  montanhas  de  Coimbra, 
sem  que  o  Pão  de  Assucar  tenha-se  sumido  de  nossas  vistas,  o  que  de- 
monstra as  voltas  que  o  rio  dá. 

A'  esta  hora  o  céo  se  turba  e  ura  immenso  nimbus  vem  surgindo  de 
SO.  A's  6  desencadeia-se  um  rijo  pampeiro  que  ás  8  toca  o  auge  da 
furiá.  O  Corumbá  deixa  sua  marcha  de  kagado  para  voar;  deitando  sete 
milhas  aguas  acima ;  infelizmente  só  logrou  essa  felicidade  por  tempo  de 
uma  hora,  que  a  prudência  mandou-o  arribar  á  sotavento,  e  amarrar-se  á 
arvores  da  margem.  Tínhamos  chegado  á  voJta  âo  Periquito, 


IV 


Somente  ás  6  da  manhã  de  2  de  junho  pudemos  seguir  ;  ás  8  e  5 
passámos  á  direita  das  mattas  onde  vive  o  resto  dos  xamococos  :  ás  9  '^4 
passámos  em  frente  á  Bahia  Negra  (b),  antiga  Ibificaray,  o  rio  Negro 
do  capitão  Miguel  José  Rodrigues,  que  por  ahi  andou  quando  explorava  o 
rio,  é  o  primeiro  dos  nossos  pontos  de  demarcação  com  a  Bolivia  ;  as  4  da 
tarde  de  3  lográmos  chegar  ao  forte  de  Cjimbra,  que  saúda  o  presidente 
da  provincia  com  a  salva  do  estylo,  mas  não  arvora  o  pavilhão  por  ter 
apodrecido  a  driça,  como  mais  logo  soubemos. 


(a)  Aos  20»  58%  segando  Dugraty. 

(b)  Aos  20o  10'  14'*  Si.  e  58o  17»  21",  conforme  Dugraty.  Os  marcos  limitrophes 
estão:  o  brasileiro  aos  20*»  8'  33"  S.  e  14»  55*  20"  43  O.  do  Rio  de  Janeiro,  o 
boliviano  aos  2»  8'  38"  S,  e  14»  50'  22*'  38  O.,  e  o  marco  commum  no  fundo  da  bahia 
aos  19«  47'  32"  S.  e  14o  56*  45"  60.  (commissão  de  limites  de  1871,  presidida  pelo 
hoje  chefe  de  divisão,  o  Sr.  António  Cláudio  Soido. 


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264  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Foi  mandado  fundar  em  9  de  maio  de  1775  por  Luiz  de  Albu- 
querque, não  só  porque  estava  isso  nas  vistas  do  governo,  como  também 
á  instancias  do  povo  de  Cuyabá,  para  obviar  as  continuadas  depredações 
do  gentio  payaguá  e  ao  mesmo  tempo  impedir  que  os  castelhanos  se  ani- 
massem á  invadir  o  território  portuguez  (a). 

O  capitão  Mathias  Ribeiro  da  Costa,  mandado  á  escolher  logar  con- 
veniente perto  do  Fecho  de  Morros,  partiu  de  Villa  Bella  á  9  de  maio  e 
Cuyabá  á  22  de  julho,  com  15  canoas  e  cerca  de  200  homens,  entre  offi- 
ciaes,  soldados  e  operários,  com  as  armas  e  instrumentos  necessários. 
Visitando  os  logares  preferiu  fundar  o  presidio  40  léguas  acima  daquelle 
ponto,  local  onde  o  rio  mais  se  estreita  e  é  conhecido  por  Estreito  de 
S.  Francisco  Xavier^  e  logo  á  13  de  setembro,  estando  concluído  um  re- 
ducto  quadrangular,  coni  quatro  baluartes  dedicados  o  ie  Kà  S.  Gon- 
çalo, o  de  £.  á  S.  lago,  o  do  S.i  SanfAnna  e  o  de  O.  á  N.  S.  da  Con- 
ceição, saudou-se  pela  primeira  vez  o  pavilhão  real  no  Eeal  Presidio  de 
Nova  Coimbra  (b). 

Entre  os  ofiBciaes  que  acompanhavam  Mathias  iam  o  capitão  de 
ordenanças  Miguel  José  Rodrigues  e  o  ajudante  Francisco  Rodrigues  do 
Prado,  como  seus  coadjuvantes.  Terminada  a  construcçáo  Mathias  reti- 
rou-se,  sendo  substituido  no  commando  pelo  major,  também  de  auxi- 
liares, Marcellino  Rodrigues  de  Campos,  que  tomou  possa  em  dezembro 
do  mesmo  anno.  A'  este  substituiu  interinamente  um  cadete  de  dragões, 
sendo  o  commandante  nomeado  o  major  Joaquim  José  Ferreira.  Em  1795 
commandava-o  o  ajudante  Prado,  á  quem  devemos  minuciosos  pormenores 
na  sua  Historia  dos  indios  cavalleiros  de  nação  guaycurú,  publicada  na 
Revista   do  Instituto  Histórico  de  1839.  Dous  annos  depois  de  fundado, 


^a)  Barbosa  de  ^k— Relação  dos  povoados,  eto.  Ainda  em  maio  de  1775  muitas 
canoas  desses  indios  tinham  subido  aU  Villa  Maria,  matando  e  capturando  muita 
gente.  Pizarro  — i/ôm.,  tomo  9. 

(bj  Participação  official  do  capitão  Mathias,  da  mesma  data. 


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i  CIDADE      MATTO-GROSSO  265 

um  violento  incêndio  destruiu  todos  os  seus  quartéis  e  ranchai-ias,  sal- 
vando-se  felizmente  o  paiol  da  pólvora;  e,  em  6  de  Janeiro  de  1791,  os 
guaycurús,  contra  quem  principalmente  se  tinha  estabelecido  o  forte,  mas 
que  já  ha  tempos  se  davam  como  amigos,  tendo  ahi  vindo  como  á  negocio, 
mataram  traiçoeiramente  54  pessoas  da  guarnição,  que,  descuidosas,  se 
confiaram  por  demais  nelles. 


O  reducto  foi  depois  reformado  pelo  tenente-coronel  de  engenheiros 
Bicardo  Franco  de  Almeida  Serra,  e  mais  tarde  pelo  brigadeiro  António 
José  Rodrigues.  Era  de  figura  irregular,  com  duas  baterias  e  dez  canho- 
neiras que  cruzavam  fogos  sobre  o  rio,  e  dous  baluartes  de  muros  assetei- 
rados,  bem  como  as  cortinas  que  os  reúnem  ás  baterias.  Só  estas  eram 
construidas  no  plano  horizontal :  as  cortinas  fechavam  a  fortificação  su- 
bindo a  encosta  da  montanha,  pelo  que  ficava  á  descoberto  todo  o  interior 

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266  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

do  forte,  que  ainda  tem  á  cavalleiro  o  cume  da  montanha  e  o  Morro 
Grande  na  margem  fronteira.  Temendo  assalto  por  terra,  fecharam  os 
antigos  uma  garganta  entre  os  dous  cabeços  da  montanha^  na  sua  face 
de  SO.,  com  uma  extensa  cortina.  Ahi,  quando  o  chefe  de  esquadra 
Pedro  Ferreira  de  Oliveira  foi  em  missão  ao  Paraguay,  estabeleceu  o  pre- 
sidente Leverger  o  seu  quartel-general,  em  vistas  de  melhor  fortificar  o 
rio,  e  mandou  aquartelar  os  imperiaes  marinheiros  no  Morro  Grande. 
Ultimamente,  depois  da  guerra  do  Paraguay,  foi  reconstruido  pelo 
Sr.  tenente-eoronel  Dr.  Joaquim  da  Gama  Lobo  d'Eça.  Eleva-se  á  quasi 
14  metros  sobre  o  nivel  regular  das  aguas. 


E'  a  chave  da  navegação  brasileira  do  rio  Paraguay ;  e  é  notável 
nos  nossos  fastos  militares  pelos  dous  assédios  que  sustentou  em  setembro 
de  1801  e  dezembro  de  18G4;aquelle  contra  os  hespanhoes,  command^dos 
pelo  general  D.  Lazaro  de  Ribera,  governador  do  Paraguay,  que  o  atacou 
com  cinco  goletas  e  20  canoas  de  guerra  com  600  combatentes ;  e  este, 
contra  os  paraguayos,  coramandados  por  Vicente  Barrlos,  cunhado  de  Fran- 
cisco Solano  Lopez. 

São  tão  memoráveis  estes  feitos,  que  é  dever  de  queniquer  que 
delles  trate  recordar  a  nobre  e  digna  resposta  dos  seus  defensores  ás  arro- 
gâncias dos  aggressores. 

Em  1801  commandava  Coimbra  o  já  tão  benemérito  Ricardo  Franco, 
que  ás  suas  glorias  de  sábio  e  infatigável  engenheiro  soube  ainda  ajuntar 
as  do  heroísmo  na  guerra.  Seus  commandados,  apenas  em  numero  de  42, 
estavam  na  razão  de  1  para  15  assaltantes.  Inesperadamente,  á  16  de  se- 
tembro, apresenta-se  á  vista  de  Coimbra  a  frota  hespanhola,  e,  apezar  do 
fogo  de  artilharia  do  forte,  operou  o  desembarque,  mandando  no  dia  se- 


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i  CIDADE  DE  MATTO-GEOSSO  267 

guinte  o  general  um  parlamentario   á  Ricardo  Franco,  com  a  arrogante 
intimação  de  capitular,   dentro  do  prazo  de  uma  hora.  O  commandante 
que,  entretanto,  não  estava  bem  precavido  para  o  assalto,  respondeu-lhe, 
como  era  de  esperar  de  um  varão  do  seu  esforço. 
Eis  a  intimação  e  a  resposta : 

«  A'  bordo  de  la  goleta  Nmstra  Senora  dei  Cármen,  17  setiembre 
1801. 

«  Ayer  á  la  tarde  tube  el  honor^de  contestar  el  fuego  que  V.  S.  hiso 
de  ese  fuerte ;  y  habiendo  reconocido  que  las  fuerzas  con  que  voy  imedia- 
tamente á  atacarlo  son  mui  superiores  á  las  de  Y.  S.,  no  puedo  menos  de 
vaticinarle  el  ultimo  infortúnio  ;  pêro,  como  los  vassalos  de  S.  M.  Cató- 
lica saben  respeitar  las  leyes  de  la  humanidad,  aún  en  médio  de  la  guerra, 
portanto  pido  á  V.  S.  se  rinda  á  las  armas  dei  rey  mi  amo,  pues  de  lo 
contrario,  á  caiion  y  á  espada,  decidirá  de  la  suerte  de  Coimbra,  sufriendo 
su  desgraciada  guamicion  toda  las  extremidades  de  la  guerra,  de  cuyos 
estragos  se  verá  libre  V.  S.  se  conveniere  con  mi  propuesta,  contestan- 
dorae  categoricamente  esta  en  el  termino  de  una  hora. —  D.  Lazaro  de 
Hibera.  » 


«  Forte  de  Coimbra,  17  de  setembro  do  1801. 

«  Tenho  a  honra  de  responder  a  V.  Ex.,  cathegoricamente,  que  a 
desigualdade  de  forças  foi  sempre  um  elemento  que  muito  animou  os 
portuguezes  á  não  desamparar  o  seu  posto  e  defendel-o  até  á  ultima  extre- 
midade,  á  repellir  o  inimigo  e  sepultar-se  debaixo  das  ruinas  do  forte 
que  lhes  foi  confiado.  Nesta  resolução  está  toda  a  gente  deste  presidio, 
que  tem  a  distincta  honra  de  ver  em  frente  a  excelsa  pessoa  de  V.  Ex., 
á  quem  Deus  guarde. — Ricardo  Franco  de  Almeida  Serra.  » 


D.  Lazaro  tentou  ainda  a  tomada  da  fortaleza  por  tempo  de  oito 
dias;  mas  no  nono  desistiu  do  intento,  abandonou  a  empreza  e  voltou 
á  Assumpção. 


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268  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

A  segunda  foi  o  ataque  de  27  de  dezembro  de  1864.  Ao  romper  do 
dia  as  sentinellas  do  forte  descobriram,  também  inesperadamente,  uma 
esquadra,  fundeada  uma  légua  abaixo.  Eram  cinco  vapores,  três  navios 
de  vela  e  duas  chatas.  Compunha-se  a  força  de  ataque  dos  batalhões  6,  7, 
10,  27  e  30  de  infantaria,  duas  baterias  de  artilharia  com  12  canhões 
raiados,  uma  bateria  de  foguetes  de  guerra  e  dous  regimentos  de  cavaUaria 
desmontados  (a).  A  esquadrilha  era  composta  dos  vapores  Tacuary,  Para- 
guary^Igurey^  Bio-Blanco  e/pocíí,  escunas  Independência  ^Aquidahan^ 
palhabote  Rosário  e  chatas-lanchões  Cerro  Leon  e  Humaifd,  artilhados 
todos  com  36  canhões.  Commandava  em  chefe  o  coronel  Vicente  Barrios. 

A  guarnição  do  forte  compunha-se  de  155  praças  do  corpo  de  arti- 
lharia da  província,  as  quaes  foram  distribuídas  do  seguinte  modo :  guar- 
nição das  cinco  únicas  bocas  de  fogo  de  que  se  podia  utilisar,  35 ; 
guarnição  das  cortinas,  40  ;  e  das  setteiras  da  2*  bateria,  80;  e  mais 
10  Índios  cadioéos  com  seu  cacique  Lixagates.  Commandava  o  forte  o 
Sr.  tenente-coronel  Hermenegildo  de  Albuquerque  Porto  Carrero,  chefe 
daquelle  corpo  de  artilharia. 

A's  8  1/2  da  manhã,  Barrios  mandou  um  parlamentario,  com  a 
intimação  para  render-se  o  forte,  também  no  prazo  de  uma  hora.  A  res- 
posta do  Sr.  Porto  Carrero  foi  em  tudo  digna  de  si  e  do  heróico  renome 
e  reminicencias  gloriosas  do  forte  que  commandava. 

Eil-as : 

«  Viva  la  Republica  dei  Paraguay.  A'  bordo  dei  vapor  de  guerra 
paraguayo  Igurey^  el  27  deciembre  1864. 

((  El  coronel  comandante  de  la  division  de  operaciones  en  el  Alto- 
Paraguay,  en  virtud  de  ordenes  expresas  de  su  gobierno,  ven  á  tomar 
posesion  dei  fuerte  bajo  su  comando ;  y  queriendo  dar  una  prueba  de 


(a)  Depoimento  do  general  paraguayo  Resquin,  em  20  de  Março  de  1870. 


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i  CIDADE  DE    MATTO-QROSSO  269 

moderacion  y  humanidad,  intima  a  Yd.  para  que  dentro  de  una  hora  se 
lo  entregue,  pues  en  contrario,  espirado  ese  plaso,  pasará  â  tomarlo  â  viva 
fuerza,  quedando-se  la  guamicion  sujeta  á  las  leyes  dei  caso.  Mientras 
espero  su  contestacion,  es  de  Vd.  attento  servidor. —  Vicente  Barrias. 
«  Al  seiior  comandante  dei  fuerte  de  Coimbra.  » 

«  Districto  militar  do  Baixo-Paraguay,  no  forte  de  Coimbra,  27 
de  dezembro  de  1864. 

<c  O  tenente-coronel  commandante  deste  districto  militar,  abaixo- 
assignado,  respondendo  á  nota  enviada  pelo  Sr.  coronel  Vicente  Barrios, 
conunandante  da  divisão  de  operações  do  Alto-Paraguay,  recebida  ás  8  1/2 
da  manhã,  na  qual  lhe  declara  que,  em  virtude  de  ordens  expressas  de  seu 
governo,  vem  occupar  esta  fortaleza ;  e  que,  querendo  dar  uma  prova  de 
moderação  e  humanidade,  o  intima  para  que  se  entregue  dentro  do  prazo 
de  uma  hora,  e  que,  caso  o  não  faça,  passará  á  tomal-a  á  viva  força,  ficando 
a  sua  guarnição  sujeita  ás  leis  do  caso ; —  tem  a  honra  de  declarar  que, 
segundo  os  regulamentos  e  ordens  que  regem  o  exercito  brasileiro,  á  não 
ser  por  ordem  da  autoridade  superior,  á  quem  transmitte  neste  momento 
cópia  da  nota  á  que  responde,  só  pela  sorte  e  honra  das  armas  a  entre- 
gará ;  assegiirando  á  S.  S.  que  os  mesmos  sentimentos  de  moderação,  que 
S.  S.  nutre,  também  nutre  o  abaixo-assignado. 

d  Pelo  que  o  mesmo  commandante,  abaixo-assignado,  fica  aguardando 
as  deliberações  de  S.  S.,  á  quem  Deus  guarde. —  Hermenegildo  de  Albur 
querque  Parto  CarrerOy  tenente-coronel. — Ao  Sr.  coronel  Vicente  Barrios, 
commandante  da  divisão  em  operações  no  alto  do  Paraguay.  » 

A'8  9  72  começou  o  inimigo  o  desembarque  de  suas  tropas,  e  pelas  2 
da  tarde  começou  o  ataque,  com  uma  força  de  3.000  homens  de  infantaria, 
secundada  pelo  fogo  das  baterias  raiadas  e  de  quatro  canhões  de  32  nas 
chatas,  que  vieram  collocar-se  em  posição  &voravel  á  bater  o  forte. 


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270  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

Mais  ainda  que  o  de  1801  foi  traiçoeiro  e  inopinado  este  ataque, 
levados  ambos  sem  declaração  prévia  de  guerra,  no  meio  de  plena  e 
longa  paz. 

O  forte,  carecendo  de  todo  o  meio  de  defesa,  sustentou  o  fogo  por  48 
horas,  até  que  exhausto  completamente  de  munições  foi  abandonado  pela 
guarnição,  que  partiu  sem  ser  presentida  pelo  inimigo ;  facto  incrível  pela 
posição  toda  descoberta  da  fortificação,  e  só  explicada  pela  imperícia  dos 
assaltantes,  os  quaes,  suppondo  ser  uma  sortida  e  receiando  um  ataque, 
só  tarde  comprehenderam  o  seu  engano ;  e  ainda  assim  não  souberam  ou 
não  se  animaram  á  perseguil-a. 

Quando  passámos,  commaudava  o  forte  o  Sr.  major  Francisco 
Nunes  da  Cunha,  então  encarregado  de  continuar  as  obras  da  fortificação 
de  modo  á  oppôr  mais  eSicaz  defesa  em  novas  eventualidades. 


Korta-l«i5a,  de  A.i>h.oteTnerim,  vista  do  lado  do  terra. 


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CAPITULO  m 

A  groU  do  infeno 


EMORA  O  forte  de 
Coimbra  aos  19" 
55'  de  latitude  á 
margem  direita  do 
Paraguay. 

O  rio,  cujas 
margens,  princi- 
esquerda,  não  en- 
le  muitas  léguas 
suas  transborda- 
qui  apertado  en- 
)Qnhas,que  todavia 
5m  de,  nas  gran- 
1-as  e  envolvel-as, 
ilhas. 

nede  quatrocentos 
,  no  leito  natural 
ncisco  Xavier  dos 
a  dos  actuaes  na- 


A  montanha  da  margem  direita  mostra-se,  á  quem  sobe  o  rio,  com  a 
configuração  de  uma  enorme  balêa.  Será  talvez  de  três  kilometros  a  sua 
extensão,  n'uma  potencia  de  duzentos  á  trezentos  metros.  E'  na  sua  ponta 
de  NO.  que  apparece  o  forte  tão  celebrado    nos  nossos  fastos  militares 


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272  ITINERABIO  DA  CORTE 

pelas  heróicas  defesas — de  Ricardo  Franco,  em  1801,  e  do  Sr.  Porto 
Carrero,  em  1864. 

Projecta-se  elle  sobre  a  encosta  da  montanha,  dando  por  sua  vez  se- 
melhanças com  esses  castellinhos  de  metal  que  os  nossos  engenheiros 
nzani  como  distinctivos  nos  seus  uniformes  militares.  Essa  montanha, 
como  a  mor  parte  das  de  heira  Paragua)%  parece  formada  de  gneiss  e  cal- 
careo  compacto,  abundante  em  leptinitos,  e  coberta  e  orlada  de  blocos 
angulares,  provenientes  da  desaggregação  dos  nagelfhehs  ou  conglome- 
ratos. 

Nas  obras,  que  ultimamente  se  fizeram  no  forte,  ao  arrebentar-se  a 
pedra,  encontraram-se  abundantes  veios  de  dendrites,das  mais  lindas  paisa- 
gens, pintadas  ora  por  effeito  de  infiltrações,  ora  do  sublimamento  do  per- 
oxydo  de  manganez. 


Cerca  de  dous  kilometros  acima  do  forte  ficam  as  celebradas  caver- 
nas de  que  muitos  viajantes  tém  fallado,  mais  ou  menos  satisfactoria- 
mente; — o  que  não  obsta  que  cada  novo  visitante  goste  de  narrar  por  sua 
vez  as  sorpresas  e  emoções  por  que  passou  e  anime-se  á  buscar  descrê vêl-a. 

Desembarcámos  no  ponto  pouco  mais  ou  menos  mais  próximo  á 
gruta,  em  sitio  que  revelava  a— porto — n'um  claro  aberto  entre  os  arbus- 
tos ribeirinhos,  sarans^  como  chamamJhes  os  naturaes,  e  um  trilho  que 
dahi  partia  serpeiando  no  macegal. 

Até  o  flanco  da  montanha  é  o  terreno  uma  baixada  sujeita  ás  inun- 
dações. .  Dahi  ao  rio  mediarão  uns  quatrocentos  metros  na  largura  do 
terreno.  Qramineas  e  cyperaceas,  e  uma  malvacea  dos  terrenos  palustres, 
o  algodão  do  campoj  formam-lhe  o  tapete  botânico ;  sombreiam-lhe  a 
margem  ingaseiros  e  sarans  de  diíTerentes  typos  e  famílias :  na  montanha, 
desde  o  sopé,  já  vão  apparecendo  as  bauhinias,  tão  encontradiças  no  nosso 


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    CIDADE   DE   MAITÍKIROSSO  273 

solo,  ora  arborescentes  e  vivendo  em  plena  independência,  ora  crescendo 
e  enroscando-se  em  moutas,  no  chão,  ora  enredando  os  madeiros  dessa  ex- 
plendida  vegetação  dos  trópicos,  já  tão  minha  conhecida,  e  entretanto 
sempre  nova  pelo  grande  numero  de  vegetaes  diferentes  dos  das  floras  de 
outros  lugares.  Ahi  ensinaram-me  pela  primeira  vez  a  crenâiuba^  o  cas- 
eusdinho^  o  capotão,  o  gtiatamiúj  preciosa  madeira  de  lei  do  mais  for- 
moso amarello ;  a  umburana ,  notável  arvore  de  grosso  tronco,  tão  verde  e 
tão  brando  como  a  haste  das  pitas,  e  cujo  epiderma  se  desprende  em  folhe- 
tas ténues  e  coriaceas;  e  o  preciosissimo  guáyaco  oupáu  sanio^  de  deli- 
cioso aroma  e  gratissimas  virtudes.  Ahi  chamou-me  a  attençáo,  pelo 
deslumbrante  da  coloração  escarlate  e  por  um  tamanho  triplo  do  commum, 
uma  formosa  clytoria  e  essa  outra  curiosa  borboletacea  que  serviu  de  typo 
ao  Affonséas  de  A.  de  S.  Hilaire. 

As  arvores  da  baixada  e  as  do  começo  da  escarpa  do  monte  serviam 
de  metro  ás  enchentes  do  rio,  marcando  a  altura  à  que  tinham  chegado 
as  aguas  com  as  limosas  cintas  nos  troncos,  ou  os  hydrophytos  que  fica- 
ram suspensos  nos  galhos  e  que  agora  se  viam  já  seccos. 


Vae  a  subida  do  morro  por  uma  boa  centena  de  metros. 

A  entrada  da  gruta  fíca-lhe  á  mais  de  meia  altura.  E'  uma  fenda 
que  bem  pôde  passar  por  portão,  com  os  seus  dous  metros  de  alto  e  quasi 
outro  tanto  de  largura.  Declare-se,  desde  já,  que  as  medidas  aqui  indica- 
das são  todas  de  mera  estimativa. 

Assombra  essa  entrada  uma  enorme  gamelleira  secular,  cujas  im- 
mensas  raizes,  grossas  como  troncos  de  palmeiras,  penetram  no  interior  da 
caverna  até  os  seus  últimos  recessos. 

Nessa  entrada  descem-se  duas  lages  irregulares  dispostas  em  degraus, 

e  encontra-se  escavado  na  rocha  um  pequeno  espaço  de  quatro  á  cinco 

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274  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

metros  sobre  dons  á  três  de  largo,  trancado  de  penedos,  tendo  um  outro, 
enorme,  por  tecto,  e  deixando,  entre  aquelles,  duas  aberturas  que  dão  des- 
cida á  gruta.  Dizem  que  a  da  esquerda  é  a  maior  e  de  mais  fácil  des. 
censo;  todavia  é  elle  alguma  cousa  difficil,  sendo  necessário  fazel-o  de 
gatinhas,  ajundando-se  ora  das  asperezas  dos  blocos  soltos  e  amontoados 
uns  sobre  os  outros,  formando  ás  vezes  altos  degraus,  ora  das  raizes  que 
os  irrompem. 

E' uma  escadaria  de  mais  de  trinta  metros  de  altura,  isolada  das 
outras  paredes  lateraes  da  gruta,  e  deixando  entrever,  principalmente  á 
esquerda,  precipicios,  cujo  fundo  a  vista  não  devassa. 

Descida  essa  escada  gigante,  chega-se  á  uma  escura  esplanada,  cuja 
conformação  e  limites  não  me. foi  possivel  averiguar;  e  donde,  olhando-se 
para  cima,  vê-se,  no  meio  dessa  escuridão  que  nos  cerca,  a  i)orta,  clara  com 
a  luz  do  dia,  deixando  coar  uma  facha  de  luz  brilhante,  que  empresta  á 
essa  parte  da  caverna  um  encanto  indizivel. 

A  escuridão  aqui  á  meio,  alija  é  tão  completa  que  os  olhos  custam 
á  acostumar-se  á  ella;  nos  outros  pontos  tão  cerrada  e  profunda,  que  nada 
se  distingue. 


Accendidos  os  lampeões  e  archotes  de  que  dispúnhamos,  mais  estu- 
penda nos  foi  a  visão. 

A'  luz  avermelhada  das  tochas  admirámos  a  extranha  magnificência 
do  labor  da  natureza :  aqui  eram  columnadas  de  stalactites,  torcidas 
como  enormes  alfenins,  que  desciam  de  altura  que  os  olhos  não  divisa- 
vam, parecendo  sustentar  um  tecto  invisível ;  eram  stalagmites  que,  no 
chão,  semelhavam  maravilhosamente  rendas,  brocados,  coxins,  sob  mil 
formas  sorprendentes.  Aos  lados,  a  ténue  penumbra  deixava  entrever  ca- 
prichosas formações,  ora  engastando  os  penedos  soltos,   ora  soerguendo-se 


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Á   CIDADE  DE  MATTCHJKOSSO  275 

d 'entre  elles  em  phantastícas  volutas,  ora  entretecendo-se  umas  comas 
outras;  além,tíu)  compacta  a  escuridão,  que  nada  era  possivel  distinguir-se. 
No  alto,  via-se  a  porta,  como  um  pedaço  de  céo,  dando  um  suave  contenta- 
mento aos  olhos  e  coração,  e  permittindo  perceber  pendentes  do  tecto,  como 
filigranas  enormes,  as  tão  caprichosas  concreções  :  no  chào,  ora  pedregoso, 
ora  de  finíssima  areia  branca,  poças  de  agua  salobra  eminentemente  carre- 


gada de  carbonato  calcareo,  essa  mesma  agua  que,  merejando  das  abo- 
badas, tinha  sido  a  productora  de  tão  notáveis  maravilhas,  dissolvendo  as 
terras,  decompondo-se  ao  c  )ntacto  do  ar  e  perdendo  parte  do  acido  carbo- 


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276  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

nico  que  a  satura ;  espessando-se  pouco  á  pouco,  ficando  suspensa  ás  abo- 
badas ou  cahindo  em  grossas  gottas  cheias  daquelle  sal,  as  quaes,  gradual- 
mente se  solidificando  e  se  juxtapondo,  vào  pari-passu  crescendo  e  en- 
grossando de  volume,  graças  á  nova  lympha  que  incessantemente  sobre 
ellas  desce  e  ás  novas  gottas  que  alii  crystallisam. 


Descemos  uns  quarenta  companheiros ;  e  os  primeiros  que  baixámos 
gozámos,  ainda,  de  um  agradável  espectáculo  que  não  loi  dado  á  lodos 
fruir.  Era  curioso  e  importante  ver,  á  ténue  luz  dessa  penumbra,  os  retar- 
datários agarrados  ás  asperezas  das  roclias  com  uma  mào,  emquanto  na 
outra  sustinham  a  lanterna  ou  o  archote  ainda  apagados,  descçiuh»  a 
escalaria,  pondo  em  pratica  todas  a^  leis  do  equilibrio  para  não  se  des- 
l>enharem  nos  abysmos,  cujas  enormes  goellas  viam  negras  c  medonhas, 
escancaradas  á  direita  e  á  esquerda. 

Como  já  o  disse,  pequenas  poças  d'agua  salitrada,  rasas  e  de  fina 
c  branca  areia,  apparecem  aqui  e  ali,  entre  o  pedegral  que  assoalha  o  ter- 
rapleno. N'uma  dessas  poças  encontrámos  um  craneo  de  jacaré,  já  muito 
antigo  e  gasto  pela  acção  das  aguas  ;  talvez  o  de  algum  descendente  do 
que  o  ajudante  de  Coimbra,  F.  Rodrigues  do  Prado,  aqui  encontrou  ha  oi- 
tenta annos,  já  com  um  braç^  de  menos,  que  alguma  onça  lhe  roubara. 

Contornando  para  a  esquerda  as  pedras  da  descida,  e  olhando-se 
para  cima,  vê-se  a  avantajada  altura  do  precipicio  que  ladeia  a  escadaria, 
e  que  começa  com  ella,  desde  a  porta. 

Nesse  primeiro  piso,  que  é  a  ante-sala  de  tão  maravilhosa  estancia, 
ha  varias  sabidas  para  outras  tantas  cavernas,  que  supponho  pequeninas 
e  sem  interesse,  visto  que  não  tem  sido  praticadas.  Os  guias  o  práticos 
do  local  que  conduzem  os  visitantes,  encaminham-os  logo  para  a  grande 


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Á   CIDADE   DE   MArrO-GROSSf)  277 

caverna,  que  denominam  salão  e  nenhuma  noticia  dáo  sobre  ellas ;  entre- 
tanto nào  é  por  medo,  visto  que  tém-se  animado  á  maiores  commetti- 
nientos,  como  o  da  passagem  de  uma  estreita  e  c-omprida  galeria,  mais 
soterrada  que  as  outras  cavernas,  com  as  quaes  estabelece  a  coramunicayào, 
escuríssima  c  completamente  alagada  e  quasi  sem  ar,  o  que  impede-llie 
o  uso  da  luz  artificial.  Si  fosse  o  perigo  a  causa  de  não  serem  visitadas, 
si  acabassem  em  precipicios  e  abysmos,  disso  restaria  memoria,  a  tradi- 
ção. Um  dos  nossos  companheiros,  o  Sr.  pharmaceutico  Mello  e  Oliveira, 
penetrou  alguns  passos  n'um  desses  escurissimos  antros,  que  ficava  quasi 
fronteiro  á  descida ;  mas  não  se  aventurou  além. 

Formam  as  paredes  das  diferentes  grutas  vaíitas  concre^Vs  slalac- 
tiforraes  manifestadas  sob  formas  as  mais  curiosas.  Aqui  e  ali  caliem  em 
pannos  como  formosas  cascatas,  que  a  natureza  tivesse  petrificado,  ou 
e<)mo  acinzentadas  cortinas,  com  as  suas  dobras,  os  seus  fofos  e  apa- 
nhados, cobrindo  em  parte  as  falhas  do  rochedo — que  são  as  portas  que 
communicam  as  differentes  gi*utas,  ou  melhor  salas. 

Não  phantasio,  nem  se  julgue  que  minhas  comj^arayões  sejam  filhas 
da  imaginação  ajoviada  pelas  maravilhas  que  vê:  são  verdadeiros  simu- 
lacros de  cascatas,  são  cortinas,  columnas,  coxins  e  rendilhados  esses 
processos  calcareos.  Causam  admiração  e  prazer  vêl-os ;  e  vendo-os,  o  es- 
pirito é  obrigado  ao  recolhimento  e  á  reflexão.  Está-se  n'uma  dessas 
occasiões  em  que,  na  phrase  de  Hugo,  qualquer  que  seja  a  posição  do  ho- 
mem, a  alma  está  de  joelhos. 


Transposta  uma  dessas  cortinas,  á  direita,  e  si  me  nào  engano,  a  que 
recobre  a  porta  maior,  entra-se  n'uma  escavação  atulhada  de  penedos 
irregulares,  pjst^js  á  nu  pela  desag^regaçX)  e  dissolução  das  terra«,  e  em 


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278  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

seguida  no  salão,  o  salão  nobre  desse  estupendo  palácio,  que,  sem  duTida 
alguma,  é  um  espécimen  de  tudo  o  que  ha  de  mais  bizarro  e  caprichoso 
nas  maravilhas  da  natureza. 

Apezar  dos  innumeros  fogachos  que  levávamos,  não  se  podia  descor- 
tinar tudo  á  satisfação;  accendeu-se  uma  tigelinha  de  signaes,  única  que 
trazíamos,  cuja  luz  brilhantíssima  patenteou-nos,  sob  novos  prismas,  esse 
quadro  aí-sombri.so. 

O  clarão  das  luzes  dava  um  tom  irisado  indescriptivel  á  atmosphera 
da  gruta,  variando  desde  o  deslumbrante  escarlate  do  fogo  até  o  violete 
e  o  azul-marinho.  Parecia  que  nas  paredes  tremeluziam  constellações  de 
rutilantes  gemmas.  Myriadas  de  estrellas  de  cambiante  fulgor  cabiam  em 
chuva  de  fogo,  reproduzindo  de  uma  maneira  fascinante  e  em  maravilhosa 
escala  esse  phenomeno  celeste,  tão  commum  nas  nossas  noites  de  verão, 
das  estrellas  cadentes ; — ou  antes,  parecia  que  invisíveis  fadas  abriam 
inesgotáveis  escrínios  e  despejavam  á  nossos  pés  diamantes,  rubis,  saphi- 
ras,  esmeraldas.  Tudo  brilhava ...  e  ainda  as  poças  e  veios  d'agua  que 
tínhamos  aos  pés,  e  humectavam  as  pedras  do  chão,  reproduziam  e  estrel- 
lavam  os  mil  fulgores  que  enchiam  os  ares. 

A'  princípio,  deslumbrado  com  o  brilho  da  luz  da  tigelinha,  não 
pude  fazer  uma  idéa  perfeita  do  que  se  apresentava  á  meus  olhos,  e  so- 
mente, quando  cjlloquei-a  longe  de  mim,  ao  ouvir  as  estrepitosas  excla- 
mações dos  companheiros,  é  que  pude  melhor  apreciar  o  espectáculo 
sobrenatural  e  indizivel  que  apresentava  esse  palácio  de  fadas.  Mas  sua 
duração  foi  pouca  para  satisfazer  meus  desejos:  quando  apagou-se  ainda 
era  brilhante  e  explendida  a  caverna,  alumiada  á  luz  de  tantos  archotes ; 
mas,  o  deslumbramento  e  o  fulgor  de  sua  fascinadora  magnificência 
tinham-se  amortecido  de  muito. 


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k   CIDADE   DB   MATT0-GR0S80  270 

A  raór  parte  dos  companheiros  deu-se  por  satisfeita  e  voltou  ;  en  e 
outro,  o  Sr.  João  Cândido  de  Faria,  negociante  do  Rio  Grande  do  Sul, 
seguindo  dous  soldados  do  forte  que  quizeram  servir-nos  de  guias,  aventu- 
rámo-nos  á  percorrer  outras  dependências  da  magestosa  caverna. 

Passámos  á  terceira  sala,  ora  subindo,  ora  descendo  as  asperezas  de 
uma  espécie  de  muralha  de  rochedos,  de  uns  três  m^^tros  de  alto.  Era  a 
sala  por  demais  irregular  e  atravancada  de  penedos  que  occultavam  soca- 
voes  lobregos,  escuros  e  talvez  profundos,  e  que  não  pudemos  vantajosa- 
mente apreciar  por  dispormos  de  poucas  luzes. 

Ahi,  entre  aquella  muralha  e  um  grande  bloco  isolado,  á  direita,  tem 
começo  a  galeria  de  que  acima  fallei,  verdadeiro  tumwl  que  liga  essa  ^ala 
com  outras  da  direita,  isto  é,  o  primeiro  grupo  de  cavernas  e  o  menos 
conhecido,  com  o  segundo  e  quasi  geralmente  ignorado. 

Tínhamos  vindo  bem  accondicionados  para  o  frio,  que  diziam  ser 
excessivo  na  gruta :  achámos  o  contrario  e  estávamos  em  junho.  Tirámo«í 
as  roupas  pesadas,  e  eu  conservei  o  collete,  não  só  para  conduzir  o  relógio, 
como  para  não  me  desagazalhar  muito  o  thorax. 

Entrámos  no  tunnel,  que  ahi  seria  de  uns  dous  metros  de  alto  e 
mais  de  cem  de  largo,  e  logo  reconhecemos  que  seu  leito  baixava  em  rela- 
ção ao  solo  das  outras  cavernas.  A  agua,  que  ahi  não  chegava  ao  terço 
inferior  da  perna,  em  pouco  subiu  ao  joelhos,  e  á  cada  passo  que  dávamos 
ia-se  elevando  ate  chegar  á  cintura,  pelo  que  vi-me  na  necessidade  de  ir 
suspendendo  e  dobrando  o  collete  para  evitar  que  o  relógio  se  molhasse. 
Não  tinha  previsto  essa  emergência...  e  veiu-me  então  um  tal  ou  qual 
arrependimento  de,  pelo  menos,  não  ter-me  também  livrado  daquella  peça 
do  traje.  Comtudo  essa  inadvertência  foi-me  de  proveito. 

Após  alguns  passos,  já  caminhávamos  curvados  para  não  batermos 
c(mi  as  cabeças  nas  asperezas  da  parede  superior  do  tunnel,  tanto  ia  este 


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28o  ITINERÁRIO    l*A  CORTE 

baixando  na  altura  ao  tempo  que  a  agua  continuava  a  subir.  Comprehendi 
que  o  tunnel  ia  soterra ndo-se  cada  vez  mais;  occorreu-me  retroceder,  mas 
pôde  mais  em  mim  a  curiosidade  de  continuar  essa  maravilhosa  viagem 
e  de  conhecer  esses  segredos  do  que  o  receio  de  perder  o  relógio. 

A  passagem  tornava-se  cada  vez  mais  difficil,  abaixando-se  mais  e 
mais  na  altura ;  mas  agora  a  agua  decrescia  também,  o  que  notei  com 
espanto  e  muita  satisfação  ;  diminuindo  tanto,  que  occasiào  houve  de  só 
podennos  caminhar  de  rastros,  e  ainda  assim  batendo  á  cada  passo  com 
a  cabeça  nas  asperezas  da  abobada ;  e  entretanto  logrei  a  íelicidade  de 
(H)nservar  illeso  o  relógio.  Sem  duvida,  agora  o  solo  do  tunnel  se  elevava 
também  e  era  o  que  fazia  a  angustura  do  passo. 

Graças  áquelle  incidente,  pude  facilmente  estabelecer  essas  compa- 
rações de  profundidade,  altura  e  horizontalidade  da  galeria ;  mas  infeliz- 
mente não  me  é  dado  rigorisar  a  sua  extensão  nem  a  direcção  que  segue. 

Para  attender  á  primeira  faltou-me  a  isempção  de  animo,  pela  anciã 
e  mesmo  susto,  difficil  de  evitar  á  quem  por  ahi  passa,  e  mormente  pela 
primeira  vez,  como  eu ;  para  a  segunda  fôra-me  necessário  um  bússola. 
Será,  porém,  de  uns  trinta  metros  e  segue  quasi  n'uma  linha  angular. 
A'  meio,  mais  ou  menos,  do  seu  percurso  avistam-se  as  duas  aberturas,  de 
entrada  e  de  sabida,  brancas  de  uma  luz  crepuscular,  mas  ainda  assim 
liastante  sensivel  na  espessa  escuridão  do  tunnel. 

Desse  trajecto  não  é  difficil  a  primeira  metade,  e  faz-se  parte  delle 
ainda  á  luz  amortecida  dos  archotes,  amortecida  pela  deficiência  do  ar 
respirável ;  a  segunda,  porém,  é  tão  custosa,  que  somente  a  vista  do  claro 
da  sabida  poderia  influir  á  percorrerem-a  todo  e  não  voltarem  atraz  os 
primeiros  e  intrépidos  visitantes. 

Termina  em  uma  grande  sala  tão  baixa,  nos  seus  trez  á  quatro 
metros  de  altura,  que,  com  a  lobrega  luz  que  ahi  reina,  divisa-se  sufficien- 
temente  o  abobodado  calcareo  do  tecto,  cheio  de  pequenas  e  finas  stalac- 


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Á   CIDADE    DE   MATTO-GKOSSO  281 

tites  de  moderna  formação,  que  já  vão  apparecendo  entre  os  restos  infor- 
mes das  antigas,  devastadas. 

£*  que,  sendo  raros  os  curiosos  que  visitam  a  gruta,  raríssimos  são  os 
que  transpõem  'o  tunnel ;  e,  pois,  essa  segunda  parte  da  fadarica  estancia 
é  a  mais  rica  e  aprimorada  de  ornato. 

Notei  mais  clara  esta  sala  do  que  as  outras,  seja  por  um  effeito  na- 
tural qualquer,  seja  porque  meus  olhos  já  estivessem  acostumados  á 
escuridade. 

Abundavam  os  mesmos  torsos  e  volutas,  as  mesmas  columnas,  as 
mesmas  cortinas  revestindo  as  entradas  das  outras  salas,  intrincado  laby- 
rintho  onde  nos  vimos  quasi  perdidos. 

Havia  de  mais  as  novas  concreções  que  do  tecto  pendiam  em  forma 
de  mil  agulhetas  e  pequeninas  pyramides.  A  stalagmite  affectava  em 
geral  a  forma  de  uma  alfombra  que  tapetava  todo  o  solo ;  á  esquerda  da 
sabida  do  tuunel  elevava-se  mais,assemelhando-se  á  um  pittoresco  canapé, 
estofado,  bastante  áspero  nos  seus  cochins  de  rocha,  mas  em  que  sentei-me 
com  gosto  por  alguns  instantes. 

Antigos  visitantes  tinham  trazido  um  fio  de  merlim  ou  barbante 
grosso,  para  guial-os  nessa  viagem  subterrânea.  Já  no  tunnel  havíamos 
encontrado  e  agora  viamol-o  estendido  sob  a  agua  que,  aqui,  conservava 
um  bom  palmo  de  altura.  Sua  direcção  era  no  prolongamento  do  tunnel 
á  porta  fronteira. 

O  caftapé  era  um  Índice  apreciável  para  a  orientação  deste,  assim 
não  descurei  de  notal-o,  bem  eomo  sua  posição  em  relação  ao  fio. 

Seguimos  a  sua  direcção  entrámos  na  primeira  sala,  tendo  antes 

observado,  ou  melhor  espiado,  apenas  das  entradas,  duas  ou  três  outras 

salas  que  com  aquella  communicavam  e  que  pouco  differiam  entre  si. 

Aquella  para  onde  o  fio  se  dirigia  era  a  mais  extçnsa  de  todas  as  que  vi, 

sem  exceptuar  mesmo  o  salão,  e  mais  estreita  em  relação  ao  tamanho. 

30 


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282  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

Mediria  uns  quatro  metros  de  largo :  a  longura  foi-me  impossível  de 
estimar.  Parecia  um  longo  corredor,  ou  antes  galeria,  cercada  de  colura- 
nadas  e  de  todas  essas  phantasticas  e  caprichosas  producções  da  natureza. 
No  chão  encontrámos  immensas  raizes  de  gamelleira  (ficus  ãoliaria),  que 
supponho  da  que  ensombra  a  entrada  da  gruta:  e  que,  sendo  assim, 
indica  que  essas  salas  não  estão  tão  aifastadas  da  entrada,  como  parecem. 

Uma  circumstancia  nos  privou  de  continuarmos  nossa  visita  e  pri- 
vou-me  do  prazer  de  melhor  observar  a  formosa  galeria,  que  é  cheia  de 
socavões  e  recônditos  de  um  e  outro  lado,  e  dignos  sem  duvidada  mais 
detida  contemplação  :  notámos,  á  principio  descuidados  mas  depois  com 
algum  temor,  que  o  fio  tão  satisfactoriamente  encontrado  e  no  qual  de- 
positamos cega  confiança,  nos  trahira,  estando  partido  em  vários  pedaços, 
que  se  moviam,  tomando  ora  uma,  ora  outra  direcção,  levados  pelo  movi- 
mento da  agua,  que  remechiamos  andando. 

Os  soldados  tinham-se  adiantado  e  penetrado  nos  outros  recessos,  em 
busca  de  mais  mimosas  e  delicadas  concreções,  taes  como  só  ahi  se  encon- 
tram. A'  nós  faltou  já  a  vontade  de  proseguir :  todo  nosso  fito  foi  a  volta ; 
e  mesmo  uma  espécie  de  terror  nos  enfraquecera  os  ânimos,  lembrando- 
nos  de  que,  segundo  nos  haviam  contado,  pouco  tempo  havia  que  ura 
official  de  marinha  ahi  se  perdera  e  só  ao  cab^  de  longas  horas  conseguira 
sahir  desse  dédalo. 

Buscávamos  orientar  o  fio ;  embalde  !  O  que  viamos  quieto  e  mar- 
cando uma  direcção,  já  tinha  tido  outras,  que  novo  movimento  das  aguas 
mudara. 

Entravamos  ora  aqui,  ora  ali,  n'um  socavão,  n'uma  sala ;  extranha- 
vamos,  não  a  conheciamos :  voltávamos,  passávamos  á  outras;  ou  ainda  não 
as  tínhamos  visto,  ou  pelo  menos  tal  se  nos  afigurava :  buscávamos  outra 
sabida,  dávamos  n 'outra  caverna  que  ainda  era  nova  para  nós,  ou  porque 
realmente  assim  seria,  ou  por  eflfeitos  do  medo,  que  nos  assaltara,  de  per- 


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Á  CIDADE  DE  MATTOGROSSO  283 

dermo-nos  nesse  intrincado  labyrintho,  aflFastando-nos  cada  vez  mais  da 
sabida. 

Entrámos  por  vezes  na  sala  do  canapé,  vimol-o,  reconhecemol-o  e 
ficámos  alegres  e  como  que  tranquillos ;  mas  debalde  procurávamos  a 
entrada  do  tunnel,  apezar  de  suppormol-a  bem  assignalada :  não  a  encon- 
trávamos, e  só  novas  salas  e  novos  recônditos. 

Desanimados  voltámos  á  galeria  para  esperarmos  os  soldados,  que 
eram  práticos.  Já  náo  tínhamos  olhos  para  contemplar  as  magnificências 
que  nos  rodeiavam.  £  talvez  que  essa  parte  da  gruta  seja  a  mais  bella, 
como  é  a  mais  conservada,  por  não  ser  tão  accessivel  como  as  outras, 
e  ter  menos  soffrido  da  máo  insaciável  e  devastadora  dos  curiosos  que 
as  visitam. 


Já  estávamos  na  gruta  havia  mais  de  cinco  horas.  Era  meio-dia 
e  as  nossas  embarcações  deviam  sahir  ás  duas  da  tarde.  Chegaram  os 
soldados,  e  renascida  a  confiança  tratámos  da  retirada.  Mas,  em  pouco 
esmorecemos  de  novo,  e  desta  vez  quasi  de  todo,  vendo-os,  elles  os  prá- 
ticos, nossa  única  esperança,  confusos  confessarem  que  não  atinavam  com 
o  caminho.  Ao  cabo  de  não  sei  que  tempo,  séculos  de  anciedade,  sempre 
esperançados  no  cordel  e  sempre  ludibriados ;  já  seguindo  um  troço,  já 
outro  que  ficava  perpendicular  ao  primeiro;  entrando  ora  aqui,  ora  ali ; 
entregámo-nos,  afinal  ao  acaso  e  passámos  á  revistar  todas  as  salas  e 
buracos  mais  próximos. 

Entrámos,  uma  ultima  vez,  na  sala  do  canapé  :  vimol  o,  reconhe- 
e^mol-o  de  novo;  e  só  á  custo  qs  soldados  descobriram  a  boca  do  tunnel, 
que  já  muitas  vezes  tínhamos  visto,  mas  náo  reconhecido,  por  parecer-nos 
mais  estreita,  mais  baixa  e  sem  fundo ! 


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284  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Quasi  seis  horas  depois  da  nossa  descida  chegávamos  á  sala  da 
entrada  e  encontrámos  os  companheiros,  já  afflictos  com  a  nossa  demora. 

Haviam  chamado  e  gritado  por  nós,  sem  que  os  ouvissemos ;  e  um 
delles  chegou  á  disparar  os  seis  tiros  do  seu  revolver  junto  á  boca  do 
tunnel,  com  o  mesmo  resultado ;  esquecendo-se  de  que,  querendo  fazer-nos 
bem,  podia,  com  esse  modo  de  avisar,  fechar-nos  a  porta  do  abysmo. 

Projectei,  quando  de  volta  passasse  por  Coimbra,  visitar  novamente 
a  famosa  caverna;  munido,  porém,  dos  meios  necessários  para  bem  obser- 
val-a,  sem  os  receios  de  perder-me.  Uma  corda  para  guia  no  trajecto 
principal ;  cordéis  que  nella  se  prendam  quando  se  busque  investigar 
o  que  haja  do  um  e  outro  lado ;  uma  bússola  e  archotes  são  mui  pouca 
cousa  e  bastante  para  o  íim.  Também  não  é  excursão  para  um  só,  e  sim 
para  alguns  companheiros,  que  devem  ir  precavidos  para  o  encontro  de 
onvas,  sucurys  e  outras  feras,  que  nessa  região  tanto  abundam,  e  apra- 
zeni-se  em  viver  nas  cavernas. 

Apezar  do  que  observei,  guardo  fé  de  que  muita  cousa  me  restou 
ainda  para  vêr,  tão  grande  é  a  gruta;  assim  como  acredito  que  poucos 
visitantes  a  terão  percorrido  como  o  Sr,  Faria  e  eu. 

O  primeiro  que  delia  deu  noticia  foi  Ricardo  Franco  de  Al- 
meida Serra,  o  heróico  defensor  do  forte  de  Coimbra,  e  notável  enge- 
nheiro á  <|uem  o  Brasil,  e  principalmente  a  provinda  de  Matto-Grosso, 
tanto  devem  por  seus  importantes  trabalhos  de  astronomia,  topographia 
e  estratégia.  Visitaram-a  também,  entre  outros,  o  notabilissimo  botânico 
bahiano  Dr.  Alexandre  Rodrigues  Ferreira,  em  1791 ;  o  tenente-coronel 
Joaquim  José  Ferreira,  que  penetrou  até  sua  terceira  sala,  em  1792 ;  e 
Castelnau,   oml845;  os  quaes  deixaram  descripções  mais  ou  menos 


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í    CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  285 

exactas,  mais  ou  menos  curiosas,  conforme  as  impressões  que  receberam 
seus  olhos  maravilhados.  Nenhum,  porém,  falia  no  tunnel,  e  pois,  além 
não  passou. 

Ricardo  visitou-a  em  1786  e  foi  quem  lhe  deu  o  nome  que  guarda 
de  Gruta  do  Inferno.  Os  naturaes  chamavam-a  o  Bura<ío  Soturno,  deno- 
minação que  igualmente  dão  ã  outras  grutas,  das  muitas  que  ha  na 
provincia,  lá  onde  predomina  o  elemento  calcareo,  que,  dissolvendo-se 

â  acção  das  aguas,  forma  frequentemente  cavernas,  das  quaes  são  paredes 
as  rochas  menos  accessiveis  á  decomposição. 

Nesta  a  formação  geológica  é  de  grés  calcareo  com  quartzo  e  argilla : 

molasso  ou  talvez  macigno  que  um  dia  virá,  com  o  fucus  e  os  detritos 

oceânicos,  revelar  á  sciencia,  como  facto  inconcusso,  a  passagem  das  aguas 

salgadas,  a  existência  dos  mares  nessas  regiões,  coração  da  America  do 

Sul. 


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CAPITULO  IV 

ltinrririo.~D«  C^iabrj  á  CoriaU. 


O  porto  da  gruta  seguimos,  ás  2 
horas  da  tarde  de  4  de  junho, 
sexta-feira,  para  a  cidade  de  Co- 
rumbá, então  ainda  yilla.  Adiante 
vae  o  António  João. 

A's  9  1/2  da  noite  passámos 
o  morro  do  Paga  e  meia  hora 
depois  o  do  Conselho  (a),  em  frente 
ao  qual  ha  um  banco  no  rio. 

A  margem  direita  vae  ondu- 
lada, mais  ou  menos,  em  mor- 
rotes  e  collinas. 

Meia  hora  depois  da  meia- 
noite  o  pequeno  vapor  pára  subi- 
tani«nte,  e   o\\(;õ  o  niacliinista  mandar  chamar  o  commandante,  excla- 
mando : — Que  desgraçíi  1 

Houve  um  pequeno  movimento  no  tombadilho  e  depois  tudo  cahiu 
no  silencio.  Fora  o  caso  que  cahira  uma  chave  da  machina  sobre  uma 
das  molas,  partindo-a  e  inutilisando  a  alavanca  correspondente.  Trabalha- 
ram os  machinistas  todo  o  resto  da  noite,  de  modo  que  conseguiram  pôr 


(a)  Vi^m-lhe  o  nome,  segundo  D*AIincourt,  da  conferencia  que  ahi  tiveram 
os  fundadores  de  Coimbra.  Resultado  do»  trabalhos  e  indagações  scientificas  sobre 
a  província  de  Matto-Crosso,  cap,  4.o 


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288  ITINEUABIO    DA  CORTE 

O  apparelho  em  estado  de  funccionar,  ao  romper  do  dia  5.  A*s  8  horas  e 
20  minutos  pudemos  seguir,  supprimindo-se  o  apparelho  de. dar  movimento 
para  traz  ao  navio. 

A  marcha  vae  regular. 

A's  9  horas  e  10  minutos  passámos  Alhuqtierqíw^  ou  Albuquerque 
Novo,  pequena  povoação,  e  aldeiamento  de  guanás  e  quiniquinaus,  14 
léguas  acima  de  Coimbra,  e  á  uma  da  margem  do  rio,  mas  no  logar  até 
onde  chegam  as  enchentes,  podendo  abicar  á  seu  porto  embarcações  de 
quatro  á  cinco  palmos  de  calado. 

A  primeira  povoação  de  Albuquerque,  também  chamada  AlbuqiAer- 
qm  Vellw,  foi  fundada  em  21  de  setembro  de  1788  ;  é  hoje  a  cidade  de 
Corumbá:  a  de  que  tratamos  é  de  origem  mais  recente;  em  1810  era 
ainda  uma  fazenda  de  criação  de  gado  do  governo.  Nas  suas  cercanias 
ficavam  bons  campos  de  pastagens,  onde  os  particulares  criavam  também 
seus  gados ;  e  ella,  situada  mais  próxima  do  antigo  povoado  e  desses 
campos,  logrou  augmentar-se  e  chamar  á  si  não  só  a  povoação,  como  o 
próprio  nome  do  povoado.  Desde  1827  tornou-se,  por  alguns  annos,  a  sede 
do  commando  do  5°  distrito  militar  e  da  fronteira  do  Baixo  Paraguay ; 
em  28  de  agosto  de  1835  foi  elevada  á  freguezia,  abrangendo  na  sua 
jurisdicçíio  o  território  e  habitantes  de  Corumbá  até  Coimbra,  inclusive. 

Em  3  de  abril  de  1872  o  Sr.  presidente  conselheiro  Francisco  José 
Cardoso  creou  ahi  a  coionid  militar  da  Conceição,  de  que  foi  encarregado 
o  Sr.  capitão  Jorge  Maia  de  Oliveira  Guimarães. 

Segundo  Bossi  (a),  Albuquerque  está  á  19*»  25'  lat. 


Meia  hora  depois  passámos  o  rio  Jíírawrfa,  13  kilometros  acima  de 
Albuquerque. 


(a)  Viage  Pinloresca,  etc, 


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A   CIDADE    DE   MA11'OGKOSSO  289 

A'  120  kilometros  da  fóz  está  a  villa  do  mesmo  nome,  no  local  da 
antiga  Santiago  de  Xere^er,  fundada  em  1580  pelo  hespanhol  Buy  Dias  de 
Melgarejo,  e  destruída  em  1673  pelos  paulistas  e  guaycurús  (a).  Seus 
vestígios  ainda  encontrou  João  Leme  do  Prado,  quando,  em  1776,  de 
ordem  de  Luiz  de  Albuquerque,  foi  reconhecer  o  rio,  e  ao  qual  impôz  o 
nome  de  Mondego,  que  gozou  por  algum  tempo  e  como  tal  vem  consig- 
nado na  maior  parte  das  cartas.  Os  naturaes  quasi  que  desconhecem  essa 
denominação, 'servindo-se  sempre  da  de  Miranda  on  Mboteteiy,  nomQ 
por  que  nos  primeiros  tempos  da  capitania  foi  mais  conhecido,  mas  que 
também  tem  perdido  muito  na  popularidade.  Os  hespanhoes  chamaram-o 
também  Araniani  e  Gaachié,  Araranhy  chama-lhe  o  Sr.  barão  de 
Melgaço  no  seu  Roteiro  de  navegação  do  Paragtiay  desde  S.  Lourenço 
até  o  Paraná. 

A  denominação  de  Miranda  foi  dada,  em  lisonja  á  Caetano  Pinto, 
6**  capitáo-general,  ao  reducto  que  este  ahi  mandou  erguer  em  1797, 
quadrado  com  um  redente  em  cada  face,  fechado  por  uma  trincheira  de 
terra  socada  entre  duas  estacadas,  com  uma  pequena  banqueta  e  seu 
fosso  (b).  Foi  seu  primeiro  commandante  o  ajudante  Prado,  que  com- 
mandou  Coimbra. 

Miranda  deve  seus  fundamentos,  em  1778  (c),  aos  exploradores  de 
Joào  Leme;  goza  dos  foráes  de  villa  desde  30  de  maio  de  1857,  em  que  de 
freguezia  foi  elevada  por  lei  provincial.  Sua  matriz  é  da  invocação  de 
N.  S.  do  Carmo.  E*  a  sede  do  4**  districto  militar  e  commando  da  fron- 
teira do  Paraguay.  Os  paraguayos  tomaram-a  ã  12  de  janeiro  de  1865, 
abandonaram-a  á  24  de  fevereiro.  Em  23  de  novembro  de  i850  o  governo 
imperial  mandara  fundar,  com  31  colonos  e  um  destacamento  militar  da 


(a)  Em  1626,  segundo  Ricardo  Franco.  Descripção  geographica  da  capitania 
d^  Matto-Grt  sso.  Pizarro,  J/em  ,  t.  9. 

(b)  Luiz  D'AI  ince  uri,  obra  cit- da. 

(c)  Roque  Leme  e  Pizarro,  obras  citadiis. 

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290  ITIMERARIO    DA    CJKTE 

villa,  a  colónia  militar  de  Miranda^  nas  cabeceiras  do  rio  e  além  da  foz 
do  Feio,  á  210  kiloraetros  SE.  da  villa. 


Como  já  vimos,  o  rio  cahe  no  Paraguay  por  dous  braços,  o  Aqmãuudna 
e  o  Mareco^  ou  propriamente  Miranda,  distando  um  do  outro,  nas  suas 
embocaduras,  23  léguas. 


II 


A's  9  1/4  da  noite  passámos  a  montanha  do  Rabicho,  cuja  configu- 
ração trouxe-nos  a  idéa  o  Gigante  de  Pedra  da  entrada  do  Rio  do  Ja- 
neiro. Tem  a  apparencia  de  uma  enorme  cabeça  encoifada. 

Dista  quatro  léguas  de  Albuquerque. 

A's  9  horas  e  45  minutos  passámos  o  Taquary,  cuja  boca  principal 
lança-se  aos  19**  15'  18"  lat.  e  320**  32'  long.,  segundo  Ricardo  Franco  (a). 

E'  em  sua  margem  direita  e  pouco  abaixo  da  fóz  do  Coxim  que  se 
situa  a  freguezia,  hoje  villa,  de  S.  José  de  Herculanea^  fundada  em  25 
de  novembro  de  1862  no  logar  chamado  Beliago,  sob  o  titulo  de  Núcleo 
Colonial  de  Taquary,  e  mais  tarde  condecorado  com  aquella  outra  deno- 
minação em  homenagem  ao  ex-presidente  Herculano  Ferreira  Penna,  ã 
quem  deve-se  a  sua  fundação.  Mas,  apezar  de  tudo,  é  conhecida  mais  pelo 
nome  de  Coxim,  do  rio  que  por  junto  passa.  Dista  cerca  de  550  kilo- 
metros  da  fóz  do  Taquary.  O  fim  principal  de  sua  fundação  foi  proteger-se 
a  estrada  do  Taquary  á  SanfAnna  do  Paranahyba. 

A'8  11  3/4  chegámos  ao  Ladario^  primeiro  sitio  do  estabelecimento 

(a)  Ricardo  Franco.  Jf  em.  Geog,  do  rio  Tapajot.  Lacerda  colloca  unia  boca  aos 
VJo  15*  16"  e  a  outra  aos  18*  15'  lat.,  e  longitude  320»  58'  lò"  da  ilha  de  Ferro. 


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Á   CIDADE  DE  MArrO-GROSSO  291 

da  antiga  Albuquerque,  que,  então,  consistia  n'um  rectângulo  fechado  pela 
casaria  e  com  um  único  portão  para  o  rio,  sendo  esse  rectângulo  de  75 
passos  de  comprido,  50  de  largo  é  habitado  por  200  pessoas  (a). 

E'  hoje  um  vasto  e  formoso  arsenal  de  marinha  inda  incompleto, 
apezar  de  suas  obras  já  excederem  á  quatro  mil  contos  de  réis,  e  que 
houve  necessidade  de  suspendêl-as  por  projectadas  n'uma  escala  mui 
superior  ás  forças  do  paiz. 


o    i*io   Tnf|Uíii*v   iioiltiírar   tia    passasein. 
(Desenho  do  Sr,  Dr/Taunay.) 

Fica  o'Ladario  deseseis  kilometros  acima  da  montanha  do  Rabicho, 
e  onze,  rio  abaixo,  de  Corumbá.  A  margem  do  Paraguay,  deste  até 
Corumbá,  vae  alta  e  abarrancada.  O  Ladario  terá  uns  15  metros  de 
altitude  no  médio. 

Arsenal  e  ao  mesmo  tempo  praça  de  guerra,  é  fortificado  pela  face 


(a)  Diário    das   diligencias  do   reconhecimento    do  rio  Paroffuay  (1786),  de 
Kicardo  Frunco  de  Almeida  Serra. 


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292  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

do  rio  e  fechado  por  cortinas  nas  outras.  Foi  ipandado  construir  em  1872. 
Deu  começo  ás  obras  o  Sr.  capitão  de  fragata  Manoel  Ricardo  da  Cunha 
Couto,logo  em  14  de  março  de  1873,  tendo  sido  extincto  o  pequeno  arsenal 
que  havia  em  Cuyabá  pelo  aviso  de  23  de  janeiro  do  mesmo  anno. 

Do  lado  do  rio  é  defendido  por  três  baterias  d  larbetu,  artilhadas 
com  canhões  de  68,  e  revestidas  de  grossas  muralhas  de  alvenaria,  liga- 
das por  cortinas  que  continuam  até  cercar-se  o  perimetro  do  arsenal.  O 
portão  solido  e  magestoso  edifício  quadrangular,  com  assotéa  e  miradouro, 
e  que  mui  pouco  se  casa  com  o  débil  muro  em  que  se  abre,  deita  sobre 
a  rua  principal  do  povoado  e  estrada  que  vae  á  Corumbá. ' 

Seus  edifícios  são  bons,  notando-se  entre  elles  as  ofBcinas  de  ma- 
chinas  e  construcção  naval,  os  depósitos  e  almoxarifados,  o  quartel  dos 
imperiaes  marinheiros,  um  dos  melhores  do  Império,  e  a  casa  da  direc- 
toria e  repartições  annexas,  que  é  o  principal  edifício,  á  meio  terreno, 
fronteiro  ao  rio,  grande  e  bem  construído,  comquanto  chato  de  mais  na 
apparencia.  O  engenheiro  Pimentel,  da  coramissáo  de  limites,  á  quem 
notei  esse  defeito,  esclareceu-me  que  a  construcção  estava  conforme  as 
regras  da  architectura,  que  não  concedem  mais  de  4  1/2  palmos  de 
altura,  ou  pé  direito,  para  um  edifício  térreo,  qualquer  qm  seja  a  sim 
extensão  :  acreditei-o  por  ser  um  profissional  que  o  dizia,  mas  continuei 
convencido  de  que  o  chato  é  sempre  feio,  de  mau  gosto  e  mau  effeito,  e 
não  pôde  pertencer  ás  bellas-artes. 


III 


Domingo,  6  de  junho. 

A's  9  horas  e  três  quartos,  depois  de  ouvirmos  missa  na  capella  de 
madeira,  pequena,  mas  decente,  do  arsenal,  seguim)s  viagem.  Á's  10 


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.LAJDAiil'© 


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Á   CIDADE   DE    MArrO-GROSSO  293 

horas  e  10  minutos  passámos  o  forte  do  Limoeiro,  cinco  minutos  depois  o 
da  Pólvora,  hoje  Junqueira,  logo  mais  o  de  S.  Francisco,  e  fundeámos 
em  frente  á  alfandega  ao  som  da  musica  e  salvas  que  o  forte  Duque  de 
Caudas  fazia  em  honra  do  presidente  (a). 

Corumbá  está  situada  a^s  18^  59'  38",30  lat.  e  14»  25'  34",34  long. 
0.  do  Rio  de  Janeiro,  tomadas  do  seu  extremo  austral  (b).  Eleva-se  sobre 
uma  barranca  de  30  á  35  metros  de  altura  e  cerca  de  150  de  altitude  sobre 
o  nivel  do  oceano.  O  capitão  americano  Page  dá-lhe  390  pés  inglezes  (c), 
á  beira-rio,  isto  é,  cerca  de  118  metros.  E'  a  mais  antiga  das  duas 
povoações  de  Albuquerque,  mandadas  estabelecer  por  Luiz  de  Albuquer- 
que em  21  de  setembro  de  1778,  e  cujos  princípios  foram  primeiramente 
no  Ladario.  Foi  erecta  em  villa  por  lei  provincial  de  5  de  julho  de  1850 
e  freguezia,  separada  da  da  Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Albuquerque, 
sob  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da  Misericórdia  de  Albuquerque ;  mas 
nova  resolução  de  7de  junho  de  1851  revogou  essa  elevação,  do  mesmo  modo 
que  a  da  Villa  Maria,  também  de  recente  creação  e  erigida  em  freguezia 
com  o  orago  de  S.  Luiz  do  Paraguay  (d). 

(a)  Cinco  fortins  defendem  Oorumbá  pelo  lado  do  rio,  e  uma  cortina  por  terra. 
Gonciuidos  nns  na  administração  do  Sr.  conselheiro  tenente-coronel  Francisco 
José  Cardoso  e  outros  na  do  general  Hermes,  receberam  aqueiles  a  denominação  de 
S.  Francisco  e  de  Junqueira,  em  honra  do  presidente  e  do  ministro  da  guerra,  e 
estes  os  de  Condi  d'Eu,  Duque  de  Caxias  e  Maj iv  Gn>iifi^  este  em  homenagem  ao, 
hoje  tenente-coronel,  o  Sr.Dr.  Joaquim  da  Gama  Lobo  d'£^a,  o  modesto  e  distincto 
engenheiro  que  os  planejou. 

(b)  Commissão  de  1871  dirigida  pelo  Sr.  capitão  de  mar  e  guerra,  hoje  chefe  de 
divisão,  António  Cláudio  Soldo.  O  Dr.  Lacerda,  da  commissão  de  178*2,  dá  no  seu 
diário  desse  anno  19«  0'  8'*  S.  e  3'iOo  3'  15"  de  long  ;  mas  no  do  1788  já  aagmeuta  esta 
30^,  por  tomal-a  da  parte  occidental  da  ilha  de  Ferro,  emquanto  que  faz  a  outra 
referente  ao  meridiano  da  ponta  oriental.  O  sábio  Hicardo  Franco  marco u-lhe 
19»  8*  10**  lat.  e  830*  8*  15"  long.,  «  é  a  que  Pizarro  transcreve.  D'Alincourt  dá  IO*  0* 
8"  S.  e  saOo  3'  14"  ;  Dugraty,  18»  15*  43"  S.  e  57o  44'  36"  o.  de  Greenwich,  oú  14o  30' 
if*  long.  occidental  do  Pão  de  Assucar ;  e  Bossi,  19o  1*  5.  e  50o  sy  o,  de  Paris  ou 
14»  1'  30"  O.  do  Pão  de  Assucar . 

(c)  O  mappa  da  commissão  demarcadora  em  1878,  referido  ao  metro,  dá-lhe  1(X), 
lapso  de  cópia,  sem  duvida,  da  medida  ingleza .    ^ 

(d)  Lei  provincial  de  2S  de  junho  de  1851. 


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294        -  ITINEKARIO    DA  CORTE 

O'  decreto  de  11  de  abril  de  1853  habilitou  seu  porto  para 
o  commercio,  e  creou  na  povoação  uma  mesa  de  rendas.  No  anno 
seguinte,  a  resolução  de  5  de  julho  autorisou  a  presidência  à  trans- 
ferir a  sede  da  freguezia  de  Alluquerque  Is' ovo  para  ella,  o  que  não 
se  verificou  sinão  em  1862,  por  força  da  lei  de  1°  de  julho,  demar- 
cando a  provisão  de  5  de  fevereiro  do  anno  seguinte  os  limites  da 
nova  freguezia.  Tomou  a  nova  villa  e  freguezia  a  denominação  de  Santa 
Cruz  (lo  Corumbá.  Seus  limites  são :  a  linha  divisória  do  Império 
com  a  Bolivia  até  o  fundo  SO.  da  lagoa  Uberaba,  donde  desce  pelo 
Paraguay  e  Paraguay-mirim  até  a  ponta  do  Rabicho,  por  cujo  cume 
segue  e  depois  pelos  pontos  culminantes  dos  montes  que  medeiam  entre  as 
duas  freguezias  até  encostar  por  O.  á  fronteira  boliviana. 

Entretanto,  quando  os  paraguayos  a  invadiram  em  8  de  julho  de 
1865,  não  tinha  ainda  sido  installada  no  seu  novo  predic^amento.  Occu- 
param-a  as  hordas  de  Lopes  por  dous  annos,  até  13  de  junho  de  1867,  era 
que  o  Sr.  capitão  António  Maria  Coelho  tomou-a  de  assalto  por  sorpreza.  A 
villa,  ha  dous  annos  florescente,  não  era  agora  mais  do  que  um  acampa- 
mento incendiado  e  devastado ;  poucos  brasileiros  ahi  existiam  entre 
mulheres  e  crianças ;  os  homens  e  algumas  familias  que  não  foram  mortas 
ahi  mesmo,  Barrios  fizera-os  partir  para  Assumpção.  Em  pouco  á  esses 
destroç-os  accresceu  uma  nova  e  terrível  calamidade,  a  varíola,  que,  pro- 
pagando-se  por  toda  a  província,  devorou-lhe  mais  de  um  decimo  da  po- 
pulação. 

Já,  em  10  de  novembro  de  1868,  tinha  recebido  uma  guarnição, 
quando  em  fevereiro  de  1870,  o  príncipe  commandante  em  chefe  do 
exercito  em  operações  no  Paraguay,  receiando  a  fuga  de  Lopes  para  a 
Bolivia,  mandou  o  coronel  Hermes  como  commandante  das  forças  em 
operações  na  fronteira  do  Baixo  Paraguay,  em  Matto-Grosso,  vindo  este 
para  Conimbá  com  uma  divisão  do  exercito. 


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Á   CIDADK    DE    MATTO-OKOSSO  2i»5 

Foi  O  começo  da  reorganisação  do  povoado,  até  então  abandonado  pelo 
terror  e  receio  de  uma  invasão.  Vivandeiros  que  seguiram  o  exercito 
estabeleceram-se  de  facto  :  começaram  á  affluir  os  habitantes  e  o  com- 
mercio,  principalmente  de  estrangeiros,  e  tomou  em  breve  tal  incremento, 
que,  restaurada  por  lei  de  7  de  oitubro  de  1871,  do  presidente  Cardoso^ 
foi  installada  em  17  de  agosto  de  1872.  A  lei  de  21  de  maio  de  1873 
ereou-a  comarca,  declarada  de  primeira  entrancia  p:>r  decreto  de  10  de 
julho  de  1873  e  installada  em  19  de  fevereiro  de  1874.  Em  15  de  no- 
vembro de  1878  foi  elevada  á  cidade.  Seu  territ)rio  abrange  2856,75 
léguas  quadradas  de  vinte  ao  gi-áo.  Forma  um  termo  que  comprehende 
três  districtos  :  Corumbá,  Herculanea  e  o  território  da  margem  e^qtierãa 
do  Paragiiay  acima  do  Taqtiary,  e  duas  freguezias.  Santa  Cruz  de 
Corumbá,  annexa  por  lei  provincial  de  18  de  oitubro  de  1868  á  hoje 
extincta  freguezia  de  Albuquerque,  e  >'.  José  de  Herculanea,  creada 
em  1875. 

Desde  1859  que  o  Sr.  almirante  Delamare,  então  presidente,  ava- 
liando o  local  e  antevendo  o  porvir  dessa  povoação,  mandou  tirar-lhe  a 
planta  e  demarcar  os  legares  para  as  ruas,  praças  e  edifícios  públicos. 
Seu  plano  de  edificação,  em  que  as  casas  ficavam  separadas  por  pequenos 
jardins,  foi  seguido  no  começo,  e  viria  átomal-a  um  formosíssimo  po- 
voado. Destruida  pelos  paraguayos,  a  reedificaçào  começou  á  vontade  e 
capricho  de  cada  um,  conservando  apenas  o  alinhamento  das  ruâs. 

Em  1S77  tinha  abertas  e  povoadas  dez  ruas  largas  e  bera  alinhadas, 
cortando-se  em  angulo  recto,  e  três  praças.  Par.iUelamente  ao  rio  estão 
as  ruas  Aujiista,  fronteira  á  elle,  e  com  uma  só  ordem  de  casas,  a  qual, 
quando  melhor  preparada,  será  a  mais  aprazivel  da  cidade,  pelo  esplen- 
dido panorama  que  descortina;  a  Delamare,  actualmente  a  mais  povoada 
e  commercial,  e  as  da  Cadêa,  de  Akncastro,  Bella  Vista  e  Vinte  e  Três 
de  Julho;  cortam-as  perpendicularmente  as  Oriental,  Primeiro  de  Ah-il, 


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2W  ITJNEKAKIO    DA   CÓKTE 

Bella,   S.   Pedro^   Camará,  Palácio^  Santa  Theresa,  S.  Gabriel,  Sete 
de  Setembro,  Major  Gama  e  Occidental. 

A  Augtista  recebeu  seu  nome  era  hoiir.i  do  distincto  general  o 
Sr.  Augusto  Leverger,  barão  de  Melgaço,  que  immensos  serviços  tem 
prestado  á  província,  onde  reside  ha  perto  de  40  annos  e  que  considera 
como  uma  segunda  pátria;  a  Dehmare,  Alencastro  e  Major  Gama, 
para  commemorar  os  serviços  dos  dous  presidentes,  os  Srs.  capitão  de 
fragata,  hoje  almirante,  Joaquim  Raymundo  Delaniare,  e  coronel,  hoje 
marechal  de  campo  António  Pedro  de  Alencastro,  e  os  do  distincto  enge- 
nheiro militar  de  quem  já  acima  fallou-se. 

As  praças  são :  as  de  Santa  Theresa,  onde  existe  em  começo  o 
templo  destinado  á  matriz,  o  qual,  mais  pelas  mesquinhezas  partidárias  do 
que  pela  tibieza  de  animo  do  povo,  acha-se  ameaçado  de  cahir  em  minas ; 
a  do  Carmo,  onde  o  povo  construiu  em  1877  um  pequeno,  mas  decente 
templo  á  Nossa  Senhora  da  Candelária,  e  a  de  iS.  Pedro,  onde  preten- 
de-se  estabelecer  a  cadeia  e  casa  da  camará. 

Poucos  estabelecimentos  públicos  tem  notáveis,  á  não  serem  os  fortins 
que  a  defendem,  essa  capella  da  Candelária,  o  deposito  de  artigos  bel- 
licos,  a  casa  do  commando  do  2"*  batalhão  de  artilharia  á  pé,  construída 
pelo  Sr.  coronel,  hoje  brigadeiro,  barão  de  Batovi,  com  os  soldados  do  seu 
corpo  e  sem  o  menor  dispêndio  dos  fundos  do  Estado;  a  alfandega,  barracão 
de  feia  e  péssima  construcção  e  que,  em  compensação  á  aquella  casa, 
custou  o  decuplo  do  que  vale  ;  a  cadeia  e  a  camará  municipal,  recente- 
mente concluídas,  e  o  cemitério  publico,  pequeno,  muito  decente  e 
todo  murado,  mas  com  o  defeito  de  estar  dentro  do  povoado. 

Foi  erigido  em  1874  á  instancias  e  esforços  do  presidente  da  camará, 
o  major  João  D'Alincourt  Sabo  de  Oliveira  (a),  que  nelle  foi  sepultado  em 

(a)  Sobrinho  do  illustrado  engenheiro  Luiz  D'Alincoart,  tantas   vezes  citado 
nesta  obra. 


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Á  CIDADE   DE  MATTO-GROSSO  297 

19  de  dezembro  de  1876,  ao  lado  direito  da  entrada  da  capella,  que  é  da 
invocação  de  S.  João  Baptista. 

A  capitania  do  porto  é  uma  casinha  quasi  sem  accommodações ; 
os  quartéis  miseráveis  palheiros,  cujos  tectos  e  paredes  já  não  côam,  mas 
dão  livre  entrada  ao  sol  e  ás  chuvas;  o  hospital  militar  um  miserável  par- 
dieiro que  só  tem  simile  nos  quartéis  e  n'outra  arapma  miserável  e  inde- 
cente que  lhe  fica  em  frente,  e  que  serviu  de  matriz  até  1878  (a). 

Em  Abril  de  1791  constava  sua  população  de  141  almas,  sendo  um 
official  e  doze  soldados  de  guarnição,  com  seis  crianças  brancas;  cincoenta 
Índios  e  nove  pretos  escravos,  todos  do  sexo  masculino;  onze  mulheres  e 
crianças  brancas,  sessenta  e  duas  Índias  e  três  negras  escravas  (b). 

Em  abril  de  1878  tinha : 

455  casas  de  telha  e  25  em  construcção. 
51  de  zinco  »   9   »         » 

506  34 


540 

E  no  Ladario  : 

251  casas  de  telha  e  43  em  construcção. 
29  de  zinco  »   7    »         » 


á80  50 

330  Ao  todo  870. 

A  população,  que  em  1862  era  de  1.315  habitantes,  decresceu  no 
anno  seguinte,  ficando  em  1.281. 

(a)  Recentemente  o  Sr.  barão  de  MaracajU,  actual  presidente  da  província, 
mudou  a  enfermaria  para  o  deposito  de  artigos  beUicos,  passando  este  para  o 
Ladario 

(b)  Dr,  Alexandre  Rodrigues  Ferreira,  Mmt.  da  BibL  Nac, 

38 


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298 


ITINERÁRIO  DA  CORTE 


Dos  quadros  estatisti<30S  do  Sr.  coronel  Porto  Carrero  tomá?nas  os  se- 
guintes dados  : 

Segundo  um  trabalho  feito  em  fins  de?se  anno  pela  delegacia  de  po- 
licia do  1°  districto  da  cidade,  tinha  então  475  casos  de  telha  e  75  em 
construcção,  51  cobertas  de  zinco  e  29  em  construcçáo. 

No  2°  districto,  Ladario,  haviam  251  de  telha,  29  de  zinco  e  50 
construindo-se  ;  ao  todo  870,  afora  mais  de  mil  palhoças. 

Em  abril  de  1861  tinha  apenas  36  casas  de  telha,  29  em  construc- 
çáo e  109  ranchos  de  palha  (a). 

Em  abril  do  anno  seguinte  haviam  61  casas  de  telha,  38  em  cons- 
trucçáo e  93  ranchos  de  pallia,  estando  concedidos  para  edificação  mais 
194  lotes  de  terrenos ;  ao  todo  293,  mais  27  do  que  ao  anno  anterior. 

21    DE   ABRIL   DE    1862. 


6  DE  ABRIL  DE  1861 

Brasileiros 

1.187 

Italianos  . 

.     29 

Francezes . 

.     26 

Allemães  . 
Hespanhoes 

Argentinos 

.  2 
.       6 

.       6 

Orientaes  . 
Bolivianos 

.  9 
.       3 

Portuguezes 

.       0 

Americanos 
Escravos  . 

.  3 
.    44 

Brasileiros,  homens 
mulheres 

732 
s  394 

1.126 

Italianos      h. 
m. 

.     21 
.      3 

24 

Francezes      h. 
m. 

.     21 

.       5 

26 

Allemães     h. 
Hespanhoes  h. 

Argentinos   h. 
m. 

.       3 
.      5 

20 
.     12 

3 
5 

32 

Orientaes     h. 

Bolivianos    h. 

m. 

3 
3 
2 

3 
5 

Portuguezes  h. 
m. 

10 
3 

13 

Escravos    .    . 

'    • 

34 

34 
1.281 

1.315 

(a)  Quadros  estatísticos  de  6  de  abril  de  1861  e  21  de  abril  de  18ô'>,  organisados 
de  erdem  do  presidente  Penna  pelo  Sr.  tenente-coronel  Hermenegildo  de  Albuquer- 
quí^  Porto  Carrero.  coiT»mandante  do  corpo  de  artilbaria. 


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í   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  299 

Em  1864  era  sua  população  de  1.315  habitantes  e  em  1872  de 
3.361. 

Em  1876  calculava-se  a  da  villa  em  cinco  ou  seis  mil  habi- 
tantes, incluindo  a  povoação  do  Ladario.  Como  já  vimos,  cerca  de 
três  â  quatro  mil  paraguayos,  em  meiados  desse  anno,  affluiram  á  ella, 
acompanhando  nossas  forças,  mandadas  retirar  de  Assumpção,  e  que  emi- 
graram a  mór  parte  por  já  estar  acostumada  á  viver  da  ms^a  etapa  dos 
soldados,  e  quasi  todos  com  receio  da  liberdade  republicana.  Assim 
via-se  de  repente  a  villa  com  uma  população  quasi  dobrada.  O  Visconde 
de  Inhaúma,  o  Madeira  e  outros  grandes  transportes,  conduziam  em  cada 
viagem,  com  a  tropa,  perto  ou  mais  de  mil  e  quinhentos  paraguayos. 

O  commercio  dobrou  e  a  presença  da  tropa  chamou  uma  nova  coló- 
nia de  negociantes,  ou  melhor  traficantes.  O  Ladario  converteu-se  tam- 
bém n*uma  florescentissima  povoação,  com  cerca  de  três  mil  almas,  varias 
rua£  e  boa  casaria.  Mas  não  é  debalde  que  se  agglomera  assim  um  povo 
de  immigrantes,  a  mór  parte  ociosa  e  parasita.  Em  breve,  tanto  ahi  como 
ua  villa,  viram-se  as  ruas  cheias  de  mendigos,  uns  enfermos  e  estropiados, 
outros  apenas  affectados  da  preguiça,  esmolando  a  caridade  publica ;  e  a 
miséria  tocou  á  seu  auge,  quando,  de  um  lado  o  governo,  por  forçadas 
economias,  viu-se  obrigado  á  suspender  as  obras  do  arsenal  e  despedir 
centenas  de  empregados ;  e  do  outro  a  retirada  para  Cuyabá  de  parte 
da  tropa,  que  teve  de  abandonar  o  seu  séquito  por  não  caber  nas 
pequenas  embarcações  que  a  conduziam.  Sem  isso  Corumbá  seria  em 
breve  a  primeira  cidade  da  provincia,  como  já  é  o  empório  do  seu  com- 
mercio; seu  porto  franco  recebe  dmante  meio  anno  navios  do  maior 
calado ;  vapores  do  porte  de  naus  de  linha  e  de  lotação  superior  á  três  mil 
toneladas. 

Seu  commercio  é  em  geral  estrangeiro,  e  á  esse  elemento  deve 


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300  rriMERÀRio  dá  corte 

grande  parte  de  seu  incremento,  que  podia  ser  maior  si  não  fosse  o  con- 
trabando que  ahi  se  faz  em  grande  escala  (a),  e,  que  lesando  gravemente 
a  fazenda  nacional,  traz  graves  prejuizos  ao  commercio  licito. 


IV 


Como  já  viu-se,  seu  clima  é  altamente  saudável,  sendo  as  suas  esta- 
ções bem  definidas.  Nos  três  annos  que  ahi  estivenios^  a  media  de  verão 
foi  de  30*,8  e  a  de  inverno  21*,25.  As  noites  sào  sempre  frescas  e  ame- 
nas ;  na  força  do  verão  as  brisas  do  sul  mitigara-lhe  o  rigor  e  as  da  noite 
muito  se  abrandam  ao  passarem  por  sobre  os  immensos  paramos  fron- 
teiros, onde  serpeiam  os  afBuentes  septemtrionaes  do  Paraguay,  que,  no 
tempo  das  aguas,  transmudam  esses  paramos  em  mares. 

Poucas  cidades  gozarão  como  Corumbá  de  um  horizonte  tão  dilatado 
e  aprazivel,  era  meio  de  terras.  A'  essa  magnifica  posição,  á  sua  fácil  cir- 
culação das  brisas,  deve  ella,  sem  duvida,  a  sua  salubridade. 

Fora  talvez  a  nossa  primeira  praça  de  guerra,  defendida  por  seus 
cinco  fortins  e  uma  linha  de  trincheiras  que  a  circumda  pelo  lado  de 


(a)  «  O  tratado  de  commercio  de  7  de  março  de  1877,  celebrado  com  a  Bolívia, 
garante  a  passagem— livre  de  direito— das  mercadorias  para  ella  importadas  ou 
delia  exportadas.  SucceJe,  porém,  que  como  taes  muitas  vém  Paraguay  acima, 
quer  dos  portos  do  oceano,  quer  dos  das  republicas  platinas,  sob  tal  designação, 
com  endereço  ao  logar  da  Pedra  Branca,  na  fronteira  de  Oorumbá,  e  á  margem  da 
bahia  de  Gáceres.e  dabi  voltam  clandestinamente  para  o  commercio  da  cidade  e  para 
o  da  cidade  de  S.  Luiz  de  Cáceres,  sinão  para  o  da  capital,  lesando  enormemente 
08  intoressos  do  fiseo  e  prejudicando  o  commercio  sisudo.  £*  da  mais  alta  necessi- 
dade uma  medida  tendente  á  cohibir  esse  crime,  hoje  principalmente,  que,  cessada 
a  isempçáo  de  direitos  que  o  governo  concedera  ao  commercio  da  província,  estão 
as  suas  mercadorias  de  exportação  e  importação  coUocadas  na  mais  desvantajosa 
relação  com  a  Bolivia,e  acoroçoado  o  abuso  desse  commercio  illegal  e  de  verdadeira 
pirataria.  A'  não  haver  medidas  promptas  e  enérgicas,  o  contrabando  arruinará  o 
commercio  licito,  aggravando  sobremaneira  os  interesses  do  Estado  (Do  ittt- 
ciador),  » 


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i  CIDADE   DE    MATTO-GROSSO  301 

terra,  e  abstracção  feita  das  fortificações  do  Ladario,  á  meia  légua  apenas, 
si  já  não  sofiresse  do  mal  que  ataca  á  todas  as  nossas  cousas,  trazido  pela 
inércia  e  cansaço,  para  não  dizer  desmazelo.  E'  só  quando  se  espera  a 
visita  das  primeiras  autoridades  da  província,  que  alguns  dos  fortins  se 
livram  dos  mattos  que  lhes  cobrem  os  terraplenos  e  já  lhe  vão  derrocando 
as  muralhas;  mas  o  alcance  dessas  visitas  já  não  chega  ao  benefício  das 
trincheiras  de  circumvallação,  que  pouco  á  pouco  se  esboroaram  e  na 
maior  parte  desappareceram. 


O  solo  de  Corumbá  é  quasi  que  inteiramente  formado  de  calcareo 
silicose,  cinzento  ou  negro,  raras  vezes  esbranquiçado,  o  qual  já  vae 
fazendo  a  fortuna  de  alguns  industriaes  que  ahi  estabeleceram  caeirasy 
tendo  achado  reunidos,  no  mesmo  sitio,  a  rocha,  a  agua  e  a  lenha. 
Abunda  também  de  grez  quartzoso,  varias  espécies  de  schistos  e  piçarrões 
grawackes  grosseiros,  psamitos  de  varias  cores  e  algum  gneiss.  Nos  arre- 
dores da  cidade  é  este  abundante,  e  predomina  associado  com  a  itabirite  e 
uma  espécie  de  arkose,  esponjosa  e  ferruginea,  de  origem  plutonica,  ahi 
conhecida  pelo  nome  áe  pedra  canga,  Apparecem  também  as  rochas  felds- 
pathicas,  granitos  e  schistos  ferrosos,  e  outras  rochas  de  crystallisação  ; 
schistos  phyladios  de  cores  diversas,  passando  do  cinzento  ao  negro  e  do 
vermelho  ao  violete.  Na  escarpa  da  barranca,  onde  se  abriram  as  ladei- 
ras que  communicam  a  cidade  com  o  porto,  vêm-se,  formando  o  assoalho 
e  paredes,  no  meio  das  pedras  laminiformes,  formosas  âendriies,  em  que  a 
natureza,  ou  melhor  a  acção  das  aguas  infiltradas  pelos  intersticios 
microscópicos  da  pedra,  desenha  arvores,  flores,  estrellas,  arabescos  e 
paysagens  tão  lindas  quão  caprichosas.  Dos  espécimens  que  colhi,  alguns 
são  notáveis  por  mostrarem  ao  exame  as  colorações  magnesianas  do  phyl- 
ladio. 


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302  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Na  cidade  de  Corumbá,  isto  é,  no  meio  desse  solo  que  a  natureza 
dotou  de  uma  vegetação  assombrosa,  são  raríssimas  as  arvores  corpu- 
lentas ou  alterosas*  E'  que  entre  nós,  quando  se  prepara  o  terreno  de  uma 
povoação,  o  traçado  de  uma  estrada,  de  uma  casa,  mesmo,  o  primeiro  e 
o  que  parece  mais  importante  trabalho  é  uma  derrubada  geral  e  com- 
pleta das  mattas  do  local  e  sitios  vizinhos.  Entretanto,  com  menor  tra- 
balho, feita  a  demarcação  e  destruído  o  que  estava  no  terreno  á  beneficiar, 
podiam  ficar  as  outras  arvores  para  belleza  e  sombra  nas  ruas,  praças  e 
jardins  do  mesmo  modo  que  á  orla  das  estradas.  A  estrada,  ultimamente 
aberta  entre  a  cidade  e  o  Ladario,  fez-se  com  uma  derrubada,  na  floresta, 
de  cento  e  vinte  metros  de  largura,  sendo  que  só  se  aproveitou  no  uso 
um  pequeno  trilho  ou  picada. 

Hoje  começa-sena  cidadeo  plantio  das  arvores;  abri  o  exemplo  na  rua 
Augusta,  na  qual  os  Srs.  coronel  Moraes  Rego  e  capitão  Pinto  Guedes,  do 
2"  batalhão  de  artilharia,  continuaram  a  arborisação,  plantando  dous 
formosos  renques,  com,  pouco  mais  ou  menos,  sessenta  gamelleiravS,  cedros 
e  ingazeiras,  que  hão  de  em  poucos  annos  tomar  ainda  mais  aprazível 
'  essa  rua,  a  mais  bem  situada  da  cidade,  si  a  ignorância  ou  a  maldade  não 
julgarem  mais  acertado  deital-as  abaixo. 

Nas  escarpas  da  barranca,  nas  suas  grotas,  cresce  abundantemente 
uma  myrtoidea,  cujo  fructo  cordiforme  assemelha-se  á  manga,  na  forma, 
e  na  cor  quando  madura,  por  ser  matizado  das  cores  vermelha,  amarella 
e  verde.  Kegula  seu  tamanho  com  as  pequenas  mangas  de  Itamaracá ;  é 
uma  formosa  drupa  doce-amarga  no  gosto,  sylvestre  e  completamente 
desconhecida,  apezar  de  vegetar  tão  abundantemente  dentro  do  povoado. 

Quando  a  encontrei  no  verão  de  1875  não  na  conheciam,  nem  lhe 
tinha  ainda  prestado  attençáo  os  próprios  principaes  e  mais  intelligentes 
moradores.  Cultivado,  talvez  que  um  dia  se  torne,  como  todos  os  outros, 
um  fructo  primoroso.  E'  um  arbusto  de  dous  á  quatro  metros  de  altura,  o 


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i  CIDADE      MATTOGROSSO  308 

caule  typico,Í8to  é,  lenhoso,  sulcado,  liso,  desprendendo  o  epiderme  em 
folhetas,  folhas  oppostasjlancioladas,  acumiuíidas,  brilhantes  e  cora  pontos 
translucldos,*flores  brancas,  polyandrias,  sem  pistillo,  cinco  carpellos,  ovário 
trilocular,  grãos  erectos,  basilares.  Nâo  a  conhecendo  ainda  doscripta  na 
sciencia,  atrevi-me  a  propôr-lhe  o  nome  de  coruníbania  nwngiforme. 


Nas  mattas  crescera  principalmente  o  angico  e  as  peúvas  ;  á  orla 
das  estradas  notam-se  formosas  restmreas  e  eriocaulom  de  quasi  dous 
metros  de  altura,  com  suas  hastes  lisas  e  compridas,  encimadas  por  vistosa 
fronde.  O  algodoeiro  é  indígena  e  encontra-se  sylvestre  nas  mesm  is  mattas 
e  taboleiros  onde  se  colhem  as  saborosíssimas  mangabas. 

Nos  quintaes  da  cidade  já  se  vae  cultivando  a  banana,  a  laranja,  o 
limão,  mí^nificas  fructas  do  conde  e  outros  fructos,  havendo  necessidade, 
porém, de  preparar-se  otepreno,  livrando-o  de  uma  parte  do  seu  elemento 
calcareo.  Em  compensação,  arredores,  onde  esta  rocha  não  está  á  flor  do 
solo,  é  este  fertilissimo.Pena  é  que  a  grande  lavoura  restrinja-se,  apenas,  á 
dous  ou  três  estabelecimentos  i  mportantes. 

Destes  o  principal  é  a  fazen  la  de  PiraputangaSy  á  sete  léguas  da 
cidade;  já  foi  uma  das  primeiris  Ji  província  em  riquezas  de  gados  e 
prosperidade  na  safra  do  assucar,  farinha,  milho,  arroz  e  feijão,  com  que 
abastecia  a  cidade.  Os  paraguayos  devastarara-a  e  arrebatarara  seus 
gados.  Seu  proprietário,  Joaquim  José  Gomes  da  Silva,  barão  de  Villa 
Maria,  desde  1870  que  a  ia  reerguendo  e  já  começava  á  colher  bons 
fiructos  quando  a  morte  o  assaltou  no  mar,  recolhendo-se  da  corte,  aonde 
o  tinham  levado  interesses  da  maior  monta,  quaes  os  da  mineração  do 
ferro;  mas  o  assassinato  do  seu  filho  José  Joaquim,  logo  em  junho  se- 
guinte, fizeram  perder  as  esperanças  de  sua  restauração  ou  pelo  menos 
espaçal-a  de  muito. 


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304  ITINEKiKIO   DA   CÔHTE 

As  outras  lavouras  mais  notáveis  são  as  situações  de  S.  Domingos, 
que  também  pertencera  ao  barão,  e  a  do  Urucú,  do  Sr.  Uldarico  Colombo, 
a  qual  vae  prosperando  á  força  de  trabalho  e  ordem. 


O  ferro  é  tão  commum  nestas  paragens,  que,  na  extensão  de  algumas 
léguas,  montanhas  e  planicies  e  os  leitos  dos  riachos  são  terrenos  tão 
mineraes,  que  as  amostras  analysadas  na  Casa  da  Moeda  deram  69  por 
cento.  Em  alguns  logares  a  pedra  tem  a  côr  que  é  própria  ao  ferro,  e  seu 
peso  é  extraordinário,  tamanha  é  a  parte  do  metal  que  lhe  entra  na  com- 
posição. 

Junto  á  S.  Domingos,  no  alta  da  montanha,  vê-se  uma  face  talhada 
á  pique,  lisa  como  um  muro,  e  que  mais  parece  uma  grande  massa  férrea 
do  que  rocha  dioritica.  De  uma  fenda  quasi  transversal  descem  salteando 
as  origens  do  córrego  de  S.  Domingos,  que  com  o  de  Piraputangas  vão 
formar  a  lagoa  do  Jacadigo. 

Encontra-se  o  metal  em  vários  estados,  predominando,  porém,  o 
ferro  olygisto.  De  algumas  bellas  amostras  que  se  colheu,  umas  eram  side- 
roses  ou  carbonato  de  cal  e  ferro,  duas  de  ophiolito  verde^escuro 
com  granulações  de  sperktse  e  duas  de-  niobifo  (niobato  de  ferro  e 
manganez),-  estas  ultimas  no  leito  do  córrego  do  Piraputangas,  cujas 
aguas,  como  as  do  S.  Domingos  e  dos  outros  riachos  dos  arredores,  puras 
e  crystallinas,  são  notáveis  por  não  guardarem  o  menor  saibo  do  metal, 
apezar  do  terreno  donde  se  originam  e  por  onde  deslisam. 


As  montanhas  de  origem  plutonica  tém  quasi  que  todas  as  suas 
terminantes  nesse  modo  abrupto  e  vertical  que  já  descrevi  e  que  são 
communs  ás  rochas  de  formação  férrea.    A'  esse  modo  de  terminação 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  305 

chamou  Lacerda  esfambres  (a),  não  sei  porquê ;  os  naturaes  mais  apro- 
priadamente denominam-a  de  trombas.  Suas  arestas  verticaes  e  quasi 
lisas  só  deixam  perceber  aqui  e  ali  as  saliências  de  dikes,  blocos  de  rocha 
mais  dura  naquella  engastados,  e  menos  sujeitos  aos  ataques  do  calor  e 
da  humidade. 

Ha  nesses  terrenos  taboleiros  de  pedra  canga,  mais  ou  menos  eleva- 
dos, quasi  sempre  cobertos  de  cacttiSy  gloxinias  e  bromelias  sylvestres.  Na 
subida  dessa  montanha  de  S.  Domingos  ha  uma  grande  superfície  quasi 
plana  e  ligeiramente  declive,  coberta  de  ^nelocactus,  a  mais  formosa  e 
bizarra  espécie  de  sua  familia,  ora  com  as  arestas  guarnecidas  de  longos 
aculeos  e  semelhando  ao  ouriço,  ora  inerme  ou  de  ténues  espinhos,  e  pare- 
cendo uma  coroa  imperial.  Perto  dahi,  mas  já  na  outra  face  da  montanha, 
estão  á  descoberto  veeiros  de  leptinito  tão  granulado  e  tão  branco 
como  o  da  pedreira  da  Candelária  na  corte. 


Na  fazenda  de  Piraputangas  encontrámos  uma  boa  centena  de  indios 
das  tribus  giuiná  (ou  icouôrô-ôm)  layana^  tcrena,  chuála^  e  quiniquinaus 
(koiml-eum)^  uns  descendentes  da  antiga  e  terrivel  nação  dos  guaycurús 
Qji  indios  cavalleiros,  e  outros  da  grande  familia  tupica,  de  cujo  dialecto 
guardam  muitas  reminiscências  nas  suas  linguagens.  O  Dr.  Alei.  R.  Fer., 
carta  de  5  de  junho  de  1791  ao  governador  João  de  Albuquerque,  diz  : 

«  Pouca  dififerença  tém  dos  guaycurús  os  guanás,  de  quem  são  vizi- 
nhos, amigos  e  alliados.  Casam  entre  si  reciprocamente  e  se  auxiliam 
sempre  que  assim  o  pede  alguma  urgência  publica  ou  particular.  Porém 
não  arrancham  em  tejupares,  e  suas  palhoças  tém  uma  figura  oval,  com  a 


(a)  Talvez  erro  de  copia  de  itambèi, 

39 


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306  ITINERÁRIO    DA    CORTE 

cumieira  muito  alta,  cobertas  dessa  espécie  de  gramma  que  se  chama 
sapé.  (a)  »  _ 

Os  quiniquinaus  são  também  conhecidos  por  guaycutys,  nome  que 
bem  alto  revela  sua  origem.  Seu  idioma  é  especial,  e  não  encontrei  ne- 
nhum outro  que  se  lhe  possa  assemelhar  na  prosódia  e  nas  terminações 
eidruiulas,  quasi  sempre,  nas  quaes  predominam  as  consoantes  d  e  g. 

Delles  e  dos  layanas  obtive  alguns  vocábulos  que  aqui  transcrevo, 
sendo  o  dos  primeiros  inteiramente  distincto  dos  que  nos  deixaram  os  illus- 
tres  Martins  e  Saint  Hilaire  e  também  Castelnau.  Não  cito  outros  autores, 
porque,  em  geral,  á  esse  respeito  reproduziram  observações  daquelles 
viajantes  (b). 

GXLVII 

(a)  Ms.  da  Bibl.  Nacional 

17—14 

íb)  O  Sr.  Joaquim  Ferreira  Moutinho,  na  sua  Noticia  sobre  a  provinria  de 
Matto-Grosso^  traz  também  alguns  vocabulários.  Todavia,  apezar  da  sua  respeitá- 
vel assersáo  á  pag,  2*2*i  e  22  •,  guardo  fé  de  que  o  illustre  autor  nào  esc  eveu 
conforme  ouviu.  Citando  um  erro  de  Bossi,  que  escreveu  cunho  por  kunhi,  que 
eUe  affirmater  ouvido  de  um  paraci  ser  assim  no  seu  idioma  diz:  «  —  Por  esies  mo- 
tivos nos  abstemos  de  dar  a  sua  linguagem  (*)  afim  de  que  mais  tarde  um  exame 
mais  minucioso  nào  possa  desm^niir-nos.  As  línguas  que  apresentimf»s  suo- nos 
conhecidas,  e  temoUas  visto  autorisadas  por  outras  pessoas,  sendo  a  mais  notável 
Won  Martins,  que  publicou  um  diccionario  da  língua  indig^na. .  P.ira  conhect^l  a. 
sobretudo,  é  mister  ter-se  conhecimento  dos  próprios  índios,  o/i./»  cí^  d.*/Md''ir-ar'í/i 
pronuncia;  ao  contrario  é  impossível  pronuncíal-as  com  corteza.  porque  h  maior 
parte  das  syllabas  sào  gutturaes,  pronunciadas  com  muito  vagar,  uma  por  uma. 
Pela  leitura  é  difficíl  comprehender-se  esses  differentes  vocábulos  que  >nrs,n^o  nói 
achamos  sufn»na  difflculdade  em  escreoer,,.  Depois  que  chegámos  á  S  Paulo,  on^e 
nos  resolvemos  á  publicar  este  livro,  vimos  a  Chrestomatia  da  língua  brasileira 
pelo  Sr.  Dr.  Ernesto  Ferreira  França,  por  onde  podíamos  »*nriqueccr  muito  os 
nossos  apontamentos ;  fora,  porém,  um  abuso,  e  desap pareceria,  ao  menos  para  nós 
todo  o  merecimento  que  damos  ao  trabalho  que  tivemos  em  indagar  o  pouco  que 
produzimos,  estimando  muito  mais  publical-o  singelo  e  pobre  do  que  rico  á  custa 
alheia.  Outro  tanto  nos  aconteceu  com  o  Diccionario  d??  TFan  J/artÍM5.  obra  »le 
muito  merecimento  neste  género.  Em  muita*  ncrasiòg*  dífftirimos  lUx.tr  celrbrg 
autor ^  porque  julgamos  náo  dever  affastarmos  em  nada  do  que  aprend^imos  pratica- 
mente com  08  próprios  indios(").  » 


(•)  O  que  foi  muito  mal  feito  por  parte  do  autor,  que  justamente  escondeu  um 
thesouro  ainda  inexplorado. 
(••)  Â'tV,  salvo  os  griphos. 


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l  CIDADE      MATTO-GROSSO  307 

Eis  alguns  dos  vocabxilos  colhidos : 

LAYANAS  QUINIQUINAUS 

Agua  tôhna  nógodi  (pelos  homens), 

niôgo  (mulheres) 
Aguardente  —  nodáqui 

BDtretanto  é  de  adoidar  o  estudioso  o  vôr  esse  illustrado  escriptor  coQfirmar  o 
que  escreveram  Von  Martius,  Saint  Hiiaire,  Casteloau,  etc.,  que  o  fizeram  confonre 
a  pronuncia  que  lhes  era  própria,  e  autorisar  com  a  sua  valiosa  autoridade,  por 
exemplo,  os  vocábulos  :  nos  bororós  —  couai,  macounai,  oíMi^terou^igoulai^itai^ 
cugna^cualo-latou-Otloiui^  au,  cueruue  aleu ;  nos  apiacás —mocou^»  cognato, ou- 
vourapa^  toupa,  pHa(coco) ;  nos  guatós—( r<mai,  dut^-ouni.  tchoum,  dehay;  nos  cha 
vantes  —  aoupranai^  monpchai^  schoutadon^  monotonau,  kttu^  ouali^  chourou, 
acottati,  doianau^  etc. 

B'  notavf  1  coincidência  o  feliz  encontro  do  autor  com  o  pequeno  Sebastião,  indio 
coroado  já  mui  lido  em  Martins,  o  qual  foi  lhe  dando,  sem  duvida  por  escripto,  a 
avaliar-se  pela  ortographia,  os  vocábulos  dos  xopotós  e  coroados  da  Aldôa  da 
Pedra,  modificando  apenas  as  vozes  yué^  laune  e  lobé,  que  no  autor  germano  vêm 
gucK  lannu  e  lobch,  e  com  o  accrescimo  de  tiro— pum  /—que  Martins  não  soube. 

Mas  não  é  muito  de  extranhar  isso,  quando  á  par  de  maus  autores,  como  um 
conterrâneo  do  Sr.  Moutinho,  traductor  das  Viagens  de  Jacques  Arago,  o  qual 
julgou  dever  enriquecer  a  lingua  com  ttouroucoucou^  tijouca,  pagayar,  etc.,  vemos 
lambem  homens  de  letras  notáveis  escreverem :  agoutiguepe,  ahouai,  araboutan, 
caa-jandiwap,  cachibou,  conawi,  caouim,  couguerecou.  coumarourana,  cuipouna, 
caoutchouc,  achira^ourou,  ouaouassú,  etc,  pela  razão,  pouco  razoável,  de  assim 
trazerem-o  os  autores  francezes  donde  as  coUigiram,  que  o  fazem  por  um  sestro 
abstruso  de  não  perderem  a  pronunciadas  palavras,  sem  attenderem  ao  gallima- 
tias,  ou  melhor,  á  monstruosidade  que  produzem.  Porém,isso  são  elles  lá  que  fazem, 
e  sua  alma  sua  palma.  Mas,  portuguozes  escreverem  em  portuguez  caouim,  oua- 
ouassú, caoutchouc.  coumarou,  é  levar  muito  longe,  além  das  raias,  o  amor  á 
sciencia. 

E  já  que  vém  á  pello,  lavrese  um  protesto  contra  esse  latim  hybrido  com  que 
francezes,  aileniâes  e  inglezes  têm  macarronisado  as  sciencias,  principalmente  na 
historia  natural,  onde  são  palavras  latinas:  Bousstngaultia,Bougainvillea,  Bouvar- 
dia,  Broussonetia,Gouroupita  guyanensis,Fourcroya,  Lavoisieria,  Pitcairnea,  Poin- 
cíanea.Poinsettia,  Secquoya,Stack-houseacea,  etc.,linguagem  nova  que  os  latinistas 
hào  de  pronunciar  conforme  a  prosódia  de  Latium,  como  as  vém  escriptas.e  não 
conforme  a  franceza,  que  o  latim,  lingua  mãe  e  lingua  morta,  não  pôde  receber  in- 
flexões que  lhe  alterem  a  orthographia  e  a  prosódia.  Nós  lemos  Byron  e  Voltaire, 
dando  ao  y  e  ao  ai  os  sons  e  ai  e  de  <^,  que  tém  em  seus  idiomas,  porque  são  e  serão 
sempre  palavras  dessas  linguas  ;  mas  já  dizemos  byroniano  e  voUairiano,  conser- 
tando o  som  portuguez  do  y  e  do  ai,  porque  essas  palavras  são  neologismos  nos- 
sos, e  portanto  vocábulos  portuguezes«  acceitos  sem  deturpar  ou  viciar  a  origem, 
como  dar-se-hia  si  escrevêssemos  baironiano  e  volteriano. 

Argumentam  que  ha  obrigação  de  pronunciar-se  BusseogO  cia,  furcroaia,  pars^ 


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308 


ITINEBABIO  OA  CÔBTE 


LATANAS 

QUINIQUINADS 

Algodão 

tôhna 

cotámo  (a) 

Amamentar 

— 

jenipreóníghi 

Amanhã 

— 

natinígoi 

Anta 

apolicán 

keuáladje  (b) 

Aracuan 

— 

cutivína  (c) 

Anus 

acicicô 

wibcighi 

Arara 

— 

uakilikêpa  (d) 

Arroz 

— 

nacah-diuah 

Arvore 

ticôte 

ivôco 

Avô 

Ôtu 

— 

Avó 

otê 

— 

Arilla 

—   ■ 

Aiaiirataque 

Banana 

oãta 

— 

Barba 

— 

coque-heikíghe 

Barriga 

ingoho 

foéhê 

Beber 

henou-modi 

jaháca 

Beijo 

— 

soquirá 

Boca 

báhâlo 

^iniólãque 

Bonito,  bom 

— 

lebiniquéne 

Braço 

dahaki 

bahá-hârâde 

Brincos 

— 

coghuei-kékíghi 

Cabeças 

tôde 

íiaquílo 

Cabellos 

doote 

himiòie 

Caitetu 

— 

caitxira 

»    queixada 

— 

niguedaigue 

Calcanhar 

— 

txihoh 

Canna  de  assucar 

— 

nipeh;  naáila 

Cara,  rosto 

inongo 

hi  atôbe  (e) 

Casamento 

entz-heco-cotê 

jax)tra  diónigue  ;  diohe  chacas 

Cavallo 

kamo ;  apolicán 

keuáládjo  (f) 

Céo     ^ 

manokeis 

— 

Chuva 

huco 

hebíque 

Coatá  (macaco) 

hahai 

— 

poder  ser-se  entendido  na  sciencia;  eeu  acho  que  não,  e  esse  achado  é  que  parece 
comprovar  o  erro  do  neologista.  9i  se  quer  alatinisar  nomes,  dè-se-lhes  a  forma 
latina  pura  e  completa,  conforme  sua  Índole  e  regras  grammaticaes.  £  tal  foi  esse 
sempre  o  uso  recebido  e  ensinado  por  todos  os  clássicos  e  léxicos.  O  mais  é  dislate. 

(a)  Donde  os  francezes  receberam  o  coton  ? 

(b)  Gorruptella  de  cavallo  ? 

(c)  W.Jacú  e  a  nota. 

(d)  Em  tupi,  papagaio  é  paragtÂd, 
(6;  No  tupy  toba. 

(f)  Oonuptela  de  cavallo  f 


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Á  CIDADE  DE 

MATTO-GROSSO                                       3( 

LATANAS 

QUINIQUINAUS 

Cobra 

cotiohê 

oya  (a) 

»    sucury 

— 

oya-kehoá 

»    giboia 

— 

oya-ojoi 

Comer,  eu  como 

nigoáte 

Aío-ehene ;  */o-hene-hôde 

Comprido,  longo 

— 

ocráta 

Cotovello 

djolépôque 

romôque 

Criança 

calióno 

xirolatuáne 

Curioso 

— 

aguir-caháurate 

Carto,  pequeno,  estreito     — 

oána ;  oxupána-oána 

Casa 

nichéna 

cudeírie 

Deus 

mandréra;  cohôte 

onuenatáorode 

Dedos 

txiláque 

M  báha  hílrate 

Dedo  poUegar 

— 

»      »     lodo 

»    indicador 

— 

7/íelácMge 

»    médio 

— 

hthicòige 

»    minimo 

— 

hi  bahá-híírrite  oána 

»    dos  pés 

— 

///ocona-oána 

Demónio 

oxibohê 

enianigódjigode 

Dentes 

ouhê 

codohê 

Dar 

— 

adediánote 

Dormir 

— 

//^ehôte 

EUe 

— 

adjuáte 

Ema,  avestruz 

— 

ápa-cainíghy 

Escorregar 

— 

dabiléque 

Extracto 

— 

honigôdodi 

Estrella 

porágui ;  yhóre 

hio  tôde 

Eu,  meu 

— 

hio ;  heiho 

Faca 

— 

nudadjo 

Fallar 

djaquicúre 

jothah 

Fallador 

— 

hotráhe-xerah 

Fazer 

— 

jaôtro 

Frio 

— 

lebeiháque 

Feijão 

heuqui 

ediauha 

Ferro 

— 

napiléque 

Filha 

enzine,  alivoáno 

/?2ona 

Fumo,  tabaco 

txahi 

— 

Filho 

djicá ;  caliuno 

A/ónaghy 

Fogo 

— 

nolédl 

Garganta,  pescoço 

— 

jahá 

Gen.  hom. 

gheu 

helérôde 

»    fem. 

zehédi 

oliána 

Gallinha 

tapihy 

— 

(a)  No  tupy  mboy 

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310 


mKEKÀRIO  Dl  COBTE 


LAYANAS 

QUINIQUINAUS 

Grande 

tapihy 

helióde 

Hoje 

coiena 

nátigde 

Homem 

hapohitê 

helióde 

Hontem 

poniogôte 

joti-hinôco 

Irmã 

loke 

nio  halôde 

Irmão 

titêre 

Ainioxoàte 

Jacaré 

— 

niorxei 

Jacu 

— 

cotivi-nhoar  (a 

Jaguatirica 

— 

cutxlo 

Joelho 

buhúio 

hio  code 

Largo,  vasto 

— 

helióde 

Lingua 

nehne 

hio  kélégui 

Longo,  comprido 

— 

ocráta 

Louco 

— 

hietôle 

Lua 

cohehé 

hepenái 

Mãe 

memen 

hieàèàe 

Mamas 

— 

hehelête 

Mão 

huanho   ' 

honigha-xiuva 

Mau 

poadjo 

agopêlo 

Matto 

hohei 

— 

Medico 

— 

nietadnuáno 

Menina 

alivoáno 

ninghah-oána 

Menino 

caliôno 

ningah-ani 

Meu 

djê 

hio,  nio 

Minhoca 

— 

anadhéghére 

Moça,  mulher 

aronái 

— 

Moço,  rapaz 

oma-he 

— 

Montanha 

— 

hueh-tirah 

Mulher  casada 

zehéna 

helôde 

Mutum 

— 

naginikin-hoar 

Não  ha 

ahéca 

— 

Nádegas 

guhuna 

hia  húvio 

Nariz 

ghire 

himígo 

Neta 

— 

álÔde 

Neto 

— 

áte 

Olhos 

onghêh 

kekerehê 

Onça 

haahôte 

nigdiôgo 

Orelhas 

ghehéna 

pahrate 

Pacú  (peixe) 

— 

caátépa 

Padre 

— 

nidjiéni 

Pa^j 

tala 

atada 

(a)  R*  notável  as  vozes  semelhantes  com  que  muitos  e  extranhos  dialectos  co- 
nhecem o  jaca  e  o  mutum. 


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A   CIDADE   DE   MATl-Q-GROSSO 


311 


LAYANAS 

QUINIQUINAUS 

Panno 

tala 

adohonâi 

Pau 

ticoôte 

goniládge 

Pé 

djehêve 

Aíbyháde 

Pedra 

marihipa 

hueh-tirah 

Peito 

djehehémi 

«taticógôde 

Peixe 

hehéo 

norogéghi 

Penna 

quipeh 

— 

Perna 

'    guhuna 

natínígoi 

Pescoço 

djôgo 

7/fototi-hénadge 

Porco 

nipôco  (a) 

— 

Papagaio 

— 

naxacôna 

Queixos 

nohío 

hio  hôde 

Relâmpago 

txuluvucáte 

noléghipa 

Kio 

hanáhi 

— 

Kosto 

— 

— 

liouco 

— 

idoleáu 

Kubafo  (trahiraj 

— 

héuque 

Sapato 

— 

Aioehéladge 

Sobrinha  do  hom. 

— 

AVteixéque 

»     da  mulher 

— 

Aílédõde 

Sol 

hatxè  (b) 

allighêra 

Tatu 

— 

otiuíreh 

Ter 

— 

ene 

Terra 

marihipa 

— 

Testa 

inongo 

— 

Testículos 

anhanguehê 

álólah 

Trovão 

hunohóbate 

txinôho 

Tu 

— 

anhami 

Tenha  dó  de  mim 

— 

adive-codenta 

Umbigo 

unhúna 

odòdae 

Veado 

— 

caliocán 

Velho 

lecoténe 

— 

Veneno 

— 

caio 

»     de  seita 

■  — 

cúpi 

Na  lingua  guaycury  a  primeira  syllaba  dos  nomes  que  começam  em 
hi,  hio,  ni,  je,  ja,  exprime  ordinariamente  o  pronome  da  primeira  pessoa 

(a)  Lasitanismo  ? 

(b)  Nesta  palavra  a  syllaba  final  é  tâo  fortemonto  aspirada  e  giittural,  qu«^  só 
melhor  pcnle  s  r  expressada  c  m  o  auxilio  do  et. 


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312  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

OU  O  possessivo  correspondente.  Ora  o  pronunciam  brando,  ora  com  forte 
aspiração. 

Pobre  como  a  mór  parte  das  linguas  incultas,  o  mesmo  nome 
serve  para  expressões  differentes  :  assim  heliodc,  que  designa  o  homem, 
exprime  também  a  idéa  de  grande,  valente,  arrojado,  impetuoso, 
vasto,  etc,  isto  é,  todas  as  idéas  de  grandeza  e  força.  Antes  de  eu  conhe- 
cer o  seu  dialecto,  achava-lhes  muita  graça,quando,  contando-me  façanhas 
da  caça,  e  as  força  e  destreza  da  onça,diziam  esta  só  temer  o  garrote  bravo, 
por  este  ser  homem ! 


IVIorro   cio    J^m^    do    ^neuoar. 


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CAPITULO  V 


Itiíerario  ái  lagoas.  Ltgôa  deCácfres.  A  ilba  dos  Orejooes.  Ai  lagoas  Cipó  e  Haadioré.  A  Ugói  "  len'^  oi  àt  Juan 
de  AjolaL  A  Gabjba  :  o  letreiro.  A  Uberaba  ;  o  Canal  de  D.  Pedro  II ;  o  porio  dos  Reis. 


esquerda  do  porto  de  Corumbá, 

onde  quebra-se  o  rio  em  angulo 

quasi   recto,   fica  a  entrada  da 

lagoa  de  Cáceres  ou  Tamengos 

por  um  sinuoso  canal,  nó  tempo 

de  poucas  aguas,  de  uns  vinte 

metros  de  largura  e  oito  á  dez 

kilometros    de    extensão.    No 

grosso  das  enchentes,  a  lagôar 

aqui  mui  propriamente  chamam 

ts  pelos  rios  e  entretendo  com 

ião,  perde  os  seus  limites,  con- 

faz  parte  do  immenso  alagadiço 

^    ,  ^  ,         -  centenas  de  léguas  quadradas 

desde,  ao  norte,  além   da  fóz  do  Cuyabá  e  da  confluência  do  Piquiry  e 

Correntes,  até,  para  o  sul,  além  do  Mareco,  braço  meridional  do  Miranda. 

E'  o  immenso  lago   dos  Xarayés  ou  Sarahés  dos  antigos,  nome  que  vém 

do  de  uma  tribu  de  aborígenes  que  se    encontrava  nas  terras  altas 

desde  Corumbá  à  Gahyba. 

A  bahia  de  Cáceres  recebe  o  riacho  Conceição^  que  é  talvez  o  Manai 
de  P.  Lozano  (a). 


(ft)  ConquUin  dei  Rio  d'  la  Plata,  lo-IV. 

40 


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314  mNERABIO  DÁ  C&BTE 

Na  maior  parte  do  anno,  ella,  como  as  outras  lagoas  ás  bordas  do  Pa- 
ragnay,  mais  parece  extenso  e  nivellado  prado  do  que  uma  massa  de  agua, 
cobertas  de  aguapés  (a),  nenuphares,  victorias  regias,  e  de  varias  espécies 
de  cyperaceas  e  grammineas  aquáticas  á  que  no  Amazonas  chamam 
canaramís^  cujas  extensas  hastes  e  grossos  rhisomas  formam  um  tecido 
tão  emmaranhado  e  cerrado,  que  detém  muitas  vezes  a  marcha  de  va- 
pores, até  de  grande  força,  como  agora  mesmo  succedeu  ás  canfioneiras 
Fernandes  Vieira  e  Taquary, 


O  nome  de  Cáceres  foi-lhe  dado  em  homenagem  á  Luiz  de  Albu- 
querque, o  administrador  que  mais  deixou  o  nome  ligado  ás  recordações 
de  sua  capitania,  e  também  o  que,  talvez,  melhor  administrou-a.  Além 
desta  ficaram  guardando-lhe  a  memoria  as  duas  Albuquerques,  a  cidade 
de  S.  Luiz  de  Cáceres^  a  Insua,  nome  dado  ás  montanhas  entre  Ga- 
hyba,  a  Uberaba  e  o  Paraguay,  e  um  outro  logar  com  o  mesmo  nome,  em 
Goyaz  (b),  á  três  léguas  da  Ponte  Alta  e  sete  do  registro  do  Araguaya, 
derivado  da  casa  de  Insua,  no  Minho,  solar  da  familia  daquelle  capitão- 
general. 


II 


A'  14  de  julho,  quarta-feira,  embarcada  na  canhoneira  ÍVigwarv, 
commandada  pelo  distincto  capitão-tenente  Alvarim  Costa,  subiu  a  com- 
missão  com  destino  ás  lagoas  Mandioré,  Gahyba  e  Uberaba,  aproveitando 
a  derrota  para  estudar  topographicamente  o  rio. 


(a)  àlururé  e  aunpi,  no  Pará. 

(b)  Luiz  D'Alincourt,  obra  citada. 


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i  CIDADE  DE  MATTO-QROSSO  315 

Desde  Corumbá  começa  elle  á  ser  mui  tortuoso  á  ponto  de,  durante 
quatro  horas,  deixar-nos  gosar  da  vista  da  cidade,  a  qual  desde  a  primeira 
Yolta  do  rio,  longo  estirão  chamado  da  Arancuan^  mostra-se  com  um 
garbo  e  gentileza  que  a  pobre  ainda  está  bem  longe  de  possuir.  Seus 
edifícios  como  que  avultam  e  ganham  com  a  distancia ;  as  igrejas,  ainda 
mesmo  a  em  ruinas,  tomam  formosas  proporções ;  e  os  fortins  novamente 
caiados  e  a  modesta  casaria  dáo-lhe  um  aspecto  encantador. 


A'  21  kilometros  de  Corumbá  passámos  a  ilha  do  Sargento^  á  23 
a  ilha  do  Meio  e  á  30ailhaí7e  Cima.  Com  4  1/2  horas  de  marcha 
pára  a  canhoneira  à  boca  da  bahia  do  Tuyuytíj  entrada  de  rio  de  uns 
quatro  kilometros  sobre  400  metros  de  largura,  á  margem  direita  e  em 
dibtancia  de  37,5  kilometros  de  Corumbá. 

No  dia  15  partimos  ás  7  da  manhã;  ao  meio-dia  passámos  a  Pimen- 
teira^ que  dista  do  Tuyuyú  o  mesmo  que  dista  de  Corumbá ;  ás  7  da 
tarde  o  Carandaí  cerca  de  20  kilometros  adiante ;  ás  5  1/2  os  Castéllos^ 
dous  pequenos  morrotes  fronteiros,n'uma  pequena  volta  em  que  o  rio  corre 
bastante  estreitado.  Estão  cerca  de  22  kilometros  acima  do  Carandá ; 
semelham,  vistos  de  alguma  distancia  á  fortificações  :  são  rochas  de  grez 
schisto,  onde  o  processo  de  decomposição  pelas  aguas,  em  veios  longitu- 
dinaes  e  transversaes,  traz-lhe  o  aspecto  dos  agglomerados  basalticos  ou 
trappoides. 

Fundeou-se  pouco  adiante  ;  e  á  16  sahiu-se  á  mesma  hora  da  ves- 
I)era. 

Ás  11  horas  passou-se  a  ilha  da  Falha  ou  da  Faya^  á  31  kilometros 
dos  Castellos ;  meia  hora  depois  a  ponta  N.  da  ilha  do  Paraiso  ou  Pa^ 
raguay-merim  formada  pelo  braço  deste  nome  do  Paraguay.  Terá  esta 


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316  ITINEUAiaO    DA  CÕBTE 

ilha  uns  noventa  á  cem  kilometros  de  extensão,  sobre  mais  de  quarenta 
de  largo.  No  tempo  das  aguas  fica  completamente  submergida. 

Entro  em  duvida  qual  seja  a  ilha  dos  Orejones  de  que  faliam  os 
antigos  hespanhoes,  si  a  Falha,  o  Paraguay-merim,  si  mesmo  o  solido 
de  Corumbá  e  Albuquerque,  cujo  terreno  converte-se  em  ilha  nos  grandes 
alagamentos.  Inclino-me,  porém,  mais  para  que  seja  a  de  Falha,  por 
achar  aquelle  solido  muito  affastado,  e  o  Faragtuiy-merim,  impossivel 
de  effectiva  povoação  pela  sua  quasi  nuUa  elevação.  Lozano  dá  a  Ore- 
jones como  situada  60  léguas  abaixo  do  lago  Xarayés.  Dugraty,  á  pag.  10 
da  sua  Hist  ãel  Paraguay,  diz  que  Alvar  Nunes,  goveniador  do  Para- 
guay,  intentando  uma  expedição  contra  os  agacés,  em  começos  de  1543, 
seguiu  com  Pedro  Dorante,  Domingo  Martinez  Irala  e  Felipe  Cáceres  até 
Itapitan  (a),  donde  se  embarcaram  para  o  porto  da  Candelária.  Dahi 
seguiu  após  alguma  demora,  e  á  25  de  oitubro  chegou  ao  logar  onde  o  rio 
divide-se  em  três  braços  (b),dos  quaes  um  termina-se  n'uma  grande  lagoa, 
e  os  outros  formam  a  ilha  dos  Orejones,  occupada  pelos  indios,  os  quaes 
fizeram  bom  acolhimento  aos  hespanhoes,  que  egual  também  tiveram  no 
porto  de  Beyes,  onde  Nunes  fez  elevar  uma  capella,  emquanto  mandava 
presentes  aos  xarayés;  —  donde,  parece  que  a  ilha  dos  Orejones  será  esse 
alagadiço  do  Paraguay-merim,  ou  ilha  do  Paraiso. 


A  entrada  desse  braço  do  Paraguay  fica  á  quatro  e  meio  kilometros 
da  ponta  N.  da  ilha  da  Falha  (c).  Ao  meio-dia  chegámos  ao  Furada  da 
Sucury,  á  egual  distancia  daquella  ehtrada.  Parou-se  para  reconhecer-se  o 
furado^  que  não  vém  determinado  nos  mappas. 


(a)  Hoje  logar  do  Divino  Salvador^  no  Paraguay. 

(b)  As  Três  Bocas:  a  lagoa  será  a  Mandioré. 

(c)  Por  ahi  coUoca  o  Sr.  Oandido  Mendes,  e  como  povoação,  abarranca  do 
Sara,  no  S.  Lourenço. 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  317 

Chamam  furados  (furos  e  igarapés  no  Amazonas  e  Pará),  á  peque- 
nos braços  que  se  formam  adventiciamente  nos  rios.  Este  é  tão  pequeno 
que  suas  embocaduras  estão  entre  si  na  distancia  de  uns  seiscentos 


-A.  "bailia  de   JoacLuiiii    Ovirive». 

metros.  Dentro  abre-se  uma  bahia  formada  de  cinco  outras  menores  e 
compridas,  e  que  affectam  a  forma  de  uma  luva, 

A's  2  1/4  sahimos  ;  uma  hora  depois  passámos  a  situação  de  José 
Dias  (a),  n'um  pequeno  albardão  á  margem  esquerda  e  em  distancia  de 
uns  6  kilometros;  ás  5  1/2  entrámos  na  lagoa  Cipó,  á  15,5  kilometros  de 
José  Dias,  braço  d'agua  e  que  não  é  mais  do  que  uma  expansão  do  canal  de 
entrada  da  lagoa  Mandioré,  Com  41/2  kilometros  de  percurso  fundeámos 
n'uma  pequena  e  graciosa  bahia  quasi  circular,  á  beira  de  alta  serrania. 
E'  um  agradabilissimo  e  poético  recesso ;  na  fralda  da  serra  está  a 
situação  do  Sr.  Joaquim  Ourives. 

A  lagoa  Cipó  é  um  tortuoso  esteiro  de  aguas,  ás  vezes  de  vinte  me- 
tros de  largura,  cheio  de  voltas,  sinuosidades  e  saccos,e  que  só  toma  maior 

(a)  Nome  do  seu  fundador,  faUecido  ha  pouco  mais  ou  menos  dous  annos. 


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318  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

amplidão  em  frente  á  baliia  de  Joaquim  Ourives,  Ahi,  no  canal,  entre  as 
entradas  da  bahia  e  da  lagoa  ha  um  poço  tão  profundo,  que  uma  sondareza 
de  40  braços  não  lhe  alcançou  o  leito. 


III 


A'  20  de  julho,  ás  11  1/4  da  manhã,  entrámos  na  lagoa  Mandioré 
ou  Mcn  dos  antigos  (a),  formosa  bahia  de  cinco  léguas  de  comprido  sobre 
uma  e  meia  de  largo,  cercada  de  risonhas  praias  e  de  altas  montanhas, 
entre  as  quaes  á  NE,  os  picos  pyramidaes  dos  Xanés^  e  á  SO.  um 
alto  massiço  que  vém  prolongado  da  boca  do  canal,  e  que  recebeu  agora 
o  nome  de  Alvarim  em  honra  do  digno  commandante  da  canhoneira. 

Quasi  á  meio  da  lagoa  e  junto  á  sua  margem  occidental  eléva-se 
uma  ilha,  formada  por  um  pequeno  monte  de  grez  grosso  e  grawake, 
branca  litteralmente  das  dejecções  dos  Tngiids^  carbo  brasilianus,  que 
nella  vivem  aos  milhares.  E'  conhecida  pelo  nome  de  ilha  do  Velho. 


lUia  do  Vellio. 


(a)  Carta  limitvophe  do  paiz  de   Matto  Grosso  eCuyabd,  dssde  a  faz  do  rio 
Mamoré    até  o  lago  Xarayés  e  seus  adjacentes,  levantada  pelos  offidaes  de  demar- 
cação dos  leaes  domínios  S.  M.  F.,  desd^  I7i2  até  1790. 


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i  GIDADE   DE   MATTO-GROSSO  319 

Como  as  outras  grandes  bahias  do  Paraguay,  offerece  dentro  em 
poucos  mezes  no  anno  a  maior  variedade  no  volume  das  aguas.  Tinham-nos 
dito  os  moradores  vizinhos  que,  no  tempo  das  cheias,  qualquer  vento  asso- 
berbava ondas  como  as  do  mar,  ao  passo  que  nas  estaç5es  contrarias  eram 
columnas  de  pó  o  que  o  vento  erguia. 

E  não  pode  haver  exageraçcão  nisso  :  as  aguas  já  declinam  á  mais  de 
raez,  e  todavia  a  Taqiiary^  canhoneira  de  sete  pés  do  calado,  corta  a  agua 
em  todas  as  direcções,  fundêa  bera  perto  ás  praias,  e  querendo  verificar-se 
a  outra  sabida  que  os  antigos  dão-lhc  ás  aguas,  acima  dos  Xanés, 
seguiu  naquella  direcção,  chegando  á  ura  formoso  prado  que  parecia 
limites  das  aguas,  mas  que  foi  abrindo  passo  á  proa  da  canhoneira  por 
algumas  centenas  de  metros,  até  logar  em  que  toda  a  força  das  ma- 
chinas  não  pode  vencer  a  resistência  das  fulcra  ou  falsas  raizes  desses 
intrincados  hydrophytos,  cobertos  então  de  flores  e  formando  com  o 
esbelto  navio,  parado  em  seu  meio,  o  mais  sorprendente  e  encantador 
espectáculo. 


P*rndo    <"lo    hydrophytos. 


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320  ITINERJIRIO   DA   CORTE 

Em  duas  outras  vezes  que  voltámos  á  Mandioré,  dentro  do  curto 
espaço  de  dous  mezes,na  primeira  em  23  de  agosto,  o  António  João,  yb^t^ot 
de  quatro  pés  de  calado,  safou-se  ás  pressas  para  não  ficar  detido  na  lagoa, 
e  na  segunda,  um  mez  depois,  uma  pequena  chalana^  pequenina  canoa  de 
fundo  de  prato,  não  pôde  chegar  á  meio  da  bahia  cujas  margens  arenosas 
estavam,  em  grande  extensão,  completamente  á  sêcco. 

Nuvens  de  grandes  patos  e  marrecas  cobrem  as  aguas  da  lagoa, 
emquanto  que  centenas,  sinão  milhares  de  arancuans  (a),  jacús^  jacur 
iingas  (b)  e  jods  (c),  apparecera  ás  margens,  dando  fácil  alimentação 
ao  viajor.  Nos  pantanaes  passeiam  pausadamente  o  ialujajá  (d),  o 
gigante  itiyuyú  (e),  o  jahurú  e  o  socd-boi,  notáveis  variedades  dos  palmi- 
pedes  longirostros  cujos  corpos  gigantescos  não  estão  em  relação,  ainda 
assim,  com  os  seus  enormes  bicos;  e  as  formosas  garças  de  brancas 
plumas(f).  Outro  pássaro  notável  é  a  anJmma  (g),  iahan  dos  guatós,  ave 
maior  que  um  peru,  mas  airosa  e  elegante ;  tem  a  cabeça  ornada  de  três 
plumas  como  o  pavão,  e  faz  armas  de  defesa  das  pontas  que  lhe  sahem  dos 
humerus.  O  seu  nome  guató,  íalan,  vem  de  que  é  esse  o  grito  que  lan- 
çam repetidas  vezes  e  de  espaço  em  espaço,  o  que  foz  dizer-se  que  marcam 
as  horas.  A'  noite,  o  tristonho  curiangú  (h)  quebra  o  silencio  das  solidões 
com  a  voz  donde  ta^nhem  oricnnou-se-lhe  o  nome. 


Assignalaram-se  os  locaes  para  os  marcos  limitrophes,  o  primeiro 
n'um  pequeno   albardão  ao  sul  da  bahia  e  cerca  de  quinhentos  metros  á 

(a)  Pcnilopo  nrancuan  (Spix). 

(b)  PíMií^lnpe  amarail  e  penelope  Icucoptera  (Ne^ve^l). 
fc)  Crypturus  noclivagus. 

(d)  Ciconia  iiiagiiary. 
{o)  Mycteria. 
(fj  Ardeacandidissima. 
(g)  Palamedea  comuta, 
(h)  Caprimulgus  ? 


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í  CIDADE  DE  MATTO-GEOSSO  321 

esquerda  do  canal  de  entrada,  e  o  outro  ri'uma  pequena  ilhota  na  fronteira 
septemtrional. 

Nas  margens  desta  lagoa  vi  pela  primeira  vez  uma  espécie  de 
palmeira  rasteira,  de  mais  de  200  metros  de  extensão,  com  diâmetro 
apenas  de  0'',01,  ligeiramente  flexuosa  e  seguindo  as  ondulações  do  solo : 
seus  entrenodos  são  de  quasi  dous  metros  de  longo.  Os  naturaes  conhe- 
cem-a  pelo  nome  de  urumbamha,  e  eu  consigno-a  aqui  como  a  calamus 
procumhens. 


A  Mandioré  também  foi  chamada  pelos  hespanhoes  lagoa  de  Jiuin 
de  Ayólas  (a),  que  pretendem  ter  sido  o  seu  descobridor,  o  que  não  tem 
visos  de  verdade,  por  ser  opinião  geral  que  elle  atravessara  da  província 
Paraguay  do  para  um  ponto  abaixo  do  Fecho  de  Morros,  ao  qual,  desem- 
barcando em  2  de  fevereiro  de  1537,  impôz  o  nome  de  Nossa  Senhora  da 
Candelária Q>)]  seguindo  viagem  para  O.  em  busca  dos  paizes  férteis  em 
ouro  e  prata,  segundo  as  informações  que  os  guaranys  lhe  tinham  dado  ;  e 

(a)  Menos   acertadamente   dá  o   Sr.  Cândido  Mendes  esse  nome  á  lagoa  de 
Cáceres. 

(b)  Carlos  Famin   {CUnivers,  prooinc^is  dei  Rio  de  la  Plata)^  faz  o  porto  da 
Candelária  aos  20«  de  latitude. 

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322  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

donde  não  voltou  por  ter  sido  morto  pelos  xamocôcos  ou  samocosés,  con- 
forme uns,  ou  pelos  sarígueses  e  albajds^  segundo  outros. 

A'  acreditar-se  o  padre  Juan  Patrício  Hemandes,  missionário  das 
missões  de  Chiquitos  e  seu  primeiro  historiador,  os  descobridores  da 
lagoa  seriam  os  missionários  Hervas  e  legros,  os  quaes,  mandados  com 
outros,  pelo  superior  Gregório  de  Orosco,  á  buscar  caminho  para  o  rio 
Paraguay,  chegaram  á  um  lago,  que  não  era  mais  do  que  um  espraiado 
do  rio,  e  nessa  margem  ergueram  uma  cruz,  suppondo-se  já  no  Para- 
guay (a).  Tal  lagoa  devia  ser  a  de  Uberaba. 

Desceram  explorando  o  paiz  gui  idos  pelos  garayos^  e  chegaram  á 
lagoa  que  denominaram  Mqndioré,  onde,  segundo  aquelles  indios,  era 
o  porto  favorito  de  desembarque  dos  paulistas ;  o  que  pareceu  confirmado 
pelo  achado  de  cinco  correntes,  daquellas  com  que  costumavam  prender 
os  escravos. 

A'  falta  de  outros  documentos  que  possam  escoimar  de  duvida  qual- 
quer dessas  asserções,  limito-me  á  referil-as:  o  mesmo  dá-se  com  o 
pmio  de  Rcys,  onde  Iralas  desembarcou  em  1543,  desembarque,  cuja 
opinião  mais  seguida  é  a  de  ter  sido  na  Gahyba,  não  deixando  de  haver 
outros,  como  o  P.  Queiroga  (b)  e  D'Orbigny  que  a  coUocam  no  parallelo 
21**  17,  5.,  isto  é,  próximo  ao  Fecho  de  Mo:ros. 

Entretanto,  quanto  ao  porto  de  Ayolas,  parece  mais  natural  que, 
indicando-lhe  os  indios  os  paizes  do  occideute,  e  tratando  elle  de  buscal-os, 
na  sua  immensa  sede  de  ouro  passasse  logo  para  o  lado  Occidental  do 
rio;  não  sendo  muito  natural,  nem  provável,  que  preferisse  subil-o  sempre 
em  rumo  ^.,  e  por  perto  de  cento  e  trinta  léguas,  que  tantas  decorrem  do 
Fecho  de  Morros  á  boca  da  Mandioré. 


(c)  Southey.  Historia  do  Brasil,  tomo  5* —239. 

(d)  Descripcion  dei  rio  Paraguay, 


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í  CIDADE      MATTOOROSSO  323 

IV 


A's  7  da  manhã  do  dia  26  deixámos  esta  bahia ;  ás  9  tínhamos  ven- 
cido 22  kilometros  aguas  acima,  e  passávamos  a  fazenda  Firmiano,  ínuto 
á  cuja  barranca  via-se  ainda  o  casco  e  caldeiras  de  um  vapor  de  ferro  que 
abi  se  incendiara,  ia  para  dous  annos. 

A's  10  horas  e  45  minutos  chegámos  aos  Dourados,  treze  kilometros 
acima,  altas  montanhas  de  gneiss,  em  cuja  fralda  teve  o  Estado  um 
pequeno  arsenal  de  marinha  que  os  paraguayos  destruíram  completa- 
mente na  sua  invasão  de  1865.  E'  a  Marapo  dos  guatós,  palavra  que  no 
seu  dialecto  quer  dizer  montanha. 

Ao  meio-dia  ancorou-se  em  Pedras  de  Amollar  (a),  onze  kilometros 
adiante,  para  refazermo-nos  de  vitualhas. 

Desde  quasi  Corumbá  que  temos  á  vista  estas  formosas  serranias  da 
margem  direita  do  Paraguay,  tomando-se  distinctos  por  sua  forma  perfei- 
tamente pyramidal  os  picos  dos  Xanés. 

Toda  essa  serra,  e  principalmente  os  massiços  de  Dourados  e  Pedras 
de  Amollar,  são  de  gneiss  em  decomposição,  cobertos  de  blocos  e  cascalhos 
angulosos,  mais  ou  menos  grandes,  de  quartzo  leitoso,  postos  á  nú  pelas 
forças  climatéricas,  os  quaes,  de  formação  crystallina  e  portanto  isentos 
dessa  acção  decomponedora,  são  um  indicio  de  que  abundantes  veios  de 
quartzo  fendilhado  atravessam  o  gneiss ;  blocos  que  também  em  gi-andc 
numero  se  vêm  nos  terrenos  adjacentes  ás  montanhas, até  á  margem  do  rio 
e  mesmo  no  leito  deste,  ahi  levados  pelas  chuvas  torrenciaes  ou  pela 
própria  gravidade. 

(a)  Aos  18o  1*  41"  Irtt.  e  3-20  li;*  iO^Mong.— Ricardo  Franco. -Um  niappa  que 
trflziamos  collocli  essa  montanha  na  margem  opposia;  é  uma  pequena  caria  tão 
ioçaUa  de  erros,  que  parece  apocrypha  em  vista  do  nome  distincto  que  a  as «igua. 


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324  ITINERÁRIO  DA  CÔRTK 

A  Dourados  tira  seu  nome,  segundo  uns,  da  côr  amarellada  da 
vegetação  rasteira  que  a  cobre ;  querem  outros  que  seja  do  peixe  homo- 

nymo  que  ahi  abunda. 

A  das  Pedras  de  AmaUar^  como  o  seu  nome  indica,  tira-o  de  uma 
espécie  de  grez  silicose  que  ahi  se  encontra,  de  grão  não  muito  fino  mas 
que  presta-se  suflBcientemente  á  aquelle  destino.  • 

Entre  esses  dous  massiços  é  que  os  antigos  coUocaram  a  boca  supe- 
rior, hoje  completamente  obstruida,  da  lagoa  Mandioré. 


Ao  percorrer-se  o  rio  admira-se  a  quantidade  prodigiosa  da  acácia 
angico  que  cresce  nos  terrenos  próximos.  As  margens  são  bordadas  prin- 
cipalmente de  mangues,  ingazeiras  e  cana-fistulas  entremeiadas  de  vis- 
tosas strelitzias,  entre  ellas  as  formosas  pacas,  dos  indios,  caajuhá,  uvavú 
e  seróca,  canaceas,  marantas,  gloxinias  e  mil  outros  vegetaes  que  sabem 
attrahir  a  attenção  do  observador. 

Nos  troncos  e  nos  braços  das  arvores  corpulentas  enredam-se  aroi- 
déas  de  folhagem  diversamente  recortada,  quasi  todas  variedades  do 
género  imlé  (a)  ou  bromelias  selvagens,  predominando  pela  abundância 
as  tillandsias  harhas  de  velho  e  as  achméas  de  variegadas  flores.  A's  novas 
galas  que  ao  arvoredo  traz  esse  flóreo  revestimento,  ainda  se  ajunta  que, 
nos  ramos  e  galhos  extremos  balouçam-se  compridos  ninhos,  como  os  dos 
chechéoSj  cujo  vozear  alegre  e  variado,  e  os  cantares  de  mil  outros  pássa- 
ros, enchem  de  vida  e  animação  o  sitio. 

Si  as  aguas  deslizam-se  suavemente,  encostadas  ás  margens  vào-se 
amontoando  as  pontederias  e  nympheaceas,  especialmente  os  aguapés, 
poniederia  crassipes  de  Martius  e  a  azurea  de  Swartz.  Si  o  rio  se  espraia 
n'um  remanso,   esses  hydrophitos  cobrem-lhe  a  tona,  entremeiados  de 


(a)  Philodendrum  imbé,  de  Martius. 


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A  CIDADE   DE  MATT0-GR06S0  325 

outros,  principalmente  a  canarana  ou  mumré,  os  quaes  já  vimos  como  se 
enlaçam  e  enredam  com  seus  fulcra,  que  só  á  machado  e  â  &cão,  como 
nas  mattas,  deixam  abrir  caminho  por  entre  elles. 

Pelos  bordos  e  remansos  crescem  extensos  arrosaes  sylvestres  de  que 
se  aproveitam  os  guatós,  os  poucos  e  únicos  habitantes  dessas  paragens. 

Além  das  margens  toma-se,  nesta  época  da  enflorescencia  tropical, 
gratíssima  á  vista  essa  luxuriosa  vegetação,  matizada  aqui  e  ali  de  enor- 
mes ramalhetes  brancos,  vermelhos,  róseos,  amarellos  ou  violetes,  formados 
pelas  flores  das  peúvas^  das  sapucaias^  dos  paratudos^  dos  novatos  e  das 
carobas^  de  todas  a  flor  mais  bella  pela  formosa  côr  lilaz  de  seus  festoes. 
O  pau  de  novato  é  o  taixy  do  Pará  (a),  também  chamado  i?aw  formigueiro^ 
é  notável  por  criar  em  seu  âmago  uma  espécie  de  formiga  aqui  chamada 
novato^  amarellada,  do  tamanho  da  saúva  e  de  dentada  dolorosissima. 
Vivem  ahi  aos  milhões  e  são  o  desespero  dos  viajantes  inexpertos  que, 
vendo  as  hastes  do  novato  altas  e  direitas,  vão  cortal-as  para  zingas  (b). 

Raro  ainda,  mas  já  apparece  um  ou  outro  camará^  arvore  do  porte 
e  corpulência  de  uma  grande  mangueira,  e  cujas  cimas  se  cobrem  com- 
pletamente de  espigas  amarellas ;  mais  raro  ainda  se  avista,  e  mais  para 
o  interior  das  terras,  o  leque  de  uma  palmeira,  quasi  sempre  o  tu^cum  ou 
o  caranãá. 


A'8   7  horas  da  manhã  de  27  sahimos  das  Pedras  de  Amolar.  Cora 
onze  kilometros  de  marcha  passámos,  ás  10  horas  mais  ou  menos,  as  bocas 


(b)  Taixy  é  uma  espécie  de  formiga. 

(c)  Zingaè,  varas  de  que  se  servem  na  navegação,  ora  dando  impulso  ás  embar- 
cações, ora  escorando-as  ou  amparando-as  nas  pedras  e  troncos  do  rio.  O  termo 


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326  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

do  S.  Lourençoj  antigo  Porrudos  (a),  e  ás  2  1/2  da  tarde  chegámos  á 
entrada  da  Gahyba,  57  kilometros  acima;  deixámos  sua  boca  á  esquerda 
e  continuámos  a  derrota  em  busca  da  Uberaba^  a  quinta  e  ultima,  em 
posição,  das  lagoas  por  onde  passa  a  linha  limitrophe  entre  o  Brasil  e  a 
Bolivia. 

Na  boca  da  Gahyba  avistámos  o  Henry  Davyson^  vapor  mercante 
expressamente  construido  para  a  navegação  fluvial,  e  que  sob  a  bandeira 
norte  americana  fazia  o  trafego  dos  saladeiros  e  curtumes  do  Alto  Para- 
guay.  Ne^te  local  o  rio  é  tão  estreito,  que  a  Taquary  teve  de  entrar  no 
canal  da  Gahyba  para  dar  passo  ao  outro  navio  que  vinha  aguas  abaixo. 
Media  ahi  o  rio  não  mais  de  vinte  metros,  ao  passo  que  o  canal  terá  uns 
duzentos  de  largura,  e  o  rio  abaixo  delle  cerca  de  trezentos  (b). 

A  margem  meridional  e  direita  do  canal  é  montuosa,  sendo  prolon- 
gamento das  serras  dos  Dourados.  A  fronteira  é  baixa  como  toda  a  mar- 
gem esquerda  do  Paraguay,  principalmente  nesta  região  que  parece  ser 
a  mais  baixa  de  todo  o  estuário. 


Ahi  no  começo  do  canal,  á  uns  de  quinhentos  metros  do  rio,  ha  outro 
massiço  de  gneiss  em  direcção  SE, — JSO,,  conhecido  pelo  Morro  do 
Letreiro ;  n'uma  face  cortada  á  pique,  e  como  se  fora  adrede  preparada, 

novato  é-lhe  dado  porque  os  que  não  conhecem  a  arvore  e  que,  de  ordinário  «ão 
caloiros  na  província,  facilmente  a  buscam  pela  sua  beUeza  e  belleza  de  suas  flores, 
sendo  então  assaltados  pelas  f(/rmigas.  terríveis  nas  ferroadas  e  mais  ainda  por 
serem  innumeras  no  assalto. 

(a)  Âos  17o  55'  segundo  Ricardo  Franco. 

(b)  António  Pires  de  Campos,  na  sua  Breve  noticia  que  dá  do  gentio  bárbaro 
que   ha  na   derrota  da*  minas  de  Cuyabá^  etc.  (Rev,  do  Inst,  Hw*.,  t.  XXV),  diz  : 

(c  Subindo  pelo  mesmo  Paraguay  acima,  em  passando  uma  bahia  muito  grande 
chamada  Hiohiba,  se  acha  uma  cruz  de  pedra  que  por  tradivâo  deve  ser  posta  pelo 
apostolo  S  Thomé ;  passada  esta  bahia  íica  uma  ilha  ne  morro  onde  habita  o 
gentio  chamado  ahiguàs  e  crucurús.  » 


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i  CIDADE   DE     MATTOGROSSO  327 

estão  gravados  por  mão  de  homem,  selvagem  sem  duvida,  os  seguintes 
signaes  conhecidos  pelo  titulo  de  Letreiro  ãa  Galiyha: 

Alguns  delles  estão  feitos  abaixo  do  limite  das  aguas  naturaes  e  só 
em  tempo  de  Baixa  do  rio  podem  ser  vistos. 


X^etreiro   da   C}-ahy'be. 

Parecem'  ser  a  representação  do  sol,  lua,  estrellas,  serpentes,  mão  e 
pé  de  homem,  pata  de  onças  e  folhas  de  palmeiras,  no  mesmo  género  das 
de  quasi  todas  as  encontradas  nos  iiaconiiaras  do  Brasil,  entre  as  quaes 
se  apresentam,  como  melhores,  a  de  Curumafá,  no  Piauhy,  attribuida  aos 
greguéses,  e  a  do  Morro  de  Caniagallo^  na  margem  esquerda  do  Alto 
Tapajoz,  onde,  n'um  paredão  também  á  prumo,  o  artista  selvagem,  mas 
curioso  e  observador  da  natureza,  gravou  umas  quinze  figuras,  das  quaes 
o  homem,  os  pássaros,  os  reptis  guardam  uma  certa  naturalidade,  pare- 
cendo que  para  typo  daquelle  foi  escolhido  o  missionário,  o  que,  entre- 
tanto, sem  desmerecer  o  artefacto,  tira-lhe  o  cunho  da  veneração  que 
sempre  acompanha  a  antiguidade  desconhecida. 

Lacerda  demarcou  o  letreiro  aos  17°  42'  48"  (a)  e  o  Sr.  barão  de 
Melgaço  em  W  43'  36"  de  lat. 

Apezar  do  meu  immenso  desejo  de  ver  essa  curiosidade,  passaríamos 

(a)  Ricardo  Franco  diíTere  apenas  em  12"  mais  ao  sul. 


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328  ITINEBARIO   DA  CORTE 

pelo  canal  sem  observarmol-a,  si  um  accidente  inesperado  não  viesse 
satisfazer-nos.  A  Taqímry,qnQ  si  seguisse  pela  margem  direita  favorecer- 
me-hia  até  certo  ponto  o  intento,  manobrou  para  a  esquerda  afim  de  dar  a 
volta  e  sahir  do  canal,  já  tendo  o  Davyson  deixado  livre  o  rio  ;  encon- 
trando, porém,  fortes  correntadas,  foi  forçada  á  approximar-se  e  demorar-se 
perto  ao  letreiro,  dando-me  tempo  suflBciente  para  observal-o. 


Poucos  minutos  depois  subiamos  o  Paraguay,  cujo  alveo  vae  tor- 
tuosissimo  e  apertado  em  vinte  á  trinta  metros.  Para  montar  essas  voltas 
a  canhoneira  teve  também  necessidade  de  recorrer  ás  zingas  e  ao  adjuc- 
torio  de  uma  espia  na  lancha  á  vapor. 


Como  pratico  desse  trecho  do  rio  e  das  lagoas,  vinha  á  bordo  um 
Índio  que,desde  o  começo,  á  qualquer  indagação  que  se  lhe  fazia,  respon- 
dia— não  sei — ou  tornava-se  mudo.  A  Uberaba  é  a  que  melhor  conhecia,  e 
por  esses  conhecimentos  foi  contratado ;  ás  quatro  da  tarde  passámos  pela 
sua  embocadura,  a  única  que  ha  depois  da  da  Gahyba,  sem  elle  conhecêl-a, 
o  que  fez-nos  perderia  tarde,  a  noite,  a  paciência  e  o  bom  humor,  feste- 
jados, ainda,  pela  maior  praga  de  mosquitos  que  é  possível  idear-se.  Eram 
uma  espécie  de  pernilongos,  de  corpo  fino  e  comprido,  que,  quando  operam 
a  sucção,  firmam-se  sobre  as  patas  anteriores,  levantando  com  o  resto  do 
corpo  as  posteriores  e  tomando  uma  posição  quasi  vertical,  pelo  que  o 
finado  marechal  Argolo  os  cognominou  de  perpenãicuhres.  A'  medida 
que  sugam  o  sangue  vão  esvasiando  por  seu  orificio  posterior  uma  lympha 
transparente,  que  lançam  por  pequenas  gottas  e  ás  vezes  á  distancias  rela- 
tivamente grandes.  Chamam-os  os  naturaes  mosquito  Iranco,  pela  côr 
clara  do  ventre  e  manchas  brancas  nos  membros.  São  temíveis,  porque 


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i  aDADE  DE  MATTO-GROSSO  329 

pelo  delgado  do  corpo  pouco  caso  &zem  dos  mosquiteiros,  atraYessandoK)3 
como  si  não  existissem. 


A's  7  da  manhã  de  28  descemos  o  rio  e  entrámos  no  canal  que  o 
pratico  desconhecera.  Com  três  horas  chegámos  á  Uberaba,  a  Torekê- 
haco  dos  guatós,  cujas  azuladas  aguas  já  avistávamos  desde  mais  de  meia 
hora,  como  um  circulo  de  uns  dez  kilometros  de  diâmetro.  Não  penetra- 
mol-a  ainda,  e  ancorou-se  á  alguns  centos  de  metros  dentro  do  canal, 
isto  é,  no  meio  de  um  verde  e  immenso  prado  de  cyperaceas  eponteãe- 
rias^  cortado  apenas  pelo  filete  d'agua  do  canal,  agora  pútrida  e  fétida,  e 
litteralmente  cheia  de  jacarés  e  enxameada  de  mosquitos.  Ahi  permane- 
cemos dois  dias. 

A's  9  3/4  da  manhã  de  30  começámos  á  sulcar  as  aguas  límpidas 
da  Uberaba;  tomámos  á  S.  pelo  canal  que  corre  nesse  mesmo  rumo,  ao 
qual Castelnau  denoniinou  rio  de  I).  Pedro  II  e  éo  Jiquié  dos  naturaes 
e  talvez  o  Igurta  ou  Boa  Agua  de  que  Southey  feUa,  á  pag.  196  do  seu 
primeiro  tomo  (a). 

E'  bastante  tortuoso  e  fundo,  guardando  ordinariamente  de  vinte  á 
sessenta  metros  de  largura;  em  alguns  legares  é  semeiado  de  ilhas  que  o 
alargam  de  léguas.  Estende-se  por  mais  de  vinte  kilometros,  e  é  o  prin- 
cipal derivador  das  aguas  da  lagoa.  Entre  elle  e  o  Paraguay  desce 
uma  serrania  de  formação  mais  ou  menos  granítica ;  é  a  Inswi^  de  que  já 
fállou-se  ao  tratar  se  da  lagoa  de  Cáceres,e  que  deve  ser  a  ilha  de  morros 
dos  ahiguás  e  crucurús  de  que  falia  António  Pires  de  Campos.  O  mais 
elevado  de  seus  montes  tem  o  nome  de  Morro  do  Gama^  e  o  que  separa 


(a)  Traducçâo  do  Sr.  Dr.  L.  de  Castro. 

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330  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

as  duas  Gahybas  (a),  e  prende-se  ao  mesmo  systema,  recebeu  dos  antigos 
commissarios  o  nome  de  Serra  das  Agathas  (b). 


Ao  meio-dia  chegámos  â  Gahyba.  E'  a  mais  formosa  de  todas,  quasi 
circular,  completamente  limpa  e  bem  definida  no  seu  perímetro,  bordado 
do  lado  oriental  por  altas  montanha^.  Tem  cerca  de  dez  kilometros  de 
diâmetro.  Actualmente  é  de  bastante  fundo,  ancorando  a  canhoneira  á 
poucas  braças  da  praia.  Ao  sopro  da  brisa  forma  ondulações  como  o  mar, 
que  graciosamente  baloiçam  a  Taquary  ;  com  vento  mais  fresco  levanta 
escarcéos  e  sua  navegação  toma-se  perigosa.  Já  os  moradores  da  vizi- 
nhança da  Mandioré  tinham-nos  dito  que  com  o  vento  aqui  as  ondas 
eram  mais  fortes.  O  mesmo  deve  dar-se  na  Uberaba,  e  com  maior  razão 
no  vasto  alagamento  tornado  em  mar. 

Ancorou-se  junto  á  uma  pequena  praia,  á  encosta  do  alto  morro  de 
gneiss  compacto,  situado  logo  ao  começar  o  canal.  Não  tendo  ainda  nome 
conhecido,  impôz-se-lhe  o  de  Taquary,  do  primeiro  navio  de  guerra  que 
junto  á  elle  chegou. 

O  morro  é,  como  os  dos  Dourados,  de  gneiss  em  decomposição, 
deixando  entrever  veios  de  quartzo  talcoso  que  o  atravessam,  e  como 
aquelles  coberto  também  de  uma  infinidade  de  cascalhos  angulosos, 
de  faces  irregulares,  revelando  fracturas  em  épocas  não  muito  aflfastadas. 

E'  notável  a  immensa  quantidade  desse  cascalho,  que  cobre  os 
terrenos  adjacentes  ^ bordas  da  lagoa:  a  pequena  praia  está  litteralmente 
cheia  de  pequeninos  seixos  angulares  ou  já  rolados,  de  quartzo  branco 
leitoso.  Ao  entrar  na  lagoa,  encosta-se  á  montanha  um  dyke  de  rocha 


(a)  A  outra,   de  que   ainda  nào  falíamos,  é  uma  pequena  lagoa  situada  á  .VO., 
entre  a  Gahyba  e  a  Ub«rabH,  e  conhecida  por  Gahyba-merim. 

(b)  Diário  do  reconhecimento  do  rio  Paraguay^  17í>0. 


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A  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  331 

fendilhada  semelhando  trapps  rectangulares  e  justapostos,  como  uma 
muralha  artefacto  do  homem. 

No  seu  fundeadouro  a  canhoneira  gondou  duas  braças  largas; 
entretanto  vae  a  lagoa  seccando,  também,  á  ponto  de  impedir  a  nave- 
gação e  mesmo  a  entrada ;  apparecendo  um  vasto  banco,  que  a  corta 
desde  a  margem  direita  do  canal,  ahi  terminado  n'uma  lingueta,até  perto 
do  morro  Taquary ;  e  que  pouco  á  pouco  vae  se  alargando  até  occupar 
quasi  toda  a  bahia ;  vindo  então,  nos  tempos  sêccos,  á  levantar  nuvens 
de  poeira,  com  o  mesmo  vento  que  nos  mesmos  logares  levantara 
escarcéos. 

Na  matta  que  cobre  o  morro,  entre  myrtaceas,  leguminosas,  ano- 
naceas  e  gesneriaceas,  notan-se  uma  formosa  umburana  de  mais  de  metro 
de  diâmetro,  e  em  cuja  m)lle  casca  entalhámos  letras,  uma  astrapea  de 
grandes  flores  róseas,  uma  gloxinia  de  flores  escarlate,  e  o  pequi,  cujos 
fiructos  butirosos  se  comem,  mas  com  alguma  difiBculdade  por  causa 
dos  filamentos  aculiformes  que  o  attravessam. 


No  fundo  da  bahia  o  terreno  é  alto,  sem  ser  montanhoso. 

Quando  os  hespanhoes  ahi  chegaram,  era  tempo  de  aguas  e  a  in- 
nnndação  cobria  os  terrenos  baixos. 

Ahi  é  que,  segundo  as  melhores  indagações,  os  archeographos 
collocam  o  porto  de  Beyes,  do  qual  diz  Losana;  (a):  «  Al  salir  dei  gran 
lago,  el  primer  sitio  conocido  es  el  puerto  de  los  Reyes^  donde  desem- 
caran  los  conquistadores  cuando  tranzitaran  ai  Peru,  junto  ai  cual  edifi- 
caran  una  poblacion,  como  de  mil  vecinos,  los  portuguezes,  que  despues 
la  abandonaran,  o  sèa  por  reconocer  estava  ciertamente  en  la  demaicacion 

(ft)  Conquista  dei  Rio  de  la  PLata,  c.  IV.  Porto  de  Bilrei  chamam  outros,  talvez 
erradamente,  visto  ser  natural  que  assim  o  baptisassem  dd  dia  do  desembarque, 
como  era  de  costume  nesses  tempos. 


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832  niNSBABio  DA  c6btÉ 

de  Gastilla,  ó  acozados  *de  los  muchos  infideles  circunvecinos,  de  que 
parece  indicio  claro  el  haber  hallado  quemada  mucha  parte  de  ella  los 
jesuitas^  que  el  ano  1703  fueron  á  descobrir  camino  para  las  misiones 
de  Chiquitos.  » 

Estes  portnguezes  seriam  os  paulistas  conduzidos  por  Andr^ 
Garcia,  o  descobridor  do  Paraguay  e  primeiro  homem  do  mundo  civi- 
lisado  que  perlustrou  e?sag  vastas  e  remotas  regiões. 


o  Cereus. 


O    próprio  Cabeza  de  Vaca  (a)  nos  seus  Comtnentarios  dá-o  por 
precursor  de  Irala,  e  descreve  até  os  rios  por  onde  Garcia  desceu  ao 


(a)  Alvar  Nunes  Cabeza  de  Vaca»  terceiro  governador  do  Paraguay. 


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i  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  333 

Paraguay :  o  Anhanduhy  Grande  e  o  Miranda ;  noticias  que  elle  teve 
dos  xanés,  Índios  que  acompanharam  o  aventureiro  atravez  dos  sertões  do 
Chaco,  donde,  como  Ayalas,  não  logrou  também  voltar. 

Sendo  assim,  não  seria  Domingos  Martins  de  Irala  o  descobridor 
do  porto  de  Beyes  e  simplesmente  o  baptisador,  em  o  dia  da  Epiphania 
de  1543.  Gabeza  de  Vaca  que  dirigia  a  expedição  só  poderia  ahi  ter 
chegado  em  fins  do  anno,  visto  que  em  25  de  oitubro  acháva-se,  como 
acima  se  disse,  no  logar  onde  o  rio  forma  três  bocas  e  uma  ilha,  isto  é, 
na  entrada  do  Mandioré. 


A'  O.  da  Uberaba  e  Gahyba,  e  prolongando-se  á  N.  até  os  pan- 
tanaes  da  Corixa-Granãe,  fica  uma  immensa  zona  que  os  bolivianos  mui 
apropriadamente  chamam  de  Céo  e  Terra. 


VI 


A*s  7  e  1/4  da  manhã  de  2  de  agosto  desço  na  Taquary  para  Co- 
rumbá. Com  35  minutos  de  viagem  passa-se  o  Letreiro  e  sahe-se  no  Pa- 
raguay. A's  9  passa-se  o  Caracará^  o  pequeno  morro  isolado  na  margem 
esquerda,  junto  á  fóz  do  S.  Lourenço  e  dentro  das  lagoas  do  mesmo  nome 
do  morro,  formadas  pela  exuberância  de  aguas  deste  rio. 

A'  10  horas  e  5  minutos  subimos  pela  sua  boca  N.^  onde,  ao  che- 
garmos ao  entroncamento  com  a  outra,  encalhou  a  canhoneira  por  alguns 
minutos,  n'um  banco  que  quasi  intercepta  completamente  o  começo  da 
boca  N.\  ás  11  horas  e  10  minutos  entrámos  no  Paraguay  pela  boca  S. 

São  barrentas  as  aguas  do  S.  Lourenço,  e  por  mais  de  dois  kilometros 
descem  separadas  das  crystallinas  do  Paraguay. 

A's  12  horas  e  10  minutos  deixámos  atraz  as  Pedras  de  Amolar ;  á 


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334  rnNERAKio  da  corte 

1  da  tarde,  os  Dourados ;  40  minutos  depois,  o  Furado  da  Sucury  ;  ás 
4  e  20  minutos,  as  Três  Bocas;  ás  5  1/4,  a  ilha  da  Falha,  pelo  canal  da 
esquerda ;  e,  1  hora  depois,  os  Castellos. 

A  Taqtiary  vae  deitando  nove  milhas  por  hora;  ao  entrar  a  noite 
diminue  a  força  das  machinas. 

A*s  9  horas  e  10  minutos  começam  á  ser  vistas  as  luzes  de  Corumbá, 
onde  chegámos  á  1  hora  e  cincoenta  minutos  da  madrugada,  depois  de 
uma  parada  de  três  quartos  de  horas  na  volta  da  Arancuan,  emquanto  se 
concertava  uma  das  cadeias  do  leme  que  se  partira. 


Minha  vinda  á  Corumbá  foi  para  seguir  com  os  companheiros  que 
ahi  tinham  ficado  fazendo  observações  astronómicas,  e  que  agora  tinham 
ordem  de  ir  levantar  os  marcos  das  lagoas. 

A's  7  horas  da  manhã  de  11  de  agosto  segui  no  António  João  que 
veiu  para  substituir  a  Taquary,  cujo  calado  não  lhe  permitte  continuar 
nos  trabalhos  na  actual  estação,  mas  que  ainda  volta  á  buscar  o  pessoal 
que  deixou  na  Gahyba. 

A's  7  horas  e  12  minutos  do  dia  13  surgimos  nessa  lagoa ;  fomos  ao 
antigo  ancoradouro  da  Taquary,  e  em  seguida,  tomando  pelo  canal  de 
D.  Pedro  II,  onde,  á  um  kilometro,  encontrámos,  na  margem  esquerda, 
um  acampamento  da  nossa  gente,  continuámos  para  a  Uberaba,  na  qual 
ainda  achava-se  o  chefe  da  commissão. 

Á  16  descemos  á  buscar  a  lagoa  Gahyba'merim,à  NO.  da  Gahyba,  as 
quaes  se  ligam  por  um  canal  tão  tortuoso  e  atravancado,  que,  com  immensa 
difiBculdade  e  após  incessante  trabalho,  só  o  podemos  descobrir  no  dia  19. 

A'  21  descemos  a  Gahyba  para  démarcar-se  o  local  onde  deveria 
èrguer-se  o  marco   sul ;  ás  6  1/4  da  manliã  seguinte  singrámos  para  a 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  335 

Mandioré,  que  seijdo  de  menos  fundo  do  que  as  outras,  por  ella  é  que 
convém  encetar-se  os  trabalhos  actuaes,  attento  o  adiantado  da  estação. 
A's  7  horas  da  tarde  fundeámos.  A'  26,  determinados  os  pontos  para 
os  marcos  K  e  &,  este  em  18»  13'  4'\83  lat.  e  14°  25'  34'\34  O.,  e  o 
do  norte  em  18*  2'  23'\42  lat.  e  14*  22'  30",30  O.,  sahimos  ao  romper 
do  dia,  chegando  ao  pôr  do  sol  ao  acampamento  do  canal.  A'  29  subimos 
para  determinar-se  o  local  do  marco  sul  da  Uberaba ;  e  logo  após  aproa-se 
para  uma  pequena  ilha  que  presentemente  parece  situada  no  meio  da 
lagoa, visto  que  perto  delia  começa  a  verde  planicie  formada  de  hydrophytos 
que  vae  á  sumir-se  no  horizonte.  Fica  a  ilha  três  léguas  distante  do 
ponto  assignalado  para  o  marco  sul ;  nella  é  que  se  elevará  o  do  noite. 

Deixando  a  porção  livre  da  Ingôa,  entrámos  por  um  canal,  verda- 
deiro filete  de  agua  que  se  dirige  á  NNO.  em  prolongamento  do  canal  de 
D.  Pedro  II ;  passa  junto  á  ilha,que  lhe  fica  ao  occidente,  e  perto  da  qual 
ancorámos  o  mais  próximo  possivel,  mas  assim  mesmo  em  distancia  de 
uns  quatrocentos  metros,  começando-se  a  abertura  de  um  canalete  que 
desse  passagem  á  canoas,  e  que  foi  feito  á  facão,  machado  e  serra. 

Aqui  a  agua  é  quasi  pútrida,  feia,  turva  e  viscosa,  devido  ao  revol- 
vimento  e  putrefacção  dos  hydrophytos  pela  convivência  de  innumeros 
jacarés,  sucurys  e  vários  animaes  da  ilha,  especialmente  onças  e  antas, 
estas  em  grande  numero. 


Terá  a  ilha  um  kilometro  de  comprimento ;  alonga-se  na  direcção 
yE.  SO.,  sendo  de  vinte  á  vinte  e  cinco  metros  a  sua  maior  altura, 
ainda  que  pareça  muito  mais  alta  pela  elevação  de  seu  arvoredo  bastante 
cerrado. 

E'  abundante  de  antas,  o  mlxyrely  dos  guaranys,  de  bugios,  espe- 
cialmente das  espécies  coaid prPio{d.i(\Q%  paniscus),e  harrigudo  (logotrix). 


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336  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

de  que  os  soldados  e  marinheiros  fizeram  ampla  colheita.  Mui  frequentes 
se  encontram  os  logares  de  repouso  das  antas,  que,  apezar  do  espesso  do 
couro,  parecem  aprazer-se  em  formarem  leitos  de  folhas.  Apezar  dos  indí- 
cios de  serem  muitas,  nenhuma  foi  morta ;  também  não  havia  tempo  nem 
necessidade  de  embrenharmo-nos  para  caçar.  De  onças  vimos  somente  as 
pegadas ;  um  tamanduá-bandeira  que  appareceu,  prompto  fugiu.  Os  gua- 
ranys  chamam-o  nhurumi. 

  flora  não  parece  differir  da  das  margens  altas  das  lagoas,  sinão 
em  patentear-nos  os  mais  bellos  specimens  de  tunas  (cereus  e  opuntía 
Billenii)  centenárias,  que,  attingindo  enorme  altura,  quinze  ou  mais  me- 
tros, sobresahem  ás  mais  altas  arvores,  entre  ellas  as  próprias  aroeiras. 

Um  metro  acima  do  chão  medem  três  e  quatro  metros  de  circumfe- 
rencia,  e  offerecem  ao  machado  resistência  quasi  egual  ao  das  velhas  pal- 
meiras, pela  rijeza,  e  elasticidade  de  suas  fibras  densas  e  compactas. 

O  terreno  abunda  em  schistos  micaceos  ricos  de  ferro.  Âs  amostras 
que  trouxe  deram  ferro  olygisto,  ferro  oxydulado  e  ferro  sulfuretado. 
Nenhum  destes  exemplares  mostrava-se  imanado,  entretanto  durante 
nossos  trabalhos  na  ilha  a  bússola  andou  sempre  adoidada,  e  os  trabalha- 
dores, ao  prepararem  suas  comidas,  viam  as  panellas  saltarem,  despeda- 
çando-se  com  fragor  as  pedras  que  serviam  de  fogão,  e  voando  longe, 
em  estilhaços,  mal  as  aquecia  o  fogo. 


VII 


A  Uberaba,  como  ficou  dito,  representa  actualmente  um  lago  cir- 
cular, de  um  diâmetro  approximadamente  de  vinte  kilometros;  o  mais  está 
litteralmente  coberto  desse  prado  de  camalotes,  tão  entrançado  e  tão 
tenaz,  que  offerece  resistência  ao  peso  de  animaes  de  certa  corpulência, 


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k  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  337 

quaes  as  onças.  E'  elle,  como  os  dos  outros  logares,  formado  de  longas 
cyperaceas  e  nymphéas,  cujos  grossos  rhisomas  e  extensas  raízes  se  apro- 
fundam por  muitas  braças,  entremeiadas  dos  mil  laços  com  que  as 
ensarta  infinidade  de  pontederias,  alysmaceas,  nayadéas  e  hydrochorideas, 
sobresahindo  â  todas  a 

«  nympheacea  rainha  dos  nelumbos  » 

do  Sr.  Porto  Alegre  (a),  a  qual  nesta  occasião,  em  plena  enflorescencia, 
deixa  ver  entre  as  immensas  folhas  redondas,  semelhantes  á  verdes  ban- 
dejas, ás  vezes  de  metro  e  meio  e  mais  de  diâmetro,  as  suas  não  menos 
admiráveis  flores,  enormes  bogarins  de  trinta,  á  mais,  centímetros  de  diâ- 
metro e  quasi  dòus  de  altura,  brancas,  com  o  centro  róseo  ao  desabrochar, 
e  olororosas,  com  o  cheiro  das  boninas ;  róseas  no  dia  seguinte,  e  accen- 
tuando  mais  a  côr  á  medida  que  vão  soffrendo  a  acção  do  sol,  até  que,  ao 
cabo  de  seis  ou  oito  dias,  quando  murcham,  já  estão  roxo-escuras. 

As  folhas  perfeitamente  redondas  tém  um  rebordo  de  cerca  de  uns 
doze  avos  proporcional  ao  tamanho  :  são  de  uma  textura  branda  como 
o  geral  das  nympheaceas,  e  romper-se-hiam  ao  menor  pezo  das  aguas,  si  a 
previdente  natureza  não  as  tivesse  preparado  com  duas  chanfradurâs,  dia- 
metralmente oppostas,  e  cortando  em  dous  arcos  simi-circulares  o  rebordo 
das  folhas,  cujo  fim  será  o  de  dar  sabida  ás  aguas  da  chuva. 

Enormes  como  são,  tém  para  sustental-as  sobre  as  aguas  grossas 
nervuras  que  dirigem-se,  as  principaes  como  raios  desse  circulo,e  as  outras 
cortando-as  perpendicularmente  em  quadratins  regulares.  Algumas  dessas 
nervuras  tém  ás  vezes  a  grossura  de  um  braço.  São  aculeadas  como  todas 
as  mais  partes  do  arbusto,  excepção  feita  das  pétalas,  dos  radiculas  e  do 
limbo  das  folhas. 


(a)  Barão  de  S.  Angelo.— Cotontòo. 

43 


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338  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

Chamam-lhe  osguaranys  ahati-irupê^  ou  milho  prato  d'agua,  pois  seu 
fructo  é  cheio  de  sementes  que  assadas  tém  o  gosto  assemelhado  aodaquelle 
cereal ;  iapunac-uaupê,  ninho  de  bemievis  (a),  ou  uaupé^'açanan^  ninho 
àQ  jaçanãs,  chamam-lhe  Índios  do  Alto  Amazonas  'Jurupary-teanha,  espi- 
nho do  diabo,  as  nações  tupis  desse  rio ;  e  atumrsisac,  a  grande  flor,  a 
gente  Mchua.  A  primeira  dencripçâo  dessa  planta  foi  feita  por  KaSnke, 
que  a  viu  no  Mamoré,  mas  já  d^Orbigny  a  tinha  visto  nos  afHuentes  do 
Mamoré,  em  1837,  e  Schomburg  um  anno  antes  em  Corrientes.  Poeppig 
a  encontrou  nos  igarapés  do  Amazonas.  Atribue-se  a  Bridges,  que  a 
viu  em  1845,  no  Kio  Jacumá,  a  imposição  do  nome  com  que  a  bo- 
tânica a  recebeu ;  mas  foi  Lindley  quem  estabeleceu-a  como  género 
á  parte  das  nympheaceas,  conservando  o  nome  de  Victoria-regiuy  imposto 
por  Bridges,  á  essa  planta  extraordinária,  verdadeira  maravilha  do  reino 
vegetal,  como  bem  o  diz  Duchartre  (b). 

Neste  mez  está  a  natureza  em  plena  enflorescencia ;  nos  montes  e 
nas  florestas  vêm-se  esmaltando  o  verde  de  todos  os  tons  da  folhagem, 
os  gigantescos  ramalhetes  de  flores,  em  que  se  converteu  a  fronde  das 
arvores.  As  lagoas,  na  sua  quasi  totalidade,  são  essas  pradarias  sem  fim, 
vasto  jardim  n'um  tapete  verde,  matisado  das  mais  variegadas  flores, 
que  maior  belleza  lhe  imprimem,  mostrando-se  em  grupos  amarellos  aqui, 
ali  brancos,  ali  róseos. 


VIII 


A'  6  de  setembro,  apezar  de  um  immenso  aguaceiro,  prenuncio  já 
da  estação  das  aguas,  fica  terminado  o  marco  N.,  á  uma  e  meia  hora 


(a)  Uoupé  quer  dizer  forno,  paneUa  ou  ninho. 

(b)  Elementos  de  Botânica^  pag.  970. 


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i  CTDADE      MATTO-GROSSO  339 

da  tarde.  Sua  posição  foi  demarcada  aos  17*  26'  32",  13  lai  e  14* 
39'  53",  40  O. 

O  do  S.  inaugura-se  na  tarde  de  10  aos  17*  33'  39",  99  lat. 
e  14*  32'  16",  20  O.  Fica  á  beira  de  uma  frondosissima  matta  de 
arvores  gigantescas,  cerca  de  dous  kilometros  á  esquerda  da  entrada  pelo 
canal  de  D.  Pedro  11;  é  local  frequentadissimo  pelas  onças,  cujos  signaes 
frescos  encontrávamos  todas  as  manhãs,  quando  se  descia  á  terra  para 
o  trabalho;  notando-se  que  vinham  acompanhando  as  pegadas  humanas 
até  a  borda  d'agua. 


"Viotoria-regria. 


Nessa  mesma  tarde  descemos  o  canal  e  á  11  de  setembro  deu-se 
começo  ao  marco  N.  da  Gahiba,  na  extrema  da  lingueta  empantanada, 
em  que  termina  a  margem  direita  do  canal,  e  que  como  vimos  prolonga-se 
n'um  banco  pela  lagoa  á  dentro.  Ahi  também  encontrámos  diariamente 
os  rastros  das  onças,  sendo  notáveis  os  de  uma,cujas  patas  marcavam  mais 
de  palmo  de  diâmetro.  Não  podia  estar  muito  longe,  ainda,  o  animal,  visto 


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340  ITmERAMO  DA  CÔBTB 

ter  deixado  naquelles  signaes  iresquissimos  e  ii'outros  e  ainda  fumegantes, 
a  prova  de  ter-se  retirado  ha  instantes. 

O  marco  do  sul  ficou  n'um  terreno  baixo,  encharcado  e  completa- 
mente alagado,  mesmo  com  poucas  aguas.  Buscou-se-lhe  o  local  mais 
alto  e  apropriado,  junto  á  um  pequeno  córrego,  na  linha  JV.  S.,  á  meio 
da  lagoa.  Quando  quasi  prompto,  as  chuvas  e  a  pouca  firmeza  do  terreno 
fizeram-o  abater;  pelo  que,  reconstruido,  não  se  lhe  deu  a  altura  marcada 
aos  outros,  para  diminuir-se-lhe  o  peso. 


São  mui  formosas  todas  essas  paragens,  e  devem  ser  feracissimas. 
A  vegetação  é  exuberante,  luxuriosa  e  robusta;  arvores  enormes  cobrem 
os  albardões  das  lagoas ;  e  o  seu  terreno  ubérrimo  convida  á  fácil  agricul- 
tura, sobretudo  na  margem  esquerda  do  canal,  terreno  alto,  e  que  vae 
mais  e  mais  se  elevando,  coriío  fraldas  que  é  das  serras  de  Insua,  Ahi  já 
se  vêm  a  tinguaciba,  o  araribá^  e  o  óleo  vermelho ;  ha  abundância  de 
peuvas,  vinhaticos,  gtmtanibús,  vários  louros  e  canelleiras.  A  mais  deli- 
ciosa caça  ahi  se  cria,  principalmente  de  aves  da  ordem  dos  mutuns, 
nhamhús,  jacus  e  arancuans,  em  tão  grande  cópia  que  sobejam  ao  ca- 
çador, o  qual  todavia  não  se  afana  muito  na  caça.  As  aguas  muito 
piscosas ;  o  canal  profundo  e  torrentoso  admitte,  em  certa  quadra  do 
anno,  como  a  Gahyba  e  o  Faraguay,  navios  de  grande  calado :  só  fdta 
ahi  o  homem  civilisado,  e  a  sua  industria,  para  haurir  as  fáceis  riquezas 
dessas  paragens,  indubitavelmente  sem  superiores  no  mundo. 

Os  guatós  são  a  única  tribu  que  ahi  vive,  e  já  muito  resumida, 
pelo  que  soflfreu  dos  paraguayos  e  da  va^-iola,  que  os  assolaram  comple- 
tamente. Também  um  inglez,  o  Sr.  Willian  Jones,  ha  muitos  annos 
reside  com  sua  familia  em  uma  pequena  situação  entre  a  Gahyba  merim 
e  a  Uberaba. 


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i  CIDADE  DE  MATTOQBOSSO  341 

A'  15,  inaugura-se  o  marco  N.  aos  17^  43'  17",  67  lat.  e  14* 
29'  19",  18  long.,  e  á  20  o  do  5.,  aos  17^  48'  15",  15  lat.  e  14^ 
30'  24",  30  long. 

Na  madrugada  seguinte  sabimos,  mas  já  encontrando  a  lagoa  atra- 
vancada pelo  banco,  ahi  encalhou  o  António  João  por  mais  de  uma  hora. 
A's  7  horas  e  20',  montamos  o  Letreiro,  que  desta  vez  deixou-se  observar 
melhor,  estando,  talvez,  todo  elle  fora  d'agua. 

A'8  10  1/2  chega-se  ao  sitio  Canavarro,  á  margem  direita  do  Para- 
guay ;  ás  11  1/2  passa-se  o  Caracará;  uma  hora  depois  deixamos  a 
boca  meridional  do  S.  Lourenço ;  á  1  hora  e  40'  as  Pedras  de  Amolar^ 
e  cincoenta  minutos  mais  tarde  fundeamos  nos  Dourados  para  buscar 
provisões. 

A's  4  1/2  da  tarde  continuamos  a  viagem;  ás  5  horas  e  10'  pas- 
samos o  sitio  Firmiano,  em  cuja  plaga  o  vapor  incendiado  mostra  o  casco 
completamente  á  sêcco.  A's  6  horas  e  15'  o  sitio  de  José  Luiz;  e  poucos 
minutos  depois  a  boca  da  Mandioré,  onde  encalha  o  António  João  por 
uma  meia  hora,  e  duas  vezes,  fundeando  ás  7  horas  e  20'  na  risonha 
bahia  de  Ourives.  Sondando-se  sempre  o  canal  e  encontrando  três  braças 
no  mais,  a  sondareza  não  encontrou  fundo  no  poço  já  citado,  á  entrada 
dessa  bahia. 

A'8  10  da  manhã  seguinte  continuamos  a  viagem  para  a  lagoa : 
leva-se  três  horas  encalhado  n'ura  banco;  sahe-se  ás  4  horas  e  50',  mas 
pouco  depois  bate-se  n'uma  pedra  que  é,  felizmente,  transposta  com 
facilidade,  chegando-se  após  mais  dez  minutos  de  marcha  ao  fim  do  canal, 
que  marca  ahi  seis  palmos  escassos  na  profundidade.  Sahe  uma  chalana 
para  explorar  a  lagoa;  com  muito  custo  e  ás  vezes  puchada  pela  tripu- 
lação chega  á  quasi  meio,  e  volta  com  a  noticia  de  ser  impraticável, 
também  para  ella,  o  resto  da  lagoa. 

Partimos  á  23  ás  9  1/2  da  manhã :  o  António  João  não  é  madru- 


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842  ITINERABIO  DA  CÕBTE 

gador.  Oito  minutos  depois  bate  na  mesma  pedra  da  véspera  e  depois 
n'oiitra  de  um  pedregal  que  atravessa  o  canal. 

A*  1  da  tarde  chega-se  ao  rio,  sem  tocarmos  no  banco  onde  estivé- 
ramos três  horas,  ante-hontem.  Segue-se  viagem  â  24,  ás  9  1/2;  ás  11  1/2 
passamos  o  sitio  Falhares,  e  10'  depois  a  fazenda  de  José  Dias;  ás  12  o 
Furado  da  Sucury,  onde  pára-se  para  comprar  lenha,  demorando-se  uns 
três  quartos  de  hora,  á  11/2  da  tarde  passa-se  o  Faraguay-merim,  ás 
3  1/2  a  Falha,  ás  5  horas  e  5',  os  Castellos,  fundeando-se  ás  7  horas, 
ainda  claro.  O  António  João  não  se  arrisca  á  viagens  á  noite. 

A'  8  1/2  da  manhã  de  25  levanta  ferros  e  ás  10  1/4  tem-se  já  a  vista 
o  agradável  panorama  de  Corumbá,  em  cuja  abra  aportamos  pouco  depois 
de  meio-dia. 


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CAPITULO  VI 

Hwtrarít.  De  Connliá  ao  DfscalTado.  Do  Descalrado  á  Corixa.  O  Retiro  do  Presidente.  Fauada  de  Canbari  Oi 
«piía  e  u  fornicai:  o  *' temei  latirenn.''  Bahia  de  Pedras.  A  corixa  grande  do  Destacanento.  A  Lóea.  Da 
Cf  riu  á  Santa  Rita.  O  sitio  *'  Uanauo.  "^  Os  chiqnitanos  e  sen  dialecto.  '*  Bagres.  "  Santa  Rita.  As  corixai. 


Ão  é  do  génio  do  chefe  da  commis- 
são  o  desperdício  de  tempo :  aca- 
badas as  observações  e  regulari- 
sados  os  chronometros,  partimos 
novamente  de  Corumbá,  á  1  hora 
e  50  minutos  da  tarde  de  6  de  oi- 
tubro,  no  António  João^  seguindo- 
nos  duas  lanchas  á  vapor  e  umas 
três  ou  quatro  chatas  á  reboque. 

Até  hoje  foi  esta  de  todas  as 

viagens  a  mais  incommoda.  Calor 

iinario  de  30*  á  35%  dia  e  noite; 

pequeno,  cheio  e  ainda  arrastando 

um  pesado  reboque,  e  deitando  de  marcha  menos  de  milha  e  meia 

por  hora. 

No  dia  8  fundea-se,  como  sempre,  ao  escurecer  (7  da  tarde),  junto  ao 
Letreiro  da  Gahyba.  A'  9,  ao  meio-dia,  passámos  a  boca  da  Uberaba ;  ás 
3  horas  e  40  minutos  da  tarde  de  10  o  Bananal  ãe  Baixo.  No  dia  11 
sahMe  ás  6  1/2  da  manhã,  e  com  duas  e  meia  horas  passa-se  o  Bananal 
ão  Meio.  A'8  7  da  tarde  fundea-se  junto  do  Atterraãinho. 


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244  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

No  dia  12  sahe-se  á  hora  do  costume  e  ás  11  1/2  entra-se  no  Bror 
cinho,  furo  á  margem  esquerda  do  Parg^ay.  A's  8  horas  e  50  minutos 
do  dia  14  chega-se  á  sua  entrada,  que  tem  ahi  também  o  nome  de  Três 
Bocas,  e  dez  minutos  depois  ao  Descalvado. 

Desde  algumas  léguas  que  já  apparecem  mais  altas  as  margens  do 
rio;  são,  porém,  apenas  duas  fachas  estreitas,ou  albardões,que  o  margeiam, 
sendo  baixos  e  empantanados  os  outros  almargeaes. 

De  longe  em  longe  apparece  um  pequeno  alto,  que  chamam  reductos^ 
logares  sabidos  de  pouso,  como  os  Bananaes,  o  Atterradinho,  etc. 


O  rio  já  Tae  muito  baixo,  mas  fomos  tão  felizes  que  somente  hoje 
começam  os  encalhes. 

A*s  3  da  tarde  seguimos  em  busca  do  Retiro  ão  Presidente,  ponto 
umas  três  léguas  acima  do  Descalvado ;  encalha-se  das  4  horas  e  35  minu- 
tos ás  7  horas  e  20  minutos,  mas  ás  8  horas  abicamos  ao  porto. 

A'  15  sahimos  ás  6  horas  e  20  minutos,  aguas  acima;  encalha-se 
das  9  1/2  até  depois  de  meio-dia,  e,  receioso  de  que  dahi  em  diante  não 
encontre  agua  para  seu  calado,  o  António  João  volta  para  o  Descalvado, 
onde  fundea  ás  2  da  tarde. 


Vae  agora  a  commissão  encetar  seus  trabalhos  de  terra,  continuando 
o  traçado  divisório  das  lagoas  por  uma  linha  que,  partida  do  marco  N.  da 
Uberaba,  vá  passar  pelo  extremo  S.  da  Corixa  Grande  do  Destacamento, 
morros  da  Boa  Vista  e  dos  Quatro  Irmãos,  e  seguindo  dahi  para  a  ver- 
tente principal  do  Eio  Verde,  nas  montanhas  de  Eicardo  Franco,  antiga- 
mente do  Grão  Fará,  em  frente  á  cidade  de  Matto-Grosso. 

Apenas  desembarcados,  e  devendo  descer  á  Corumbá  uma  das  lan- 
chas á  vapor,  um  dos  membros  da  commissão  boliviana  despede-se  e  soli- 


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i  CIDADE  DE    MATTO-GKOSSO  345 

cita  passagem  para  aquella  villa,  dando  como  motivo  não  querer  seu  chefe 
^^e  pae)  reconhècêl-o  no  caracter  de  secretario  da  commissão.  Este  diz-nos 
que  os  motivos  são  outros,  e  ambos  se  dignam  affirmar-nos  de  que  taes 
motivos  não  nos  dizem  respeito.  De  facto  o  joven  D.  Vicente  Mujia  retira- 
se,  dando  mostras  de  saudoso  e  muito  grato  á  nossa  sociedade  e  trato 
de  companheiros.  Fica,  pois,  a  commissão  boliviana  reduzida  á  seu  chefe, 
o  velho  e  amável  general  D.  Juan  Nepomuceno  Mujia. 


Forto  do  Desoalvodo. 


Em  21  de  oitubro  dá-se  começo  ao  levantamento  topographico  do 
caminho  á  seguir  para  a  Corixa  Grande  do  Destacamento,  apezar  da  im- 
supportavel  temperatura  do  dia.  Tem  o  thermometro  oscillado  entre 
26*  e  35".  Nesse  dia,  tendo  marcado  28"  ápS  6  horas  da  manhã,  ás  2  1/2 
da  tarde  tinha-se  elevado  extraordinariamente  à  39",2,  quando  desabou  um 
furioso  temporal  de  sudoeste,  com  fortes  aguaceiros  e  uma  chuva  de 
pedras,  que 'açoitou  os  ares  por  uns  cinco  minutos. 


U 


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346  ITINERÁRIO  DA  CÔRTB 

Ao  chegarmos  ao  Descalvado,  tínhamos  por  certo  encontrar  promp- 
tos  os  animaes  necessários  para  a  conduccão  e  corte,  conforme  prévio 
ajuste. 

A'  21,  cansado  de  esperar,  resolveu  o  barão  de  Maracajú  dar  começo 
aos  trabalhos,  e  seguiu  para  a  Corixa,  deixando  encarregado  de  efectuar 
a  compra  seu  immediato,  o  major  Lopes  de  Araújo,  que  por  doente  não 
quiz  seguir. 

Somente  á  29  apresentou-se  o  dono  da  fazenda  com  quem  se  tinha 
convencionado  a  compra  dos  animaes,  e  que,  vendo-nos  completamente  á 
sua  descripção,  marcou  para  preço  de  cada  animal  180$,  isto  é,  quasi  o 
dobro  do  que  valiam,  pela  razão  mui  simples,  dizia  elle,  de  têl-os  com- 
prado á  cem  mil  réis  e  perdido  quasi  metade,pelo  que  andava-lhe  cada  um 
por  cento  e  sessenta  mil  réis,  tendo  certeza  de  ainda  perder  outros  muitos; 
calculo  por  demais  razoável  e  tão  seguro  que,  no  dia  em  que  restar-lhe  um 
só  desses  cavallos,  ha  de  querer  por  elle  o  preço  dos  cem,  para  não  ficar 
prejudicado. 


II 


O  porto  do  Descalvado  é  o  ponto  mais  alto  do  albardão  na  margem 
direita,  acima  dos  alagadiços  da  Uberaba.  Sua  posição  foi  determinada 
aos  16*  44'  38'',34  lai,  pela  commissão.  Ha  ahi  uma  grande  rancharia 
pertencente  ao  fazendeiro  João  Carlos  Pereira  Leite,  dono  da  situação  do 
Cambará  (a),  á  31  kilometros  de  distancia,  em  rumo  2^N0.  Mede  esse 
albardão  poucas  dezenas  de  metros  de  largura;  inda  assim  é  interrompido 
por  depressões  e  entradas  do  rio.  O  resto  do  território  em  grande  extensão 


(a)  CerrupçSo  de  camará^  muito  usual  no  povo  rústico. 


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i  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  347 

é  alagadiço  ás  fiienores   enchentes.  Nas  mesmas  condições  ou  peiores 
estão  os  terrenos  da  margem  fronteira. 

Uns  cinco  kilometros  rio  acima  e  nessa  margem  começa  uma  mon- 
tanha de  gneiss,  o  Descalvaão  (a),  que  deu  o  nome  á  região. 

Oitocentos  metros  acima  do  porto,  acha-se  um  salaãeiro,  fabrica  de 
xarque  o  cortume,  que  não  parece  mal  montado  relativamente  aos  outros 
estabelecimentos  da  provincia.  Nos  arredores  elevam-se  dous  pequenos 
morrotes,  dos  qnaes  o  mais  elevado,  meia  légua  distante,  no  caminho  de 
Canibará. 

O  Beiiro  do  Presidente,  ficando  como  vimos  á  três  horas  de  viagem 
aguas  acima,  está  á  9.338  metros,  por  terra,  do  porto  do  Descalvado ; 
este,  e  um  outro  chamado  o  porto  das  Éguas,  uma  hora,  mais,  por  agua  e 
á  27  kilometros  do  Descalvado,  são  os  melhores  locaes  de  desembarque 
para  Cambará,  e  por  conseguinte  para  quem  busca  o  interior  do  conti- 
nente. 

A  fazenda  fica  á  21.853  kilometros  do  Retiro,  e  pouco  mais  de 
quatro  do  porto  das  Éguas.  Consiste  em  pequenos  casebres  de  taipa, 
cobertos  de  palha,  com  excepção  de  um  só  que  é  de  telha,  nenhum  tendo, 
nesse  paiz  das  madeiras  de  lei,  nem  forro  nem  soalhos. 

E'  uma  verdadeira  estancia,  ao  modo  das  do  sul,  com  diflferença 
apenas  da  pobreza  dos  campos  de  criação. 

E'  notável  para  quem  percorre  o  Brasil  a  diflferença  de  apresen- 
tação dos  seus  grandes  estabelecimentos  ruraes,  os  engenhos  de  assucar 
do  norte,  as  fazendas  de  café  do  centro  e  as  estancias  de  gado  do  sul. 

No  norte,  quem  entra  n'um  engenho  parece  ch^r  á  uma  villa ;  ali 
se  ergue  uma  capella,  sinão  uma  boa  egreja  de  torres,  cercada  pela  boa 
casa  de  vivenda  do  senhor,  os  engenhos,  as  fabricas  e  ofificinas  de  necessi- 
dade e  a  casaria  dos  escravos. 

(a)  A  LCo  43*  lat„  segando  Luiz  D'Alincourt. 


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348  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Ahi  tudo  é  risonho,  tudo  respira  a  alegria  e  falia  á  vida,  desde  o 
bater  das  machinas,  o  zum-zum  das  moendas  e  bolandeiras,  o  barulho  da 
agua  que  cahe  das  comportas,  o  mugir  dos  bois,  a  algazarra  dos  traba- 
lhadores, até —  e  o  que  lhes  dá  um  cunho  especial  e  agradável, — o  cheiro 
da  cana,  do  assucar,  da  bagaceira  e  até  dos  bois.  Ahi  a  vida  é  sempre 
prazenteira  e  uma  constante  distracção. 

No  centro,  consistem  as  fazendas  n'um  quadrado  que  lembra  as  re- 
ducções  jesuíticas,  e  os  pequenos  e  antigos  povoados  das  republicas  hes- 
panholas,  fazendo-lhe  uma  das  faces  a  casa  do  fazendeiro,  outra  os  mon- 
jolos e  o  resto  as  senzalas  de  escravos,  e  cercando  o  terreiro  liso,  batido  e 
ordinariamente  vermelho  da  argilla  do  solo  onde  se  sécca  o  café,  e  em 
cujo  meio  quasi  sempre  se  vê  erguido  um  cruzeiro.  As  distracções  únicas 
são  as  que  a  natureza  pôde  ofFerecer  nos  passeios,  na  caça,  etc.  No  sul, 
a  estancia  quasi  que  unicamente  consiste  nos  campos  e  nos  gados,  e  o 
mais  rico  estancieiro  tem  muitas  vezes  por  albergue  uma  palhoça,  um 
simples  rancho,  onde  possa  accender  fogo  para  o  mate  e  o  churrasco  ou 
possa  estender  os  aperos  para  a  cama.  Também,  por  via  de  regra,  as 
fortunas  são  mais  solidas  entre  estes  do  que  nas  duas  outras  classes.  Sua 
riqueza  depende  da  uberdade  dos  pastos,  onde  os  gados  se  procreiam  ma- 
ravilhosamente e  onde  o  costeio  poucos  lucros  lhes  consome.  Trabalho, 
não  ha  mais  que  o  reponteamento  e  a  marca,  o  corte,  a  salga  e  a  expor- 
tação ;  inimigos,  a  sêcca  ou  innundação  e  as  episóocias,  felizmente  quasi 
desconhecidas. 

Os  outros  tém  maiores  despezas  para  manterem  e  conservarem  as 
fabricas,  e  além  dos  inimigos  metereologicos  tém  ainda  as  moléstias  e 
parasitas  vegetaes,  tém  as  contingências  á  que  está  sugeito  o  pessoal,  e, 
mais  ainda,  a  suzerania  dos  consignatários,  que  os  conservam  em  feudo, 
e,  outras  pieuvres^  sugam-os  pelos  cem  tentaculos  com  que  os  prendem. 


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k  CIDADE   DE  MATTO-GROSSO  349 

Na  fazenda  Cambará  são  grandes  os  apriscos  e  bem  cercados, 
assombreados  por  uma  vintena  de  gameleiras,  novas,  mas  já  frondosas,  á 
sombra  das  quaes  são  hospedados  os  viandantes,  pelo  que  o  hospitaleiro 
amphyctrião  fez  coUocar  debaixo  de  cada  arvore  dez  ou  doze  postes  de 
madeira  para  armarem  suas  redes. 


III 


O  terreno  entre  o  Descalvado  e  o  Retiro  é  em  grande  parte  argil- 
loso,  com  uma  ligeira  camada  de  terra  vegetal  trazida  pelas  innundações 
que  o  cobrem  completamente. 

Com  excepção  da  alta  e  robusta  floresta  que  sombreia  o  albardão  á 
beira  rio,  os  bosques  só  apparecem,  de  espaço  em  espaço,  em  pequenas 
ilhas  mais  ou  menos  arredondadas,  contendo  grande  numero  de  madeiras 
preciosas,  e  tomando-se  notáveis  por  guardarem  uma  certa  disposição  no 
seu  desenvolvimento,  sendo  mais  altas  as  arvores  do  centro,  e  indo  essa 
altura  decrescendo  á  medida  que  se  approximara  das  orlas,  dando  á  dis- 
tancia a  apparencia  de  morrotes  que  somente  ao  perto  deixam  conhecer 
a  verdade. 

Ainda  que  ahi  o  solo  seja  mais  elevado  do  que  no  resto  do  terreno, 
pela  quantidade  de  húmus  que  os  annos  lhe  vão  accumulando,  todavia 
isso  physicamente  vale  tão  pouco,  que  não  deve  ser  levado  em  conta  para 
a  altura  dos  bosques. 

A  mór  parte  dessas  arvores  tem  marcada  no  tronco  e  galhos  a  ele- 
vação das  ultimas  enchentes  em  mais  de  dous  metros. 

Innumeros  cupinzeiros,  em  forma  de  columnas,  erguem-se  aqui  e  ali, 
na  planicie,  em  tal  quantidade  que  faz  lembrar  ao  viajor  os  escombros  de 
uma  antiga  cidade  ou  os  túmulos  de  uma  vasta  necropole. 

Ahi  o  tapete  botânico  se  accentúa  na  flora  palustre,  onde  predomi- 


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350  ITINERilBIO    DA  CORTE 

nam  a  tahua  (typhaceas)  (a),  só  persistente  nos  logares  húmidos  e  Índice 
certo  da  presença  da  agua,  e  varias  gramíneas  e  cyperaceas,  junca- 
ceas  e  aroidéas,  alysmacias  e  plantagineas.  Nos  logares  áridos  mais 
abundantes  de  silica,  e  que  com  mais  facilidade  se  séccam,  a  vegetação 
arbórea  é  quasi  nuUa ;  apenas  destacam-se  aqui  e  ali  uma  ou  outra 
peúva,  uma  ou  outra  caem  protegendo  alguns  arbustos  que  á  sua 
sombra  crescem,  amparados  da  estuação.  Quasi  todas  essas  arvores  tém 
ao  seu  redor  mais  alto  o  terreno,  ás  vezes  de  meio  metro,  e  n'um  diâmetro 
de  quatro,  cinco  e  seis,  devido  as  terras  que  as  enchurradas  carregam  e 
deixam  detidas  entre  as  raízes,  augmentando  de  anno  em  anno. 

Por  toda  a  parte  encontra-se  a  amaryllis  princeps,  que,  quasi  uníca 
no  seu  género,  alastra  campos  e  collínas,  terrenos  sêccos  ou  húmidos, 
esmaltando-os  com  as  grandes  flores  vermelhas  de  seus  pendões  umbelli- 

formes. 

Do  Ketíro  em  diante  o  terreno  é  mais  calcareo ;  continuam  as  exten- 
sões baixas,  cobertas  de  vegetação  palustre,  e  os  taboleiros  silicosos  e 
áridos.  Nestes,  as  arvores  isoladas  já  dão  uma  feição  nova  á  região  ;  são 
lixeiras  ou  cajueiros  bravos,  caimhé  do  Pará,  malpighiacea  sem  utili- 
dade reconhecida  ;  o  pau  pâãre,  o  pau  terra,  a  fructa  de  morcego,  e  já 
menos  frequentemente  as  peiívas,  o  jabotá,  as  cacias  e  palmeiras  dos 
géneros  asfrocarium  e  boctris.  Em  alguns  taboleiros  a  vegetação  é  unida 
e  são  as  myrtaceas,  anonas  e  paineiras  anãs,  que  dão  o  cunho  ao  tapete 
floral.  Nos  logares  mais  baixos,  e  onde  a  humidade  é  maior  ou  mais  se 
demora,  notam-se  moutas  ou  bosquetes  de  algodão  bravo  (hibiscus  bifur- 
catus,  de  Lacerda),  affectando  também,  de  ordinário,  a  disposição  cir- 
cular, e  as  Aeperipcri  e  tabúas,  nos  logares  ainda  mais  húmidos. 

Do  Descalvado  á  Corixa  Grande  do  Destacamento  medem-se  97,033 


(a)  E*  ojuraperi  do  Pará. 


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í  CIDADE  DB  MATTO-GROSSO  351 

kilometros.  Desse  terreno  mais  de  três  quartos  são  completamente  ala- 
gadiços n'uma  estação  e  tão  sêccos  na  outra,  que  só  escavando-se  profun- 
das cacimbas  póde-se  encontrar  agua,  quasi  sempre  branca,  da  côr  do 
leite,  do  elemento  calcareo  que  traz  em  suspensão,  e  do  qual  nem  mesmo 
os  filtros  a  livram  completamente. 


I3aliia  de  Pedras. 

Na  sêcca,  apenas  se  encontra  perenne  uma  pequena  lagoa  á  que  os 
naturaes  chamam  impropriamente  Bahia  de  Pedras^  sem  duvida  por 
verem  assim  designadas  as  formadas  pelos  rios.  Fica  ella  â  27  kilometros 
da  Corixa,  na  encosta  oriental  de  uma  lombada,  contraforte  da  serrania 
de  Borborema,  que  se  estende  em  largura  até  a  Corixa,  e  em  compri- 
mento mais  algumas  léguas  ao  sul. 

Também  fora  delias  e  dos  dous  morrotes  de  que  já  fallei,  junto  ao 
Descalvado,  o  único  accidente  de  idêntica  natureza,  que  se  encontra  em 
todo  esse  campo,  é  uma  notável  agglomeração  de  penedos,  cascalhos 
angulosos  e  seixos  rolados,  formando  uma  pequena  coUina  que  já  vae  se 
cobrindo  de  vegetação  alta,  no  caminho  de  Cambará,  e  delia  distante 
cerca  de  kilometro  e  meio  â  NNO.  Parece  mais  um  deposito  de  pedras, 
preparada  pelo  homem,  que  uma  eversào  da  natureza,  quem  sabe  si  um 


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352  ITINERÁRIO' DA  CORTE 

steinherg,  ou  melhor,  pachwerJchauten,  dos  primitivos  habitantes,  para 
resguardarem-se  na  estação  das  aguas  (a)? 

Nos  bosques  abundam  as  madeiras  de  valor,  quaes  o  jacarandá,  os 
cedros,  o  vinhatico,  pau  d'arco,  condurú,  peúvas,  varias  espécies  de  óleos, 
baraúna,  o  angico  em  quantidade  sempre  extraordinária,  os  jatobás,  a 
tinguaciba  de  folhas  paripennadas,  e  o  guatambú,  forte  e  rija  madeira  do 
mais  formoso  amarello.  Earo  é  o  carandd  que  ahi  se  encontra,  mas  de 
certos  legares  descortinam-se  ao  longe  os  leques  dessa  utilíssima  pal- 
meira, cobrindo  extensões  de  léguas,  sempre  nos  legares  húmidos. 


A  formiga  e  o  cupim  de  diversos  géneros  são  os  donos  do  terreno. 
E'  notável  que,  sendo  varias  as  formas  de  seus  cortiços  ou  casas, 
guardem,  no  emtanto,  uma  uniformidade  na  construcção,  segundo 
os  legares;  aqui,  sendo  todos  de  uma  forma;  ali,  de  outras,  etc.,  não 
podendo  eu  rigorisar  si  tal  diflferença  depende  do  solo  e  materiaes  de 
construcção,  si  da  diversidade  na  espécie  dos  constructores.  O  certo 
é  que  nas  proximidades  do  Cambará  vê-se  o  campo  coberto  de  columnas 
cylindricas,  que  os  indios  chamam  fa^wr^í^,  altas  de,  ás  vezes,  dous  metros, 
assemelhando-se  aos  marcos  ou  pilastras  conhecidas  sob  o  nome  de  frades 
de  pedra;  ali,  assemelham-se  á  pequenos  castellos  de  meio  metro  de 
alto,  com  setteiras,  portas,  terraços,  torreões,  etc.,  quaes  os  dos  taboleiros 
chamados  lAxal  e  Btigres,  já  adiante  da  Corixa.  N'outro8,  como  em 
Palma  Real  e  Petas,  são  mais  baixos,  mais  grossos,  ora  isolados,  ora 
encostados  á  arvores,  sempre,  porém,  muito  resistentes  e  feitos  de  uma 
espécie  de  cimento  betuminoso,  impenetrável  á  agua. 


(a)  Montes  de  pedras,  argilla  ou  lodo,  que  os  habitantes  das  regiões  lacustres, 
na  época  neolithica,  faziam  para  ampararem  suas  tendas.  Os  steinberg  e  packioerk- 
bauten  foram  encontrados  pela  primeira  vez,  em  185é,  nos  lagos  da  Suissa* 


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A   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  353 

São  seus  moradores  espécies  de  termes  lucifugum,  O  termes  aerium 
eleva  seus  palácios  nos  ramos  ou  engalhamentos  das  arvores,  dando-lhes 
mais  de  metro  de  altura  e  de  circumferencia ;  a  entrada  íica  no  solo,  com 
que  se  communica  por  um  corredor  construido  da  mesma  argamassa  e  que 
desce  ao  longo  dos  galhos  e  do  tronco.  Nas  cabeceiras  do  Eio  Verde 
vimos  uma  noite  um  espectáculo  sorprendente.  Um  desses  cupinzeiros 
apresentava-se  todo  coberto  de  pequenas  luzes,  quaes  pequeninas  estrellas, 
semelhando  uma  torre  em  miniatura,  brilhantemente  illuminada.  Ficava 
perto  da  barraca  do  capitão  Craveiro,  commandante  da  força,  e  este 
foi-nos  convidar  para  partilharmos  da  sua  sorpreza  e  prazer.  Golpeando-se 
o  edifício  apagavam-se  as  luzesinhas,  como  por  encanto,  para  virem  sur- 
gindo de  novo,  pouco  á  pouco,  á  começar  dos  legares  onde  o  golpe  reper- 
cutira com  menos  intensidade.  A'  esses,  si  pertence  o  qualificativo  de 
lucifugi^  melhor  lhes  cabe  a  designação  de  luciferi. 


Os   TaavLP-Cua  ovi  Formisueiros. 


E*  delles  talvez  que  Castalnau  falia  á  pagina  103  do  seu  livro  2.*» 

D^  formigas,  a  mais  graciosa  cònstrucção   que  observei  foi  a  de 

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354  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

uma  espécie  pequenina  e  negra,  que  faz  seus  ninhos  nas  folhas  grandes  e 
vivazes  de  certas  dycotiledonias,  como  os  louros,  algumas  euphorbias,  etc. 
Kevestem-as  de  folhetas  mui  ténues  e  mui  rijas,  de  um  tecido  semelhante 
á  seda  encerada,  côr  de  palha,  sobrepostas  umas  ás  outras  em  innumeras 
camadas,mal  deixando  entre  si  espaço  para  os  moradores  moverem-se.Não 
é  a  taracuá  de  que  fallou  o  Dr.  Alexandre  Eodrigues  Ferreira,  que  ajunta 
o  epiderma  da  arvore  parinary  para  fazer  seus  ninhos,  que  os  Índios  reco- 
lhem para  isca.  Os  de  que  fallo  não  se  prestam  á  esse  mister,  queimando 
com  difficuldade  e  como  derretendo-se,  e  dando  um  forte  e  desagradável 
cheiro  empyreumatico. 


Percorrem  estes  campos  gados  mais  ou  menos  ariscos,  quer  perten- 
centes aos  fazendeiros  vizinhos,  quer  alçados  das  antigas  fazendas  do  go- 
verno. No  tempo  sêcco  em  que  o  sol  torra  a  menor  haste  de  herva,  e  em 
que  não  se  encontra  no  solo  a  menor  poça  para  abeberarem,  fogem  os 
gados  para  os  logares  sombrios  ou  frescos,  mais  ou  menos  húmidos,  ou 
mesmo  para  a  borda  das  lagoas,  longe  ás  vezes  de  muitas  léguas. 

Por  todo  o  campo  encontram-se  caminhos  estreitos,  mas  bastante 
trilhados,  cortando-se  em  varias  direcções;  seguindo-se  por  elles  vae-se  ter 
aos  logares  onde  os  animaes  se  acoutam  ou  onde  vão  buscar  refrigério  á 
sede. 


A  praga  de  gafanhotos,  antiga  nestas  comarcas,  e  que  já  em  1537 
perseguira  á  Juan  de  Ayolas,  começava  á  devastar  os  campos,  quando 
por  ahi  passámos.  Vinham  de  0.,e  foram  suas  nuvens  que  nesse  anno  e  no 
seguinte  tão  cruelmente  assolaram  as  mattas  do  Paraguay  e  as  pastagens 
argentinas,  montevideanas  e  do  Bio  Grande  do  Sul. 


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í  CIDADE  DE    MATTO-GROSSO  355 

Uma  outra  praga  encontrámos,  e  esta  constantemente,  quer  na  estação 
sêcca  quer  na  chuvosa :  era  uma  quantidade  enorme  de  amboás  ou  gorir 
goros  (iulus  flavus  zonatus)^  que  cobria  as  estradas,  e  nos  próprios 
acampamentos,  apezardos  cuidados,  appareciam  aos  milhares,  e  subiam 
ás  barracas  e  até  aos  leitos. 


IV 


O  nome  de  BaTiia  de  Pedras  estende-se  também  á  uma  miserável 
povoação  de  verdadeiros  servos  da  gleba,  pobres  apaniguados  dos  senhores 
da  terra,  que  ali  vivem  na  fralda  da  morraria,  á  beira  da  estrada.  Algu- 
mas bananeiras,  uma  plantação  de  fumo  e  milho  de  poucos  metros  qua- 
drados,   e  algumas  melancias  e  pimenteiras,  eis  toda  a  sua  lavoura. 

Ahi  vi  pela  primeira  vez  a  arvore  conhecida  pelo  nome  de  fructa 
banana^  que  pareceu-me  ser  uma  sapotacea.  Seu  fructo,  drupa  com  três 
nuculos  unidos,  assemelha-se  ao  sapoti,  e  tem  o  gosto  perfeitamente  idên- 
tico ao  da  banana  da  terra. 

Como  já  disse,  o  terreno  segue  montuoso  até  a  Corixa,  salvo  peque- 
nos valles  que  se  formam  aquém  e  além  da  situação  do  Tremedal^  em 
meio  caminho. 

E'  coberto  de  formosa  mattaria,  onde  as  hombaceas  e  as  stercúlari- 
neas  apresentam  magníficos  exemplares  pelo  vigor  de  sua  constituição. 
A  estrada  seguia  o  dorso  da  morraria,  e  teve  de  ser  alargada,  na  extensão 
de  15  kilometros,  para  poder  dar  passagem  ás  carretas  da  commissão  e 
do  fornecimento,  algumas  de  três  metros  de  alto  e  dous  de  largo  !  Do 
Tremedal  em  diante  era  de  boa  largura,  conservando  sempre  uma  média 
de  quatro  metros,  que  triplica-se  ao  approximar-se  á  Corixa,  desde  o  seu 
cemitério. 


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356  ITINEBARIO  DÁ  CORTE 

O  Sr.  Costa  Esteves,  fornecedor  da  commissão,  encarregou-«e  tam- 
bém de  aperfeiçoal-a,  alargando-a  mais  e  rectificando  sua  direcção,  como 
qne  lucram-se  alguns  milliares  de  metros. 

Tanto  o  solo  como  a  morraria,  cobertos  nas  camadas  superiores  de 
argilla  vermelha  e  plástica,  manifesta  em  alguns  logares  a  formação 
geológica  de  calcareo  e  algum  grés  quartzoso. 


A  Corixa  Grande  do  Destacamento  não  é  mais  do  que  um  pequeno 
posto  militar  para  guarda  e  fiscalisação  dessa  parte  da  fronteira,  que  é  o 
interposto  do  commercio  boliviano  com  S.  Luiz  de  Cáceres,  para  onde 
dirige-se  passando  pela  Bahia  de  Pedras  e  dahi  em  rumo  K.  á  cortar  o 
Jaurú.  O  fisco  nunca  teve  ahi  um  empregado  para  lhe  zelar  os  direitos. 
Está  o  posto  aos  16*  23'  46",9  lat.  e  W  5'  35",85  long.  occ.  do  Bio  de 
Janeiro. 

Consiste  em  umas  vinte  palhoças  com  frente  para  a  fronteira.  Sua 
posição  é  bonita  e  agradável,  em  terreno  alto  e  sêcco,  á  poucos  centos  de 
metros  do  riacho  que  lhe  dá  o  nome.  Para  converter-se  n'um  bom  po- 
voado,  falta  lhe  somente  boa  agua,  pois  que  a  do  riacho  é  travosa,  com 
uns  saibos  de  alumina,  ainda  que  mui  limpida  e  transparente.  Mas  não 
é  difflcil  obtêl-a  boa,  de  cacimbas,  que  nas  vizinhanças  já  as  ha  de  excel- 
lente  agua. 

O  riacho  tem  origem,  como  já  se  o  disse,  n'uma  caverna  de  um 
monte  isolado,  mas  pertencente  ao  systema  da  serraria  de  Borhorema. 
Fica  á  kilometro  e  meio,  mais  ou  menos,  á  NNO.  do  Destacamento.  A 
montanha  é  de  gneiss  em  decomposição,  coberta  de  grosso  cascalho  e 
penedos  angulosos  de  quartzo. 

Na  sua  face  meridional  ha  uma  quebrada  formando  como  que  um 
alpendre  regular,  debaixo  do  qual  e  do  fundo  da  rocha  seguem  para  o 


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X  aDADE  DE  MATTO-GROSSO  357 

interior  três  corredores,  por  onde  sahem  aos  borbotões  as  aguas  do  riacho. 
Esses  corredores  são  escuríssimos  e  habitação  de  numero  infinito  de  mor- 
cegos ;  o  do  meio  é  o  mais  largo  e  recto,  tendo  pouco  mais  de  um  metro 
de  largura. 

Dentro  ouve-se  o  rumor  das  aguas  que  cahem  como  em  cachoeiras 
e  vém  pelo  chão  dos  corredores  sahir  na  quebrada,  onde  soterram-se, 
apparecendo  cinco  metros  mais  longe,  e  já  como  um  ribeiro  de  quatro  e 
meio  metros  de  largo,  alguns  decimetros  de  fundo  e  corrente  regular.  O 
monte  medirá  quando  muito  três  kilometros  de  perímetro ;  junto  ao 
alpendre  vêm-se  distinctamente  camadas  stratiformes  de  rocha  semelhante 
ao  trapp  amygdaloide,  das  quaes  algumas  lisas  e  polidas  como  lousas 
jazem  amontoadas  no  solo,  resultado  das  erosões  produzidas  pela  lympha 
que  minou  a  montanha,  dissolveu-lhe  as  rochas  de  fácil  decomposição, 
e  formou  esse  alpendre  e  as  cavernas  interiores  para  seu  livre  curso.  A 
pr^ença  das  aguas,  e  a  força  com  que  cahem  no  ventre  da  montanha,  in- 
dicam a  existência  de  um  siphão. 

O  alpendre  ou  Loca  tem  quasi  oito  metros  de  frente,  três  e  meio  de 
fundo  e  uns  cinco  de  altura.  Busquei  examinar  os  corredores;  mas  apenas 
entrei  alguns  passos  no  do  meio,  a  escuridão  e  a  nuvem  de  morcegos,  que 
esvoaçavam  molestando-me,  desanimaram-me  de  proseguir. 

Em  caminho  vi  uma  dessas  graciosas  curiosidades  com  que  a  natu- 
reza parece  ás  vezes  querer  divertir-se :  do  alto  do  grosso  tronco  de  uma 
gamelleira  decrépita,  truncado  pelo  raio  ou  pelo  tempo,  elevava-se  uma 
graciosa  palmeira  cercada  ainda  dos  galhos  verdes  da  velha  arvore ;  como 
represália  de  ser  tantas  vezes  a  palmeira  o  supporte  dessa  gigantesca 
parasita,  cuja  semente,  nella  deposta  pelos  passarinhos,  ahi  germina, 
cresce,  vae  descendo  suas  raizes  e  anastomosando-as  ao  redor  da  estipilte, 
e  tão  perfeitamente,  que,  ao  cabo  de  tempo,  toma-se  em  segundo  envoltó- 
rio ao  tronco  da  palmeira. 


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358  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Fui  ao  morro  da  Loca^  não  somente  levado  pelo  desejo  de  vêr  essa 
curiosidade  natural,  como  ainda  com  o  fim  de  verificar  a  riqueza  de 
cobre,  que  o  fazendeiro  João  Carlos  dizia  ahi  haver,  vendo-se  o  mineral 
engastado  nas  paredes  do  alpendre.  Achei  estas  verdoengas,  é  certo,  mas 
de  limo. 


Não  sei  si  poder-se-ha  atribuir  aos  morcegos  o  mau  gosto  da  a^a 
do  regato,  que  acaiTeta  das  cavernas  uma  tal  quantidade  de  detritos  e 
excreções  desses  vampiros,  que  forma  um  sedimento  negro  e  pastoso  em 
quasi  toda  a  extensão  de  seu  leito,  sendo  de  alguns  palmos  de  altura  nas 
immediações  da  loca, 

O  regato  que  passa  no  destacamento,  com  uma  corrente  regular, 
segue  assim  por  uns  seis  kilometros,  perdendo  pouco  á  pouco  a  correnteza, 


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í  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO  359 

e  espraiando-se  nos  tremedaes  e  alagadiços  que  demoram  entre  a  Corixa 
e  a  Uberaba. 


Como  já  disse,  a  Corixa  presta-se  para  um  bom  povoado ;  seus  ter- 
renos são  mui  feraces  e  de  tal  ou  qual  belleza. 

tJm  antigo  commandante  do  posto,  o  capitão,  depois  coronel,  Ger- 
vásio Pemé,  ha  pouco  fallecido,  homem  activo  e  trabalhador,  foi  quem 
praticou  os  primeiros  e  talvez  únicos  melhoramentos  do  logar  antes  da 
chegada  da  commissão.  Alinhou  e  fez  construir  em  boa  ordem  as  pa- 
lhoças, formando  uma  grande  praça  aberta  para  a  fronteira ;  nella  ergueu 
um  cruzeiro,  emquanto  tratava  de  levantar  uma  capella,  o  que  não  levou 
á  eflfeito  por  ser  retirado  do  ponto ;  fez  um  cemitério  cerca  de  quatro- 
centos metros  do  povo,  á  direita  da  estrada  que  á  elle  vae,cercou-o  de  pau 
á  pique  .e  erigiu-lhe  uma  casinha  de  telha  para  capella,  abriu  grandes 
cacimbas  de  boa  agua,  plantou  grande  numero  de  larangeiras,  tamarin- 
deiros, cajazeiras,  goiabeiras,  hortaliças  e  algumas  flores.  Seus  substi- 
tutos não  plantavam,  mas  destruiam,  e,  si  deixavam  capins  e  carrascos 
crescerem  dentro  do  povoado,  levavam  o  vandalismo  á  derrubar  os  arvo- 
redos de  fructas,  já  frondosos  e  soberbos. 


A  linha  limitrophe  continuada  do  marco  norte  da  lagoa  Uberaba 
vae  encontrar  o  extremo  sul  da  Corixa  Grande  do  Destacamento;  por  esta 
segue  até  suas  origens  no  extremo  sul  da  serra  da  Borborema,  pela  qual 
sobe  até  o  Cerro  ãe  S,  MatUas  aos  16°  16'  13'',06  de  latitude  e  15"  5' 
16",05  de  longitude.  Dàhi  desce  á  Corixa  ãe  S,  Matliias  e  por  ella  até 
sua  reunião  com  a  do  Peinaão  aos  16"  19'  15",42  lat.  e  15"  11'  3",50 
long.,  no  dever  de  salvar,  conforme  a  estipulação  do  uti  possiãetis,  o 


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360  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

povo  boliviano  de  S.  Mathias,  que  ficava  dentro  da  linha  de  demarcação 
tirada,  na  forma  do  tratado,  do  extremo  sul  da  Corixa  Grande  ao  morro 
da  Boa  Vista. 


Atravessando  o  riacho  ha,  á  um  kilometro,  uma  situação  e  engenhoca 
pertencentes  á  brasileiros,  que  para  ahi  foram  com  o  duplo  fim  de  nego- 
ciarem e  de  não  serem  incommodados  por  nenhum  dos  dous  paizes,  evi- 
tando o  cumprimento  dos  deveres  de  cidadãos  do  Brasil  por  estarem  na 
Bolivia,  e  nada  tendo  com  este  paiz  por  serem  brasileiros. 

O  povo  de  S.  Mathias  fica  á  sete  kilometros  e  meio  da  Corixa  do 
Destacamento.  E'  uma  pequena  povoação  de  mais  ou  menos  duzentas 
almas,  indios  quasi  todos  chiquitanos  e  alguns  bororós.  Compõe-se,  como 
todas  as  missões  jesuiticas,  de  uma  praça  rectangular,  tendo  n'uma  das 
faces  a  egreja  e  nas  outras  as  habitações. 

Sua  latitude  foi  agora  determinada  em  10^  2V  15",15. 


As  chuvas,  que  vieram  frequentes  em  setembro,  suspenderam-se 
quasi  completamente  até  fiins  de  novembro.  Agora,  apezar  de  tão  adian- 
tada a  estação  chuvosa,  é  que  vão  apparecendo  fortes  aguaceiros,  quasi 
diários ;  o  facto  de  virem  tardias  mais  faz  temer  a  sua  violência. 

Dividida  a  commissào,  seguiu-se  á  reconhecer  o  morro  da  Boa  Vista 
e  os  territórios  ao  norte  de  S,  Mathias  e  ao  sul  da  Corixa. 

Estamos  nos  desgraçados  terrenos  em  que,  como  mui  judiciosa- 
mente diz  Southey  (a),  ha  que  atravessar  pântanos  sem  por  isso  deixar  de 


(a)  Obra  citada. 


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A  CIDADB  DE  MATT(H»ROSSO  361 

soffrer-se  sede.  Para  taes  terrenos,  entre  a  Corixa  e  a  Uberaba,  é  que  a 
commissão  tinha  recebido  a  seguinte,  cathegorica,  mas  enigmática  expli- 
cação, quando  tratava-se  de  seu  levantamento  topographico :  «  São  ter- 
renos que  não  se  pôde  percorrer  nem  á  pé,  nem  á  cavallo,  nem  embar- 
cado. » 

Mas  não  se  fallou  nos  aerostatos,  nem  também  se  os  ministrou. 

Pela  Uberaba,  com  effeito,  foi  impossivel  de  levar  avante  a  empreza 
do  reconhecimento  dos  terrenos,  mas  conseguiu-se  fazêl-o  por  este  ponto, 
ora  á  pé,  ora  á  cavallo,  e  algumas  vezes  tendo  por  montaria  hois. 

O  capitão  Costa  Guimarães,  que  também  era  secretario  da  commis- 
são, foi  o  encarregado  desse  trabalho;  chegou  até  a  Gahyba  e  fez  o  levan- 
tamento dessas  paragens. 

Em  29  de  novembro  sahimos  da  Corixa  em  busca  do  morro  da  Boa 
Vista. 


Atravessado  o  regato  ou  Corixa^  passámos  dahi  á  1  kilometro  pela 
situação  dos  brasileiros  de  que  atraz  fallei.  Duas  horas  depois  chegá- 
vamos ao  sitio  do  Uatíossú,  á  treze  kilometros  daquella  outra. 

Tira  seu  nome  de  umas  formosas  palmeiras  que  ahi  abundam,  dando 
uma  feição  especial  ao  terreno ;  é  a  aitaléa  spectabilis  de  Martius,  xahate- 
hoãi  dos  guaycurys ;  suas  folhas  tém  quatro  á  seis  metros  de  longas  e 
dizem  que  mais  ainda,  pelo  que  são  mui  procuradas  para  a  cobertura  das 
palhoças.  Quando  nova  a  arvore,  ainda  o  tronco  não  é  visivel  e  já  as 
folhas,  partindo  do  solo,  attingem  áquella  altura. 

Pertence  á  D.  Senhorinha,  mulher  idosa,  mas  bem  conservada, 
representando  cincoenta  á  cincoenta  e  cinco  annos;  é  de  origem  indiatica, 
e,  si  não  me  engano,  viuva  do  segundo  dono  das  Salinas  ão  Almeida  (a), 
um  tal  coronel  boliviano  Bamos. 


(a)  Assim  chamadas  do  velho  Jeão  de  Almeida,  que  ahi  se  estabeleceu  de  1770 
á  1790,  explorando-lhe  o  sal. 

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362  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

Essas  salinas  abundantes  e  muito  exploradas  antigamente,  começa- 
vam sete  léguas  á  O.  do  Begistro  do  Jaurú,  passavam  pelas  vasantes  ou 
campos  alagados,  até  aqui;  seguiam  para  O.  á  correr  pela  Corixade 
Bugres  ou  do  Pau  d  pique  dos  antigos,  e  para  S.  tomando  os  nomes  de 
salinas  do  Acorisál  e  do  SuL  De  outro  lado  estendia-se  entre  os  rios 
Paraguay  e  Cuyabá,  entre  Villa  Maria  e  Poconé. 

Seu  descobrimento  foi,  como  já  ficou  consignado  na  InUoducçào  (a), 
devido  á  Luiz  António  de  Noronha,  no  anno  de  1770.  Segundo  o  Dr.  Ale- 
xandre, não  era  esse  o  seu  nome,  e  sim  Bernardo  Lopes  da  Cunha, 
«  Timnem  de  nonie  mudado^  não  sabe-se  qual  a  razão  » (b).  Nessa 
mineração  das  salinas  foi  ajudado  pelo  escrivão  da  camará  Luiz  Ferreira 
Diniz,  que  mais  tarde  explorou  as  do  Jaurú,  colhendo,  como  atraz  vae 
dito,  muitos  alqueires  de  sal,  no  verão  de  1790. 

Tanto  os  portuguezes  como  os  hespanhoes  as  cobiçavam  e  preten- 
diam sua  posse,sendo,  porém,  indubitavelmente  aquelles  os  seus  primeiros 
posseiros. 

Em  1837,  na  presidência  do  Dr.  Pimenta  Bueno,  depois  marquez  de 
S.  Vicente,  foi  considerada  terreno  neutro,  mas  seis  annos  depois,  vindo 
um  grupo  armado  de  bolivianos  estabelecer-se  ahi,  expellindo  os  brasi- 
leiros que  estavam  estabelecidos,  o  presidente  mandou-os  retirar,  ficando 
o  território  desde  então  considerado,  sem  contestação,  brasileiro. 


A  casa  da  Sra.  Senhorinha  é  pequena,  mas  asseiada  e  tão  confor- 
tável quanto  se  pôde  desejar  nestas  alturas.  Por  todos  os  legares  da  pro- 
víncia por  onde  hei  andado,  mesmo  á  borda  do  grande  rio  Paraguay,  e  por 
conseguinte  junto  á  outros  recursos,  excepção  feita  de  Corumbá  e  das 
fazendas  da  vizinhança,  poucas'  vezes  ha  á  notar  outra  cousa  nas  habi- 
ta) Cap.  i.-x. 
(b)  Enfermidades  endémicas  da  capitania  de  MattoGrosso, 


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A  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO  363 

tacões  sinão  uma  incúria  e  desmazello  que  ainda  mais  miserável  tornam 
a  vida  ahi  já  incommoda.  No  Uaimssú  observa-se  o  contrario  :  o  que  o 
cuidado,  o  asseio  e  o  trabalho  podem  dar  em  commodidade  e  agrado  no 
meio  da  própria  penúria.  Aqui  respira-se  alegria  e  bem  estar;  o  arranjo,  a 
boa  ordem  revelam  os  cuidados  constantes  da  dona  do  sitio,  desde  a  casa, 
alva  e  bem  varrida,  até  a  horta  onde  vicejam  os  &uctos  e  hortaliças  de 
primeira^necessidade,  que  não  se  encontram  naquellas  habitações  á  beira- 
rio,  onde,  todo  o  terreno  plantado,  a  horta,  consiste  n'uma  canôi  velha  e 
suspensa  em  esteios  alguns  palmos  acima  do  chão.  Aqui,  vêm-se  bana- 
neiras, atas  oufructas  do  conde,  larangeiras,  limoeiros,  figueiras,  cidrei- 
ras e  romanzeiras,  todas  viçosas  e  bonitas ;  algumas  plantas  de  orna- 
mento, entre  ellas,  roseiras,  cousa  rara  mesmo  em  Cuyabá  (a). 

A  dona  da  casa,  um  neto  de  dez  annos,  chamado  Miguel,  o  qual — 
nestas  paragens,  já  lê  e  escreve  correntemente,  e  mostra  bastante  perspi- 
cácia e  intelligencia,—  e  suas  creadas  apresentam-se  asseiadas  e  bem  ves- 
tidas, deixando  vêr-se  que  não  são  de  gala  ou  ceremonia,  pelo  desemba- 
raço com  que  os  trazem  e  que  demonstram  o  uso  costumeiro.  Também 
não  ha  presumpção  de  que  nos  esperassem,  nem  mesmo  tivessem  noticia 
de  que  hoje  ahi  chegássemos.  E  si  fallo  nisso,  é  que  a  toilette  não  está 
em  grandes  créditos  nestas  regiões  chiquitanas,  mormente  para  o  sexo 
feminino,  que  parece  gloriar-se  em  ostentar  a  natural  e  vistosa  elegância 
dos  costumes  paradisíacos. 

São  estas  bandas  povoadas  pelos  restos  das  nações  dos  cMquitos  e 
bororós^  aldeiados  outr'ora  pelos  jesuítas  hespanhoes.  S.  Mathias  é  toda 
de  chiquitanos.  Os  homens,  comquanto  andem  inteiramente  á  vontade 
entre  os  seus,  quando  sahem  para  os  povoados,  vestem  camisa,  calça  e 


(a)  Lia-se  em  março  de  1876,  no  Liberal  dessa  cidade,  o  annuncio  de  uma  casa 
para  alugar,  onde,  enumerando-se  as  commodidades  da  habitação,  ajuntasse  como 
cousa  notável :  «  e  um  grande  quintal,  onde  ha  um  pé  de  roseira !  » 


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364  ITINERÁRIO    DA  CÔRTB 

chapéo,  sinão  também  a  sua  jaqueta,  trazendo  sempre  na  cintura  uma 
banda  ou  facha  vermelha  muito  apreciada  em  todos  os  paizes  castelhanos, 
e  aqui  por  tal  forma,  que  dir-se-ha  usarem  de  calças  só  para  terem  o 
prazer  de  lhe  passarem  a  cinta.  Uma  faca  de  ponta  ou  um  facão  é  com- 
plemento obrigado  do  traje  de  viagem. 

As  mulheres  corrigem  a  elegância  do  traje  de  Eva,  substituindo  a 
guarda-roupa  das  parreiras  e  figueiras  por  um  triangulo  de  panno,  de 
uma  pollegada,  quando  muito,  de  tamanho,  e  meia  na  maior  largura, 
o  qual  ajustam  cuidadosamente  ao  corpo  por  três  tiras  ou  fitas  presas  ao 
triangulo  e  dispostas  na  forma  de  um  T. 

Faliam  estas  gentes  mais  ou  menos  quatro  idiomas :  o  chiquitano, 
o  bororó,  o  hespanhol  e  o  portuguez.  Ora,  de  um  povo,  que  dispõe  assim 
de  tão  vastos  conhecimentos  linguisticos,  longe  deve  ir  a  idéa  de  dizêl-o 
curto  de  civilisação. 


São  os  chiquitanos  de  mediana  estatura,  côr  azeitonada  tirando  ao 
claro,  bem  constituidos  de  organismo,  vigorosos,  mas  preguiçosos.  As 
mulheres  são  mais  claras  do  que  os  homens  e  tendo  de  ordinário  as  pernas 
mais  curtas  do  que  o  tronco,  e  mais  desenvolvido  o  tecido  adiposo ;  são 
menos  esveltas  e  airosas  do  que  estes.  Em  uns  e  outros  o  ventre  é  flácido 
e  bastante  desenvolvido,  devido  isso  á  enorme  quantidade  de  alimento 
que  ingerem  nos  dias  de  fartura.  Os  seios,  mesmo  nas  nuUiparas,  não 
affectam  a  forma  semi-spheroidal ;  tiram  sobre  o  comprido  e  são  acumi- 
nados  para  os  mamellões. 

Os  casamentos  quasi  que  coincidem  com  a  puberdade,  e  não  é  raro 
entre  elles  encontrarem-se  pães  de  quinze  e  mães  de  doze  annos  de  edade. 


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k  CIDADE  DE  HATTO-GROSSO 


365 


VI 


o  dialecto  chiquitano,  oriundo  do  tupi,  ou  pelo  menos  seu  alliado, 
offerece  uma  diflferença  completa  dos  das  outras  tribus  visinhas  ;  nem 
conheço  nenhum  á  que  se  prenda. 

Sua  phonetica  assemelha-se  alguma  cousa  á  slava,  e  só  se  pôde 
representar  na  escripta  a  terminação  das  vozes  por  um  h  ou  eh,  tal  a 
entonação  que  lhe  dão,  mais  ou  menos  aspirada. 

Eis  alguns  vocábulos  que  logrei  colher : 


Abelha 

Ôch 

Braço,  galho,  ramo          ípiach 

Abóbora 

paxich 

Branco 

porocóvih 

.Abrir 

itóruch 

Bugio 

quióbich 

Agua 

tuhúch-xupê 

Cá 

onah ;  átú 

Agulha 

quemécah 

Cabaça 

írerích 

Alegria 

tococôxe 

Cabeça,  cabellos 

tánich 

Ali 

acósta-vah 

Caça    . 

cstípócich 

Amanhã 

tuáque 

Caetetu 

opôitxéca 

Andar  de  pressa 

améh 

Calça 

calçonah  (a) 

Annel,  brincos 

sortícah  (a) 

Campo 

vuehense 

Anus 

ácuch 

Canto  de  pássaros 

utáin-maca 

Aqui,  cá 

onah ;  atuh 

Cara,  rosto 

eçúxe 

Arara 

ôhch 

Carne 

anhêce 

Arco 

pajur-toch 

Carvão 

seguiôch 

Areia 

quíhích 

Casa 

og-och  (c) 

Arroz 

arôch  (a) 

Casca 

táquich 

Arvore 

soice 

Céo 

apéce 

Até  logo.  Adeus 

adios-teh  (a) 

Chapéo 

tacoh-xapach  (d) 

Banana 

pácauh  (b) 

Cipó 

quio  quich 

Barba 

artza-quich 

Cigarro,  fumo,  tabaco       páhích 

Barriga 

quitxo-orúpe 

Coatá,  bugio 

carlo-ravách 

Batata 

quiáit-sich 

Chefe 

tápaquich 

Beber 

itxáva 

Chuva 

tahach 

Beiços 

áruch 

Cobra 

oixóch 

Bisouro 

mámuch 

CoUar 

djapiráca 

Boca 

áixe 

Comer 

vatzô-ah-pemácah 

Boi 

tórroch 

Comprar 

xaê-compi-ach  (a) 

Bom,  bem,  sim 

ohrs-hinha 

Coração 

tocich 

Borboleta 

patúrKcah 

Corpo 

quetúpich 

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366 


ITINERÁRIO   DA  CORTE 


Correr 

Coser 

Costas 

Cuia 

Cuspo 

Dar 

Dedos  da  mão 

Dentada 

Dentes 

Deus 

Dia 

Diabo 

Dor 

Dormir 

Eu  dou 

Eu  te  dou 

Escrotos 

Espingarda 

Estreito,  pequeno, 

Estrella 


Faca 

Fechar 

Ferro 

Filho 

Fino 

Flexa 

Flor 

Fogo 

Foice 

Folhas 

Fome 

Fumaça 

Feijão 

Gallo 

Gamella 

Genit.  fem. 

Genit.  hom. 

Gomma  elástica 

Gordo,  grosso 

Gordura 

Gostar 

Gosto 

Grande 

Lá 

Lagoa 

Largo 


aipiacáce 
aqui-pien 
etxa-cuch 
taropêce 
otus  quich 
txê-hê;  -ain  quiah 
euhens 
otzi-soch 
oh-och 
Mae-tupach  (e) 
tobich 
itxê-boréce 
óxoneh 
xame 
ainquiah 
ainquiah-aèmo 
páite-quich 
escoptah  (a) 
siroeama 
ostonhéca 
quiceh  (e) 
anhama 
mónich 
nac-hetza 
quimpainhah 
quimonhéce 
pitsioch 
pehecé 
macetah  (a) 
açuch 
repyca  (f) 
autsich 
quitxoréce 
pohoch 
coroacich 
piunch 
pátiquich 
selinga  (g) 
gaitzo 
mantecah  (a) 
ohrs-hinha-paitzo 
ohrs-hinha-pae 
senimande 
chê 
sohens 
apaietzo ; — sinemande 


Lavar-se 

vatôpe 

Lavar  roupa 

baiúve 

Leit« 

•    piaitxe 

Levar,  tomar 

ainquiah  (?) 

Língua 

ótuch 

Linha 

purubich 

Longe 

taitxe-sinemande 

Lua 

pauche 

Louvado  seja 

Adios  teque  Jesu 

N.  S.  J.  C. 

Chrito  (a) 

Para  sempre,  irmão    Xaino-cheaino 

Machado 

pahanch 

Mãe 

hipiéque 

Mais 

exinháca 

Mamas 

piaitxe-piaitxe 

Mandioca 

tauach  (h) 

Mau 

jahre-iape ;  tegorich 

Marido 

quian-aine 

Matar 

aquion-ócoi 

Matto 

heuch   (i) 

Menino 

cupiqutmian 

Menos 

miaçuch 

Meu 

ietzi 

Milho 

oceóch 

Monte 

irituch 

Morrer 

onhóti 

Morto 

conhoti-onaiki 

Mosca 

obisch 

Mosquito 

host-hirhirch 

Muito 

simemane 

Narinas 

inhech 

Não,  não  ha 

xohas-hinha-pê 

Ninho 

utain-huma 

Noite 

iquiach 

De  noite 

tobich 

Nós 

senimá-nanre 

Olhos 

sútoch 

Onça 

hóitinich 

Orelha 

ínhasuch 

Ovo 

xiquich 

Pae 

ihah 

Palmeira 

mastaióte 

Papagaio 

matoruch 

Panella 

tainoch 

Panno 

lienzo  (a) 

Parir 

arúpo 

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A  CIDADE  PE  HATTO-GROSSO 


367 


Pássaro 

utáin 

Tatá              itzei 

ich ;  ohinhacania 

Pato 

otuah-tsich 

Ter 

ietzo :  vatzo 

Pau 

S0h-3CÍ 

Terra 

quihích 

Pé 

pio-pés 

Testa 

sáquitacuch 

Pedir 

atxim 

Tosse 

chíncôquich 

Pedra 

cahanch 

Trazer 

ai-quema 

Peito 

tacich 

Tristeza 

súcéquich 

Peixe 

opiopóxe 

Trovão 

taico-suhuch 

Pente 

momenéce 

Tu,  a  ti 

aemo 

Perto 

até-mahetzae 

Umbigo 

tucich 

Pescoço 

txacuch 

Unha 

hequi-quych 

Pinto 

cumunacíma 

Urubu 

paixo-paiquich 

Pombo 

taima 

Vagalume 

curucúcich 

Porta 

turuch 

Vaca 

bacah  (a) 

Pote                     bautzich ;  rirapôto 

Veado 

oigoch 

Pouco 

simeama  atá 

Vender 

pavente  (a) 

Preto 

quenhitzi 

Vento 

maquietzich 

Quero,  querer 

exinháca 

Ver 

ahémoh 

Não  quero 

texinháh-cape  • 

Vermelho 

quiturich 

Baiz 

xamacách 

Verde 

verde  (a) 

Eede 

hoitsich 

Vestido 

tipoiach  (e) 

Eelampago 

.  map-aitohoch 

Vir 

areatán 

Rio 

tuhuch 

Vem 

te-atah 

Saco 

cotenzia  (a) 

Venha  assentar-se 

Sahir 

ai-ai-toruch 

aqui 

atemo-ohrs-hinha 

Sal 

sihich 

Vamos  caçar 

curú-aque 

Sangue 

otoch 

»    pescar 

curá-macôco- 

Saúde,  salve,  bons 

.  opiocoxe 

dias 

saruke  (a) 

»    descançar 

ietzi-monha 

Sede 

sica  (a) 

cançach  (a) 

Sobrinho 

ihôo 

»    passeiar 

curubá-paceh  (a) 

Sobrancelhas 

siquich 

Vá-se  embora 

acotzi  naquich 

Sol 

suhuch 

Vamos  trabalhar 

curu-yva 

Tamanduá 

paitxah-bich 

taquiepa 

Taquara 

vuai-paitxê  (j) 

Voltar 

areatan  kalin 

Tarde,  de  tarde 

tinieh-mech 

(a)  Do  castelhano  :  sortica,  arros,  adios,  calçones,  comprar,  escopeta,  maceta, 
manteca,  lieuzo,  cotensia.  salud,  sica,  vaca,  viento,  verde,  cansar,  paseo. 

(b)  Pacova^  tupi ;  pacóhua,  apiacás  ;  pacovút  mondurucús  :  pacóne^  oyampis. 

(c)  Ora— tupi. 

(d)  Lusitanismo  ?  chapéo  t 
(ej  Do  tupi :  mpá,  quiçá, 

(f)  O  y  representa  um  som 
expressa  agua  em  tupi. 

(g)  Portuguez,  êeringa. 
(n)  Tauapy  em  catoquinns, 
(i)  Heucu,  tariana,  maniva 
U)  Do  galibi. 


guttural  assemelhado  ao  u  francez,  o  mesmo  que 

Mart. 

;    heuquicht  cbaimas,  cores,  camanagotos,  etc. 


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368  ITINERÁRIO  DA  CORTE 


VII 


O  sitio  do  Uuaussú  está  na  fralda  oriental  de  uma  lombada  que  a 
estrada  corta  na  extensão  de  quasi  três  kilometros,  e  vae  sahir  na  extensa 
vasante  chamada  corixão  de  S.  Mathias. 

Este,  agora  apresenta-se  apenas  como  um  filete  de  agua  de  poucos 
metros  de  largura  e  um  na  maior  profundidade,  no  logar  buscado  para 
as  passagens;  mas  as  arvores  das  collinas  marcam-lhes  as  enchentes  em 
mais  de  seis  metros  de  altura. 

A'  três  quartos  de  hora  de  viagem  vae-se  do  Uauassú  ao  sitio  de 
José  Félix,  em  cujas  proximidades  existe  ainda  uma  aldeia  de  bororós ; 
e  uma  hora  depois  ao  local  da  antiga  fazenda  de  Santa  Fé,  distante  oito 
kilometros  do  Uauassú,  da  qual  restam  apenas  vestígios  de  seus  grandes 
apriscos,  dous  frondosos  tamarindeiros  e  algumas  goyabeiras  de  planta. 
Encontrámos  um  verdadeiro  prado  de  maxixeiros,  semente  deixada,  sem 
duvida,  por  algum  viandante,  visto  que  com  as  queimadas  dos  campos 
parece  impossivel  que  se  hajam  perpetuado  desde  os  antígos  fazendeiros. 

O  local  dos  apriscos  é  ubérrimo,  mostrando  a  força  do  solo  na  quar 
lidade  da  gramminea  que  o  cobre,  conhecida  pelo  nome  de  capim  mimoso. 
Nas  mattas  próximas  abundam  as  mangabas,  uma  das  mais  saborosas  e 
delicadas  fructas  do  Brasil ;  da  arvore,  tronco,  folhas  e  fructo  verde,  se 
extrahe  um  sueco  leitoso  idêntico  ao  das  hevceas  e  outras  seringueiras, 
empregado  nas  províncias  do  norte  contra  as  affecções  pulmonares,  e  que 
quando  concreto  é  um  excellente  succedaneo  do  caechú  ou  cautxú,  como 
hoje  se  diz. 

Desde  estes  campos  que  se  vae  encontrando  uma  das  mais  preciosas 
acquisições  da  therapeutica  e  matéria  medica,  a  quina,  nas  espécies  chin- 


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A  CIDADE   DE    MATTO-OROSSO  369 

ehona  conãaminea,  chinchona  ovatifolia  e  chinchona  lancifolia^  as  quaes, 
ainda  que  pouco  ricas  do  inapreciável  alcalóide,  comtudo,  são  de  muita 
utilidade  (a). 


A  estrada  vae  seguindo  sempre  em  rumo  O.  Dezoito  kilometros  e 
um  quarto  distante  de  Santa  Fé  atravessa  o  corixão  ãe  Bugres  ou  do 
Pau  ájpique^  perto  do  qual,  á  esquerda  da  estrada,  n'um  teso  coberto  de 
mattaria  encontram-se  ainda  vestígios  de  uma  antiga  habitação,  o  Sitio 
ãe  Almeida,  o  descobridor  dessas  salinas  ou  antes  o  seu  primeiro  explo- 
rador. 

Ainda  ha  poucos  annos  havia  por  aqui  uma  aldeia  de  bororós,  o  que 
trouxe  ao  logar  o  nome  de  Bttgres. 

Abundância  de  avestruzes  e  veados  campeiros  percorre-lhe  as  várzeas 
e  os  campestres;  raro  era  o  dia  em  que  não  encontrássemos  no  caminho  o 
iafú  bola  (tricinctus)  e  o  novem  cinctiAS,  chamado  molitas  pelos  caste- 


lã) Deve-se  o  beneiicio  do  descobrimento  dessa  planta  aos  Índios  do  Peru,  e  á 
condessa  de  Ghinchon,  mulher  do  vice-rei  daqneUe  Estado,  a  sna  entrada  na  medi- 
cina. Em  1631  um  hespanbol  da  cidade  de  Loja,  gravemente  enfermo  de  intermit- 
tentes  rebeldes  aos  meios  therapeuticos,  então  em  uso,  viu-se  promptamente  curado 
com  o  emprego  de  uns  pòs  amarello-escaros  e  nimiamente  amargos,  que,  soube 
depois,  eram  da  casca  do  arbusto  chamado  quina^quina ;  e  sabendo  que  a  condessa 
achava  se  já  ha  tempos  so£frendo  da  mesma  febre,  foi  á  Lima  e  curou-a  de  prompto. 
Náo  chegaram  ao  dominio  da  historia  nem  o  nome  do  índio  nem  o  do  hespanhol,  e 
só  o  da  condessa  que,  talvez,  ao  fazer  essa  preciosa  dadiva  á  civílísação,  não  espe- 
rava outro  galardão  sinão  o  contentamento  intimo  e  satisfação  de  consciência. 
Mas  a  medicina  agradecida  quiz  honrar-lhe  a  memoria,  impondo  seu  nome  ao 
género  botanicd  e  ao  principal  dos  seus  productos  que  a  chimíca  descobriu.  O 
cardeal  de  Lugo,  á  quçm  a  condessa  por  sua  vez  curou,  e  os  jesuítas,  sabedores  dos 
factos,  e  que  trataram  logo  de  obter  dessas  cascas  e  distríbuiam-as  em  pó  aos 
pobres,— também  quizeram  vir  à  posteridade,  honrando>se,  mas  com  bulias  falsas, 
como  padrinhos  dos— jx);  de  Lugo  e  pós  dos  jesuitas-^,  com  que  foram  também 
apregoados;  prevaleceu,  porém,  o  dos  pós  da  condessa,  que  só  tiveram  duradouro 
competidor  no  dos  pós  da  casca  peruviana,  denominações  quasi  desconhecidas 
hoje,  pois  cederam  logar  á  de  quina,  nome  indígena  do  vegetal  (Vide  Sebastião 
Bado :  De  cortice  peruviana,  Génova,  1668). 

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370  ITDíERARIO   DA  CÔKTE 

lhanos.  Da  espécie  gigante  ou  canastra  nenhum  vivo  appareceu,  com- 
quanto  sua  quantidade  seja  attestada  pelo  numero  de  couraças  que  temos 
encontrado  e  vamos  encontrando. 

Também  frequentam  estas  paragens,  por  causa  das  corixas  ainda 
com  agua,  as  onças,  tamanduás,  coandús,  antas,  etc.  Dos  gtiarás  ou  lobos 
(canis  jubatus)  temos  ouvido  os  latidos  á  noite ;  perto  da  tapera  do 
Almeida,  citada  acima,  vimos  os  restos  de  dous,  mortos  recentemente, 
assim  como,  pouco  além  da  corixa  dos  Bugres,  os  de  uma  pequena  onça 
pintada,  todos  na  estrada.  Impropriamente  é  dado  aos  guarás  o  nome  de 
lobos,  tão  timidos  são  de  animo,  e  sendo  mais  herbivoros  do  que  carni- 
ceiros. 


Enorme  praga  de  gafanhotos  cobre  os  campos  e  principalmente  a 
estrada,  onde  talvez  venham  fazer  o  chylo,  após  as  devastações  no  campo. 
Sua  marcha  actual  é  na  direcção  do  oriente. 

Mostram-se  producçào  recente  por  serem  na  quasi  totalidade  pe- 
quenos, e  alguns  tão  tenros  que  mal  podem  saltar.  Nossos  animaes  á  cada 
passo  que  dão  esmangam-os  ás  dezenas.  Apenas  um  ou  outro  de  grande 
tamanho  apparece  aqui  e  acolá,  o  que  indica  que  a  actual  praga  aqui 
mesmo  se  gerou  dos  ovos  deixados  pela  praga  do  anno  passado. 

Aprendi  com  Miguel,  o  menino  do  sitio  Uauassú,  que  se  fazia  con- 
tramarchar  ou  mudar  de  rumo  aos  gafanhotos,  batendo-se  com  uma 
varinha  logo  adiante  da  testa  da  columna,  a  qual,  obrigada  assim  á  des- 
viar-se  da  primitiva  direcção,  tomava  outra,  seguindo  toda  a  praga  o 
movimento  da  frente.  Si  a  idéa  não  é  nova,  delle  a  ouvi  primeiro  e  achei-a 
muito  judiciosa. 

De  Bugres  á  corixa  de  Santa  Uita  medeiam  quarenta  kilometros 


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i  CIDADE  DB  MATTO-GROSSO  371 

de  taboleiros  de  terreno  sêcco  e  árido,  ora  coberto  de  carrascaes,  ora 
campos  povoados  de  indivíduos  isolados  da  lixeira  ou  cajueiro  bravo 
(curatella  çaimhàhyha)  de  Saint  Hilaire,  pau  terra  {quahà)  e 
grupos  de  araticuns.  Nos  taboleiros  distinguem-se  as  mangabeiras,  for- 
mosas arvores  de  folhas  ora  verdes,  ora  côr  de  sépia,  agora  cobertas  dos 
numerosos  fructos,  ainda  verdes,  mas  que  nos  enganam  por  não  mudarem 
com  o  sasonamento  as  formosas  cores  verde,  vermelha  e  amarellada, 
com  que  se  matizam  agradavelmente.  O  diphthemium^  palmeira  acaule, 
é  a  única  espécie  da  familia  que  aqui  se  nota,  mas  em  numerosa  cópia. 
Vêm-se  também  bastantes  individuos  da  caryocar  brasiliensis  (piqui)  e 
do  açoita  cavallo  e  o  para-tuãoj  bignoniacea  de  flores  amarellas,  mui 
parecidas  á  das  peúvas  no  tamanho  e  forma. 

Nestas  marchas  solFreu-se  alguma  sede,  s6  se  encontrando  agua  á  uns 
dezoito  kilometros  de  Bugres  n'umas,  actualmente,pequenas  poças,  nomear 
das  pelos  viandantes  pelo  titulo  de  Lagoa  ão  Almoço^  com  que  algum 
dos  primeiros  a  designou,  perpetuando  assim  a  memoria  da  sua,  talvez 
demorada  e  sem  duvida  parca  refeição. 

Dahi  para  Santa  Rita  os  terrenos  vão  melhorando  e  elevando-se 
alguma  cousa.  Já  apparecem  os  capuões  ou  ilhas  de  matto,  que  avis- 
tados dos  taboleiros  semelham,  de  modo  á  enganar,  pequenas  collinas. 
Lindas  microcilias  representam  sufficientemente  a  familia  das  melasto- 
maceas,  quasi  tão  abundante  nestes  campos  como  as  indefectiveis  bauhi- 
nias;  seguem-se  em  cópia  notável  vellosias,  cujas  flores  azues  contrastam 
agradavelmente  com  o  roseo-pallido  das  microcilias.  O  barba-timão  e  a 
carobinha  ajuntam-se  á  ella  para  accentuarem  o  fácies  do  território,  esta 
com  seus  corimbos  violetes  e  aquelle  coberto  de  espigas  amarellas  como 
as  do  camará. 

Já  quasi  próximo  uns  oito  kilometros  de  Santa  Rita  tem-se  elevado 
o  teneno  de  uns  quarenta  metros,  permittindo  do  alto  seu  taboleiro  des- 


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372  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

fructar  para  o  occidente  umà  pictoresca  paysagem,  limitada  ao  longe 
pelas  altas  escarpas  da  Aguapehy.  E'  também  o  ponto  culminante  da 
lombada  que  vae  baixando  e  deixa  vêr,  já  na  planície,  destacar-se  um 
morrote  verdadeiro  que  dista  cerca  de  oitocentos  metros  daquella  corixa 
que  apresenta-se  como  um  rio  de  dez  metros  de  largura  e  dous  de  pro- 
fundidade, mas  revela  sua  origem  na  ausência  de  corrente.  Um  casco  de 
jaboti,  que  nelle  deitei  com  a  concavidade  para  cima,  distava  no  dia 
seguinte  uns  quinze  metros,  o  que  talvez  seria  devido  ás  influencias 
da  brisa.  Kepousa  a  corixa  sobre  um  leito  impermeiavel,que  tal  é  a  expli- 
cação que  se  possa  dar  ao  pouco  que  perde  das  aguas  no  correr  da  sêcca. 
No  tempo  das  cheias  passa  á  rio  largo  e  caudaloso  e  depois  conver- 
te-se  em  lago,  ou  antes  mar  de  agua  doce,  ligando  se  ás  innundações  da 
Uberaba  e  dos  campos  de  Céo  e  Terra,  na  Bolivia,  e  de  todos  esses  almar- 
geaes  para  o  occidente,  que  quasi  somente  vão  achar  termo  nas  escarpas 
andinas. 


Junto  ao  seu  passo  acampámos,  e  determinou-se-lhe  a  posição  em 
16*  14'  25",69,  parallelo,  e  Ih'  47*  30"  longitude. 

As  chuvas  iam  amiudando-se  de  mais  á  mais,  e  fora  perigoso  prose- 
guir-se  na  marcha.  Betrocedemos. 

Já  disse  algures  que  só  quem  viaja  por  estes  sertões  pôde  fazer  uma 
idéa  justa  do  que  elles  são,  e  que,  vindo  a  quadra  pluviosa,  ninguém  se 
aventure  á  grande  distancia  dos  logares  de  conforto,  pois  si  se  descuida, 
fiado  em  que  ainda  não  chove  ou  são  poucas  as  chuvas  nos  sitios  onde 
está,  inesperadamente  verá,  da  noite  para  o  dia,  pouco  á  pouco  alaga- 
rem-se  os  campos  que  transita,  parecendo  jçiiie  as  aguas  surgem  do  solo,  e 
vão  subindo  e  alastrando,  com  pasmo  e  terror  do  viageiro  que  não  viu 
chuvas  que  tal  determinassem,  formando  lagoas  nos  logares  mais  depri- 


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A  CIDADE  DE  MATT(HJBOSSO  373 

midos,  no  emtanto  que  as  ribas  e  terrenos  que  a  cercam  conservam-se 
áridos  e  sequiosos. 

Outras  vezes,  como  se  dava  agora,  as  chuvas  repetetn-se,  emquanto 
que  o  terreno,  poucas  horas  depois,  nem  mostras  dá  de  têl-as  recebido,  tão 
sêcco  se  mostra.  Na  vinda  encontrámos  as  corixas  com  agua,  e  tinhamol-a 
sempre  quando  a  buscávamos  em  cacimbas,  sendo  então  ordinariamente 
da  côr  do  leite,  comquanto  agradáveis  ao  sabor ;  na  volta,  apezar  das 
chuvas  torrenciaes,  mas  de  poucos  minutos,  encontrámos  tão  árido  o 
terreno  que  as  cacimbas  de  vinte  palmos  de  altura  nem  se  humedeciam, 
as  corixas  completamente  enxutas,  salvo  uma  ou  outra  pequena  poça  de 
agua  lutulenta  e  verdoenga  na  dos  Bugres,  que  atravessáramos  com  diffi- 
culdades  pelo  seu  grosso  cabedal  de  aguas.  O  que  se  explica  pela  natureza 
do  solo,  permeiavel  nas  suas  primeiras  camadas  que  repousam  sobre 
rochas  impermeiaveis.  Ali,  já  o  solo  estava  completamente  saturado  e  a 
agua  emergia  nos  terrenos  declives ;  aqui,  os  aguaceiros  não  eram  ainda 
sufiicientes  para  embeberem  o  solo  que  os  absorvia  sequioso. 

Fomos,  por  tal  razão,  obrigados  á  forçar  as  marchas  para  não  soffrer- 
mos  da  sede.  Nessa  viagem  algims  bois  de  carro  ficaram  como  que  dam- 
nados  ou  doidos,  de  olhos  esbugalhados,  lingua  pendente,  babando-se,  sol- 
tando roucos  balidos,  e,  dando  saltos  desordenadoSjdisparavam  e  embrenha- 
vam-se  nas  mattas.  Muitas  vezes,  após  um  forte  aguaceiro  torrencial,  em 
poucos  minutos  já  caminhávamos  em  campo  sêcco  e  entre  nuvens  de 
poeira. 

Em  muitos  logares  próximos  á  essas  corixas  percebe-se  distincta- 
mente,  no  som  de  tambor  que  dá  o  terreno  com  as  passadas  das  cavalga- 
duras, que  não  ha  integridade  no  sub-solo.  Isso  e  a  declividade  dos  ter- 
renos, ou  a  sua  maior  ou  menor  íiltura,  parecem  sufficientes  para  explicar 
a  formação  repentina  desses  lençóes  d'agua  nos  logares  onde  as  chuvas 
ainda  não  são  apparecidas. 


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374  ITINEKARIO  DA  CÔRTB 

Uma  cousa  muito  commum  nos  terrenos  calcareos  ou  de  formação 
cretácea  é  a  producçáo  de  ocos,  devidos  á  acção  dissolvente  das  aguas  e  á 
natureza  salina  das  terras.  Aqui,  sob  um  solo  argillo-calcareo,  e  menos 
commummente,  silico  argilloso,  devem  existir  vastas  cavernas,  por  sua 
vez  vastos  repositórios  da  fauna  fóssil,  á  espera  de  um  outro  Dr.  Lund,  o 
sábio  investigador  da  geognose  mineira. 

Algumas  vezes  stractus  de  seixos  rolados  apparecem  reunidos  em 
grupos  ou  espalhados  n'uma  zona  mais  ou  menos  extensa.  O  solo  absorve 
as  aguas  que  o  percorrem  e  vão  accumular-se  naquelles  depósitos  subter- 
râneos, e  quando  ficam  completamente  saturados  começam  á  humedecer  os 
legares  mais  declives,  e  por  via  de  regra  os  mais  próximos  aos  alaga^ 
diços,  almargeaes  e  corixas,  ás  vezes  bom  numero  de  léguas  distante  da 
região  onde  as  chuvas  se  repetem,  e  as  aguas  vão-lhe  irrompendo  o  terreno 
e  subindo  em  altura  quando  a  estação  sêcca  os  apoquenta.  Tal  vimos  o 
corixão  de  S.  Mathias,  na  penúltima  vez  que  o  atravessámos  em  dezembro 
de  1876 ;  desde  oitubro  eram  diários  os  aguaceiros  nas  cercanias  das  ver- 
tentes do  Rio  Verde,  donde  descemos  á  16  de  novembro,  fazendo  perto  de 
cento  e  vinte  kilometros  por  dentro  d'agua  até  o  ponto  do  Ctkt  que  dista 
duzentos  e  vinte  e  sete  daquelle  corixão.  O  terreno  por  onde  este  passa 
conserva-se  sêcco  e  árido ;  havia  mais  de  mez  que  não  cabia  um  chuvisco 
em  seus  arredores,  entretanto  o  corixão  naquelle  trecho,  entre  José  Félix 
e  o  Uauassú,  que  sempre  passáramos  á  secco  ou  quasi,  mostrava^se  agora 
como  um  rio  de  trezentos  e  vinte  metros  de  largura  e  mais  de  um  de  alto, 
á  meio  leito. 

Assim  é  que  sem  causa  apparente  essas  vastas  planuras  de  capim  se 
convertem  em  lagoas,  e  mais,  assim  é  que  se  explica  a  formação  da  Corixa 
Grande  do  Destacamento,surgindo  por  um  siphão  do  meio  das  montanhas 
da  Loca. 


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CAPITULO  vn 

Kfgreaaá  Connbá.  Tolta  aos  tnbailioi.  Palmas  Reaes.  Petas.  O  nareo  da  Boa  Tkta.  Os  norros  das  Mercês.  Os 
(liatro  Iraiãos.  Salisas.  Gasairasco.  O  rio  Alegre. 

I 


TJANDo,    em  4  de  janeiro  de 
1876,    deixámos  a  Corixa  do 
Destacamento    tinha-se     estu- 
dado e  levantado  a  planta  dos 
terrenos  desde  o  Descai  vado  até 
Palmas  Beaes,   e  desde  a  Co- 
rixa, para  o  iV;,  á  S.  Mathias, 
ao  Morro  Branco  e  ao  morro 
da  Fumaça^  e  para  o   S.   até 
avistar-se  o  marco  da  Uberaba, 
3to  é,   cerca  de  quatrocentos  e 
dncoenta  kilometros  em  apenas 
lezes  escassos. 

m  aturadas  e  fortes.  Na  marcha 
edras  ao  Cambará  não  achámos 
L  d 'agua  onde  podessemos  fazer 
fogo  e  descançar. 

A'  12  chegávamos  á  Corumbá,  donde  cinco  mezes  depois,  em  12  de 
junho,  voltávamos  á  continuar  os  trabalhos.  Infelizmente  já  não  os  dirigia 
o  barão  de  Maracajú,  que,  affectado  de  ophtalmia,  voltava  á  corte,  não 
sem  ter  empregado  todos  os  esforços  para  a  commissão  proseguir  inconti- 
nenti  na  continuação  de  seus  trabalhos. 


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376  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

Sua  partida  foi  muito  sensivel  á  commissão ;  typo  do  administrador^ 
tão  affavel  e  cavalheiro,  como  enérgico,  e  tão  leal  como  justo,  sabia  ser 
companheiro  sem  deixar  de  ser  chefe;  partindo,  levou  comsigo  com  o  pres- 
tigio da  sua  posição  e  o  respeito  que  impunha  a  sua  moralidade,  sizudez 
e  dignidade,  o  prestigio  e  importância  que  a  commissão  julgava  merecer 
por  si. 


A'  18  chegámos  ao  porto  das  EgtMs,  onde  demorámo-nos  oito  dias, 
refazendo-se  o  carretame.  Em  26,  ás  cinco  da  tarde,  seguimos  para  Cam- 
lardy  onde  chegámos  com  três  quartos  de  hora  de  marcha.  Ahi,  ás  nove 
horas  e  dez  minutos  da  noite,  estando  deitados  uns  em  redes,  outros  em 
camas  da  Criméa,  o  major  Lassance,  o  capitão  Costa  Guimarães,  o  !•  te- 
nente Frederico  d'01iveira  e  eu,  sentimos,  súbito,  um  pequeno  abalo  nos 
leitos,  ao  mesmo  tempo  que  ouviamos  no  telhado,  por  uns  dous  segundos, 
um  ruido  semelhante  ao  do  granizo  ou  como  si  se  lhe  atirasse  um  pu- 
nhado de  pequenos  grãos.  Não  chovia  nem  choveu  nessa  noite ;  pensámos 
todos  que  tratava-se  de  um  ligeiro  tremor  do  solo. 

A'  29,  de  tarde,  entravamos  na  Corixa  Grande  do  Destacamento,  que 
de  ora  em  diante  designarei  simplesmente  por  Corixa.  A' 19  de  julho 
separava-se  de  nós  um  outro  companheiro,o  Sr.  Francisco  Maria  de  Mello 
e  Oliveira,  pharmaceutico-alferes  do  corpo  de  saúde,  que,  gravemente 
enfermo  de  enterite  chronica,  buscava  a  corte  para  garantir  a  vida.  Neasa 
occasião  propuz,  e  solicitou-se  do  presidente  e  commandante  de  armas  da 
província  o  Sr.  tenente-pharmaceutiço  António  Ribeiro  de  Aguiar  para 
exercer  aquelle  logar  na  commissão. 

A'  25  chegávamos  á  Santa  Bita ;  ahi  já  estava  prompta  uma 
ponte  provisória,  ainda  mandada  fazer  pelo  barão,  e  recentemente  aca- 
bada ;  media  doze  e  meio  metros  sobre  quatro  de  largo,  e  sete  na  maior 


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Á   CIDADE  J)E   MATTO-GROSSO  377 

altura ;  seus  esteios  erain  traves  de  aroeira  e  canelleira,  e  o  resto  era 
feito  de  espiques  de  carandá. 

Â'  27  seguimos  para  Palmas  Eeaes,  onde  chegámos  com  três  horas 
de  marcha,  e  a  bagagem  duas  horas  depois.  Yém-lhe  o  nome  da  matta  de 
burityseiros  (mauritia  venifera),  que  muito  aformoseia  o  logar,  e  aos 
quaes  os  bolivianos  assim  denominam.  O  sitio  é  um  campestre  alegre, 
semelhando  um  grande  jardim  inglez,  com  bosquetes  de  matto  razo 
*  (caatinga),  separados  por  longos  estirões  .de  areia.  A  corixa  é  corrente 
como  a  do  Destacamento,  apresentando  actualmente  dous  ramos  que  a 
estrada  atravessa,  um  de  oito  metros  de  largura  e  mais  ou  menos  meio 
de  altura,  e  o  outro  de  uns  trinta  de  largo  e  um  de  profundidade,  ambos 
em  leitos  de  areias. 


lr*alina.8    I^ae». 


Como  se  prevê,  no  tempo  das  aguas,  enche,  innunda  e  cobre  todo  o 

t-erreno  marginal  por  muitos  centos  de  metros.  E'  ás  orlas  de  seu  cauce 

que  cresce  a  floresta  de  buritys,  altas  palmeiras,  quasi  tão  esveltas  como 

as  chamadas  imperiaes,  porém  mais  formosas  na  copa,  com  a  sua  corõa 

48 


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378  ITINERAJaO   DA  CORTE 

de  leques  arredondados  como  as  da  carnaúba.  O  fructo  é  agradável  cosido, 
mas  a  especialidade  mais  grata  ao  viajante  que  essa  palmeira  offerece  é 
sua  seiva,  licor  avinhado  e  doce,  e  ligeiramente  acido.  Para  obtêl-o  sacri- 
fica-se  a  arvore  deitando-a  ao  chão,  escava-se  pequenos  cochos  ou  vãos  de 
dous  á  três  palmos  de  longo,  no  tronco,  cobre-se-os  com  folhas,  e  horas 
depois  estão  cheios  de  saboroso  licor. 

Nestes  bosques  de  palmas,  segundo  nos  informaram,  enreda-se  abun- 
dância de  baunilheiras  e  asylam-se  enormes  sucurys. 


Nessa  mesma  tarde  seguimos  e  chegámos  á  situação  boliviana  das 
Petas,  dez  e  meio  kilometros  adiante.  Sitúa-se  nas  fraldas  de  um  pequeno 
esporão  da  serra  do  Aguapehy.  Deriva  o  nome  dos  muitos  kagados  ou 
jabotis  que  ahi  se  encontram  e  que  pelos  bolivianos  são  chamados  petas. 

Esta  habitação  ó  a  primeira  que  se  encontra  depois  do  Uauassú. 
Um  kilometro  á  SO.  a  estrada  corta  uma  grande  corixa  pouco  mais 
estreita,  porém  mais  funda  e  feia  do  que  a  de  Santa  Rita, 

Determinou-se  sua  posição  aos  16*»  22'  39'*  lat.  e  IS*»  56'  58"  O. 

Quasi  que  todo  o  terreno  entre  os  morros  das  Petas  e  a  corixa  é 
argillo-calcareo,  nimiamente  pegajoso  e  atoladiço  quando  húmido,  e  de 
arestas  duríssimas  e  muito  incommodas  aos  viajantes  quando  sêcco. 


A'  1  de  agosto  sesteámos  junto  á  uma  cacimba  de  aguas  leitosas, 
que  fizemos  abrir  á  11,464  da  corixa  das  Petas.  A's  4  da  tarde  seguimos 
escoteiros,  o  secretario  da  commissão  capitão  Costa  Guimarães  e  eu, 
á  encontrarmos  outros  dous  companheiros  que  tinham  seguido  dias 
antes,  fazendo  o  levantamento,  e  que  nos  convidavam  á  irmos  apreciar  a 
bella  agua,  cousa  rsura  para  nós,  e  a  cascata  de  um  arroio  próximo  do 
morro  da  Boa  Vista.  Partimos  á  galope,  e  já  ás  6  da  tarde  passávamos 


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i  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  379 

pela  tapera  de  S.  João,  antiga  estancia  da  qual  só  resta  um  pequeno 
telheiro  ou  rancho  e  o  cruzeiro.  Fica  á  17  kilometros  daquella  cacimba. 
A'8  8  1/2  da  noite  chegávamos  ao  tal  arroio,  distante  12  kilometros  deste 
ponto  e  cerca  de  dous  adiante  do  morro  da  Boa  Vista,  um  dos  pontos  de 
balisa  da  linha  limitrophe.  O  arroio  é  da  mais  pura  e  crystallina  agua, 
a  melhor  que  até  agora  havemos  encontrado,  com  uma  pequena  cachoeira. 
Desde  o  morro  da  Boa  Vista,  e  no  local  da  estrada,  corta  elle  a  lombada 
n'uma  altura  de  pouco  mais  ou  menos  de  um  metro,  tendo  dous  a  três  de 
largo  e  poucos  decimetros  de  fiindo. 


No  dia  4  subimos  o  morro  da  Boa  Vista,  que  é  o  mais  elevado  dos 
que  ahi  terminam  a  serra  do  Aguapehy.  E'  de  cerca  de  quatrocentos 
metros  de  altura  e  de  não  fácil  ascenso,  coberto  de  seixos  e  cascalho  de 
gneiss  duríssimo,  semelhantes  ás  pedras  de  machado  dos  indios.  Apre- 
senta-se  dividido  em  duas  zonas :  na  inferior  abundam  os  blocos  de  gneiss 
e  quartzo  branco,  mais  ou  menos  grandes,  irregulares,  com  arestas  vivas 
e  como  que  fracturadas  em  épocas  não  remotas ;  outros  mais  ou  menos 
arredondados  e  com  a  apparencia  dos  erráticos,  idênticos  aos  do  systema 
do  Dourados,  e  que,  certamente,  serão  o  resultado  da  decomposição  clima- 
térica. A  zona  superior  é  rica  de  cascalho,  de  feldspatho  orthose,  e  em 
algumas  das  amostras  que  trouxe,  o  exame  descobriu  molybdeno,  prata  e 
platina,  em  fraca  porcentagem. 

Determinou-se  a  posição  do  marco  aos  16°  16'  26",66  lat.  e  16 
15*  33",60  O.,  elevandô-se  ahi,  temporariamente,  uma  balisa  de  ma- 
deira, junto  á  qual,  sob  um  montículo  de  pedras  que  ahi  fizemos  ajuntar, 
deixou-se,  em  uma  garrafa,  quatro  indicações  em  portuguez,  francez, 
inglez  e  hespanhol,  da  collocação  do  marco  e  sua  posição  astronómica. 

Em  8  de  dezembro  do  anno  seguinte  foi  substituído  por  outro  de 


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380  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

alvenaria,  e  sua  posição,  melhor  rectificada,  foi  obtida  aos  IG""  16' 
45",75  lat.  e  16*  15'  33",60  O.,  com  a  declinação  NE.  do  ?•  13',60. 
Verificou-se  sua  distancia  na  recta  de  limites  á  S.  Mathias  em  1 14.965,"70, 
tendo  por  azimuth  verdadeiro  87*  28*  52",68  NO.-SR,  20,5  Mlometros 
á  tromba  do  Aguapehy,  39,350"  ao  cerro  mais  meridional  das  Mercês^ 
41,250"  ao  quarto  desses  morros  e  75,005"  ao  mais  occidental  dos 
morros  dos  Qtuztro  Irmãos. 


II 


Desde  S.  João  que  os  terrenos  vão-se  elevando,  e  desde  a  Cacimba, 
intermediaria  ás  Petas,  a  estrada  segue  atravessando  magestosa  mattaria 
de  arvoredo  robusto  e  muito  madeiro  de  lei,  que  succedeu  as  caatingas  de 
mattos  ralos  e  infesados  que  beiravam  a  estrada. 

No  meio  dessa  luxuriosa  vegetação  vi  o  primeiro  exemplar  de  uma 
arvore  que  disseram-me  ser  a  coaocinguha  ou  ximhuúva  dos  paulistas,  ou 
aida  xinguva  ou  xinãiva,  segundo  outros,  a  qual,  sendo  uma  corpulentis- 
sima  leguminosa,  cuja  vagem  negra  e  luzidia  affecta  quasi  a  forma  cir- 
cular,— não  deve  ser  confundida  com  a  coaxinguba,  artocarpea,  ficus-- 
anihelmintica,  de  Martius,  do  Amazonas.  Muito  vinhatico,  muitos 
louros  e  canelleiras,  sicupiras,  araribás,  cedros,  etc.,  encontram-se  á  cada 
passo  orlando  a  estrada,  entremeiados  principalmente  da  pindahiha 
(xilopia  sericea,  Saint  Hilaire)  de  longas  hastes  ou  ramos  rectos,  e  de  cujo 
liber  lamelloso  se  fazem  excellentes  cordas,  e  o  açoiia  cavallo  (luhéa 
paniculata,  de  Martius),  com  suas  pequenas  flores  brancas  semelhantes 
na  forma  ás  de  morangueiro  e  ás  de  açafroa  no  cheiro. 

Já  do  morro  da  Boa  Vista  começa  o  divorsum  aguarum  deste  ponto 
do  coração  da  America.  Ainda  o  seu  arroio  é  subsidiário  das  aguas  do 


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A    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  381 

Paraguay,  mas  dabi  para  oeste  os  que  so  lhe  avisinham  já  o  são  do 
Amazonas  ;  taes  o  Dolores  á  15,5  kilometros,  o  S.  José  á  26  adiante  e 
outro  10  kilometros  além,  o  qual  recebeu  então  um  nome  que  posterior- 
mente a  carta  geral  não  consignou,  do  mesmo  modo  que  apagou  o  da 
ilha  Vicente^  dado  á  do  marco  N.  da  Uberaba,  e  o  do  morro  da  Baroneza^ 
entre  as  lagoas  Mandioré  e  Gahyba.  Á  lisonja  fôra  a  madrinha  nos  bap- 
tismos, como  o  abyssinismo  era  o  padrinho  nos  chrismas. 


Entre  aquelles  dous  córregos,  Dolores  e  S.  José,  encontram-se  no 
taboleiro,  completamente  isolados  em  meio  da  matta  e  junto  á  estrada, 
uns  quatro  blocos  de  gneiss  compacto,  de  formas  irregulares,  e  um  delles 
fazendo  lembrar  o  rochedo  de  Itapuca^  no  Icarahy,  bem  singulares  na 
planície  que  os  cerca. 

Entretanto  os  terrenos  altos  rão-se  succedendo,  separados  pelas 
corixas,  até  as  Mercês,  vasta  baixada  de  mais  de  légua  de  largura  na 
sêcca  e  lagoa  na  estação  chuvosa,  situada  á  uns  37  kilometros  do  córrego 
da  Boa  Vista.  A'  SE.  destacam-se  quatro  morrotes  insignificantes  e  que 
só  a  planura  do  terreno  pôde  tomal-os  distinctos.  O  maior  desses  morros 
está  á  16«  12'  23"  lat.  e  16»  37'  2",85  O.  Foiahi  que  em  20  e  21  de 
agosto  desse  anno,  apezar  do  adiantado  da  estação,  o  thermometro  desceu 
á  zero  pela  madrugada,  marcando  6'',75  ás  8  da  manhã,  quando  o  sol  já 
ia  alto  e  ainda  via-se  o  terreno  coberto  de  um  lençol  branco,  e  as  poças  e 
bacias  de  agua  cora  uma  ténue  coberta  de  gelo.  Perigosissimo  deve  ser 
este  campo  no  tempo  das  aguas  pela  sua  extensão  e  natureza  do  solo 
argillo-calcareo,  e  peior  ainda  quando  começada  a  sêcca,  por  converter-se 
em  pegajoso  lamaçal. 


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^^2  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

Nesse  dia  21  foi-se  reconhecer  os  morrotes,  á  SO.  do  campo,  e  que 
suppunharse,  erradamente,  serem  os  Quatro  Irmãos;  o  resultado  foi 
negativo.  A*  23  foi-se  reconhecer  o  terreno  até  Chaves  ou  yaves,  na  dis- 
tancia de  14,809-»,  e  á  26  sahimos  em  busca  dos  verdadeiros  Quatro 
Irmãos. 


Oh  ^lorroB  da»    Aleroês. 

Almoçámos  no  Chaves,  e  ás  3  1/2  da  tarde  seguimos,  parando  ás  6 
na  lagoa  da  Pedra  Grande^  á  9,540",  adiante,  notável  por  uma  rocha  de 
gneiss  de  uns  doze  metros  de  alto  que  se  ergue  no  almargeal. 

No  dia  seguinte  fomos  ao  Cúci,  rancho  ao  pé  de  uma  pequena  lagoa, 
que  parece  perenne  ou  pelo  menos  demorar-se-ha  na  sêcca  pela  posição 
afunilada  do  terreno  em  que  está.  Dista  quasi  1 3,5  kilometros  da  Pe^ra 
Grande. 

Além  do  Oãci  4,110  metros  fica  a  bifurcação  para  as  estradas  de 
SanfAntia  e  da  Ronda  das  Salinas.  A  estrada  vae  acompanhando  sempre 
as  corixas,  margeando-as  ou  mesmo  cortando-as  perpendicularmente 
quando   não  ha  outro  recurso.  Até  a  bifurcação,  os  pontos  principaes  bus- 


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A  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  383 

cados  pelos  viajores  para  sesteadas  e  pernoites,  são  o  6uaporú(a),  á  11,5" 

do  campo  das  Mercês  ;o  Chaves  á  15,564"  da  antiga  ronda  portugueza  do 

sul,  á  3,388"  do  Guaporú  e  á  25  da  serra  do  Aguapehy,  e  a  lagoa  da 

Pedra  Grande  á  12,928"  do  Guaporú,  havendo  intermediários  outros 

dous  pontos  egualmente  próprios  para  repouso,  que  são  uma  lagoinha  ã 

5,208"  de  Chaves  e  um  bosquete,  Pofrero  dei  Cervo,  kilometro  e  meio 

mais  adiante. 

O  primeiro  povo  boliviano  na  estrada  de  SanfAnna  é  o  de  5.  Diego, 

á  36,300"  de  Cúci  e  94  kilometros  de  SanfAnna.  Entre  o  Cúci  e  elle 

tivemos  por  pontos  de  parada  o  Capão  do  Araújo^  á  8,200" ;  o  Tunal^  á 

5,265"  adiante;  a  Lagoa  da  Pedra,  á  6,184",  eá  8,523"  2i,  Cabeça 

do  Tigre^  que  por  sua  vez  dista  de  S.  Diogo  8,131  metros. 


A'  27.41 3",2  do  Capão  do  Aranjo,  mudado  por  euphemismo  de 
denominação  para  Capão  da  corça,  e  em  rumo  de  SO.,  ficam  os  morros 
dos  Quatro  Irmãos,  grupo  de  cinco  morrotes,  em  cujo  principal  deve  col- 
locar-se  definitivamente  uma  das  balisas  limitrophes.  O  marco  foi  provi- 
soriamente ahi  inaugurado  em  12  de  setembro  desse  anno  aos  16°  16' 
8'\67  lat.  e  16°  56'  36"  O.,  á  6°  58'  declinação  NE.,  mas  ainda  não  se 
erigiu  o  definitivo  por  duvidas  suscitadas  pelos  commissarios  boli- 
vianos. Ahi  a  recta  de  limites  tem  por  azimuth  verdadeiro  89'*39' 
41  ",03  NO.' SE.,  e  73,104  metros  de  extensão.  O  morro  mais  próximo 
dista  do  maior  580  metros  em  rumo  87°  30'  NE.,  e  do  3°  1,550  metros, 
rumo  82'  SO. ;  o  4°  fica-lhe  dous  kilometros  distante  e  em  74°  30'  SE., 
e  o  5°  á  2,800  metros  de  distancia  e  no  rumo  70°  SE. 


(a)  Guaporú,  termo  ahiquitano  (?j  que  significa  jaboticaba;  é  a  iôapumi  dos 
guarauys. 


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384  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

III 

Da  bifurcação  á  Bonda  das  Salinas  medeiam  perto  de  42  kilome- 
tros  (a).  E'  esta  uina  das  mais  antigas  guardas  portuguezas  estabele- 
cidas para  evitar-se  a  entrada  dos  castelhanos  e  depredações  que  faziam, 
e  ao  mesmo  tempo  servirem  de  postos  fronteiriços  do  território  portuguez. 
As  outras  eram  a  Bonda  do  Sul,  de  que  já  fallou-se,  á  26  kilometros  da 
tromba  do  Aguapehy  e  1 5/5  de  Chaves,  em  rumo  ^. ;  a  da  Bamada  da 
Cacimba,  á  12,"800,  e  a  da  Cacimha,  33,5  kilometros,  ambas  da  Ronda 
de  Salinas.  Os  liespanhoes  tinham  entre  estes  dous  últimos  pontos  as 
rondas  do  Carandd,  á  11,154"  da  Cacimba,  e  ado  Perubio,  á9  kilo- 
metros do  Carandá,  ambos,  hoje  com  estabelecimentos  de  gados  dos  bo- 
livianos, formados  com  os  rebanhos  alçados  das  nossas  abandonadas  ou 
completamente  descuradas  fazendas  de  Casalvasco. 


Entre  Cúci  e  a  bifurcação  apparecem  á  flor  do  solo  algumas  rochas, 
passando  a  estrada  por  um  lageado  de  canga  cavernosa  com  troços  embu- 
tidos de  quartzo  leitoso. 

Na  bifurcação  já  o  terreno  é  muito  baixo,  e  assim  segue  em  todos 
os  rumos,  salvando-se  um  ou  outro  morrote,  um  ou  outro  teso  do  terreno, 
que  fica  livre  das  innundações.  Aguas  mais  ou  menos  perennes  os  cortam 
formando  as  corlxas  da  Cinza  oriental  e  da  Cinza  occidenial,  e  algumas 
lagoas,  como  a  Babeca^f erto  da  Bamada  do  Sul,  e  a  Grande  ou  do  Ponte 
Bibeiro,  nome  dado  pela  commissão  actual  em  honra  do  barão  desse 
titulo,  estudioso  e  acérrimo  propugnador  dos  direitos  do  Brasil  nas  suas 
questões  de  limites;  dos  nossos  estadistas  talvez  o  que  melhor  conhecia  o 


(a)  41 .801  ,«5. 


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i  CIDADE  DE    MATTO-GROSSO  385 

paiz  geographica  e  topographicamente,  e  infelizmente  já  á  este  roubado 
pela  morte. 


E*  nessas  várzeas  que  tomam  origem  o  rio  dos  Barbados  (a),affluente 
do  Alegre,  o  Barladinho,  aflfluente  do  Barbados,  o  Paragahu  e  o  Verde, 
subsidiários  do  Guaporé.  São  ellas  tão  baixas  e  sujeitas  á  innundações, 
que  na  estação  invernosa  vém-se  em  canoas  da  cidade  de  Matto-Grosso, 
em  algumas  occasiões  por  cima  de  suas  mattas,  podendo-se  vir  embar- 
cado desde  Belém,  no  Pará,  á  S.  Diogo  e  SanfAnna,  no  coração  da 
Bolivia. 

Entre  a  bifurcação  e  Salinas  os  pontos  de  repouso  são  poucos  e  esses 
mesmos  nem  sempre  á  satisfação.  Nós  fizemol-o  no  Capão  das  Palmeiras, 
á  18  kilometros  em  rumo  N.,  local  que  os  nossos  guias  pretendem  ter 
sido  outr'ora  um  sitio  da  Conceição,  o  que  não  nos  parece  possivel  pelo 
chato  do  terreno,  completamente  alagadiço;  e  no  Capão  do  Copo,  15  kilo- 
metros adiante,  e  sempre  naquelle  rumo,  que  é  o  mesmo  da  estrada. 

Do  Capão  das  Palmeiras  avista-se,  em  direcção  de  SO,,  um  pequeno 
monte,  que  dizem  ser  o  Santa  Rosa  dos  antigos  ou  morro  do  Padre 
Limpio ;  oito  kilometros  antes  de  chegar-se  á  Salinas  avista-se,  na  dis- 
tancia de  90  kilometros,  no  rumo  N^O,,  uma  alta  e  considerável  serra- 
nia, a  Serra  da  Cidade,  como  nos  dizem,  que  outra  não  é  sinão  a  serra  do 
Grão  Pará  dos  antigos,  e  que  a  commissão  honrou,  com  muita  justiça, 
com  o  nome  de  lUrardo  Franco. 


O  posto  de  Salinas  está  situado  aos  15M2'37'\50  lat.  e  16^  55' 
20"  O,  Consiste  em  três  palhoças  habitadas  por  uma  patrulha,  agora  de 

(a)  Recebeu  esse   nome  por  viver  em  suas  margens  uma  tribu  de  Índios,  nota- 
velmente dislinctos  dos  outros  por  serem  dotados  de  barbas. 

49 


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386  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

duas  e  ás  vezes  de  quatro  praças,  do  destacamento  de  Casalvasco,  das 
quaes  duas  tém  de  ir  á  este  ponto  uma  ou  mais  vezes  por  semana  para 
buscar  suas  magras  rações  de  farinha  e  sal,  e  ás  vezes  assucar  e. . .  nada 
mais.  Nem  mesmo  recebem  pólvora,  tendo  obrigação,  entretanto,  de  faze- 
rem-se  respeitar  pelos  visinhos,  mais  ou  menos  ladrões  de  gado,  e  necessi- 
dade de  defenderem-se  das  feras  e  proverem  á  alimentação  com  a  caça  que 
ahi  é  abundante.  Provam-o  os  veados  que  povoam  os  campestres  e  cru- 
zam-os  á  cado  passo,  ora  isolados,  ora  aos  casaes,  ou  ainda  em  pequenos 
rebanhos  de  seis  e  oito ;  caetitús  ou  queixadas,  os  tatus,  os  jabotis  e  as 
onças,  além  de  outros  muitos  que,  ou  mais  esquivos  ou  em  menos  cópia, 
não  se  encontram  á  cada  passo.  As  avestruzes  são  também  innumeras,  e, 
como  os  veados,  cortam  á  cada  passo  os  campos. 

Nesta  situação  encontrámos  apenas  alguns  pés  de  milho  e  dous  de 
bananeira.  Custa  á  crer  a  indifferença  da  gente  que  para  ahi  vém  e  per- 
dura, ás  vezes  por  annos,  para  essas  cousas  tão  pouco  custosas  e  tão  neces- 
sárias á  vida,  mormente  nessas  solidões. 

Mais  do  que  a  preguiça  é  causa  disso  o  egoismo,  e,  na  duvida  de  não 
trabalharem  uns  para  os  outros,  prejudicam-se  todos  mutuamente. 

Em  compensação  si  as  queimadas  não  as  alcançarem  e  a  providencia 
ajudar  seu  desenvolvimento,  grande  cópia  de  larangeiras,  limeiras  e 
limoeiros  hão  de  no  futuro  servir  de  consolo  e  refrigério  aos  viandantes, 
que  em  toda  esta  marcha  quasi  não  houve  pouso  onde  não  deixássemos 
plantadas  as  sementes  dos  fructos  que  comíamos  ou  que  adrede  guardá- 
vamos; tendo,  nas  viagens  seguintes  a  satisfação. de  vêr  algumas  com 
bom  desenvolvimento. 

Das  Salinas  ás  cabeceiras  do  Verde  ha  cerca  de  80  kilometros,  sendo 
os  principaes  pontos  intermédios^  assignalados  pela  commissão,  a  lagoa 
Fundo  de  Sacço,  á  17,700" ;  a  Desejada,  22,780"  adiante ;  o  Capão  da 
Anta^  á  14,5  kilometros  acima,  e  o  pouso  do  Camardj  14,850"  além« 


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i  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  387 

São  ahi  B&  mattas  ricas  de  madeiras  preciosas,  notadamente  vinhatico,  ja- 
carandá, perobas,  canellas,  aroeiras,  guatambú,  tinguaciba,  sicupiras,  pin- 
dahibas,  óleo  vermelho  e  copahiba.  O  angico  abunda,  como  por  toda  a 
parte  da  província  onde  tenho  passado ;  já  vão-se  encontrando  alguns  pés 
isolados  da  seringueira  (a)  do  mesmo  modo  que  a  sahoeira,  ibaró  dos 
giiaranys  (sapindus  divoricatus).  Já  são  poucas  as  qualéas  e  desconhe- 
cidas as  lixeiras.  Avultam  á  beira  das  corixas  os  formosos  e  gigantescos 
eamaráSj  agora  em  plena  inflorescencia,  e  como  que  cobertos  de  uma 
corda  de  ouro. 

Bosques  e  moitas  isoladas  de  burityseiros  elevam  seus  leques  nos 
terrenos  arenosos  e  húmidos ;  gigantas  trichopteris  affectam  na  fronde  e 
nos  espiques  a  forma  e  porte  das  palmeiras;  e  das  innumeras  bauhinias, 
o  cipó  escada  ou  tripa  degallinha  enredava-se  de  uma  arvore  á  outra,  entre 
os  coUossos  vegetaes,e,collosso  também,  mostrava  seu  caule  chato  e  largo, 
regualarmente  dividido  em  saliências  e  reentrâncias  transversaes  que  per- 
feitamente simulam  os  degraus  de  uma  escada. 

No  Capão  da  Ania  vi  uma  variedade  de  canelleira  de  um  amarello 
rutilante,  fragantissima,  sendo  seu  perfume  assemelhado  á  um  mixto 
da  canella  e  da  rosa.  Nas  várzeas  encontra-se  uma  cyperacea  mui  gra- 

(al  Syphonia  elástica,  cáechú  ou  cahuchú  dos  camòebas,  vocábulo  que  os  fran- 
cezes  adoptaram,  adaptando  á  sua  pronuncia  e  escrevendo  caoulchouc,  e  que  os  sá- 
bios acceitaram  por  desconhecerem  a  origem.  E' arvore  de  vinte  á  trinta  metros  de 
altura,  e  dizem  mesmo  que  até  de  quarenta.  Foi  o  missionário  Fr.  Manoel  da  Espe- 
rança quem  a  fez  conhecida  no  mundo  ci  vi  Usado,  havendo  encontrado  entre  os 
cambebas,  que  cathechisava,  já  a  industria  de  odres,  e  espécie  de  garrafas  que  pela 
forma  recebeu  dos  portuguezes  o  nome  de  seringa,  denominação  que  passou  do 
producto  á  arvore.  Segundo  Southey  (I»,  pag.  485),  foi  dos  Uatinns  ou  tobatinas, 
povo  do  sul,  que  recebemos  a  gomma  elástica.  Techo,  (pag.  86)  cita  as  petecas  ou 
pellas  saltantes  desses  índios,  feitas  de  gomma  elástica  de  arvores  e  que  assadas 
curam  dysenterins ,  Mas  habitavam  esses  Índios  entre  os  xeroquezes  e  os  payaguás, 
nas  regiões  do  antigo  Xarayés,  logar  on  le  não  ha  seringueiras  nem  arvore  cujo 
leite  tenha  os  mesmos  effeitos.  Barbosa  de  S4  oscbama  tavatingas,  outros  toba- 
tingas,  que  parece  o  certo,  indicando  na  lingua  tupi  rosto  branco,  índios  de  cdr  mais 
dará 


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388  ITINEBARIO  DA  CORTE 

ciosa  por  sua  altura,  tamanho  e  forma  :  é  de  dous  á  três  centímetros  de 
altura,  as  folhas  ensiformes  como  as  das  bromelias,  ou  melhor  do  cra- 
veiro, mas  rijas  e  dentadas,  e  agrupadas  n'um  capitulo  quasi  globular. 
Semelha  á  um  ananazeiro  lilipuciano.  Não  consegui  ver  suas  flores  nem 
fructos ;  trouxe  alguns  exemplares  á  Corumbá,  mas  perderam-se  todos. 

Uns  vinte  tilometros  ao  N.  das  Salinas  encontra-se,  á  esquerda  da 
estrada,  n'uma  lombada  de  uns  oito  metros  de  altura,  a  tapera  de  uma 
antiga  fazenda,  grande  e  importante,  á  julgar  pelas  ruinas  de  uma  tal  ou 
qual  grandeza  para  estas  paragens,  e  que  ainda  mostram  o  vigor  da 
construcção.  Era  um  grande  edifício  e  todo  coberto  de  telha  ;  seus  terrenos 
guardam,  no  meio  da  mattaria,  larangeiras,  limoeiros,  goiabeiras  e  outras 
arvores  de  fructo. 

Chamava-se  S.  Luiz;  ella,  o  sitio  do  Mangueiral^  além  da  lagoa  do 
Ponte  Ribeiro  e  as  Salinas,  eram  às  rondas  portuguezas  desse  lado. 

Fica  esta  tapera  á  quasi  egual  distancia  das  Salinas  e  do  passo 
nos  Barbados ;  dahi  á   Casal  vasco  medem-se  uns  dez  kilometros  e  meio. 


Somente  á  borda  dos  rios  a  vegetayão  é  pujante  e  magnifica ;  nos 
campos  os  mattos  são  ralos  e  de  caapuans  isolados.  São  estes  muito  fre- 
quentados pelas  onças  e  os  lobos  guarás,e  as  aguas  e  os  almargeaes  pelos 
jacarés  que  temos  encontrado  sempre,  desde  o  Paraguay,  por  estes  sertões, 
e  os  encontraremos  até  a  fóz  do  Amazonas. 


IV 


CasaJvasco  deve  ter  sido  um  bonito  povoado  e  um  importante  esta- 
belecimento da  nação.    Seus  campos  são  magnificos  e  seguramente  os 


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Á   CIDADE   DE   MATTO-GKOSSO  389 

mais  lindos  que  tenho  visto;  inimensa  planide  granimada,  plana  con:o 
si  fora  nivelada,  semeiada  de  arvores  isoladas,  ou  aqui  e  a!i  de  caapuans 
cerrados,  e  orlados  de  gigantescas  florestas  que  indicam  a  passagem,  á  seu 
sopé,  de  correntes  perennes,  que  são  o  Barbadinho,  o  Barbado  e  o  Alegre. 
A*  esses  campos  dá  Pizarro  uma  superfície  quadrada  de  mais  ou  menos 
quatorze  léguas. 

Varias  vasanies^  depressões  do  terreno,  formadas  pelas  aguas  que 
se  escoam,  cortam-os  era  nimo  de  E,  O.:  são  aqui  conhecidas  pelo  nome 
A^peris,  voz  tupica,  da  quaíaquella  é  a  traducção,  e  diflFerem  das  corixas 
em  não  estagnarem  as  aguas,  seja  pela  natureza  do  solo,  seja  por  sua 
maior  declividade.  Delias  as  quatro  principaes  são  designados  com  os 
nomes  de  Areião,  Chapéo  de  Sol,  Cabeça  de  Negro  e  Trahiras, 


Antiga  fazenda,  e  conservando  ainda  essa  denominação.  Casal  vasco 
é  hoje  apenas  um  posto  militar  com  o  duplo  fim  de  vigiar  a  fronteira  e 
salvaguardar  os  interesses  nacionaes,  velando  sobre  os  seus  gados.  Estes  já 
foram  de  muitas  mil  cabeças,  nos  tempos  dos  capitães  generaes  ;  hoje 
computa-se  em  três  á  quatro  mil,  e  essas  mesmas,  quasi  todas  alçadas  e 
bravias. 

Está  situada  á  margem  direita  do  Barbados  e  em  frente  ao  espigão 
mais  meridional  da  sen'a  de  Ricardo  Franco,  que  ahi  quebra-se  em  angulo 
recto  para  02(0.  Dista  por  terra  45  kilometros  de  Matto-Grosso,  sendo 
quasi  menos  de  metade  o  caminho  por  agua.  O  Barbados  tem  ahi  no 
porto  a  largura  de  120  metros,  mais  ou  menos. 

Sua  posição  astronómica  foi  determinada  pelo  coronel  Ricardo  Franco 
em  os  15^  20'  lat.  e  317^  52'  O.  Ilha  de  Ferro  (a). 

(a)  Luiz  D'Alincourt  dá  ILe  a  longitude  de  317o  42'  e  latitude  de  15'  19' 46",  e  é  a 
que  Pizarro  consigna. 


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390  ITINERÁRIO    DA  CORTE 

Já  em  1760  era  povoada ;  Pizarro  (a)  fal-a  coetânea  da  Yilla  Bella, 
e  a  commissão  de  1780,  na  sua  carta  geographica  do  rio  6uaporé,diz  o  se- 
guinte :  «  Povoação  regular^  fundada  em  1782^  ainda  que  o  seu  res- 
pectivo ierritorio  e  visinJiança  se  achavam  povoados  pehs  portuguesa, 
sem  contestação^  ha  perto  de  30  annos.  » 

Em  1760  eram  delia  possuidores  o  alferes  Bartholomeu  da  Cruz  (b) 
e  sua  mulher  Ânna  Antunes  Belém,  ambos  cuyabanos,  e  o  portuguez 
Custodio  José  da  Silva,  que  ahi  tinham  suas  fazendolas  de  gado.  Mas, 
pelo  anno  de  1782,  o  capitào-general  Luiz  de  Alburquerque,  que  por 
dezesete  annos  governou  a  capitania,  e  á  quem  deveu  ella  muitos  melho- 
ramentos e  creações,  visitando-a,  agradou-se  da  sua  situação,  e  á  pre- 
texto de  ahi  estabelecer  uma  guarda  fronteira,  tomou-a  para  o  £stado  e 
fez  delia  a  casa  de  campo  dos  generaes,sob  o  titulo  de  Fazenda  da  Nação, 
meio  o  mais  facil,  mais  seguro  e  mais  barato  de  desaproprial-a  de  seus 
donos. 

Effectivamente,  estes  partiram  para  Cuyabá,'e  Custodio  fundou  perto 
dessa  villa  outra  fazenda,  a  Cotia,  prospera  também  em  pouco  tempo. 
Cruz  não  quiz  mais  taes  estabelecimentos,  receioso  de  que  o  seu  paternal 
governo  recompensasse  novamente  os  seus  labores,  fazendo-lhe  a  honra  de 
substituil-o  na  propriedade  e  deixando-lhe  livre  o  direito  de  estabelecer 
uma  terceira.  Systema  de  animar  a  industria,  bem  favorável  ao  fisco,  que 
em  logar  dos  rendimentos  de  uma  só  fazenda,  como  no  caso  de  Cruz, 
passou  à  ter  os  de  duas,  sendo  seus  todos  os  proventos  de  uma. 

Entretanto,  o  certo  é  que  nesses  bons  tempos  pululavam  os  estabe- 
lecimentos ruraes  na  capitania,  nas  proximidades  e  caminhos  dos  deus 
grandes  centros  de  povoações. 

Tanto  os  rios  junto  á  Cuyabá,  como  os  das  cercanias  de  Yilla  Bella, 


(a)  Tomo  IO»,  pag.  lOS. 

(b)  Morreu  em  1819,  com  90  annos  de  edade. 


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i  CIDADE  DE    MATTO-OROSSO  391 

tinham  povoadas  uma  e  outra  margem  por  imiumeros  sítios,  engenhos  e 
roças,  tão  próximos  uns  dos  outros,  que  nos  mappas  antigos  semelham  ás 
mas  de  uma  inmiensa  cidade. 

Aqui,  náo  só  o  Guaporé  como  o  Barbados,  o  Alegre,  o  Sararé,  o  Ga- 
lera e  seus  braços,  e  as  orlas  das  estradas,  eram  bordados  de  situações  e  de 
não  pequeno  numero  de  arraiaes  bem  povoados,  lá  nos  logares  onde  o 
ouro  se  encontrava  á  flor  da  terra. 

Luiz  de  Albuquerque  fez  da  casa  de  Cruz  o  palacete  dos  capitães- 
generaes,  reformando-a  em  ordem  á  ficar  na  altura  do  novo  senhorio. 
Para  guardal-o  estabeleceu  um  destacamento  militar,  distribuiu  terras 
próximas  e  deu  á  tudo  o  nome  de  Povoação  do  Rio  Barbados.  O  de 
Casalvasco  veiu  depois  e  não  me  foi  possivel  ainda  descobrir-lhe  a 
origem. 

Segundo  Luiz  D'Alincourt  (obra  citada),foi  o  sargento-mór  Joaquim 
José  Ferreira,  cujo  nome  já  citei,  tratando  do  forte  de  Coimbra,  quem  ahi 
fandou  o  novo  estabelecimento  da  nação,  mas  D'Alincourt  faz  esse  acon- 
tecimento em  1781. 


Ainda  hoje  os  restos  dessa  grandeza  de  um  século  passado  causam 
verdadeira  satisfação  á  quem,  atravessando  os  innumeros  e  desertos 
sertões  da  provincia,  encontra-os  ainda  com  os  traços  da  prisca  prosperi- 
dade e  attestando  quão  varias  as  vicissitudes  e  contingentes  as  grandezas 
humanas. 

E'  uma  tapera  Casalvasco,  mas  risonha  ainda  ao  primeiro  aspecto, 
com  a  sua  casaria  de  taipa  acinzentada,  coberta  de  telhas  vermelhas  e 
tanto  mais  vermelhas  quanto  mais  velhas  ficam,  semelhando  antes  uma 


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892  ITINERÁRIO   DA  CORTE 

povoação  nova  em  via  de  coiistrucção,  e  cujas  casas  rebocadas  estão  só  á 
espera  de  uma  derradeira  mão  de  cal. 

Mas,  quanta  mina  sob  essa  louçania  feiticeira !  Todavia  seus  edifí- 
cios eram  fortes  e  bem  construídos,  e  talvez  que,  ainda,  com  pouco  custo 
relativo,  alguns  podessem  ser  restaurados. 

O  palácio,  que  até  hoje  guarda  essa  honrosa  qualificação,  é  uma  boa 
casa,  com  sobrado  e  quintal,  notável  pela  ordem  e  symetria  que  presidiu  á 
todos  os  seus  arranjos  internos.  A  capella,  sob  a  invocação  de  Kossa 
Senhora  da  Esperança,  é  um  templo  pequeno  e  sem  torres,  mas  de  cons- 
trucção  solida  e  regular.  Foi  benzida  em  7  de  setembro  de  1785 ;  guarda 
ainda  provas  de  seu  fausto  n'um  soberbo  lampadário  e  no  serviço  do  altar, 
varas  do  pallio,  etc.,  tudo  de  boa  prata. 

Ao  lado,  entre  ellu  e  o  palácio,  existe  ainda  uma  tosca  toiTe  de  paus, 
suspendendo  três  velhos  sinos  inserviveis,  rachados,  quebrados  e  até 
esburacados,  parecendo  incrível  que  o  tempo  tivesse  mais  poder  sobre  o 
bronze  do  que  sobre  a  argilla  das  casas.  Bordados,  inscripções,  etc,  estão 
apagados,  e  n'um  apenas  póde-se  ler  a  data — 1792. 


O  rio  apresenta  em  frente  ao  povoado  um  bonito  panorama,  em  cujo 
fundo  se  destaca  soberba  a  serrania  de  Kicardo  Franco ;  uma  longa  praia 
de  areia,  com  uma  pequena  barranca,  guarnece  a  primeira  rua  parallela 
ao  rio  e  onde  estão  os  principaes  edifícios.  No  local  mais  declive  e  de 
fácil  desembarque  fica  a  praça  principal:  é  de  148  metros  de  longo  sobre 
132  de  largo;  sua  face  direita  é  constituída  por  uma  ordem  de  vasta 
casaria  de  telha,  chamada  ainda  missão,  e  que  era,  sem  duvida,  a  habi- 
tação dos  Índios  da  cathechese.  A'  esquerda  da  praça  é  que  fícavam  os 
edifícios  principaes,  formando  quadras^  dous  á  dous,  um  com  frente  para 
o  rio  e  outro  para  a  segunda  rua.  Assim,  na  esquina  da  praça  fícava  o 


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Casal  Vasco 


H  -  Fttlaxio     d  -  CojLnha  de  Ptiliicio  -  CL.  -  «rr«   (U-  Pa4-aci-o  -U-  -  ^mntn-l  ^ 

b  -  Çu4trUi    -C  -RésjHt«U     d-lffrefM^  -f    cojtt  gra*uU  -f     P rirão- ^  -  Músãc  -h  -  CurviU  '  ^    . 

i  ~C€i^aJ  ptirUciilare-s  ~l-c«írjaj  yxtuiotmes  -  K- pvcLi^ajs  -J  -  CemUftic  '    .^     "^lif^ 


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i  ClDADE^  DE  MATTCKIROSSO  393 

palacete  e  um  quartel,  depois  a  egreja  e  o  hospital,  a  commandancia  e 
depósitos,  casa  de  officiaes  e  prisão,  etc.,  cada  lote  separado  de  outro  por 
outras  ruas,  havendo  mais  uma  pequena  rua  entre  a  egreja  e  hospital,  e 
os  edificios  de  traz. 

A  casaria  dos  indios  cercava  a  povoação  em  duplo  renque,  isto  é, 
tendo  também  casas  com  frente  para  o  campo,  o  que  dava  mais  uma 
rua  parallela  ao  rio,  no  fundo  da  povoação,  e  duas  perpendiculares,  uma 
á  direita  e  outra  á  esquerda. 

  rua  principal  sahia  na  praça,  á  direita  do  palacete^  e  era  a  conti- 
nuação da  estrada  de  Salinas.  Havia  também  casas  particulares  de  boa 
construcção ;  ainda  hoje  se  vêm  os  grossos  alicerces  e  as  tulhas  de  telhas, 
denotando  que  a  casaria,  talvez  no  duplo  ou  triplo  do  que  hoje  existe, 
seguia-se  circumdando  a  povoação,  e  qíie  já  eram  reconstrucçoes  do 
pavoroso  incêndio  que  destruiu -a,  em  mais  de  metade,  á  30  de  dezem- 
bro de  1786. 

Á'  esquerda  havia  uma  outra  praça,  hoje  encoberta  pelo  matto.  Nas 
estradas  das  Salinas  e  Matto-Grosso  encontram-se  escombros  ou  simples 
vestigios  de  situações,  entre  outras  a  da  Florença  e  a  do  RaiãOj  á  mar- 
gem do  Barbados,  e  as  fazendas  de  Bragança  e  Bastos  entre  o  Alegre 
e  o  Guaporé. 

Essas  ruinas,  ainda  hoje  notáveis,  fazem  scismar  com  tristeza  no 
que  foi  Casalvasco,  no  que  foi  Villa  Bella,  no  que  foram  tantos  outros 
povoados  desse  coração  da  America,  á  cem  annos  atraz,  e  que  sonhos  de 
futuro,  de  grandeza  e  de  poder  não  deviam  fazer  seus  habitantes,  no  meio 
de  sua  prosperidade,  para  a  éra  em  que  estamos. 

Em  1820  a  população  de  Casalvasco  era  de  413  almas  (a) ;  hoje, 

(a)  Pizarro,  lO»    pag.  109. 

50 


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394  ITINERÁRIO  DA  CORTE 

quando  muito,  de  quarenta  â  cincoenta,  inclusive  o  destacamento,  com- 
mandado  por  um  official  inferior.  E'  esse  destacamento  que  dá  as  rondas 
do  Alegre  e  das  Salinas. 

Nos  livros  do  senado  da  camará  de  Villa  Bella  encontram-se  os 
nomes  dos  primeiros  governadores  de  Casalvasco,  até  1813. 
São :  1*,  o  sargento-mór  Joaquim  José  Ferreira. 

2*,  o  tenente  de  artilheria  Ignacio  José  Nogueira. 

3°,  o  alferes  Francisco  Pedro  de  Mello. 

4**,  o  alferes  João  Pereira  Leite. 

5**,  o  alferes  de  pedestres  Joaquim  Vieira  dos  Passos. 
Luiz  D'Aliucourt  (a)  cita  ainda,  até  1828,  os  seguintes  : 

6%  o  tenente  Manoel  Ribeiro  Leite. 

7%  o  ajudante  de  milícias  Alexandre  Bueno  Lemos  de  Menezes. 

8*,  o  capitão  Francisco  Pedro  de  Mello  (segunda  vez). 

9**,  o  capitão  Floriano  José  de  Mattos  Coelho. 

10%  o  tenente  Luiz  António  de  Souza. 


Também  dessa  data  em  diante  nenhuma  informação  mais  foi-me 
dado  obter,  nem  nada  consta  nos  archivos  da  cidade,  talvez  porque  tal 
commaudo  passasse  á  ser  feito  por  escala  ^e  serviço  regimental. 


VI 


De  Casalvasco  ao  rio  Alegre  ha  cerca  de  quatorze  kilometros,  se- 
guindo a  estrada  por  excellentes  campos  cortados  de  bosques,  que  termi- 
nam na  possante  mattaria  que  borda  os  rios.  A  que  margeia  o  Alegre  é 


(a)  Obra  citada. 


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A   CIDADE   DE   MATTO-OROSSO  395 

uma  floresta  tão  cerrada,  que  a  estrada  qne  a  atravessa  semelha  um  tunnel 
de  dous  kilometros,  tanto  as  arvores  são  altas  e  frondosas,  e  tanto  a 
difficuldade  da'luz  do  dia  em  romper-lhe  a  espessa  fronde. 

No  passo  do  Alegre  a  margem  direita  é  alta  de  seis  metros ;  ha  ahi 
uma  guarda  de  uns  seis  homens  para  segurança  das  communicações  com 
a  antiga  capital .  dos  capitães-generaes.  Os  parecis  e  cábichys  tém  por 
vezes  levado  suas  depredações  até  Casalvasco  e  sitios  vizinhos  á  cidade, 
deixando  reconhecida  a  necessidade  de  vigiar  esses  pontos. 


Paaao     do     Ilio    AJegre. 

E'  um  local  agradável  esse  do  destacamento;  o  rio  tem  ahi  oito 
metros  de  largura,  na  vasante,  e  menos  de  um  de  altura  á  meio  leito,  o 
fundo  é  de  areia,  as  margens  sombreadas  de  altas  arvores,  mangues, 
camarás,  jenipapeiros,  casctulos,  caxoàs  e  paus  d'arco.  As  arvores  são 
cobertas  de  ninhos  dos  zombeteiros  chechéos  onjapySj  como  aqui  os  cha- 
mara (a),  e  araras,  papagaios,  periquitos,  tiés,  cardeaes,  sabiás,  e  mil 
outros  alegres  cantores. 

(a)  Japu,  no  Amazonas. 


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396  rriNERAEio  da  corte 

Bem  merece  o  rio  o  nome  que  tem.  Não  vi  em  minhas  excursões 
.vegetação  mais  esplendida,  nem  tanta  cópia  de  pássaros  como  aqui ;  ator- 
doam os  ares  os  bandos  de  ciganos  ou  pavões  do  matto  (opisthocomus)  que 
cobrem  litteralmente  as  arvores  das  margens. 

Uma  enorme  leguminosa,  chamada  pelos  naturaes — espinheiro, 
divide  a  estr?da,  â  margfem  esquerda  do  passo  ;.seu  tronco  mede  mais  de 
quatro  metros  de  circumferencia^  as  cimas  se  elevam  á  mais  de  trinta. 
Innumeravel  quantidade  de  epiãenâréas  e  arethtisas  cobre  os  grossos 
galhos,  emquanto  que  varias  sortes  de  cechméas  elevam-se  nos  ramos  e  a 
harha  ãe  velJw  (tillandsia  usneoides)  e  outros  dendrophitos  pendera-lhes 
das  franças. 

O  rio  abunda  em  lontras  (a),  muito  frequentes  nestas  paragens ; 
delias  tira  seu  nome  o  Sararé(b),  affluente  do  Guaporé;  acampados  junto 
ao  rio  vimos  uma,  que  vinha  tão  chata  sob  as  aguas,  que  tomamol-a  por 
um  peixe,  parecendo-nos  imposi-ivel  que  assim  se  tivesse  apresentado, 
quando  a  vimos,  grande  como  um  cão  e  de  ancas  bem  fornidas,  saltar  na 
barranca  e  desapparecer. 

Vi  ahi  pela  primeira  vez  a  tracajd  (c),  emys  amasonica^  ou  melhor, 
emys  ãwmeriliana^  mais  bem  descripta  pelo  sábio  de  quem  logrou  a  deno- 
minação, e  o  assopraãor  de  aguas  doces,  o  ãeIpTnnoiãe  do  Amazonas,  hôio 
ou  peixe  porco,  conhecido  na  sciencia  com  o  nome  àephoceena  hrasi- 
liensis.  Tanto  elle  como  a  tracajá  serão  talvez  oriundos  do  rio  mar  ;  o 
certo  é  que  os  affluentes  do  Prata  não  os  possuem,  tendo-os  todos  os  do 
Amazonas,  apezar  das  innumeras  cachoeiras  e  saltos,  quaes  os  do  Girau 
e  Theotonio,  no  Madeira ;  sendo  esses  animaes  encontradiços  desde  as 
nascentes  dos  rios  tributários,  em  cujas  aguas  revolvem-se  aos  cardumes. 


(a)  Yagudcacaca,  dos  tupis. 

(b)  No  dialecto  dos  palmeUas. 

(c)  Tracaxd,  no  idioma  paesé. 


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k  CIDADE   DE  MATTO-GROSSO  397 

O  passo  do  Alegre  foi  determinado  em  latitude  15^  15' 40".  A  estrada 
de  Casalv^sco,  depois  de  cortar  o  rio,  vae  Dovamente  atravessal-o  dezoito 
tilometros  á  NI^E.,  no  porto  do  Bastos.  Bastos  é  um  antigo  engenho  de 
assucar,  fundado  em  1800  por  Manoel  de  Bastos  Ferreira,  nos  terrenos 
da  sua  fazenda,  á  margem  do  Alegre.  Na  fabrica  lê-se  ainda  hoje  a  ins- 
cripção:  Engenho  de  Nossa  Senhora  da  Conceição — 1**  de  janeiro  de 
MDCCCI. 

Tinha  grande  casaria,  solidamente  edificada  á  beira-rio,  de  que 

ainda  existem  arruinados  restos. 

* 

Junto  á  ella  passava  a  estrada,  quasi  bordando  o  rio,  que  ia  atra- 
vessar um  kilometro  abaixo,  no  logar  de  um  antigo  sitio  de  Francisco 
Bastos  Ferreira,  filho  de  Manoel  Bastos. 

Mede,  neste  passo,  o  Alegre  uns  cem  metros  de  largura ;  a  estrada, 
atravessando-o,  costeia  a  fralda  SE.  da  serra  de  Kicardo  Franco  e  vae 
sahir  no  Guaporé,  em  frente  á  cidade  de  Matto-Grosso. 


Bastos  está  abandonado  como  Oasalvascõ  ;  encontrámos  apenas  ali 
uma  ronda  de  dous  soldados,  cujo  mister  é  dar  passagem  de  canoa  aos 
viandantes  que  tém  de  atravessar  o  rio. 

Dahi  á  cidade  a  viagem  por  agua  é  de  uns  dezoito  kilometros.  O 
Alegre  desce  muito  tortuoso  e  lança-se  no  Guaporé,  pouco  mais  ou  menos 
três  kilometros  á  OSO.  da  cidade,  sendo  tão  profundas  as  aguas  na 
sua  confluência,  que,  de  crystallinas  que  são  as  de  ambos  os  rios,  pare- 
cem negras  como  tinta  de  escrever. 

Sua  navegação  é  prasenteira,  suas  margens  sempre  cobertas  de  opu- 
lentissima  floresta  povoada  das  gritadoras  araras,  papagaios  e  periquitos, 
dos  grasnadores  ciganos  e  dos  alegres  japys.  Varias  espécies  de  ficus  gigan- 
tes, espinheiros,  canafistulas  e  bombaceas,  sobresahem  nessa  formosa  vege- 


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398  ITINERÁRIO   DA   CORTE 

tacão,  onde  sempre  as  bauhinias  e  principalmente  o  ciprí  escada,  e  as 
ingazeiras  occupam,  pela  cópia,  logar  importante.  Formosas  parasitas 
ostentavam  suas  flores,  entre  ellas  as  arethusas  e  epidendreas. 

Mede  de  ordinário  o  rio  uns  trinta  metros  de  largura  ;  actualmente 
sua  profundidade  varia,  attingindo  á  mais  de  10  metros,  n'outros  logares 
fica  ás  vezes  tão  razo,  que  as  canoas  roçam  na  areia  ou  encalham.  Esses 
bancos  serão  devidos  á  troncos  cabidos,  e  que,  represando  as  areias,  te- 
nham-os  formado.  Ladeiam-o  risonhas  e  formosas  bahias,  algumas  ainda 
habitadas. 


Foi  no  Bastos,  junto  ao  passo,  que  encontrei  uma  formosa  larva 
ainda  não  descripta,  que  eu  saiba.  E'  de  um  centímetro  e  meio  de  longo 
sobre  um  de  largo  e  três  millimetros  de  alto.  O  corpo  oval,  de  côr  ama- 
rello-escura,  marcado  de  sete  cintas  ou  anneis,  cada  um  dos  quaes  deixa 
ver  em  seu  bordo  um  burlete  ou  pápula  roixa,  semelhando  ás  ventosas  dos 
polvos.  A  cabeça  é  oblonga,  de  dous  millimetros  de  comprimento,  um  pouco 
mais  escura  que  o  corpo  -,  na  parte  anterior  e  lateral  deixa  vêr  duas  man- 
chas negras  que  devem  ser  os  olhos.  A  cabeça  é  cercada  de  uma  coroa  de 
pellos  ou  cilios.  Do  pescoço  partem  para  cima  dous  prolongamentos  ou 
antenas,  escuros,  de  cilios  mais  longos  e  aflfectando  a  disposição  penni- 
forme,  e  para  baixo,  sobre  os  primeiros  anneis  do  corpo,  quatro  outros- 


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í  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  399 

brancos,  nacarinos,  chatos  e  pontudos,  dos  quaes  os  dous  exteriores  maio- 
res do  que  os  do  meio,  assemelhando-se  á  um  coUarinho  de  bicos.  Na  extre- 
midade inferior  do  corpo  nota-se  um  ponto  escuro,  redondo,  de  um  milli- 
metro  de  diâmetro,  do  qual  partem  em  cruz,  com  as  pontas  duas  para 
cada  lado,  outros  quatro  prolongamentos  em  tudo  semelhantes  aos  brancos 
do  pescoço,  mas  de  duplo  tamanho,  deixando  ver  nos  intervallos  de  seus 
ramos  outra  coroa  horizontal  de  pequenos  pellos  negros.  Desde  os  dous 
ramos  posteriores  partem  outros  dous  processos  anteniformes,  idênticos 
mas  um  pouco  maiores  do  que  os  penniformes  do  pescoço.  Sua  contextura 
é  branda,  como  a  têm  em  geral  todos  da  sua  espécie. 


nu   DA   PRIMEmA  PARTE 


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índice 

DAS 

Matérias  contidas  no  primeiro  volume 

INTRODUCÇÂO 
Esboço  ohorographioo  da  provinoía  de  Matto  Orosso 


CAPITULO  I.— Proemio.  Limites.  Área.  População  :  o  Araxá  e  as  terras 
baixas :  altitude.  Hydrographia.  Divorsum  aquarum. 
Geognose 9 

CAPITULO  II.— Potamographia.  Rios  que  descem  das  serras  dos  Parecia. 
Tapirapuam,  Azul  edas  Divisões.  O  Tapajoz.  O  S.  Ma- 
noel. O  Xingu.  O  Araguaya.  O  Paraná.  O  Paraguay. 
O  Guaporé.  o  Mamoré.  O  Madeira 61 

CAPITULO  III. —Productos  da  provincia.  O  ouro  e  os  diamantes.  O  ferro 
e  o  cobre.  Os  calcareos  e  argillaa.  Flora :  a  cana ;  a 
poaya :  madeiras  de  lei  e  sua  devastação.  Matto  Grosso 
na  exposição  de  Phíladelphia.  As  fazendas  de  criação. 
Fairmount-Park  e  o  Trocadero 141 

CAPITULO  IV.-Climatographia.  Ck^ndições  hvpsometricas  do  solo.  Diffe- 
rença  entre  o  clima  do  planalto  e  o  das  comarcas  baixas. 
Paludismo.  Nosographia.  O  emetismo  ou  mal  da  poaya. 
Hygrometria  e  meteorologia.  Estudos  thermicos  ...         169 

Xtinerario  da  Oôrte  á  cidade  de  BCatto  Chrosso 

CAPITULO  I.-Da  Corte  ao  Apa 229 

CAPITULO  II.— Do  Apa  ao  forte  de  Coimbra 256 

CAPITULO  UI.-A  gruta  do  Inferno,  em  Coimbra ,    .  271 

CAPITULO  IV.— De  Coimbra  a  Corumbá  .     .  287 

CAPITULO  y.— Itinerário  ás  lagoas.  Lagoa  de  Cáceres.  A  ilha  dos  Ore- 
jones.  As  lagoas  Cipó  e  Mandioré.  A  lagoa  Men  onde 
Juan  de  Ayolas.  A  Gahyba :  o  Letreiro.  Uberaba  :  o 
canal  de  D.  Pedro  II.  O  porto  de  Reis 313 

CAPITULO  VI  —De  Corumbá  ao  Descalvado.  Do  Descalvado  á  Corixa 
Grande  do  Destacamento.  O  Retiro  do  Presidente.  Fa- 
zenda do  Cambará.  Os  Cupins  e  as  formigas  :  o  lermes 
luciferus.  Bahia  de  Pedras.  A  Corixa  Grande  do  Desta- 
camento :  a  Loca.  Da  Corixa  á  Santa  Rita.  O  sitio 
Uauassú,  Os  chiquitanos  e  seu  dialecto.  Bugres.  Santa 
Rita.  As  Corixas 343 

CAPITULO  VIL- Regresso  á  Corumbá.  VolU  aos  trabaihos.  Palmas 
Reaes.  Pôtas.  O  monte  da  Boa  Vista.  Os  morros  das 
Mercês.  Os  dos  Quatro  irmãos.  Salinas.  Casal  vasco. 
O  Rio  Alegre 875 


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|IAGEM  AO  ^EDOR  DO  §RAZIL 


A 


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SEGUNDA  PARTE 


VILLA  BEUA,  CIDADE  DE  MAnO-GROSSO 


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VIAGEM 


AO 


REDOR  DO  BRASIL 

1875 — 1878 


PELO 


DR.  JOÃO  SEYERIANO  DA  FONSECA 


a.»    TOLXnHCB 


RIO  DE  JANEIRO 

Typographla  de  Pinheiro  4  O-  Riia  Sete  Setembro  n.  157 

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yiA&EM  AO  BED08  DO  BRASIL 


VILLA  BELLA,  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 


CAPITULO  I 


4. 


2» 


Bt^•  kkUrieo  dm  coneçoi  da  pmincia.  Fundação  de  Coyabá.   O  Matto-Orotto  e  og  serlSes  dos  Parais.  KoadaçScs 
doi  arníari  de  SanfAona  e  S.  Traoehco  Xarier 


nome    de    Maito- 
GrTosso  foi    dado 
pelos  aventureiros 
de  Cuyabá  aos  ser- 
tões no  começo  cha- 
mados dos  Pare- 
cís,   do   nome  da 
nação  que  porahi 
habitava;    sertões 
cobertos  de  espessa 
e  robusta  mattaria 
3    vinha    de    NE., 
oyaz,  em  rumo  SO.» 
o    as    escarpas   do 
araxá,  e  sombreando 
s  e  regatos  que  nel- 


580869 


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8  VILLA  BELLA 

Mais  tarde,  quando  descoberta  a  riqueza  mineral  desses  terrenos  e 
fundados  os  estabelecimentos  primeiros,  creou  o  governo  tuna  capitania 
geral  separada  da  de  S.  Paulo  e  deu-lhe  o  titulo  de  capitania  geral  do 
Cuyahá  e  Matto-Grosso ;  titulo  que  conservou  sob  os  capitães  generaes, 
modificando-se,  sómenle,  para  o  àe provinda  de  Mátto-Gtossoj  quando  por 
decreto  de  15  de  dezembro  de  1815  foi  o  Brasil  elevado  á  cath^oria  de 
reino,  e  mudada  a  designação  de  capitanias  para  provindas. 

A  guerra  aos  indios,  para  haver  escravos,  e  á  qual  mais  tarde  se 
alliou  a  sede  do  ouro,  foi  a  causa  do  descobrimento  desses  sertões,  de  modo 
idêntico  ao  por  que  já  o  tinham  sido  os  do  Cuyabá.  Aqui  foram  Manoel 
de  Campos,  e  seus  filhos  o  capitão  António  Pires,  Pedro  Vaz  e  Felippe 
Bicudo,  e  o  velho  Anhanguêra  Bartholomeu  Bueno  da  Silva  (a)  e  seu 
filho  do  mesmo  nome  e  alcunha  (b)  ,  os  primeiros  que  correndo  os  sertões, 
desde  S.  Paulo,  em  busca  de  indios  ou  de  ouro,  vieram  até  o  rio  Cuyabá, 

antigo  Ihitiraiy  (g). 

« 

Já  em  1682  o  Anhanguêra,  atravessáná^  GfúfMi  encontrara,  junto  ás 
margens  do  Araguaya,  Campos  que  voltava  Íe^ê^  áêsèròbrimentos.  Bar- 
bosa de  Sá,  na  sua  Relação  das  povoações  dó  CuyâM  e  Matto-Grosso 
ommittindo  o  nome  de  Manoel  de  Campos,  diz  Qiié  Aitónio  Pires  foi  o 
primeiro  aventureiro  que  subiu  o  rio  Cúyábâ,  eili  tmsòâ  dos  cosdpofS^f  e 
comquanto  não  haja  certeza  da  época  do  descobrimento  á&s  MÉMÍk 
Martyrios,  que  o  padre  José  Manoel  de  Siqueira  faz  entrí  ÔSSiÉttíáe 
1648  e  1706,  não  parece  provável  que  fosse  Manoel  Cátttilâí  ^tíéâ  o 
Anhanguêra  encontrou  e   sim  seu  filU6  António,  que  áé^^it6(íá 


(a)  Natural  de  SanVAnna  do  Parnahyba,  em  S.  Paulo,  á  6  leguaá  ái  tk0ÊÍ, 
Seus  pais  eram  Francisco  Bueno  e  Fellipa  Vaz,  aquelle  sobrinho  dô  Áitiáábt  tàlêào 
da  Ribeira. 

(b)  O  fundador  da  villa  de  Goyaz,  em  1726 ;  a  qual  recôbèú  tal  prcdicameriidj  ê  o 
nome  da  Villa  Boa  em  sua  honra,  em  25  de  julho  de  173(5. 

(c)  IjOzano :  Conquista  dei  Rio  dê  la  Plata — 1© — IV. 


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DK.    JUÂO    SEVKKIANO    HA    FONSECA. 


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CIDADE  DE  MATTO-OROSSO  9 

Anhanguêra  n'aquelle3  descobrimentos,  levando  em  sua  companhia  seu 
filho  de  egual  nome,  o  mesmo  que  mais  tarde  foi  coronel  e  o  destruidor 
dos  cayapós. 

O  que  é  certo,  e  o  confirma  Siqueira,  é  que  seu  próprio  pai,  que  ia 
também  nessa  expedição,  era  menino  como  Pires  e  o  filho  de  Bartholo- 
meu,  todos  de  12  á  14  annos. 

Detiveram-se  os  aventureiros  no  logar  da  confluência  do  Çoxipó-merim^ 
onde  tinham  assentadas  suas  tabas  os  bororós,  nação  a  mais  guerreira  e 
de  mais  coragem  que  os  paulistas  haviam  encontrado  nas  suas  conquistas. 

Ahi  souberam  desses  indios  que  para  o  sertão,  em  rumo  N.,  havia 
uma  grande  nação,  por  elles  chamada  dos  coroas  (a):  ávidos  por  surpren- 
dêl-08  e  fazer-lhes  escravos  (b),  seguiram  os  destemidos  sertanistas  naquella 
direcção,  onde,  na  serra  da  Canastra,  accommettidos  por  uma  violenta 
tempestade,  abrigsHram-se  em  uma  anfractuosidade  ou  socavão  da  rocha, 
que  pela  sua  configuração  deu  origem  ao  nome  da  serra,  nome  que  outros 
mudaram  para  o  de  8.  Jeronymo,  em  louvor  do  santo  patrono  contra  as 
tempestades.  Foram  naquelle  rumo  até  às  margens  do  Paranatínga,  e 
em  1684  descobriram  a  serra  dos  Martyrios,  notável  pelos  emblemas 
da  Paixão  que  ahi  admiraram,  e  mais  celebre  tomada  pelas  encantadas 
riquezas  que  entreviram  mas  não  souberam  conhecer,  e  que  até  hoje  não 
tém  sido  descobertas.  Não  foram  adiante  por  avistarem  próximos  os 
coroas  á  quem  buscavam,  mas  que  tiveram  por  mais  acertado  evitarem  e 


[aj  Coroas  e  nSo  coroados^  como<liiuitos  pretendem,  suppondo  o  nome  não  indí- 
gena, mas  dado  pelos  portuguezes  pela  maneira  por  que  raspavam  a  cabeça.Francisco 
Rodrigues  do  Prado,  na  sua  Historia  dos  indios  oavaUeiros^  diz  que  os  coroas  são 
os  oayviabàs,  Sá  chama-os  ooroyases, 

(b)  Sotnenle  em  1752  é  que  começou  o  governo  á  providenciar  contra  estas  entni' 
das  ou  bandeiras,  para  escravisar  os  indios,  cujo  captiveiro  prohibiu  e  aboliu  comple- 
tamente em  carta  régia  de  6  de  junho  de  1755.  £  as  idéas  do  governo  portugez  eram  , 
tão  liberaes,  que  já  em  4  de  abril  desse  anno  tinha  baixado  um  decreto,  no  qual . 
declarava  que  os  que  se  casassem  com  indios  não  só  não  seriam  considerados  infa- 
mes, mas  antes  tomar-se-hiam  dignos  da  Beal  attenção  para  honras  e  empregos,    . 

2 


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10  VILLl  BELLA 

retirarem-se  ás  calladas,  tal  a  copia  em  que  os  indios  se  apresentaram. 
Não  tendo  sabido  conhecer  as  riquezas  ahi  existentes,  não  lhes  assig- 
nalaram  o  sitio;  e,  somente,  quarenta  annos  mais  tarde,  quando  melhor 
instruido  de  que  as  pedras  de  minério  vermelho,  ahi  á  rodo,  eram  de 
excellente  ouro,  lá  voltou  Bartholomeu  Bueno  filho,  em  virtude  do  ajuste 
ordenado  em  carta  regia  de  14  de  fevereiro  de  1721,  partindo  de 
S.  Paulo  á  30  de  junho  com  seu  irmão  Simão,  seu  cunhado  Ortiz,  um  so- 
brinho de  nome  António  Ferraz  de  Araujo,os  dous  frades  bentos  Cosme  e 
Jorge  e  muitos  camaradas,  indios  e  escravos  em  numero  de  cerca  de  du- 
zentos. Passaram-se  mais  de  três  annos,  e  já  em  23  de  abril  de  1725  o 
rei  vendo  que  a  tentativa  não  íográra,  por  delia  não  haver  noticias,  tinha 
ordenado  á  Kodrigo  Cezar,  governador  de  S.  Paulo,  que  desse  por  finda 
tal  incumbência,  quando  em  21  de  oitubro  apresentou-se  o  Anhanguera 
filho  com  a  grata  noticia  de  seus  descobrimentos. 


II 


Se  são,  portanto,  aquelles  aventureiros  os  descobridores  de  Cuyabá 
é  á  Pascoal  Moreira  Cabral  de  Leme  (a),  que  ahi  penetrou  em  1718,  com 
uma  bandeira^  que  se  deve  a  fundação  da  cidade  de  Cuyabá,  do  mesmio 
modo  que  á  Miguel  Subtil  a  gloria  do  invento  das  suas  minas  de  extraor- 
dinária riqueza.  ^ 

Pascoal,  chegado  ao  logar  dos  coxiponés  (b),  o  mesmo  onde  se  tinham 
detido  aquelles  sertanistas,  já  achou  destruída  a  aldeia ;  subiu  pelo 


(a)  Assim  chama-o  o  seu  contemporâneo  António  Pires  de  Campos,  na  Breve  no- 
tioia  do  gentio  que  ha  na  derrota  das  minas  do  Cuyabá  e  seu  recôncavo,  Rev,  do  Inst, 
Hist..  tomo  XXV,  pag.  437. 

(b)  Aripooonés,  diz  o  cónego  Boque  Leme  na  sua  Memoria  genealógica  das  fami- 
lias  de  todas  <»s  capitanias  do  Brasil, 


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CIDAPE  DE  MATTO-GROSSO  11 

Coxipó-merím,  e  no  sitio  da  bifurcaçãOf  cerca  de  duas  léguas  acima 
da  foz,  estabeleceu  seus  ranchos,  depois  conhecidos  pelos  nomes  de  sitio 
da  Casa  de  Telha  ou  Arraial  Velho  (a).  Já  por  ahi  iam-se  achando  grane- 
tes  e  palhetas  de  ouro  encravados  na  barranca ;  mas  pareciam  de  somenos 
vantagem  relativamente  ás  que  esperavam  da  caçada  de  indios :  na  For^ 
quilha  aprisionou  vários,  que  traziam  batoques  e  outros  enfeites  pedaços 
de  ouro,  e  desceu  á  refazer  o  povoado  nas  tabas  dos  Cuyábás^  depois 
S.  Gonçalo  Velho. 


Coxix>ó«xnerinn. 


Ahi  appareceu-lhe  o  ouro  á  flor  da  terra  e  em  tamanha  copia  que, 
como- diz  Barbosa  de  Sá,  si  oíque  acompanharam  Pascoal  muito  aprovei- 
taram, lucrando  este  uma  e  meia  libra  de  ouro,  os  que  se  demoraram 
ainda  acharam  para  colher,  uns  cincoenta,  outros  sessenta  oitavas  e  alguns 
meia  libra. 


(á)  Nesses  tempos  &  quatorze  dias  do  viagem  do  povoado  de  Cuyabá,  dizem  os 
chronistas. 


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12  TULA  BELLÀ 

Melhor  avisados  que  os  seus  predecessores  e  que  os  vindouros,  já  não 
quizeram  voltar  como  pretendiam,  nem  mais  pensaram  em  metter-se  á 
correr  indios :  não  careciam  de  níliito  esforço  nem  havia  perigo  algum 
em  colher  diariamente  boa  maquia  de  ouro.  Trataram  logo  (1722)  de 
erguer  uma  capella  que  dedicaram  á  Nossa  Senhora  da  Penha  de  França, 
pois  nessa  época  de  fanatismo  acreditavam  piamente  que  crimes  os  mais 
iniquos  podiam  ser  resgatados  com  praticas  religiosas  e  apparencias  do 
culto.  Trocaram  as  toldas  e  tendas  por  palhoças  mais  solidas  e  resistentes^ 
de  paredes  de  taipa  ou  espiques  de  palmeiras,  e  trataram  de  roçar  os  ter- 
renos próximos,  e  lançar-lhes  sementes  para  proverem  sua  manutenção. 
Dias  depois  chegavam  do  Itú  (a),  donde  eram  naturaes,  os  irmãos  Ma- 
cieis  (b)  e  Francisco  Yelho  Moreira  e  outros  que  andavam  também  em 
bandeira,  e  para  ali  foram  attrahidos  pela  fama  do  descobrimento,  á  elles 
levada  pelos  próprios  bororós. 

Bicas  eram  as  minas,  si  tal  nome  se  dá  á  terrenos  que  ostentavam 
em  sua  superfície  tão  prodigiosa  quantidade  do  precioso  metal;  e  os  aven- 
tureiros, sabendo  apertadas  as  ordens  dó  Estado,  na  sua  legislação  das 
minas,  e  reconhecendo  em  Pascoal  direito  de  chefe,  lavraram  termo  do 
descobrimento,  estabeleceram  compromissos  reciprocos  e  delegaram  um 
dos  Macieis,  António  (c),  com  amostras  do  minério  ao  governador  da  capi- 
tania de  S.  Paulo  e  Minas-Geraes,  o  conde  de  Assumar  (d).  Sendo  contro- 
versos os  historiadores  (e)  sobre  quem  o  primeiro  guarãa^mór  regente 


(a)  Nossa  Senhora  da  Candelária  do  Itú,  ftndado  á  13  de  abril  de  1657»  por 
Gonçalo  Ck)uraça  de  Mesquita. 

(b)  Gabriel  Antunes  Maciel  e  seus  IrmSos  João,  António  e  Felippe  Antunes  Ma. 
ciei. 

(c)  Outros,  entre  elles  B.  de  Sá,  erradamente  dão  Gabriel  Antunes.  Este  Gabriel 
foi  o  descobridor  nas  minas  do  Alto  Paraguay  Diamantino  em  17S4. 

(d)  D.  Pedro  de  Almeida,  depois  marquez  de  Alorna.  Residia  então  na  villa  do 
Bibeirão  do  Carmo,  depois  Ouro  Preto. 

(e)  Southey  dá  nomeado  capitão  mór  com  plenos  poderes  civis  e  militares  á  Fer- 
nam  Dias  Falcão,  provedor  Lourenço  Leme  da  Silva  o  mestre  'de  campo  João  Leme 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  13 

dessas  minas  e  quem  o  provedor,  não  será  demasiado,  neste  opúsculo,  a 
transcripção  seguinte,  copiada  do  próprio  original : 

—  a  Aos  oito  dias  do  mez  de  abril  da  Era  de  mil  e  setecentos  e 
desenoTe  anos,  neste  arrayal  de  Ouyabá,  fez  Junta  o  capitan-mór  Pascoal 
Moreira  Cabral  com  os  seus  cõpanheiros  e  ele  requereu  á  elas  este  termo 
de  certidam^  para  noticia  do  descobrimento  novo,  que  axamos  ao  ribeiram 
do  Coxipó,  invocaçam  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  França:  depois  que 
foi  o  noso  enviado  capitan  António  Antunes  com  as  amostras  de  oiro  que 
levou  ao  senhor  general,  cõ  a  petiçam  do  ditto  capitan-mór  fez  a  primeira 
entrada  onde  asistio  hum  dia  e  aiou  pinta  de  vintém  e  de  dous  e  de  qatro 
vinténs  e  de  meia  pataca:  e  a  mesma  pinta  fez  na  segunda  entrada  em- 
quanto  asistio  septe  dias  c5  todolos  seus  cõpanheiros,  ás  suas  custas,  c5 
grandes  percas  e  riscos,  em  serviço  de  Sua  Beal  Magestade  e  seus  gover- 
nos: e  cõ  efeito  teem  perdido  oito  homes  brancos,  fora  negros  e  para  a 
todo  o  tempo  vá  cito  á  noticia  de  Sua  Eeal  Magestade  e  seus  governos, 
para  não  perecerem  seus  direitos  e  por  asi  ser  verdade  nos  asinamos  todos 
em  este  termo,  o  qual  eu  pasei  bêe  e  feelmente  á  fée  do  meu  ofício,  como 
escrivam  deste  arrayal. — Pascoal  Moreira  Cabral. —  Siman  Rodrigues 
Moreira. — Manoel  dos  Santos  Coymhra. —  Manoel  Garcia  Velho. — 
Ballhazar  Bibeiro  Navarro. —  Manoel  Pedro  Loasano. —  João  de 
Anhaya  de  Lemos. — Francisco  de  Siqueira. —  Afonso  Fernandes.  — 


da  Silva.  Rocha  Pitta,  no  seu  Uv.  !«,  8S— da  America  Portugueza,  diz  que  em  6  de 
janeiro  de  1717  se  lavrou  tenno  das  eleições  feitas  pelos  povos  nas  pessoas  dos  capi- 
tão Fernando  Dias  e  dos  irmãos  LemSs  ;  noticia  de  que  se  soccorreu  Southey.  Mas  o 
Calso  delia  collige-se  claramente  da  mesma  data.  Roque  Leme  (ob.  cit.)  busca  corri- 
gil-a  mudando-a  para  1719 ;  mas  erra  também  em  vista  do  documento  que  acima 
transcrevo,  que  existe  não  só  em  original,  como  transcripto  no  registro  do  senado  da 
camará  de  Cuyabá,  no  seu  livro  1«,  e  na  Relação  das  Povoações,  de  Barbosa  de  Sá. 
Pascoal  foi  nomeado  guarda-mór  regente  por  provisão  de  26  de  abril  de  1738,  de  Ro- 
drigo César,  que  o  confirma  em  carta  à  elle  dirigida,  e  que  adiante  veremos,  em  data 
de  10  de  julho  de  1724.  Os  dois  Lemes  foram  nomeados  em  7  de  maio  de  1723  e  mor- 
reram no  fim  desse  anno  e  Falcão,  capitão-mór  em  27  de  abril  do  anno  seguinte,  e 
provedor  em  5  de  Dezembro. 


560869 

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1 4  VILLA   BELLA 

Diogo  Bomngues. — 3Ianoél  Ferreira, —  António  Eiheiro. —  Alberto 
Velho  Moreira, — João  Moreira, — Manoel  Ferreira  ãe  Mendonça, — 
António  Garcia  Velho, — Pedro  de  Godoys, — José  Fernandes, — An- 
tonio  Moreira, — Ignacio  Pedroso. — Manoel  Rodrigues  Moreira. — José 
Paes  da  Silva. 

—  <(  No  mesmo  dia  e  ano  atraz  nomeado  elegeu  o  povo  em  toz  alta  o 
capitan-mór  Pascoal  Moreira  Cabral  por  seu  guarda-mór  regente,  thé  ordem 
do  senhor  general,  para  poder  guardar  todos  os  ribeiros  de  oiro,  socavar  e 
examinar,  fazer  composiçon  aos  mineiros  e  botar  bandeiras  tanto  ás  minas 
como  aos  inimigos  bárbaros ;  e  visto  ellegerem  ao  ditto  lhe  cataram  res- 
peito: e  poderá  tirar  auto  contra  aquelles  que  forem  régulos,  como  é 
amotinadore  alei  vez;  e  que  espulsará  e  perderá  todolos  seus  direitos,  e 
mandará  pagar  dividas:  e  que  nenhum  se  recolherá  thé  venha  o  noso  en- 
viado capitan-mór  António  Antunes  do  que  todos  levamos  a  beem ;  Oje, 
oito  de  abril  de  mil  e  setecentos  e  desanove  anos  eu  Manoel  dos  Santos 
Coymbra,  escrivam  do  arrayal  que  escrevi. —  Pascoal  Moreira  Cabral.  » 


—  «  Aos  vinte  e  quatro  do  mez  de  junho  botou  o  guarda-mór  Pas- 
coal Moreira  Cabral  hua  bandeira  á  descobrimento  de  oiro,  onde  foi  por 
guarda  menor  Manoel  Garcia  Velho,  junto  cõ  o  escrivam  das  datas,  onde 
descobrio  hun  ribeiro  por  nome  San  Joajn  cõ  pinta  de  oitava  e  meya  pa- 
taca e  doze  vinténs,  e  outro  ribeiro  de  Santo  António  cõ  a  mesma  pinta, 
ribeiros  de  porte  para  se  repartirem ;  e  por  asy  ser  verdade  mandou  o 
guarda-mór  pasar  este  termo  por  mi  escrivam  das  datas  que  o  escrevi  bêe 
e  feelmente  á  fé  do  meu  oficio,  oje  quinze  do  mez  de  agosto  de  mil  e  sete- 
centos e  desanove  anos. — Manoel  dos  Santos  Coymbra. — Pascoal  Mo- 
reira  Cabral. —Manoel  Garcia  Velho.y> 


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CIDADE  DE  MAITO-GROSSO  15 

Essa  nomeação  de  guarda-mór  foi  confirmada  por  D.  Pedro  de  Al- 
meida, depois  miarquez  de  Alorna  e  então  governador  e  capitão-general  de 
S.  Paulo. 


III 


Apenas  chegadas  as  noticias  á  S.  Paulo,  emigrou  logo  grande 
quantidade  de  aventureiros  em  busca  do  novo  Eldorado,  expondo-se  aos 
maiores  perigos  por  uma  longa  e  desconhecida  travessia,  descoberta  á 
custo  de  mil  sacrifícios  e  milhares  de  vidas.  Desciam  q  Tietê  e  o  Pa- 
raná, subiam  o  Pardo  e  o  Anhandohy  Grande,  e,  atravessando  as  serras  . 
de  Santa  Barbara  e  os  campos  da  Vacaria,  iam  sahir  no  Mboteteyn,  hoje 
Miranda,  e  deste  no  Paraguay,  que  subiam,  e  depois  o  S.  Lourenço  e  o 
Cuyabá ;  não  se  sabendo  ò  que  mais  admirar  si  a  coragem  desses  aventu- 
reiros, si  sua  sede  e  avidez  de  riquezas.  O  incontestável  é  que  á 
elles  deveu  a  província  os  seus  começos  e  mais  que  tudo  o  ser  brasileira. 

De  S.  Paulo,  Minas-Geraes,  Bahia,  e  até  do  Maranhão  e  Pará  partiu 
muita  gente,  cortando  sertões  desertos  e  Ínvios,  florestas  e  rios  povoados 
de  selvagens  e  antropophagos,  galgando  montanhas,  vencendo  cachoeiras^ 
varando  nos  saltos  e  cascatas,  e  aproveitando  o  ma-is  que  podiam  a  via 
fluvial. 

Para  dar  uma  idéa  do  arrojo  desses  flibusteiros  ão  sertão^  na  phrase 
de  Humboldt,  e  dos  seus  sofrimentos — leiamos  o  que  Barbosa  de  Sá  con- 
signa nas  seguintes  pala\Tas  (a): — «  Partiam  deixando  casas,  mulheres  e 
filhos,  botando-se  por  esses  sertões  como  si  fora  a  terra  de  promissam,  ou 
o  paraiso  encoberto.  Padeceram  grandes  destroços,  e  perdas  de  canoas  nas 
cachoeiras  por  falta  de  pilotos  práticos,  que  ainda  os  não  havia ;  mortan- 


(a}  Relação  das  povoações,  etc. 


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16  VILLA   BELLA 

dade  de  gentes  por  falta  de  sustento,  doenças,  onças  e  outras  misérias. 
Não  sabiam  pescar  nem  caçar,  nem  o  uso  das  muito  proveitosas  toldas  das 
canoas,  que  tudo  lhes  apodrecia  com  as  chuvas,  nem  sabiam  ainda  o 
invento  dos  mosquiteiros  para  defeza  dos  mosquitos,  que  muitos  annos  ao 
depois  é  que  a  necessidade  e  a  experiência  é  que  foi  ensinando  estas  cousas, 
pelo  que  padeceram  os  que  escaparam  da  morte,  misérias  sobre  misérias. 
Houve  conserva  de  canoas  em  que  morreram  todos  sem  ficar  um  vivo, 
achando  os  que  vinham  atraz  as  canoas  com  as  fazendas  podres,  e  os  corpos 
mortos  pelas  barrancas  dos  rios  e  seus  reductos  e  redes  armadas  com  os 
donos  dentro,  todos  mortos.  »  E  refcrindo-se  ás  monções  de  1720,  diz: 
(( — ^Morreram  todos,  sem  que  chegasse  nesse  anno  pessoa  alguma  á 
Cuyabá.  » 

D'entre  os  primeiros  que  afBuiram  ás  novas  minas,  foram  principaes 
o  capitão  José  de  Sá  e  Arruda,  o  capitão-mór  Jacintho  Barbosa  Lopes, 
(que  foi  o  fundador  da  matriz,  no  anno  de  1722  com  a  mesma  invocação, 
que  hoje  tem,  de  Senhor  Bom  Jesus  do  Cuyabá),  o  sargento-mór  João  Car- 
valho da  Silva,  o  capitão  de  mar  e  guerra  João  Martins  de  Almeida  e  seu 
irmão  o  capitão  José  Pires  de  Almeida,  João  Leite  de  Barros,  Pedro 
Corrêa  de  Godoy,  os  frades  carmelitanos  Pacifico  dos  Anjos,  irmão  do  ca- 
pitão-mór Jacintho  e  Florêncio  dos  Serafins,  e  òs  padres  André  dos  Santos 
Queiroz  e  Joaquim  Botelho  (a). 

Mais  uma  prova  da  miséria  que  acompanhava  estes  aventureiros  está 
no  seguinte  facto,  registrado  nos  Annaes  ãa  Camará^  e  citado  por  Sá. — 
José  Pires  trazia  comsigo  um  menino,  á  quem  queria  como  filho :  trocou-o 
por  umpacu  (b),  isto  é,  reduziu-o  á  escravidão,  para  matar  a  fome. 

Já  existia  o  arraial  da  Casa  de  Telha,  na  Forquilha'^  e  levantada  a 
capella  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  França,  ahi  celebrou-se  a  primeira 


(a)  Registro  do  senado  da  camará  de  Cuyabá. 

(b)  Proohilodus:  ha-os  de  varias  espécies. 


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CIDADE  DE  MITTO-OROSSO  17 

missa,  desses    sertões,    officiando  o   padre  Botelho,  seu  primeiro  ca- 
pellão. 


For  um  lado  a  infrene  ambição  e  sede  de  ouro,  por  outro  as  difficul- 
dades  da  conducção  dos  meios  de  manutenção,  alimentos  e  medicina,  em 
viagens  tão  longas  e  affadigosas,  a  serie  de  perigos  que  arrostavam  e  o 
habito  de  soflfrêl-os,  endurecia  o  coração  á  essa  gente,  sopitando-lhe  os 
mais  naturaes  deveres  da  caridade  e  humanidade. 

Nas  expedições  todos  trabalhavam,  e  também  só  quem  trabalhava 
tinha  direito  á  alimentação.  Si  a  fraqueza  ou  moléstia  apoderavarse  de 
alguém,  que  o  impossibilitava  do  labor,  era  sem  a  menor  commiseração 
abandonado  n'uma  praia  ou  barranca,  com  a  implícita  sentença  de  morte, 
á  fome  ou  trucidado  pelas  feras  ou  pelos  selvagens. 

Chamavam  monções  de  povoado,  as  viagens  que  todos  os  annos, 
desde  então  começaram  de  S.  Paulo  para  o  Cuyabá.  Não  houve  monção, 
em  que  os  viajantes  não  encontrassem  dezenas  de  ossadas,  ou  cadáveres 
ainda  frescos,  por  vários  pontos  das  margens  e  em  toda  a  extensão  dos 
rios. 

A  historia  guarda  noticia  de  um  moço  portuguez  abandonado  por 
seu  patrão,  que  com  cinco  canoas,  muita  fazenda  e  escravos,  ia  em  busca 
de  maior  fortuna.  João  Lopes  se  chamava  o  moço  ;  enfraquecido  pelas 
sezões  e  pela  fome,  já  não  podiamanejar  o  remo.Seu  amo  deitou-o  em  terra 
com  esta  oração  fúnebre : — «  que  se  pegasse  com  Deus,  pois  que  com  cer- 
teza morria,  e  elle  não  lhe  podia  dar  cousa  alguma,  visto  o  que  trazia  só 
chegar  para  os  vivos,  que  o  ajudavam,  e  não  para  defuntos.  » (a)  O  moço 
armou  sua  rede,  fez  a  fogueira,  companheira  e  soccorro  do  viajante  nas 
selvas,  e  deitou-se, —  «  sem  mais  sustento,  rezam  as  chronicas,  que  a 
agua  do  céo  acompanhada  da  que  seus  olhos  vertiam.  »  Na  manhã 


(a)  Sá,  obra  citada. 

3 


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18  VILLA  BELLA 

seguinte  acordou-se  com  um  ruido  próximo,  e  viu  junto  á  si  um  faman- 
ãim  landeira^  que  com  o  longo  focinho  o  farejava.  Transido  de  medo,  e 
mais  por  instincto  de  conservação  do  que  por  forças  para  defender-se, 
deu-lhe  uma  pancada  sobre  o  focinho,  que  é,  como  se  sabe,  o  ponto  vul- 
nerável desses  animaes,  o  que  logo  o  prostrou  por  terra.  Era  o  céo 
que  o  protegia :  era  o  alimento,  era  a  vida  que  lhe  mandava.  Entre- 
tanto, Lopes  não  ousava  esperar  que  essa  protecção  lhe  aprovei- 
tasse :  suppunha  seus  dias  contados.  Mas,  Deus  não  o  desamparara; 
esse  alimento  lhe  restituiu  as  forças  perdidas,  e  dias  depois  via  subir  o  rio 
uma  outra  monção  que  recusando-se,  á  principio,  recebêl-o,  pelo  mesmo 
motivo  de  escassez  de  alimentos,  aceitou-o  sempre,  ao  mostrar-lhe  o  moço 
que  esses  lhe  sobravam  e  tanto  que  ainda  os  repartia  com  elles. 


Mais  adiante  teve  Lopes  mais  oulra  prova  de  quão  insondáveis  são  os 
desígnios  de  Deus  e  que  imraenso  o  seu  poder.  Atracadas  á  uma  bar- 
ranca, lá  estavam  as  canoas  do  seu  ex-patrão,  e  alguns  escravos   vivos  : 


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CIDADE  DE  MATTOOROSSO  19 

aquelle  e  o  resto  da  gente,  apezar  dos  recursos  que  ainda  tinham,  mortos 
na  barranca ;  emquanto  que  elle,  o  enfermo  e  faminto,  o  moribundo  aban- 
donado para  morrer,  ahi  chegava  saciado,  vivo,  são  e  forte. 


Logo  em  1720  chegou  o  padre  Francisco  Justo,  já  provido  como  vi- 
gário curado  eda  vara  das  minas  do  Cuyabá,pelo  diocesano  do  Eio  de  Ja- 
neiro o  bispo  D.  Fr.  Francisco  de  S.  Jeronymo.  Difficuldades  de  viagem 
demoraram  a  frota,  por  uns  seis  mezes,  na  barranca  do  Carandd,  já  no  rio 
Cuyabá  :  ahi  n'um  oratório  improvisado,  celebrou  elle  a  sua  primeira 
missa,  na  nova  vigararia. 


IV 


Taes  foram  os  principies  remotos  da  cidade  de  Cuyabá.  Mas  o  seu 
verdadeiro  estabelecimento  só  começou  com  o  invento  das  minas  de 
Miguel  Sutil,  no  logar  ainda  hoje  conhecido  pelo  Tanque  do  Ernesto. 

Morador  no  povoado  de  Nossa  Senhora  da  Penha,  tinha  começado 
uma  roça,  rio  abaixo,  á  margem  do  que  deu  o  nome  á  cidade.  Em 
oitubro  de  1720,  desceu  com  um  camarada  e  alguns  indios  carijós 
á  cuidal-a ;  e  chegado,  mandou  dous  destes  em  busca  de  mel  de 
abelha,  que  muito  abunda  nas  florestas  dahi.  Só  alta  noite  chega- 
ram, e  sem  o  mel ;  e  reprenendendo-os  Sutil,  disseram-lhe  elles  que 
tinham  achado  cousa  melhor,  e  entregaram-lhe  vinte  e  três  grane- 
tes  de  ouro,  com  o  peso  de  cento  e  vinte  oitavas,  assegurando-lhe 
que  lá  havia  muito  disso  (a). 

Mal  rompeu  o  dia,  Sutil  e  seu  camarada,  de  nome  João  Francisco  Bar- 


(a)  Registro  do  senado  da  oamara  de  Cuyabá,  liv.  1.» 


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20  VILLA  BELLA 

bado,  seguiram  com  os  dons  índios  até  o  logar  em  que  está  situada  hoje  a 
capital,  e  onde  estes  lhe  mostraram  «  o  ouro  espalhado  sobre  a  terra  eque 
elles  foram  apanhando  ás  mancheias  (a).  »  A  tarde  recolhiam-se  Sutil 
com  meia  arroba  de  ouro,  e  Barbado  com  mais  de  quatrocentas  oitavas. 
Deu  logo  parte  do  descobrimento,  como  era  de  rigor  ;  e  os  habitantes  do 
Coxipó  abandonaram  o  seu  arraial  para  as  lavras  do  Sutil,  onde  já 
em  1772  se  elevava  novo  povoado,  com  capella  matriz.  Diz  Sá  que 
em  um  mez  se  tiraram  quatrocentas  arrobas  de  ouro,  sem  que  se  clivasse 
profundidade  maior  de  três  á  quatro  palmos. 

N'um  terreno  chamado  do  Sapateiro,  por  ter  sido  lavrado  por  um 
desses  artesãos,  tiraram-se  em  nove  dias  quarenta  e  duas  arrobas  (b). 

Sutil  era  paulista,  como  o  foram  quasi  todos  os  descobridores  das 
minas  do  Brasil :  Aífonso  Sardinha,  que  em  1595  descobriu  as  primeiras, 
e  levantou  fundição  nos  serros  de  Ibyraçoyába  (c);  Salvador  Jorge  Velho, 
o  descobridor  de  Coritiba;  Carlos  Pedroso  da  Silveira,natural  de  Taubaté, 
e  Bartholomeu  Bueno,  do  Paranahyba  (d),  que  102  annos  depois  acharam 
o  primeiro  ouro  de  Cataguaises  e  Saiará-bussH,  depois  chamados  Minas- 
Geraes  ;  António  Eodrigues  que  em  1693  descobriu  as  deCaieté ;  Manoel 
Corrêa,  que  descobriu  as  de  Goyaz  ;  Anhanguèra  as  dos  Martyrios  e  a 
Sen-a  Dourada  ;  Eoberio  Dias  e  Marcos  de  Azeredo  Coutinho  inventores 
das  de  diamantes  e  esmeraldas,  cujo  segredo  levaram  á  tumba,  por  o  go- 
verno não  querer  remuneral-os  como  pretendiam ;  António  Adorno  e  Fer- 
nam  Tourinho  e  o  octogenário  Femam  Dias  Paes,  que  foi  quem  facilitou 
novos  descobrimentos  aos  seus  descendentes,pelo  caracter  pertinaz  e  activo 


(a)  S&,  obra  citada. 

(b)  Ferdinand  Dónis,  Le  Brésil  (UUnivers,  pag.  313). 

(c)  Roque  Lome,  Memorias  das  Famílias,  As  minas  de  Ibíraçoyaba  foram  desco- 
bertas e  exploradas  em  1680  por  Fr.  Pedro  de  Souza,  o  alcaide-mór  Jacintho  M.  Ca- 
bral e  seu  irmão  o  coronel  Pascoal  M.  Cabral. 

(d)  Fundado  em  1645  por  Jacques  Félix, em  nome  da  condessa  de  Vimieiro,  D.  Ma- 
rianna  de  Souza  Guerra. 


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CIDADE   DE  MATTO-GROSSO  21 

e  commettímentos  incríveis  na  sua  avançada  edadei^a):  Garcia  Eodrigues, 
seu  filho  Arzão,  cunhado  de  Anhanguèra  ;  Manoel  Preto,  que  contava 
seus  escravos  Índios  á  milhares  (b);  os  irmãos  Lemes  e  tantos  outros  que 
não  me  occorrem  agora,  raça  de  aventureiros  tão  gigantes  no  valor  como 
na  cobiça,  e  alliando  â  maior  crueldade  e  dureza  de  coração,  que  os  fazia 
commetter  crimes  quasi  iguaes  aos  de  Pizarro  c  Almagro,  um  fanatismo  e 
temor  religioso,  com  que  buscavam  obliterar  seus  crimes.  Nas  duas  entra- 
das para  escravisar  indios,  faziam  sempre  baptisal-os,  si  elles  mesmos 
não  impunham  esse  sacramento,  in  mente  profitandi  em  artigo  de  morte. 
Conta-se  de  um  delles  que,  nesse  fervor  religioso,  recitando  a  forma  do 
baptismo  para  um  indio  moribundo  á  seus  pés,  ao  dizer  o  Eu  te  laptiso^ 
recebera  um  golpe  de  flecha  que  o  fizera  exclamar  interjectiva  e  incons- 
cientemente a  voz  «  diaho  »  quando  devia  impôr  o  nome  ao  agonisante,  fi- 
cando perplexo  e  possuido  de  grande  terror  religioso  por  ter  imposto  tal 
nome  em  acto  sacramental,  que  lhe  era  interdicto  repetir,  nem  sacerdote 
algum  podia  fazêl-o,  nem  mesmo  o  papa,  por  ter  morrido  incontinenti  o 
indio.  Conta-se,  que  vindo  ao  bispo  á  confessar  esse  acto  de  consciência,  o 
parecer  do  prelado  fora  que  o  indio  ficara  baptisado  e  bembaptisado.Para 
desencargo  das  consciências  nimiamente  timoratas  resta  a  esperança  de 
que  o  novo  christào  não  tenha  levado  seu  nome  ao  céo,  e  que  quando 
muito,  graças  ao  fervor  do  baptisante,  tenha  apenas  alcançado  o  purgatório. 


Logo  em  1723  desceu  o  padre  André  dos  Santos  Queiroz  conduzindo 
o  ouro  dos  direitos  reaes  e  o  dos  particulares  :  e  foi  tal  a  emoção  cau- 
sada pela  noticia  desses  extraordinários  descobrimentos,  que  os  povos  se 


(a)  Item,  obra  citada. 

(b)  Ferdinand  Dénis,  Le  Brésil  (UVnivers,  pag.  186;.  Fernandes  Pinheiro,  Vis- 
conde de  S.  Leopoldo — AwMLes  de  provinda  de  S,  Pedro, 


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22  VILLA   BELLA 

alarmaram  e  desertaram  em  massa  para  oCuyabá,  levando  comsigo  para  o 
nascente  arraial  as  misérias,  soflfiimentos  e  fome,  que  os  seguiram  em 
viagem,  que  accumularam-se  aos  que  ali  encontraram  pela  carência  de 
mantimentos,  occi^)ando-se  os  moradores  mais  na  cata  do  ouro  do  que  na 
plantação  das  roças.  Os  novelleiros  ainda  exaggeravam  mais  a  noticia 
dessas  riquezas,  dizendo  que  os  granetes  de  ouro  eram  tantos  que  si  os 
empregava  como  chumbo  de  espingardas  ;  que  eram  de  ouro  as  pedras 
que  serviam  de  trempe  ás  panellas  no  fogo ;  e  que  para  colhêl-o  bastava 
arrancar  as  toucas  do  capim,  pois  nas  raizes  vinham  pregadas  as  folhe- 
tas— «  o  que  não  foi  totalmente  fabula,  diz  Sá,  pois  se  viu  muitas  vezes, 
tanto  nas  lavras  do  Sutil  como  nas  da  Conceição(a),  que  depois  foi 
arraial.  » 

Ainda  hoje,  as  enxurradas,  escarvando  o  solo  da  capital,  põem  á  des- 
coberto pepitas  e  granetes  de  ouro  ;  e  já  vimos  no  capitulo  3** —  I  da 
Introducção,  como  os  soldados  do  oitavo  de  linha  apanhavam  ouro. 


Em  1724,  separado  o  governo  das  Minas-Geraes  do  de  S.  Paulo,  veiu 
o  capitão-general  Kodrigo  César  de  Menezes  para  a  villa  de  S.Paulo,  e  dahi 
nomeou  regente  e  administrador  das  minas  do  Cuyabáá  um  dos  Macieis, 
João  Antunes  e  superintendente  das  terras  mineraes  á  Fernando  Dias  Fal- 
cão  (b);  e  a  instancias  de  Sebastião  Fernandes  do  Rego  (c)  deu  os  cargos 

(a)  Fundada  em  1724,  sendo  vigário  da  vara  e  curado  o  padre  Manoel  Teixeira 
Rabello. 

(b)  Southey  diz  que  este  veiu  de  capitâo-mór  com  plenos  poderes  ci\is  e  milita- 
res. Pizarro,  não  sei  fundado  em  que,  diz  que  por  termo  lavrado  em  6  de  Janeiro 
de  1721,  foi  eleito  pelo  povo  de  Cuyabá  para  substituir  Pascoal,  qne  governou 
até  1728. 

(c)  Roque  Leme,  Memoriadas  Famílias.  Sebastião  era  o  provedor  da  real  fazenda 
em  S.  Paulo. 


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CIDADE  DE  MATTOGROSSO  23 

de  provedor  á  Lourenço  Leme  da  Silva  (a),  e  de  mestre  de  campo  à  seu 
irmão  João  Leme—  <c  os  dous  maiores  sceleradosque  jamais  viu  o  Brasil, » 
diz  Southey. 

Si  esse  povo  de  mineradores  tinha  até  então  vivido  mais  ou  menos 
em  paz,  accommodando-se  em  suas  desavenças  conforme  o  alvitre  do 
guarda-mór  Pascoal  í*  agora  chegou  a  era  das  extorsões,  processos  e  injus- 
tiças, visto  que  os  novos  funccionarios,  já  tendo  por  difficil  a  mineração, 
preferiam  alapardar  o  ouro  já  catado.  A  primeira  construcçáo  que 
fizeram  foi  a  de  uma  cadêa,  de  forte  e  solido  páu  a  pique  (b),  mobiliada 
de  troncos  e  gargalheiras ;  a  qual  se  conservava  sempre  cheia  de  desgra- 
çados. A's  violências  se  ajuntaram,  com  idêntico  motivo,  as  da  igreja :  o 
novo  vigário,  nesse  mesmo  anno  chegado  (c),  teve  de  soccorrer-se  de  meios 


(a)  Lourenço  e  João  Leme  eram  ftlhos  de  Pedro  Leme,  o  torto  e  coxo,  e  parentes 
de  Sebastião  Rego.  Roque  Leme,  descendente  deUes,  diz  que  pela  ambição  de  Se- 
bastião foram  eUes  sacrificados: — «  que  até  venceu  que  contra  a  pureza  da  verdade 
corresse  desenfreada  a  penna  de  Sebastiam  da  Rocha  Pitta,  no  seu  livro  da  America 
Portuffueza^  impresso  em  Lisboa,  em  1727. » — «  Esses  dous  irmãos,  continua  Roque, 
fizeram  varias  entradas  no  sertão  á  conquistar  gentios  de  diversas  nações.  Com  este 
exercício  adquiriram  grande  pratica  de  disciplina  militar  e  conhecimento  dos  incul- 
tos sertões  do  Rio  Grande,  Paraná,  Ubahy  (*),  Pai*aguay  e  dos  que  oje  são  navega- 
dos em  canoas  para  as  minas  do  Cuyabá.  Eram  temidos  dos  mesmos  bárbaros,  prin- 
cipalmente dos  Payaguás,  e  capazes  ambos  da  maior  facção  de  guerra  si  algum  movi- 
mento se  intentái*a  contra  os  castelhanos  daquellas  regiões.  Porém  degenerou  esse 
merecimento  do  valor  jm  algumas  extorsões  e  violências  que  exercitaram  em  diver- 
sas occasiões.  O  coronel  Sebastião,  da  Rocha  Pitta,  levado  de  informações  erradas  e 
conduzido  do  natural  génio  de  lisongeiro,  claudicou  muito  da  verdade  nos  factos  que 
relata  no  1»  vol.,  g  83  e  seguintes  até  97,  da  sua  Araerica  Portugueza.Pdém  de  outros 
muitos  descuidos  em  que  cahiu,  que  são  erros  grandes  para  a  verdade,  que  é  a  alma 
da  historia,  nós  referiremos  agora,  com  toda  a  pureza  o  successo  dos  dous  irmãos, 
João  e  Lourenço  Leme,  visto  que  Pitta  se  affastou  da  chronologia  dos  tempos,  da 
verdade  dos  acontecimentos  e  da  epocha  do  descobrimento  do  Cuyabá.  » 

(b)  Sá,  Relação  das  Povoações^  etc. 

(c)  O  padre  Manoel  Teixeira  Rabello,  provido  pelo  cabido  em  sede  vacante  de 
D.  Fr.  Francisco  de  S.  Jeronymo.  Pizarro  não  falia  no  1°  vigário  o  padre  Francisco 
Justo ;  e  dando  noticia  daquelle,  ajunta  :  «  mas  o  padre  Lourenço  de  Toledo  Taques 
que  por  provimento  doRevm.  Bispo  D.  Fr.  António  de  Guadalupe,  lhe  succedeu  em 
ambos  os  cargos  teve  a  nomeação  de  primeiro  parocho  daquellas  minas  e  também  de 
primeiro  visitador  ordinário. » 


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24  VnXA  BELLA 

extremes,  não  só  para  prover  sua  subsistência,  ali,  onde  tudo  o  que  havia 
só  se  obteria  á  peso  de  ouro,  como  para  conter  o  seu  rebanho  mais  de 
lobos  que  de  ovelhas. 

Nesse  anno  de  1 724,falleceu  com  70  annosde  edade,  Pascoal  Moreira 
Cabral,  descendente  collateral  do  descobridor  do  Brasil,  e  elle  descobridor 
de  Cuyabá,  cujo  povo  de  aventureiros  soube  administAr  com  justiça,  mere- 
cendo de  todos  o  maior  respeito  emquanto  vivo,  geral  sentimento  por  sua 
morte  e  grata  recordação  nas  chronicas. 

«  Homem  charro,  sem  letras  e  pouco  polido,  diz  Sá,  mas  de  agudo 
entendimento,  sincero  sem  maldade  alguma,  e  de  extrema  charidade ;  a 
todos  servia  e  remediava  com  o  que  tinha  e  podia ;  era  amigo  de  Deus, 
experto  na  milicia  dos  sertões  e  exercido  de  minerar  ;  finalmente  valoroso 
e  constante  nos  trabalhos  (a).  » 

-  Homem  nessas  condições  não  mereceu  dos  superiores  continuar  no- 
posto  que  seu  trabalho  tinha  creado  e  seus  companheiros  lhe  conferido  ; 
mas,  foi  motivo  o  não  ter  sufficientemente  angariado  as  sympathias  de 
Rodrigo  César,  que  entretanto  ao  nomear  outros  para  suc<5ederem-lhe  no 
cargo,  não  se  descuidou  de  escrever-lhe,  embalando-o  com  promessas  e 
bons  ofBcios  e  insuflando-lhe  que  obrasse  ãe  sorte  que  se  tomasse  mais 
merecedor^  e  elle  capitão-general  tivesse  motivos  para  agraãecer-lhe  e  ser- 
viJ-o  de  boa  vontade.  Rodrigo,  era  daquelles  de  quem  Pombal  dizia 
que  bastavam-lhes  três  annos  de  governo  no  Brasil  para  dispensarem 
augmentos. 

O  motivo  principal  dessa  substituição,  foi  a  ganância  e  avidez  do 
capitão-general.  Pelos  modos.  Pascoal  não  se  tinha  tornado  merecedor  de 
que  elle  lhe  fosse  grato  e  o  servisse  de  boa  vontade.Mas  essa  substituição, 
como  se  verá  dos  documentos  abaixo,  só  foi  dada  em  meiados  de  1724,  e 
Pascoal  quasi  que  não  lhe  sobreviveu, 
(a)  Foi  sepultado  na  matriz  do  Bom  Jesus. 


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CIDADE  DE  MATTO-OROSSO  25 

A  carta  que  existe  nos  Annaes  do  senado  de  Cuyabá,eque  Sá  repro-  ' 
duz  na  sua  chronica,  naerece  ser  conhecida  para  desfazer  esse  engano  dos 
historiadores.  Eil-a  : 

«  Recebi  a  de  Vm.  pelo  padre  André  dos  Santos;  a  qual  me  deixou 
muito  satisfeito  pela  certeza  de  sua  boa  saúde  e  também  pela  noticia'  que 
me  dá  do  novo  descoberto,  que  permitta  Deus  se  aumente  para  que  El- 
rey  N.  Senhor  tenha  accrescimos  na  sua  fazenda  e  Vm.  os  bens  e  fortuna 
que  eu  lhe  desejo.  Mando  ao  capitão  Femam  Dias  Falcam  e  João  Antunes 
Maciel  com  as  ordens  que  a  Vm.  hão  de  constar  ;  incaminhando  tudo  ao 
soeego  e  união  desses  moradores ;  e  asi  Vm.  como  os  demais  concorrerá 
com  tudo  o  que  puderem  para  que  se  execute  o  que  ordeno,  encaminhando 
tudo  á  melhor  conservação  de  Vms.  e  augmento  das  minas,  emquanto  eu 
não  chego  á  ellas  para  dispor  com  aprovaçam  de  todos  Vms.  o  que  for 
mais  conveniente  ao  real  serviço  e  útil  á  todos.  Eu  parto  sem  falta  para 
essas  minas  no  principio  de  Junho  e  serei  o  portador  dos  papeis  de  Vm. 
que  remeti  a  El-Rey  Nosso  Senhor,  como  também  de  mais  alguma  mercê, 
pois  não  me  descuidei  de  pôr  na  real  presença  os  bons  serviços  e  mereci- 
mentos de  Vm.  para  por  elles  ser  attendido  :  asi  espero  que  Vm.  obre  de 
sorte  que  se  faça  merecedor  de  mais,  e  eu  tenha  que  agradecer-lhe  :  fico 
para  servir  a  Vm.  a  quem  Deus  guarde.  S.  Paulo,  10  de  Julho  de  1724. 
— Servidor  de  Vm. — Sr.  Pascoal  Moreira  Cabral. 

«  Rodrigo  Cezar  de  Menezes.  » 


Quatro  annos  depois,  em  abril  de  1728,  partiu  segunda  vez  o  padre 
André  dos  Santos  conduzindo  o  ouro  dos  direitos  reaes,  em  quatro  cunhe- 
tes  e  mais  sete  arrobas  dos  particulares.  Remettia-os  Rodrigo  César,  então 
em  Cuyabá,  á  Sebastião  Fernandes,  em  S.  Paulo:  este  demorou-os  comsigo 
alguns  dias,  mandando-os  logo  para  o  Rio  de  Janeiro,   donde  seguiram 


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26  VILLA  BELLÁ 

para  Lisboa  e  onde  chegaram  contendo  chumbo  em  vez  de  ouro.  Foi  opi- 
nião  geral  que  a  escamotagem  fora  feita  pelo  capitáo-general,  havendo 
quem  pretendesse  têl-o  visto  fazêl-a ;  assim  como  quem  nomeasse  o  pagem 
de  palácio  que  fôra  comprar  o  chumbo,  e  o  negociante  que  o  vendeu  (a). 
O  choque  que  o  governo  recebeu  com  essa  troca  foi  grande  :  expediu-se 
immediatamente  uma  náo  de  linha  ao  Eio  de  Janeiro,  com  ordens  ao 

(a)  Eis  como  Sá  trata  do  caso,  deixando  em  pungente  ironia  bem  se  entrever  a 
realidade: — ...  «  haviam  dous  pareceres,  huns disiam  e afirmavam  com  razoens  muito 
querentes,  como  testemunhos  de  vista,  ver  o  chumbo  metido  em  caixoens  pelo  mesmo 
general  Rodrigo  César  de  Menezes,  nesta  villa  de  Cuyabá,  quando  fez  a  entrega  ;  e 
havia  quem  afirmava  que  vira  com  os  seus  olhos  comprar  o  chumbo,  e  nomeava 
qual  o  page  de  palácio  que  o  fôra  comprar,  declarando  o  mercador  que  o  vendera. 
Afirmavam  outros  como  testemunhas  de  vista  e  sciencia  sertã  em  como  a  troca  fôra 
feita  pello  provedor  de  fazenda  Sebastiam  Fernandes  do  Rego,  em  S.  Paulo,  que 
teve  08  caixoens  em  sua  casa,  cinco  dias  antes  que  os  remetesse  para  o  Rio  de  Ja- 
neiro ;  houve  tal  que  jurou  ter  visto  os  cunhetes  abertos  debaixo  da  cama  de  Se- 
bastiam Fernandes,  levantando  cada  hum  conhecidos  aleives,  com  que  queriam  jus- 
tificar essas  opinioens,  conforme  suas  desordenadas  paixoons  ;  lapso  com  que  o  com- 
mum  inimigo  prendeu  muitas  almas,  porque,  como  ambos  os  séquitos  afirmavam  de 
vista,  algum  delles  mentia,  e  o  serto  é  mentirem  todos  :  e  quem  quizer  saber  quem 
fez  a  versão  do  ouro  em  chumbo,  eu  o  direi  :— O  general,  era  fidalgo  e  portuguez,  c 
rico  de  tal  sorte  que  remediava  a  muitos,  principalmente  a  pobres,  como  vira  em 
S.  Paulo,  neste  Cuyabá  e  pelo  caminho  na  vinda  e  na  hida,  que  a  todos  os  pobres 
caiTegava  e  sustentava  mandando  assistir  aos  enfermos  com  o  necessário :  era  cató- 
lico, amante  do  Rey  e  interessado  nos  serviços  da  coroa,  para  os  acrescentamentos 
da  sua  pessoa,  e  asi  o  mostrava  nos  excessos  da  arrecadação  da  Real  Fazenda  : 
enfim  era  César  por  nascimento. — O  provedor,  com  menos  obrigaçoens  c  mais  relevan- 
tes provas  de  sua  innocencia,  abundante  de  bens  da  fortuna,  a  muitos  pobres  dava 
abono  desinteressadamente ;  estabelecido  em  contractos  e  negociaçoens,  amigo  de 
honras,  prudente,  sciente  do  bem  e  do  mal  e  da  pena  em  que  incorria  quem  comniet- 
tesse  tal  absurdo,  e  finalmente  não  teve  tempo  de  fazer  tal  coisa,  por  ter  os  caixoens 
sempre  á  vista  de  todos  por  aquelle  tempo  que  passaram  em  sua  casa  thé  que  os 
remettesse.  Resultou  da  devaça  prender-se  Sebastiam  Fernandes  e  sequeatra- 
rem-lhe  os  bens,  e  sendo  remetido  para  Portugal  pouse  em  livramento  e  sahio  solto 
e  livre,  mandando-se-lhe  entregar  todos  os  seus  bens  e  honras  ;  e  o  general  Rodrigo 
César  foi  promovido  para  o  governo  do  Angola  com  todas  as  antecedentes  honras  e 
privilégios  ;  pelo  que  todos  os  que  culparam  huns  e  outros  mentiam  jurando  c  afir- 
mando falsamente  para  satisfazerem  suas  paixoens.  Quem  mudou  o  ouro  em  chumbo 
não  foi  mao  de  algum  mortal,  mas  sim  a  Divina  justiça  pela  dos  miseráveis 
que  entregavam  suas  fazendas  por  não  terem  com  que  pagar  os  direitos  delias  ;  a  de 
outros  de  quem  tomavam  os  escravos  pela  lotação  dos  quintos  ;  e  rematando-os  em 
praça  se  embolsava  a  F.  R.;  desta  sorte  é  que  se  ajuntaram  aquelas  7  arrobas  de 
ouro  para  com  ellas  lisongear  o  Monarcha  e  felicitar-lho  as  graças.  » 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  27 

Dr.  Roberto  Carr  Ribeiro,  juiz  do  fisco,  de  ir  á  S.  Paulo,  syndicar  do  facto, 
abrir  devassas  e  prender  o  delinquente.  A  nau  entrou  sem  bandeira,  em 
signal  do  real  desgosto.  Prendeu-se  Sebastião  e  se  lhe  sequestraram  os 
bens ;  mas  mais  tarde  foi  julgado  innocente  e  tudo  se  lhe  restituiu,  não 
podendo  a  justiça  enxergar  atravez  da  venda  o  verdadeiro  culpado. 

Rodrigo  César  deixou  Cuyabá  nesse  mesmo  anno  de  1728,  e  com  a 
sua  partida,  diz  ainda  Sá-^a  melhorou  tudo  ;  secaram  as  escommunhons, 
lagrymas,  execusons,  pragas,  fomes,  enredos  e  alvoroços,  apareceo  logo 
o  ouro  que  tinha-se  sumido,  produziram-se  os  mantimentos,  melhoraram 
os  enfermos,  finalmente  foi-se  o  inverno  e  entrou  a  risonha  primavera  (a).  » 


VI 


Com  effeito  os  males  que  acompanhavam  sempre  esses  povoados  de 
aventureiros,  accresceram  extraordinariamente  desde  1724.  A's  extorsões 
e  iniquidades  das  autoridades,  juntaram-se  os  ataques  e  depredações  dos 
selvagens,  senhores  da  terra,  em  represália,  que  não  se  pode  acoimar  de 
injusta,  da  guerra  de  extermínio  que  sof&iam. 

Ás  consequências  foram  atrozes.  Naquellas  monções  é  que  vinham  os 
refrescos  de  todo  o  género  de  abastecimento,  fazendas  e  comestíveis ;  des- 
truídas, ficavam  os  povoados  entregues  à  miséria  e  á  fome  e  á  todo  o  cor- 
tejo de  calamidades  que  as  acompanham.  O  pouco  que  restava  subia  a 
preços  exorbitantes,  não  só  pela  difficuldades  em  obtêl-o,  como  para 
compensação  das  extorsões  e  violências  dos  arrecadadores  e  funccionarios. 

As  chronicas  falam  de  um  Joaquim  Pinto,  que  comprou  um  pacú  por 
uma  quarta  de  ouro,  para  vendêl-o  em  partes,  á  mais  de  meia  libra  cada 


(a)  S&,  obra  citada. 


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28  VILLA    BELLA 

uma :  teve,  porém,  os  bens  confiscados  á  pretexto  de  não  ter  pago  os 
direitos  reaes  do  negocio.  O  mesmo  succedeu  á  outro,  que  comprou  uma 
abóbora  por  quatro  oitavas  e  fez  delia  papas  que  vendeu  por  vinte  (a).  Com 
quatro  alqueires  de  milho  compr  ivn-se  um  escravo, 


Além  do  pouco  cultivo  e nenhum  cuidado  nas  roças,  as  chuvas  einnun- 
dações  as  destruíam  :  o  pouco  que  se  poderia  utilisar  era  prêa  dos  ani- 
maes  damninhos,  principalmente  ratos,  que  appareceram  e  desenvolve- 
ram-se  como  uma  verdadeira  praga.  Um  casal  de  gatos,  que  ali  chegou, 
foi  pago  por  uma  libra  de  ouro,  e  os  filhos,que  produziram,  á  vinte  e  trinta 
oitavas  cada  um  !  Sal  não  havia,  nem  para  baptisados  ;  uma  vara  de  algo- 
dão vendia-se  por  doze  oitavas. 

Emquanto  que  Pascoal  cobrara  os  quintos  reaes  na  rasão  de  duas 
e  meia  oitavas  por  pessoa  de  trabalho,  o  guarda-mór  Jacintho  começou  á 
cobral-os  á  seis  por  habitante,  qualquer  que  fosse  sua  condição,  sexo, 


(a)  Item,  cíc^Registro  do  Senado  da  camará. 


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CIDADE   DE   MATTO-GFOSSO  29 

idade,  natureza  e  aptidão  para  o  trabalho.  Era  uma  capitação  em  regra. 
Os  direitos,  para  entrada  na  villa,de  um  fardo  de  fazenda  sêcca  foram  ele- 
vados á  uma  onça,  cinco  oitavas  os  dos  molhados  e  quatro  a  taxa  de  um 
negro  ou  indio. 


Esse  estado  de  cousas  foi  aggravado  por  novas  calamidades.Em  1725, 
subia  Diogo  de  Souza,  aventureiro  portuguez,  conduzindo  uma  frota  de 
seiscentas  á  setecentas  pessoas,  quando  foi  completamente  aniquilada  na 
altura  da  lagoa  3Ianãioré  ;  escapando  de  toda  essa  gente  apenas  um  pobre 
negro,  que  levou  a  noticia  á  Cuyabá  (a);  mortandade  que  foi  o  prenuncio 
das  depredações  que  de  então  em  diante  e  até  o  fim  do  século  os  selvagens 
fizeram  com  frequência  aos  navegantes. 

Os  payaguás  eram  uma  nação  quasi  desconhecida  e  arredia  das  mar- 
gens do  rio  pelo  terror  em  que  os  mantinham  os  guatós :  perseguidos  estes 
e  escravisados,  afugentados  ou  mortos  pelos  sertanistas,  perderam  aquelles 
o  medo  e  começaram  á  frequentar  o  rio,  do  qual  cedo  foram  senhores. 

No  anno  seguinte,  Miguel  Antunes  Maciel  e  seu  primo  António 
Antunes  Lobo  vendiani  valentemente  as  vidas,  em  novo  ataque  dos  paya- 
guás, no  qual  perdeu-se  quasi  toda  a  gente  e  fazenda  da  expedição. 

•  Em  1728,  destroçam  uma  monção  que  descia,  já,  dos  sertões  dos 
Parecis,  aprisionando  á  todos,  entre  elles  o  alferes  António  Moreira  da 
Costa,  um  filho  e  um  sobrinho.  Dos  primeiros  um  logrou  escapar-se  em 
uma  pequena  canoa;  e  foi  quem  deu  noticia  do  desastre.  No  anno  seguinte, 
intentando-se  fundar  um  povoado  no  Coxim,  partiram  Manoel  Caetano, 
Domingos  Gories  Belliago,  António  de  Souza  Bastos,  Manoel  de  Macedo  e 
Manoel  António  Viegas,  com  os  padres  António  de  Moraes e  José  de  Frias, 
e  muitos  camaradas  e  escravos.  Esse  estabelecimento  era  influenciado  pelo 

(a)  Livro  5»  do  Reg,  do  senado  do  GiAyabif  fl .  68. 


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30  VILLA  BELLA 

ouvidor  de  Cuyabá  o  Dr.  António  Alvares  Lanhas  Peixoto,  que  buscava 
promover  os  augmentos  daquelle  sertão  como  uma  guarida  e  providencia 
para  os  viajores.  A  frota,  que  partiu  era  duas  divisões,  teve,  a  da  van- 
guarda aniquilada  logo  na  foz  do  Cuyabá  (a),  onde  se  detivera  á  espera  da 
outra  (b).  No  anno  seguinte  (1730)  foi  victima  o  próprio  Dr.  Lanhas  Pei- 
xoto (c),  que,  partido- á  7  de  junho,  com  quatrocentas  pessoas,  conduzindo 
sessenta  arrobas  de  ouro,  foi  acommettido  por  aquelles  Índios  perto  de 
Ariacuné,  ou  Eio-Negrinho,  uns  16  kil.  acima  da  foz  do  Cuyabá  (d);  esca- 
pando apenas  duas  pessoas  que  esconderam-se  no  matto,  onde  foram  dias 
depois  encontrados  por  duas  pequenas  frotas  capitaneadas  por  Felippe  de 
Campos  Bicudo  e  João  de  Araújo  Cabral,  que  iam  também  de  conducto- 
res  do  ouro  dos  quintos :  e  nessa  conjunctura  mandaram  um  próprio  á 
villa  pedindo  reforço  ;  mandando-lhes  a  camará  que  voltassem,  o  que 
cumpriu  Bicudo;  mas  não  Araújo,  que  preferiu  tomar  rumos,  sertão  á 
dentro,  levando  á  hombros  o  ouro  de  El-rei  (e). 

Em  1731  outra  frota  de  pescadores  foi  até  a  barra  do  S.  Lourenço, 
onde  os  pay aguas  os  capturaram  :  entre  elles  João  Mai^tins  Claro,  de  Soro- 
caba ;  Manoel  Furtado,  fluminense,  e  os  portuguezes  Manoel  Francisco  e 
Domingos  Martins.  Após  oito  mezes  de  misérias  e  tormentos  lograram  os 
dous  primeiros  escapar-se,  contando  extraordinárias  aventuras  e  miracu- 

ía)  A  foz  do  Cuyabá  está  aos  17o  19'  43"  lat.  e  321o  50'  O.  da  ilha  de  Ferro  (La- 
cerda, commissão  de  1782). 

(b)  Os  conductores  desta  foram  presos  por  ordsm  do  juiz  ordinaiúo  Thomé  de 
Gouveia  Sá  de  Queiroga,— «  um  celebre  moço  fidalgo  da  casa  de  S.  M.,  diz  Sá,  mais 
abundante  de  presumpção  que  de  boas  insinuações,—»  por  pretender  que  iam  fugi- 
dos para  os  castelhanos.  Sá,  obra  citada. 

(c)  Tinha  por  piloto  Ignacio  Pinto  Monteiro,  que,  Ci)m  um  outro  moço  de  nome 
Miguel  Pedroso  da  Silva,  deixou  heróica  fama  da  svia  defesa  e  morte,  do  mesmo 
modo  que  o  ouvidor. 

(d)  Em  83  canoas,  diz  Sá,  e  mais  de  trezentos  bagi*es. 

(e)  Disso  o  ouvidor  José  de  Burgos  Yilla  Lobos  tirou  devassas  para  dar  sciencia 
ao  governo.  Reg,  do  senado  da  oamara  do  Gayabà^  livro  2o— onde  também  é  citado 
n*uma  cai'ta  de  Cabral. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  '"  31 

losos  episódios,  quaes  o  de  onças  que  lhes  mostravam  o  caminho,  e  aban- 
donando suas  prêas  lhes  deixavam  caça  recem-morta  que  lhes  matou  a 
fome;  ora  tatús,que,  perseguidos,  buscavam  os  buracos,  onde  encontravam 
agua  para  os  saciar. 

Ainda  nesse  anno,  outra  expedição  de  Cuyabá,  partida  em  busca .  de 
escravos  fugidos,  foi  egualmente  destruida. 

Em  1733,  José  Caidoso  Pimentel,  com  cincoenta  canoas,  e  muita 
gente  e  fazenda,  perdeu  tudo,  escapando  apenas  quatro  homens,  junto  á 
barranca  do  Caranãá^  nos  pantanaes  do  Cuyabá  e  S.  Lourenço,  onde  o 
vigário  Justo  celebrara  a  sua  primeira  missa  parochial.  Ainda  ahi,  três 
annos  mais  tarde  foi  destroçada  a  monção  de  S.  Paulo,  conduzida  por 
Pedro  de  Moraes  Siqueira,  onde  vinha  um  franciscano  de  nome  Fr.  Antó- 
nio Nascentes,  alcunhado  desde  então  o  Tigre,  por  sua  valentia  na  defesa, 
e  de  quem  diz  Southey,  não  sei  com  que  fundamento,  que  si  suas  vida  e 
virtudes  tivessem  sido  fielmente  escriptas  dariam  um  dos  mais  apreciáveis 
escriptos  da  historia  seraphica.  Tão  valente  como  o  frade,  vinha  também 
um  mulato  de  Pindamonhangaba,  Manoel  Rodrigues  do  Prado,  ou  Man- 
duassú,  nome  que  lhe  davam  pela  sua  extrema  corpulência  ;  aquelle  mor- 
reu, mas  Manduassú  chegou  á  Cuyabá,  onde  a  fama  de  sua  bisarria  lhe 
fez  concederem  a  nomeação  de  capitão  do  matto. 

Fora  extenso  e  fastidioso  relatar  todas  as  aggressões  e  tropelias  com- 
mettidas  pelos  selvagens ;  citarei  apenas  as  datas  das  principaes : 
em  1740  ;  1743  ;  duas  em  1744,  uma  n'um  arraial  florescente  no  Alto 
Paraguay,  em  caminho  para  os  sertões  do  Matto-Grosso,  e  outra  no 
S.  Lourenço;  em  1762  e  1771  pelos  cayapós,  nas  lavras  dos  Remédios  e 
Cocaes,  e  pelos  pay aguas' já  no  rio  Cuyabá  ;  no  anno  seguinte  pelos  caya- 
pós e  bororós  na  aldêa  de  SanfAnna  da  Chapada,  onde  levaram  sua  ousa- 
dia ao  ponto  de  assolarem  os  subúrbios  da  própria  villa;  em  1773; 
em  1775  pelos  payaguás,  de  novo,  no  Alto  Paraguay,  e  pelos  bororós  no 


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3â  VILI.A   BELLA 

Coxipó-Assú ;  em  1791,  á  6  de  janeiro,  pelos  guaycurús  no  próprio  forte 
de  Coimbra,  fundado  para  reprimir  taes  atrocidades,  e  onde  trucidaram 
cincoenta  e  quatro  praças  da  guarnição,  que  com  a  maior  boa  fé  pratica- 
vam com  elles. 

Outras  ainda  se  seguiram,  e  nesses  últimos  annos,  mesmo,  se 
Um  repetido  com  muita  frequência,  apezar  dos  meios  empregados  para 
conciliar-lhes  a  paz  e  chamal-os  ao  grémio  da  civilisaçào.  Tanto  o  ódio 
que  guardam,  mais  do  que  os  instinctos  selvagens,  á  raça  que  tão  cruel- 
mente os  perseguiu,  escra visou,  matou  e  afifugentou-os  de  suas  tabas. 


VII 


Para  evitar  esse  perigo,  tanto  o  povo  como  as  autoridades  anciavam 
naquelles  primeiros  tempos  por  descobrir-se  uma  estrada  que  os  livrasse 
do  encontro  de  tão  temiveis  inimigos. 

Diz  o  visconde  de  S.  Leopoldo,  nos  seus  Annaes  da  província  de 
S.  Pedro,  que  Eodrigo  César,  ao  chegar  á  S.Paulo  em  1721,já  viera  com 
instrucções  para  tratar  da  abertura  de  estradas  para  aquella  capitania 
de  S.  Pedro,  e  contractal-a  com  Bartholomeu  Paes.  Este,  porém,  achava-se 
então  ausente,  empenhado  em  buscar  uma  para  as  minas  do  Cuyabá,  pelo 
que  César  tratou-a  com  Manoel  Godinho  de  Lara,  logo  no  anno  seguinte, 
o  qual  também  não  a  realisou  ;  fazendo-se  novo  contracto  com  Luiz  Pe- 
droso de  Barros  sob  promessas  de  sessenta  mil  réis  de  tença  e  a  mercê  do 
habito  de  Christo.  Mas,  não  realisando  também  Barros  o  estipulado, 
obteve  taes  graças  seu  sobrinho  Manoel  Dias  da  Silva,  que  descobriu  os 
vastos  campos  de  Vacaria,  naquella  capitania. 

Confundindo,  talvez,  os  nomes  dos  dous  contractadores,  Rocha  Pitta, 
no  seu  .livro  P,  §  89,  Ricardo  Franco,  na  sua  Memoria  geographica 


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CIDADE    DE   MATTO-OROSSO  38 

sobre  o  rio  Tapajoz,  e  Pisarro,  com  elles,  dizem  que  César  contractou  a 
estrada,  em  1743,  com  Lara ;  mas  disso  não  falia  Barbosa  de  Sá,  e  Eoque 
Leme  nega-o  redondamente.  Do  que  rezam  as  chronicas  de  Cuyabá  é  que 
em  1736  (a),  havendo  noticia  de  mostrarem-se  muito  ricas  as  minas  de 
Goyaz,  partiram  António  de  Pinho  Azevedo  e  outros  á  descobrir  cami- 
nho para  Villa-Boa  (b),  á  instancias  principalmente  do  ouvidor  João  Gon- 
çalves Pereira  ;  voltando  em  setembro  do  anno  seguinte,  acompanhados 
de  moradores  daquellas  minas,  que  vinham  fascinados  pelas  recentes  noti- 
cias dos  descobrimentos  das  novas  minas  de  Santa  Isabel,  e  da  riqueza 
das  do  Matto-Grosso. 


Nesse  mesmo  anno  de   173(3,   Angelo  Preto  e  Theotonio  Nobre, 
ambos  paulistas,  abriam  a  estrada  da  villa  ás   minas  de  Matto-Grosso ; 

{&}  Southey  diz  que  em  1785  (liv.  5o,pag.  396);Barboza  de  Sá,  sem  duvida  por  um 
erro,  fal-o  em  1755. 

(b)  Primeiro  povoado  de  Goyaz  e  depois  sua  capital.  Deu-lhc  esse  nome  o  capi- 
tào-í?eneral  D.  Luiz  de  Mascarenhas,  em  honra  do  fundador  da  capitania  e  lo  capitão 
mór  Bartholomeu  Buono,  quando  a  erigiu  em  villa  em  1  d<*  agosto  do  17:10.  . 


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84  VIIXA   BELLA 

estradas,taiito  esta  como  a  de  Goyaz,  que  com  ligeiros  melhoramentos  são 
as  mesmas  ainda  hoje  trilhadaSjdesde  que  por  carta  régia  de  10  de  janeiro 
de  1730  (a)  foi  expressamente  prohibido  haver  mais  de  um  caminho  para 
a  s  minas  de  Goyaz  e  Cuyabá. 


Cuyabá  era  villa  desde  16  de  novembro  de  1726,  data  em  que  ahi 
chegou  Casar,  partido  de  S.  Paulo,  não  era  junho,  como  asseverara  á  Pas- 
coal, mas  em  6  de  julho  de  1725.  Immediatamente  erigiu-a  em  villa, 
dando-lhe  o  titulo  da  Villa  Eeal  do  Senhor  Bom  Jesus  do  Cuyabá  ;  sendo, 
porém,  que  somente  no  primeiro  dia  do  anno  seguinte  ergueu  o  pelou- 
rinho, e  fizeram-se  as  nomeações  dos  juizes  ordinários,  vereadores  e  almo- 
tacés.  A  vara  da  ouvidoria  ficou  com  o  Dr.  Lanhas,  que  tinha  egual  cargo 
em  Paranaguá  e  viera  acompanhando  o  capitão-general  para  fazer  as  jus- 
tiças que  fossem  requeridas  naq\ielles  povoados. 

Com  a  chegada  do  governador  coincidiu  a  diminuição  da  colheita  do 
ouro,  o  que  foi  causa  de  maior  augmento  dos  vexamos  do  povo,  misérias  e 
violência  dos  arrecadadores.  Era  elle  o  primeiro  á  dar  exemplo  nessas 
extorsões,  creando  uns  direitos  de  entrada  para  as  fazendas,  para  cuja 
cobrança  mandava  seu  próprio  ajudante  de  ordens  António  de  Borba,  com 
guardas,  fazendo  aiTematar  em  praça  toía  a  fazenda  si  não  ei*a  logo 
eíTectuado  o  pagamento  dos  taes  direitos,  e  mais  o  dos  honorários  desse 
oíficial  e  dos  soldados,  estipendiados,  para  esse  fim,  na  diária  de  duas  e 
meia  oitavas :  contando-se  (b)  que  muitos  negociantes  não  duvidaram 
entregar-lhes  todo  o  carregamento  por  isso  ficar-lhes  mais  em  conta. 

De  outra  parte,  o  vigário,  padre  Manoel  Teixeira  Rabello,  exigia 
também  com  usura  seus  direitos  ecclesiasticos  e  divinos ;  chegando  a  simo- 

(a)  Livro  2«  do  Registro  do  senado  da  câmara,  fl.  28. 

(b)  Sá,  obra  citada. 


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CIDADE  DE  MATTOGROSSO  35 

nia  delle  e  de  outros  á  guardarem,  como  seus,bensdaEgreja,  que  não  pas- 
savam á  seus  successores. 

O  3°  vigário,  padre  Lourenço  de  Toledo  Taques,  ainda  mais  sequioso 
se  mostrou,  prendendo  e  processando  o  antecessor,  que,  appellando  para  a 
justiça  do  juiz  dos  feitos,  Dr.  Lanhas,  foi  por  este  solto.  Mas,  tanto  bastou 
para  ser  excommungado  o  juiz,  o  ex- vigário  e  todos  os  que  guardaram 
com  elles  relações,  ainda  mesmo  dos  deveres  da  justiça  ou  de  simples 
comprimento. 

O  povo  já  faminto  e  desanimado,  e  agora  sem  poder  ao  menos  gerir 
seus  negócios  e  interesses,  por  isso  que  si  os  escommungados  nào  podiam 
tratar  com  o  resto  da  gente,  esta  também  ficava,  ipso  facto,  á  soffrer  o 
peso  desse  sequestro  moral,  viu  augmentarem-se  seus  males  com  a  praga 
inesperada  de  gafanhotos,  que  veiu  ajuntar-se  á  dos  ratos,  morcegose  mos- 
quitos, que  já  o  perseguiam  ;  uns  á  devorarem  o  pouco  que  ainda  res- 
tava de  vegetação  nas  roças,  e  que  era  a  sua  esperança  e  alento  na  vida, 
e  outros  á  mortificarem-lhe  ainda  mais  a  paciência  e  o  descanço. 

Grande  parte  dos  moradores  preferiu  abandonar  a  villa,  uns  bus- 
cando Goyaz  e  S.  Paulo,  outros  novas  direcções,  onde  grande  numero 
delles  assignalou  os  caminhos  com  as  cruzes  das  suas  sepulturas. 

Alguns  mais  pertinazes,  e  guardando  em  si,  ainda  vivido,  o  sangue  e 
o  espirito  affoito  dos  sertanistas,  botaram-se  para  o  occidente,  para  os 
ínvios  sertões  dos  bororós  e  aravirás,  e  os  dos  parecis,  á  buscar  novos  des- 
cobertos, ou  sinão  á  aprisionar  os  miseros  Índios,  que  viriam  vender  nos 
povoados.  Só,  no  anno  de  1728,  mais  de  mil  pessoas  abandonaram 
Cuyabá  em  busca  de  Goyaz  (a). 

Foi  em  setembro  desse  anno  que  deixou  a  villa  o  capitão-general 
Bodrigo  César,  de  volta  para  S.  Paulo.  Emquanto  se  manteve  em  Cuyabá, 
tanto  as  calamidades  opprimiram  aquelle   povo,  que  este  ligou  á  César  a 


(a)  Sá,  obra  citada. 


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36  VILLA  BELLA 

idéa  de  um  castigo  do  céo  que  lhes  cahisse  ;  o  que  pareceu  confirmado 
ao  verem  que  a  maior  parte  das  desgraças  diminuiram  em  sua  ausência, 
como  que  abandonando  com  elle  a  villa. 

Ficaram  administrando  a  villa  o  brigadeiro  António  de  Almeida 
Lara  (a),  como  presidente  da  camará,  e  como  ouvidor  Rodrigo  Bicudo 
Chacim. 


VIII 

Dos  que  se  dirigiram  para  os  sertões  dos  Parecis,  com  o  intuito  de 
fazer  escravos,  o  licenciado  Fernando  Paes  de  Barros  e  seu  irmão  Arthur, 
dous  sobrinhos  de  nomes  João  Martins  Claro  e  José  Pinheiro,  todos  pau- 
listas de  Sorocaba  (b),  aquelles  ali  vindos  á  pouco, e  Claro,  já  hanãeirante 
nessas  regiões,  onde,  como  vimos,  três  annos  antes  fora  prisioneiro  dos 
payaguás,  foram  os  primeiros  que,  em  1731,  atravessando  esse  território, 
adiantaram-se  até  as  cabeceiras  do  Galera,  onde  encontraram  para  saciar 
sua  cupidez  vestigios  do  cubicado  metal,  no  alto  do  chapadão  e  na  aresta 
montanhosa  que  constitue  a  cordilheira  dos  Parecis  ;  logares,  onde  mais 
tarde  três  annos,  se  fundaram  os  arraiaes  de  Santa  Anna  e  de  S.  Francisco 
Xavier. 

Arthur  ficou,  e  Fernando  desceu  para  Cuyabá,  levando,  com  três 
quartos  de  um  vintém  (oitava)  de  ouro  (c),  que  lavaram  no  logar  do 
invento  em  um  prato  de  estanho,  a  noticia  das  riquezas  das  minas  do 
Matto  Grosso,  nome  que  deram  á  região  pela  floresta  cerrada  e  extensa 


(a)  A  patente  de  brigadeiro  foi -lhe  dada  pelo  capitão-general  de  S.  Paulo, 
António  da  Silva  Caldeira,  em  1751,  como  consta  do  Reg,  do  senado  da  camará  desse 
anno. 

(b)  Fundada  em  1670,  sob  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da  Ponte,  por  provisão 
do  capitao-mór,  logar  tenente  do  conde  da  Ilha. 

(c)  Sá  diz  que  um  cruzado  de  ouro. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  ^  37 

que  tiveram  de  atravessar.  Não  passou,  porém,  das  margens  do  Paraguay, 
e  dahi  escreveu  ao  regente  Lara,  apresentando  a  amostra,  e  solicitando  os 
poderes  e  meios  de  explorar  as  terras  mineraes,  como  fossem  ferramentas, 
pólvora  e  chumbo,  etc. 

Sem  satisfazer  tal  pedido,  Lara  mandou  o  sargento-mór  António  Fer- 
nandes de  Abreu(a)  á  reconhecer  os  novos  descobrimentos  e  examinal-os ; 
mas  Fernando,  desgostoso,  não  o  quiz  acompanhar,mandando  para  guial-o 
o  seu  sobrinho  Claro.  Já  não  encontraram  Arthur  no  mesmo  ponto  e,  sim, 
mais  adiante,  á  margem  do  ribeiro  Maguabaré  ;  já  tendo  estado  no  de 
Santa  Anna,  onde  achara  trez  oitavas,  e  no  Brumado,  donde  extrahiu  duas. 
Begressou  Abreu  com  meia  onça  de  ouro,  e  a  affirmaçUo  de  serem  minas 
ricas  e  permanentes;  e  de  novo  voltou  á  ellas  em  1734,  com  grande  pes- 
soal, para  tratar  da  mineração,  entre  o  qual  os  padre  José  Manoel  Leite 
e  seu  irmão  o  sargento-mór  Francisco  de  SallesXavier,que  foram  situar-se  . 
ii'um  campo,  que  chamaram  do  Pilar,  perto  do  regato  Burity,  depois  cha- 
mado do  Brumado.  Avesses  seguiram-se  Francisco  Rodrigues  Montemor 
que  estabcleceu-se  no  Sararé,  e  em  1737o  vigário  interino  André  dos  San- 
tos Queiroz,  que,  no  logar  onde  mais  tarde  se  formou  o  arraial,  elle 
mesmo  ergueu  a  capella  de  Santa  Anna. 

Já  em  começos  de  1736  Salles  Xavier  chegava  á  Cuyabá  com  amos- 
tras de  ouro,  sendo  dez  oitavas  do  ribeirão  do  Brumado  e  cinco  da  Con- 
ceição ;  e  o  povo,  faminto,  miserável,  e  carregado  de  misérias  e  excom- 
munhões,  mas  sempre  aventureiro  e  cubiçoso,  esqueceu-se  do  intento  de 
partir  para  Goyaz,  e  muitos,  mesmo,  dos  que  já  tinham  seguido,  voltaram 
para  buscarem  as  novas  descobertas. 

Em  3  de  maio  desse  anno  seguia  para  ali  o  regente  Lara,   levando 

(a)  Mais  tarde  assassinado  pelos  irmãos  Lemes  ;  o  que  determinou  denuncia  de 
Sebastião  Fernandes  do  Rego,  e  perseguição  daquelles  sceleratos,  que  acabaram  a 
carreira  de  crimes  um  assassinado,  e  outro  justiçado  na  Bahia. 


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38  0  VILLA   BELLA 

como  thesoureiro  das  arrecadações  Manoel  Rodrigues  Montemor,  des- 
cendo o  Cuyabá  e  o  S.  Lourenço,  e  subindo  o  Paraguay  e  o  Jaurú ;  em- 
quanto  que  Ignacio  Pereira  de  Leão  seguia  por  terra,  conduzindo-lhes  a 
cavalhada,  ora  pelo  roteiro  de  Preto  e  Nobre,  ora  cortando  rumos,  para 
atravessar  o  Paraguay  acima  do  Jaurú.  Em  setembro  dividiu  o  regente 
os  terrenos  auriferos  do  Brumado  em  datas  aos  mineradores,  ficando  desde 
então  conhecidos  pelo  nome  de  S.  Francisco  Xavier.  Em  fevereiro 
seguinte  já  despachava  António  Borralho  com  doze  libras  de  ouro  dos 
quintos  arrecadados. 

Consta  dos  Annaes  da  camará  de  Cuyabá  que  neste  anno  despo- 
voou-se  por  tal  forma  esta  villa,  que  nella  ficaram  apenas  sete  homens 
brancos,  entre  seculares  e  clérigos,  sendo  o  resto  da  população  indios  e 
negros ;  e  estes  não  em  grande  numero,  visto  que  tanta  era  a  procura 
delles  para  as  minas,  que  dava-se  até  quinhentas  oitavas  de  ouro  por 
um  escravo  (a). 

Desse  anno,  também,  data  a  introducção  dos  primeiros  cavallos  e 
bois  na  provincia,  trazidos  de  Goyaz  por  Pinho,  o  descobridor  da  estrada 
entre  Cuyabá  e  Villa-Boa. 

Póde-se  avaliar  do  povo  que  foi  para  esses  sertões,  tanto  como  da 
uberdade  das  suas  minas,  pelo  valor  dos  quintos  arrecadados  para  o  real 
erário,  nesse  primeiro  anno,  que  ascendeu  á  oitenta  arrobas  de  ouro.  Uma 
frota  de  oito  canoas  de  guerra,  com  cento  e  vinte  homens  de  guarnição, 
conduziu-os,  em  setembro  desse  anno,  sob  a  guarda  do  tenente  mestre  de 
campo  general  Manoel  Rodrigues  de  Carvalho  (b).  Foi,  pois,  no  anno 
de  1736,  que  verdadeiramente  se  fundaram  os  arraiaes  de  Santa  Ânna  e 

(a)  Sá  (obra  citada),  diz  que  mais  de  mil  e  quinhentas  pessoas,  conduzidas  pelo 
ouvidor  João  Gonçalves  Pereira,  em  setenta  canoas,  deixaram  a  villa. 

(b)  Mandado  em  17^4  pelo  governador  de  S.  Paulo,  António  Luiz  de  Távora,  para 
combater  os  payaguás  ;  o  que  fez  com  842  homens  de  guerra,  cem  canoas  e  três 
balsas.  Sá,  obra  citada 


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CIDADE   DE   MATTO-aROSSO  39 

S.  Francisco  Xavier,  erguendo-se  suas  capellas,  a  de  SanfAnna  nesse 
mesmo  anno  pelo  padre  André  dos  Santos,  e  no  anno  seguinte  a  do  outro 
povoado.  Este  ficava  aos  14°  47'  no  alto  e  na  face  maisoccidental  da  serra, 
e  aqueUe  aos  14**  45'  no  local  onde  o  padre  Queiroz  se  estabelecera, 
o  qual,  mais  amigo  de  aventuras  do  que  o  permittia  o  seu  caracter  sacer- 
dotal, passou  a  vida  ora  entre  os  mineradores,  ora  conduzindo  o  ouro  para 
os  povoados. 

Não  ficou  esquecido  ao  paternal  cuidado  da  autoridade  espiritual  do 
bispo  Guadalupe,  da  diocese  fiuminense,  o  provimento  de  um  pastor  para 
ser  logo  mandado  ao  rebanho  que  se  apartara  para  tão  longínquas  regiões; 
recahindo  a  nomeação  no  padre  Dr.  José  Pereira  de  Aranda,  que,  não  veiu 
como  vigário,  mas  provido  simplesmente  em  capellão  dos  descobrimentos 
do  Matto-Grosso,  visto  ser  ainda  muito  incerta  a  estabilidade  dos  povoa- 
dos (a). 

Mas,  já,  também  o  vigário  de  Cuyabá  (b),  ardendo  no  mesmo  zelo 
pela  causa  ecclesiastica — qual  o  ouvidor  pela  da  justiça — não  abandonou 
como  este  a  sede  de  sua  residência,  mas  mandou  um  preposto  com  plenos 
poderes,  no  padre  Manoel  Antunes  de  Araújo  ;  pelo  que  o  padre  Aranda 
teve  de  conformar-se  em  santa  obediência,  ficando  em  Cuyabá,  onde,  si 
teve  menos  ouro  para  ganhar,  lucrou  mais  em  contentamentos  da  cons- 
ciencia,fazendo  erguer  a  matriz  que  cahira  em  ruinas.  Entretanto  esse  acto 
de  santa  obediência  e  submissão  foi-lhe  tomado  em  mal,  e  quando  daquel- 
las  minas  chegou  o  seu  primeiro  vigário  da  vara  e  curado,  foi  o  padre 
Aranda  preso  e  mettido  em  processos. 

Foi  esse  primeiro  vigário  do  Matto  Grosso  o  padre  Dr.  Bartholomeu 


(a)  Pisarro  dá  S.   Francisco  Xavier  como  o  primeiro  descoberto  e  povoado, 
em  1731,  e  repartidas  as  terras  em  1736. 

(b)  O  padre  Jofío  Caetano  Leite  César  de  Azevedo,  o  5o  vigário,  desde  17513. 


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40  VILLA  BELLA 

Gomes  Pombo,  nomeado  vigário  da  vara  e  cura  de  S.  Francisco  Xavier, 
separado  da  vigariaria  do  Cuyabá,  e  egualmente  visitador  apostólico,  tudo 
por  provisão  do  bispo  D.  Fr.  António  do  Desterro  ;  de  que  tomou  posse 
em  oitubro  de  1743  (a). 

Naquella  edade  de  ouro  os  vigários  andavam  á  par  com  os  governos 
e  suas  justiças  nos  vexames,  extorsões  e  abusos  de  autoridade. 

As  mesmas  misérias  que  appareceram  em  Cuyabá  vieram  perseguir 
os  moradores  dos  novos  povoados :  desenvolveram-se  as  febres  palustres 
e  de  caracter  maligno  ;  houve  grande  mortandade;  registrando  os  annaes 
um  obituário  de  sete  e  oito  por  dia  e  faltando,  mesmo,  quem  lhes  desse 
sepultura,  «  porque  todos  gemiam  á  um  tempo  »  (b). 

Em  1735  o  padre  Manoel  José  Leite  Penteado  e  seu  irmão  Francisco 
de  Salles  Xavier,  e  José  Pereira  da  Cruz,  chegaram  á  um  sitio  contornado 
de  coUinas,  1  légua  ao  S.  de  SanfAnna,  e  começaram  á  minerar,  dando 
começo  ao  arraial  do  Pilar,  cuja  capella  somente  se  ergueu  quatorze  unnos 
mais  tarde. 


IX 


Em  1739  ficavam  esses  arraiaes  constituídos  com  todos  os  poderes 
judiciaes  e  administrativos,  sendo  seu  primeiro  juiz  ordinário  Domingos 
Gonçalves  Ribeiro,  e  em  1747,  á  9  de  oitubro,  o  governador  de  S.  Paulo, 
D.  Luiz  deMascarenhas,  dava-lhes  o  predicamento  de  vida,  conforme  a 
provisão  real  de  5  de  agosto  de  1746,  e  conferia  varias  isenções  á  seus 
moradores. 


(a)  Segundo  o  Registro  da  camará  de  viUa  Bella,  em  1740  tinha  sido  nomeado 
capeUSo  de  S.  Francisco  Xavier  o  padre  Dr.  Amaro  Barbosa  de  Lima. 

(b)  Sá,  obra  citada. 


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CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  41 

Nesses  tempos  ainda  Matto-Grosso  não  era  considerado  pelos  gover- 
nos como  um  logar  de  degredo,  para  onde  deviam  ir  os  individues  de  má 
Índole  ;  ao  contrario,  nem  a  distancia,  nem  o  difficil  das  viagens  assustava 
os  que  a  buscavam  de  seu  motuproprio,  e  que  não  eram  poucos  ;  e  si 
tanta  iniquidade  se  dava  e  tanta  violência,  estas  traziam  origem  na  avidez 
do  ouro,  na  avareza  e  simonia,  frequentes  nas  autoridades  militares, 
civis  e  ecclesiasticas :  sendo  certo,  que  nesses  tempos  não  se  sabia 
que  mais  extranhar,  si   a  rapacidade  dos  governadores  (a)  e  das  jus- 


(a)  Não  foi  só  em  Matto-Grosso:  em  Goyaz,  o  2«»  vigário  da  capital  em  tresannoa 
amontoou  cem  mil  cruzados,  de  dispensas,  direitos,  dizimos  e  extorsões  ;  e  o  4°, 
oitenta  mil  :  sommas  enormes  naquelles  tempos  (Southey  Co,  pag.  496).  Em  Minas,  o 
governador  D.  Lourenço  de  Almeida,  ao  se  descobrirem  as  minas  do  Serro-Frio, 
fez-se  de  desentendido  de  que  fossem  de  diamantes  ;  mas  instava  por  algumas  pedri- 
nhas para  í<?/tíojr  de  jogar,  Apezar  dos  tentos  lhe  chegarem,  nào  communicou  á  corte 
o  descobrimento,  pelo  que  cahiu  no  real  desagrado,  sendo  removido  por  castigo; 
«  reservando-lhe  D.  João  V,  diz  Roque  Leme,  dar-lhe  em  pessoa  um  melhor  castigo 
que  foram  três  copiosas  sangrias  na  bolsa,  que  o  puzeram  tão  debilitado  que  andava 
em  sege  ã  cordões,  em  Lisboa,  onde  acabou  pobre.  »  Gomes  Freire,  8*»  capitão-gene- 
ral  das  capitanias  do  sul,  costumava  dizer,  em  phrase  que  se  modifica  para  tor- 
nar-se  decente  :— «  Vá  dinheiro  para  Portugal  que  ali  nào  se  pergunta  que  olho  o 
chorou.  » 

Fallecendo  na  Bahia  o  marquez  do  Lavradio,  passou  o  chancellerThomazRobim 
de  Barros  Barreto  á  governar  interinamente.  Fora  successi vãmente  ouvidor  das 
minas  de  Sabará,  intendente  dos  diamantes  e  chanceller  da  relação  de  Bahia;  e 
requerendo  seus  despachos  ao  marquez  de  Pombal,  consta  que  este  dissera  :— O 
que  se  ha  de  dar  ú  um  homem  que  acaba  de  ser  vico-rei  da  Bahia  ? 

Na  Gazeta  da  Bahia  n.  40,  de  22  de  nuiio  de  1830,-  lê-se  o  seguinte,  que  é  curioso: 
«  Conta-se  de  D.  Miguel  um  facto  acontecido  o  anno  passado,  que  á  ser  verdade,  é 
a  única  cousa  boa  que  elle  tem  feito  no  seu  odioso  reinado.  Morrendo  o  conde  do  Rio 
Pardo  (*),  D.  Diogo  de  Souza  Coutinho,  deixou  a  grande  herança  de  mil  e  duzentos 
contos.  Constando  á  D.  Miguel,  immediatamentc  desapossou  aos  herdeiros  e  fez 
recolher  ao  erário  a  herança,  dizendo  : — Vosso  legatário  não  me  consta  que  tivesse 
heranças  nem  bens  patrimoniaes  :  toda  a  vida  foi  empregado  pelo  governo  em  com- 
niissòes  e  governos  militares  ;  nestes  empregos  era-lhe  prohibido  negociar  e  os  orde- 
nados apenas  chegavam  para  sua  decente  sustentação  ;  logo,  essa  enorme  herança 
que  testou,  ou  foi  roubada  á  Fazenda  Real,  ou  á  meus  vassallos:  no  primeiro  caso 
pertence-me  ;   e  no   segundo,   como  se  não   sabe  á  quem   restituir,  também  per- 


(*)  D.  Diogo  de  Souza  Coutinho,  tenente  general,  vedor  da  casa  real  e  conse- 
lheiro de  Fazenda  :  foi  capitão  general  do  Maranhão  e  de  S.  Pedro  do  Sul,  e  morreu 
em  12  de  julho  de  1829. 

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42  VILLA    BELLA 

tiças  reaes  e  agentes  do  fisco,  si  a  ganância  nadi  evangélica  dos  atrabi- 
liários vigários.  Raro  era  o  que  tomava  posse  do  cargo  que  não  proces- 
sasse e  prendesse  aquelle  á  quem  succedia,  e  que  por  sua  vez  nao  fosse 
processado  e  preso  pelo  successor.  Já  vimos  o  procedimento  do  vigário 
Taques  com  o  2*  vigário  Rabello  ;  o  4'',  padre  António  Dutra  de  Quadros, 
em  1729,  prendeu  e  processou  o  padre  Taques,que  fugiu  da  prisão,  sendo 
excommungado  com  muitos  outros  mais. 


Bandeirantes  nas  florestas  de  ]\Iattx>-GI-ro880.  L 

Mais  tarde,  em  1732,  o  mesmo  padre  Quadros,  armando  conflictos 
com  o  ouvidor  Villa  Lobos,  abandonou  a  vigariaria  e  retirou-se  sem  espe- 
rar successor,  passando  a  vara  ao  já  citado  padre  André  dos  Santos  Quei- 
roz, de  sertaneja  memoria,  o  qual,  mal  soube  dos  descobrimentos  das  no- 
vas minas,  largou  a  vigariaria  para  acompanhar  os  mineradores.  O  5** 


tence-me.  —Esse  acto  de  D.  Miguel  é  despótico,  pois  que  nem  no  governo  absoluto 
o  podia  fazer  sem  proceder-se  em  julgado  :  mas,  algumas  vezes  ha  despotismos  que 
agradam  e  parecem  não  offender  as  leis,  quando  recahem  sobre  um  homem  que  foi 
o  assolador  do  Maranhão,  deixando  não  menos  de  cento  e  quatorzo  cidadãos,  presos 
de  potencia,  na  cadeia  da  Nesga  (debaixo  de  palácio),  quando  se  retirou  e  foi  gover- 
nar o  Bio  Grande  do  Sul.  » 


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CIDADE  DE  MATTÒ-GROSSO  43 

vigário  padre  João  Caetano  Leite  César  de  Azevedo  por  interesses  pessoaes 
náo  cumpriu aprovisâo  do  seu  prelado,que  nomeava  o  padre  Aranda  capel- 
lào  dos  novos  descobertos.  Em  1743,  o  primeiro  vigário  destas  minas 
prende  Aranda;  em  1747  o  8*  vigário  de  Cuyabá  processa  e  prende  o  padre 
João  da  Costa,que  ficara  substituindo  o  vigário  Manoel  Bernardes  Martins 
Pereira,  ao  retirar-se  este  que,  em  1765,  se  tinha  também  travado  de 
luta  com  o  parocho  encommendado  de  Santa  Isabel  do  Arinos,  padre 
Dr.  António  dos  Keis  e  Vasconcellos,  nomeado  para  essas  minas  pelo  vigá- 
rio Pombo,  do  Matto-Grosso  :  por  quererem,  cada  um  para  si,  a  jurisdição 
das  minas,  excommungaram-se  mutuamente  e  á  seus  séquitos,  e  aos  que 
com  elles  tratavam  ;  o  que  deu  origem  ao  abandono,  mina  e  completa 
despovoação  do  sitio  (a).  Em  1750,  o  9^  vigário,  Dr.  João  de  Almeida  e 
Silva,  prende  novamente  o  vigário  Vasconcellos  que  fora  provisionado  na 
parochia  do  Cuyabá,  pelo  vigário  da  vara,  por  haver  abandonado  essa 
freguezia  o  respectivo   vigário  Fernandes  Baptista. 

Na  magistratura,  o  intendente  Dr.  Manoel  Eodrigues  Torres, 
em  1738,  procede  com  tal  violência  e  vexames,  que  o  povo  o  denuncia  á 
D.  Luiz  de  Mascarenhas,  governador  de  S.  Paulo:  emquanto  roubava  ao 
ao  povo,  roubava  também  ao  Estado:  verificando-se  a  falta  de  meia  arroba 
de  ouro  nos  quintos  por  elle  arrecadados  e  remettidos ;  pelo  que  foi  preso, 
em  novembro  do  anno  seguinte,  de  ordem  daquelle  governador,  e  confis- 
cados seus  bens  (b).  Em  1755,  o  capitào-general  Rolim  de  Moura  depõe   o 

(a)  «  Pregaram  os  papeis  das  excommunhons  na  porta  da  capela,  que  o  povo 
havia  fabricado  :  chegou  um  cavaUo  do  mestre  de  campo  António  de  Almeida  Falcão 
e  com  a  boca  tirou  um  delles,  não  se  examinou  qual  deUes  era  :  immediatamente  se 
sumio  o  ouro  das  minas  de  tal  sorte  que  nem  amostras  se  viu  mais,  quando  já  as 
minas  se  lavTavam  muito  em  conta.  Retirou-se  o  povo  com  notável  perdição,  dei- 
xando casas,  roças  e  lavras,  que  haviào  feito  com  grandes  despezas  nos  preços  dos 
mantimentos  e  perca  irreparável  e  que  poz  em  consternação  as  povoaçons  do  Matto- 
Grosso  e  Cuybá,  por  haverem  despejado  os  povos  de  cá  o  de  lá,  para  o  dito  desco- 
berto ;  e  não  se  fazerem  roças,  que  depois  faltarão  os  mantimentos  e  geralmente  e 
tudo  padeseo  fomes  e  necessidades.  »— Sá,  obra  citada,  anno  de  1766. 

(b)  Pisarro,  Memorias  //"wíoWcíw.— Matto-Grosso. 


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44  YIIJ.A  BELLA 

ouvidor  João  António  Vaz  Morillas,  e  em  1761  o  remette  preso  para  a 
corte,  confiscando-lhe  previamente  os  bens. 

Entretanto  o  povo  soffria  em  tudo  e  de  todos,  não  innocentava  o 
próprio  capitão  general,  á  quem  também  accusava  de  cupidez  e  avareza  ; 
e  nesta  questão  cora  o  ouvidor  pronunciava-se  abertamente  â  favor  de 

Morillas. 

Si  grande  era  o  seu  soflFrimento  que,  pelo  grande  respeito  ás  auto- 
ridades e  mesmo  terror,  naquelle  tempo  era  curtido  ás  calladas,  todavia 
as  cartas  para  Lisboa,  S.  Paulo  e  Kio  de  Janeiro  revelavam-o  nas  nume- 
rosas queixas,  que  espalhadas  nesssas  cidades  só  não  chegaram  aos 
ouvidos  do  rei. 


Serx*a    de  Sa,iita.   Sarbetra. 


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CAPITULO  n 

da  eidide  de  Matto-Grouo.  Detcobrinento  do  Alto  Paragoaj.  O  Poaio  Alegre.  Detcobrineato  da  ria  flarial 
para  Belen,  do  Pari  Noras  minai  de  ooro.  Prelasia  de  CajalnL  Capitania  geral  do  Cajabá  e  MatUMIroaio. 
D.  António  Rolin  de  Moura,  primeiro  capitão-general.  Poaio  Alegre  elerado  ao  foral  de  rilla.  Siu  armas. 
A  Casa  Redonda  o  aldeia  de  S.  José.  O  forto  da  Conceição.  O  destacamento  das  Pedru  Regru.  Aldeia  de 
S.  ligiel  de  Lamego. 

I 


ESTAS  vastas  regiões  as  minas  auri- 

feras  eram  tão  facilmente  encon- 

Uradas,  que  foi  crença  geral  havêl-as 

[em  muito  maior  cópia;  crença  ainda 

'hoje  existente  e  não  desarrazoada, 

em  vista  da  immensa  porção  de 

território  completamente  desconhe- 

lo  na  provincia.    Dahi  o  deixarem 

litas  vezes  os  aventureiros  mercadores 

)elo  duvidoso,  que  suppunham  encon- 

maiores  vantagens. 

Cuyabá  para  esses  sertões,  e  vice- 

i  não  se  viajava  por  um  caminho 

de  Nobre  e  Preto  :  cada  bandeirante, 

recções,  novas  e  á  esmo  ia  abrindo 

to  de  topar    novas  opulências  (a). 

Achou-se,com  efifeito,  em  1728,  uma  mina  importantíssima,  comquanto 


^  (a)  Não  sei  com  que  fundamentos  Bernardo  Fernandes  da  Gama,  nas  suas 
Memorias  históricas  da  provinda  de  Pernambuco  (liv.  IV,  cap.  I,  pag.  40),  diz  o 
seguinte :  «  Possuidores  pacificos  de  Pernambuco,  não  tardaram  os  hollandezes  em 
investigar  as  minas  de  ouro  e  prata ;  duas  commissões  partiram  até  Cuyabá,  assis- 
tidas pelos  portuguezes  e  guiadas  pelos  Índios.  Acharam,  com  effeito,  uma  veia  de 


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46  VILLA   BELLA 

fosse  de  agua  e  não  de  ouro,  a  navegação  do  Alto  Paraguay,  sendo  pesa- 
roso para  a  historia  da  provinda  que  seus  annaes  não  registrem  o  nome 
do  primeiro  sertanista  que  se  aproveitou  desse  trecho  da  grande  via  flu- 
vial. Sabe-se,porém,  que  foi  Ignacio  Pereira  de  Leão  quem  abriu  o  cami- 
nho por  terra,  do  Cuyabá  á  foz  do  Jaurú,  lá  pelo  correr  do  anno  de 
1737  (a). 

As  expedições  desses  aventureiros  eram  para  todos  os  rumos. 

Buscai*am  caminhos  para  as  províncias  castelhanas  de  Chiquitos,  de 
cuja  existência  houveram  noticia  pelos  bororós  do  Alto  Paraguay,  os 
quaes  diziam  haver  para  aquellas  bandas  padres  missionando  o  gentio 
gtcaporé  (b),  com  casarias  e  roças. 

Ainda  á  instancias  do  ouvidor  José  Gonçalves  Pereira  é  que  se 
buscou  essa  communicação,  sendo  delia  encarregado  António  Pinheiro 
de  Faria,  que  para  lá  foi  acompanhado  de  Manoel  Dias  de  Castro,  Ber- 
nardo Tavares,  José  Gonçalves  e  uma  troça  de  indios  parecis.  Partiram 
em  abril  de  1740,  pelo  caminho  de  Ignacio  Leão ;  transpuzeram  o  Alto 
Paraguay  e  depois  o  Jauni,  no  passo  das  Pitas,  onde,  com  a  maior 
admiração,  deram  com  uma  estrada  já  trilhada  pelos  missionários  hespa- 
nhoes,  a  qual  ia  dahi  ter  á  aldeia  de  S.  Raphael,  onde  foram  chegar, 
sendo  recebidos  debaixo  de  pallio  e  aos  cânticos  do  Magnificai,  tal  a 
alegria  dos  religiosos  ao  avistarem  gente  civilisada  naquelles  sertões. 

O  ouvidor,   á  custa  do  povo,  tinha  disposto  presentes  para  o?  sacer- 

prata  que  lhes  pareceu  rica,  mas  que  illudiu  a  esperança  que  tinha  feito  conceber. 
Dizia-se  que  os  exploradores  de  Albuquerque  (Jeronymo)  tinham  tirado  muitas 
riquezas  das  minas  de  Cuyabá  ;  fizeram-se,  portanto,  novas  indagações,  mas  todas 
foram  baldadas.  O  historiador  Barloeus  julga  que  os  pernambucanos  illudiram  os 
hoUandezes  com  falsas  informações,  porque  de  outro  modo,  como  diz  eUe,  as  minas 
de  Cuyabá  não  teriam  podido  escapar  ás  exactas  pesquizas  dos  exploradores  ' 
batavos.  » 

(a)  Registro  da  oamara  ao  Senado  de  Cuyabá, 

(b)  Pelos  modos  a  tribu  dos  guaporés  povoava  o  território  do  yfatto-Grosso, 
entre  as  vertentes  do  Paraguay  e  as  do  rio  que  delles  tomou  o  nome. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  47 

dotes,  como  ricos  oraamentos  de  altar,  paramentas,  etc,  e  muitos  diches 
e  avellorios  para  os  cathechumenos.  Mas  o  fim  principal  da  missão  era 

investigar  as  cousas  e  vêr  si  se  poderia  attrahir  o  gentio  para  as  terras 

lusitanas  (a). 


Já  .  então  ia  bastante  povoada  a  chapada  da  Parecis,  que  os  ávidos 
mineradores  escavaram  em  todos  os  sentidos  em  busca  do  ouro. 

Em  1736  á  1737  Simão  Correia  e  seu  irmão  Estevão,  pescando  no 
Sararé,  desceram  rio  abaixo  e  foram  cahir,  sorpresos,  no  grande  e  formoso 
rio  que,  do  nome  de  uma  das  nações  que  ahi  o  povoavam,  chamou-se 
Guaporé. 

Para  SO.  dos  povoados  avistavam-se  formosas  e  altas  serranias  que 
conridavam  os  aventureiros  á  exploral-as,  e  um  sitio  pictoresco  que  da 
chapada  se  devisava  próximo  á  confluência  de  um  outro  rio  de  menor 
volume;  estimularam-se  á  descer  para  ahi,  onde  estabeleceram  um  pouso 
que  denominaram  Alegre,  nome  que  também  passou  á  esse  outro  rio,  que 
á  meia  légua  acima  despeja  suas  aguas  no  Guaporé. 

Foram  em  Pouso  Alegre  os  começos  de  Villa  Be  lia,  a  capital  da  rica 
e  em  breve  tão  considerada  capitania  do  Cuyabá  e  Matto-Grosso. 


Foi  também  por  esse  tempo  que  outros  aventureiros,  para  quem  a 
sorte  não  tinha  sorrido,  buscaram  vêr  si  nas  margens  desconhecidas  do 
grande  rio  encontrariam  melhor  fortuna,  quer  em  ouro,  quer  em  Índios 
para  o  serviço.  Assim  foi  que,  em  fins  de  1741,  desceu  António  de  Al- 
meida Moraes,  cujos  vestigios  da  passagem  veiu,  seis  mezes  mais  tarde, 
encontrar  o  descobridor  da  navegação  de  Villa  Bella  ao  Pará,  Manoel 


(a)  Barbosa  de  Sá,    ob.  cit.    Annjíes  e  Registros  das  camarás  da  Villa  Bella  e 
Cuyabá. 


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48  VILLA   BELLA 

Félix  de  Lima,  o  qual,  como  já  vimos  no  começo  desta  obra  (a),  perdendo 
nesse  jogo  de  azar  das  minas  não  só  seus  bens,  como  ainda  os  dos  que 
nelle  confiaram,  temeroso  de  voltar  á  Cuyabá,  resolveu  tentar  novos 
lances  e  novos  azares.  Acompanhado  de  outros  sócios  na  desgraça  e  no 
atrevimento,  lançou-se  á  ventura  pelo  Sararé  abaixo,  em  duas  canoas, 
detendo-se  junto  á  foz,  no  sitio  que  denominou  da  Pescaria^  o  tempo 
apenas  necessário  para  aprestar  duas  outras  frágeis  embarcações. 

Desceram  o  Guaporé,  e  investigando  os  rios  que  nelle  entram  subi- 
ram o  Baures  e  depois  o  Itonamas,  onde  os  missionários  do  povo  de 
S.  Miguel,  cujo  superior  era  o  padre  Gaspar  de  Prado,  receberam-os  como 
os  seus  confrades  de  S.  Kaphael  haviam  recebido  os  emissários  de  Cuyabá, 
sob  o  pallio  e  aos  cânticos  do  Magnificat 

Mas  de  pouca  dura  foi  esse  bafejo  da  sorte;  e  afinal,  expulso  de  todos 
08  povos  onde  chegaram,  S.  Miguel,  Magdalena  e  Exaltação,  Lima  aban- 
donado da  maior  parte  dos  seus,  continuou  na  descida  do  Guaporé,  vindo 
ao  cabo  de  dez  mezes  surgir  junto  ao  oceano,  isto  é,  no  porto  de  Belém, 
cujas  aguas  são  qqasi  marinhas,  tanto  já  se  resentem  do  amarujo  do 
Atlântico. 

Estava  descoberta  uma  nova  via  de  coramunicação,  julgada  em 
breves  annos  a  melhor  e  mais  segura  da  capitania,  apezar  do  seu  enorme 
trecho  encachoeirado,  em  setenta  léguas  do  Mamoré  e  do  Madeira;  e  que  só 
mais  tarde  declinaria,  quando,  em  1780,  as  tropelias  dos  muras  e  dos 
mondurucús  nos  seus  assaltos  ás  frotas  e  depredações  nos  estabelecimentos 
do  Madeira  atterrorisou  os  navegantes.  Essa  navegação  era  de  oito  mezes  á 
um  anno  de  Villa  Bella  ao  Pará  e  do  dobro  na  torna-viagem.  Só  nas  ca- 
choeiras gastava-se  três  á  cinco  mezes.  Por  ella  subiu,  já  em  1749,  o  fa- 
migerado descobridor  da  navegação  doTapajoz,  João  de  Souza  de  Azevedo, 
á  quem  já  sobravam  fama  e  honra  por  esse  feito,para  darem-lhe  e  acceitar 


(a)  Introd.,  cap.  U,  8  10,  pag.  122. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  49 

improbamente  as  glorias  de  descobridor  daqiielle  outro  curso,  do  qual  só 
tivera  noticias  no  Pará,  donde  Lima,  preso  e  com  os  bens  confiscados,  seguira 
para  Lisboa  á  amargar,  já  nos  cárceres  já  na  extrema  miséria  e  mendi- 
cidade, a  gloria  de  seu  ousado  commettimento.  Por  ella  começou-se  á 
fazer  o  maior  commercio  do  paiz,  por  ella  retirou-se  o  primeiro  capitáo- 
general,  e  subiram  e  desceram  a  maior  parte  dos  outros  e  mais  autori- 
dades, e  o  pesadíssimo  material  do  Estado,  como  canhões  e  outros  trens 
de  guerra,  e  o  do  commercio  e  abastecimento  dos  povoados. 


II 


Os  companheiros  de  Lima  que,  melhor  inspirados  pela  fortuna, 
preferiram  retroceder  da  Exaltacion  de  Cayoabás  para  o  Pouso  Alegre, 
vieram  com  a  noticia  das  missõe3  castelhanas.  De  Cuyabá  o  zeloso 
ouvidor  Gonçalves  mandou  immediatamente  ao  juiz  ordinário  dos  povos 
do  Matto-Grosso,  Domingos  Gonçalves  Ribeiro  (a),  que  as  fizesse  reco- 
nhecer ;  e  já  no  anno  seguinte,  1743,  descia  José  Barbosa  de  Sá,  advo- 
gado na  villa,  e  o  mesmo  que  nos  deixou  uma  boa  chronica  dos  começos 
da  capitania,  extrahida  na  sua  maior  parte  dos  annaes  da  camará,  e  que 
de  aJgum  proveito  me  tem  sido  na  confecção  do  presente  trabalho. 

Foram  em  sua  companhia  Verneck,  um  dos  companheiros  de  Lima, 
Alexandre  Eodrigues  e  Manoel  Dias  de  Castro,  que  tinham  fama  de  bons 
sei*tanistas,  e  este  fora  companheiro  de  Faria  na  sua  viagem  aos  povos 
chiquitanos;  ainda  um  camarada  indio  e  seis  escravos  do  juiz  e  dous  de 
Sá,  e  os  meios  necessários  para  levar  á  effeito  semelhante  excursão, 
incluindo  os  objectos  para  presentes,  não  só  aos  missionários  como  aos 
Índios.  E  foi  esse  um  bom  alvitre,  sendo  mais  ou  menos  ferozes  as  nações 

(a)  lieyistro  do  Senado  da  Carnara,  Anno  de  1743. 


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50  YILLA   BELLA 

que  encontraram,  e  ainda  peior  dispostos  á  recebêl-os,  depois  do  transito 
das  duas  primeiras  bandeiras  de  Moraes  e  de  Lima,  que  mesmo  de  pas- 
sagem iam  guerreando-os  para  escravisar  os  que  podiam  (a).  Sá,  seguindo 
neste  ponto  systema  contrario,  conseguiu  evitar-lhes  os  damnos,  justa 
represália  daquelles  malefícios,  com  a  dadiva  de  alguns  machados,  facas, 
camisas,  carapuças  e  missangas,  o  que  os  tomou  quasi  amigos. 

Visitou  S.  Miguel,  S.  Martinho,  S.  Luiz  e  Concepcion  do  Baures, 
Magdalena  no  Itonamas,  Exaltacion  de  Cayoabás  no  Mamoré,  S.  Pedro 
dos  Quiniquinaus  e  S.  Koman  no  Machuj)0,  e  a  própria  capital  da 
provincia  de  Cbiquitos,  Santa  Cruz  de  la  Sierra. 

Colheu  informações  sobre  a  navegação  de  rio  abaixo,  suas  difificul- 
dades  e  a  duração  da  viagem,  e  foi  elle  quem  trouxe  a  nova  de  que  os 
hespanhoes  estavam  fundando  uma  missão  com  o  nome  de  Santa  Rosa^ 
na  margem  direita  do  Guaporé,  além  da  foz  do  Baures,  e  outras  junto  ás 
bocas  do  S.  Simão  Grande  e  do  Mequenes  (b),  noticia  que,  apezar  da  sua 
gravidade,  só  onze  annos  mais  tarde  foi  tomada  na  consideração  devida. 
Mezes  depois,  um  outro  dos  companheiros  de  Lima,  Francisco  Leme  do 
Prado,  descia  uma  segunda  vez  e  já  encontrava  estabelecidas  aquellas 
missões. 


Emquanto  desciam  esses  exploradores,  de  ordem  do  governo,  á 
investigar  o  rio  e  seus  aflfluentes,  outros  aventureiros  cortavam  os  sertões 
em  vários-  rumos,  buscando  de  preferencia  o  caminho  pelas  barrancas  dos 
rios  e  orlas  dos  chapadões,  sempre  dominados  pela  avidez  do  ouro. 

Em  1738  descobriram  as  minas  de  S.  José  dos  Cocaes^  á  seis  léguas 
de  Cuyabá ;  no  anno  seguinte  Pascoal  de  Arruda,  subindo  o  Arinos,  encon- 

(a)  Sá,  obra  citada. 

(b)  Ricardo  Franco  dá  esta  como  fundada  cm  1740. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  51 

trou,  dez  léguas  ao  N.  do  local  onde  é  hoje  a  villa  do  Diamantino,  no  Ôco 
de  um  gomo  de  taquarussú,  uma  folheta  de  ouro  do  peso  de  dez  onças  (a). 

Em  1741,  á  29  de  setembro,  foi  dado  á  Heitor  Mendes  Leite  o 
cónego  do  Brumado  para  minerar;  em  14  do  mez  seguinte,  á  Fernando 
Paes  outro  ribeirão  próximo,  e  á  30  do  mesmo  oitubro,  um  terceiro,  já 
explorado  por  António  Antunes  Maciel,  á  Paulo  da  Costa  Delgado. 

Nesse  mesmo  anno  descobriram-se  as  minas  do  Arraial  Velho, 
légua  e  meia  ao  K  da  mesma  villa,  e  em  1743  as  do  Corunibiara,  rio 
que  desce  da  escarpa  occidental  da  Parecis  para  o  Guaporé,  as  quaes, 
apezar  de  copiosas  e  terem  sido  povoadas  desde  1745,  três  annos  mais 
tarde  foram  abandonadas  pelas  extraordinárias  calamidades  que  sofire- 
ram  os  mineiros.  Nesse  mesmo  anno  de  1743  descobrira  o  sargento-mór 
António  Fernandes  de  Abreu,  as  de  SanfAnnaj  n'um  ribeirão  que  sahe 
no  rio  Negro,  braço  do  Arinos;  pouco  tempo  depois  defezas  ao  trabalho  por 
serem  diamantinas.  Em  1745  os  filhos  do  mestre  de  campo  António  de 
Almeida  Falcão  acharam  as  de  Santa  Isabel,  que  foram  tão  ricas  e  con- 
corridas, que  logo  tiveram  povoado  e  capella  sob  aquella  invocação. 
Bicardo  Franco  as  situa  na  margem  occidental  do  Arinos  e  não  longe  da 
confluência  do  rio  Negro  (b). 

Successivamente  foram  sendo  descobertas  as  do  Arayés  ou  Araés, 
na  margem  occidental  do  ribeirão  do  mesmo  nome,  braço  do  rio  das 
Mortes ;  as  do  Gerivauha  ou  Juribahuba  e  as  do  Alto  Paraguay  (c),  entre 
os  rios  do  Ouro  e  Diamantino,  achadas  por  alguns  minorantes  foragidos 
de  Santa  Isabel,  e  nas  quaes  formou-se  logo  arraial  e  ergueu-se  capella 


(a)  Luiz  D*Alincoiirt,  obra  citada. 

Em  1731  achou-se  em  Goyaz'  nas  minas  do  Maranhão,  uma  folheta  do  peso  de 
noventa  marcos  (quarenta  e  cinco  libras),  que  foi  para  Lisboa  na  remessa  que  em 
25  de  agosto  do  anno  seguinte  fez  o  conde  de  Sarzedas,  capitao-general  de  S.  Paulo. 

(b)  Mem.  Geog,  do  rio  Tapajoz, 

(c)  Suppõe-se  com  mais  probabilidades,  terem  sido,  estas  minas  descobertas 
pelo  capitáo-mór  Gabriel  Antunes  Maciel,  pelo  anno  de  1723,  o  cita-se  carta  sua, 


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52  VILLA   BELLA 

do  orago  de  Nossa  Senhora  do  Parto  (a),  que  foi  benzida  em  5  de  agosto 
de  1781 ;  as  do  Pilar,  descobertas  em  1741  pelo  capitão  João  de  Godoy 
Pinto  da  Silveira  (b),  melhor  exploradas  cm  1 748,  nas  abas  orientaes  da 
Parecis  (c) ;  as  das  Lavrinhas,  no  Alto  Guaporé  (d),  entre  esse  rio  e  o 
Kagaão,  cerca  de  sessenta  kilometros  afastada  do  sitio  onde  mais  tarde 
ergueu-se  a  Villa  Bella,  treze  kilometros  ao  S.  do  Guaporé  e  sessenta  e 
oito  ao  S.  das  do  Pilar  ;  as  de  Sanio  António  do  Garajuz,  na  margem 
esquerda  do  Guaporé,  em  1749;  as  do  Vmcumacuan,  em  1754;  as  de 
SanfAnna,  á  margem  do  riacho  desse  nome,  tributário  do  rio  Preto ; 
e  ainda  em  1757  uma  outra  jazida  na  chapada,  próxima  ás  minas  de 
S.  Francisco  Xavier,  a  qual  por  falta  de  aguas  não  foi  minerada,  e  cedo 
abandonada,  apezar  de  em  pouco  mais  de  um  anno  ter  produzido  mais 
de  cento  e  vinte  libras  de  ouro.  Em  junho  de  1758  descobriu  Manoel  Dias 
de  Figueiredo  as  da  Boa  Vista,  na  encosta  de  um  espigão  da  mesma 
serra;  em  julho  seguinte  acharam-se  as  do  Ouro- fino,  junto  ao  ribeirão 
que  recebeu  esse  nome  e  é  affiuente  no  Sararé,  n'uma  bonita  planície,  á 
uns  dous  kilometros  da  montanha  e  á  sessenta  á  NE.  da  villa ;  em  1767, 
no  mez  de  oitubro,  as  de  S.  Vicente,  pelo  capitão-mór  Bento  Dias  Bote- 
lho, n'uma  grande  planieie,  também  á  uns  dous  kilometros  da  montanha ; 


datada  de  18  de  setembro  desse  anno,  á  camará,  e  da  qual  foi  portador  o  capitão- 
mór  Gaspar  de  Godoy. 

As  minas  do  Diamantino  são  hoje  a  Villa  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  do 
Alto  Paraguay  do  Bia/ínantino,  com  esse  foral  desde  23  de  novembro  de  1820.  Está 
situada  sobre  o  rio /do  Ouro  que  a  corta  na  latitude  de  13o  23'  8'*  e  321o  2"  do  meri- 
diano occ.  da  Ilha  do  Ferro,  segundo  o  Dr.  Lacerda. 

(a)  Conforme  a  Rei.  das  Povoaçons,  de  Sá,  a  primeira  capella  foi  dedicada  ao 
Patrocínio  de  Nossa  Senhora  do  Parto ;  segundo  Pizarro,  á  Nossa  Senhora  do 
Carmo.  Mas  Pizarro  é  alguma  cousa  incoiTecto  em  suas  noticias. 

(b)  Nomeado  guarda-mór  das  minas  de  Goyaz,  em  30  de  junho  de  1762,  por 
D.  Luiz  de  Mascarenhas. 

(c)  Foram  novamente  repartidas  em  1805. 

(d)  Outros,  menos  acertadamente,  fazem-as  descobertas  cm  1748  por  Feraam 
Paes,  pouco  depois  da  d«  SanfAnna  da  Tromba, 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  53 

e  pouco  depois  as  do  Pahnital^  com  seis  lavras,  conservando  o  nome 
aquella  em  que  appareceram  as  primeiras  folhetas  (a). 


Ixieeiídio  iia  matta.. 

A  de  S.  Vicente  ficava  onze  kilometros  ao  N,  das  da  Boa  Vista  e  á 
uns  cincoenta  das  do  Ouro-fino.  As  da  capella  de  SanfAnna,  Chapada, 
Sant^Anna  da  Tromba  de  Morro,  S.  Vicente,  Boa  Vista,  Ouro-fino,  Pilar 
e  S.  Vicente,  todas  na  Chapada,  vieram  formar  a  gaarãa-morm  ãe 
S.  Vicente,  a  primeira  das  duas  creadas  nesse  districto.  A  segunda  era 
a  das  Lavrinhas  ão  Giiaporé,  e  comprehendia  Lavrinhas  e  as  minas  de 
Santa  Barbara  do  Aguapehy,  descobertas  também  por  aquelles  tempos 
por  Domingos  Machado,  o  mesmo  que  fôra,  em  1759,  á  mandado  de 
Silveira,   examinar  as  Lavrinhas,  e  agora  fazia  esse  descobrimento  em 


(a)  Dos  povoados  que  existiram  em  quasi  todas  as  minas,  só  existe  hoje  a  villa 
do  Diamantino,  embora  quasi  todos  figurem  em  mappas  recentes  e  ainda  no  A  tias  do 
illustrado  senador  Cândido  Mendes.  Essas  minas  das  Lavrinhas  foram  dadas  á 
Francisco  de  Paula  Correia  na  mesma  época  em  que  se  distribuíram  as  do  Bru- 
mado ;  posteriormente  João  de  Souza  de  Azevedo  buscou  exploral-as,  mas  logo 
desprezou-as,  inculcando-as  á  António  Francisco  da  Silveira,  que  as  mandou  exami- 
nar em  1769  por  Domingos  Machado,  o  que  feito,  nellas  se  estabeleceu. 


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54  VILLA  BELLA 

serviço  e  por  conta  do  secretario  do  governo  Balthazar  Descalço  e  Barros, 
o  que  tornou-as  mais  conhecidas  pelo  nome  de  Lavras  do  Secretario. 

Eolim  mandou  evacual-as  em  1765;  mas  no  anno  seguinte  foram 
de  novo  exploradas  e  trabalhadas  por  Francisco  Aranha  de  Godoy,  então 
commerciante  e  depois  guarda-mór  dessas  minas,  e  por  Manoel  Ferreira 
da  Costa. 

Dez  annos  mais  tarde  nellas  se  estabeleceu  José  Pereira  da  Silva, 
minerando-as  com  algum  proveito. 


Um  novo  descobrimento  feito  nessas  mesmas  minas  do  Alto  Para- 
guay  pareceu  que  ia  felicitar  os  moradores,  mas  não  foi  senão  uma  nova 
calamidade  que  sobre  elles  cahiu :  appareceram  diamantes  nas  terras 
auríferas,  e  o  ouvidor  Manoel  Martins  Nogueira  (a),  indo  estabelecer 
justiças  ali  e  dividir  os  prazos,  mandou,  em  vista  do  achado  o  das  ordens 
regias,  evacuar  immediatamente  o  sitio,  comminando  pela  capital  aos 
desobedientes,  por  serem  os  terrenos  diamantinos  de  exclusiva  proprie- 
dade da  coroa  ;  aresto  que  só  foi  revogado  em  1805,  quando,  á  instancias 
do  povo,  D.  João  VI  mandou  repartir  as  terras,  creando-se  mais  tarde 
um  juiz  aã  hoc  com  o  titulo  ie.juia  ãa gratificação  dos  diamantes, 
e  sede  em  Cuyabá. 

Desde  logo  as  cabeceiras  do  Paraguay  tornaram-se  notáveis  pela 
abundância  dos  diamantes  que  foram  se  encontrando  no  Burytisal, 
S.  Pedro^  Areias,  Melgueira,  SanfAnna^  rio  do  Ouro^  rio  Diamavr 
tino^  etc.,  sendo  que  ainda  se  os  encontrava  em  outros  pontos  da  capitania 
e  mesmo  nas  proximidades  de  Cuyabá,  como  na  freguezia  ijà  Nossa 


(a)  Tomou  posse  do  cargo  em  14  de  dezembro  de  1743.  Wv.  VII  das  vereimças 


do  senado,  fl.  51 


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CIDADE   DE   MATTO-GKOSSO  ^^ 

Senhora  da  Guia,  que  lhe  fica  á  seis  léguas  de  distancia,  no  Coxipó- 
merim  (a). 

Com  aquelle  acto  do  ouvidor,  obrigado  o  povo  á  novo  êxodo,  aban- 
donando de  prompto  habitações  e  lavouras,  sobrevieram  os  males  do 
costume,  mas  desta  vez  com  uma  intensidade  horrorosa.  A  mais  espan- 
tosa sêcca  surgiu  e  durou  por  dous  longos  annos ;  viam-se  os  campos  e 
florestas  em  fogo,  abrasando-se  sem  saber-se  como,  em  léguas  de  extensão. 
Dos  começos  dessa  calamidade  guarda  o  povo  memoria  do  primeiro 
tremor  de  terra,  em  vários  sacudimentos,  succedido  em  24  de  setembro 
de  1747,  acompanhado  de  fortíssimo  trovão  subterrâneo,  e  que,  atraves- 
sando a  província  de  oeste  á  leste,  foi  percebido  em  Villa  Bella  e 
Cuyabá  (b). 


(a)  Sáo  tão  ricas  essas  regiões  que,  diz  o  Sr.  Moutinho,  ha  uns  dezesseis  annos 
José  Porphyrio  Antunes  em  poucos  dias  tirou  uma  fortuna  de  cerca  de  duzentos 
contos  em  diamantes.  Noticias  sobre  a  prooincia  de  Matto -Grosso,  pag.  26. 

Desde  1850  que  se  tem  organisado  companhias  para  mineral-as.  O  decreto  de  7 
junho^de  1851  concedeu-o  á  denominada  Companhia  de  Mineração  do  Alto  Paraguay 
Diamantino. 

(b)  Já  na  introducçào,  cap.  IV,  g  IX,  pag.  198,  tratei  dos  teiTcmotos  da  provin- 
da, e  por  engano  typographico  veiu  1749  por  1747.  D'Alincourt,  nos  seus  trabalhos 
sobre  a  provincia,  diz  que  o  terremoto  foi  em  1744,  e  mais  violento  e  demorado  que 
o  que  em  1746  arrasou  Lima.  O  Sr.  Moutinho  (obra  citada)  que,  sem  duvida,  se 
firmou  nessa  autoridade,  affinna-o  e  accrescenta  não  terem  havido  outros  depois  de 
1746;  havendo,  comtudo,  elle  presenciado  alguns  phenomenos,  como  em  1854  um 
estampido  medonho  para  os  lados  do  Bahú,  e,  em  1866,  no  morro  da  Prainha,  ambos 
os  logares  no  território  da  cidade  de  Guyabà,  sendo  o  deste  ultimo  acompanhado 
de  fogos  fátuos  que  surgiam  do  solo. 

Ora,  anteriormente  á  1747  é  que  as  chronicas  nada  rezam  sobre  essas  commo- 
ções  do  sub-solo.  Eis  como  B.  de  Sá  (obra  citada)  descreveu  as  calamidades  desse 
tempo :  o  Anno  de  1747.— Foi  o  ouvidor  desta  villa  (Cuyabá)  ao  arraial  do  Paraguay 
(Diamantino),  onde  fez  justiças,  juizes  ordinários  e  seus  officiaes,  para  regimento 
do  povo:  fez  partilha  das  terras  mineraes  e  o  mais  que  convinha  ao  bem 
commum.  Retirando-se  ultimamente  para  a  villa,  divulgou-so  que  havia  diamantes 
nos  ditos  descobertos :  formou  um  sumario  de  testemunhas  e  axando  íerto,  mandou 
logo  despejar  o  povo  e  pôr  guardas  á  que  se  não  lavrasse  mais  as  minas.  Retirou-se 
o  povo  com  outra  perdição  tal  qual  a  que  lhes  causou  o  descobrimento  do  Arinos, 
sobrevindo  huà  seca  que  se  não  mudou  em  chuva  sinão  em  fins  do  anno  de  1749, 
que  pôz  essas  povoações  em  tal  sorte  de  miséria  que  não  só  padeceu  a  gente,  mae 


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56  '  VILLA   BELLA 

Já  tinha  aquelle  ouvidor  morrido,  quando,  em  1748,  Manoel  Car- 
doso de  Siqueira  descobriu  nova  e  riquissima  mina  ás  margens  do  Ri- 
beirão Vermelho^  que  cahe  á  direita  do  Paraguay,  logo  abaixo  do  Dia- 
mantino. Exercia  então  interinamente  aquelle  cargo  Manoel  Dias  da 
Silva  (a),  que,  suspeitando  também  fosse  diamantino  o  descoberto,  despa- 
chou Garcia  Eodrigues  Leme  á  verifical-o,  com  ordens  de,  em  tal  caso, 
queimar  e  arrasar  todas  as  casas  e  roças,  e  dispersar  o  povo,  trazendo 
presos  os  desicobridores  :  o  que  tudo  se  cumpriu  á  risca,  pois  tal  era  a 
doutrina  e  apertadas  as  ordens  do  governo. 


III 


Para  .  melhor  manter  a  regularidade  dos  negócios  ecclesiasticos,  por 
demais  aflfastados  da  acção  dos  diocesanos,  manter  a  moralidade  do  clero, 
e  sopear-lhe  os  excessos  e  violências,  á  instancias  do  governo,  creou  o 
pontífice  Bento  XIV,  por  bulia  Candor  lucis  eternoe,  de  6  de  dezembro 
de  1746,  prelasias  em  Goyaz  e  Cuyabá,  separadas  da  diocese  fluminense. 

Pela  mesma  razão,  quanto  aos  negócios  administrativos,  julgou 


também  os  animaes.  Arderam  os  campos  c  mattas  que  se  não  via  huá  folha  verde, 
mas  só  cinzas  e  fumaças.  No  dia  24  de  setembro,  à  horas  do  meio  dia,  sem  haverem 
mostras  de  revolução  no  tempo,  quando  se  viam  fogos,  ouviu-se  um  trovão  que 
aterrorisou  os  viventes  em  todos  os  limites  do  Matto-Grosso  e  Cuyabá,  e  ao  mesmo 
tempo  tremeu  a  terra,  dando  uns  tantos  balanços  compassados,  que  á  todos  causou 
grande  susto  e  nenhum  prejuízo :— foi  o  dito  estrondo  subterrâneo,  segundo  o  meu 
reparo,  e  não  na  região  etherea.  » 

(a)  O  mesmo  que  em  1735  atravessou  em  três  mezes  os  sertões  de  Santa  Catha- 
rina  e  Rio  Grande,  com  o  fim  de  operar  uma  diversão  ás  forças  sitiadas  na  Colónia 
do  Sacramento,  e  que  após  muitos  trabalhos  chegou  aos  campos  da  Vacaria,  ondo 
levantou  um  padrão  de  madeira  com  o  distico :— «  Viva  o  muito  alto  e  poderoso  Rey 
de  Portugal,  D.  João  V,  senhor  dos  domínios  deste  sertão  da  Vacaria.  » 

Estabelecido  mais  tarde  em  Cuyabá,  fez  lavrar  disso  assento  no  livro  de  Re- 
gistro do  senado  da  camará,  Fernandes  Pinheiro,  Annaes  da  provinda  de  S.  Pedro. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  57 

D.  João  V  de  conveniência  a  presença  nessas  longinquas  regiões  de  uma 
autoridade  de  prinieira  cathegoria;  e  por  acto  de  9  de  maio  de  1748 
separou  aquelles  territórios  da  jurisdicçáo  de  S.  Paulo,  creando  em 
cada  um  delles  uma  capitania. 

Para  Cuyabá  foi  nomeado  D.  António  Eolim  de  Moura  Tavares, 
capitão  de  infantaria  e  senhor  de  Azambuja,  governador  e  capitão-general 
por  C.  R.  de  22  de  setembro;  o  qual  ao  cabo  de  dous  annos  e  meio  fez  sua 
entrada  solemne  na  villa  de  Cuyabá,  aos  12  de  janeiro  de  1751,  assumindo 
em  1 7  a  administração  da  nova  capitania  (a). 


T>.    A^ntonio    Rolim    de    IVTovira   Tavares  (b)  , 

Acompanhavam-0,  além  dos  seus  ajudantes  e  séquito  ordinário, 
bastante  tropa,  casco  de  um  regimento  de  infantaria,  com  seus  officiaes, 
dous  jesuitas,  os  padres  Estevão  de  Castro  e  Agostinho  Lourenço,  o  pri- 

(a)  Menos  acertadamente  datam  alguns  escriptores  essa  C.  R.  de  S5  do  mesmo 
mez.  Pizarro  ainda  erra  fazendo  Rolim  chegado  á  7  c  empossado  á  12  de  janeiro ; 
mera  confusão  que  se  explica  pela  certeza  de  um^i  data,  a  segunda,  e  de  que  entre  os 
dous  actos  mediaram  cinco  dias. 

(b)  Copiado  de  uma  galeria  dos  vice-reis,  pertencente  a  meu  irmão  Pedro 
Paulino. 

8 


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58  VILLA  BELLA 

meiro  guarda-mór  nomeado  para  as  minas  do  Matto-Grosso,  Francisco 
Xavier  Júlio  Leite,  e  os  ofiBciaes  civis  e  de  justiça  necessários  no  novo 
governo  (a),  dos  quaes  todos,  diz  B.  de  Sá  (b),  —  «  melhor  fòra  que 
asolára  a  nova  capitania  um  bando  de  corvos  ou  uma  epidemia  de 
bexigas  » — incontestável '  liyperbole,  mas  que  é  um  brado  de  dôr  e  indig- 
nação pelos  vexames,  extorsões  e  violências,  que  trazia  nesses  tempos  a 
aposentadoria  dos  empregados  do  governo,  e  que  bem  pode-se  avaliar 
que  taes  seriam,  nesses  sertões  tão  ricos  de  ouro  quão  desprovidos  de 
recursos,  pelo  que  succedeu  nesta  corte  em  1808. 

Mais  tarde,  em  março,  chegaram  o  juiz  de  fóraTheotonio  da  Silva 
Gusmão  e  o  segimdo  vigário  Padre  Fernando  de  Vasconcellos. 

Em  30  de  junho  seguiram  todos  para  o  Matto-Grosso,  onde,  em  con- 
formidade com  a  provisão  regia  de  5  de  agosto  de  1748,  devia  o  capitão- 
general  estabelecer  a  sede  de  seu  governo ;  logo,  em  caminho,  á  oito  léguas 
de  Cuyabá,  fundou  uma  aldeia,  na  chapada  de  S.  Jeronymo,  de  indios 
mansos,  a  qual  iScou  aos  cuidados  do  padre  Estevão,  que  entendia  a 
cathechese  diveraamente  dos  Nobregas  e  Anchietas,  preferindo  á  ir  buscar 
os  selvagens  no  centro  da  barbaria  para  doutrinal-os,  lidar  com  os  já 
domesticados  ;  o  que,  além  de  ser  mais  commodo  e  fácil,  mereceu  ainda  o 
favor  de  uma  subvenção,  enorme  nesses  tempos,  de  sessenta  mil  cruzados, 
dos  dinheiros  do  Estado.  O  outro  missionário  foi,  em  1753,  á  margem 
esquerda  do  Guaporé,  quasi  em  frente  ao  Corumbiara^  tomar  como  herança 


(a)  Rolim  partiu  de  Araritaguaba  (Porto  Feliz)  em  5  de  agosto  de  1750,  com  uma 
frota  de  quatorze  grandes  canoas,  além  de  grande  numero  de  outras  pequenas, 
levando  por  escolta  cento  e  noventa  homens  de  tropa.  Em  ura  mez  chegou  ao 
Paraná,  á  28  de  setembro  ao  porto  do  Sanguésuga,  em  20  de  novembro  sahiu  de 
Gamapuam,  á  23  chegou  ao  Ck)xim,  á  28  ao  Taquary;  à  15  do  mez  seguinte  ao  Para- 
guay-merim,  sahindo  dous  dias  depois  do  Paraguay ;  á  19  entrava  no  S.  Lourenço, 
à  25  no  Cuyabá,  chegando  pm  dous  dias  á  Casa  de  Telha,  depois  chamado  Bímanal, 
6  no  dia  12  na  nova  capital  (Carta  do  próprio  governador  ao  marquez  de  Vai  de 
Reis,  copia  Ms,  da  Bib.  Nao.). 

(b)  Obra  citada. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  59 

a  situação  da  Casa  Redonda^  de  Domingos  Alves  da  Cruz,  que  ahi 
residia  havia  uns  quatro  annos,  e  ultimamente  fallecêra ;  e  reunindo  os 
cathecumenos  das  missões  abandonadas  pelos  hespanhoes  no  S.  Simão  e 
Mequenes,  estabeleceu  em  1754  a  aldeia  de  S.  José,  que  em  setembro  de 
1756  transferiu  para  um  pouso  acima  do  rio  S.  Domingos^  próximo  ás 
missões  hespanholas  do  Itonamas  e  Baures  (a). 

Chegado  Kolim  de  Moura  á  margem  do  Guaporé  (b)  em  9  de  dezem- 
bro, enfadado  da  longa  jornada,  não  se  achou  com  forças  de  continuar 
por  terra  para  os  arraiaes  da  chapada,  e  veiu  por  elle  aguas  abaixo  até  o 
Pouso  Alegre,  onde  aportou  cinco  dias  depois.  Em  consequência  da  via- 
gem de  Lima  ao  Pará,  trazia  ordens  do  governo  de  estabelecer  a  sede  da 
capitania  perto  desse  grande  rio,  segura  estrada  para  o  Pará ;  Kolim 
preferiu  sua  margem  aos  arraiaes  do  alto  da  chapada :  fez  logo  investigar 
sobre  o  melhor  sitio,  isto  é,  o  que  á  outras  vantagens  reunisse  a  da  proxi- 
midade daquelles  povoados,  e  afinal  fixou-se  naquelle  pouso ;  não  lhe 
valendo  nem  as  rogativas  e  empenhos  dos  moradores  da  chapada,  fiados 
naquella  real  provisão,  nem  a  asserção  de  que  esse  sitio  era  sugeito  ás 
innundações  dos  rios.  « —  Foi  n'um  charco,  morada  de  jacarés  e  capi- 
varas, diz  Barbosa  de  Sá  ;  afBrmando  todos  os  vizinhos  que  esse  logar  se 
innnndava  todos  os  annos  com  as  enchentes  dos  rios,  não  lhes  deu  atten- 
ção  e  só  se  fez  a  vontade  dos  que  mandam.  »  (c) 

(a)  E'  o  5.  /o*^  que  Sou theycoUoca  cinco  mUhas  abaixo  da  foz  do  Guaporé,  e 
que  ainda  vém  marcado  em  muitas  cartas  modernas,  notadamente  na  Carta  geral  de 
1875,  que  o  situa  na  margem  esquerda  do  rio.  Ao  assignalar  este  logar  e  outros 
que  desappareceram,  como  os  arraiaes  do  Matto-Grosso,  etc.,  parece  que  o  fim  do 
geographo  foi  somente  demarcar  o  sitio  onde  existiram. 

(b)  O  caminho  de  Cuyabá  cortava  o  Guaporé  aos  15°  IG',  pouco  além  das  minas 
de  Lavrinhas,  no  local  onde  ajnda  hoje  existe  a  ponte,  única  desse  rio,  com  uma 
pequena  guarda  para  protecção  dos  viajantes  e  impedimento  á  que  seja  destruida 
pelos  cabixys,  que  já  a  incendiaram  em  parte. 

(c)  Obra  citada. 


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60  TILLA  BELLA 

Neste  chronista  dominava  o  seu  quanto  de  despeito,  como  no  geral 
dos  habitantes  da  antiga  sede  de  governo,  por  não  ter  Eolim  feito  sua 
capital  nessa  villa,a  qual,  segundo  elles,  foi  sempre  vontade  do  governador 
aniquillar,  «  indo,  entretanto,  ella  sempre  em  augmento,  graças  ao  seu 
Senhor  Bom  Jesus.  » 

Mas  os  motivos  que  demoveram  Rolim  de  ahi  estabelecer-se  não 
eram  de  ordem  que  elle  podesse  obviar,  e  agora :  além  do  porto  de  nave- 
gação do  Pará,  que  se  antolhava  ao  governo  e  á  todos  como  a  melhor  via 
de  communicação  para  Portugal  e  o  resto  do  Brasil,  havia  ainda  o 
cansaço  e  o  terror  de  uma  nova  viagem  pelo  sertão  á  Cuyabá. 


Em  19  de  março  de  1752  (a)  erigiu  em  villa  o  Pouso  Alegre,  gá 
bastante  povoado  com  o  seu  séquito,  officiaes  e  moradores  dos  arraiaes 
que  para  ali  desceram,  uns  por  acharem-se  melhor  á  sombra  das  autorida- 
des, e  outros,  gente  do  commercio,  homens  práticos  e  mineradores  de  nova 
espécie,  por  convencerem-se  de  que  a  verdadeira  e  mais  rica  mina,  e  mais 
fácil  de  explorar,  apparecia  agora  na  capital.  A'  nova  villa  deu  o  nome 
de  Villa  Bella  ãa  Santíssima  Trindade  do  Matto-Grosso.  O  pelourinho, 
instrumento  indispensável  e  distinctivo  de  preeminência,  só  reservado  ás 
cidades  e  villas,  e  honraria  muito  ambicionada  dos  moradores  dos  povoa- 
dos de  menor  cathegoria,  só  dous  mezes  mais  tarde,  em  13  de  maio,  é 
que  foi  erigido  ;  registrando  por  essa  occasião  o  escrivão  dos  pelouros 
apenas  cincoenta  e  seis  votantes,  e  sendo  reconhecido  não  haver  na  villa 
mais  de  oitenta  homens  brancos,  dos  quaes  sete  ou  oito  casados  (b). 


(a)  Erradamente  fal-a  Pizarro  erecta  em  13  de  maio,  data  em  que  se  ergueu  o 
pelouvinlio. 

(b)  Noticias   relativas  á  viagem  do  conde  de  Azambuja  e  erecção  da  ViUa  BeUa 
do  Matto-Grosso.  Ms.  da  Bib.  Nac. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  61 

IV 

Pouco  depois,  em  5  de  junho,  chegavam  à  nova  villa  frotas  do  Pará 
com  géneros  de  abasto,  e  voltavam,  do  mesmo  modo  que  outras  por  terra, 
conduzindo  ouro  em  granetes,  único  género  de  exportação  do  paiz. 

Nesse  anno  aportava  ao  Eio  de  Janeiro  a  nau  I^ossa  Senhora  da 
Lampadosa,  com  a  primeira  commissão  de  limites  encarregada  pelo 
governo  portuguez  de  deslindar  a  demarcação  com  as  provincias  hespa- 
nholas  ;  empreza  que  no  decurso  de  mais  de  um  século  ainda  não  foi 
completamente  resolvida,  ap3zar  dos  vários  esforços  que  se  tem  tentado  e 
das  muitas  commissões  que  nisso  se  tem  empregado. 

Os  missionários  hespanhoes  tinham  desde  1743  missões  na  margem 
direita  do  Guaporé  :  a  de  SanfAnna^  duas  léguas  acima  da  foz  do  ribei- 
rão desse  nome;  a  de  S.Miguel ^  na  fo^  do  rio,  e  a  de  Santa  Bosa^  nos 
campos  assim  chamados,  donde,  onze  annos  mais  tarde,  mudaram  para  o 
em  que  depois  se  ergueu  o  forte  da  Conceição. 

Alguma  cousa  soffreram  dos  sertanistas  essas  missões,  á  ponto  que 
em  22  de  junho  de  1751  o  missionário  de  S.  Simão,  Ramon  Laynes,  diri- 
giu-se  á  Rolim,  recem-chegado  á  Cuyabá,  queixando-se  das  depredações 
que  aquelles  aventureiros  commettiam,  roubando  e  captivando  indios 
baptisados,  e  mulheres  casadas,  etc.,  ao  que  o  capitão-general  respondeu 
em  10  de  dezembro  do  anno  seguinte,  compromettendo-se  á  providenciar 
em  ordem  à  justiça  e  humanidade ;  mas,  queixando-se  por  sua  vez  de  que 
aquelle  missionário  havia  invadido  a  Ilha  Comprida^  com  um  séquito  de 
indios  armados,  e  ahi  maltratado  com  pancadas,'e  esbofeteado  o  portuguez 
Bento  de  Oliveira  e  outros,  fazendo  fugir  os  moradores,  queimando-lhes 
as  rancharias,  e  derrubando  a  cruz,  padrão  de  propriedade  da  coroa  portu- 


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62  VILLA  BELLA 

gueza.  E  ordenando  que  os  indios  e  indias,  objecto  daquella  reclamação, 
lhe  fossem  apresentados,  fez  em  junho  seguir  com  elles  o  padre  Agostinho 
Lourenço,  para  os  restituir  ás  suas  missões,  algumas  das  quaes  estavam 
mudadas  para  o  Itonamas  e  o  Mamoré,  e  mesmo  para  a  margem  direita 
do  Guaporé. 

Com  essa  retirada  dos  hespanhoes  deixaram  também  os  portuguezes 
seus  sitios  do  Guaporé,  exceptuando-se  apenas  dous  moradores  da  Casa 
Redonda,  na  margem  esquerda,  e  três  outros  no  sitio  das  Pedras  Negras, 
na  opposta  margem. 

Somente  em  meiados  de  1754  amadureceu  Rolim  a  idéa  da  conve- 
niência de  fazer  6s  hespanhoes  retirarem-se  da  margem  portugueza  do 
Guaporé.  Pareceu  á  principio  que  a  retirada  das  aldeias  do  S.  Simão  (a) 
e  Mequenes  fôra  devida  á  terem  os  missionários  noticia  da  chegada  á 
America  das  commissoes  de  demarcação ;  mas  seus  estabelecimentos  na 
margem  direita,  em  frente  aos  três  grandes  rios  que  se  reúnem  ao  Gua- 
poré no  fim  do  seu  curso,  fizeram  comprehender  que  a  única  razão  era  o 
medo  pela  proximidade  da  nova  capital  do  Matto-Grosso.  Rolim  fez  pu- 
blicar a  provisão  de  14  de  novembro  de  1752  que  prohibia  se  fizesse  o 
commercio  por  outra  via  que  não  fosse  a  do  Guaporé  á  Belém ;  e  em 
agosto  do  anno  seguinte  desceu  com  alguma  tropa  á  desalojar  a  missão 
de  Santa  Rosa,  o  que  feito  substituiu-a  por  um  aldeiamento  de  indios, 
que  entrincheirou  com  forte  paliçada,  emquanto  não  dava  começo  á  obras 
mais  solidas  de  fortificação,  capazes  de  manter  em  respeito  áquélles  irre- 
quietos \izinhos  e  de  prover  a  segurança  da  navegação.  Dessa  viagem 
apenas  faliam  por  alto  os  Avnaes  do  senado  da  camará  de  Villa  Bella 
e  a  Eelação  das  Povoaçons. 

Rolim   visitou  a  aldeia  de  S.  José  e  foi  até  a  foz  do  Guaporé,  que 


(h)  Fundada  pelo  padre  Francisco  Xavier,  italiano,  â  margem  direita  do  Corum- 
biara,  perto  das  suas  cabeceiras.  Mello  Moraes,  Chorog,  Hist,^  tomo  III,  pag.  492. 


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CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  63 

então  se  dizia  do  Mamoré  por  suppôr-se  ser  este  o  affluente,  e  retirou-se 
para  a  sua  capital. 

No  anno  seguinte  o  padre  Laynes  veiu  tentar  a  desforra,  atacando 
com  uns  duzentos  indios  e  alguns  hespanhoes,  e  aprisionou  alguns  Índios 
portuguezes.  Eolim,  sabedor  disso,  protestou  por  carta  de  17  de  junho  ao 
vice-superior  das  missões,  Padre  Nicolau  Altogrado;  e,não  recebendo  res- 
posta, lavrou  solemne  protesto  em  data  de  3  de  dezembro;  desceu  á  esta- 
belecer um  posto  militar  no  alto  das  Pedras  Negras,  quasi  á  meio  cami- 
nho, sitio  que  era  do  licenciado  João  Baptista  André  (a),  retirando-o  ao 
receber  resposta  do  vice-superior,  com  protestos  de  amizade.  Mas  teve 
de  restabelecêl-o  de  novo,  ao  ser  informado  de  que  os  padres  hespanhoes 
tinham  occupado  novamente  Santa  Bosa,  para  onde  desceu  elle  próprio 
outra  vez,  partindo  da  capitalemGdefevereirode  1760,  com  sessenta 
soldados. 

Encontrou,  com  effeito,  o  ponto  occupado  pelos  hespanhoes  que  ahi 
já  tinham  roças  e  plantações.  Desalojados,  tomou  Eolim  posse  da  terra  (b) 
com  as  formalidades  do  estylo,  e  lançou  os  alicerces  de  um  forte  penta- 
gonal,  ao  qual  desde  logo  impôz  a  denominação  de  Nossa  Senhora  ãa 
Conceição^  augmentando  a  aldeia  com  muitos  indios  foragidos  das 
missões  hespanholas  (c). 

Já  era  Eolim  regressado  á  Villa  Bella,  quando,  em  abril  de  1761, 
chegou  á  nova  missão  hespanhola  de  Santa  Eosa  o  governador  de  Santa 
Cruz  de  la  Sierra  D.  Alonzo  Verdugo,  á  protestar  contra  a  posse  dos 
portuguezes  desses  terrenos  do  Guaporé,  protesto  que  foi  levado  immediar 
tamente  pelo  mestre  de  campo  José  Nunes  Conejo  á  Yilla  Bella,  e  reite- 
rado em  oitubro,  baseado  agora  na  annuUação  do  tratado  de  limites  de 


(a)  Southey,  tomo  VI,  169  (traducçào  do  Dr.  Castro). 

(b)  A  nnaes  do  senado  da  cornara  de  Yilla  Bella. 

(c)  O  que  motivou  novas  reclamações  do  superior  padre  Juan  de  Bangodea. 


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64  VILLA   BELLA 

1750,  e  solicitando  a  entrega  do  território  que  estava  em  poder  da  Hes- 
panha  antes  daqiiellas  estipulações  ;  ao  que  annuiu  Rolim  somente 
em  relação  aos  territórios  da  margem  esquerda,  e  não  ao  de  Santa 
Kosa  e  outros  da  direita,  por  não  ter  noticia  official  do  seu  governo, 
a  qual  só  chegou  em  fevereiro  do  anno  seguinte.  E  tão  compenetrado 
estava  do  valor  e  interesse  desses  territórios,  que  logo,  em  agosto  desse 
mesmo  anno  de  1762,  desceu  novamente  ao  forte,  que  teria  sido  prêa  dos 
hespanhoes  si  não  fosse  a  sua  presença  e  os  soccorros  que  levou. 

Um  pouco  acima  deste  estabeleceu  uma  outra  aldeia,  em  terreno 
intermediário  ás  bocas  do  Itonamas  e  Baures,  que  sahem  na  fronteira 
margem,  e  deu-lhe  o  nome  de  S,  Miguel  ãe  Lamego  (a). 

Entretanto  os  hespanhoes  mostravam-se  pouco  dispostos  á  deixa- 
rem-se  desapossar  desse  território,  scientes  da  guerra  entre  as  duas  nações. 
Na  força  de  uns  seiscentos  homens  vieram  fortificar-se  nas  confluencias 
do  Mamoré  e  do  Itonamas,  em  terrenos  péssimos  por  baixos  e  alagadiços. 
Rolim  dispunha  só  de  uns  trezentos  homens ;  mas,  desbaratada  uma 
investida  que  fez  um  pequeno  troço  de  portuguezes,  e  com  tão  pouca  ven- 
tura que  nenhum  logrou  voltar,  tendo  á  ella  ido  sem  ordem  dos  chefes  e 
só  levados  pelo  seu  ardor  bellicoso,  génio  aventureiro  e  falta  de  reflexão  (b), 
ficaram  os  hespanhoes  receiosos  de  vendicta  e  intemaram-se  para  o  povo 
da  Concepcion  do  Rio  Branco  (c). 

O  capitão-general,  recebendo  noticia  official  do  rompimento  de  hosti- 


(a)  Aos  14°  4tí\  segundo  Ricardo  Franco.  Ainda  vém  demarcadas  em  algumas 
cartas,  entre  outras  as  de  Conrado  e  Ponte  Ribeiro,  apezar  de  não  ejdstir  ha  quasi 
um  século. 

(b;  Barbosa  de  Sá,  obra  citada. 

(c)  Os  A  nnaes  do  senado  da  camura  de  Cuyabá  dao  Concepcion  do  Rio  Baures, 
Supponho  engano.  Não  havia,  que  me  conste,  missão  alguma  desse  nome  no  Bambes. 
Este  rio  nasce  perto  da  Concepcion  de  Chiquitos,  quasi  no  parallelo  17°;  mas  pouco 
acima  da  confluência  do  seu  grande  tributário  o  5.  Miguel  ou  Rio  Branco  havia 
uma  missão  com  aquelle  nome,  tornada  ao  depois  mui  florescente.  Pela  posição  e 
distancia  parece  ser  a  em  questão. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  65 

lidades  entre  Castella  e  Portugal,  deliberou  aproveitar  o  ensejo  para 
tomar  o  desforço.  Mandou  assaltar  a  aldeia  de  S.  Miguel  do  Baures, 
situada  á  poucas  milhas  da  foz  deste  rio,  e,  aprisionando  missionários  e 
Índios,  fez  conduzir  estes  para  Santa  Kosa  e  Lamego,  e  aquelles,  os  padres 
Juan  Eodrigues  e  Francisco  Spie,  para  Villa  Bella,  donde  os  remetteu 
custodiados  para  o  Rio  de  Janeiro. 


P*oviso    AA&gve. 

Os  hespanhoes,  sentindo-se  sem  forças,  e  nem  mesmo  animo,  para  a 
defesa,  foram  successivamente  abandonando  as  missões  de  S.  Martinho^ 
S.  Simão  e  S.  Nicolau,  todas  do  Baures,  no  receio  em  que  estavam  de 
quererem  os  portuguezes  adjudicar  á  si  esse  rio. 

Ainda  Bolim,  no  anno  de  1764,  á  26  de  junho,  tinha-lhes  atacado  o 
posto  fortificado  em  frento  á  Santa  Rosa,  mas  sem  resultado ;  mas  rece- 
bendo, em  10  de  agosto,  cópia  do  tratado  de  paz  de  10  de  fevereiro  do  anno 
anterior,  assignado  em  Paris,  communicou-o  ao  chefe  hespanhol,  pedin- 
do-lhe  uma  conferencia  para  regularem  os  interesses  das  duas  nações. 

Esta  eíFectuou-se  em  29  de  setembro,  n'uma  ilhota  à  foz  do  Baures,  na 

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66  VILLA  BELLA 

qual  se  fez  acto  solemne  de  entrega,  por  parte  de  Portugal,  dos  territórios 
de  S.  Miguel  e  indios  tomados,  e  cujo  termo  se  larrou  no  dia  seguinte  no 
forte  da  Conceição.  Bastou  esse  proceder  generoso  e  equitativo  do  gover- 
nador portuguez  para  o  hespanhol  suppôr-se  com  direitos  de  exigir,  como 
o  fez  em  nota  datada  do  mesmo  dia,  a  entrega  dos  territórios  desde  Matto- 
Grosso  e  o  Cuyabá,  para  oeste,  até  o  Guaporé  (a). 

Tão  estólida  reclamação,  tomada  na  consideração  devida  pelo  capi- 
tão-general,  foi  reconsiderada  pelo  general  hespanhol ;  restava,  porém,  o 
facto  dos  missionários  presos,  o  que  foi  motivo  para  novas  reclamações  e 
de  sérios  embaraços  para  o  successor  de  Eolim,  o  qual,  em  1766,  teve  de 
levantar  tropas,  o  que  só  conseguiu  pondo  em  pratica  as  maiores  violên- 
cias, pelo  receio  em  que  estava  de  uma  nova  aggressão,  que  essas  eram  as 
noticias  que  lhe  vinham,  não  só  de  indios  foragidos  das  missões  caste- 
lhanas, como  de  alguns  portuguezes  residentes  em  Santa  Cruz  de  la 
Sierra  (b). 


Eolim  deixou  o  governo  após  treze  annos  e  meio  de  administração, 
coberto  de  honras  do  rei,  que  fêl-o  brigadeiro,  commendador  de  Christo, 
conde  de  Azambuja  e  premo veu-o  á  capitão-general  da  Bahia,  então  a 
primeira  capitania  brasileira,  e  emfim  ã  vice-rei  do  Estado  do  Brasil  (c). 
Ao  compulsar-se,  porém,  a  historia  e  pesar-se  os  prós  e  contras  de  seu 


(a)  Carta  de  Rolim  de  Moara,  de  2i  de  oitubro  de  1764,  á  João  Manoel  de  MeUo^ 
governador  de  Goyaz,  Ms.  da  Bib.  Nac. 

(b)  A  nnaes  da  camará  de  ViUa  Bella. 

(c)  Foi  capitão-general  da  Bahia  de  25  de  março  de  1766  á  31  de  oitubro  de  1707, 
tendo  sido  nomeado  vice-rei  em  31  de  agosto  desse  anno,  logar  que  exerceu  desde 
17  de  novembro  desse  anno  até  4  de  novembro  de  1769. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  67 

governo,  parece  que  seus  serviços  poderiam  ter  sido  melhores  e  menores 
as  violências  e  soffrimentos  do  povo  (a). 

Deixou  o  vice-reinado  em  1769,  atribuindo-se  sua  exoneração  á 
pasquins  que  appareceram  nas  ruas  de  Lisboa,  dizendo  :  «  Acudam  ao 
Kio  de  Janeiro,  que  se  perde.  »  (b) 

Em  seu  tempo  descobriram-se  as  minas  de  Santo  António  dos  Gara- 
juz  (c),  Corumbiara,  Boa  Vista,  SanfAnnada  Tromba  de  Morro,  Ouro-iBno, 
SanfAnna,  no  ribeirão  desse  nome,  braço  do  Kio  Preto  ;  em  1754,  as  de 
Urucumacuan,  no  entroncamento  das  cordilheiras  do  Norte  e  dos  Parecis, 
perto  das  origens  do  Jamary,  Galera  e  Camararé,  para  cuja  exploração 
partiu  do  arraial  de  SanfAnna,  em  5  de  junho  do  anno  seguinte,  uma 
bandeira^  a  a  mais  bem  preparada  que  tém  visto  estes  sertões,  »  diz  o 
intendente  do  ouro,  Felippe  José  de  Carvalho  Nogueira,  na  sua  Memoria 
chronohgica  da  capitania  de  Matto-Grosso^  e  principalmente  das  pro- 
vedorias de  (agenda  e  intendência  do  ouro  (d) ;  minas  de  cujo  sitio  se 
perdeu  completamente  a  tradição. 

Fez  abrir  duas  estradas  da  nova  capital,  uma  para  a  Bahia,  passando 
por  Cuyabá,  Villa  Boa  e  os  povoados  de  Santa  Luzia,  Arrependidos  e 
Villa  de  S,  Romão,  em  Minas  Geraes,  donde,  em  rumo  E.,  seguia  para 
a  cidade  do  Salvador^  ainda  então  sede  do  governo  do  Brasil ;  e  a  outra 
passando  por  aquellas  duas  capitães,  e  depois  buscando  as  povoações  de 
Paracatú  e  S.  João  dEI-Eei  para  chegar  á  cidade  do  Bio  de  Janeiro, 
capital  do  Brasil  desde  1753. 


(a)  Roque  Leme,  obra  citada,  que  erradamente  o  dá  governando  até  1775. 

(b)  Roque  Leme,  obra  citada. 

(c)  Aos  13°  29'  40",  Carta  Geog.  do  rio  Guaporé,  da  commlssao  de  1782.  Foram 
solemnemente  povoadas  em  1776.  Seus  descobridores  foram  Gabriel  Antunes  Maciel 
e  Francisco  de  Paula  Corrêa;  seus  terrenos  repartidos  em  ir79,  foram  evacuados 
em   178*2,   por  ordem   regia  de  2  de  maio  do  anno  anterior.  Annaes  da  ca/marade 

ViUa  BeUa, 

(d)  Rev.  do  Inst,  Hist,,  tomo  XIII. 


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68  VILLA  BELLA 

Em  oitubro  de  1758  fez  passar  a  ouvidoria  de  Cuyabá  para  Villa 
Bella,  dando  esse  cargo  ao  Dr.  Manoel  Fanqueiro  Fausto,  que  era  o  juiz 
de  fóra ;  facto  que,  coincidindo  com  o  desapparecimento  de  dous  cometas, 
que  então  brilhavam  no  firmamento,  fez  o  povo  dali  dizer  que  tinham-se 
acabado  três  calamidades  (a).  Nesse  mesmo  anno  fez  repartir  as  minas  de 
S.  Vicente. 

A'  Rolim,  por  C.  B.  de  26  de  agosto  de  1758,  tinha  sido  commet- 
tida  a  autoridade  de  punir,  sem  appellação  nem  aggravo,  os  crimes,  tanto 
civis  como  militares,  estabelecendo-se  para  os  respectivos  processos  uma 
junta  de  justiça,  composta  delle,  o  ouvidor  e  o  juiz  de  fora ;  a  qual  func- 
cionou  pela  primeira  vez  no  anno  de  1771. 

A  vara  desse  julgado  de  fora  voltou  novamente  para  Cuyabá  em 
1762,  ficando  Villa  Bella  carecendo  delia  até  1813  em  que,  á  15  de 
agosto,  foi  novamente  estabelecida. 

O  imposto  annual  de  capitação  das  minas,  e  depois  o  quinto,  nunca 
foram  menores  de  cincoenta  arrobas  de  ouro.  Minas  Geraes,  Goyaz  e  Matto- 
Grosso  eram  as  principaes  fornecedoras  do  real  erário  ;  e  só  em  1753  o 
comboy  que  seguiu  do  Bio  de  Janeiro  levou  cerca  de  trinta  mil  contos 
de  réis.  Os  últimos  quintos  arrecadados  pelo  governador  Bolim  foram  de 
cincoenta  arrobas,  que  desceram  em  setembro  de  1 762,  conduzidos  pelo 
capitão  José  Pereira  Nunes. 

Entretanto  essa  capitania  que  tanto  ouro  possuia  em  si,  que  tantas 
e  tão  ricas  minaa  continha  em  seu  solo,  que  com  tâo  avultado  cabedal 
soccorria  a  mãe  pátria;  facto  notável!  desde  1758  que  já  não  pôde  viver 
sem  o  adjutorio  extranho.  De  seus  thesouros  nada  lhe  ficava,  nem  para 
o  pagamento  dos  soldos  dos  empregados  do  Estado. 
(a)  Barbosa  de  Sà,  obra  citada. 


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CIDADE   DE   MÁTTO-GROSSO  69 

Dahi  maiores  violências,  mais  repetidas  extorsões,  até  que  os  lamen- 
tos foram  tão  fortes  que  chegaram  á  Lisboa ;  naquelle  anno  foi  ordenado 
ao  governo  de  GK)yaz  àe  subvencional-a  com  quinhentos  e  doze  marcos 
de  ouro  anntMes^  tirados  da  sua  casa  de  fundição  ;  subvenção  que  mais 
tarde  foi  elevada  á  setecentos,  reduzida  era  17  de  agosto  de  1779  à  tre- 
zentos e  depois  augmentada  de  mais  vinte  contos  de  réis,  quando  para 
Matto-Grosso  foi,  e  emquanto  ahi  permaneceu,  a  commissao  demarcadora 
de  limites  (a). 

Em  1810  ordenou-se  á  Goyaz  que  mandasse-lhe  também  os  direitos 
de  siza,  decima  e  sellos,  que  lhe  eram  próprios ;  e,  desde  a  independência 
até  hoje,  tem  a  província  do  Matto-Grosso,  essa  pobre  millionaria,  vivido 
das  subvenções  dos  cofres  geraes ! 

Eolim  desceu  pelo  Guaporé,  a  estrada  privativa  de  Villa  Bella; 
por  ella  já  tinha  subido  o  seu  suecessor,  e  anterionnente,  em  1754,  o 
ouvidor  Fernando  Pereií-a,  que,  mal  chegado,  logo  succumbiu,  o  Dr.  Fan- 
queiro e  outros ;  e  descido  o  Dr.  Theotonio,  que  ao  passar  o  maior  dos 
saltos  do  Madeira,  em  1758,  ahi  fundou  uma  aldeia  áepamas  (b)  ;  guar- 
dando o  povo,  em  memoria  dessa  providencia,  o  nome  do  fundador,  que 
passou  á  ser  o  desse  salto,  até  então  chamado  do  Natal, 


(a)  Pizarro,  obra  citada.  Accioli,  Ckorographia. 

(b)  V.  introducção,  cap.  II,  XII,  pag.  138. 


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CAPITULO  m 

Jmo  ?ún  àt  Cimára,  uginile  ca^ iiã»-geiieral.  KoTai  tf ntalÍTai  doi  bfipanhofi.  Âi  BÍDai  de  S.  Vicente.  Liíz  Finto 
ét  SoBxa  CoBtiiho,  terceiro  eapitio-geaeral.  O  canal  do  ilei^re  ao  igoipebj.  DcpredaçCei  dos  indioi  Luiz  de 
Aíbiqaerqao,  qaarto  capitao-gfneral.  Registros  da  Inini  e  do  Jairi  l^ortei  de  Coimbra  e  do  Frineipe.  Tiaen. 
Preiidioa  de  AlbnqneniRe,  Mondego  e  Vilb  Maria.  S.  Pedro  d'EI-Rei.  Casalrasco.  João  de  Aibuqnerqie,  qninto 
capítio-geBeral.  Aldeia  Carlota.  Janta  goTcrnatiTa.  Caetano  Pinto  e  Magessi,  sexto  e  sétimo  eapiUes-generaes. 
Cijabá  ctpital.  PreUdos.  Presidentes  da  pronneií. 


01  succes8or  de  Bolim  de  Moura  seu 
sobrinho  Joáo  Pedro  da  Gamara,  no- 
I  meado  por  C.   R.   de   6  de  junho  de 
[|j    1763,  e  que,  chegado  á  Villa  Bella  em 
27  de    dezembro  do  anno    seguinte, 
tomou  conta  da  capitania  no  1"  de  ja- 
neiro de  1765. 

Pouco  fez  e  também  pouco  mereceu,  quer 
das  mercês  do  Estado,  quer  das  maldições  do  povo. 
Logo  em  abril  desceu  á  Conceição ;  e  ou  por  temor  ás 
viagens  ou  arreceiar-se  dos  hespanhoes  do  Baures  e  Mamoré,  quasi  que 
fez  a  sede  do  seu  governo  naquelle  destamento,  onde  lançou  os  alicerces 
do  forte  e  fez  activar  a  sua  construcçáo. 

Em  dezembro  voltou  á  Villa  Bella ;  mas  recebendo  do  commandante 
do  destacamento  aviso  de  que  os  hespanhoes  agglomeravam  tropas  na  foz 
do  Ilonamas  e  na  confluência  do  Mamoré,  com  bastante  artilharia,  e 
tendo  já  rompido  hostilidades,  aprisionando  uma  canoa  e  a  guarnição  que 
fora  em  reconhecimento.  Camará,  depois  de  providenciar  sobre  a  segu- 
rança dos  povoados  da  capitania,  desceu  novamente,  em  junho,  para  por 


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72  VILLA  BELLA 

si  mesmo  reconhecer  da  gravidade  da  noticia  e  providenciar  de  visu.  Em 
1  de  dezembro  vieram  os  hespanhoes  acampar  em  frente  ao  destacamento 
com  nma  força  de  cerca  de  oito  mil  homens,  dos  quaes  quatro  mil  e  du- 
zentos bem  armados  e  equipados,  e  mais  outros  tantos  Índios  com  as 
armas  do  seu  uso,  e  oito  peças  de  artilharia. 

Commandava-os  o  próprio  presidente  da  real  audiência  de  Charcas 
ou  La  Plata,  Juan  Pestana,  tendo  por  segundo  o  coronel  engenheiro  An- 
tónio Aysmerich  de  Vilasuna. 

Conforme  declararam  passados,  o  ataque  devia  effectuar-se  na  ante- 
véspera de  Natal.  Novas  ordens,  porém,  vindas  com  o  governador  de 
Santa  Cruz  de  La  Sierra,  nas  quaes  o  governo  de  Madrid  desapprovava 
tão  aggressivo  movimento,  fizeram  levantar  acampamento  e  retirarem-ee 
antes  que  houvessem  realizado  o  ataque  do  ponto  militar  portuguez  (a). 

Serviu  isso  para  mais  activar  as  obras  de  fortificação ;  e  nesse 
mesmo  anno  já  o  forte  podia  receber  artilharia,  e  assestava-a  nos  pontos 
mais  necessários. 


Foi  em  seu  governo  (17G7)  que  descobriu  o  capitão  Bento  Dias 
Botelho  as  minas  de  S.  Vicente  Ferrer  aos  14**  30',  segundo  Ricardo 
Franco,  doze  léguas  á  -^0.  da  Villa  Bella,  onde  em  pouco  tempo  for- 
raou-se  um  populoso  arraial ;  produzindo  tanto  ouro,  que  nesse  anno  des- 
ceram para  Lisboa  quarenta  arrobas  dos  quintos  e  no  seguinte  trinta  e 
uma  (b). 

Camará  governou  quatro  annos  e  dous  dias,  entregando  a  adminis- 
tração em  3  de  janeiro  de  1769  á  Luiz  Pinto  de  Souza  Coitinho,  depois 

(a)  A  nnaei  do  senado  de  Villa  BeUa, 

(b)  Item.  Sá,  obra  citada.  Pizarro,  idem. 


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CIDADE  DE   MAITO-GROSSO  73 

?isconde  de  Balsemão,  capitáo-general  do  Cuyabá  e  Matto-Grosso  por 
C.  R.  de  21  de  agosto  de  1767,  e  chegado  áVilla  Bella  em  2  de  janeiro 
de  1769.  Em  sua  companhia  veiu  o  Dr.  Miguel  Pereira  Pinto  Teixeira, 
para  ouvidor,  em  substituição  do  Dr.  Manoel  José  Soares,  promovido  á 
desembargador  da  Belação  do  Bio  de  Janeiro,  e  que  logo  em  abril  seguinte 
desceu. 

Ainda  em  caminho  para  o  seu  governo,  Luiz  Pinto,  ao  passar  pelo 
salto  do  Girau,  no  Madeira,  á  exemplo  do  Dr.  Theotonio, — non  ignarus 
iiialis-^Q  no  intuito  de  servir  de  recurso  aos  viajantes,  fundou  uma  aldeia 
dos  Índios  pamaSj  á  que  deu  o  nome  de  Balsemão,  do  local  de  seu 
nascimento  e  solar  de  sua  família  em  Portugal. 

Mal  chegado  á  Yilla  Bella  foram  suas  primeiras  ordens  relativas  á 
agricultura  ainda,  por  demais,  descurada  n  esses  povoados,  e  procurou  o 
cultivo  da  canna  de  assucar  indígena  no  paiz  e,  como  já  viu-se,  encon- 
trada nos  albaldões  e  reductos  do  pantanal  dos  Xarayes,  logo  depois  da 
fundação  de  Cuyabá  (a) ;  beneficio,  entretanto,  desprezado  dentro  em 
breves  annos,mais  talvez  pela  fome  do  ouro  e  abandono  das  lavouras  pelas 
lavras,do  que  pelos  impostos  do  fisco,  como  o  assegura  o  chronista  Sá  (b). 

Fez  levantar  a  primeira  carta  topographica  da  capitania  ahi  pelo 
anno  de  1770  ;  no  seguinte  mandou  bater  um  quilombo  que  se  formara  no 
rio  Quariteré,  de  negros  foragidos  das  minas  da  Serra,  e  cuja  destruição 
só  foi  conseguida  em  tempos  de  João  de  Albuquerque,  o  quinto  capitão- 
general,  vinte  e  quatro  annos  depois ;  mandou  examinar  as  minas  de  sal 
descobertas  naquelle  anno  por  Luiz  António  de  Noronha,  nos  terrenos 
baixos  entre  os  rios  Paraguay  e  Cuyabá;  estabeleceu  o  destacamento  de 
Palmellas  no  sitio  da  antiga  Casa  Redonda  ou  missão  de  S.  José.  Já 
em    14  de   março  de  1763  tinha  á  esta   mudado  o  nome  para  ode 

(a)  V.  primeiro  volume  desta  obra,  introd.,  cap.  III,  pag.  149. 

(b)  Obra  citada. 

10 


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74  VÍLLÀ  BÍáLLÁ 

Leoinily  e  bem  assira  para  Bragança  o  do  forte  da  Conceição,  togar 
de  Guimarães  o  arraial  de  Sant^Anna  da  Chapada  e  Lamego  a  aldeia  de 
S.  João  ou  S.  Miguel,  do  baixo  Guaporé,  á  imitação  do  que  em  1759 
fizera  no  Pará  o  capitào-general  Joaquim  de  Mello  Povoas  em  grande  nu- 
mero de  povoados:  o  que,  porém,  não  toi  approvado  pelo  governo  real, 
mandando-se,  segundo  o  intendente  Felippe  Coelho  (a),  «  conservar 
os  nomes  antigos,  talvez  para  evitar  confusões  no  futuro.  » 

Estabeleceu  a  casa  da  fundição  do  ouro,  que  só  começou  á  fúnccio- 
nar  em  janeiro  de  1772,  ao  ser  abolido  o  tribunal  da  intendência  :  fora 
mandada  crear  por  D.  de  28  de  janeiro  de  1736  ;  mas  Rolim  deixara  de 
cumprir  tal  ordem  por  circumstancias  que  não  pude  averiguar,  apezar  de 
elle  próprio  ter  vindo  para  o  seu  governo  preparado  com  os  artífices  e 
machinas  necessárias ;  e  apezar,  ainda,  dos  desejos  e  instancias  do  povo, 
que  só  viu  nesse  procedimento  do  governador  mais  umaoccasião  de  oppri- 
mil-o  (b).  As  ruinas  desse  estabelecimento  attestam,  ainda  hoje,  a  sua 
importante  fabrica. 

Todo  o  ouro  minerado  para  ahi  vinha  á  ser  pesado  e  quintado,  e 
deduzido  á  barras  o  dos  particulares,  á  quem  se  entregavam  carimbadas 
e  com  o  certificado  do  peso,  qualidade  quilate  e  valor,  no  intuito  de 
evitar  dolo  aos  possuidores. 

Esperançado  de  abrir  uma  navegação  toda  fluvial  entre  o  Pará  e 
Villa  Bella,  continuada  pelo  Paraguay  até  o  Prata,  reunindo  assim  por 
um  canal  natural  de  duas  mil  léguas  o  oceano  equatorial  e  o  oceano 
austral,  fez  em  março  de  1771  passar  uma  canoa,  de  dez  remos,  do  rio 
Alegre  ao  Aguapehy,  varando-a  por  um  trecho  de  terra  menor  de  duas 
léguas  (c). 


(a)  Sá,  obra  citada. 

(b)  Pizarro,  obra  citada. 

(c)  lieg,  do  se  fiado  da  camará^  liv.  VI.— Sá,  obra  citada. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  75 

Nesse  mesmo  anno  passou  a  provedoria  de  fazenda  de  Cuyabá  para 
a  capital. 

Durante  todo  o  seu  governo  passou  atribulado  com  o  susto  de 
guerras  com  os  castelhanos,  não  só  pelo  estado  das  cousas  quando  elle 
tomara  as  rédeas  da  administração,  como  pelas  noticias  que  de  vez  em 
quando  lhe  traziam  os  indios  fugidos  ou  negociantes  portuguezes. 
Em  21  de  agosto  de  1769  creou  uma  legião  ãe  hússares  e  oxitt2L  áe 
attxiliares  de  infantaria  ;  mas,  ainda  assim,  em  julho  de  1771  teve  de 
forçar  novo  recrutamento  de  tropas,  com  grande  vexame  ao  povo,  não  só 
de  gente  como  de  dinheiro,  cabendo  somente  á  villa  de  Cuyabá  a  leva  de 
trezentos  e  cincoenta  infantes  e  oitenta  cavalleiros  com  seus  cavallos,  e 
ainda  mais  o  imposto  de  seis  mil  e  quatrocentas  oitavas  de  ouro  para  as 
despezas  do  Estado  (a).  Organisada  esta  tropa  o  mais  breve  possivel, — 
que  apertadas  eram  as  ordens,  e  pelos  maridos,  pães  e  irmãos  homisiados 
eram  recolhidas  ás  cadeias  mulheres,  iilhas  e  irmãs,  e  sequestrados  os 
bens — ,  marchou  em  seguida  para  a  capital ;  mas  ao  approximar-se  do 
Jauni  recebeu  ordem  para  regressar,  tendo-se  sabido  que  um  movimento 
de  tropas,que  os  hespanhoes  iizeram,  fôra  contra  os  indios  que  tinham 
abandonado  suas  aldeias,  por  não  quererem  submetter-se  aos  missionários 
que  tinham  ido  substituir  os  jesuítas  expulsos. 


II 


Entretanto,  si  não  houve  mister  de  bater-se  com  os  castelhanos, 
muito  teve  a  capitania  de  soffi*er  dos  seus  aborigenes. 

Em  19  de  março  de  1771  os  cayapós  assaltaram  e  destroçaram  o 
povo  das  minas  dos  Remédios,  matando  oitenta  e  cinco  pessoas ;  e  pouco 
(a)  Item. 


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76  YIUvA   BELLA 

depois  as  lavouras  de  Agostinho  de  Faria  Castro  e  do  Dr.  Francisco  Pe- 
reira Guimarães,  nos  Cocaes,  e  o  sitio  de  Salvador  Eodrigues  de  Siqueira; 
matando  mais  de  cincoenta  pessoas,  escalando  creancinhas  de  meio  á 
meio  e  fazendo-as  depois  em  pedaços,  queimando  casas  e  roças  e  depre- 
dando quanto  lhes  fez  cubica  (a). 

Pelo  mesmo  tempo  davam  os  payaguás  sobre  os  moradores  á  mar- 
gem do  Cuyabá  e  S.  Lourenço,  e  matavam  a  maior  parte,  aprisionando 
umas  vinte  pessoas.  Em  maio  de  1772,  cayapóse  bororós  assaltaram  a 
aldeia  de  SanfAnna  do  Livramento,  fazendo  igual  morticinio,  destruindo 
as  situações  vizinhas  e  levando  a  mina  e  a  devastação  por  onde  passavam. 
Em  dezembro  assaltam  os  sitios  de  Félix  Gonçalves  Netto,  Manoel  da 
Cunha  Abreu  e  António  Arantes,  e  no  anno  seguinte  vão  até  os  arredores 
da  villa,  onde  commettem  iguaes  atrocidades.  Em  maio  de  1775  des- 
troom  os  payaguás  os  sitios  de  Domingos  da  Silva  Bueno  e  outros,  nas 
ribas  do  Paraguay  e  do  S.  Lourenço,  quasi  na  mesma  occasiáo  em  que  os 
bororós  assaltavam  os  moradores  do  Coxipó-assú. 

Vingavam-se  os  selvagens  das  barbaridades  injustas,  aggressôes  e 
atrocidades  inauditas,  e  do  captiveiro  em  que  os  prendiam  os  sertanistas. 
Não  se  contentavam  em  matar,  destruir  e  queimar  :  tinham  prazer  em 
requintar  os  tormentos  dos  desgraçados  que  lhes  cabiam  nas  mãos. 

Aos  homens  esquartejavam,  tiravam  as  visceras,  espetavam  as 
cabeças  em  paus  para  fazerem  tropheos,  e  o  resto  espalhavam  pelos 
campos ;  as  crianças,  abriam-as  pelas  pernas  e  arrancavam  depois  os 
bracinhos  e  a  cabeça.  Somente  á  algumas  moças  poupavam  a  vida,  para 
levarem-as  prisioneiras. 

Neste  ultimo  assalto  agarraram  duas  filhas  de  Plácido  Bicado  ; 
á  uma,  que  não  se  rendeu  promptamente,  arrancaram-lhe,  viva,  os  dentes. 


(a)  Reg,  do  senado  da  cornara. 


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CIDADE  DE  MArrO-GKOSSO  i  í 

OS  olhos  e  depois  esmigalharam-lhe  o  craneo  ;  a  outra  levaram  e  delia 
não  houve  mais  noticia. 

Nenhum  autor,  nenhum  chronista  consigna  que  taes  harharos  fossem 
antropophagos,  que  quizessem  as  victimas  para  seus  festins  de  canihaes ; 
nem  mesmo  que  levassem  os  craneos  e  os  despojos  para  fazerem  tropheos 
de  guerra,  e  ostentarem  sua  valentia  aos  olhos  das  outras  tribus. 

O  povo  pedia  soccorro  ao  governador  contra  taes  tropelias,  cada  vez 
mais  amiudadas.  Mas,  nesáes  tempos,  o  governo  era  só  feito  para  arrecadar 
e  zelar  interesses  do  Estado.  Quando  est«  perigava,  tinha  o  povo  o  dever 
de  vir  em  seu  auxilio ;  mas  quando  o  padecente  era  o  povo  e  implorava 
soccorro,  este  vinha,  é  certo,  mas  concebido  nas  ordens  de  preparar  elle 
mesmo  a  gente  e  o  dinheiro  para  os  gastos  da  operação. 

Assim  Cuyabá,  que  já  tinha  feito  sahir,  em  1771,  Pascoal  Delgado 
Lobo  com  uma  bandeira  de  sessenta  homens  contra  os  payaguás,  á  quem 
alcançou  e  completamente  destruiu,  já  no  Taquary,  onde  estavam  des- 
cuidados, recebeu  agora,  em  resposta  do  governador  Luiz  Pinto,  que 
«  á  custa  do  povo  e  senado  se  fizesse  uma  esforçada  bandeira  para  guerrear 
os  selvagens.  »  Tiraram-se  cerca  de  três  mil  oitavas  de  ouro,  formou-se 
um  contingente  de  oitenta  homens  sob  o  cominando  de  António  Soares 
e  outro  egual  que  Pascoal  Delgado  novamente  capitaneou.  Est^  foi  bater 
08  bororós  e  voltou  á  villa  em  12  de  dezembro  de  1773,  com  cerca  de 
oitenta  prisioneiros,  de  toda  a  edade  e  sexo,  que  foram  mandados  aldeiar 
na  capella  de  S.  Gonçalo ;  mas  ahi  não  se  sentiram  á  gosto,  e  logo  em 
começos  do  anno  tinham  todos  fugido  !  (a) 


Durante  o  seu  governo  Luiz  Pinto  fez  remessa  para  Lisboa  de  nada 
menos  que  duzentas  e  quarenta  e  seis  mil  seiscentas  e  vinte  e  duas 


(a)  Sá,  obra  citada. 


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78  VILLA   BELLA 

oitavas  e  um  quarto  de  ouro,  isto  é,  quasi  sessenta  arrobas  e  meia,  além 
de  cento  e  setenta  mil  cruzados  ;  do  qual  a  maior  quantidade  extorquida 
do  povo  á  titulo  de  dizimes,  quintos,  direitos  de  entrada,  etc.,  fora  o  já 
deduzido  e  que  íicára  para  pagamento  dos  honorários  do  governador  e 
dos  seus  oflBciaes  e  funccionarios  públicos. 

A  oitava  do  ouro  do  Matto-Grosso  fôra  avaliada  em  mil  trezentos  e 
cincoenta  réis,  quando  a  do  Cuyabá  era  do  valor  de  mil  e  duzentos,  por 
aquelle  exceder  no  toque,  que  era  de  vinte  quilates  (a) ;  entretanto,  desde 
que  se  fundou  a  casa  de  fundição,  até  1789,  só  pagavam  os  matto-gro&- 
senses  meio  quinto  de  imposto,  emquanto  que  os  moradores  de  Cuyabá 
pagavam-o  inteiro. 


III 


Luiz  de  Albuquerque  de  Mello  Pereira  e  Cáceres  foi  o  quarto  gover- 
nador e  capitão-general,  nomeado  por  C.  B.  de  29  de  junho  de  1771. 
Partido  do  Rio  de  Janeiro  em  21  de  oitubro  seguinte,  entrou  em  Cuyabá 
á  4  de  oitubro  de  1772  e  em  Villa  Bella  á  5  de  dezembro.  No  trajecto 
entre  essas  duas  villas,  distantes  entre  si  cem  léguas,  gastou  vinte  e  três 
dias.  Assumiu  o  governo  em  13  de  dezembro  e  dirigiu-o  por  espaço  de 
dezessete  annos  menos  vinte  e  três  dias,  o  mais  dilatado  que  tem  havido 
em  Matto-Grosso.  A'  elle  mais  do  que  á  nenhum  outro  deve  a  capitania 
beneficies  e  germens  de  muitos  engrandecimentos,  sendo,  talvez,  o  maior 
delles  o  ter  trazido  em  sua  companhia  o  engenheiro  Bicardo  Franco  de 
Almeida  Serra,  então  capitão  de  infantaria ;  á  quem  desde  o  começo  da 
viagem  foram  commettidos  trabalhos  da  maior  importância,  começando 
por  um  mappa  do  itinerário  que  seguiram  do  Bio  de  Janeiro  á  Villa 

(a)  Pizarro,  obra  citada» 


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ClbADE   DE  MArrO-GKOSSÔ  ?i> 

Bella  ;  e  que  identificando-se  com  a  capitania  fez  delia  uma  nova  pátria, 
estudando-a  e  fazendo-a  conhecida  no  mundo,  e  ahi  sepultando-se  após 
quasi  quarenta  annos  de  nobres  e  famosos  trabalhos. 


Não  entrou  Albuquerque  livre  de  tropeços  no  seu  generala  to ;  os 
Índios  continuavam  nas  suas  depredações:  e  elle,  encarando  a  gestão  dos 
negócios  públicos  de  uma  outra  maneira  que  não  seus  predecessores,  organi- 
sou  também  levas  contra  os  selvagens;  mas  como  meio  melhor  para  oppôr 
óbices  á  suas  excursões  e  ao  mesmo  tempo  facilitar  recursos  aos  viajantes, 
foi  fundando  estabelecimentos  nos  legares  onde  mais  frequentes  eram  as 
suas  correrias  Assim,  em  1773  fundou  o  registro  da  Insua,  nos  limites 
de  Goyaz,  e  extittia  oriental  da  capitania ;  no  anno  seguinte  o  do  Jaurú, 
aos  15°  44'  32"  (Ricardo  Franco) ;  em  1775  o  presidio  e  forte  da  Neva 
Coimbra^  no  rio  Paraguay  ;  em  1776  o  forte  do  Príncipe  da  Beira^  no 
Ouaporé,  obra  extraordinária  na  sua  construcção  magistral  pelas  dififi- 
culdades  que  se  venceram  n'um  lapso  de  tempo  tão  curto  (seis  annos),  si 
se  attender  ao  local  e  distancia  dos  recursos,  e  cujos  alicerces  foi  elle 
próprio  fundar  em  26  de  junho ;  em  fins  desse  anno  Viseu ^  fronteiro  á 
foz  do  Corumbiara  e  próximo  ás  minas  do  Garajuz,  no  mesmo  logar  onde 
fòra  a  Casa  Kedonda  (a);  em  1778  o  presidio  de -iZôtiífuergw^,  hoje 
cidade  de  Corumbá  (á  21  de  setembro) ;  em  novembro  seguinte  o  de 
Mondego^  hoje  villa  de  Miranda  (b)  e  o  de  Villa  Maria,  hoje  cidade  de 
S.  Luiz  de  Cáceres  (c);  em  18  de  oitubro  de  1782,  o  de  S.  Perfro  efe 

(a)  Aos  30o  29'  40".  Carta  Geog,  do  rioíhíaporé  (commissàodemarcadora  de  1782). 

(b)  Villa  desde  30  de  maio  de  1857 ;  cabeça  da  comarca  desde  23  de  julho  do 
anno  seguinte. 

(c)  Fundada  pelo  tenente  de  dragões  António  Pinto  dos  Reis,  de  ordem  de  Luiz 
de  Albuquerque ;  foi  elevada  á  villa  por  ki  provincial  de  28  de  junho  de  1850  e 
rebaixada  desse  foral,  á  indicação  do  presidente  Leverger,  por  lei  de  7  de  junho  de 
1851,  por  faltar-lhe  pessoal  idóneo  para  exercitar  os  necessários  cargos  publicos.Em 
1858  o  Sr.  presidente  de  Lamare  obteve  nova  elevação,  sendo  promovida  á  cidade 

em  1876. 


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80  VILLA  BELLA 

EI-Eeij  hoje  cidade  de  Poconé  (a),  no  mesmo  anno  que  a  povoação  de 
Casalvasco. 

Neste  ultimo  anno,  á  12  de  março,  chegou  e  deu  começo  á  seus  tra- 
balhos a  terceira  divisão  da  commissão  demarcadora  de  limites  (b),  com- 
posta dos  astrónomos  Drs.  Francisco  José  de  Lacerda  e  Almeida  e  António 
José  da  Silva  Pontes,  e  dos  engenheiros  majores  Joaquim  José  Ferreira  e 
Ricardo  Franco  de  Almeida  Serra,  aqui  á  ella  encorporado,  e  dos  offi- 
ciaes  de  dragões  tenente-coronel  António  Felippe  da  Cunha  Pontes  e  ma- 
jor José  Manoel  Cardoso  da  Cunha ;  e  mais  tarde  em  outra  conmiissão  o 
celebre  naturalista  Dr.  Alexandre  Rodrigues  Ferreira,  com  dous  primo- 
rosos desenhistas  Cudina  e  Silva  :  commissões  que  prestaram  os  mais 
relevantes  serviços  á  pátria,  estudando  com  raro  vigor,  consciência  e  zelo, 
uma  a  topographia  do  paiz,  seus  rios  e  fronteiras,  e  outra  a  sua  historia 
natural  (c). 

Em  1776  Luiz  D'Albuquerque  fez  explorar,  inutilmente,  as  origens 
do  Jamary,  Galera  e  Camararé  no  planalto  do  Parecis,  em  busca  das  a£a- 


(a)  Antiga  Ipotíoné  ou  Berípoconé,  do  nome  dos  índios  que  ahi  viviam.  Está  aos 
ICo  16*  8"  de  latitude  e  321o  2'  3u"  de  longitude  do  meridiano  Occidental  da  ilha  do 
Ferro  (Lacerda),  légua  e  meia  distante  da  hahia  do  Rio  de  JaneirOy  assim  denomi- 
nada pela  sua  conliguitiçao  quasi  idêntica  á  da  magestosa  Guanabara.  Foi  elevada 
á  Julgado  em  1783,  creada  freguezia  em  9  de  agosto  de  1811,  villa  em  25  de  oitubro 
de  1831  e  posteriormente  cidade. 

(b)  Designada  por  commissão  de  1779, 1780  ou  1782,  conforme  a  consideram  rela- 
tivamente á  sua  organisaçào  naquella  sua  primeira  éra,  sua  partida  de  Lisboa  em  8 
de  janeiro  do  anno  seguinte  ou  pelo  começo  do  trabalho  e  sua  chegada  em  VUla 
Bella  em  22  de  fever<?iro  de  1782. 

(c)  O  Dr.  Alexandre  nasceu  na  Bahia,  á  27  de  abril  de  1756.  Era  formado  em 
philosophia  (sciencias  naturaes).  Seus  trabalhos  importantissimos  e  nunca  assas 
louvados,  principalmente  os  botânicos,  eram  um  precioso  thesouro  da  nossa  historia 
natural.  Infelizmente  uma  parte  delles  suppõe-se  perdida,  outra  existe  truncada  na 
nossa  bibiiothcca  e  museu  nacional,  existindo  o  rosto  em  mãos  de  vários  amadores 
colleccionadores  c  ató  individues  que  não  sabem  dar-lhes  o  justo  valor,  mas  escon- 
dem-os  por  saberem  que  são  procurados.  Ultimamente,  á  esforços  do  Imperador, 
comprou-se,  para  aquelles  estabelecimentos,  parte  da  sua  importante  flora,  que 
apparcceu  no  espolio  do  conde  de  Castello-Melhor,  em  Lisboa. 


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CIDADE  DE  MAITO-OROSSO  81 

madas  minas  do  Urucumacuan,  que  passavam  por  muito  ricas  e  terem 
sido  exploradas  pelos  missionários  de  Santo  António  do  Madeira;  ajudou  a 
exploração  das  do  Arayés,cujo  ouro  esverdeado  era  de  dezesete  quilates(a); 
em  1779  fez  explorar  as  do  Garajuz  e  em  1782  as  de  Santa  Barbara  do 
Aguapehy,  nesse  mesmo  anno  descoberta  pelo  alferes  José  Pereira  (b). 

Foi  também  nesta  ultima  éra  que  acharam  os  matto-grossenses 
caminho  para  a  missão  hespanhola  de  S.  Thiago,  entrando  pelos  albardões 
entre  as  lagoas  Uberaba  e  Gahyba,  e  ali  chegaram  com  poucos  dias  de 
viagem  e  menos  difiSculdades  do  que  anteviam. 

Apezar  de  creada  a  prelasia  de  Ciiyabá  desde  6  de  dezembro  de 
1716,  somente  agora,  trinta  e  seis  annos  passados,  é  que  foi  apresentado 
para  essa  dignidade  o  padre  José  Nicolau  de  Azeredo  Coutinho  Gentil, 
por  C.  R.  de  23  de  janeiro  de  1782  (c),  confirmada  por  letras  apostólicas 
de  11  de  oitubro,  que  concederam-lhe  o  titulo  de  bispo  de  Zoara,  in  par- 
lihus  infiâelium.  Mas  acccitou  o  titulo  e  não  o  encargo,  e  nem  mesmo 
mais  tarde  o  da  prelasia  de  Goyaz  para  que  foi  transferido  em  7  de  março 
de  1778,  por  não  querer  vir  empossar-se  da  outra  ;  preferindo  afinal 
ser  provido,  á  16  de  maio  de  1795,  em  deão  da  capella  real  de  Villa  Vi- 
çosa, com  a  sua  dignidade  episcopal.  As  duas  prelasias  continuaram 
vagas  e  ainda  por  muitos  annos  sugeitas  á  diocese  fluminense. 


IV 


Para  substituir  Luiz  de  Albuquerque  foi  nomeado  o  governador  do 
Pará  e  Rio  Negro  João  Pereira  Caldas  (d),  e  ao  mesmo  tempo  primeiro 

,a^  Ricardo  Franco,  3/íw.  Oeog,  do  rio  Tapajós.  Houve  um  outro  logar,  AraéSy 
á  sois  léguas  de  Cuyabá,  mais  tarde  frcguezia  de  S.  Gonçalo  de  Amarante. 

(bl  Aos  16o  40»  (commissão  demarcadora  de  1782). 

(c)  No  Registro  do  senado  da  canutra  está  11  de  setembro. 

(d;  Governou  o  Pani  de  21   de  setembro  de  1772  á  29  de  julho  de  IT/S,  em  que 
foi  substituido  por  Joarjuim  de  Mello  Povoas. 

11 


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82  VILLA   BELLA 

commissario  da  commissão  de  demarcação  de  limites  e  commandante  em 
chefe  da  expedição.  Não  acceitando  os  novos  cargos,  foi  por  CR.  de  1788 
nomeado  João  de  Albuquerque  de  Mello  Pereira  e  Cáceres,  irmão  de  Luiz 
de  Albuquerque,  de  quem  recebeu  as  rédeas  do  governo  em  20  de  novem- 
bro do  anno  seguinte;  e  já  administrava  ha  quasi  seis  annos  quando  fal- 
leceu,  em  28  de  fevereiro  de  1796,  antes  de  chegado  o  seu  successor, 
nomeado  já  mezes  antes. 

O  facto  mais  importante  que  de  seu  governo  guarda  a  historia  é  a 
completa  destruição  dos  quilombolas  do  Quariteré,  era  1795,  e  a  fun- 
dação de  um  povoado  que  projectou  nesse  mesmo  sitio,  e  ao  qual  impòz, 
em  homenagem  á  princeza  real,  o  nome  de  Aldeia  Carlota. 

Mas  a  cidade  deve  ser-lhe  grata  por  algumas  obras  que  realizou, 
entre  outras  a  construcção  de  um  extenso  cães,  de  uns  trezentos  metros  de 
longo  e  três  de  alto,  flanqueado  por  baterias,que  liga  vam-se  por  umacor/twVz, 
e,  servindo  ao  mesmo  tempo  de  defeza  na  guerra,  dique  ás  enchentes  do 
rio,  logradouro  e  embarcadouro  publico,  ainda  era  o  mais  aprazivel  e 
apreciável  passeio  da  capital  (a). 


Para  occorrer  ao  caso  de  falleci  mento  do  governador,  havia  já  o 
alvará  de   12  de  fevereiro  de  1770  prevenido  um  governo  chamado  de 

(a)  «  Annos  depois,  diz  o  Sr.  Moutinho  ^obra  citada),  um  commandante  militar, 
com  pena  de  estragar  as  botas,  mandou  desuianchal-o  para  fazer  um  caminho  entre 
o  palácio  e  o  quartel.»  E*  infundada  essa  asserção:  esse  caminlio  é  na  verdade 
feito  com  pedra  do  cães,  masdo  cães  jáderruido;  e,  demais,  é  diflicil  de  acredi- 
tar-se  que  houvesse  um  homem  que  se  sentisse  com  a  disposição  mais  que  vanda- 
liça,  estúpida,  de  destruir  uma  obra  de  valor  e  necessidade,  quando  em  tanta  cópia 
abundam,  e  muito  mais  perto,  os  escombros  de  dezenas  de  edilicios  destruídos. 
E'  aquelle  caminho  de  uns  cento  e  cincocnta  metros  de  longo,  tem  um  de  largo  e 
poucos  decimetros  de  alto ;  pouco  matoiúal  poderia  ter  consumido  daquelle  caos  si 
fosse  só  á  custa  delle  feito,  tão  alto  e  extenso  era  estt?,  e  tão  mesquinha  aquella 
calçada.  Entretanto  o  cães  já  não  existe,  havendo  apenas  vestígios  atraz  da  capella 
de  Santo  António :  foi  sem  duvida  o  rio  quem  o  destruiu. 


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CIDADE  DE  MA'n'0-GKOSSO  83 

SHccessão,  composto  das  três  maiores  autoridades  da  capitania,  que  seriam 
o  ouvidor,  o  militar  de  maior  graduação  e  o  presidente  do  senado  da 
camará.  Em  virtude  disso  assumiu  a  administração  a  primeira  jww^a 
govenmliva,  composta  do  Dr.  António  da  Silva  do  Amaral,  o  tenente- 
coronel  Kicardo  Franco  de  Almeida  Serra  e  o  vereador  Marcellino  Ri- 
beiro; a  qual  tomou  posse  logo  no  dia  seguinte,  e  governou  por  oito  mezes 
e  seis  dias,  até  6  de  novembro,  em  que  foi  empossado  do  cargo  de  gover- 
nador e  capitão-general  Caetano  Pinto  de  Miranda  Montenegro,  depois 
marquez  de  Villa  Real  da  Praia  Grande,  nomeado  por  C.  R.  de  18  de 
setembro  do  anno  anterior. 

Removido  para  a  capitania  de  Pernambuco,  por  C.  R,  de  2  de  agosto 
de  1802,  passou  Montenegro  a  administração  em  15  de  agosto  do  anno 
seguinte,  após  seis  annos,  nove  mezes  e  nove  dias  de  governo,  á  segunda 
junta  governativa,  agora  formada  pelo  Dr.  Manoel  Joaquim  Ribeiro, 
coronel  António  Felippe  da  Cunha  Pontes  e  vereador  José  da  Costa  Lima. 

Este  mais  tarde  foi  substituido  pelo  seu  immediato  na  vereança, 
Manoel  Leite  Moreira. 

O  acto  mais  notório  do  governo  de  Caetano  Pinto,  foi  mandar,  em 
1 797,  reforçar  o  ponto  do  Mondego,  fundado  por  Luiz  de  Albuquerque,  e 
construir-lhe  um  reducto,  que  de  seu  nome  chamou-se  Miranda;  denomi- 
nação que  posteriormente  ligou-se  ao  povoado,  hoje  villa,  e  ao  rio  que  por 
ella  passa. 


O  sétimo  capitão-general  foi  Manoel  Carlos  de  Abreu  e  Menezes, 
nomeado  por  patente  de  2  de  agosto  de  1802.  Tomou  conta  da  capitania 
em   28  de  junho  de  1804,  e  falleceu  no  anno  seguinte,  á  8  de  novembro, 

Dado  mesmo  (|uo  suas  ruinas  fossem  ulilisadas  para  aquelle  ou  outro  flm,  não 
era  de  extranhar,  hoje  que  á  cidade  faltam  completamente  as  forças  para,  já  não 
digo  crear,  mas  recompor  a  mais  insignificante  obra. 


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84  VILLA  BELLA 

quando  se  empenhava  em  promover  a  navegação  do  Araguaya  e 
Tocantins. 

Em  seu  tempo  descobriram-se  e  repartiram-se  (1808)  as  minas  de 
S,  Francisco  de  Paula,  cincoenta  e  cinco  kilometros  á  NO,  da  villa  do 
Diamantino,  e  em  1812  as  de  Areias,  n'um  affluente  do  SanfAnna,  sete 
kilometros  aquém  daquella ;  em  1814,  as  de  S,  João  da  Bocaina,  trinta 
kilometros  adiante  de  Areias  e  no  mesmo  rumo ;  e  no  anno  seguinte,  as 
de  S,  BaphaeJ  e  S.  Joaquim,  cincoenta  kilometros  ao  N.  daquella  villa  e 
também  ás  margens  do  ribeirão  de  SanfAnna. 

Durante  o  seu  governo,  apresentou  o  príncipe  regente,  por  carta  de 
20  de  oitubro  de  1803  (a),  para  prelasia  da  capitania,  o  cónego  Dr.  Luiz 
da  Costa  Pereira,  que  foi  confirmado  por  Pio  VII  e  obteve  o  breve  de 
bispo,  in  pariihas,  de  Ptolomaida. 

Com  a  morte  de  Menezes  assumiu  a  direcção  dos  n^^gocios  públicos 
a  junta  composta  do  Dr.  Sebastião  Pita  de  Castro,  o  coronel  Cunha  Pontes 
e  o  vereador  Costa  Lima,  a  qual  pouco  á  pouco  se  modificou,  sendo  sub- 
stituido  este  ultimo  em  1  de  janeiro  de  1806  por  seu  collega  Marcellino 
Kibeiro,  o  Dr.  Pita  em  24  de  maio  pelo  Dr.  Gaspar  Pereira  da  Silva 
Navarro,  o  coronel  Pontes  pelo  de  egual  patente  Ricardo  Franco,  em  12 
de  dezembro,  e  ainda  o  vereador  Marcellino  por  Francisco  de  Salles  Pinto, 
no  P  de  janeiro  de  1807.  Teve  de  governo  esta  junta  dous  annos  e  dez 
dias,  até  18  de  novembro  desse  anno,  em  que  assumiu  o  poder  o  Dr.  João 
Carlos  Augusto  de  Oeynhausen  Gravensberg.  depois  marquez  do  Aracaty, 
que  fora  nomeado  capitão^eneral  por  C.  R.  de  9  de  julho  do  anno  ante- 
cedente. 

Logo  em  começo  do  seu  governo  baixara  a  lei  de  1°  de  setembro  de 

(a)  29  de  oitubro,  conforme  outros,  que  confundem  essa  data  com  a  do  breve 
que  concedeu-lhe  honras  episcopaes. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  85 

1808,  prohibindo  correr  como  moeda  o  ouro  em  pó  nas  capitanias  de 
Minas,  Goyaz  e  MattoGrosso.  Durante  sua  administração  teve  a  capi- 
tania a  dita  de  receber  o  seu  primeiro  prelado,  o  bispo  de  Ptolomaida, 
entrado  em  Cuyabá  á  5  de  agosto  de  1808,  não  por  muito  gosto,  mas 
coagido  pelo  governo  real.  Delle  diz  Pizarro,  aliás  sacerdote  de  digni- 
dade também  prelaticia,  que,  «  atrazando-se  na  deliberação  de  deixar 
Lisboa,  tinha  entretanto  tido  o  cuidado  em  empossar-se  do  beneficio  para 
colher  seus  fructos  com  suavilade,  socego  e  nenhum  trabalho  (a).  »  Era 
doutor  em  theologia  e  cónego  regular  de  S.  João  Evangelista;  obteve  a 
confirmação  papal  por  breve  de  29  de  oitubro  de  1804  (b),  sendo  sagrado 
em  14  de  junho  de  1805.  Em  8  de  dezembro  de  1807  tomou  posse  da 
prelasia  por  intermédio  de  seu  procurador  o  padre  Agostinho  Luiz 
Goulart  Pereira.  Em  21  de  abril  de  1801  fôra  eleito  bispo  de  Bragança, 
mas  falleceu  em  1  de  agosto  de  1822,  quinta-feira,  ás  11  horas  do  dia, 
sendo  sepultado  no  domingo  seguinte  na  capella-mór  da  cathedral,  por 
traz  do  sólio  episcopal.  Desde  21  de  abril  do  anno  antecedente  que  estava 
preconisado  para  o  bispado  de  Bragança,  em  Portugal. 

Creou-se  em  1813  novamente  o  juizado  de  fora  de  Cuyabá ;  e  por 
aviso  de  3  de  setembro  um  tribunal,  composto  do  capitão-general,  do 
ouvidor  e  do  juiz  de  fora  de  Villa  Bella,  para  ahi  tratar  dos  negócios 
attinentes  â  mesa  do  desembargo  do  paço. 

Em  1814  creou-se  a  casa  da  moeda,  e  em  1817  a  Companhia  de 
Mineração  do  Cuyabá,  confirmada  pelo  principe  regente  em  16  de 
janeiro  de  1817,  que  autorisou-a  á  inscrever  nos  seus  sellos  a  legenda — 
Fortuna  duce  comité  virtute. 


(a)  Mem,  Históricas,  tomo  IX 

(b)  Outros  (ião  erradamente  em  1803, 


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86  VILLA   BELLA 


Teve  o  governo  difficuldades  em  encontrar  um  successor  para  Oyen- 
hausen.  Em  25  de  abril  de  1811  nomeara  Luiz  de  Borba  Alardo  de 
Menezes,  que  já  lhe  fôra  successor  no  governo  do  Ceará  (a) ;  o  qual  não 
acceitou  o  encargo,  do  mesmo  modo  que  o  marechal  de  campo  João  de 
Souza  Mendonça  Corte  Eeal,  nomeado  em  7  de  abril  de  1815 ;  sendo  em 
7  de  julho  de  1817  (b)  nomeado  o  general  de  egual  patente  Francisco  de 

Paula  Magessi  Tavares  de  Carvalho,  depois  barão  de  Villa  Bélla,  o  qual, 
por  sua  vez,  só  acceitou-o  com  a  prévia  promoção  ao  posto  de  tenente- 
general.  Tomou  posse  da  administração  em  6  de  janeiro  de  1819. 

Um  dos  seus  primeiros  actos  foi  crear  uma  legião  das  três  armas,  já 
ordenada  em  decreto  real  de  2^2  de  janeiro  de  1818,  para  maior  segurança 
da  capitania.  >  Em  seu  tempo  estabeleceu-se  a  Casa  da  Moeda  para 
cunhar-se  as  de  novecentos  réis,  devendo  ser  reduzidas  ás  desse  valor 
todas  as  de  outro  que  se  podesse  haver.  Por  C.  E.  de  17  de  setembro 
de  1818,  foram  elevadas  á  cathegoria  de  cidades  as  villas  de  Cuyabá  e 
Villa  Bella,  esta  sob  a  denominação  de  cidade  da  SS.  Trindade  de  Matto- 
Grosso  e  aquella  de  cidado  do  Senhor  Bom  Jesus  do  Cuyahd^  na  con- 
formidade da  real  resolução  de  24  de  julho  desse  anno,  tomada  sobre 
consulta  de  13  do  mesmo  mez,  da  mesa  do  desembargo  do  paço  (c). 

Eram  armas  das  novas  cidades,  as  de  Cuyabá  um  monte  verde  com 
uma  arvore  de  flores  de  ouro,  tendo  por  timbre  uma  phenix,  e  as  de 


(a)  Oyenhausen  tomou  posse  desse  governo  em  18  de  novembro  de  1803  e  Borba 
em  21  de  junho  de  1806. 

(b)  Pizarro,  menos  acertadamente,  dá  essa  posse  em  4  de  julho. 

(c)  Esta  consulta  versava  sobre  o  requerimento  do  bispo  de  Goyaz,  pedindo  o 
predicamento  de  cidade  para  Villa  Boa,  á  exemplo  das  capitães  de  outras  capitanias 
de  ordem  inferior,  como  Sergipe  e  Parahyba. 


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CIDADE    DE    MATTO-QROSSO  87 

Matto-Grosso  um  triangulo,  emblema  da  Trindade,  com  um  pelicano  por 
timbre,  armas  concedidas  em  tempo  de  Rolim  de  Moura,  por  provisão 
real  de  fevereiro  de  1753  (a). 


Arma«   de    Ciiyalaá. 

Em  tempo  de  Magessi  descobriram-se:  em  1819,  as  gropiaras 
de  S.  João  do  Rodeio,  no  Alto  Paraguay,  á  oito  kilometros  da 
vilía  do  Diamantino  ;  em  1820,  as  de  Santa  Rita,  na  outra  margem  do 
Paraguay,  e  a  de  5.  Pedro;  em  1821,  as  de  S,  Vicente,  Santo  António 
e  SanfAnna,  aquellas  próximas  umas  ás  outras  e  na  mesma  margem,  e 
esta  n'uma  ilha  e  orlas  do  ribeirão  do  seu  nome,  e  que  se  manifestou  tão 
rica,  que  foi,  nesse  mesmo  anno,  repartida  á palmos. 


Villa  Bella  já  de  ha  muito  gozava  da  fama  de  doentia  pelas  febres 
de  typo  palustre  que  ahi  grassavam,  devidas  ao  empaludismo  do  seu  ter- 
ritório. 

O  governo  central,  solicito  pelo  bem  dos  seus  povos,  e  já  menos 
receioso  das  pretenções  castelhanas  nessas  raias  do  domínio  portuguez, 
resolveu  transferir  a  sede  do  governo  da  capitania  para  outro  ponto  ; 
fazendo-se  essa  transferencia  em  1820,  para  Cuyabá,  apezar  das  queixas 


(a)  Felippe  José  Nogueira  Cabral.  Mem.  Hist.  da  Cap.  de  Matto-Grosso^  etc. 


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88  vaLA   BELLA 

dos  matto-grossenses  e  dos  empenhos  dos  habitantes  do  Diamantino,  que 
a  queriam  para  a  sua  villa,  então  florescentissima,  e  dos  da  Yilla  Maria, 
que,  pela  sua  melhor  posição  no  rio  Paraguay,  também  pretenderam-a, 
suppondo-a  com  forças  e  direitos  para  capital. 

Com  a  retirada  das  autoridades  e  de  todas  as  repartições  geraes, 
perdeu  a  nova  cidade  de  Matto-Grosso  toda  a  impoi-tancia  que  tinha ;  e 
agora  com  maior  desgosto  pelo  que  se  lhe  auspiciava  e  esperava  com  a 
sua  promoção  de  cathegoria.  Tal  desgosto  em  seus  habitantes  só  teve 
simile  no  desanimo  que  delles  se  apoderou. 

Transferida  a  sede  do  governo,  teve  logar  á  4  de  janeiro  de  1821  a 
primeira  sessão  da  junta  administrativa,  creada  em  todas  as  provincias, 
em  vista  do  art.  31  da  constituição  portugueza  (a).  A  eleição  era  feita 
pelos  três  estados,  nobreza,  clero  e  povo,  e  presidida  a  junta  pelo  capitão- 
general. 

Ficou  ella  formada  pelo  ouvidor  António  José  de  Carvalho  Chaves, 
juiz  dos  feitos  da  coroa  ;  João  José  Guimarães  e  Silva,  escrivão  ;  André 
Gaudie  Ley,  thesoureiro,  e  Manoel  António  Peres  de  Miranda,  procu- 
rador da  coroa. 

No  mesmo  dia  começava  na  nova  capital  o  trabalho  da  fundição  do 
ouro,  cuja  casa  í5ra  também  transferida. 


O  governo  de  Magessi  não  foi  paternal :  capitulado  de  prepotente, 
desregrado  e  altamente  ambicioso,  irritou  o  povo  á  ponto  que,  reunidos 
os  três  estados,  milicia,  clero  e  povo,  no  senado  da  camará,  em  20  de  agosto 
daquelle  mesmo  anno,  depuzeram-o  de  capitão-general  e  elegeram  uma  junta 
governativa,  que  ficou  composta  do  bispo  de  Ptolomaida,  presidente,  e 
vogaes  Jeronymo  Joaquim  Nunes,  João  José  Guimarães  e  Silva,  o  vigario- 

(a)  A  do  Rio  de  Janeiro  foi  estabelecida  em  5  de  junho  do  1830. 


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CIDADE  DE  MATTO-QROSSO  89 

geral  Agostinho  Luiz  Goulart  Pereira,  Félix  Mirme,  António  Navarro  de 
Abreu,  o  capitão  de  engenheiros  Luiz  D'Alincourt,  André  Gaudie  Ley 
e  o  padre  José  da  Silva  Guimarães.  Servia  de  secretario  o  capitão 
D'Alineourt. 

Foi  esse  facto  uma  repercussão  dos  últimos  suçcessos  politicos  da 
metrópole  e  que  tinham  extremecido  o  Brasil  inteiro. 

Cuyabá,  tantos  annos  sopeada  nos  seus  direitos  á  primasia  na  pro- 
vincia,  como  povoação  mais  antiga  e  populosa,  quiz  ostentar  seus  brios 
de  liberdade  e  força  moral :  o  governador  prepotente  e  desregrado  seguiu 
caminho  de  S.  Paulo  em  12  de  setembro  seguinte. 

Mas,  Villa  Bella,  que  desde  a  elevação  desses  sertões  á  capitania 
gozara  dos  foraes  de.  capital,  não  quiz  subordinar-se  á  nova  ordem  de 
cousas.  Creou  um  governo  independente  do  da  junta  de  Cuyabá,  e  assim 
se  conservou  até  1824,  em  que  submetteu-se,  e  ainda  assim  não  comple- 
tamente, ao  primeiro  presidente  nomeado  para  a  província,  o  major 
de  engenheiros  José  Saturnino  da  Costa  Pereira. 

Também  desde  aquella  época  que  não  cessa  de  queixar-se  e  de  pedir 
auxilies  ao  governo  geral,  em  quem  já  perdeu  a  confiança,  do  mesmo 
modo  que  em  si  mesma  a  confiança  de  tomar  á  ser  a  sede  do  governo. 

Por  muito  tempo  guardou  a  esperança  e  os  desejos  de  rehaver  a  sua 
preeminência ;  e  si,  quando  abandonados  e  pouco  á  pouco  destruídos  os 
arraiaes  de  seu  districto,  e  que  lhe  constituíam  as  forças,  reconheceu-se 
impotente  para  essa  aspiração  e  perdeu  a  esperança,  guardou,  todavia, 
inolvidável  memoria  dos  seus  tempos  de  grandeza,  alliada  á  uma  espécie 
de  inveja  e  antipathia  que  desde  os  primeiros  tempos  mutuamente  se 
votavam  os  dous  povoados,  e  agora  exacerbadas  (a). 

Pobre,  tão  pobre,  que  sua  receita  mensal  raras  vezes  excedia  de 


(a)  Officios  do  presidente  da  província  ao  ministério  do  Império  de  5  de  janeiro 
c  20  de  dezembro  de  1832. 

12 


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90  YILLA   BELLA 

quinhentos  mil  réis,  não  lhe  chegando  para  as  despezas  ordinárias,  passou 
á  ser  soccorrida  pela  thesouraria  provincial  com  uma  mesquinha  subven- 
ção, que  nem  assim  era  regularmente  supprida. 

Em  15  de  julho  de  1835,  a  camará  municipal  representou  á  regên- 
cia queixando-se  desse  abandono,  e  tanto  a  representação  como  os  officios 
do  presidente  Alencastro  são  documentos  da  rivalidade  entre  as  duas 
cidades. 


Entretanto  a  nova  capital  se  inaugurara  com  maus  auspicies.  A 
anarchia,  que  desde  1821  ahi  se  implantara,  veiu  fazer  contraste,  durante 
os  períodos  do  primeiro  Império  e  da  Regência,  com  o  socego  inalterável 
do  dominio  colonial,  felizmente  reapparecido  no  segundo  Império  desde 
a  declaração  da  maioridade,  e  apenas  perturbado  pelas  effervescencias 
partidárias,  nas  épocas  eleitoraes,  pelas  arbitrai  iedades  das  autoridades 
e  também  pela  desmoralisaçáo  das  tropas. 


VI 


Até  Magessi  é  a  historia  de  Matto- Grosso  a  da  Villa  Bella.  Aqui 
fico,  pois,  no  que  concerne  á  provincia  dessa  vida  moral  dos  Estados,  por 
já  ser  assumpto  alheio  ao  fim  á  que  ora  me  proponho.  Mais  de  espaço  e 
de  estudos,  talvez  que  a  desenvolva  n'outro  trabalho  que  intento. 

Aqui  addicionarei  apenas,  e  como  complemento,  a  relação  dos  presi- 
dentes que  seguiram-se  á  administração  dos  capitães-generaes,  desde  a 
proclamação  da  independência  do  Império. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  91 

O  primeiro  nomeado  foi  D.  Nuno  Eugénio  de  Locio  Seilbtz,  em  25  de 
novembro  de  1823,  e  que  não  tomou  posse  por  ter  sido  transferido  por  Cl. 
de  21  de  abril  de  1824,  no  mesmo  cargo,  para  a  provincia  de  Alagoas,  vago 
por  têl-o  resignado  Domingos  Malachias  de  Aguiar  Pires  Ferreira  (a). 

O  segundo  nomeado,  e  primeiro  que  presidiu  a  provincia,  foi  o  major 
de  engenheiros  José  Saturnino  da  Costa  Pereira,  lente  da  academia 
militar,   e  depois  brigadeiro  reformado  e  senador  pela  provincia. 

Em  seu  tempo  descobriu-se  (1827)  a  mina  de  cobre  da  margem 
direita  do  Jaurú,  logo  acima  do  Registro,  com  cuja  amostra  se  cunhou 
uma  moeda  de  40  réis. 

Foi  nomeado  por  C.  I.  de  21  de  abril  de  1824,  tomou  posse  á  10  de 
setembro  do  anno  seguinte,  e  governou  dous  annos  e  sete  mezes,  pessando 
interinamente  a  administração  ao  vice-presidente  Jeronymo  Joaquim 
Nunes,  que  governou  de  10  de  abril  de  1828  á  1  de  janeiro  de  1830,  em 
que  por  sua  vez  passou-a  á  seu  substituto  André  Gaudie  Ley. 

Em  31  de  maio  desse  anno  tinha  sido  nomeado  presidente  Francisco 
de  Albuquerque  Mello,  que  não  acceitou ;  e  em  20  de  abril  de  1831  recahiu 
a  nomeação  em  António  Carrêa  da  Costa,  residente  e  natural  da  pro- 
vincia, que  assumiu  o  governo  em  21  de  julho.  Administrou  até  24  de 
março  de  183 1,  sendo  durante  esse  tempo  substituido  três  vezes,  uma  de 
19  de  abril  á  4  de  dezembro  de  1833  por  Gaudie  Ley,  outra  de  dous  dias 
por  José  de  Mello  e  Vasconcellos,  a  terceira  de  26  de  maio  á  22  de 
setembro  de  1834  por  João  Paupino  Caldas. 

Em  4  de  janeiro  desse  anno  era  nomeado  António  Pedro  de  Alen- 
castro,  que  tomou  posse  á  22  de  setembro,  e  em  31  de  janeiro  de  1836 
passou  o  governo  ao  vice-presidente  Corrêa  da  Costa,  que,  ao  cabo  de  vinte 
e  quatro  dias,  passou-o  á  António  José  da  Silva.  Este  governou  durante 
seis  roezes. 

^a)  Depois  btirão  do  Cimbres,  nomeado  em  25  de  novembro  de  1828, 


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92  VnXA  BELLÁ 

o  quarto  presidente  foi  o  Dr.  José  António  Pimenta  Bueno,  depois 
marquez  de  S.  Vicente,  nomeado  em  5  de  novembro  de  1835,  empossado 
em  25  de  agosto  seguinte.  Entregou  o  governo  em  21  de  maio  de  1838 
ao  vice-presidente  padre  José  da  Silva  Guimarães. 

O  quinto  foi  o  Dr.  Estevão  Ribeiro  de  Rezende,  depois  marquez  de 
Valença,  nomeado  por  C.  I.  de  9  de  fevereiro  de  1838.  Tomou  posse  em 
16  de  setembro  e  governou  até  25  de  oitubro  de  1840,  passando  o  governo 
â  Corrêa  da  Costa,  que  três  dias  depois  entregou-o  ao  sexto  presidente,  o 
cónego  José  da  Silva  Guimarães,  nomeado  por  C.  I.  de  30  de  julho 
desse  anno. 

De  9  de  dezembro  de  1842  á  11  de  maio  seguinte  esteve  a  adminis- 
tração em  mãos  do  vice-presidente  Costa ;  reassumindo  nesta  data  o  seu 
proprietário,  que  presidiu  ainda  dous  mezes  e  vinte  e  sete  dias,  deixando-a 
segunda  vez,  em  7  de  agosto  de  1843,  ao  recebw  noticia  de  sua  exone- 
ração. Recebeu  o  governo  o  vice-presidente  Manoel  Alves  Ribeiro  (a), 
que,  dezenove  dias  depois,  passou-a  á  José  Mariano  de  Campos  (b),  de 
quem,  em  2 1  de  oitubro,  o  recebeu  o  sétimo  presidente,  tenente-coronel 
de  engenheiros  Zeferino  Pimentel  Moreira  Freire,  depois  marechal  de 
campo  reformado,  nomeado  para  a  província  por  C.  I.  de  17  de  março 
de  1843. 

O  oitavo  presidente  foi  o  Sr.  tenentc-coronel  de  engenheiros  Dr.  Ri- 
cardo José  Gomes  Jardim,  lente  da  academia  militar  e  hoje  tenente- 
general  reformado,  nomeado  em  9  de  maio  de  1844,  e  egualmente  com- 
mandante  das  armas.  Tomou  posse  em  27  de  setembro,  entregando  o 
poder  em  5  de  abril  de  1 847  ao  nono  presidente  João  Capistrano  Soares, 
nomeado  por  C.  I.  de  1 7  de  setembro  do  anno  anterior.  Este,  ao  completar 


(a)  Nomeado  vice-presidente  por  C.  I.  de  31  de  março  de  1843. 

(b)  Item,  item  por  C.  I.  de  31  de  maio  de  1843. 


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CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  93 

um  anno  de  governo,  passou-o  ao  vice-presidente  Alves  Ribeiro,  que,  em 
31  de  maio  de  1848,  foi  substituido  por  António  Nunes  da  Cunha. 

Esta  administração  interina  durou  três  mezes  e  vinte  e  sete  dias,  até 

27  de  setembro,  em  que  assumiu  o  governo  o  decimo  presidente  nomeado, 
tenente-coronel  de  engenheiros  Dr.  Joaquim  José  de  Oliveira,  lente  da 
academia  militar  e  depois  reformado  em  coronel.  Accumulou  também 
o  èxercicio  do  commando  das  armas,  sendo  suas  nomeações  em  data  de 

28  de  março  de  1848. 

Seu  successor  foi  o  tenente-coronel  do  estado  maior  João  José  da 
Costa  Pimentel,  depois  reformado  em  marechal  de  campo,  nomeado  para 
ambos  os  cargos  em  11  de  junho  de  1849,  empossado  em  8  de  setembro 
do  mesmo  anno  e  substituido  em  11  de  fevereiro  de  1851  pelo  12"  pre- 
sidente, capitão  de  fragata  Augusto  Leverger,  mais  tarde  barão  de  Mel- 
galço  e  chefe  de  esquadra  reformado,  que  para  ambos  os  exercícios  fora 
nomeado  em  7  de  oitubro  de  1850.  Sua  administração,  a  mais  longa  que 
tem  havido  na  província,  foi  de  seis  annos,  um  mez  e  dezoito  dias.  Em  1 
de  abril  de  1857  passou-a  ao  vice-presidente  Albano  de  Souza  Osório  (a), 
que  governou  onze  mezes. 

O  13**  presidente  foi  o  Sr.  capitão  de  mar  e  guerra  Joaquim  Ray- 
mundo  de  Lamare,  hoje  almirante,  nomeado  por  C.  I.  de  5  de  setembro 
de  1857  e  empossado  em  28  de  fevereiro  seguinte. 

Seu  successor  foi  o  Sr.  coronel  de  engenheiros  António  Pedro  de 
Alencastro,  hoje  marechal  de  campo,  nomeado  presidente  e  commandante 
das  armas  em  13  de  junho  de  1859,  que  recebeu  o  governo  em  13  de  oitu- 
bro desse  anno,  entregando-o  em  8  de  fevereiro  de  1862  ao  Dr.  Herculano 
Ferreira  Penna,  depois  senador,  nomeado  presidente  por  C.  I.  de  2  de 
oitubro  de  1861.  Governou  até  12  de  março  de  1863,  em  que  passou  a 


(a)  Nomeado  vice-presidente  por  C.  I.  de  31  de  março  de  1843. 


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94  VILLA   BELLA 

administração  ao  1"  vice-presidente  Leverger  (a),  que  ateve  até  15  de 
julho. 

Nesta  data  tomou  posse  o  16°  presidente,  o  Sr.  coronel,  hoje  tenente- 
general  reformado.  Alexandre  Manoel  Albino  de  Carvalho,  nomeado  em 
21  de  maio  de  1863,  empossado  á  15  de  julho,  e  que  administrou  até  9 
de  agosto  de  1865,  em  que  passou  o  governo  ao  vice-presidente  Leverger, 
que  o  teve  interinamente  por  seis  mezes  e  três  dias,  accumulando  o  cafgo 
de  commandante  das  armas,  e  effecti vãmente,  como  17°  presidente,  cuja 
nomeação  fora  por  C.  I.  de  2  de  oitubro  de  1865,  desde  13  de  fevereiro 
até  1  de  maio  de  1866. 

Em  1  de  oitubro  de  1864  foi  nomeado  presidente  e  commandante  das 
armas  o  coronel  de  engenheiros  Frederico  Carneiro  de  Campos,  que  não 
chegou  á  seu  destino  por  ter  sido  traiçoeira  e  imprudentemente  aprisionado 
pelo  dictador  da  Paraguay,  em  12  de  novembro  do  mesmo  anno:  primeiro 
acto  de  aggressfio  das  que  originaram  a  guerra  da  tríplice  alliança  contra 
esse  déspota.  Falleceu  prisioneiro  e  na  maior  miséria,  e  talvez  de  fome, 
em  Humaytá,  em  3  de  novembro  de  1868,  segundo  communicação  ao 
governo  imperial,  em  officio  do  general  commandante  em  chefe,  de  11  de 
janeiro  de  1869. 

Em  seu  logar  foi  nomeado,  em  22  de  janeiro  de  1865,  o  marechal 
de  campo,  depois  tenente-general  visconde  de  Camamú,  que,  chamado  ao 
ministério  da  guerra  em  12  do  mez  seguinte,  teve  por  successor  o  Sr.  co- 
ronel de  cavallaria,  hoje  brigadeiro  reformado,  Manoel  Pedro  Drago, 
nomeado  presidente  por  C.  I.  de  22  de  fevereiro  e  commandante  das 
armas  por  D.  de  25  do  mesmo  mez  e  anno ;  o  qual  para  ali  seguiu  em  1 
de  abril  commandando  forças  expedicionárias,  sendo  inesperada  e  quiçá 
injustamente  exonerado  por  D.  de  1  de  oitubro  do  mesmo  anno,  quando 
ainda  se  achava   em  marcha,   na  villa  de  Santa  Eita  do  Paranahyba,  em 

(li)  Decreto  de  22  de  setembro  de  1857. 


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CIDADE    DE    MATTO-GROSSO 


Goyaz.No  dia  seguinte  era  nomeado  presidente  e  coramandante  das  armas 
o  chefe  de  esquadra  Augusto  Leverger. 


Saruo   de    adelgaço. 

Para  substituir  o  chefe  Leverger  foi  nomeado  presidente  o  Sr.  Dr.  José 
Vieira  Couto  de  Magalhães,  por  0.  I.  de  22  de  setembro  de  1866 : 
encontrou  a  provinoia  administrada  interinamente  pelo  vice-presidente 
Albino  de  Souza  Osório  (a),  que  recebera  o  poder  do  chefe  de  divisão 
barão  de  Melgaço,  em  1  de  maio  de  1866,entregando-o  áquelle  presidente 
em  2  de  fevereiro  seguinte. 


(a)  Nomeado  em  15  de  mar^'o  de  IS'3,  ao  mesmo  tempo  que  Manoel  Antunes  de 
Barros,  que,  faUecido  em  1861,  logrou  a  especial  sorte  de  merecer  a  demissão  e  ser 
demittido  do  cargo  em  1868. 


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96  VILLA   BELLA 

O  Sr.  Couto  de  Magalhães,  de  IS  de  abril  à  5  de  julho  desse  anno, 
deixou  administrando  a  província  o  vice-presidente  João  Baptista  de 
Oliveira,  depois  barão  de  Aguapehy  (a),  e  seguiu  para  o  rio  Âraguaya  afim 
de  ahi  inaugurar  a  navegação  á  vapor  ;  e,  voltando  em  4  de  julho,  bssvt 
miu  a  presidência  no  dia  seguinte.  Dous  mezes  e  11  dias  depois  passou-a 
de  novo  ao  vice-presidente  Osório,  que  só  governou  dous  dias,  passando-a 
ao  outro  vice-presidente  o  Sr.  Dr.  José  António  Murtinho  (b),  ciiiirgião- 
mór  de  divisão  do  corpo  de  saúde  do  exercito,  o  qual  por  oito  mezes  e  oito 
dias  administrou  a  provincia. 

Em  25  de  julho  de  1868  foi,  pela  terceira  vez,  nomeado  presidente 
e  commandante  das  armas  o  chefe  de  esquadra  barão  de  Melgaço,  que 
tomou  as  rédeas  do  governo  em  26  de  maio  seguinte,  e  em  10  de  feve- 
reiro de  1870  passou-as  ao  2*»  vice-presidente  Luiz  da  Silva  Prado  (c), 
o  qual,  fallecido  em  19  de  maio,  foi  substituído  pelo  Sr.  António  de  Cer- 
queira Caldas,  depois  barão  do  Diamantino  (d). 

O  20°  presidente  foi  o  coronel.de  engenheiros  conselheiro  Dr.  Fran- 
cisco António  Baposo,  depois  marechal  de  campo  e  barão  de  Caruaru, 
nomeado,  e  também  commandante  das  armas,  por  C.  I.  e  decreto  de  81 
de  maio  de  1870 ;  tomou  posse  do  governo  em  12  de  uitubro,  passando  a 
presidência,  em  27  de  maio  de  1871,  ao  vice-preHÍdente  Caldas. 

O  21**  presidente  foi  o  Sr.  tenente-coronel  do  estado-maior  de  pri- 
meira classe,  Dr.  Francisco  José  Cardoso  Júnior,  hoje  coronel,  nomeado 
para  ambos  os  cargos  em  15  de  abril  de  1871,  empossado  em  29  de  julho 
desse  mesmo  anno,  e  substituído  pelo  Sr.  brigadeiro  Dr.  José  de  Miranda 
da  Silva  Reis,  hoje  marechal  de  campo  e  conselheiro  de  guerra,  que, 
nomeado  presidente  e  commandante  de  armas  em  25  de  oitubro  de  1872, 


(a)  Item  quanto  â  nomeação. 

(b)  Item  em  5  de  agosto  de  1868. 

(c)  Nomeado  em  81  de  Julho  de  1868. 

(d)  Item  em  29  de  dezembro  de  1869. 


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CIDADE  DE   MATTO-GROSSO  97 

governou  a  província  até  6  de  dezembro  de  1874,  deixando  a  adminis- 
tração interinamente  ao  Sr.  barão  do  Diamantino. 

O  23*  presidente  foi  o  Sr.  brigadeiro  Hermes  Ernesto  da  Fonseca, 
nomeado  por  C.  I.  de  1  de  maio  de  1875,  já  tendo  anteriormente  sido 
nomeado  commandante  das  armas.  Governou  desde  5  de  julho  desse  anno 
até  4  de  março  de  1878,  em  que  passou  a  direcção  da  provincia  ao  barão 
de  Aguapehy.  Era  16  de  janeiro  de  1878  foi  nomeado  presidente  o  Sr.  ba- 
charel Bento  Francisco  de  Paula  e  Souza,  que  não  acceitou. 

O  24*  presidente  foi  o  Sr.  bacharel  João  José  Pedrosa,  nomeado  por 
C.  I.  de  16  abril  de  1878 ;  tomou  posse  do  governo  á  6  de  julho  do  mesmo 
anno.  A'  elle  succedeu,  em  5  de  dezembro  de  1879,  o  Sr.  coronel  de  enge- 
nheiros, hoje  brigadeiro,  barão  de  Maracajá,  nomeado  por  C.  I.  de  9 
oitubro  desse  anno,  que  presidiu  até  2  de  maio  de  1881,  em  que  passou 
a  administração  ao  G'*  vice-presidente,  o  Sr.  José  da  Costa  Leite  Falcão. 

O  26**  é  o  actual  presidente  o  Sr.  coronel  de  estado-maior  de  artilharia 
bacharel  José  Maria  de  Alencastro,  nomeado  por  C.  I.  de  24  março  de 
1881  e  empossado  em  31  de  maio. 


VII 


Para  a  Sé  prelaticia,  vaga  pela  morte  do  bispo  de  Ptolomaida,  foi 
nomeado,  por  D.  de  29  de  agosto  de  1823,  o  religioso  capuchinho  Frei 
José  Maria  de  Macerata,  missionário  da  aldeia  da  Misericórdia,  na  foz  do 
Miranda ;  o  qual  á  27  de  maio  seguinte  chegou  á  Cuyabá  e  tomou  posse 
da  diocese. 

Ou  por  que  não  pedisse,  ou  por  que  não  lhe  quizessem  dar,  não  gozou 

este  prelado  do  titulo  honorifico  de  bispo,  como  os  outros,  e  ainda  passou 

pela  decepção  de  ser-lhe  cassada  a  nomeação  pelo  governo  imperial,  sob 

12 


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98  VILLA   BELLA 

O  pretexto  de  ser  estrangeiro.  A'  instancias  do  Imperador,  e  pela  bulia  do 
SS.  Padre  Leão  XII — Solicita  caiholicoe  gregis...  de  15  de  julho  de  1826, 
foi  a  prelasia  elevada  á  cathegoria  de  bispado,  creando-se  corpo  capitular 
e  erigindo-se  a  egreja  do  Senhor  Bom  Jesus  em  cathedral. 

Annulada  a  nomeação  do  prelado  D.  J.  de  Macerata,  recahiu  a 
escolha  de  primeiro  bispo  da  Sé  cuyabana  no  cónego  da  capella 
imperial  Plácido  Mendes  dos  Santos  Carneiro,  nomeado  por  D.  de  18  de 
oitubro  de  1829  ;  mas  em  30  de  oitubro  do  anno  seguinte  esse  sacerdote 
resignou  o  cargo,  pedindo  dispensa  de  acceital-o  em  vista  de  sua  avançada 
edade. 


BÍHpo    X>r.    J<jHé    .A.iitouio    dos    Rei». 

Conservo u-se  vago  o  bispado,  sendo  apenas  provido  como  vigário 
capitular,  pelo  arcebispo  da  Bahia,  em  P.  de  24  de  novembro  de  1831, 
o  cónego  António  Tavares  Corrêa  da  Silva  ;  até  que  em  27  de  novembro 
de  1833  tomou  posse  o  quinto  prelado  e  segundo  bispo  de  nomeação,  e 
entretanto  primeiro  bispo  da  diocese  cuyabana,  o  cónego  Dr.  José  António 
dos  Reis ;  o  qual,  nomeado  em  27  de  agosto  de  1831,  pela  regência  perma- 
nente em  nome  do  Imperador,   apresentado  á  S.  Sè  por  C.  I.  de  7  de 


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CIDADE    DE   MATTO-GROSSO  99 

janeiro  de  1832,  foi  preconisado  bispo  por  Gregório  XVI,  em  consistório 
de  2  de  julho  desse  anno,  e  teve  as  competentes  bulias  de  confirmação 
beneplacitadas  pelo  governo  imperial  em  aviso  de  31  de  oitubro.  Eiji  8 
de  dezembro  recebia  a  sagração  de  mãos  do  bispo  de  S.  Paulo  D.  Manoel 
Joaquim  Gonçalves  de  Andrade;  em  2  de  junho  de  1833  tomava  posse  do 
bispado,  por  seu  procurador  o  cónego  José  da  Silva  Guimarães,  e  em  27 
de  novembro  fazia  a  sua  entrada  solemne  na  capital. 

Governou  a  diocese  por  quarenta  e  dons  annos,  dez  mezes  e  meio, 
sendo  que,  desde  sua  nomeação,  foi  bispo  de  Cuyabá  quarenta  e  cinco 
annos,  um  mez  e  quatorze  dias. 

Era  um  santo  varão,  verdadeiro  paslor  de  almas.  Seu  passamento 
foi  geralmente  chorado,  e  considerado  na  província  uma  perda  irrepará- 
vel. Nasceu  em  S.  Paulo  á  10  de  junho  de  1798,  e  ahi  recebeu  seus  graus 
académicos  na  faculdade  de  S.  Paulo,  naquelle  mesmo  anno  de  1832. 

O  6*  prelado  e  3°  bispo  de  nomeação  é  o  actual,  o  Sr.  D.  Carlos 
Luiz  d'Amour,  apresentado  em  28  de  dezembro  de  1876  para  esse  bis- 
pado, confirmado  por  bulia  de  22  de  setembro  de  1877,  sagrado  á  28 
de  abril  de  1878,  e  empossado  do  seu  beneficio  em  3  de  maio  de  1879, 
recebendo-o  das  mãos  do  vigário  capitular  cónego  Manoel  Pereira  Mendes. 


>\.rmaH    d«    "ViUa    Sella. 


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CAPITULO  IV 

1   (i<hil«   i»    lilMrMK 


I 


cidade  de  Matto-Grosso  está  situada  aos 
15»  O'  12"  de  latitude  e  16*  42'  58",80 
de  longitude  Occidental  do  Rio  de  Janeiro, 
na  margem  direita  do  Guaporé,  cerca  de 
três  e  meio  kilometros  abaixo  da  confluên- 
cia do  Alegre.  Lacerda  dal-a  como  edifi- 
cada á  um  quarto  de  légua,  mais  ou 
menos,  do  rio,  e  com  isso  coniformou-se  o  autor  da 
Noticia  sobre  a  provinda  de  Matío-Grósso^ 
quando  a  visitou  em  1854 ;  entretanto,  poucas 
dezenas  de  metros  separam  a  borda  natural  do 
Guaporé,  e  isso  nos  tempos  da  sêcca,  das  primeiras  casas. 
A  egreja  de  Santo  António  dos  Militares,  que  assenta  quasi 
sobre  o  cáes  de  João  de  Albuquerque,  está  separada  da  casaria  por  um 
campo  de  duzentos  e  quarenta  metros  de  extensão ;  dimensão  que  sem  a 
menor  duvida  não  é  a  da  praça  que  antigamente  ahi  existiu,  e  de  cujas 
casas  ainda  se  percebem  os  alicerces. 

A  mesma  extrema  opposta  da  cidade  pouco  excederá  dessa  distancia 
de  um  quarto  de  légua  ao  rio. 

São  baixos  seus  terrenos  adjacentes  e  mais  ou  menos  alagadiços 
nas  grandes  enchentes ;  e,  mesmo,  o  da  cidade,  comquanto  mais  elevado, 
não  tem  passado  incólume  nas  cheias  extraordinárias.  Si  não  fossem  i)s 
receios  de  fundar  a  nova  capital  além  do  grande  rio,  tirando-lhe  assim 


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102 


VILLA   BELLA 


essa  excellente  trincheira  natural  e  separando-a  demasiado  do  re*sto  da 
capitania,  é  de  presumir  que  Rolim  a  iria  estabelecer  nas  faldas  da  alte- 
rosa e  imponente  serrania,  que  se  eleva  na  outra  margem,  e  que  deno- 
minamos de  Ricardo  Franco  em  honra  do  illustre  engenheiro. 

Sobre  o  Barbado  e  nas  abas  austraes  da  serra  teve  Ricardo  Franco 
uma  situação  e  engenho  de  assucar,  de  que  ainda  guardam  memoria  os 
velhos  da  cidade  (a). 

A'  essa  cordilheira  chamava  o  povo  serra  do  MatUhGrosso^  serra 
da  Villa,  serra  do  Verãe^  por  nella  ter  origem  o  rio  desse  nome  ;  Ri- 
cardo e  seus  companheiros  denominaram-a  do  Grão-Pará;  mas,  fico  que 
perdurará  o  nome  actual,  tão  nobre  e  justa  é  a  causa  que  o  determinou,  e 
táo  sério  e  duradouro  o  reconhecimento  ou  gratidão  que  tarde  medra. 

São  altos  serros  de  setecentos  á  oitocentos  metros  de  elevação,  sendo 
entre  elles  notável  o  que  pela  sua  configuração  é  chamado  o  Cliapéo  de 
soh  Luiz  de  Albuquerque  subiu  ao  alto  da  cordilheira  em  26  de  junho 
de  1782,  com  toda  a  terceira  divisão  de  demarcação ;  avaliaram  sua 
altura  em  dous  mil  e  seiscentos  pés,  tendo  a  columna  de  mercúrio  bai- 
xado de  duas  pollegadas  no  pé  do  Eheno,  instrumento  então  em  uso. 

A  secção  da  commissão  actual,  que  foi  reconhecer  as  cabeceiras  do 
Verde,  determinou  a  posição  astronómica  do  pincaro  mais  elevado  aos 
15*  r  19''  latitude,  mas  não  sua  altitude  ;  sendo  de  lastimar  que  aos 
dignos  engenheiros,  á  quem  coube  essa  tarefa,  faltassem  os  meios  de  obter 
esse  e  outros  dados  de  não  somenos  interesse. 


A  capital  dos  antigos  capitães-generaes  não  é  hoje  mais  do  que  uma 


(a)  Anteriormente  fora  do  coronel  Victorino  Lopes  de  Macedo ;  perto  delle  fica- 
vam 08  engenhos  do  tenente-coronel  Alexandre  Barbosa  Falleiros  e  de  seu  irmão  o 
capitão  João  Barbosa.  Na  Carta  Geog,  do  rio  Guaporéf  de  1791,  vém  marcados, 
omittido  apenas  o  nome  de  Alexandre  Barbosa. 


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CIDADE   DE   MATTO-GROSSO  103 

pobre  povoação  de  uns  setecentos  habitantes,  isto  é,  cerca  de  um  decimo 
mais  do  que  tinha  três  annos  depois  de  sua  fundação  ;  porém  talvez  infe" 
rior  á  decima  parte  da  população  de  todo  o  districto  no  começo  deste 
século,  quando  floresciam  os  arraiaes,  próximos,  de  S.  Francisco  Xavier, 
SanfAnna,  Ouro-fino,  Pilar,  S.  Vicente,  Lavrinhas,  Casal  vasco  e  Santa 
Barbara,  e  as  aldeias,  povoações  e  destacamentos  do  Cubatáo,  Galera 
Garajuz,  Viseu,  Quinze  casas,  Leomil,  Lamego,  Príncipe  da  Beira 
S.  José  do  Kibeirào,  Nossa  Senhora  da  Boa  Viagem  e  Balsemão,  e  quando 
as  margens  dos  rios  e  das  estradas  eram  orladas  de  engenhos,  roças  e 
situações,  bem  próximas  umas  ás  outras. 

Em  1755,  três  annos  depois  de  fundada,  tinha  duas  capellas  e  vinte 
e  seis  casas  de  telha,  e  mais  de  trinta  de  palha  (a). 

Para  esse  anno  dá-lhe  Pizarro  quinhentas  almas,  e  para  toda  a  capi- 
tania sete  mil,  em  quinhentos  fogos;  eem  1822  três  mil  habitantes  e 
novecentos  e  cincoenta  fogos,  dando  para  os  outros  povoados  da  capitania 
o  seguinte  : 

Districto  de  ViUa  Bella : 

Casalvasco 419  hab. 

S.  Francisco  Xavier  .  .  .  500  » 
S.  Vicente  Ferreira  ...  923  » 
Pilar,  Sant^Anna  e  Ouro-fino.      1.152     » 

Lavrinhas 650     » 

Forte  do  Principe     ....        477     » 

Missão  de  S.  José 250     » 

Villa  Maria 1.030     » 

5.401     )) 

oraittindo  a  população  do   Cubatão,  Pedras   Negras,  Santa  Barbara  e 
outros  dos  povoados  acima  referidos,  que  ainda  então  existiam. 

(a)  Annaes  (h  s^i^dn  da  oamara. 


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104  VILLA  BELLA 

E  no  districto  de  Cuyabá : 

Cuyabá     : 6.550 

SanfAnna  da  Chapada    ....  3.818 

Districto  de  Kio-acima    ....  2.000 

Diamantino 4.450  (a) 

Poconé 2.606 

S.  Gonçalo  de  Amarante  (Arayés)     .  1.417  (b) 

S.  José  dos  Cocaes  ......  2.228 

Albuquerque 200 

Miranda 159 

Sant^Anna  do  Paranahyba.     ...  210 

23.638 
omittindo-se  o  Forte  de  Coimbra  e  outros  pequenos  povoados. 

Tinha,  pois,  em   1822,  a  capitania  uma  população  conhecida  de 
cerca  de  trinta  mil  almas. 

Segundo  o  barão  de  Melgaço  (c),  em  1793  essa  população  orçava 
em  quatorze  mil  almas  (d). 

Em  1815  o  engenheiro  sargento-mór  José  António  Teixeira  Cabral 

dá  para  o  districto  de  Matto-Grosso  7.676  habitantes,  inclusive  241 

praças  da  guarnição,  dividindo-os  para 

Villa  Bella 2.115 

Casalvasco 423 

Pilar 1.305 

Chapada 423 

S.Vicente 803 

Lavrinhas 697 

Registro  do  Jaurú  ...  153 

Villa  Maria 1.130 

Forte  do  Príncipe  .     .     .  490 

(a)  A  estatística  de  1811  dá-lhe  1.314  hab. 

(b)  Estatística  de  1811. 

(c)  Relatório  presidencial  de  15  de  julho  de  1863. 

(d;  Foi  no  anno  seguinte,  17^,  que  o  governo  da  metrópole,  querendo  promo- 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  105 

Em  1817,  um  mappa  do  capitão-mór  das  ordenanças  de  Cuyabá, 
João  José  de  Guimarães  e  Silva,  fixa  sua  população  em  7.166  almas, 
divididas  por  Villa  Bella.  Casalvasco,  Palmellas,  Príncipe,  S.  José  do 
Eibeirào,  Registro  do  Jaurú  e  Villa  Maria,  incluindo  298  homens  de 
tropa. 

Em  1818,  dividida  a  capitania  em  cinco  commandos  geraes,  o  pri- 
meiro,que  era  o  da  capital,  dava  já  o  total  de  5.536  habitantes,  divididos 
assim : 

Villa  Bella 2.354 

Casalvasco 464 

Lavrinhas 667 

Jaurú 202 

S.  Vicente 718 

SanfAnna  e  Pilar  .     .     .  .517 

Ouro-fino  e  Chapada    .     .  348 

Burity     .     .^  .     .     .     .  216 

O  forte  do  Príncipe  formava  outro  commaudo,  o  terceiro,  e  tinha 
438  habitantes,  e  Villa  Maria,  que  era  o  quinto,  1.242.  Asomma  dos 
três  dava  7.216. 

Entretanto,  em  1817,  o  capitão-general  Oyenhausen,  em  officio  ao 
ministerío  de  ultramar,  datado  de  14  de  novembro  de  1818,  dá-lhe  29.801 
habitantes  (a),  ao  passo  que  um  mappa  do  ouvidor  para  a  mesa  do  desem- 

ver  a  população  da  capitania  de  Santa  Catharina,  ordenou  por  D.  de  80  de  junho 
«  que  se  mudasse  em  degredo  para  ali  as  commutações  de  penas  que  eram  feitas 
para  o  Maranhão  e  Pará;»  meiS,  «attendendo  à  bondade  do  clima,  »  prohihiu  ^or 
outro  D.  de  2>  de  novembro  de  1797  essas  deportações,  ordenando  «que  os  merece- 
dores de  degredo  para  o  Brasil  fossem  nt^and^dos  para  as  capitanias  de  Matto-Grosso, 
Rio  Branco,  Rio  Negro  e  Madeira,  sítios  de  climas  menos  favoráveis,  e  cuja  popu- 
lação se  precisava  promover,!»  Fernandes  Pinheiro,  A  nnaes  da  prooincia  de  S,  Pedro, 

(a)  Homens  livres,  maiores  de  16  annos  .    .  2.744  \ 

D           »       menores  de  16      »    ,    .    .  3.898 '  |q  ojrQ 

Mulheres  e  meninas 9  689  ( ^^'^^ 

Mestiços  livres    ,    , 2.522 

Escravos.    .    .    , lo.  948 


29.801 


14 


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106  VILLA   BELLA 

bargo  do  paço,  no  mesmo  anno,  consígna-lhe  37.396  almas.  Outro 
mappa  organisado  em  1821,  com  o  fim  de  comprovar  a  importância  rela- 
tiva da  parte  da  provincia  que  reconhecia  o  governo  de  Cuyabá,  dá  ao 
districto   da  capital  23.665  habitantes  e  5.819  para  o  de  Matto-Grosso. 

Este,  em  1849  possuia  1.221  fogos,  com  2.740  almas,  das  quaes 
2.210  livres;  mas,  já  dez  annos depois  reduzem-lhe  a  população  á  1.703 
habitantes,  quando,  entretanto,  o  ultimo  dado  estatistico  que  tenho  á 
vista,  um  mappa  feito  pelo  venerando  bispo  D.  José,  em  1862,  eleva-os 
ao  numero  de  2.040,  dos  quaes  430  escravos,  em  802  fogos. 

Si  difficil,  ainda,  nos  é  organisar  um  recenseamento  em  comarcas 
onde  relativamente  abundam  os  meios  de  communicação,  fiscalisaçáo  e 
policia,  facilmente  se  inferirá  de  quão  pouco  criteriosos  deverão  ser  os 
censos  acima  transcriptos. 

Hoje  esse  districto  immenso  em  terreno,  e  talvez  o  maior  de  todo  o 
Império,  compõe-se  apenas  da  moribunda  cidade,  de  umas  quatro  ou  seis 
situações  do  Alegre  ao  Cubatão  e  dos  destacamentos  de  Casalvasco, 
Alegre,  Pedras  Negras  e  Príncipe  da  Beira,  com  umas  cincoenta  praças, 
pouco  mais  ou  menos  (a). 


II 


Parece  que  o  plano  de  construcção  da  cidade  seria  o  de  um  qua- 
drado, mais  ou  menos,  formado  por  quatro  quarteirões  regulares.  Duas 
ruas  parallelas,  cortadas  perpendicularmente  por  outras  tantas  travessas 
e  cortando  todas  uma  praça  central,  faziam  a  separação  dos  quarteirões. 

(a)  o  barão  de  Melgaço,  dando  para  a  população,  eui  1862, 65  mil  habitantes, 
calcula  o  crescimento  unnual  em  0,01248  por  cento,  do  que  conclue  que  ella  se  du- 
plica n'um  periodo  de  cincoenta  e  seis  annos. 


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CIDADE  DE  MAITO-GKOSSO  l07 

As  mas  vinham  sahir  perpendicularmente  ao  rio ;  as  travessas 
seguiam  na  direcçáo  do  seu  curso.  O  terreno  entre  as  quatro  ruas  centraes, 
disposto  em  cruz,  quasi  que  só  era  occupado  por  estabelecimentos  pú- 
blicos. 

A  praça  central  era  o  ponto  de  partida,  o  centro  da  povoação  :  na  sua 
face  ^V.  ficava  o  palácio  do  governo,  na  do  S.  o  quartel  da  guarnição,  na 
de   O.  a  camará  e  cadeia.  Atraz  do  palácio  a  matriz,  delle  separada  por 


br. 


Ir^la.iita.    da    cidade   de    IMatto-Cfroiseo. 


uma   pequena  praça ;   atraz   da  matriz  o  cemitério,  e  em  seguida  arma- 
zéns, etc.,  separados  cada  um  por  uma  rua.  Ao  lado  esquerdo  da  camará 


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108  YILLA   BELLA 

começava-se  um  novo  templo  para  a  cathedral,  logo  que  occorreu  a  no- 
meação do  primeiro  prelado.  Ainda  se  encontram  vestígios  de  seus  ali- 
cerces, que  se  prolongavam  da  praça  de  Palácio  â  do  Pelourinho ;  esta 
entre  as  travessas  do  Fogo  e  dos  Tocos'^  e  em  cujo  campo,  hoje  coberto 
de  goiabeiras  e  mattos,  ainda,  também,  se  descobre  a  base  daquelle 
lúgubre  distinctívo  das  povoações  de  alto  foral. 

A  casa  da  fundição  e  a  intendência  do  ouro  ficavam  na  rua,  que 
passa  pela  frente  do  palácio  e  que  guarda  ainda  esse  nome,  entre  as  tra- 
vessas do  Falado  e  dos  Mercadores. 

Hoje,  dessa  grandeza  relativa,  resta  apenas  o  quarteirão  de  iVO., 
com  seis  ruas,  ainda  conhecidas,  Falado,  Mercado,  Fogo^  Sanio  Antó- 
nio, S.  Luiz  e  Forfo  ;  cinco  travessas,  Estrada,  Falario,  Mercadores^ 
Fogo  e  Tocos,  e  um  beco,  quebrado  em  angulo  recto,  e  que  communica 
a  rua  do  Mercado  com  a  travessa  dos  Tocos,  no  quarteirão  entre  a  rua  do 
Mercado  e  a  travessados  Tocos.  As  ruas  são  largas  e  bem  traçadas,  cor- 
tando-se  em  ângulos  rectos,  com  boa  casaria  de  pedra  e  cal,  cobertas  de 
telha,  em  numero  superior  á  tresentas,  e  que,  ainda  hoje,  na  sua  decre- 
pitude, mostram  a  fortaleza  de  construcção.  Como  as  de  Casal  vasco,  suas 
telhas  conservam  cor  quasi  tão  fresca  como  as  das  telhas  novas,  o  que  é, 
certamente,  devido  á  excellente  argilla  veraielha,  tão  abundante  nessas 
paragens. 

Entre  esses  edifícios  avultam  o  palácio,  obra  de  Luiz  Pinto,  habi- 
tação solida  e  regular,  cuja  metade  somente  foi  concluida. 

Seus  salões,  primitivamente  pintados  á  óleo,  mostram  ainda  sobre 
as  portadas,  nos  forros  e  lambrequins,  frescos  no  estilo  de  Watteau  e  Lane- 
ret,  mais  ou  menos  originaes,  ora  allusivos  ao  paiz,  ora  aos  governadores. 
Aqui  é  uma  cachoeira  que  obstrue  a  navegação ;  os  Índios  varam  as 
canoas  por  terra,  alando  sobre  rolos  e  empuxando  á  força  de  braços  as 
grandes,  e  as  pequenas  levando  aos  hombros :  é  uma  recordação  dos  saltos 


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CIDADE   DE   MArrO-GKOSSO  109 

do  Madeira.  Ali,  n'uin  theatro  campesino,  pictoresca mente  decorado  de 
ramadas  e  flores,  representa  o  scenario,  não  um  auto,  apezar  de  diri- 
gido e  contraregrado  por  missionários,  em  cujos  nédios  semblantes  lê-se  a 
satisfação  de  autores, — mas  choréas  mythologicas,  onde  as  nymphas  são 
formosas  caboclas  semi- vestidas,  e  cujas  formas,  por  sua  exhuberancia, 
parecem  estudadas  com  alguma  hyperbole  ;  deixando  cogitar  ou  que  o 
pintor,  apaixonado  do  bello,  desenhava  segundo  suas  phantasias,  ou  então 
que  os  reverendos  dramaturgos  eram  de  uma  singeleza  quasi  adamica. 
N'outros  frescos  o  artista  ou  copiou  paisagens  extranhas  ou  entreteve-se 
em  descrever  simples  recordações  do  passado :  são  campos  nevados,  os 
gelos  da  Bussia  ou  da  Scandinavia,  com  os  seus  pinheiros  e  álamos,  os 
trenós,  as  rhenas,e  as  louras  friorentas  embuçadas  em  arminhos  e  pelliças. 
Aqui,  são  castellos  impossiveis  sobre  alcantis  impraticáveis  ou  de  diflfici- 
limo  accesso;  ali,  granjas  ou  herdades  do  Minho  ou  de  Alemtejo,  represen- 
tadas com  alguma  naturalidade,  dando-se  o  devido  desconto  á  inventiva  do 
artista,  aos  seus  conhecimentos  da  arte,  mormente  em  perspectiva — e  á 
pobreza  das  tintas,  onde  o  vermelho  predomina. 

No  forro  do  salão  de  jantar  ha  uma  Hebe  não  mal  desenhada,  con- 
tornos suaves,  posição  feliz.  N'uma  portada  da  ante-camara  uma  dama 
trajada  de  amplo  vestido  escarlate,  em  gestos  de  quem  vehementemente 
impreca  um  gordo  e  roliço  capitão-general,  que,  de  fardão  egualmeitte 
encarnado  e  á  popa  de  um  galeão  onde  fluctuam  as  quinas,—  lá  está 
cercado  de  seus  officiaes  de  sala,  no  tamanho  e  compostura  mais 
assemelhados  á  meninos  de  coro;  e,com  o  senho  compungido  e  a  mão  direita 
nos  hofes  da  camisa,  como  que  á  comprimir  o  coração,  finge  o  hypocrita 
que  a  alma  se  lhe  despedaça,  e  elle,  martyr  do  dever  e  da  pátria — parte 
saudoso  e  triste. 

Sob  essa  allegoria  vêm-se  os  restos  de  um  distico  latino,  sem  du- 
vida em  verso  heróico,  do  qual  apenas  se  podem  ler  as  palavras  seguintes, 


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110  YILLA   BELLA 

salvas  do  cuidado  pouco  artístico  de  um  zeloso  conservador  que  cobriu  o 
resto  de  roboco : 

Tunc  sine  me...  abilur  in... 

Sobre  a  entrada  da  camará  de  dormir,  um  dístico  francez,  para- 
phrase  de  dous  versos  da  Henriaâe  : 

Cest  ici  qu'en  cherchanl  les  douceurs  du  répos 
Les  folâircs  plaisirs  désarinent  le  héros, 

claramente  explica  o  fresco,  que  representa  um  governador  do  typo  de 
Henrique  IV,  olhos  maganos  e  barba  pontuda  n'um  rosto  perfeitamente 
oval,  sentado  no  leito  e  attrahindo  à  si  a  Dulcinéa;  e  ainda  mais  clara- 
mente explica  a  facilidade  de  costumes  desses  modernos  satrapas. 

No  salão  principal  ha  dous  quadros  á  óleo,  retratos  de  D.  Joào  VI  e 
da  rainha  D.  Carlota,  sem  assignatura,  mas  de  um  pincel  educado. 

E'  também  de  notar-se  o  bem  acabado  de  certos  objectos  de  orna- 
mentação que  ainda  ahi  existem  ;  entre  outros,  destacam-se  as  fechaduras 
e   algumas  ferragens  das  portas,  pelo  fino  e  delicado  do  trabalho. 


Apezar  da  solidez  de  sua  construcção  muito  já  tem  essa  casa  soflErido 
do  tempo,  e  mais  ainda  do  abandono  e  desmazelo.  Grande  numero  de 
gotteiras  vão-lhe  arruinando  fôrros  e  paredes,  principiando  á  destruir 
algumas  daquellas  pictorescas  antigualhas,  que,  si  ainda  hoje  existem,  é 
isso,  felizmente,  devido  á  falta  de  cal  na  terra,^-que  mal  chegou  para 
sigillar  aquelle  dístico  latino. 


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CIDADE  DE  MATTO-OROSSO  111 

III 

O  quartel  da  guarnição  é  uma  cópia  reduzida  do  quartel  da  praça 
da  Acclamaçào,  nesta  corte,  antes  da  sua  ultima  reconstrucção. 

Data  dos  tempos  de  Luiz  de  Albuquerque,  e  foi  levantado  segundo  os 
planos  de  Ricardo  Franco.  O  corpo  é  um  pequeno  sobrado  de  três  janellas ; 
frontal  e  cimalha  triangular ;  as  alas  são  térreas  e  de  extensão  três  vezes 
maior  que  aquelle,  e  asiim  continuam  lateralmente  até  fecharem  o  edificio. 
Está  em  ruinas ;  mas  nelle  ainda  se  aloja  o  destacamento  que  guarnece  a 
cidade.  Contém  uma  prisão,  algumas  salas  occupadas  com  o  velho  e  inser- 
vivel  material  de  guerra,  o  alojamento,  a  botica  e  a  enfermaria,  assim 
chamada  porque  á  ella  são  recolhidos  os  soldados  enfermos  e  que  não  tém 
casa  onde  se  tratem;  quando,  entretanto,  não  tem  ali  medico  que  os  assista, 
nem  medicamentos  que  tomem,  e  por  dieta  apenas  o  rancho  regimental, 
miserável  e  altamente  reduzido  pela  força  das  circumstancias,  e  que 
elles  buscam  augmentar  com  o  que  podem  encontrar  comivel,  caça  ou 
peixe,  ahi  raríssimos,  laranjas,  goiabas,  bananas  e  fructos  silvestres. 

Como  a  botica  nem  sempre  tem  as  drogas  que  lhes  são  necessárias, 
esses  militares  obtém-as  por  si,  comprando-as  ás  vezes  á  sua  custa,  e 
muitas  por  preços  fabulosos.  Durante  nossa  permanência  na  cidade, 
servia  de  facultativo  á  enfermaria  um  cidadão  alferes  da  guarda  nacional, 
arvorado  em  medico  pelo  governo,  que  tem  no  rol  de  seus  direitos  e  pode- 
res esses  de  cr^ar  médicos  e  cirurgiões  da  guarda  nacional  como  crea- 
Ihe  os  alferes  e  tenentes-coroneis ;  sem  que  a  Academia  Imperial  de  Me- 
dicina, as  faculdades  e  a  Junta  Central  de  Hygiene  Publica  pareçam 
ter  percebido,  já  não  digo  a  illegalidade,  mas  o  inconveniente  e  perni- 
cioso do  facto,  para  o  qual,  por  qualquer  face  que  se  o  encare,  não  se 
encontra  explicação  ou  desculpa.  Os  actoB  de  um  governo  devem  ser  sem- 


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112  VnJA  BELLA 

pre  justos,  honestos,  sãos  e  attinentes  ao  bem  do  Estado.  Por  um  lado,  a 
guarda  nacional  é  uma  instituição  respeitável  e  tão  séria,  que  é  cha- 
mada— logo  após  o  exercito  de  linha — á  manter  a  ordem  e  fazer  a  defesa 
do  paiz  ;  nesse  caso  somente  governos  irreflectidos  farão  delia  um  theatro 
de  polichinellos,  onde  o  ridículo  da  enscenação  esteja  em  harmonia  com 
o  ridiculo  das  suas  phantasias.  De  outro,  ou  essa  guarda  necessita  de 
médicos;  ou  não ;  no  primeiro  caso,  com  essas  nomeações  impoe-lhe  o 
governo,  para  cuidar  dos  seus  indivíduos  e  dos  da  familia  de  cada  um, 
homens  inteiramente  leigos  na  sciencia ;  no  segundo,  seu  acto  é  irrisó- 
rio :  no  primeiro  infringe  e  desrespeita  a  lei  que,  nos  seus  códigos,  ful- 
mina o  uso  indevido  da  medicina  por  attentatorio  á  saúde  e  vida  pu- 
blica ;  no  segundo,  i  para  que  commetter,  desnecessariamente,  um  aeto 
que  além  de  illegal  é  ridiculo,  desde  que  tem  na  sua  alçada  o  natural 
direito  de  os  fazer  capitães,  majores,  coronéis,  mesmo  quando  não  ha  sol- 
dados ? 

Nem  se  diga  que  esse  titulo  de  cirurgião  da  guarda  nacional  é  uma 
simples  decoração  honorifica,  não.  Quando  destaca  essa  milicia  civil  ou 
é  chamada  á  serviço,  o  seu  medico  tem  de  marchar,  fal-o  nesse  caracter 
e  tem,  portanto,  a  obrigação  de  cumprir  as  funcções  do  seu  cargo.  Tam- 
bém, facilmente  se  comprehende  que,  ao  um  individuo  receber  e  acceitar 
tal  titulo,  bem  revelada  fica  a  deficiência  do  seu  senso  commum.  Alguns 
ao  principio  assustam-se  com  os  encargos  da  honraria,  mas  vão  pouco  á 
pouco  se  afazendo  á  elles,  e  em  breve,  assignando-se  Cirurgiões  formados 
por  S.  M.  /.,  crêm-se,  de  facto,  médicos  e  aptos  para  curar  da  saúde  do 
próximo,  e  quasi  sempre  com  tanto  maior  philaucia  quanto  menor  o 
entendimento. 

Um  desses  encontrámos  que  tinha  verdadeiro  prazer  em  ostentar  os 
seus  conhecimentos  profissionaes  e  narrar  seus  triumphos  clínicos  ;  e  tão 
consciente  estava  da  sua  posição  e  importância  scientifica,  que  já  não 
escolhia  auditório,  fallando  com  a  mesma  imperturbabilidade  á  indios 


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CIDADE   DB   MATTO-GROSíSO  113 

semi-selvagens  ou  á  doutores  em  medicina.  Entre  as  cousas  curiosas 
que  nos  contou  em  meia  hora  de  conversação,  citou  um  caso  de  apoplexia 
fulminanfe,  que  curara  com  a  applicação  de  cataclysmas  á  cabeça.  Des- 
orientados meus  companheiros  e  eu  com  a  diagnose  e  ainda  mais  com  a 
therapeutica,  pedimos-lhe  explicações  dos  cataclysmas :  eram  simples- 
mente embrocações  de  agua  fria  ! 

Nem  se  diga,  também,  que  a  concessão  do  titulo  não  faz  implícito 
o  uso  da  profissão,  o  que  soria  estultícia ;  nem  que  não  haja  imposição 
dos  seus  serviços  á  ninguém,  por  isso  que  cada  um  é  livre  de  tratar-se 
conforme  melhor  lhe  pareça;  mas,  circumstancias  ha  em  que  essa  liber- 
dade desapparece,e  substitue-a  rigorosa  obrigação,  como  no  caso  vertente, 
aqui  em  Matto-Grosso,  onde,  aquartelada  a  guarda  nacional,  teve  o  seu 
cirurgião  de  tomar  conta  da  enfermaria,  e  nesse  exercício  continuou 
quando  aquella  milicia  foi  rendida  por  um  destacamento  de  linha. 

Ora,  porque  não  nomeará  o  governo  vigários  e  capellàes  dessa  guarda 
aos  cidadãos  F.  e  F.  ?  Terá  escrúpulos  ?  Devem  ser  os  mesmos....  que 
tão  licito  lhe  é  crear  médicos  como  padres  de  missa. 


Não  sei  o  que  irá  pelas  outras  províncias  quanto  á  sorte  do  soldado, 
mas  nesta  é  ella  miseranda.  E'  com  elle  que  hoje  se  cumpre  a  régia 
determinação  de  20  de  novembro  de  1797,  mas  nem  sempre  é  o  incorri- 
gível que  para  aqui  é  mandado  á  purgar  os  seus  peccados :  ao  marchar 
uma  companhia,  um  destacamento,  vão  quantos  lhe  pertencem,  bons  e 
maus.  Já  vimos  que  não  tém  medico  nem  medicina  quando  doente  ;  não 
tém  dieta  e  nem  mesmo  ha  na  enfermaria  um  cosinheiro  que  vá  ao  fogo 
preparar  os  géneros  da  etapa  regimental,  a  qual,  tanto  para  o  são  como 

para  o  doente,  consiste  em  farinha,  rapadura  e  sal,  algumas  vezes  carne 

15 


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114  VILLA    BELLA 

sêcca  e  bacalhau,  feijão  e  arroz,  raríssimas  carne  verde,  seudo  um  verda- 
deiro acon  tecimento  para  toda  a  cidade  o  abatimento  de  uma  rez,  trazida 
de  Casalvasco ;  géneros,  todos,  que  são  distríbuidos  por  uma  tabeliã 
apropriada  ás  circumstancias,  mas  sempre  muito  deficiente. 

Entretanto,  o  soldado  que  baixa  á  enfermaria  perde  todos  os  seus 
vencimentos,  por  isso  que  ali  vai  ter  quartel,  dieta  e  tratamento,  que  o 
Estado  marca-lhe  e  eflFecti vãmente  dá-lhe  nos  verdadeiros  hospitaes :  aqui, 
para  tratar-?e,  paga  á  sua  custa  o  medicamento  que  Ibe  receitam  (a) 
e,  para  matar  a  fome,  recorrem  aos  fructos  que  encontram  e  aos  jabotys  e 
rubafos  (b)  o  peixe  e  caça  que  a  natureza,  aqui  nada  provida,  quasi  que 
unicamente  lhe  offerece. 

O  fardamento  com  difiQculdade  e  á  longos  espaços  recebe;  e  entretanto 
é  obrigado  á  apresentar-se  vestido,  calçado  e  coberto,  com  uma  blusa  ou 
sobrecasaca,  sapatos  ou  botinas,  bonet  ou  mesmo  chapéo,  objectos  que 
compra  fiados  para  pagar  quando  lhe  chegarem  os  soldos. 

£  quando,  ao  cabo  de  um,  dous  e  mais  annos,  estes  lhe  chegam,  feliz 
o  que  sahe  da  formatura  de  pagamento  sem  nada  dever  ao  seu  responsá- 
vel e  principal  pagador.  Com  este  systema  de  fardamento  era  apreciável, 
pela  estravagancia,  a  vista  que  apresentava  a  tropa  em  parada,  cada  sol- 
dado phantasiado,  não  como  o  permittiam  as  suas  forças,  nunca  consul- 
tadas para  isso,  mas  levados  por  outras  circumstancias  especiaes. 

Um  dos  primeiros  actos  administrativos  do  general  Hermes,  foi 
tratar  de  prohibir  esse  abuso,  providenciando  para  que  o  arsenal  da  pro- 
vinda fornecesse  em  tempo  o  fardamento  necessário,  deixando  de  ser  pago 
em  dinheiro,  aos  corpos,  a  sua  importância.  Mas  não  conseguiu  desar- 


(a)  Vi  debitar-tse  á  um  soldado  a  quantia  de  ires  mil  réis  por  uma  garrafa  de 
vinagre,  pedido  para  compôr-se  o  vinagre  vulnerário  que  lhe  foi  receitado,  quando  4 
nós,  estrangeiros   na  cidade,  era  esse  género  vendido  por  preço  seis  vezes  menor  \ 

[h)  Espécie  de  trahira  de  inferior  qualidade.  E*  o  erythrinus  de  Spix. 


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CIDADE   DE   MATTO-OROSSO  115 

raigar  esse,  como  outros  abusos,  principalmente  nos  pontos  affastados  da 
província,  onde  a  acção  autoritária  só  se  faz  sentir  por  intermédio  de  dele- 
gados, ou  em  vista  de  informações  nem  sempre  sinceras  e  leaes. 


IV 


A  matriz,  da  invocação  da  Santissima  Trindade,  teve  seus  principies 
em  1753,  em  tempos  de  Bolim  de  Moura;  mas  os  alicerces  do  actual 
templo  foram  lançados  em  1775,  governando  Luiz  de  Albuquerque.  Seu 
successor  deu  lhe  maior  incremento,  e  nella  teve  sepultura  aos  29  de 
fevereiro  de  1796. 

E'  um  templo  de  boas  proporções  e  que  não  chegou  á  concluir-se, 
faltando-lhe  as  torres.  Sua  parede  lateral  da  direita  seguiu  de  nascença 
a  inclinação  da  torre  de  Piza,  não  sabe-se  por  que  razão ;  e  que  hoje, 
principalmente  no  estado  de  velhice  do  edifício,  amendronta  á  quem  se 
approxima,  apezar  da  segurança  que  lhe  dão  os  naturaes,  allegando  ser 
um  vicio  congénito,  mas  sem  perigo. 

Essa  egreja  em  minas,  o  que  é  desnecessário  ir-ec  repetindo  acerca 
de  todos  08  edifícios  da  cidade,  quasi  sem  portas  nem  janellas  que  a 
fechem,  é  a  morada  de  milhares  de  morcegos. 

Foi  mui  rica  e  guarda  ainda  os  restos  de  sua  prisca  opulência,  taes 
como  velhos,  mas  ricos  paramentos,  imagens  adornadas  de  jóias  custosas 
de  ouro,  prata  e  pedrarias,  umas  com  immensos  resplendores  de  ouro, 
outras  com  coroas  imperiaes  de  natural  tamanho ;  duas  riquíssimas  e  bem 
cinzeladas  custodias,  tão  pesadas  que  á  custo  ergui-as  com  uma  só  mão ; 
calyces,  patenas,  navetas  de  ouro  ou  prata  dourada,  thurybulos,  immen- 
sas  alampadas,  tocheiros,  varas  de  pallio  que  mais  parecem  bambus  que 


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116  VnXA  BELLA 

varas,  candelabros,  etc.,  tudo  de  prata  e  alguns  tão  sujos,  que  á  primeira 
vista  se  08  suppõe  de  ferro. 

Na  praça,  que  a  separa  do  quintal  do  palácio,  ergue-se,  á  meio,  o 
cruzeiro.  A'  direita  íica-lhe  a  traveâsa  de  Palácio,  ã  esquerda  a  da 
Estrada  e  atraz  a  rua  do  Fogo. 

Entre  essa  rua  e  a  de  Santo  António  fica  o  cemitério,  convertido 
actualmente  em  inculta  brenha,  onde,  de  cada  vez  que  ha  necessidade  de 
dar-se  jazida  á  um  morto,  roça-se  o  necessário  somente  para  abrir-se 
a  sepultura.  Sendo  um  recente  quadrado  de  cento  e  poucos  metros  de 
face,  è  de  suppôr-se  que,  apezar  da  sua  antiguidade  e  má  fama  climatérica 
da  cidade,  tenha  ainda  terreno  virgem  ;  sendo  uma  particularidade  digna 
de  nota  que,  rara  como  é  a  caça  nos  arredores  do  povoado,  ahi  ás  vezes 
appareça. 

A  rua  de  S.  António,  hoje  a  mais  vistosa  da  cidade,  tomou-se  ainda 
mais  notável  por  ter  em  seus  extremos,  fronteira  uma  á  outra,  as  capei- 
las  de  S.  António  dos  Militares  e  do  Carmo,  pelo  que  a  metade  oriental 
da  rua  é  conhecida  por  esse  nome.  Esta  capella,  completamente  em  mi- 
nas, está  abandonada :  fora  começada  em  5  de  agosto  de  1781  pelo  inten- 
dente do  ouro  Pelippe  José  Nogueira  Coelho,  o  autor  de  uma  Memorin 
chronologka  da  capitania,  aqui  já  citada  ;  e  inaugurada  em  16  de  julho 
de  1783,  e  não  em  tempos  de  João  dAlbuquerque,  como  diz  a  Noticia 
do  Sr.  Moutinho. 

A  de  S.  António,  comquanto  também  muito  damnificada,  ainda  se 
conserva,  graças  aos  cuidados  que  lhe  têm  dispensado  alguns  commandan- 
tes  militares  do  districto,  entre  outros  o  finado  coronel  Perné  e  os  Srs. 
majores  José  Gomes  Vieira  da  Silva  Coqueiro  e  João  de  Oliveira  Mello. 

Seus  começos  datam  da  fundação  do  povoado  ;  mas  do  templo 
actual  a  pedra  fundamental  foi  lançada  em  1  de  junho  de  1779,  «  deposi- 


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CIDADE   DE   MATT(H>ROSSO  117 

tando-se  sob  ella  varias  marcos  de  ouro  e  prata  com  as  armas  reaes,e  repar- 
tindo-se  outros  com  as  pessoas  da  nobreza  que  assistiram  ao  acto  »  diz 
aquelle  intendente  na  sua  Memoria  chronólogica.  Quando  Kolim  fundou 
a  villa,  fazia  celebrares  officios  divinos  na  própria  palhoça,  primeiro 
palácio  dos  capitães-generaes  ;  mas  chegado  o  mez  de  junho  e  o  dia  de 
grande  thaumaturgo  portuguez,  os  moradores,  mais  por  devoção  ao  gene- 
ral que  ao  santo,  determinaram  fazer-lhe  uma  festa;  o  que  motivou 
mandar  Bolim  erguer  uma  capella  de  pau  à  pique,  para  cujo  altar  fez 
pedir  uma  imagem  á  matriz  da  Chapada  e  solicitou  do  diocesano 
fluminense  a  mudança  da  freguezia  para  ella.  Era  á  borda  do  rio ;  á  2  de 
fevereiro  de  1753,  Eolim  mudou-a  para  uma  casa  barreada,  preparada 
para  servir  de  cosinha  á  casa  de  sua  residência  ;  e  deu  começo  á  outra 
capella,  na  praça  e  logar  destinado  para  a  matriz,  tendo  em  25  de  oitu- 
bro  desse  anno  chegado  a  provisão,  solicitada  do  bispo  diocesano  (a). 

A  capella  de  S.  António  foi  reconstruída  pelo  Dr.  Theotonio,  era 
1755,  na  ausência  de  Rolim.  Era  coberta  de  palha  e,  aquelle  magistrado 
queria  um  edifício  mais  digno  da  santidade  de  suas  funcções.  Convocou  o 
vigário  e  a  irmandade  do  SS.  Sacramento,  propôz  encarregar-se  da  recons- 
trucção,  e  foi  elle  o  seu  architecto  e  autor. 

Mede  o  templo  36  palmos  de  frente,  80  de  fundo  e  36  de  alto,  com 
capella-mór,  quatro  altares  lateraes,  coro,  baptistério,  sachristia,  etc. ;  é 
todo  de  alvenaria  e  coberto  de  telhas.  Nessa  construcção  nada  dispendeu 
a  fazenda  nacional,  sendo  somente  utilisadas  as  esmolas  e  os  esforços  dos 
fieis,  e  as  destinadas  ás  festividades  da  semana  santa. 

Em  1756  foi  benzida,  e  continuou  como  matriz  da  cidade  até  1798, 
quando  benzeu-se  o  templo  destinado  á  freguezia. 


^a)  NotuÀas  relativas  á  victgem  de  D,  A  ntonio  Rolim  de  Moura  e  oreação  da  ViUa 
BeUa. 


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118  VILLA   BELLA 

A  actual  capella  ó  pequena,  mas  não  carece  de  elegância.  Está  edi- 
cada  na  face  Occidental  de  uma  praça,  hoje  destruida,  sobre  um  vasto 
terraço  ou  plataforma  que  se  liga  ao  antigo  cães  e  fortificação  do  porto. 

Cercam-o  ainda  magestosas  e  já  seculares  tamarineiras  e  gamelleiras* 
e  mui  poucas  das  larangeiras  do  formoso  pomar  com  que  a  circumdaram 
os  dous  Albuquerques. 

E'  dos  templos  da  provincia,  talvez,  o  que  mais  riqueza  encerra.  Uma 
de  suas  custodias  é  ainda  mais  rica  e  primorosa  do  que  as  da  matriz,  e 
de  subido  valor ;  as  coroas  das  imagens  são  de  tamanho  ás  vezes  exage* 
rado,  algumas  ornadas  de  gemmas.  Calyces,  patenas,  thurybulos,  nave- 
tas,  frontaes,  banquetas,  pallios,  alampadas,  candelabros,  tocheiros,  etc., 
tudo  é  rico  e  de  precioso  valor.  A'  vista  do  que  não  confio  na  asserção  do 
autor  da  Noticia  sobre  a  provincia  de  MatUhOaosso^  de  ter  sido  reco- 
lhida á  capital  alguma  prata  dessa  capella ;  consta-me,  ao  contrario,  que 
o  finado  e  venerando  bispo  intentou  fazêl-o,  mesmo  em  respeito  ao  caracter 
sagrado  desses  objectos  ahi  tão  mal  guardados,  mas  deteve-se  ante  a 
reluctancia  do  povo,  que  não  queria  apartar-se  dessas  riquezas,  mormente 
indo  ellas  para  Cuyabá. 

Também,  não  o  zelo,  mas  somente  o  fanatismo  e  o  terror  religioso 
tém  podido  couserval-as  nesses  templos  em  ruinas,  abertos  e  expostos  á 
quem  quizer  roubal-os ;  fanatismo  e  não  zelo,  digo,  porque,  ao  passo  que 
nega  a  retirada  desses  objectos  de  duplo  valor  em  riqueza  e  veneração, 
para  a  cathedral  e  sede  do  bispado,  delles  não  cura,  guardando-os  como 
fora  de  mister,  dando  portas  e  janellas  aos  templos  escancarados,  e  não 
deixando  a  prata  tomar  ás  apparencias  do  ferro. 

Todavia,  já  roubos  se  tém  dado... — e  é  triste  e  doloroso  dizer  que  é 
entre  aquelles  á  quem,  principalmente,  cumpre  guardar  com  zelo  e  res- 
peito as  cousas  sagradas,  que  se  aponta  quem  tenha  ousado  pôr-lhes  mãos 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  119 

sacrílegas.  Taes  riquezas  provocam  a  cubica,  e  n'uma  cidade  despovoada 
e  em  desamparo  como  esta,  situada  na  extrema  fronteira  da  provincia  e 
io  Império;  sem  portas  nem  janellas,  e  além  disso  derruidos  em  parte 
esses  templos,  cofres  de  tanta  preciosidade,  lá  dia  virá  que  um  desalmado 
os  saqueie  á  seu  salvo.  Em  1876  veiu  á  cidade  um  sacerdote  estran- 
geiro convidado  á  exercer  actos  do  seu  ministério,  visto  que  ha  annos 
não  apparecia  ali  um  padre,  nem  o  governo  ainda  se  lembrou  de  dar-lhe 
capellão  ou  vigário,  nomeado  d^entre  os  seus  homens  da  guarda  nacional. 
Admirado  da  riqueza  das  custodias,  pediu  á  irmandade  que  lhe  empres- 
tasse delias  a  mais  preciosa,  somente  para  mandar  sacarle  una  copia  en 
Santa  Cruz  de  la  Sierra. 

Mas  os  matto-grossenses  não  concordaram  em  satisfazer  tão  ingénuo 
desejo. 

Vale-lhes,  felizmente,  o  terror  religioso  que  as  guarda. 

Lembra-me  ainda  do  ar  contricto  e  compungido  com  que  me 
fallou  o  nonagenario  major  João  Manso,  antigo  ordenança  e  remador  das 
galeotas  dos  capitães  generaes  (a),  de  uma  indigestão  que  quasi  o  matara. 

Era  ainda  mui  cedo  e  pouco  clara  a  madrugada;  passeiava  elle,  como 
de  costume,  apreciando  o  alvorecer,  na  porta  de  sua  casa,  quando  lhe 
vieram  offerecer,  muito  em  conta,  um  feixe  de  lenha;  comprou-o,  e 
receiando  depois,  pelo  preço,  que  fosse  lenha  verde  de  mangues,  foi  exa- 
minal-a,  e  qual  o  seu  horror  ao  reconhecer  nas  achas  pedaços  das 
grades  de  uma  egreja,  a  do  Carmo  !  Regeitou-a  horrorisado,  mas  bastou- 
lhe  a  lembrança  de  que  poderia  utilisar-se  delia  para  fazer  o  seu  almoço 
áematrinehans  (b),  inconsciente  e  innocentemente,  para  sentir  perturbar- 


(a)  Falleceu  em  1877. 

(b)  £*  o  ohetodon  rubidus^  exceUente  peixe,  um  dos  melhores  desses  rios,  sinfto 
o  mais  saboroso. 


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120  VILLÀ  6ELUL 

lhe  a  digestão ;  attribuindo  o  devoto  ancião  á  uma  espécie  de  advertência 
divina  o  mal  que  foi  tão  foi-te,  que  o  ia  matando. 


Com  a  destruição  dos  arraiaes  vizinhos  as  imagens  e  paramentos  de 
suas  capellas  foram  recolhidos  ás  egrejas  da  cidade.  A  de  Santo  António 
é  que  os  guarda  em  maior  numero,  sobresahindo  entre  as  imagens,  pela 
riqueza  dos  adornos,  a  de  SanfAnna  do  arraial  desse  nome. 


O  que,  porém,  mais  notável  toma  essa  capella  e  mór  valor  lhe  dá, 
para  o  brasileiro  digno  desse  nome,  são  duas  sepulturas  que  ahi  se  encon- 
.  tram,  uma  á  esquerda  e  outra  á  direita  da  capella-mór.  Desta^  na  tampa 
de  madeira,  lê-se  a  seguinte  inscripção  : 

KFA  S 

C*^  do  K  C  de  E 

Que  gloriosamente  defendeu  Coimbra 

Em  1801 

&  no  mesmo   logar  falleceu 

Em  21  de  janeiro  de  1809 

Aqui  jaz  sepultado. 

E'  a  sepultura  de  Kicardo  Franco  de  Almeida  Serra. 

A  outra  guarda  os  ossos  de  Amadeu  Adriano  Taunay,  joven  e  malo- 
grado artista,  que  em  vez  de  colher  os  louros  e  glorias  de  seu  pae,  das 
quaes  era  legitimo  herdeiro,  veiu,  aos  vinte  e  quatro  annos  de  edade, 
morrer  desastradamente  no  porto  do  Guaporé. 


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CÍDADE   PE  MATTO-GUOSSO  121 

Fazia  parte  da  commissão  do  cônsul  LaDg3dorfr(a),  mas  delle  sepa- 
rou-se  na  rio  Taquary,  em  6  de  dezembro  de  1826,  seguindo  escoteiros 
para  Cuyabá  elle  e  o  illustre  botânico  Dr.  Riedel.  Da  capital  seguiram 
por  terra  para  Matto-Grosso,  onde  chegaram  á  18  de  dezembro  do  anno 
seguinte ;  em  breve  partiram  em  digressão  por  Gasalvasco,  S.  Luiz  e 
Salinas,  á  estudar  e  explorar  as  localidades ;  e  foi  na  volta  que,  em  5  de 
janeiro,  Amadeu,  tendo  já  atravessado  á  váu  o  AlegTe,  por  duas  vezes, 
açoitado  de  um  furioso  temporal  que  desabara,  chegou  á  beira  do  Gua- 
poré  e  á  nado  quiz  vencer-lhe  a  torrente  larga,  e  agora  tomada  mais  forte 
e  impetuosa  pela  fúria  da  tempestade.  Forte  e  ágil,  e  emérito  nadador, 
lançou-se  á  agua  mesmo  vestido,  sem  lhe  occorrer  nem  o  quebramento 
das  forças  pela  viagem  forçada  que  acabava,  nem  os  novos  e  furiosos  Ím- 
petos da  corrente. 

Succumbiu,  e  seu  cadáver,  somente  encontrado  três  dias  depois,  veiu 
buscar  sepultura  honrada  junto  aos  restos  de  Eicardo  Franco.  Pouco, 
mui  pouco,  restou  dos  seus  esforços  e  labores  scientificos,  e  si  delles  não 
se  archiva  cabedal  que  honre  a  sua  segunda  pátria,  grandes  eram  suas 
promessas  para  o  futuro.  Amadeu  era  dessa  familia  em  que  a  intelli- 
gencia  é  a  maior  herança :  aos  vinte  annos  já  era  notável  artista;  e  é  de 
suppor  que,  si  a  morte  o  houvesse  poupado,  nem  desdiria  da  fama 
que  acompanhou  seu  pae,  o  barão  Nicolau  de  Taunay,  uma  das 
glorias  artísticas  da  França,  de  cujo  Instituto  de  Sciencias  era  membro 
e  da  nossa  Academia  de  Bellas-Artes,  da  qual  foi  um  dos  fundadores  ; 
nem  do  renome  immacUlado  que  gosou  seu  venerando  irmão  o  cônsul 
Theodoro, 


(a)  Commissão  russiana  que  paiiiu  do  Hio  de  Janeiro  em  8  de  setembro  de 
1825,  pai*a  Santos,  na  sumaca  Aurora^  e  de  Porto  Feliz  em  fins  de  junho  seguinte. 
Pouco  se  conhece  do  resultado  de  seus  trabalhos,  isso  em  parte  vievido  á  demência 
que  atacou  seu  chefe. 

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122  YIIAA  BELLA 

No  porto,  quasi  atraz  e  á  direita  da  capella,  e  em  terreno  mais  baixo, 
ficava  a  Casa  das  Canoas^  espécie  de  arsenal  estabelecido  por  João  de 
Albuquerque.  Suas  ruínas  ainda  subsistem ;  nellas  pretendemos  estabe- 
lecer nosso  pouso,  quando  fomos  á  cidade  fazer  os  preparativos  para  a 
descida  do  rio  ;  não  o  levando  á  eífeito,  graças  á  obsequiosidade  do  com- 
mandante  militar  do  districto  o  Sr.  major  Oliveira  Mello,  que  pôz  á  nossa 
disposição  o  palácio,  então  devoluto. 


A  camará  municipal  e  a  cadeia  conservam-se  ainda  hoje  na  face 
Occidental  da  praça  do  Palácio.  Velhos  pardieiros,  habitações  de  mor- 
cegos,— aquella  guarda  ainda  os  archivos  da  historia  antiga  da  provín- 
cia, em  livros,  hoje  desgraçadamente  illegiveis  na  sua  maior  parte,  pela 
traça  e  pelo  tempo,  que  collou  parte  das  carcomidas  folhas  dos  manus- 
criptos,  e  outras  apagou  de  modo  á  fazer  impossível  a  sua  leitura. 

Adornam-lhe  as  paredes  da  sala  das  sessões  os  retratos,  em  tamanho 
natural,  do  rei  D.  João  VI  e  dos  cinco  primeiros  capitães-generaes ;  exis- 
tindo também  a  moldura  de  um  outro,  que  era  o  do  sexto,  o  governador 
Caetano  Pinto  (a) :  preciosíssimos  documentos  da  historia,  votados  á 
completa  perda,  si  o  governo  não  os  acautelar,  como  deve,  fazendo-os 
recolher  á  esta  corte. 

A  cadeia  é  uma  pequenina  casa,  sem  segurança  alguma,  que,  quando 
guardar  algum  preso,  deve  têl-o  sob  sua  palavra  de  honra. 

(a)  Um  dos  seus  descendentes,  o  Sr.  marechal  barão  da  Penha,  explicou-me  o 
facto.  Sabendo  que  existia  esse  retrato,  e  sua  familia  desejando  uma  cópia,  obteve-o 
para  esse  fim.  Realizado  este,  cumpriram  immediatamente  o  dever  que  se  impu- 
zeram  de  mandar  repor  o  original  no  seu  logar  de  honra ;  mas  o  portador,  descurou 
commissão,  deixando  o  retrato  em  Cuyabá,  para  onde  o  conduzira. 


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CIDADE  DE  MATTO-OROSSO  123 

Conservam-se  ainda,  aqui,  frescas  reminiscências  da  fuga  de  deze- 
seis  sentenciados  remettidos  de  Cuyabá,  por  occasião  da  rusga  de  31  de 
maio  de  1834,  e  que  eram  dos  principaes  recriminados,  sinão  dos  mais 
criminosos.  Chegados  e  recolhidos  â  cadeia,  mataram,  á  noite,  o  carce- 
reiro, forçaram  o  quartel,  onde  escolheram  armas,  tomaram  canoas  no 
porto  e  transpondo  o  rio  buscaram  intemar-se  na  Bolivia.  A  cidade  des- 
pertou ao  som  do  alarma  dado  pela  sineta  da  cadeia ;  mas,  quanda  um 
troço  de  gente  sahiu  á  perseguir  os  fugitivos,  já  não  os  viram,  e  nada 
mais  tiveram  á  fazer  que  protestar  contra  a  fuga  e  os  recentes  crimes. 

A'  esquerda  da  camará,  e  entre  as  duas  praças  de  Palácio  e  Pelou- 
rinho, ficava  o  local  destinado  á  futura  cathedral,  na  esperança  em  que 
se  estava  de  obter-se  a  transferencia  da  sede  prelaticia  para  capital.  Ainda 
se  vêm,  como  já  se  o  disse,  seus  alicerces  na  face  que  faz  esquina  com  a 
rua  do  Palácio,  em  frente  aos  escombros  da  casa  de  fimdição  e  ás  grossas 
paredes  de  cantaria  das  suas  salas  de  aferição  e  thesouraria. 


Na  face  oriental  da  praça  vê-se,  bem  em  frente  e  também  fazendo 
esquina  áquella  rua,  as  ruinas  de  uma  casa  de  sobrado,  com  grades  de 
ferro,  única  desse  porte  que  se  construiu  na  cidade,  e  por  isso  mesmo  man- 
dada embargar  por  Caetano  Pinto,  pela  singular  razão  de  que,  sendo  o  pa- 
lácio dos  governadores,  comquanto  grande,  apenas  ura  edifício  térreo,  era 
attentatorio  á  sua  prosápia  que  um  simples  particular  morasse  em  casa 
de  sobrado.  O  dono,  negociante  portuguez,  de  nome  Manoel  Alves,  não 
podendo  oppôr-se  á  prepotência,  tão  commum  e  natural  nesses  tempos, 
reluctou  conforme  estava  ao  seu  alcance,  não  rebaixando-a  á  um  só  pavi- 
mento. Desgostoso,  retirou  os  trabalhadores;  caprichoso  e  tenaz,  não  quiz 
desapropríal-a  nem  ceder  á  outrem ;  e  deixou-a  em  pé,  como  um  espan- 
talho de  pedra  e  cal  á  fofa  arbitrariedade,  até  que  o  tempo  a  aniquilasse. 


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124  YILLA   BELLA 

Presentemente  tem  a  cidade  uma  única  escola  de  meninos,  que  no 
dia  de  nossa  chegada,  ao  visitarmol-a,  tinha  em  aula  cincoenta  e  um 
alumnos,  faltando  ainda  oito,  segundo  informou-nos  o  professor  o  Sr.  João 
Carneiro  :  o  que  não  deixa  de  ser  uma  bonita  proporção  para  a  população 
da  cidade. 

Nestas  viagens  notamos  que  a  maior  parte  dos  rapazes,  soldados  oii 
paisanos  naturaes  dessa  cidade,  que  encontrávamos,  sabia  lêr  e  escrever  em 
regular  bastardo,  ainda  que  com  certa  liberdade  das  pêas  orthographicas. 

Já  teve  a  cidade  uma  aula  de  latim,  nos  seus  bonitos  tempos ;  em 
26  de  agosto  de  1853  creou-se-lhe  outra  de  primeiras  lettras  para  me- 
ninas. Ambas,  hoje,  estão  extinctas. 


A  villa  era  defendida  por  duas  baterias  á  barbeta :  uma  de  seis 
canhões,  á  esquerda  do  porlo  de  desembarque,  e  no  abarrancado  por  traz 
da  capella  de  Santo  António,  logar  talvez  conveniente  naquelles  tempos, 
mas  que  posteriormente  perdeu  qualquer  importância  que  podesse  ter,  com 
a  mudança  de  direcção  do  rio,  que  formou  canal  n'um  sangradouro  que 
segue  em  rumo  de  ONO,^  á  uma  distancia  de  poucos  centos  de  metros  ao 
N.,  e  em  tal  direcção  que,  quem  sobe  o  rio  só  é  visto  da  cidade  quando 
prestes  á  abicar  no  porto. 

A  outra  bateria,  de  quatro  peças,  ficava  no  sitio  denominado  Porfo 
ão  Tucum^  melhor  situada  por  ficar  mais  affastada,  abraçando  um  hori- 
zonte maior  e  guardando  o  rio  desde  quasi  a  foz  do  Alegre. 

Eis,  em  breves  traços,  o  esboço  ligeiro  da  capital  dos  capitães-gene- 
raes, — o  empório  das  minas  de  ouro  do  Matto-Grosso,  paiz  tão  conside- 
rado da  coroa  portugueza — que  nella  via  uma  das  suas  mais  preciosas 
gemmas. 


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CIDADE  DE  MATTO-GKOSSO  125 

De  toda  essa  antiga  grandeza  qiiasi  que  só  restam  reminiscências 
nessa  pobre  tapera  ainda  decorada  com  a  hierarchia  de  cidade,  titulo  -que 
não  lhe  durará  muito.  Ha  poucos  mezes,  já  em  1879,  a  assembléa  pro- 
vincial fez  uma  lei  nesse  sentido,  rebaixando-a  ao  foral  de  villa,  e  á  qual 
negou  sancção  o  presidente  Pedrosa. 

Seu  districto  militar,  ecclesiastico  e  judiciário,  abrange  todo  o  terri- 
tório Occidental  da  provincia,  desde  ai  foz  do  Gyparaná,  no  Madeira,  cor- 
tando pela  cordilheira  do  Norte  e  em  direcção  ao  líegistro  do  Jaurú ; 
limite,  aquelle  no  Madeira,  apenas  nominal,  como  já  vimos,  por  isso  que 
desde  as  cachoeiras  do  Mamoré  é  a  Amazonas  quem  exercita  a  adminis- 
tração, quem  guarda  e  defende  o  ponto  de  Santo  Anlonio,  quem  o  provê 
de  autoridades  e  policia,  e  quem,  finalmente,  cobra-lhe  as  rendas  e  paga- 
Ihe  as  despezas.  O  que  sendo,  entretanto,  muito  natural  e  consentâneo 
com  a  razão,  só  excita  a  extranhesa  de  não  ter  sido  ainda  esse  território 
desannexado  de  uma  e  unido  á  outra  provincia. 


A  cidade  de  Matto-Grosso  dista  seiscentos  e  sessenta  kilometros 
da  de  Cuyabá,  ou  mais  de  dous  myriametros  do  porto  de  Santo  António  do 
Madeira,  ficando  á  mais  de  dous  mil  e  quatrocentos  kilom.  da  foz  do  Gy- 
paraná. O  que  quer  dizer  que,  para  da  capital  da  provincia  se  communicar 
com  esse  extremo,  medeiam  perto  de  três  myriametros,  dos  quaes,  por 
terra  péssimos  os  caminhos,  e  por  agua  uma  extensão  encachoeirada 
de  mais  de  quatrocentos  kilometros  (a). 


(a)  Os  Srs.  Keller  dão  363,843»  á  esta  região,  ao  passo  que  o  coronel  Church 
calculou  quasi  no  mesmo  algarismo  (363,000»)  a  corda  desse  arco,  na  qual  devia 
traçar  a  estrada  de  ferro  (V,0  Brasil  na  Exposição  de  Vienna),  A  commissáo  de 
demarcação  de  17&2  dá-lhe  71  léguas  geographicas. 


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126  VILLA  BKLLA. 

VI 

Das  arredores  da  cidade  de  Matto-Grosso  só  visitei  a  margem  fron- 
teira do  rio,  nas  faldas  da  serra  de  Kicardo  Franco,  seguindo  a  estrada 
que  vae  ao  porto  do  Bastos.  O  solo  é  ubérrimo,  coberto  de  robusta,  virgem 
e  frondosa  mattaria,  bem  different^,  no  typo,  dos  matagaes  que  circum- 
dam  a  cidade,  caatingas  que  hoje  substituem  as  florestas  derrubadas. 

Também  é  somente  nas  encostas  da  serra  que  se  encontram  os  poiícos 
sitios  e  lavouras  dependentes  da  cidade ;  entre  outras,  as  engenhocas  de 
assucar  dos  Srs.  Paulo  dos  Santos,  Antunes  Maciel  e  Samuel,  esta  já  no 
Cubatão.  Não  é  tanto  a  falta  de  forças  como  a  do  commercio  (que  toma 
aquellas  inúteis)  a  causa  da  mesquinha  producção  desses  feracissimos  ter- 
renos, onde,  como  tive  muitas  occasiões  de  vêr,  a  mandioca  e  o  cará  (dios-- 
corea)  attingem  proporções  coUossaes;  onde  a  cana  produz  exhuberancia 
de  seiva,  quasi  que  só  aproveitada  em  rapaduras  ou  na  aguardente 
e  especialmente  o  resUllo,  cujo  nome  já  indica  o  que  é;  bebida  da  terra, 
que  bem  merece  o  nome  de  fogo  liquido  com  que  a  baptisou  um  reverendo 
italiano  que  ultimamente  parochiava  a  freguezia.  Abunda  em  laranjas, 
dulcíssimas  como  as  de  toda  a  província,  e  em  bananas  excellentes.  Na 
cidado  lia  alguns  pés  de  coqueiro  da  Bahia,  cajueiros,  figueiras,  casta- 
nheiras do  Pará,  aqui  chamadas  tocar y,  limoeiros,  limeiras,  fructas  do 
conde,  canelleiras  da  índia  etc,  arvores  quasi  todas  velhas  e  sem  duvida 
plantadas  pelos  antigos,  sinão  os  primeiros  moradores.  As  goiabeiras  e 
araçazeiros  são  praga  nos  carrascos  e  caatingas  que  cercam  o  povoado, 
onde,  também,  entre  outros  fructos  sylvestres,  se  encontra  a  marmellada^ 
assim  chamada  por  no  sabor  approximar-se  ao  desse  doce.  Ha-as  de  duas 
espécies:  uma  coberta  de  espinhos,  mis  espinhos  brandos  quasi  como  os 
do  maxixe,  e  que  posso  afiançar  sarem  be n  saborosas ;  e  outra  lisa,  meia 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  127 

achatada  e  de  casca  resistente,  muito  semelhante  na  forma  á  mamméa 
americana,  abricós  do  Rio  de  Janeiro  ;  differindo  em  serem  um  pouco 
maiores  e  mais  achatadas,  e  não  amarellecerem  quando  maduras,  desbo- 
tando, apenas,  a  sua  côr  verde-clara.  Dessas  nunca  logrei  encontrar  uma 
perfeita,  tal  a  guerra  que  lhe  fazem  os  pássaros. 


Na  occasião  em  que  a  visitei  a  margem  esquerda,  por  toda  a  estrada, 
entre  o  Alegre  e  o  porto  da  cidade,  e  sem  duvida  na  floresta  toda, 
enchiam  as  arvores  vistosas  e  bonitas  epidendréas,  especialmente  uma 
formosa  Icelia  de  flores  matizadas  de  branco  e  escarlate,  um  onciâium 
de  largos  paniculos  côr  de  ouro,  vários  epiphyllum,  alguns  de  flores  pe- 
quenas, mas  tão  mimosas  e  brilhantes  como  as  cultivadas  nos  jardins  de 
Petrópolis ;  e  uma  hktia^  graciosa  miniatura  vegetal  de  mimosas  flori- 
nhas  brancas  :  as  quaes  todas  colleccionei  e  trouxe  até  esta  corte.  Ainda 
uma  grande  variedade  de  tillandsias,  aroideas  e  outros  dendrophytos,  de 
varias  espécies  e  variegadas  flores,  enroscando-se  nos  troncos,  suspendiam-se 
nos  galhos,  transfigurando,  ás  vezes,  as  annosas  arvores  que  as  sustentavam. 
As  flores  rubras  de  um  maracujá  sylvestre  appareciam  de  vez  em  quando 
entrançadas  com  os  verticillos  verde-gaios  das  salsas,  e  dando  um  tom  fes- 
tivo aos  rugosos  troncos  ou  ás  moitas  que  abraçavam. 

Foi  nessa  estrada  que,  com  máxima  admiração,  encontrei  uma  pal- 
meira, asírccaryum,  ramificada  n'\im galho  de  mais  de  metro  de  altura ; 
admiração  que  dobrou  ao  verificar  um  segundo  exemplar  da  mesma  mons- 
truosidade e  nas  mesmas  condições,  á  poucos  passos  apenas  do  primeiro, 
e  também  á  orla  da  estrada. 

Nasciam  esses  ramos  cerca  de  três  e  meio  á  quatro  matros  acima  do 
solo,  e  elevavam-se  formando  um  angulo  de  40  á  50*.  íamos  nessa  occa- 
sião o  !•  tenente  Frederico  de  Oliveira  e  eu  ;  á  principio  suppuzemos 


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128  VÍLLA  BELLA 

que  seriam  novas  plantas  ahi  germinadas  de  alguma  semente  que  ficasse 
presa  na  cicatriz  dos  leques  cabidos,  mas  bem  depressa  nos  desenga- 
námos. Apezar  de  ser  o  seu  ponto  de  inserção  um  pouco  abaloado  não 
era  bulbiforme  como  o  dos  troncos  novos  dessas  palmeiras,  nem  bavia 
o  menor  signal  de  raiz  aeria  ou  adossada  ao  espique  (a).  Facto  tanto 
mais  curioso,   quanto,  com   excepção  da  hyphome  (doum  thebaicum), 


nenhuma  outra  palmeira  se  ramifica, á  não  serem  as  arecineas^  que  entre- 
tanto só  o  fazem  á  pouca  altura  no  solo.  Destas  tenho  visto  alguns 
exemplares  notáveis  aqui  mesmo  na  corte ;  n'um  pequeno  terreno  cer- 
cado, na  rua  de  Santos  Rodrigues,  esquina  direita  com  a  de  Estacio  de  Sá, 
havia  ainda  ha  poucos  mezes  uma  areca  de  seis  á  oito  annos,  cujo  tronco, 
quasi  metro  e  meio  acima  do  coUo  ou  nó  vital,  se  dividia  em  dous  altos 
espiques  eguaes  ;  outro  n'uma  chácara  do  Andaraby  Grande,  deixava  á 


(a)  o  juiz  de  direito  de  Palma,  em  Goyaz,  Vicente  Ferreira  Gomes,  no  seu 
itinerário  dessa  cidade  á  Belera,  pelo  Tocantins,  em  1859,  encontrou  um  exemplar 
idêntico  entre  as  cachoeiras  do  Itauiry  e  I taboca.  Diz  elle  :  «  Na  margem  occidental 
ha  um  aborto  da  familia  das  palmeiras,  isto  é,  um  tucum  com  hasteas,  é  um  pé  de 
palmeira  em  que  hão  nascido  quatro  palmeiçinhas.  »  Rev.  do  /íwt.  Hi^t.,  tomo 
XXV,  pag.  501. 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  129 

1",62  de  altura  do  coUo  sahir  um  rama  prolongado  em  augulo  de  60*  e 
já  tendo  mais  de  um  metro  de  sub-espique.  Palmeiras  com  gigantes 
parasitas  nascidas  em  seu  tronco,  principalmente  do  género  /icitô,  muitas 
ahi  se  encontram  ;  por  fallar  nisso,  occorre-me  citar  um  formosissimo 
exemplo  aqui  najcõrte  n*uma  antiga  palmeira,  de  muitos  séculos,  na  qual 
a  figueira  germinando  cerca  de  nove  metros  acima  do  solo,  desceu  as  raizes 
pelo  espique,  enleiou-o,  abarcou-o  completamente ;  e  fazendo  da  palmeira 
o  seu  âmago  e  desenvolvendo-se  com  a  mais  soberba  pujança,  fechou-o 
como  n'um  estojo,  tão  completa  e  perfeitamente,  que  nâo  se  o  suspeitaria 
si  os  leques  da  palmeira  não  se  elevassem  acima  da  fronde  da  parasita,  e 
si  ainda,  por  uma  feliz  lembrança,  o  dono  da  arvore  não  Ibe  desbastasse 
parte  do  tronco,  de  modo  á  pôr  patente  a  base  da  palmeira. 

Esse  magnifico  espécimen  dos  caprichos  da  natureza  está  á  margem 
esquerda  do  Bio  Comprido,  na  chácara  n,  34  da  rua  de  Haddock  Lobo, 
e  é  perfeitamente  visivel  da  rua.  A  palmeira  terá  dezoito  á  vinte  metros 
de  altura,  e  seu  estojo,  a  figueira,  4",35,  um  metro  acima  do  solo. 

A  urumbamba,  outra  singularidade,  mas  natural,  dessa  immensa 
e  formosa  familia  botânica,  já  citada  no  itinerário  ás  lagoas,  quando 
a  encontrámos  nos  areiaes  da  Mandioré,  aqui  também  apparece,  estendida 
no  solo,  assemelhando-se  á  um  immenso  cipó,  com  as  ondulações  da  cobra ; 
fina  de  um  á  dous  centímetros  de  diâmetro  e  longa  de  dezenas  de  metros, 
tendo  seus  merithallos  dous,  três  e  quatro  metros  de  comprido.  Como 
sempre,   só  se  as  encontra  nos  terrenos  arenosos  e  sujeitos  á  innundações. 


VII 


Matto-Grosso  goza  da  fama  de  altamente  insalubre  e  inhospita,  e 

Castelnau  a  appellida  de  empestada  cidade,  por  sujeita  ás  febres  de 

17 


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130  YILLA  BELLA 

caracter  palustre  e  phlegmasias  dos  orgams  respiratórios ;  facto  verda- 
deiro, como  tive  occasiào  de  comprovar  nas  primaveras  de  1876  e  1877, 
mas  em  geral  menos  fundadamente  apreciado,  como  se  viu  ao  tratar-se, 
na  introducção  desta  obra,  da  climatographia  da  provincia.  £'  que  si  ha 
razões  para  taes  créditos,  pelos  resultados  que  se  observam,  essas  desap- 
parecerão  logo  que  se  removam  as  causas  que  as  determinam. 

E*  insalubre  e  inhospita  como  o  é  toda  e  qualquer  habitação  des- 
guarecida  dos  preceitos  hygienicos;  é  insalubre  e  inhospita,  porque 
cercam-a  pântanos,  formados  pelo  extravasamento  dos  seus  rios,  cheios 
de  detritos  e  matérias  putresciveis  que  só  esperam  a  acção,  nunca  demo- 
rada, do  sol,  para  saturarem  o  ar  respirável  de  seus  efBuvios  deletérios; 
é  insalubre  e  inhospita,  porque  o  Guaporé,  desde  suas  vertentes  até  á  foz 
do  Alegre,  conserva-se  completamente  trancado,  n*um  trançado  de  hydro- 
phytos,  que  occulta  de  todo  suas  aguas  sob  um  lençol  de  verdura ; 
é  inhospita  e  insalubre,  porque  sua  edilidade  não  tem  meios,  e  talvez  que 
nem  mesmo  a  ideia  de  abrir  e  limpar  os  rios,  e  de  seccar  os  brejos.  Mas, 
já  se  o  disse  ao  tratar  do  seu  clima,  que  essa  acção  maléfica,  que  tão 
temido  faz  o  solo  de  Matto-Grosso,  não  lhe  é  particular ;  apparece  em 
todos  os  terrenos  ribeirinhos,  mormente  á  borda  das  grandes  torrentes, 
não  frequentados  com  assiduidade,  e  onde  o  homem  apenas  chega  ou 
existe  como  Jiospede.  Quando,  porém,  cora  o  seu  labor  tenaz  e  profícuo, 
elle  escoima  as  aguas,  limpa  as  margens,  roteia,  roça,  queima  e  planta; 
quando,  unindo  aos  cuidados  no  solo  os  cuidados  em  si,  modifica  os  seus 
hábitos  pelo  seu  habitat, — crêa  uma  hygiene  de  necessidade,  e  então,  certo 
as  influencias  perniciosas  vão  cedendo  passo  ás  salutares,  o  solo  se  sani- 
fica  e  o  clima  faz-se  benéfico. 

Matto-Grosso,  que  nasceu  das  minas  da  Parecis  e  teve  o  berço  ago- 
niado pelas  maiores  calamidades  que  podem  affligir  uma  sociedade  que 


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CIDADE   DE   MATl^O-GROSSO  131 

86  forma,  cresceu,  ou  por  assim  dizer,  viveu — emquanto  as  minas  pros- 
peraram, sem  cuidar,  jamais,  nos  meios  de  obter  o  bem  estar  da  saúde, 
alliado  com  o  bem  estar  que  o  ouro  pôde  trazer ;  e  as  misérias,  as  fomes, 
as  doenças,  accrescentadas  pelos  morticinios  e  depredações,  foram  sempre 
sócias  no  viver  desse  povo  de  aventureiros  infrenes,  flibusteiros  dos  sertões, 
como  os  chama  Ferdinand  Dénis,  tão  notáveis  na  sua  sede  do  ouro,  como 
na  imprevidência  em  sacial-a. 

As  chronicas  citam  á  cada  passo  o  descobrimento  de  uma  rica  jazida 
e  o  seu  próximo  abandono  pela  mortandade  que  sobrevinha  á  seus  mora- 
dores ;  delia  sendo  principal  causa  a  fotne,  pela  omissão  no  plantio  de 
roças,  isto  é,  pela  imprevidência  no  futuro  e  na  vida,  tendo  somente  por 
bera  empregado  o  tempo  gasto  em  esgaravatar  o  ouro. 


Ps^lxneirs^  «lo   Rio  Conapridlo 


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132  VILLA   BELLA 

E'  verdade  que  com  a  chegada  dos  governadores  esses  males  dimi- 
nuíram bastante.  Não  que  com  elles  viesse  um  tal  ou  qual  paradeiro  ás 
iniquidades  e  crimes,  nem  ainda  porque  fosse  cultivada  a  hygiene  ;  mas,  é 
que  havia  mais  vida  e  animação  no  povo :  os  rios  eram  navegados  desde 
quasi  as  suas  origens,  conservando-se  portanto  desimpedidos. 

Havia  commercio,  havia  lavoura ;  não  havia  fome  nem  miséria. 
Assim,  durante  o  governo  dos  capitães-generaes,  não  se  registrou  mais 
uma  só  daquellas  tristes  calamidades  dos  outros  annos. 

Mas,  com  a  transferencia  da  capital,  acaharam-se  quasi  todas 
aquellas  fontes  da  vida,  os  engenhos,  as  roças,  os  sitios,  as  povoações 
e  as  minas ;  morreu  o  commercio,  morreu  a  lavoura,  a  criação  e  a  pouca 
industria  que  havia  no  paiz;  e  a  cidade  ficou  povoada  apenas  por  aquelles 
que,  ou  por  falta  de  meios,  ou  por  conveniências,  não  puderam  buscar 
outra  comarca  onde  a  vida  lhes  fosse  mais  prospera. 

Em  compensação  e  triste  substituição  á  aquella  prosperidade  veiu 
o  desanimo,  a  indolência  e  o  marasmo,  com  todos  os  seus  perniciosos 
resultados.  Ao  natural  enervamento  que  o  clima  produz  aggregou-se  a 
inércia,  a  falta  de  estimulo,  a  falta  de  acção,  e  isso,  infelizmente  para 
ella,  não  tanto  pela  falta  de  meios,  como  pela  de  objectivos  ! 

vra 

A'  quem  viaja  hoje  por  esse  recanto,  povoado  e  florescente  outr'ora 
e  tão  ermado  nestes  tempos,  causa  extranha  sensação  a  ausência  de  quasi 
todos  os  meios  de  subsistência  do  homem,  não  só  dos  que  eUe  deve  aos 
seus  cuidados,  como  dos  que  a  natureza  produz. 

Adstrictas  á  cidade,  ha,  como  já  vimos,  apenas  uma  meia  dúzia 


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CIDADE  DE   MATTOOROSSO  133 

de  lavouras,  das  quaes  três  ou  quatro  com  engenhocas  de  assucar,  e  todas 
na  margem  opposta  do  rio.  Junto  ao  povoado  não  ha  uma  roça,  uma  chá- 
cara, uma  plantação  por  menor  que  seja.  Talvez  que  sem  exageração  se 
possa  dizer  que  não  ha  ahi  uma  larangeira,  um  coqueiro,  um  cajueiro,  — 
novos,  plantados  propositalmente,  nem  que  sentissem  outro  contacto  da 
mão  do  homem  sinão  para  tirar-lhes  os  fructos  maduros. 

Das  arvores  mais  úteis  ao  homem,  a  única  que  plantam  é  a  bana- 
neira, pela  razão  singela  de  não  passar  muitos  mezes  sem  lhes  pagar  o 
trabalho  com  os  seus  deliciosos  fructos  (a). 

Gomquanto  o  autor  da  Noticia  sobre  a  provinda  dê  a  cidade  como 
muito  bem  plantada,  e  ao  lado  das  riquezas  do  solo  muita  caça  nos  arre- 
dores, os  naturaes  afãrmam  o  contrario. 

Parece  que  a  natureza,  vendo  essa  incúria  indizivel,  quiz  castigal-a 
com  uma  severidade  também  inaudita :  nos  seus  arredores,  isto  é,  lá 
até  onde  se  animam  á  ir  os  seus  habitantes,  é  raro  apparecer  um  animal 
de  caça,  quadrúpede  ou  ave,  excepção  feita  dos  jabotis  e  tatus,  esses 
mesmos  escassos ;  no  rio  quasi  que  outro  peixe  não  se  encontra  á  não  ser 
o  ruhafo  ou  trahira  (b).  Entretanto  os  mattos  da  serra  fronteira,  as 
margens  do  Alegre  e  do  Barbado  são  ricos  de  caça,  e  mui  piscosos  esses 
rios,  abundando  em  matrinchans,  jacundás  (c)  ou  nhacundds^  dous  dos 
mais  saborosos  pescados  de  agua  doce. 

(a)  Consigne-se  esse  facto  :  em  Corumbá,  em  casa  do  Sr.  major  João  Pedro 
Alves  de  Barros,  vimos  bananeira  com  fructos,  tendo  apenas  três  mezes  de  planta- 
das, segundo  nol-o  garantiu  aquelle  senhor. 

(b)  Nas  lagoas  e  grandes  poças  d*agua,  encontra-se,  em  enorme  quantidade,  um 
batraeio,  espécie  de  triton,  cujos  membros  vão-se  atrophiando,á  medida  que  o  reptil 
vae  crescendo,  começando  pelos  posteriores,  e  cuja  cauda,  alongando-se,  toma  a 
forma  da  dos  peixes.  São  muito  communs  em  quasi  todos  os  alagados  dessas  regiões» 
e  muitos  encontramos  nos  esteros  de  Tuyuty,  no  Paraguay.  Parece-me  uma  espécie 
nova  que  não  pôde  ser  comprehendida  nem  entre  o  tritoa  punotatus  de  Daudln  nem 
entre  os  menoponia  aUeghanyensis  (urodeles),  tendo,  entretanto,  muitos  pontos  de 
contacto  com  elles. 

(c)  Ciohla  monoouiut,  Spix. 


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134  VILLA  BELLA 

Si  quanto  a  caça,  nos  arredores  da  cidade,  póde-se  atribuir,  até  certo 
ponto,  a  falta  á  natural  indolência  dos  moradores  ou  ao  receio  de  se  afFas- 
tarem  do  povoado  ;  quanto  ao  peixe,  é  sem  duvida  notável  que,  sendo  tão 
ricos  aquelles  rios,  seja  ahi  o  Guaporé  quasi  que  inteiramente  baldo  delle, 
vindo  á  ser  piscoso  já  perto  das  aguas  do  Rio  Verde  ;  mas  agora  piscoso 
de  uma  maneira  extraordinária,  ao  mesmo  tempo  que  suas  margens  são 
ricas  de  caça,  ostentando-se  as  florestas  que  o  bordam  cobertas  de  aves  da 
maior  estimação,  como  mutuns,  jacus,  arancuans,  jacutingas,  joós, 
nhambús,  etc.,  caça  verdadeiramente  real  na  abundância  e  no  apreço. 
Mas,  8i  a  distancia  do  Alegre  e  do  Barbado  já  poucas  vezes  é  vencida 
pelos  pescadores  da  cidade,  comprehende-se  que  mui  raro  será  o  que  se 
animem  à  descer  tão  longe  para  prover-se  de  tão  valioso  recurso.  Não  é 
provável  que  fosse  nesses  últimos  dez  annos  que  o  descuido  e  imprevidên- 
cia dos  moradores  troxessem-lhe  estado  de  penúria  actual,  nem  que  a 
natureza  se  modificasse  ao  ponto  de  afugentar-lhe  das  vizinhanças  o  peixe 
e  a  caça ;  parecendo  mais  certo  que  si  não  são  encontrados  é  porque  não 
se  os  procura. 

A  alimentação  do  povo  tem  simplesmente  por  base  arroz,  feijão  e 
fructos.  Póde-se  dizer  que  a  carne  fresca  lhes  falta  absolutamente ;  sendo 
que  apenas  de  longe  em  longe  ha  ordem  para  carnear-se  uma  rcz  de  Casal- 
vasco,  e  então  vae-se  monteal-a  nos  campos  onde  está  alçada  e  vém  para 
o  consumo  das  autoridades  e  tropa.  O  que  resta  dessa  distribuição,  pouco, 
bem  pouco,  cabeças  e  miúdos,  etc.,  é  deixado  para  quem  se  quizer  utili- 
sar,e  que,  entretanto,  ordinariamente  por  um  pejo  mal  entendido, segundo 
nos  informam,  regeitam  na  hora,  para  depois,  ás  sombras  da  noite,  dispu- 
tarem-o  aos  cães  e  corvos. 

A  falta  dos  principaes  elementos  azotados  da  alimentação  aggra- 
va-se  ainda  com  o  abuso  dos  alimentos  respiratório.^.  E'  frequente,  prin- 


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CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  135 

cipalmente  na  classe  baixa  da  população,  o  uso  das  bebidas  alcoólicas, 
reputado  o  prophylatico  mais  seguro  contra  os  insultos  do  paludismo  ; 
uso  nem  sempre  moderado,  especialmente  quanto  ao  restillo,  o  fogo 
liquido^  aguardente  de  mais  de  24^  Bom  concurso  trazem  esses  elemen- 
tos de  enfiraquecimnto  do  organismo  para  o  descrédito  do  clima  e  do  paiz, 
o  qual,  ainda  mais,  carrega  com  a  pecha  de  fazer  obrigatório  o  uso  dos 
espíritos ;  o  que  si  é  acceitavel  até  certo  ponto,  não  vae  este  ao  de  per- 
mittir  o  abuso.  Mais  provável  é  que  a  causa  principal  desse  vicio  esteja  na 
apathia  em  que  a  população  vive,  na  falta  de  distracções,  de  trabalho,  de 
commercio  :  causas  que,  entretanto,  fallecem  n'outros  paizes  onde  aquelle 
consumo  é  maior  (a). 

Para  as  pleuresias,  pneumonias  e  mais  affecções  dos  orgams  de  res- 
piração, encontra-se  uma  causa  muito  frequente  nos  banhos  nos  rios  e 
lagoas,  á  hora  em  que  o  rigor  do  sol,  convida-nos  ao  resguardo  dos  seus 
raios;  como  já  viu-se,  são  esses  banhos, ás  vezes, logo  em  seguida  ás  refei- 
ções ou  após  as  grandes  fadigas  á  que  se  entregam  em  certas  festividades, 
que  são,  por  assim  dizer,  as  suas  únicas  mas  demoradas  distracções. 

Quando  em  1877  chegámos  á  cidade,  em  fins  de  julho,  o  seu  estado 
sanitário  era  excellente :  raros  eram  os  enfermos  e  esses  mesmos  de  mo- 
léstias benignas,  abstracção  feita  de  alguns  hypoemicos  e  de  outros  em 
quem  o  habito  externo  mostrava  bem  claro  o  estrago  produzido  pela  ente- 


ia) A  Estadística  general  dei  comercio  de  la  Republica  A  rgentina,  de  1874,  do 
Sr.  Vaillant,  descobre-nos  esse  abuso  sob  uma  feição  extraordinária.  O  Pampa  de 
Buenos-Ayres  (V.  Globo  de  15  de  março  de  1876,  Rio  de  Janeiro),  em  artigo  que  a 
Prensa  de  Montevideo  transcreveu,  diz  o  seguinte :  a  El  cuadro  estadistico  confe- 
cionado  por  el  senor  Vaillant,  jefe  dei  departaniiento  de  Estadística  de  Montevideo, 
demuestra  que  la  Republica  Argentina  consome  cinco  por  ciento  mas  de  bebidas 
alcoólicas  que  la  nacion  la  mas  oonsumidera  de  Europa.  »  Accrescentando  depois  : 
«  A'  los  que  abusan  de  bebidas  recuerdoles  que  la  republica  se  queda  por  causa  de 
ellos  colocada  á  la  frente  de  los  pueblos  los  mas  eonsumidores  de  alcoólicas ;  posi- 
cion  mucho  risible  y  que,  por  supuesto,  no  és  digna  de  invidia.  » 


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13G  VILLA   BELI.A 

xicaçáo  eleica.  Ha  muito  tempo  que  não  apparecia  um  sacerdote  na  cidade, 
e  agora  o  bispado  mandava-lhe  um  de  encommenda  para  vigário :  o  povo 
resolveu  pôr  tolas  as  suas  festas  em  dia.  Assim,  começou-se  agosto 
com  a  solemnidade  do  Espirito  Santo,  seguindo-se-lhe  as  de  Santo  Antó- 
nio, S.  Benedicto,  S;  João  e  Nossa  Senhora  do  Eosario,  etc. 

Nessas  festividades,  que  ainda  hoje  ahi  se  solemnisam  conforme  as 
reminiscências  dos  tempos  coloniaes,  a  classe  abastada  e  superior  da  po- 
pulação é  que  as  fomenta  e  lhes  costeia  as  despezas ;  mas  é  a  inferior  quem 
dá-lhes  a  eictraordinaria  animação  que  tomam.  São  um  miitiforío  do 
ritual  dos  padres  da  missão  e  dos  costumes  africanos:  mascaradas,  bandas, 
simulacros  de  combates,  representações  de  mysterios,  etc.,  tudo  entre- 
meiado  de  cantos  e  dansados  que  se  succedem  com  poucos  intervallos,  du- 
rante dias  e  ás  vezes  semanas ;  percorrendo  os  festeiros  as  ruas  desde  antes 
do  amanhecer  até  á  noite,  sempre  cantando  e  dansando,  indo  buscar  ás 
casas, — um  por  um,  todos  os  principaes  da  festa,  juizes  e  juizas,  mordo- 
mos e  aias,  etc.;  descançando  ás  noites  em  folias  e  bailados,  em  casa,  até 
o  romper  d^alva,  em  que  novamente  sahem  á  repetir  o  mesmo  ceremo- 
nial  da  véspera;  em  tudo  isso  frequentes  libações  de  restillo,  e,  de  vez  em 
quando  immersões  no  Guaporé,  quando  o  demasiado  calor  ou  a  fadiga 
os  apoquenta. 

O  que  se  segue  é  que  já  nesses  dias  começa  á  apparecer  bom  numero 
de  doenças,  quasi  todas  pneumonias  e  pleuropneumonias  ou  febres  de 
caracter  mais  ou  menos  grave. 

Seja,  porém,  consignado  que  aqui,  como  em  muitos  outros  logares 
destas  regiões,  não  são  raros  os  macrobios,  cujo  numero  torna-se  sorpren- 
dente  por  não  estar  nas  condições  especiaes  da  terra  e  na  proporção  do 
numero  de  seus  habitantes. 

Aqui,  n'uma  população  de  setecentas  almas,  vimos  seis  indivíduos  de 


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CIDADE  DE  MAITO-GROSSO  137 

mais  de  oitenta  annos,  entre  os  quaes,  e  na  mesma  casa,  o  nonagenario 
major  Manso  e  uma  preta  muitos  annos  mais  velha  do  que  elle,  e  que  se 
gabava^  ainda,  de  ter  sido  a  cosinheira  e  doceira  de  Luiz  de  Albuquerque 
e  de  seu  irmão. 


IX 


Na  cidade  de  Matto-Grosso  não  ha  uma  loja  industrial,  por  mesqui- 
nha que  seja,  si  exceptuar-se  uma  pobre  e  miserável  foija  que  vimos  na 
extrema  Occidental  da  travessa  de  Palácio. 

Como  na  maior  parte  dos  logarejos,  póde-se  dizer  que  ahi  são  tantas 
as  tendas  de  negocio  quantas  as  casas  de  habitação ;  todas  magramente 
sortidas,  mas,  assim  mesmo,  hasares  em  ponto  mesquinho^  onde  poucos 
géneros  se  encontram,  mas  muito  sortidos  de  merciaria,  drogas,  fazendas, 
calçado,  fogos  artificiaes,  e  mais  que  tudo  bebidas  espirituosas,  que  são  o 
grande  fundo  do  commercio.  Si  dão  lucro,  si  seus  donos  fazem  negocio,  é 
isso  difficil  de  saber-se,  parecendo  antes  que  a  maior  parte  dessas  lojas  é 
menos  um  pretexto  de  profissão  do  que  uma  espécie  de  dispensa  para  uso 
do  dono. 

Não  ha  um  sapateiro,  um  tamanqueiro,  um  alfaiate,  um  charuteiro ; 
não  ha  um  café,  um  açougue,  uma  padaria,  nem  noticia  de  terem  havido 
estes  dous  últimos  depois  dos  governadores.  Também  talvez  seja  do 
mundo  a  única  cidade  onde  não  passam  viajantes,  que  não  recebe  hos- 
pedes, que  não  vê  transeuntes,  senão  por  um  desses  acasos  extraordinários 
e  especiaes  como  o  que  nos  conduziu  á  ella.  E'  talvez  o  único  povoado  do 
Brasil,  e  com  certeza  a  cidade  única,  onde  não  existe  um  portuguez,  e 
onde,  desde  muitos  annos,  apenas  agora  um  italiano,  na  pessoa  do  reve- 
rendo  sacerdote,  que  foi  encommendado  pastor  de  tão  abandonado  reba- 

18 


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188  YIIiI.A  BELLA 

nho.  Os  mesmos  bolivianos,  seus  vizinhos,  raro  a  frequentam.  Si  recebe 
de  vez  em  quando  ura  outro  degredado  é  porque,  proclamada  essa  fama 
de  necropole,  callou  nos  governos  a  salutar  ideia  de  —  sem  pau  nem 
pedra,  como  se  diz  —  castigar  os  homens  maus,  os  soldados  incorrigiveis 
e  alguma  vez  os  sacerdotes  pervertidos  e  licenciosos,  vindimadores  das 
vinhas  do  Senhor  e  de  Noé ;  o  que  francamente  demonstra  o  tino 
administrativo  dos  governantes,  que,  em  vez  de  praticarem  os  meios  de 
melhorar  a  pobre  cidade,  castigam-a  com  uma  nova  praga. 

Também  é  essa  a  causa  principal  de  todos  cousiderarem  cora  horror 
essa  nova  Cidade  Maldita;  ainda  assim,  degredo  de  priraoira  instancia  e 
que  tem  por  segunda  o  forte  do  Príncipe  da  Beira,  de  fama  mais  medo- 
nha ainda. 

Mas^  não  ha  razão  :  sublaia  cama  tolUtur  effectus ;  e  as  causas  não 
são  difãceis  de  remediar. 


Tempo  virá,  longe  mui  longe  talvez,  quando  já  não  exista  sinão 
o  renome  dessa  cidade  injustamente  desacreditada ;  quando  o  homem 
venha  em  busca  das  verdadeiras  riquezas  do  solo,  desse  solo  ubérrimo  e 
de  tão  fácil  conquista  para  a  prosperidade  e  desenvolvimento  das  forças 
do  paiz ;  quando  se  aggregue  a  população  e  com  élla  surja  o  commercio, 
a  agricultura  e  a  industria ;  e  quando  o  grande  e  formosissimo  Guaporé, 
franco  das  cabeceiras  á  região  encachoeirada  do  Mamoré,  entronque  a 
sua  fácil  navegação  á  via  férrea  do  Madeira;  e  que  o  povo  vigoroso  e  cheio 
de  animo,  dispondo  de  mais  forças,  e  a  edilidade  de  melhor  aviso,  encon- 
trem outra  facilidade  para  remover  os  óbices  ao  seu  adiantamento  :  a 
cidade  de  Matto-Grosso,  o  verdadeiro  coração  da  America  Meridional, 


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CIDADE    DE   MAITO-GROSSO  139 

vivificada   por  essas  duas  artérias  sem  rivaes  uo  mundo,  o  rei  dos  rics,  o 
rio-niar  e  o  Prata,  ligadas  entre  si  por  uma  facílima  estrada  de  vinte  e  pouc  as 
léguas,  delia  ao  Jaurú, — será  o  outro  di  vidi  desns  regiões,  tào  prenhes 
de   riquezas  nos  três  reinos  natura 3S,  quão  de  misérias  actualmente. 


FIM   DA    SEGUNDA    ?ARTE 


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VIAGEM  AO  REDOR  DO  BRASIL 


TERCEIRA  E  ULTIMA  PARTE 


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VIAGEM  AO  REDOR  DO  RRASIL 


1875-1878 


3.*  H  ULTIMA  FART£ 


DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO  AO  RIO  DE  JANEIRO 


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CAPITULO  I 


Diieoldidei  pin  a  TÍagem.  Partidi.  O  rio  Terd«.  Ai  Torm  Oi  ginjos.  O  HeqoeicM.  i  ilhi  Cospridi. 


i  em  setembro  de  1876  eu  tinha  estado 
Ba  cidade  de  Matto-Grosso.  Ao  chegar- 
mos, em  20  desse  mez,  no  posto  das  Sali- 
nas, viera  compriraentar-nos  o  cotoman- 
dante  do  districto  militar  e  fronteira,  o 
digno  Sr.  major  José  Gomes'  Vieira  da 
Silva  Coqueiro,  e  ao  mesmo  tempo  pe- 
I  dir-me  para  ir  ali  ver  sua  senhora,  graye- 
mente  enferma.  Segui  com  elle,  e  com- 
nosco  o  secretario  da  commissâo,  capitãor 
Costa  Guimarães. 

Devendo  a  commissâo,  ao  terminar 
o  reconhecimento  e  demarcação  das  cabe- 
ceiras do  Verde,  mudar  seus  quartéis 
para  aquella  cidade,  ou  fazêl-o  em  co- 
meço do  anno  seguinte,  no  caso  de  não  ser 
agora  possível,  pelo  adiantado  da  estação,  remover  em  tempo  todo  o  seu 
material ;  ia  aquelle  intelligente  e  prestimoso  ofBcial  incumbida  de  ve- 
rificar os  meios  com  que  poderíamos  contar  para  a  terminação  dos  nossos 
trabalhos  pela  via  fluvial ;  meios  que  dizia  o  governo,  em  suas  commur 
nicações  ofiBciaes,   ahi  devíamos  encontrar,  para  o  que  já  tinha  expedido 

as  convenientes  ordens. 

19 


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146  ITHíERARIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

Nada  absolutamente  ahi  havia  que  nos  podesse  servir  de  adjuctorio ; 
nem  uma  canoa,  nem  mesmo  ordem  para  fazêl-as ;  e  quando  a  houvesse, 
nem  um  ferro  de  falquejar,  o  que  não  é  de  admirar-se,  não  havendo  um 
carpinteiro  na  cidade. 


Voltamos  cora  essa  noticia. 

Tínhamos  deixado  o  resto  da  commissão  em  Salinas,  preparados 
para  seguir  para  o  noroeste  em  demanda  das  cabeceiras  do  rio  Verde.  Na 
véspera  já  tinha  partido  neste  rumo  o  pratico  da  commissão  Miguel  Ve- 
larde  (a),  á  descobrir  caminhos ;  no  dia  28  partiram  ;  indo  o  capitão  Gui- 
marães e  eu  encontral-os,  á  30,  no  Caapttam  do  Camará^  distante  setenta 
kilometros  daquelle  posto. 

Todo  o  mez  de  oitubro  e  metade  do  seguinte  buscaram-se  com  inces- 
santes pesquizas  aquellas  cabeceiras ;  a  estação  já  ia  adiantada  e  não  era 
de  prudência  o  demorarmo-nos  por  mais  tempo.  Com  effeito,  desde  26 
de  setembro,  em  que  deixámos  a  cidade  debaixo  de  um  violento  temporal 
com  granizo,  as  chuvas  foram-se  amiudando  á  ponto  de  ultimamente 
serem  sem  interrupção. 

Já  o  solo  se  ia  cobrindo  de  aguas  que  o  terreno,  completamente  im- 
pregnado, não  filtrava. 

A'  16  de  novembro  descemos,  atravessando  as  primeiras  vinte 
léguas,  por  um  alagado  que  cobria  de  alguns  palmos  os  campos,  dei- 
xando apenas  sobrenadar  as  cimas  das  gramineas  que  se  apresentavam 

(a)  ExceUente  moço,  activo,  sagaz  e  probidoso.  Pratico  dos  primeiros 
logares  onde  a  commissão  trabalhou,  não  o  era  destes,  pelo  que  pediu  dispensa, 
continuando,  porém,  pelo  apreço  em  que  era  tido.  Seu  tino  e  sagacidade  eram  taes, 
que  esses  sitios,  para  elle  desconhecidos,  porcorria-os  só,  e  em  dous  ou  três  dias 
Toltava  com  uma  boa  indicação  á  seguir-se,  quasi  sempre  a  mais  acertada,  como 
depois  si  o  reconhecia.  Somente  no  Verde  fracassou ;  entretanto  a  commissão  lhe 
foi  devedora  de  muito  bons  o  leaes  serviços. 


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ÁO  BIO    DB   JANBIBO  147 

como  um  virente  prado  ;  ao  passo  que  a  estrada,  núa  de  vegetação  pelo 
transito  incessante  do  material  da  oommissão,  semelhava  um  rio  ser- 
peiando  em  meio  de  immensa  campina. 

De  vez  em  quando  um  extenso  atoleiro,  ás  vezes  um  tremedal,  deti- 
nha-nos  a  marcha  e  inutilisava  viaturas  e  animaes.  O  panno  de  amostra, 
como  vulgarmente  se  diz,  tivemol-o  logo  á  sahida,  á  menos  de  três  kilo- 
metros  de  distancia. 

Somente  três  dias  depois  é  que  a  commissão  pôde  se  reunir  no  pouso 
próximo,  o  Caapuam  da  Anta^  donde,  entretanto,  não  toda,  mas  uma 
pequena  parte  pôde  seguir  no  outro  dia,  quasi  escoteira. 


Nessa  marcha  ficou  verificada  a  natureza  especial  desse  solo, 
formador  de  corixas  pela  permeiabilidade  de  suas  camadas  superiores, 
assentes  sobre  fundo  impermeiavel.  Do  Cuci  á  Invernada  de  S.  Mathias 
já  outro  era  o  terreno  :  inteiramente  sêcco,  apezar  dos  aguaceiros 
diários  que  o  solo  immediatamente  absorvia,  não  deixando  ao  viajor, 
em  muitas  dezenas  de  kilometros,  uma  poça  d'agua  para  matar-lhe 
a  sede,  nem  mesmo  nas  cacimbas  que  se  abriam  com  quatro  e  cinco 
metros  de  fundo.  O  estado  thermico  variava  muito  do  dia  para  a  noite : 
estas  de  ordinário  eram  frescas;  mas,  ao  meio  do  dia,  o  thermometro 
exposto  subia  á  42*^  e  44*.  Entre  S.  João  e  as  Petas,  alguns  bois  ficaram 
como  que  damnados  de  calor  e  sede,  e  fugiram  para  o  matto. 

Entretanto  mais  adiante  a  corixa  de  S.  Mathias  estava  alagando-se ;  e 
soubemos  com  admiração  que  nesses  sitios  ainda  não  eram  apparecidas 
as  chuvas,  o  que  foi  a  prova  real  do  que  eu  pensava  sobre  a  formação  das 
corixas. 

Da  Bahia  de  Pedras  ao  rio  Paraguay  fomos  encontrando  os  terrenos 


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148  mNERAMO  BA  OIDIDE  DE  MÀTTOGROSSO 

tão  alagados,  qne  não  achamos  um  local  para  pouso,  nem  mesmo  para 
fazer-se  fogo. 

Ainda  ahi  tivemos  uma  outra  confirmação  :  fazendo-se  a  marcba, 
desde  aquelle  ponto  com  agua  acima  dos  jarretes  do  cavallo,  todo  o  nosso 
receio  era  encontrarmos  de  nado  os  campos  do  Tuyuyú ;  receio  augmentado 
por  ir  alta  a  noite  e  eacurissima,  apenas  entrecortada  pelo  frequente 
clarear  dos  relâmpagos.  Pois  bem,  esses  campos  que,  das  outras  vezes  e  na 
estação  sêcca,  passámos  sempre  com  três  ã  seis  palmos  de  agua,  agora 
atravessámol-os  desprevenidamente,  tão  baixa  encontrando  a  lagoa  que 
suppunhamos  não  têl-a  ainda  attingido.  Quando  o  reconhecemos  foi  com 
o  duplo  contento  de  termol-a  passado  sem  perigo,  e  ainda  de  termos  ven- 
cido toda  a  sua  extensão  e  mais  um  bom  trecho  de  terreno. 

A'  4  de  dezembro  aportávamos  á  Corumbá. 


O  Sr.  barão  de  Maracajú,  que  se  retirara  enfermo  em  junho,  já  em 
novembro  se  achava  nessa  villa.  Inteirado  de  nada  encontrar-se  em 
Matto-Grosso,e  que  o  governo,  apezar  das  suas  declarações,  não  sabia  nem 
tinha  como  prover  os  meios  para  fazer  levar  ao  cabo  toda  a  demarcação 
do  Guaporé  ao  Madeira ;  desejoso  de  terminar  seus  trabalhos,  e  certo  de 
que,  sem  tomar  medidas  extraordinárias,  a  commissão  não  satisfaria 
aquelle  desideratum,  propôz  ao  governo,  e  com  sua  autorisação  contractou 
com  um  commerciante  da  villa,  António  Joaquim  Malheiros,  a  acquisição 
e  transporte  de  duas  lanchas  á  vapor  e  duas  chatas,  etc.,  do  Registro  do 
Jaurú  á  cidade  de  Matto-Grosso,  em  cujo  porto  as  deveria  dar,  promptas 
para  a  navegação,  em  fins  de  junho  do  anno  seguinte. 

Mas  essas  embarcações  demoraram-se  muito  nos  seus  preparos,  no 
Ladario,e  somente  em  abril  de  1877  começaram  na  sua  derrota  Paraguay 
acima. 


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AO  RIO   DS    JANEIKO  140 

Etn  maio  descia,  novamente  enfermo,  aquelle  digno  chefe ;  e  desta 
yez,  infelizmente  para  a  commissão,  para  não  voltar  mais  á  ella. 


II 


A'  25  de  junho  de  1877  deixei  Corumbá  pela  ultima  vez;  e  na  tarde 
de  29  reunia-me  ao  resto  da  commissão  que  se  achava  na  Corixa  do  Desta- 
camento. Ainda  ahi  estávamos,  em  6  de  julho,  quando  appareceu-nos, 
vindo  do  Begistro  do  Jaurú,  o  machinista  Cardoso,  de  uma  daquellas 
lanchas,  com  a  pouco  agradável  noticia  de  que  taes  embarcações  não  eram 
ainda  chegadas  á  seu  destino,  si  bem  que  já  estivessem  bem  adiantadas 
no  seu  varadouro  por  terra ;  mas,  afiançava  que  em  fins  do  mez  estariam 
no  porto  de  Matto-Grosso. 

Vinha  pedir  auxilio  de  gente,  visto  que  alguns  trabalhadores  e  em- 
pregados de  Malheiros  tinham  desistido  da  empreza,  e  abandonado-a  por 
ter  este  faltado  ao  compromisso  do  estipendio;  de  algumas  juntas  de  bois 
para  reforço,  e  também  de  força  para  manter  a  ordem  e  evitar  novos 
contratempos. 

Satisfez-se  esse  pedido  no  que  foi  possível ;  e  para  aquelle  ponto 
seguiu  um  official  com  seis  praças.  E  comigo,  que  nunca  esperei  a  exe- 
cução desse  contracto  pelas  extraordinárias  facilidades  que  apresentava  o 
contractante  e  pela  mapeira  por  que  elle  o  põz  em  pratica ;  a  maior  parte 
dos  meus  companheiros  ficou  também  na  crença  de  que  não  contaríamos, 
pelo  menos  nesse  anno,  com  esse  recurso  das  lanchas ;  pelo  que  aventu- 
rámos que  teríamos  de  nos  contentar  com  o  reconhecimento  e  demar- 
cação das  origens  do  Yerde,  e  perdermos  mais  um  anno  nesses 
trabalhos. 

A"^  20  chegávamos  á  Salina^i.  A'  26  dividia -se  a  commissão  em  duas 


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150  ITINERÁRIO  DA  CIDADB  DB  MÁTTO-OBOSSO 

secções,  com  o  fim  de  terminar  o  mais  breve  possivel  os  seus  trabalhos:  uma 
devendo  continuar  na  busca  daquellas  vertentes  do  Yerde,  e  a  outra  descer 
o  Guaporé  para  ir  erguer  o  marco  definitivo  da  foz  daquelle  afBuente, 
e  após  seguir  até  o  Madeira  para  construir  o  ultimo  á  sua  margem 
esquerda  e  junto  á  foz  do  Beni. 

Esta  era  dirigida  pelo  major  de  engenheiros,  hoje  tenente-coronel, 
Guilherme  Lassance,  um  dos  mais  distinctos  engenheiros  do  nosso  exer- 
cito, e  desses  raríssimos  caracteres  em  que  não  se  descobre  um  senão  e  só 
virtudes,  como  homem,  como  funccionario,  como  companheiro  ;  e  secun- 
dada pelo  1*^  tenente  da  armada  Frederico  de  Oliveira,  caracter  não 
somenos  em  qualidades  moraes. 

Com  elles  segui,  no  meu  caracter  de  medico,  por  parecer-me  que 
das  duas  secções  essa  era  a  que  devia  experimentar  mais  perigos  e  soflfri- 
mentos  ;  e  também  porque  já  me  sendo  conhecido  o  terreno  onde  a  outra 
ia  operar,  seguindo  com  esta  tinha  tudo  à  lucrar,  com  a  copia  de  objectos 
novos  que  á  cada  passo  vir-se-hiam  offerecer  á  meus  estudos  e  observações. 

Chegados  á  cidade  de  Matto-Grosso,  em  28  de  julho,  tivemos  confir- 
madas as  nossas  prevenções,  já  não  digo  sobre  as  lanchas,  mas  quanto  a 
recursos  que  o  ministério  continuava  á  assegurar-nos  devermos  ahi 
encontrar. 

Talvez  que  suas  instrucções  se  tivessem  extraviado,  visto  que  ne- 
nhuma autorisação  havia  á  tal  respeito  chegado  à  presidência  da  provín- 
cia; a  qual,  entretanto,  solicita  o  mais  possivel  em  ajudar  a  commissão  no 
que  estava  ao  seu  alcance,  tinha  ordenado  ao  commandante  militar  de 
prestar-nos  todo  o  auxilio  possivel ;  e  o  digno  Sr.  major  Coqueiro  buscou 
ainda  mais  obsequiar-nos  dando  começo  â  dous  hotes  ou  canoas  que  contava 
ter  promptos  ao  cabo  de  quatro  mezes.  Para  isso  mandou  buscar  ferra- 
mentas em  S.  Luiz  de  Cáceres ;  e  com  os  falquej  adores  da  terra  e  os  sol- 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  151 

dados  ia^  bem  ou  mal,  fabricando-os,  qaando  foi  substituído  por  outro 
commandante  de  nomeação  do  ministério  da  guerra.  Pararam  os  trabalhos 
de  uma,  que  encontrámos  quasi  completamente  escavada,  e  desappareceu 
o  material  da  outra.  Para  termos  novas  seria  preciso  pelo  menos  quatro 
mezes.  As  lanchas  também  não  podiam  estar  promptas  antes  desse  tempo, 
si  conseguissem  chegar  ao  porto ;  hypothese  difQcil  de  acceitar-se,  visto 
que  nessa  data  só  uma  estava  sendo  varada^e  vinha  ainda  dentro  da  matta, 
á  mais  de  cento  e  cincoenta  Mlometros  da  ponte  do  Guaporé  ;  e  que  este 
por  sua  vez  apresentava  um  considerável  embaraço  ao  transito,  conti- 
nuando completamente  trancado  desde  quasi  suas  cabeceiras  até  a  foz  do 
Alegre. 


Todavia  outras  instrucçoes  chegaram  :  em  uma  de  suas  notas  o  mi- 
nistério instava  para  que  se  proseguisse,  sem  perda  de  tempo,  nos  traba- 
lhos, mesmo  no  tempo  das  chuvas,  pela  razão  muito  simples  e  que  Mr.  de 
La  Palisse  não  duvidaria  perfilhar,  de  que,  sendo  esses  trabalhos  nos 
rios,  as  chuvas  os  deveriam  antes  facilitar  que  embaraçar  :  o  que,  entre- 
tanto, revela  o  mais  completo  alheiamento  á  natureza  do  serviço  e  á 
natureza  do  paiz,  pois  que  nesses  rios  convertidos  em  mares  na  estação 
das  aguas,  a  viagem  em  canoas  ou  mesmo  em  lanchas  á  vapor,  não 
prescindem  de  tomar-se  terra  todos  os  dias  para  fazerem-se  as  refeições  e 
acampamentos,  que  só  os  grandes  navios  dispensam. 


No  porto  da  cidade  havia  então  dous  botes^  como  ahi  e  no  Pará  se 
denominam  as  canoas,  vindos  dessa  província,  e  que  se  achavam,  um 
completamente  inservivel  e  outro  muito  arruinado. 


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152  rnNBRAio  da  cidade  de  matto-grosso 

Mas  para  quem  faz  do  cumprimento  de  deveres  uma  religião  e  busca 
em  tudo  recursos  para  desempenhal-os,  a  presença  dessas  canoas  era  um 
achado,  apezar  do  seu  estado  de  deteríoramento  e  da  longa  e  perigosa 
viagem  á  que  eram  destinadas. 

O  1"*  tenente  Frederico,  depois  de  eiaminal-as  acuradamente,  como 
hábil  profissional  que  é,  opinou  pelo  completo  abandono  de  uma ;  e  que 
quanto  á  outra,  submettida  aos  necessários  concertos,  poderia  prestar-se 
á  viagem ;  não  o  garantindo,  todavia,  para  o  trecho  encachoeirado  dos  rios. 

Desertas  completamente  estas  regiões  em  todo  o  percurso  da  viagem 
á  emprehender,  e  esta  cheia  de  tropeços  e  perigos,  principalmente  nesse 
tracto  das  cac])0eiras  que  é  de  cerca  de  quatrocentos  Mlometros,  era  intui- 
tiva  a  neceí  uiade"  de  mais  embarcações  ;  visto  a  contingência  de  poder 
alguma  arrivJar-se  ou  perder-se;  recebendo  as  outras  os  passageiros,  que 
sem  ti*  ^*^curso  seriam  sacrificados. 

Comp.qf  endida  essa  necessidade,  a  commissâo  nâo  devia  seguir 
escoteira  p^  \  essa  viagem  de  quatro  á  seis  mezes,  e  conduzindo  além  da 
alimentação  geral  o  pesado  material  dos  trabalhos,  do  qual  não  era  dos 
mais  cargos  ^  a  luneta  meridiana ;  e  foram  essas  considerações  que  deter- 
minaram o  contracto  das  duas  lanchas  e  o  apercebimento  de  uma  ou  duas 
chatas,  e  de  mojiíarias  ou  canoas  ligeiras  para  o  seiTiço  do  reconheci- 
mento dos  f  ^o,t)  também  para  o  recurso  da  pesca  e  da  caça,  sem  prejuízo 
dos  mais  serviços. 

Falto"  tudo,  menos  á  commissâo  a  disposição  de  espirito  e  bom 
animo  para  buscar  finalisar  longos  e  já  demorados  trabalhos,pelo  que  pro- 
põz-se  ao  chefe  que,  em  vez  de  aguardar-se  a  vinda  das  lanchas,  e  essa 
mesmo  i^uito  problemática,  nesse  espaço  de  quatro  á  seis  mezes,  obti- 
vesse-se  o  bofe;  e  reduzindo-se  o  mais  possivel  o  pessoal  e  o  material,  des- 
cêssemos nelle  á  concluir  bosbo  serviço.  Nessa  proposta  nem  de  leve  se 


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AO  RIO    DE  JANEIRO  153 

tocava  no  sacrifício  que  nos  impunhamos,  que,  também,  nem  de  leve  foi 
percebido  por  aquelles  á  quem  cumpria  avaliar  e  reconhecer  esses  tra- 
balhos. 

Comprou-se  o  bote ;  mas  uma  nova  dificuldade  surgiu  :  não  havia 
nem  remadores  nem  pilotos.  O  major  Coqueiro  tinha-nos  indicado  dous 
que  conheciam  o  rio  até  o  forte  do  Principe  da  Beira ;  mas  isso  só  não 
bastava.  A  navegação  é,  por  assim  dizer,  franca  até  esse  ponto  ;  delle  em 
diante  é  que  começam  os  verdadeiros  tropeços ;  e  o  grande  perigo  e  summa 
difficuldade  está  nas  cachoeiras,  onde  é  de  necessidade  não  só  um  hábil 
piloto,  como  amestrados  remeiros. 

Lidou-se  muitos  dias  em  buscal-os :  os  que  eram  indicados  escusa- 
vam-se,  dizendo  conhecerem  apenas  o  Guaporé ;  e  somente  .         ^^^^tj^ 
promessa  de  melhores  vantagens,  que  supponho  ficaram  es(^      *aas,  pres^ 
tou-Fe   o  próprio  dono  do  bote  á  piloleal-o,  agenciando  cinco  dos  seus 
antigos  remadores,  já  conhecedores  de  todo  o  Madeira. 

Na  cidade  estavam  onze  soldiwlos,  dos  incorrigíveis,  e  *  or  isso  con- 
demnados  á  irem  servir  naquelle  torte, — o  degredo  em  segui'  ia  instancia 
da  provinda :  deu-se-lhes  conducção,  aproveitando-se  os  sr  serviços  no 
remo  até  aquelle  ponto.  Dahi,  compromettia-se  o-piloto  á  ir  ao  Baures 
contractar  indios,  que  afiançava  serem  práticos  na  navegação  das  ca- 
choeiras. 

Também  á  custo  se  obteve  uma  montaria^  embarcação,  como  já 
vimos,  de  grande  necessidade  nessa  navegação,  não  só  para  o  exame  e 
exploração  dos  rios,  quer  no  levantamento  topographico,  q.M>r  nos  seus 
maus  passos  e  difficuldades,  como  ainda  para  prover  os  navegantes  de  ali- 
mentos frescos. 


20 


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154  ITINERÁRIO   DA    CIDADE  DE  MATIKHJROSSO 

III 


Após  quasi  um  mez  de  trabalhos  incessantes  e  acurados  sob  a  intel- 
ligente  direcção  do  l*'  tenente  Frederico,  ficou  o  bote  em  estado  de  na- 
vegar ;  e  na  tarde  de  27  de  agosto,  segunda-feira,  ás  cinco  e  meia  horas, 
encetámos  a  descida  do  Guaporé.  Comnosco,  além  dos  onze  degredados  e 
dos  cinco  remeiros,  um  dos  quaes,  o  Sr.  Estevam,  irmão  do  dono  do  bote, 
e  que  ia  de  piloto,  iam  dous  soldados  pedreiros  e  um  servente,  um  sargento 
que  conduzia  os  degredados,  a  mulher  e  dous  filhinlios  do  sargento,  que 
não  tivemos  coragem  de  separar  do  marido,  no  desterro  á  que  ia,  e  um 
creado  nosso  :  ao  todo  vinte  e  seis  pessoas.  A  montaria  era  conduzida  por 
^^WiWnRitros  remadores.  Acondicionámos  no  bote  a  cal  e  o  cimento  neces- 
sStmo^  para  os  dous  marcos,  os  instrumentos  de  observação,  inclusive  uma 
luneta  Tneridiana,  os  de  trabalho  estrictaraente  indispensáveis,  uma  ambu- 
lancia-canastra  regularjnente  sortida,  e  os  géneros  de  alimentação  de  pri- 
meira necessidade,  para  quatro  mezes,  na  esperança  de  os  secundar  com 
a  caça  e  peixe  que  encontrássemos. 

Nossa  guarda-roupa  foi  altamente  reduzida  ao  necessário  para  uma 
viagem  no  deserto,  e  mais  um  traje  decente  para  nos  apresentarmos  nos 
povoados;  sendo  abandonado  o  mais  da  bagagem,  como  livros,  roupas, 
instrumentos,  etc. 

Nas  viagens  por  terra  tinha-nos  sempre  acompanhado  uma 
pequena  chalana  de  dous  metros  de  comprido  e  quasi  um  de  largura, 
quinze  centímetros  de  altura  na  borda,  e  fundo  de  prato  ;  isto  é,  uma 
espécie  de  gamella  que  nas  corixas  devia  fazer  o  papel  de  pèlofa,  caso  as 
encontrássemos  de  nado.  Passou  á  servir  de  gallinheiro,  prestando-nos 
também  o  serviço  que  lhe  fosse  possível ;  dous  dos  nossos  remeiros  alter- 
navam diariamente  nella. 


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AO   RIO   DE   JÂNEIBO  155 

Sahimos  áquella  hora  por  conselho,  mui  razoável,  que  nos  deram  os 
homens  práticos  da  terra ;  pela  difficuldade,  ou  melhor,  impossibilidade 
que  teríamos  de  reunir  os  remadores  pela  manhã  cedo,  apezar  do  seu 
contracto.  Uma  vez  embarcados  findava-se  o  receio,  fundado  apenas,  mas 
mui  bem  fundado,  na  natural  indolência  delles. 

Grande  parte  do  povo  veiu  acompanhar-nos  ao  embarque  ;  feitas  as 
despedidas  seguimos  viagem.  O  bote  levava  menos  de  pollegada  de  borda 
fora   d^agua,  mas  felizmente  sabiamos  que  cada  dia  iria  emergindo  mais. 


A'  pequena  distancia  da  cidade,  e  ainda  á  sua  vista,  o  rio  abriu  não 
ha  muitos  annos  um  furo  na  sua  margem  esquerda,  que  pouco  á  pouco 
foi  se  aprofundando,  de  modo  que  é  hoje  o  canal  e  seu  verdadeiro  leito, 
comquanto  mais  estreito  que  o  antigo.  Seguimos  pôr  elle,  e  após  uma 
hora  fundeámos  á  margem  direita.  Aqui,  pouco  mais  ou  menos,  colloca  o 
padre  Manoel  da  Motta,  na  sua  Belação  e  âescripçào  geographica  ão 
famoso  rio  Amazonas  (a),  uma  aldeia  de  S.  Bapha^I^  duas  léguas  acima 
do  Sararé  e  três  pela  terra  á  dentro,  na  margem  direita  do  Guaporé,  a 
qual  de  ninguém  mais  foi  conhecida,  porquanto  delia  ninguém  falia. 

O  patrão  do  bote,  Sr.  Lúcio  Antunes  Maciel,  voltou  na  montaria 
para  a  cidade  com  os  seus  dous  remadores,  ficando  de  se  nos  reunir  mais 
tarde,  e  deixando  de  piloto  seu  irmão  Estevão      "  t. 

A'  28,  ás  6  da  manhã,  seguimos  viagem,  i  ^  )Oucos  minutos  fomos 
deixando  á  nossa  esquerda  uma  situação  e  engen,  i^a  da  familia  Maciel, 
familia  oriunda,  como  já  vimos,  dos  primeiros  e  priucipaes  povoadores  da 
província  ;  ás  7  1/4  o  Sararé,  rio  das  lontras  em  dialecto  dos  palmei- 
las  (b),  que,  nascido  na  cordilheira  dos  Parecis,  vae  ter  ao  Guaporé  n'um 


(a)  Corog,  Hist.  do  Sr.  MeUo  Moraes,  III,  pag.  493. 

(b)  Tribu  socegada  e  domesticada,  mas  desconhecida,  que  ha  alguns  annos  appa- 
receu  junto  ao  logor  Palmellas,  donde  ficou-lhe  o  nome. 


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156  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

curso  talvez  de  duzentos  Mlometros,  cuja  metade  é  navegável.  De  seus 
braços  os  principaes  e  conhecidos  são  :  Graça,  ribeirão  da  Bulha,  Finda- 
Jiituha,  que  é  o  seu  maior  affluente,  Leonardo,  Lages,  Ouro-fíno,  Buriiy 
e  S.  Francisco  Xavier^  todos  celebres  nos  áureos  tempos  da  capitania. 
O  córrego  da  Bulha  é  assim  chamado  pelos  ruidos  especiaes  que  dá  á 
ouvir,  junto  á  serra»  determinados  pela  entrada  das  aguas  em  soca  voes  e 
cavernas  lateraes:  o  que  descreveu  o  astrónomo  Dr.  Silva  Pontes,  com  a  sua 
costumada  ingenuidade,  nestes  termos :  «  porque  ahi  se  ouvem  barulhos 
como  de  instrumentos  de  mineiros,  de  que  sou  testemunha ;  este  estrondo 
é  indicativo  supersticioso  para  estes  povos  rudes,  de  que  ha  ouro  nestes 
logares  e  de  quej^o  diabo,  por  falta  de  occupação,  com  o  nome  de  curupira^ 
á  que  na  Europa  chamam  duende  e  em  todas  as  linguas  tem  o  seu  nome, 
anda  divertindo-se  ou  arremedando  o  emprego  dos  homens  de  tirar  ouro, 
fazendo  estrondo  com  som  de  instrumentos  de  minerar.  »  (a) 

Um  quarto  de  légua  ao  oriente  deste  ribeiro  fez  fundar  Luiz  de 
Albuquerque,  em  1781,  uma  aldeia  com  cincoenta  e  seis  indios  parecis, 
maimbarés  e  cabixys,  sob  a  direcção  de  Bernardo  Cardoso,  e  que  pouco 
durou  por  causa  dos  abusos  e  despotismo  desse  director.  Eis  como  aca- 
bou-se  :  em  fins  de  maio  de  1783,  vindo  do  matto  um  indio  com  uma 
nova  mulher,  irmã  da  que  já  possuia,  Bernardo  os  descasou,  tomando  a 
noiva  para  si  e  dando  em  troca  ao  indio  uma  mulher  com  quem  estava. 
Indignados  os  indios  com  tal  despotismo  incendiaram  a  aldeia,  e  mata- 
ram o  director  e  todos  os  brancos  aldeidos,  em  numero  de  sete,  escapando 
delles  apenas  um  de  nome  Manoel  Boque,  que  tinha  ido  aos  arraiaes  á 
buscar  pólvora  e  chumbo,  e  ao  voltar,  encontrando  somente  destruição  e 
mortes,  fugiu  para  S.  Francisco  Xavier. 

Eicardo  Franco  determina  a  foz  do  Sararé  aos  14**  51'  latitude. 

(a)  Diário  da  diligencia  de  reoonheoimentt  ás  cabeceiras  dos  rios  Sararé,  Gua» 
poré,  Tapajoz  e  Jaurú,  Ms.  da  Bib.  Nac. 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  157 

Perto  delia  ficava  o  porto  da  Pescaria^  onde  Manoel  Félix  de  Lima  refez 
suas  canoas  antes  de  começar  a  sorprehendente  e  gloriosa  viagem  do 
Guaporé  á  Belém ;  e  onde,  mais  tarde,  seu  companheiro  de  viagem  Joa- 
quim Ferreira  Chaves,  desertado  de  Belém,  onde  o  fizerem  assentar  praça, 
veiu  estabelecer  uma  rocinha,  que  de  tanto  soccorro  foi  á  outros  nave- 
gantes. 

Nossa  derrota  de  hoje,  que  se  pôde  reputar  a  primeira,  foi  de  sol  á 
sol,  descançando-se  apenas  das  dez  ás  onze  horas,  para  prepararmos  o 
almoço.  Calculo  que  andaríamos  cincoenta  kilometros. 

Quarta-feira,  19,  sahimos  á  mesma  hora  da  véspera.  O  Guaporé 
estende-se  entre  virentes  e  formosas  margens  de  alta  mattaria,  guardando 
uma  largura  de  duzentos  e  cincoenta  á  trezentos  metros.  Mas  a  sua  pro- 
fundidade varia,  e  hoje  já  encalhámos  quatro  vezes  em  fundo  de  areia  e 
pedemaes. 

A'8  7  e  10  minutos  da  manhã  passámos  o  Copivary^  á  margem 
esquerda,  nascido  na  serra  de  Ricardo  Franco,  reconhecido  e  estudado 
em  1788  pelo  Dr.  Silva  Pontes,  que  determinou  a  sua  embocadura  aos 
14**  40'  de  latitude.  Dista  c5rca  de  trinta  e  oito  kilometros  da  foz  do 
Sararé. 

A's  2  1/2  da  tarde  fundeámos  no  porto  do  Ciibaião,  situado  aos 
14*  3r  latitude  (commissão  de  1782),  naquella  margem  e  não  na  direita 
como  nos  indicava  um  mappa  de  1790,  copiado  no  Archivo  Militar  e  tra- 
zido pela  commissão.  Deve  ter  sido  uma  grande  fabrica  nos  tempos  prós- 
peros da  comarca,  e  ainda  hoje  indica,  nos  restos  de  sua  grandeza,  a  opu- 
lência de  que  gozou.  Fica  n'uma  larga  collina,  escarpas  daquella  serra ; 
seus  flancos  escarvados  pelas  grandes  enchentes  do  río  deixam  á  desco- 
berto entre  largos  pannos  de  argilla  e  mame  irisado,  veios  de  grés  angu- 
loso branco  ou  amarellado,  talcitos  e  psammitos  que  vão  se  reduzindo 


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158  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

á  argilla  nessa  sorprendente  decomposição  por  que,  nestas  regiões,  tém 
passado  as  rochas  metamorphicas,  e  especialmente  o  gneiss.  Tem  ainda 
uma  engenhoca  á  trabalhar  em  aguardentes  e  assucar  de  rapadura, 
produzindo  cerca  de  umas  duzentas  arrobas  annuaes,  apezar  de  muito 
abandonada  e  sem  forças  de  trabalho.  A  casa  de  vivenda  está  á 
duzentos  metros  do  rio  e  á  vinte  e  oito  kilometros  do  Capivary,  n'uma 
altura  de  dezoito  metros  sobre  o  nivel  ordinário  das  aguas. 

Ahi  encontrámos  o  destacamento  do  arraial  de  S.  Vicente  Ferreira, 
por  ter  este  sido  completamente  destruído,  em  1875,n'uma  ultima  aggres- 
são  dos  cabixys,  a  tribu  a  mais  infensa  das  que  presentemente  percor- 
rem as  margens  do  Guaporé.  O  arraial,  situado  na  encosta  de  um  dos 
espigões  da  cordilheira  dos  Parecis,distava  do  Cubatão  uns  quarenta  kilo- 
metros em  Jinha  recta ;  naquelle  acommettimento  foram  mortos  e  apri- 
sionados os  seus  já  muito  poucos  moradores,  salvando-se  apenas  dous 
velhos  já  macrobios,  uma  mulher  e  uma  creança,  que  recolheram-se  ao 
Cubatão.  O  destacamento,  que  aqui  encontramos,  compunha^e  de  um  ca- 
dete e  um  soldado ;  aquelle  nessa  mesma  occasião  recebeu  a  sua  baixa  do 
serviço,  ficando  agora  o  soldado  como  toda  a  guarnição  do  ponto. 

Em  frente  ao  Cubatão  houve,  ha  poucos  annos,  uma  aldeia  de  indios 
garayos,  estabelecida  por  António  Gomes  da  Silva,  sob  a  invocação  de 
Santa  Ignez.  Seus  fins  eram  a  exploração  da  gomma  elástica  ou  seringa  ; 
mas  de  pouca  duração  logrou. 

IV 

A's  11  horas  da  manhã  de  1  de  setembro,  sabbado,  enfirentavamos 
com  a  foz  do  Galera^  rio  outr'ora  celebre  pelas  riquezas  de  seu  território: 
vém  lançar-se  á  margem  direita  e  cerca  de  cincoenta  kilometros  abaixo 
do  Capivary. 


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AO  RIO  DE  JANEIKO  159 

Foi  ahi  que,  em  1767,  Bento  Dias  Botelho  descobriu,  á  distancia  de 
uns  cento  e  dez  kilometros,  á  NO.  de  Villa  Bella,  as  afamadas  minas  que 
trouxeram  o  estabelecimento  do  arraial  de  S.  Vicente,  o  ultimo  que  per- 
durou de  todos  quantos  pulularam  nessas  regiões  do  ouro,  até  ser  des- 
truido  pelos  cabixys. 

Forma-se  o  Galera  de  quatro  principaes  cabeceiras :  S.  Vicente, 
Maguabaré,  Tamaré  e  Samhurd,  das  quaes  este  ultimo  ribeirão,  que  é  o 
mais  septentrional,  fica  á  cerca  de  uma  légua  da  mais  oriental  fonte  do 
Juhina,  e  o  Tamaré  uma  légua  ao  norte  das  vertentes  do  Sararé. 

A's  3  1/2  da  tarde  do  dia  2  entravamos  na  barra  do  rio  Verde. 
Nossas  marchas  tém  sido  regularmente  do  romper  d'alva  ás  10  horas  e 
do  meio  dia  ao  pôr  do  sol. 


Fósc  cio  rio   V«rd© 

Acampámos  á  margem  esquerda,  em  frente  á  ilha  do  Carvalho,  que 
elle  forma  ao  confluir  no  Guaporé  :  mede  essa  ilha  quatro  mil  e  cem 
metros  de  extensão  sobre  mil  e  seiscentos  na  maior  largura. 

Nasce  o  Verde  pouco  além  do  parallelo  15" :  o  marco  brasileiro,  col- 


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160  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

locado  á  seiscentos  e  vinte  e  sete  metros  do  entroncamento  das  suas  duas 
principaes  cabeceiras,  foi  determinado  aos  15**  5'  49",82,  latitude,  e 
17°  20'  31'',80  longitude  Occidental  do  Rio  de  Janeiro.  Os  engenheiros 
do  século  passado  demarcaram-lhe  a  foz  na  latitude  de  14°  O';  e  o  marco 
que  aqui  viemos  collocar,  na  extrema  da  margem  direita,  e  que  se  ergue 
á  cem  metros  da  confluência,  foi  determinado  aos  14*  O'  2",83  latitude 
e  17°  10'  8'\70  O.  do  Rio  de  Janeiro, 

Para  sua  construcção  foi-se  buscar  pedra  á  quinze  kilometros,  Grua- 
poré  acima,  no  local  chamado  Gibraltar. 

Inaugurado  ás  nove  horas  da  manhã  do  dia  7,  celebrámos  assim  o 
grande  dia  da  pátria.  Uma  hora  depois  seguiamos  viagem,  pois  não  havia 
tempo  á  perder. 


Tão  escassa  de  recursos  naturaes  é  a  pobre  ex-capital  dos  capitáes- 
generaes,  quão  ubérrimas  estas  paragens :  contraste  inaudito,  de  que  já 
nos  haviam  fallado  na  cidade,  e  que  tomámos  por  exagerado,  mas  que  é 
verdadeiro.  Rogorgitam  as  florestas  de  caça,  e  da  melhor,  que  em  aves 
aos  bandos  vém  pousar  nas  arvores  marginaes  ou  correr  nos  extensos 
arenaes  das  praias  formosissimas,  ou  esgaravatar  as  hervas  ribeirinhas. 
São  mutuns  (a),  jacus  (b),  joós  (c),  rolas  e  arancuans  (d)  de  todas  as 
espécies,  caça  de  primeira  ordem  e  sem  rival  no  mundo  ;  além  da  mul- 
tidão de  corpulentos  tucanos,  papagaios,  araras  e  mil  outros  pássaros. 

Dos  vertebrados, — queixadas  ecaitetús,  os  javalis  da  America,  veados 

(a)  Crax  alector:  ha-os  de  quatro  espécies,  crax  gaUata,  mutum  oa^allo;  crax 
glohulosa,  mutum  de  fava ;  crax  tuberosa,  mutum  de  vargem, 

(b)  Penelops :  ha  três  variedades,  assú,  peba  e  tinga. 

(c)  Tira  o  nome  da  voz  com  que  canta.  E'  um  tinamus. 

(d)  Outra  espécie  de  penelops,  ou  melhor,  ortalida.  Deriva  também  do  canto  o 
nome  que  tem,  e  que  é  o  mesmo  que  os  bororós  dão  á  ipecuacuanha» 


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AO  RIO  DE   JANEIRO  161 

e  tatus  de  varias  espécies,  pacas,  cotias  e  a  anta,  o  maior  dos  quadrúpe- 
des do  novo  mundo,  a  gran-lesiia  dos  hespanhoes,  mostram  á  cada  passo 
impressos  na  areia  os  signaes  da  sua  passagem,  do  mesmo  modo  que  são 
também  muito  communs  os  das  onças  e  jacarés.  Abundam  egualmente 
varias  espécies  dos  primates,  entre  ellas  o  coatá^  ateies  paniscus,  cuja 
carne  passa  por  saborosissima,  e  é  de  preferencia  buscada  pela  chusma 
do  bote,  cujos  caçadores  vém  diariamente  carregados  com  dúzias  delles. 

No  rio  o  peixe  é  era  tal  copia  que,  sem  muito  esforço  nem  demora, 
pesca-se  á  anzol  ou  á  flecha,  sem  hyperbole,  a  quantidade  que  se  quer  de 
pintados  ou  surubys  (patystomatis),  pirajaguaras  e  pirararas  (phracto- 
cephalus  hemiliopterus)  e  piràhyhas  (bagrus  reticulatus),  todos  peixes  de 
mais  de  metro  de  comprido,  e  de  dous  e  três,  ás  vezes ;  immensa  copia  de 
mairinchanSy  nhacunãds^  dourados  (coriphoena),  piranhas  (miletes  ma- 
cropomus),  aquellas  duas  primeiras  sem  duvida  alguma  as  mais  sabo- 
rosas desses  rios,  e  que  os  percorrem  e  mesmo  se  lhes  encostam  ás  mar- 
gens em  grandes  cardumes.  Já  vão,  também,  apparecendo  as  tracajás 
(emys  tracajá),  a  melhor  espécies  das  tartarugas  da  agua  doce;  que  estão 
agora  na  época  de  depor  os  saborosos  e  tão  estimados  ovos,  menos  procu- 
rados e  consumidos  todavia  pelos  homens  do  que  pelos  jacarés,  que  muito 
mais  tino  revelam  do  que  nós  em  buscal-os  e  descobril-os  sob  a  grossa 
camada  de  areia  em  que  são  depostos.  Aquelles  saurios  são  de  peior  espé- 
cie e  differentes  dos  que  habitam  os  rios  que  desaguam  no  Prata.  Lá  são 
negruscos,  de  dimensões  menores,e  também  mais  timidos  e  menos  ferozes: 
comprehendem  duas  espécies  o  àUigator  palpebrosvs  e  o  alligator 
lucius.  Os  daqui  são  os  terriveis  jacarés  de  óculos,  alligator  scíerops^  cujos 
olhos,  de  côr  avermelhada,  formam  alta  protuberância  no  terço  médio  do 
seu  alongado  focinho. 

Dão   os  naturalistas  á  alguns  jacarés  a  denominação  de  monitores^ 

donde  os  americanos  tiraram  o  nome  para  o  seu  primeiro  encouraçado  de 

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^ 


l62  ÍTINERAKIÒ  DÁ  CIDADE  1)E  MÀTTO-OfeOSSÓ 

convez  á  flor  d'agua,e  que  por  sua  vez  deu  o  nome  á  classe  desses  navios : 
e,  com  effeito,  ao  vêr-se  um  daquelles  monstruosos  amphibios  cortando  as 
aguas,  quasi  todo  o  corpo  mergulhado  e  só  a  parte  superior  da  enorme 
cabeça  sobrenadando,  com  os  olhos  de  um  luzir  de  brasa,  sahindo  de  duas 
eminências  como  as  torres  daquelles  navios,  sente-se  a  verdade  do  simile. 


Com  a  nossa  parada,  aqui,  tem  apparecido  alguns  casos  de  febres 
terçans,  fáceis  de  debellar  com  pequenas  doses  de  quinina  e  rações  de 
café  e  aguardente.  Tém  por  causa  a  necessidade  que  quasi  diariamente 
houve,  durante  a  viagem,  de  trabalhar-se  dentro  d'agua,  ás  vezes  muitas 
horas,  para  desencalhar  o  bote. 


Desde  o  dia  6  que  o  Sr.  Lúcio  era  de  volta  da  cidade ;  mas,  affa- 
zeres  urgentes,  exigindo  sua  presença  ali,  veiu  propor  ser  substituido  na 
pilotagem  por  seu  irmão  António,  também  conhecedor  dos  rios  e  egual- 
mente  apreciado  pelos  homens  da  tripolação.  Trouxe-nos  mais  um  pratico 
das  cachoeiras,  o  Sr.  José  Pires  da  Silva  Gomes,  que  ahi  deverá  conduzir 
a  embarcação.  Por  ora,  emquanto  não  chega  o  Sr.  António,  vae  pilotean- 
do-a  o  mesmo  que  até  aqui  a  tem  dirigido. 


A's  10  horas  e  5  minutos  do  dia  7  partimos  todos,  elle  para  a 
cidade,  tendo  sido  acceita  a  sua  proposta,  e  nós  aguas  abaixo,  ao  nosso 
destino. 

Fomos  deixando,  á  direita,  o  Campo  dos  Cábixys^  e  á  esquerda  o 


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AO  RIO  DE    JANEIRO  163 

PareããosinJio,  pequena  barranca  de  grez  e  argilla  vermelha,  como  a 
maior  parte  das  alturas  que  iremos  encontrando  á  orla  do  rio. 

Sesteámos  na  margem  direita ;  e  ás  4  1/2  da  tarde  deu-se  fundo 
cerca  de  três  kilometros  abaixo  do  Paredão  dos  Marimbondos^  por  causa 
de  um  violento  temporal  que  ameaçava,  e  desencadeiou-se  das  7  ás  11  da 
noite.  Dão  o  nome  Ae  paredões  ás  orlas  do  rio  quando  elevadas  e  abruptas, 
qualquer  que  seja  a  rocha  que  as  forme.  O  dos  Marimbondos  é  de  argilla 
calcarea  de  veios  avermelhados. 

Presentimos  sermos  seguidos  de  perto  pelos  selvagens,  sem  duvida  os 
cabiiys,  presentemente  os  mais  ferozes  devastadores  dessas  regiões,  e  que, 
ainda  neste  mesmo  anno,  foram  até  dentro  da  cidade,  onde  roubaram 
gallinhas  e  laranjas,  por  mais  não  encontrarem,  e  deitaram  fogo  á  umas 
palhoças  inhabitadas.  A  montaria,  que  vae  adiante,  avistou-os  também 
e  voltou  para  nos  avisar  ;  pelo  que  deu-se  seguimento  ao  bote  costeando 
a  margem  opposta. 


Nenhuma  novidade  tem  havido  na  nossa  derrota.  Terçíi-feira,  11, 
passámos,  ás  7  1/2,  o  Campo  das  Pitas,  que  demora  á  uns  cento  e  vinte 
kilometros  da  embocadura  do  Verde,  rio  abaixo,  e  uns  quarenta  á  qua- 
renta e  cinco  em  linha  recta.  A's  8  1/2  passamos  o  Primeiro  Mangabal- 
zinho,  e  meia  hora  depois  o  Segundo,  ambos  á  margem  esquerda,  onde 
o  terreno  continua  abarrancado.  Demorados,  como  de  costume,  nas  duas 
horas  para  descanço  e  almoço,  sahimos  á  uma  da  tarde  e  em  quarenta 
minutos  enfrentámos  com  o  Mangahal  Grande,  alto  campestre  do  mesmo 
lado. 

Ás  4  1/2  passávamos  o  Campo  das  Três  Barras,  na  mesma  mar- 
gem, assim  chamado  de  duas  bahias  bastante  largas  que  se  abrem  quasi 
fronteiras. 


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164  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

A's   5  horas  e  5  minutos  parámos  debaixo  de  grandes  aguaceiros  e 
forte  trovoada. 


A's  6  da  manhã  de  12  sahimos  ;  ás  7  horas  e  4  minutos  começámos 
á  passar  a  ilha  dos  Monos  ;  ás  8  horas  e  55  minutos  o  rio  Quariferé  ou 
Piolho,  nascido  na  cordilheira  dos  Parecis,  e  cujo  curso  dizem  ser  maior 
de  vinte  e  cinco  léguas.  Em  suas  margens  existiu  um  grande  quilombo 
de  escravos  fugidos,  indios  e  negros,  que  Luiz  Pinto  debandou  em  1768; 
e,  mais  tarde  renovado,  só  foi  completamente  destruído  vinte  e  sete  annos 
depois  por  Luiz  de  Albuquerque  ;  que  no  seu  sitio  estabeleceu  a  aldeia 
Carlota^  na  supposição  de  serem  ricas  de  ouro  taes  paragens.  Mas,  os 
colonos  apenas  encontraram  aquelles  sevandijas,  donde  proveiu  um  dos 
nomes  do  rio ;  e  em  breve  extinguíu-se  o  aldeiamento. 

A's  10  horas  e  35  minutos  costeámos  o  Campo  do  Pirarara^  á 
direita.  A'  esquerda,  vem  morrer  perto  da  margem  uma  morraria, 
espigão  da  Kicardo  Franco  que  ainda  era  á  vista  em  direcção  do  Norte. 

A's  11  e  5  minutos  começam  grossos  aguaceiros  com  forte  tro- 
voada e  vento  de  rebojo.  Meia  hora  depois,  serenada  a  tempestade,  segui- 
mos viagem  ;  ás  2  e  20  minutos  passámos  o  rio  Branco  ou  Cabixy  (a), 
de  curso  egual  ao  do  Sararé,  e  como  este  descido  da  mesma  região. 
Dista  uns  dezesete  kilometros  do  Quariteré. 

A's  2  e  40  minutos  roçou  o  bote  n'um  banco  de  pedras,  ficando 
preso  por  um  bom  quarto  de  hora.  A's  4  1/2  encalhou  de  novo  era  frente 
ao  ponto  das  Torres,  donde  só  conseguiu-se  safal-o  ao  cabo  de  uma  hora  de 
trabalho  (b). 


(m)  Cabixy  chamam  os  indios  do  Guaporé.á  uma  espécie  de  polypeiro  das  aguas 
doces,  que  se  forma  nas  raizes  e  troncos  das  sarans  e  arvores  sujeitas  A  innunda- 
çáo ;   affectam  sempre  a  forma  globular  e  assemclham-se  jnulto  aos  ouriços  do  mar. 

(b)  O  Atlas  do  senador  Cândido  Mendes  colloca  ahi  um  povoado  que  nunc« 
existiu. 


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AO   RIO    BE    JANEIRO  165 

As  Torres  são  uma  verdadeira  curiosidade  natural ;  chamam  assim 
o  ponto,  mas  realmente  só  uma  existe,  não  sabendo  eu  si  existiram  outras 
ou  outra,  o  que  parece  natural  era  vista  da  denominação.  Eleva-se  sobre 
um  morrote  quasi  isolado,  mas  pertencente  á  morraria  de  Ricardo  Franco, 
que  daqui  para  o  N.  vae  costeando  ainda  o  rio  até  morrer  uns  sessenta 
kilometros  abaixo.  O  morrote  t^m  cerca  de  quarenta  á  cincoenta  metros  de 


As   Torres. 


altura, e  nelle  a  forre  destaca-se  tão  limpa,  que  á  primeira  vista  duvida-se 
que  não  seja  producto  do  engenho  humano.  Parece  uma  agglomeração 
de  blocos  mais  ou  menos  prismáticos,  de  arestas  vivas,  e  juxtapostos  com 


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166  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

bastante  regularidade,  aqui  enredando-se  de  hera,  ali  apresentando  falhas 
ou  cocurutos ;  e  no  chão  montes  daquelles  seixos  angulares ;  tudo  de  tal 
modo,  que  bem  representa  as  ruínas  de  uma  torre  quadrangular  quas 
destruída  pela  acção  devastadora  dos  séculos.  Sua  apparencia,  quasi 
perfeita,  excede  de  muito  á  das  Torres  de  Santa  Catharina,  na  íoz  do 
Ararangud  (a),  próximo  á  Laguna,  que  consistem  n'um  acervo  de  pedras 
juxtapostas  verticalmente,  como  n'um  grande  muro  ou  paredes  de  um 
edifício,  pelo  que  alguns  as  chamam,  também,  os  Conventos. 


Pelas  6  da  manhã  de  13,  quinta-feira,  sahimos  e  com  duas  horas  de 
seguimento  passámos  o  Paredão  das  Torres ;  encalhámos  por  três  vezes 
uma  delias  ás  8  horas  e  10  minutos,  á  boca  do  Turvo^  riacho  da  margem 
direita,  á  doze  kilometros  das  Torres.  A's  2  horas  e  10  minutos  passá- 
mos o  Campo  do  Pau  Cerne,  no  lado  opposto :  aqui  pretendeu,  em  1851, 
estabelecer  um  aldeiamento  de  garayos  o  mesmo  Silva;  que  mais  tarde  os 
reuniu  na  aldeia  de  Santa  Ignez,  em  frente  ao  Gubatão,  e  com  o  mesmo 
êxito  do  primeiro. 

No  dia  seguinte,  logo  ás  6  horas  e  10  minutos,  enfrentámos  com  a 
Terra  firme  da  Pimenieira,  sitio  alto  e  ao  abrigo  das  innundações ;  e 
á  meio  rio  duas  ilhas,  em  que  dividiu-se  a  única  ahi  demarcada  pelos 
antigos  engenheiros.  A's  11  horas  e  5  minutos  abicámos  á  margem 
esquerda,  pouco  abaixo  da  ilha  da  Lanterna.  A's  3  horas  e  20  minutos, 

vimos  um  córrego  á  margem  direita,  não  registrado  por  aquelles  expio- 

« 

radores ;  ás  3  horas  e  58  minutos  a  ilha  das  Flexas,  e  em  seguida  peque- 
nos bancos  de  areia  em  que  o  bote  foi  roçando. 


(a)  Aos  28o  37'  de  latitude.  Pizarro  dá-lhe  29o  16'  e  de  longitude  326o  57  da  ilha 
de  Ferro. 


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AO    RIO    DÉ    JANEÍRO  l6? 

VI 


Sabbado  15,  passámos,  ás  7  da  manhã,  o  Paredão  Vermelho,  onde 
vivem  Índios  garayos,  domesticados,  conhecidos  pela  tribu  do  Pau  Cerne. 
Supponho  serem  os  mesmos  garajuz  dos  antigos.  Suas  roças  ficam  na 
encosta  do  rio,  e  por  entre  a  matta  apparecem  altas  bananeiras  e  as 
cumieiras  de  grandes  palhoças. 

Ohamou-se-os  á  busina :  esta  é  feita  de  uma  aspa  de  boi ;  o  seu  som 
rouco  e  profundo  ouve-se  mui  l^nge,  e  segundo  affirmaram,  e  apenas  con- 
signo,—á  mais  légua.  Immediatamente  surgiram  á  barranca  quatorze 
homens,  vinte  e  duas  mulheres  e  um  numero  de  creanças  de  toda  a  idade, 
superior  á  trinta,  completamente  nús,  e  todos  vermelhos  côr  de  argilla, 
até  nos  cabellos.  Dous  individues  de  cada  um  desses  grupos  entraram 
n*uma  montaria  e  vieram  abordar  o  bote.  A  côr  vermelha  era  devida  ao 
urucú,  que  por  maior  tafularia  esfregaram  desde  os  cabellos  aos  pés  para 
receberem-nos  com  a  maior  decência  possível,  sabendo,  desde  já  três  dias, 
que  vínhamos  descendo. 

Não  são  feios,  ao  contrario  ;  mas  não  tém  a  elegância  do  porte  nem 
mesmo  a  belleza  dos  traços  physionomicos  dos  cadiuéos,  tribu  a  mais  for- 
mosa que  já  vimos.  Das  mulheres  uma  era  joven,  de  feições  bem  agradá- 
veis, alta,  esbelta,  formas  esculpturaes ;  a  outra,  que  em  grau  de  paren- 
tesco devia  ser  sua  sogra,  parecia  pouco  mais  idosa,  mas  carecia  dos 
encantos  da  companheira,  comquanto  não  representasse  ter  filhos  já  casa- 
dos. Também  dos  dous  homens  facilmente  se  percebia  que  um  era  mais 
velho  do  que  o  outro,  mas  ninguém  lhes  daria  a  diíTerença  de  annos  neces- 
sária para  serem  pae  e  filho :  o  moço  representava  vinte  e  dous  á  vinte  e 
cinco  annos ;  o  outro  trinta  á  trinta  e  cinco  no  mais. 

Exceptuada  a  joven,  que  é  de  suppôr  não  fosse  a  excepção  da  tribu, 


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168  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

todos  OS  outros,  grandes  e  meninos,  apresentam  bem  desenvolvida  a  parte 
superior  do  tronco  e  membros  thoracicos,  o  que  geralmente  é  indicio  das 
tribus  canoeiros,  pelo  exercicio  que  o  remo  dá  aos  músculos  daquellas 
regiões ;  e  o  hypogastro  muito  desenvolvido  e  em  perfeito  contraste  com 
o  pouco  amplo  dos  quadris  e  a  finura  das  pernas,  o  que  muito  lhes  preju- 
dica a  belleza  do  porte. 

Já  na  Climatographia  deli-se  a  explicação  desse  extraordinário  des- 
envolvimento do  hypogastro. 

A's  10  horas,  após  uns  cinco  minutos  de  viagem  chegámos  em  frente 
á  segunda  aldeia  e  roça.  Esta  tem  dous  portos  onde  vimos  abicada  uma 
boa  dúzia  de  montarias.  Isso  trouxe-nos  immediatamente  á  idéa  o  porto 
e  a  cidade  de  onde  vínhamos  ;  e  não  pudemos  evitar  o  pensamento  de  que 
estes  selvagens  são  mais  activos  e  trabalhadores  do  que  aquelles  cidadãos. 

Por  entre  a  fronde  divulgava-se  a  cobertura  de  uma  extensa  palhoça, 
e  aqui  e  ali,  pelos  claros  da  matta,  as  cimas  das  bananeirase  dos  milha- 
raes  em  flor.  ' 

Cultivam  também  batatas,  carás,  inhames,  mandioca,  melões  e 
pimentas,  e  as  suas  grandes  roças  são  mais  retiradas  do  rio. 

A'  nossa  chegada  cobriu-se  a  barranca  de  gentio,  mormente  mulhe- 
res e  creanças  ;  muitas  das  quaes  vimos  correndo  do  lado  da  primeira 
aldeia  e  também  do  lado  de  baixo  da  segunda. 

Faliam  alguma  cousa  o  portuguez ;  e  dos  que  nos  procuraram  o  mais 
velho  fallava-D  regularmente.  São  muito  pedinchões,  o  que  é  muito  na- 
tural ao  saberem  dos  recursos  de  toda  a  natureza  de  que  dispõem  os  civili- 
sados,  mormente  os  que  podem  diminuir-lhes  o  trabalho  ou  favoneiar-lhes 
a  vaidade.  Assim  são  cubiçosos  de  facas,  machados,  thesouras,  espelhos  e 
avellorios  ;  mas  sobretudo  os  machados  e  facas,  que  recebem  com  uma 
avidez  indescriptivel,  fugindo  immediatamente,  e  esquecendo-se  quasi 


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AO   RIO  DE  JANEIRO 


169 


sempre  de  dar  a  retribuição  acordada  em  fructos,  grãos  e  batatas  que  cul- 
tivam, e  que  de  tanto  soccorro  são  aos  viajantes,  nestas  alturas. 

Os  garayos  habitam  também  os  logares  altos  das  FlexaSj  Jangada^ 
Veados  e  Acorisal,  na  margem  esquerda,  todos  isentos  das  grandes 
clieias. 

Seu  dialecto  natural  é  o  guarany,  com  mui  ligeiras  modificações, 
entremeiado  de  vocábulos  portuguezes  e  alguns  hespanhoes,  como  cana, 
aguardente,  tortuga^  tartaruga,  e  porotos^  feijões. 

Eis  alguns  dos  seus  vocábulos  : 


Adeus 

Abrir 

Agua 

Agulha 

Aguapé 

Aldeia 

Alegria 

Ali 

Amamentar 

Amanhã 

Andar  depressa 

Annel 

Ante-braço 

Anus 

Aquelle 

Aqui,  cá 

Arara 

Arco 

Areia 

Arraia 

Arroz 

Arvore 

Avarento 

Avô 

Aiilla 

Banana 

Barba 

Barriga 


tá-tsorane 
mboio-kende 

y 
yu 

aguapé 

taba 

erubête-oxicá 

pêbe 

acambyra 

ahi-hibê 

aem-bóê 

mambiara-uçú 

jybá 

/ecuare 

cô 

ábe 

canindé 

urupára 

ybicuy 

jabebyra 

arúço  (a) 

ymira 

cauhino  (b) 

tamóin 

enapyuhyre 

bery 

ambotá 

rihéna;  udhá 


Beber 

aijure 

Beiços 

rama ;  rembê 

Boca 

jurú 

Bochechas 

icuára 

Bom                 nicuêre  ;  abujê 

Bonito 

iporan 

Borboleta 

pána-pána 

Braço 

jytá 

Branco 

ty;  jety 

Brincar 

japô-japô 

Cabeça 
Cabeílos 

acá 

ái;á 

Caçar            cairara ;  caiçara  (a) 

Caetetú 

taitetú 

Calcanhar 

pytançá 

Calor 

rabucô 

Campo 

jubê 

Cana  de  assucar 

pataque 

Canastra 

capire-pínta 

Canoa 

igara 

Canto  de  aves 

uíra-cuêta 

Cão 

cabe 

Capivara 

capigue 

Cara,  rosto 

robá 

Caroço,  semente 

unhauhy ; 

guaguaçú 

Carne 

ohô 

Carvão 

tatapy 

(a)  Corruptela  do  portuguez. 

(b)  Idem  da  voz  cauhilo  í 


22 


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170 


ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-QROSSO 


Casar         arecô  cunha ;  osco  ména ; 

Diabo 

caruare 

hára-hára  (obsceno) 

Dizer, 

nenen 

Casca,  couro,  pelle    ipirêre 

Doente 

marah ;  mbacy 

Céo 

hyvá 

Doer 

tacy  mbaecê 

Chapéo 

acandirá ;  ao 

Dormir 

taquene 

Chefe 

borêri-coare 

Escorregar 

pycery 

Chegar 

aye-potá 

Esperar 

jamerane 

Chumbo 

mocaráin 

Estar 

avehi-corame 

Chuva 

aimanre 

Este 

cô 

Cigarro,  fumo 

petun 

Estreito 

dipihy 

Cinza 

tanimbô 

Estrella 

jacy-tatá 

Cipó 

icipó 

Eu 

xê 

Clava,  maça 

urumépada 

Faca 

quecé 

Coatá 

caiguaçú 

Fallar 

nenen 

Cobra 

mboi 

Fazer 

ambô 

CoUar 

carurá  (a) 

Fechar 

tatá 

Comer 

combiá 

Feio 

naporan 

Comida 

tamôh 

Feijão 

porotos  (a) 

Comprar 

epitá 

Filho,  filha 

rahira 

Connulium 

ttporênô  ;  hára  hára  ; 

Fino 

icatupíhre 

' 

xique-xique 

Flor 

baepoty 

Coração 

pya;pycyhâ 

Fogo 

tatá 

Corda 

inintxa 

Folha,  herva, 

matto     caá 

Corpo 

rohô 

Formiga 

hara  hara 

Correr 

an-haura 

Frio 

rohy 

Coser 

uhita 

Fronte 

robá 

Costas 

cupê 

Fructo 

baêhá 

Cotovello 

jybá-ynanga 

Fugir 

gahira 

Coxas 

hú 

Fumaça 

tatantxê 

Creança 

columi;  tximbáe 

Furtar 

mondara 

Cuia 

ya 

Gallinha 

tacure 

Curioso 

aba-«coabába 

Gallo 

tacura 

Curto 

japianunha 

Genf.  honi. 

tapiá 

Cuspo 

randy 

Gen,  muUeh, 

sapipire ;  tamáco  (b) 

l)ar 

mondô-xupê 

Gomma  elástica         jametá 

Dedos  da  mão 

idecuá ;  monopêdo 

Gordo 

iquirá 

Dedo  poUegar 

popô 

Gordura 

aiboê-xehú 

»  do  pé 

py-acuá 

Grande 

tobixá 

))  grande  do 

pé    caruacá 

Herva 

caá 

Dentada 

xuhú 

Hombro 

henaicy 

Dentes 

rahy 

Homem 

ába 

Deus 

tupá 

Hontem 

rerê 

(a)  CJorruptela  do  portuguez, 

(a)  Vocábulo  castelhano. 

(b)  Corruptela  do  locução  port.  ? 


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Ir 

Irmã 

Irraào 

Lingua 

Máe 

Mão 

Mel 

Menino 

Mulher 

Minhoca 

Mulher  casada 

Mutum 

Não 

Não  ha 

Nariz 

Noite 

Nós 

Olhos 

Onça 

Orelhas 

Pae 

Pássaro 

Pau 

Pé 

Pedra 

Peito 

Pelle 

Perna 

Pescoço 


AO   RIO   DE   JANEIRO 

ambô 

Queixo 

rendy 

Eiacho 

heby 

Kio 

cú 

Eosario 

cy ;  mama  (c) 

Sacco 

pôo 

Sal 

ejáh 

Setta 

piá 

Sobrancelha 

ecúre 

Sol 

juretxúre 

Tabaco 

cuden-hê 

Tartaruga 

tupíni 

Eu  tenho,  ter 

ani ;  ániri 

TeiTa 

uira-pêpe 

Testa 

ty(tyn) 

Testículo 

pintum 

Trazer 

pandê 

Trovão 

teça 

Tu,  teu 

jaguaretê 

Valente,  bravo 

namby 

Velho 

tub 

Vestido 

uirá' 

1 

ibyra 

2 

pi 

3 

itá 

4 

caama 

5 

mutéby 

6 

tynia 

10 

aihúra 

171 


tendivá 

pahryaná-merim 

y ;  pahryaná 

mohire 

pi-higuá 

juquery 

uhú 

aroh-rupiá 

harh 

petum 

tortuga(a) 

xe-arec6 ;  arecô 

ibi 

robá 

racuahin 

erú 
oçuniin 

ndê 
juraténe 

tujá 

trocuáre 

monopêdo 

mocôe 

heb-hy 

dhyrú 

dipomuna 

dipomuna-coti 

heh-heby 


VII 


Sahimos  da  aldeia  dos  Garayos  á  1  hora  da  tarde,  e  era  quarenta 
minutos  estávamos  no  Estirão  da  Jangaâinlia. 

Chamara  csHrões  aos  grandes  trechos  em  que  o  rio  se  deslisa 
n*uma  recta :   aqui  raras  vezes  são  maiores  de  uma  milha,  tão  tor- 

(c)  Voz  portugueza. 
(a)  Voz  castelhana. 


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172  ITINERÁRIO   DA  CIDADE   DE  MATT0-0R0S80 

tuoso  vae  elle  ;  no  Amazonas  ha-os  de  cincoenta,  sinão  mais,  kilomelros  ; 
o  maior  do  Guaporé  não  alcança  á  dez.  Sempre  foi  difificil  n'uma  extensa 
região  distinguir-se  por  nomes  adequados  ura  trecho  de  outro,  tanta  a 
sua  uniformidade  e  falta  de  accidentes  que  lhe  dêem  um  cunho  especial ; 
e  nessa  difficuldade  soccorrem-se  os  viajantes  de  qualquer  successo  por 
mais  fiitil  e  insignificante  que  seja,e  associam-o  á  localidade,  onde  se  deu, 
para  fazêl-a  lembrada  e  conhecida ;  tal  a  origem  da  denominação  de 
tantos  riachos,  ilhas,  praias,  bahias,  etc.,  de  tatus,  tamanduás,  capiva- 
ras, veados,  etc.,  taes  as  designações  de  outros  logares  que  fomos  encon- 
trando com  os  nomes  de  Pirarara,  Pau  Cerne,  Acorisaes,  Carandás,  etc. 
Devido  á  isso  e  por  haver  perto  outro  estirão  da  Jangada^  assim  cha- 
mado por  ahi  ter  sido  encontrada,  ou  ter-se  perdido  uma  dessas  embar- 
cações, ou  por  qualquer  outro  successo  á  ella  relativo,  chamaram  o  menor 
de  Jangaãinha ;  e  assim  o  fizeram  conhecido,  graças  á  essa  belleza  de 
rhetorica  que  é  entretanto  uma  pobreza  de  idéas,  sinão  verdadeiro 
disparate. 

A's  2  da  tarde  avistámos  pela  direita  o  morrote  dos  Veados^  que 
passámos  ás  4  horas  e  10  minutos.  Tanto  neste  ponto  como  no  da  Janga- 
dinha  ha  malocas  de  garayos,  para  onde,  á  noite,  voltai-am  alguns  dos 
soldados  e  remeiros  à  comprar  milho  verde,  bananas,  aipins,  etc. 

Domingo,  IG  de  setembro,  sahimos  ás  5  e  25  minutos.  A's  6  horas 
e  10  tinhamos  novamente  á  vista  o  morro  dos  Veados ;  ás  7  enfrentámos 
com  um  pequeno  riacho  que  marca  o  começo  do  Campo  dos  Veados^ 
riacho  de  que  também  não  fallaram  os  antigos.  A'  1  da  tarde,  após  meia 
hora  de  marcha,  passa-se  o  Camjw  da  Mosca,  e  pouco  depois,  do  outro 
lado,  á  margem  esquerda,  a  Praia  Alia.  Pelas  2  horas  appareceu-nos 
em  rumo  de  OSO.  a  serra  dos  Garajuz,  cuja  extrema,  secando  Ricardo 
Fi-anco,  demora  aos  13**  40' ;  duas  horas  mais  tarde  passámos  o  campo 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  173 

do  Primeiro  Acorisal,  e  ás  6  da  tarde  acampávamos  no  Acorisal  Grande; 
guardando  estes  pontos  distancias  quasi  eguaes  entre  si. 

A'  17  sahiu-se  ás  5  1/2  da  manhã ;  um  quarto  de  hora  depois  passá- 
vamos o  campestre  do  Te^-ceiro  Acorisal;  ás  7  e  50,  uma  supposta 
bahia  de  cento  e  cincoenta  metros  de  boca,  que  foi  então  inscripta  nas 
nossas  notas  com  o  nome  de  Cajpivafa^  pela  razão  acima  dada  e  vermos 
um  desses  animaes  n'um  banco  próximo.  A'8  8  passámos  outra  bahia, 
ambas  na  margem  esquerda.  A's  9  encalha  o  bote  por  uns  três  quartos 
de  hora  sobre  uma  pedra,  na  qual  gira  como  um  pião  ;  e  depois,  navegan- 
do-se  sempre  por  pedregaes,  somente  ao  meio  dia  lográmos  chegar  á  uma 
embocadura  de  uns  cento  e  trinta  metros  de  largura,  que  o  nosso  piloto 
deu-nos  pela  do  Paragahu.  Mas,  parecendo  que  essa  abertura  não  era  de 
rio,  pela  carência  absoluta  de  corrente,  foi  o  V  tenente  Frederico  na  mon- 
taria á  exploral-a ;  o  que  feito,  voltou  á  reconhecer  a  denominada  bahia 
da  Capivara,  sobre  a  qual  nutriamos  agora  duvida,  e  que  de  facto  foi 
reconhecida  ser  a  foz  do  Paragahu,  apezar  de  também  mui  fraca  a  sua 
corrente. 

No  dia  seguinte,  descarregado  o  bote  por  causa  dos  pedregaes  entre 
esses  dous  pontos,  remontámos,  de  novo  o  Guaporé  fundeando  quatro 
horas  depois  na  confluência  do  Paragahu,  que  achou-se  ficar  aos  13°  32' 
5",32  latitude  e  IS'»  39'  18",45  O.  do  Kio  de  Janeiro. 

Tem  este  rio  cerca  de  quinhentos  kilometros  de  extensão  ;  é  forte  na 
estação  das  aguas  e  de  débil  curso  no  estio  ;  nasce  no  parallclo  17"  e  des- 
lisa-se  na  maior  parte  do  seu  trajecto  em  terrenos  baixos  e  alagadiços, dos 
quaes  é  uma  verdadeira  corixa  ou  escoante.  Foi  explorado  em  1789  pelo 
Dr.  Silva  Pontes,  que  sahiu  em  seu  reconhecimento  em  26  de  abril,  indo 
até  os  pantanaes  onde  o  rio  toma  origens ;  chegando  de  volta  ao  Guaporé, 
em  11  de  junho. 


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174  ITIXEKAUIO  DA   CIDAPE  DE  MATTO-GROSSO 

Na  quarta-feira,  19,  deixámol-o  e  descemos  á  tomar  as  cargas  que 
ficaram  no  outro  ponto,  agora  reconhecido  ser  o  porto  dos  Garajus:  sendo 
que  nos  indicaram  pelo  Paragahu  o  riacho  ou  escoante  dos  Garajuz  dos 
antigos,  que  o  demarcaram  aos  13**  29'  latitude  e  313*  15',  meridiano 
Occidental  da  ilha  de  Ferro. 

E'  aqui  o  terreno  alto,  e  guarda  ainda  vestígios  de  antiga  situação 
em  grossos  esteios  perdidos  na  matta  cerrada,  onde  também  descobrimos 
os  restos  de  um  velho  e  raro  cafesal,  espalhado  em  algumas  centenas  de 
metros,  ainda  fructificando  apezar  da  idade  e  da  densa  mattaria  que  o 
envolve  e  encobre.  Algumas  das  plantas  tém  mais  de  quatro  metros  de 
altura. 

Alguns  coUocam  ahi  a  povoação  de  Viseu,  fundada  em  1776  por 
Luiz  de  Albuquerque  :  o  certo  é  que  foi  uma  feitoria  portugueza,  em 
tempos  das  lavras  de  Santo  António  dos  Garajuz,  descobertas,  como  já  se 
o  disse,  em  1749,  e  que  bastante  produziram  e  floresceram.  Entretanto, 
dos  tripolantes  do  bote,  todos  matto-grossenses,  nenhum  guarda  reminis- 
cências disso  e  admiram-se  de  que  nós  o  saibamos. 

C^rca  de  vinte  e  cinco  kilometros  para  o  occidente  ficam  as  monta- 
nhas onde  se  descobriu  o  primeiro  ouro  e  onde  os  mineradores  estabele- 
ceram o  arraial  de  Sanfo  António.  O  nome  desses  montes  foi  sem  duvida 
derivado  do  que  distinguia  a  nação  que  ahi  parava,  e  cujos  descendentes 
são  conhecidos  hoje  pela  denominação  de  garayos. 

Annos  depois,  quando  já  ha  muito  tinham  sido  abandonados  lavras 
e  arraial,  e  quando  se  tratava  de  deslindar  a  questão  dos  limites  com  Cas- 
tella,  Luiz  de  Albuquerque  mandou  reconhecer  esses  logares  pelo  tenente 
Manoel  Pedro  Rabello,  que,  com  cincoenta  e  seis  pessoas  de  sequit-o, 
sahiu  de  Villa  Bella  enr26  de  setembro  de  1780,  em  direcção  ás  Salinas, 
donde  seguiu   para   O.  á  cortar  as  cabeceiras  do  Paragahu  e  do  Verde,  e 


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ÂO   KIO    DE  JANEIRO  J  éb 

depois  para  o  ^.  á  sahir  nos  Garajuz.  No  anno  seguinte  repetiu  a  explo- 
ração o  alferes  Francisco  Velho  Paes  de  Camargo,  o  qual  ahi  chegou  por 
uma  picada  que  abriu  desde  o  Paragahu,  e  comraunicava  com  o  Verde: 
partii'a  de  Villa  Bella  em  24  de  Abril,e  em  2  de  maio,  quarta-feira,  dava 
parte  de  sua  chegada  á  margem  do  Paragahu. 

Antes  delle  deve  têl-os  também  explorado  o  tenente  Manoel  Velloso 
Ferreira  da  Nóbrega  e  Vasconcellos ;  o  que  se  deprehende  do  Diário  âe 
Recculccimenio  do  alferes  Camargo,  nas  suas  notas  de  domingo,  13  de 
maio.  Na  ponta  da  morraria  e  em  outros  logares  perto  encontrou  Camargo 
varias  lages  com  signaes  gra\ados  toscamente,  que  lhe  pareceram  um 
registro  de  victorias  dos  Índios  ou  casamento  dos  seus  principaes  (a). 


A'  1/2  hora  da  tarde  do  mesmo  dia  19  seguimos  rio  abaixo  e  á 
poucas  dezenas  de  metros  encalhou  o  bote  por  uns  três  quartos  de  hora, 
apezar  de  já  ir  com  mais  de  um  palmo  de  borda  fora  d'agua. 

O  rio  corre  agora  n'um  longo  e  bem  largo  estirão.  Suas  margens  são 
cobertas  de  florestas  magnificas,  orladas  aqui  e  ali  de  lindas  praias  de 
branca  areia ;  por  ora  a  flora  parece  a  mesma  do  Alegre,  Barbados  e  Alto 
Guaporé. 

A's  3  1/2  da  tarde,  ameaçando  temporal  que  desabou  com  violência, 
tivemos  de  parar. 

A'  20  abicavamos,  ás  10  1/2,  meia  légua  abaixo  da  bahia  das  La- 
rangeiras^  antiga  situação  e  lavoura,  á  margem  direita  e  quasi  fronteira 
ao  riacho  Caturrinho,  e  que  ainda  vem  assignalada  no  Atlas  do  senador 
Cândido  Mendes. 

Sahindo  á  meia  hora  da  tarde,  passámos,  entre  outros  accidentes  do 
rio,  as  bahias  Maquine^  pequena  e  grande,  conhecidas  dos  antigos. 

(a)  Diário  de  Reconhecimento,  Ms.  da  Bib.  Nac. 


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1 76  ITINERÁRIO   DA   CIDADE  DE  MATIO-GROSSO 

As  voltas  do  rio  fazem-se  commummente  formando  um  sacco  ou 
bahia  para  o  lado  opposto  da  coiTente,  o  que  a  distancia  dá  á  cada  trecho 
a  apparencia  de  um  T. 

A's  5  horas  e  50  minutos,  ao  passarmos  o  Corumhiara,  encalha-se, 
e  ahi  fica-se  preso  até  ás  dez  horas  da  noite,  que  é  quando  se  consegue 
vencer  um  extenso  banco  de  mais  de  cem  metros,  abrindo-se  canal  com 
remos  e  pás,  meio  único  de  que  nos  podemos  soccorrer. 

O  Corumbiara,  que  cahe  no  Guaporé  aos  13M4'  latitude,  conforme 
os  antigos,  desce  também  da  cordilheira  dos  Parecis  por  muitas  cabecei- 
ras, cuja  principal  é  o  riacho  Verde,  todas  contravertentes  do  Jamary. 
Antigamente  suas  aguas  rolavam  ouro,  ahi  encontrado  desde  1743. 

Fronteira  á  sua  foz  ficava  a  Casa  Redonda,  situação  de  Domingos 
Alves  da  Cruz,  fundada  em  1749,  convertida  em  missão  de  S.  José  em 
1754,  e  dous  annos  depois  levada  para  a  margem  do  S.  Domingos,  uns 
cem  kilometros  acima  do  forte  do  Principe.  Foi  neste  local  da  Casa  Re- 
donda que  fundou  Luiz  de  Albuquerque  a  povoação  de  Viseu,  no  anno 
de  1776,  a  qual  outros  erradamente  suppõe  ter  existido  no  porto  dos 
Garajuz.  Em  1778  foi  abandonada  e  delia  não  resta  hoje  o  menor  ves- 
tígio (a). 


No  Corumbiara  tiveram  os  hespanhoes  a  missão  de  S.  Simão,  de 
que  foi  fundador  o  padre  Francisco  Xavier :  ficava  na  margem  direita  (b). 


A'   21   sahimos  á  hora  do  costume  :  ás  6  1/2  achavamo-nos  enca- 


(a)  O  A  tias  do  senador  Cândido  Mendes  assignala-a  ainda,  bem  como  Lai*an- 
geir<is, 

(b)  Missão  do  padre  Manoel  da  Moita  e  do  padre  Jeronymo  de  Gouveia  em 
continuação  á  do  padre  António  Vieira,  em  1721,  no  Tocantins  (Mello  Moraes, 
Corog.  Hist,f  tomo  III). 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  177 

Ihados,  mas  por  poucos  minutos,  felizmente.  A's  9  3/4  passávamos  os 
campos  do  Corumbiara  e  ás  11  horas  deixávamos,  á  mão  direita,  o  campo 
das  Quinze  Casas^  nome  que  é  uma  revelação,  mas  do  qual  os  nossos 
descuriosos  tripolantes  e  pratico  do  rio  nada  sabem  para  esclarecer-nos. 

A's  6  da  tarde  encalhámos  perto  do  Campo  Feio^  ao  tomarmos  pela 
direita  a  ilha  do  Assaliy.  Ahi  nos  detivemos  emquanto  se  foi  reconhecer 
qual  dos  braços  do  rio  o  mais  favorável  á  navegação ;  ás  5  1/2  da 
manhã  seguinte  tomámos  pelo  esquerdo,  sahindo  junto  á  ilha  Comprida. 
Ahi  seguimos  o  braço  direito  ou  Jaracatid  (a),  e  fomos  fundear,  á  noite, 
na  barra  do  Mequenes,  não  tendo  havido  durante  todo  o  dia  duas  horas  de 
navegação,  e  essa  mesmo  difficultosa.  Todo  o  resto  do  tempo  foi  empre- 
gado em  desencalhar  o  bote  dos  pedregaes  onde  batia,  ou  em  abrir  canal 
nos  bancos  de  areia ;  sendo  que  oito  vezes  estivemos  assim  detidos. 

Vem  o  Mequenes  também  da  serra  dos  Parecis.  Suas  cabeceiras  são 
contravertentes  do  Candeias,  succursal  do  Jamary.  Entra,  pelo  menos 
agora,  que  vae  o  estio  no  seu  máximo  rigor,  com  fraquissima  corrente, 
sendo  sua  barra  de  setenta  e  cinco  metros  de  larga.  Fronteiro  á  elle 
apparece  um  grande  banco,  onde  bivacámos,vÍ8to  dever-se  determinar  o 
ponto,  que  o  major  Lassance  obteve  aos  13*  5'  3",86  lat.  e  19"  6'  19",50 
O.  do  Eio  de  Janeiro  (b). 

Em  sua  margem  direita,  poucas  léguas  além  da  foz,  é  que  os 
hespanhoes  tinham,  em  melados  do  século  XVUI,  estabelecido  uma 
missão  de  Índios,  dos  quaes  o  rio  conservou  o  nome,  e  que  foi  abandonada 
em   1754.  Parece  referir-se  á  ella  o  Atlas  do  illustrado  senador  Cândido 


(a)  Jaraoatiá  é  o  mamão,  mamoeiro  (oarica  papaya), 

(b)  Os  hábeis  e  concenciosos  commissarios  de  1782  demarcaram-o  aos  13»  A*  4&\ 
o  quo  explica  as  modificações  tão  fáceis  e  communs  à  estes  rios,  abrindo  canaes, 
formando  e  cxtingnindo  bancos  e  ilhas,  mudando  de  rumos,  etc. 

23 


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178  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

Mendes,  ao  coUocar,  mais  ou  menos  nessas  alturas,  o  signal  de  um  po- 
voado. 

Para  ahi  querem  alguns  que  fosse  a  primeira  transferencia  da  missão 
de  S.  José,  em  1756,  quando  o  jesuita  Agostinho  Lourenço  a  levou  da 
Casa  Redonda  ;  indo  depois  para  junto  da  de  S.  João  ou  S.  Miguel  de 
Lamego  e  finalmente  para  o  S.  Domingos. 

Em  frente  ao  Mequenes  fica  a  ilha  Comprida  foimada  por  dous 
braços  do  Guaporé.  E'  opinião  commum  (a)  que  essa  ilha  fôra  antiga- 
mente habitada  por  sertanistas  do  Matto-Grosso ;  suppondo-se  que  nella 
se  estabelecera  em  1741  António  de  Almeida  Moraes,  vindo  daquellas 
minas  uns  seis  mezes  antes  da  descida  de  Manoel  Félix  de  Lima,  o  desco- 
bridor da  navegação  ao  Pará  ;  o  qual  diz  que  encontrou  seus  roçados  e 
plantações  junto  á  foz  do  Mequenes,  sem,  todavia,  declarar  positivamente 

que  fosse  nessa  ilha,  que  á  nós  não  pareceu  local  apropriado  para 
povoar-se,  visto  ser  baixa  e  alagadiça,  poucos  ou  nenhuns  terrenos  altos 
apresentando,  mesmo  no  interior  da  sua  immensa  área  ;  os  quaes,  se  exis- 
tissem, de  fora  seriam  percebidos  pela  maior  elevação  das  mattas.  Entre- 
tanto, na  margem  fronteira  e  ás  bordas  do  Mequenes,  ergue-se  de  vez  em 
quando  o  solo  em  paredões  de  grés  ou  concreções  argillosas  inferiores  ao 
grés,  verdadeiros  reductos  de  terra  firme  ;  parecendo-me  que  ahi  é  que 
existia  a  aldeia  da  barra  do  Mequenes,  que  o  marquez  de  Pombal  desti- 
nava para  a  sétima  feitoria  entre  o  Rio  Negro  e  Matto-Grosso  (b). 

Para  suppôr-se  que  a  ilha  tenha  soffrido  transformações  devidas  á 
algumas  dessas  eversões  tão  communs  nesses  rios,  não  parece  isso  pro- 


(a)  V.  1«  volume,  cap.  IV,  e  2«>  vol.,  cap.  II. 

(b)  As  outras  eram  :  a  1»  Barcellos,  a  villa  notável  de  BarceUos^  Mwna  das  capi- 
tães do  Rio  Negro;  a  2*  a  ViUa  Nova  de  S.  José  do  Javary  (Manáos) ;  a  3»  a  Villa 
de  Borba  a  Nova ;  a  4*  abaixo  das  cachoeiras  e  logo  após  á  praia  do  Tamanduá  ; 
a  5«  na  decima  segunda  cachoeira,  em  frente  á  foz  do  Beny  e  Mamoré ;  a  6«  na  forta- 
leza da  Conceição  ;  e  a  ?«  na  aldeia  da  barra  do  Mequenes. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  179 

vavel,  uma  vez  que  coincidem  suas  dimensões  actuaes  com  as  dadas  ha 
quasi  um  século,  do  mesmo  modo  que  os  braços  do  rio  que  a  formam. 
Outra  razão  que  milita  á  favor  desse  conceito  é  a  carência  absoluta  dos 
vegetaes,  que  ou  acompanham  o  homem  ou  este  cultiva.  Independente 
das  larangeiras  e  bananeiras  que  os  antigos  eram  solícitos  em  plantar,  e 
que  apparecem  em  quasi  todas  as  taperas,  conhece-se  frequentemente 
um  logar  que  foi  habitado  por  certo  numero  de  vegetaes  de  ordem  infe- 
rior que  ahi  nascem  expontaneamente,  crescera  e  se  perpetuam  em  solo 
onde  o  homem  viveu  :  alguns  aproveitáveis,  como  certas  portulaceas, 
especialmente  o  talinum  (João  Gomes)  e  a  beldroega  (port  raãicans)^  o 
planiago  officinalis  e  outras ;  uma  polygonacea  virosa,  muito  commum 
nas  taperas  paraguayas  e  que  durante  a  guerra  causou  algum  danmo  e 
mesmo  mortes  á  soldados  que  a  tomaram  por  chicorea ;  algumas  compó- 
sitas e  synanthereaSj  entre  outras,  o  cnictts  heneãicius  (cardo  santo)  e 
uma  tristegis,  o  capim  mimoso.  Nada  na  ilha  vimos  que  indicasse  ter 
ahi  havido  habitação  demorada. 


VIII 


Determinada  a  posição  astronómica  do  Mequenes,  seguimos  derrota 
no  domingO;  23,  logo  ás  4  horas  e  40  minutos  da  manhã  ;  encalhando-se 
diferentes  vezes  em  areias  ou  pedregaes,  sendo  a  iiltimas  desde  ás  5  1/4 
da  tarde  até  ás  8  horas  e  5  minutos  da  noite.  Pernoitámos  na  ilha. 

A'  24  sahimos  do  Jaracatiá  ás  5  1/2  da  manhã,  e  logo  ura  quarto 
de  hora  depois  descaiTegáraos  o  bote  para  passar  uraa  volta  completa- 
raente  trancada  de  penedos  e  lages,  cora  pouco  mais  de  dous  decimetros 
de   agua  no  logar  de  mais  fundo  ;  e  onde  a  embarcação  passou  por  boas 


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180  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTtHIROSSO 

provações,  começando  desde  logo  á  fazer  agua  em  tal  quantidade,  que 
trouxe  a  necessidade  de  ter-se,  dahi  em  diante,  um  homem  empregado  era 
esvasial-a. 

A's  7  1/2  proseguiu-se  a  viagem,  mas  ainda  houve  novo  encalhe. 
A's  1 1  fomos  sestear  em  frente  á  boca  do  canal,  na  margem  esquerda  do 
rio,  em  uma  alegre  barranca  sombreada  de  formosa  floresta,  de  arvores 
corpulentas  e  soberbas,  que,  ao  passo  que  escondiam  o  sol  com  a  frondosa 
coma,  conservavam  o  solo  areiento  despido  e  limpo  como  as  alamedas  de 
um  parque.  Margeava  a  baiTanca  extensa  e  alegre  praia,  entrecortada 
aqui  e  ali  de  filetes  de  agua  que  desciam  da  barranca  ou  eram  canaletes 
do  próprio  rio. 

Goza-se  dali  um  dos  panoramas  mais  bellos  do  rio,  largo  então  de 
uns  oitocentos  metros  e  n'um  estirão  de  mais  de  dous  kilometros.  A' 
esquerda  do  entroncamento  dos  dous  braços  do  Guaporé  existe  um  mor- 
rote  de  insignificante  apparencia. 

Enormes  jacarés,  semelhando  esquadra  de  monitores,  percorrem  as 
aguas  em  todas  as  direcções.  Si  o  Guaporé  é  abundante  desses  saurios, 
extraordinário  é  o  seu  numero  nas  proximidades  do  Mequenes,  onde, 
durante  a  nossa  parada,  sitiaram-nos  em  regra,  apezar  da  guerra  viva 
que  lhes  fizemos ;  vindo  até  á  encostar-se  ao  bote,  donde  os  faziamos  fugir 
á  pancadas  de  remos  e  tiros  de  rewolver.  As  praias  são  completamente 
cobertas  em  todas  as  direcções  de  suas  pegadas,  graciosas  por  asseme- 
Iharem-se  á  essas  silvcts  dos  bordados  das  senhoras.  E*  inexacta  a  asserção 
de  alguns  zoologistas  sobre  a  motilidade  desses  aniraaes,  dos  quaes  dizem 
serem  tão  lentos  os  movimentos  em  terra  quão  fáceis  n'agua :  sua  marcha 
é  tão  ágil  e  veloz  no  ataque  como  na  fuga,  vencendo  muitas  vezes  o  homem 
na  carreira.  Como  quando  correm  levantam  o  corpo,  apoiando-se  somente 
sobre  as  patas,  com  esta  e  a  ponta  da  cauda  que  vae  cortando  a  areia, 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  181 

sempre  á  egiial  distancia  das  pegadas,  é  que  formara  aquella  graciosa 
silva. 

Esse  trecho  do  Guaporé,  desde  o  Mequenes  ao  fim  do  Jaracaliá,  que 
vencemos  em  dous  dias,  é  marcha  para  quatro  horas  nos  tempos  da  cheia. 
O  rio  vae  tão  escasso  de  agua  que  rara  é  a  marcha  sem  tropeços ;  nosso 
bote  tem  já  soffrido  bastante  com  esses  embates ;  as  junturas  vào-se-lhe 
descosendo;  e,  apezar  do  calafeto  que  diariamente  se  lhe  faz,  não  tem-se 
conseguido  diminuir  a  quantidade  de  agua  que  recebe,  conservando-se  in- 
cessante, dia  e  noite,  o  serviço  do  homem  que  a  esgota.  E  si  damos  hoje 
graças  aos  céos  por  não  terem  vindo  as  lanchas  á  vapor  que,  com  grande 
perda  de  tempo  e  de  aturados  labores,  já  teriam  remontado  o  rio,  si  nellas 
houvéssemos  emprehendido  nossos  trabalhos,  assalta-nos  agora,  não 
somente  o  terror  do  naufrágio  ou  descalabro  da  velha  e  estragada  embar- 
cação que  nos  conduz,  e  que  antes  da  quarta  parte  da  sua  projecta-la 
viagem  tem  passado  por  tão  rudes  provas,  mas  também  o  receio  de  que 
a  mesma  impraticabilidade  do  rio  não  venha  pôr  óbices  á  sua  derrota, 
o  que,  em  uma  ou  outra  circumstancia,  nos  fará  Íncolas  forçados  destas 
inhospitas  regiões. 

O  certo  é  que,  por  maior  que  fosse  o  empenho  de  concluirmos,  com 
a  máxima  brevidade,  esse  serviço,  com  plena  satisfação  nossa  e  de  todos, 
deviamos  ter  reflectido  melhor  nos  perigos  á  que  expúnhamos  não  s6 
esse  desideratum  como  nossas  próprias  existências. 

Quando  consignei  essas  reflexões  no  meu  diário,  eram  de  mim  para 
mim,  que  para  os  mais  callava-as,  não  só  por  já  não  haver  remédio,  como 
ainda  por  caber-me  grande  parte  nas  culpas  disso.  Hoje,  porém,  posso 
consignal-as,  e  as  transcrevo. 


Antes  de  avizinharmo-nos  á  uma  ilhota,  ás  3  e  33  minutos  encalhou 
mais  uma   vez  o  bote  n'uma  pedra,  donde  só  lográmos  sahir  duas  horas 


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182  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

e  meia  mais  tarde  ;  e  somente  ás  8  horas  e  cincoenta  minutos  da  noite 
parámos  para  pernoitar  á  margem  direita  da  ilha  da  Meia  Lua,  nome 
derivado  da  sua  confirmação. 

No  dia  seguinte,  sahidos  ás  5  horas  e  10  minutos,  em  duas  horas  de 
marcha  enfrentámos  com  um  morrote  e  logo  depois  com  a  Barranca  Ver- 
melha, na  margem  direita  :  alii  estivemos  detidos  n'um  parcel  por  três 
horas  e  três  quartos.  A's  5  e  20  minutos  parámos  no  Campo  dos  Amigos, 
junto  ao  ribeirão  do  Poie  Finfado  ou  do  Cacau,  á  margem  direita,  local 
que  no  Atlas  do  illustrado  geographo  maranhense  vem  com  a  designação 
de  povoado. 


Em  26  encontrámos,  três  kilometros  abaixo,  o  Sr.  António  Rodri- 
gues de  Araújo,  commercianle  cuyabano,  conhecido  na  provincia  pelo 
nome  de  Totó  Rodrigues,  o  qual  com  sua  familia  subia  o  rio  em  quatro 
igarités.  Esse  senhor  tinha  possuído  e  perdido  bens  da  fortuna ;  e,  após 
constante  labutar  seu  e  revezes  da  sorte,  viera  buscar  novo  alento  nos 
seringaes  de  S.  Simãozinho  e  das  Pedras  I^egras,  onde  as  hev€eas  (a)  e 
as  siplioniasjà  abundam.  Voltava  depois  de  quatro  annos  de  lucta  com 
a  adversidade,  baldo  de  dinheiro,  entibiado  no  animo  e  augmentado  de 
dividas. 


A  seringa,  ou  gomma  elástica,  é  actualmente  a  beta  de  ouro  dos 
aventureiros  nessas  regiões.  Farejam-as  onde  existam;  para  lá  dirigem-se, 
e  ahr  é  só  picar  a  arvore,  extrahir  o  látex  e  fazer  os  pães  de  borracha. 
Esgotada  temporariamente  a  seiva  das  arvores,  vão  buscar  outras  para. 
gens  ;  e  assim  proseguem  emquanto  a  fortuna  os  anima. 

(a)  Hevcea  guyanensis,  H.  discolor  e  H.  brasiliensis  (Muller),  sâo  as  espécies 
melhores  e  mais  proouradas.  Das  siphoniaa  ha  varias  espécies. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  183 

Quando  um  seringai  é  extenso  e  o  terreno  propicio  á  plantação, 
fazem  barracas  ou  casas  de  taquaras  com  esteios  de  carandá ;  toscas  e 
simples,  e  algumas  bem  confortáveis  e  elegantes  mesmo. 

Fazem  roças  de  milho,  fumo,  mandioca,  arroz,  algumas  vezes  tam- 
bém feijão,  bananas  e  canas,  e  mais  raramente  de  melancias  e  melões : 
com  o  que  tém  o  supprimento  para  si  e  para  os  seus,  ajudados  do  que 
caçam  e  pescam. 

Por  aqui  não  ha  ainda  dessas  situações  :  os  exploradores  são  meros 
forasteiros  e  de  arribação,  só  se  demorando  o  tempo  que  dura  a  força 
productiva  da  arvore,  e  mudando  de  local,  sempre  á  pouca  distancia  do 
rio,  onde  a  colheita  é  mais  fácil  e  o  trabalho  menor.  Mas,  como  nestas 
paragens  o  valor  da  colheita,  comquanto  avultado,  nem  sempre  chega 
para  o  costeio  do  trabalho,  feito  á  fiusa  dos  abonos  que  obtém,  succede 
que  os  exploradores,  mal  ganhando  para  satisfazerem  a  uzura,  perdem 
tempo  e  trabalho.  Ajunte-se  á  isso  as  privações  á  que  se  expõem  nesses 
ermos  longínquos  e  as  moléstias  que  sobrevêm  pelas  mesmas  causas  que 
sobrevinham  aos  antigos  mineradores,  e  ter-se-ha  uma  idéa  da  vida  mi- 
serável que  passam.  Keconhece-se  á  primeira  vista  o  grau  de  misérias 
que  os  af^gem,  na  cõr  barrenta  da  pelle,  nas  edemacias  mais  ou  menos 
geraes,  no  descoramento  das  mucosas,  que  alto  revelam  a  pobreza  do 
sangue  e  a  deficiência  dos  meios  reconstituintes. 

Um  exemplo  frisante  dessa  miséria  contaram-nos  os  nossos  tripo- 
lantes,  e  o  Sr.  Rodrigues  confirmou  :  um  rapaz,  filho  da  provincia,  apre- 
miado  pela  fome,  fez  um  pirão  de  leite  de  mangabeira  (a)  e  farinha  de 
mandioca,  e  comeu-o,  morrendo  poucas  horas  depois  em  meio  dos  mais 
horriveis  tormentos,  tendo-se  solidificado  essa  massa  nas  visceras  intes- 
tinaes. 

(a)  Hancornia  speciosa  (Gomes),  que  como  se  sabe  é  um  excellente  suecedaneo 
das  hevcBas  e  siphonias  na  producção  da  gomma  elástica. 


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184  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

A's  11  horas  detivemo-nos  para  o  almoço  a  margem  direita,  junto  á 
bahia  Matuá  ou  segundo  outros  Mateo-ha. 

Duas  espécies  de  cacau  (theobroma  (a)  das  buthneriaceas),  dos  quaes 
o  faho  cacau  ou  cacauy  é  um  agradável  refrigerante,  apparecem,  já  fre- 
quentemente, nas  mattas  onde  também  descobre-se  copia  de  copaMhei- 
ras  ^b),  hicuibeiras  (c),  a  nozmoscada  do  Brasil,  o  olco  vermelho  e  varias 
sortes  de  hevoeas,  e  entre  os  pequenos  arbustos  a  preciosissima  ipecua- 
cuanha.  Entre  as  palmeiras  a  siríba  (astrocaryum)  de  fructos  vermelhos  ; 
da  parte  cortical  de  seu  espique  fazem  os  selvagens  hastes  e  fleias  e  os  cL 
vilisados  lindas  e  fortes  bengalas.  Encontra-se  ahi  uma  outra  espécie  de 
palmeira,  delgada  e  esbelta  como  o  assahy  (euterpe  edulis),  de  foliolos  ou 
pinulas  dobradas  e  dentadas,  peciolos  enrolados  e  spadice  floconoso,  cujo 
tronco  é  cercado  de  raizes  aéreas  regularmente  cylindricas,  quasi  do 
mesmo  diâmetro  do  espique,  e  que  partidas  da  mesma  altura,  ás  vezes  três 
metros  ao  solo,  dirigera-se  obliquamente,  guardando  a  maior  symetria  e 
quasi»  equidistantes  umas  das  outras. 

Chama-se  por  isso  o  coco  dos  vinte  pés ;  e  supponho  seja  a  iriartea 
orhignyana,  de  Martins,  que  assim  a  denominou  em  honra  do  illustrado 
naturalista  Alcide  d'Obigny,  que  primeiro  delia  fallou  ;  a  paxiuha  ou 
iriartea  esorhisa^  a  catisar  ou  tarapoio  de  que  falia  Castelnau  (d),  e  da 
qual  cita  duas  espécies,  o  tarapoto  delgado  e  o  barrigudo  ;  e  talvez,  ainda 
a  mesma,  da  qual  dizem  os  Srs.  Keller  «  a  small  slender  palm  with 
bifurcated  ían,  who  name  I  unfortunably  could  not  learned,  so  found 
only  near  the  rapids  of  the  Madeira.  »  (e) 

(a)  Theobroma,  em  grego  significa  manjar  dos  deuses. 

(b)  Copahifera  utilissima  (Freire  Allemão). 

(c)  Myristica  offioinalis  (Martiu^;  magnoliacea. 

(d)  «  Palmier  si  remarcable  par  sa  tige,  qu*à  deux  metres  de  terre  se  devise  en 
un  grand  nombre  d'embranchements,  en  sorte  qu'il  parait  soutenu  par  des  étais.  » 
( Castelnau,  obra  cit.,  liv.  S»,  pag.  57,  e  4o  pag.  16). 

(e)  The  Atnosonian  and  Madeira  rivers. 


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AO   RIO   DE   JANEIKO  185 

Seguindo  á  1  hora  da  tarde  encalhou  o  bote,  logo  três  quartos  de 
hora  depois,  mas  por  poucos  minutos.  A's  3  horas  e  20  minutos  passá- 
mos a  ilha  da  Matrinchan ;  ás  4  horas  e  5  minutos  houve  outro  encalhe 
que  durou  quarenta  minutos ;  ás  5  3/4  passámos  o  Tatiguinho^  arroio 
junto  á  cuja  foz  existe  um  morrote. 

A'  margem  direita  prolonga-se  um  extenso  seringai,  já  desprezado 
por  baldo  de  látex,  segundo  informou-nos  o  mesmo  Kodrigues,  que  já  o 
explorou. 


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CAPITULO  n 


àu  ftim  Regrai,  k  \úm  palaellu.  Sm  inIecU;  confr^nUçit  mb  mítm. 
iíigaa,  e  agaa  ea  rerÍM  italeetM.  O  Bures  e  •  Itonaiai. 


Idíoat,  boca  « 


O  dia  27  de  setembro,  quinta-feira,  sa- 
hindo  ás  4  da  manhã,  fundeámos  ás 
7  1/2  no  porto  do  destacamento  das  Pe- 
dras  Negras j  que  deve  o  nome  á  um 
amontoado  de  enormes  blocos  e  penedos 
que  atravancam  em  parte  o  leito  do  rio, 
mormente  junto  á  margem  direita ;   guar- 
das avançadas  de  um    espigão  da  cordi- 
lheira dos  Parecis,  que  ahi  vem  morrer. 

Mudado  para  ahi  o  destacamento  que 
existia  na  missão  de  S.  José,  cuja  denomi- 
nação foi  por  Luiz  Pinto  mudada  para  Pal- 
mellas,  ficou  também  conhecido  por  este  nome,  que  hoje  guarda  so- 
mente uma  tribu  de  indios,  ha  poucos  annos  encontrada  nas  suas 
vizinhanças.  O  destacamento  foi  para  aqui  removido  para  manter  em 
respeito  as  missões  castelhanas  de  S.  Simão  e  S.  Martinho,  isso  por 
volta  do  anno  de  1758  :  o  sitio  das  Pedras  Negras  era  então  habitação  do 
licenciado  João  Baptista  André  (a) ;  e  passava  por  ter  sido  o  terceiro 
povoado  do  rio,  sendo  os  primeiros  Villa  Bella  e  Cubatào,  o  que,  entre- 
tanto, é  controverso,  por  nenhuma  noticia  apparecer  sobre  elle  por  oc- 


(a)  South^y,  Hist,  do  Brasil^  tomo  V. 


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188  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

casião  da  primeira  descida  de  Eolim  de  Moura  á  Santa  Eosa.  Da   se- 
gunda, já  viu-se  que  em  1760  delle  conduziu  gente  para  este  fortim. 

Encontrámos  o  destacamento  composto  apenas  de  um  sargento  e 
dous  soldados ;  aquelle  com  uma  mulher  e  uma  filha  de  quatorze  annos, 
de  agradável  apparencia,  e  vivendo,  segundo  declarou-nos,  em  continuo 
sobresalto  e  na  impossibilidade  de  ai*redar  pé  de  casa  sem  a  família,  no 
receio  em  que  está  de  um  desacato  dos  seus  coramandados,  que,  moços  e 
solteiros,  e  ahi  degredados  ha  annos,  já  tém  por  vezes,  levados  pelas  exi- 
gências da  natureza,  manifestado  intentos  concupiscentes. 

Não  se  pôde  conceber  qual  a  razão  da  existência  desses  destacamen- 
tos de  dous  e  três  homens  em  legares  tão  alfastados  dos,  já  por  si  mui 
fracos,  centros  de  população.  Como  postos  militares,  não  é  com  esse 
pessoal  que  se  manterá  o  respeito  e  guardar-se-ha  o  rio,  mormente  quando 
alguns  desses  soldados  marcham  para  taes  destacamentos,  como  vemos 
em  três  dos  degredados  que  comnosco  descem  para  o  forte  do  Príncipe, 
sem  armas  nem  munições.  Si  é  simplesmente  como  meio  de  castigo  que 
os  mandam  para  esses  serviços,  é  innegavel  que  ha  outros  mais  promptos 
e  efficazes,  quaes  as  solitárias  e  penitenciarias.  Em  todo  o  caso  tal  punição 
é  desarrazoada,  sináo  monstruosa.  Si  ha  conveniência  na  continuação 
dessas  guardas,  instituidas  pelo  primeiro  capitão-general  e  por  seus  suc- 
cessores  cuidadosamente  conservadas  para  pontos  de  abastecimento  dos 
navegantes,  tanto  como  de  vigilância  do  rio,  e  ainda  como  núcleos  de 
população ;  si  ha  conveniência  nisso,  o  que  acredito,  que  sejam  ellas 
compostas  de  sufficiente  numero  de  praças,  mis  casadas  todas;  e  sejam- 
Ihes  dados  os  meios  de  ahi  poderem  viver  e  progredir.  Para  degredo  já 
sobra  o  forte  do  Príncipe ;  e  estes  destacamentos  do  Cubatão  e  Pedras 
Negras,  organisados  assim,  serão  núcleos  de  futuras  coloaias  e  poderão, 
talvez,  concoiTer  para  o  progresso  da  província. 


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AO   RIO   DE   JANEraO  189 

O  local  é  agradável:  alto  de  uns  trinta  e  cinco  metros,  e  mostra  ainda 
vestígios  de  uma  situação  importante.  Tem  uns  setenta  pés  de  laran- 
geiras,  nesta  occasião  carregadissimas  de  fructos  maduros  e  deliciosos  ; 
ura  limoeiro  azedo,  dous  cafeseiros,  bananaes  perdidos  nas  mattas,  etc, 
restos,  tudo,  da  plantação  de  ha  um  século. 


A  indiiferença  e  o  deleixo  dos  governos  andam  aqui  á  par  com  o  dos 
naturaes :  estes  contentam-se,  como  de  costume,  com  o  que  resta  do  que 
os  antigos  crearam  ;  e  nem  ao  menos  por  distracção,  já  que  nenhumas 
tém  nesses  enfadonhos  desertos,  plantam  outros,  curando  do  porvir.  Tém, 
porém,  suas  rocinhas  de  milho,  mandioca,  canas,  melões  e  melancias.  Nas 
mattas  ha  abundância  de  iocary,?L  castanha  do  Pará  (hertholetia  excelsa) y 
de  poaya  e  de  baunilha. 

Foi  de  grande  proveito  o  encontro  do  tocary,  cujo  mesoderma  dá 
uma  excellente  estopa ;  visto  o  imminente  perigo  em  que  trazia-nos  a 
embarcação,  cujas  junturas  cada  vez  mais  se  abriam.  Como  elle  a  sapu- 


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lí»0  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

caya^  outra  lecythidea,  presta-se  também  aos  calafetos,  sendo  por  isso 
chamada  pelos  naturaes  paus  âe  estopa  (a).  Aproveitou-se-as  também 
para  fabrico  de  cabos  de  espia,  que  nos  devem  ser  de  grande  soccorro  nas 
cachoeiras. 

Nossa  demora  no  destacamento  foi  de  dous  dias ;  e  emquanto  fa- 
ziam-se  observações  astronómicas  para  a  regularisação  dos  chronometros 
e  determinação  do  ponto,  que  o  major  Lassance  obteve  aos  12"  51'  11  ",22 
lat.  e  19°  44'  22  ",65  O.  do  Rio  de  Janeiro  (b),  a  tripolaçáo  calafetava 
o  melhor  possivcl  a  embarcação  e  fazia  um  bom  sortimento  de  cabos. 


II 


Algumas  léguas  para  o  interior,  á  dous  dias,  dizem,  de  viagem  das 
Pedras  Negras,  existe  uma  tribu  de  indios  mansos,  que  somente  ha  alguns 
annos  appareceu  e  entrou  em  relação  com  o  pessoal  do  destacamento  e 
navegantes  do  rio.  Faliam  um  idioma  diverso  do  das  tribus  do  Guaporé, 
entremeiado  de  vocábulos  portuguezes  e  hespanhoes ;  e  não  sabem  dizer 
a  sua  procedência  ou  origem.  E'  notável,  porém,  que  grande  numero  de 
suas  vozes  sejam  as  mesmas,  ou  modificações  das  falladas  no  dialecto 
galibi. 

A  pronuncia  é  suave  e  quasi  melodior.a,  ligeiramente  aspirada : 
assim  dhno,  olhos,  e  o*(íwa,nariz,  tanto  se  podem  traduzir  na  escripta  com 
o  h  como  sem  elle,  tão  branda  é  a  aspiração  que  se  sente  na  primeira 
syllaba.  Os   sons  que  exprimimos  com  a  letra  v,  fazem-o  ora  com  ella, 

(a)  Ferdinand  Dénia,  La  lirêsil, 

(b)  A  conimissào  de  1782  demarcou-o  aos  12»  5'2'  lat.  e  SU®  37'  80"  O.  da  ilha  de 
Ferro.  D'Alincourt  dá  as  mesmas  coordenadas,  parecendo  que  a  differcnça  actual 
é  devida  ao  maior  aperfeiçoamento  doa  instrumentos  de  observação. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  191 

ora  com  u,  gu  e  Aw,  por  exemplo  :  andar  ligeiro,  que  dizem  íva^  íua^  igua 
OU  ihua,  O  r  é,  como  em  quasi  todos  os  dialectos  americanos,  sempre 
brando. 

De  três  desses  indios,  de  cerca  de  quarenta  annos  de  edade^  colhi 
que  estÍTeram  antigamente  estabelecidos  nas  cercanias  da  missão  de 
S.  Miguel,  no  Baures,  para  onde  vieram  prófugos  e  dispersos  de  regiões 
que  não  sabem,  sendo  então  ainda  infante  o  pae  de  um  delles.  Depois 
emigraram  para  perto  deste  ponto,  indo  armar  suas  tabas  nas  faldas  da 
cordilheira,  á  umas  sete  ou  oito  léguas  daqui.  Não  parece  inyeridica  essa 
noticia,  e  com  certeza  não  foi  esse  êxodo  em  tempos  mais  remotos  de 
oitenta  annos,  visto  que  delles  não  faliam  nem  os  diversos  exploradores 
do  rio,  nem  os  que  como  João  Leme  do  Prado,  em  1772,  exploraram  a 
cordilheira ;  não  sendo  também  desarrazoado  que  sejam  restos  dos  mis- 
sionados de  S.  Simão,  cujo  aldeiamento  Bolim  de  Moura  fez  abandonar 
em  1762. 

O  Sr.  Lúcio  Maciel,  dono  do  bote,  que  com  elles  por  mais  de  uma 
vez  tem  traficado,  deu-me  as  seguintes  informações : 

Que  para  aqui  foram  trazidos  por  uns  castelhanos,  cujo  principal,  de 
nome  Ignacio,  escolhera  para  companheira,  ou  mulher,  umas  das  Índias, 
de  quem  houve  filhos  e  netos,  que  ainda  hoje  existem,  e  são  os  chefes  da 
tribu.  Que  entre  elles  ha  alguns  verdadeiramente  brancos,  de  cabellos 
avermelhados  ou  castanhos,  como  os  hcrisohocones,  do  Baures,  os  tticuna' 
pebas  e  os  araras  do  baixo  Xingu  (a).  Que  delles  o  mais  respeitado  e 
como  que  venerado  é  uma  india  branca,  de  olhos  azues,  distincta  das 
outras  companheiras  por   seus  modos  e  costumes,  nos  quaes  se  descobre 

(a)  Taes  também  dizem  haver  em  outras  tribus,  das  quaes  occorre-me  os 
ooííénas,  do  rio  Içá,  os  aymorés,  os  jpomeorans  e  os  eraugés^  de  quem  diz  Gonçalves 
Dias  :  a  alguns  que  vi  e^  segundo  noticias  que  pude  obter  de  pessoas  que  os  fre- 
quentavam, são  completamente  brancos,  e  até  entre  alguns  passam  os  olhos  azues 
como  signal  de  belleza  [Brctsil  e  Ooeania,  pag.  80,  edição  posthuma). 


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192  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

uns   vestígios  da  civilisação.  E'  tratada  por  Senhora  por  todos  da  tribu, 
único  nome  por  que  é  conhecida. 

Não  lhe  sabem  dizer  a  edade,  mas  pelas  indicações  avalia-se  ter 
entre  quarenta  e  sessenta  annos.  Acatada  como  um  ente  superior  é  ella 
o  arbitro  e  reguladora  dos  assumptos  da  tribu,  e  a  imparcial  dispensa- 
dora da  justiça.  E'  quem  divide  o  trabalho,  quem  recolhe  e  dispõe  das 
colheitas,  quer  da  roça,  quer  da  caça  ou  pesca  ;  o  que  faz  tirando  parte 
para  os  doentes,  inválidos  e  meninos,  parte  para  si  e  entregando  o  resto 
ao  trabalhador. 

Ha  cerca  de  quatro  annos  appareceram  ao  Sr.  Kodrigues,  que  já 
andava  em  labutação  por  esses  seringaes,  e  que  foi  o  primeiro  que  os 
diíferençou  com  o  nome  de  palmellas. 

Compõem  hoje  uma  taba  de  uns  quatrocentos  indivíduos,  mas  já  foi 
um  povo  considerável.  Faliam,  ainda  com  terror,  de  uma  moléstia 
cruel  (a)  que  os  dizimou  ha  alguns  annos,  aterrando  tanto  o  resto  da 
tribu,  que  muitos  fugiram  e  se  dispersaram  para  outras  direcções. 

São  exclusivamente  agricultores,  e  pouco  amigos  da  caça  e  pesca, 
essa  mesmo  difiBcil  pela  paragem  onde  habitam. 

Vivem  quasi  que  exclusivamente  dos  vegetaes  que  plantam,  e  são 
milho,  mandioca,  carás,  mandubi,  abóboras,  canas,  laranjas  e  melões, 
sendo  digno  de  nota  que  elles,  semi-selvagens,  possuem  espécies,  como  o 
mandubi,  as  abóboras  e  melões,  que  os  civilisados,  seus  vizinhos,  não 
tém  nem  buscam  ter. 

Criam  gallinhas  e  patos,  estes  domesticados  por  elles.  São  de  carac- 
ter dócil,  pacíficos  e  trabalhadores,  o  que  de  alguma  sorte  explica  a 
doçura  da  sua  linguagem. 

A'  mim  pareceu-me,  pelo  dialecto,  provirem  do  mesmo  tronco  dos 


(a)  Talvez  a  varíola,  em  1867. 


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AO   KIO   DE   JâN£UU) 


193 


acauás,  arecunas,  macusis,  caribis,  guayamares,  gojaguases,  pianogotos  e 
teverigoios  (Martius),  com  os  quaes  tém  muitos  vocábulos  de  commum. 
Eis  alguns  que  pude  obter : 


Abelha 

meréma  (a) 

Boca 

epete 

Abóbora 

anekire 

Bochechas 

paxo 

Agua 

tuna  (b) 

,  Bom 

júco 

Aguapé 

pano 

•  Braço 

napo ;  oporémo 

Amarello 

êrae-nune 

Branco 

emorune 

Andar  de  pressa 

Iva 

Bravo 

juratene 

Anta 

pena  (c) 

Bugio 

morúpa 

Anus 

vekêre ;  pú 

Cabeça 

na-ápo 

Arara 

cape 

Cabello 

arúxe 

Arco 

tá  (d) 

i  Caetetú 

poio  (j) 

Areia 

sakéna  (e) 

Campo 

vexe 

Arraia 

caxiva  (f) 

Cana  de  assucar 

assúca  (k) 

Arvore 

kihé  (g) 

»  brava, 

cariry 

Banana 

airae 

Canoa 

môpo 

Barba 

bapôve ;  etêve 

Cão 

pénaca  ;  auliano 

Barriga 

húre  (h) 

Capivara 

paputáre 

Batata 

napíhe 

,Cará 

mopon 

Beber 

tokéne 

;  Caroço,  semente 

narançai  (1) 

Bigode 

otêpe 

Casa 

morêve 

Biguá  (i) 

menéke 

Casarnento 

onê 

(a)  Em  jucuna  m^r^. 

(b)  Tuna  em  galibi,  aracajus»  acauás,  arecunas,  guayamares,  pianogotos  e  teve- 
rigotos.  maconcongos,  atoràs,  guapitianos  e  tamanacos.  Nos  bonaris  é  tunoA,  nos 
macusis  duna,  do  mesmo  modo  que  nos  canamerins  e  paravilhanos  :  tohna  nos 
guanâs,  etc. 

(c)  O  mesmo  em  coioá. 

(d)  Taro,  no  mondurucú. 

(e)  Sakia»  no  galibi. 

(f)  Xiparef  idem. 

(g)  Fu^,  idem. 

(h)  UlCy  em  baures. 

(i)  £*  o  oarbo  dr<mZúi)iu«,  ave  ribeirinha  das  palmipedes-tdtipalmas:  andam 
em  bandos  numerosissimos,  e  conhece-se  o  logar  de  seu  pouso  pelas  largas  ca- 
madas de  guano  que  depositam,  em  tal  quantidade  que  muitas  arvores  morrem 
por  essa  causa.   Provirá  seu  nome  de  bui-ouá,  voz  túpica  que  significa  su^ar  ? 

(])  Aboio  em  jumana. 

(k)  Corruptela  do  portuguez  ou  hespanhol. 

(1)  Idem  do  guarany.  Talvez  mais  propriamente  aqui  caroço  de  larcmja. 

25 


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194 


ITINEEABIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 


Céo 

cape  (a) 

Fogo 

vava  0) 

Cervo,  veado 

ximáre 

Folhas 

ápo 

Chapéo 

sombrêro  (b) 

Formiga 

macahé 

Chegar 

jorike 

Fronte 

epêlo  (k) 

Chuva 

kéne  (c) 

Fugir 

acalora 

Cobra 

ocón 

Fumo,  tab.,  cigarro 

tama  (1) 

Comer 

ekíta-maráke 

Furtar 

éma-tepe 

Coatá 

xurúma 

Gaivota 

réca 

Correr 

iva-cê 

Gallinha 

parióne 

Cotovello 

talíre 

Gallo 

colito 

Cuia 

puva 

Garganta 

ecuáxe  (m) 

Dar 

émo  (d) 

Genit  hominis 

iare  (n) 

Dedos 

jemepêre 

»      mui. 

ohri  (o) 

Dentes 

jerè  (e) 

Grande 

hetuare 

Deus 

taita 

Homem 

óca(p) 

Dormir 

jenéne  (f) 

Já 

cê 

Esperar 

orupá 

Jacaré 

vatôva  (q) 

Estrella 

anisa 

Jacu 

coioby  (r) 

Eu 

je 

Joelho 

oh-heu 

Faca 

rêxe  (g) 

Joó 

macúca 

Filho 

anêre 

!  Lingua 

núo  (s) 

Flexa 

puêra  (h) 

Linha,  panno,  algo- 

Flor 

ana ;  jarôco  (i) 

1      dão,  vestido 

torôa 

(a)  O  mesmo  que  em  galibi  e  monduriicii ;  em  bonaris  cá6w. 

(b)  Voz  hespanhola. 

(c)  Ucà  em  tupi ;  okoUiu  em  galibi ;  oha  em  timbira  ;  hemha  em  bonaris. 

(d)  Epémen  em  galibi. 

(e)  O  mesmo  em  galibi,  pimenteiras  o  paravi lhanos. 

(f)  Tenene  em  galibf. 
;g)  Iréxe  em  jucúna. 

(h)  Puréna  em  galibi ;  puléna,  acauás;  purená,  bonaris  :  puro,  macusis  e  are- 
cuna. 

(i)  A  na  em  taino,  dhani  em  othomis. 

(j)  Vaoe  em  pimenteiras  ;  wato,  gal.,  acauás,  guayamares,  pianogotos  e  tevori- 
gotos,    maconcongos,    bonaris,  tamanacos,  etc.,  uéta,  gojaguares. 

(k)  O  mesmo  em  paravilhana. 

(1)  Tamai  em  acauás ;  ta^noi,  caraibas ;  petema,  apiacás ;  petwm,  tupy. 

(m)  Enuáoe,  galibi. 

(n)  JaXi  em  baures. 

(o)  OU   em  gal. ;  uore,  mulher,  nesse  mesmo  dialecto. 

(p)  Okiri  em  galibi . 

(q)  Uatuhe,  baures. 

ir)  Cujuvy,    caripunas,  oyambis ;   caxovy,    maranhas  ;  ootxovy,  guay numas  ; 
guçovy,  catoquinas. 

(s)  Onu,  macusis,  nulo,  tamanaco,  etc..  (V.  adiante,  lingua  em  vários  dialectos) 


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Longe 

maróke 

Lontra 

sararé 

Loiívadeus 

pana-bána  (a) 

Lua 

luna  (b) 

Machado 

hô-hê  (c) 

Macaco 

meço  (d) 

Màe 

enacóne  (e) 

Mais 

pitanga 

Mandioca 

ária 

Mandubi 

kéna 

Mão 

amémuca  (f) 

Matto 

hito  (g) 

Máu 

tetána 

Menino 

curima  (h);  piurexure 

Moço 

moráe 

Morto 

oréne 

Mosca 

áco 

Mulher    . 

hôa  (i) 

Mutum 

jauáte 

E  JANEIRO 

195 

Nádega 

mabête 

Não 

JápoG) 

Nariz 

ohóna  (k) 

Noite 

uanake 

Nhacundá 

moiápo 

Olhos 

ohno  (1) 

Onça 

okôro  (m) 

Orelha 

páhna  (n) 

Ovo 

tarapóne 

Pacú 

váupa  (o) 

Pae 

pacóne  (p) 

Panella 

caçalora  (q) 

Papagaio 

kiára(r) 

Pato 

rive 

Pau 

vuhé-vuhé  (s) 

Pé 

kémuca 

Pedra 

táupo  (t) 

Peito 

emáte 

Peixe 

cana  (u) 

(a)  O  mesmo  em  galibi. 

(b)  Voz  hespanhola.  iVwno,  gal.^acauás;  »M»ia,  guayamares,  pianogotos,  macon- 
congos;  nulu,  piment.;  úZ«,  geicós;  niano,  teverigotos;  nuni,  gojaguases. 

(c)  Oiiy,  galibi. 

(d)  O  mesmo  em  cavai ba,  aracajú,  piment.  E'  o  cebus  faotueUus,  simia  pregas, 

(e)  O  mesmo  em  marauha,  manáoa,otc. 

(f)  Aineco,  gal.;  ká.ui,  pamvilh. 

(g^  Itiipo.  gal.  ;  átOy  bnures,  timbims  ;  ôte,  xicriabás  ;  aiitá,  xa vantes. 

;h}  Columi,  tupy. 

;i)  Oha.  avó,  em  ratojuinas;  twrc,  em  galibi  :  inhúa,  em  taino. 

J)  Japaàma^  galibi. 

(k)  OhíM,    macusis  :  niheagy  coroas  ;  inhi,  puris ;  yonari,  arecunas;  anári,  pia- 
nogotos,  iiari,  maconcongos. 

[D  Eiu)ro,  galibi ;  ioiie,  macusis  ;  í7/iot,  pianogotos;  e)\eana,  teverig. ;  nuro,  ma- 
concongos. arecunas,  etc. 

(m)  Vkn,  xicriabás  ;   okò,  mirauhas  ;    ecoU,  tamanaco,  paravilh. ;  w/tii,  orelhu- 
dos :  oigho,  coerunas. 

(n)  O  mesmo  em  galibi;  pejje/i/ia  coroas;   bipihna,   puris;  apána/o,   paravilh.; 
pahn^,  caripunas. 

(o)  Apiic,  em  galibi. 

^p)  Apaconc,  mamios. 

<l)  Con*uptela  do  portuguoz. 

(r)  Quihag.  camés. 

■sí  O    mesmo    om   galibi,  paravilh.  e  tamanaco. 
t)  Topu,  gal.    e   paravilh.  Taupo,  em  pimenteiras, 
u)  O   mesmo    em    paravilh.,  jurys  ;  ikan,  em  taino. 


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196 


ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 


Pente 

paráta 

Suruby  (peixe) 

áregue 

Pequeno 

peúxú  (a) 

Taqiiarussú 

rato 

Periquito 

tetêre  (b) 

Terra 

réne 

Perna 

ique 

Testa 

pêpe 

Pescoço          ecuáxe;  pamuápa  (c) 

Tocary 

tutúco  (h) 

Pestana 

ohno-pipiaro 

Trazer 

navotá 

Pimenta 

apômo  (d) 

Trovão 

hirohohôlo 

Porco 

ocêre 

Tu 

homo  (i) 

Pote 

hóma 

Umbigo 

epóme 

Preto 

tapurunhana  (e) 

Urubu 

caxíra  (j) 

Eede 

ohúa 

Velho 

tamoáte  (k) 

Relâmpago 

hihiolác6ke 

Veneno 

caio 

Remo 

ôpo 

»    de  settas 

cupí 

Rubafo  (trahira) 

juríva 

Ventas           ahona-xape ;  jatuhãpa 

Sal 

pamo  (l) 

Vento 

pehête  Q) 

Sim 

têre 

Voltar 

otôro 

Sol 

vého  (g) 

Venha  cá 

nemo 

Superciliotí 

ohno-vêpe 

III 


Vemos  nesse  pequeno  vocabulário  não  menos  de  onze  palavras :  àgua^ 
céo^  dentes,  louvadeus,   macaco,   orelhas,  pau,  pedra,  sal,  sim  e  sol. 


(a)  Cuxihé,  galíbi. 

(b)  Tiritiry,  catoquinas  ;   siriry,    mirauhas. 

(c)  EnvÁoe^  galibi. 

(d)  Pomip  Caraíbas,  xainos  e  calimayos;  pótnuoi,  parias  e  cumánagos. 

(e)  Tapanô»  tupy  ;  tupaniô»  cayapós  ;  tapaiuna,  baures  e  apiacás  ;  tapaniah, 
coroas ;  tapcMon,  malalis,  caripunas,  maxacules,  copoxós  e  macusis  ;  taptíhuna, 
bares  do  Rio  Negro  e  manivas  ;  apaihuna,  cavixanas  ;  tauapung»  coretús  ;  ti- 
piahunÇf  geicós,  etc. 

(f)  O  mesmo  em  galibi. 

(g)  O  mesmo  em  gal.;  veiho,  paravilb.,tamanaco,guayamares  e  bonaris;  wyeyu^ 
acaahás ;  wehi,  macusis ;  whé,  pianogotos  e  teverígotos  ;  wae»  areeunas ;  yak, 
nos  çarahós  ;  uàxi  nos  mondurucús,  etc. 

(h)  Tutuoa,  aruac. 

(i)  AmorOp  galibi. 

(j)  Retxira,  canamerins. 

(k)  Tamuya,  avó,  em  tupy ;    tamuioi,  galibi. 

(1)  Pepéte,  galibi ;  pepêre,  tamanaco  e  paravilhana. 


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AO  RIO    DE    JANEIRO  197 

idênticas  com  as  do  galibi,  segundo  Martins  (a) ;  e  com  pequenas  diffe- 
renças,  algumas  talvez  na  composição,  vinte  e  uma,  à  saber :  areia, 
arraia j  arvore^  batata,  cobra,  dar,  dormir^  mullier,  garganta,  homem, 
lua,  machado,  mão,  maito,  olhos,  pQCú,  pequeno,  pescoço,  pimenta,  iu 
e  velho. 

Idênticas  no  pimenteira,  temos :  dentes,  fogo,  macaco,  pau  e  pedra  ; 
no  paravilhana :  fronte,  pau  e  peixe,  e  parecidas  :  fogo,  não,  orelha, 
onça,  pedra  e  vento.  Idênticas  no  maranhas  e  catoquinas :  mãe,  pae  e 
periquito ;  e  parecidas  :  jactí  e  onça ;  e  nos  coroas :  areia,  idêntica  ;  e 
parecidas :  narijs  e  orelhas, 

Yémos  também,  relativamente  á  outros  dialectos,  as  mesmas  vozes, 
de  céo,  nos  mondurucús ;  tocary,  no  aruac ;  flor,  no  taino,  onde  aproxi- 
mam-se  as  vozes  mulher  e  peixe,  do  mesmo  modo  que  no  pury  nariz  e 
orelha ;  no  jumana,  porco ;  no  tupy,  apiacás,  etc.,  fumo,  menino  e  avô  ; 
^  no  baures,  barriga,  jacaré,  negro  .e  matio ;  no  oyambis,  jacw ;  e  no  ma- 
cusis,  olhos,  nariz  e  lingua. 

A  palavra  sol,  que  em  palmella  é  veho,  é  idêntica,  ou  quasi,  no 
galibi,  paravilhana,  tamanaco,  guayamares,  bonaris  e  acauãs ;  wehi,  no 
macusis ;  whé,  no  pianogoto  e  teverigoto ;  wae,  no  arecuna ;  yah,  no 
carahós ;  hoacsê,  no  mura ;  uáxi,  no  mondurucú.  Lua,  que  no  palmella 
é  luna,  em  galibi  e  acauãs  é  nuno ;  nuna,  nos  guayamares,  maconcongos 
e  pianogotos ;  nuni,  nos  gojaguases,  e  niano  no  teverigoto.  Fogo,  váve 
em  palmella,  é  uato  em  galibi,  acauãs,  guayamares,  piano  e  teverigotos, 
maconcongos,  bonaris  e  tamanaco ;  uéta,  nos  gojaguases.  Olhos,  ohto, 
ione  em  macusis ;  enoi.era  pianogoto  ;  encana,  teverigoto;  nuro,  macon- 
gongos;  jenuro,  arecuna,  guayamares,  galibi  eacauás;  e  oro,  goja- 
guases. Nariz,  ohona,  é  o  mesmo  em  macusis  ;  yoíiari  em  arecuna  ;  anari 
em  pianogotos ;   nari  em  maconcongos  e  gojaguases.  Flexa  puêra  é 


(a)  V.  Glossaria  linguariim  brasiliensium. 


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198  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MAITOUROSSO 

puréna  em  galibi ;  pulena  em  acauás  ;  purend  em  bonaris,  pura  em 
arecuna  e  macusis. 

Confrontando-se  esse  pequeno  vocabulário  palmella  com  os  dialectos 
da  Guyana  Ingleza,  insertos  no  Glossaria  de  Martius,  e  com  os  colhidos 
pelos  vários  viajantes,  quaes  La  Condamine,  Humboldt,  Saint  Hilaire, 
Eschwegue,  Spix,  Newied,  d'Orbigny,  Castelnau,  Gonçalves  Dias,  Couto 
de  Magalhães,  Barbosa  Kodrigues,  etc,  muitos  dos  quaes  differem  na 
orthographia,  por  terem  sido  escriptos  conforme  as  phoneticas  allemã, 
ingleza  ou  franceza,  e  alguns,  ainda,  obtidos  por  ouvidos  muito  duros  ou 
pouco  adestrados,  podemos  melhor  verificar  taes  approximações.  E;  notá- 
vel que  a  palavra  que  mais  vezes  apparece  idêntica,  ou  com  modificações 
apreciáveis,  é  a  empregada  para  exprimir  o  termo  fallar  ou  os  dous 
principaes  orgams  da  voz — hoca  e  lingím. 

Em  seguida  vém  as  que  significam  agua  e  rio.  No  próprio  tupy 
observa-se  a  singularidade  de  ser  a  palavra  cy,  mãe,  derivada  de  agua  (a), 
e  exprimindo  fonte,  o  que  mana,  flue,  corre,  donde  emana  ou  faz  emanar. 

Ainda  é  notável  que  a  mesma  voz  serve  em  vários  dialectos  para 
exprimir,  ora  n'ura,  ora  n*outro,  aquellas  três  idéas  differentes  ;  assim, 
fallar  entre  os  quiniquinaus,  nehne^  é  o  mesmo  que  hoca  nos  guirinas.  e 
lingím  nos  cariarys  e  moxas. 

A'  cinco  reduz  o  illustrado  Sr.  Dr.  Baptista  Caetano  os  idiomas 
principaes  ou  linguas-mães  da  America  Meridional.  Nelles  são  comple- 
tamente distinctos  aquelles  vocábulos,  como  se  verá  do  quadro  seguinte  • 


(a)  Segundo  o  sábio  americanologo  o  Sr,  Dr.  Baptista  Caetano,  parece  ser  o  hty 
cujo  demonstrativo  h  tornou-se  fixo  ç;  t/,  agua,  é  também  verbo  intransitivo  e  si;fni- 
fica  vnanar,  correr,  ser  corrente;  h)  elle  mana,  o  manar  delle^  e  gui  o  seu  manar, 
não  são  usados, porque  com  o  h  deram  ao  í  a  significação  transitiva,  donde  resulta 
ht  fazer  manar  ou  emanar,  fónna  que  applicada  á  outro  verbo  determinaria  ci  em 
vez  de  /lí,  mãe,  fonte,  o  donde  emana,o  que  faz  emanar.  Vocah,  da  língua  guarany. 


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AO   RIO  DE  JANEIRO 


199 


NAÇÕES 

1 

AGUA 

língua 

BOCA 

FALLAR 

Tupy    .     .     . 
Aymára-aro    . 
Ketchua-kallu 
Chili-dugu.     . 
Kiriry  .     .     . 

y_]í_ú;  ig   yg 

uma 

unu ;    yacu 

CO 

dzíi 

1 

cu=cum 

lakhra 

kallu 

keuun,keuin 

nuDU 

yurub— jurú 

laka 

simi 

uun=uin 

waridza 

neê— neeng 

aro^aru 

rima-riman 

dugun 

mé 

Entretanto  dos  quadros  e  chaves  que  adiante  se  seguem,  vê-se  que 
póde-se  admittir  uma  certa  connexão  entre  taes  vocábulos,  trazida  pelo 
confrontamento  entre  os  diversos  dialectos. 

E  fique  desde  já  consignado  que  não  se  garante  o  acerto  de  todos  esses 
termos  ou  justeza  de  sua  expressão  philologica ;  taes  quadros  tendo  sido 
organisados  sobre  bases  diflferentes,  e  sem  os  dados  necessários  para  recti- 
ficar o  assumpto  e  dar-lhe  o  cunho  da  autenticidade. 


Quadro  I 

mALECTOS 

FATiLAR 
NEÊNG 

BOCA 

UNGUA 

Tupy 

tíuarany 

neê 

Jumana 

nenenga 

Caripós 

nena 

Jumanas 

nene-se 

Cayguazes 

iíeue 

Guanás 

nahéne 

Baures 

péhne 

( 

Palmellas 

epête 

Xontaquinos 

ghene 

Quiniquinaus 

nehne 

1 

Guirinas 

nené 

Xerentes 

améne 

I 

Cobeús 

eriméne 

1 

Xerentes 

daméntu 

Cariarys,  moxas 

néne 

1 
1 

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200 


ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 


DIALECTOS 

1 

1      PALI.AK 

BOCA 

língua 

Baures 

néna 

Majorunas 

hána 

Panos                  ; 

hána 

V.*rfo,fallar 

Conibós,   caripu-  ' 

dos   botu- 

nas 

haná 

runas       e 

Carnes                  ; 

sane 

seguintes. 

Xopotós,  purys     I 

liamá 

Parianas 

nana 

Guayracús            \ 

nélon 

Jucunas 

leno 

Guaynumás,  ma- 

riatés 

nêpe 

Geicós 

enêta 

Antis 

neuta 

Manáos 

neta 

Jucunas,    bares, 

tarianas 

neta 

Camés 

nonê 

Canamerins 

na-núny 

Kmmis 

NUNU 

Chili-dugu 

UUN 

Manivas  do    rio 

Içá ,    manáos, 

bares 

■ 

núma 

Cariarys,moxas  e 

tarianas 

wwnúma 

Cayapós,  e  may- 

pures 

númah 

Cavixanas 

^ 

nómah 

KiRIKI 

MÉ 

Maranhas 

ne-ómaco 

Jumanas 

uúman 

Canamerins 

^a-nahma 

Xontaquinos 

WM-nãghy 

Boturunas 

háo 

Tecunas 

nahá 

Moxas 

ww-háea 

Marauhás 

niaya 

Botucudos 

nima 

Cadiueós  e  Enhi- 

mas 

nima 

Krtchua-kallu 

SIMI 

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' 

AO    RIO    DE    JANEIRO 

201 

DIALECTOS 

FALLAK 

BOCA 

língua 

Ketchua-kallu 

nine 

V 

Parecis 

nisi 

Majorunas 

niáre 

V.  boca  em 

Bororós 

nuáre 

cayoabás, 

Tocanos 

^*^-nére 

aymara- 

Ketchua-kallu 

RIMAN 

aro  e  se- 

Bororós 

nuire  (?) 

guintes. 

Pimenteiras 

nury 

Palmellas 

nuo 

Tamanacos,    ga- 

Ubi 

núro 

Guayracus 

nurutko 

Guirinas 

nuhúma 

Tamanacos,  para- 

vilhanas 

anulo 

KmiRi 

NÚNU 

Macunis 

onnu 

Botucudos 

ong 

Malalis 

nok-ôo 

D 

nokfio  (?) 

Maraguás 

nomich 

Âpinagés;  apone- 

gicrans 

noto 

Malalis 

iôto  (noto  ?) 

Carahós 

anok-babo 

Macunis 

únda 

- 

Arecunas 

undáh 

Maconcongos 

undáte 

Menienes 

undáhta-coh 

Qeicós 

éngh-coh 

V.  lingua  em 

Cobeús 

ihécu 

tecuna,  e 

Gotoxós 

érecoh 

seguintes. 

Coretús 

lecóh 

Xontaquinos 

noh-gob 

Botucudos 

higítioh 

Àcroás 

utóh 

Xiquitos 

utúh 

Mimuhas 

utúhri 

Tamanacos 

antálo 

Bororós 

téru 

Pimenteiras 

ythubyren 

Àracajús 

iurú 

26 


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202 


ITINBBAKIO  DA  CIDADB  DE  MATTO-OSOSSO 


DIALECTOS 

PALLAR 

BOCA 

LÍNGUA 

TUPY 

JURÚB 

1 

Guarany,     oma- 

' 

guas,  cocamas 

jurú 

Cayoabás 

aru 

, 

Atmaka-áeo 

ARO 

Jurys 

iaro 

i 

Majorunas  fero- 

zes 

irah,  ixah 

Majbrunas    do- 

mésticos 

re-ixah 

Purys,  coroas,  co- 

ropós 

txôre 

Cotoxós 

diatxorah 

D 

tiak-rêre 

Cayapós 

xapeh 

Coretus 

sapo 

i 

Cumanaxós,    ba- 

nhamis 

txapetan 

Jupurás 

txu-xuk 

Coretiis 

diri 

Guatós 

djó 

Ktrtrts 

DZU 

)) 

waridza 

Xerentes 

dajô 

Guaycurys 

káledji 

Cayoabás 

kálike 

Aymara-aeo 

LAKHRA 

» 

LAKA 

Ketchua-kallu 

KALU 

Panos 

kesra 

Iquitos 

kêuga 

Mondurucús 

kôipu 

Mirauhas 

ghuo 

Quayacos 

ghqueh 

Pataxós,    banha- 

tdír,  coerunas, 

cumanaxós    e 

maconis 

kena 

Chili-duqu 

KEUUN 

Tecunas,    came- 

crans 

coh 

Mondurucús 

uecoh 

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AO  BIO  DE  JANBIBO 


203 


DULECTOS 

FATJ.AB 

BOCA 

língua 

Coerunas 

copéhon 

Apiacás 

cuang 

Apinagés,  apoge- 

nicran9 

cuá 

Maçacarás 

ccuah 

Malalis 

alcuá 

Xiparos 

rícuá 

Coroas 

«uyá 

Cocamas ,    orna- 

gUãS 

cumuira 

Maçacarás 

cony 

Cobeús 

cony 

Parecis 

iculiu 

Tecunas               | 

cincú 

»                    1 

cincú 

Camés 

nencu 

)) 

nencú 

Cobeús 

xe-cuh 

Guarany 

cu 

TUPY 

CUM 

E  sem  muito  esforço  de  imaginação  poder-se-hia  com  esses  termos 
organisar  uma  chave  que  tivesse  por  base  a  voz  túpica  e  as  outras  como 
desinências,  pouco  mais  ou  menos  assim : 


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204 


ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 


o 
ta 

O 

ta 


INIMIll-illIlgã 

S  o  §  8  o  g  S'a*C  o  §.S  o»cs  K  5  o 


a 


g 

■Ç  o     ff 


Is 


5  fe-c8  £  3  íS  » 

08  W  «F^  .f-i  «f»^  •'^  t-i 


s:  fl  08  «t3  fl  fl  a  a>  c 


-5^  a-^  5-9  í^*®  !^ 


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AO   RIO   DE   JANEIRO 

Quadro  II 

AGUA  E  RIO  EM  VÁRIOS  DIALECTOS 


205 


DIALECTOS 

AGUA  ou  rio 

DIALECTOS 

AOUA  ou  rio 

TuPY,    lingua    geral 

Y — í — Ú — 

Guarayos 

ôho 

desde  a  Guyanaln- 

ig-yg 

Sabujas 

aohu 

gleza  até  os  pampas 

hi — hu(erra- 

Palicuras   e  goyanases 

óny 

patagonicos. 

damente) 

Bares 

óny 

Cayguazes,  xontaquinos 

yu  (doce) 
uh    (aspir.) 

Jucunas 

ohny 

Mondurucús 

Guaynumás 

ahoni 

Jumanas 

uhy 

Antis 

niá 

Tarianas 

yni 

Cariarys 

óna 

Baures 

hína 

Paravilhanas  e  outros 

Ariocases 

éni 

muitos. 

dona 

Caripunas 

héne 

Macunis  e  outros 

duna 

Panos 

hen 

Grande  numero  de  dia- 

Maropas 

ghene 

lectos,  entre  outros, 

Orelhudos 

énue 

aracajús,     arecunas, 

Cajaveranas,   guaraná- 

acauases ,    atorases , 

cuasamas 

uéne   (doce) 

galibi,    guapixanos, 

Pamaris 

huéne 

guayamares,  macon- 

Manivas,  canamerins 

huhéne 

congos ,    palmellas , 

Botucudos 

néne 

pianogotos  e  teveri- 

Moxas,  maypurés 

úne 

gotos,  etc. 

tuna 

Cocamas 

unéh 

Boiiaris 

túnah 

Gauixanas 

nése 

Enimas,   guanás,  tere- 

Potiguares 

una 

nas,   quiniquinaus  e 

Omaguas,    guayracús, 

layanas. 

tôhna 

majorunas  e  manivas 

Mobimas 

tôhni 

do  rio  Içá. 

úni 

Xiquitanos 

tútuch 

Maraguás,  guaycurys. 

? 

ha 

mariatés  e  araicús. 

uny 

Xiparos 

há-ha 

Ketchua-kallu 

UNU 

Parentintins 

há-hu 

Manáos 

línua 

Jaruras 

háya 

Conibós 

úhupas 

Mexicanos 

máya 

Guirinas  e  aruaques 

uhúní 

Tainos 

ama 

Iquitos 

nuna 

Purys 

náma 

Guanás 

huna 

Coroas 

namán 

Maukuases 

hune 

Botocudos 

maiiin 

Atmara-aro 

UMA 

))        crecrauns 

munan 

Geicós 

úlu 

Guatós 

maghen 

Aravirá,  bororós 

ôo 

Tsulucos 

amuk 

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206 


ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTOOROSSO 


DIALECTOS 

AGUA  ou  RIO 

DIALECTOS 

AGUA  OU  RIO 

Majorunas 

uáca 

Cayoabás 

kyta 

Ketchua-kallu 

YACU 

Itonamas 

iene 

Chili-dugu 

CO 

Apiacás 

etoh 

Panos 

áca 

Timbiras  e  carahós 

koh 

Baures 

ácum 

Cayapós,  apinagés 

inkoh 

Guaxis 

uáke 

Guaycurys,    cadiueos, 

Acatapuses 

áke 

etc. 

niôgóde 

Xerentes,    xa vantes  e 

KiRIRI 

DZU 

xicriabás. 

ky 

E  da  mesma  sorte  que   com  os  termos  do  quadro  antecedente 
podemos  formar  para  os  deste  uma  chave,  pelo  modo  seguinte  : 


yni 


uh 


em 

héni 

hen 

hina 

nía 


uene 

una           00 

énue 

huna         ôho 

ghéne 

uneh        aôhu 

huéne 

huneh 

uhéne 

nese 

nené 

nuna 
uni 

uny 

ony 

unu 

ony 

unua 

ohni 

uhupas 

ona 

uhuni 

dona 

UMA 

duna 

tuna 

tunah 

tonah 

tohna 

tohni 

tutuh 

ha 

há-ha 

há-hu 

báya 

màya 

áma 

náma 

nãman 

manin 

mághen 

munam 

.  amuk 

uáca 

YÁCU 

áca 
ácum 
uáke 
ákê 

ky 


kéne 
ecoh 
coh 

CO 

incoh 
niôgôde 

DZU 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  207 

Algumas  singularidades  dignas  de  nota  apparecem  também  em 
# 
alguns  desses  dialectos.    Assim,  guaiá,  substantivo  tupy  que  denomina 

uma  espécie  de  macacos,  o  ateies  panisctds,  é  o  nome  que  os  meniens  dão 
aos  negros,  e  os  coropós  aos  brancos ;  á  quem  por  outra  coincidência  os 
cayapós  chamam  maccica.  Para  os  tupys  o  negro  é  fapaíiunu ;  para  os 
jeicós  tapanon  é  o  branco,  do  mesmo  modo  que  famtmna  entre  os  paravi- 
Ihanas,  e  nug  nos  maçacarás.  Guaim^^  guaihí^  guaima^  nos  dialectos  do 
tupy  exprime  velha,  isto  é,  mulher  velha ;  nos  coroas  homem  é  goaimã, 
e  nos  purys  coaimá. 

Uma  outra  singularidade  é  que  em  varias  linguas  uma  mesma 
palavra  serve  para  significar  velho  ou  velha  e  antis ;  talvez  por  transla- 
ção de  sentido  do  vocábulo  ruga  ou  prega.  Assim  guaiml  ou  guaimá 
designam  aquellas  duas  expressões,  no  tupy  e  seus  derivados  cayguá, 
guarany,  cayoaba,  guarayo,  etc. ;  nos  passes  é  irena  guimX ;  entre  os 
xerentes  e  xavantes  híMivrvê  ;  nos  acroases  uongah  ;  nos  apinagés  peu- 
kefsi ;  apogenicrans  e  carahós,  ipreguch ;  guaycurús,  luleca ;  camecrans, 
stahioh  e  nos  cotoxós  siahieho.  Entre  os  mariatés  e  guaynumases  sari- 
tala  significa  anus,  e  sauti  velha ;  nos  iwrysje-ju,  anus ;  reju,  velha ;  nos 
maraguas  akijumo,  anus,  e  atuijuno,  velho.  Nos  uryanas  gíiáino-ttMtny  e 
nos  jaguás  qu^na  ramitofta  designam  ao  mesmo  tempo  as  duas  cousas. 


IV 


A's  6  da  manhã  de  29  de  setembro,  sabbado,  sahimos  do  destaca- 
mento das  Pedras  Negras.  As'  8  passámos  uma  pequena  situação  de 
António  Duarte ;  três  quartos  de  hora  depois,  a  de  Manoel  Bento  ;  ás 
9  1/2  o  Bebojinho,  onde  dizem  que  em  tempos  de  mais  aguas  o  rio 
forma  um  rodamoinho,  quasi  á  meio  canal,  o  que  é  sem  duvida  devido  á 


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208  ITINERABIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-ttROSSO 

penedos  no  seu  talweg ;  ás  10  horas  e  10  minutos,  o  S.  Simãosinho, 
pequeno  braço  do  Guaporé,  por  muitos  reputado  um  rio,  que  recebe 
quasi  na  sua  boca  inferior  o  S.  Martinho,  braço  do  Baures,  conhecido 
também  pela  denominação  de  rio,  e  cujo  nome  provém-lhe  da  missão  de 
S.  Martinho,  que  os  hespanhoes  tiveram  á  margem  direita  do  Baures, 
onde  esse  braço  começa,  e  abandonaram  em  1763,  com  receio  dos  por- 
tuguezes.  Distam  entre  si  as  duas  bocas  quasi  setenta  e  cinco  kilometros. 

A  ilha,  que  forma,  esteve  desde  1743  na  posse  do  Brasil,  e  só  três 
annos  mais  tarde  vieram  os  hespanhoes  exploral-a.  E'  afamada  pela  sua 
riqueza  de  seringaes  ;  o  que  é  de  notar-se,  attendendo-se  á  falta  quasi 
absoluta  das  mais  preciosas  e  notáveis  espécies  da  flora  guaporeana  de  qua 
é  tão  rica  a  outra  margem,  quaes  a  seringa,  o  cacau,  a  salsaparrilha,  a 
copahiba  e  o  tocary  ;  o  que  faz  acreditar  que  essa  ilha  já  fez  parte  em 
outros  tempos  da  margem  direita,  sendo  então  o  leito  do  rio  aquelle 
braço  do  S.  Simãosinho. 

Nessa  ilha  vimos  um  rancho  de  palha  de  trabalhadores  do  Sr.  Totó 
Kodrigues,  e  vimol-o  com  alegria,  pois  ninguém  pôde  disfarçar  esse  sen- 
timento ao  descobrir  nesses  immensos  ermos  um  qualquer  artefacto 
do  homem,  civilisado  ou  selvagem  ;  sentimento  á  que  se  allia  a 
anciedade  por  vêr  o  objecto,  e  do  qual  já  não  se  tira  mais  a  vista, 
vendo-se-o,  soffregos,  pouco  á  pouco  crescer  e  approximar-se. 

Por  ahi  coUoca  o  illustrado  geographo  maranhense  a  aldeia  do8 
Palmellas,ttalvez  pela  do  Corumbiara,  fundada  pelo  missionário  italiano 
Francisco  Xavier,  de  que  trata  o  padre  Manoel  da  Motta  e  que  atraz 
citamos. 

A's  2  da  tarde  passámos  a  ilha  do  Limoeiro,  e  com  hora  e  meia  de 
regular  navegação  chegámos  ao  banco  da  Pescaria,  já  nosso  conhecido 
de  íama,  pelo  terror  com  que  delle  faliam  os  nossos  tripolantes.  E'  de 
facto  o  local  mais  baixo  do  rio,  e  agora  encontramol-o  tão  completamente 


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AO  RIO   DE    JANEIRO  209 

trancado^  que  não  havia  um  canal,  por  pequeno  que  fosse,  que  desse 
passagem  ao  bote,  deslisando-se  as  aguas  sobre  o  areial  do  banco  n'uma 
camada  tão  ténue  que  mal  era  divisada  ;  o  que  torna  difficil  a  explicação 
para  a  correnteza  que  tem  o  rio  acima  e  abaixo  dessa  tapagem. 

Depois  de  buscar-se  a  passagem  mais  aproveitável  para  o  varadouro, 
isto  é,  onde  o  banco  fosse  mais  estreito  e  de  menos  areia,  metteu-se  mãos 
aos  remos  e  enchadas,  e  começou-se  um  canal  de  mais  de  cem  metros  de 
longura,  conseguindo-se,  somente  no  dia  seguinte,  ás  4  horas  da  tarde, 
termos  o  bote  na  parte  inferior  do  rio.  Carregado  que  foi,  seguiu-se 
viagem  ás  5  e  um  quarto.  Em  pouco  passámos  á  esquerda  do  campo  da 
Fescaria  e  da  ilha  das  Capivaras,  e  ás  6  1/2  abica vamos  um  pouco 
acima  e  á  vista  das  palhoças  de  F.  Domingos,  não  sem  termos  ainda 
encalhado  por  duas  vezes. 


Tem   continuado  á  apparecer  alguns  casos  benignos  de  febres  inter- 
mittentes,  que  não  perduram  apezar  da  faina  em  que  andam  os  tripolan-^ 
tes,  levando  ás  vezes  até  oito  e  dez  horas  de  trabalho  continuo  dentro 
d'agua  ;  o  que  tem  também  produzido  fortes  frieiras  em  alguns. 

No  porto  daquellas  palhoças  deteve-se  o  bote  emquanto  o  patrão  ia 
á  terra  ;  donde  voltou  trazendo  para  bordo  um  pequeno  palmella  de  8 
annos  de  edade,  de  nome  José,  com  destino  ao  commandante  do  forte  do 
Príncipe. 


A'  1  de  oitubro,  sabidos  á  hora  do  costume,  logo  ás  8  encalhávamos, 

e  tão  bem,  que  somente  ás  6  da  tarde  lográmos  continuar  a  derrota  ; 

parando-se  pouco  adiante,  na  margem  esquerda,  para  preparar-se  a  nossa 

primeira  refeição  do  dia  e  repousarmos. 

27 


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210  rriNEHARio  da  cidade  de  matto^rosso 

A'  2,  com  daas  horas  de  viagem,  chegarse,  ás  7  horas  e  20  minutos, 
ao  Quebra  bote,  ilha  notada  pelos  navegantes  pelas  repetidas  desgraças 
que  ahi  experimentam  ;  devido  isso  á  variação  das  correntes  e  mudanças 
de  canal,  e  á  ser  o  rio  todo  inçado  de  pedras.  A*  nós  a  sorte  foi  propicia. 

A's  7  1/2  passa-se  o  Bio  Branco,  que  parece  ser  o  marcado  pelos 
antigos  com  o  nome  de  S.  Simão  Grande ;  tem  uns  cincoenta  metros  de 
barra  e  bastante  agua.  Desce  também  á  margem  direita  do  Guaporé,  e, 
segundo  os  nossos  tripolantes,  é  navegável  por  mais  de  vinte  léguas. 
Nelle  tiveram  os  hespanhoes  a  missáo  que  lhe  deu  o  nome,  fundada 
em  1746. 

A's  3  e  20  minutos  passa-se  o  campo  do  Páo  de  Oko,  as  ilhas  da 
mesma  denominação  e  a  do  Bebojo  Grande,  todas  á  direita.  A's  5  1/2 
da  tarde  pára-se  junto  á  foz  do  S.  Martinho,  ou  boca  inferior  do  S.  Simão- 
zinho,  que  passámos  logo  ao  alvorecer  do  dia  3.  Essa  barra  é  desempe- 
dida,  representando  um  esteiro  de  oitenta  á  cem  metros  de  largura.  Fica 
uns  trinta  kilometros  abaixo  de  S.  Martinho ;  e  ahi  termina  a  grande  ilha 
de  S.  Simáozinho,  cuja  maior  extensão,  póde-se  avaliar  em  cincoenta  á 
cincoenta  e  cinco  kilometros. 

A*s  6  3/4  de  3,  encalha-se  por  uns  quarenta  minutos  defronte  do 
campo  do  Formigtmro.  A'  tarde  ha  outro  encalhe  de  vinte  e  quatro  mi- 
nutos antes  dè  alcançarmos  a  ilha  do  Capim,  que  é  transposta  ás  2  e  50 
minutos.  Um  quarto  de  hora  depois  bate  outra  vez  o  bote.  ficando  preso 
por  uma  meia  hora. 

Na  manhã  de  4,  com  duas  horas  de  seguimento,  encalha-se  por  3 
horas  e  20  minutos  ;  parámos  para  o  almoço  em  frente  ao  S.  Miguel, 
pequeno  rio  sabido  também  na  margem  direita  e  que  dista  do  S.  Simão 
uns  sessenta  kilometros. 

Partindo-se  á  1  da  tarde,  meia  hora  depois  ha  um  encalhe  de  vinte 
e  cinco  minutos  ;  ás  3  horas  e  5  minutos  passa-se  o  Cautario  3%    tam- 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  211 

bem  naquella  margem  e  uns  dez  kilometros  abaixo  de  S.  Miguel ;  ás 

4  e  1/4  bate-se  n'um  pedregal  —  prolongamento  da  ponta  septentrional 
da  ilha  do  Bigtm. 

Uma  hora  depois  avistávamos  os  morros  de  S.  Rosa,  abaixo  do 
campo  desse  nome,  á  margem  direita.  Fronteira  lhe  fica,  n'um  immenso 
alagadiço,  a  grande  ilha  do  Acorisal,  segundo  os  nossos  tripulantes,  e  que 
deve  ser  a  do  Capim,  dos  antigos  mappas  ;  uma  vez  que  se  reconhece 
mais  conformidade  na  denominação  para  esta  ilha,  baixa  e  alagada,  e 
coberta  em  immensa  extensão  de  gramíneas  aquáticas,  do  que  na  que 
registrámos  acima  com  esse  nome,  ilha  coberta  de  alta  mattaria,  e  que 
talvez  por  engano  usurpasse  o  nome  da  outra. 

Toda  a  viagem  no  dia  5  foi  de  paradas  breves,  mas  repetidas,  em 
parceis  e  pedernaes.  A  nona  e  ultima  foi  a  mais  demorada,  e  durou  das 

5  e  12  minutos  ás  7  e  6  minutos  da  tarde.   Em  todo  o  dia  mal  andaria- 
raos  doze  kilometros. 

Três  kilometros  abaixo  da  ponta  septentrional  da  ilha  do  Acorisal 
fica,  á  margem  esquerda,  o  campo  das  Araras.  Segundo  pretendem 
alguns,  menos  acertadamente,  foi  aqui  que  existiu  o  sitio  da  Casa  Be- 
donda,  e  onde  em  1761  Luiz  Pinto  estabeleceu  o  destacamento  de  Pal- 
mellas  ;  e  como  tal  vem  consignado  no  Aila  do  senador  Cândido  Mendes. 

Sabbado  6,  perseguiu-nos  na  viagem  a  mesma  desventura,  e  apenas 
com  uns  treze  kilometros  de  seguimento  tivemos  ds  ficar  á  margem 
direita  de  uma  ilha,  á  que  demos  nome  de  Leomil  por  ficar  fronteira  ao 
terceiro  sitio  da  Casa  Redonda,  ao  qual  Luiz  Pinto  deu  aquelle  nome  em 
14  de  Março  de  1763 ;  e  que,  apezar  de  extincto  ha  quasi  um  século,  ainda 
é  citado  em  cartas  geographicas. 


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212  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 


Domingo  7  de  oitubro,  sahimos  ás  4  horas  e  10  minutos  da  madru- 
gada, fazendo-se  força  de  remos  á  fim  de  chegarmos  ao  Baures  á  tempo 
de  poder-se  determinar,  nesse  mesmo  dia,  a  sua  posição  geographica.  A's 
5  avistámos  um  morrote  á  direira  ;  em  pouco  passámos  o  rio  e  a  ilha  de 
S.  Domingos,  e  ás  9  e  10  minutos  a  ilha  do  Curral.  A's  9  3/4  chegáva- 
mos ao  Baures. 

Era  perto  da  sua  margem  direita  e  do  logar  de  Leomil  que  houve 
a  aldeia  chamada  Palmellas,  e  o  destacamento  estabelecido  por  Luiz 
Pinto ;  durando  aquella  emquanto  este  lá  permaneceu  (a) . 


Nesses  últimos  cinco  dias  de  navegação  o  trecho  do  rio,  que  percor- 
remos, não  combina  com  as  descripções  dos  antigos  :  achámos  as  distan- 
cias entre  uns  e  outros  pontos  muito  diminuidas  ;  a  grande  ilha,  que 
marcaram  em  frente  aos  Baures,  desapparecida,  e  em  seu  logar  um  peque- 
nino banco  de  5  metros,  mais  ou  menos,  de  diâmetro,  e  ainda  alagado, 
apezar  da  baixa  considerável  das  aguas.  O  que  denota  as  mudanças  por- 
que tem  passado  o  leito  do  rio,  tomando  uma  direcção  mais  recta  e  dei- 
xando o  grande  numero  de  voltas  que  fazia. 

O  Baures  lança-se  por  duas  bocas,  uma  de  cincoenta  metros,  a 
do  /S.,  e  outra  de  oitenta,  a  do  N;  sendo  o  delta  uma  pequena  ilha  ala- 
gadiça e  povoada  de  quantidade  enorme  de  jacarés,  que  lhe  coalham 
também  as  aguas.  Os  antigos  geographos  davam  ao  rio  o  comprimento  de 
cento  e  trinta  léguas ;  e  uma  largura  igual  á  do  Guaporé  desde  a  fóz  até 
rio  Branco,  seu  principal  afBuente.  Essas  diferenças  tém  explicação  na 


(a)  Pisarro,  Mem  Hist,,  t.  9. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  213 

diversidade  das  estações,  que  ora  augmentam  o  volume  dos  rios,  ora  os 
deixam  quasi  á  sêcco,transformando  os  terrenos.  O  Baures  e  seus  affluentes, 
S.  Joaquim^  Eio  Branco,  S.  Migtiel  e  Concepcion,  o  Itonamas  e  o  Ma- 
chupo,  como  o  Paragahú  e,  abaixo  o  Mamoré,  correm  á  esquerda  do  Gua- 
poré,  e  todos  no  immenso  valle  que  se  estende  entre  as  cordilheiras  do 
Parecis  e  de  Eicardo  Franco  e  as  faldas  dos  Andes ;  valle  que  na  estação 
das  a^as  converte-se  n*um  mar  immenso,  que  no  mundo  só  terá  rival 
nos  alagamentos  das  aguas  reunidas  do  Paraguay  e  Pilcomayo.  E  quando 
na  outra  estação  volve  o  rio  á  sua  corrente  natural,  muitas  vezes  já  o 
canal  lhe  é  outro  ;  apparecendo  novas  ilhas,  sumindo-se  antigas,  que  ou 
são  de  todo  submergidas  e  aniquiladas,  ou  vão  em  mais  ou  menos  inte- 
gridade aggregar-se  ás  novas  margens. 

Um  violento  temporal  sobrevindo  á  tarde  impediu  completarem-se 
as  observações  astronómicas ;  e  somente  em  9  pôde  o  major  Lassance 
determinar  com  segurança  o  ponto,  que  está  aos  12*  30'  40'\04  de  lat., 
e  5P8'  47'\70  ao  occ.  do  Eio  de  Janeiro. 


A's  3  da  tarde  sahimos.  A's  2  tinha  chegado  de  Matto-Grosso  o 
Sr.  António  Maciel  que  veiu  tomar  a  direcção  da  navegação,  substituindo 
seu  irmão  Estevam,  que  regressa  áquella  cidade. 

Vae  o  Guaporé  inçado  de  muitos  e  altos  pedregaes,  mormente  nas 
margens,  cuja  direita  conserva-se  quasi  sempre  abarrancada. 

A's  5  1/2  passámos  a  ilha  Lamego,  fronteira  ao  local  onde  si- 

tuou-se  a  aldeia  de  S.  Miguel  de  Lamego,  fundada  pelo  capitão-general 

Eolim  de  Moura,  cerca  de  trinta  kilometros  acima  do  forte  do  Principe, 

entre  as  embocaduras  do  Baures  e  de  Itonamas,  mas  na  margem  direita 

do  Guaporé  (a). 

(a)  Yém  ainda  assignalada  em  algumas  cartas,  entre  outras  as  de  Ponte  Ri- 
beiro e  Cândido  Mendes. 


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214  ITINERAKIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

A'  10  segue-se  á  hora  costumada ;  anda-se  uma  hora  e  pára-se  ás 
seis  e  vinte  minutos  para  descarregar-se  a  embarcação  junto  ás  primeiras 
pedras  de  um  vasto  pedregal  que  alastra  o  rio,  sem  deixar  caminho  para 
uma  canoa ;  correndo  a  agua  por  entre  as  pedras  n  uma  infinidade  de 
canaletes  encachoeirados. 

A's  11  e  20  minutos  acabou-se  de  varar  o  bote ;  carregado  de 
novo,  rema-se  por  uns  doze  minutos,  que  tanto  bastou  para  enfrentarmos 
com  o  JJhay^  dos  antigos,  liouamas  de  hoje.  Sua  barra  é  de  oitenta  me" 
tros  de  largura ;  e  o  rio  apresenta-se  mais  pictoresco  e  formoso  do  que  o 
Baures. 

Ambos  são  granules  rios  e  navegáveis  por  mais  de  trezentos  á  tre- 
zentos e  cincoenta  kilometros.  O  Baures  vém  de  Chiquitos,  quasi  que  em 
rumo  parallelo  ao  do  Guaporé,  guardando  n'ura  grande  trecho  a  distancia 
de  quarenta  á  sessenta  kilometros. 

A'  1  e  20  minutos  da  tarde  passámos  a  bahia  da  Pedreira,  já 
próxima  ao  porto  do  forte;  no  qual  fundeámos  cinco  minutos  depois  (a). 


(a)  Na  foz  do  Itonamas  coUocam  ocitado  AtZflw  e  acarta  geral  de  1875  um  povo  de 
S.  José,  que  deve  ser  a  missão  desse  nome,  no  Leomil.  extincta  desde  o  fim  do 
século. 


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CAPITULO    III    . 
O   fortt   (lo   Priocipt   da   Bein 
I 

M  que  pese  á  memoria  de  Kicardo 
Franco,  e  sem  receio  do  ne  sutor 
ultra  crepidam,  sou  avesso  ao  juizo 
por  elle  emittido  sobre  o  forte  do 
Príncipe  da  Beira,  juizo  que  mais 
parece  uma  bandeira  de  misericór- 
dia lançada  como  salvaguarda  ao  seu 
constructor. 

E'  na  verdade  imponente  e  gran- 
diosa obra  d^arte  essa  fortalesa,  cons- 
truída conforme  os  preceitos  da  arte 
de  guerra,   todos,  menos  um; mas 
esse  de  ordem   tal,   que   sua  falta  toma  desnecessária  a  existência  dos 
outros,  e  por  conseguinte  desnecessária,  por  absurda,  essa  formidável  ma- 
china  de  guerra.   E\  apenas,  que   está  situado   na  mais  imprestável 
posição. 

Apezar  de  erguido  n'uma  collina,  espigão  ainda  da  Parecis  que  nella 
vém  morrer,  alii,  no  Guaporé,  é  completamente  invisível  de  quem  desce 
o  rio  e  mal  entrevista  pelos  que  o  sobem,  que  á  custo  só  podem  descor- 
tinar por  sobre  o  cimo  das  matf  .is  o  frontal  da  entrada  e  a  linha  superior 
do  parapeito  das  baterias  da  frente  ;  o  que  não  deixaria  de  ser  uma  van- 
tagem, si  por  sua  vez  não  fosse  completamente  invisível  ao  forte  o  curso 


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216  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

superior  do  rio;  e  de  pequena  extensão,  quando  muito  na  primeira  milha, 
o    que  descortina  do  seu  curso  inferior. 

Ao  navegante  que  se  lhe  approxima  e  o  desconhece  não  é  dado 
avaliar  que  soberba  e  alterosa  mole  é ;  e,  chegado  ao  porto,  é  somente 
depois  de  galgar-se  quasi  toda  a  ladeira,  que  elle  se  revela  aos  olhos, 
agora  maravilhados  do  viajor,  formidável,  magestoso  e  imponente. 

Qual  a  necessidade  dessa  obra  monumental  em  taes  regiões  não  se 
comprehende,  quando  o  Guaporé  corre-lhe  pela  frente  litteralmente  atra- 
vancado de  pedras,  desde  acima  do  Itonamas  até  cerca  de  trinta  Idlo- 
metros  abaixo  do  seu  porto ;  quando  os  terrenos  fronteiriços  são  almargeaes 
e  brejões,  impossíveis  de  serem  habitados  e  transitados,  e  quando  o  leito 
do  rio  com  summa  dificuldade  deixa  uma  canoa,  como  a  que  montamos, 
vencer-lhe  as  pedras  e  corredeiras ;  e  quando  emfim  não  poderia  esperar 
aggressão  alguma  pela  direita,  terrenos  brasileiros  encravados  na  mesma 
rede  de  vastos  pantanaes. 

Que  tóolim  de  Moura  fundasse  o  fortim  da  Conceição,  comprehende-se 
bem  :  era  para  defender  a  posição  tomada  aos  castelhanos  e  firmar  ob 
direitos  de  posse  á  coroa  portugueza :  e  também  se  comprehende  que 
mais  tarde  buscasse-se  essa  collina  para  o  posto  militar,  visto  aquelle 
fortim  ficar  sob  as  aguas  nas  grandes  enchenles  do  rio.  Mas  para  taes 
fins,  e  para  servir  de  guarda  ao  rio  e  defesa  á  sua  navegação,  um  simples 
reducto  bastava,  naquelle  tempo  que  a  artilharia  ainda  estava  nas  fachas 
da  infância.  O  que  não  se  pôde  comprehender  é  os  motivos  que  induziram 
Luiz  de  Albuquerque  á  erguer  essa  formidável  fortificação  n'um  local 
onde,  quando  mesmo  sua  existência  não  fosse  completamente  nuUa  pela 
posição  nada  convinhavel,  seria  desnecessária  pela  natureza  do  seu  campo 
de  acção. 

Para  servir  de  quartel,  e  tão  somente,  ás  tropas  de  vigilância,  é 
machina  despropositada ;  si  foi  intentada  para  impedir  a  navegação  aos 


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AO  RIO  DE  JANEraO  217 

hespanhóes,  nas  melhores  condições  de  êxito  só  o  poderia  fazer  do  Ito- 
namas  para  baixo,  ficando  á  aquelles  livre  toda  a  mais  navegação,  do 
Itonamas  e  do  Baures  para  cima,  e  pelo  Mamoré  todo  o  resto  do  Guaporé 
e  a  própria  navegação  do  Madeira.  Si  ao  menos  tivesse  sido  erguida  em 
sitio  donde  fosse  avistada,  bastaria  sua  simples  catadura  para  infundir 
respeitoso  temor ;  mas,  á  um  século  passado,  como  agora,  invasores  ou 
inimigos  que  se  aventurassem,  nessas  regiões  de  rios  encachoeirados,  nem 
podiam  vir  tão  numerosos,  nem  tão  armados  de  machinas  de  guerra,  que 
fosse  mister  tal  espantalho  para  conter- lhes  os  Ímpetos.  Si  no  verão  de 
1766  Juan  de  Pestana  pôde  trazer  um  exercito  á  acampar  em  frente  ao 
fortim  da  Conceição,  a  falta  de  aguas,  que  deu-lhes  transito  por  terra, 
trancava-lhes  o  rio ;  e  o  adiantado  da  estação  foi  o  principal  inimigo  que 
os  fi '/  desalojar  e  fugir  precipitadamente. 


II 


E'  deveras  imponente  e  magestoso ;  e  confesso,  á  puridade,  que  ao 
contemplal-o  tive  pena,  pezar  verdadeiro,  de  existir  tal  monumento  em 
logar  onde  apenas  um  ou  outro  degredado,  um  ou  outro  selvagem  —  e  o 
rtirissimo  viajante  que  de  necessidade  lhe  chega  ao  porto —  terá  occasião 
de  contemplal-o. 

Ainda  hoje,  apezar  de  meio  século  de  abandono,  apezar  de  inser- 
viçel  por  irem-se  ruindo  em  escombros  as  suas  dependências,  apresen- 
ta-se  tão  grandioso  que  produz  a  mais  inesperada  sorpresa  á  quem, 
galgada  a  coUina,  vê,  de  repente,  e  quasi  de  um  jacto,  surgir,  no  meio  do 
profundo  fosso  que  o  cerca ;  semelhando  as  arestas  de  seus  baluartes  ás 

proas  de  gigantes  couraçados,  pelo  bem  traçado  das  linhas,  a  inclinação 

28 


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218  ITINERÁRIO   DA    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

sobre  o  terreno  e  a  côr  férrea  de  suas  muralhas,  feitas  de  parallelepipedos 
dessa  arkoze  quasi  ferruginosa,  conhecida  na  provincia  com  o  nome  de 
pedra  canga. 

K  construido  sobre  um  quadrado  de  cento  e  dezenove  e  meio  metros 
de  face,  com  quatro  baluartes,  no  systema  Vauban,  de  cincoenta  e  nove 
metros  sobre  quarenta  e  oito  na  maior  largura.  As  cortinas  que  os  ligam 
dous  á  dous,  tem  cada  uma  noventa  e  dous  metros  e  quatro  decimetros 
de  extensão,  á  borda  do  fosso.  Os  baluartes  eram  conhecidos  pela  deno- 
minação de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  Santo  Antmiio^  Santa  Bar- 
bara e  Santo  André  Avelino. 

O  fosso  varia  na  largura,  guardando,  porém,  effectiva  a  profundidade 
de  dous  metros  :  na  frente  e  flanco  esquerdo  é  de  trinta  metros  e  dous 
decimetros  de  largo ;  junto  aos  baluartes  tem  de  metro  e  meio  á  dous 
metros,  excepção  feita  do  da  esquerda,  Conceição,  que  é  de  nove  metros. 
Em  frente  ao  portão  atravessava-o  uma  ponte  de  trinta  e  um  metros, 
parte  da  qual  na  extensão  de  quasi  quatro  era  levadiça  e  recolhia-se  ao 
forte.  Fronteiro  lhe  ficava  um  revelim,  e  entre  este  e  o  fosso  um  ca- 
minho coberto. 

O  portão  fica  á  meio  da  cortina  de  N. :  na  face  oceidental  e  parallela 
ao  rio  ha  uma  poterna  que  se  abre  no  fosso. 

Cada  baluarte  tem  quatorze  canhoneiras ;  três  em  cada  flanco  e 
quatro  em  cada  face.  A  gola  é  de  vinte  e  dous  metros ;  e  de  oito  e  dous 
decimetros  a  altura  das  muralhas  da  esplanada  ao  fosso.  Esses  dados, 
acima,  foram  colligidos  pelo  digno  V  tenente  Frederico  de  Oliveira,  ao 
confeccionar  o  plano  topographico  que  graciosamente  cedeu-me. 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  219 

Sobre  o  portão,  na  altura  de  dez  metros  e  três  decimetros,  lê-se  esta 
inscripção,  á  que  já  faltam  algumas  letras  de  cobre,  antigamente  dourado, 
e  pregadas  n*um  rectângulo  de  granito  : 

losepho  I 

LuzitanioB  Et  Brasilioe  Eege  Fidelíssimo 

Ludovicus  Albuquerquius  A  Mello  Pererius  Cáceres 

.    AmplismncB  Hujus  Matto-Grosso  ProvincioB 

Gubernator  Ac  Dux  Supremus 

Ipsins  Pidelissimi  Eegis  Nutu 

Sub  Augustissimo  Beirensi  Principís  Nomine 

Solidum  ífujus  Areis  Pundamentum  «Taciendum  Curavit 

Et  Primum  Lapidem  Posuit 

Anno  Christi  MDCCLXXVI 

Die  XX  Mensis  Junii.  (a) 


o  forte  do  JPriuoipe  da  Seira. 


(a)  Pisarro  citando  esta  inscripçào  escreveu  Primo  por  extenso  ;  augmenta-a 
como  atributo  de  Regia  Magestatis  á  Conoiliis  entre  a  linha  do  nome  do  fundador  e 
a  seguinte  Amplissimoa,  etc.  Escreve  Regis  Fidelissimi  e  Numine,  quando  no  ori- 
ginal estào  Fidelissimi  Regis  e  Nomine,  este  engano  talvez  de  impressão  como  o 


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220  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATIOGROSSO 

O  portão,  que  nunca  foi  collocado,  devia  ter  a  largura  de  dous  me- 
tros e  sessenta  e  seis  centimetros  :  uma  parede  provisória  o  fecha  em 
parte,  em  mais  de  metade  do  vão  á  elle  destinado,  deixando  para  entrada 
uma  porta  de  metro  e  três  centimetros  de  largura,  também  pro^  isoria, 
mas  tal  que  nunca  foi  nem  será  substituida.  Abre-se  n'um  saguão  de 
pouco  mais  ou  menos  dez  metros  de  comprido,  composto  de  duas  partes 
distinctas,  das  quaes  a  anterior  é  um  quadrado  perfeito  de  quatro  e  meio 
metros  de  lado,  e  a  outra  de  cinco  e  meio  metros  de  fundo  sobre 
quatro  e  trinta  e  oito  centimetros  de  largo.  Nesta  ficam,  á  esquerda, 
a  casa  da  guarda  e  xadrez,  e  á  direita  os  calabouços,  tudo  abobadado,  e 
estes  muito  escuros,  húmidos  e  faltos  de  ar. 

A  casa  da  guarda  é  dividida  em  dous  compartimentos,  ambos  de 
quatro  metros  e  quatro  decimetros  de  largura,  mas  o  primeiro  comprido 
de  oito  metros  e  dous  decimetros,  e  o  outro  de  três  e  trinta  e  oito  centi- 
metros. O  calabouço  que  se  abre  em  frente  á  esta  sala  tem  quatro  metros 
de  fundo  e  de  largura  mais  quatro  decimetros ;  o  outro  á  este  contíguo, 
com  respiradouros  para  a  praça  d'armas,  guarda  a  mesma  largura,  tendo 
oito  metros  e  trinta  e  cinco  centimetros  de  comprimento. 

lia  parede  do  primeiro  desses  calabouços  escreveu  um  moderno 
Tasso  sentidas  endeixas,  onde  a  nova  Eleonora  pouco  é  lembrada,  mas  em 
compensação  o  triste  poeta  buscava  enganar  sua  desdita,  escrevendo, 
nesses  segredos  da  masmorra,  louvores  aos  que  o  tinham  encarcerado ; 
trabalho  que  é  de  suppôr  baldado,  pois  sem  duvida  o  ficaram  ignorando : 


Regia.  O  autor  da  Noticia  sobre  a  prooincia  do  Matto-Grosso  também  cita  esta  ins- 
cripção,  mas  parece  que  a  extrahiii  de  Pisarro  ;  ficando  por  conta  do  seu  impressor 
outras  descabidas  com  que  a  desfigura,  quaes  Lasitance,  Perezius,  Jacendum  e 
Gkritiy  mas  corregindo  o  Regiou  de  Pisarro  para  Regioe  Como  acima  diz-se,  faltam 
algumas  letras,  as  quaes  vão  transcriptas  em  gripho  :  completando-as  eu,  conforme 
o  consignado  por  aquelle  illustre  prelado  e  historiador. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  231 

sendo  mais  provável  que,  si  soubessem  do  escripto,  teria  sido  raspado  e 
apagado,  e  o  poeta  punido  por  estar  damnificando  as  obras  do  Estado. 

Comquanto  çupinamente  toscos,  mal  medidos  e  mal  rimados,  gostei 
de,  na  tristeza  desse  ergástulo,  copiar  as  linhas  que  o  tempo  deixou 
legíveis :  e  pouco  se  me  dá  que  se  considere  perdido  o  tempo  que  nisso 
gastei,  e  o  que  emprego  em  transcrevpl-os  aqui. 

As  quatro  paredes  do  cárcere  tinham  sido  completamente  cobertas 
delles,  divididos  em  estancias  separadas  por  traços  em  quadrados ;  letras, 
traços  e  tudo,  aberto  na  alvenaria  á  ponta  de  um  estilete  qualquer. 

Eil-os : 


<c  Desta  horrorosa  prisão 
De  ti  me  despeço  brioso 
Tendo  suportado  gostoso 
Por  ti  mui  dura  afflição 
Firmina. 

«  Embora  me  persiga  o  fado 
Querendo  a  vida  tirar 
A  Virgem  me  hade  ajudar, 
Por  ella  serei  amparado, 
Pois  aqui  encarcerado 
Estou  bem  crente  na  sina 
Que  hei  de  sempre  te  amar 
Firmina. 


«  Agradecido  e  obrigado 
A's  graças  que  me  tens  feito. 
Capitão  Cunha,  em  meu  peito 
Teu  nome  tenho  gravado. 
Nelle  será  conservado 


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222  ITINERÁRIO  DÁ  CIDADE  DE  MATT0-GR08S0 

Emquanto  vida  eu  tiver 
E  só  depois  que  morrer, 
Callarei  os  teus  louvores 
Que  nem  mesmo. . . 


«  Si  Mato  Groço  prendeu-me 
O  forte  me  cativou. 
Aqui  cativo  estou 
De  quem  tanto  favoreceu-me. 
Quando  eu  fôr  em  liberdade 
Agradecerei  a  bondade 
Cora  que  alguns  bons  senhores 
Nesta  minha  adversidade 
E  destino  desgraçado 


Em  que  a  sorte  me  lançou 
Muito  agradecido  estou 
A'  tropa  e  povo  honrado 
Pelo  respeito  e  bom  grado 
Com  que  todos  servido 


De  seus  favores  compellido 
De  novo  vem  . . . 
Para  melhor  agradecer 

tem  Jsofrido 

Adeus,  filha  querida. 

» 

E  mais  um  cento  de  quadrados  com  versos  do  mesmo  jaez. 


Ninguém  pôde  orientar-me  sobre  quem  seria  o  pobre  versejador, 
nem  mesmo  quem  fosse  o  capitão  Cunha,  á  quem  tão  agradecido  se  mostra, 


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AO   KIO   DE  JANEIIiO  223 

talvez  por  conta  de  favores,  ainda  em  desejos.  Supponho  que  sua  prisão 
coincidirá  com  outra  inscripção  que  ahi  também  se  lê,  e  a  qual  não  é  de 
somenos  interesse :  —  «  No  dia  18  de  setembro  pelas  2  horas  da  tarde, 
tremeu  a  terra,  1832.  » 


Mais  tarde  verifiquei  que  o  capitão  Cunha  devia  ser  José  Francisco 
da  Cunha,  commandante  do  forte  até  1831,  em  que  morreu,  segundo  se 
deprehende  destas  palavras  do  officio  do  presidente  António  Correia  da 
Costa  ao  ministro  do  Império  José  Lino  Coutinho,  dando  conta  de  varias 
sedições  e  amotinações  do  povo  e  tropa :  «  —  Não  tardou  muito  tempo 
quando  foi  participado  pelo  commandante-militar  do  forte  do  Príncipe  á 
este  governo,  a  sublevação  da  guarnição  e  povo  do  mesmo  forte,  contra 
o  alferes  addido  ao  estado  maior  do  exercito  António  José  da  Silva  Ne- 
grão, que  para  ali  fôra  nomeado  commandante,  á  substituir  aquelle  que 
interinamente  servia  no  logar  do  finado  sargento-mór  José  Francisco  da 
Cunha,  conforme  participei  a  V.  Ex.  em  officio  de  6  de  junho  de  1831.  » 


III 


Ao  sahir  do  saguão,  na  praça,  uma  escada,  à  esquerda,  conduz  á 
meia  cortina  da  frente ;  donde  póde-se  circular  toda  a  fortalesa  pelas  cor- 
tinas e  baluartes.  Na  praça,  parallelas  ás  cortinas  ha  duas  ruas  de  casas, 
compostas,  a  mais  próxima  de  seis  edificios  que  eram  destinados  á  arma- 
zéns, officinas  e  quartéis  da  tropa,  e  a  interna  de  outras  tantas  casas  para 
officiaes,  commandancia,  capella  e  enfermaria,  eslas  três  na  face  fronteira 
á  da  entrada  do  forte. 

No  centro  ha  uma  grande  cisterna,  com  os  escoadouros  necessários 
para  o  excesso  de  aguas,  cuja  abertura  de  sabida  vê-se  na  barranca 


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224  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

do  rio,  como  um  corredor  quadrado,  •de  dous  palmos  de  face,  fechado 
por  uma  grade  de  ferro. 

Cabidos  por  terra,  junto  ás  canhoneiras,  existem  ainda  treze  canhões 
de  ferro,  calibre  6,  e*  ura  de  12.  Nos  depósitos  e  arrecadações,  hoje 
completamente  derruidos,  e  que  são  os  edifícios  da  segunda  rua  ao  fundo 
da  praça,  ha  alguns  falconetes,  pedreiros  e  pequeninos  canhões  de  bronze, 
de  dous  palmos  de  tamanho  ;  e  entre  os  destroços  de  muita  peça  de  pala- 
menta,  innumeras  alcanzias,  panellas  de  barro  semelhando  ás  granadas ; 
e  cujo  fim  talvez  fosse  arrojar  aos  assaltantes  azeite  fervendo,  como  era 
de  uso  nas  antigas  guerras. 


Fora  da  fortalesa  houve,  nos  seus  bons  tempos  de  mocidade,  um  po- 
voado, e  também  chácaras  e  sitios.  Em  frente  ao  baluarte  de  N.  E. 
(Santo  António)  tinha  o  commando  uma  grande  chácara,  toda  cercada 
de  grossa  e  alta  muralha ;  e  dividida  em  grandes  canteiros  orlados  de 
cantaria,  e  dispostos  symetricamente  affectando  á  forma  de  uma  estrella. 
Está  apenas  á  uns  duzentos,  ou  pouco  mais,  metros  do  fosso,  e  todavia, 
apesar  de  irmos  com  o  commandante  do  forte,  que  já  é  pratico  desses 
sitios,  custámos  á  encontral-a,  tão  alta,  densa  e  cerrada  é  a  matta  que 
ahi  cresce  e  encobre  seus  muros,  ainda  hoje  em  pé.  O  que  ainda  mais 
revela  a  desídia,  preguiça,  dessom  nunil  indolência  e  imprevisão  do 
futuro  de  todos  quantos  tém,  ha  longos  annos,  vivido  nesse  forte  ;  que 
melhor  local  não  poderiam  encontrar  para  suas  plantações,  á  não  ser  os 
próprios  baluartes  e  cortinas  que  converteram  em  roça,  o  que  entretanto 
ninguém  poderia  esperar. 

Dos  vegetaes  que  acompanham  o  homem,  ainda  ahi  vimos  todos  os 
communs  nessas  paragens,  beldroegas,  caruru  de  sapo,  tanchagem,  la. 


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AO   RIO   DE   JANEIRO 


225 


baça,  etc.,  apesar  de  decorrerem  já  talvez  mais  de  cinco  lustros  do  seu 
completo  abandono. 

Das  arvores  de  fructo  pelos  antigos  plantadas,  apenas  vimos  ba- 
naneiras ;  não  sendo  crivei  que  de  tantas  outras  que  os  antigos  cultivaram, 
e  que  naturalmente  deviam  ornar  a  chácara  dos  governadores,  não  existam 
hoje  arvores  de  laranjas,  limas,  limões,  attas,  café,  canas,  etc.:  talvez  que 
a  matta  occulte  ainda  os  destroços  do  pomar ;  no  mais,  o  elemento  selva- 
gem, como  de  costume,  matou  e  destruiu  as  plantas  da  civilisação. 


i^luiio   do  íbrte    cio  priíioipe    cia  Beira 


IV 


Concluiu-se  o  forte  em  agosto  de  1783.  Seu  primeiro  commandante 
foi  o  capitão  de  dragões  da  companhia  de  Goyaz,  José  de  Mello  de. Souza 

29 


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226  ITINERAKIO  DA  CIDADE  DB  MATTO-GROSSO 

Castro  e  Vilhena,  que  se  achava  desterrado  em  Matto-Grosso.  A'  31  da- 
quelle  mez—  foi  occupal-o  com  a  guamiçào  do  forte  da  Conceição,  cujas 
minas,  só  com  algum  custo,  podem  ser  descobertas  hoje. 

O  novo  ha  de  custar  a  derrocar-se,  nas  suas  obras  principaes,  tão  soli- 
damente foi  construído.  Todas  as  suas  dependências  internas  e  externas, 
casas,  quartéis,  depósitos,  ponte,  portas,  estradas,  chácara  e  mesmo  o  fosso, 
uns  destruiram-se  e  os  outros  vão  pouco  a  pouco,  já  estando  a  maioria 
em  ruina  completa.  Mas,  essas  muralhas  são  tão  fortes,  tão  bem  ali- 
nhadas, tão  bem  acabadas  —  tão  —  quasi,  perfeitas,  que  hão  de  passar  os 
séculos  antes  que  se  derruam ;  e  ainda  hoje,  mantendo,  pelo  menos  exte- 
riormente, toda  a  idéa  da  grandeza  e  poder  que  lhes  imprimiu  o  seu 
autor,  testificam  a  consciência  do  trabalho  e  o  esforço  assignalado  dos 
seus  obreiros. 

A'  perfeição  da  mão  de  obra  junta-se  a  boa  qualidade  do  material ; 
e,  cousa  notável,  o  ferro,  que  tão  facilmente  se  decompõe  nos  paizes 
quentes  e  húmidos ;  que  no  Egypto  estraga-se  em  uma  dezena  de  annos ; 
que  aqui  na  corte,  nas  grades  expostas,  vemol-o  em  poucos  annos  com- 
pletamente carcomido  nas  suas  barras,  corroídas  pela  oxydação :  ahi,  no 
forte,  conservam-se  inalteráveis  e  tão  puros  como  si  foram  novos,  apesar 
de  um  século  de  exposição,  os  gatos  de  ferro  que  prendem  as  pedras  das 
muralhas,  e  que  ostentam  nitidamente  a  côr  azulada  do  ferro  de  fresco 
forjado. 

Os  edificios  internos,  hoje  em  ruina,  foram  também  construídos  com 
a  mesma  consciência  do  trabalho ;  mas  eram  relativamente  mais  débeis 
e  necessitavam  do  zelo  para  conservarem-se :  suas  paredes  são  de  pedra  e 
cal,  e  o  arcabouço  de  tal  ordem,  que  poucas  são  as  vigas  que  estejam 
prejudicadas.  Estragadas  as  ripas  e  os  caibros,  abatidas  as  telhas,  appa- 
receram  as  gotteíras ;  e  o  tempo  começou  sem  óbices  o  seu  processo  de 
destruição. 


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10  BIO   DE    JANEIRO  227 

São  as  muralhas  da  frente  as  que  guardam  a  mais  esplendida 
intgridade:  o  mesmo  já  não  se  dá  com  as  outras,  que  vão  cedendo  á  força 
da  vegetação  que  ahi  se  desenvolve  por  entre  as  fendas  do  muro,  ou 
sobre  os  parapeitos.  Enormes  embaihas  e  gamelleiras  já  assoberbavam 
seus  troncos,  empurrando  com  as  raizes  os  blocos  da  pedra,  quando 
visitamos  o  forte. 

Os  terraplenos  dos  baluartes,  as  cortinas  e  a  praça,  seriam  matta 
virgem,  si  a  guarnição,  temerosa  das  onças  e  dos  selvagens,  não  preferisse 
£azer  nelles  os  seus  roçados  de  mandioca  e  milho,  feijões,  canas  e 
melancia. 


Em  todos  os  quartéis  e  casas  vive  grande,  immenso  numero  de  mor- 
cegos, a  praga  dos  povoados  velhos  da  província ;  mas,  assim  mesmo, 
não  em  tanta  quantidade  como  n'outros  logares  (a),  e  como  ahi  mesmo 
em  outros  tempos,  em  que,  segundo  diz  Pisarro  «  —  principiando  á  sahir 
uma  hora  antes  da  entrada  do  sol,  o  encobriam  formando  uma  densa 
nuvem  pelo  espaço  dilatado  da  sua  carreira,  até  os  campos  de  Espanha, 
donde  voltavam  de  madrugada.  » 


Nossa  presença  no  forte,  trouxe  pela  primeira  vez  em,  talvez,  dezenas 
de  annos,  a  vantagem  de  limpar-se  suas  muralhas,  cortando-se  e  buscan- 
do-se  extirpar  as  arvores  que  ahi  cresciam,  e  também  derrubando  a 
mattaria  externa  que  cobria  o  fosso  e  o  seu  perímetro 

Infelizmente  pequeno  foi  o  tempo  da  nossa  demora  para  vêl-o  com- 


(a)  Exemplo  Pocoué,  da  qual  diz  o  Sr.  Dr.  Melciades  Pedra,  chefe  de  policia  no 
MU  relatório,  o  mesmo  que  Pisarro. 


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228  ITINERAHIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

pletamente  limpo :  todavia  as  muralhas  ficaram  escorreitas,  e  o  forte 
livre,  em  muitas  braças,  da  floresta  que  o  affogava.  A'  instancias  nossas, 
começou  o  commandante  o  plantio  de  larangeiras,  então  apenas  três,  na 
ladeira,  e  agora  augmentadas  de  umas  vinte,  dispostas  em  dous  renques 
desde  o  porto  até  o  fosso ;  todos  arbustos  já  de  metro  e  mais,  e  que,  ao 
retirarmo-nos  do  forte,  deixámos  vivos  e  pegados. 


No  forte  mora  somente  a  guarnição,  composta  actualmente  de  qua- 
torze  soldados  e  um  sargento.  O  commandante  reside  n'uma  casinha,  na 
barranca,  á  uns  dez  metr  os  acima  do  porto  :  ahi  tem  também  uma  pe- 
quena horta.  Em  frente  á  casa  ha  um  pequeno  destorcedor  de  cana,  e  um 
apparelho  tosco  para  o  preparo  da  farinha. 


Ao  contemplar-se  essa  fortificarão  que  tem  tanto  de  grandiosa  como 
de  estólida,  não  se  sabe  o  que  mais  admirar,  si  o  mérito  da  obra,  o  di- 
nheiro e  tempo  gastos,  as  fadigas  e  misérias  dos  trabalhadores,  isto  é, 
a  somma  de  esforços  nessa  construcção  empregados ;  si  a  phantasia  do 
capitão -general  em  querer  ligar  o  seu  nome  á  uma  obra  de  guerra  no 
género  das  de  Macapá  e  Cabedello,  talvez  cioso  das  glorias  e  recompensas 
que  obtiveram  os  constructores  destas. 

Não  havendo  pedra  calcarea  no  sitio,  foi  a  necessária  para  as  obras 
conduzida  das  margens  do  Paraguay  ao  registro  do  Jaurú,  dahi  por  terra 
á  Villa  Bella  e  Guaporé  abaixo  até  o  forte;  e  essa  obra  monumental  ficou 


(b)  Ob.  cit. 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  229 

concluída  dentro  de  sete  annos,  tempo  diminutissirao,  si  attendenuos  ás 
difSculdades  que  deveriam  acompanhar  uma  construcção  tão  longínqua 
e  tão  balda  de  recursos  próximos  :  o  que  é  um  padrão  do  esforço  e  da 
1;enacidade  de  Luiz  de  Albuquerque.  Para  bem  si  o  avaliar,  basta  con- 
sipiar-se,  que,  annos  depois,  em  1825,  quatro  canhões  de  bronze,  de  ca- 
libre 24*,  remettidos  do  Pará,  pelo  Tapajoz,  com  destino  a  elle,  só 
conseguiram  chegar  á  Matto-Grosso  em  1830.  Mas  já  o  forte  tinha 
perdido  sua  importância ;  e  o  presidente  deliberou  fazêl-os  de  novo  re- 
montar o  Alto  Guaporé  até  a  estrada  de  Cuyabá,  com  direcção  a  essa 
capital ;  e  ali  jouveram  por  uns  vinte  annos,  até  que  em  1851  o  barão  de 
Melgaço  as  fez  descer  para  o  forte  de  Coimbra. 

Eguaes  na  grandesa,  mas,  incontestavelmente  superiores  na  utili- 
dade, eram  aquellas  duas  outras  fortalesas.  A  de  Macapá,  começada  em 
25  de  janeiro  de  1764  pelo  sargento-mór  engenheiro  Henrique  António 
Galuzzi,  foi-o  por  ordem  do  capitão-general  Fernando  da  Costa  e  Athayde 
Freire.  Seu  plano  foi  o  mesmo  seguido  pelo  major  José  Pinheiro  de  La- 
cerda no  forte  do  Príncipe  :  um  quadrado  flanqueado  por  baluartes  de 
quatorze  canhoneiras.  Differia  que  seus  quartéis  e  depósitos  eram  aboba- 
dados e  á  prova  de  bomba.  O  portão  fica  na  face  de  O.,  tendo  também  um 
revelim  fronteiro,  separado  pelo  fosso  e  ligado  pela  ponte  levadiça,  havendo 
uma  outra  que  liga  o  revelim  à  esplanada.  Suas  muralhas  são  de  quasi 
oito  metros,  estando  o  terreno,  onde  se  elevam,  á  mais  de  cinco  das  aguas 
normaes. 

O  forte  do  Cabedello,  construído  n'outro  systema,  é  um  polyono 
em  forma  de  estrella.  Quando  por  ahi  passámos,  notei  com  pezar  que 
dous  desses  raios  marchavam  para  completa  ruina ;  sendo  de  lamentar 
que  as  forças  do  Estado  lhe  não  permittam  reerguêl-os  e  conservar  esse 
monumento. 


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280  mNERIRIO  DA   CIDADE  DB  MATTO-OR0680 

Encontrámos  a  guarnição  do  forte  composta  de  um  alferes,  doas 
cabos  e  nove  soldados,  dos  quaes  três  ou  quatro  tém  de  voltar  na  primeira 
opportunidade. 

Si  em  outros  pontos  da  provincia  custa  o  soldado  á  vêr  os  seus  ven- 
cimentos, é  fácil  de  adivinhar  o  que  succederá  neste  degredo  dos  degredos 
de  Matto-Grosso.  Do  soldo  raro  é  o  que  recebe  alguma  cousa,  e  do  farda- 
mento, praças  havia,  com  o  tempo  de  serviço  completo,  que  nunca  o  hou- 
veram, nem  o  qtMntum  respectivo,  salvo  má  fé  nas  informações  que  nos 
prestaram. 

Para  o  pagamento  dessa  força,  veiu  agora  quantia  superior  á  quatro 
contos  de  réis  de  soldos  atrazados :  a  praça  que  melhor  aquinhoada  ficou 
recebeu  dezesete  mil  réis,  e  isso  adiccionado  ao  producto  da  venda  da  sua 
pequena  roça,  «  —  porque  era  muito  trabalhador,  »  disse-nos  o  alferes. 
Era  um  dos  que  deviam  voltar,  mas  foi  tão  infeliz,  que  essa  fortuna  tão 
custosamente  agenciada  toda  lh'a  roubaram  na  véspera  da  partida. 


Sem  indagarmos  de  cousa  alguma,  de  tudo  fomos  inteirados,  ora 
pelas  queixas  dos  prejudicados,  ora  pelas  do  patrão  do  bote  o  qual,  sabendo 
que  vinha  dinheiro  para  o  forte,  aproveitara  sua  ida  á  S.  Joaquim 
para  trazer  algum  fornecimento ;  e  estava  desesperado  com  a  prohibição 
de  vendêl-o,  que  recebera  do  com  mandante  sob  o  pretexto  de  não  se  per- 
mittir  negocio  nas  praças  de  guerra ;  e  finalmente  pelas  ingénuas  infor- 
mações desse  ofBcial,  que  se  queixava  da  voracidade  desses  regatões,  á 
quem  chamava  de  saca-olhos,  reminiscências,  talvez,  do  que  ouvira  aos 
militantes  da  guerra  do  Paraguay,  que  com  esta  designação  conheciam 
alguns  dos  nossos  transportes  de  guerra  que  accumulavam  bem  ás  claras 
o  negocio  de  toda  a  espécie  de  géneros,  que  faziam  o  exercito  pagar  pelo 


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AO  KIO    DE    JANEIRO  231 

quádruplo  e  mais  do  valor,  quando  apertado  pelas  circumstancias.  Era 
por  isso,  dizia,  forçado  á  ser  elle  mesmo  o  fornecedor  dos  seus  comman- 
dados,  e  assim  vendia-lhes  farinha,  assucar,  doce,  queijo,  aguardente, 
vinho,  etc.,  tudo  por  preços  tão  razoáveis  como  os  que  aqui  consignamos, 
isto  é  lata  de  goiabada  á  dez  mil  réis,  garrafa  de  vinho  á  oito,  de  aguardente, 
á  cinco,  e  essa  já  bastante  dynamisada,  etc,  fornecimento  que  elle  fazia 
calculando  com  as  quantias  que  as  praças  tinham  de  haver  dos  seus 
soldos,  e  suspendendo-o  logo  que  approximava-se  ao  valor  desses  venci- 
mentos. 

Esse  systema  de  mercancia  tão  torpe  entre  o  ofBcial  e  o  soldado  não 
é,  felizmente,  commum  na  provincia,  apezar  de  muito  antigo  (a) ;  mas  em 
alguns  logares  está  de  tal  modo  arraigado,  que  entre  os  muitos  militares 
honestos  que  ahi  ha  apparecem  frequentes  os  maus  exemplos,  desde  o 
simples  soldado  arvorado  em  commandante  da  ronda  até  o  ofBcial  supe- 
rior ;  sendo  o  commercio  por  elles  feito,  ás  vezes,  com  a  maior  publici- 
dade, uns  despejadamente  e  scientes  do  crime  que  commettem,  mas  certos 
da  impunidade,  pois  a  autoridade  superior  só  delles  próprios  recebe  as 
informações  que  precisa ;  outros,  sem  alcançarem,  talvez,  a  enormidade 
da  torpeza,  e  suppondo,  pelo  exemplo  dos  chefes,  que  isso  será  natural  ou 
razoável.  Nem  se  tome  por  hyperbolica  essa  ultima  asserção.  Na  Coriía 
do  Destacamento  tivemos  occasião  de  apreciar  essa  singelesa :  comman- 
dava  ahi  um  destacamento  de  doze  guardas  nacionaes  um  seu  ofBcial ; 
veiu  pedir-nos  para  interessarmo-nos  em  sua  remoção  para  S.  Luiz 
de   Cáceres,    e  justificou    o  pedido    com    estas    textuaes    palavras : 


(a)  Já  em  1849,  o  presidente  e  commandante  das  armas  coronel  Joaquim  José 
de  Oliveira,  em  officio  de  13  de  jflppiro  ao  ministro  do  Império,  tratando  das  trafi- 
cancias  de  ura  chefe  de  partido,  diz  :  «  Por  desgraça  esse  espirito  de  inaudita  cor- 
rupção se  introduziu  na  ciasse  militar,  onde  os  ofiiciaes  consideram  como  uma 
prerogativa  inherente  aos  seus  postos  apropríarem-se  dos  soldos  dos  míseros 
toldados,  j» 


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232  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATT(HJROSSO 

«  Vim  aqui  para  fazer  um  pequeno  pecúlio ;  mas,  que  grilo  posso  fazer 
com  uma  meia  dúzia  de  gatos  pingados  ?  »  —  Grilo,  no  seu  calão  queria 
dizer  absorpçáo  dos  vencimentos  dos  seus  commandados,  ou  lesào  á  fa- 
zenda nacional. 

O  nosso  coramandante  do  forte,  depois  de  explicar  o  seu  modo  pa- 
ternal de  governar  seus  commandados,  accrescentou,  suspirando,  essa 
phrase  que  resume  tudo  :  «  E  ainda  assim  sou  logrado,  porque  já  os  soldos 
delles  já  vém  dizimados  lá  de  cima.  »  —  E,  ainda  hoje,  em  1878,  diz-se 
do  forte  do  Príncipe  da  Beira  e  de  outros  pontos  militares  da  província 
o  que  em  1786,  quasi  cem  annos  antes,  dizia  o  astrónomo  Dr.  Lacerda 
do  povoado  de  Albuquerque,  —  exceptuado  o  ultimo  período,  apenas  : 
«  Esta  povoação  é  de  miseráveis  que  passam  a  vida  cheia  de  fome  e 
nudez ;  o  commandante  delia  só  cuida  em  utilisar-se  do  suor  delles.  Só 
estão  fartos  de  palmatoadas,  correntes  ou  rodas  de  pau  (a).  » 

Esse  mal  tem  durado  e  durará  emqunto  medidas  enérgicas  não  se 
repetirem,  cauterisando  as  chagas,  ou  amputando-se  o  membro  gangrenado. 
E'  diflBcil,  e  muitas  vezes  impossível,  chegar  o  clamor  do  opprimido  até 
ás  primeiras  autoridades  por  muitas  razões  obvias,  como  sejam  a  distancia, 
a  dificuldade  e  demora  das  viagens  e,  mais  que  tudo,  as  informações  que 
lhes  vão  e  que  mais  ou  menos  são-lhes  ministrados  por  aquelles  que  mais 
interesse  tém  em  occultar  a  verdade  :  e  emfim,  a  tibiesa  dos  inspectores 
subalternos,  si  é  que  não  são  affectados  da  mesma  lepra.  E  os  delinquentes 
continuam  á  locupletar-se  á  custa  do  suor  dos  soldados  (b). 


(a)  Diário). 

(b)  Contaram-me  ahi,  e  já  o  tinha  sabido  em  Matto-Grosso,  que  ha  uns  vinte 
annos  um  soldado,  de  nome  Delfino,  separando  as  pedras  de  umas  ruinas,  encon- 
trara uma  garrafa  de  ouro  em  pó  ;  o  que  sabido  pelo  commandante  do  forte,  também 
alferes,  este  chamàra-a  á  si,  primeiramente  como  sócio  forçado  e  depois  com  os  di- 
reitos de  leão. 


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ÁO  RIO  DE  JANEIBO  233 

Passa  esta  localidade  por  altamente  insalubre ;  e  o  autor  das  No- 
ticias sobre  a  província  de  Matio-Grosso^  que  não  a  visitou,  declara-a 
um  dos  pontos  mais  insalubres  do  Império,  como  também  considera-o  o 
seu  ponto  mais  occidental.  Situado  como  está  á  borda  de  um  grande  rio, 
e  entre  pantanaes  e  alagadiços,  tendo  na  sua  frente  o  vasto  estuário  do 
Baures,  Itonamas  e  Mamoré,  que  si  em  tempo  de  aguas  é  um  oceano,  é 
quando  volta  o  estio  um  foco  immenso  de  exhalação  palustres  ;  deve  com 
effeito  ser  real  a  fama  de  que  gosa,  ou  pelo  menos  approximada. 
Entretanto,  com  excepção  de  uma  mulher  affectada  de  hysterismo, 
nenhum  outro  enfermo  encontrámos  no  forte,  e  isso  quando  seus 
moradores,  abandonados  do  resto  do  mundo,  ahi  vivem  quasi  como  os 
próprios  selvagens,  quer  nos  commodos  da  existência,  quer  nos  cuidados 
da  hygiene. 

Ao  descrever  a  cidade  de  Matto-Grosso  citei  casos  de  longevidade. 
Já  o  mesmo  observara  neste  forte,  e  disso  falia,  o  Dr.  Alexandre  Rodrigues 
Ferreira  e  também  o  erudito  alagoano,  Dr.  Mello  Moraes,  na  sua  Choro- 
graphia  Hisiorica, tomo  2*,pag.  281  ;citando,entre  outros Ignacio  Ferreira 
Marinho,  fluminense,  nasoido  em  1 773  e  ali  fallecido  com  114  annos;  Antó- 
nio Alves,  portuguez,fallecido  com  109  annos,e  Maria  Pinheira,  paulista  já 
centenária,  ambos  em  1778 ;  e  como  sendo  ainda  vivos  em  1789  os  pretos 
José  André  com  mais  de  110  annos,  Sebastião  da  Silva  com  107  ;  este 
trabalhador  ainda  de  fouce  e  enchada  na  sua  roça,  fezendo  marchas  de 
légua  e  meia  sem  cansar,  e  que  aos  106  annos  ainda  pretendera  casar-se, 
tão  bem  disposto  se  sentia.  Alem  desses  citam  ainda  outros  cinco  cente- 
nários ;  o  que  para  uma  população  de  oitocentas  almas  que,  segundo 
aquelle  naturalista  seria  nessa  época  a  do  forte,  era  uma  formosa  pro- 
porção de  centenários,  qual  a  de  um  por  oitenta. 


30 


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234  ITINBBARIO   DA   CIVADB  DB  MATT0-0R06S0 

VI 

Devendo  aqui  ficar  o  grosso  da  tripulação  do  bote,  que  é  de  soldados 
degredados  de  Matto-Grosso  e  Cuyabá,  seguira  o  patrão  para  o  povo  de 
S.  Joaquim  do  Baures  á  contractar  novos  remadores  entre  os  bolivianos, 
conforme  se  compromettíra  na  cidade.  Com  elle  fora  também  o  pequeno 
palmella  José,  que  não  voltou  mais  ;  vindo  em  seu  logar  doze  potes  de 
aguardente,  vinte  couros  de  bois  e  vinte  arrobas  de  borracha,  queijos,  ra- 
paduras, etc.,  géneros  estes  cujo  negocio  o  commandante  prohibiu,  por 
inadmissível  n'uma  praça  de  guerra.  Foi,  pois,  falso  que  o  pobre  do  In- 
diosinho  tivesse  vindo  recommendado  á  aquelle  ofiBcial,  que  se  mostrou, 
e  de  fecto  estava,  completamente  alheio  á  isso,  quando  sobre  tal  lhe  fal- 
íamos: a  verdade  é  que,  desgraçadamente,  ainda  existe  o  trafico  da  escra- 
vatura de  Índios,  os  quaes,  brutos  e  nesse  ponto  mais  embrutecidos  pelos 
que  se  dizem  civilisados,  esquecem  todo  o  sentimento  de  humanidade,  os 
laços  de  sangue,  o  amor  paternal — e  vendem  seus  innocentes  filhos  á  troco 
de  um  machado,  um  facão,  missangas,  ou  uma  garrafa  de  aguardente  !... 

Remadores  trouxe  o  patrão  apenas  quatro  Índios,  que,  disse  elle, 
obteve  à  muito  custo  por  terem  receio  ãe  serem  vendidos.  Dous  vém 
acompanhados  de  suas  mulheres  e  um  delles  traz  uma  filha  de  dez  annos. 
Outros  mais  tinham  também  se  contractado,  mas  na  occasião  da  partida 
occultaram-se  ou  fugiram  com  o  que  houveram  de  adiantamentos.  O  pa- 
trão tratou  de  rehavêl-os ;  mas  um  morador  de  S.  Joaquim,  que  com  elle 
veia  até  o  forte,  aconselhou-lhe  desistisse  do  intento,  para  que  não  sup- 
puzessem  havel-os  elle  ali  vendido ;  razões  que  não  pudemos  compre- 
hender.  Por  ahi  se  pôde  avaliar  do  que  vae  por  essas  regiões,  onde  a 
acção  da  justiça  mal  pôde  penetrar. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO 


235 


As  Índias  por  vaidade  natural  ao  sexo,  mas  que  não  deixa  de  ser 
extraordinária  e  admiravel  nestas  alturas,  apparentam  mltdar  de  trage 
quotidianamente,  por  um  processo  novo,  vestindo-o  pelo  avesso  dia  sim, 
dia  não,  até  que  acreditando-o  sujo,  dáo  por  esgotada  a  guarda-roupa. 

Procedem  então  á  lavagem  geral,  ficando  nesse  Ínterim  e  emquanto  a 
séccam,  com  a  mesma  roupa  e  quasi  o  mesmo  innocente  descuido  de  Eva 
no  Paraiso. 

Seu  trage  consiste  na  tipay^  vestimenta  ideada  sem  duvida  pelos 
missionários ;  e  que  si  não  se  recommenda  pela  elegância  é  sobremaneira 
simples  e  commoda.  Consiste  n'um  longo  sacco  sem  fundo,  amplo,  aper- 
tado no  pescoço  e  com  dous  pequenos  talhos  lateraes,  na  altura  dos  rins, 
por  onde  sahem  as  mãos.  O  requinte  da  elegância  obtém-no  passando  uma 
fita  á  cintura;  enfeite  que  só  usam  ahi,  ou  na  cabeça,  quer  como  testeira, 
quer  amarrando  as  pontas  das  longas  e  formosas  tranças,  seu  penteado 
favorito,  sinão  único. 

Dos  Índios,  dous  são  de  nação  baures,  um  cayoába  e  os  outros  ito- 
namas. 

Delles  obtive  os  seguintes  vocabulários : 

BAURES 


Abelha     • 

djaspána 

Abóbora 

porê 

Abrir 

virehi^ohá 

Adeus,  até  logo 

nícátxe 

Agua 

hina 

Agulha 

plyríaco 
nahémo 

Alegria 

Amamentar 

mihica 

Amanhã 

enovêh 

Amigo 

Andar  depressa 

Annel 

nípíre 

sipê-sepehim 

sáuhi 

Anta 

sóhmo 

Ante-braço 

Anus 

Aquelle 

Aqui 

Arara 

nuhína 

nisápo 

kieh-posch 

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236 


rriNERABlO  DA  CIDADE  DB  MATTO-eSOSSO 


Arco 

lakirírico 

Canoa 

iuxêra 

Areia 

ápa 

Canto,  cantar 

nuh 

Arroz 

aroso  (a) 

Cão 

cuvê 

Arvore 

heokv 

Capim 

éco-hénoke 

Assucar 

suca  (a) 

Capivara 

carpintxe  (a) 

Av& 

vátxa 

CJara,  rosto 

mnuro 

Ayó 

néne 

Caroço,  semente 

éce 

AxiUa 

niãski 

Carne 

nóxi 

Banana 

agiripe 

Carvão 

eménaca 

Barba 

xoréno 

Casa 

pori 

Barriga 

tK^ça 

Casar 

ntcatxei-neviáma 

Batata 

camoje  (b) 

Casca 

etxupo 

Beber 

olha 

Cavallo 

cuadjo  (d) 

Beiços 

pende 

Céo 

háne ;  cauriana 

Bigode 

xokitcô 

Cervo 

nári ;  catie 

Bisouro 

ampáno  (c) 

Chapéo 

xéco 

Boca 

onónke 

Chefe 

ramo 

Bochechas 

«imyro 

Chegar 

pximo 

Boi 

uaca  (a) 

Cheiro 

pixiskere 

Bonito 

enánico 

Chuva 

suáne 

Borboleta 

txarabrénbyhre 

Cigarro 

sapéra  ;  sapicuêro 

Boto 

éuhohi 

Cinza 

páhipo 

Braço 

búke 

Cipó 

tombi 

Branco 

toramánecan 

Clava 

pash-ikêra 

Brincar 

nihi  paritxi-paco 

Coatá 

xira 

Brincos 

sariste-cánaco 

Cobra 

kiburra 

Bugio 

virá 

Collar 

estipséna 

Buraco 

pekúke 

Comer 

oníca 

Cá 

nehuheira 

Comprar 

«íena-napáca 

Cabaço,  cuia 

poré 

Comprido 

persi-nahakirre 

Cabeça 

mboê 

Gunnuhium 

penca 

Cabellos 

jookita 

Coração 

ni  anumára 

»        em  trança            ninza 

Corda 

nácope 

Caça 

mopik-pah 

Corpo 

móhun 

Caetetú 

simóe 

Correr 

mpihn 

Calcanhar 

mcíria 

Costas 

nenzi 

Calor 

napíxirrem 

Cotovello 

totóke 

Camisa,  iipôy 

nocrémo 

Couro 

nake-txuno 

Campo 

heukíhnoco 

Coxas 

mpéke ;  djomeca 

Cana  de  assucar 

cotonóca 

Crença 

mantxi 

Canastra 

memocávere 
do  hespanhol. 

Cuia 

lacréco 

(a)  Corruptela 

(b)  Em  ketchua  camote. 

(c)  PánapaHa, 

louva-Deus  em  palm 

ella. 

(d)  Corruptela 

de  cavallo  ? 

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AO  RIO  DE  JANEIRO 


237 


Curioso 
Coser 
Curto 
Cuspo 
Deus 
Dar 

Dedos  da  mão 
»     poUegar 
Dentada 
Dentes 
Depressa 
Descançar 
Dia 
Diabo 
Dizer 
Doente 
Dor 
Dormir 
Dou 
Durmo 
Eu 
Ella 
EUe 
Ema 

Escorregar 
Escroto 
Esperar 
Estar 
Este 

Estreito,pouco,i 
Estrella 
Faca 
Fallar 
Fazer 
Fechar 
Feio 
Feijão 
Farinha 
Ferir 
Ferro 
Filha 
Filho 
Fino 


haléra 

Flexa 

pária ;  barítxua 

Flor 

iscóhyxi 

Fogo 

txohica 

Foice 

renoco 

Folha 

péhre 

Fome 

wrtipó-uinca 

Formiga 

poge 

Frio 

enimtempêre 

Fructo 

ucério 

Fumaça 

pihn 

Fumo,  tabaco 

nenu-hahíme 

Furtar 

sech-kárre 

Gallo 

juvhírre 

Gallinha 

kitxérre 

Gamella 

wicátxo 

Garganta 

wicatxére 

Genit.  hom. 

pinuca 

»     fem. 

kipéhre 

Gomma  elástica 

kipínuca 

Gordo 

djá ;  ptiá 

Gordura 

leitxo 

Gostar 

pitíja 

Gosto 

ihuámo 

Grande 

mapxere 

Herva 

áce 

Hoje 

pxitispúne 

Hombro 

naréke 

Homem 

téra 

Hontem 

no    escôhe 

Ilha 

arekêre 

Ir 

íkíxo  (a) 

Irmã 

puvecáh 

Irmão 

poeje-kera 

Isto 

pseri-kitxa 

Já 

mexoake 

Jaboty 

xitxerépa 

Jacaré 

xepa  (b) 

Jacu 

jenitákéra 

Joelho 

fierro  (c) 

Lá 

tire ;  wigin 

Laço 

wixére 

Lagoa 

escuhitxi 

Largo,  grande,  c 

ekirírico 
tximoma 
peho-ké ;  hioke 
ponça 
époma 
nemo-hemo 
txíre 
nimahu 
rita-henôke 
kitxare 
séhni 
coaglre 
girío 
tipréco 
juke-cepé 
ucénuke 
piacá 
guzeno 
espicére 
eriama-mucan 
manteca  (c) 
jiikike  hemóra 
enánuco 
txana  txana 
respíriãno 
nah-reh 
poise 
hiro 
nocúpe 
étxípe 
ntcátxéra 

MÍpíre 
wípireure 
tetxo 
nah-reh 
huspírre 
hihine ;  jejirre 
niserpiarán 
djauhurira 
nakin 
nákípe 
txapiah-akíníco 


(a)  No  tupy  quioé, 

(b)  Chipa  emguarany. 

(c)  Hespanhol. 


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238 


ITINERÁRIO  Dk  CIDADE  DE  MAriXHJROSSO 


Lavar 

nickxxvi 

»    roupa 

nexa  níkêpo 

Levar 

pahne 

Liiigua 

pehne 

Linha 

hôrpi 

Longe 

náhakina 

Lontra 

nauhre 

Louco 

w/ausúme 

Lua 

kehére 

Louvado  sej  a  N.S. 

ercatotxe  senhor 

Macaco 

iore 

Machado 

hatxi  (a) 

Mãe 

néne 

Mais 

madji  (b) 

Mamas 

batxicoke 

Mandioca 

cúfunupa 

Máo 

nudke 

Maribondo 

hani 

Marido 

nave-nune 

Matar 

piuheu-txére 

Matto 

heóke 

Mau 

mejoh-ákena 

Mel 

cotonómo 

Menino 

mantxi 

Menos 

escohitxi 

Meu 

intxi ;  nitidje 

Milho 

enxá 

Moça 

noanatire;  etono 

Morder 

cumurucúne 

Montanha 

cakehúco 

Morrer 

repíno 

Mosca 

acere 

Mosquito 

haní 

Muito 

panchí 

Mulher 

tire;  etno 

Mulher  casada 

orcatx-neiviana ; 

ranuntire 

Mutuca 

xuhire 

Mutum 

ucujé 

Muito  bem,  obrigado    enanóco 
Nádegas  cuíra 


Não 

maticáo 

Narinas 

sirike 

Nariz 

paáh-sêri 

Neto 

catxaveniana;  mldhin 

Ninho 

hama-hungo 

Olhos 

kiça  (c) 

Orelhas 

vakne 

Pae 

txatxá 

Panei  la 

héve 

Pássaro 

hama 

Passeiar 

anatxicúpãpo 

Pato 

patxi  (b) 

Pau            eitxí-nutximico;  sanlupo 

Pé 

wt-boihé 

Pedaço 

pike-txike 

Pedir 

peh-mehre 

Pedra 

caah 

;  Peito 

xokes 

Peixe 

himo 

Pelle 

ntxomo 

Pennas 

rixih 

Pente 

uorato 

Pequeno 

txi;  escuhitxi 

Periquito 

tspáríce 

Perna 

báiile ;  pakêre 

Pescoço 

ni  séníke 

Pestana 

ni  mátíca 

Pimentas 

hijati 

Perto 

nêjóe 

Pinto 

tiprekes-txi  (gallinha 

pequena) 

Podre 

anahr-cano 

Pombo 

popô 

Porta 

eçunáke 

Pote 

hoh-pi 

Pouco 

escuhi-soôro 

Preto 

aniano 

Prompto,  já 

nah-reh 

Queixos 

m-xopôro 

Querer 

m-káhino 

Não  quero 

raatíke-nikahino 

(a)  Em  hespanhol  haolvx. 

fb)  CJorruptela  do  hespanhol,  ,nau»  pato. 

(c)  Teça  em  tupy. 


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AO   SIO    DB    JANEiao 


239 


Quero  comer 

hueno-nikínârépa 

Tens 

pitige 

»    dormir 

hueno  nimóca 

Terra 

jenirrhe 

Queimar 

pijote  kéra 

Testa 

mbonra 

Raio 

txinó 

Teu 

tetxo 

Raiz 

repoihe 

Tocary 

kicé-txumi 

Rede 

uteke 

Tomar 

piviá-tetxe 

Relâmpago 

pi  liah-vikerai  Tosse 

miho-poho-pohim 

Remo 

vitxe       1  Trazer 

pane 

Rio 

uapire  (a)    Tristeza  (estou  triste)       wi-poniohin 

Sacco 

costari  (b)    Trovão 

oreapotseáne 

Sal 

txeve       Tenha  dó  de  mim 

narioletxo 

Sangae 

hiti       Unha 

dipo 

Sede 

pah-seríco  Vá 

picatxe-neretotxe 

Seio 

digi      1  Va  depressa 

sêpe-sêpo-hin 

Sim 

eni      iValente 

hasêrí-keno 

Sobrancelha 

uxáke    1  Velho 

txin 

Sol 

seh-çá    1  Veneno 

mate 

Subir 

part-xape.Vento 

cavirian 

Tabaco 

seh-ni     i  Ver,  vejo  eu 

wíhine-cavêre 

Taquara 

tarácua   i  Vermelho 

eomôrço 

Tarde 

txohoane  iVém 

hen 

Tartaruga 

ospirrhe 

1 

icapiçá 

Ter 

w/tiruliire 

2 

apiçá 

Ter  fome 

í/fhemo-hemo 

3 

impiice 

))  sede 

wíkene  nihrah 

4 

uatro  (c) 

>j  preguiça 

wímaperian    5 

cinco  (c) 

Tenho 

nítí-ruhô 

10 

diéz   (c) 

A  syllaba  wí,  no  começo  da  mór  parte  dos  vocábulos  é  o  pronome 
de  primeira  pessoa. 


CAYOABÁS 

Agua 

kita        Barba 

Anta 

bahata      Barriga 

Arara 

araba     jBoca 

Areia 

idathi      'Botão  de  flor 

Arco 

nabibike    'Borboleta 

(a)  Yapire, 

cabeceira  de 

rio  em  guarany. 

(b)  Hesp.  oo5taZ? 

(c)  Hesp. 

(d)  Bm  tupy  ambotá. 

irapota  (d) 
daracáurúsi 

idiaitxe 

araipa 

janjáro 


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240 


ITINERÁRIO  DÁ  aOABE  DE  MATTO-OBOSSO 


Braço 

nanáma 

Mão 

dam 

Cabeça 
Cabellos 

ndatah 

Menina 

maváuna 

tmoracama 

Menino 

nanú 

Calor 

baibôco 

Monte 

tindare 

Capim 

rixôco 

Mosca 

nanitxe 

Canastra 

suêra 

Mulher  casada 

torana;  crata-torana 

Cara,  rosto 

iribujo 

Nariz 

tuzurandza 

Caroço 

varie 

Olhos 

warinlxoh 

Cinza 

txoxôco 

Orelhas 

waridjike 

Corda 

enaxacâna 

Papagaio 

báro 

Couro,  casca 

ixahedáva 

Panno 

iodja 

Dedos 

iaruetá-rusi 

Pássaro 

micími 

Dentes 

idáhi 

Pau 

narázi 

Flor 

txôa 

Pé 

idàh-hàsh 

Flexa 

jerábi 

Pedra 

iarôgo 

Fogo 

idori 

Peito 

nam&me 

Folha 

iénasi 

Peixe 

idáta 

Formiga 

pitxi 

Pente 

rapapáda 

Frio 

ridjui 

Periquito 

xúci 

Fructo 

anáhim 

Perna 

«aribêra 

Fumaça 

namo 

Pescoço 

itabôro 

Genit.  hom. 

nam&nsí 

Pote 

rirapôto 

»     fem. 

dabíbe 

Rio 

kita 

Homem 

iáco 

Sol 

iíaramán 

Lingua 

iráre 

Terra 

idáthi 

Lua 

nauhe 

Unha 

maxóu  hónsi 

Marido 

crátasi 

Velho 

dáube 

Matto 

bispôde 

A  primeira  syllaba  «a,  na  mór  parte  das  palavras,  deve  ser  o  pos- 
sessivo wew,  minha. 


ITONAMAS 

Abrir 

comathihme 

1  Arvore 

abihta 

Agua 
Agulha 

paçabéna-guanúkeiAvô,  avó 
otrozo             Banana 

metéca 
mahíre 

Alegria 
Amanhã 
Anta 
Arco 

virebábate 

djapôco 

guayáco 

itcêre 

;  Barba 
1  Barriga 
Batata 
Beber 

xaçúa 

och-buno 

papa  (a) 

aixucacíne 

Areia 

alala 

Beiços,  boca 

sapyke 

(a)  Hespanhol. 

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AO  RIO  DE  JANEIRO 

Bochechas 

capapan 

Dentada 

madornéme 

Bom,  bonito 

usmála 

Dentes 

xomôte 

Borboleta 

ohno 

Diabo 

socuhíuva 

Braço 

manana 

Doente 

cyasdike 

Branco 

rapyre 

Dôr 

xialacami 

Buraco 

omôlo 

Dormir 

conesma 

Cá 

nahábi 

Eu 

ohon 

Cabaça 

sodóna 

Eu  como 

coapeh 

Cabeça 

otço,  ôço 

Escorregar 

pipohohi-codamo 

Cabellos 

jacuá 

Escrotos 

jutcáo 
maçaduno 

Caçar 

xocosín 

Esperar 

Caetetú 

guaráre 

Estar 

sauna 

Calor 

xialaçáne 

Estreito,  fino 

opih 

Campo 

paçaceno 

Estrella 

okitzi 

Cana 

keténe 

Paca 

matzete 

Canoa 

ocóne 

Fallar 

padaráta 

Canto  de  pássaros 

jacane-opuhe  (a) 

Farinha 

ucátyle 

Cara,  rosto 

discatxa 

Fechar 

camu-tsubóne 

Carvão 

urucira 

Feio 

upála 

Casar 

mácuraan 

Ferir 

txasnémo 

Casca 

nekirá 

Ferro 

alásma 

Céo 

usnáno 

Filha 

orerhéna 

Cigarro 

uaidála 

Filho 

oníco 

Cinza 

corôpo 

Flexa 

barco 

Cipó 

cedêle 

Flor 

pitatso 

Chapéo 

otsorôi 

Fogo 

hubári 

Chegar 

xicake-enáno 

Folha 

humáde 

Chuva 

udúsna 

Formiga 

huábos 

Cobra 

bilúa 

Frio 

cid-aiátxe 

Comer 

coapé 

Fructo 

mijoáne 

Coração 

ocynícíno 

Fumaça 

hugo 

Corda 

mospíca 

Fumo,  tabaco 

uaidála 

Corpo 

mboàlake 

Gallinha 

curáhca 

Correr 

hio-hi-huste 

Gallo 

curáh 

Coser 

kecy 

Garganta 

xupacasuna 

Costas 

saniopapána 

Grande 

gahubi-riána 

Cotovello 

matxu-txúre 

Grosso 

subiki-iána 

Couro 

poróma 

Herva 

halupo 

Coxas 

mucacáno 

Hoje 

ohnah 

Cuia 

uiake 

Hoje,  não 

sespuanacoi 

Cuspo 

uamís 

Hombro 

statsano 

Dar 

akimake 

Homem 

huhúmo 

Dedos 

disnáma 

Hontem 

nacêva 

»    da  mâo 

osmeke-maláca 

Dha 

cotxoanúa 

»    do  pé 

osmeke 

Ir 

nicade 

2il 


(a)  Varias  tríbus  do  Alto  Amazonas  chamam  aos  pássaros  jaçanS. 


31 


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242 


ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 


Irmão 

uxáça 

Narinas 

nacotsasóni 

Isto 

nicudo 

Nariz 

uhúse 

Já 

sosón 

Ninho 

nahilo 

Jacaré 

anhispa 

Noite 

nascéna 

Jacu 

upúhe 

Nós 

iode 

Joelho 

utsoitxúre 

Olhos 

uiscátxe 

Lá 

nicábe 

Onça 

hútxo 

Lagoa 

capime 

Orelhas 

mochtodo 

Largo 

masbítxa 

Ovo 

kipála 

Lavar  roupa 

cakitxane 

Pae 

padíca 

Lavar-se 

colabále 

Palmeira 

uásle 

Leite 

olitza 

Papagaio 

aubáro 

Levar 

coicáxico 

Panella 

ualéle 

Lingua 

poxotziníla 

Pássaro 

upuhê 

Linha 

uhaé 

Passeiar 

cocimáte 

Longe 

macaibize 

Pato 

nahúca 

Longo,  comprid( 

)  napabi-nane 

Pau 

pabíte 

Louco 

musurúna 

Pé 

seniláca 

Lua 

djacacáca 

Pedir 

ac-macúmo 

Mãe 

smetéca 

Pelle 

macatsasána 

Mais 

udanú 

Peixe 

ohôpi 

Mamas 

uanucúio 

Pente 

utsatxi 

Mandioca 

tsamáia 

Pequeno,  pouco 

opihe 

Mão 

malaca 

Periquito 

okêre 

Mando 

mapíne 

Perna 

sauáne 

Matar 

coiopoána 

Peito 

macapú 

Matto 

habyta 

Pescoço 

matsáro 

Mau 

kelála 

Pestana 

catsapite 

Menina 

pihica 

Pimenta 

uásto 

Menino 

opíhe 

Pinto 

cura-áca 

Meu 

ohoní 

Podre 

diohina 

Milho 

udámi 

Pombo 

ubah-áca 

Moça 

sanica-ôca ;  uabiça 

Porta 

camutxéva 

Moço 

sanicabo ;  tyaia 

Pote 

mistitxe 

Monte,  pedra 

upàla 

Preto 

cabalóna 

Morrer 

ubatxa 

Quero 

xitzauváno 

Morto 

jopsana 

Quero  comer 

xitzauvano-coapé 

Mosca 

otxece 

Não  quero 

xitzauáma 

Mosquito 

oníco 

Raio,relampago 

mamamedálo 

Muito 

amaníato 

Raiz 

asmímos 

Mulher 

ubica 

Rede 

itábe 

»      casada 

cotáca-amistzabasca 

Remo 

ioda 

Mutum 

mutú 

Riacho 

nhubo-opihe 

Muito  bem,  obrigado      osmála 

Rio 

nhubo 

Não 

uána 

Saco 

taleia 

Não  há 

maicána 

Sal 

obélo 

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AO  BIO   DE    JANEIBO 


243 


Sangue 

unastro 

Vagalume 

tsú-curupúco 

Sim 

ohósni 

Valente 

xicaia 

Sol 

apatsha 

Veado 

nado 

Tamanduá 

uade 

Velho 

coanána 

Tenho  fome 

ualísne 

Vento 

surúna 

Terra 

alôps 

Ver 

acotsebéne 

Testa 

xuacacána 

Vermelho 

teraráxe 

Tocary 

ucadaia 

Veste 

â:tmimacáia 

Tosse 

sixodolakes 

Venha  cá 

yáho 

Trazer 

eskí-poiíma 

Vamos  caçar 

macumán 

Tristeza 

suanatisna 

»    pescar 

cururo-hisca 

Trovão 

puhihumélo 

))  passeiar 

escosiniáte 

Tu 

osnica 

Vá-se  embora 

sismaniama 

Umbigo 

xituah-sastno 

Va  trabalhar 

dacúmatsi-)iica 

Unha 

osméke 

VII 


Demorámo-nos  no  forte  até  29  de  oitubro,  com  o  fim  de  rectificar-se 
a  marcha  dos  chronometros  e  concertar-se  o  bote,  o  que  é  agora  de  fre- 
quente necessidade  ;  havendo  ainda  a  urgência  de  substituir-lhe  uma 
falca  e  dar-lhe  nova  cobertura. 

O  major  Lassance  verificou  a  posição  astronómica  do  forte  em  12" 
25'  47",  89,  lat.  austral  e  21°  17'  19",  20  long.  occ.  do  Bio  de  Ja- 
neiro, tomada  do  baluarte  de  NO. :  é  a  mesma,  quasi,  determinada  pelo, 
então  sargento-mór,  Bicardo  Franco  em  1786  (a). 


A's  5  horas  da  manhã  desse  dia,  segunda -feira,  sahimos ;  empre- 
gando-se,  logo  em  seguida,  cinco  horas  para  vencermos  o  pedregal  abaixo 
da  fortaleza,  o  qual  prolonga-se  por  uns  doze  kilometros  e  toma  toda  a 


(a)  17o  2tí'  lat.  S.  5  e  817o  57'  80"  merid.  occ.  da  Ilha  de  Ferro.  (Luiz  d'A  lincourt). 


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244  rriNBRARio  da  cidade  de  matto-orosso 

largura  do  rio,  que  em  frente  ao  forte  é  de  setecentos  metros,  com  o  vo- 
lume actual  das  aguas.  Fez-se  essa  travessia  toda  á  sirga,  e  com  o  mais 
duro  trabalho  e  perigo  dos  tripulantes,  que  ora  á  nado,  ora  saltando  as 
pedras,  ora  á  ellas  agarrados  para  evitar  a  força  das  corredeiras,  condu- 
zem os  cabos  que  espiam  o  bote,  na  sua  difficil  passagem.  Mediaram 
ainda  outras  duas  horas  para  vencer-se  o  resto  de  pedregal,  que  será  de 
dezeseis  e  meio  kilometros,  quer  á  descoberto,  quer  sob  as  aguas,  sendo 
estas  as  mais  de  temer,  e  nas  quaes  bateu  a  embarcação  dezenove  vezes, 
apesar  do  tino  e  cuidado  do  pratico  das  cachoeiras,  o  Sr.  José  Pires  da 
Silva  Gomes,  que  de  agora  em  diante  vae  piloteando  o  bote,  e  á  quem 
grandemente  devemos  o  bom  êxito  da  nossa  navegação  nessa  terrivel 
região  encachoeirada. 


Cerca  de  um  e  meio  kilometro  abaixo  do  forte  ficava  na  mesma 
margem  o  forte  da  Conceição  (a),  depois  Bragança^  no  sitio  da  antiga 
missão  de  Santa  Bosa,  do  missionário  hespanhol  Nicolau  de  Medinilla, 
que  foi  forçado  á  abandonar  o  ponto,  em  1754,  em  vista  do  disposto  no  ar- 
tigo 14  do  tratado  de  limites  de  13  de  janeiro  de  1750  e  da  pouca  dis- 
posição que  08  hespanhóes  mostravam  para  cumpril-o.  Aproveitei  um 
dos  dias  de  minha  estada  no  forte  do  Príncipe  para  ir  visitar  o  local 
onde  aquelle  outro  existiu  e  investigar  suas  ruinas.  Também  levava-me 
a  curiosidade  de  examinar  umas  lettras,  que  dizia-se  haver  n*uma  pedra 
chata,  do  rio,  perto  daquelle  sitio. 

Buscando  logar  azado  para  o  desembarque,  aproámos  a  pequena 
montaria  em  que  ia,  com  o  piloto  José  Gomes  e  um  soldado,  velho  mo- 
rador do  forte,  n'um  ponto  da  barranca  que  me  pareceu  melhor,  por 
mais  solido,  e  por  onde  subimos  com  pouca  dificuldade,  ajudando-nos 

(a)  Ainda  vem  consignado  em  vários  mappas  :  foi  começado  em   27  setembro 
de  n67. 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  245 

dos  mattos.  Eegulava  a  altura  da  barranca  n'uns  cinco  metros,  e,  apesar 
dessa  elevação,  bastante  lamacenta  e  pegajosa ;  sendo  formada  dessa  ar- 
gilla  esbranquiçada  e  salitrosa,que  chamam  barreiros^  na  qual  tanto  gostam 
de  chafurdar-se  certos  animaes  e  especialmente  as  antas,  que  os  buscam 
pelo  sal  que  contém.  De  ordinário,  ^se  apresenta  ora  como  uma  mistura 
de  argilla  e  marga  ou  piçarra,  em  quem  a  agua  não  tem  acção,  e  não  as 
amalgama  perfeitamente,  ora  uma  espécie  de  calamíta,  argilla  figulina, 
ou  terra  de  molde  de  muita  aflfinidade  pela  agua ;  formando  uma  massa 
onde  as  pegadas  dos  animaes,  perfeitamente  modeladas  quando  se  seccam, 
deixam  ver  suas  arestas  rigissimas,  como  as  dos  terrenos  paraguayos 
entre  o  Tayi  e  o  Pilar  que  faziam  o  desespero  dos  nossos  infantes  e  o  es- 
trago da  cavallaria. 


Confluenoia   do   &uaporé    iio   ^lamoré. 

Ao  cabo  de  meia  hora  de  difficil  marcha,  ao  longo  da  barreira,  en- 
contrámos os  alicerces  do  forte.  Era  também  um  reducto  abaluartado, 
á  Vauban  ;  sua  cortina  do  lado  de  terra  media  88  metros,  sendo  a  mu- 
ralha da  largura  de  vinte  e  dous  decimetros.  As  dos  flancos  pareceram  me 
menores,  comquanto  mais  espessas  de  dous  decimetros.  Não  vi   a  cortina 


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246  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

fronteira  ao  rio.   Os  baluartes  do  lado  de  terra  conservam  ainda  bem 
patentes  seus  alicerces,  e  os  ângulos  de  juncção  de  face  e  flanco. 

A  matta  encobre  a  maior  parte  dessa  mina,  em  cuja  antiga  praça 
crescem  hoje  guabiróbas  e  tarumans,  ingazeiros,  mangues  e  mangaritaias 
com  suas  flores  e  raizes  amarellas,  de  cheiro  fortemente  acre  e  apimen- 
tado :  varias  espécies  de  cipó  imlê  (philodendra),  de  cujas  raizes  aerias, 
ou  que  se  adaptam  aos  troncos  onde  o  vegetal  vive,  e  que  são  mui 
fortes  e  resistentes,  fazem  os  Índios  cordas  rigissimas  e  entretecem  os 
seus  vistosos  arcos. 


No  local  mesmo  onde  desembarcámos  encontrou-se  o  resto  de  um 
remo  dos  escaleres  de  gueiTa,  de  faia  e  de  pá  comprida,  qualidade  com- 
pletamente desusada  na  navegação  dos  nossos  rios ;  tão  velho  e  podre 
que  se  desfazia  à  menor  pressão.  Pertenceu  talvez  ao  forte ;  e  o  seu  en- 
C3ntro  parece  indicar  que  foi  no  próprio  porto  que  abicámos. 

O  velho  soldado,  que  trouxe  comigo,  é  já  a  segunda  vez  que  está  no 
forte,  tendo  sido  a  primeira  desde  1851  á  1858  :  dizia  conhecer  o  local 
daquellas  lettrasy  pelo  que  o  trouxemos.  Seguimos  á  buscal-as  ;  grande 
parte  da  viagem  foi  saltando  pedrouços  e  pedemaes,  e  revistando 
as  grandes  lages ;  e  nisso  levámos  tanto  tempo,  que  se  tomou  enfadonho. 
Também  por  si  o  guia  encarregava-se  de  esfriar  minha  boa  vontade,  di- 
minuindo pouco  á  pouco  a  grande  certeza  com  que  afiançava  ter  visto 
e  conhecer  o  lettreiro.  A*  principio  era  n'uma  grande  lage,  da  qual  um 
pedaço,  de  formas  e  de  arestas  bem  delineadas,  tinha  sido  como  que  la- 
vradas pela  mão  do  esculptor  que  ahi  as  gravou  :  afinal  contentava-se 
em  suppôr  serem  tal  artefacto,  apenas,  as  fendas  que  a  crosta  das  pednur 
apresentava  ;  taes  umas  que  achei  n'uma  pequena  pedra  lisa  e  não  ali- 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  247 

sada,  e  que  afinal  o  homem  afiançou  ser  o  que  buscávamos.  São  essas 
fendas  devidas  á  acção  do  sol  e  das  aguas,  na  crosta  de  algumas  rochas 
porphyroides  e  syenitos ;  afifectam  disposições  mais  ou  menos  rectas,  e, 
encontrando-se  caprichosamente  umas  com  outras,  moviam  o  espirito, 
mais  ou  menos  imaginoso  do  observador,  á  idear  MM,  TT,  VV,  HH,  AA, 
LL,  etc.,  e  todas  as  lettras  formadas  pelo  concurso  de  linhas  rectas. 


Como  vimos,  vae  o  leito  do  rio  completamente  atravancado  de 
pedras,  que  mal  deixam  passar  uma  esguia  montaria.  Delias  a  mór  parte 
parece  o  producto  de  uma  modificação  ignea  particular :  umas,  negi^as 
luzidias  como  saturadas  dos  oxydos  de  ferro  ou  manganez  ;  outras,  vitres- 
centes,  assemelhando-se  ao  crystal  de  rocha,  reflectindo-se  ao  sol  á  poucas 
dezenas  de  metros  como  o  branco  crystal  hyalino,  e  ao  perto  represen- 
tando-se  negras,  depois  de  fazerem  o  observador  desesperar  na  baldada 
pesquiza.  Uma  amostra  que  trouxe  embranqueceu  ao  fogo  c  vitrificou-se, 
revelando  sua  natureza  porphyroide. 

Um  outro  facto  que  revela  a  acção  do  calórico  é  o  fendimento  dos 
blocos  partidos,  muitas  vezes,  regularmente  á  meio  ;  o  que  muito  notável 
se  torna  nos  de  forma  arredondada,  por  aifastadas  as  duas  metades  ás 
vezes  á  decimetros  de  distancia. 

A'  tarde  já  tivemos  viagem  menos  trabalhosa.  Esqueci-me  de  notar 
que  trez  kilometros  abaixo  do  forte  passámos  a  ilha  de  Ignacio  Pereira^ 
em  frente  á  qual  vem  mon-er  um  outro  espigão  da  cordilheira  dos  Pa- 
recis.  Passámos,  depois,  a  ilha  de  Santa  Rosa  ;  encalhou-se  por  umas 
trez-  horas  n'um  banco  de  areia,  e  ás  5  horas  e  10  minutos  abicámos, 
para  pousarmos  no  Angical,  campestre  á  margem  esquerda.  Chovia  então 
copiosamente,  como  ainda  chovju  toda  a  noite. 


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248  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

No  dia  30,  sahimos  ás  5  1/4,  ainda  com  máu  tempo.  A's  9  horas  e 
20  minutos  passámos  o  Cautario  2^^  que  os  antigos  dão  como  uma  pe- 
quena corrente  á  trez  léguas  do  forte,  e  que  encontrámos  um  formoso  rio 
de  setenta  á  oitenta  metros  de  largura. 

Immensidade  de  tartarugas,  da  emys  tracaxá^  atravessa  o  rio  em 
todas  as  direcções,  com  as  cabeças,  apenas,  fora  d*agua,  parecendo  ser- 
pentes e  como  tal  causando  sérias  aprehensões  á  quem,  como  eu,  as  via 
assim  pela  primeira  vez ;  os  botos  também  aos  cardumes  descem  e  sobem 
o  rio,  buscando  de  ordinário  os  sitios  de  maior  fundo,  pelo  que  servem 
de  pilotos  aos  navegantes  :  são  mais  avermelhados  aqui ;  os  do  Alegre 
eram  azeitonados,  bem  como  os  do  Alto-6uaporé ;  dahi  para  cá,  cinzentos. 

O  Guaporé,  desde  o  forte,  tem-se  tornado  mais  largo,  sendo  ás  vezes 
de  um  kilometro  o  afastamento,  actual,  de  suas  margens.  Estas  são 
actualmente,  também,  de  trez  á  quatro  metros  de  alto,  mas  ainda  assim 
alagadiças.  Os  grandes  arvoredos  que  as  orlam  marcam  nos  galhos  as 
enchentes  n'uma  altura,  até  seis  e  sete  metros  do  solo.  No  forte,  dizem 
chegar  o  rio  á  dez  metros  do  nivel  das  baixas  aguas  ;  o  que  combinámos 
com  o  que  citaram  os  engenheiros  do  século  passado,  relativamente  á  maior 
enchente  que  viram. 

Neste  ultimo  acampamento  vi  pela  primeira  vez  a  arvore  do  breu 
ou  anani  (calophyllum  hrasiliensis)  (a),  madeira  de  lei,  cuja  resina,  que 
lhe  dá  os  nomes,  é  muito  aproveitada  pelos  navegantes  para  ajudar  o 
calafeto  das  canoas.  Também  nos  troncos,  e  raizes  das  arvores  cabidas 
no  rio,  nota-se  porção  de  globos  espinhosos,  assemelhando-se  ás  cocas  ou 
ouriços  da  hura  crepiians,  ou  do  pau  jangada,  porém  maiores,  e  mais  se- 
melhantes ainda  aos  verdadeiros  ouriços  ou  echnitos.  São  espécie  de 
polypeiros,durissimos,formados  por  um  zoanihario  d*agua  doce.  Os  Índios 
daqui  chamam-^lhes  cahixis  ;  no  Madeira  paracutãca. 

(a)  Moronoboea  coccinea,  Mart. 


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AO  RIO   DE  JANEIRO  249 

Viajámos  como  de  costume  á  31  de  oitubro  e  1*  de  novembro,  em 
que  ás  11  horas  58'  da  manhã  deixámos  o  formoso  e  aprazivel  Guaporé, 
para  entrar  no  Mamoré.  Este  vindo  impetuoso  do  occidente,  n'uma 
largura  apenas  de  cento  e  quarenta  metros,  quebnwie  ahi  em  angulo 
recto,  recebendo  o  Guaporé,  largo,  na  embocadura,  de  uns  setecentos 
metros,  e  continua  no  nimo  que  este  leva ;  o  que  faz  suppõr,  á  pri- 
meira vista,  e  tem  feito  correr  tal  erro  em  muitas  geographias,  ser  este 
o  rio  principal  e  o  Mamoré  o  affluente.  Mas,  é  que  essa  difiFerença  nas 
larguras  compensa-se  com  a  das  profundidades  de  ambos :  quasi  cinco 
vezes  mais  estreito,  tem  ahi  o  Mamoré  talvez  o  decuplo  da  profiindidade 
do  outro,  pelo  que  vém  com  mais  impeto,  fluindo  maior  volume  de  aguas ; 
e  na  sua  juncção,  ao  quebrar  francamente  de  rumo,  tomando  a  direcção 
do  Guaporé,  deixa  vêr,  bem  patente,  a  sua  superioridade,  represando- lhe 
vio-cntamente  a  lympha  clara,  pura  e  crystallina,  e  impellindo-a  para 
a  margem  direita  por  espaço  de  poucos  centos  de  metros,  até  confundil-a 
de  todo  nas  suas  aguas  lodosas,  espessas,  nojosas]  ej^como  purulentas. 
Purulentas  é  o  termo  mais  próprio  para  a  comparação,  pela  côr  especial, 
e  quasi  que  a  densidade,  que  á  essas  aguas  imprime  uma  argilla  finís- 
sima e  pastosa,  que  trazem  em  suspensão ;  restos  mais  leves  da  areia 
manteiga,  marga  argillosa,  gluttinosa  e  esbranquiçada,  que  constituo, 
nessas  paragens,  grande  extensão  das  barrancas  do  Mamoré.  Beunidas 
essas  duas  correntes  de  largura  tão  dispares,  tomam  uma  média  e  seguem 
n'um  leito  de  quinhentos  metros ;  o  que  ainda  comprova  o  volume  do 
primeiro,  o  impeto  de  suas  aguas  e  a  profundidade  que  imprime  ao 
taltoeg^  fazendo  a  absorpção  do  outro  cinco  vezes  mais  largo,  e  forçando-o 
í  tão  forte  retracção  da  sua  amplitude.  Essa  largura  actual  do  Guaporé 
muito  differe  da  descripta  pelos  demarcadores  do  século  passado,  os 
quaes  no  seu  diário  o  consignam  mais  estreito  que  o  rio  boliviano.  Nem 

consiste  somente  nisso  a  diiferença  actual:  a  grande  ilha  que  elles  lhe  de- 

32 


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250  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-OROSSO 

marcaram  na  confluência  está  hoje  reduzida  á  um  pequenino  banco, 
visivel,  somente,  como  agora,  na  extrema  baixante  do  rio ;  o  que  ainda 
comprova  quanto  é  varia  a  constituição  dessas  correntes. 


Já  houve  occasião  de  consignar-se  que  nossa  navegação  nesses 
rios  nem  sempre  tem  confirmado  as  descripções  daquelles  engenheiros, 
tão  rigorosa  e  exacta  á  tantos  respeitos  e  principalmente  nos  seus 
trabalhos  no  sertão :  o  que  satisfactoriamente  se  explica  com  a  re- 
volução dos  annos,  —  quasi  um  século  — ,  a  variação  das  correntes,  ora 
nimiamente  baixas,  procurando  canaes  especiaes,  ora  assoberbadas  pelas 
pujantes  enchentes  e  derramando-se  nos  paramos  adjacentes,  e  que  mu- 
dam-lhes  os  leitos  e  direcção  dos  cursos,  modificam-lhes  as  ribas,  cream 
ilhas  e  eliminam  outras,  como  esta  daqui  e  a  da  foz  do  Baures,  etc. 


Os  Srs.  Eeller  dão  á  sua  confluência  a  altura  de  150*,4  acima  do 
nivel  do  mar. 


Reunidos  os  dous  rios,  perde  o  Guaporé  o  seu  nome,  e  vão  suas 
aguas  sob  o  de  Mamoré,  por  uns  duzentos  kilometros,  até  que  este,  per- 
dendo o  seu  por  sua  vez,  forma  com  o  Beni  o  Madeira. 

Grande  numero  de  sapucayas  ostentam  suas  comas  arroixadas  nas 
mattas  da  riba  esquerda ;  ao  passo  que  são  raras  as  suas  congéneres, 
castanhas  do  Pará  ou  tocarys,  que  mais  abundam  na  margem  opposta, 
onde  ha  mais  altos  terrenos. 


Por  mais  esforços  que  fiz  não  logrei  saber  o  que  indica,  nem  de  que 
dialecto  vém  a  terminação  ré,  commum  á  tantos  rios  destas  comarcas, 


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AO  RIO  DE  JANEIBO  251 

exemplo :  Guaporé,  Sararé,  Bauré,  Xaparé,  Mamoré,  Maguabaré,  Aperé, 
Ibaré,  Canamaré,  Quariteré,  Tamaré,  Securé,  Ximoré,  Pynaré,  Masucaré, 
Manicoré,  Mandioré,  Tucunaré,  etc. 

vni 

Sexta-feira  2  de  novembro,  ficou  determinada  a  posição  da  foz  do  Gua- 
poré em  11%  54\  12",83,  latitude,  e  2P,  53\  6",45  O.  do  Rio  de  Ja- 
neiro. 

Seguimos  viagem  ás  5  e  5'  da  manhã.  A's  7  1/2  passámos,  á  di- 
reita, a  Layinha,  grande  pedra  que  vae  quasi  ao  meio  do  rio  ;  e  ás  10, 
á  esquerda,  um  riacho  que  disseram-nos  ser  o  rio  Preto. 

O  Mamoré  já  deixa  vêr  estirões  de  trez  e  quatro  kilometros ;  e, 
abstracção  feita  de  suas  immundas  aguas,  é  um  magnifico  rio. 

Nestas  alturas,  pouco  mais  ou  menos,  é  queSoulhey  estabelece  a  loca- 
lidade de  Mm  povo  de  S.  José,  mandado  fundar  por  Luiz  de  Albuquerque; 
o  que  é  confusão  com  o  de  S.  José  do  Leomil.  O  outro  S.  José,  que  havia 
nesta  navegação,  era  o  da  cachoeira  do  Ribeirão  ;  mas  este  era  um  des- 
tacamento. O  Atlas  do  senador  Cândido  Mendes  ainda  consigna,  no  coto- 
vello  que  faz  a  margem  esquerda  do  Mamoré,  em  frente  á  foz  do  Guaporé, 
uma  estacada  em  minas,  sem  duvida  fortificação  antiga,  mas  pouco 
conhecida  ;  e  o  que  é  mais  admirável,  consigna-a,  também,  Edward  D. 
Mathews,  engenheiro  da  estrada  de  ferro  do  Mamoré  e  Madeira,  e  que 
por  aqui  passou  de  viagem  á  Bolivia,  no  seu  Map  to  illtÂstrate  «  Up  the 
Amasonian  and  Madeira  Rivers  through  Bolivia  and  Peru; »  do  mesmo 
modo  que  assignala  ainda,  em  1879,  as  aldeias  de  Lamego  (S.  Miguel), 
e  Guarajuz  no  Guaporé,  uma  outra,  nunca  conhecida,  do  Ouro,  no  rio 
Verde,  e  outra  de  S.  José  n'uma  estrada  que  creou,  partindo  do  forte 


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252  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE  MATTO-GROSSO 

do  Príncipe  á  Matto-Grosso  e  viUa  Maria,  onde  se  bifurca  para  Cayabá 
e  para  Miranda,  pelo  meio  dos  Pantanaes. 


As  margens,  de  ordinário  altas,  mostram-se  frequentemente  ro- 
tas, com  largos  hiatos  formados  pela  exhuberancia  das  aguas  que  se 
amontoam  em  seu  interior  mais  baixo,  tendo  facilmente  vencido  a  resis- 
tência dessa  argilla  fòfa  e  branda  dos  albardões  que  delimitam  o  rio  ; 
onde  crescem  arvores  soberbas  que  bem  se  dáo  nesse  terreno,  mas  onde 
os  vegetaes  de  textura  branda,  os  monocolytedonios,  fazem  a  feição  da 
flora  regional.  A'  beira  d^agua  as  terras  são  cobertas  do  gynerium  sac- 
charoidey  cujos  caules  viçosos  e  ricos  de  seiva  intentei  aproveitar  em 
cosimentos  como  substituto  de  caldo  da  cana  ;  mais  acima,  na  barranca, 
entre  quantidade  de  vistosas  maranthas  e  canaceas,  entre  ellas  o  costus 
pac(hcaapiranga,  o  caeté-merim  de  folhas  verdes  e  vermelhas,  assoberba- 
vam-se  as  duas  mais  formosas  espécies  de  stroãitzids  que  conheço,  a 
regina,  e  outra  de  flores  ainda  mais  bellas,  violáceas  da  côr  do  lilaz.  Pal- 
meiras poucas ;  e  entre  outras  só  nos  tesos  mais  seccos,  isto  é,  onde  o  rio 
não  chega,  a  inajá,  de  tanto  soccorro  aos  seringueiros,  por  ser  com  seu 
fumo  que  de  preferencia  dão  consistência  á  gomma.  Ahi,  sobre  a  matta 
espessa,  cerrada  e  alta,  elevam  as  franças  os  tríplices  foliolos  das  hevoeas, 
e  os  das  castanheiras  espalmados  em  estrellas. 


A's  6  e  20'  da  manhã  de  3  de  novembro,  passámos  a  ilha  que 
disseram-nos  ser  da  Capivara^  mas  que  pela  posição  parece  ser  a  de 
S.  Silvestre,  dos  antigos  ;  às  6  e  40'  o  Soterio  ou  Sotero,  de  quatro  me- 
tros de  embocadura,  á  margem  direita.  Pouco  depois  do  meio-dia  mar- 
ca-se  á  mesma  margem  um  pequeno  regato,   não  consignado  no  mappa 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  253 

daquelles  observadores,  e  que  fica  designado  com  o  nome  de  Amaral^ 
em  homenagem  ao  Sr.  barão  de  Cabo-Frio,  distincto  e  illustrado  di- 
rector-geral  da  secretaria  de  estrangeiros.  A's  5  1/2  da  tarde  dá-se 
fundo  n'iim  pedregal,  do  mesmo  lado,  onde  mana  um  filete  da  mais 
clara  e  pura  agua,  achado  inestimável  para  os  viajantes  desse  rio  de 
lodo. 

Ha  alguns  dias  que  a  montaria  não  nos  tem  trazido  peixe ;  do 
mesmo  modo  que  notámos  ausência  completa  dos  botos,  tão  frequentes 
ainda  á  dous  dias. 


A's  4  horas  e  20  minutos  da  manhã  de  4,  domingo,  sahimos.  Hora 
e  um  quarto  depois,  passa-se  um  pequeno  regato,  que  recebeu  o  nome  de 
S.  Carlos j  e  ás  9  1/2  outro,  ambos  na  margem  esquerda ;  trez  horas 
depois  enfrentámos  ao  Buryfisal,  na  mesma  riba ;  e  ás  5  1/2  fundeámos, 
tendo  á  vista,  em  rumo  NN  E.  uns  montes,  que  dizem  ser  dos  Paca- 
hás-novos^  ou  das  Paccís  novas^  como  hoje  é  vulgarmente  conhecido,  e 
que  são  o  espigão  mais  septentrional  da  cordilheira  dos  Parecis. 


No  dia  seguinte,  ás  7  e  20  minutos,  com  duas  horas  de  viagem, 
começámos  a  passar  as  ilhas  dos  Muiuns^  em  numero  de  oito  ou  mais, 
variando  no  tamanho  de  cincoenta  á  mil  e  quinhentos  metros,  que  taes 
parecem  as  dimensões  da  menor  e  da  maior.  São  abundantes  de  hevoeas  e 
syphonias ;  e  aqui  encontrámos  o  primeiro  estabelecimento  de  exploração 
da  borracha :  nellas  o  Sr.  Sá  e  Castro  acha-se  estabelecido,  colhendo  com 
dous  trabalhadores  cerca  de  quinhentas  á  seiscentas  arrobas.  Já  perdemos 
a  esperança  de  encontrar  a  ilha  das  Capivaras,  que  os  antigos  collocara 
no  parallelo  11°,  U\  30". 


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254  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

A's  9  e  20  minutos  deixamos  o  grupo  das  Mutuns ;  poucos  mo- 
mentos depois  vemos  á  direita  o  ribeirão  dos  Pacahás-novos,  assim  cha- 
mado de  uma  tribu  que  o  habitava,  e  entrámos  n'um  estirão  de  quasi 
quinze  kilometros,  que  vae  terminar  no  Guajará-merim  a  primeira 
cachoeira  do  baixo  Mamoré,  á  qual  chegámos  um  quarto  de  hora  depois 
do  meio-dia. 


l.«    Caclioeira  :    G-xicvJará-"*©"*". 
A  O  B  Portos.— C  Canal  do  rio.  —  D  Caminho  por  terra 


IX 


Pacahás-novos  é  o  sitio  destinado  á  uma  das  estações  terminaes  da 
via-ferrea  do  Madeira  ao  Mamoré,  em  projectos  desde  1869,  e  já  por 
duas  vezes  começada  e  abandonada,  apóz  algum  trabalho  e  grandes 
perdas ;  mas  que  no  futuro  será  uma  realidade,  e  de  tanta  vantagem 
para  o  Brasil  como  para  a  Bolivia.  Por  ora  o  maior  trabalho  e  as  maiores 
despezas  tém  sido  feitos  nos  tribunaes  de  Londres. 


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AO   RIO    DE   JANEIRO  255 

Foi  um  engenheiro  americano,  o  coronel  Church,  que  de  passagem 
naquella  republica,  visitando  estas  regiões,  ficou  maravilhado  de  seus 
immensos  recursos  até  agora  improductivos  pelo  isolamento  e  difficuldade 
de  communicação  que  affasta  á  industria,  —  quem  aventou  a  idéa  dessa 
ferro-via.  Com  efifeito,  não  existissem  os  graves  empecilhos  que  oppôem 
as  cachoeiras  do  Mamoré,  Beni  e  Madeira,  e  a  vida  daquella  republica 
seria  outra,  tendo  franca  a  passagem  para  o  Atlântico.  No  primeiro  e 
terceiro  daquelles  rios  essas  difficuldades  seriam  vencidas  com  uma  ferro- 
via que  partisse  de  Pacahás  e  fosse  terminar  no  ponto  militar  de 
Santo  António  do  Madeira,  abaixo  da  ultima  cachoeira ;  n'um  trajecto 
de  trezentos  e  sessenta  e  trez  kilometros  (a). 

Church  primeiramente  projectou  um  canal,  cujo  orçamento  verifi- 
cou-se  exceder  ao  de  uma  estrada  de  ferro  :  entabolou,  então,  mediante 
certos  privilégios,  um  contracto  com  o  governo  boliviano,  obrigando-se 
á  dal-a  prompta  em  dous  annos ;  para  o  que  formaria  uma  Companhia 
de  Estrada  de  Ferro  com  o  capital  nominal  de  um  milhão  de  pezos 
fortes,  em  oure. 

Eegressando  aos  Estados-Unidos,  organisou  outra  companhia  com 
a  denominação  de  Companhia  de  Navegação  do  Madeira  e  Mamoréj  com 
capital  duplo  daquelle,  Parece,  porém,  que  quer  um,  quer  outro  dos 
contractantes,  miravam  ambos  o  mesmo  fim,  lucrarem  sem  se  darem  á 
trabalhos  ;  a  Bolivia  vendeu  logo  os  seus  direitos  á  uma  companhia  de 
navegação,  e  Church  os  seus  á  Companhia  da  Estrada  de  Ferro  do  Madeira 
ao  Mamoré.  Esta,  também,  comprehendeu  cedo  o  valor  da  empresa  tal 
como  era  projectada,  e  tratou  de  apurar  o  seu  ouro,  vendendo  todas  suas 
acções  á  outra  companhia,  organisada  por  Church,  a  de  Navegação  do 
Madeira  e  Mamoré. 

(a)  O  Brasil  na  exposição  de  Vienna,  1874. 


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256  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

Esta,  em  1872,  deliberou  encetar  os  trabalhos.  ProiQOveu  um  em- 
préstimo de  um  milhão  e  setecentas  mil  libras  esterlinas,  e  contractou  as 
obras  da  estrada  com  a  Companhia  Puhlw  Works  Construction,  á  razão 
de  seiscentas  mil  libras  esterlinas ;  a  qual,  porém,  apóz  transportar  valioso 
material  para  o  ponto  terminal  de  Santo  António,  reconhecendo  ter  sido 
enganada  quanto  á  extensão  da  linha  (a),  retirou  sua  palavra  e  propdz 
demanda  por  perdas  e  damnos  no  valor  de  quarenta  e  cinco  mil  libras. 

Contractou,  então,  a  companhia  concessionaria  com  a  casa  P.  &  F. 
Collins,  de  Philadeiphia,  essa  construcção :  o  sócio  Thomaz  Collins  veiu, 
no  anno  de  1876,  com  sua  familia,  para  Santo  António,  acompanhado  do 
representante  da  companhia,  O.  F.  Nichols.  A'  19  de  fevereiro  ancorava 
nesse  porto  o  primeiro  vapor,  com  pesado  e  custoso  material ;  e  outros 
foram-se  seguindo  :  de  modos  que  em  junho,  quando  lá  appareceu  o  en- 
genheiro brasileiro,  o  Sr.  capitão  Feliciano  António  Benjamim,  havia 
cerca  de  setecentos  trabalhadoros,  dos  quaes  quinhentos  americanos  e 
italianos,  e  duzentos  bolivianos.  Haviam,  também,  contractado  com  o 
Sr.  Paulino  Honholtz  a  vinda  de  quinhentos  cearenses,  e,  ainda,  uns  du- 
zentos negros  da  Virgínia.  O  pessoal  technico  compunha-se  de  cincoenta 
engenheiros  e  conductores,  sob  a  direcção  do  Sr.  C.  W.  Biod. 

Construiram-se,  de  prompto,  os  depósitos  e  armazéns,  as  casas  para 
os  engenheiros,  galpões  para  os  trabalhadores,  botica,  hospital,  olaria  e 
serraria  a  vapor ;  mudando-se  mais  tarde  a  olaria  para  uma  légua  adiante, 
onde  os  recursos  eram  mais  abundantes  e  melhores. 

Prepararam  dez  milhas  de  linha  e  exploraram  mais  de  cincoenta... 


Entretanto,  durante  esse  tempo  continuavam  os  pleitos  movidos 


(a)  Verificada,  achou-se-lhe  mais  53  kilometros  de  extensão. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  257 

pelos  possuidores  das  acções,  que,  de  ha  muito,  já  haviam  perdido  a  con- 
fiança na  empresa,  e  agora  exigiam  a  retirada  dos  fundos. 

Em  1874,  o  master  of  the  rolls,  por  sentença  que  reforçou  e  repro- 
duziu dous  annos  depois,  decidiu  contra  a  exigência,  por  não  estar  provado 
que  a  via  não  pudesse  ser  construida  com  seiscentas  mil  lihras :  mas, 
ordenou  a  passagem  dos  fundos  dos  Estados-Unidos  para  Londres.  O  go- 
verno boliviano  requereu  que  lhe  fosse  entregue  a  somma  levantada  por 
empréstimo,  com  o  singular  fundamento  de  (c  ter  sido  levado  á  autorisal-o 
e  ter  feito  aquellas  concessões,  induzido  por  informações  falsas ;  »  e  afinal, 
como  golpe  de  graças,  a  casa  Wilson,  representante  dos  quatro  quintos 
dos  possuidores  de  honds,  requereu  rehaver  o  seu  dinheiro,  «  visto  estar 
provado  ser  impraticável  a  construcção  da  via  !  » 

Até  a  dala  em  que  escrevo  estas  linhas  (a)  o  master  of  the  rolls  Fry, 
continua  a  indeferir  as  pretenções,  na  convicção  em  que  está  de  que  as 
obras  são  realizáveis.  Outro  deferimento  seria  iniquo  para  a  companhia 
de  navegação :  todavia,  são  tantos  os  interesses  contrários  e  tal  o  descrédito 
á  que  chegou  a  empresa,  pelo  dolo  e  ganância  dos  seus  primeiros  explo- 
radores, que  a  opinião  geral  está  abalada  ;  e  ha  sérios  receios  de  que  os 
tribunaes  superiores  julguem  sã  a  demanda  e  condemnem  a  companhia  á 
entrega  da  quota  dos  accionistas. 


Mas,  resta  o  futuro.  A  empresa  foi  tentada,  sérios  estudos  feitos  e 
reconhecido  haver  poucas  dificuldades  á  vencer.  Não  faltará  quem  renove 
as  tentativas ;  e  dessa  vez  a  experiência  do  passado  lhe  será  de  grande 
soccorro  —  e,  com  certeza,  um  seguro  auxiliar  para  o  bom  êxito  da 
empresa. 

A  morte  dessa,  como  de  tantas  outras,  teve  mais  por  determinante 


(a)  Junho  de  1879.  Vide  correspondências  de  Londres  no  Jornal  do  Gommeroio. 

33 


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258  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-OROSSO 

a  falta  de  moralidade  do  que  o  erro  de  cálculos.  Mesmo  o  erro  de  calculo 
parece  dever  ser  levado  em  conta  á  aquella  improbidade,  tão  grande 
eUeé. 

Em  novembro  de  1878  já  seis  milhas  eram  percorridas  pela  loco- 
motiva á  vapor :  mais  de  sessenta  estavam  abei*tas  e  na  maior  parte  com 
os  trilhos  assentados,  e  isso  no  curtissimo  espaço  de  oito  mezes,  visto  que 
foi  em  março  que  se  iniciaram  os  trabalhos. 

Tenho  fé  em  que,  cedo,  estará  realisado  esse  grande  ãesiãeraium 
para  a  prosperidade  dessas  regiões,  até  hoje  trancadas  ao  commercio  e 
à  sociedade.  O  medo  do  clima,  reputado  insalubre  sinào  mortifero,  está 
hoje  desvanecido.  O  terreno  é  o  mais  próprio  para  trabalhos  daquella 
ordem.;  e  talvez  nenhuma  ferro-via  das  até  agora  planejadas  no  Brasil 
tenha  por  leito  solo  tão  pouco  accidentado  e  de  mais  fácil  preparo.  As 
margens  ahi  sâo  altas,  os  ribeirões  e  riachos,  á  passar,  poucos  e  de  pouca 
largura,  sendo  conhecidos  apenas  o  Bananeira,  Lage^  Ribeirão  de  S.  José, 
Araras,  Mutum-paraná  e  Jacy-paratiã ;  estes  dous  os  mais  fortes,  e 
largos  de  dez  a  doze  metros. 

Como  auxiliares  ao  trabalho  e  promptos  á  colher,  ha  com  abundância 
e  á  mão,  agua,  pedra,  argilla  e  madeiras  de  lei ;  e  tudo  da  melhor 
qualidade.  Como  auxiliares  aos  lucros  da  empresa,  —  ha  as  fontes  de  en- 
grandecimento dessas  regiões,  a  borrrcha,  o  cacau,  a  castanha,  a  salsa- 
parrilha, a  copahiba,  a  baunilha,  a  poaya,  e  mil  ontros  productos  da  sua 
ubérrima  natureza. 


— —  ^íií 


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CAPITULO    IV 

As  cachoeiras 

I 

AE  agora  a  navegação,  por 
um  tracto  de  mais  de  quatro- 
centos kilometros  (a),  toda 
atravancada  de  penedos,  cor- 
redeiras, cachoeiras  e  saltos, 
que,  impedindo-a  completa- 
mente em  alguns  pontos,  dif- 
ficultam-a  immenso  no  resto. 
Esses  tropeços  variam  con- 
forme a  estação  e  a  força  das  aguas,  que  augmentam    ou  diminuem  o 
numero  das  cachoeiras,  tanto  como  o  seu  Ímpeto  e  bravesa.  Cachoei- 
.  ras  ha  difficilimas  de  transpor,  na  enchente,  que  nas  aguas  baixas  são 
pouco  Fensiveís,  e  vice-versa;  e  é  isso  o  que  faz  variar  o  seu  numero  para 
os  viajantes,  dos  quaes  uns  contam  vinte  e  uma,  outros  dezenove,  outros 
menos  ainda ;  sendo  nestes  casos  as  restantes  designadas  como  simples 
corredeiras. 

São  ellas :   Gaajard-merim^   GuojardHissú,  duas   da  Bananeira, 
PáU'Grande  e  Lage,  no  Mamoré ;  Madeira,  Mizericorãia,  e  duas  do 


(a)  Segundo  os  Srs.  Keller  365,846.»  que  supponho  tomaram  a  corda,  onde  foi 
traçada  a  estrada  de  ferro,  pelo  arco  que  o  rio  forma. 

Bi  cardo  Franco  na  sua  Memoria  G^ographica  do  rio  Tapajoz  dá  do  Salto  do 
Theotonio  (aos  8»,  52')  á  foz  do  Abuná  59  léguas,  desta  á  do  Mamoré  16  (aos  lOo,  22*, 
30").  Ha,  poróm,  engano  manifesto,  pois  a  primeira  distancia  é  menor  de  45  léguas. 
Da  foz  do  Mamoré  ao  Guajará-merim  ha  10,5  léguas,  e  do  Salto  do  Theotonio  ao 
porto  de  Santo  António  4 :  total  75  léguas  de  20  ao  grau  ou  416,5  kilometros. 


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260  rriNERABio  da  gidadb  de  matto-grosso 

Btheirão^  Araras^  Pederneiras^  Paredão,  Trejs-lnnãos,  Salto  do  Girau, 
Caldeirão  do  Inferno,  Morrinhos,  Salto  do  Theotonio,  Macacos  e 
Santo  António,  Ha  ainda  duas  perigosas  sirgas  entre  as  cachoeiras  do 
Ribeirão  e  Araras,  denominadas  da  Pedra-Grande  e  dos  Periquitos,  bem 
assustadoras  no  tempo  das  cheias. 

Essas  denominações  foram-lhes  impostas,  segundo  diz  Baena  (a),  pela 
commissâo  de  limites  de  1782,  que  assim  as  consignou  nos  seus  mappas; 
sendo  que  anteriormente  eram  conhecidas  pelos  nomes  de  Panellas, 
Cordas,  Papagaios,  Javalis,  Tejuco,  Tapioca,  Uainumú,  Mamoriné, 
Tamanduá  ou  Arey,  Mayari,  Paricá,  Arapacoá,  Coati,  Guará-assti, 
Natal,  Gamon  e  Aroayá,  também  chamada  S.  João. 

A  travessia  das  cachoeiras  é  quasi  sempre  feita  á  sirga  e  algumas 
vezes  á  toda  força  de  remos.  Quando  á  sirga,  parte  dos  tripulantes 
salta  nos  penhascos  lateraes,  espiando  a  embarcação  com  dous  grandes 
cabos  á  proa ;  outra  parte,  por  agua,  ora  nadando,  ora  apoiando-se  nos 
penedos,  aguenta-a  com  outra  forte  espia,  que  pouco  á  pouco  vão  dando 
de  mão,  para  dar  seguimento  ao  baixel.  A'  proa  vão  os  dous  mais  pos- 
santes e  experimentados  remeiros,  armados  da  zinga,  grande  vara  que 
empregam  muitas  vezes  em  vez  de  remos,  para  dar  impulso  á  embarcação, 
desvial-a  dos  penedos  e  também  para  aguental-a  na  marcha :  sobre  a 
tolda,  o  piloto,  empunha  o  leme,  dando  a  direcção  conveniente,  mudável 
á  cada  instante,  porque  á  cada  instante  o  penhasco  e  o  rebojo  lhe  estão 
na  frente. 

Quando  a  travessia  é  a  remos^  o  que  se  faz  nas  corredeiras  ou  ca- 
choeiras de  pequenos  saltos,  vão  todos  os  remeiros  á  postos,  estugando-se 
nas  remadas;  ora  enterrando  os  remos,  ora  raspando  apenas  a  superfície 
das  aguas,  conforme  as  vozes  do  commando  do  piloto  :  raspa,  ou  rema 
duro :  na  prôa,  o  remador  de  mais  confiança  tem  em  mão  o  remo  grande  j 

(a)  Ensaio  ohronohgioo  sobre  o  Pará,  pag.  515. 


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AO  RIO   DE  JANEIRO  261 

assim  chamado  por  ser  sua  pá  de  trez  decimetros  sobre  dois  e  meio  de  largo, 
o  qual  só  é  empregado  nas  occasiões  difficeis  em  que  o  bote,  impellido 
como  uma  flexa  pela  força  da  corrente,  tem  de  mudar  de  direcção,  entre 
os  escolhos,  o  que,  então,  faz  com  uma  rapidez  pasmosa;  sossobrando  no 
caso  contrario.  Do  concurso  uniforme  de  todos  depende  a  salvação  da 
embarcação  e  de  tudo  o  que  conduz :  perícia  do  piloto,  pujança  e  rapidez 
de  movimento  do  manejador  do  remo  grande  e  uniformidade  de  acção 
em  todos  os  outros  remeiros.  Si  aquelles  se  descuidam  por  um  instante, 
si  destes  algum  affrouxa,  tomando  subitamente  mais  fraco  o  esforço  de 
um  lado  do  que  do  outro,  rompe-se  o  equilíbrio  na  marcha,  e  a  perda  é 
inevitável. 

Felizmente,  esses  passos  difficeis  são  rápidos;  tal  a  força  vertiginosa 
da  corrente :  mas,  apezar  disso,  quando  —  passado  o  perigo,  os  remeiros 
affrouxam  o  manejo,  é  a  agua  das  cachoeiras,  que  os  cobre,  que  occulta 
o  suor  que  os  banha ;  tal  o  esforço  empregado.  Sua  posição,  além  de  peri- 
gosa, é  incommoda :  sendo  toldadas  as  canoas,  deixam,  apen^is,  um  bal- 
drame de  um  palmo,  mais  ou  menos,  de  largura^  onde  elles  se  collocam 
mal  assentados,  com  uma  perna  dobrada,  e  a  outra  pendente  e  dentro 
d'agua.  Nada  tendo  que  os  ampare  nos  banzeiros  ou  grandes  escarcéos 
que  os  rebojos  formam,  e  que  dão  â  embarcação  movimentos  desorde- 
nados, tém  por  única  garantia  de  salvação  o  passarem  o  braço  n'um 
gancho  de  pau  preso  na  tolda,  o  que  nem  sempre  os  livra  de  serem  arre- 
batados pelo  marulho. 


E'  notável  nessas  paragens  de  cachoeiras  o  movimento  das  aguas : 
vê-se  o  rio  dividido  em  trez  zonas :  no  meio,  a  corredeira^  onde  a  veloci- 
dade é  enorme,  e  lateralmente  os  remansos  immoveis  como  agua  estag- 
nada ;  e  entre  estes  e  aquella  uma  outra  corrente  em  sentido  inverso  da 


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262  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

do  rio,  sondo  digna  de  observação  tal  dififerença  de  movimentos  em  super- 
ficie  tão  unida,  e  cuja  a  separação  é  por  assim  dizer  linear. 

Quando,  alguinas  vezes,  o  remo  grande  não  consegue  desviar  com 
sufBciente  Ímpeto  o  baixel  da  corrente  para  o  remanso,  a  embarcação  pene- 
tra apenas  â  meio,  é  com  supina  difficuldade  que  a  tripulação  consegue 
fazêl-a  avançar;  tomando-se  necessário  rebocai-a  á  nado,  por  isso  que  não 
só  o  remanso  nenhuma  resistência  offerece  á  acção  dos  remos,  como  a 
força  da  corrente  e  os  rebojos,  na  zona  immediata,  tendem  á  arrastar  a 
popa  para  a  corredeira. 

Jamais  passam  as  embarcações  carregadas  nas  cachoeiras,  e  raro 
nas  corredeiras.  O  mais  conveniente  é  folgal-as  na  proa,  deixando  á  popa 
a  carga  necessária  para  não  caturrarem  nos  banzeiros  e  alagarem-se. 

As  principaes  cachoeiras  são,  de  ordinário,  na  volta  dos  rios  ;  sendo 
no  ponto  mais  saliente  da  volta  a  sua  maior  força  e  também  o  maior 
perigo,  por  isso  que  os  escarcéos  são  ahi  maiores  e  as  ondas  espaldeiam 
a  embarcação.  Conhece- se  a  approximação  da  cachoeira  pela  maior  velo- 
cidade que  as  aguas  vão  adquirindo  :  os  portos  são  sempre  immediata- 
mente  juntos  ao  perigo ;  e  ás  vezes  a  corrente  é,  já,  bem  veloz,  ao  chegar-se 
ao  ponto  onde  se  deve  abicar.  Manobra- se,  então,  com  a  maior  rapidez, 
energia  e  segurança  de  vista,  para  cahir-se  no  remanso  :  abica-se  e  des- 
carrega-se.  Ao  menor  descuido  pôde  a  embarcação  garrar  e  ir  despenhar-se 
na  cachoeira.  Quando  esta  é  de  salto  impossivel  de  ser  transposto,  vor- 
ram-se  as  embarcações  por  terra,  de  um  ponto  ao  outro. 


II 


O  Guajará-merim  é  uma  das  que  mais  variam,desapparecendo  quando 
as  aguas  do  Mamoré  se  avolumam. 

Seu  trajecto  é  breve,  mas  perigoso,  por  ser  o  canal  muito  estreito. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  263 

Pica  este  á  margem  esquerda,  logo  encostado   á  grande  lage  que  a 
borda  (C).* 

Assim  que  abicáraos,  foi  o  piloto  Gomes  reconhecer  o  passo,  emquanto 
se  procedia  ao  descarregamento  do  bote ;  indo  as  cargas  conduzidas  por 
um  pequeno  caminho  (D)  de  duzentos  e  çincoenta  metros  de  exten- 
são, onde  sao  portos  as  pequeninas  enseadas,  marcadas  com  as  lettras 
AeB. 

Uma  cordilheira  de  penedos,  com  uns  cento  e  çincoenta  metros  de 
largura,  atravessa  o  rio  de  lado  á  lado,  alargando-se  em  suas  margens  em 
duas  enormes  lages  de  apparencia  dioritica,  cuja  maior  é  já  desig- 
nada â  esquerda.  Deixava  ver  em  alguns  logares  a  formação  porosa  de 
uma  espécie  de  canga  envemisada  (quartzo  ferruginozo)  semelhante  ao 
phonolito.  O  rio,que  era  de  cerca  de  quatrocentos  metros,tem  aqui  dobrada 
largura.  O  caminho  vae  beirando  quasi  a  orla  da  barranca;  a  terra  vegetal 
descobre-lhe  schistus  argillo-talcosos,  sem  stratificação  conhecida. 

A's  2  horas  e  meia  da  tarde  nossa  embarcação  desce  á  sirga,  contida 
pelos  grossos  cabos  á  proa  e  popa  que  a  guarnição  aguenta,  para  não 
deixal-a  ser  tomada  pela  torrente;  para  o  que  os  nossos  homens  ora  seguem 
por  cima  das  lages  e  penhascos  maiores,  cheios  de  pontas  e  depressões, 
ora  á  nado  na  correntesa,  ora  agarrando-se  aos  penhascos  ou  soccorrendo-se 
uns  aos  outros  para  não  serem  levados  no  cachão  das  aguas.  Beceiosos 
dos  perigos  da  travessia,  que  pela  primeira  vez  arrostávamos,  desem- 
barcamos todos  á  excepção  do  1**  tenente  Frederico  que,  digno  official  do 
mar,  quiz  por  si  próprio  conhecêl-os  e  estudal-os. 

Trez  minutos  durou  a  travessia ;  e  o  bote  veiu  abicar  e  receber  a 
carga  no  porto  de  baixo. 

Os  engenheiros  Keller  (a)  coUocam  a  Guajará-merim,  â  10**,  44', 
32",8  de  lat.  e  22%  3',  42"  long.  O.  do  Bio  de  Janeiro ;  dando-lhe  a 


(a)  The  Ainason  and  Madeira  rivers. 


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264  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

altura  de  144",06  sobre  o  niyel  do  mar;  Edward  D.  Mathews  dá  510  pés 
ou  155"*,C4,  alturas  que  entretanto  me  parecem  mui  fracas  (a). 

Aqui  encontrámos  o  resto  de  uma  canoa  de  um  desventurado  nego- 
ciante, chamado  Pinheiro,  que  ha  anno  e  tanto  subia  com  dous  botes 
carrecfados  de  géneros  do  Pará ;  e  em  viagem  perdeu  quasi  toda  a  tripu- 
lação de  febres  malignas. 


2.*  Cachoeira  :    d-iia^aró-assiá. 
A^  B  Portos.— C  Canal  do  rio.  —  £>  Caminho  por  terra 

Baldo  de  recursos  e  não  tendo  outro  remédio  á  dar,  abicou  aqui ; 
fez  um  rancho,  onde  depositou  todo  o  seu  carregamento,  e  seguiu  rio  acima 


(a)  Upthe  Amason  and  Madeira  rivers,  through  Bolívia  and  Peru. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  265 

á  buscar  novos  remadores,  deixando  gravado  n'uma  arvore  seu  nome  e 
o  motivo  por  que  áhi  ficava  a  sua  carga,  a  qual  confiava  á  protecção  dos 
passageiros  :  tal  como  Napoleão,  e  com  o  mesmo  êxito,  aliás, — confiou-se 
á  generosidade  dos  inglezes,  na  falta  de  cousa  melhor. 

Quando,  dous  mezes  passados,  apenas,  ahi  voltou,  nada  mais  viu 
sinão  o  rancho  vazio  e  os  restos  do  bote,  taes  quaes  hoje  nós  mesmos 
vemos.  Vivem  nestas  regiões  os  indios  jacarés^  tribu  pacifica,e  que  ás  vezes 
vém  em  soccorro  aos  viandantes  :  uns  atribuem-lhes  o  roubo,  outros  á 
viajantes  bolivianos  que  por  ahi  passaram. 

No  dia  seguinte  6,  terça-feira,  sahimos  da  Guajará  merim,  por  volta 
das  6  da  manhã  e  pouco  depois  de  meia  hora  abicámos  ao  porto  de 
cima  (A)  da  Guajard-guassú,  também  á  margem  esquerda  e  bastante 
parecida  com  aquella,  com  a  differença,  apenas,  que  o  seu  qualificativo 
tupy  indica.  Dista  uma  cachoeira  da  outra  nove  Mlometros,  mais  ou 
menos.  Descarregou-se  o  bote,  que  desceu  á  sirga. 

A  estrada  das  cargas  é  de  uns  quatrocentos  metros  ;  mas  nas  actuaes 
circumstancias  de  vasante  do  rio  póde-se-lhe  encurtar  a  distancia  n'um 
terço,  levando-se,  como  se  fez,  as  cargas  pelo  pedregal  da  margem. 

A's  2  da  tarde  continuámos  a  derrota.  Com  um  seguimento  de  doze 
minutos  descobrimos  para  NE.  um  morrote  que  disseram-nos  ser  o  da 
cachoeira  do  Madeira,  em  frente  á  foz  do  Béni. 

O  rio  já  tornou-se  piscoso ;  sendo  digno  de  reparo  a  falta,  quasi 

absoluta,  de  peixe  que  encontrámos  nestes  dias,  mesmo  nos  remansos  da 

outra  cachoeira,  logares  que  poi:  serem  de  aguas  mortas  são  muito  piscosos. 

Hoje  tivemos  algumas  par  ahibas(h2Lgrm  recticulatus)  ejaús,  de  mais  de 

metro  e  meio,  alguns  robafos  (trahiras)  e  batuqueiros,  a  melhor  espécie 

dos  pacus,  muitas  piranhas  e  dous  peixes,  novos  para  mim,  o  cascudo^ 

espécie  de  crcarrí  (a  margarita  de  Hech),  e  que  é  peixe  milito  commum 

34 


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266  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-CmOSSO 

nos  rios  de  Matto-Grosso.  Já  se  vê  que  o  dia  não  foi  mau  para  nós,  que, 
sem  sermos  ^astrónomos,  bastante  necessidade  tinhamos  de  refazimento 
da  dispensa ;  e  veiu  amplamente  compensar-nos  das  misérias  passadas. 

A'  7  partimos,  logo  ás  5  1/2  da  manhã. 

Meia  hora  depois  avistámos  as  primeiras  lages,  ilhotas  avançadas 
da  grande  cachoeira  das  Bananeiras,  uma  das  maiores  e  mais  respeitadas 
dos  dous  rios. 

A*s  7  horas  e  40'  passámos  dous  pequenos  arroios,  á  direita  e  es- 
querda, á  que  se  impuzeram  os  nomes  de  Clemente  e  José  Pires,  em 
honra  dos  dous  nossos  excellentes  auxiliares  o  piloto  e  o  proeiro,  manejador 
do  remo  grande.  Uma  hora  depois,  com  uma  velocidade  de  nove  milhas  por 
hora  abordámos  ao  porto  superior  da  mòe^a  da  cachoeira  (A),  á  3  1/2 
léguas  do  Guajará. 

Esta  estende-se  por  perto  de  dez  kilometros,  apenas  separada  por 
um  pequeno  tracto  despido  de  rochas  e  parceis ;  o  que  fel-a  considerar-se 
uma  só,  distinguindo-se-lhe  as  divisões  com  os  nomes  de  cabeça  e  cauda. 

Ricardo  Franco  demarcou  a  cabeça,  isto  é,  o  porto  A,  aos  10%  37', 
e  o  porto  B,  aos  10%  33',  S.  O  Sr.  Keller  dá-lhe  a  altura  de  137-,3  sobre 
o  mar. 

t'   a  cachoeira  das  Bananeiras,  uma  formidável  corredeira,   com 

saltos  e  passos  difKcilimos  umas  vezes,  e  outras  impossíveis  de  transpor  : 

na  cabeça  ha  necessidade  de  varar  as  embarcações,  isto  é,  de  conduzil-as 

por  terra  do  porto  A  ao  B,  qualquer  que  seja  o  eàtado  do  rio ;  e  a  cauda, 

também  offerece  muita  dificuldade,  sendo  todavia  vencida,  quasi  sempre, 
á  sirga. 


Chegados  ao  porix)  de  cima.  A,  da  cabeça,  ás  6  horas  e  35\  e  afiSan- 
çando  alguns  da  tripulação  que  na  vazante,  a  corredeira  perdia  muito  da 


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AO  RIO  DG  JANEIRO  267 

sua  força  e  dava  canal,  que  o  nosso  bote  podia  transpor  facilmente ;  des- 
carregou-se  este,  e,  ás  10  horas^  começou  á  descer  â  sirga.  O  canal  ficava 
próximo  â  orla  direita  de  uma  grande  ilha,  quasi  á  meio  rio :  diziam  haver, 
também,  outros  mais  chegados  á  margem  esquerda  e  procurados  nas 
enchentes  extraordinárias. 


3/    Caolxoeira  :    Bananeiras.    Cal^eça. 
vi   o  B  Portos.  C  Canal  perigoso.  C  Canal  seguido.  D  Varadouro. 

Apezar  do  trajecto  daquelle  canal  (C)  ser  de  uns  seiscentos  â 
setecentos  metros,  o  bote  só  alcançou  chegar  ao  porto  B,  no  dia  seguinte, 
ao  meio-dia.  O  varadouro  é  de  duzentos  e  vinte  metros :  no  porto  B  ha  um 
bom  local  para  acampamento,  junto  á  uma  pequena  abra,  com  praia  de 
fina  e  branca  areia,  onde  se  deslisa  um  veiosinho  de  excellente  agua. 

Carregado  de  novo,  desceu  o  bote  ás  2  da  tarde ;  tomou  direcção  á 
margem  direita,  passando  entre  uma  ilha,  que  logo  ahi  se  encontra  e  á 
margem  esquerda,  sendo  esse  canal,  que  é  entretanto  o  melhor,  ainda 


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268  ITINERÁRIO   DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

atravancado  por  um  pequeno  salto  de  palmo  de  altura  logo  em  seus 
começos. 

A  moDlaria,  que  de  tanta  utilidade  e  necessidade  nos  era,  desappa- 
receu  hoje,  na  passagem  da  cachoeira,  salvando-se  á  nado  seus  dous 
tripulantes.  Vae-se-nos  na  peior  occasião,  agora  que  os  mantimentos  nos 
vão  escasseando  ;  visto  que  com  ella  contávamos  para  os  reconhecimentos 
do  rio,  o  exame  dos  passos  difficeis  e  dos  canaes,  e  também  para  provêr-nos 
de  peixe  e  de  caça. 

A's  2  horas  e  3/4  chegámos  á  cauda,  ou  segunda  parte  da  cachoeira, 
formada  de  um  sem  numero  de  ilhotas  e  penedos,  onde,  na  extensão  de 
uns  seis  kilometros,  ha  necessidade  de  descarregar-se  a  canoa,  de  modo 
á  folgar  a  proa.  Saltaram  também  as  mulheres,  o  creado  e  o  servente. 
A'  remos,  raspando  com  uniformidade,  força  e  presteza,  a  superfície  das 
aguas,  deslisou-se  o  bote  com  o  ímpeto  de  uma  flexa,  até  que  ás  vozes 
enérgicas  e  rápidas  do  piloto :  «  Remo  grande !  e—Iiaspa  duro ! »  deu-nos 
á  entender  que  estávamos  n'um  rebojo,  ou  com  rochedo  á  proa :  o  proeiro 
Clemente  enterrou  o  remo  grande,  á  guiza  de  leme;  os  romeiros,  dobraram 
de  força  e  rapidez,  mas  roçando  apenas  á  tona  d'agua ;  e  o  bote  mudou  de 
rumo,  com  uma  promptidão  e  docilidade,  á  primeira  vista,  impossível  eai 
tão  forte  e  vertiginosa  corrente ;  fazendo-se  em  menos  de  seis  minutos  a 
travessia  de  mais  de  dous  kilometros  dessa  corredeira. 

Nesta  estação  é  isso  mais  fácil,  dizem  os  navegantes ;  mas  nas  en- 
chentes ha  necessidade  de  descarregar-se  toda  a  embarcação. 

No  porto  (B)  abicou-se :  á  noite  carregou-se  o  bote  e  ás  5  horas, 
e  23'  da  manhã  do  dia  9  seguimos  viagem. 

Quasi  uma  hora  depois  passava-se  o  rio  Preto,  de  quarenta  metros 
de  foz,  á  margem  esquerda  e  junto  á  um  morrote.  A's  7  horas  e  10'  che- 
gava-se  ao  porto  de  cima  da  cachoeira  do  PaurQrande,  cerca  de  vinte 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  269 

kilometros  abaixo  das  Bananeiras,  onde  descarregou-so  completamente 
a  embarcação  para  passal-a  á  sirga,  no  que  gastou-se  menos  de  duas 
horas. 

O  caminho  por  terra  é  de  trezentos  e  sessenta  metros :  formoso 
e  aprazivel  é  o  acampamento  do  porto  inferior  (B),  assombrado  por 
gigantes  gamelleiras  ou  sapopembas.  Uma  delias,  e  a  maior,  jaz  por 
terra,  parecendo  ter  tombado  ha  pouco  tempo,  tão  viçosa  ainda  está : 
mede  trinta  e  um  palmos  e  duas  poUegadas  de  circuito,  dous  metros 
acima  do  collo ;  dando  espaço  sufíiciente  para  sobre  seu  tronco  passearmos, 
em  alguns  metros,  meus  dous  companheiros  e  eu,  á  par  uns  dos  outros. 
Cobrem-o  innumeras  parasitas,  entre  às  quaes  uma  formosa  echmoea 
discolor,  em  plena  florescência. 


Caud;A    iltv     Saxianeira.. 
A  e  B  Portos.  C  Canal.  D.  Caminho  por  terra. 

Tem  esta  cachoeira  cerca  de  um  kilometro  de  extensão :  dizem  ser 
terrível  nas  cheias  dos  rios. 

Nas  cercanias  do  acampamento  encontrei  o  conamly  (phyllantus  c), 


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270  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-0ROSSO 

narcótico  empregado  pelos  índios;  e  a  spilanthes  oleracea,  ou  jambú, 
também  conhecida  por  agrião  do  Pará. 


Apparelhado  o  bote,  puzemo-nos  em  marcha  ás  2  horas  e  10'  da 
tarde.  A's  2  horas  e  51'  chegámos  á  Z^^re,  á  pouco  mais  deseiskilo- 
metros  abaixo  da  precedente.  Apresenta-se-nos  como  uma  corredeira  de 
uns  mil  e  duzentos  á  mil  e  quinhentos  metros,  inçada  de  penhascos 
e  lágedos  como  os  da  cauda  das  Bananeiras ;  mas,  em  extensão 
menor. 

Sahiu  o  nosso  excellente  piloto  á  reconhecer  o  estado  actual  da 
cachoeira  e  procurar-lhe  canal ;  o  que  teve  de  fazer  por  si  s6,  saltando 
pedrouças,  galgando  penhascos,  atravessando  logares  difficeis,  ora  aju- 
dando-se  de  uma  vara,  ora  de  uma  corda,  que  passava  na  cabeça  de  um 
cachopo,  segurando  nas  duas  pontas,  uma  das  quaes  soltava,  logo  que 
era  vencido  o  passo ;  colhendo-a  toda,  para  empregar  do  mesmo  modo 
mais  adiante ;  trabalho  de  imminente  risco,  mas  de  extrema  necessidade, 
por  faltar-nos  qualquer  outro  meio  para  taes  exames.  Afinal  voltou 
satisfeito  do  reconhecimento,  e  ás  3  horas  e  46  minutos  desceu  o  bote 
com  todo  o  seu  carregamento;  deslisando-se  em  vertiginosa  carreira 
na  corredeira,  que  foi  vencida  em  cinco  minutos,  havendo  mister  do 
auxilio  do  remo  grande. 

Na  força  das  aguas  só  á  sirga  pôde  ser  vencida. 

A's  4  da  tarde  passámos  pelo  ribeirão  da  Lage^àe  sessenta  á  setenta 
metros  de  barra,  á  margem  direita.  Areias,  repousando  sobre  argilla 
pardacenta,  com  núcleos  de  silex,  encobrem  a  formação  geológica,  que 
entretanto  bem  se  revela,  poucos  passos  adiante,  nog  penhascos  da  ca- 
choeira. 


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AO  RIO   DE   JANEIRO  271 

A's  4  horas  e  27*,  avistámos  a  foz  do  Béni,  cerca  de  uma  légua  abaixo 
da  lage,  em  cujo  ponto  de  confluência,  fundeámos  ás  5  horas  em  ponto. 


Entre  esse  ponto  e  a  Lage  encontrámos  um  bote  boliviano,  que  subia 
quasi  já  sem  remadores,  tendo  perdido  cinco,  trez  dos  quaes^  nos  dous 
últimos  dias,  deixara  enterrados  na  margem  próxima.  Ainda  conduzia 
dous  bastante  enfermos,  um  delles  agonizando.  Deu-se-lhes  alguns  géneros 
de  refresco  e  ministrou-se-lhes  medicamentos :  o  que  temos  feito  sempre 
que  encontrámos  necessitados,  não  somente  doentes,  mas,  também,  esses 
degredados  do  resto  do  mundo,  que,  aífeitos  á  sociedade  e  conhecedores  do 
beneficio  da  medicina,  noFos  pediam  como  uma  providencia  do  futuro  e 
recebiam-os  como  um  dom  do  céo. 


III 


_  A  reunião  das  aguas  do  Mamoré  e  do  Béni  dão  origem  ao  grande 
Madeira,  o  mais  possante  dos  tributários  do  rio-mar.  Por  perto  de  qua- 
trocentos kilometros  desce  encachoeirado,  n'um  meandro  infinito  de  ilhas, 
penhascos  e  cachopos,  rumorejante  e  precipite ;  dando  ao  cabo  desse 
pedregal,  em  Santo  António,  uma  difiFerença  de  cem  metros  abaixo  do 
nivel  daquella  confluência. 

Seu  primitivo  nome  era  Vcaidri  ou  Ucayali,  vocábulos  que  dizem 
exprimir  o  mesmo  que  a  denominação  que  hoje  tém ;  e  Irurt/,  o  rio  que 
ireme^  chamavam-lhe  os  caripunas.  Também  na  Chorographia  Histórica, 
do  erudito  Dr.  Mello  Moraes  (tomo  II),  lê-se  que  «  na  Instrucção  secre- 
tíssima (de  1  de  setembro  de  1772).  com  que  S.  M.  manda  passar 
á  capital  de  Belém  do  Grão-Pará  o  capitão-general  João  Pereira  Caldas, 
ordena-lhe  o  marquez  de  Pombal  que  estabeleça  a  quinta  feitoria  na  duo- 


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272  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

decima  cachoeira  do  rio  Madeira,  em  frente  ás  fozes  dos  dous  notáveis 
rios  Bény  e  Enym,  »  nome  que  pela  primeira  vez  vejo  dado  ao  Mamoré. 

Sobre  Ucayali,  alguns  querem  que  esse  termo  seja  traducçào  de 
rio  branco^  o  que  não  é  desarrasoado  em  vista  da  côr  das  suas  aguas, 
tão  barrentas  como  as  do  Mamoré;  e  isso  quando  dão  também  o  nome  de 
rio  preto  á  to  Jos  os  de  agua  clara,  crystallina  e  pura,  pela  côr  que  appa- 
rentam  ao  confrontarem  com  os  grandes  rios  lodacentos  á  que  affluem. 

O  nome  Madeira,  quer  traducção  de  Ucayu.li,  quer  não,  é-lhe  muito 
próprio,  pela  quantidade  enorme  de  madeiros  que  acarreta  em  seu  curso; 
e  por  forma  tal  que,  depositados  nasbaixantes  sobre  os  parceis  e  cachopos, 
e  ahi  accumulados  pouco  á  pouco,  á  medida  que  as  aguas  vão  crescendo, 
vão  formando  ilhotas  e  tém  formado  ilhas. 

Enredados  os  troncos  de  arvores  immensas,  uns  contra  os  outros; 
prezos  e  como  que  harpoados  aos  penhascos  ;  comprimidos  e  estreitados 
pela  violência  das  aguas ;  adquirem  tal  solidez  na  sua  base  de  pedra  que, 
ás  vezes,  resistem  victoriosamente  á  fiiria  da  torrente.  Todos  os  detritos 
leves  que  as  aguas  conduzem,  os  hydrophitos,  que  se  desprendem  das 
margens,  as  areias  que  vém  em  suspensão,  a  argilla,  a  marga,  ahi  se 
accumulam  :  apparece  uma  vegetação  nova,  e  a  nova  ilha  apresenta-se 
com  os  caracteres  de  terra  firme ;  caracteres  que  nem  sempre  perduram, 
desaggregando-se  a  ilha  com  as  enchentes  e  descendo  o  rio. 

Ao  Béni  chamaram  também  rio  dos  Troncos,  pela  mesma  razão. 

A  palavra  Béni  quer  dizer  rio,  torrente  d'agua,  ba-eni^  no  dialecto 
ariocali  e  dos  caripunas  ;  e  é  tão  oriunda  da  grande  familia  tupica,  a 
primeira  povoadora  da  metade  oriental  da  America  do  Sul,  que  vém 
associado  á  assú  :  Ueneassti  é  a  denominação  que  tem  o  Alto  Kio  Negro. 
Ao  rio  Ftirús  chamam  também  Béni  os  pamaris. 

O  valle  do  Madeira  é  um  dos  mais  extensos  do  universo.  Começa  nas 


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Cachoeira. 
PÃO  GraNDTs 


A  B  Fortes 
C  Ccunal 
D      Caminho  por  Urrtè^ 


Cachoeira 
Madeira 


^  .  -AÈ-  Fcrtos 

yy  AV  ^  ^'  Q  —  Canal  eonheculo 
/  V  3      jD  -  nrUo  onde  pa*^mog 
»o  chegar  d  ccnfltêeruta 
-E  —  Marco 

F  —  Ilha  4a  confluência 
G  _  Caminhe  por  terra- 
M  -  Canvf  qu«  se^uinto* 


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AO  RIO  DE  JANEIBO  273 

escarpas  dos  Andes,  tendo  por  limites  lateraes  o  araxá  matto-grossense  e 
o  do  Purús,  e  vae  reunir-se  ao  do  Amazonas.  Chandless  coUoca  suas  ver- 
tentes á  1088  pés  acima  do  nivel  do  mar. 

E'  o  Béni  de  um  curso  de  1200  kil.,  isto  é,  quasi  egual  ao  do 
Mamoré.  A  commissão  de  limites  do  século  passado  dá  a  este  200  léguas, 
e  205  ao  Béni ;  léguas  de  20  ao  grau. 

Forma  o  Béni  na  sua  embocadura  duas  ilhas  em  seguida  uma  à 
outra  ;  delias,  a  maior  de  quinhentos  á  seiscentos  metros;  ambas  situadas 
á  meio  rio.  Sua  foz  medirá  pouco  mais  de  um  kilometro. 

Os  Srs.  Keller  collocam-a  á  10%  20',  lat.  e  22%  12',  20",  O.  do 
Bio  de  Janeiro,  e  dáo-lhe  de  altura  apenas  122,45  metros  sobre  o  nivel 
do  mar. 

A  juncção  dos  dous  rios,  elle  e  o  Mamoré,  formou  uma  ilha,  âa 
Confluência^  onde  os  antigos  planejaram  a  construcção  de  um  forte  para 
atacar  e  defender  cousa  nenhuma,  mas  attestar  o  senhorio  do  Mamoré 
e  Madeira,  como  o  forte  do  Príncipe  attesta  o  do  Guaporé. 

No  archivo  militar  existe  um  mappa  com  o  titulo  :  Planta  ão  forte 
qm  se  construiu^  na  boca  do  rio  Madeira,  junto  da  stm  confltiencta  com 
o  Mamoré. 

Os  antigos  suppuzeram  ser  o  Béni  o  Alto  Madeira,  e  deram-lhe  o 
mesmo  nome  de  Ucayari,  pela  mesma  razão  de  acarretar  profusão  de 
madeiros,  em  qualquer  época,  mormente  nas  enchentes.  Pertencem-lhe 
com  eflfeito  quasi  todos  os  que  o  giande  rio  conduz ;  sendo  mui  escasso, 
sinão  nuUo,  o  contingente  que  o  Mamoré,  seu  outro  braço,  lhe  fornece ; 
indo  elle  despejal-os  no  Amasonas,  que  por  sua  vez  levando-os  ao  oceano, 
as  correntes  marinhas  vão  depôl-os  até  nas  costas  de  Noruega  e  nos 
icebergs  do  pólo. 

Como  já  vimos  (a),  suppõe-se  que  anteriormente  á  1722  fôra  o 

(a)  Vide  introducção,  cap.  III. 

85 


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274  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

Madeira  percorrido  por  aventureiros  em  busca  de  escravos  Índios. 
Baena  (a)  pretende  que  subira  por  elle,  mas  só  até  o  Manicoré,  o  capitão- 
mór  do  Pará,  João  de  Barros  Guerra,  pelo  correr  de  1716.  Narra  a  subida 
de  Palheta,  em  1773,  de  ordem  de  João  da  Maia  da  Gama  (b),  go- 
vernador daquella  capitania,  por  noticias  obtidas  de  hanãeirantes  que 
tinham  já  ali  ido  em  busca  dos  Índios,  e  que  diziam  haver  habitações  de 
gente  européa  acima  das  cachoeiras  ;  pelo  que  foi  Palheta  até  a  foz  do 
Mamoré  (c),  encontrando  uma  canoa  de  Índios  castelhanos  e  um  mestiço 
que  os  conduzia  até  a  aldeia  da  Exaltação  dos  Cayoabas,  situada  entre 
os  rios  Iruéname  e  Manique ;  sendo,  porém,  notável,  que  de  volta  ao  Pará 
nada  dissesse  sobre  o  Béni  e  o  Guaporé,  que  tanto  na  ida  como  na  descida 
— não  podiam  passar-lhe  desapercebidos.  Mesmo  á  crer-se  o  padre  Patrício 
Hernandes,  dataria  essa  navegação  do  tempo  de  Nuflo  de  Chaves,  que  por 
este  rio  desceria  quando  abandonou  seu  estabelecimento  de  Santa  Cruz, 
por  melados  do  século  XVI.  Mas,  poucos  visos  tem  de  verdade  essa  as- 
serção quando  se  medita  na  admiração  que  causou  em  Belém  a  chegada 
de  Manoel  Félix  de  Lima  em  1743;  admiração  que  fora  sem  motivo  si 
esse  caminho  já  tivesse  sido  descoberto. 

Tem  o  Madeira  de  largura  na  sua  origem  cerca  de  trez  kllo- 
metros;  coberto  litteralmente  ahi,  em  todo  o  leito,  de  penhas  e  cacho- 
pos. Seu  curso  é  de  perto  de  mil  e  quatrocentos  kllometros  (d),  dos  quaes 
mais  de  mil  de  livre  navegação. 

O  Béni  é  formado  pelas  aguas  descidas  dos  Andes  entre  Cusco  e  Po- 


(a)  Berredo,  Annaes    Históricos  do  Maranhão  (Carta  do  padre  Bento  da  Fon- 
seca), dal-a  cm  1725, 

(b)  Ensaio  Chorographico  sobre  o  Pará,  pag.  517. 

(c)  A*  pag.  212  confundido,  em  duvida,  diz  que  passara  12  cachoeiras,  efitrára 
no  Béni  ató  a  foz  do  Cajuaòai,  á  sua  mão  direita. 

(d)  245  léguas,  segundo  Ricardo  Franco.  Mem.  Geog.  do  Tapajós,  1799. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  275 

tosi :  seus  principaes  afRuentes  são   o  La  JPaz,  Chalumair%  Maquiri^ 
Ortuiche,  Apolohamba  e  Maãiãi. 


A  navegação  do  Madeira  foi  entretida  principalmente  pela  capitania 
de  Matto-Grosso  nos  seus  melhores  tempos  de  prosperidade.  Cedo,  porém, 
os  muras  e  os  mondurucús  romperam  em  hostilidades,  idênticas  ás  dos 
payaguás  e  bororós,  com  as  monções  do  rio  Pâraguay,  e  o  commercio  e 
a  navegação  foram-se  entibiando. 


IV 


Vamos  notando,  com  alguma  aprehensão,  que  os  rios,  que  já  deviam 
ir  enchendo,  continuam  á  baixar,  e  muito. 

Sabido  como  é  difficil  a  travessia  pelos  muitos  cachopos  que  atra- 
vessam toda  a  esteira  dos  rios,  subiu-se  o  Béni  para  ver  si  nos  daria  uma 
livre  passagem,  para  descermos  por  sua  margem  esquerda  ao  Madeira, 
mas  não  se  encontiou  passo  até  além  de  trez  léguas;  tornando-se  cada  vez 
mais  difficil  o  seu  trajecto,  e  dahi  em  diante  impossível. 

Sabbado  10,  com  alguma  difficuldade,  lográmos  entrar  no  Madeira, 
cortando  a  barra  do  Béni,  para  investigar,  nas  proximidades  do  ponto  de 
confluência  da  sua  margem  esquerda,  o  logar  conveniente  para  o  estabe- 
lecimento do  marco  limitrophe,  conforme  um  artigo  das  instnic- 
ções,  que  exigia  que  fosse  elle  coUocado :  1°,  á  margem  esquerda  do 
Madeira,  junto  á  confluência ;  2',  em  frente  ao  curso  do  Mamoré,  e  3**,  ma- 
thematicamente  no  parallelo  10'  20\  Mas  a  natureza,  que  não  fôra  ouvida 
nessa  determinação,  tinha  resolvido  diversamente.  O  ponto  mathematico 


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276  rriNERAEio  da  cidade  de  matto-geosso 

uão  ficava  em  frente  ao  curso  daquelle  rio ;  e  ainda  o  terreno  era  de  tal 
maneira;  que  o  marco  nem  podia  ser  construido  junto  á  confluência,  nem 
mesmo  no  ponto  mathematico.  Pelo  que  não  houve  outro  remédio  slnão 
deixar  desattendida  a  determinação  ministerial,  e  ficou-se  á  quasi  uma 
légua  (4439™, 5)  do  Béni ;  único  local  onde  encontrou-se  terreno  firme, 
e  ainda  assim  não  mui  próprio,  por  ser  sugeito  ás  grandes  enchentes  do 
rio  ;  sendo  entretanto  o  que  mais  correspondia  áquelles  exigentes  que- 
sitos. 


Já  nesta  noite  dormimos  na  província  do  Amazonas ;  que  á  ella  de 
direito  pertence  toda  a  margem  esquerda  do  Madeira,  como  de  facto  tam- 
bém possue  a  outra  toda. 

A  embarcação  teve  de  ir  completamente  descarregada,  de  tudo  o  que 
não  foi  concernente  â  erecção  do  marco ;  ficando  toda  a  mais  carga  na 
ilha  da  Confluência,  cuja  latitude  deraarcou-se,  depois,  aos  10**  e  22' 
30'\26  (a). 


Soberba  mattaria  de  madeiras  preciosas  cresce  nesses  sitios,  povoa- 
dos também  de  quantidade  inaudita  de  pássaros,  especialmente  araras, 
papagaios  e  periquitos,  cuja  algazarra  indiscriptivel  só  á  noite  cessava. 

Junto  ao  local  escolhido,  cabia  no  Madeira  um  pequeno  regato  de 
aguas  crystallinas,  das  quaes  o  encontro  é  sempre  para  nós  uma  fortuna, 
por  serem  as  aguas  do  Béni  eguaes  ás  do  Mamoré,  e  por  conseguinte 
mesmas  as  do  Madeira.  Ha  no  sitio  abundância  da  copahiba  e  de  outros 

(a)  Os  irmãos  Keller  acharam  para  a  foz  do  Mamoré  IO©  20*  O"  5.  e  22o,  12' 
20",  O.  Ricardo  Franco  IO®  22'  83"  (mappa  do  rio  da  Madeira,  desde  o  Amazonas 
ao  Guaporó,  pelos  sargentos-móres  engenheiros  Ricardo  Franco  de  Almeida  e  Serra 
o  Joaquim  José  Ferreira,  1790). 


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AO  RIO   DE  JANEIRO  277 

óleos  preciosos  como  a  hymenoea  spectábilis  (óleo  vermelho)  e  o  myrO' 
carpus  fronãosus  (o.  pardo) ;  laurineas  preciosas,  angelins,  ucuúbas,  e  a 
iiegi'a  e  duríssima  biriba,  cuja  estopa  aproveitou-se  para  o  calafeto  do 
bote. 

Já  apparecem  ascolossaès  sumaúmas  (chorisia  ventricosa)  e  a  mongur 
beira  (erythrina),  que  dão  um  caracter  typico  á  região ;  do  mesmo  modo 
que  algumas  mapnrajúbas  (rhizophora  ?)  de  excelsa  altura ;  castanheiros 
e  o  tauary  (curatari),  cujas  franças  excedera  á  altura  das  demais  arvores 
da  gigante  floresta  e  cujas  raizes  grossas  e  chatas,  prolongam-se  desde  a 
altura  de  dous  metros  até  o  solo,  afíectando  a  forma  de  triângulos  rec- 
tângulos. 


X>e8oida   nas    oaolioeiraa. 


Entre  os  arbustos,  encontra  se  alguma  poaya,  uma  formosa  cuphea 
de  flores  róseas,  uma  gloxinia  de  flores  rubras,  fetos  gigantes,  maiores 
que  08  dos  terrenos  noruégos  de  Minas  e  do  Rio  de  Janeiro,  mas  sem 
duvida  dos  tricliopieris  excelsa ;  lindas  epidendreas  e  arethusas,  pseudo- 
catleyas  e  lélias,  tillandsias  de  todas  as  espécies,  duas  espécies  de  bau- 


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278  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

nilha,  a  mexicana  e  o  baunilhão,  e  uma  formosa  liliacea  ou  alstroemería, 
Aurca  Alexandrina ^  já  encontrada  por  mim  em  1861  em  Minas-Ge- 
raes  (a),  e  que  desde  essa  data  até  agora  não  logrei  tornar  a  ver ;  algumas 
orchideas,  uma  amomacea  mui  semelhantes  nas  flores  ás  alpinia  nutanSy 
mas  de  flores  inodoras;  algumas  resteacease  eryoeaulons  e  maranthas, 
iamilias  de  que  são  riquíssimas  essas  regiões.  Muita  caça  nos  bosques : 
e  tal  cópia  de  mutuns^  que  vinham  ao  nosso  próprio  acampamento,  onde 
eram  mortos,  entre  asbarracas.  Vi  pela  primeira  vez  e  próximo  ao 
meu  pouso  um  ninho  de  beija-flôr  troglodito,  n'um  buraco  na  barranca. 
Creava  dous  filhinhos  ainda  implumes  e  muito  feios,  que  a  mãe  todas  as 
manhãs  trazia  fora  da  toca  para  aquecerem-se  ao  sol :  no  dia  em  ^[ue,  ar- 
rastando-se  sósinhos  até  a  porta,  já  iam  experimentando  as  forças,  uma 
cobra  os  devorou.  Muita  cópia  também  de  outros  beija-flôres,  entre  as 
quaes  um  assemelhado  ao  esmeralda,  o  petasophoro  comutus,  com  seu 
topete  côr  de  fogo,  e  que  é  uma  das  mais  brilhantes  variedades  da  familia, 
e  que  ahi  vi  pela  primeira  vez  vivo. 


No  dia  18  de  novembro,  domingo,  ficou  erigido  o  marco  aos  10*  21* 
13",65  lat.,  e  22°  14'  37",65  O.  do  Rio  de  Janeiro.  Desde  o  dia  13  chovia 


(a)  Volúvel,  annual,  folhas  alternas,  lanciformes,  pecioladas,  semelhantes  ás 
do  género  smilax;  flores  hermaphroditas,  cm  capitulo,  tripetalas;  periantho  duplo, 
glumaceo:  o  externo  e  do  côr  alaranjada;  petaloide  o  interno  e  de  cór  verde-claro ;  ta- 
bulado na  base  ;  pistilo  livi'e  ;  stilo  simples ;  stigma  trilobado ;  trez  carpellas,  trez 
lojas ;  muitos  óvulos  amphitropos ;  nove  estames  por  grupos  de  3,  oppostos  ás  pé- 
talas, e  inseridos  pela  base ;  antheras  introrsas,  biloculares  ;  capsula  dehiscente 
o  loculicida.  Germina  por  bolbos,  de  setembro  á  novembro,  e  um  mez  depois  flo- 
resce. Attinge  até  4  metros  de  comprimento. 


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AO  MO   DE  JANEIRO  279 

copiosamente ;  e  com  muito  trabalho  e  cuidados,  pôde-se  obter  a  sua 
construcção  em  tal  tempo  e  em  tal  terreno. 

A's  8  horas  da  manhã  sahimos  por  entre  o  intrincado  labiryntho  de 
rochedos  e  ilhas  de  madeiros,  á  carregar  o  bote  na  ilha  da  Confluência, 
onde  aportámos  ás  9  1/2  ;  e  por  egual  caminho  descemos  para  o  porto 
superior  da  sexta  cachoeira,  cachoeira  do  Madeira,  na  margem  direita, 
onde  abicámos  ao  meio-dia,  com  uma  hora  de  navegação  de  abrolhos. 
Entre  a  ilha  da  Confluência  e  elle  ficam  outras  duas  ilhotas,  por  entre  as 
quaes  passa  o  canal:  nós,  porém,  passámos  pela  esquerda  da  mais  externa, 
tomando  a  face  N.  do  morrote  que  avistámos  do  Guajará,  junto  á  qual  é 
o  porto. 

As  cargas  seguiram  por  um  caminho  de  duzentos  e  cincoenta  metros; 
o  bote  desceu  completamente  leve,  beirando  a  margem  do  rio.  A  sirga  foi 
bastante  trabalhosa ;  e  a  embarcação  esteve  por  algumas  horas  engasgada 
n'uma  pedra,  em  sitio  onde  o  rio  faz  um  salto  de  quasi  meio  metro,  já  no 
fim  da  sirga.  Com  o  emprego  de  uma  ialha  fel-a  o  V  tenente  Frederico  o 
remontar  novamente  a  corrente  e  descer  por  um  canalete,  mais  junto  á 
margem. 

Nas  enchentes  é  essa  cachoeira  peior,  havendo  necessidade  de  sirga 
desde  o  Mamoré. 

Com  excepção  das  duas  primeiras  cachoeiras,  a  passagem,  isto  é,  os 
caDaes,que  vamos  encontrando  melhores,  são  sempre  pela  margem  direita. 

Choveu  ainda  todo  o  dia.  O  acampamento  é  bom,  debaixo  de  alias 
sapupembas  e  junto  á  extensas  praias  de  areia.  Na  matta  adjacente  bas- 
tante cacau,  do  verdadeiro  e  do  cacauhy :  ahi  vi  pela  primeira  vez  o 
arbusto  do  guaraná,  pauíinia  sorhilis,  fructescente,  com  seus  caixos  de 
bagas  rubras. 

A  cachoeira  occupa  toda  a  largura  do  rio,  desde  a  entrada  do  Ma- 
moré, e  segue  por  mais  de  meia  légua.  Nos  pedregaes  de  syenito  notam-se 


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280  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-OROSSO 

buracos  ovaes  c  ellypticos,  de  um  palmo  de  longo,  em  grande  quantidade 
e  ás  vezes  reunidos  em  grupos. 

As  rochas  destas  cachoeiras  são  de  formação  plutonica.  e  revelam 
á  primeira  vista  sua  origem  vulcânica,  modificada,  talvez,  pelo  meta- 
morphismo.  Difficeis  algumas,  para  mim,  de  classificar  pelo  duvidoso  dos 
signaes  de  apresentação,  n 'outras  o  fácies  mineralógico  designava-as  satis- 
factoriamente.  As  grandes  lages  trachyticas,  quasi  lisas,  de  côr  férrea  ou 
do  negro  luzidio  do  alcatrão,  são  formadas,  em  muitos  legarei,  de  ca- 
madas superpostas,  mais  ou  menos  onduladas,  com  rebordos  curvilineos. 
como  se  tivessem  provindo  de  uma  matéria  em  fusão,  espessa,  derramada 
em  grandes  jactos,  formando  lençóes ;  os  quaes  se  esfriassem,  antes  de 
alcançarem  as  ultimas  o  espaço  em  que  as  primeiras  se  estenderam. 
Grandes  penedos,  uns  prismáticos,  outros  arredondados,  ora  dykes  de  dio- 
rito  e  de  elvan,  ora  blocos  soltos ;  uns  partidos  á  meio  por  uma  só  fenda, 
ás  vezes  de  mais  de  braça  de  largura,  apparecem  aqui  e  ali ;  do  mesmo 
modo  que  grandes  caldeirões,  buracos  perfeitamente  redondos,  abertos  na 
lage,  cuja  formação  facilmente  se  explica  pelo  attrito  de  seixos  rolados 
em  pequenas  depressões,  as  quaes  pouco  apouco,  pelo  movimento  das 
aguas  e  o  correr  dos  séculos,  vão  se  augmentando  e  arredondando. 

Não  é,  porém,  tão  fácil  a  explicação  para  os  buracos  ellypticos  de  al- 
gumas dessas  lages,  e  dos  quaes  já  acima  fallou-se ;  todos  das  mesmas 
dimensões,  e  quasi  dispostos  em  direcções  urniformes,  uns  após  os  outros, 
em  duas  e  trez  fileiras ;  pelo  que  trazem  á  lembrança,  ainda  que  sem 
semelhança  alguma,  as  pegadas  do  homem.  São  mais  notáveis  as  das 
cachoeiras  do  Madeira^  Bananeira^  Ribeirão  e  Paredão :  suas  dimen- 
sões são  um  á  trez  decimetros  de  longo,  sobre  um  terço  mais  ou  menos 
de  largura  e  quasi  outro  tanto  de  profundidade ;  conservando  sempre  a 
forma  ellypsoide.  i  Serão  sitios  primitivamente  occupados  por  corpos  de 
fácil  desaggregação  ou  decomposição  pelas  aguas,  e  que  com  o  tempo 


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ÁO  RIO   D£    JANEIftó  281 

ficassem  vasios?  Essas  lages,  apezar  de  como  que  envernizadas  pelo 
attrito  das  aguas,  e  brilhantes  de  negro  polido  metallico,  nào  é  difficil 
o  classifical-as  pela  sua  textura  e  systhema  de  agglutinação.  São  porhyros 
amphibolicos,  obsidianas,  syenitos,  petrosilices,  etc.,  rochas  todas  felds- 
pathicas.  A  canga  apparece  em  altos  calotes,  vermelho-negros,  o  que  lhe 
valeu  o  nome  túpico  tupanJionacanga ;  do  mesmo  modo  que  em  outras 
penhas  sobrelevam-se  dykes  de  eurito  compacto  á  irromper  crostas 
metíHnorphicas,  ou  que  mostram-se  engastados  á  rocha  de  gneiss  em  de- 
composição, cujas  crostas  derruídas  pelo  tempo  deviam  ter-lhes  sido  com- 
muns.  Nos  grandes  caldeirões,  á  sêcco,  não  são  raros  os  conglomeratos 
de  seixos  dioriticos,  principalmente  de  diorito  negro,  pequeninos,  e  que 
me  pareceram  agglutinados  á  ajudas  do  hydrato  de  ferro. 

Trouxe  commigo  algumas  amostras  mais  notáveis  dessas  rochas,  e 
bem  assim  dos  seixos  intercallados  nas  falhas  das  lages ;  onde  um  novo 
processo  de  agglutinação  delles  com  a  areia  do  rio  e  as  argillas, 
que  este  traz  em  suspensão,  constituo  um  puMing  tão  concreto  e  firme, 
que,  apezar  da  tendência  que  tém  as  aguas  para  desunir,  e  não  aggregar 
as  areias,  já  resiste  ao  emprego  da  força  para  dividil-o ;  rochas  de 
sedimento  raras  nos  logares  onde  as  aguas  passam  com  fúria,  mas  muito 
frequentes  nos  seus  remansos. 

Em  uma  destas  cachoeiras,  creio  que  na  das  Bananeiras^  encontrei 
um  pedaço  de  carvão  vegetal,  lamelloso,  de  camadas  parallelas  nitida- 
mente accentuadas,  e  completamente  petrificado,  revelando  grande  anti- 
guidade. Está  no  museu  do  Instituto  Archeologico  Alagoano. 


Em  todo  o  trajecto  encachoeirado  dos  rios  só  nos  foi  dado  vêr  e 

investigar  os  terrenos  mais  adstrictos  á  margem  onde  chegávamos ;  sendo 

que  quanto  á  fronteira,  nem  ainda  a  distancia  nos  foi  possível  calcular, 

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282  ITINERÁRIO  DA    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

tào  atravancado  é  sempre  o  rio  nesses  pontos  de  innumeras  ilhas  e  cacho- 
pos. Uma  observação  curiosa  ahi  fizemos,  entretanto,  e  que  não  me  parece 
mero  effeito  de  óptica :  nessas  regiões  das  cachoeiras,  as  aguas  do  rio  são 
sensivelmente  mais  elevadas  do  nivel  ainda  mesmo  quando  se  deslisam 
unidas  e  calmas,  sem  marulhos  nem  escarcéos;  o  que  se  explica  pelo  obstá- 
culo que  os  parceis  oppôem  á  agua  que  desce,  e  que  portanto  ahi  se  detém 
e  avoluma. 


VI 


A's  5  da  tarde  de  19  sahimos :  andou-se  uma  hora  n'ura  bonito  es 
iirãOj  livre  de  escolhos. 

No  logar  onde  pernoitámos  vimos  a  sepultura  recente  de  um  dos 
remadores  do  bote  boliviano,  encontrado  na  entrada  do  Mamoré. 

Á'  20  sahimos  ás  5  da  manhã,  e  duas  horas  depois  descíamos  pela 
cachoeira  da  Misericórdia^  tão  terrivelnas  cheias,  que  mereceu  tal  nome; 
o  qual  é  uma  revelação  da  angustia  porque  passam  os  seus  navegantes; 
sendo  então  tão  furiosa  a  sua  corrente,  que  alguns  botes  tém  perdido  o 
governo  e  ido  precipitar-se  na  cachoeira  immediata,  com  a  qual  nesses 
tempos  se  emenda.  A*  qmlque  chose  malheur  est  bon :  a  extrema  rasante 
do  rio  livrou-nos  desta  cachoeira,  como  espera  o  nosso  piloto  nos  livrará 
de  outras ;  sendo,  porém,  triste  a  compensação  que  outras  nos  trarão. 

A  Miseric<^'dia  apresentou-se-nos  como  uma  enorme  lage,  á  margem 
direita,  estendendo-se  triangularmente  para  o  rio,  onde  se  intromettia  até 
quasi  seu  meio.  Na  margem  fronteira  vê-se  outra,  menor. 

O  rio  vae  perfeitamente  canalisado  entre  ambas ;  e  nossa  gente  só 
tove  que  forçar  remos  e  raspar  duro  para  aguentar  a  rapidez  da  corrente 
e  os  balanços  dos  banheiros* 


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AO    RIO    DE    JANEIÍIO  283 

Seguindo  nossa  derrota,  ás  8  chegámos  á  cachoeira  do  Bibeirão,  que 
é  uma  das  mais  temidas. 

E'  também  á  margem  direita ;  o  porto  de  cima  á  esquerda  de  um 
morrote.  E'  egualmente  dividida  em  cabeça  e  cauda,  aquella  formada 
por  grandes  lages  cobertas  de  blocos  de  diorito,  soltos,  outros  formando 
dykes,  alguns  partidos  e  alguns  prismáticos.  Nota-se  ahi  a  existência 
dos  caldeirões  e  buracos  ellypticos  de  que  acima  fallo. 

Não  dá  canal  em  tempo  algum,  havendo  sempre  necessidade  de  varar 
as  embarcações.  A'  nossa,  que  tão  mal  vae  de  saúde,  causa-nos  sérias 
aprehensões,  por  essa  nova  viagem  por  terra.  Descarregou-se-a  n'uma 
grande  e  mais  ou  menos  lisa  l^e,  de  uns  oitenta  metros  de  largura, 
que  prolonga-se  da  base  do  morrote ;  e  sobre  rolêtes  foi  conduzida  n'uma 
distancia  de  trinta  e  poucos  metros,  de  onde  fez-se-a  sahir  um  pouco  para 
galgar  a  aba  direita  do  monte,  subindo  por  elle  uns  cem  metros.  Ahi 
topou-se  outra  lage,  lisa,  de  25  metros  de  largura,  e  á  uns  quinze, 
apenas,  do  ribeirão,  donde  a  cachoeira  tirou  o  nome.  Não  foi  difficil  o 
varadouro ;  com,  apenas,  dez  homens  fizêmol-o  em  outras  tantas  horas. 
Cuidou-se  logo,  antes  de  por  o  bote  n'agua,  em  tomar-lhe  as  costuras  e 
fendas,  com  a  estopa  de  tocary  que  trazemos  de  prevenção,  e  quando 
á  nado,  rectificar-lhe  os  concertos, 

A*  boca  do  ribeirão  ha  algumas  pedras,  perigosas  agora,  em  tempo 
de  sécca,  por  trancarem-o  quasi  inteiramente.  Não  contávamos  com  esse 
transtorno  ;  entretanto,  após,  difficil  labutar,  conseguimos  vencêl-o  ás 
8  horas  e  44'  da  manhã  de  23. 

Passava  este  sitio,  antigamente,  por  aurífero ;  e  essa  foi  sem  duvida 
a  razão  que  levou  Caetano  Pinto  á  nelle  estabelecer,  em  1799,  um  posto 
militar,  destacado  do  forte  do  Príncipe,  e  também  um  aldeiamento  de 
Índios  e  escravos  da  coroa ;  com  o  fim  de  plantar  e  fornecer  mantimentos 
aos  navegantes,  e  garantir^  por  certo,  os  quintos  do  ouro.  Era  o  destaca- 


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384  ITINERÁRIO   BA    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

camento  de  8.  José  do  Bibetrão,  ou  segundo  outros,  de  S.  José  do  Mon- 
tenegro, Durou  até  1832,  e  ainda  vém  consignado  em  alguns  mappas, 
notadamente  no  Atlas  do  senador  Cândido  Mendes,  e  mappas  de  Ponte 
Ribeiro. 

Ricardo  Franco  demarcou  o  começo  da  cachoeira  aos  IO**  1 T  S.  (a), 
e  a  cauda  em  10'  10'. 

No  local  do  acampamento,  bastante  agradável,  ha  uma  espécie 
de  grumixameira,  que  só  cresce  nas  pedras  tendo  suas  raizes  e  parte 
do  tronco  debaixo  d'agua :  o  fructo  assemelha-se  nas  cores  á  mangaba, 
mas  é  terrivelmente  acido.  Delles  faziamos  óptimos  refrescos.  A  arvore 
é  de  galhos  muito  nodosos  e  irregulares,  nimiamente  fortes  e  flexiveis. 
W  uma  eugenia^  notável  por  ser  aquática.  Talvez  seja  a  mesma  de  que 
trata  o  grande  Vieira,  na  sua  carta  ao  padre  provincial  Francisco  Gon- 
salyes,  escripta  em  5  de  oitubro  de  1653,  dando  conta  da  sua  exploração 
no  Tocantins : 

«  —  Aqui  deu  logar  o  rio  á  que  se  remasse  um  bom  espaço 
até  que  demos  em  uma  ladeira  de  pedra  e  agua  muito  comprida,  pela 
qual  foi  necessário  irem  subindo  as  canoas  como  por  uma  escada,  á  pura 
força  de  cordas,  de  braços  e  de  gente,  já  fincando-se  sobre  umas  pedras, 
já  encalhando-se,  já  virando  em  outras.  Foi  esse  trabalho  excessivo, 
principalmente  por  ser  tomado  no  rigor  do  sol ;  e  para  que  fosse  de 
alguma  maneira  vencivel  proveu  a  Divina  Providencia  esse  logar  de 
umas  arvores  não  muito  altas,  nascidas  nas  mesmas  penhas,  as  quaes 
suppriram  nesta  escada  como  de  maynús,  em  que  os  Índios  se  firmavam 
para  poderem  tirar  pelas  cordas  e  sustentarem-se  á  si  e  á  canoa,  contra 
a  força  da  corrente.  São  estas  arvores  por  uma  parte  tão  fortes,  que  basta 
£azer  preza  em  uma  para  soster  a  canoa  contra  todo  o  peso  da  agua,  e 


(a)  Não  se  pôde  admittir  que  seja  este  S.  José  o  povoado  de  que  falia  Southey. 


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AO   RIO  DE  JANEIRO  285 

por  outra  táo  flexíveis,  que,  si  é  necessário  passar  a  canoa  por  cima  dos 
ramos  e  ainda  das  mesmas  arvores  abatidas,  cedem  e  tornam  a  surgir 
sem  quebrar.  Como  nascem  nas  pedras  e  na  agua,  parece  que  das  pedras 
tomam  o  duro  e  da  agua  o  flexivel,  e  de  ambas  o  remédio  para  vencer 
a  mesma  difficuldade  que  ambas  causam.  Dão  uma  íructa  semelhante  e 
menores  que  as  goyabas  e  araçás  do  Brasil,  de  que  se  duvida  si  são  es- 
pécie, mas  não  se  comem  nem  póde-se  comer  porque  são  duras  como  as 
pedras  de  que  nascem  (a).  » 

A  descripção  quadra  perfeitamente  á  grumixameira  citada,  no- 
tando-se-lhe  apenas  a  differença  no  fructo  que  aqui  é  brando,  e  si  não  se 
come  é  por  ser  nimiamente  acido,  mas  presta-se  á  excellentes  refrescos, 
que  supprem  perfeitamente  as  limonadas. 

Em  quarenta  minutos  fomos  chegados  ao  porto  superior  da 
catida  (E),  uns  trez  kilometros  abaixo.  Levou-se  toda  a  carga  por  um 
caminho  (G)  de  cerca  de  dous  kilometros  (b),  cortado  de  igarapés,  que 
mostram  pelos  taludes  serem  fortes  nas  enchentes,  e  agora  estão  quasi 
enxutos. 

N'uma  grande  gamelleira  vimos  gravadas,  em  altura,  mais  ou  menos 
de  3,5  metros,  as  palavras  Talento  e  Valor,  por  algum  viajante  tão 
cônscio  dos  seus  méritos  como  alheio  á  presumpção.  Taes,  porém,  fossem 
as  difficuldades  com  que  lutasse,  e  a  habilidade  com  que  as  desfizesse, 
que  a  natural  satisfação  o  levasse  á  lançar  esse  brado  aos  pósteros. 
Modesto,  não  quiz  deixar  seu  nome  por  sobrescripto  ;  e  eu,  pachorrento 
chronista  desta  viagem,  não  sabendo,  mas  acredtiando  razoáveis  taes 
predicados  á  quem  se  anima  dirigir,  sem  ser  como  nós,  obrigado,  pela 
força  das  circumstancias,  viagens  dessas  —  por  estas  cachoeiras  — ,  con- 
signo o  episodio. 


(a)  MeUo  Moraes,  Chorogr.  Ilist ,  tomo  III,  pag.  458. 
^b)  Trez  mil  passos,  dá  Ricardo  Franco. 


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286  ITINERÁRIO  DA  CII»ADK  DE  MATTO-GROSSO 

Desde  a  tarde  de  24  que  começou  â  descer  o  bote.  A  sirga  vae 
sobremodo  difficil,  estando  o  rio  extraordinariamente  baixo.  Somente  ás 
5  horas  e  10'  da  tarde  de  26  pôde-se  abicar  ao  porto  F. 

A'8  10  e  1/2  horas  da  manhã  seguinte,  sahimos;  tendo-se  previa- 
mente ido  reconhecer  a  sirga  da  Pedra  Grande^  trez  kilometros  abaixo  ; 
a  qual  em  tempos  de  agua  converte-se  em  possante  cachoeira. 

A*s  11  e  20*  passámol-a  á  sirga  e  sem  novidade. 

Outros  dous  kilometros,  adiante,  tivemos  também  a  sirga  dosPerv- 
quitos,  que  gosa  da  mesma  reputação,  e  que  passámos  do  mesmo  modo. 

As  duas  constituem  uma  das  dificuldades  mais  custosas  de  vencer, 
na  cachoeira  do  Bibeirão. 


Como  já  vimos,  teve  este  ponto  fama  de  aurífero  :  e  Baena  (a)  relata 
que  João  Fortes  Arzão,  apresentara  ao  terceiro  bispo  do  Pará,  D.  Miguel 
de  Bulhões,  ouro  e  pedras  preciosas  nella  e  em  outras  dessas  cachoeiras 
achadas,  pelo  correr  do  anno  de  1758. 


A'  1  hora  e  1/2  avistámos  a  nona  cachoeira,  Araras^  cujo  canal  se 
foi  reconhecer ;  sendo  encontrado  mau,  por  sêcco :  pelo  que  tomámos  para 
o  da  margem  esquerda,  onde  entrámos  ás  3  horas  e  40',  com  grande  pe- 
rigo, mas  livrando-nos  felizmente  após  dezoito  minutos  de  travessia  nimia- 
mente violentada  pelos  marulhos  e  escarcéos;  graças,  sobretudo,  ao  muito 
tino  e  sangue  frio  do  nosso  piloto  José  Pires. 

Conhecem  alguns  esta  cachoeira  pelo  nome,  também,  de  Figueiras, 
além  do  de  Tamanduá  que  Baena  lhe  inculca,  e  Areg^  como  a  trataram 

a)  Qompeihdio  dns  ÉrxSy  pag.  '2-^2,  e  Ensorio  ohorographico  sobre  o  Parà^  pag.  29. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  287 

outros ;  mas  o  que  mais  lhe  quadra  é  indubitavelmente  o  de  Araras  pela 
inanidade  desses  pássaros  e  ainda  de  papagaios,  periquitos,  maitacas, 
jaçanans,  etc.,  que,  povoando  todo  esse  sertão,  tém  aqui  guarida  especial; 
e  levam,  emquanto  dura  a  luz  do  dia,  á  encher  os  ares  de  seus  atroadores 
gritos. 

Os  Srs.  Keller  collocam  esta  cachoeira  aos  9**  55'  5,8  lat.  e  22'*  15* 
20"  O.  Dista  do  Kibeiráo  uns  27  kilometros. 


A*s  5  horas  da  tarde  parámos  na  mesma  margem ;  e  no  dia  se- 
guinte, 28,  sahimos,  ao  alvorecer,  debaixo  de  repetidos  e  copiosos  agua- 
ceiros, que,  desde  hontem  á  noite,  se  tém  succedido  á  pequenos  intervallos. 
Com  vinte  minutos  de  seguimento  deixámos,  á  mão  esquerda,  o  Paredão 
das  Araras^  amontoado  de  rochas  de  grêz,  superpostas  de  modo  á  se- 
melhar um  muro. 

A's  9  horas  e  10'  passa-se  o  Ahuná  ou  Bio  Preto  (a),  na  margem 
esquerda.  E*  o  ponto  mais  occidental  do  Madeira,  assim  como  o  que  lhe 
está  fronteiro  será  o  da  provincia  de  Matto-Grosso.  E'  aquelle  rio  de  uns 
sessenta  metros  de  largo  na  embocadura,  e  dista  uns  cincoenta  kilometros 
da  cachoeira  das  Araras,  uns  cem  da  foz  do  Béni ;  e  mais  de  mil  e 
trezentos  da  foz  do  Madeira.  Os  geographos  da  commissáo  do  século 
passado  calculam  essa  distancia  em  229  léguas  de  20  ao  grau  (b). 


A's  11  e  1/2  chegámos  á  cachoeira  Pederneiras^  a  qual  presente- 
ia) Segundo  o  padre  Vieira  (carta  de  5  de  oitubro  de  1(>53,  ao  provincial  Fran- 
cisco Gonsalves), chamavam  os  indius  Pai  Abana  aos  padres  de  vestido  preto.  MeUo 
Moraes,  Ghoi\  Hist.  III.,  pag.  460. 

(b)  Novo  diário  da  navegação  dos  rios  Madeira,  Mamoré  e  Guaporé,  20  de 
Agosto  de  1790. 


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288  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

mente  consiste  n'uma  crista  de  rochedos  que  atravessa  o  rio  de  lado  á 
lado,  deixando-lhe  quatro  canaes. 

Dá-lhe  começo  uma  grande  lage  á  margem  direita. 

Passa  por  má  a  sua  travessia  nas  baixas  aguas ;  pelo  que  decidimos 
que  se  proceda  á  reconhecimento  dos  canaes.  O  piloto  opina  pelo  central 
e  os  remadores  pelo  da  direita,  que  fica  encostado  á  grande  lage :  preva- 
lece esta  opinião  e  segue-se  pelo  canal  indicado,  obliquando-se  o  mais 
possível  para  tomar  a  esquerda  de  uma  ilhota  que  fica  fronteira  ao  cen- 
tral, indo  assim  sahir-se  no  prolongamento  do  segundo  canal. 

Vencese  a  força  da  cachoeira  em  dous  minutos ;  ficando  o  bote 
alagado  pelo  embate  dos  fortes  escarcéos  que  soflFreu. 

Os  antigos  demarcaram-a  aos  9"  31'  20"  (a);  sua  distancia  á  das 
Araras  é  de  uns  sessenta  e  cinco  kilometros. 

Um  pouco  abaixo  da  Pederneiras  cahe  á  margem  esquerda  do  Madeira 
um  ribeirão,  conhecido  dos  antigos  pelo  nome  de  Arapongas  ou  Ferreiros. 


Duas  horas  e  meia  depois,  passámos  por  um  pequeno  morro  que  nos 
ficou  á  esquerda,  já  estando  á  vista  a  cachoeira  do  Paredão,  distante  trez 
e  meia  léguas  da  Pederneiras. 

A's  2  horas  e  20'  da  tarde  abicava-se  no  porto  (A) ;  descarregou-se 
o  bote  e  foi-se  reconhecer  a  cachoeira  e  verificar  qual  o  canal  mais  fa- 
vorável. 

No  dia  seguinte,  29,  passámol-a.  E'  mui  semelhante  na  disposição 
dos  escolhos  ás  duas  precedentes :  é  a  mesma  crista  de  penhascos  atra- 
vessando o  rio,  começando  na  grande  lage  da  direita  que  vae.  até  quasi 
meio  rio.  Na  opposta  elevam-se,  bem  fronteiros  á  cachoeira,  dous  mor- 
rotes.  E'  mais  torrentosa  e  veloz  do  que  aquellas  outras. 


(a)  Mappa  Gdogr.  do  rio  Madeira* 


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AO   RIO   DE   JANEIKO  289 

Aliviou-se  completamente  a  proa :  saltaram  as  mulheres  como  de 
costume  ;  mas  estando  nós  ainda  em  terra,  soltou-se  a  embarcação  antes 
que  embarcássemos,  e  teve  de  continuar  a  derrota. 

Vimos,  então,  e  podemos  avaliar  o  perigo  á  que  se  expõem  essas  em- 
barcações, que  passam  como  uma  setta  levada  pela  impetuosidade  da  cor- 
rente ;  ora  sacudidas  pelas  ondas  como  si  fôram  uma  cuia,  ora  caturrando 
feiamente  e  desgovernando,  por  ficar  o  leme  fora  do  seu  elemento.  O  nosso 
velho  e  estragado  bote  por  trez  ou  quatro  vezes  seguidas  solfreu  esse 
risco,  sendo  os  marulhos  á  espaldear  os  remeiros  tão  fortes  que  enco- 
briam o  bote,  afigurando-se-nos  que  o  sossobrava. 

Felizmente  a  anciedade,  apezar  de  parecer  mui  longa,  foi  de  poucos 
minutos :  o  remo  grande  entrou  em  jogo ;  e  o  bote,  deixando  sua  carreira 
precipite,  rodou  sobre  si  e  cahiu  no  remanso,  vindo  abicar  na  face  direita 
da  grande  lage  (B). 

Apresentava-se  esta,  agora,  com  uma  largura  de  cento  e  vinte  e  seis 
metros ;  faziam-lhe  uma  cintura,  junto  á  margem,  duas  pequenas  abras 
que  são-lhe  os  portos,  tendo  ahi  apenas  oitenta  e  cinco  metros  de  largo* 

Essa  penha  é  um  dos  mais  magníficos  espécimens  de  rocha,  com 
suas  camadas  superpostas,, reveladoras  do  estado  de  liquefacção  em  que 
foram  ahr  depositadas  ;  parecendo,  assim  húmidas  do  rio,  grande 
derrama  de  mel  espesso  e  quasi  ã  crystallisar,  que  vae  lentamente  escor- 
regando em  largos  pannos  sobre  camadas  já  solidificadas  ;  o  que  ainda 
parece  revelar,  ou  que  a  crystallisação  foi  mui  rápida,  ou  mui  demorados 
08  jorros  da  matéria  em  fusão.  Mais  próxima  ao  rio  perde  esse  caracter,  e 
em  vez  de  sua  lisura  e  polimento  torna-se  grandemente  anfractuosa : 
sobre  ella  elevam-se  dykes  de  diorito,  penhascos  de  trez  e  seis  metros  de 
altura,  emquanto  que  próximo  afundam-se  abysmos,  ou  patenteia  a  rocha 
erosões  largas  e  profundas,  que  serão  bons  canaes  quando  as  aguas  as 

cubram  sufficientemente.  A  lage  termina  no  rio  por  um  desses  rochedos, 

37 


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290  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

de  quatro  metros  de  alto,  e  que  vae  orlando-a  em  toda  a  sua  extensão. 
Na  porção  vasadà^  encontram-se  es  caldeirões  circulares,  com  metro  e  mais 
de  diâmetro  e  fundo,  e  as  pequenas  escavações  ellypticas,  do  tamanho  das 
observadas  nas  outras  cachoeiras.  Algumas  das  lages  são  coloradas  de  ver- 
melho luzente,  talvez  devida  ao  tritoxydo  de  ferro;  outras  negro-luzidias, 
devendo  essa  côr  ao  oxydo  daquelle  metal  ou  ao  peroxydo  de  manganez. 
Apparecem  aqui  e  acolá  ainda  blocos  fendidos  longitudinalmente,  e 
que  guardam  um  parallelismo  notável  entre  as  faces  da  fenda,  onde 
as  saliências  de  uma  correspondem  ás  reentrâncias  da  outra. 


Uns  cincoenta  metros  abaixo  da  cachoeira,  e  á  mesma  margem 
nota-se  outro  paredão^  como  o  das  Araras^  formado  de  rochas  super- 
postas de  grez  e  gneiss,  affectando  a  forma  dos  trapps,  com  tanta  natura- 
lidade qae  assemelha-se  á  uma  velha  muralha  em  ruinas.  A  textura  de 
seu  gneiss  assemelha-se  ao  basalto,  mas  a  fractura  é  mais  conchoide. 
Foi  esse  agglomerado  o  que  deu  o  nome  á  cachoeira. 

Dahi  em  diante  até  á  cachoeira  dos  Trez  Irmãos,  que  dista  quarenta 
e  quatro  kilometros,  vae  o  rio  todo  inçado  de  pedras,  principalmente  para 
o  lado  esquerdo ;  o  que  no  tempo  de  vasante,  qual  o  de  agora>  determina 
fortes  e  incommodas  corredeiras.  Póde-se  avaliar  o  que  será  na  força  das 
aguas. 


TII 


Já  se  vão  vendo,  por  este  trecho  de  rio,  pequenas  barracas  ou  pa- 
lhoças dos  seringueiros,  deshabitadas  presentemente,  e  servindo  apenas 
de  signal  de  propriedade  e  pouso  quando  ahi  trabalham.  A  terceira  que 
enfrentámos  e  que  é  a  maior,  tem  em  volta  de  si  uma  plantação  de  milho 


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AO  RIO  DE   JANEIRO  291 

e  mandioca.  Pertence  ao  Sr.  José  Ignacio,  morador  logo  abaixo.  No  se- 
ringai da  margem  esquerda  ha  outra  palhoça,  que  parece  ser  habitada, 
ou  pelo  menos  frequentada. 

Extensa  morraria  segue  por  essa  margem  adiante. 

A's  10  horas  encontrámos  um  bote  boliviano,  que  subia,  e  sau- 
dou-nos  com  dous  tiros  de  espingarda  e  rufos  de  um  tambor.  E'  uma 
manifestação  de  polidez  e  attenção  idêntica  á  saudação  de  bandeira  e 
salvas  dos  navios  no  oceano,  e  que,  aqui,  é  uma  verdadeira  demonstração 
da  alegria  de  encontrarem-se  homens  civilisados  em  regiões  delles  tão 
pouco  concorridas. 


A's  10  horas  e  20'  passámos  duas  barracas  e  roças,  e  pouco  depois 
abicámos  á  margem  direita  para  fazer-se  nosso  almoço.  Em  frente  co- 
meça uma  grande  ilha  com  roçados  de  milho  e  mandioca,  e  algumas  ba- 
naneiras e  canas.  Aqui  soubemos  que  o  bote  encontrado  era  boliviano 
e  vinha  de  Santo  António  da  Madeira,  donde  partira  ha  seis  mezes ; 
tendo  tido  grande  demora  junto  á  cachoeira  do  Caldeirão  do  Inferno,  por 
haverem-lhe  fugido  os  remadores. 

A's  12  horas  e  50'  sahimos.  Passámos,  á  margem  direita,  o  sitio  de 
José  Ignacio,  na  encosta  de  um  morrote  fronteiro  áquella  ilha. 


Estamos  á  uns  quarenta  kilometros  do  Paredão,  e  póde-se  dizer  que 
já  aqui  começa  a  cachoeira  dos  Trez  Irmãos,  tão  temivel  no  tempo  das 
cheias,  e  que  agora  quasi  nenhuma  differença  faz  do  curso  natural  do  rio, 
tão  insignificante  vae  sua  corredeira. 

A'  1  hora  e  vinte,  já  tinhamol-a  passado. 


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292  ITINERÁRIO   DA  CIDADE  DE  BÍATTO-OROSSO 

Abaixo  do  sitio  de  José  Ignacio  fica  um  ribeirão,  que  supponho  seja 
o  Mutum-parand^  onde  viviam,  ha  bem  pouco  tempo,  os  carípunas, 
mansos,  outr'ora  táo  solicitos  em  ajudar  os  canoeiros  nos  difificeis  transes 
dessas  cachoeiras  (a).  O  patrão  do  nosso  bote,  que  não  trouxera  da  Bolivia 
remadores  suCBcientes  para  esta  navegação,  fiava-se  nestes  indios  para  os 
varadouros  do  Girau  e  Theotonio ;  pelo  que  subiu  o  ribeirão :  mas  voltou 
como  fora  por  não  havêl-os  encontrado. 

Não  me  lembro  si  foi  com  esses  caripunas  mansos,  ou  com  outroa 
que  se  deu  ha  quatro  annos  o  seguinte  episodio :  um  negociante  de  nome 
Gregório,  vindo  com  trez  botes,  montarias,  igarités,  e  alguns  sessenta  ho- 
mens de  chusma,  parou  para  tratar  com  esses  indios.  Ia  armado  de 
revolver,  e  com  elle  seis  remadores  na  montaria.  O  resto  da  frota  conti- 
nuara á  subir ;  e  quando  perdeu-se  de  vista,  perguntou  o  tuchaua  á 
Gregório  que  cousa  era  aquella  que  elle  trazia  á  cintura. 

—  E'  uma  pistola  de  seis  tiros,  respondeu. 

—  Ora,  tão  pequenino ! — Tiro  não  vae  longe. 

—  Si  vae  !  retorquiu  Gregório. 

E  continuando  as  duvidas  do  indio,  para  prova  deu  um  tiro. 

—  Ora,  isso  não  presta  !  Não  acerta  !  Atire  ali :  —  e  o  indio  indi- 
cou-lhe  uma  arvore  ;  atirando  o  negociante  segundo  e  terceiro  tiro,  que 
acertaram. 

—  Mas,  não  mata  passarinho,  disse  o  indio,  depois  de  ter  mostrado 
muita  admiração,  e  ido  vêr  as  balas  no  madeiro.  E  apontou  para  um  que 
pousava  n^uma  arvore. 

—  Porque  não  ! — disse  Gregório,  talvez  vaidoso  do  primeiro  resul- 
tado. E  descarregou  os  últimos  tiros,  mas  sem  resultado. 

—  Agora,  quer  vêr  você  como  eu  mato  com  a  minha  flexa  ?  —  E 

(a)  Suppôem-80-os  descendentes  dos  caribid  da  Guyana.  Caripwiás  é  o  seu  ver- 
dadeiro nome. 


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AB  porUt  eU  Vmt'md*urp 
C  .OMVMniM  p0r  aytut' 


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AO  RIO   DE  JANEraO  293 

entesando  o  arco,  elevou-o  como  si  mirasse  ao  pássaro ;  e  quando  o  nego- 
ciante levantava  os  olhos  para  acompanhar  o  tiro,  o  indio  baixa  traiçoei- 
ramente a  pontaria  e  crava-lhe  a  setta  no  coração. 

Foi  esse  o  signal  para  o  resto  da  horda  cahir  sobre  os  remeiros,  ma- 
tando-lhes  a  maior  parte  ;  só  logrando  fugir  dous  que  puderam  alcançar 
a  montaria  e  fizeram-se  ao  largo. 

Passados  trez  dias  os  companheiros  de  Gregório  voltaram  :  houve 
cruéis  represálias,  estando  os  Índios  desprevenidos  por  já  não  esperal-os ; 
e  desde  então  a  tribu  desappareceu. 

Descreveu-nos  a  gente  do  nosso  bote  os  caripunas  como  uma  nação 
perversa,  hypocrita,  e  ávida  de  roubos  e  malefícios :  fingindo -se  amigos, 
ofFerecendo  adjutorios  nos  maus  passos,  e  principalmente  nos  varadouros, 
para  melhor  massacrarem  os  viajantes. 


A'  um  quarto  de  hora  do  Mutum-paraná  ha  outra  barraca,  á  mesma 
margem ;  e  mais  abaixo,  onde  termina  a  ilha,  outras  duas,  uma  em  cada 
orla  do  rio.  A  margem  direita  se  eleva  ahi  n'uma  coUina,  com  um  mor- 
rote  que  não  vém  descripto  nos  mappas. 

São  muitos  e  extensos  os  seringaes  e  cacauaes  destas  comarcas : 
dos  cacaus  a  espécie  sylvestre,  de  que  já  fallei,  chamada  cacauhy,  é 
despresada,  apezar  de  ser  agradabilíssima  no  gosto  e  mui  refrigerante. 

O  rio  continua  ainda  atravancado  de  ilhotas  e  cachopos. 

A's  3  horas  e  20'  enfrentámos  á  outra  barrába,  á  margem  esquerda 
pertencente  á  bolivianos :  meia  hora  depois  duas  outras,  uma  grande  do 
mesmo  lado,  e  outra  pequena  na  margem  opposta  e  junto  á  um  morrote, 
onde  começa  um  estirão^  em  cujo  fim  apparecem  trez  outros  morros,  na 
mesma  margem.  A's  5  horas  fundeámos  na  direita,  adiante  de  uma  pe- 
quenina barraca  e  em  frente  á  outra  maior,  do  lado  opposto  do  rio. 


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294  raNERARIO   DA   CIDADE   DE   MATTÍHJROSSO 

Sexta-feira,  30,  sahimos  á  hora  costumeira,  e  poucos  momentos  depois 
deixávamos,  á  direita,  uma  plantação  de  milho  e  bananas,  e  duas  barra- 
cas, onde  appareceram  duas  mulheres.  A's  7  horas  passávamos  uma  outra 
palhoça,  á  esquerda,  e  pouc.os  momentos  depois  uma  segunda. 

O  rio  aqui  mede,  actualmente,  uns  quatro  kilometros  de  largara. 


A's  7  horas  e  44'  entrámos  na  cabeceira  do  Salto  assim  chamada 
por  já  começarem  as  aguas  á  encachoeirar  e  correr  precipites  por  entre 
os  penhascos  do  rio. 

Segue-se  por  uns  dez  minutos  á  sirga,  para  passar  uma  corredeira 
difficil ;  e  depois  á  remos,  até  dobrar  a  volta  do  rio,  ahi  mui  angulosa, 
e  onde,  perto,  está  o  porto  do  Salto  (A). 

E^esta  a  mais  forte  de  todas  quantas  cachoeiras  temos  passado,  e  a  mais 
bonita,  só  tendo  superior  a  do  Theotonio^  que  é  a  segunda  logo  adiante.  Fica 
também  á  quarenta  e  cinco  kilometros  da  dos  Trez  Irmãos.  Os  antigos 
demarcaram-a  aos  9^  21'  (a) ;  os  Srs.  Keller  em  9*»  20'  45"  S.  e  2P  54' 
22"  O.  O  rio,  depois  de  espraiar-se  em  quatro  kilometros  de  largura, 
estreita-se  junto  á  uma  pequena  morrari?  de  coUinas,  n'uma  volta  á  SE. 
e  desce  por  dous  canaes,  ura  á  meio  riu,  de  cerca  de  trezentos  metros, 
inçado  de  abrolhos  e  levantando  formidáveis  escarcéos  ou  banzeiros j  e 
outro  encostado  á  margem  direita,  de  vinte  á  trinta  metros  de  largo,  que 
se  precipita  em  vários  saltos  em  escada,  até  um  ultimo  de  trez  metros, 
mais  ou  menos,  de  altura. 

Em  tempos  de  cheia  cobre  todo  o  lageado  da  margem,  e  forma  outro 
canalete  n'uma  erosão  que  agora  se  vê  no  pedregal  descoberto.  Ha  trez 
para  quatro  annos,  chegando  ahi  trez  botes,  o  ultimo  não  pôde,  em  tempo, 

(a)  Mappa  geographico  do  rio  Madeira. 


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AO   RIO   DE  JANEIRO  295 

encostar  no  porto  de  cima,  e  quando,  já  á  meio  comprimento  no  remanso 
tinha  ainda  o  resto  na  corredeira,  esta  fêl-o  girar  sobre  si,  arrebatou-o  e 
foi  despenhal-o  por  este  canalete.  Deu-se  então  um  episodio  notável,  â 
ser  exacto  o  que  nos  contaram :  o  patrão  desse  bote  era  filho  do  chefe 
da  frota,  que  enlouqueceu  ao  ver  o  filho  arrebatado :  entretanto  este  sal- 
vou-se  agarrando-se,  no  meio  da  força  da  corrente,  á  uma  grumixameira 
d'agua ;  e  um  indio,  levado  ainda  com  vida  ao  remanso  opposto,  pôde  gal- 
gar uma  pedra  á  esquerda  do  salto,  donde  foi  também  salvo. 


Semelhante  á  quasi  todas  as  outras  cachoeiras,  é  esta  formada  por  uma 
estreita  crista  de  rochedos,  que  ligam  os  morros  das  margens,  os  quaes 
não  distarão  entre  si  mais  de  quinhentos  metros.  A'  esquerda  do  rio 
elevam-se  quatro  ou  cinco  coUinas  e  duas  á  direita  ;  sendo  maiores  as 
que  ficam  no  prolongamento  do  salto.  O  morro  da  direita  offerece  nos 
flancos  as  duas  abras  (A  e  B),  que  servem  de  portos  para  o  varadouro. 
Este  é  de  perto  de  oitocentos  metros  ;  bastante  áspero  e  dififieil  na  subida, 
e  perigoso  na  descida,  de  qualquer  modo  que  se  o  considere,  pelo  declive 
do  terreno  e  pedregulhos  que  o  atravancam.  Cerca  de  trezentos  metros 
bifurca-se  o  caminho,  seguindo  o  varadouro  por  uns  cem  metros  ainda, 
e  outro  caminho,  para  um  terceiro  porto  (B'),  único  em  que  as  embar- 
cações podem  carregar ;  descendo  á  sirga,  e  completamente  leve,  do  fim 
do  porto  do  varadouro  até  ahi,  na  distancia  talvez  de  quinhentos  metros. 

Começou-se  á  varar  á  tarde  :  no  dia  seguinte  tinha-se  conseguido 
subir  apenas  uns  quarenta  metros,  partindo-se  cabos  e  espias  por  varias 
vezes.  Já  estávamos  tão  affeitos  á  esses  transtornos,  que  nossa  resignação 
era  verdadeiramente  a  do  Evangelho :  nesse  andar  só  n'unã  doze  dias — 
pelo  menos,  conseguiriamos  veuoer  o  varadouro,  dado  que  nossos  homens 
não  affrouxassem,  ou  que  não  sobreviesse  algum  empecilho  novo. 

Felizmente,  e  quando  menos  contávamos  com  tamanha  felicidade, 


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296  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

ao  meio-dia  de  2  de  dezembro,  vimos  aportar  ahi  trez  botes  com  uns 
cincoenta  homens  e  trinta  mulheres,  Índios,  e  o  dono,  o  Sr.  D.  Angel 
Chaves,  e  sua  espoza,  que  vinham  do  povo  de  Trinidad  para  exploração 
da  gomma-elastica ;  e  que,  encontrando  o  varadouro  oecupado,  ajudou-nos 
da  melhor  vontade,  e  com  tanta  efficacia,  que  ás  4  da  tarde  estava  nosso 
bote  á  nado. 


"Va,ra.d.otiro   no  nalto    cio    CJ-íimu.. 


Ainda  nesssa  tarde  passarara-se  dous  botes  de  D.  Angel,  e  o  ultimo 
na  manhã  de  3,  fazendo-se  então,  descer  todo  o  carregamento  para  o  porto 
das  cargas  (B').  Desceram  os  botes  á  sirga  por  um  canalete  encostado 
á  margem,  e  onde  a  corredeira  é  bastante  forte. 

D.  Angel  partiu  primeiro,  que  era  de  nossa  delicadesa  ceder-lhe  o 
passo.  Vém  continuar  seus  trabalhos  nos  seringaes ;  sua  situação  é  abaixo 
da  cachoeira  do  Caldeirão  do  Inferno.  De  maneiras  mui  lhanas  e  polidas, 
elle  e  sua  senhora  muito  nos  capti varam  por  sua  amabilidade ;  e  tanto 
mais  soubemos  apreciar  esse  encontro,  quanto  ha  longos  mezes  não  ti- 
nhamos  a  dita  de  praticar,  já  não  digo  com  gente  civilisada,mas  cora  gente 
alguma. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  297 

A's  11  horas  tinha  chegado  uma  canoa  do  seringueiro  João  Ignacio. 
Cedemos-lhe  o  pouso  e  ás  4  1/2  partimos. 

Os  dous  acampamentos  do  Salto  são  bastante  feios  e  agrestes ;  no 
de  cima  ha  ainda  vestigios  da  aldeia  de  Balsemão,  estabelecimento  de 
Luiz  Pinto  em  1768,  com  indios  pamas. 

Esse  capitão-general  seguia  do  Pará  para  tomar  conta  de  seu  go- 
verno :  com  elle  vinham  quatrocentas  e  vinte  duas  pessoas,  em  quarenta 
e  cinco  canoas  :  si  era  gente  de  mais  para  puchar  as  canoas  nos  vara- 
douros, não  o  era  menos  no  consumo  dos  mantimentos ;  de  que  lhe  foi  de 
grande  soccorro  a  aldeia  do  Sídio  Grande,  estabelecida  pelo  juiz  Theo- 
tonio.  A'  imitação  desta,  fundou  a  daqui ;  ordenando  egualmente  a  plan- 
]  tacão  de  mandiocas,  milho,  etc,  para  soccorrimento  dos  navegantes  (a). 


Nosso  bote  deixou  o  canal  entre  a  margem  direita  e  uma  grande 
âlha,  por  pedregoso,  e  cortou  diagonalmente  a  corrente  até  meio  rio,  em 
cujo  fio  seguiu. 


'         Desde  que  entrámos  no  Madeira  temos  notado  que  as  noites  tornam-se 
« bastante  frescas  ;  tão  frescas  quão  cálidos  os  dias ;  regulando  de  30*   á 
34"  cent.  a  temperatura  destes,  e  16*  e  20'  a  daquellas. 


(a)  E*  notável  que  esta  aldeia,  como  outras  á  beira  destes  rios,  cuja  existência 
€oi  tão  transitória,  e  das  quaes  não  se  encontram  quasi  vestigios,  sejam  ainda  indi- 
cadas nos  mappas  modernos;  sendo  mais  admirável  que  lhes  dô  existência  o  do 
engenheiro  residente  da  estrada  d«  ferro  do  Madeira  ao  Mamoré,  Edward  D.  Ma- 
thew  no  seu  Map.  to  illustrate  «  Up  the  Amason  and  Madeira  Riverstrough  Bolivia 
and  Peru  ;  »  cuja  residência  era  tão  perto,  e  cuja  natureza  de  serviço  lhe  deveria 
ter  dado  pleno  conhecimento  desse  território. 

38 


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298  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

VIII 

Caldeirão  âo  Inferno.  A's  5  horas  e  10'  da  tarde  chegámos  ao  alto 
desta  cachoeira,  que  fica  â  pouco  mais  de  légua  da  precedente.  Deixámos 
á  esquerda  o  porto  de  cima  (A),  que  é  onde  costumam  descarregar  as 
embarcações;  e  seguindo  por  uma  veloz  corredeira,  no  canal  próximo  á  essa 
margem,  fomos  parar  n'uma  ponta  de  pedras  (G),  fronteira  á  extrema 
superior  de  uma  grande  ilha,  a  primeira  da  cachoeira. 

Ahi  tirou-se  grande  parte  da  carga,  folgando-se  sobre  tudo  a  proa ; 
e  o  bote  desceu  á  reconhecer  o  canal,  entre  aquella  ilha  e  outra  da  es- 
querda, o  qual  fica  em  seguida  e  em  frente  á  corredeira.  Nesse  ponto  o 
rio  como  que  se  dobra  sobre  a  esquerda,  espraiando-se  consideravelmente 
de  modo  que,  medindo  apenas  quatrocentos  metros  de  largo,  toma  agora 
largura  mais  que  dupla,  seguindo  por  vários  canaletes  entre  as  margens, 
e  quatro  ilhas  que  ahi  se  apresentam  como  que  enfileiradas  em  uma 
mesma  linha.  Infinidade  de  cachopos  eriça  os  leitos  desses  canaletes,  e 
os  faz  encachoeirados :  parecendo  os  principaes  de  seus  penhascos,  pela 
posição  que  tomam,  os  cabeços  de  uma  grande  lage  que  atravesse  todo 
o  rio,  da  qual  são  as  ilhas  os  pontos  culminantes. 

E'  íormosissimo  o  quadro  que  ahi  se  desenrola  aos  olhos  do  especta- 
dor, que  nessa  occasião  esquece  os  perigos  ahi  imminentes  para  só 
attender  ao  bello  da  perspectiva ;  belleza  ainda  augmentada  pelo  movi- 
mento contrario  das  aguas,  que  trazem  os  hydrophitos  n'uma  dança 
continua,  fazendo  suas  pequenas  e  virentes  ilhotas  subir  e  descer  em 
duas  linhas  continuas,  parallelas  e  quasi  contiguas,  ao  passo  que 
quedam-se  estacionarias  as  que  por  uma  mais  violenta  impulsão  da  cor- 
rente entraram  no  remanso,  onde  o  movimento  está  nulliticado. 

Dessas  ilhas,  a  mais  chegada  á  margem  eáquerda  chamaram  os  an- 
tigos Ilha  dos  Padres. 


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c    • 


MORRINUOS 


AB    Porto/      r  CtuuU 


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AO  BIO   DE    JANEIRO  299 

No  tempo  das  aguas  o  canalete  seguido  é  o  do  meio,  em  conti- 
nuação do  grande  canal  da  esquerda,  por  cuja  corredeira  descemos.  E', 
aqui,  entre  as  ilhas,  conhecido  pelo  nome  de  Canal  dos  Perdidos ;  entre- 
tanto, passa  pelo  melhor  de  todos,  apezar  do  aterrorisador  da  denominação. 
Delle,  também  foi  que  proveiu  á  cachoeira  o  titulo  que  tem  pelos  grandes 
rebojos,  correntes  desencontradas  e  rodamoinhos  que,  no  fim  desse  canal, 
formam  as  suas  correntes  com  as  dos  canaes  lateraes ;  os  quaes,  estrei- 
tando-se  o  rio  logo  abaixo  dessas  ilhas,  convergem  todos  naquella  di- 
recção. 

Tendo-se  verificado  estar  a  grande  lage  que,  no  começo  do  Canal  dos 
Perdidos  atravessa  o  rio,  muito  á  flor  d'agua,  e  impossível  de  ser  trans- 
posta, foi  o  pratico  reconhecer  os  outros  dous  canaes,  o  entre  as  ilhas  e  o 
encostado  â  margem  esquerda,  opinando  pelo  ultimo. 

Aliviada,  ainda  mais,  a  proa  do  bote,  remontou-se  o  rio  para  buscar 
de  novo  o  curso  da  corredeira;  aproveitando-se  agora  a  orla  em 
que  o  movimento  das  aguas  é  em  sentido  opposto.  Desceu  a  embarcação, 
despedida  como  uma  flexa  até  a  extrema  da  ponte  de  pedra,  onde  des- 
carregara ;  e  ahi,  com  ajuda  do  remo  grande,  mudou  rapidamente  de 
direcção  â  esquerda,  indo  abicar  em  uma  pequena  praia  (B)  fronteira  ao 
segundo  canal. 

Descarregou-se  completamente  o  bote ;  costeou-se  o  rio  em  toda  a 
volta  que  faz  com  as  cargas,  levando-se-as  ora  pelos  pedregaes  e  areias 
da  barranca,  ora  por  dentro  do  matto,  até  um  local  em  baixo  (D),  na 
linha  de  terminação  das  ilhas  e  canaes,  onde  o  rio  se  estreitava,  seguindo, 
então,  no  leito  nalural. 

Nessa  margem  pernoitámos;  e  terça-feira,  4  de  dezembro,  logo 
ás  4  1/2  da  manhã,  desceu  o  bote  á  sirga,  encostado  ao  continente.  Ape- 


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300  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-OROSSO 

zar  de  completamente  descarregado,  muitas  vezes  bateu  e  ficou  preso  nas 
pedras,  chegando  todavia,  ao  porto  de  carregar-se,  oito  horas  depois. 

Abstrahindo  do  perigoso  da  travessia,  é  essa  cachoeira  um  dos  tre- 
chos mais  formosos  do  Madeira,  com  esse  espraiado  e  suas  formosas  ilho- 
tas tão  eguaes  e  tão  bem  alinhadas. 

Por  todos,  excepto  pelo  segundo  canalete  da  margem  direita,  tem-se 
navegado,  conforme  as  occasiões ;  e,  apezar  da  preferencia  que  geralmente 
dão  ao  dos  Pefdidos,  o  seringueiro  Ignacio  de  Araújo,  que  os  tem  explo- 
rado com  interesse,adoptou  aquelle  outro  por  encurtar  muito  o  caminho, 
apezar  de  ter  um  salto,  de  dous  ou  trez  palmos,  e  de  ser  forte  a  sua 
correntada. 

As  hevoeas,  o  tocary  e  o  cacau  abundam  extraordinariamente ;  e 
quasi  que  com  egual  riqueza  ha  copahibi,  salsaparrilha  e  cravo.  Sobre  as 
cimas  das  altíssimas  florestas  distingue-se  a  fronde  do  tocary,  alta  ás 
vezes  de  trinta  metros.  Mas,  o  que  mais  friza  a  feição  toda  característica 
da  flora  destas  paragens  é  a  sumaumeira  (chorizia  veniricosa  das  sier- 
cularineas)^  formosa  arvore,  notável  pela  corpulência  de  seus  ramos,  os 
quaes  conservam  grossura  deseommunal  até  quasi  seus  últimos  esgalhos. 


Nem  aqui,  nem  nas  cachoeiras  da  Lage  e  do  Eibeirão,  encontrei  as 
pedras  com  inscripções  de  que  falia  Keller,  «  roch  covered  with  spiral 
lines  and  concentric  rings,  evenly  carved  in  the  black  gneiss...  a  perfect 
inscription  whose  straight  orderly  lines  can  be  thought  the  result  of 
lasy  Indianus. — Hours  of  Idleness  »  —  (a). 


(a)  Obra  citada. 


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CiíeUwira 


^^       MizBmroHDiÁ 


\   B 

for  to-* 

(' 

(autil 

V 

Vartiíluuvo 

E   F 

Portú.\  da    í  ntula 

e 

CoMninho  tic    ttitffi 

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AO   RIO  DE  JANEIRO  301 

Este  engenheiro  dá  á  cachoeira  a.  altura  de92",8  sobre  o  mar; 
e  determinou  sua  posição  em  9*  15'  40''  S.  e  2P  52'  14"  O. 

Sahimos  ás  2  da  tarde. 

Com  poucos  minutos  de  viagem  passámos  as  barracas  de  Ignacio 
Araújo,  em  numero  de  seis ;  sendo  aquella  em  que  habita  de  sobrado  e 
coberta  de  zinco. 

Deste  ponto,  olhando-se  para  os  canaes  da  cachoeira,  o  dos  Perdidos 
parece  calmo,  e  bem  ásperos  o  segundo,  da  predilecção  do  seringueiro,  e 
o  quarto,  immediato  ao  por  nós  seguido. 

N'uma  ilha,  próxima  á  vivenda  de  Âraujo,  ha  outra  barraca,  e  pastos, 
onde  vimos  alguns  cavallos  e  cabras. 

Âs  barracas  dos  empregados  vão  surgindo,  aqui  e  ali,  á  medida  que 
avançamos,  ora  n'uma  ora  n'outra  margem  do  rio,  margens  sempre  de 
risonha  apparencia. 

Duas  horas,  mais,  de  viagem,  e  deixámos  á  esquerda  o  Maparaná, 
riacho  de  uns  trinta  metros  de  foz ;  e  uma  hora  depois,  a  Esperança^ 
bella  e  risonha  situação,  de  D.  Angel  Chaves,  o  nosso  amável  compa- 
nheiro, no  salto  do  Girau  ;  coUocada  n'uma  alta  barranca,  que  devassa 
longo  e  formoso  estirão  do  rio.  Essa  pictoresca  vivenda  é  também  de  so- 
brado, construída  e  forrada  quasi  toda  de  taquarussús  e  espiques  de 
carandá  ;  cercada  de  varandas,  cujas  columnas  de  palmeira  sustentam 
o  tecto.  Cercam-a  umas  seis  barracas  de  trabalhadores,  pequenas  e  sem 
elegância. 

Assistimos  ao  preparo  da  borracha ;  aceitámos  o  jantar  com  que 
D.  Angel  nos  obsequiou  e  pernoitámos  no  porto  ;  agradecendo-lhe  a  deli- 
cadeza e  extreme  amabilidade  com  que  nos  queria  agazalhar. 

D.  Angel  colhe  de  quatro  á  cinco  mil  arrobas  de  borracha,  tendo 


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302  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  BÍATTO-GROSSO 

empregado  no  serviço  uns  cento  e  cincoenta  trabalhadores.  Mostrai 
desanimado  dessa  industria,  que  diz,  só  aproveitar  aos  consignatários ;  os 
quaes  recebem  o  fructo  desse  trabalho  por  um  preço  quasi  nullo,  que  mal 
chega  para  satisfazer  os  juros  dos  empréstimos  feitos  aos  seringeiros ; 
sendo  necessário  muito  esforço  da  parte  destes  e  encontrarem  mui  ricos 
seringaes,  para  conseguirem  livrar-se  das  dividas.  E  accrescentou —  <c  Eis 
a  razão  porque  ainda  vim  matar-me  nesta  industria.  » 


Fronteira  á  situação  da  Esperança  fica  a  ilha  de  SanfAnna,  já  con- 
signada nos  mappas  dos  antigos. 


IX 


A's  5  da  manhã  de  5  de  dezembro,  deixámos  o  porto  da  Esperança. 
A's  8  horas  e  10'  passámos,  á  margem  direita,  o  Jacy-paraná^  de  cincoenta 
metros  de  largo,  na  barra.  Keller  dá-lhe  a  latitude  de  9*  10'  9"  e  a 
long.  de  21*  42'  20",  do  Rio  de  Janeiro. 

Seguimos  pelo  braço  á  esquerda  de  uma  comprida  ilha,  conhecida 
pelo  mesmo  nome  do  rio.  A's  8  1/2  começámos  á  sentir  as  aguas  mais 
veloces,  prodomos  da  cachoeira  dos  Morrinhos.  Nessa  altura  fica  a  barraca 
do  seringueiro  Pastor  Oyolas,  muito  aprazível  á  vista,  mas  em  terrenos 
baixos.  Dizem  colher  de  trez  á  quatro  mil  arrobas  de  gomma ;  empre- 
gando sessenta  á  setenta  trabalhadores. 

Era,  ha  poucos  annos,  uma  das  mais  bonitas  habitações  dessas  para- 
gens ;  mas,  foi  completamenee  devorada  pelas  chammas  em  1875. 

Na  outra  margem,  apparecem  á  pequenos  intervallos  trez  outras 
situações  que  nos  indicaram  como  pertencendo  aos  Srs.  Nicomedes,  que 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  803 

tem  uns  quinze  operários  e  colhe  seiscentas  arrobas ;  Justino,  com  vinte 
e  cinco  e  colhendo  mil;  e  Luigi  Zárate,  com  vinte  e  tirando  numero  egual 
de  arrobas. 


Dão  nome  á  cachoeira  trez  morroles  á  margem  direita  e  um  á  es- 
querda, que  se  erguem  fronteiros  ao  ponto,  onde,  pouco  mais  ou  menos, 
a  fúria  das  aguas  se  abranda.  Ao  envez  das  outras,  nesta  cachoeira  o  rio 
se  alarga  um  pouco,  arqueando-se  suas  margens  em  largas  reentrâncias. 
Uma  grande  ilha  cercada  de  cachopos,  principalmente  na  ponta  inferior, 
está  quasi  ã  meio  rio.  Próxima  á  margem  esquerda,  que  é  lageada,  es- 
tende-se  uma  restinga  de  talvez  sessenta  á  oitenta  metros,  com  um 
canalete  que  só  dá  passo  nas  enchentes.  O  canal  que  tomámos  é  o  que 
fica  entre  a  restinga  e  os  cachopos  á  esquerda  da  ilha. 

A  corredeira  começa  uns  quatro  kilometros  acima  da  cachoeira :  por 
ella  descemos,  e  com  auxilio  do  remo  grande,  cahimos  no  remanso,  acima 
da  restinga,  e  junto  á  lage  da  margem  esquerda  (A) :  tirou-se  toda  a  carga, 
que  foi  levada  por  um  caminho  de  pedregaes  ao  outro  porto  (B),  uns  du- 
zentos metros  abaixo.  Voltou  o  bote  aguas  acima  á  buscar  de  novo  a 
corredeira,  e  por  ella  precipitou-se,  passando  em  dous  minutos,  entre  a 
restinga  e  a  ilha,  e  quebrando  rapidamente  á  esquerda,  para  abicar  no 
porto  B,  onde  recebeu  as  cargas. 

Keller  determinou-lhe  a  posição  em  9*»  1'  45"  lat.  e  2V  20'  57"  long- 
Dista  cerca  de  onze  léguas  da  do  Caldeirão.  Seus  arredores  são  ricos 
de  seringa,  cacau,  salsaparrilha,  cravo,  baunilha,  copahiba  e  puchury 
(nectanãra  p,),  sendo  extraordinária  a  producçâo  da  salsaparrilha.  Ahi 
pernoitámos.  Já  ouve-se  distinctaraente  o  estrondo  da  queda  do  Theo- 
tonio. 

Entre  essas  duas  cachoeiras  dá  Baena  a  existência  de  uma  povoação 


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304  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTíKiROSSO 

de  Santa  Rosa,  fundada  em  1728,  da  qual  nenhuma  outra  noticia  temos ; 
parecendo  impossivel  que  esse  escriptor  assim  se  enganasse  em  data, 
nome  e  posição,  confundindo-a  com  a  do  Balsemão,  fundada  em  1768,  no 
Girau  (a). 


Salto  do  Theotoixio. 

Sabidos  ás  5  horas  10*  do  dia  6,  ás  8  horas  passámos  á  canal 
uma  forte  corredeira,  onde  ha  de  ordinário  necessidade  de  sirgar-se. 
Já  é  cabeceiras  do  grande  salto,  á  cujo  porto  superior  (A),  fomos 
chegar  ás  9  horas  e  40*.  E'  também  na  margem  direita,  e  dista 
dos  Morrinhos  umas  cinco  léguas.  Keller  dá-lhe  a  altura  de  83'",40  sobre 
o  nivel  do  mar;  sua  latitude  é  de  8°  52\  segundo  Ricardo  Franco  e  Fer- 
reira ;  Keller  dá-lhe  a  longitude  de  2V  30'  57"  O. 

Como  no  Girau,  no  Salto  do  Theotonio  o  Madeira  estroita-se  n'uraa 
garganta.  Um  morrote  se  eleva  na  margem  direita,  assentado  sobre  uma 
grande  lage,  com  penhascos  e  recifes  que  vão  quasi  unidos  até  um  terço 

(íi)  CoiTipendio  das  Eras  da  província  do  Pará,  pag.  30^1. 


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AO   KIO    DE    JANEIRO  305 

do  rio ;  na  esquerda,  adianta-se  outra  lage  quasi  na  mesma  extensão  ;  e 
entre  uma  e  outra,  três  fileiras  de  cachopos,  uns  altos,  outros  á  flor  d*agua, 
formam  os  degraus  de  uma  escada,  deixando  yêr  uns  quatro  canaletes  in- 
termediários. Cerca  de  trezentos  metros  da  primeira  fileira  baixa  o  rio  do 
nivel,  talvez  em  toda  a  largura,  fazendo  um  salto  de  dous  metros  no  se- 
gundo canalete  da  direita,  egualmente  eriçado  de  cachopos  e  penhascos. 
Cem  metros  adiante,  despenha-se  n'um  segundo  salto  de  trez  metros ;  e  á 
outra  distancia  egual,  em  terceiro,  que  é  o  maior,  com  quasi  do  dobro  de 
altura,  o  qual  lança-se  com  grande  estrondo,  mais  augmentado  com  o 
que  os  outros  fazem. 

Nas  enchentes  esses  saltos  diminuem  de  altura ;  mas  fórma-se  um 
novo,  e  egualmente  violento,  nas  fundas  erosões  que  apresentam  as  rochas 
da  margem  direita. 

Cerca  de  trezentos  metros  abaixo  dos  saltos,  uma  outra  restinga 
atravessa  o  rio  de  lado  á  lado,  formando  duas  ilhotas  estendidas  na  lar- 
gura do  rio,  e  enfrentando  á  lageados  de  ambas  as  margens. 


Os  portos  de  embarque  e  desembarque  (A  e  B)  distam  uns  quinhen- 
tos metros,  um  do  outro.  O  varadouro  é  de  55C",  e  sobe  á  galgar  a  en- 
costa do  morrote,  cuja  altura  é  de  uns  15  metros.  O  porto  B  é  um  sacco 
de  pouco  mais  ou  menos  trezentos  metros  de  fiindo  e  sessenta  de  largo, 
formado  pelas  duas  lages  acima  descriptas,  a  do  salto  e  a  a  da  restinga, 
e  estendendo-se  para  a  direita,  onde  forma  uma  linda  praia  de  areia 
branca,  com  um  corregosinho  de  pura  agua  que  por  ella  se  deslisa,  aguas 
sempre  apreciáveis  nessas  viagens  de  rios  lamacentos.  O  canal  da  descida 
vae  beirando  essa  segunda  lage,  onde  ha  ainda  um  salto  de  palmo  e  meio 

de  alto,  e  de  muita  velocidade  na  corrente. 

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306  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

E'  importante  de  vêr-se  essa  catadupa  do  alto  das  rochas,  onde  se 
escavam  as  erosões,  agora  patentes ;  bem  como  o  vasto  lençol  de  aguas  acima 
do  salto,  tremendo  e  como  que  em  ligeira  ebulição,  tão  alto  fica  em  re- 
lação ao. observador,  apparencia  que  justifica  o  nome  de  Irury,  que  os 
Índios  lhe  davam. 

A's  6  horas  de  sabbado,  8  de  dezembro,  terminou-se  a  varação  do 
bote  e  ás  10  horas  seguimos  ;  vendo-nos  um  pouco  atrapalhados  naquelle 
canalete,  cuja  correnteza  e  os  rodamoinhos  quasi  nos  levam  para  o  falso 
canal  á  meio  rio,  onde  a  perda  é  certa. 

Com  trabalho  conseguiu-se  atracar  á  grande  lage  junto  ao  salto,  e 
espiada  voltou  a  embarcação  novamente  ao  porto,  donde  sahiu,  melhor 
assegurada,  pelo  canalete. 

Teve  essa  cachoeira  o  nome  de  Padre  Eterno^  como  também  já 
vimos  que  era  conhecida  dos  antigos  pelo  de  Salto  Grande.  Esse  que 
a  distingue  hoje  é  uma  justa  commemoração  e  homenagem  aos  esforços 
que  fez  o  primeiro  juiz  de  fora  de  Villa  Bella,  Theotonio  da  Silva  Gomes, 
paia  ahi  haver  uma  fonte  de  soccorro  aos  navegantes,  fundando  em  1758 
um  aldeiamento  com  Índios  pamas,  sob  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da 
Boa  Viagem.  Mas,  pouco  durou  :  as  correrias  dos  mondurucús  e  muras 
afugentaram  pouco  á  pouco  os  navegantes  e  os  aldeões  ;  e  já  em  1802, 
á  crr^r-se  Baena,  o  commandante  do  ponto  do  Crato^  capitão  Marcellino, 
mandava  em  5  de  novembro  uma  guarda  para  nesse  ponto  vigiar  a  na- 
vegação (a).  Em  1814,  por  C.  K.  de  6  de  setembro — determinou-se  a 
creação,  ahi,  da  povoação  de  S.  Luiz — que  não  foi  levada  á  eíTeito  ;  ape- 
zar  dos  esforços  do  benemérito  Kicardo  Franco,  que  muito  trabalhou  para 
realisal-a. 

A  sirga  dos  Macacos.  A's  11  horas  notávamos  que  o  rio  augmen- 

(a)  Vide  Patriota^  anno  1814. 


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AO   RIO    DE  JANEIRO  307 

tava  de  velocidade,  e  em  poucos  minutos  chegávamos  á  esse  ponto,  ter- 
rível nas  grandes  aguas  pelos  innumeros  cachopos,  que  alastram  o  rio 
e  o  encachoeiram.  Apenas  houve  necessidade  da  sirga  por  um  quarto 
de  hora;  seguindo  o  bote  sem  maior  novidade. 

Fica  á  pouco  mais  ou  menos  oito  kilometros  do  salto  do  Theo- 
tonio. 


Santo  António.  A'  1  hora  da  tarde  chegámos  â  cachoeira  de 
Santo  António ;  e  dobrando  uma  ponta,  á  margem  direita,  em  que  o  rio 
se  ensaca  como  na  do  Caldeirão  do  Inferno,  seguimos,  por  um  quarto  de 
hora,  até  o  porto  do  desembarque  (A).  Tem  esse  braço  do  rio  cerca 
de  kilometro  e  meio :  o  lado  esquerdo  é  formado  por  duas  grandes  ilhas 
e  outras  menores,  que,  actualmente,  quasi  se  ligam,  tão  estreitos  são  os 
filetes  d^agua  que  as  separam. 

Ao  avisinhar-se  da  cachoeira  o  rio  multiplica  de  velocidade :  em 
frente  ao  leito  ha  ainda  duas  grandes  ilhas,  entremeiadas  de  cachopos, 
quasi  eguaes  e  parallelas  como  as  do  Caldeirão.  Entre  ellas  é  que  passa  o 
canal  seguido  pelos  navegantes,  até  uma  terceira  ilha  (D),  cuja  direita 
tomam,  para  buscar  o  meio  do  rio. 

Chamavam  os  indios  Aroyá  esta  cachoeira ;  e  os  portuguezes  por 
corrupção  Aroeira  e  também  S.  João. 


Tinhamos  vencido,  em  vinte  e  quatro  dias,  apenas,  a  região  das 
cachoeiras,  passagem  tão  rica  de  perigos  e  horrores,  como  de  peripécias 
extraordinárias  e  scenas  admiráveis  «  — qu'on  est  bien  aise  d^avoir  une 
fois  contemplées,  mais  dont  on  ne  désire  nullement  courir  une  séconde 
fois  les  dangers  (a).  » 

(a)  Gastelnau.  Obra  citada,  !<>,  pajg.  463. 


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308  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

Do  porto  do  desembarque  ao  posto  militar  de  Santo  António  gas- 
támos vinte  e  cinco  minutos;  estando  o  caminho  qtiasi  de  todo  in- 
viável. 


Está  Santo  António  aos  8^  49'  2'\6,  latitude,  e  2V  29'  8"  long. 
do  Rio  de  Janeiro  (b),  segundo  Keller,  que  também  lhe  dá,  apenas,  a 
altitude  de  61*,6  acima  do  mar,  e  novecentos  e  um  kilometros  de 
distancia  da  foz  do  Madeira  (c),  quando  Mathews  dá-lhe  250  pés 
ou  76»,8. 

£leva-se  n'uma  barranca  alta  de  trinta  e  seis  metros  á  margem 
direita  do  rio  (d).  Foi  o  primeiro  estabelecimento  do  Madeira,  fundado 
em  1728  pelos  missionários  dirigidos  pelo  jesuita  padre  João  de  Sampaio, 
segundo  narra  Baena  (e),  dos  quaes  alguns  subiram  as  cachoeiras  e  foram 
até  as  missões  hespanholas  de  Mamoré  e  Baures,  e  outros  desceram  á 
missionar  nas  margens  do  Jamary.  A'  esse  padre  Sampaio  deve-se  tam- 
bém a  fundação  da  aldeia  Trocano^  hoje  villa  de  Borba. 


Pertence  Santo  António  de  direito  á  província  de  Matto-Orosso, 
cujos  limites  ainda  ficam  muitas  léguas  ao  norte,  e  de  facto,  á  do  Ama- 
sonas,  que  é  quem  fiscalisa  toda  a  região  do  Madeira,  e  a  provê  de  guar- 
nição, autoridades  civis  e  ecclesiasticas.  Ahi  deve  começar  a  via  férrea, 
correctivo  das  difficuldades  do  commercio  e  navegação  das  cachoeiras ; 
estrada,  mal  aventurada,  já  duas  vezes  iniciada,  e  duas  vezes  morta. 

(b)  A  mesma  de  Ricardo  Franco  e  Ferreira,  em  1780,  que  dão  8*  48*  de  lat.,  dif- 
ferença  de  logar  de  observação, 

(c)  Ricardo  Franco  dá  186  leg.  de  20  ao  grau,  ou  1,083  kil.  [Mem.  Geog.  do  rio 
Tapajós), 

(d)  E  não  á  margem  esquerda,  como  vem  na  carta  geral  do  Império,  1875. 

(e)  Compendio  das  Eras.  pag.  214. 


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AO  RIO   DE   JANEIRO  309 

Compõe-se  de  varias  casas,  umas  cobertas  de  zinco,  outras  de  pal- 
mas, havendo  mesmo  uma  de  sobrado,  onde  nos  alojámos. 

Junto  á  ribanceira  ha  um  grande  barracão,  deposito  de  materiaes, 
mantimentos  e  medicamentos  da  Companhia  da  Estrada  de  Ferro,  grande 
parte  dos  quaes  estão  deteriorados  e  em  breve  estarão  completamente 
perdidos.  Sobre  o  terreno  vêm-se  milhares  de  trilhos,  alguns  dormentes, 
restos  de  guinchos  e  guindaste  a  vapor,  cujas  peças  apparecem  aqui  e 
ali  esparsas,  algumas  quasi  enterradas,  e  outras  sem  duvida  completa- 
mente. 

Ha  no  ponto  um  destacamento,  presentemente  de  quinze  praças,  do 
3"^  batalhão  de  artilharia,  commandado  por  um  subalterno ;  e  ha  uma 
subdelegacia  de  policia, 

O  porto  é  de  grande  profundidade.  Um  vapor  que  ahi  chegou,  em 
1876,  carregado  de  materiaes  para  essa  desventurada  companhia,  foi 
repentinamente  á  pique,  ura  dia,  encobrindo — totalmente  os  mastros.  Si 
não  me  olvido,  chama va-se  Amasonas. 


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CAPÍTULO  V 

De  Saoto  António  á  Manaus  —  A  AdimoqU  —  De  Manaus  á  Belém 


O  dia  10,  segunda-feira,  depes- 
diu-se  de  nós  a  guarnição  do  bote, 
á  qual  tão  gratos  devemos  ser 
pela  boa  vontade  e  dedicação  com 
que  nos  serviu;  esforçando-se  mais 
do  que  nos  era  licito  esperar,  e 
com  verdadeira  abnegação,  para 
que  conseguissemos  o  nosso  in- 
tento de  desempenhar  cabalmente 
e  no  menor  tempo  possivel  a  com- 
raissâo  que  traziamos ;  e  trazen- 
do-nos  á  salvo  á  este  porto  do 
Madeira,  onde  poderiemos  espe- 
rar um  vapor  dos  da  escala  de  Manaus. 

Além  do  patrão,  compunham  essa  guarnição  o  piloto  José  Pires  da 
Silva  Gomes,  os  proeiros  Clemente  José  da  Silva  e  Lucas  da  Silva,  dous 
guapos  marinheiros ;  os  remadores  Manoel  Porphyrio  Gomes  Ouros,  Ma- 
noel Fernandes,  Hippolyto  dos  Santos,  Sebastião  Fernandes;  todos  matto- 
grossenses  ;  e  os  bolivianos  Manoel  Toribio,  Domingo  Toribio,  Domingo 
António  e  Manoel.  Consignando  seus  nomes,  satisfaço  um  aprasimento 
particular,  e  cumpro  um  dever  de  gratidão. 

Seguem,  agora,  para   um  porto  abaixo,  Humaitd,  onde  parte  fica  á 


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312  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

espera  de  um  outro  bote  que  suba,  e  os  reconduza  á  seus  Wes,  e  os 
outros,  receiosos  de  emprehender  nova  viagem  remontando  os  rios, 
vão  agenciar  novos  meios  de  vida.  O  patrão,  o  Sr.  António  Elisiario  An- 
tunes Maciel,  desce  até  o  Amasonas,  onde,  na  villa  da  Conceição  dos 
Mauhés,  vae  emprehender  a  industria  do  guaraná  por  dous  ou  trez 
annos,  findo  os  quaes  regressará  pelo  oceano  para  sua  terra ;  fazendo,  á 
inversa  do  que  fizemos,  uma  nova  viagem  em  redor  do  Brasil.  O  bote, 
o  velho  bote,  nosso  único  auxilio  nessa  espinhosa  tarefa,  pois  que  si  não 
fora  elle  não  a  teriamos  commettido,  vae  ainda  arrastando-se  até  aquelle 
porto,  onde  será  condemnado.  Chamava-se  Trez  Irmãos^  em  referencia 
á  seus  donos;  e  si  até  agora  me  olvidei  de  nomear  o  nome  que  se  Ibe  lia, 
gravado  á  popa,  não  quero  que  se  me  inculpe  a  ingratidão  de  têl-o  es- 
quecido de  todo. 


Só  contávamos  poder  descer  lá  para  15  ou  20,  quando  inespe- 
radamente, á  tarde  desse  mesmo  dia,  vimos  vir  subindo  um  vapor,  desses 
mariscadores  de  borracha,  que  irregularmente  percorrem  estas  paragens, 
em  busca  da  preciosa  carga. 

Era  o  Canuman,  antigo  Fortalesa,  do  commando  do  Sr.  1°  tenente 
Alfredo  de  Moraes.  A's  5  e  1/4  deu  fundo  ;  e  immediatamente  entrámos 
em  communicação.  A  familia  do  commandante  e  a  de  seu  tio  o  Sr.  João 
Severino  de  Mattos,  cujos  ascendentes  gosam  de  bons  foros  na  historia 
da  provincia  do  Pará  e  Amasonas,  vém  de  passagem  como  tourisies^  em 
viagem  de  recreio,  desde  Belém. 

O  Canuman  é  uma  boa  e  forte  embarcação  bem  veloz  e  não  izenta 
de  elegância ;  aquelles  dous  senhores  são  seus  proprietários ;  e  suas  fami- 
lias,  amantes  do  bello  e  infatigáveis  admiradoras  das  magnificências  com 


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AO   RIO   DE  JANEIKO  310 

que  o  Creador  encheu  essa  natureza  amasonica,  fazem  una  dos  seus  pre- 
dilectos recreios  o  percorrerem  o  rio-mar  e  os  seus  gigantes  affluentes. 


A's  5  1/2  da  madrugada  do  dia  12,  começámos  á  descer,  passando 
em  menos  de  uma  hora  a  afamada  praia  do  TamandtM,  viveiro  —  e  um 
dos  principaes  pesqueiros  de  tartaruga  de  todos  esses  rios.  Em  seguida 
fomos  passando  as  ilhas  do  Mandihy^  uma  delias  de  mais  de  duas  léguas; 
o  igarapé  do  Trocano^  segundo  sitio  onde  existiu  a  actual  villa  de  Borba, 
e  onde  vêm-se,  ainda,  entre  os  cacauaes,  velhas  larangeiras  que  attestam 
sua  antiguidade.  Diz  Baena  (a),  que  ao  fundarem-a  os  portuguezes  en- 
contraram ahi  dous  jesuitas  allemães,  cujos  nomes  cita :  os  padres  An- 
selmo Echast  e  António  Meistergurg,  que  ahi  viviam  á  mezes,  e  tinham 
por  paramentos  duas  peças  de  artilharia, 

Parece-me,  porém,  que  ha  nisso  engano  por  parte  do  erudito 
escriptor  paraense ;  e  que  esses  canhões  foram  para  ali  levados  pelos 
nossos  missionarios,para  conterem  em  respeito  o  gentio  mura.  O  padre  Ma- 
noel da  Motta,  na  sua  Relação  da  missão  no  Amasonas  em  1721,  e  que 
o  illustrado  Sr.  Dr.  Mello  Moraes  transcreve  na  sua  Chorographia  His- 
tórica (tomo  3*,  pag.  <190),  diz  que  —  «  nem  a  companhia  deixou  de  at- 


(a)  Compendio  das  Éras^  pag.  244.  O  mesmo  Baena,  no  seu  Ensaio  Chorogra- 
phico,  â  pag.  439,  fal-a  fundada  em  1782,  abaixo  dos  Tamanduás ^  unas  na  foz  do  Ja- 
mary^  com  Índios  do  Rio  Negro  e  degredados.  Diz  que  em  1799,  sendo  nomeado 
ouvidor  da  capitania  do  Rio  Negro  o  Dr.  Luiz  Pinto  de  Cerqueira,  foi  mandado 
dirigir  esta  colónia  ;  e  que  adoecendo  dous  annos  depois,  voltou,  sendo  substituído 
pelo  capitão  Marcellino  José  Cordeiro.  Entretanto,  no  Compendio  das  Éra^,  á 
pag.  .-rre,  diz  que -mandou  D.  Francisco  de  Sousa  Coutinho,  em  1798,  fundar  junto 
á  foz  do  Jamary  a  povoação  de  S.  João  do  Crato,  fornecendo  aos  povoadores  instru- 
mentos, utencis  e  sementes  ;  e  que  dessa  colónia  foi  encarregado  aquelle  capitão 
Marcellino,  o  qual,  ao  cabo  de  quatro  annos  representou  sobre  a  inconveniência  do 
sitio  e  o  governador  mandou  que  romovesse  u  povoação.  Servia  de  degredo,  e  para 
ahi  desterrou  aquelle  governador  o  professor  de  philosophia  de  Belém  José  Eugénio 
de  Araújo  Lima,  que  só  dahi  voltou  em  tempo  do  conde  dos  Arcos. 

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314  ITINKRAlllO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

tender  á  esse  bem  da  coroa,  representando-o  á  seus  governadores  para 
que  dessem  providencias  contra  a  invasão  dos  muras,  gentio  indómito 
e  cruel,  mas  não  lhe  pôz  até  agora  remédio  :  e  apenas  o  padre  José  da 
Gama  lhe  pôz  doíAS  pedreiros  para  espantar  com  es  tiros  os  ditos  muras  ; 
do  que  o  general  Francisco  Xavier  fez  grande  mysterio,  interpretando 
essa  conducta  á  fim  muito  diverso  do  intento  do  dito  missionário.  » 

Passámos  depois  as  ilhas  da  Guariba  e  do  Mariuhy,  esta  de  meia 

légua  de  comprido  :  ás  9  1/4  a  foz  do  Jamaty^  de  uns  cento  e  sessenta 

.  metros  de  largura,  á  direita  do  Madeira  e  á  uns  oitenta  e  dous  kilo- 

metros  de  Santo  António.  O  Sr.  Keller  dá-lhe  56'',8  de  altitude  era 

relação  ao  mar. 

Foi  neste  rio,  junto  ás  suas  primeiras  cachoeiras,  que  em  1735 
o  padre  João  de  Sampaio  fundou  a  primeira  aldeia  do  Madeira,  chamada 
das  Cachoeiras  ou  de  Jamary;  e  que  em  1742,  mudou-a  para  o  Trocano 
por  causa  dos  assaltos  dos  muras. 

Ahi  o  Sr.  João  Prado,  nosso  vice-consul  na  Bolivia,  colhe  suas 
trez  mil  arrobas  de  seringa  com  uns  setenta  á  oitenta  camaradas. 

O  vapor  vae  tocando  em  varias  barracas;  e  assim  passámos  nas  pro 
mas  aos  igarapés  Tttcunaré,  Puinaré,  Punean,  Pauaneina,  Mayacipe, 
onde  trabalham  os  Srs.  Serafim,  Sá  e  Castro  e  José  Resende  de  Moraes, 
este  ultimo  na  ilha  das  Abelhas,  com  uns  cento  e  vinte  á  cento  e  trinta 
trabalhadores,  e  colhendo  de  seis  á  sete  mil  arrobas. 

Nesta  ultima  situação  recebeu-se  á  bordo  o  Eev.  padre  Torqualo,  dono 
de  um  sitio  algumas  léguas  abaixo,  na  margem  direita,  onde  saltei  para 
ver  ura  enfermo. 

Abaixo  ha  as  barracas  dos  Srs.  Leão  e  Adolplio  Decilio  do  Amaral 
em  frente  á  ilha  dos  Papagaios,  e  cuja  colheita  orça  por  mil  arrobas. 
Ahi  pernoitámos. 

A'  13,  sahimosás  5  1/2;  ás  11  e  1/4  passávamos  o  destacamento  do 


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AO    KIO    DE    JANEIRO  315 

Machadará  inargera  direita  do  Madeira,  junto  ao  arroio  Jacaré;  e  um  quarto 
de  hora  depois  entravamos  no  Gy-parand,  ou  rio  do  Machado,  á  uma  légua 
daquelle  arroio.  Gy-paraná,  machuão  do  rio^  chamam  os  indios  á  uma 
grande  ostra  fluvial,  de  que  se  utilisam  para  fazer  aquelle  instrumento, 
do  que  talvez  provenha  o  nome  do  rio.  Fica  sua  barra,  que  é  larga  de 
300",  aos  9*  O'  de  latitude  :  cerca  de  trezentos  metros  da  embocadura 
forma  uma  ilha.  Subimos  pelo  canal  da  direita,  que  é  de  cento  e  oitenta 
metros  de  largo ;  sendo  o  da  esquerda  de  talvez  um  terço  menor. 

Cerca  de  dous  kilometros  distante  da  foz  recebe  o  Gy-paraná  o  rio 
Preto,  de  quarenta  metros  de  boca,  cujas  aguas,  que  lhe  trouxeram  o 
nome,  fazem  tal  contraste  com  as  crystallinas  do  Gy-paraná  como  as 
deste  com  as  do  enlodado  Madeira.  Fomos  pelo  Gy-paraná  acima  uns 
sessenta  kilometros.  Com  trez  quartos  de  hora  de  viagem  tocámos  na 
missão  de  S,  Francisco^  aldeiamento  de  turds  e  araras^  e  que  pareceu-me 
bem  disciplinada. 

O  Gy-paraná  foi  peicorido  antigamente  pelos  exploradores  de  ouro, 
e  lioje  o  é  pelos  de  gomma-elastica.  Ainda  ha  cerca  de  trez  annos  o  se- 
ringueiro D.  Santos  Mercato  subiu-o  á  distancia  de  outros  sessenta  kilo- 
metros, varando  em  trez  cachoeiras,  Estabeleceu-se  ahi,  e  não  proseguiu 
na  descoberta  dos  seringaes  e  do  rio  por  lh'o  interceptar  umgrande  salto, 
maior  do  que  o  do  Theotonio.  Segundo  declarou-nos,  vae  o  rio  ate  lá 
com  uma  largura  e  fundo  constantes :  as  margens  são  em  geral  altas,  e 
povoadas  por  parententins  e  acardr-pirangas,  á  margem  direita,  e  pelos 
morucujm,  á  esquerda ;  todos  antropophagos. 

Por  vezes  descem  e  assaltam  as  barracas  do  Madeira.  Os  parenten- 
tins são  os  que  mais  tropelias  tém  feito,  os  mais  cruéis  e  mais  temidos. 
Raro  é  o  anno  em  que  não  se  registrem  depredações  suas.  Em  1876,  tendo 
assassinado  a  tripulação  de  um  bote,  os  companheiros  da  caravana,  dei- 
xaram passar  uns  dias  e  cahiram  de  improviso  sobre  elles,  que  já  não 


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31t> 


ITINERÁRIO    DA   CIDADE  DE  MATT0-6R0SS0 


contavam  cora  a  vindicta.  Tinham-se  embrenhado  ura  pouco  mais  e 
foram  facilmente  alcançados,  quando  ainda  festejavam  sua  façanha.  Nove 
dos  atacantes  levavam  espingardas  e  os  mais  pistolas  e  facões  :  o  que  os 
dirigia,  tendo-os  levado  com  o  maior  acerto  até  ahi,  recommendou-lhetí 
que  não  atirassem  sináo  quando  tivessem  operado  o  cerco  e  firmado  o 
alvo,  devendo  disparar  quando  elle  desse  o  signal.  Mas,  ou  por  susto, 
ou  por  outra  qualquer  causa,  não  cumpriram  essa  recommendaçào,  dis- 
pai*ando  alguns  aasira  que  avistaram  os  Índios  ;  os  quaes  lograram  fugir 
na  maior  parte,  deixando  comtudo  trez  mortos  e  sete  prisioneiros,  duas 
mulheres  e  cinco  crianças. 

Uraa  dessas  de  nome  Moropa^  baptisada  depois  com  o  de  Rosa, 
tinha  então  sete  annos  de  edade.  Estava  com  a  senhora  de  D.  Angel 
Chaves,  que  não  tendo  filhos  tratava-a  com  os  carinhos  de  mãe.  Moropa 
parece  dotada  de  boa  indole,  apezar  da  sua  feroz  progenitura.  Contou-me 
aquella  senhora  que,  um  dia  que  lhe  deu  roupas  novas,  entrou  ella  a 
chorar,  e  àeu  como  rasão  o  recordar-se  que  suas  irmanzinhas  haviam  de 
sentir  frio  e  fome,  por — não  terem  roupas  e  mui  poucas  comidas. 

Do  dialecto  seu  colhi  as  seguintes  palavras,  que  o  revelam  ser  filho 
da  lingua  tupy : 


Agua 

jaú 

Esbelta 

opú 

Boca 

jurú 

,  Estrella 

oquitsi 

Branco 

tin 

Eu 

ohoni 

Carne 

hôo 

!  Eu  como 

coapeh 

Carvão 

talapyra 

;  Flor 

moropa 

Céo 

jacuan 

Fogo 

tatá 

Escorregar 

picoho-icadámu 

^  Lua 

jacy 

Esperar 

nuaçadune 

Moça 

nabiça 

Esta 

sauna 

Sobrancelha 

jacuan 

Este 

jutçáo 

;  Trazer 

erú 

Os  morucujús,  como  os  muras,  são  oriundos  dos  aymorés. 


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10  RIO  DE  JANEIRO  317 

Varias  tríbus,  conservando  o  mesmo  nome,  sào  indicadas  nos  ser- 
tões das  cachoeiras  do  Madeira,  no  lago  Uarapiára,  no  Gy-paraná,  no 
Jamary  e  nos  afluentes  dos  rios  Negro  e  Amasonas. 

Conservam  tradições  de  regiões  outras  em  que  viveram ;  o  que  re- 
velam na  sua  tosca  cerâmica  e  nas  pinturas  das  cuias,  etc.,  gravando 
e  desenhando  animaes  desconhecidos  nas  regiões  onde  vivem  e  peixes 
do  oceano. 

Dista  o  Gyparaná  cerca  de  duzentos  e  vinte  kibra.  de  Santo  António. 
A's  11  e  3/4  sahimos  do  pouso,  e  á  1  1/2,  cahindo  no  Madeira, 
deixámos  as  terras  de  Matto-Grosso. 


II 


Em  poucos  minutos  passávamos  a  tapera  de  S.  Roque,  trez  palhoças 
á  margem  direita,  em  alta  barranca.  Cousa  de  dez  kilometros  abaixo  do 
Gy-paraná,  enfrentámos  com  o  Arraia  ;  mais  tarde,  passámos  o  grupo 
das  ilhas  ParaMbas,  das  quaes  uma  bem  comprida  ;  depois  os  do  Pira- 
gtídra,  Periquitos  e  Serietna ;  a  grande  ilha  dos  Muras,  e  outras  mui 
formosas  e  cobertas,  as  de  terreno  alto — de  frondosa  mattaria,  e  as  rasas 
quasi  que  somente  de  cecropias  (embaibeiras). 

As  margens  do  rio  vão  á  cada  passo  mostrando  extensas  o  alegres 
praias  de  branca  areia,  depósitos  dos  ovos  das  tartarugas.  A's  6  e  3/4 
chegávamos  ao  Paraiso^  alegre  habitação  de  D.  Santos  Mercato,  e  ahi 
pernoitámos.  A'  noite  chegou  um  vapor,  que  nos  disseram  ser  o  Maissy^ 
conduzindo  o  presidente  do  Auiasonas  e  o  commandante  das  armas  o 
distincto  coronel  Marques  de  Sá. 

No  dia  16,  domingo,  passámos  pela  tapera  de  S.  João  do  Crato,  para 
onde  o  capitão  Marcellino,  em  1807,  trasladara  a  povoação  do  Trocano, 


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318  ITINERÁRIO    DA   CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

sahindo  do  Jamary  cm  8  de  Agosto,  e  começando-a  em  14.  Sahira  dali 
por  causa  das  febres  endémicas,  e  aqui  veiu  encontrar  a  sepultura,  falle- 

cendo  era  16  de  junho  do  anno  seguinte  (a). 

A's  7  horas  chegámos  á  Humaitd^  florescente  povoação  fundada  pelo 
negociante  José  Francisco  Monteiro,  em  tempo  da  guerra  paraguaya. 
Chama va-se  então  Baetas  esse  sitio.  Tem  uma  trintena  de  casas,  a  mór 
parte  de  telhas,  elegantes  e  commodas,  formando  uma  rua  no  alto  da 
barranca,  que  será  de  dez  ou  doze  metros  de  altura  (b).  Tem  uma  capel- 
linha  bonita  e  graciosa,  e  que  ainda  mui  agradável  se  nos  afigurou  por 
ser  o  primeiro  templo  que  encontrámos  nessa  tão  longa  vií^em ;  e  onde 
fomos  dar  grayas  ao  Altíssimo  pelas  felicidades  que  nella  concedeu-nos.  E' 
da  invocação  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  :  ao  lado  tem  uma  torresinha 
de  madeira  com  dous  sinos,  com  que  chama  os  fieis  á  oração. 

Completam  o  povoado  umas  cincoenta  casas  de  palha  dos  trabalha- 
dores e  camaradas. 

Ahi  vimos  pela  ultima  vez  o  nosso  velho  bote  Trez  Irmãos  e  a  sua 
dedicada  chusma,  que  nos  veiu  comprimentar  e  dizer-nos  adeus. 

A's  trez  da  tarde  passámos  o  Marmello,  ou  Araxiá^  de  boa  lai-gura, 
talvez  uns  cem  metros  na  barra.  E*  encachoeirado ;  e  informam-nos  que 
tem  sete  cachoeiras  antes  de  um  salto  de  dez  metros  de  alto,  alem  do 
qual  é  o  rio  completamente  desconhecido.  Cerca  de  duas  horas  depois 
deixámos,  á  margem  esquerda,  o  Capanan,  que  dizem  ser  um  braço  do 
Puru^. 

A'  17  amanhecemos  no  rio  Manicoré,  quasi  cincoenta  kilometros 
abaixo  doCapanau;  suas  aguas  negríssimas  formam  perfeito  contraste 
com  as  do  barrento  Madeira.  Entrámos  por  elle  alguns  cincoenta  ou  sessenta 

(a)  Diz  Baena  que   em  consequência  das  enchentes  do  rio. — Camp,  das  Eras, 
pag.  ÍR>r». 

(b)  O  Sr.  Keller  dá  a  este  ponto  a  altitude   de    10"  sobre  o  mar  e  demarcou-o 
aos  7«  31'  3",4  S. 


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AO    RIO   DE   JANEIRO  í^l»' 

kilometros.  Dizem  que  começa  á  ser  encachoeirado  do  dobro  dessa  dis- 
tancia, seguindo  assim,  ainda,  por  umas  quarenta  léguas.  £'  bordado  de 
varias  barracas  de  seringueiros.  £m  sua  margem  esquerda  ha  uma  aldeia 
de  Índios  de  varias  nações,  principalmente  muras,  turás  e  genipapos,  já 
domesticados,  e  ahi  reunidos  por  ser  mais  fácil  a  missão  dos  civilisados 
do  que  a  catechese  dos  selvagens. 

Parámos  junto  á  ella:  desceu  um  frade  italiano,  mas  nenhum  indio 
atreveu-se  á  vir  a  bordo  ;  no  emtanto  que  coalhavam  a  barranca  e  terreiro) 
da  aldeia.  Diversamente  da  aldeia  do  Kio  Preto,  est^  não  nos  deixou  boa 
impressão.  Todos  os  seus  moradores,  que  appareceram  em  numero  supe- 
rior á  um  cento,  sem  distincção  de  occupação,  sexo  ou  edade,  revelavam 
o  maior  despreso  do  mundo  no  pouco  asseio  de  suas  roupas  e  mesmo  de 
seus  corpos. 

Pareciam  observar  em  demazia  o  multiplicamini  da  Escriptura  sem 
entretanto  darem  mostras  de  que  attendiam  ao  crescite :  rapariguinhas 
de  quando  muito  doze  e  quatorze  annos  de  edade,  eram  mães  e  ahi  esta- 
vam alimentando  seus  filhinhos  aos  seios ;  n'uma  cincoentena  delias, 
rara  era  a  que  não  trazia  uma  criança  ao  collo,  e  á  algumas  acompa- 
nhava um  ranchinho  de  duas,  trez  e  quatro.  Não  devo  omittir  que  suas 
feições  são  regulares  e  não  despidas  de  encanto.  A  falta  de  asseio,  tão 
rara  nos  indios  ribeirinhos,  admirou-me  sobremaneira,  e  pareceu-me  in- 
troduzida pela  missão. 


Tocámos  em  algumas  barracas,  sendo  mais  notáveis  as  de  D.  Santos 
Mercato,  que  com  cento  e  tantos  trabalhadores  colhe  de  seis  á  oito  mil 
arrobas  de  borracha ;  e  as  dos  His.  José  Francisco  Monteiro  e  Juan  Trana, 
os  quaes,  com  cincoenta  traballiadores  cada  um,  exportam  por  anno  suas 
mil  arrobas. 


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320  ITINfiRÁRÍO  DA   CIDADE  D£  MAttO-GROSSO 

Voltámos  ao  Madeira  á  noite,  e  amanhecemos  na  antiga  villa  do 
Manicoré,  pequeno  povo  de  quando  muito  vinte  casas  de  telha  e  outras 
tantas  palhoças,  situado  n'uma  alta  barranca  da  margem  direita,  por  onde 
se  sobe  n'uma  escadaria  de  setenta  e  tantos  degraus.  Sua  capella  matriz, 
da  invocação  de  Nossa  Senhora  das  Dores,  é  asseiada  e  decente. 

Manicoré  foi  primitivamente  sitio  de  um  António  Corrêa,  que  ahi 
cultivava  o  cacau,  e  que  os  selvagens  trucidaram  em  1749  (a). 

Sahimos  ao  meio-dia.  O  Madeira  continua  magestoso,  com  soas 
soberbas  margens  de  altas  barrancas  ou  lindas  praias,  cortadas  á  cada 
passo  de  igarapés,  ou  matizadas  de  barracas  e  roças,  e  no  seu  leito 
extensas  ilhas,  entre  as  quaes  Murucituba^  Mutipiry  e  Genipapo^  com 
uma  formosa  e  extensa  praia.  N'um  sitio,  á  margem  esquerda,  denomi- 
nado de  Santa  Bosa,  vimos  uma  menina  de  dous  annos  e  dez  mezes  de 
edade,  filha  do  Sr.  José  Mariano  Mendes,  nimiamente  obeza :  alta  apenas 
de  oitenta  centímetros,  apresentava  as  dimensões,  em  grossura,  de  uma 
moça  bastante  gorda :  no  terço  superior  dos  braços  a  circumferencia  era 
de  O", 36 ;  o  collo  cheio  e  túmido  não  parecia  o  de  uma  criança.  De 
rosto  serio  e  fechado,  parecia  comprehender  o  motivo  da  attenção  que 
despertava ;  nem  havia  caricias  ou  dadivas  que  fizessem  expandir-lhe  o 
semblante.  Nessa  supposição  evitámos  molestal-a  em  mais  detido  exame ; 
e  apenas,  á  fiirto,  toraámos-lhe  aquella  medida. 

A's  3  horas  da  tarde  passámos  o  Mataurd,  que  dizem  communi- 
car-se  com  o  Tupinamharana  pelo  Canuman,  rio  á  que  dão  um  curso 
de  900  kilometros,  quando  no  tempo  das  aguas  innundam-se  os  vastos 
campos,  que  vém  desde  as  cabeceiras  do  Araxiá,  Manicoré  e  Aripuaná. 

A*s  4  passámos  o  canal  das  pedras  UraeSy  duas  léguas  abaixo  do  Ma- 


ia) Southfty,  liv.  5»,  448. 


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AO  RIO   DE    JANEIRO  321 

taurá,  temido  nas  seccas;  meia  hora  depois  as  barrancas  e  ilha  das 
Araras ;  e  á  noite,  o  Aripuaná^  de  mais  de  cem  metros  de  foz ;  o  qual 
dizem  ser  de  grande  extensão,  e  encachoeirado  depois  de  um  curso  de 
quarenta  léguas,  aguas  acima. 

A'  19,  quarta-feira,  ás  8  1/2,  passámos  as  ilhas  de  José  Joõú^  e  ás 
9  1/4  as  do  Jacaré.  A's  2  1/2  passa-se  a  praia  de  Manãiuha  e  ás  4  da 
tarde  ancorámos  em  Borba. 


Borba  é  a  antiga  freguezia  de  Araretama.  Está  á  cento  e  sessenta 
e  dous  kilometros  da  foz  do  Madeira,  segundo  os  Srs.  Keller,  e  aos  4* 
23'  sul  e  318*  7'  15''  merid.  occid.  da  ilha  de  Ferro ,conforme  a  commissão 
demarcadora  de  limites  de  1782  (a). 

Tem  umas  cincoenta  casas  e  um  novo,  bom  e  bonito  templo,  o 
melhor  de  toda  a  provincia  depois  da  matriz  da  capital.  Seus  princípios 
remontam-se  ás  aldeias  do  Trocano,  e  de  S.  João  ão  Crato,  fundada 
aquella  em  1798.  Ora  as  enchentes  do  Madeira,  ora  os  assaltos  dos  selva- 
gens fizeram-a  ir  descendo  o  rio  ;  estabelecendo-se  successivamente  na  foz 
do  Jamary,  do  Macacypê,  no  Gy-paraná,  do  Trocano,  em  Baetas,  na  foz  do 
Canuman,  e  finalmente  em  1760  na  foz  do  Araretama,  que  deu  o  nome 
á  freguezia,  e  dal-o-ha  um  dia  á  cidade,  si  porventura  a  velha  e  decadente 
Borba  reerguer-se  do  seu  abatimento. 

E'  villa  desde  1756.  Segundo  Southey  recebeu  sua  primeira  guar- 
nição em  1 755,  com  o  fim  de  conter  os  muras,  que  dez  annos  depois 
fizeram  o  ^osso  de  sua  povoação. 


(a)  Xovo  diário  de  viagem  dos  rios  Madeira.  Mamoré  e  Guaporé,  em  que  vão 
correctas  todas  as  differenças  do  que  foi  susceptivel  o  que  se  fez  na  mesma  viagem 
no  anno  de  17tíi,  tempo  (juo  ainda  não  estava  verificada  astronomicamente  a  posi- 
ção geograpliica  dos  mais  notáveis  pontos  desta  longa  navegação,  20  de  agosto 
de  1790. 

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322  ITINERÁRIO    DA   CIDADE    DE   MATTO-GROSSO 

Nella  se  vêm  minas  de  obras  grandiosas  de  uma  matriz  que 
08  jesuitas  projectaram,  e  cujos  grossos  alicerces  ainda  estão  patentes, 
bem  como  cantarias  lavradas  e  os  mármores  vindos  de  Portugal. 


Sahimos  á  noite,  lá  pelas  9  horas. 

A's  duas  da  madrugada  do  dia  20,  entravamos  \\o  rio-mar  (a). 

Subimos  por  elle,  em  direcção  á  Manaos. 

A'  1  1/2  da  tarde  começámos  á  ver  grandes  manchas  negras, 
perfeitamente  distinctas  das  aguas  pardacentas  do  Amasonas,  que  com 
estas  desciam.  Eram  já  aguas  do  rio  Negro,  que,  mais  leves  do  que  as 
outras,  irrompiam  por  entre  ellas,  descendo  ainda  grande  distancia,  antes 
de  confundirem-se  por  uma  vez. 


III 


Bem  quizera  dar  uma  noticia  suficiente  sobre  a  Amasonia,  essa 
vastíssima  região  sem  rival  no  mundo  na  grandeza  de  sua  superfície,  e 
que  parece  destinada  á  realizar,  no  futuro,  as  predições  de  Humboldt 
e  de  Victor  Hugo,  quanto  á  grandeza  social  e  politica :  porvir  que  se  lhe 
desvenda  nas  riquezas  que  accumula,  e  que  soberana  e  largamente  paten- 
teará, quando  o  commercio,  essa  vida  das  nações,  circular  na  vasta  rede, 
onde  são  arteriolas  torrentes  de  primeira  grandesa,  entre  as  principaes 
do  nmndo;  e  onde  é  tronco  o  rei  dos  rios,  o  rio-mar  como  geralmente  o 

(a)  Segundo  R.  Franco  e  J.  J.  Ferreira,  o  Madeira  lan«;a-se  na  Amasonas  aos 
8»  23'  -S.  e  318  7'  15"  long.,  variarão  G"  15'  E,  Nooo  diário  de  eiai/em,  i!0  de  agosto 
de  1790. 

Keller  dá-lhe   a  altitude  de  vinte  »»  uni  metros  sobre  o  mar. 


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AO   RIO    DE    JANEIRO  323 

alcunham,  o  inar-ãoce  de  Pinzon,  de  Vieira  e  de  Agassiz,  mar  que  dá 
a  beher  sua  doce  lympha  aos  que,  em  pleno  oceano,  ainda  não  lhe 
avistam  as  costas,  na  distancia,  de  quarenta  léguas. 

Em  não  menos  de  quatro  milhões  de  kiloraetros  quadrados  é  avaliada 
a  ária  de  tão  enorme  bacia.  Maury,  computou-a  era  2.048.480  mil  mi- 
lhas quadradas ;  e  para  melhor  comprehender-se  a  sua  extensão,  basta 
confrontar-sc-a  com  as  das  outras  ràaiores  bacias  do  globo,  onde  a  do 
^Mississipi  ô  de  982  mil  milhas  quadradas,  a  do  Prata  de  886,  a  do  rio 
Azul  547,  de  520  a  do  Nilo,  423  a  do  Ganges  e  a  do  Danúbio  234  ;  al- 
fjarismos  todos,  cuja  unidade  é  o  milhar  de  milhas  quadradas. 

As  aguas  existentes  nesse  valle  são  calculadas  em  quinze  mil  léguas 
quadradas,  ou  cerca  de  cem  mil  kilometros  quadrados ;  quantidade  que 
na  estação  invernosa  as  innundações  elevam  á  algarismo  vinte  ou  trinta 
vezes  superior. 

Agassiz  acha  tão  razoável  o  considerar-se  essa  região  como  um  con- 
tinente, tão  retalhado  é  pelas  aguas,  tantos  os  rios,  tantos  os  lagos  que  a 
fortam  ;  como  um  oceano  de  agua  doce,  coberto  de  ilhas  de  todas  as  di- 
mensões, desde  a  ilhota  adventicia  e  fluctuante.  até  a  Tupinambarána, 
ás  regiões  isoladas  pelo  Purús  e  Madeira,  e  á  esse  retalho  immenso  das 
Guyanas,  entre  o  Orenoco  e  o  Amasonas,  ilhado  pelo  Cassiquiare,  ante  o 
qual  c  uma  ilhota  a  Marajó,  e  que  no  mundo  só  terá  superior  na  Nova 
HoUanda. 

Si  a  amplidão  desse  valle  é  forçosamente  devida  ao  pouco  acciden- 
tado  do  seu  solo,  que  somente  se  eleva  nas  cordilheiras  que  em  distancias 
longinquas  o  delimitam  ;  a  riqueza  extraordinária  das  aguas  é  explicada 
pela  posição  excepcional  dessa  região.  Tendo  por  últimos  limites  os  pa- 
rallelos  5"  iV.  e  20^*  S,  e  os  meridianos  4"  e  36"  ao  occidente  do  Rio  de 
Janeiro  ;  vem  desde  o  X  com  as  serras  Açary  e  Pacaraima,  donde  lhe 
descem  as  aguas  do  rio  Branco ;  do  O,  os  Andes,  que  naquelle  parallelo 


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324  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-ílROSSO 

setentrional  verte  as  mais  remotas  cabec3iras  do  Japurá,  e  indo  até  20' 
dá  nascimento  ao  Caximayo,  subsidiário  do  Mamoré ;  e  do  S.  com  as 
serras  de  Matto-Grosso,  donde  nesse  mesmo  parallelo  brota  o  Buas 
Pontes,  cabeceira  do  Araguaya. 

Do  meridiano  36**  descem  as  origens  do  Napo  e  do  Cucncas^  e  aos 
4**  19,  entram  nos  limites  do  oceano  as  aguas  do  Amasonas. 

Tal  região,  sem  elevações  notáveis  no  terreno,  seria  um  outro  Sahara. 
si  sua  posição  geographica  não  o  influenciasse  maravilhosamente.  Maury, 
no  seu  opúsculo  O  Amasonas  e  as  costas  atlânticas  da  America  do 
Sul,  explica  o  facto  pela  configuração  dessa  parte  do  novo  continente : 
immenso  triangulo  approximadamente  rectângulo,  cuja  hypothenusa  é  a 
costa  do  Pacifico,  com  quatro  mil  milhas,  e  que  por  lados  tém  do  cabo 
ã^Hom  ao  de  S.  Roque  com  trez  mil  e  quinhentas  milhas,  e  deste  ao  de 
La  Vela,  na  Colômbia,  com  duas  mil  e  quinhentas.  Voltados  esses  lados 
um  para  NE.  e  o  outro  para  SE.,  recebem  os  ventos  geraes  desses 
rumos ;  ventos  que,  passando  atravez  da  immensa  superficie  do  Atlântico, 
carregam-se  de  seus  vapores,  e,  engrossando  as  nuvens,  vão  deixal-as 
cahir  em  chuvas,  á  medida  que  perpassam  o  continente  até  seus  confins 
no  occidente.  Ahi  as  nevadas  cu  miadas  dos  Andes  condesam-lhe  os  úl- 
timos vapores  e  os  attrahem  convertendo-os,  com  o  degelo,  em  manan- 
ciaes,  na  mesma  época  em  que  as  chuvas  torrenciaes  despejam-se 
diariamente  na  immensidão  do  valle. 

«  Não  ha  paiz  tropical  algum,  diz  o  sábio  hydrographo  americano, 
que  tenha  tão  exactamente  á  barlavento  tão  dilatada  extensão  de  mar, 
na  região  dos  ventos  geraes.  A  costa  atlântica  dos  Estados-Unidos,  a  da 
China  e  a  oriental  da  Nova  HoUanda,  correm  no  rumo  dos  ventos  geraes 
dessas  regiões :  portanto,  esses  ventos  e  as  aguas  que  accarretam  correra 
parallelamente  á  terra :  nem  sopram  perpendicularmente  sobre  ella,  nem 
levam-lhe  para  o  interior  os  seus  vapores.  A  costa  oriental  da  Africa, 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  325 

guardando  disposições  análogas  ás  da  America  meridional^  não  extende 
seu  barlavento,  sobre  uma  massa  de  aguas  tal,  que  dê  vapores  sufficientes 
para  alimentar  grandes  rios.  Si  os  ventos  geraes  do  SE.  actuam  per- 
pendicularmente sobre  a  costa  africana,  quando  o  permittem  as  monções 
do  Oceano  Indico, — não  sopram  durante  todo  o  anno,  como  os  da  America 
do  Sul,  e  por  isso  não  podem  favorecer  a  Africa  com  metade  das  chuvas 
que  aquelle  outro  continente  recebe.  Os  dous  systemas  de  ventos  geraes, 
de  NE.  e  SE.  convergem  e  se  encontrara  entre  o  equador  e  o  isthmo  de 
Darien.  Nesse  ponto  ha  sempre  calma,  e  mais  frequentes  são  as  chuvas.» 

Assim  explica  Maury  a  divisão  das  estações,  nessas  regiões  setenlrio- 
naes  do  continente  sul  americano,  em  duas  bem  assignaladas:  a  sêcca  e  a 
chuvosa.  «  Não  acontece  o  mesmo,  accresccnta,  no  valle  amasonico.  Ahi 
faz  sempre  um  tempo  agradável  bem  que  sejam  mais  abundantes  os 
aguaceiros  n'uns  mezes  do  que  nos  outros,  o  que  entretanto,  é  commum 
á  outros  paizes. 

«  Seu  clima  á  vista  dessas  razões  deve  ser  o  mais  notável  do  mundo.» 
E'  o  clima  ^/onoM5  de  Bate,  que  já  familiarisado  com  as  frisantes  hy- 
perboles  dos  povos  hahlaãores,  entre  os  quaes  por  algum  tempo  conviveu, 
não  achou  termo  mais  adequado  para  expri  nir  as  delicias  desse  clima. 


IV 


Si  perante  a  scioiícia  é  de  toda  a  probabilidade  que  um  mar  interno 
existiu  no  coração  da  America  Meridional,  o  qual  por  um  desses  cata- 
clysmas  enormes,  hoje  apenas  ideados,  foi  substituído  por  altos  relevos 
do  solo,  que  em  seu  solevantamento  vazaram-lhe  as  aguas  para  o  Atlântico ; 
si  é  provável  que  o  Madeira  fosse  uma  das  portas,  por  onde,  após  violentas 
eversões  geológicas,  esse  mediterrâneo  viesse,  irrompendo  as  terras,  reu. 


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32(>  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

nir-se  ao  oceano  ;  abrindo  caminhos  que  mais  tarde  serviriam  de  trilho 
iis  novas  correntes  que  se  formaram,  e  por  onde  descem  ota  suave  e  bran- 
damente, ora  marulhando  entre  cachopos  e  parceis,  ou  despenhando-se 
cm  catadupas  —  até  que  um  novo  cataclysma  llie  reforme  os  cursos  :  pe- 
rante a  sciencia  é  facto  inconcusso  que  o  valle  amasonico  foi  outr'ora, 
coberto  pelas  aguas  do  Atlântico.  Testifiearara-o  Condamine,  Humboldt, 
Agassiz,  e  os  Srs.  Coutinho,  Hartt  e  Derby,  confirmando  as  revelações 
que  a  própria  natureza  vae  fazendo-  A  presença  de  milhões  de  foramineos 
e  de  outros  productos  oceânicos,  nas  suas  rochas  de  sedimento,  onde  quer 
que  tenham  sido  exploradas  assignalam-lhe  a  existência  entro  limites 
que  parecem  não  exceder  os  de  período  cretáceo. 

Talvez  que  mais  de  uma  cx)mmoção  tellurica  passassem  sobre  essa 
região ;  e  que  antes  de  ser  mar  fosse  alto  continente  que  se  afundasse  cm 
contraposição  ao  levantamento  dos  Andes;  e  que,  depois  de  oceano,  as 
terras  emergissem,  e  erguido  o  solo,  guardasse  apenas  a  altura  sufficiente 
para  separar-se  do  mar. 

Agassiz  e  o  Dr.  Coutinho  verificaram  depressões  enornàes,  produ- 
zidas pela  decomposição  do  gneiss. 

Mais  de  estudo  o  a  sciencia  deixará  o. tacto  incontroverso  :  si  enor- 
mes sedimentos  de  turfa  e  hulha  agglomeram-se  na  bacia  do  Marajó, 
talvez  que  largas  zonas  carbonificas  se  aprofundem  no  seu  solo. 


Poucas,  mui  poucas  montanhas,  se  elevam  nesse  valle,c  essas  mesmas 
entre  o  rio  Negro  e  o  oceano.  Na  zona  immensa  ao  occidente  daquelle 
rio  nenhuma  os  cartographos  consignam,  entretanto  â  beira  amasonas 
erguem-se  as  de  S.  Paulo  de  Olivença.  Na  foz  do  Japorá,  elevam-se  as 
serranias  de  Cupafy:  e,  já  nos  limites  com   a  Nova  Granada  a  do  Apa-- 


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AO   RIO    DE   JANEIRO  :^2^ 

poris^  alta  de  270  metros,  é  apenas  um  espigão  da  cordilheira  AraetMra, 
que  o  Guaupés  atravessa. 

Das  que  existem  entre  o  rio  Negro  e  o  Atlântico,  são  principaes  a 
dos  Parentins  que  se  prolonga  á  direita  do  Jamundá,  nos  limites  das 
duas  provindas  senhoras  do  grande  rio,  serras  que  pertencem  ao  mesmo 
systema  das  grandes  serranias  do  Tapajoz  na  cordilheira  do  norte ;  a  do 
Acaray  nos  limites  da  Guyana  e  as  do  Paru,  que  são  contrafortes  da 
Tumucumaque. 

Outras  morrarias  e  pequenas  serras  apparecem  á  E.  do  rio  Branco, 
nas  cabeceiras  do  Camamaú,  Aruman,  Varamá  e  Gurupatuba ;  as  do 
Ererê^  Tajtiry  e  Juiaby.etv. 

«  Não  ha  exemplo,  diz  o  illustrado  Sr.  Dr.  Silva  Coutinho  (a),  de 
uma  tão  considerável  denudação,  superfice  de  trezentas  e  trinta  léguas, 
onde  apparecem  espalhados  poucos  picos  sedimentarios,  únicos  represen- 
tantes das  rochas  que  a  cobriram.  » 

A  maior  parte  das  suas  collinas  são  argillosas,  com  bancadas  de  schisto 
crystallino,  ou  gneiss  contendo  feldspatho,  quartzo,  mica  ou  hornblend.  As 
serras  do  Erere,  em  Monte  Alogre,  são  de  grés  compacto,  com  estratifi- 
cações horisontaes ;  achando-se  á  dous  terços  de  sua  altura  um  banco  de 
jaspe  côr  de  rosa.  O  mais  alto  de  seus  pincaros  guarda  o  nome  de 
Agassiz^  dado  em  honra  do  sábio  explorador,  que  tantas  riquezas  desco- 
briu nessas  regiões,  pelo  seu  amigo  e  companheiro  de  trabalhos  o  Dr.  Cou- 
tinho. As  rochas  próximas  são  de  grés  estratificado  e  tenro,  e  argilla 
violeta  ou  branca,  finissima  como  a  figulina. 

Ao  occidente  de  Santarém,  apparecem  os  mesmos  gneiss  sedimentarios; 
áquem  da  cachoeira  de  Tocantins  bancos  horisontaes  de  schisto  argilloso 
e  jaspe,  como  os  do  Ererê,  sobre  massiços  de  grés.  As  rochas  calcareas 

(a)  Dl-.  Silva  ÍVmtinho,  offieios  ao  ministério  da  agricultura,  inan;o  <te  lfl(»í». 


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328  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE   MATTO-GROSSO 

apparecem  mais  frequentes  no  Soliniões  e  seus  affluentes.  A  iahaiinga 
e  as  argillas  marnosas  formam  grande  parte  das  suas  barrancas.  Nos  ar- 
redores do  Gurupy,  próximo  á  Macapá,  as  collinas  são  de  grés  —  com 
bancos  de  schisto  argilloso  e  jaspe;  e  lá  já  no  oceano,  a  ilha  de  SanfAnna, 
é  uma  coUina  arenosa  pertencente  á  formação  amasonense,  e  qué  ahi  está 
indicando  ou  o  abaixamento  da  costa,  ou  a  invasão  do  oceano  (a). 

Não  ha  paiz  no  mundo  que  guarde  os  foros  de  salubre  si  o  esforço 
3o  homem  não  é  sufficiente  para  destruir  os  eflFeitos  das  emanações  que 
ahi  se  accumulam.  Si  attendermos,  ainda,  que  nos  terrenos  húmidos  a 
vegetação  é  mais  pujante  e  que  nas  regiões  equatoriaes  a  fermentação 
mais  rápida ;  si  verificarmos  que  nenhuma  é,  como  esta,  tão  cortada  de 
aguas,  tão  sombreada  por  florestas,  por  assim  dizer  infinitas  ;  que  está 
situada  na  zona  tórrida  e  que  a  sua  população  é  nulla  relativamente  á 
sua  enorme  amplitude  :  crer-se-ha,  de  boa  mente,  que  a  região  amasonica 
deve  estar  bem  distante  das  boas  condições  de  salubridade. 

Entretanto,  o  contrario  é  a  realidade.  Si  em  alguns  de  seus  aflBuen- 
tes  as  febres  intermittentes  são  endémicas  ao  declinar  do  verão  ;  si  no 
grande  delta  do  rio  o  estuário  do  norte  goza  o  conceito  de  insalubre ; 
faz  isso  excepção  á  benignidade  do  clima  dessas  comarcas.  Comprehen- 
de-se  bem  o  valor  que  tém  os  accidentes  do  terreno  no  regimen  meteo- 
rológico de  um  paiz.  e  por  conseguinte  o  que  influe  sobre  as  condições 
do  clima.  A  ausência  quasi  completa  de  montanhas  torna  a  aereação 
fácil,  contínua  e  benéfica :  e  si  de  um  lado  as  correntes  de  vento  carre- 
gara e  dispersam  as  emanações  morbigenas  que  se  elevam  na  atmosphera, 
as  grandes  correntes  de  agua  arrastam  e  dissolvem  os  detritos  que  as 
deveriam  produzir,  e  inutilisam  esses  laboratórios  da  peste.  E  si  as  flo- 
restas^ tié  certo  ponto,  Impedem  as  correntes  aéreas,  mais  baixas,  córn- 
ea) Dr   ('  )utinho,  officios  no  ministério  íVagricultura,  186G. 


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AO   RIO  DE  JANEIRO  829 

pensam  esse  mal  com  o  beneficio  que  fazem,  dispendendo,  em  largas 
despezas,  o  oxygeno,  destniindo  o  gaz  acido  carbónico  purificando  a 
atmosphera. 

«  Em  todas  as  regiões  intertropicaes  do  globo,  diz  Maury,  na  índia, 
na  Africa  occidental,  na  Nova  Hollanda,  na  Polynesia,  imperam  as  duas 
estações.  Durante  a  sêcca  bem  pouca  ou  nenhuma  chuva  cahe :  exhau 
rem-se  as  fontes,  perecem  os  gados  e  os  corpos  mortos  contaminam  o  ar. 
Então  succede  apparecer  naquellas  praias  o  terrível  mal  da  peste.  Não 
é,  porém,  assim,  no  valle  amasonico.  Âhi  as  chuvas  ainda  que  copiosas 
não  cahem  somente  no  espaço  de  poucos  mezes,  nem  tem  por  comitiva 
os  terríveis  tuC5es  e  turbilhões  do  vento,  que  se  levantam,  á  cada  mu- 
dança de  estação,  na  índia.  Na  America  brandas  e  vivificantes  chuvas 
cahem  em  todos  os  mezes  do  anno  e  os  ventos  raro  se  enfurecem.  Muitos 
pensam  que  por  estar  situada  essa  região  dentro  dos  trópicos  tem  clima 
análogo  ao  dos  outros  paizes  tropicaes,  exemplo  a  índia.  Mas,  pelas  razões 
expost^is  e  por  não  haver  monções  ou  outras  causas  que  façam  com  que 
o  valle  do  Amasonas  seja  abrasado  pela  sêcca,  em  uma  estação,  ou 
innundado  pelas  chuvas,  na  outra,  como  a  índia  de  um  lado  e  a  Oreno- 
quia  do  outro,  —  não  existe  outra  semelhança  entre  os  climas  da  índia 
e  do  Amasonas  mais  do  que  a  que  existe  entre  os  climas  de  Roma  e  de 
Boston.  E  quem  inferísse  uma  identidade  de  clima  do  facto  de  estarem 
Boston  e  Roma  sob  a  mesma  latitude,  não  commetteria  maior  erro  do 
que  quem  julgasse  eguaes  os  climas  do  Amasonas  e  da  índia,  por  serem 
ambos  os  paizes  tropicaes. 

«  Ora,  qual  deve  ser  a  condição  de  um  paiz  intertropical  cujo  solo 

é  regado  por  frequentes  chuvas  e  onde  não  se  experímenta  a  menor 

sêcca  abrasadora,  durante  séculos  de  perpetuo  verão  ?  Sem  duvida  a  da 

fertilidade  e  salubridade  :  porque  em  clima  semelhante  tudo  nasce,  tudo 

cresce  rápida  e  promptamente.  A*  rápida  producção  e  constante  decom- 

42 


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330  ITINEBARIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

posição  de  matérias  vegetaes  por  espaço  de  milhares  de  annos  devem  ter 
enriquecido  a  superfície  do  paiz  com  camadas  de  terra  vegetal.  Com 
eflfeito  ahi  a  vegetação  está  em  perpetua  actividade  e  não  ha  intervallo 
de  repouso  vegetal,  porque  assim  que  cahe  uma  folha  e  principia  a  apo- 
drecer, vão  nascendo  outras  folhas  que  lhe  absorvem  os  gazes.  Taes  con- 
dições fazem  com  que  o  clima  do  valle  do  Amasonas  seja  um  dos  mais 
saudáveis  e  deliciosos  do  mundo.  » 


Tavares  Bastos,  o  mallogrado  estadista  que  tanto  pugnou  pela  aber- 
tura do  Amasonas,  teve  por  percursor  o  sábio  tenente  americano :  ambos 
levados  pelo  amor  da  pátria ;  aquelle  entrevendo  nessa  franquia  a  gran- 
desa  e  prosperidade  do  seu  Brasil,  este  o  ensejo  de  poder  o  collosso  do 
norte  deitar  raizes  e  crescer  nestas  ubérrimas  regiões,  que  chamaria  á  si. 
Estabeleceram  propaganda  sobre  a  abertura ;  profligaram  o  seu  sequestro 
por  parte  do  Brasil,  cujo  comportamento  compararam  ao  do  cão  do  pa- 
lheiro que  nem  come^  nem  deixa  os  outros  comer ;  e  Maury  aventou  a 
ideia,  sobre  si  os  direitos  do  Império  não  estariam  em  risco  de  claudicar 
pelo  não  uso.  Estudou  o  assumpto  como  nenhum  outro  o  fizera,  e 
com  mão  autorisada  descreveu-lhe  as  riquezas  e  a  grandeza  que  o  porvir 
lhe  reserva,  e  as  cadeias  com  que  o  prendiam  a  inércia,  o  egoísmo,  a  an- 
ti-civilisação.  O  mallogrado  alagoano  reviveu-lhe  as  idéas  em  1862 ;  e  á 
sua  propaganda  deve-se  em  grande  parte  a  franquia  das  aguas  do  grande 
rio  aos  navios  mercantes  de  todas  as  nações,  do  dia  7  de  setembro  de  1867 
em  diante  (a). 

Esse  grande  passo  para  a  civilisação  e  engrandecimento  dessas  co- 
marcas, parecendo  o  fructo  de  longo  e  amadurecido  estudo  e  reflexão,  não 

;a^   Decreto  de  7  de  dezembro  de  186(>. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  331 

satisfaz,  comtudo,  as  vistas  do  Brasil  e  do  mundo.  Abriu-se  o  Âmasonas, 
mas  continuou  prohibida  a  navegação  dos  seus  gigantes  afluentes,  com- 
quanto  o  decreto  de  7  de  dezembro  fallasse  na  abertura  do  Tocantins,  do 
Tapajoz,  do  Madeira,  do  rio  Negro  e  do  S.  Francisco.  Exceptuado  o  Ama- 
sonas,  cujo  percurso  foi  libertado  in  limine,  e  o  S.  Francisco,  ao  qual  foi 
permittida  a  navegação  em  toda  extensão  ligada  ao  oceano ;  a  dos  outros 
foi  um  sophisma  irrisório,  visto  que  limitou-se  quasi  tão  somente  á  nave- 
gação das  suas  fozes. 

Para  melhor  avaliar-se  o  pouco  acerto  dessa  restricção  basta  recor- 
rer-se  á  estatística  aduaneira  de  Belém,  antes  e  depois  da  liberdade  de 
navegação  do  grande  rio  :  em  1848,  343  contos ;  em  1853,  936  contos  ; 
1435  contos  em  1854 ;  3109  contos  em  1868  e  perto  de  quatro  mil,  dez 
annos  depois ! 

Nessas  rendas  os  productos  extranhos  ao  reino  vegetal  entram  apenas 
como  um  decimo  do  valor  total.  São  elles  a  manteiga  de  tartaruga,  o 
pirarucu,  couros  e  pelleseichthyocollas.  Outro  decimo  é  para  os  productos 
da  cultura,  arroz,  assucar  e  algodão :  o  resto  todo  dá-o  uberdade  do  solo 
e  a  riqueza  especial  da  sua  flora. 

Em  1 880,  dos  productos  de  exportação  trez  únicos,  a  gomma-elastica, 
o  cacau  e  a  castanha,  figuraram  na  exportação  n'um  valor  de  quasi 
quinze  mil  contos  (a).  Outros  productos,  o  cravo,  a  salsaparrilha,  o  pu- 
chury,  o  arroz,  o  algodão,  as  madeiras  de  lei,  etc,  poderiam  attingir 
valores  eguaes,  si  a  industria  se  associasse  á  natureza,  tão  sorprendente 
é  sua  riqueza,  tão  extraordinária  sua  fertilidade.  «  Desinçado  dos  selva- 
gens e  dos  animaes  ferozes,  e  sugeito  á  cultura,  é  ainda  Maury  quem  o 
diz,  o  paiz  regado  pelo  Amasonas  poderia  sustentar  com  seus  productos 

(a)  14.642:6534880.  Rei.  do  presidente  o  Sr.  Dr.  Gama  e  Abreu. 


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332  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

a  população  inteira  do  globo.  E'  um  paiz  do  arroz  que  ahi  produz  qua- 
renta por  um.  Cinco  mezes  depois  de  plantado  está  em  estado  de  colher-se; 
o  pôde  ser  plantado  em  qualquer  época  do  anno.  O  lavrador  que  hoje 
semear  um  alqueire  daqui  á  cinco  mezes  recolherá  quarenta.  Semeando 
esses  quarenta,  n'outros  cinco  mezes  terá  mil  e  seiscentos  :  isto  é,  em  dez 
mezes,  apenas,  de  trabalho  e  cultura  dessa  terra  é  o  augmento  de  mil  e 
mais  por  um.  » 

O  milho  dá  de  trez  em  trez  mezes,  e  portanto  dá  quatro  colheitas 
por  anno ;  seu  augmento  é,  pois,  maravilhoso,  podendo  um  alqueire 
semeado  produzir  nesse  curto  espaço  do  tempo,  que  é  o  de  uma  colheita  na 
Europa,  cem  vezes  mais  ! 

As  florestas  em  toda  a  sua  pujança  equatorial  cobrem  essas  dilatadas 
planicies,  onde  as  silvas^  campos  rasos,  são  relativamente  poucos  e  pe- 
quenos. 

Infinda  é  a  serie  de  productos  de  valor  subido  que  pejam  essas 
selvas ;  muitos  delles  únicos  no  mundo  inteiro,  muitos  sem  rivaes  quando 
confrontados  com  os  das  outras  regiões. 

Crescem-lhe,  em  todo  o  seu  vigor  e  exuberância  de  seiva,  as  mais 
rijas  e  preciosas  madeiras  de  lei  —  para  todos  os  misteres  do  industrial ; 
e  é  somente  nessas  florestas  soberbas  que  habitam  lenhos  da  ordem  do 
muirapenima  ou  pau  tartaruga  (centrolohum  paraensis)^  o  pau  marfim 
(aspidosspertna  eburnemj,  e,  o  cumaru  {ãipterix  odorata),  a  mais  rija  ma- 
deira que  se  conhece ;  como  também  só  nellas  crescem  a  castanheira,  o  ca- 
cau, o  puchury,  o  umiry,  as  hevoeas  e  as  syphonias.  Nenhuma  flora  do  globo 
é  mais  favorecida  em  plantas  de  ornamentação  e  alimentícias ;  como  de 
nenhuma  recebe  a  medicina  mais  valioso  tributo,  em  milhares  de  plantas 
do  mais  subido  valor  therapeutico. 

E'  somente  nesse  valle  que  os  rios  regorgitam  de  tartarugas,  artigo 
que  por  si  só  tanto  contribue  para  a  boa  alimentação  dos  povos,  como 


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AO   RIO   DE  JANEIRO  333 

para  o  augmento  das  rendas  do  Estado ;  é  somente  nesses  rios  povoados 
de  ínanatm  epliocornas,  que  abunda  o  melhor  sueccdaneo  do  bacalhau, 
o  sudas  gigas,  pirarucu,  o  maior  dos  malacopterygios  e  digno  hospede 
do  gigantesco  rio. 


E'  essa  a  abençoada  região  do  Amasonas,  onde  no  dizer  de  Tavares 
Bastos,  o  espectáculo  da  creação  apura  os  sentimentos  varonis  do  homem ; 
onde  a  alma,  enrugada  pelos  ventos  frios  da  sociedade,  se  espande  e  rever- 
dece ;  onde  a  robustez  do  pensamento,  que  eleva-se  contemplando,  o 
modera,  acalma  e  fortifica :  é  essa  a  região  encantada,  a  soberana  do 
mundo,  na  phrase  de  Hugo,  em  tempos  não  mui  remotos ;  a  região  em, 
que  mais  cedo  ou  mais  tarde,  se  ha  de  concentrar  a  civilisação  do  globo, 
na  opinião  do  Aristóteles  moderno,  Humboldt,  o  maior  vulto  da  sciencia 
no  XIX  século. 


VI 


Agassiz  encontrou  grande  differença  nos  terrenos  do  alto  e  baixo 
Amasonas.  Aqui,  a  foz  do  Igarapé-granãe,  que  corta  a  extremidade  SE. 
da  Marajó,  é  um  genuino  espécimen  da  formação  geológica  da  região. 
De  ambos  os  lados  do  rio,  em  Soure  e  em  Salvaterra,  vê-se  o  grés  bem 
stratificado,  sobre  o  qual  repousa  argilla  finamente  laminada  e  recoberta 
de  sua  crosta  vitrea ;  sobre  esta  outra  camada  de  grés  ferruginoso  de 
stratificação  torrencial,  lardeado  de  seixos  de  quartzo,  que  seguem  uma 
stratificação  mais  ou  menos  bem  accentuada  ;  e  emfim  quarta  camada, 
de  argillas  silicosa  e  ochracea,  sem  stratificações,  estendida  sobre  a  su- 
perficie  ondulada  do  grés,  cujas  ondulações  segue  e  cujas  erosões  e  de- 
pressões atulha. 


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'VM  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DK  MATT(KiROSSf> 

No  Alto  Amasonas,  as  ribas  do  Solimões  são  menos  interessantes, 
não  só  no  que  respeita  á  geologia,  mas  ainda  quanto  á  flora  regional.  As 
palmeiras  já  não  são  tão  frequentes.  As  barrancas  mostram-se  corroídas 
c  gretadas  em  largas  fendas  :  margas  e  calcareos  mamosos,  argillas  de 
todas  as  cores,  argillas  silicosas  não  stratificadas,  são  os  terrenos  de  su- 
perposição, cuja  base  invariável  será  o  grés. 

Não  sei  si  Agassiz  encontrou  blocos  erráticos  nas  suas  excursões 
nestas  comarcas ;  nem  também  si  serão  encontrados  nas  silvas^  os  savanas 
do  Amasonas,  nem  entre  as  florestas  do  valle.  Cita  os  blocos  de  diorito 
do  Ererê.  O  ouvidor  Sampaio  (a)  falia  nos  seixos  em  pyramides  hexago- 
naes  de  crystal  de  rocha,  e  nos  blucos  innumeraveis  que  cobrem  as  serras 
orientaes  da  Guyana  brasileira —  e  os  terrenos  adjacentes. —  O  drift  ver- 
melho, tão  commum  em  todo  o  Brasil,  forma  as  collinas  do  Madeira,  a 
Jattiarama  do  rio  Negro,  do  mesmo  modo  que  as  que  apparecem  entre 
Santarém  e  Belém.  Ainda  as  altas  e  vistosas  collinas  de  Tahatinga 
parecem  da  mesma  formação.  Os  morros  do  Almeirim,  tão  especiaes  na 
sua  conformação,  e  que  o  sábio  professor  de  New-Cambridge  descreve — 
coupeés  carrément  à  leur  partie  supérieure  et  que  semblent  avoir  été  ni- 
velées  au  rabot  et  separées  les  unes  des  autres  par  des  larges  broches, 
dont  on  aurait  aussi  taillé  les  côtés  de  manière  à  n  y  laisser  aucune  iné- 
galité, — são  de  formação  idêntica  aos  do  Cupaty  e  Monte  Alegre. 


O  valle  amasonico  é  um  verdadeiro  horísonfe  geognosiico,  cujo  fá- 
cies caracteristico  está  nos  terrenos  cretáceos,  em  exposição  nas  barrancas 
dos  rios.  Bochas  mais  ou  menos  friáveis  e  sugeitas  á  decomposição ;  as 
argillas  e  margas  de  todas  as  cores  e  granulações,  os  poudâings^  o  grés 

(a)  Hrlanão  geographica  do  rio  Branco,  pelo  ouvidor  Francisco  Xavier  Ribeiro 
de  Sampaio  (Reo,  do  Inst.  Hist.y  tomo  XXIV). 


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AO   RIO   DE  JANEIRO  335 

em  suas  diversas  apresentações,  e  emfim  os  schistos  argillosos  e  talcosos, 
marcam-lhe  a  edade  geológica.  O  drift  ricamente  provido  de  huraus  at- 
testa  a  antiguidade  dessas  florestas,  sempre  novas  e  sempre  as  mesmas. 
Si  é  certo  o  axioma  dos  antigos  geólogos  que  caâa  rio  cava  o  seu 
valle,  os  valles  desta  região  são  tão  pouco  pronunciados,  e  tão  pouco  in- 
fluem como  accidentes  na  configuração  e  nivel  da  vasta  bacia,  que  forço- 
samente se  é  obrigado  á  buscar-lhes,  para  origem,  enorme  massa  de  aguas, 
que  só  e  única  occupasse-a  toda  e  uniformemente  fosse  depositar  em  seu 
fundo  as  matérias  moveis,  finas  ou  grosseiras,  que  suas  ondas  ou  torrentes 
trouxessem.  Dahi  essa  uniforme  egualdade  no  nivel,  tão  pouco  accentuado 
nos  seus  affastamentos  do  oceano ;  dahi  essa  uniformidade  na  sedimenta- 
ção das  matérias  clysmeas,  do  drift  resultante  do  esphacello  e  tritura- 
mento  das  rochas  crystallinas,  das  rochas  de  transporte. 

Havia  então  esse  mediterrâneo  amasonico.  4  Seria  um  lago  ?  Um 
golpho  como  o  do  México,  mais  dilatado  e  mas  amplo ;  ou  foi  esse  mesmo 
oceano  donde  emergiu  o  grande  araxá  brasileiro, — cujo  fundo,  aqui,  reer- 
gueu-se  também,  mas  pouco  acima  do  nivel  que  as  aguas  guardavam? 

^  Que  explicação  dar-se  ao  que  se  observa  nas  serras  de  Pacaraima 
e  Tumucumaque,  cujas  vertentes  de  N,  e  O.,  cobertas  da  mais  esplendida 
vegetação,  formam  um  perfeito  contraste  com  os  flancos  que  olham  para 
a  bacia  amasonica,  áridos,  descai vados  ? 

Para  Agassiz  —  que  não  encontrou  o  menor  vestígio  de  origem  ma- 
rinha,— foi  um  immenso  lago  formado  pelas  aguas  do  degelo,  no  inverno 
cósmico,  em  tempos  em  que  a  Amasonia  se  estendia  até  o  meio  do 
Atlântico,  e  onde  os  rios  que  a  banhavam  e  que  hoje  se  lançam  na  costa, 
desde  o  Pamahiba,  iam  juntar  seus  cabedaes  aos  do  Amasonas. 

Mais  um  passo  e  Amasonia  não  ficaria  fora  dos  limites  da 
Atlantide  de  Platão;  e  a  actual  vegetação  dos  mares  equatoriaes— 
viria  á  ser  os  restos  das  gigantes  florestas  do  continente  submergido 


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836  ITINERÁRIO   DA    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

lianas  gigantescas  que  se  acclimaram  no  novo  meio  marinho  e,  transfor- 
mando-se  conforme  as  exigências  do  novo  habifaf,  converteram-se  em 
algas,  em  likens,  em  sargaços. 


VII 


E*  berço  do  Araasonas  o  lago  Lauri  (a),  e  TungKragud  o  nome  que 
ahi  recebe.  Dá-se  como  em  1535  a  data  da  sua  descoberta.  Pica  esse  lago 
nos  alpestres  de  Huanico-viejo^  na  cordilheira  andina,  em  latitude  10" 
30'  austral,  na  provincia  de  Junin,  no  Peru,  cerca  de  duzentos  kilometros 
de  Lima,  e  n'uma  altitude  de  cinco  mil  quinhentos  e  sessenta  metros 
sobre  o  nivel  do  oceano  (b).  Sua  extensão  é  de  treze  kilometros  sobre  trez 
de  largura.  Herndon  denomina  o  lago  3Iorococha,  o  lago  pintado. 

Como  viu-se,  desde  quasi  o  parallelo  5°  boreal,  onde  das  gargantas 
da  Pacaraima  descem  as  cabeceiras  do  Parima  e  do  Mahú,  até  as  vertentes 
do  Caximayo,  formador  do  Mamoré,  quasi  na  latitude  de  20**  austral,  — 
vém-lhe  mil  tributários  á  enriquecer-lhe  as  aguas. 

Atravessa  a  America  Meridional  do  occidente  ao  oriente  n'um  per- 
curso talvez  de  sete  mil  kilometros,  dos  quaes  quasi  quatro  mil  em  terri- 
tório brasileiro.  Unido  ao  Tocantins,  abrem-se  os  dois  no  Atlântico  n'uma 
boca  de  cerca  de  trezentos  kilometros  de  largura ;  e  seu  cabedal,  inter- 
nando-se  pelo  oceano  á  dentro  e  repelindo-lhe  as  ondas  salgadas,  forma  o 
mar  doce — de  mais  de  duzentos  kilometros  de  extensão. 

Sua  profundidade,  como  sua  largura,  guardam  as  proporções  com  o 
avantajado  de  seu  curso :  aquella  é  na  média  de  sessenta  metros,  havendo 
logares  de  mais  de  trezentos ;  esta  attinge  dimensões  enormes  no  corpo 
inferior  do  rio.  Ha  logares  em  que,  semeado  de  ilhas,  distam  suas  mar- 


(a)  Lcmri  cocha ;  cocha,  quer  dizer  lago. 

(b)  42G7  metros,  segundo  Castelnau. 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  337 

gens  muilo  mais  de  cem  kilometros.  Ainda  com  o  nome  de  Tunguraguá, 
em  Jaen  de  Bracamoros,  mede  quatrocentos  metros;  ao  receber  o  Huallaga 
já  marca  seiscentos. 


Sua  navegação  é  franca  para  os  maiores  paquetes,  do  porte  de  naus 
de  linha — em  quasi  todo  o  seo  curso  navegável,  que  vae  muito  alem  da 
fronteira  brasileira  :  as  embarcações  menores  vão  mil  kilometros  acima, 
cerca  de  duzentos  e  cincoenta  kilometros  adiante  do  Huallaga.  Seus 
únicos  empecilhos,  e  esses  mesmos  não  difficeis  de  vencer-se,  são  as  cor- 
redeiras do  Gusman  e  do  Achial,  n'um  trajecto  de  uns  trez  kilometros, 
e  o  pongo  de  Manseriché,  a  poria  âo  rio,  desfilladeiro  aberto  na  cordi- 

43 


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538  rriNERAMO  da  cidade  db  matto-grosso 

Iheira,  pelo  qual  o  rio  muito  estreito  e  muito  fundo  desce  precipite  ii'um 
canal  de  oito  á  nove  kilometros,  entre  altas  montanhas. 

Seu  systema  fluvial  presta-se  á  uma  nave^ção  franca  por  mais  de 
cincoenta  mil  kilometros  em  todos  os  tempos ;  navegação  que  na  força 
das  aguas  pode  elevar-se  ao  dobro. 

Contam-se  por  milhares  os  kilometros  que  de  livre  percurso  offere- 
cem  o  Ucayali,  o  Purús,  o  Madeira,  o  Japoré,  o  Juruá,  o  Javary,  o  Jutahy 
e  os  braços  que  á  elles  se  prendem.  No  Purús  Chandles  navegou  mil 
quinhentos  e  oitenta  e  quatro  milhas,  e  suppôe  poder  continuar-se 
por  egual  trajecto  durante  as  enchentes.  O  Huallaga  é  rio  de  novecentos 
kilometros  e  o  Tigrejacú,  quasi  desconhecido —  deixa  cortar  suas  aguas 
em  oitocentos  e  trinta  kilometros.  O  Içá,  o  Napo,  o  Coary,  o  TeflFé,  o  La- 
meria,  até  bem  pouco  não  conhecido,  são  francos  em  ura  trajecto  de  qui- 
nhentos á  seiscentos  kilometros.  O  Morona  dá  quatrocentos  e  tantos,  o 
mesmo  ou  mais  darão  talvez  ao  Jamundá,  o  Trombeta,  Gurubátuba,  Urubu 
coara,  Uracapy,  Paru  e  Jary,  e  outros  cuja  navegação  até  hoje  quasi  tem 
sido  despresada.  O  rio  Negro  e  seu  principal  braço  tem  mais  de  oitocentos 
kilometros,  o  Tapajoz  trezentos  e  tantos  e  oAraguayae  o  Tocantins — mais 
de  mil  e  quinhentos  cada  um.  Eeunam-se  á  esses  os  rios  e  furos  que  anas- 
tomam-se  nessa  rede  phenomenal,  e  sahe  da  esphera  de  apreciação  a  sua 
navegabilidade,  por  não  se  poder  calcular  com  o  desconhecido. 


Filho  dos  Andes,  é  notável  a  coincidência  de  serem  aproximada- 
mente da  mesma  extensão,  ella,  os  serros  altíssimos,  elle,  o  rio  gigante, 
ambos  no  seu  género  —  os  mais  extensos  do  mundo.  E,  agora,  que  me 
chega  ás  mãos,  á  tempo  de  rever  estas  paginas  na  impressão,  a  narrativa 
de  um  illustrado  viajante,  o  Sr.  cônsul  Wiener,  sobre  o  berço  do  rei  dos 
rios  e  as  encantadoras  regiões  que  elle  devassa,  seja-me  licito  aproveitar 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  339 

da  sua  valiosa  descripção,  transcrevendo-a.  —  «  Tinha  visto  em  1876  o 
lago  Lauricocha,  nas  alturas  do  Huanico-viejo,  berço  do  rei  dos  rios.  Ahi 
sob  o  céo  inclenaente  de  Puna,  vi  sahir  um  delgado  filete  de  agua  de  uma 
Ma  lagoa,  e  atravessar  serpeiando  a  alta  planície  coberta  de  arbustos 
definhados  e  murchos.  Mais  para  o  norte,  vio-o  sob  o  nome  de  Tungura- 
guá,  já  torrente ,  fertilisando  o  ridente  valle  do  Huantar.  E  via-o  agora 
no  Pongo,  no  ultimo  degjrau  dessa  gigantesca  escada  hydraulica,  que 
desce  das  alturas  inhospitas  de  5500  metros  ã  esses  plainos  exuberantes 
de  riquezas  vegetaes ;  e  o  rugido  que  me  atordoava  produziu-me  o  eflfeito 
de  um  ultimo  grito  da  juventude^  de  um  impeto  de  cólera  contra  o  ultimo 
obstáculo,  de  um  clamor  triumphal  do  vencedor  que  chega.  A'  algumas 
centenas  de  metros  mais  para  baixo,  o  Maranhão  repousa^  em  uma  cor- 
rente calma  e  poderosa,  da  sua  carreira  louca  atravez  das  gargantas  das 
cordilheiras.  Sua  transparência  tranquilla  revela  a  profundidade  do  seu 
leito,  que  nenhum  rochedo  obstruo.  O  selvagem  montanhez  fez  esse  racio- 
cínio: sabe-se  que  ao  vêl-o,  pergunta-se:  é  mar  ò  non  ? ;  e  sabe-se  quQ 
nohlesse  ohlige. 

«  Lembrando-me  ã  quem  devia  a  satisfação  de  ter  chegado  até  este 
ponto,  limite  actual  do  Amasonas  navegável,  inscrevi  na  carta  que  levan- 
tamos dessa  região,  no  ponto  occidental  extremo  â  que  attingimos,  o 
nome  de  Ponta  D,  Pedro  II.  A  distancia  dahi  a  embocadura  do  Hual- 
laga  é  de  250  kílometros.  » 


Nas  suas  margens  vive  immensidade  de  nações  selvagens  que  o  co- 
nhecem por  vários  nomes.  Chamam-o  os  tupis  pardy  rio-mar ;  os  jaguás 
natmie^  os  uerequenas  nananu,  ndhua  os  pebas,  guapará  os  napeneanos, 
e  outros  cunuris  e  guyena^  segundo  o  padre  Christovam  da  Cunha   e 


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340  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

Ayres  do  Casal.  Os  civilisados  —  chamam-no  berço  Tunguragud,  abaixo 
do  pongo  de  Manseriché,  Maranhão  até  Tabatinga,  dahi  ao  rio  Negro  So- 
limões  e  dahi  ao  oceano  Amazonas.  Segundo  o  bispo  D.  Pr.  Christovam 
de  Lisboa,  o  nome  Maranhão  foi  geral  ao  rio,  e  devido  á  um  hespanhol 
de  nome  Maranon  que  o  navegara  desde  o  Peru  (a) ;  entretanto,  sabe-se, 
que  á  foz  do  rio  existiu  uma  nação  de  nome  marahánm,  donde  muito 
bem  podia  proceder  o  nome  (b). 

Outros,  e  com  elles  Southey,  o  sisudo  historiador,  conservaram- 
Ihe  o  nome  de  Orelhana,  em  honra  de  seu  primeiro  e  audaz  descobridor 
e  navegador,  o  qual,  por  sua  vez,  foi  quem  deu-lhe  o  de  Amasonas,  porque 
é  geralmente  conhecido. 

Junto  á  Jaen  de  Bracamoros  recebe  ao  norte  o  Chinchipe  e  ao  S. 
o  Caxapoya,  os  primeiros  de  seus  affluentes,  e  ahi  com  barra  quasi  egual, 
na  largura  á  do  Tunguraguá.  Aos  4^  13'  21''  latit.  austral,  e  69*  55'  de 
longitude  de  Greenwich  (a),  entra  na  fronteira  brasileira,  era  Tabatinga, 
e  vae  lançar-se  no  Atlântico  entre  V  N,  e  12'  sul,  isto  é,  desde  o  cabo 
do  Norte  até  o  cabo  Maguary.  Até  33''  de  parallelo  sul,  na  ponta  fron- 
teira aos  baixos  da  Tigioca,  descem  as  aguas  do  grande  estuário  formado 
por  elle  c  o  Tocantins ;  e  avança  para  o  oriente  até  o  meridiano  4^  19' ; 
apresentando  esse  estuário  uma  boca  de  trez  graus  de  extensão,  em  rumo 
NO.  SE. 


(a)  Relação  si*nvniaria  das  gousíis  do  Maranhão^  1624. 

(b)  "  No  rio  Araticum  está  uma  nova  villa  com  o  nome  de  Oeiras  e  antes  chama- 
va-se  a  missão  de  Areticá.  Está  situada  quasi  na  foz  do  rio,  e  perto  deste,  com  uma 
bella  planice.  Compõe-se  de  índios  de  varias  nações,  como  nhengaybas,  da  sua 
primeira  fundação,  guayanazes,  maràhánus  e  outros,  n 

—  Thesouro  descoberto  no  rio  AmasonaSy  part  2»,  cap.  XXI  (Rev.  do  Inst.  Hist.y 
tomo  III,  pag.  429). 

(a)  Commissâo  de  limites  com  o  Peru,  186<»,  da  qual  era  chefe  o  actual  chefe  de 
divisão  conselheiro  José  da  Gosta  e  Azevedo. 


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AO  RIO   DE    JANBIRO  .  341 

VIII 

Si  não  está  bem  averiguado  quem  fosse  o  descobridor  do  Amasqnas, 
que  António  Galvão  (a)  faz  já  conhecido  no  anno  de  1499,  é  incontroverso 
que  foram  os  irmãos  Pinzon  quem  descobriram-lhe  a  foz,  em  janeiro 
de  1500,  ao  cortarem  suas  aguas  do  Maranhão  para  o  norte,  ás  quaes 
deram  o  nome  apropriado  de  mar  doce,  admirados  da  extensão  que  ellas 
occupavam ;  do  mesmo  modo  que  á  Orelhana  cabe  a  gloria  da  descoberta 
do  alto  curso  do  rio  e  de  toda  a  sua  navegação. 

Orelhana  desceu  de  Quito  pelo  Napo,  á  mandado  de  Gonsalo 
Pisarro,  irmão  do  destruidor  do  Peru,  em  busca  do  Eldorado  de  Manoa. 
Desceu  em  dezembro  de  1539 ;  e  levado  pela  sede  de  ouro,  tão  intensa 
nesses  tempos,  achou  melhor  desobedecer  ás  ordens  do  seu  chefe ;  e,  to- 
mando sobre  si  os  empenhos  de  uma  nova  excursão,  já  não  buscou  o  lago 
Parime  do  Eldorado,  no  rio  Branco ;  cujos  montes,  segundo  Gomilla,  o 
superior  das  missões  do  Orenoco,  eram  de  ouro,  como  também  o  eram  os 
moveis  e  utencis  das  casas  da  opulentíssima  e  soberba  capital  do 
dourado. 

Antes  de  Orelhana,  querem  alguns  que  o  navegassem  Ordas,  Quisada 
e  Berrio,  vindos  estes  da  Nova  Granada  e  aquelle  de  Quito,  onde  obtivera 
de  Carlos  V  o  privilegio  da  exploração  exclusiva  do  Eldorado ;  e  depois 
Lopo  d'Aguirre,  o  assassino  de  Orsúa  e  de  Peman  de  Gusmão,  aquelle  seu 
chefe  e  o  outro  seu  rei,  que  como  tal  o  acclamaram  Aguirre  e  seus 
seguazes  apoz  o  assassinato  de  Orsúa. 

Quasi  um  século  mais  tarde  desceu  ainda  de  Quito  João  de  Palácios 
até  a  foz  do  Napo,  onde  abandonado,  pela  maior  parte  dos  homens  do  seu 
séquito,  desceu  o  Amasonas  apenas  acompanhado  de  dous  donaios,  ou  reli- 


(a)  Desoobrimsntos do  Afarwia— Berredo,  AnT%aes  ffist.  do  Maranhão. 


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342  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

giosos  leigos.  Abaixo  do  rio  Negro  mataram-o  os  aborígenes ;  e  somente 
aquelles  dous  homens  e  seis  soldados  alcançaram  Belém,  onde  governara, 
por  morte  do  capitáo-general  Francisco  Coelho  de  Carvalho,  Jacomo  Ray- 
mundo  de  Noronha,  provedor  da  fazenda  real,  que  os  agasalhou  obsequio- 
samente e  providenciou  para  uma  nova  expedição.  Foi  então  que  subiu  o 
famigerado  Pedro  Teixeira.  Seguiam-o  Pedro  Bayão  de  Abreu,  Pedro  da 
Costa  Favella,  Bento  Rodrigues  de  Oliveira  e  Bento  de  Mattos  Cotrim,  e 
com  elles  setenta  soldados  e  novecentos  Índios.  Sahiram  de  Belém  á  8  de 
oitubro  de  1637  e  foram  chegar  á  Payamina  em  15  de  agosto  se- 
guinte :  dahi  trilharam  por  terra  para  Quito,  onde  foram  recebidos  com 
as  maiores  honras,  pelo  conde  de  Chinchou,  vice-rei  do  Estado,  á  20  de 
oitubro. 

Portugal  estava  então  sobre  o  dominio  de  Felippe  IV,  e  todos  eram 
hespanhoes.  Regressou  Teixeira  acompanhado  de  dous  sábios  religiosos, 
o  reitor  de  Cuenca  Christovam  d^Acunha  e  André  d'Artieda,  professor 
de  theologia  de  Quito ;  e  em  12  de  dezembro  de  1839  aportava  â  Belem. 
Na  embocadura  do  Napo,  Teixeira  fez  erguer  um  padrão  de  madeira. 

A  fama  do  Eldorado  assombrou  a  Europa,  desde  o  fim  de  XVI  sé- 
culo ;  e  os  aventureiros  de  todas  as  nações  buscaram-o.  Da  Hespanha 
vieram  Pedro  da  Silva, cora  três  navios,  e  Serpa;  ambos  naufragaram  nas 
bocas  do  Orenoco.  Por  muitos  annos  Raleygh  buscava  suas  riquezas  como 
explorador  e  como  corsário ;  nessa  lida  perdeu  um  filho  e  mais  tarde  a 
cabeça,  pedida  pela  Hespanha  á  Jacques  I.  Mais  tarde  o  hoUandez 
Horstman,  em  1741,  subiu  de  Paramaribo  e  veiu  pelo  rio  Branco  aportar 
ã  Belém.  N*outra  direcção,  tomando  o  Xingu,  subira  um  século  antes  o 
padre  Roque  Hunderpfundf,  também  hollandez  (a)  ;  e  em  1695  outros 
da  mesma  nação  estabeleceram  auas  feitorias  na  Marin-assu,  a  grande 
cidade,  como  as  denominava  a  admiração  dos  tupinambás. 


(a)  MeUo  Moraes,  Gorogr,  Hist.,t.  III. 


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ÁO  RIO   DE    JANEIRO  349 

Apezar  das  explorações,  foi  esse  rio  por  muito  tempo  pouco  conhe- 
cido. Sabia-se  apenas  seu  curso,  a  riqueza  vegetal  de  suas  margens  e  de 
seus  affluentes,  e  mais  nada.  Sua  própria  origem,  que  desde  1535  foi 
descoberta  no  Lauricocha,  ha  bera  poucos  annos  ainda  passava  por  duvi- 
dosa. Os  governos  trancavam-lhe  a  navegação  aos  seus  próprios  naturaes. 
Felippe  IV  mandou  queimar  os  relatórios  de  Christovam  d^Acunha  para 
não  servirem  de  guia  de  navegação  aos  portuguezes.  O  governo  de  Por- 
tugal mandava  prender  um  certo  Mr.  de  Humboldt,  si,  por  acaso, 
entrasse  em  territórios  do  Brasil ;  o  Brasil  conservou-o  fechado  até  1867, 
e  ainda  tem  defesa  a  navegação  dos  seus  tributários. 

Os  primeiros  mappas  topographicos  onde  appareceu  o  Amasonas 
foram  os  de  Simão  d^Abbeville  em  1656.  Seguiram-lhe  os  de  Pritz,  Gui- 
lherme Derisle  (1703)  e  já  mais  correctos  os  de  Condamine  em  1745,  e  de 
Pedro  Pascar  em  1780.  Nesse  século  vários  geographos  portuguezes  reco- 
nheceram e  levantaram  cartas  de  parte  de  seu  curso  e  do  de  seus  affluentes; 
entre  outros,  citarei :  o  mappa  do  Tocantins,  de  1743,  por  António  Luiz 
Tavares ;  o  de  1750,  cirta  hydrographica  dos  grandes  rios  da  America 
Portugueza,  de  José  Gonçalves  da  Fonseca;  em  1775,  a  de  Thomaz  de  Souza 
ajudante  de  ordens  do  governo  de  Goyaz,  e  as  de  Felippe  Sturm,  dos 
rios  Branco  e  Negro,  em  1780;  varias  do  capitão  Joaquim  José  Ferreira, 
de  Euzebio  Eibeiro  e  do  ten^te-coronel  José  Simões  de  Carvalho  ;  e  no 
fim  do  século  as  de  Ricardo  Franco  e  José  Joaquim  Ferreira,  e  as  do- 
major  José  Joaqiiim  Victorio  da  Costa.  Neste  século  muitos  e  excellentes 
trabalhos  tem  sido  feitos  nesse  sentido. 


Innumeros  são  os  tributários  do  Amasonas,  muitos  dos  quaes  ainda 
completamente  desconhecidos ;  pelo  seu  cabedal  de  aguas,  a  maior  parte 
guarda  primazia  ou  enfileira-se  entre  os  de  mais  vulto  dos  do  antigo 
mundo. 


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344  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DK  MATTO-QR0880 

Sendo  impossível  referil-os  todos  cita-se,  apenas,  os  mais  conhecidos 
e  de  maior  importância  actual ;  á  margem  esquerda :  Morona,  Pastaza, 
Tigre- jacu,  Xambira,  Napo,  Içá,  Japurá,  rio  Negro,  Urubu,  ou  Jatapú, 
Jacundá,  Trombetas,  Gurupatuba,  Urubucoara,  Paru,  Jary  e  Anarapucú ; 
e  á  direita :  Huallaga,  Lameria,  Ucayali,  Jamary,  Jutahy,  Juruá,  Teffé, 
Coary,  Punis,  Madeira,  Tapajoz  e  Xingu. 


IX 


!.•  Chinchtpe  e  Pauta  sáo  os  primeiros  afBuentes  conhecidos, 
mas  o  Santiago  é  o  primeiro  dos  de  mais  consideração  que  o  Ama- 
sonas  recebe  á  margem  esquerda.  Nasce  nas  visinhanças  de  Cuenca  e 
lança-se  no  Tunguraguá  por  uma  boca  de  quatrocentos  metros  de  largo, 
quatrocentos  e  oitenta  kilometros  abaixo  de  Jaen  do  Bracamoros. 

2.''  O  Mortona.  Nasce  nas  proximidades  do  vulcão  Sangahi ;  poucos 
affluentes  recebe  e  divide-se,  á  meio  de  seu  curso,  em  dous  grandes  braços 
que  ahi  fazem  uma  ilha.  Extensas  planícies  formam-lhe  as  margens, 
onde  é  grande  a  abundância  de  pau-marfim.  £'  navegável  por  quatro- 
centos e  dez  kilometros,  desde  junto  ás  cordilheiras,  onde  uma  rocha  o 
corta  de  margem  á  margem.  Sua  largura  regula  em  cem  metros  e  a  pro- 
fundidade varia  de  quatro,  na  sêcca,  á  treze  e  meio  na  estação  das  chuvas. 
Séu  canal  navegável  conserva  uma  largura  de  quinze  á  vinte  metros. 
Segundo  o  Sr.  Wiener,  communica-se  com  o  Santiago  por  um  canal 
natural :  o  limiar  de  pedras  que  barra-lhe  a  passagem  no  limite  da 
navegação  é  granítiforme  e  longo  de  trinta  metros.  Acima  desse  obstá- 
culo ha  navegação  até  o  Mangoesia^  dez  kilometros  abaixo  do  porto  de 
Maças  e  umas  cincoenta  léguas  distante  de  Quito. 


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AO  RIO  DB  JANEIRO  345 

3."  O  Pasiaza,  nasce  ao  norte  daquelle  vulcão.  Sua  largura  é  ex- 
traordinária, excedendo  ás  vezes  á  dois  kilonietros.  Divide-se  em  uma 
infinidade  de  braços  e  canaes,  á  semelhança  do  Japurá  ou  do  Taquary, 
no  Paraguay,  os  quaes,  anastomosando-se  em  terras  pouco  resistentes, 
conservam  de  alguma  sorte  uma  innundação  perene.  O  leito  do  rio  é 
formado  de  argilla  finíssima  e  movei,  o  que  muda  á  cada  passo  o  seu 
canal,  diffieultando-lhe  a  navegação.  Segundo  o  Sr.  Wiener,  que  só  lo- 
grou subil-o  desoito  kilometros,  uma  secção  longitudinal  do  seu  talweg 
representará  uma  seríe  de  lagos  profundos,  separados  apenas  por  cachoei- 
rinhas  de  quarenta  e  cincoenta  centimetros  de  largura.  Lança-se  dose 
hilometros  abaixo  do  Morona  por  três  bocas,  das  quaes  a  principal  tem 
mais  de  oitocentos  metros  (a). 

Por  elle  desceu  em  1743  Pedro  de  Maldonado,  vindo  de  Quito, 
para  acompanhar  La  Condamine. 


4.*  O  Tigreyacú^  ou  rio  do  Tigre,  é  uma  grande  e  volumosa  corrente 
que  esse  illustrado  viajante  percorreu  na  extensão  de  oitocentos  e  trinta 
kilometros,  n'um  canal  de  dez  á  trinta  metros  de  largo  e  trez  á  vinte  e 
seis  de  fundo.  Suas  margens,  opulentas  dessa  vegetação  regional,  abunda 
também  no  pau-marfim,  pu  xury  e  no  hmâd,  a  noz-moscada  do  Pará, 

5."  O  Xambira,  vém,  como  o  Tigre  e  o  Napó,  das  quebradas  orien- 
taes  dos  Andes.  £'  volumoso  em  aguas,  navegável  por  mais  de  duzentos 
kilometros,  apezar  de  mui  tortuoso  pelo  accidentado  da  região.  O 
Sr.  Wiener  navegou-o  em  cento  e  setenta  e  um  kilometros,  n'um  canal 
maior  de  seis  metros  de  largo  e  de  fundo. 


(a)  DescripçSo  Geographica  do  femoBorio  das  Amazonas.  Cor,  fíist,,  t.  2». 

44 


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346  ITINEKARIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

6.*  O  Napó,  ou  Napo.  Suas  cabeceiras  formam-se  na  famosa  região 
vulcânica  da  cordilheira,  onde  se  elevam  os  altíssimos  picos  de  Pichincha 
e  Antísana,  Cotopaxi  e  Cbimboraso ;  corre  por  mais  de  mil  e  duzentos 
kilometros,  com  a  largura  média  de  cem  á  quinhentos  metros.  Já  vapores 
o  tém  percorrido  em  mais  de  seiscentos  kilometros  até  o  porto  de  Napo^ 
duzentos  e  cincoenta  kilometros  distante  de  Quito.  Sua  historia  prende-se 
de  perto  á  do  Amasonas,  sendo  por  elle  que  desceram  os  primeiros  des- 
cobridores do  rio- mar.  Antes  de  sua  foz  cahem  no  Amasonas  dous  outros 
rios,  o  Nanahi  e  o  Caciquy^  relativamente  de  somenos  importância. 


7.*  O  Içá^  ou  Putumayo,  nome  que  lhe  dão  no  Equador,  é  corrente 
ainda  maior  do  que  o  Napó,  vinda  desde  o  parallelo  2''  30'  boreal  das 
quebradas  andinas  nas  visinhanças  de  Pasto  :  e  com  perto  de  mil  e  quar 
trocentos  kilometros  lança-se  no  Amasonas  aos  3*  O'  S,  e  quasi  no  meri- 
diano 24*  50'  ao  occidente  do  Eio  de  Janeiro.  Communica-se  com  o  Japurá 
pelo  Periãá  e  Puretís^  braços,  este  antes,  e  aquelle  depois  do  seu  terreno 
encachoeirado.  Offerece  navegação  em  mais  de  duzentos  kilometros.  São 
seus  principaes  afBuentes,á  esquerda:  Pipitarí,Jurupari,Pimary,  Icote^ 
Miuhiy  VpiJiij  Laeauhij  Çutvié,  Mamoreá  eJapacorá;e  á  direita: 
Jaguárilhaj  Itiii,  Acheii^  Itué  ou  Uiuá^  Puruitd  e  Jacurapá.  Nesses 
últimos  annos  sua  navegação  tem  sido  mui  seguida,  sendo  iniciada  pelo 
commerciante  columbiano  Seyes,  infelizmente  já  fallecido. 

8.**  O  Japurá  desce  das  cordilheiras  da  Colômbia  em  contravertentes 
com  o  Magãalenãj  na  província  de  Mejôa.  Vém  encachoeirado  por  mais 
de  metade  do  seu  curso,  mas  offerece  boa  navegação  por  quasi  mil  kilo- 
metros. Lá  na  região  das  planícies  infindas,  campos  geraes  da  Cruyanaj 
ou  silvas^  communica-se  com  o  Orinoco  por  um  braço  que  vae  ao  Ouon 


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AO   RIO   DE  JANEIRO  347 

viar€y  por  onde,  em  1541,  passou-se  Felippe  D'utre  ao  Orinoco,  também 
era  busca  do  Eldorado  (a);  ao  rio  Negro  pelos  seus  afDuentes  Marajá, 
Paapuá^  Mamorité^  Tararirá  e  Apaporis^  talvez  os  canaes  Maroti-pa- 
ranú,  Amanu-paraná,  Pereús,  Veya  e  Apaporis  dos  antigos.  No  tempo 
das  aguas  forma  ao  despejar-se  no  Amasonas  um  vasto  estuário 
quasi  idêntico  ao  do  Xarayés ;  na  estação  sêcca,  ficam  nesse  estuário  nove 
cursos,  que  uns  suppôem  outras  tantas  bocas  do  Japurá.  Entretanto  está 
reconhecido  que  as  trez  mais  occidentaes  Avati-paraná^  Manhania  e 
Guararapú  são  braços  do  Amasonas  que  ao  Japurá  vão  levar  as  aguas 
esbranquiçadas,  tão  differentes  das  deste  rio ;  que  duas  outras,  Ihiràbyha 
e  Cuâajaz^  são  desaguadouros  de  grandes  lagos,e  que  trez  outros  são  furos 
do  Amasonas,os  quaes  somente  á  meia  enchente  podem  reunir  suas  aguas 
com  as  do  Japurá.  Resta-lhe  a  ultima,  e  a  verdadeira,  que  com  o  seu 
nome  fica  em  meio  dessas  outras,  que  si  todas  fossem  delle  constituiriam 
o  seu  delta  o  maior  do  mundo,  tendo  por  base  um  trecho  de  mais  de 
seiscentos  kilometros.  O  lago  Ctidajaz^  um  dos  maiores  da  provinda, 
reúne  o  Amasonas  ao  rio  Negro,  por  um  outro  braço  o  Jahú,  que  nelle 
tem  nascimento.  Ainda  o  Japurá  reune-se  ao  Uaupés,  ou  Guaupés,  pelo 
Pururé-paraná^  e  com  o  rio  Negro  pelo  Apaporis  e  Pimpud.  Em  seu 
curso  superior  recebe  o  nome  de  Caqtietd,  com  que  é  conhecido  dos  his- 
pano-araericanos.  Grande  numero  de  subsidiários  lhe  chegam  em  ambas 
as  margens,  sendo  mais  notáveis  :  á  esquerda.  Fragua^  Cahuan^  de  no- 
vecentos kilometros  e  que  recebe  agua  do  Cahuansito,  á  direita,  e  Aparos, 
Peja  e  Pareó,  à  esquerda;  o  Pajajd^  Amanu-paraná^  Uacapú-paraná, 
Cumiáre  ou  rio  dos  Enganos,  assim  chamado  pelos  propositaes  trope- 
ços que  D.  José  Requena  Herrera,  commissario  hespanhol,  encontrou 
para  a  demarcação  da  linha  limitrophe  que  do  rio  Japurá  devia  ir  ao  rio 

(a;  o  qual,  segundo  (Jomilla,  foi   o  que  mais  perto  lhe  chegou.—  Ribeiro  de 
Sampaio, 


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348  ihnbbario  da  cidade  db  MATTO-eKoeso 

Negro,  e  que  devia  ser  por  aquelle ;  e  tão  enganado  ficou,  que  logrou  en- 
ganar o  commissario  portuguez  Constantino  de  Chermont  :  o  Camiare 
recebe  o  Messae,  que  é  formado  pelos  CunJiari,  Amon^  Yaisa  e  Jtufia: 
Sauhá;  Jacu ;  Jurm ;  Iraparanna ;  Apaporis,  o  primeiro  de  seus 
affluentes  abaixo  das  Cachoeiras,  formado  pelo  Cananari,  Ibirá-paraná, 
Uça-paraná,  Pirá  e  Tarahira,  este  de  mais  de  quatrocentos  kilometros,  e 
que  é  uma  das  divisórias  do  Império ;  Mamoreiá  ;  Puapuá  ;  Cumary  ; 
Jahy  e  Maráhá^  etc.  :  e  â  direita,  Picudo  ;  Jacaré;  Ipu;  Xarupéj 
Cunacod,  Muium^  que  se  communica  pelo  Peridd  com  o  Içá;  Cauináre ; 
Arapd;  Curt4Céo;  Purcús  ;  Yaumerim\  Yamiaçú]  Itaudj  etc. 


9.*  O  rio  Negroy  também  chamado  Quiary^  Gurigua-curú^ 
Uruna(dL)  Guaraná  Guasama  e  Ueneassú^  acima  das  Cachoeiras,  é  um 
dos  principaes  tributários  do  Amasonas ;  nasce  em  Popayan,  nos  vastos 
llanos  ou  silvas  do  Âraino,  no  parallelo  2'*  N.,  donde  também  derivam  as 
aguas  do  Guaupés ;  mas  desde  já  o  parallelo  5"  N.,que  descem  as  primei- 
ras cabeceiras  do  Parima  e  do  Surumô^  formadoras  do  Uraricoera  e  do 
Tacutu,  confluentes  do  rio  Branco.  Sua  extensão  é  maior  de  três  mil 
kilometros,  e  é  um  dos  rios  mais  largos.  Entra  no  Amasonas  por  quatro 
barras,  das  quaes  a  mais  ampla  é  de  dous  kilometros  de  boca ;  mas,  suas 
aguas  represadas  pelas  do  grande  rio,  logo  acima  da  foz,  espraiam-se  em 
seis  á  oito  kilometros,  e  mais  adiante  tomam  a  extraordinária  largura  de 
talvez,  cincoenta  kilometros.  Essa  confluência  é  nos  parallelos  3*  00' 
S.,  16°  53\  O.  Rio  de  Janeiro.  Sua  côr  no  alveo  é  negra  de  tinta  de  es- 
crever ;  n'um  vaso  de  crystal  toma  a  da  infusão  forte  do  chá. 

Innumeros  são  os  seus  afDuentes,  entre  os  quaes  dous  do  primeira 
urdem,  o  Guaupés  e  o  rio  Branco. 


(a)  Christovain  d'Acunha  diz  que  assim  o  deaominam  os  tupinaii|bás« 


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AO   mo  DE  JANEIRO  349 

O  Guaupés,  também  chamado  Ucayari^  é  rio  caudaloso,  e  muito 
encachoeirado ;  lança-se  no  rio  Negro  sessenta  kilometros  acima  do  forte 
de  S.  Gabriel,  cortando  o  equador  as  aguas  de  sua  barra,  aos  24°  56'  de 
long.  O.  Suppõe-se  que  também  tém  communicação  á  canal  com  o 
Guaviare.  Eecebe  pela  direita  os  rios  Tenari,  Unhunhan,  Puruepa- 
raná,  Javarituinde,  Musae,  Jucari^  Capuri,  Japu  e  Tequié,  e  pela 
esquerda  Muasd,  Buritasá^  Perixasehne,  Iriary,  Foi  explorado,  em 
1784,  pelo  coronel  Manoel  da  Gama  Lobo  d' Almada,  até  o  Tenari. 

O  rio  Branco,  também  chamado  Quecehuene,  Paraviana,  Ura- 
ricoera^  do  nome  do  seu  principal  braço,  toma  o  porque  é  conhecido  ao 
confluírem  o  Uraricoera  com  o  Tacutu  aos  3**  1'  (a)-^.,  seiscentos  ki- 
lometros, pouco  mais  ou  menos,da  foz  no  rio  Negro,  que  fica  aos  19*  O'  5' 
O  e  1*  28'  5.  Seu  curso  éde  setecentos  kilometros.  Entra  também  por 
quatro  bocas  no  Rio  Negro,  entre  os  parallelos  V  2'  e  2*  50'  N.  (b). 
A'  duzentos  kilometros  de  sua  foz  acabam-se  as  florestas  e  começam 
as  silvas. 

Com  o  nome  de  Uraricoera  recebe  á  direira  o  Uaricapara,que  recebe 
o  Curieu  ;  Idmne,  onde  em  1776  os  hespanhoes  estabeleceram  um  forte, 
pouco  depois  tomado  pelos  portuguezes  ;  Majari  e  Perime  ou  Parinhá, 
ou  Paitilij  celebre  por  ser  em  suas  fontes,  que  os  antigos  e  mesmos  mo- 
dernos visionários  coUocam  a  fabulosa  lagoa  do  Eldorado ;  e  á  direita  o 
Avaris,  Catatiché  e  Azeneca,  além  dos  ribeirões  Canarajmrã,  Canta- 
rahid^  Caia-caia  (Cada-cada  dos  hespanhoes,  que  o  povoaram  em  1756, 
quando  de  ordem  do  governador  da  Guyana  castelhana  D.  Manoel  Cen- 
turion,  Juan  Marcos  Zapata  veiu  em  busca  do  Eldorado);  e  Sererè,  todos 
da  margem  direita:  e  Maupamare^  Camú^  Perre  e  Trtuiré,  á  esquerda. 


(a)  E  SIC»^  56*  long.  do  meridiano  occ.  da  ilha  do  Ferro    [Descripção  relativa 
no  Rio  Bra>ioo  e  s^n  tírritoriOf  pelo  coronel  Manoel  da  Gama  Lobo  d* Almada,  1787.) 
(b)E814o  íil*-Item. 


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350  ITINERÁRIO  DÁ   CIDADE  DB  MATT0-GR0S80 

O  Tacutu  nasce  nas  vastas  silvas  onde  tem  origens  o  Bepunúre^ 
braço  do  Ecequibo,  mais  ou  menos  na  latitude  de  2*  N. ;  dirige-se  para 
o  setentriào  até  receber  o  Mahi  ao  3**  30' ;  antes  recebe  o  Pirarucuy  e  o 
Pirarara;  e  depois  o  Surumô(a),  cujas  cabeceiras  sào  o  ponto  da  mais 
alta  latitude  do  Império,  todos  na  margem  direita :  e  na  esquerda 
somente  o  Guaruahú. 

Reunidos  o  Uraricoera  com  o  Tacutu,  vém  engrossar  agora  o  rio 
Branco  os  seguintes  affluentes  :  á  direita  Ucaire,  Cauamé^  Mariaúne^ 
Mucajahiy  Icuparand,  Jarani,  Gerumô^  Mucipau^  Corahirimani  e 
Severihuine  ;  e  pela  esquerda,  Gtuinanahú,  Eneuheni,  Curmcú^  Merur 
cuhene  e  Macoaré. 


O  tronco  principal  do  rio  Negro  recebe  innumeros  subsidiários, 
além  desses  citados,  taes  como :  á  direita,  Napiãre,  Jaripuna,  Me- 
maohy^  Itacapú,  Aquié^  Toino,  Ixié^  Içana,  rio  caudaloso  navegá- 
vel por  quasi  trezentos  kilom.,e  que  recebe  á  esquerda  o  Iquiari,  formado 
pelo  Guachaú,  e  à  direita  o  Amanani  e  Cajari,  Macuamina,  Baruri^ 
Cumaru,  Coarú^  Coniahú^  Coriana^  Cobati^  Marihé,  Iruyá, 
Maimaij  Majuliixi^  Xiuord^  Uenenexi  ou  Inuixi^  onde  foram  os 
principies  de  Barcellos  com  a  aldeia  Camanãri^  depois  Marituí ;  Ajuano 
ou  Guaiunano ;  Uruhaixi^  Mala,  Malique,  Xibaro,  Uerere  ou  Ua- 
rirá,  Gtiatanari  Cabory,  o  segundo  dos  estabelecimentos  portuguezes 
no  Alto  Amasonas,  feito  pelo  sargento  Guilherme  Valente ;  Canapé^ 
Vrupé^  Xiborena  e  Jahu^  etc. :  e  á  esquerda  Coruochiie,  Tiriquire  ; 
S.   Carlos^    Daribo^  Enexi^     Uniana^     Matihahi,    Demittiy  Buturúy 

(a)  Surumú,  como  também  Mahú  e  Gerumà  etc,.  sendo  muito  commum  nos 
povos  do  Pará  a  troca  do  ò  grave,  não  sendo  final,  pelo  t*  e  vice-versa ,  dizendo  : 
o«rtúa,pi*p<^,  proa,  cwcoí,  por  canoa,  popa,  proa,  cocos  etc.,  e  foro,  borro  por  furo, 
burro.  etc. 


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AO   RIO  DK  JANEIRO  351 

Cauá  OU  Caubabuy,  que  communica-se  com  o  Cassiquiare  seguidamente 
pelos  rios  Matticardj  Umarinmihy,  Berihá  e  Bacimone^  Imuid, 
Inahú,  Marauhiá,  Jaruri^  Uniu  ou  Imieuhy,  Bonité,  Darahá, 
Ambori,  Hihiahd,  Pahauhire,  rio  volumoso,  formado  entre  outros  pelo 
Marari  e  Ixiémerim ;  Bararé,  Guanapixi,  Guaracá^  que  recebe  o 
Demenene,  Bulihuhi^  Guapire,  Mapahdo,  Curení,  Canaman  e 
Anavilhana,  etc. 

Communica-se  c  rio  Negro  com  o  Japurá  por  seus  aflBuentes  Uru- 
baixi,  Unuene,  Marihé  em  tempos  de  enchente,  e  Tararaira,  que  váo 
unir-se  aos  do  Japorá,  Marajá,  Puapuá,  Mamorité  e  Apaporis.  Já  de  ha 
muito  são  esses  canaes  conhecidos,  e  os  antigos  ainda  tinham  como  taes 
o  Xiurá  e  o  próprio  Guaupés.  Com  o  Orinoco  une-se  também,  pelos 
Hiniuhine,  Sumitéj  Itacapu^  Hueniriddj  Auiare,  canaes  ou  braços  entre 
os  dous  rios  ;  e  ainda  em  1789  o  engenheiro,  coronel  Dr.  José  Simões  de 
Carvalho,  descobriu  um  outro  acima  do  Guaupés.  O  Cassiquiare  é  um 
grande  canal,  ou  antes  rio,  que  leva  as  aguas  do  Negro  ao  Orinoco.  A  pri- 
meira noticia  delle  parece  que  foi  levada  á  Barcellos  por  um  soldado 
desertor,  Aleixo  António,  em  junho  de  1781,  segundo  se  deprehende  da 
carta  topographica,  com  o  titulo  :  —  «  Demonstração  das  Povoações  de 
hespanhoes  que  consta  axarem-se  estabelecidas  na  parte  superior  do  Bio 
Negro  e  no  canal  de  Cachequiary,  pello  qual  se  lhe  commonica  o  Orinoco, 
segundo  as  noticias  em  junho  de  1781,  conceguidas  do  soldado  portuguez 
Aleixo  António  que  por  aquelles  destrictos  alguns  annos  desertado  an- 
dou » — ;  carta  que  existe  no  archivo  militar. 

10.*  O  Trombetas  ou  Ormmíwa,nascido  nas  serras  limitrophes  com 
a  Guiana.  Sen  curso,  pouco  conhecido,  é  calculado  em  seiscentos  kilome- 
tros.  Recebe  as  aguas  do  Jamundd^  ou  Nhamundá,  cento  e  setenta  e 
cinco  léguas  acima  da  foz  do  cabo  do  Norte  pelo  curso  doAmasonas; 
nasce  nas  serras  de  Tumucumaque  aos  2"  16'  AS'.e  13*8'  O.Este  é  o  limite 


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352  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

oriental,  ao  norte,  do  grande  rio,  com  a  provinda  do  Pará  ;  for- 
mosa corrente,  cercada  de  graciosos  lagos  e  formosíssimas  praias,  e  bor- 
dada á  direita  pelas  serras  que  são  prolongamento  das  dos  Parentins  na 
margem  meridional  do  Amasonas. 

Em  frente  á  ilha  Capixauramonha  elevam-se  os  picos  do  Deâàl  e  do 
Copo.  Esse  rio  é  celebre  por  partir  delle  a  fabula  que  deu  o  nome  ao 
rio-mar. 

Antes  delle  desaguam,  na  mesma  margem,  o  Burururú,  nome  mo- 
dernamente modificado  em  Urubu,  e  que  é  um  desaguadouro  dos  grandes 
lagos  dessa  região,  e  o  Guatumá  ou  Ataman,  rio  caudaloso,  porém 
ainda  desconhecido. 


11.°  O  Uruhucoara^  nascido  na  Serra  Velha,  e  antes  de  lançar-se 

no  Amasonas  espraiando-se   no  lago  de  seu  mesmo  nome. 

12.°  O  Parí/,nascido  nas  mesmas  serras  e  cujas  margens  passam  por 
auríferas.  Seu  curso  é  avaliado  em  mais  de  quinhentos  kilometros. 

13.*  O  Jary,  reputado  ainda  maior  que  o  Paru,  tem  suas  vertentes 
nas  serras  de  Tumucumaque, 

14.'  E  oAnarapucu,  da  mesma  origem,com  curso  idêntico,  já  perce- 
bendo em  sua  foz  a  salsugem  das  aguas  do  oceano,  e,  como  todos  os  mais 
áquem  do  rio  Negro,  quasi  completamente  desconhecido. 


X 


Os  principaes  afBuentes  do  Amasona8,tanto  á  direita  como  á  esquerda, 
apparecem  somente  abaixo  do  pongo  de  Manseriché,  a  maior,  para 
não  dizer  a  única  difficuldade  para  a  completa  navegação  do  rio.  Consiste 


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AO  mo  DB  JANEIBO  358 

esssL  paria  do  rio  em  uma  espécie  de  corredor  de  vinte  á  cincoenta  metros 
de  largo  e  extenso  de  nove  á  dez  kilometros,caIçado  de  rocha  e  aberto  na 
cordilheira,  cujas  faces  abruptas  si  elevam  á  mais  de  cem  metros :  nelle 
desce  o  rio  quasi  sempre  n'uma  corredeira  encachoeirada  e  como  que  por 
degraus,  e  com  uma  velocidade  tal  que>  se  não  fosse  o  nimio  cuidado  da 
sua  navegação,  poderia,  talvez,  ser  vencida  em  um  quarto  de  hora. 

Tal  foi  a  viagem  que  em  1762  fez  D.  José  de  Itiurre,  vindo  de 
Quito  (a);  a  que  em  1743  fez  La  Condamine,  e  em  1859  o  bispo  de  Car 
chapoya ;  e  tal  a  que  continuamente  fazem  os  indios  dessa  região. 

Diz  o  Sr.  Wiener  que  as  aguas  ahi  se  precipitam  com  tanta  força, 
que  seiscentos  metros  rio  abaixo  não  se  encontram  terrenos  moveis  e  sim 
rochas  graníticas,  que  fazem  o  rio  mudar  de  rumo  em  quasi  angulo  recto, 
na  ponta  que  o  viajante  assignalou  com  o  nome  de  D.  Pedro  U. 

Descreve  o  ponto  como  um  dos  mais  magestosos  á  vista.  A  cor- 
dilheira abre-se  ahi  n'uma  garganta  de  mais  de  cento  e  dez  metros 
de  altura,  de  rochas  verticaes,  por  entre  as  quaes  o  Maranhão  se  preci- 
pita com  medonho  ruido. 

Dista  o  pongo  trez  kilometros,  apenas,  abaixo  da  boca  do  Santiago. 


1.*  O  Huallagd^  ou  Gualagá,  é  o  primeiro  dos  grandes  affluentes  me- 
ridionaes  do  Amasonas,  de  quem  é  visinho  no  berço.  Nasce  na  província 
de  Junin,  no  Peru,  nas  vertentes  orientaes  dos  Andes,  perto  da  povoação 
de  Huanico-viejo,  cujo  nome  toma  emquanto  corre  no  rumo  setentrional; 
quebra-se  para  E.^  até  Muna,  e  dahi,  com  o  nome  de  Huallaga,  toma  de 
novo  a  direcção  do  N.  W  navegável  em  todo  o  anno  por  embarcações 
grandes  até  o  povo  de  Lagutia,  á  trinta  kilometros  da  sua  foz,  e  mais 

(a)  Viagem  e  visita  do  sertão  em  o  bispado  do  Grão-Pará,  em  1762  e  1763,  pelo 
bispo  D.  Fr.  João  de  S.  José.  Rev.  do  Inst,  Hist.,  tomo  IX. 

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354  ITINERÁRIO   DA    CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

duzentos  e  vinte  kilometros  na  estação  das  aguas,  até  Yurimaguas.  Deste 
ponto  ainda  podem  ir  canoas  á  Tingo-María,  já  nas  espaldas  da  cordi- 
lheira. Descreveu-o  o  Sr.  Wiener  como  um  immenso  rio,  do  qual  per- 
correu em  seis  dias  mais  de  duzentos  kilometros  n'uma  lancha  á  vapor  ; 
passa  por  ser  navegável  mais  de  trezentos.  Tem  por  affluentes  o  Asprena^ 
o  Mayo  ou  Mayobamba  e  o  Faranupúra^  que  se  faz  notável  pela  ra- 
pidez de  oscillação  do  seu  nivel,  para  o  qual  aquelle  viajante  verificou, 
em  meia  hora  de  tempo,  altas  e  baixas  de  meio  metro. 

Seus  arredores  são  teiTenos  salitrados,  tão  ricos  de  sal  que,  diz 
Baimond  (memoria  annexa  á  Geogmphia  de  Paz  Soldan)  «  seriem  suffi- 
cientes  para  o  abastecimento  de  toda  a  America.  » 


2.°  O  Lameria,  entre  o  Huallagá  e  o  Ucayali,  indicado  pela  pri- 
meira vez  pelo  Sr.  Wiener,  não  tendo  até  agora  figurado  em  carta 
alguma.  Origina-se  n'um  grande  lago,  e  recebe  as  aguas  de  varias  grandes 
lagoas  em  ambas  as  margens.  O  viajante  francez  navegou-o  perto  de 
quatrocentos  kilometros,  e  ainda  mais  de  um  cento  nos  tributários.  As 
florestas  de  suas  margens  abundam  em  hevceas. 


3.**  O  Ucayali  ou  Paru,  também  chamado  Velho  Maranhão^  por 
ter  sido  por  muito  tempo  reputado  o  verdadeiro  curso  superior  do  Ama- 
sonas,  é  um  grande  rio,  cujas  origens  estão  nas  montanhas  de  Sica-Sica^ 
com  as  cabeceiras  do  Apurimac^  perto  do  parallelo  IS**.  E'  navegável 
por  mais  de  mil  kilometros.  São  seus  principaes  braços  o  SanfAnna  ou 
Urubamba,  nascido  nas  proximidades  de  Agtm  Calienfe,  ao  sul  de  Cusco. 
Recebe  o  Mamáro,  o  Jamatille  e  o  Camiaca ;  o  Apurímac^  que  tem  por 
aflBuentes  o  grande  rio  Tambo,  o  Pongoa  e  o  Porene ;  o  Pachilea^  que 


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AO  RIO  DE   JANEIRO  855 

recebe  o  Mayro  e  o  Sapotea ;  e  muitos  outros  de  menor  curso  e  volume, 
entre  os  quaes  Camaryuguas,  Coniguate^  Sampoyo^  Particáurba^  Caco, 
Manipàhoro,  Xarancary,  e  o  Sanonia.  Cerca  de  quatrocentos  kilometros, 
acima  de  sua  foz,  lança  um  braço,  o  Pirituã,  longo  de  uns  cento  e  dez 
kilometros.  Este  e  os  grandes  aífluentes  offerecem  grandes  trechos  á  na- 
vegação. 

Castelnau  percorreu-o  em  1846  :  dá-lhe  mil  e  quarenta  milhas  de 
navegação,  que  diz. fácil,  salvando  a  Volta  ão  Diaho  e  outras  corredeiras 
ou  os  legares  onde  o  rio  baixa  á  trez  pés  de  altura. 


4.**  O  Javary,  ou  Hiaury,  nasce  noparallelo  T*  V  15",5  S.  SV  V 
24",07  O.,  ponto  mathematico  onde  deve  ser  coUocado  o  marco  limitro- 
phe,  extremo  da  recta  geodésica  que,  partindo  do  marco  collocado  na  foz 
do  Béni,  vém  buscal-o  em  rumo  verdadeiro  de  69*  51'  13",58  NO. 
Constitue  o  Javary  o  limite  mais  occidental  do  Império. 

Seu  curso  é  avaliado  em  mais  de  setecentos  kilometros.  Tem  por 
tributários  vários  rios  de  regular  corrente,  entre  outros  o  Paysanãú, 
Galvez,  Javary-merim,  Jaturana  e  Curuca.  Lança-se  no  Amasonas  aos 
4''  13'  21",2  S.  e  26''  47'  57"  O.,  quasi  em  frente  á  Tabatinga :  da  sua 
foz  para  o  occidente  é  que  o  Amasonas  é  conhecido  por  Maranhão,  sendo-o 
por  Solimões  dahi  até  o  rio  Negro. 


5.**  O  Juiahy,  ou  Hiutahy,  grande  rio  de  curso  ainda  desconhecido, 
suppondo-se,  porém,  que  tem  suas  origens  nas  proximidades  do  lago 
Eoguagualo  em  Cusco.  E',  pouco  encachoeirado  e  portanto  de  fácil  nave- 
gação. Foi  por  elle  que  desceu  Orsúa,  em  1560,  do  Peru,  em  demanda 
do  El-dorado.  Lança-se  cerca  de  quatrocentos  kilometros  abaixo  da  foz 


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356  rriNBRARio  da  cidade  dr  matto-orosso 

do  Javary  aos  2*  36*  S.  (a)  e  23**  54'  O.,  por  uma  barra  de  quasi  um 
Idlometro  de  larga. 

São  seus  subsidiários  os  rios  Marahuds,  Bia,  Macauási  e   Ca- 
puardno. 


6.*  O  Jurud^  ou  Hiuruá,  rio  também  considerável  e  também  pouco 
conhecido.  Supp5e-se  nascido  nas  mesmas  regiões,  donde  vém  o  Jutahy, 
havendo  probabilidades  de  ser  no  lago  Roguagualo.  Seu  curso  é  calculado 
em  mais  de  mil  e  trezentos  kilometros,  desconhecendo-se  também  as  cabe- 
ceiras da  maior  parte  de  seus  aflBuentes,  entre  outros  Mu,  Gregório, 
Taratiacá,  grande  corrente  engrossada  pelos  rios  Embira  e  Jatuarana-pa- 
raná ;  Xirimn,  Banana-pixuna  e  Banana-branca. 

Communica-se  com  o  Jutahy ;  sendo  por  ambos  a  viagem  de  Or- 
súa,  em  1560.  Dizem-o  navegável  por  mais  de  mil  e  oitocentos  kilome- 
tros. 

Lança-se  no  Amasonas  aos  2*  45'  S.  e  23^*5,  O.,  uns  cento  e  cin- 
coenta  kilometros  abaixo  do  Jutahy. 


7."  O  Teffé,  com  barra  aos  3*  1&  S.  e  22°  2'  O.,  duzentos  e  qua- 
renta kilometros  abaixo  do  Juruá,  é  um  curso  de  perto  de  mil  kilo- 
metros (a),  dos  quaes  suppõe-se  navegável  em  mais  de  seiscentos,  para 
embarcações  de  pequeno  calado. 


8.*  O  Coarpj  de  curso  também  quasi  desconhecido.  Entra  no  Ama- 
sonas duzentos  e  sessenta  kilometros  abaixo  do  precedente.  Próximo 

(a)  Dioo,  Topogr.  Hist, e  Desoript,  da  oomaroa  do  Alto  Amasonas ^  pelo  capitão- 
tenente  Lourenço  da  Silva  Araújo  Amasonas. 

(a)  Os  hespanhoes  avaliavam-o  em  160  léguas  de  extensão. 


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AO  RIO   DE  JANEIRO  857 

da  boca  forma  com  as  aguas  de  outros  dous  rios,  o  Urucuparand  e  o 
Urandj  uma  lagoa  de  vinte  kilometros  no  maior  diâmetro.  Avalia-se  o 
seu  curso  em  seiscentos  kilometros,  dos  quaes  uns  quatrocentos  tém  sido 
já  navegados. 

A  foz  fica  aos  4^»  3'  S,  p  20^»  23'  O. 

9.''  O  Purús^  Pacayá  dos  canamerins,  Béni  dos  pamaris,  desce  das 
mesmas  regiões  onde  tém  nascimento  o  Ucayali  e  o  Béni,  formador  do 
Madeira  (b).  E'  um  dos  mais  importantes  tributários  do  grande  rio,  e 
hoje  um  dos  mais  conhecidos.  Seu  curso  excede  á  trez  mil  e  quinhentos 
kilometros,  de  largura  rasoavel,  a  qual  na  foz  é  do  dous  mil  metros  e  na 
barra  do  Ituxi,  á  setecentos  kilometros,  é  já  de  duzentos  e  cincoenta. 

O  Sr.  Chandless  em  1875  estudou-o  n'um  percurso  de  trez  mil  cento 
e  quarenta  kilometros  até  o  parallelo  W  5'.  Segundo  elle,  as  nascentes 
ficam  n'uma  altura  de  mil  e  oitenta  e  oito  pés  sobre  o  mar,  e  mais  ou 
menos  no  parallelo  11*  5. 

AfBuem  ao  Purús  muitos  rios  consideráveis,  entre  outros :  Paios ; 
Urbano  ;  lapaha  ;  Aracá  de  cento  e  vinte  metros  de  largo  e  oito  palmos 
de  fundo,  tendo  por  tributário  o  Caspahá ;  Hyacú,  de  quatrocentos  e  vinte 
metros  de  largo  e  quatro  e  meio  de  fundo  ;  Aquiry^  de  duzentos  e  oitenta 
metros  e  quatro  e  meio  de  fundo,  navegado  por  Chandless  em  perto  de  no- 
vecentos kilometros;  recebe  aguas  do  Paugas,  Agua-parda,  Pontos,  Irariape 
e  Endimiury ;  Seruynin,  de  cento  e  dez  metros,  fundo  de  seis  palmos  ; 
AtciMan,  de  oitenta ;  Sepatyntn,  de  duzentos  metros  de  largo  e  trez 
e  meio  de  fundo  ;  Iticxij  das  mesmas  dimensões ;  Pacihd ;  Mary  ;  Mu- 
cuhy,  navegado  em  1864  pelo  pratico  Manoel  Urbano  da  Encarnação,  por 
cento  e  sessenta  léguas ;  Jacaré ;  e  Paraná-pixuna :  todos  na  margem 

(b;  Este  é  o  Béni  ou  Iruétiaare  ou  Iriraane ;  o  outro,  Béni  ou  Paro  passa  por 
ser  uma  das  cabeceiras  do  Ucayali. 


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358  ITINEKARIO   DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

direita  ;  e  na  esquerda  :  Curiahan,  Curiuhd  ;  Richalá  ;  Taranacá^  de 
sessenta  metros,  rio  que  suppõe-se  coraraunicar  com  Juruá,  nas  enchen- 
tes ;  Acre ;  Ynauynin,  rio  do  quatrocentos  metros  de  largo  e  bastante 
fundo  ;  Seuynin^  de  cem  metros  e  nove  palmos  de  fundo  ;  Paúynin,  largo 
de  duzentos  e  quarenta  metros,  e  Mamuriá-assú,  de  cento  e  vinte  metros, 
com  seis  palmos  de  fundo;  Mamorehá-tnerinij  de  oitenta  e  oito;  Tapanhd^ 
corrente  considerável  engrossada  pelo  Caviguá,  etc.  (a). 

O  Punis  olferece  perto  de  mil  e  quinhentos  kilometros  de  navega- 
yào,  sem  o  menor  estorvo,  e  em  qualquer  estação  do  anno,  á  embarcações 
regulares.  Nas  enchentes  duplica-se  esse  trajecto. 


10^  O  Madeira, 


11°.  O  Ganuman^  cuja  foz  se  pôde  considerar  a  do  furo  de  seu  nome, 
ou  Ramos,  aos  2*  30'  S.  e  13°  32'  O.  Vém  suas  origens  d'entre  os  paral- 
lelos  7**  e  S'*  em  contravertentes  com  o  Macihy  e  talvez  o  Gy-paraná. 
E'  rio  volumoso  e  de  boa  navegação  em  grande  parte  do  seu  curso.  Não  é 
directamente  affluente  do  Amasonas,  mas  â  elle  vae  ter  por  aquelle  furo, 
começado  poucas  léguas  ao  poente,  com  aguas  do  Madeira.  Tem  por 
tributários  o  Sucunâury  ;  Mauhés  ;  Abacaxis,  que  recebe  o  Guaranahy ; 
Paranary,  engrossado  pelo  Amaná  e  Guaranatuba  ;  Macary  e  Andirá. 


12°.  O  Tapajoz. 
E  13°.  O  Xingu. 


(a)  Essas  dimensões  são  na  maior  parte  tomadas  pelo  illustrado  l)r  Silva  Cou- 
tinho.—V.  Com/tnissão  do  Madeira  pelo  Rev.  cónego  F.  Bernardino  de  Souza,  traba- 
lho bem  noticioso  e  que,  infelizmente  para  este  trabalho,  mui  tarde  conheci. 


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CAPITULO  VI 

Diu  proTÍucias  do  inuxouái  e  Pttrâ.  —  Itíner&rio  do  MAnáos  á  Belém.  —  De  Belen  á  CòrU. 

I 

província  do  Amasonas,  an- 
tiga comarca  do  rio  Negro 
ou  Alto  Amasonas,  da  pro- 
víncia do  Pará,  foi  desmem- 
brada por  lei  de  5  de  setem- 
bro de  1850  e  inaugurada 
em  1  de  janeiro  de  1852,  ao 
prestar  juramento  e  tomar 
posse  do  governo  o  seu  pri- 
meiro presidente  João  Bap- 
leiredo  Tenreiro  Aranha, 
quasi  um  século  que  tinha 
Qa  tal  ou  qual  autonomia, 
— -, —  X.V,--  ^^  xv,*^,.^  ^^J  ^c«^itania  concedidos  por  C.  R. 

de  3  de  março  de  1755,  e  com  o  titulo  de  S,  José  do  Rio  Negro,  subor- 
dinada ao  governo  do  Pará.  Ao  mesmo  tempo  dessa  elevação  de  cathegoria, 
creava-se-lhe  uma  vigararia  geral.  Essa  foi  promptamente  provida,  mas 
a  capitania  somente  dous  annos  mais  tarde  teve  governador,  cujo  de- 
creto de  nomeação  passa  pelo  de  creação  da  capitania  (a). 

(a)  Do  próprio  original,  que  tenho  á  vista,  e  que  devo  à  obsequiosidade  do  illus- 
Irado  amigo  o  Sr.  Dr.  Mello  Moraes,  copio  esse  decreto  :  «  Fui  servido  crear  de  novo 
o  governo  de  S.  José  de  Javary,  subordinado  ao  governo  do  Grão- Pará  ;  e  atten- 
dendo  á  qualidade,  merecimentos  e  serviços  que  concoirem  na  pessoa  de  Joaquim 
de  Mello  das  Póvoas,  Hei  por  ^jem  nomeal-o  para  Governador  da  mesma  capitania, 
com  a  referida  subordinação,  por  tempo  de  trez  annos,  e  o  mais  que  eu  fôr  servido, 
u  omquanto  lho  não  mandar  succossor ;  o  qual  a  exercitará  com  a  patente  de  coro- 


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360  ITINEKAIUO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

Foi  primeira  sede  do  governo  a  aldeia  de  Mariohá,  condecorada  desde 
então  com  o  titulo  de  Villa  Nova  de  S.  José,  que  posteriormente  (a)  mudou 
para  o  de  villa  de  Barcellos. 

•  Foi  seu  primeiro  governador  Joaquim  de  Mello  das  Povoas,  que  só 
veiu  tomar  posse  trez  annos  depois  da  creação :  o  decreto  que  o  nomeiou 
deu  outro  nome  á  capitania,  agora,  de  S.  José  do  Javary ;  mas  ao  tomar 
posse,  em  27  de  maio  de  1758,  já  o  foi  com  a  primitiva  denominação  de 
rio  Negro. 

O  vigario-geral  foi  o  padre  Dr.  José  Monteiro  de  Noronha,  nomeado 
por  provisão  de  D.  Fr.  Miguel  de  Bulhões,  bispo  do  Pará,  e  confirmado 
por  C.  E.  de  18  de  junho  de  1760. 

Com  o  predicamento  da  nova  capitania  e  vigararia  geral  coincidiu 
a  chegada  em  Mariohá  da  commissão  demarcadora  de  limites,  composta 
do  governador  e  capitão-general  do  Pará  Francisco  Xavier  de  Mendonça 
Furtado,  como  primeiro  commissario  e  plenipotenciário  ;  dos  astrónomos 
Drs.  João  Angelo  Bruneli  e  Miguel  António  Ciera ;  dos  engenheiros  Gas- 
par João  Geraldo  Gonfelds,  António  José  Lande  e  Henrique  António 
Galuzzi,  que  legou  seu  nome  á  fortaleza  de  Macapá. 

Não  tendo  comparecido  a  commissão  hespanhola,  o  capitão-general 
Furtado  desceu  para  Belém ;  voltando  de  novo  á  Mariohá  em  janeiro 
de  1758,  quando  soube  da  approximação  desses  commissiarios,  os  quaes 
somente  um  anno  depois  entraram  em  Barcellos. 

Em  30  de  junho  de  1759,  creou-se  uma  junta  de  fazenda  e  foi  no- 
meiado  provedor  e  ouvidor  da  comarca  o  Dr.  Lourenço  Pereira  da  Costa. 


nel,  vencendo  de  soldos  dous  contos  de  réis  em  cada  um  anno,  na  mesma  forma 
que  vencem  os  governadores  da  Nova  Colónia  do  Sacramento  e  Ilha  de  Santa  Ca- 
tharina.   O  Conselho  Ultramarino  o  tenha  assim  entendido  e  nessa  conformidade 
lhe  mande  passar  os  despachos  necessários.  Belcm  18  de  julho  de  l'/5V.—  Rei.  » 
(a)  Janeiro  de  1758. 


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AO   RIO   DE    JANEIKO  361 

A  maior  parte  dos  povoados  da  capitania,  provém  das  missões. 

Foram  primeiros  :  Saracá,  aldeia  estabelecida  em  1660 ;  Jahú,  seis 
annos  depois  ;  Manáos  em  1669 ;  Aracari,  fundado  em  1693  pelo  sar- 
gento Guilherme  Valente,  na  margem  esquerda  do  Cabury  ;  em  1705, 
Taiaçatuba  e  Teffé,  pelo  jesuita  Samuel  Pritz;  Fonte-Boa,S.  Paulo  do  Ja- 
vary,  S.  Christovam  de  Matura,  S.  José  de  Javary,  S.  Feçnando,  Tabatinga, 
Tonantins,  Boa-Vista,  Trocano,  Abacaxis,  Cupacá  e  Santo  António  do  Ma- 
deira, em  1728.  Ao  constituir-se  a  capitania,  haviam  no  Amasonas:  Saracá, 
Itacoatiára,  S.  Rayraundo,  Conceição,  S.  Pedro  Nolasco,  Matari,  Trocano, 
Coary,  Teffé,  Pauary,  Caiçara,  Fonte-Boa,  Evirateva,  S.  Paulo,  Javary  e 
Maripy ;  no  rio  Negro :  Barra,  Jahú,  Pedreira,  Aracary,  Cumaru,  Ma- 
riohá,  Caboquena,  Bararoá,  Dary,  Santa  Isabel,  Camanao,  Camará,  Cas- 
tanheiro, Coané,  Coriana,  Guia,  Iparaná,  Loreto,  Mabé,  Maracaby, 
SantAnna,  Santa  Barbara,  S.  Felippe,  S.  Marcellino  e  S.  Pedro  ;  no  rio 
Branco  :  Carmo,  Santa  Maria,  S.  Felippe,  Conceição  e  S.  Martinho,  todos 
com  trinta  mil  fogos  e  mais  ou  menos  cem  mil  almas  (a). 

Em  1759  Povoas  elevou  á  villa:  Itacoataiára  com  o  nome  de  Serpa, 
Saracá  com  o  de  Silves,  S.  Paulo  dos  Cambebas  com  o  de  S.  Paulo  de 
Olivença,  Teflfé  com  o  de  Ega ;  e  á  cathegoria  de  Jogares :  as  aldeias  de 
Aracary,  chrismada  em  Carvoeiro;  Caboquena,  em  Moreira;  Caiçara,  em 
Alvarães;  Coary,  em  ArveJlos  ;  Cumaru,  em  Poiares;  Dary,  em  Lama 
Longa;  Evirateua  em  Castro  de  Avelans;  Jdhú  em  J?rào;Parauary,  em 
Nogueira,  e  Taracoateua  em  Fonte  Boa  (b). 

Em  1766  o  sargento  mór  Domingos  Franco  fundava  uma  povoação 
em  Tabatinga ;  e  o  governador  Fernandes  da  Costa  de  Athayde  e  Teive 
mandava  ahi  construir  um  fortim. 

Em  1768  fundava-se  S.  Fernando  no  Içá. 


(a)  Dioo,  Top.  Hist,  Desoript.  da  oomaroa  do  Alto  A^nnsotfias, 

(b)  Dicc.  Topog.  citado. 

46 


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362  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATT(H3R0SS0 

Em  1771,  por  morte  do  governador  Povoas,  foi  a  capitania  gover- 
nada pela  junta  de  successão,  composta  de  Gabriel  de  Souza  Fílgueiras, 
Nuno  da  Cunha  de  Athayde  Verone  e  Valério  Cordeiro  Botelho. 

No  anno  seguinte  tomou  posse  o  segundo  governador  Joaquim 
Tinoco  Valente. 

O  terceiro  governador  foi  o  coronel  Manoel  da  Gama  Lobo  de  Al- 
mada, que  desde  1783  fazia  parte  da  commissão  de  demarcação  de  limites, 
e  ultimamente  era  governador  do  Alto  Rio  Negro;  o  qual  excellentes  servi- 
ços já  tinha  prestado  á  capitania,  explorando  vários  braços  do  rio  Negro  e 
do  rio  Branco.  Tomou  posse  em  1788,  e  em  1791  transferiu  a  capital  de 
Barcellos  para  a  Barra  do  Rio  Negro.  Seu  governo  foi  sábio,  previdente  e 
justiceiro  ;  Gama  Lobo  promoveu  quanto  em  si  coube  o  augmento  da  ca- 
pitania; mas  por  intrigas  e  ciúmes  de  seu  coUega  do  Pará  teve  em  recom- 
pensa reproches  do  governo  central ,  ao  qual  era  apresentado  quasi 
como  um  concussionario  e  prevaricador.  Para  mais  o  desgostarem,  D.Fran- 
cisco de  Souza  Coutinho,  o  seu  invejoso  rival,  obteve  do  rei,  em  alvará  de 
3  de  agosto  de  1798,  regtabelecer-se  a  sede  da  capitania  subordinada  em 
Barcellos ;  o  que  se  cumpriu  tão  logo  a  ordem  chegou.  Gama  Lobo  mor- 
reu, já  brigadeiro,  em  27  de  oitubro  de  1799. 

Substituiu-o  interinamente  o  coronel  José  António  Salgado,  nomeado 
em  fevereiro  de  1801. 

O  quarto  governador  nomeado  foi  ò  coronel  José  Simões  de  Carva- 
lho, engenheiro  que  muito  trabalhou  no  estudo  e  reconhecimento  dos 
braços  do  rios  Negro  e  Branco  ;  mas  que  não  logrou  administrar  a  pro- 
vinda, por  morrer  logo. 

O  quinto  nomeado,  e  quarto  governador  effectivo,  foi  o  capitão  de  mar 
e  guerra  José  Joaquim  Victorio  da  Costa,  que  tomou  posse  em  1806. 
Havia  também  prestado  valiosos  serviços  no  estudo  dos  affluentes  da- 
quelle  rio  e  de  outros  do  Amasonas.  Construiu,  como  propriedade  sua, 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  368 

um  jardim  botânico,  próximo  á  cachoeira  de  Taruman,  onde  reuniu 
tudo  quanto  havia  de  mais  raro,  mais  formoso  e  precioso  nos  reinos  ve- 
getal e  animal :  diz  o  autor  do  Diccionario  do  Amazonas  que  nelle  tra- 
balharam effectivamente  por  alguns  annos  quinhentos  indios. 

O  sexto  governador  foi  o  major  Manoel  Joaquim  do  Paço,  nomeado 
em  1818;  o  primeiro  que  occupou-se  em  aformosearo  logar  da  Barra, 
futura  capital  da  província. 

Paço  foi  deposto  em  1821 ,  pelo  povo,  ao  chegar  a  noticia  da  promul- 
gação da  constituição  portugueza,  e  quando  já  se  lhe  tinha  nomeado 
successor  no  coronel  Borralho. 

Pela  segunda  vez  um  governo  provisório  assumiu  a  direcção  da  capi- 
tania ;  sendo,  agora,  a  junta  administrativa  composta  do  ouvidor , 
do  coronel  Joaquim  José  de  Gusmão  e  de  João  da  Silva  Cunha,  juiz 
ordinário. 


II 


Oomquanto,  já  em  1818,  em  Silves  e  Villa-Nova  da  Bainha,  se  inten- 
tasse obter  do  ^  governo  o  dar-lhe  a  autonomia  de  capitania  separada ;  e 
comquanto,  em  3  de  junho  de  1822  se  installasse  a  junta  provisória  do 
governo,  ordenada  no  real  decreto  de  29  de  setembro  de  1821  (a),  não 
entrou  o  Alto  Amazonas,  na  relação  das  províncias,  nem  também  na  bai- 
xada com  o  decreto  imperial  de  20  de  oitubro  de  1873,  que  extinguiu  as 
juntas  provisórias  e  nomeiou  presidentes, e  o  de  26  de  março  de  1873,  que 
marcou  o  numero  de  representantes  que  cada  província  devia  dar  á  as- 
sembléa  geral  legislativa:  o  que  foi  flagrante  contradicção  ao  artigo  2*  da 
constituição  do  Império. 


(a)  ComposUi  dos  cidadãos  António  da  Silva  Craveiro,  Bonifácio  João  de  Aze- 
vedo, Manoel  Joaquim  da  Silva  Pinheiro  e  João  Lucas  da  Cruz. 


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364  ITINKKARIO  DÁ  CIDADE  D£   MATTO-UKOSSO 

Passou,  pois,  a  capitania  do  rio  Negro  á  ser  considerada,  de  novo,  co- 
marca da  provincia  do  Pará ;  si  bem  que  reluctasse  e  por  algum  tempo 
teimasse  em  não  deixar  perder  seus  foros  e  autonomia,  continuando  ã 
governar-se  com  ajunta  de  1825. 

Entretanto,  o  mesmo  governo  imperial,  em  acto  de  8  de  novembro  de 
1825,  dá-lbe  o  predicamento  de  provincia,  e  como  tal  a  designa ;  e  só, 
em  8  de  oitubro  seguinte,  é  que  a  considera  comarca  do  Pará,  quando, 
em  aviso  da  secretaria  do  Império,  approva  as  medidas  tomadas  pelo  pre- 
sidente do  Pará,  José  Félix  Pereira  de  Burgos  o  qual  havia  dissolvido  a 
junta  e  mandado  o  capitão  Hylario  Pedro  Gurjáo  conter  os  amotinado- 
res  e  commandar  as  forças  existentes  na  ex-capitania. 

Não  puderam  os  amazonenses  submetter-se  pacificamente  áesse  rebai- 
xamento politico,  que  consideravam  um  acto  desmoralisador  e  de  menos- 
preço:  alguns  distúrbios  se  manifestaram;  e  afinal,  em  22  dejimho 
de  1832,  proclamaram  por  si  mesmos  a  nova  provincia,  acclamando  pre- 
sidente o  ouvidor  Manoel  Bernardino  de  Souza  Figueiredo  e  comman- 
dante  das  armas  o  tenente  Boaventura  da  Grama  Bentes  ;  e  despachando 
^  incontenenti  para  a  corte  o  frade  carmelitano  José  dos  Innocentes,  à  dar 
de  tudo  conta  ao  governo  imperial  e  pedir  suas  providencias,  em  ordem  á 
conceder  o  seu  beneplácito  aos  acontecimentos.  O  governo  do  Pará, 
havia  desde  logo  posto  em  sitio  a  comarca  rebelde ;  e  aquelle  emissário, 
receioso  de  descer  o  Amasonas,  abalançou-se  á  subir  pelo  Madeira,  e  viu 
mallogrado  o  seu  intento,  por  succeder-lhe  em  Cuyabá  o  que  receiava  em 
Belém ;  sendo  apprehendido  e  obrigado  á  retroceder  pelo  mesmo  caminho 
por  onde  f&ra. 

Batidos  08  sublevados  n'um  encontro,  á  10  de  agosto  desse  anno,  nos 
pontos  artilhados  de  Lages  e  Bomfim^  de  um  e  outro  lado  do  rio,  enti- 
biaram-se  os  espirites,  a  provincia  ficou  dissolvida  e  a  ordem  feita. 

Em  1833  dividiu-^e  a  comarca  em  quatro  \/Qxmo%\  MandoSyMariohd^ 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  H65 

Teffé  e  Lusea  ;  restituindo-se  aos  diíferentes  povoados  os  nomes  indíge- 
nas que  d'antes  tinham. 

Em  1843  reappareceram  os  esforços  para  eleval-a  á  provincia  ;  sendo 
approvado  na  camará  dos  deputados  o  projecto  que  a  creava  com  o  titulo 
de  provincia  do  Amasonas.  Em  1850  projectaram  restaurar  como  pro- 
vincia o  que  ella  fôra  como  capitania ,  creando-a  subalterna  da 
do  Pará  ;  governada  por  um  vice-presidente,  e  sem  assemblea,  dando  8 
deputados  para  a  de  Belém,  que  era  nessa  occasiào  elevada  á  36  membros. 

Tão  desparatadapretenção^  que  mais  era  um  deserviço  que  um  serviço 
feito  ao  Rio  Negro,  nem  mesmo  mereceu  as  honras  de  discussão,  servindo, 
porém,  para  discutir-se  a  sua  elevação  á  provincia  da  mesma  cathegoria 
das  outras  :  o  que  se  fez  com  a  lei  de  5  de  setembro  de  1859;  i^endo  a 
nova  provincia  do  Amasonas  inaugurada  em  o  primeiro  dia  do  anno 
de  1852,  sob  a  presidência  do  Dr.  João  Baptista  de  Figueiredo  Tenreiro 
Aranha. 


III 


Seus  limites  como  provincia  são  os  mesmos  como  capitania  ou  co- 
marca de  S.  José  do  Rio  Negro. 

Ao  N.  divide-se  da  Nova-Granada  pelo  Tararira,  affluente  de  Apa- 
poris,  e  pela  serra  Araciuiray  onde  aquelle  rio  tem  as  suas  origens ;  da 
Venezuela  pelas  serras  Uarusiro,  Ucucuhy,  Tapuyapoca^  Parima^  Ari- 
vana^  e  Masuaca ;  e  da  Guyana  ingleza  pela  serra  UtMri. 

A'  E.  divide-se  da  provincia  do  Pará  pelo  rio  Jamundd,  desde  a  serra 
de  Acarahy  até  a  dos  Parentins,  á  margem  direita  do  rio  Amasonas  ; 
e  desta,  por  uma  linha  geodésica,  até  a  cochoeira  de  Todos  os  Sanfos 
no  Tapajoz  ;  da  provincia  de  Matto-Grosso,  por  partd  dessa  recta  de  limi- 


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366  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

tes,  que  prolonga-se  pelo  lado  esquerdo  do  rio  até  o  seu  affluente 
Vrugtiatds. 

Ao  S.  por  este  rio,  e  a  recta  tirada  da  sua  mais  extrema  cachoeira  á 
mais  próxima  das  do  Gi-parand ;  por  cuja  margem  direita  desce  até  o 
Madeira  ;  subindo  este  rio  pela  marg  em  opposta  até  a  fóz  do  Beni;  que  a 
dividem  de  Matto-Grosso. 

Do  ponto  de  confluência  do  Beni  com  o  Madeira  (a)  corta  para  o 
occidente  n'outra  recta  geodésica  de  1331,24  kilom.  até  as  vertentes  do 
Javary,  aos  7M*  15",5  S  e  84°  8'  2T\0  Occ,  de  Greenwick;  que  a  se- 
para da  Bolivia.  E  descendo  pelo  Javary  até  o  Amasonas,  toma  de  sua 
fóz,  aos  4*  13'  21"  S.  e  69  55"  O.  do  mesmo  meridiano,  outra  recta  em 
rumo  X  á  fóz  do  Apaporis,  no  Japurá,  e  dahi  a  confluência  do  Tararira  ; 
limites  com  o  Peru. 

Sua  área  é  de  2,874.960  kilom.  quadrados,  ou  sessenta  e  seis  mil 
léguas  quadradas,  conforme  outros. 

Sua  população,  como  a  de  Matto-Grosso,  não  tem  sido  computada 
com  veracidade,  e  varias  versões  se  apresentam.  O  Brasil  na  eooposição 
de  Vienna,  dá-lhe,  em  1873,  cem  mil  almas  ;  em  1850,  o  presidente 
Jocão  Pedro  Dias  Vieira  dava-lhe  41.819,  distribuídas  assim  : 

Capital 11.001 

Barcellos 6.136 

Silves 6.032 

Villa  Bella  da  Imperatriz 4.550 

Mauhés 9.811 

Tefl^é 4.289 

41.819 


(a)  Como  já  vimoB,  havendo  impossibilidade  absoluta  de  plantar-se  o  marco 
divisório  no  ponto  de  juncçao  do  Beni  com  o  Madeira,  erigiu-se-o  4439,5»  mais 
ao  norte,  na  orla  deste  ultimo  rio. 


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AO   RIO    1)E    JANEIRO  367 

Dos  quaes  40.907  livres  e  apenas  912  escravos  ;  sendo  dos  primei- 
ros 23,298  homens  e  17,609  mulheres,  e  dos  escravos  511  homens  e  401 
mulheres. 


Entretanto,  um  anno  antes,  o  seu  antecessor,  o  Sr.  Fausto  Augusto 
de  Aguiar,  só  conhecia  na  provinciá  29.904  habitantes,  dos  quaes 
29.154  livres. 

Baena  calcula-a  em  1839  em  19  mil  almas,  e  já  no  anno  seguinte  o 
presidente  do  Pará  dá-lhe  30  á  40  mil  (a). 

O  autor  do  Dicdonario  TopograpJiico  calcula-a  em  40  mil  no  anno 
de  1851.  Segundo  elle,  quasi  um  século  antes,  a  população  da  capitania 
era  talvez  de  cem  mil  almas ;  algarismo  que  pôde  corresponder  mais  ou 
menos  bem  aos  fogos,  em  numero  de. trinta  mil,  existentes  nos  cincoenta 
e  tantos  povoados,  aldeias  e  fortes  da  capitania. 

Que  a  população  diminuirá  muito  na  comarca,  em  relação  á  do  seu 
passado,  provam-o  a  decadência  de  uns  e  o  aniquilamento  de  outros  desses 
povoados ;  mesmo  —  ou,  talvez  melhor  —  principalmente  á  margem  do 
grande  rio ;  deperecimento  que  teve  por  causa  os  morticinios  e  vexações 
duranta  a  guerra  da  cahanagem  e  a  emigração  por  outras  causas  para  as 
capitães  e  grandes  povoações.  De  ha  trinta  annos  para  cá,  com  o  novo  in- 
cremento que  a  elevação  de  cathegoria  lhe  trouxe,  a  provinciá  tem 
augmentado  de  população,   notadamente  na  capital  e  nas  margens  do 

Madeira. 

Das  innumeras  hordas  selvagens  que  povoam  seu  território  das 
quaes  mais  de  trezentas  são  conhecidas  no  paiz,  e  distinctas  por  nomes 
diíFerentes,  não  se  pôde  conhecer  nem  mesmo  avaliar  qual  a  parcella  que 


(a)  Âmasonas.— 2>ú?o.  Top,  Hist.  e  Desoript» 


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368  ITINERÁRIO    DA    CIDADE    DE   MATTO-GROSSO 

addiccionam  aos  habitadores  da  província ;  parcella  que   é  todavia  de 
muitas  desenas,  sinào  centenas  de  milhares  de  almas. 


Divide-se  a  provincia  administrativamente  em  quatro  comarcas : 
Manaos,  creada  em  26  de  julho  de  1850  ;  Solimòes  em  7  de  setembro 
de  1858,  Parentíntívs  em  24  de  setembro  de  1858  e  Rio  ISegro  em  80 
de  abril  de  1873.  A  comarca  da  capital  consta  de  cinco  municipios :  Ma- 
mios  e  Ilncoaiiáni^  cidades,  e  as  villas  de  Bmha^  Cudajaz  (a)  e  Coftry 
ou  Arvellos(b).  A  dos  Parentintins,de  dous,  ViUn  Bella  ãa  Imperatriz  q 
Villa  da  Conceição  de  Mauhés,  A  de  SolimÕes  de  um  único,  Teifé,  antiga 
villa  de  Ega^  tendo  cinco  freguezias  :  Tahaiinga^  Tauápeçassfí^  Fonte- 
Boa  Tonantins  e  Olivença.  A  do  Rio  Negro,  dous  municipios,  Barcellos 
e  Moura,  com  as  freguezias  de  Manocàp^irif,  S.  Paulo,  Bio  Branco, 
S.  José  de  Marabitavas  e  Thomar, 


A  cidade  de  Manaos  está  situada  aos  8*  8'  de  latitude  austral  e 
16*  53'  O.  do  Rio  de  Janeiro.  Sua  altitude  em  relação  ao  mar  é,  segundo 
Spix  e  Martins,  de  522  pés,  ou  cento  e  quarenta  metros.  Está  situada  á 
margem  esquerda  do  rio  Negro,  á  dezoito  kilometros  da  sua  confluência, 
cerca  de  duzentos  e  quarenta  acima  da  do  Madeira.  Em  frente  á  cidade 
a  largura  do  rio  Negro  é  de  trez  mil  e  quinhentos  metros. 


(a)  Villa  desde  1  de  maio  de  1874. 

(b)  A  villa  de  Arvellos  tem  mudado  de  sitio  tantas  vezes  quantas  Borba.  Fun- 
dada no  rio  Paratay  em  1758,  mudou-se  para  beira  do  igarapé  UaptvmÁ,  depois  para 
a  bahia  Guajarituba^  donde  para  a  foz  do  ()oary.  Em  1873  foi  creada  freguezia  com 
o  nome  destp  rid»  tomando  nova  e  desnecessariamente  o  de  ^  i*vellos  ao  ser  elevada 
á  \ilia. 


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AO   RIO   DE   JANEJKO  369 

A  cidade  é  pequena,  mas  não  despida  de  graça  e  de  aprasimento:  tem 
uma  trintena  de  ruas,  algumas  praças,  das  quaes  algumas  arborisadas ; 
sendo  das  ruas  a  maior  e  mais  aprasivel  a  Brasileira,  que  atravessa-a 
de  começo  á  fim,  em  sentido  parallelo  ao  do  rio.  Coiiam-a  trez  igarapés, 
atravessados  por  varias  pontes.  O  mais  notável  de  seus  edifícios  é  a  matriz^ 
de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  templo  severo  e  elegante,  onde  se  vêm 
reunidas  a  simplicidade  e  a  magestade  :  seus  altares  de  mármore  branco 
lavrado,  são,  si  não  falha  a  memoria  das  informações  que  nos  deram,  do 
valor  de  vinte  e  quatro  contos  cada  um,  andando  todo  o  fabrico  em  mais 
de  mil  contos.  *  • 

E*  já  a  terceira  que  se  ergue.  A  primeira  foi  constniida  em  1695 
pelos  carmelitas,  infatigáveis  missionários  á  quem  muito  deveu  a  pro- 
vinda nos  seus  começos ;  reedificada  pelo  não  menos  benemérito  gover- 
nador Gama  Lobo,  no  fim  do  século  passado,  incendiou-se  em  1858,  e 
sua  reconstrucção  durou  vinte  annos. 

Ha  na  cidade  duas  outras  capellas  :  Nossa  Senhora  dos  Remédios 
e  Hospicio  de  S,  Sebastião. 

Si  a  cidade  é  aprasivel,  seus  arredores  são  amenos  e  pictorescos 
Seus  passeios  favoritos  são  a  Caclioeirinha  e  a  cachoeira  do  Taruman,  á 
vinte  e  cinco  kilometros  de  Manaos ;  formosa  cascata  de  uns  dezoito 
metros  de  altura,  e  um  dos  sitios  mais  encantadores  e  aprasiveis. 

Junto  á  ella  fundou-se  em  22  de  junho  de  1657  o  primeiro  povoado 
do  rio  Negro,  a  missão  dos  Tarumans,  com  os  padres  Francisco  Velloso  e 
Manoel  Pires.  Sua  invocação  era  de  Nossa  Senhora  da  Conceição ;  quando, 
porém,  mais  tarde,  os  carmelitas  a  transferiram  para  a  foz  do  Jahú,  to- 
mou a  de  Santo  Elias.  Em  1740  o  capitão  João  Pereira  de  Araújo,  com- 
mandante  do  forte  da  Barra,  intentou  ahi  outro  estabelecimento  que 

pouca  duração  teve  :  e  finalmente,  em  começo  desse  século,  foi  próximo 

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370  ITINERÁRIO   DA   CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

á  ella  que  o  governador  Victorio  estabeleceu  o  seu  horto  botânico,  em 
sitio  hoje  avassalado  pelas  selvas,  mas  onde  ainda  se  distinguem  alguns 
vegetaes  exóticos  ou  de  luxo,  attestando  que  grande  foi  a  incúria  e  des- 
mazelo dos  herdeiros  de  Victorio,  maior,  ainda  que  a  ambição  e  a  avareza 
do  fundador. 


Data  de  1670  a  origem  da  cidade.  Nessa  epocha  veiu  fortificar  a  barra 
do  rio  Negro  o  capitão  Francisco  da  Costa  Falcão,  que  ahi  ergueu  um 
fortim  intitulado  de  S.  José  da  Barra.  O  padre  Manoel  da  Motta  na  sua 
Missão  baptisa-o  de  Jestis,  Maria  José  (a),  si  é  que  não  houve  outro 
desse  nome  e  do  mesmo  fundador. 

Os  carmelitas  trouxeram  os  neophytos  e  cathechumenos  ao  abrigo 
da  protecção  do  forte :  e  essas  famílias  de  bares,  manivas  e  passes,  e  as 
dos  portuguezes — foram  os  principies  de  Manaos. 

Seu  predicamento  em  cidade  data  de  oitubro  de  1848. 

Manaos  dista  de  Belém  2100  kilometros. 


IV 


Sexta-feira  21  de  dezembro,  ás  5  3/4  da  tarde,  deixámos  Manaos ; 
navegando  nas  escuras  aguas  do  rio  Negro  por  mais  de  duas  horas,  tão 
grande  o  seu  cabedal  e  tanta  a  força  com  que  se  intromette  no  Ama- 
sonas. 

Ao  romper  do  dia  22  entravamos  no  vasto  estuário  do  Madeira, 
augmentado  com  a  barra  do  Autazes,  desaguadouro  de  grandes  lagos 
acima  desse  rio  ;  e  em  pouco  passávamos  o  logar  do  Poraquêcotíra^  ce- 
lebre por  suas  pedras  ou  recifes,  onde,  em  oitubro  de  1862,  ficou  presa  a 


(a)  Choroff.  ílist.^  tomo  III. 


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AO  RIO  DE  JINBTRO  371 

canhoneira  peruana  Morona,  nome  pelo  qual  é  hoje  também  conhecido , 
e  em  cujas  proximidades  deu-se,  na  madrugada  de  8  de  junho  de  1870 
a  lamentável  catastrophe  do  Punis,  carregado  de  passí^eiros,  mettido  á 
pique  pelo  Arary, 

Ahi  é  o  rio  muito  torrentoso. 

A's  8  1/2  da  manhã  fundeámos  em  Itacoatiáray  antiga  villa  de 
Serpa,  creada  em  1  de  janeiro  de  1759.  Foram  seus  começos  na  aldeia  de 
Mataurd,  á  foz  desse  affluente  do  Madeira,  fundada  pelos  jesuitas ;  a 
qual,  como  Borba  e  Arvellos,  percorreu  differentes  localidades,  ora  perse- 
guida pelos  assaltos  dos  selvagens,  ora  pelas  cheias  dos  rios.  Sua  primeira 
situação  ficava  á  uns  trezentos  kilometros  da  foz  do  Madeira ;  a  segunda 
foi  na  foz,  e  margem  esquerda  do  Canuman,  donde  transferiu-se  para  a 
margem  idêntica  do  rio  Abacaxis  e  reuniu-se  á  outra  aldeia  que  ahi 
havia  ;  quarta  mudança  teve  logar  para  a  margem  do  Madeira,  fronteira 
ao  furo  Urarid,  ou  Canuman,  que  com  o  Madeira  e  o  Amasonas  forma  a 
grande  ilha  do  Maracd  ou  Tupinambarana,  maior  de  trezentos  kilome- 
tros de  extensão,  A  quinta  finalmente,  e  ultima,  foi  para  a  mais  elevada 
ilha  das  formadas  pelos  desaguadouros  do  lago  Saracd,  formado  estes 
pelas  aguas  dos  rios  Urúbú  e  Anibd.  O  nome  de  Ita^oatidra  ou  pedra 
pintada,  é-lhe  dado  na  umas  pedras  que  tém  em  sua  encosta,  mesmo  no 
porto  do  desembarque,  onde  nas  baixas  aguas  vêm-se  caracteres  ou 
hyerogliphos  dos  usados  pelos  nossos  aborígenes. 

A  cidade  ergue-se  n'uma  collina  de  vinte  e  dois  metros  de  alto, 
para  a  qual  se  sobe,  junto  á  alfandega,  por  uma  escada  de  madeira,  de 
cem  degraus,  si  bem  me  recordo.  E'  um  pobre  povoado  sem  vida  e  ani- 
mação, mesquinho, 'pequeno  e  sujo  :  a  praça  onde  existe  a  camará  muni- 
cipal estava,  quando  a  visitámos,  convertida  em  uma  capoeira^  coberta 
de  mattaria  mais  alta  do  que  um  homem,  e  corteda,  apenas,  por  trilhos* 
na  continuação  das  ruas. 


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372  ITINERÁRIO   DA  CIDADE   DE   BIATTO-GROSSO 

Era  1833,  foi,  por  já  deeadente,  rebaixada  de  villa  á  freguezia  ;  mas 
em  1857  rehouve  os  antigos  foraes,  era  lei  de  10  de  dezerabro ;  e  ultima- 
mente, em  1875,  foi  elevada  á  primasia  de  cidade.  Diz  Southey  que  foi 
populosissima  antes  da — «  fatal  commissáo  de  limites  de  1788  » ;  a  qual, 
não  devendo  encontrar  rémoras  era  seu  andamento,  não  só  apropriava-se 
das  canoas  e  igarités  que  queria,  de  instrumentos  de  lavoura,  utensis,  e 
também  géneros  de  alimentação,  como  obrigava  os  moradores  da  villa 
ao  serviço  seu,  uns  como  remadores,  como  operários  os  que  tinham  oflB- 
cios,  e  como  serventes  os  que  disso  não  entendiam  :  o  que  fez  emigrar 
grande  parte  do  povo,  abandonando  de  uma  vez  os  seus  lares. 

Mas  já  ha  um  século  que  taes  motivos  cessaram ;  e  outras,  sem 
duvida,  tém  sido  as  causas  da  decadência  e  aniquilamento  de  quasi  todos 
os  povoados  destes  rios,  alguns  bera  grandes,  e  para  os  quaes  não  haviam 
08  motivos  que  actuaram  sobre  os  de  Matto-Grosso,  que  se  formaram 
ao  revelarem-se  as  minas  de  ouro  ou  diamantes,  e  extinguiram- se  ao 
ficarem  estas  esgotadas. 

Itacoatiára  é  porto  alfandegado  desde  25  de  janeiro  de  1872,  data 
do  decreto  que  creou-lhe  uma  alfandega  de  quinta  ordem. 

Sua  posição  astronómica  é  aos  3*  3'  S.  e  15*"  32'  O.  Sua  distancia 
á  Manaos  é  de  mais  ou  menos  duzentos  e  dez  kilometros.  Os  Sre.  Keller 
dão  ao  porto  de  Itacotiára  a  altitude  de  dezoito  metros  sobre  o  mar.  Em 
frente  á  cidade  desce  o  rio  com  grande  velocidade ;  uma  das  mais  fortes 
correntadas  que  apresenta  no  território  do  Império. 


Seguiu-se  á  1  hora  da  tarde.  Em  pouco  tempo  passámos  Silves, 
outr'ora  aldeia  de  Saracá^  situada  também  n'uma  ilha  e  encostas  de  um 
morro.Seus  começos  datam  de  1663.  Foi  creada  villa,  também  em  1759, 
á  7  de  março,  pelo  governador  Povoas,  em  pessoa,  o  Luiz  de  Albuquerque 


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AO   RIO   DE    JANEIRO  373 

desta  capitania;  tambera  rebaixada  á  freguezia  era  1833  e  reentregada 
na  cathegoria  de  villa  em  21  de  oitubro  de  1852.  Está  aos.  2"  44'  S.  e 
15"  22'  O.,  n'um  desaguadouro  do  lago  Saracá  á  uns  trinta  kilometros 
da  margera  do  Araasonas. 


A's  8  1/2  chegámos  á  Capella^log^r  pictoresco  e  aprasivel,com  uma 
rua  de  casas,  era  linha,  com  a  frente  para  o  rio,  isto  é,  ura  braço  do  Araa- 
sonas, ahi  charaado  Parana-merim  cia  Capella. 


Pela  raadrugada  de  23  sahiraos :  o  dia  foi-nos  araanhecer  no  sitio 
'  da  Fortalesa^  onde  o  Canuraan  deteve-se  até  ás  7  horas.  A*s  10  horas 
ancorou  em  Villa  BelJa  da  Imperairiz^  na  outra  margera  direita  do 
Araasonas.  E'  ura  grande  e  gracioso  povoado,  com  uma  extensa  rua  de 
casas  sobre  uma  collina  que  margeia  o  rio.  Está  tambera  n'uraa  ilha 
forraada  pelo  Paraná-raérira  do  Lhnào,  o  Urariá  ou  Canuman,  o  Araa- 
sonas e  ura  pequenino  furo  chamado  o  Limãosinho, 

Foi  seu  fundador  o  capitão  José  Pedro  Cordovil,  que  ahi,  em  1796, 
sob  o  titulo  de  Villa  Nova  da  Rainha,  reuniu  Índios  mauhés  e  sapopcs, 
missionados  raais  tarde  (1804)  pelo  carraelita  Fr.  José  das  Chagas,  o 
Las  Casas  e  Anchieta  da  Mondurucania,  na  phrase  do  Sr.  cónego  Ber- 
nardino de  Souza. 

E'  villa  desde  15  de  oitubro  de  1853,  era  que  sua  denorainação  foi 
raudada  para  o  de  Villa  Nova  da  Imperatriz :  o  que  é  ura  prova  da  ins- 
tabilidade desses  titulos,  quando  dados  era  honra  de  personagens,  não  por 
seus  feitos  notáveis,  mas  pela  posição  que  occupam;  e  já  deu  á  Alphonse 
Karr  a  ideia  de  propor  para  certa  avenida  de  Paris,  que  no  século  passado 
fora  avéntie  de  la  JReine  depois  de  VImperatrice,  segunda  vez  de  la  Reine, 
outra  de  V Imperatrice,  e  ultiraaraente  a  queriara  cora   o  norae  de  Ma- 


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S74  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

genfn.  em  honra  da  mulher  do  presidente  da  repxiblica  (a),  «  um  único  e 
duradouro,  por  isso  que  satisfazia  todas  as  adulações  e  vaidades :  Avénue 
de  la  Femnie  du  Pouvoir  ExécuHf.  » 

E'  o  ultimo  grande  povoado  da  provinda,  situado  em  posição  ex- 
cellente  para  o  commercio  fluvial,  pela  facilidade  de  communicação  que 
tem  não  só  para  os  grandes  centros  de  povoação  do  Amasonas,  mas 
ainda  para  os  povoados  do  Madeira  e  do  importante  districto  de  Mauhés, 
a  antiga  Ltisea,  na  ilha  Tupinambarana. 

Além  da  uberdade  de  seu  território,  rico  de  cacau,  tabaco  superior, 
guaraná,  urucú,  algodão,  cravo,  copahiba,  puxerim,  etc.,  commercia  em 
grande  escala  em  borracha  e  pirarucu  ;  sendo,  infelizmente  para  o  Estado, 
grande  parte  desse  commercio  feito  por  contrabando,  o  que  se  faz  com  a 
maior  facilidade  e  desassombramento.  Tivemos  occasião  de  verifical-o 
vendo  as  canoas  carregadas  irem  esperar  os  vapores,  rio  abaixo,  já  em 
território  paraense  (b). 

Uma  das  feições  caracteristicas  do  Amasonas  é  a  immensa  cópia  de 
cy[)eraceas  de  longos  rhisomas  e  emmaranhadissimas  raizes,  de  canaranas 
edemíiry^,  gramíneas  aquáticas,  que  bordam-lhe  as  margens  e  as  dos  seus 
braços,  e  de  quando  era  quando  descem  nas  correntadas  simulando  ilhas; 
algumas  de  centenas  de  metros  de  área,  e  tão  compactas  que,  no  lodo 
mais  ou  menos  consistente  que  lhes  cobre  a  trama  superior,  permitte  o 
desenvolvimento  de  outros  vegetaes,  subarbustos  e  mesmo  arbustos  di- 
cotyledoneos. 

Como  desde  as  margens  do  Madeira  vêm-se  as  immensas  mungum- 
beiras  e  sumaúmas,  o  castanheiro,  a  maçaranduba,  as  seringueiras,  dia- 
tinctas  no  meio  das  selvas  :  aqui  abunda  ainda  o  pau  ã'arco  (tecoma); 


(a)  O  duque  de  Magentíi,  marechal  de  Mac-Mahon. 

(b)  Segundo  o  autor  do  D  ice.  7'o}}.,  Ilist.  e  Descíúpt.  em  seu  tempo  eia  desço* 
nhecido  o  contrabando. 


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AO  KIO  DE  JANEIRO  375 

cuja  fronde  também  se  distingue  entre  as  mais ;  porém  o  que  imprime 
um  tom  novo  â  região,  o  que  lhe  dá  um  retoque  especial,  é  a  variedade 
de  palmeiras  que  elevam  seus  leques  ou  os  entremeiam  ás  folhagens  das 
magestosas  florestas:  são  as  elegantes  e  delicadas  assahj  e  tmum,2k  hacaba, 
2LJavary,  a  murumurú  e  a  anajá. 

Das  arvores  á  beira  rio  pendem  milhões  de  ninhos  de  japus  ou 
chechéos^  em  forma  de  longas  e  estreitas  bolsas  de  metro  e  mais  de  longo; 
e  elles,  as  ciganas  (ppisthocoma),  as  jaçanãs  e  mil  outros  pássaros,  mas 
sobretudo  as  ciganas,  povoam  as  solidões  com  seus  cantos  ou  vozes 
extridentes. 

Eram  duas  horas  da  tarde  quando  enfrentámos  com  a  serra  dos 
Parentins,  e  entrámos  em  aguas  do  Pará. 


Das  duas  provincias  brasileiras  banhadas  pelo  Amasonas  e  que 
occupara  toda  a  facha  setentrional  do  Império,  a  do  Pará  fica  entre  os 
parallelos  4°  25'  N.  no  Oyapoc,  e  IO*  S.  na  divisa  com  Matto-Grosso  no 
Xingu,  e  3*  e  15'  O.,  da  foz  do  Gurupy  á  do  Paranatinga  no  Tapajoz 
Sua  área  ó  avaliada  em  1.742.400  kllometros  quadrados  ou  40  mil  léguas 
quadradas  (a).  Extensas  florestas  cobrem  quasi  toda  a  região  orientale  a 
maior  parte  da  que  fica  ao  sul  do  Amasonas :  mas,  do  lado  opposto,  ou  na 
Guyana,  assim  como  na  ilha  de  Marajó,  os  campos,  ou  silvas,  occupam 
uma  área  egual,  sinão  maior  do  que  a  das  florestas.    Algumas  monta- 

(a)  O  Brasil  na  Exposição  de  Vientia.  O  Sr.  Domingos  de  S.  F.  Penna,  calcu- 
la-se  em  1.149.762  kilometros  quadr  .ios.  A'  benignidade  desse  illustre  paraense  c 
infatigável  pes(iaisador  das  cousas  pátrias,  devo  o  melhor  das  noticias  sobre  esta 
província ;  que  so  dignou  de  ministrar-me  por  intermédio  do  distincto  amigo  o 
Sr.  Dr.  Jonas  de  Montenegro,  à  ambos  os  quaes  gravo  aqui  meus  agradecimentos. 


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t176  ITIKEKAKIO  VA  CIDADE  PE  MAÍT0-0R6SS© 

nhãs  apparecem  ao  sul  e  sobretudo  ao  norte  do  grande  rio,  á  cuja  mar- 
gem ás  vezes  tocam  :  a  de  Tauajury,  perto  do  Monte-Alegre,  é  de  todas 
a  mais  alta,  não  se  elevando  todavia  á  mais  de  400  metros. 

As  partes  mais  conhecidas  e  povoadas  são  as  que  margeiam  os  rios 
navegáveis  á  vapor ;  as  várzeas  ou  terras  baixas,  o  interior  e  as  terras 
alem  das  cachoeiras  desses  rios,  estão  ainda  despovoados.  Como  as  várzeas 
são  mais  ou  menos  alagadas,  sobretudo  durante  o  inverno,  o  seu  solo  é 
em  geral  pantanoso,  e  como  tal  constitue  mui  frequentemente  um  foco 
de  febres  intermittentes  que  reinam  em  certas  épocas  do  anno  e  na  maior 
parte  da  provincia.  Durante  a  estação  invernosa  transbordam  os  rios  e 
cobrem  de  suas  aguas  as  várzeas  e  campinas  ribeirinhas ;  e  então  for- 
mam-se  ahi  lagos  ás  vezes  muito  extensos,raas  que  ordinariamente  desappar 
recém  no  verão.  Os  lagos  permanentes  são  relativamente  poucos  e  de  pouca 
importância.  No  estio,  o  deseccamento  das  aguas  e  a  decomposição  dos 
detritos  espalhados  na  zona  extensa  do  território,  determinam  aquellas 
febres,  única  moléstia  epidemica  que  se  conhece  no  Pará.  Das  pestes 
terríveis  que  soem  originar-se  e  desenvolver-se  nos  deltas  dos  grandes  riost 
apenas  o  cholera,  o  typho  azul  do  Ganges,  visitou-o  uma  vez,  em  1855, 
importado  da  Europa,  e  nunca  mais  reappareceu.  A  febre  amarella, 
o  typho  amarello  do  Mississipi,  importado  de  Pernambuco,  fez  grande 
estrago  na  capital,  na  sua  irrupção ;  mas  de  então  em  diante,  apenas  no 
rigor  do  verão  indica  sua  permanência  nos  quadros  nosologicos  do  paiz, 
pela  presença  de  um  ou  outro  caso,  na  maior  parte  benignos  e  jamais  com 
o  caracter  epidemico. 

A  varíola,  que  em  melados  do  século  passado  devastou  a  província, 
não  tem  reapparecido  sinão  com  longos  intervallos  de  annos. 

A  tuberculose,  que  até  1840  era  uma  moléstia  rara  na  capital,  hoje 
ahi,  como  em  quasi  todo  o  longo  dii  costa  iraritima,  faz  grave  estrago  na 
população. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  377 

No  mais,  o  resto  da  província — que  faz  parte  do  valle  do  Amasonas, 
gosa  dos  bons  conceitos  de  salubridade  em  que  este  é  tido. 

Muitos  são  os  logares  e  povoados  da  província  onde  as  moléstias, 
as  mais  communs,  são  raras ;  muitos  de  seus  habitantes  não  tendo  nunca 
soffrido  do  mal  da  terra,  como  denominam  os  accessos  das  febres  palus- 
tres. São  muitos  os  velhos  e  macrobios,  principalmente  entre  os  tname^ 
lucos,  ou  raça  crusada  de  branco  e  indio  ;  sendo  bem  conhecidas  entre 
outros,  duas  mulheres  do  districto  de  Portel,  uma  com  cento  e  trinta  e 
cinco  e  a  outra  ainda  vinte  annos  mais  velha. 


Liurgo    de    NaisaretU    íCtílem}. 

Pelas  rasões  já  indicadas,  o  Pará,  apezar  de  situado  debaixo  do 
equador,  é  muito  menos  cálido,  como  é  muito  mais  salubre  do  que  geral- 
mente pensam  os  que  o  não  conhecem,  ou  apenas  tém-o  visto  de  passagem 
e  deduzido  à  priori  pelos  dados  de  uma  observação  superficial. 

Seu  clima  ó  benigno  e  muitas  vezes  procurado  como  meio  hygienico 

por  doentes  á  elle  estranhos,  vindo  das  outras  províncias  e  mesmo  do 

estrangeiro,  mormente  das  Guyanas;  sendo,  na  opinião  do  illustrado 

48 


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878  ITINBBARIO  DÁ  CIDADB  DB  MATTO-GROSSO 

observador  o  Sr.  Ferreira  Penna  muito  mais  salubre  e  fresco  do  que  o  das 
costas  de  Venezuela  e  Colômbia,  o  Equador  e  o  interior  desses  paizes 
da  America  Central,  e  o  littoral  do  golfo  do  Meiico  e  baixo  Mississipi. 

A  média  de  sua  temperatura  é  de  28"  centígrados ;  attingindo  os 
mais  fortes  calores  á  34'',  e  a  menor  temperatura  á  22^,  isso  mesmo  rara- 
mente ;  sendo  raríssima  uma  variação  maior. 

As  terras  do  Pará  são  em  geral  férteis,  e  em  certas  localidades  attin- 

gem  ao  mais  alto  grau  de  uberdade.  Entretanto  a  agricultura  está  em 

grande  atraso,  voltando  quasi  todos  os  habitantes  do  interior  suas  forças 

para  a  extracção  da  borracha,  que  lhes  ofrerece,ao  menos  apparentemente, 

meios  mais  fáceis  de  obter  fortuna  ou  de  remediarem  as  necessidades  da 
vida. 

Assim,  os  géneros  que  constitueni  a  lavoura  são  apenas  o  cacau, 

o  urucú  e  o  arroz,  o  tabaco,  a  mandioca  e  cana ;  sendo  os  districtos  da 
capital,  Igarapé-merim,  Vigia  e  Bragança,  onde  sua  cultura  está  mais 
desenvolvida.  E'  de  notar-se  que  grande  parte  desses  géneros  ainda  entram 
para  a  província  importados  das  outras :  taes  a  farinha  do  Maranhão  e 
o  assucar  de  Pernambuco ;  sendo  todo  o  café  bebido  no  Pará,  a  primeira 
terra  brasilienae  onde  se  o  plantou,  importado  do  Bio  de  Janeiro  e  também 
do  Ceará. 

A  criação  dos  gados  é  a  indastrift  peculiar  da  iHm  de  Kairajé,  que 
com  ella  se  enriquece ;  e  que  a  faz  a  maior  fornecedora  das  carnes  que 
se  consomem  na  capital,  a  qual  também  recebe-as,  mas  em  pequena  es- 
cala, dos  campos  e  almargeaes  do  Amasonas. 

Segundo  o  recenceamento  de  1872,  a  população  da  província  nesse 
anno  era  de  275.237  habitantes,  dos  quaes  27  mil  escravos.  Hoje  cal- 
cula-se  em  300  mil,  ou  0,3  por  kilometro  quadrado. 


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AO    RIO    DE    JANBIRO  379 

Os  elementos  da  sua  população  são  os  mesmos  do  resto  do  Brasil, 
mas  predominando  a  raça  brasileira,  vermelha  ou  americana,  que  antes 
da  conquista  portugueza  constituía  diversas  e  numerosas  nações  e  em 
parte  misturou-sé  com  a  europea,  formando  um  elemento  novo,  conhecido 
pelo  nome  de  mamelttco.  A  outra  parte,  e  sem  duvida  a  maior,  que  es- 
capou á  esse  crusamento,  vive  em  completo  estado  selvagem,  formando 
nações,  umas  completamente  ignoradas,  mas  que  sabe-se  existirem;  outras 
reduzidas  á  tribus  já  pouco  numerosas;  outras  aldeiadas  em  missões  ou 
povoados  sobre  si.  Dos  que  ainda  vivem  á  lei  da  natureza,  os  mondu- 
rucús  são  os  mais  numerosos,  os  menos  selvagens,  os  mais  trabalhadores 
e  industriaes,  e  também,  desde  mais  de  um  século,  alliados  fieis  e  cons- 
tantes dos  brasileiros.  O  elemento  europeu,  ainda  que  em  minoria, 
domina,  todavia,  pela  industria  e  engenho  e  por  seu  trabalho  intelligente : 
mas,  as  estatisticas  comprovam  que  elle  se  multiplica  de  modo  tão 
sensivel,  que  em  futuro  não  muito  remoto  promette  ser  também,  do- 
minante pelo  numero,  como  já  o  é  actualmente  na  capital  e  nas  principaes 
povoações  do  interior. 

O  elemento  mameluco,  principalmente,  e  depois  delle  o  procedente 
do  crusamento  das  duas  raças  superiores  com  a  africana,  é  o  mais  nu- 
meroso e  constitue  a  grande  maioria  da  população.  O  elemento  negro  ou 
africano  é  o  mais  fraco  ;  e  não  só  relativamente  ás  outras  parcellás  da  po- 
pulação, como  mesmo  em  relação  á  maior  parte  da  das  outras  províncias. 


VI 


Segundo  o  testemunho  insuspeito  do  Sr.  Ferreira  Penna,  ainda  em 
1850  a  navegação  á  vapor  só  era  conhecida  praticamente  no  Pará  por 
algum  vaso  de  guerra  brasileiro  que  uma  ou  duas  vezes  por  anno  apor- 
tava na  capital ;  e  mesmo  a  navegação  á  vela  era  tão  limitada  que  os 


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380  ITINERÁRIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

navios  de  longo  curso  e  os  de  cabotagem,  que  cada  anno  sabiam  ou  en- 
travam no  porto,  não  excediam  de  noventa,  com  a  tonelagem  de  25  até 
32  mil  toneladas. 

O  resultado  dessa  navegação  acanbada  e  mesquinba  era  ser  o  com- 
mercio  fraco  e  pobre  :  muitos  géneros  que  podiam  ser  exportados  per- 
diam-se  sem  proveito  ;  e  os  agricultores  e  industriaes  entibiados  dimi- 
nuiam  de  esforço  e  de  trabalbo,  contentando-se  em  obter  da  riquissima 
natureza  o  sufficiente  para  as  necessidades.  A  renda  provincial,  que  em 
1835  era  de  duzentos  contos  de  réis,  dobrou  no  primeiro  decénio:  iniciada 
a  navegação  á  vapor  em  1853,  já  no  anno  seguinte  elevava-se  ao  quin- 
tuplo.  A  separação  de  comarca  do  Rio  Negro,  empório  do  principal  com- 
mercio  da  seringa,  copahiba  e  manteiga  de  tartaruga,  muito  influindo 
naquelles  rendimentos,  deixa  por  isso  avaliar  o  quanttim  de  augmento  e 
progresso  em  que  vão  as  outras  comarcas. 

Em  1854  produziram  mais  de  mil  contos,  dez  annos  depois  o  dobro. 
Já  não  foi  necessário  recorrer- se,  como  até  então  se  o  fizera,  ao  thesouro 
nacional  ou  á  thesouraria  do  Maranhão,  para  supprir  a  provincia  quasi 
que  annualmente,  dos  meios  de  satisfazer  seus  compromissos,  ainda  assim 
nem  sempre  completamente  satisfeitos  :  caso  incrível  e  sem  igual 
n'um  paiz  riquissirao  conhecido,  explorado  e  habitado  ha  mais  de  dous 
séculos;  n'um  paiz  situado  á  beira-oceano  e  nas  margens  de  rios  oceâ- 
nicos ;  n'um  paiz,  emfim,  que  é  o  valle  do  Amasouas  ! 

O  decreto  de  7  de  dezembro  de  1866  desvendou-lhe  uma  nova  éra, 
e  a  franca  navegação  do  Amasonas  traduziu-a  á  realidade.  As  vantagens 
para  a  provincia  decuplicaram;  e  ella  a  passo  accelerado  vai  buscando  o 
logar  á  que  tem  direito  entre  as  suas  irmãs. 

Mas,  quantos  tropeços,  quantas  difificuldades  á  vencer  para  realisar 
esses  melhoramentos  !  Quantos  obstáculos  á  navegação  á  vapor  nesses 
rios,  postos  por  aquelles  mesmos  de  quem  era  um  sagrado  dever  o  remo- 


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AO  WO    DE    JANEIRO  ^  881 

vêl-os  onde  quer  que  apparecessem  ?  Quanta  teimosia  e  alicantina, 
quantos  embaraços,  também,  para  fazer  universal  essa  navegação  ? 

Felizmente  desde  l  de  Janeiro  de  1853  viu  o  rio-mar  o  vapor  cor- 
tar-lheas  aguas  regular  e  constantemente,  cumprindo  restrictamente 
não  só  as  obrigações  que  o  governo  lhe  marcou,  mas  ainda  estendendo  sua 
linha  de  serviço  á  aquelles  affluentes  onde  o  commercio  e  a  industria 
surgiam,  no  Madeira,  no  Punis,  no  Juruá,  no  rio  Negro  e  no  Japurá  ; 
buscando  e  chamando  ao  Pará  os  interesses  commerciaes  da  Bolivia,  da 
Colômbia,  da  Venezuela ;  entrando  mesmo  nos  territórios  dessas  nações; 
indo  pelo  Caquetá  acima  e  pela  Huallaga  até  Yurimaguas,  na  encosta 
dos  Andes. 

Trazendo  ou  encaminhando  para  o  porto  de  Belém  os  numerosos 
productos  naturaes  ou  de  cultura  disseminados  na  vasta  bacia  amasonica, 
e  levando  á  esses  pontos  remotos  o  estimulo  do  commercio,  e  com  o  com- 
mercio a  civilisação  e  um  certo  bem-estar  e  adiantamento,  a  compa- 
nhia brasileira  da  navegação  do  Amasonas,  prestou  o  maior  serviço 
que  jamais  nenhuma  outra  idêntica  fez  ao  paiz,  ou  talvez  mesmo,  si 
bem  considerar  se,  qual  nunca  foi  realisado  em  outro  paiz  do  mundo. 

Foi  reconhecendo-os  que  Tavares  Bastos  lançou  este  epiphonema : 
«  A  verdadeira  descoberta  do  Amasonas,  data  do  anno  de  1853.  » 

Para  se  ter  uma  ideia  do  progresso  e  rápido  desenvolvimento  que 
ha  tido  o  commercio  depois  da  navegação  do  Amasonas,  basta  examinar 
os  dados  estatísticos  impressos  nos  annexos  aos  relatórios  presidenciaes, 
e  melhor  ainda  nos  dos  relatórios  dacommissãoda  praça  de  Belém.  Como, 
porém,  o  progresso  do  commercio  se  traduz  pelo  progresso  das  rendas 
publicas,  é  bastante  apontar-se,  nas  cifras  abaixo,  o  desenvolvimento  que 
ellas  apresentam  antes  e  depois  da  inauguração  daquella  navegação. 


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882 


mNBRARIO  DA  CIDADE  DE  HATTO-GBOSSO 


Antes  da  navegação..  . 

Adoos  finnocêiroi 

Importação 

ExporliçSo 

TOTAL 

1847-1848 

261:662<r726 

81:460fl968 

343:1235694 

1 

1 

1857-1858 

968:512<|435 

252:594/1005 

1.221 1065440 

,  Depois  da  navegação. 

18©?— 1868 

2.221:7215890 

887:2845688 

3.109:0065078 

1 

1877-1878 

2.742:209/1186 

1.097:6795283 

3.839:8885419 

Para  alimentar  o  seu  florescente  commercio  de  exportação  a  pro- 
víncia tem  e  recebe  da  do  Amasonas  grande  quantidade  de  géneros  im- 
portantes, uns  agricolas  outros  de  simples  producto  da  natureza.  Os 
principaes,  ou  que  mais  avultam  por  seu  valor  no  mercado,  são,  entre 
os  productos  naturaes  ou  de  simples  industria  de  extracção  : 

1."  A  borracha,  ou  gomma  elástica,  que  é  o  mais  abundante  e  va- 
lioso de  todos  os  géneros  do  valle  amasonico,  desde  quasi  as  encostas  do 
Andes  até  o  Atlântico:  os  rios  que  neste  despejam  correm  entre  florestas 
de  seringaes ;  e  é  uma  pena  para  o  Pará,  que  esses  productos  dos  rios  do 
norte,  como  o  Araguary,  deixem  de  vir  para  o  seu  mercado  e  sigam  direc- 
tamente para  Cayenna  e  para  Europa.  O  Araguary  é  um  formoso  rio  de 
aguas  crystallinas,  de  cerca  de  quatrocentos  kilometros  de  curso,  cem  á 
duzentos  metros  de  largo  e  de  facílima  navegação,  sendo  pouco  conside- 
ráveis as  suas  cachoeiras. 

Suas  margens  são  sombreadas  de  altos  taquarussus,  que  ahi  bordam 
a  maior  parte  dos  rios,  e  crescem  junlo  às  lagoas.  E'  de  lastimar  que  a 
colónia  de  D.  Pedro  II,  á  um  terço  de  seu  curso,  não  tenha  prosperado, 
faltando  ao  muito  que  promettem  sua  boa  situação,  seus  óptimos  ter- 
renos e  clima  salubre,  á  trinta  léguas  apenas  de  distancia  de  Macapá, 
da  qual  se  separa  por  formosos  campos  sem  outros  accidentes  que  os 
dos  caapuams  ou  ilhas  de  matto ;  nos  quaes,  segundo  informa  o  illustrado 


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AO  RIO    DB    JANEIRO  88B 

engenheiro  Dr.  Alberto  de  Abreu,  a  extensão  do  campo  seria  a  extensão 
da  estrada  e  a  recta  entre  os  dous  pontos  a. direcção  natural. 

2.*  A  castanha,  que  muito  tem  variado  de  preço,  mas  conservando-se 
sempre  como  um  importante  valor  de  exportação. 

3.**  A  salsaparrilha,  principalmente  a  de  Tppajoz,  que  é  a  mais 
apreciada  no  mercado. 

4.**  O  óleo  de  copahiba. 

5."  O  puxury. 


Dos  géneros  de  cultura,  figura  em  primeiro  logar  o  cacau,  que  é 
depois  da  borracha  o  mais  importante  dos  géneros  de  exportação.  Em 
seguida  vém  o  urucú^  que  seria  de  grande  importância  e  quasi  um  rival 
do  cacau,  si  as  falsificações  não  lhe  tivessem  trazido  certo  depreciamento 
e  suspeitas  no  mercado ;  depois,  o  tabaco,  o  algodão,  o  arroz  e  o  assucar, 

A  industria  apresenta  apenas  a  manteiga  de  tartaruga,  o  peixe  sêcco, 
as  collas  de  peixe,  couros  e  pelles ;  redes  maqueiras  e  a  piassaba. 

Já  vimos  que  o  total  das  rendas  provinciaes,  no  anno  de  1880,  attin- 
giu  á  perto  de  quatro  mil  contos ;  e  o  valor  apenas  de  trez  productos, 
borracha,  cacau  e  castanha,  andou  por  perto  de  quinze  mil. 


VII 


Até  1615  era  a  região  amasonica  desconhecida  completamente  para 
Portugal,  que  con tenta va-se  com  saber  que  ahi  existia  o  rio  Amasonas, 
e  que  esse  território  era  seu.  Somente  em  1815,  quando  Alexandre  de 
Moura  expulsou  os  francezes  d)  Maranhão,  mandou  o  capitão  Francisco 
Caldeira  Castello-Branco  subir  á  boca  do  Amasonas  e  fundar  um  estabele- 
cimento que  assegurasse  o  direito  de  posse  do  território.  Castello-Branco, 


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384  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-OROSSO 

nomeado  capitào-mór,  partiu,  em  meiado  de  novembro  daquelle  anno, 
com  trez  caravellas  e  uns  duzentos  homens  de  força.  Em  fins  do  mez 
entrava  pelo  rio  Pará,  formado  da  reunião  das  aguas  do  Mqjú  e  Guajará 
nas  do  Tocantins,  o  qual,  então,  era  supposto  ser  .o  próprio  Ama- 
sonas ;  e  em  2  de  dezembro  fundeava  em  uma  vasta  bahia,  abrigada  por 
extensa  linha  de  ilhas,  e  á  umas  setenta  e  cinco  milhas  do  mar.  Perto 
lhe  ficava  uma  aldeia  de  tupinambás,  que  o  viram  chegar  sem  descon- 
tentamento, e  permittiram-lhe  desembarcar  e  fortificar-se;  emquanto  oflfi- 
ciaes  e  soldados,  ajudados  daquelles  Índios,  erguiam  as  suas  palhoças, 
dando  começo,  assim,  ao  forte  do  castello  ainda  hoje  existente,  e  á  cidade 
de  Belém. 

Dias  depois,  despachou  por  terra  communicações  á  seu  coUega  Je- 
ronymo  de  Albuquerque  do  seu  estabelecimento,  e  pedido  de  soccorros. 
Este  auxilio  veiu-lhe  por  mar,  chegando  mui  á  propósito,  quando  já  os 
Índios  manifestavam  indicies  de  hostilidades,  e  na  foz  do  rio,  surgia  um 
navio  hoUandez,  á  commerciar  com  os  selvagens. 

O  capilão-mór  mandou  dous  ofBciaes  e  tropa  atacar  esse  navio,  o 
qual,  depois  de  sanguinolento  combate,  foi  envolvido  pelas  chammas  do 
fogo  que  lhe  atiravam  os  portuguezes  e  afundou-se,  com  todos  da  guar- 
nição. 

Castello-Branco  distinguiu-se  como  administrador  prudente  e  hábil 
nos  dous  annos  que  governou.  Deu  rápido  desenvolvimento  á  colónia ; 
conteve  na  obediência  e  respeito  os  indios  visinhos  tratando-os,  com  bene- 
volência, domou  e  subjugou  pelas  armas  os  das  tabas  de  Cayú  e  Morti- 
gura,  que  se  insurgiam  e  ousavam  atacar  a  nascente  colónia ;  e  ao 
mesmo  tempo  procedia  com  energia  contra  os  colonos'  que  maltratavam 
os  naturaes  do  paiz. 

Foi,  porém,  deposto  e  preso  pelos  seus  commandados,  e  remettido  á 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  385 

ferros  para  Lisboa,  por  uma  grave  injustiça  e  abuso  de  autoridade  que 
commetteu :  um  seu  sobrinho  assassinou  um  dos  seus  companheiros ; 
os  outros  officiaes  exigiram  que  o  assassino  fosse  preso  e  castigado ;  e  o 
capitão-mór,  que  á  principio  fizera-se  alheio  ao  facto,  recusou-^e  ás  exi- 
gências, ameaçando,  ainda,  castigar  aquelles  que  mais  livremente  exigiam 
justiça. 

Houve  uma  conspiração  dirigida  pelo  capitão  Jeronymo  Fragoso 
de  Albuquerque,  e  quando  menos  esperava,  era  Castello-Branco  preso  e 
deposto ;  tomando  Jeronymo  o  governo. 

O  que  disso  resultou  foi  em  puro  prejuiso  do  estabelecimento.  Os 
Índios,  que  temiam  e  respeitavam  o  capitão-mór,  ergueram-se  em  massa 
e  vieram  atacar  a  colónia,  que  não  se  salvou  dessa  inesperada  aggressão 
sinão  pelo  admirável  comportamento  com  que  todos,  militares  e  colonos, 
souberam  resistir,  obrigando  os  atacantes  â  retirada. 

Essa  aggressão,  trouxe  represálias,  pelo  medo  de  repetições ;  e  foi 
fatal  aos  indios.  A'  datar  delia  começou  essa  guerra  de  extermínio, 
movida  pela  lucta  de  predominio  entre  a  raça  barbara — que  era  a  senhora 
do  paiz  e  defendia  os  seus  direitos,  e  a  raça  civilisada,  que  o  deparara 
por  um  acaso,  nelle  se  estabelecera,  e  o  chamava  seu,  escudando-se — fal- 
samente— nos  beneficies  da  civilisação  e  da  religião. 

Essa  lucta  renhida,  que  se  estendeu  do  Pará  ao  Maranhão,  veiu  á 
terminar-se  com  a  longa  e  terrível  carnificina  que  nessas  hordas  selvagens 
fizeram  os  homens  cultos,  e  apóstolos  da  civilisação  e  philantropismo, 
Bento  Maciel  Parente  (a),  o  homem  que  mais  sangue  humano  fez  derramar 
no  solo  Brasileiro,  seu  filho  e  sobrinhos.  Vital  e  Pedro  Maciel  Parente, 
João  Yelho  do  Yalle  e  Jeronymo  Fragoso  :  os  Pisarros  e  Almagres  do 
Brasil. 


(a)  O  rei,  em  recompensa  de  seus  serviços,  concedeu-lhe  que  eUe  e  seus  descen- 
dentes usassem  desse  sobrenome  de  Parente^ 

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386  ITINERÁRIO  DA   CIDADE  DE  MATTO-aROSSO 

Esses  miseráveis  não  destoaram  da-regra  geral :  valentes  com  os 
fracos,  que  ainda  viam  nas  armas  de  fogo  raios  do  céo  que  não  podiam 
combater,  eram  cobardes  com  os  fortes  :  Bento  Maciel  e  Pedro  Maciel 
entregavam  mais  tarde  aos  hoUandezes,  aquelle  o  Maranhão,  e  este  o  Pará. 


A  presença  de  navios  hoUandezes,  depois  inglezes  e  mais  tarde  fran- 
cezes,  naquelles  primeiros  annos  do  novo  estabelecimento  portuguez,  foi 
o  perigo  que  mais  assoberbou  a  colónia.  Alguns  formaram  feitorias  e 
mesmo  fortificações  ligeiras,  atrahindo  os  Índios  ao  seu  commercio,  e 
como  que  plantando  o  gérmen  que  muitos  annos  depois  daria  á  suas 
nações  a  posse  de  parte  da  Guyana.  Foi  mister  gi-ande  dedicação,  patrio- 
tismo e  uma  coragem  extraordinária  da  parte  dos  portuguezes,  para  re- 
pellirem  esses  invasores  e  conservarem  a  posse  do  grande  rio. 


O  Pará  foi,  por  mais  de  um  século,  governado  por  capitães-móres 
subordinados  aos  governadores-geraes  do  Maranhão,  salvo  o  pequeno 
período  de  quatro  annos,  que  mediou  de  1652  á  1656,  no  qual,  por 
C.  K.  de  25  de  fevereiro  daquelle  anno,  foi  desmembrado  do  Maranhão, 
e  teve  por  governadores  Ignacio  do  Kego  Barreto  e  João  de  Bitencourt 
Moniz,  cuja  administração  foi  cheia  de  tropeços  pela  guerra  que  fizeram- 
Ihes  os  jesuítas,  oppondo-se  á  promulgação  de  leis  e  disposições  á  favor 
dos  Índios.  O  elemento  jesuita  preponderou  e  D.  João  IV  dissolveu  a  nova 
capitania  annexando-a  novamente  á  do  Maranhão. 

Em  1757  passaram  os  governadores  á  ter  domicilio  em  Belém ; 
apesar  disso,  soniente,  em  1772,  foi  o  Pará  elevado  á  cathegoria  de  capi- 
tania geral  e  independente. 

Ex-vi  da  constituição  portugueza,  tomou  em  1821,  como  todas  as 
outras  do  Brasil,  excepção  feita  da  do  Amasonas,  o  titulo  de  província. 


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AO   RIO   DE  JANEIRO  387 

Subordinada  muito  restrictamente  á  metrópole  portugueza,  não  pôde  es- 
capar á  seu  dominio  e  fazer  causa  commum  cora  as  outras  províncias 
irmãs  que  so  tinham  declarado  independentes,  sinão  em  1823,  á  pro- 
tecção das  forças  de  mar,  vindas  do  sul  em  seu  auxilio. 


S^atrada  de    S.    José     Selexn  . 

Os  erros  ou  caprichos  dos  primeiros  presidentes  do  Pará,  e  as  intri- 
gas e  dissençôes,  que  dividiam  os  habitantes  e  perturbavam  todos  os  espí- 
ritos, intrigas  em  que  tiveram  máxima  parte  muitos  daquelles  adminis- 
tradores, trouxeram  em  resultado  a  sangrenta  rebellião  conhecida  na 
historia  sob  o  nome  de  cabanagem,  que  começando  pelo  assassinato  do 
presidente  e  do  commandante  das  armas,  e  de  muitos  ofificiaes,  em  7  de 
janeiro  de  1835,  continuou  cm  uma  serie  de  carnificinas,  tanto  na  capi- 
tal, como  em  quasi  todas  as  províncias  do  interior,  sem  exceptuar  as  do 
Alto  Amasonas.  Essa  guerra  de  exterminio,  de  parte  á  parte,  só  teve  fim 
em  1837,  com  a  victoria  do  governo  legal  sobre  as  hordas  semi-barbaras 
dos  cabanos.  Durante  ella  e  com  ella  a  província  retrogradou  meio  se- 


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388  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATTO-GBOSSO 

culo  :  as  villas  e  povoações  do  interior,  assoladas  pelos  revoltosos,  fica- 
ram despovoadas:  quando  as  forças  do  governo  entraram  na  capital  parecia 
que  entravam  n'um  povo  ha  muito  abandonado  :  o  commercio  estava 
morto  ;  havia  desapparecido  toda  a  industria ;  não  havia  uma  tenda  de 
artesão,  uma  loja  industrial,  nem  mesmo  uma  casa  de  negocio  ! 

Esse  quadro  que  ennegrece  as  paginas  da  historia  vem  aqui  citado 
tão  somente  para  ponto  de  comparação  com  o  que  a  actualidade  offerece. 
E'  o  contraste  vivo  dessas  misérias,  scenas  luctosas  dessa  época  de  tres- 
varios:  é  o  quadro  da  paz,  do  progresso  e  prosperidade,  em  que  entrou  e 
continuou  á  marchar  a  provincia,  quadro  que  não  é  mister  descrever, 
quando  está  á  todos  patente  nas  resenhas  estatísticas,  nos  documentos 
ofSciaes  e  nas  numerosas  noticias  dadas  por  diversos  escriptores. 

VIII 

A*s  2  da  tarde  do  dia  23  de  dezembro  tinhamos  entrado  em  território 
paraense ;  ás  6  1/2  toma  o  Canuman  peio  Parand-ínerim  ão  Caldeirão^ 
á  margem  esquerda,  um  dos  furo  do  Amasonas,  que  o  liga  ao  Jamundá, 
no  lugar  denominado  do  Bepartimento. 

Passámos  o  Paciência  e  o  Carand,  desaguadouros  delle  no  Trom- 
betas, e  o  Sapecod  e  o  Marapigy^  cujas  aguas  barrentas  e  tão  distinctas 
das  dessas  outras  correntes  claro  indicam  serem  braços  do  Amasonas. 

O  Jamundá  é  também  chamado  Ycaini(iba.  O  nome  de  Cu- 
nurys  que  alguns  lhe  dão,  do  nome  da  nação  guerreira  que  por  sen 
typo  especial  e  afeminado,  parecera  aos  olhos  de  Orellana  ser  uiji 
povo  de  amasonas,  supp5e-se  ter  cabido  somente  aos  furos  Sapecoá  eMa- 
rapigy,  e  dahi  passado  ao  Amasonas,  á  acreditar-se  na  asserção  de 
Christovam  da  Acunha.  E'  um  formosíssimo  rio  de  aguas  mui  puras 


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AO   RIO  DE  JANEIRO  389 

e  crystallinas,  ladeado  de  graciosos  lagos,  golfos  e  bahias,  cheio  de 
ilhas  de  verdura,  bordadas  as  margens  de  risonhas  e  alvejantes  praias. 
Certamente  é  um  dos  mais  formosos  rios  que  hei  visto,  e  dos  que 
mais  atrahem  a  attençà*),  pelo  encantador  e  aprasivel  de  suas  paisa- 
gens. Bastante  largo  no  trecho  que  vamos  vencendo,  tem  mais  de  kilo- 
metro  de  margem  á  margem.  Tem  um  notável  afBuente,  o  Pratucii,desde 
cuja  confluência,  diz  o  Sr.  cónego  Bernardino,  é  o  Jaraundá  um  rio  vasto 
e  magnifico.  Na  corrente  a  agua  parece  de  côr  verJe-mar,  que  na  esteira 
do  vapor  se  converte  em  flocos  de  prata. 

Pela  direcção  de  suas  correntes  é  claro  que  o  Jamundá  não  é 
afBuente  do  Amasonas  e  sim  do  Trombetas ;  recebendo  aguas  do  Araaso- 
nas  pelos  furos  Cahury,  Paraná-merim  do  Caldeirào  e  outros. 


No  dia  24,  ás  9  da  manhã,  ancorou-se  na  villa  de  Faro,  distante 
uns  quarenta  e  três  kilometros  da  foz,  e  já  na  margem  paraense.  S.  João 
Baptista  ãe  Faro  é  uma  antiga  aldeia  de  jamundás,  missão  de  indios 
uahoys ;  villa  desde  21  de  dezembro  de  1758,  elevada  á  essa  cathegoria 
pelo  próprio  governador  Francisco  Xaxier  de  Mendonça  Furtado. 

Mais  encantadora  posição  que  a  deste  povoado  é  difficil  de  encon- 
trar-se:  longas  e  formosas  são  as  suas  alvas  praias ;  os  bosques  que  a  cer- 
cam cerrados  e  formados  desses  primores  da  flora  que  constituem  o 
maior  valor  do  valle  do  Amasonas :  seus  arredores  fertilissimos,  e  nave- 
gável o  seu  rio,  cuja  côt  das  aguas  e  notável  bellesa  ainda  vem  dar 
maior  realce  e  um  tora — pouco  commum  â  essas  regiões;  os  elevados 
serros  da  Sacury^qne  correm-lhe  bordando  a  margem  direita,em  frente  á 
villa:  sãobellesas  que  fazem  cogitar  quaes  sejam  as  causas,  tão  poderosas, 
que  vão  definhando  e  aniquilando  o  velho  povoado,  quando  em  si  tão  pro- 
picies elementos  encerra  para  uma  grande  e  opulenta  cidade. 


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390  ITINERÁRIO   DA    CIDADE  DE  MATTO-OROSSO 

Ao  meio-dia  sarpámos.  Foi-se  tocando  em  vario8  sitios  do  Paraná 
do  Bom-Jarãim^  que  sahe  no  Amasonas  meia  légua  acima  de  Óbidos. 
A  2  da  madrugada  passámos  a  foz  do  Trombeta,  Orixanina,  ou  melhor 
Uruodnene  (a),  que  entra  no  Amasonas  por  duas  bocas,  junto  à  Óbidos, 
onde  o  novo  vapor  pairou  sobre  rodas. 

Como  a  maior  parte  dos  povoados  dessa  artéria  gigante,  prenhe  de 
riquesas  facilimas  de  conquistar  e  inesgotáveis,  Óbidos  é  um  pequeno  e 
decadente  povoado,  condecorado  com  as  honras  de  cidade  :  tem  umas 
cento  e  cincoenta  casas  edificadas  á  encosta  de  uma  pequena  coUina  ; 
casas  cuja  velhice  attesta  a  vetustez  da  povoação.  Datam  com  effeito 
seus  começos  do  principio  do  século  XVIII,  si  é  que  não  entram,  mesmo, 
pelos  últimos  annos  do  século  anterior,  com  a  fortificação  que  ahi  man- 
dou erigir  em  1697  o  capitão-general  António  de  Albuquerque  Coelho,  e 
da  qual  foi  constructor  o  capitão  Manoel  da  Motta  de  Siqueira,  o  Vau- 
ban  daquellas  capitanias  ;  no  que  foi  auxiliado  pelos  indios  epauchis,  ou 
epauáchis,  ahi  habitantes.  Suas  ruas  são  bem  traçadas  e  regular  a  sua 
matriz,  da  invocação  de  S.  Anna. 

Tem  uma  outra  igreja,  e  segundo  nos  informaram  um  theatro.  Dista 
de  Belém  quinhentos  e  oitenta  e  cinco  milhas,  ou  cerca  de  mil  e  quatro- 
centos kilometros  do  oceano  (b),  que  entretanto  faz  sentir  diária  e  regu- 
larmente a  força  de  suas  marés  até  a  foz  do  Trombetas.  Southey  (c) 
eleva  essa  distancia  á  360  léguas,  fiado  em  Berredo  ou  no  padre 
Christovam  d'Acunha,  o  primeiro  que  disso  falia. 

Spix  e  Martins  dão  a  altitude  111",5  sobre  o  mar  (451  pés  inglezes) 
entretanto,  La  Condamine,  citado  por  Castelnau,  dá-lhe  apenas  dez  pés 

(a)  Nené,  rio,  ngua,  em  botocudo,  ariocás,  caripuna,  etc. 

(b)  Segundo  Baena,  248  léguas  distante  do  oceano  e  i82  de  Belém. 

(c)  Liv.  ao,  pag  458,  edição  citada. 


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AO  RIO  DE  JANEIRO  891 

inglezes  sobre  a  altitude  de  Beleni.  Segundo  Herder,  o  Amasonas,  não  se 
eleva  mais  de  dous  quartos  de  poUegadas,  ou  4,8  linhas  em  mil  pés  ;  ou 
seis  palmos  por  légua;  o  que  dá  apenas  cincoenta  e  cinco  metros  para  o 
porto  de  Óbidos. 

A  cidade  está  coUocada  em  um  promontório,  que,  intromettendo-se 
pelo  rio,  aperta-o.  Esse  local,  conhecido  pelo  nome  de  Garganta^  tem  de 
largura  menos  de  dous  kilometros,  com  uma  profundidade  de  oitenta  á 
cem  metros  (a). 

E'  o  Bosphoro  do  Amasonas,  na  phrase  do  conde  de  Pagan  (b). 
Nesse  promontório  está  a  fortaleza  de  Óbidos,  chave  do  curso  superior  do 
grande  rio.  Mas  os  successivos  desbarrancamentos  da  margem  opposta  e 
a  desaggregação  das  terras  tendem,  pouco  á  pouco,  á  alargar  essas  di- 
mensões do  canal. 

Óbidos  está  situado  no  parallelo  de  V  55'  23'^  S,  e  aos  12^  2V  24'^  O. 
do  Eio  de  Janeiro.  Recebeu  os  foraes  de  villa  ao  mesmo  tempo  que 
Faro  ;  e  é  cidade  desde  2  de  oitubro  de  1854. 

A*s  8  horas  da  manhã  seguimos.  Em  trez  quartos  de  hora  enfren- 
támos com  o  extenso  e,  conforme  as  informações,  mal  cuidado  cacaual  da 
nação,  á  margem  direita,  denominado  antigamente  Cacatuil  Real,  e  hoje, 
pela  regra  do  costume,  conhecido  pelo  titulo  de  Imperial. 

A's  margens  do  rio-mar  já  se  vão  mostrando  povoadas  :  as  situações 
se  succedem  com  intervallos  de  poucas  léguas,  ou  mesmo  milhas.  São 
mais  ou  menos  aprasiveis  e  sempre  pictorescas,  comquanto  quasi  todas 
uniformes  na  apparencia;  isto  mais  por  um  espirito  de  imitação  tão  com- 
mum  no  homem  e  que  ficou  esquecido  na  filiação  de  Darwin,  —  do  que 

(a)  o  Sr.  Aguiar  Lima,  engenlioiro,  dá-lhe  1892  metros  de  largura ;  Southey 
consigna  8(59  braças  ou  1931  metros. 

(b)  Relation  historiqae    et  geographique  de  la  grande  riviére  de    VAtnasonef 
1656.  Bib.  Nac. 


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392  ITnCKRARIO  DA  CIDADE  DE  MATTO-GROSSO 

por  causas  natnraes  que  o  exijam :  facto  que  se  observa,  à  cada  passo, 
em  cada  região ;  e  que  muito  contribuo  para  o  typo  particular  de  cada 
uma. 


Apezar  de  elevadas  as  margens,  muitas  vezes  as  grandes  enchentes 
as  attingem  e  assoberbam,  deixando-lhes  por  testificadores  cintas  parda- 
centas nos  troncos,  ás  vezes  em  altura  de  quatro  e  cinco  metros  do  solo, 
e  nos  hydrophitos  que  lhes  dependuram  nas  ramas. 

E*  por  temor  dessas  cheias  que  em  grande  numero  de  situações  as 
casas  são  construidas  em  palanque  sobre  esteios  isolados  de  madeira ;  o 
que  denominam  maromas. 


A's  4  1/2  da  tarde  avistámos  o  Tapajoz  e  pouco  depois  entrámos 
por  elle  acima  até  á  cidade  de  Santarém. 

Durante  todo  o  dia  soprou  fresca  brisa  de  oeste  que  tornou  o  rio 
bastante  crespo,  erguendo  ondas  como  as  do  oceano,  mas  adiantou-nos  a 
viagem. 

Tapajoz,  já  vimos  que  quer  dizer  rio  Negro.  W  corruptela  de  tapa- 
nhon-Jiú  dos  mondurucús.  As  nações  tupiaes  de  suas  margens  chamavam-o 
egualmente  Paraná-piauna^  i^el^  côr  de  suas  aguas,  parecidas  com  a 
infusão  de  chá,  mas  na  apparencia  negras  pela  muita  profundidade 
do  rio. 

Spix  e  Martius  coUocam  sua  foz  n'uma  altitude  de  347  pés  inglez^ 
ou  86  metros,  sobre  o  mar. 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  393 

IX 

'Snnfarêmj  aos  2°  25'  de  latitude  austral,  é  uma  bella  e  aprasivel 
cidade,  a  maior  que  temos  até  agora  visto  por  estes  rios,  e  que  dizem  só 
ter  superior  na  capital ;  situada  á  beira  Tapajoz,  na  margem  direita — pró- 
ximo á  sua  barra.  Já  por  si  encantadora  hoje  reveste-se  de  maior  louçania 
por  estar  de  festas,  solemnisando  o  grande  dia  da  christandade,  e  reunindo 
em  si  a  grande  maioria  dos  moradores  de  seus  arredores,  n'um  raio  de 
trinta  léguas.  Sem  exaggeração,  talvez  novecentas  á  mil  canoas,  igarités, 
bot^s  e  galeotas,  e  uns  vinte  hiates  estão  no  porto. 

Uma  galeota  de  recreio,  toda  embandeirada,  passa  pelo  Canumnv 
para  saudal-o,  executando  seus  tripulantes,  fardados  como  ofiBcial  e  ma- 
rii  lieiros  de  guerra,  dansas  e  exercícios  próprios  do  mar,  ao  soin  dos 
cantos  da  velha  bailada  portugueza  da  Nan  Cafhprinpfa. 


Dão  de  população  á  cidade  oito  á  nove  mil  almas.  E'  um  dos  mais 
antigos  povoados  da  província :  tem  origem  na  aldeia  dos  Tapajoz,  fun- 
dada ahi,  no  começo  do  século  XVII.  Já  em  1639  ahi  esteve  o  sangui- 
nário Bento  Maciel,  filho  do  scelerato  do  mesmo  nome,  indo  á  matar  e 
captivar  indios ;  o  que  fez  do  modo  o  mais  horroroso  e  infame  (a).  Foi 
villa  em  1756  e  é  cidade  desde  1848. 

A  aldeia,  e  com  o  mesmo  nome  dost  Tapajoz,  ainda  existe  á  sueste 
da  cidade. 

Sua  primeira  fortificação  foi  levantada  em  1694,  á  expensas  de 
Francisco  da  Motta  Falcão,  e  continuada  por  Manoel  da  Motta  Siqueira, 

(a)  Christ.  d'Acunha,  Novo  desfíohrinwndo  do  grande  rio  das  Ametsonas, 

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894  ITINERÁRIO   DA   CIDADE   DE   MATT0-GR03S0 

filho  do  fundador,  e  o  mesmo  que  fortificara  Óbidos,  barra  do  Rio  Negro, 
serra  do  Paru,  etc. 

Dista  Santarém  do  Pará  quinhentas  e  deseseis  milhas,  isto  é, 
perto  de  mil  e  duzentos  kilometros  do  oceano  :  o  que  noto  particular- 
mente, porque  ahi  tive  occasião  de  verificar  a  influencia  da  maré—  em  tão 
extraordinária  distancia. 

Ao  approximarmo-nos  do  Tapajoz  cortámos  por  trez  quartos  de  hora 
o  esteiro  de  suas  aguas  negras,  que  intromettem-se  repellindo  as  bar- 
rentas do  Amasonas :  ás  6  1/2  da  tarde,  ainda  ancorados,  já  não  eram  as 
mesmas  aguas  que  nos  cercavam  e  sim  as  do  rio-mar,  que  á  mais  de 
meia  hora  refluíam  sobre  o  Tapajoz,  levando  agora  suas  aguas  barrentas 
trez  léguas  á  dentro  da  foz  deste  seu  affluente  e  vindo  beijar  as  praias  da 
graciosa  Santarém. 

Partimos  ás  7  da  tarde. 

Ao  meio-dia  de  26  passámos  as  coUinas  da  Velha  Pobre,  denomi- 
nação cuja  origem  não  me  souberam  explicar;  ficam  á  margem  esquerda. 
A's  2  1/2  enfrentámos  com  a  foz  do  Paru,  descido  dos  ramos  austraes  da 
Tumucumaque,  chamados  Serra  Velha,  e  cujo  volume  de  aguas  é  tão 
respeitável  que  a  barra  ostenta  a  largura  de  talvez  um  kilometro.  E'  tam- 
bém chamado  Genipapo ;  e  suas  margens  foram  em  tempos  dos  Macieis 
theatro  de  suas  horríveis  camicerias.  Passam  por  auríferas  suas  cabe- 
ceiras e  os  seus  affluentes. 

A's  3  da  tarde  passámos  o  banco  Aquiqut/,  e  logo  adiante  a  ilha 

Carraseão.  A's  5  cortámos  a  barra  príncipal  do  Xingu,  que  cabe  no 
Amasonas  por  trez  bocas,  Aquiquy,  Ucurycaia  e  aquella,  que  conserva 
o  nome  do  río.  Suas  aguas  são  crystallinas  e  na  apparencia  de  côr  verde- 
mar. 


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AO   UIO  DE  JANEIRO  .      395 

A's  6  avistámos  Gurupá,  antiga  Mariocay,  cerca  de  cincoenta  ki- 
lometros  abaixo  do  Xingu.  E'  uma  pequena  villa  agradavelmente  situada, 
e  um  dos  mais  antigos  povoados  do  Amasonas.  Seu  fortim,  de  Santo  An- 
tónio, cujas  ruinas  ainda  se  vêm,  foi  levantado  em  1621  por  Bento  Maciel 
Parente,  ou  conforme  outros  pelos  hollandezes,  annos  antes.  E'  villa  desde 
1693,  anno  em  que  o  rei  D.  Pedro  U  nella  mandou  fundar  á  custa  do 
Estado  uma  casa  hospitalar  e  convento  á  cargo  dosjesuitas.  Sua  matriz 
tem  a  mesma  invocação  do  forte. 


A'  27,  quinta-feira,  entrámos  pelo  Tayapurú,  braço  ou  parcmdrme' 
rim  do  Amasonas,  longo  de  uns  cento  e  sessenta  kilometros,  que  une 
o  grande  rio  ao  Tocantins. 

A's  2  da  tarde  parámos  em  Breves,  na  margem  setentrional  do  Taya- 
purú, pequena  villa  que  gosa  dessa  proeminência  desde  25  de  oitubro 
de  1851,  attestando  a  vetuslez  e  disposição  de  seus  edifícios  que  é  dos 
primitivos  povoados  da  provincia.  Estabelecida  á  beira  rio,  pareceu-nos 
bastante  suja  e  encharcada :  sua  velha  casaria  agglomerada  está  assente 
á  poucos  passos  do  rio  e  em  margem  alagadiça ;  no  emtanto  que  suas 
proximidades  são  abarrancadas.  SanfAnna  é  o  orago  da  sua  freguesia. 

A's  7  parámos  em  Curralinho,  outro  pequeno  e  decadente  logarejo, 
também  villa  desde  1865  e  cabeça  de  município.  Sua  matriz  é  da  invo- 
cação de  S.  João  Baptista.  Quasi  fronteira  lhe  fíca  a  villa  de  Oeiras^ 
antiga  aldeia  de  Bocas  ou  Combocas,  donde  talvez  proviesse  o  nome 
por  que  é  conhecida,  também,  a  bahia  de  Marajó,  Carihoca  ou  Carabo- 
boca ;  vasta  expansão  fluvial  de  aguas,  alterosas  ás  vezes  como  as  do 
oceano,  que  começa  com  o  nome  de  bahias  de  Melgaço  e  ãe  Breves  até 
receber  o  Tocantins,  conservando  sempre  uma  largura  de  desoito  á  vinte 
kilometros. 


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396  ITINERÁRIO  DA  CIDADE   DE   MATTO-GROSSO 

A's  4  da  manhã  de  28  entrámos  nas  aguas  deste  rival  do  Amasonas, 
límpidas  e  transparentes,  e  que  tanto  contrastam  com  as  do  riomar . 


Como  o  rio  da  Prata,  que  não  é  outra  cousa  mais  que  a  vasta  em- 
bocadura do  Paran^  reunido  ao  Uruguay,  aqui,  também,  toma  o  nome  de 
rio  Pará  o  enorme  estuário  que  vém  desde  a  bahia  de  Marajó,  ao  oceano, 
n'um  espaço  de  trezentos  e  trinta  kilometros,  e  é  formado  pelo  Tocantins 
ao  enriquecer-se  com  as  aguas  dos  rios  Mojú  e  Giuijará. 

O  Mojú  é  um  rio  considerável,  maior  de  setecentos  kilometros.  Sua 
largura  ordinária  em  mais  de  terço  do  seu  curso  é  de  dous  á  trez  kilo- 
metros. Suppõe-se-o  navegável  em  mais  do  quatrocentos.  Une-se  ao  To- 
cantins por  um  furo,  o  Igarapé-nwrim^  e  vae  receber  o  Acará,  corrente 
também  considerável,  pouco  acima  de  Belém,  cujos  territórios  banhara, 
formando  com  o  Guajará  a  bahia  do  Pará,  de  doze  kilometros  de  boca. 

O  Gruajará  é  o  nome  que  dão  ao  curso  formado  pela  confluência  do 
G~uamd  e  Capim,  ambos,  rios  consideráveis,  este  navegável  por  mais  de 
cento  e  cincoenta  léguas,  e  aquelle  por  quarenta  (a).  A  extensão  do  Gua- 
jará é  de  pouco  mais  ou  menos  uns  cem  kilometros.  O  Capim  recebe  as 
aguas  do  Surubyú  e  Ararafidéua. 


A'8  9  horas  avistámos  as  primeiras  quintas  ou  chácaras  dos  arredores 
da  capital  paraense  ;  ás  12  1/2  dobrámos  a  ponta  do  arsenal  de  marinha ; 
e  pouco  depois  o  Canuman  arvorava  seu  pavilhão  ao  entrar  no  porto  da 
antiga  Sapercrd,  depois  cidade  de  Nossa  Senhora  de  Belém. 


(a)  Descripção  geographica  do  famoso  rio  das  Ainasonas,  Chorograpkia  Hist,, 
tomo  3.0 


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AO   KIO    DE    JANEIRO  397 

X 

Belém  está  situada  V  2T  2"  ao  sul  da  linha  equinocial,  e  5**  15' 
22"  ao  occidente  do  Eio  de  Janeiro. 

Os  tupinambás,  seus  primitivos  donos,  chamavam-a  Mayrô. 

A'  quem,  como  nós,  aporta,  descendo  o  rio,  traz  á  idéa  a  vista  de 
Montevideo,  pela  sua  posição  n'um  promontório,  a  disposição  das  ruas 
e  templos,  e  a  enseada  do  arsenal,  que  também  recorda  a  Ensenada  da 
capital  cisplatina. 

E'  uma  das  mais  bellas  e  agradáveis  do  Brasil,  e  talvez  a  quarta  em 
população  e  commercio. 

Distingue-se  em  cidade  velha  e  nova :  nestas  as  ruas  são  mais  bem 
alinhadas,  quasi  parallelas  e  de  regular  largura ;  algumas  sombreadas^ 
com  aléas  de  gigantes  mongubeiras,  mangueiras  e  palmeiras  imperiaes 
(oreodoxa  oleracea),  formosos  espécimens  da  maravilhosa  vegetação  do 
paiz  :  e  que  ahi  fazem  immorredouro  o  nome  do  general  Jeronymo  Fran- 
cisco Coelho,  o  primeiro  presidente  que  promoveu  o  seu  plantio.  As  da 
cidade  velha  são  menos  rectas  e  parallelas. 

Prolongam-se  para  fora  da  cidade  com  o  nome  de  estradas,  e 
são  orladas  de  chácaras  e  sitios,  ou  rocinhas^  algumas  bem  aprasiveis 
e  encantadoras  ;  vivenda  habitual  de  pessoas  abastadas,  muitas  empre- 
gadas na  cidade. 

Dessas  ruas,  as  do  Imperador,  Imperatriz  e  Mercadores  são  as  prin- 
cipaes,  largas  e  vistosas,  no  centro  do  commercio  e  as  de  maior  concur- 
rencia  da  população :  sendo  a  primeira  a  mais  bella  por  seus  edifícios 
e  melhor  alinhamento,  c  por  correr  parallelamente  ao  cães,  que  lhe  fica 
fronteiro. 

Conta  vários  edifícios  notáveis,  entre  outros  o  theatro  da  Paz,  na 


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398  ITINEKAIUO  DA  CIPADE  DE   MAnO-GROSSO 

prava  D.  Pedro  II,  antigo  largo  da  Pólvora,  um  dos  melhores  estabe- 
lecimentos do  seu  género,  sinão  o  melhor  do  Império ;  o  palácio  do  go- 
verno, no  largo  do  Palácio^  vasto  edifício,  de  architectura  pesada,  mandado 
construir  pelo  marquez  de  Pombal  para  residência  real,  sendo  sabido  que 
era  uma  das  suas  idéas  de  maior  magnitude,  a  transferencia  da  corte  para 
o  Brasil ;  o  paço  da  assembléa  provincial  ainda  em  construcção  e  muito 
simelhante  ao  precedente  ;  a  cathedral,  Nossa  Senhora  da  Graça,  templo 
de  trez  naves,  e  um  dos  mais  vastos  e  imponentes  do  Brasil ;  a  graciosa 
matriz  de  SanfAnna  com  um  formoso  zimbório ;  o  coUegio  do  Amparo  ; 
o  Banco  Commercial ;  o  hospital  portuguez  de  Beneficência ;  e  também, — 
porque  não  deixa  de  ser  notável  —  o  antigo  convento  das  Mercês,  enorme 
casarão,  não  concluido  e  que  apezar  disso  acommoda  a  alfandega,  com 
seus  armazéns  e  guarda-moria,  o  correio,  a  recebedoria  provincial,  a  caixa 
económica,  e  ainda  —  o  que  é  singular  —  duas  tabernas  aos  lados  da 
egreja. 

Na  praça  de  Palácio  a  gratidão  nacional  vae  erigir  a  estatua  de  um 
dos  mais  distinctos  filhos  da  provincia,  o  heróico  general  Gurjào :  monu- 
mento que  tanto  honra  a  memoria  desse  soldado  illustre  como  exalta  o 
patriotismo  dos  seus  comprovincianos. 

Desde  1864  é  a  cidade  illuminada  á  gaz. 

Dizer  que  seus  arredores  são  pictorescos  e  aprasiveis,  desnecessário  é. 
Entre  todos,  destaca-se  o  de  Naeareth,  onde  annualmente,  n'uma  pe- 
quenina egreja  na  praça  do  mesmo  nome,  celebra-se  a  festa  fluais  popular 
da  terra. 

A  estrada  de  Marco  de  legtia,  é  um  longo  e  formoso  passeio,  de 
mais  de  légua,  bordado  de  ambos  os  lados  pelas  mais  soberbas  arvores. 

Ha  na  cidade  uma  linha  de  carris  de  ferro,  ou  honds,  de  muito 
trafego,  como  ordinariamente  são  todas  as  de  seu  género. 


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AO    RIO    DE    JANEIRO  399 

A  população  de  Belém  orça  por  uns  trinta  e  cinco  á  quarenta  mil 
habitantes,  segundo  os  mais  recentes  dados. 

Ha  na  cidade  uma  escola  normal,  actualmente  com  86  alumnas 
e  29  alumnos ;  uma  bibliotheca  com  mais  de  8000  volumes :  creadas 
em  1871  e  ambas  instituições  do  presidente  o  Sr.  Dr.  Portella,  inques- 
tionavelmente um  dos  que  maior  impulso  deu  á  instrucçào  popular ;  um 
lyceu  de  preparatórios  para  as  faculdades  superiores  do  Império,  com 
cento  e  poucos  alumnos  ;  dous  seminários  episcopaes,  maior  e  menor ; 
um  instituto  de  educandos  artifices ;  um  asylo  dirigido  por  irmãs  doro- 
théas ;  e  varias  outras  casas  de  educação,  entre  as  quaes  gosa  do  melhor 
conceito  o  coUegio  de  educandas  de  Nossa  Senhora  do  Amparo.  Conta  a 
provincia  260  escolas  publicas  com  10.737  alumnos,  dos  quaes  3191  me- 
ninas, segundo  os  últimos  relatórios. 

O  commercio  é  florescente  e  proraettedor.  Belém  ha  de  ser  um  dia, 
e  bem  próximo,  um  dos  mais  importantes  centros  commerciaes  da  America 
do  Sul,  e  o  empório  mercantil  de  toda  essa  vasta  bacia  amasonica. 

Sempre  em  seu  porto  ha  um  bom  numero  de  navios,  principalmente 
estrangeiros.  Occasiões  ha  em  que  cinco  e  mais  vapores  de  longo  curso 
ancoram  em  seu  porto. 

Presentemente,  alem  dos  dous  vapores  das  linhas  directas  ameri- 
cana e  ingleza,  que  cada  mez  aqui  chegam,  ha  ainda  as  duas  linhas  de 
Liverpool,  alem  da  linha  brasileira  de  paquetes,  e  a  da  navegação  mara- 
nhense; todos  para  o  commercio  marítimo. 

A  navegação  fluvial  traz-lhe  diariamente  trez  e  quatro  vapores  da 

Companhia  do  Amasonas,  da  empreza  de  Marajó,  subvencionadas  pelo 

governo  geral  ou  provincial ;  ou  de  propriedade  particular,  como  o  (7a- 

numan^  que  aqui  nos  trouxe :  os  quaes  mantém  o  commercio  entre  a 

capital  e  todos  os  povoados  ribeirinhos  do  Amasonas,  dos  seus  magestosos 

affluentes  e  das  ilhas  de  sua  barra. 
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400  ITINERÁRIO  T)A  CIDADE  DE  MATT0-GR08S0 

Dista  Belém  do  Manaos  mil  setecentos  e  deseseis  o  meio  kilometros ; 
mil  e  quinhentos  da  foz  do  Madeira ;  dous  mil  quinhentos  e  trinta  e 
trez  de  Santo  António ;  quatro  mil  duzentos  e  quarenta  e  quatro  da  cidade 
de  Matto-Grosso ;  cento  e  cincoenta  e  dous  do  oceano,  o  quatro  mil  du- 
zentos e  quatorzo  da  capital  do  Império. 


CONCLUSÃO 


Na  madrugada  de  31  de  dezembro  tomámos  passagem  no  paquete 
Pernambuco :  ás  4  1/2  da  tarde  deixávamos  o  porto,  e  ao  anoitecer  do- 
brávamos a  ponta  Tigioca  e  sahiamos  no  oceano. 

A'  2  de  janeiro  de  1878,  quinta-feira,  avistámos,  ás  6  da  manhã, 
a  cidade  de  Alcântara^  no  Maranhão,  e  em  poucos  minutos  ancorava-se 
no  porto  de  S.  Luiz,  donde  horas  depois  sahiamos  debaixo  de  grandes 
aguaceiros. 

A's  11  da  manhã  seguinte  cortávamos  as  aguas  do  Paranahyba, 
que  entram  barrentas  por  uns  oito  á  dez  kilometros  oceano  á  dentro. 

A's  6  e  5'  passámos  o  Jaricocodra^  espigão  de  uma  pequena  mor- 
raria,  na  provincia  do  Ceará,  aos  2"  47*  28''  S. 

A's  6  da  manhã  de  4,  demos  fundo  no  porto  da  Forfalem,  sem  que 
ainda  tivessem  cessado  as  chuvas  que  desde  o  Maranhão  nos  acompanham  ; 
e  que  são  as  primeiras  que  recebe  esta  desditosa  provincia  depois  de  quinze 
mezes  da  mais  horrorosa  sêcca. 

Sabbado  5,  sahe-se  ás  12  horas  e  quarenta  minutos  da  tarde,  sempre 
debaixo  de  fortes  aguaceiros.  Em  meia  hora  de  seguimento  passámos  o 
pharol  de  Moenripe,  O  mar  vae  bastante  agitado  com  uma  frescal  brisa 


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AO   RIO   DE    JANEIRO  401 

de  iVJE?.,  que  á  noite  ronda  para  SO.,  degenerando,  lá  pelas  onze  horas, 
em  temporal  desfeito. 

No  domingo,  ás  6  da  manhã,  passa-se  cerca  de  duas  amarras  da  po- 
voação de  Caiçara ;  meia  hora  depois  os  Trez  Irmãos^  ponta  já  na  costa 
do  Rio  Grande  do  Norte  ;  ás  10  horas  o  Maracageú,  e  pouco  depois  a 
pictoresca  ermida  do  Senhor  Santo  Christo,  aos  5%  6'  S.  Conta-se  que, 
em  tempos  da  nossa  emancipação  politica,  vindo  uma  imagem  desse  Se- 
nhor em  um  navio  de  Portugal,  os  cearenses  puzeram-a  n'uma  jangada 
com  um  alqueire  de  farinha,  caçaram-lhe  a  vela  e  soltaram  a  jangada 
ao  largo,  dizendo :«  Volta,  marinheiro,  para  tua  terra.  »  Marinheiro  era 
um  dos  appellidos  que  davam  aos  portuguezes,  como  exprimindo  homem 
d'alem-mar.  A  jangada  deu  á  costa  neste  sitio,  onde,  encontrada  á 
margem,  erigiram-lhe  uma  ermida. 

Não  sei  que  fundamento  ha  no  conto,  nem  pude  averigual-o. 

A'  1  hora  e  50'  avistámos  o  forte  dos  Reis  Magos  aos  5*  45'  S., 
cuja  fundação  deve-se  á  Jeronymo  de  Albuquerque,  no  anno  de  1597. 
A's  2  horas  e  1 5',  ancorava-se  no  porto  do  Natal. 

Sahimos  ás  6  e  3/4. 

Seguuda-feira  7,  navegando  com  grandes  vagas  e  vento  contrario, 
chegámos  ao  Cahedello,  ás  6  horas  e  15'  da  manhã:  subimos  o  Parahyha^ 
e  ás  7  dava-se  fundo  em  frente  á  capital  da  provinda  deste  nome,  a  Fe- 
lippea  do  governo  dos  hespanhoes  e  Frederichstaãt  dos  hollandezes. 

O  Cabedello,  antigo  forte  do  MattOy  é  um  dos  mais  curiosos  monu- 
mentos dos  tempos  heróicos  do  Brasil.  Está  aos  6**  57'  30"  S.  E'  um 
polygono,  estrella  irregular  de  sete  raios,  formados  por  dous  baluartes 
á  norte  e  leste,  dous  raeio-baluartes  ao  occidente  e  sul,  e  dous  revelins 
entre  os  meio-baluartes. 

Eeza  Fr.  Agostinho  de  Santa  Mónica  (a)  que  foi  o  ouvidor-geral 

(a)  Sanetuario  Mariano,  tomo  9,  pag.  B55. 

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402  ITIKEBARIO   DA   CIDADE   DE   HATTO-GKOSSO 

Martim  Leitão,  não  somente  letrado  como  também  homem  de  guerra, 
quem  deu  principio  á  essa  fortaleza,  lá  pelo  anno  de  1581. 

Encarregou-se  das  obras  Christovara  Lins,  que  a  concluiu  quatro 
annos  depois ;  tomando  o  seu  commando,  e  o  primeiro  de  que  a  historia 
faz  menção,  o  capitão  João  Tavares. 

O  general  hollandez,  Segismundo  Van-Schopp,  tomou-o  de  assalto 
em  19  de  dezembro  de  1634  e  mudou-lhe  o  nome  para  Margaretta,  o 
cie  uma  irmã  do  príncipe  Maurício  de  Nassau.  Retomado  pelos  portu- 
gueses, recebeu  o  nome  que  hoje  tém. 

Fronteiro  á  elle  estabeleceu  outro  Diogo  Flores  de  Valdez,  em  1583, 
do  qual  foi  prímeiro  cabo  Francisco  Costrejean. 


Sahimos  ás  5  1/2  da  tarde  e  amanhecemos  á  vista  do  Latnarão. 
A's  6  horas  ancora  o  Pernambtéco  no  porto  do  arsenal  do  Becife, 

No  dia  seguinte,  9,  ás  5  1/2  da  tarde,  continuou-se  a  derrota,  e  ás 
8  da  noite  apercebemos  o  cabo  de  Santo  Agostinho,  cabo  da  Consolação 
dos  antigos  (b),  a  prímeira  terra  do  Brasil  que  foi  vista.  A's  5  1/2  da 
manhã  de  10,  deitava-se  ferro  no  porto  de  Maceió^  onde  nos  demorámos 
oito  horas,  e  donde,  já  que  o  tempo  era  insuflSciente,  somente  por  pensa- 
mento me  trasladei  á  velha  cidade  de  Alagoa^^  berço  meu  e  dos  meus. 

A's  3  horas  e  20'  da  tarde  de  11  chegámos  á  cidade  do  Salvador^ 
onde  a  demora  foi  de  vinte  e  quatro  horas.  A's  6  da  tarde  de  13,  do- 
mingo, passámos  os  Abrolhos ;  ás  7  da  manhã  seguinte,  aos  16*  56'  S. 
o  monte  Pascoal^  tão  celebre  na  historia  pátria  por  ser  seu  descobri- 
mento o  descobrimento  do  Brasil,  ao  avistal-o  Cabral  aos  22  de  abril 
de  1500. 


(b)  Cabo  d'  Santa  Maria  de  la  Consolation,  nome  que  lhe  deu  Pinzon,  ao  avis- 
tal-o em  25  de  janeiro  de  1500. 


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AO   RIO   DE   JANEIRO  403 

A'  meia-noite  avistámos  o  pharol  de  Cabo-Frio,  que  passámos  ás 
3  da  madrugada  do  dia  15. 

A's  5  da  manhã  enfrentámos  com  o  pico  de  João  de  Leão,  digno 
irmão  do  Pão  de  Assucar\  e  ás  6  horas  e  35  minutos  entravamos  na  for- 
mosissima  bahia  do  Gtianabara,  onde  fundeámos,  ás  7  em  ponto  :  tendo 
assim,  dado  volta  redonda  á  quasi  todo  o  Brasil  —  a  de  toda  a  terra  lion 
hitavel  a  região  mais  formosa  »  —  na  phrase  de  Southey,  o  illustrado  e 
circumspecto  historiador. 


FDI    DO   SEGUNDO   E   ULTIMO   VOLUME. 


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VIAGEM  AO  REDOR  DO  BRASIL 


índice 

Introducçôo 

Esboço  chorographico  da  província  de  Matto-Grosso 


CAPITULO  I.  —  Proemio.  Limites.  Área.  População.  O  araxà  e  as  terras 

baixas.  Altitude.  Hydrographia.  Divorsum  ctquarum.  Geognose.    .    .  9 

CAPITULO  II.  —  Potamographia.  Rios  que  descem  das  serras  dos  Parecis, 
Tapirapuam,  Azul  e  das  Divisões.  O  Tapajoz.  O  S.  Manoel.  O  Xingu. 
O  Araguaya.  O  Paraná.  O  Paraguay.  O  Guaporé.  O  Mamoré.  O  Madeira  ('•! 

CAPITULO  III.  —  Productos  da  provincia.  O  ouro  e  os  diamantes.  O  ferro 
e  o  cobre.  Os  calcareos  e  argillas.  Flora :  a  cana ;  a  poaya ;  madeiras  de 
lei  e  sua  devastação.  Matto-Grosso  na  exposição  de  Philadelphia.  As 
fazendas  de  criação.  Fair-mount-Park  e  o  Trocadero Hl 

CAPITULO  IV.  •— ( Jlimatographia.  Condições  hypsometricus  do  solo.  Diffe- 
rençtt  entre  o  clima  do  planalto  e  o  das  comarcas  baixas.  Paludismo. 
Nosographia.  O  emetismo  ou  mal  da  poaya.  Hygrometrismo  c  meteoro- 
logia.  Estudos  thermicos 109 

1«  PARTE 

Itinerário  da  corte  á  cidade  de  Matto-Çrosso 

CAPITULO  I.  -  Da  corte  ao  Apa 229 

CAPITULO  II.  —  Do  Apa  ao  forte  de  Coimbra '2ôò 

CAPITULO  III.  —  A  gruta  do  Inferno,  em  Coimbra l.»71 

CAPITULO  IV.  —  De  Coimbra  á  (Corumbá íW 

CAPITULO  V.  —  Itinerário  ás  lagoas.  Lagoa  de  Cáceres.  A  ilha  dos  Ore- 
jones.  Lagoas  Cipó  e  Mandioró.  A  lagoa  Men  ou  de  Juan  de  Ayolas. 
A  Gahyba :  o  lettreiro,  A  Uberaba :  o  canal  D.  Pedro  II  O  porto  de  Reis.  313 
CAPITULO  VI.  —  De  Corumbá  ao  Descai vado.  Do  Descalvado  á  Corixa 
Grande  do  Destacamento.  O  Retiro  do  Presidente.  Fazenda  do  Cambará. 
Os  cupins  e  as  formigas :  o  termes  luoiferus,  Bahia  de  Pedras.  A  Corixa 
Grande  do  Destacamento :  a  Loca.  Da  Corixa  á  Santa  Rita.  O  sitio 
Uauassà,  Os  chiquitano.s  e  seu  dialecto  Bugres.  Santa  Rita.  As  oirUoxs,         343 


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PAOS. 


CAPITULO  VII.— Regresso  á  Corumbá.  Volta  aos  trabalhos.  Palmas  Reaes. 
Pôtas.  O  monte  da  Boa- Vista.  O  morro  das  Mercês.  Os  dos  Quatro  Ir- 
mãos. Salinas.  Casalvasco.  O  rio  Alegre 375 


a.*  VO&ITMB 

2«  PARTE 

Vílla-Bella.  Cidade  de  Matto-Grosso 

CAPITULO  I.  —  Esboço  histórico  dos  começos  da  provincia.  Fundação  de 
Cuyabá.  O  matto-grosso  e  os  sertões  dos  Parecis.  Fundação  dos  arraiaes 
de  SanfAnna  e  S.  Francisco  Xavier 

CAPITULO  II.  —  Origens  da  cidade  de  Matto-Gi*osso.  Descobrimento  do 
Alto-Paraguay.  O  Pouso-Alegre.  Descobrimento  da  via  fluvial  para  Be- 
lém, no  Pará.  Novas  minas  de  ouro.Prelasia  de  Cuyabá.  Capitania  geral 
do  Cuyabá  e  Matto-Grosso.  D.  António  Rolim  de  Moura,  primeiro  capi- 
tão-general.  Pouso-Alegre  elevado  ao  foral  de  villa!  Suas  armas.  Casa 
Redonda  e  aldeia  de  S.  José.  Forte  da  Conceição.  Destacamento  das 
Pedras  Negras.  Aldeia  de  S.  Miguel  de  Lamego.    .........  *I5 

CAPITULO  III.  —  João  Pedro  da  Camará,  segundo  capitSo-general.  Tenta- 
tivas dos  hespanhoes.  As  minas  de  S.  Vicente.  Luiz  Pinto  de  Sousa 
Coutinho,  terceiro  capitão-general.  O  canal  do  Alegre  ao  Aguapehy. 
Depredações  dos  Índios.  Luiz  de  Albuquerque,  quarto  governador.  Re- 
gistros da  Insua  e  Jaurú.  Fortes  de  ()oimbra  e  do  Príncipe.  Viseu. 
Presídios  de  Albuquerque,  Mondego  e  Villa-Maria.  S.  Pedro  d*Elr-ei. 
Casalvasco.  João  de  Albuquerque,  quinto  capitão-general.  Aldeia  Car- 
lota. Junta  governativa.  Caetano  Pinto  e  Magessi,  sexto  e  sétimo  capi- 
tães-generacs.   Cuyabá,  capital.  Prelados.  Presidentes  da  provincia.  71 

CAPITULO  IV.  —  A  cidade  de  Matto-Grosso 101 

3*  PARTE 

Itinerário  da  cidade  de  Matto-Grosso  ao  Rio  de  Janeiro 

CAPITULO  I. —  Dificuldades  para  a  viagem.  Partida.  O  rio  Verde.   As 

Torres.  Os  garayos  e  seu  dialecto.  O  Mequenes.  .\  ilha  Comprida.    .    .  145 

CAPITULO  II.  *-  O  destacamento  das  Pedras  Negras.  Os  indios  palmellas. 
Seu  dialecto :  confrontação  com  outros.  Idioma,  booa  e  língua,  e  agua, 
em  vários  dialectos.  O  Baures.  O  Itonamas 187 

CAPITULO  III.  —  O  forte  do  Príncipe  da  Beira.  Alguns  vocábulos  dos  dia- 
lectos baures,  cayoábas  e  itonamas.  O  Mamoré.  A  estrada  de  ferro  do 
Mamoré  ao  Madeira 215 

CAPITULO  IV.  -  As  caohodií-as 2õ9 


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PAQ8 

CAPITULO  y.  ~  De  Santo  António  á  Manaos.  A  Amasonia.  O  Amasonas.  811 
CAPITULO  VI.  —  As  províncias  do  Amasonas  e  Pará.  De  Manaos  á  fielem. 

De  Belém  á  corte ÍJ59 

Conclusão 40Q 


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T7P.  e  Lilli.  íe  Píilieiro  &  C,  Rua  Sete  de  SetemíTO  i57 


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